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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em História
“O Oitavo Dia”: Produção de Sentidos Identitários na
Colônia Entre Rios-PR (segunda metade do século
XX)
MARCOS NESTOR STEIN
Florianópolis, SC
2008
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MARCOS NESTOR STEIN
“O Oitavo Dia”: Produção de Sentidos Identitários na
Colônia Entre Rios-PR (segunda metade do século
XX)
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade
Federal de Santa Catarina, como requisito
parcial para a obtenção do título de Doutor
em História.
Orientador: Prof. Dr. João Klug
Florianópolis, SC
2008
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AGRADECIMENTOS
A elaboração desta tese foi possível devido às contribuições de diversas pessoas e
instituições. Em primeiro lugar, agradeço ao Prof. Dr. João Klug, amigo e orientador, que
aceitou ser meu mentor nesta jornada.
Aos professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação da UFSC, em especial
à Nazaré, professoras Dra. Ana Lúcia Vulfe Nötzold e Dra. Eunice Sueli Nodari, pelos
ensinamentos.
Aos professores Dra. Beatriz Anselmo Olinto, Dr. Valberto Dirksen, Dr. Paulo
Pinheiro Machado e Dr. Cleber Cristiano Prodanov, por terem aceitado avaliar esse trabalho e
pelos ensinamentos por ocasião da realização da banca de defesa. Beatriz e Valberto foram
membros do Exame de Qualificação. Suas contribuições e questionamentos me ajudaram
muito a delinear a versão final da tese.
À UNIOESTE, em especial aos meus colegas do Colegiado de História, ao professor
Ciro Damke e à Sônia Lemanski, da Divisão de Capacitação Docente.
À CAPES, pela bolsa, o que possibilitou a realização de pesquisa na Alemanha.
À Cooperativa Agrária, pelo apoio.
Ao Arquivo da UNICENTRO.
Ao Instituto Martius-Staden, à Biblioteca Pública do Estado do Paraná e ao Arquivo
Público do Estado do Paraná.
À Elise Schmitt, pelas primeiras lições da língua de Goethe e Brecht.
À Cássia e Clarice Sieger, pelos ensinamentos da língua alemã, pela revisão e correção
das traduções dos textos escritos nesse idioma e no dialeto suábio. A vocês, meu
reconhecimento e meu muito obrigado.
3
À professora e amiga Simone Carvalho do Prado, que realizou a revisão ortográfica da
tese. Suas indagações me inspiraram em vários momentos da redação final.
Rolf e Renate Odebrecht, além da importante entrevista concedida, abriram as portas
de sua casa e amistosamente me receberam. Foram eles que me forneceram o documento que
inspirou a escolha do tema central da tese: A peça de teatro intitulada “O Oitavo Dia Der
Morgen des Achten Tages.”
A todos os suábios e moradores da Colônia Entre Rios, que emprestaram parte de seu
tempo e conhecimento para que eu pudesse escrever um pouco de sua história: Katharina
Hech, Horst Schwarz, Marietta e Franz Jaster, Matthias Wildmann, Anton Gora, Elisabeth M.
Leh, Karl e Telma Leh, Maria D. Schneiders, Rosely Essert e Franz Hermann.
Às funcionárias do Museu Histórico de Entre Rios: Monika Klein, Karin Detlinger e
Juliane Hulse, pela generosa acolhida e imprescindível auxílio.
Aos pastores Karl Gehring, Milton Jandrey e aos padres José Werth e Jackson
Tozzeto, pelas valiosas informações sobre a importância da religião para os suábios.
Ao professor Josef Gappmaier, que aceitou partilhar comigo seus conhecimentos sobre
a história dos suábios e de Entre Rios.
Aos colegas André, Márcio, Miguel, Ely, Cris, Fortkamp, Jó, Manuel, Elza, Samira,
Paula, Marquinhos, Jú, Lorena e Gabriel. Conviver com vocês me fez perceber que as
dificuldades presentes no trabalho de elaboração de uma tese podem ser encaradas de maneira
alegre e otimista.
Agradeço especialmente ao grande amigo André Voigt. Novamente estivemos as
voltas com pesquisas semelhantes, o que permitiu a troca de idéias e de informações, sempre
acompanhadas por uma cervejinha ou um mate bem cevado. André generosamente aceitou ler
4
meus escritos e suas sugestões foram de grande importância para o amadurecimento de muitas
reflexões presentes neste trabalho.
Durante minha estadia em Munique, Alemanha, contei com o apoio de minha irmã
Cleusa e de Pascal, meu cunhado franco-germânico. Em Karlsruhe, fui amistosamente
acolhido pelos meus afilhados Delci e Leocir.
Na Alemanha, as pesquisa foram realizadas na Biblioteca Pública de Munique, no
Instituto Ibero Americano de Berlim, na Casa dos Suábios do Danúbio em Haar e na Casa dos
Suábios do Danúbio em Sidelfingen. Em Haar, o senhor Gustl Huber e o casal Franke
prestativamente abriram as portas da instituição e me auxiliaram. Em Sindelfingen, fui
auxiliado amistosamente por Henriette Mojem e Johannes Neumayer.
Aos amigos Maurício, Isa, Emílio, “Saraiva”, “Feca”, Zuleica, Nilcéia, Sidnei,
Marceli, Márcio, Jefferson, Jean, e Janaína, com os quais compartilhei bons momentos na
Ilha da Magia.
Aos meus familiares, que, mesmo distantes, me apoiaram incondicionalmente.
À Luciana, meu grande amor, com quem compartilhei momentos de alegria e de
angústia durante a elaboração desse trabalho.
A todos vocês, citados ou não, meu muito obrigado!
5
SUMÁRIO
LISTA DE MAPAS E FIGURAS............................................................................... vii
RESUMO...................................................................................................................... ix
ZUSAMMENFASSUNG............................................................................................. x
ABSTRACT.................................................................................................................. xi
INTRODUÇÃO............................................................................................................ 12
CAPÍTULO I APÁTRIDAS EM BUSCA DE UMA NOVA PÁTRIA”:
deslocamentos, adaptação e encontros........................................................... 27
1.1 Donauschwaben: Identidade étnica e diáspora.................................................... 27
1.2 Notícias de uma Imigração: A chegada dos imigrantes pela imprensa
paranaense.......................................................................................................... 48
1.3 Relatórios dos primeiros anos da colônia............................................................ 58
CAPÍTULO II – “ACULTURAÇÃO” E IDENTIDADE ÉTNICA........................ 78
2.1 Um povo em formação: Discursos identitários no centenário do Paraná............ 79
2.2 O Raiar do Oitavo Dia: A teatralização do encontro.......................................... 93
2.3 Ao fechar das cortinas: Angústias, incertezas e dissensos................................... 118
CAPÍTULO III MEMÓRIAS DE JÚBILO: elaboração de sentidos
identitários em publicações comemorativas (1971 e 1976)...................................... 125
3.1 A reestruturação da Colônia................................................................................ 125
3.2 A produção de uma memória coletiva: “Suábios no Paraná” e “Entre Rios”..... 130
CAPÍTULO IV – GUARDIÕES DA MEMÓRIA-IDENTIDADE......................... 181
4.1 Heimatmuseum: Um lugar da memória suábia................................................... 181
4.2 Memórias de luto: O falecimento de Mathias Leh............................................. 194
4.3 Um povo luta pelo seu futuro: O passado inscrito no futuro............................... 199
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 225
FONTES....................................................................................................................... 230
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 239
6
LISTA DE MAPAS E FIGURAS
Figura 1 Mapa do Estado do Paraná.............................................................................. 14
Figura 2 Mapa da Europa Central (período anterior à Primeira Guerra Mundial)........ 29
Figura 3 Mapa da Europa Central (período posterior à Primeira Guerra Mundial)...... 30
Figura 4 Fotografia presente na capa do livro de Max Frösch...................................... 76
Figura 5 Fotografia “suábios na Colônia Entre Rios”................................................... 90
Figura 6 Fotografia “Mulheres suábias na Colônia Entre Rios” .................................. 91
Figura 7 Desembarque de Imigrantes Suábios do Danúbio no porto de Santos............ 158
Figura 8 Reparos na estrada que liga a Colônia à Guarapuava..................................... 159
Figura 9 Imagem do preparo do solo na Colônia Entre Rios ....................................... 160
Figura 10 Imagem de uma estrada alagada pela chuva em Entre Rios.......................... 160
Figura 11 Imagem da visita do Ministro da Agricultura Cirne Lima a Entre Rios....... 161
Figura 12 Imagem de uma colheita realizada durante a noite em Entre Rios .............. 162
Figura 13 Um grupo folclórico de Entre Rios............................................................... 163
Figura 14 Casal trajado com roupas típicas...................................... ............................ 163
Figura 15. Início da ocupação das áreas do Sudeste Europeu pelos antepassados dos
suábios do Danúbio....................................................................................... 168
Figura 16: Documentos de Georg Jung, referentes à sua emigração da Alemanha
(esquerda) e à posse de terras na Hungria (direita)....................................... 169
Figura 17 Aspectos da vida dos suábios no Sudeste Europeu....................................... 171
Figura 18 Fuga dos suábios do Sudeste Europeu (esquerda) e vista parcial de
Freistadt, na Áustria, onde muitos se refugiaram.......................................... 172
Figura 19 Imagens de suábios refugiados na Áustria (esquerda), sua chegada ao
Brasil e a viagem para Guarapuava............................................................... 174
Figura 20 Imagens de uma família deixando a Colônia (superior) e de dois homens
realizando reparos na estrada que liga a Colônia à Guarapuava................... 175
Figura 21 Imagem da procissão que relembra os mortos em campo de extermínio na
Iugoslávia (esquerda) e vista parcial do altar da Capela Memorial (direita) 177
Figura 22 Imagens de uma família suábia trajada tipicamente (esquerda) e de um
grupo de danças folclóricas....................................................................... 179
Figura 23 Vista parcial da exposição fotográfica do Museu Histórico de Entre
Rios............................................................................................................... 187
Figura 24 Acesso à exposição de objetos do Museu Histórico de Entre
Rios............................................................................................................... 188
Figura 25 Maquete da embarcação usada pelos suábios para chegar ao Baixo
Danúbio......................................................................................................... 191
Figura 26 Imagem parcial da exposição “Trajes da Velha Pátria”................................ 190
7
vii
Figura 27 Imagem parcial da sala Heimatstube: Reconstituição ambiental da velha
pátria” (interior de uma casa)........................................................................ 191
Figura 28 Imagem parcial da sala: “Objetos Trazidos da Velha Pátria”....................... 191
Figura 29 Imagem parcial do espaço dedicado à “Chegada ao Brasil”......................... 192
Figura 30 Imagem parcial dos “Objetos Usados nas Fazendas”................................... 192
Figura 31 Imagem parcial da “Reconstituição da Primeira Casa em Entre
Rios”............................................................................................................. 193
Figura 32 Imagem das primeiras ferramentas agrícolas utilizadas na colônia.............. 193
Figura 33 Mapa que mostra o caminho percorrido por Theresia Tettmann, na sua
fuga da Iugoslávia......................................................................................... 213
8
viii
RESUMO
Esta pesquisa objetiva analisar como a identificação suábios do Danúbio é elaborada e
cristalizada nos discursos sobre o grupo e sobre a Colônia Entre Rios, localizada no município
de Guarapuava, Centro–Sul do Paraná. A formação da colônia se deu a partir de 1951, com a
vinda de cerca de 500 famílias de refugiados da Segunda Guerra Mundial, oriundos da antiga
Iugoslávia, Hungria e Romênia. O foco de análise são os discursos que relacionam passado,
presente e futuro do grupo e, assim, por meio da constituição de uma memória coletiva,
constroem um sentido identitário suábio-danubiano em Entre Rios. A tese está dividida em
quatro capítulos. No primeiro, é apresentado o contexto da criação do termo suábios do
Danúbio (Donauschwaben) para designar grupos de descendência alemã que viviam nos
referidos países, o processo de fixação das famílias em Entre Rios e os discursos presentes na
imprensa paranaense e em relatórios elaborados no período inicial da colônia. O segundo
capítulo trata dos discursos - em especial a peça teatral intitulada O Raiar do Oitavo Dia
Der Morgen des Achten Tages - que apresentam a forma como se daria a inserção do grupo na
comunidade paranaense e brasileira. O terceiro aborda a elaboração de narrativas, com o
apoio da cooperativa da colônia, que criam determinada memória coletiva para Entre Rios. O
último capítulo investiga as formas de enquadramento de memórias individuais, constituindo,
assim, uma memória coletiva, principal suporte da identidade suabia-danubiana na colônia
Entre Rios.
Palavras-chave: Suábios do Danúbio, Identidade, Colônia Entre Rios.
9
ix
ZUSAMMENFASSUNG
Diese Forschung hat als Ziel, die Aussagen von und über die Donauschwaben und die
Siedlung Entre Rios zu untersuchen, die den Volksstamm aufbauten und bewahrten. Entre
Rios liegt im Bezirk Guarapuava, im Zentralsüden des Bundesstaates Paraná. Die Siedlung
wurde im Jahr 1951 erstmals gegründet von rund 500 einwandernden Familien, die vor dem
Zweiten Weltkrieg flüchteten und vom damaligen Jugoslawien, von Ungarn und Rumänien
abstammten. Der Hauptfokus dieser These liegt auf den Aussagen, die Vergangenheit,
Gegenwart und Zukunft dieses Volkes verbinden. Und somit bilden diese Aussagen ein
donauschwäbisches Volksbewusstsein in Entre Rios. Die These ist in vier Kapitel unterteilt.
Im ersten wird der Kontext zur Entstehung des Begriffs „Donauschwaben“ vorgestellt, um
deutschstammige Volksgruppen zu bezeichnen, die in den entsprechenden Ländern lebten. Im
selben Kapitel wird der Einlebungsprozess der Familien in Entre Rios beschrieben und die
Aussagen festgehalten, die sowohl in der Presse Paranás gegenwärtig sind als auch in
Berichten, die noch zu Zeiten der Siedlungsentstehung geschrieben wurden. Das zweite
Kapitel beinhaltet die Aussagen insbesondere das Theaterstück namens Der Morgen des
Achten Tages die darstellen, in welcher Form die Volksgruppe in die Gemeinschaft Paranás
und Brasiliens eingegliedert werden konnte. Im dritten Kapitel wird, mit Hilfe der
Siedlungsgenossenschaft, die Verarbeitung von Erzählungen aufgezeigt, die eine bestimmte
kollektive Erinnerung für Entre Rios bilden. Das letzte Kapitel befasst sich mit den Formen
der Zusammengliederung der individuellen Erinnerungen, die ihrerseits zu einer kollektiven
Erinnerung beitragen; und damit zur hauptsächlichen Unterstützung der donauschwäbischen
Identität in der Siedlung Entre Rios.
Schlüsselwörter: Donauschwaben, Identität, Siedlung Entre Rios.
.
10
x
ABSTRACT
This research aims to analyze how the identification Swabians of Danube is elaborated and
consolided in the speeches about Entre Rios group and colony, wich is located in the
municipal district of Guarapuava, centre south of Paraná. The formation of colony started in
1951, with the arrival of about 500 Second World War refugees families, wich origins are
placed in the former Yugoslavia, Hungary and Romania. The analysis focus on the speeches
that relate the group’s past, present and future and, like that, build a Swabian-Danubian
identification felling inside Entre Rios. The thesis is divided in four chapters. In the first, it
presents the context about creation of the term Swabians of Danube (Donauschwaben) to
appoint groups of German descendant who lived in those countries, the fixation process of
Entre Rios´s families and the reported speeches present in the press of Paraná and in reports
elabored during the initial period of building the colony. The second chapter attends speeches
– in special about drama titled Arise of the eighth day - Der Morgen des Achten Tages – that it
presents the form how it´ll give the inset of group in the community´s Paraná and Brazil. The
third accosts the elaboration of narratives, with the support of colony´s collective, that create
determined collective memory for Entre Rios. The last chapter searchs about the forms of
count of individuals memories, and is thus a collective memory, the main support of Swabian-
Danubian´s identity in the Entre Rios Colony.
Key words: Swabians of Danube, Identity, Entre Rios Colony.
words: Swabians of Danube, Identity, Entre Rios Colony.
11
xi
INTRODUÇÃO
Donauschwaben, ou “suábios do Danúbio”, é como se identificam os imigrantes
oriundos da antiga Iugoslávia, Hungria e Romênia, e seus descendentes, que vivem na colônia
Entre Rios, situada no município de Guarapuava, Centro-Sul do Estado do Paraná. A colônia
é constituída por cinco vilas
1
: Vitória, Jordãozinho, Socorro, Samambaia e Cachoeira.
2
A formação de Entre Rios, a partir de 1951, está ligada ao desfecho da Segunda
Guerra Mundial. Trata-se de um processo de diáspora que trouxe cerca de quinhentas famílias
de refugiados para o Paraná por meio de instituições de ajuda humanitária, principalmente a
Schweizer Europahilfe (Ajuda Suíça à Europa), com o apoio da Organização das Nações
Unidas, ONU, e o governo paranaense.
No início do ano de 2.000 visitei as vilas da colônia pela primeira vez. O principal
aspecto da comunidade - formada não pelos imigrantes e descendentes, mas também por
pessoas oriundas de Guarapuava e de outras partes do Brasil que me chamou a atenção, foi
o fato de os suábios se comunicarem preferencialmente em língua alemã (um exemplo é a
saudação Grüß Gott), além do acentuado sotaque, quando se expressavam em língua
portuguesa.
Ao adentrar o museu, localizado em Vitória, sede da colônia, fui recebido pela
coordenadora do museu, a qual prestativamente me mostrou o acervo e relatou um pouco
sobre a história da colônia e dos suábios. Em meio à conversa, ela me indagou sobre minha
1
Nos acessos principais das vilas, foram colocadas placas com o nome da localidade, o qual é precedido pelo
termo Dorf, cuja tradução é aldeia. De acordo com o Dicionário Silveira Bueno de Língua Portuguesa, aldeia é
uma povoação pequena de categoria inferior à vila; povoação rústica; povoação de aborígines; (...). BUENO,
Silveira. Minidicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: FTD, 2000. p. 44.
2
Em 1996, o número de imigrantes e descendentes vivendo na colônia era de cerca de 2.500 pessoas. Entre Rios
se destaca pela produção agrícola, sendo que a maioria dos agricultores suábios possui propriedades, em média,
com 250 hectares, alguns plantando mais de 1.000 hectares. MAJOWSKI, Francisco. Entre Rios. Guarapuava:
Cooperativa Agrária Mista Entre Rios Ltda. 1996. p. 23.
12
formação profissional e minha origem étnica, quando se mostrou espantada por eu não saber
falar a língua alemã, já que meu sobrenome é “alemão”.
Além das explicações da coordenadora, o contato com o acervo do museu, constituído
de fotografias, livros, jornais e objetos trazidos da Europa, levou-me a considerar que estava
diante de uma ótima possibilidade de desenvolver um estudo sobre a história do grupo,
principalmente acerca da construção e manutenção de sua identidade étnica.
3
Pois o
esforço no sentido de “preservar” a identificação de serem Donauschwaben, membros do
mais jovem grupo étnico germânico
4
.
Tal esforço é fomentado principalmente pela cooperativa da colônia, a Cooperativa
Agrária Mista Entre Rios Ltda. e pode ser visualizado em ações como a criação e manutenção
do museu, (HeimatMuseum), do Centro Cultural (Kulturzentrum Mathias Leh). Neste último e
na Escola Dona Leopoldina ocorrem, entre outros eventos, as apresentações de grupos de
danças folclóricas. Nessa escola há, inclusive, ênfase no ensino da língua alemã. Além disso,
a cooperativa possui uma emissora de rádio cuja programação, em parte, é em língua alemã e
um periódico bilíngüe: a Revista Entre Rios, onde são veiculadas matérias sobre questões
relacionadas à agricultura e sobre a história do grupo, principalmente por ocasião de datas
comemorativas, como o aniversário de fundação da colônia.
Figura n.º 1. Mapa do Estado do Paraná.
3
Cabe destacar que a opção pela temática também está relacionada ao fato de ter defendido a dissertação de
Mestrado em História, cujo tema é a análise de discursos de germanização em Marechal Cândido Rondon,
município situado no Extremo Oeste do Paraná. STEIN, Marcos Nestor. Construção do Discurso da
Germanidade em Marechal Cândido Rondon (1946-1996). Dissertação (Mestrado em História) Florianópolis:
UFSC, 2000.
4
Desta forma é que o historiador suábio Josef Volkmar Senz se refere ao grupo suábios do Danúbio no sugestivo
título de seu livro, publicado quando das comemorações dos 30 anos da Associação dos Suábios do Danúbio na
Bavária, os quais, semelhante aos que formaram a colônia Entre Rios, são oriundos na sua maioria da antiga
Iugoslávia. SENZ, Josef V. Die Donauschwaben der jüngste deutsche Neustamm. In: SCHMIDT, Stefan;
SENZ, Josef V. ; SONNLEITNER, Hans (Herausgegeben) Bayerische Donauschwaben donauschwäbische
Bayern. Dreißig Jahre Landmannschaft der Donauschwaben aus Jugoslawien Landesverband Bayern e.
V. 1949-1979. München: Landmannschft der Donauschwaben aus Jugoslawien Landesverband Bayern. 1979. p.
11-17.
13
FONTE: ELFES, Albert. Suábios no Paraná. Curitiba: [s.n.], 1971. p. 43.
O elemento central de identificação, presente nestes espaços, são as narrativas acerca
do passado do grupo. Nelas, aparece o vínculo com a Alemanha em razão de seus
antepassados serem oriundos do Sul e Sudeste deste país, os quais, após a expulsão dos turcos
da região do Danúbio Central (século XVIII), ocuparam essa área, que passou a fazer parte do
Império Austro-Húngaro.
Um exemplo desta narrativa pode ser encontrado na página eletrônica da cooperativa
Agrária:
Os suábios do Danúbio são um povo de etnia germânica. Sua origem é a "Suábia"
(Schwaben), uma antiga região européia, germânica, que hoje corresponde ao Estado alemão
de Baden-Württemberg (Sudoeste da Alemanha). Durante o Império Austro-Húngaro (quando
ainda não existia a Alemanha como um país independente), por volta de 1729, os suábios
participaram de um projeto de colonização de regiões do Sudeste da Europa que haviam sido
reconquistadas aos turcos. Desta forma, deixaram sua região de origem e desceram de barco,
pelo rio Danúbio, até aquelas terras, que por sua vez representam hoje algumas das ex-
repúblicas que formavam a Iugoslávia. Por esta razão, eles ficaram conhecidos como suábios
"do Danúbio".
5
5
http://www.agraria.com.br. Acesso em 13 de março de 2007.
14
Além disso, conforme Albert Elfes, no livro intitulado “Suábios do Danúbio no
Paraná”
6
, o grupo não provinha originalmente apenas da região conhecida como Suábia, mas
de diferentes províncias do reino alemão, sendo que essa denominação, que começou a ser
usada somente a partir de 1922, se deve ao fato de que todos embarcavam no rio Danúbio, na
cidade suábia de Ulm.
7
Refletir sobre o tema identidade étnica é pensar em processos por meio dos quais
pessoas elaboram significados sobre si, situando-se como pertencentes a um determinado
grupo. Conforme Stuart Hall, a identidade não é algo pronto, imutável, uma essência fixa,
mas dinâmica, construída e reconstruída (...) por intermédio da memória, fantasia, narrativa
e mito (...). São pontos instáveis de identificação ou sutura, feitos no interior dos discursos da
cultura e da história (...).
8
Nessa perspectiva, os discursos sobre o passado, sobre o presente e as projeções de
futuro - discursos esses que envolvem sentimentos como angústia, nostalgia e esperanças -
apresentam-se como importantes plataformas para a construção e manutenção de identidades
culturais, como é o caso dos “suábios do Danúbio”.
Portanto,
É precisamente porque as identidades são construídas dentro e não fora do discurso que nós
precisamos compreendê-las como produzidas em locais históricos e institucionais específicos,
no interior de formações e práticas discursivas específicas, por estratégias e iniciativas
específicas.
9
6
ELFES, Albert. Suábios no Paraná. Curitiba: [s.n.], 1971.
7
Ibidem. p. 18. Segundo ele, a ocupação área do Danúbio Central iniciou-se quando, entre 1658 e 1705, o
imperador Leopoldo I da Áustria fomentou a imigração de seus súditos do reino alemão. O projeto teve
seqüência em 1740, quando a Imperatriz Maria Theresia assumiu o trono da Hungria, e, em menor proporção,
estendeu-se pelo século XIX.
8
HALL, Stuart. Identidade Cultural e Diáspora. In: Revista do Patrimônio Histórico. Volume Temático:
Cidadania, n.º 24, p.70, 1996.
9
HALL, Stuart. Quem precisa da identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (org.) Identidade e Diferença.
Petrópolis: Vozes, 2000. p.109.
15
Cabe destacar que, na perspectiva da análise de discurso, não se trata apenas de
transmissão de informações, mas, nas palavras de Orlandi, (...) com maneiras de significar,
com homens falando, considerando a produção de sentidos enquanto parte de suas vidas,
seja enquanto sujeitos, seja enquanto membros de uma determinada sociedade.
10
Assim
sendo, enfocam-se os discursos como processos de argumentação que também constroem
sujeitos coletivos.
11
Inicialmente, a idéia era refletir a constituição da identidade suábia a partir da relação
com o outro, na diferença. Pretendia-se entender como ela se estabelecia na relação entre os
suábios e a comunidade não-suábia. No entanto, durante a pesquisa com as fontes, a
abordagem foi redirecionada. São três os principais motivos que levaram a esse deslocamento
do foco de análise.
O primeiro está relacionado às entrevistas. Foram realizadas várias entrevistas com
pessoas que participaram do processo de instalação da colônia, ou que ocuparam/ocupam
posições de destaque na localidade. Durante as entrevistas, vários depoentes solicitavam uma
pausa para buscar livros e se certificar da veracidade de suas lembranças, ou mostrar
fotografias para materializar sua fala. Situação semelhante ocorria também quando da
transcrição das entrevistas, pois houve solicitações para que fossem retirados vários fatos
narrados em comum, principalmente os que demonstravam a existência do dissenso na
comunidade ou que não se enquadravam nas narrativas presentes nos livros sobre a história da
colônia. O principal aspecto que muitos dos depoentes reforçavam, portanto, era a sua
afinidade com relatos publicados em livros, notadamente um deles: o de Albert Elfes.
O segundo motivo foi a leitura do Jornal de Entre Rios, que passou a ser publicado
pela cooperativa Agrária em 1986 e da Revista Entre Rios, que o substituiu a partir de agosto
10
ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 1999. p.10.
11
Ibidem. p. 21.
16
de 1994. Nesses periódicos, especialmente em ocasiões comemorativas, ocorre a veiculação
de um mesmo enredo discursivo sobre a história dos suábios e da colônia, ou seja, uma
repetição, a cada ano, de um mesmo sentido histórico.
Também pude verificar essa homogeneização da história suábia na Alemanha, ao
visitar três instituições culturais dos suábios do Danúbio (Haus der Donauschwaben). A
primeira em Haar, região metropolitana de Munique, Baviera, a segunda em Ulm e a última
em Sindelfingen, ambas localizadas em Baden-Württenberg. Nestas instituições, visualizei o
esforço para a produção e divulgação da história dos suábios, que vivem não somente na
Alemanha, mas em outros países, como por exemplo, a Áustria, Canadá, Estados Unidos,
Brasil, Austrália e a Argentina.
A constatação de tais elementos levou-me a buscar autores que fornecessem subsídios
para refletir sobre a constituição dessa história comum, sendo que um em especial, Jörn
Rüsen, inspirou-me a pensar acerca da constituição desse sentido identitário (a terceira
motivação). Para explicar a categoria sentido, Rüsen lançou mão de dois exemplos, ambos da
África do Sul. O primeiro é de um zulu que, por meio da narrativa de histórias, buscaria
defender a cultura de seu povo contra os brancos. O segundo exemplo consiste na utilização
de histórias em quadrinhos que apresentam o percurso da história sul africana por meio de
uma determinada seqüência temporal.
12
De acordo com ele,
A constituição histórica de sentido dá-se, pois não apenas na forma de uma narrativa elaborada
a partir de uma prática cultural oriunda das rotinas do cotidiano, como em uma celebração
cívica, em um discurso gratulatório (...). Ela perpassa todas as dimensões das mais diversas
manifestações da vida humana. Ela pode efetuar-se na forma de procedimentos inconscientes
que influenciam a vida concreta, como o recalque, o afastamento ou a reinterpretação das
lembranças, experiências e interpretações impostas que incomodam. Ela perpassa a
comunicação no dia-a-dia, na forma de fragmentos de memória e de histórias, de símbolos,
cujo sentido só transparece na narrativa.
13
12
RÜSEN, Jörn. Razão Histórica. Teoria da história: os fundamentos da razão histórica. Brasília: UNB, 2001.
p. 156-159.
13
Ibidem. p. 160.
17
Desta maneira, a questão central da pesquisa será perceber como a identificação
“suábios do Danúbio” é elaborada, imaginada e, por meio de quais marcos cristalizados nos
discursos sobre a história do grupo é fomentado o sentimento de pertencimento, de (re)criação
de um "eu" coletivo na colônia Entre Rios. Portanto, trata-se de uma investigação que visa
analisar as narrativas
14
que constroem a identificação do grupo, e não da formação de sua
identidade a partir das relações entre grupos distintos.
Assim, os principais focos de análise deste trabalho são os discursos indicadores da
identidade suábia-danubiana. Desde a fundação da colônia e, especialmente, a partir da
segunda metade da década de 1960, a elaboração de narrativas sobre o grupo, que são
veiculadas por meio de jornais, revistas e livros. Tais narrativas geralmente apresentam
discursos que descrevem o passado desse grupo na Europa e a sua vinda para o Brasil, nas
quais há, principalmente, a tentativa de apagar as diferenças entre os membros do grupo,
unindo-os por intermédio de uma memória comum.
Segundo o historiador francês Jacques Le Goff, (...) a memória é um elemento
essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das
atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia.
15
Memória e identidade são, portanto, problemáticas que, pela suas características, devem ser
tratadas em conjunto, pois constituem elementos que se sobrepõem, se imbricam. Esse
pressuposto também pode ser observado no livro intitulado História e Memória: a
problemática da pesquisa,
16
de Loiva Otero Félix. Ela afirma ser a memória um dos (...)
14
Cabe esclarecer que, embora as entrevistas orais tenham sido realizadas com base nas orientações de Meihy e
Alberti, este não pretende ser um trabalho de História Oral, na medida em que as entrevistas são utilizadas como
subsídios para a análise das fontes impressas, e não como foco privilegiado de análise. Sobre História Oral ver:
MEIHY, José C. S. B Manual de História Oral. São Paulo: Loyola, 1996; ALBERTI, Verena. História Oral: a
experiência do CPDOC. Rio de Janeiro: FGV, 1990.
15
LE GOFF, Jacques. História e Memória. 2ª ed. Campinas: UNICAMP, 1992, p.476.
16
FÉLIX, Loiva Otero. História e Memória: A problemática da pesquisa. Passo Fundo: EDIUPF, 1998.
18
suportes essenciais para o encontrar-se dos sujeitos coletivos, isto é, para a definição dos
laços de identidade.
17
Partindo das considerações acima, a memória, mesmo os relatos individuais sobre o
passado, está permeada pela vivência do indivíduo com seus familiares, amigos, conhecidos e
pelos discursos sobre o grupo ou sociedade à qual pertence. Na medida em que essa memória
é compartilhada, podemos afirmar então que é construída uma identificação entre o indivíduo
e os demais membros do grupo. Diante disso, é interessante destacar a seguinte reflexão de
Alistair Thomson:
Nossas reminiscências variam dependendo das alterações sofridas por nossa identidade
pessoal, o que me leva a um segundo sentido, mais psicológico, da composição: a necessidade
de compor um passado com o qual possamos conviver. Esse sentido supõe uma relação
dialética entre memória e identidade. Nossa identidade (ou identidades, termo mais apropriado
para indicar a natureza multifacetada e contraditória da subjetividade) é a consciência do eu
que, com o passar do tempo, construímos através da interação com outras pessoas e com nossa
própria vivência. Construímos nossa identidade através do processo de contar histórias para
nós mesmos como histórias secretas ou fantasias ou para outras pessoas, no convívio
social.
18
Portanto, a memória não é algo totalmente individual. Ela é permeada pelas relações
do indivíduo com o momento em que evoca suas memórias, com as pessoas com as quais
convive, com as suas leituras, etc. É esse conjunto de aspectos que, em grande parte, formata
as interpretações sobre o vivido, as quais podem ser usadas também com o objetivo de
"conservar", ou atualizar determinadas práticas coletivas que indivíduos, isoladamente ou em
grupos, consideram importantes.
O problema que se coloca ao historiador é a reflexão sobre como se esse processo,
que homogeneíza e principalmente legitima as narrativas sobre o passado, construindo, dessa
forma, uma identidade de grupo.
17
Ibidem. p. 35.
18
THOMSON, Alistair. Recompondo a Memória: Questões sobre a relação entre História oral e as memórias. In:
Projeto História, São Paulo, (15) abr. 1997. p 57.
19
As reflexões de Tzvetan Todorov, presentes no livro intitulado Memória do mal,
tentação do bem, indagações sobre o século XX,
19
podem servir como apoio para a reflexão.
Segundo ele, os vestígios do passado se organizam em alguns tipos de discurso, dos quais ele
destaca os discursos das testemunhas, os dos historiadores e os dos comemoradores. O
primeiro é (...) o indivíduo que convoca suas lembranças para dar forma, portanto um
sentido, à sua vida, e constituir assim sua identidade (...)
20
. O segundo é designado como o
representante da História-disciplina, (...) cujo objeto é a reconstituição e a análise do
passado; (...).
21
O terceiro produz um discurso que muitas vezes é denominado de “memória
coletiva”. Mas para Todorov, (...) a memória, no sentido de vestígios mnésicos, é sempre e
unicamente individual; a memória coletiva não é uma memória, mas um discurso que evolui
no espaço público. Esse discurso reflete a imagem que uma sociedade ou grupo dentro da
sociedade querem dar a si mesmo.
22
Portanto, diferentemente da testemunha, cuja memória serve para conferir um sentido
para sua vida, tanto o historiador como o comemorador produzem discursos sobre o passado
para serem apresentados na esfera pública. Mas, enquanto que o primeiro submete os
vestígios do passado ao exame crítico, no âmbito dessacralizado do conhecimento histórico,
visando perceber seus múltiplos significados, os seus usos, o segundo procura adaptar o
passado aos seus objetivos do presente. Nessa perspectiva, (...) a história complica nosso
conhecimento do passado; a comemoração simplifica; (...) a primeira é sacrílega, a segunda,
sacralizante (...).
23
Ou seja, o conhecimento histórico não visa estabelecer certezas absolutas,
mas explicações que estão, ou devem estar, sujeitas a revisões e reformulações, enquanto que
19
TODOROV, Tzvetan. Memória do mal, tentação do bem. Indagações sobre o século XX. São Paulo: ARX,
2002.
20
Ibidem. p.151.
21
Ibidem.
22
Ibidem.
23
Ibidem. p.155.
20
a comemoração tem um caráter de dogma, que ritualiza e idealiza determinada visão do
passado com vistas aos interesses do presente.
Assim, aquilo que denominamos de memória coletiva, deve ser entendido não como
um conjunto de lembranças compartilhadas de maneira natural e homogênea por um grupo
humano, mas como interpretações do passado, produzidas e divulgadas por indivíduos (os
comemoradores) que visam a alcançar determinados objetivos. Portanto, o discurso
denominado de memória coletiva é um campo de disputas e de construção de identidades.
Nessa perspectiva, procurou-se levar em conta, além dos autores dos discursos, os
outros atores envolvidos, como, por exemplo, o papel dos editores do Jornal de Entre Rios na
publicação de entrevistas com imigrantes suábios, feita em 1994. Nesse sentido, Roger
Chartier, ao refletir acerca da mediação editorial na produção de livros, afirma que, (...)
contra a abstração dos textos, é preciso lembrar que as formas que permitem sua leitura, sua
audição ou sua visão participam profundamente da construção de seus significados (...).
24
Nesse processo de constituição da memória coletiva, o que Pollak denominou de
trabalho de enquadramento da memória.
25
Para ele, trata-se de um trabalho que também pode
ser realizado por historiadores, que organizam e unificam determinada memória a fim de
constituir, por exemplo, uma história nacional ou grupal.
26
No caso de Entre Rios, há também
um trabalho de enquadramento da memória, que é feito, sobretudo, por meio da publicação de
livros, pelo Jornal de Entre Rios e pela constituição de um museu. São estes os principais
lugares de memória
27
da colônia.
24
CHARTIER, Roger. Os Desafios da Escrita. São Paulo: UNESP, 2002. p. 62. Queremos lembrar que nesse
trabalho estamos tratando somente da produção de sentidos, e não das práticas de leitura. Sobre essa questão, que
será tema de um trabalho futuro, ver: CHARTIER, Roger. Formas e Sentido. Cultura Escrita: entre distinção e
apropriação. Campinas: Mercado de Letras e ALB, 2003.
25
POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro: vol. 5 n.º 10. 1992.
p.206.
26
Ibidem.
27
NORA, Pierre. Entre a História e a Memória. A problemática dos lugares. In: Projeto História. São Paulo:
PUC/SP. N°10. 1993. De acordo com esse autor, os lugares de memória podem ser desde a comemoração de
aniversários, datas cívicas, a construção de estátuas, até a escrita de atas, livros, matérias em jornais e revistas,
etc. p. 13-26.
21
As publicações sobre a colônia são em grande parte redigidas em língua alemã. A
primeira publicação especificamente da colônia é a de Max Frösch,
28
datada de 1958.
Publicada sob a chancela da Schweizer Auslandhilfe, trata-se de um relato do
desenvolvimento da colônia nos seus primeiros anos. A segunda, é uma peça de teatro
intitulada O Raiar do Oitavo Dia - Der Morgen des Achten Tages, de autoria de Helmuth
Abeck,
29
descendente de imigrantes alemães. Nela, Abeck apresenta uma interpretação fictícia
sobre a relação entre os recém-chegados suábios e a população que vivia na área onde estava
sendo instalada a colônia e o desenvolvimento desta relação nos primeiros dez anos.
A terceira e a quarta obras estão inseridas nas efemérides dos 20 e 25 anos da colônia,
respectivamente. A primeira, intitulada Suábios no Paraná,
30
tem como autor o Engenheiro
Agrônomo alemão Albert Elfes, e a segunda intitulada Entre Rios: documentário ilustrado da
colonização suábio danubiana.
31
Além de apresentarem ricas informações sobre os suábios e
principalmente sobre a história da colônia, essas duas publicações possibilitam a análise de
como o sentido identitário dos suábios foi constituído.
De caráter acadêmico, temos os estudos de Anton Hochgatterer,
32
realizado entre os
anos de 1976/ 77 e 1979, de Josef Gappmaier,
33
início da década de 1970 e início dos anos 80
e de Gerd Kohlhepp,
34
principalmente na década de 1980. Estes estudos, todos da área de
geografia, enfocam principalmente o desenvolvimento agrário da colônia, sendo que os dois
28
FRÖSCH, Max. Guarapuava: Die Donauschwäbische Flüchtlingssiedlung in Brasilien. Freilassing:
Pannonia Verlag, 1958.
29
ABECK, Helmuth. O Raiar do Oitavo Dia - Der Morgen des Achten Tages. Curitiba: Imprimax Ltda, 1964.
30
ELFES, Albert. Op. cit.
31
COOPERATIVA AGRARIA ENTRE RIOS LTDA. Entre Rios: documentário ilustrado da colonização suábio
danubiana. Campinas: CARTGRAF Ltda. 1976
32
HOCHGATTERER, Anton. Entre Rios. Donauschwäbische Siedlung in Südbrasilien. Salzburg: Haus der
Donauschwaben, 1986.
33
GAPPMAIER, Josef. Entre Rios. Agrargeographie der Donauschwabensiedlung in Paraná Brasilien.
Salzburg: (Dissertation) zur Erlangung des Doktorgrades an der naturwissenschaftlichen Fakultät der Universität
Salzburg. 1987.
34
KOHLHEPP, Gerd. Espaço e Etnia. In: Estudos Avançados. Vol. 5, n.º 11. São Paulo: USP. Janeiro/abril de
1991.
22
primeiros autores, durante suas estadas em Entre Rios, atuaram também como professores na
Escola Imperatriz Dona Leopoldina.
também três trabalhos de autores locais: Remlinger e Wilk,
35
Michelz,
36
Ducat,
Mitterer e Szabo
37
e o livro da família Spiess.
38
O último, que podemos caracterizar como
não-acadêmico - pois não está associado a nenhuma instituição de ensino - é composto pela
relação de nomes dos habitantes suábios da colônia, juntamente com dados referentes às datas
e locais de seus nascimentos, casamentos e falecimentos. Os três primeiros são trabalhos que
foram realizados na Fundação Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de
Guarapuava - atual Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná, campus de Guarapuava
- e objetivam relatar a história dos suábios e da colônia. Assim como os trabalhos de
Gappmaier, Hochgatterer e Kohlhepp, ambos possuem como fonte o livro de Elfes. Além dos
dados, em suas páginas também estão impressos discursos identitários sobre os suábios.
Para a análise dos discursos que constroem o sentido identitário em Entre Rios, optou-
se por dividir a presente tese em três capítulos. O primeiro, intitulado “Apátridas em Busca de
uma Nova Pátria: deslocamentos, adaptação e encontros, apresenta o contexto europeu do
surgimento do termo Donauschwaben para designar a população de origem alemã que vivia
na Hungria, Iugoslávia e Romênia e a sua expulsão desses países ao final da Segunda Guerra
Mundial. O capítulo aborda também o processo que resultou na vinda de cerca de 500
35
WILK, Inge Annemari, REMLINGER, Madalena Jung. A História dos Suábios do Danúbio e o
Desenvolvimento de Entre Rios nos seus 35 Anos. (Monografia) Guarapuava: Fundação Faculdade Estadual
de Filosofia, Ciências e Letras. 1986.
36
MICHELZ, Johana Elisabeth. Campesinato X Agricultura Capitalista em Entre Rios 1951 a 1985.
Monografia (Especialização em História Econômica do Brasil) Guarapuava: Fundação Faculdade Estadual de
Filosofia, Ciências e Letras de Guarapuava. 1989. Este trabalho diverge dos demais em função da problemática e
dos aspectos teóricos metodológicos. No entanto, ao explicar as razões para o sucesso econômico de Entre Rios,
percebe-se que sucumbe à pressão da memória coletiva da colônia, de forma semelhante aos demais trabalhos
citados.
37
DUCAT, I. MITTERER, S. SZABO, C. Suábios do Danúbio: Tradição, cultura e educação. Monografia
(Curso de Pedagogia) Guarapuava: UNICENTRO, 1992.
38
SPIESS, Rosina, SPIESS, Cristiana, SPIESS, Walter. Ortsippenbuch Entre Rios im Staat Paraná im Süden
Brasiliens. Personen, Namen, Daten-Geburten, Heiraten, Sterbefälle mit einer Liste der Frauen, einer Liste der
Wohnorte und sieben Karten. Rastatt: Edição dos autores, 1998.
23
famílias para o Brasil e o estabelecimento da colônia Entre Rios, e como esse episódio foi
noticiado por alguns jornais paranaenses. Outras fontes de análise sobre o período inicial da
colônia são os relatórios redigidos na primeira década da colônia. Além de uma visão sobre o
referido período, em um dos relatórios estão impressos os diagnósticos de seus autores acerca
das características “físicas, culturais e sociais”
39
dos suábios.
O segundo capítulo, intituladoAculturação” e Identidade Cultural, tem como escopo
a identificação da forma como a inserção dos imigrantes na comunidade nacional brasileira,
em especial na paranaense, era concebida no período e, principalmente, quais são os discursos
produzidos para responder a essa questão. O governo do Estado, personalizado pelo
Governador Bento Munhoz da Rocha Neto, entendia que imigrantes europeus eram os mais
indicados para a tarefa de ajudar na formação populacional e econômica do Estado.
Concomitantemente, verifica-se que descendentes de alemães no Estado, notadamente um
grupo de comemoradores localizados na capital paranaense, visualizavam a chegada dos
suábios como uma forma de revitalizar a cultura alemã no Paraná.
As duas posições, longe de serem antagônicas, são complementares. É o que se
verifica nos textos produzidos por ocasião das comemorações do centenário de emancipação
política administrativa do Paraná, em 1953, tanto pelo governo como pela Comissão de
Festejos do Grupo Étnico Germânico. Um membro deste grupo, Helmuth Abeck, apresentou
sua interpretação acerca da maneira como se daria a “aculturação” entre os suábios e a
população guarapuavana que vivia no entorno da colônia. Trata-se da peça de teatro bilíngüe
intitulada “O Raiar do Oitavo Dia - Der Morgen des Achten Tages”, a qual será examinada
detalhadamente.
40
39
GOSSNER, Walter. Agrária. Die Siedlung der Donauschwaben im Municip Guarapuava im
brasilianischen Staate Paraná. Bericht über die Ergebnisse der im Auftrage der Schweizer Europahilfe
durchgeführten Untersuchung. Jundiaí. März 1952. Mimeo.
40
ABECK, Helmuth.Op. cit.
24
A partir da segunda metade da década de 1960, verifica-se o acentuado
desenvolvimento econômico da colônia, o qual é atribuído à ascensão de Mathias Leh na
direção da Cooperativa Agrária, em 1966. Além da reorganização da cooperativa, Leh
encampou e apoiou projetos que visavam a “reviver e manter” determinada identificação
étnica do grupo. Neste sentido, o enfoque inicial do terceiro capítulo, cujo título é Memórias
de Júbilo: elaboração de discursos identitários em publicações comemorativas (1971 e
1976), tem como escopo o processo de reestruturação da colônia. A partir de então, a análise
enfoca a produção de dois livros, buscando perceber, principalmente, como, ao narrar uma
história dos suábios e da colônia, é constituída uma memória coletiva para os membros do
grupo.
O último capítulo, intitulado Guardiões da Memória-Identidade, aborda a constituição
do museu da colônia como suporte de uma memória coletiva suábia-danubiana. Além disso,
serão examinados dois discursos de identificação presentes no Jornal Entre Rios e na Revista
Entre Rios, que relacionam o passado ao presente e projetam o futuro dos suábios. Ambos são
de 1994. O primeiro discurso foi divulgado quando do falecimento de Mathias Leh, e o
segundo é a publicação da transcrição de relatos de imigrantes. Nesse conjunto de fontes,
busca-se analisar a constituição do sentido identitário em Entre Rios.
Nessa perspectiva, acompanhamos Jeanne Marie Gagnebin em seu inspirador texto,
intitulado O que significa elaborar o passado? Segundo ela:
(...) É justamente porque não estamos mais inseridos em uma tradição de memória viva, oral,
comunitária e coletiva, como dizia Maurice Halbwachs, e temos o sentimento tão forte de
caducidade das existências e das obras humanas, que precisamos inventar estratégias de
conservação e mecanismos de lembrança. Criamos, assim, centros de memória, organizamos
colóquios, livros, números especiais, recolhemos documentos, fotografias, restos e
simultaneamente, jogamos fora quilos e quilos de papel, não lembramos de muitos nomes e
perdemos a conta de outros tantos acontecimentos ditos importantes.
41
41
GAGNEBIN, Jeanne Marie. O que significa elaborar o passado? In: __________ Lembrar, Escrever,
Esquecer. São Paulo: Ed. 34, 2006. p. 97-8.
25
Portanto, nesse trabalho, ao focalizar os discursos que produzem sentidos de
identidade, busca-se analisar os seus principais argumentos, nos quais eventos do passado da
colônia e dos suábios são revisitados, reinterpretados e reatualizados e que, desse modo,
formam uma memória coletiva, que é um dos principais suportes da identidade suábia.
26
CAPITULO I
APÁTRIDAS EM BUSCA DE UMA NOVA PÁTRIA: deslocamentos,
adaptação e encontros.
Pão e banana anunciam a passagem da
penúria para a fartura na nova terra.
42
Neste capítulo, aborda-se o surgimento da denominação suábios do Danúbio, no
período do entre-guerras, e o processo que resultou no deslocamento dos suábios, após a
Segunda Guerra Mundial. Foram dos Bálcãs para a Áustria e, posteriormente, parte destes
veio para o Brasil, onde se fundou a colônia Entre Rios. Além dos discursos presentes em
jornais que noticiaram aos paranaenses a chegada do grupo ao Brasil, a análise enfoca os
relatórios sobre os primeiros anos da colônia. Tais relatórios apresentam discursos sobre o
ambiente guarapuavano, o processo de adaptação dos suábios e o seu encontro com os então
habitantes da área onde foi fundada a colônia.
1.1 Donauschwaben: identidade étnica e diáspora
42
Jornal O Diário. Santos: 6 de outubro de 1951. p. 01.
27
O surgimento do termo suábios do Danúbio (Donauschwaben) está relacionado ao
contexto do pós-Primeira Guerra Mundial,
43
quando o Império Austro-Húngaro
44
foi
desmembrado e a região que era também habitada pelos membros deste grupo foi dividida -
mediante a assinatura de tratados - entre a Hungria, Iugoslávia e Romênia. Além do Tratado
de Versalhes, há
(...) um cortejo de tratados que põem fim à guerra com os aliados da Alemanha, com os
herdeiros ou com as potências balcânicas. Esses tratados têm todos o nome de castelos ou
residências reais dos subúrbios parisienses: O Tratado de Sévres com o Império Otomano, o
de Trianon com a Hungria, o de Saint-Germain com a Áustria, o de Neully com a Bulgária.
São assinados entre 1919 e 1920.
45
O Tratado de Saint-German, assinado em 1919, seguido do Tratado de Trianon,
firmado no ano seguinte, além de estabelecerem a independência da Hungria, decretaram a
transferência de extensas áreas do antigo Império Austro-Húngaro para a Polônia,
Tchecoslováquia e para o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, proclamado em dezembro
de 1918 - e que em 1929 recebeu o nome de Iugoslávia.
46
No mapa a seguir, pode-se visualizar a distribuição dos países na Europa Central antes
da Primeira Guerra Mundial:
43
Ocorrida entre 1914 e 1918, a guerra - de acordo com Rémond, foi o resultado de um complexo conjunto de
fatores, entre os quais, os movimentos de nacionalidade - foi deflagrada após o assassinato do herdeiro do trono
Austro-Húngaro, Arquiduque Francisco Ferdinando, por um nacionalista sérvio, na cidade de Sarajevo, capital
da Bósnia-Herzegovina. A guerra tinha como principais beligerantes, de um lado a Tríplice Aliança, formada
pelo Império Alemão, o Império Austro-Húngaro e o Império Turco-Otomano, e do outro, a Tríplice Entente,
composta pelo Império Russo, Sérvia, Império Britânico e França. Com a entrada dos Estados Unidos no
conflito, em 1917, a Tríplice Aliança é derrotada, em 1918. RÉMOND, René. O Século XX. De 1914 aos
nossos dias. São Paulo: Cultrix, 2001. VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Primeira Guerra Mundial. Relações
internacionais no século 20. Porto Alegre: UFRGS, 1996.
44
A formação do Império Austro-Húngaro ocorreu em 1867, sob o governo de Francisco José de Habsburgo.
LASCHAN-SOLSTEIN, Godofredo von; LASCHAN-SOLSTEIN, Trude von. Aspectos da História da
Áustria Através de sua Evolução Cultural. São Paulo: Editora Anchieta S/A. 1947. p. 14-15.
45
RÉMOND, René. Op. cit. p. 30.
46
LOHBAUER, Christian. História das Relações Internacionais II. O século XX: do declínio europeu à era
global. Petrópolis: Vozes, 2005. p. 44-45. BRENER Jaime. Tragédia na Iugoslávia. Guerra e Nacionalismo
no Leste Europeu. São Paulo: Atual. 1993. p. 14-15.
28
Figura n.º 2. Mapa da Europa Central (período anterior à Primeira Guerra Mundial)
FONTE: DONAUSCHWÄBISCHE KULTURSTIFTUNG. Genocide of the Ethnic
Germans in Yugoslavia 1944-1948. München: Verlag der Donauschwäbischen
Kulturstiftung. 2003. p. 38.
29
As áreas pontilhadas, localizadas principalmente nas margens do rio Danúbio e de
alguns de seus afluentes indicam as regiões ocupadas por aqueles que viriam a ser
posteriormente denominados “suabios do Danúbio”.
O maior número de suábios encontrava-se na área que viria a fazer parte da Iugoslávia,
nas regiões denominadas Banat, Batschka e Baranja, as quais eram coletivamente
denominadas Vojvodina.
47
Isso pode ser visualizado no mapa a seguir, que apresenta a nova
configuração dos Estados Nacionais após a Primeira Guerra Mundial:
Figura n.º 3. Mapa da Europa Central (período posterior à Primeira Guerra Mundial).
47
DONAUSCHWÄBISCHE KULTURSTIFTUNG. Genocide of the Ethnic Germans in Yugoslavia
1944-1948. München: Verlag der Donauschwäbischen Kulturstiftung. 2003. p.23.
30
FONTE: DONAUSCHWÄBISCHE KULTURSTIFTUNG. Op. cit. p. 39.
Embora a criação dos novos Estados indicasse o triunfo de demandas eslavas-
nacionalistas na região, com o desmembramento do Império Austro-Húngaro verifica-se
também a intensificação de conflitos étnicos na região. Nesse sentido, Rémond afirma o
seguinte:
Claro está que ainda subsistem minorias, porém menos numerosas do que antes de 1914, e são
agora as nacionalidades dominadoras de ontem que são sujeitas a seus antigos vassalos: as
minorias húngaras, na Tchecoslováquia, na Transilvânia romena ou na Iugoslávia.
48
No caso da Iugoslávia, não se tratava somente de lutas de eslavos e húngaros
nacionalistas contra populações de origem alemã, mas também de conflitos que envolviam
croatas, eslovenos e sérvios.
49
Portanto, a criação de novos países não solucionou os conflitos
que contribuíram para a eclosão do conflito mundial. Pelo contrário, é neste contexto que se
verifica a intensificação das lealdades nacionais
50
e de organização e fortalecimento de grupos
étnicos.
É nesse contexto que também surge a denominação Donauschwaben, suábios do
Danúbio. Pois, de acordo com Anton Scherer, professor da universidade de Graz, Áustria,
antes de 1920, o termo suábios (Schwaben) era a denominação de todos os alemães e
descendentes que no século XVIII colonizaram o médio Danúbio. Além disso, por exemplo,
na Bósnia também os austríacos eram denominados suábios,
51
sendo que o termo variava
dependendo da região, como é o caso das denominações “suábios do Sudeste”
48
RÉMOND, René. Op. cit. p. 32.
49
SOARES, Jurandir. Iugoslávia: guerra civil e desintegração. Porto Alegre: 1999. BRENER Jaime. Op. cit.
Uma interessante análise sobre os movimentos pan-eslavista e pan-germanista encontra-se em: ARENDT,
Hannah. O Sistema Totalitário. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1978. p. 295-347.
50
Para uma análise da “questão nacional”, ver: HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780.
Programa mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1990. Para o autor, o apogeu do nacionalismo se deu no
período compreendido entre o final da Primeira Guerra Mundial e 1950. GEARY, Patrick. O Mito das Nações:
a invenção do nacionalismo. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005.
51
SCHERER, Anton. Wortkundliche Studien Etymologien und Deutsch-sudosteuröpaische Sprachliche
Interferenzem. Graz: Donauschwäbisches Archiv. 2002. p.3 Basta observar que antes desta data, as
organizações de origem alemã, como as mencionadas acima, não utilizam o termo Donauschwaben.
31
(Südostschwaben), “suábios do Leste” (Schwaben im Osten) ou “suábios do Banat” (Banater
Schwaben).
52
Em um artigo intitulado Seit 42 Jahren heißen wir
Donauschwaben (Faz 42 anos que
nos chamamos Suábios do Danúbio),
53
Scherer afirma que a referida denominação foi
cunhada em 1922 por Robert Sieger, professor de Geografia na Universidade de Graz. No
entanto, Sieger, falecido em 1927, nunca fez uso do termo em seus escritos, mas apenas em
suas conferências e aulas. Em seus estudos, Sieger desenvolveu reflexões cujos temas eram
povo, populações, nação e nacionalidade, fronteiras e limites naturais, notadamente da região
onde os suábios do Danúbio viviam.
54
Além disso, o geógrafo participou da delegação
austríaca, por ocasião das conferências de paz ocorridas ao final da Primeira Guerra
Mundial.
55
A utilização do termo em publicações se deve ao geógrafo alemão e suábio, Hermann
Rüdiger, membro do Deutschen Auslands-Institut –DAI- (Instituto Alemão para o Exterior)
de Stuttgart. Rüdiger afirma que usou o termo pela primeira vez quando, em 1922, proferiu
uma conferência na universidade de Graz. Segundo ele, o termo nasceu de uma conversa com
Robert Sieger, mas não poderia afirmar com certeza se foi ele ou Sieger quem utilizou o
termo primeiro.
56
Rüdiger definiu “suábios do Danúbio” da seguinte forma:
Suábios do Danúbio, em amplo significado da palavra, são os habitantes das regiões de
colonização alemã ao longo do médio Danúbio aproximadamente de Ofenpest até Orsova,
52
SCHERER, Anton. Donauschwäbische Bibliographie 1935-1955. Das Schriftum über Donauschwaben in
Ungarn, Rumänien, Iugoslawien und Bulgarien sowie nach 1945 in Deutschland, Österreich, Frankreich
USA, Canada, Argentinien und Brasilien. München: Verlag des Südostdeutschen Kulturwerks. 1966. p.07.
53
SCHERER, Anton. Seit 42 Jahren heißen wir
Donauschwaben. In: Volkskalender 1964. Ein Jahrbuch des
Gesamten Donauschwabentums. Ulm: Kultur-und Socialwerk der Donauschwaben. 1964.
54
Ibidem. p. 63-64.
55
Ibidem. p. 67.
56
RÜDIGER, Hermann. Die Donauschwaben in der Südslawischen Batschka. Stuttgart: Ausland und Heimat
Verlags. 1931. p.01. Entre as publicações de Rüdiger, destaca-se o dicionário Handwörterbuchs des Grenz- und
Auslanddeutschtums, publicado em 1933.
32
principalmente na grande região de planície, a qual apresenta suas fronteiras naturais no
prolongamento dos Cárpatos ao Norte e ao Sudeste as áreas por ele percorridas.
57
Trata-se, portanto, de uma definição que relaciona elementos geográficos e humanos.
Ao nomear o grupo desta forma, o geógrafo também disponibilizou ferramentas para reforçar
as reivindicações dos suábios acerca de sua permanência na área, a qual também era ocupada
por magiares, croatas, romenos e sérvios.
Neste sentido, cabe lembrar que, ao final da Primeira Guerra Mundial, a assinatura do
tratado de Trianon, em 1920, além da distribuição dos territórios do antigo Império Austro-
Húngaro, permitiu a permanência de minorias nos países recém-criados. No caso dos
habitantes de etnia alemã (Volksdeutschen), os quais estavam distribuídos principalmente em
áreas de fronteira dos países recém-criados, havia o desejo manifestado por seus líderes em
obter maior espaço político e de manterem uma distinção étnica. Temos, como exemplos
disso: a criação, em 1919, em Neusatz, Iugoslávia, do jornal Deutsche Volksblatt, em 1920 a
formação da Schwäbisch-Deutsche Kulturbund (Federação Cultural Suábia-Alemã); e, em
1922, a fundação do partido dos alemães (Partei der Deutschen) e da cooperativa Agrária. A
cooperativa e a Federação Cultural Suábia-Alemã estabeleceram seções locais em todas as
comunidades de origem alemã.
58
A partir de 1925, o governo iugoslavo implementou políticas restritivas às minorias
étnicas. No caso dos habitantes de origem alemã, as principais foram as restrições ao
funcionamento de escolas alemãs, a proibição das sociedades germânicas e a legislação que
57
„Donauschaben“ im weisten Sinne des Wortes sind die Bewohner der deutschen Siedlungsgebiete längs des
Mittellaufs der Donau, etwa von Ofenpest bis nach Orsova, im wesentlichen also der großen Tieflandstriche, die
durch die Ausläufer der Karpathen im Norden und im Südosten und die Donaudurchbrüche natürlich begrenzt
sind. Ibidem. p.02.
* Todas as citações e menções em línguas estrangeiras, salvo indicação em contrário, são traduções livres do
autor. As citações literais serão traduzidas para a língua portuguesa no corpo do texto, com a transcrição do texto
no original em nota de rodapé.
58
SENZ, Josef Volkmar. Geschichte der Donauschwaben. München-Sindelfingen: Verlag der
Donauschwäbischen Kulturstiftung. 1990. p.197-199.
33
estabelecia restrições para a aquisição de propriedades situadas numa faixa de 50 quilômetros
das fronteiras internacionais.
59
Essa situação se reverteu com as pressões do governo alemão, principalmente a
partir da segunda metade da década de 1930. Nesse contexto, as antigas lideranças das
organizações dos grupos étnicos germânicos, de caráter nacional liberal, foram substituídas
por representantes do movimento de renovação nacional radical (Erneuerungsbewegung). O
principal líder, eleito sob forte pressão do órgão governamental alemão denominado
Escritório para Alemães no Exterior, foi Sepp Janko. Para ele, o principal objetivo do
nacional-socialismo (nazismo) era a união de todos os indivíduos de origem alemã. Ele estava
convencido de que a relação de sangue era o fator de união entre os alemães que viviam na
Alemanha e os alemães do exterior.
60
Com o advento da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha tinha como aliados na região
os governos da Romênia, Hungria, Bulgária e, inicialmente, da Iugoslávia. No entanto, dois
dias depois da assinatura de sua adesão ao Eixo, em 20 de março de 1941, o governo
iugoslavo foi deposto por meio de um golpe de Estado, realizado por oficiais “anti-alemães”,
o que resultou na invasão do país pelas tropas alemãs.
61
Com a tomada da região pelo exército alemão, ocorreu também a intensificação dos
conflitos étnicos, principalmente entre sérvios e croatas. No que diz respeito à reação armada
aos invasores, destacaram-se os partisans, uma organização de guerrilheiros comunistas
liderados por Josep Broz Tito. Em 1944, os partisans, apoiados pelo exército russo, acabaram
por vencer as tropas alemãs, as quais também eram apoiadas por grupos de habitantes de
origem alemã
62
, entre eles, os suábios do Danúbio. Estes, na sua maioria, foram expulsos de
59
DONAUSCHWÄBISCHE KULTURSTIFTUNG. Op. cit. p. 23-24.
60
Ibidem. p. 24.
61
BRENER, Jaime. Op. cit. p.47.
62
Uma das organizações criadas por descendentes de alemães para combater os guerrilheiros chefiados por Tito
foi a “Divisão Príncipe Eugen”. A denominação é alusiva ao Príncipe Regente Eugen, que comandou as tropas
do exército austro húngaro na expulsão dos turcos da região no século XVII. Para mais informações ver:
34
suas terras, mortos ou feitos prisioneiros em campos de trabalho forçado na Iugoslávia e na
Rússia.
63
A derrota da Alemanha resultou também numa multidão de desalojados, ou deslocados
de guerra, oriundos de diferentes partes da Europa. Entre eles, estava parte da população
suábia do Danúbio, a qual passou a viver em campos de refugiados, principalmente na
Áustria. Entre 1944/1950 o pequeno país acolheu mais de 1.500.000 'displaced persons' e,
entre estes, algumas centenas de milhares de suábios do Danúbio
64
.
Ao final da guerra, a maioria dos integrantes do grupo foi conduzida por órgãos como
Auxílio Suíço à Europa e a Organização das Nações Unidas para diferentes regiões da Europa
e América. Uma parte dos refugiados, constituída por 500 famílias, em torno de 2.500
pessoas, as quais, na sua maioria, eram descritas como “apátridas”
65
foram, após contatos com
autoridades, trazidas para o Brasil. No país, depois de receberem convites para se fixar nos
Estados de Goiás e Paraná, optaram pelo último, onde fundaram a Colônia Entre Rios, em
1951.
66
CASAGRANDE, Thomas Die Volksdeutschen SS-Division “Prinz Eugen”. Die Banater Schwaben und die
National-Socialistischen Kriegsverbrechen. Frankfurt: Campus Verlag. 2003.
63
Casagrande afirma que no período compreendido entre dezembro de 1944 a janeiro de 1945, entre 27.000 a
30.000 habitantes de origem alemã que vivia na Iugoslávia foram deportados para a União Soviética. Ibidem. p.
300.
64
ELFES, Albert. Op. cit. p.20.
65
Cf. listas de passageiros dos navios Conte-Biancomano e Provence, que partiram de Genova, em 1951 e 1952.
Ao todo foram sete grupos de imigrantes, sendo que o primeiro navio, o Provence, com 222 pessoas, partiu de
Genova em 22 de maio de 1951 e chegou ao porto de Santos no dia 6 de junho. In: Liste Nominative du I
Transport de Refugiés "Volksdeutsche" Émigrant au Brésil par le S/S "Provence" depart 22 Mai, 1951. Liste
Nominative du II Transport de Refugiés "Volksdeutsche" Émigrant au Brésil par le S/S " Provense" depart 21
Septembre, 1951. Liste Nominative du III Transport de Refugiés "Volksdeutsche" Émigrant au Brésil par le S/S "
Provense" depart 9 November, 1951. Liste Nominative du IV Transport de Refugiés "Volksdeutsche" Émigrant
au Brésil par le S/S "Provense" depart 28 Decembre, 195.1 Liste Nominative du V Transport de Refugiés
"Volksdeutsche" Émigrant au Brésil par le S/S "Conte Biancemano" depart 12 Janvier, 1952. Liste Nominative
du V I Transport de Refugiés "Volksdeutsche" Émigrant au Brésil par le S/S " Provense" depart 13 Fevler, 1952.
Liste Nominative du VII Transport de Refugiés "Volksdeutsche" Émigrant au Brésil par le S/S "Conte
Biancemano" depart 12 Janvier, 1952. Liste Nominative du VII Transport de Refugiés "Volksdeutsche"
Émigrant au Brésil par le S/S "Provense" depart 13 Fevrler, 1952. As listas apresentam o local de nascimento,
idade, sexo, filiação, profissão, domicílio, estado civil e nacionalidade, a maioria descrita como apátrida.
66
ELFES, Albert. Op.cit., p.23.
35
Antes de analisar esse processo, cabe apresentar brevemente as entidades de ajuda
humanitária, que a partir de 1944, desenvolveram ações no sentido de buscar alternativas para
resolver a questão dos refugiados de guerra. Como foi mencionado, entre os diversos
grupos de refugiados, encontravam-se os “suábios do Danúbio”, que viviam na Áustria,
instalados, na sua maioria, em campos de refugiados, ou trabalhando como empregados em
propriedades agrícolas.
Conforme Barreto, ex-diretor do Departamento de Estrangeiros, da Secretaria
Nacional de Justiça e presidente do Comitê Nacional para os Refugiados, em 1946 a
Assembléia Geral das Nações Unidas estabeleceu os seguintes princípios da condição de
refugiados:
1- O problema dos refugiados tem alcance e caráter internacional;
2- Não se deve obrigar o regresso ao país de origem aos refugiados que expressarem objeções
válidas ao retorno;
3- Um órgão internacional deveria ocupar-se do futuro dos refugiados e pessoas deslocadas; e
4- A tarefa principal consistiria em estimular o pronto retorno dos refugiados a seus países e
ajudá-los por todos os meios possíveis.
67
Para tratar do problema dos refugiados, foi criada em julho de 1947 a IRO
Organização Internacional de Refugiados (International Refugee Organisation), entidade
ligada à ONU e que substituiu a UNRRA (Unitee Nations Relief and Rehabilitation
Administration), Administração de Socorro e Reabilitação das Nações Unidas, entidade criada
pelos aliados ainda durante a guerra, em 1943.
68
Além da IRO, havia outras entidades que se ocupavam com o problema,
principalmente ligadas às instituições religiosas, como a Igreja Católica e a Evangélica
Luterana. De acordo com Anton Hochgatterer, uma destas instituições era a Assistência
67
BARRETO, Paulo Teles F. Das Diferenças Entre os Institutos Jurídicos do Asilo e do Refúgio. In:
http://www.mj.gov.br/snj/artigo_refugio.htm Acesso em 17/03/2007.
68
WILK, Inge Annemari, REMLINGER, Madalena Jung. Op. cit. p. 21.
36
Espiritual aos Refugiados (Flüchtlingseelsorge). O diretor da entidade, na Arquidiocese de
Salzburg, Áustria, era o padre franciscano (e suábio) Josef Sabinus Stefan, um personagem
que se destacou na tarefa de encontrar um destino para os refugiados suábios que se
encontravam. Encontrar um novo lar para o nosso povo, era o lema do religioso suábio.
69
Uma de suas propostas era estabelecê-los na Áustria, na forma de colônias. Mas, em
função da desfavorável situação da economia e a escassez de terras naquele país, nem todos
os refugiados, principalmente os agricultores suábios do Danúbio, poderiam ser fixados nessa
região. O retorno aos países de origem como a Iugoslávia, Hungria e Romênia, não era visto
como uma possibilidade pelos refugiados (uma objeção considerada válida pela ONU), pois
tais países após a guerra passaram a ser governados por regimes comunistas.
70
A solução inicial, para Stefan, era a emigração para os Estados Unidos e para a
Argentina. Para ele, o mais importante era a possibilidade de uma emigração em grupo dos
suábios, especialmente os agricultores. Nesse sentido, havia a promessa de ajuda por parte da
Caritas Internacional, entidade de assistência humanitária ligada ao Vaticano. Tal
comprometimento se deu principalmente por meio da influência do Arcebispo de Salzburg, D.
Andreas Rohracher, o qual também entrou em contato com conhecidos que residiam em
países de clima temperado, como Chile, Argentina, Paraguai, Canadá e Bolívia, a fim de
sondar possíveis locais para a emigração de uma parte dos suábios.
71
Para Hochgatterer, o fator decisivo para as intenções de Stefan foi o entendimento que
este teve com Monsenhor Crivelli, então diretor da Federação Caritas Suíça (Schweizer
Caritasverband) em Luzerna, Suíça, secretário geral da Caritas Internacional em Roma, e
que também desempenhava um papel de liderança na Ajuda Suíça à Europa, entidade criada
em 1947, em substituição o Auxílio Suíço (Schweizer Spende). A “Ajuda Suíça à Europa” era
69
HOCHGATTERER, Anton. Op. cit. p. 33.
70
Ibidem.
71
Ibidem.
37
uma organização de cúpula que dirigia as demais organizações de assistência do referido país,
como a Federação Caritas Suíça, a Obra de Assistência da Igreja Evangélica Luterana da
Suíça (Hilfswerk der Evangelischen Kirchen der Schweiz), o Auxílio Operário Suíço
(Schweizer Arbeiterhilfswerk) e a Cruz Vermelha Suíça.
72
Com o objetivo de resolver o problema dos refugiados da Europa, principalmente os
de etnia alemã (genericamente denominados Volksdeutschen) que se encontravam na Áustria,
aconteceu em Luzerna, nos dias 22 e 23 de novembro de 1948, uma reunião dos grupos
especializados na questão dos refugiados, denominados Profugi e Migratio, da Caritas
Internacional. Em sua saudação aos delegados, Crivelli afirmou que não se tratava somente
de se pensar numa emigração dos refugiados para o além-mar, mas também em uma
colocação de parte deles na Europa. Ao final do congresso, votou-se uma resolução, na qual a
Agência de Migração do Vaticano (Vaticano Migration Bureau) deveria atuar junto a IRO no
sentido defender a proteção legal aos povos de etnia alemã na Áustria
73
e também pressionar
para que a entidade encontrasse meios de promover sua colocação em outros países.
74
Por seu turno, a direção da “Ajuda Suíça a Europa” resolveu constituir uma comissão
de trabalho para tratar da questão. Além disso, disponibilizou recursos para a elaboração de
um plano de trabalho e nomeou Janos Vayda, representante da Caritas suíça na América do
Sul, com sede no Rio de Janeiro, para que negociasse com o governo brasileiro as condições
para receber refugiados.
75
Neste contexto de negociações, é preciso considerar que, de acordo com o estudo de
Maria do Rosário R. Salles, a retomada da imigração pelo governo brasileiro após a Segunda
Guerra Mundial se deu a partir de 18 de setembro de 1945, quando o governo de Getúlio
72
Ibidem. p.35.
73
De acordo com Remlinger e Wilk, entre 1949 e 1952, a questão dos refugiados foi discutida no parlamento
austríaco, mas somente em julho de 1952 algumas leis foram promulgadas concedendo-lhes alguns direitos,
como o de exercer uma profissão. REMLINGER, Madalena Jung, WILK, Inge Annemari. Op. cit. p. 22-23.
74
HOCHGATTERER, Anton, Op. cit. p. 35.
75
Ibidem. p.12.
38
Vargas sancionou o Decreto lei n.º 7967. A partir disso, o Brasil assinou vários acordos com
países afetados pelo conflito, a fim de possibilitar a vinda de deslocados de guerra, sendo os
mais importantes firmados com a Itália, Espanha, Portugal, Japão, Holanda e a ONU.
76
Além da “Ajuda Suíça à Europa” ter se incumbido da execução do projeto da
imigração, outras organizações internacionais tiveram participação. Entre elas, estavam a
“Sociedade São Rafael”, de Hamburgo, na Alemanha, a “Secretaria para Indústria, Artesanato
e Trabalho”, (BIGA), de Berna, Suíça, a “Organização para Alimentos e Agricultura”, (Food
and Agriculture Organisation- FAO), de Washington, Estados Unidos, a IRO, o “Comitê
Internacional da Cruz Vermelha” e a “Secretaria de Trabalho Internacional” (Bureau
Internacional du Travail – BIT), de Genebra, Suíça.
77
Inicialmente, foram feitos contatos com o governo do Estado de Goiás, o qual, por
meio do Engenheiro Químico Jesco Wolf Puttkamer Filho, representante daquele Estado junto
ao Conselho de Imigração e Colonização, buscava povoar o Estado por meio da imigração.
Em 29 de dezembro de 1949, uma comissão dirigiu-se para Goiás, a fim de realizar os estudos
para a fixação do grupo em seu território.
78
A comissão era composta pelo Padre Josef Stefan, o Engenheiro Agrônomo Michael
Moor, perito em cooperativas na Áustria e H. H. Georg Bormet, sacerdote da Diocese de
Bomfim, no Estado da Bahia, o qual atuou como tradutor e secretário da comissão.
O governo de Goiás ofereceu quatro áreas para a localização dos refugiados. Após a
execução dos estudos foi elaborado um projeto, que previa a aquisição de 25.000 hectares de
76
SALLES, Maria do Rosário R. Imigração, Família e Redes Sociais. A Experiência dos ‘Deslocados de
Guerra’ em São Paulo, no Pós Segunda Guerra Mundial. In: http://www.abep.nepo.unicamp.br p.04. Acesso:
17/03/2007.
77
HOCHGATTERER, ANTON. Op. cit. p. 13. ELFES, Albert. Op. cit. p. 44.
78
MAGALINSKI, Jan. Imigração Dirigida para Goiás. In: Jornal Entre Rios. Guarapuava:78, 30 de janeiro
de 1991. p. 18-19.
39
terras e a vinda das primeiras 500 famílias, que quais seriam distribuídas em sete vilas, além
de indicar que, nos primeiros anos, o trabalho seria executado coletivamente.
79
A comissão encaminhou o projeto para a “Ajuda Suíça à Europa”, que o submeteu à
apreciação das demais entidades participantes e de especialistas em América do Sul do BIT e
da FAO. Algumas entidades posicionaram-se a favor e outras contra o empreendimento. Entre
os principais argumentos contrários à realização do empreendimento em Goiás, cita-se a
grande distância dos centros consumidores e o fato da produção agrícola em Goiás basear-se
no cultivo do arroz, considerado pelos analistas das organizações supracitadas como um
produto sujeito à grande flutuação de preços. Diante disso, o conselho incumbiu Michael
Moor, auxiliado por especialistas, de encontrar outras áreas, localizadas nos Estados do
Paraná e de São Paulo, mais “propícias” para a realização do projeto.
80
A notícia de que grupos de imigrantes europeus buscavam regiões para se estabelecer
no Brasil despertou o interesse do então governador do Estado do Paraná, Bento Munhoz da
Rocha Neto. Ele, que estava fomentando a implantação dos núcleos populacionais de
Castrolândia,
81
formado por imigrantes holandeses e de Witmarsum,
82
composto por
descendentes de imigrantes teuto-russos (menonitas), nos municípios de Castro e Palmeira,
respectivamente, encarregou Lacerda Werneck, então Secretário da Agricultura do Estado, de
tentar convencer o grupo a se fixar no Paraná.
83
Werneck conseguiu marcar uma reunião com a comissão suábia:
Soube, então, que a equipe, (...) havia recebido uma generosa oferta do Sr. Pedro Ludovico
-Governador de Goiás - e havia decidido aceitar as condições, embora a grande distância que
separava o local onde seriam localizados os centros de consumo, particular esse que não
79
FRÖSCH, Max. Op. cit. p.12.
80
Ibidem. 14.
81
Para mais informações sobre Castrolândia e Carambeí, ver: NASCIMENTO, Maria I. M. CORDEIRO, Sonia
V. A. L. Escola Evangélica: Uma Instituição Educacional da Imigração Holandesa Na Região dos Campos
Gerais do Paraná. In: REVISTA HISTDBR On-line. Ponta Grossa: UEPG, n.º 18, 2005. p. 100-113.
82
Sobre a colônia Witmarsum, ver: PAULS JR. Peter. Witmarsum in Paraná. Curitiba: Imprimax, 1976.
83
WERNECK, Lacerda. Um pouco de história. In: ELFES. Albert. Op. cit. p. XXXVI-XXXIX.
40
agradava à organização suíça que superintendia o plano da “Ajuda Suíça aos Refugiados de
Guerra”, dirigida por um Cardeal Suíço. Perguntou-me o Dr. Moor qual a região de campos
nativos no Paraná mais fértil e que pela sua topografia, permitisse alta mecanização da
lavoura.
84
Lacerda Werneck mostrou, por meio de um mapa, áreas no município de Clevelândia,
localizado no Sul do Paraná, que foi rejeitado pelo grupo em função da distância da linha
férrea. Diante da recusa, Werneck indicou uma área situada na região dos Campos Gerais, no
município de Ponta Grossa.
O local, após ser feita uma observação in loco, também foi recusado, em função da
pequena profundidade e da alta acidez do solo.
85
O mesmo ocorreu após o exame de uma área
em Goioxim, próxima ao município de Guarapuava. Entre os motivos para a não aceitação da
área disponibilizada, estava o seu tamanho, considerado pequeno, (...) topografia não muito
aconselhável para a mecanização, campos entremeados por capões, algumas regiões com
pedregulho e pedra (...)
86
.
Como última tentativa, Werneck indicou uma área que estava à venda, a Fazenda
Sobrado, localizada no município de Pinhão, também próxima à Guarapuava:
Após atravessarem em perigosa balsa o rio Jordão, penetraram nos campos de Entre Rios e
ficaram deslumbrados com a planície, a extensão dos campos, a vestimenta dos campos
nativos. Coletaram vinte amostras de terra - examinaram o pH e decidiram voltar para
Curitiba. Na manhã seguinte (...) traziam um ultimatum transmitido com muita diplomacia e
subtileza. Ficariam no Entre-Rios se possível fosse - outra localização não aceitariam face às
condições magníficas que os campos de Entre Rios apresentavam.
87
Outro passo dado pelo governo paranaense foi o envio, em nove de abril de 1951, de
uma correspondência para a representação da “Ajuda Suíça à Europa”, no Rio de Janeiro. A
carta apresentava as seguintes vantagens para o empreendimento ser realizado no Paraná: o
fato de no Estado existirem experiências com a colonização alemã e de estas terem
84
Ibidem. p. XXXVI.
85
Ibidem. p. XXXVII.
86
Ibidem.
87
Ibidem. p. XXXVIII.
41
proporcionado,
88
tanto no desenvolvimento da agricultura como da indústria, o fato do estudo
da comissão suábia ter mostrado a viabilidade da implantação da colônia no município de
Guarapuava. Além disso, a partir das solicitações da “Ajuda suíça à Europa”, o governo
paranaense se comprometia em oferecer os seguintes itens para viabilizar a implantação da
colônia:
Trabalhos de medição e loteamento da área a ser colonizada, às expensas da secretaria do
Estado;
Construção da estrada de comunicação entre Guarapuava e a nova colônia;
Transporte dos colonos e de seus pertences desde o porto até a área a ser ocupada;
Mediação de professores brasileiros conhecedores da língua alemã e de um médico;
Fornecimento de sementes e mudas;
Acomodação, por tempo limitado, do grupo pioneiro, na cidadezinha de Guarapuava;
Fornecimento de 100 porcos de criação, inclusive 50 varões, 50 vacas holandesas e dois
touros, bem como 1.000 dúzias de ovos de galinhas de raça para chocar.
89
Cabe destacar que, em agosto de 1950, por meio do Conselho de Imigração e
Colonização, o presidente Getúlio Vargas posicionou-se favorável à vinda para o Brasil da
primeira leva, constituída por 500 famílias. A ressalva de que não dispunha de recursos
financeiros para o projeto, mas que envidaria esforços no sentido de facilitar a obtenção de
recursos para financiá-lo, também influenciou na recusa do projeto de Goiás.
O compromisso do governo federal materializou-se no inicio de 1951, quando a
“Ajuda Suíça à Europa” decidiu-se pela implantação do projeto no Paraná.
Por decreto de 15 de janeiro de 1951 do então presidente da Republica Getúlio Vargas foi
possibilitado o financiamento da colonização e pauta, através do Banco do Brasil, com fundos
oriundos de ágios sobre importações especiais da Suíça. Procurava-se combinar o interesse do
Brasil na imigração de agricultores qualificados com os interesses comerciais de exportadores
e industriais suíços. (...) O governo suíço concedia ainda uma contribuição especial de
8.000.000,00 francos suíços para o transporte marítimos das famílias emigrantes. Despesas de
88
Elfes sugere que a decisão pela instalação da colônia no Paraná sofreu influência dos exemplos de Carambeí e
Terra Nova, onde foram estabelecidas colônias de imigrantes holandeses e alemães, respectivamente, no governo
de Bento Munhoz da Rocha Neto. As interpretações do governador sobre a imigração no Estado serão objeto de
análise no segundo capítulo.
89
ELFES, Albert. Op. cit. 45-46. O autor não apresenta a definição das raças de todos os animais e aves.
42
transporte que excedessem essa soma seriam custeadas pelo ICEM Intergovernamental
Commitee for European Migration, organização que substituiu a mencionada IRO.
90
Após receber a confirmação da escolha da área, o governo do Paraná se empenhou em
desapropriar as fazendas que existiam na área pretendida pelos suábios, declarando-as áreas
de utilidade pública por meio do decreto n.º 1.229, de 18 de maio de 1951.
91
Os argumentos presentes no decreto são os seguintes:
Considerando a necessidade de se incrementar o plantio do trigo em condições ecológicas e
técnicas que possibilitem o seu desenvolvimento;
Considerando a conveniência de se estimular a iniciativa privada através de uma campanha
racional e também com medidas objetivas e práticas que a ela concorram;
Considerando que as terras situadas na zona de Entre Rios, no município de Guarapuava são
das mais favoráveis a essa cultura, não só pela sua qualidade, como também pela possibilidade
que apresentam no sentido do uso dos modernos processos de triticultura, emprego de adubos
e maquinário especializados;
Considerando, finalmente, a crise de trigo que se debate, longos anos, o país, com
referência ao abastecimento do cereal.
92
Como é possível perceber, as justificativas para a desapropriação das referidas
propriedades baseiam-se em aspectos naturais, econômicos e que contemplavam as
necessidades da população brasileira com relação ao abastecimento de trigo.
93
Ao considerar
o clima de Guarapuava como propício para tal fim, pode-se também inferir que o texto do
decreto sugere que a criação de gado seria uma atividade entendida como sendo menos
racional e produtiva para a região e para o país.
90
Ibidem.
91
Diário Oficial do Estado do Paraná. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná. n.º 3. Ano XXXIX. 19 de maio de
1951.
92
Ibidem.
93
O cultivo de trigo, já em meados do século XIX, foi objeto de políticas do governo paranaense. Em 1860, José
Francisco Cardoso, então Presidente da Província do Paraná, em relatório à Assembléia Legislativa, manifestou
sua intenção de estimular a produção do cereal por meio da mão-de-obra imigrante, projeto que contava com o
apoio do governo imperial. In: SANTOS, Carlos Roberto Antunes dos. História da Alimentação no Paraná.
Curitiba: Fundação Cultural. 1995. p. 144. A produção do cereal, considerada como estratégica no setor de
segurança alimentar, também foi objeto de ações do governo de Afonso Camargo, em 1916, e posteriormente,
em 1928, durante a gestão de Caetano Munhoz da Rocha, pai de Bento. Em 1928, quando o jornalista e
historiador Romário Martins era diretor do Departamento de Agricultura, foi lançada a campanha “Cruzada do
trigo”. Em Guarapuava, por exemplo, durante a campanha foi registrada a produção de 1.670 quilos de trigo por
hectare. In: MARTINS, Romário. Plantando Dá. Os Serviços Officiaes de Agricultura do Estado do Paraná.
Suas organizações e ações até 31 de maio de 1930. Curitiba: Departamento de Agricultura. 1930. Mimeo.
43
Inicialmente, a maioria dos fazendeiros resistiu em “ceder” suas terras. Alguns
aumentaram o valor de suas propriedades,
94
mas concordaram em sair mediante um acordo,
no qual o governo do Estado se comprometia, entre outras coisas, em ceder terras no Norte do
Paraná para o cultivo de café, produto de destaque nas exportações do Estado daquele
período.
95
Para a aquisição das terras, uma área que totalizava 22.000 hectares, sendo
aproximadamente 10.000 hectares de campo e 12.000 hectares de florestas de araucárias e
imbuias, foi constituída, em 5 de maio de 1951, a Cooperativa Agrária Ltda.,
96
sob a direção
de Moor, o qual também fora dirigente da antiga cooperativa Agrária em Neusatz.
97
O
contrato de venda, assinado em 29 de maio de 1951, além de apresentar o preço das terras e o
pagamento de valores referentes às araucárias e às imbuias, permitia que os proprietários
mantivessem os rebanhos de gado no local, os quais deveriam ser gradativamente retirados até
o mês de abril de 1952.
98
Ao mesmo tempo, na Áustria, procedeu-se a divulgação do projeto por meio de jornais
e, em seguida, a seleção das quinhentas famílias que iriam emigrar. Foram adotados os
seguintes critérios:
Considerava-se, em primeiro lugar, camponeses e artesãos.
Dava-se preferência às famílias numerosas, também posteriormente, por ocasião da
distribuição de terras.
Não se aceitavam candidatos envolvidos em delitos políticos ou de guerra.
99
94
FRÖSCH, Max. Op. cit. p.25.
95
De acordo com Lustosa de Oliveira, os antigos proprietários receberam 5.000 alqueires na Serra dos Dourados,
hoje município de Umuarama, sendo que Oliveira recebeu uma área de 1.500 alqueires. ESTECHE, Paulo. O
Sopro de Modernismo em Guarapuava. In: Jornal de Entre Rios, Guarapuava: n.º 101, 13.01.92. p. 12.
96
ATA DA ASSEMBLEIA DE CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE COOPERATIVA “COOPERATIVA
AGRARIA DE PERSONALIDADE LIMITADA”. Guarapuava: 05 de maio de 1951.
97
ESTECHE, Paulo. Op. cit. p.12.
98
CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE TERRAS. Curitiba: 29 de maio de 1951.
99
ELFES, Albert. Op. cit. p. 47.
44
De acordo com Wilk e Remlinger, a divulgação deu-se principalmente na região
austríaca de Oberösterreich, onde se concentrava a maior parte dos refugiados. Inicialmente,
apresentaram-se 7.047 pessoas, totalizando 1.668 famílias. No entanto, com a chegada de
“más notícias” da colônia Entre Rios, muitos candidatos desistiram. De acordo com os dados
de Hochgatterer, Wilk e Remlinger, ao final foram reunidas apenas 2.446 pessoas, sendo que
2.014 eram originarias da Iugoslávia, 119 da Romênia, 16 da Hungria 285 da Áustria e 12 de
outros países.
100
A maior parte do suábios chegou ao Brasil entre os anos de 1951 e 1952, em
sete transportes. Entretanto, há divergências quanto a esses dados.
Para os Spiess, o número de imigrantes é maior. Para esses autores, a relação dos
transportes e das datas das partidas e chegadas dos imigrantes ao Brasil é a seguinte:
O primeiro contingente formado por 222 pessoas, a bordo do navio “Provence”, partiu de
Genova em 22 de maio de 1951 e chegou a Santos no dia 6 de junho de 1951.
O segundo contingente formado por 96 pessoas, a bordo do navio “Lavosier”, partiu de La
Havre em 31 de agosto de 1951. A chegada em Entre Rios ocorreu no dia 15 setembro de
1951.
O terceiro contingente formado por 531 pessoas, a bordo do navio “Provence”, partiu de
Genova em 21 de setembro de 1951 e chegou a Entre Rios no dia 8 de outubro de 1951.
O quarto contingente formado por 500 pessoas, a bordo do navio “Provence”, partiu de
Genova em 9 de novembro de 1951 e chegou ao Brasil no dia 23 de novembro de 1951.
O quinto contingente formado por 462 pessoas, a bordo do navio “Provence”, partiu de
Genova em 28 de dezembro de 1951 e chegou a Santos no dia 11 de janeiro de 1952. A Entre
Rios, o grupo chegou no dia 15 de janeiro de 1952.
O sexto contingente formado por 233 pessoas, a bordo do navio “Conte Biancomano”, partiu
de Genova no dia 12 de janeiro de 1952. Chegou a Entre Rios no dia 28 de janeiro de 1952.
O sétimo contingente formado por 413 pessoas, a bordo do navio “Provence”, partiu de
Genova no dia 15 de fevereiro de 1952. Chegou a Santos em 29 de fevereiro de 1952 e a Entre
Rios no dia 3 de março de 1952.
101
O restante dos imigrantes chegou ao Brasil em outras três levas, sendo a primeira em
1953, composta por 26 pessoas e as outras duas nos meses de agosto e novembro de 1954. A
primeira formada por 23 pessoas e a última por apenas 4 pessoas.
102
100
REMLINGER, Madalena Jung, WILK, Inge Annemari. Op. cit. p.35-36. HOCHGATTERER, Anton. Op.cit.
p. 59.
101
SPIESS, Rosina, SPIESS, Cristiana, SPIESS, Walter. Op cit. p.4.
102
Ibidem.
45
No início de junho de 1951, chegou a Guarapuava o primeiro grupo de suábios,
composto por agricultores, artesãos, operários, motoristas, bem como pelos membros
dirigentes da colônia e da “Ajuda Suíça a Europa”. Alojados provisoriamente em um colégio
em Guarapuava, estes iniciaram a construção das cinco vilas divididas em lotes, cujo tamanho
era de 1/2 hectare, espaço reservado para a construção de uma casa e também para a formação
de hortas e pomares.
103
Com relação à infra-estrutura das vilas, dispostas na forma de um
pentágono e distantes cerca de 4 a 5 km entre si, Remlinger e Wilk comentam que (...) em
cada uma encontravam-se uma escola, uma igreja, um armazém, um bar, uma ferraria, um
cemitério e um campo de futebol (...).
104
Inicialmente, o trabalho foi realizado coletivamente sob a coordenação da Agrária,
tanto na construção das casas e estradas quanto nos campos e lavouras. Foram utilizados
tratores na preparação da terra para o cultivo de cereais, especialmente o trigo e o arroz.
105
De
acordo com Rolf Odebrecht, engenheiro agrônomo e funcionário do Banco do Brasil, que
atuou na colônia entre 1952 e 1955, foram constituídas sete cooperativas.
A cooperativa central com seis filiadas. Eram cinco aldeias, cada aldeia tinha sua cooperativa.
A sexta cooperativa filiada era a dos não-agricultores. Ela era formada pelos motoristas,
artesãos, pessoal que trabalhava na serraria, na usina elétrica movida a máquina a vapor,
lenha), na marcenaria, na oficina que consertava os tratores e caminhões e o pessoal do
escritório e alguns comerciantes, que juntos formavam a sexta cooperativa filiada.
106
Acerca da expectativa dos fazendeiros quanto ao sucesso do projeto de colonização
realizado pelos suábios, Antônio Lustosa de Oliveira, um dos desapropriados da época que
também exercia o cargo de deputado estadual, narra o seguinte:
103
ELFES, Albert. Op. cit. p. 49.
104
REMLINGER, Madalena Jung; WILK, Inge Annemari. Op. cit. p.43.
105
ELFES, Albert. Op. cit. p. 48.
106
ODEBRECHT, Rolf, ODEBRECHT, Renate S. Entrevista concedida a Marcos Nestor Stein. Blumenau: 26
de agosto de 2005. A.A.
46
Foi um tanto duvidosa. Imagine pensava-se na época-, plantar milho, trigo, onde criamos
boi, na coxilha? Para a agricultura, a terra boa era de mata, derrubando e plantando. No
campo nativo, boi. Ninguém acreditava que, com adubo e os processos modernos, fosse
possível produzir trigo e arroz. Até então, no Brasil, se cultivava arroz no banhado. No
começo eles sofreram, passaram quase miséria. O trigo crescia até 20 centímetros e amarelava.
Mas eles fizeram experiências até que prosperaram. Muitos guarapuavanos imaginavam que
não ia dar certo, mas só ficaram imaginando.
107
Lustosa de Oliveira foi um dos proprietários que apoiou o projeto do governo, tendo
inclusive participado nas negociações que convenceram os demais fazendeiros a vender suas
terras. O fragmento acima demonstra a visão destes com relação àquilo que poderia ou não ser
cultivado na região. Cultivar os campos com trigo, por exemplo, não era uma atividade vista
pelos fazendeiros como uma opção econômica.
As interpretações acerca dos ambientes indicados e não indicados para a agricultura
não é exclusividade desses fazendeiros. O geógrafo Leo Waibel, em um artigo publicado em
1949, analisou as discussões em torno do cultivo das regiões de mata e de campos nos
planaltos do Sul do Brasil, e concluiu que os referidos campos poderiam ser cultivados e
colonizados, (...) se forem aplicados métodos agrícolas intensivos e se for assegurado um
mercado para produtos comerciais compensadores (...).
108
Portanto, a escolha do município de Guarapuava como lugar para a fixação do grupo
não se deu aleatoriamente. Ela foi precedida por negociações entre a organização “Ajuda
Suíça à Europa”, o governo brasileiro, o Estado de Goiás e, finalmente, com o Paraná. Outro
fator determinante foi o exame de alguns aspectos da área, como a distância dos centros
urbanos, o clima e a qualidade do solo.
107
ESTECHE, Paulo. Op. cit. p. 12.
108
WAIBEL, Leo. Princípios da Colonização Européia no Sul do Brasil. In: Revista Brasileira de Geografia.
Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, n.º 2. Ano XI, Abril-Junho de 1949. p. 208.
47
1.2 Notícias de uma Imigração: A chegada dos imigrantes pela imprensa paranaense
A vinda dos refugiados também foi objeto de matérias de jornais, sobretudo
paranaenses. A análise sobre tais matérias permite perceber como a chegada e a identificação
dessas pessoas foi dada a conhecer aos leitores do Paraná, além de divulgar qual ou quais
eram os propósitos do governo estadual e os benefícios que tal empreendimento
proporcionaria à população paranaense e brasileira.
Para Alzira Alves de Abreu, a mídia, além de descrever um acontecimento também
participa de sua construção. De acordo com ela,
(...) O acontecimento é apresentado pela mídia depois que ele passou por um processo de
formatação, de apresentação e de sentido, processo a que é submetido o acontecimento pelos
operadores da mídia. Um fato ocorrido em qualquer lugar do mundo não se transforma em
acontecimento sem que haja um tratamento da informação, sem uma retórica produzida pelos
órgãos de imprensa, dando à ocorrência um discurso que lhe uma conotação de realidade
entendida e apreendida pelo público.
109
Partindo desta perspectiva, para analisarmos como a vinda dos suábios foi dada a
conhecer pela imprensa, em especial a paranaense, trabalhamos com: O Diário, Jornal
Gazeta do Povo, Diário da Tarde, O Estado do Paraná e Folha do Oeste. Com exceção do O
Diário, que pertence ao acervo do Museu de Entre Rios, os demais estão disponíveis no
acervo da Biblioteca Pública do Estado do Paraná. O primeiro é um jornal de Santos, local do
desembarque dos imigrantes. Os três seguintes são jornais produzidos em Curitiba, de perfil
empresarial e de grande circulação. O jornal Folha do Oeste foi fundado em 1948 em
Guarapuava.
110
Seu proprietário era Antonio Lustosa de Oliveira, citado deputado estadual
da época, desapropriado por motivo da instalação dos colonos.
109
ABREU, Alzira Alves. Acontecimento e Mídia. Colóquio História e Imprensa. Rio de Janeiro: 1998. p. 60.
110
PILOTTO, Osvaldo. Cem Anos de Imprensa no Paraná. Curitiba: I.H.G.E.P. 1976. p. 64-65.
48
No Porto de Santos, em 5 de outubro de 1951, desembarca o terceiro grupo, composto
por 514 pessoas refugiadas da Segunda Guerra Mundial. O fato foi acompanhado por
jornalistas do jornal O Diário, que no dia seguinte estampou em suas páginas uma
reportagem, cujo título é: A maior leva do após-guerra - especializados na cultura do trigo -
apátridas em busca de uma nova pátria.
111
O título expressa a junção de duas expectativas. A primeira se refere aos interesses dos
governos brasileiro e paranaense, desejosos de aumentar a produção de trigo no país e assim
reduzir as importações do cereal. A segunda indica o objetivo dos refugiados: encontrar uma
nova pátria.
Acompanhando os imigrantes vieram 4 funcionários da “Ajuda Suíça à Europa”, dois moços e
duas moças servindo de intérpretes e de assistentes para todas as necessidades dos viajantes
até o Estado Sulino, de onde retornarão à Europa para regressar com as novas levas.
Enquanto esses funcionários faziam uma refeição ao ar livre, à beira do cais, nossa reportagem
pode conversar com os mesmos. Uma das moças nos explicou que os imigrantes ora chegados
estavam na Iugoslávia, antes da guerra. Depois se viram refugiados na Áustria e teriam de
acabar voltando para aquele país, mas a pobreza, porém não lhes permitira tentar uma nova
vida na Europa. A solução foi o Brasil, para onde todos se encaminham com extraordinária
esperança. Concluiu nos dizendo que as mudanças políticas e de geografia da Europa tornaram
Apátridas todos esses homens aos quais, a melhor assistência a “Ajuda Suíça à Europa”,
desejosa de trazer para o Brasil 20 mil famílias nessas condições e espalhadas na região
danubiana.
112
A reportagem transmite a notícia de forma extremamente branda. A guerra e a
expulsão que levou os recém-chegados à condição de “apátridas” não são mencionadas. Em
vez disso, menciona-se apenas as “mudanças políticas e geográficas na Europa”, sem mais
explicações. O tom é otimista. As informações referem-se mais a um futuro promissor no
Brasil (terra da fartura), do que ao passado na Europa. A identificação dessas pessoas está
mais próxima a de viajantes, os quais “estavam na Iugoslávia antes da guerra”, do que de
pessoas que foram expulsas de seus lares.
111
Jornal O Diário Op. cit.
112
Ibidem. p.06.
49
De Santos, o grupo se deslocou até o município de Guarapuava, situado na região
Centro-Oeste do Estado do Paraná, onde se juntou aos membros dos dois grupos anteriores,
que estavam construindo a infra-estrutura da colônia Entre Rios.
113
Sobre a chegada ao Brasil do primeiro grupo de refugiados, o jornal paranaense
Gazeta do Povo, em de 05 de junho de 1951, apresentou uma extensa reportagem sobre o
assunto:
Camponeses da Europa Central para o Paraná
Pelo navio ‘Provence’ passou pelo Rio, com destino ao porto de Santos, o primeiro grupo de
imigrantes suíços, composto de 222 pessoas, trazidos para o Brasil pela Ajuda Suíça à Europa,
sob os auspícios diretos dos governos do Brasil e da Suíça. Este grupo de imigrantes compõe-
se de agricultores e operários.
A iniciativa deste plano de colonização foi tomada, em 1948, pela União de Caridade, plano
que depois foi transferido à Ajuda Suíça à Europa, que é o órgão central de todas as
organizações de auxílio suíças.
Os elementos trazidos são camponeses da Europa Central, do grupo dos suábios do Danúbio,
que viviam na Hungria Meridional, Iugoslávia e Romênia, e que, em conseqüência da guerra,
foram obrigados a localizar-se como deslocados na Áustria.
Em suas antigas pátrias constituíam forte agrupamento de camponeses e pelo seu trabalho de
dezenas de anos transformaram o solo improdutivo no celeiro de trigo da Europa. Os
imigrantes são especializados no cultivo do trigo e do milho e também exploram, com sucesso,
a criação de porcos.
114
A ênfase aqui é nas atribuições produtivas do grupo de recém-chegados. São
classificados como ótimos produtores de trigo e milho, capazes de transformar um solo
improdutivo em celeiro agrícola, o que certamente despertaria a simpatia dos leitores, pois
poderiam fazer o mesmo em solo paranaense. O título do artigo identifica-os de acordo com
sua atividade econômica (camponeses), com o espaço geográfico de onde eles são
provenientes e somente depois a identificação étnica: a de serem suábios do Danúbio. Mas
o fato de serem trazidos para o Brasil por uma instituição de ajuda suíça transforma-os em
imigrantes suíços.
113
Ibidem. p. 05 e 06.
114
Jornal Gazeta do Povo. Curitiba: 05 de junho de 1951. p.01.
50
A reportagem segue informando que os mesmos serão localizados no município de
Guarapuava, onde (...) a cada família serão entregues 4 hectares de terras como propriedade,
porém, toda a área será trabalhada em conjunto sob o sistema de cooperativa, (...).
115
De
acordo com esta notícia, parece que uma clareza na forma como se daria a distribuição de
terras e principalmente sobre o sistema de trabalho na colônia. Como será demonstrado mais
adiante, essa não era a forma de trabalho preferida pelos imigrantes e a distribuição dos lotes
não se processou de maneira tranqüila.
O trabalho para a formação desse “novo celeiro” que, segundo o jornal, duplicaria a
produção agrícola do município, seria realizado com a utilização de “aparelhamentos e
maquinarias mais modernos”, constituídos de “(...) 30 tratores, 10 caminhões, 140 arados, 12
serras, uma central elétrica, máquina para o beneficiamento de arroz, moinho de trigo,
carpintaria, oficinas e semeadoras.”
116
Portanto, não se tratava de apenas trazer bons
agricultores, mas da intenção de modernizar a agricultura no Estado, representada também
pela introdução da mecanização na referida atividade econômica.
Por fim, é informado que o projeto prevê ainda a vinda de vinte mil famílias. O
financiamento se daria da seguinte forma:
Um grupo de fábricas suíças obteve autorização do Banco do Brasil para exportar para o
Brasil cerca de 31 milhões de francos suíços em mercadorias de origem suíça, essenciais à
economia de nosso país, pondo à disposição da Ajuda Suíça à Europa uma contribuição
correspondente para o financiamento da colonização. O espírito de boa vontade das
autoridades brasileiras, especialmente o Banco do Brasil, muito auxiliou para o bom êxito do
financiamento original, que não acarreta qualquer ônus para o governo brasileiro.
117
Cabe observar que, se não despesas diretas por parte do governo brasileiro, por
outro lado, o mesmo contribuiria de forma indireta para o empreendimento, deixando de
arrecadar os impostos das importações, principalmente das aquisições das máquinas. Diversas
115
Ibidem.
116
Ibidem.
117
Ibidem.
51
máquinas agrícolas e equipamentos elétricos para as instalações do moinho e as serrarias, por
exemplo, foram adquiridos na Alemanha e Áustria antes mesmo da escolha da área a ser
ocupada e chegaram ao Brasil no mês de julho de 1951.
118
No dia seguinte, outro jornal paranaense, o Diário da Tarde, transcreveu uma matéria
do jornal A Gazeta de São Paulo, intitulada Chega a Primeira Leva de Imigrantes para o
Paraná:
O prestigioso órgão “A Gazeta de São Paulo” publicou em seu número de ontem, interessante
notícia a respeito da vinda de imigrantes alemães para o Paraná, que hoje transcrevemos,
levando em conta o transcendental interesse que representa para o Estado tal acontecimento:
Eis a notícia:
‘Uma das conseqüências da Guerra foi o deslocamento de populações da Europa. O
problema passou a exigir dos governos daquele continente providencias no sentido de
conseguir o aproveitamento de homens, mulheres e crianças, privados de um momento para
outro de prosseguir no ritmo normal de suas atividades. Principalmente para os agricultores,
fugidos das zonas rurais mais atingidas, mister se tornava uma solução, notadamente para
milhares de seres humanos que se refugiaram na Áustria, onde ficaram até agora abrigados
pelo governo daquele país. Uma parcela desses deslocados chegou ontem a Santos, viajando
pelo navio francês “Provence”, sob o patrocínio da Sociedade Suíça de Ajuda à Europa e com
a aquiescência do governo brasileiro. pouco mais de quatro meses, a “Caritas” e a
Sociedade Suíça de Ajuda à Europa, após entendimento com os governos do Brasil e Áustria,
acertaram a vinda para o nosso país de 5 mil deslocados de origem alemã, que se achavam em
território austríaco. Como se trata em sua quase totalidade de agricultores, a Sociedade Suíça
de Ajuda à Europa adquiriu no Estado do Paraná 10 mil alqueires de terras a fim de dar
trabalho àqueles imigrados.
Ontem, no “Provence” chegou a primeira leva de imigrantes composta de 222 pessoas, todos
agricultores, que vêm para o Brasil desejosos de trabalhar, trazendo em sua companhia as mais
variadas maquinarias agrícolas, cujo valor ascende a cerca de 8 milhões de cruzeiros. Trazem
grande número de tratores da mais moderna fabricação, arados e outras ferramentas, sendo
especialistas em plantação de trigo e milho.
119
Aqui, as causas da vinda dos suábios para o Brasil são explicadas com mais detalhes.
O grupo é identificado como “imigrantes alemães”, mas também como “seres humanos” e
principalmente “agricultores”, cujo desejo era, por meio de sua acomodação no Brasil,
retomar ao seu modo de vida, interrompido pela guerra, ou seja, produzir cereais, como o
milho e o desejado trigo, algo que seria de interesse “transcendental” para o Estado do Paraná.
118
FRÖSCH, Max. Guarapuava. Op. cit. p. 26.
119
Jornal Diário da Tarde. Curitiba: 07 de junho de 1951. p. 01.
52
Cabe destacar que a importância dispensada pelo órgão de imprensa à produção de
trigo não se restringiu às notícias sobre a vinda dos suábios. Também pode ser visualizada,
por exemplo, na publicação, no mês anterior, de duas matérias sobre o cultivo de trigo no
Estado. A primeira, cujo título é Trigo: auto-suficiência significará, em termo preciso, a
independência de 1952
120
e a segunda, num tom alarmante: Farinha de trigo será racionada?.
121
Portanto, a vinda dos suábios se justificaria na medida em que eles seriam a solução para o
problema da escassez do cereal e diminuiriam também a necessidade de importação.
No dia 20 de junho, o jornal Gazeta do Povo voltou ao assunto “vinda dos suábios”.
Na matéria, a identificação dos mesmos como refugiados alemães e novamente a menção
de que seu (...) embarque que não trará ônus ao tesouro nacional.
122
Rio 19 (Asapress) refugiados da raça germânica, denominados ‘Donauschwaben’, e
‘Wolksdoutsch’, [sic] encontram-se atualmente asilados na Áustria, sob os cuidados da União
Suíça de Caridade, entidade controlada pelo governo helvético e o Vaticano, poderão, a
qualquer momento, embarcar para o Brasil, sem qualquer ônus para o tesouro nacional. Nesse
sentido, o vice-presidente do Conselho de Imigração e Colonização se comunicou com o
chefe do governo solicitando sua anuência. Esclareceu que este grupo nada possui em comum
com os ‘deslocados de guerra’. Ao contrário, é formado por elementos que consultam aos
interesses imigratórios do país, sob qualquer ponto de vista. Viriam em número de 2.500 e
seriam localizados em Guarapuava, no Paraná, onde o Conselho de Imigração e Colonização
já adquiriu terras para a colonização.
123
O jornal menciona, com base em informações do “Conselho de Imigração e
Colonização”, tratar-se de refugiados e não de “deslocados de guerra”. Essa é uma informação
no mínimo confusa, pois não explica o que diferencia “refugiados” de “deslocados de guerra”
e silencia as causas que levaram tais pessoas a essa condição. É de se supor que para o jornal,
relacionar os imigrantes da “raça germânica”, com a guerra, não seria algo muito bem visto
pelos leitores. A explicação final objetiva enfocar apenas fatores positivos para a política
imigratória brasileira.
120
Jornal Diário da Tarde. Curitiba: 18 de maio de 1951. p. 01
121
Jornal Diário da Tarde. Curitiba: 28 de maio de 1951. p. 01
122
Jornal Gazeta do Povo. Curitiba: 20 de Junho de 1951. p.01.
123
Ibidem.
53
O jornal O Estado do Paraná, no dia 18 de julho de 1951, publicou sob o título
Revelam-se os Imigrantes Localizados em Guarapuava, a seguinte matéria:
Imigrantes europeus foram localizados pelo governo do Estado no município de Guarapuava.
Provêm os agricultores ali situados, de regiões produtoras de trigo, e são os mesmos técnicos
especializados nessa cultura. Iniciando a colonização das áreas que lhes foram destinadas,
evidenciam os imigrantes europeus extraordinário dinamismo e espantosa capacidade de
organização. Não há exagero em afirmar que esses agricultores realizarão trabalho de utilidade
pública inestimável para o país, servindo à cultura do trigo que vão realizar, de modelo ou
“Standard” aos nacionais. Nem vai demérito aos brasileiros, em tal assertiva, pois esses
alienígenas trazem-nos uma mostra de padrão mais desenvolvido de agricultura, servindo-se
de métodos mecanizados e dentro de bases cooperativistas
124
Apesar do título, que pressupõe uma revelação sobre quem são os imigrantes,
novamente parece existir um receio em designá-los como “alemães”. Os termos usados,
“imigrantes europeus” e “alienígenas” são denominações amplas para designar o grupo em
questão. As características do grupo voltadas para a produção de trigo são enfatizadas,
especialização que os diferencia dos agricultores nacionais. A forma de organização dos
imigrantes, bem como a maneira como executariam o trabalho, considerada mais
desenvolvida, é apresentada como um exemplo, um padrão para os agricultores nacionais.
A reportagem continua com a descrição da forma como se daria a organização e as
ações destes a fim de atingirem seus objetivos, como a construção de armazéns com
“dimensões avantajadas,” que serviriam como moradia provisória enquanto as residências não
ficassem prontas. Outro aspecto é a formação da cooperativa e a sua inscrição na Secretaria de
Agricultura, Indústria e Comércio do Estado, o que demonstra a índole dos colonos,
comprometidos com o governo estadual. Para o jornal, (...) tal operosidade é de molde
autorizar previsão de grandes sucessos. Aguardemos, pois, considerável crescimento na
produção do trigo paranaense.
125
124
Jornal O Estado do Paraná. Curitiba: 18 de julho de 1951. p.03.
125
Ibidem.
54
Na matéria de 21 de julho de 1951, o mesmo jornal, finalmente, identifica o grupo
como sendo “imigrantes germânicos”, os quais irão revitalizar a produção agrária do Estado.
As terras em Guarapuava onde seriam instaladas as famílias são descritas como férteis. Outra
característica apontada é o uso de máquinas modernas, as quais (...) reduzira-lhes 50% de
trabalho a ser executado em nossos meios rurais.
126
A matéria segue com a descrição do grupo, composto de “homens, mulheres e
crianças”, sua condição de fugitivos de guerra e o Brasil como sendo sua “nova pátria”. Tais
pessoas buscam um “trabalho honesto e compensador”, que constituiria seu ideal de vida
“progressiva e útil”.
127
Ao adjetivar tais pessoas desta maneira, busca-se novamente qualificá-
las como desejáveis para o desenvolvimento do Estado.
Nesse sentido, além de apresentar a área a ser cultivada
128
e as subvenções do Banco
do Brasil para a realização do projeto, a matéria jornalística tece um comentário acerca da
seleção dos imigrantes:
A rigorosa seleção na arregimentação desses imigrantes foi uma das características do bom
andamento da iniciativa, pois os organismos dessa gente acostumados às condições ecológicas
como a de nosso Estado, não sofrerão fortes reações para a adaptação. Será um mero
deslocamento, com capacidade física acomodada. Cumpre que ressaltemos aqui nestas
colunas, num critério de justo reconhecimento, a atitude de ilustre homem público do Paraná,
que com sua clarividência e boa vontade, soube antever com bastante positividade as
vantagens de tal cometimento contribuindo de maneira precisa e eficaz para a efetivação e
concretização desse intento. Trata-se do Sr. Lacerda Werneck, Secretário de Agricultura que,
em sua administração, vem dando provas de alta competência como nas iniciativas da natureza
que ora divulgamos. Homem forte e dado ao amanho da terra nas férteis e produtivas regiões
guarapuavanas abrindo uma senda de proficuidade maior, para um Paraná economicamente
equilibrado e respeitado.
129
126
Jornal O Estado do Paraná. Curitiba: 21 de julho de 1951. p. 03.
127
Ibidem.
128
Para que se tenha uma idéia desse espontâneo movimento imigratório, delinearemos aqui o projeto de
aplicação das atividades dessa gente, para o corrente ano, que constará do cultivo de 500 alqueires de batatas,
500 de trigo, 500 de milho, 200 de arroz, 200 de cebola e 20 alqueires de alfafa, sendo que aproximadamente
mil alqueires serão aproveitados no plantio de adubos verdes. Ibidem.
129
Ibidem. O papel de Lacerda Werneck junto ao projeto será analisado mais adiante.
55
A justificativa para a seleção não se baseou apenas no fato de pessoas apresentarem
características positivas, como a capacidade de produzir cereais, a “operosidade” e a
“honestidade”. Outro aspecto indicado e que se supõe contribuir para o sucesso do projeto, é a
suposta familiaridade entre o clima de Guarapuava e o clima da região de origem dos
imigrantes. Ou seja, há uma combinação entre elementos naturais e humanos.
Tal junção pode ser percebida também nas matérias do jornal guarapuavano Folha do
Oeste, intituladas Colônia Entre Rios
130
e Colonos para Guarapuava
131
. A primeira
reportagem inicia mencionando o fato de terem sido retirados os entraves relacionados à
aquisição da área para a realização do empreendimento. O objetivo, novamente, era a
produção de trigo, adjetivado como “o precioso cereal”, cuja produção, insuficiente no país, é
tida como um dos maiores problemas para a economia nacional. A matéria sugere que bastaria
apenas inserir agricultores afeitos à referida cultura para se obter uma boa produção, pois:
As terras, em questão, por sua qualidade e grande fecundidade, são as melhores: - Clima,
altitude, extenso tabuleiro de campo e matas, tudo nestes vales, promissoramente oferece
margem à exploração do cultivo do decantado ouro branco, que até bem pouco tempo
adquiríamos os mercados estrangeiro em sua totalidade, na de milhões de toneladas
anualmente importadas, com um dispêndio superior a um décimo dos orçamentos nacionais.
(...) Guarapuava será um futuro celeiro de trigo, quiçá um dos maiores do sul do Brasil, e a
União terá nele, um forte colaborador na melhoria do plano econômico de todo o país.
132
A segunda matéria identifica aqueles que irão produzir o trigo: os “imigrantes de raça
germânica”. O jornal, num tom claramente favorável ao empreendimento, afirma que tais
colonos viriam a auxiliar no desenvolvimento agrário local.
Em uma matéria publicada no mês de novembro de 1951, o mesmo jornal afirma que
viriam, no total, 20 mil famílias suíças para o Brasil. A nova leva de imigrantes viria se juntar
130
Jornal Folha do Oeste. Guarapuava: 10 de junho de 1951. p.01.
131
Ibidem. p.04
132
Ibidem. p 01.
56
à primeira colônia, (...) organizada racionalmente, de modo a conseguir perfeita fixação do
elemento colonizador cercando-o de todos os recursos indispensáveis.
133
A idéia de que a vinda de imigrantes estabeleceria um novo padrão no trabalho rural
do município é encontrada também numa matéria que aborda as relações entre os imigrantes e
os trabalhadores rurais brasileiros. Segundo a Folha, na área desapropriada, encontravam-se
cerca de 100 famílias que trabalhavam para os proprietários das fazendas. Tais famílias
seriam ocupadas como empregadas da cooperativa, o que segundo o órgão de imprensa, (...)
melhoraria suas condições de vida. Além disso, a cooperativa aperfeiçoará seus
conhecimentos e lhes dará instrução em matéria agrícola.
134
Ou seja, além de ser justificada
pela produção do cereal, a vinda dos suábios melhoraria as condições de vida de pessoas
“menos favorecidas” no local.
Como se pode perceber, a imprensa paranaense publicou várias matérias sobre a
imigração do contingente de refugiados, identificando-os de diferentes maneiras: “apátridas”,
“suíços”, “camponeses”, “alienígenas” e, em menor quantidade, “alemães”, etc. Em todas as
matérias, tais denominações são acompanhadas por adjetivações positivas, notadamente a de
serem trabalhadores e cujo fruto deste trabalho seria principalmente o trigo.
Outro aspecto comum nos discursos presentes nos jornais é a noção da existência de
um progresso rumo ao futuro representado pela produção de trigo e a utilização de máquinas.
Em todos, está presente a interpretação de que a vinda dos suábios constitui uma importante
ação dos governos paranaense e brasileiro para o desenvolvimento do Estado e do país.
Nas reportagens, não a descrição de detalhes sobre as condições de sua vida na
Europa e o processo de sua vinda para o Brasil. Além disso, não dão conta da forma como se
deu a escolha de Guarapuava como local onde seria fundada a colônia Entre Rios. Trata-se,
133
Jornal Folha do Oeste. Guarapuava: 11 de novembro de 1951. p. 04
134
Ibidem.
57
portanto, de uma visão da superfície. Escavar um pouco esse terreno pode nos revelar detalhes
que expliquem melhor o processo e a fixação do referido grupo, bem como compreender
melhor os critérios da escolha da área e os primeiros anos da colônia.
1.3 Relatórios dos primeiros anos da colônia
Diferentemente das matérias jornalísticas, a maioria dos fazendeiros da região não
acreditava no êxito do projeto. Porém, a “Ajuda Suíça à Europa” entendia que aquele
ambiente era o mais indicado para o estabelecimento dos colonos suábios. O relatório
intitulado Bericht über die Siedlungs-Aktion Brasilien (Relatório sobre a Ação da Colônia no
Brasil),
135
elaborado pelo órgão nos primeiros anos de instalação da colônia, descreve as
principais características desse espaço geográfico onde estava sendo implantada: o município
de Guarapuava. A forma e o conteúdo do documento possibilitam a análise de como esse
ambiente foi interpretado, quais aspectos eram percebidos como vantagens, como indicadores
das possibilidades de êxito do projeto.
O texto inicia apontando a mudança em relação ao local de implantação da colônia, de
Goiás para o Paraná. Em seguida, no item denominado Paraná Geographie und Wirtschaft
(Paraná - Geografia e Economia) indica a localização geográfica do Estado e os Estados com
os quais faz fronteira. Informa as condições, consideradas boas, das vias de transporte e
tráfego, para Curitiba, São Paulo e Santos, constituídas por linhas férreas, rodovias
pavimentadas e linhas aéreas. Com relação à economia, o relatório afirma que esta é
135
SCHWEIZER EUROPAHILFE. Bericht über die Siedlungs-Aktion Brasilien. Mimeo. S. d. De acordo com
funcionários do museu de Entre Rios, o relatório foi elaborado, provavelmente em 1951, por representantes da
entidade, que participaram da escolha do local para o estabelecimento da colônia.
58
predominantemente agrícola, destacando-se a exportação de café e de madeira, mas que
existia o início de uma industrialização.
136
O segundo item, Der Bezirk Guarapuava (A Região de Guarapuava), descreve o
município de Guarapuava, sua localização geográfica, altitude e condições geológicas. Os
terrenos são descritos como sendo levemente ondulados, atravessados por numerosos rios e
riachos, e o clima sem períodos de secas. Indica a existência de grandes extensões de
pastagens, entremeadas por “belas” florestas de pinheiros, pequenas ilhas de florestas, as
quais poderiam ser utilizadas para a obtenção de madeira e lenha. Outros aspectos dessa
paisagem são a sua altitude em relação ao nível do mar (entre 1.000 a 1.100 metros), sua
extensão territorial (11.600 Km²) e o total da população em 1950: 68.000 pessoas.
137
O item apresenta ainda dois elementos. O primeiro são detalhes sobre o clima,
apresentado como um dos melhores em todo o Brasil e muito propício para o europeu. O
verão é considerado não tão quente e o inverno não tão frio, como na antiga pátria dos suábios
do Danúbio. Isso é respaldado por meio dos números referentes à temperatura máxima,
medida nos últimos 20 anos que antecederam a colonização, 34,6º C na sombra, e a
temperatura mais baixa: –4,5º C. A média de ocorrência de geadas é calculada em 17 noites
por ano, mas com a ressalva que duram apenas algumas semanas. Durante o dia, as
temperaturas novamente aumentam até atingirem temperaturas de primavera.
138
Chama à atenção a interpretação das condições climáticas desse ambiente e o modo
como foi divulgada. Ela tem como objetivo legitimar a escolha dessa área para a fixação dos
suábios. É baseada na comparação do clima de Guarapuava com o dos Bálcãs, na qual o
primeiro é descrito positivamente, melhor até que o segundo. Mesmo a geada, um fenômeno
136
Ibidem.
137
Ibidem.
138
Ibidem. Tais dados, provavelmente, foram levantados pelo geógrafo Reinhard Maack, que acompanhou a
comissão que escolheu a área para o estabelecimento da colônia. Os instrumentos utilizados pelo geógrafo estão
expostos no museu da colônia.
59
que pode prejudicar muito a agricultura, é descrita como algo que ocorre apenas em algumas
semanas do ano. O inverno em Guarapuava teria temperaturas que durante o dia se elevariam
até uma temperatura “agradável”, o que, para os europeus, seriam semelhantes às encontradas
na primavera daquele continente.
A precipitação pluviométrica é calculada em cerca de 1.600 m/m, com maior
ocorrência no verão e menor no inverno. Não uma estação seca e outra chuvosa. Essas
condições, somadas ao solo avaliado como apropriado, criariam possibilidades de cultivo
consideradas muito “vastas”.
139
Outro aspecto da paisagem encontra-se descrito no item número 3. Trata-se da cidade
de Guarapuava.
(...) É uma pequena cidade do interior, com prefeitura, delegacia de polícia, fórum, 6 modestos
hotéis, igreja, médicos, dentistas, farmácia, um hospital novo, uma maternidade, oficinas de
automóveis, grande número de terrenos quase todos à venda cafés, cinemas; diversas
escolas primárias e escolas de nível médio, um ginásio, uma escola de comércio e um
seminário. As casas, exceto os edifícios de destaque e umas poucas dúzias de belas moradias,
são de madeira, construídas com um andar, e muito modestas. Como é um centro de uma
excelente zona agrícola, vive a cidade do comércio com agricultores e pecuaristas e acima de
tudo das serrarias, atualmente a cidade conta com mais de 100, sendo uma parte delas muito
moderna.
140
A descrição geral da cidade, com número de habitantes, atividades comerciais, escolas
e hospitais, revela um local que, apesar de pequeno, apresentava infra-estrutura básica para os
moradores. Além, é claro, do clima e paisagem rural que fazem parte desse ambiente.
Outro aspecto que merece destaque é a extração da madeira, notadamente da araucária
e imbuia, a qual naquele período era uma importante atividade econômica não de
139
Ibidem.
140
(...) ist eine kleine, Ländliche Stadt, mit dem Sitz der Präfektur, Polizeikommando, Gericht, 6 Hotels für
bescheidene Ansprüche, Kirche, Aerzte, zahnärzte, Apotheken, ein neues Spital, eine Gebärklinik,
Autowerkstätten, zahlreiche Länden, - die ungefähr alles verkaufen – Kaffees, Kinos; verschiedene Primar – und
Mittelschulen u.a. ein Gymnasium, eine Handeslschule und ein Lehrerseminar. Die Häuser abgesehen von
einigen repräsentativen Gebäuden und ein paar Dutzend schöner Villen, sind aus Holz, einstöcking gebaut und
sehr bescheiden. Als Zentrum von einer ausgezeichneten landwirtschaftlichen Zone, lebt die Stadt vom Handel
mit den Bauern und Viehzüchtern, und vor allem von den Sägewerken, von denen es gegenwärtig im Bezirk über
100 gibt, zum Teil sehr modern eingerichtet. Ibidem.
60
Guarapuava, mas do Paraná. A existência dos chamados capões de mato, áreas de mata
rodeada por áreas de campo, com as referidas espécies, também foi um fator que despertou o
interesse dos membros da equipe suábia.
Acerca do funcionamento da atividade madeireira, Lustosa afirma que:
Vendiam os pinheiros primitivos a 5 mil réis cada um. Na Cachoeira, onde eu vivia antes dos
suábios, eu não vendi pinheiro. Quando vendi a terra para a colonização, foram 18 mil
pinheiros e de 6 a 8 mil imbuias. Eu fui o único que não vendi pinheiro, porque não precisava.
Havia 220 serrarias em Guarapuava, serrando pinheiro dia e noite. Às vezes eu encontrava 70
caminhões puxando madeira, um verdadeiro formigueiro.
141
As araucárias e imbuias constavam nos contratos de compra e venda das fazendas,
porém, os seus valores foram calculados separadamente. Elas mediam mais de 15 polegadas
(38,10 cm) e serviram de matéria prima para a construção das primeiras casas da colônia.
Mais tarde foram também comercializadas.
142
O relatório segue com a apresentação do Lebensmittelpreise (preços de gêneros
alimentícios). Os produtos descritos são: açúcar, arroz, banha de porco, farinha de trigo,
feijão, farinha de milho, manteiga, sal, salame, mel, leite, batata, alho, cebola, carne de gado e
de porco, frango, ovos, banana e laranja. Os produtos são acompanhados pela indicação de
seu valor, determinado em cruzeiros, e suas respectivas unidades de medida. Abaixo uma
observação, indicando que um cruzeiro tem aproximadamente o valor de um xelim austríaco.
O quinto e último item, intitulado “Entre Rios,” dá-nos outras pistas sobre o porquê da
escolha da área para a colonização: o fato de ela estar localizada relativamente próxima a uma
estrada que liga a capital do Estado, Curitiba, à fronteira do Brasil com o Paraguai e a
Argentina. Também, a existência da estação ferroviária de Góes Artigas, a cerca de 20
quilômetros a leste da colônia, (...) que por enquanto é a estação final da linha férrea, da
qual há previsão de continuação para Guarapuava, que em aproximadamente 6 meses estará
141
ESTECHE, Paulo. Op. cit. p. 13.
142
CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE TERRAS. Op. cit.
61
concluída
143
. Complementa esse sistema de comunicação e de ligação, a construção de uma
estrada pavimentada com pedras, com uma extensão de 12 quilômetros, da cidade de
Guarapuava até a colônia, cuja previsão para o término era de 6 meses.
144
Percebe-se que a escolha do local para a instalação da colônia não levou somente em
conta as condições geológicas e climáticas da área, mas a existência de vias de comunicação e
projetos para construí-las ou ampliá-las, visando ao escoamento e comercialização da
produção e também ao recebimento de produtos industrializados.
O relatório transmite a impressão de que se tratava de uma área que reuniria, portanto,
as condições ideais para a implantação do novo lar dos suábios. No entanto, nele não
menciona ingrediente principal da colônia: os colonos, para os quais a vida, nos primeiros
anos, também foi marcada por problemas relacionados à produção agrícola e às crises
financeiras e sociais.
A fim de examinar a situação da colônia e a viabilidade de conceder mais recursos
para o empreendimento, em fevereiro de 1952, a “Ajuda Suíça à Europa” encomendou uma
pesquisa ao suíço Walter Gossner.
145
Nascido em 1904, Gossner estudou administração de
empresas em Viena, Paris e Freiburg. Na década de 1930, em função da crise econômica na
Suíça, resolveu emigrar para a Argentina, quando o governo suíço solicitou que, ao passar
pelo Brasil, procurasse as autoridades brasileiras para pleitear o aumento de cota para
imigrantes suíços. Gossner acabou permanecendo no país, tendo enviado vários relatórios
para o seu país de origem sobre colônias alemãs e suíças, como a de “Nova Helvetia”, em
Santa Catarina.
146
143
SCHWEIZER EUROPAHILFE. Op. cit.
144
Ibidem.
145
Em fevereiro de 1952, o cônsul da Suíça em São Paulo, E. Daberllay, enviou-lhe uma carta, comunicando que
ele havia sido escolhido como membro de uma comissão que, a pedido da direção da “Ajuda Suíça à Europa”,
examinaria a situação da colônia Entre Rios. GOSSNER, Walter. Op. cit.
146
Em seus relatórios, Gossner não recomendou o estabelecimento de colônias suíças no Brasil, pois estes, entre
outros motivos, se “caboclizavam” com o passar do tempo. Como se verá no relatório, Gossner apresenta a
colônia suábia como uma exceção. In: INSTITUTO HANS STADEN. Ficha biográfica de Walter Gossner.
62
A estada de Gossner na colônia durou cerca de cinco dias. Durante este período,
coletou dados na cooperativa e também obteve informações sobre a situação social da colônia
por meio de conversas com os diretores da Agrária e com alguns colonos. Ao retornar para
São Paulo, redigiu o relatório e o encaminhou para a organização suíça.
147
O relatório possui 63 páginas. Na introdução, apresenta o modo como as informações
foram coletadas, seguindo então, com a descrição das “influências da conjuntura
internacional” sobre o empreendimento. O suíço argumenta que a “conjuntura internacional”
se caracterizava pelo crescimento populacional e pelo deslocamento de pessoas do campo
para a cidade, condição que se desenhava como sendo favorável à condução do plano de
colonização. O mesmo juízo o autor atribui à situação da colônia em relação ao Brasil e,
principalmente, em relação ao Estado do Paraná, onde, em sua opinião, a natureza, a
economia e a situação política seriam aspectos favoráveis ao projeto. Ao final desta parte, ele
complementa que, no Estado, a xenofobia é uma raridade.
148
Em seguida, são descritas as “condições naturais” da colônia. Semelhante ao relatório
da Ajuda Suíça à Europa, analisado anteriormente, tais condições são qualificadas como
“saudáveis para o elemento europeu”. Além do clima, e da topografia, o regime de chuvas e o
tipo de solo apresentam-se como propícios para a realização do empreendimento.
149
Dito isso, Gossner se volta ao exame do que denominou de “condições
organizacionais e pessoais de Entre Rios”. Para ele, de forma geral, a “Ajuda Suíça à Europa”
não descuidou do que ele denominou “material humano” (Menschenmaterial), pois recrutou
quase exclusivamente famílias, e não pessoas isoladas. Tal argumento baseia-se no fato de se
tratar de pessoas que descendem de colonos com uma longa tradição de agricultores
S.D. Mimeo. Ver também: “Walter Gossner”. In: Boletim Instituto Hans Staden. São Paulo: Instituto Hans
Staden. n.º 7. Setembro de 1980. p. 01-05.
147
Ibidem.
148
Ibidem. p. 04-05.
149
Ibidem. p.05.
63
“independentes”, que conheciam a fundo as modernas técnicas e métodos de cultivo e que
faziam uso de modernos equipamentos, como tratores, semeadores e colhedeiras.
150
A vinda de pessoas com tais atributos constituía-se também num patrimônio para o
Brasil, pois, ele ressalta, são na sua maioria “aplicados” (strebsam), “progressistas”
(fortschrittlich), “diligentes” (fleissig), “sadios” (gesund) e “resistentes” (widerstansfaehig).
151
No âmbito das atividades agrícolas, Gossner qualifica-os como pragmáticos, pois não
hesitavam em adotar novos métodos a fim de maximizar a produção. Todavia, não foi
verificada a mesma situação com respeito à “faculdade de adaptação” (Anpassugsfaehigkeit)
dos suábios à sociedade brasileira. Mas não se trata de uma característica totalmente negativa,
pois, para ele, a pequena adaptação se deve à forte tradição cultural familiar dos suábios.
Possuem grande número de filhos e as mulheres seriam “acostumadas ao trabalho duro”.
Somam-se a isso os acontecimentos decorridos na Segunda Guerra Mundial, que contribuíram
para que a maioria dos imigrantes fosse “perturbada emocionalmente” (seelisch zerruettet).
152
Para um melhor detalhamento de suas impressões sobre a colônia, Gossner dividiu-as
em dois campos. De um lado descreveu as características físicas dos colonos e de outro as
suas qualidades morais, sociais e culturais. No primeiro, Gossner reafirma que se trata de uma
“raça de pessoas” (Schlag von Menschen) que na maioria, gozava de excelente saúde, pois são
“vigorosas” e “resistentes”. Tal juízo se justifica, segundo ele, pelo fato de não ter encontrado
nenhum dos 2.500 habitantes da colônia na enfermaria. A maioria dos atendimentos na
enfermaria seria apenas para a realização de suturas causadas por acidentes.
153
Com relação às denominadas “feridas oriundas do clima” (Klimawunden), seriam,
segundo ele, em parte causadas pela alimentação errada dos suábios, caracterizada pelo alto
150
Ibidem.
151
Ibidem. p.14.
152
Ibidem.
153
Ibidem.
64
consumo de gordura de porco e de toucinho e carente de vitaminas e de cálcio. Outro fator
que levava os colonos à enfermaria eram as erupções cutâneas, que ele presumiu serem
causadas por uma árvore, a “aroeira brava”.
154
A utilização do termo Klimawunden sugere
que os problemas de saúde não se davam em função de eventual fraqueza dos colonos. A
doença não estaria no corpo destes; antes, teria causas exteriores.
O autor afirma que, assim como a urticária e a “febre do feno”, as erupções cutâneas
são sintomas de doenças alérgicas, às quais, nem todas as pessoas eram suscetíveis. Além
disso, baseado em sua própria experiência como imigrante no Brasil, ele previa que com o
passar do tempo, a maioria das pessoas tornar-se-ia imune a essas plantas.
155
Isso demonstraria
a capacidade de adaptação dos colonos às condições ecológicas locais.
Outro dado que atestaria a boa saúde dos colonos era o número de nascimentos (120)
em relação ao de falecimentos. De acordo com informações que Gossner obteve com
Monsenhor Crivelli, somente duas crianças morreram na colônia, sendo que uma das mortes
foi provocada por um raio, portanto, um fator não ligado à condição física. Além disso, previu
o aumento da natalidade, pois constatou que quase toda semana ocorria um casamento.
156
Quanto aos “aspectos morais, sociais e culturais”, Gossner reafirmou que se tratava de
gente “trabalhadora”. Esta característica poderia ser verificada por meio da inspeção das
plantações (bem cuidadas) nos lotes individuais, localizados nas vilas. No entanto, o contrário
se daria nas áreas de trabalho coletivo, localizadas fora das áreas urbanas. Acerca disso, o
autor mencionou a seguinte fala de um colono: (...) Espere até nós termos nossas próprias
terras, então você nos verá às duas ou três horas da madrugada em nossos campos
trabalhando (...).
157
154
Ibidem.
155
Ibidem.
156
Ibidem.
157
Warten Sie, bis wir unser eigenes Land haben, dann werden Sie uns schon um 2 oder 3 Uhr morgens auf
unsern Feldern arbeiten sehen”. Ibidem. p.15.
65
Para ele, relatos deste tipo não eram esporádicos, mas representavam a opinião geral
dos colonos e demonstravam que não desejavam ser Kolchosenbauern”, expressão que
pejorativamente era utilizada pelos suábios para designar os agricultores que trabalhavam as
terras coletivas na Rússia. Segundo ele, os colonos reivindicavam a instalação de um sistema
de economia privada, no qual seriam proprietários individuais das terras onde trabalhavam.
158
Gossner, no entanto, ressaltou que, ao mesmo tempo, todos reconheciam que a força
da colônia estava na união e, por conseguinte, as idéias cooperativistas estariam enraizadas
entre eles. Completa o quadro (mais positivo do que negativo) o fato dos agricultores e outros
trabalhadores viverem em um ambiente em que (...) reina um forte e saudável espírito
familiar.
159
Na seqüência da descrição destes aspectos positivos, que sugerem uma comunhão de
interesses e opiniões entre os colonos, Gossner apresentou alguns aspectos negativos. O
primeiro seria o “tolo” (unkluges) isolamento dos colonos em relação aos habitantes
nacionais. Para ele, a “superioridade econômica, social e cultural da colônia” em relação aos
vizinhos brasileiros, poderia causar ressentimentos nacionalistas por parte destes. Todavia,
esse perigo, que lhe pareceu grande quando da sua chegada à colônia, mostrou-se menor, ao
conhecer melhor os colonos que se portavam de maneira inteiramente “cordial” (freundlich) e
“atenciosa” (zuvorkommend) para com os visitantes. Gossner posiciona-se crente de que com
o tempo e a contribuição da escola e da igreja, o problema do isolamento dos colonos seria
superado.
160
O que o autor diagnosticou como grave foi a “perturbação emocional dos colonos”. O
problema estaria ligado às experiências na Europa, nos tempos de guerra, quando perderam
sua pátria, suas propriedades e em muitos casos membros de suas famílias. No entanto, ele
158
Ibidem.
159
Ibidem.
160
Ibidem.
66
comentou que se deveria tentar transformar tais lembranças em estímulos, o que reforçaria o
trabalho para a construção de uma (...) nova, talvez mais bela pátria.
161
Nessa afirmação,
Gossner aponta uma saída para as angústias dos colonos: “trabalhar” com a memória.
Outros problemas detectados por Gossner foram a falta de confiança entre alguns
colonos e seus líderes, o que foi uma ameaça a existência da colônia mesma, e o “medo do
futuro”. Acerca do primeiro problema, ele ressaltou que a maioria dos colonos possuía as
mais sólidas confianças nas possibilidades do solo e na sua própria capacidade de prosperar
por meio do trabalho. No entanto, estariam “desconfiados”, porque temiam que a colônia se
tornasse mais uma “empresa coletiva” (Kolchosenbetrieb) do que uma economia baseada na
propriedade privada.
162
Acerca do “medo do futuro”, Gossner afirmou que as mulheres em idade madura
representariam a “força moral e a segurança com relação ao futuro”. com relação aos
jovens moços e moças, sua impressão era a de que estes se esqueceriam facilmente de seu
passado, pois eram atraídos pelas “tentações da vida na cidade”. Segundo ele, é perceptível
que as moças não se entusiasmavam quando, para preparar o solo para o plantio, eram
necessárias semanas seguidas na tarefa de destocar as centenárias imbuias e pinheiros. os
homens adultos sofriam em função de ainda não poderem trabalhar de forma autônoma, além
de se preocuparem com seu futuro econômico, com a rolagem das dívidas, etc.
163
Em seguida, Gossner resume suas impressões sobre os colonos, não agricultores,
mas também os artesãos e trabalhadores das indústrias. Afirmou que, de todas as colônias do
Brasil que conheceu, Entre Rios possuía o melhor “material humano”, tanto em relação às
suas qualidades físicas, quanto morais e sociais. De todos os outros grupos que colonizaram o
161
„(...) ein Ansporn zum Einsatz aller Kraefte, um eine neue, vielleicht noch schoenere Heimat aufzubauen.“
Ibidem.
162
Ibidem.
163
Ibidem.
67
Brasil, (alemães, italianos, suíços e assim por diante) os suábios seriam o grupo “mais
homogêneo” e que reuniria, em diferentes modos, as características físicas individuais com as
virtudes sociais, pois o desejo pessoal de progredir estaria ligado à concepção de que o
progresso individual deveria estar relacionado com o interesse geral da colônia. Eles estariam
inclusive acima dos japoneses, no que se refere à utilização de modernas técnicas agrícolas. O
único parêntese Gossner estabeleceu em relação à colônia holandesa de Castro, e ainda assim
em função de não a ter visitado.
164
Ao lado das “melhores características imagináveis” dos colonos suábios, encontravam-
se outros fatores, os quais, para o autor, também estariam ligados ao êxito duradouro da
colônia. O primeiro item é a administração da colônia, no qual Gossner identificou o trabalho
coletivo como sendo uma das falhas do empreendimento. Para ele, os lotes deveriam ser
divididos e cultivados de maneira autônoma.
165
O segundo estaria ligado à relação entre a direção da colônia e os especialistas em
agricultura. Neste aspecto, Gossner afirmou que era “clara a falta de colaboração entre eles”,
o que resultaria em prejuízos psicológicos e materiais. Para ele, tratava-se de um “erro fatal”,
quando os especialistas somente executavam as tarefas, em vez de terem a função de
aconselhar e dar assistência técnica aos agricultores.
166
O terceiro item era as relações entre a direção da colônia e os colonos. Também neste
aspecto o autor percebeu falhas de ambos os lados, conseqüência, segundo ele, da visível falta
de confiança. Para ele, os dirigentes da colônia e os colonos “não puxavam a corda para o
mesmo lado”, mas sim, trabalhavam um contra o outro. Mas Gossner ressalva, ao lado desses
pontos negativos, um positivo. Este seria a direção da colônia, tendo à frente Michael Moor
164
Ibidem. p.16.
165
Ibidem.
166
Ibidem. O autor não especifica quais seriam as tarefas executadas pelos especialistas.
68
que, com “grande competência e experiência” na área de técnicas de colonização, conseguiu
organizar os trabalhos e construir a colônia rapidamente.
167
Em seguida, Gossner apresentou a forma como a colônia estava sendo organizada.
Tratava-se, segundo ele, de uma típica colônia formada por pequenas vilas (Dorfsiedlung),
uma colônia de aldeamento, na qual cada colono possuía sua casa com 1/2 hectare de terra na
vila, sendo que a área principal de cultivo situava-se fora da vila, em uma distância média de
um a dois quilômetros.
168
Para ele, este sistema era novo no Brasil e apresentava vantagens e desvantagens. As
vantagens seriam principalmente os aspectos culturais e sociais, como a facilidade do contato
entre os colonos, a assistência médica e a proximidade com a escola e a igreja. Tais aspectos,
portanto, facilitariam a participação dos colonos na vida comunitária. As desvantagens
estariam relacionadas, principalmente, à área econômica, na qual a perda anual de tempo e de
energia constituía uma respeitável soma, pois dificultaria as visitas diárias dos colonos aos
campos e lavouras.
169
Para reduzir o tempo e a energia gastos no deslocamento, Gossner propõe que os
colonos adquirissem bicicletas e montarias e, com o tempo, pudessem construir ao lado do
curral e do galpão uma casa simples, na qual uma parte da família poderia pernoitar durante a
semana. Os idosos e crianças permaneceriam morando na vila.
170
Como vantagens decisivas deste sistema, o autor observou que a posse do lote por
parte do colono, determinaria de antemão a valorização da terra por parte de cada proprietário,
em oposição ao outro sistema o de trabalho coletivo onde, com o passar dos anos, se
verificaram “grandes injustiças”. A outra vantagem seria que este sistema permitiria uma
167
Ibidem. p.17
168
Ibidem.
169
Ibidem.
170
Ibidem.
69
divisão quase quadrada das parcelas ocupadas por “colonos livres” (Siedlerlose), em
contraposição ao sistema geral de parcelamento de terras no Brasil (notadamente nas de
imigração de alemães e italianos), as quais geralmente são retangulares, o que dificultaria uma
eficiente exploração econômica.
171
Gossner também teve acesso aos planos para a partilha dos lotes. Fora calculado que
cada agricultor receberia uma casa com 1/2 hectare de terras no interior da vila. as terras
localizadas fora das vilas seriam assim divididas: 20 hectares seriam destinados para o chefe
da família e sua esposa, para cada filho 10 hectares e as filhas receberiam 5 hectares. para
os suábios que não eram agricultores seriam destinados 1/2 hectare no interior da vila e 1
hectare fora desta.
172
Gossner ressalta que, ao ser projetada a divisão das terras desta maneira,
não se pensou em levar em consideração a topografia, a existência de acesso à água e a
fertilidade do solo, sendo que cada colono ficou entregue à própria sorte.
173
Do total da área, cerca de 80% a 90% deveria transformar-se em propriedade privada.
O restante da área deveria ser destinado para as igrejas, escolas, indústrias, pastagens
coletivas, estações de pesquisa agropecuária, praças, estradas etc. Com relação às florestas,
grande parte ficaria na condição de propriedade da comunidade. Uma parte, sugere Gossner,
deveria ser dividida entre os colonos, onde estes poderiam se abastecer de lenha e madeira
para ser utilizada nas construções.
174
171
Ibidem.
172
Ibidem. p.18. De acordo com Gappmaier e Elfes, ao final de março de 1953, a divisão e distribuição das terras
foi completada, sendo efetuada da seguinte forma: Cada família (casal) recebeu meio hectare na vila, para a
edificação da moradia, jardim e horta, 1 hectare situado na periferia da vila, destinado à formação de pastos para
alimentar os animais, 15 hectares de campos para cultivo de cereais e 4 hectares de florestas. Cada filho (ou
outro membro da família) acima de 12 anos, recebeu 8 hectares de campos e cada filha (ou outro membro da
família) acima de 14 anos, recebeu 4 hectares. GAPPMAIER, Josef. Op. cit. p. 75 e ELFES, Albert. Op. cit. p.
50.
173
Ibidem.
174
Ibidem.
70
Por fim, profere o seu juízo a respeito da forma como a colônia foi organizada. Afirma
que Entre Rios era “claramente mais vantajosa” em comparação ao sistema existente no Brasil
há 100 anos e ainda predominante.
175
Em seguida, Gossner tratou da cooperativa agrária, descrevendo sua fundação,
organização e estatutos. Novamente classificou o “material humano” da cooperativa como
sendo de “primeira categoria” (erstklassig). Com referência à direção da colônia, ao lado de
um trabalho positivo ele lembrou da existência de numerosos e graves pontos de conflito
(Gefahrenpunkten)
176
que, se não fossem logo resolvidos, poderiam arruinar todo o trabalho
realizado até então. Mesmo assim, ressaltou ele, prevaleciam vantagens sobre as
desvantagens.
177
Em seguida, o relatório apresenta de forma detalhada as informações sobre a
produção, o escoamento e as demandas de consumo da colônia. A extensa descrição tratou
também das características do solo, dos recursos que poderiam ser obtidos por meio da
exploração das florestas, nas quais é destacada a existência de espécies de valor comercial
como a araucária, imbuia, canela, entre outras.
Outro foco de considerações foi a situação da agricultura. A primeira cultura é o trigo,
para a qual o solo e o clima são considerados ótimos. Junto a essas condições, somavam-se os
colonos, que traziam de sua antiga pátria grande experiência no cultivo do cereal, além do
prazer em fazê-lo. O trigo poderia ser vendido na forma de farinha o que resultaria em
maiores rendimentos aos produtores. Além disso, seus subprodutos poderiam ser utilizados
como adubo, no caso da palha, e como alimento para os animais, no caso do farelo. Outro
175
Ibidem.
176
Nesse momento, Gossner não menciona quais seriam os pontos de divergência. Mas fatos como a rapidez
como foi realizada a divisão dos lotes, sem levar em conta a qualidade e o relevo dos solos, por exemplo, e a
saída de Moor da colônia, em 1954, acusado de fraude, indica a gravidade e a extensão dos conflitos ocorridos
nos primeiros anos da colônia. COOPERATIVA AGRARIA. Ata da Assembléia Geral Extraordinária. 23 de
outubro de 1954. (Mimeo).
177
Ibidem. p. 19.
71
fator positivo para a produção do cereal, era o interesse do governo brasileiro, que garantiria o
preço mínimo de venda para o produto.
178
Outros aspectos econômicos da colônia descritos incluíam a criação de gado, tanto
para a produção de carne como para a de leite, de suínos para a obtenção de banha e carne, de
galinhas para o abate e produção de ovos, criação de abelhas e de bicho-da-seda. O relatório
segue mostrando as ações e os dados referentes à indústria, ao artesanato e uma extensa
descrição da situação das estradas e das distâncias dos centros consumidores como
Guarapuava, Curitiba e São Paulo.
179
A seguir, Gossner descreveu a situação financeira da colônia. Depois de mostrar
detalhadamente as operações financeiras da Agrária, ele concluiu que o débito da colônia era
tolerável, embora a liquidez estivesse numa situação de risco. Recomendou que se devesse
realizar ajustes financeiros, evitar investimentos errados e introduzir um eficaz controle de
fluxo de caixa.
180
Ao final do relatório, após a apresentação de um resumo dos seus diagnósticos, a
maioria favorável ao empreendimento, Gossner conclui que a vitalidade da colônia estava
construída sobre pressupostos organizacionais, humanos, econômicos e naturais saudáveis.
Com relação à ameaça à existência e progresso da colônia, ele mencionou a dois perigosos
fatores. O primeiro seria a “falta de confiança entre os colonos” e com relação ao trabalho
coletivo e o segundo se referia à instabilidade econômica.
181
Segundo ele, o futuro da colônia e a felicidade de seus habitantes dependeriam da
eliminação destes dois males. Resolvê-los era uma tarefa que também estava no âmbito das
178
Ibidem. p. 24-39. Os outros produtos descritos são: milho, o arroz, aveia, cevada, centeio, trigo sarraceno,
batata e outros tubérculos, como a mandioca, feijão, verduras, tabaco, lúpulo, pimenta, girassol, soja, uva e
frutas.
179
Ibidem. p. 39-55.
180
Ibidem. p. 61.
181
Ibidem. p.63.
72
possibilidades da Ajuda Suíça à Europa, que, ressalta, deveria contribuir decisivamente para
essa questão.
Se ela resolver essas dificuldades, então ela não ajudou somente as 2.500 pessoas, que
participam do empreendimento colonial da Agrária, para que tenham uma existência mais
segura economicamente e socialmente. Mas, além disso, contribuiu para o sucesso de um tipo
de colonização, o que, pelo menos na história colonial brasileira, brilha como novo e único e
para o qual eu desejo do fundo do coração que seja pioneiro para o futuro.
Portanto, o parecer de Gossner, com algumas ressalvas, foi favorável ao
empreendimento. Apesar das previsões otimistas do autor, notadamente acerca das atribuições
positivas de seus habitantes, o relatório permite perceber, diferentemente do relatório da
“Ajuda Suíça à Europa”, analisado anteriormente, o dissenso, os conflitos e problemas
ocorridos no interior do novo lar dos suábios. O principal foco de tensões estava relacionado à
medição - concluída em abril de 1952 - e distribuição das terras, que foi realizada por meio de
um sorteio, conforme o esquema descrito por Gossner.
183
De acordo com Elfes, a colônia sofreu, nos primeiros anos, várias crises de ordem
financeira, de relacionamento entre os dirigentes e os colonos e decorrentes das más colheitas,
ocasionadas por problemas climáticos e também técnicos:
(...) No primeiro ano de cultivo, as terras nem sempre reagiam como se havia esperado;
freqüentemente faltavam adubos e implementos importantes. Os arados e outros equipamentos
trazidos da Alemanha para a tração animal eram próprios para o pesado cavalo europeu e para
os solos de cultivação antiga; nem sempre correspondiam às novas necessidades de uso em
Entre Rios ou, então, mostravam-se muito pesados para os leves cavalos regionais.
184
Para Elfes, tais dificuldades foram a principal causa da reemigração de 32 famílias de
agricultores e 28 “não agrícolas”, ocorrida entre os anos de 1953 e 1954.
185
As dificuldades
também resultaram na saída de Moor da colônia. O cargo de dirigente da colônia foi ocupado
por René Bertholet, representante da “Ajuda Suíça à Europa” no Rio de Janeiro, o qual obteve
183
ELFES, Albert. Op. cit. p. 50.
184
Ibidem. p.55.
185
Ibidem. p. 58.
73
créditos junto a bancos brasileiros, o que contribuiu para que a partir de 1955 a produção
agrícola da colônia obtivesse resultados satisfatórios.
186
O registro do desenvolvimento econômico durante os primeiros anos de existência da
colônia pode ser verificado no livro intitulado Guarapuava: a colônia de refugiados suábios
do Danúbio no Brasil (Guarapuava: die donauschwäbische Flüchtlings-Siedlung in
Brasilien).
187
Trata-se de uma publicação realizada pelo “Auxilio Suíço ao Exterior”
(Schweizer Auslandhilfe), denominação que a partir de 1956 substituiu a “Ajuda Suíça à
Europa”. O autor é Max Frösch que, na condição de funcionário da instituição suíça, atuou na
colônia durante os primeiros anos.
O livro inicia com uma rápida descrição dos antecedentes históricos dos suábios na
Europa e os motivos que os levaram à imigração para o Brasil. Em seguida uma pequena
descrição da história do Brasil, denominado “terra de imigração” (Einwanderugsland), e o
grande aumento de sua população, ocorrida a partir de 1840 a 1958, quando passou de cinco
milhões para sessenta milhões de habitantes. Segundo Frösch, isso se deve em grande parte a
imigração de italianos, portugueses, espanhóis, alemães, japoneses e suíços. O fluxo
imigratório foi restringido durante a Segunda Guerra Mundial, sendo reiniciado ao final do
conflito, quando o país passou a ser o destino de muitos refugiados de guerra.
188
Frösch afirma que a chegada dos imigrantes e a sua integração à economia local,
possibilitaria, além do acréscimo da população, o “desenvolvimento econômico e
civilizacional” do país. Isso aconteceria por meio da produção industrial e o cultivo de áreas
do interior. O produto destacado pelo autor é o trigo, cuja produção era insuficiente para o
abastecimento interno,com o qual eram gastas grandes somas na importação. Neste sentido, a
vinda dos suábios era uma forma encontrada pelo governo brasileiro de aumentar a produção
186
FRÖSCH, Max. Op. cit. p. 50.
187
Ibidem.
188
Ibidem. p.09
74
de trigo e, por outro lado, vinha ao encontro dos interesses dos suábios na sua busca por um
novo lar.
189
Em seguida, Frösch descreve as negociações entre a instituição suíça e o governo
brasileiro, bem como o desenvolvimento econômico anual da colônia, representado pelos
números referentes à produção agrícola da colônia. O texto é ilustrado com várias fotografias
que apresentam imagens aéreas, cenas da colheita do trigo realizada tanto manualmente como
por máquinas, plantações de trigo etc. Mas a fotografia que ilustra a capa do final do livro
chama a atenção para outro aspecto.
Figura n.º 4: Fotografia presente na capa do livro de Max Frösch.
189
Ibidem. p. 10.
75
FONTE: FRÖSCH, Max. Op. cit.
Intitulada “Primeiro Encontro em Outro Mundo” (Erste Begegnung in einer anderen
Welt), a imagem simboliza o encontro entre os imigrantes e a população brasileira. Trata-se de
um encontro isento de conflitos que sugere também a união entre os dois povos. Notem que a
criança negra está falando amavelmente com a menina imigrante e a forma como segura a sua
mão insinua que ambos os povos estariam na infância, no começo de uma vida em conjunto.
A fotografia indica, portanto, uma questão bastante relevante na época: o lugar dos
imigrantes na sociedade nacional brasileira; como se deu o contato e a convivência entre os
imigrantes e os habitantes próximos à colônia (questão que Gossner de maneira rápida
76
denominou “faculdade de adaptação”) e que outros autores denominaram “aculturação”.
Nesse sentido, objetiva-se mapear como essa questão foi apresentada nos discursos
comemorativos pelo governo paranaense e também por pessoas ligadas a entidades, cujo
objetivo era a preservação da cultura alemã no Paraná. Esse é o objeto de análise do próximo
capítulo.
77
CAPÍTULO II
“ACULTURAÇÃO” E IDENTIDADE ÉTNICA
A vós todos, vindos de todos os setores da Pátria Grande, a
saudação do Paraná que está amanhecendo. (...) A vós todos
um recado do Paraná para o Brasil: Isto aqui tem
características regionais nossas, específicas. Temos manchas
louras; gente loura de olhos azuis, mas que é tão brasileira
quanto àquela que mais o seja. Temos aqui brasileiros de
sobrenomes muito complicados, mas que se honram deste
nosso Brasil, como nós outros possuímos sobrenomes
portugueses. Podeis levar a certeza de que aqui se está
construindo alguma coisa diferente no Brasil (...) Mas nessa
construção o que se mantém é a fidelidade à tradição
brasileira, cujas raízes mergulham no Cristianismo, que está
na essência de nossa formação. Podeis levar essa certeza de
que não existe no Brasil, pedaço mais brasileiro do que este,
porque temos consciência de nossa unidade, da unidade desta
grande Pátria que está florindo para o mundo, dentro do qual o
Paraná está firmando sua personalidade, - tão moço ele é, que
vai apenas fazer cem anos, e cem anos nada significam na
história de uma coletividade.
190
No capítulo anterior, abordamos a vinda dos suábios para o Paraná e a formação da
colônia Entre Rios. Neste capítulo, buscaremos analisar como era projetada a inserção do
grupo na comunidade paranaense, quais discursos foram elaborados para dar conta desta
questão e qual era a situação da colônia nos seus primeiros anos de existência.
190
NETO, Bento Munhoz da Rocha. Discurso pronunciado na sessão de instalação de um dos congressos
comemorativos do centenário. In: Ilustração Brasileira. Edição Comemorativa do Centenário do Paraná. Ano
XLIV, N.º 224. Rio de Janeiro: Edição da S. A. “O Malho”. 1953. p. 19. Grifo nosso.
78
2.1 Um povo em formação: discursos identitários no Centenário do Paraná
O discurso do governador - apresentado na epígrafe deste capítulo - indica a forma
como este entendia a formação da população paranaense. Tratava-se de uma concepção que
visualizava um Estado cuja população estaria em vias de “firmar sua personalidade”, ou seja,
seria uma população que ainda não tinha contornos identitários definidos.
Munhoz da Rocha nasceu em Paranaguá em 1905. Além da atividade política, ocupou
o cargo de professor de História da América na Universidade Federal do Paraná e produziu
vários textos, cujos temas versam sobre o Paraná e os destinos do Brasil. Em um de seus
artigos, intitulado “caldeamento de raças”, Munhoz apresenta suas reflexões acerca da
formação do povo paranaense.
(...) Até 1853, éramos São Paulo. (...) Mas hoje, não somos mais, nem filhos de São Paulo.
Somos nós mesmos. Nem seria recomendável à capacidade criadora do grande Estado, se
alegássemos a cada passo a nossa origem. Estamos criando, em aspectos característicos, um
pedaço da civilização brasileira. Não temos o tipo etnicamente definido do paranaensecomo
não existe o tipo racial brasileiro. Mas vai uma grande diferença. Fundem-se no Paraná,
subordinadas ao elemento disciplinador do nosso poder de adaptar, quase todas as raças
européias. (...) em futuro muito remoto fixaremos o nosso homem-padrão, homogeneizado
por um lento caldeamento de caracteres distintos.
191
Em ambos os discursos, a interpretação de que a formação de um “tipo étnico”
paranaense se daria num longo período de tempo. Sendo o Paraná um Estado que estaria na
sua “infância”, ou no seu “amanhecer” histórico, obviamente a personalidade de seu povo
estaria por ser formada.
Cabe destacar que o território paranaense estava sendo ocupado por contingentes
humanos de várias origens. As terras do Sudoeste e Oeste do Estado estavam sendo ocupadas,
principalmente a partir de 1940, por populações oriundas do Rio Grande do Sul e Santa
191
NETO, Bento Munhoz da Rocha. A Significação do Paraná. Caldeamento de Raças. In: NETO, Bento
Munhoz da Rocha. O Paraná. Ensaios. Curitiba: Farol do Saber. 1995.p.42.
79
Catarina, enquanto que a região Norte era ocupada por agricultores oriundos especialmente de
São Paulo, interessados no cultivo de café.
192
Neste contexto, o governo de Bento Munhoz da Rocha Neto também promoveu
políticas que visavam atrair contingentes imigratórios europeus. Mas se tratava de um tipo
específico de imigrante: agricultores especializados no cultivo de trigo. Sobre isso, o jornal
Diário da Tarde, de 12 de abril de 1951, publicou o artigo do jornalista Dulcídio T. de
Lacerda, o qual teceu a seguinte avaliação dos planos do governador:
Na sua série de palestras habituais radiofônicas pela P. R. B. -2, em atenção aos
interesses coletivos, o Governador Dr. Bento Munhoz da Rocha Neto, entre outros
assuntos ventilados, abordou dois de suma importância ao Estado. A colonização e a
cultura do trigo na região do planalto do Paraná. (...) Para cá, depois da Primeira
Guerra Mundial e principalmente nesta última, tem vindo uma grande leva de
emigrantes com o rótulo de “agricultores” e que sendo comerciantes ambulantes,
aplicando aqui as suas atividades em prejuízo do comércio organizado e que paga
grandes tributos, ou sustenta empregados caros e mantém lojas adequadas a uma
grande cidade civilizada e próspera. Muitos deles vão ser vendedores de bilhetes de
loterias com uma robustez a prova e aplicam métodos até do “conto do pacote”. (...) O
que precisamos é de imigrantes agricultores e também de operários especializados.
193
As palavras do jornalista reforçam o discurso acerca da necessidade da seleção dos
imigrantes que viriam para o Estado. Não são todos os imigrantes europeus aptos para ajudar
na formação do povo paranaense. Tal seleção teria como principal critério a atividade
econômica: o trabalho na agricultura e nas indústrias.
194
Há, portanto, a necessidade de se
separar o “joio do trigo”, pois os imigrantes não constituem um grupo homogêneo.
192
WESTPHALEN, Cecília Maria; MACHADO, Brasil Pinheiro; BALHANA, Altiva Pilatti. Nota Prévia ao
Estudo da Ocupação da Terra no Paraná Moderno. In: Boletim da Universidade Federal do Paraná. Curitiba:
n.º 7, 1968. p. 06-08. Sobre a ocupação do Extremo Oeste do Paraná ver: FREITAG, Liliane da Costa.
Fronteiras Perigosas: migração e brasilidade no Extremo Oeste paranaense (1937-1945). Cascavel: Edunioeste,
2001.
193
LACERDA, Dulcídio T. de. A Colonização e o Cultivo de Trigo no Terceiro Planalto. In: Diário da Tarde.
Curitiba: 12 de abril de 1951. p. 02.
194
Uma interessante análise acerca de discursos jornalísticos que apresentam um conflito entre agricultores e
mercadores no Paraná, na década de 1930, foi realizada por Beatriz Anselmo Olinto. OLINTO, Beatriz Anselmo.
Pontes e Muralhas: diferença, lepra e tragédia no Paraná no inicio do século XX. Guarapuava;
UNICENTRO, 2007. p.73.
80
Além das atribuições relacionadas ao trabalho dos imigrantes, a seleção deveria levar
em conta outros aspectos, como se pode ler na seqüência da matéria.
(...) Disse o ilustre Governador Munhoz da Rocha Neto que está tratando de trazer
uma leva de emigrantes holandeses para atividades rurais da indústria de laticínios em
Carambeí, onde encontrarão possibilidade de chegada. O que por intermédio do
Conselho Nacional de Emigração para trazer emigrantes alemães para localizá-los no
planalto, como agricultores. Ora, quanto ao primeiro, aliás, é o melhor colono
europeu para o Brasil devido às qualidades de pecuária e à agricultura adiantada, pois
em Java e na Guiana demonstrou como é um elemento sem preconceitos racistas.
Quanto ao segundo, inteligente e bom agricultor, como com vistas para a indústria,
haja vista o que fez no Vale do Itajaí e nas colinas do Rio Grande do Sul, porém
devemos selecioná-los devido à infiltração daquela filosofia absurda e que tanto mal
causou a pátria de Goethe.
195
Portanto, diferentemente dos imigrantes holandeses, qualificados como ideais para a
ocupação do Estado, a vinda de alemães deveria ser objeto de uma cuidadosa seleção. Nesse
sentido, não bastaria para o candidato a emigrante ser alemão, agricultor ou operário. O grupo
desta etnia deveria ser formado por pessoas cuja índole possibilitasse o processo de
amalgamamento, de aculturação em terras paranaenses. E como fazer essa seleção? Por meio
da exclusão daqueles identificados com certa filosofia absurda: o nazismo.
Ao final, a matéria projeta o futuro que tais políticas governamentais iriam
proporcionar ao Estado:
No nosso Planalto eles podem trazer muita cultura, não do trigo, mas de aveia,
centeio, milho e outras mais. A pouco, o Dr. Lacerda Werneck, ilustre Secretário de
Agricultura, esteve no Rio na reunião do conclave da conferência do trigo na qual
propôs a organização de silos para a conservação e oportuna moagem do nosso trigo.
Ótima medida (...).
A campanha do trigo entre nós iniciada pela primeira vez em 1916, no governo do Dr.
Afonso Camargo, com Romário Martins como diretor do Departamento de
Agricultura e repetida pelo mesmo em 1928, falhou pela falta de silos e transporte.
Chegou-se a produzir perto de 30 mil toneladas – o que foi alguma coisa para a época.
Portanto, a lembrança do Dr. Werneck é oportuna e bem sugerida e que sejam em
breve uma realidade para a cultura do trigo. (...) Com agricultura mecanizada em
moldes racionais, teremos com sobra possibilidades de enriquecer nossos produtores e
a nação terá a sua consolidação completa. Se tivéssemos além do café mais carne para
exportar, quão farta não seria a nossa balança exportadora só com esses dois produtos!
195
LACERDA, Dulcídio T. Op. Cit.
81
Não nos falta meios, somente incrementar e, portanto, o Governador Munhoz da
Rocha Neto organizando o que prometeu irá prestar um grande serviço ao seu Estado.
196
Portanto, a escolha e a vinda de determinados imigrantes são encaradas como parte de
um projeto que visava ao futuro do Estado, como celeiro agrícola do Brasil. Isso seria
viabilizado por agricultores capazes europeus propensos à aculturação sem a perda,
portanto, de seus aspectos positivos – e que utilizem a mecanização na produção de cereais.
O entendimento de que os planos do governo de fomentar a vinda de contingentes de
imigrantes europeus, no caso os suábio do Danúbio, trariam enormes benefícios econômicos e
sociais para o Paraná, era compartilhado também por políticos oriundos de Guarapuava. O
exemplo mais expressivo encontra-se no discurso do fazendeiro e deputado estadual
guarapuavano Lustosa de Oliveira, intitulado Esta terra tem dono! Proferido na Assembléia
Legislativa do Paraná e depois publicado no jornal Gazeta do Povo, no dia primeiro de junho
de 1951, e posteriormente em seu jornal, Folha do Oeste, em 11 de novembro de 1951. O
discurso de Oliveira é um elogio à postura dos fazendeiros ao se desfazerem de suas terras em
vista do projeto que beneficiaria todo o Estado.
Vejamos os argumentos do deputado:
Sr. Presidente, em nossa última estadia em Guarapuava, naquele rincão de nossa querência,
compartilhamos do desespero indescritível que dilacerava o coração de um grupo de antigos
fazendeiros, ameaçados de ver as suas ricas terras expropriadas pelo governo do estado, de
conformidade com o decreto nº. 1229, de 18 de maio corrente, decreto que declarou de
utilidade pública a zona de Entre Rios, naquele município, onde se encontram os melhores
campos de pastagens nativas, com o propósito de localizar ali uma colônia de imigrantes
europeus, que se dirigem ao Paraná sob as expensas da Cooperativa Agrária Ltda., com sede
na cidade de Guarapuava.
Qual a atitude que tiveram aqueles magníficos trabalhadores da prosperidade pastoril de
Guarapuava?
Mesmo diante do inopinado dessa medida governamental, que vinha ferir direitos
incontestáveis os proprietários de fazendas nem por isso se opuseram ao decreto mencionado,
ou aos seus objetivos, embora lhes assistisse o direito de impugná-lo. Preferiram atender,
amistosamente, os reclames da iniciativa, que visava dar novo impulso à economia local, e
196
Ibidem.
82
assim entraram em entendimento com a Cooperativa Agrária Ltda. e o governo do Estado,
para obter uma fórmula que conciliasse os interesses dos proprietários de fazendas e os
objetivos da iniciativa governamental.
197
Oliveira valoriza os fazendeiros e a atividade econômica destes como sendo também
algo próspero, e não estagnado.
198
É, assim, uma imagem diferente daquela presente nos
discursos dos jornais e do governo. Outro elemento presente neste discurso é a noção da
propriedade como sendo um direito natural, que não pode ser questionado - nem mesmo pelo
Estado. Mas, ao final do trecho, também indica tendência dos proprietários para o não-
conflito. Ou seja, constrói uma imagem destes como pessoas amistosas, propensas à
conciliação, como podemos ler na seqüência:
E assim concordaram em ceder as suas terras à cooperativa Agrária, numa demonstração de
altiloqüente grandeza patriótica, que bem exterioriza o desejo de progresso que os anima,
quando está em jogo o bem coletivo da comunidade guarapuavana. Não quiseram os
descendentes dos primitivos povoadores imitar o gesto desassombrado do audaz cacique
‘Guairacá’, quando enfrentando os invasores dos seus domínios, conclamava as suas
aguerridas tribos, com o seu grito de guerra: - “Esta terra tem Dono!” Preferiram os
fazendeiros de Entre Rios abrir os braços e acolher os seus irmãos da velha e conturbada
Europa, com um exemplo de solidariedade cristã, ensejando-lhes em terras brasileiras, o
direito à paz, de liberdade e de trabalho construtivo, em benefício do Paraná e do Brasil.
199
Nesta parte, Oliveira deixa implícito o direito à resistência, pois são os donos das
terras. No entanto, estes concordam em “ceder”, pois algo que uniria fazendeiros e
imigrantes: a idéia de progresso nacional e a solidariedade cristã. Nesse ponto, Oliveira
marca a identificação entre fazendeiros e imigrantes e a diferenciação destes com os
indígenas: os índios não são cristãos.
197
OLIVEIRA, Lustosa. “Esta Terra tem Dono!” In: Jornal Gazeta do Povo. Curitiba: 01 de junho de 1951.
p.01.
198
Para um estudo sobre a situação econômica social da região no período, ver: SILVA, Joseli Maria. Processos
Econômico-Sociais Regionais e seus Impactos sobre a Estrutura Urbana de Guarapuava Pr. In: Revista de
História Regional. Vol. 2, nº1 Ponta Grossa: UEPG 1997. p. 9-42.
199
OLIVEIRA, Lustosa. Op. cit.
83
Senhor Presidente, diante desse episódio marcante, dessa admirável atitude demonstrada pelos
fazendeiros guarapuavanos, não podemos permanecer em silêncio, usando esta tribuna para
congratulá-los, entusiasticamente, com aqueles bravos descendentes dos Siqueira Cortes, dos
Lustoza, dos Martins, dos Ferreira Caldas e dos Ribas, pela deliberação que tiveram
despojando-se de suas propriedades tradicionais, para nelas serem localizados outros
lutadores, que desejam produzir nos campos guairanaenses o miraculoso grão de trigo, em tal
quantidade, capaz de abastecer não as populações do oeste, como as de outras regiões do
Estado.
Ao encerrarmos esta nossa tosca oração, Sr. Presidente, não o fazemos sem formular votos de
pleno êxito aos triticultores da raça germânica que se estão dirigindo a Guarapuava, fazendo
nossas as palavras de Romário Martins: - “Lavrador! Lavra a tua gleba, planta a tua seara,
colhe o teu pão! Em cada espiga do teu trigo brilharão, ao sol amigo de nossa pátria, o ouro de
tua abastança e a gloria do Paraná”
200
Portanto, ao contrário do que sugere o título do discurso, não se trata de uma oposição
ao projeto. Pelo contrário. Oliveira afirma que os fazendeiros tiveram, diferentemente dos
indígenas,
201
antigos ocupantes da região, um comportamento de aceitação, de doação
visando ao bem dos interesses coletivos estatais. Dessa forma, os imigrantes e fazendeiros
estariam irmanados por meio da mesma crença religiosa e comungariam de um mesmo
interesse em prol da prosperidade do Paraná.
No entanto, o discurso do deputado silencia o fato dos fazendeiros recusarem
inicialmente em ceder suas terras e que coube a ele a tarefa de convencê-los a mudar de
opinião. Um de seus argumentos era que a formação da colônia valorizaria as terras da
região.
202
O discurso também pode ser entendido como uma forma de Oliveira pressionar e
agilizar a liberação das escrituras de posse das áreas escolhidas pelos fazendeiros, situadas no
Norte do Estado.
203
200
Ibidem.
201
Na década de 1970, Oliveira mudou seu juízo acerca do chefe indígena Guairacá, suposto autor da frase “Esta
terra tem dono”. Em vez de considerar o indígena um símbolo do obstáculo à ocupação das terras pelos brancos,
Oliveira adotou a concepção de Romário Martins, para o qual, em seu livro Guairacá, publicado em 1941, o
referido chefe indígena seria um símbolo da nacionalidade brasileira. Segundo Martins, Guairacá, no século
XVI, teria defendido a região que correspondia ao “Extremo Oeste da antiga Quinta Comarca da Província de S.
Paulo” da invasão dos espanhóis e portugueses. Em 1978, Oliveira foi um dos principais idealizadores de uma
campanha que construiu em Guarapuava um monumento em homenagem a Guairacá. In: OLIVEIRA, Antonio
Lustosa. Sonho de Romário Martins. Monumento a Guairacá. Guarapuava: Ed. Litero-técnica. 1978.
202
ESTECHE, Paulo. Op. cit. p.13.
203
A liberação de algumas escrituras não foi imediata. Isso motivou Oliveira, por duas vezes, em 1954 e 1955, a
discursar na Assembléia Legislativa, solicitando a expedição dos títulos de posse. In: OLIVEIRA, Lustosa de.
Na Tribuna Parlamentar (1954-1958). Curitiba: Gráfica Mundial Ltda. 1958. p.44-96.
84
A concepção de que o Paraná era o palco onde diferentes povos se irmanariam viria a
ser divulgada de forma mais contundente em 1953, quando das comemorações do centenário
de emancipação política do Estado. Neste contexto, foram produzidos e divulgados discursos
que apresentam imagens de um Estado que se encontrava num ritmo acelerado de
desenvolvimento e cuja população caminhava (ou corria) unida, em busca de um mesmo
objetivo: O progresso do Paraná.
Os preparativos para festividades do centenário iniciaram ainda em novembro de
1952, quando, por meio do decreto n.º 1.039, o governador criou a “Comissão de
Comemorações do Centenário do Paraná”, uma autarquia presidida por Newton Carneiro.
Esta foi encarregada de organizar as festividades. Em julho de 1953, a Comissão publicou um
relatório sobre as atividades que estavam sendo planejadas para a efeméride. Além da
organização da “Exposição Internacional do Café e Feira de Curitiba”, foram efetuados
contatos com membros da “etnia japonesa”, que organizaram uma comissão em Londrina,
com o grupo “polono-brasileiro” e com o grupo étnico germânico, para que estes
participassem das festividades.
204
No caso do grupo “étnico germânico”, constituiu-se a “Comissão Brasileira
Representativa do Grupo Étnico Germânico”. Esta apresentou dezesseis sugestões, sendo a
primeira, e também principal, a publicação de um (...) ‘Memorial Histórico’, no qual será
demonstrada histórica e estatisticamente a atuação dos ancestrais germânicos no Estado do
204
ATIVIDADES DA COMISSÃO DE COMEMORAÇÕES DO CENTENÁRIO DO PARANÁ. Curitiba: n.º 2.
julho de 1953. p.04. As festividades também incluíam a construção de obras arquitetônicas, como o Centro
Cívico - conjunto de prédios que centralizam as repartições públicas estaduais - e monumentos em Curitiba. Para
uma análise da construção de marcos culturais e arquitetônicos nas comemorações do centenário do Paraná, ver:
BAHLS, Aparecida Vaz da Silva. Símbolos e Monumentos: As comemorações de emancipação política do
Paraná nos Logradouros de Curitiba. Ponta Grossa: Revista Publicatio UEPG: Vol. 14, n.º 1, junho de 2006. p.
7-20.
85
Paraná (...).
205
A publicação deveria destacar a participação do grupo étnico nas áreas da
educação, arte, ciência, indústria, comércio, agricultura e na vida política e religiosa.
206
Para a tarefa, os membros da comissão solicitaram a ajuda de “amigos mais idosos” e
entraram em contato via rádio e cartas com “colônias agrícolas” e “grupos urbanos” de
diferentes partes do Estado, para que enviassem dados para a elaboração do memorial.
207
O
resultado foi a publicação, em novembro daquele ano, do livro intitulado O Paraná e os
Alemães. Estudo caracterológico sobre os imigrantes germânicos,
208
cuja redação coube a
Werner Aulich.
209
Com cinco capítulos, o livro apresenta um panorama da ocupação do território
paranaense por imigrantes alemães e seus descendentes. Na introdução, o autor menciona que
se trata de um trabalho científico, no qual foram empregados os conceitos “assimilação”,
“marginalidade” e “aculturação”, (...) fórmulas sociológicas cunhadas e empregadas,
sobretudo por sociólogos e antropólogos americanos (...).
210
Mas, pelo fato de serem
suscetíveis a diferentes interpretações, tais conceitos foram utilizados sem a preocupação de
205
ATIVIDADES DA COMISSÃO Op. Cit. p.13.
206
Ibidem.
207
Ibidem.
208
AULICH, Werner. O Paraná e os Alemães. Estudo caracterológico sobre os imigrantes germânicos.
Publicação comemorativa ao 1º Centenário da Emancipação Política do Estado do Paraná. Curitiba: Editado pelo
Grupo Étnico Germânico do Paraná. 1953. De acordo com o prefácio redigido por Reinhard Maack, o Instituto
Hans Staden, entidade sediada em São Paulo, intermediou os contatos entre a Comissão de Festas do Grupo
Étnico Germânico do Estado do Paraná e Aulich.
209
Werner Aulich nasceu na Alemanha, em 1º de abril de 1906. Doutor em filosofia, veio para o Brasil em 1939.
Trabalhou em São Paulo como jornalista e vendedor, tendo adquirido uma pequena propriedade na localidade de
Terra Nova, Paraná. In: BOSSMANN, Reinaldo. Dr. Werner Aulich, Nachruf und Würdigung. In: Deutsche
Nachrichten. São Paulo: 22 de outubro de 1972.
210
AULICH, Werner Op. cit. p. 9. De acordo com o autor, o trabalho foi inspirado nas pesquisas de Gilberto
Freyre, E. Roquete Pinto, Egon Schaden e Emílio Willlems. O último autor, devido aos seus estudos sobre
assimilação e aculturação de imigrantes alemães no Brasil, publicados na década de 1940, pode ser considerado
um dos principais representantes da antropologia americana. Para Willems, (...) o processo de assimilação
consiste no aparecimento de atitudes novas emocionalmente associadas a valores culturais novos com que o
imigrante vai abrangendo contato. (...) A coexistência, na personalidade, de normas de comportamento
incompatíveis produz o estado de marginalidade cultural (...). O conceito aculturação refere-se (...) às mudanças
nas configurações culturais de dois ou mais grupos que estabeleceram contatos diretos e contínuos. WILLEMS,
Emilio. A Aculturação dos Alemães no Brasil. Estudo antropológico dos imigrantes alemães e seus
descendentes no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional. 1980. p. 07, 09, 21, respectivamente.
86
explicitá-los, (...) uma vez que as peculiaridades conceptuais destes termos decorrem com
suficiente clareza dos respectivos contextos.
211
No terceiro capítulo, o sub-capítulo, cujo título é A missão dos suábios do Danúbio,
descreve a chegada dos imigrantes no Estado e o desenvolvimento da colônia de Entre Rios.
O título transmite a idéia de que a chegada desses imigrantes ao Estado foi uma obra do
destino, como que se a história tivesse sido pré-determinada, e não fruto das ações, desejos,
interesses humanos, casualidades, etc. A “missão” do grupo seria desenvolver a agricultura no
Estado e servir como (...) exemplo digno de ser imitado (...).
212
Esse discurso também passa a
idéia de que eles vieram ajudar e não que estavam sendo ajudados. Isso os torna sujeitos da
ação que envolve em nível local a construção da colônia e, por extensão, contribuíram para a
formação do Paraná e do Brasil.
Ao final do livro, após descrever o desenvolvimento de outras localidades formadas ou
habitadas por pessoas de origem alemã, bem como as contribuições de alemães em diferentes
áreas, Aulich conclui que os empreendimentos agrícolas dos “elementos germânicos” seriam
uma manifestação (...) essencialmente caracterológica de uma aculturação bem sucedida. Eis
o último elo na corrente: os imigrantes alemães, hoje firmemente radicados no Paraná,
transformam-se em verdadeiros cidadãos brasileiros.
213
Além do livro de Aulich, no bojo das comemorações houve várias outras publicações
que mostravam a pujança do Estado que estava completando seu centenário. Duas delas
apresentaram reportagens detalhadas sobre a recém fundada colônia Entre Rios. Trata-se da
1º Centenário da Emancipação Política do Paraná
214
e da já citada Ilustração Brasileira.
215
211
Ibidem.
212
Ibidem. p. 46.
213
Ibidem. p 105.
214
GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ. Centenário da Emancipação Política do Paraná 1853-1953.
Edição do Governo do Estado. 1953.
215
Esta foi uma das principais publicações comemorativas contratadas pelo governo para divulgar as festividades
do centenário do Estado. Fundada no Rio de Janeiro, em 1909, a revista Ilustração Brasileira, que circulava em
outros países da América e também na Espanha, destacava-se como órgão de publicação de efemérides. Ela foi o
87
A primeira é dividida em vários textos, sendo que cada um aborda um tema
paranaense.
216
Para nossos propósitos, selecionamos o artigo intitulado Núcleos Imigratórios
e Sistemas Coloniais do Paraná, redigido por José Nicolau dos Santos, professor catedrático
da Faculdade de Direito e de Geografia Humana, na Universidade do Paraná.
217
Como o título
indica, Santos apresenta uma visão panorâmica da história dos núcleos de imigrantes no
Estado, destacando suas origens, maneiras de ocupação do solo e a produção agrícola.
Santos afirma ser a colônia Entre Rios um exemplo de um sistema original de
colonização. Seu argumento é o seguinte:
(...) Tem ela a base orgânica de uma cooperativa de produção, ou seja, nela não predomina
decisivamente nem o fator trabalho nem o fator capital. É um esforço conjugado de ambos. É
uma cooperação desses duplos elementos de produtividade que se aliam à natureza, como
terceiro fator, para desenhar um novo e curiosíssimo estilo em empresa colonial.
218
A seguir, Santos descreve a forma como ocorre a divisão de tarefas na colônia, sob a
coordenação da cooperativa, os valores despendidos para a compra de máquinas e também
para custear o plantio e a colheita do trigo, arroz, batatas linho e aveia.
219
Por fim, apresenta
um trecho de um relatório enviado pelo geógrafo Ernesto Pujol à Câmara de Expansão
Econômica do Paraná:
(...) Comemos o pão feito na padaria da colônia com trigo semeado seis meses antes. (...) A
impressão que se tem dessa colônia é a de um milagre feito à vista do público, a de uma
demonstração prática das possibilidades de serem os milagres planificados executados. Quem
pensaria, em junho de 1951, apenas seis meses depois, nos campos a vinte quilômetros de
Guarapuava, comer-se-ia o pão nesse intervalo brotado da terra, de sementes nela lançadas por
alemães foragidos da Iugoslávia e que então se encontravam na Áustria? Os colonos fazem
esforços tremendos para aprender o português, que vão misturando com francês e inglês, mas
Órgão Oficial da Exposição do Centenário, em 1922, do Centenário da Pacificação dos Movimentos Políticos
de 1842, do Centenário do Dois de Julho, da Bahia, do Instituto Histórico nas Comemorações do Centenário do
Nascimento de D. Pedro II, do Centenário da República do Equador, do Cinqüentenário do Cerco da Lapa e do
Cinqüentenário da Fundação da Academia Brasileira. In: Ilustração Brasileira. Op. cit.
216
Os demais temas abordam a história do Paraná, literatura, ensino, artes plásticas e literatura, ciências e os
aspectos econômicos. Ibidem.
217
Ibidem. p.90-104.
218
Ibidem. p. 99. Grifos do autor.
219
Ibidem. p. 101-100.
88
as crianças já dizem “bom dia” e “muito obrigado”. O sentimento geral é de alivio por estarem
a milhares de quilômetros distanciados da Europa, dos bombardeios e invasões. O problema
do Brasil é, em toda a parte, um problema de povoamento. Se uma iniciativa como essa, de
que resultou a fixação de dois mil alemães nos arredores de Guarapuava, fosse desdobrada e
multiplicada, este País se organiza da noite para o dia.
220
Trata-se de um discurso exemplificador. Ele reforça a imagem de que Entre Rios
representaria um exemplo para o Paraná e para o Brasil em dois aspectos: o sucesso
econômico representado pela produção de trigo e o esforço dos imigrantes para aprenderem a
língua portuguesa, o que demonstra sua tendência em se juntar (e melhorar) a sociedade
paranaense e brasileira.
Semelhantes elementos discursivos podem ser encontrados na Ilustração Brasileira.
Sob o título Frutos de nova orientação agrária. A colonização alemã no planalto de
Guarapuava, o texto destaca que a vinda dos suábios do Danúbio era conseqüência das
intenções do governo para desonerar a economia nacional dos gastos com a importação trigo.
Os imigrantes são classificados como tendo (...) aptidões pessoais e físicas, adaptadas às
nossas condições ecológicas.
221
O texto menciona também a “calorosa” recepção que os suábios receberam ao chegar
a Guarapuava, o que demonstrava (...) a satisfação de podermos contar com elementos de tão
alto valor, integrando a sua sociedade.
222
Essa afirmação, que pressupõe um processo de
junção entre os nativos e os imigrantes, é reforçada com a apresentação de uma fotografia que
mostra um grupo folclórico suábio. A fotografia é acompanhada com a afirmação de que as
500 famílias (...) prometem se radicar no Brasil e fazer de seus filhos bons brasileiros.
223
Figura nº 5: Fotografia “suábios na colônia Entre Rios".
220
Ibidem. p.100.
221
Revista Ilustração Brasileira. Op. cit. p. 161.
222
Ibidem.
223
Ibidem.
89
FONTE: Revista Ilustração Brasileira. Op. cit. p. 161.
A mesma fotografia é apresentada no relatório de atividades da “Comissão de
Comemorações do Centenário”, mas a inscrição abaixo dela é a seguinte: suábios da colônia
Entre Rios, nas proximidades de Guarapuava, dançando sob os pinheiros, com seus trajes
originais que vem de mais de 200 anos. Figurarão no grandioso desfile de 19 de
dezembro.
224
Na mesma página da publicação, outra fotografia com três mulheres suábias. Logo
abaixo a inscrição é a seguinte: um sorriso permanente iluminando os trigais da Colônia
Entre Rios – Guarapuava – Paraná.
225
224
ATIVIDADES DA COMISSÃO DE COMEMORAÇÕES DO CENTENÁRIO DO PARANÁ. Op. cit. p.04.
225
Revista Ilustração Brasileira. Op. cit. p. 161.
90
Figura n.º 6: Fotografia “Mulheres suábias na colônia Entre Rios”.
FONTE: Revista Ilustração Brasileira. Op. cit. p. 161.
Como se pode perceber nas imagens (figura 5 e 6), dois elementos registram o
modo como estava sendo percebida a inserção dos suábios na sociedade paranaense: de um
lado, a sua integração; de outro, a manutenção de sua identidade étnica, simbolizada pelos
trajes típicos. A frase atribuída ao governador Bento Munhoz resume esta visão: Ninguém
pode ser um bom brasileiro se não honrar sua herança cultural.
226
O Paraná, assim, seria
uma espécie de mosaico de povos, pois cada qual deveria se esforçar para preservar seu
patrimônio cultural próprio.
Outro aspecto que deve ser levado em conta é o caráter comemorativo dessas
publicações. Como geralmente acontece nestas ocasiões, não o propósito de veicular
informações inoportunas. Não são momentos de apresentar o dissenso, mas de reforçar
226
Niemand kann ein guter Brasilianer sein, der nicht seinen kulturellen Erbe Ehre macht“. In: LEICHT,
Sebastian; VETTER, Roland. Donauschwaben in Brasilien. Passau: Verlag Passavia. 1982. p. 5.
91
imagens positivas, no caso dos suábios, de mostrar o êxito da colônia inserido numa imagem
idealizada de um Estado que estaria no rumo certo, em vias de “amanhecer”.
Deve-se lembrar que naquele ano houve o parcelamento das terras na colônia,
realizado sem levar em consideração o relevo e a qualidade do solo. Medida que resultou,
para muitos colonos, em graves problemas para se manterem como proprietários. Neste
período, 9% dos agricultores e um terço de todas as famílias de artesãos abandonaram Entre
Rios.
227
Esse fenômeno ocorreu de forma mais efetiva a partir de 1958, e (...) alcançou seu
ponto culminante em 1962, com 42 famílias, ficando, por muito tempo, maior que o
acréscimo natural da colônia.
228
O pessimismo pode ser contagioso. Um reemigrante induzia outros, até que o movimento
ameaçou, finalmente, a existência da colônia. Portanto, a partir de 1966, a Direção da
Cooperativa Central começou a esforçar-se no sentido de melhorar, decididamente, as
condições de vida e de trabalho em Entre Rios, material e culturalmente (...).
229
Mas não foi somente a direção da cooperativa que se ocupou dessa questão, cujas
soluções, além de apoio financeiro aos colonos, também envolviam medidas de “cunho
moral”.
230
Esse apoio e incentivo para que os suábios permanecessem na colônia teve também
como idealizador um membro do grupo étnico germânico do Paraná: Helmuth Abeck, para
quem os recém-chegados representavam um revigoramento na cultura germânica do Estado,
enfraquecida em função da política de nacionalização implementada por Vargas e também em
decorrência da Segunda Guerra Mundial.
231
227
KOHLHEPP, Gerd. Op. cit. p.115.
228
ELFES, Albert. Op. cit. p.58.
229
Ibidem. p. 60.
230
As ações da cooperativa para sanar os problemas econômicos e culturais da colônia são objeto de análise do
terceiro capítulo.
231
Para mais informações ver: ABECK, Helmuth. Colaboração Germânica no Paraná nos Últimos 50 Anos
(1920-1979). Curitiba: CRM, 1980.
92
2.2 O Raiar do Oitavo Dia: a teatralização do encontro
Em 1964, Abeck
232
publicou a peça teatral bilíngüe, intitulada O Raiar do Oitavo Dia-
Der Morgen des Achten Tages.
233
Na introdução, o autor informa que a peça é baseada nos
fatos históricos ocorridos nos dez primeiros anos de existência da Colônia de Entre Rios, a
partir de sua fundação em 1951, pelos suábios do Danúbio. (...) Dez anos depois, estes
imigrantes estão profundamente enraigados (sic) na comunidade brasileira e, com o seu
trabalho, seu exemplo e sua técnica adiantada, alteraram o semblante de uma vasta região.
234
Trata-se, conforme as palavras do autor, de uma narrativa de ficção baseada em fatos
reais. Nela são demonstradas as suas interpretações acerca do que denominou “processo de
aculturação” desses imigrantes na sociedade brasileira. Ao informar a platéia de que a peça é
uma ficção baseada em fatos reais, Abeck estabelece uma espécie de pacto,
235
no qual o
cenário representa algo real: é onde a platéia (suábia) vive e, assim, também poderia se
identificar com alguns dos personagens. Portanto, embora seja declaradamente um texto de
ficção, sua importância reside no fato de tornar visíveis alguns elementos que não aparecem
(ou que são tratados superficialmente) em publicações sobre a colônia: as relações entre os
imigrantes e os que habitavam as terras destinadas a eles, bem como a manifestação de
sentimentos como incerteza, desesperança, fragilidade por parte dos pioneiros suábios.
232
Filho de imigrantes alemães, oriundos da Namíbia, África, Abeck nasceu em 24 de junho de 1916, em Itajaí,
Santa Catarina. Em Curitiba, graduou-se em Química pela Universidade Federal do Paraná, tendo exercido a
função de tenente do exército e posteriormente trabalhado na livraria Braun. Foi sócio fundador da Sociedade
dos Amigos da Cultura Germânica, exerceu a presidência da Comissão 25 de Julho, de Curitiba, e (...) dedicou-
se a formar o que chamou de Arquivo Paranaense de Imigração, um trabalho que consumiu anos e muita
perseverança. Durante esse período, publicou vários textos acerca da presença alemã no Paraná. GODOY,
Manoel. Quem é Helmuth Abeck. In: Jornal de Entre Rios. 31 de agosto de 1992, p. 13. De acordo com o
jornal, a peça foi apresentada por duas vezes, obtendo tendo grande sucesso de público.
233
ABECK, Helmuth. O Raiar do Oitavo Dia... Op. cit.
234
Ibidem. p. 05.
235
Baseado em Coleridge, Umberto Eco denomina esse acordo ficcional, que o leitor precisa aceitar tacitamente,
de “suspensão da descrença”. Para mais informações ver: ECO, Umberto. Seis Passeios pelos Bosques da
Ficção. São Paulo: Companhia das Letras. 1994. p. 81-102.
93
Os personagens são Fabrício, um “pobre peão caboclo”, sua mulher Ana, os filhos,
José Carlos e Rita, os quais contavam com idade entre 8 e 10 anos e Luciano, filho mais velho
do casal, que na época da chegada dos suábios tinha a idade de 20 anos. Há também Inês, uma
moça da vizinhança, com 18 anos. Os outros personagens são Willi um imigrante, sua mulher
Gertrud e os filhos menores dos mesmos, Gretel e Hansel, também com idades entre 8 e 10
anos. No segundo ato, a inserção do personagem Roberto, um professor teuto-brasileiro.
Acompanha a apresentação um grupo de danças folclóricas.
236
A peça está dividida em três atos que representam a passagem dos dez anos da colônia
e, conseqüentemente, as mudanças nas idades dos personagens, os quais deveriam ser
substituídos de acordo com os atos.
O início do primeiro ato apresenta a descrição do cenário onde se desenrola a peça:
(...) a orla de um capão, nos campos de Guarapuava. No primeiro plano, uma frondosa imbuia,
arbustos, pinheirinhos. Pouco adiante, à esquerda, uma pobre choupana de caboclos. Ao longe,
as características colinas dos campos gerais, com capões e alguns pinheiros disseminados. É
uma tarde de maio de 1951.
237
O cenário é de uma paisagem pouco transformada pelos seres humanos que ali viviam.
Não há a descrição das fazendas que existiam, as quais foram desapropriadas para a instalação
da colônia. Sugere que os únicos habitantes são “caboclos”, os quais viviam em condições de
pobreza.
No prólogo, quando a cortina é aberta, é recitado, acompanhado por um fundo
musical, o seguinte texto:
No sexto dia Deus criara a terra. Vastas planícies e montanhas escarpadas. Regiões glaciais e
desertos abrasadores. Rios caudalosos e oceanos imensos. Estepes ensolaradas e florestas
sombrias. Aqui o Gênio Criador, num assombro de benevolência, colocara de tudo um pouco:
Colinas suaves cobertas por campos verdejantes, capões e pinheiros pitorescos como ilhas
encantadas num imenso mar. Lagos amenos e rios fertilizantes. Invernos de sadio rigor e
236
ABECK, Helmuth. Op. cit. p. 06.
237
Ibidem. p.07
94
verões de um calor fecundo. Em tudo o áureo meio-termo, a predestinação da felicidade.
Deus olhou a sua obra e achou-a bem feita. No sétimo dia Ele descansou. E com Ele
descansou a terra, mergulhada num sono profundo de muitos milênios. Os nossos rios se
povoaram de peixes, pelos ares vieram os pássaros, em nossos campos pastava o cervo altivo,
guarás e onças pardas lutam, em nossos capões, pela supremacia. Bandos de gralhas azuis
semeavam vastos pinheirais. O vento, ciciando, acariciava as copas dos pinheiros, sacudia as
frondosas imbuias, brincava com as folhas das humildes erveiras. De quando em quando, os
bugres de pele bronzeada varavam campos e matas, à procura de alimentos. Mas a terra
dormia...
238
Trata-se de uma paráfrase do relato do Gênesis acerca da criação da terra.
Diferentemente das outras partes do globo terrestre, na região onde se instalaria a colônia
uma característica da criação de Deus que chama a atenção: o “meio termo”. Não excesso
no tamanho das colinas e nem na cobertura vegetal, composta pela intercalação entre florestas
e campos. A esta paisagem idílica soma-se a presença dos primeiros seres humanos, os
“bugres”, como eram denominados, os quais viviam sem cultivar a terra, portanto ela
“dormia”.
A seguir, o texto menciona a chegada à região e a fixação dos primeiros “homens
brancos”, os bandeirantes paulistas:
Depois vieram os primeiros homens brancos. Eles possuíam o segredo do fogo e da pólvora.
Vinham em busca de aventuras, de riquezas e de escravos. Pela primeira vez, o medo e o terror
alvoroçaram a terra. Alguns poucos aqui construíram as suas habitações, tomaram posse de
vastas regiões e consideraram-se donos absolutos de tudo. Deram a esta terra o nome de
Guarapuava. Fundaram cidades e aldeias. Em outros continentes, nesse tempo, raiava um
novo dia. Aqui, porém, a terra continuava dormindo...
239
O trecho sugere que a chegada dos “homens brancos” e a tomada da região se
constituíram numa ação que não enfrentou forte resistência das populações que ali viviam. No
238
Ibidem. Negrito do autor.
239
Ibidem.
95
entanto, deve-se salientar que as tentativas iniciais dos bandeirantes em se estabelecer na
região, datadas de 1768, foram repelidas pelos indígenas.
240
Além disso, em função da principal atividade econômica dos novos povoadores ser a
criação de gado, Abeck considera que a terra ainda continuava em repouso, estado que é
modificado com o advento do século XX.
E assim veio o século 20 da era cristã. Em muitos países as populações haviam crescido
demasiadamente e o espaço tornara-se insuficiente. Correntes migratórias demandavam as
regiões de baixo índice demográfico. Um dia chegaram, também, a esta região guarapuavana.
Chegaram em apreciável número, ruidosos, com todos os seus pertences, com máquinas e
motores. Quem pode dormir com o roncar dos motores?- A própria terra teve que acordar.
Raiava, também aqui, o alvorecer do novo dia, do oitavo dia da criação. Corria o ano de 1951.
241
De modo análogo aos jornais analisados no capitulo anterior, também neste trecho o
texto não menciona a guerra como fator de expulsão dos suábios da Europa. A escassez de
espaço e o aumento demográfico são as causas da imigração e a escolha de Guarapuava se
deve ao seu “baixo índice demográfico”. Nesse enredo de uma história judaico-cristã, a
chegada dos suábios marca o raiar do oitavo dia, quando a eles se projeta a missão de dar
continuidade à obra divina, que durara sete dias. Neste dia, a terra é finalmente é acordada
para ser arada e cultivada.
Após a leitura do prólogo, iniciam-se as encenações que precedem o alvorecer do
oitavo dia na região. A primeira cena apresenta José e Carlos, dois personagens qualificados
como (...) garotos caboclos de 8 a 10 anos, maltrapilhos, descalços, sujos, que se esgueiram
por entre os arbustos, à espreita de uma caça. José empunha uma atiradeira, pronto para
240
Baseado no historiador paranaense Romário Martins, El-Khatib afirma que, em 1809, o governador–Geral da
Capitania de São Paulo enviou uma “Bandeira Povoadora” para a região, a qual fundou, em 27 de junho de 1810,
um pequeno arraial fortificado, denominado Atalaia. Em 1819, cerca de dez quilômetros dali, foi fundada a
Freguesia de Nossa Senhora do Belém de Guarapuava. Atalaia, por sua vez, foi atacada e destruída por indígenas
em 26 de abril de 1825. EL-KHATIB, Faissal. História do Paraná. Vol. 4º. Curitiba: GRAFIPAR, 1969. p.113.
Acerca dos conflitos entre brancos e indígenas no Paraná ver: MOTA, Lucio Tadeu. A Guerra dos Índios
Kaingáng: a história épica dos índios Kaingang no Paraná (1769-1924). Maringá: UEM, 1994.
241
ABECK, Helmuth. Op. cit. p.08.
96
soltar a pelota.
242
Essa descrição reforça a imagem acerca da condição da população local: a
de serem meros caçadores e coletores.
Essa condição pode ser verificada no diálogo que se segue, após os garotos terem
abatido e levado uma codorna para Ana, sua mãe:
Carlos - Que bom! Vamos ter caldo para o pirão. Como mamãe vai ficar contente. Mamãe!
Mamãe! O matou uma codorna! (para o irmão) Como faz tempo que não comemos mais
carne. Vai ser um banquetão! (...).
Ana Uma codorna? Que maravilha! Vamos preparar para o jantar. Graças a Deus, vamos
ter um caldinho e carne. Desde que Fabrício sofre dessas dores de reumatismo, não tivemos
mais carne, e o pobrezinho fica cada vez mais fraco. Corram para casa e vão depenando! Eu
também já vou. Só quero ajuntar uns paus de lenha para o fogo.
243
O diálogo deixa explícita a condição de pobreza dos personagens, dependentes da
vontade divina para conseguirem sobreviver numa parte do mundo onde a obra de Deus ainda
permanecia conforme Ele havia criado. Não se trata de uma terra de fartura, que uma
pequena ave é considerada um grande banquete.
O diálogo que se segue demonstra outras facetas desse ambiente, do qual os
personagens fazem parte, e o seu antípoda: a cidade.
Ana – (Ajuntado lenha:) Pobrezinhos dos meus rapazes. São tão bonzinhos! Que pena que têm
que viver nestes cafundós, onde não existem recursos. Quando vejo os meninos da cidade,
sadios, bem vestidos, bem alimentados, indo para a escola, me dá uma vontade de chorar...
Carlos – Não fique triste, mamãe. Luciano diz que, quando voltar da Capital, nos ensinará a ler
e escrever.
244
A passagem apresenta algumas pistas sobre o que, no entender do autor, poderia
melhorar a vida dos personagens: a educação formal das escolas. Ter instrução seria uma
espécie de passaporte para sair daquela situação de miséria. Era o que o filho mais velho
objetivara ao planejar ir estudar na capital.
242
Ibidem. p.09
243
Ibidem.
244
Ibidem. p.10.
97
Além disso, outro fator da pobreza dos personagens é relacionado à concentração da
propriedade de terras.
Ana Oh, como seria bom... E quantas vezes aqui não sabemos nem o que comer. O velho
fazendeiro, podre de rico, não se importa com os pobres. Se ao menos nos desse um pedaço de
terra para plantar. Mas que! ... pensa no seu gado, na criação. Da gente ele se lembra
quando o serviço aperta. É uma tristeza. Que será de nós, minha nossa Senhora?
Carlos - Mamãe, o Luciano vai ficar muito tempo fora?
Ana - Oh o Luciano! Pobre do meu filho! Vai nos deixar... Não há outro jeito. Pretende ir para
longe, para a Capital. Tenho tanto medo! Tantos moços que foram para a cidade, de nunca
mais voltaram. Pobrezinho do Luciano, é tão inteligente, mas não pode nem mesmo aprender a
ler e escrever. Não escola. E não temos os meios, como o fazendeiro, que manda os seus
filhos para a capital, onde aprendem a andar de “cadilac” e se formam doutor. Mas o pobre
não pode; pobre tem que servir de capacho a vida toda. (...) Pobre Luciano, que será dele? Mas
certamente será melhor assim; será melhor ele ir do que morrer nestes matos, de fome, como
os dois irmãos dele e os filhos do Juca e tantos outros. Criança aqui mais morre do que se cria.
A Virgem Maria há de proteger o meu Luciano!
245
O trecho uma idéia da estrutura social local. Demonstra que ali não chances de
ascensão social para os pobres caboclos. A única forma de um indivíduo sair dessa condição é
por meio da instrução em escolas na capital.
A terceira cena apresenta um diálogo entre Rita e sua mãe, Ana. Nele são comentados
os atos do fazendeiro, que, em função do pasto ruim e conseqüentemente da queda da
produção de leite, o nega aos personagens em favor dos terneiros, além de querer os pinhões
apenas para tratar os porcos. A penúria dos caboclos não se deve à vontade divina, mas ao
egoísmo de alguns homens. A cena termina com a conversa sobre a venda das terras para
imigrantes europeus:
Ana (...) Dizem que o fazendeiro vai vender as suas terras, a peso de ouro, para uma turma
de imigrantes lá da Europa. É como diz o teu pai: “para rico tudo dá certo, até os bois dão cria,
mas pobre não tem jeito.” Se os fazendeiros, que é nossa gente, nos exploram assim, que dirá
os estrangeiros? Oh meu Deus! Só tristeza de todo o lado! Até não se tem mais gosto de viver.
246
245
Ibidem.
246
Ibidem. p. 11.
98
Os lamentos de Ana demonstram, além de uma explicação acerca das diferenças
sociais, a sorte dos ricos e azar dos pobres uma aversão aos estrangeiros. Estes são vistos
como exploradores, qualificados como piores que os locais. Nesta interpretação, a vinda dos
imigrantes apenas agravaria a situação de penúria em que viviam os caboclos.
Na quarta cena, antes de partir, Luciano lamenta sua condição de pobreza e a falta de
perspectivas de mudança, caso permaneça ali.
Luciano – (...) Triste sina a do pobre, que não tem uma esperança de futuro em sua terra natal!
E eu gosto tanto destes campos tão lindos, com os seus capões sombreados e pinheiros
gigantes. Mas o que adianta tudo isto, se não futuro? Era preciso que alguém arrancasse
esta terra do sono profundo em que está mergulhada. Se eu fosse alguém, se ao menos
soubesse ler e escrever, como gostaria de lutar por este meu torrão natal! (...).
247
A vegetação e o relevo da região são percebidos pelo personagem nativo apenas na sua
forma estética, e não como recursos, como algo que possa ser utilizado e transformado em
bens econômicos. Outro aspecto da fala de Luciano introduz a próxima fase da história local,
a qual está relacionada com a chegada dos imigrantes e com o desenvolvimento da
agricultura, fatos que tiram a terra do repouso e marcam o início da melhora: o oitavo dia.
Na quinta cena, Luciano se despede e promete voltar. Na seqüência, (sexta cena)
enquanto a família olha Luciano se afastar, escutam o ruído de caminhões se aproximando.
Fabrício Devem ser os imigrantes que compraram as terras do fazendeiro, e que querem
plantar trigo nestes campos.
Ana Trigo nestes campos? Mas estes campos nunca produziram nada! Aqui barba-de-
bode e samambaia!
Fabrício É. Eles vão ter que trabalhar muito. E se vão vencer é muito duvidoso. Nestas
terras, até hoje, se criou gado e porcos, e se cortou madeira e erva-mate. “Foi para isto que
Deus criou os campos”, dizem os fazendeiros. – Será que estes imigrantes vão ter sorte?
Ana Mas então eles não sabem que estas terras são fracas para a plantação? Malmente
mandioca. Aqui nunca vai dar trigo!
248
247
Ibidem. p. 12.
248
Ibidem. p. 14.
99
Novamente é salientada a ignorância dos habitantes locais acerca das possibilidades
daquela terra. Por outro lado, deve-se lembrar que a peça teatral foi escrita e encenada a
posteriori, mais de dez anos após a fundação da colônia. A dúvida acerca do êxito da
empreitada, presente no diálogo, tem a intenção de mostrar as dificuldades e dessa forma
valorizar o trabalho dos imigrantes, principal platéia da peça.
A cena é também o momento que mostra o primeiro contato com os imigrantes:
Carlos – Papai, um dos caminhões vem para este lado. Vai parar aqui.
(Ouvem-se vozes, ordens em alemão, como Weiter rechts! Passt auf! Noch etwas weiter! So
ist es gut!” etc.)
Rita – Que gente engraçada, papai. Eles têm cara vermelha e cabelo amarelo!
José E que olhos esquisitos. Eles são russos, mamãe? São tão diferentes da gente aqui da
terra.
Ana – Devem ser alemães. Escutem a fala deles.
249
Curiosamente, os caboclos analfabetos conseguem identificar a nacionalidade dos
recém-chegados por meio da fala destes. Talvez seja um mecanismo que o autor utilize para
tornar mais dinâmica a leitura desta fase. Mas, de toda forma, nesse comentário, o falar a
língua alemã é um elemento de identificação dos suábios.
Na cena seguinte, ao escolher uma árvore como local de abrigo, há o primeiro diálogo:
Fabrício – Boa tarde!
Gertrud (que acaba de entrar da direita, com Hansel e Gretel, esta última com uma boneca:)
O que ele disse? “Boa tarde”? Deve significar boa tarde. Sim, boa tarde, pessoal! Mas como
a aparência deles é lastimável! E como são sujos! (esfarrapados) Crianças, não se
aproximem tanto deles.
Rita Puxa, a gente não entende o que eles falam. Mas que boneca linda que a menina tem.
Menina, vem brincar comigo!
Gretel – Mamãe, eu acho que ela queria brincar comigo. Posso?
Gertrud – (com rispidez) Nein, nein!
Ana – Nossa Senhora, que gente antipática!
250
249
Ibidem.
250
Gertrud Was sagt der? “Boa tarde”? Das soll wohl “guten Tag” heissen. Ja, guten Tag, ihr Leute! Wie
sehen die aber jaemmerlich aus! Und wie schmutzig! (zerlumpt) – Kinder, geht nicht so nahe ran.
Gretel - Mutti, ich glaube, die wollen mit mir spielen. Darf ich?. Ibidem.
100
Neste momento, o autor procura mostrar que no primeiro contato entre os dois grupos
ocorre uma manifestação de aversão por parte dos imigrantes aos receptivos caboclos. O
estranhamento é justificado pela aparência dos nativos: sujos e com as roupas esfarrapadas,
características que estabelecem uma diferença e impedem o contato social mais íntimo.
Inversamente ao observado por Norbert Elias,
251
aqui o grupo constituído pelos habitantes
mais antigos (os estabelecidos) está em uma posição de inferioridade. Os recém-chegados, os
outsiders, é que estão numa condição de superioridade, são os novos proprietários das terras
cuja auto-imagem é de serem mais limpos.
Apesar da demonstração pouco amistosa, Fabrício, ao ver que irão pernoitar sob o
pinheiro, convida-os , por meio de gestos, para dormirem em sua casa.
Willi O que, nós devemos dormir na barraca? De modo algum! Nós preferimos dormir sob
esta árvore. Aliás, quando realizarmos o plantio aqui, vocês precisarão desaparecer!
(Acompanha suas palavras com gestos bruscos) Isso também irá acontecer com essa cabana.
Fabrício – Vocês estão vendo? Ele quer nos expulsar daqui!
Ana – Vai destruir a nossa choupana! Que gente! Vamos embora, antes que ele nos bata!
Inês – Eles talvez não nos quisessem ofender. Eu acho a senhora bem simpática. E as crianças
louras são tão bonitinhas...
Fabrício – Eu vejo um futuro negro na nossa frente! Esta gente não se compreende. O que será
de nós? (Voltando-se para Willi:) Mas daqui eu não saio não! Moro aqui desde criança. Temos
Lei no Brasil! Saberemos defender os nossos direitos, nem que seja no tiro! Não saio não,
ouviu?! Não saio! (Sai à esquerda, encostado na mulher. Os outros nativos permanecem no
palco, ao lado).
252
Em nota de rodapé, Abeck indica que este é o momento em que o conflito começa,
mas sugere que ao regente da peça fique o critério de abrandar ou enriquecer as expressões,
conforme o público. O conflito não se pela falta de compreensão entre pessoas de línguas
diferentes, ou pelo caráter dos dois grupos (não oposição entre o bem e o mal), mas ocorre
em função da ocupação da área. Chama a atenção para o fato de o caboclo aclamar a lei, antes
251
ELIAS, Norbert e SCOTSON, John L. Os Estabelecidos e os Outsiders. Sociologia das relações de poder a
partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2000. p. 28-29.
252
Was, in der Bude sollen wir schlafen? Kommt garnicht in Frage! Wir schlafen lieber unter diesem Baum.
Uebrigens, wenn wir hier pflanzen, werdet ihr verschwinden muessen. (Acompanha suas palavras com gestos
bruscos) Auch die Huette da wird dann weg kommen!. ABECK, Helmuth. Op. cit. p. 15.
101
do uso da força, algo que, pelo menos no Paraná daquele período, não era muito comum
quando se tratava de conflitos envolvendo posse de terras.
253
A justificativa para o estranhamento dos imigrantes com a presença dos nativos é
apresentada na oitava e última cena do primeiro ato. Willi comenta que a informação que lhe
haviam dado era de que estas terras estavam livres da presença de pessoas e se questiona o
que esses caboclos estariam fazendo ali. Por outro lado, Gertrud, tentando contemporizar a
situação de conflito, comenta que o nativo não os teria entendido direito, era apenas um
problema de comunicação.
254
Ela também observa que a aparência dos mesmos era de pessoas doentes, como se não
tivessem comida suficiente, e sugere ao marido que deveriam tentar entender-se com eles
novamente. Se, na cena anterior, a visão dos caboclos sujos motivou a repulsa, o afastamento
por parte de Gertrud, que impediu que seus filhos brincassem com os filhos dos caboclos,
nesse momento, sua interpretação acerca das características físicas dos caboclos se baseia na
sua condição de pobreza. Eles não teriam culpa de sua condição.
Em seguida, Rita se aproxima de Gretel e após uma troca de palavras sobre como se
pronuncia a palavra boneca nas línguas alemã e portuguesa, começam a brincar juntas em
silêncio. Desta vez, os pais de Gretel não a repreendem e conversam a respeito de suas
expectativas com relação ao novo lar.
Willi - O que você acha, Trude, nós teremos sucesso aqui?
Gertrud - E porque não teríamos? Nós estamos todos tão felizes, finalmente saímos da Europa,
aquele formigueiro semidestruído. Aqui nós temos menos dificuldades, basta apenas lembrar
dos anos de guerra e das hordas selvagens em nossa terra natal, para então nos reanimarmos.
Willi – Sim, o que nós passamos, não queremos passar mais uma vez. O Brasil nos recebeu de
braços abertos e devemos procurar viver nele como se fosse nossa segunda pátria. O solo
parece ser bem pobre. Mas toda natureza daqui lembra muito nossa terra natal, Puszta. Eu
253
Um bom exemplo da forma como eram “resolvidos” os conflitos agrários no Estado do Paraná encontra-se
em: WACHOWICZ, Ruy C. Paraná, Sudoeste: Ocupação e Colonização. Curitiba: Litero-técnica. 1985.
MYSKIW, Antonio Marcos. Colonos, Posseiros e Grileiros: conflitos de terra no Oeste paranaense (1961-
66). Dissertação (Mestrado em História) Niterói: UFF, 2002.
254
ABECK, Helmuth. O Raiar.. Op. cit.
102
acho que nós, e todas as famílias que vieram conosco, hão de sentir-se bem nesse país. Espero
não desapontar esta terra.
Gertrud – Nós precisamos cultivá-la bem e com esmero. É só pensar que nós novamente temos
uma gleba sob os pés e podemos semear trigo! Como precisamos agradecer a Deus por isso!
Naturalmente, sentiremos saudades da antiga terra. Mas, sob a colina deve nascer a aldeia;
então teremos sempre nossos compatriotas como vizinhos.
255
A comparação entre o antigo lar, na Europa e o novo exprime a idéia da
impossibilidade do retorno. Isso se em função das motivações da imigração: a alta
densidade demográfica e a guerra. O Brasil é representado como lugar da paz, onde os
imigrantes são recebidos amistosamente, e também é a terra do futuro promissor, mas isto
se cumprirá por meio do trabalho árduo. O agradecimento a Deus remete a platéia ao enredo
do prólogo, como se isto estivesse nos desígnios divinos, o que, por si só, deve ser visto como
principal motivação para a permanência dos suábios no local, juntamente com o fato de a
região lembrar a terra natal.
Mas o texto também expõe as interpretações sobre as diferenças entre a antiga e a
nova pátria. Enquanto Rita e Gretel brincam com a boneca, Hansel, ao lado de José, conversa
com sua mãe sobre a existência de tigres e índios no local. Hansel questiona o porquê de ele
ainda não ter visto nenhuma destas criaturas típicas do Brasil. José, ao ouvir a palavra tigre,
responde que ali não tigres, mas Gertrud chama a atenção do filho para que este não se
afaste muito da colônia, pois poderia sim haver tigres e também índios.
256
Como é perceptível,
255
Willi – Na, Trude, was meinst du? Wird es uns hier gelingen?
Gertrud Warum sollte es nicht? Wir sind ja alle so froh, endlich aus dem halbzerstoerten Ameisenhaufen
Europa heraus zu sein. Wenn es uns hier schwer fallen solllte, brauchen wir bloss an die Kriegsjhare zu denken,
und an die wilden Horden die sich in unsere Heimstaetten eingenistet haben. Dann werden wir schon gerne
alles auf uns nehmen.
Willi Ja, was hinter uns liegt, wollen wir nicht noch einmail durchmachen. Brasilien hat uns mit offenen
Armen aufgenommen, und wir wollen versuchen, es als unsere zweite Heimat zu lieben. Der Boden scheint hier
ja recht arm zu sein. Die ganze Beschaffenheit erinnert aber sehr an unsere heimatliche Puszta. Ich glaube, wir,
und alle Familien, die mit uns gekommen sind, werden uns in diesem Lande wohlfuehlen. Hoffentlich
enttaeuscht uns der Boden nicht.
Gertrud Wir muessen ihn eben gut bearbeiten und sorgfaeltig duengen. Nur zu denken, dass wir wieder
Scholle unter den Fuessen haben und Weizen saen Koennen! Wie muessen wir Gott dafuer danken! Das
Heimweh wird uns natuerlich zu schaffen machen. Aber dort ueber dem Huegel soll ja das Dorf entstehen; da
haben wir dann immer landsleute in naechster Naehe. Ibidem. p. 16.
256
Ibidem.
103
tigres e índios, fazem parte do imaginário sobre o país. Colocá-los juntos reforça a imagem de
que ambos fazem parte da paisagem natural. Isso, de certa forma, desumaniza as populações
indígenas e as exclui da possibilidade do entendimento e da convivência com os novos
moradores e da sua participação na obra do oitavo dia.
A cena continua com a menção a outro fenômeno da natureza: o palco é escurecido e é
apresentada uma imagem da lua cheia. Todos os personagens admiram o fenômeno. Em
seguida, ao lado onde estão os brasileiros, com um violão é cantada a melodia “Luar do
Sertão”. Hansel exclama o quão bela é a canção e Gertrud comenta que pessoas que tenham
semelhantes canções não podem ser más, por isso, poderão se entender. Do lado dos alemães,
acompanhados de um acordeom, é cantada a melodia intituladaAn Den Mond” (À Lua).
257
Ao final do ato, portanto, as desavenças são colocadas de lado. A percepção de gostos
musicais em comum sugere a existência de uma comunhão espiritual, as canções remetem a
sentimentos comuns que são despertados pela lua cheia. Isso é reforçado pela fala de Inês a
respeito da música cantada pelos imigrantes ao encerrar o primeiro ato: “(...) Que linda
canção. E que saudade se apodera da alma da gente. Deus que paz a todos os homens e
alivie o sofrimento do nosso povo!”
258
O pano cai lentamente. É o final do primeiro ato.
O segundo ato representa o cenário após a passagem de cerca de vinte meses.
(...) O cenário é o mesmo, porém os campos, ao longe, estão cultivados, vendo-se trigo colhido
etc. Por detrás da colina aparecem alguns telhados novos, uma igreja em construção. O nível
de vida dos nativos apresenta sensível melhora em relação ao primeiro ato, o que se traduz em
cores mais sadias, vestimenta melhor, choupana melhorada etc. É mês de dezembro, época de
natal.
259
A chegada dos imigrantes trouxe a prosperidade para a região, pois tiraram a terra do
seu “sono”. Isso resultou também na melhora nos padrões de vida dos chamados nativos. O
257
Ibidem. p.17
258
Ibidem.
259
Ibidem. p. 19.
104
texto indica que a transformação não se deu de maneira fácil, mas foi fruto de um extenuante
trabalho. Isso é mostrado na primeira cena, na qual Willi, Hansel e Gretel trabalham no fundo
do palco.
O diálogo tem início com Willi afirmando que está farto de trabalhar dia e noite e o
trabalho não rende o que ele espera. O imigrante ressalta que até mesmo a mulher e as
crianças precisam trabalhar como mouros. Nesse instante entra Gertrud, que traz um cesto
com alimentos, e pede paciência ao marido. Ela distribui os alimentos (pão de centeio e
toucinho) e comenta que essa ação também relembra a forma de trabalho “na antiga pátria”.
260
Ao relatar que se trata da repetição de uma ação executada no passado, quando viviam na
Europa, Gertrud busca inserir novamente uma continuidade na vida dos colonos e, desta
forma, renova-lhes o ânimo.
Outro aspecto do diálogo se refere ao clima. Os personagens demonstram que se trata
de uma cena onde sofrem com o calor. Gertrud comenta que, mesmo sendo o segundo Natal
que passam ali, ainda não consegue se acostumar com o Natal sem neve. No entanto, ela
afirma que o calor tem suas vantagens, sem dizer quais, e que a isso eles também irão se
habituar. Willi afirma que a mulher é uma das poucas que ainda não perdeu o ânimo,
contrariamente a muitos imigrantes que estavam emigrando para a Alemanha, país que
precisava de força de trabalho. Ele propõe à mulher que façam o mesmo.
261
A resposta da mulher é significativa:
Gertrud Não, Willi; Aqui está nosso futuro; aqui vamos resistir. Você apenas está
desanimado, pois novamente a colheita foi muito ruim. Mas o que podemos fazer em relação a
isso, e o que pode a terra, se o tempo foi tão desfavorável. Mas precisamos tentar outra vez.
Veja: Neste ano nosso trigo foi estragado pela chuva; mas o arroz está ótimo. Enquanto que
aqui nós tivermos comida suficiente, eu não gostaria de voltar para a Europa. O querido Deus
não nós deixará desamparados.
262
260
Ibidem.
261
Ibidem.
262
Gertrud Nein, Willi; HIER ist unsere Zukunft, HIER wollen wir aushalten. Du bist ja nur mutlos, weil die
Ernte wieder so schlecht ausgefallen ist. Aber was koennen wir dafuer, und was kann der Boden dafuer, dass die
105
A fala faz lembrar as dificuldades da produção do principal cereal, o trigo. É também
uma importante mensagem para o público, para que este não desanime. Gertrud tem a
convicção de que no futuro as coisas irão melhorar. Isso se dará não pela vontade dos
homens, pelo seu trabalho, mas pela vontade de Deus. As dificuldades seriam provações pelas
quais os suábios teriam que passar para alcançar a graça desejada.
Willi também lamenta que os nativos não querem ajudar no trabalho da lavoura. O
pouco interesse pelo trabalho pode ser percebido também na fala de Inês, tendo ao fundo do
palco os colonos em movimento contínuo, simulando estarem trabalhando.
Inês Como esta gente trabalha! É dia e noite. Nem sei quando descansam. Se a nossa gente
trabalhasse ao menos a metade, isto aqui poderia ser um jardim. Mas os nossos parecem
doentes. E nunca ninguém lhes ensinou a trabalhar assim. Muitos não se importam. São
displicentes. Luciano, o meu Luciano era diferente (....). Garanto que se o Luciano
estivesse aqui, não se negaria a trabalhar junto com os alemães. Pois todo o resultado do
trabalho deles fica aqui, eles não levam nada para o estrangeiro. Desde que os imigrantes
vieram para cá, faz quase dois anos, quanta melhoria! Agora tem escola; as crianças podem
aprender a ler e escrever sem ter que sair. Tem um médico na aldeia. Podemos comer carne,
ovos, queijo. Tem pão. Leite em abundância. passa fome quem não quer trabalhar mesmo.
– Não sei porque é que a nossa gente não quer colaborar com os estrangeiros. Isto aqui poderia
estar bem melhor do que está e garanto que muitos imigrantes, que agora pensam em
abandonar a terra, sentir-se-iam mais encorajados. Se dependesse de mim... Ah, se dependesse
de mim... (Sai pela esquerda)
263
A fala de Inês, uma cabocla, confirma e dá continuidade a afirmação de Willi. Ela visa
chamar a atenção da platéia não-imigrante para as vantagens da instalação da colônia. Não se
trata de estrangeiros que vieram para explorar as riquezas locais, mas sim, de pessoas que
vieram produzir riquezas, algo de que os nativos não são capazes, ou não se interessam em
fazer. Trata-se de uma tentativa de incutir uma cultura do trabalho também para os locais.
Witterung so unguenstig gewesen ist. Aber das muss sich ja auch mal aendern. Sieh doch: Der Wiezen ist uns
dieses Jahr verregnet; der Reis steht aber um so schoener. Solange wir hier noch satt zu essen haben, moechte
ich nicht nach Europa zurueck. Der liebe Gott wird uns schon nicht zugrunde gehen lassen. Ibidem. p.20.
263
Ibidem. p. 21.
106
A terceira cena estabelece uma espécie de confirmação da fala de Inês. Na cena, a
forma de os nativos sobreviverem não variou muito. José, com uma espingarda “pica-pau”
conversa com Carlos, relembrando a vez em que mataram a codorna com uma pelotada, (...)
mas agora, com o trabuco, vai ser muito melhor (...), comenta Carlos.
264
Essa percepção do trabalho pelos nativos sugere que estes, mesmo com a oportunidade
de melhorar seu padrão de vida aprendendo com os imigrantes, preferem continuar na sua
antiga situação. É época de férias escolares, em vez de trabalharem com os imigrantes, os
meninos preferem caçar.
Nesse momento eles encontram o professor Roberto, o qual lhes uma lição acerca
do melhor período para a caça. Ele explica que aquela era a época em que os pássaros têm
seus filhotes e, portanto, matar uma codorna adulta significava também a morte de cinco ou
seis filhotes. Mas não se trata de uma nova sensibilidade em relação aos animais, como se
pode ver na seqüência da fala do professor: (...) Mas se vocês esperarem até maio, junho,
quando os filhotes estiverem crescidos, em vez de uma, vocês podem matar seis.
Compreenderam? Não é melhor esperar?
265
Diante da explicação, os garotos concordam em
esperar a época certa para caçar.
A passagem sugere também a ausência de conhecimentos acerca dos animais e aves,
ou seja, é preciso alguém de “fora” da localidade, com conhecimento formal, para explicar-
lhes qual é o momento correto para a caça e que agora também existem leis a respeito que
regulamentam a atividade. Os meninos também questionam a razão de a caça ser permitida,
“antes dos alemães chegarem”.
Roberto – Vocês caçavam, porque não sabiam. Ou não queriam saber... Mas agora sabem, não
é? Agora vocês são meninos educados que vão para a escola e querem se tornar homens úteis
264
Ibidem.
265
Ibidem. p. 22.
107
e bons brasileiros, não é mesmo? Além disso, é preciso que saibam: existe uma lei que proíbe
a caça nesta época. Ninguém pode ser um bom brasileiro quando desobedece a uma lei.
266
Se, por um lado, há uma maior tecnologia para se obter alimentos junto à natureza, por
outro, a busca por alimentos na mata passa a ser disciplinada. Seu objetivo não é a
preservação dos animais e aves, mas o aumento do número destes seres e, conseqüentemente,
a possibilidade de haver mais animais para serem abatidos. O paradoxo é que a chegada de
estrangeiros constitui uma espécie de linha divisória que marca a inserção destes nacionais na
qualidade de brasileiros, é nas escolas, construídas pelos imigrantes, onde se aprende o
comportamento de um bom brasileiro.
Na cena seguinte, Willi se queixa novamente de o trabalho não ser fácil e também da
falta de sorte. Roberto recomenda que não desista enquanto houver esperança. O professor
conta que ali as condições são bem melhores do que aquelas encontradas pelos seus avós,
imigrantes alemães, que se viram totalmente sozinhos nas espessas matas do Rio Grande do
Sul. Segundo ele, naquele Estado, os imigrantes sofreram com a febre, com roubos praticados
pelos índios, animais selvagens e ameaça de todo tipo de pragas. Destaca que, somente com
muita luta, seus ascendentes resistiram e conseguiram construir para seus filhos uma
existência digna. Finaliza aconselhando os suábios a se apoiarem mutuamente para, assim,
renovarem o ânimo.
267
O personagem Roberto, além de ser professor é descendente de alemães que chegaram
ao Brasil no século XIX. Portanto, representa um elo entre os imigrantes e a nova terra. Isso
pode ser verificado em duas situações: A primeira é a comunicação por meio da língua alemã;
a segunda é o conhecimento da cultura brasileira mediado por uma experiência anterior de
imigração. Assim, ele é o encarregado de ensiná-los nesta nova terra e a sua presença sugere
266
Ibidem.
267
Ibidem .p. 23
108
que os suábios seriam a continuidade do movimento de imigração alemã em massa, iniciado
em 1824.
Ao argumento do professor de que o clima é favorável para os imigrantes Willi retruca
com a afirmação de que neste solo não cresce nada. Roberto responde que as terras do campo
são ácidas e pobres, mas de fácil correção. Novamente cita o caso de seus avós que
despendiam o primeiro ano para derrubar a mata e fazer o arroteamento, sem o uso de
máquinas. na colônia, pela região ser constituída principalmente por campos não existia a
dificuldade representada pela mata fechada.
268
Roberto explica também que a pouca quantidade de húmus no solo será resolvida com
o auxílio de técnicos especialistas. Desta forma, o solo poderá ser melhorado gradualmente
com o passar dos anos. Para o professor, a péssima colheita não é somente devida à qualidade
do solo, mas também está associada às condições climáticas que neste momento são
desfavoráveis, constituindo um quadro anormal para a região.
269
Gertrud comenta ter falado isso para o marido, mas que ele tem esperanças de
retornar para a Europa, onde acredita haver melhores perspectivas de vida. Roberto, num tom
mais contundente, tenta demover o imigrante dessa idéia.
Roberto Mas não na terra, como agricultor, como agricultor livre! Você preferiria ir para a
Europa para, seja em qual abafada empresa for, ser um subordinado trabalhador de fábrica, um
discreto número, uma ovelha anônima no rebanho? Aqui lhe acena a liberdade, aqui o espaço
ainda é amplo, aqui você pode ser seu próprio senhor!
270
Nesta cena pode-se perceber claramente que, apesar de ser uma peça de ficção, trata-se
de uma discussão que se remete à saída de muitos colonos que foram para cidades como
268
Ibidem.
269
Ibidem.
270
Roberto Aber nicht auf dem Lande, als Bauer, als freier Landwirt! Wuerde sie es vorzihen, in Europa, in
irgendeinem muffingen Betrieb, ein untergeordneter Fabrikarbeiter, eine unscheinbare Nummer zu sein, ein
namenloses Schaf in der grossen Herde? Hier winkt Ihnen die Freiheit, hier ist der Raum noch nicht beengt,
hier Koennen sie Ihr eigener Herr sein! Ibidem. p. 23 e 24.
109
Curitiba e São Paulo, ou mesmo para a Alemanha. De acordo com Elfes, do início da colônia
até 1954, 60 famílias reemigraram para a Europa. Em 1958, houve uma nova onda de retorno
com 25 famílias, cujo ponto mais alto ocorreu em 1962, com a saída de 42 famílias.
271
O
personagem Roberto pode ser visto como a encarnação de Abeck, tentando dissuadir
prováveis espectadores a mudar de idéia e incentivá-los a ficar na colônia.
Mas o discurso de Roberto não convence Willi, que menciona novamente a não
disposição dos nativos em trabalhar para eles:
Willi Isto tudo que você disse é belo e bom. Aqui eu não sou meu senhor, mas também
meu próprio e único servo. Não se encontra ajudante. Os brasileiros não querem não. Eles são
doentes e preguiçosos e estão sempre pensando em travessuras.
272
A interpretação de Willi acerca dos brasileiros associa a doença e a preguiça a uma
nova característica dos nacionais, a não-seriedade. Ficar pensando em travessuras denotaria a
falta de capacidade deste grupo em ter uma atitude de seriedade e de comprometimento com o
progresso do local. Nesta afirmação, Willi desqualifica os brasileiros como sujeitos
participantes da construção do oitavo dia, pois a classificação destes como infantis implica
também em não tratá-los como sujeitos totalmente autônomos. Dessa maneira, temos a
elaboração de uma noção em que os brasileiros ainda não estariam com sua capacidade
completamente desenvolvida. Da mesma forma que o Paraná da época estaria amanhecendo -
para tomarmos emprestadas as palavras de Munhoz - tais pessoas ainda estariam no estágio
infantil de sua existência.
Roberto, no entanto, afirma que os nacionais não são tão ruins e explica que esse
comportamento se deve ao fato de eles nunca terem sido habituados ao trabalho disciplinado.
271
De acordo com Elfes, entre 1951 e 1971, reemigraram, completas, 284 famílias e 80 tiveram membros que
deixaram a colônia. ELFES, Albert. Op. cit. p. 58-59.
272
Willi Das alles ganz schoen und gut. Hier bin ich nicht nur mein eigener Herr, sodern auch mein eigener
und einziger knecht. Man findet ja keinen Helfer. Die Brasilianer wollen ja nicht. Sie sind krank und
arbeitsscheu und stets auf Schabernack bedacht. ABECK, Helmuth, Op. cit. p.24.
110
Além disso, são subnutridos e freqüentemente doentes. Conclui dizendo que os imigrantes
teriam que somente compreendê-los corretamente. Diante disso, Willi responde que irá tentar
mais uma vez.
Na quinta cena, o diálogo inicia-se com o agradecimento de Ana ao professor por
ensinar seus filhos, algo que ela classifica como um progresso maravilhoso. O professor
concorda e responde com uma pergunta sobre o quanto as coisas melhoraram com a chegada
dos imigrantes, ao que a mulher responde afirmativamente.
Mas isso não consegue convencer Fabrício. O diálogo que se segue é exemplar:
Fabrício Mas o ambiente está envenenado. Estes imigrantes são rudes e não nos
compreendem, parece que nos desprezam. É um inferno! Seria melhor que voltassem de onde
vieram.
Roberto (com gravidade) Este seu desejo poderá se tornar realidade antes que o senhor
pensa. Os alemães estão a ponto de abandonar tudo isto aqui. Estão cansados!
Ana (Assustada) Nem diga uma coisa dessas, professor! E vão fechar a escola? Que será de
nós, então? Cairemos novamente nas unhas de algum fazendeiro? E os nossos filhos
continuarão na ignorância? Morrendo, talvez, na miséria? – Fabrício, isto não pode acontecer!
Fabrício Sim, não pode. Mas o que é que você quer que eu faça? Nós é que não poderemos
alterar as coisas.
Roberto Pois eu acho que sim, senhor Fabrício. A situação é tal que poucas gotas poderão
fazer a água correr. E estas gotas bem que poderia ser um pouco de boa vontade, uma palavra
amiga, um conselho, uma ajuda, a sua colaboração, a colaboração de todos. Eu sei que eles, os
alemães, aceitariam a sua ajuda de braços abertos. Eles precisam de ajuda. E eles têm boa
vontade. O que envenena o ambiente é unicamente a falta de compreensão de ambas as partes,
é a falta de harmonia. Aqui se encontram dois povos diferentes, distintos. Uma aproximação
entre os dois exige sacrifício de ambos os lados. Cada parte cedendo um pouco de seu orgulho
possibilitará caminharem juntos, sem atritos. Vale a pena fazer este sacrifício, pois ele traria o
progresso e o bem estar a este rincão.
Fabrício – São palavras...
Ana Fabrício, acho que o professor tem razão. Os alemães não são ruins; eles são é
diferentes da gente. Eu pareço estar começando a compreendê-los.
273
Temos, nas palavras de Ana e Roberto, uma interpretação de interdependência dos
dois povos. A saída dos imigrantes poria a perder o projeto do oitavo dia e causaria um
retrocesso neste “rincão”. A percepção da possibilidade de um convívio mútuo entre os dois
povos é de uma mulher, Ana. A exemplo de Gertrud, quando Willi não estava disposto a
273
Ibidem. p. 25.
111
conviver com os caboclos. São de Ana as principais manifestações para que os imigrantes
permaneçam.
No momento seguinte, a atenção dos personagens volta-se para Luciano que se
aproxima, vestido de farda. Ele está retornando do serviço militar. O recém-chegado fala o
seguinte:
Luciano E agora eu voltei e hei de trabalhar incansavelmente... para o progresso deste
pedacinho de Brasil. Eu vi de passagem e com grande alegria, que isto aqui cresceu,
desenvolveu-se. Posso avaliar o grande esforço que os imigrantes aqui estão empregando para
arrancar esta terra do sono em que dormia, arrancá-la da estagnação e da improdutividade.
José – Puxa, que palavra difícil: improdrut....
Luciano Mas vi também, com grande apreensão, a enorme dificuldade com que lutam, a
ponto de quererem desanimar. Eu acho que agora depende de nós, meus pais e meus
conterrâneos, salvar esta obra, iniciada com tanta esperança, do aniquilamento. Depende da
nossa boa vontade, da nossa compreensão, da nossa ajuda. Isto aqui não pode voltar para trás;
não podemos permitir que isto caia na antiga letargia. É preciso que todos emprestemos, com
decisão, os nossos braços a esta tarefa de gigantes!
274
Essa fala indica a visão de um brasileiro instruído e vai ao encontro do pensamento de
Roberto, Ana e Gertrud, que defendem a permanência dos imigrantes na região, além disso,
ele também prega a colaboração dos brasileiros para impedir que a terra caia no sono.
Construir o oitavo dia não é mais uma tarefa dos imigrantes, mas deve ser objeto do
esforço de todos os que ali vivem.
As palavras de Luciano deixam sua mãe admirada, pois o filho (...) fala como um
deputado.
275
Seu pai, por outro lado, reafirma que a terra é muito mais deles do que dos
“estrangeiros”. (...) Nós é que deveríamos arrancá-la da lama, não eles (os estrangeiros).
276
Mas a fala de Luciano traz elementos que resignificam o patriotismo:
Luciano Sim, mamãe, papai. Eu não sou mais aquele Luciano que vos deixou dois anos.
E se for preciso, ainda falarei muito mais do que um deputado, para comover o nosso povo a
deixar de lado todos os ressentimentos e colaborar com quem de tão boa vontade derrama rios
274
Ibidem. 26.
275
Ibidem. p. 27.
276
Ibidem.
112
de suor pela nossa terra e nos traz gratuitamente a sua técnica adiantada e a riqueza da sua
cultura. Se todos juntos, brasileiros e imigrantes, trabalharmos ombro a ombro, como irmãos,
não o que não vençamos! E isto aqui, num futuro próximo, será uma terra bendita, um
verdadeiro celeiro para as populações brasileiras. Este é o objetivo que temos que atingir,
custe o que custar!
Roberto – (entusiasmado) Bravo, Sr Luciano! Isto é que é verdadeiro patriotismo!(...).
277
As falas de Roberto e Luciano trazem pistas sobre como Abeck concebe o patriotismo.
Não se trata de uma aversão aos estrangeiros ou uma posição xenófoba. Sua interpretação é de
que ser patriota é acima de tudo trabalhar para o desenvolvimento econômico do país. Manter
uma distinção cultural e falar em uma língua não-portuguesa não é, portanto, sinônimo de
antipatriotismo.
Em seguida, Roberto apresenta Luciano a Willi e afirma que o brasileiro está disposto
a colaborar. Willi aceita a ajuda e garante que, com ajuda, a colônia obterá êxito. Em função
do pedido do filho, Fabrício também concorda em ajudar e que irá conversar com seus
conterrâneos a fim de convencê-los a colaborar com os imigrantes. O aperto de mãos entre
Willi e Fabrício celebra o início de uma nova fase na colônia.
278
As duas últimas cenas deste ato apresentam entendimento entre os personagens. As
crianças Rita e Gretel brincam de Natal juntas durante a sétima cena. Na oitava, Luciano
reencontra Inês, lhe um abraço e a pede em noivado. Ao ver a cena, Gertrud exclama: Que
abraço! Agora vocês estão novamente juntos.
279
Willi convida todos para comemorar: (...)
Vamos beberr uma chops! Venham todos, vamos lá para casa, vamos beber uma boa pinga.
280
Luciano insiste que na qualidade de noivo, é ele quem deve convidar para a festa e esta será
no salão da aldeia. (...) Vamos festejar o meu regresso, brindar o futuro da Colônia e
277
Ibidem.
278
Ibidem.
279
Ibidem. p. 29.
280
Ibidem.
113
comemorar.... o meu noivado com Inês!,
281
seguem aplausos e felicitações dos demais
personagens.
O terceiro ato refere-se aos festejos dos dez anos da colônia. A descrição do cenário
indica que este deve ser o mesmo dos atos anteriores. (...) As colinas, no fundo, estão
cobertas de trigais maduros e arrozais verdejantes. Por cima da colina aparecem numerosos
telhados da aldeia e a torre da igreja, já concluída. É um domingo.
282
Willi e Gertrud inspecionam as plantações e admiram o estado do trigal, o que
prenuncia uma ótima colheita. Gertrud exclama que não pode agradecer a Deus
suficientemente por ter abençoado o trabalho, enquanto que Willi lembra que isso também se
deu à custa de muito esforço. Complementa que conseguiu pagar as prestações da terra não
mais tem dívidas da casa e do curral. É hora de fazer um balanço dos dez anos que estão ali e
quando lembram dos compatriotas que abandonaram a colônia, Willi reconhece que a esposa
estava certa em querer ficar. Além disso, afirma ele, (...) desde que as relações com nossos
vizinhos brasileiros melhoraram, vivemos em harmonia e em paz. Com certeza, não temos do
que nos queixar.
283
Na segunda cena, os dois encontram com Ana e Fabrício. O diálogo que segue
também ilustra o clima amistoso e de compreensão entre eles:
Gertrud – Como vai, Dona Ana? Como vai o reumatismo, Sr Fabrício?
Fabrício Ah, verflucht Schuainerai! O meu reumatismo não quer passar mesmo. É a idade...
– Está bonito o trigo este ano. Vai dar boa colheita.
Willi Oh, sim... Muito bom. Seu trigo também bom. Nós pensa, prasilero capeça ruin... Mas
prasilero aprendeu mais depressa que nós... (Todos riem)
284
281
Ibidem.
282
Ibidem. p.30.
283
(...) Und seit dem das Verhaeltnis zu unseren brasilianischen Nachbarn sich gebessert hat, leben wir
harmonisch und in Frieden. Wir haben bestimmt keinen Grund zur Klage. Ibidem.
284
Ibidem. p. 31.
114
O uso do termo “maldita porcaria” (verflucht Schweinerei) indica que não os
alemães aprenderam a língua portuguesa, mas também que os brasileiros adotaram o usos de
alguns termos alemães. Chama a atenção o fato de Gertrud falar português mais fluentemente
do que Willi. É uma conversa de vizinhos, cuja atividade é a mesma: a agricultura,
especificamente a produção de trigo, o que demonstra a efetiva mudança do modo de viver
dos brasileiros.
Todos estão se preparando para a festa do décimo aniversário da colônia. Hansel e
Gretel, agora moços, estão vestidos com trajes típicos suábios. Hansel pergunta para Ana e
Fabrício se Rita irá à festa e Ana confirma. Gretel insinua que (...) Hansel namoriert die
Ritinha.
285
Gertrud (Fazendo-se de surpresa) Nossa senhora! Isso é interessante! Então logo teremos
um deputado na família E por que não? Por isso Rita é tão aplicada no estudo da língua
alemã! Finalmente todos aqui somos UM povo. Afinal de contas isso depende da
compreensão mútua e do nível cultural. A maioria dos nossos compatriotas, mesmo meu bom
Willi, o qual conhece somente algumas palavras da língua portuguesa, se candidataram a
obter a cidadania brasileira.
Willi – Por isso eu poderei tornar-me um bom brasileiro! Para isso não preciso falar! – Pra ser
bom brasileiro, non precise falar... Importante como falar é finalmente o trabalho e a
realização. Por isso, eu não preciso renegar meu caráter alemão!
286
Ao ouvir ir as palavras de Willi, Roberto concorda e complementa:
Está muito certo, senhor Willi, ninguém deve renegar sua origem e tradição. (...) Um traidor
jamais será bem vindo no seio da Família Brasileira. Eu me sinto 100% brasileiro e tenho
orgulho da minha origem alemã, sempre me esforçarei para que os valores culturais legados
pelos meus antepassados sejam conservados e cultivados para minha pátria brasileira.
287
285
Ibidem.
286
Das wird interessant! Dann haben wir bald ainen Abgeordneten in der Familie. Nun ja, warum auch
nicht? Deshalb lernt die Rita auch wohl so fleissig Deutsch! Schliesslich wird hier ja doch alles EIN Volk.
Letzten Endes kommt es auf das gegenseitige Verstaendnis na, und auf das kulturelle Niveau. Die meisten
unserer Landsleute, sogar mein guter Willi, der kaum erst einige Brocken Portugiesisch kann, haben sich
bereits schon um die brasilianische Staatsbuergerschaft beworden...
Willi Deshalb kann ich doch ein guter Brasilianer werden! Dazu brauche ich doch nicht zu reden! (…)
Wichtiger als Reden ist doch schliesslich die Arbeit und die Leistung. Mein deutsches Wesen brauche ich
deshalb doch lange nicht zu verleugnen! Ibidem. p. 32.
287
Ich fuehle mich als 100% iger Brasilianer und bin doch stolz auf meine deutsche Herkunft und werde stets
bestrebt sein, die von meinen Vorfahren ererbten Kulturwerte meinem brasilianischen Vaterland zu erhalten und
nutzbar zu machen. Ibidem.
115
Portanto, não contradição entre ser cidadão brasileiro e manter sua cultura alemã.
Novamente é uma mensagem que procura incentivar a platéia a manter suas características
culturais, que também constituem uma espécie de valor para a pátria brasileira. Em seguida,
Roberto coordena o último ensaio do grupo de danças folclóricas para as festividades dos 10
anos da colônia.
Na cena seguinte acontecem as festividades. Após o hasteamento da bandeira e o
desfile de máquinas agrícolas, ocorre a apresentação do grupo de danças. (...) Todos os
componentes do grupo envergam trajes típicos, as moças com coroas de espigas de trigo
sobre as cabeças.
288
Luciano e Inês entram no palco, o agora deputado parabeniza o grupo,
afirmando que tais danças (...) parecem exprimir um pedacinho da alma e do caráter do povo
que as criou, durante séculos (...).
289
Luciano também fala da sua admiração com o progresso do lugar, o que é traduzido
por Roberto em língua alemã à platéia. Nesse momento uma espécie de simbiose. A
mistura da platéia que assiste a apresentação do grupo de danças, a platéia-ficção, e a que está
vendo a peça, que poderíamos chamar de platéia real, alvo da mensagem de Abeck.
Na qualidade de político, Luciano profere o seguinte discurso, que é traduzido para a
língua alemã por Roberto:
Luciano Cumpre agradecer este fabuloso progresso, em primeiro lugar a este punhado de
valorosos imigrantes, que com um esforço inaudito reproduziram aqui, embora em menor
escala, o Wirtschafts-Wunder”, o milagre econômico, da terra dos seus antepassados. Este
esforço titânico, num decênio, transformou a fisionomia de toda a região, de todo um
município. Onde os seus tratores e os seus arados ainda não sulcam os campos, os moradores
nativos copiaram-lhes o exemplo e participam ativamente desta autêntica batalha da produção.
(...) Este progresso, porém, tem outro aspecto: Quando deixei esta terra, há dez anos, descalço,
maltrapilho, doente, o meu povo, este valente povo caboclo, levava uma existência de
sofrimento, de subalimentação, de sujeição, de miséria, de ignorância e analfabetismo. O
contato com o elemento novo ergueu-o, suspendeu-o do pó. Hoje o seu nível é bem outro, hoje
288
Ibidem. p.33.
289
Ibidem.
116
ele está bem alimentado, bem vestido, integrado no trabalho, seus filhos têm escola, seus
doentes têm hospital, enfim, é um povo que pode colocar-se ao lado de qualquer povo do
mundo (...). E ainda um terceiro aspecto precisa ser focalizado: o aspecto brasileiro-
nacionalista deste empreendimento. Contrariamente ao que acontece com muitas outras
empresas e investimentos estrangeiros, aqui o imigrante tem a sua vista voltada
exclusivamente para o Brasil. Daqui nenhum real é levado para o além-mar. O fruto de todo
este trabalho fica integralmente em nosso país, cuja cidadania grande número destes
imigrantes requereu. (...) Tempos houve, em que a incompreensão ameaçou destruir esta
obra patriótica. O amor pela pátria comum, porém, finalmente provou ter mais força. E ambas
as partes, nativos e imigrantes, souberam se amoldar. Os nativos aprenderam ordem,
organização e método de trabalho, e copiaram muitos hábitos de bem-viver, enquanto que os
imigrantes perderam boa parte da sua rudeza e inflexibilidade, as quais substituíram pelas
belas qualidades de coração, tão características da nossa gente. E assim operou-se o GRANDE
MILAGRE DA ACULTURAÇÃO, que fez de dois povos diferentes um amálgama
homogêneo, sobre o qual se alicerçará, seguramente, o futuro da nossa pátria.
290
O discurso marca o encerramento da peça e resume seu enredo e então, é cantado o
hino nacional. A fala permite entender como o autor interpreta o processo de “aculturação”,
que é concebido não como perda de valores culturais, mas como união das características
positivas de ambos os povos. Na sua visão, a “aculturação” proporcionaria aos nativos a
possibilidade de mudarem sua visão e conduta acerca do trabalho, enquanto que aos
imigrantes trouxe uma modificação na forma de estes se relacionarem entre si e com outros
povos. Para Abeck, a junção produziu uma mistura homogênea, o que de certa forma, neste
raiar do novo dia, prosseguimento à obra divina, alicerçada na mistura e na colaboração
entre caboclos e imigrantes, agora também cidadãos brasileiros.
É importante dizer que esta peça teatral não pretende narrar os fatos como “realmente
aconteceram”, ou a situação em que a colônia se encontrava dez anos após sua fundação. Ela
é uma espécie de discurso exemplificador. Por meio dela, Abeck procura apresentar como a
colônia deveria, ou poderia, ser: um local de tranqüilidade social e progresso econômico. É,
portanto, uma forma de incentivar os suábios a permanecerem e trabalharem, com o auxílio
290
Ibidem. p. 34-5.
117
dos nativos, para alcançarem esta condição idealizada, ou seja, de construir uma nova
Heimat.
291
2.3 Ao fechar das cortinas: angústias, incertezas e dissensos
Mas, quando as cortinas são fechadas, a platéia se depara com o fazer da vida real. Um
panorama desse período pode ser encontrado no relatório de Arpad Szilvassy,
292
intitulado
Aspectos Gerais da Colonização Comunitária Européia no Paraná.
293
Redigido em 1965, o documento é fruto de uma viagem de “pesquisas sociológicas”
realizada no Paraná, entre 21 de fevereiro e 7 de abril de 1965, com o auxílio financeiro da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Szilvassy visitou Carambeí,
Castrolandia e Arapoti, núcleos formados por imigrantes holandeses; Witmarsun, formado por
menonitas, a colônia Entre Rios e na região Oeste do Estado, as localidades de Toledo, Vila
Nova, Marechal Cândido Rondon, formadas por migrantes oriundos do Rio Grande do Sul e
Santa Catarina.
294
Para cada área visitada, foi redigido um capítulo. A metodologia para a coleta de
dados é semelhante à empregada por Gossner. Szilvassy realizou entrevistas com (...)
291
De acordo com a antropóloga Giralda Seyferth, Heimat é um termo derivado da palavra Heim lar. (...) No
seu sentido mais restrito, a verdadeira Heimat de uma pessoa é o seu lar, o que a idéia de uma pátria
construída. Assim, é possível para um alemão, construir para si uma Heimat no estrangeiro, uma vez que o
termo não se aplica especificamente à Alemanha, mas ao local onde tem seu lar. In: SEYFERTH, Giralda.
Nacionalismo e Identidade Étnica. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1982. p. 46. Daí a
utilização do termo, pelos suábios, para designar sua antiga morada na Iugoslávia como sendo a alte Heimat -
velha pátria e a colônia como sendo a sua neue Heimat - nova pátria.
292
Nascido na Hungria, em 1912, Szilvassy trabalhou em New York, Estados Unidos, como professor visitante
da Fundação Kossutho. Em 1963, veio ao Brasil na qualidade de professor na Fundação Escola de Sociologia e
Política de São Paulo. INSTITUTO MARTIUS STADEN. Ficha pessoal de Arpad Szilvassy. São Paulo.
(Mimeo).
293
SZILVASSY, Arpad. Aspectos Gerais da Colonização Comunitária Européia no Paraná. São Paulo:
1965. (Mimeo).
294
Ibidem. p.1.
118
diferentes líderes das respectivas colônias, como também através de conversações com
pessoas representando todas as camadas sociais e através de observações pessoais. Em
pequena parte foi utilizado também material ainda não publicado.
295
Para os propósitos desta pesquisa, analisaremos apenas o terceiro capítulo do relatório,
cujo título é A Colônia de Entre Rios no Município de Guarapuava.
296
No primeiro item,
intitulado Aspectos Históricos, Szilvassy, com base numa conversa com o padre da colônia,
descreve brevemente a história da ocupação das áreas do Médio Danúbio pelos suábios e a
divisão do território entre a Iugoslávia e a Romênia. Segundo ele:
Somente depois desta divisão tomavam consciência os suábios do Danúbio de sua etnia e
começaram a cultivar mais conscientemente suas tradições folclóricas e traços culturais que
eles desenvolveram nesta região na base germânica influenciada pelos elementos culturais do
ambiente. A grande maioria dos suábios do Danúbio é católica romana e esta religião marcou
essencialmente este grupo étnico, que contava antes da expulsão e destruição pelos comunistas
da Iugoslávia, Romênia e Hungria, um meio milhão de almas.
297
A afirmação de que após o desmembramento do Império Austro-Húngaro os suábios
tomaram consciência de sua condição de grupo étnico, indica a idéia de que a partir de então
eles tornam-se sujeitos da história. Portanto, eles se assumem como sujeitos da história antes
de vir para Guarapuava. Ter consciência de sua identidade é valorizar a sua cultura mediante a
preservação de manifestações folclóricas. A descrição indica, de forma clara, a influência da
fonte de informações: o padre da colônia. Para o padre, o principal indicador de identidade
não seria a origem étnica, mas a religião do grupo. Isso fica mais claro quando o autor afirma
que a causa da expulsão do grupo, após a Segunda Guerra Mundial, não se deu somente
devido à participação destes na (...) luta contra o comunismo, mas principalmente sua
295
Ibidem.
296
Ibidem. p.1. Em cada capítulo, a numeração das páginas é reiniciada.
297
Ibidem.
119
religião católica que representa nesta região de transição entre o Ocidente e o Oriente a
herança cultural da Europa Ocidental (...).
298
Tal interpretação permanece na seqüência do texto, em que Szilvassy afirma a
expulsão menos “radical” na Hungria e na Romênia do que na Iugoslávia, onde além da
expulsão, havia (...) campos de aniquilação e uma pequena minoria de 10.000 de meio
milhão de suábios sobreviveram ao genocídio (...).
299
Os sobreviventes perderam suas
propriedades (...) de maneira que não podiam mais exercer sua religião e sua herança
cultural e foram assim forçados a adaptar-se ao sistema coletivista da vida econômica (...).
300
Cabe ressaltar que a vinculação da identidade suábia com a religião é apresentada de
forma mais contundente pelo clero católico do que pelo luterano. Além do depoimento do
padre que forneceu as informações para Szilvassy, essa vinculação também foi verificada nas
mensagens de religiosos católicos, presentes em publicações da década de 1970 - que são
analisadas no próximo capítulo desta tese e em entrevista realizada com um ex-padre da
colônia.
301
Ao final do item, o autor menciona outro indicador de identidade do grupo: o fato de
serem produtores de trigo.
Os suábios do Danúbio são característicos pela sua alta cultura agrícola, que fizeram dos
territórios destruídos e invadidos pelos turcos, uma das mais ricas regiões agrícolas da Europa,
que forneceu trigo para as regiões industriais de toda a Europa. Depois da expulsão, os suábios
do Danúbio fixaram-se transitoriamente na Áustria e Alemanha, países que não foram em
posição de proporcionar-lhes uma residência permanente, por isso a única solução que lhes
possibilitava a utilização de suas ricas experiências agrícolas foi o caminho de imigração para
os países fora da Europa.
302
298
Ibidem.
299
Ibidem.
300
Ibidem. p.2.
301
De acordo com Padre José Werth, os suábios (...) perderam suas terras e aldeias por causa da guerra e do
comunismo. WERTH, Padre José. Entrevista concedida a Marcos Nestor Stein. Guarapuava: 15 de outubro de
2007. A.A.
302
SZILVASSY, Arpad. Op. cit. p.2.
120
O item seguinte é a fundação da Colônia Entre Rios. Szilvassy descreve a formação da
colônia, tamanho da área, a divisão dos lotes entre as famílias, (sem mencionar o período
quando ocorreu o trabalho coletivo) e a infra-estrutura da cooperativa. De acordo com ele,
com a utilização dos equipamentos fornecidos pela cooperativa, (...) os colonos iniciaram
suas atividades de transformar o campo bruto em uma paisagem de alta cultura agrícola.
303
Para ele, apesar dos reveses iniciais, a colônia (...) se desenvolveu muito bem.
304
Tal
constatação é corroborada pelos números referentes à expansão da área cultivada e ao
aumento da produção de trigo e arroz.
Trigo: área plantada em 1952 foi de 2.300 hectares com uma produção de 1.300 toneladas. Em
1963 a área aumentou para 2.960 hectares e a produção para 2.400 toneladas.
Arroz: nenhuma área plantada em 1952. Em 1963 foram plantados 11.200 hectares com uma
produção de 9.000 toneladas. Em 1962 com 10.700 toneladas.
305
Ele ressalta que essa expansão beneficiou apenas alguns agricultores suábios. Esses,
por meio de financiamentos obtidos junto ao Banco do Brasil, a partir de 1959, começavam a
arrendar terras fora da gleba da colônia. Além disso, as boas colheitas dos suábios fizeram
com que alguns fazendeiros da redondeza também iniciassem o cultivo de arroz e de trigo.
306
De acordo com o autor, a maioria dos colonos suábios não pode aumentar sua área de
cultivo (...) econômico com maquinaria agrícola (...).
307
Das 354 famílias de lavradores, 317
possuíam menos de 80 hectares. Para ele, este tamanho inviabilizava o uso lucrativo da
mecanização nas lavouras. Sobrevém assim uma restrição sensível da vida familiar. Naquelas
famílias que não participam neste desenvolvimento, as dificuldades financeiras e a
diminuição do padrão de vida criam um clima de insegurança quanto ao futuro.
308
303
Ibidem. p.3
304
Ibidem.
305
Ibidem. p. 4.
306
Ibidem.
307
Ibidem . p.5
308
Ibidem.
121
Neste sentido, Szilvassy descreve o seguinte quadro da colônia, cujo reflexo mais
claro é a reemigração de muitos colonos:
A respeito da reemigração nota-se que as causas dela são complexas e não se pode isolar um
único fator como responsável por esse fenômeno. O suábio do Danúbio é um homem simples,
frugal e trabalhador. Freqüentemente ouve-se nas colônias que o colono não se sente enraizado
em Entre Rios e está mal adaptado ao novo ambiente. Fora das causas econômicas, certamente
as causas psicológicas são mais interessantes para o estudo da reemigração. Cada um deles
tem uma experiência pessoal bem diferente, isto é, ele ainda não digeriu os abalos psicológicos
sofridos em conseqüência da guerra. Uma vez afastado de sua terra natal o suábio dificilmente
pode fixar-se em um certo lugar, sendo movido por uma certa inquietude. Ele também não
pode identificar-se com nenhum outro povo; sendo considerado estrangeiro mesmo na
Alemanha tendo sotaque e certos costumes da Europa oriental. Apesar disso, muitos gostariam
de ir para atraídos pelos laços familiares e principalmente pela prosperidade da Alemanha.
Mas outros dizem também que eles não querem ser cidadãos de segunda classe, cuja língua e
cultura é mal tolerada e gostariam de viver num país onde todos falam a mesma língua e onde
suas crianças podem ser educadas na própria língua e cultura deles. Cada um dos reemigrantes
sai com 30 até 40 milhões de cruzeiros, esse fato mesmo poderia provar que não causas
econômicas são a motivação para a reemigração.
309
Como se pode visualizar no trecho, antes de explicar as causas dessa situação de crise
da colônia, Szilvassy estabelece o primeiro fato: a positivação do sujeito suábio, como frugal,
trabalhador e simples. O problema, então, não residiria nesse sujeito, mas, na sua avaliação,
no ambiente externo, seja na colônia, seja devido às suas experiências na Europa. Szilvassy é
o primeiro autor que mostra a adaptação dos suábios ao ambiente - diferentemente dos
jornais e dos discursos do governo paranaense, que afirmavam que haveria uma fácil
adaptação dos imigrantes em terras guarapuavanas. Outro aspecto do relatório é o fato de
apresentar a diferenciação, a não-identificação, entre os suábios e alemães. Estes seriam
grupos com línguas - sotaques - e costumes distintos, daí também a não adaptação do suábio
na Alemanha.
Os bons resultados obtidos não devem iludir-nos acerca da existência desses problemas. (...)
outros destacam que a colônia está mal situada, a sua terra é magra necessitando grandes
quantidades de adubo químico; a altura acima de mil metros não permite duas safras; a
309
Ibidem.
122
isolação do colono de um centro urbano onde eles poderiam passar algumas horas de
divertimento em um ambiente para eles não tão estranho como, por exemplo, Guarapuava, são
outros motivos citados para a reemigração.
Muitos acham que a colônia deveria ser fundada no Paraná ocidental nas zonas florestais perto
de Cascavel, Toledo ou Mal. Cândido Rondon, onde os suábios teriam a oportunidade de
adaptar-se ao novo ambiente por intermédio dos teuto-brasileiros.
Muitos se queixam que o brasileiro quer dele uma assimilação demais depressa, não deixando
a suas crianças a chance de serem educadas na sua cultura tradicional também.
Em síntese, o colono sente-se abandonado pelo governo estadual, federal e mesmo pela
Alemanha, que poderia fazer algo em interesse de maior bem estar cultural destes novos
imigrantes, que vivem verdadeiramente em um deserto cultural onde mal existe algum
traço de moderna civilização urbana e onde o colono pode ocupar-se com o árduo
trabalho agrícola ou passar o tempo nos bares da colônia. O medo de se rebaixar
culturalmente e caboclizar-se faz com que certos elementos se retirem da colônia, foi
observado que o nível cultural da colônia baixa-se cada vez mais desde a fundação
dela.
310
(Grifo nosso)
Neste trecho, o autor apresenta outros aspectos acerca das divergências de opiniões na
nova terra. Não o consenso sobre o melhor local para a fixação da colônia, nem a respeito
do ambiente dos Campos Gerais e nem sobre a relação com os vizinhos não-suábios. Não é
em Guarapuava o lugar propício para a adaptação dos suábios e nem os caboclos compõem o
grupo que facilitaria a integração dos suábios na comunidade paranaense, mas a região Oeste
do Estado e os teuto-brasileiros que lá vivem.
Diferentemente da imagem encontrada no final da peça de Abeck, de que colônia era
um local onde havia somente o consenso, onde todos, “brasileiros” e os suábios, estariam
irmanados “puxando a corda para o mesmo lado”, o quadro apresentado por Szilvassy
indicava justamente o contrário. Em vez de haver um processo positivo, de amalgamamento,
de aculturação - como pregava Munhoz - o receio, por parte dos suábios, de que a mistura
entre os povos os rebaixe culturalmente - é o acaboclar, a versão negativa do aculturamento.
Outro aspecto que difere no relatório da peça teatral é a ingestão de bebida alcoólica. Se, na
peça teatral, o beber juntos é significado como algo festivo, indício de confraternização, nessa
310
Ibidem. p. 8-9.
123
avaliação esse ato seria um sinal do rebaixamento cultural. Beber nos bares significaria a falta
de opções culturais.
A síntese final, apesar de apontar possíveis soluções, como a ajuda dos governos
brasileiro e alemão, sugere um elemento que nos faz questionar inclusive a identificação dos
suábios como colonos simples, apresentada pelo autor no início do trecho. A impressão que se
tem, ao lermos a queixa relacionada à falta de um moderno ambiente urbano próximo da
colônia, além do receio da caboclização, é que o campo seria o lugar dos rebaixados. Parece
que se trata mais de reivindicações de citadinos - ou dos moços e moças que sucumbiram às
tentações da cidade, citados por Gossner - do que propriamente de agricultores preocupados
em produzir trigo. Como, então, tornar o oitavo dia possível?
124
CAPÍTULO III
MEMÓRIAS DE JÚBILO: Elaboração de sentidos identitários em
publicações comemorativas (1971 e 1976)
duas décadas, os campos de Guarapuava
ganhavam uma nova população (...). Eram famílias
que, saídas de sua terra natal, a Iugoslávia, viam no
Brasil e, principalmente, no Paraná, o Eldorado com
que todos sonham. E aqui, no dia a dia de trabalho
honesto, o povo suábio soube conquistar a confiança e
admiração de todos, transformando imensos campos
vazios numa fonte de recursos dos mais rentáveis: a
triticultura. Hoje, o Brasil inteiro conhece a Colônia
Entre-Rios. Sabe que o Paraná é o segundo produtor
de trigo do Brasil. E reconhece que devemos aos
colonizadores suábios essa hegemonia, essa posição
de destaque no cenário agrícola do Brasil.
311
A partir de 1966, concomitantemente ao processo reorganização fundiária da colônia,
liderada por Mathias Leh, então presidente da cooperativa Agrária, verifica-se a produção de
narrativas sobre a história dos suábios e de Entre Rios. Nessas narrativas, elaboradas e
divulgadas quando das comemorações dos 20 e 25 anos de criação de Entre Rios, é possível
visualizar - como na mensagem do então Secretário de Estado do governo do Paraná, acima
citada - a elaboração de uma memória coletiva, principal suporte da identidade suábia-
danubiana.
3.1 A reestruturação da colônia
Conforme vimos no capítulo anterior, um expressivo número de suábios estava
deixando a colônia, inicialmente se dirigindo para cidades como Curitiba e São Paulo e depois
311
OSÓRIO, Carlos A. Meissner. Aos Cooperados da Colônia “Entre-Rios”. In: ELFES, Albert. Op. cit. p. IX.
125
para a Europa.
312
Dentre os motivos para esse êxodo, Gerd Kohlhepp destaca o parcelamento
das terras em função de heranças. De acordo com ele, devido ao fato de as áreas tornarem-se
cada vez menores e isso inviabilizava economicamente a mecanização, muitos agricultores
então venderam suas terras e abandonaram a colônia.
313
Na avaliação do geógrafo, outro aspecto desse fenômeno, principalmente na primeira
metade dos anos 60, foi a conseqüente divisão entre suábios que conseguiram, por meio de
arrendamento e depois a compra, aumentar sua área de terras, e aqueles que viam suas
propriedades diminuírem a cada partilha. Para ele, (...) o grupo étnico-social dos suábios do
Danúbio foi, pelo crescente potencial de conflitos, levado a uma crise latente, que colocava
em perigo a coesão do grupo.
314
A partir da segunda metade da década de 1960, quando Mathias Leh assumiu a
presidência da cooperativa Agrária, com o intento de resolver tais problemas, foi realizada
uma reorganização fundiária na colônia. De acordo com o Engenheiro Agrônomo Anton
Gora, a cooperativa Agrária iniciou um projeto que consistiu na aquisição de áreas mais
distantes da colônia, que foram vendidas para alguns cooperados.
315
A aquisição das áreas se deu por meio da criação, em 1968, da cooperativa do Fundo
Fundiário, órgão que financiava a compra das áreas a serem revendidas aos associados. De
acordo com Elfes, o sistema funcionava da seguinte forma:
(...) a Cooperativa compra dos minifúndios, as miniparcelas situadas dentro de Entre Rios,
oferecendo, ao mesmo tempo, outras glebas maiores, fora do perímetro, com dimensões que
variam entre 110 a 150 hectares. Concomitante, oferece créditos a longo prazo, até 12 anos,
312
Karl Gehring, pastor da Igreja Evangélica Luterana de Cachoeira de 1952 a 1954, afirma que neste período
São Paulo e Curitiba eram os destinos daqueles que saíram da colônia. De acordo com ele, a imigração para a
Alemanha aconteceu mais tarde, quando do milagre econômico alemão (Wirtschaftswunder). GEHRING,
Karl. Entrevista concedida a Marcos Nestor Stein. Joinville: 17 de outubro de 2007. A. A.
313
KOHLHEPP, Gerd. Op. cit. p.115
314
Ibidem.
315
Anton Gora é descendente de imigrantes suábios do Danúbio e trabalha na Cooperativa Agrária. Formou-se
como Engenheiro Agrônomo pela UFPR, em 1975. Em 1976 começou a trabalhar na Agrária. GORA, Anton.
Entrevista concedida a Marcos Nestor Stein. Entre Rios, 08 de agosto de 2005. A.A.
126
para o desenvolvimento das glebas recém adquiridas. As miniparcelas compradas dentro da
Colônia servem para completar outros estabelecimentos pequenos ou médios, situados dentro
do perímetro. Desta forma, os suábios do Danúbio realizam uma “reforma agrária pacífica”,
oriunda da iniciativa particular, efetuando, ao mesmo tempo, uma concentração das parcelas
dentro da colônia. Ambos os fatos chamaram a atenção das autoridades brasileiras
competentes, sendo julgados exemplares.
316
Além de relatar o funcionamento do sistema de aquisição de novas áreas, Elfes
procura mostrar que a colônia seria um modelo exemplar para o Brasil. Semelhante aos
discursos veiculados pela imprensa quando da criação de Entre Rios, novamente a colônia é
apresentada como uma referência para projetos agrários em outras partes do país, que na
época encontrava-se em plena ditadura militar.
Os resultados da iniciativa da Agrária, combinados com iniciativas individuais de
alguns suábios que arrendavam áreas posteriormente adquiridas, podem ser vistos na seguinte
tabela:
Área da
propriedade
1964 1971
Número de
proprietários
Porcentagem
do total
Número de
proprietários
Porcentagem
do total
Abaixo de 20 ha 197 51,7 % 19 8,2 %
Entre 20 e 50 ha 136 35,7 % 63 27,3 %
Entre 50 e 100 ha 30 7,9 % 53 22,9 %
Acima de 100 ha 18 4,7 % 96 41,6 %
Total 381 100,0 % 231 100,0 %
317
Elfes também cita quatro projetos de aquisição de áreas que somavam 6.600 hectares.
Parte dos recursos do projeto era oriundo da própria cooperativa e parte obtida por meio de
financiamentos com juros reduzidos junto ao BRDE (Banco Regional do Desenvolvimento do
Extremo Sul) e do Banco do Brasil. Para ele, as dimensões e o formato das novas áreas, além
de (...) tirar as famílias minifundiárias de seu aperto territorial (...) permitiam um trabalho
316
ELFES, Albert. Op. cit. p. 69.
317
Ibidem. p. 66 e 67.
127
dentro dos mais modernos conhecimentos tecnológicos, relativamente à conservação do solo
(...).
318
Cabe lembrar que essa reestruturação agrária estava relacionada ao contexto do
processo denominado “Revolução Verde”. Trata-se de um (...) modelo de modernização
agrícola cuja difusão em nível mundial ocorreu principalmente a partir de 1960 (...),
319
que se
caracterizava pela monocultura mecanizada com larga utilização de fertilizantes químicos e
agrotóxicos.
Na colônia, esse modelo também passou a ser aplicado na produção de trigo. Se, até
aquele momento, a produção do cereal mostrava (...) resultados pouco satisfatórios,
320
a
partir de então, aumentou. Isso também se deu, em grande medida, pela política agrária
federal que estimulava a triticultura com créditos bancários e garantia de preços.
A partir de 1966, Guarapuava alcançou o oitavo lugar na produção de trigo entre os
municípios brasileiros. A política agrária do governo federal manteve a cotação do trigo (...)
desde os fins da década de cinqüenta, a mais ou menos US$ 100,00 por tonelada do cereal,
enquanto que, no mesmo período a cotação mundial oscilava entre US$ 55,00 a US$ 60,00.
Ao mesmo tempo a maquinaria agrícola experimentou uma baixa em conseqüência da política
governamental de impostos. Um mesmo tipo de trator que, por exemplo, tinha custado em
1962, DM 35.000,00, custou em 1970, apenas DM 25.000,00. Daí ter sido facilitada ao
agricultor, a mecanização do trabalho agrícola.
321
Além disso, por meio de um acordo entre o governo brasileiro e a República Federal
da Alemanha, a cooperativa recebeu como doação máquinas e também produtos, como
fertilizantes. Também foram providenciados recursos para aquisição de calcário, utilizado na
correção e fertilização do solo. A Agrária então revendeu as máquinas para os cooperados,
sendo que o dinheiro recebido foi utilizado, por exemplo, para a construção e manutenção da
318
Ibidem. p. 69.
319
ROMEIRO, Ademar Ribeiro. Meio Ambiente e Dinâmica de Inovações na Agricultura. São Paulo:
FAPESP, 1998. p. 70.
320
ELFES, Albert. Op cit. p.73
321
Ibidem. p. 76.
128
Escola Dona Leopoldina.
322
Além disso, os convênios possibilitaram o envio por parte do
Serviço Voluntário Alemão (DED), de uma professora para ministrar durante dois anos aulas
de língua alemã e (...) duas educadoras domésticas para a instalação e o desenvolvimento de
jardins de infância.
323
No campo das pesquisas agropecuárias, cabe citar que a ajuda alemã se deu também
por meio do envio de um grupo de técnicos alemães para trabalhar em uma estação
experimental de Entre Rios, ligada ao Instituto de Pesquisa Agropecuária Meridional
IPEAME.
324
Um dos técnicos, vindo em 1968, da Alemanha é o Engenheiro Agrônomo Franz
Jaster, que participou de experimentos de campo realizados nas estações experimentais de
Londrina, Ponta Grossa e em áreas que estavam em processo de expansão agrícola no
segundo e terceiro planaltos, entre elas a Colônia Entre Rios.
325
Jaster afirma que Mathias Leh apoiou os experimentos, cujos principais objetivos eram
a fertilização do solo e o desenvolvimento de técnicas que aumentassem a produção de trigo e
soja. Segundo ele, na época também houve o envio para a Agrária de 30 colhedeiras da marca
Class-Cônsul e uma carga de navio de adubo fosfatado. Tais materiais, entre outros, foram
repassados aos cooperados e o dinheiro resultante disso foi aplicado em instalações da
cooperativa.
326
Desta forma, temos no contexto da “Revolução Verde”, os subsídios do governo
brasileiro em conjunto com a ajuda da Alemanha, bem como as mudanças na administração
322
GORA, Anton. Op. cit.
323
Ibidem. p. 86.
324
IPEAME. Relatório Final. Apresentação resumida das metas, objetivos, execução e resultados do projeto de
janeiro 1968 até dezembro 1972. Mimeo.
325
Franz Jaster formou-se como Engenheiro Agrônomo, em 1953, pela Justus von Liebig Universität, na cidade
de Gissen, Alemanha. Em 1956, chegou ao Brasil como funcionário da seção de irrigação da empresa alemã
Mannesmann. No Estado do Espírito Santo, atuou na administração de fazendas de café e em projetos de
irrigação em plantações de cacau. Em 1963, Jaster retornou para a Alemanha. Em função de um acordo de
cooperação técnica, firmado em 1963 pelos governos brasileiro e alemão, Jaster retornou ao Brasil em 1968,
onde trabalhou como Engenheiro Agrônomo no Estado do Paraná, junto ao IPEAME. JASTER, Franz.
Entrevista concedida a Marcos Nestor Stein. Vitória: 11 de agosto de 2005.
326
Ibidem.
129
da cooperativa, encabeçada por Mathias Leh. Esses elementos possibilitaram o aumento da
produção e da área cultivada dos suábios.
Cabe destacar que, nesse processo de compra de novas terras - diferentemente da peça
teatral analisada no capítulo anterior e também da concepção de Elfes, de que se trataria de
uma reforma agrária pacífica - a cooperativa se envolveu num conflito relacionado à posse
da área denominada Invernada Paiol de Telha, cuja propriedade é reivindicada por um grupo
de descendentes de escravos.
327
Além do crescimento econômico da colônia, a gestão de Mathias Leh foi marcada pela
intensificação de atividades que visavam à “preservação” da cultura suábia em Entre Rios.
Entre as principais ações na década de 1970, apoiadas pela Agrária, destacam-se a criação de
um museu, a publicação de dois livros, o incentivo aos grupos de danças folclóricas, a
construção e apoio ao colégio Imperatriz Dona Leopoldina, onde a ênfase ao ensino da
língua alemã. Na década de 1980, temos a criação do Jornal de Entre Rios e de uma emissora
de rádio como seqüência dessa iniciativa.
Nessas ações é possível visualizar a produção e cristalização de discursos de
identificação, ancorados principalmente em narrativas que apresentam determinado sentido
histórico do grupo. Tais discursos foram veiculados principalmente em momentos
comemorativos, como a data da fundação da colônia. É o que será abordado a seguir.
3.2 A Produção de uma memória coletiva: “Suábios no Paraná” e “Entre Rios
Os sucessos obtidos pela nova gestão da Cooperativa Agrária passaram a ser
apresentados de forma vigorosa nas comemorações da fundação da colônia, principalmente
em intervalos de cinco anos. Neste sentido, em 1971, nas comemorações do vigésimo
327
Sobre essa questão ver: HARTUNG, Miriam Furtado. O Sangue e o Espírito dos Antepassados. Escravidão,
herança e expropriação no grupo negro Invernada Paiol de Telha – PR. Florianópolis: NUER/UFSC, 2004.
130
aniversário de Entre Rios, acontece a publicação do livro de Albert Elfes, Suábios no
Paraná,
328
e em 1976, em função dos 25 anos, o livro Entre Rios: documentário ilustrado da
colonização suábio danubiana.
329
A análise destas publicações permite perceber, além do desenvolvimento econômico
da colônia, a concepção do seu sentido histórico, inscrito em narrativas que se instituem
também como indicadoras da identidade suábia. Dito de outro modo, tais discursos
comemorativos podem ser entendidos como importantes instrumentos de elaboração de uma
memória coletiva suábia-danubiana, pois essas duas obras serão as principais referências para
os textos publicados nas décadas seguintes pelo jornal da colônia.
330
Começaremos pelo livro de Elfes. As 40 páginas iniciais apresentam mensagens de
políticos, como o Governador do Paraná, de religiosos, como o Bispo de Guarapuava, os
cônsules da Áustria e da República Federal da Alemanha, membros da cooperativa, entre
outros, congratulando a colônia pelo seu aniversário. Nesse sentido, deve-se lembrar,
conforme Bourdieu, que (...) a eficácia do discurso performativo que pretende fazer
acontecer o que enuncia no próprio ato de enunciá-lo é proporcional à autoridade daquele
que o anuncia (...).
331
Ou seja, são mensagens de pessoas que ocupam lugares que fazem
reconhecer a legitimidade dos discursos que proferem.
Ao total são 30 mensagens, cujos conteúdos estão permeados por representações que
constroem a identidade suábia principalmente por meio de uma história comum.
Considerando que muitas apresentam discursos semelhantes, optou-se por apresentar as
328
ELFES, Albert. Op. cit.
329
COOPERATIVA AGRARIA ENTRE RIOS LTDA. Entre Rios: documentário ilustrado da colonização
suábio danubiana. Campinas: CARTGRAF Ltda. 1976 (?)
330
O primeiro caso de repetição desse discurso verifica-se no livro publicado por Abeck. Esse autor se baseia
totalmente no texto (e utiliza as mesmas fotografias) do livro de Elfes. In: ABECK, Helmuth. Entre Rios
Neue Heimat. Ijuí: Empresa Jornalística Ulrich Löw S. A. 1973.
331
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Lingüísticas. São Paulo: Edusp, 1998. p. 111.
131
análises das 12 mensagens que melhor ilustram esse discurso de identificação. Em seguida a
análise terá como foco os indicadores da identidade suábia presentes no texto de Elfes.
A primeira mensagem que parabeniza a colônia pelo seu aniversário é a de Haroldo
Leon Peres, então Governador do Estado do Paraná, intitulada Entre Rios, Uma Síntese.
Vejamos o primeiro parágrafo:
A história da Colônia Entre Rios não começa apenas em 1951. Tem suas raízes num rico
passado de exemplos, em que a busca do solo fértil e as aspirações de liberdade compuseram a
herança indivisível do povo suábio, uma parcela da qual o Paraná acolheu, propiciando ao
Brasil uma experiência que hoje avaliamos na sua justa grandeza.
332
indicação de como essa história é concebida pelo governante: em termos coletivos.
Tratar o passado dessa forma pressupõe que se deva omitir, ou deixar de lado, as ações
individuais. É uma história do grupo. Essa abordagem constitui um importante mecanismo
discursivo de formação de uma identidade grupal.
Mas quais foram as ações deste grupo no passado? Para Peres, resumem-se na busca
de terra, solos férteis e de liberdade. É, portanto, um passado coletivo construído por ações
positivas, que podem servir como modelo universal. Inclusive, o governador sugere que se
deva olhá-los como um exemplo a ser seguido, não somente pelos descendentes dos
imigrantes, mas também pelos demais cidadãos paranaenses. Portanto, é um passado que tem
a função de servir como guia no presente (1971).
No parágrafo seguinte, temos a menção de outra característica dos suábios: a
faculdade de antever as possibilidades de sucesso, projetar e colher os frutos de seu trabalho.
Em 20 anos de trabalho, os suábios de Entre Rios se acostumaram a estabelecer marcos e a
vencê-los numa faina característica dos que estão munidos de certa visão profética, de
enxergar além das aparências, de antever o futuro. Com a certeza dos que sabem que “este é o
lugar”, os suábios da etnia alemã, que da Iugoslávia aqui chegaram em 1951, operaram uma
excepcional revolução agrária nos Campos Gerais. E o trigo floresceu graças à inteligência do
332
PERES, Haroldo Leon. Entre Rios, Uma Síntese. In: ELFES, Albert. Op. cit.
132
homem afeito ao trato da terra, disposto a recorrer à tecnologia para que o pão chegasse
abundantemente às nossas mesas. E o milagre gerado pela inteligência e pelo amor ao trabalho
está aqui projetado: nas 50 mil toneladas de trigo que as terras dadivosas de Entre Rios,
regadas pela dedicação dos que compõem a Cooperativa Central Agrária Ltda. fornecerão ao
Brasil este ano.
333
Nesses termos, a identidade dos suábios se estabelece pela diferenciação (além de
modelo) dos agricultores suábios em relação aos demais agricultores paranaenses, pois os
primeiros conseguiriam antever o futuro. Semelhante às matérias dos jornais apresentadas no
primeiro capítulo, os suábios seriam os que conseguiram perceber a viabilidade dos solos dos
campos de Guarapuava para a produção de cereais, daí a reafirmação que legitima a escolha
daquele município para o estabelecimento de Entre Rios.
Essa percepção está aliada ao fato de os suábios terem conhecimento e adotarem
modernas técnicas de cultivo e, principalmente, por se caracterizarem como agricultores
laboriosos, pois (...) o trigo, o arroz e a soja de Entre Rios não são frutos de geração
espontânea. Brotam da terra porque o homem trabalha (...).
334
O governador finaliza
lembrando o apoio de seu governo, de maneira semelhante ao ocorrido no governo de
Munhoz, (...) 20 anos atrás.
335
A mensagem seguinte é a do então Ministro da Agricultura, Luiz Fernando Cirne
Lima, que congratulou a (...) todos os dirigentes e associados da Cooperativa Agrária do
presente e do passado- (...) pelo muito que têm feito pelo progresso em prol dessa
comunidade.
336
Mencionar os antepassados estabelece uma tradição de feitos e interesses
mantidos e compartilhados através dos tempos. Assim sendo, o grupo é formado pela
identificação entre as realizações das pessoas do presente com as do passado. Lima também
afirma a existência de interesses que ligam o Ministério da Agricultura e, por extensão, o
333
Ibidem.
334
Ibidem.
335
Ibidem. Grifo nosso.
336
LIMA, Luiz Fernando Cirne. Mensagem. Ibidem. Grifo do autor.
133
governo brasileiro à cooperativa. Ambos estariam unidos pela (...) tarefa comum de
valorização do homem do campo, organização da produção rural, abastecimento das
populações e criação de excedentes para exportação.
337
Nesse sentido, a mensagem de Erhard Eppler, Ministro para a Cooperação Econômica
da República Federal da Alemanha, reforça o papel dos colonos suábios nesse projeto do
governo brasileiro. Segundo ele, embora os suábios obtivessem ajuda dos governos brasileiro
e da República Federal da Alemanha, (...) sem os próprios esforços dos colonos, este auxílio
não teria nenhum fruto, ou somente resultado insignificante.
338
Ao final da mensagem, Eppler também indica que a contribuição dos suábios não se
restringe à colônia, mas ao restante da nação brasileira. E, usando o exemplo da inauguração
do colégio com curso de técnico agrícola, reafirma a vinculação e o compromisso destes com
o Brasil, pois os (...) formandos certamente desempenharão as suas atividades em outras
localidades do País, prova, de que os colonos são cônscios dos seus deveres para com a sua
nova Pátria.
339
Nessa direção, temos a mensagem seguinte, do senador Mattos Leão. Para o senador, a
cooperativa (...) antecipou-se ao apelo da Revolução em prol da expansão e modernização
agrícola.
340
Ou seja, implicitamente há afirmação de que não é pela participação política, mas
por meio da agricultura dotada do “pacote tecnológico” que se a inserção dos suábios na
vida do país, neste momento, mergulhado na ditadura militar. Ao usar o termo “revolução”,
em vez de golpe, Leão assume o discurso da ditadura, pois era a forma usada pelos partidários
da ditadura militar para designar o golpe de Estado de 1964.
341
337
Ibidem.
338
EPPPLER, Erhard. Saudação do Senhor Ministro Federal para Cooperação Econômica da República Federal
da Alemanha. Ibidem. p. III.
339
Ibidem.
340
LEÃO, João de Mattos. Mensagem. Ibidem. p. IV. Grifo nosso.
341
Para uma análise da ditadura militar, ver: FICO, Carlos. Versões e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura
Militar. In: Revista Brasileira de História. Brasil: do ensaio ao golpe (1954-1964). Vol. 24, n.º 47. São Paulo:
ANPUH. p. 29-61.
134
A adoção de moderna tecnologia para a produção de cereais é mencionada também
por Wolfgang Wimmers, encarregado de Negócios da Embaixada da República Federal da
Alemanha. Wimmers inicia sua saudação citando o seguinte provérbio, segundo ele, (..) uma
geração atrás ainda valia em relação à colonização agrícola, (...): A primeira geração
enfrenta a morte, a segunda a miséria e só a terceira encontra o pão.
342
Logo em seguida, ele
afirma que a colônia, por meio de (...) tecnologia moderna, administração atualizada,
cooperação sadia de homens tenazes e laboriosos conseguiram desmentir um velho ditado,
criando prosperidade e bem-estar social.
343
As próximas mensagens têm a história como principal mote. É o caso do deputado
paranaense Nivaldo Kruger. Ele afirma que a vinda dos suábios iniciou o capítulo de uma
nova fase do que ele adjetivou como a fértil história de Guarapuava. É uma narrativa que não
menciona as adversidades relacionadas ao solo, clima e, como Gossner verificou, de
“confiança entre os colonos”. Pelo contrário. Para Kruger, essa nova fase histórica que
Guarapuava passou a viver teria aliado as condições naturais de solo e clima e as pessoas de
Guarapuava com sentimentos nobres e a (...) disposição sincera dos emigrantes de se fixarem
e de fazer sua esta terra e deste povo seus irmãos (...).
344
Nessa perspectiva, tal como o solo e o clima, as qualidades dos habitantes também são
adjetivadas positivamente. Somente uma sociedade fértil pode gerar uma história fértil.
Assim, podemos inferir, no reverso da medalha, que em terras e populações estéreis, o
progresso não se opera e a história não vinga, pelo menos uma história cuja intenção é a
harmonia entre seus personagens.
Em sua saudação, Sepp Schwarz, Secretário para Perseguidos, Refugiados e Feridos
de Guerra do Estado de Baden-Württemberg, Alemanha, afirma que os acontecimentos
342
WIMMERS, Wolfgang. Saudações. ELFES. Albert. Op. cit. p. V.
343
Ibidem.
344
KRUGER, Nivaldo. Saudações aos Suábios. Ibidem. p. VI.
135
terríveis da Segunda Guerra Mundial resultaram, especialmente na Iugoslávia, em
perseguições a tudo que era alemão,
345
entre eles, os suábios, cuja filiação a essa etnia é aqui
reafirmada. Schwarz estabelece em seu texto as semelhanças e continuidades entre fatos
ocorridos em diferentes tempos e espaços. Vejamos um trecho:
Como seus antepassados após as guerras contra os turcos, também estes colonos tinham de
começar de novo e, do Nada construir uma nova Pátria. Vinte anos após a fundação desta
Colônia podemos constatar com satisfação e júbilo como se aprovou de novo aquele tenaz
espírito colonizador, que habilitou os antepassados a tão grandes obras.
346
Nesses termos, embora haja mudança nas temporalidades, a permanência do grupo,
que devido a suas características positivas conseguiu repetir seus feitos. Tal repetição é
também um indicador de identidade. Para Schwarz, inclusive o fato de haver a diminuição da
população suábia da colônia, de 2.500 pessoas para 1.800 em 1971, confirma essa tenacidade
e esse espírito laborioso dos suábios que permaneceram.
Ao final, Schwarz afirma que os representantes dos suábios do Danúbio que vivem na
Alemanha farão parte dos festejos dos 20 anos da colônia e apresenta a intenção da Haus der
Donauschwaben, de Sindelfingen, de (...) ser o centro cultural e Pátria espiritual para todos
os suábios do Danúbio do mundo.
347
Portanto, uma reafirmação das ligações entre grupos
de suábios dispersos pelo planeta.
o Arcebispo D. Andréas Rohracher, de Salzburg, Áustria, após narrar rapidamente
seu papel e o do padre Stefan com relação à resolução da situação dos suábios que viviam na
Áustria na condição de refugiados, lembra que ao lado dos sucessos, a colônia teve reveses.
345
SCHWARZ, Sepp. Palavras de Saudação para o Jubileu do 20° Ano de Existência da Colônia dos Suábios do
Danúbio em Entre-Rios – Brasil. Ibidem. p. X.
346
Ibidem.
347
Ibidem. p. XI.
136
No entanto, ele os justifica situando o grupo junto à humanidade, pois tais aspectos estariam
(...) na esfera do humano - do demasiado humano (...).
348
A mensagem do religioso termina referindo-se ao comportamento que se espera dos
suábios no futuro:
Se os colonos conservarem, também no futuro, suas boas virtudes: dedicação, união, amor à
humanidade, tolerância, alegria em ter filhos e em Deus, então não nos precisamos
preocupar com a vossa colônia.
349
(Grifo nosso)
Trata-se, portanto, de um tipo de conduta que todo o suábio deve possuir e preservar.
A continuidade do grupo no futuro por meio da preservação das características positivas
herdadas é possível somente por meio do nascimento de filhos. Eles são o instrumento de
preservação do passado no futuro.
No texto do cônsul da Áustria, Erwin Rainer Harbach, temos uma narrativa que
apresenta a gênese dos suábios do Danúbio. De acordo com ele, a fim de proteger as
fronteiras do império austríaco, a imperatriz Maria Theresia lançou mão de militares e
também de agricultores, pois, (...) uma paz eterna nestas ocasiões deveria ser alcançada nos
Bálcãs por agricultores milicianos do centro da Europa especialmente da Suábia: com isto
nasceu o Suábio do Danúbio, nome que se tornou um conceito nos séculos vindouros.
350
Nesta descrição, os suábios seriam os defensores das fronteiras da Europa. Trata-se de
“guerreiros agricultores”, cuja função se desdobrava na produção de alimentos e na defesa
militar das fronteiras do império. Além disso, para ele, (...) este grande grupo de destemidos e
laboriosos agricultores logo foi, na nova pátria o baluarte da cultura alemã, da paz e do
progresso, missão esta que ainda hoje cumpre apesar de tantas tormentas e mágoas.
351
A
348
ROHRACHER, D. Andreas. Mensagem. Ibidem. p. XII.
349
Ibidem.
350
HARBACH, Erwin Rainer. Ibidem. p. XIX.
351
Ibidem.
137
missão do grupo, portanto, era assegurar a paz naquela região da Europa, mas como isso
não foi possível, foi-lhes dada a chance de cumprir essa missão no Brasil.
Observa-se também que a narrativa apresenta a passagem de uma identificação
européia para a alemã sem explicar como se deu esse processo. Isso acontece também no
parágrafo seguinte, quando em uma frase se opera a passagem de um período situado entre a
chegada do grupo na região do Médio Danúbio e a sua expulsão, no final da Segunda Guerra
Mundial. A expulsão e a ida destes para a Áustria são narradas da seguinte forma:
Quando, em 1945, soou a hora mais amarga da história dos Suábios do Danúbio e os
partisanos do Tito procuraram destruir com brutalidade todos os descendentes dos velhos
pioneiros de Maria Theresia em território Iugoslavo, uma grande parte das famílias suábias
retirou-se à “Mater Austriae”. Nosso país, ele mesmo passando por duras provas, sangrando de
mil feridas acolheu os patrícios das planíces do Danúbio, com braços abertos.
352
O cônsul afirma, por fim, que os suábios (...) com igual fervor, laboriosidade e prazer
no trabalho (...)
353
contribuíram para o reerguimento da Áustria. Entretanto, ele silencia os
motivos da saída dos refugiados da Mater Austriae”.
Se no texto do cônsul os suábios são vistos como defensores da Europa e da cultura
alemã, no discurso do Bispo de Guarapuava, Frederico Helmel, temos outro elemento de
identificação. Mas antes, vejamos como ele narra a expulsão do grupo de sua antiga pátria.
Vinte anos passaram desde que tomaram a decisão de dizer Adeus à velha Pátria para aqui, no
Brasil, fundar uma nova. Após muita procura estabeleceram-se aqui, começaram a plantar o
campo e aqui ergueram suas asseadas casas. Vê-se-as de longe. A todos vêm de Guarapuava
através da faixa montanhosa que separa sua Colônia da cidade abre-se de repente uma vista
maravilhosa: vastos campos zelados, o verde carregado dos trigais, e no meio o brilho branco
de suas bonitas casas.
Um quadro de paz! Tudo exala paz: o vasto céu azul com as nuvens calmas, a paisagem em
colinas extensas, os campos de cereais ondulados, as pequenas aldeias com as torres
pontiagudas das igrejas.
354
352
Ibidem. Conforme os relatos de imigrantes, publicados no Jornal de Entre Rios, a maioria dos suábios deixou
a Iugoslávia em outubro de 1944, e não em 1945, como afirma o cônsul. Os relatos presentes no jornal serão
analisados no próximo capítulo.
353
Ibidem.
354
HELMEL, Bispo Frederico. Ibidem. p. XXI.
138
A rigor, ser expulso do lar e sofrer com a morte de familiares e/ou amigos são eventos
que podem ser caracterizados de várias maneiras, menos com um simples “adeus”. O final do
parágrafo assemelha-se mais à imagem descrita no encerramento da peça de Abeck, pois
também apresenta uma imagem idílica e idealizada da colônia em 1971, formada por belas
casas em meio aos trigais. É esta a imagem que ele procura cristalizar na memória da colônia.
No parágrafo seguinte, o Bispo faz referência aos conflitos da Europa e a sua relação
com os suábios:
Mas, nós o sabemos, e os senhores o comprovam de experiência própria, um destino cheio de
mágoas sulcou o rosto de seu povo. Era o seu destino de ser sempre um povo das fronteiras.
mais de 200 anos foram chamados pela imperatriz, para serem pioneiros e guardiões do
Império do Leste de um império conscientemente cristão contra o perigo dos otomanos.
Durante centenas de anos cumpriram brilhantemente esta tarefa. Somente as turbulências da
Segunda Guerra Mundial os levaram embora. Como náufragos vieram para a Áustria e
Alemanha, como apátridas para o Brasil, para Guarapuava. Ei-los aqui finalmente, vinte
anos!
355
Semelhante ao discurso do cônsul da Áustria, o Bispo cita o fato dos antepassados do
suábios de Entre Rios terem sido defensores do império austríaco, mas com o acréscimo de
mais um elemento: a cristandade. Nomeá-los “defensores da cristandade” é estabelecer mais
um indicador da identidade suábia. Ela está ligada ao destino, cujo sentido é a de uma tarefa
que permaneceu no tempo sendo cumprida pelas gerações e só com a guerra, sem explicações
sobre suas causas, eles foram impedidos de lá continuarem cumprindo sua missão.
Ao final do parágrafo, o Bispo faz uso dos termos náufragos e apátridas para
identificar os antepassados do grupo. O primeiro termo pode evocar a imagem de um
acidente, ou de uma catástrofe natural. Portanto, não está situado na esfera das motivações
humanas. É neste nível que estaria a explicação da relação entre a saída do grupo de sua terra
natal com a Segunda Guerra Mundial.
355
Ibidem.
139
Mas, se na Europa eles perderam essa condição, o Brasil se apresentava como lugar da
redenção, do encontro com uma nova pátria. Para Helmel, pátria,
356
nesse caso, é um conceito
amplo:
(...) O Brasil quer ser sua Pátria, Pátria de vossos filhos, de seu povo. Pátria não é apenas o
solo, o ganho. É muito mais, é o aconchego na estima dos outros, é consciência própria
perante o destino do país. O conceito Pátria nasce, sabendo-se unido na plenitude do povo,
com toda a diversidade dos valores culturais trazidos e achados. Assim, nós lhes damos mais
um “Bem-vindos”, sabendo deveras dos valores que os senhores aqui depositam. Nós os
queremos assim como são, com suas particularidades que se entrosam tão harmoniosamente
na soma do povo e País.
357
O conceito de pátria expresso neste trecho indica a possibilidade de permanência de
características culturais próprias, semelhante aos discursos do governador Bento Munhoz. No
entanto, se nos discursos do governador o tom se limitava ao desejo para que conservassem
seus traços culturais, na mensagem do Bispo há também o alerta de um perigo:
Mas, também esperamos algo dos senhores! De sua História sabemos que defenderam a
cultura e fé cristãs. Naquele tempo, o inimigo veio do Oriente, mais tarde os ameaçou de todos
os lados, hoje está em meio de nós todos, em meio dos senhores. Seu rosto também mudou.
Nos alvores era um reino, mais tarde uma ideologia, hoje é o vazio deixado por falta de ideal
ou idealismo. Durante séculos os senhores conservaram fielmente os bens de seu povo,
santificaram os valores espirituais. Hoje não mais a ameaça da perseguição. Mas, também
isto encerra certo perigo, a saber, que não serão mais alertadas as forças que os destacaram.
358
Temos, portanto, enumerados os inimigos da cultura e cristã. No passado eram os
turcos otomanos, seguidos do comunismo. No presente (1971), seria a ausência de idealismo,
leia-se o perigo de esquecerem sua identidade, sua cultura, que é ligada às esferas religiosa e
laica. A paz encontrada na nova pátria traz em seu bojo o perigo do esquecimento. Há,
portanto, a necessidade de vigilância constante dos valores religiosos que os identifica e liga
aos seus antepassados.
356
De acordo com a filósofa Marilena Chauí, a partir do século XVIII, esse termo começou a ser usado para
designar (...) o território cujo senhor é o povo organizado sob a forma de Estado independente (...). CHAUI,
Marilena. Brasil. Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. p. 16.
357
HELMEL, Bispo Frederico. Ibidem.
358
Ibidem.
140
Na sua colônia existe uma capela consagrada a Santa Maria, a padroeira de seu povo, em
lembrança às vitórias do príncipe Eugênio sobre os turcos e em agradecimento para sua
libertação do mais grave perigo – quando as ondas de ódio ameaçaram fechar por cima de suas
cabeças. Não consintam os senhores que um monumento de pedra seja toda sua expressão de
gratidão, mas conservem-na também em seus corações! Uma gratidão verdadeira, sincera
perante o Doador de todos os bens, sobretudo da preciosa liberdade e da nova Pátria.
359
Em seguida, temos o texto de Lacerda Werneck, que narra como foi o processo de
escolha da área onde foi fundada a colônia Entre Rios e as ações do governo do Estado da
época para viabilizar sua instalação. Ao final, visualiza-se a concepção de quais aspectos do
passado devem ser iluminados pela história a ser contada no livro: a harmonia, o consenso e o
êxito da colônia.
Iria longe, muito longe, uma descrição histórica da colônia de Entre Rios, quatrocentas
páginas de um livro seria pouco para contar tudo, - dar nome aos bois dizendo dos que
ajudaram, dos que atrapalharam, falando das dificuldades, das vitórias e derrotas dizendo
enfim, como foi possível e difícil esse monumento que é hoje a Colônia Entre Rios, que fez
substituir por 5 toneladas de trigo e 4 de soja, um alqueire de campo nativo que mal
comportava um boi, naquela região.
360
O texto seguinte é o prefácio, intitulado O significado de Entre Rios, do ex-governador
Bento Munhoz da Rocha Neto. Ele relembra as suas realizações referentes à criação no Estado
das colônias de imigrantes europeus de Castrolândia, Witmarsum e Entre Rios, sendo a última
considerada por ele o (...) núcleo mais importante de repercussão mais decisiva para o futuro
de uma grande região do Paraná.
361
Em seguida, Munhoz afirma que a vinda dos suábios é conseqüência da Segunda
Guerra Mundial. Ele não menciona detalhes sobre o conflito que resultou em milhares de
mortos e feridos. No entanto, Munhoz encontra nesse acontecimento um sentido positivo: (...)
foi um enriquecimento humano que o Paraná e o Brasil lucraram, com a devastação
359
Ibidem. p. XXII.
360
WERNECK, Lacerda. Um pouco de história. Ibidem. p. XXXVIII.
361
NETO, Bento Munhoz da Rocha. A significação de Entre-Rios. Ibidem. p. 5.
141
européia e sobretudo com os problemas surgidos na colcha-de-retalhos, sob o aspecto
cultural, do centro do velho continente.
362
A visão de Munhoz é no mínimo ambígua, pois entende que a vinda para o Paraná de
grupos etnicamente heterogêneos é uma vantagem, enquanto que na Europa, a manutenção de
características culturais distintas por parte de grupos étnicos constituiria um problema. O uso
do termo colcha-de-retalhos, sugere inclusive uma depreciação dos povos que compõem
países multiétnicos, pois retalhos são geralmente sobras de tecidos, sem muito valor. Vejamos
a seqüência de seu texto:
No Brasil como em toda a América, não obstante os fortes contingentes europeus que
convergiram no século XIX, distribuindo-se desigualmente por vários pontos de nosso
território, a tradição original nossa, de mundo novo, fez sempre coincidir nação e cultura ainda
com as diversificações regionais de um continente como é o Brasil.
Na Europa central, as contingências políticas, principalmente as mutações dinásticas das
velhas monarquias exigiram estatutos especiais para numerosos núcleos de população que, ora
pertenciam a um Estado, ora a outro, mas conservaram, como era natural, suas características
culturais, entre as quais, como elemento básico, a língua.
Foi o que aconteceu com os suábios, juridicamente iugoslavos, mas culturalmente alemães, ao
abandonar sua velha região em vista da implantação do regime comunista que contrariava
frontalmente suas heranças e tradições.
363
Neste trecho, Munhoz reafirma suas idéias da época de governador, quando da
instalação da colônia. Cabe destacar que a saída dos suábios não se deu em função de que o
comunismo contrariava suas heranças e tradições. Tratava-se, na quase totalidade dos casos,
de um perigo de vida. As pessoas fugiram para se salvar.
O fator “cultura” como base para explicação aparece também quando Munhoz aborda
a escolha da área onde seria instalada a colônia. De acordo com ele, Guarapuava foi escolhida
em função do clima ser mais favorável ao trabalho dos lavradores europeus e pelo terreno
possibilitar o uso da mecanização. Inclusive, ele ressalta que assistiu à ocorrência de nevascas
362
Ibidem.
363
Ibidem.
142
na região.
364
Portanto, para ele, o frio seria um importante fator que explica o êxito dos
suábios em Guarapuava.
A vida prática demonstrou nos primeiros anos, pelo menos para alguns suábios, o
contrário. Basta lembrar o relato de Sylvassy. Como demonstramos no capítulo anterior, uma
das queixas dos colonos era justamente o clima da região. Muitos desejavam que a colônia
fosse instalada na região oeste do Paraná, onde a temperatura média é mais alta e a
possibilidade de mais safras por ano.
Mas, para Munhoz, a chegada dos suábios trouxe benefícios, que vão desde o
aumento da produção agrícola até a valorização dos Campos Gerais - incluindo a não
derrubada de florestas. Isso teria influenciado inclusive os agricultores brasileiros, que
também adotaram novas técnicas no trabalho com a terra.
365
Nesse sentido, na conclusão
Munhoz retoma suas considerações acerca do Paraná como lugar onde estaria se operando
uma amálgama entre povos de diferentes origens.
Como a pequena propriedade de colonos de todas as origens emoldura a paisagem paranaense,
a convivência com eles, velha de século e meio, deu ao paranaense o hábito, já tradição nossa,
de bem assimilá-los à cultura luso-brasileira de nosso país, em moldes que trazem um mínimo
possível de atritos.
O paranaense, como os brasileiros do sul, se habituou ao fenômeno sociológico da
aculturação. Compreende as diversidades dos outros. Conhece as diversidades que
permanecem, ainda que modificadas. Encontra-se, no Paraná, com menos freqüência aquele
comportamento feito de hostilidade aos estrangeiros, mais comum nas regiões brasileiras de
pouca incidência deles.
366
Nessas frases, o Paraná seria uma verdadeira terra de imigração (Einwanderugsland),
para usar a expressão de Frösch. É o lugar do encontro amigável de povos que aos poucos vão
se misturando. Novamente Munhoz menciona a aculturação como algo positivo para os
suábios e para o Paraná. Mas isso é possível, segundo ele, porque o estrangeiro que chega
364
Ibidem. p.7.
365
Ibidem.
366
Ibidem. p. 8.
143
ao Estado, assim como no restante do sul do Brasil, é também aquele afeito ao trabalho. O que
não acontece em outras regiões do Brasil, pois, (...) nessas regiões o estrangeiro é geralmente
o intermediário, aquele que não se fixa, que se isola e enriquece rapidamente. No sul, não. O
estrangeiro aqui trabalha com dureza, luta ombro-a-ombro com todos, sofrendo, produz e
cria progresso verdadeiro.
367
É, portanto, o trabalho que realiza a identificação, no sul do país, entre os povos de
origens diferentes. Temos, dessa forma, a imagem de uma conjugação de interesses (do
estrangeiro e do paranaense, ambos adjetivados positivamente como trabalhadores) que vão
dando forma ao povo paranaense. Mas Munhoz adverte (...) a assimilação não se processa,
como um milagre, sem obstáculos, e no Paraná se sabe, com razoável freqüência, em certo
nível de observadores, que é assim.
368
E ele explica quais seriam esses obstáculos: (...) a
sobrevivência de hábitos tradicionais, a permanência da língua materna em família e os
casamentos no próprio grupo.
369
No entanto, logo em seguida ele minimiza a importância desses obstáculos, mostrando
que não representam uma barreira intransponível para a assimilação dos estrangeiros. Pois, no
Paraná (...) sabemos que os fatos evoluem e se transformam, e conhecemos as contribuições
que, em nossos estados do sul do Brasil, enriquecem nossas sub-culturas regionais.
370
Além
disso, Munhoz indica o lugar onde se opera a assimilação, por mais contraditório que pareça:
na tradição paranaense.
Nossa tradição está em nosso poder de assimilar sem atritos maiores em nossa capacidade de
compreensão. Em outras épocas, na pré-história das comunicações e, portanto, das longas
segregações, os problemas se resolveram. Hoje, com a multiplicação dos meios de
comunicação, acima de tudo, com a televisão, quando todos vizinham todos, a convivência
intensificada e obrigatória, condição essencial para a aculturação, acelera o processo.
371
367
Ibidem.
368
Ibidem.
369
Ibidem.
370
Ibidem.
371
Ibidem.
144
É no mínimo paradoxal o uso do termo tradição como categoria explicativa para o
processo de assimilação. Ainda mais quando ela é pensada como algo que está de mãos dadas
com tecnologias de comunicação, que acelerariam tal processo. Tem-se impressão de que,
nessa perspectiva, a aculturação é encarada como um fim em si mesmo, da qual a história
humana não teria como fugir. Ela seria, portanto, um processo lento e irreversível, não
espaço para caminhos diferentes.
Por último, Munhoz lança mão de sua condição de administrador público e professor
para legitimar suas afirmações:
Tenho divulgado, como homem de governo, como político e como professor, que para a
assimilação à cultura brasileira, ninguém exige de ninguém a renúncia às suas origens.
Ninguém pode ser bom brasileiro, não se honrando de sua cultura de origem. O Brasil é um
país de igualdade e de igualdade de oportunidades sem estatutos discriminatórios. É um país
que se desenvolve e se projeta com grandeza no cenário internacional. aparece, bem
situado, em muitas estatísticas internacionais. Sabemos que esse fato concorre mais para a
assimilação, que nosso ambiente de há um século.
Sabemos nós, brasileiros do Paraná, que a assimilação pode tropeçar, pode ser retardada, mas
se desenvolve dentro de suas leis e de seus padrões. Nós brasileiros do Paraná, nos habituamos
com os processos de assimilação nas condições nacionais. Sabemos como favorecê-la, como
incentivá-la. Tem sido nosso ofício nossa função histórica.
372
Nota-se que é um discurso direcionado principalmente aos suábios. Nesses termos,
ocorre a legitimação da manutenção de suas características culturais do grupo, o que não
estaria em oposição a sua identificação como brasileiros. Pelo contrário. A primeira reforça a
segunda. Novamente, Munhoz reafirma suas convicções de 1954, analisadas no segundo
capítulo. Trata-se, então, de disciplinar e ordenar a inserção dos suábios na nação brasileira,
para que suas características positivas, numa lenta assimilação, não se percam neste processo.
372
Ibidem.
145
Por fim, o texto de Munhoz provoca a seguinte indagação: não seria também a assimilação
(ou aculturação) desordenada também o objeto de vigilância, pleiteada pelo Bispo Helmel?
Em seguida temos o Preâmbulo, de autoria de Mathias Leh. O presidente da Agrária
informa que o objetivo do livro é relatar o desenvolvimento da colônia entre 1951 e 1971.
Para Leh, o relatório deve contribuir para (...) retificar distorções surgidas (...).
373
Não a
indicação de quais distorções teriam que ser corrigidas pelo livro. Mas pode-se especular que,
se na sua gestão à frente da cooperativa ele procurou corrigir os rumos da colônia, o livro
seria também um instrumento que serviria para homogeneizar determinada narrativa da
colônia, formando assim a sua memória oficial.
O autor do livro é caracterizado como um (...) agrônomo alemão independente,
conhecedor dos problemas da agricultura do Brasil, não pertencendo ao grupo dos suábios
do Danúbio e, portanto, neutral (...).
374
Trata-se de estabelecer a posição do autor como
alguém habilitado para a tarefa e principalmente ser de fora da colônia, o que permitiria
legitimar uma pretensão de isenção em relação às possíveis distorções na memória dos
depoentes, ou na forma de analisar os documentos. Acerca disso, Leh observa que o autor
obteve pleno acesso aos arquivos da cooperativa, mas o material mais importante são os
questionários preenchidos pelos colonos.
375
Pode-se indagar então acerca da característica dos questionários e, principalmente, da
possibilidade do colono objeto do questionário tentar imprimir nele sua visão da colônia. Pois,
como sabemos, nem autor e nem as testemunhas podem ser caracterizados como neutros.
Ambos, em diferentes graus, participam da produção de sentido do acontecimento narrado.
373
LEH, Mathias. Preâmbulo. Ibidem. p.11.
374
Ibidem. O livro não traz informações sobre o motivo da escolha de Elfes para ser o autor deste livro e nem
sobre a sua biografia. De acordo informações prestadas por meio de correio eletrônico por seu filho, Alberto
Elfes, seus pais eram engenheiros agrônomos, formados em Bonn, Alemanha - mas sua mãe não exerceu a
profissão. Em 1950 vieram para o Brasil. Elfes desenvolveu projetos de desenvolvimento agrícola e realizou
pesquisas em Alagoas, Rio de Janeiro, litoral do Paraná, Piauí, São Paulo, além do Chile.
375
Ibidem. Infelizmente, Elfes não trata da metodologia de análise empregada na pesquisa e também não
registro do destino dado aos referidos questionários
146
Outro aspecto presente no texto de Leh é a concepção de que o relatório não deve
servir apenas para contar as agruras do passado e a forma como foram vencidas. O livro deve
ser encarado como um (...) balanço intermediário no caminho para um futuro promissor
(...).
376
Assim, de certa forma, sendo realizado por uma pessoa legitimada como neutra, o livro
é uma espécie de prestação de contas da colônia e da gestão de Leh. Também se inscreve na
reafirmação e legitimação dos projetos para o futuro de sua gestão.
Para o presidente da cooperativa, o livro é também uma forma de prestar
agradecimento aos “protetores” dos suábios em todo o mundo, aos agricultores, operários,
colaboradores e funcionários. Especial agradecimento é dirigido à (...) mulher suábia, que nos
joelhos moldou o campo, ajudou o marido na sua faina sob o sol abrasador e tinha que ter
ainda tempo para ser mãe de suas crianças – ela é que ofereceu os maiores sacrifícios.
377
De
fato, muitas mulheres, além de participarem na construção das primeiras casas e das lidas do
campo, foram trabalhar como domésticas em São Paulo, sendo que parte dos ganhos era
enviada para a família na colônia.
378
Mas, a frase está também inserida numa representação da
mulher-mãe como elemento básico da manutenção da identidade suábia. Ela é quem cuida dos
filhos ensina a língua (dialeto suábio) e que transmitiria os valores fundamentais da vida em
comunidade.
Ao final do preâmbulo, Leh afirma que (...) este estudo não quer ressaltar a obra de
alguns, mas honrar a da comunidade, efetuada em espírito cooperativo.
379
Portanto, trata-se
de uma edição que visa congratular o grupo, os feitos da coletividade e não aqueles
individualmente executados. Isso insere o texto de Elfes como sendo uma história dos homens
376
LEH, Mathias. Preâmbulo. ELFES, Albert. Op. cit.
377
Ibidem.
378
É o caso de Katharina Hech. In: HECH, Katharina. Entrevista concedida a Marcos Nestor Stein. Vitória: 14
de março de 2006. A. A.
379
LEH, Mathias. Preâmbulo. ELFES, Albert. Op. cit
147
e mulheres suábias vivendo em sociedade e, assim, reafirma o sentido coletivo da caminhada
do grupo no tempo.
Inicia-se então o texto de Albert Elfes. A primeira frase é uma citação de uma
passagem bíblica: Aquele que põe a sua mão no arado e olha para trás, aquele não é enviado
para o reino de Deus (Luc. 9, 62).
380
Elfes não faz nenhum comentário sobre essa passagem.
Mas, se a relacionarmos com as palavras de Leh, podemos interpretá-la como um chamado ao
leitor suábio para que este tenha o olhar focalizado para o futuro, para as futuras realizações.
E o livro pode ser entendido como um instrumento que tem a função de sistematizar o
passado na forma de uma narrativa coerente que aponte para este futuro.
Em seguida, no sub-capítulo intitulado Entre Rios, o autor elabora um resumo
histórico da colônia, em que faz coro às mensagens e saudações analisadas anteriormente.
Entre Rios seria a história de um (...) pequeno grupo amargurado de imigrantes sem lar, (...)
que se estabeleceram no mal-conceituado solo estéril dos campos do sul de Guarapuava (...)
e começaram a construir sua nova pátria (...).
381
A imagem final desta história é o sucesso da
colônia em 1971, cujo (...) nível de vida dos camponeses é elevado e o sistema educacional
desenvolveu-se acima da média (...)
382
e onde existe a maior (...) concentração de máquinas
agrícolas e consumo de adubo artificial.
383
Trata-se, portanto, de uma história de sucesso na
qual os (...) camponeses são os figurantes principais do “drama.”
384
Logo em seguida, temos o sub-capítulo intitulado Quem são os suábios do Danúbio?
Nele, Elfes apresenta, com base em bibliografia publicada em língua alemã, a definição de
quem seriam os personagens desse “drama”. É uma definição de um sujeito coletivo
estabelecida por meio de uma narrativa histórica. Para isso, Elfes parte de uma situação geral
380
ELFES, Albert. Op. cit. p. 13.
381
Ibidem.
382
Ibidem.
383
Ibidem. p. 14
384
Ibidem.
148
e atemporal, com a seguinte citação do livro de Friedrich Aereboe: (...) os mais importantes
fenômenos vitais do reino vegetal e animal provêm de manifestações de carência (...).
385
Elfes
afirma que isso se aplica também às migrações e complementa que esse fenômeno tem causas
que ultrapassam as necessidades econômicas, pois (...) a falta de liberdade, de direitos, de
possibilidades de desenvolvimento, de espaço para iniciativa própria podem igualmente
constituir fatores desencadeantes (...)
386
Para ele, assim como a história da humanidade como um todo, a história de grupos
humanos também pode ser escrita a partir das migrações (...), pois todos os povos e grupos
humanos iniciam a sua história com a época na qual se estabeleceram em novas áreas de
habitação.
387
E é essa perspectiva adotada para descrever a gênese do grupo suábio, formado a
partir de deslocamentos do “povo alemão”.
Desde que o povo alemão apareceu na história, doou generosamente seus homens ao mundo
todo, em guerras e cruzadas, migrações dos povos, na política de colonização e povoamento
no leste e sudeste da Europa e, finalmente, numa constante emigração também para o além
mar. Alemães, principalmente camponeses ofereceram contribuições valiosíssimas para a
formação de novos estados e nações. Poder-se-ia definir como específica característica alemã
do passado, essa procura de novas terras, de melhores condições de existência ou maior
liberdade espiritual, que põem, salvo poucas exceções, nunca se expressou em guerras de
conquista para o domínio de outrem, mas em atividade colonizadora.
388
A gênese do “povo alemão” não é datada. Ela surge num tempo imemorável e o
sujeito coletivo o povo alemão e, por extensão, o suábio - não se transforma com a
passagem do tempo. É, portanto, um sujeito aistórico. A dispersão, de maneira semelhante a
uma semente plantada por um semeador, seria uma das características identitárias desse povo.
Portanto, seus laços de unidade não estão associados a um território específico, mas ao legado
cultural comum.
385
Trata-se do livro intitulado Agrarpolitik, publicado em 1928. Ibidem. p. 15.
386
Ibidem.
387
Ibidem.
388
Ibidem.
149
No parágrafo seguinte, Elfes data o ano 800, quando (...) o reino Alemão padecia de
excesso populacional em algumas áreas férteis e densamente povoadas do leste e sul (...).
389
Essa seria a causa de migrações em direção ao Leste e Sudeste da Europa. Mas essa ainda não
é a história dos suábios, pois os grupos de migrantes em questão (...) foram em grande parte
subjugados sob a forma de dependência hereditária pelos proprietários orientais, perdendo
desse modo união étnica e liberdade individual e sendo finalmente absorvidos pelos povos
eslavos e magiares.
390
Esta, portanto, seria uma semente alemã que não vingou, pois foi
absorvida, aculturada.
Em seguida, Elfes opera um salto de quase mil anos no tempo, quando as (...) guerras
turcas que se sucederam nos séculos XVII e XVIII devastaram e despovoaram províncias
inteiras do antigo império austro-húngaro.
391
Nota-se que a guerra e a ameaça possuem
origem no “outro”, neste caso, do oriente.
Após expulsar os turcos da área do Danúbio Central, o Imperador Leopoldo da Áustria (1658-
1705) convidou os seus súditos dos “Erblanden”, sul e sudeste da Alemanha, para novamente
colonizar as áreas despovoadas. Inicia-se assim a história dos “Suábios do Danúbio” (...).
392
Temos então a gênese do grupo étnico, embora Elfes observe que somente em 1922 a
designação “suábios do Danúbio” começou a ser usada para nomear coletivamente os
descendentes dos súditos do referido imperador.
393
A existência do grupo é dada como sendo
anterior a sua nomeação. Além da função de fornecerem alimentos para a Europa, Elfes cita
que também representavam um mecanismo de proteção utilizado pelo governo Austro-
húngaro contra as pretensões dos turcos e russos.
389
Ibidem
390
Ibidem
391
Ibidem
392
Ibidem.
393
Ibidem.
150
Assim, o papel da cultura alemã na antiga monarquia dos Habsburgos foi preponderante. Os
colonos alemães defendiam o cristianismo, a realeza húngara e o império austríaco; fundaram
a mineração e dominaram firmemente o comércio até meados do século passado (...). Até
princípios do século passado e da Primeira Guerra Mundial, o alemão era a língua do comércio
e a língua da ciência, e vários jornais e sociedades protetoras se incumbiam da sobrevivência
da influência cultural alemã.
394
Elfes trata também, de modo rápido, das relações entre os colonos alemães e os grupos
eslavos e húngaros do Império. Segundo ele, após um período de cooperação, com a formação
de comunidades mistas, a partir da metade do século XIX, (...) com o fortalecimento
econômico, político e cultural dos grupos não alemães fez com que (...) se desenvolvesse uma
crescente consciência de nacionalismo que (...) acabou por tornar-se um nacionalismo
verdadeiramente chauvinista (...).
395
Como se pode perceber, a origem do conflito está no
outro, no não-alemão. São as pressões desses grupos que forçaram uma resposta dos suábios,
no sentido de preservarem sua cultura camponesa. Essa luta é descrita da seguinte forma:
Por natureza, as populações rurais têm dificuldades em adaptar-se a quaisquer novas
condições espirituais, e uma assimilação cultural coercitiva poderia originar resistência.
Surgiram divergências antes inexistentes entre os diferentes grupos étnicos, por causa da
língua a ser adotada no ensino. Por causa dessas divergências, não conseguiam, por um lado, o
contato desejável com o ambiente cultural húngaro e eslavo cada vez mais dominante e, por
outro, não puderam conservar os contatos com a Áustria de língua alemã. Com isto
terminaram por cair em isolamento espiritual, que levou finalmente ao estagnamento de sua
evolução (...).
396
O argumento, que está em consonância com a visão do ex-governador Munhoz,
justifica a reação por parte dos suábios e qualifica como um erro qualquer tentativa de
imposição da aculturação forçada. É, portanto, uma mensagem válida para o Brasil, pois um
conflito dessa natureza prejudicaria a todos. É o exemplo do que não deve ser repetido na
nova Heimat.
394
Ibidem. p. 17.
395
Ibidem. p. 18.
396
Ibidem. p. 19.
151
A seguir, Elfes cita que com a dissolução do Império Austro Húngaro e a criação da
Iugoslávia, Romênia e a “nova Hungria”, os suábios tornaram-se automaticamente cidadãos
desses novos países. Nesse contexto, intensificaram-se (...) os esforços para a aculturação
dos grupos alemães em cada um dos povos anfitriões (...).
397
Do lado dos alemães, cita que
isso teve como efeito a renovação da resistência, baseada na (...) maior perseverança nos
costumes tradicionais e novas ondas de imigração.
398
No parágrafo seguinte, o autor aborda a Segunda Guerra Mundial da seguinte forma:
Com a ocupação do sudoeste europeu pelas tropas alemãs durante a Segunda Guerra, iniciou-
se a maior catástrofe da história da população Danúbio-suábia. A justa resistência contra as
forças ocupantes e a propaganda anti-nacional-socialista, dirigia-se agora também contra a
população local ale que falava a mesma língua das tropas de ocupação. Estimulados por
slogans patrióticos, alguns jovens nativos alistaram-se voluntariamente na Wehrmacht”,
reforçando com isto o efeito da propaganda anti-alemã. A maior parte da juventude danúbio-
suábia, porém, foi obrigada a alistar-se juntamente com membros de outras minorias étnicas,
nas forças especiais do vencedor temporário. O que, para o observador não informado, parecia
constituir falta de lealdade para com o povo anfitrião. Guerrilhas e represálias por parte das
tropas ocupantes, torturas, atos de violência e todos os horrores de uma guerra injusta,
alimentavam o ódio da população local contra os camponeses que, durante séculos, haviam
convivido pacificamente com os outros grupos étnicos e contribuído decisivamente, com seu
trabalho, para transformar esses mesmos povos em nações.
399
Nesse ponto, Elfes desloca de maneira rápida o ponto de vista para o olhar do outro,
cuja resistência é justa, embora este não soubesse distinguir os verdadeiros inimigos, pois,
para o autor, a única coisa em comum entre os nazistas e os suábios seria a língua alemã. Em
seguida, estabelece o grau de participação dos suábios (denominados nativos de um país cujo
anfitrião é o outro) no conflito: de forma involuntária, ou por influência da propaganda
nazista.
Essa representação está também presente no momento em que Elfes resume quem
seriam os suábios do Danúbio de 1971:
397
Ibidem.
398
Ibidem.
399
Ibidem. p.19-20.
152
Apesar de terem vivido muitas gerações fora da área cultural e lingüística propriamente alemã,
os suábios do Danúbio de Entre Rios sentem-se como alemães, pertencentes, porém a um
grupo de características definidamente próprias e hoje esparsos pela Europa ocidental e
América. Em seu destino reflete-se um pedaço da turbulenta história européia. Expulsão e
longos anos de permanência nos campos de refugiados terminaram com todas as suas
esperanças de jamais poderem retornar à pátria. Assim, olham para frente e procuram crescer
dentro da nova ordem em que agora se situam. Nisto seguem o exemplo de seus antepassados
como pioneiros agricultores.
400
O restante do livro de Elfes é dividido em temas que descrevem os campos do Paraná,
alguns aspectos das colonizações européias anteriores, um panorama do município de
Guarapuava, o desenvolvimento econômico do Paraná e principalmente o da colônia Entre
Rios. O relato apresenta riqueza de dados e cifras sobre a produção agrícola, assim como
mapeia valores referentes aos custos da produção, às ações da cooperativa, aos aspectos
demográficos, à situação cultural, alguns aspectos negativos e por fim a relação da colônia
com seus derredores.
Com relação aos aspectos demográficos, Elfes calculou a população da colônia, em
1971, em 3.500 habitantes, dos quais aproximadamente 2.000 eram membros do que ele
denomina operariado brasileiro.
401
Nesta afirmação temos a construção de outro sujeito
coletivo: o operariado brasileiro, o que nos faz lembrar das queixas de Willi - personagem da
peça teatral de Abeck - de que os brasileiros não queriam se submeter à condição de servos
dos suábios. Ao nomeá-los dessa maneira, de modo semelhante a Abeck, Elfes também
demarca o papel destinado aos brasileiros da colônia: o de serem coadjuvantes na construção
de Entre Rios.
Acerca da situação cultural, chama a atenção a divisão que o autor estabelece entre os
suábios. Elfes divide-os em três grupos. O primeiro seria formado por indivíduos que fugiram
de sua antiga pátria como adultos, sendo que muitos deles lutaram na guerra. Segundo ele,
este grupo concebia o Brasil como um (...) hospitaleiro país de asilo o é ainda
400
Ibidem. p. 22.
401
Ibidem. p. 62-63.
153
oferecendo-lhes proteção, espaço vital e base de existência econômica mas nunca tornou-
se-lhes uma segunda pátria (..).
402
Nesse sentido, Elfes diagnostica-os como pessoas que (...)
nunca conseguiram superar completamente o choque sofrido com a expulsão e apresentam
sentimentos de nostalgia (...)
403
e complementa que, mesmo usufruindo do êxito econômico,
(...) muitos não conseguiam enraizar-se no novo ambiente, permaneceram inquietos,
tendendo a um certo isolamento quando em ambiente estranho (...).
404
A explicação para esse comportamento Elfes encontra na relação com outros grupos:
Este fenômeno sempre se observa em grupos emigrados de sua pátria sob pressão ou
perseguição política ou ideológica, ao contrário de movimentos migratórios espontâneos, cujos
participantes sempre se ambientam muito mais rapidamente ao novo mundo. Uma população
de agricultores que, devido às condições de seu trabalho, não podem viajar muito, sofrendo,
inevitavelmente, a carência de contatos, bem devagar pode apreender uma nova língua,
adquirindo poucos conhecimentos e experiências novas além dos limites mais estreitos de seu
trabalho diário.
405
De acordo com Elfes, é desse grupo o maior número de pessoas que retornaram para a
Europa. Quanto à situação dos filhos nascidos no Brasil e que permaneceram na colônia, Elfes
afirma que (...) conhecem suas regiões de origem somente por meio de narrações de seus pais
ou talvez de seus avós (...).
406
Portanto, diferentemente de seus pais, para essa geração (...)
Entre Rios, Guarapuava, Paraná, são sua Pátria (...).
407
Além de falar a língua portuguesa, os
membros dessa geração (...) passam facilmente por cima de eventuais ressentimentos do
grupo e encaram o futuro brasileiro cheios de confiança se já tem idade para tanto.
408
Entre esses grupos, Elfes situa um terceiro, que ele adjetiva como (...) mais castigado,
cuja lembrança é assombreada pela guerra e seus efeitos (...).
409
Tal grupo seria composto
402
Ibidem. p. 93.
403
Ibidem. p. 94.
404
Ibidem.
405
Ibidem.
406
Ibidem.
407
Ibidem.
408
Ibidem.
409
Ibidem.
154
por pessoas que passaram sua infância e adolescência nos campos de refugiados na Europa e
que (...) guardam da velha pátria nada mais do que imaginações imprecisas, a não ser
através de narrações e de literatura.
410
O estado traumático destas pessoas, para Elfes, foi agravado pelo fato de terem sofrido
restrições relacionadas à instrução escolar. Ele ressalta que isso aconteceu tanto na Europa
como depois no Brasil. Em função disso, estes ficaram (...) expostos ao perigo de submergir
no primitivismo cultural (...).
411
Mas no parágrafo seguinte, Elfes mostra que essa situação foi modificada a partir de
1966, com a instalação de uma Escola Central e, em 1968, com a fundação do Ginásio
Imperatriz Dona Leopoldina e do Lar da Juventude, onde se (...) cultiva música e folclore.
412
Chama a atenção, o cuidado do autor em demonstrar o interesse e o florescimento cultural na
colônia, ao citar o número de televisores (58), rádios (260), toca-discos (175) e 38 gravadores
de som.
413
Tais equipamentos tornavam possível a participação dos colonos na (...) vida
econômica, política e cultural do país.
414
Portanto, (...) o perigo do isolamento e de
esterilidade cultural foi afastado.
415
Quanto aos aspectos negativos, estes estariam ligados justamente ao fator que
propiciou o desenvolvimento econômico da colônia: a rotação entre soja e trigo. Devido à
especialização nessas culturas, Elfes observa a aceleração do processo de erosão, além da
subutilização da mão-de-obra, formada por (...) trabalhadores ambulantes que vivem na orla
da colônia (...) em favelas e em precárias condições econômicas e sociais que vêm por sua
vez influir negativamente na harmonia social da Colônia.
416
410
Ibidem.
411
Ibidem. p. 94.
412
Ibidem. p. 98.
413
Ibidem.
414
Elfes cita também a existência de 75 famílias que possuíam algum tipo de instrumento. Ibidem.
415
Ibidem. p. 107.
416
Ibidem. p. 105.
155
Elfes lembra que, embora ocorresse situação semelhante nas regiões do país
produtoras de açúcar, em Entre Rios isso poderia levar a (...) perigosas interpretações
chauvinistas.
417
Mas ao final, ele indica também que, embora o problema persista ainda nas
propriedades rurais, a cooperativa (...) oferece mediante seu extenso programa de
industrialização, muitas vagas novas e possibilidades de ganho, agindo assim como
estabilizador social.
418
Ao final do livro, Elfes apresenta a seguinte conclusão:
Os suábios em conexão com outros grupos colonizadores dos campos gerais ajudaram a
vencer o tradicional modo de pensar que conduz à estagnação econômica e social, indicando
novos caminhos no cultivo do solo. O valioso trabalho dos colonos deve ser avaliado como o
de uma equipe, executado dentro do grupo, com a conjugação de forças, contando, porém com
o auxílio comunitário dos homens de seus derredores. Os suábios do Danúbio formam seres
humanos que caíram, imerecidamente, na maior das penúrias, porém, que finalmente,
encontraram a ajuda de outros seres humanos. Era gente com coragem para arcar com
responsabilidades coletivas e individuais e que tinha e tem ainda a capacidade de dar conta de
tais responsabilidades.
419
O texto de Elfes contém 30 fotografias, cuja autoria é creditada a Karl Schaeffer,
colono e secretário, durante alguns anos da cooperativa.
420
Semelhante ao texto de Frösch,
tais imagens servem como ilustração, como evidências do passado e do presente (1971) e para
reforçar o sentido das afirmações escritas, pois são acompanhadas por frases que explicam a
imagem.
Para exemplificar esse aspecto do livro de Elfes, selecionamos oito fotografias.
421
417
Ibidem.
418
Ibidem.
419
Ibidem. p. 111.
420
Ibidem. p. 113.
421
Queremos enfatizar que neste trabalho não trataremos, por exemplo, do contexto de produção das imagens,
mas apenas dos sentidos que Elfes - e os autores do livro Entre Rios: documentário ilustrado da colonização
suábio danubiana, que será analisado em seguida atribuiu às imagens fotográficas. Sobre a relação história-
conhecimento e a fotografia, ver: BORGES, Maria Eliza Linhares. História e Fotografia. Belo Horizonte:
Autêntica, 2005. BURKE, Peter. Testemunha Ocular. História e Imagem. Bauru: EDUSC, 2004.
156
A primeira fotografia (fig. 07) é do desembarque de um grupo de imigrantes no porto
de Santos. Nãoa identificação individual das pessoas, nem a data ou nome da embarcação.
Em primeiro plano vemos dois homens e uma mulher. Na legenda, todos são identificados
apenas como sujeitos coletivos: os imigrantes.
Figura nº 07:Desembarque de imigrantes suábios do Danúbio no porto de Santos.
157
FONTE: ELFES, Albert. Op. Cit.
Na segunda fotografia (fig. 08) temos à frente dois homens empunhando pás. Ao
fundo está um caminhão parado. As rodas traseiras possuem correntes, instrumento utilizado
para trafegar em estradas não pavimentadas em períodos de chuva. Novamente não temos as
datas e a identificação dos fotografados. Ambos são identificados como colonos, mas é de se
supor que poderiam ser motoristas da cooperativa. Embora a legenda afirme que se trata da
abertura da primeira estrada, os instrumentos utilizados, bem como as correntes nas rodas
traseiras do caminhão, nos leva a deduzir que eles estão apenas consertando um pequeno
trecho da estrada que foi danificado pela chuva.
158
Figura nº 08: Reparos na estrada que liga a Colônia à Guarapuava
FONTE: Ibidem.
Na terceira fotografia (fig. 09), observamos um trator arando o solo. A legenda afirma
que se trata da primeira aração, que marca a transformação do campo em terra para a
agricultura. Na imagem seguinte (fig. 10), vemos a estrada inundada pela chuva e ao fundo
um homem ao lado do trator. A legenda informa que é a chuva o fenômeno que causa a
destruição das estradas. Esta é a única fotografia que indica um problema da colônia. É luta
entre o suábio e a natureza. Portanto, temos silenciados outros elementos indicadores dos
problemas da colônia, como as desconfianças entre colonos e dirigentes da cooperativa, os
erros de planejamento, a má adaptação dos suábios neste ambiente, etc.
Figura nº 09: Imagem do preparo do solo na Colônia Entre Rios
159
FONTE: Ibidem.
Figura nº 10: Imagem de uma estrada alagada pela chuva em Entre Rios
FONTE: Ibidem.
160
Nas imagens seguintes, temos cenas que procuram mostrar o desenvolvimento da
agricultura da colônia e as festividades. É o que podemos perceber na fotografia (fig. 12) que
mostra o ministro da Agricultura Cirne Lima, ao lado de Mathias Leh, recebendo um
ramalhete de flores de uma criança vestida tipicamente. Ao fundo, dois fotógrafos. A
imagem procura simbolizar o comprometimento dos suábios com o estado brasileiro e a
manutenção de sua cultura, simbolizada pelo traje da criança.
Figura nº 11: Imagem da visita do Ministro da Agricultura Cirne Lima à Entre Rios
FONTE:Ibidem.
Os dois elementos - comprometimento com a nova pátria e a manutenção de seu
patrimônio cultural - podem ser vistos nas três imagens seguintes. Na primeira (fig. 12),
temos a colheita mecanizada e o trabalho se estendendo inclusive durante a noite - o que é
161
enfatizado na legenda. Nas duas imagens seguintes (fig. 13 e 14), temos grupos folclóricos
posando à frente de uma lavoura de trigo. Ao fundo a seguinte inscrição: juventude a
esperança do futuro.
422
Ao lado, um casal também trajado tipicamente. A inscrição é:
enfrentando novas responsabilidades.
423
A junção, na mesma fotografia, de imagens de
máquinas modernas e de pessoas vestindo trajes típicos procura relacionar a modernidade - o
uso de máquinas - à projeção do futuro, cuja marca é a permanência do patrimônio cultural.
Figura nº 12: Imagem de uma colheita realizada durante a noite em Entre Rios
FONTE: Ibidem.
Figura nº 13: Um grupo folclórico de Entre Rios
422
Ibidem.
423
Ibidem.
162
FONTE: Ibidem.
Figura nº 14: Casal trajado com roupas típicas
FONTE: Ibidem.
Como se percebe, as fotografias não são auto-explicáveis. Seu significado é indicado
pelo autor do livro. É por meio delas que se indica a leitura do passado, presente e futuro,
163
dotado de um sentido histórico que conjuga a produção de cereais, por meio do uso de
máquinas, e a manutenção do seu patrimônio cultural, representado por jovens com trajes
suábios.
Em 1976, quando das comemorações dos 25 anos da colônia, foi publicado o livro
intitulado Entre Rios: documentário ilustrado da colonização suábio danubiana.
424
Como o
título indica, o livro é formado por fotografias acompanhadas de pequenos textos explicativos
redigidos nas línguas alemã e portuguesa.
425
De acordo com Karl Leh, o objetivo era elaborar
um texto diferenciado daquele das comemorações dos 20 anos da colônia.
Nós tínhamos o material escrito para as comemorações dos vinte anos da colônia, que era,
talvez, de um nível técnico mais elevado. Era o livro de Albert Elfes intitulado “Suábios no
Paraná”. Para as comemorações dos 25 anos, nós estávamos procurando alguma coisa nova,
não queríamos ir pelo mesmo caminho de Elfes. Queríamos fazer um documentário visual,
que atingisse um público maior, pois o livro de Elfes era um pouco elitista em alguns temas
abordados.
426
A primeira imagem é um mapa que mostra regiões do Sudeste europeu de onde vieram
os colonos de Entre Rios (Ehemalige Heimatgebiete der Siedler von Entre Rios), seguida do
prefácio, cuja primeira frase indica o “motor” da história dos suábios, pelo menos até a
publicação do livro: as guerras. Vejamos o texto.
Guerras interferem profundamente na vida dos povos. Afirmação válida também para as
guerras do império austro-húngaro contra os turcos, ocorridas entre 1683 e 1718, e que
resultaram para a Áustria numa expansão territorial e no estabelecimento de condições para a
emigração de alemães, os atuais suábios do Danúbio de suas terras de origem junto ao Reno
Meno e Danúbio. Radicaram-se no baixo Danúbio, junto ao Theiss e ao Marosch. (...) Nas
primeiras décadas muitos colonos foram dizimados por epidemias nas regiões pantanosas das
baixadas panônicas; não obstante, o espírito pioneiro dos sobreviventes permaneceu
inquebrantável. Nos 250 anos de obra colonizadora transformaram uma terra até então
escassamente aproveitada num celeiro da Europa.
427
424
COOPERATIVA AGRARIA ENTRE RIOS LTDA. Op. cit.
425
A redação em língua alemã foi realizada por Jakob Lichtenberger, a produção e tradução para língua
portuguesa por Karl Leh, Herbert O. Koening e Josef Lehmann. As fotografias são de Karl Schäffer, W. Jesco
von Puttkamer e Franz Hermann. Ibidem.
426
LEH, Karl. Entrevista concedida a Marcos Nestor Stein. Vitória: 13 de outubro de 2007. A.A
427
COOPERATIVA AGRARIA ENTRE RIOS LTDA Op. Cit.
164
Embora tenham experimentado reveses, inclusive a morte de muitos, o texto apresenta
algo que não é derrotado: “o espírito pioneiro” deste povo. No final do trecho, pode-se traçar
um paralelo entre o ambiente que eles encontraram na região do baixo Danúbio com o dos
campos de Guarapuava: o subaproveitamento das terras e a sua transformação em solos
altamente produtivos. Lá, para alimentar a Europa e aqui para produzir, principalmente, trigo
para os brasileiros.
O segundo parágrafo inicia com a Primeira Guerra Mundial. Entretanto, apenas a
afirmação de que após o conflito, a área onde os suábios viviam foi repartida entre Hungria,
Iugoslávia e Romênia. O parágrafo trata então da Segunda Guerra Mundial, ou melhor, do
final dela, da seguinte forma:
Ao fim da Segunda Guerra Mundial, quando avançava o Exército Vermelho, muitos suábios
do Danúbio, da Romênia, Hungria e Iugoslávia abandonaram as terras onde se haviam
radicado, fugindo rumo a oeste, tão somente para salvar suas vidas. A maioria dos alemães que
permaneceram na Iugoslávia por sua fé, morreu nos campos de extermínio comunistas.
428
Como nos dois conflitos anteriores, não a descrição dos mesmos nem o papel
desempenhado pelos suábios. Nestes episódios, eles são atores passivos. Sua participação não
se pela opção em algum lado do conflito, mas em função de um motivo religioso, a “fé
cristã”. Eles são novamente identificados como os defensores da cristandade, identificação
que permanece no tempo e, portanto, nas gerações que se seguem. Antes, contra os turcos
otomanos e na Segunda Guerra contra exército vermelho, representados como inimigos da
cristandade.
O terceiro parágrafo afirma que, após anos de desalento acendeu-se em 1951 uma
chama de esperança para uma pequena parcela dos refugiados na Áustria (...)
429
A chama é
428
Ibidem.
429
Ibidem.
165
representada pela Schweizer Europahilfe, que encaminhou as 500 famílias para o município
de Guarapuava, onde sob a direção de Michel Moor foi fundada a cooperativa Agrária. Ao
final do parágrafo, é reforçado o papel da cooperativa como grande suporte aos colonos na
nova terra: (...) Foi a Agrária que assistiu os colonos em suas fases de privação e continua
hoje a garantir e coordenar os interesses econômicos, sociais e culturais da comunidade.
430
Ao final do prefácio é apresentado o objetivo do livro, como sendo uma (...) tentativa
de documentar vida e realizações dos colonizadores suábios em sua nova pátria. Neste caso,
documentar é também prestar contas aos leitores suábios, em língua alemã, e aos leitores
brasileiros, daí a língua portuguesa. Procura-se demonstrar a gratidão ao Brasil, bem como as
vantagens para o país que esta colonização proporcionou:
(...) Os órgãos governamentais brasileiros deram todo apoio aos imigrantes, abrindo-lhes todas
as possibilidades para uma nova existência. Em 25 anos de colonização de Entre Rios, os
pioneiros têm demonstrado, no planalto central do Paraná, que se fazem dignos das mãos que
lhes estendem entidades governamentais brasileiras e européias. Seus conhecimentos técnicos,
seu espírito empreendedor, sua aplicação e tenacidade deram início ao “Milagre do Trigo” no
Paraná. Ainda hoje é notável a contribuição dos camponeses suábios na produção agrícola em
sua nova pátria, o Brasil.
431
O restante do livro é composto por 173 fotografias que são acompanhadas por
pequenos textos que mostram o sentido que se deve extrair das mesmas, da mesma forma que
as do livro de Elfes. No entanto, nesse livro, a narrativa busca retratar a história dos suábios
desde o período em que os antepassados dos colonos viviam na Europa.
Para exemplificar a construção desta narrativa, selecionamos dez imagens. Na
primeira (fig. n.º15), temos a junção de duas imagens. Na superior vemos um grupo composto
por homens, mulheres e crianças que carregam pequenas trouxas. Ao lado temos um pequeno
texto, escrito em língua alemã e portuguesa, que afirma que se trata da saída dos antepassados
430
Ibidem.
431
Ibidem.
166
dos suábios do Danúbio de suas terras natais, situadas junto aos rios Reno, Meno e Danúbio,
para (...) colonizar as terras reconquistadas aos turcos (...).
432
Na imagem inferior visualizamos cinco homens e uma mulher, que está sentada em
uma pilha de madeira, e ao fundo duas casas, sendo uma parcialmente coberta. Um dos
homens está com um papel em uma das mãos e por meio de um gesto com a outra indica para
os demais uma das casas, o que sugere que se trata do chefe do grupo. Ao lado temos a
inscrição que afirma ser a imagem da (...) chegada dos imigrantes na nova terra, no baixo
Danúbio, junto aos rios Theiss e ao Marosch.
433
Ao lado duas gravuras de documentos (fig. n.º16) datados de 1774, sendo um, em
função da imigração, que dispensa um dos colonos de seus deveres de súdito do ducado de
Siegen na Alemanha, e o outro que confere a posse das terras no Banat, legitimando-a. Tais
documentos são transformados em monumentos,
434
pois embora tenham sido elaborados em
função de um único indivíduo, sua presença no livro indica que seu sentido é coletivizado,
passando a representar os demais imigrantes da época.
Figura nº 15: Início da ocupação das áreas do Sudeste Europeu pelos antepassados dos
suábios do Danúbio
432
Ibidem.
433
Ibidem.
434
Sobre a relação documento e monumento ver, LE GOFF, Jacques. Op. cit. p. 525- 541.
167
FONTE: COOPERATIVA AGRARIA ENTRE RIOS LTDA. Entre Rios:
documentário ilustrado da colonização suábio danubiana. Campinas: CARTGRAF
Ltda. 1976.
Figura 16: Documentos de Georg Jung, referentes à sua emigração da Alemanha
(esquerda) e à posse de terras na Hungria (direita).
168
FONTE: Ibidem.
Em seguida, fotografias que visam apresentar o desenvolvimento dos suábios. Nas
três fotografias abaixo (fig. 17), temos exemplos dessa narrativa. Na primeira, ao lado
esquerdo, observa-se uma máquina a vapor, provavelmente uma debulhadeira de cereais e
algumas pessoas. A legenda informa que a introdução da máquina no processo agrícola
sempre foi o objetivo dos colonizadores.
435
Abaixo, uma casa e uma pessoa ao lado de
alguns animais. A legenda explicativa desta imagem é a seguinte: Desenvolvendo a primitiva
casa de chão de terra batida e coberta de junco, os colonizadores chegaram à imponente
435
Ibidem.
169
casa de alvenaria.
436
Na fotografia situada à direita, temos um casal de noivos vestindo trajes
de casamento, com a afirmação de que a (...) noiva, na maioria das aldeias, se trajava de
preto.
437
Nestas imagens, temos um sentido que visa apresentar os suábios como um grupo
coeso, com as mesmas aspirações, pois utilizariam máquinas, possuiriam casas de alvenaria e
adotariam a mesma vestimenta em casamentos.
Figura n.º 17: Aspectos da vida dos suábios no Sudeste Europeu
436
Ibidem
437
Ibidem.
170
FONTE: Ibidem.
Na seqüência, duas fotografias (fig. n.º 18). À esquerda observamos uma caravana
de carroças. A legenda informa o seguinte: Em fins de 1944, a guerra obriga grande parcela
da população de origem alemã do sudeste da Europa a abandonar suas terras em extensas
caravanas, rumo ao oeste.
438
Ao lado, uma imagem parcial de uma pequena cidade, cuja
legenda afirma se tratar da cidade de Freistadt, na Áustria, onde os (...) os atuais
colonizadores de Entre Rios encontraram asilo.
439
Não informações sobre os motivos da
fuga, ou sobre a guerra.
438
Ibidem.
439
Ibidem.
171
Figura n.º 18: Fuga dos suábios do Sudeste Europeu (esquerda) e vista parcial de
Freistadt, na Áustria, onde muitos se refugiaram (direita).
FONTE: Ibidem.
Na seqüência (fig. º 19) três fotografias cujo tema é a vida do grupo na Áustria. A
primeira apresenta uma mulher, à frente de uma casa, esvaziando um balde. Na legenda, as
habitações são descritas como barracas e alojamentos primitivos.
440
Abaixo quatro
homens que representam (...) um aglomerado se seres humanos aguardando futuro incerto.
441
A seguir, temos uma fotografia que mostra nove pessoas, sorrindo e segurando nas mãos
papéis descritos pela legenda como sendo os documentos de viagem. A cena é descrita por
meio das seguintes palavras: Seus rostos refletem novas esperanças.
442
A outra é um
440
Ibidem.
441
Ibidem.
442
Ibidem.
172
fragmento de uma das listas com os nomes das pessoas que viriam para o Brasil, descrito
como o local que possibilitaria o encontro de uma nova pátria.
443
Nas três fotografias ao lado, observa-se o desembarque do primeiro grupo no porto se
Santos, duas araucárias, descritas como símbolos do Estado do Paraná e, abaixo, o embarque
em trens para a viagem até Guarapuava.
Figura 19: Imagens de suábios refugiados na Áustria (esquerda), sua chegada ao
Brasil e a viagem para Guarapuava (direita).
443
Ibidem.
173
FONTE: Ibidem.
As 18 páginas seguintes do livro apresentam fotografias que visam retratar o trabalho
coletivo e o desenvolvimento da colônia, que é representado por meio de imagens de colheitas
e debulha do trigo. Em apenas três fotografias, temos representados os momentos de
dificuldades. De maneira semelhante à interpretação presente em Elfes, os problemas são
causados pela chuva. É o que podemos ver na seguinte imagem (fig. 20).
174
Figura 20: Imagens de uma família deixando a colônia (superior) e de dois homens
realizando reparos na estrada que liga a Colônia à Guarapuava (inferior).
FONTE: Ibidem.
Como se pode ler na legenda da primeira fotografia, a destruição da plantação de trigo
é atribuída às chuvas. Esse fenômeno natural seria o que motivou muitos suábios a saírem da
colônia. A segunda fotografia é a mesma que está presente no livro de Elfes. Mas, enquanto
que em Elfes a interpretação é positiva – é a abertura da primeira estrada que liga Entre Rios à
Guarapuava nesta ela é outra, é negativa, a começar pelo termo utilizado: caminho
primitivo. A ação dos dois homens é também apresentada de outra forma: Não são dois
175
colonos abrindo a primeira estrada, mas motoristas fazendo reparos no caminho para poderem
seguir viagem e escoar a produção da colônia.
Dali em diante, as fotografias apresentam cenas de sucesso, de êxito: Colheitas,
lavouras sendo pulverizadas com uso de aviões, exposição de gado, fotografias aéreas de
modernas fazendas.
também fotografias cujos temas são os aspectos religiosos e culturais da colônia.
Um dos aspectos religiosos que é reforçado por três fotografias é a Wallfahrt (fig. nº 21), uma
procissão realizada anualmente, conduzida pelo padre e pelo pastor da Igreja Evangélica
Luterana. A procissão é formada por grupos que partem de cada vila em direção a uma
pequena capela situada na região central da colônia, que abriga a imagem de Santa Maria.
Nesse ritual são carregadas cruzes que representam os campos de extermínio de alemães na
Iugoslávia: Gakovo, Rudolsgnad, Jarek, Mitrovica, Krusevlje, Molidorf e Krndija.
444
444
TOZZETTO, Padre Jackson L. Entrevista concedida a Marcos Nestor Stein. Vitória: 15 de outubro de
2007. A.A JANDREY, Pastor Milton. Entrevista concedida a Marcos Nestor Stein. Cachoeira: 15 de outubro
de 2007. A.A;
176
Figura 21: Imagem da procissão que relembra os mortos em campos de extermínio
na Iugoslávia (esquerda) e vista parcial do altar da Capela Memorial (direita).
FONTE: Ibidem.
De acordo com Padre José Werth, a procissão tem sua origem numa promessa feita
pelos suábios, em conjunto com um padre, quando ainda estavam na Áustria: (...) eles fizeram
a seguinte promessa: se um dia tivessem mais uma vez uma chance de viver em uma nova
terra, então eles iriam construir uma capela.
445
A construção deste local, bem como o início
das procissões, se deu quando o Padre Wendelin Gruber, que estaria com os suábios no
momento da promessa, começou a atuar na colônia, o que ocorreu a partir de 1964.
446
445
WERTH, Padre José. Entrevista concedida a Marcos Nestor Stein. Guarapuava: 15 de outubro de 2007.
A.A
446
BOING, José. Pfarrei Erzengel St. Michael von Entre Rios. Entre Rios: 2006. Mimeo.
177
Na realização desta procissão, temos a transformação de uma experiência vivida por
algumas pessoas em um passado partilhado pelo restante da comunidade suabia-danubiana de
Entre Rios. Portanto, a Wallfahrt pode ser entendida como uma estratégia de construção de
um mito que ancora a elaboração do sujeito coletivo suábio. Nessa perspectiva, nosso
entendimento acerca do significado do mito acompanha a seguinte proposição de Alessandro
Portelli:
(...) um mito não é necessariamente uma história falsa ou inventada; é, isso sim, uma história
que se torna significativa na medida em que amplia o significado de um acontecimento
individual (factual ou não), transformando-o na formalização simbólica e narrativa das auto-
representações partilhadas por uma cultura.
447
De maneira semelhante à comunidade pesquisada por Portelli, temos também em
Entre Rios, na realização desta procissão, a constituição - de maneira solene - de um sentido
sobre um acontecimento do passado que associa, por meio da ritualização e repetição anual, a
identificação entre o sujeito suábio e a identidade cristã. É a sacralização da identidade e do
passado do sujeito coletivo suábio, pois os acontecimentos passados passam a ser dotados de
um sentido que extrapola a vontade dos homens. Sua explicação passa a situar-se no campo
religioso e não mais somente na esfera das ações humanas.
Os aspectos culturais da colônia estão contemplados no livro por meio de fotografias
de festas como as realizadas em função das comemorações da fundação da colônia, do museu
histórico e de grupos folclóricos. No caso dos últimos, os melhores exemplos são as seguintes
imagens (fig. nº 22).
447
PORTELLI, Alessandro, O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana, 29 de junho de 1944): mito e
política, luto e senso comum. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de (orgs.). Usos e Abusos da História
Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. p. 121.
178
Figura 22: Imagens de uma família suábia trajada tipicamente (esquerda) e de um
grupo de danças folclóricas.
FONTE: Ibidem
Nestas duas imagens, e especialmente nas legendas, visualiza-se de forma clara o
sentido que a publicação procura conferir à história dos suábios: o desenvolvimento
progressivo e positivo da colônia, representado pela produção de cereais motivo pelo qual
os fotografados estão na lavoura e a manutenção de seu patrimônio cultural, simbolizado
pelos trajes típicos.
Tais aspectos positivos são apresentados na continuação do livro, por meio de imagens
com os seguintes temas: o colégio, as visitas de políticos como o ex-governador Munhoz e o
Ministro Cirne Lima e autoridades estrangeiras vindas da Áustria, Alemanha e Suíça, fotos de
179
não-suábios, empregados da cooperativa e de alguns fazendeiros suábios, as comemorações
dos 150 anos da imigração alemã para o Brasil e, por fim, as instalações do moinho de trigo e
informação de convênios entre a agrária e outras cooperativas do Paraná, cuja (...) execução
do projeto importa para a jovem geração de Entre Rios em uma nova missão.
448
Nessa perspectiva, não se trata de uma publicação que aborda somente o passado e o
presente (1976) dos suábios e da colônia. Ela também aponta o futuro, que não é de rupturas,
mas da necessidade de continuação - repetição- deste passado pelas novas gerações. É por
meio delas que se busca perpetuar o grupo. As duas publicações não descrevem a história de
ações individuais, mas de uma coletividade. Ser suábio, é fazer parte dessa história coletiva.
Além da publicação dos livros, a criação e a cristalização de uma memória coletiva
suábia-danubiana deu-se por meio da constituição de outros suportes, como o museu da
colônia, criado em 1971, e o Jornal de Entre Rios, em meados da década de 1980. Neles,
também é possível verificar o enquadramento de memórias individuais, realizado por meio,
por exemplo, da publicação de entrevistas de imigrantes suábios no referido jornal. É o tema
do próximo capítulo.
448
Ibidem.
180
CAPÍTULO IV
GUARDIÕES DA MEMÓRIA-IDENTIDADE
Hoje atentos à necessidade de participar de um mundo
multicultural, os suábios do Danúbio de Entre Rios e
seus descendentes, ao lado do orgulho e da gratidão de
ter no Brasil sua nova pátria, guardam o exemplo de
seus antepassados e persistem para vencer os novos
desafios: a profunda e rápida modernização da
agricultura em tempos de globalização e a preservação
das tradições que séculos têm marcado sua própria
identidade.
449
A elaboração de um determinado sentido identitário do grupo suábio-danubiano está
associada à constituição de uma memória coletiva. Como se pode notar na epígrafe acima, a
coesão do grupo em torno de uma memória comum - inserida nas transformações
tecnológicas do mundo contemporâneo foi constituída por meio da produção de discursos
sobre o passado, o presente e o futuro que pressionam as memórias individuais. Tais discursos
devem ser compreendidos levando em consideração seus produtores e divulgadores - seus
Guardiões - e os lugares de sua produção.
4.1 Heimatmuseum: Um lugar da memória suábia
Além da publicação do livro de Elfes, nas comemorações de 1971 houve a
constituição do museu da colônia, inaugurado no dia 28 de outubro. Elisabeth Leh, esposa de
Mathias, afirma que ele teve a idéia da constituição do museu em 1968, quando viajou para
Sindelfingen, Alemanha, onde participou de um encontro dos Donauschwaben.
450
Ao saber do
449
http://www.agraria.com.br. Acesso em 13 de março de 2007.
450
LEH, Elisabeth M. Entrevista concedida a Marcos Nestor Stein. Vitória, 18 de abril de 2006. A.A.
181
projeto de formação da Haus der Donauschwaben, que incluía a constituição de um museu,
ele decidiu constituir um local semelhante em Entre Rios.
451
De acordo com Elisabeth, Mathias Leh como presidente da cooperativa e também da
comissão organizadora dos festejos, incumbiu a funcionária da cooperativa, Ingrid Schüssler,
de organizar a montagem do museu. Schüssler, com a ajuda voluntária de sua mãe, Katharina
Schüssler, Elisabeth Leh e de Theresia Roth, começaram então a solicitar à comunidade a
doação de objetos como roupas antigas e antigos instrumentos domésticos e de trabalho na
lavoura, bem como fotografias trazidas da Europa e também do período inicial da colônia,
para comporem o acervo.
452
Como se pode notar, temos a materialização das palavras de Leh -
presentes no preâmbulo do livro de Elfes - de que às mulheres caberia a tarefa de serem
guardiãs da cultura suábia.
Katharina Hech era costureira e ficou encarregada, juntamente com Eva Heiser, de
produzir alguns trajes que foram expostos no museu e também por alguns que seriam usados
por componentes dos grupos folclóricos que se apresentariam na festa dos 20 anos da colônia.
Ela narrou da seguinte forma o processo de obtenção dessas roupas:
Este foi o primeiro museu, era pequenininho. Ingrid e Elisabeth Leh juntaram os trajes, foram
nas casas e os pediram, pois muita gente conseguiu fugir antes que os russos invadissem nossa
terra. Então eles ainda tinham suas roupas, seus trajes antigos que eles usavam naquela época
e em épocas mais para frente também. A Frau Leh foi pedir dos parentes, da sogra, inclusive
o vestido de noiva da sogra dela aqui no museu. Depois ela foi pedir para os conhecidos, a
família dela é grande, tinha muita gente de idade e ela foi pedir roupas e trabalhos manuais.
Bem, começamos com as com roupas. O pai do senhor Franz Hermann fez os móveis do
451
Cabe informar que o projeto cultural da colônia está associado ao contexto de formação no Estado alemão de
Baden-Württemberg, destino de muitos refugiados suábios oriundos da antiga Iugoslavia, de instituições cujo
objetivo era a preservação da cultura dos suábios. Em cidades como Ulm, Sindelfingen e Stuttgart foram
organizadas associações (Haus der Donauschwaben) que receberam apoio do referido Estado. Em 1964, por
exemplo, Sidelfingen apadrinhou o referido grupo e em 1969 foi fundada nesta cidade a associação Casa do
Suábios do Danúbio (Haus der Donauschwaben), cuja construção da sede foi realizada em 1970. BRÜCKER,
Christian Ludwig. Landsmannschaft Donauschwaben - Patenschaftsjubiläen. München-Sindelfingen:
Arbeitskreis für donauschwäbische Heimat und Volksforschung in der Donauschwäbische Kulturstiftung. 1989.
p.50. O estabelecimento e a atuação dessa rede de relações entre suábios de vários continentes será objeto de um
futuro estudo. O estabelecimento e a atuação dessa rede de relações entre suábios de vários continentes será
objeto de um futuro estudo
452
LEH, Elisabeth M. Op. cit. Elisabeth afirma que alguns objetos foram comprados pela cooperativa.
182
museu e a Maria Milla os pintou. Eu costurei os trajes dos recepcionistas, os trajes das
dançarinas folclóricas e não lembro o que mais.
453
Hech conta que, para a elaboração dos trajes, ela se baseou em fotografias antigas.
454
Acerca das condições dos trajes doados, ela afirma o seguinte: (...) às vezes precisávamos
pegar alguns com luvas, pois estavam quase se desmanchando. Tem um que era o vestido de
noiva da sogra da Elisabeth Leh, nós tivemos que passar entretela por cima para ele não
desmanchar.
455
Karl Leh, sobrinho de Mathias, que após o falecimento de Ingrid, em 1976, assumiu o
Departamento Cultural da Agrária, afirma que para as festividades de 1971 foi montada uma
exposição fotográfica, (...) a qual existe até hoje, porém ampliada.
456
Além disso, (...) havia
também uma sala onde estavam expostos trajes típicos e outra sala com arados de tração
animal e maquinários que se usava no início da colonização.
457
Por meio de campanhas para doações de objetos e fotografias, o acervo foi sendo
gradativamente ampliado. Acerca do significado dos objetos do acervo para a história dos
suábios, Elisabeth afirma o seguinte: (...) para a gente, isso é muito importante, pois se você
pensar, isso foi levado da Iugoslávia para a Áustria e de lá para o Brasil com o pouco espaço
para levar, eu acho que tem que se valorizar.
458
Nessa perspectiva, os objetos dignos de
guarda seriam aqueles que foram trazidos da Europa. Embora alguns fossem comprados, seu
valor não estaria ligado a critérios mercadológicos ou de uso prático. O valor estava no fato de
serem percebidos como recursos que encerram a possibilidade de evocar as memórias.
Em 1989, foi criado o Departamento Histórico da Agrária. Mathias Leh encarregou
Josef Gappmaier para organizar os documentos arquivados pela cooperativa e colocá-los no
453
HECH, Katharina. Entrevista concedida a Marcos Nestor Stein. Vitória, 14 de março de 2006. A.A.
454
Ibidem.
455
Ibidem.
456
LEH, Karl. Op. cit.
457
Ibidem.
458
LEH, Elisabeth M. Op. cit.
183
acervo do museu, que seria ampliado e transferido para uma sala maior, onde funcionava a
administração da cooperativa.
459
Com o auxílio de Madalena Remlinger, Monika Klein e
Irene Remlinger, o trabalho foi iniciado. De acordo com ele,
(...) a gente foi atrás disso e encontramos em uma cabana, no meio da sujeira os documentos
originais da fundação da cooperativa. Então os limpamos e fizemos caixas de papelão onde os
colocamos seguindo uma organização cronológica anual. Fomos também ao moinho de trigo,
pois naquela época tudo o que não se ocupava mais simplesmente se armazenava lá. Tudo
estava muito empoeirado.
460
Além disso, foram feitos apelos por meio do jornal e da rádio da colônia para a doação
de objetos antigos e o empréstimo de fotografias para que fossem copiadas. Juntamente com
Klein, viajou para Goiânia a fim de se encontrar com Puttkamer, que forneceu informações e
fotografias.
461
Outros documentos, como relatórios sobre os primeiros anos da colônia,
Gappmaier obteve na Suíça, nos arquivos da Schweizer Europahilfe.
462
Gappmaier também deu seqüência ao trabalho desenvolvido por Jakob
Lichtenberger
463
que, em 1984 e 1985, gravou entrevistas com imigrantes. De acordo com
Gappmaier, as entrevistas foram feitas de forma individual e em grupos, assim, (...) muitos
pioneiros, que hoje não vivem mais, puderam contar as suas histórias (...).
464
Após seu
459
A administração da Agrária ocuparia o novo prédio que estava sendo construído. Ibidem.
460
GAPPMAIER, Josef. Entrevista concedida a Marcos Nestor Stein e Karin Detlinger. Vitória, 10 de agosto
de 2005. A.A. Transcrição e tradução: Márcio Werle.
461
Ibidem
462
LEH, Karl. Op. cit.
463
Jakob Filip Lichtenberger nasceu em 1909, em Neu Pasau (Pasova), Croácia. Estudou Ciências Sociais
(Gesellschaftswissenschaften) em Bonn, Freiburg e Belgrado. Na Iugoslávia, engajou-se na luta em prol das
minorias alemãs, especialmente entre os jovens. Durante a Segunda Guerra Mundial, liderou uma milícia
(Einsatzstafell) que combateu os partisans. Ao final da Guerra, juntamente com a família, deixou a Croácia, indo
viver na Áustria e depois na Alemanha, onde trabalhou como pedagogo. Após a aposentadoria, em 1974, veio
para a Colônia Entre Rios, onde trabalhou no colégio Imperatriz Dona Leopoldina, além de realizar entrevistas
com imigrantes da colônia. Lichtenberger faleceu em 12 de janeiro de 2005, na Alemanha, aos 95 anos de idade.
In: Zeitschrift Deutsches Wort (Njmacka Rijec). Blatt der Deutschen und Österreicher in Kroaten. Nr.56,
Osijek:, Juni, 2005. s.35; Der Donauschwabe Mitteilungen. Nr.2, Eggenstein-Leopoldshafen: Februar, 2005.
s.19.
464
Gappmaier também lamentou o fato de não ter realizado a entrevista com Mathias Leh: (...) Ele sempre dizia
que quando se aposentasse iria se sentar durante uma semana em sua fazenda e nos iríamos falar do assunto.
Devido a sua morte repentina isso não aconteceu. Foi uma pena! GAPPMAIER, Josef. Entrevista. Op. cit.
184
retorno para a Áustria, a gravação de entrevistas continuou sendo feita pelas funcionarias do
museu. Atualmente o acervo contém aproximadamente 260 entrevistas.
465
Em 1992, por ocasião da festa dos 40 anos da colônia, o Departamento Histórico ficou
responsável pela transferência e ampliação do museu e a reorganização da exposição
fotográfica. No dia 11 de janeiro de 1992, o museu foi reinaugurado no antigo prédio
administrativo da Agrária, sendo montada então a exposição fotográfica composta por 40
painéis.
466
Em agosto daquele ano, o museu recebeu a doação do arquivo particular de Helmuth
Abeck, constituído de mais de 1.400 documentos. A maior parte deste material é composta
por livros e jornais que versam sobre a imigração e a presença de alemães no Brasil.
467
Acerca da cerimônia de doação do acervo, quando Abeck foi homenageado, o Jornal de
Entre Rios publicou uma extensa reportagem com a biografia de Abeck e o seguinte discurso:
A inauguração do acervo ocorrida pontualmente às cinco horas da tarde do dia 15 de agosto, à
qual estiveram presentes além do próprio Helmuth Abeck e da diretora do museu histórico
Madalena Remlinger, o presidente Mathias Leh e o coral do Centro de Juventude, foi o ponto
alto de entendimentos entre pessoas igualadas por uma mesma preocupação: como evitar que
uma coleção particular com reconhecido valor histórico caia em mãos erradas? Como fazer
com que ela chegasse às mãos certas”? A resposta foi dada pelo lugar de destaque que os
volumes ocupam no museu.
468
As perguntas trazem a resposta. A frase final é apenas um complemento da
afirmativa implícita de que o museu é lugar mais apropriado para a guarda dos documentos de
Abeck. Os documentos sobre a imigração alemã, e por extensão da colônia, são encarados
465
Apenas uma pequena parte das entrevistas foi transcrita - sendo publicada no Jornal de Entre Rios. Esta
publicação, intitulada Ein Volk Kämpf Um Seine Zukunft (Um Povo Luta pelo seu Futuro), será analisada ao final
deste capítulo.
466
Klein, Monika. Museu Histórico Suábio de Entre Rios. Mimeo. S.D.
467
Jornal de Entre Rios. Entre Rios: 31 de agosto de 1992. p.12-13. No caso dos jornais, o acervo contém a
coleção completa do Brasil-Post publicado entre 1951 a 1989. Nos livros, há um carimbo de uma imagem de um
tatu. Acerca do significado desta imagem, as funcionárias do museu, Monika Klein e Maria Dolores Schneiders,
afirmaram o seguinte: (...) O Sr. Mathias Leh deu este símbolo, pois como o tatu, nós também procuramos,
cavamos e resgatamos a nossa história. KLEIN, Monika; SCHNEIDERS Maria Dolores. Entrevista concedida
a Marcos Nestor Stein. Vitória: 12 de junho e 2007. A.A.
468
Ibidem.
185
como valiosos instrumentos que servem como elos entre os suábios e os demais descendentes
de imigrantes alemães que vivem no Brasil. Além de tais objetos merecerem serem guardados
como parte de um patrimônio cultural comum, sua preservação é uma garantia da
permanência dessa memória no presente e no futuro, sendo que, com a doação, o risco de
esquecimento estaria afastado.
A reportagem indica também o museu como lugar onde se faria o uso, e/ou a leitura
apropriada, portanto “certa” desses fragmentos do passado. Assim sendo, o museu não é
somente o lugar da guarda de uma memória, mas também lugar de produção de sentidos do
passado, feita a partir do acervo. Nesse contexto, vale lembrar as seguintes palavras de
Myrian Sepúlveda Santos, ao investigar o caráter dos museus serem ao mesmo tempo
construtores e pertencentes à história:
(...) As narrativas históricas reconstroem o passado de diversas maneiras e, além disso, os
museus apresentam uma singularidade importante nesse narrar, que é a presença dos objetos.
A história tanto pode ser determinada por uma lógica intrínseca à narrativa e subordinar os
objetos em sua apresentação como pode construir um sentimento comum partilhado, a partir
dos objetos trabalhados (...).
469
É por meio da coleta, classificação e ordenação dos objetos que não pertencem mais
ao uso cotidiano das pessoas que se procura criar um lugar de memória,
470
uma ligação entre
passado, presente e futuro, dotado de um determinado sentido histórico. Esse sentido é dado a
ler pela disposição das salas e objetos que guiam a leitura do visitante.
Na sala principal do museu, 40 painéis. De forma semelhante ao livro Entre Rios,
os painéis mostram a história dos suábios por meio de fotografias, cuja disposição, em
conjunto com pequenos textos, indicam como essa leitura é sugerida ao visitante. O primeiro
469
SANTOS, Myrian Sepúlveda. Museu Imperial: a construção do Império pela República. In: ABREU, Regina;
CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e Patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A. 2003.
p.111.
470
NORA, Pierre. Op. cit.
186
painel, intitulado Velha Pátria, apresenta um mapa da região dos Bálcãs ocupada pelos
suábios. Nos painéis seguintes, os temas são: Os anos na Áustria e Vinda ao Brasil; Chegada
ao Brasil; Início em Entre Rios; Trabalho comunitário; Os primeiros anos; Economia; Anos
de crise e reestruturação; Ajuda para o desenvolvimento; a expansão; produção; vida
comunitária; Educação, vida religiosa e social; Tradição e cultura e Grupos culturais.
Figura n.º 23: Vista parcial da exposição fotográfica do Museu Histórico de Entre Rios
FONTE: STEIN, Marcos N. Fotografia tirada em 07 de novembro de 2007. A.A
Ao lado dos painéis, as salas com objetos. A disposição das salas e seus objetos
repete a forma como a história dos suábios e da colônia é narrada nos painéis. Na entrada que
acesso às salas, um quadro que descreve a cronologia da história dos Donauschwaben.
Em seguida, uma imagem de um homem arando e com a seguinte inscrição em língua
alemã e portuguesa:
Conquistado – não pela espada,
mas com o arado:
187
Filhos da paz
Heróis do trabalho
Ao lado da imagem, estão os brasões das regiões alemãs de onde os suábios saíram e
abaixo estão dois documentos datados de 1774, presentes no início do livro Entre Rios,
seguido de um mapa da região do Baixo Danúbio (fig. nº 24).
Figura nº24: Acesso à exposição de objetos do Museu Histórico de Entre Rios
FONTE: http://www.agraria.com.br
Ao lado, uma maquete do barco utilizado para navegarem no Danúbio em direção
aos Bálcãs (fig. 25). Em frente, estão os manequins com trajes típicos (fig. 26) e, em
seguida, a sala Heimatstube, que recria o interior de uma casa da antiga pátria -Alte Heimat-
(fig. nº 27).
Depois, uma sala com objetos levados para a Áustria (fig. 28), seguida de uma
sala com objetos trazidos para o Brasil, como malas e documentos (fig. n.º 29). A sala
seguinte apresenta, no canto esquerdo, instrumentos de trabalho utilizados em uma das
188
fazendas desapropriadas para a instalação da Colônia (fig. 30) e, ao lado direito, a
representação do interior das primeiras casas da colônia (fig. n.º 31). Por fim, temos
reproduzido um galpão com ferramentas usadas na construção das primeiras casas e, ao lado,
há equipamentos como arados (fig. nº 32), uma carroça, debulhadeira de milho etc.
Figura nº 25: Maquete da embarcação usada pelos suábios para chegar ao Baixo Danúbio.
FONTE: http://www.agraria.com.br
Figura nº 26: Imagem parcial da exposição “Trajes da Velha Pátria”
189
FONTE: STEIN, Marcos N. Fotografia tirada em 07 de novembro de 2007. A.A
190
Figura nº 27: Imagem parcial da sala “Heimatstube: Reconstituição ambiental da velha pátria”
(interior de uma casa)
FONTE: http://www.agraria.com.br
Figura nº 28: Imagem parcial da sala: “Objetos trazidos da velha pátria”
FONTE: STEIN, Marcos N. Fotografia tirada em 07 de novembro de 2007. A.A
191
Figura nº 29: Imagem parcial do espaço dedicado à “Chegada ao Brasil”
FONTE: STEIN, Marcos N. Fotografia tirada em 07 de novembro de 2007. A.A
Figura nº 30: Imagem parcial dos “objetos usados nas fazendas”
FONTE: http://www.agraria.com.br
192
Figura nº 31: Imagem parcial da “reconstituição da primeira casa em Entre Rios”
FONTE: http://www.agraria.com.br
Figura nº 32: Imagem das primeiras ferramentas agrícolas utilizadas na colônia
FONTE: STEIN, Marcos N. Fotografia tirada em 07 de novembro de 2007. A.A
193
É, portanto, a repetição do mesmo sentido histórico presente nos livros analisados. É a
cristalização e homogeneização de uma memória feita por meio de diferentes suportes: textos,
fotografias, objetos e a disposição das salas, que formam esse roteiro histórico.
471
4.2 Memórias de Luto: O falecimento de Mathias Leh
A morte de um ente querido, ou de alguém próximo, provoca o sentimento de perda,
de tristeza e também nos alerta acerca da finitude de nossa existência terrena. Porém, pode ser
também um momento em que buscamos reforçar laços com aqueles que nos cercam, sejam
eles familiares, amigos ou simplesmente conhecidos. No caso do falecimento de líderes, essa
também é uma ocasião quando são divulgados discursos que procuram incutir naqueles que
ficam e o tinham como condutor, os valores que devem ser observados, os exemplos que o
falecido deixou.
É o que se verifica ao lermos textos publicados por ocasião do falecimento de Mathias
Leh, em 28 de junho de 1994.
472
No dia dois de julho daquele ano, o Jornal de Entre Rios
publicou uma extensa reportagem, redigida em língua alemã e portuguesa sobre a sua morte e,
principalmente, sobre sua vida, suas ações à frente da cooperativa Agrária e como sua
biografia deveria constituir um exemplo de conduta para os suábios.
471
Cabe salientar que as salas contêm um grande acervo de objetos. As fotografias acima apresentadas exibem
apenas uma pequena parte do acervo. A análise aprofundada desse acervo será objeto de uma futura pesquisa.
472
Após ficar por mais de um mês no hospital Albert Einstein, em São Paulo, para tratar de um tumor no cérebro,
Leh faleceu devido à insuficiência respiratória causada por uma crise aguda de pneumonia. In: Jornal de Entre
Rios. Entre Rios: 02 de julho de 1994. p.03. Leh nasceu na Iugoslávia no dia 9 de março de 1937 e chegou ao
Brasil juntamente com a família, em 1951. Trabalhou na cooperativa Agrária como contador e, em 1959, em São
Paulo, numa empresa de importação. Em 1960, retornou a Entre Rios. Em 1965, foi eleito membro do conselho
fiscal da Agrária e, em 1966, foi eleito presidente desta cooperativa, cargo que ocupou até a morte. In: Mathias
Leh, dados biográficos e atividade profissional. 1994. (Mimeo).
194
Cada uma das 12 páginas da matéria jornalística possui um título que aponta como a
vida e as realizações de Leh deveriam ser lidas pelo grupo. Na primeira página da edição,
uma fotografia sua acompanhada do intitulado Entre Rios perde seu líder. Mathias Leh deixa
saudade e exemplo de união.
473
Vejamos o texto:
O presidente da Cooperativa Agrária Mista Entre Rios, Mathias Leh, faleceu na madrugada do
dia 28 de junho, terça feira, depois de grave doença. O fato comoveu não os suábios do
Danúbio, mas toda a comunidade guarapuavana e até paranaense. Ele foi um homem muito
forte em ação, como provou ao assumir uma cooperativa em crise, com uma colônia falida.
Em 28 anos elevou Entre Rios a um nível invejável. Seu segredo: União. No seu leito de
morte, fez questão de deixar esse legado à comunidade. “Busquem a união... mantenham-se
unidos”.
474
Aqui está resumido o significado da vida de Leh. Não se trata de sua trajetória
individual relacionada à esfera privada, mas das ações empreendidas no campo público. É
esse o tom dos textos da publicação.
Na segunda página, o texto está escrito em língua alemã e traz mais dados sobre suas
realizações e projetos. O título é Desafio: Perspectivas para o futuro da Colônia. A Opinião
do presidente da Agrária.
475
Nele são descritas suas opiniões acerca do desenvolvimento da
colônia, publicadas pelo jornal em 1992, quando das comemorações dos 42 anos da fundação
da cooperativa. Para ele, o sucesso da cooperativa deveria ser sempre acompanhado também
do êxito dos seus associados.
Para mostrar a receita de como vencer os desafios que podem surgir no futuro, Leh
recorre ao que ele denomina ser um antigo mandamento suábio (ein altes donauschwäbische
Gebot). Segundo ele, esse mandamento, que era citado pelos antepassados, consistia na
seguinte frase: A língua mãe deve ser a língua da família e da igreja. Deve-se rezar nesta
473
Ibidem. p. 01.
474
Ibidem.
475
Herausforderung. Zukuftperspektiven der Siedlung. Die Meinung des Präsidenten der Agrária. Ibidem. p. 2.
195
língua e ela deve ser a língua da vida cultural (...).
476
Se esse fundamento fosse sempre
observado, no futuro a colônia poderia (...) preservar sua valiosa herança (...)
477
e ao mesmo
tempo se desenvolver e expandir. Portanto, as angústias quanto às incertezas do futuro
deveriam ser mitigadas com a lembrança dos exemplos dos antepassados. A dúvida que fica é
o que Leh considerava como língua mãe: o dialeto suábio ou a língua alemã.
Na página seguinte, uma fotografia que apresenta o caixão com o corpo de Leh
sendo levado pelos diretores da Agrária. Ao lado da imagem temos a afirmação de que os
diretores (...) sempre estiveram ao lado de Mathias Leh até no momento final.
478
A frase
transmite uma imagem de união, de consenso entre os dirigentes da cooperativa. Nessa parte
da narrativa de luto não espaço para o dissenso. E o dever do consenso é apontado como
principal legado de Leh, como podemos ler no texto abaixo:
Mathias Leh se foi, mas deixou para todos, suábios do Danúbio, guarapuavanos, paranaenses,
uma grande lição de vida. É na união de propósitos, de esforços, que encontraremos o sucesso
para nossos anseios. É na cooperação mútua que encontraremos a força e o poder. Este é o
legado que ele deixou. Ainda em seu leito de morte pediu que um apelo de união entre todos
fosse transmitido.
479
Os exemplos não são dirigidos somente para a população da colônia. Eles abrangem a
população do Estado. Entre os representantes dos guarapuavanos e paranaenses que
compareceram na cerimônia fúnebre, são citados empresários e políticos,
480
dentre eles Jaime
Lerner, então candidato ao governo do Estado.
476
Die Muttersprache muss die Sprache der Familie und der Kirche sein. Man muss in dieser Sprache beten,
und sie muss die Sprache des Kulturlebens sein. Ibidem.
477
Wenn wir diese Grundsätze beachten, wird die Siedlung auch in den weiteren Jahren ihr wertvolles Erbe
erhalten und ausbauen können. Ibidem.
478
Ibidem. p. 03.
479
Ibidem.
480
O jornal cita o prefeito de Guarapuava, César Franco, Elias Farah, prefeito de Candói, o ex-prefeito de
Guarapuava, Fernando Ribas Carli, o deputado César Silvestri, o senador José Carlos Gomes de Carvalho e os
deputados estaduais Hélio Duque e Heinz Herwig. Ibidem.
196
Na página seguinte, a matéria continua sob o título Um homem chamado União.
Mathias Leh deixou um legado de e otimismo. Nela, procura-se mostrar em quais
momentos a união foi o fator de superação dos desafios.
Quase metade das famílias, que haviam fundado Entre Rios, estava procurando outros lugares
onde poderiam viver melhor. As condições de vida na colônia eram as piores possíveis e as
discordâncias entre irmãos suábios eram comuns. Como se não bastasse, as relações com a
comunidade brasileira não passavam, muitas vezes, de sorrisos simpáticos, devido às
dificuldades em entender a língua portuguesa, que ainda não dominavam. Eles estavam
sozinhos, num mundo estranho, com poucos recursos e um sistema educacional precário. Pior
ainda, distantes de grandes centros urbanos, não tinham uma vida sócio-cultural digna.
481
Nesse trecho, pela primeira vez temos discursos que indicam a existência da
divergência, que nos faz lembrar do relato de um colono apresentado por Sylvassy, no
capitulo anterior. Mas aqui, a imagem do dissenso tem uma função positiva, pois mostra a
gravidade das dificuldades e a forma como foram enfrentadas e solucionadas pela liderança de
Leh e que refletem no quadro de sucesso da colônia em 1994.
O tom do apelo pela união do grupo é mais vigoroso no texto redigido em língua
alemã:
Permaneçam unidos! Permaneçam unidos em família e na comunidade dos colonos! Somente
assim poderão superar todas as dificuldades que talvez surjam. Nunca esqueçam que devem
responsabilizar-se uns com os outros! Lembrem o que aprendemos dos nossos antepassados e
com maior razão com os pioneiros de Entre Rios: Em comunidade, em união, pode-se tudo
suportar, pode-se a todos fazer frente. Honrem e amem nossa nova pátria Entre Rios, que sob
muitos sacrifícios foi construída.
482
Permanecer unidos e principalmente seguir os ensinamentos dos antepassados é uma
forma de buscar um caminho para encarar as incertezas do devir. Os antepassados são
481
Ibidem. p. 04
482
Haltet zusammen! Haltet zusammen in den Familien und in der Gemeinschaft der Siedler! Alle
Schwierigkeiten, die möglicherweise kommen, können nur so überwunden werden. Vergesst es nie, dass ihr
füreinander einstehen sollt! Denkt an das, was wir von unseren Ahnen und erst recht von den Pionieren von
Entre Rios gelernt haben: In der Gemeinschaft, im Zusammenhalt, lässt sich alles ertragen, lässt sich allem
entgegentreten. Ehrt und liebt unsere neue Heimat Entre Rios, die unter so vielen Opfern aufgebaut worden
ist.Ibidem.
197
evocados como portadores dos ensinamentos que dão sentido ao presente e projetam esse
futuro menos angustiante, menos incerto. É a receita de Gossner sendo novamente citada.
No texto, intitulado A preocupação com as raízes, encontramos uma advertência do
que aconteceria na opinião de Leh se uma pessoa perdesse suas (...) origens, seus traços
culturais (...): Ela perderia sua (...) motivação para a vida e para as realizações (...).
483
Portanto, ao lado da união, a preservação das raízes étnicas seria uma espécie de combustível
que alimentaria o ânimo para o grupo continuar existindo e progredindo. É no passado,
apresentado como tempo em que as dificuldades foram superadas de forma conjunta, que está
a chave para vencer as dificuldades, os desafios do futuro.
O texto mostra como Leh entendia que deveria ser feita a preservação desse passado:
Ele fez tudo para incentivar a preservação cultural, desde o fomento à dança folclórica e ao
teatro tradicional, incluindo o sistema educativo, onde se incentiva o cultivo da língua de
origem: o alemão. Mas ficou evidente essa preocupação também no sistema de comunicação,
com o jornal e Rádio Entre Rios dando importante espaço à preservação da cultura étnica.
Temos então reunidos os elementos que concretizam, que dão visibilidade à cultura
suábia. Para Leh, as danças folclóricas, o teatro, a escola e o sistema de educação seriam uma
espécie de adubo necessário para alimentar as raízes étnicas suábias, os indicadores da
identidade suábia. Nesses espaços temos o recontar dos discursos que procuram preservar
determinado sentido de história, sendo que em especial um desses instrumentos verifica-se a
possibilidade mais contundente de construção de memória coletiva, por meio da
harmonização de lembranças individuais: O Jornal de Entre Rios.
483
Ibidem.
198
4.3 “Um povo luta pelo seu futuro”: O passado inscrito no futuro
Um exemplo da forma utilizada para dar unidade e coerência às narrativas individuais
sobre o passado é a série de entrevistas intituladaUm Povo Luta Pelo Seu Futuro” (Ein Volk
Kämpft Um Seine Zukunft), publicada em 1994 pelo Jornal de Entre Rios. Trata-se de parte
das entrevistas coletadas por Lichtenberger e posteriormente Gappamier e as funcionárias do
museu.
A série é constituída pela transcrição de 18 relatos de imigrantes, totalizando 21
números do jornal.
484
Um aspecto que chama a atenção é o fato de as entrevistas, com apenas
uma exceção, serem transcritas em dialeto suábio.
485
São precedidas por explicações acerca da
data, local de gravação, quem as conduziu, e a indicação de que se encontram na íntegra,
gravadas em fitas magnéticas, no acervo do museu da colônia.
A existência de tais informações chama-nos a atenção para o papel do editor na
publicação.
486
Portanto, o texto publicado não é exatamente o relato oral. Embora haja a
tentativa de, por meio da transcrição em dialeto, por exemplo, reproduzir fielmente as falas
dos entrevistados, elas não são mais as “mesmas”. O material que é dado a ler passou por
processos que incluem a transcrição, a ordenação das frases, a diminuição de trechos, a
escolha da parte da entrevista a ser publicada e, principalmente, informa a interpretação, o
sentido que o leitor deve extrair delas.
Na introdução da publicação do primeiro relato, Oswald Hartmann, editor das três
primeiras entrevistas, justifica a publicação ao afirmar que se trata de uma (...) contribuição
para a documentação sobre a expulsão, que foi a difícil provação de nossa etnia e ao mesmo
484
Algumas ocuparam as páginas de dois e até três números do jornal.
485
De acordo com Schneiders e Klein, optou-se por transcrever as mesmas conforme a sonoridade.
SCHNEIDERS, Maria Dolores e KLEIN Monika. Op. cit. Nas traduções dos relatos publicados em dialeto
suábio, contei com a valiosa ajuda de Karin Detlinger, Monika Klein e, principalmente, de Clarice e Cássia
Sieger.
486
CHARTIER, Roger. Op. cit. p. 62.
199
tempo queremos demonstrar nossa solidariedade com todos os suábios do Danúbio dispersos
pelo mundo.
487
A primeira entrevista publicada foi realizada em janeiro de 1985, por Jakob
Lichtenberger, com o imigrante Thomas Schwarz, filho de agricultores, nascido em Putinci,
Iugoslávia, em 1927. O relato inicia com a menção do local e data de nascimento e o número
de membros da família, composta por ele, seus pais, uma moça e cinco garotos.
488
Em
seguida, Schwarz relata rapidamente sobre sua instrução escolar em Putinci. Neste momento,
quando Schwarz destaca que seu primeiro professor era (...) um croata que falava muito bem
a língua alemã (...),
489
uma reafirmação da língua como fator de identificação. Seus
estudos foram interrompidos em função da sua fuga da Iugoslávia.
490
Em seguida, Schwarz descreve a fuga de sua terra natal, no outono de 1944. De acordo
com ele, primeiro as mulheres e crianças foram levadas para a Áustria por meio de trens,
enquanto que os homens seguiram em carroças puxadas por cavalos. A viagem foi dramática.
Um dos episódios marcantes foi quando (...) durante a fuga houve um ataque aéreo e meu pai
caiu sob a carroça e quebrou cinco costelas.
491
Com a aproximação das tropas russas, eles se
deslocaram para a região austríaca de Oberösterreich, ocupada pelas forças americanas. Lá,
Schwarz permaneceu junto ao restante da família até 1951, quando imigraram para o Brasil.
492
Acerca da imigração, Schwarz relata que seu pai conheceu o Michel Moor na Áustria
e, dessa maneira, ficou sabendo do projeto de imigração para o Brasil. Segundo ele, (...) na
verdade, eu não queria imigrar, mas por amor aos meus pais e irmãos resolvi vir para o
487
(...) ein Beitrag zur Vertreibungsdokumentation unseres schwergeprüften Stammes geleist und Solidarität mit
allen in der Welt zerstreut lebenden Donauschwaben werden. Jornal de Entre Rios. Guarapuava: 26 de
fevereiro de 1994. p. D1.
488
Ibidem.
489
(...) a Krawatt, der sehr gut deitsch g’sproche hat, (...). Ibidem.
490
Ibidem.
491
Während der Flucht is mei Vater bei einem Tieffliegerangriff unter de Rosswage kumm un hot sich finf Rippe
gebroch ghat. Ibidem.
492
Ibidem.
200
Brasil (...)
493
. Os Schwarz estavam entre os imigrantes que vieram no primeiro transporte, que
chegou a Guarapuava no dia 8 de junho. De acordo com ele, a primeira tarefa na colônia foi a
contagem das árvores, que seriam utilizadas na construção de barracas e casas.
494
Em seguida, Schwarz relata que, para a colônia, logo foram trazidos alguns tratores,
sendo que alguns homens trabalharam na preparação da terra e outros na construção das
barracas. Ao ficarem prontas, foram trazidas as mulheres e crianças que estavam alojadas em
Guarapuava. Nesta fase, (...) a vida tornou-se um pouco diferente na colônia, pois nós
estávamos agora todos juntos e não passou uma noite sem que houvesse cantorias e danças.
495
Schwarz descreve também os esforços para a rápida construção das casas, a fim de
abrigar os outros grupos que estavam chegando.
(...) Sempre mais transportes vieram e assim sempre mais pessoas, mas a maioria do trabalho,
o trabalho pesado, carregar as vigas e tabuas na serraria, tudo isso as mulheres faziam. Quando
eu lembro disso, do que nossas mulheres realizaram, então eu posso dizer somente uma coisa:
‘tiro meu chapéu para nossas moças e mulheres, que ajudaram nossos homens e assim as casas
ficaram prontas’.
496
Schwarz afirma que foi inscrito para emigrar como camponês, mas, na colônia,
trabalhou na serraria, porque esta era na prática sua profissão. Ele também comentou que
trabalhou na Áustria durante três meses como pedreiro. Em Entre Rios, participou diretamente
da construção do parque industrial da Agrária e da elaboração do projeto da Agromalte da
493
Auswandere hab ich eigentlich net wolle, awr meim Vatr um meine Gschwistr zulieb hab ich mich aa
entschlosse uf Brasilien zu gehn. (...). Ibidem.
494
Ibidem.
495
(...) Des Lewe hat schun a bissl andrscht ausgeschaut uf dr Siedlung, weil mr jetz alli beinand ware. Es is koo
Owed net vorbeigange, wo net g’sunge un getanzt is ware. Ibidem. p. D 2.
496
(...) Immer mehr Transporte sin drzukumme, um domit aa imer mehr Leit. Awr die meischt Arweit, die
Schwerarweit, die Balke un die Bretter am Sägewerk schleppe, des hen alles die Fraue g’macht. Wenn ich heint
zurickdenk, was unsre Fraue domols g’leischt hen, do kann ich nur eme jede sage: ‚Hut ab vor unsre Mädle und
Fraue, was die g’leischt hen, um unsre Männer zu helfe, damit die Heisr je ehndr fertich were!’. Ibidem.
201
cooperativa. Em suas palavras, (...) eu me acostumei tanto com as construções e hoje eu
posso dizer que eu sou o condutor de construção da Agrária.
497
Por fim, Schwarz tece uma avaliação acerca de seu trabalho na cooperativa. (...)
Naturalmente eu cometi alguns erros. Mas, quem não arrisca não petisca! Hoje podemos ver
como ficou e eu acredito que nós não temos do que nos envergonhar.
498
Ao final da entrevista, Oswald Hartmann comenta que em função da falta de espaço
no jornal, o relato de Thomas Schwarz foi encurtado um pouco:
Apesar disso, pode-se visualizar nele o orgulho do grandioso trabalho de construção depois da
expulsão – o qual é típico de todos os suábios do Danúbio. A maciça e brutal expropriação e a
privação de direitos que se abateram sobre os suábios do Danúbio na seqüência da Segunda
Guerra Mundial não desanimou este povo. Ao contrário! Tem-se as mangas arregaçadas e
novamente realizado um notável trabalho pioneiro.
499
Apesar do texto do editor, a entrevista não deixa transparecer claramente a
expropriação dos suábios nem os horrores da guerra. A maior parte da entrevista se atém na
construção da colônia e a ênfase no trabalho realizado pelas mulheres. Ao utilizar o termo
típico, o editor procura mostrar que o trabalho realizado para a construção da colônia deve ser
entendido como algo inerente à personalidade coletiva dos suábios. Neste sentido, a última
frase é carregada de significado, pois estabelece um paralelo entre dois passados. O primeiro
referente à época quando os ascendentes dos suábios ocuparam a região do médio Danúbio (a
partir do século XVII) e o segundo quando da formação da colônia (1951).
497
Durch dene ganze Aufbau hab ich mich so eing’lebt, dass ich heut sage kann, ich bin dr Bauleitr dr
Agrária.Ibidem.
498
Natierlich hab ich aa als Fehler g’macht. Awr: Wer nix wagt, g’winnt nix! Um mr kann heit doch oschaue,
was steht. Um ich glaab, mir brauche uns netemol schäme. Ibidem.
499
(...) Trotzdem kann man ihm den Stolz auf die grossartige Aufbauarbeit die für alle Donauschwaben nach
der Vertreibung typisch ist - entnehmen. Die ungesetzmässige Enteignung und Entrechtung der Donauschwaben
in der Folge des Zweiten Weltkrieges hat dieses Volk nicht entmutigt. Im Gegenteil! Man hat die Ärmel
Hochgekrempelt und wieder eine beachtliche Pionerleistung vollbracht. Jornal de Entre Rios 26 de fevereiro
1994. p. D 2.
202
Um pouco mais extensa e detalhada é a transcrição da entrevista do segundo depoente:
Franz Hering. Na introdução, em destaque a frase E de nenhum lugar veio ajuda!
500
Na
seqüência, há o seguinte comentário de Oswald Hartmann:
Hoje em nossa série “Um povo luta pelo seu futuro”, deixamos nosso compatriota Franz
Hering relatar sobre seu destino durante e depois da Segunda Guerra Mundial. Também seu
relato é um documento que também prova como foi difícil para os expulsos suábios do
Danúbio encontrar um novo lar.
501
Hering nasceu em 17 de dezembro de 1910 em Batscka, Iugoslávia. Ele conta que se
casou em 1929, mas não menciona do nome da mulher, apenas o local e data de seu
nascimento. Nesta rápida descrição, em um pequeno parágrafo, Hering cita o nome dos dois
filhos, Wendel e Josef, e as datas das mortes de seu pai e de seu avô, em 1914 e 1916,
respectivamente.
502
Em seguida, Hering narra que, em 1930, prestou serviço militar nas forças armadas
iugoslavas. Ao ser dispensado, em 1931, retornou para casa, onde continuou com seu trabalho
de agricultor até 1939, quando foi chamado para servir na fronteira com a Albânia. Em seu
relato, a guerra começou em 1941, com a chegada do exército alemão, que os desarmou e os
enviou para casa. Em 1942, ele, juntamente com outros homens descendentes de alemães, foi
novamente convocado, desta vez para se juntar às tropas alemãs.
503
Em Batscka nós fomos inspecionados e no outono começamos na servir na Waffen SS.
Primeiro fomos para Viena, depois para Praga e finalmente para Pottenstein, parte da suíça
francesa, fronteira com a Alemanha. Eu fora preparado (...) para lutar contra os guerrilheiros.
504
500
Un nindrscht kaa Hilfe!. Jornal de Entre Rios. Guarapuava: 05de março 1994. p. D1
501
Heute lassen wir in unserer Reihe „Ein Volk Kämpft um seine Zukunf“ unseren Landsmann Franz Hering
über sein Schicksal während und nach dem Zweiten Weltkrieg berichten. Auch sein Bericht ist ein Dokument
und Nachweis, wie schwer die vertrieben Donauschwaben eine neue Heimat finden konnten. Ibidem.
502
Ibidem.
503
Ibidem.
504
In Batsch simr g’muschtert ware fir die Waffen-SS und im Herbst eingerickt. Erst sin ich nach Wien, vun dort
nach Prag und schliesslich nach Pottenstein/Fränkische Schweiz in Deutschland. Ich wurde ausgebildet (...) fir
Partisanerbekämpfung. Ibidem.
203
Ele lutou na Itália, onde foi ferido durante um bombardeio aéreo. Permaneceu no país
até o final da guerra, sendo depois enviado para a Inglaterra, onde trabalhou numa fábrica de
mármores até 1947, quando foi para a Áustria, onde trabalhou em uma propriedade agrícola.
Neste período, acionou a Cruz Vermelha para procurar a esposa e filhos.
505
Sua esposa havia sido enviada para a União Soviética, onde permaneceu três anos
trabalhando em minas de carvão. Seus filhos eram prisioneiros em campos de trabalho na
Iugoslávia. Por intermédio da Cruz Vermelha, em 1948, ela foi enviada a Áustria, onde se
reencontraram. Seus filhos foram levados para a Áustria em 1951.
506
Na Áustria, Hering trabalhou para um agricultor em uma propriedade que havia sido
alugada por Moor e, por meio deste, ficou sabendo do projeto de imigração para Entre Rios.
Após convite de Moor, veio juntamente com sua família para a colônia Entre Rios. Sobre a
decisão de emigrar, semelhante ao relato de Schwarz, Hering afirma que pessoalmente
também não estava muito disposto a sair da Áustria. (...) Eu queria ficar lá, mas as crianças
tinham medo, pois já haviam passado por muita coisa.
507
Em seguida, Hering menciona que sua esposa, em decorrência do trabalho em minas
de carvão, ficou doente dos pulmões. Em 1956, ela foi operada em Curitiba. (...) Ao todo isso
custou 87.000 cruzeiros. Sabe o que essa quantia significava naquela época? Meus bens
valiam 137.000. Eu quase caí de costas. Precisei vender terras. E de nenhum lugar veio
ajuda!
508
A expressão indica também o fazer-se por si só. Nela, Hering valoriza seu trabalho
e indica sua situação de vencedor na nova pátria.
Ao final, Hering relata que sua esposa faleceu em 1983. Seus filhos foram viver na
Alemanha. As duas irmãs de sua mulher também foram para lá. Ele conclui o relato
505
Ibidem.
506
Ibidem.
507
Ich hab jo welle dart bleiwe. Awer die Kindr hen Angscht ghat, weil soviel mitgmacht hen. Ibidem. p. D 2.
508
(...) Das alles 87.000 cruzeiros gekostet. Wissen Sie was des Geld war selmals? Mei vrmeege hat 137.000
koscht. Ich bi aus dr Hosn g’fall. Land hab ich misse vrkaufe. Um nindrscht kaa Hilfe! Ibidem.
204
afirmando que em função de seu sogro e sogra terem sido mortos (ela por espancamento)
pelos partisans, elas (as filhas) receberam uma indenização de guerra, que foi repartida em
três partes, sendo que a parte de sua esposa foi depositada num banco. No entanto, ela perdeu
o prazo de retirada dos valores.
509
A terceira entrevista é a de Franz Remlinger. Nascido em 21 de setembro de 1924 na
Slawonia, Iugoslávia, freqüentou durante meio ano a escola croata e cinco anos em uma
escola alemã. Em Esseg, cidade vizinha, ele freqüentou durante um ano o Gymnasium. (...)
Então nós fomos mandados embora, porque éramos suábios. Mas se a gente pagasse poderia
ter ficado (...).
510
Quando da ocupação alemã, Remlinger tornou-se chefe de um grupo de jovens
(Jugendfieher), sendo enviado para várias localidades na Iugoslávia. Sua função era dar
assistência aos desabrigados que se dirigiam por meio de trens em direção a Alemanha.
511
Em 1942, ingressou nas tropas alemãs, sendo ferido em 1945, em território húngaro.
Com o avanço das tropas russas, refugiou-se na Alemanha, onde foi aprisionado pelas tropas
americanas. Neste ponto, o relato alonga-se na situação de prisioneiros. Segundo ele, os
americanos (...) logo nos tomaram tudo e nos deixaram somente uma tenda.
512
Com a recusa
do governo iugoslavo para que retornassem a sua terra natal, eles foram enviados para
Nürnberg, para a (...) desnazificação, pois seríamos nazistas, que nós não sabíamos disto
antes.
513
Nesta afirmação, o esforço em marcar sua distinção com o nazismo, ou melhor,
em não se identificar com este regime, pois não teriam optado por aderir a essa ideologia. A
identificação do depoente e de seus companheiros com o referido regime é feita pelos outros.
509
Awer jetz, wie mer das ang’sucht habn sie g’sagt, sie war nicht an eenem Stichtag driwe, es is verfalle. Jezt is
sie halt kei Erwr gwest. Sie hat nix kriegt. Die Schwestern, (...) die hen ihres kriegt! Ibidem.
510
(...) noh simr rausgschmisse ware, weil mr Schwowe ware. Wamr ufzahlt hätte, hätte mr bleiwe
kenne.(...).Ibidem.
511
Ibidem.
512
(...) bald hen se uns awer alles weggnume, nur a Zelt hen se uns glosst (...) Ibidem.
513
(...) nach Nürnberg zur Entnazifizierung, weil mir hätte jo Nazi aa sei selle, hemr aa net gwisst voher.Ibidem.
205
Em 1948 ele foi libertado. Com muitas dificuldades entrou na Áustria onde
reencontrou os pais. Casou-se no mesmo ano e em 1953 imigrou para o Brasil. Sobre isso,
Remlinger afirma que sua família estava inscrita para ir para a França, mas acabaram optando
por vir para o Brasil.
514
Sobre os primeiros anos na colônia Entre Rios, apenas um pequeno parágrafo, no
qual Remlinger comenta que o começo em Entre Rios foi difícil, com as crianças pequenas e
pelo fato de o trabalho ser realizado com a utilização de cavalos. Mas, (...) Hoje em dia sinto-
me bem aqui.
515
Ao final há o seguinte texto do editor, Oswald Hartmann:
O relato de Franz Remlinger demonstra claramente o esforço dos suábios do Danúbio para
encontrar um novo lar. Naquele tempo se tinha muitas possibilidades, por exemplo, ficar na
Alemanha na Áustria ou imigrar para os Estados Unidos, Canadá França, entre outros. A
decisão para a família frequentemente era insignificante.
Independente disso, o supracitado relato confirma que os suábios do Danúbio indiferente
onde eles buscaram um novo lar - por meio de sua proverbial aplicação, conseguiram relegar
aos seus descendentes uma sólida e segura existência. Eu gostaria de mostrar claramente à
juventude suábia atual, que eles podem ser orgulhosos de seus pais e avós.
516
Pode-se perceber no texto do editor, além da escolha dos fragmentos dos depoimentos,
também a interpretação do passado. Não há a menção acerca do fato do depoente ter lutado no
lado derrotado da guerra, de ele ter sido soldado do exército alemão, derrotado no conflito.
O foco é deslocado para a identificação positiva dos personagens envolvidos. O campo
de luta não está no campo de batalha, na guerra, mas no campo de cultivo, na lavoura. Nesta
514
Ibidem. p. D 2.
515
Heinzutag fiehlt mr sich do drhoom. Ibidem.
516
Der Bericht von Franz Remlinger dokumentiert deutlich das Bestreben der heimatlos gewordenen
Donauschwaben nach einem neuen Zuhause. Man hatte damals viele Möglichkeiten, wie z.B. in Deutschland
oder Österreich zu bleiben oder nach USA, Kanada, Frankreich usw. Auszuwandern. Die Entscheidungen der
Familien bestimmen oft Kleinigkeiten. Unabhänging davon bestätigt der obige Bericht, dass die
Donauschwaben - egal wo sie eine neue Heimat suchten - durch ihren sprichwörtlichen Fleiss, den
Nachkommen eine solide Existenz sichern konnten. Ich möchte dies deutlich unterstreichen, um der heutigen
donauschwäbischen Jugend zu zeigen, dass sie stolz auf ihre Eltern und Grosseltern sein kann. Jornal de Entre
Rios. 12 de março de 1994. p. D2.
206
perspectiva, o depoente também seria um vencedor, pois conseguira no Brasil recriar seu
antigo modo de vida como agricultor, e isso se deu em função de sua característica positiva:
“a proverbial aplicação”, adjetivo que também os identifica como grupo. Portanto, o sentido
aqui é redefinir, ou dar um sentido histórico a essas pessoas. É por meio da constituição de
uma memória coletiva que se busca reestruturar o sentido histórico da comunidade e conferir-
lhes uma identidade. E esse trabalho envolve interpretar, inclusive, a menção da indiferença
quanto ao lugar para onde iriam emigrar, que é tratado como algo de valor secundário.
Ao afirmar que os jovens devem ter orgulho de seus pais e avós, Hartmann indica os
destinatários principais da publicação: os jovens da colônia. Para o editor, a percepção de
que tal geração demonstrava certo desinteresse pelo passado e pela manutenção de aspectos
culturais dos imigrantes. Portanto, a luta pelo futuro é também a luta para a manutenção nas
novas gerações da identidade suábia, sendo que o editor se incumbiu de extrair as lições das
experiências dos expulsos e dirigi-las aos jovens, pois os depoimentos não são auto-
explicáveis, seu sentido (positivo e exemplificador) é dado pelo editor.
A próxima entrevista publicada é a de Katharina Hech. A entrevista é extensa, ocupou
duas edições do jornal, e narra de forma mais clara as atrocidades cometidas pelos
guerrilheiros comunistas contra pessoas de origem alemã residentes na Iugoslávia. A frase
inicial tem um tom de desabafo e revelação: quero somente contar a vocês o que aconteceu
quando os russos chegaram: O dia primeiro de outubro (1944) foi o dia mais negro para
nossa aldeia e nossa família.
517
Segundo ela, dois dias antes da data marcada para sua fuga, soldados russos chegaram
à vila. Hech compara estes com os partisans e avalia que os russos não eram tão “ruins”
(schlimm) como os guerrilheiros, pois estes, durante noites seguidas, aprisionavam e
517
Nur des will ich eich verzähle, wie des war als die Russe reinkumm sin: Am 1. Oktober, dr dunklschte Tag for
unser Dorf um for unsre familie. Jornal de Entre Rios. Guarapuava: 19 de março de 1994. p. D 1.
207
fuzilavam centenas de homens. (...) De nossa família um tio foi fuzilado. Os habitantes da
vila viviam com medo, pois cada noite alguém era levado, homens, mulheres e jovens
rapazes, para serem fuzilados.
518
Além de relatar acontecimentos vividos por ela, Katharina narra um episódio contado
a ela.
(...) Em nossa vila vizinha Neusin, os partisans fizeram uma festa. Aprisionaram vinte homens
de origem alemã de Sartscha, Setscham e Neusin. O ponto alto da festa foi quando os vinte
homens foram espancados até a morte e cortados em pedaços, que foram colocados no meio
do salão, e eles (partisans) dançaram em volta. Mais tarde nós ouvimos alguém dizer, e era
uma testemunha, que nem mesmo com muita água se conseguia lavar o salão, de tanto sangue
que havia. Em nossa vila foi registrado um triste saldo. Um quarto dos habitantes perdeu a
vida. Das duas mil e cinqüenta pessoas que moravam em nossa vila, 531 perderam a vida:
parte como soldado no front, homens, mulheres e crianças nos campos de extermínio de
Molidorf, Rudolfsgnad, onde foram mortos por espancamento, envenenados, por esgotamento,
ou de fome. Em nossa vila foram aprisionadas 113 pessoas que foram enviadas para a Rússia,
sendo que doze morreram lá.
519
Hech, no início de 1945, foi uma das pessoas enviadas para a Rússia. Inicialmente ela
permaneceu confinada em campos de trabalhos forçados, trabalhando no corte de lenha, sendo
depois deslocada para trabalhar em uma fábrica de aço e em seguida numa indústria de
cimento. Além do sofrimento, com o frio e a pesada jornada de trabalho,
520
ela relata que (...)
eles (os russos) sempre faziam palestras políticas afirmando o quanto foi bom que os russos
nos levaram. Os alemães fizeram muito mais com os russos. Eles (russos) eram tão bons etc.
518
(...) Vun unsre eigne Familie is unsre Onkel erchoss gin. Die Dorfbewohner han dauernd in Angscht gelebt,
dass jede Nacht jemand kommt sie hole, Männer un Fraue un junge Buwe far erschiesse. Ibidem.
519
(...) In unserm Nachbrsdorf Neusin han die Partisanr a Fest gemacht. Sie han zwanzig deutsche Männer vun
Sartscha, Setschan un Neusin, vun die umliegende deitsche Derfr zammklaubt. Un dr Hehepunkt vun dem Fescht
war, dass se die zwanzig Mensche abgeschlacht han, uf Stickr zrschnitte un mitte im Tanszsaal ufgheift han und
rundherum getanz sin. Spätr hamr vun jemand gheert, was Zeige war, dass netemol mit viel Wassr des Blut
rauszuwäsche war, soviel Blut war in dem Saal gwen. Unser Dorf hat a trauriche Bilanz zu vrzeichne. A Viertl
vun die Dorfbewohner is ums lewe kumm. Zweitausendfunfzich Mensche hat unsr Dorf gezählt, Teils als Soldate
andr Front gfall, Männr und Fraue un Kinner in die Lager Molidorf , Rudolfsgnad, in die berichtigt
Vernichtungslage sin dort totgschlage wore odr sin vrhungert odr vrgift wore oder aus Erschöpfung odr vor
Hungr gstorb. Sin hundrtdreizehn vun unsrem Dorf nach Russlandd vrschleppt gin, un zwelfi sin gstorb in
Russland. Ibidem.
520
Ela narra que suas mãos congelavam. Devido ao trabalho com o machado, a carne e os ossos das mãos
ficavam expostos. (...) Hab mir die Händ vrfror, das mr die Knoche rausgstande sin, des Fleisch is abgfall.
Ibidem. p. D1 e D2.
208
E isso eu logo vi, como eram bons (...).
521
Essa lembrança é reiterada em um outro momento
da narrativa (...) Eles freqüentemente nos falavam que os alemães eram porcos, que nós
estávamos bem com eles (russos). De um lado eles tinham de nós, de outro tinham tanto
ódio que nos cuspiam.
522
No início de 1947, uma comissão formada por russos e oficiais alemães, em uma
palestra, disseram que eles deveriam permanecer na Rússia, (...) lá era nosso futuro.
Alemanha havia perdido a guerra e a Iugoslávia estava totalmente aniquilada. Eu não
acreditei em nada.
523
Em 1948, a comissão os visitou novamente e por causa de seu estado de saúde, ela foi
enviada para Berlin e depois permaneceu trabalhando em uma propriedade rural próxima a
Leipzig. Ao final da transcrição, o editor, H. Sattler, informa que por meio de
correspondências que ela enviou para a sua terra natal, na Iugoslávia, ficou sabendo que sua
família encontrava-se na Áustria e, então, foi se juntar a eles.
O editor afirma que qualquer filme que fosse rodado sobre o destino dessas pessoas
não haveria de concordar com a sua norma: Perdoar sim, esquecer jamais.
524
Semelhante ao
texto do editor da entrevista anterior, esta frase indica o ensinamento que se pode extrair do
depoimento: o dever do não-esquecimento. Manter viva essa memória indica que a vítima
individual representa as vítimas suábias danubianas. O singular torna-se coletivo, pois o
passado individual é transposto para o plano geral, no qual todos os membros do grupo podem
se identificar.
521
Sie han uns dann immer politische Vorträch ghalle, wie gut dass mirs han, weil mir uf Russland vrschlepp
sin. Die Deitsche han mit die Russe viel mehr gemacht, sie sin gut un un so. Das hamr bald gsege, wie gut.
Jornal de Entre Rios. 26 de março de 1994. p. D1.
522
Sie han uns immer wiedr gsagt, die Deitsche ware Schwein, mir hams jo gut bei ihne. Taals han se Mitleid
mit uns ghat, un taals han se uns so ghasst, dass se uns angspuckt han. Ibidem. p. D 2
523
(...) do is unser Zukunft. Deitschland hat dr Kriech vrlore und Jugoslawien is total vernicht, mir kenne doch
nimmi haam. Ibidem.
524
Menschliche Schicksale, über die keine Anklage-Filme gedreht werden, was auch nicht mit der Richtlinie der
Heimatvertriebenen übereinstimmen würde: Vergeben, aber nicht vergessen. Ibidem. Negrito do autor.
209
A próxima entrevista é a de Katharina Spieler, nascida em 1900, em Sotin, Iugoslávia.
Após apresentar seus dados pessoais, informa que seu marido morreu em 1932 e seu filho
tombou, em 1944, na Polônia, como soldado.
525
Antes de narrar a fuga, Spieler indica e
adjetiva a sua vida antes da fuga: (...) nós éramos camponeses. Para nós a vida era boa
até a fuga.
526
Em 1944, ela acolheu dois fugitivos dos partisaner, Katharina Schönferl e seu filho e
depois um casal oriundo da Croácia, que a auxiliaram no trabalho da propriedade até quando
receberam o alerta para fugir.
527
Juntamente com outras pessoas de origem alemã, ela e sua
nora fugiram em uma caravana de carroças. A narrativa é cheia de exemplos dos perigos
representados pelos partisans e, após muitas peripécias, conseguiram chegar à Áustria.
528
Ao saber do projeto de migração para o Brasil, Spieler inscreveu-se, enquanto que sua
nora permaneceu na Áustria com os pais. De acordo com a editora Magdalena Remlinger,
esta separação foi um duro golpe para ambas, as quais estão ligadas por um destino comum.
529
O termo destino, como nos mostra Hubert Lepargneur, não é algo fruto de um
planejamento racional e nem realmente conhecido antes, ou durante o ocorrido, seu sentido é
dado a posteriori.
530
No caso da afirmação de Remlinger, o destino (Schicksal) ao ser dado a
posteriori, inclusive após a narrativa, possui a função de servir como instrumento de ligação
entre as duas mulheres e também entre os membros do grupo, pois todos partilham do mesmo
sentido histórico.
A entrevista seguinte é a de Theresia Tettmann, nascida em 1922, na parte oeste da
Slawonia. O relato tem início da seguinte maneira:
525
Jornal de Entre Rios. Guarapuava: 02 de abril de 1994. p. D 1.
526
D’rhoom warmer Baure. Un uns is es gut gange bis zum Flichte. Ibidem.
527
Ibidem.
528
Jornal de Entre Rios. Guarapuava: 09 de abril de 1994. p. D 1.
529
Diese Trennung war ein weiterer schwerer Schlag für die beiden Frauen, die ein gemeinsames Schicksal
verbunden hatte. Ibidem. p. D 2.
530
LEPARGNEUR, Hubert. Destino e Identidade. Campinas: Papirus, 1989. p.16.
210
Quando começou a guerra, meu pai foi convocado, meu irmão também e então eu e minha
mãe ficamos sozinhas, todo o trabalho tínhamos que fazer sozinhas. Havia cavalos, vacas e
porcos e tínhamos que cuidá-los sozinhas, pois havia poucas pessoas. Eu tinha sempre
esperança que meu pai fosse dispensado (do serviço militar) e ele voltou para casa. Quanto ao
meu irmão, que estava na Rússia, eu não tinha idéia se ele voltaria.
531
No início de 1943, em função dos ataques dos partisans, assim como pessoas oriundas
de outras aldeias, eles foram obrigados a se refugiar em cidades maiores, protegidas por
militares alemães. Ao final de 1943, obrigaram-se a gradativamente ir mudando de cidades na
medida em que estas não ofereciam mais proteção. Por fim, por meio de trens foram para a
Áustria.
532
Ao final, Magdalena Remlinger, com base no livro intitulado Calvário dos Alemães
na Iugoslávia Comunista (Leidensweg der Deutschen im Kommunistischen Jugoslavien)
533
,
narra de forma resumida a evacuação, realizada em cinco grupos das cidades de Franztal e
Semlin, local onde Tettman residia. Remlinger destaca que com a chegada dos partisans em
Franztal, as pessoas que lá permaneceram tiveram que se registrar. (...) Eram 242 pessoas. Os
alemães que restavam em Franztal e Semlin foram internados em 18 de novembro de 1944 no
campo de extermínio “Kalvarienberg”, onde 118 Franztaler morreram. Em outro campo
Mitrowitz, 75 Franztaler pereceram.
534
Por meio do relato de Remlinger, pode-se inferir que a junção entre memória do
depoente e o registro escrito, representado pelo livro supracitado, que reforça a entrevista
531
Wie dr Krieg ogfange hot, is mei Vattr eingruckt, mei Bruder auch, um ich um mei Mottr wore allonich, hen
allon g’wirtschaft. Do wore Ross un Kieh un Schwein, des hot mr alles allon mache misse, weil ka Mensch do
wor. Mir hen immer g’hofft, dr Vattr werd entlossa wera, er kummt hom. Mei Bruder, der wor in Russland, mr
hot ka Ohnung g’hat ob’r zruck kummt. Jornal de Entre Rios. Guarapuava: 23 de abril de 1994. p. D 1.
532
Ibidem.
533
ARBEITSKREIS DOKUMENTATION IN DER DONAUSCHWÄBISCHEN KULTURSTIFUNG,
MÜNCHEN, UND IM BUNDESVERBAND DER LANDSMANNSCHAFT DER DONAUSCHWABEN.
Leidensweg der Deutschen im kommunistischen Jugoslawien. Band II. München: Verlag der
Donauschwäbischen Kulturstiftung. 1993.
534
Es waren 242 Personen. Die übrigen Deutschen aus Franztal und Semlin wurden am 18. November 1944 in
das Vernichtungslager „Kalvarienberg“ eingewiesen, wo 118 Franztaler starben. Weiter sind im Lager
„Mitrowitz“ 75 Franztaler umgekomemn. Ibidem. p. D 2.
211
transcrita. O título do livro (Leidensweg) e o uso do nome do campo de extermínio Monte
Calvário (Kalvarienberg), produzem um sentido que associa os suábios a um sacrifício
coletivo e evoca imagens relacionadas ao martírio de Cristo pela humanidade.
Ao final, é apresentado o seguinte mapa, que indica o local onde a depoente vivia e o
caminho percorrido até a Áustria.
Figura 33: Mapa que mostra o caminho percorrido por Theresia Tettmann, na sua fuga da
Iugoslávia.
212
FONTE: Jornal de Entre Rios. Guarapuava: 23 de abril de 1994. p. D 1.
A entrevista seguinte, de Juliane Kleinfelder, segue um procedimento semelhante ao
anterior. A transcrição é precedida pelo seguinte texto, da editora, Magdalena Remlinger:
O desenrolar dos acontecimentos políticos e militares implicaram que, em 1944, nas regiões
de colônias suábias, planos e ações de desocupação das mesmas numa evacuação em massa e
movimentos de fuga. Então, antes da aproximação do front da Iugoslávia, no outono de 1944,
uma parte dos alemães-croatas foi evacuada. Até o final de abril de 1944 foram transportados
cerca de 25.000 alemães de quase 30 comunidades da Slawonia Ocidental para a Syrmien e
nos arredores de Esseg. Entre eles encontravam-se também famílias que após 1951
encontraram em Entre Rios um novo lar (...).
535
535
Der Ablauf der politischen und militärischen Ereignisse brachte es mit sich, dass 1944 in den
donauschwäbischen Siedlungsgebiete die Umsiedlungspläne und Umsiedlungsaktionen in
Evakuierungmassnahmen und Fluchtbewegungen übergingen. So wurden, ehe sich im Herbst 1944 die Front
den Grenzen Jugoslawiens näherte, ein Teil der Kroatiendeutschen evakuiert. Bis Ende April 1944 wurden ca
25.000 Deutsche aus fast 30 westslawonischen Gemeinden nach Syrmien und in die Umgebung von Esseg
transportiert. Unter diesen befanden sich auch Familien die nach 1951 in Entre Rios eine neue Heimat fanden.
Jornal de Entre Rios. Guarapuava: 30 de abril de 1994. p. D 1.
213
No fragmento, não a identificação do grupo como Donauschwaben, mas como
alemães-croatas (Kroatiendeutschen). Em seguida, cita alguns exemplos de famílias que
imigraram para o Brasil. Portanto, representa a memória que pode ser compartilhada pelos
membros dessas famílias que vivem na colônia.
Na época da fuga, Kleinfelder contava com 16 anos de idade. De acordo com ela, os
partisans chegaram e raptavam jovens com idade entre 14 a 15 anos, que eram levados para a
floresta onde eram submetidos a trabalhos forçados, sendo que (...) muitos nunca mais
retornaram.
536
Com a mãe e o pai, ela seguiu para a Áustria, onde foram trabalhar em
propriedades rurais. Sua irmã mais nova, juntamente com a cunhada e a filha desta, seguiu de
trem até a Alemanha. Por meio da Cruz Vermelha, elas foram enviadas para a Áustria,
próxima a cidade de Linz, onde se reencontraram. Da mesma forma que a entrevista anterior,
também a apresentação, por meio de um mapa, do caminho percorrido por ela até a
Áustria.
A entrevista publicada no mês de maio foi escolhida em função das comemorações
relacionadas ao dia das mães (1994). É o relato de Katharina Reinerth, cuja entrevista ocupou
as três edições do mês. A justificativa pode ser visualizada na introdução redigida por
Magdalena Remlinger:
Esta semana reverenciamos as mães, as quais durante a fuga e expulsão com certeza
carregaram a parte mais pesada do fardo. Os homens estavam na guerra, frequentemente não
sabiam se eles ainda estavam vivos ou como eles estavam. Elas tinham toda a
responsabilidade para com a família, freqüentemente também com os pais idosos e frágeis e
com as crianças pequenas. Muitas mães morreram na fuga, como nós agora podemos ouvir da
senhora Katharina Reinerth (...). Durante a Segunda Guerra Mundial– Batschka, a partir de
1941, passou a pertencer novamente a Hungria– os homens alemães foram servir no exército
húngaro e principalmente nas tropas alemãs (...).
537
536
(...) manchi gor net zurickkumma. Ibidem.
537
Diese woche gedenken wir der Mutter, die waehrend der Flucht und Vertreibung wohl den schwersten Teil
auferlegt bekommen hatten. Die Maenner waren im Krieg, vielfach wussten sie nicht, ob sie noch lebten, wie es
ihnen ging. Sie hatten alle Verantwortung fuer die Familie, oftmals auch noch fuer gebrechliche alte Eltern und
fuer ganz kleine Kinder. Einige Muetter sind auf der Flucht gestorben, wie wir nun von Frau Katharina Reinerth
hoeren (...). Waehrend des 2. Weltkrieges die Batschka gehoerte ab 1941 wieder zu Ungarn wurden die
214
Reinerth inicia narrando que seu marido foi convocado para servir nas forças armadas
em 1942. Em julho de 1944 nasceu Hansi, filho do casal. Mas logo ela ficou sozinha como
outras mulheres, pois seu irmão, pai e por fim sogro foram também convocados para ir a
guerra.
538
Em outubro de 1944, ela teve que fugir com seu filho e sua mãe em uma caravana de
carroças. Primeiramente foram até um povoado próximo, onde se reuniram com outros
fugitivos e seguiram em caravana de carroças em direção à Hungria. Ela ressalta que muitas
pessoas idosas precisavam ser convencidas a fugir. (...) Eles (idosos) diziam: Na Primeira
Guerra Mundial nada foi feito contra nós, quem nos fará algo agora?
539
Durante a viagem, o fato mais marcante foi o nascimento de uma criança, seguida da
morte da mãe devido a uma hemorragia. Reinerth cuidou, então, do recém-nascido e o
amamentou juntamente com seu filho que contava com três meses de idade. A partir daí, a
narrativa se atém às dificuldades, principalmente a falta de comida, vividas por ela durante o
tempo que permaneceu com os dois bebês. Primeiramente em um hospital militar, onde
permaneceu até sua mãe encontrá-la e seguirem viagem em direção à fronteira com a
Alemanha.
540
Em um breve momento, o relato permite perceber a angústia acerca de sua
identificação, como falante da língua alemã: (...) E então finalmente cruzamos a fronteira e
pensamos, agora vamos para a Alemanha! Quando chegamos à Alemanha, todos estavam
conversando na língua croata, pois não mais sabiam a língua alemã.
541
deutschen Maenner zum Dienst im ungarischen, vor allem aber im deutschen Heer einberufen (...). Jornal de
Entre Rios. Guarapuava: o7 de maio de 1994. p. D 1.
538
Ibidem.
539
Die han gsaat: ach, uns han se im erschte Weltkrieg doch aa nix gemacht, wer werd uns jetz schun was
mache ? (...). Ibidem.
540
Ibidem.
541
(...) Un so simr endlich iwr die Grenz kum un han gemeent, jetz kumme mr uf des Deitschland! Jo, wie mr uf
des Deitschland kumme, hot alles krawatisch geredt (Burgenländer Kroaten), die han jo netmol Deitsch gekennt.
215
De foram em direção à Polônia. Reinerth descreve os perigos representados pelos
ataques aéreos e as dificuldades para cuidar e alimentar dos dois bebês. Ela seguiu a viagem
de trem, enquanto que sua mãe seguiu com a caravana de carroça, vindo a falecer num
acidente e então enterrada em um cemitério para heróis. Da Polônia eles retornaram para a
Áustria onde ficou com a sogra e um tio, enquanto que a criança órfã foi entregue a família da
mãe falecida. O relato finaliza com a espera dramática por notícias de seu marido, sua
insistência em acreditar, ao contrário dos demais membros da família, que ele estaria vivo, o
que veio a se confirmar quando ao final do relato ele vai ao seu encontro. (...) Agora a alegria
era simplesmente demais.
542
O relato seguinte é de Elisabeth Braun. Nascida em Jarmina, Iugoslávia, semelhante a
outras mulheres, ela ficou sozinha com o pai inválido de guerra para cuidar da propriedade
rural, apenas auxiliada por ajudante.
543
Sua narrativa descreve o perigo representado pelos
partisans e as maneiras utilizadas para escaparem. A partir de outubro de 1994, houve a
evacuação da população de Jarmina, da qual ela fez parte até chegarem à Áustria.
544
A entrevista é concluída na edição seguinte do jornal. Ao final, Remlinger afirma, com
base no livro Heimatbuch des Donauschwaben aus Jarmina, que no final de maio de 1945,
pessoas em 60 carroças retornaram para a Iugoslávia, mas no caminho foram parados pelos
partinsans e roubados todos os pertences de valor. As pessoas então foram enviadas para um
campo de concentração, onde permaneceram até serem enviadas de volta para a Áustria em
vagões utilizados para transportar gado.
545
A próxima entrevista é a de Rosalia Gärtner, nascida em Detroit, EUA, em 1920. Aos
sete anos de idade foi com seus pais morar na Iugoslávia, onde permaneceu até a fuga, em
Jornal de Entre Rios. Guarapuava: 14 de maio de 1994. p. D 1.
542
(...) Jetz war die Freed einfach zu gross. Jornal de Entre Rios. Guarapuava: 21 de maio de 1994. p. D 2.
543
(...) Ich hab aa no a stark guter Knecht ghat (...). Jornal de Entre Rios. Guarapuava: 28 de maio de 1994. p.
D 1.
544
Ibidem.
545
Jornal de Entre Rios. Guarapuava: 04 de junho de 1994. p. D 2.
216
outubro de 1944. No primeiro parágrafo ela resume seu relato. Quando eu saí da Iugoslávia,
tinha três pequenos filhos, Adam, Lina e Hans. Durante a fuga, quando estávamos na
Hungria, então Hilde nasceu.
546
Seu marido estava servindo numa cidade próxima e a ajudou nos preparativos para
deixar a propriedade e depois retornou para seu posto militar. Ela, juntamente com seus filhos
e a avó viajaram por meio de trem, enquanto que os sogros viajaram de carroça. Na Hungria
ela deu à luz a sua filha no trem.
547
Da Hungria seguiram viagem até a Turíngia, Alemanha, onde ficaram alojados numa
pensão e depois com um casal de idosos. Permaneceram por um mês na Turíngia e então
viajaram à Áustria, sempre acompanhados de alarmes de ataques aéreos. E quando isso
acontecia, precisavam sair do trem e se abrigar nos bunkers.
548
Ao chegarem a Wels, Áustria,
(...) precisávamos passar a noite na estação ferroviária, mas não queriam nos deixar ficar
(...).
549
Com a intermediação de um militar, conseguiram permissão para passar a noite na
estação e, na manhã seguinte, foram abrigados numa escola, onde utilizaram feno sobre as
carteiras para servir como camas.
550
Mas o principal problema era obter leite para sua filha recém-nascida. Nas suas
palavras, (...) eu não conseguia leite para Hilde, mesmo que pudesse pagar. Os camponeses
não nos davam leite (...).
551
O problema foi solucionado com a ajuda de uma enfermeira que
conseguiu meio litro de leite por dia para dar a sua filha.
552
546
Wie ich vun Jugoslawien weg bin hab ich 3 koni Kindr ghat, dr Adam, die Lina um dr Hans, wie mr uf dr
Flucht an Jugoslawien weg ware, in Ungarn do is dann die Hilde geboren. Jornal de Entre Rios. Guarapuava:
11 de junho de 1994. p. D 2.
547
Jornal de Entre Rios. Guarapuava: 18 de junho de 1994. p. D 1.
548
Ibidem. p. D 2.
549
(...) Mir hen in dr Nacht im Bahnhof bleiwa missa, sie hen uns net neilosse wella (...). Ibidem.
550
Ibidem.
551
(...) Milich hab ich halt koni kriegt fir die Hilde, netmol wenn ich zahle het wella. Die Baure hen net gewa
(...). Ibidem.
552
Ibidem.
217
Por fim, eles conseguiram um pequeno apartamento, cuja cama e outros utensílios
foram doados pela comunidade. Em 1949, seu marido, que ela não sabia se estava vivo ou
morto, lhe enviou cartas e por fim foi ao encontro delas. (...) Hilde tinha 4 anos e ela nunca
tinha visto ele e ele não conhecia ela. Ela não foi com ele por nada neste mundo.
553
O relato seguinte, de Gertrud Egles, é precedido pela afirmação de que originalmente a
evacuação era entendida apenas como algo temporário, enquanto havia a ameaça dos
inimigos. Mas com o avanço das tropas russas, os descendentes de alemães (Volksdeutschen)
da Romênia, do Leste da Hungria e da Iugoslávia tiveram que gradativamente se deslocar em
direção à Áustria e Alemanha. Entre eles estava a família da entrevistada, nascida em 1911 na
Iugoslávia.
554
De acordo com ela, seu marido era prisioneiro de guerra e na Iugoslávia, quando, em
13 de outubro de 1944, ela e os filhos fugiram num vagão de animais.
555
A narrativa é repleta
de episódios acerca dos perigos da viagem, a destruição de uma ponte por onde haviam
acabado de passar, os ataques aéreos em território austríaco, o sofrimento nos campos de
refugiados, que ficava próximo à cidade de Dresden.
Era dois de novembro, dia de finados, e como sempre estava muito frio. Na mesma noite uma
senhora da nossa aldeia morreu congelada. ficamos até primeiro de abril. As crianças
estavam doentes. Tínhamos medo que os russos chegassem. Havia muitos alarmes de ataques
aéreos e as bombas estouravam e o chão tremia. Conosco não aconteceu nada, pois estávamos
na floresta, mas em Dresden e arredores havia fogo e fumaça.
556
Em função da aproximação do exército russo, de fugiram para o território austríaco,
onde, somente em 1947, ela reencontrou seu marido. A partir de então, (...) para nós tornou-
se tudo mais fácil.
553
(...) Die Hilde wor dann 4 Johr, er hot sie nie gsega ghat, um sie hot ihn a net gkennt. Die is net zu ehm net
um nix uf dr Welt. Ibidem.
554
Jornal de Entre Rios. Entre Rios: 09 de julho de 1994. p. D1.
555
Ibidem
556
Ibidem. p. D2.
218
Na edição seguinte temos a transcrição do relato de Theresia Essert, nascida em 1936.
Trata-se, portanto de evocar as lembranças de eventos ocorridos na infância. Elas enfocam
dois episódios. O primeiro é a triste despedida de seus avós e a partida de sua cidade natal:
Então chegou a hora da partida. Pela última vez soou alto o sino. O tom era lento e triste,
como se quisessem dizer às crianças que se tratava de uma despedida para sempre. Então
iniciou o que de mais de terrível poderia acontecer a um povo, começou a terrível fuga.
557
O segundo são os bombardeios nas aldeias e estações de trens quando tinham que
fugir, sua angústia pelo fato de se perder de sua mãe durante um ataque aéreo e o alívio ao
reencontrá-la com ajuda de um soldado alemão.
Nesses dois episódios, podemos perceber de forma clara a permanência de traços de
uma memória de infância (o desespero ao perder a mãe) em conjunto com interpretações
formadas a posteriori (a conclusão que a despedida era para sempre), cujo significado é
coletivo.
Em agosto, o Jornal de Entre Rios foi substituído pela revista Entre Rios, que
continuou com a publicação da série. A primeira entrevista é a de Katharina Stieger, oriunda
de Lowas, Croácia. O texto que precede a transcrição, redigido por Magadalena Remlinger,
informa que, durante o ano de 1944, a luta nos Bálcãs rapidamente estava se aproximando do
fim. Em função disso, as lideranças alemãs de cidades da Croácia (Volksgruppenführung),
com a evacuação das comunidades, conseguiram salvar sua população suábia do extermínio
(Vernichtung), o que não ocorreu em outras regiões dos Bálcãs.
558
Remlinger informa que o pai de Katharina era o líder local (Ortsgruppenleiter), para
quem coube a responsabilidade de organizar a fuga. No dia 10 de outubro de 1944, ele reuniu
557
Dann ging es los. Noch ein letztes Mal fingen die Heimatglocken an zu läuten. Ihr Ton war langsam und
traurig, als ob sie den Kindern sagen wollten es sei der Abschied für immer. Dann begann das schrecklichste
das einem Volke nur zustossen konnte, es begann die fürchterlichte Flucht. Jornal de Entre Rios. Guarapuava:
16 de Julho de 1994. p. D1.
558
Revista Entre Rios. Guarapuava: agosto de 1994. p.26. Remlinger informa também que de Lowas vieram
mais de 30 famílias para Entre Rios, sendo que grande parte delas se fixou em Vitória.
219
parte da comunidade e convocou todos para partir, o que ocorreu no dia seguinte. A viagem
foi realizada com carroças, sendo que puderam levar apenas mantimentos, roupas de cama e
alimentos para os cavalos. De acordo com ela, (...) então começou um nervoso e muito difícil
tempo. Fazer as malas, o incerto futuro e a despedida da pátria, da casa e dos vizinhos.
Muitas lágrimas estavam sendo derramadas, antes de deixarem a pátria, mas correram
muitas mais.
559
Na primeira frase de seu relato, Stieger informa que tinham uma relação de
entendimento, sem brigas com os croatas, mas, com a aproximação do exército russo, os
militares alemães deram a ordem para que seu pai organizasse a evacuação da população. Em
seguida, o relato apresenta alguns fatos que antecederam a fuga: as discussões entre seu pai e
alguns moradores que teimavam em permanecer, os ataques dos partinsans, o fato de seu
marido estar servindo no exército e a chegada de fugitivos de outras cidades, que ficaram
alojados. Deles, ela comenta, souberam das atrocidades cometidas pelos partisans, como
enforcamentos e a queima de pessoas.
560
Tais pessoas juntaram-se aos habitantes de Lowas e seguiram em direção à Áustria,
guiadas por um croata. (...) Então todos os sinos soaram e nós choramos e partimos. E assim
nós viajamos durante um mês.
561
Stieger narra então as dificuldades da viagem,
principalmente em território húngaro, como a quebra da carroça e a neve, além dos perigos,
representados pelos ataques aéreos. Ao chegarem no destino, a cidade de Braunau, Áustria,
foram distribuídos entre as famílias do local.
562
A próxima entrevista é a de Magdalena Mecher, oriunda da localidade de Klein
Betschkerek, na Romênia. Semelhante à entrevista anterior, a editora cita o fato de esta cidade
559
(...) Danach begann eine hektische aber auch eine sehr schwere Zeit. Packen, die ungewisse Zukunft und der
Abschied von Heimat, Haus, und Nachbarsleuten. Viele Tränen waren schon vergossen, bevor sie die Heimat
verliessen, aber es flossen noch viel mehr. Ibidem.
560
(...) Die hen ufghängt, Feier drundr gmacht um hen sie vrbrennt. Ibidem. p.27.
561
(...) do hen alli Glocke glitte, um mir hen halt gekreint um sin fort. Ibidem.
562
Ibidem.
220
ser a origem de muitas das famílias de suábios que residem na colônia, no caso, na vila
Samambaia, e apresenta dados sobre a entrevistada, acrescida de uma descrição da situação
política da Romênia que, em 1944, assinou um acordo de paz com os aliados e mudou de lado
no conflito. De acordo com ela, isso teve graves conseqüências para os suábios do Danúbio,
bem como para os demais grupos de origem alemã que viviam no país.
563
Com o ataque da
Alemanha contra a Romênia, a cidade natal de Mecher tornou-se um dos palcos de combates,
forçando os seus habitantes a procurarem abrigo em cidades vizinhas.
564
É nesse contexto que
Mecher inicia seu relato.
O relato é curto. Mecher afirma que, em função da aproximação do exército russo,
tiveram que fugir rapidamente e não puderam carnear os porcos. Levaram apenas alguns
mantimentos como farinha e ovos. A viagem para a Áustria durou sete semanas. Além dos
ataques aéreos, ela cita a neve e o fato de ter que levar uma vaca para que as crianças tivessem
leite. Ao final, Mecher conclui dizendo o seguinte: (...) quem imaginaria que isso duraria
tanto tempo.
565
Em novembro, foi publicada a entrevista que encerra a série Um povo luta pelo seu
futuro. Trata-se do relato de Mathias Leh Sênior
566
, pai do ex-presidente da Agrária, falecido
naquele ano. A escolha dessa entrevista para concluir a série é também uma forma de
preencher uma importante lacuna na constituição desta memória coletiva: a ausência da
entrevista do ex-presidente da Agrária.
A introdução, redigida por Magdalena Remlinger, é a seguinte:
563
Até 1944, a Romênia era aliada da Alemanha no conflito. De acordo com ela, com o avanço do exército
vermelho em território romeno, mais de 75.000 Volksdeutschen foram levados para a Rússia. Revista Entre
Rios. Guarapuava: outubro de 1994. p. 6.
564
Ibidem.
565
Ibidem. p.7.
566
Revista Entre Rios. Guarapuava: novembro de 1994.
221
O ano de 1994, quando os suábios lembram os 50 anos da expulsão de sua pátria (lar), está
lentamente chegando ao fim. Em Entre Rios, como em outras partes do mundo, onde os
suábios do Danúbio novamente encontraram um lar, rememoramos este tempo. Nós, no
transcorrer deste ano, também publicamos relatos de experiência de vida que testemunham
este tempo (...). Esta não é uma parte da história somente destas pessoas, mas também, e
especialmente, das comunidades das quais eles descendem e que agora está literalmente
assegurada e à disposição dos nossos descendentes. Queremos em especial, neste relato, com o
qual nós terminamos esta série, recordar de Mathias Leh Jr., o qual, enquanto pode estar entre
nós, impulsionou e apoiou este trabalho.
567
aqui, em semelhança aos demais relatos, o deslocamento, ou a transformação de
memória individual em uma memória coletiva. De acordo com Portelli, a memória individual,
materializada na fala individual (...) só se torna memória coletiva quando é abstraída e
separada da individual (...).
568
É também uma forma de pressão exercida pela memória
coletiva sobre a individual dos demais habitantes suábios da colônia. Em outros termos, trata-
se de um exemplo claro de enquadramento de memória feito pelo jornal. A memória de um
indivíduo, embora, como nos ensina Halbwachs,
569
é constituída socialmente, deve ser vista
como representante de toda a coletividade, como uma referência de identificação.
Vejamos, então, o último relato da série: Leh nasceu em 1903, em Tomaschanzi,
Iugoslávia. Em 1941, foi convocado para servir na cavalaria do exército iugoslavo. Na cidade
de Sarawasch, aceitou a tarefa de chefiar uma milícia (Ortsschutz) encarregada de proteger as
aldeias dos ataques dos partisans.
Em 1943, pouco tempo antes do Natal, os partisans atacaram Tomaschanzi, Leh,
assim como a maioria dos habitantes do local, foi para uma cidade vizinha e depois, em
567
Das Jahr 1994, in welchen die Donauschwaben der 50 Jahre der Vertreibung aus ihrer Heimat gedenken,
geht langsam zu Ende. In Entre Rios, wie an vielen anderen Orten der Welt, wo Donauschwaben wieder eine
Heimat gefunden haben, wurde in Gedenkfeiern dieser Zeit gedacht. Auch wir haben im Verlauf dieses Jahres
Erlebnisberichte von Zeitzeugen veröffentlicht, (...). Es ist ein Teil der Geschichte nicht nur dieser Personen,
sondern auch der Gemeinde welcher sie entstammen, die nun festgehalten ist und unseren Nachkommen zur
Verfügung steht. Besonderes wollen wir in diesem Bericht, mit dem wir diese Folge beenden, Mathias Leh Jr.
gedenken, der den Antoss dazu gegeben hat und solange er unter uns weilen durfte, diese Arbeit ganz besonders
unterstützt hat.Ibidem.
568
PORTELLI, Alessandro, O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana, 29 de junho de 1944): mito e
política, luto e senso comum. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de (orgs.). Usos e Abusos da História
Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. p. 127.
569
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.
222
carroças, cruzaram a Hungria e seguiram para a Áustria, onde permaneceram até a vinda para
o Brasil.
Um aspecto do relato que chama a atenção refere-se à possibilidade de retornar para
sua terra natal:
Eu não tinha esperança que pudesse novamente retornar, mas minha mulher ainda tinha.
Quando nós estávamos saindo da aldeia, meio quilômetro distante dela, então eu disse: mãe,
dê uma última olhada para Tomaschanzi, pois eu acho que você nunca mais voltará a vê-la.
570
Tal afirmação indica que a expulsão do seu antigo lar é interpretada como algo sem
retorno. A história não possibilita o retorno. O ato de olhar pela última vez para a cidade pode
significar uma tentativa de reter na memória determinada imagem do passado, simbolizada
pela cidade natal.
O título da série Um povo luta pelo seu futuro indica também que não se trata somente
de serem preservadas determinadas narrativas sobre o passado, não é somente tornar o
passado presente, sobretudo por meio de relatos de experiências de vida destas pessoas
durante e após a Segunda Guerra Mundial. Mas, também, se trata de uma luta em prol do
futuro da identidade suábia. Ou seja, como afirma Helenice Rodrigues da Silva, com base na
obra de Paul Ricoeur, trata-se sempre da (...) memória de alguém que faz projetos e que visa
ao devir.
571
Portanto, a publicação sinaliza também as perspectivas de futuro dos integrantes do
grupo, especialmente dos editores do periódico. As entrevistas não foram publicadas em
função do passado, mas sim adaptadas às necessidades do presente (1994) e as projeções de
futuro, ou para tomarmos emprestadas as palavras do historiador alemão Reinhart Koselleck,
570
Ich hab ka Hoffnung g’hat das ich wieder homkum, awr die Frau schun. Wie mr aus’m Dorf rausgfohre sin,
so a halbe Kilo-metr, sag ich: Mottr, dreh dich noch omol um um schau dr Tomas-chanzi s’letschtimol oo, weil
ich mon du siegschts nimmi. Revista Entre Rios Op. cit. p. 11.
571
SILVA, Helenice Rodrigues da. “Rememoração”/Comemoração: as utilizações sociais da memória.In:
Revista Brasileira de História. São Paulo: vol.22, nº 44. 2002. p. 429.
223
é a tentativa, a partir do presente, de apreender o passado-experiência e o futuro-expectativa
como algo dotado de um sentido.
572
Se a idéia de Lichtenberger, apoiada por Leh, era
preservar as memórias dos imigrantes em fitas magnéticas, para que estas não se perdessem
com a morte de seus portadores, a publicação destas no jornal vai além: ela tem um sentido
pedagógico, de induzir condutas, “corrigir distorções”, enfim, homogeneizar, enquadrar as
memórias e assim ancorar a identidade suábia-danubiana da colônia Entre Rios.
572
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de
Janeiro: Contraponto/ PUC-Rio. 2006.
224
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A construção do sentido tem por objetivo compreender o
passado; e querer compreender tanto o passado como o
presente é próprio do homem (...). Os homens realizam sua
humanidade tanto mais quanto reforçam essa atividade de
consciência e tentam compreender o mundo inteiro e,
conseqüentemente, compreender a si mesmos.
573
A construção de sentidos sobre o passado está associada ao estabelecimento e seleção
de fatos e, sobretudo, à sua interpretação. No caso deste trabalho, tratou-se de refletir sobre
como se processou a constituição, por meio de discursos sobre o passado do grupo, de um
sentido identitário suábio-danubiano na colônia Entre Rios.
Oriundos de diferentes áreas dos Bálcãs, de onde foram expulsos, e tendo permanecido
durante alguns anos na Áustria, para os imigrantes que fundaram Entre Rios, e seus
descendentes, houve a construção de um sentido comum, uma memória comum para seu
passado.
Trata-se, guardadas as devidas distâncias, de uma espécie de práxis reestruturante,
para usarmos a expressão de Wachtel.
574
Pois, semelhante aos povos indígenas do Peru,
conquistados pelos espanhóis, os suábios, expulsos de suas terras, designados como
apátridas, reagem a esse “traumatismo coletivo” por meio da elaboração de uma memória
coletiva que, de certa forma, recusa a derrota. Ou melhor, nessa interpretação, encarou-se a
expulsão como uma derrota parcial, pois conseguiram novamente vencer e construir uma nova
pátria no Brasil.
573
TODOROV, Tzvetan. Op. cit., p.145.
574
No caso dos indígenas do Peru, a principal expressão da praxis reestruturante é a (...) Dança da Conquista:
uma reestruturação dançada, em termos imaginários, pois as outras formas de práxis falharam. WACHTEL,
Nathan. La vision des vaincus. Les indiens du Pérou devant la conquête espagnole. Paris: Gallimard, 1971.
Apud: LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: UNICAMP, 2003. p. 69-70.
225
A construção desse sentido envolve um processo de coleta, reestruturação e de
controle das memórias individuais. Como vimos, por meio da publicação de livros, jornais, e
revistas, especialmente em ocasiões comemorativas, tal memória é recontada e reafirmada,
constituindo assim o principal suporte de sua identidade coletiva.
Nas palavras de Maria Rita Kehl, baseada em Gagnebin,
Existe, portanto um trabalho da memória que é fundamental para a superação dos traumas
individuais e coletivos. Trabalho implica em transformação de uma coisa em outra; trabalhar a
memória é transformar seus resíduos, de modo a que eles se incorporem aos termos da vida
presente sem que precisem ser recalcados.
575
Mas não se trata somente de inferir sentidos sobre o passado, mas também sobre o
futuro, ou melhor, acerca das expectativas de futuro. Em ambos os casos, a elaboração do
significado é feita a partir de um determinado presente, de onde partem leituras sobre o
pretérito e sobre o devir. Em ambos, procura-se estabelecer, fixar, a permanência de um
sentido comum que afugenta as incertezas do devir por meio de um passado confortador. É a
possibilidade de dar prosseguimento ao oitavo dia.
Destarte, como se procurou mostrar neste estudo, a identificação suábia- danubiana foi
e é elaborada a partir de discursos indicadores/construtores de identidade, produzidos em
locais e instituições específicos. Portanto, não se buscou investigar o que são os
Donauschwaben, mas como eles se tornaram Donauschwaben. Na Europa, o surgimento desta
identificação deu-se no contexto do Pós-Primeira Guerra Mundial. No Brasil, um processo
de reelaboração e fixação desta identificação. Inicialmente, isso pode ser observado nos
jornais que noticiaram a vinda dos suábios para o Brasil, nos discursos de Bento Munhoz e
nos escritos de Helmuth Abeck. A partir da ascensão de Mathias Leh ao cargo de diretor da
575
KEHL, Maria Rita. Ressentimento. São Paulo: Casa do Psicólogo Livraria e Editora Ltda. 2004. p. 228.
226
cooperativa Agrária, a produção de sentidos identitários passou a ser fomentada
principalmente pela cooperativa.
Cabe enfatizar que, a elaboração desse sentido identitário é externa aos suábios do
Danúbio, a começar pelos próprios criadores do termo - pois Sieger e Rüdiger não viviam nos
Bálcãs, mas na Áustria e na Alemanha, respectivamente. No Brasil, esse sentido também não
foi elaborado pelos imigrantes e descendentes, mas, na maior parte, por indivíduos não-
suábios, externos à colônia: Gossner, Frösch, Munhoz, Aulich, Abeck, Szilvassy e Elfes. São
os discursos destes autores - especialmente o último - que norteiam, em grande medida, os
sentidos produzidos e divulgados por meio do jornal e revista da cooperativa da colônia.
Mesmo quando tais periódicos apresentam entrevistas com os imigrantes, o sentido das
narrativas não é dado pelos próprios depoentes, mas pelos editores.
Assim, tais autores e editores podem ser caracterizados como os construtores desta
memória coletiva, principal suporte da identidade suábia-danubiana. São eles que, por meio
da elaboração de narrativas sobre o passado do grupo, do enquadramento e homogeneização
de memórias individuais, enfim, da (...) utilização dos recursos da história, da linguagem e
da cultura (...),
576
produzem os discursos que são divulgados em espaços públicos - livros,
jornais, escolas, museu, etc. - e fixam determinada imagem do grupo a sua memória
coletiva.
Embora os discursos apresentem essa identidade como algo fixo, natural, há também a
percepção por parte de seus “guardiões” de que ela está sujeita ao desaparecimento, daí a
necessidade da vigilância constante. A consciência - ou o receio - da finitude desta identidade
pode ser observada nas seguintes palavras de Horst Schwarz, diretor do Departamento
Cultural da Agrária:
576
HALL, Stuart. Quem precisa da identidade? Op. cit. p. 109.
227
Muitas atividades, a Agrária traz para si porque ela entende que são importantes para não se
perder a tradição, a língua, a cultura. Isso custa caro para a cooperativa, mas ela como
necessário, para evitar que isso se perca. Por isso que ela mantém o museu, a escola, onde as
crianças são alfabetizadas em alemão, onde elas aprendem a cultura desde pequenas. Por isso
ela mantém os diversos grupos de danças folclóricas e com danças brasileiras, os grupos de
teatro e corais. (...) Também é uma forma de manter a coesão dos cooperados e também olhar
para o futuro. É um esforço que a cooperativa faz para preservar as tradições. Se a Agrária não
fizer, isso irá acabar, e, uma vez perdido, não se recupera mais.
577
Portanto, não se trata do desaparecimento das pessoas nomeadas como suábios do
Danúbio, mas da possibilidade do esvaecer desta identificação. Daí a necessidade do trabalho
constante - patrocinado pela Agrária - com a memória de grupo.
Além das narrativas impressas nos livros e jornais, é por meio da escola, do ensino da
língua alemã, dos grupos folclóricos, por exemplo, que se procura incutir e perpetuar nos
jovens indivíduos descendentes dos imigrantes suábios, determinada maneira de ser suábia
danubiana. Em vários momentos pude perceber a importância conferida a tais atividades, em
especial ao conhecimento do idioma alemão. Exemplo disso, foi a identificação entre mim e
os suábios, que aconteceu na medida em que aperfeiçoava minha expressão na língua alemã
diferentemente do que aconteceu por ocasião da minha primeira visita à colônia.
Cabe também dizer que não era o objetivo deste trabalho abordar toda a história da
colônia Entre Rios, mas de indagar, especificamente, acerca de um aspecto: o processo de
formação de uma identidade de parte das pessoas da colônia. Mesmo se tratando somente
desse aspecto, visualizamos a oportunidade de prosseguir na pesquisa. Portanto, ela não se
encerra aqui. Este trabalho deve ser visto como um começo de um processo no qual se insere
o meu aprendizado da língua alemã e o cultivo de uma relação de amizade e respeito com
muitos moradores suábios e não-suabios de Entre Rios.
Dentre as possibilidades de prosseguimento de pesquisa, podemos citar as relações
entre os suábios e os fazendeiros que eram proprietários das terras onde foi estabelecida a
577
SCHWARZ, Horst. Entrevista concedida a Marcos Nestor Stein. Vitória: 18 de julho de 2006. A. A.
228
colônia e de seus arredores, e com a população não-suábia da colônia. Outros objetos de
análise interessantes são: o acervo de entrevistas do museu, as práticas pedagógicas utilizadas
pelo corpo docente do Colégio Imperatriz Dona Leopoldina, sobretudo no ensino da língua
alemã e da disciplina História dos Suábios do Danúbio (Heimatunterricht) e, quiçá, uma
profunda investigação sobre o contexto político, social e cultural, na primeira metade do
século XX, dos países de origem deste grupo.
Por fim, entendemos que o propósito do trabalho do historiador, cuja temática é a
memória coletiva e a sua relação com a identidade de grupos, não é a de “introduzir a dúvida
no coração”, mas de tratar as ações humanas no âmbito dessacralizado da história, entendê-las
e submetê-las ao crivo do debate, da crítica. Afinal, a história, diferentemente do oitavo dia,
não é feita somente de triunfos, sucessos, mas também de angústias, desejos, incertezas, etc.,
enfim, é feita de (...) altos e baixos, como a vida.
578
578
GEHRING, Karl. Op. cit.
229
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