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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
ROSINEIDE GUILHERME DA SILVA PANNO
A LÍNGUA ESPANHOLA NA FORMAÇÃO TÉCNICA
PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO EM SAÚDE
Niterói/RJ
2008
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ROSINEIDE GUILHERME DA SILVA PANNO
A LÍNGUA ESPANHOLA NA EDUCAÇÃO TÉCNICA
PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO EM SAÚDE
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
do Instituto de Letras da Universidade Federal
Fluminense, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do grau de Doutora em Estudos
Lingüísticos, área de concentração Estudos de
Linguagem.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marcia Paraquett
Co-orientadora: Prof.ª Dr.ª Isabel Brasil Pereira
Niterói
2008
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ROSINEIDE GUILHERME DA SILVA PANNO
A LÍNGUA ESPANHOLA NA FORMAÇÃO TÉCNICA
PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO EM SAÚDE
Niterói, 27 de março de 2008.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª MARCIA PARAQUETT UFF
___________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª ISABEL BRASIL PEREIRA FIOCRUZ/UERJ
___________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª VERA LÚCIA SANT’ANNA UERJ
___________________________________________________________________
Prof. Dr. XOAN CARLOS LAGARES UFF
___________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª ROSANE SANTOS MAURO MONNERAT UFF
___________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª MAGNÓLIA BRASIL BARBOSA DO NASCIMENTO UFF (Suplente)
___________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª MARIA DEL CARMEN DAHER UERJ (Suplente)
À Stella Panno.
Aos meus pais, Orlando e Lourdes.
AGRADECIMENTOS
À Marcia Paraquett, minha orientação de sempre, pelo carinho, atenção, paciência
e competência.
À Magnólia Brasil Barbosa do Nascimento, meu primeiro e permanente incentivo
no caminho da aprendizagem e da pesquisa em língua e cultura hispânica.
À Sara Araújo Brito e a nossa inesquecível experiência de pesquisa em Valladolid-
Espanha.
À Isabel Brasil Pereira, minha co-orientadora, pela colaboração na parte técnica em
saúde e pela confiança.
À Micaela Carrera de la Red, minha “tutora” espanhola pelo carinho e acolhimento.
A André Malhão, director da EPSJV-FIOCRUZ e a Arody Cordeiro Herdy, reitor da
Unigranrio, pela compreensão e apoio no período da realização das pesquisas no
exterior.
A Alejandro Esparza Navarro, pela especial presença neste momento da minha
vida, pelo apoio, pela ajuda e toda a atenção dispensada.
A Verônica de Almeida Soares, Elaine Vieira Ferreira, Elaine Teixeira Rabello e
Luciana Figueiredo, pela força, pela luz e pelo companheirismo.
Aos alunos da EPSJV-FIOCRUZ, principal inspiração da pesquisa.
A Marcelo Ouverney Faria e a Marcelo Paixão, pelo apoio técnico, pela eficiência,
pelo carinho e pela paciência.
À CAPES, pela concessão da bolsa para estágio de doutorado no exterior.
(Doutorado sandwiche)
À Universidade de Valladolid, pela acolhida.
A todos os professores pesquisadores da EPSJV-FIOCRUZ, meus companheiros
de trabalho, pela colaboração, apoio, incentivo e afeto.
A autoconsciência crítica significa, histórica e politicamente,
criação de intelectuais: uma massa humana não se distingue
e não se torna independente “por si”, sem organizar-se. Os
intelectuais orgânicos são dirigentes e organizadores. Disto
se deduzem determinadas necessidades na atuação destes
intelectuais, a saber: 1) não se cansar jamais de repetir os
próprios argumentos; 2) trabalhar incessantemente para
elevar intelectualmente camadas populares, isto é, para dar
personalidade ao amorfo elemento de massa, o que significa
trabalhar na criação de elites de intelectuais de novo tipo,
que surjam diretamente da massa e que permaneçam em
contato com ela para tornarem-se os seus sustentáculos.
Esta segunda necessidade, quando satisfeita, é o que
modifica o panorama ideológico de uma época.
Antonio Gramsci
RESUMO
Esta tese, que se insere na área dos Estudos de Linguagem, em particular da
Lingüística Aplicada Crítica (LAC), disciplina científica que visa interferir na realidade
social, na medida em que propõe pesquisas e práticas pedagógicas que dialoguem
diretamente com as necessidades sociais dos sujeitos envolvidos (PENNYCOOK,
1998, 2006 e MOITA LOPES, 2006), procurou responder à seguinte pergunta: de que
maneira o ensino/aprendizagem de Espanhol como Língua Estrangeira (E/LE)
pode contribuir com uma proposta de currículo integrado, que visa unir o
conhecimento geral ao conhecimento técnico em saúde? Para respondê-la, foram
traçados os seguintes objetivos: construir propostas para um currículo integrado na
educação profissional de nível médio em saúde; apresentar estratégias de
aproximação do ensino/aprendizagem de E/LE ao das outras áreas do conhecimento
geral e técnico em saúde; integrar temas relacionados à saúde no
ensino/aprendizagem de E/LE. Para tanto, foi preciso utilizar uma base teórica que
estivesse em perfeita consonância com a proposta da LAC e que, ao mesmo tempo,
desse conta do papel que cumpre a interdisciplinaridade num projeto pedagógico que
prioriza o currículo integrado na formação técnica de nível médio em saúde. A
conjugação entre essas teorias confirmou a possibilidade da promoção de mudanças
na realidade social, porque estas trabalham na direção contrária à fragmentação
curricular e estão comprometidas com questões éticas, políticas e sociais.
A metodologia utilizada, de cunho qualitativo e de caráter descritivo, resultou na
organização de uma unidade didática, composta por textos de diferentes linguagens,
gêneros e procedência cultural, mas cujos temas se referem à saúde, particularmente,
ao envelhecimento humano. A partir da análise daqueles textos, no que se refere à
compreensão dos seus sentidos, a tese confirmou que a organização de uma unidade
didática, de tema específico, é perfeitamente adequada e contribui à aprendizagem de
E/LE em contexto de ensino formal, quando orientado por um projeto pedagógico que
proponha um currículo integrado e de base interdisciplinar. Afinal, o caráter inter e
multidisciplinar dos conteúdos de língua estrangeira favorece essa realidade, na
medida em que possibilita a aproximação entre os conteúdos de diferentes disciplinas,
sejam estas gerais ou técnicas.
Palavras-chave: 1. Ensino/aprendizagem de E/LE. 2. Currículo Integrado 3.
Interdisciplinaridade. 4. Saúde.
RESUMEN
Esta tesis, que se insiere en el área de los Estudios de Lenguaje, en particular el de la
Lingüística Aplicada Crítica (LAC), disciplina que busca interferir en la realidad social,
en la medida en que propone investigaciones y prácticas pedagógicas que dialoguen
directamente con las necesidades sociales de los sujetos en cuestión (PENNYCOOK,
1998, 2006 y MOITA LOPES, 2006), trató de responder a la siguiente pregunta: ¿de
qué manera la enseñanza/aprendizaje del Español como Lengua Extranjera
(E/LE) puede contribuir con una propuesta de currículo integrado, que objetiva
unir el conocimiento general al conocimiento técnico en salud? Para responderla,
fueron trazados los siguientes objetivos: construir propuestas para un currículo
integrado en la educación profesional de nivel medio en salud; presentar estrategias
de aproximación de la enseñanza/aprendizaje de E/LE al de las otras áreas del
conocimiento general y técnico en salud; integrar temas relacionados a la salud en la
enseñanza/aprendizaje de E/LE. Para tanto se buscó una base teórica que estuviese
en perfecta consonancia con la propuesta de la LAC y, a la vez, diese cuenta del
papel que cumple la interdisciplinaridad en un proyecto que da prioridad al currículo
integrado en la formación técnica de nivel medio en salud. Y la conjugación entre
estas tres teorías confirmó la posibilidad de promover cambios en la realidad social,
porque estas trabajan en dirección contraria a la fragmentación curricular y están
comprometidas con cuestiones éticas, políticas y sociales.
La metodología utilizada, de cuño cualitativo y de carácter descriptivo, resul en la
organización de una unidad didáctica, compuesta por textos de diferentes lenguajes,
géneros y procedencia cultural, con temas referidos al área de la salud,
particularmente, al envejecimiento humano. A partir de un análisis de aquellos
textos, en lo que se refiere a la comprensión de los sentidos, la tesis confirmó que la
organización de una unidad didáctica, de tema específico, es perfectamente
adecuada y contribuye al aprendizaje de E/LE en contexto de enseñanza formal,
cuando orientado por un proyecto pedagógico que proponga un currículo integrado y
de base interdisciplinar. Pues, el carácter inter y multidisciplinar de los contenidos de
lengua extranjera favorece esa realidad, en la medida que posibilita la aproximación
entre los contenidos de diferentes disciplinas, sean ellas generales o técnicas.
Palabras clave: 1. Enseñanza/aprendizaje de E/LE. 2. Currículo Integrado. 3.
Interdisciplinaridad. 4. Salud.
ABSTRACT
This thesis is in the scope of Language Studies area, Critical Applied Linguistics
(CAL) in particular, a scientific discipline that aims to transform social reality by
proposing researches and pedagogical practices which cater to the social needs of
the involved subjects (PENNYCOOK, 1998, 2006 and MOITA LOPES, 2006). This
study is aimed at answering the following question: how teaching/learning of
Spanish as a foreign language (S/FL) might contribute to an integrated
curriculum proposal, whose goal is to bridge the gap between general
knowledge and technical knowledge in health? In order to answer this question,
the following objectives were set: to come up with integrated curriculum proposals for
the formation of mid-level health workers; to present strategies that could bridge the
gap between general knowledge and technical knowledge in health; to integrate
health-related topics in the teaching/learning of S/FL process. Thus, it has been
necessary to make use of a theoretical basis in perfect alliance with LAC proposal
and, at the same time, supportive of the role of interdisciplinarity in a pedagogical
project that prioritizes the integrated curriculum in the formation of mid-level health
workers. The conjunction of these theories confirmed the possibility of bringing about
changes in social reality because they go against curriculum fragmentation and are
compromised with ethical, political and social issues.
A qualitative and descriptive methodology has been adopted, consisting of the
organization of a didactic unity, comprising different text genres, from different
language sources and cultural backgrounds, but dealing with health issues, mainly
human elderly life. By means of the analysis of those texts, concerning the
understanding of their meanings, the thesis confirmed that the organization of a
didactic unity focused on a specific theme is entirely appropriate and contributes for
S/FL in formal learning context, especially when guided by a pedagogical project that
proposes an integrated and intedisciplinar curriculum. All in all, the inter and
multidisciplinar aspect of foreign language syllabus favours this reality because it
gives room for bridging the content of different subjects, either general or technical.
Keywords: 1. Teaching/learning of S/FL. 2. Integrated curriculum. 3. Interdisciplinarity.
4. Health.
LISTA DE SIGLAS
ABRALIN
Associação Brasileira de Lingüística
AESLA
Asociación Española de Lingüística Aplicada
AILA
Association Internationale de Linguistique Appliquée
ALAB
Associação de Lingüística Aplicada do Brasil
E/LE
Espanhol como Língua Estrangeira
EPSJV
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
ET-SUS
Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde
FIOCRUZ
Fundação Oswaldo Cruz
IEP
Iniciação à Educação Politécnica
LA
Lingüística Aplicada
LAC
Lingüística Aplicada Crítica
LDB
Lei de Diretrizes e Bases
LE
Língua Estrangeira
LM
Língua Materna
OCEM
Orientações Curriculares para o Ensino Médio
OPS
Orgnización Panamericana de Salud
PAETEC
Programa de Aperfeiçoamento do Ensino Técnico
PCN
Parâmetros Curriculares Nacionais
PCNEM
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
PPP
Projeto Político-Pedagógico
PTCC
Projeto Trabalho, Ciência e Cultura
SUS
Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO
1.
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS …………………………….............
12
2.
LINGÜÍSTICA APLICADA E ENSINO/APRENDIZAGEM DE E/LE …….
17
2.1 HISTÓRICO E SURGIMENTO DA LA ................................................ 18
2.2 A LA NA ESPANHA E NA AMÉRICA HISPÂNICA EM GERAL ..........
23
2.3 A LA NO BRASIL, PERSPECTIVA ATUAL E FUTURA ......................
30
3.
INTERDISCIPLINARIDADE: HISTÓRICO E PROBLEMATIZAÇÃO ……
36
3.1 BARREIRAS E OBSTÁCULOS AO TRABALHO INTERDISCIPLINAR ...
45
3.2 INTERDISCIPLINARIDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM
SAÚDE ................................................................................................
47
4.
CURRÍCULO INTEGRADO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM
SAÚDE ......................................................................................................
49
4.1 O CURRÍCULO INTEGRADO NA EPSJV .......................................... 53
4.2 A FORMAÇÃO POLITÉCNICA E OMNILATERAL NA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL EM SAÚDE ..............................................................
54
4.3 POLITECNIA E ENSINO/APRENDIZAGEM DE E/LE ........................ 63
4.4 O DIÁLOGO: CURRÍCULO INTEGRADO, INTERDISCIPLINARIDADE
E LA CONTEMPORÂNEA ..................................................................
64
5.
ASPECTOS METODOLÓGICOS …….......................................................
67
5.1 OS SUJEITOS EM FORMAÇÃO ........................................................ 67
5.2 O CURSO DE FORMAÇÃO TÉCNICA PROFISSIONAL DE NÍVEL
MÉDIO EM SAÚDE .............................................................................
68
5.3 APRESENTAÇÃO DE UMA UNIDADE DIDÁTICA DE E/LE .............. 77
6.
“PERSPECTIVAS DEL ENVEJECIMIENTO”: UMA PROPOSTA DE
UNIDADE DIDÁTICA CRÍTICA, INTERDISCIPLINAR E INTEGRADA ...
82
6.1 LIÇÃO 1: TEXTO INICIAL: INFORMAÇÕES CIENTÍFICAS SOBRE
O ENVELHECIMENTO ......................................................................
83
6.2 LIÇÃO 2: MEDICINA, COSMÉTICA E CIRURGIA PLÁSTICA
FRENTE AO ENVELHECIMENTO .....................................................
85
6.3 LIÇÃO 3: ENVELHECIMENTO E ASPECTOS DA SAÚDE CORPORAL ..... 89
6.4 LIÇÃO 4: QUESTÕES DE GÊNERO E ENVELHECIMENTO ............ 91
6.5 LIÇÃO 5: ENVELHECIMENTO E SEXUALIDADE: INTERESSES,
CRÍTICAS E PRECONCEITOS ..........................................................
93
6.6 LIÇÃO 6: O ENVELHECIMENTO NA REALIDADE ARGENTINA ...... 98
6.7 LIÇÃO 7: O TEMA DO ENVELHECIMENTO ATRAVÉS DAS
ARTES: DANÇA, MÚSICA E CINEMA ...............................................
99
7.
CONSIDERAÇÕES FINAIS ……………………………...............................
104
REFERÊNCIAS ……………………………........................................................
113
ANEXO: “PERSPECTIVAS DEL ENVEJECIMIENTO” (UNIDADE
DIDÁTICA) .......................................................................................................
122
12
1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
Esta pesquisa parte de um questionamento surgido no contexto de sala de
aula de Espanhol como Língua Estrangeira (E/LE) em uma escola técnica de nível
médio em saúde. Nesta escola, professores e pesquisadores estão trabalhando de
forma a que seja possível efetivar um modelo de currículo integrado, onde o
conhecimento geral e o conhecimento técnico se integrem com o objetivo de juntar o
domínio da teoria e da prática na formação do trabalhador técnico em saúde.
Essa junção representa uma estratégia fundamental para o contexto
político-educacional que estamos vivendo, onde o pensamento crítico e o dinamismo
nas atitudes são primordiais na execução de qualquer tipo de trabalho e ações da
vida pessoal. Com isso, entende-se que não se pode perder mais tempo, sobretudo
no âmbito pedagógico, diante da necessidade de se formarem pessoas e
profissionais integralmente preparados para enfrentar e atuar na realidade múltipla e
plural que cada vez se reafirma mais. É preciso agir rápido se quisermos
acompanhar as modificações políticas, sociais, tecnológicas que vêm se efetuando
no mundo de hoje e que nem sempre são positivas, exigindo reações e
reivindicações individuais ou coletivas. Para tanto, há que se estar de fato preparado
e em condições de compreender o funcionamento das engrenagens sociais. A
fragmentação de conteúdos com um sistema de disciplinas isoladas, que não
estabelecem relação de interseção dos conhecimentos dentro de um currículo,
impossibilita a complementação da teoria com a prática, inviabilizando a utilização
dos conceitos apreendidos na escola, em práticas da realidade concreta. Esse
modelo de organização compartimentada dos conteúdos também desfavorece a
formação de indivíduos críticos e capazes de pensar melhorias em seu favor e em
favor da humanidade. Além disso, essa fragmentação curricular impede que os
estudantes se transformem em pessoas capazes de continuar aprendendo e
desenvolvendo senso crítico por meio da sua prática diária, como profissionais e
como integrantes de uma realidade onde questões de desigualdade, preconceito,
injustiças ou desorganização política têm desencadeado sérios problemas sociais. É
urgente que haja pessoas devidamente preparadas para atuar no sentido de criar
soluções para ditos problemas, facilitando e melhorando a qualidade de vida para
todos.
13
Na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), da
FIOCRUZ (contexto dessa pesquisa), instituição pública que desenvolve diversas
atividades de ensino e pesquisa, é oferecido um curso de ensino médio, com
formação técnica em saúde, a adolescentes da região metropolitana do Rio de
Janeiro (sujeitos da pesquisa). A conscientização e preocupação com os problemas
sociais mencionados acima fizeram surgir, nessa instituição, uma busca pela
integração de conteúdos, englobando também vários projetos de pesquisa que
visam, principalmente, a melhoria nos âmbitos da educação e da saúde, além de
melhorias na qualidade de vida e nas relações sociais, de um modo geral. Todos os
detalhes e especificações sobre a natureza dessa escola, o curso e seus estudantes
estão colocados no capítulo cinco, que trata da metodologia da pesquisa. Por hora,
o importante é considerar que esta tese está orientada no sentido de seguir,
primeiramente, o caminho das teorias escolhidas, passando em seguida à
apresentação estendida dos sujeitos, do contexto e das ideologias pedagógicas que
determinaram a escolha do suporte conceitual para, então, apresentar, descrever e
analisar o material resultante desse encaminhamento teórico-metodológico.
Na qualidade de professora-pesquisadora da EPSJV, instituição onde se
entende que o ensino e a pesquisa precisam caminhar juntos e que teoria e prática
não podem se dissociar, decidi utilizar a atuação como pesquisadora para melhorar
e adequar a minha prática como professora de E/LE na educação profissional em
saúde. Pois, além do crescimento e aperfeiçoamento pessoal e profissional, acredito
que esta forma de condução do trabalho docente também pode gerar resultados
muito positivos na formação dos nossos estudantes.
Diante de todo esse cenário, surgiu uma inquietação: de que maneira o
ensino/aprendizagem de E/LE pode contribuir com uma proposta de currículo
integrado, que visa unir o conhecimento geral ao conhecimento técnico em
saúde? A partir daí, desenvolveram-se estudos teóricos e metodológicos com a
finalidade de embasar, justificar e concretizar essa adequação. Para tanto, buscou-
se o apoio dos conceitos da Lingüística Aplicada (LA) ou LA Crítica (LAC), que
prioriza a realização de um ensino de línguas “sensível às preocupações sociais,
culturais e políticas” (PENNYCOOK, 1998, p. 23); do Currículo integrado na
formação profissional de nível médio em saúde, que objetiva formar um
“trabalhador capaz, simultaneamente, de vir a ser crítico [...], construindo formas
qualificadas de pensar e planejar ações nas áreas da saúde” (PEREIRA; RAMOS,
14
2006, p. 9); e da Interdisciplinaridade “como um ponto de vista que permitirá uma
reflexão aprofundada, crítica e salutar [...], meio de conseguir uma melhor formação
geral” (FAZENDA, 1991, p. 32), para construir cidadãos críticos diante dos
problemas sociais.
No mundo e na sociedade de hoje, essas três teorias concordam que todo
cidadão precisa ter um desenvolvimento integral e emancipatório, dado o caráter
cada vez mais heterogêneo e complexo que a atualidade apresenta. E essa
aproximação teórica foi, então, o que determinou a utilização desses conceitos na
busca pela resolução do questionamento inicial da pesquisa, orientada pelos
seguintes objetivos:
Construir propostas para um currículo integrado na educação
profissional de nível médio em saúde, com base na
interdisciplinaridade e na LA Crítica;
Apresentar estratégias de aproximação do ensino/aprendizagem de
E/LE ao das outras áreas do conhecimento geral e técnico, no
contexto de uma escola voltada ao ensino técnico de nível médio em
saúde;
Integrar temas relacionados à saúde no ensino/aprendizagem de E/LE.
Após esta introdução no primeiro capítulo, o segundo capítulo consiste na
apresentação de um estudo da LA, com justificativas para o seu surgimento,
mostrando também uma panorâmica da situação dessa ciência na Espanha, na
América Hispânica e na atualidade brasileira, estabelecendo um paralelo com
respeito aos avanços das pesquisas nessa área. Para o alcance dos objetivos
propostos nesta tese, a contribuição da LA contemporânea e transgressiva vem a
ser das mais significativas, dado o seu caráter político e transformador da realidade.
Essa nova cara da LA, defendida por Moita Lopes (2006) e por outros pesquisadores
desse campo no Brasil, “almeja atravessar fronteiras e quebrar regras; tem como
meta um posicionamento reflexivo sobre o que e por que atravessa; [...] é pensada
para a ação e a mudança” (PENNYCOOK, 2006, p. 82). Esses conceitos, que
incentivam a reflexão para a melhoria da vida e da realidade, se aproximam bastante
das outras bases teóricas que dão suporte a esta pesquisa. E isso ajuda a
estabelecer um diálogo conceitual buscando encontrar os caminhos para adequar o
ensino/aprendizagem de E/LE a uma educação profissional em saúde, que visa
integrar teoria e prática no processo de formação de seus futuros profissionais.
15
O terceiro capítulo apresenta a interdisciplinaridade como estratégia para
a utilização “de conexões naturais e lógicas que cruzam as áreas de conteúdos e
organiza-se ao redor de perguntas, temas, problemas ou projetos, em lugar dos
conteúdos restritos aos limites das disciplinas tradicionais” (KLEIMAN; MORAES,
1999, p. 27). O capítulo também aborda a importância do trabalho interdisciplinar na
formação profissional em saúde como princípio favorecedor do trabalho educativo,
que impede a alienação e permite a integração dos conhecimentos científicos e
filosóficos com a vida cotidiana do trabalhador. Este tópico ganha maior dimensão
no capítulo seguinte, onde as bases teóricas do currículo integrado apontam a
interdisciplinaridade como um dos seus pilares de sustentação.
Assim, no quarto capítulo, é tratada a questão do projeto de currículo
integrado, que a EPSJV tem buscado efetivar. Afinal, “para se lidar com a
complexidade da realidade, inclusive na saúde” (BAGNATO; MONTEIRO, 2006,
p. 247), é preciso levar em consideração que a realidade pressupõe uma totalidade
de fatos e situações, logo, a formação de profissionais para atuar em qualquer que
seja a área, não pode ser fragmentada, mas possuir igualmente um caráter
integrador e interdisciplinar. Isso é o que impulsiona o desejo de unir, de fato, teoria
à prática na educação profissional em saúde da EPSJV, por meio de um currículo de
ensino médio, que integre os conhecimentos da formação geral aos conhecimentos
técnicos em saúde.
No quinto capítulo, encontra-se a metodologia empregada em face aos
sujeitos (alunos do ensino médio com formação técnica em saúde) e ao contexto da
pesquisa (Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) unidade de
ensino e pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Nesse ponto do
trabalho, são especificados o perfil dos estudantes dessa escola, a estrutura do
curso técnico em saúde, a organização e os projetos desenvolvidos pela escola com
o respaldado da última lei de educação, do Decreto n
o
5.154/04, que regulamenta a
educação profissional, e do Projeto Político-Pedagógico (PPP) da instituição. Nesse
capítulo, também está colocada a metodologia empregada na elaboração da
proposta de unidade didática em anexo, com a justificativa do tema transversal
utilizado e o propósito de dita unidade, tomando as Orientações Curriculares para o
Ensino Médio (OCEM) como um dos principais pontos de orientação.
No sexto capítulo, é feita a descrição dos textos e atividades propostas na
unidade didática que se encontra em anexo. Também é feita uma análise que
16
localiza esta unidade como um dos meios possíveis para a interdisciplinaridade, a
integração de conteúdos e a desfragmentação curricular. Cada texto vai sendo
apresentado segundo a sua procedência cultural, o tipo de linguagem e/ou discurso
que justifica a sua escolha. Todos, obviamente, procurando guardar relação com os
objetivos desta tese, no que diz respeito à contribuição ao currículo integrado de
base interdisciplinar, encontrando caminhos para integrar conteúdos de E/LE com os
da formação geral e técnica em saúde.
Por fim, estão as considerações finais, apresentando os resultados da
pesquisa a partir da contribuição dos estudos teóricos utilizados, mostrando em que
medida essas bases teóricas serviram para dar conta de resolver as expectativas
iniciais e atender os objetivos traçados. Os estudos também levam à conclusão de
que a elaboração de uma unidade didática interdisciplinar, que se utiliza de temas
transversais perpassando, assim, o domínio de outras disciplinas gerais ou técnicas,
pode ser uma forma de adequar o ensino/aprendizagem de E/LE ao currículo
integrado da formação profissional em saúde.
A tese também apresenta um anexo impresso e em forma de CD-ROM e
um DVD, que constituem a unidade didática já mencionada e que correspondem a
uma tentativa de se concretizar a união da teoria à prática. A proposta é levar para o
conhecimento e debate em sala de aula temas e questões da vida prática, que
devem ser avaliadas pelos alunos a partir de experiências e conhecimentos pré-
adquiridos, tendo a saúde como tema transversal. Nesse anexo, o que há é um
trabalho que busca materializar as indicações teóricas e legais, que norteiam a
pesquisa, na forma de material didático pensado, planejado e elaborado para os
sujeitos e o contexto da tese. Observadas as bases teóricas, entendidas como
apropriadas aos propósitos deste trabalho, essa unidade busca corresponder aos
seguintes princípios: da LA crítica e transformadora, apresentando para debate
em sala de aula algumas das polêmicas questões sociais com as quais convivemos;
da interdisciplinaridade, com temáticas que envolvem o conteúdo de diferentes
disciplinas; do currículo integrado na formação técnica de nível médio em
saúde, uma vez que aborda um tema que transversalmente perpassa disciplinas
específicas do conhecimento técnico em saúde.
17
2. LINGÜÍSTICA APLICADA E ENSINO/APRENDIZAGEM DE E/LE
Por se tratar de um dos fenômenos mais complexos do conjunto de
habilidades próprias do ser humano, a aprendizagem de línguas sempre foi e
continua sendo um tema difícil de definir, investigar e compreender. E, quando se
trata de aprender línguas estrangeiras, o processo se torna ainda mais complicado
de ser entendido e analisado, já que as circunstâncias de aprendizagem são muito
variadas, havendo aqueles que aprendem por interesse e os que aprendem por
necessidade e, ainda, os que reúnem esses dois aspectos ao mesmo tempo. O
interesse e/ou a necessidade também podem estar determinados por diferentes
fatores, conforme o caso: viagem, trabalho, aperfeiçoamento intelectual. Enfim, cada
um desses motivos implica processos e aspectos vários que não podem deixar de
ser considerados por um pesquisador do tema. Até hoje, a maioria das pessoas só
adquiria uma língua ao longo da vida, a materna, e na variedade de sua região.
Porém, com as crescentes transformações geográficas, sociais, econômicas, nas
relações entre os povos do planeta, o percentual de aprendizes de múltiplas línguas
tem aumentado consideravelmente e tudo indica que continuará subindo de maneira
relevante. Este fenômeno é o que vem determinando que, nos últimos quarenta
anos, os estudos sobre aquisição/aprendizagem
1
de línguas tenham se convertido
em um emergente campo de investigação e pesquisas cada vez mais profundas e
específicas. A esse campo se denominou: “Lingüística Aplicada”.
Dado o seu caráter multidisciplinar por natureza, visto que perpassa, desde
o seu surgimento, questões sociais, psicológicas, pedagógicas, antropológicas e até
neurológicas, que estão na gênese do ser humano, esta sistematização científica a
respeito das competências lingüísticas precisou, desde sempre, interagir com outros
campos do saber lingüístico. Por estar diretamente ligada a questões de comunicação
humana, o seu dinamismo e imprecisão tornam-se inevitáveis, fazendo com que
esteja em constante estado de variação de conceitos, novas descobertas e novos
pontos de interseção e disciplinarização com outras ciências. A sua subjetividade está
determinada pela própria subjetividade humana, daí a impossibilidade de se medir,
1
Considero aquisição como sinônimo de aprendizagem, concordando com Kim Griffin, que
diferente de Stephen Krashen, entende que “en realidad toda aquisición es aprendizaje y viceversa”
(GRIFFIN, 2005, p. 28).
18
precisar, determinar os aspectos relacionados com o complexo processo de
aprendizagem de uma língua materna e/ou estrangeira.
Justamente por se tratar de um campo cujos limites são indetectáveis, e
cujas inter-relações e ramificações são infindáveis, não me deterei em minúcias e
especificidades outras que não sirvam diretamente ao objetivo maior desta pesquisa.
Assim sendo, serão utilizadas para este trabalho bases teóricas recentes e os
resultados das pesquisas mais atuais. De modo que sirva para orientar a realização
de um trabalho de ensino/aprendizagem de E/LE interdisciplinar, integrado e
sintonizado com as atuais necessidades dos estudantes da formação técnica
profissional de nível médio da EPSJ FIOCRUZ.
2.1 HISTÓRICO E SURGIMENTO DA LA
A noção de “aplicada” faz parte da história da Lingüística desde o início
dos estudos sobre a capacidade de comunicação entre os homens. Porém, somente
no ano de 1964, a Lingüística Aplicada, doravante LA, passou a ser considerada no
âmbito institucional como domínio disciplinar, quando então se realizou o
I Congresso em Nancy, na França.
Para explicar a implantação e o reconhecimento de um dado campo do
saber, em um determinado momento da história, é preciso observar tanto os fatores
internos quanto os externos ao seu contexto. No caso da Lingüística, bem como da
maioria das áreas que compõem o conjunto do conhecimento produzido ao longo da
história, os distintos marcos teóricos que foram se estabelecendo não se
constituíram apenas a partir do resultado de pesquisas e estudos das questões de
ordem interna e puramente teórica. Suas ramificações (LA, Sociolingüística,
Psicolingüística, Neurolingüística, etc.), por exemplo, se explicam melhor por meio
de fatores do contexto externo, que impulsionaram novos enfoques, e
apresentações que ampliaram a área da Lingüística em geral. Em se tratando de LA,
as questões externas foram determinantes no seu aparecimento e fortalecimento
como disciplina.
2
E, em meio a ditos fatores externos, ganham destaque e máxima
2
Os autores da base teórica de LA oscilam entre as denominações “disciplina” e ciência” quando se
referem à Lingüística Aplicada. Porém, observei que o sentido que aplicam à palavra disciplina, nesse
caso, não é o de um simples componente de uma grade curricular, mas de sinônimo de um “terreno
do saber” ou “campo da ciência”, conforme fazem Fernández Pérez (1996) e Lacorte (2007).
19
importância aqueles de ordem econômica, política e social, que concretamente se
traduzem pelas repercussões e efeitos da II Guerra Mundial, além das
conseqüências geradas pela conquista da independência por parte de vários países
no mundo e, sobretudo, países do continente africano.
A integração de tropas na II Guerra Mundial, e mais adiante também na
Guerra do Vietnam, bem como a situação posterior da Europa mediante os efeitos
provocados pela guerra, fizeram surgir necessidades urgentes de comunicação e,
por conseguinte, uma melhor eficácia e abrangência dos meios que a esse fim se
prestassem. Foi então, dessa forma, que se fez patente a importância da elaboração
de métodos e fórmulas que agilizassem atividades de tradução e de
ensino/aprendizagem de línguas. É, então, a partir daí, que se desencadeia todo um
progresso no terreno da informação e da comunicação, gerando, com isso, as
primeiras aproximações à tradução simultânea e os primeiros passos da lingüística
matemática, posteriormente denominada computacional, que se interessava por
formalizar certa lógica das línguas para introduzir sua constituição básica nos
programas de computadores.
Pode-se dizer, portanto, que razões políticas de enfrentamento bélico e
de reconhecimento de novas nacionalidades ou de novas organizações
multiculturais, além de questões sociais representadas pela necessidade de
comunicar e de informar, estão na origem do interesse por problemas materiais de
linguagem e comunicação. Fatores econômicos também viabilizaram e ampliaram o
financiamento de estudos, trabalhos e produção de material didático-pedagógico,
neste campo do conhecimento, facilitando o desenvolvimento da LA no âmbito da
automatização e da tecnologia aplicável à linguagem. Da mesma forma, o panorama
político que resultou para boa parte da Europa, após o fim da II Guerra Mundial,
acumulado ao fenômeno da independência desencadeado em algumas colônias da
África, Ásia e Américas (décadas de 1950 e 1960) e a necessária implantação de
línguas oficiais, trouxe como conseqüência a necessidade de planificar línguas para
a educação no contexto europeu, além de normatizar outras que quase não
possuíam tradição escrita ou que tinham apenas tradição oral, no contexto africano.
Naturalmente, todo esse processo suscitou a elaboração de gramáticas e manuais
didáticos, exigindo especial atenção e preocupação para com os problemas relativos
a ensino/aprendizagem de línguas (maternas e/ou estrangeiras), reafirmando, com
isso, a existência de mais um fator externo de caráter político-social que veio
20
fortalecer e justificar a existência de uma lingüística que se aplicasse a resolver
problemas materiais e concretos da necessidade de comunicação entre diferentes
povos e etnias e que, por essas razões, se consolidou como Lingüística Aplicada
(LA).
Além das causas contextuais externas, não deixaram de existir as razões
disciplinares internas, que também têm sua parcela de participação no
estabelecimento da LA, provocando certo desprestígio da Lingüística. Entre algumas
razões para esse desprestígio, podemos destacar, por um lado, a notável distância
entre o trabalho teórico e puramente descritivo, desenvolvido por alguns estudiosos
mais tradicionais e, por outro lado, a solução de problemas materiais, concretos, que
compõem a realidade das questões de linguagem e comunicação (ocupação mais
própria da LA), conforme adverte Slama-Cazacu:
Ces diverses sollicitations de la pratique, mais aussi une démarche
intérieure de la linguistique ET de la science en general l’ont
determinée à se transformer et à devenir une science plus perméable
à la réalité concrète. (SLAMA-CAZACU, 1984, p. 34-35)
3
E, por outro lado, as críticas e as valorizações epistemológicas entre
correntes e marcos teóricos diferentes, ou ainda no seio de um mesmo marco,
provocam a necessidade da contribuição de dados materiais e concretos de
aplicação lingüística que sustentem e justifiquem o pensamento de ditas correntes e
modelos teóricos, o que logicamente acaba por corroborar com o êxito e relevância
da nova disciplina, a LA. Ainda segundo Slama-Cazacu, o trabalho baseado em
dados e problemas materiais, empreendido pela LA, representa uma renovação dos
métodos tradicionais da Lingüística e o seu modelo rígido de língua enquanto
sistema eminentemente verbal, escrito de acordo com uma norma prescrita e oficial.
Em suma, este conjunto de razões explica o arraigo da LA em um
determinado momento da história da Lingüística que, como se pôde comprovar por
meio de fatos concretos da história mundial, teve seu aparecimento e evolução
impulsionados por certo contexto histórico, social e econômico, como costuma
ocorrer com quase todo processo de construção, modificação, adequação, que com
freqüência vem determinado por questões políticas que envolvem as relações
humanas de cada período histórico.
3
As diversas solicitações da prática, e também uma demanda interior da lingüística e da ciência
em geral determinaram a sua transformação e conversão em uma ciência mais condizente com
a realidade concreta. (Tradução minha)
21
Conforme vemos, a LA começou a desenvolver-se na segunda metade do
século XX, “debido a una serie de circunstancias externas y debido también a un
conjunto de factores que tienen que ver con el propio crecimiento disciplinar de la
Lingüística” (FERNÁNDEZ PÉREZ, 1996, p. 30) e suas renovações teóricas
internas. A partir de então, os estudos e investigações lingüísticas foram ganhando
corpo por meio de congressos, encontros e publicações teóricas e metodológicas ao
redor do mundo. A School of Applied Linguistics, na Universidade de Edimburgo,
fundada em 1956, e a criação do Center for Applied Linguistics, em Washington, são
os primeiros centros oficiais de que se tem notícia no mundo. Pouco depois, em
1963, surge a primeira associação de LA na França que logo se encarrega de
organizar, em julho de 1964, o primeiro congresso internacional dessa área, já sob a
responsabilidade da Association Internationale de Linguistique Appliquée (AILA), que
havia sido fundada em novembro de 1963. O primeiro congresso, como já foi
mencionado, reuniu estudiosos em Nancy na França, no ano de 1964, e seu tema
núcleo foi: “A automatização da linguagem com vistas à tradução e à pedagogia das
línguas vivas”, motivado pelas necessidades de informação e comunicação que
surgiram à raiz dos últimos enfrentamentos bélicos e que fizeram com que se
cultivassem, principalmente, as técnicas de tradução simultânea e a didática de
línguas. Nesta reunião em Nancy, surgiu a iniciativa para projetos de pesquisa em
LA, em vários lugares da Europa e, com isso, vieram também idéias para a criação
de associações nacionais e internacionais de LA. Os resultados imediatamente
posteriores foram realizações de seminários de LA em 1965, 1966 e 1967, com a
participação de pesquisadores europeus e estadunidenses.
Em 1969, acontece o II Congresso Internacional de Lingüística Aplicada
celebrado em Cambridge Grã Bretanha. Neste encontro, se dá continuidade ao
tema abordado no primeiro congresso e se apresentam também extensões
temáticas relacionadas ao campo da Lingüística e que tratavam de zonas
específicas como a das patologias lingüísticas (também denominada Lingüística
clínica), da Sociolingüística, da Psicolingüística, entre outras, que guardam relação
com questões da linguagem e comunicação. Na ocasião, são feitas reflexões gerais
sobre o estatuto e a entidade de LA, o que caracteriza um significativo avanço entre
1964 e 1969, e que foram determinantes para sua consolidação como ciência.
Os pilares da LA se fortificam cada vez mais nos três congressos
seguintes (o terceiro em 1972 Copenhague; o quarto em 1975 Stuttgart; o
22
quinto em 1978 Montreal), sempre avançando na inclusão de temas e áreas ao
mesmo tempo em que se aprofunda e discute soluções para os problemas já
detectados. A este ponto, com mais de uma década de congressos nacionais no
continente europeu e simultâneos trabalhos realizados, em ambos os lados do
oceano atlântico, o encontro da AILA em Montreal se constituiu num passo decisivo
da orientação aplicada, visto que a partir de então também se incorpora, aos
estudos de LA, a multidisciplinaridade. Nesse congresso, confluem trabalhos
realizados na Europa, no Canadá e nos Estados Unidos, e que versam sobre
“contato entre línguas, política lingüística e educação bilíngüe”, que pouco a pouco
vão definindo a LA não mais como uma disciplina que se coloca entre a Lingüística
Descritiva e a Didática de Línguas, mas como uma ciência que entremeia as
diversas ciências da linguagem, estabelecendo importantes relações de trabalho e
colaborações que firmam o seu caráter multidisciplinar no sentido em que interage
com várias outras disciplinas do complexo da linguagem e da comunicação. O sexto
congresso internacional teve lugar em Lund (Suécia), no ano de 1981, tendo girado
em torno de questões relativas à didática de línguas, enquanto que o sétimo
encontro, em 1984, teve sua sede em Bruxelas e o seu principal tema de abordagem
foi a “análise e a contribuição da LA à comunicação e compreensão internacionais”.
Sendo vista já como ciência consolidada e cultivada internacionalmente, no
oitavo congresso, que aconteceu em Sidney, em 1987, os lingüistas se dedicaram ao
exame e à confrontação de novas aproximações à LA. E essa mesma tônica de
aprofundamento e extensão dos temas e bases da área se evidencia nos seguintes
congressos: o nono, celebrado em 1990 Tesalônica (Grécia); o décimo, de 1993,
em Amsterdam; e o décimo primeiro, em agosto de 1996, em Jyväskylä, na Finlândia.
O décimo segundo congresso da AILA se realizou em Tóquio, no Japão,
em 1999, e o décimo terceiro em Singapura, em 2002. O último, em 2005, reuniu os
lingüistas em Madison Estados Unidos. Já se sabe que o próximo está agendado
para 2008, na Alemanha Universidade de Lecce.
Também resulta oportuno dar notícia de algumas das associações
lingüísticas fundadas em outros pontos do planeta, destacando seus objetivos, numa
demonstração panorâmica da situação da LA no mundo. Assim, podemos citar a
existência de algumas dessas associações com base nas recentes informações
contidas na publicação de Lacorte:
23
Asociación de Lingüística y Filología de América Latina-ALFAL
(desde 1964). Objetivos: “Fomentar el progreso tanto de la lingüística
teórica y aplicada como de la filología en América Latina
especialmente la lingüística general, la lingüística indígena y la
lingüística y filología hispánica y portuguesa así como la teoría y
crítica literarias.”
Asociación Española de Lingüística Aplicada-AESLA (desde 1982).
Objetivos: “Estudio e investigación de la lingüística aplicada en todas
sus manifestaciones.”
Asociación Mexicana de Lingüística Aplicada-AMLA (desde 1986).
Objetivos: “Reunir a quienes se especializan en alguno de los
múltiples campos que se pueden considerar lingüística aplicada.”
Asociación de Lingüística Aplicada de Brasil-ALAB (desde 1990).
Objetivos: “Uma sociedade científica que congrega docentes e
pesquisadores do Brasil na área de Lingüística Aplicada, tanto em
língua materna como em língua estrangeira.” (LACORTE, 2007, p. 31)
A partir desse histórico, é possível afirmar que, embora jovem, o campo da
LA, de uma maneira geral, já alcança certo grau de maturidade, visto que demonstra
ter superado a concepção estreita do início, segundo a qual a LA se identificava de
maneira unilateral com apenas uma mínima parte da sua área de interesse
(Lingüística matemática ou computacional, tradução simultânea e didática de línguas).
O que vemos até aqui se caracteriza como esforços da disciplina na busca por
avançar rumo à formulação de uma LA que se ocupe de questões mais abrangentes e
que atenda a uma gama de necessidades e problemáticas mais ampla.
2.2 A LA NA ESPANHA E NA AMÉRICA HISPÂNICA EM GERAL
Desde o seu surgimento, a LA tem logrado maturidade disciplinar em
âmbito internacional, tanto do ponto de vista interno, por meio das redefinições que
lhe foram atribuindo mais e mais solidez, quanto pela perspectiva externa, com o
reconhecimento recebido e a criação de associações e de congressos
internacionais. Mas, no tocante à panorâmica da LA na Espanha, pelo que pude
comprovar através de investigações empreendidas recentemente (2006 e 2007) em
universidades, bibliotecas e livrarias espanholas,
4
naquele país, a LA numa
perspectiva que parte dos problemas para então criar os conceitos e estratégias
4
Universidad de Granada, Universidad de Valladolid, Universidad Complutense de Madrid, Biblioteca
Nacional de Madrid, livrarias de Madrid e da região de Castilla y León.
24
para compreendê-los e solucioná-los, conforme propõe a LA progressista e
indisciplinar de Moita Lopes (2006), não me foi possível encontrar. O que, sim, pude
encontrar foi um material bastante expressivo e atual, publicado em 2007, no qual
Manuel Lacorte (organizador) reúne estudos de professores e lingüistas espanhóis,
hispano-americanos e estadunidenses; porém, com noventa por cento do seu
conteúdo refletindo uma preocupação inicial dos primórdios de LA, que se prestava
basicamente ao objetivo didático de ensino/aprendizagem de língua e questões de
técnicas de tradução. Essa obra, sem dúvida, apresenta algo de inovação e
preocupação com a eficácia do aspecto didático, com assuntos que giram em torno
da “aprendizagem de espanhol como segunda língua”, inclusive com temas como o
da internet em sala de aula, história da língua espanhola, onde inclui o espanhol da
América e o contato com outras línguas, espanhol para fins específicos e técnicas
de tradução e interpretação. Isso demonstra uma preocupação focalizada no
aspecto didático, apesar de alguma alusão a estratégias e recursos recentes de uso
global; o que também representa uma notória preocupação e empenho por ganhar
espaço e retorno monetário no mercado editorial mundial, com o incentivo e
promoção a determinadas editoras. Logicamente, essa postura também se
caracteriza como uma reação frente à ameaça que o ensino de Inglês tem
representado, desde o próprio surgimento de LA e dessa mais recente leva de
globalização que estamos vivendo todos, em maior ou em menor escala, para o bem
ou para o mal. Hamel (2004), em entrevista sobre esse tema conforme destaca
García “califica la política del gobierno español como de Hispanofanía diciendo
que está basada en una gran unidad, bajo el liderazgo de España y basado en un
política de diversidad primordial” (GARCÍA, 2007, p. 396), com relevância para a
diversidade espanhola, logicamente.
Ainda segundo considerações de García:
España llega tarde a la modernidad. Por eso pronto se da cuenta de
que el reconocimiento de su propio multilingüismo y de su propio
mestizaje lingüístico, como ha dicho en más de una ocasión Mauro
Fernández Rodríguez (2005), es la mejor opción para que el español
quede reconocido como lengua global capaz de captar ventajas
materiales. [] El español para España es, en la globalización del
siglo XXI, un arma capaz de brindar enormes ventajas económicas
ligándose globalmente con el mundo hispánico, tanto a aquel mestizo
y multilingüe de Hispanoamérica que cada día habla más español,
como al otro también mestizo de los Estados Unidos que cada día
habla más inglés. (GARCÍA, 2007, p. 396)
25
García Canclini (2001), como também ressalta García,
ha llamado a este proceso de imperialismo lingüístico del español “la
rehispanización”: aunque en ella ahora participen tanto los
latinoamericanos que quieren independizarse de las corrientes
neoliberales del Fondo Monetario Internacional, como los latinos en
los Estados Unidos que piensan que el uso del español les va a
conceder una voz que en este momento no tienen. (GARCÍA, 2007,
p. 396)
Frente a estes comentários e citações, é justo abrir aqui um parêntesis
para qualificar o artigo de García, que também é parte integrante da obra organizada
por Lacorte, como um exemplo de estudo que aborda, de forma um pouco mais
crítica, questões relacionadas com a política do ensino/aprendizagem de idiomas, a
partir de uma perspectiva sociolingüística que considera a relação língua e
sociedade e suas implicações mútuas. A contribuição de García não se resume
apenas a um enfoque lingüístico unilateral do ponto de vista didático e pedagógico,
mas também atenta para outras problemáticas do contexto humano local e global
que interferem diretamente no aprendizado de línguas.
Retomando a situação da LA na Espanha e com base em tudo o que foi
apresentado a respeito do interesse direcionado ao ensino de língua como forma de
investimento financeiro, somos levados a pensar que essa postura pode estar atuando
como uma espécie de freio, que impede o alargamento dos horizontes da LA no país,
e bloqueando uma produção teórica mais abrangente que deixe de marcar passo em
questões que pertencem à fase de arrancada da disciplina. Isso também impede que
se arrisquem olhares para além desse patamar primário e pouco funcional neste novo
século, que já leva quase uma década de existência e aponta, a cada ano com mais
urgência, para a necessidade de se dar solução a questões de ordem prática, que
exigem múltiplas e variadas combinações conceituais e disciplinares, capazes de
solucionar problemas múltiplos nas realidades globais e locais, que estão compostas
por seres igualmente múltiplos, diversos, variados, híbridos, mestiços. Para utilizar
uma metáfora mais apelativa, as mudanças hoje quase que acompanham a
velocidade da luz, com uma forte tendência a superar este marco de velocidade,
subjetivamente falando. Basta observar o planeta em geral e o comportamento dos
seus habitantes, que estão determinados por “n” questões, mais ou menos polêmicas,
porém que empreendem movimento constante e acelerado, que de uma forma ou de
outra, todos precisamos acompanhar.
26
Apesar da existência da Asociación Española de Lingüística Aplicada
(AESLA), fundada desde 1983, o que vemos na LA de Língua Espanhola, e que vem
sendo demonstrado nos congressos anuais que se celebram, é um certo caráter
repetitivo dos temas que não ultrapassam em muito o interesse inicial desse campo.
Sobre esta situação, Fernández Pérez já advertia, em 1996, quando dizia que
si prestamos atención al panorama de la Lingüística aplicada en
España, la situación es bastantes desoladora. En efecto, en nuestro
país sólo en los últimos años ha comenzado a cultivarse el campo de
Lingüística aplicada y ello en la vertiente de Didáctica de lenguas
extranjeras ya que el interés surge de la mano de los dedicados a la
enseñanza de lenguas, y más concretamente de aquellos que se
ocupan de la enseñanza del inglés, razón por la cual en nuestro
entorno el campo disciplinar se ha concebido por lo general en el
sentido restringido y unilateral al que antes aludíamos, es decir,
identificándolo con la Didáctica de lenguas (como es propio, por otra
parte, tratándose de especialistas enmarcados en la tradición
británica). (FERNÁNDEZ PÉREZ, 1996, p. 32)
Com efeito, também não podemos deixar de concordar com Pérez que a
criação de LA, pensada inicialmente para dar suporte ao ensino/aprendizagem de
Inglês, seja um dos fatores que determinam a ausência de um maior impulso à
produção dessa disciplina na Espanha e no mundo hispânico em geral. E conforme
também destaca Lacorte: desde 1956, se por um lado o British Concil se propunha a
preparar toda uma geração de professores de Inglês como Língua Materna (LM)
e/ou Língua Estrangeira (LE), e inclusive de outras matérias neste idioma, por outro
lado,
el Center for Applied Linguistics emprendió la tarea de recoger y
analizar datos sobre el uso del inglés a nivel local e internacional,
como paso previo al diseño y producción de materiales para la
enseñanza del idioma y el entrenamiento de personal docente. En
ambos casos, los lingüistas asignados a estas labores tuvieron que
generar relaciones válidas entre el conocimiento lingüístico teórico y
las diversas e inmediatas necesidades de profesores y alumnos
en diferentes medios geográficos y sociales. Y es de esta manera
que, en el contexto del aprendizaje y enseñanza de una segunda
lengua, parece originarse la primera característica de la lingüística
aplicada, el compromiso de analizar y solventar aspectos prácticos y
reales asociados al lenguaje. (LACORTE, 2007, p. 20)
Portanto, não ficam dúvidas de que a LA, no âmbito da Língua Inglesa,
deu o pontapé inicial. Com isso, teve mais tempo para percorrer e tomar distância
dentro do campo dessa disciplina que, na Espanha, bem como em outras partes do
27
mundo, ainda carece de impulso para poder acompanhar questões sociais, políticas
e econômicas que estão se evidenciando no mundo inteiro.
No caso específico da língua espanhola e da Espanha, se, por uma parte,
o país se empenha por conquistar o mercado lingüístico frente ao
ensino/aprendizagem e hegemonia do Inglês, ocasionando uma preocupação e
retenção da LA voltada para objetivos sobretudo didáticos, por outra parte, a
chegada do terceiro milênio, com suas novidades sociais e econômicas, está
alterando inclusive a demografia mundial. E isso está obrigando a que se tomem
medidas para incorporar esses câmbios, que não deixam de ser interesses de todos,
independentemente da posição econômica, social ou geográfica que se ocupe.
Está claro que a política espanhola de promoção do ensino/aprendizagem
do Espanhol, que se empenha por ganhar mercados como o Brasil e a Grã
Bretanha, e os acordos diplomáticos que visam obter consideração oficial de língua
de ensino obrigatório, estabelecendo uma política lingüística pan-hispânica, têm
objetivos empresarialmente determinados. Porém,
en definitiva, el español del siglo XXI ha llegado a un punto en que,
una vez asumida su posición como lengua global, mundial o
internacional, deberá enfrentarse a múltiples problemáticas en las
esferas sociopolítica, educativa, científica y tecnológica que hasta
hace poco carecían de especial relevancia. (LACORTE, 2007, p. 27)
E para enfrentar ditos problemas se fará necessário um investimento em
pesquisas e uma tomada de decisão que exija visão mais ampliada da comunidade
acadêmica, que
se ha mostrado, por lo general y hasta fechas más cercanas, más
atraída por la lingüística aplicada al español con el conocimiento
teórico sobre el lenguaje y las lenguas como referente, que por la
lingüística aplicada del español la descripción, análisis y resolución
de retos lingüísticos como referente.(LACORTE, 2007, p. 28)
Para dar um pouco mais de ênfase ao tema, continuemos a avaliar a
opinião desse mesmo autor, quando diz que
esta actitud podría estar relacionada con la falta de hábitos prácticos
y pragmáticos en nuestras enseñanzas e intereses, así como con el
pobre y limitado entrenamiento en labores de carácter multidisciplinar
y experimental, que constituyen en sí vías ineludibles en el análisis
de hechos concretos y en las aplicaciones correspondientes.
(LACORTE, 2007, p. 28)
28
A ausência de tradição e as escassas definições da LA também
acabaram por gerar uma tendência, mesmo por parte da orientação aplicada do
Espanhol, a se inclinar quase que exclusivamente ao âmbito do
ensino/aprendizagem, seguindo o modelo anglo-saxônico que motivou a criação da
disciplina em meados do século XX. E apesar da LA do Inglês não ter ainda
alcançado sua plenitude teórico-prática, o que possivelmente nunca chegue a
acontecer, visto que a realidade e os seus componentes estão em constante
movimento de renovação,
lo que si podemos afirmar es que la orientación aplicada del español
no ha desarrollado aún la misma perspectiva de conjunto que sí se
observa en el ámbito británico y norteamericano, ni tampoco los
niveles suficientes de perspectiva práctica, multidisciplinariedad,
dimensión comunicativa, mediación teórico-práctica y conducta
profesional, todos ellos rasgos distintivos de la orientación aplicada.
(LACORTE, 2007, p. 28)
Considerando os estudos de LA produzidos em todos os países de fala
hispânica, além da supremacia conceitual do Inglês, também se enfrentam
problemas de desequilíbrio financeiro, inclusive se comparamos os recursos
oferecidos pelo Estado espanhol com aqueles disponíveis em outros países
hispânicos, ainda que do lado espanhol não esteja caracterizada uma abundância
suficiente, até o momento, para recursos nesse sentido. Em certa medida, esse
desequilíbrio se deve às já conhecidas “limitaciones económicas que afectan el
mundo académico, en especial en el ámbito de las humanidades” (LACORTE, 2007,
p. 32). Entretanto, essa questão por si só não justifica as coordenadas puramente
filológicas, nas quais se caracterizam os estudos referentes à língua e ao
ensino/aprendizagem de Espanhol, onde a prática tem sido trabalhar muito mais o
conteúdo informativo cultural de cada texto ou situação, que se valer dos mais
recentes e contextualizados parâmetros científicos da lingüística. Como resultado de
tudo isso “el escaso apoyo a la lingüística aplicada del español desde el sector
editorial abarca tanto libros como revistas” (LACORTE, 2007, p. 32-33). E, conforme
ainda analisa este autor, é por esse motivo
que aparte de los últimos y muy interesantes proyectos como
Spanish in Context (John Benjamins), Revista de Lingüística
Iberoamericana (Vervuert/ Iberioamericana) o Signos (Pontificia
Universidad Católica-Valparaíso), las únicas publicaciones en
español que parecen disfrutar de cierta raigambre son las
29
pedagógicas: Frecuencia L , Mosaico, Tecla, Carabela, Cuadernos
Cervantes de la Lengua Española, Materiales, Glosas Didácticas,
Revistas redELE, MarcoELE, etc. Otras, en cambio, se quedaron en
el camino: Signos y Cable (España), Spanish Applied Linguistics
(EE.UU), etc. (LACORTE, 2007, p. 33)
Em todo caso, a partir do reconhecimento do idioma espanhol como fator
de atividade econômica, a LA do Espanhol começou a dar sinais de mudança e
impulso rumo ao futuro. Um exemplo disso é o material elaborado a partir de uma
postura mais crítica, abrangente e inclusiva, onde se busca considerar não mais
uma perspectiva única e hegemônica de realização do idioma, mas sim, maneiras de
abarcar as variedades e diversidades existentes, possíveis, concretas, que
compõem o conjunto do idioma que, desde o final do século XV, vem ganhando
novas cores e formatos lexicais, sintáticos e contextuais. Já sabemos que estas
questões de diversidade não podem ser de forma alguma ignoradas se pretendemos
seguir, acompanhar e atender as necessidades humanas em favor da melhoria de
todos. Para concluir este ponto, é interessante citar, como exemplo dessa nova
etapa de esforço para superar perspectivas preconceituosas e obsoletas, algumas
obras que foram pensadas para reunir um conteúdo consensual com a participação
das vinte e uma academias de língua espanhola, representativas de cada um dos
vinte e um países que têm o espanhol como idioma oficial. Dessa forma, se espera
que este seja um bom começo, no intuito de alavancar estudos para uma LA crítica
e transgressiva (PENNYCOOK, 1998, 2006), no sentido em que transgride os limites
e fronteiras tradicionalmente impostos entre as variedades lingüísticas, as
diversidades culturais e os temas abordados em diferentes áreas do conhecimento e
territórios geográficos. As referidas publicações são: Ortografía de la lengua
española (com participação de todas as academias), Diccionario de la lengua
española (edição de 2001), Diccionario Panhispánico de dudas, lançado em 2005 e
a nova edição de Gramática hispânica, lançada em 2007. De qualquer forma, trata-
se de um começo que parece de fato apontar para uma trajetória mais crítica e
abrangente, no tocante a uso e estrutura da língua, mesmo que sua marca de
pênalti esteja localizada ainda no terreno do ensino/aprendizagem do idioma. Enfim,
é preciso começar, ou recomeçar, com pretensões de ampliar o campo e as
possibilidades de ultrapassar tais limites, estabelecendo uma consonância maior
com as necessidades políticas e sociais que o novo milênio nos está apresentando.
30
O contato mais direto e freqüente entre os diversos centros acadêmicos
de diferentes países e cidades também representa um caminho para o “proceso de
consolidación de la lingüística aplicada del español como disciplina con autonomía
propia” (LACORTE, 2007, p. 34). Esta autonomia é o que tem buscado
incessantemente a LA brasileira e um grupo de lingüistas que, pioneiramente, e
talvez impulsionados por uma realidade múltipla e híbrida, vêm construindo teorias
com a preocupação de aperfeiçoá-las e adequá-las às necessidades reais e
urgentes de mudança de um sistema injusto, onde as oportunidades não são iguais
para todos. A seguir, passo a detalhar a nova perspectiva de LA que começa a
tomar forma no Brasil.
2.3 A LA NO BRASIL, PERSPECTIVA ATUAL E FUTURA
Diferente de outras partes do mundo, a LA brasileira não se restringe a
ensino/aprendizagem de LE, ainda que as questões relativas à educação lingüística
tenham grande representação, principalmente, no que se refere ao
ensino/aprendizagem do Inglês que, desde sempre, atraiu um grande número de
pesquisadores. Foi a partir da percepção da complexidade que envolve a prática de
sala de aula de linguagem e sua inter-relação com questões de ordem social,
histórica, psicológica, passando necessariamente pelo terreno das outras disciplinas
e áreas do conhecimento, que surgiu uma linha teórica interdisciplinar. Então, pelo
caminho da interdisciplinaridade, atravessando conhecimentos de outras disciplinas
é “que o problema de pesquisa passou a ser construído interdisciplinarmente e a
relevância desse enfoque na problematização de questões de uso da linguagem
dentro ou fora da sala de aula começou a ser levantada” (MOITA LOPES, 2006,
p. 19). Por tudo isso é que, no contexto brasileiro, cada vez se fortalecem mais os
estudos de LA. Entre os mais representativos nomes de pesquisadores, teóricos,
professores, estão Celani e Almeida Filho (pioneiros em estudos de LA no país),
Moita Lopes, Cavalcanti, Signorini, Kleiman e tantos outros, que têm buscado de
forma ininterrupta o aperfeiçoamento dessa área do conhecimento, com vistas a
empreender melhorias no modo de concepção e organização da educação
31
brasileira, que acreditamos ser não a única, mas uma das principais vias de acesso
ao desenvolvimento real de uma nação e a promoção da dignidade de um povo.
Assim que, na prática, o fazer pesquisa em LA no Brasil está buscando
alcançar e servir os mais variados contextos de possibilidade de uso da linguagem
que, por conta disso, só faz sentido se pensada para construir conhecimento em
caráter interdisciplinar; ou ainda como INdisciplinar,
5
na denominação de Moita Lopes
(1998), ou como antidisciplinar e transgressivo, conforme nomeia Pennycook em 2001
e 2006. Movidos por esta perspectiva e percebendo a vastidão do alcance da LA e
suas inúmeras possibilidades de participação na construção do conhecimento, nas
mais variadas áreas do saber humano, os pesquisadores acima citados, juntamente
com outros lingüistas brasileiros e estrangeiros, cujo contato se dá em programas das
várias universidades brasileiras e em Congressos da AILA, ALAB e ABRALIN, vêm se
organizando e juntando idéias e reflexões para reavaliar conceitos, definições e
atuações da LA. O resultado mais recente dessas reflexões e atuações está
representado por meio de uma reunião de artigos e conceitos, elaborados por muitos
desses estudiosos e organizados por Moita Lopes na forma de um livro lançado em
julho de 2006, que além de ser a publicação em LA mais atual do Brasil e uma das
últimas em nível mundial, traz em seu bojo uma novíssima proposta de LA. Essa
proposição visa integrar temas e preocupações dos campos de estudos culturais,
sociais, de gênero e sexualidade, além de teorias socioculturais. Conforme explica o
autor-organizador da obra, a partir de debates em congressos interdisciplinares,
nacionais e internacionais, ele viu surgir a necessidade de se “pensar uma lingüística
aplicada (LA) que dialogasse com teorias que estão atravessando o campo das
ciências sociais e das humanidades” (MOITA LOPES, 2006, p. 14). Analisando e
concordando com outros pesquisadores, de postura crítica e inovadora, Moita Lopes
aposta que a linguagem tem um papel principal na compreensão e resolução de
problemas sociais. Assim, ele acredita no tipo de trabalho em LA que teorize em
consonância com o mundo atual e com as necessidades atuais, numa atitude de
questionamento de uma LA modernista
6
que até então vem construindo teorias que,
na maioria dos casos, se distanciam da realidade, visto que não partem do problema
para criar a teoria que o solucione (como pretende a nova LA), mas antes se ocupam
5
No sentido de não possuir limites de disciplina, de não ser um conhecimento fechado dentro de
uma determinada área.
6
Aquela que começou a ser teorizada a partir de meados do século XX e que segue até hoje.
32
em construir teorias aplicadas/ou aplicáveis de uma forma geral, que não abarcam
todas as questões sociais e necessidades humanas de um mundo plasmado de
diversidades e características múltiplas, plurais e fragmentadas. Daí a denominação
de LA mestiça apresentada por Moita Lopes, que considera antes de tudo a “natureza
interdisciplinar/transdiciplinar” da concepção humana (MOITA LOPES, 2006, p. 14).
Portanto, o questionamento entre lingüística aplicada e aplicação de
lingüística, remetendo-nos à preocupação espanhola entre se fazer lingüística
aplicada ao ou lingüística aplicada do espanhol (LACORTE, 2007), já é uma
discussão envelhecida na opinião de Moita Lopes (2006, p. 14), que assume uma
postura de crítica as suas próprias concepções e denominações de há dez anos,
quando também ainda se detinha nessas especificações sobre a LA. Contudo, ele
se propõe a rever seus percursos anteriores de investigação lançando um convite
aos que, como ele, queiram ousar rever práticas teóricas da LA modernista para
convertê-la em LA contemporânea, voltada a resolver questões contemporâneas,
sem permanecer marcando passo em uma era de definições e determinações que já
não atendem aos anseios deste início de século XXI. Democraticamente (postura
condizente com as reivindicações atuais), o pesquisador esclarece que, com tais
reflexões, “não objetiva que todos tenham de optar pelas mesmas escolhas teóricas
e metodológicas e seguir uma nova verdade” (MOITA LOPES, 2006, p. 14), mas
apenas propor mudanças que ele julga possíveis na área de LA sem abandonar ou
negar o que epistemologicamente foi construído até os dias de hoje e que serviu de
suporte e embasamento para se chegar às reflexões atuais. Certamente, sem as
construções iniciais, as reformulações que agora são propostas não seriam
possíveis e os avanços para os quais apontam Moita Lopes, Pennycook e outros
pesquisadores ainda não existiriam.
Na introdução de seu livro, o autor também faz o seguinte comentário:
“não se pretende aqui apontar que estamos diante de uma nova escola de LA, com
princípios explícitos, na qual aqueles que assinam os trabalhos que constituem o
volume se encaixem perfeitamente em um quadro bem delineado” (MOITA LOPES,
2006, p. 15). Com esse esclarecimento, o pesquisador pretende argumentar que a
LA não precisa nascer de novo, apenas abrir espaço para o caráter heterogêneo,
tanto da pesquisa como da vida social, que gera pensamentos heterogêneos por
estar, obviamente, organizada de forma complexa e variada. Na prática, nem os
pesquisadores nem os demais sujeitos sociais estão obrigados a moldes e formas
33
homogêneas do pensamento, visto que isso deporia contra a própria natureza
humana e social. Neste sentido, Moita Lopes também observa que, em 1997,
Rampton já apontava para a necessidade de uma LA com “espaço aberto” e “com
múltiplos centros”, embora Davies, em 1999, discordasse dessa visão e da
“desistência da construção de um projeto de uma LA unificada e coesa” (MOITA
LOPES, 2006, p. 15), defendida por Rampton (1997) e retomada por este e por
outros pesquisadores na publicação de Moita Lopes (2006).
Assim, para Rampton (1997 e 2006) e Moita Lopes (2006), uma “LA
unificada e coesa” seria incoerente, como já tem demonstrado ser a LA Modernista,
com uma realidade que se caracteriza exatamente por ser o inverso dessas
perspectivas, apresentando-se desunificada e fragmentada. Portanto, uma LA que
esteja em constante estado de auto-reflexão vem a ser bem mais coerente com dita
realidade. Imbuído dessas preocupações, Pennycook, desde 1998, já defendia e
valorizava uma LA crítica:
Considerando que também proponho o desenvolvimento dos meios que
conduzem às críticas transformadoras, tentarei mostrar como o que
chamo de pós-modernismo com princípios pode nos ajudar a percorrer,
num primeiro momento, o caminho em direção à Lingüística Aplicada
Crítica. Portanto, argumentarei a favor de uma abordagem crítica para a
Lingüística Aplicada que seja mais sensível às preocupações sociais,
culturais e políticas do que a maioria dos trabalhos nessa área tem
demonstrado ser. (PENNYCOOK, 1998, p. 25)
Também nos serve de suporte e endosso a sua indicação, em 2006, para
uma LA crítica (LAC) como prática problematizadora:
Entendo a LAC como uma abordagem mutável e dinâmica para as
questões da linguagem em contextos múltiplos, em vez de como um
método, uma série de técnicas, ou um corpo fixo de conhecimento.
Em vez de ver a LAC como uma nova forma de conhecimento
interdisciplinar, prefiro compreendê-la como uma forma de
antidisciplina ou conhecimento transgressivo, como um modo de
pensar e fazer sempre problematizador. Isso quer dizer não somente
que a LAC implica um modelo híbrido de pesquisa e práxis, mas
também que gera algo que é muito mais dinâmico. (PENNYCOOK,
2006, p. 67)
O caráter transgressor que esse autor vê na LAC é no sentido em que
transgride não só os limites da LA do século XX, mas que também busca transgredir
outras fronteiras do conhecimento tradicionalmente implantadas pelas cercas
disciplinares, transgredindo também os limites do pensamento, impostos por
34
políticas e teorias tradicionais. Por isso é que ele aponta para a formalização de uma
LA transgressiva:
No propósito de criar as bases para uma nova era do que vou
chamar de uma LA transgressiva, precisamos manter tanto um foco
incansável nas operações do poder como também um
questionamento implacável em relação aos termos que usamos.
(PENNYCOOK, 2006, p. 70)
A relação que Pennycook estabelece entre LA transgressiva e as práticas
problematizadoras diz respeito a uma indicação para permanente insatisfação por
parte da LAC, que nunca deve deixar de questionar, inclusive a sua própria
autoconcepção. A LA deve trabalhar com a constituição do sujeito por meio do
discurso, por isso a necessidade de uma atitude de constante reflexão na produção
do conhecimento, uma vez que todo sujeito é sempre múltiplo e conflitante. E, para
acompanhar tamanha multiplicidade, é preciso estar em permanente reformulação e
revisão dos conceitos.
A LA contemporânea, mestiça, pós-moderna, pós-colonialista,
transgressiva, anormal, conforme denominações recentes desses estudos, pretende
ir além da LA modernista do século XX, que pensava a pesquisa isolada da vida
social. De fato, com tantas pendências sociais a serem pensadas e solucionadas, é
inadmissível que se faça pesquisa por fazer, que se elaborem dissertações de
Mestrado ou teses de Doutorado para simplesmente fazer jus ao respectivo título e
em seguida guardar a produção na estante; e também que se publiquem livros ou
artigos com o objetivo único de acumular títulos e pontos perante o mundo
acadêmico. Não se pode consumir tempo e dinheiro (público, na maioria das vezes)
em experiências científicas se não for em prol de melhorar a saúde, a educação, as
relações humanas, o trabalho, promovendo uma sobrevivência digna para todos.
Assim, a LA anormal tem pensado o sentido de fazer ciência, teorizando a partir dos
problemas e necessidades de cada sujeito, de cada local; e, para tanto, não serve
uma LA coesa, única, homogênea, cuja teoria não acompanhe a prática. Coincidem
com tais considerações todos os que se propõem a fazer LA contemporânea,
INdisciplinar, transgressiva, o que é possível constatar nas palavras de Fabrício
(2006), que também toma partido nesse projeto ousado e justo de construção do
conhecimento:
35
Não devemos almejar o saber pelo saber, ou a invenção pela
invenção, deslocados de compromissos éticos. Não devemos,
tampouco, nos relacionar com o conhecimento que produzimos como
“captura” teórica do “real”. Embora tecnicidades analíticas sejam
parte necessária de nossas pesquisas, elas não deveriam se
converter em mera atividade técnico-cognitiva: nossas construções
devem objetivar uma vida melhor (idéia explicitada no trabalho de
vários autores anteriormente mencionados, como, por exemplo,
Pennycook, Moita Lopes, e Chouliaraki & Fairclough). (FABRICIO,
2006, p. 62)
Assim sendo, no mundo de hoje, não dá mais para pensar a LA como
aplicação de teorias lingüísticas para resolver problemas surgidos no processo de
ensinar/aprender línguas, dentro do espaço restrito da sala de aula. “A LA precisa
repensar o próprio lugar da teoria e não continuar esperando em vão”
(RAJAGOPALAN, 2006, p. 165) por teorias prontas para serem aplicadas.
36
3. INTERDISCIPLINARIDADE: HISTÓRICO E PROBLEMATIZAÇÃO
Como apoio teórico-metodológico à organização deste capítulo e à
orientação geral do trabalho, serão consideradas, principalmente, por sua
pertinência e relação direta com o que se pretende desenvolver nesta tese, as
seguintes obras: Integração e Interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro (1979) e
Interdisciplinaridade: um projeto em parceria (1991), ambas de Ivani Fazenda;
Lingüística Aplicada e Transdiciplinaridade (1998), organizado por Inês Signorini e
Marilda Cavalcanti; Leitura e interdisciplinaridade em parceria: tecendo redes nos
projetos da escola (1999), de Angela Kleiman e Silvia Moraes; e também Bagnato e
Monteiro (2006), sobre perspectivas interdisciplinares na formação dos profissionais
da saúde. As indicações da nova LDB 9.394/96 e dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) servirão igualmente de suporte para justificativas e defesas do
caráter interdisciplinar na organização do ensino/aprendizagem.
Apesar de ser um neologismo que denota uma preocupação do mundo
contemporâneo, o termo interdisciplinaridade caracteriza um aspecto unificado do
conhecimento que já existia na Grécia antiga e que hoje se tornou meta a ser
atingida em grande parte do mundo. Uma tentativa atual de resgatar uma prática dos
primórdios da organização do conhecimento. Assim,
a crise que atravessa a civilização contemporânea, buscando uma
volta ao saber unificado denota a existência de uma “Patologia do
Saber”, efeito e causa da dissociação da existência humana no
mundo em que vivemos. Isto nada mais é do que a tentativa de
preservar em toda parte a integridade do pensamento para o
restabelecimento de uma ordem perdida. (FAZENDA, 1979, p. 26)
A análise de Fazenda encontra como explicação para o aparecimento de
um Saber fragmentado o “advento da especialização”, que foi impulsionado pelo
impacto da ampliação e avanço das tecnologias que a História do Saber veio a
sofrer no século XIX. Nesse período ocorre um caudaloso enriquecimento das
variadas tecnologias de pesquisa, incrementando assim, o conhecimento
especializado, porém, isolado, em desprestígio do caráter mais geral e unificado do
Saber.
37
No Brasil contemporâneo, a interdisciplinaridade ganhou indicação para
presença obrigatória na elaboração e prática dos currículos de Ensino Fundamental
e Médio em todas as escolas, de acordo com a nova LDB 9.394/96 e com as
determinações dos PCNs (BRASIL, 2002). Antes, porém, já havia sido sugerida pela
Lei n
o
4.024/61, embora de maneira ainda superficial e utópica, como observa
Fazenda, estando presente também na Lei n
o
5.692/71, onde se previa um currículo
formado por um Núcleo Comum e uma Parte Diversificada, visando atender às
necessidades particulares de cada escola. Na Lei de 1971, aparecem indicações
para a “integração” das matérias, entretanto, essa “interdisciplinaridade, apesar de
haver sido sugerida na Legislação, não é proposta em nenhum momento”
(FAZENDA, 1979, p. 80). Esta crítica se fundamenta no fato de que não bastam as
sugestões, mas é preciso que também se criem e ofereçam condições materiais,
metodológicas e formação adequada aos professores, a fim de que estes sejam
realmente capazes de conduzir e promover essa integração do conhecimento.
Afinal, a experiência que a maioria deles teve como aluno foi a de um currículo
organizado de forma estanque e compartimentado.
Recentemente, a partir da organização dos PCNs, que seguem uma
tendência mundial de integração do currículo, vêm surgindo movimentos dentro das
escolas brasileiras no intuito de promover mudanças que visam adaptar o currículo à
realidade do mundo atual e às necessidades vividas por cada povo, cada região.
Esse certamente não é um trabalho fácil, quem já o iniciou sabe o quanto lhe tem
custado integrar temas, assuntos, disciplinas que a princípio parecem tão
compartimentadas e fechadas dentro de suas teorias e conceitos. Para professores
que são o resultado de uma formação fragmentada, dividida, em horários fixos e
intransponíveis para cada disciplina, o trabalho interdisciplinar não se constitui uma
tarefa simples e natural; chegam a ser confusas e polêmicas as orientações para
executá-lo. A primeira dúvida que surge é: Por onde começar a promover essa
integração?
Para atender a tais determinações de mudança curricular, voltadas para
cada realidade, as escolas se viram diante da necessidade de elaboração do seu
próprio projeto político-pedagógico, com base no documento que contém as
diretrizes básicas para as modificações (PCNs) e que representa, então, o autêntico
suporte de sustentação das novas organizações curriculares em cada unidade de
ensino, e na nova LDB.
38
A proposta dos PCNs de integrar a transmissão do conhecimento nas
nossas escolas através do recurso da interdisciplinaridade
não tem a pretensão de criar novas disciplinas ou saberes, mas de
utilizar os conhecimentos de várias disciplinas para resolver um
problema concreto ou compreender um determinado fenômeno sob
diferentes pontos de vista. (BRASIL PCNEM, 2002, p. 34)
7
Segundo este documento, as disciplinas estabelecem relações de
complementaridade, favorecendo as interconexões e passagens entre os
conhecimentos, abandonando, assim, o modelo de currículo compartimentado,
objetivando implodir os muros que separam as variadas áreas do saber, permitindo,
portanto, a desfragmentação desses saberes. Todo esse esforço por negar os
modelos curriculares tradicionais, com disciplinas que atuam de forma isolada dentro
de um mesmo contexto escolar, está motivado pelo intuito de promover a formação
de cidadãos criativos, capazes de saídas e soluções para os seus problemas e os
da sua comunidade, e quem sabe do mundo. Assim, o modelo de política
educacional que propõe o documento brasileiro objetiva a formação de pessoas com
pensamento crítico desenvolvido, com capacidade para atuar dentro de uma
coletividade, e não de maneira isolada e individualizada. E, para que toda essa
participação cidadã aconteça, é necessário, antes de qualquer coisa, que os
indivíduos em idade de receber formação escolar estejam nas escolas. A
interdisciplinaridade, com sua proposta de inter-relação dos conhecimentos e de
adequação dos temas estudados à realidade de cada escola, região ou classe
social, pode ser uma forma de motivar a presença dos alunos em sala de aula e a
continuidade dos estudos. Essa integração curricular favorece a produção de
sentido, atribuindo pertinência e significado às informações e teorias apresentadas,
visto tratar-se de um modelo que possibilita estabelecer relações, pontes entre o
mundo do aprendiz, suas experiências e as realidades globais, chegando a se
constituir um diferencial para a sobrevivência humana e ambiental na realidade que
hoje se apresenta. Baseada nesses aspectos é que a pesquisadora Larsen-Freeman
afirma que um
fator que pode explicar as interseções das fronteiras disciplinares é a
superposição igualmente difundida neste período da história de
7
A utilização da sigla PCNEM será feita sempre que se trate de citações retiradas da parte do
documento referente ao Ensino Médio.
39
que a nossa sobrevivência depende, de uma certa maneira, da nossa
capacidade de transcender as nossas perspectivas individuais para
descobrir, nas comunidades, interesses que sejam comuns aos dos
outros. Este tema se manifesta em nível mundial, através da criação
das novas alianças políticas, das comunidades virtualmente
transnacionais, da necessidade de conservação ambiental do
mundo, e da crescente interdependência da economia global.
(LARSEN-FREEMAN, 1998, p. 187)
A pesquisadora também constata que a preocupação de lingüistas
aplicados de várias partes do mundo e reunidos no AILA 1996 está no
estabelecimento de novas associações, visando interligar disciplinas de forma a
substituir as fronteiras entre elas por zonas de interseção. E desta forma acompanhar
de maneira atuante e participativa uma tendência mundial: a de conectar fatos que a
princípio parecem estar tão distantes e desconexos. Para estar em sintonia com tais
fatos e com a evolução da humanidade, esse caráter de conexão precisa ser
considerado por todos, desde os mais preparados e informados até os que estão
passando pelo processo inicial de preparação para a sobrevivência neste ambiente,
onde tudo se relaciona de alguma forma. Assim sendo, não podemos mais ignorar
que já não há lugar para um sistema de ensino descontextualizado, ineficaz e que não
esteja em sintonia com os acontecimentos mundiais.
Retomando a questão da importância que o significado representa na
transmissão dos conteúdos em sala de aula, é relevante observar o que destacam
Kleiman e Moraes sobre esse aspecto do processo de aprendizagem, onde as
autoras apontam a falta de significação do conteúdo como sendo um dos fatores
alienantes da escola tradicional tanto para alunos quanto para professores:
[...] na maioria das vezes, alunos e professores produzem algo cujo
sentido lhes escapa; eles não se reconhecem no produto de seu
trabalho. O trabalho do professor é alienante porque ele está
sobrecarregado pela burocracia, pelo número de horas de aula que
tem que ministrar e que não lhe deixa margem para planejar, trocar
idéias com seus colegas ou mesmo estudar. (KLEIMAN; MORAES,
1999, p. 34)
Com isso, entende-se que a questão do significado, o sentido que as
coisas têm para cada indivíduo e que vai estar relacionado sempre com o seu
contexto sociocultural, é fundamental para que haja aprendizagem. O assunto das
aulas precisa fazer sentido tanto para os alunos como para professores, sob pena
de não se estabelecer uma realização plena de ensino-aprendizagem.
40
A interdisciplinaridade, onde o conteúdo de uma disciplina é aproveitado
ou ampliado por outra acaba favorecendo a produção de sentido, suscitando um
outro aspecto da integração curricular que é a transversalidade dos temas. Isso
permite que assuntos como Meio Ambiente, Saúde, Pluralidade Cultural, Ética,
Orientação Sexual, além de outros temas que abordem acontecimentos e
preocupações locais, possam ser tratados, discutidos, apresentados por diferentes
disciplinas do currículo obrigatório. Assim, é possível orientar o processo ensino-
aprendizagem numa direção interdisciplinar e transversal, garantindo então, uma
formação escolar mais abrangente e integral. Como apontam Kleiman e Moraes
(1999, p. 10), “esta é uma nova maneira de olhar os mesmos conteúdos, de certa
forma imposta pelos problemas pelos quais a sociedade atravessa”. Além disso, não
se justifica, segundo elas,
memorizar conhecimentos que estão sendo superados ou cujo
acesso é facilitado pela moderna tecnologia. O que se deseja é que
os estudantes desenvolvam competências básicas que lhes
permitam desenvolver a capacidade de continuar aprendendo.
(BRASIL PCNEM, 2002, p. 25 e 27)
Assim como avança o desenvolvimento tecnológico, também é necessário
que se avance com as técnicas educacionais e formadoras do conhecimento, para
que se evite uma falência da instituição escolar provocada por uma certa ineficiência
diante da evolução dos tempos e das técnicas. O ritmo e o perfil do desenvolvimento
mundial se modificaram, o mercado de trabalho também é outro e vem se
transformando muito rapidamente, daí a necessidade de preparar os nossos
estudantes a fim de que possam se colocar dignamente no sistema laboral que hoje
se apresenta.
A interdisciplinaridade possibilita que uma mesma questão seja
trabalhada, analisada, explicada, modificada pelas várias disciplinas de um currículo,
de maneira a tornar possível a utilização das diferentes linguagens para esgotar as
possibilidades de compreensão de um mesmo assunto. Em outras palavras, isso
significa que
todo conhecimento mantém um diálogo permanente com outros
conhecimentos, que pode ser de questionamento, de confirmação,
de complementação, de negação, de ampliação, de iluminação de
aspectos não distinguidos. (BRASIL PCNEM, 2002, p. 88)
41
No caso do ensino médio, que corresponde ao contexto de onde partem
as investigações para a execução deste trabalho, um caminho a ser seguido para a
efetivação do trabalho interdisciplinar é o envolvimento das variadas disciplinas nas
mesmas atividades, como projetos de estudo, de pesquisa ou algum tipo de ação de
aprendizagem integrada na prática pedagógica e didática, adequada aos objetivos
desta fase da Educação Básica. Estas também são as idéias e sugestões a respeito
do trabalho interdisciplinar apresentadas por Kleiman e Moraes (1999).
A nova LDB tem como meta trabalho e cidadania, buscando orientar o
processo ensino-aprendizagem de modo que resulte na promoção, concretização,
realização desses dois aspectos básicos e necessários à vida de todo cidadão. Para
alcançar tais resultados, é preciso que a escola prepare pessoas capazes de
construir pontes entre a teoria e a prática, relacionando o conhecimento adquirido
nas aulas com a realidade que precisarão enfrentar ou que já enfrentam fora delas.
Dessa forma, um programa escolar organizado e aplicado de forma contextualizada
e interdisciplinar pode ser o caminho para a formação de indivíduos
verdadeiramente capazes de compreender e modificar o mundo em favor da
humanidade, “pois sendo o homem agente e paciente da realidade do mundo, torna-
se necessário um conhecimento efetivo dessa realidade em seus múltiplos
aspectos” (FAZENDA, 1991, p. 32). Assim, fica cada vez mais claro que o enfoque
interdisciplinar é a estratégia para identificar e relacionar o vivido e o estudado,
sendo que o vivido já é um resultado da inter-relação das várias experiências que se
acumulam no dia-a-dia.
É a partir de uma experiência de aprendizagem contextualizada que o
estudante, o indivíduo em formação, poderá adquirir a capacidade de re(significar)
esse universo de aprendizagem apoiado em suas próprias experiências, que os PCNs
denominam “experiência espontânea”. Segundo o documento, um indivíduo assim
estará muito mais preparado, habilitado para questionar “os problemas ambientais, os
preconceitos e estereótipos, os conteúdos da mídia, a violência nas relações
pessoais, os conceitos de verdadeiro e falso na política, e assim por diante”. (BRASIL
PCNEM, 2002, p. 96).
O mundo de hoje, por ser multifacetado, está exigindo indivíduos cada
vez mais capazes de se adaptarem às múltiplas situações que se apresentam a sua
frente, desde o seu contexto sociocultural mais imediato até aquele em âmbito
global. Ele se verá obrigado a possuir um espírito crítico e de compreensão dinâmica
42
e acelerada das inumeráveis informações, às quais o mundo atual lhe estará
submetendo. Essa capacidade de pensar criticamente os fatos e de compreendê-los
com maior rapidez precisa ser trabalhada pela escola desde o princípio da formação
de cada indivíduo, mostrando a ele a possibilidade e a necessidade de se
desfazerem as barreiras que por muito tempo foram sendo formadas entre as
disciplinas. E como Fazenda havia percebido e alertado, já na década de 70, “a
preocupação com a verdade de cada disciplina seria substituída pela verdade do
homem enquanto ser no mundo” (FAZENDA, 1979, p. 42). Essa “verdade do
homem”, à qual se refere a autora, pode ser traduzida por “realidade e contexto
cultural no qual se insere cada indivíduo”; uma questão crucial a ser pensada e
considerada antes da elaboração do projeto político-pedagógico de qualquer
unidade escolar. E o que, pertinentemente, está sendo orientado pela nova LDB e
pelos PCNs é que
Interdisciplinaridade e Contextualização são recursos complementares
para ampliar as inúmeras possibilidades de interação entre disciplinas
e entre as áreas nas quais disciplinas venham a ser agrupadas.
Juntas, elas se comparam a um trançado cujos fios estão dados, mas
cujo resultado final pode ter infinitos padrões de entrelaçamento e
muitas alternativas para combinar cores e texturas. De forma alguma
se espera que uma escola esgote todas as possibilidades. Mas se
recomenda com veemência que ela exerça o direito de escolher um
desenho para o seu trançado e que, por mais simples que venha a
ser, ele expresse suas próprias decisões e resulte num cesto
generoso para acolher aquilo que a LDB recomenda em seu Artigo 26:
as características regionais e locais da sociedade, da cultura, da
economia e da clientela. (BRASIL PCNEM, 2002, p. 97)
Baseados, então, “na idéia de que os limites disciplinares não dão conta
da complexidade do que se estuda” (MOITA LOPES, 1998, p. 126), a prática
interdisciplinar pode se desenvolver de variadas formas, de acordo com a realidade
da clientela escolar. Assim, fatos atuais, dos quais se toma conhecimento por meio
de jornais escritos ou televisionados, rádios, internet, etc., podem ser utilizados nas
variadas disciplinas para a efetivação do conhecimento integrado e compartilhado,
onde um tema pode ser o objeto de muitas disciplinas ao mesmo tempo
transversalidade que
precisa ser tomada como recortes temáticos, como vieses que
cruzam as diferentes disciplinas, para orientar discussões que
colaborem para a consciência crítica do aprendiz. Esses temas
precisam constituir seu universo, sua realidade. (PARAQUETT, 2004,
p. 197)
43
Para ser interdisciplinar, é preciso habilidade e sensibilidade, o que
“envolve interesse e respeito pela voz do outro, isto é, por ouvir o que o outro está
dizendo com a finalidade de analisar como suas idéias se coadunam com as
perspectivas que se tenha” (MOITA LOPES, 1998, p. 117). É dessa interseção de
idéias, oriundas de diferentes campos do conhecimento, que nasce o pensamento
crítico, favorecido por “uma abertura recíproca, uma comunicação entre os domínios
do saber, uma fecundação mútua”. (FAZENDA, 1979, p. 32) Um enfoque
interdisciplinar garante uma formação mais completa, uniforme e plena do indivíduo,
possibilitando uma visão múltipla e aberta perante o mundo e suas relações de
cultura, saber e política. O caráter de observador do próprio umbigo, embalado pelo
conhecimento especializado, vem a ser o oposto daquele olhar mútuo entre as
várias ciências ou disciplinas. É através deste intercâmbio que se torna possível a
abertura para novas descobertas em novos campos do conhecimento, partindo de
pontos de vista diversos.
Outro aspecto positivo do trabalho interdisciplinar, a ser destacado, é a
possibilidade de inter-relação dos problemas colocados com as experiências vividas
pelos alunos na realidade concreta, o que favorece “a manutenção de um interesse
e curiosidade constantes, já que é mais motivador tratar de problemas que estejam
vivenciando” (FAZENDA, 1979, p. 44).
Também há os que acreditam que a prática interdisciplinar incentiva a
formação de pesquisadores, mas não daquele tipo que se fecha em seu reduto
científico considerando uma única linha e possibilidade de pesquisa, mas sim um
pesquisador, como acredita Fazenda, que possa trocar de maneira produtiva e
integradora com outros pesquisadores e inclusive de diferentes áreas. O princípio
norteador que se refere à pesquisa, listado pelos PCNs e destacado na obra de
Kleiman e Moraes, salienta que
é importante que os alunos desenvolvam familiaridade com o
conhecimento, hipóteses e métodos de investigação usados nas
várias áreas disciplinares para poder selecionar aqueles mais
apropriados a determinada situação e organizá-los em função dos
seus planos e objetivos para a situação. Os conceitos principais e
métodos das várias disciplinas deveriam ser ensinados como parte
de unidades apropriadas aos interesses dos alunos e a seu
desenvolvimento cognitivo e social. (KLEIMAN; MORAES, 1999,
p. 28)
44
Essa indicação vem a ser a efetiva atuação para promover outro objetivo
do currículo interdisciplinar que é o de garantir uma educação permanente, na qual o
estudante seja capaz de continuar a formação e aprendizagem desenvolvendo
conhecimento mesmo já adulto e fora da escola. Essa continuação da aprendizagem
também vai possibilitar uma melhor compreensão e colocação no mundo, dando-lhe
inclusive condições de modificá-lo, conforme suas necessidades e anseios. O
homem, “ao viver, encontra uma realidade multifacetada, produto desse mundo, e,
evidentemente mais oportunidades terá em modificá-la, na medida em que a
conhecer como um todo, em seus inúmeros aspectos” (FAZENDA, 1979, p. 47). O
aluno passivo, alienado e fruto de um regime escolar autoritário, cujo conteúdo se
estrutura de maneira estanque, vazia, sem estabelecer as inter-relações necessárias
ao seu desenvolvimento integral, não possuirá senso crítico, nem será capaz de
estabelecer relações entre os conteúdos apresentados e, por conseguinte, não
conseguirá transportar para a prática de sua vida diária a teoria vista em sala de
aula e, menos ainda, ampliar, adaptar, construir novas saídas para seus problemas,
a partir de tais conteúdos. Por conta disso é que Kleiman e Moraes acreditam que
optar por teorias críticas pode ser a solução para neutralizar essa distância ainda
vigente entre o que se vê na escola e o que se vive na prática. Segundo elas, as
teorias vistas de forma crítica
propõem a resistência de alunos e professores para transformar a
realidade educacional. E as abordagens que observam o
microcosmo da sala de aula oferecem evidências de alunos e
professores que resistem de maneira criativa para transformar essa
realidade, dentro dos limites que as instituições normativas permitem.
O projeto interdisciplinar de caráter colaborativo pode vir a se
constituir num instrumento para a resistência e a transformação.
(KLEIMAN; MORAES, 1999, p. 36)
Uma indicação que coincide com a idéia destas autoras, a respeito da
possibilidade de transformação da própria realidade, é a dos PCNs, que insistem na
contribuição da escola no sentido de desenvolver um projeto educacional
comprometido com uma formação que permita ao aluno intervir na realidade a ponto
de transformá-la, caso seja necessário ao seu bem estar e exercício da cidadania.
Então, assim sendo, a aplicabilidade do conteúdo interdisciplinar se faz
necessária em vários âmbitos da formação escolar, trazendo benefícios tanto à parte
geral quanto profissional, favorecendo também a formação de pesquisadores e de
45
pessoas em condições de continuar, num trajeto de educação permanente, a sua
própria formação; e ainda com capacidade para compreender e modificar o mundo e
a realidade em que vivem.
3.1 BARREIRAS E OBSTÁCULOS AO TRABALHO INTERDISCIPLINAR
Para que a prática interdisciplinar e seus provenientes resultados venham
fazer a diferença que se espera, é necessária a transposição de algumas barreiras
que já se cristalizaram através dos tempos e que fazem parte das próprias
instituições escolares, com suas estruturas tradicionais, que ainda são fortalecidas
pelos valores culturais de toda uma sociedade. Além dessas, também há as
barreiras metodológicas e materiais, assim como as que se estabelecem no
processo educativo em decorrência da própria formação dos nossos docentes.
Por barreira institucional entende-se a organização curricular e o seu
caráter alienante, desintegrador e fragmentado onde ao aluno cabe
obedecer as regras de comportamento criadas por adultos que se
supõem portadores do “modelo ideal”, regras essas que alienam sua
natureza (colocam-no numa camisa-de-força), condenam-no à
passividade e concordância e separam-no dos seus pares (os alunos
não podem conversar entre si, raramente podem trabalhar em
equipe). (KLEIMAN; MORAES, 1999, p. 34)
Esse tipo de escola ainda encontra apoio nos valores socioculturais
vigentes que reforçam a idéia de que à escola cabe “dar educação”, o que é
entendido socialmente como “disciplinar”, “moldar” comportamentos e caracteres. Já
as barreiras tradicionalmente postas entre as disciplinas representam um certo
comodismo e resistência à mudança, pois trazem “consigo incerteza, ansiedade,
surpresa e até perplexidade. Trazem o receio do risco” (CELANI, 1998, p. 140). É
esse risco aliado ao comodismo que, na maioria das vezes, impede a colocação das
próprias idéias e a aceitação das idéias alheias para alcançar um consenso integrador
e participativo entre as disciplinas. Na concepção de Fazenda (1979, p. 54),
“a possibilidade da eliminação das barreiras existentes entre as disciplinas, resultará
de uma motivação adequada que liberte as instituições da inércia em que jazem e
na destruição do mito da supremacia das ciências”. E essa falta de “motivação
46
adequada”, a qual alude Fazenda, começa em outra das barreiras instituídas que é a
falta de formação docente apropriada para levar adiante um trabalho interdisciplinar.
Conforme reiteram Kleiman e Moraes, o professor que temos dentro das nossas
salas de aula hoje
foi formado dentro da concepção fragmentada, positivista do
conhecimento. Como era de se esperar, ele se sente inseguro de dar
conta da nova tarefa. Ele sente dificuldade em desenvolver projetos
temáticos que pressupõem intenso trabalho coletivo e implicam a
perda da predominância de tarefas e avaliações individualizadas
porque nosso currículo tradicional nunca o ensinou a trabalhar
coletivamente. (KLEIMAN; MORAES, 1999, p. 24)
Para a transposição do obstáculo relativo à capacitação do professor é,
então, “necessário que ao lado de uma formação teórica se estabeleça um treino
constante no trabalho interdisciplinar” (FAZENDA, 1991, p. 33), visto que segundo
esta pesquisadora, para a efetivação da interdisciplinaridade, a relação pedagógica
deve ser dialógica e voltada para a construção do conhecimento, e não para uma
simples transmissão cumulativa do saber de uma disciplina ou matéria.
Os obstáculos materiais dizem respeito àqueles gerados pelo aspecto
econômico-financeiro que resultam em falta de material adequado, de espaço e
tempo apropriado para atividades onde seja possível a aplicação prática da teoria
estudada. Também a má remuneração dos professores e o acúmulo de trabalho
vêm a ser degradantes, tirando-lhes o merecido valor e dignidade como
profissionais. Além disso, “a motivação para o trabalho, sem remuneração adequada
é, em geral, muito pouco duradoura” (FAZENDA, 1979, p. 57). E tudo isso,
certamente, já tem ocasionado sérios danos ao processo ensino/aprendizagem.
Quanto aos obstáculos metodológicos, o que se pode perceber é que estes
decorrem de todos os outros, pois, uma vez que a estrutura educacional se torne mais
flexível, democrática e participativa, que os valores culturais sejam revistos, que a
política pedagógica da formação docente adote a interdisciplinaridade como atitude e
haja remuneração digna do professor, material e espaço adequado para que se leve a
cabo o trabalho educacional, então as barreiras metodológicas não sobreviverão. E,
assim, haverá condições para “uma reformulação generalizada da estrutura de ensino
das diferentes disciplinas, num questionamento sobre a validade ou não das referidas
disciplinas em função do tipo de indivíduo que se pretende formar” (FAZENDA, 1979,
p. 55). Com isso, haveria possibilidade de atribuição de sentido, adequação dos
47
conteúdos e a contextualização destes, conforme as exigências do mundo atual e a
realidade vivida por cada local. Dessa forma, também seria possível aplicar, de fato,
as exigências da Lei n
o
9.394/96 para um efetivo processo educacional que
pressupõe trabalho e cidadania.
A partir do apresentado, conclui-se que não basta sugerir ou exigir
atitudes interdisciplinares, sem que haja um empenho dos órgãos educacionais em
remover as barreiras que continuam existindo, mesmo depois de sucessivas leis de
reforma educacional e dos últimos documentos curriculares.
3.2 INTERDISCIPLINARIDADE E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE
Um saber adquirido através de práticas pedagógicas fragmentadas e
reproduzidas pelas diferentes áreas disciplinares dificilmente estimula a criação. A
inexistência de canais de comunicação entre os saberes (disciplinas) impede a
contextualização e a interconexão desses saberes. Isso também pode gerar, como
temos visto:
As dificuldades e resistências ao trabalho em grupo, em equipe; as
práticas e experiências que ainda acontecem, muitas vezes, mais de
maneira individualizada, solitária, do que compartilhada, socializada,
solidária; a maneira como se qualificam alguns trabalhos,
trabalhadores e conhecimentos e se desqualificam outros; as
exigências quantitativas de produtividade que não propiciam um
tempo de experiência para projetos de pesquisa coletivos, entre
outros. (BAGNATO; MONTEIRO, 2006, p 251)
Portanto, é essa postura cristalizada de organização dos campos do
conhecimento de maneira isolada que constitui o grande impasse para uma
arrancada no sentido de unificar práticas, saberes, trabalhos e trabalhadores. Afinal,
é importante que todos atuem em conjunto, entendendo que o conhecimento da
humanidade não foi construído em blocos independentes e lineares, mas de forma
híbrida e espontânea, na medida em que as necessidades de relação do homem
com a natureza e com os seus semelhantes foram surgindo. Isso é o que justifica o
caráter polissêmico dos conhecimentos, conforme é possível constatar se
observamos a sua historicidade e a dialética das realidades sociais desde a
48
formação das primeiras sociedades. E, hoje, com a multiplicidade de avanços
tecnológicos e de relações que mundialmente se estabelecem entre as raças e
povos, essa dialética continua a evidenciar-se, “pois cada vez mais os conceitos e
as idéias migram de uma área para outra, dando mobilidade aos conhecimentos”
(BAGNATO; MONTEIRO, 2006, p. 255).
Assim, devido a esse caráter dialético da realidade social, é preciso que se
busque superar a fragmentação também no âmbito específico da formação para o
trabalho em saúde, encaminhando esse processo de preparação de forma a incluir
temas que atravessam transversalmente todo o trajeto de construção do conhecimento
para a formação profissional. Essa atitude curricular possibilita maior compreensão das
subjetividades do mundo real, em virtude da intersecção e movimentação pelos
diversos territórios disciplinares. Tudo isso é o que permite a formação de indivíduos
capazes de extrair novas e múltiplas interpretações da realidade.
O cenário da vida real é comprovadamente complexo e se encontra em
estado de constante movimentação entre os variados aspectos formadores desse
cenário na sua totalidade, portanto, a fragmentação dos conhecimentos,
determinada pelo isolamento entre as disciplinas, provoca o distanciamento entre a
teoria e a prática, entre o pensar e o fazer. Assim, surge a desconexão dos
conhecimentos, dificultando “uma visão mais abrangente na formação dos
profissionais, que se deparam com novas exigências da contemporaneidade”
(BAGNATO; MONTEIRO, 2006, p. 248). Nesse sentido, há mesmo que se repensar
as dimensões do ensino para a formação profissional, principalmente, na área da
saúde, aspecto da vida que não pode ficar à mercê das políticas sanitárias de
desigualdade e de exclusão social. Nisso se justificam e se fazem urgentes a
valorização e execução de um trabalho interdisciplinar também na formação dos
trabalhadores que atuarão nesta área; pois, a interdisciplinaridade é, sem dúvida,
um dos principais eixos de condução do trabalho como ação educativa, onde o
trabalhador continua aprendendo no dia-a-dia da sua prática, conforme melhor se
especifica no capítulo seguinte.
Além disso, é preciso atentar para as diferentes realidades socioculturais e
políticas, nas quais devem atuar os profissionais com formação em saúde, e que não
vêm a ser distintos de outros em outras áreas, no sentido de desenvolver saberes e
competências técnicas, mas também éticas, humanas, políticas e estéticas.
49
4. CURRÍCULO INTEGRADO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE
No capítulo anterior, a questão da interdisciplinaridade foi apresentada em
âmbito geral, pensada como solução para essa fragmentação curricular que
historicamente foi sendo construída em praticamente todos os campos do saber e
níveis ou modalidades da formação escolar. Neste ponto, além de seguir as
diretrizes da interdisciplinaridade, é necessário ressaltar a importância de se pensar
um tipo de currículo integrado para o curso de formação profissional de nível médio
em saúde da EPSJV,
8
que se pretende estender a outras instituições de caráter
similar.
É preciso não perder de vista que a construção de um currículo sempre
esteve determinada por um “campo ideológico de reprodução e, ao mesmo tempo,
de resistência, em que o entendimento sobre ‘o que ensinar’ está definitivamente
atrelado às relações de poder e à luta por um certo tipo de sociedade” (PEREIRA,
2004, p. 125). Isso significa dizer que as transformações sociais e históricas,
principalmente as ocorridas no mundo do trabalho, incidem diretamente na maneira
como um currículo escolar é organizado. Assim sendo, não é preciso ir muito longe
para constatar que os novos e atuais modelos de produção industrial e tecnológica
continuam insistindo em determinar os caminhos a serem percorridos pelos sistemas
educacionais vigentes, como tem ocorrido ao longo da história do capitalismo, na
relação empresários versus escola.
Esse modelo de currículo fragmentado que ainda hoje se perpetua, tendo
surgido com o advento da especialização e mencionado no capítulo anterior, ganhou
ainda mais força e vigência com o processo de urbanização, modernização e divisão
do trabalho (início do século passado), adquirindo um caráter quase que de parceria
com o capitalismo. Assim, o currículo e suas divisões conteudísticas eram o que
perfeitamente se encaixava com as necessidades do trabalho nas indústrias, que se
expandiam e cresciam mais e mais com a produção em série (modelo
taylorista/fordista),
9
criado nos Estados Unidos no final do século XIX e levado a
outras partes do mundo. Esse modelo de produção impunha a cada trabalhador o
8
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio integrante da Rede de Escolas Técnicas do SUS
e contexto desta pesquisa, que está melhor apresentado e descrito no capítulo 5 (cinco) desta tese.
9
Taylor e Ford representam o pioneirismo da produção em série que alimentou o capitalismo com o
êxito da produção industrial.
50
conhecimento de apenas uma das partes de um todo. O conhecimento global da
inter-relação entre as várias peças da engrenagem, a utilização da máquina em sua
totalidade, o lucro advindo desta utilização e comercialização pertencia ao patrão e a
seus colaboradores mais próximos. Nesse período, a divisão do conhecimento que
já se dava por meio de disciplinas isoladas, que não dialogavam com a totalidade do
conteúdo ministrado, fortalecida pela excessiva especialização de cada campo do
conhecimento, interessava ao processo de industrialização e expansão capitalista.
Essa falta de diálogo com a totalidade era o que se reproduziria no ambiente de
trabalho, onde cada trabalhador deveria ser capaz apenas de repetir
mecanicamente, na prática, um determinado conhecimento adquirido na teoria, sem
necessitar relacioná-lo com outro tipo de trabalho ou produção executada, ainda que
dentro da mesma fábrica ou indústria. Esse foi, por muito tempo, um meio cruel de
alienação dos trabalhadores, ainda presente, embora com outras caras e
denominações, em muitos setores da produção econômica. E, como forma de
continuar garantindo lucro por meio do trabalho alienado, a elite que detém o poder
perante à massa trabalhadora não perde tempo em procurar determinar a educação
dos filhos desta massa. Eles se colocam no papel de ditadores do regime escolar,
da forma de encaminhamento do currículo e escolha das disciplinas a serem
privilegiadas e da sua relação com as demais matérias. Tudo isso com vistas à
continuação de uma produção que alimente o consumismo e garanta sempre mais o
enriquecimento dos empresários. Por conta da percepção dessa relação, que é
histórica entre processo de modernização do capital e formação escolar, é que
Bernstein (1996) e Pereira (2004) alertam para esta já velha atuação de controle e
poder sobre o sistema educacional exercido desde sempre no percurso da história.
Durante o sistema feudal, valorizava-se a produção individual e artesanal
pela não existência das máquinas, mas com a chegada destas na Revolução
Industrial (século XIX), tornou-se possível a produção em série, onde o trabalhador
deveria dominar o conhecimento de uma das partes sem a noção de funcionamento
do todo. Recentemente, com a chegada da “Revolução tecnológica”, no final do
século XX e início do XXI, as empresas passaram a buscar outro perfil de
profissional: o polivalente, aquele capaz de desempenhar atividades variadas,
utilizar máquinas de tecnologia inteligente que necessitam de operadores com
múltiplos e atualizados conhecimentos. Por isso, a grande queixa dos empresários,
hoje, é a falta de pessoas que correspondam às exigências do mercado, que
51
dominem as novas tecnologias e garantam a competitividade da empresa num
mercado que exige rapidez, qualidade e funcionalidade. E, além do conhecimento
técnico, o profissional também precisa ter domínio de idiomas estrangeiros, uma vez
que o mercado hoje não é mais a cidade, o estado, a região, o país, mas o planeta
inteiro. E a Rede Internet é a grande alimentadora deste comércio globalizado, do
qual nenhuma empresa quer ficar de fora. Daí a exigência em relação à formação
dos profissionais e sua possibilidade de intercâmbio e comunicação com pessoas,
empresas e empresários do mundo inteiro. Assim, vemos como, outra vez, a ânsia
de controle e poder dos patrões está exercendo uma pressão sobre o sistema
educacional, no sentido, inclusive, de romper com a fragmentação do currículo, com
o intuito de formar profissionais que atendam a tais exigências do mercado e do
capital. Todo esse progresso tecnológico, e a corrida das empresas e da economia
em geral para acompan-lo, fez com que milhares de trabalhadores, em todo o
mundo, fossem descartados. A alienação cultivada pela execução sempre dos
mesmos procedimentos, sem inovações, sem incentivo da criatividade e adaptação
a novas situações de demandas, transformou estes trabalhadores em seres
inoperantes no atual mercado da tecnologia. Despreparados e sem condições de
reciclagem, muitos se lançaram na “economia informal” que nada mais é que um
termo sofisticado para mascarar o problema de desemprego e subempregos que
afeta quase todos os países.
Por tudo isso, teóricos da educação profissional concordam que a
desfragmentação dos conteúdos é necessária sim, mas não apenas como meta para
formação de profissionais preparados para fazer crescer fábricas e empresas. O
perigo é que esses profissionais acabem se enquadrando dentro de algum outro tipo
de alienação, provocada pelas novas tecnologias e suas manhas, para logo serem
descartados e desconsiderados como trabalhadores e seres humanos, incapazes de
prover sua própria sobrevivência e a de sua família com dignidade. O
desaparecimento das barreiras entre os conteúdos, tanto no campo da educação
técnica profissional como na formação básica e na universitária, só será válido se,
além de capacitar profissionais de maneira integral, também puder formar indivíduos
providos de julgamento crítico, seja no trabalho ou na vida pessoal e, para isso, não
basta a polivalência. Caso contrário, estaremos servindo a um pragmatismo que
considera “apenas critérios de utilidade e rentabilidade de curto alcance”
(SANTOMÉ, 1998, p. 106), além de contribuir para o atraso, abrindo possibilidades
52
de permanecer vulneráveis ao jugo do capitalismo e da ganância empresarial.
Portanto, mais que polivalente, é preciso ter uma formação integral, com capacidade
de reflexão sobre a própria prática.
Contra esse tipo de interesses dos empresários em relação à escola e à
formatação do seu sistema disciplinar, há quem proteste, não concordando que eles
passem “a exigir das universidades, por exemplo, uma vinculação direta com a
esfera da produção e consumo de mercadorias, quase como se fossem extensões
das fábricas, das empresas e do comércio” (PEREIRA, 2004, p. 128).
Na área da saúde, que muito interessa ao contexto desta pesquisa,
surgiram vários projetos no início da década de 80 do século XX no Brasil. Eram
projetos que visavam reparar a defasagem criada pela modernização da tecnologia
e pela falta de coordenação entre a teoria e a prática, na organização de cursos que
habilitavam para o serviço em saúde a nível fundamental e médio. Um dos projetos,
denominado Formação de Larga Escala, visava atualizar e até promover
profissionalmente esses trabalhadores. Com o aval do Ministério da Saúde, dito
projeto se desenvolveu tanto nos ambientes de trabalho quanto em instituições
educacionais. Sua principal atuação era no sentido de qualificar e habilitar
trabalhadores de níveis médio e elementar que já trabalhavam na saúde. O Larga
Escala, como também era chamado, apresentou propostas de promoção e melhoria
da formação profissional dos trabalhadores da saúde, mas essas ações de melhoria
só se concretizariam por meio da implantação de centros formadores em cada
estado, com o objetivo de fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), preparando
pessoas para atuarem nesse sistema de saúde que se destinava a atender a toda a
população brasileira sem restrições. Executando, então, as funções administrativa e
pedagógica, estes centros formadores tornaram-se realidade na forma de ET-SUS
(Escolas Técnicas do SUS). Com um currículo estruturado a base de uma formação
profissionalizante de nível médio em saúde, cuja prática profissional vem se
desenvolvendo na rede de serviços básicos de saúde, os cursos das ET-SUS
integram hoje ações das Secretarias de Educação e de Saúde. A EPSJV, vem a ser
a sede dessas escolas, porém com um perfil diferenciado por conta de um
organização mais complexa e abrangente, visto que procura desenvolver vários
outros projetos dentro das atividades de ensino e pesquisa na formação em saúde.
No próximo capítulo, estas especificidades da instituição estarão sendo melhor
apresentadas.
53
A universalização dos direitos da população à saúde vem sendo desde a
instituição dessas escolas técnicas, o grande objetivo no âmbito da construção da
cidadania, que hoje com o espaço adquirido na última LDB (artigos 39 a 41),
específicos para o ensino técnico profissional de nível médio, ganharam suporte
legal e maior fortalecimento como instituições de ensino que devem construir
conhecimento atrelado à prática e com a intersecção da capacidade crítica e criativa
que se busca desenvolver nos jovens e adultos que passam por essa formação.
Diante dos ideais que resultaram no surgimento das ET-SUS, esses centros
formadores de técnicos da saúde não poderiam fugir, como definitivamente não o
fazem, desse já unânime apelo para integrar conhecimentos e evitar a fragmentação
destes. Por isso, com freqüência e insistência se vem discutindo e ponderando em
colegiados de curso, seminários e encontros pedagógicos diversos, a criação de
caminhos para uma integração entre as disciplinas e seus saberes, tendo,
principalmente, os pesquisadores da EPSJV como mentores desse projeto
integrador.
4.1 O CURRÍCULO INTEGRADO NA EPSJV
Sem perder de vista as questões políticas e históricas que envolvem as
práticas curriculares “marcadas tanto pela historicidade da construção do próprio
conhecimento, como pelo pensamento hegemônico no mundo do trabalho”
(PEREIRA, 2004, p. 129), entendemos que “a integração exige que a relação entre
conhecimentos gerais e específicos seja construída continuamente ao longo da
formação” (RAMOS, 2005, p. 122). Conformes com tais ponderações, docentes e
pesquisadores da EPSJV estão buscando, através de sugestões, idéias e
experiências, organizar e praticar um currículo que possa garantir uma formação
mais abrangente e integral. Trata-se de um currículo onde os conceitos das variadas
disciplinas da parte geral e técnica sejam aproveitados, considerados uns pelos
outros podendo, assim, construir o conhecimento como um todo. Observamos,
porém, que toda essa discussão sobre a implantação do pretendido currículo
integrado ainda requer um tempo de estruturação até que se chegue a uma forma
satisfatória. Além disso, a historicidade da determinação curricular ao longo dos
54
tempos já tem demonstrado que dificilmente se chegará a uma forma definitiva e
acabada. Assim como a humanidade, que nunca acaba de se construir,
encontrando-se em eterno estado de aperfeiçoamento e de descobertas, o currículo,
por se tratar de algo que necessariamente deve acompanhar os passos da
evolução, do pensamento e dos projetos do homem civilizado, também necessitará
estar em constante processo de reformulação.
O tipo de integração que se pretende promover dentro das escolas
técnicas de saúde vem a ser bem mais que um projeto de interdisciplinaridade, visto
que objetiva relacionar conceitos e procedimentos da parte geral do currículo, que
corresponde às disciplinas do ensino médio, com a parte técnica profissional e suas
habilitações específicas da área de saúde.
10
Porém, sabe-se que os debates e
colocações ainda suscitarão muitos impasses que vão certamente tocar nos brios da
formação especializada de cada área e disciplina, como já previa FAZENDA (1979).
Como já se percebeu que este é um desafio que está colocado e o seu desfecho
poderá se traduzir em uma decisiva estratégia para articular trabalho, educação e
saúde nas ET-SUS, resultando em melhoria para toda uma coletividade, pretendo
que esta pesquisa possa contribuir positivamente neste processo; seja aportando
idéias, caminhos e sugestões metodológicas, ou bem acompanhando a sua
trajetória, colhendo e divulgando resultados para a comprovação da sua eficácia.
4.2 A FORMAÇÃO POLITÉCNICA E OMNILATERAL NA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL EM SAÚDE
Com respeito à formação politécnica, que inspirou a denominação da
escola da FIOCRUZ, no período de sua fundação na década de 1980, podemos
esclarecer que se trata de um conceito inicialmente lançado por Karl Marx,
11
em
meados do século XIX, o qual vem sendo trabalhado, estendido e aperfeiçoado no
campo da educação (especialmente o da educação profissional de nível médio) por
pesquisadores, professores, cientistas políticos e outros interessados, que almejam
10
Caso dos cursos de Laboratório de Biodiagnóstico, Gestão em Saúde, Vigilância do Meio Ambiente
e Registro em Saúde.
11
Pensador alemão, defensor do socialismo no mundo, que utilizou a denominação “formação
politécnica” relacionada ao trabalho.
55
uma sociedade igualitária com oportunidades de trabalho e educação para todos. É
certo que Marx não pensou a formação politécnica para fins pedagógicos; sua
preocupação, em princípio, estava centrada na relação humana com o trabalho, com
a produção, o mercado e a distribuição do capital; sua teoria buscava conscientizar
os trabalhadores de modo que a sua força de trabalho fosse produtiva também para
eles, inclusive no aspecto intelectual, que pudessem aprender e compreender
sempre mais com a própria experiência e o processo laboral, que o trabalho não os
transformasse numa massa sem cérebro e sem capacidade de reflexão sobre a sua
prática diária. Para Marx, o trabalho não poderia ser escravo e alienador.
Pode-se dizer, então, que Marx, seguido e perpetuado por Gramsci
12
e
por outros socialistas até os dias de hoje, pensava o trabalho como princípio
educativo, uma vez que objetivava conscientizar os trabalhadores a usar o trabalho
como meio de transformação social, promovendo a melhoria da sociedade como um
todo, e não apenas para o enriquecimento de patrões e demais representantes das
classes burguesas. Atualmente, esses princípios foram trazidos para o âmbito da
educação, com o mesmo propósito de promover melhorias na sociedade e na vida
de cada um, por meio de uma formação que incentive a criatividade e a iniciativa
diante das problemáticas do cotidiano. Portanto, é possível constatar que
os autores que se dedicam à temática são unânimes em apontar que
todas essas contribuições à discussão educacional são provenientes
dos aportes estabelecidos por Karl Marx (18181883), embora o
filósofo alemão jamais tenha escrito um texto sistemático dedicado
especificamente à área da educação. Fato esse que não o impediu
de produzir o embrião de uma sociologia e uma filosofia da educação
que produzem frutos até hoje. (RODRIGUES, 1998, p. 32)
Esses aspectos ficam claros quando tomamos Manacorda (1990) e suas
análises a respeito da filosofia gramsciana colocada em Os Cadernos do Cárcere
(1930-1932: 4-XII) e que representam essa adaptação das teorias de Marx a
questões de educação. O educador italiano exalta o interesse de Gramsci pela
construção de uma escola unitária onde trabalho intelectual e manual se
complementam. Ele destacou ainda que, segundo Gramsci, o que importava era que
o objetivo é a formação dos valores fundamentais do humanismo, isto
é, a autodisciplina intelectual e a autonomia moral necessárias tanto
para os estudos posteriores como para a profissão; que a instrução
12
Antonio Gramsci pensador, filósofo e escritor italiano.
56
das novas gerações e das gerações adultas se apresentam sempre
para ele como uma série contínua; que para ele nenhuma profissão
está privada de conteúdos e exigências intelectuais e culturais, e ainda
que a vida moderna implica num novo entrelaçamento entre ciências e
trabalho. (MANACORDA, 1990, p. 163)
Essas reflexões de Gramsci, que começaram a ser feitas no início do
século passado, continuam servindo de base para buscar soluções a problemas que
permanecem quase cem anos depois. Partindo destes princípios e considerando a
nossa realidade de início de século XXI, em um país periférico, somos levados a
concordar que a colocação de profissionais integralmente formados no mercado,
com possibilidades de refletir sobre o processo de trabalho no qual estão inseridos,
depende da luta por uma educação pública, obrigatória e única. É preciso que as
crianças e jovens das classes baixas da sociedade tenham acesso ao mesmo
ensino de qualidade destinado, em princípio, aos filhos da burguesia preparados
para continuar a gerir o lucro e o capital. Essa dualidade estrutural tem percorrido a
história da educação, onde há e sempre houve uma organização curricular para os
dirigentes (filhos da classe alta) e outra para os subalternos (filhos da classe baixa).
E, especificamente, no caso da escola brasileira, Frigotto e Ramos (2005) constatam
tratar-se de uma escola que reflete a desigualdade social e nega a cidadania a um
percentual muito alto de jovens no país. Essa lamentável estatística é o resultado de
uma educação dualista, que reserva o ensino aligeirado e profissionalizante aos
filhos das classes trabalhadoras, enquanto que a formação para o trabalho
intelectual só dá acesso aos descendentes das elites econômicas. Diante de tais
constatações, não podemos esperar mais para começar a combinar técnica com
ciência, para que todo indivíduo seja capaz de executar o seu trabalho com reflexão
e domínio dos fundamentos que determinam e organizam tal execução. Nisso se
traduz a pretendida educação politécnica e o projeto de currículo integrado da
EPSJV; pois, já está claro que esse é o caminho para uma formação que possibilita
uma compreensão global, integral do processo produtivo, e não apenas de parte da
engrenagem, conforme foi sendo feito a partir da Revolução Industrial e do
surgimento da produção em série (final do século XIX), que tanto fortaleceu e
continua alimentando a manutenção do sistema capitalista.
A formação multilateral, integral, almejada para suplantar a dualidade
estrutural, também foi denominada omnilateral, por oferecer a possibilidade de
desenvolver no indivíduo tanto as destrezas técnicas e artísticas quanto as
57
científicas. Assim, ao executar manualmente a sua tarefa laboral, o indivíduo, com
dita formação, também será capaz de atribuir a sua produção o sentido intelectual,
eliminando, com isso, a diferença de valor, importância e status entre o trabalho
manual e o intelectual, principalmente na sociedade brasileira, devido a sua
historicidade sociocultural. Sobre omnilateralidade, esclarece Ciavatta quando
explicita a idéia de formação integrada:
Se o conceito de formação integrada apresenta-se através de uma
variedade de termos que pretendem expressar a integração, a idéia
tem uma historicidade que pode ser apreendida sem grandes
esforços. Sua origem remota está na educação socialista que
pretendia ser omnilateral no sentido de formar o ser humano na sua
integralidade física, mental, cultural, política, científico-tecnológica.
Foi aí que se originou o grande sonho de uma formação completa
para todos conforme queriam os utopistas do Renascimento,
Comenius com seu grande sonho de regeneração social e,
principalmente, os socialistas utópicos da primeira metade do século
XIX. (CIAVATTA, 2005, p. 86)
Dessa forma, privilegiando e colocando em prática esses conceitos de
educação e pedagogia, a escola cumpriria de fato o papel de preparar o indivíduo
para atuar e compreender a sua atuação na sociedade. Assim, cada um poderia
realmente ocupar o seu lugar de cidadão com deveres e obrigações sociais, porém,
com os direitos e benefícios que lhe possibilite transformar a sua realidade, ao
mesmo tempo em que participa da construção de uma sociedade justa e
verdadeiramente globalizada.
Foi com essas inquietações sobre a formação humana que pesquisadores
brasileiros como Dermeval Saviani, Gaudencio Frigotto e Lucília Machado, a partir
de uma leitura mais pormenorizada de Marx e de Antonio Gramsci, trouxeram na
década de 1980, ao cenário da educação brasileira, especialmente o da educação
profissional, os fundamentos da formação politécnica. A tradução de obras de
Manacorda (1990, 1991) sobre o pensamento de Marx e Gramsci também contribuiu
muito para a introdução das ideologias marxistas nas teorias educacionais
brasileiras, sobretudo no que se refere à educação profissional. A partir de então,
outros educadores e pesquisadores acolheram essas concepções como ideologia de
atuação pedagógica, de modo particular na EPSJV, cuja premissa de criação e
sustentação institucional é:
58
Pensar um projeto de educação articulado com um projeto de
sociedade não excludente, pensar um ensino de segundo grau que
se desvie da dualidade [educação propedêutica X formação
profissional], pensar uma educação que tenha o ser humano como
centro e não o mercado [de trabalho]. (MALHÃO apud RODRIGUES,
2006, p. 115)
Nesses parâmetros se baseia o projeto político-pedagógico da EPSJV,
tendo André Malhão como atual diretor e essas convicções como meta. Por isso, é
tão importante que se efetive esse modelo de currículo integrado para acabar de vez
com a divisão que ainda existe entre conhecimento geral e específico da área
técnica em saúde, e entre a teoria e a prática.
Segundo Saviani (2003a), a mais recente LDB, apesar do seu empenho
como teórico, não inclui a politecnia como um dos princípios educacionais. Essa
perspectiva de educação não representa mais que alusões vagas e pouco
convincentes no texto da nova lei. Porém, Dermeval Saviani, Gaudêncio Frigotto,
Acácia Kuenzer, José Rodrigues, entre outros continuam teorizando a respeito
desse aspecto da formação educacional que está diretamente relacionado com a
realidade brasileira, onde a divisão de classes sociais é injusta e completamente
desproporcional ao potencial de produtividade de que é capaz o povo brasileiro e
que efetivamente desenvolve. Porém, com vantagens e benefícios revertidos à
classe dominante que se mantém, com isso, cada vez mais distante e privilegiada
em relação à grande maioria de pobres e miseráveis que compõem a massa da
população.
Em se tratando de educação profissional de nível médio, que visa a
implantação e manutenção do Currículo Integrado, o aporte da politecnia torna-se
fundamental, necessário à formação crítica e humanística, e que se pretende,
especialmente na educação técnica de nível médio em saúde, agregar
definitivamente aos cursos ministrados em todas as ET-SUS. O conceito de
politecnia aplica-se perfeitamente à educação profissional em saúde, pelo seu
caráter de indicação para um processo de formação para o trabalho que apresente o
aspecto manual e o intelectual como uma unidade indissolúvel e não apartados.
Ambos os aspectos estão na gênese do trabalho humano, que surgiu a partir destas
duas perspectivas, tendo sido impulsionadas pelas necessidades humanas de
sobrevivência na natureza e por sua capacidade de pensar e refletir para poder
conseguir e produzir alimentos, além de outros mecanismos de proteção e
59
preservação da espécie humana relação ontológica
13
do ser humano com o
trabalho. Essas perspectivas acabam por se separarem na trajetória da formação
social e cultural das sociedades e nações, sobretudo as capitalistas, pelas questões
relativas à atribuição de valores sociais e econômicos a uma e a outra atividade: a
manual, destinada aos mais pobres; a intelectual, própria da classe dominante.
Assim, a manual pressupõe menos preparação intelectual e, logo, muito menor
remuneração, enquanto a intelectual, que não pressupõe, necessariamente,
descapacitação manual, é sempre muito melhor valorizada em termos de
remuneração econômica, além de impelir muito mais status social. Portanto, em
contraposição a toda essa historicidade característica do processo de valorização e
de desvalorização do trabalho humano, desde uma perspectiva marxista e, em certo
sentido, utópica, o projeto político-pedagógico da EPSJV está elaborado e pensado
de modo que essa atribuição de valores, essa separação entre tecnologia e ciência
se desconstrua em favor da igualdade social.
Concordando e atuando em favor da reformulação do currículo da
formação técnica profissional de nível médio em saúde, estão Pereira e Ramos,
quando afirmam que
a idéia de politecnia implica uma formação que, a partir do próprio
trabalho social, desenvolva a compreensão das bases de
organização do trabalho de nossa sociedade. Trata-se da
possibilidade de formar profissionais em um processo onde se
aprende praticando, mas, ao praticar, são compreendidos os
princípios científicos que estão direta e indiretamente na base desta
forma de organizar o trabalho na sociedade. (PEREIRA; RAMOS,
2006, p. 21-22)
A educação politécnica objetiva superar um sistema marcado pela divisão
do trabalho e das classes. E, embora essas idéias tenham sido lançadas por Marx,
ainda no século XIX, quando pensava o trabalho como princípio educativo, hoje,
quase um século e meio mais tarde, ditas idéias continuam tão atuais quanto no
período do seu surgimento. A permanência do problema da injusta distribuição de
renda em muitas sociedades, inclusive a brasileira, é o que determina a vigência
dessas idéias até os dias atuais.
A politecnia vem a ser, então, um argumento fortalecedor da integração
entre a educação básica e a educação técnica, estratégia indispensável à efetivação
13
Relação de criatividade onde o homem, através do seu trabalho, transforma a natureza para viver
melhor; diferente do animal que apenas procura se adaptar.
60
do currículo integrado que, apoiado pelos princípios da interdisciplinaridade, vem
constituir o novo modelo curricular pretendido para as escolas técnicas profissionais
de nível médio em saúde. Vale, entretanto, lembrar que esse tipo de formação e
organização curricular, pleiteada hoje para as ET-SUS, não pode ser confundida
com a concepção de 2º grau profissionalizante, defendida e implantada na Lei n
o
5.692/71, onde a formação profissional era
entendida como um adestramento a uma determinada habilidade
sem o conhecimento dos fundamentos dessa habilidade e menos
ainda, da articulação dessa habilidade com o conjunto do processo
produtivo. (SAVIANI, 2003a, p. 40)
Analisando essa comparação de Saviani e colocando-se numa posição de
defesa do ensino médio integrado, teóricos e pesquisadores da educação
profissional continuam explicitando que
o ideário da politecnia buscava romper com a dicotomia entre
educação básica e técnica, resgatando o princípio da formação
humana em sua totalidade; em termos epistemológicos e
pedagógicos, esse ideário defendia um ensino que integrasse ciência
e cultura, humanismo e tecnologia, visando ao desenvolvimento de
todas as potencialidades humanas. Por essa perspectiva, o objetivo
profissionalizante não teria fim em si mesmo nem se pautaria pelos
interesses do mercado, mas constituir-se-ia numa possibilidade a
mais para os estudantes na construção de seus projetos de vida,
socialmente determinados, possibilitados por uma formação ampla e
integral. (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 35-36)
A posição contrária da EPSJV, de seus pesquisadores e professores da
educação técnica profissional é clara e atuante no sentido de transformar as antigas
relações entre trabalho e educação, que haviam sido firmadas e fortalecidas pelo
modelo hegemônico de ensino profissionalizante de nível médio, implantado em
1971 pela Lei n
o
5.692. Para tanto, no afã de estruturar-se a partir de um modelo de
ensino verdadeiramente politécnico, justificando, assim, o nome dado à escola na
década de 1980 e a ideologia que deu origem a sua fundação, não se tem medido
esforços para fazer acontecer esta educação pública profissional em saúde, onde a
politecnia seja uma de suas diretrizes. Embora ainda não seja uma perspectiva legal
e amplamente considerada, acredita-se que os primeiros passos nessa luta já
tomam forma na EPSJV, por meio dos vários projetos integradores do conhecimento
técnico e científico, onde tanto profissionais como estudantes já atuam com a
61
convicção de ser esse o viés que conduzirá a um modo de ensinar e aprender
socialmente mais justo.
Concretamente, o que tem sido feito e seguido na EPSJV para a
implantação de uma educação politécnica pode ser constatado na seguinte
exposição:
De inspiração predominantemente baseada em autores como Marx e
Gramsci, e de educadores atuais como Gaudêncio Frigotto e
Dermeval Saviani, a EPSJV, da Fiocruz, é exemplo de se tomar a
história a contrapelo. Trazendo para o cenário atual onde se
engendra a relação trabalho, educação e saúde, a EPSJV busca
incessantemente e constrói sua concepção de politecnia. Nesta
busca, possui como eixo central o trabalho como princípio
educativo, articulado com a pesquisa como princípio educativo, e a
elegia da arte e do pensamento filosófico como inerentes à
integração dos conhecimentos científicos, e destes com a vida
cotidiana. Em seu projeto político-pedagógico, a EPSJV reafirma o
seu compromisso maior: a educação profissional em saúde, em nível
técnico e de formação inicial e continuada, voltada para uma
formação ética, política e técnica. (PEREIRA; RAMOS, 2006, p. 5)
Diante dessa ideologia pedagógica e, confrontando os conceitos de
ensino-aprendizagem que se pretende estruturar, norteados ainda pelo princípio da
Interdisciplinaridade, do Currículo Integrado e da Politecnia, é possível estabelecer
uma relação de indissociabilidade entre estes três aspectos da formação curricular,
especialmente, em se tratando de educação profissional. Estes três eixos acabam
por coincidirem em muitos pontos, posto que visam unanimemente à integralidade
da formação de jovens que se preparam para assumir um papel na sociedade de
forma plena. Os três conceitos se complementam e convergem, pois todos giram em
torno do mesmo propósito de oposição a todo tipo de educação alienante,
conservadora, hegemônica e acrítica.
Certos de que a alienação vivida na formação educacional e profissional
também se reflete na formação da pessoa, do indivíduo, enquanto sujeito de uma
sociedade capitalisticamente organizada, teóricos, professores, pesquisadores com
experiência em educação geral e em educação profissional defendem, como já foi
apresentado até este ponto da pesquisa, que se faz urgente e necessário o
empreendimento de esforços para garantir a efetiva estruturação e aplicação dos
fundamentos da interdisciplinaridade, do currículo integrado e da politecnia aos
nossos programas escolares. Para tal, é preciso considerar o nível, a realidade e as
necessidades de cada clientela, para que haja uma real integração entre teoria e
62
prática, entre ciência e tecnologia, de maneira a garantir a formação integral dos
profissionais que decidirão os rumos do mercado de trabalho, da organização de
classes e o uso do capital na transformação da realidade individual e coletiva.
Sobre essa questão da relação entre a formação profissional adquirida no
espaço e tempo da escola e sua direta implicação com a vida pessoal e atuação de
cada indivíduo na sociedade, Bagnato e Monteiro endossam que
o processo de formação profissional, entendido como um conjunto de
experiências, práticas, vivências e conhecimentos aprendidos e
compartilhados em um campo específico e em outros espaços, está
indissociavelmente nos constituindo também enquanto pessoas,
delineando identidades e subjetividades, mais submissas ou
resistentes ao modelo e às conseqüências da atual organização
capitalista. (BAGNATO; MONTEIRO, 2006, p. 250)
Considerando todos esses projetos de transformação curricular, que
obrigam a repensar o papel da escola, a atuação de educadores e de educandos no
processo de formação para a vida em todos os aspectos (profissional, intelectual,
pessoal e de inserção e relação com o outro no espaço das sociedades atuais), o
ensino-aprendizagem de E/LE não pode e não deve se constituir fora deste contexto
de inquietações, empenhos e busca por construir novos horizontes no âmbito
educacional. Logo, os conteúdos dessa parte dos programas escolares também
precisam ser conduzidos de modo a considerar o atual contexto do mundo do
trabalho, estabelecendo relações com as diferentes áreas do conhecimento, que
compõem o currículo como um todo. Assim, é necessário que estejamos sempre
atentos às mudanças culturais, políticas, econômicas e de linguagens que são cada
vez mais rotativas e surpreendentes, exigindo de todos uma visão mais global e
ampliada em direção aos acontecimentos mundiais. Com este cenário de desafios,
torna-se imprescindível, para a sobrevivência humana, desenvolver dinamismo e
capacidade crítica diante da imprevisibilidade que embala o mundo moderno,
inventando e reinventando a cada dia a capacidade de percepção das múltiplas
possibilidades de interpretação e compreensão das ciências, da sociedade, dos
seres humanos e suas complexidades.
63
4.3 POLITECNIA E ENSINO/APRENDIZAGEM DE E/LE
O conteúdo de língua estrangeira, com seu caráter abrangente, possibilita
o estudo, a abordagem, a pesquisa e a colocação em pauta de qualquer tema ou
questão que, em teoria, muitas vezes, pertenceria às outras áreas do conhecimento,
mas que, entretanto, pode perfeitamente encontrar sentido e participação no
processo de aprendizagem de língua estrangeira. Dito processo pode também ser a
representação de um verdadeiro espaço de integração curricular, de
interdisciplinaridade e, de certa maneira, de politecnia; pois, assuntos tratados em
língua estrangeira podem versar sobre conceitos, fundamentos, processos
científicos, relações humanas e questões que se aplicam às práticas trabalhistas e
sua implicação com a produção e desenvolvimento social. Discutir, mostrar, opinar,
expor coletivamente questões que envolvem a vida em sociedade estimula e
aprimora o senso crítico e a compreensão da máquina social, tanto nas partes como
na sua totalidade de funcionamento e sentido geral. Tudo isso pode ser considerado
politecnia com bases interdisciplinares que contribuem na prática para o currículo
integrado, onde os fundamentos do conhecimento geral apóiam e fundamentam
também o conhecimento técnico, e vice-versa.
Assim, um professor de língua estrangeira pode se considerar e se
preparar para ser mediador, orientador e provocador da aprendizagem em todas as
áreas do conhecimento, com grandes possibilidades para despertar curiosidade e
interesse pela pesquisa aprofundada de determinados assuntos trazidos à
interpretação e debate no contexto de sala de aula de língua estrangeira (LE),
conforme o interesse de cada um. Sem pretender, é claro, esgotar todas as
possibilidades de estudo de conteúdos e temas abordados nas diferentes disciplinas,
é possível conduzir a apreensão do conteúdo dessa disciplina em constante
consonância com as outras, garantindo a integração por meio dessa transversalidade
que o ensino de um idioma oferece, possibilita. Com esse propósito de condução de
trabalho integrado, o ensino da língua estrangeira (espanhol) na EPSJV já vem sendo
desenvolvido desde 2004. Os resultados parciais e finais de um primeiro projeto e os
parciais de um segundo já foram analisados e estão expostos no capítulo seguinte
(metodologia), como constatação de que esse tipo de integração traz resultados
satisfatórios e comprováveis a curto prazo, além de um aproveitamento que se reflete
por toda a vida do profissional e de cada indivíduo na sua formação pessoal.
64
4.4 O DIÁLOGO: CURRÍCULO INTEGRADO, INTERDISCIPLINARIDADE E LA
CONTEMPORÂNEA
Estabelecendo um paralelo entre todas essas posições teóricas, opiniões
e indicações para uma sociedade melhor e mais justa, percebo o quanto essa LA
contemporânea, híbrida, mestiça, transgressiva se aproxima da proposta da EPSJV
de implantação de um currículo integrado, interdisciplinar e politécnico; um currículo
que almeja uma real mudança e transformação do modelo tradicional e fragmentado
ainda em vigor. Segundo esse novo projeto de currículo, teoria e prática se misturam
e se completam, em favor de uma formação integral e humanisticamente pensada,
tanto para a melhoria de vida dos nossos estudantes, que garantiriam seu sustento e
subsistência, por meio de uma atuação profissional competentemente adquirida,
bem como para a melhora das condições de atendimento da população que
depende dos serviços de saúde pública no país.
Comparando os teóricos da educação profissional em saúde e os da LA
contemporânea, encontro muitas coincidências, com objetivos que se traduzem uns
pelos outros, numa comprovação de que, apesar de se tratarem, em princípio, de
áreas diferentes, lutam pelos mesmos resultados no tocante à união de teoria e
prática. Ambos os lados visam uma melhoria geral da humanidade e das condições
de vida, onde as teorias não permaneçam estagnadas em manuais filosóficos da
educação e da saúde e estejam, de fato, baseadas nas práticas e problemáticas
realmente enfrentadas por nossos aprendizes e a realidade que rodeia cada
contexto no qual se inserem. As teorias e projetos de integração cultural, conceitual
e interdisciplinares da LA e da educação profissional têm a mesma intenção de
promover o senso crítico, visando mudanças para melhor, no sentido de reorganizar
a sociedade e amenizar a iniqüidade que tem imperado. Essa aproximação
ideológica é possível de ser comprovada, quando analisamos as declarações de
pesquisadores de educação profissional e currículo integrado, ao afirmarem, por
exemplo, que é
uma obrigação ética e política garantir que o ensino médio se
desenvolva sobre uma base unitária para todos. Portanto, o ensino
médio integrado ao ensino técnico, sob uma base unitária de
formação geral, é uma condição necessária para se fazer a
“travessia” para uma nova realidade. (FRIGOTTO; CIAVATTA;
RAMOS, 2005, p. 43)
65
A base unitária a que se referem diz respeito ao oferecimento de um
ensino que articule teoria e prática, correspondendo a um tipo de educação que
promova a transformação estrutural da realidade, onde as oportunidades sejam
iguais para todos, independente da classe social a que pertençam. No mesmo
sentido trabalha a LA, visto que igualmente se preocupa com as iniqüidades sociais,
buscando formas de também atravessar para uma nova e melhor realidade, a partir
de um ensino de línguas crítico e integrado ao contexto sociocultural e histórico em
que vivemos todos. A confirmação destes propósitos é obtida nas palavras de
Pennycook:
Como lingüistas aplicados, precisamos não só nos percebermos
como intelectuais situados em lugares sociais, culturais e históricos
bem específicos, mas também precisamos compreender que o
conhecimento que produzimos é sempre vinculado a interesses. Se
estamos preocupados com as óbvias e múltiplas iniqüidades da
sociedade e com o mundo em que vivemos, então creio que é hora
de começarmos a assumir projetos políticos e morais para mudar
estas circunstâncias. (PENNYCOOK, 1998, p. 46)
Evidenciado está, portanto, que a LA contemporânea, com seus ideais de
transformação política e ética, assim como o projeto de currículo integrado da
EPSJV, que pretende unir teoria e prática na estruturação de uma escola unitária e
politécnica para todos, dialogam entre si e com as necessidades do mundo
contemporâneo. Todos convergem que as pesquisas precisam ser pensadas a partir
daquele sujeito que de fato vive as práticas e problemáticas sociais, considerando as
diferenças e diversidades culturais.
Assim, interdisciplinaridade e/ou transdiciplinaridade, transgressividade,
INdisciplina, integração, politecnia, omnilateralidade são bandeiras que aqui agitam
na mesma direção, orientadas pelos mesmos ventos os da necessidade de
pensar uma formação humana integral e digna, onde as diferenças, a mestiçagem e
o caráter híbrido do sujeito e das sociedades sejam vistos como pontos a favor do
crescimento social como um todo e para o bem de todos, e não como motivos de
degradação, preconceito, exclusão.
Todo esse empenho e energia pensante caracterizam uma compreensão
que se generaliza entre os pesquisadores das duas áreas, representando uma
conscientização “de que uma única disciplina ou área de investigação não pode dar
conta de um mundo fluido e globalizado para alguns, localizado para outros, e
66
contingente, complexo e contraditório para todos” (MOITA LOPES, 2006, p. 99).
Para dar conta de toda essa contradição e complexidade, o modo de fazer pesquisa
precisa ser “transdiciplinar”, na concepção de Chouliaraki & Fairclough (1999), ou
“interdisciplinar”, para Moita Lopes (1998), pois o diálogo entre as áreas ajuda a
desfazer as limitações de cada área, com possibilidades de expansão conceitual e
discursiva de cada uma delas, com ganhos teórico-metodológicos de todos os lados.
Isso vem justificar a participação das teorias defendidas pela LA, sobretudo a LA
crítica, e dos conceitos que embasam o projeto de implantação do currículo
integrado em um curso de educação profissional em saúde, para orientar a
pretendida contribuição do ensino/aprendizagem de E/LE neste processo de
implantação curricular. O resultado concreto dessa interação teórica e metodológica
está anexado ao final da tese, em forma de unidade didática pensada para cumprir
com a contribuição proposta no surgimento da pesquisa.
67
5. ASPECTOS METODOLÓGICOS
Esta pesquisa, que é de cunho qualitativo e se apóia em conceitos de
uma LA crítica e da interdisciplinaridade, se propõe a encontrar caminhos que
possibilitem e justifiquem a contribuição do ensino/aprendizagem de E/LE ao projeto
de implantação de um currículo integrado, na educação profissional em saúde de
nível médio. Sem perder de vista esse intuito de contribuição e os objetivos
propostos inicialmente, a pesquisa resulta na organização de uma unidade didática
destinada à aprendizagem de E/LE, com alunos da segunda fase da educação
básica (sujeitos da pesquisa), numa escola de formação técnica de nível médio em
saúde (contexto da pesquisa).
A referida unidade didática se constitui em um instrumento que busca ser
coerente com as mais atualizadas teorias de ensino/aprendizagem de língua
estrangeira, buscando também levar em conta a necessidade de uma estrutura
curricular interdisciplinar e integrada, não deixando de observar os indicativos da
última lei de educação, n
o
9.394/96 e do Decreto n
o
5.154/04, que regulamenta a
educação profissional articulada com a formação básica. Também são considerados
os Parâmetros e as Orientações curriculares nacionais, referentes ao espanhol
como disciplina do ensino médio. Essa unidade está sendo apresentada, descrita e
analisada no último capítulo e anexada ao final da tese.
Para melhor compreender os motivos que orientaram a pesquisa que
resultou na confecção da sugerida unidade didática, é importante estar a par do tipo
de sujeitos que, indiretamente, foram utilizados e o cenário onde surgiram os
questionamentos que deram início a este trabalho. Portanto, a seguir, são
detalhadamente apresentados esses sujeitos, o curso e o contexto que
determinaram a produção da pesquisa.
5.1 OS SUJEITOS EM FORMAÇÃO
Os sujeitos que motivaram esta pesquisa são estudantes de um curso
técnico de nível médio em saúde, com idade entre 14 e 17 anos, de ambos os sexos,
e provenientes de toda a região metropolitana do Rio de Janeiro. O acesso ao curso
se dá por meio de um processo seletivo, onde uma média de 2.500 estudantes que
68
tenham concluído o ensino fundamental em escolas da rede pública ou privada
concorrem anualmente a 35 vagas, que é a média de alunos por turma. Porém, este
ano houve uma ampliação do número de vagas para 105, visando assim à formação
de três turmas de 1ª série, a partir de 2008. Em 2010 haverá, então, um total de nove
turmas, três de cada série. A intenção é oferecer um modelo de escola e curso técnico
de nível médio em saúde, com qualidade, ao maior número possível de estudantes da
classe baixa, em concordância com a ideologia de estender a escola gratuita com
formação politécnica a todos os que buscam e necessitam esse tipo de educação
para o trabalho com visão crítica desenvolvida.
Embora a entrada desses alunos se dê por meio de processo rigoroso de
seleção, a experiência tem demonstrado que a maioria dos aprovados não provém
de escolas particulares, havendo um expressivo contingente de alunos, cuja
formação da primeira fase da educação básica aconteceu em escolas públicas. O
sistema de cotas e os critérios de seleção adotados, para dar oportunidade a todos,
devem, efetivamente, contribuir para essa estatística.
5.2 O CURSO DE FORMAÇÃO TÉCNICA PROFISSIONAL DE NÍVEL MÉDIO EM
SAÚDE
O contexto deste trabalho de pesquisa é a Escola Politécnica de Saúde
Joaquim Venâncio (EPSJV), uma das Unidades Técnico-Científicas da Fundação
Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), criada pelo Ato nº 095/85/PR, de 1 de junho de 1985,
localizada na Av. Brasil, 4.365 Manguinhos RJ, cujo surgimento, assim como o
das outras ET-SUS, foi determinado, entre outros acontecimentos políticos, pela
necessidade de formação de profissionais qualificados para aturarem no SUS,
conforme já foi comentado. Nesta escola, além da formação de conhecimento geral
(Ensino Médio), os alunos cursam também, de forma integrada, uma das
habilitações técnicas em saúde, conforme escolha feita durante o processo de
seleção. As habilitações consistem em: I. Gestão em Serviços de Saúde;
II. Laboratório em Biodiagnóstico em Saúde; III. Registros e informações em Saúde;
IV . Vigilância em Saúde, com uma duração de três anos.
69
O curso ainda apresenta outros diferenciais em forma de projetos de
iniciação científica, onde temas gerais, tais como Trabalho, Educação, Ciência, Meio
Ambiente e Políticas de Saúde, são levados à reflexão dos jovens estudantes,
objetivando despertar neles o prazer pelo conhecimento, inventando e reinventando
formas de relação permanente com o saber. O Projeto Trabalho, Ciência e Cultura
(PTCC), criado em 2001, quando se chamava Projeto Ciência e Cidadania,
representa um dos diferenciais dessa formação. Este projeto se desenvolve por
meio da participação de professores da formação geral, da parte técnica e
professores pesquisadores de outras instituições de nível médio e superior. Os
temas apresentados têm relação com os principais eixos de interesse do PTCC e
são colocados de forma a estimular a reflexão e a pesquisa, entendida como
questionamento que deve ser, permanentemente, reconstruído.
Durante as três séries da sua formação, os alunos são colocados em
contato com esse mundo da pesquisa e da construção do conhecimento e
orientados individualmente, a partir do interesse que despertem nesse período. Ao
final, eles devem elaborar uma monografia, como representação da culminância dos
estudos, sobre um dos assuntos que se relacione com algum dos temas
apresentados durante os três anos de iniciação à pesquisa científica, direcionados
pelo PTCC.
Este projeto, do qual todos participam como professores-pesquisadores
ou como alunos, corresponde a uma das iniciativas de integração e articulação dos
conhecimentos e das práticas desenvolvidas nessa escola, tanto pela educação
básica geral como pela educação técnica profissional, cuja integração curricular
objetiva consolidar
modelos pedagógicos de democratização da ciência realmente
comprometidos com a formação de futuros profissionais de nível
médio em saúde com uma sólida formação geral e visão crítica para
que possam apropriar-se dos conhecimentos e interferir em seus
processos de educação e trabalho. (ESJV, 2005, p. 16)
Cada monografia passa pela avaliação de uma banca constituída por
professores da instituição e por professores de outras instituições, desde que suas
linhas de pesquisa guardem relação com o trabalho monográfico do aluno.
A defesa da monografia fecha um conceito, a exemplo das avaliações
aplicadas pelas disciplinas em geral. E, caso esse conceito não seja satisfatório ou o
70
professor orientador considere que o trabalho ainda não atingiu o nível esperado, o
aluno pode ficar retido na terceira série até que reapresente a monografia concluída,
refeita ou reelaborada, conforme o caso. Isso funciona como uma espécie de
“segunda época” (no mês de fevereiro do ano seguinte), que é a alternativa
oferecida para estes casos de incompletude da monografia no prazo estipulado
(meados de dezembro do ano que cursa a terceira série) ou de retenção na primeira
banca constituída. Atualmente, entre outras produções, a escola reúne, em um
primeiro volume de publicação, algumas das monografias produzidas pelos
concluintes da formação técnica de nível médio em saúde, verdadeira representação
dos resultados de uma das diversas tentativas de realização de um trabalho
integrado e interdisciplinar nesse contexto.
O término do curso confere, aos formandos, o Diploma de conclusão em
curso de Educação Profissional Técnica de Nível Médio, o que lhes permite atuar
nos serviços de Saúde como: organizador operante no espaço administrativo
(Habilitação: Gestão em Serviços de Saúde); técnico em pesquisa biológica em
laboratórios de análises médicas e toxicológicas (Habilitação: Laboratório em
Biodiagnóstico em Saúde); organizador de documentação, registros e estatísticas
de Saúde (Habilitação: Registros e informações em Saúde) ou controle,
fiscalização e monitoramento de ações executadas no meio ambiente, eliminando,
diminuindo ou prevenindo riscos, numa ação orientadora e educativa em relação à
saúde (Habilitação: Vigilância em Saúde), segundo a modalidade cursada.
De acordo com o Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola, todos os
esforços empreendidos por docentes e discentes têm por meta que o aluno concluinte
destes cursos de formação profissional esteja preparado para trabalhar no Sistema
Único de Saúde (SUS), em Ciência e Tecnologia ou em atividades afins. E, embora
atualmente siga determinações da Lei n
o
9.394/96 e do Decreto n
o
5.154/04, que
regulamenta a educação profissional articulada com a formação básica por meio de
cursos e programas de formação profissional, a EPSJV já apresenta esta forma de
organização curricular desde a década de 1980. Para tanto, vem se estruturando e
reestruturando, pensando e aplicando estratégias curriculares que favoreçam a
formação de indivíduos com preparação condizente com o mundo do trabalho e suas
relações com a Ciência e Tecnologia. E que sejam também pessoas capacitadas a
contribuir na construção da cidadania e a seguir desenvolvendo um contínuo processo
de aprendizagem e aperfeiçoamento profissional e intelectual.
71
A EPSJV não é uma escola comum, que direciona suas atividades
apenas no caminho do ensino/aprendizagem, mas sim uma instituição que conjuga
ensino e pesquisa, nas perspectivas do trabalho em saúde, educação, ciência e
cultura. Assim sendo, suas finalidades englobam:
I Capacitação de recursos humanos e ensino em nível técnico e
profissionalizante nas áreas de saúde e de ciência e tecnologia, em
suporte às necessidades do Sistema Único de Saúde;
II Realização de pesquisas científicas e tecnológicas nas áreas de
educação e de saúde;
III Assessoria técnica ao Sistema Único de Saúde e às instituições
com atuação na área de saúde. (EPSJV, 2005, p. 33)
Apesar da variedade de atuações em educação, saúde e pesquisa
realizadas por essa escola, meu universo de pesquisa dentro dessa instituição
recorta uma parte do item I, das finalidades acima citadas, que se refere à educação
básica e educação profissional. Mais especificamente ao âmbito da formação geral
integrada à formação profissional técnica de nível médio em saúde. Nesse contexto,
realizo atividades de pesquisa e docência desde 2003, tendo desenvolvido e
concluído um projeto que faz parte do PAETEC,
14
com duração de dois anos, além
de estar desenvolvendo outro com igual período de duração e prazo de conclusão
para agosto de 2008. Ambos os projetos, bem como a maior parte dos projetos de
pesquisa realizados com o apoio dessa instituição, partiram de uma reflexão sobre a
prática docente, sempre com o intuito de integrar teoria e prática na preparação para
o trabalho em saúde. Assim, ditos projetos se relacionam diretamente com esta tese
e, portanto, estão sendo detalhados no capítulo cinco que aborda a metodologia.
Impulsionado pelos objetivos e ideologia da escola, com o respaldo da Lei
n
o
9.394/96 e do PCNEM (BRASIL, 2002, p. 148), indicador “da aproximação das
situações de aprendizagem com a realidade e o cotidiano dos estudantes”, o
primeiro desses projetos O ensino-aprendizagem de espanhol como língua
estrangeira, através da abordagem de temas relacionados à saúde teve como
proposta principal integrar e contextualizar o ensino/aprendizagem de língua
espanhola no ensino médio, substituindo as abordagens tradicionais, que vinham
sendo utilizadas até então, por outra mais atual e conforme com as necessidades do
mundo contemporâneo e da clientela estudantil da EPSJV. Para tanto, a disciplina
14
Programa de Aperfeiçoamento do Ensino Técnico, que representa parte da política de incentivo às
atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico da EPSJV.
72
passou a se estruturar de maneira que na 1ª e na 2ª séries os alunos recebessem as
noções gerais de estrutura lexical e do funcionamento gramatical do idioma
espanhol e, na 3ª série, colocassem em prática este conhecimento, aperfeiçoando-o
por meio de exercícios de interpretação e outras atividades orais e escritas, a partir
de uma seleção de textos de variadas procedências e contextos culturais e diversos
gêneros discursivos, tendo a saúde como eixo principal. Os debates realizados
sempre tratavam de estabelecer relações entre o texto, a realidade, os interesses
dos alunos e suas perspectivas profissionais na área da saúde ou em outra área. Os
assuntos abordados nessa seleção de textos versavam sobre saúde, mas também
apresentavam outras questões, soluções e polêmicas do mundo de hoje, levando os
estudantes a uma reflexão crítica. Suas opiniões, conhecimentos e experiências
obtidas na vida, ou por meio do trabalho com outros textos, ou em outras disciplinas
da formação geral e técnica, eram sempre ouvidas e respeitadas como forma de
contribuição para a construção de um conhecimento coletivo naquele espaço de
aprendizagem específico da língua estrangeira. Com isso, criavam-se também
possibilidades de estabelecer relação de interdisciplinaridade com outras disciplinas
do curso como um todo.
Vale, entretanto, ressaltar aqui que o número de alunos por turma, nas
classes de espanhol, gira em torno dos vinte, já que, quando ingressam na 1ª série,
metade dos alunos são encaminhados a cursar inglês e a outra metade de cada
turma passa a acompanhar as aulas de espanhol. Assim, durante os três anos de
curso, para garantir uma continuidade, seqüencia e aproveitamento na
aprendizagem, o aluno se dedica a apenas uma das línguas estrangeiras que é
oferecida (inglês ou espanhol). O principal critério para a colocação dos alunos em
um dos dois idiomas é o conhecimento prévio que já trazem ou que não trazem.
Assim, procura-se formar turmas homogêneas e com nível de conhecimento inicial
no idioma para o qual é encaminhado. Essa avaliação é feita a partir de um
questionário, onde os alunos informam o nível e o local de contato (escola formal ou
curso livre de idiomas) com essas duas línguas estrangeiras.
Retornando ao comentário sobre esse primeiro projeto, considero
alcançados os objetivos inicialmente traçados, uma vez que, ao final dos três anos
de curso, os alunos apresentavam suficiente desenvoltura no idioma espanhol para
emitir oralmente ou por escrito idéias e opiniões. Eles se mostravam capazes de
defender seus pontos de vista perante os companheiros de turma, apresentando
73
sugestões para os problemas colocados em questão, através das leituras e
informações adquiridas dentro ou fora do contexto de sala de aula de E/LE. Inclusive
a finalização das atividades nessa disciplina, para a terceira série, consistiu numa
exposição oral de cada estudante sobre o tema de sua monografia. O assunto era
apresentado de forma que todos pudessem opinar, questionar, endossar, formando
uma espécie de banca prévia e coletiva. Tratava-se de uma atividade informal, no
que diz respeito à defesa em si, porém, séria, visto que a essa atividade também
deveria ser atribuído um conceito para fechar a média anual na disciplina de
espanhol. Com isso, cada qual podia refletir um pouco mais sobre seu tema, antes
de apresentá-lo como definitivo perante a banca oficialmente constituída.
Pensando em garantir e ampliar as perspectivas interdisciplinares no
ensino/aprendizagem de E/LE, que também constituem uma indicação da vigente
LDB, do PCNEM (BRASIL, 2002), das OCEM (BRASIL, 2006), sendo, ainda, base
ideológica para a efetivação do Currículo Integrado na EPSJV, surgiu o segundo
projeto de pesquisa PAETEC, que se encontra em andamento e cujo título é: O
ensino-aprendizagem de espanhol e sua contribuição à interdisciplinaridade e ao
currículo integrado na EPSJV. Com esse projeto, pretendo reforçar que somente por
meio da interdisciplinaridade é possível integrar as várias disciplinas de um currículo,
aproveitando a utilização de diferentes linguagens, pontos de vista e modos de
abordagem no tratamento de um mesmo assunto, estabelecendo com isso um
diálogo entre os conhecimentos. Apesar de ser uma indicação já bastante
comentada em sucessivas leis de educação, na prática sabemos que a
aprendizagem interdisciplinar ainda não se efetivou dentro do processo
ensino/aprendizagem, havendo, portanto, a necessidade de concretização deste
aspecto em todo e qualquer currículo escolar. No caso da EPSJV, relembrando o
que já foi comentado no capítulo sobre currículo integrado, o tipo de integração
pretendida ultrapassa a interdisciplinaridade em si, já que há também uma
preocupação em relacionar e integrar conceitos e procedimentos da parte geral do
currículo (Ensino Médio) com a parte técnica (Habilitações técnicas em saúde).
Como a língua estrangeira abarca múltiplas possibilidades de abordagem dos
diferentes assuntos desenvolvidos nas variadas áreas do conhecimento, esta
disciplina (neste caso específico, o espanhol) pode contribuir de maneira significativa
para a real efetivação da interdisciplinaridade e da integração curricular. Também é
importante destacar que essa integração não depende da organização do currículo
74
por disciplina, mas da forma como cada disciplina se dispõe a tratar um determinado
tema. O que importa mesmo é primar pela formação de cidadãos críticos, perante os
muitos aspectos que compõem o conhecimento como um todo, cidadãos capazes de
articular trabalho, educação e saúde, seja na sua prática profissional ou na
continuação dos estudos.
Sobre esse último estudo em forma de projeto, ainda não disponho de
considerações finais, visto encontrar-se em pleno desenvolvimento. Esses dois
projetos e a união dos seus objetivos e propostas de repensar a prática do
ensino/aprendizagem de língua espanhola para o ensino médio e técnico em saúde
representam, na verdade, o embrião desta tese que se constitui em um estudo maior
e mais aprofundado de todas essas questões, no intuito de integrar tudo isso em
favor de uma formação bem mais completa, integral e humanista. O ensino de língua
estrangeira pode e deve participar desse processo, ajudando a levar a cabo um
projeto de escola gratuita, obrigatória e com qualidade, que se constitui no principal
pilar ideológico de estruturação do PPP dessa escola, afastando de vez a dualidade
estrutural que tem reforçado a divisão das sociedades em classes injustamente
organizadas.
Esse documento veio enfatizar e legitimar um currículo que tem buscado
integrar a Educação Básica com a Educação profissional em Saúde desde a origem
da EPSJV na década de 1980, quando a lei de ensino vigente ainda era a n
o
5.692/71,
que “se caracterizava pelo dualismo, pela divisão entre conhecimento técnico, social e
ético, pela pulverização de habilitações, e outras mazelas pedagógicas” (EPSJV,
2005, p. 147), entre elas a profissionalização técnica em massa e aligeirada, visando
um esvaziamento da busca pelo ensino público superior, uma vez que não havia vaga
para todos. Naquela época, as brechas e contradições existentes na lei permitiram a
criação de um ensino médio (então denominado 2º grau) integrado a uma habilitação
técnica em saúde. Assim, o Decreto n
o
5.154/04, que regulamentou a possibilidade de
integração entre ensino médio e educação profissional, chegou um pouco tarde, se
consideramos que a EPSJV já cultiva esse modelo educacional de formação técnica
integrado à formação geral desde a sua fundação, conforme reitera o comentário
abaixo, quando se refere à vigência da Lei de 1971:
Ou seja, diante de uma lei que impunha, ou pelo menos induzia,
marcadamente, a separação entre os conhecimentos técnico-
científicos e os sociais, a EPSJV introduzia, com ênfase, a educação
75
artística, a expressão corporal, o teatro, a música, a filosofia (que
tinha sido expatriada do currículo da educação básica) entre outras
disciplinas, interagindo com as disciplinas/conhecimentos da
habilitação técnica. (EPSJV, 2005, p. 147)
Não cabe dúvida de que a construção e reformulação de um currículo
foram e serão sempre motivadas por certas relações de poder, por certa
hierarquização dos conhecimentos e, portanto, social e ideologicamente
determinadas, principalmente, pelas posturas hegemônicas do mundo do trabalho. E
é por isso que na EPSJV, este aspecto se constitui um ponto sempre em aberto,
sujeito a novas e constantes reformulações críticas da educação e da saúde na
construção do conhecimento científico. Recentemente, por exemplo, e com estrutura
semelhante a do PTCC, anteriormente explicitado, surgiu outro projeto de integração
de conteúdos denominado Iniciação à Educação Politécnica em Saúde (IEP), que
tem como princípio dar ênfase à formação politécnica em saúde e apoiar o processo
de pesquisa para a elaboração da monografia. Trata-se de um projeto que busca
articular trabalho, política, ciência e saúde na perspectiva da politecnia para a
formação profissional em saúde. Este projeto se concretiza por meio de conteúdos
teóricos com trabalhos de integração que visam problematizar e fortalecer, junto a
docentes e discentes, discussões teóricas sobre as questões contemporâneas da
sociedade e do campo da saúde, por meio de uma abordagem histórica. O projeto
se desenvolve ainda em forma de oficinas de leitura, com estímulo ao pensamento
crítico na construção dos projetos de pesquisa. O contato com a linguagem
acadêmica desde o início do curso vai preparando aos poucos a desenvoltura dos
estudantes na utilização de teorias científicas que lhes darão embasamento para a
produção da monografia, que é obrigatória no final do curso. O IEP é mais um dos
caminhos pensados na EPSJV rumo à interdisciplinaridade e integração de
conteúdos, fortalecendo a definição de um contexto onde ensino e pesquisa estão
em constante aprimoramento e renovação.
A consolidação da EPSJV como Unidade Técnico-Científica da FIOCRUZ
desde o final dos anos 90, a consagrou também como entidade que promove a
pesquisa relacionada às atividades docentes, onde saúde pública e educação são
os principais eixos, cujas temáticas giram em torno da educação profissional, do
processo de trabalho em saúde, das tecnologias educacionais, da educação
científica e das práticas pedagógicas em saúde.
76
Entre os objetivos das atividades de pesquisa e de desenvolvimento
tecnológico, realizado por essa instituição, estão ainda:
O desenvolvimento de pesquisas em torno dos conteúdos técnico-
científicos no âmbito da formação profissional oferecida pela Escola,
assim como, sobre os processos didático-pedagógicos utilizados;
A produção de conhecimento que considere a educação
profissional em saúde, tanto nos seus aspectos político-pedagógicos,
quanto na sua relação com as demandas sociais;
O desenvolvimento de propostas curriculares para a formação
(profissionalizante) de trabalhadores de nível médio em saúde;
A formulação de propostas de capacitação docente; e
Análise da produção e utilização de materiais didáticos, sob a forma
textual ou multimídia (software, site e vídeo). (EPSJV, 2005, p. 14)
Assim, além das inovadoras propostas pedagógicas e da produção de
material didático, a partir das pesquisas desenvolvidas utilizando variadas formas de
linguagem, na EPSJV é grande o empenho para ampliar e levar informações e
conhecimentos científicos a todas as escolas e Centros Formadores da saúde,
ligados à Rede de Escolas Técnicas dos SUS (RET-SUS), que totalizam 37 (trinta e
sete) em todo o país. Como exemplo da produção de pesquisa e socialização de
conhecimentos científicos, ressalta-se a publicação, desde 2003, da Revista
científica Trabalho, Educação e Saúde, reunindo em uma mesma produção estas
três grandes áreas do conhecimento, caracterizando, portanto, mais uma das
iniciativas interdisciplinares e integradoras do saber, “com textos que estimulam a
reflexão crítica sobre a atuação e formação dos profissionais de Nível Médio em
Saúde”. (EPSJV, 2005, p. 12).
As múltiplas atividades de pesquisa e docência, as produções científicas
e curriculares, a elaboração de modelos metodológicos educacionais, os projetos
que coordenam educação e saúde, o apoio como Unidade do Ministério da Saúde
(MS), prestado em nível nacional ao desenvolvimento de todas as outras escolas
técnicas do SUS, a experiência de trabalho na Rede Latino Americana de Formação
de Técnicos em Saúde e o fato de sediar uma estação de trabalho da Rede
Observatório de Recursos Humanos em Saúde (ROREHS) conferiram à EPSJV a
inserção no ramo da saúde e da educação como instituição de referência nacional,
na área de Educação Profissional em Saúde no Brasil. Todas essas inserções lhe
reservaram também outras atuações de destacada relevância neste campo, como o
de Secretaria Técnica da Rede de Escolas Técnicas do SUS (RET-SUS),
coordenação do Programa de Formação de Agentes Locais de Vigilância em
77
Saúde (PROFORMAR) em nível nacional e Centro Colaborador da Organização
Mundial de Saúde na área de Formação Técnica de Recursos Humanos em Saúde.
A escola é responsável, ainda, por coordenar e executar projetos de
ensino e pesquisa em Educação Profissional em Nível de Formação Inicial e
Continuada e Técnico de Nível Médio em Gestão, Atenção, Vigilância, Informação,
Laboratório e Manutenção de Equipamentos de Saúde. Estes cursos se estruturam
a partir de
bases curriculares teórico-metodológicas atuais, consistentes e
abrangentes, tendo como referência o processo de trabalho e as
necessidades próprias da formação de profissionais para os serviços
e a produção em Ciência e Tecnologia em Saúde. O ensino é
compreendido tanto na dimensão técnica especializada quanto na
dimensão ético-política, fazendo com que as potencialidades dos
profissionais formados nas salas de aula da EPSJV se somem aos
esforços sociais da FIOCRUZ para a melhoria da qualidade de vida
da população. (EPSJV, 2005, p. 13)
A Escola Politécnica se dedica também à Educação de Jovens e
Adultos (EJA) ao Programa de Ensino Fundamental (PEF), para trabalhadores da
FIOCRUZ que não concluíram o ensino médio, e ao Programa de Ensino Médio
(PEM), para trabalhadores da FIOCRUZ e para a comunidade de Manguinhos,
população geograficamente localizada nos arredores da Fundação Oswaldo Cruz no
Rio de Janeiro. Essa escola também promove Cursos de Especialização Técnica,
articulados as suas habilitações técnicas e, ainda, um Curso de Pós-graduação
Lato Sensu em Educação Profissional em Saúde. E, neste ano de 2008, tem
início a primeira turma do novo curso de Mestrado em Educação Profissional.
5.3 APRESENTAÇÃO DE UMA UNIDADE DIDÁTICA DE E/LE
Considerando o universo de estudos e o tipo de formação pretendida para
os estudantes da EPSJV, utilizando também os conceitos e propósitos já apontados
no início do capítulo, sem deixar de observar as leis e decretos sobre a educação
profissional e sua integração com o ensino médio, foi organizada uma unidade
didática que corresponde a uma abordagem
15
específica para o ensino de espanhol.
15
Denominação tomada de Almeida Filho, quando se refere a “materiais (que se escolhem ou se
produzem)” dentro das “dimensões de materialidade do ensino” (ALMEIDA FILHO, 2001, p. 19).
78
Essa unidade representa uma sugestão de atividade didática própria para os sujeitos
e o contexto descritos anteriormente.
Dita abordagem busca correspondência com um ensino/aprendizagem de
E/LE de forma crítica e ativamente participante da construção de um projeto de
currículo integrado em uma escola de formação técnica profissional de nível médio.
Assim sendo, é necessário que consista em uma produção didática que dialogue
com as teorias selecionadas para dar suporte à pesquisa, levando em conta que
“nenhuma teoria vale se não for acompanhada pelo método” (BRASIL, 2006, p. 130),
que aqui não é sinônimo de metodologia ou manual didático, mas sim de maneira
como organizar e pensar determinada estratégia cognitiva, sempre buscando
contextualizar as informações e conhecimentos trabalhados. O material em questão,
que corresponde a apenas uma das unidades da abordagem proposta, se intitula:
Perspectivas del envejecimiento. É importante ressaltar que esta unidade está
planejada para a terceira série, quando o aluno já apresenta um certo domínio da
organização gramatical e sintática do idioma espanhol, adquirido na primeira e
segunda série. Apesar de que, durante esses dois anos iniciais, também são
introduzidos, com menor intensidade, freqüência e complexidade, textos e atividades
semelhantes relacionados à saúde ou a outras questões do universo de interesse e
formação pessoal e profissional dos alunos.
A referida unidade consta de uma seleção de possibilidades de leituras
pertencentes a variados tipos de texto e diversos gêneros discursivos,
16
com
linguagem verbal, não verbal ou a combinação das duas. Essa seleção também se
caracteriza por ser de diferentes procedências culturais, objetivando ressaltar a
pluralidade cultural e lingüística do espanhol, para oferecer uma resposta concreta à
questão reformulada pelas OCEM que vem a ser: “Como ensinar o Espanhol, essa
língua tão plural, tão heterogênea, sem as suas diferenças nem reduzi-las a puras
amostragens sem qualquer tipo de reflexão maior a seu respeito?” (BRASIL, 2006,
p. 134). A escolha dos gêneros não seguiu um padrão específico de escolha de uns
16
Aqui tomo a proposta de Marcuschi, ao dizer que os gêneros “caracterizam-se como eventos
textuais altamente maleáveis, dinâmicos e práticos. Surgem emparelhados a necessidades e
atividades sócio-culturais, bem como na relação com inovações tecnológicas, o que é facilmente
perceptível ao se considerar a quantidade de gêneros textuais hoje existentes em relação a
sociedades anteriores à comunicação escrita” (MARCUSCHI, 2002, p. 19). Assim como no caso
dos tipos de texto, também considero desnecessária uma teorização estendida, visto que esta tese
não depende diretamente dessas especificações. Esta nota representa apenas uma forma geral de
explicar o que estou considerando como gênero, especificação que utilizo para facilitar a análise e
caracterizar a riqueza e variedade do material que forma a unidade didática.
79
e descarte de outros. O que determinou a seleção dos textos foi um certo caráter
aleatório, onde o que se valorizou foi a diversificação dos gêneros de forma a
construir um material com variadas possibilidades de abordagem de um mesmo
assunto, no caso, a saúde no processo de envelhecimento. Com isso, certamente,
uma outra unidade a ser confeccionada já apresentará outra ordem de escolha e
seqüência de gêneros textuais.
O assunto escolhido para essa unidade didática (e o material como um
todo) tem a saúde como tema transversal por se tratar de uma clientela estudantil
específica dessa área, conforme já ficou claro. O subtema envelhecimento humano
é um fato que merece muita atenção no Brasil e também em muitos outros países do
mundo. O envelhecimento representa um processo natural e irreversível que atinge
os seres vivos e até os objetos, deixando neles as valiosas marcas da história que
vai escrevendo sua existência e permanência sobre a Terra; cada qual na sua
época, no seu espaço geográfico e no papel que lhe tocou desempenhar. Para o ser
humano, o tempo vivido representa experiência, conhecimento, história, e não
degradação ou incapacidade. É preciso valorizar a beleza esculpida pelos anos e
tratar de aceitar o envelhecimento como fato que se inicia no momento exato da
fecundação de cada novo ser, que já na gestação vivencia seu primeiro estágio no
constante processo de amadurecimento/envelhecimento que é o que lhe permite ir
vencendo as etapas que constituem as idades e períodos próprios da vida. A
inclusão deste assunto no material proposto, como estratégia para a integração
curricular e a interdisciplinaridade em E/LE, num curso cuja clientela é totalmente
composta de adolescentes do ensino médio, visa mesmo formar consciência crítica
sobre esse aspecto da vida, junto a essa faixa etária onde atitudes e valores em
relação a sua convivência com o outro ainda estão sendo formados. Uma
confirmação acerca da importância da preparação dos nossos estudantes para o
contato com o outro, e com o diferente pode ser encontrada nas OCEM, quando
afirmam que
enfim, as idéias arroladas apontam para a recuperação do papel
crucial que o conhecimento de uma língua estrangeira, de um modo
geral e do Espanhol em particular, pode ter nesse nível de ensino:
levar o estudante a ver-se e constituir-se como sujeito a partir do
contato e da exposição ao outro, à diferença, ao reconhecimento da
diversidade. (BRASIL, 2006, p. 133)
80
Na nossa cultura ocidental, brasileira, este assunto tem estado envolto em
alguns tabus e preconceitos que precisam ser desconstruídos, principalmente na
cabeça de jovens que se preparam para trabalhar em serviços de atenção, cuidado
e promoção à saúde. É interessante que aprendam desde cedo a respeitar o
processo de envelhecimento do outro e o seu próprio processo de envelhecimento
que já começou, há mais ou menos 14 anos, cuidando para que envelheçam
preparados para lidar com as modificações que o tempo naturalmente provoca no
corpo e no seu funcionamento orgânico, e por que não dizer, com a discriminação
que, infelizmente, é fato. Manter-se atualizado e com a mente sempre ocupada
também pode ser muito saudável em qualquer idade da vida e, para isso, é preciso
viver de forma a garantir um envelhecimento com qualidade, seja em termos de
alimentação, exercícios físicos, atividades culturais, leituras e informações em geral.
O contato com a natureza e com as outras pessoas também contribui para uma vida
melhor. Todos esses aspectos são apresentados para reflexão e debate na unidade
proposta.
Dessa forma, a partir das informações e conhecimentos oferecidos pela
seleção de textos já mencionada, os alunos poderão estabelecer relações de
intertextualidade com informações apreendidas em outras disciplinas do currículo ou
em experiências de vida, em leituras de jornal, em informativos da televisão; e
também através do cinema, das pesquisas na internet ou navegações sem
compromisso pela web. Enfim, a idéia é aproveitar qualquer contribuição que seja
fruto de aprendizado prévio ou concomitante, para explorar ao máximo as
possibilidades de compreensão dos sentidos dos textos a serem trabalhados. As
pontes estabelecidas com o cotidiano, com a realidade e os conhecimentos que os
estudantes já possuam são pontos fundamentais para imprimir sentido aos textos e
motivar o interesse e a participação deles, no seu próprio processo educativo e na
ampliação dos conhecimentos de maneira integralizada e sem as fragmentações
disciplinares, já criticadas por tantos expertos em saúde, educação e outras áreas
do saber de um modo geral.
A unidade didática em anexo está formada por textos que se estruturam
em forma de: informação científica e enciclopédica, propaganda, canção, pintura,
informação jornalística, ensaio crítico, romance, quadro estatístico, tiras cômicas,
fotografias, filme, sinopses de filme. Todos estes textos trazem como foco questões
ligadas aos temas transversais saúde e envelhecimento, com vistas a receber, na
81
prática da sala de aula de E/LE, um direcionamento que permita ampliar os
conhecimentos dos alunos de forma ampla, crítica e progressista. Com isso,
pretende-se contribuir na formação da cidadania local e global e na constante
reformulação do pensamento, possibilitando ao aprendiz maior capacidade de
enfrentamento com “os desafios de um mundo permanentemente cambiante, cujas
transformações não se podem perder de vista” (BRASIL, 2006, p. 129). Afinal, o
domínio de determinado conhecimento, conforme enfatizam as Orientações
Curriculares (OCEM) não é o ponto de chegada, mas a possibilidade de partida para
a construção de um caminho, de uma história. E cada indivíduo deve ser
responsável por seu caminho e por sua história dentro de uma qualidade de vida
digna e aceitável, para um envelhecimento sadio e produtivo, por exemplo, tratando
de conservar a funcionalidade física e mental.
82
6. PERSPECTIVAS DEL ENVEJECIMIENTO”: UMA PROPOSTA DE UNIDADE
DIDÁTICA CRÍTICA, INTERDISCIPLINAR E INTEGRADA
Este ponto da pesquisa está dedicado à descrição, análise e
esclarecimentos a respeito da seleção de textos que formam a Unidade Didática em
anexo, assim como das propostas de atividades que acompanham cada texto, que é
entendido aqui como “um signo, o que quer dizer que possui um significado, um
conteúdo veiculado por meio de uma expressão, que pode ser verbal, visual, entre
outros tipos” (DISCINI, 2005, p. 29).
A escolha dos textos seguiu o critério da variação de tipo de texto,
17
gênero discursivo e procedência cultural, e abordou o fenômeno do envelhecimento
das pessoas, que está gerando problemas sociais e econômicos em quase todos os
países do mundo. Por se tratar de uma questão atual, que merece a atenção de
todos, este assunto se constitui em conteúdo pertinente ao contexto de
aprendizagem de E/LE no ensino médio integrado à formação técnica em saúde.
Essa temática também se encaixa dentro do que a LA crítica pretende em relação
ao ensino de uma língua estrangeira, com respeito aos problemas de opressão,
preconceitos e desigualdades, conforme se pode perceber nas palavras abaixo:
Vivemos em um mundo [...] onde, em quase todas as sociedades e
culturas, as diferenças construídas a partir de gênero, raça,
etnicidade, classe, idade, preferência sexual e outras distinções
conduzem às desigualdades opressoras. [...] Também estou
convencido de que a aprendizagem de línguas está intimamente
ligada tanto à manutenção dessas iniqüidades quanto às condições
que possibilitam mudá-las. (PENNYCOOK, 1998, p. 23-24)
Assim sendo, todas as atividades, questionamentos e sugestões de
pesquisa, elaboradas a partir do trabalho com cada texto, visam criar situações que
permitam a compreensão dos sentidos dos textos por meio de uma reflexão crítica
das questões apresentadas, com vistas a reprovar qualquer tipo de iniqüidade,
“lembrando que o sentido de um texto nunca está dado, mas é preciso construí-lo a
partir das experiências pessoais, do conhecimento prévio e das inter-relações que o
17
Para as análises, estou considerando como sendo cinco os tipos de texto, seguindo a maioria dos
especialistas: narrativo, descritivo, expositivo, argumentativo e instrutivo. Não pretendo entrar em
maiores detalhes, valendo-me apenas dessa classificação mais geral para situar os textos
selecionados e ajudar na compreensão dos sentidos de cada um deles.
83
leitor estabelece com ele” (BRASIL, 2006, p. 152). Partindo dessa premissa é que
cada texto da unidade se inicia com indagações e questionamentos gerais sobre o
envelhecimento, com o objetivo de utilizar as próprias informações e impressões
trazidas pelo aluno e adquiridas previamente em suas experiências diárias, inclusive
como alunos de outras disciplinas, para introduzir e apoiar a apreensão de sentidos
em cada texto da unidade. Embora esse tema pareça estar distante dos interesses de
estudantes adolescentes, a intenção é justamente a de provocar uma tomada de
consciência por parte dos mais jovens a respeito das necessidades da terceira
idade.
18
Além disso, é necessário conscientizá-los de que é preciso se preparar desde
sempre para o dito processo de envelhecimento, que é natural e irreversível, conforme
é possível constatar através dos textos a serem estudados na unidade didática.
6.1 LIÇÃO 1: TEXTO INICIAL: INFORMAÇÕES CIENTÍFICAS SOBRE O
ENVELHECIMENTO
O primeiro texto, Envejecimiento (fragmento), na página 2 do Anexo, tem
como autor o Dr. Juan F. Gómez Rinessi, que é professor de Medicina em uma
universidade de Barcelona e publicou o artigo em 2000, em uma revista de pós-
graduação nessa área. Trata-se de um texto argumentativo de gênero científico, que
argumenta sobre a importância de se criarem meios adequados para um
envelhecimento com qualidade de vida e em condições de saúde dignas. Para tanto,
o artigo também apresenta dados sobre a estimativa de vida dos países
desenvolvidos e sobre o que ocasionou o aumento da média dessa estimativa no
decorrer do século XX. Por fim, ele quer demonstrar que o sistema de saúde de
muitos países não está preparado para suportar esse aumento e a discriminação no
setor, em relação aos mais velhos. O Dr. Rinessi também apresenta uma solução,
chamando a atenção para o fato de que o problema do envelhecimento das
18
Apesar de considerar a expressão “terceira idade” excludente e discriminatória, não condizente
com a proposta de respeito às diferenças e diversidades culturais e sociais, que pretendo valorizar
nessa unidade didática, destinada ao ensino/aprendizagem de adolescentes, indivíduos em
processo de formação de valores, optei por empregá-la ao longo de todo o capítulo, por não haver
encontrado outra mais adequada, já que todas as denominações que encontrei me pareceram
ainda mais apelativas e dissimuladoras de preconceito.
84
populações mundiais não é um problema apenas para quem já envelheceu, mas um
fenômeno que afeta a todos.
Este texto e as atividades e reflexões sugeridas a partir dele objetivam
levar para a sala de aula de E/LE o debate sobre uma questão que é atual, que
consiste em um problema concreto e que exige solução urgente. A idéia é fazer os
nossos adolescentes do curso técnico em saúde ter conhecimento da existência
desse problema e de como ele acontece em nosso país, para daí pensar possíveis
soluções. É importante começar a refletir, desde já, sobre os possíveis caminhos
para se eliminarem as causas de dito problema social, conscientizando-se de que o
envelhecimento é um processo genético inevitável e universal. Como futuros
técnicos em saúde, esses alunos precisam estar informados sobre as condições de
atendimento médico ao idoso no Brasil, para que possam se preparar para
colaborar, na atenção a pessoas dessa faixa etária, com as quais certamente
poderão deparar-se no serviço de saúde para o qual estão sendo formados. Essa
tomada de consciência por meio desse tipo de abordagem e considerando o
contexto e os sujeitos de aprendizagem, além de cumprir com uma parcela mínima
do processo de humanização dos serviços de saúde incentivados pelos programas
de melhoria do SUS e pelas ET-SUS, também
inclui alguns indicadores cuja finalidade é nortear o ensino de língua
estrangeira, nesse caso o Espanhol, no ensino médio, dar-lhe um
sentido que supere o seu caráter puramente veicular, dar-lhe um
peso no processo educativo global desses estudantes, expondo-os à
alteridade, à diversidade, à heterogeneidade, caminho fértil para a
construção da sua identidade. (BRASIL, 2006, p. 129)
Nesse caso, vem a ser uma questão de “alteridade”, “diversidade” e
“heterogeneidade” (preocupações compartilhadas também pela LA crítica)
encaradas não apenas em termos de cultura estrangeira, mas das diferenças
existentes no nosso próprio contexto social. Isso pode levar o aluno a perceber,
aceitar e aprender a conviver com as diversidades sociais do seu dia-a-dia, onde as
pessoas e suas necessidades pessoais não são as mesmas, e algumas dessas
necessidades estão determinadas justamente por cada faixa etária, como é natural
que seja.
85
6.2 LIÇÃO 2: MEDICINA, COSMÉTICA E CIRURGIA PLÁSTICA FRENTE AO
ENVELHECIMENTO
O segundo texto, na página 4 do Anexo, consiste em parte de um anúncio
sobre um produto que é denominado Elixir de la juventud. O texto, publicado em
uma página da web, conforme indicação no corpo da unidade didática, pertence ao
gênero propaganda e, por isso, não dispensa um tipo de discurso apelativo e
persuasivo que aposta no poder de convencimento das palavras utilizadas, para
conseguir seu objetivo principal: a venda do produto anunciado. No anúncio,
garantias e promessas são feitas, jogando com o desejo geral de perpetuação de
uma aparência sempre jovem.
A questão aqui é chamar a atenção para o grau de veracidade de textos
deste tipo, refletindo sobre o uso indiscriminado de determinados produtos e
medicamentos em geral, sem a orientação de um especialista. Além disso, essa
também é uma oportunidade para colocar esse aprendiz da língua estrangeira em
contato com outra possibilidade de uso, objetivo e organização da linguagem, sem
reduzi-la “a uma única função, a comunicação, desconsiderando-se por completo a
complexidade do seu papel na vida humana, e deixando-se de lado o lugar da
subjetividade na aprendizagem de segundas línguas” (BRASIL, 2006, p. 132).
Preocupações semelhantes também já foram apresentadas, conforme comentários
em capítulo anterior, por autores que colaboram para a LA crítica, definida assim por
Pennycook (1998, 2006), cujas concepções estão apoiando essa pesquisa e
que se constitui como prática problematizadora envolvida em
contínuo questionamento das premissas que norteiam nosso modo
de vida; que percebe questões de linguagem como questões
políticas; que não tem pretensões e respostas definitivas e
universais, por compreender que elas significam a imobilização do
pensamento. (FABRICIO, 2006, p. 60)
Assim considerado, esse tipo de abordagem em sala de aula serve para
provocar uma reflexão sobre os motivos que podem levar uma pessoa a buscar
subterfúgios que a façam aparentar menos idade, não esquecendo de trazer para a
discussão os problemas sociais e culturais que podem estar por trás desses
procedimentos. Esse tipo de debate pode favorecer posturas de aceitação de si
mesmo e do outro, no decorrer de toda a vida.
86
Na mesma linha temática, temos o terceiro texto, na página 5 do Anexo,
pois se trata de outro anúncio relacionado à conservação da aparência física, dessa
vez por meio de um creme bastante conhecido no mercado mundial de cosmética. A
fonte de extração do texto é a revista madrilenha, XL Semanal, de junho de 2007,
que publica generalidades jornalísticas, intercaladas por diversos anúncios de
serviços e produtos. O gênero empregado é o da propaganda impressa, que de um
modo geral combina linguagem visual e verbal, onde um tipo de texto (neste caso, a
fotografia) procura legitimar o outro (escrito), sempre com o intuito de convencer um
determinado público leitor a fazer uso do produto anunciado. Este texto é do “tipo
sincrético”, segundo classificação de Discini (2005, p. 29), pelo fato de misturar mais
de um meio de expressão (linguagem), no caso, a verbal e a visual. As atividades
formuladas para a compreensão do texto aproveitam para provocar certo
questionamento em relação à coerência estabelecida nessa combinação de
expressões, a escrita e a visual. É importante levar o aluno a perceber que, em
anúncios como este, para induzir a eficácia do produto, é comum que se faça uso de
linguagem técnica da área da saúde para dar mais credibilidade, conforme acontece
no anúncio em questão, onde também aparece uma descrição da composição
química e da matéria-prima utilizada na fabricação do produto, mas que, para um
leigo, não é muito esclarecedora. Porém, valendo-se da confiança generalizada das
pessoas, especialmente das mais velhas, na atuação da medicina e nos termos
técnicos empregados nesta área, são construídos comentários garantindo a
comprovação da eficácia do produto que, segundo o anúncio, foi adquirida em teste
clínico. Embora não seja possível identificar os profissionais especializados que
realizaram o referido teste, pois o anúncio não passa essa informação. Em uma das
atividades propostas ¿Estás convencido(a) de que la mujer del anuncio ya
cumplió 50 años? Opina. também se cria uma situação que leva o aluno a
observar o nível de apelação de sentidos do texto, em que um produto indicado para
pessoas a partir de cinqüenta anos usa como “garota propaganda” uma mulher que
aparenta menos de quarenta.
Outro detalhe a ser levantado pode ser o fato do nome do produto estar
em outra língua, nesse caso a língua inglesa (Pond’s), recurso entendido como
mais um apelativo para atribuir credibilidade e importância a um produto. No Brasil, é
notória a postura de valorização de produtos estrangeiros e valeria à pena fazer os
alunos opinarem sobre isso a partir do conhecimento adquirido com filmes
87
assistidos, livros que já tenham lido, internet, experiência pessoal. Assim, também
seria possível avaliar até que ponto essa postura encontra ressonância em outros
países de fala hispânica e que histórico cultural pode ser determinante de dita
valorização. Além disso, refletir sobre essa valorização, avaliando em que medida
isso ocorre em nosso país e que razões históricas e econômicas são determinantes
dessa atitude, também pode ser um importante meio de estabelecer relação com
questões do dia-a-dia e com os conhecimentos de história e cultura, que fazem parte
do currículo escolar.
Esse tipo de abordagem permite o entrelaçamento de temas e questões
atuais que perpassam outras esferas do saber e o domínio de outras disciplinas.
Mas também faz com que o aluno de fato participe do processo de construção do
conhecimento que, neste caso específico, parte do contexto de aprendizagem de
língua espanhola e percorre outros campos. Em princípio, este texto só se destinava
a vender um produto e teria pouco ou nada para fazer pensar em termos de valores
e questões socioculturais, locais e globais. Essa é uma maneira de se constatar, na
prática, que
a instrução interdisciplinar aproveita-se de conexões naturais e lógicas
que cruzam as áreas do conteúdo e organiza-se ao redor de
perguntas, temas, problemas ou projetos, em lugar de conteúdos
restritos aos limites das disciplinas tradicionais. (KLEIMAN; MORAES,
1999, p. 27)
O quarto texto, na página 6 do Anexo, é uma tira cômica, onde a autora
argentina Maitena Burundarena aproveita para ironizar a busca do rejuvenescimento a
qualquer preço, uma das preocupações da humanidade, especialmente das mulheres,
mas que também faz aumentar cada vez mais o número de pessoas do sexo
masculino que têm esse tipo de preocupação. Completando uma série (Lição 2) que
segue uma mesma linha dentro do tema envelhecimento, este texto estabelece
relação com os dois anteriores, no intuito de levar os alunos a relacionar os sentidos
desses textos, elaborando conclusões críticas a respeito do assunto enfocado.
Depois de um texto introdutório sobre o tema que apresentou dados
estatísticos e o parecer científico de um especialista sobre a situação dos idosos em
geral, além da constatação, geneticamente falando, do inevitável processo de
envelhecimento, pareceu oportuno contrapor a essa linguagem científica do primeiro
texto às diferentes formas de expressão dos três seguintes, que apresentam três
88
diferentes tentativas de dissimular e esconder essa inevitável passagem dos anos e
seus efeitos para os seres humanos, de que trata o primeiro texto. Assuntos da
medicina em geral, da cosmética e da cirurgia plástica, respectivamente,
apresentados nos três últimos textos em análise, na verdade, aparecem como formas
de jogar com a natureza e com seus fenômenos. E isso é possível perceber por meio
do discurso que é utilizado e os recursos empregados, conforme já foi comentado.
Prosseguindo na análise, pode-se dizer que o texto de Maitena permite o
contato dos alunos com essa linguagem coloquial e informal do gênero tiras. Assim,
vão percebendo como é possível que um mesmo tema seja abordado de diferentes
maneiras, por variados gêneros discursivos. Da mesma forma, conforme já foi
defendido em favor da efetivação do caráter interdisciplinar e integrado dos
currículos, um mesmo assunto também pode ser abordado em diferentes disciplinas,
por meio de linguagens e olhares distintos, porém com o mesmo objetivo de levar o
aluno a refletir e a estabelecer pontes que possibilitam a construção de um saber
unificado. Para isso, também é necessário estar informado em relação aos
acontecimentos do mundo, para então ser capaz de opinar a partir do lugar que se
tem nesse mundo, o mundo real, do qual todos nós estamos participando de alguma
forma. Assim, as questões elaboradas para a compreensão dos sentidos suscitados
por essas tiras de Maitena são uma forma de identificar a participação dos alunos no
mundo. É importante ver de que forma eles se posicionam perante um assunto que
é comum e risível, mas que pode e tem causado sérios danos à saúde de pessoas
incautas e apegadas a valores que não são os que determinam justiça social, direito
à saúde e envelhecimento com dignidade e cidadania.
Com esse tipo de abordagem temática também se estabelece relação de
integração com os conteúdos estudados e discutidos no curso de Vigilância em
Saúde, por exemplo, que tendo surgido a partir de problemas sociais de saúde,
busca organizar programas de controle de doenças e atenção à saúde. Para isso,
se sabe que é necessária uma participação direta e ativa da população e dos
profissionais dessa área, modificando formas de pensar e agir frente a essas
questões. Assim, o uso descontrolado de fármacos e produtos de cosmética em
geral, que na maioria das vezes é induzido pela mídia, é um exemplo de tema
pertinente a esse trabalho de integração curricular que se pretende efetivar na
EPSJV, onde mais de uma disciplina pode contribuir, reforçando uma reflexão crítica
a respeito de tais questões de saúde.
89
6.3 LIÇÃO 3: ENVELHECIMENTO E ASPECTOS DA SAÚDE CORPORAL
Como forma de chamar a atenção para a preservação da saúde dos mais
velhos, foram escolhidos os três textos que se seguem: dois verbais (escritos) e um
visual (fotografia). Antes de passar ao primeiro texto que aborda questões
relacionadas à nutrição, há indagações sobre a rotina alimentar dos anciãos mais
próximos, ou seja, aqueles que fazem parte da família do estudante, como, por
exemplo, ¿Qué relación tienen los mayores de tu familia con la alimentación?
¿Estás de acuerdo con sus prácticas alimenticias? Vamos a hablar de eso. A
idéia é despertar o interesse dos adolescentes, em princípio, pelos próprios parentes
e suas necessidades básicas de alimentação na terceira idade, além de provocar
neles uma certa curiosidade e predisposição à leitura e estudo dos sentidos dos
textos que virão. Certamente, as informações contidas no texto cinco (página 7 do
Anexo), que comenta os efeitos da ausência de nutrição apropriada, não são novas.
Esse tema constantemente vem sendo abordado na mídia, além de ser parte do
conteúdo de outras disciplinas do ensino médio e de disciplinas da parte da
formação técnica em saúde, uma vez que se trata de “uno de los principales
problemas de salud pública en la mayoría de los países de ingreso bajo”, conforme
informações contidas no próprio texto da unidade. Assim sendo, vale lembrar que “a
interdisciplinaridade depende basicamente de uma atitude. Nela, a colaboração
entre as diversas disciplinas conduz a uma interação, a uma intersubjetividade
como única possibilidade de efetivação de um trabalho interdisciplinar”. (FAZENDA,
1979, p. 39).
Esse texto foi retirado da Publicación Científica y Técnica, nº 595 da
Organización Panamericana de la Salud e argumenta sobre o aparecimento de
doenças em pessoas idosas provocadas pela desnutrição proteinoenergética,
apresentando, ainda, um quadro com os principais nutrientes e as suas respectivas
fontes. Esses dados e informações, que agora são abordados na disciplina língua
espanhola, representam concretamente a realização de uma interseção de
conteúdos com outras áreas do currículo da educação técnica profissional de nível
médio em saúde, constituindo-se uma verdadeira “atitude” interdisciplinar, conforme
comentários de Fazenda (1979, p. 39), especificados acima. E nisso consiste um
dos objetivos da elaboração deste material que visa concretizar a integração e a
90
interdisciplinaridade dos conteúdos na prática e de forma crítica e reflexiva,
permitindo ao aprendiz uma participação direta. De acordo com as atividades
geradas a partir desse quinto texto, ao aluno é dada a oportunidade de comentar
sobre seus hábitos alimentares, suas preocupações e ações para garantir uma
velhice saudável, a partir de uma nutrição adequada.
A última questão: ¿Crees que una nutrición completa y adecuada
excluye la necesidad de practicar una actividad física? ¿Por qué? ¿Qué grado
de importancia tienen la alimentación y la práctica de ejercicios físicos a lo
largo de la vida?, relacionada ao texto cinco, estabelece uma comparação entre o
tema da nutrição adequada e a prática de atividades físicas na terceira idade,
objetivando fazer com que os estudantes avaliem o grau de importância dessas
duas práticas durante a vida e os possíveis resultados, segundo a relação que cada
um estabeleça com esses dois aspectos. Assim sendo, o sexto texto, na página 9 do
Anexo, é a fotografia de um senhor esquiador do Estado de Washington EUA,
retirada da revista informativa National Geografic (Brasil), que informa sobre
descobertas e curiosidades científicas, históricas e geográficas no mundo. O objetivo
é que os alunos consigam estabelecer relação de sentido entre o texto anterior, este
texto (fotografia) e o seguinte. A imagem foi sempre um tipo de linguagem muito
explorada em livros destinados a crianças, entendida como um recurso eficaz ao
estímulo da imaginação e da criatividade, ampliando a capacidade de construir
sentidos a partir das cores, formas, expressões visuais. Porém, esse recurso não
deve ser abandonado como estratégia de aprendizagem em outros níveis de ensino
e, especialmente, nas classes de línguas estrangeiras, pois, conforme as
Orientações Curriculares (OCEM) apontam, “é fundamental trabalhar as linguagens
não apenas como formas de expressão e comunicação, mas como constituintes de
significados, conhecimentos e valores” (BRASIL, 2006, p. 131). Os valores e
conhecimentos que se pretende formar através da captação de sentidos desse texto,
em especial, é a noção de que uma das maneiras de se conservar a saúde durante
a vida é cultivar bons hábitos alimentares combinados com atividades físicas, numa
comprovação de que ser velho não é, necessariamente, sinônimo de incapacidade e
saúde debilitada. O exemplo concreto e real, que é mostrado na foto, representa um
modelo de vida saudável que precisa ser imitado por todos e que deve começar o
quanto antes, já na infância ou adolescência, pois é, comprovadamente, uma das
maneiras de garantir saúde, dignidade e cidadania por toda a vida.
91
Este tipo de formação de conhecimentos e valores, em princípio, se
entenderia como sendo de responsabilidade, dentro do currículo do ensino médio,
das disciplinas biologia ou educação física, porém, perfeitamente analisável dentro
do conteúdo de língua estrangeira, criando-se assim um novo ângulo de
aprendizagem e extração de sentidos e valores a partir de um mesmo assunto. Essa
“atitude” interdisciplinar, como diria Fazenda (1979, p. 39), é o que efetivamente
garante mais preparação para a vida, continuando a produzir conhecimentos e
valores importantes para a conservação da cidadania, mesmo depois de concluída a
escola formal, que são perspectivas da educação politécnica e omnilateral,
defendidas e justificadas no capítulo quatro desta tese.
Seguindo um pouco mais adiante no caminho da interdisciplinaridade com
a educação física, apresenta-se o sétimo texto, na página 10 do Anexo, retirado da
mesma fonte do texto cinco, onde se enfatiza a influência da atividade física e seus
benefícios na terceira idade, como forma de reforçar o que foi abordado nos dois
textos anteriores. Nesse texto a atividade física é ressaltada como solução para
evitar, reduzir ou eliminar muitos dos problemas físicos, psicológicos e sociais,
presentes no processo de envelhecimento. As atividades propostas seguem na
direção da formação de consciência crítica nesses estudantes adolescentes da
formação técnica em saúde, para que possam preparar seu próprio processo de
envelhecimento e respeitar o alheio, numa postura ética de compreensão das
diversidades, tanto no exercício de sua profissão como técnico em saúde, quanto
exercendo o seu papel de cidadão comum.
6.4 LIÇÃO 4: QUESTÕES DE GÊNERO E ENVELHECIMENTO
No oitavo texto (página 11 do Anexo), vemos como mais uma vez o
gênero tiras, por meio de uma linguagem que joga com o humor e o riso, apresenta
uma nova circunstância do fenômeno envelhecimento. Utilizando-se de um estilo
sincrético de produção de textos, conforme já foi explicitado, Maitena tem procurado
transmitir o que pensam e sentem homens, mulheres e crianças. Porém, ela tem
dedicado várias de suas tiras a expressar preocupações dos mais velhos a partir do
ponto de vista da vaidade feminina, como é o caso da tira que foi selecionada para
92
servir de introdução à polêmica disputa entre os gêneros (homem x mulher), que
sempre esteve presente e que se perpetua também na idade mais avançada.
Segundo informações comprovadas pela Organización Panamericana de la Salud
(OPS), cujos dados constam do nono texto selecionado para a unidade didática, as
mulheres vivem em média mais que os homens. Porém, nem sempre elas vivem
melhor que eles. Seu estado de debilidade é maior que nos homens dessa faixa
etária, fato que se agrava pela precariedade no atendimento a idosos nos serviços
de saúde, em geral. Na tira cômica, uma das personagens aponta a longevidade da
mulher como mais uma desvantagem frente ao homem. Trata-se de um assunto que
deve ser levado a debate em sala de aula, embasado pelo nono texto (página 12 do
Anexo) que, além de levantar a mesma questão que é ironizada no texto de Maitena,
também apresenta o resultado de pesquisas científicas na área de saúde da mulher
no continente americano, sobre esse problema. Nesse texto, condena-se o uso do
fator idade como único parâmetro para realizar diagnóstico ou tratamentos de
doenças na terceira idade em pessoas do sexo feminino, já que cada caso é um
caso e a idade nem sempre é determinante. Mais uma vez, além de informação
sobre um assunto pertinente, é interessante despertar no aluno que se prepara para
atuar na área da saúde uma postura crítica frente à discriminação etária e genérica,
que também ocorre neste campo, conforme já ressaltou o primeiro texto da unidade.
Este tipo de atividade reitera o que já vem sendo dito, em relação à
importância da integração dos saberes na formação integral dos alunos. A
diversidade lingüística, cultural e de gênero discursivo, que caracteriza os textos
selecionados para a abordagem didática em análise, é uma forma de colocar o
estudante em contato com a diversidade em que vivemos. É a partir da
compreensão e da inter-relação dos diferentes fatos que nasce a possibilidade de se
pensar criticamente uma determinada questão, a ponto de se encontrar soluções
que resolvam, ou que ao menos amenizem certas dificuldades. Essa possibilidade
de tratar temas reais, onde professor e alunos podem utilizar como base suas
próprias experiências para trocar idéias sobre assuntos de um programa disciplinar,
é uma forma de desfazer as barreiras que foram se formando entre as variadas
disciplinas. A relação de enfermidades causadoras da mortalidade ou debilidade em
mulheres da terceira idade nas Américas, apontada no texto nove, por exemplo,
corresponde a uma terminologia que não é comum dentro do programa de aulas de
E/LE de qualquer escola ou curso de idiomas. Entretanto, no contexto em questão e
93
conforme os objetivos traçados para essa pesquisa, utilizar a terminologia de outras
áreas e saberes para ajudar na compreensão de determinados temas, pode
representar um dos meios de aproximação do ensino/aprendizagem de língua
estrangeira ao de outras áreas do conhecimento geral e técnico em saúde. Em
outras palavras:
Estos temas reales, que deben nacer de una necesidad también real,
atraviesan transversalmente el espacio de la clase de forma a
propiciar el encuentro de diversas asignaturas del currículo escolar y
también del currículo paralelo, donde se encuentran aquellas otras
asignaturas que la escuela no introdujo oficialmente, en la formación
del alumno, pero que necesitan ser conocidas con la misma
seriedad. (PARAQUETT, 2007, p. 54)
O “currículo paralelo”, de que fala Paraquett, é uma retomada dos PCNs,
quando explicam a participação dos “temas transversais”, nos currículos em geral.
Segundo o documento, além do currículo composto pelas disciplinas
tradicionalmente conhecidas e fixas dentro de um programa escolar, também é
importante considerar os conhecimentos paralelos que podem e devem ser
trabalhados por qualquer das disciplinas fixas, daí a classificação de “currículo
paralelo”. Entre esses temas estão a preocupação com a saúde, a ética nas
relações cotidianas entre as pessoas, o respeito aos direitos humanos e a expressão
da sexualidade, que são os que efetivamente aparecem enfatizados nesta proposta
de unidade didática para o ensino de E/LE.
6.5 LIÇÃO 5: ENVELHECIMENTO E SEXUALIDADE: INTERESSES, CRÍTICAS E
PRECONCEITOS
O décimo texto, na página 15 do Anexo, que é um fragmento de Memoria
de mis putas tristes, corresponde ao gênero discursivo romance, onde predominam
descrição e narração. Foi publicado em 2004 pelo escritor colombiano Gabriel
García Márquez, um exemplo de lucidez e produtividade entre os mais velhos, visto
que ele, assim como o seu personagem nessa obra, já cumpriu noventa anos.
Dentro da transversalidade dos temas, que possibilita a utilização do
chamado “currículo paralelo”, o item que aparece enfatizado nesse e nos dois textos
94
seguintes (o décimo primeiro e o décimo segundo do Anexo) é a questão da
sexualidade. Esse assunto, ainda envolto em tantos tabus e preconceitos, faz parte
da essência humana e interfere diretamente no comportamento das pessoas frente
ao outro e perante a si mesmo. Portanto, um tema que também merece atenção no
processo de construção do conhecimento, pois saber lidar com as manifestações de
desejo e comportamento sexual é fundamental em qualquer idade da vida, para
sermos capazes de administrar esse fenômeno a nosso favor, de modo que seja
possível estruturar a vida de uma forma saudável em sua totalidade orgânica e
psicológica.
Em García Márquez, se por um lado está o desejo sexual naturalmente
manifestado em um senhor de noventa anos, desconstruindo uma idéia
preconceituosamente constituída de que libido é coisa de gente jovem, por outro
lado também aponta um sério problema social para o qual não podemos fechar os
olhos no Brasil e na América Hispânica, que é o da prostituição infantil. Esse
problema vem se agravando ano após ano, alimentado pela miséria, pela falta de
estrutura familiar e pela inércia do poder público. Tudo isso gerando graves
problemas de saúde pública e ferindo os direitos humanos, sobretudo os direitos da
criança e do adolescente. Meninos e meninas expostos a todo tipo de doenças
sexualmente transmissíveis, fora da escola e distantes da educação de que
necessitam nessa fase da vida, estão longe de garantir sobrevivência digna e,
menos ainda, um processo de envelhecimento saudável. E isso se conseguirem se
manter vivos dentro da média de vida estimada para os dias de hoje, em condições
dignas de sobrevivência.
Essa forma de abordagem dos conteúdos no ensino/aprendizagem de
línguas também encontra muito respaldo dentro das teorias da lingüística aplicada
crítica, transgressiva e indisciplinar, visto que a mesma
argumenta que o grande desafio para a epistemologia de nossos
dias é construir uma forma de produzir conhecimento que, ao
compreender as contingências do mundo em que vivemos, possibilite
criar alternativas sociais para aqueles que sofrem às margens da
sociedade. (MOITA LOPES, 2006, p. 30)
Então, levar os estudantes a compreenderem as contingências do mundo
em que vivemos, sensibilizando-os a pensar alternativas para eliminar o sofrimento e
a exclusão de tantas pessoas, pela falta de acesso aos direitos básicos de cidadão,
95
é, de algum modo, unir teoria à prática. Nisso também consiste a ação que na
EPSJV move o ideal da politecnia e do “currículo integrado, definido como um plano
pedagógico que articula dinamicamente trabalho e ensino, prática e teoria, serviço e
comunidade” (PEREIRA; RAMOS, 2006, p. 77).
O texto de García Márquez, além de estabelecer relação de
interdisciplinaridade com a disciplina literatura e transversalidade com questões
sociais que precisam ser discutidas, também representa um incentivo ao pensamento
crítico reflexivo. Isso é o que pode gerar ações transformadoras para a melhoria da
sociedade e da existência humana, buscando aplicar na prática as reflexões que
surgem a partir da observação de uma dada teoria. Além disso, é importante que o
aprendiz se aproprie assim “de uma língua falada por uma comunidade de outra
cultura para que este possa se familiarizar com produções lingüísticas científicas e
culturais, ampliando a troca e a aquisição de novos conhecimentos” (EPSJV, 2005,
p. 152). Afinal, conhecer a língua e a cultura do outro é determinante para o melhor
entendimento da nossa própria cultura e realidade.
Pese a diferença total de gênero discursivo, com uma predominância
quase que absoluta da linguagem visual sobre a verbal, o texto seguinte, o décimo
primeiro, na página 16 do Anexo, apresenta certa coincidência com os sentidos
percebidos no texto de García Márquez. Trata-se de uma tira cômica de Quino, o
mesmo autor de Mafalda conhecida produção de tiras traduzida a vários idiomas.
Outra vez, vale salientar a importância da diversificação dos autores e dos contextos
culturais de produção dos textos selecionados, visando desfazer certa hegemonia
lingüística do espanhol peninsular que por muito tempo se estabeleceu, sem dar
margem ao contato dos alunos e professores com diversidades lingüísticas e
culturais da língua espanhola. A idéia é, portanto, “substituir o discurso hegemônico
pela pluralidade lingüística e cultural do universo hispanofalante, ensejando uma
reflexão maior” (BRASIL, 2006, p. 134), visto que nenhuma postura hegemônica
faria sentido dentro de uma proposta que trabalha o ensino/aprendizagem a partir de
uma concepção de educação democrática, ética, crítica e humanística, conforme
apresenta o Projeto Político-Pedagógico (PPP) da EPSJV.
Voltando ao texto de Quino, a primeira atividade na busca pela captação
de sentidos é a quase inevitável comparação com o fragmento de García Márquez:
Compara el texto de García Márquez con esta viñeta de Quino y encuentra
puntos en común entre sus presonajes. Nos dois textos há certa coincidência
96
entre os personagens, em vista de suas fantasias no âmbito da sexualidade. Deixar
que os alunos construam toda a intertextualidade que consigam é um exercício que
estimula a participação deles no processo de aprendizagem e amplia a capacidade
crítica diante dos fatos da vida. É fundamental que reconheçam como sentidos
desses dois textos a representação de problemas sociais como a discriminação dos
mais velhos em relação à sexualidade ou a algum outro tipo de incapacidade, além
da problemática da prostituição, como aspectos que merecem a atenção de todos. O
fato de existirem duas senhoras, uma no romance e outra na tira, que de alguma
forma procuram dificultar a realização de desejos e fantasias dos personagens dos
senhores idosos, pode ser analisado como a representação de uma das
discriminações sociais que coloca os idosos como impossibilitados totais, inclusive
no que diz respeito às atividades sexuais. Esse tipo de abordagem em sala de aula
de E/LE pode reforçar a formação de personalidades críticas, com o domínio de
argumentos para se posicionarem diante dos problemas do mundo e da vida.
Em vista da existência de tantos problemas sociais, torna-se
indiscutivelmente válida a crítica que atualmente se está fazendo ao ensino da língua
pela língua, sem estabelecer pontes com a realidade dos aprendizes. É fundamental
despertar neles uma postura crítica e a capacidade de continuar aprendendo,
conforme sugerem os PCNs e as justificativas para a interdisciplinaridade. O que não
difere muito do que as teorias da educação profissional defendem, conforme apontam
os comentários abaixo:
Caminhar por essas perspectivas na formação dos profissionais da
área de saúde pode ajudar na ruptura da linearidade, das verdades
absolutas, na fecundação recíproca de diferentes campos do
conhecimento, trazendo para o palco cenas de outros fazeres, de
outros entendimentos, outras possibilidades, outras relações e
articulações, outras dimensionalidades, movimentando nossos
olhares, nossas práticas [...] reconhecendo os nãosaberes, ousando
defrontar e reler a realidade, superar os preconceitos, descobrir e
trabalhar com a diferença, com a diversidade e a pluralidade.
(BAGNATO; MONTEIRO, 2006, p. 253-254)
Seguindo a perspectiva de “outros fazeres”, “outros entendimentos” e
trabalhando a diversidade em todos os sentidos, aparece o décimo segundo texto,
na página 17 do Anexo, que é um quadro do pintor espanhol Francisco de Goya,
97
produzido em uma fase conhecida como Pintura negra.
19
Por meio da pintura, é
possível estabelecer relação de interdisciplinaridade com artes plásticas e história,
justificando assim a escolha dessa obra para mais uma abordagem dentro do tema
envelhecimento. Enfatizando com outras palavras, a
intenção é a de vivenciar a utilização das artes plásticas na aula de
E/LE e, ao mesmo tempo, informar sobre questões históricas que
construíram/constroem a identidade do universo cultural hispânico.
Isso significa estabelecer diálogos interdisciplinares entre língua,
história e pintura. (PARAQUETT, 2004, p.197)
Sabemos que os pintores e suas obras são verdadeiras representações
de sua época. Las viejas ou El tiempo (1810-1812) é uma tela onde podemos
identificar, perfeitamente, parte do contexto social, político e cultural do início do
século XIX, na Europa. Naquele período, Goya, que era o pintor oficial da nobreza
espanhola e, portanto, profundo conhecedor de seus costumes, manias,
preocupações e desmandos, passou a ter uma postura mais crítica, e não mais a de
um mero “retratista” das imagens que lhe encarregavam. Assim, no quadro em
questão, Goya apresenta Cronus, o cruel e implacável deus do tempo, abrindo as
asas sobre duas anciãs. As duas bem vestidas e bem maquiadas, à moda da
realeza da época, parecem retomar um dos episódios de um famoso conto de fadas
que mostra a clássica preocupação feminina com a aparência. As anciãs indagam
sobre sua beleza ao espelho, revivendo de certa forma a mesma atitude da
madrasta de Branca de Neve. É importante observar que uma delas leva no cabelo
um adorno igual ao que usava a rainha Maria Luisa naquela época. Todos esses
detalhes podem ser entendidos como uma crítica às futilidades da nobreza, a sua
vaidade e à importância que davam a necessidades menores em prejuízo das
necessidades reais do povo, por exemplo. Entretanto, dentro da perspectiva da
sexualidade, o sentir-se bem orgânica ou fisicamente é importante em qualquer fase
da vida e, nesse caso, a vaidade e o cuidado com a aparência não teria, de forma
alguma, uma conotação negativa. Então, pode-se dizer que, através desse quadro, é
possível ler que o tempo passa para todos independente da classe social a que
pertençamos. Porém, o mais importante, de acordo com o que já foi levantado, é
que todos tenhamos direito a uma sobrevivência com saúde, educação e trabalho
19
Fase em que Goya se posiciona politicamente fazendo críticas à nobreza de sua época. Na fase
anterior, denominada Colorida, ele se dedica apenas a pintar retratos de nobres, temas populares
e religiosos, sem maiores reflexões.
98
digno, para garantir bem estar físico e mental em todas as etapas da vida e,
principalmente, estarmos preparados para viver uma idade mais avançada com
dignidade e respeito. Esse texto (quadro) encerra, na unidade didática, a seqüência
que aborda a perspectiva da sexualidade em pessoas mais velhas. E a última
sugestão de atividade dessa seqüência Haz una pequeña investigación sobre
sexualidad en la tercera edad. Para eso puedes utilizar la Internet. leva o
aluno a expandir o conhecimento sobre esse tema que, além de lhe fornecer
conteúdos esclarecedores relacionados com saúde na terceira idade, de uma
maneira geral, também favorece o enfraquecimento de possíveis preconceitos.
Sabemos que, na cabeça de muitas das pessoas mais jovens, o envelhecimento é
algo muito distante, quase improvável. Em geral, não atentam para o fato de que o
tempo vai passar e que é preciso se preparar para isso, dando atenção desde
sempre à saúde, por meio de práticas saudáveis, tais como as que já foram
discutidas até esse ponto: alimentação adequada, exercícios físicos, sexo
responsável, informação e cautela ao utilizar certos medicamentos, enfim, tudo o
que possibilite um processo de envelhecimento digno e cidadão.
6.6 LIÇÃO 6: O ENVELHECIMENTO NA REALIDADE ARGENTINA
O décimo terceiro texto da unidade, na página 18 do Anexo, retoma, na
forma de gênero ensaístico, informações históricas e demográficas da terceira idade
em âmbito mundial, já apresentadas anteriormente. Porém, se concentra nas
perspectivas do envelhecimento na Argentina. O autor Mempo Giardinelli é um
contemporâneo que tem trabalhado com a preocupação de alertar, sobretudo os
mais jovens, para a necessidade de se rever conceitos e preconceitos que
historicamente foram se construindo na Argentina e que acabam por dificultar a
convivência entre todos. Na Argentina, segundo Giardinelli, criou-se uma rejeição à
velhice, gerando certa crueldade no trato dispensado aos mais velhos. E, como
observa o próprio autor nesse texto, “la vejez siempre es algo que le está pasando a
otro, siempre parece estar diez años más allá” (GIARDINELLI, 1998, p. 398).
Espera-se que, com a leitura desse fragmento, aproveitando a
possibilidade de intertextualizar as informações aqui obtidas com outros textos da
99
unidade, com as experiências e/ou com o conteúdo estudado em história, geografia
ou outra disciplina do currículo, nossos alunos possam estabelecer pontes para
melhor apreender os sentidos possíveis do texto em questão. Quando isto acontece,
certamente será possível a eles perceberem que as questões apresentadas pelo
argentino Giardinelli encontram muitas semelhanças com a realidade brasileira e com
outras partes do mundo também. Pois, como já foi discutido, o preconceito em relação
aos mais velhos, a supervalorização do aspecto material e da aparência física fazem
parte de um processo histórico que encontra muita ressonância nos dias atuais,
principalmente em função do momento socioeconômico que estamos vivendo, no qual
protagoniza o capitalismo impulsionando o consumismo e o caráter descartável de
todas as coisas, até mesmo das pessoas e, principalmente, das mais velhas.
O objetivo, com esse texto, é o de despertar nos alunos a consciência de
que o envelhecimento é um fato, e não um problema, para as sociedades mundiais.
Conforme opinião do autor do ensaio: “Si la población de viejos crece, ¿y, qué hay
con ello?” (GIARDINELLI, 1998, p. 401) O que importa mesmo é pensar e colocar
em prática políticas sanitárias que levem em conta o aumento da população mundial
de idosos, além do respeito as suas necessidades como cidadãos que são, pois
nenhum deles quer se tornar um fardo que exija o sacrifício dos mais jovens; querem
apenas o reconhecimento por tudo o que já ajudaram a construir na sociedade,
“para que el futuro, del tamaño que les quede por delante, tenga sentido y valga la
pena vivirlo hasta el último minuto” (GIARDINELLI, 1998, p. 403).
6.7 LIÇÃO 7: O TEMA DO ENVELHECIMENTO ATRAVÉS DAS ARTES: DANÇA,
MÚSICA E CINEMA
O décimo quarto texto, na página 21 do Anexo, começa por uma reflexão
da conhecida bailarina de flamenco, Cristina Hoyos: “Me considero un puente
entre lo anterior y lo posterior”. Ela é mais um exemplo de sexagenária ativa a
quem os anos de vida não tiraram a capacidade de expressão corporal na sua arte
de dançar. Além de se apresentar por toda a Espanha, essa artista também faz
shows no exterior, já tendo estado inclusive no Brasil por mais de uma ocasião.
Cada vez que se apresenta, ela faz muitos jovens e velhos repensarem a própria
100
trajetória de vida e os preconceitos que se formam em torno da funcionalidade dos
mais velhos. Esse texto, que narra e descreve a vida e a arte dessa espanhola,
utilizando o gênero jornalístico, foi escrito por Juanjo Castillo e publicado em uma
página da internet. O objetivo do texto é informar e promover o trabalho de Cristina
Hoyos e parte da cultura de um povo em forma de música e dança. E o objetivo que
justifica o uso deste tipo de texto é o de enfatizar que a chegada da terceira idade
não pode ser empecilho para se continuar vivendo de forma ativa, produzindo,
transpondo barreiras, a exemplo de Cristina, que conseguiu superar até mesmo uma
doença grave, conforme informação passada no texto. E, certamente, a atividade
corporal tem grande participação nesse tipo de superação.
Voltando a uma questão apontada no texto de Giardinelli, onde ele diz
que os anciãos que têm alguma função pública não enfrentam discriminação, não
são tachados de “sexagenários”, etc., pelo simples fato de serem famosos, talvez
possamos concluir que isso se deva não à fama propriamente, mas sim ao fato de
se manterem ativos, produtivos e funcionais como qualquer pessoa mais jovem.
Essa sim pode ser a explicação para que Cristina e outros idosos famosos consigam
arrastar multidões de fãs e admiradores que os respeitam pelo seu trabalho, não
importando muito a idade que tenham. É certo que, segundo o texto do jornalista
espanhol Juanjo Castillo, Cristina enfrentou preconceitos na sua trajetória artística,
porém eram de outra ordem, e não relacionados com a idade, que é o foco nessa
unidade dedicada aos mais velhos.
O texto seguinte, o décimo quinto, na página 22 do Anexo, está dentro do
gênero canção, recurso discursivo que junta dois tipos de linguagem: a escrita e a
musical. “O sea una canción es, a la vez, un poema y una música, dos géneros que se
mezclan en uno sólo” (PARAQUETT, 2006, p. 136-137). E que, por isso mesmo, se
constitui um excelente instrumento para captação de sentidos que podem aprimorar o
juízo crítico e a capacidade de compreensão do mundo, das pessoas, dos
sentimentos e das culturas, contribuindo para uma formação omnilateral do ser
humano como um todo e que corresponde a uma das perspectivas da formação
profissional em saúde na EPSJV. Assim, estimular os alunos a estabelecerem
relações entre a mensagem poética e a melodia que compõem uma determinada
canção pode ser um fértil caminho para a produção de conhecimento sobre a
essência humana e sobre eles mesmos. Ver como o tema envelhecimento é retratado
na poesia musicada, que é a canção Años do cubano Pablo Milanés, pode despertar
101
no nosso aluno o interesse pela cultura cubana e pela relação que ela estabelece com
o nosso contexto cultural. Esse tipo de comparação, que pode ser orientada a partir
de uma busca por informação junto aos professores de história, geografia e música,
ou na internet, certamente ajuda na compreensão do próprio contexto cultural,
alargando os horizontes e a percepção global do mundo, que também são orientações
dos PCNs e da teoria da interdisciplinaridade defendida principalmente por Kleiman,
Moraes e Fazenda nos capítulos iniciais desta tese. Nas palavras de quem defende a
LA contemporânea: “todo conhecimento em ciências sociais e humanas é uma forma
de conhecer a nós mesmos e de criar possibilidades para compreender a vida social e
outras alternativas sociais” (MOITA LOPES, 2006, p. 104).
Para o aluno, o importante é perceber de que forma o assunto
envelhecimento é abordado nessa canção de Milanés, e ainda ser capaz de
relacionar com tudo o que já foi comentado dentro ou fora da unidade aqui descrita;
sempre construindo pontes e intertextualidades com os sentidos de outros textos e
com a sua realidade. Esse tipo de atividade permite que o estudante seja capaz
também de emitir opiniões contrárias ou a favor das idéias que se apresentam nesse
texto da canção ou em qualquer outro, com condições de fundamentar suas idéias,
que é parte do que se pretende com a formação politécnica. O exercício de
compreensão auditiva da canção e de percepção da variedade lingüística do
espanhol falado em Cuba, em comparação com outras variedades, também
representa um excelente recurso de ensino/aprendizagem de E/LE que considera as
diversidades culturais e lingüísticas, numa postura contra-hegemônica de
reconhecimento das múltiplas realidades que formam o universo hispânico.
Outra oportunidade de contato com o espanhol falado e suas variadas
realizações, no intuito de se compreender as variedades lingüísticas e sociais e
construir conhecimento, se dá por meio da linguagem cinematográfica. Essa
importante manifestação cultural e artística, criada para apresentar e representar a
vida, a história, a trajetória do homem na terra, os sentimentos que envolvem sua
existência, também pode ser uma especial estratégia para um ensino/aprendizagem
de E/LE capaz de formar opiniões críticas e devidamente fundamentadas. Por conta
disso, foi selecionado para esta unidade o filme Elsa y Fred, que aborda a temática
do envelhecimento humano e algumas das circunstâncias relacionadas a esse
período da vida. No filme, que será mostrado em sala de aula, essas questões são
colocadas de forma a desfazer idéias preconcebidas e, muitas vezes, equivocadas
102
sobre a natureza deste fenômeno, algumas das quais já abordadas através de
outros gêneros discursivos e comentadas neste capítulo. O filme escolhido é uma
produção argentina com participação espanhola, que foi lançada em 2005.
Conforme se pode ler no texto da sinopse, o décimo sexto da unidade, na
página 23 do Anexo, trata-se de uma obra que apresenta conflitos próprios da
terceira idade protagonizados pelos personagens Elsa e Fred. De comportamentos
opostos, enquanto ele é hipocondríaco e fechado, ela é expansiva, alegre e evita os
remédios. Por fim, se apaixonam e parecem conseguir um equilíbrio para a oposição
de caráter que existia antes.
A captação de sentidos através do gênero sinopse é outra importante
prática de incentivo tanto ao exercício da compreensão de textos escritos ou falados,
quanto à capacidade de sintetizar a partir de um tema amplo ou uma história
completa. A possibilidade de interdisciplinaridade e intertextualidade que o texto de
um filme oferece é muito abrangente e ideal como atividade de combate à
fragmentação do conhecimento e à compartimentalização dos conteúdos. Assim,
depois que os alunos assistam ao filme, último texto da Unidade (página 23 do
Anexo), é necessário guiá-los em um debate que possibilite uma espécie de
interconexão com toda informação já acumulada e com as experiências que eles e o
professor tenham, para que o aproveitamento da atividade seja o melhor possível. O
fundamental, nessa atividade, é a possibilidade de integrar, relacionar
conhecimentos, realidades e contexto cultural desses alunos, para melhor entender
e lidar com a heterogeneidade do mundo que nos cerca, tanto na vida pessoal
quanto profissional.
A unidade finaliza deixando margem à continuação do assunto,
entendendo que, por se tratar de uma problemática sociocultural tão complexa,
nunca se esgota, mas, avança junto com os avanços da humanidade. Para isso, são
indagados os próprios aprendizes sobre possibilidades que eles vislumbrem de
novas perspectivas a serem observadas e analisadas acerca do tema
envelhecimento. Também é sugerida uma reflexão a respeito do que foi
acrescentado ou modificado em termos de conhecimento geral e específico,
relacionado ou não com o tema enfocado.
Essa seleção de textos de tão variada procedência cultural e lingüística
ainda está longe de esgotar as possibilidades de recursos para o
103
ensino/aprendizagem de E/LE, dentro das perspectivas propostas como objetivos
dessa pesquisa. Nesse sentido, é válido observar o seguinte comentário:
O fundamental, portanto, em que pese a impossibilidade de abarcar
toda a riqueza lingüística e cultural do idioma, é que, a partir do
contato com algumas das suas variedades, sejam elas de natureza
regional, social, cultural ou mesmo de gêneros, leve-se o estudante a
entender a heterogeneidade que marca todas as culturas, povos,
línguas e linguagens. (BRASIL, 2006, p. 137)
Além de não esgotar possibilidades, este material também não pretende
ser fixo e permanente, pois, entende-se que diante de uma realidade híbrida,
múltipla e cambiante, qualquer material estará sempre sujeito a melhorias,
adaptações, modificações e adequações às necessidades dos aprendizes e do
contexto de sua realidade e formação.
104
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para encontrar caminhos e maneiras para que o ensino/aprendizagem de
E/LE possa contribuir com uma proposta de currículo integrado, que visa unir
o conhecimento geral ao conhecimento técnico em saúde, e alcançar os
objetivos inicialmente traçados de contribuição e adequação de E/LE a esse modelo
curricular, foram utilizados conceitos de LA, de Interdisciplinaridade e de Currículo
integrado na formação profissional em saúde. Foi possível constatar que os
conceitos destas três bases teóricas têm em comum o objetivo de promover
mudanças na realidade social, com a clareza de que isso só acontecerá quando já
não houver a fragmentação curricular, a dualidade no ensino e quando já não se
almeje “o saber pelo saber, ou a invenção pela invenção, deslocados de
compromissos éticos” (FABRICIO, 2006, p. 62). Esses conceitos aqui utilizados
representam um coro de vontades e esforços no sentido de formar cidadãos críticos,
conscientes de seus direitos e deveres, preparados para atravessar, transpor,
superar os problemas causados por uma sociedade classista, que é um modelo
social favorecido pelo capitalismo e por todas as iniqüidades que esse sistema tem
legado à humanidade. Através dos tempos e da história da economia mundial, já
vimos que o capitalismo pode mudar de cara e de estratégia, mas continua
oprimindo e alienando em favor de uns poucos e em prejuízo de muitos.
A partir desse cenário de problemáticas sociais e com base nas
pesquisas realizadas, dentro e fora do Brasil, considerando a clientela, o contexto e
a realidade em jogo (BRASIL PCNEM, 2002), a pesquisa percorreu, inicialmente,
o caminho da LA, ciência que de um modo geral estuda formas de melhorar o
processo de ensino/aprendizagem de LM e LE. Essa ciência, que surgiu no seio da
Lingüística Geral, veio para dar conta do que a matriz puramente teórica não
abarcava. A LA passou, então, por diversos estágios de aperfeiçoamento de
conceitos e aos poucos foi se consolidando como ciência que, em princípio,
construía conhecimento em prol da prática de ensino/aprendizagem de língua
materna e estrangeira. Porém, recentemente, essa ciência vem mostrando uma
nova cara, onde a chamada LA crítica (LAC), denominada assim por Pennycook
(1998) e seguida por Moita Lopes (2006) e outros lingüistas brasileiros, tende a ser
política e transformadora. E assim,
105
ao contrário do que freqüentemente acontece em outras partes do
mundo, no Brasil, a pesquisa em LA tem se espraiado para uma
série de contextos diferentes de sala de aula de LE e da sala de aula
de LM para empresas, para clínicas de saúde, para delegacia de
mulheres, etc. (MOITA LOPES, 2006, p. 19)
Na Espanha e em países da América Hispânica, por exemplo, a
preocupação continua sendo a criação de novos métodos e maneiras de ensinar
língua onde os limites são a própria língua. No caso da variedade peninsular, esse
procedimento tem sido alimentado pelo mercado editorial e por um projeto político
de incentivo à cultura e à língua como produto de venda, quase como um tipo de
colonização pela língua, buscando fazer frente à hegemonia da língua inglesa.
Entretanto, a mais nova tendência em LA, diferente das primeiras manifestações
nessa área, não pretende fazer aplicação de conceitos lingüísticos prontos e
acabados, desconsiderando o caráter múltiplo que a realidade apresenta. A LA
contemporânea, como também está sendo conhecida, parte da problemática para o
conceito, pois entende que a ciência e a produção do conhecimento devem
considerar antes de tudo as diferentes realidades, partindo da base dos problemas
sociais para então buscar construir os conceitos que lhe sirvam de orientação.
Para uma escola como a EPSJV, com um projeto de organização
curricular que visa integrar teoria e prática, conhecimento geral e técnico, com o
objetivo de formar pessoas e profissionais capazes de conduzir criticamente as suas
ações, trabalhando pela transformação das iniqüidades e pelo bem estar social, os
conceitos dessa LA progressista, “INdisciplinar” e “anormal” (MOITA LOPES, 2006)
representam uma direção conceitual perfeita. Assim, a LA funcionou como um norte
para o encaminhamento dessa pesquisa e para o seu desfecho, na forma de uma
unidade didática que se encaixa nessa reivindicação de transformação da realidade,
para eliminar a dualidade escolar e as diferenças de classes. Para seguir por este
caminho, o ensino/aprendizagem de E/LE precisa mesmo superar a fase do ensino
de língua pela língua, visto que esse tipo de postura pedagógica não favorece a
formação de indivíduos críticos e criativos, além de causar o desinteresse por parte
dos aprendizes. A LA contemporânea segue a tendência de pensar a educação com
fins emancipatórios, daí a pertinência de seus conceitos para uma pesquisa de
ensino/aprendizagem de espanhol que se propõe a contribuir com uma proposta
curricular que também valoriza o caráter emancipatório na formação de seus
estudantes. Para isso,
106
na hora de planejar o currículo e de elaborar a metodologia de ensino
de línguas, é preciso valorizar e levar em conta o conhecimento que
os próprios aprendizes já possuem e empregam como um dos fatores
importantes na tarefa de aprender. (RAJAGOPALAN, 2006, p. 161)
Essa é uma das indicações seguidas para a organização da unidade
didática que resulta dessa pesquisa, e que estarão especificadas mais adiante.
Com respeito à Interdisciplinaridade e ao Currículo integrado, concluo que
se tratam de teorias que se intercomplementam. Nas últimas décadas, a orientação
para integrar e relacionar conteúdos das várias áreas do saber curricular tem sido
cada vez mais insistente. Os PCNEM (BRASIL, 2002), reiterados e reafirmados
pelas OCEM (BRASIL, 2006), trazem justificativas para a integração que levam em
conta necessidades locais e globais. Da forma como se apresenta, a realidade só
será modificada em favor da maioria se tivermos uma sociedade composta por
pessoas integralmente preparadas e capazes de pensar saídas e soluções para os
problemas de desigualdade social. Uma formação do conhecimento fragmentada,
construída por meio de disciplinas estanques, não favorece a criatividade na
resolução dos problemas que a profissão e o mundo em geral nos apresentam.
Assim, quanto mais abrangente e completa for a visão que se tenha da realidade,
melhor será a capacidade de entendê-la e modificá-la; a inter-relação dos conteúdos
é o caminho que teóricas como Fazenda (1979, 1991), Kleiman & Moraes (1999),
Bagnato & Monteiro (2006) têm apontado como possibilidade para alcançar uma
formação mais ampla e condizente com as necessidades que a realidade concreta
nos impõe.
No caso da idéia de implantação de um currículo integrado para a EPSJV,
que também se apóia em conceitos como o da politecnia, “concepção que
compreende o trabalhador como sujeito de realizações, de conhecimentos e de
cultura, capaz de transformar a realidade dada em realidade para si” (PEREIRA &
RAMOS, 2006, p. 108), o caráter interdisciplinar é ainda mais específico, pois a
integração precisa acontecer no âmbito dos conteúdos do conhecimento geral, mas
também com aqueles que fazem parte da formação específica e técnica em saúde.
A intenção é exatamente a de formar profissionais com essa mesma capacidade de
contextualizar as informações e conhecimentos adquiridos com questões reais e
práticas da vida e da profissão, em convergência com os objetivos da LA crítica
quando aponta que “conhecimento que não considera as vozes daqueles que vivem
a prática social não pode dizer nada sobre ela” (MOITA LOPES, 2006, p. 101). Por
107
conta disso é que não pode haver distinção entre teoria e prática na formação dos
nossos estudantes, sob pena de se dar prosseguimento a um tipo de formação
fragmentada que o modelo de escola tradicional ainda apresenta, porém, que não
cabe mais como organização pedagógica eficaz dentro do contexto sociopolítico em
que estamos inseridos.
Metodologicamente, esta tese foi pensada de forma a produzir melhorias
junto ao ensino/aprendizagem de sujeitos em formação para o trabalho na saúde em
nível técnico, dentro de um contexto de aprendizagem (EPSJV) que procura
estimular a reflexão dos seus estudantes sobre temas como Trabalho, Educação,
Ciência, Meio Ambiente e Políticas de Saúde. O objetivo de tais estímulos é criar
nesses sujeitos uma relação de permanente crescimento pessoal e profissional por
meio da constante reelaboração de críticas e conceitos. Para tanto, o trabalho
desenvolvido na EPSJV tem caminhado no sentido de oferecer uma formação que
seja completa, integral e humanista, e que prepare o futuro profissional a continuar
aprendendo e articulando trabalho, educação e saúde na sua prática diária com o
trabalho ou ainda no prosseguimento aos estudos.
Considerando tudo o que foi apresentado, ficou claro que a participação
da disciplina E/LE na construção do currículo integrado da EPSJV não só é possível,
como se faz necessária e urgente. Afinal, como conteúdo que integra essa grade
curricular, o ensino/aprendizagem de E/LE não pode ficar fora de um projeto
pedagógico desse porte, diante de tantas indicações e justificativas teóricas, práticas
e legais, para interdisciplinarizar e integrar conhecimentos, que são, na verdade,
necessidades ditadas pelo atual contexto social e político. Então, para materializar
os objetivos inicialmente traçados, visando contribuir, adequar e construir
estratégias que possam aproximar e integrar conteúdos do ensino/aprendizagem
de E/LE ao das outras disciplinas da formação geral e da formação técnica em
saúde, estou propondo um tipo de abordagem didática específica para este fim.
Concretamente, dado o caráter inter e multidisciplinar do conteúdo de língua
estrangeira, a possibilidade de aproximação do seu contexto de aprendizagem ao
das outras disciplinas (gerais ou técnicas) e à realidade torna-se bastante
favorecida. Isso é o que permite a apresentação de uma unidade didática para o
ensino/aprendizagem do tipo da que está sugerida nesta tese. Essa unidade procura
apresentar tarefas de compreensão de sentidos, adotando um caráter interdisciplinar
e integrado que visa estimular o pensamento crítico. Por isso, os textos da unidade
108
pertencem a diferentes gêneros discursivos, com linguagens que muitas vezes são
oriundas do conteúdo abordado em outras disciplinas e com problemáticas que
fazem parte do contexto atual e contemporâneo, com o qual o aluno se identifica, já
que participa dele na sua vida prática. Assim, ele pode encontrar muito mais sentido
nos assuntos tratados em sala de aula e nas tarefas que é chamado a realizar, o
que, segundo Kleiman & Moraes (1999, p. 34), é um caminho para acabar com a
alienação que tem sido imposta pela escola tradicional.
De acordo com as defesas sobre a necessidade de transformação da
realidade, apresentadas pela LA crítica, por exemplo, a unidade didática sugerida
busca cumprir com essa função transformadora já no seu primeiro texto, quando
informa aos alunos a respeito da situação mundial das pessoas mais velhas. A
estimativa de vida e os problemas que encontram para receber atendimento médico,
em um sistema que ainda não está preparado para atender a tantos idosos ao
mesmo tempo, são assuntos que chamam a atenção para a necessidade de
modificação e melhoria de um aspecto da vida e da constituição social que não afeta
somente aos mais velhos, mas que é responsabilidade de todos, conforme alerta
feito no próprio texto. Essa chamada para uma postura crítica, condenando a
precariedade do atendimento médico aos idosos que, segundo o texto da unidade, é
mundial, leva o nosso aluno a investigar sobre a situação do sistema de saúde
brasileiro, onde também faltam programas de atenção à saúde dos idosos. Isso, sem
dúvida, estimula o pensamento de soluções para um problema que, se não for
resolvido já, pode vir a prejudicar pessoas do convívio próximo, como avós, tios e
pais ou a esse aluno mesmo, que igualmente já caminham para o estágio de velhice
que é inevitável a todos os seres vivos. Essa prática corresponde ao que
recomendam os estudos da LA crítica, quando dizem que “temos de produzir
conhecimento em que não haja distinção entre teoria e prática” (MOITA LOPES,
2006, p. 101). Nesse primeiro texto da unidade, a exemplo do que tratam outros
textos ali colocados como Malnutrición y salud alimentaria, Influencia de la actividad
física e Género y el envejecimento, a teoria se junta às idéias e experiências que os
alunos possuem na prática, para construir conhecimento em sua totalidade a
respeito dos subtemas que envolvem a questão do envelhecimento em geral. E
nessa linha também advogam os que são favoráveis à implantação de um currículo
integrado na educação profissional, pois, essa estrutura curricular “organiza o
conhecimento e desenvolve o processo de ensino-aprendizagem de forma que os
109
conceitos sejam apreendidos como sistema de relações de uma totalidade concreta
que se pretende explicar/compreender” (RAMOS, 2006, p. 80). A identificação desta
totalidade se dá por meio da interdisciplinaridade, uma das bases dessa pesquisa e
condição necessária à integração curricular. Embora o tema da saúde, na
perspectiva do envelhecimento, esteja presente ao longo de toda a unidade didática,
estabelecendo de alguma maneira relação de integração com todos os cursos
técnicos em saúde da escola, na lição dois se evidencia também uma integração
mais direta com conteúdos do curso de Vigilância em Saúde. Assim, a partir de um
texto que anuncia a chegada de um novo medicamento (página 4 do Anexo) para
retardar o processo de envelhecimento, o estudante e futuro profissional nessa área
é convocado a pensar sobre os possíveis danos que remédios dessa natureza
podem causar à população. E essa seria uma das atuações do profissional de
Vigilância que deve intervir para eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde das
pessoas. O mesmo caráter interdisciplinar e integrador com Vigilância também se
observa no texto seguinte (página 5 do Anexo), onde é anunciado um creme para o
rejuvenescimento da pele, com outras atividades de questionamento sobre a eficácia
do produto e sua real contribuição á saúde da população.
A unidade ainda continua integrando atividades com os conteúdos de
biologia (página 7 do Anexo) ao levantar os prejuízos da má nutrição, estimulando
hábitos alimentares que tragam benefícios para a manutenção de uma vida longa e
saudável. A interdisciplinaridade se amplia quando, a partir dessas informações, o
aluno é estimulado a relacionar nutrição completa e apropriada com prática de
atividades físicas. O texto seguinte, que complementa essa relação e que ressalta a
importância das atividades físicas em apoio ao processo de envelhecimento, utiliza
conceitos e conhecimentos que tradicionalmente pertencem à disciplina educação
física, mas que, nesse momento, se tornam objeto de estudo no contexto de
ensino/aprendizagem de E/LE. As atividades propostas trabalham com a noção de
conscientização do aluno e futuro profissional da saúde, por um modo de vida que
garante sobrevivência mais longa e com qualidade, uma conscientização que o
ajuda como indivíduo e como profissional que tem o papel de orientar outras
pessoas em relação a procedimentos com a saúde.
Questões de gênero, desejo sexual e alguns preconceitos também são
abordados nesta unidade didática, cujo tema central é o envelhecimento. Nos textos
oito e nove, por exemplo, são levantadas algumas diferenças e discriminações
110
relativas ao gênero. Comentários sobre o que é justo ou não na vida de homens e
mulheres mais velhos levam os alunos a repensarem a discriminação que sofrem
ambos os gêneros em termos de debilidade e problemas de saúde na terceira idade.
Mais adiante, no fragmento de Memoria de mis putas tristes, de García Márquez, na
tira cômica de Quino e no quadro de Goya, questões de sexualidade são abordadas,
estimulando os alunos a refletirem sobre a heterogeneidade da natureza humana e a
atentar para situações que as novas teorizações em LA também estão enfocando,
quando dizem que estamos vivendo “tempos em que os ideais da modernidade têm
sido questionados e reescritos, principalmente, aqueles referentes à definição do
sujeito social como homogêneo” (MOITA LOPES, 2006, p. 22). Essa representa uma
indicação para que a diferença e a diversidade, em todos os aspectos da vida
humana, façam parte dos conteúdos de ensino/aprendizagem em geral. A
interdisciplinaridade com os conhecimentos de literatura e arte também estão
presentes nessa seqüência de textos.
Com o intuito de intervir em determinadas práticas sociais, pautadas pela
discriminação está o ensaio de Giardinelli (1998), fragmento de El país de las
maravillas, onde o autor traz para o debate a situação dos idosos na Argentina e a
discriminação e descaso que sofrem por parte dos mais jovens. Assim, conforme
indicações das teorias de LA, de Interdisciplinaridade e de Currículo integrado, essa
é mais uma forma de buscar na vida prática uma correspondência com as teorias
abordadas em sala de aula. Estabelecer pontes com a realidade, até mesmo com a
realidade de outros países, nos faz enxergar e compreender os problemas vividos
pela sociedade brasileira que apresenta muitas semelhanças com outras
sociedades, inclusive a argentina. São muitos os problemas sociais que necessitam
ser discutidos para que se possam encontrar formas de repudiar os preconceitos e
formar consciência crítica e livre dessas atitudes de exclusão social, que muitos
ainda demonstram no convívio com outras pessoas. Esse tipo de estudo ensaístico
no contexto de sala de aula de E/LE também se aproxima da concepção crítica da
LA contemporânea que condena as formas de produção do conhecimento sobre o
sujeito “que tradicionalmente o descorporificavam no interesse de apagar sua
história, sua classe social, seu gênero, seu desejo sexual, sua raça, sua etnia, etc.”
(MOITA LOPES, 2006, p. 23).
Por último, a unidade também apresenta atividades que estabelecem
relação de interdisciplinaridade com várias modalidades no conhecimento das artes,
111
contemplando assuntos diretamente ligados ao domínio de disciplinas que tratam
aspectos da cultura do teatro, da música, da dança e do cinema.
20
Mais uma vez
questões de discriminação são levantadas e outras perspectivas do envelhecimento
são avaliadas numa demonstração de que ser mais velho ou menos velho não é o
que determina a capacidade de produzir e reproduzir conhecimento e cultura. Afinal,
num contexto de formação ampla, pretendida pelo currículo integrado, pela
interdisciplinaridade e pela LA crítica,
é preciso contemplar o todo dessa formação que se pretende
oferecer aos nossos estudantes, dentro do qual uma disciplina deve
interagir com todas as demais para que se obtenham resultados de
maior alcance na constituição da cidadania. (BRASIL, 2006, p. 130)
Dessa forma, entendo que este é um dos caminhos possíveis para a
integração dos conteúdos da parte geral e técnica na educação profissional em
saúde, a partir do ensino/aprendizagem de língua estrangeira. Porém, nada impede
que professores de outras áreas pesquisem e elaborem material equivalente com o
mesmo propósito de contribuição ao currículo integrado em questão. Embora saiba
que esforços neste sentido já têm sido empreendidos por meio de projetos
individuais ou coletivos, que vêm sendo desenvolvidos nessa direção, por parte de
outros professores pesquisadores da EPSJV, nos diferentes laboratórios que
integram o curso e a totalidade da escola. Vale ainda ressaltar que a infra-estrutura
da instituição, o apoio técnico e a maneira como são conduzidas as atividades, o
incentivo total às pesquisas, dado a docentes e a discentes, a preparação e
disponibilidade horária dos professores representam um diferencial que certamente
não se encontra em qualquer lugar, e menos ainda em outras escolas públicas
brasileiras.
Portanto, creio que esse modelo pedagógico e sua ideologia integradora
entre ensino e pesquisa, teoria e prática deveria ser uma reivindicação da sociedade
brasileira como um todo, por conta da carência de pessoas capazes de pensar
criticamente a sua prática e de continuar produzindo conhecimento durante toda a
vida, tanto no aspecto profissional quanto pessoal. E todo esse projeto, pensado
para ser executado, inicialmente, nesse modelo de escola pública brasileira de nível
médio, representa apenas um grão de areia na imensidão da necessidade que os
20
Na EPSJV, também fazem parte da grade curricular as disciplinas: Música, Artes Plásticas, Artes
cênicas e Expressão corporal.
112
nossos estudantes têm de formação educacional com qualidade. Por isso, concordo
que esse projeto de integração e demais projetos de pesquisa apresentados não só
precisam ser levados a cabo, como também devem ser estendidos a todas as
escolas do país, ressalvadas as peculiaridades de cada região e necessidades de
cada clientela estudantil. Da mesma forma, essa proposta de ensino/aprendizagem
de E/LE, que por ora busca colaborar com os propósitos do PPP da EPSJV,
trabalhando temas que transversalmente mantêm relação de interdisciplinaridade
com outras disciplinas gerais e/ou técnicas, contribuindo para a estruturação
integrada de um currículo, também pode ser levada às outras instituições de ensino
médio. Porque, somente assim, será possível desfazer o modelo tradicional de
ensino de língua pela língua, desprovido de postura crítica, e garantir uma formação
para a vida, onde o aprendiz, a partir do conhecimento e da capacidade de analisar,
de forma ampliada, a realidade em geral, possa entender e melhorar o seu próprio
entorno.
Diante do caráter sempre mutável da realidade, classifico o resultado
atingido por esta pesquisa, em termos de conhecimentos e experiências acumuladas,
e de estratégias e recursos teóricos e metodológicos encontrados, não como um
ponto de chegada, mas, como uma possibilidade de partida rumo à construção de um
projeto de integração curricular, principalmente, se levarmos em conta o universo de
subjetividade que envolve o ensino de línguas e a educação em geral.
Seja como for, não dá mais para adiar a montagem e a efetiva execução
do grande projeto de construção de uma sociedade totalmente emancipada e justa,
onde a capacidade generalizada de relacionar, refletir e pensar de forma crítica
garanta autonomia e liberdade em âmbito individual e coletivo.
113
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ANEXO
“PERSPECTIVAS DEL ENVEJECIMIENTO” (UNIDADE DIDÁTICA)
(Por se tratar de uma unidade didática elaborada para uso em sala de aula, o anexo
tem paginação própria 1-25.)
Livros Grátis
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