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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
PRISCILA MOSSATO RODRIGUES BARBOSA
REPRESENTAÇÕES DE CRIAAS SOBRE A RELAÇÃO AFETIVA COM SEUS
PROFESSORES: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO DESEJO
DE APRENDER
CURITIBA
2009
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PRISCILA MOSSATO RODRIGUES BARBOSA
REPRESENTAÇÕES DE CRIAAS SOBRE A RELAÇÃO AFETIVA COM SEUS
PROFESSORES: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO DESEJO
DE APRENDER
Dissertação apresentada como requisito
parcial à obtenção do grau de Mestre na
Linha de pesquisa Cognição,
Aprendizagem e Desenvolvimento
Humano do Programa de Pós-
Graduação em Educação, Setor de
Educação, Universidade Federal do
Paraná.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª HELGA LOOS
CURITIBA
2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SISTEMA DE BIBLIOTECAS
COORDENAÇÃO DE PROCESSOS TÉCNICOS
Barbosa, Priscila Mossato Rodrigues
Representações de crianças sobre a relação afetiva com seus professores :
uma contribuição para a compreensão do desejo de aprender / Priscila
Mossato Rodrigues Barbosa. – Curitiba, 2009.
218f. : il.
Inclui bibliografia
Orientadora: Profª Drª Helga Loos
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Paraná, Setor de
Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação.
1. Professores e alunos. I. Loos, Helga. II. Universidade Federal do Paraná.
Setor de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. III. Título.
CDD 371.1023
Andrea Carolina Grohs CRB 9/1.384
Este trabalho é dedicado à Neuza, minha primeira professora e também a
melhor professora que conheci, e à Serena, que está transformando minha vida e
com quem, sem dúvida, aprenderei muito.
AGRADECIMENTOS
Ao Alípio por acreditar tanto em mim, pelo incentivo e carinho que
caracterizam nossa grande parceria.
Aos meus pais que sempre estiveram nos “bastidores” me dando o amor e o
amparo necessários para que eu realizasse meus sonhos.
Às colegas da clínica pela compreensão e pela torcida, especialmente à
colega e amiga Carmen Lúcia de Angelotti Bastos de Mello, por me incentivar em
cada etapa deste percurso e estar tão presente, mesmo morando tão longe, no
Maranhão.
Aos colegas da Poiesis pelo respeito e compreensão com as ausências que
se fizeram necessárias durante o tempo de conclusão deste trabalho, especialmente
à Susan Regina Raittz Cavallet por todas as trocas, contribuições, pelo
desprendimento, por sua disponibilidade e ajuda.
À Anne Cristine Rodrigues por sua amizade praticamente incondicional, de
tantos anos, seu companheirismo, disponibilidade e ajuda.
À Drª Helga Loos por me aceitar como orientanda e acreditar no potencial
deste trabalho. Por realmente suportar as diferenças, sendo tão respeitosa. E por me
ajudar a me expressar melhor de forma escrita.
À Drª Helena Maria Sampaio Bicalho, um dos grandes nomes da psicanálise
no Brasil, que gentilmente aceitou o convite de participar deste trabalho, cuja
acessibilidade, simpatia e delicadeza só fazem aumentar minha admiração.
À Drª Tamara da Silveira Valente pela leitura cuidadosa e dedicada deste
trabalho de pesquisa.
E, finalmente, agradeço às crianças que participaram da pesquisa e
viabilizaram, portanto, este estudo.
“...se ele [o professor] não gosta do aluno, não ensina direito; se gosta,
o aluno aprende por causa do afeto”.
(Depoimento de uma criança participante da pesquisa)
RESUMO
A subjetividade e os afetos da relação professor-aluno se manifestam nos desejos de
ensinar e de aprender. É através também do fenômeno da transferência, segundo a
abordagem psicanalítica, que tais desejos se sustentam, contribuindo para efetivar
os processos de aprendizagem. Assim, este estudo pretendeu abordar as
representações construídas por doze crianças da quarta série do Ensino
Fundamental (idade média de 10 anos), de uma escola da rede municipal de Curitiba
(Pr/Brasil), sobre a relação afetiva com seus professores, e também sobre como
percebem as implicações destes aspectos afetivos em sua aprendizagem. A coleta
de dados se caracterizou pela interação direta com os participantes por meio verbal,
associado à representação gráfica (desenhos). Para tanto foram utilizados três
instrumentos: (1) desenhos com histórias, sendo que cada participante confeccionou
quatro desenhos envolvendo a si mesmo, sua professora e sua sala de aula, criando
histórias para seus desenhos; (2) histórias para completar, tendo sido apresentadas
sete pequenos inícios de histórias, versando sobre o tema em estudo, que foram
completados livremente pelas crianças; e (3) entrevista, com nove perguntas,
também sobre o tema do estudo. Os dados foram tratados de forma qualitativa,
basicamente por meio de análises de conteúdo, buscando-se identificar significantes
e representações predominantes nos discursos das crianças. Cinco principais
categorias de representações relativas à relação com o professor foram detectadas:
(1) atenção, conversa e ajuda; (2) afeto, carinho e estima; (3) momentos divertidos e
de proximidade; (4) desejo de aprender; e (5) desejo de ensinar, investimento por
parte da professora, indicações de que ela se importa com os alunos. Apresentou-se
um diagrama no qual se pode visualizar a freqüência em que tais categorias
apareceram ao longo da coleta de dados. Foram realizados, também, estudos
individualizados com cada um dos doze participantes, buscando-se demonstrar
como cada criança, em seu percurso particular com os instrumentos de pesquisa,
manifestou suas representações no que diz respeito à articulação entre afeto e
aprendizagem. O que se pode concluir, a partir deste estudo, é que as crianças
constroem representações sobre esse processo, manifestado na relação afetiva
entre elas e seus professores. E o desejo de ensinar do professor, somado à sua
capacidade afetiva de reconhecer seu aluno como sujeito único, suportando as
transferências, sustenta o desejo de aprender do aluno, possibilitando os processos
de aprendizagem.
Palavras-chave: representações, afetividade, relação professor-aluno,
transferência, desejo de aprender, desejo de ensinar.
ABSTRACT
The subjectivity and the emotional aspects of the relation between teacher and
student become apparent with the desires of teaching and learning. And, according to
psychoanalysis, it is the phenomenon of transference that sustains such desires,
contributing to the learning process. As such, this study analyzed representations
created by twelve fourth grade children (ca. 10 years old) of a public school in
Curitiba (Pr/Brazil). These representations projected their affective relation with their
teachers, as well as their perception of how these relations influenced their learning
process. The data collection was done by direct interaction with the participants, with
talking associated to graphical representations (drawings). To accomplish such
purpose, three instruments were used: (1) drawings with stories, for which each
participant created four drawings involving themselves, their teacher and their
classroom; (2) stories to be finished, by showing the children seven small incomplete
stories about the studied theme, to be finished; and (3) interview, with nine questions,
also about the studied theme. The data were analyzed qualitatively, mainly by content
analyses, focusing on the identification of significances and predominant
representations in the children’s input. Five main representation categories about the
relation with the teacher were detected: (1) attention, talk and help; (2) affect and
esteem; (3) fun moments and proximity; (4) desire of learning; and (5) desire of
teaching, an indication that the teacher cares about the students. It is presented a
diagram to picture the frequency of appearance of such categories along the data
collection process. It was also made case studies with each of the twelve participants,
attempting to show how each child, in their own particular path with the study,
manifested their representations about the relation between affect and the learning
process. Based on this study, the conclusion is that children build representations
about this process, manifested in the affective relation between them and their
teachers. And the teachers’ desire to teach, combined with their capacity of
recognizing each students as unique, sustains the students’ desire to learn,
enhancing the learning process.
Keywords: representations, affectivity, teacher-student relation,
transference, desire of learning, desire of teaching.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 01 Representação da constituição do ser humano para além do
biológico..................................................................................................................... 49
Quadro 02 Representação do desejo de saber relacionado ao desejo de
aprender..................................................................................................................... 72
Quadro 03 – Quadro explicativo dos objetivos das Histórias para Completar........... 90
Quadro 04 - Quadro explicativo dos objetivos das questões da entrevista............... 92
Gráfico 01 – Freqüência geral de categorias........................................................... 100
Gráfico 02 – Freqüência de categorias por instrumentos........................................ 103
Figura 01 – Primeira representação da sala de aula, feita por Gustavo.................. 132
Figura 02 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Gustavo...................................................................................................... 133
Figura 03 – Segunda representação da sala de aula, feita por Gustavo................ 134
Figura 04 – Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Gustavo..................................................................................................... 135
Figura 05 – Primeira representação da sala de aula, feita por Thaís...................... 138
Figura 06 – Segunda representação da sala de aula, feita por Thaís..................... 139
Figura 07 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Thaís.......................................................................................................... 140
Figura 08 - Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Thaís.......................................................................................................... 141
Figura 09 – Primeira representação da sala de aula, feita por Fernando................ 143
Figura 10 – Segunda representação da sala de aula, feita por Fernando.............. 144
Figura 11 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Fernando................................................................................................... 144
Figura 12 - Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Fernando................................................................................................... 145
Figura 13 – Primeira representação da sala de aula, feita por Marina.................... 148
Figura 14 – Segunda representação da sala de aula, feita por Marina................... 149
Figura 15 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Marina........................................................................................................ 150
Figura 16 - Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Marina........................................................................................................ 151
Figura 17 – Primeira representação da sala de aula, feita por Lucas..................... 152
Figura 18 – Segunda representação da sala de aula, feita por Lucas.................... 153
Figura 19 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Lucas......................................................................................................... 154
Figura 20 - Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Lucas......................................................................................................... 155
Figura 21 – Primeira representação da sala de aula, feita por Vanessa................ 156
Figura 22 – Segunda representação da sala de aula, feita por Vanessa............... 157
Figura 23 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Vanessa..................................................................................................... 158
Figura 24 - Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Vanessa..................................................................................................... 158
Figura 25– Primeira representação da sala de aula, feita por Hélio........................ 160
Figura 26 – Segunda representação da sala de aula, feita por Hélio...................... 161
Figura 27 - Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Hélio........................................................................................................... 162
Figura 28 - Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Hélio........................................................................................................... 163
Figura 29 – Primeira representação da sala de aula, feita por Viviane................... 164
Figura 30 – Segunda representação da sala de aula, feita por Viviane.................. 165
Figura 31 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Viviane....................................................................................................... 166
Figura 32 - Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Viviane....................................................................................................... 166
Figura 33 – Primeira representação da sala de aula, feita por Daniel..................... 168
Figura 34 – Segunda representação da sala de aula, feita por Daniel................... 168
Figura 35 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Daniel......................................................................................................... 169
Figura 36 - Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Daniel......................................................................................................... 170
Figura 37 – Primeira representação da sala de aula, feita por Helena.................... 172
Figura 38 – Segunda representação da sala de aula, feita por Helena.................. 173
Figura 39 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Helena........................................................................................................ 173
Figura 40 - Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Helena........................................................................................................ 174
Figura 41 – Primeira representação da sala de aula, feita por Juliano.................... 176
Figura 42 – Segunda representação da sala de aula, feita por Juliano.................. 177
Figura 43 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Juliano........................................................................................................ 178
Figura 44 - Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Juliano........................................................................................................ 179
Figura 45 – Primeira representação da sala de aula, feita por Naira...................... 181
Figura 46 – Segunda representação da sala de aula, feita por Naira..................... 182
Figura 47 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Naira.......................................................................................................... 182
Figura 48 - Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Naira.......................................................................................................... 183
Quadro 05 Quadro representativo dos processos de aprendizagem do ponto de
vista afetivo............................................................................................................. 196
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO....................................................................................... 11
PARTE I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA................................................ 14
1. REPRESENTAÇÃO................................................................................. 14
1.1. Representações sobre a criança .......................................................... 14
1.2. Representação social, psicanálise e educação.................................... 21
1.3. Afetividade e linguagem; representação e afeto .................................. 30
1.4. Desenho como representação infantil................................................... 37
2. COMO O SUJEITO SE RELACIONA COM O OUTRO........................... 47
2.1. A constituição do ser humano para além do biológico ......................... 47
2.2. A transferência e a relação professor-aluno......................................... 50
3. DESEJO E SABER ................................................................................. 64
3.1. Desejo de aprender .............................................................................. 72
3.2. Desejo de ensinar ................................................................................ 77
PARTE II – MÉTODO ................................................................................. 84
1. JUSTIFICATIVA E DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA .............................. 84
2. PRESSUPOSTOS .................................................................................. 85
3. OBJETIVOS ............................................................................................ 86
2.1. Objetivo geral........................................................................................ 86
2.2. Objetivos específicos ........................................................................... 86
4. PARTICIPANTES DO ESTUDO.............................................................. 86
5. MÉTODO PARA A COLETA DOS DADOS ............................................ 87
5.1. Desenhos com histórias ....................................................................... 87
5.2. Histórias para completar ...................................................................... 89
5.3. Entrevista com perguntas semi-estruturadas ....................................... 91
6. PROCEDIMENTOS................................................................................. 93
6.1. Estudo-piloto......................................................................................... 93
6.2. Estudo propriamente dito...................................................................... 95
PARTE III – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ................... 97
1. ANÁLISE FREQUENCIAL POR CATEGORIAS..................................... 99
2. ANÁLISE QUALITATIVA DAS CATEGORIAS..................................... 105
3. ANÁLISES INDIVIDUAIS...................................................................... 131
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS........................................................... 185
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 198
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... 202
ANEXOS ................................................................................................... 211
ANEXO A Carta de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Setor
de Ciências e da Saúde............................................................................. 211
ANEXO B – Termo de Consentimento Informado, Livre e Esclarecido..... 212
ANEXO C – Roteiro das Histórias para completar e da Entrevista............ 216
11
APRESENTAÇÃO
Parece haver um consenso quanto à importância da educação enquanto
função social e não há dúvidas de que muito se produz nesta área. Uma das
grandes motivações para esse estudo passa pela minha própria história. Poderia,
ainda, inferir que na nossa cultura a maioria de nós tem em sua história a vivência
escolar e nela a marca das relações com seus professores.
Como filha de uma professora testemunhei, desde sempre, o envolvimento
afetivo que era representado nos relatos cotidianos de minha mãe sobre seu
trabalho. Tanta paixão não poderia deixar de contagiar-me e enlaçar-me no que
conhecemos como identificação. Muito cedo, ainda na adolescência, tornei-me
também uma professora. Consciente da minha imaturidade e falta de “experiência de
vida”, por vezes angustiada com as dificuldades, com o quê da minha subjetividade
que se impunha à minha didática, algo muito especial e difícil de nomear acontecia e
ancorava meu desejo de ensinar. Foram onze anos de magistério com crianças, até
que alguns anos depois de formada em psicologia eu passasse a assumir
integralmente o trabalho com a psicanálise em consultório e com a transmissão em
psicanálise.
Durante a formação em psicanálise, além do meu trabalho de análise
pessoal, tive como maior referência, instituída pelo que chamamos de transferência,
uma das minhas professoras da graduação com quem pude usufruir de alguma
proximidade durante pelo menos os meus primeiros oito anos de prática clínica. Essa
professora ocupou um lugar especial no qual foi possível atribuir, supor um saber
desejável o qual pôde sustentar, nesta relação, certo investimento por vezes
representado de forma afetiva e exigente o suficiente para que eu exercesse meu
desejo de aprender. Tê-la como modelo de identificação foi tão importante quanto tê-
la como possibilidade para o exercício da alteridade, de forma que me fosse possível
separar e apropriar-me da minha própria experiência como analista, do meu estilo e
da construção do meu próprio saber.
12
Portanto, posso dizer neste momento que este trabalho de pesquisa é,
também, mobilizado pelo desejo de significar certo percurso de experiências. Refiro-
me pessoalmente às experiências como filha, como aluna, como professora e como
psicóloga clínica, que me marcaram como sujeito desejante, por ter sido investida
inicialmente pelo desejo de alguém, pude tornar-me capaz de investir no meu desejo
e no meu trabalho para que meus alunos aprendessem e, na clínica, para que meus
pacientes se apropriem do seu lugar de sujeito do seu próprio desejo. Refiro-me
também à possibilidade de significar com palavras as experiências cotidianas de
várias crianças com seus professores, experiências essas em que algo se registra
em um campo além dos conteúdos ou das didáticas e que contribuem para que os
processos de aprendizagem se dêem.
Minha proposta, neste trabalho de pesquisa, se configura a partir da idéia de
que haja a possibilidade de contribuição para que se compreenda um pouco mais
sobre os laços inter-relacionais que se estabelecem entre os alunos e seus
professores no processo pedagógico, os quais funcionam na mediação do
conhecimento, marcados pela subjetividade e pelo desejo de cada um dos sujeitos.
O enfoque dado é a partir dos pressupostos de que o professor, ocupando a
função de um adulto que ensina, exerce uma profissão relacional, portanto,
carregada de afetos e que as crianças, sendo seres de linguagem que constroem
representações sobre o seu entorno, podem ser escutadas, ocupando um lugar de
sujeito que pode dizer algo sobre o que vivencia.
O problema de pesquisa pode ser entendido como: Quais as representações
que as crianças constroem sobre aspectos afetivos da relação com seu professor
nos seus processos de aprendizagem?
Quanto à fundamentação teórica, no primeiro capítulo parti do tema das
representações. Primeiramente foi feito um levantamento de algumas
representações na cultura sobre a criança para contextualizar seu lugar, com ênfase
na maneira como se lida com o que ela pensa. Seguido de uma introdução à teoria
das representações sociais, um diálogo entre ela e a psicanálise, para, então,
abordar as representações na linguagem, em sua relação com os afetos e,
finalmente, o desenho como forma de representação infantil. Tal seqüência foi
escolhida como forma de fazer um encadeamento com o capítulo seguinte, em que
se pretende situar as questões sobre como o sujeito se relaciona com o outro, cujo
objetivo é articular os conceitos psicanalíticos de transferência com conceitos
13
pedagógicos sobre a relação professor-aluno que, naturalmente, remetem aos
conceitos de desejo e de saber, os quais são os temas do terceiro capítulo. Este é
composto também por idéias fundamentais ao trabalho da presente pesquisa, pois
tratam especificamente do desejo de aprender e de ensinar.
Os autores que de alguma forma dialogaram nesse trabalho, têm em comum
a postura de serem estudiosos que tentaram entender a criança a partir dela mesma,
sem repetirem o erro de falar apenas sobre as crianças, sem falarem com elas.
Cabe mencionar que a postura teórica assumida neste trabalho é marcada
pela leitura de variadas contribuições à temática abordada, buscando criar diálogos e
também o respeito às diferenças. Tais referenciais teóricos são tomados em suas
particularidades como possibilidades de se compreender os fenômenos.
(1998) enfatiza que se nosso problema de pesquisa tiver dado origem a
objetivos que se orientem em duas ou mais direções, pode-se combinar as
perspectivas teóricas que lhes correspondem e empregar os métodos que lhes
sejam mais apropriados. Não se trata de um ecletismo teórico, mas de uma tentativa
de articulação entre abordagens que se distinguem entre si, mas são, em alguns
aspectos, compatíveis.
A justificativa, delimitação do problema, bem como os pressupostos,
objetivo geral e os específicos e, ainda, as considerações sobre os participantes do
estudo constituem a segunda parte do presente trabalho, juntamente com os
instrumentos escolhidos na composição do método, que foram primeiramente
avaliados no estudo piloto.
No trabalho empírico, portanto, o desafio foi promover que as crianças
selecionadas como sujeitos da pesquisa falassem de forma a ser possível levantar
suas representações sobre a relação afetiva com seus professores e, finalmente,
através da análise e discussão de tais dados, buscou-se responder ao problema de
pesquisa.
14
PARTE I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1. REPRESENTAÇÃO
1. 1. Representações sobre a criança
Fala-se muito dela, mas não se fala com ela. (DOLTO, 2005, p.135)
A proposta deste tópico é a de levantar algumas representações na cultura
sobre a criança para contextualizar seu lugar, com ênfase na maneira que se lida
com o que ela pensa, enfocando também a questão das pesquisas sobre a criança.
Inicia-se com uma visão antropológica, representada neste trabalho pela
antropóloga paulistana Clarice Cohn (2005), que afirma: “Precisamos nos fazer
capazes de entender a criança e seu mundo a partir do seu próprio ponto de vista”
(COHN, 2005, p. 8). Esta afirmação é baseada no questionamento que a autora faz a
respeito da complexidade das questões que cercam o entendimento sobre as
crianças e de uma tendência reducionista de tomar tais questões como “se tudo
fosse sabido” (COHN, 2005, p.7), pois, afinal, todos fomos crianças um dia.
A questão do olhar distorcido que é possível de se ter sobre a criança é
abordada pela psicanalista Mrech (2003) ao citar Merleau-Ponty
1
(1990), que
assinala que a imagem que o adulto faz da criança e a imagem que o professor faz
do aluno, por exemplo, pode revelar uma percepção fundamentada em uma relação
especular, isto é, na forma como o professor viu a si mesmo através do aluno. Ele
reporta-se ao fenômeno de dois espelhos colocados indefinidamente um diante do
outro, afirmando que a criança é o que acreditamos que ela seja. Como fenômeno
humano, estamos sempre ligados pelo fato de que o outro é, em relação a nós, o
que somos em relação a ele.
1
MERLEAU-PONTY, M. Merleau-Ponty na Sorbonne – Resumo de cursos de filosofia da linguagem.
Campinas: Papirus, 1990.
15
A autora continua chamando a atenção em relação aos estereótipos criados
que, por definição, são crenças rígidas e excessivamente simplificadas que
participam dos processos de alienação no saber, pois impedem de conhecer além
deles.
A história ajuda-nos a compreender o fenômeno especular que
ocorre entre adulto e criança: ambos se refletem como dois espelhos
indefinidamente fronteiros. A criança é o que nós acreditamos que
ela é, reflexo do que queremos que ela seja. (...) Pela história e pela
etnografia, entendemos a pressão que fazemos pesar sobre a
criança. (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 85).
Merleau-Ponty (2006) aponta que talvez a origem da atitude possessiva do
adulto em relação à criança, se pelo estado passageiro em que não é possível
para criança nenhuma autonomia, pois ao nascer está completamente desprovida de
qualquer poder.
Cohn (2005) ressalta que, ao contrário da visão de que as crianças são
seres incompletos, treinando para a vida adulta, encenando papéis sociais enquanto
são socializados ou adquirindo competências e formando sua personalidade social,
elas têm um papel ativo na definição de sua própria condição. Como seres sociais
plenos, ganham legitimidade como sujeitos nos estudos que são feitos sobre elas.
Aponta, ainda, que essa mudança de olhar afeta os estudos antropológicos em três
aspectos: a criança como ator social, a criança como produtor de cultura, e a
definição da condição social da criança.
A criança atuante não é apenas alocada em um sistema de relações que é
anterior a ela, lhe cabendo a sua reprodução eterna, mas atua para o
estabelecimento e a efetivação de algumas das relações sociais, dentre aquelas que
o sistema lhe abre e possibilita (COHN, 2005).
Quando a cultura passa a ser entendida como um sistema simbólico,
a idéia de que as crianças vão incorporando-a gradativamente ao
aprender “coisas” pode ser revista. A questão deixa de ser apenas
como e quando a cultura é transmitida em seus artefatos (sejam eles
objetos, relatos ou crenças), mas como a criança formula um sentido
ao mundo que a rodeia. Portanto, a diferença entre as crianças e os
adultos não é quantitativa, mas qualitativa; a criança não sabe
menos, sabe outra coisa. Isso não quer dizer que a antropologia da
criança recente se confunda com análises do desenvolvimento
cognitivo; ao contrário, dialoga com elas. A questão, para a
antropologia, não é saber em que condição cognitiva a criança
16
elabora sentidos e significados e sim a partir de que sistema
simbólico o faz. (COHN, 2005, p. 33-34).
Ou seja, constatar que existe diferença qualitativa entre os significados
elaborados pelas crianças e os adultos não é o mesmo que constatar que, por isso,
são menos elaborados, errôneos ou parciais.
Cohn (2005) cita pesquisas da antropóloga britânica Christine Toren
2
(1993)
que, sendo psicóloga de formação, utiliza, além de métodos antropológicos,
instrumentos da psicologia, como a confecção de desenhos. Considera que estudos
desse tipo mostram que as crianças não são apenas produzidas pelas culturas, mas
também são produtoras de cultura. Uma vez que elaboram sentidos para o mundo e
suas experiências de maneira particular, não se confundem e nem podem ser
reduzidos àqueles elaborados pelos adultos. As crianças têm uma relativa autonomia
cultural em relação ao adulto. Isso quer dizer que os sentidos que as crianças
elaboram partem de um sistema simbólico compartilhado com os adultos, mas sob a
particularidade da experiência infantil.
É importante deixar claro que a idéia de que a criança é também produtora
de cultura deve pressupor comunicabilidade entre crianças e adultos, e não uma
cisão entre seus mundos.
A escola, portanto, também deve ser abordada em uma pesquisa
antropológica tendo a criança como um ator social importante e
relevante. Afinal, e pelo que vimos até agora, as crianças não
apenas se submetem ao ensino, mesmo em suas faces mais
disciplinadoras e normatizadoras, como criam constantemente
sentidos e atuam sobre o que vivenciam. Desse modo, análises do
que as crianças fazem e pensam que estão fazendo, do sentido que
elaboram sobre a escola, das atividades que nela desenvolvem, das
relações que estabelecem com colegas, professores e outros
profissionais do ensino e da aprendizagem podem ser muito
enriquecedoras para melhor compreender as escolas e as
pedagogias. (COHN, 2005, p. 41-42).
Nesse sentido, para Cohn (2005) o reconhecimento da criança como sujeito
social ativo e atuante, como produtor mais do que como receptor de cultura,
representa ganhos nas ciências e, ainda, aponta para a questão da
2
TOREN, C. Making History: the significance of Childhood Cognition for comparative Antropology of
mind. In: Man 28, 1993, p. 461-478
17
interdisciplinaridade nas pesquisas, sugerindo um interessante diálogo entre a
antropologia da criança e a educação. A autora argumenta:
[...] se cada cultura pensa o desenvolvimento da criança a partir de
seus próprios termos, isso não quer dizer que a criança se
desenvolva diferentemente, mais ou menos, mais rapidamente ou
com maior vagar a depender de onde cresce. Por outro lado, se
universalizarmos demais, tornamo-nos incapazes de perceber as
especificidades dadas pelos contextos socioculturais. É como se
coubesse à psicologia estabelecer se os modelos de Piaget ou
Vygotski valem para além da Europa de seu tempo, e aos
antropólogos, dado o pressuposto da unidade humana, identificar os
modos de elaboração cultural e historicizada dessas capacidades e
competências. (COHN, 2005, p.42).
Cohn (2005) lembra ser necessário, desde o início das pesquisas,
considerar e tratar a criança como sujeito social pleno, e não apenas nas análises de
dados. Para que o reconhecimento da criança, como um sujeito ativo e produtor de
sentido sobre o mundo, não seja apenas um postulado, cujo significado é esvaziado.
É necessária uma superação do que a autora nomeia como o “nó” das relações, que
é a incapacidade de se comunicar com as crianças, vendo-as verdadeiramente como
sujeitos.
Em seu percurso de produções, percebe-se que as teorias interacionistas
estudadas pela Psicologia, entre as quais a walloniana, também valorizaram o
desenvolvimento da criança como um campo necessário de investigações para o
conhecimento dos processos de desenvolvimento psíquico do adulto da espécie
humana. A postura em suas investigações foi, também, a de entrevistar as crianças,
buscando escutá-las e compreendê-las como sujeitos. Mahoney (2000), ao se referir
às idéias de Wallon, destaca que a criança interage com seu meio em uma relação
natural e vital para seu desenvolvimento.
Delval (2002) também sustenta que não se deve “partir do pressuposto de
que as crianças pensam da mesma maneira que os adultos e que simplesmente lhes
falta algo, mas de que é preciso tentar encontrar um sentido próprio no que dizem e
fazem” (DELVAL, 2002, p. 34).
Considera-se, então, que a criança é um sujeito singular e que, ao escutá-la,
é possível perceber sua concepção de mundo, que é geralmente implícita, da qual
ela própria pode não ter consciência, mas é dela que se vale para construir suas
explicações. Delval (2002) alerta que, para escutá-la, é necessário que o adulto abra
18
mão de sua própria forma de pensar, para então introduzir-se na forma de pensar
dela. Para isso, o se pode atribuir aos termos que escuta o mesmo sentido que
têm para si próprio, mas deve buscar esclarecer qual é o sentido desses termos
dentro da estrutura mental do sujeito/criança.
Piaget estuda a criança que tem diante dele como um sujeito único,
um sujeito que é uma unidade, que tem uma coerência interna,
porém não se centra no peculiar desse sujeito, e sim no universal,
nessa criança como sujeito epistêmico, um sujeito que produz
conhecimentos. (DELVAL, 2002, p.70).
Piaget também toma, em seu trabalho, “a criança como representante e o
próprio futuro da humanidade” (MACEDO, 2005, p.8).
Piaget propôs um elo entre nossas referências (a criança e o adulto)
de um modo diferente do que é praticado, por exemplo, nas escolas
e na família. Nestas instituições, a criança é um aluno, um filho. Na
proposta de Piaget, aluno e filho são sempre vistos na perspectiva
da criança que sempre foram, mas que nem sempre sabemos
respeitar, observar ou compreender. (MACEDO, 2005, p.8).
Ao construir sua vasta teoria, Piaget dedicou-se a buscar na criança
respostas sobre a própria criança; ela é, portanto, ativa e não um objeto passivo de
pesquisa. Outra característica piagetiana, que também demonstra um respeito à
criança como sujeito, é sua descoberta sobre os processos internos de
desenvolvimento da inteligência e de construção do conhecimento sobre a
aprendizagem, valorizando o percurso criativo de “aprender a aprender” como mais
fundamental do que a questão do conteúdo em si.
Vygotsky também privilegia o estudo da infância, considerando o sujeito
sócio-histórico. Quanto à prática pedagógica, acredita que deve ser como um espaço
de palavra, em que as crianças, ao falarem e acompanharem a circulação do
discurso, obtêm um efeito de significação. Nota-se que tal teoria soma-se àquelas
que tomam a criança como sujeito ativo em sua história e em sua produção de
saberes (PINO, 2000).
A abordagem psicanatica de Freud (1913), por sua vez, também assinala a
importância de se conhecer a mente das crianças, pois, segundo ele, somente quem
a conhecer será capaz de educá-las. Sua hipótese é a de que as pessoas adultas
não as entendem porque não entendem mais sua própria infância.
19
Na mesma linha de pensamento, Levin (2001) afirma que quem trabalha
com crianças, quer seja educador ou analista, teria de ser capaz de arriscar-se a ir
além de seus próprios modelos e clichês para compreender a infância. Interessante
ainda é sua colocação de que no âmbito clínico ou educativo não existem analistas
ou professores ideais: “se o que se deseja é situar a teoria ou a prática como ideais,
a criança cuida de desmenti-las em suas produções cênicas, pois ela aponta na sua
essência para a desarmonia constitutiva de seu desenvolvimento” (LEVIN, 2001,
p.17).
Mrech (2003) levanta a questão de que é necessário resgatar a criança
através de sua própria fala. Isso porque a criança, geralmente, se encontra
“misturada“ às concepções que pais, professores e especialistas têm dela. Quando é
passada a palavra à criança, os adultos muitas vezes a tomam como um discurso
incompleto, como se as crianças não soubessem se explicar muito bem, como se lhe
faltassem palavras e argumentos, dando a elas, assim, um lugar de ‘não saber’ e
tentam deduzir como ela pensa e age a partir deles mesmos. ”Quando o professor
ou os pais tentam capturá-la a partir das suas próprias representações, o que fazem
é perdê-la, irremediavelmente, para uma máscara que eles compuseram acreditando
que fosse ela” (MRECH, 2003, p.111-112). Nesse sentido, a psicanálise supõe que a
criança pode dizer quem ela é e como ela pensa, sente, percebe o mundo à sua
volta, e alerta para o risco de se reduzi-la ao enfoque teórico em que ela é descrita
na psicologia do desenvolvimento.
Esta autora lembra que a criança internaliza a palavra dos adultos que
convivem com ela e acaba por acreditar na imagem que estes fazem dela. Assim,
acaba por se tornar como os adultos, que costumam acreditar que a sua imagem
acerca da criança é a própria criança. A autora relata ser bastante comum os
professores confundirem as imagens que as teorias psicológicas e pedagógicas
trazem como sendo a criança. Acreditando que basta ter um bom conhecimento
teórico para saber como a criança é, pensa e age, confundem as imagens de
desenvolvimento infantil advindas das teorias com as próprias crianças. Exemplifica:
“Esta criança é pré-silábica!”; “Ela está na etapa das operações concretas.”
Confundem, portanto, a imagem da criança universal trazida pelas teorias com a
criança particular.
Françoise Dolto (2005), em sua obra intitulada A causa das crianças”, faz
uma trajetória a partir de um balanço histórico e traça uma nova abordagem da
20
infância. Busca modificar a atitude dos adultos em relação às crianças e dialogar
com cada uma delas. No campo da psicanálise, esta autora se destacou por seu
inigualável talento e capacidade de escutar as crianças, tornando-se uma das
maiores referências no que diz respeito ao trabalho com esta faixa etária:
[...] Não é realmente em sua escuta, mesmo que tenha confiança
nela, que Françoise Dolto acredita, mas na palavra do outro: ela
acredita nisso, na ‘palavra de honra’, ‘dura como ferro’ e como
ninguém. Mais do que qualquer outro, ela usa esse princípio [...] ela
acredita no que lhe é dito, se é que se pode dizer, toma boa nota:
sua contribuição teórica é uma tentativa de conceitualizar dados
clínicos coletados na prática. (HALMOS, 1989, p.76).
O principal fundamento de Dolto (1990) é o de que é necessário tratar as
crianças como seres de linguagem, ou seja, supondo ali um sujeito que é capaz de
se expressar e entender tudo o que lhe concerne. “Tudo o que busco”, dizia ela, “é
fazer os pais refletirem sobre o fato de que o sofrimento maior do ser humano é não
se comunicar com os outros”. E continua: “O que os pais, os adultos, não sabem, é
que desde o nascimento um homenzinho é um ser de linguagem, e que muitas de
suas dificuldades, quando lhe são explicadas, encontram solução no decorrer de seu
desenvolvimento” (DOLTO, 1990, capa). Sua teoria é baseada na idéia de que é
necessário falar à criança sobre tudo e de maneira franca, supondo que ela entende,
para que tenha possibilidade de acessar seus recursos simbólicos e construir suas
próprias idéias. Para Dolto essa é sua maior causa: lutar para que a criança não seja
subestimada em sua capacidade de lidar com as verdades e que seja, portanto,
respeitada como sujeito.
21
1. 2. Representação social, psicanálise e educação
A teoria das representações sociais teve sua origem na Europa, com a
publicação feita por Moscovici, em 1961, de seu estudo La Psychanalyse: Son image
et son public (1961) - cuja tradução chegou ao Brasil somente em 1978. Abordou o
fenômeno da socialização da psicanálise através da apropriação dessa nova
concepção por diferentes grupos de parisienses, observando o processo de sua
transformação para servir a outros usos e funções sociais.
Dessa forma, credita-se a Moscovici a inauguração de um campo de estudo
interdisciplinar, que vem se consolidando dentro da perspectiva da psicologia social,
com o objetivo de apontar uma nova concepção para a Psicologia e para as ciências
humanas em geral. Nesse sentido, as representações sociais são um meio pelo qual
a subjetividade pode ser pensada em todas as disciplinas sociais, pois é uma forma
de compreender e dar significado à realidade da vida cotidiana, ao mesmo tempo em
que constrói esta realidade.
Ou seja, para Moscovici (1978, p. 41), as representações sociais “circulam e
se cristalizam incessantemente através de uma fala, de um gesto, um encontro, em
nosso universo cotidiano, [impregnando] as relações sociais estabelecidas, os
objetos produzidos ou consumidos, as comunicações trocadas”.
Embora a proposta de Moscovicci tenha se apoiado nos estudos realizados
pelos fundadores das ciências sociais na França e se inspirado no conceito de
representações coletivas de Durkheim, de 1898, julgou mais adequado estudar o
que chamou de representações sociais, pois as representações coletivas não
combinavam com a atualidade de um tempo muito curto, corrido, em que existia
pouco espaço para tradições estáveis, como era no passado (MOURA, 2004).
Segundo relata (1995), o conceito de representações coletivas,
concebido por Durkheim, distingue as representações coletivas das individuais, como
sendo produções sociais que se impunham aos indivíduos como forças exteriores e
tinham o papel de coesão em diversos aspectos da vida em sociedade.
As “representações coletivas” traduziriam, portanto, estados de coletividade
e estariam na base de toda a operação intelectual. Ao estabelecer que o
pensamento conceitual é contemporâneo à humanidade, Durkheim (1989) revelou
como o simbolismo não é parte constitutiva da vida social, como é sua condição
22
essencial, uma vez que a comunicação, a agregação e a vida social seriam
impossíveis sem as representações coletivas, e o pensamento lógico sem as
categorias de entendimento.
Embora as representações coletivas tenham seu fundamento na dinâmica
social, elas não são o real, pois apreendem apenas uma parte dele. Assim as
representações, na teoria de Durkheim (1994), são sempre imaginárias porque o
modo de instituição do social é o imaginário. Então, as construções do imaginário
humano sobre o real exigem repensar constantemente o caráter atribuído à relação
entre o mundo material e o simbólico, entre o objetivo e o subjetivo, entre os fatos e
a respectiva compreensão destes (MOURA, 2004).
Através da teoria das representações sociais, Moscovici pretendeu verificar
a mobilidade e a plasticidade características das sociedades modernas, buscando
apreender o pluralismo e a rapidez com que as mudanças políticas, econômicas e
culturais acontecem. Assim haveria, nos dias de hoje, poucas representações
verdadeiramente coletivas.
(2002) afirma que Moscovici modernizou as ciências sociais ao substituir
as representações coletivas por representações sociais buscando, dessa forma,
torná-las mais adequadas ao mundo moderno.
Por representações sociais, entendemos um conjunto de conceitos,
preposições e explicações na vida cotidiana no curso de
comunicações sociais. Elas são o equivalente, em nossa sociedade,
aos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais; podem
também ser vistas como a versão contemporânea do senso comum.
(MOSCOVICI, 1978, p. 181).
É interessante ressaltar que Moscovici teve ainda outras fontes, além de
Durkheim, para a construção do conceito de representação social, dentre elas a
psicanálise e a psicologia do desenvolvimento.
Da psicanálise, Moscovici considerou as atribuições de Freud, relacionadas
à existência dos processos inconscientes e à importância da transmissão cultural. No
tocante à psicologia do desenvolvimento, Moscovici utilizou as contribuições de
Piaget e Vygotsky referentes às atividades representacionais e à importância do
outro na produção de sentido que favorecem a aprendizagem (MOURA, 2004).
Para Moura (2004) as representações sociais, nessa perspectiva, são as
apreensões e apropriações do real pelo indivíduo, que ocorrem nas interações
23
sociais e possibilitam uma internalização de conceitos, favorecendo a sua
compreensão do mundo.
Especificando o objeto, a ação e o julgamento e, também, por se incluírem
nas vivências e interações dos indivíduos, as representações sociais constituem-se
sistemas cognitivos e emocionais que possuem uma lógica e uma linguagem dos
sujeitos que participam representando, envolvendo valores, conceitos e estilos
próprios de comunicação.
Conforme explica Sá:
Representações sociais são o conjunto organizado de informações,
atitudes, crenças que um indivíduo ou um grupo elabora a propósito
de um objeto, de uma situação, de um conceito, de outros indivíduos
ou grupos apresentando-se, portanto, como uma visão subjetiva e
social da realidade. (SÁ, 2002, p. 64).
As representações sociais podem ser pensadas como expressão da cultura
nas mudanças sociais, expressão do inconsciente e da ideologia que se reflete em
comportamentos, ou ainda, como uma maneira de restituir à subjetividade sua
objetividade, passando a ser um modo privilegiado de pensar a relação entre o
material e o mental na evolução da sociedade (JODELET, 2001).
Moscovici apresenta os dois processos fundamentais constituintes das
representações sociais, os quais denominou ancoragem e objetivação.
Ancorar é classificar e denominar um objeto. Na ancoragem, observa-se o
processo pelo qual as novas representações se apóiam ou se “amarram”,
possibilitando que os novos conceitos e imagens sejam mais facilmente assimilados,
ao encontrarem referências e “aceitação” nas concepções formadas e
consolidadas, de objetos similares. a objetivação seria uma operação imaginante
e estruturante, pela qual se dá uma forma (ou figura) específica ao conhecimento
acerca do objeto representado, tornando concreto, como que “materializando a
palavra” (SÁ, 2002, p. 47).
Para Moscovici, objetivar seria encontrar as propriedades icônicas do objeto
social representado, reproduzir um conceito em uma imagem. Na objetivação ocorre,
assim, a concretização de conceitos em imagens, ou seja, a “figuração” (MOURA,
2004).
24
Desse modo, Moscovici (1978) propôs que se considerasse a representação
como um processo que torna o conceito e a percepção de algum modo
intercambiáveis, visto que se engendram reciprocamente.
Segundo o entendimento de Moura (2004), a representação seguiria, por um
lado, a linha do pensamento conceitual capaz de se aplicar a um objeto não
presente, de concebê-lo, dar-lhe um sentido, simbolizá-lo (ancoragem). Por outro
lado, à maneira da atividade perceptiva, trataria de recuperar esse objeto, dar-lhe
uma concretude, figurá-lo, torná-lo “tangível” (objetivação).
Moscovici (1978) apresenta três funções básicas das representações
sociais:
1. preparação para a ação a partir de uma interpretação e elaboração do
real. A função da representação social se mostra ao orientar e guiar o
comportamento do sujeito, além de transformar e intervir nos elementos
do meio social em que o mesmo ocorre. São formas simbólicas que
apresentam as visões compartilhadas pelos grupos e determinam as
condutas desejáveis ou admitidas, integrando-a em uma rede de
relações e conectando-a a noções, teorias e significações já existentes;
2.
ação para a construção da realidade através da organização dos dados
do mundo e da atribuição de sentido a esses dados. O homem, para se
relacionar com o mundo, precisa transformar em interno o que é externo,
reunir um dado novo a um sistema de relações construído. Mas, para ser
interiorizado, o conhecimento atravessa o mundo da “fala”, das trocas
verbais. Assim, expressões se misturam às impressões existentes e,
graças a esse processo, além das informações serem transmitidas e os
hábitos do grupo confirmados, cada indivíduo adquire competência
acerca do objeto em discussão. Nesse momento, não há preocupação
em verificar a pertinência das associações realizadas, que são
transmitidas e agrupadas em elementos diferentes, e é deste trabalho de
“montagem” de informações que surgem as representações sociais.
Essa ação realiza um movimento de familiarização com o real, atribui
sentido e organiza informações revelando que os indivíduos não são
máquinas passivas para obedecer a aparelhos, registrar mensagens e
25
reagir às estimulações exteriores, mas que possuem a imaginação e o
desejo de dar um sentido à sociedade e ao universo a que pertencem;
3. integração do “estranho” em um sistema de relações familiares,
transformando o não-familiar em familiar. O objeto a ser representado é
colocado em uma rede de articulações com outros objetos existentes.
Nesse processo, o objeto é transformado e ganha o estatuto de um
signo, oferecendo ao sujeito um esquema de interpretação da realidade.
Abric
3
(1994, apud SÁ, 2002) também aponta as funções essenciais das
representações sociais. O autor refere-se, primeiramente, à função de saber que
permite compreender e explicar a realidade, facilitando a comunicação social. Em
seguida, menciona a função identitária, a que define a identidade e permite
salvaguardar a especificidade dos grupos. A função de orientação, apresentada em
terceiro lugar, é aquela que guia o comportamento e a prática, filtrando as
informações e interpretações, prescrevendo comportamentos e práticas obrigatórias.
Por último, cita a função justificatória, que permite justificar a posteriori as tomadas
de posição e comportamentos.
De um modo mais simples, a representação social é “uma modalidade de
conhecimento particular que tem, por função, a elaboração de comportamentos e a
comunicação entre indivíduos” (MOSCOVICI, 1978, p. 26). Constitui-se, dessa
forma, um sistema de valores, de noções e de práticas construído através das
relações sociais, por indivíduos que representam um determinado objeto, com uma
dupla vocação:
1. instaurar uma ordem que aos indivíduos a possibilidade de
orientarem-se no ambiente social, material, e de “dominá-lo”;
2. assegurar a comunicação entre os membros de uma comunidade,
propondo-lhes um código para as suas trocas e para denominar e
classificar, de maneira semelhante, os elementos do seu espaço, seu
mundo, sua história individual e coletiva.
3
ABRIC, J. C. A theoretical and experimental approach to the study of social representations in a situation of
interaction. In: R.M. FARR; & MOSCOVICI (Eds.). Social representations. Cambridge, Cambridge University
Press, 1984, p. 169-183.
26
A psicanalista Ornellas (2004) situa que, na última década, o estudo das
representações sociais vem ocupando um espaço garantido nas pesquisas na área
da educação, o que, segundo a autora, pode contribuir para a construção de um
novo olhar no que se refere aos processos educativos e subjetivos que interagem na
sala de aula. Ornellas (2004) sugere que é possível que a psicanálise participe de
tais estudos, principalmente no que se refere à escuta transferencial da relação
professor-aluno.
Kupfer (2007) entende que a articulação da psicanálise com o discurso
social, via educação, que é também tomada como discurso social, amplia de
sobremaneira tanto o trabalho do psicanalista como do educador e que
desconsiderá-la pode levar a erros.
Uma leitura que inclua o discurso social que circula em torno do
educativo e do escolar (...) estará produzindo uma inflexão na ação
do psicanalista e o levará a uma prática que não coincida mais com
a clínica psicanalítica ortodoxa”, pois ele terá de se movimentar o
suficiente para ouvir pais e escola. Isso amplia o campo de ação do
psicanalista, que passa a incluir a instituição escola como lugar de
escuta. (KUPFER, 2007 p. 34).
Kupfer (2007) lembra que Lacan considera o discurso como sendo o que faz
o laço social, gerando uma definição que atrela o falante ao Outro de um modo
estrutural. Então, desta perspectiva, educar é a prática social discursiva que realiza a
imersão da criança na linguagem, para que possa produzir discurso e fazer laços
sociais.
Se a psicanálise pode contribuir com o campo de pesquisa em educação é
através de sua escuta. Para Ornellas (2004), escutar e falar fazem parte do processo
educativo, é dar sentido ao mundo, e ao escutar os ditos e não ditos produzimos e
ampliamos o mundo das coisas, damos a nossa versão, que é na réplica e não uma
repetição.
É importante enfatizar que as representações são designadas por conteúdos
conscientes e por processos inconscientes nos sujeitos que são, ao mesmo tempo,
cognitivos, afetivos, históricos e sociais. Portanto, em comum entre a psicanálise e a
teoria das representações sociais, é que ambas se propõem a escutar a produção de
discursos dos sujeitos, naquilo que de singular e de compartilhado socialmente.
Ou seja, tanto a representação social quanto a psicanálise se interrelacionam com a
27
cultura. As duas teorias podem participar dos debates interdisciplinares, porque
tentam nomear, relacionar as construções simbólicas com seus contextos. Na visão
de Ornellas (2004), o saber da representação social pode tomar um lugar entre a
psicanálise e a educação. Tanto a psicanálise quanto a abordagem das
representações sociais se relacionam com a cultura de modo especial, e é através
dela que as teorias podem dialogar.
René Kaës é um dos estudiosos que se dedica a pensar a psicanálise e as
representações sociais. Kaës (2001) afirma que a psicanálise pode manter alguma
relação com a concepção psicossociológica da representação, mas ressalta que é
pouco provável que os objetos coincidam, pois se constituem de projetos
epistemológicos e práticas diferentes. Advertidos em relação às suas diferenças,
muitos autores trabalham com esses referenciais teóricos, tendo como articulação a
área da educação, por exemplo, pela riqueza de manifestações da cultura e de
subjetividades.
Sobre a inserção da psicanálise no ambiente escolar, Ornellas (2004), como
muitos outros autores, destaca que Freud, em vários momentos de sua obra,
idealizava que a psicanálise pudesse futuramente contribuir com a sociedade como
um todo, em especial com a educação. O pai da psicanálise acompanhava os
movimentos sociais e estimulava que a psicanálise pudesse estender-se a outras
áreas do conhecimento. Daí surgiu o interesse da psicanálise pela educação e pela
escola.
A possibilidade de trabalho entre e psicanálise e a educação também se
desde que ambas as áreas sejam preservadas em suas diferenças. Filloux (2002)
indica que a psicanálise pode ser instrumento de leitura” e “instrumento de
pesquisa” e afirma: “no meu entender, é por essa via que necessidade de um
estudo sobre o desenvolvimento das relações entre a Psicanálise e a Educação”
(FILLOUX, 2002, p. 76).
Pensando na teoria das representações sociais em articulação com a
escola, Moura (2004) afirma que uma representação de escola é construída a partir
das relações que os alunos estabelecem com a realidade, com o meio familiar e
escolar e com as pessoas com as quais necessitam se relacionar no cotidiano.
Passam, então, a perceber e a compreender o mundo a partir dessas relações.
A autora considera que a criança nasce em um mundo que está
estruturado pelas representações sociais de sua comunidade, e povoado por idéias
28
dominantes, o que lhe garante a tomada de um lugar em um conjunto sistemático de
relações e práticas sociais, que influenciará o modo como irá interpretar e
representar a escola e suas funções.
Nesse sentido, para compreender as representações acerca da escola de
um grupo de alunos, é preciso identificar as informações e saberes que os alunos
têm sobre a escola, sobre os elementos que a constituem como tal, apreendendo-a
em suas múltiplas relações.
Esse processo é dinâmico, pois em cada momento e em cada contexto
histórico muda-se o significado da escola. Ao mudarem esses significados, mudam
também as expectativas do aluno e de sua família, e essas mudanças afetarão as
representações de escola desses alunos (MOURA, 2004).
Moura (2004) exemplifica tal fato mencionando que, quando um aluno
explicita sua expectativa em relação à escola, tal descrição é fruto de sua percepção,
mas o conteúdo explicitado não lhe pertence totalmente, porque estão presentes em
sua fala muitos elementos retirados de representações de outras pessoas,
principalmente familiares. Assim, a maneira de os indivíduos apreenderem e
organizarem as informações disponíveis será bastante variada. Essa variação na
forma de organização de diferentes grupos constitui o que Moscovici (1978)
denominou universos de opinião.
Para esse autor, cada universo de opinião tem três dimensões: a atitude, a
informação e o campo de representação ou imagem. A atitude significa a orientação
favorável ou desfavorável ao objeto representado no caso, a escola. A informação
é a organização do conhecimento que o grupo de alunos possui a respeito do objeto
escola. Finalmente, o campo de representação é o conteúdo concreto referente a um
aspecto preciso do objeto de representação, o que implica na existência de uma
hierarquia de elementos que compõem as representações sociais de escola de um
determinado grupo de alunos (MOURA, 2004).
Ao resultado dessa organização, Moscovici denominou núcleo figurativo. É a
estabilidade do núcleo e sua materialidade que o tornam capaz de orientar as
percepções dos alunos sobre a escola. É dele que dependem os significados da
representação.
Pesquisar através da teoria das representações sociais de Moscovici implica
trabalhar com um contexto em movimento, pois para este autor:
29
As representações sociais são conjuntos dinâmicos, seu status é o
de uma produção de comportamentos e de relações com o meio
ambiente, de uma ação que modifica àqueles e estas, e não uma
reprodução destes comportamentos ou dessas relações a um dado
estímulo exterior. (MOSCOVICI, 1978, p. 50).
A multiplicidade de fatores envolvidos nas pesquisas na área da educação,
principalmente de processos que ocorrem no interior da escola, tem levado os
investigadores a buscarem novas metodologias, que possibilitem uma melhor
compreensão desses processos (MOURA, 2004).
Moura (2004), em sua pesquisa, buscou compreender a “escola” sob a
perspectiva do aluno. Analisar a representação de escola que os alunos elaboram,
explicitando o seu conteúdo, as suas dimensões, o seu processo de formação,
significa oferecer informações de especial relevância para a compreensão dessa
instituição, posto que o conhecimento das representações dos alunos sobre a escola
tem importantes implicações para a intervenção na realidade escolar.
30
1.3. Afetividade e linguagem - representação e afeto
A linguagem pressupõe uma relação do sujeito com o outro; é daí que se
inicia sua forte ligação com a afetividade. Representa, no desenvolvimento humano,
a entrada a partir do biológico no cultural, que se realiza por meio da introdução do
sujeito em um sistema de códigos.
É importante ressaltar que, inicialmente, o bebê emite sons que traduzem
algumas tensões, satisfações e emoções, sendo estes desprovidos de algum
objetivo comunicativo. Mas, a partir do momento em que o outro, na função materna,
passa a responder a eles, vai se estabelecendo um código e um jogo com os sons
em combinações livres, que é marcado por sensações de prazer.
Segundo Arfouilloux
4
(1988, apud ALMEIDA e NEVES, 1999), a aquisição
da linguagem e a do esquema corporal parecem estar estritamente ligadas porque,
inicialmente, a atividade motora está confundida com a atividade verbal. O autor
destaca que, na criança, um movimento de permanecer ligada a essa língua que
lhe prazer através das lalações e balbucios, e é aos poucos que a criança vai
adquirindo os recursos para lidar com a língua. Isso implica numa certa renúncia
dessa primeira linguagem própria, para que se adquira a língua coletivamente falada
em um dado grupo social, que é um bem cultural.
De acordo com Cordié (1996), a apropriação da linguagem pode ser
entendida como um trabalho ativo: as palavras pertencem a todas as pessoas,
pertencem a uma língua em particular e é um trabalho do próprio sujeito retomá-las e
fazê-las suas. E, ao mesmo tempo que as palavras trazem um significado comum,
socialmente convencionado, preservam um sentido muito particular para cada
pessoa porque, durante a aquisição da linguagem, as palavras ouvidas são
associadas às pessoas e às situações, adquirindo sentido por meio de um processo
onde são religadas, isoladas e associadas.
No mesmo sentido, Wallon (1981) teoriza que o começo da vida é
caracterizado pela indiferenciação o recém-nascido o tem individualidade
psíquica, que os estímulos de origem interna e externa confundem-se; não existe
o eu, pois ele não pode diferenciar-se do outro. Ao exteriorizar a satisfação ou a
4
ARFOUILLOUX, J. C. A entrevista com a criança. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988.
31
insatisfação através de gestos choros, gritos, alívio, sorrisos é respondido pelas
pessoas que dele cuidam e que vão conferindo sentido a estes gestos.
Os bebês compartilham experiências emocionais com os outros: sorriem
quando vêem a mãe sorrir e modificam a expressão quando vêem expressões de
tristeza. Suas expressões muito variadas são, muitas vezes, plenas de significados
emocionais, reproduzidas a partir da percepção das expressões dos outros. São tão
intensas, freqüentes e variadas quanto os estímulos que o ambiente proporciona.
Então, é através da relação emocional com o outro, inicialmente indiferenciada e não
mediada, que, aos poucos, vai sendo significada e diferenciada, e assim vai surgindo
o apoio para o desenvolvimento de outras funções mais elevadas que aquela
sensório-motora inicial: a função simbólica, a atividade intelectual e as condutas
sociais (CAMARGO, 2004).
A emoção para o recém-nascido é fator organizador da comunicação, sendo
a primeira forma pragmática de compreensão. Camargo (2004) destaca que, para
que as crianças aprendam a usar símbolos lingüísticos e outros instrumentos
simbólicos da maneira convencional em suas culturas, é necessário que participem
de várias atividades comunicativas não-lingüísticas e de atenção partilhada com
pessoas adultas ou outras crianças. Pois,
a referência lingüística começa a existir a partir da percepção da
atenção conjunta que ocorre nas interações sociais de cenas de
atenção partilhada entre crianças e adultos, direcionadas a um
determinado objeto. [...] Neste momento, a linguagem do adulto se
inscreve em experiências emocionais compartilhadas, cujo
significado social a criança consegue avaliar. Para que este
processo ocorra, ela precisa perceber os adultos como seres
intencionais e partilhar com ele a atenção em contextos específicos.
Para desenvolver a linguagem, a criança precisa participar de
atividades sociais comunicativas. (CAMARGO, 2004, p.110-111).
A emoção parte de uma função inicial comunicativa das necessidades do
bebê, para se modificar com a apropriação da linguagem. A linguagem regulará as
ações e será instrumento de formulação das representações das vivências
emocionais. As construções de sentido realizadas pela cognição são provisórias,
porque a vivência emocional, em razão de sua densa dimensão sensorial e motora,
sempre escapa, em algum aspecto, à organização cognitiva conceitual (CAMARGO,
2004).
32
Na psicanálise lacaniana, por sua vez, há uma articulação entre a
lingüística, a topologia, a lógica matemática, a semiótica e a filosofia, a qual permite
visualizar tal processo como uma intercessão entre três registros: o simbólico, o real
e o imaginário. São registros que se entrelaçam e dão consistência ao psiquismo.
O imaginário está ligado às representações e às imagens que compõem as
identificações. O simbólico rege o sujeito do inconsciente por meio da linguagem, o
que é também efeito da cultura, onde a palavra representa a ‘interdição’. O real
pode-se entender como sendo o que foi impossível de ser representado
simbolicamente pela linguagem, nem integrado imaginariamente.
A questão dos registros nos leva a uma ampliação da função da linguagem:
da comunicação para a função de simbolização. O desenvolvimento simbólico está
diretamente ligado à vida afetiva:
Pode-se compreender que a relação mãe-bebê, protótipo dos
primeiros vínculos afetivos, é fundamental no estabelecimento da
atividade simbólica, pois, na ausência da presença da mãe, as
experiências armazenadas na memória são evocadas e passam a
representar a própria mãe. Vê-se, aí, a gênese dos processos
cognitivos. É na necessidade de se adaptar às novas situações que
o indivíduo busca novas soluções, o que resulta na produção da vida
psíquica. (ALMEIDA e NEVES, 1999, p.304).
Os afetos aí estabelecidos são deslizamentos, ao modo de uma cadeia
significante, que remete, necessariamente, a toda a vida afetiva da criança
(ALMEIDA e NEVES, 1999). Ou seja, “[...] algo que se tece através das palavras,
entre elas e além delas. Há sempre um ponto onde o discurso pára ou se interrompe.
Um ponto que ocasiona efeitos no sujeito” (MRECH, 2003, p.73). Mrech continua
mostrando o que isso quer dizer: a partir deste momento, não somente algo é tecido
através das palavras, mas algo além delas, algo do que as palavras não conseguem
tecer. Estas constituem, na teoria de Lacan, o sujeito, exatamente onde a linguagem
não dá conta de dizer dele:
Cada vez que estamos na ordem da palavra, tudo que instaura na
realidade uma outra realidade, no limite, adquire sentido e ênfase
em função dentro desta ordem mesma. Se a emoção pode ser
deslocada, invertida, inibida, se está engajada numa dialética, é que
está presa na ordem simbólica, donde as outras ordens, imaginária e
real, tomam lugar e se ordenam. (LACAN, 1994, p. 271-272).
33
Lacan (1994) conclui que o inconsciente é formado a partir dos efeitos da
fala sobre o sujeito, na dimensão em que o sujeito se determina no desenvolvimento
dos efeitos da fala e, em conseqüência, conceitua o inconsciente estruturado como
uma linguagem.
Como bem lembra Kupfer (2007), a psicanálise não opera somente com fatos
observáveis, mas com interpretações, construções de sentidos, ou seja, com a
linguagem.
Para a psicanálise, o sujeito do inconsciente se constitui na e pela
linguagem, sendo, portanto, feito e efeito de linguagem. Desta
perspectiva, a linguagem não é instrumento de comunicação, mas a
trama mesma de que é feita o sujeito. (KUPFER, 2007, p.28)
Para Jerusalinsky (2008), é importante precisar que o que está sendo dito
não equivale a afirmar que o inconsciente é uma linguagem, mas que sua trama é
análoga àquela que a linguagem apresenta. Nem, tampouco, que o significante
constitui a substância de que ele está feito, embora seja o significante o testemunho
material que, ao mesmo tempo, o causa e o manifesta.
Não basta, então, para se situar na linguagem, nem com a lei de
uma lógica cingida ao real (o que seria meramente a repetição de
uma configuração sonora) –, nem com a identificação imaginária (o
que estaria configurado no fato de o sujeito se enunciar desde a
posição do outro, ou seja, na terceira pessoa), mas se precisa do
advento da lei simbólica (aquele ordenamento que permite ao sujeito
descobrir a cada passo, significante a significante, a posição de seu
eu sem necessidade de ficar rebatido sobre o outro como sendo seu
próprio doublé). É nestes termos que se revela algo do que constitui
a materialidade do inconsciente: uma série de bordas delineadas
pela linguagem, onde a interseção do sujeito com o discurso, no ato
da fala, revela seu contorno. Um contorno governado por uma lógica
que não é a do real (embora este restrinja os limites de sua
extensão), e que circunda um vazio que exige ser preenchido e, por
isso, causa no sujeito desejo. Um contorno onde a palavra se insere
como substitutiva da representação de coisa, tendo, para isso, que
suportar sua diferenciação entre o real, o simbólico e o imaginário,
como as ordens de registro onde ela responde pelos enlaces que
causa e pela integridade (seja de articulação, seja de ética) que
demandada a segurar. (JERUSALINSKY, 2008, pp. 104-105).
Thomas-Quilichini (1998) explica que Freud deu à representação um
estatuto psicanalítico, como noção-chave para compreender o funcionamento
34
psíquico, a qual é articulada como conceito essencialmente nos seus textos
metapsicológicos. Do alemão Vorstellung, Freud nomeia representação como
elemento psíquico, e o diferencia de Repräsentanz, que significa a representação
enquanto função. Jerusalinsky explica:
As significações derivam do estabelecimento do signo lingüístico,
cuja operação principal de fundação consiste, precisamente, na
separação entre a representação mental e a coisa. Na carta 52 a
Fliss (1985), S. Freud comenta a hipótese de três transcrições dessa
representação, por meio das quais o registro acunhado na memória
viria a se tornar não representacional, adquirindo um caráter
puramente lingüístico. Trata-se do desligamento do signo lingüístico
tanto da coisa quanto da percepção, determinando, desse modo,
que as significações para os humanos derivem da linguagem e,
portanto, de um lugar outro que não da própria concretude dos fatos.
(JERUSALINSKY, 2008, p. 16).
Freud (1915), em A Pulsão e seus Destinos”
5
, desenvolve sua teoria das
pulsões, que é fundamental à psicanálise, sustentando que só é possível ter-se
notícia das pulsões por meio de seus dois representantes:
1) a representação (fonema, palavra, idéia, grupos de idéias), que poderá ter
como destino o recalque, ou seja, se manter inconsciente; e
2) o afeto ao qual ela, necessariamente, é ligada.
O afeto não pode ser recalcado, portanto ele é transformado em angústia,
em somatizações corporais, ligando-se a outras idéias ou ainda a objetos eleitos
psiquicamente como fóbicos (FREUD, 1925). Lacan (1962-1963), em seu
seminário 10, cujo tema é a angústia, a privilegia como afeto. Este autor desenvolve
uma teoria complexa sobre os afetos, articulando a angústia com vários outros
conceitos que fundamentam a clínica psicanalítica. Localiza o estatuto da angústia
no tocar do real a partir de um trabalho no simbólico e evidencia a relação essencial
da angústia com o desejo do Outro. Devido à sua complexidade, não será possível
desenvolver, aqui, tal teoria; contudo, não poderia deixar de ser mencionada.
Voltando a Freud (1920), ele exemplifica a função da representação citando
a observação que faz de uma criança de um ano e meio de idade que, na ausência
da mãe, brinca com um carretel, de forma que, a cada vez que joga o carretel para
35
trás dos móveis e este desaparece de seu campo visual, pronuncia um fonema “o-o-
o-ó”, e, a cada vez que o puxa pela linha e o mesmo reaparece, pronuncia “da”. Ele
identifica o primeiro fonema com “fort”, que significa em alemão “ir embora”, ou
“longe”, e o segundo com “da”, que significa “ali” ou “aqui”. Essa observação remete
a uma brincadeira semelhante, que é muito apreciada pelas crianças bem pequenas,
em que o adulto se esconde, ou esconde seu rosto, e depois aparece acompanhado
da emissão de um animado: “achou!” Para Freud, trata-se da possibilidade de
representar a ausência da mãe através de um fonema ou palavra, fazendo com que
a linguagem, no caso, expressa por um fonema, venha no lugar da “coisa”, nessa
experiência de ausência. A entrada na linguagem marca a passagem do imediatismo
para as coisas mediatas ou mediadas (FREUD, 1920).
Jerusalinsky (2008) afirma que Lacan, ao retomar este ponto freudiano
acerca dos jogos de ocultação, diz ser possível reconhecer neles o momento em que
a criança nasce à linguagem. Observa que o sujeito não somente domina a sua
privação e a assume, mas também eleva seu desejo à segunda potência. Sua ação
destrói o objeto que fez aparecer e desaparecer, mediante a voz que antecipa sua
presença e sua ausência. Assim, faz com que o objeto tome corpo imediatamente no
par simbólico das duas vocalizações elementares, anunciando no sujeito a
integração diacrônica da dicotomia dos fonemas. Sendo os fonemas os
componentes de uma língua, cuja linguagem existente oferece a estrutura sincrônica
de sua assimilação, é a porta de entrada ao que existe. A criança, portanto,
começa a se inserir no sistema do discurso concreto do ambiente, ao dizer o seu fort
e seu da, que recebeu do seu entorno.
Como se pode ver, então, a linguagem se relaciona necessariamente com a
afetividade, tanto quanto com a cognição, e parece ser de grande importância o
exercício de representar em linguagem as experiências, as emoções e os
sentimentos.
“Ao falarmos, cultivamos, definimos e redefinimo-nos a nós mesmos e as
nossas relações, apresentando as nossas experiências aos outros elaboramos,
assim, os nossos elos emocionais” (OATLEY; JENKINS, 2002, p.121). Isso porque a
linguagem, enquanto algo capaz de representar emoções e sentimentos, faz laços
sociais. Ou, de outro modo: “a emoção, além de ser um fato fisiológico, é também um
5
A Edição Standard Brasileira (Ed. Imago) mantém o título traduzido como “Os instintos e suas vicissitudes”.
36
comportamento social, pois constitui um sistema de expressão que abre o caminho
para o domínio da linguagem” (CAMARGO, 2004, p. 111).
Rimé
6
(1993, apud CAMARGO, 2004) entende que o recurso da linguagem,
ou as formas expressivas socialmente partilhadas, viabiliza ao sujeito uma
organização progressiva das informações emocionais, e que, sem tais recursos, o
sujeito não tem condições de dispor de meios de articulação suficientemente
poderosos para que isso aconteça.
Camargo (2004) aponta que, além de representar as emoções, faz-se
necessário que haja um endereçamento a algum outro sujeito:
O simples trabalho mental que se pode efetuar isoladamente não
parece suscetível de conduzir a isso, pois nesse trabalho o indivíduo
continua a se sobrepor à sua própria experiência e disso resulta
somente ruminação. De sua parte, os meios de expressão
socialmente partilhados garantem, por definição, a articulação da
experiência privada, isto é, seu desdobramento no tempo e no
espaço. Parece, pois, essencial para o tratamento da informação
emocional que o sujeito se dirija a alguém. Que esse receptor seja
real ou somente virtual parece ser uma questão de menor
importância. (CAMARGO, 2004, p.167-168)
.
Assim, não é somente a verbalização da experiência emocional que
propiciaria a sua articulação, o seu entendimento, existindo outras formas de re-
evocar as emoções, de representá-las e compreendê-las em um sistema cognitivo,
como nas expressões artísticas, por exemplo, podendo-se considerá-las como outra
forma de linguagem. Lembrando que, como já foi anteriormente abordado neste
texto, sempre haverá algo que escapa, o qual é vivido como puro afeto.
O que se conclui é que cabe à escola oportunizar, o ximo possível,
espaços de palavra, no sentido de que educadores e alunos produzam sentidos
originais para o que vivenciam. Como relembra Camargo (2004), é a linguagem que
permite ao aluno, entre outras funções, perceber a realidade, planejar e regular suas
atividades. É necessário pensar na inter-relação entre a afetividade, a linguagem e a
cognição, pois funções como percepção da realidade, planejamento e regulação de
atividades ilustram essa inter-relação, demonstrando não ser possível uma educação
que se ocupe separadamente de tais instâncias ou que negue alguma delas.
6
RIMÉ, B. partage social dês émotions. In: RIMÉ, B.; SCHERER, K. (Orgs.) Textes de base en
psychologie. 2ª ed. Neuchâtel-Paris: Delachaux & Niestlé S.A., 1993.
37
1. 4. Desenho como representação infantil
O desenho sempre ocupou certo lugar de importância nas investigações das
áreas das ciências humanas. Estudos sobre desenhos na psicologia, em sua
maioria, tiveram um caráter diagnóstico e/ou terapêutico.
Toma-se, no presente estudo, o desenho como uma forma de representação
que permite a expressão de certa cadeia associativa, como apontado por
Magalhães: “a linguagem não pode nomear tudo, coisas indizíveis”
(MAGALHÃES, 2003, p.125). Teixeira (2003) menciona que o desenho pode então,
conforme Lacan escreve no editorial do número sete da revista La Psychanalyse de
l’Enfant, no texto Le dessin comme d’une écriture, “ser uma escritura”. Para ele, não
é por acaso que em toda civilização, toda cultura, palavra e escrita o de início
associadas ao desenho, a uma representação gráfica.
É válido mencionar, sobre a teoria psicanalítica lacaniana, que, conforme
assinala Pinto (2003), quando o desafio de ultrapassar os limites da fala, das
palavras muitas vezes ainda não formuladas, sequer imaginadas, para se alcançar a
voz, as marcas vivas da constituição do sujeito, o traço de sua significação, as
produções da criança (a fala, o desenho, o brincar como ato) pode-se lê-las
estruturalmente. No caso da clínica lacaniana, tal procedimento tem o objetivo de
possibilitar ao sujeito tecer os liames de sua amarração subjetiva, construir uma teia
simbólica sobre a qual poderá vir a sustentar seu desejo.
Cox (2007) traz, em seu estudo sobre desenhos infantis, um enfoque mais
educacional. Observa que a maioria das crianças pequenas mostra interesse e
prazer em desenhar e que, por volta dos oito ou nove anos, as expectativas das
próprias crianças sobre seu desenho se tornam muito mais amplas; não querem que
seus desenhos sejam apenas identificáveis, mas também visualmente realistas,
achando, por exemplo, que o desenho de uma pessoa deve ser parecido com aquela
pessoa e o desenho de uma paisagem ou natureza morta deve ser parecido com a
“coisa de verdade”.
Nesta idade, então, as crianças desenham figuras humanas prestando mais
atenção à forma do tronco e introduzem ombros na forma do corpo. Muitas vezes o
pescoço e os ombros são fundidos, formando um contorno contínuo; os braços
também se fundem no segmento do corpo e quando a figura está vestida, a gola e
38
os punhos formam limites definidos, mas os braços e o tronco aparecem,
geralmente, como uma coisa . Até aproximadamente os doze anos de idade as
crianças acrescentam, pouco a pouco, mais detalhes a seus desenhos da figura
humana. “Em geral, o desenvolvimento vai do desenho de um limite distinto para
cada parte do corpo até o traçado de um contorno para a figura inteira” (COX, 2007,
p. 80).
Cox (2007) menciona, apoiado em Jean Piaget e Bärbel Inhelder
7
(1956),
que a capacidade de lidar com a proporção, ao representar algo no desenho, não
começa a surgir antes de pelo menos oito anos de idade.
Embora se possa até relacionar algumas características dos desenhos das
crianças com fases de desenvolvimento comuns à maioria delas, há também a
consideração de que algumas características são particulares de algumas culturas e
outras ainda refletem um estilo individual da criança.
Sobre o uso diagnóstico dos desenhos infantis, Cox (2007) faz algumas
considerações: apesar de não haver grandes diferenças, definidas pelo gênero, no
modo como meninos e meninas desenham, as meninas tendem a acrescentar mais
detalhes que os meninos. “Isso reflete o fato de que o amadurecimento se em
ritmos diferentes segundo o sexo – a favor das meninas” (SCOTT
8
, 1981, apud COX,
2007, p. 85).
O teste Draw a Person, introduzido por Karen Machover
9
em 1949, foi
considerado muito útil para avaliar a personalidade, tendo se tornado um dos testes
psicológicos mais usados em clínicas e hospitais, sendo ainda amplamente
empregado hoje em dia. Baseia-se nos pressupostos de que o desenho de uma
pessoa representa a expressão do eu, ou o corpo, no meio ambiente, e que a
imagem complexa que constitui a figura desenhada está intimamente ligada ao eu
em todas as suas ramificações. A interpretação que Machover dá aos desenhos leva
em conta as partes do corpo incluídas, seus tamanhos e formas, a qualidade do
traço, o quanto é apagado com borracha, sua posição na página, etc. Essas
interpretações são, segundo Cox (2007), fortemente influenciadas por um enfoque
psicanalítico, dando a quase toda linha e quase todo segmento do desenho um
significado simbólico.
7
PIAGET, J ;INHELDER, B. The child’s conception of space. Londres, Rougtledge and Kegan Paul, 1956.
8
SCOTT, L. H. Measuring intelligence with the Goodenough-Harris drawing test. Psychological Bulletin,
89, 1981, p. 483-505.
39
Em 1968, Swensen
10
apresentou evidências mais atualizadas e sua
proposta coincidiu com outra feita por Roback
11
(1968). Ambos estavam
essencialmente de acordo em que não conseguiam encontrar provas suficientes em
favor das afirmações de Machover. Concordavam em que a principal e talvez única
justificativa para o uso do instrumento como teste era a de que fornecia uma
impressão global confiável sobre o ajuste da criança. No entanto, segundo eles,
julgamentos baseados em sinais isolados no desenho, como a qualidade do traço ou
o modo como determinada parte do corpo é desenhada, são muito menos confiáveis.
Cox (2007) conclui que o valor desse teste é demasiadamente limitado.
Advertências e críticas em relação às interpretações generalistas são
abundantes na obra de muitos autores. Cox (2007) lembra que Norman Freeman
12
(1980) advertiu que qualquer análise de desenho infantil não pode ignorar os efeitos
que resultam do próprio processo de desenhar.
Outro aspecto relevante levantado por Cox (2007) sobre os desenhos das
crianças vem da idéia de que os desenhos das crianças não são uma tentativa de
mostrar a aparência real dos objetos, mas expressões do que as crianças conhecem
sobre eles:
Georg Kerschensteiner
13
(1905) desenvolveu essa idéia, alegando
que as crianças incluem em seus desenhos os aspectos principais
de seu conceito sobre determinada categoria de objetos. Por
estarem concentrados em mostrar esse conhecimento, elas prestam
pouca atenção à aparência real do modelo. De fato, se é
apresentado um modelo, as crianças parecem ignorar os detalhes e
a posição particular dele e simplesmente desenham seus esquemas
ou suas fórmulas habituais para aquele tipo de objeto. (COX, 2007,
p. 104).
O autor menciona a teoria de Luquet
14
(1913), a qual também considera que
os desenhos das crianças se baseiam em sua idéia ou seu conceito sobre o objeto e
que seus principais detalhes ou características estão contidos em uma espécie de
9
MACHOVER, K. Personality projection in the drawings of the human figure. Springfield, Illinois, 1949.
10
SWENSEN, C. H. Empirical evaluations of human figure drawings. Psychological Bulletin, 70, 1968, p.
20-44.
11
ROBACK, H. B. Human figure drawings: their utility in the clinical psychologist’s armamentarium for
personality assessment. Psychological Bulletin, 70, 1968, p.1-19.
12
FREEMAN, N. H. Strategies of representation in young children. London. Academic Press, 1980.
13
KERSCHENSTEINER, G. Die Entwicklung der Zeichnerischen Begabung, Munique, Carl Gerber, 1905.
14
LUQUET, G. H. Les dessins d’un enfant. Paris, Alcan, 1913.
40
modelo interno ou mental. Assim, quando as crianças são solicitadas a desenhar
algo, é a partir desse modelo interno que desenham.
Na opinião de Cox (2007), a criança se torna consciente da precariedade de
seus desenhos no que tange à possibilidade de captar a aparência dos objetos reais,
e pode se tornar sensível à diferença entre seus próprios desenhos e aos outros que
vê à sua volta em cartazes, revistas, etc. “É somente com pelo menos oito anos de
idade que a maioria das crianças começa a desenhar tal cena como a vê“ (COX,
2007, p. 146).
Uma afirmação tão difundida que é quase de senso comum, relacionada à
questão do tamanho, é a de que a figura grande indica uma pessoa importante ou
dominadora na vida da criança (SECHREST; WALLACE
15
, 1964, apud COX, 2007),
enquanto uma figura pequena talvez represente uma pessoa ameaçadora
(CRADDICK
16
, 1963, apud COX, 2007). Para Cox (2007), no entanto, pode ser que
haja consistência nessa interpretação, mas pode ser também que as diferenças de
tamanho, em alguns casos, sejam reflexos de problemas de planejamento na
organização do conjunto da página, sendo interessante considerar a ordem em que
cada figura foi desenhada e o espaço disponível. A primeira figura talvez leve
vantagem por haver menos restrições de espaço, enquanto as figuras seguintes
podem ser menores por haver menos espaço.
Cox (2007) refere-se também ao estudo de Tânia Fox e Glyn Thomas
(original não publicado), em que tais autores investigaram o tamanho das figuras nos
desenhos de crianças de quatro a nove anos:
Primeiramente, pediram que as crianças fizessem um desenho de
suas mães e um de uma mulher qualquer; metade das crianças
desenhou sua mãe primeiro e metade desenhou a outra mulher
primeiro. Em outra ocasião, pediu-se que desenhassem o pai delas
e um homem qualquer. Cada desenho foi feito em uma folha de
papel separada. A maioria das crianças fez desenhos maiores de
seus pais e suas mães do que das outras pessoas,
independentemente de que desenhos haviam sido feitos primeiro.
(COX, 2007, p. 98).
15
SECHREST, L & WALLACE, J. Figure drawings and naturally occurring events: elimination of the
expansive euphoria hypothesis. Journal of Educational Psycology, 53, 1964, p. 42-44.
16
CRADDICK,R. A. Size of Halloween witch drawings prior to, on and after Halloween. Perceptual and
Mottor Skills, 16, 1963, p. 235-238.
41
Uma hipótese pode ser que as figuras dos pais e das mães tenham sido
desenhadas em tamanho maior porque as crianças estivessem pensando em colocar
mais detalhes dentro desses contornos, sem levar em conta a importância deles.
Thomas realizou outro estudo (THOMAS; CHAIGNE; FOX
17
, 1989),
no qual se pediu a crianças entre quatro e sete anos de idade que
copiassem apenas o contorno de uma figura, sem ter de considerar,
portanto, quanto espaço seria necessário para quaisquer outros
detalhes. Em seguida, foi-lhes pedido que copiassem a figura de
novo, mas dessa vez elas teriam de imaginar que a figura fosse ou
uma pessoa muito boa “que é amável e carinhosa” ou uma pessoa
muito ruim “que rouba doces e coisas”. As crianças desenharam
uma pessoa boa maior e uma ruim menor do que suas figuras
neutras; outro grupo delas, que desenhou a figura neutra duas
vezes, não variou o tamanho de seus desenhos significativamente.
Esse efeito de tamanho ocorreu de novo quando se pediu às
crianças que desenhassem uma maçã mágica boa e uma ruim,
mostrando que o efeito não se restringe a objetos animados. (COX,
2007, p. 98).
Cox (2007) considera que, até pouco tempo atrás, faltava consistência à
afirmativa de que o tamanho das figuras no desenho infantil reflete a importância ou
o significado que aquelas pessoas têm para a criança na vida real. Mas hoje, com as
informações obtidas nas rigorosas investigações de Glyn Thomas (1989),
evidências bastante fortes em favor dessa afirmativa, mesmo levando em conta os
problemas de planejamento da criança, como a ordem em que as figuras são
desenhadas ou a necessidade de desenhar um contorno mais amplo para caber
mais detalhes.
Desenhar parece uma atividade tão espontânea e natural que talvez
não seja de surpreender que tantos clínicos e terapeutas a utilizem
como um meio de fazer as crianças se expressarem ou falarem
sobre as coisas que as afetam. Esse é um uso perfeitamente
razoável da atividade do desenho. Muitos autores, psicólogos e
clínicos, contudo, têm ido mais longe e encarado os desenhos como
uma fonte potencial de informação sobre a criança como indivíduo.
Eles são muitas vezes considerados um reflexo direto do estado
mental da criança. Como a figura humana é um dos primeiros e mais
presentes temas nos desenhos livres das crianças, ela tem sido a
base de vários testes famosos criados para avaliar a maturidade
intelectual, a personalidade ou o ajuste emocional da criança. (COX,
2007, p. 99).
42
Nunca é demais enfatizar o perigo de interpretar características isoladas de
um desenho; talvez o ideal, na utilização do desenho como diagnóstico, seja uma
certa contextualização.
Felizmente, os pesquisadores estão agora começando a utilizar
métodos de avaliação mais rigorosos e, mesmo quando nos é
exigido que não expliquemos uma característica em termos de seu
significado emocional, podemos encontrar outras explicações, não
menos interessantes, para o modo como as crianças desenham
suas figuras. (COX, 2007, p. 99-100).
Parece que este comentário de Cox remete à questão desenvolvida pelo
autor em seus estudos: a de que o desenho pode ser interessante como instrumento
de pesquisa e que os aspectos cognitivos, não menos interessantes e relevantes,
não podem ser ignorados em relação ao quê de emocional um desenho pode
revelar.
Aborda-se, a seguir, o trabalho de Trinca (1997) que, por sua formação
psicanalítica e familiaridade com a escola inglesa, foi influenciado na utilização de
desenhos, como muitos psicanalistas, no atendimento de jovens e crianças. Entre
eles destaca-se Winnicott (1975) que, através do jogo dos rabiscos e da concepção
do espaço transacional, lugar de encontro dos objetos subjetivos com o mundo dos
objetos compartilhados, mostra o valor do desenho e amplia sua importância no
atendimento de crianças e adolescentes. Para ele, o desenho, como um gesto
espontâneo, permite a expressão do verdadeiro self, possibilitando sua manifestação
(AMIRALIAN, 1997).
Trinca (1997) acrescentou ao desenho a verbalização, que permite a
elaboração simbólica através do enredo das estórias contadas e acaba por
desenvolver um método denominado Desenhos-Estórias (D-E), que ultrapassou as
fronteiras da utilização clínica e passou a ser utilizado por muitos pesquisadores.
Sobre essa questão, Trinca (1997) acrescenta que o procedimento de Desenhos-
Estórias combina modelos variados de interpretação e, embora seja
psicanaliticamente fundamentado, permite ser utilizado em diferentes referenciais
teóricos.
17
THOMAS; CHAIGNE; FOX, Children’s drawings of topics differing in significance: Effects on size of
drawing. British Journal of Develompmental Psycology, 6, 1989, p. 191-203.
43
Alguns o elegeram por privilegiar a compreensão dos aspectos
profundos da personalidade e permitir a caracterização de pontos
conflitivos nucleares da dinâmica psíquica, como os estudos de
Paiva (1992) e A. M. Trinca (1987). Perina (1992) escolheu-o por
considerar que ele amplia o conhecimento das atitudes básicas do
sujeito em relação a si próprio e ao mundo, esclarecendo formas de
relações objetais de crianças e adolescentes. Esse, também, foi o
pensamento de Gorodscy (1990), ao considerar que a observação
gráfica e verbal da criança nos oferece, além de suas relações
consigo mesmo e com o mundo, a expressão de seus sentimentos e
suas simbolizações. (AMIRALIAN, 1997, p. 161).
O enfoque psicanalítico, por sua vez, nos leva a tomar o ato de desenhar
como uma forma de simbolização, pelo fato de compor um encadeamento de
significantes que não se dá ao acaso. Trata-se de um enunciado de conteúdos
inconscientes; portanto, o desenho traz, também, pontos de não-saber.
Sobre a relação da criança com o desenho, Merleau-Ponty (2006) entende
que o desenho existe para a criança, tem uma realidade própria e que a prova disso
são os “trocadilhos gráficos” que a criança faz. Para ele, a criança desenha como
quem canta, por prazer de significar por significar. “A criança considera o desenho
como algo que está intimamente unido a quem desenha. (...) O desenho é como uma
assinatura” (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 511). O autor desenvolve a idéia de que a
própria noção dessa relação deve ser diferente na criança, pois, em sua visão, o
desenho não é uma tela, mas uma mediação, uma introdução à coisa. Implica sua
subjetividade no sentido de que ela procura traduzir o seu contato com a coisa, mas
também procura nos dar a presença real da coisa. Esta é uma das maneiras de se
ler o desenho como representação infantil.
Quanto ao D-E, embora inicialmente tenha sido elaborado para a faixa etária
de cinco a quinze anos, estudos posteriores ampliaram seu uso para pessoas de
todas as idades, desde que se observe a possibilidade de representações gráficas
através do desenho e de contar estórias por meio de representações verbais.
Especificamente sobre a aplicação do método D-E em estudos na área da
educação, pode-se destacar Cruz (1987), que se propôs a estudar a representação
que um grupo de crianças da classe trabalhadora tinham da escola. O autor fez uma
aplicação modificada do D-E, introduzindo o tema da escola e, consequentemente,
uma variação: Desenhos–Estórias com Tema.
44
Paiva
18
(1992, apud AMIRALIAN, 1997) utilizou o D-E para investigar o
desempenho escolar, examinando as origens das dificuldades no nível das
representações cognitivas e afetivas. Caracterizou as representações afetivas que
dificultam o desempenho escolar e descobriu aspectos das representações afetivas
e cognitivas que permitem à criança ter um bom desempenho escolar. As
representações afetivas foram analisadas pelo D-E e pelo CAT-A; as representações
cognitivas pelo Pré-Bender e pela Prova Gráfica de Organização Perceptiva, para
crianças de quatro a seis anos; e o desempenho escolar por uma avaliação da
professora, a partir de um roteiro previamente elaborado. Realizou-se também uma
análise comparativa entre o D-E e o CAT, encontrando complementaridade de um
em relação ao outro.
Moura (2004), em sua dissertação de mestrado Escola que lugar é esse?
A representação social de alunos sobre a escola no percurso do Ensino
Fundamental”, é mais um exemplo de pesquisa realizada com tal instrumento.
Para Amiralian (1997), neste tipo de instrumento o pensamento
classificatório deixa de ser tido como fundamental, tendo sua influência reduzida e
cedendo espaço a novas formas de saber, formas de pensamento que valorizam os
aspectos qualitativos dos fenômenos. Segundo a autora, na psicanálise o
conhecimento do ser humano obtido na experiência individual da relação é uma
amostra das maneiras próprias de se estar no mundo e compõe exemplos das
relações possíveis, considerando-se condições semelhantes que todos vivenciamos.
A fenomenologia também propõe uma valorização do saber ingênuo como fonte de
conhecimento científico. Nesta abordagem, o homem não deve ser considerado
como objeto de estudo da ciência, mas como sujeito do saber: a pessoa sabe
sobre si mesma. Seu método é apreender os fenômenos tal como surgem, é
aprender com a experiência sem contê-la em conceitos teóricos apriorísticos. A
autora continua, afirmando que os fenômenos existem, e que devemos observá-los,
descrevê-los e interpretá-los. Acredita que as pesquisas com o procedimento de
Desenhos-Estórias basearam-se nesses pressupostos.
Cabe esclarecer que, embora alguns instrumentos padronizados de
interpretação de desenhos tenham inspiração de origem psicanalítica, na clínica
psicanalítica o desenho é tratado como um conteúdo representativo espontâneo e
18
PAIVA, M. L. F. Relações entre representações cognitivas, afetivas, e desempenho escolar de crianças de
4 e 5 anos de idade. Tese de Doutorado. São Paulo, IPUSP, 1992, 193 p.
45
singular. Considera-se seu caráter representativo, mas sem que haja a pretensão de
ser tomado como um teste, e mesmo sua leitura é contextualizada individualmente.
O saber vem das produções do próprio sujeito e não do analista.
Para Dolto (2008), quando uma criança desenha é sempre o seu próprio
retrato que ela está desenhando.
Não desenhamos; nos desenhamos e nos vemos eletivamente em
uma das partes do desenho. Quando eu procurava a identidade na
imagem representada, sempre perguntava à criança: “Onde você
está no desenho? Onde você estaria se estivesse no desenho?” A
partir do momento em que a criança se situa em um lugar, ela
interage com um outro. É isso fazer um desenho falar, e não
comentar seu conteúdo, como vimos em um recente programa de
televisão, em que supostos terapeutas dissecavam um desenho de
criança tentando adivinhar e fazer discursos explicativos. Não, um
desenho não se conta, é a própria criança que se conta através do
desenho. (DOLTO, 2008, p. 11).
Na interpretação da psicanalista Dolto (2008), se o desenho é uma
linguagem diferente da linguagem falada, é porque o desenho é uma estrutura do
corpo que a criança projeta e com a qual articula sua relação com o mundo. Através
do desenho, a criança espaço-temporaliza sua relação com o mundo.
para Merleau-Ponty (2006) o desenho infantil representa uma relação
com o mundo, uma relação total e afetiva com as coisas; lembra que até mesmo as
cores se ligam a afetos e cada cor pode indicar um modo de relação em discordância
ou não com o mundo: detestamos ou amamos a cor.
Magalhães (2003) se refere ao desenho da criança na clínica como
representativo também de um processo, ou seja, que tal como no brincar, o que
importa não é o desenho em si, mas a insistência com que retorna e as mudanças
que nele ocorrem.
Na visão de Levin (2001), ao fazer uma ficção (desenho ou interpretações
cênicas), a criança vai também sendo feita por ela, vai sendo representada e
inventada conforme representa, encena. Para esse autor, é fundamental ressaltar
que a criança não tem suas representações e versões elaboradas e constituídas;
mas, exatamente por serem representações, ela vai construindo-as no próprio devir
das cenas de seus desenhos, de suas brincadeiras e relações.
46
Não podemos esquecer que uma criança quando desenha ou brinca,
desenha-se ou brinca consigo mesma nessa produção ficcional. A
criança se desdobra no papel mediante o desenho, ou na cena por
meio de seu corpo em movimento. Ao mesmo tempo em que realiza
e cria essa produção, a criança é criada e realizada por ela, ou seja,
pode ir produzindo representações e versões do que a preocupa
enquanto está envolvida nisso. (LEVIN, 2001, p. 23).
Pode-se pensar então, que além da produção, no caso o desenho,
expressar as representações construídas, o ato de produzi-las participa do
processo de construção das representações. Se é necessário que a criança seja
ouvida em suas representações orais e gráficas, não é porque assim desvelamos
algo sobre elas, mas também é porque o fato de se expressar participa da sua
possibilidade de construir representações e, assim, a si mesma.
47
2. COMO O SUJEITO SE RELACIONA COM O OUTRO
2.1. A constituição do ser humano para além do ser biológico
De acordo com a psicanálise, pode-se pensar que o início da constituição do
sujeito se a partir do amparo do qual o ser humano depende para viver, se
desenvolver e se humanizar.
Para efeitos didáticos, pode-se classificar esse amparo em duas categorias:
amparo fisiológico e amparo afetivo, sem deixar de considerar que ambos
acontecem, na maioria das vezes e é desejável que assim seja de uma forma
bastante integrada e simultânea, por alguém que encarna o que chamamos de
função materna.
Como amparo fisiológico, pode-se entender todas as respostas à
imaturidade fisiológica e às necessidades do corpo biológico, como ser limpo,
aquecido, alimentado, etc. Sabe-se que este tipo de amparo é capaz de manter o
organismo, mas a experiência aponta que somente este cuidado é insuficiente para
o desenvolvimento saudável de um ser humano.
O amparo afetivo efetiva-se através do investimento de desejo, manifestado
na maternagem por toques, carinhos, olhares, palavras endereçadas ao bebê que o
introduzem em um contexto simbólico e de relações ltiplas (BARBOSA, 2005;
DOLTO, 2001; JERUZALINSKY, 2008; entre outros).
O contexto simbólico (social, histórico e cultural) pode ser entendido como o
que insere a existência de um ser na humanidade. É representado pela língua
materna, pelo nome que é escolhido para designá-lo, a história sobre sua origem
(data e lugar de nascimento, filiação), as quais são referências essenciais para que
se desenvolva o sentimento de pertença e segurança, a partir de algo que se torna
para sempre familiar, sua identidade.
Alfredo Jeruzalinsky (2008) denomina a matriz enunciativa, ou seja, o “jeito”
de um adulto em posição de ‘Outro Primordial’ – endereçar a palavra a uma
48
criança e, portanto, a singular implicação dos “grandes” na educação dos pequenos,
entendendo, como de importância decisiva, suas relações com a linguagem.
A criança é o estranho que escapa à ordem onde cada um se
reconhece, a criança sente que do lado do adulto todo um mundo
organizado e no qual, propriamente falando, ela não está iniciada. A
relação criança-adulto é de amor, mas esse amor é também
rechaçado (reppoussé): a criança capta tudo e por outro lado não
sabe tudo, e isto explica que a criança se introduza de um golpe
num sistema completo de linguagem enquanto que sistema de uma
língua e não soletrando a realidade (LACAN
19
, s/d, apud:
JERUSALINSKY, 2008 p.113-114).
Levisky (1992) enfatiza que é a partir de um bom vínculo com a mãe (função
materna), que se originam condições para o desenvolvimento de um sentimento de
confiança básica e que esse sentimento representa um terreno fértil para o
desenvolvimento egóico e das demais funções psíquicas.
Cárdenas e Almeida (1999) destacam a função da linguagem na
constituição desse sujeito emergente:
[...] as relações intersubjetivas levam a marca do afeto. A sua
expressão, ou melhor, o veículo simbólico de que se servem é a
linguagem. E é a fala, outorgada ao ser por um outro, que o inserirá
numa cultura, num contexto histórico onde, aceito pelo outro,
reivindicará ser reconhecido como sujeito existente. (CÁRDENAS;
ALMEIDA; 1999, p. 84).
Ou seja, diferentemente dos animais, que são determinados e amparados
primordialmente por instintos que regulam sua sobrevivência e seu comportamento,
a humanização é algo que depende e é promovida pelos outros seres humanos.
O quadro seguinte se propõe a representar a constituição do sujeito para
além do biológico:
19
LACAN, J. Seminário 1: El hombre de los lobos. Edição eletrônica dos seminários. Transcrição da Escuela
Freudiana de Buenos Aires. Trata-se, em realidade, de um seminário anterior ao habitualmente reconhecido
como o primeiro, mas cujo texto foi incorporado ao n. 1.
49
AMPARO
* FISIOLÓGICO - cuidados físicos
* AFETIVO -
1. Maternagem: erogenização, toques, carinhos,
palavras...
2. Inserção simbólica: língua materna, nome, filiação,
data e local de nascimento, histórias sobr
e sua
primeira infância, expectativas nomeadas, etc.
SER HUMANO:
SER DE LINGUAGEM
E
SER RELACIONAL
Quadro 01: Representação da constituição do ser humano para além do biológico.
Fonte: O autor, 2009.
O ser humano, em seu processo constitucional como sujeito é, como efeito,
um ser de linguagem e um ser relacional. Charlot (2005) afirma que a relação com o
outro é constitutiva da construção do sujeito. Essa é uma idéia que lhe parece
fundamental na psicanálise e acredita-se que se encontra também no sistema de
pensamento de Wallon (“o fantasma do outro que cada um traz em si”), como também
em Vygotsky (a consciência como forma interiorizada do diálogo), e que ele próprio
retoma na teoria da relação com o saber, questionando:
Mas, quem é esse “outro”? É a forma geral da alteridade humana
(existem outros seres humanos) ou é também uma forma
socioeconômica da alteridade? Ainda dessa vez, a dificuldade, sem
dúvida, não é insuperável. Pode-se superá-la mobilizando o conceito
de identificação. (CHARLOT, 2005, p. 50).
A idéia é que, como conseqüência dessa necessidade de amparo, o ser
humano carrega em si, em todas as suas próximas fases de vida, a marca dessa
relação com o outro uma relação basicamente afetiva com um outro que sabe, um
outro que o olha e que deseja que ele se desenvolva. E é assim que estabelecerá
novos laços, sempre referenciado ao olhar e ao desejo do outro. Tais concepções
ligam-se a conceitos importantes, nomeados na psicanálise como identificação e
transferência. Os mesmos serão abordados no tópico seguinte, focando-se
principalmente a transferência em articulação com a relação professor-aluno.
50
2. 2. A transferência e a relação professor-aluno
Minha emoção ao encontrar meu velho mestre-escola adverte-me de
que antes de tudo, devo admitir uma coisa: é difícil dizer se o que
exerceu maior influência sobre nós e teve importância maior foi a
nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou pela
personalidade de nossos mestres. É verdade, no mínimo, que esta
segunda preocupação constituía uma corrente oculta e constante em
todos nós e, para muitos, os caminhos das ciências passavam
apenas através de nossos professores [...]. (FREUD, 1914, p. 248).
Este fragmento freudiano faz parte de um discurso que foi convidado a
pronunciar, na qualidade de ex-aluno famoso, na comemoração ao qüinquagésimo
aniversário da fundação do colégio em que foi estudante em Viena. O texto ilustra a
importância da figura do professor no processo pedagógico. Para além de sua
técnica de ensino, está sua representação, captada de maneira singular por cada
aluno, investida de grande importância.
Ferreira (2001) ressalta que, neste texto, Freud seguiu dizendo que a figura
do professor não passa despercebida, sendo “cortejado” ou rejeitado, criticado ou
admirado. Reconhece esta ambivalência tão marcante e a partir dela buscou, nas
primeiras relações objetais, sua origem. Concluiu que os afetos e emoções
vivenciados com esses primeiros objetos, aos quais o sujeito se encontrava ligado (a
mãe, o pai, os irmãos), vão ser “transferidos”, ou seja, procurados e substituídos
pelos mestres.
Uma das leituras possíveis sobre a relação professor-aluno é, então, a partir
da articulação com o conceito de transferência. Pode-se tomar a transferência como
um dos processos inconscientes que determina as relações do sujeito com os
demais.
O conceito freudiano de transferência enfatiza que o sujeito atualiza, em
todas as suas relações, as marcas e afetos (ternura, ambivalência, respeito,
sexualidade, agressividade, etc.) de suas primeiras relações. Neste sentido,
considera-se que a relação que o aluno desenvolve com seu objeto de
aprendizagem é carregada de afeto e depende muito de sua transferência com o
professor.
51
[...] o aluno apreende no ser de seu professor a mesma medida que
este busca apreender sobre o ser de seu aluno. Agrupando todas
essas constatações, a busca da verdade sobre o amor, sobre o
esvaziamento do objeto de amor no ser do amado e, especialmente,
o fato de toda essa procura manifestar-se por meio de uma relação
da busca de uma escuta que possa acolher essa fala, não tenho
dúvidas em afirmar que as relações que se produzem na cena
pedagógica dizem-nos de um fenômeno de transferência com todas
as implicações que essa afirmação traz consigo. (MENDONÇA
FILHO, 2001, p.101).
Para Ferreti (1982) é importante salientar que se tratam sempre de relações
intersubjetivas e que o sujeito se constrói fundamentalmente através de
identificações. Considera a relação professor-aluno uma relação intersubjetiva por
excelência e, à medida que o sujeito se constitui através de processos
identificatórios, os educadores se transformam nos herdeiros de sucessivas
identificações produzidas por seus alunos.
Speller (2004) define que, na relação da criança com os adultos, os efeitos
de subjetivação e formação passam também pela função instauradora da lei
simbólica conceito de função paterna elaborado por Lacan, a partir de sua leitura
de Freud.
Que esses significantes sejam denominados “Nome-do-Pai” tem como
fundamento o papel de referência para a filiação do sujeito que o patronímico tem
desempenhado na cultura. Trata-se de um termo que, tradicionalmente, tem
carregado uma condensação de significados. Estes, por um lado, têm permitido ao
sujeito se reconhecer nas mais diversas nuanças do discurso, e, por outro, suportar
as intermináveis variações de sentido que o deslizamento significante lhe impõe.
Que o sujeito não se perca na sua marcha atravessando um tecido indeterminável, e,
pela sua vez, em movimento constante (o da história, o de seu romance particular, o
de uma temporalidade que descentra seu presente, o de uma queda e substituição
incessante de seu objeto de gozo) depende de que esses significantes que se
articulam sob a condição de Nomes-do-Pai cumpram uma função algébrica sobre
cada ponto da cadeia significante. Mas, também que o Nome-do-Pai (na sua
pluralidade de posições possíveis) remarque pontos de valor diferenciados
distribuídos sobre essa rede – o que Lacan batiza com o nome de “pontos de
capitón” – de tal modo que a sintaxe não se desdobra como uma pura função
gramatical, mas suporta simultaneamente a interseção de um paradigma que, longe
52
de ser livremente associativo, pela via exclusiva da figura fonética, se vale desta via
para introduzir inconscientemente a incidência do Outro enquanto discurso. Se o
conceito de língua tem algum valor, é precisamente nessa interseção onde recorta
seu campo dentro da generalidade da linguagem (JERUSALINSKY, 2008, p. 132).
Por lei simbólica podemos considerar a instância organizadora da castração,
ou seja, dos limites. Quando a autora afirma que o professor também exerce função
paterna ao transmitir o legado acumulado pela sociedade, inserindo a criança nela,
pode-se entender que uma ordem simbólica à qual todos estamos submetidos: a
linguagem, nossa história e produções de saber enquanto humanidade.
A teoria lacaniana destaca, ainda, que a vivência arcaica de amparo causa
uma relação com o desejo do outro, na qual uma suposição de que o outro sabe
e que espera algo dele. Pode-se observar que as relações de filiação são
carregadas de expectativas e que o ser humano está sempre referenciado pelo olhar
do outro: esse outro é colocado no lugar de “sujeito suposto saber”.
Na relação pedagógica, é necessário que seja possível ao aluno supor um
saber no professor. Supor, ainda, que o professor deseja e espera que ele aprenda.
O aluno endereça seus conteúdos e afetos de maneira inconsciente, cabendo ao
professor suportar o lugar de suposto saber e de objeto da transferência.
[...] para se aprender algo com alguém, este alguém tem de ocupar
uma posição especial, deve ser possuidor de certo poder e deve
ser suposto, inconscientemente, como alguém que comporta os
traços ideais [...] (GUTIERRA, 2003, p.83).
Segundo Kupfer (1995, p. 91), “na relação professor-aluno, a transferência
se produz quando o desejo de saber do aluno se aferra a um elemento particular,
que é a pessoa do professor”. Portanto, como apontam Neves e Almeida (1999),
[...] é necessário que o aluno coloque o professor em determinado
lugar, notadamente no lugar do que sabe para que ocorra com bom
êxito a relação pedagógica. O professor será, então, ouvido a partir
do lugar em que é colocado pelo desejo do aluno. Sua importância
para o aluno não mais se dará pelos seus atributos externos, mas
por esse lugar que agora ocupa no inconsciente do aluno.
(ALMEIDA, NEVES,1999, p. 299).
“A função de quem ensina é da ordem do papel, do lugar a sustentar, que é
um certo lugar de prestígio” (LACAN, 1992, p. 40), a partir do que, pensa-se, ser
53
importante que o professor represente um adulto instituído na sua função. Um
professor destituído ou inseguro dificilmente consegue sustentar um lugar de suposto
saber, um lugar desejável.
Identificação é a interiorização da imagem que outra pessoa representa,
sendo que esse processo é fundamental para que a personalidade se construa: é
necessária a constituição de uma ordem identificadora. Tal processo de
identificação, evidentemente, também aparece na sala de aula:
Os mestres são fatores e fazem parte efetiva, constituindo até
mesmo os processos de identificação. A criança precisa se
identificar com o mestre valoroso, com o mestre que lhe traga
coisas. O mestre, podemos dizer, é um pólo identificador. Existe
uma ligação com o desenvolvimento da relação com o saber e o
desenvolvimento com a identificação com o mestre que aparece
para o aluno. Pode também ocorrer um pólo de contra-identificação.
O aluno pode não se tornar mestre. O professor de matemática, com
o qual não consegue se identificar, tem como conseqüência a não
identificação com o saber matemático, incluindo o mestre.
(FILLOUX, 2002, p. 86).
Portanto, essa situação que pode ser chamada de identificatória-
transferencial, influencia de maneira significativa a relação do aluno com o saber.
O professor pode tornar-se um modelo de identificação, o que contribui para
a ativação do desejo de aprender dos alunos ainda que chegue um momento em
que os alunos precisem superar sua identificação para ocuparem seu próprio lugar.
É importante lembrar que a transferência é sempre ligada a um desejo, e
que o afeto transferido a alguém pode se expressar por amor, mas também por
hostilidade e que as relações humanas são sempre marcadas por certa
ambivalência.
Neste sentido, cabe a questão colocada por Filloux (2002), ao mencionar a
relação afetiva entre alunos e professores: “O que é um fenômeno afetivo? São
sentimentos, emoções, paixões. O problema da Psicanálise não é reconhecer que há
sentimentos e emoções, mas é descobrir, decodificar os fatores subjacentes
(FILLOUX, 2002, p. 34)”.
Vou falar de algumas pesquisas sobre a relação mestre-aluno
(aspecto relacional). Há um pensamento em moda nos Métodos
Ativos, ou em Rogers, que afirma a necessidade de entender os
alunos. Podemos até chegar a dizer que é preciso amá-los,
despertar simpatias, o que supõe vincular a afetividade à didática.
54
Alguns serão protagonistas da afetividade em sala de aula. (...) É
preciso saber distinguir sobre que tipo de afetividade estamos
discutindo. Não é suficiente dizer que uma boa relação entre mestre
e aluno é uma relação afetiva. Não é esta a via pela qual vamos
contestar as racionalizações teórico-construtivistas. O problema é
estudar os fatores subjacentes ao afeto, ou as expressões
contrárias, como o ódio. O que esses sentimentos simbolizam na
sala de aula? Temos a violência na sala de aula. O que isto
significa? Eis uma questão interessante que se coloca. Por isso vou
tentar dar a isso uma ênfase diferente. (FILLOUX, 2002, p. 81).
Ou seja, na sala de aula existe afetividade. o mestre e os alunos, cada
qual com sua posição, e isso não quer dizer que o afetivo é igual a manter,
simplesmente, “boas relações”. Filloux (2002) acredita que o que está na base da
relação pedagógica é o modo pelo qual posições tão diferentes podem se articular:
situação do aluno e do mestre, para melhor dizer sobre a articulação dessas
posições. “Insisto sobre o fato de que esse afetivo é um afetivo tanto de amor como
de ódio e que o professor, por natureza, é ambíguo. Não sejam por demais
idealistas, porque isso na verdade seria uma resistência (FILLOUX, 2002, p. 141)”.
Disso de depreende que, ao se pesquisar sobre afetividade, deve-se olhar o
fenômeno afetivo para além de sua superficialidade, considerando que ele está
ligado ao inconsciente, às ambivalências, aos ódios, às angústias que compõem a
“vida afetiva” dos seres humanos.
Mendonça Filho (2001), ao discorrer sobre as implicações transferenciais,
adverte: a posição que o professor ocupa para seu aluno é daquele que sabe; o
aluno atribui isso a ele. O fato de ocupar um lugar a que se atribui, por antecipação,
um saber, não livra o professor da ambivalência do amor é bom que isso esteja
claro. Isso porque existe o risco de que os professores caiam na armadilha de
demandar que sejam sempre reconhecidos como bons, belos, caridosos,
desprendidos, etc. e, por essa via, se afastam da possibilidade de sustentar a
transmissão, não realizam outra função a não ser a da sedução, que acreditam
ser, eles próprios, o verdadeiro objeto de amor de seus alunos.
Ocupando o lugar de objeto da transferência do aluno, o professor é tomado
afetivamente por atualizações de sentimentos dirigidos a ele. Nesse sentido, “[...] um
professor não deveria ser tão profundamente ferido pela agressividade dos alunos
ou por seus fracassos, que é sabido que, muitas vezes, a criança ou o
adolescente ajustam suas causas edipianas na figura do mestre” (Cordié, 1996, p.
40).
55
Mauco (1967) fala em maturidade afetiva do professor. Da mesma forma,
Neves e Almeida (1999) sustentam que, na relação pedagógica, o adulto deve ser
capaz de não reagir afetivamente da mesma maneira que os alunos. Supõe-se que o
professor, representante do mundo adulto, tenha uma condição afetiva que o permita
compreender a condição da criança, e assim mantém o seu lugar.
A importância de que o professor possa manter seu lugar se baseia no fato
de que sua posição funciona como referência organizadora para a criança. Isso
envolve também a questão do comprometimento: o professor deve mostrar-se
comprometido com sua tarefa de ensinar, estando ele também submetido à lei
simbólica, para poder sustentá-la diante do aluno. Tal organização simbólica é,
também, condição para que o desejo de aprender seja acionado e resulte na
aprendizagem.
Na relação pedagógica, a transferência se produz quando o desejo
de saber do aluno e da aluna aferra-se a um elemento particular no
Outro, sob a função de professor ou professora. Esse aluno ou essa
aluna atribui então, um sentido especial àquela figura determinada
pelo desejo. Esse Outro, esvaziado de seu próprio sentido, torna-se
depositário de algo pertencente ao aluno ou à aluna, que lhe fixou
um outro sentido particular e inconsciente. (PEREIRA, 2005, p. 96).
Pereira (2005) centraliza sua produção na perspectiva da psicanálise
freudiana em que a educação lida com o desejo de saber do sujeito-aluno (tema que
será abordado na seqüência) investido no outro - professor.
Gutierra (2003) explica ainda que, dentro do que o jogo da linguagem
permite, o aluno recortará, despedaçará as palavras e o conteúdo transmitido pelo
professor a partir de suas marcas subjetivas, e o professor, da mesma forma,
recortará o discurso do aluno. O decorrer das relações se estabelecerá, portanto, a
partir da subjetividade de ambos, de acordo com as representações que o professor
tiver sobre o aluno e também da sua possibilidade de ocupar o seu lugar de
educador.
Sendo assim, a relação que o aluno trava com o saber elaborado é
precedida por sua relação com o professor, implicando necessariamente, além da
dimensão cognitiva, a dimensão emocional do processo de ensino-aprendizagem
(MORGADO, 2000). É importante considerar também, a relação subjetiva a que
56
tanto o professor quanto o aluno estão sujeitos no encontro com determinado
conhecimento.
É interessante resgatar que Mahoney (2000), em seu texto sobre as
contribuições de Wallon para a reflexão sobre questões educacionais, afirma que o
amor pelo conhecimento, assim como os medos, as alegrias, os receios e a
segurança do professor são contagiantes.
Sobre essa questão, Ferreira (2001) argumenta que o objeto da
aprendizagem, isto é, o conteúdo que será ensinado, “trabalha” aquele que ensina e
aquele que aprende. Existe um ponto em que não há controle do professor sobre
aquilo que ensina, tampouco, sobre o aprendiz. um efeito, portanto, nesse
trabalho com determinado conteúdo; ou seja, o professor não está isento de
repercussões que possam ter sobre a matéria de seu ensino. O mesmo pode se dar
com aquele que aprende. Uma dada matéria pode causar nele impressões e efeitos
que o impedem de aprender o que está sendo ensinado, assim como pode levá-lo
longe. A autora reafirma que, na relação com o saber, o sujeito uma significação
particular ao que ensina e ao que aprende.
Retomando a questão da transferência na relação professor-aluno, pensa-se
que esta pode participar do processo de apropriação do sujeito, em relação à sua
singularidade. Mrech (2003), baseada na teoria lacaniana de transferência, assinala
que a aprendizagem não pode ser reduzida a uma repetição mecânica de ações ou
de atitudes. Mas algo que se tece e que é da ordem de uma existência real,
daquilo que ele concebe como sendo a ‘sua’ realidade, a ‘sua’ verdade. Ou seja, a
transferência revela algo sobre o sujeito, manifesto a partir de seus conteúdos
inconscientes. Algo que pode permitir uma elaboração de saber, trazida pelo sujeito
a partir da sua história pessoal, que remete à sua gênese, ao modo como ele se
constituiu pelas relações familiares, através da linguagem (LACAN, 1998).
Com isto queremos dizer que a criança quando chega à escola não
tem o seu pensamento ainda estabelecido como pode acreditar o
professor. Ela traz apenas o pensamento o saber através do
qual ela foi olhada no seu meio ambiente originário (MRECH, 2003,
p. 71).
O que se pode pensar a partir da idéia desenvolvida acima, em articulação
com a teoria lacaniana, é que, apesar de haver certa atualização do passado, as
57
relações transferenciais são dinâmicas, e o novo surgirá se houver possibilidade da
criança ocupar outro lugar, no olhar e no desejo de seu professor.
A clínica psicanalítica, por exemplo, trabalha exatamente com a
possibilidade de transformar a situação atual a partir do que emerge do inconsciente.
A transferência revela tanto o aspecto de fixação do sujeito a algo passado, quanto a
possibilidade de se tecer algo novo. Por isso Freud (1912), em seu texto “A Dinâmica
da Transferência”, afirma que o fenômeno da transferência é o motor do tratamento
analítico. Ao mesmo tempo, segundo ele, a transferência pode ser a mais poderosa
das resistências, dependendo de como é tomada pelo outro, a quem ela se
endereça. Pode reforçar determinada posição, como um fechamento, impedindo que
seja possível, ao sujeito, ocupar outro lugar.
Mrech (2003) afirma que, quando um aluno repete alguma ação na escola,
com conteúdos transferidos das suas relações familiares, pode estar em busca de
uma possibilidade de uma melhor percepção sobre seu fazer, uma forma de elaborar
um saber sobre seu processo.
É claro que a função do professor é muito diferente daquela do psicanalista
clínico, mas de alguma forma o professor, ao suportar a transferência, pode
sustentar no seu desejo de ensinar e dirigir ao aluno um olhar, apoiado na
transferência, no qual ele supõe um ser capaz, independente do lugar que se
apresente. Assim, o aluno sempre poderá ocupar um lugar melhor, se puder ser
investido do desejo do outro e, sendo reconhecido, poderá também desejar
aprender.
Ao encontro desta idéia, Cavallet (2006) articula a visão de Lajonquiére
(1992), de que o conhecimento possui a mesma estrutura que está na origem da
constituição do eu no sentido de que é preciso um outro que confirme e reconheça
o movimento de conhecer e aprender do aluno. Também se coaduna com a
construção de Almeida (1999), segundo a qual uma relação educativa é sempre uma
relação de filiação e de reconhecimento do valor simbólico da diferença, que marca o
lugar de cada um na cadeia de transmissão.
Esse elemento simbólico da diferença é extremamente importante. Haverá
um momento para além dessa transferência, em que o saber está imaginariamente
localizado no outro (“sujeito suposto saber”), pois faz parte do processo de aprender
que o sujeito construa sua própria relação com o seu saber e o seu desejo. Ou seja,
58
tomar o professor como um modelo de identificação pode ser tão necessário quanto
separar-se desta identificação, para apropriar-se do seu lugar de sujeito.
Kupfer (1982) lembra que não há ensino sem professor, porque a
aprendizagem, em qualquer circunstância, pressupõe a alteridade. “Portanto, a
relação professor-aluno seria condição imprescindível do ensino” (AQUINO, 1996 p.
33).
Neste ponto sobre a importância de que o sujeito se diferencie do outro, é
possível encontrar uma convergência entre a psicanálise e a teoria de Wallon. Ao
nomear os estágios do desenvolvimento em que a afetividade e a cognição
interagem, Wallon destaca que a partir do terceiro estágio (chamado de
personalismo), em que a criança está com idade entre três e seis anos, acontece
nela uma diferenciação entre si mesma e o outro. Esse processo é o de formação da
personalidade como uma construção da consciência de si por meio das interações
sociais, e seu interesse pelas pessoas caracteriza a fase de se descobrir diferente
das outras crianças e do adulto (LOOS, 2007; MAHONEY; DE ALMEIDA, 2006).
Trata-se de um momento em que é fundamental que o professor reconheça
e respeite as diferenças. Por exemplo, chamar as crianças sempre pelo nome,
demonstrar que a criança está sendo vista e que sua visibilidade no grupo se por
suas diferenças, propor atividades que mostrem essas diferenças, oportunizar a
convivência com outras crianças com idades diferentes e dar oportunidades para que
as crianças se expressem é bastante importante. “A criança, neste estágio, aprende
principalmente pela oposição ao outro e pela descoberta do que a distingue de
outras pessoas” (MAHONEY; DE ALMEIDA, 2006, p. 62).
Graças à consolidação da função simbólica e da diferenciação da
personalidade é que são possíveis avanços no campo da inteligência, interesses
pelas coisas e conquista do mundo exterior (LOOS, 2007).
E novamente, quando Wallon descreve o quinto estágio, referente à
adolescência, uma nova definição dos contornos da personalidade. Então, vêm à
tona questões pessoais, morais e existenciais (LOOS, 2007). Mahoney e de Almeida
(2006) acrescentam que há, nesse período, o início de uma exploração de si mesmo,
a busca de uma identidade autônoma mediante atividades de confronto, auto-
afirmação, questionamentos. No domínio das categorias cognitivas há o maior nível
de abstração, sendo importante uma discriminação mais clara dos limites de sua
autonomia e de sua dependência. Assim, o principal recurso de aprendizagem volta
59
a ser a oposição, que vai aprofundando e possibilitando a identificação das
diferenças entre idéias, sentimentos, valores próprios e do outro.
É necessário, portanto, que se permita a expressão e discussão dessas
diferenças levando-as em consideração, com sustentação do respeito aos limites.
Para tanto, o professor deve ser capaz de viver tal processo como algo natural e
desejável, sem sentir-se destituído.
Wallon reforça a importância da auto-estima do professor ao mostrá-la como
um elemento indispensável para os processos de aprendizagem e desenvolvimento
do aluno. “O professor e o aluno constituem um par unitário, indivisível quando
analisamos o que ocorre em sala de aula. A aprendizagem é resultado desse
encontro” (MAHONEY, 2000, p.13), lembrando que Wallon considera que ambos,
tanto professor quanto aluno, estão em constante transformação.
As psicanalistas Cárdenas e Almeida (1999) afirmam que, no encontro da
relação pedagógica, pelo menos dois sujeitos envolvidos: o adulto, o professor, o
“sujeito suposto saber” e o jovem, em situação de aprendizagem; ambos
construindo-se e (re)significando a si e ao mundo, a cada instante, em interação
contínua.
Na continuidade de se buscar compreender como o papel do professor é
visto por algumas das principais teorias da área da educação, se encontra em Piaget
o entendimento de que o aprendiz precisa ser ativo e que o papel do professor é o
de ser um orientador que promova desafios interessantes, de forma que os alunos
tenham uma aprendizagem significativa e possam dominar seu próprio processo de
conhecer, ocorrendo assim a estruturação progressiva do conhecer de cada um
(MORO, 2000). Piaget não aborda a afetividade especificamente na relação
professor-aluno, focalizando o papel da afetividade na relação com objeto de
conhecimento, e deixando muito claro que não é possível considerar processos
cognitivos e afetivos como sendo dissociáveis. E mesmo que entre algumas
divergências, concorda com Freud a respeito da importância da primeira infância no
desenvolvimento afetivo posterior e na relevância tanto da cognição, quanto do
afeto, para as relações com o mundo exterior (BRENELLI, 2004).
Vygotsky, por sua vez, enfatiza que o saber é uma produção de significação
construída pela própria criança e que o professor é uma das referências, um
mediador para que a criança constitua sua própria significação do saber (PINO,
2000).
60
A partir do pressuposto da teoria de Vygotsky de que o indivíduo é ativo em
seu próprio processo de desenvolvimento, entende-se que não é somente um
mecanismo de maturação que atua no indivíduo, assim como também não é uma
submissão passiva às imposições do ambiente e, ainda, que o aparecimento da
capacidade de representação simbólica se faz evidente particularmente pela
aquisição da linguagem, marcando um salto qualitativo no processo de
desenvolvimento humano. Destaca-se, nesse contexto, a atuação dos demais
membros do grupo social na mediação entre a cultura e o indivíduo, bem como na
promoção dos processos interpsicológicos, que serão posteriormente internalizados.
No que se refere ao professor:
A intervenção deliberada dos membros mais maduros da cultura no
aprendizado das crianças é essencial ao seu processo de
desenvolvimento. A intervenção pedagógica do professor tem, pois,
um papel central na trajetória dos indivíduos que passam pela
escola. (OLIVEIRA, 2006, p.105).
O papel do professor é definido como o de orientador, coordenador e
investigador:
O professor deve conviver com os alunos, observando seus
comportamentos, conversando com eles, perguntando, sendo
interrogado por eles, e realizar, também com eles, suas
experiências, para que possa auxiliar sua aprendizagem e
desenvolvimento. (MIZUKAMI
20
, 1986 p. 77-78, apud AQUINO,
1996, p. 29).
Na abordagem sociocultural, a relação professor-aluno é marcada pela
horizontalidade:
O professor procurará criar condições para que, juntamente com os
alunos, a consciência ingênua seja superada e que estes possam
perceber as contradições da sociedade e grupos em que vivem.
Haverá preocupação com cada aluno em si, com o processo, e não
com os produtos de aprendizagem acadêmica padronizados. O
diálogo é desenvolvido, ao mesmo tempo em que são oportunizadas
a cooperação, a união, a organização, a solução em comum dos
problemas. (MIZUKAMI
21
, 1986, p. 99, apud AQUINO, 1996, p. 29).
20
MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: a abordagem do processo. São Paulo, EPU, 1986.
21
MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: a abordagem do processo. São Paulo, EPU, 1986.
61
No que diz respeito à posição do professor, pode-se pensar que ele pode e
deve favorecer a produção criativa do aluno. Se a posição do professor for a de
“encarnar” o saber de forma cristalizada, pode não deixar espaço para que o aluno
produza o seu próprio saber.
A essa idéia a psicanálise, com base no conceito de transferência,
acrescenta o entendimento de que deve haver uma certa alternância entre as
posições ocupadas pelo professor. Ou seja, é necessário que o professor se permita
sustentar o lugar de suposto saber, sem acreditar, porém, que detém todo o saber,
pois, isso favoreceria que o trabalho dos alunos se restringisse a reproduzi-lo.
Segundo a leitura de Aquino (1996), as formulações dos autores
psicanalíticos não permitem delinear com tanta clareza os contornos da ocupação do
lugar do aluno na relação pedagógica, mas os efeitos da ocupação do próprio lugar
do professor. Para o autor trata-se, fundamentalmente, do ponto de vista do
professor atribuindo significados aos diferentes lugares instituídos. Portanto, “o lugar
do professor é simbólico” (CHAUI
22
, 1989, p. 69, apud AQUINO, 1996, p. 42).
Mendonça Filho (2001), ao falar sobre a relação professor-aluno, evoca o
‘discurso amoroso’ naquilo em que representa certo desencontro por conta da
impossibilidade de reduzir os dois a um e articula que os motivos que levam um
aluno a aprender ou a fracassar desembocam, direta ou indiretamente, em respostas
que trazem, para o primeiro plano da cena pedagógica, a relação professor-aluno.
Por isso é fundamental interrogar: qual é a forma que o discurso amoroso assume na
educação para possibilitar o acontecimento da transmissão?
Ferreira (2001), em uma articulação entre psicanálise e educação, também
salienta o papel dos aspectos subjetivos na relação pedagógica, afirmando que o
que está em jogo, primeiramente, é quem o educador é, e só depois, o que ele sabe.
Aragão (1993), nessa direção, aponta que os educadores não agem apenas
por meio dos princípios e das racionalizações pedagógicas, sendo a personalidade
daquele que ensina de importância fundamental na relação com o aluno e,
conseqüentemente, no seu processo de desenvolvimento como aprendiz. Os
professores, assim como os pais, tendem a projetar sobre a criança seu ideal
narcísico (forma idealizada de como eles gostariam, eles próprios de ser),
introduzindo na relação pedagógica as vicissitudes de sua própria história.
22
CHAUÍ, M. S. O que é ser educador hoje? Da arte à ciência: a morte do educador. In: BRANDÃO, C. R.
(Org.) O educador: vida e morte. 9
a
ed. Rio de Janeiro, Graal, 1989, p. 51-70.
62
Speller (2004), sobre a mesma questão, observa ser interessante pensar e
escutar a criança na subjetividade dos professores na medida em que esta, com
certeza, influencia em como a criança fora de si. Para a autora, o professor
estaria diante de três crianças: a criança recalcada nele, a criança (o aluno) frente a
ele e a criança que ele quer que esta última seja – de acordo com a criança
recalcada nele, seu ideal. Já a criança, frente ao professor, está também frente a três
adultos: o adulto frente a ela, o adulto que ela pensa que o professor gostaria que
fosse e o adulto que ela pensa que seus pais querem que ela seja.
Almeida (2000) diz que não se deve tomar a criança como “aluno-falo”, ou
seja, querer que ela realize tudo o que o professor não conseguiu. Com exigências
idealizadas e a incapacidade de suportar falhas e diversidade, o educador, muitas
vezes, exige da criança que responda a tudo com perfeição.
Quando o professor não responde ao aluno do lugar daquele que
tudo sabe, mas sim daquele que é um dos representantes sociais do
conhecimento acumulado pela sociedade, ele ocupa o lugar de
mediador do objeto de conhecimento, marcando a entrada de um
terceiro, a cultura, o código, o Outro em psicanálise, na relação
professor-aluno. Esta posição por parte do professor evita que o
aluno seja presa fácil de questões imaginárias e narcísicas que
podem inibir o processo de aprendizagem. Isto implica que o
educador renuncie à onipotência, ao ideal de completude narcísica
imaginária. (SPELLER, 2004, p. 91-92).
Então, tanto da parte do professor quanto da parte do aluno, podem operar
tais ideais projetados um no outro e ambos deverão elaborar a possibilidade dentro
das imperfeições do par e que, apesar delas, haja o desejo de investimento. O
possível não é pouco.
Bernard Charlot (2005), em seu texto que compõe a obra organizada por
Mrech (2005), também levanta a questão sobre a relação narcísica integrante da
relação professor-aluno, afirmando que o fracasso do aluno produz no professor um
sofrimento narcísico e que este é ainda maior quando se repete, apesar de todas as
tentativas do professor.
Parece bastante interessante o movimento de encontro com a educação
possível: “[...] temos de partir da aceitação dos alunos como são, e não como
63
gostaríamos que fossem, e dos professores como são, e não como gostaríamos que
fossem“ (SOUZA
23
,1998, apud MRECH, 2005, p. 140).
De que maneira pode-se perceber este “suportar” da transferência?
Percebe-se quando, na relação professor-aluno, espaço para expressão de
emoções, diálogos, investimento de desejo de ambas as partes na construção do
conhecimento. Mauco (1967) nomeia essa possibilidade do professor como sendo de
uma maturidade afetiva, capaz de permitir à criança mecanismos de identificação e
investimento emocional, os quais são fundamentais para a manutenção do interesse
e da motivação, para a atividade escolar propriamente dita e para a construção de
sua posição de sujeito.
Supõe-se que, além do seu desejo de ensinar, o reconhecimento e o bom
desempenho de seus alunos sustentam a satisfação que permite ao professor
suportar tal lugar transferencial. Isso porque ele é capaz de se reconhecer
narcisicamente na produção do aluno, em um primeiro momento, e depois se
satisfazer em reconhecer ali um sujeito. Mais uma vez, a função do professor será a
de suportar. Suportar, em seguida, o momento em que seu aluno pode diferenciar-se
dele, como efeito de seu trabalho, na direção de que o aluno construa seu próprio
saber. E aí está a beleza da educação.
23
SOUZA, M.C.C.C. de. À sombra do fracasso escolar: a psicologia e as práticas pedagógicas. Revista Estilos
da Clínica. São Paulo: IPUST, dez. 1998, (p.63-83)
64
3. O DESEJO E O SABER
O saber está na base da natureza humana, e se constrói nas relações entre
os homens. Nesta afirmação considera-se que a cultura e as relações são
permeadas por muitas formas de saber; então será abordada aqui uma concepção
ampla de saber, que está para além do saber científico.
Além do saber como uma forma de se relacionar, o que, de saída, implica na
dimensão afetiva em inter-relação com a cognitiva, lançar-se-á mão do que Voltolini
(2006) desenvolve sobre a teoria freudiana. Ele explica que, quando Freud percebeu
que o pensamento é afetado (para se referir à relação intrínseca que via entre
pensamentos e afetos), estava em vias de formular que o pensamento não é só
afetado eventualmente, como crêem os adeptos da cisão entre afetividade e
cognição, mas que não há pensamento que não seja afetado. Continua dizendo que
essa “afetação” não é boa nem má, é simplesmente característica do pensamento
humano.
O pensamento marca a busca pelo conhecimento e pelo saber. Nesse
sentido, “[...] o conhecimento não serve para nos adaptar a uma realidade alheia a
nós mesmos, existente como tal, mas serve, sim, para adaptar essa realidade, não
sem limitações, ao que queremos fazer dela” (VOLTOLINI, 2006, p. 48). Pode-se
entender que o saber e o conhecer estão submetidos à subjetividade, e nesse
processo ocupamos o lugar de sujeito, enquanto o conhecimento em si é o objeto.
Enfocando a teoria lacaniana, o discurso é o que faz laço social e o que
estabelece a relação do sujeito com o saber, pois o discurso é o lugar no qual se
evidencia que o ser humano está assujeitado à linguagem, submetido aos efeitos do
significante e incapaz de dizer toda a sua verdade (BATTAGLIA, 2006).
na psicologia de Vygotsky, o saber científico é uma produção social e,
ainda, saber é descobrir a significação que as coisas têm para os homens, apesar
das diferenças semânticas e conceituais entre elas. A constituição do saber na
criança não ocorre pelo registro de informações, mas por sua descoberta da
significação, que é sua produção pessoal (PINO, 2000).
65
Os conceitos científicos, embora transmitidos em situações formais de
ensino-aprendizagem, também passam por um processo de desenvolvimento, isto é,
não são apreendidos em sua forma final, definitiva. Os conceitos científicos e
espontâneos da criança se desenvolvem, no início, em direções contrárias, mas com
o decorrer do processo evolutivo, se encontram (VYGOSTKY, 1989). Os conceitos
científicos se caracterizam por serem mediados e incluídos em um sistema, fazendo
com que haja uma atitude metacognitiva, ou seja, uma consciência por parte do
sujeito sobre o conceito e a possibilidade de relacioná-lo a outros conceitos
(OLIVEIRA, 1992).
Ao investigar o papel do saber na teoria walloniana, Mahoney e de Almeida
(2006) apontam que, desempenhando suas tarefas no cotidiano escolar, o professor
revela diferentes saberes (conhecimento específico de sua área e de como
comunicá-lo aos alunos, habilidades de relacionamento interpessoal, conteúdos da
cultura, etc.), o que reforça uma idéia ampla de saber.
As motivações dos alunos são diferentes, possuindo características próprias,
conforme o seu momento de desenvolvimento. Eles têm saberes elaborados nas
suas condições de existência que, conforme se viu, funcionam de forma integrada.
Para Mahoney e de Almeida (2006), o grande desafio para os professores tem sido
considerar seus alunos em sua totalidade, apesar de não terem tido, eles mesmos,
uma formação na qual sua integração foi levada em conta.
Piaget, por sua vez, acredita na compatibilidade entre os processos gerais
de pensamento e sua expressão particular em conceitos que são fruto da história
científico-cultural da humanidade (MORO, 2000). Uma forma bem sintética de
entender a concepção de conhecimento em Piaget é a de considerar que ele não
procede do sujeito nem do objeto, mas da interação entre eles.
Mrech (2005), analisando as contribuições do ensino de Lacan em relação
às articulações entre psicanálise e educação, aponta que este especifica,
basicamente, dois tipos de saber:
1) Saber referencial ou conhecimento: é previamente elaborado pela
cultura; portanto é um contexto inicial que se a partir da
informação;
2) Saber textual: é elaborado de maneira singular pelo próprio sujeito e
está atrelado ao inconsciente estruturado como uma linguagem,
66
sendo, portanto, uma elaboração pessoal, algo a ser estabelecido e
tecido pelo próprio sujeito.
A consideração da proposta de Lacan sobre os tipos de saber tem, como
conseqüência, a interrogação sobre a forma com a qual o sistema educacional lida
com eles.
Uma das primeiras articulações que se impõe a respeito dos tipos de saber
é: se o saber referencial é apenas um contexto inicial para que o saber textual se
constitua, e se o saber textual é uma elaboração singular, isso quer dizer que cada
um vai tecer seu saber de uma maneira própria, portanto, haverá inevitável diferença
nos saberes de cada um.
Certa dificuldade ao lidar com essa diferença, pode resultar no que Mrech
(2003) critica, que é a exigência de que o aluno apenas “aprenda” o saber que lhe foi
ensinado, sem que haja espaço para que ele elabore algo próprio, para “aprender
a aprender”. Se isso acontece é como se o aluno ficasse sem saída, com a
possibilidade de ser, de alguma forma, excluído. A autora exemplifica a questão
citando os rótulos de distúrbios de aprendizagem frequentemente distribuídos aos
alunos.
Mendonça Filho (2001) alerta para uma questão problemática: o saber tem
deixado de ser percebido como uma conquista para enquadrar-se como uma
aquisição, de modo que praticamente não existe mais criação, e sim adequação.
É importante, no entanto, levar em conta que a diferença pode ser
representante da falta, falta no sentido de que nunca haverá completude de saber.
Entre o conhecimento e o saber, algo sempre vai escapar, não um ”padrão”. É
como a palavra, que por mais que represente a experiência, nunca conta de
representá-la completamente. Isso traz como conseqüência o movimento, o desejo
de sempre tentar saber um pouco mais, falar um pouco melhor etc. A produção
humana é possível porque as pessoas sempre se sentem incompletas, um tanto
insatisfeitas, e isso as mobiliza para novas realizações. É na tentativa de ficar mais
satisfeita, que a humanidade produz.
A psicanálise aponta para uma concepção de saber que nunca se fecha em
si mesma, reconhece e sustenta um “rasgo” no saber, de forma que se evidencie que
um limite introduzido pelo registro do real em relação a um tudo saber. Para
que se elabore um saber, é necessário que este não esteja pronto e acabado. Não
67
havendo saber completo, é possível construir seu próprio saber textual. Mrech (2005)
exemplifica com a própria figura do professor:
Todo professor se viu, em algum momento na sua vida, dando
aulas em que não havia um roteiro com início, meio e fim. Inúmeras
vezes, essas foram as suas melhores aulas. As aulas nas quais se
inscreveu um saber textual e não simplesmente um saber
referencial. (MRECH, 2005, p. 156).
A idéia de falta, em articulação com o que Lacan chamou de saber textual e
saber referencial, levanta a hipótese de que, talvez, parte da angústia na educação
passa pela crença de que existe, em algum lugar, “o super método” que dará conta
de todas as questões. uma infinita eleição de métodos e é muito comum que no
discurso dos professores se encontre sempre um pedido por algo que possa ser
“aplicado na prática, na sala de aula” o que representa uma busca por um saber
referencial externo. E é justamente a falta do “super método” que abre espaço para
que o professor construa e elabore seu próprio saber textual acerca de sua prática.
Relativamente a essa questão, para Mrech (2003) existe no professor,
muitas vezes, uma dificuldade de lidar com a construção do seu saber, e que essa
dificuldade pode ser projetada no aluno. O professor que não consegue lidar com
aquilo que não sabe, não consegue também lidar com os problemas de construção
do saber dos alunos. Esse processo acaba desembocando na atribuição de suas
dificuldades ao outro: aos alunos, aos supervisores, à direção, à equipe técnica, etc.,
como se os outros não soubessem e deveriam saber para ensiná-lo a trabalhar
melhor, como no exemplo do “super método”.
A autora continua apontando que, o que o professor não consegue
perceber, é que nenhum supervisor, professor universitário, psicopedagogo,
psicanalista, etc., pode dar conta de atendê-lo em relação às suas necessidades
específicas, se ele não tiver o desejo de saber. Pois, ele tem a chave para
decodificar o que acontece com sua vida, ele pode dar a resposta de qual seria a
melhor forma de trabalho. Ou seja, ele poderá elaborar seu saber textual;
portanto, o bastam apenas informações ou novos processos de capacitação,
porque para que o professor usufrua os conhecimentos novos, precisa ter elaborado
um outro saber a respeito do que acontece consigo e com a sua prática. Precisa,
também, se ocupar em pensar sobre a sua própria aprendizagem, pois na escola os
sujeitos têm vivenciado apenas o conhecimento; isto é, as pré-concepções, os
68
modelos prévios. O que lhes falta é elaborar um saber a respeito do seu próprio
processo, um saber que lhes possibilite se localizarem frente a uma determinada
situação.
Aquino (1996) destaca que, para a psicanálise, é importante o
questionamento da supremacia do sabido, dúvida sistemática sobre as condições de
possibilidade de todo saber constituído (referencial). O que estaria em foco seria,
então, a origem do saber e sua vinculação com o desejo e o sujeito (seu suporte e
produtor). Haveria, pois, uma aparente desordem marcando o saber e o sujeito
psicanalíticos.
Para Falsetti (1994), no interior da relação professor-aluno o sujeito visaria
aceder a um determinado saber através do outro. Esse determinado saber é um tipo
de saber visado, propriamente inconsciente, é aquele sobre si mesmo, deslocado
para os saberes constituídos nos conteúdos a serem ensinados e presentificados na
fala de outrem, do professor.
Toca-se novamente na questão da intersubjetividade e em como a
psicanálise, desde Freud a Lacan, vai se apresentar como uma tentativa de
inovação, ao redefinir nossa relação frente ao saber (GARCIA, 2001).
Na visão de Ferreira (2001), Freud compreende que não basta “oferecer”
saber, mas que este tem que ser produzido pelo sujeito e o será na relação do
sujeito com a sua própria verdade. Ao mesmo tempo, conta com os pontos de não
saber inerentes à relação do sujeito com o desejo. No relato de Freud (1914) sobre
sua experiência como aluno, referindo-se a seus professores Breuer, Charcot e
Chrobak, lê-se que:
Esses três homens me tinham transmitido um conhecimento que,
rigorosamente falando, eles próprios não possuíam. [...] Mas essas
três opiniões idênticas, que ouvira sem compreender, tinham ficado
adormecidas em minha mente durante anos, até que um dia
despertaram sob a forma de uma descoberta aparentemente
original. (FREUD, 1914, p. 23).
Assim, Freud pensava o ensino, a relação do professor com o aluno e os
efeitos dessa relação na produção de conhecimento do aluno. E conclui que a
transmissão, para Freud, não é de um conhecimento, mas é de algo que toca o
sujeito e o compele a produzir um saber (textual), segundo a forma pela qual é
sustentado o ato de ensinar. Isso que os professores transmitem, sem que o saibam,
69
aponta para o que Ferreira nomeou como pontos de não-saber e se articulam com o
que se chama de desejo.
Querer e desejar não são a mesma coisa: o querer é submetido à instância
do supereu, uma espécie de censura psíquica que possibilita certa adaptação aos
valores externos da cultura. É da ordem da consciência, do racional. o desejo é
pulsional, é de uma ordem que nos escapa desse controle do supereu, é da ordem
do inconsciente e possui uma lógica própria.
Speller (2004) reflete sobre o computador e a internet em relação à
educação e cita Giraldi
24
(1998), que chama a atenção para o fato de que, apesar de
haver grande quantidade de informação disponível por vários meios, a vontade de
aprender não aumentou. E que, mesmo sendo também importante, não é a
disponibilidade de informação que fará com que a criança queira aprender mais.
Resgata a frase de Giannetti
25
(1999, p.61): “estamos obesos de informação e
famintos de sentido” e complementa: “muitas vezes ante o excesso da oferta
tornando-nos anoréxicos, desejo zero“.
De acordo com as reflexões de Ferreira (2001) sobre o saber, o desejo e a
educação, o saber tem estreita relação com o desejo, o que implica que, no domínio
do saber, tal como no domínio do desejo, algo escapa ao sujeito. um “quero
saber” que surge como uma demanda, enquanto no registro do desejo o “não
quero saber”. O sujeito pode reconhecer-se como desejante de saber a partir de
um ponto de falta que provoque a busca de um não-sabido cabe salientar que um
dos pressupostos teóricos da psicanálise é o de que a falta é condição para que haja
desejo.
Dessa forma, a autora afirma que tais postulações apontam para um debate
importante no campo da educação, uma vez que tocam diretamente nos chamados
“problemas de aprendizagem”. Alerta que o saber e o não-saber formam uma
unidade ambígua e contraditória, mas que não deve ser tomada como algo
patológico. Por conta desse funcionamento próprio do sujeito humano, poderá
acontecer uma certa recusa de saber, que muitas vezes se à revelia do sujeito e
isso não constitui seu fracasso, mas seu recurso frente ao insuportável de saber.
Existe um saber que trabalha no sujeito e que é inconsciente. É fato que no processo
24
GIRALDI, G. Educación y psicoanálises – aprender, querer aprender y no aprender en la escuela.
Buenos Aires: Homo Sapiens, 1998.
70
de aprender, de construir seu saber, momentos de muito prazer, assim como
momentos de sofrimento, o que faz parte de nossa condição humana.
Aragão (1993) acredita que a maior contribuição que a psicanálise poderia
dar à educação seria o reconhecimento da angústia, do conflito e da falta inerentes
ao sujeito humano, para que se elabore o limite de sua própria ação. Supõe-se que a
elaboração de tais limites pode viabilizar uma valorização do que é possível e uma
maior apropriação do que lhe cabe.
Segundo Bernard Charlot (2005), é preciso que se leve em conta a questão
do sujeito para que se compreenda o que acontece hoje na escola. A teoria da
relação com o saber, que concede amplo espaço ao aluno como sujeito, afirma: “não
existe relação com o saber a não ser da parte de um sujeito, e o sujeito é desejo”
(CHARLOT, 2005, p. 41).
A representação do homem subjacente à teoria é um ponto de encontro
entre a teoria da relação com o saber e a psicanálise. A teoria da relação com o
saber mostra que toda relação com o saber é também relação com o mundo, relação
com os outros e relação consigo mesmo (CHARLOT, 2005). Assim, levanta-se a
questão sobre o que, afinal, é educar? Qual saber cabe à educação tratar?
Mrech (2005) contrapõe o educar ao ato de repetir, afirmando que a ação de
educar se relaciona com a criação, por meio da singularidade de cada sujeito, do
saber textual construído por cada um.
Kupfer (2007) também amplia a função da educação quando diz que a
escola o é somente um lugar para aprender os conteúdos, mas que na escola,
através das leis que regem as relações humanas e do oferecimento de lugares
sociais veiculados pelos discursos, a criança subjetiva-se. Mesmo com todos os seus
problemas, a escola é uma instituição de grande poder, na medida em que oferece
ao sujeito o sentimento de identidade, de pertença, de inserção social.
“A educação deve produzir um efeito organizador ajudando a criança a
construir um simbólico onde possa viver” (SPELLER, 2004, p. 91). Então, sob esta
ótica, educar torna-se uma das práticas sociais discursivas responsáveis pela
imersão da criança na linguagem, tornando-a capaz, por sua vez, de produzir
discurso, ou seja, de dirigir-se ao outro fazendo, com isso, laços sociais. Speller
(2004) enfoca a importância, para qualquer ser humano, de encontrar um lugar onde
25
GIANNETTI, E. Obesos de informação, famintos de sentido. Folha de S. Paulo, 16 de ago. 1999, Folha
Ilustrada.
71
possa inscrever-se subjetivamente; ou seja, a educação deve possibilitar à criança
encontrar um lugar no seu meio social.
Para Lajonquière (1999), educar é transmitir marcas simbólicas que
possibilitem a conquista de um lugar na história, de forma que a criança possa se
lançar às empresas do desejo. Na mesma direção, Almeida (2000) enfatiza a função
da educação como a de promover o encontro da criança com a alteridade, com a
cultura, implicando a filiação e, portanto, no reconhecimento do lugar de cada sujeito
na cadeia de transmissão.
Cordié (2005) considera que educar é querer fazer da criança um ser
humano, um ser livre, responsável, civilizado, é dar-lhe a possibilidade de multiplicar
as experiências, ter acesso aos saberes, enfim, de aprender o que é a vida.
Aproxima-se de Dolto (2008) que resume: educar é contribuir para que a criança
encontre alegria em viver e possa fazer escolhas.
Os autores citados referem-se ao educar como um investimento na criança,
que o insere como sujeito, com referência simbólica na cultura e no social de
maneira a poder posicionar-se como ser humano, o que remete à sua condição
desejante.
Considerando-se a trajetória do que foi colocado até aqui sobre a relação
entre saber e desejo, parece que cabe aos educadores ocuparem-se com o possível
do desejo de aprender e do desejo de ensinar.
72
3.1. Desejo de aprender
Para pensar nas relações do sujeito com o desejo de aprender, resgata-se o
que se abordou anteriormente, sobre a importância do saber sobre si, a partir de
sua origem, sua filiação, sua história, como referências simbólicas para que o sujeito
se situe na humanidade como ser de linguagem. Esse saber sobre si é, de certa
forma, uma das origens do desejo de saber que se representará no desejo de
aprender. Então,
o “desejo de saber” é o desejo de “saber” sobre o “desejo”. É na
interrogação feita à mãe, sobre o enigma do nascimento, que Freud
situa o ponto de partida da demanda do conhecimento que está no
âmago da questão do sujeito com o conhecimento. (FILLOUX, 2002,
p. 84).
O quadro abaixo ilustra a origem do desejo de aprender:
DESEJO DE
SABER
“De onde vêm os
bebês?”
REMETE À:
- própria origem
- sexualidade
- morte
“Por quês”
INTERESSE
INTELECTUAL E
DESEJO DE
APRENDER
Quadro 02: Representação do desejo de saber relacionado ao desejo de aprender.
Fonte: O autor, 2008.
Para melhor compreender o quadro acima retoma-se Freud (1910), que nos
chama a atenção para uma curiosidade comumente levantada pelas crianças: “de
onde vêm os bebês?”. Entende-se que esta questão remete a pontos fundamentais
de sua própria origem, conseqüentemente, à sexualidade e à morte. Seu desejo de
saber sobre esse “mistério” da vida aparece também “manifesta no prazer incansável
que sentem em fazer perguntas” (FREUD, 1910, p. 86), que se expressa na popular
73
“fase dos por quês”, uma forma substitutiva da curiosidade original que, mais tarde
ainda, se transforma em interesse intelectual, ou seja, em desejo de aprender.
Para Legnani e Almeida (1999) a conclusão freudiana, nesse artigo, traz um
ponto instigante: os esforços do investigador infantil terminariam em uma renúncia,
pois se mostram infrutíferos, e esta renúncia deixaria para trás um dano permanente
no movimento de saber. Freud não discute mais esta proposição e finaliza dizendo
que as pesquisas infantis são sempre realizadas de forma solitária, mas que, assim
mesmo, são fundamentais, pois representam o primeiro passo para a criança
assumir uma atitude de independência frente ao mundo.
Por outro lado, Voltolini (2006) destaca a idéia de que esse processo mostra
que a criança não mais se limita a lidar com aquilo que lhe apresentam, a repetir
conhecimentos que lhe impuseram, mas inicia “autonomamente” sua investigação.
Certa insatisfação com as explicações dos adultos lança a criança a um exercício
importantíssimo de teorização. Esse autor lembra, ainda, que tal enigma sobre a
“origem de sua vida” persistirá sendo uma questão eterna para o ser humano.
De uma certa forma nunca abandonamos a “fase dos por quês”,
talvez porque mais uma vez devêssemos considerar que não se trata
de uma fase e, portanto, com um fim determinado, mas de novo um
elemento da estrutura da razão humana. (VOLTOLINI, 2006, p.42).
Quando Freud (1937) voltou ao tema da curiosidade sexual infantil, deixou
claro que não se trata de simplesmente esclarecer à criança, como havia entendido
anteriormente, na época em que escreveu a carta aberta com o título O
esclarecimento sexual das crianças em 1907. Acreditava, na época, que a questão
deveria ser respondida pelos adultos sem mentiras (como a da cegonha, por
exemplo), mas posteriormente percebeu que, independentemente da informação que
os adultos possam dar à criança, ela continuará criando suas próprias teorias, o que
pode ser entendido como um processo natural do desejo de saber. A questão é,
então, que os adultos não se incomodem com as interrogações infantis e possam
suportá-las.
Não se pode ignorar que a maneira como os adultos do entorno da criança
acolhem ou reprimem sua curiosidade tem papel importante na futura relação desta
criança com seu desejo de saber e sua aprendizagem. É necessário que a criança,
74
primeiro, possa se autorizar em seu desejo de saber, para então efetivar seu desejo
de aprender.
A esse respeito Almeida e Neves (1999) apontam que se a curiosidade
infantil não recebe apoio, socialmente, gera-se então uma demanda paradoxal,
onde, por um lado, a sociedade reprime a curiosidade infantil e, por outro, solicita
que a criança aprenda, seja bom aluno, que seja interessada (curiosa) pelos
conteúdos escolares. Entendem este processo como uma contradição e uma
descontinuidade, no tratar o processo de conhecer da criança.
No mesmo texto as autoras citam: “a criança de seis anos que inicia a
aprendizagem formal na escola, [...] muito teve que conhecer sobre si e sobre o
mundo antes de poder investir essa energia no conhecimento do mundo das letras”
(SOUZA
26
, 1995, p. 11 apud ALMEIDA, NEVES, 1999, p. 301).
A questão da relação da criança com o conhecimento deve ser pensada,
portanto, desde seu início; que é anterior ao momento em que a criança ingressa na
escola. A criança passa por muitas experiências de aprendizagem o que, sem
dúvida, influencia o seu desempenho nas atividades escolares. Levisky (1992)
argumenta que é a partir das primeiras relações afetivas com a e, com o pai e
com a família que o processo educacional se inicia.
A criança, como principal protagonista, terá de construir, produzir e instituir
em cena seu próprio saber, conservando o misterioso e desconhecido enigma que a
coloca em questão para satisfazer a curiosidade e aprender. Sua curiosidade infantil
se enlaça na cena ficcional como uma busca inventiva e exploratória de um mistério
que, para a própria criança, permanece desconhecido. Desconhecimento fundador
do saber e do conhecer infantil, que incita a criança incessantemente a bisbilhotar
mais além. Então se uma criança bisbilhota é porque o enigma do desconhecimento
a induz a repetir o prazer de uma busca tão apaixonante e estruturadora. Esse
caráter dinâmico, fortuito, secreto e enigmático da produção da criança, da
experiência significante, é o que à cena a sua singularidade e seu “poder” de
apropriação. A produção infantil (desenhos, representações nicas nas
brincadeiras, etc.) tem a ver com esse mágico instante em que a criança, sem
perceber, está fabricando ou criando o objeto, ao mesmo tempo em que ela é criada
26
SOUZA, A. S. L. de. Pensando a inibição intelectual: perspectiva psicanalítica e proposta diagnóstica.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 1995.
75
por esse objeto no próprio ato produzido. Trata-se de uma representação em cena,
“ao vivo”, do encontro frustrado entre o desenvolvimento (o corporal) e a estrutura (o
psíquico) (LEVIN, 2001).
Cordié (1996) afirma que o desejo de saber e a necessidade de compreender
estão na criança e vão se prolongar através das inumeráveis perguntas que ela vai
fazer posteriormente. A curiosidade, o prazer da descoberta e a aquisição de
conhecimentos fazem parte da própria dinâmica da vida. Fala ainda de uma
passagem da aprendizagem através do jogo, no decorrer da infância, a uma outra
forma de saber: aquele que a escola oferece.
Filloux (2002), sobre o desejo de saber, pontua que o “apetite de saber” é
resultado de uma sublimação efetuada com sucesso, sendo fundamental para o
desenvolvimento da criança em relação ao saber. Para o autor, em uma perspectiva
psicanalítica, a ciência e toda a história nasceram como resultado da procura
desesperada do homem sobre sua origem.
Embora o desejo de saber possa ser considerado como marca constitutiva
no ser humano, não está livre de ser ambivalente, como nenhum outro desejo está.
Logo, para que o aluno aprenda, é preciso que seu desejo de saber seja investido a
serviço do processo de aprendizagem, superando as resistências próprias dessa
ambivalência.
Ao sujeito deve ser possível mobilizar seus recursos conscientes e
inconscientes para compreender ou para resolver uma situação-problema. Segundo
Almeida e Neves (1999), isso significa dizer que o ato inteligente depende, também,
de todo o conjunto de aprendizagens do indivíduo, das suas experiências guardadas
na memória inconsciente e, sobretudo, da capacidade de estabelecer laços e fazer
escolhas.
Cordié (2005) resgata a etimologia da palavra “inteligência” e a articula
expondo seu entendimento a respeito:
A palavra “inteligência” origina-se do latim inteligere, de inter e legere,
que significa “escolher entre”; legere vindo da raiz indo-européia leg
(que também encontramos em ler”) que significa ao mesmo tempo
ajuntar, escolher, colher. Temos efetivamente as duas operações
necessárias para compreensão: por um lado estabelecer nexos,
ajuntar; por outro, escolher, colher. Essas são as operações básicas
para poder formar um raciocínio e formar um juízo. O raciocínio é um
procedimento lógico que implica respeitar as leis da linguagem e do
discurso. O bom senso (o racional) se opõe ao sem sentido do
76
discurso da loucura. Formular um juízo implica que o sujeito tenha
feito uma escolha entre várias proposições; o termo “colher” é uma
representação poética desse procedimento, a gente colhe uma flor
para fazer com ela um buquê, um fruto porque ele está maduro, uma
palavra entre outras para expressar nosso pensamento. (CORDIÉ,
2005, p.129-130).
Aqui se torna necessário reafirmar a questão da afetividade, que permeia
todo o desenvolvimento da inteligência. Almeida e Neves (1999) apontam que:
A afetividade, que se expressa na relação vincular entre aquele que
ensina e aquele que aprende, constitui elemento inseparável e
irredutível das estruturas da inteligência e ainda que as raízes
afetivas se encontram na base de toda a atividade psíquica,
incluída a atividade intelectual. (ALMEIDA, NEVES, 1999, p. 302).
Filloux (2002) afirma que o “desejo de saber” está ligado, profundamente, à
história pessoal da criança. E na escola, a situação do aluno em relação ao mestre é
uma situação em que ele pode se perguntar “o que esse mestre deseja de mim”?
Supor que o professor deseja algo do seu aluno, é supor que seu aluno é investido
pelo seu “olhar”.
Conclui-se que o desejo de saber, na aprendizagem formal, se articula de
maneira intensa com o lugar que o aluno investe seu professor e a possibilidade que
este tem de suportá-lo e ainda transmitir-lhe, além do conhecimento, seu desejo de
que ele aprenda. Esta é uma transmissão de ordem subjetiva.
77
3.2. Desejo de ensinar
Neste percurso foram nomeadas algumas formas de entendimento sobre o
desejo de aprender. Agora se trata da tentativa de se nomear, um pouco mais, o
lugar do professor e o desejo que o coloca neste lugar: o desejo de ensinar.
Primeiramente tenta-se resgatar a idéia de que o adulto professor carrega
em si, através de sua experiência e sua história, a própria criança que foi e sua
relação com o desejo de saber.
Ainda que a escolha de ser professor tenha motivos muito particulares e que
remetem à história singular de cada um e, portanto, somente cada professor poderia
falar de si e de sua escolha, é importante lembrar que, com poucas exceções, em
nossa cultura todas as pessoas passam pela experiência de ser aprendizes e que
uma das mais clássicas brincadeiras da infância é “brincar de escolinha”. Mesmo
considerando que o professor viva um momento complicado, no sentido da
valorização social, dentro de um contexto capitalista e consumista, ele ainda é uma
figura fundamental na educação. Pode-se inferir, pelo menos, que ninguém é
professor por acaso, e que talvez fosse interessante que cada professor pudesse
lembrar o que move o seu desejo de ser professor.
Pereira (2003) entrevistou professores e escutou suas histórias de vida, em
uma pesquisa sobre os “bons professores”, e mesmo aqueles que acreditavam que
haviam se tornado professor por contingências da vida, em seu discurso, de alguma
forma explicitaram algo de sua escolha.
Bacha (2006) vem desenvolvendo uma concepção na qual o professor é, em
suas palavras, redimensionado. Critica a hipervalorização dos métodos de ensino e
de aprendizagem, das técnicas para motivar os alunos e do arsenal tecnológico que,
segundo ela, diminuem o professor. Será que tal desvalorização interfere na
possibilidade do professor suportar seu lugar transferencial e desejar ensinar? Fica
aberta a questão.
Pode-se pensar na afirmação de Pereira (2001) de que o que está implicado
na suportabilidade do professor é que o seu desejo de ensinar está ligado ao seu
desejo de saber e lembra, como o faz Cifali (1998), que educar é uma profissão
78
relacional. O que autoriza a ênfase de que o desejo de ensinar é uma forma muito
especial de lidar com o desejo de saber, justamente porque implica em se colocar
num “face-a-face” inevitável com os aprendizes.
Segundo Ferreira (2001), o efeito produzido por aquele que ensina escapa-
lhe, posto que existe um saber do qual o sujeito nada sabe e, mesmo sendo
desconhecido e estranho a si mesmo, pode sustentar o desejo, tanto de saber,
quanto de ensinar. Entende-se que a autora refere-se à dimensão subjetiva e
inconsciente da relação pedagógica, afirmando, de forma semelhante a Pereira
(2001), que a transmissão vai acontecer se o desejo daquele que ensina suporta o
desejo de saber do aprendiz, deixando-se guiar pelo seu próprio desejo de saber.
Sobre o desejo de ensinar, Mrech (2003) entende que é preciso que o
professor demonstre seu desejo de saber para melhor ensinar, quer dizer, que seja
visto pelo aluno como sujeito desencadeador dos seus próprios processos. Porque
aquilo que o aluno capta do professor é um efeito na linguagem, como um conteúdo
cifrado que ele precisa decifrar. Faz parte da relação pedagógica que o professor
também decifre quem é o aluno.
Silva
27
(1994, apud Speller, 2004), apoiada em sua pesquisa com
professores e alunos, conclui que os professores que têm paixão e entusiasmo pelo
ensinar pode-se entender “paixão” e “entusiasmo” como representantes do desejo
de ensinar – ensinam melhor e seus alunos também aprendem melhor.
O prazer, tanto de ensinar como de aprender, é conseqüência do
autorizar-se pensar, do permitir-se perguntar, ser curioso, deixar
espaço para a imaginação. O interessante na pesquisa de Silva é
que sugere que a atração pelo aprender e por um determinado
conteúdo ou matéria pode passar pela paixão do professor que
ensina, que contagiará, com seu entusiasmo, seus alunos.
(SPELLER, 2004, p.39).
O que vem do professor e toca o aluno é um estilo, algo da ordem da
relação com o objeto de conhecimento e para além dela, seu desejo de que, através
do seu trabalho, o aluno aprenda.
A relação professor-aluno se na manifestação do desejo de saber, o que
implica numa identificação do aprendiz com o professor. Nesse caso, ambos os
personagens têm a compreensão facilitada por uma ligação amorosa entre mestre e
27
SILVA, M. C. P. A paixão de formar. Da psicanálise à educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
79
aluno, de maneira que formem um par (GARCIA, 2001). Mas essa identificação deve
ser sustentada apenas no ponto em que representa o desejo de saber, do aluno e do
professor. Sabemos que é natural que as identificações ocorram e que o aluno pode
até desejar ser como seu professor, mas o desejo de ensinar deve apontar, também,
para que na diferença surja o aluno como sujeito único.
Speller (2004) considera que o professor é um dos responsáveis pela
socialização da criança e que a criança ocupa um lugar no desejo dos pais e
também no desejo dos mestres. Por isso, ela
[...] muitas vezes tentará responder às suas demandas somente
para ganhar sua aprovação, sendo querida por ser outra do que é. O
professor não deve abusar do poder que o lugar que ocupa inspira,
não modelando a criança segundo suas convicções e preconceitos,
mas dando espaço para as diferenças. É bom lembrar que também
ele tem que lidar com a diferença, com a falta, com os limites, como
o saber e o não-saber, com a castração, enfim. Dependendo de
como lida com seu desejo, ajudará ou não a criança a lidar com o
seu. (SPELLER, 2004, p.99).
Deve-se levar em conta que o é um abuso consciente e deliberado, mas
até mesmo um encantamento narcísico, de alguma forma, reconhecer-se na
produção do aluno. Mas um processo de aprendizagem em que realmente é possível
a construção do conhecimento deve ser como Piaget (1977) definiu: aprender é
reinventar e não se limitar a repetir. E, para tanto, é necessário que haja espaço para
que o aluno manifeste a sua diferença.
Para Mendonça Filho (2001), ser professor é ocupar uma função, uma
tentativa de estabelecer uma correspondência entre um ideal e o real. Assim, o
sujeito real que ensina, é aquele que sustenta essa função, operando uma ligação
entre seu próprio desejo de ensinar e o desejo do outro sujeito de saber. E continua:
O professor não sabe o que o aluno deseja saber, mas o aluno
supõe que o saber que ele busca está no professor. O enunciado
do saber produzido pela enunciação do desejo de ensinar criará
uma oferta que estabelecerá um porto onde ocasionalmente o
desejo de saber do aluno atracará. (MENDONÇA FILHO, 2001,
p.100).
80
No percurso do mesmo texto, Mendonça acrescenta que o planejamento
didático aguarda o previsível, mas ele colidirá com o imprevisível, uma vez que a
relação professor-aluno implica em uma enunciação de dois desejos: o de ensinar e
o de saber, e a ação desses dois sujeitos é mediada por seus desejos. Então, se
acredita que a transmissão está implicada em uma verdade do sujeito professor,
sobre o seu próprio desejo, e não no acúmulo de conhecimentos, pode-se pensar no
que permite a um professor ocupar uma posição que favoreça esse acontecimento.
O autor supõe que tal posição depende do professor fazer valer, no seu próprio
desejo de ensinar, uma verdade anterior, algo que já existia nele antes que se
enveredasse por seu ofício: o seu desejo de saber.
Uma faceta importante da questão do desejo, lembrada por Lopes (2005), é
que para que o desejo se constitua, ele deve estar privado de seu objeto. Ou seja, o
desejo de ensinar funciona sobre a impossibilidade de tudo ensinar, logo, a
possibilidade de desejar ensinar pode vir justamente do que falta ensinar, que
poderia ser traduzido como uma vontade de poder ensinar, cada vez mais forte.
Pode-se articular o que Lopes traz com outra questão, sobre a falta e o
desejo, levantada por Dimitrov (2002):
O professor objetiva o vínculo do aluno com o aprender, ajuda-o a
perceber o que sabe e o que não sabe, a tolerar o não-saber, a
buscar ajuda, a definir o que fazer para aprender e a aceitar que
essa aprendizagem necessariamente gerará novas dúvidas.
(DIMITROV, 2002, p. 83).
Pode-se pensar e inferir que o desejo de ensinar também se sustentaria na
falta de tudo saber do próprio professor. Seja uma falta de tudo saber sobre o
conteúdo, seja sobre seu método, seja sobre seu aluno, sobre cada nova turma. É
preciso que o professor seja capaz de se surpreender por algo novo, que deseje
saber. Assim, o professor que faz a leitura de que “é tudo sempre a mesma coisa,
entra ano e sai ano”, tem seu desejo de saber, de aprender e, consequentemente, o
de ensinar estagnado. Afina-se, então, essa idéia às de vários dos teóricos
estudados no campo da educação, como Freire, Wallon, Vygotsky e tantos outros
que destacam a importância de se pensar os processos de ensino-aprendizagem
como efetivos quando atingem não somente o aluno, mas que o professor também
seja um tanto aprendiz.
81
Filloux (2002) aborda o trabalho de Janine Filloux (1974)
28
em que a autora
entende que o desejo do professor é constituído por duas vertentes contraditórias: a
vontade de instruir e a vontade de conservar para si aquilo que sabe.
Citei Mannoni [1988] no final do Seminário, dizendo que “o desejo
de saber do aluno é paradoxalmente deslocado pelo desejo ambíguo
do mestre de que o aluno saiba, de tal maneira que, o desejo de
saber do aluno é raptado deste aluno. A instituição escolar,
acrescenta ele ainda, é feita para garantir ao professor o papel de
dono do saber. (FILLOUX, 2002, p. 100).
Mannoni (1988) faz uma leitura sobre a relação de poder entre alunos e
professores, em que interpreta que o professor pode ficar numa posição de poder e
inconscientemente, submeter os alunos. E Filloux (2002) aponta que além das
ambivalências, o desejo do professor comporta o exercício de certa sedução (que
por vezes é tomado como dom), e explica que esse dom está ligado à necessidade
de amor.
O professor é objeto de uma convergência de olhares e vocês
sabem que o olhar expressa evidentemente muita coisa, o amor, o
ódio, existem olhares que assustam e, às vezes, a conjunção de
olhares hostis podem causar angústia. O que ocorre muitas vezes
nestes casos, se o grupo suscita medo (isto é uma análise
psicológica), a reação do professor poderá ser de intimidação (e
quando falo psicológico, estou dizendo no âmbito do consciente
vocês já tiveram essa experiência). A reação é um processo de
intimidação, de inversão do medo para o seu contrário e também a
inversão da imagem devoradora. (FILLOUX, 2002, p. 107).
Esse desconforto ameaçador eventualmente sentido pelo professor pode
gerar nele, de maneira inconsciente, uma necessidade de afirmar seu próprio poder.
Filloux (2002) continua a desenvolver sua idéia, afirmando que a força se tornará um
fundamento legítimo de poder, que visa garantir a legitimidade do poder, “já que ela
visa apenas proteger a posição do professor e o seu status de autoridade”
(FILLOUX, 2002, p. 109).
Para explicar este campo relacional, em que certos tipos de articulação se
estabelecem entre a posição do aluno, em uma relação comum com o saber, e entre
um mestre e um ou vários alunos, há um tipo de vínculo, o autor utiliza a metáfora do
contrato desenvolvida por Janine Filloux (1974) para elucidá-lo.
28
FILLOUX, J. Du contrat pédagogique, le discours inconscient de l’école. Paris, Dunod, 1974.
82
A cláusula central de tal contrato é o dever de ensinar e educar, bem como o
dever de ser ensinado e educado. Trata-se de um contrato que favorece as
transferências amorosas, favorece a identificação com o professor; mas, lembra o
autor, que há uma assimetria das posições que ainda vai se desenvolver
subterraneamente e não pode ser negada.
Este contrato primário, assimétrico, é um contrato duro, ao mesmo tempo em
que há um outro contrato, um contrato afetivo de doação etc. O mestre ocupa,
portanto, um papel de pai idealizado, e pode se tornar também, neste momento, um
objeto de violência, que pode dar lugar, em certos casos, por exemplo, por parte de
alguns alunos, em uma violência que age sobre o professor (FILLOUX, 2002, p. 131-
132).
Isto quer dizer que a sedução, que pode ser considerada como um
dos motores da situação pedagógica, acaba se transformando em
algo que foi justamente criado pela organização dos dois contratos,
como se o professor fosse, de repente, obrigado a utilizar a sedução
para tentar acalmar o jogo; mas a sedução que neste caso poderia
ser a solução da relação pedagógica, na verdade acaba se
transformando num beco sem saída. É preciso dizer que a
aprendizagem intelectual, por exemplo, por parte do aluno, e os
métodos didático-pedagógicos do professor se inserem neste
sistema. Não esqueçamos que o professor de Matemática pode
imaginar que a sedução pode realmente ajudar no aprendizado de
Matemática, assim como também no nível de conteúdo, situa-se
muito bem neste conjunto de fenômenos articulatórios que de certa
forma produzem aquilo que ocorre no campo. (FILLOUX, 2002, pp.
132-133).
Filloux (2002) desenvolve, então, o que parece uma crítica à relação de
poder e situa a sedução como efeito dela. Sem ignorar que tais conteúdos participam
da relação entre professores e alunos, pode-se pensar que estes não são conteúdos
exclusivos, como já foi mencionado no desenvolvimento deste capítulo.
Considerando-se, então, que a relação entre alunos e professores é
mediada por seus desejos o de saber e o de ensinar –, pode-se questionar: o que
sustentaria tais desejos? Supõe-se que, da parte do professor, a condição para
sustentar seu desejo de ensinar e para suportar seu lugar transferencial seja
proporcional à sua condição de lidar simbolicamente com o que é seu próprio desejo
de saber, que é anterior ao seu desejo de ensinar, e é anterior também à sua
83
escolha por essa profissão. E é isso que se transmite: o desejo, para além do
conhecimento.
Supõe-se ainda que, da parte do aluno, o seu desejo de aprender sustenta-
se em sua constituição como sujeito humano desejante por saber; na possibilidade
de confiar no professor e supor que ele sabe; ter a percepção, ainda que
inconsciente, de que o professor suporta o lugar que lhe é dado na transferência.
Sendo assim, é contagiado pelo desejo que o professor lhe transmite, vê-se
reconhecido como sujeito que aprende no olhar daquele que elegeu como mestre. E,
finalmente, diferencia-se dele em sua singularidade, apropria-se do saber,
construindo seu próprio conhecimento e ocupando o lugar de sujeito.
O desejo de ensinar do professor, somado à sua capacidade afetiva de
reconhecer seu aluno como sujeito único, suportando as transferências, sustenta o
desejo de aprender do aluno, resultando no processo de aprendizagem.
Pode-se concluir que é fundamental que o professor esteja “de bem” com a
sua escolha e com o seu desejo, pois não é com o conhecimento que é
convocado a responder na relação pedagógica, mas com a sua subjetividade.
84
PARTE II – MÉTODO
1. JUSTIFICATIVA E DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA
Esta pesquisa tem, como objeto de estudo, as representações elaboradas
pelas crianças sobre os aspectos afetivos da relação com seus professores, ou seja,
procura-se compreender um pouco mais sobre os laços inter-relacionais que se
estabelecem entre alunos e professores no processo pedagógico e na mediação do
conhecimento, marcados pela subjetividade de cada um dos sujeitos desse
processo.
O problema de pesquisa se delimitou da seguinte forma: Quais as
representações que as crianças constroem sobre aspectos afetivos da relação com
seu professor? E como representam as implicações destes aspectos afetivos em sua
aprendizagem?
Para Delval (2002), o estudo direto das representações tem um grande
interesse em si mesmo por suas inegáveis repercussões práticas, considerando que
as pessoas agem a partir dessas representações e que é possível identificar
aspectos gerais nas representações dos sujeitos sobre diferentes conteúdos.
A existência dessas representações é o que unidade ao
pensamento infantil. Ao contrário do que pretendem alguns autores, o
pensamento da criança não é algo caprichoso e variável, mas tem
notável coerência e homogeneidade, ainda que siga as próprias
regras, que é o que se procura descobrir mediante a utilização do
método clínico. (DELVAL, 2002, p. 82).
A capacidade de representação é um fator importante na vida humana. Uma
vez que a relação entre o pensamento e a linguagem faz parte do desenvolvimento
humano, a investigação sobre as noções e representações que as crianças possuem
sobre a função do professor em seu processo de aprendizagem traz também a
possibilidade de que a criança ocupe um lugar de sujeito, de quem pode dizer algo
85
sobre si e sobre seus processos de aprendizagem. Não se pretende somente falar
sobre as crianças, mas falar com as crianças.
No processo de aprendizagem, para além da relação da criança com o
objeto de conhecimento, está sua relação com o professor ocupando a função de um
adulto que lhe ensina; que deseja que ela aprenda, conforme explicitado na
fundamentação teórica deste trabalho. A relação pedagógica é, portanto, carregada
de afetividade.
A produção de estudos que busquem esclarecer o papel que a afetividade
ocupa na aprendizagem e no desenvolvimento humano é de considerável relevância
para o campo do conhecimento educacional.
2. PRESSUPOSTOS
1. As crianças têm uma estrutura de pensamento coerente, com um sentido
próprio e constroem representações da realidade à sua volta.
2. Considerando que as crianças possuem capacidade de representar
vivências por meio de palavras e de outras formas, como o desenho, por exemplo,
oportunizar esse espaço pode contribuir para a compreensão de aspectos afetivos e
cognitivos envolvidos em seus processos de aprendizagem.
3. Ensinar e aprender são processos relacionais.
4. A relação pedagógica é importante e intervém na relação que o aluno terá
com o objeto de conhecimento.
5. A relação com o conhecimento é, também, carregada de afetividade, por
isso fala-se em ‘desejo de aprender’.
86
3. OBJETIVOS
3.1. Objetivo geral
Através das representações que as crianças constroem sobre a relação
afetiva com seus professores, buscar conhecer um pouco acerca dos laços inter-
relacionais que se estabelecem entre crianças e professores no processo
pedagógico e suas possíveis repercussões no desejo de aprender.
3.2. Objetivos específicos
1. Identificar as representações que as crianças constroem sobre aspectos
afetivos da relação com seu professor;
2. Investigar possíveis implicações de tais representações nos seus
processos de aprendizagem.
4. PARTICIPANTES DO ESTUDO
Selecionou-se através de sorteio, entre duas turmas da quarta série do
Ensino Fundamental de uma escola pública do município de Curitiba, um total de
doze participantes (seis de cada uma das turmas) com idade aproximada de dez
anos.
A escolha dessa escola deu-se por conveniência, pelo fato da pesquisadora
haver realizado outros trabalhos neste local e ter, portanto, um vínculo com as
professoras da escola, as quais tiveram grande receptividade à presente proposta de
trabalho.
Utilizou-se o próprio espaço escolar como ambiente para realizar os
momentos de coleta de dados, que foram individuais e videogravadas.
87
5. MÉTODO PARA A COLETA DOS DADOS
O estudo caracterizou-se como exploratório e de cunho qualitativo. Esta
opção parece adequada ao atendimento do problema de pesquisa proposto, que
envolve uma investigação de elementos subjetivos dos participantes dessa faixa
etária, relacionados à relação afetiva com seus professores, cujo acesso parece
ainda não ser possível por meio de instrumentos padronizados.
Utilizou-se a interação direta com os sujeitos por método verbal associado à
realização de desenhos, fornecendo dados que foram analisados por meio de
técnicas qualitativas: análise do discurso e elaboração de categorias, bem como
análises individuais, agrupando as informações oriundas dos diferentes
instrumentos, buscando-se construir um todo interpretativo integrado e dinâmico.
A coleta de dados da pesquisa foi realizada por meio de três instrumentos:
5.1. Desenhos com histórias
Tal instrumento é uma adaptação do Procedimento Desenhos-Estórias com
Tema (D-ET), desenvolvido por Trinca (1997), cuja fundamentação é baseada nas
teorias e práticas da psicanálise, das técnicas projetivas e da entrevista clínica e vem
sendo bastante utilizado como instrumento básico de pesquisas qualitativas. Flores
(1984), Fernandes (1988), Trinca (1987), Mestriner (1989) e Amarilian (1992) assim
o utilizaram, havendo diversas pesquisas e artigos em que esse uso é referido
(TRINCA, 1997, p. 47).
Sendo inicialmente uma técnica de investigação clínica, o D-ET tem por base
os desenhos e o emprego do recurso de contar histórias, o que reúne e utiliza
informações oriundas de técnicas gráficas e temáticas. Trinca (1997) sustenta que o
procedimento é formado pela associação de processos expressivo-motores (entre os
quais se inclui o desenho) e processos aperceptivos-dinâmicos (verbalizações
temáticas).
88
O D-ET pode ser descrito sucintamente da seguinte maneira: o sujeito faz
um desenho a partir do tema proposto, a partir do qual verbaliza uma história e, em
seguida, responde ao pesquisador fornecendo esclarecimentos (“inquérito”), sendo
finalmente incentivado a intitular sua produção.
Tendo em vista os objetivos do presente estudo, fez-se a adaptação do
procedimento, o qual é descrito na seqüência:
Em um primeiro momento, a criança foi convidada a desenhar sua sala de
aula. O objetivo foi introduzir o tema de uma maneira ampla, levantando informações
iniciais através do grafismo que, de maneira geral, pode ser considerado uma forma
significativa de representação. Em seguida, pediu-se à criança que contasse uma
história relacionada a seu desenho, como forma de incentivar sua fala e, por fim, que
desse um título para sua produção.
No segundo, a criança foi novamente convidada a desenhar, desta vez a si
mesma e a sua professora, em um momento que considerasse importante. Em
seguida, a contar uma história baseada em seu desenho e, finalmente, a intitular sua
produção. O objetivo do trabalho, nesse momento, é que a manifestação subjetiva se
a partir do estímulo gráfico (desenho), de forma que, naturalmente, o sujeito
realize uma organização pessoal, exercendo liberdade de composição
(associações).
A fim de favorecer a percepção do deslizamento significante, houve outros
dois momentos em que se solicitou que a criança desenhasse novamente sua sala
de aula e a si própria e a sua professora, em um momento que considerasse
importante. Também se pediu que elaborasse histórias a partir dos seus desenhos,
totalizando, então, quatro desenhos.
Para Trinca (1997), quanto menos diretivo for o estímulo, maior será a
possibilidade do aparecimento de material pessoal significativo, a partir da
associação livre, sendo que as propriedades de flexibilidade, espontaneidade e
imprevisibilidade permitem uma sondagem da vida psíquica; neste caso, do que se
refere às representações que o sujeito faz sobre a relação afetiva com seu professor.
89
5.2. Histórias para completar
Consiste em inícios de histórias em torno de uma dada temática, os quais
são contados à criança para que ela imagine uma continuação. Esse instrumento foi
desenvolvido tendo como base a adaptação feita por Cruz (1987) da técnica
denominada Méthode des Histories à Completer”, de autoria de Dra. Madeleine
Backes Thomas (19__).
Originalmente se constitui de uma série de pequenas histórias que a criança
deve completar. Na adaptação de Cruz (1987) houve uma substituição dos inícios
das histórias em relação ao estudo original, que passaram a se referir especialmente
a temas relativos à escola. De forma a atender ao problema de pesquisa no presente
estudo, enfocou-se mais diretamente a relação afetiva entre professor e aluno (ver
Anexo B), bem como as representações acerca das implicações dessa relação sobre
sua aprendizagem. O objetivo desse instrumento é investigar as associações
produzidas pela criança, que revelem representações construídas sobre o tema. As
crianças estiveram livres para escrever a continuação das histórias, desde que
depois as relatassem à entrevistadora, ou que completassem verbalmente as
histórias.
A fim de esclarecer sobre a elaboração dos inícios das histórias em sua
relação com o objetivo do instrumento, compôs-se um quadro, inspirado no estudo
de Nuñez Rodríguez (2008), o qual se visualiza da seguinte forma: a primeira e a
última coluna do quadro referem-se aos objetivos, tanto gerais como específicos,
para os quais os inícios das histórias para completar foram elaborados; a segunda
coluna contém o número da história e a terceira coluna contém o início da história
em si, tal como aparece no roteiro que foi utilizado:
90
Objetivo geral do
conjunto de
histórias para
completar
Número
da
história
Início da história
para completar
Objetivo específico do
início da história para
completar
1
De vez em quando, o
menino pensava nas
coisas da escola e na
professora. Ele
pensava...
Levantar as associações
que a criança produz sobre
sua relação com a escola e
com a figura do professor.
2
A professora estava feliz,
porque...
Buscar perceber, em suas
associações,
representações sobre os
afetos ligados à figura do
professor.
3
O menino chegou na
escola chateado. Ele
estava chateado
porque... E a professora
dele ...
Investigar as
representações da criança
sobre o lugar que as
emoções ocupam na
relação com o professor.
4
O menino aprendia bem
as coisas. O que fazia
com que ele
aprendesse....
5
O amigo do menino não
aprendia bem as coisas.
Então, a professora
dele...
Identificar se a criança
relaciona aspectos afetivos
com a aprendizagem.
6
A professora tinha um
desejo. Ela desejava...
O objetivo desse
instrumento é
investigar as
associações
produzidas
projetivamente pela
criança, que revelem
representações que
estas possuem sobre
a afetividade na
relação pedagógica.
7
Nas férias a professora
sentia saudades...
Perceber se, em suas
associações sobre a figura
do professor, é possível
relacionar,
espontaneamente, o seu
desejo e afeto com o seu
trabalho.
Quadro 03: Quadro explicativo dos objetivos das histórias para completar.
91
5.3. Entrevista com perguntas semi-estruturadas
Através de um roteiro inicial com perguntas básicas, o papel do pesquisador
foi o de incentivar os sujeitos a nomear e explicar, o máximo possível, o que pensam
sobre a função afetiva do professor na sua aprendizagem.
Optou-se pela utilização deste instrumento considerando o aspecto que
Moura (2004) destaca: a entrevista é um instrumento fundamental quando se tem em
vista captar os significados que os sujeitos constroem sobre a realidade.
A autora aponta que existem alguns cuidados particulares necessários
quando esta é dirigida a crianças, como por exemplo, de que esta não seja
entendida por elas como mais um trabalho escolar. também o risco de que as
crianças estruturem suas respostas de forma exclusivamente narrativas ou baseadas
em estereótipos.
Nesse sentido, a autora sugere que a realização da entrevista deve permitir
a máxima espontaneidade, e que o pesquisador deve seguir devagar os desvios da
conversa e percorrer com atenção seus espaços de silêncio. Assim se posiciona
Sarmento
29
(2003), ao mencionar que alguns pesquisadores preferem o termo
“conversação” ao termo “entrevista”, para evitar uma conotação formalista que, de
alguma maneira, impeça os sujeitos de se expressarem tal como são.
Novamente, a fim de esclarecer sobre a elaboração das questões da
entrevista em sua relação com o objetivo do instrumento, utiliza-se o quadro
desenvolvido por Nuñez Rodríguez (2008), o qual se visualiza da seguinte forma: a
primeira e a última coluna do quadro referem-se aos objetivos, tanto gerais como
específicos, para os quais as questões foram elaboradas; a segunda coluna contém
o número da questão e a terceira coluna contém a questão em si, tal como aparece
no roteiro que será utilizado na entrevista (ver Anexo C):
29
SARMENTO, M. J. O estudo de caso etnográfico em educação. In: Perspectivas qualitativas em sociologia
da educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p.137-179.
92
Objetivos gerais do
conjunto de perguntas
Número Pergunta Objetivo específico da
pergunta
1
Qual o trabalho do(a)
professor(a)?
Acessar
representações
construídas pelas
crianças sobre seus
professores
2
Como são seus
professores(as)?
Perceber se, ao
descrever sua idéia
sobre seu trabalho e
como são os
professores, aparecem
elementos referentes à
afetividade.
3
Você gosta do seu
professor(a)? Por quê? O
que faz você gostar dele?
4
O que o professor(a) faz
que você não gosta?
Levantar o afeto que a
criança tem por seu
professor e o que ela
acredita que o
desperta.
5
O que os(as) professores
sentem por seus alunos?
Eles(as) gostam de seus
alunos?
Levantar se a idéia
de afeto por parte do
professor está presente
em sua suposição.
Identificar alguns
elementos da
afetividade e quais são
os aspectos
considerados pela
criança para definir
afetos.
6
Como você percebe o que
o(a) professor(a) sente por
você ou por seus colegas?
Perceber se, em sua
representação acerca
do trabalho do
professor, há
manifestações de
afetividade
reconhecidas pela
criança.
7 Que coisas o(a)
professor(a) faz que te
ajudam a aprender?
Identificar se, para
criança, há alguma
relação entre os
métodos utilizados pelo
professor e a
afetividade.
8
Do que o(a) professor(a)
ensina, o que você mais
gosta? Por quê?
Relacionar
afetividade e
aprendizagem
9
E do que você menos
gosta? Por quê?
Investigar o afeto em
relação aos conteúdos
aprendidos.
Quadro 04: Quadro explicativo dos objetivos das questões da entrevista.
93
6. PROCEDIMENTOS
6.1. Estudo-piloto
Os instrumentos foram testados em um estudo-piloto aplicado em um
número reduzido de sujeitos (três), para que se pudesse avaliar a eficácia dos
mesmos.
O estudo-piloto é importante para que se verifique a qualidade de
clareza das perguntas, sua compreensão, graus de dificuldade ou facilidade,
duração, dinâmica etc., bem como se os dados levantados atingem as
expectativas do pesquisador em relação à problemática de pesquisa.
A partir da avaliação e da experiência no estudo-piloto foram
realizados os ajustes que se fizeram necessários para que se chegasse à
forma definitiva de utilização dos instrumentos da pesquisa. A seguir, descreve-
se como se deu a realização do estudo piloto:
Após a apresentação da pesquisadora às crianças em sua classe, na
presença da professora, explicou-se sobre a realização da pesquisa para a
qual se precisaria, nesse momento, da colaboração de três alunos, dois da
presente turma e um da outra. Foi solicitado que cada um deles escrevesse
seu nome em um pequeno pedaço de papel, após o que foi efetuado um
sorteio, de forma a se decidir quais participariam. Quanto à receptividade das
crianças, pode-se dizer que a maioria se interessou e algumas ficaram até
mesmo empolgadas com a possibilidade de serem sorteadas. Cinco alunos
preferiram não participar do sorteio, o que foi respeitado.
Selecionada a primeira criança, esta foi encaminhada, juntamente com
a pesquisadora, a uma sala à parte, anteriormente indicada pela diretora da
escola. A sala tinha boas condições de iluminação, mas não de ventilação,
porque suas janelas estavam emperradas. Também não era muito silenciosa, e
apesar de ser uma sala de aula sem uso, tinha características de “depósito”,
com algumas sucatas para trabalhos e muitas carteiras amontoadas, ao que a
94
pesquisadora tentou arrumar um pouco, visando viabilizar a coleta de dados;
ao que se conclui não ser exatamente o ambiente mais adequado ao trabalho
proposto.
Após alguns minutos de conversa com a criança, tentando-se
estabelecer um rapport, a filmadora foi apresentada à criança, tendo-se
perguntado se ela se opunha ao procedimento de ter sua participação
registrada, o que não ocorreu. Em seguida, aplicou-se a seqüência de
instrumentos previstos, o que durou cerca de uma hora. Ao término, o aluno
voltou para sua sala de aula e foi sorteado o nome do participante seguinte. Os
demais procedimentos de trabalho foram repetidos com o segundo aluno,
sendo que a sessão também teve a duração de uma hora.
Na outra turma repetiu-se o procedimento de seleção para definir
quem participaria do trabalho. Nesta os alunos pareciam mais tímidos, mas
assim mesmo todos quiseram participar do sorteio. Com a terceira criança
também foram aplicados os mesmos procedimentos de trabalho, sendo que
durante o mesmo houve um momento em que um aluno de outra série da
escola entrou na sala para buscar um material e, na seqüência, sua professora
também veio, causando uma interrupção, a qual, aparentemente, não teve
conseqüências. A terceira sessão também durou aproximadamente uma hora.
A partir desta primeira experiência com o estudo-piloto pôde-se
perceber, como uma dificuldade, que crianças se soltassem e falassem mais a
partir do estímulo dos instrumentos. Associou-se como uma causa possível
desta “timidez” inicial o pouco contato que as crianças tiveram com a
pesquisadora. Optou-se, então, por preceder a realização da coleta de dados
propriamente dita com várias idas à escola, de forma a estabelecer mais
contato com o ambiente de pesquisa e realizar momentos de observação nas
classes das crianças participantes, para que as mesmas pudessem sentir
maior familiaridade com a pesquisadora.
Outra decisão tomada a partir do estudo piloto foi a de que os
instrumentos não deveriam ser aplicados todos no mesmo dia. Optou-se por
trabalhar em três sessões, que a possibilidade de retomar a conversa em
momentos variados provavelmente aumentaria o nível de familiaridade e de
confiança, visando-se a obtenção de maior qualidade nas respostas.
95
6.2. Estudo propriamente dito
Antes do início da coleta de dados da pesquisa, conversou-se
novamente com as turmas dos alunos sobre a pesquisa. A pesquisadora, agora
conhecida pelas crianças em virtude da realização do estudo-piloto, passou
a acompanhar as duas turmas em algumas de suas atividades em sala de aula,
a fim de que as crianças se familiarizassem e ficassem mais à vontade com
ela.
A seleção das crianças participantes também se deu por sorteio, como
no estudo-piloto, buscando-se, agora, selecionar seis alunos de cada turma.
Desta vez a receptividade das crianças foi maior e em ambas as turmas todas
as crianças quiseram participar do sorteio.
A coleta com as crianças selecionadas deu-se de forma individual, na
mesma sala utilizada durante o estudo-piloto. Cada sessão iniciava com alguns
minutos de conversa com a criança, tentando-se estabelecer o rapport. A
filmadora foi então apresentada aos participantes, que consentiram em ter sua
participação registrada. O primeiro instrumento de pesquisa aplicado foi o dos
desenhos com histórias, os quais foram realizados em duas sessões
consecutivas, com dois desenhos cada uma. Após o término deste primeiro
instrumento, se considerou alguns critérios para a continuação do trabalho,
com a aplicação dos demais instrumentos ou sua interrupção, com retomada
em uma sessão posterior: o tempo utilizado, a qualidade de sua participação,
seu eventual cansaço e a avaliação, com a própria criança da sua disposição e
vontade em continuar naquele momento ou em outro. Ainda, se haveria alguma
atividade que a criança estivesse interessada em participar, como por exemplo,
assistir a um filme, participar das aulas de informática ou de educação física,
etc. Ou seja, houve um cuidado para que os momentos de coleta de dados não
atrapalhassem muito a rotina das crianças, bem como, que elas pudessem ser
respeitadas em suas escolhas. Como resultado desta maneira de proceder, a
seqüência de instrumentos previstos na coleta de dados teve de ser realizada
em pelo menos três momentos com cada criança, sendo que a duração de
96
cada uma dessas sessões foi variada, devido ao respeito aos critérios
anteriormente citados. Ao término de cada uma das sessões, o aluno voltava
para a sua sala de aula, dando lugar ao participante seguinte.
Em alguns dias, durante o todo o processo de coleta de dados, a sala
disponibilizada pela direção da escola esteve ocupada por uma professora que
realizava atividades com alunos das demais séries da escola, o que fez com
que algumas sessões ocorressem em mesas de jogos no pátio. Essa alteração,
no entanto, pareceu não interferir no processo da coleta, que esta foi
realizada em horários em que os demais alunos da escola estavam envolvidos
em suas aulas.
A partir da experiência pode-se considerar que o contato com as
turmas, para além dos momentos de coleta de dados propriamente dita,
favoreceu que as crianças participassem do trabalho de forma mais solta e
espontânea. Assim como a aplicação de todos os instrumentos não ter ocorrido
no mesmo dia também pareceu favorecer a obtenção de resultados positivos
no que se refere à qualidade da participação das crianças.
97
PARTE III – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
As informações obtidas na presente pesquisa foram tratadas de forma
qualitativa, basicamente por meio de análises de conteúdo, buscando-se
identificar significantes e representações que predominaram no conteúdo dos
discursos das crianças. Tal procedimento orientou-se pela análise temática em
três etapas, proposta por Minayo (2000):
etapa: pré-análise consistiu em várias sessões em que o material
videogravado foi assistido e transcrito, seguindo-se, então, uma leitura
insistente e exaustiva de todo o material coletado, tendo em vista os objetivos
do estudo. Organizou-se, então, as principais informações em palavras-chaves
ou frases, tendo-se o cuidado de não desvinculá-las de seu contexto de
compreensão;
etapa: exploração do materialconsistiu em uma transformação do
material bruto, visando-se um melhor entendimento do que foi dito. Procedeu-
se, nessa etapa, à categorização e classificação dos termos ou frases-chave
selecionados previamente, de acordo com o tipo de conteúdo predominante;
etapa: tratamento dos resultados obtidos e interpretação etapa
que consistiu em, finalmente, destacar significados explícitos e implícitos no
material, relacionando-os com o referencial teórico que fundamenta a pesquisa
em questão.
No que diz respeito ao primeiro instrumento aplicado, que inclui
desenhos, faz-se importante mencionar que, em princípio, se assumiu uma
postura mais descritiva do que interpretativa em relação a esse material.
Somente depois, contextualizado pelas histórias e em conjunto com os demais
instrumentos nas análises individuais, é que houve uma tentativa mais direta de
construções de sentidos, buscando-se respeitar os limites e a parcialidade
inerentes ao fato de se tratar de uma pesquisa específica, sem tomar-se uma
via de muitas interpretações que ultrapassassem o objetivo deste trabalho e
preservando a abertura significante. Concorda-se com Filloux (2002) e outros
98
autores citados, quando ele menciona que certas colagens de teorias analíticas
em interpretações não são um trabalho sério.
Conforme descrito no método deste estudo, os desenhos das crianças
receberam um título, bem como foram acompanhados de pequenas histórias
por elas criadas. Esse material escrito e verbalizado sofreu o mesmo tipo de
tratamento que os demais desse tipo, provenientes dos outros instrumentos.
Assim, a partir de uma lista de todas as falas das crianças que
remetessem às representações afetivas da relação com suas professoras, as
mesmas foram separadas de acordo com cada instrumento de pesquisa a
partir do qual se originaram, de forma a facilitar a sua apresentação.
Nesse processo de análise do discurso dos participantes levou-se em
consideração o que destaca Moura (2004) que, tanto nas entrevistas quanto
nas conversas informais, a fala também se caracteriza e seu sentido se
constrói no momento de interação entre o pesquisador e o pesquisado. O que,
psicanaliticamente falando, pode ser entendido também como um viés do
fenômeno transferencial, ou seja, as palavras escolhidas e o que se diz é
também endereçado a quem escuta.
A mesma autora considera que o sentido do que se diz é também
parcialmente condicionado por fatores contextuais, sendo que a fala é também
influenciada e produzida a partir de um determinado lugar e de um determinado
tempo. Fato este que pode ser pensado exatamente na fronteira entre o
coletivo e o singular, onde o sujeito se situa. algo de muito singular, próprio
do sujeito marcado por sua história e subjetividade, mesmo nas representações
compartilhadas com os outros e a cultura.
Levando-se em conta os fatores acima citados, a análise de conteúdo
realizada permitiu que fossem instituídas as seguintes categorias que agrupam
as expressões ou frases das crianças participantes do estudo:
1ª. Categoria: Representações de atenção, conversa e ajuda;
2ª. Categoria: Representações de afeto, carinho e estima;
3ª. Categoria: Representações de momentos divertidos e de proximidade;
4ª. Categoria: Representações do desejo de aprender;
5ª. Categoria: Representações do desejo de ensinar; do investimento por
parte da professora; indicações de que ela se importa com os alunos.
99
É importante ressaltar que os nomes das crianças participantes da
pesquisa foram substituídos por nomes fictícios, a fim de preservar-lhes a
identidade. Também os nomes dos professores, eventualmente mencionados
pelas crianças, foram representados por letras entre aspas.
A partir das categorias criadas foram realizados três tipos diferentes de
análise. A primeira, que se apresentada a seguir, possui um caráter mais
quantitativo, já que se trata de um diagrama no qual se pode visualizar a
freqüência em que as categorias indicadas apareceram ao longo de toda a
coleta de dados.
O segundo tipo de análise realizada foi dedicado a pormenorizar cada
uma das categorias obtidas, ou a descrever a maneira como estas se
compõem, mostrando-se o tipo de conteúdo emergente em cada uma delas e
exemplificando por trechos que representam, de forma significativa, tais
conteúdos.
Finalmente, o terceiro tipo de análise concentrou-se em cada
participante individualmente, saindo-se da referência grupal e buscando-se
demonstrar como cada criança, em seu percurso particular com os
instrumentos de pesquisa, manifestou suas representações no que diz respeito
à articulação entre afeto e aprendizagem. As análises individuais
oportunizaram que o trabalho com os desenhos fosse melhor explorado.
Percebe-se que as variadas formas de análise realizadas contribuem,
entretanto, para a discussão geral dos resultados, pois cada qual permite a
visualização dos resultados a partir de uma perspectiva diferente. Espera-se
que, por meio delas, as manifestações das crianças referentes à relação afetiva
com suas professoras e suas implicações para a aprendizagem possam ser, ao
menos em parte, compreendidas.
1. ANÁLISE FREQÜENCIAL POR CATEGORIAS
100
Frequência Geral de Categorias
29%
31%
6%
7%
27%
Representações de atenção, conversa e ajuda
Representações de afeto, carinho e estima
Representações de desejo de ensinar, investimento por parte da professora e importar-se com os alunos
Representações de desejo de aprender
Representações de momentos divertidos e de proximidade
Gráfico 01 – Freqüência geral de categorias
101
Como se pode observar, o diagrama acima apresentado busca
representar a freqüência com que as respostas ou falas dos participantes,
classificadas de acordo com as categorias mencionadas, apareceram no
decorrer do estudo, considerando-se, em um primeiro momento, os três
instrumentos utilizados.
É importante destacar que ciência de que a amostra de
participantes deste trabalho, o qual possui um caráter predominantemente
qualitativo, é uma amostra pequena para que seja analisada através de
referências quantitativas. Optou-se por fazê-lo, ainda assim, por se considerar
sua potencial utilidade em fornecer uma visualização global da freqüência com
que determinados tipos de representações apareceram no percurso da coleta
de dados. Julga-se necessária, portanto, uma leitura relativizada dos
resultados, já que se trata de um grupo de apenas doze crianças.
Deve-se esclarecer, ainda, que a base para o cálculo da porcentagem,
que representa cada categoria em relação ao todo, foi o total de falas obtidas
(e não a quantidade de participantes da pesquisa), tendo sido cada fator citado
considerado uma fala.
Verifica-se que, de uma forma geral, isto é, consideradas todas as
manifestações das crianças a partir dos três instrumentos, obteve-se com mais
freqüência as categorias cujas representações são de “atenção, conversa e
ajuda” (31%). Seguem-se a elas as representações de “afeto, carinho e estima”
(29%) e as representações de “desejo de ensinar; investimento por parte da
professora; importar-se com os alunos” (27%), com diferenças mínimas entre
esses três grupos de respostas/falas. Com menor freqüência apareceram as
categorias das representações do “desejo de aprender” (7%) e dos “momentos
divertidos e de proximidade” (6%).
Um fato que pode ajudar a explicar a menor freqüência das duas
últimas categorias mencionadas é que cada uma delas teve origem em apenas
um dos instrumentos aplicados, enquanto as demais agrupam respostas
oriundas dos três diferentes momentos de contato com as crianças.
102
Esta diferença entre a freqüência das categorias de acordo com os
diversos instrumentos de coleta de dados pode ser melhor visualizada no
segundo diagrama, apresentado na seqüência:
103
Gráfico 02 - Freqüência de categorias por instrumentos
Desenhos com Histórias
31%
40%
29%
Diversão e proximidade
Atenção, conversa e ajuda
Afeto, carinho e estima
Histórias para Completar
32%
37%
14%
17%
Atenção, conversa e ajuda
Desejo de ensinar
Desejo de aprender
Afeto, carinho e estima
Entrevista
24%
44%
32%
Afeto, carinho e estima
Desejo de ensinar
Atenção, conversa e ajuda
Frequência
de Categorias por Instrumentos
104
Quanto à freqüência das categorias por instrumento, observou-se que
apenas a partir do instrumento Desenhos com histórias as crianças trouxeram
representações de momentos divertidos e de proximidade com sua professora,
os quais foram mencionados de maneira bastante significativa (40%). Uma
interpretação possível para tal fato é a de que principalmente a insígnia:
“desenhe você e sua professora em um momento que considera importante”,
dada às crianças, propiciou liberdade para que demonstrassem como
consideram importantes os momentos em que podem estar com a professora
em atividades não sistemáticas, ou que saem da rotina, como brincadeiras,
jogos, passeios, etc.
As outras duas categorias obtidas a partir dos desenhos com histórias
foram as representações de atenção, conversa e ajuda (31%) e as
representações de afeto, carinho e estima (29%).
O instrumento Histórias para completar foi o que originou o maior
número de categorias. Foi também o único instrumento que favoreceu o
aparecimento de falas que remetessem à categoria referente ao desejo de
aprender. As categorias observadas a partir deste instrumento foram:
representações de atenção, conversa e ajuda (37%); representações do desejo
de ensinar, investimento por parte da professora e indicações de que ela se
importa com os alunos (32%); representações do desejo de aprender (17%) e
representações de afeto, carinho e estima (14%).
as categorias que surgiram das respostas que compuseram a
entrevista foram: representações de afeto, carinho e estima (44%);
representações do desejo de ensinar, investimento por parte da professora e
importar-se com os alunos (32%) e representações de atenção, conversa e
ajuda (24%).
Pode-se pensar que cada instrumento favoreceu de forma diferenciada o
discurso das crianças, sendo possível que as mesmas representassem de
várias maneiras a relação afetiva com suas professoras, bem como algumas
possíveis repercussões sobre o desejo de aprender.
105
2. ANÁLISE QUALITATIVA DAS CATEGORIAS
A seguir pretende-se descrever a maneira como as categorias foram
compostas, isto é, o tipo de conteúdo emergente em cada uma delas,
exemplificado por trechos de falas dos participantes que representam, de forma
significativa, tais conteúdos.
1ª. Categoria: Representações de atenção, conversa e ajuda.
As representações de atenção, conversa e ajuda na relação com a
professora foram muito significativas e podem ser identificadas em todo o
percurso da coleta de dados e a partir de todos os instrumentos, conforme se
pode observar nas falas das crianças.
Quando solicitados a desenhar sua sala de aula, intitular seu desenho e
a contar uma história, tomando como referência o que foi desenhado,
apareceram falas que podem ser tomadas como representações de atenção,
conversa e ajuda por parte da professora para com os alunos, como
exemplificam os extratos de protocolo a seguir:
Fernando - “... os alunos começaram a fazer bagunça,
a professora conversou com eles”.
Fernando - “A professora estava ajudando a gente na
informática, pois tinha coisas que nós não entendíamos”.
Gustavo - “Tirei F horrível, mostrei o boletim para meu
pai que ficou uma fera, ele é bravo quando erro nas
lições, a professora deu outra prova, outra folha, ela tinha
esperança que eu acertasse. Tirei um B, mostrei para o
pai, não ficou bravo e disse: - Tá bom”.
Naira - “Depois que a gente terminou, a professora fez,
para gente, jogo da memória, brincamos, conversamos
bastante, foi legal”.
106
Nos desenhos com histórias, em que se solicitou que desenhassem a si
próprios e suas professoras em um momento que consideram importante,
ficam ainda mais evidentes tais representações, como por exemplo:
Juliano - “A professora estava escrevendo e eu copiando
a matéria nova, ela me pôs perto dela”.
Naira - “A gente estava entrando na escola, estamos
conversando sobre eu ter passado de ano, ela também
está feliz”.
Fernando - “A professora me ajudando numa coisa que
eu não entendi”.
Viviane - “Minha professora estava conversando comigo
sobre minhas brigas com todo mundo, eles me atentam,
para eu parar de fazer isso”.
Lucas - “A professora ajuda quando a gente tem
dificuldade”.
Lucas - “Ela gosta de ajudar, ela é legal, bacana, tem dia
que ela não passa tanta lição e conversa mais com a
gente”.
Lucas - “Eu desenhei a professora explicando no quadro
porque ela é muito legal e ela ajuda os alunos quando
tem dificuldade nas contas no quadro”.
No que se refere às histórias para completar, foi proposto que, na
primeira história, os alunos completassem a seguinte frase: “De vez em quando
o menino pensava nas coisas da escola e na professora, ele pensava...” Nessa
oportunidade, uma das crianças completou da seguinte maneira:
Thaís - “Ele pensava em estudar e ajudar sempre a
professora”.
107
Nesse caso, embora não esteja explícito o sentido deste “ajudar sempre
a professora”, temos uma reincidência do significante “ajudar” incluído no que
pode caracterizar as relações entre alunos e professores.
No segundo início de história, em que a “professora estava feliz” e a
criança deveria completar com a idéia de porque ela estaria feliz, também
apareceu a concepção de que a professora é alguém que fica feliz em ajudar:
Lucas - “.... estava feliz porque ajudou seu aluno mais
querido”.
Thaís - “Ajudou algumas pessoas sem condições e daí
ela ficou feliz com isso”.
Em outra história apresentada, foi sugerido que “um menino chegou na
escola chateado”. As crianças deveriam completar a história dizendo porque
ele estaria chateado e, ainda, o que a professora fez diante disso. Nesse
momento, surgiram falas que demonstram que, para essas crianças, a relação
entre a professora e seus alunos comporta o “agradar”, o “conversar”, o
“ajudar” e o “aconselhar”; atitudes, essas, que podem ser consideradas de
ordem afetiva, para além da função de transmitir, ensinar um conteúdo.
Viviane - “A professora agradou ele e perguntou o que
ele tinha”.
Viviane - “A professora conversou com os pais dele”.
Marina - “Ajudou conversando, convencendo a prestar
atenção para não se prejudicar”.
Lucas - “Ela o aconselhou e ele ficou feliz”.
Estimulados pelo mesmo início de história, outros participantes disseram
frases que também revelam a suposição de um interesse e envolvimento por
parte da professora para além do ambiente escolar, uma consideração às
questões pessoais e familiares dos alunos:
108
Juliano - “A mãe dele está doente, diante disso a
professora o deixou ir para casa cuidar da mãe dele,
porque ela percebeu sua tristeza”.
Naira - “O menino estava muito chateado porque o tio
dele é drogado e rouba todo mundo. A professora do
menino o levou num canto e perguntou o que tinha
acontecido, ele respondeu e a professora o consolou”.
Hélio - “Ele estava chateado porque a mãe dele não tinha
conseguido copiar um DVD de videogame e a professora
perguntou o que tinha acontecido”.
Marina - “Por ter uma relação ruim com a mãe dele.
Ajudou ele conversando, vendo o que está acontecendo”.
Vanessa - “Ele estava chateado porque sua mãe brigou
com ele por não ter feito a lição de casa. A professora,
para ele não ficar daquele jeito, perguntou e ele disse
que sua mãe tinha brigado com ele porque ele o tinha
feito a lição, e ela deixou ele fazer a lição na escola”.
Lucas - “Porque os pais brigaram com ele. Ela
aconselhou”.
Novamente, as seguintes falas representam uma professora que “ajuda”,
“brinca”, “conversa” e “acalma” quando seu aluno está chateado:
Thaís - “Ele estava chateado porque o amigo não quer
mais brincar com ele, a professora ajudou-o brincando
com ele”.
Fernando - “Seu melhor amigo tinha saído da escola,
diante disso a professora conversou com ele e fez com
que ele se acalmasse”.
Para algumas crianças houve, em suas representações, uma relação
entre “atenção” e aprendizagem. Isso pôde ser constatado quando estas se
referiram, por exemplo, ao “que fazia com que o menino aprendesse bem as
coisas”:
Marina - A professora explicava; atenção da professora
com os alunos”.
109
Thaís - “Os pais davam atenção para ele e sempre que
podiam o levavam em lugares diferentes para ele
aprender”.
Viviane - “Ele prestava mais atenção na professora e daí
aprendia”.
Ao mesmo tempo, uma das crianças supôs que “o menino que não
aprendia bem as coisas” tinha uma professora que “aconselhava seus alunos
bons e os ruins não”, por isso este não aprendia. Pode-se perceber que, nestas
representações, a “atenção” e o “conselho” da professora são fatores que
determinam a aprendizagem.
para outra criança a atitude da professora diante do menino que
não aprendia bem as coisas era a de “ajudar”, “conversar”, “convencê-lo”, para
que ele prestasse atenção e não se prejudicasse:
Marina - “Ele não queria nada, bagunça, festa, a
professora o ajudou conversando, convencendo-o a
prestar atenção para não se prejudicar”.
Segundo o discurso de outro participante, a professora tem o importante
papel de “falar” com o pai para que este levasse o menino a uma psicóloga
para “ver o que estava acontecendo”. A professora parece, nesse caso, ter um
olhar diferente sobre essa criança, que permitiu perceber algo que os pais não
“sabiam”.
Gustavo - “Falou com o pai para ele levar numa
psicóloga, ver o que estava acontecendo, ele era
hiperativo como eu e o pai e a mãe dele não sabiam”.
A maioria das intervenções, por parte da professora, supostas pelas
crianças no caso do menino que “não aprendia bem as coisas” inclui uma maior
atenção. Tal dado reforça a interpretação de que para as crianças a atenção da
110
professora e dos pais é considerada um fator de grande relevância na
aprendizagem:
Fernando - “Deu um horário especial para ele estudar,
ele e a professora”.
Vanessa - “Todos os dias depois que acabava a aula, a
professora ficava com ele meia hora estudando”.
Lucas - “Não prestava atenção, ficava bagunçando, ela o
aconselhou e fez um trato com ele para ele fazer a lição”.
Thaís - “Ela ensinou ele e deu atenção para ele por isso
ele aprendeu”.
Daniel - “Ensinou, deu mais atenção para ele,
corregência”.
Hélio - “A professora deu um pouco mais atenção para
ele nas tarefas”.
Gustavo - “Deixou o menino triste na recuperação, mas
era para ele finalmente aprender”.
Juliano - “Porque os pais não ensinavam, ajudou ele em
todas as lições, deu uma atenção especial para ele”.
Juliano - “A professora e os pais ajudam, ensinam, dão
carinho e educação”.
nas entrevistas, é interessante observar que, quando questionadas
sobre qual é o trabalho do professor, as crianças relacionam a “atenção”, o
“ajudar” e o “conversar” à idéia que fazem sobre ele:
Lucas - “É um trabalho muito bacana, ajudar os alunos”.
Juliano - “Ajudar as crianças, passar lição ensinando,
explica e conversa”.
Naira - “É um trabalho muito importante porque ensina
para as crianças tudo que devem aprender. Eles
ensinam, brigam e acompanham”.
111
Estas categorias estão presentes também nas respostas das crianças
à questão de como são seus professores, como se pode constatar nas falas a
seguir:
Gustavo - “Eles sabem explicar, conversam ao invés de
brigar quando estamos fazendo coisa errada”.
Thaís - “Os meus professores são legais porque eles dão
atenção para nós igual nossos pais”.
Naira - “Eles são legais, o professor A. é bonzinho. Eles
nos tratam com carinho, amor e atenção”.
Marina - “Meus professores sempre foram bons,
principalmente essa, ela foi a melhor, me ajudou
bastante, eu estava na pior, era ruim em tudo, ela me
ajudou, incentivou com afeto”.
Esta criança representa assim seus professores:
Hélio – “São boas pessoas e trabalhadores”.
As falas referentes ao gostar da professora e o que as crianças
acreditam que as faz gostar dela, bem como a percepção sobre a professora
gostar delas ou de seus colegas, trazem a ação de “ajudar” como essencial em
suas representações:
Marina - “É uma pessoa muito boa, para ver porque
ela ajuda; a professora ruim não faz nada disso, nem
chega perto”.
Marina - “Porque ela ajuda, faz tudo de bom, se esforça
pela gente”.
Gustavo - “Quando alguma coisa acontece ela vai ajudar,
se importa com a gente, não deixa a gente fazer
besteira”.
Daniel - “Ela mais atenção para a gente, conversa
com cada um”.
112
Percepções que incluem “atenção, conversa e ajuda” novamente foram
relacionadas à aprendizagem nas respostas dadas por todas as crianças,
quando indagadas acerca de “Que coisas a professora faz que te ajudam a
aprender?”:
Daniel - “Conversa, demonstra que gosta”.
Helena - “Ela explica coisa por coisa, ela conversa”.
Juliano - “Lições, explicando, me e sentado perto dela,
treina leitura”.
Naira - “O jeito que ela ensina, ela faz toda explicação no
quadro, é muito atenta”.
Thaís - “Me ajuda quando eu tenho alguma dúvida”.
Gustavo - “Ela me ajudou, conversou com meus pais,
dava dicas para acertar a lição”.
Fernando - “Explica o que a gente não entende,
problema de leitura ela faz a gente ler, ela tem
paciência”.
Marina - “Atenção, incentiva”.
Hélio - “Carinho. Passar lição, tarefa; quando tem dúvida
pede para a gente falar”.
Lucas - “Eles ajudam quando temos dificuldade, se
preocupam, fazem a gente feliz”.
Thaís - “Sim porque eles dão muita atenção para mim e
quando estou com dúvida eles me ajudam”.
Posto que a construção de representações sobre a relação com a
professora envolvendo atenção, conversa e ajuda foram predominantemente
significativas e apareceram oriundas dos três instrumentos da pesquisa,
conclui-se que, para a maioria das crianças entrevistadas, os fatores afetivos
que compõem a representação do papel do professor parecem ser importantes.
113
2ª. Categoria: Representações de afeto, carinho e estima.
A partir do instrumento Desenhos com histórias, as crianças
representaram, entre outras coisas, “afeto”, “carinho” e “estima” na sua relação
com as professoras. Um exemplo foi o desenho de uma criança em que a
professora vestia uma blusa com um coração estampado. Seguem outros
exemplos em que as crianças mencionaram “abraços” entre elas e a
professora:
Viviane - “Um abraço, era Páscoa”.
Daniel - “Eu e a professora nos cumprimentando estamos
sorrindo e dando um abraço”.
Daniel - “Sorrindo, abraço. Não foi assim com as outras
professoras, ela gosta de mim”.
As crianças demonstraram, também, considerarem importante a
presença da professora, sua proximidade física, conforme os extratos que se
seguem:
Daniel - “Gostei de encontrar [a professora]”.
Thaís - “Esse momento é importante porque eu estou ao
lado da minha professora e também porque eu gosto
muito dela”.
Fernando - “Eu gosto quando a professora vai junto”.
Vanessa - “Esse momento é importante para mim porque
a escola é o lugar que eu vejo a professora N.”
114
Outras representações de afeto, que incluem não somente os
sentimentos agradáveis, foram o “estar brabo” e a professora também “estar
braba”; ao mesmo tempo, não exclui a idéia de que a professora, conforme sua
percepção, o trata bem e gosta dele. Vejamos como esses elementos
apareceram na história relatada por esse aluno:
Gustavo - “Eu fui para diretoria e estou brabo, ela ficou
braba porque eu aprontei. Ela só é braba quando eu
apronto grave”.
Gustavo - “Elogia, fala que eu tenho capacidade e sou
muito inteligente. Me trata bem. A professora gosta de
mim, não gosta que eu apronto”.
A representação afetiva “saudade” foi freqüente nas histórias para
completar. Sobre isso se pode inferir, baseando-se no aspecto geral das
observações e escuta, que, em parte, tal fato pode dever-se ao momento que
esses alunos e suas professoras estavam vivenciando, em que o fim do ano
letivo escolar se aproximava. Foram comuns discursos que remetem a uma
separação, que os alunos necessariamente mudarão de escola para
ingressarem na quinta série do Ensino Fundamental. Quanto a esse aspecto,
foram selecionadas as seguintes falas:
Vanessa - “Ela sentia saudades dos alunos e pensava
que eles também estavam com saudades dela”.
Viviane - “Saudades, esse período nessa escola acabou.
Eu vou visitá-la”.
Viviane - “A professora sentia saudades dos alunos”.
Daniel - “Pensava na professora, em vê-la de novo,
saudades, eu vou para o Dona Branca (colégio estadual
localizado na mesma região), tenho vontade de visitar a
professora”.
Daniel - “Durante as férias pensava nos seus alunos e
sentia muita falta deles, ela fala muito dos alunos, do
passado dela”.
115
Daniel - “Ficou chateado porque ficou sem ver a
professora”.
Helena - “Estava com saudades da professora”.
Helena – “Saudades dos alunos”.
Juliano - “Sentia saudades e ficava triste”.
Fernando - “Sentia saudades dos alunos porque eles
eram legais, carinhosos com ela”.
Lucas - “Sentia saudades de todos os seus alunos”.
Thaís - “Saudades dos alunos e de ensinar outras
pessoas”.
Encontrou-se, ainda, outras representações de afetividade, por
exemplo, quando uma criança supôs que a professora, durante as férias,
pensava em seus alunos. Considerou-se um conteúdo afetivo nessa fala,
porque se interpretou que a idéia representada remete a uma suposição de
desejo da professora de que seus alunos tivessem tais qualidades. Qualidades
estas que não se restringem ao seu desempenho de aprendizagem ou a suas
qualidades cognitivas:
Mariana - “A professora pensava nos alunos porque eles
eram bons, educados e gentis”.
É importante esclarecer que a inserção de questões com o significante
“gostar”, e sua variante “não gostar”, nas entrevistas, ocorreu por se considerar
o termo como uma forma de representar prazer ou desprazer, conforto ou
desconforto, em uma linguagem própria à idade das crianças escolhidas como
sujeitos da pesquisa. E quando houve a tentativa de se deixar mais em aberto
o sentido da questão, perguntando às crianças o que sentiam pela professora,
ou o que supunham que a professora sentia, houve muita dificuldade nas
resposta, o que fez com que se mantivesse a opção de usar o termo “gostar”e
na conversa, tentar ampliar seu sentido.
116
As considerações afetivas que surgiram a partir de então (“carinhosa”,
“brinca”, “é legal”, “é mais ou menos brava”, “muito braba”, “conversa como se
fosse aluno”, “ri”, “respeita”, “seu jeito”) estão claramente enlaçadas com as de
cunho cognitivo (“as coisas que ela passa”, “ensina as coisas”). A frase dita por
uma menina “ela me faz ser estudiosa representou um efeito de tal enlace
afetivo-cognitivo na relação pedagógica que não se pode supor que tais
instâncias sejam representadas, pelas crianças, como independentes. Seguem
os comentários dos participantes em resposta à pergunta sobre se elas
“gostam da sua professora, se gostam, por que e o que faz com que gostem”:
Fernando - “Por ela ser legal com os alunos e ela ser
mais ou menos brava”.
Gustavo - “Sim, porque ela sabe explicar, a professora do
ano passado não sabia explicar e só gritava”.
Vanessa - “Sim, porque ela é carinhosa, brinca com seus
alunos”.
Lucas - “Sim, eu gosto da professora porque ela é legal”.
Thaís - “Eu gosto porque ela me faz ser estudiosa”.
Hélio - “Sim gosto, ela é muito braba, mas conversa
como se fosse aluno. A outra professora nunca vi dando
risada, só cara feia”.
Viviane - “Eu gosto da minha professora, ela me
respeita”.
Helena - “Ela é legal, as coisas que ela passa, o jeito
dela e ela ensina as coisas”.
Naira - “Sim, porque ela me ensina as coisas”.
Surgiu ainda uma grande variedade de representações a partir da
questão da entrevista sobre “o que o professor faz que elas não gostam”. A
maioria das crianças pôde dizer algo que as desagrada na sua relação com a
professora. Isso mostrou parcialmente as ambivalências, próprias da
transferência e de todas as relações entre os seres humanos.
117
Esta questão, portanto, colaborou com a intenção deste estudo, que é
a de levantar as representações que as crianças produzem sobre sua relação
afetiva com suas professoras, porque evidenciou vários tipos de afetos,
conforme demonstrado a seguir:
Fernando - “Nada, gosto de tudo”.
Marina - “Ela está certa, grita... incomoda”.
Naira - “Às vezes quando ela erra feio; alguém não faz
lição, é chata; mas eu gosto dela”.
Gustavo - “As meninas são santinhas, nós que somos
maus, bagunceiros”.
Vanessa - “Nada”.
Lucas - “Quando ela me bate”.
Thaís - “Quando ela passa muita lição”.
Hélio - “Quando faz coisa errada, não deixa a pessoa
falar”.
Viviane - “Ela briga comigo, mas eu preciso”.
Daniel - “Às vezes fico brabo quando ela briga”.
Helena - “Quando ela passa português, porque eu não
gosto”
Juliano - “Lição de português, bilhete para casa, porque a
mãe põe de castigo”.
A maior parte das crianças acredita que os professores gostam de
seus alunos; mas, também, algumas delas consideram que somente alguns
professores gostam:
Thaís - “Acho que os professores gostam de criança, a
maioria”.
Marina – “Sim. Nem todos”.
118
Hélio “Os professores gostam dos alunos, mas também
depende do professor”.
Daniel “Nem sempre o professor gosta de criança,
minha professora gosta de todos, mesmo os que ela
briga mais”.
É importante considerar a posição de Kupfer (2007) ao dizer que a
escola não é somente um lugar para aprender conteúdos, mas, para além
disso, na escola uma subjetivação da criança através dos discursos que
veiculam o oferecimento de lugares sociais e das leis que regem as relações
humanas. , portanto, uma elaboração singular da criança que, segundo a
teoria lacaniana, pode ser entendida como seu saber textual e está atrelado ao
inconsciente estruturado como uma linguagem. Nas falas seguintes, parece ter
sido possível a essas crianças nomearem algo das relações humanas através
de palavras como “alegria”, “brincadeira” e “agrado”, as quais remetem à
categoria de representações de “afeto”, “carinho” e “estima”.
Vanessa “Todo professor gosta de seu aluno; eu
percebo isso porque minha professora é legal e muito
alegre”.
Juliano - “Acho que gostam. Faz brincadeira, festinha,
não briga, não manda bilhete”.
Fernando – “São legais porque dão matérias legais e
fazem coisas para alegrar a gente”.
Lucas “Sim, gostam. Porque ela brinca com nós, se
preocupa quando um está doente, pergunta se alguém
mora perto”.
Lucas “Ela explica bem e quando vai explicar ela
brinca”.
Naira “Ela faz coisas legais, fez jogo da memória, faz
bastante coisa para agradar a gente”.
119
Interessantemente, o “brigar” também apareceu relacionado como uma
demonstração afetiva de estima, como nos exemplos abaixo:
Hélio - “Os professores gostam dos alunos, mas também
depende da professora. Ela gosta, briga bastante, a
quinta série é mais exigente e ela quer o melhor”.
Daniel “Nem sempre o professor gosta de criança,
minha professora gosta de todos, mesmo os que ela
briga mais”.
Gustavo “Sei que ela gosta pelo jeito que ela trata a
gente, é boazinha, quando a gente apronta muito, é
que ela briga”.
Viviane “Eu gosto da minha professora, ela me
respeita, ela briga comigo, mas eu preciso”.
Viviane - “Ela demonstra que gosta de mim brigando,
porque eu preciso para fazer a lição”.
O “elogiar” e o “tratar bem”, vindos da professora, também apareceram
como representações afetivas importantes nas falas de algumas crianças:
Helena “Sim, eu percebo porque quando tiramos uma
boa nota, ela nos elogia”.
Gustavo - “Em geral ela elogia, fala que sou muito
inteligente. Ela me trata bem”.
Naira “Eles são legais, o professor A. é bonzinho. Eles
nos tratam com carinho, amor e atenção”.
A “conversa”, o “carinho”, a “calma”, o sentimento de “saudade” e o
“preocupar-se” são tomados pelas crianças como formas de demonstrações
afetivas, em que se supõe estima da professora por seus alunos, conforme as
seguintes frases:
Daniel - “Conversa, demonstra que gosta”.
120
Helena “O jeito dela de falar, ela fala que gosta e é
carinhosa”.
Thaís - “Saudades, ela gosta da gente, tem calma”.
Thaís - “Dá para ver que ela gosta da gente, quando
alguém se machuca, ela fica bem preocupada”.
Em alguns depoimentos encontramos uma explícita relação entre as
representações afetivas do professor com a aprendizagem dos alunos:
Hélio “Sim adoram, mas alguns. Eles querem que você
aprenda”.
Viviane “A professora gosta dos alunos porque eles
fazem as lições”.
Juliano - “Demonstra que gosta quando me e sentado
perto dela, treina leitura”.
Daniel “Se ele [o professor] não gosta do aluno, não
ensina direito; se gosta, o aluno aprende por causa do
afeto”.
Com a proposta de investigar o afeto em relação aos conteúdos
aprendidos, levantou-se (a partir das questões: ”Do que a professora ensina, o
que você mais gosta? Por quê?” “E do que você menos gosta? Por quê?”)
articulações entre o desempenho, eventuais dificuldades e o gostar (ou não
gostar) do conteúdo:
Gustavo - “Gosto de ciências e português, porque eu tirei
A nas duas”.
Gustavo - “Não gosto de matemática, fração, dividir com
cinco números é muito difícil”.
Gustavo - “Tem umas contas que eu ainda sou ruim”.
Juliano - “Lição de matemática, continha é mais cil e
mais legal também”.
121
Marina - “Gosto de matemática porque é mais fácil, mais
divertido”.
Marina - “Não gosto de escrever porque eu troco o t pelo
p”.
Helena - “De português porque é muito complicado”.
Naira - “Matemática, coisas muito difíceis”.
Hélio - “Matemática é complicado, divisão é muito
cansativo”.
Outras respostas não deixam tão claro o porquê do gostar ou o da
matéria:
Vanessa - “De tudo, mas o que eu mais gosto é de
matemática”.
Thaís - “Ela me ensina de tudo, eu gosto mais de
português; ela me ensina certo as coisas”.
Fernando - “Contas, porque sempre gostei de
matemática”.
Fernando - “Português, não sei”.
Helena - “Ela me ensina matemática. É uma que eu
gosto”.
Daniel - “Matemática, bastante contas”.
Uma das crianças relatou quais disciplinas a sua professora ensina,
sem deixar claro se há alguma preferência por alguma delas:
Viviane - “Ela ensina matemática, ciências, geografia e
história”.
para essas outras quatro crianças, é possível nomear seus
interesses:
122
Naira - “História, acho interessante”.
Lucas - “Gosto de história desde a primeira série, se eu
conseguir, quando crescer vou ser historiador”.
Hélio - “Gosto mesmo de ciências, astronomia”.
Daniel - “Só não gosto de português, é chato”.
Thaís - “Gosto menos de matemática, porque é chato”.
Esta segunda categoria, composta por representações de afeto,
carinho e estima, também apareceu, como no caso da primeira, a partir dos
três instrumentos utilizados na pesquisa. Pôde-se verificar que a maior parte
das falas evidenciam um reconhecimento, por parte das crianças, sobre a
importância de tais elementos afetivos nas relações com suas professoras, os
quais se articulam, também, aos seus processos de aprendizagem.
3ª. Categoria: Representações de momentos divertidos e de proximidade.
Tendo o instrumento Desenho com histórias como estímulo, as
crianças trouxeram em suas representações, de uma forma visivelmente
predominante, vários momentos de convivência próxima com a professora em
situações descontraídas, isto é, atividades divertidas e passeios.
Demonstraram que momentos assim são muito valorizados por elas. Foi
freqüente que elegessem tais momentos para desenhar e descrever, em suas
histórias, concedendo-lhes um lugar de importância na relação professor-aluno:
Viviane - “Estamos brincando de jogo da memória e
depois brincamos de verdade ou desafio. Desenhamos
no quadro”.
Vanessa - “Gosto de ir no quadro”.
123
Helena - “Eu e a professora fizemos uma torta e estava
muito sol. Fomos num lugar que tinha mais sombra e
fizemos o dia da torta, que foi bem divertido, depois eu e
a professora comemos a torta, estava muito boa”.
Naira - “Tabuadas, depois que a gente terminou, a
professora fez para gente o jogo da memória, brincamos
e conversamos bastante, foi legal”.
Naira - “No Museu Paranaense, a gente foi com a
professora, a gente aprendeu bastante coisa”.
Daniel - “Num parque passeando por acaso, gostei de
encontrar [a professora], eu que vi e fui dar oi, ela ficou
surpresa, estava só nós dois”.
Hélio - “A professora ficou emocionada e nós felizes
porque deu tudo certo no final e ela gostou” (festa
surpresa de aniversário para a professora).
Hélio - “Bate-bate, batendo na minha cabeça brincando e
eu estou chorando de rir”.
Marina - “O dia das tortas ao ar livre”.
Marina - “Bolo do amor. O bolo do amor caiu na cara da
gente, minha e da professora”.
Vanessa - “Passeio Terra Viva, na piscina e a professora
estava observando e cuidando da gente”.
Esta categoria de representações apareceu somente a partir deste
instrumento, provavelmente porque os desenhos com histórias parecem ter
dado maior liberdade, criatividade e espontaneidade às crianças. os demais
instrumentos, as histórias para completar (em que as crianças tinham um
início de história pronto) e as entrevistas (em que elas respondiam a perguntas,
portanto, tinham seu olhar mais dirigido a um alvo pré-determinado), não foram
espaços tão propícios a tais associações que remetem a momentos escolares
de maior liberdade e, o por acaso, de grandes oportunidades de trocas
afetivas.
4ª. Categoria: Representações do desejo de aprender.
124
Por outro lado, foi no instrumento Histórias para completar que as
crianças evidenciaram representações de sua relação com a escola associadas
ao “estudar” e, implicitamente, ao desejo de aprender. Quando sugerido que
“de vez em quando o menino pensava nas coisas da escola e na professora”,
parte de suas falas trouxeram esse tipo de referência:
Lucas - “Ele gostava de estudar e a aula era legal”.
Hélio - “Ele pensava sobre as tarefas que ele aprendia
muito”.
Nesse grupo de respostas houve representações do investimento de
desejo que a criança precisa fazer para aprender como “pensar em como
melhorar”, “prestar atenção”, “responsabilidade”, “estudar” e “fazer as lições”,
mostrando que elas possuem noção de sua implicação pessoal, do
engajamento que sustenta o esforço cognitivo, o que remete à relação dos
aspectos afetivos com os processos de aprendizagem. Seguem alguns
exemplos:
Gustavo - “Pensava em como ele poderia fazer para
melhorar na aula”.
Viviane: - “Ele pensava nos alunos, professores, nas
lições dele, na educação e responsabilidade”.
Fernando - “Prestou atenção nas coisas que a professora
falava”.
Vanessa - “Ele estudava muito quando chegava da
escola”.
Daniel - “Estudava, fazia as lições”.
a frase seguinte parece representar que a falta de investimento do
colega pode ser um fator de interferência na própria aprendizagem:
125
Naira - “O menino não aprendia bem porque o amigo dele
não prestava atenção”.
É de se destacar, também, que uma criança tenha relacionado o
“aprender” com o “ensinar”, pois supõe que o “menino que aprendia bem as
coisas”, porque estudava bastante, tornava-se capaz de ensinar o que havia
aprendido:
Helena - “Estudava bastante e ensinava para as pessoas
o que ele tinha aprendido”.
Ao lado da representação de que a escola é um lugar para “estudar”,
que necessita de investimento, tanto em nível cognitivo como afetivo, apareceu
também a escola como um espaço de relacionamento e brincadeira, o que
mostra que as crianças possuem uma idéia ampla de “aprender”:
Naira - ”Ele pensava em jogar bola, brincar com os
amigos e quando ele pensava na escola, ele lembrava
dos probleminhas de matemática e de português. E ele
pensava na escola porque ele gostava muito de estudar”.
Lucas - “Ele pensava em estudar e passar de ano,
brincar e jogar futebol”.
Fernando - “Pensava que a escola era um lugar divertido
porque ele aprendia coisas e também ele tinha seus
amigos”.
Hélio - “Ele aprendia porque cada vez que aprendia
alguma coisa, jogava bola”.
No mesmo sentido, no qual se reconheceu que estudar é importante,
as representações evidenciaram que “brincar” também é. Um exemplo disso
apareceu na fala seguinte:
Vanessa - “O menino pensava na escola porque gostava
de estudar. Mas também quando não pensava era
porque queria ficar em casa brincando”.
126
Observou-se que na presente categoria o desejo de aprender
apareceu representado nas falas das crianças, principalmente, por falas
relacionadas ao “gostar de estudar”, “estudar bastante”, “aprender e ensinar”
etc., como também que a aprendizagem foi frequentemente associada a
fatores relacionais.
5ª. Categoria: Representações do desejo de ensinar; investimento por parte da
professora; indicações de que ela se importa com os alunos.
A idéia sobre o que deixaria a professora feliz e o que ela poderia
desejar, explorada nas histórias para completar, foi frequentemente associada
à produção dos seus alunos. Notou-se que uma das principais representações
de produção é a tarefa ou as lições, como atestam os seguintes extratos de
protocolo:
Daniel - “A professora desejava que todos os alunos
fossem bons, o que mais queria do seu aluno era que ele
fosse muito esperto e que fizesse a lição”.
Daniel - “A professora estava feliz porque todo mundo da
sala conseguiu fazer toda a lição”.
Juliano - “A professora estava feliz porque ninguém fez
bagunça na sala, todos copiaram a lição, fizeram a lição
de casa”.
Vanessa - “Ela estava feliz porque todos os alunos
tinham feito lição de casa”.
Vanessa - “Ela tinha o desejo de que todos os dias, todos
da sala fizessem a lição de casa”.
Outras falas destacam ainda o desempenho dos alunos como
felicidade e desejo da professora:
127
Helena - “Estava feliz porque todos os alunos tiraram
nota boa e a professora foi muito elogiada pelas outras
pessoas”.
Fernando - “Estava feliz porque seus alunos tiraram
notas boas o ano inteiro”.
Gustavo - “Feliz porque o menino tirou um A”.
Hélio - “Feliz porque todo mundo tinha tirado nota muito
alta”.
Marina - “Feliz porque seus alunos iam bem”.
Marina - “Desejava que seus alunos passassem de ano e
continuassem sendo bons”.
Naira - “A professora desejava que todos os alunos dela
se saíssem bem”.
Gustavo - Desejava “que o aluno melhorasse”.
Lucas - “O que ela mais queria, era que os alunos
prestassem atenção e que todos fossem bons”.
Interessante que em nenhum momento no início da história para
completar se sugeriu que “o menino que não aprendia bem as coisas” era
triste. Nesta fala, porém, a criança o qualifica como triste, supondo uma
intervenção da professora para que ele “finalmente aprendesse”:
Gustavo “Deixou o menino triste na recuperação para
ele finalmente aprender”.
As representações seguintes evidenciam a suposição de que a
professora investe seu desejo de ensinar e investe nos seus alunos,
preocupando-se, inclusive, com o futuro deles. Esta posição pode ser
interpretada como afetiva, já que está para além de que seu aluno atinja
objetivos pedagógicos imediatos, mostrando um desejo investido na sua
inserção como sujeito, com referência simbólica na cultura e no contexto social,
de maneira a poder posicionar-se e exercer sua condição desejante.
128
Esta idéia ampliada de educação é sustentada por alguns
psicanalistas como Lajonquière (1999), para quem educar é transmitir marcas
simbólicas que possibilitem a conquista de um lugar na história, de forma que a
criança possa se lançar às empresas do desejo. Cordié (2005), por sua vez,
considera que educar é querer fazer da criança um ser humano, um ser livre,
responsável, civilizado; é dar-lhe a possibilidade de multiplicar as experiências,
ter acesso aos saberes, enfim, de aprender o que é a vida. E, também, Dolto
(2008) que resume: educar é contribuir para que a criança encontre alegria em
viver e possa fazer escolhas.
Thaís - “Desejava que todos aprendessem, tivessem
atenção dos pais e fossem felizes”.
Juliano - “A professora desejava que eles aprendessem,
que eles trabalhassem, fizessem faculdade e se
formassem para ela ter orgulho”.
Fernando - “Ela tinha um desejo de que seus alunos
aprendessem, que eles tivessem um futuro bom, para
não passar necessidade”.
Helena - “Ela desejava bons alunos, educação era o que
ela mais queria dos seus alunos”.
Percebe-se que as suposições sobre o que seria o desejo da
professora foram muito ricas em representações. Uma criança, por exemplo, se
referiu ao desejo da professora de forma bastante interessante, pois supôs que
a professora desejaria, além do bom comportamento dos alunos, que a escola
e até suas colegas melhorassem, e ainda, que seus alunos tivessem boas
companhias. Este é um dos exemplos que traduz a idéia de que a professora
se importa com a escola e com o seu aluno, inclusive com seus aspectos
emocionais e sua vida fora da escola. Nesse sentido, as demais falas
coincidem em reafirmar tal idéia:
Hélio - “A professora desejava que a escola, o
comportamento dos alunos, colegas melhorassem e
desejava que os alunos tivessem boas companhias”.
129
Gustavo “O pai dele brigou com ele, espancou ele
porque ele tinha aprontado. A professora perguntou
porque ele estava triste, ele não quis falar...ligou para a
mãe dele, ficou preocupada”.
Gustavo - “Falou com o pai para ele levar numa psicóloga
e ver o que estava acontecendo. Ele era hiperativo como
eu, o pai e a mãe não sabiam”.
Naira “A professora estava feliz porque o tio do menino
parou de se drogar”.
Juliano “A mãe dele está doente, diante disso a
professora deixou ele ir para casa cuidar da mãe dele,
porque ela percebeu sua tristeza”.
Aparecem referências à idéia de que a professora fica feliz por estar
com seus alunos e dando aula porque gosta:
Lucas - “Ela estava feliz porque estava com os alunos e
dando aula, ela gostava”.
Marina - “Ela gosta de ser professora”.
Ainda, que a professora sente falta dos estudos, ou seja, uma idéia de
que a professora que ensina também se implica em estudar. Verificam-se
representações da ligação da professora com o estudo ou dela mesma como
quem está sempre aprendendo:
Naira - “A professora sentia falta dos estudos”.
Thaís - “Trabalho legal, dedicado e estudioso”.
Helena - “O trabalho do professor é muito legal porque o
que eles aprendem, ensinam para nós”.
Nas questões da entrevista as crianças também manifestaram
representações de que a professora se importa com seus alunos:
130
Fernando - “Ela se importa com a gente”.
Marina - “Ela se esforça pela gente”.
Gustavo - “O trabalho do professor é ensinar os alunos e
fazer ele entender que não pode se meter em encrenca”.
Vanessa - “O trabalho do professor é ensinar os alunos,
para eles terem um bom futuro”.
Vanessa - “Educados, trabalhadores porque querem o
bem da gente”.
Hélio - “Com carinho, ela pega no pé, quer que estude,
vê o comportamento de cada um”.
Helena - “Ela é legal, as coisas que ela passa, o jeito dela
e ela ensina as coisas”.
Viviane - “Excelentes, eles educam muito bem”.
Viviane - “Excelente porque educa bem e passa matéria
no tamanho certo”.
Daniel - “Meus professores são muito bons”.
Marina “Ensinar os alunos se eles quiserem, não
adianta ficar se esgoelando, ela tem que convencer”.
Fernando - “O trabalho do professor é fazer os alunos
aprenderem”.
Este tipo de representação, que remete ao desejo de ensinar, ao
investimento por parte da professora e ao importar-se com os alunos mostrou-
se como bastante importante nas afirmações dos participantes deste estudo.
Surgiu principalmente nas suposições das crianças que a professora deseja e
fica feliz quando elas produzem e têm um bom desempenho escolar.
Outra forma de representação, que se tomou como ligada ao desejo
de ensinar, é a que apareceu quando as crianças relacionam à professora o
gostar de dar aulas, o gostar de ser professora.
Assim como também, para esses alunos, a professora é aquela que
“sente saudades dos estudos”, tem um “trabalho estudioso” e também
131
“aprende”. Ressalta-se que as crianças, espontaneamente, associaram a
atividade da professora, o seu ensinar, com o estudo, com o seu próprio
desenvolvimento contínuo.
Conforme foi possível constatar, as crianças, em sua maioria,
representaram a professora como alguém que investe (“se esforça pela gente”)
e se importa com os alunos, com o seu bem ou mal estar, sua aprendizagem,
suas companhias e seu futuro.
3. ANÁLISES INDIVIDUAIS
3.1. Gustavo – 10 anos e 7 meses
Quando Gustavo foi sorteado para participar da pesquisa se
demonstrou, inicialmente, reticente. Ao mesmo tempo, sua professora pareceu
satisfeita por ter sido ele o selecionado naquele momento.
Primeiramente foi solicitado a Gustavo que fizesse um desenho que
representasse sua sala de aula. Estavam à sua disposição lápis de cor, lápis
preto, borracha e folhas de papel A4. Estava bastante silencioso enquanto
executava a atividade, preocupado em usar a régua e “fazer tudo retinho”.
Ao ser convidado a falar sobre seu desenho, não deu um título a ele,
nem mesmo o associou a uma história. Apenas o criticou, dizendo que não
tinha ficado bom; segundo ele, faltavam os pés das carteiras e das cadeiras.
132
Figura 01 – Primeira representação da sala de aula, feita por Gustavo
Fonte: Arquivos da autora
Como é possível observar, seu desenho não possui detalhes, apenas
traços geométricos que representam os móveis e o espaço físico da sala de
aula.
Após o término desta primeira tarefa, a pesquisadora propôs a ele que
fizesse outro desenho, agora um desenho em que ele estivesse com sua
professora, em um momento que considerasse importante. Perguntou se ele
gostaria de desenhá-lo, ao que ele respondeu: “Pode ser”.
Enquanto desenhava, neste segundo momento, estava um pouco mais
falante. Comentou sobre o que estava desenhando. Reclamou da dificuldade
em desenhar as pernas sob a mesa, as apagou e as redesenhou várias vezes.
O título de seu desenho é “O ‘fulano’ tirou F”. Ele explicou à pesquisadora que
o “fulano” era um colega seu e que F é a pior nota que alguém pode tirar. O
desenho mostra a professora sentada em sua mesa e o Gustavo em pé na sua
frente olhando a prova do seu colega.
Interessantemente, no momento em que foi contar a história associada
ao seu desenho, surgiu um novo título: “O dia em que eu tirei F”. Em sua
história Gustavo relatou uma situação em que seu pai ficou uma fera” com a
sua nota F, mas que a professora, esperançosa de que ele, desta vez,
acertaria, lhe deu outra folha de prova e ele, então, tirou B.
133
Observa-se que, nessa primeira atividade, apareceram diversos
aspectos de caráter afetivo: primeiro, quando Gustavo disse que quem tirou F
foi seu colega, para, no momento seguinte, dizer que foi ele próprio. Depois,
em relação ao pai que “ficou uma fera” e que “é brabo quando erro nas lições”.
A professora surgiu como aquela que tinha “esperança que eu acertasse”, ou
seja, que apostou em seu aluno e lhe ajudou, dando-lhe uma segunda chance
para refazer sua prova. E assim, finalmente, ele conseguiu melhorar seu
desempenho.
Figura 02 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Gustavo
Fonte: Arquivos da autora
Houve então, um segundo momento na coleta de dados dedicado,
mais uma vez, ao desenho. Neste foi solicitado que Gustavo fizesse dois
desenhos: um de sua sala de aula, e outro, dele e de sua professora em um
momento que considerasse importante.
A intenção em propor novamente que as crianças fizessem desenhos
com os mesmos temas, em um momento posterior, foi a de propiciar um
espaço de encadeamento de significantes entre os desenhos.
134
O título de seu terceiro desenho foi “Minha sala” e, assim como da
primeira vez em que desenhou sua sala de aula, não quis contar uma história
sobre o desenho, apenas o intitulou.
Todavia, em comparação com o seu primeiro desenho, este foi muito
mais rico em detalhes: desenhou os armários, um número maior de carteiras e,
desta vez com os pés, conforme pode se observar abaixo:
Figura 03 – Segunda representação da sala de aula, feita por Gustavo
Fonte: Arquivos da autora
Seu quarto desenho, no qual ele está com a professora em um
momento importante, recebeu o título: “Quando eu aprontei no recreio”. A
história construída por Gustavo é carregada de conteúdos afetivos e
representações de afeto, carinho e estima por parte da professora. Ele foi para
a diretoria e se dizia brabo, enquanto a professora também estava braba; mas
segundo ele, “ela é braba quando eu apronto grave”. Conforme suas
palavras a professora, em geral, o elogia, fala que ele tem capacidade e que é
muito inteligente: “me trata bem, a professora gosta de mim, não gosta que
eu apronto”.
135
Figura 04 – Segunda representação da sala de aula, feita por Gustavo
Fonte: Arquivos da autora
Percebeu-se que, na história contada por Gustavo, há um relato de
fatos que realmente aconteceram. Em seu desenho, ao lado de si e da
professora, o desenho de um soco-inglês. A professora de Gustavo havia
comentado com a pesquisadora sobre suas preocupações com
comportamentos como esse de Gustavo, em que ele levou para a escola um
soco-inglês, canivetes etc.
Do pouco que se escutou sobre a história escolar deste aluno, pode-se
inferir a importância de sua relação com sua atual professora. Gustavo sempre
foi considerado um aluno “problemático” e violento. Recentemente foi
diagnosticado como apresentando TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e
Hiperatividade). Sua professora se envolveu em projetos pedagógicos dirigidos
a crianças com o diagnóstico de TDAH, durante todo o ano.
O trabalho com Gustavo é considerado pela própria professora, pela
equipe pedagógica e demais professoras, um exemplo de sucesso. Gustavo
tinha muitas defasagens na aprendizagem, desinteresse, faltava muito às
aulas, nunca fazia as tarefas, nem mesmo ficava na sala de aula, nos anos
anteriores. Durante este ano teve um grande progresso nos seus processos de
136
aprendizagem, em suas atitudes e comportamento, bem como na forma de se
relacionar com as outras crianças. Tudo indica que isso se deve ao fato de que
esta professora pôde se relacionar de uma maneira muito especial com
Gustavo.
Isso aparece refletido também em suas respostas aos instrumentos de
pesquisa. Um olhar para suas produções traz, nas histórias para completar, por
exemplo, que o menino pensava em “como ele podia fazer para melhorar na
aula”, o que parece ser uma questão para Gustavo. Durante algumas
observações em classe, feitas pela pesquisadora previamente ao início formal
da coleta de dados, a professora falou sobre suas melhoras, em tom de
incentivo. Mais vezes essa temática veio à tona ao longo do percurso com os
instrumentos de pesquisa, quando, por exemplo, a professora desejava “que o
aluno melhorasse” e estava feliz porque “ele tirou um A”.
O menino que “não aprendia bem as coisas” (o das histórias para
completar) era “hiperativo como eu. O pai e a mãe não sabiam” e foi a
professora quem falou com o pai para levá-lo em uma psicóloga e “ver o que
estava acontecendo”. o menino que “aprendia bem as coisas” “era
inteligente”, e a professora de Gustavo o qualifica como inteligente com
freqüência. Talvez isso o autorize, simbolicamente, a aprender e ser um aluno
“melhor”.
Apareceram, portanto, representações do desejo de aprender, do
desejo de ensinar, do investimento por parte da professora e a idéia de que a
professora se importa com seus alunos.
Em outros momentos também se evidenciou a idéia de que a
professora se preocupa com seus alunos, que ela “perguntou por que ele
estava triste, ele não quis falar. Ela ligou para a mãe perguntando, ficou
preocupada”, ou ainda, quando explicou que o trabalho do professor é “ensinar
os alunos e fazer ele entender que não pode se meter em encrenca”.
Representações de atenção, conversa e ajuda também apareceram
significativamente nas falas de Gustavo:
“Ela me ajudou, conversou com meus pais e dava dicas
para acertar a lição”.
137
“Eles sabem explicar, conversam ao invés de brigar,
quando estamos fazendo coisa errada”.
É notável como, no percurso desta pesquisa, as produções e
representações de Gustavo apareceram tocadas por suas experiências
pessoais. Supõe-se, também, que a sua relação com a professora tem sido
determinante em seus processos relacionais e de aprendizagem.
3. 2. Thaís – 10 anos e 3 meses
Thaís é uma menina muito sorridente e desde os primeiros contatos da
pesquisadora com a turma demonstrou vontade de participar da pesquisa.
O primeiro desenho com história que Thaís produziu foi intitulado Sala
de Aula”, sendo que sua história relata um dia de chuva em que a luz acabou,
enquanto ela e seus colegas assistiam a um filme. Explicou que foi engraçado
e, depois que a luz voltou, começaram a lição. Em seu desenho podem ser
observados alguns detalhes descritivos da sala de aula: o armário, as carteiras,
o quadro de giz todo escrito, a mesa e a cadeira da professora bem grandes, a
televisão no canto superior direito da sala, elementos que parecem uma
tentativa de reproduzir como a sala é concretamente. Não há, entretanto,
nenhum desenho de figuras humanas.
138
Figura 05 – Primeira representação da sala de aula, feita por Thaís.
Fonte: Arquivos da autora
Na segunda sessão de trabalho, quando Thaís realizou o segundo
desenho de sua sala de aula, o mesmo foi intitulado “A minha sala”, sendo que
atrás da folha desenhada ela escreveu:
Eu vejo assim a minha sala de aula. Mais ou menos
assim, eu gosto muito da minha sala”.
Desta vez seu desenho pareceu mais esmerado; novamente
descritivo, mas com linhas e contornos mais definidos, com mais detalhes e
ainda com a representação afetiva “gostar muito”.
139
Figura 06 – Segunda representação da sala de aula, feita por Thaís
Fonte: Arquivos da autora
O terceiro desenho com história, quando Thaís foi convidada a
desenhar a si com sua professora em um momento que considerasse
importante, recebeu o título Meu encontro”. O desenho, em que as duas
apareceram lado a lado em uma praia, foi acompanhado do seguinte discurso:
“Esse momento é importante porque eu estou ao lado de
minha professora e também porque eu gosto muito dela”.
Na descrição que Thaís fez do desenho e na fala acima reproduzida,
pode-se identificar, na relação afetiva de Thaís com sua professora, um desejo
de proximidade, traduzido pelo encontro em uma praia, uma situação fora do
contexto escolar. Conforme se pode visualizar abaixo, trata-se de um desenho
investido e colorido:
140
Figura 07 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Thaís.
Fonte: Arquivos da autora
O quarto desenho, com o mesmo tema do anterior, também descreve
uma situação em que Thaís encontrou sua professora fora da escola. Desta
vez num parque e, segundo sua história, elas ficaram conversando; enquanto
conversavam, a professora aproveitava para lhe ensinar coisas sobre a
natureza.
141
Figura 08 Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Thaís.
Fonte: Arquivos da autora
Destaca-se, assim, a representação de uma professora que ensina,
mesmo fora do ambiente escolar, em um momento descontraído e agradável,
no contexto de um parque. Thaís atribui essa característica à professora, de
alguém que compartilha seu saber espontaneamente, indo além do
cumprimento de um dever pelo qual é remunerada.
Para Thaís, a figura do professor é representada como alguém que se
satisfaz ajudando, fazendo coisas para as pessoas, e em vários momentos
essa idéia se repete. Alguns exemplos adicionais podem ser mencionados:
quando ela supõe que o menino estava chateado porque o amigo dele não
quis brincar com ele e a professora o ajudou brincando com ele”, ou ainda, que
a professora ajudou algumas pessoas sem condições e ficou feliz com isso”.
Na resposta à questão sobre “que coisas a professora faz que a fazem
aprender”, novamente apareceu o tema da ajuda: me ajuda quando tenho
alguma dúvida”.
O “ajudar” vem associado à “atenção” e essa atenção também remete
aos pais. Ela afirma que seus professores “são legais, porque eles dão atenção
para nós, igual aos nossos pais” e que ela gosta deles porque eles “dão muita
atenção para mim e quando estou com dúvidas, eles me ajudam”.
142
A “atenção” parece representar para Thaís, nestas construções, uma
espécie de motor para a aprendizagem. Um exemplo disso é o de quando ela
supõe que “o menino aprendia bem as coisas” porque seus pais davam
atenção a ele e sempre que podiam o levavam a lugares diferentes para ele
aprender mais coisas. o menino que “não aprendia bem as coisas”
precisava que a professora o ensinasse e ele aprendeu quando a professora
deu atenção a ele. O que a professora desejava também se relaciona à
atenção, bem como ao aprendizado: ela desejava “que todos aprendessem,
tivessem atenção dos pais e fossem felizes”. Essa frase vincula elementos
afetivos e cognitivos, instâncias que, interligadas, possibilitam um bem maior: a
possibilidade de ser feliz.
3. 3. Fernando – 10 anos e 10 meses
Fernando foi um garoto reservado no início das atividades, mas foi se
soltando no decorrer delas.
A história associada ao seu primeiro desenho, intitulado “Sala de
Aula”, envolve uma situação em que a professora iria corrigir as tarefas nos
cadernos dos alunos, mas descobriu que nenhum menino havia feito a tarefa e,
como conseqüência, os alunos teriam que fazer a lição atrasada e a nova lição
também, o que foi motivo para que todos rissem.
A história demonstrou a representação de importância dada pela
professora, e, na verdade, pelo sistema escolar como um todo, à tarefa, à
produção concreta dos alunos. Pode-se considerar a tarefa ou lição como um
significante que representa o trabalho, a produção que materializa o processo
de aprendizagem. Sua história demonstrou, também, o lidar bem humorado
(“todos riram”) com a situação.
Fernando desenhou um quadro de giz grande com algumas operações
matemáticas e uma anotação da professora indicando a lição de casa. Os
alunos não aparecem e a única figura humana é a professora. É curiosa a
distribuição das carteiras, que, em proporção ao espaço disponível, são bem
pequenas e ocupam menos de um quarto do total da folha:
143
Figura 09 – Primeira representação da sala de aula, feita por Fernando.
Fonte: Arquivos da autora
O outro desenho com história sobre a sala de aula traz o mesmo título
do anterior e, novamente, a professora é a única figura humana que aparece
no desenho. Ele a representou escrevendo no quadro de giz. A situação
caracterizada na história, contada por Fernando, envolve o significante da
tarefa, desta vez nomeado como “trabalho”. Os alunos fizeram bagunça, em
vez de irem para as aulas especiais (aulas de educação física, educação
artística, informática, etc.) e, por isso, ficaram fazendo trabalho com a
professora regente, que conversou com eles. Apareceu também a
representação da conversa na relação com a professora.
144
Figura 10 – Segunda representação da sala de aula, feita por Fernando.
Fonte: Arquivos da autora
Nos dois desenhos com histórias em que a solicitação foi a de que o
participante desenhasse a si próprio e sua professora em um momento
importante, Fernando também trouxe representações de “ajuda”. No primeiro, a
professora está lhe ajudando em algo que ele não havia entendido: fração
matemática. Vejamos seu desenho:
Figura 11 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Fernando.
Fonte: Arquivos da autora
145
Ele desenhou a si mesmo e a professora próximos ao quadro de giz,
sendo que a professora estava escrevendo uma operação matemática no
quadro.
No segundo desenho com o mesmo tema, cujo título escolhido foi “Um
dia na aula de informática”, a professora estava ajudando seus alunos, “pois
tinha coisas que não entendíamos”. Fernando explicou que a aula de
informática é ministrada por outra professora, mas que às vezes sua professora
regente os acompanha, o que muito o agrada. Completou o comentário
dizendo que “alguns alunos não têm computador em casa e é legal poder
mexer ali”. Talvez a escola, representada pela aula de informática, possa
traduzir uma oportunidade de acesso a esse tipo de recurso para este aluno e,
para ele, é importante a presença de sua professora, com quem ele parece ter
significativa transferência. Conforme se pode observar a seguir, o desenho é
composto pelo computador bem desenhado, com certa riqueza de detalhes,
sua professora e ele mesmo:
Figura 12Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Fernando.
Fonte: Arquivos da autora
146
É possível identificar através da produção de Fernando, nas histórias
para completar e na entrevista, várias representações sobre a relação afetiva
com sua professora, com a escola e com situações de aprendizagem.
Primeiramente, a escola foi associada a um lugar de “diversão”,
“aprendizagem” e “amizade”. Já a professora tem, na concepção do garoto, sua
felicidade associada ao desempenho de seus alunos, sendo também uma
pessoa com quem se pode conversar e que é capaz de acalmar seu aluno
chateado. Para Fernando, os professores “tentam fazer coisas para alegrar a
gente”, sua professora tem paciência e investe na aprendizagem de seus
alunos, explicando o que eles não entendem.
O que Fernando consegue nomear sobre o que o faz gostar de sua
professora é “ela ser legal com os alunos e ela ser mais ou menos brava”. É
bem provável que a professora, aqui, seja reconhecida como capaz de
sustentar limites, porque “quando alguma coisa acontece, ela vai ajudar. Se
importa com a gente e não deixa a gente fazer besteira”.
A aprendizagem é, para ele, relacionada com o “prestar atenção nas
coisas que a professora falava”, assim como com a possibilidade de ganhar
atenção individualizada, ter “um horário especial para ele estudar, ele e a
professora”, o que lhe traz motivação para aprender.
O “carinho” também apareceu entre as representações de Fernando,
pois a professora sentia saudades dos alunos porque eles “eram carinhosos
com ela”. O que Fernando entende como sendo o desejo da professora é que
seus alunos aprendam e que “tenham um futuro bom, para não passar
necessidade”, o que remete, mais uma vez, à representação da professora
como alguém que ajuda e se preocupa com as pessoas.
3. 4. Marina – 10 anos e 6 meses
Nos primeiros contatos da pesquisadora com a turma da qual Marina
fazia parte, esta foi uma das crianças que manifestou desejo de não participar
da pesquisa, no que foi respeitada, até que ela espontaneamente pediu para
participar dos sorteios que selecionaram as crianças participantes.
147
Com o passar dos encontros, Marina foi se aproximando cada vez
mais da pesquisadora, sendo freqüentes algumas conversas durante os
intervalos das aulas e das sessões de coleta de dados.
Nessas conversas informais, Marina contou um pouco sobre sua
história escolar, o que, de certa forma, favoreceu a leitura da pesquisadora na
análise individual dos dados.
Marina relatou que até a terceira série mudou de escola várias vezes,
pois tinha dificuldade em se adaptar, não queria ir para a escola e chorava
muito. Segundo ela, geralmente seu pai “a tirava na marra do carro”, porque ela
“odiava a escola”, passando a gostar de estudar somente este ano.
Marina é muito apegada à sua professora. Afirma que foi a melhor
professora que já teve: ela “me ajudou bastante, eu estava na pior, era ruim em
tudo, ela me incentivou com afeto. Ela gosta de ser professora”.
A professora também parece gostar muito de Marina, que, durante
as observações feitas na sala de aula, pareceu dar muito lugar às suas
participações e a incentivar muito. Diante de comentários feitos por Marina
como: “Não vou conseguir”, “está ruim” (se referindo a alguma de suas
produções), a professora sempre lhe disse que conseguiria e a elogiou.
Marina foi vencedora de um concurso de crônicas, em que crianças de
todas as escolas municipais da cidade participaram. Comentou que sentia
insegurançapara se inscrever no concurso, mas que acabou se inscrevendo
por insistência de sua professora e que nem acreditava que havia vencido.
Observou-se bastante empolgação, facilidade e criatividade na construção de
suas histórias.
No primeiro desenho, o título dado por Marina foi “A sala de aula”. Em
seu desenho apareceram ela e a professora, uma ao lado da outra, próximas
ao quadro de giz que estava todo desenhado. Apareceram também os
armários e um cartaz escrito ajudante do dia. Alguns detalhes são
interessantes em seu desenho, como, por exemplo, ela e a professora estarem
com roupas iguais, sendo que na blusa da professora o desenho de um
coração:
148
Figura 13 – Primeira representação da sala de aula, feita por Marina
Fonte: Arquivos da autora
A história que Marina contou sobre o desenho tem um título diferente
do que ela havia escolhido para o desenho; chamou-a “O pé de lição”. A
história aconteceu no dia da festa junina. Era a lição mais importante e a
professora falou para os alunos que eles estavam fazendo muita bagunça e
que, por isso, ela iria plantar o “pé de lição”. Marina explicou que a professora
tem, com seus alunos, uma brincadeira que consiste em desenhar uma
plantinha no cantinho do quadro de giz. Primeiro ela coloca um pontinho,
representando a sementinha, que, conforme a bagunça das crianças, brota e
vai crescendo. Quanto maior for o “pé de lição”, mais lição eles terão para
fazer.
O segundo desenho sobre a sala de aula tem o título “Ninguém
compareceu”. A história relata que a professora esteve em um curso e, por
isso, não foi para escola na sexta-feira; assim, as crianças poderiam ficar em
casa: “A sala ficou vazia, não foi ninguém e as mulheres que limpam a sala
estavam doentes”. Pode-se inferir que é dada à presença da professora uma
enorme importância nesse contexto; sua ausência provocou tal esvaziamento,
que até as funcionárias da limpeza se ausentaram, “estavam doentes”. Nota-se
que no desenho, apesar da ausência das pessoas, o quadro de giz estava
cheio de operações matemáticas:
149
Figura 14 – Segunda representação da sala de aula, feita por Marina.
Fonte: Arquivos da autora
Ao desenhar a si mesma e sua professora em um momento
importante, Marina iniciou o relato de sua história enquanto desenhava. “O dia
das tortas ao ar livre” foi um festival, para o qual ela e sua professora haviam
feito dois bolos, “um a professora gostou muito, que era o bolo do amor” e o
outro era o bolo do festival feito de sorvete e que começou a derreter, pois
havia muito sol e vento. A história terminou quando “o bolo do amor caiu na
cara da gente, minha e da professora”, o que pode representar uma metáfora
afetiva em seu discurso. Novamente, é curioso notar que Marina e sua
professora foram desenhadas muito parecidas. Podem ser observados, no
desenho, vários elementos descritos na história, como o bolo derretendo, o
vento, o sol, etc.
150
Figura 15 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Marina.
Fonte: Arquivos da autora
O seu último desenho foi O armário louco”. Desta vez o desenho e a
história não correspondem totalmente. Marina contou uma história em que ela
e a professora estavam na sala de aula e, misteriosamente, as coisas “pulavam
do armário, pulavam para cá, para lá, os trincos se mexiam... era uma coisa de
louco”. A história se desenvolve com ela e a professora desvendando o
mistério, que era apenas um defeito do armário solucionado por “um
consertador”. A história novamente termina com doces:
“Era um pote de chocolate imenso, chamei a professora
e a gente comeu tanto que se enjoou. Sabia que a gente
ficou dez dias sem encostar em doce nenhum, pois eu
disse: - Nossa, agora nunca mais vou comer doce na
minha vida!”
A seguir, o desenho de Marina:
151
Figura 16 – Figura 15 – Segunda representação de um momento importante com sua
professora, feita por Marina.
Fonte: Arquivos da autora
Nas histórias para completar e na entrevista Marina também trouxe,
em seu discurso, representações significativas sobre a professora. Uma das
idéias é a de que a professora estava feliz porque “seus alunos iam bem. Ela é
boa professora: ensina, ajuda e atenção”. No mesmo sentido, a professora
desejava “que os alunos passassem de ano, continuassem sendo bons”. Na
seqüência, a representação de “ajuda” se repete associada à “conversa” e ao
“apoio”: o menino estava chateado “por causa de ter uma relação ruim com a
mãe dele”, diante disso, a professora “ajudou ele conversando, vendo o que
estava acontecendo e deu apoio para ele”.
Marina descreveu a professora como sendo “uma pessoa muito boa,
para ver, porque ela ajuda. A professora ruim não faz nada disso, nem
chega perto”. Em sua concepção, nem todos os professores gostam de seus
alunos, mas a sua professora gosta “porque ela ajuda, faz tudo de bom, se
esforça pela gente”.
A aprendizagem também apareceu relacionada à afetividade, que o
ensinar tem a ver, para ela, com o convencero aluno a aprender. Os alunos
aprendem porque sua professora explica e dá atenção a eles. A professora
ajudou o menino que não aprendia bem as coisas, conversando e
convencendo-o a prestar atenção para não se prejudicar”.
152
Em resumo, Marina representa as relações com a professora e com a
aprendizagem de forma bastante ligada aos afetos.
3. 5. Lucas - 10 anos e 8 meses
Logo em seu primeiro momento individual com a pesquisadora, Lucas
relatou uma história interessante a respeito de sua professora. Sua mãe foi
aluna desta mesma professora em outra escola e seu pai, apesar de não ter
sido aluno dela, também estudou na mesma escola em que ela trabalhava.
Através desse relato Lucas demonstrou um envolvimento especial entre a sua
família e a professora, já que existe um contato de “longa data”, intergeracional.
O primeiro desenho de Lucas ganhou o tulo ”Nós fazendo as contas
no quadro”. Era um dia ensolarado, os alunos resolviam as contas da lição de
casa do dia anterior no quadro de giz, “para a professora ver quem tem
dificuldade, quem não tem”. A seguir, seu desenho:
Figura 17 – Primeira representação da sala de aula, feita por Lucas.
Fonte: Arquivos da autora
153
O outro desenho foi intitulado “Nossa sala de aula”. Lucas descreveu o
ambiente, afirmando que é uma sala legal, mas uma das menores da escola.
Começou a conversar e contar sobre um menino de outra sala que “jogou fogo
no priminho”. Parecia impressionado com o episódio e precisando se
diferenciar dele, dizendo que dessas coisas “eu saio de perto”. Seu desenho é
simples, sem muitos detalhes: duas carteiras, o quadro de giz, a televisão. O
elemento que mais apresentou detalhes foi o cartaz com a tabuada:
Figura 18 – Segunda representação da sala de aula, feita por Lucas
Fonte: Arquivos da autora
O terceiro desenho também não tem muitos detalhes. Lucas está
sentado em sua carteira e a professora está em escrevendo no quadro de
giz. Sobre seu desenho, falou: “Eu desenhei a professora explicando no
quadro. Porque ela é muito legal e ela ajuda s, os alunos, quando temos
dificuldades nas contas no quadro”. Abaixo, o desenho, cujo título é “A
professora legal”:
154
Figura 19 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Lucas.
Fonte: Arquivos da autora
Ao quarto e último desenho, Lucas associou as seguintes falas: “A
professora ajuda quando a gente tem dificuldade. Ela gosta de ajudar, ela é
legal, bacana, tem dia que ela não passa tanta lição e conversa mais com a
gente”.
No desenho constam o quadro de giz com uma operação de divisão, o
sol, ele e a professora, que foram desenhados do mesmo tamanho:
155
Figura 20 Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Lucas.
Fonte: Arquivos da autora
O menino da história para completar, segundo Lucas, além de pensar
nos estudos e em passar de ano, também pensava em brincar e jogar futebol,
o que demonstra que nas representações construídas o “brincar” e o esporte
também são importantes. Na fala “Ela achava que sua professora é chata, mas
era legal”, talvez seja possível identificar uma ambivalência a respeito do que
sente, lembrando que a ambivalência faz parte das relações afetivas no ser
humano.
Explicou que o aluno aprendia bem as coisas “porque ele gostava de
estudar e a aula era legal”; já o outro menino, que não aprendia bem as coisas,
era porque tinha uma “professora [que] aconselhava os alunos bons e os
ruins não”. Ou seja, parece imaginar aqui uma implicação da professora com o
insucesso de seu aluno.
Nas produções de Lucas, predominam representações de “ajuda”,
“felicidade” e “preocupação”: a professora aconselhou seu aluno e “ele ficou
feliz”, enquanto a professora também estava feliz “porque ela ajudou seu aluno
mais querido”. Em sua concepção, a professora se preocupa quando alguém
está doente. Lucas entende que o trabalho do professor é muito bacana e
consiste em ajudar os alunos. Seus professores são legais porque “eles fazem
a gente feliz” e “eles ajudam quando temos dificuldade, se preocupam”. Além
156
disso, o que o faz pensar que a professora gosta de seus alunos é o fato de
que ela “brinca” com os alunos, mesmo quando vai explicar alguma coisa.
3. 6. Vanessa - 10 anos e 5 meses
Segundo a professora e também através do que se pôde observar,
Vanessa é uma menina bastante dedicada aos estudos. Em conversa com a
pesquisadora, a professora demonstrou admirá-la por ter uma doença grave
nos rins e, mesmo com os eventuais internamentos, conseguir manter-se tão
dedicada. Outro fator enfatizado pela professora é o fato dos pais de Vanessa
terem poucas condições financeiras e, mesmo assim, ela ser “tão arrumadae
ter o material impecável. A professora afirmou que a mãe de Vanessa é uma
mãe zelosa e caprichosa.
O primeiro desenho de Vanessa tem como título “Um dia como hoje”, e
sua história é o relato de um dia comum, com aula de educação física, a
professora passando tarefas no quadro de giz e “a sala meio vazia”. Em seu
desenho não aparecem figuras humanas, somente algumas carteiras com
cadernos e o quadro de giz com operações matemáticas:
Figura 21 – Primeira representação da sala de aula, feita por Vanessa.
Fonte: Arquivos da autora
157
Seu segundo desenho da sala de aula trouxe um contexto em que
todos estavam copiando algo do quadro, enquanto alguns iam até o quadro de
giz. Vanessa disse que gosta de ir ao quadro. Duas carteiras o desenhadas
com muitos detalhes, cadernos, lápis, borrachas e estojos. O quadro de giz
com a data e escrito ‘matemática’ compõe o restante do desenho:
Figura 22 – Segunda representação da sala de aula, feita por Vanessa.
Fonte: Arquivos da autora
O título de seu terceiro desenho foi Eu e minha professora N. na
escola”. Vanessa relatou que ela e a professora estavam entrando na escola,
abrindo-a, e escreve em seu desenho que esse momento é importante para
ela, porque na escola é o lugar em que a professora. O desenho representa
a fachada da escola, com as portas fechadas. No canto esquerdo da folha
Vanessa começou a desenhar uma figura humana, porém a apagou e desistiu
de continuar; quando questionada sobre isso, disse que não sabe desenhar
bem as pessoas:
158
Figura 23 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Vanessa.
Fonte: Arquivos da autora
O último desenho, intitulado “Momento importante Passeio Terra Viva”
é o desenho de uma piscina, onde, segundo Vanessa, “a professora estava
observando e cuidando da gente”, referindo-se a um passeio que haviam feito
recentemente. Sua representação é a de que a professora “observa” e “cuida”
das crianças:
Figura 24 Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Vanessa.
Fonte: Arquivos da autora
159
Vanessa trouxe, ainda, representações do desejo de aprender através
do “gostar de estudar”, mas também que de vez em quando “queria ficar em
casa brincando”. o menino que aprendia bem as coisas “estudava muito
quando chegava da escola”.
Em outras histórias para completar a professora apareceu como quem
“mais uma chance” para a criança fazer a lição, pois não queria que ela
ficasse chateada. A professora “estava feliz porque todos os alunos tinham
feito a lição de casae é esse também o desejo que Vanessa supõe que a
professora possui.
A implicação e o envolvimento da professora com seus alunos
apareceram também na idéia de que para ajudar o aluno que não aprendia
bem as coisas “todos os dias depois que acabava a aula, a professora ficava
com ele meia hora estudando”.
Para Vanessa, o trabalho do professor é “ensinar os alunos para eles
terem um bom futuro”, acreditando que seus professores são educados e
batalhadores, porque eles querem o bem da gente”. Pensa, ainda, que
todos os professores gostam de seus alunos: disse perceber isso “porque
minha professora é legal e muito alegre”. O que a faz gostar de sua professora
é o fato dela ser carinhosa, brincar com seus alunos e explicar muito bem as
coisas”.
3. 7. Hélio - 9 anos e 11 meses
Hélio pareceu ansioso para participar da pesquisa, pois com
freqüência se oferecia para ir até a sala onde estavam sendo realizadas as
coletas de dados. Parecia um menino curioso e empolgado.
A partir do primeiro desenho com história, Hélio relatou a história da
festa surpresa de aniversário que ele e seus colegas organizaram para sua
professora. Contou com detalhes como eles se dividiram nas tarefas e “a
professora ficou emocionada, nós felizes porque deu tudo certo no final e ela
gostou”.
160
Seu desenho representa uma descrição física da sala, sua estrutura e
seus móveis, vistos de cima:
Figura 25 – Primeira representação da sala de aula, feita por Hélio
Fonte: Arquivos da autora
A segunda história relatada por Hélio retomou um episódio que
aconteceu na sala de aula, em que um colega acidentalmente quebrou um
vidro da janela, e seu pai veio aa escola. Embora a história seja bastante
diferente da primeira, descrevendo um incidente desagradável, o desenho teve
características semelhantes ao anterior, conforme se pode observar:
161
Figura 26 – Segunda representação da sala de aula, feita por Hélio.
Fonte: Arquivos da autora
Quando solicitado a desenhar a si e a sua professora num momento
importante, ele intitulou seu desenho com história como Bate- bate”. Explicou
que a professora estava batendo na sua cabeça, de brincadeira, e que ele
estava chorando de rir. É possível que haja, aqui, uma representação ambígua.
Embora ele tenha ressaltado se tratar de uma brincadeira e que seu choro era
de tanto rir”, o desenho sugere uma idéia de agressão. Além da ambivalência
representada no prazer e desprazer, esse dado pode remeter a Freud (1919)
quando trabalha a questão das fantasias infantis em que agressões de um
adulto, geralmente do pai, dirigidas à criança. Neste texto freudiano, são
abordados justamente os sentimentos de prazer ligados a tais fantasias. Pode-
se supor que tal ambigüidade diz de um aspecto transferencial investido na
figura da professora e é notável que se trate exatamente de um momento
considerado importante. A seguir o desenho de Hélio:
162
Figura 27 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Hélio.
Fonte: Arquivos da autora
No próximo desenho, Hélio retomou a história do aniversário-surpresa,
desenhando a professora, a mesa com o bolo de aniversário e ele mesmo, de
frente para a professora. É interessante observar que Hélio é um dos meninos
mais baixos da sala e, em seu desenho, se apresentou bem maior, pouco mais
alto até que a professora:
163
Figura 28 Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Hélio.
Fonte: Arquivos da autora
Hélio, em seu discurso, trouxe representações da relação afetiva com
a professora que remetem à “atenção” dada por ela para entender porque seu
aluno estaria chateado, bem como para o menino que “não aprendia bem as
coisas”.
Houve também a idéia de que a professora estava feliz porque todos
da sala tinham tirado nota muito alta” e desejava que a escola, e suas colegas
professoras, melhorassem o comportamento dos alunos e que eles tivessem
boas companhias. Afirmou que seus professores são boas pessoas e
trabalhadoras”, que alguns professores adoram seus alunos e que eles
querem que eles aprendam”. Acredita, ainda, que o “carinho” da professora é
algo que o ajuda a aprender.
3. 8. Viviane - 11 anos e 5 meses
Viviane é maior que suas colegas em tamanho e também em idade.
Parece ser uma criança agressiva, pelo que se pode observar, pois fala muitos
palavrões e se envolve em brigas com freqüência, inclusive com os meninos.
164
Na escola, tem fama de aluna “insuportável”, conforme o discurso de suas
professoras dos anos anteriores. Mas, na sala de aula, pareceu respeitar sua
atual professora, que a trata com muito humor. Um exemplo disso é o de
quando a professora falou que, na verdade, ela é uma “lady” mesmo estando
prestes a agredir alguém, o que, às vezes, a faz “se segurar”. Pode-se pensar
que essa brincadeira, entre a professora e ela, seja uma forma da professora
nomear o que espera dela (que se comporte como uma “lady”) ao que, de certa
forma, ainda que achando engraçado, ela tenta corresponder.
Quando solicitada a fazer um desenho que representasse sua sala de
aula, Viviane produziu o desenho sem usar cores: desenhou uma carteira
escolar, o armário, a mesa da professora com papéis, sua cadeira, o quadro de
giz cheio de coisas escritas, e acima dele, um alfabeto inteiro. Contou a história
de um dia frio, em que as crianças estavam brincando de jogo da memória,
verdade e desafio, e desenharam no quadro de giz. São representações de
momentos descontraídos, cheios de brincadeiras. Segue o desenho de Viviane:
Figura 29 – Primeira representação da sala de aula, feita por Viviane.
Fonte: Arquivos da autora
Com o título “Minha sala de aula”, o segundo desenho de Viviane é
associado à descrição de um dia em que novamente brincaram de jogo da
165
memória, então lancharam, foram para o recreio, depois para a aula de
informática, arrumaram a mala, etc. Os armários foram desenhados em
proporção maior em relação aos outros móveis:
Figura 30 – Segunda representação da sala de aula, feita por Viviane.
Fonte: Arquivos da autora
Em seu desenho sobre um momento importante com a professora,
descreveu uma conversa sobre suas brigas com “todo o mundo”. Viviane
explicou que as outras crianças a “atentam”, mas a professora pediu a ela para
“parar de fazer isso”. Desenhou a si mesma e a professora bem próximas, no
canto esquerdo da folha:
166
Figura 31 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Viviane.
Fonte: Arquivos da autora
O último desenho é bastante parecido com o anterior, acerca do qual
Viviane relatou, como sendo um momento importante com sua professora, o
momento de “um abraço”. Complementou comentando que era Páscoa:
Figura 32 Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Viviane.
Fonte: Arquivos da autora
167
Na história para completar, a professora, diante do menino que estava
chateado, “agradou ele e perguntou o que ele tinha”. O aluno “que aprendia
bem as coisas” prestava “atenção” na professora e o “que não aprendia”
mobilizou a professora a “conversar” com seus pais.
Nas produções de Viviane se destacam representações que envolvem
a “brincadeira”, a “conversa”, o “abraço” e o “agradar”. Na entrevista, Viviane
falou mais diretamente sobre sua relação com a professora, e em seu discurso
encontrou-se representações de “respeito” (“Eu gosto da minha professora
porque ela me respeita”), de “briga” (“Ela briga comigo, mas eu preciso”;
brigando comigo, ela demonstra que gosta”; “brigar comigo me faz bem”). O
“brigar” parece representar um investimento, um importar-se da professora, que
parece importante para Viviane. Os efeitos disso têm sido a melhora que
Viviane apresentou durante este ano em seu desempenho escolar, bem como
em seus relacionamentos com os colegas e com a professora.
3. 9. Daniel – 9 anos e 11 meses
Daniel é um garoto extremamente quieto, tendo sido encontrada
alguma dificuldade para que ele falasse, principalmente nas fases iniciais da
coleta de dados. No primeiro desenho com história, ele apenas a intitulou
“Minha sala de aula” e não conseguiu falar mais nada. O desenho é bem
descritivo, os elementos principais foram as carteiras escolares, a mesa da
professora e o quadro de giz:
168
Figura 33 – Primeira representação da sala de aula, feita por Daniel.
Fonte: Arquivos da autora
O segundo desenho com história, tendo ainda como temática a sala de
aula, recebeu o título Eu e a professora”. Foi interessante, porque ele ainda
não sabia que este seria justamente o tema dos próximos desenhos. Sobre ele,
apenas comentou que ele e a professora estão na sala de aula se
cumprimentando:
Figura 34 – segunda representação da sala de aula, feita por Daniel.
Fonte: Arquivos da autora
169
A história associada ao terceiro desenho, denominada “Eu e minha
professora”, acontece num dia de aula de informática. Ele explicou que estava
sorrindo e dando um abraço na professora. Em seguida comentou: “Não foi
assim com as outras professoras, ela gosta de mim”. Sua produção é
permeada por conteúdos afetivos nas representações de “carinho” e de
“gostar”.
Figura 35 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Daniel.
Fonte: Arquivos da autora
Sob o mesmo título do desenho anterior, Daniel contou, por ocasião da
realização do quarto desenho, uma história em que ele estava em um parque
passeando, até que viu, por acaso, sua professora e foi cumprimentá-la, ao que
ela ficou surpresa:
170
Figura 36 Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Daniel.
Fonte: Arquivos da autora
Daniel pareceu tocado pelo fato de que, no próximo ano, ele e seus
colegas irão para uma outra escola. Na história para completar em que “o
menino, de vez em quando, pensava na escola e na professora”, Daniel
continuou dizendo que “Ele pensava na professora, em vê-la de novo, tinha
saudades” e, logo em seguida, falou sobre si mesmo, que irá mudar para outra
escola, mas que tem vontade de visitar sua professora. O menino que “estava
chateado” era porque “ficou sem ver a professora”. Supõe ainda que nas
férias, a professora pensava nos seus alunos e sentia muita falta deles”,
comentando que sua professora atual “fala muito dos alunos do passado dela,
o que o faz pensar que ela sente falta deles.
Para Daniel, a professora fica feliz com o bom desempenho e a
produção de seus alunos, e deseja que seu aluno seja “muito esperto”. Em
todas as questões da entrevista Daniel relacionou, de maneira significativa, a
aprendizagem com a afetividade entre aluno e professor.
Quando indagado sobre qual é o trabalho do professor, Daniel
respondeu que é “ensinar os alunos” e, emendando, se ele [professor] o
gosta do aluno, não ensina direito; se gosta, o aluno aprende por causa do
afeto”. E, ainda, “nem sempre o professor gosta de criança. Minha professora
gosta de todos, mesmo os que ela briga mais”. Esclareceu que “às vezes fico
171
brabo quando ela [a professora] briga”, mas acredita que a professora gosta
dele e de seus colegas, porque “ela mais atenção para a gente, conversa
com cada um”. Novamente, quando perguntado sobre o que a professora faz,
que o ajuda a aprender, Daniel refere significações afetivas, dizendo que a
professora conversa e demonstra que gosta dele.
3. 10. Helena – 9 anos e 9 meses
Helena é a aluna mais nova da turma e, segundo sua professora, é
uma excelente aluna. No primeiro contato com a pesquisadora, Helena parecia
tímida e falou muito pouco; todavia, no decorrer dos encontros pareceu sentir-
se mais à vontade.
O primeiro desenho denominou “A aula de sala”. Sobre o título é
interessante notar que a aluna cometeu um ato falho: ela escreveu “a aula de
sala”, no entanto falou “a sala de aula”. Apareceram, no desenho, alguns
objetos e pessoas. O quadro com operações pareceu representar o conteúdo
que está sendo ensinado pela professora, desenhada em pé e apontando para
o quadro.
Chama a atenção que ela própria apareceu como a única aluna
presente na sala de aula, que está em também. Nota-se que a professora e
sua mesa foram desenhadas em tamanho desproporcionalmente maior em
relação ao desenho que representa a própria aluna. Outros elementos que
caracterizam a sala de aula de Helena são o armário e o relógio:
172
Figura 37 – Primeira representação da sala de aula, feita por Helena.
Fonte: Arquivos da autora
O segundo desenho da sala de aula foi intitulado por Helena como “O
dia de informática”, e a história produzida foi a seguinte:
“No dia de informática a professora estava
corrigindo os cadernos dos alunos e alguns o tinham
feito a lição e ela passou multiplicações e divisões para
eles fazerem. E eles ficaram sem informática e sem
recreio”.
Este discurso confirma que a “lição” é uma representação importante
para as crianças, conforme mencionado em outros momentos desta
pesquisa.
Os móveis como a mesa, o armário e o quadro de giz são desenhados
em tamanho relativamente grande, sendo que a professora parece pequena
em relação a eles:
173
Figura 38 – Segunda representação da sala de aula, feita por Helena.
Fonte: Arquivos da autora
Em outro encontro, Helena foi convidada a desenhar a si mesma e a
sua professora em um momento importante. O título escolhido foi Professora
ensinando a aluna”, sendo que a história foi fiel ao título do desenho: “a
professora estava explicando, ensinando a aluna”. Desta vez, a mesa foi
retratada bem menor, a professora e a aluna foram desenhadas bem próximas,
de braços abertos, e há um coração desenhado na roupa da professora.
Figura 39 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Helena.
Fonte: Arquivos da autora
174
“O dia da torta” é o último desenho da seqüência e, em relação a ele,
Helena descreveu um dia em que ela e sua professora haviam feito uma torta.
Segundo ela, foi bem divertido e a torta ficou muito boa”. No desenho,
novamente a mesa e a torta aparecem de maneira desproporcional, bem
maiores do que as figuras humanas. A aluna e a professora foram desenhadas
praticamente do mesmo tamanho:
Figura 40 Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Helena.
Fonte: Arquivos da autora
Sobre a relação entre as crianças e sua professora, Helena supõe que
tanto a professora sente saudades dos alunos, quanto os alunos sentem
saudades dela e das coisas da escola. Para ela, “a professora estava feliz
porque todos os alunos tiraram nota boa e a professora foi muito elogiada pelas
outras pessoas” e o que a professora mais queria era “bons alunos...
educação... era o que mais queria dos seus alunos”. Nota-se que o bom
desempenho dos alunos é, em sua concepção, motivo para que sua professora
seja “muito elogiada” por outras pessoas, uma associação nítida entre
elementos emocionais e cognitivos.
175
Além desta referência ao desempenho e à educação dos alunos, foi
possível identificar uma forte relação entre ensinar e aprender em alguns
momentos do discurso de Helena. Um exemplo é quando ela explicou que “o
menino que aprendia bem as coisas” “estudava bastante e ensinava para as
pessoas o que ele tinha aprendido”. Outro exemplo a ser mencionado é sua
explanação acerca do trabalho do professor, o qual é “muito legal porque o que
eles aprendem, eles ensinam para nós”. Ainda, contendo a mesma idéia,
apareceu o dito de que seus professores são “legais porque o que eles
aprendem, eles ensinam para nós”. Pode-se observar o prazer e a motivação
ligados, em suas percepções, às atividades de ensinar e aprender.
Surgiram, também, representações importantes da relação entre os
alunos e sua professora como “ela explica coisa por coisa, ela conversa” e isso
a ajuda a aprender. Diz gostar da professora porque “ela é legal, as coisas que
ela passa, o jeito dela, e ela ensina as coisas” e imagina que a professora
gosta dela e de seus colegas pelo “jeito dela de falar, ela fala que gosta, é
carinhosa”. O que se pode concluir é que Helena representa, de maneira
significativa, tais aspectos afetivos na relação com sua professora.
3. 11. Juliano - 10 anos e 8 meses
Embora a carteira em que foi instituído o lugar de Juliano seja no fundo
da classe, freqüentemente o garoto é convidado pela professora a se sentar
bem na frente, com a carteira encostada à mesa da professora.
A professora comentou com a pesquisadora que estava preocupada
com Juliano, pois segundo ela, ele tem andado muito agitado e se machucado
muito.
Em seu primeiro desenho sobre a sala de aula, Juliano teve o cuidado
de escrever o nome de alguns elementos que queria retratar. Os elementos
desenhados por ele foram a porta, as janelas, os livros, os murais, as carteiras
e o quadro de giz. Demonstrou resistência a contar uma história e até a dar um
título para sua produção, no que foi respeitado pela pesquisadora, já que nesse
primeiro momento demonstrou não estar se sentindo muito à vontade. Abaixo
176
se pode visualizar a primeira representação da sala de aula construída por
Juliano:
Figura 41 – Primeira representação da sala de aula, feita por Juliano.
Fonte: Arquivos da autora
O segundo desenho sobre a sala de aula teve como título “Bati minha
cabeça”. Juliano relatou um episódio acontecido alguns dias na sala de
aula. Ele estava balançando a cadeira e, então, caiu batendo a cabeça e
ficando “meio tonto”. Foi levado para a diretoria de onde telefonaram para que
sua tia fosse buscá-lo. Chamaram também a Ecco salva, empresa que faz
atendimentos médicos de emergência. Seu desenho foi bastante semelhante
ao anterior, embora nesse ele tenha usado cores:
177
Figura 42 – Segunda representação da sala de aula, feita por Juliano.
Fonte: Arquivos da autora
No encontro posterior Juliano já se demonstrava mais à vontade com a
pesquisadora e, quando solicitado a desenhar a si e a professora em um
momento importante, produziu um desenho com o título “Eu e a professora”.
Em sua história disse que ele e a professora estavam conversando sobre a
aula; então riu e falou: “a professora sempre conversa comigo, eu faço
bagunça”. A professora foi desenhada de braços abertos e o aluno com as
mãos no bolso:
178
Figura 43 - Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Juliano.
Fonte: Arquivos da autora.
O último desenho solicitado, com o mesmo tema do anterior, foi
denominado “Eu escrevendo”. Juliano relatou o seguinte contexto para seu
desenho:
“A professora estava escrevendo e eu copiando a
matéria nova, ela me pôs perto dela. O lanche chegou,
daí nós lanchamos”.
Chama a atenção a desproporção entre o tamanho da professora e o
do aluno, que aparece bem pequenininho, sentado em sua carteira, ao lado da
mesa da professora:
179
Figura 44 Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Juliano.
Fonte: Arquivos da autora.
É interessante observar como parece importante para Juliano este “ser
posto” sentado perto da professora. Mais tarde ele falou novamente sobre isso
como sendo uma das coisas que a professora faz que o ajudam a aprender.
A professora foi representada, nas histórias para completar, como
quem percebe a tristeza de seu aluno e se sensibiliza com ela. É também
quem deseja que seus alunos aprendam, trabalhem, façam faculdade, se
formem para “ela ter orgulho”.
As representações de “ajuda”, “carinho” e “atenção” continuaram a
aparecer, por exemplo, quando ele supôs que o menino aprendia bem as
coisas porque sua professora, os pais ajudam, ensinam, dão carinho e
educação”. o outro menino “não aprendia bem” “porque os pais não
ensinavam”, mas a professora “ajudou ele em todas as lições e deu uma
atenção especial para ele”.
Este tipo de significação se repete na entrevista, onde apareceram
também, outras representações da relação com a professora, como o “brincar”
e o “conversar”.
Segundo Juliano, o trabalho do professor é “ajudar as crianças, passar
lição ensinando, explicar e conversar”. Os professores são “legais, passam
180
lição, brincadeiras, fazem festinha e brincam com a gente”. Nesse sentido, o
que faz perceber que a professora gosta dele e de seus colegas é que ela faz
brincadeiras.
Nas produções de Juliano, portanto, as principais representações da
relação afetiva com a professora são a “proximidade” (“me pôs perto dela”), o
“importar-se” e ter orgulho do futuro de seus alunos, o “ajudar”, o “conversar”, o
“dar carinho e atenção” e, ainda, o “brincar”.
3. 12. Naira - 10 anos e 3 meses
Naira, desde o início dos contatos com a pesquisadora, insistiu para
participar do estudo e pareceu ter dificuldades em esperar para ser sorteada.
Quando, finalmente, chegou sua vez de participar, Naira se comportou de
maneira bastante desinibida.
Seu primeiro desenho com história teve o título “Minha sala” e a
história versou a respeito de um dia em que “estava supercalor”, por isso a
professora sugeriu que todos os alunos tirassem as jaquetas e blusas. No
desenho, Naira foi minuciosa ao representar todas as carteiras da sala,
colocando a inicial do nome de seus colegas nos lugares que costumam
sentar:
181
Figura 45 – Primeira representação da sala de aula, feita por Naira.
Fonte: Arquivos da autora.
Naira intitulou o segundo desenho “Tabuadas”, relatando uma situação
em que, depois de terem terminado o estudo da tabuada, “a professora fez
para gente jogo da memória, brincamos e conversamos bastante, foi legal”.
Desta vez, ela desenhou duas carteiras bem grandes, sendo uma com a inicial
do seu nome e outra com a inicial do nome de uma colega. A professora foi
desenhada em atrás de sua mesa. No quadro de giz estava escrito:
“tabuadas” e, ao lado dele, uma estante:
182
Figura 46 – Segunda representação da sala de aula, feita por Naira.
Fonte: Arquivos da autora.
O terceiro desenho foi associado a um momento em que Naira e sua
professora estão entrando na escola e estão conversando sobre Naira ter
passado de ano. Ambas estão felizes por isso. O título foi Eu e a professora”,
sendo que no desenho foi representada a fachada da escola, um portão e as
escadas, bem como uma árvore:
Figura 47 Primeira representação de um momento importante com sua professora,
feita por Naira.
Fonte: Arquivos da autora.
183
Em seu último desenho, Naira remeteu a um passeio que os alunos
fizeram recentemente ao Museu Paranaense”, e este é o título escolhido por
ela. Relatou que ela e os colegas foram até o museu com a professora e que lá
aprenderam bastante coisa”. Naira desenhou o ônibus a caminho do museu,
em um dia ensolarado:
Figura 48 Segunda representação de um momento importante com sua professora,
feita por Naira.
Fonte: Arquivos da autora.
Nas histórias para completar, Naira atualizou no personagem “o
menino chateado” uma situação vivenciada por ela própria (conforme explicado
pela aluna posteriormente):
“O menino estava muito chateado porque o tio dele é
drogado e rouba todo mundo. A professora do menino o
levou a um canto e perguntou a ele o que tinha
acontecido, ele responde e a professora o consolou”.
Na seqüência das histórias, Naira sugeriu que “a professora estava
feliz porque o tio do menino parou de se drogar”, o que pode ser interpretado
184
como sendo, além de uma expressão de alívio pelo fato da situação
complicada estar se resolvendo, um envolvimento afetivo da professora em
questões familiares que chateiam as crianças. Naira, espontaneamente,
esclareceu ter sido muito importante, para ela, ter contado para sua professora
o que estava acontecendo na sua família e, mais ainda, a professora tê-la
ouvido, o que a fez se sentir consolada. Abriu então um sorriso e disse que
agora seu tio não se droga mais.
Por meio do instrumento Histórias para completar, a professora foi
caracterizada por Naira como alguém que se envolve, que desejava que “todos
os alunos se saíssem bem” e, quando estava de férias, “sentia falta dos
estudos”.
Na entrevista também apareceram muitas representações de
afetividade nas idéias construídas por Naira a respeito da relação entre sua
professora e os alunos. Destacam-se, nesse sentido, as seguintes falas:
“É um trabalho muito importante, porque ensina para
criança tudo que deve aprender. Eles ensinam, brigam e
acompanham”.
“Eles nos tratam com carinho, amor e atenção”.
“Ela faz coisas legais, fez jogo da memória, faz bastante
coisa para agradar a gente”.
Nelas, é possível reconhecer representações como “brigar”,
“acompanhar”, o “carinho”, o “amor”, a “atenção” e o “agradar” presentes no
discurso de Naira. Quando fala sobre o que a professora faz que a ajuda a
aprender, refere-se ao “jeito que ela ensina, ela faz toda explicação no quadro,
é muito atenta”. É interessante ressaltar que Naira identifica, na professora,
também momentos de erro, por exemplo, ao dizer: “às vezes quando ela erra
feio, alguém não fez a lição, é chata, mas eu gosto dela”, ou seja, a estima que
tem pela professora não é condicionada a um ideal. A partir de um referencial
psicanalítico, poder-se-ia dizer que ela a coloca em uma posição transferencial,
afinal afirma que a professora a faz aprender, mesmo percebendo a
“castração” da professora.
185
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A proposta, aqui, é a de um momento em que serão discutidos os
principais resultados obtidos ao longo da pesquisa, buscando-se conectá-los às
teorias estudadas e utilizadas para fundamentar o presente trabalho de
pesquisa.
Um resgate das bases teóricas desta pesquisa mostra que alguns dos
pressupostos da psicanálise, bem como da teoria das representações sociais
são referenciais importantes para se buscar entender a dinâmica das relações
entre professores e alunos. Se ambas possuem relevância frente ao tema em
estudo, pode ser levantada a questão sobre quais seriam os pontos em que
tais teorias podem dialogar. Buscar-se-á responder a essa questão colocando-
se em foco os resultados do estudo, após uma pequena introdução teórica.
Moscovici (1978), Kaës (2001), Ornellas (2004), entre outros autores,
articulam as representações sociais e a psicanálise:
Por representações sociais entendemos um conjunto de
conceitos, proposições e explicações na vida cotidiana no
curso da comunicação interpessoal. Elas são o equivalente,
em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenças das
sociedades tradicionais; podem também ser vistas como a
versão contemporânea do senso comum. (MOSCOVICI,1978,
p.181).
Pode-se dizer que uma representação social manifesta algum saber
prático de como os sujeitos, inseridos cotidianamente em um contexto coletivo,
expressam sentimentos e interpretações sobre o mundo. Para a psicanalista
Ornellas (2004), esse conhecimento tem uma base cognitiva e afetiva;
portanto, as representações sociais não são saberes articulados apenas ao
cognitivo, mas que se tecem, de forma dinâmica, em um processo histórico,
racional, afetivo e emotivo.
Entre as representações sociais e a psicanálise, há de comum suas
relações com a linguagem. Cordié (1996) entende a apropriação da linguagem
186
como um trabalho ativo, pois as palavras pertencem a todas as pessoas,
pertencem a uma língua em particular e é um trabalho do próprio sujeito
retomá-las e fazê-las suas. Ao mesmo tempo em que as palavras trazem um
significado comum, socialmente convencionado, preservam um sentido
particular para cada sujeito porque, no processo de aquisição da linguagem, as
palavras ouvidas são associadas às pessoas e às situações, adquirindo sentido
por meio de um processo onde são religadas, associadas e, por vezes,
isoladas.
Kaës (2001) afirma que a psicanálise pode manter alguma relação
com a concepção psicossociológica da representação, mas ressalta que é
pouco provável que os objetos coincidam, pois se constituem de projetos
epistemológicos e práticas diferentes. Entretanto, é importante enfatizar que as
representações são designadas por conteúdos conscientes e por processos
inconscientes que ocorrem em sujeitos que são, concomitantemente,
cognitivos, afetivos, históricos e sociais. Portanto, o que de convergência
possível entre a psicanálise e as representações sociais é, no mínimo, que
ambas se propõem a escutar a produção de discursos dos sujeitos, tanto
naquilo que de singular como no que é compartilhado socialmente. Ou seja,
tanto a representação social quanto a psicanálise se interrelacionam com a
cultura. As duas teorias podem participar dos debates interdisciplinares porque
tentam nomear, relacionar as construções simbólicas com seus contextos.
Ornellas (2004) destaca que Freud, em vários momentos de sua obra,
idealizava que a psicanálise pudesse, futuramente, contribuir com a sociedade
como um todo, em especial com a educação. O pai da psicanálise
acompanhava os movimentos sociais e estimulava que a psicanálise pudesse
estender-se a outras áreas do conhecimento. Daí surgiu o interesse da
psicanálise pela educação e pela escola.
A via de acesso da psicanálise aos conteúdos presentes nos sujeitos é
sempre a escuta cuidadosa. Também neste trabalho de pesquisa a tentativa foi
de, através da escuta, buscar entender como as crianças, no papel de alunos
estão construindo sentidos neste “pedacinho” do mundo que as cerca. “Ao
escutar os ditos e os não ditos, produzimos e ampliamos o mundo das coisas,
damos a nossa versão, que é na réplica e não uma repetição” (ORNELLAS,
2004, p. 3).
187
Escutar e falar fazem parte do processo educativo, embora possamos
inferir que uma desproporção entre o espaço que cada um, professor e
aluno, tem para tomar a palavra. Ainda assim, é que se o encontro dos
sujeitos que constroem as relações afetivas, as quais podem ser representadas
pela fala e serem compreendidas pela escuta.
Nesse sentido, a pesquisa em questão preocupou-se em incluir um
espaço de fala, destinado à exploração de aspectos situados na interrelação
entre os âmbitos afetivo e cognitivo, para as crianças no ambiente escolar.
Supõe-se que as crianças entrevistadas puderam usufruir da oportunidade de
pôr em palavras parte da experiência de relacionamento com sua professora.
A leitura dos resultados obtidos na pesquisa foi composta por três
momentos. O primeiro momento foi a apresentação de diagramas para que
fosse possível visualizar a freqüência geral com que apareceram as categorias
de representações afetivas nas falas das crianças, conforme os variados
instrumentos de pesquisa. O segundo foi a exploração das categorias,
apresentando-se exemplos de algumas falas que caracterizaram cada uma das
cinco categorias. Talvez, nesses dois primeiros momentos, a leitura dos
resultados tenha tido um viés mais marcado pelas representações sociais,
porque, até então, as falas apresentadas m o objetivo de traduzir as
representações coletivas deste grupo de crianças (ainda que a coleta de dados
tenha se dado de forma individual). Entretanto, como apenas a freqüência de
um acontecimento não é suficiente para determinar a centralidade de uma
representação, criou-se um terceiro momento de análise, no qual foram feitos
estudos individuais das doze crianças participantes do estudo. A leitura foi
então singularizada, retomando-se, no percurso, a cadeia de significantes de
cada uma das crianças ao longo do processo de encontros e produções na
coleta de dados.
É importante a contribuição do referencial teórico da psicanálise para a
leitura desses dados de pesquisa, quando adverte de que a palavra nunca é
toda. Ou seja, a função simbólica que comporta a fala é de fundamental
importância, mas ela é sempre parcial, no sentido de que é impossível dizer
tudo. Lacan (1998), no texto intitulado “Função e campo da fala e da linguagem
em psicanálise”, faz um denso trabalho, evidenciando que a palavra comporta
um “lugar enganador e ambíguo”, porque em todo discurso há um sujeito
188
dividido, um enunciado (consciente) e uma enunciação (inconsciente).
sempre algo que escapa, que faz com que o dito seja sempre parcial, comporte
um tanto de algo que é impossível de dizer. Ou seja, mesmo escutando essas
falas das crianças e as considerando em sua importância, é preciso estar
ciente, então, da parcialidade que é inerente às representações. Isso quer dizer
que, o que foi dito, representa o possível de ser dito nesse momento e que
muito mais, tanto pontos de não saber, como afetos que não puderam se
representar.
O importante é que, se algo do que as palavras não conseguem
tecer, está o sujeito do inconsciente na teoria lacaniana, exatamente onde a
linguagem não dá conta de dizer dele. Portanto, as categorias constituídas aqui
mostram o que foi possível de ser tecido através das palavras, mas considera-
se que algo foi tecido para além delas e que esse processo toca as crianças
enquanto sujeitos singulares.
Como já citado na fundamentação teórica deste trabalho, Lacan (1994)
explicou que “cada vez que estamos na ordem da palavra, tudo que instaura na
realidade uma outra realidade, no limite, só adquire sentido e ênfase em função
dentro desta ordem mesma” (LACAN, 1994, p. 271).
No mesmo sentido, para Kaës (2001), a representação indica uma
ausência, sendo formada como traço e reprodução de um objeto e de uma
experiência perdidos. Remete então, para a falta indicada pela representação e
pela psicanálise.
Sobre isso, no estudo das representações sociais, Moscovici (1978)
analisa que:
A fim de penetrar no universo de um indivíduo ou de um grupo,
o objeto entra numa série de relacionamento e de articulação
com outros objetos que se encontram, dos quais tomam as
propriedades e aos quais acrescenta as dele. (MOSCOVICI,
1978, p.63).
Portanto, ao representar um objeto, os indivíduos ou grupos penetram
em um universo familiar e o associam a outros objetos anteriormente
existentes. Pode-se pensar, por exemplo, que ao representarem a sua relação
com a professora como caracterizada por “atenção, conversa e ajuda” e “afeto,
189
carinho e estima”, que são as duas principais categorias obtidas através dos
três diferentes instrumentos, utilizam, provavelmente, palavras pertencentes
aos seus universos familiares. Estas foram representações bastante freqüentes
e enfatizadas na fala das crianças.
Numa vertente psicanalítica, as formas de relação objetal que a
criança estabelecerá, implicam, necessariamente, o inconsciente e sua relação
com o outro. Parece importante, para que se funde um sujeito, que ele possa
reconhecer-se no olhar de um outro. Isso garante um lugar, a partir do qual é
possível existir:
O sujeito se reconhece a si mesmo na presença do outro e ao
simular para si próprio o raciocínio do outro. Ao
reconhecimento da alteridade se junta a presença do Outro
que permite a cada um definir sua própria identidade,
medindo-a pela alteridade dos outros. (FERRETI, 2004, p.44).
Ao dirigir “atenção”, “conversa”, “ajuda”, assim como “afeto”, “carinho”
e “estima”, marca-se a alteridade e o reconhecimento do outro.
No Capítulo 4 da fundamentação teórica deste trabalho, em que se
abordou a relação do sujeito com o outro, enfatizou-se que o amparo afetivo
vindo de um ser humano adulto, para além do amparo fisiológico, participa do
início da constituição do sujeito. Nos primeiros tempos de vida de um sujeito o
amparo emocional efetiva-se através da maternagem (toques, carinhos,
olhares, palavras endereçadas ao bebê). Levisky (1992) enfatiza a importância
do desenvolvimento de um sentimento de confiança básica que se origina no
vínculo com aquele que encarna a função materna, tanto para o
desenvolvimento egóico, como também das demais funções psíquicas.
Na relação com a figura do professor, pode-se pensar no fenômeno
transferencial que o coloca, de certa forma, em um lugar semelhante ao dos
pais, no sentido que nos lembra Freud (1914), pois os afetos e emoções
vividos com os primeiros objetos aos quais o sujeito se acha ligado (a mãe, o
pai, os irmãos) vão ser transferidos, ou seja, procurados e substituídos pelos
mestres.
Encontrou-se, nas representações das crianças sobre a relação afetiva
com seus professores, significantes que se assemelham ao da maternagem.
Marcas de sua constituição como ser de linguagem e relacional. Assim como
190
algumas falas trouxeram representações de sentimentos ambivalentes
endereçados ao professor, e que também caracterizam o processo
transferencial.
Conforme se observou, a categoria de representações de momentos
divertidos e de proximidade surgiu a partir do instrumento desenhos com
histórias, em que as crianças foram convidadas a fazer um total de quatro
desenhos, dois com o tema “sua sala de aula” e os outros dois, “você e sua
professora em um momento que considere importante”. Chamou a atenção
porque, nos conteúdos a partir deste instrumento, esta categoria
evidentemente foi predominante, o que leva a considerar que as crianças dão
muita importância a esses momentos de diversão e de proximidade com a
professora.
Quanto ao fato de que esta categoria surgiu a partir do instrumento
desenho com histórias, considerou-se, como pôde ser visto, que não é
somente a verbalização da experiência afetiva que propiciaria a sua
articulação, o seu entendimento, existindo também outras formas de re-evocar
afetos, de representá-los e compreendê-los, em um sistema que é cognitivo e
afetivo ao mesmo tempo. Isso acontece, por exemplo, nas expressões
artísticas, que abarcam outra forma de linguagem. Lembrando que, como foi
anteriormente abordado neste trabalho, ainda assim, sempre haverá algo que
escapará, o qual é vivido como puro afeto, sendo impossível de ser
representado.
Sobre os desenhos, é válido relatar que em alguns momentos,
principalmente os meninos demonstraram resistências ao desenhar,
especialmente figuras humanas. Identificou-se que, como bem descreve Cox
(2007), nesta faixa de idade em que se encontram estas crianças (a partir de
oito, nove anos), um aumento das expectativas delas próprias sobre seus
desenhos. Elas o se satisfazem mais em que seus desenhos sejam
identificáveis, querem que estes sejam visualmente realistas e tornam-se
extremamente críticos em relação a eles, podendo até ter o efeito de fazê-las
desistir de desenhar.
Também se pôde constatar o que a literatura (SCOTT, 1981; COX,
2007) afirma, que a maioria das meninas tem uma tendência a desenhar mais
191
detalhes do que a maioria dos meninos, embora não haja outras diferenças
consideráveis na produção entre os gêneros.
Advertidos pelas críticas a interpretações generalistas, procurou-se
ater, nessa análise de dados a partir de desenhos, nos discursos que a própria
criança produziu sobre seu desenho, considerando que houve efeitos
resultantes do próprio processo de desenhar.
De acordo com Levin (2001) e Magalhães (2003), tanto o desenho
quanto a brincadeira o são importantes em si, mas no movimento que
representam em seu processo. Isso porque o ato de produzi-las participa da
construção das representações.
Quanto às representações de “momentos divertidos”, trazidas pelos
alunos, pode-se teorizar a partir do significante da “brincadeira”, que se repetiu.
Ao construírem representações sobre a relação com a professora, as crianças
destacaram um objeto de grande familiaridade que é o “brincar”. O brincar,
segundo Winnicott (1975), é universal e natural para as crianças.
Moura (2004) menciona que nos momentos de lazer na escola, em
que acontecem as brincadeiras e os jogos, são possibilitadas as condições de
troca entre os alunos, a interação entre diferentes pontos de vista, a
cooperação, assim como o exercício da criatividade, imaginação e fantasia. A
autora continua afirmando que, por meio da brincadeira, a criança conquista o
domínio sobre o mundo externo, domínio sobre o corpo, aprendendo sobre as
relações sociais.
Talvez essa representação retrate também a necessidade que as
crianças sentem de momentos como esse, para o seu desenvolvimento. Elas
fazem referências também a passeios, festinhas, momentos que favorecem a
“proximidade” com a professora; na verdade, com a pessoalidade da
professora. Freud (1914) nos fala sobre o interesse que os mestres provocam
em seus alunos, sobre sua vida pessoal. Em alguns desenhos com histórias,
as crianças representaram encontros com a professora em parques, na praia,
ou seja, em contextos distantes do escolar, contextos estes em que, quem
sabe, fosse possível saber um pouco mais sobre a pessoalidade da professora.
Outro significante que ocorreu com freqüência, a partir dos três
instrumentos de coleta de dados, foi o “brigar”; porém o brigar, vindo da
192
professora, pareceu associado ao sentido de cuidado, representando um
“importar-se” por parte da professora.
Sabe-se que, a partir da leitura lacaniana de Freud, a elaboração
do conceito de função paterna. Speller (2004) a define de um modo
interessante, enfatizando que na relação da criança com os adultos, os efeitos
de subjetivação e formação passam também pela função instauradora da lei
simbólica.
A lei simbólica pode ser considerada como instância organizadora da
castração, ou seja, de limites. Assim este “brigar” pode ser uma representação
que remete à importância de que o professor sustente, na relação afetiva com
seus alunos, alguns limites.
As representações acerca do “desejo de aprender” apareceram
somente a partir do instrumento histórias para completar, de forma indireta,
associadas ao gostar de estudar e à implicação que se supõe necessária para
a aprendizagem.
É válido lembrar que o desejo de aprender tem sua origem no desejo
de saber, conforme se viu anteriormente no texto relativo à fundamentação
teórica deste trabalho. E que embora possa ser considerado como marca
constitutiva no ser humano, tal desejo não está livre de ser ambivalente, como
nenhum outro desejo está.
Para que a aprendizagem aconteça é necessário que o desejo de
saber possa ser investido a serviço de que o sujeito aprenda, superando as
resistências próprias da ambivalência.
O que se conclui é que o desejo de saber, na aprendizagem formal, se
articula de maneira intensa com o lugar que o aluno investe seu professor, bem
como, se é possível a ele suportá-lo e ainda transmitir ao aluno, além do
conhecimento, seu desejo de que ele aprenda. Essa idéia é facilmente
reconhecida nas falas das crianças que representam o “desejo de ensinar”, o
“investimento por parte do professor” e o “importar-se com os alunos”.
Em vários momentos da construção teórica deste trabalho ressaltou-se
a importância de que o professor explicite o desejo de que seu aluno aprenda,
e é interessante constatar como as crianças parecem saber disso. Nesse
sentido, a visão de Lajonquiére (1992) é a de que é preciso um outro que
confirme e reconheça o movimento de conhecer e aprender do aluno.
193
Speller (2004) lembra que a criança ocupa um lugar, tanto no desejo
dos pais, como no desejo dos mestres. Acrescenta-se que, ao mesmo tempo
em que a criança corre o risco de ficar alienada à demanda impossível do
outro, é extremamente necessário que possa reconhecer-se no desejo do
outro, para que possa investir-se desse desejo e, naturalmente, diferenciar-se
dele, tornando-se sujeito do próprio desejo.
Como apresentado na análise de dados, em vários momentos, as
crianças concebem que o professor deseja que elas se saiam bem”, “tirem
boas notas”, aprendam” e ainda que tenham um bom futuro”, “se formem”,
demonstrando a suposição de um lugar legitimado no desejo do professor.
Verificou-se que grande parte das representações construídas sobre suas
relações com seus professores aponta para o reconhecimento do desejo de
ensinar de seu professor.
Mrech (2003) afirma que é preciso que o professor demonstre seu
desejo de saber para melhor ensinar, quer dizer, que seja visto pelo aluno
como um sujeito desencadeador de seus próprios processos. Algumas falas
das crianças demonstram essa percepção, quando colocam o professor como
alguém que também estuda e aprende. Mendonça Filho (2001) também
ressalta que a posição do professor depende de fazer valer, no seu desejo de
ensinar, o seu próprio desejo de saber.
A idéia de que o professor pode se tornar um modelo de identificação,
e que isso pode contribuir para a ativação do desejo de aprender dos alunos,
parece confirmar-se, por exemplo, no caso de Marina. Marina, em seu
desenho, fez uma representação em que ela e a professora estão muito
parecidas e vestidas de forma praticamente igual. Também, durante as
observações na sala de aula foi possível perceber, em sua maneira de se
referir à professora, uma declarada admiração e uma vontade de ser como ela,
o que pode ser lido como indícios de identificação. Conforme explicitado na
análise individual dos casos, Marina mudou sua relação com a escola e seu
desempenho melhorou muito no corrente ano escolar, e ela própria credita isso
ao investimento e incentivo de sua professora com relação a ela. Ainda que
chegue um momento em que os alunos precisem superar sua identificação
para ocuparem seu próprio lugar, parece haver um momento de sua trajetória
194
em que a identificação colabora, pela via da transferência, com a efetivação da
aprendizagem.
É importante lembrar que a transferência é sempre ligada a um desejo,
e que o afeto transferido a alguém pode se expressar por amor, mas também
por hostilidade, e que as relações humanas são sempre marcadas por certa
ambivalência.
Quanto à transferência, pode-se pensar também, como foi dito, que
apesar de haver certa atualização do passado, as relações transferenciais são
dinâmicas, e o novo surgirá se houver possibilidade da criança ocupar outro
lugar no olhar e no desejo de seu professor.
A partir dos dados coletados nesta pesquisa, pode-se considerar um
exemplo disso o caso de Gustavo, que trouxe em suas representações a idéia
de que a professora o elogia, valoriza suas capacidades, é muito inteligente e
gosta dele. Parece que na relação com a professora ele encontra, então, a
possibilidade de ocupar um outro lugar, diferente daquele ocupado em sua
história escolar anterior, em que era tido como um aluno difícil, violento,
desinteressado, que faltava muito às aulas e apresentava muitas defasagens
na aprendizagem. Ele pode, agora, ser assíduo, superar muitas das
defasagens de aprendizagem que apresentava e também se relacionar de
forma menos agressiva com os colegas.
Na mesma linha, pode-se pensar também em Viviane, que diz gostar
de sua professora porque esta a respeita. Viviane foi rotulada, por parte de
suas ex-professoras, como uma aluna “insuportável”, por falar muitos palavrões
e bater nos colegas. Na relação com sua atual professora muito humor, o
que parece apaziguá-la em seus momentos de raiva com os colegas.
Frequentemente a professora brinca com ela, por exemplo, quando diz que
Viviane é, na verdade, uma “lady”. Ainda que seja chistoso
30
, talvez esse
comentário aponte, à aluna, que a professora nela a possibilidade de que
seja mais delicada, como uma “lady”. Além de Viviane se envolver menos em
brigas com seus colegas, ela vêm apresentando grande melhora em seu
30
Freud estuda o humor (chiste vem do alemão witz que significa “gracejo”), como uma formação do
inconsciente, em seu texto: Os chistes e sua relação com o inconsciente de 1905. Sucintamente pode-se
enteder que o chiste conecta arbitrariamente, através de uma associação verbal, duas idéias contrárias com
efeito cômico.
195
desempenho escolar e parece estar se tornando, cada vez menos, uma aluna
“insuportável”.
É claro que a função do professor é muito diferente daquela do
psicanalista clínico, mas de alguma forma o professor, ao suportar a
transferência, pode sustentar o seu desejo de ensinar e dirigir ao aluno um
olhar, no qual ele supõe um ser capaz, independente do lugar que se
apresente. Assim, o aluno poderá ocupar um lugar “melhor”, pois está investido
do desejo do outro e, sendo reconhecido, poderá também desejar aprender.
A importância da relação do aluno com o professor se deve, também,
à característica de que a aprendizagem, em qualquer circunstância, pressupõe
a alteridade. O encontro com a diferença inerente ao outro é uma das bases da
socialização, da possibilidade de se fazer laços e produzir o novo. O saber
referencial, assim nomeado na teoria lacaniana, é o que vem da cultura,
representando a produção da humanidade que antecede o sujeito. Portanto,
mesmo uma aprendizagem autodidata acontece a partir de um outro. Quando é
possível elaborá-lo de maneira singular, resulta em um saber textual, atrelado
ao inconsciente estruturado como linguagem. A humanização se no contato
com outro ser humano, o que nos faz, necessariamente, seres relacionais.
Retomando o problema de pesquisa, que busca explorar quais as
representações que as crianças constroem sobre aspectos afetivos da relação
com seu professor, e como representam as implicações destes aspectos
afetivos em sua aprendizagem, pode-se responder que as crianças constroem,
sim, representações sobre a relação afetiva com seus professores e que as
mesmas são, na concepção das crianças, espontaneamente implicadas com
seus processos de aprendizagem.
As representações que as crianças participantes deste estudo
possuem sobre a relação afetiva com seus professores (aquilo que se pôde
dizer em relação a isso) são, basicamente, aquelas que as categorias
evidenciaram. Estas categorias podem ser esquematizadas, em articulação
com as teorias que fundamentaram este trabalho de pesquisa, conforme
apresentado a seguir. Assim procura-se especificar os termos quaise como
da questão acima:
196
PROCESSOS DE APRENDIZAGEM
RELAÇÃO AFETIVA COM O PROFESSOR
Representações de atenção, conversa, ajuda, afeto, carinho, estima,
momentos divertidos e de proximidade
PROFESSOR ALUNO
SUPORTAR A TRANSFERÊNCIA
DESEJAR QUE SEU ALUNO
APRENDA
TRANSFERÊNCIA, SUJEITO
SUPOSTO SABER
DESEJO DE ENSINAR
Representações de investimento por
parte do professor, importar-se com
seus alunos
DESEJO DE APRENDER
Representações de gostar de estudar
e investimento em aprender
Sua história com seu próprio desejo
de aprender, sua escolha por esse
ofício
Interesse intelectual
DESEJO DE SABER
História de sua origem
Quadro 05 - Processos de aprendizagem do ponto de vista afetivo
Fonte: O autor, 2009.
A relação entre alunos e professores é mediada por seus desejos: o de
aprender e o de ensinar, manifestos também na afetividade que se constrói
entre eles. O que sustenta tais desejos para cada um é, segundo o que se
pode supor a partir das teorias e do que se pôde escutar nesta experiência de
pesquisa:
* Da parte do professor condições para sustentar seu desejo de
ensinar, suportar seu lugar transferencial e de lidar simbolicamente com seu
197
próprio desejo de saber, que é anterior ao seu desejo de ensinar, e é anterior à
sua escolha por essa profissão;
* Da parte do aluno seu desejo de aprender sustenta-se em sua
constituição como sujeito humano desejante por saber; na possibilidade de
confiar no professor e supor que ele sabe; de ter a percepção, ainda que
inconsciente, de que o professor suporta o lugar que lhe é dado na
transferência. Sendo assim, é contagiado pelo desejo que o professor lhe
transmite, vê-se reconhecido como sujeito no olhar daquele que elegeu como
mestre. Isso permite que, depois, possa diferenciar-se dele em sua
singularidade, apropriar-se do saber, construindo seu próprio conhecimento e
ocupando o lugar de sujeito.
O que se pode concluir é que as crianças constroem representações
sobre partes desse processo, manifestadas na relação afetiva entre elas e seus
professores. E o desejo de ensinar do professor, somado à sua capacidade
afetiva de reconhecer seu aluno como sujeito único, suportando as
transferências, sustenta o desejo de aprender do aluno, possibilitando a
emergência dos processos de aprendizagem.
198
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final do percurso de construção deste estudo, considera-se que
uma das características mais importantes deste trabalho de pesquisa foi a
postura de criar um espaço de palavra dado às crianças. É realmente
importantíssimo ouvi-las e é, também, uma questão ética que a construção do
saber científico acerca das crianças se dê considerando-se, também, o que
elas têm a dizer. Os resultados desta pesquisa confirmam que é um grande
erro subestimá-las em seus potenciais de elaboração.
Espera-se que trabalhos como esse, na área da Educação, possam
contribuir para que haja cada vez mais espaço no ambiente da escola, que
possibilitem às crianças lançar mão de seus recursos simbólicos para
expressar a si mesmas.
Conforme se desenvolveu na parte teórica deste trabalho, é relevante
se pensar no lugar que o professor e a escola ocupam na vida das crianças. Ao
iniciar sua vida escolar, a criança se insere em um contexto totalmente novo, e
vai se relacionar com ele a partir de atualizações de formas conhecidas de
relação, constituídas anteriormente nas relações familiares. Ao mesmo tempo,
o novo contexto trará novos significantes, ampliando sua cadeia simbólica e a
re-significando. A escola, portanto, ocupa o lugar de fornecer significantes da
cultura à criança que, por ter sido humanizada com palavras, é um ser de
linguagem e relacional. A educação é estabelecida por meio da linguagem e
cabe a questão de que espaço a linguagem, enquanto produtora de
subjetividade, tem ocupado na realidade escolar.
Daí a consideração de que o espaço escolar deveria dar mais voz
cotidianamente à criança, para que sua educação fosse atravessada por uma
posição de sujeito que tem algo a dizer. O que, se deduz, favoreceria a
construção de seu saber textual, pela ampliação dos limites, posto que o uso
da palavra tem a função de simbolização e, como conseqüência, promove
articulações criativas. Como bem nomeia Speller (2004), a circulação da
palavra é possibilitadora do novo. E pode-se pensar também que ao falar, na
199
tentativa de melhor dizer, enlaçamos as representações e os afetos, de
maneira a fazer muitas pontes entre o afetivo e cognitivo, e entre o consciente
e o inconsciente.
Ouvir mais as crianças favoreceria, também, a relação professor-aluno,
pois ensinar ocorre também por uma via que escapa à própria consciência.
Freud (1913) entende que só pode ensinar aquele que está capacitado a entrar
na alma de seu aluno.
No que tange às relações entre a psicanálise e a educação, buscou-
se, no presente trabalho, construir profícuas articulações. Encontra-se, nas
obras freudianas, várias referências às possibilidades e à importância de
aplicar e difundir o pensamento psicanalítico fora da clínica. E não somente
pela contribuição que a psicanálise pode trazer às outras áreas, mas também
pelo que os psicanalistas aprendem quando saem dos seus consultórios.
Talvez possa se afirmar que os psicanalistas m também a
responsabilidade de pensar o aspecto social, pois o próprio Freud (1921)
considera impossível separar o social e o individual, valorizando suas inter-
relações. A cultura, então, representa um campo mais amplo, em que são
possíveis e desejáveis as interlocuções entre as áreas do conhecimento como
a psicanálise e a educação, por exemplo.
É importante deixar claro que não se trata da psicanálise somente
questionar o seu entorno, senão na medida em que, assim, ela pode encontrar-
se com a alteridade de outras áreas e também questionar a si mesma.
Nas últimas cadas, tem aumentado o interesse em pesquisas em
psicanálise e educação; como resultado, tem-se acesso a muitas produções
importantes. Ainda assim, não é uma tarefa fácil, já que a própria cultura
acadêmica, por vezes, tende a fragmentar os conhecimentos sobre o sujeito,
de maneira a demandar uma objetividade impossível de ser respondida pela
psicanálise. A partir dessa experiência, fica aberta a questão: de que formas a
psicanálise pode realizar pesquisa? que a sublimação, a identificação, a
transferência e o desejo não podem ser mensurados, nem manipulados?
Filloux (2002) aponta que, atualmente, estudos sobre a compreensão
dos fenômenos sobre a transferência em sala de aula assumem uma
pluralidade de abordagens por pesquisadores, cientistas e pedagogos.
Reconhece-se que a questão da transferência é atual em pesquisas da
200
Educação e vários artigos, nos últimos anos, tratam desse tema sobretudo
das relações com o saber. Porém as universidades, enquanto locais de
produção e difusão do saber, têm tido poucas oportunidades de veicular esse
saber.
No presente trabalho procurou-se ter acesso a uma parte da
subjetividade de um grupo de alunos através das representações, as que foram
possíveis de serem nomeadas. É importante ressaltar que esta pesquisa teve
suas limitações. Neste momento, foi possível um trabalho exploratório com
apenas doze crianças de determinada faixa etária, que teve como resultado a
constatação de que as crianças constroem representações sobre aspectos
relacionais com seus professores e, em suas concepções, estes aspectos
estão, naturalmente, ligados aos aspectos cognitivos e à aprendizagem.
Porém, para a psicanálise não é suficiente apenas reconhecer os fenômenos
afetivos como sentimentos, emoções; mas se aprofundar em seu sentido
amplo. Em um trabalho em nível de mestrado não tempo hábil para que
sejam elaborados instrumentos de pesquisa que possam trazer tal
aprofundamento, ficando aí um espaço para futuras pesquisas.
Outras questões surgem, ao se pensar acerca das implicações
pedagógicas dos resultados obtidos, e que podem vir a ser problemas de
pesquisa em trabalhos futuros. Por exemplo, que representações os
adolescentes constroem sobre a relação com seus professores? Como a
escola, estruturada da forma que está, interfere nessas relações (com a
vivência de saberes e contatos também fragmentados, que ocorre a partir da
5ª. Série do Ensino Fundamental)? Que representações alunos adultos (em
nível de graduação, ou de pós-graduação) constroem sobre a relação com
seus professores?
Conforme se viu, Bacha (2006) vem desenvolvendo uma concepção
na qual o professor é, em suas palavras, redimensionado. Critica a
hipervalorização dos métodos de ensino e de aprendizagem, das cnicas para
motivar os alunos e do arsenal tecnológico que, segundo ela, diminuem o
professor. Deixa-se em aberto outra questão: Será que a desvalorização que
vem acontecendo do lugar do professor no contexto social interfere na sua
possibilidade de suportar o lugar transferencial e desejar ensinar?
201
De qualquer maneira, ao se considerar as representações construídas
pelas crianças neste estudo, reafirma-se o entendimento sobre a relevância do
papel do professor. Talvez seja o professor, por encarnar um suposto saber e,
dessa posição, olhar o seu aluno, o elemento mais significativo do processo
ensino-aprendizagem. Como afirma Filloux (2002, p.11), “a conduta do aluno
transcende os meros limites de uma aquisição do conhecimento, para centrar-
se numa relação que leve em conta essencialmente os fatores intersubjetivos
no binômio ensino-aprendizagem”.
Para finalizar, considera-se que isso não se refere somente ao
entendimento do senso comum que, muitas vezes, toma a relação afetiva como
sinônimo de amor. Como se viu, para além do amor estão os fatores
subjacentes ao afeto, que o também as ambivalências, as agressividades, o
ódio, etc. Nesse aspecto, este trabalho e muitos outros tentam elucidar
elementos que possam contribuir para a compreensão das relações das
crianças com a aprendizagem em sua trajetória escolar, pensando em como os
afetos se simbolizam no cotidiano escolar, buscando dizer um pouco mais
sobre os processos emocionais, inconscientes ou não, como a transferência e
o desejo de aprender. Tal noção tem parecido indissociável das relações
humanas com o saber e o produzir, de acordo com o que se pôde interpretar. O
que remete também a pensar o professor, pois o inconsciente trabalha nele
também. Ele não está livre, por ser adulto e professor, de sentir ambivalências,
inibições, angústia, resistências; ele é tocado o tempo todo por sua relação
com as crianças e com a própria criança que foi e carrega em si. O professor
precisa ser reconhecido em seu papel que é extremamente relevante, na
educação, pois ele é, sem dúvida, mais importante do que as didáticas, os
métodos, a televisão, o computador, a internet, os vídeos, etc. Quando se
pensa em ensino e aprendizagem, se está diante de um processo que é,
predominantemente, relacional.
202
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211
ANEXOS
ANEXO A – CARTA DE APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA
212
ANEXO B - TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO, LIVRE E
ESCLARECIDO
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO, LIVRE E ESCLARECIDO
Título do
Projeto:
Representações de crianças sobre a relação afetiva com seus
professores: uma contribuição para a compreensão do desejo de
aprender
Local da
Pesquisa:
Escola Municipal Jaguariaíva R. José Mazepa 51, Bacacheri,
Curitiba/PR, Telefone: (41) 3256-06.12.
Pesquisadora: Priscila Mossato Rodrigues Barbosa
Endereço: R. Cel. Dulcídio nº540, cj. 1, Batel, Curitiba/PR
Telefones: (41) 9665-36.34 e (41) 3233-56.17
1) Informação ao responsável pelo participante voluntário:
Prezado(a) Senhor(a),
Sou psicóloga, e pretendo convidar seu filho(a) (ou a criança sob
sua guarda) para participar de uma pesquisa que está sendo conduzida
por mim para cumprir uma etapa do trabalho de conclusão do curso de
Mestrado em Educação da Universidade Federal do Paraná. O propósito
deste documento é prestar ao Sr.(a) informações sobre a pesquisa e,
uma vez assinado, documentar a sua permissão para a participação do
seu filho(a) (ou criança sob sua guarda) no estudo. O documento
descreve o objetivo e os procedimentos a serem adotados na pesquisa.
Não riscos ou desconfortos envolvidos na pesquisa. O Sr.(a) é livre
para decidir sobre a participação de seu filho(a) (ou criança sob sua
guarda) na presente pesquisa, e poderá recusar a participação dele(a), e
bem assim, poderá retirar a permissão para participação dele(a) nesta
pesquisa a qualquer momento.
2) Propósito do estudo:
A pesquisa consiste em solicitar às crianças de série do ensino
fundamental que completem inícios de histórias, elaborem alguns
213
desenhos em folhas de papel e respondam algumas questões de uma
entrevista semi-estruturada. O objetivo da pesquisa é levantar
informações sobre as idéias ou representações das crianças, que estão
cursando a 4ª série do Ensino Fundamental, acerca da relação afetiva
com seus professores.
Considero relevante este estudo para a caracterização dessas
representações, uma vez que o mesmo pode sugerir possíveis mudanças na
maneira de se trabalhar com as crianças, levando-as a apreciar mais os professores
e os conteúdos ministrados.
A sua participação consiste em autorizar seu(sua) filho(a) (ou criança sob
sua guarda) a participar de entrevistas individuais cujo tema geral sea “escola”,
respondendo a um conjunto de perguntas e desenhando sobre este tema. As
entrevistas serão conduzidas por mim, serão videogravadas e terão a duração
aproximada de 50 minutos, sendo realizadas nas dependências da escola onde
seu(sua) filho(a) estuda.
3. Seleção:
A pesquisa pretende ouvir crianças de ambos os sexos que
estejam matriculadas no curso da 4ª série do Ensino Fundamental.
4. Procedimentos:
A metodologia desta pesquisa consiste na aplicação de atividades
(histórias para completar, elaboração de desenhos sobre papel) e
entrevista individual com a pesquisadora, sobre o tema “relação afetiva
com seus professores”.
5. Participação voluntária:
Sua decisão em permitir que seu filho(a) (ou criança sob sua
guarda) participe deste estudo é voluntária. O Sr.(a) pode decidir não
permitir que seu filho(a) (ou criança sob sua guarda) participe da
pesquisa.
Uma vez autorizada a participação, o Sr.(a) pode retirar o seu
consentimento para participação de seu filho(a) (ou criança sob sua
guarda) a qualquer momento. Caso o Sr.(a) decida retirar seu
consentimento para a participação de seu filho(a) (ou criança sob sua
guarda), não haverá qualquer punição ou perda de benefício a que o
214
Sr.(a) ou seu filho(a) porventura tenham direito. Agradecemos sua
colaboração.
6. Custos e pagamento pela participação:
Não haverá nenhum custo ao Sr.(a) ou seu filho(a) (ou criança sob
sua guarda) relacionado aos procedimentos previstos no estudo.
A participação de seu filho(a) (ou criança sob sua guarda) é
voluntária, portanto o Sr.(a) não será pago pela participação neste
estudo.
7. Permissão para revisão, confidencialidade e acesso aos registros:
O pesquisador responsável pelo estudo coletará informações
sobre seu filho(a) (ou criança sob sua guarda). Em todos esses registros
um código substituirá o nome da criança. Todos os dados coletados
serão mantidos de forma confidencial, inclusive o material videogravado.
Os dados coletados serão usados para a avaliação do estudo pelos
membros do Comitê de Ética, que poderão revisar os dados fornecidos.
Os dados poderão ser usados em publicações científicas sobre o
assunto pesquisado. Porém, a identidade da criança não será revelada
em quaisquer circunstâncias. O Sr.(a) e seu filho(a) (ou criança sob sua
guarda) têm direito de acesso aos dados respectivos. O Sr.(a) pode
discutir essa questão mais adiante com a pesquisadora responsável pelo
estudo.
8. Contato para perguntas:
Caso o Sr.(a) ou seus parentes tiverem alguma dúvida referente ao
estudo, poderão contatar a pesquisadora do estudo: Priscila Mossato
Rodrigues Barbosa, telefone (41) 9665-36.34. Caso tenham dúvidas sobre
seus direitos em relação à pesquisa, poderão contatar o Comitê de Ética
do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná, pelo
telefone: (41) 3360-7259. O Comi é composto por um grupo de
indivíduos com conhecimentos científicos e não-científicos que realizam
a revisão ética inicial e continuada do estudo de pesquisa para mantê-lo
seguro e proteger seus direitos.
9. Declaração de consentimento do responsável:
Nome da criança:
215
Data de nascimento: Idade: Ciclo:
Responsável:
Endereço:
Telefone de contato:
Em vista dos esclarecimentos prestados, manifesto minha autorização e
concordância em permitir a participação de meu(minha) filho(a) na pesquisa.
Por ser verdade, firmo o presente termo.
_________________________________ _____________________________
Responsável pelo participante voluntário Priscila M. R. Barbosa (pesquisadora)
Curitiba, de de 2008.
216
ANEXO C – ROTEIRO:
HISTÓRIAS PARA COMPLETAR
1) De vez em quando, o menino pensava nas coisas da escola e na professora. Ele
pensava...
2) A professora estava feliz porque...
3) O menino chegou na escola chateado. Ele estava chateado porque... E a
professora dele...
4) O menino aprendia bem as coisas. O que fazia com que ele aprendesse...
5) O amigo do menino não aprendia bem as coisas. Então, a professora dele...
6) A professora tinha um desejo. Ela desejava...
7) Nas férias a professora sentia saudades...
ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
1)Qual o trabalho do professor?
2) Como são seus professores?
3) Você gosta do seu professor? Por quê? O que faz você gostar dele?
4) O que o professor faz que você não gosta?
5) Os professores gostam de seus alunos?
6) Como você percebe que o professor gosta de você e/ ou dos seus colegas?
7) Que coisas o professor faz que te ajudam a aprender?
8) Do que o professor ensina, o que você mais gosta? Por quê?
9) E do que você menos gosta? Por quê?
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