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ELY BERGO DE CARVALHO
A MODERNIZAÇÃO DO SERTÃO: TERRAS, FLORESTAS, ESTADO E
LAVRADORES NA COLONIZAÇÃO DE CAMPO MOURÃO, PARANÁ, 1939-1964
Tese apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor em História, área
de concentração História Cultural, pelo
Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de Santa Catarina
UFSC.
Orientadora: Profª. Drª. Eunice Sueli Nodari
FLORIANÓPOLIS
2008
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ELY BERGO DE CARVALHO
A MODERNIZAÇÃO DO SERTÃO: TERRAS, FLORESTAS, ESTADO E
LAVRADORES NA COLONIZAÇÃO DE CAMPO MOURÃO, PARANÁ, 1939-1964
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em História área de
concentração história cultural, no Curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal
de Santa Catarina – UFSC.
Orientadora: Profª. Dr.ª Eunice Sueli Nodari
Departamento de História – UFSC.
Prof. Dr. Regina Horta Duarte
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
Prof. Dr. Gilmar Arruda
Universidade Estadual de Londrina - UEL
Prof. Dr. João Klug
Departamento de História - UFSC
Prof. Dr. Paulo Pinheiro Machado
Departamento de História - UFSC
Suplentes: Prof. Dr. Marcos Fábio Freire Montyzuma
Departamento de História – UFSC.
Prof.ª Dr.ª Zueleide Casagrande de Paula
Universidade Estadual de Londrina - UEL
Florianópolis - SC., 28 de fevereiro de 2008.
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AGRADECIMENTOS
Não posso deixar de registrar meu agradecimento especial a Eunice Sueli Nodari, pois
fez mais que me orientar, me apoiou; a João Klug, que soube criar e coordenar um ambiente de
trabalho intelectual fundamental para realizar este trabalho que sempre foi beneficiado por seus
comentários. Ao professor Gilmar Arruda, ao Miguel M. X. de Carvalho, a Eliana Bär e ao
Daniel Schiochett agradeço os comentários que ajudaram a melhorar as muitas deficiências desta
narrativa.
O trabalho do historiador não se realiza sem arquivos, por isso agradeço as seguintes
instituições e pessoas pelo seu trabalho de preservação da memória social: Arquivo Público do
Estado do Paraná, Biblioteca Pública do Paraná, Museu Paranaense, Circulo Bandeirantes,
Instituto Histórico, Etnográfico e Geográfico do Paraná, Bibliotecas do IBGE de Curitiba e
Florianópolis, Biblioteca do IPARDES, Bibliotecas da UFPR, Delegacia Regional do Paraná do
IBMA, Coordenadoria de Gestão Territorial CGET da Secretaria de Estado do Meio
Ambiente e Recursos Hídricos do Paraná, em especial ao Albari e ao Roberto, Primeira Vara
Civil da Comarca de Campo Mourão, Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras de Campo
Mourão – FECILCAM, Museu Municipal D. M. Pereira de Campo Mourão, em especial a Edina
Simionato. E a ainda a Jair Elias, da Câmara Municipal de Campo Mourão, e a Gisele Ramos
Onofre, da FECILCAM.
E não poderia deixar de registrar meu afeto a minha família, que me apoiou em minha
trajetória de pesquisador. Ao meu companheiro Daniel; a meus pais, Gabriel e Helena, que
sempre me deram o fundamental, amor; a meu irmão Sergio, minha cunhada Rosangela e a
Fernanda, minha sobrinha.
4
“Há no Brasil a necessidade de se começar a fazer a
história sistemática das idéias que regeram e regem as
relações entre a(s) sociedade(s) e a natureza.”
Antonio Carlos Diegues
“Pois não existe desenvolvimento econômico que não
seja ao mesmo tempo desenvolvimento ou mudança de
uma cultura. E o desenvolvimento da consciência social,
como o desenvolvimento da mente de um poeta, jamais
pode ser, em última análise, planejado.
E. P. Thompson
“Racionalização é a construção de uma visão coerente,
totalizante do universo, a partir de dados parciais, de uma
visão parcial, ou de um princípio único, assim, a visão de
um aspecto das coisas (rendimento, eficácia), a
explicação em função de um fator único (o econômico ou
o político)”.
Edgar Morin
“A colonização é um projeto totalizante cujas forças
motrizes poderão sempre buscar-se no nível do colo:
ocupar um novo chão, explorar os seus bens, submeter os
seus naturais. Mas os agentes desse processo não são
apenas suportes físicos de operações econômicas; são
também crentes que trouxeram nas arcas da memória e da
linguagem aqueles mortos que não devem morrer.
Alfredo Bosi
5
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS E FIGURAS...............................................................................................7
RESUMO.........................................................................................................................................8
SUMMARY.....................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO............................................................................................................................10
CAPÍTULO 1 – A VIBRANTE PAISAGEM DO SERTÃO....................................................25
1.1 OS ERVATEIROS PARAGUAIOS......................................................................28
1.2 OS XETÁ...............................................................................................................30
1.3 OS KAINGANG.....................................................................................................32
1.4 OS PECUARISTAS DOS CAMPOS DE GUARAPUAVA.................................40
1.5 OS LAVRADORES...............................................................................................41
1.5.1 – TERRAS: UMA RACIONALIDADE CAMPESINA........................................44
1.5.2 – FLORESTAS: UM MODO DE VIDA DE BAIXO IMPACTO.........................50
CAPÍTULO 2 O ESTADO JARDINEIRO: O DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA,
TERRAS E COLONIZAÇÃO NA COLONIZAÇÃO RACIONAL DE CAMPO
MOURÃO.....................................................................................................................................53
2.1 A ESTRATÉGIA DE COLONIZAÇÃO RACIONAL.............................................53
2.2 A LEGISLAÇÃO DE TERRAS: ESTADO E TERRAS.......................................57
2.2.1 – Industrializar a Nação e Produzir o Trabalhador.................................................61
2.2.2 – A Colonização Dirigida no Paraná......................................................................69
2.3 OS RELATÓRIOS GOVERNAMENTAIS: A COLONIZAÇÃO RACIONAL DE
CAMPO MOURÃO FACE O CONFLITO POR TERRAS.........................................................91
2.3.1 – A colonização racional: planejamento técnico e memória oficial......................91
2.3.2 – Colonização espontânea: o devastador a ser transformada no trabalhador.......101
2.3.3 Colonização Racional: conflitos e violência.....................................................107
2.3.4 – Os lavradores: posses e lutas.............................................................................122
2.3.5 – A estrutura fundiária .........................................................................................126
2.4 A IRRACIONALIDADE AMBIENTAL DA COLONIZAÇÃO RACIONAL.....134
CAPÍTULO 3 O JARDINEIRO INFIEL: O DGTC, INP E O REFLORESTAMENTO
RACIONAL.................................................................................................................................139
3.1 O REFLORESTAMENTO: ÁRVORES PARA UM BRASIL MODERNO......139
3.2 O PROJETO FORDISTA-KEYNESIANO PERIFÉRICO..................................142
6
3.3 AQUI É O PARAISO, MAS ÊTA POVINHO ...................................................146
3.4 LEGISLAÇÃO FLORESTAL: ESTADO E FLORESTAS.................................154
3.5 O DGTC NA RACIONALIZAÇÃO DA PAISAGEM........................................164
3.6 A FLORESTA DENTRO DO JARDIM..............................................................179
3.7 O INP E A ESTRATÉGIA DE REFLORESTAMENTO RACIONAL..................190
3.7.1 – O INP e as Florestas..........................................................................................190
3.7.2 – A Tradição Modernizadora................................................................................206
3.7.3 – O Motor da Produção: a Tecnologia..................................................................214
3.7.4 – O Homo economicus Conserva a Floresta? ......................................................217
3.7.5 – Produzir uma “Mentalidade Florestal” .............................................................220
3.7.6 – O Corpo Verde da Pátria...................................................................................224
3.7.7 – A Irracionalidade Ambiental da Estratégia de Reflorestamento Racional........229
CAPÍTULO 4 LAVRADORES: TERRAS E FLORESTAS..............................................235
4.1 A ESTRATÉGIA DE FAZER POSSE.................................................................235
4.2 –LAVRAR A TERRA E DERRUBAR A FLORESTA: AS BASES CULTURAIS E
ECOLÓGICAS DA PRODUÇÃO DE POSSES.........................................................................240
4.3 INSPIRAR AMOR A TERRA: DESMONTAR OS MECANISMOS DE
REPRODUÇÃO E AUTO-EQUILÍBRIO...................................................................................259
4.4 INSPIRAR AMOR ÀS ÁRVORES: LAVRADORES, MADEIREIRAS E
DESFLORESTAMENTO...........................................................................................................264
4.4.1 – Mercado de Madeireira: Valorizar a Terra é Queimar a Floresta......................265
4.4.2 – Industria Madeireira: Insegurança, Exclusão e Violência.................................276
4.5 FAZER POSSE OU MODERNIZAR O SERTÃO...............................................291
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................317
REFERÊNCIAS.........................................................................................................................324
ANEXOS.....................................................................................................................................343
7
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 LOTES TITULADOS DAS CINCO MAIORES COLONIAS DA REGIÃO DE
CAMPO MOURÃO..............................................................................................129
TABELA 2 CAMPO MOURAO - PR. ESTABELECIMENTOS POR GRUPOS DE AREA
TOTAL..................................................................................................................132
TABELA 3 PARANÁ: CONDIÇÃO DO PRODUTOR, SEGUNDO A ROPRIEDADE DAS
TERRAS E GRUPOS DE ÁREA TOTAL, 1970.................................................133
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – ESTADO DO PARANÁMICRO-REGIÕES HOMOGÊNEAS 1967................14
FIGURA 2 FRAGMENTO DO MAPA FITOGEOGRÁFICO DO ESTADO DO PARANÁ,
1950.........................................................................................................................16
FIGURA 3 – MAPA FITOGEOGRÁFICO DO ESTADO DO PARANÁ...................................18
FIGURA 4 PARANÁ: GRANDES FRENTES DE COLONIZAÇÃO, COM A REGIÃO DE
CAMPO MOURÃO EM DESTAQUE...................................................................44
FIGURA 5 PARANÁ - CONCESSÕES E “GRILOS” DE TERRAS ANTERIORES A
1930...............................................................................................................................................75
FIGURA 6 – COLONIAS DA REGIÃO ENTRE OS MEDIOS RIOS IVAÍ E PIQUIRÍ.........128
FIGURA 7 PLANTA DA SITUAÇÃO DAS TERRAS DO OESTE PARANAENSE
DESTINADAS A COLONIZAÇÃO, 1945..........................................................184
8
RESUMO
CARVALHO, Ely Bergo. A Modernização do Sertão: Terras, Florestas, Estado e Lavradores
na Colonização de Campo Mourão, Paraná, 1939-1964. 2008. Tese (Doutorado em História)
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina USFC,
Florianópolis.
A história da inter-relação das sociedades humanas e as florestas, no Brasil, em grande parte, se
confunde com o processo de colonização, e portanto, de tentativa de controle da natureza e dos
semelhantes, que formou a nação brasileira. Nesta pesquisa procuro entender as estratégias e as
representações na apropriação de florestas e terras, durante o processo de colonização dirigida,
ocorrido na região de Campo Mourão, Paraná, entre 1939 e 1964. As fontes utilizadas são,
basicamente, as mensagens do Governador ao Legislativo Estadual do Paraná, os relatórios do
Departamento de Geografia, Terras e Colonização, da Delegacia Regional do Paraná do Instituto
Nacional do Pinho e os processos da Vara Civil da Comarca de Campo Mourão, Paraná. A partir
dessa massa documental e da historiografia postulo que, no caso em tela, a estratégia defendida
de apropriação das terras devolutas era efetuar uma colonização racional, que implicava no
planejamento estatal, que junto com uma rigorosa aplicação da tecno-ciência e a divisão
produtiva da terra, garantiriam o “progresso”. Quanto à floresta a tecnoburocracia propugnava
como forma de gestão, um reflorestamento racional, que era entendido como a substituição da
“floresta improdutiva” por uma “floresta melhorada”, ou seja, por uma floresta artificial. Em
ambos os casos a fé na tecno-ciência era um elemento central da sustentação da estratégia, sendo
que uma visão de mundo mecanicista pautava tais propostas, no qual a natureza seria
“melhorada” pela intervenção da tecno-ciência que geraria o progresso”. Dessa forma, mais do
que uma natureza cornucópia, nas fontes abordadas uma certeza dos efeitos positivos da
intervenção tecno-científica. Ademais, em ambos os casos, se têm uma tentativa não apenas de
intervir sobre coisas, mas principalmente, sobre pessoas. Ambas as estratégias se inserem em um
projeto fordista-keynesiano periférico, não apenas porque se trata da intervenção estatal tentando
regular a economia, para possibilitar a industrialização, mas porque sua proposta era espraiar sua
ação para os mais variados campos da vida social, tentando produzir um trabalhador ordeiro e
obediente, um “homem novo”, e não um cidadão. Em tal projeto modernizador do sertão há uma
série de representações e práticas que acabaram por excluir uma parte da população ao acesso as
terras e as florestas. Desta, e de outras formas, o “Estado jardineiro deslegitima os mecanismos
de auto-equilíbrio e reprodução das populações. Todavia, os lavradores pobres não foram
passivos em tal processo. Como demonstra sua estratégia de fazer posse, a qual estava amparada
por uma dada ordem moral, uma campesinidade, que era articulada com uma ordem ecomica,
na luta cotidiana de se defender. Tal negociação/resistência/colaboração cotidiana teve efeitos
nada desprezíveis no processo geral de colonização dirigida, uma vez que a ação efetiva do
Estado na colonização dirigida da região foi, em grande parte, fruto da pressão gerada pelos
milhares de posseiros que buscavam fazer posse. Gerando uma estrutura fundiária em que,
apesar da forte presença da agricultura familiar, a maioria da população estava excluída da
propriedade da terra. Dessa forma, em uma situação de extrema desigualdade de recursos de
poder e de violência aberta, a hierárquica cultura brasileira, continuou a se reelaborar, formando
uma paisagem socialmente injusta e ambientalmente insustentável, mas moderna, e como toda a
paisagem moderna estava prestes a se desmanchar no ar.
Palavras-chave: estratégias, representação, mecanicismo, fordismo-periférico, terras, florestas,
lavradores.
9
ABSTRACT
CARVALHO, Ely Bergo. The Modernization of the Sertão: Land, Forests, State and Peasant
Farmers in the Colonization of Campo Mourão, Paraná, 1939-1964. 2008. Thesis (Doctorate in
History)- Post Graduation Program in the Federal University of Santa Catarina - UFSC,
Florianópolis.
The history of the interrelation of human societies and the forests in Brazil is, to a large degree,
caught up with the process of colonization that formed the Brazilian nation, and as such, the
attempt by the elite to control nature, including human beings. Through this research I am
seeking to understand the strategies and representations in the appropriation of land and forests,
during the process of directed colonization, which took place in the region of Campo Mourão,
Paraná, between the years 1939 and 1964. The sources used are, basically, the messages of the
Governor to the State Legislature of Paraná, reports from the Department of Geography, Land
and Colonization, from the Regional Delegacy of Paraná, the National Pine Institute and the
processes of the District Civil Court of Campo Mourão County, Paraná. From this documental
mass and the cited historiography that, in this case, the strategy advocated of the appropriation of
unoccupied lands was to carry out a rational colonization, which involved state planning that
together with a rigorous application of techno-science and the productive division of lands would
guarantee progress”. With regard to the forest, techno-bureaucracy advocated a rational
reforestation, as a form of management that was understood to mean the replacement of the
unproductive forestwith an “improved forest”, or rather, an artificial forest. In both cases,
faith in technocracy was a central element in sustaining the strategy, seeing as a vision of a
mechanistic world was based on such propositions, in which nature would be “improved” by the
intervention of techno-science that would generate “progress”. In this manner, more than a
Cornucopian nature, there are positive effects of techno-scientific intervention to be found in the
sources broached. Moreover, in both cases, there is an attempt not just to intervene in relation to
things but, principally, people. Both strategies place themselves in a peripheral Fordist-
Keynesian project, not only because they deal with state intervention attempting the regulation
of the economy, to make industrialization possible, but because its proposal was to diffuse its
action through the most varied social fields, in an attempt at producing an orderly and obedient
worker, a new man”, and not a citizen. In this type of sertão modernizing project there are a
series of representations and practices that ended up in the exclusion of a part of the population
from accessing lands and forests. In this and in other forms, the “Gardener state” discredits the
reproduction and self-balancing mechanisms of the populations. Still, the peasant farmers were
not passive in this kind of process. As their strategy of taking possession shows, and which was
defended by a given moral order, there was a ‘campesinidade’- (a traditional moral order) that
was articulated with an economic order, in the day to day struggle to defend themselves. This
kind of negotiation/resistance/collaboration had appreciable effects on the general process of
directed colonization and the effective State action in directed regional colonization was, in large
part, fruit of the pressure generated by millions of appropriators who were seeking possession.
Generating a property structure in which, despite the strong presence of family run agriculture,
the majority of the population was excluded from propertied land. In this manner, in a situation
of extreme inequality of power resources and open violence, the Brazilian cultural hierarchy,
continued to reinvent itself, forming a socially unjust and environmentally unsustainable
landscape albeit modern and like the rest of the modern landscape, ready to pollute the air.
Keywords: strategies, representations, mechanicism, peripheral Fordism, lands, forests, peasant
farmers.
INTRODUÇÃO
Quem já viajou pela rego de Campo Mourão, no interior do Paraná, viu uma paisagem
rural moderna, com uma agricultura competitiva em padrões internacionais, possuindo, apenas,
pequenos remanescentes florestais, como ilhotas em meio ao campo cultivado. O mais
surpreendente é ver, em meio aos campos de soja e as pastagens, uma ou outra araucária,
testemunhas de uma floresta que não mais existe. E isto se repete em grande parte da área mais
povoadas do Brasil, no interior do Estado do Rio de Janeiro, na antiga região cafeeira, se um
mar de morros, como que meias laranjas, desnudas e com grandes voçorocas, ou ainda pelo
Norte do Mato Grosso se áreas recentemente desflorestadas a perder de vista, nas quais se
pode ver apenas pastagem e, solitária, uma ou outra, enorme e imponente, castanheira, tais
árvores são indícios da floresta que ali existia. A fronteira agrícola continua a avançar no Brasil
sobre a floresta. Entender a inter-relação entre os seres humanos e as florestas no Brasil, no
século XX, é em grande parte, compreender esta história de colonização do território nacional
para formação de um Brasil moderno.
Warren Dean, movido pelas preocupações ambientais contemporâneas, narrou esta
história, e abarcou o desafio de fazer uma história das florestas, produzindo uma narrativa de
como a Mata Atlântica brasileira, com cerca de um milhão de quilômetros quadrados, ao longo
de “dez mil anos de ocupação humana”, chegou à atual situação, com a pequena porção da
floresta ainda existente, formando um dos ecossistemas mais ameaçados do Brasil. Ele, ao iniciar
sua grande narrativa da devastação da Mata Atlântica, se pergunta: “É possível uma história das
florestas?”.
1
É evidente que, não se estava falando de uma história da evolução dos ecossistemas
para muito antes da presença humana no planeta, campo de competência da paleobotânica ou
peleoecologia — e sim do estudo [histórico] da relação entre a floresta e o homem”.
2
Autores afirmam que Dean gostava de abrir caminhos, e isto, com certeza, ele fez, sua
obra ainda será de leitura obrigatória por, no nimo, uma geração de historiadores ambientais.
Serão necessários anos para percorrer os caminhos por ele abertos, corroborando a afirmação de
Stuart B. Schwartz de que os temas dos livros de Dean são sempre amplos, sempre
importantes.”
3
Todavia, tal obra não se constituiu em um modelo de história ambiental das
florestas.
4
Sua abordagem foi fortemente criticada, por homogeneizar a história das florestas, é
1
DEAN, Warren. A ferro e fogo: A história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996. p. 20.
2
Ibid., p. 28.
3
SCHWARTZ, Stuart B. Prefácio. In: DEAN, op. cit. p. 13
4
CARVALHO, Ely Bergo de. Os historiadores e as florestas: dez anos depois de A ferro e fogo.
Esboços. v.13. p.107-124, 2005.
11
como se partisse da “perspectiva da floresta”, diante da qual toda intervenção humana seria
negativa, o percebendo as descontinuidades que formam a história da relação das sociedades
humanas com o bioma da Mata Atlântica.
5
Reforça, assim, a dicotomia social versus natural, em
um tipo de história ambiental que Enrique Leff denomina “história ecológica”:
Nesta visão não se consegue conceber a complexidade ambiental, como um
processo enraizado em formas de racionalidade e de identidade cultural que,
como princípios de organização social, definem as relações de toda sociedade
com a natureza; a história ambiental se limitaria a estudar as formas como
diversos modos de produção, formões sociais e estruturas de classe, se
apropriam, transformam e destroem os recursos do seu entorno.
6
Leff afirma que o elemento que falta nesta “história ecológica” é o tempo. Estes
historiadores ambientais ou ecológicos teriam ignorado o tempo, e buscavam narrar a história da
relação entre sociedades humanas e seus ambientes como um continuum temporal, sem cortes,
sem diferença. E propõem que a história ambiental deveria ser uma hermenêutica do Ser.
Marshall Sahlins, provavelmente, afirmaria que o que está faltando em tal perspectiva
de história ambiental é cultura. Ou seja, tal como fez Tucídides, o pai da história”, os
historiadores, e boa parte do pensamento ocidental, estaria trabalhando ainda com uma natureza
humana universal. Sendo necessário não pressupor o ser humano agindo sempre a partir do seu
auto-interesse, movido por um instinto de poder pelo poder”. Dessa forma, o autor propõe
atentar para se contextualizar os interesses dos agentes e não pressupô-los a priori. Pois seus
“valores e aquilo que eles valoravam e, correspondentemente, suas motivações e ações
derivavam da ordem cultural, e não da natural. As pessoas diferem em termos daquilo que
amam, como disse santo Agostinho.”
7
Expresso de outra forma, o pensamento social ocidental ainda está demasiadamente
preso a uma concepção de ser humano como um Homo economicus, movido por uma
racionalidade mercantil individualista. E não é estranho que uma parte dos estudos das ciências
ambientais atuais compartilhe uma visão de Homo devastans, ou seja, uma visão de que toda
5
Para a crítica a tal modelo de história ambiental ver: SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória.
Tradução Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 23, passim; DUARTE, Regina Horta. Por um
pensamento ambiental histórico: o caso do Brasil. In: SIMPOSIO DE HISTÓRIA AMBIENTAL AMERICANA, 2.,
2003, Santiago. Anais. Santiago: Universidade de Chile, 2003. 1 CD.; CARVALHO, Ely Bergo; NODARI, Eunice
Sueli. Natureza, História e Cultura: uma abordagem da história das florestas. In: SIMPÓSIO DE HISTÓRIA
CULTURAL, 1., 2002, Porto Alegre. Anais. Porto Alegre: PUC/RS., 2002. 1 CD-ROM; CABRAL, Diogo de
Carvalho. Teorias da devastação ecológica colonial na historiografia brasileira contemporânea: algumas notas
críticas. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24., 2007, São Leopoldo – RS. Anais eletrônicos. São
Leopoldo: Unisinos, 2007.
6
LEFF, E. Construindo a História Ambiental da América Latina. Tradução Ely Bergo de Carvalho.
Esboços, Florianópolis, n. 1, v. 13, p. 11-30, 2005.
7
SAHLINS, Marshall. História e Cultura: Apologias a Tucídides. Tradução Maria Lucia de Oliveira.
São Paulo: Zahar, 2006. p. 117.
12
interação com o ambiente, feita pelo ser humano, vai acabar gerando uma redução na
biodiversidade e “destruindo” a natureza.
8
múltiplas abordagens históricas na Antropologia Ambiental, na Sociologia
Ambiental, na Geografia, na Ecologia entre outras. que procuram resolver as aporias
apontadas.
9
Não cabe aqui fazer um balanço, mas indicar que, em geral, tal como nos trabalhos
na área de gestão ambiental, elas têm indicado a centralidade das representações, valores e
práticas dos agentes envolvidos no processo de apropriação e uso seja para conservar ou
destruir – o ambiente.
10
Dessa forma, optei por não abordar a floresta em toda a sua enteléquia, mas, em centrar
em representações e valores que informaram o processo de desflorestamento e que
acompanharam o avanço da sociedade nacional sobre o território brasileiro. Não se trata,
entretanto, de abordar um objeto fragmentado, sem tentar fazer conexões, com variáveis
econômicas, tecnologias e ambientais, mas apostar que o melhor caminho para uma abordagem
holística não é a tentativa de um indivíduo em abordar uma “história global”, mas a tentativa
coletiva de construir abordagens complexas.
11
Isto posto, elaboro o problema de pesquisa da seguinte forma: quais as estratégias e
representações que informaram o processo de apropriação dos recursos naturais (terras e
madeiras) na colonização dirigida de Campo Mourão? Nessa pergunta uma adição e uma
subtração. A subtração/simplificação é que trabalho a floresta, em grande parte, em termos de
recursos naturais, mas a floresta não é um amontoado de recursos naturais. Se não abordo a
floresta em toda a sua enteléquia, mas somente como uma fonte de recursos, não é por considerar
a floresta apenas um depósito do qual se retiram recursos, mas para entender como, em parte, tal
representação economicista da floresta foi construída.
A adição é a inclusão da terra na problemática, pois estes dois recursos mostraram-se
umbilicalmente ligados, no processo de colonização. Aliás, poderia repropor a problemática de
pesquisa a partir da colonização. Como afirma Alfredo Bosi: “a colonização não pode ser tratada
8
BALÉE, William. Advances in Historical Ecology. New York: Columbia University Press, 1998.
apud CARVALHO, Miguel Mundstock Xavier de. O desmatamento das florestas de araucária e o Médio Vale
do Iguaçu: uma história de riqueza madeireira e colonizações. 2006. Dissertação (Mestrado em História)
Universidade Federal de Santa Catarina UFSC, Florianópolis. p. 110; BALÉE, William. Diversidade amazônica e
a escala humana do tempo. In: SIMPÓSIO DE ETNOBIOLOGIA E ETNOECOLOGIA DA REGIÃO SUL, 1.,
2003, Florianópolis. Anais. Florianópolis: UFSC, 2003. p. 14-28.
9
CARVALHO, E. B. de, 2005, op. cit.
10
Para o estado da arte da gestão de recursos ambientais, ver: VIEIRA, Paulo Freire; WEBER,
Jacques. (Orgs.). Gestão de recursos naturais renováveis e desenvolvimento: Novos desafios para a pesquisa
ambiental. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2002; VIEIRA, Paulo Freire; et. al. (Orgs.). Gestão integrada e participativa
de recursos naturais: conceitos, métodos e experiências. Florianópolis: Secco/APED, 2005.
11
Conf. GARCÍA, Rolando. Interdisciplinariedad y sistemas complejos. In: LEFF, Enrique; et. al.
Ciencias Sociales y Formación Ambiental. Barcelona: Gedisa, 1994. p. 85-125.
13
como uma simples corrente migratória: ela é a resolução de carências e conflitos da matriz e uma
tentativa de retomar, sob novas condições, o domínio sobre a natureza e o semelhante que tem
acompanhado universalmente o chamado processo civilizatório.”
12
Sendo assim, a
[...] colonização é um projeto totalizante cujas forças motrizes poderão sempre
buscar-se no nível do colo: ocupar um novo chão, explorar os seus bens,
submeter os seus naturais. Mas os agentes desse processo não são apenas
suportes físicos de operações econômicas; são também crentes que trouxeram
nas arcas da meria e da linguagem aqueles mortos que não devem morrer.
Mortos bifrontes, é bem verdade: servem de aguilhão ou de escudo nas lutas
ferozes do cotidiano, mas podem intervir no teatro dos crimes com vozes
doloridas de censura e remorso.
13
Vasculho, aqui, estas arcas da memória e da linguagem” para reconstituir as lutas,
colaborações e negociações no processo de colonização. Buscar entender quais as “carências e
conflitos” que motivaram o processo colonizador e a apropriação de recursos naturais, e em que
termos buscava-se o “domínio da natureza” e “do semelhante” neste processo de colonização.
Mas diferente de Bosi, não estou preocupado com “as potencialidades universais da arte e da
religião”,
14
nem com o domínio da natureza como algo “peculiar a todas as sociedades
humanas”
15
e sim, a preocupação com a historicidade de um fenômeno mais específico, a
colonização dirigida, em um dado local e tempo.
O recorte espacial da pesquisa é a rego de Campo Mourão. Por região de Campo
Mourão, posso estar entendendo a atual Mesorregião Centro Ocidental Paranaense, conforme
definida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE,
16
que totaliza uma área de
11.938 quilômetros quadrados, ou seja, 1.193.800 hectares. Ou a região de Campo Mourão pode
se referir à Microrregião de Campo Mourão, tal como definida pelo IBGE nas décadas de 1960 e
1970, com 12.218 quilômetros quadrados, ou seja, 1.221.800 hectares (ver figura 1). Ou, ainda,
pode se referir à área primitiva do Município de Campo Mourão, quando da sua criação em
1947, que, correspondia a 16.830 km
2
, ou seja, 1.683.000 quilômetros quadrados
17
12
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. 4. ed. São Paulo: Companhia da Letras, 1992. p.13.
13
Ibid., p. 15.
14
Ibid., p. 63.
15
Ibid., p. 20-13.
16
Composta pelos municípios de: Altamira do Paraná, Araruna, Barbosa Ferraz, Boa Esperança,
Campina da Lagoa, Campo Mourão, Corumbatai do Sul, Engenheiro Beltrão, Farol, Fênix, Goioerê, Iretama,
Janiópolis, Juranda, Luiziana, Mamborê, Moreira Salles, Nova Cantu, Peabiru, Quarto Centenário, Quinta do Sol,
Rancho Alegre d’Oeste, Roncador, Terra Boa e Ubiratã.
17
IBGE. Departamento Estadual de Estatística. Sinopse Estatística do Município de Campo Mourão.
Curitiba, 1950.
14
15
A rego de Campo Mourão pertencia ao Município de Guarapuava e em 1943 passou a
pertencer ao Município de Pitanga, desmembrado daquele em 30 de dezembro de 1943. O
Município de Campo Mourão foi desmembrado de Pitanga através da Lei Estadual nº 2, de 10 de
outubro de 1947. Do primitivo Município de Campo Mourão ou de Municípios derivados dele e
que foram desmembrados, durante a segunda metade do século XX, que pertencem à
mesorregião Centro Ocidental Paranaense, inclui-se: Peabiru (1951), Araruna (1954), Cruzeiro
do Oeste (1954), Engenheiro Beltrão (1954), Terra Boa (1955), Goioerê (1955), Moreira Sales
(1960), Ubiratã (1960), Campina da Lagoa (1960), Iretama (1960), Roncador (1960), Nova
Cantu (1963), Fênix (1960), Quinta do Sol (1964), Barbosa Ferraz (1960), Corumbataí do Sul
(1986), Mambo (1960), Juranda (1981), Janiópolis (1960), Boa Esperança (1964), Luiziana
(1987), Farol (1991), Rancho Alegre do Oeste (1990) e Quarto Centenário (1992).
18
Apesar de
tal definição precisa da região estudada, a análise não vai seguir tal nível de preciosismo, uma
vez que a região de Campo Mourão, tal como aqui definida, modifica sua área total durante o
período. Ademais, trago exemplos que extrapolam a área definida. Dessa forma, a região de
Campo Mourão não é o espaço estudado nessa pesquisa, mas o espaço a partir do qual estudo
alguns fenômenos.
Quanto a biogeografia da região, basicamente, a cobertura florestal da região de Campo Mourão
era formada por dois tipos de florestas, ambas legalmente pertencentes ao bioma da Mata
Atlântica.
19
Ao Norte, bem como em faixas que acompanham os vales do Rio Ivaí e Piquirí
predominam a Floresta Estacional Semidecidual, classificada por Reinhard Maack como floresta
pluvial tropical do terceiro planalto; no Sul e na área central predomina a Floresta Ombrófila
Mista (ou mata de araucária). Havia ainda uma vegetação de cerrado, na área intermediária entre
os dois tipos de florestas anteriores, que segundo Reinhard Maack cobriria 102 km
2
e seria uma
relíquia do Quaternário Antigo”, ou seja, o remanescente de um tipo de vegetação que foi
dominante na área em outras épocas.
20
18
O único Município da mesorregião Centro Ocidental Paranaense, que não foi derivado da área
primitiva do Município de Campo Mourão, é Altamira do Paraná (1982). ONOFRE, Gisele Ramos. Campo
Mourão: colonização, uso do solo e impactos sócioambientais. 2005. Dissertação (Mestrado em Geografia)
Universidade Estadual de Maringá, UEM, Maringá. p. 66; EL-KHATIB, Faissal. História do Paraná: Municípios
do Paraná. 2. ed. Curitiba: GRAFIPAR, 1969. p. 197.
19
Brannstrom argumenta que a inclusão de tipos florestais, como a mata de araucária, no bioma da
Mata Atlântica não é um inquestiovel dado biogeográfico, mas é, em parte, resultado da pressão do movimento
ambientalista, o que é um bom exemplo dos problemas de pensar a floresta como um objeto natural”.
BRANNSTROM, Christian Repensando a Mata Atlântica brasileira: cobertura vegetal e valor da terra no Oeste
Paulista, 1900 a 1930. Varia História, Belo Horizonte, n. 26, p. 58-76, jan. 2002.
20
MAACK, Reinhard. Geografia física do Estado do Paraná. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio,
Curitiba: Secretaria da Cultura e do Esporte do governo do Estado do Paraná, 1981.
Mata pluvial tropical dos planaltos do interior e do vale do rio Ivaí, inclusive
matas sub-tropicais das regiões altas acima de 500m. Rica em epífitas,
palmáceas.
Mata pluvial tropical menos exuberante, com notável escassês de palmáceas
(Cocos ramanzoffiana predominante e raramente Euterpe edulis nos lugares
húmidos)
Mata pluvial sub-tropical do 3º Planalto. (Rica em Cyatheaceae, epífitas e
lianas, ainda com Euterpe edulis e Cocos romanzoffiana)
Matas de araucárias, com taquaras e palmáceas (Cocos ramanzoffiana
predominante, associados ainda com Euterpe edulis)
Campos cerrados estepes arbustivas com ilhas de cerradão e palmáceas
anãs
Mata pluvial tropical e sub-tropical do litoral e da serra do Mar
8
10
12
9
REGIÕES DE MATAS
11
14
15
Campos limpos
Mata devastada da zona 10.
Zona de mata pluvial sub-tropical devastada, intercalada com pouca terra
cultivada
Matos secundários predominantes nas zonas de araucárias, com
samambaias. Região principal de colonização com terras usadas
periodicamente (Rotação de terras sistema de roças. Poça rotação de
cultura)
Matos secundários predominantes nas zonas de litorânea.
Zonas de cultura efetivas. Completo desaparecimento das associações
florísticas naturais (zonas mista de mato secundário e campos) Kulturland-
schaft zona cultivada de Curitiba (rotação de cultura e pastagem)
Mata devastada na região pluvial-tropical dos planaltos do interior
Substituída por cafezais, pastos e demais culturas
20
30
17
19
16
18
8
10
12
9
11
14
20
30
17
19
16
18
REGIÕES DE MATAS
REGIÕES DE MATAS DEVATADAS
FIGURA 2 FRAGMENTO DO MAPA FITOGEOGRÁFICO DO ESTADO DO PARANÁ, 1950
FONTE: MAPA Fitogeográfico do Estado do Paraná. Curitiba: Serviço de Geologia e Petrografia do Instituto de Biologia e Pesquisas Tecnológicas da Secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio em colaboração
com o Instituto do Nacional do Pinho. Levantamentos, dados, pesquisas e construção de Reinhard Maack, 1950. 1 mapa, color., Escala: 1:750.000.
17
No mapa fitogeográfico elaborado por Maack, em 1950, o autor representa a região de
Campo Mourão da seguinte forma: em torno da cidade de Campo Mourão se vê a área de
campos cerrados”, cercada ao Sul por áreas, com outras manchas espalhadas pela região, de
“matas de araucária”, seguindo ao Sul se tem extensas áreas de matos secundários
predominantemente na região de araucária”. Nos vales do Ivaí e do Piquirí, cercando esta área de
araucárias se tem uma grande área de “zona de mata pluvial subtropical devastada”, indo para o
ocidente se tem uma área de mata pluvial tropical dos planaltos do interior e do Vale do Ivaí”, e
no oriente seguindo o rio Piquirí a “mata pluvial subtropical do Terceiro Planalto”, e ao Norte
apresenta uma “mata pluvial tropical” menos exuberante” posto que associada a solos mais
frágeis, conhecidos por arenito Caiuá. Para este autor já haveria, portanto, uma extensa área de
mata secundária e “devastada”, na região de Campo Mourão, em 1950, mas as florestas ainda
possuíam um predonio absoluto naquela paisagem.
O geógrafo Reinhard Maack elaborou um outro mapa, aqui reproduzido como Figura 3.
O Mapa Fitogeográfico do Estado do Paraná, 1965, apontando a transformão na vegetação
desde 1950, agora as “Regiões de Matas Devastadas” eram absolutamente dominantes na região
de Campo Mourão, as manchas de “mata de araucária” a Leste e, principalmente, ao Sul da
cidade de Campo Mourão, em terras com relevo mais irregular, eram os principais estoques” de
araucárias, os quais manteriam uma indústria madeireira extrativista na região, por mais de 15
anos.
18
FIGURA 3 – MAPA FITOGEOGRÁFICO DO ESTADO DO PARANÁ
FONTE: MAACK, Reinhard. Geografia física do Estado do Paraná. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, Curitiba: Secretaria da Cultura e do Esporte do governo do Estado do Paraná, 1981. p. 127-128.
19
Em 1950, para a microrregião de Campo Mourão, foi informado no censo agropecuário
do IBGE, estabelecimentos rurais com uma área total de 229.651 hectares, sendo que destes,
126.623 hectares eram classificadas como “matas naturais”. Em 1970 dos quase um milhão de
hectares informados como área total dos iveis rurais, foram apontados 143.897 hectares, em
“matas naturais”, estas continuariam a decair até 1985, quando foram informados 71.108
hectares em “matas naturais (ver anexo1).
21
O Noroeste do Paraná é uma das regiões mais
desflorestadas do Brasil, não grandes áreas florestadas na rego, as unidades de conservação
existentes são relativamente pequenas. Existem pequenos remanescentes florestais em especial
nas vertentes dos morros e nas áreas de vegetação ripária, sendo que, a cobertura florestal nativa
varia muito, dependendo do critério de estágio de sucessão e do instrumental para análise de
dados, que segundo trabalho de 2004 ficaria entre 6,5% e 12,5% a área de cobertura florestal
nativa.
22
O desflorestamento não foi linear na região, áreas eram “aproveitadas periodicamente” e
terrenos de lavouras conviviam com florestas, ademais os lavradores, em geral, não devastavam
toda a área de uma vez, e sim, o faziam aos poucos, às vezes durante anos, sem contar as áreas
impróprias ou difíceis de cultivar, que eram deixadas “com mato”. Uma história das florestas da
região, não se encerra em 1964, nem se inicia em 1939, mas neste período a região passa por um
processo radical de transformação em sua paisagem, de uma área predominantemente florestal
para uma paisagem predominantemente agropecuária. A capacidade de resiliência
23
do
ecossistema florestal e do cerrado é claramente rompida com tal transformão, que pode ser
percebia nos dois mapas, de 1950 e 1965, de Maack.
A delimitação temporal tem início em 1939, com as primeiras tentativas, na região, de
implantação de uma colonização dirigida, ou seja, de colonização como um “processo de
ocupação de novas terras por meio de planejamento governamental ou privado”,
24
e o término
21
A partir do censo seguinte este número se elevaria para 87.571 hectares. O aumento da área se deve,
em grande parte, à ação do movimento ambientalista e uma ação mais efetiva do Estado em defesa das áreas de
matas ciliares (e outras Áreas de Preservação Permanente), e da Reserva Legal. Desta forma, os remanescentes
florestais são resultados de uma rede de relações, jurídicas, econômicas, sociais, culturais, antes de serem
meramente objetos naturais. Sobre o conceito de paisagem ver: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. História das
paisagens. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. (Orgs.). Domínios da História: Ensaios de teoria
e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
22
Dependendo do estágio de sucessão adotado. Todavia a área analisada não corresponde exatamente à
Mesorregião Centro Ocidental Paranaense. FUNDAÇÃO de Pesquisas Florestais do Paraná. A floresta com
araucária no Paraná: conservação e diagnóstico dos remanescentes florestais. Brasília: Ministério do Meio
Ambiente, 2004. passim.
23
DAVIDSON-HUNT, Iain; BERKES, Fikret. Nature and society througth the lens of resilience:
toward a human-in-ecosystem perspective. In: BERKES, Fikret, et al. Navigating social-ecological systems:
building resilience for complexity and change. Londres: Cambridge University Press, 2003.
24
DIAS, Guilherme Leite da Silva; CASTRO, Manoel Cabral de. A colonização oficial no Brasil:
erros e acertos na fronteira agrícola. São Paulo: IPE/USP, 1986. p. 12.
20
em 1964, quando o processo de colonização dirigida na região estava terminado ou em vias de
terminar. Todavia, tal como no caso da delimitação espacial, as datas são apenas balizas e não
limites, pois busco inserir a análise em várias escalas, e pensar processos mais amplos de
transformações sócio-ambientais.
Em termos da questão de terras, neste intervalo uma conjuntura específica da questão
agrária no Brasil. A década de 1930 marca o início de uma questão agrária no Brasil, ou seja, o
Brasil deixa de ser pensado, de forma hegemônica, como um país de “vocação agrícolae a
agricultura passa a ser pensada no interior de um projeto de industrialização. Será dado uma
ênfase muito grande, em todo o período abordado, na criação de um universo de agricultores
familiares no Brasil, por meio da colonização dirigida das regiões de fronteira agrícola. O Golpe
Civil-Militar de 1964 inicia uma outra conjuntura da questão agrária, pois a ênfase dos esforços
governamentais se desloca para a modernização tecnológica do campo.
25
Em termos da questão florestal observa-se que no inicio do século XX, com novas
tecnologias de transporte e acompanhando a colonização dirigida formou-se no Brasil uma
indústria exportadora dinâmica de madeiras no interior do país. Em especial na área de Floresta
Ombrófila Mista, ou seja, de mata de araucária. O Governo tentou regular este setor da
econômica, aumentando sua eficiência ecomica. O Instituto Nacional do Pinho, criado em
1941, era o responsável por tal iniciativa. Ademais, por meio do Código Florestal de 1934,
um rompimento com o liberalismo da República Velha, pois o Código impedia legalmente os
proprietários de dispor livremente da cobertura florestal de suas propriedades. na década de
1960, estava claro o esgotamento da Floresta Ombrófila Mista, sendo a região de Campo Mourão
uma de suas últimas fronteiras. Assim, o Código Florestal de 1965, e principalmente, uma
política estatal de financiamento do reflorestamento madeireiro, marcariam uma nova conjuntura
para o setor madeireiro.
26
Em ambos os casos, terras e florestas estavam inseridas em um projeto de modernização
que estava a se desenvolver no Brasil,
27
neste período, e pode ser descrito como a tentativa de
25
LINHARES, Maria Yedda; SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Terra Prometida: uma história da
questão agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
26
LAVALLE, A. M. A madeira na economia paranaense. 1974. Dissertação (Mestrado em História)
Universidade Federal do Paraná, UFPR., Curitiba; CANCIAN, Nadir Apparecida. Conjuntura econômica da
madeira no norte do Paraná. 1974. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Paraná.
Curitiba. 2 v.; DEAN, 1996, op. cit., p. 275-6, passim.
27
Usa-se o conceito de modernização para identificar não apenas o processo de industrialização, mas
todo um conjunto sócio-cultural-ambiental de transformações nela implicada. Ademais, a maior característica da
modernidade é justamente a sua mudança permanente, na frase famosa que Berman, inspirada em Marx, o que
caracteriza a modernidade é que tudo o que é lido desmancha no ar (BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido
desmancha no ar: A aventura da modernidade. Tradução Carlos Felipe Moisés, Ana Maria L. Ioriatti. São Paulo:
Companhia das Letras, 1986). De forma mais ampla, dada à corrida de aceleração histórica que emergiu com a
sociedade industrial, é possível se referir a projetos de modernização como as tentativas de adaptar o presente ao
21
constituição de um “projeto fordista-keynesiano periférico”.
28
Sendo que o fordismo não implica
apenas a criação de um sistema de produção e consumo de massa, mas da disciplina do trabalho
que deve se estender pelos mais diversos âmbitos da vida social. Tal projeto tenta mudar uma
sociedade como a brasileira de então, a pouco saída da escravidão, em que o trabalho manual era
desvalorizado; em que homens e mulheres pobres eram, muitas vezes, vistos como a causa do
atraso do campo; e em que persistia a idéia que a função da sociedade era gerenciar a natureza, e
o o de assumir o papel de motor da produção, como em uma sociedade industrial moderna. No
projeto fordista-periférico cabia ao Estado construir o trabalhador e o capital, aproveitando as
potencialidades desperdiçadas” da natureza e dos homens”, que teriam uma existência
perdulária”. Aliás, o Estado Moderno, como indicaram alguns autores é um Estado
Jardineiro, pois busca deslegitimar a condição das populações, desestruturando suas formas de
reprodução e auto-equilíbrio, a partir de um planejamento central.
29
Eram projetos fortemente pautados nas tecno-ciências, os quais tinham como pressuposto
geral, uma visão de mundo mecanicista. Uma visão de mundo racionalizadora, como afirma
Edgar Morin, para quem a racionalização “é a construção de uma visão coerente, totalizante do
universo, a partir de dados parciais, de uma visão parcial, ou de um princípio único, assim, a
visão de um aspecto das coisas (rendimento, eficácia), a explicação em função de um fator
único (o econômico ou o potico)”.
30
Tal visão de mundo Ocidental, visto a posteriori, foi
produzida a partir do Renascimento e das Revoluções Científicas do século XVII, sistematizada
pelo Iluminismo no século XVIII e concretizada pela Revolução Industrial,
31
na qual se busca a
eliminação da multiplicidade do real, uma ordem total, de onde deriva, em parte, o imperativo de
preencher o vazio classificando-o e nomeando-o.
32
A tentativa de construir uma visão do
universo totalizante, a partir de um princípio único, tornava insuportável tudo que escapava do
controle, com o sertão que deveria ser racionalizado, segundo os princípios da produção e da
futuro, ou para países da periferia do sistema-mundo, como o Brasil, trata-se, antes de tudo, de se adaptar ao modelo
de modernidade representado pelos países do centro do sistema. É desta forma, mais ampla, que pode ser usado o
conceito de modernização, ainda, no século XIX. Sobre a modernização no século XIX ver: CRIBELLI, Teresa.
“Civilizar” e Aperfeoar”: Debates e projetos para a modernização da Nação. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE
HISTÓRIA, 24., 2007, São Leopoldo – RS. anais. São Leopoldo: Unisinos, 2007. 1 CD. p. 2.
28
LINHARES; SILVA, 1999, op.cit., p. 135 passim; HARVEY, David. Condição s-Moderna: uma
pesquisa sobre as origens da mudança cultural. Tradução Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. 11. ed.,
São Paulo: Loyola, 2002. p. 131. passim.
29
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1999. p. 29.
30
MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Tradução Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio
ria. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. p. 155.
31
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 7. ed. Porto (Portugal):
Afrontamento, 1995; PRIGOGINE, Ilya; STENGERS, Isabelle. A nova aliança: metamorfose da ciência. 3. ed.
Brasília: Editora UnB, 1997.
32
BAUMAN, 1999, op. cit.
22
eficácia.
33
Mas é claro que tal “visão de mundo” não produziu a história da colonização dirigida
de Campo Mourão, ela foi produzida/reproduzida neste processo por alguns agentes. Em especial
pela tecnoburocracia do principal órgão estadual responsável pela gestão de terras e florestas, o
Departamento de Geografia, Terras e Colonização (DGTC), anteriormente Departamento de
Terras e Colonização (DTC), e anteriormente, ainda, Departamento de Terras (DT); e do órgão
responsável pela potica florestal do Governo Federal no período, o Instituto Nacional do Pinho
(INP).
Com seu conceito de racionalização, Morin lembra que o real excede o racional”. Uma
breve incursão pela história do pensamento científico ocidental mostra os mitos sobre os quais,
tal visão de mundo se constrói: o mito de que o mundo é simples e controlável. Dessa forma,
ressalta-se que, tal visão totalizante pautada em um elemento parcial implica, não na eliminação
dos “mitos”, mas apenas sua reelaboração e a criação de novos “mitos”.
34
Assim, felizmente, não
se está, necessariamente, condenado à uma visão de mundo racionalizadora, simplificadora e
maquínica do mundo, como afirma Simon Schama:
[...] se toda a história da paisagem no Ocidente de fato não passa de uma corrida
insensata rumo a um universo movido a máquina, sem a complexidade de
mitos, metáforas e alegorias, no qual o árbitro absoluto do valor é a medição e
não a memória, no qual nossa inventividade constitui nossa tragédia, então
realmente estamos presos no mecanismo de nossa autodestruição.
35
Apesar do processo de racionalização da natureza, procurar transformar a natureza em um
depósito de recursos, a natureza nunca foi isso. Não se pode considerar que as “máquinas do
poder” funcionam perfeitamente, porque em geral elas assim funcionam justamente porque os
historiadores a entendem como máquinas e não como um conjunto de relações,
36
como
argumenta Jacques Revel: “mesmo se admitir a hipótese de uma eficácia global dos aparelhos e
das autoridades, falta entender inteiramente como essa eficácia foi possível, - ou seja, como
foram retranscritas, em contextos indefinidamente variáveis e heterogêneos, as injunções do
poder.”
37
Para dar um exemplo que foge à área de estudos, Giovanni Levi busca construir um
modelo de ação e cognição de camponeses, no Antigo Regime, que procura superar modelos que
postulam uma homogeneidade e uma estabilidade conservadora da cultura popular”. Em lugar
33
MORIN, 1999, op. cit.
34
DIEGUES, Antonio Carlos Sant’Ana. O mito moderno da natureza intocada. 2. ed. São Paulo:
HUCITET, 1998. p. 54 passim.
35
SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória. Tradução Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996. p. 24
36
REVEL, Jacques. Microanálise e a construção do social. In: _______. (Org.). Jogos de escalas: A
experiência da microanálise. Tradução Dora Rocha. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p. 15-38. p. 29.
37
Ibid.., p. 29.
23
disto, ele busca entender os diferentes conflitos, locais, nacionais e internacionais, nos quais se
constituem as formas de pensar e agir daquelas comunidades e como estas formas de agir e
pensar eram elementos de transformação e não apenas de conservação da sociedade. É em busca
desse modelo de ação e cognição que Levi estuda a aldeia de Santena, no Piemonte italiano, no
século XVII, e pode mostrar que se o processo de formação do Estado moderno parece, quando
visto de longe, um processo de imposição linear, quando olhado bem de perto as coisas não se
deram desta forma:
[...] nos intervalos entre sistemas normativos estáveis ou em formação, os
grupos e as pessoas atuam com uma própria estratégia significativa capaz de
deixar marcas duradouras na realidade política que, embora não sejam
suficientes para impedir as formas de dominação, conseguem condicioná-las e
modificá-las (grifo meu).
38
A racionalidade específica do mundo camponês, a qual ele buscou compreender, não é
uma racionalidade cultural inconsciente”, ou uma pura resistência ativa e calculada. Trata-se de
uma racionalidade seletiva e limitada que:
[...] explica os comportamentos individuais como fruto do compromisso entre
um comportamento subjetivamente desejado e aquele socialmente exigido, entre
liberdade e constrição. Na verdade, a incoerência entre as normas, a
ambigüidade das linguagens, a incompreensão entre grupos sociais ou simples
indivíduos, a ampla inércia ditada pela preferência por um estado habitual ou
pelos custos que derivam de escolhas feitas em condições de extrema incerteza
não o obstáculos que nos impeçam de considerar esta sociedade como sendo
ativa e consciente em cada uma de suas partes, nem de vermos seu sistema
social como o resultado da interação entre comportamentos e decisões
assumidos no âmbito de uma racionalidade plena, embora limitada.
39
Partindo de tal postulado, faço uma breve incursão no universo dos lavradores,
procurando entender algumas implicações de sua ação no processo de modernização de terras,
florestas e lavradores na região de Campo Mourão.
A tese está dividida em quatro capítulos. No primeiro discuto brevemente a paisagem e
as populações presentes na região antes da colonização dirigida.
O segundo capítulo aborda a estratégia de gestão das terras pelo Estado, a partir da
legislação de terras, de relatórios do órgão do Governo Estadual responvel pela potica de
terras e das mensagens dos governadores para a Assembléia Legislativa.
O capítulo terceiro é dedicado às estratégias de gestão das florestas adotadas pelo
DGTC e pelo INP, utilizando como fonte, basicamente, os relatórios de Departamento de Terras
e da Delegacia Regional do Instituto Nacional do Pinho.
38
LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII.
Tradução Cynthia Marques de Oliveira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p. 45.
24
O quarto, e último capítulo, faz um contraponto da visão estatal, até então, da qual se
partia, procurando entender melhor o universo dos lavradores, no qual os projetos de
modernização se propunham a atuar. A principal fonte utilizada são processos judiciais da Vara
Civil da Comarca de Campo Mourão, entre 1949 e 1964.
39
Ibid., p. 46.
CAPÍTULO 1 – A VIBRANTE PAISAGEM DO SERTÃO
“Sertão é dentro da gente.”
João Guimaes Rosa
“A tarefa de, nos termos do grande Manoel
Ribas, ‘fazer vibrar o nosso imenso sertão’,
pelo seu aproveitamento racional, esteve a
cargo do Departamento de Geografia, Terras e
Colonização...” Moysés Lupion 1958
Moysés Lupion, eleito governador do Paraná duas vezes, e Manoel Ribas, Interventor
nomeado por Getúlio Vargas foram dois dos principais personagens da elite potica paranaense
durante o processo e colonização dirigida do Paraná. Quando o primeiro cita o segundo, na
epígrafe acima, reforça a idéia que o Departamento de Geografia, Terras e Colonização, órgão
estadual responsável pela colonização dirigida, fez o sertão vibrar. Mas nesta afirmação há um
pressuposto equivocado, a saber: que o sertão estava em silêncio. O que há aqui é um silêncio a
respeito das populações que viviam e disputavam este sertão.
O que é sertão? Em primeiro lugar, deve-se entender que, dependendo do espaço, tempo
e categoria social, as pessoas vão definir o sertão como coisas diferentes e até conflitantes.
Sertão é uma categoria múltipla.
1
A relativa e aparente fixidez das palavras pode ser enganadora.
Por isto Gilmar Arruda vai trabalhar o sertão como uma representação. Ele analisa como, a partir
de meados do século XIX, uma nova realidade de uma “cultura urbana” vai pensar o espaço da
esmagadora maioria do território brasileiro como “incivilizado e atrasado”, em oposição à
cultura urbana civilizada e progressista”.
2
Dessa forma, as qualidades atribuídas ao sertão eram,
antes de tudo, um “espelho invertidoda auto-imagem da “cultura urbana”. Sertão era desde
floresta em que supostamente não se constatava a presença humana, até áreas rurais de
agricultura de coivara.
3
A representação de imensas áreas como sertão vem deslegitimar imensas áreas como
selvagem e inculta, sobre a qual poderia-se e deveria-se agir para “cultivar” aquela área, tida
como não aproveitada. Tal justificação é recorrente na expansão ocidental. E mesmo entre
ocidentais podia-se deslegitimar o Outro, de forma semelhante, como os ingleses em relação a
Irlanda, no século XVII, ao afirmarem que seus habitantes fracassaram na exploração da terra,
1
AMADO, Janaína. Região, Sertão, Nação. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 8, n. 15, p. 145-151,
1995.
2
ARRUDA, Gilmar. Cidades e Sertões: Entre a história e a memória. Bauru: EDUSC, 2000.
3
Ibid., p. 41.
26
o sendo moralmente correto manter a terra inculta.
4
E muito mais isso ocorre com sociedades
que têm formas de cultivo da terra ou de apropriação de recursos naturais que não correspondem
ao que na tradição ocidental se entende por “aproveitar” a terra. Como afirma Keith Thomas:
A agricultura estava para a terra como o cozimento para a carne crua. Convertia
natureza em cultura. Terra não cultivada significava homens incultos. E quando
os ingleses seiscentistas mudaram-se para Massachusetts, parte de sua
argumentação em defesa da ocupação dos territórios indígenas foi que aqueles
que por si mesmos não submetiam e cultivavam a terra não tinham direitos de
impedir que outros o fizessem.
5
Tais formas de deslegitimão do Outro são recorrentes na expansão da sociedade
ocidental, negando até mesmo a existência do Outro ao produzir uma imagem de “vazio
demográfico”. No Brasil moderno, vastas áreas do atual território nacional foram representadas
como sendo um “sertão desabitado”. Isso justificava a colonização de tais territórios e a expulsão
ou morte das populações autóctones.
A “produção” do sertão como vazio demográfico considera o sertão vazio porque está
habitado apenas por animais (negando a humanidade aos indígenas e caboclos); e/ou porque
simplesmente desconhece” a presença indígena, seja num caso ou noutro, ou na combinação de
ambos, o que temos é uma eliminação discursiva do outro, que acompanha a eliminação física. A
historiografia contribui para a construção de tal representação, apesar de já muito haver entre
os historiadores uma critica à idéia de vazio demográfico.
6
O processo de colonização a partir de meados do século XIX e XX implicou na
(re)ocupação de vastas áreas, em especial do Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil. O
establishment local destas novas cidades que foram criadas vai investir na formação de um
imaginário regional calcado no “mito do pioneiro”, continuação do mito bandeirante, o qual
heroicamente “civiliza o sertão. É claro que o herói civilizador é sempre o engenheiro e não o
peão”, o dono da colonizadora e não aqueles que foram vencidos pelo sertão e retornaram. De
qualquer forma, uma parte significativa da população destas novas cidades de pequeno e médio
porte podiam se identificar como pioneiros, para que tal tema fosse relativamente eficiente na
construção de identidades locais/municipais. Como adiante de expansão invariavelmente
encontramos homens e mulheres pobres do campo, indígenas ou não, para tal imaginário
regional se efetivar, muitas vezes, teve que produzir um silêncio sobre tais populações e a
violência que sofreram. Dessa forma, a memória oficial local geralmente incorpora e reproduz a
4
THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos
animais, 1500-1800. Tradução João Roberto Martins Filho, São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 17-18.
5
Ibid., p. 17.
6
MOTA, Lúcio Tadeu. As Guerras dos Índios Kaingang: A História épica dos índios Kaingang no
Paraná. Maringá: EDUEM, 1994.
27
idéia de vazio demográfico. Em geral, na memória oficial produzida pelas municipalidades e por
eruditos muito próximos do establishment, a floresta/sertão é um ponto zero, a partir do qual se
constrói a história do município, se constrói a “civilização”.
7
Disto deriva a necessidade de
lembrar estas personagens esquecidas e indicar suas diferentes formas de apropriação dos
recursos naturais.
Todavia, não se deve cair no equívoco de pensar tais populações como parte da
natureza. A paisagem é fruto da inter-relação entre sociedade e natureza.
8
Parto da hitese de
que reduzir a biodiversidade não seria da natureza da ação humana, mas dependeria do tipo de
interação que a sociedade estabelece com seu ambiente, ou seja, o ser humano não é um de um
Homo devastans.
9
Dessa forma, é enganadora a imagem de um processo contínuo de devastação
da floresta, variando apenas o grau de eficácia da destruição. Diferentes grupos sociais em
momentos históricos diferentes desenvolvem e desenvolveram diferentes modos de vida, os
quais sempre alteraram, mas não necessariamente “destruíram a floresta. Não quero defender,
entretanto, que tais sociedades vivam em harmonia com a natureza. Ou seja, cair no extremo de
postular que os seres humanos teriam condições de viver em harmonia total com a natureza.”
10
;
como se as sociedades tradicionais” ou seja, aquelas que têm modos de vida diferentes do
consumista, socialmente injusto e ecologicamente insustentável, o modo de vida moderno
fossem compostas por idealizados Selvagens Ecologicamente Nobres. No século XVII a
província de Guairá que cobria a maior parte do interior do Paraná chegou a ter 200.000
indígenas em suas reduções jesuíticas. Qual era então o impacto de tal população na paisagem da
região? Ou ainda mais, na longa duração, qual foi o efeito de 9 mil anos de presença humana na
região? Reconhecer que descontinuidade na interação entre florestas e seres humanos não é
pensar uma relação harmônica com a natureza é apenas ficar atento para as diferenças.
11
7
ARRUDA, Gilmar. Monumentos, semióforos e natureza nas fronteiras. In: _____. (Org.). Natureza, Fronteiras e
Território. Londrina: EDUEL, 2005. p. 1-42.
8
Não se trata, todavia, aqui de uma história da paisagem tal como proposta por Francisco C. T. da
Silva. Sobre a abordagem processual da paisagem/ecossistemas ver: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. História
das paisagens. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. (Orgs.). Domínios da História: Ensaios de
teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 203-216. DAVIDSON-HUNT, Iain; BERKES, Fikret.
Nature and society througth the lens of resilience: toward a human-in-ecosystem perspective. In: BERKES, Firkret,
et al. Navigating social-ecological systems: building resilience for complexity and change. Londres: Cambridge
University Press, 2003.
9
CARVALHO, Miguel Mundstock Xavier de. O desmatamento das florestas de araucária e o
Médio Vale do Iguaçu: uma história de riqueza madeireira e colonizações. 2006. Dissertação (Mestrado em
História) – Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Florianópolis. p. 110. Miguel Carvalho está se
pautando em: BALÉE, William. Advances in Historical Ecology. New York: Columbia University Press, 1998.
BALÉE, William. Diversidade amazônica e a escala humana do tempo. In: SIMPÓSIO DE ETNOBIOLOGIA E
ETNOECOLOGIA DA REGIÃO SUL, 1., 2003, Florianópolis. Anais. Florianópolis: UFSC, 2003. p. 14-28.
10
CARVALHO, op. cit. p. 110.
11
CARVALHO, Ely Bergo de. Os historiadores e as florestas: dez anos depois de A ferro e fogo.
Esboços. v.13. p.107-124, 2005.
28
Mesmo antes de 1939, ou seja, do início da colonizão dirigida na região estudada, a
paisagem era fruto da ação humana. O que leva a uma questão importante: quem eram os grupos
sociais e quais as formas de apropriação de terras e florestas no final do século XIX e início do
século XX, na região de Campo Mourão? Para efeito didático, vou dividir em cinco os grupos
que então se apropriavam dos recursos naturais da região estudada.
1.1 OS ERVATEIROS PARAGUAIOS
A presença de erva mate, a Ilex paraguayensis, na região atraiu a presença de peões de
obrage para a região. A obrage, segundo Ruy Wachowicz é um tipo de exploração desenvolvida
no Paraguai e Argentina, mas também no Mato Grosso e no Paraná, em especial após a Guerra
do Paraguai, 1864-1870, que atraiu a atenção para a região. Em tal sistema o obragero,
proprietário, cessionário ou comerciante que explora terras devolutas, contrata trabalhadores, no
caso do oeste paranaense, predominantemente de origem guarani paraguaia, através de um
adiantamento. Com isto uma dívida inicial, a qual, graças aos altos preços dos produtos que
são comprados do obragero e dos baixos preços dos salários ou tarefas, gera uma dependência
quase perpétua, justificada por uma dívida impagável. Para manter o trabalhador, o obragero,
constitui um grande aparato repressivo, com funcionários responsáveis por caçar, literalmente, os
eventuais trabalhadores fugidos.
12
Tais formas de trabalho, com coação extra-econômica,
poderiam então ser encontradas em formas mais brandas ou draconianas por todo o Brasil.
13
Sendo elas especialmente draconianas na frente de expansão, como sugere José de Souza
Martins:
Quando os antropólogos falavam originalmente de frente de expansão, estavam
falando de uma forma de expansão do capital que não pode ser qualificada
como caracteristicamente capitalista. Essa expansão é essencialmente expansão
de uma rede de trocas e de comércio, de que quase sempre o dinheiro está
ausente, sendo mera referência nominal arbitrada por quem tem o poder pessoal
e o controle dos recursos materiais na sua relação com os que exploram, índios
e camponeses. O mercado opera, através dos comerciantes dos povoados, com
critérios monopolísticos, mediados quase sempre por violentas relações de
dominação pessoal, tanto na comercialização dos produtos quanto nas relões
de trabalho (sendo característica peonagem ou escravidão por vida).
12
WACHOWICZ, Ruy Christovam. História do Paraná. 6. ed. amp. Curitiba: Vicentina, 1988. p.
227-231.
13
FRAGOSO, João Luis. Economia Brasileira no século XIX: mais do que uma plantation escravista-
exportadora. In: LINHARES, Maria Yedda. (Org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990. p.
131-176.
29
Portanto, muito longe do que tanto Marx quanto Weber poderiam definir como
capitalista.
14
Era desta forma que agiam, como o argentino Julio Tomas Allica, que apesar do seu
obrage possuir apenas 400 alqueires nas margens do rio Paraná, comandava a exploração de
ervais até na região de Campo Mourão.
15
Para tal atividade constituíam “acampamentos” nas distantes áreas de ervais, a fim de
recolher e processar as folhas antes de enviá-las para os portos nas barrancas do rio Paraná, por
meio das “picadas” no interior da floresta. “Acampamentos” tais como, Ronquita, na margem
esquerda do Piquirí, e Natividad, na margem direita, no local onde hoje se encontra a cidade de
Mamborê. Este último teria sido abandonado em uma tentativa de fuga de trabalhadores, a qual
terminou no massacre de vários deles. Mais tarde restabelecido com o nome de Haanam-
Amburê, Anmâ Amburê ou Amanhâburê. Por sua vez esse “acampamento foi também
abandonado em 1924, quando as tropas tenentistas, comandada por João Cabanas, fogem para o
Paraguai e a população local vai junto.
16
Não notícias do restabelecimento desse
acampamento”, talvez porque na década de 1930 “iniciou-se a decadência das exportações de
erva-mate. A Argentina havia plantado numerosos hervais artificiais em Misiones. Começava
este país a abastecer-se a si mesmo.”
17
Tal presença ainda é lembrada pelos “pioneiros” de Campo Mourão, como relata
Eugenio Custodio de Oliveira: “‘Eu amadrinhava tropa de mulas e passava por uns lugares
chamados Mamborê e Ronquita Cuê acampamentos de paraguaios que vinham roubar erva-mate,
daqui até na Borboletinha e Pitanga.’”
18
Ou como afirma o engenheiro Geraldo Boz: ‘A
estradinha de Juranda a Mambofoi aberta pelos paraguaios que vinham retirar madeira e erva
mate.’”
19
Ou ainda em relatório do inspetor de terras de Guarapuava referente aos anos de 1940 a
1945 afirma sobre a colônia Goio-Bang (Mamborê):
Atravessa essa colônia a antiga estrada que partindo da estrada de Campo
Mourão vai ao porto Alica no Rio Paraná, passando pelos antigos depósitos de
herva mate denominados Mamburê, Pensamento, Caraja, e Porto Piquirí, ás
margens deste rio. [...] Por esta estrada transitaram muitos carretões
paraguaios de 2 rodas e caminhões carregados e herva mate e couros de caça,
que deixavam esses produtos em Porto Alica para serem exportados para a
14
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira: retorno à controrsia sobre o tempo histórico da
frente de expansão e da frente pioneira. Tempo Social, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 25-70, maio, 1996. p. 30-31.
15
WACHOWICZ, op. cit., p. 227-231.
16
OLIPA, Vilson. História de Mambo. [s.l.: s.n.], 199?. p. 11-14.
17
WACHOWICZ, op. cit., p. 231.
18
BATHKE JÜNIOR, Wille. Família Custodio de Oliveira, 47. Tribuna do Interior, Campo Mourão,
21 jul. 2002. Especial: Projeto Raízes.
19
BATHKE JÜNIOR, Wille (Ed.). ALVES, Eleano (reportagem). Walkyria Goertner e Geraldo Boz,
52. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 25 ago. 2002. Especial: Projeto Raízes.
30
Argentina. Após a Revolução de 1924 ficou a estrada completamente
abandonada, não permitindo mais trânsito até a presente data (grifo meu).
20
aqui uma indicação que não apenas erva mate era extraída, mas também outros
produtos como couros de caça”. Ademais, a extração de toros de madeiras era outra atividade
executada nas obrage situadas nas barrancas do rio Paraná. Desta forma, quando na década de
1950 chegaram ao oeste paranaense os colonos agricultores, das antigas madeiras de lei,
encontraram apenas cepos apodrecendo no meio da floresta.
21
Por outro lado, mesmo que a
exploração madeireira tenha chegado a até 100 quilômetros das barrancas do rio, como afirma
Wachowicz, não teria atingido a região de Campo Mourão. Tais dados demonstram como o
“sertão desabitado” estava habitado, se ele era ignorado pela sociedade nacional havia aqueles
que conheciam suas entradas e saídas, sendo as terras e as florestas já sujeitos a diferentes formas
de apropriação.
1.2 OS XETÁ
Outros conhecedores das entradas e saídas do sertão de Campo Mourão eram as
populações indígenas. Um dos grupos étnicos que habitavam a região era o dos Xetá. O encontro
“final” da fronteira agrícola com os Xetá constitui um episódio silenciado na memória oficial
regional. Os Xetá são um grupo etnicamente distinto do povo Guarani e do Kaingang, que
também, ocupavam o atual território paranaense antes da conquista. Sua estratégia parece ter
sido a de se afastar da frente de expansão, passando a serem caçadores coletores e vivendo em
grupos menores no interior da densa Floresta Estacional Semidecidual. Conseguiram, assim,
escapar do avanço da sociedade nacional e também dos seus inimigos históricos, os Kaingang, os
quais preferiam as áreas de campos e as matas de araucária. Na década de 1950 aconteceram
tentativas por parte do Serviço de Proteção do Índio, SPI, de contatá-los, mas foram experiências
infrutíferas.
No final de 1955, o SPI fez algumas expedições e contatou os últimos grupos
Xe, primeiro na fazenda Santa Rosa [em 1954 e 1955 dois grupos Xe
haviam entrado em contato com os proprierios desta fazenda] e depois no
interior da mata. No ano seguinte, os contatos foram mantidos e encontrados em
seu habitat natural na floresta. Esta situação não mais aconteceu desde então e o
contato e os estudos desenvolveram-se com os Xe que permaneceram
acampados na fazenda Santa Rosa. As informações que se têm é que muitos dos
Xe foram dizimados por uma epidemia de gripe. Os outros foram morrendo
20
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Inspetoria de Terras. Relatório apresentado ao
Ilmo. Snr. Dr. Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização pelo Eng. Chefe da Divisão de
Colonização, Sady Silva. Ano 1940-1945. Curitiba,[s.d].
21
WACHOWICZ, op. cit., p. 232.
31
nos anos seguintes, ficando apenas dois adultos que se chamavam Ñeango e
Kuen além de algumas crianças que, na época foram ‘adotadas’ por várias
famílias que estão dispersas por vários locais do Brasil.
22
Estes contatos, que levaram a extinção dos Xetá, como povo, ocorreram na “Serra de
Dourados, no noroeste do Estado do Paraná, no município de Cruzeiro do Oeste”.
23
Município
vizinho à primitiva área de Campo Mourão. A área de Floresta Estacional Semidecidual ao norte
do primitivo território de Campo Mourão era, seguramente, parte do território Xetá.
24
Os
sobreviventes Xetá indicam justamente a área da atual cidade de Campo Mourão como ponto
mais ao sul do seu território, naquela época.
25
Foi aprovada, na década de 1950, pela Assembléia Legislativa do Estado do Paraná a
constituição de um Parque Florestal Estadual da Serra dos Dourados, que abrangeria uma faixa
de 70 quilômetros, na margem esquerda do rio Paraná, na altura do rio Ivaí. O geógrafo Reinhard
Maack, foi o responsável por embasar a proposta de criação, e o fez com base na defesa da
preservação da fauna e da flora, sendo os Xetá preservados como “um complemento da paisagem
natural”. O governador, todavia, vetou a criação de tal parque, alegando que haviam sido
deferidos muitos requerimentos de compras de terras naquela região, descartando, assim, a
possibilidade de terra para os Xetá.
26
No ano de 1956, a Companhia Brasileira de Colonização e Imigração (Cobrimco) abre
uma estrada no interior da terra indígena colocando placas coibindo a caça e a coleta, enquanto
derrubava sistematicamente a floresta com a colonização dirigida. Fechando o cerco sobre os
Xetá, os quais foram “ameaçados pelos colonizadores e pela guarda particular da Companhia de
Colonização, em sua subsistência e integridade física e cultural.
27
Pelo menos até 1963 “havia
informações e comunicados feitos ao SPI da existência de pequenos grupos de pessoas Xetá
vagando pela cidade de Umuarama [...]. Alguns entre eles despidos, maltrapilhos, famintos,
doentes e ás vezes bêbados.”
28
É equivocada a idéia que os Xetá eram um povo que não se os
ao contato, a ocupação de suas terras pelos brancos provocou uma desestabilização interna do
22
TOMAZI, Nelson Dacio. “Norte do Paraná”: História e Fantasmagorias. 1997. Tese (Doutorado
em História) – Universidade Federal do Para, UFPR. Curitiba. p. 79.
23
TOMAZI, 1997. p. 78, sobre os Xetá está se pautando em: KOSAK, Vladimir; ed alli. Os índios
Héta: peixe em lagoa seca. Boletim do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Paraná. v. 37, (ou
XXXVIII-38) p. 3-120, 1981.
24
Fato esse, corroborado na foto que Francisco I. Brzezinski apresenta em sua obra, como de um índio
“encontrado na Serra dos Dourados”. BRZEZINSKI, Francisco Irineu. A futura capital. Curitiba: Juruá, 1975.
p.118. Talvez seja um dos que cita Tomazi: “Em 1952, mateiros capturaram um menino Xetá e no ano seguinte,
outros, que foram entregues ao SPI em Curitiba” TOMAZI, op. cit., 1997. p. 79.
25
SILVA, Carmen Lucia da. Sobreviventes do extermínio: uma etnografia das narrativas e
lembranças da sociedade Xetá. Florianópolis, 1998. Dissertação (Antropologia Social) Universidade Federal de
Santa Catarina – UFSC. (Mapa 04).
26
Ibid., p. 205 et seq.
27
Ibid., p. 207.
28
Ibid., p. 211.
32
grupo, que adota como estratégia de sobrevivência, a fuga ao invés do confronto”, em
conformidade com a estratégia que adotavam com outros grupos indígenas mais fortes.
29
O
fim da sociedade Xetá é o exemplo extremo do quão violento podem ser os conflitos por
apropriação da terra.
1.3 – OS KAINGANG
Outra etnia presente na região é a dos Kaingang. Depois da destruição das redões jesuíticas por
bandeirantes paulistas que visavam capturar indígenas para escravizá-los, os guaranis perdem o
predomínio no sertão do Paraná. “A partir da primeira metade do século XVIII, outras tribos começam a
ocupar a região,”
30
os Kaingang. Na verdade, tal etnia, conhecida também como Coroados, estava
presente em uma larga extensão “de território que vai desde o rio Grande, na divisa de São Paulo e Minas
Gerais, a os campos ao sul do rio Iguaçu no Rio Grande do Sul. Seus limites a leste foram as vertentes
orientais da Serra do Mar e, ao oeste, as barrancas do rio Paraná”, um imenso “território que abrangia
terras dos Estados de o Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande, constituído por grandes extensões
de florestas tropicais e campos, cortados por grandes rios como o Tietê, Paranapanema, Tibagi, Ivaí,
Piquirí” e Iguaçu.
31
Os Kaingang desde os primeiros contatos com os ocidentais no século XVIII
desenvolveram “tecnologia de guerra, de guerrilhas, de emboscadas e ataques capazes de fazer frente a
um inimigo muito superior a eles”,
32
mas, também, tiveram que mudar profundamente o seu modo de
vida, e negociar.
Entre 1768 e 1774, o governador Afonso Botelho Mourão ordenou uma série de
expedições ao sertão do Paraná, então quinta comarca de São Paulo. A segunda expedição foi
comandada por Estevão Ribeiro Baião que “descobriu os campos que, em homenagem ao
governador-geral da Capitania, foram denominadas por Afonso Botelho de São Payo e Souza
Campos do Mourão
33
, ou simplesmente Campo do Mourão e mais tarde Campo Mourão. O
objetivo de tais expedições, não era o de meras expedições de reconhecimento e sim o de
conquistar os campos de Guarapuava, então controlados pelos índios Kaingang. Em 1774
“Botelho retira-se da região sem conseguir seu objetivo [...]. Encontrou forte resistência dos
Kaingang, que seriam vencidos parcialmente quarenta anos depois, com a expedição de Diogo
Pinto.
34
29
Ibid., p. 218.
30
MOTA, 1994, op. cit., p. 70.
31
Ibid., p. 71.
32
MOTA, 1994. p. 93.
33
IBGE. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. v. XXXI. Rio de Janeiro: 1959. p. 90.
34
MOTA, op. cit., p. 110.
33
Dessa forma, só no inicio do século XIX com a expedição de Diogo Pinto os campos de
Guarapuava saíram do controle dos Kaingang. Durante muitos anos, todavia, os Kaingang tentaram
retomar a suas regiões de campo, efetuando muitos ataques contra aqueles que consideravam intrusos em
suas terras. Uma estratégia adotada por eles era de se recolherem em lugares desconhecidos dos
“brancos”. “Muito embora esses locais tenham sido descobertos pelas expedições que saíam em busca de
novas pastagens ou caminhos, os índios procuraram ocultá-los de forma sistemática”.
35
Inclusive,
deliberadamente, mentindo sobre nomes e localização de vários lugares. Conhecedores das entradas e das
saídas da floresta e acostumados com as regiões de campo, o cerrado de Campo Mourão provavelmente
foi um destes lugares a ser ocultado aos brancos” e utilizado pelos Kaingang. Um jornal curitibano, em
1880, noticia a “descoberta de Campo do Mourão”, se referindo a uma expedição de Norberto M.
Cordeiro, a qual teria encontrado mais de 500 índios” no Campo do Mourão”.
36
Isto evidencia o
desconhecimento da região por parte da sociedade nacional, apesar das expedições de 1768 e 1774 e das
reduções e expedições coloniais.
duas narrativas na historiografia local sobre a participação indígena em tal expedição.
A primeira afirma que a citada expedição, do guarapuavano Norberto Mendes Cordeiro,
fazendeiro de gado
[...] e amansador de índios, como se denominava, pelo contato que mantinha
com os índios, então, tivera o Com. Norberto a amizade do cacique índio
Bandeira que, em 1880, veio a convencê-lo para uma expedição aos Campos do
Mourão, dele, índio, conhecidos, porque ali habitava com sua gente [...].
37
A segunda versão sugere menos espaço à participação do cacique Bandeira, limitando-
se a constatar a sua presença na região, mas não a sua “ajudana expedição. Dessa forma, é
narrada a chegada, na atual Campo Mourão, “em 1893”, de uma expedição composta por 120
homens, para se dedicarem à crião de gado. Tinham como propósito os primeiros contatos com
os índios existentes e habitantes primitivos da região.” Sugerindo, assim, que tais homens se
estabeleceram realmente em Campo Mourão. Quanto às sociedades indígenas limita-se a
constatar:
Existiam aqui duas tribos, sendo uma chefiada por Gembre e a outra pelo
Capitão índio Bandeira, que ao que consta, seria um mestiço. A primeira
localizava-se as margens do Rio Dezenove, nas proximidades da atual estação
aeroviária e a segunda no chamado Campo Bandeira, onde há uma fazenda com
o mesmo nome.
38
A primeira narrativa está pautada em uma matéria do jornal O Paranaense, de 11 de dezembro de
1880, citada. Além de afirmar a iniciativa do “convite” do “cacique indígena Bandeira”, aponta que a
35
Ibid., p. 176.
36
VEIGA, op. cit., p. 80.
37
Ibid., p. 79.
38
SIMIONATO, Edina. Campo Mourão sua gente... sua história. 2. ed. rev. e amp. Campo Mourão:
Bacon, 1999. p. 15.
34
expedição se deparou com mais de 500 índios, que todos se mostraram muito satisfeitos, tratando o
melhor que puderam aos exploradores, que reconheceram ser pequeno o campo limpo, que calculam em
légua e meia, pouco mais ou menos”.
39
Gisele R. Onofre afirma que as “duas tribos foram conduzidas
para outra localidade” pela expedição composta por “vinte e um homens, comandados pelo Comendador
Norberto Marcondes,
40
que levou a tribo do Índio Bandeira para Pitanga e a do Gembre para o Mato
Grosso.
41
Há, portanto, diferentes versões para tal contato com os Kaingang.
As estragias do governo devem ser esclarecidas para se entender a presença indígena na região.
O governo, nas cadas de 1870/80, em especial o juiz comissário de Guarapuava, Luiz Daniel Cleve,
tentou convencer os Kaingang a abandonarem a pretensão de reocuparem a região de campo e
permanecerem nos aldeamentos constituídos nas florestas da cabeceira do rio Ivaí. A fim de convencê-los
a permanecer no aldeamento, prometia-lhes terras, mercadorias, aldeamentos organizados,
equipamentos, patentes e salários militares para caciques”, assim procurava-se “atrair para os toldos da
cabeceira do rio Ivaí os índios que viviam a leste e norte de Guarapuava e nos campos de Payquere e
Mourão”.
42
A presença indígena nas terras em Campo Mourão era intensa:
Em seu último relatório de 1879, Cleve [...] Fala ainda da existência de diversos
toldos espalhados pelas matas do vale do Ivaí, sendo os mais importantes os
comandados pelos caciques Bandeira, Henrique, Gregório e outros caciques
não baptizados e ainda não rendidos à civilização. Em 9 de novembro de 1880,
o juiz Cleve acusa o recebimento do título de posse das terras do aldeamento
dos índios de Guarapuava (grifo meu).
43
Desde a perda dos campos de Guarapuava a assimetria populacional com a sociedade nacional
era cada vez maior, e sua dependência de produtos como o ferro cada vez maior. Forçando-os a aprender
outras formas de negociar, por exemplo, utilizando os caminhos da burocracia estatal, apesar de nem
sempre serem atendidos. Deslocar-se a Curitiba era uma forma de pressionar o Governo para conseguir
recursos:
Iniciou-se o ano de 1879 com um fluxo grande de índios a Curitiba. [...] Os
índios que estiveram na capital em julho era o grupo chefiado pelo cacique
Luiz Cleve residente no ‘Campo Moron’. O diretor-geral dos índios, Hypólito
Alves de Araújo, recomendou-os ao presidente Manuel P. de O. Dantas,
adiantando que eles viriam pedir V. Exa. Ferramentas, roupas e armas. Esta
pobre gente vem de enormes distâncias em procura destes recursos. O Cônego
A. Braga de Araújo, de Guarapuava, informava, em 29 de maio de 1879, que
tinham chegado aquela freguesia trezentos índios dos campos denominados
39
IMPORTANTE descoberta no Paraná. O paranaense, n. 126, ano III, 22. dez. 1880 In: VEIGA, op.
cit., p. 80.
40
aqui uma divergência de nomes entre “comendador Norberto Marcondes” e “comendador
Norberto Mendes Cordeiro”, conforme consta na referida nota de jornal. Conf. VEIGA, op. cit., p. 79.
41
ONOFRE, Gisele Ramos. Campo Mourão: colonização, uso do solo e impactos sócioambientais.
2005. 206 p. Dissertação (Mestrado em Geografia) Universidade Estadual de Maringá, UEM, Maringá. p. 43
pautando-se em: INSTITUTO DE TERRAS, CARTOGRAFIA E FLORESTAS. Referências históricas. Curitiba,
1959.
42
MOTA, op. cit., p. 202.
43
Ibid., p. 200.
35
Moron e Payquerê. Vinham a fim de falar com o diretor dos índios e, após
serem informados de que o diretor residia na vila de Palmeiras, muitas léguas
distante de Guarapuava, ficaram bem descontentes e contrariados. Muitos
regressaram ás suas moradias, ‘Entretanto, alguns delles [sic] resolveram ir
apresentar-se à V. Sa., são portadores desta, com o fim de pedir-lhe alguns
recursos, se for conveniente, irão à Capital.’ [...] Em 15 de maio de 1879, eles
chegavam a Guarapuava, vindo dos Campo Moron e Payquerê, a cerca de 100
quilômetros a oeste (grifo meu).
44
É necessário compreender a ação Kaingang. O constante deslocamento das populações
indígenas era algo que não pertencia, apenas, ao seu modo de vida tradicional, mas fazia parte de
suas estratégias de negociação, daí tal fluidez ser não apenas dentro do sertão mas também entre
os dois lados da frente de expansão. Viver em aldeamentos era uma forma de se subordinar, mas
também de resistir e negociar. Muitas vezes certos grupos sumiam durante meses dos
aldeamentos, ouvia-se notícias que aconteciam ataques de índios aparentemente “selvagens” em
alguma região distante, então o grupo indígena aparecia novamente no aldeamento portando
despojos. Como afirma Mota, o “fato de estarem aldeados em locais fixos, determinados pelo
governo, mas continuarem a sua vida nômade pelos campos e matas adjacentes, não é
compreendido por muitos historiadores, geógrafos e outros que escreveram e escrevem sobre o
Paraná.”
45
De onde se desprende que é possível pensar a presença Kaingang na região de Campo
Mourão para além do século XIX. Um mapa de 1942 com o plano de colonização da cidade da
Gleba 5 da Colônia Mourão, do então distrito de Campo Mourão, apresentou vários locais
indicados como “roças indígenas”
46
, e relatos que quando da demarcação da gleba havia nelas
apenas 11 famílias de ocupantes e alguns índios”
47
. Não se sabe, entretanto, se se tratava de
Xetá ou Kaingang. Ademais, um entrevistado descendente da família Pereira, que chegou na
região em 1903, fez a seguinte narrativa da relação com sociedades indígenas na região de
Campo Mourão no inicio do século XX:
O Sr. se lembra de ter encontrado índio por aqui na região?
Não [...] quando eles adentraram em Campo Mourão tinha dois que eles falava
toro de índio.
[...] Meu avô contava, eles chegaram trouxeram uma pessoa que falava a língua
do índio para vir junto com eles chamava-se Robertinho, essa pessoa. Eles se
apresentaram no meio do bloco de índio, e o outro revoltou e foi embora. Ficou
aquele junto com eles. A minha avó, por exemplo, ela tem descendência de
índio. Minha avó era casada com família de italiano, alemão e ela tinha
44
Ibid., p. 189.
45
Ibid., p. 89.
46
DEPARTAMENTO de Geografia Terras e Colonização. Relatório apresentado pelo Departamento
de Geografia, Terras e Colonização do Estado do Paraná, referente aos trabalhos de colonização. Curitiba,
1954.
47
BERNARDES, Lysia Maria Cavalcanti. O problema das “frentes pioneiras” no Estado do Paraná.
Revista Brasileira de Geografia. v. 15, n. 3, jul.-set. p. 3-52, 1953. p. 23.
36
descendência de índio, ela era bem perto de índio mesmo. Minha mãe contava
quando os índios caçavam, eles caçavam muito e pescavam, né, então na casa
da minha avó e do meu avô não faltava caça, não faltava carne [...]. Eles
matavam e traziam carne para minha mãe comer [...]. que eles eram muito
amigos. Ai por causa de uma posse de terra meu avô foi morto, morreu novo,
um cara esperou por atrás de um pau e matou ele. Ai os índios se juntaram e foi
atrás do cabra pra matar ele mais não pegaram o cara, sumiu, desapareceu. Eu
não existia porque minha mãe era novinha naquele tempo depois a gente se
formou dela contava a história [...]
Os pais do Sr. chegaram a contar o que aconteceu com essas comunidades de
indígenas? [...]
Eles foram embora tudo, depois que mataram meu avô [...] aquele outro também
de Campo Mourão foram embora. Existia um grande comentário que Campo
Mourão não era esse Campo Mourão, Campo Mourão era outro, e os índios
mentiam muito, contava muita mentira, [...] Campo Mourão era outro, mas não
existia porque não descobriu, ninguém descobriu mais nada, era mentira deles.
Eles foram embora daí eu não sei para onde foram,o sei te explicar.
48
Não cabe aqui questionar sobre a veracidade da narrativa. Como em toda memória
mecanismos pprios de elaboração, e ela é fruto mais do tempo de sua rememoração do que da
vivência dos fatos narrados. No caso, trata-se claramente de uma memória familiar, a própria
causa dos acontecimentos é associada a eventos dentro da família, mas é um indício interessante
da presença indígena na região. É possível efetuar algumas importantes inferências a partir de tal
narrativa: parece bastante plausível que houve alguma colaboração entre os “pioneiros” e os
Kaingang. Como argumentou Lucio T. da Mota, a negociação era uma prática tão comum
como o combate entre os Kaingang, buscando vantagens, mesmo que momentâneas, nas relações
tão assimétricas que estabeleceram, sendo que havia possíveis aliados e inimigos dos dois lados
da fronteira. Dependendo dos seus objetivos: conseguir ferramentas de ferro, munição, terras,
etc; e de suas táticas: solicitar ao governo ou roubar os “invasores” brancos. Havia aliados ou
inimigos entre os Kaingang aldeados ou selvagens”, como entre os padres, funcionários
públicos, sertanejos ou fazendeiros locais. Por exemplo, Guilherme de Paula Xavier, um
coronelque morou em terras campo-mourenses entre 1926 e 1931, tem um filho que narrou a
seguinte história: “‘Quando dava tempo de perceber movimentos de índios pela redondeza, ou
quando meu pai viajava, enterrava tudo de valor, até as ferramentas, pra quando os bugres
chegassem não vissem e nem levassem.’” e complementa que seu pai “‘tinha uma roupa boa, no
baú que só usava pra viajar e fazer visitas. Certo dia papai chega na casa e um índio tinha vestido
aquela roupa. Deu o que fazer pra ele convencer o bugre a devolver’”.
49
Apesar de uma filha de
48
PEREIRA, João Viana. João Viana Pereira: depoimento [1998]. Entrevistador: Ely Bergo de
Carvalho. Engenheiro Beltrão, 1998. 1 fita cassete.
49
BATHKE JÜNIOR, Wille. Laura de Paula Xavier, Sebastião de Paula Xavier, 37. Tribuna do
Interior, Campo Mourão, 12 maio 2002. Especial: Projeto Raízes.
37
Xavier rememorar que, quando era pequena, em Campo Mourão, “se pelava de medo dos
bugres”, pois chegavam nas taperas e “não pedia, chegava e levava”,
50
e do medo dos “índios”
ser um elemento presente em outras memórias não oficiais, a atitude narrada do “coronelé de
alguém que está, explicitamente, negociando com os “bugres”.
Os dados trazidos a lume, também ajudam a compreender personagens enigmáticos
como a do Capitão Índio Bandeira. Provavelmente o título de capitão foi concedido por alguma
autoridade do Estado a fim de cooptá-lo. Como já argumentei, esse não foi o único mecanismo
com essa finalidade. Luiz Cleve refere-se a Bandeira “em ofício ao presidente Dantas Filho, em
dezembro de 1879, como sendo o comandante de importante toldo nas matas entre os rios
Corumbat e Ivaí”.
51
Cleve diz conhecer pessoalmente o cacique Bandeira, ao qual têm dado
ferramentas e tecidos, sendo ele de boa índole. Afirma que fará uma visita a ele
para convencê-lo a vir morar no novo aldeamento das Marrecas.
Em 14 de junho de 1879, a Thesouraria de Fazenda do Paraná informou ao
presidente da província que, de acordo com o Ministério da Agricultura tinha
sido aumentada a verba para a catequese, a fim de socorrer as despesas com a
catequese dos índios em Guarapuava, inclusive o pagamento de uma
gratificação de 20 mil réis aos caciques Bandeira, Gregório e Jong-jó. O cacique
Bandeira e os outros que já recebiam gratificação do governo provincial passam
a ter seus soldos pagos pelo governo do Império.
52
A frente de expansão é uma fronteira, espaço de encontro com o Outro, mas também de
reelaboração do eu e do Outro.
53
Em quase 200 anos de lutas e negociação, que então tinham
passado desde os primeiros conflitos, os Kaingang sofreram profundas modificações no seu
modo de vida, mas dentro das condições determinadas eles continuavam a agir dentro do seu
campo de possibilidades. O cacique Bandeira parece ser alguém que optou por uma estratégia de
maior aproximação com a sociedade nacional, explorando as margens de manobra com o
recebimento de recursos do Governo.
A potica de aldeamento esbarrou, porém, em pelo menos dois grandes obstáculos, por
um lado nos poucos recursos e na ineficiência da ação estatal e por outro na expansão da
fronteira agrícola.
54
A década de 1920 foi marcada por graves acontecimentos na região da serra da
Pitanga, nas margens direita do rio Ivaí. O povoamento da região entrava num
processo cada vez mais acelerado e se chocava com as tribos estabelecidas nos
diversos toldos ali existentes. Grande contingente de índios tinha se fixado na
região a partir das décadas de 1870/80, atraídos por promessas do governo da
50
Ibid.
51
MOTA, op. cit., p. 241.
52
Ibid., p. 242.
53
MARTINS, 1996, op. cit.
54
MOTA, op. cit.
38
província. Suas reservas eram leis promulgadas pelo governo do Paraná, mas
ainda não estavam demarcadas e vinham sendo ocupadas por brancos que
vinham de Guarapuava, ao sul, Ponta Grossa e Terezina, a leste. Diante disso,
os Kaingang voltaram a agir como antigamente, atacando a população
ameaçando as vilas e cidades próximas.
55
A margem esquerda do Ivaí, em direção a Campo Mourão, não ficou incólume a tais conflitos.
Até porque, novas terras na margem esquerda do Ivaí, haviam sido doadas, mas por falta de demarcação
estavam igualmente sendo invadidas”.
56
Conforme descreve um jornal de Curitiba:
‘convencidos como estavam os silvícolas de que tudo na Serra da Pitanga lhes
pertencia [...] Reunem-se em número considerável e avisam ao povo para que,
dentro de três dias abandonem suas casas e em seguida dão começo ao saque;
cometem a primeira investida roubando e ocupando a casa de Antonio Farkim.
Incontinentes saquearam e ocupam a ferraria de Fernandes Malho e depois
apossam-se das mercadorias da loja de gêneros Walther e do importante
estabelecimento do Sr. Manoel Mendes de Camargo, em um valor de mais de
50 contos de reis.
57
Depois de vários dias de conflito inclusive com fuga em massa da região da serra da
Pitanga, bem como a organização de milícia por comerciantes, um subdelegado faz o seguinte
relato sob os acontecimentos do ano de 1923:
No dia 19 de abril, o Diário da Tarde publicava o telegrama do subdelegado
Pedro Nolasco, que estivera no local do conflito: No dia 2 começaram os
saques e assassínios, perdurando até o dia 6, sendo saqueadas as casas
comerciais dos Srs. Manoel Mendes de Camargo e Generoso Walther, ao valor
de 60 contos de reis, duas casas de famílias sofreram saques completos.’
‘Manoel Lourenço, senhora e filho, e o alemão Landmann foram degolados,
cujos crimes foram cometidos pelos índios que passaram quatro dias
arrebanhando animais vacuns suínos e cavalar, sendo o prejuízo muito grande.’
‘Visitei 43 casas desabitadas na maior parte de alemães. Sigo hoje para uma
aldeia na margem do Ivahy a ver se consigo rehaver [sic] as mercadorias e
animais’.
58
A violência aberta e a negocião estavam no campo de possibilidades dos agentes em
conflito. Será que o subdelegado Pedro Nolasco, iria forçar ou pedir a devolução das
mercadorias? Ambas as atitudes eram possíveis, dependendo do momento. No campo de
possibilidades dos Kaingang deslocar-se não era apenas uma questão ecológica de aproveitar
novas áreas de caça ou a colheita do pinhão, mas uma forma de garantir sua autonomia e seu
modo de vida. Seu potencial de mobilidade foi defendido, mas a ocupação em massa das vastas
florestas e até mesmo das áreas reservadas aos indígenas coloca em xeque aquela possibilidade
de mobilidade.
59
Com a maciça vinda de migrantes durante o século XX e o desflorestamento
55
Ibid., p. 164.
56
Ibid., p. 164.
57
Gazeta do Povo, Curityba, 31 mar. 1923 apud MOTA, op. cit., p. 164-5.
58
MOTA, op. cit., p. 168.
59
MOTA, op. cit., p. 87, 89.
39
que o acompanhou a margem de manobra destas comunidades ficaram cada vez menor assim
como sua população continuou a diminuir até que conseguiram se restabelecer sob novas bases,
em uma profunda reelaboração do seu modo de vida e da sua identidade. Na base do conflito
pela terra , portanto, está a manutenção de um modo de vida e de uma identidade.
Cabe uma observação sobre o imaginário que tal grupo possuía da natureza. Para alguns
autores, como Robert Sack,
[...] o espaço para as sociedades primitivas tinha um significado muito maior e
abrangente, carregado de conteúdo social, histórico e até mesmo religioso. Na
visão primitiva, a terra não é algo que pode ser dividida em partes e vendida
como lotes. A terra não é uma parte do espaço existindo dentro de um sistema
maior. Pelo contrário, ela é vista em termo de relações sociais. As pessoas,
como uma parte da natureza, estão intimamente ligadas à terra. Pertencer a um
território ou a um lugar é um conceito social que exige, primeiramente e antes
de tudo, pertencer a uma unidade social. A terra, por si mesma, está em poder
do grupo como um todo. Não é privativamente dividida nem possuída. Além
disto, ela é viva como os espíritos e a história das pessoas, e os lugares sobre ela
são sagrados.
60
Diferente disto o:
[...] espaço da sociedade industrial caminha em outra direção: é o espaço onde
se retalha a terra, etiquetando-a com valores, transformando-a em mercadoria
pelo potencial produtivo que carrega. É o espaço onde árvores e animais
também têm o seu preço e também são mercadorias.
61
Ora, as sociedades tradicionais m uma relação mais complexa com seu ambiente do
que em geral se pensa, uma tendência a idealizar a relão de tais sociedades com o seu
ambiente.
62
Por exemplo, os Xavantes na década de 1950, como narra Maybury-Lewis: “Durante
suas viagens ateiam fogo a capões de mata muito fechada simplesmente para, segundo dizem,
‘limpar a área’ (roweda). Em resumo: pensam na mata como sendo estranha e feia e desdenham
os povos que fazem da mata o seu lar.”
63
É um equivoco achar que porque uma sociedade é
tradicional tenha uma sensibilidade positiva em relação ao mundo natural e uma visão de mundo
em harmonia com a natureza, igualmente, na sociedade moderna a natureza não é apenas
mercadoria, em geral, os sentimentos e atitudes em relação ao mundo natural são bem mais
complexos.
64
60
SACK, Robert. Conceptions of Space in Social Thought.
apud
SMITH
, Neil. Desenvolvimento desigual. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1988. p. 112
apud MOTA, op. cit. p. 9.
61
MOTA, op. cit. p. 9.
62
Cf. GRÜN, Mauro. Ética e Educação Ambiental: A conexão necessária. 3. ed. Campinas: Papirus,
1996. p. 59-100.
63
MAYBURY-LEWIS, A sociedade xavante. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1984. p. 78 apud
TEIXEIRA, Carlos Corrêa. Visões da natureza: seringueiros e colonos em Rondônia. São Paulo: EDUC, 1999. p.
218.
64
CARVALHO, E. B. de, 2005, op. cit.; CARVALHO, E. B. de, 2004, op. cit.
40
1.4 OS PECUARISTAS DOS CAMPOS DE GUARAPUAVA
As primeiras tentativas modernas de colonização da região de Campo Mourão foram
feitas a partir dos campos de Guarapuava, atravessando a faixa de Floresta Ombrófila Mista em
direção à área de cerrado em Campo Mourão. Na segunda metade do século XIX, ocorreram
rias expedições à região de Campo Mourão. Essas expedições eram motivadas por dois
interesses: a comunicação com o Mato Grosso fator geopolítico e econômico central para o
Estado, que era obrigado a se comunicar com aquela província através do rio da Prata, e o
interesse de fazendeiros de gado de Guarapuava de expandir suas terras, uma vez que o sistema
de criação extensivo de gado nos campos naturais de Guarapuava tinha uma produtividade
decrescente, o que demandava mais terras.
65
Tendo já em “1875, Rocha Loures, Manoel Joaquim
de Oliveira, Domingo Aires de Araújo e outros registraram um requerimento de compra [na
região então denominada Campo do Mourão] ao governo provincial”.
66
Uma destas expedições comandada por Norberto Mendes Cordeiro chegou aos campos
cerrados de Campo do Mourão” em 1880. Em 1893, Cordeiro juntamente com vários
fazendeiros da região de Guarapuava, como Guilherme de Paula Xavier, teriam feito uma
declaração de “posse mansa e pacífica” de 60 mil hectares, “somente Jorge Walter fixou-se em
Campo Mourão tentando alargar empreendimentos, que afinal feneceram. Jorge Walter fora um
russo que se aliara a fazendeiros de Guarapuava, financiado por estes para realizar o trabalho de
colonização de Campo Mourão.
67
Algumas características biofísicas da região, como a “inexistência de campo em
abundância”,
68
e a dificuldade de transporte das reses até o comércio em Guarapuava,
69
contribuíram para a “atividade pecuária voltada para o autoconsumo e a complementação da
atividade agrícola”,
70
e para esses fazendeiros não virem efetivamente para a região, apesar de
requererem as terras.
71
65
SORIANO, Sara Mônica Pitot de. Expropriação e violência: A luta dos trabalhadores rurais pelo
acesso à terra (Campo Mourão: 1946-1964). 2002. Dissertação (Mestrado em História) Universidade Estadual de
Maringá/Universidade Estadual de Londrina, Maringá. p. 65 et seq.
66
Ibid., p. 66.
67
VEIGA, op. cit., p. 29.
68
ONOFRE, op. cit., p. 74.
69
VEIGA, op. cit., p. 87.
70
ONOFRE, op.cit., p. 74.
71
VEIGA, op. cit., p. 29; ONOFRE, op.cit., p. 74.
41
1.5 OS LAVRADORES
Mas não foram os pecuaristas guarapuavanos que iniciaram uma (re)ocupação efetiva
dos “Campo de Mourão”. O fluxo migratório que inicia a colonização moderna da região de
Campo Mourão só se efetiva em 1903, com a vinda da família Pereira:
Em 1897, José Luiz Pereira, [...] sertanejo, deixa sua terra natal, em São Paulo e
embrenha-se para o sul, conduzindo sua mudaa em carros de bois, juntamente
com seus filhos, sua mulher e sua mãe. naquela época, tinha notícias sobre
Campo Mourão, porém o conseguiu chegar, devido às muitas dificuldades
encontradas pelo caminho. [...] Fixou-se em Guarapuava e fez muitas tentativas
para chegar em Campo Mourão, onde conseguiu finalmente chegar, em 1903.
72
Outros autores apontam o nome de outras famílias que chegaram no mesmo período:
‘O povoamento[sic.] desta rego só se deu de maneira decisiva após 1903 [...]
com a chegada dos senhores Antonio Luis Pereira, José Luiz Pereira, Bento
Gonçalves Proença e Cesário Manoel dos Santos, que, acompanhados de suas
respectivas famílias, ali construíram suas casas, e dedicaram-se à agricultura e
pecuária, iniciou-se o seu desenvolvimento.’
73
A partir da vinda dos irmãos Pereira, parece haver um fluxo migratório, primeiro de
paulistas, como os Custódio de Oliveira que chegaram em 1910, depois de migrantes vindos do
Paraná Tradicional, em especial dos campos de Guarapuava, e, ainda, em menor número, de
elementos vindos de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e que marcam esta fase, que vai até
1939.
Em visita à região de Campo Mourão em 1909, Pe. Francisco Vedder estimou que “não
ultrapassaria a cem pessoas” a população que ali se encontrava, provavelmente referindo-se,
apenas, à população “branca” da área de cerrado e seu entorno. Em 1921, porém, a população do
Distrito Policial e Judiciário de Campo Mourão, seria de 200 pessoas. em 1934 a população
do Distrito era de 2 mil habitantes. Em 1940, o distrito possuía 11.964 habitantes. O município
de Campo Mourão foi criado em 1947 e em 1950 possuía 32.675 habitantes.
74
Chegando a
mesorregião a possuir, em 1970, mais de 500 mil habitantes.
O grande fluxo de migrantes a partir da década de 1940 relacionou-se à chegada das
frentes de expansão que se sobrepuseram na região, contando também com a melhoria das
possibilidades de transporte. No início do século XX, o acesso às terras no “Campo do Mourão
se dava através da cidade de Guarapuava, abrindo picadas ou aproveitando e alargando picadas
indígenas no meio da floresta. Entre 1908 e 1921 empreendeu-se, por diversas tentativas, a
construção de uma estrada para conduzir gado de Mato Grosso para Guarapuava, ampliando,
72
SIMIONATO, op. cit., p. 15.
73
EL-KHATIB, Faisssal. História do Paraná: municípios do Paraná. Curitiba, Cultural, 1969.
42
assim, o acesso entre Guarapuava e Campo do Mourão”. Tal caminho, conhecido como Estrada
Boiadeira, inicialmente foi “uma estrada frustrada, já que depois de algumas viagens ela foi
abandonada, tal o estado miserável em que os bois chegavam aos Campos Gerais após atravessar
a floresta bravia e indomável”.
75
Em 1939 o inspetor ainda tinha que fazer a viagem de Guarapuava, sede da 5ª
Inspetoria, até Campo Mourão a cavalo, mas no ano seguinte o governo do Estado providenciou
a “reconstrução e alargamentoda “Rodovia Pitanga-Campo Mourão”, de forma que Campo
Mourão passou a comunicar-se com a cidade de Guarapuava por “estrada de rodagem sem
traçado técnico, mas que permite trânsito regular de qualquer veículo em tempos normais. A
extensão desta estrada é de 270 Km, passando pela cidade de Pitanga, que dista 164 Kms [sic.]
de Campo Mourão.”
76
Entretanto, o primeiro prefeito eleito de Campo Mourão (1947/1950),
Pedro Viriato de Souza Filho, chamou tal estrada, de a “péssima que nos ligava a Pitanga”, e
lembra que o governo do Estado argumentou que o melhor para o Município seria produzir
energia no local por meio de uma pequena hidrelétrica, pois não havia “estradas para garantir o
transporte de óleo”.
77
A outra via de escoamento da produção da região foi em direção ao Norte do Paraná, ou
seja, às cidades de Maringá e Londrina.
A partir de 1938 começaram as comunicações de Campo Mourão com a região
Norte paranaense, através do porto das Bananeiras e por Vila Rica (Fênix). Tais
comunicações eram caminhos de cargueiros que demandavam a Apucarana,
para onde se conduziam alguns produtos agrícolas da região, inclusive porcadas.
As comunicações mais freqüentes, porém, se faziam com Pitanga e Guarapuava,
por comitivas periódicas.
78
Em 1944, a região “liga-se por estrada de rodagem com Maringá e passa a receber o influxo de
lavradores e criadores em busca de novas áreas para o plantio do café e para a formação de safras”.
79
No ano de 1939, iniciaram-se os serviços de colonização em terras no então Município de
Guarapuava. O plano de colonização compreendia a região entre os rios Ivaí e Piquirí.
80
Estabelecendo a
partir desta data, na região estudada, várias colônias como a: Cantu, Goio-Bang, Goio-Erê, Muquilão e
Mourão.
74
VEIGA, op. cit., p. 55-56.
75
Ibid., p.87.
76
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Inspetoria de Terras. Relatório apresentado ao
Ilmo. Snr. Dr. Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização pelo Eng. Chefe da Divisão de
Colonização, Sady Silva. Ano 1940-1945. Curitiba,[s.d].; VEIGA, op. cit., p. 144.
77
SOUZA FILHO, Pedro Viriato. Discurso na semana da pátria de 1978. In: VEIGA, op. cit., p. 97-
102.
78
SIMIONATO, op. cit., p. 39.
79
Ibid., p. 39. ONOFRE, op. cit., p. 71.
80
SORIANO, op. cit., p. 70.
43
Estes dois fatores, o da abertura da região ao grande fluxo migratório vindo do Norte do Estado
ligado à produção cafeeira, e os trabalhos de colonização planejados pelo Governo do Estado, detonaram
o rápido, violento e desordenado processo de colonização dirigida e do brutal desflorestamento na região.
Nessa rego o se sobrepor os três fluxos migratórios responsáveis por transformar o
“sertão do Paraná”, durante o século XX, de uma vasta área florestal em uma vasta área de
agropecuária comercial. Uma composta por gaúchos e catarinenses, vindos do sul, se dedicando
principalmente ao cultivo de cereais; outra composta, predominantemente, de paulistas e
mineiros, vindos do norte, fortemente associada ao cultivo de café, sendo as áreas de Floresta
Estacional Semidecidual, em geral, as mais adequadas a cultura cafeeira, até o paralelo 24,
81
e
uma terceira, vinda do Paraná Tradicional”.
82
(ver figura 4).
81
Todavia, o café, no auge dos seus melhores pros no pós-Segunda Guerra Mundial, foi cultivo em
terras bem ao sul do paralelo 24. O café, notoriamente, o consegue se desenvolver ao sul do paralelo 24, por ser
uma planta pouco resistente ao frio. A cidade de Campo Mourão fica na latitude 24º02’38”.
82
WACHOWICZ, op. cit., p. 267 et seq.
44
FIGURA 4 PARANÁ: GRANDES FRENTES DE COLONIZAÇÃO, COM A REGIÃO DE
CAMPO MOURÃO EM DESTAQUE
FONTE: SERRA, Elpídio. Processo de ocupação e a luta pela terra agrícola no Paraná. 1991.
Tese (Doutorado em Geografia) Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade
Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, UNESP, Rio Claro. Adaptado por Ely B. de Carvalho.
1.5.1 – Terras: Uma Racionalidade Campesina
Neste período aqui enfocado, 1903-1939, a região de Campo de Mourão era uma frente de
expansão. Conforme José de Souza Martins,
122
a frente de expansão é uma “expansão da
civilização”. Como é comum na frente de expansão se praticava uma economia de excedente.
123
Um depoente, nascido em 1908, cuja família migrou para a atual rego de Campo Mourão
vindos do interior de São Paulo, assim descreve a vida econômica da época:
122
MARTINS, op. cit., p. 27 et seq.
123
Trata-se de uma economia de excedentes porque o raciocínio que preside a organização da produção,
isto é, o que plantar e sobretudo quanto plantar e até onde plantar, está organizado a partir da idéia de que, do que se
planta, uma parte deveria destinar-se primeiramente à subsistência da família do produtor e um excedente deveria ser
produzido para troca ou comércio. MARTINS, 1996, op. cit., p. 50.
45
‘Quando minha família chegou aqui (10/10/1910) era sertão bruto. Não tinha uma
loja pra comprar sal. As compras eram feitas em Guarapuava. [...] Iam comprar
querosene, sal, algumas roupa prá vestir, pólvora... o tinha dinheiro... eles
levaram arroz e café limpo, socados no monjolo... couros de bichos que eles
matavam... Eles se revezam nas viagens de compras, mas cada animal era de um
dono, tinha seu pedido e os produtos prá trocar. Transportavam tudo em lombo
de 15...20 mulas...’(grifo meu)
124
A rego estudada não se constitui numa sociedade fechada voltada para a subsistência.
Existiam ligações comerciais, fundamentalmente com a cidade de Guarapuava. Havia, portanto,
uma exploração voltada para o mercado capitalista, que segundo a interpretação de Martins
125
referindo-se às frentes de expansão no Brasil, podia ser entendida como dada em moldes não
capitalistas. Na qual as formas de coerção extra-econômicas predominavam. Trata-se de uma
economia pouco monetarizada, baseada principalmente no trabalho familiar. Devido à dificuldade
de transporte, os produtos deveriam ter um bom valor agregado e o acesso aos produtos via
mercado, apesar de serem vitais, como o sal, era escasso.
Em tal contexto fortes relações de reciprocidade dentre os moradores da região.
126
Sendo comum o relato de “mutirões” feitos para “ajudar” vizinhos. Como os que eram feitos no
tio de João Mentes Pereira: “As três dias de serviço, fazia-se uma festa e tinha tanta comilança!
E o senhor João Mendes ficava com a terra pronta para plantar ou já plantada.”
127
Ou, ainda, a
reciprocidade familiar, por exemplo, é apontada como a causa da vinda da família Pereira para
Campo Mourão: “Contam os mais antigos da família Pereira que o fato motivador da mudança dos
irmãos Pereira para os sertões do Paraná fora o assassinato de um de seus iros, Joaquim Luiz
Pereira, por um vizinho de terras em Santa Cruz do Rio Pardo (SP).” Em virtude de tal assassinato
os “irmãos se reuniram e chegaram à conclusão de que, se ficassem nas terras onde estavam, iriam
acabar matando o assassino de seu irmão, o que poderia gerar vingança por parte da outra família,
podendo ainda gerar muitas outras mortes de um lado e de outro.” Para evitar uma seqüência de
assassinatos pautados na obrigação de “lavar a honra” da família os irmãos teriam migrado para o
“sertão do Paraná”.
128
Tudo isso, configura um modo de vida diferenciado do mundo dito
moderno.
129
124
BATHKE JÜNIOR, Wille. Joaquim Teodoro de Oliveira, 10. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 4
nov. 2001. p. 7. Especial: Projeto Raízes.
125
MARTINS, 1996, op. cit., p. 30-1, passim.
126
“‘Às vezes acontecia de demorar mais tempo e o alimento começava a faltar. Aí, então uma família
socorria a outra até a tropa voltar.’” BATHKE JÜNIOR, Wille. Joaquim Teodoro de Oliveira, 10. Tribuna do Interior,
Campo Mourão, 4 nov. 2001. Especial: Projeto Raízes. p. 7.
127
LARA, João Maria. Campo Mourão 100 anos do desbravamento 1903-2003: Uma homenagem à
família Pereira. Campo Mourão: Kromoset, 2003. p. 47.
128
Ibid., p. 38.
129
Muito semelhante ao que Antonio Candido chamou de modo de vida caipira, estudado por ele em São
Paulo, na década de 1950. MELO E SOUZA, Antônio Cândido. Os parceiros do Rio Bonito: Estudos sobre o caipira
paulista e a transformação dos seus meios de vida. 2. ed. São Paulo: Duas Cidades, 1971.
46
Tal modo de vida se insere em uma tradição de campesinidade na qual uma “ordem
moral” própria, na qual:
Vê-se a terra, não como natureza sobre a qual se projete o trabalho de um grupo
doméstico, mas como patrimônio da família, sobre a qual se faz o trabalho que
constrói a família enquanto valor. Como patrimônio, ou como dádiva de Deus, a
terra não é simples coisa ou mercadoria.
130
Um “pioneiro” da família Custódio de Oliveira afirma:
As terras ocupadas pela família Custódio de Oliveira foram legalizadas mais de 20
anos depois [...] ‘O pai de papai ficou só com 100 alqueires, no começo. [...] Os
posseiros que tinham aqui não brigavam entre si [...] Era comum chegar alguém e
dizer: você tem tanta terra um pouco prá mim?!... E papai, meus tios, davam os
requerimentos de terra’, conta Carlinhos,As brigas e mortes eram com os grileiros
que vinham de fora’
131
Pode-se questionar o que significava darterra entre posseiros, em especial porque os
entrevistados afirmam, também, haver “compra de posses nesse período. Mas o fato de haver
comércio de terras o implicava, necessariamente, que houvesse um mercado de terras em moldes
capitalistas, uma vez que isto depende dos termos em que estes negócios eram realizados.
132
A tais
termos de troca não tive acesso. Mas o que é certo é que, em terra de fronteira aberta, a posse da
terra tem uma ligação maior com as relações pessoais e a ordem moral, do que com fatores de
mercado. Ademais, não havia apenas uma apropriação privada da terra.
‘O gado e os cavalos se misturavam com os animais dos Pereira por toda a campina
e carrascais entre a água dos divisores dos rios de Campo e 19, mas era tudo
marcado a ferro e fogo pra não se perder e não virar confusão entre as duas
famílias, que se davam muito bem’, fala rio Sebastião.
133
Da fala do membro da família Custódio de Oliveira podemos inferir a existência de terras
de uso comum. Isso pode ser derivado de uma longa tradição de tal prática na cultura camponesa
e/ou resultado das condições biogeográficas e econômicas locais. Pode-se presumir que havia
normas (explicitas ou não) de apropriação destas terras comuns, bem como de outros recursos. Tais
normas perderam a eficácia com a apropriação privada do cerrado e demais terras, que se seguiu a
colonização dirigida.
No período estudado, a região de Campo Mourão foi uma região de fronteira aberta. As
entrevistas
134
registram a presença, no período, de “agregados e empregados”. Mas era uma
130
WOORTMANN, Klaas. “Com parente não se negoceia”: O campesinato como ordem moral. Anuário
Antropológico. p. 11-73, 1987. p. 13.
131
BATHKE JÜNIOR, Wille. Joaquim Teodoro de Oliveira, 10. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 4
nov. 2001. p. 7. Especial: Projeto Raízes.
132
LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII.
Tradução Cynthia Marques de Oliveira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p. 131 et seq.
133
BATHKE JÜNIOR, Wille. Família Custodio de Oliveira, 47. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 21
jul. 2002. Especial: Projeto Raízes.
134
Conjunto de 54 entrevistas organizadas por Wille Bathke Júnior e publicadas no jornal Tribuna do
Interior, entre 2001 e 2002, com “pioneiros” de Campo Mourão.
47
sociedade fundamentalmente de agricultores familiares. Embora não se possa definir bem os fatores
restritivos de acesso à posse da terra para estes agregados e empregados, são bem mais claros os
fatores que complicavam o acesso à propriedade da terra, não obstante a vastidão de terras
devolutas. Desde a Lei de Terras, de 1850, a compra era a única forma de acesso à propriedade de
terras devolutas. Apesar do preço cobrado pelas terras ser relativamente baixo, os caminhos
burocráticos para efetivar tal compra, para homens e mulheres com pouca instrução e morando a
centenas de quilômetros de Curitiba, era extremamente complicado. Ademais, em uma economia
pouco monetarizada era muito difícil conseguir os recursos para efetuar o pagamento, mesmo que
as terras fossem relativamente baratas. Como exemplo, temos Eugenio Custodio de Oliveira que
lembra: “‘Os irmãos Custódios de Oliveira tinham receio de se apossar de grandes porções de terra
e depois o poder pagar ao Governo. Perderam muito porque não escrituraram. Outros vieram e
tomaram.’”
135
e ainda um membro da família Pereira: “Tudo que a gente tinha, quase a metade de
Campo Mourão, perdemos”, lamenta dona Deolinda.
136
Em geral conseguiram o tulo de
propriedade, mas de áreas pequenas e dias.
Mesmo aqueles que conseguiam efetuar a requisição de grandes áreas de terras, às vezes,
o conseguiam pagá-las, como no caso de Ananias Luiz Pereira:
Na condição de morador da terra, o senhor Ananias Luiz Pereira requereu do
Estado 703,6 alqueires de terras, obtendo o título de posse da chamada fazenda
Campo Bandeira. De acordo com Lara, um descendente da família Pereira, a
fazenda ficava ao lado direito do rio do Campo, possuindo uma faixa de pinheiros
naturais. [...] Mas os rendimentos obtidos com o trabalho na terra eram poucos e,
no ano de 1940, esse pioneiro precisou vender sua propriedade para o senhor
Georges Jort, por não conseguir pagar as prestações da terra para o governo. O
título da propriedade saiu ainda em seu nome, sendo escriturado em seguida ao
novo proprietário.
137
Caso parecido é o de Miguel Luiz Pereira, que chegou com sua família em Campo Mourão
em 1903: “ele era proprietário de uma área de 1.110 alqueires, [2.686,2 hectares] que ia da Vila
Rio Grande até a nascente do Rio do Campo. Anos mais tarde, o velho, engabelado, vendeu a
fazenda a um tal de Luiz Louça que veio de Guarapuava, após concluir que não poderia pagar a
posse das terras.’”
138
Um de seus filhos, João Mendes Pereira, comprou de volta 91,75 alqueires.
139
Ou ainda, Luiz Pereira da Cruz, nascido em 1871, que teve 21 filhos, sendo que 13 sobreviveram,
veio para Campo Mourão em 1910, e abriu, com a ajuda dos filhos, uma fazenda de 264 alqueires
[638,88 hectares] na região além da Fazenda Campo Bandeira”. Após a morte da sua esposa em
135
BATHKE JÜNIOR, Wille. Custodio de Oliveira, 47. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 21 jul.
2002. Especial: Projeto Raízes.
136
BATHKE JÜNIOR, Wille. Deolinda Luiza Pereira, 20. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 13 jan.
2002. p. 7. Especial: Projeto Raízes.
137
ONOFRE, op. cit., p. 108.
138
LARA, 2003, op. cit., p. 46.
139
Ibid., p. 46.
48
1944, “vendo que o conseguia terminar de pagar a fazenda disse aos filhos que a terminasse”, e
dividiu a fazenda.
140
Em um livro de memórias sobre a família se explica que os membros da
família, enfim, preferiram “vender as terras, ao invés de vender o gado.”
141
O senhor Jo Luiz Pereira, considerado o primeiro neste fluxo migratório a fixar
residência na rego não conseguiu a propriedade da terra.
Segundo entrevista com seu neto Eurides Pereira a dificuldade de registrar a terra
era arrumar dinheiro para ir a cavalo até Curitiba. Depois de registrada a terra, o
proprierio teria que pagar uma pequena taxa mensal para o governo. Mas as
dificuldades financeiras eram tantas que meu avô não tinha dinheiro nem para
pagar os custos da viagem. [...] Decepcionado por não conseguir o título da terra e
em virtude da morte de sua esposa, José Luiz Pereira mudou-se de Campo Mourão,
deixando sua família. Mas apesar do a não ter conseguido terra, o senhor Eurides
relatou que ajudou um agrimensor a medir fazendas em Campo Mourão, e como
pagamento ganhou o direito de 200 hectares de terra, a qual pagou por s, durante
vários anos e registrou ao término das prestações.
142
Na trajetória de Eurides Pereira se tem um prenúncio de como eram tortuosos os
caminhos de acesso à propriedade da terra. O que o avô não conseguiu sendo o “pioneiro”, o neto
conseguiu como pagamento de um serviço, ou como um favor clientelista. Dessa forma, aqueles
que tinham maior capacidade de circulação e influência junto à burocracia estatal tinham maior
possibilidade de ter a propriedade da terra.
Um outro exemplo é descrito no depoimento dos filhos de Guilherme de Paula Xavier, que
foi o primeiro juiz de paz do distrito de Campo Mourão, em 1921, e que era chamado de “coronel”.
Seu filho afirma: “Os Pereira deram uma bobeada, não titularam as posses da terra e perderam
quase tudo. Meu pai titulou tudo direitinho. Antes de morrer deixou a Fazenda Santa Maria pros
filhos e minha mãe ficou com o gado.”
143
Cabe observar, entretanto, que Guilherme de Paula Xavier passou a morar com a família na
região em 1926 após conflitos poticos que teve na região de Laranjeiras do Sul, no Paraná.
144
A
dificuldade de transporte e o tipo e a relativa exigüidade de pasto disponível foram alguns dos
fatores que não tornavam a região uma área de interesse para os pecuaristas tradicionais dos campos
de Guarapuava, daí, apesar dos requerimentos efetuados de terras, inicialmente, não houve a
concretização da exploração da área por parte daqueles fazendeiros. Mesmo entre os “paulistas” os
campos” do Mourão foram enganadores. Como afirma um descendente da família Custodio de
Oliveira:
140
Ibid., p. 55-56.
141
Ibid., p. 80.
142
ONOFRE, op. cit., p. 109-110; LARA, 2003, op. cit., p. 78.
143
BATHKE JÜNIOR, Wille. Guilherme de Paula Xavier, 37. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 12
maio 2002. Especial: Projeto Raízes.
144
Ibid.
49
‘Nossa mãe e os tios gostavam de campo de pasto nativo aqui não tinha nada. Era
tudo carrascal, capoeira e um descampado de árvores retorcidas. Tinha um capim
meio alto, que nasce até hoje nos terrenos vazios. Mata fechada mesmo só tinha pra
lá dos rios do Campo e 19. [...] A melhor terra pra planta é onde nasce palmito.
145
Dessa forma algumas destas famílias buscaram terras nas áreas de Floresta Estacional
Semidecidual, as “terras de palmito”, e se dedicaram à agricultura.
Neste período a especulação referente a terras acontecia, mas geravam pouco efeito na
região. Assim, a região sofreu tentativa de “grilagem”, aparentemente, sem gerar efeitos práticos na
localidade. Toda a região de Campo Mourão fazia parte de grilos, ou seja, haviam pessoas que
tentavam se apossar de terras do Estado ou de outrem por meio de documentação falsificada, em
geral, acompanhada de violência. Todavia estes grilos em questão foram cancelados por ões
ordenadas pelos interventores estaduais na década de 1930. Aliás, ficam conhecidos, em geral,
justamente aqueles grilos que foram cancelados, pois os bem sucedidos entram para a história como
aquisições legitimas. Os principais grilos na região estudada, cancelados na década de 1930, eram
os denominados Guavirova com 413.820 hectares, a Fazenda Bandeirante com 977.050,5 hectares,
e o Corumbat, com 523.446 hectares, que ocupava a área da atual cidade de Campo Mourão.
146
Para além dos atos de grilagem, a especulação com terras estava presente na região. Até mesmo
funciorios públicos e profissionais liberais podiam negociar terras, como narra uma filha sobre o
pai que era engenheiro vinculado ao Departamento de Terras do governo do Estado: “‘Meu pai foi
apaixonado pelos Campos do Mourão. Para veio a cavalo em 1922. Adquiriu posses de terra no
descampado onde hoje está a região do Jardim Lar Paraná.’”
147
Dessa forma, ao ser implantada a colonização dirigida, além dos posseiros os
colonizadores deveriam enfrentar as propriedades “legais” que formavam uma estrutura fundiária
com grandes propriedades, mesmo que fossem propriedade rurais “de papel”. No final do século
XIX e durante toda a primeira metade do século XX uma série de documentos de posse e
propriedade de terra é emitida para a região. A essa massa de papeis originais, (caducos ou válidos),
os grileiros iriam acrescer as falsificações. E havia ainda a figura dos posseiros, que ocupavam a
terra mas não tinham documento algum. Por exemplo, quando a empresa colonizadora, Sociedade
Técnica Colonizadora Engenheiro Beltrão Ltda, começou a atuar no atual Município de Engenheiro
Beltrão, desmembrado originariamente do município de Campo Mourão, encontrou “ocupantes”. O
145
BATHKE JÜNIOR, Wille. Família Custodio de Oliveira, 47. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 21
jul. 2002. Especial: Projeto Raízes.
146
WESTPHALEN, Cecília Maria; MACHADO, Brasil Pinheiro; BALHANA, Altiva Pilatti, Nota prévia
ao estudo da ocupação da terra no Paraná moderno. Boletim da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, n. 7, p. 1-
52, 1968. p. 14-15; PARANÁ. Relatório apresentado à sua Exel. O Snr. Dr. Getulio Vargas m. d. presidente da
república pelo Snr. Manoel Ribas Interventor federal no Estado do Paraná Exercícios de 1932/1939. Curitiba,
194?.
147
BATHKE JÜNIOR, Wille. Leony Bittencourt Prado e Manoel Andrade, 53. Tribuna do Interior,
Campo Mourão, 1 set. 2002. Especial: Projeto Raízes.
50
tratamento dado pela empresa colonizadora, segundo seus relatórios, foi que: os ocupantes” que
tivessem chegado antes de 1942 poderiam solicitar ao Estado as terras em que estavam ou comprar
da empresa colonizadora pelos preços praticados pelo Estado. Era um total de 38
ocupantes”/posseiros, sendo que o menor imóvel possuía 10,5 e o maior, 102,0 hectares, com uma
dia de 52,8 hectares Havia ainda oito pessoas que aparecem como proprietários de terras no
interior da gleba, que tinham requerido as terras, algumas aprovadas pela Secretaria de Viação
e Obras Públicas. Estes eram imóveis bem maiores: o menor possuía 103,4 hectares e o maior,
774,7 hectares, com uma média de 374,8 hectares
148
. Entretanto, estas áreas maiores, em geral, o
eram efetivamente cultivadas, havia apenas uma pequena parte “aberta” e o restante da área era
floresta.
1.5.2 – Florestas: Um Modo de Vida de Baixo Impacto
A agricultura de coivara é apontada por Dean como uma das grandes vilãs na destruição da
Mata Atlântica.
149
Entretanto, a agricultura de coivara não é uma técnica destruidora do ambiente
por excelência, já que seu impacto é “aceitável”, ou não, dependendo de uma série de condições:
Essa agricultura, chamada itinerante ou de coivara, tem sido geralmente
considerada não prejudicial ao ecossistema como um todo; com o tempo, o
equilíbrio é restabelecido. Mas em algum momento, à medida que se intensifica
esse tipo de agricultura, a capacidade regenerativa da floresta é afetada
permanentemente, e o ecossistema é prejudicado.
150
A criação de porcos na floresta era outra atividade voltada para o aproveitamento da
relativa abundância de recursos naturais. Desmatava-se uma área, plantava-se milho e outros
produtos e depois deixavam os porcos soltos na área. Portanto era uma espécie de pecuária com
base na coivara, sendo ainda mais necessária a abundância de floresta para os animais não se
dispersarem nas roças de outros lavradores próximos. A principal vantagem da criação de porcos
era a mobilidade dos animais, que poderiam ser transportados a por dezenas de quilômetros até
os mercados consumidores. Tal atividade, na região, recebeu incentivo principalmente a partir da
148
BELTRÃO, Alexandre. Plano de loteamento: Memorial referente ao terreno denominado Rio
Mourão. Curitiba, set. 1947. (Arquivo Público do Paraná). apud CARVALHO, Ely Bergo. Sombras do passado,
projetos de futuro: as florestas nas memórias dos agricultores de Engenheiro Beltrão Paraná, 1947-2003. 2004.
Dissertação (Mestrado em História) Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa
Catarina – USFC, Florianópolis.
149
DEAN, Warren. A ferro e fogo: A história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
150
WORSTER, Donald. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p.
198-215, 1991. p. 205.
51
década de 1930 com a potica de substituição de importações de banha,
151
e com ampliação da
malha ferroviária no interior do Paraná.
152
Na primeira metade do século XX, na região de Campo Mourão, o sistema de criação de
porcos na floresta e a coivara com uma baixa densidade demográfica em torno de um habitante
por quilometro quadrado em 1940
153
eram com certeza muito menos impactante que o
desflorestamento sistemático que se seguiu a partir da década de 1940.
Não quero com isto afirmar que tal sociedade vivia em harmonia com a natureza. É claro
que a nova presença humana alterou aquele ambiente. Afinal a floresta era uma fonte de recursos
fundamental para aquelas sociedades, em especial fornecendo carne, madeira, remédios e
fertilizando a terra. A primeira loja comercial a se estabelecer na região já possuía na compra de
pele de onça e outros animais, uma de suas atividades. Como afirma Sebastião Custódio de
Oliveira:
‘O maior comprador de couro de caça era o Léo Guimaes estabelecido por
volta de 1930 perto da Laje Grande (bica) que depois vendeu o armazém pro
Francisco Ferreira Albuquerque. Eu negociei um couro de onça com o Léo em
troca de seis metros de linho, forro de seda, botões, linha e tudo que precisava. Fiz
um terno e fiquei faceiro alinhado’ Conta feliz.
154
O impacto do seu modo de vida, pelo menos até a década de 1930, o parece ter a
capacidade de alterar a dinâmica geral bio-geo-química, o que o pode ser dito dos resultados da
colonização dirigida.
155
É evidente que, a partir da colonização dirigida, a capacidade de resiliência
do ecossistema é rompida com o brutal desflorestamento. Os trabalhos pioneiros de análise do
impacto ambiental da colonização da região, como os do geógrafo R. Maack,
156
apontam
claramente as grandes mudanças em tais ciclos e a redução brutal da biodiversidade. Todavia, não
se trata nesta pesquisa, de buscar qual grupo, atividades ou modo de vida devastou mais a
151
WACHOWICZ, op. cit., p.175.
152
Desta forma a “safra” de porcos, uma atividade identifica com “cabocla”, era incentivada e interligada
com a política de substituição de importações, ou seja, com as ações de industrialização nacional.
153
E de 0,2 hab/Km
2
em 1934. Por um lado, deve-se considerar que as estimativas “oficiais” não deveriam
abranger todos os moradores do sertão dada a dificuldade de acesso à tal população, por outro lado, deve-se considerar
que a Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, tem uma densidade demográfica de 1,24 hab/Km
2
., enquanto que
em 1950 a densidade demográfica em Campo Mourão era de 2 hab/Km
2
. (ITCF. Campo Mourão: Alguns Fatos
Históricos. Curitiba, 1987 apud HESPANHOL, Antonio Nivaldo. A formação sócio-espacial da região de Campo
Mourão e dos municípios de Ubiratã, Campina da Lagoa e Nova Cantu – PR. Boletim de Geografia. Maringá, v. 11, n.
1, p. 17-28, dez. 1993.) Guardadas as diferenças nos modos de vida, a baixa densidade demográfica é um dos fatores
centrais para se pensar o impacto ambiental destas populações.
154
BATHKE JÜNIOR, Wille. Família Custodio de Oliveira, 47. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 21
jul. 2002. Especial: Projeto Raízes.
155
Marcos Gerhardt ao analisar o modo de vida “caboclo”, constituído nas frentes de expansão, no norte do
Rio Grande do Sul, afirma que tal sociedade gera a “manutenção da biodiversidade”. Não chego a afirmar tanto, mas o
caso aqui abordado se aproxima bastante do caso por ele analisado. GERHARDT, Marcos. Os caboclos e a relação com
a natureza no norte do Rio Grande do Sul. Ciência & Ambiente, Santa Maria, n. 33, p. 165-173, jul./dez. 2006.
156
MAACK, Reinhard. Geografia física do Estado do Paraná. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio,
Curitiba: Secretaria da Cultura e do Esporte do governo do Estado do Paraná, 1981; MAACK, Reinhard. O ritmo da
devastação das matas no Estado do Paraná. Ciência e Cultura, v. 15, n.1, p. 25-34, mar. 1963.
52
floresta,
157
mas sim como alguns foram legitimados e outros foram deslegitimados em terem acesso
a terras e florestas.
O processo de devastação florestal não se dá em um “vazio”. Mais que um confronto do
ser humano com a natureza o que se tem é um confronto entre seres humanos. Em geral o que se
tem é uma disputa de diferentes formas de apropriação e gestão daquele ecossistema. Uma disputa
para ver quem terá ou não acesso aos recursos e a que forma de acesso terão.
Dado o papel desempenhado pelo governo estadual, como principal colonizador direto da
região de Campo Mourão e regulador dos conflitos sociais, vou me debruçar sobre as racionalidades
e as representações que orientaram a ação estatal e deslegitimavam a paisagem do sertão para
produzir uma racionalização da paisagem.
157
Tentativas neste sentido podem ser encontradas em: DEAN, op. cit. passim; MAACK, 1981, op. cit., p.
204-205 passim. Todavia, é metodologicamente difícil de estabelecer um cálculo rigoroso. Em geral, os cálculos mais
confiáveis mas o incontroversos o da quantidade de floresta primária e secundária existente diacronicamente.
MAACK, 1981, op. cit. p. 204; CARVALHO, Miguel Mundstock Xavier de. O desmatamento das florestas de
araucária e o Médio Vale do Iguaçu: uma história de riqueza madeireira e colonizações. 2006. Dissertação
(Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC,
Florianópolis. p. 55-78; CASTELLA, Paulo Roberto; BRITEZ, Ricardo Miranda (Org.). A floresta com Araucária no
Paraná. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2004.
CAPÍTULO 2 O ESTADO JARDINEIRO: O DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA,
TERRAS E COLONIZAÇÃO NA COLONIZAÇÃO RACIONAL DE CAMPO MOURÃO
“Terra é apenas outro nome para a natureza, que
não é produzida pelo homem.
Karl Polanyi
A palavra colonização é Iluminista”
Carlos Alvarez Maia
2.1 A ESTRATÉGIA DA COLONIZAÇÃO RACIONAL
Em um relatório datado de 1954, elaborado pelo Departamento de Geografia, Terras e
Colonização (DGTC), órgão do Governo do Estado do Paraná, vinculado à Secretaria de Estado
dos Negócios da Agricultura, fez-se uma avaliação do processo de colonização do “noroeste”
1
do
Estado do Paraná e, portanto, da gestão estatal das terras devolutas. Ao descrever a atuação do
DGTC na Gleba 9 da Colônia Mourão, que foi a primeira a ser demarcada na região de
Campo Mourão, afirma:
Os trabalhos de medição, demarcação e localização dos ocupantes desta gleba,
constituem a primeira fase da colonização racional desta colônia promovida
por intermédio do Departamento de Geografia, Terras e Colonização, no
sentido de criar uma finalidade ao esforço ainda dispersivo dos nacionais
espalhados. Os trabalhos desta natureza, conforme relatórios de fls. 4 do
processo, [de medição original da gleba] dizem ‘em continuidade estão
destinados os primeiros marcos de um marco de um novo ciclo de
desenvolvimento do vale do rio Ivaí, em paralelo, embora em escala menor, ao
programa do reerguimento econômico de várias zonas rurais do Brasil, baseado
na valorização do homem e da terra e empreendido com esclarecido zelo
pelo governo da República.’ [...]
‘Em face da ocupação de terras devolutas, do povoamento iniciado sem plano e
sem finalidade comum, o Estado promove o conhecimento real dessas posses,
avalia a capacidade da iniciativa individual dos colonos, orienta-os na aquisição
fácil de suas glebas, incorporados como lavradores ao cadastro das propriedades
agrícolas e pecuárias, pela criação de escolas, pela abertura de estradas, pela
assistência à saúde e pela distribuição racional dos lotes, modifica as condições
precárias do meio atendendo às necessidades precárias dessas populações.’
(grifo meu).
2
1
As delimitações regionais mudaram bastante, durante o século XX, no Paraná, variando no tempo e,
também, entre autores, dependendo dos critérios utilizados. O “noroeste” delimitado no citado relatório era mais
amplo do que a atual delimitação de noroeste feita pelo IBGE.
2
DEPARTAMENTO de Geografia Terras e Colonização. Relatório apresentado pelo Departamento
de Geografia, Terras e Colonização do Estado do Paraná, referente aos trabalhos de colonização. Curitiba,
1954. p. 25.
54
A colonização na qual “um princípio técnico racional é um critério absoluto
3
é aqui
apresentada como capaz de dar um sentido para a ação dos “nacionais aí espalhados”. Qual é este
sentido almejado? O autor do relatório deixa claro que a colonização racional
4
era um divisor de
águas, que iria marcar um novo “ciclo de desenvolvimento”. Infelizmente, ainda hoje,
desenvolvimento” é medido fundamentalmente pelo aumento no Produto Interno Bruto – PIB, e
na época não era diferente. Por desenvolvimento esperavam, fundamentalmente, um ciclo de
crescimento econômico, logo o sentido, a finalidade a qual a colonização racional deveria
imbuir as pessoas e as terras era a produção de bens para o mercado. Nesta mesma época, para
ser mais exato em 1942, Caio Prado Júnior escrevia um livro, seminal na historiografia
brasileira, segundo o qual o sentido da história do Brasil, no período colonial, e até então, tinha
sido o de produzir produtos para a exportação.
5
Todavia, a colonização racional não visava
apenas produzir produtos para exportação e sim, era parte de um projeto maior de
industrialização nacional. Projeto que pretendia romper com o papel agro-exportador até então
ocupado pelo Brasil na economia-mundo, o que implicava em produzir produtos alimentícios
para a crescente população urbana, produzir produtos agrícolas para exportação a fim de
contrabalançar a importação de bens de capital e aumentar o mercado consumidor interno de
bens industriais. A criação de um vasto setor de agricultura familiar, aos moldes do que
aconteceu no Rio Grande do Sul no século XIX, era visto como um caminho para tais fins.
6
Era um projeto totalizante, que visava transformar a terra e o Outro, “os nacionais
espalhados”. Como afirma Keith Thomas, o podemos separar o que os seres humanos do
passado pensam a respeito do mundo natural daquilo que pensam sobre si mesmos.
7
No segundo
parágrafo da citação supra, fica claro que a colonização racional não implicava apenas “coisas“
mas, também, “pessoas”, as quais deveriam ser orientadas, educadas.
A colonização racional seria capaz de produzir a “valorização do homem e da terra”. O
que já pressupõem que os seres humanos e as terras que existiam antes, pouco ou nada valiam.
A colonização racional aparece neste escrito como a ordem que se oem ao caos, logo, como
3
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Relatório dos serviços executados pelo
Departamento de Terras e Colonização dos anos de 1938 e 1939 apresentado ao Exmo. Snr. Dr. A . F. Lopes
m. d. Secretário de Estado dos Negócios de Obras Públicas, Viação e Agricultura. Curitiba, 1940.
4
Tal conceito está presente nos relatórios e nos objetivos do DGTC, previsto em lei. O Decreto
Estadual n. 8.039 de 24 de dezembro de 1952 afirma no seu “Art. - ao D.G.T.C. compete: XVII Promover a
colonização racional do solo paranaense, sempre observando as disposições constitucionais e legais vigentes.”
DEPARTAMENTO de Geografia, Terras e Colonização. Legislação de Terras. Vigente até 31 de maio de 1953.
Curitiba, [s.d.].
5
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 23. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995.
6
LINHARES, Maria Yedda; SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Terra Prometida: uma história da
questão agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1999. p. 113 passim; BOSI, Alfredo. Dialética da colonização.
4. ed. São Paulo: Companhia da Letras, 1992. p. 281, et. seq.
55
algo desejável uma vez que seu oposto é o caos. Silencia, portanto, sobre outros projetos de
outros agentes, que são representados como passivos ou carentes.
Compreender esta “desvalorizaçãode certos seres humanos e da floresta/sertão é tão
importante quanto entender o que era este “homem novo”, valorizado, que se buscava produzir.
Como já indicou uma ampla literatura, o “homem novo” era um trabalhador disciplinado e
produtivo.
8
A colonização racional expressa também um desejo de controle. Afinal, o agente
responsável por esta valorização, seria o “governo da República”. A tecnoburocracia
representava as duas faces de tal desejo de controle: o controle dado pelo planejamento estatal e
pelo planejamento técnico. Para a tecnoburocracia controlar as terras significa antes de tudo, ter
o poder de fiscalizar as companhias e concessões privadas,
9
ter força policial para expulsar
posseiros de pequenas e grandes áreas,
10
e ter autonomia para o ser influenciado por nenhum
outro critério a não ser o técnico.
11
A colonização racional significava, ainda, que tudo deveria ser reduzido ao “sentido”
do principio único da produção. Dessa forma, por exemplo, nos relatórios governamentais, que
aqui servem como fonte, se afirma que todos os indígenas, situados em “reserva para índios” no
Paraná, deveriam ser reunidos em um único local. Assim o Estado poderia “incrementar o
povoamento de terras férteis e bem localizadas, constituindo glebas improdutivas onde a intrusão
produz a devastação criminosa que depaupera e desvaloriza as terras”.
12
O Outro da colonização
racional é todo aquele que foge do ideal de produção eficiente para o mercado: como indígenas e
posseiros.
Dessa forma, a colonização racional implicava em um ordenamento sobre princípios
técnicos e em um controle do Estado. Este lotearia a terra para a produção agrícola, para o
mercado em especial, em lotes médios e pequenos. Concomitantemente e sob a ação “educativa”
do Estado, este produziria um “homem novo”. Esta era a estratégia de gestão das terras
7
THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos
animais, 1500-1800. Tradução João Roberto Martins Filho, São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 19.
8
Por exemplo, ver: LENHARO, Alcir. Sacralização da Política. 2. ed. Campinas: Papirus, 1986.
CAINELLI, Marlene Rosa. Entre a Roça e o Ditado: A Campanha Nacional de Educação Rural, Londrina:
1952/1963. Curitiba, 1994. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Paraná.
9
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Relatório dos serviços executados pelo
Departamento de Terras e Colonização dos anos de 1938 e 1939 apresentado ao Exmo. Snr. Dr. A . F. Lopes
m. d. Secretário de Estado dos Negócios de Obras Públicas, Viação e Agricultura. Curitiba, 1940.
10
DEPARTAMENTO de Geografia, Terras e Colonização. Relatório 1947 apresentado ao
excelentíssimo sr. Cél. Antenor de Alencar Lima digníssimo Secretário de Viação e Obras Públicas pelo Engº.
Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização. Curitiba,1948.
11
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Relatório dos serviços executados pelo
Departamento de Terras e Colonização dos anos de 1938 e 1939 apresentado ao Exmo. Snr. Dr. A . F. Lopes
m. d. Secretário de Estado dos Negócios de Obras Públicas, Viação e Agricultura. Curitiba, 1940.
12
Ibid.
56
devolutas, que aparecem nos relatórios do DGTC referentes à colonização da região de Campo
Mourão.
É evidente que tais características não eram uma idiossincrasia do caso estudado. Por
um lado, o tipo de fonte que utilizo tende a enfatizar os citados aspectos, até devido a um
“habitus profissional” tendente ao planejamento racionalizador. Os engenheiros civis,
funciorios do DGTC, eram por formação, detentores, portanto, do habitus tendente ao
controle do espaço, tanto físico quanto social, pautado pela obsessão pela ordem e o mando.
13
Por outro lado, de uma forma mais geral, tais características fazem parte do modo operante do
Estado e da sociedade modernos:
A sociedade racionalmente planejada era a causa finalis declarada do Estado
moderno. O Estado moderno era um Estado jardineiro. Sua postura era a do
jardineiro. Ele deslegitimou a condição presente (selvagem, inculta) da
população e desmantelou os mecanismos existentes de reprodução e auto-
equilíbrio.
14
No primeiro capítulo abordei como na rego de Campo Mourão, antes de 1939, havia o
uso comunal da terra, e como a sistemática apropriação privada da terra com a colonização
racional inviabilizava tais arranjos. De forma semelhante, a agricultura de coivara e o estilo de
vida dos posseiros que viviam um modo de vida caipira/caboclo/sertanejo
15
foi deslegitimado
como devastador e bárbaro. Ou seja, os arranjos que existiam para regular as relações
interpessoais, dentre outros “mecanismos existentes de reprodução e auto-equilíbrio”, são
deslegitimados em nome de uma ordenação Estatal, o que será abordado melhor no quarto
capítulo.. Ainda Zygmunt Bauman afirma que:
A ordenação o planejamento e execução da ordem é essencialmente uma
atividade racional, afinada com os princípios da ciência moderna e, de modo
mais geral, como o espírito da modernidade. Como a empresa de negócio
moderna, que teve de separar-se da família para bloquear o impacto corrosivo
das responsabilidades morais economicamente injustificáveis, das redes de
afinidade e quaisquer outras situações governadas por relacionamentos pessoais,
assim também o impulso racionalizante dos agentes políticos deve procurar
libertar-se das ‘restrições éticas’.
16
É evidente que Zygmunt Bauman toma como padrão alguns países do centro do
sistema-mundo, mais especificamente aqueles que Max Weber chamava de estados burocráticos.
13
Tal como no caso abordado por: MENDONÇA, Sonia Regina de. O ruralismo Brasileiro (1888-
1931). São Paulo: HUCITEC, 1997. p. 85.
14
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1999. p. 29.
15
Sobre o modo de vida caipira ver o estudo clássico: MELO E SOUZA, Antônio Cândido. Os
parceiros do Rio Bonito: Estudos sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 2. ed. São
Paulo: Duas Cidades, 1971. Emílio Willems se refere à “cultura cabocla” ou “sertaneja(WILLEMS, Emílio. O
problema rural brasileiro do ponto de vista antropológico. São Paulo: Secretaria da Agricultura, Indústria e
Comércio do Estado de São Paulo. Diretoria de Publicidade Agrícola, 1944).
57
o caso do Brasil é um pouco diferente. Ele seria o que Weber chamou de estado patrimonial.
A impessoalidade aqui é limitada, pois se trata de uma sociedade relacional, fortemente pautada
em relações personalistas e clientelistas.
17
Ademais, em todos os casos, a ação do Estado
dificilmente é unívoca, ou seja, o Estado é sempre um campo de conflitos, gerando certa
contradição em sua própria ação.
Tudo isto leva às questões que busco responder neste capítulo: Qual era o conteúdo da
propalada colonização racional? Quem era legitimado ou deslegitimado no seu acesso a terra por
tal colonização racional? Quais os pressupostos, no imaginário social, da colonização racional?
Qual o efeito da ação dos posseiros sobre a colonização racional?
2.2 A LEGISLAÇÃO DE TERRAS: ESTADO E TERRAS
Do primeiro século da América Portuguesa até hoje a grande propriedade rural é uma
marca estrutural da sociedade que aqui se instituiu. O poder dos terratenentes em se reproduzir é
inquestionável. Todavia, se, por um lado, a estrutura fundiária concentrada e o poder dos
terratenentes se reproduzem, por outro, a grande propriedade rural, os fazendeiros e os
mecanismos de poder dos mesmos se alteraram profundamente no tempo e no espaço nos
últimos quinhentos anos. Daí decorre que, para entender a estratégia da colonização racional, se
faz necessário abordar alguns traços gerais das poticas de gestão das terras devolutas e suas
alterações.
Na América Portuguesa, bem como no Brasil Imperial, a ganância em concentrar terras,
de forma geral, estava intimamente vinculada à busca de prestígio. Controlar vastos territórios
o era apenas uma forma de garantir a produção, mas garantir a clientela e evitar a concorrência
de outros senhores de terras. Na sociedade colonial ter prestígio implicava em ter riqueza
econômica, embora a transformação de capital econômico em capital simbólico era
relativamente fácil.
18
Mas a questão central é que se tratava de uma sociedade escravista, “na
qual o principal objetivo da renda extrda ao escravo é a reiteração da diferença socioeconômica
16
Ibid., p. 47.
17
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
BARBOSA, Lívia Neves de Holanda; DRUMMOND, José Augusto. Os direitos da natureza numa sociedade
relacional: reflexões sobre uma nova ética ambiental. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 7, n. 14, p. 265-289,
1994.
18
Ver por um lado: LINHARES; SILVA, 1999, op. cit., p. 48, 50,51; e por outro FRAGOSO, João
Luis. Economia Brasileira no século XIX: mais do que uma plantation escravista-exportadora. In: LINHARES,
Maria Yedda. (Org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990. p. 131-176.
58
entre a elite escravocrata e todos os outros homens livres.”
19
Que, portanto, não se pautava em
uma racionalidade meramente econômica, mas por uma racionalidade que era informada por
uma lógica cultural, de uma sociedade hierárquica.
O primeiro grande marco de uma legislação moderna de terras se deu com a chamada
Lei de Terras, a Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850. Esta se deu no contexto em que a efetiva
abolição do tráfego negreiro, que tem como marco a Lei Eusébio de Queis de 1850, marcava
uma inexorável eliminação da escravidão legal, uma vez que havia uma baixa reprodução da
população cativa e uma crescente busca de mão-de-obra. A vinda de trabalhadores europeus
era vista como a grande saída para solucionar o problema de mão-de-obra, mas era necessário
impedir que tal mão-de-obra tivesse acesso às vastas áreas de terras devolutas. Desde que foi
abolida a concessão de sesmarias, com a independência em relação a Portugal, não havia no
Brasil uma legislação formal para regular o acesso à terra, o que possibilitava uma ampla
apropriação de terras por parte de grandes proprietários. A lei de 1850 vem mudar isto ao
estabelecer em seu artigo primeiro que: “Ficam proibidas as aquisões de terras devolutas por
outros títulos que não sejam o de compra.”
20
Como afirmou Jode Souza Martins, agora que o
trabalho era livre, era necessário prender a terra.
21
A legislação imperial, tal como seria a
republicana,
[...] consagra a estrutura fundiária existente, reconhecendo todos os títulos
anteriores, inclusive as terras não medidas ou marcadas, bem como as áreas
maiores do que constava nos documentos de titulação e mesmo que 'APENAS
EM PRINCÍPIO DE EXPLORAÇÃO (ARTIGO 3º).' Por fim, se legitimava
qualquer posse de terra que viesse a ser declarada (artigo 4º), ainda que apenas
com vestígios de ocupação transitória (um par de árvores abatidas ou uma
picada na floresta). Simultaneamente, dava-se um imenso passo em dirão à
expansão dos imensos latifúndios: as terras intocadas porém declaradas
‘campos de criarou pastos, mesmo sem qualquer vestígio de ocupação, eram
legitimadas em posse dos fazendeiros , também seringais e castanhais, florestas
naturais da Amazônia, áreas silvestres de extrativismo das quais dependiam
milhares de sertanejos, eram consideradas apropriáveis por declaração em
juízo.
22
A Lei de Terras de 1850 faz parte de uma legislação de terras de inspiração liberal,
presente em outros países Latino-Americanos, que, em grande parte, excluía populações que
tradicionalmente tinham acesso à terra, como as terras comunais. Todavia, a Lei de Terras de
1850 não instituiu um mercado de terras em moldes capitalistas. Os latifundiários tendiam a
19
FRAGOSO, J.; FLORENTINO, M. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária
e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, c. 1790-c. 1840. 4. ed. rev. e ampl. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
20
DEPARTAMENTO de Geografia, Terras e Colonização. Legislação de Terras. Vigente até 31 de
maio de 1953. Curitiba, [s.d.].
21
MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra. São Paulo: Hucitec, 1986.
22
LINHARES; SILVA, 1999, op. cit., p. 92.
59
resistir a que as terras servissem de garantia para empréstimos e o acesso à terra devoluta
continuou a se dar pela posse, que, em geral, era legitimada por uma série de leis posteriores que
reconheciam legalmente tal forma, a princípio ilegal, de apropriação. Destas e de outras formas
se procurava evitar a formação de um mercado de terras e, assim, levar a propriedade fundiária
à equivalência geral com as mercadorias.”
23
Com a proclamação da república, em 1889, tal questão não muda muito, mas pelo artigo
64 da Constituição Republicana, as terras devolutas situadas nos respectivos estados passaram a
cargo destes.”
24
Dessa forma, as oligarquias regionais poderiam ingerir mais sobre a apropriação
das terras devolutas. No Paraná é editada a Lei 68, de 20 de dezembro de 1892, a qual
legalizou a estrutura fundiária existente através da legitimação das terras conseguidas por meio
de posse.
25
A lei 68 de 20 de dezembro de 1892 firmou o princípio de que as terras
devolutas só deveriam ser alienadas a quem estivesse em condições de cultivá-
23
Ibid., p. 93.
24
CANCIAN, Nadir Aparecida. Cafeicultura paranaense 1900-1970 - estudo de conjuntura. 1977.
Tese (Doutorado em História) – Universidade de São Paulo - USP., São Paulo.
25
“ART. 3º são revalidáveis:
§ 1 – As sesmarias ou outras concessões dos ex-Governos Geral e Provincial que se acharem cultivadas
ou com principio de cultivo ou morada habitual do respectivo sesmeiro ou concessionário ou de quem os represente,
embora não tenham sido cumpridas quaisquer das outras condições com que foram concedidas.
§ 2 – As concessões antigas feitas pelo Governo para patrimônio de Igrejas que tenham sido registradas
de conformidade com o Decreto 1318, de 30 de Janeiro de 1954, embora não tenha havido confirmação regia.
ART. 4º - São legitimáveis:
§ 1 – As posses mansas e pacíficas com cultura efetiva e morada habitual, havidas por ocupação
primária e registradas segundo o regulamento que baixou com o Decreto n. 1318 de 30 de Janeiro de 1954, que se
acharem em poder do primeiro ocupante ou de seus herdeiros.
§ 2 As posses igualmente registradas, cultivadas e habitadas, que depois do Decreto n. 1318 de 30 de
Janeiro de 1954, tiverem sido alienadas por qualquer título, uma vez que tenham sido pago os respectivos impostos
até 15 de Novembro de 1889.
§3 – As partes de posses, nos casos considerados no parágrafo precedente.
§4 As posses com cultura efetiva ou morada habitual, que tem sido estabelecida sem protesto ou
oposição, depois da execução da Lei n. 601 de 18 de Setembro de 1850, antes de 15 de Novembro de 1889 e
mantidas sem interrupção, depois desta data, pelos primeiros ocupantes ou seus herdeiros.
§ 5 As posses que se acharem em sesmaria ou outras concessões do Governo, revalidadas por este
Decreto, si tiverem sido declaradas – bôas – [sic.] por sentença passado em julgado entre os sesmeiros ou
concessionários e os posseiros. [...]
ART. 7º A área total de cada posse legitimável, em virtude do art. 4 § 4, desta lei nunca poderá exceder
os seguintes: em terras de lavouras cem (100) hectares, em hervais cem (100) hectares, em faxinais ou campos de
criação dois mil (2.000) hectares, tendo o posseiro a preferência para compra do excedente, pelo disposto no art. 10
desta lei.
ART. As terras a que se referem os arts. e , § 1º, 2º, 3º, serão revalidadas ou legitimadas, de
conformidade com o decreto n. 1318, 30 de janeiro de 1854, excepto quando a área de cada posse não poderá
exceder de mil hectares (1.000) de mato (de culturas ou hervais) e cinco mil (5.000) hectares de campos ou faxinais,
ficando elevado ao dobro os direitos de chancelaria, marcados naquela lei. [...]
ART. 10 Os atuais ocupantes das terras que, por não poderem ser revalidadas nem legitimadas,
venham a ser consideradas devolutas, terão preferência para compra das mesmas dentro do prazo que for marcado
pelo Governo.” (PARANÁ. Secretaria de Fazenda e Obras Públicas do Estado do Paraná. Departamento de Terras e
Colonização. Regulamento de Terras Vigente em 31 de dezembro de 1934. Coordenação apresentada ao
governo do estado por determinação contratual pelo engenheiro civil Francisco G. Beltrão. Curitiba, 1935. p.
5-7).
60
las ou torná-las úteis, isto é, ‘em troca de serviços que produzam benefício
geral, direto ou indireto, imediato, em proveito da comunidade paranaense. A
situação em nada diferia daquela de 1850, quando se estipulava a compra como
única forma de aquisição de terras. Era necessário, para tanto, dispor de algum
capital inicial para a exploração do estabelecimento agrícola, o que excluía
grande parte dos possíveis pretendentes.
26
Se é correto que uma sistemática exclusão dos homens e mulheres livres pobres, o
podemos acreditar que estes nada faziam, que eram vítimas passivas dos senhores da terra.
Essa dramatização da força e da fraqueza é praticamente inaceitável. o por
raes morais, mas porque, mais uma vez, está demasiado ligada às
representações que nunca deixaram de ser sugeridas pelas próprias lógicas do
poder, que pretendiam ditar até a maneira de se opor a elas; e porque, mesmo se
se admitir a hipótese de uma eficácia global dos aparelhos e das autoridades,
falta entender inteiramente como essa eficácia foi possível ou seja, como
foram retranscritas, em contextos indefinidamente variáveis e heterogêneos, as
injunções do poder.
27
A historiografia tende a esquecer os homens e mulheres livres pobres do campo. Os
estudos sobre o século XIX durante muito tempo ficaram presos à dicotomia senhores versus
escravos, esquecendo a maioria da populão, que não eram escravos e nem senhores.
28
Ou
ressaltam apenas os atos “heróicos” de resistência que se deram na forma de grandes revoltas,
como Canudos e o Contestado,
29
silenciando a respeito da negociação e resistência cotidianas.
Algo semelhante acontecia com a historiografia da escravidão no Brasil até o final da década de
1970. Aproximando-se de uma história social da cultura de inspiração thompsoniana, Márcia
Motta procura negar esta imagem de passividade dos “camponeses” brasileiros, que não teriam
começado a resistir ao latifúndio com as Ligas Camponesas nos anos de 1940 e 1950, mas
desenvolveram uma “cultura plebéia e experiências de resistência à opressão”.
30
A citada autora
argumenta que a principal estratégia de luta contra o latifúndio era a posse.
31
Mudar para áreas
“livres era uma decisão que envolvia riscos e custos, econômicos e pessoais, mas, em geral,
estava no campo de possibilidade destes agentes, e quando avaliamos estas ações cotidianas
diacronicamente elas têm um efeito global nada desprezível. Conforme afirma Motta:
26
CANCIAN, 1977. op. cit., p. 115-116. “Ato contínuo, o governo paranaense edita, em 1893, o Ato
número 35 em que institucionaliza a mercantilização das terras devolutas e estabelece os preços em que deveriam
ser comercializadas.” SERRA, Elpídio. Processos de ocupão e a luta pela terra agrícola no Paraná. 1991. Tese
(Doutorado em Geografia) Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista Julio de
Mesquita Filho, UNESP, Rio Claro. p. 60.
27
REVEL, Jacques. Microanálise e a construção do social. In: _____. (Org.). Jogos de escalas: A
experiência da microanálise. Tradução Dora Rocha. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p. 15-38. p. 29.
28
Como PRADO JÚNIOR, 1995. op. cit.
29
LINHARES; SILVA, 1999. p. 83
30
MOTTA, Márcia. Movimentos rurais nos oitocentos: uma história em (re)construção. Estudos
Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 16, p. 113-128, abr. 2001. p. 4.
31
O que havia sido afirmado por Alberto Passos Guimarães em 1963, mas foi esquecido pela
historiografia hegemônica, conf. MOTTA, 2001, op. cit., p.8-9.
61
[...] pensar a expano territorial enquanto processo, para podermos ter alguma
condição de compreender como os pequenos posseiros, mesmo derrotados,
procuravam limitar a expansão territorial dos fazendeiros, ao negarem que
aqueles eram senhores e possuidores das terras por eles ocupadas. Logo, para o
fazendeiro do século XIX não bastava somente dizer que era dono da terra por
ele invadida, era preciso que outros o reconhecessem como tal se os pequenos
posseiros haviam sido os primeiros a derrubar matas virgens e a plantar neros
alimentícios, como alegavam nos processos de embargo em que eram sempre os
réus, isso significava que eles procuraram limitar a expansão territorial do
fazendeiro e, nesse sentido, o reconheciam como senhor de terras de uma
área espefica, cuja ocupação era reconhecida por aqueles.
32
Homens e mulheres pobres do campo, denominados de caboclos o aceitavam
facilmente “substituir” o trabalho escravo, seja nas várias relações de trabalho que por falta de
nomenclatura melhor são chamadas “não-capitalistas”,
33
seja como trabalhadores assalariados.
Mas a história da forma como eles resistiram, negociaram e/ou se subordinaram a uma ascese do
trabalho
34
é em grande parte uma história a ser escrita.
35
2.2.1 – Industrializar a Nação e Produzir o Trabalhador
A imagem dos homens e mulheres do campo como seres passivos, atrasados e
preguiçosos, legitima projetos autoritários, de esquerda ou de direita, que em nome da “razão
legisladora” vão tentar “salvar” tal “homem do campo” de seu “atraso/ignorância”.
Na República Velha, 1889-1930, houve a consolidação de um projeto, o ruralismo
brasileiro da Primeira República, representado no vel nacional pela Sociedade Agrícola
Nacional e pelo Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, que foi um germe da
tendência centralizadora e burocratizante do poder público”.
36
O projeto era de uma
modernização conservadora. Os ruralistas defendiam a idéia de que o setor agrícola estava em
crise, apontando como fatores da mesma: “a Abolição; a monocultura; a grande propriedade e a
urbanização/industrialização.
37
32
Ibid., p. 9-10.
33
FRAGOSO, João Luis. Economia Brasileira no século XIX: mais do que uma plantation escravista-
exportadora. In: LINHARES, Maria Yedda. (Org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990. p.
131-176.
34
THOMPSON, E. P. Tempo, disciplina de trabalho e o capitalismo industrial. In: _____. Costumes
em Comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. Tradução Rosaura Eichemberg. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998. p. 267-304.
35
MOTTA, 2001, op. cit.
36
MENDONÇA, 1997, op. cit., p. 180.
37
Ibid., p. 74.
62
O Trabalhador nacional seria o alvo prioritário desses ruralistas, variando apenas as
formas sugeridas para integrá-lo à produção.”
38
O “amante do óciodeveria voltar-se para a
produção:
A imagem estereotipada do trabalhador rural se cristalizaria com o passar do
tempo, renovada como preâmbulo a incontáveis projetos de intervenção
destinados a superar o atraso do campo. Seria sempre em nome desses parias
lamentáveis que se justificariam as propostas de reforma rural, ainda que em sua
maioria, a grande questão residisse em criar meios que impedissem a
reprodução autônoma dos trabalhadores, garantindo sua forçosa
incorporação ao circuito da produção mercantil (grifo meu).
39
Fixar o trabalhador nacional no campo era uma bandeira para os ruralistas. Esforço
reforçado em especial com a Primeira Guerra Mundial, quando se buscava diminuir os conflitos
urbanos e valorizar a produção de gêneros de primeira necessidade.
40
Os “centros agrícolas” foram iniciativas práticas de tentar fixar homens e mulheres no
campo. Em seu mputo geral o número de centros se elevaria entre 1912 e 1928, passando de
um total de seis [...] para vinte e cinco dos quais dez localizados no Paraná”.
41
O projeto ruralista era fundamentalmente conservador, procurava manter a estrutura
fundiária concentrada intacta:
A vigilância e o controle permanente dos trabalhadores eram artifícios que, para
além de impedirem sua mobilidade, propiciariam, por intermédio das colônias
de nacionais, a proteção à grande propriedade mediante a criação de um
“colchão intermediário” de pequenos produtores, situados entre os donos do
capital fundiário e o trabalho, sob tutela do primeiro. Ao mesmo tempo tal
proposta tornaria viável a criação de reservatórios de mão-de-obra sazonal para
a grande lavoura, tudo isso sem maiores ônus para o detentor da fazenda que
caberia apenas franjas dela para o parcelamento, segundo seu critério e
escolha.
42
O centro do projeto era a modernização da agricultura e a diversificação, atendendo os
interesses da fração da elite não privilegiada pelas culturas de exportação, como o café.
Racionalizar a produção, tornando-a mais eficiente era a grande meta dos
ruralistas em foco, em torno à qual se articulariam praticamente todas as
propostas presentes no debate. Produzir mais, com menos custos, e para
consegui-lo, eram indicadas duas vias prioritárias: a modernização das lavouras
– por meio da mecanização – e a diversificação dos cultivos, mediante a adoção
de todos intensivos de plantio, seleção e beneficiamento das espécies.
43
38
Ibid., p. 76.
39
Ibid., p. 78.
40
Ibid., p. 170.
41
Ibid., p. 170. A elevada presença do Estado do Paraná também se deu na assistência técnica, a autora
argumenta que: “a elevada participação de agricultores paranaenses e catarinenses [...] apresentado pelos relatórios
85,6% - sugerindo um certo privilegiamento aos pequenos produtores como apontava a fala ministerial.” (Ibid., p.
153).
42
Ibid., p. 87.
43
Ibid., p. 95.
63
Os ruralistas da República Velha compartilhavam com o restante da elite a idéia
hegemônica de um país com uma “vocação agrícola”. Foi a crise na economia-mundo capitalista
de 1929 que mostrou para a elite brasileira, e de várias outras partes do mundo, o quão perigoso
era ser dependente de um único produto de exportação, ainda mais um produto não essencial
como o café. É importante ter claro a mudança no papel esperado da agricultura ocorrida durante
o século XX no Brasil. Conforme Francisco C. T. da Silva, a “Revolução de 1930” marca uma
mudança na configuração das elites no poder, já que, até então, o Estado brasileiro havia
protegido essencialmente os interesses agraristas e a partir daí, a agricultura adquire uma função
em um projeto industrializante.
44
Ou, melhor, adquire diferentes funções dependendo de
diferentes projetos industrializantes. De toda forma, do campo se esperava, pelo menos, que
fornecesse produtos para exportação a fim de controlar a balança comercial, que consumisse os
produtos industriais e que produzisse alimentos para suprir as cidades em crescimento. A falta de
alimentos no mercado interno, transparecia nas cidades pela carestia e aumentos nos preços de
produtos alimentícios. E nos debates econômicos, em especial dos anos 50 e 60, a causa desse
quadro era apontada como sendo a ineficiência do setor agropecuário dominado por latifúndios.
45
Era preocupação do Governo, também, ocupar as regiões de fronteira, para garantir a
segurança nacional. Preocupação justificável na primeira metade do culo XX na qual o
colonialismo do século XIX ainda estava vivo, e grandes potências estavam em disputa por
terririos.
46
Como argumenta Francisco Carlos T. da Silva, neste período surge uma nova
preocupação para o Estado Nacional:
[...] tratava-se, agora, de promover a colonização interna do País e expandir as
fronteiras agrícolas. Num mundo cada vez mais conturbado pela crise
econômica mundial e com sinais evidentes de aguçamento de conflitos
internacionais, a preocupação com o auto-abastecimento, com a garantia de
alimentos para o país, é crescente. Nesse sentido, colonizar, produzir mais para
o mercado interno, torna-se uma meta do Estado. O diagnóstico que pautava sua
atuação era marcado tanto pela experiência riograndense de colonização – onde
surgira um campesinato próspero quanto pelo viés modernizante e autoritário
[...] que propunha erguer o País de sua letargia secular. [...] sem se ocupar com a
questão da terra na área próspera e já densamente ocupada do eixo Centro-Sul, a
atuação do Estado, a partir de 1930, voltar-se-ia para os espaços vazios do
Centro-Oeste, para as áreas deprimidas do Nordeste e para a imensa
Amazônia.
47
44
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Vargas e a Questão Agrária: A construção do fordismo
possível. Diálogos, Maringá, v. 2, n. 2, p. 113-127, 1998. p. 115.
45
GONÇALVES, José Henrique Rollo. A ribanceira da necessidade histórica: Crítica a uma crítica
acrítica do tema da reforma agrária no Norte do Paraná. Cadernos de Metodologia e Técnica de Pesquisa: revista
anual de metodologia de pesquisa. Suplemento Especial de História, Maringá, n. 7, p. 1-28, 1996. p. 26.
46
SILVA, 1998, op. cit., p. 117-118.
47
Ibid., p. 117-118.
64
Ao contrário do que o autor argumenta, o Centro-Sul o estava densamente ocupado.
Havia na década de 1930 e 1940 vastas áreas florestais com baixa densidade demográfica,
habitadas por populações indígenas e lavradores pobres, que também foram alvo da tal nova
política estatal. Para integrar o mercado nacional, Vargas convocou uma “Marcha para o Oeste”,
para as regiões pouco dinâmicas economicamente e com baixo povoamento. Uma das ações
diretas do Governo Federal, neste aspecto, foi a criação das Colônias Agrícolas Nacionais, cujo:
O objetivo básico será a instalação de trabalhadores pobres, flagelados e
retirantes das secas e ex-reservistas em grandes áreas de assentamentos
agrícolas. Tais áreas seriam constituídas pela reunião de pequenos lotes, em
dia com 25 hectares (terão variações conforme o tempo e o local dos
projetos) com previsão de conservação de uma reserva florestal, algo em
torno de 25% da área total da colônia, de uma escola e o estabelecimento de
um sistema de cooperativas. (grifo meu)
48
Já a historiografia clássica sobre o período Vargas afirmava que tal Governo voltou suas
costas para a população rural, uma vez que a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, protegia
apenas os trabalhadores urbanos. O Estado não teria condição de abrir uma segunda frente de
luta, estendendo os direitos trabalhistas para os trabalhadores rurais e com isso se indispondo
com os latifundiários. Autores como Francisco C. T. da Silva, questionam tal posição, pois havia
uma incorporação dos trabalhadores rurais, que, todavia, foi antes simbólica que efetiva.
Diante das mazelas da velha república liberal, que na prática impedia a participação
popular e a transformão social, ganhou força um pensamento autoritário que percebe a
necessidade de incorporar a participação popular para modernização do Brasil. Como afirma
Norbert Elias “a mais ampla distribuição de poder [...] é uma concomitante e uma condição para
a industrialização”.
49
No Brasil, todavia, isto se dá de forma autoritária a partir do Estado.
Ao contrário do pensamento liberal, dominante no Império e ainda hegemônico
na República Velha, via-se agora e reside em grande parte a originalidade
do pensamento autoritário no Brasil um total descompasso entre as
instituições brasileiras e a realidade do povo. O Império, com sua fantasia
britânica, e a República, de fraque e cartola, constituíam um verniz inautêntico
recobrindo um país real doente, pobre e enfraquecido: Para dar consistência,
autenticidade, à vida nacional e às suas instituições era necessário incorporar as
grandes massas de marginais ao processo produtivo nacional.
50
Visando tal incorporação, além das colônias nacionais, Vargas, em especial com o
Estado Novo, 1937-1945, toma várias medidas no sentido de modernizar as relações de trabalho
no campo e para permitir o acesso a terras aos “despossuídos”:
48
Ibid., p. 118.
49
ELIAS, Norbert. Os Alemães: A luta pelo poder e a evolução do habitus no século XIX e XX.
Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. p. 309.
50
LINHARES; SILVA, 1999, p. 86.
65
O decreto 24.606, de 1933, extingue o sistema de arrendamento de terras
inclusive das ordens e instituições religiosas. Uma intrincada rede de direitos e
recursos, que encarecia toda a movimentação de terras, ou mesmo a
impossibilitava, e que resistira à Lei de Terras de 1850 e ao Regulamento de
Terras de 1913, ruía agora.
51
(grifo meu)
Dessa forma, o Estado tenta eliminar as “brechasno emaranhado da legislação sobre
terras que possibilitavam a legitimação das posses por parte dos latifundiários: os
[...] Decretos complementares, em 1934, 1937, 1938, 1939, 1940, 1942 e 1944,
mostram, bem ao contrário da República Velha, um lado pouco conhecido do
Estado Novo: sua vocação de reformador do mundo agrário brasileiro. A União
assume completamente o patrimônio das terras públicas que, através da
Constituição de 1891 havia passado para os estados federados. Tal medida
impede que as oligarquias locais continuem dominando os mecanismos de
legitimação das imensas posses adquiridas ao longo da República Velha.
52
Ademais, se, por um lado, a CLT, de 1943, excluiu os trabalhadores rurais dos direitos
trabalhistas ali previstos. Por outro, a lei exigia que todos, inclusive eles, tivessem carteira de
trabalho, deixando brechas para que alguns magistrados, talvez um tanto impropriamente,
aceitassem a aplicação da CLT para trabalhadores rurais.
53
Tudo isso, combinado com outras
ações do final do mandato, como o “avanço na distribuição de terras (Decretos n. 7.916, de
1945),” deixava entrever uma poderosa expansão da ação governamental em direção ao
campo.
54
A maioria das medidas legais, em especial a legislação “agrária do período Vargas, foi
revogada pelos constituintes de 1946. [...]. Grande parte das colônias foram abandonadas e os
fazendeiros voltaram a avançar sobre as terras públicas e a expulsar camponeses.”
55
Se a incorporação por ações legais e práticas não teve grande desenvoltura, houve uma
incorporação imaginária do homem e da mulher do campo. “A idéia de aventura e
desbravamento deveria mobilizar os sonhos de milhares de brasileiros, abrindo os sertões à
civilização.
56
Durante um bom tempo tais projetos mobilizariam o imaginário popular,
envolvido por eficientes campanhas de propaganda, onde o Estado assegurava a
felicidade dos cidadãos. Poucas vezes antes, no Brasil, a vida cotidiana de
homens e mulheres havia sido tomada como parte do processo político e
tantas pessoas acreditaram que melhorariam sua existência por meio da
ação governamental. (grifo meu)
57
51
Ibid., p. 127.
52
Ibid., p. 128.
53
Ibid.
54
Ibid., p.130.
55
Ibid., p. 131.
56
Ibid., p. 115.
57
SILVA, 1998, op. cit., p. 118.
66
Um grande investimento simbólico é feito para alterar a imagem dos trabalhadores do
campo, de uma raça degenerada, preguiçosos incorrigíveis, passivos, para a imagem de um
homem “forte” e produtivo. “O imaginário popular brasileiro fora sobrecarregado por
representações de um trabalhador rural forte, habilidoso e oprimido.”
58
Tal representação, que é
antes de tudo uma produção urbana, tem que lidar com o fato que este trabalhador também
deveria ser objeto de uma intervenção para modificar sua situação. Dessa forma, ele é um
“forte”, mas é uma vítima de condições ambientais (seca, malária, etc.) e sociais (latifundiários,
ignorância das técnicas modernas, etc.), o qual deveria ser “salvo”.
Emana daí uma clara percepção da cidade como pólo dinâmico frente ao campo,
capaz de produzir hersmo mas, ao mesmo tempo, obstáculo ao
desenvolvimento pretendido. O diagnóstico da tristeza, do lugar para do fim
do mundo, aparece em toda sua expressividade.
59
O “campo triste” deveria ser modernizado, o lavrador deveria ser educado para o
trabalho. O Brasil foi uma sociedade escravista, e nas sociedades do tipo do Antigo Regime, em
geral, o trabalho braçal o é valorizado e não é um valor central da sociedade. Já em sociedades
capitalistas o trabalho é elevado a um valor central na vida das pessoas. Uma ascese do trabalho
deveria ser constituída, na qual “tempo seja dinheiro”. Tal mudança nos costumes e valores o
se dava automaticamente com as novas condições de produção industrial, mas deveria ser
culturalmente construída em um processo de conflitos, colaborações e negociações.
60
A
representação da “malandragem urbana” e do “sertanejo indolente” tem tal conflito/resistência
em suas raízes. A Era Vargas, com seu projeto modernizante, em especial no Estado Novo, teve
uma ação prática e simbólica muito forte em condenar todo o “ócio” e enaltecer o trabalho.
61
As
ações do Estado Novo visavam que, no “lugar do malandro e do bugre, deveria surgir um
operário limpo, produtivo, casado e definitivamente incorporado ao processo produtivo do
país.”
62
Tal produção de um novo trabalhador do campo, um “novo homem”, marca todas as
“fases” da questão agrária, e conseqüentemente das poticas públicas de gestão das terras
devolutas. Silva e Linhares dividem, didaticamente, a questão agrária em três “fases”:
1 A primeira, 1930-1945, marca o surgimento da questão agrária, pois até então, os
grupos hegemônicos pensavam o país como tendo uma “vocação agrícola”. É depois de 1930,
com a emergência de um projeto industrializante no seio do Estado, que a agricultura passa a ter
58
LINHARES; SILVA, 1999, op. cit., p. 160.
59
Ibid., p.125.
60
THOMPSON, 1998, op. cit., p. 267-304.
61
THOMPSON, 1998, op. cit., p. 267-304; MARTINS, Silvia Helena Zanirato. Artífices do Ócio:
Mendigos e vadios em São Paulo (1933-1942). Londrina: Editora UEL, 1998.
62
LINHARES; SILVA, 1999, op. cit., p. 117.
67
um papel a cumprir e surge a “questão agrária”. A ação principal era a colonização interna que
visava a auto-suficiência no abastecimento alimentício.
2 A segunda “fase” de 1945-1964 ou 66, é marcada pela questão agrária como óbice
ao desenvolvimento. Intensos debates serão travados entre aqueles que afirmavam ser necessária
uma reforma agrária para aumentar a produção de alimentos e “destravara industrialização do
país, e aqueles que afirmavam que bastava a modernização do setor agrícola para garantir a
industrialização.
Nesta segunda fase, a rota de encontro com os latifundiários é alterada com o
cancelamento de boa parte da legislação produzida no final do Estado Novo.
63
Aqueles que
defendiam que a estrutura fundiária não fosse alterada, em geral, apostavam em novos padrões
tecnológicos como solão para que o campo não fosse um obstáculo para a industrialização
nacional.
64
Não eram, portanto, grupos anti-industriais. Entretanto, ao mesmo tempo, estes
grupos procuravam manter as relações de trabalho “arcaizantes” no campo. O que levou, no
período, a rias articulações entre estes grupos e interesses.
65
Todavia, o período democrático, 1946-1964, teve que lidar com as questões
conjunturais postas. Como já citei, a carestia de alimentos nas cidades em grande expansão,
devido à industrialização, tornava imperioso o aumento da produção agrícola. Porém não havia
grandes aumentos nos índices de produtividade, nesta “fase”.
66
Dessa forma, continua a existir
uma preocupação em fazer a terra produzir, e seu parcelamento em pequenas propriedades
continua a ser visto por amplos setores como o melhor caminho, mesmo no pós-1945.
A Constituição Federal de 1946 estabelecia no seu artigo 156: “A lei facilitará a fixação
do homem no campo, estabelecendo planos de colonização e de aproveitamento das terras
públicas. Para este fim serão preferidos os nacionais e, dentre eles, os habitantes de zonas
empobrecidas e os desempregados.”
67
A Constituição do Estado do Paraná acompanhava a constituição nacional ao postular
que:
Art. 84 O Estado promove o parcelamento das suas terras devolutas,
estabelecendo planos de colonização, doação e venda de lotes, e, para isso,
63
Ibid., p. 131.
64
MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil: As lutas sociais no campo e seu
lugar no processo político. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 93-94.
65
MOREIRA, Vânia Maria Losada. Os anos JK: industrialização e modelo oligárquico de
desenvolvimento rural. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeria. (Orgs.). O tempo da experiência
democrática: da democratização de 1945 ao golpe-civil-militar de 1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2003. p. 155-194. (O Brasil República).
66
LINHARES; SILVA, 1999, op. cit., p. 146-147.
67
DEPARTAMENTO de Geografia, Terras e Colonização. Legislação de Terras. Vigente até 31 de
maio de 1953. Curitiba, [s.d.].
68
assegurará, aos posseiros dessas terras, que nelas tenham morada habitual,
preferência para aquisição até 25 hectares.
§ Terão igualmente preferência para aquisição, até 100 hectares, os
posseiros de terras devolutas que nelas tiverem cultura efetiva e morada habitual
por mais de 10 anos ininterruptos.
§ 2º - O Estado fará concessão gratuita, para fins agrícolas, de um trato de terras
devolutas até 25 hectares, a quem o requerer, mediante prova de que não possue
[sic.] outra propriedade, nem recursos financeiros para adquiri-las.
68
Dessa forma, continua a existir um marco jurídico voltado para o fracionamento
produtivo da terra. Em termos poticos, stricto sensu, as ligas camponesas, a crescente
sindicalização rural e os conflitos abertos colocaram a questão do acesso à terra no centro do
cenário potico do período democrático de 1946-1964.
Com o golpe potico-militar de 1964 a questão agrária no Brasil entra em uma nova
“fase”. A ditadura, então instalada, vai significar a vitória da proposta que dava ênfase em mudar
o padrão tecnológico utilizado na agropecuária brasileira; e que não se preocupavam em alterar a
estrutura fundiária. Um dos marcos desta nova “fase” é anterior a 1964. Em 1963, o Estatuto do
Trabalhador Rural vai finalmente garantir a ampliação do assalariamento no campo ao criar
novas possibilidades de lutas que vão inviabilizando, em grande parte, as várias modalidades de
relações de trabalho baseado na exploração familiar da força de trabalho e no acesso, em algum
grau, da posse da terra, como no caso do colonato. Mas o golpe potico-militar de 1964 foi o
grande marco desta nova “fase”. O Governo Federal inicia uma nova potica de “reforma
agrária” com o Estatuto da Terra (1964) e o IBRA Instituto Brasileiro de Reforma Agrária,
depois INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. E, principalmente,
ocorre a massiva implantação da revolução verde”, com uma potica de crédito agrícola que
favorecia a utilização de máquinas automotoras agrícolas, sementes melhoradas e agroquímicos.
Produziu-se, assim, um enorme êxodo rural, um forte deslocamento das fronteiras agrícolas e
estruturou-se uma produção agropecuária em torno dos Complexos Agro-Industriais CAIs.
Como afirmam Silva e Linhares, se estaria aí diante de uma terceira “fase” da questão agrária no
Brasil, a da:
[...] modernização autoritária, desde 1966: [...] A questão agrária surge, agora,
como item fundamental do desemprego no campo, inclusive em áreas
tradicionais da pequena produção consolidada, como no Sul-Sudeste do país,
inviabilizando o exercício pleno da cidadania, ampliando a miséria e politizando
de forma inédita, pela sua intensidade e extensão, a questão agrária.
69
68
Ibid., p. 110.
69
LINHARES; SILVA, 1999, op. cit., p. 147.
69
Isto, entretanto, está além dos limites desta pesquisa. Cabe aqui aclarar melhor, no
caso específico do Paraná, o papel do Estado na apropriação de terras devolutas.
2.2.2 – A Colonização Dirigida no Paraná
A colonização como um “processo de ocupação de novas terras por meio de
planejamento governamental ou privado”,
70
ou seja, a colonização dirigida, segundo Dias e
Castro, remonta, no Brasil, pelo menos, a meados do século XVIII, com o assentamento de
famílias açorianas no litoral de Santa Catarina.
71
Tal processo de colonização dirigida, ocorrido
antes da Primeira Guerra Mundial, no entanto, era pautado por motivos geopoticos que visavam
introduzir aliados em áreas de disputa internacional com baixa ocupação humana e promover a
produção de alimentos, além de, em alguns casos, tentar civilizar o trabalhador/agricultor
nacional com o exemplo e “sangue” europeu.
Os imigrantes europeus trazidos durante o século XIX, representados como laboriosos e
progressistas, eram pensados, muitas vezes, como uma forma de modernizar a agricultura
nacional. O chamado trabalhador nacional do campo, identificado como caboclo, sertanejo, etc,
apegado ao seu modo de vida tradicional e resistindo a se submeter à nova ascese do trabalho,
vai ser acusado de ser indolente, quando não racialmente inferior. Por outro lado, mesmo os
descendentes de imigrantes, em especial de italianos e alemães, no caso do Sul do Brasil,
deslocando-se para novas fronteiras agrícolas, eram representados como capazes de fazer uma
miraculosa mudança da “letargia do atraso” para o “progresso”. Dessa forma, a imigração foi
pensada por setores da elite como uma estratégia de modernização da agricultura.
72
No Paraná, em meados do século XIX, há uma política de atração de imigrantes,
visando a produção de alimentos para as cidades. Autoridades de então criticam “veementemente
o desprezo manifestado pelo brasileiro e paranaense em particular, pelo trabalho agrícola”.
73
Para resolver tal problema foi organizada a vinda de milhares de imigrantes, principalmente
poloneses e alemães, basicamente para o primeiro e segundo planaltos paranaenses, e em
especial, para a região de entorno de Curitiba, com a finalidade de abastecer a capital.
70
DIAS, Guilherme Leite da Silva; CASTRO, Manoel Cabral de. A colonização oficial no Brasil:
erros e acertos na fronteira agrícola. São Paulo: IPE/USP, 1986. p. 12.
71
Ibid., p. 12.
72
ZARTH, Paulo Afonso. História Regional/História Global: uma história social da agricultura no
Noroeste do Rio Grande do Sul (Brasil). História: debates e tendências, Passo Fundo. v. 1, n.1, p. 190-128, jun.
1999.
73
WACHOWICZ, Ruiy Christovam. História do Paraná. 6. ed. amp. Curitiba: Vicentina, 1988. p.
143. A colonização do sertão é ainda fomentada pelo governo imperial ao criar colônias militares, mas meu objetivo
aqui não é fazer um inventário da colonização paranaense.
70
Durante a República Velha, no nível federal, como afirma Sonia Regina de Mendonça:
[...] a política imigrantista do governo federal não poderia deixar de ter como
objeto regiões sobre cujo espaço impunha-se afirmar o controle do Estado,
mormente em virtude de conflitos deslanchados por sua incorporação recente ao
mercado de terras: estados como o Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Sobre eles incidiria a ação pública, em sua dupla finalidade de incorporar
territórios – fomentando a produção mercantil – e contribuir para a constituição
de uma ideologia do trabalho fundada nos mitos da democracia rural e da
ascensão social do pequeno produtor (grifo meu).
74
No Paraná, na República Velha, é editado o Decreto 218, de 11 de junho de 1907, no
qual são definidas as “bases regulares para o serviço de colonização no Estado do Paraná”.
75
Em
seus primeiros artigos estabelecia:
ART. O Governo do Estado do Paraná exercerá a superintendência do
serviço de colonização dentro do território paranaense, por si, ou com o auxílio
da União, quando se tratar de núcleos fundados por esta.
ART. O serviço de colonização do território paranaense poderá ser
promovido pelo Governo Federal, por iniciativa direta do Governo do Estado,
com ou sem auxílio da União, por emprezas [sic.] de viação ou de qualquer
outra natureza ou por particulares.
Art. Para todos os efeitos das presentes bases regulamentares, serão
considerados imigrantes, os estrangeiros menores de 60 anos, solteiros ou
constituídos em falias, e que não sofram de moléstias contagiosas, nem sendo
inválidos, dementes, criminosos, desordeiros, mendigos ou vagabundos e tendo
moralidade e aptidões profissionais por documentos hábeis, vierem estabelecer-
se em território do Estado, transportados como passageiros de classe, a custa
própria ou com passagem paga pela União, pelo Estado, pelas municipalidades,
por empresas quaisquer ou por particulares.
76
A colonização dirigida implica, em geral, em uma decisão governamental, mesmo que o
Governo não atue diretamente. Mesmo prevendo, já em 1907, a possibilidade de ação da
iniciativa privada, ela deveria estar sob a “superintendência” estatal. As colônias são pensadas,
oficialmente, para serem formadas por imigrantes, mas estes deveriam ter um perfil bem
definido: um homem pobre, sadio e laborioso, para atender as atividades produtivas.
Estabelecia ainda o Decreto 218, minuciosamente, os trabalhos técnicos de
planejamento dos núcleos coloniais, com o reconhecimento prévio: de escoamento da produção –
aliás os núcleos deveriam ficar perto de centros de consumo ou exportação e ligados a estes por
estrada de rodagem ou estrada de ferro, de fertilidade natural, de condições hidrográficas e até
74
MENDONÇA, 1997, op. cit., p. 172.
75
SERRA, Elpídio. Processos de ocupação e a luta pela terra agrícola no Paraná. 1991. Tese
(Doutorado em Geografia) Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista Julio de
Mesquita Filho, UNESP, Rio Claro. p. 62.
76
PARANÁ. Secretaria de Fazenda e Obras Públicas do Estado do Paraná. Departamento de Terras e
Colonização. Regulamento de Terras Vigente em 31 de dezembro de 1934. Coordenação apresentada ao
71
mesmo deveriam ser verificadas as condições naturais que permitissem a lavoura por “processo
mecânico”. Prevê o decreto, então, que se considerado viável o núcleo colonial, se procederia o
planejamento com o levantamento, a goniómetro, da planta topográfica e hidrográfica do
terreno, com indicações precisas de situação, conformação altimétrica, configurações orográficas
e vias de comunicação existentes.”
77
Com os dados exigidos [...] organizar-seo plano geral do núcleo, projetando-
se convenientemente os respectivos lotes condição, sempre que seja possível, de
serem servidos por águas, abrangerem uma área florestal e seguirem suas
linhas divisórias os rumos norte-sul e leste-oeste verdadeiros.(grifo meu)
78
Descrevendo em detalhes, de como deveria ser planejada a sede até a colocação dos
marcos divisórios das propriedades, o planejamento técnico minucioso deveria garantir a
prosperidade colonial”.
O Decreto 218 estabelece ainda uma série de tarefas para o Estado:
Era de competência do Estado arcar com as despesas de transporte, alimentação
e de assistência dica do trabalhador; construir casas, escolas e outras
edificações nas colônias; demarcar os lotes, manter na colônia farmácia e
dico em plantão permanente; proporcionar assistência técnica às lavouras e o
transporte da produção; fornecer sementes, mudas e ferramentas no primeiro
ano do assentamento e, a título de estímulo, distribuir prêmios individuais de
200 mil réis aos dez colonos que melhor resultado alcançassem nas primeiras
safras.[...] Quem optasse pelo pagamento a prazo poderia ter as duas
últimas prestações anuais perdoadas pelo Estado caso tivesse sido pontual
[...] [nas três prestações anteriores] e caso tivesse ainda mantido culturas
permanentes ocupando pelo menos um terço da propriedade, construído
benfeitorias por conta própria, mantido conduta exemplar no convívio com
outros assentados e provado dedicação ao trabalho e à família (Cf. Artigos
42 e 43). Os lotes deveriam ter área máxima de 50 hectares, ‘quando situados
em terrenos afastados dos centros de consumo’ e área mínima de 25 hectares,
‘quando situados nas proximidades de estradas de ferro ou nos arredores dos
mercados de consumo(Artigo 18) (grifo meu).
79
Parece-me que, neste Decreto 218, o projeto ruralista da República Velha tem plena
expressão. Os incentivos indicam que o principal interesse o era o ganho imediato com a
venda da terra. Buscava-se, sim, garantir a produção para o abastecimento. Mas não apenas isto.
Busca-se por meio da “assistência” e de mecanismos de incentivo produzir uma dada conduta,
ordeira” e voltada para o trabalho. Um projeto modernizante, conservador, pois não visava
alterar a estrutura fundiária. Sendo tal projeto, conforme Mendonça, o germe de uma ação
autoritária mais geral que se seguiria.
governo do estado por determinação contratual pelo engenheiro civil Francisco G. Beltrão. Curitiba, 1935. p.
86.
77
Ibid., p. 89.
78
Ibid., p. 89.
79
SERRA, 1991, op. cit., p. 62-63.
72
Ao longo dos anos 20, as falas ministeriais revelariam uma infleo no tocante
ao papel ‘pedagógico do imigrante, empreendendo a revalorização do
‘trabalhador nacionalem detrimento do primeiro. Sintoma da queda dos fluxos
migratórios verificada a partir de 1914, o novo discurso passava a evidenciar
também a preocupação com a defesa da grande propriedade que uma vez
esgotadas as reservas de terras devolutas próximas aos grandes centros
poderia vir a ser ameaçada, como o sinalizava a multiplicação da iniciativa de
empresas particulares no estabelecimento de colônias em São Paulo, Paraná e
Santa Catarina (RMIC, 1926, p. 423).’
80
Segundo Lysia Bernardes:
Com o início da Grande Guerra (1914), responvel pela interrupção da
corrente imigratória e também, em vista da criação do Ministério da
Agricultura, cujas atribuições compreendiam a fundação de núcleos coloniais e
a introdução de imigrantes, foi interrompida a colonização oficial pelo governo
do estado.
81
Haverá, entretanto, colônias estaduais posteriores a esta data, mas elas serão
assistemáticas. Em geral eram tentativas de resolver conflitos localizados, gerados pela ocupação
da área por posseiros.
82
Até 1916 a ação do Estado para com as terras se limitava à “venda de lotes coloniais,
pelo próprio Estado ou União, voltados para a produção de alimentos; demarcação e venda de
terras, nas devolutas apossadas; legitimação de posses anteriores à República.”
83
A Lei
estadual 1642, de 5 de abril de 1916, vai introduzir a novidade na legislação paranaense. O
trabalhador nacional passa a ser favorecido legalmente pela potica de colonização. Ademais, se
tal lei não inaugura uma potica de incentivo à pequena propriedade e à possibilidade da ação da
iniciativa privada na legislação sobre colonização no Estado do Paraná, o regime de colonização,
por concessões nela regulamentada, um grande fôlego para a iniciativa particular na
colonização dirigida.
A Lei 1.642 autorizava o Poder Executivo a “conceder para o estabelecimento de
colonos nacionais ou estrangeiros, a área de terras devolutas até 50.000 hectares”. As terras
deveriam ser parceladas em lotes de 5 a 25 hectares, a serem pagas “de acordo com os preços
80
MENDONÇA, 1997, op. cit., p. 173.
81
BERNARDES, Lysia Maria Cavalcanti. O problema das “frentes pioneiras” no Estado do Paraná.
Revista Brasileira de Geografia. v. 15, n. 3, jul.-set. p. 3-52, 1953. p. 11.
82
Segundo Bernardes: “Depois desta data, somente uma colônia foi fundada, em 1918 (Decreto n. 382,
7/5/1918: a colônia de nacionais “Bom Retiro”, atual Pato Branco.” (BERNARDES, 1953, op. cit., p. 343). Todavia,
Lopes indica que apenas, no “Norte, há referência às colônias federais de Ivaí, Apucarana e Tibagi; e à tentativa de
formação de uma estadual em Porto São Salvador, à beira do Paranapanema, próximo a Jacarezinho [...]. E no
Faxinal de São Sebastião, em 1929, o Estado criou uma colônia do mesmo nome, com o objetivo de disciplinar o
acesso à terra pelas massas de nacionais que anos para ali se dirigiam.” Sendo que em 1935, o governo
paranaense faria uma nova experiência nas terras devolutas da Faixa Marginal ao Rio Tibagi, ocupadas por
posseiros. Com uma área de 5.783 ha, no qüinqüênio seguinte a colônia tinha loteado 5.228 ha”. LOPES, Ana Yara
D. P. Pioneiros do Capital: A Colonização do Norte Novo do Paraná. 1982. Dissertação (Mestrado em Ciências
Sociais) – FFLECH., USP, São Paulo. p. 68, 164.
83
LOPES, 1982, op. cit., p. 66.
73
estabelecidos em lei” e a na medida em que “forem sendo localizados os colonos, dentro dos dois
primeiros anos da data da sua localização”. A empresa concessionária deveria arcar com a infra-
estrutura básica, como estradas, e o planejamento urbano, sendo que, dentro de oito anos as
terras não colonizadas voltariam ao domínio do Estado.
84
Um relario do DGTC afirma que o escopo da Lei 1.642 era “promover e tornar, por
meio da colonização, produtivos os extensos sertões devolutos e virgens do noroeste paranaense,
compreendidos nas bacias hidrográficas dos rios Paranapanema, Tibagí e Ivaí”.
85
Os governos
estaduais, capitaneados pelos latifundiários vinculados ao mate e à pecuária, viram na
colonização das terras devolutas uma fonte de recursos, principalmente pelos impostos gerados
pela rendosa atividade cafeeira que então se expandia pelo Norte Velho.
86
Para Nadir A.
Cancian, a ênfase na pequena propriedade, pelo menos entre 1916 e 1930, se explicaria pela crise
financeira por que o Governo Estadual passava. Endividado, ele pretendia produzir divisas com a
venda de terras e os impostos a serem cobrados e para isto atraía pequenos agricultores para o
Paraná.
87
Em 8 de abril de 1922, a Lei estadual nº 2.160 estabelece que: “Art. 8 – Fica revogada a
lei 1642 de 5 de Abril de 1916”,
88
e estabelece que “A área dos lotes de concessões já existentes,
em virtude dessa lei, poderão ser de 10 a 200 hectares.”
89
Segundo Elpídio Serra foi a pressão
dos concessionários que levou a revogação da lei, tendo o Governo do Estado a partir daí
liberado áreas bem maiores para a colonização particular, alienadas principalmente pelo sistema
de venda direta, motivo pelo qual houve uma “diminuição da capacidade de controle do poder
púbico sobre os projetos que deveriam ser executados”.
90
Cancian aponta a especulação como
fator para a revogação da citada lei. Era comum concessionárias não efetivarem a colonização na
espera de valorização das terras ou buscarem cultivar diretamente a terra em grandes latifúndios.
84
CANCIAN, 1977, op. cit., p. 197. Segundo LOPES “cada colono-adquirente [...] poderia comprar no
máximo 2 lotes” (LOPES, 1982, p. 69).
85
DEPARTAMENTO de Geografia Terras e Colonização. Relatório apresentado pelo Departamento
de Geografia, Terras e Colonização do Estado do Paraná, referente aos trabalhos de colonização. Curitiba,
1954. p. 5.
86
TOMAZI, op. cit., p. 162.
87
CANCIAN, 1977. op. cit.
88
Diferente do que registra Tomazi, não apenas cláusulas, mas toda a lei é revogada. TOMAZI, op. cit.
p. 163.
89
PARANÁ. Secretaria de Fazenda e Obras Públicas do Estado do Paraná. Departamento de Terras e
Colonização. Regulamento de Terras Vigente em 31 de dezembro de 1934. Coordenação apresentada ao
governo do estado por determinação contratual pelo engenheiro civil Francisco G. Beltrão. Curitiba, 1935. p.
157. A Lei Estadual n. 2.377, de 1 de abril de 1925, cria a possibilidade das concessões feitas em conformidade com
a citada Lei n. 1642 de 1916, venderem metade da área concedida em lotes de a2.400 hectares, sendo permitido
um lote para cada comprador. (PARANÁ. Secretaria de Fazenda e Obras Públicas do Estado do Paraná.
Departamento de Terras e Colonização. Regulamento de Terras Vigente em 31 de dezembro de 1934.
Coordenação apresentada ao governo do estado por determinação contratual pelo engenheiro civil Francisco
G. Beltrão. Curitiba, 1935. p. 163).
74
Depois da revogação da lei, até “1930, novas concessões foram realizadas, como no caso da
Companhia de Terras Norte do Paraná [...] e outras, ainda em moldes liberais, porém o foram
através de venda, em transações diretas entre o Estado e as empresas, que se tornaram
revendedoras de terras devolutas.”
91
Como fazia o Governo Imperial, o Estado utilizava terras
como forma de pagamento de dívidas e havia ainda a ação de grileiros que reivindicavam áreas
imensas baseados em documentos falsificados. Em 1930, as concessões e grilos cobriam a
maioria das terras devolutas do Estado (ver Figura 5).
90
SERRA, 1991, op. cit., p. 65.
91
CANCIAN, 1977, op. cit., p. 120.
75
FIGURA 5 – PARANÁ - CONCESSÕES E “GRILOS” DE TERRAS ANTERIORES A 1930
FONTE: SERRA, Elpídio. Processos de ocupação e a luta pela terra agrícola no Paraná. Rio
Claro, 1991. Tese (Doutorado em Geografia) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas,
Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, UNESP. p. 68 – Adaptado por Ely B. de
Carvalho.
Com a Revolução de 1930, há nomeação de interventores federais para exercer o
Governo Estadual. Primeiro, Mário Alves Monteiro Tourinho (10/1930-12/1930), depois, o
amigo pessoal de Getulio, Manoel Ribas (12/1930-11/1945). Neste período “a potica estadual
tinha uma nítida configuração: ser apenas uma decorrência dos projetos governamentais em nível
nacional”
92
. Se tal afirmação for correta, em nível estadual, tal como outros autores descrevem
em nível federal, as ações do Governo visando parcelar a terra para agricultores familiares foi de
92
TOMAZI, op. cit., p. 192
76
encontro à velha elite latifundiária.
93
Sem contar tais obstáculos poticos, havia o obstáculo
jurídico para uma potica mais arrojada de parcelamento das terras devolutas, a saber: que em
sua grande maioria estava entregue a concessionários ou griladas, quando não, a mesma área
sofria de ambos os problemas.
No início do mandato de Manoel Ribas se edita o Decreto Estadual nº 800, de 8 de abril
de 1931. Cancian afirma que
O Decreto 800, de 1931, tinha por objetivo primordial impedir a formação de
novos latifúndios e pôr fim às concessões para colonização por empresas ou
particulares, pois a área máxima a ser vendida pelo Estado era de 200 hectares
por família.
94
Entretanto, colonizadoras privadas continuaram a conseguir grandes áreas para
colonização. Elpídio Serra afirmar que:
Em 1935, através da Lei número 46 publicada dia 10 de dezembro, a iniciativa
privada é novamente convidada a participar, ao lado do Estado, da colonização
das terras devolutas. Estabeleceu a Lei em seu Artigo que 'Fica o Poder
Executivo autorizado a promover a colonização das terras devolutas no Estado
mediante a concessão das glebas a empresas ou particulares. Estes assinao
contratos em que se estipularão cláusulas garantidoras dos interesses públicos e
da fiel execução das condições da concessão'.
95
Todavia, o relatório do DGTC apresenta quatro concessões com datas anteriores a
referida lei: Manoel Firmino de Almeida (Zacarias de Góis) Sertanópolis, 50.000 ha, prorrogação
de contrato em 17-5-1935; Liga Marítima e Colonial de Varsóvia (Faxinal de Catanduvas)
Reserva, 7.093 ha, contrato de 7 de junho de 1934; Francisco Gutierrez Beltrão (Ibiporã),
Sertanópolis, 9.615 ha, contrato de 11-5-1933; Sociedade Anônima Provisora Rio Grandense
(União Colonial Ltda) Paranaguá, 50.000 ha, contrato de 1º de outubro de 1934.
96
93
Ruy Wachowicz reconhece tensões nos bastidores dos governos interventoriais, mas, partindo da
“ideologia paranista”, as interpreta como um conflito entre “interesses paranaenses” e o desejo de Getúlio Vargas de
favorecer os “interesses vindos do Rio Grande do Sul”, ou seja, de empresas colonizadoras de origem sul-rio-
grandense. WACHOWICZ, 1988, op. cit., 237, passim.
94
CANCIAN, op. cit. p. 123, 127.
95
SERRA, 1991, op. cit., p. 78.
96
(DEPARTAMENTO de Geografia Terras e Colonização. Relatório apresentado pelo
Departamento de Geografia, Terras e Colonização do Estado do Paraná, referente aos trabalhos de
colonização. Curitiba, 1954. p. 69). Também as áreas dos atuais municípios de Engenheiro Beltrão e Tamboara
foram contratadas para uma empresa particular colonizar, em 1933, sendo uma troca de terras concedidas à
família Beltrão no Sudoeste paranaense com o pagamento da diferença a maior no pro das novas terras feito em
serviços de engenharia civil executados na Colônia Mourão (BELTRÃO, Alexandre. Plano de loteamento:
Memorial referente ao terreno denominado Rio Mourão. Curitiba, set. 1947. (Arquivo Público do Paraná)). Ver
ainda: COSTA, Odah Regina Guimarães. Planos de colonização oficial aplicados, a partir da década de 1930, em
zonas pioneiras e de povoamento, no Estado do Paraná. In: SIMPÓSIO NACIONAL DOS PROFESSORES
UNIVERSITÁRIOS DE HISTÓRIA, 7., 1975, Aracaju. Anais. São Paulo, 1976. 3 v. p. 817-841. p. 819.
77
Ademais, a ação direta do Estado efetuando colonização dirigida, como já argumentei, é
anterior a 1930.
97
Não houve, portanto, uma ruptura drástica com a potica de colonização
anterior a 1930,
98
as mudaas foram graduais.
Uma mudança que se destaca é que agora os homens e mulheres nacionais pobres eram
os principais alvos da colonização dirigida. Aos objetivos da colonização dirigida pelo Estado
foram acrescidos novos objetivos:
Essa mudança não denegou os antigos objetivos da colonização oficial. Ao
contrário, dois deles a ocupação de novas terras e o aumento da produção de
alimentos para o mercado interno tiveram ênfase ainda mais acentuada.
Todavia, tanto estes como os demais passavam agora a ser considerados meios
para o alcance dos dois fins básicos: a redução das tensões sociais em áreas
demograficamente saturadas e a diminuição da pressão sobre o mercado de
trabalho urbano graças ao deslocamento dos migrantes para a fronteira agrícola.
Por sua vez, a consciência da gravidade dos problemas sociais no campo, fez
com que se agregasse um outro objetivo, a colonização oficial: o de colocá-la
como instrumento de promoção sócio-econômica dos agricultores pobres.
99
Entretanto, apesar da ênfase em “fixar o trabalhador pobre na terra, a própria legislação
favorecia uma relativa concentração da propriedade da terra. A possibilidade de constituição de
grandes propriedades estava prevista na própria lei, mesmo quando esta tentava limitar o
latifúndio. O próprio Decreto nº 800 de 1931 reduzia as áreas máximas previstas na Lei Estadual
68, de 20 de dezembro de 1892, das terras revaliveis para 1.000 hectares (artigo 7º), e das
terras legitimáveis para 2.000 hectares (artigo ). Sendo, portanto, muito generosa, para aqueles
que ainda poderiam ser beneficiados pelo antigo regulamento de terras do Paraná.
Por um lado, com o Decreto 800 de 1931, não uma consagração da estrutura
fundiária vigente, uma vez que estabelece: “Art. - Aos atuais ocupantes das terras, que não
possuírem documentos que os habilitem a legitimá-las, será facultado a compra da área ocupada,
até, o máximo de 200 hectares, [...] desde que nos terrenos se verifique a cultura efetiva e a
morada habitual;”
100
Por outro lado, o limite de 200 hectares para compra por pretendentes à
terra devoluta” ou de “ocupantes” era generoso e deveria visar a eliminação do latifúndio
improdutivo, das vastas áreas de terras particulares mantidas incultas para especular ou para
manter o prestígio dos “coronéis”. Afinal, as áreas voltadas realmente para a produção familiar
97
Ao contrário do que afirma: COSTA, 1976, op. cit., p. 819; E como indica: BERNARDES, 1982, p.
67-68, 163-1965.
Um relatório de 1940 aponta a existência de 83 colônias “estaduais” no Estado
(DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Relatório dos serviços executados pelo Departamento de Terras e
Colonização dos anos de 1938 e 1939 apresentado ao Exmo. Snr. Dr. A . F. Lopes m. d. Secretário de Estado
dos Negócios de Obras Públicas, Viação e Agricultura. Curitiba, 1940).
98
TOMAZI, op. cit.
99
DIAS; CASTRO, op. cit., p. 13.
100
PARANÁ. Secretaria de Fazenda e Obras Públicas do Estado do Paraná. Departamento de Terras e
Colonização. Regulamento de Terras Vigente em 31 de dezembro de 1934. Coordenação apresentada ao
78
eram bem menores, como os “lotes de 5 a 25 hectares” estabelecidos pela lei estadual 1642, de 5
de abril de 1916, ou a “área variando entre 20 e 50 hectares” dos lotes coloniais estabelecidos
pelo Decreto Estadual 218, de 11 de junho de 1907, ou até mesmo o limite de 100 hectares
em terras de lavouras” para legitimação de posses com cultura efetiva e morada habitual
(estabelecidas entre a Lei de Terras de 1850 e a proclamação da República).
101
Tal limite não
consagrava a propriedade familiar e sim a média propriedade produtiva.
É importante notar que havia várias possibilidades legais de formão de latifúndios. A
Lei Estadual 46, de dezembro de 1935, reforça a atuação de empresas particulares na
colonização dirigida, pelo sistema de concessões de forma semelhante à lei 1.642 de 1916, mas
sem estabelecer limites para o tamanho dos lotes, salvo o limite existente de 200 hectares. Tal
Lei Estadual 46 de 1935, reforça a possibilidades de concentração de terras, ao estabelecer
que:
ART. 5º - As glebas serão divididas em lotes nunca maiores de 200 hectares e a
um mesmo colono poderá ser concedido outro lote, depois de haver
cultivado, pelo menos, metade do que lhe foi concedido anteriormente. [...]
ART. 10º - Fica o Poder Executivo autorizado, também a conceder por vender
ou aforamento, a agricultores ou criadores terras devolutas, no máximo de 2.000
hectares para cada comprador ou foreiro, (826,4 alqueires).
102
O Decreto 800 não vetava a compra de mais de um lote e o Decreto nº 46 vai
autorizar tal prática, criando a possibilidade legal de formação de grandes propriedades. A
exigência estava em que o lote fosse cultivado, mesmo que fosse apenas “pela metade”. Impedir
a situação informal, impedir a especulação com terras que mantinha áreas improdutivas era o
objetivo da legislação de terras então criada.
O Decreto 800 previa em seu artigo primeiro que as terras devolutas poderiam ser
compradas pelos que “revelem o propósito de nela se localizar” e preencham os requisitos de
cultura efetiva e morada habitual”.
103
O extinto regime de sesmarias, todavia, já previa a
utilização da terra como condição para a concessão de sesmarias e a Lei nº 68, de 20 de
dezembro de 1892, estabelecia o princípio de que as terras devolutas deveriam ser alienadas a
governo do estado por determinação contratual pelo engenheiro civil Francisco G. Beltrão. Curitiba, 1935. p.
186.
101
Lei estabelecida por uma sociedade que tinha uma elite campeira, que, talvez, estivesse querendo
legitimar seus vastos latifúndios de pecrio, daí estabelecer (para legitimação nas mesmas condições) o limite “de
faxinais ou campos de criação dois mil (2.000) hectares”, e limitando a área de “terras de lavouras”, ou seja, matas,
que poderiam ser açambarcadas por sertanejos pobres, ou não o pobres, mas vindos de outros estrados como os
produtores de café paulistas e mineiros. Ver: WESTPHALEN; MACHADO; BALHANA, 1968, op. cit., p. 2.
102
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Legislação de Terras. De 1º de janeiro de 1935 a 31
de dezembro de 1940, coordenada pelo Departamento de Terras e Colonização. Curitiba.[s.d.]. p. 18-19.
103
PARANÁ. Secretaria dos Negócios de Obras Públicas, Viação e Agricultura. Departamento de
Terras e Colonização. Legislação de Terras. Vigente até 31 de dezembro de 1934 coordenada e consolidada
pelo Eng. Civil Francisco Gutierrez Beltrão. Curitiba, 1940. p. 185.
79
quem estivesse em condições de cultivá-las ou tor-las úteis. O que havia de novidade na
legislação da década de 1930, não era a tentativa de organizar um sistema de produção de
mercadorias para o mercado, mas sim a racionalização, ou seja, tudo, a terra e os seres humanos,
deveriam ser reduzidos ao princípio único da produção. Produção e controle eram as palavras de
ordem, uma extensa regulamentação que é criada tentando impedir a informalidade e incentivar
o uso produtivo da terra:
O título provisório de terras, expedido conforme as leis vigentes, era motivo de
errôneas interpretações sobre o seu justo valor, sendo considerado, muitas
vezes, como prova legítima de propriedade, ocasionando a falta de
cumprimento, por parte do interessado na compra, dos outros compromissos
assumidos para com a administração, não se preocupando com o processo de
medição e, assim, criando sérios empecilhos ao processamento dos negócios
públicos. O Departamento de Terras e Colonização solicitou ao Governo a
solução do problema, sendo-lhe dada autorização pela portaria n.º 218, de 7 de
junho de 1935, instituindo-se título de opção com os mesmos efeitos legais
atribuídos aos títulos provisórios. Os requerimentos para medição instruídos
com os títulos de opção, seriam despachados pelo Diretor do Departamento,
tornando-se mais pido a fase de medição. A portaria n.º 538, de 30 de
dezembro do mesmo ano, fundamentada no ofício n.º 562/35 do referido
Departamento, que salientou o contínuo encaminhamento de petições
solicitando, com base em procurações de cessionários de direitos, a expedição,
em nome de terceiros, dos títulos de propriedade, o que implicava na
transferência velada de imóveis, regulamentou o pagamento do imposto de
transmissão causa mortis, do imposto de transmissão inter-vivos e a legitimação
de posse.
104
O Governo do Estado, sob a influência da potica de Marcha para o Oeste, executa
uma grande potica de combate à grilagem e às conceses de terras que não eram efetivamente
colonizadas, as quais, por ocuparem a maior parte das áreas devolutas, eram um grande
obstáculo para projetos de colonização (ver figura 5).
105
Como os concessionários possuíam
muita influência junto ao Governo, conseguiam prorrogações dos seus contratos, mas muitas
vezes, não efetivavam a colonização, às vezes por falta de recursos, às vezes para especular com
a terra esperando sua valorização. Até mesmo casos de venda de grandes lotes para um único
proprietário na tentativa de formar grandes propriedades. Segundo Tomazi, o Estado vai cancelar
todas as concessões de terras concedidas até então”, salvo “algumas exceções”, como as “terras
da CTNP, que tinham sido compradas e as de Francisco G. Beltrão e dadas como pagamento
pelos seus serviços como agrimensor
106
104
COSTA, 1976. op. cit., p. 820.
105
SERRA, 1991, op. cit., p. 75.
106
TOMAZI, op. cit., p. 201 Um relatório de 1943 sugere que a concessão de Manuel Firmino de
Almeida foi “a única vigorante depois da revisão determinada pela implantação do novo regime” (PARANÁ,
Departamento de Geografia Terras e Colonização. Relatório dos serviços executados pelo Departamento de
Geografia Terras e Colonização durante o ano de 1942. Curitiba, 1943. (Arquivo Público do Paraná)). Um outro
relatório de 1934 sugere que houve um cancelamento das terras da Companhia de Terras Norte do Paraná CTNP,
80
Com a Revolução de 1930 que denunciaria também as negociatas de terras no
Paraná, várias concessões, sobretudo pela inoperância e o não cumprimento de
cláusulas contratuais, foram anuladas, voltando 2.300.000 hectares de terras ao
patrimônio do Estado.
107
Todavia, o “jeitinho brasileiro”. Apesar “do discurso oficial paranaense, de 1930 à
redemocratização em 1946, insistir em qualificar negativamente a potica das concessões, esta
ainda perdurou até os anos 50. não mais com força total, é bem verdade”.
108
Lopes indica
rias concessionários de terras que continuaram a operar sem a autorização do Governo ou
através da prorrogação de prazos, até 1960.
109
A grilagem também havia açambarcado vastas áreas do Estado. Em
[...] 1940, o interventor Manoel Ribas declarava: ‘precisamos acabar com esses
feudais’ e iniciava forte luta contra os grileiros que se haviam apossado de cerca
de 59 mil quilômetros quadrados de terras do Estado (mais de um quarto do seu
território) [5,9 milhões de hectares], procurando reconquistar milhões de
hectares que deveriam ser efetivamente colonizados.
110
Mesmo não tendo eliminado a grilagem de terras, é inegável que houve um grande
esforço governamental para regularizar a situação das terras devolutas e incentivar a sua
colonização dirigida, em especial com pequenas e dias propriedades. autores que, apesar
de reconhecer esse esforço político para a crião da propriedade familiar rural pelo Estado,
apontam uma conjuntura econômica que condicionou o processo. Nadir A. Cancian reconhece o
papel central do Estado no parcelamento das terras devolutas em propriedade menores. Ela
argumenta que:
A democratização da propriedade das terras foi uma decisão governamental.
Tudo indica que, face aos problemas sociais da época em vista da Depressão,
foi esta a resposta ao desassossego da propaganda socialista no período.
Procurava-se evitar uma situação que poderia se tornar insolúvel pela agitação
do proletariado. Fixar o homem ao campo, torná-lo proprierio, seria evitar que
se tornasse um prolerio insatisfeito.
111
com posterior restituição, ou pelos menos uma renegociação com a EFSPP Estrada de Ferro São Paulo-Paraná,
do mesmo grupo empresarial (PARANÁ. Secretaria de Fazenda e Obras Públicas. Relatório dos serviços e
ocorrências da Secretária de Fazenda e Obras Públicas no ano de 1934. Curitiba, 1934. (Arquivo do: Circulo de
Estudos Bandeirantes – Curitiba)). Não foi possível checar essas informações desencontradas.
107
WESTPHALEN, Cecília Maria; MACHADO, Brasil Pinheiro; BALHANA, Altiva Pilatti, Nota
prévia ao estudo da ocupação da terra no Paraná moderno. Boletim da Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
n. 7, p. 1-52, 1968. p. 5.
108
LOPES, 1982, op. cit., p. 85.
109
Ibid., 1982, p. 92-93.
110
WESTPHALEN; MACHADO; BALHANA, 1968, op. cit., p. 5, 6. (“Declaração do Interventor do
Estado do Paraná. Manoel Ribas, feita à imprensa In Diário da Tarde, edição de 20 de agosto de 1940”).
111
Ibid., p. 125. De uma forma geral a “redução das tenes sociais nas áreas demograficamente
saturadas era um dos objetivos a ser atingido pelo governo Vargas em suas políticas de ‘colonização’, assim como
será um dos objetivos das ações oficiais de colonização posteriores ao seu governo. Cf. DIAS; CASTRO, 1986, p.
13; SILVA, 1998.
81
Mas aponta, também, outros fatores para a redução da área ocupada pelos grandes
latifúndios na colonização dirigida no Norte do Paraná. Nomeadamente, as grandes geadas nas
terras do Norte do Paraná, como fator restritivo à grande propriedade, que o poderia suportar
os prejuízos das grandes geadas, enquanto o pequeno e o médio lavrador sobreviveriam
economicamente graças às culturas de subsistência:
Essas propriedades [grandes lotes comprados da Companhia de Terras Norte do
Paraná, posteriormente Companhia Melhoramentos Norte do Paraná
CTNP/CMNP], quando se intensificou a procura de terras, foram fracionadas
em pequenas e médias e revendidas. Não se atrevia numa latitude tão ao sul,
sujeita a geadas intensas e periódicas (1931, 1942, 1953, 1955, 1963, 1969,
1975), manter fazendas tão grandes. São as melhores terras para o café,
porém para pequenos e médios produtores ou no máximo até 100 alqueires
de cafezais. Os grandes produtores afastaram-se ou se dirigiram mais a
noroeste, de clima mais ameno (grifo meu).
112
Tal hipótese deveria ser melhor explorada. Todavia, o principal fator para entender esta
questão, neste período de 1930 a 1944, para a citada autora, seria a crise no sistema-mundo
capitalista ocorrida entre as duas grandes Guerras Mundiais, com a Grande Depressão iniciada
com a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, que causa uma baixa no preço do café. Isto
gerou uma “minimização dos lucros da cafeicultura, a especulação com lotes, dado a vastidão de
terras roxas ainda desocupadas, tornou-se mais lucrativa que a própria lavoura”,
113
dando
margem para a colonização em pequenas propriedades, e preparando o boom do período pós-
Segunda Guerra Mundial. Mas, como admite a própria Cancian, independente desta conjuntura
econômica, o parcelamento da terra esteve muito condicionado às “decisões governamentais”.
Embora no caso estudado isso seja incontroverso, uma vez que o foco é a iniciativa estatal direta
de colonização dirigida.
Entre 1916 e 1938, a colonização dirigida foi realizada, no Paraná, principalmente,
através da iniciativa privada. O Governo do Estado continuou a atuar concedendo títulos a
requerentes de terras”, a posseiros e nas colônias estaduais, mas sem grandes projetos de
colonização sistemática. O Decreto Estadual, nº 1-A, de 8 de abril de 1893, previa que a
Secretaria de Estado dos Negócios e Obras Públicas e Colonização teria um ramo especial de
Serviços de Terras e Colonização, a qual competiria titular, fiscalizar contratos de concessão e
colonização, mas não efetuar a colonização diretamente.
114
Somente em 1923 o Governo cria a
112
CANCIAN, 1977. op. cit., p. 169.
113
Ibid., p. 142.
114
PARANÁ. Secretaria dos Negócios de Obras Públicas, Viação e Agricultura. Departamento de
Terras e Colonização. Legislação de Terras. Vigente até 31 de dezembro de 1934 coordenada e consolidada
pelo Eng. Civil Francisco Gutierrez Beltrão. Curitiba, 1940. p. 10 et. seq.
82
Inspetoria de Terras e Colonização.
115
Sendo criado em 1928 o Departamento de Terras e
Colonização (DTC).
116
Todavia, naquele momento, não havia uma atuação sistemática e direta
por parte do Governo Estadual na colonização dirigida.
Talvez o Paracontinuasse com esse plano assistemático, não fosse a criação,
no Estado Novo, em 1938, da Divisão de Terras e Colonização [...]. Durante os
próximos 16 anos aquele órgão estabeleceria núcleos coloniais administrados
pelo Governo Federal, as chamadas Colônias Agrícolas Nacionais.
117
O Governo Federal criaria no Paraná a Colônia Agrícola General Osório CONGO, no
Sudoeste do Estado. para o Governo Estadual a Marcha para o Oeste, iria se caracterizar pelo
incentivo do Estado à colonização e pela criação de um plano de colonização sistemático
efetuado diretamente pelo Governo Estadual. Plano a partir do qual o Estado tentaria ordenar o
processo de apropriação da terra atuando sistemática e diretamente na colonização dirigida, em
geral sobre terras em que foram anulados grilos e concessões. Assim, o
Governo do Estado, proprietário, ainda, de grandes áreas de terras devolutas e
de terras de antigas concessões anuladas que haviam retornado ao seu
patrimônio, iniciou [...] diretamente, um programa de colonização.
118
O Decreto Estadual 8.564, de 17 de maio de 1939, o qual autorizava a Secretaria de
Obras blicas, Viação e Agricultura a organizar e efetuar trabalho de colonização em glebas
de terras de domínio do Estado, nos municípios de Londrina, Guarapuava e Paranaguá”,
iniciando uma colonização dirigida sistemática por parte do Governo Estadual, estabelecia que:
ART. Esses trabalhos de colonização obedecerão às disposições legais
vigentes sobre a matéria inclusive o que dispõe, o artigo 35, e parágrafo e
alíneas, do decreto lei federal n. 1.202 de 8 de abril do corrente ano e mais as
disposições deste decreto. [...]
ART. 4º - A área dos lotes deve variar entre 10 e 200 hectares.
119
O citado Decreto Lei Federal 1.202 estabelecia no seu parágrafo único, à alínea “b”,
que para vender terras de área superior a 500 hectares seria necessária licença do presidente da
115
INSTITUTO Ambiental do Paraná IAP. Histórico. Disponível em:
<http://www.iap.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=186>. Acesso em 14 abr. 2006.
116
O DTC – Departamento de Terras e Colonização foi criado pela “Lei Estadual n. 2.501, de
25/2/1928, vinculado a Secretaria de Estado da Agricultura, Viação e Obras Públicas” (LOPES, 1982, op. cit., p. 83-
4). No início dos anos 30 passou a se chamar Departamento de Terras – DT., voltando posteriormente ao seu antigo
nome. Em 1942 passou a ser denominado Departamento de Geografia, Terras e Colonização DGTC. Em 1972 é
substituído pelo Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Paraná (ITC).
117
LOPES, 1982, op. cit., p. 165.
118
WESTPHALEN; MACHADO; BALHANA, 1968, p. 19.
119
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Legislação de Terras. De 1º de janeiro de 1935 a 31
de dezembro de 1940, coordenada pelo Departamento de Terras e Colonização. Curitiba, [s.d.].
83
República.
120
O projeto inicial acompanhava as orientações federais, sendo que os lotes previstos
eram de pequenas a médias propriedades, 10 a 200 hectares.
Além, obviamente, das políticas do Governo Federal as pressões que incentivam o
Governo Estadual na sua ação como colonizadores são um tema controverso. Para Nelson D.
Tomazi, havia um interesse do Governo do Estado de uma rápida colonização, interesse
atrapalhado principalmente pelas conseqüências da Grande Depressão, sendo que, houve uma
concorrência direta entre os projetos de colonização dirigida, estatais e privados:
Em 1939 foram fundadas as primeiras colônias estaduais, a de Içara e Jaguapitã,
e, a partir de então, foram sendo feitas as medições das outras colônias, [no
Norte do Estado] [...] que tiveram uma procura muito grande, pelo fato de os
preços serem bem mais convidativos que os da CTNP, e porque as terras eram
de boa qualidade e ainda não exploradas (novas) em culturas agrícolas
extensivas, principalmente o café.
121
Para o citado autor, depois de 1945, havia pressões das empresas colonizadoras privadas
sobre o Governo do Estado para este reduzir a concorrência representada pela iniciativa direta
Estatal de colonização dirigida.
122
José Henrique R. Gonçalves argumenta que há, no período,
o apenas uma concorrência entre as colonizadoras privadas e a ação colonizadora estatal, que
aliás deveriam concorrer, também, com outras áreas que estavam sofrendo processo de
colonização dirigida com forte presença de pequenas e dias propriedades, como ainda, “havia
a própria concorrência do mercado de trabalho urbano, em franca expansão no período.
123
Elpídio Serra, por outro lado, afirma que a demora na atuação direta do Estado, na
colonização no pós-1930, se deve à “intenção do poder público de o competir abertamente
com a iniciativa privada no que diz respeito à mercantilização das terras.”
124
Depois de 1939, o Estado passa a agir diretamente [sic.] na estruturação do
espaço, mas optando por desenvolver seus projetos em áreas de menor interesse
comercial, quer pela inferior qualidade da terra, quer pelo distanciamento de
vias de comunicação ou centros de consumo, quer ainda pelo fato da área objeto
da colonização estar sob litígio, o que a tornava desinteressante do ponto de
vista do negócio.
125
120
DECRETO Lei Federal n. 1.202 de 08.04.1939. Disponível em <www.senado.gov.br/legislacao>.
Acesso em: 12 out. 2006.
121
TOMAZI, 1997, p. 209.
122
Ibid.
123
GONÇALVES, José Henrique Rollo. Quando a imagem publicitária vira evidência factual: versões e
reversões do norte (novo) do Paraná 1930/1970. In: DIVAS, Reginaldo B.; GONÇALVES, JoHenrique Rollo.
(Orgs.). Maringá e o Norte do Paraná: estudos de história regional. Maringá: EDUEM, 1999. p. 87-121. p. 100;
GONÇALVES, 1996, op. cit.
124
SERRA, 1991, op. cit., p. 80.
125
Ibid., p. 81.
84
Para tal autor, a colonização direta do Estado “teria basicamente a preocupação de
manter em equilíbrio o mercado imobiliário.”
126
De maneira geral, desta forma, a colonização desenvolvida pelo Estado se
manteria sempre a jusante da colonização empresarial, funcionando, via de
regra, como fator de ajuste ou de equilíbrio no processo de repartição e
apropriação da terra e embutindo a preocupação de evitar que as terras
sofressem a ocupação desordenada e predatória por parte de posseiros e
outras categorias de ocupantes (grifo meu).
127
Tomazi argumenta que um discursono qual se procura identificar a colonização
dirigida do Norte do Paraná com a atuação de uma empresa privada, a CTNP/CMNP, a qual,
todavia, deve-se a responsabilidade pela ocupação de apenas 20% da citada região. Argumenta
Tomazi, que, ao contrário do que propala o “discurso Norte do Paraná”, o Estado não esteve
ausente do processo de colonização dirigida. Mesmo quando o processo foi exercido diretamente
pela iniciativa privada, havia uma regulação e apoio constante do Estado, em especial, ao vender
terras a preços muito baixos às empresas colonizadoras.
128
Ademais, a participação direta na
colonização dirigida foi bastante significativa. O Estado foi diretamente responsável pela
colonização dirigida de, pelo menos, 31% da “Norte do Paraná”.
129
O fim da Segunda Guerra Mundial e do Estado Novo, em 1945, abrem uma nova
conjuntura nas poticas de colonização. No período entre 1916-1945 havia se formado um know-
how voltado para colonização dirigida, tanto de empresas privadas quanto do Estado. Com o fim
da Guerra a demanda mundial por café sobe vertiginosamente. Com algumas flutuações, o preço
iria subir em lares até 1954, sendo que em 1962 entra em ação o GERCA Grupo Executivo
de Racionalização da Cafeicultura. Através dele o Governo promoveu a erradicação dos cafezais
considerados inviáveis economicamente e procurou baixar os estoques, com uma potica de
racionalização da cafeicultura.
130
Ademais, a grande valorização de produtos alimentícios para o
mercado interno, como os cereais, gerado pelo aumento da população urbana, em especial depois
de 1940, fazia compensadora a produção mesmo com os elevados custos de frete.
131
Assim, o
crescimento urbano gerado pelas poticas industrializantes e o crescimento demográfico iriam
gerar uma demanda de alimentos e produtos que incentivaria empresas colonizadoras, grandes
126
Ibid., p. 80.
127
Ibid., p. 80.
128
TOMAZI, 1997, op. cit., p. 162 et seq., 202, 317, passim. Sobre esta questão, dentre outros ver:
LOPES, 1982, op. cit., p. 57 et. seq. GONÇALVES, 1999, op. cit., p. 106-112. Como afirmou Gonçalves as
“relações entre empresários colonizadores, políticos profissionais e tecno-burocratas, ao longo dos anos 20 a 60”,
são um tema que precisa ainda ser melhor delineado (GONÇALVES, 1996. op. cit., p. 26 et seq.).
129
Considerando apenas as 5 maiores colônias estatais da região de Campo Mourão e as colônias
dimensionadas por: LOPES, 1982, op. cit., p. 109, 168-199. Foi utilizado para o cálculo, ainda, os dados de:
TOMAZI, 1997, op. cit., p. 317.
130
CANCIAN, op. cit.
131
BERNARDES, 1953, op. cit., p. 16.
85
proprietários, mas, também, lavradores pobres a penetrarem no sertão.
132
Dessa forma, temos um
boom na colonização. Milhões de hectares seriam colonizados e milhões de pessoas migrariam
para o Paraná. Por “duas décadas 50 e 60 o maior saldo migratório do país” foi o do
Paraná.
133
Ou pela ão do Estado, ou pela ação de empresas privadas que se multiplicaram,
favorecidas pelas benesses do Estado, de forma legal ou ilegal as terras devolutas foram
rapidamente vendidas. Detentores de áreas maiores venderam e fracionaram suas propriedades.
Houve “fracionamento, transferências e retransferências, mesmo entre as pequenas e médias
propriedades”.
134
É revelador o fato de muitas grandes fazendas compradas do Governo do
Estado, ou das colonizadoras privadas, terem sido loteadas, demonstrando o quanto era lucrativo
o negócio com terra. Para Cancian, a especulação imobiliária passou a ser uma alternativa mais
lucrativa que a própria lavoura cafeeira. A especulação passou a ser um ótimo negócio e setores
da classe média começaram a fazer investimentos em terras.
135
Warren Dean assinala que tal especulação se explica, pelo menos em parte, pela busca
de um investimento seguro diante de uma inflação persistente. Buscava-se um investimento que
pelo menos compensasse o valor decrescente da moeda”. Uma alternativa era “a propriedade
rural, tradicionalmente o investimento preferido da classe superior e, agora, cada vez mais a
especulação da classe média urbana.
136
Evidência surpreendente dessa corrida para a fronteira é encontrada nos
registros da Companhia de Terra do Norte do Paraná: entre 1946 e 1956, 80%
dos lotes que ela vendeu foram revendidos no prazo de três anos; 50% desses
compradores depois os venderam novamente no prazo de três anos. Em 1961,
50% dos lotes foram vendidos em dois anos e 33% dos compradores venderam-
nos novamente no período de um único ano! De um terço a a metade dos
compradores originais, bem como um quarto dos segundos compradores, eram
pessoas da cidade.
137
O fundamental a ser retido é que ocorreu uma dinamização da economia da região,
sendo que, nos “negócios com terra”, estiveram envolvidos:
Como vendedores, as antigas e novas companhias privadas de colonização, o
governo estadual, como colonizador, e os grandes fazendeiros parcelando suas
132
LINHARES; SILVA, 1999. op. cit., p. 104-105.
133
LUZ, France. As migrações internas no contexto do capitalismo no Brasil: A macrorregião do
“Norte novo” de Maringá, 1950-1980. São Paulo, 1988. Tese (Doutorado em História) - FFLCH, USP. p. 350.
134
CANCIAN, 1977. op. cit., p. 142.
135
Ibid., p. 166-7.
136
DEAN, Warren. A ferro e fogo: A história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996, p. 284.
137
Reymond Pébayle et al., Le Bassin Moyen du Parana Brésilien: L’homme et son milieu (Talence,
França, 1977) p. 45 apud: DEAN, 1996, op. cit., p. 284.
86
propriedades. Como compradores, colonos, ‘formadores de cafezais’ e a
profissionais liberais e comerciantes de fora e da própria região.
138
Ter em mente tal conjuntura econômica favorável ao parcelamento da terra é um
elemento importante para entender a ação do Estado, em especial no boom de colonização no
pós-Segunda Guerra Mundial.
No Paraná, com o fim do Estado Novo, sai do Governo o interventor Manoel Ribas. O
executivo estadual terá cinco diferentes chefes do executivo estadual com mandatos curtos, até a
eleição de Moysés Wille Lupion de Tróia (03/1945-01/1951). Não houve, em nível estadual,
uma mudança radical na legislação que continuou a incentivar o parcelamento do solo em
unidades menores que pudessem ser efetivamente trabalhadas e pudessem absorver os homens e
mulheres pobres, como, por exemplo, estabelecia a Constituição Federal de 1946 e a
Constituição Estadual a ela vinculada, ambas já aqui citadas.
Um bom exemplo é a Lei Estadual nº 38, de 20 de janeiro de 1948, que estabelece:
ART. - As terras com cultura efetiva e morada habitual, mantida por mais de
20 anos ininterruptamente e até esta data, sob terras de domínio público
estadual, habilitam seus detentores à obtenção a um título de domínio pleno, por
doação autorizada pelo poder executivo, desde que sobre as mesmas incidam
escrituras públicas de compra e venda ou documentos hábeis de sucessão
hereditária.
ART. - A doação objetivada no artigo supra se compreendida pelos limites
figurados nos documentos instrutores, desde que não seja ultrapassada a área
máxima, fixada em 100 hectares de terras, e se constante, por verificação, in
locototal aproveitamento agrícola da gleba.
139
Isso abria uma exceção, no principio introduzida pela Lei de Terras de 1850, de que a
única forma de acesso à terra devoluta era a compra. Não sei quantos fizeram uso do beneficio
desta lei, se é que alguém fez, mas no caso estudado, mesmo os posseiros que tive acesso,
adquiriram terra pela compra. Todavia, a legislação de terras, por todo o período pesquisado,
formava um grande labirinto, no qual existiam muitas “maneiras” para, de forma legal ou ilegal,
constituir grandes propriedades.
No mandato de Moysés Lupion se edita o Decreto nº 10.806, de 10 de maio de 1950,
que altera o processo de requerimento, medição e titulação de terras devolutas, previsto no
Decreto 800, de 8 de abril de 1931, agilizando e facilitando tal processo.
140
Bem como, se
edita, o Decreto Estadual 646 de 1947, cria a Fundação Paranaense de Colonização e
Imigração, FPCI, influenciada pela legislação federal e por entendimentos com o Governo
138
TOMAZI, op. cit., p. 232.
139
DEPARTAMENTO de Geografia, Terras e Colonização. Legislação de Terras. Vigente até 31 de
maio de 1953. Curitiba, [s.d.]. p. 14.
140
Ibid.
87
Federal de Eurico G. Dutra. O objetivo da fundação era “o aproveitamento das riquezas naturais
e a expansão econômica do Estado por meio da colonização de suas terras, devolutas ou não”,
considerando que ao Estado interessa, imediatamente, o povoamento intensivo, racional e
prático de todo o seu território”. Para formar o patrimônio da fundação foram previstas 484 mil
hectares de terras devolutas, espalhadas pelo Estado, inclusive no Município de Campo Mourão.
Estabelecia ainda o decreto que: Essa colonização, obedecidas ainda as disposições de lei,
deverá ser baseada no regime da pequena propriedade e ter um sentido agro-industrial.”
141
Segundo Elpídio Serra, a FPCI caiu no descrédito, e era negligente “principalmente em
relação aos pequenos posseiros”.
142
‘Instituída em 1947 por Lupion, em seu primeiro mandato como governador, a
FPCI funcionou para proteger os interesses privados e estaduais nas terras
devolutas do Oeste contra os primeiros e poderosos colonizadores como os
Dalcanelle, tendo servido como mais um instrumento de especulação de terras
apoiado pelo Governador do Estado.
143
Graves eventos de conflitos por terra podem ser encontrados por toda a história de
colonização do Paraná moderno”,
144
durante o século XX, mas o Governo de Moysés Lupion
foi especialmente pródigo em produzi-los. Um dos mais expressivos conflitos por terras da
história do Paraná, a Guerrilha dos Posseiros de Porecatu, no Norte do Paraná, em 1950-1951,
tem na sua origem o fato do Governo Estadual ter distribuído títulos de propriedade para
apadrinhados poticos em áreas que contavam com uma grande quantidade de posseiros, que
se deslocaram para a região quando souberam que a concessão para Antonio Alves de Almeida
havia sido cancelada. Muitos interpretam que os posseiros de Porecatu foram “manipulados”
pelos agentes do Partido Comunista Brasileira PCB, que atuaram na região, visando fomentar
seu projeto revolucionário. Todavia o desenrolar dos eventos indicam que os posseiros tinham
como objetivo o acesso à terra e o aceitaram a ingerência do PCB. No final as “terras de
primeira qualidade, apropriadas à cultura do café na zona de Porecatú, [sic.] ficaram mesmo em
poder dos fazendeiros.” Sendo que muitos posseiros foram transferidos para outras áreas, como
na rego de Campo Mourão, onde “foram assentadas 380 famílias, num total de 1.520 pessoas,
nas colônias Tapejara e Goiô-Erê.”
145
Com a eleição de Bento Munhoz da Rocha Netto (01/1951 a 04/1955) há uma
paralisação nas atividades estatais de colonização para se proceder uma reforma no DGTC, a fim
141
Ibid., p. 28.
142
SERRA, 1991, op. cit., p. 85.
143
FOWERAKER, Joe. A luta pela terra: a economia política da fronteira pioneira no Brasil de 1930
aos dias atuais. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p. 177 apud SERRA, 1991, op.cit., p. 85.
144
WESTPHALEN; MACHADO; BALHANA, 1968.
88
de evitar as fraudes endêmicas na instituição. É neste momento, para ser exato em 1952, que o
DGTC se torna uma autarquia, diretamente vinculada ao governador e o mais às Secretarias de
Estado.
146
Graças à gigantesca demanda por terras e às fraudes o Estado perdeu o controle do
processo, considerando ainda que:
Na década de 1950 praticamente elas [as terras por colonizar] estavam quase
todas nas mãos de particulares. Em vista disto, o Governo se viu obrigado a
promulgar o Decreto 3.060 [de 26 de outubro de 1951] [...], reduzindo a 250
hectares a área máxima a ser marcada, em favor de cada requerente, com
exceção apenas dos pedidos de compra protocolados em data anterior a 2 de
maio de 1947.
147
O Decreto 3.606 assegurava ao lavrador, com morada efetiva e cultura habitual
anterior a fevereiro de 1951, o direito a ser incorporado ao projeto de colonização até o limite de
100 hectares
148
e no preâmbulo do Decreto nº 3.060 se argumenta:
Considerando: - que o estudo procedido pelo D.G.T.C., revelou ser insuficiente
a área disponível de terras do domínio estadual, para atender a totalidade das
áreas pretendidas pelos requerentes, munidos de despacho favorável - o que
importa na necessidade de serem as áreas dos requerentes, reduzidas
obrigatoriamente.
149
Os limites estabelecidos, de 100 hectares para posseiros e de 250 para requerentes de
terras”, eram bastante generosos, como já argumentei, eram bem superiores à propriedade
familiar dia. Fazer a terra produzir era a intenção principal da legislação em tela. O Decreto
Estadual 7.700, de 18 de novembro de 1952, por exemplo, estabelecia que os “requerentes de
terras”, a contar da data de recebimento da autorização de ocupação, teriam “doze (12) meses
para o aproveitamento das terras, segundo determina o artigo 85 da Constituição Estadual.”
150
Retomado o “controledo processo de colonização “o Governador libera novas áreas
para loteamento e no final de seu mandato, em 1955, lança novo plano de colonização que
privilegia a pequena propriedade em diversos projetos que passam a ser desenvolvidos pelo
Estado, diretamente.”
151
145
SERRA, 1991, op. cit., p. 136, 149 passim. Para uma outra interpretação ver: WESTPHALEN;
MACHADO; BALHANA, 1968.
146
LOPES, 1982, op. cit., p. 83-84. Visando ainda limitar a ingerência de políticos no processo de
colonização efetuado diretamente pelo Estado, o DGTC recebe autonomia pela Lei Estadual n. 866, de 16 de julho
de 1952. DEPARTAMENTO de Geografia, Terras e Colonização. Legislação de Terras. Vigente até 31 de maio
de 1953. Curitiba, [s.d.].
147
CANCIAN, 1977, op. cit., p. 129.
148
DEPARTAMENTO de Geografia Terras e Colonização. Relatório apresentado pelo
Departamento de Geografia, Terras e Colonização do Estado do Paraná, referente aos trabalhos de
colonização. Curitiba, 1954.
149
Ibid.
150
Ibid., p. 75.
151
SERRA, 1991, op. cit., p. 87.
89
Com as novas eleições Moysés Lupion inicia um segundo mandato (01/1956 a
01/1961). A retórica do Governo e da legislação continua afinada com o parcelamento produtivo
da terra. Afirma Moysés Lupion, na Mensagem para Assembléia Legislativa de 1959:
Prosseguimos no Plano de Colonização aprovado em outubro de 1956 um plano preocupado
de proporcionar ao pequeno agricultor a aquisição da pequena propriedade.”
152
Para Elpídio Serra, o segundo mandato de Moysés Lupion “foi a fase em que o poder
público manteve-se de costas para o que estava acontecendo no campo, deixando caminho livre
para a atuação de grupos políticos e econômicos de suas relações.”
153
Foi neste momento que
explode um dos maiores conflitos abertos por terras, a Revolta dos Posseiros do Sudoeste do
Paraná de 1957. Grandes empresas privadas colonizadoras ligadas a Moysés Lupion queriam
obrigar os posseiros a deixarem a região ou comprarem as terras em que moravam, sendo que,
era sabido que as empresas não possuíam a propriedade da área, pois a forma como as
adquiriram estava sendo questionada na justiça. Milhares de posseiros tomaram em armas.
Diante da repercussão nacional e diante da ameaça do Governo Federal em efetuar uma
intervenção, Moysés Lupion retrocede. O Governo Estadual subseqüente consegue com o
Governo Federal a desapropriação das terras e paulatinamente se faz a regularização da situação
dos posseiros na região.
154
Quando Ney Aminthas de Barros Braga assume seu mandato (01/1961 a 11/1965),
muitas denúncias da corrupção envolvendo o DGTC. Inicia-se, então, uma potica de
pacificação dos conflitos agrários. Ney Braga, por meio do Decreto Estadual 3.602, de 21 de
agosto de 1960, “estabeleceu novas bases para a titulação de terras devolutas”,
155
as quais
marcavam este período final da colonização dirigida.
Na introdução do Decreto Estadual 3.602 se reafirma a posição, presente em todas as
outras falas, do “imperativo social e humano, voltado ao atendimento do pequeno lavrador em
sua justa aspiração a propriedade da terra.”
156
E afirma que o DGTC, devido ao levantamento
efetuado, indica que a restrita disponibilidade de área, somente poderá alienar lotes de terras
destinados àqueles que efetivamente desejam torná-la produtiva, mesmo porque a evolão
152
PARANÁ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura
da sessão legislativa ordinária de 1959 pelo Sr. Moysés Lupion governador do Paraná. Curitiba, 1959.
153
SERRA, 1991, op. cit., p. 88.
154
Ibid., p. 111 et seq.
155
PARANÁ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativas do Estado por ocasião da
abertura da sessão ordinária da legislatura pelo Sr. Ney Aminthas de. Barros Braga governador do
Estado. Curitiba, 1962.
156
PARANÁ. Decreto n. 3.602, de 21 de agosto de 1961. Diário Oficial [do] Estado do Paraná,
Curitiba, n. 159. 21 ago. 1961. p. 1.
90
social e agrária tende para extinção gradativa dos latifúndios improdutivos”.
157
No Decreto se
denuncia o descumprimento da legislação ao considerar
[...] que embora as Constituições Federal e Estadual e a Legislação de Terras em
vigor estabeleçam preferência para o colono no parcelamento das terras, tem
sido freqüente a expedição de títulos de domínio de terras a pessoas alheias ao
problema rural, em detrimento dos altos interesses do Estado e das populações
interioranas.
158
E o legislador confirma o que vários autores já indicaram, em estudos de caso, sobre o
preço das terras, a saber, que “o preço irrisório estipulado [ilegível] das terras do Estado tem
permitido o enriquecimento dos intermedrios sem nenhum proveito para o verdadeiro
colono”.
159
Diante de tal situação, o decreto eleva o preço mínimo das terras devolutas, reduz o
tamanho máximo do lote colonial para 50 hectares e estabelece que o DGTC não reconhecerá
requerentes que transfiram para terceiros áreas superiores a 200 hectares. Entre várias outras
medidas administrativas, que ao fixar prazos rígidos, procurando disciplinar o acesso à terra e
impedir a corrupção, acabavam por dificultar o acesso à terra a lavradores pobres, que o
conseguiam transitar pelo processo burocrático.
Previa o referido Decreto, em seu artigo 10 que: Nenhum título será expedido com área
superior 100 (cem) hectares, devendo ser revistos os requerimentos já deferidos e não incursos
em caducidade, procedendo-se, para tal fim, a revisão dos projetos de loteamento em
execução.
160
O limite de 100 hectares para título de domínio e 50 hectares para lotes coloniais
indica a prioridade dada, na legislação, à pequena e media propriedade. Por mais que, ao mesmo
tempo, tal limite indique o quão menor eram os lotes dos agricultores familiares da região: em
1970, 80,4% dos estabelecimentos rurais da microrregião de Campo Mourão possuíam menos de
20 hectares.
161
O citado Decreto indica claramente o propósito de fazer a terra produzir, conforme se vê
no “Art. 17 – Nenhum título de terras será expedido sem a comprovação da existência de cultura
efetiva e morada habitual do requerente do lote. [...]”
162
Dessa forma, pelo Decreto 3.602,
mais uma vez, procurava tornar a terra produtiva, partindo, assim, do pressuposto que a terra não
produzia, e procurando destiná-la a quem “produzia”.
157
Ibid., p. 1.
158
Ibid., p. 1.
159
Ibid., p. 1.
160
Ibid., p. 1.
161
IBGE. Censo Agropecuário, 1970.
162
Ibid., p. 1.
91
O mandato de Ney Braga marca, como abordarei, uma mudança na postura do Governo
Estadual em relação à questão agrária. Ademais, as terras devolutas haviam praticamente se
esgotado no Paraná. Por alguns anos empresas privadas ainda teriam terras para vender, mas a
atividade do Governo, na questão da terra, se volta para a desapropriação e para a
recolonização” de áreas baixamente povoadas, tentando resolver os conflitos por terra que ainda
persistiam. A colonização dirigida de terras devolutas havia terminado.
2.3 OS RELATÓRIOS GOVERNAMENTAIS: A COLONIZAÇÃO RACIONAL DE
CAMPO MOURÃO FACE O CONFLITO POR TERRAS
A partir deste quadro geral, ou pelo menos destes pontos mais amplos, é possível
entender melhor a atuação do DGTC na gestão das terras devolutas na região de Campo Mourão.
Partindo não mais da legislação, mas das fontes oficiais, relatórios do DGTC e Mensagens dos
Governadores à Assembléia Legislativa, e em uma leitura a contra pelo procuro, inserir a
colonização racional da região de Campo Mourão no projeto de modernização da nação, mais
especificamente da modernização dos homens e mulheres pobres do campo.
2.3.1 – A colonização racional: planejamento técnico e memória oficial
O relatório do então Departamento de Terras e Cartografia, referente aos exercícios de
1938 e 1939, esclarece que o plano de colonização, elaborado em 1939 para a sistemática
participação do Estado na colonização racional ao lado da iniciativa privada, aponta algumas
experiências anteriores de colonização racional estatal. Sendo que, segundo o Relatório, tais
experiências acabaram “animando” a instituição
[...] no propósito de incentivar a colonização direta por parte do Estado em vista
dos resultados satisfatórios obtidos com a colonização do Faxinal de São
Sebastião e das colônias de nacionais nos municípios de Palmas e Clevelândia,
cujos núcleos são células vivas do pregresso econômico do Estado.
163
A Colônia Estadual de Faxinal de São Sebastião, criada em 1929, é avaliada em 1937
como um exemplo a ser seguido de realização da colonização racional:
‘Zona em que a tendência nômade do nosso caboclo, tara que lhe foi
transmitida pelos seus avoengos índios, produzia a devastação criminosa que
163
As três colônias citadas fazem parte de uma relação de 83 “colônias estaduais” apresentadas no
mesmo relatório. Portanto, as outras colônias não eram tomadas como “exemplares”. DEPARTAMENTO de Terras
e Colonização. Relatório dos serviços executados pelo Departamento de Terras e Colonização dos anos de
1938 e 1939 apresentado ao Exmo. Snr. Dr. A . F. Lopes m. d. Secretário de Estado dos Negócios de Obras
Públicas, Viação e Agricultura. Curitiba, 1940.
92
assola todo o Estado numa rotina perniciosa e prejudicial, tornada centro de
uma população desordenada e turbulenta, que procurava se homisiar [sic.]
para fugir à sanção das leis que não raro infringia, preservando-se, assim, do
contacto com as autoridades, está hoje transformada em um vasto núcleo
ordeiro, com o respeito mais absoluto à Lei, aos princípios da ordem e das
propriedades rurais, estável dentro dos quinhões convenientemente demarcados,
como célula viva e progressista da economia do Estado’(grifo meu).
164
A populão do sertão, tida como “desordeira e turbulenta”, que vivia um modo de vida
que era uma “tara” e produzia devastação criminosa”, foi transformada, graças ao processo de
colonização racional. Isso porque , teria a localidade se tornado um “núcleo ordeiro”, uma
célula viva e progressista da economia do Estado”, uma lula produtiva. O fato da área em
questão ter sido palco de um forte conflito aberto pela posse de terra entre fazendeiros e os
posseiros que se deslocaram para aquela região, sendo a colonização estatal uma forma de tentar
apaziguar os conflitos, não é mencionada.
165
Dessa forma, a ação planejada, técnica e impessoal
é apresentada como capaz de operar a transformação de terras e homens” em uma ordeira,
produtiva célula do progresso”.
A tecnoburocracia, que escrevia os relatórios aqui abordados, deveria ser duas vezes
impessoal: uma enquanto constituída por técnicos e outra enquanto constituída por burocratas, ou
seja, por agentes do Estado e por agentes da tecno-ciência. O ano de 1939 marca uma reforma no
Departamento de Terras e Colonização, na qual havia uma preocupação como uma organização
impessoal e sistetica do trabalho. Essa reforma acompanhava uma tendência geral pois, afinal,
foi na Era Vargas que se introduz a obrigatoriedade de concursos para entrada no serviço
público. No caso da reforma do DTC, de 1939, a principal mudança foi extinguir os
Comissariados de Terras e criar, segundo uma nova divisão regional, as Inspetorias de Terras, o
que se instituiu pelo Decreto Estadual nº 8.716, de 14 de junho de 1939. Os comissários
recebiam por tarefas, por isso, às vezes, se recusavam a fazê-las, os Inspetores, tendo
responsabilidade funcional” a partir da reforma, garantiriam um maior controle, probidade e
eficiência, segundo o citado relatório. Dessa forma,
[...] a responsabilidade funcional outorgada aos inspetores, porá as partes
interessadas ao abrigo das explorações a que estavam sujeitas pagando duas ou
três vezes o custo de medição que não se realizavam a comissários que eram
demitidos ou falecidos, o que constitui para a moral administrativa uma legitima
defesa.
166
164
PARANÁ. Departamento de Terras e Colonização. Relatório. Curitiba, 31 de março de 1937, Othon
Mäder, Eng. Diretor: s.p. apud LOPES, 1982, op. cit., p. 163-164.
165
SERRA, 1991, op. cit.
166
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Relatório dos serviços executados pelo
Departamento de Terras e Colonização dos anos de 1938 e 1939 apresentado ao Exmo. Snr. Dr. A . F. Lopes
m. d. Secretário de Estado dos Negócios de Obras Públicas, Viação e Agricultura. Curitiba, 1940.
93
No mesmo relatório, o DTC critica as colônias de particulares por estarem fora do
controle do Estado, e igualmente critica o sistema de concessões de terras para colonização por
particulares, pois “este sistema de colonização não produziu os resultados colimados, na lei que
o instituiu”. Faltava para os autores do relatório um planejamento centralizado. Sendo que, no
relatório se conclama ao Estado a ampliar a “colonização direta” nos moldes da Colônia Içara
que foi efetivamente loteada diretamente pelo Estado em decorrência do plano de colonização de
1939. Uma vez que as terras nas “colônias estaduais” estavam se esgotando, considera, ainda,
que isto se daria
[...] em contraposição ao sistema de concessões, cuja finalidade única é
assegurar proventos materiais aos respectivos concessionários que obtêm as
terras ao preço ínfimo e irrisório de 5$000 [cinco mil reis] por hectare,
alienando-se por valores elevados e dificultando, des’arte [sic.] o povoamento
das mesmas, de vez que são alienadas a pessoas abastadas e não a colonos,
prolongando o plano que lhes é facultado pelos respectivos contratos com
sucessivas e reiteradas prorrogações, a-fim-de [sic.] obterem lucros vantajosos
na transação comercial de simples venda de terras que continuam no estado
primitivo, desabitadas e improdutivas.
167
O relatório destaca, em contraposição às concessões, o sucesso da Colônia Içara, na qual
quase toda em lotes coloniais, foram vendidos por um preço reduzido e no qual estão incluídos
as despesas decorrentes da abertura de estradas para acesso à Colônia e lotes, bem como, os de
medição e demarcação destas, para integralização em cinco prestações anuais, ou seja a razão de
70$000 por hectare.”
168
O clamor por um planejamento centralizado, a fé na tecno-ciência e a certeza do
progresso perpassam os outros relatórios sobre a colonização racional. Sady Silva, como ex-
inspetor da Inspetoria de Terras, que incluía o então distrito de Campo Mourão, em seu
relatório de atividade da Inspetoria entre 1940 e 1945, afirma que:
Os trabalhos de medição, demarcação e divisão das glebas coloniais, são
executados tecnicamente e constam:
1º - Levantamento topográfico e altimétrico do perímetro;
- Idem, Idem de todas as águas internas ao perímetro e espigões divisores de
águas;
3º - localização de todas as benfeitorias e moradas de ocupantes já existentes;
- demarcação e divio dos lotes, com divisas, tanto quanto possível, pelos
acidentes físicos e naturais, tais como águas espigões e estradas;
Aos ocupantes localizados, são demarcados lotes, abrangendo suas
benfeitorias e moradias.
167
Ibid.
168
Ibid.
94
Os levantamentos dos espigões, além de servirem de divisas para lotes, são
aproveitados para locação de estradas, principais e vicinais.
169
Afirma ainda o relatório que não foi descuidado o planejamento urbano, bem como da
constituição de uma infra-estrutura para atuação do DGTC:
No lote n. 1, com 630 hectares, foi criada a sede que inicialmente se chamou de
‘Lagoa’, hoje Peabirú, que dista de Campo Mourão 18 quilômetros e que
constitui o patrimônio mais importante da Colônia e escolhido posteriormente
como sede da Inspetoria de Terras e onde o governo do Estado, por intermédio
do Departamento de Terras, Geografia e Colonização, construiu as instalações
próprias para este fim, como sejam: casa da Inspetoria, com residência para
Inspetor, instalação de uma estação rádio-receptora e transmissora, farmácia,
moradia do dico, hotel, garagem, depósito de materiais.
170
Havia na sede da colônia inclusive uma escola, sendo que o DGTC: “anualmente
distribui gratuitamente aos colonos grandes quantidades de sementes de cereais para incentivar a
produção agrícola na colônia.”
171
O planejamento centralizado atingiria, assim, os mais
diferentes aspectos da vida dos colonos. Sendo que a tecnoburocracia tinha os olhos voltados
para uma agricultora “modernizada”, a qual era muito distante da grande maioria da atividade
agrícola então praticada. como ao ponderar sobre a Colônia Goio-Bang, que a topografia é,
em geral, plana permitindo perfeitamente o desenvolvimento agrícola menico.”
172
Seja na forma de máquinas, procedimentos de manejo agrícola ou na forma dos
procedimentos de planejamento medição, demarcação, etc das colônias as tecno-ciências
garantiriam o bem estar coletivo, um mundo melhor para todos. É salutar recordar que, no
imaginário medieval Ocidental, a técnica não era pensada como algo que progrediria”, muito
menos que geraria um desenvolvimento moral geral. Foi o mundo moderno que introduziu tais
crenças, que pelo menos desde a Primeira Guerra Mundial estavam sendo fortemente
questionadas.
173
Mas em um país em processo de industrialização o “imperativo do progresso
deixava menos espaços para criticas.
174
A certeza da positividade da ão, desde que
169
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Inspetoria de Terras. Relatório apresentado ao
Ilmo. Snr. Dr. Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização pelo Eng. Chefe da Divisão de
Colonização, Sady Silva. Ano 1940-1945. Curitiba,[s.d].
170
DEPARTAMENTO de Geografia Terras e Colonização. Relatório apresentado pelo
Departamento de Geografia, Terras e Colonização do Estado do Paraná, referente aos trabalhos de
colonização. Curitiba, 1954. p. 26.
171
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Inspetoria de Terras. Relatório apresentado ao
Ilmo. Snr. Dr. Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização pelo Eng. Chefe da Divisão de
Colonização, Sady Silva. Ano 1940-1945. Curitiba,[s.d].
172
Ibid.
173
LE GOFF, Jacques. História e Meria. 4. ed. Campinas: Ed. da UNICAMP, 1996. p. 264-273
174
É evidente que havia partidários da tecnofobia, mas a tecnofilia, ainda hoje, se mantém hegemônica.
A questão é que ambas as posições compartilham a certeza da ão da técnica. E não reconhecem a incerteza da
técnica. No caso da tecnofilia o se reconhece a técnica como um fator a perpetuar assimetrias sociais ao invés de
gerar um “progresso humano”; não se reconhece que os “efeitos perversos” aquelas conseqüências o previstas
de nossas ações no ambiente – não podem ser suprimidos com mais tecno-ciência. Entretanto, se se reconhecer o fim
das certezas, pode-se perceber a tecno-ciência como contingente, e parte da condição humana contingente. Todavia,
95
tecnicamente orientada”, própria de uma visão de mundo mecanicista, orientava a ação
daqueles homens que tinham fé de poderem construir o “progresso”.
Um dos aspectos autoritários da colonização racional está presente na certeza da ação
técnica. A tecnocracia deveria ter o monopólio das decisões, o sendo influenciada por
interesses, seja da elite, seja dos posseiros que haviam se estabelecidos anteriormente na
região, sendo a grande preocupação a estrita obediência aos critérios técnicos. Como uma ação
que visava garantir a modernização, entendida como um bem em si e para todos, poderia ser
questionada, em especial por aqueles que não detinham o conhecimento perito da tecno-ciência?
No relatório anual do DGTC do exercício de 1947, assinado pelo seu diretor engenheiro
Acrício L. Marques, é descrita a forma como foram estabelecidos os serviços racionais de
colonização das terras devolutas existentes nos municípios de Londrina e Guarapuava”:
Para concretização desse objetivo foram escolhidas as regiões mais adequadas e
organizado previamente um plano em que se fixaram as sedes dos núcleos
coloniais futuros e as extensões das glebas a lotear verificando-se na execução
em campo o critériosico do levantamento dos perímetros externos, espigões e
águas internas a fim de que possível se tornasse o parcelamento em lotes e a
construção de estradas de acesso, gerais e vicinais. [...]
Circunscrevendo as pequenas extensões denominadas chácaras deliberou-se a
projeção de lotes rústicos, cujo limite de área atinge 100 hectares, de
conformidade com a restrição codificada na legislação reguladora da espécie.
Para que as normas adotadas o fugissem aos preceitos técnicos exigidos para
serviços dessa natureza e se consubstanciassem em seguras diretrizes, foram
baixadas instruções tornando obrigatórias:
a) o levantamento topográfico da linha do perímetro;
b) o levantamento topográfico das águas internas;
c) o levantamento altimétrico da gleba;
d) o levantamento topogfico das sedes, com fixação das benfeitorias
existentes;
e) o levantamento topográfico dos principais divisores de águas;
f) a escolha do local para a sede;
temos dificuldade de perceber algo como contingente, pois perceber “algo como contingente significa vê-lo sob uma
perspectiva diferente. [...] A contingência pode assustar porque ela significa também a experiência temporária da
aleatoriedade e da ausência de sentido. [...] A inclusão da técnica na percepção da continncia assusta porque a
revela como produto de escolhas ocasionais, impulsionadas por hábitos culturais, interesses econômicos ou
irracionalidades de qualquer espécie. A interpretação da técnica como algo necessário quer se livrar desta angústia
assegurando a inevitabilidade do seu desenvolvimento. Assim, as leis da história garantem o sentido social da
técnica e do seu desdobramento, também se este for negativo. Os progressistas modernistas encontram aqui chão
firme, como igualmente os catastrofistas e críticos negativos que prognosticam a inevitabilidade e a necessidade da
autodestruição da sociedade moderna através da técnica desenvolvida no seu bojo.” BRÜSEKE, Fraz Josef. A
técnica e os riscos da modernidade. Florianópolis: Editora da UFSC, 2001.
96
g) o projeto de parcelamento em lotes de toda a área;
h) o projeto de estradas gerais e vicinais;
i) o projeto da sede e sua demarcação;
j) a demarcação dos lotes após a aprovação do projeto;
K) o memorial descritivo e justificativo dos trabalhos executados;
Além dos preceitos indicados prevalece para os trabalhos a obediência às
prescrições legais e regulamentares vigentes, não sendo descurada a tarefa da
assistência social consubstanciada na radicação de médicos na sede dos núcleos
coloniais, providas de hospitais, escolas, casas para administração, postos radio-
telegráficos, hotéis, etc.
São também e previamente elaborados planos rodoviários objetivando a
formação de núcleos coloniais [...] estradas troncos, visando o escoamento dos
produtos agrícolas aos mercados de consumos representados pelos centros
populosos mais próximos. (grifo meu)
175
Esta é uma boa descrão do que então se estava entendendo por colonização racional.
Gostaria de ressaltar alguns pontos, correndo o risco de ser excessivo. O autor do relatório do
exercício de 1948 argumenta que, havendo terras adequadas à colonização nos sertões dos
baixos Ivaí e Piquirí e mais ao sul no vale exuberante do rio Paraná, [...] [se faz] necessário que o
plano de colonização iniciado alcance essas regiões”, e assim, atenda “a verdadeira avalanche de
colonos que já se comprimem no norte do Estado.”
176
Este novo plano de colonização deveria
obedecer os princípios instituídos em 1939, apontando o autor 15 pontos, os quais gostaria de
destacar alguns:
1) a manutenção do princípio de autoridade, punindo a apropriação indevida da
terra e a devastação das florestas;
5) sujeição dos colonos ao regulamento da administração (preceitos de higiene,
educação e trabalho);
8) aproveitamento imediato do lote, subordinada a essa condição a expedição do
título definitivo;
11) distribuição de 70% dos lotes a agricultores profissionais e 30% a outros
profissionais;
12) distribuição de 10% dos lotes a colonos estrangeiros disseminados na gleba;
13) fornecimento gratuito de sementes selecionadas e manutenção de campos
agropecuários experimentais;
175
DEPARTAMENTO de Geografia, Terras e Colonização. Relatório 1947 apresentado ao
excelentíssimo sr. Cél. Antenor de Alencar Lima digníssimo Secretário de Viação e Obras Públicas pelo Engº.
Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização. Curitiba,1948.
176
Ibid.
97
14) assistência médica e escolar efetiva e obrigatória;
(grifo meu)
177
Temos aqui claramente esboçados os pontos do projeto autoritário de “sujeição do
colono” visando a modernização não apenas das práticas agrícolas, como na adoção de
“sementes selecionadas”, mas, também, dos homens e mulheres pobres do campo que deveriam
incorporar os “preceitos de higiene, educação e trabalho”, ou melhor os preceitos de educação
para o trabalho, ministrado pelos detentores do conhecimento tecno-científico: médicos,
professores, engenheiros, etc. Apesar de tais princípios não terem sido, em geral, efetivados, eles
apresentam claramente um projeto pautado no imaginário urbano da “tristeza do campo”: do
“homem capaz” mas que precisava ser “ajudado” (tutelado) para transformar o “atraso em
progresso”. Até a sugestão de 10% de lotes para estrangeiros pode ser vista como uma tentativa
de modernização pela “pedagogia do exemplo” dos laboriosos imigrantes. Apesar destes não
eram mais vistos como “raça superior” e agora precisavam ser disseminados na gleba para evitar
a formação do que era chamado de quistos étnicos”, em especial de alemães e italianos, diante
da potica de nacionalização. A pedagogia do exemplo também deveria funcionar nos
campos agropecuários experimentais”, o que iria difundir a agricultura moderna e, dessa forma,
disciplinar homens e mulheres para o trabalho produtivo, produzindo um “homem novo”.
No período democrático, 1946-1964, os planos de colonização continuam a enfatizar a
certeza na tecno-ciência e a no progresso. Não cabe aqui insistir neste ponto por ser
incontroverso. Mas sim, insistir na ênfase dada à pequena propriedade e em tornar a terra
produtiva”. No final do mandato de Bento Munhoz e início do mandato de Moysés Lupion cria-
se um novo plano de colonização racional, o qual era voltado oficialmente para a pequena
propriedade agrícola”. O novo plano foi aprovado em 4 de outubro de 1956,
178
no segundo
mandato de Moisés Lupion, que também estabeleceu, pela Portaria nº 55 de 1957, ao DGTC a
máxima atenção, urgência e preferência, indistintamente, [de] todos os pedidos e requerimentos
de compra relativos a lotes coloniais, isto é, com áreas inferiores a 50 hectares.”
179
Na Mensagem a Assembléia Legislativa de 1960, o governador Moys Lupion
argumenta que os editais que declaram caducos os requerimentos de terras que não fossem
ocupadas e tivessem “aproveitamento da terra” descontentou aqueles que pretendiam “adquirir
terras somente para transações lucrativas, de imediato. E argumenta que:
177
Ibid.
178
COSTA, 1976, op. cit., p. 835.
179
PARANÁ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura
da sessão legislativa ordinária de 1957 pelo Sr. Moysés Lupion governador do Paraná. Curitiba, 1957. O
tamanho de um “lote colonial” pode variar no tempo, no espaço, ou por interesses circunstanciais. Os relatórios do
DGTC tendem a se referir a lotes coloniais como aqueles com até 100 hectares.
98
Como é evidente, todos estes, de posse da ordem de ocupação do lote requerido,
não se empenhavam na exploração do mesmo, e sim tratavam logo de transferi-
lo para terceiros que, por sua vez, quando não faziam nova transferência,
aguardavam a sua valorização, deixando, portanto, de cultivá-lo, em
conseqüência, era grande o prejuízo para a nossa economia.
Todavia, mais tarde, depois de reavaliadas as terras disponíveis pelo Estado, se
verificou, ainda, “lotes considerados vagos” em grande quantidade. Afirmando, Moysés Lupion
segundo a referida Mensagem:
Por essa razão, o primeiro plano foi a publicação de editais com o prazo de seis
meses, em favor de todos os titulares de requerimentos, incursos em caducidade,
para dar-se aos mesmos, através de requerimento, a oportunidade de
revalidarem a suas compras de terras, sem prejuízo das quantias já pagas, com a
obrigação, porém, de no prazo fixado em lei, aproveitá-las nas novas
localizações, e desta vez sob pena de perdê-las definitivamente na forma da
legislação em vigor.
Partimos d para elaborar o novo Plano de Colonização, ao qual vem
obedecendo todos os trabalhos de medição e demarcação das áreas devolutas
ainda existentes no Estado.
De acordo com esse plano, estão se processando, desde o início de nossa gestão,
os trabalhos de colonização em todo o Paraná tendo sido instalados vários
núcleos coloniais, todos divididos em pequenas áreas, facilitando, dessa forma,
a aquisição de lotes por parte do pequeno agricultor.
Continuamos na sadia política de solução racional dos problemas de terras no
Paraná, realizando trabalho administrativo planificado.
180
Aqueles que requereram terra e não a utilizaram e, por isto, tiveram seus requerimentos
cancelados no mandato de Bento Munhoz, poderiam agora ter seus requerimentos desarquivados
e atendidos pelo DGTC. Na retórica oficial fica claro que o que não poderia ser admitido era o
acesso à terra àqueles que não a cultivassem, causando, em conseqüência, grande prejuízo para
a nossa economia” em processo de industrialização.
O Outro do projeto modernizador era o latifúndio improdutivo. Dessa forma, Moys
Lupion organiza a história da alienação das terras devolutas no Paraná em três fases: a primeira,
segundo o governador, foi quando se alienava grandes extensões de terras, verdadeiros Estados
dentro do Estado”, os quais não eram aproveitados, o que se encerrou com a Revolão de 1930;
a segunda fase é mais complexa, é marcada por empresas que, obtendo conceses ou
adquirindo áreas”, as revendem para pequenos agricultores, obtendo lucro mas também
prestando um serviço para” o desenvolvimento do Paraná.
Resultava daí a invejável situação do Paraná com o seu regime de propriedade
dia nas áreas em que a colonização se desenvolveu por esse processo. É claro
180
PARANÁ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura
da sessão legislativa ordinária de 1960 pelo Sr. Moysés Lupion governador do Paraná. Curitiba, 1960.
99
que esse regime ideal de propriedade média não é o fruto de um propósito das
companhias colonizadoras, mas de um complexo de fatores.
181
Alguém como Moysés Lupion, que foi dono de concessões de terras, não poderia deixar
de exaltar o trabalho das colonizadoras privadas. De qualquer forma, o embate era colocado
como sendo entre a “propriedade média”, regime “ideal” de propriedade, e o “latifúndio
improdutivo” e fora do controle estatal, os “Estados dentro do Estado”.
No segundo mandato de Moysés Lupion se percebe, nas falas governamentais, um
deslocamento da questão de terras” no Paraná. A dimensão de desenvolvimento econômico
perde ênfase e a “questão de terras” como um problema social – presente desde o inicio, como na
Constituição então vigente ao estabelecer que para o aproveitamento de terras devolutas serão
preferidos os “habitantes das zonas empobrecidas, e os desempregados” ganha ênfase. Talvez
tenha sido a Revolta dos Posseiros de Sudoeste, em 1957, um grande evento midiático a marcar,
no nível estadual, uma tendência nacional de ampliação da variável social na questão agrária.
Nota-se isto quando Moys Lupion argumenta:
Com esse trabalho de equipe, vimos concretizando nossa velha aspiração de
contribuir, de modo objetivo, para a solução dos problemas sociais do Estado,
prestando nossos serviços à colonização paranaense, inegavelmente, uma das
que se fazem com mais ordem e tranqüilidade, de quantos movimentos similares
foram até agora realizados. (grifo meu)
182
No mandato de Ney Braga a questão da terra como uma questão social se radicaliza,
mas após o Golpe Militar de 1964 a retórica se alinha com o Governo Federal e a questão da
terra passa a ser enfocada como uma questão principalmente técnica. Em sua Mensagem de 1962
o governador Ney Braga afirma que o Governo está consciente da existência do problema social
na área rural. Através da tese de desapropriação por interesse social, [...] colaboração do Estado à
reforma agrária brasileira.”
183
Com graves problemas de conflitos por terra no campo, mas com
as terras devolutas praticamente esgotadas, o Governo Estadual, em tempos em que se discutia as
Reformas de Base, e entre elas a agrária, apelava para a desapropriação como recurso para
solucionar conflitos, efetuando uma “recolonização” de áreas anteriormente colonizadas, mas
que apresentavam além dos conflitos por terra, também baixo desenvolvimento econômico.
184
181
PARANÁ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura
da sessão legislativa ordinária de 1958 pelo Senhor Moysés Lupion governador do Paraná. Curitiba, 1958. p.
109-110.
182
PARANÁ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura
da sessão legislativa ordinária de 1960 pelo Sr. Moysés Lupion governador do Paraná. Curitiba, 1960. p. 121.
183
PARANÁ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativas do Estado por ocasião da
abertura da sessão ordinária da legislatura pelo Sr. Ney Aminthas de. Barros Braga governador do
Estado. Curitiba, 1962. p. 80-1.
184
“Atras do D.G.T.C. e da Fundação Paranaense de Imigração e Colonização, o Paraná elaborou um
Plano de Colonização e Recolonização, entregue ao B.N.D.E. para ser encaminhado ao Banco Interamericano de
Desenvolvimento visando a obtenção de financiamento na monta de 17 milhões de dólares.” (Ibid.).
100
A produção de alimentos para sustentar o processo de industrialização ainda era algo
premente. Afirma Ney Braga: que com o plano ‘Alimentos para o Brasil’ elaborado pela
Secretaria da Agricultura já no início da atual gestão [...] se procura conduzir a potica agrária de
acordo com os interesses do desenvolvimento econômico.
185
Pesquisa agropecuária, extensão
rural, melhoramento do rebanho, medidas fito-sanitárias, tudo isto iria “racionalizando a
produção agrícola”,
186
ou seja, a questão era cada vez mais vista como um problema
tecnológico. Ou melhor, um problema de mudar a base técnica da agricultura e não a estrutura
fundiária. Instalava-se a “revolução verde”. Na Mensagem de 1965, Ney Braga argumenta que o
problema da posse da terra”, com o fato de muitos ainda não terem um título de propriedade,
era um obstáculo para se tomar empréstimos, o principal instrumento governamental para a
instalação da “revolução verde”:
A solução dos problemas ligados à posse das terras, principalmente nas regiões
de colonização recente, do Sudoeste e do Oeste do Estado, é uma das formas de
fomentar a produção agrícola. A instabilidade constante que caracteriza as terras
em litígio desestimulam os investimentos e impedem a obtenção de maior
produtividade, além de prejudicar a regularidade da produção.
187
Na mesma mensagem Ney Braga defende uma determinada memória a respeito do
processo de colonização dirigida ocorrido no Paraná no século XX:
O Paraná em muitos aspectos antecipou-se a reforma agrária resolvendo
velhos conflitos de terras e assegurando a posse pacifica a milhares de
agricultores. As frentes pioneiras, entretanto, deixaram na sua retaguarda ainda
vastas extensões ainda subdesenvolvidas que agora com novos instrumentos
legais, de âmbito nacional, podem possibilitar mais amplitude a reforma
proprietarista [sic] que vinha sendo seguida pelo atual governo. (grifo meu)
188
Esta interpretação, de que o processo de colonizão dirigida correspondeu a uma
reforma agrária, a qual gerou a democratização do acesso à terra, foi aceita em alguns trabalhos
acadêmicos, em especial, em uma outra versão na qual atribuía a democratização da terra à
eficaz ação das companhias colonizadoras privadas, o que teria sido, portanto, uma reforma
agrária em moldes liberais.
189
Nas décadas de 1980 e 1990 grandes proprietários
instrumentalizam tal tese como argumento para afirmar que no Paraná não havia “problemas
185
PARANÁ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura
da sessão da legislatura pelo Sr. Ney Arminthas de Barros Braga governador do Estado. Curitiba, 1964.
p. XXVI.
186
Ibid., p. XXVII
187
PARANÁ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura
da sessão ordinária da legislatura pelo Sr. Ney A. de B. Braga governador do Estado. Curitiba, 1965. p.
25.
188
Ibid., p. 112
189
Para uma crítica da produção de tal imaginário, ver: GONÇALVES, José Henrique Rollo. O espaço
regional como ideologia: anotações sobre algumas coreografias políticas do norte do Paraná. Cadernos de METEP,
Suplemento História, Maringá, v. 6, n. 5, supl. 1, p. 1-40, 1994; GONÇALVES, 1996. op. cit.
101
com terras”, pois o acesso à terra foi democratizado no momento da colonização moderna. A
midiatização da ação do Movimento dos Sem Terras, que, aliás, foi fundado no Paraná em 1984,
ajudou a infirmar tal tese/memória.
Dessa forma, a estratégia da colonização racional se insere em um projeto
190
modernizador do campo, a partir do qual se elabora uma dada memória em consonância com
uma dada percepção sobre a questão então colocada, se elabora um futuro desejado e, até
mesmo, uma forma como pretendia que suas ações fossem lembradas.
2.3.2 – Colonização espontânea: o devastador a ser transformado no trabalhador
Argumentei que o Outro da colonização racional era o latifúndio improdutivo. Mas,
havia um outro modelo do que o campo moderno não deveria ser e que nesta pesquisa é central.
Trata-se dos homens e mulheres pobres do campo que buscam “fazer uma posse”, ou melhor, tal
como citam os relatórios, trata-se do intruso. O intruso é uma representação construída buscando
deslegitimar o agente da colonização espontânea. Ou seja, são aqueles que se embrenham no
sertão sem o controle estatal, o oposto da colonização racional. O intruso é o posseiro, e é
possível fazer posse quando a terra passou a ser “cativa”. O significado de fazer uma posse antes
da Lei de Terras de 1850 era bastante diverso, pois as normas e práticas que regulavam o acesso
à terra eram outras.
191
O intruso é o sertanejo, são os homens e mulheres pobres nacionais, que
viviam um modo de vida caipira/sertanejo e teimavam em não se subordinar à disciplina do
trabalho. O intruso é o caboclo, aqueles que estão embrenhados no sertão adiante da fronteira
agrícola. Sendo que o caboclo é uma categoria racializante, como explica Wachowicz, pois para
ser considerado caboclo o indivíduo “precisava ter sido apenas criado no sertão, ter bitos e
comportamentos de sertanejo. [...] Porém o caboclo não podia ter pele clara, a ele se atribuía uma
cor mais ou menos escura.”
192
Intruso pode ser, também, o colonocaboclizado”. Colono,
entendido como o lavrador descendente de europeus vindos nas grandes imigrações do século
XIX, ou simplesmente brancos, é uma representação, neste contexto especifico, positivada e
sinônimo de “pioneiro”, aquele que vem com a fronteira agrícola trazendo a civilização. Ocorre
que, no período abordado, muitos descendentes de imigrantes europeus já haviam se
190
Sobre o conceito de projeto ver: VELHO, Gilberto. Projeto e Metamorfose: Antropologia das
Sociedades Complexas. 3. ed. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. p. 40-41.
191
Entre 1822, quando deixou de estar em vigência o regime de sesmarias, e 1850, não havia lei que
regulasse o acesso a terras, a posse era para todos a única norma. Como poderíamos falar em “posseiro” em uma
época em que “todos” eram posseiros?
192
WACHOWICZ, 1988, op. cit., p. 179.
102
caboclizadoe estavam do lado de da fronteira agrícola, adotando técnicas e práticas dos
caboclos. Tanto o sertanejo nacional, como o colono de origem euroia, acabavam por adotar a
estratégia da posse, para horror dos intelectuais influenciados pelas idéias racistas do final do
XIX. Tal horror dos intelectuais se deu ao ver que o imigrante italiano ou aleo se
caboclizou”, ou seja, mostrando que a sua condição de vida era fruto das condições cio-
culturais e não raciais, portanto, residia “nas instituições, e não na raça, a origem das misérias
nacionais.”
193
Aliás, segundo Seyferth, nas “colônias européiasdo Sul do Brasil, no século XIX
e no inicio do século XX, os colonos, imigrantes e descendentes de europeus, eram chamados de
“intrusos” quando ocupavam ilegalmente terras nas próprias colônias, buscando reproduzir sua
condição camponesa diante da pequena extensão e degradação dos lotes coloniais e do aumento
da população em uma situação fundiária nada tranqüila, marcada muitas vezes, pela demarcação
imprecisa, pela dificuldade de ter acesso ao título de propriedade e ao abandono dos lotes.
194
Intruso poderia ser, ainda, um preposto de alguém rico o suficiente para buscar açambarcar
terras. Representação formada na convergência de todos estes homens e mulheres pobres do
campo, o intruso é, para o Governo, o devastador e o destruidor das terras e florestas a ser
controlado pela ação racionalizadora do Estado.
É justamente o intruso que marca a terceira fase da história da alienação de terras
devolutas no Paraná para Moysés Lupion. A grande presença de tal figura e o conflito entre estes
e os detentores dos títulos de donio marcariam uma nova fase na história da alienação de terra
no Estado, conflito que, segundo o governador, seria solucionado basicamente por acordos. Na
Mensagem para Assembléia Legislativa, de 1958, o governador passa a explicar os graves
acontecimentos da Revolta dos Posseiros do Sudoeste no ano de 1957 como fruto da ação
manipuladora da oposição.
195
Infelizmente, como já argumentei, não era apenas o governador
que afirmava serem os homens e mulheres pobres do campo passivos. O que implica que toda
ação de protesto deve ser fruto de uma ação externa que os manipula. Seguindo essa tradição de
pensamento, os intrusos, como homens e mulheres pobres do campo, aparecem na documentação
como devastadores de terras e florestas por uma inveterada tradição, na qual eles “passivamente”
se mantinham, e da qual cabia ao Estado arrancá-los.
193
LINHARES; SILVA, 1999, op. cit., p. 87.
194
“São quatro as situações mais comuns de apropriação ilegal dos lotes coloniais: a) invasão simples,
isto é, uma família ocupa uma área vazia, demarcada ou não, sem autorização das autoridades competentes: b)
invasão acordada com o ocupante legal, possuidor de título provisório, que deseja se retirar sem o conhecimento das
autoridades; c) invasão de um lote abandonado por outro concessionário; d) colonos estabelecidos ou não em um
lote, mas que usam, aleatoriamente, outras áreas para plantar ou retirar madeira denominados intrusos
ambulantes.SEYFERTH, Giralda. Imigração, colonização e estrutura agrária. In: WOORTMANN, Ellen F. (Org.).
Significados da terra. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004. p. 69-150. p. 126.
103
Dessa forma, os intrusos estavam no centro da ação, dos objetivos da colonização
racional. Eles deveriam ser controlados e incorporados à nova ordem produtiva. O relatório do
DGTC, datado de 1954, afirma que, ao efetuar os serviços de colonização da Colônia Içara, a
primeira a ser efetuada dentro do novo projeto de colonização de 1939, o trabalho visava dar
cumprimento ao Decreto Estadual nº 8.564, de 17.05.1939, e cumprir os preceitos técnicos da
colonização racional, visando ainda:
3º) Ordenar a ação de intrusos e ocupantes de terras.
4º) Limitar essa ação tendo em vista evitar o desbravamento das terras, pelos
chamados intrusos e invasores [...] a pretexto de seu aproveitamento da
inestimável riqueza constituídas pelas reservas florestais.
5º) Localizar esses intrusos e invasores em lotes medidos e demarcados a fim
de que sejam os mesmos circunscritos em sua ação que, desmedida e
desordenada, passa a ser limitada, e traz, em conseqüência de resguardo,
extensíssimas de terras que, além de pouco produzirem, estavam sujeitas à ação
devastadora dos mesmos, e estimular-lhe o amor ao solo e à aquisição de
título definitivo de domínio.
196
A questão levantada pelo objetivo 4, da relação entre a colonização racional e as
florestas, será abordada no terceiro capítulo.
Os objetivos da instalação da colônia Içara, que aparecem neste relatório, podem ser
resumidos em: conter a ação do intruso (objetivo 3,4,5) e submetê-lo a uma ordem produtiva
moderna. A ação do Estado moderno é por excelência ordenar e demarcar, no caso, os lavradores
espalhados pelo sertão. Os quais não deixavam de estar integrados ao sistema-mundo capitalista,
mesmo estando muito longe do controle estatal e do novo modelo de regulação da desejada
sociedade industrial, uma sociedade fordista. O que implicava uma forma de produção mais
centralmente ordenada, ou seja, implicava em homens e mulheres do campo que tivessem o
trabalho como um valor central em suas vidas, que fossem consumidores de produtos produzidos
em massa; e que não tivessem a vida pouco produtivista de um caboclo entregue à caça e se
deslocando com sua agricultura de coivara. Buscava-se limitar os “nacionais aí espalhados” em
um lugar específico que pudesse ser precisamente identificado e registrado, isto é, a um lote rural
registrado em cartório, vinculando cada indivíduo a um sistema e a um local específico no qual
pudesse ser encontrado e responsabilizado individualmente. Mas, mais que uma coação externa,
pretendia-se uma coação interna. Buscava-se mudar os seus valores, criando um “amor ao solo
e ao trabalho.
195
PARANÁ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura
da sessão legislativa ordinária de 1958 pelo Senhor Moysés Lupion governador do Paraná. Curitiba, 1958.
104
É importante notar que, ainda hoje, é possível encontrar afirmações na imprensa e no
debate potico que procuram explicar o fracasso de processos de assentamento rural promovidos
pelos programas de reforma agrária em virtude do “amor à aventura”, por parte dos homens e
mulheres pobres do campo. Nestes faltando o devido “amor à terra”, que não faltaria para
aqueles que compram a terra sem a intervenção do Governo, com o “suor do seu rosto”. Tais
afirmações ignoram olimpicamente as condições de vida, valores e inspirações dos assentados da
reforma agrária.
197
Nos relatórios aqui abordados a colonização espontânea era o caos a ser evitado e a
colonização racional era a ordem. Ou, ainda, a colonização espontânea era apresentada como o
resultado da falta de controle. O relatório do DGTC, do exercício de 1947, afirma que as
qualidades bio-químicas das terras roxas” atrram milhares de pessoas para o Norte do Paraná.
Foi então elaborado o plano da colonização, todavia, segundo o relatório, por vários fatores,
como a falta de pessoal, a Grande Guerra, etc, não foi possível atender a todos.
Verificou-se, eno, o que não estava previsto, a intrusão, bons e maus
elementos atraídos, os primeiros pela fama de fertilidade das terras roxas
paranaenses e, os segundos pelas facilidades dos negócios, deixaram os rincões
de origem em São Paulo e Minas Gerais e vieram juntamente com muitos
aventureiros, apossar abruptamente [sic.] das melhores terras devolutas do
Estado, assentando benfeitorias provisórias e desordenadamente, as mais das
vezes [sic.] em terras já tituladas e comprometidas.
[...]...contrariando o artigo 34 do Regulamento de Terras e aprovado pelo
Decreto n. 1A de 8 de abril de 1893 que proibiu a invasão das terras públicas,
originou providências de todas as ordens para que ampliada fosse a fiscalização,
com policiamento enérgico, cerceador de novos intrusos.
Infelizmente não obstante as medidas tomadas, já em face das grandes
extensões de áreas a fiscalizar, por efeito da incerteza e da multiplicidade de
diretrizes de administração que se sucederam em curtos e sucessivos interregnos
interventoriais.
A intrusão encontrou o auge em que veio encontrar [ o ][...] governo, quando a
estatística identificou aproximadamente duas mil famílias localizadas em
terras do Estado, das quais muitas transferidas por títulos de domínio a
terceiros e outras oneradas por compromissos que a administração assumiu.
(grifo meu)
198
Apesar da afirmação das terras ocupadas pelos posseiros já serem tituladas, muitas
vezes terras devolutas com posseiros eram tituladas desrespeitando o direito de preferência dos
196
DEPARTAMENTO de Geografia Terras e Colonização. Relatório apresentado pelo
Departamento de Geografia, Terras e Colonização do Estado do Paraná, referente aos trabalhos de
colonização. Curitiba, 1954. p. 9-10.
197
GONÇALVES, 1999, op. cit., p. 87-121. p. 109. DIAS; CASTRO, 1986, op. cit.
198
DEPARTAMENTO de Geografia, Terras e Colonização. Relatório 1947 apresentado ao
excelentíssimo sr. Cél. Antenor de Alencar Lima digníssimo Secretário de Viação e Obras Públicas pelo Engº.
Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização. Curitiba,1948.
105
posseiros. Ademais, a ação do Estado vai a reboque os intrusos. Afinal, o plano de colonização
de 1939 já objetivava conter a ação do intruso. A ação efetiva do Estado pode ser interpretada,
em parte, como uma reação à ação dos intrusos:
Visando aproveitar de maneira racional as reservas de matas ainda existentes
nas terras devolutas do oeste e ao mesmo tempo, conter a ‘excessiva expansão e
conseqüente isolamento das famílias de agricultores nacionais cuja tendência é a
exploração de grandes áreas de mata virgem(portaria n. 161 de 19 de maio de
1947) resolveu o governo do estado em 1939 iniciar os serviços de colonização
em terras devolutas situadas nos então municípios de Guarapuava e Londrina.
(grifo meu)
199
No relatório do DGTC, do exercício de 1947, são apresentadas algumas possíveis
soluções para o problema” dos intrusos:
1ª - Redução por decreto da área reservada como floresta protetora na região
noroeste do Estado, para obtenção de uma gleba com exteno de 50.000
hectares que seria destinada a localização de 2.000 famílias de intrusos, em lotes
de 25 hectares para cada um.
2ª Abertura de crédito [...]
Elaboração de uma lei que faculte aos intrusos ocupantes o pagamento dos
lotes adquiridos pelo sistema de prestações anuais no prazo máximo de 10
anos, ficando o lote e as respectivas benfeitorias como garantias do Estado.
Atualizadas estas medidas, o Estado estabeleceria um sistema racional de
colonização para aqueles ocupantes nacionais, custando-lhes o transporte das
famílias e das bagagens e ferramentas para o novo local, provendo-lhes o
fornecimento de mantimento para o primeiro ano e quiçá o fornecimento de
sementes, despesas essas que seriam computadas no valor total dos lotes, com
moradia, a ser pago em prestações, suavemente, as a primeira colheita.
200
A grande parte dos intrusos não possuía condições de pagar os lotes, mesmo estes sendo
baratos. Dessa forma, os burocratas pensavam ser necessária a ampliação dos prazos de
pagamento para que as prestações se tornassem “suaves”, e pretendiam submeter o intruso a todo
um conjunto de ões do Estado que iriam ensiná-lo a ter “amor ao solo”, ou melhor dizendo, a
ser um bom trabalhador.
No relatório do DGTC de 1954 há uma avaliação da venda de terras devolutas
apontando alguns problemas e sugerindo soluções. É afirmado no relatório que a exigência de
cultura efetiva e morada habitual como requisito para obter o título definitivo de propriedade é
prejudicial ao Estado, pois estimula e favorece a invasão das terras públicas, determinando
como conseqüência inevitável e imediata a sua devastação impiedosa, com a derrubada das
199
BERNARDES, 1953, op. cit., p. 18.
200
DEPARTAMENTO de Geografia, Terras e Colonização. Relatório 1947 apresentado ao
excelentíssimo sr. Cél. Antenor de Alencar Lima digníssimo Secretário de Viação e Obras Públicas pelo Engº.
Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização. Curitiba,1948.
106
matas que as cobrem, atividade criminosa que é acobertada e incentivada pelo preceito legal que
regula a adjudicação de terras”
201
Tal sugestão favoreceria a especulação por terras e iria de
encontro ao imperativo de fazer toda a terra produzir. Mas o texto é exemplar da forma como
eram representados os intrusos e os “males ocasionados pela colonização espontânea”. O que
segue nos seguintes termos:
Além disso, a localização esponnea dos ocupantes de terras de domínio, do
Estado favorecidos nesse propósito pela simples circunstância de se considerar,
muitas vezes, o rotineiro preparo para futuras atividades agrícolas como cultura
efetiva e um tosco rancho de cater provisório tido como requisito essencial de
morada habitual, se processa de maneira desordenada com o objetivo de
dilatação e expansão sempre crescente da posse originária, com a conseqüente
devastação, escolha das melhores terras, serventia de águas e outras servidões
de utilidade prática, além de conformões perimétricas irregulares, como
resultante das razões apontadas, quando da execução dos serviços de medição e
demarcação que são levados a efeitos mediante requerimento das partes
interessadas.
O resultado de tal norma, como é fácil prever-se, é contrio aos interesses do
Estado, pois facilita a devastação de suas melhores terras e o abandono das
julgadas imprestáveis, cuja alteração por essa razão, se torna difícil pela falta de
procura.[...]
Quem, como V. Excia., conhece os benefícios que advirão para o Estado na
adjudicação de tratos de terra de seu domínio previamente medidos e
demarcados em conjunto de grandes glebas, não só quanto ao aproveitamento
integral e racional das terras, como também, na coletânea de elementos
topográficos valiosos para aceleração do cadastro territorial do Estado, não
poderá deixar de reconhecer as reais vantagens que oferece esse sistema de
alienação que, além do mais, irá se constituir em anteparo à desmedida
ambição de nosso sertanejo da dilatação de suas ocupações clandestinas, bem
como, evitar a devastação criminosa da vegetação exuberante que reveste o
território ubérrimo de nosso Estado.
202
O posseiro, ao ser representado com um intruso, é colocado na posição de Outro,
daquele que não produz e apenas devasta a floresta. Sua prática de fazer posses era um mal a ser
evitado a fim de possibilitar a racionalização da atividade produtiva.
É importante notar que a implantação da planificação das atividades, consubstanciada
neste caso pela colonização dirigida, implantada tão recentemente, é que tornou inaceitável a
colonização espontânea. Colonização espontânea que era incentivada pelo Estado até poucos
anos antes,
203
que deixava espaços não controlados e era ineficaz no total aproveitamento da
terra. Odah Costa sintetiza muito bem os problemas da colonização espontânea na perspectiva da
tecnoburocracia:
201
DEPARTAMENTO de Geografia Terras e Colonização. Relatório apresentado pelo
Departamento de Geografia, Terras e Colonização do Estado do Paraná, referente aos trabalhos de
colonização. Curitiba, 1954. p. 72-73.
202
Ibid., p. 71-73.
107
A localização espontânea dos ocupantes de terras públicas, mediante o
estabelecimento de atividade agrícola incipiente e de morada rústica, implicava
na ocupação desordenada e crescente ampliação da área ocupada, numa
conseqüente devastação sistemática, seleção das melhores terras, utilização das
águas e de outras servidões, ocorrendo, inclusive, problemas no que se refere ao
traçado perimétrico. Este sistema era totalmente contrário aos interesses do
Estado, pois facilitava a devastação das melhores terras e o abandono das
outras, depreciadas e desvalorizadas!
204
2.3.3 Colonização Racional: conflitos e violência
Alguns dados do DGTC são suficientes para indicar as limitações de sua atuação na
gestão de terra em Campo Mourão. No relatório dos exercícios de 1931 a 1933, da Secretaria de
Negócios de Finanças e Obras blicas, já se argumentava que racional seria a fundação de
colônias com estradas, caminhos, localizadas em terras férteis saudáveis, dispondo de boas
águas, divididos em lotes proficientes, escolhidos e demarcados, constituindo núcleos de
população dirigidos e assistidos pelo governo
205
, mas que a modesta organização do então
Departamento de Terras não permitia um plano mais vasto e avançado”.
206
O relatório de 1940,
sobre as atividades de 1938 e 1939, afirma que, de acordo com o Decreto Estadual 8.716, de
14 de junho de 1939, o quadro de funcionários do óro contava com 18 funcionários para atuar
em todo Estado do Paraná, contanto com os sete inspetores de terras, os quais, então, não
contavam com um quadro de pessoal próprio. A 5ª Inspetoria de Terras abrangia o município de
Guarapuava e Foz do Iguaçu, o que na época significava se estender de Guarapuava até Guaíra e
Foz do Iguaçu. O Engenheiro Diretor Antonio Batista Ribas reclamava da falta de pessoal e
afirmava que, devido a isto e à falta de meios de transportes, as novas Inspetorias iriam
começar a render frutos” em dois ou três anos, e que o cadastro de terras previsto no
regulamento de terras do Estado do Paraná, do início da república, ainda não havia sido
realizado. No ano de 1939 foram realizados 109 autos de medição de terras em todo o Estado do
Paraná, isto uma iia do quanto era difícil acessar os serviços do DT/DTC/DGTC e
conseguir a compra de um título de terras.
207
203
BERNARDES, 1953. p. 42.
204
COSTA, 1976, op. cit., p. 821.
205
PARANÁ, Secretaria de Viação e Obras Públicas. Departamento de Geografia, Terras e
Colonização. Relatório apresentado ao Excelentíssimo Senhor Manoel Ribas d. interventor federal no Estado
do Paraná, pelo Secretário dos Negócios da Fazenda e Obras blicas, Rivadavia de Macedo. Exercícios de
1931, 1932 e 2º semestre de 1933. Curitiba, 1933. p. 313.
206
Ibid., p. 313.
207
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Relatório dos serviços executados pelo
Departamento de Terras e Colonização dos anos de 1938 e 1939 apresentado ao Exmo. Snr. Dr. A . F. Lopes
m. d. Secretário de Estado dos Negócios de Obras Públicas, Viação e Agricultura. Curitiba, 1940.
108
A crença em uma organização burocrática, impessoal e centralizada dos engenheiros do
DGTC aparece como um caminho para solucionar os problemas enfrentados, como neste
comentário sobre a nova organização do DTC, com a introdução das Inspetorias de Terras:
Confiamos que com a nova organização desse departamento [...] a execução dos
trabalhos sobre a égide de um principio técnico racional é um critério absoluto,
como também, a impossibilidade de serem lesadas as partes interessadas com o
pagamento de serviços de medição e demarcação que não eram executados, de
valores de terras e prestações que comissários de terras e auxiliares destes,
inescrupulosos e agindo de má fé, desviaram em beneficio próprio deixando de
dar-lhe, o destino conveniente, como aconteceu em Guarapuava, onde uma
infinidade de adquirentes de terras foram prejudicados em somas vultosas que
se destinavam aquele fim, com a agravante de terem ficado com suas situações
por legalizar, em virtude de terem incorridos em caducidade os despachos dos
respectivos pedidos, sem que, a agora, se tivesse normalizado essa situação.
208
No relatório das atividades da 5ª Inspetoria de Terras, dos anos de 1940 a 1945, o seu
ex-Inspetor Sady Silva, mais detalhes sobre este episódio.
A parte de terras que ainda depende de medição e requerida em tratos isolados
está situada no distrito e município de Pitanga. [...] Na zona de Pitanga [na
época Campo Mourão fazia parte do município de Pitanga] houve uma grande
irregularidade nos trabalhos de medição a titulo de compra, como é do
conhecimento de V.S., ocasionada por alguns ex-comissários de terras, e seus
auxiliares, que fizeram infinidades de medições sem escrúpulo técnico e o
deram entrada dos necessários processos no D.G.T.C., embora tivessem cobrado
os valores das medições, das respectivas partes, e até mesmo prestações de
terras. [...] Esse assunto, que foi motivo de inquérito policial sem circunstancial
e com provas irrefutáveis, o foi julgado com severidade e justiça no
juizado da comarca de Guarapuava, para se pronunciar os culpados. [...] Assim
mais de 200 interessados foram prejudicados com as medições que
mandaram efetuar pelos ex-comissários referidos e a inspetoria ficou com esse
trabalho para medir novamente essas terras.
209
Um episódio semelhante acontecido na rego é narrado no então Comissariado de
Terras de Guarapuava, e consta no relatório de Othon Mäder referente aos anos de 1931 a 1933,
no qual este afirma que o ex-Comissário Romualdo Baraúna, exonerado com o advento da
Revolução de 1930, efetuou os “trabalhos técnicos de mato”, cobrando das partes interessadas as
custas da medição, todavia deixou atrasados os memoriais, desenhos e autos. Como o
Comissário foi exonerado estes processos ficaram parados. Os documentos dos processos foram
apreendidos pela pocia, e foram interditados os bens do comissário, sendo que, apenas em
208
Ibid.
209
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Inspetoria de Terras. Relatório apresentado ao
Ilmo. Snr. Dr. Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização pelo Eng. Chefe da Divisão de
Colonização, Sady Silva. Ano 1940-1945. Curitiba,[s.d]. p. 19-20.
109
1933, conseguiu-se um acordo que finalizou “uma irritante questão que tantos dissabores e
apreensões vinha causando à população sertaneja de Guarapuava.”
210
A corrupção, a falta de recursos contrastavam fortemente com o projeto racionalizador.
Quando pelo pelo Decreto nº 8.564 de 17 de maio de 1939” o Governo do estado atendeu ao
apelo do DTC “no sentido de se estender aos municípios de Londrina e Guarapuava, os
benefícios da colonização oficial”, foi ordenado aos comissários de terras que providenciassem
os trabalhos técnicos de demarcar as áreas e escolhessem as sedes e tudo mais “a-fim-de [sic.]
que a colonização objetivada seja feita de maneira racional e compensadora.Em Londrina o
comissário planejou e instalou a colônia Içara, “em terras constitutivas da ex-concessão A. Alves
de Almeida”, nas quais os trabalhos transcorreram a contento do DTC.
211
O mesmo não se deu
em Guarapuava:
Devemos notar que o trabalho executado por aquele funcionário [Inspetor de
Londrina] corresponde às exigências técnicas para serviços daquela natureza,
satisfazendo as instruções emanadas deste Departamento, o mesmo o
acontecendo em relação aos serviços de organização, medição e demarcação da
gleba Campo Mourão, situada no município de Guarapuava, a cargo do Engº
Civil Dr. Ernesto Wilhelm, que na ocasião, exercia as funções de Comissário de
Terras com jurisdição naquela região, os quais não puderam ser aceitos dada,
não só a imprecio de que se revestiam, como também, à falta de critério que
presidiu a sua execução, em completo desacordo com as instruções expedidas e
abarcando dos mais comezinhos princípios regulados pela técnica, quer no
sistema de parcelamento e divisão da gleba, levantamento de seu perímetro e
águas internas, frutos de mera fantasia, quer ainda, pelo instrumento adotado
que consistiu em uma simples bússola para a execução e quase todo o serviço.
212
Dessa forma, a primeira tentativa de estabelecer a colonização racional em Campo
Mourão fracassou.
O relatório da 5ª Inspetoria também tratava sobre a situação dos “interessados sertanejos
que se vão embrenhando desordenadamente pelos sertões afora, [que] requeriam antes do Plano
de Colonização traçado pelo D.G.T.C., áreas de terras devolutas em lugares esparsos e [que] ali
se localizaram, fazendo suas posses e construindo benfeitorias.”
213
Afirma também que a “maior
parte apenas requeria as terras para justificar a intrusão nas mesmas, mas nunca trataram de
210
PARANÁ, Secretaria de Viação e Obras Públicas. Departamento de Geografia, Terras e
Colonização. Relatório apresentado ao Excelentíssimo Senhor Manoel Ribas d. interventor federal no Estado
do Paraná, pelo Secretário dos Negócios da Fazenda e Obras blicas, Rivadavia de Macedo. Exercícios de
1931, 1932 e 2º semestre de 1933. Curitiba, 1933. p. 317-318.
211
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Relatório dos serviços executados pelo
Departamento de Terras e Colonização dos anos de 1938 e 1939 apresentado ao Exmo. Snr. Dr. A . F. Lopes
m. d. Secretário de Estado dos Negócios de Obras Públicas, Viação e Agricultura. Curitiba, 1940.
212
Ibid.
213
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Inspetoria de Terras. Relatório apresentado ao
Ilmo. Snr. Dr. Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização pelo Eng. Chefe da Divisão de
Colonização, Sady Silva. Ano 1940-1945. Curitiba,[s.d]. p. 19.
110
legalizar as suas situações nas terras públicas”
214
e que a pequena parte que desejava adquirir
seu titulo de propriedade, procurava o D.G.T.C., para legalizar a terra ocupada. Esses mediram
as terras e obtiveram os seus títulos de propriedade.”
215
Por isto, com “o plano de colonização a
Inspetoria foi opinado pelo arquivamento das petições de compra que se achavam paradas e
cujas terras foram abrangidas pelas colônias criadas.”
216
O ideal, para o projeto de colonização racional, era que o sertão desabitadofosse
preenchido pela concretização de traços e marcos planejados em escritórios e concretizados em
estradas e marcos divisórios, excluindo aqueles que entraram com pedidos mas não conseguiram
recursos para terminar o processo de compra de terra. E mesmo os requerimentos que não foram
arquivados e ficaram pendentes na Inspetoria, dos processos que ainda da época do
Comissariado foram cobrados e não executados, ainda não haviam sido regularizados porque a
prioridade era dada a colonização racional.
217
Isto ocorrou concomitantemente, segundo o
relatório do exercício de 1940 do DTC, ao fato do referido departamento não poder contar com
uma dotação que lhes assegurasse a possibilidade de poder desenvolver o plano traçado, de uma
colonização oficial intensa e produtiva, calcada nos moldes ditados pela técnica e experiência do
assunto”.
218
Dessa forma, procurava-se impedir uma colonização espontânea sem criar
condições para realização de uma colonização racional.
No relatório da Inspetoria de Terra, outro problema apresentado eram as estradas. Na
Colônia Cantu, apesar de terem sido instaladas três glebas com uma área total de 37.046
hectares e 361 lotes, não havia sido construídas estradas por falta de pessoal. Problema
semelhante enfrentava a Colônia Goio-Bang, na qual a falta era de estradas vicinais que
permitissem acesso aos lotes e escoamento da produção.
219
No relatório do DGTC, datado de 1948, afirma-se que o órgão contava com 79
funciorios, sendo que a Inspetoria de Terras contava apenas com 17 funcionários.
220
O
diretor reclama fortemente da falta de pessoal especializado, principalmente cartógrafos, os quais
eram atraídos para a iniciativa particular devido aos baixos salários do setor público. Reclama,
também, da falta de veículos, os quais estariam muito velhos e obstaculizavam o trabalho nas
214
Ibid., p. 19.
215
Ibid., p. 19.
216
Ibid., p. 19.
217
Ibid.
218
PARANÁ. (Estado). Relatório dos serviços executados p/Dep. De Terras e Coloniz. durante o ano
de 1940... f. 71. apud COSTA, 1976, op. cit., p. 828.
219
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Inspetoria de Terras. Relatório apresentado ao
Ilmo. Snr. Dr. Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização pelo Eng. Chefe da Divisão de
Colonização, Sady Silva. Ano 1940-1945. Curitiba, [s.d].
111
Inspetorias. Reclama principalmente das dotações orçamentárias no primeiro ano de mandato de
Moysés Lupion, 1947, que “calculadas para Cr$ 10.630.000,00 sofreram de início uma redução
para Cr$ 3.465.899,00 prejudicando um programa de labor previamente traçado e exigindo
suplementação que somente se verificou em Junho”. Aponta, ainda, como fator limitante da
atividade do DGTC, a “invasão abrupta de intrusos em terras do norte e noroeste paranaense.
221
Dessa forma, naquele ano, a movimentação de processos foi de: Processos de medição
recebidos 135; Título de domínio definitivo expedidos por vendas de terras 83; Títulos de terras
de concessão para colonização 15; Títulos de lotes coloniais 147”. Sendo transferida para
terceiros uma área de 90.102,5 hectares; por venda: 86.482,8 hectares; por legitimação 2.082,2
hectares; por revalidação 30,2 hectares; por concessão 1.507,4 hectares.
222
Entretanto, havia uma grande demanda por terras, sendo feita a primeira suspensão de
venda de terras para avaliação da disponibilidade global de terras por parte do Estado, o que
indica o grau de descontrole do Estado em relação ao processo de parcelamento do solo:
A valorização de glebas, decorrentes de uma procura jamais registrada, fez com
que no exercício de 1947 4.991 petições fossem recebidas e informadas a esse
total muito mais se elevaria não fora a interdição das regiões norte e noroeste,
com a suspensão da entrada de novas petições, motivadas pela necessidade de
se promover a um tombamento aferidor das áreas disponíveis.
223
O então diretor do DGTC, Acrício L. Marques, explica, ainda melhor, os motivos de tal
reavaliação:
Fato inédito no panorama da vida rural paranaense, o que vem registrando no
decorrer dos últimos anos. [...] Milhares de falias acorreram de todos os
recantos do país, atraídas pela fama de uberdade das terras roxas do setentrião e,
tem origem nessa anormalidade, o acúmulo jamais registrados de
requerimentos, cuja área pretendida ultrapassa de muito a que foi demarcada e a
que se demarca, mercê da falta de aparelhamento, de verbas e recursos outros
que não poderiam ser previstos, como previsto não foi o interesse inigualável
que se manifestou por essas terras em tão curto espaço de tempo.
224
Os intrusos vinham estabelecer posses antes da ação do Estado, mas quando esta se
inicia amplia o fluxo de migrantes interessados em se estabelecer e “fazer uma posse”. Por
exemplo, o citado relatório aponta que um outro fator gerador do grande afluxo de migrantes era
os planos de colonização feitos pelo Estado em 1939.
225
São comuns os relatos de época ou
analistas posteriores apontarem que a notícia que uma área seria loteada podia, naquela
220
DEPARTAMENTO de Geografia, Terras e Colonização. Relatório 1947 apresentado ao
excelentíssimo sr. Cél. Antenor de Alencar Lima digníssimo Secretário de Viação e Obras Públicas pelo Engº.
Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização. Curitiba,1948.
221
Ibid.
222
Ibid.
223
Ibid.
224
Ibid.
112
conjuntura, provocar um fluxo de pessoas para a região e aumentar a vinda de migrantes para o
Paraná.
226
No relatório datado de 1954 se faz um balanço da colonização do “noroeste” do Paraná
entre 1940 e 1954. Elaborado na época do mandato de Bento Munhoz, o relatório visava em
especial a verificação do cumprimento da Lei Estadual 3.060, de 26 de outubro de 1951, que
limitava para 250 hectares a área de terras para os requerentes de terras, pois havia um grande
número de requerimentos acumulados e não havia terras suficientes em donio do Estado para
todos. Novamente no relatório se reclama das restrições orçamentárias, ao afirmar que a atuação
na
[...] Colônia Mourão, que bem demonstram o interesse do Departamento de
Terras, Geografia e Colonização, em obedecer as normas, planos e
determinações referentes aos trabalhos de colonização, tendo em vista dar
melhor assistência aos colonos dentro de suas possibilidades, muitas vezes
reduzidas, no que diz respeito aos orçamentos apertados a fazer face as despesas
que são amplas.
227
Cecília Westphalen, Brasil Pinheiro Machado e Altiva Balhana foram categóricos
quanto aos mandatos de Moysés Lupion e seus reflexos em Campo Mourão: As glebas de
Campo Mourão haviam notoriamente sido concedidas a partidários do Governo
228
, as fontes
abordadas matizam e ao mesmo tempo dão mais conteúdo a tal afirmação.
A própria elevação de Campo Mourão à categoria de município em 1947 foi fruto de
um acordo entre Moysés Lupion e líderes poticos locais que aceitaram que “em troca” da
elevação do distrito para Município o prefeito e toda a mara de vereadores seriam do seu
partido, o Partido Social Democrático PSD.
229
Partido este criado por Getúlio Vargas no final
do Estado Novo para reunir seus aliados na elite, em especial na elite rural.
Na primeira Mensagem no mandato de Bento Munhoz, de 1951, uma denúncia ao
Governo anterior que teria gerado um “completo desvirtuamento do verdadeiro objetivo da
colonização racional”. Ela afirma que Moysés Lupion adotou uma série de medidas, em especial
no final do mandato, para acelerar os negócios com terras. Apesar das terras vendidas pelo
Estado já serem mais baratas que o preço do mercado, houve uma redução injustificável de
preços na última hora favorecendo apenas alguns requerentes. Os prazos de tramitação dos
processos, inclusive para o pagamento da primeira prestação, foram sensivelmente reduzidos.
225
Ibid.
226
WESTPHALEN; MACHADO; BALHANA, 1968, op. cit., p. 35.
227
DEPARTAMENTO de Geografia Terras e Colonização. Relatório apresentado pelo
Departamento de Geografia, Terras e Colonização do Estado do Paraná, referente aos trabalhos de
colonização. Curitiba, 1954. p. 27.
228
WESTPHALEN; MACHADO; BALHANA, 1968, op. cit., p. 39.
229
VEIGA, Pedro da. Campo Mourão centro do progresso. Maringá: Bertoni, 1999. p. 133.
113
Foram expedidas ordens de máxima urgência para requerimentos de terras, contrariando a ordem
cronológica dos pedidos, foram chamados a Curitiba os chefes de serviço para acelerar os
processos o que tornou acéfalo o DGTC e criou um clima favorável à corrupção. Dessas
provincias resulta uma série de situações denunciadas na Mensagem, tais como: terem
encontrado no assoalho do DGTC uma letra de câmbio de Cr.$ 500.000,00 assinada por um
grande magnata na aquisição de terras devolutas em favor de um funcionário do DGTC; a
atuação de “intermediários” que tinham livre acesso aos corredores e salas oficiais, para acelerar
processos; a venda de requerimentos de terras nas ruas e cafés da capital; e o preterimento de
centenas de interessados, a maioria pequenos lavradores, em favor de alguns que recebiam o
título de propriedade em um tempo recorde. Tudo isto implicava no desvirtuamento da
colonização racional, do seu procedimento de planejamento técnico do espaço quanto ao seu
objetivo de resgatar, para o mundo do trabalho disciplinado, as “desamparadas e esquecidas
populações rurais do Brasil”
230
:
O desvirtuamento dos planos de colonização que vinham sendo executados pelo
Departamento de Terras através de várias administrações, sempre voltadas,
como princípio fundamental, à elevação de nível material e moral do agricultor
brasileiro, e disto são atestados eloqüentes as colonizações levadas a efeitos no
Sul do Estado, no município de Clevelândia, e na zona Norte nas glebas das
colônias de Jaguapitã, ara, Centenário, Faxinal de o Sebastião e as
primeiras glebas das colônias Mourão e Paranavaí, pelo parcelamento da área
em pequenos lotes coloniais, norma esta que foi completamente excluída nos
últimos anos, notando-se que quase todas as glebas da Colônia Paranavaí, Goio-
Erê, Tapejara e outras foram divididas em lotes de 500 hectares
aproximadamente, sem qualquer planejamento ou espírito de colonização ao
ponto de não terem sido previstas nem sequer as áreas destinadas às futuras
sedes coloniais.
231
As Mensagens anuais para a Assembléia Legislativa, apesar de não oferecerem dados
específicos para Campo Mourão, trazem dados esclarecedores. Na Mensagem de 1957 o
governador Lupion afirma que de “fevereiro de 1956 a abril de 1957 foram expedidos 634 títulos
dos quais 367 dizem respeito a lotes coloniais.
232
Ou seja, foram 42,1% de lotes não coloniais,
os quais não se informa a dimensão. Informa ainda que foram assinados em 1956, 484
compromissos particulares de compra e venda, relativos a 136.541,5 hectares de terras, o que
uma área média de 282,1 hectares. Igualmente foram assinadas 122 escrituras definitivas
referentes a 14.662,5 hectares, portanto com uma área média de 120,2 hectares. Ainda, foram
230
PARANÁ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura
da sessão ordinária da legislatura pelo Sr. Bento Munhoz da Rocha Neto Governador do Estado. Curitiba,
1951. p. 6, 61-65.
231
Ibid., p. 63.
232
PARANÁ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura
da sessão legislativa ordinária de 1957 pelo Sr. Moysés Lupion governador do Paraná. Curitiba, 1957.
114
firmadas em cartórios 61 escrituras de compromisso de compra e venda, correspondentes a área
de 95.809 hectares, o que dá uma área média de 1.570,6 hectares.
233
Ocorre algo semelhante na Mensagem de 1958. Segundo a Mensagem do governador,
as terras colonizadas pela Fundação Paranaense de Colonização e Imigração deveriam ser
parceladas em áreas de até 100 hectares. Todavia, durante o exercício de 1957, foram assinados
116 compromissos particulares de compra e venda relativos a 12.600,9 hectares, 96 escrituras
definitivas referentes a 9.912,3 hectares e 3 escrituras blicas de compromisso de compra e
venda correspondentes à área de 12.017,7 hectares. Da mesma forma que aconteceu com as
terras concedidas pelo DGTC, em que a maioria da área era loteada em médias e grandes
propriedades.
234
Na Mensagem de 1959 o governador Moys Lupion informa que “mais de cinco mil
requerimentos estão em trânsito por esse departamento, todos solicitando compra de pequenas
áreas, tendo sido a maior parte, atendida favoravelmente”
235
, e que durante sua gestão foram
expedidos cerca de 2.000, referentes a lotes coloniais que “já foram entregues a pequenos
agricultores, e mais 1.000 relativos a lotes com áreas superiores a 100 hectares, além de outros
expedidos para legitimação de posse e revalidação de direitos.”
236
Nesse ano, segundo o
informado, 33,3% dos títulos eram de lotes não coloniais, o quais, novamente, não informa a
dimensão.
Em 1958, os serviços e movimentos da Fundação Paranaense de Colonização e
Imigração foram de pequena significação”, pois a “quase totalidade do seu patrimônio territorial
foi objeto de venda ininterrupta desde a sua criação em 1947”, e reclama:
A reduzida disponibilidade de terras e apreciável volume dos contratos de
compromissos de compra e venda firmados em administrações anteriores,
contratos estes cujas prestações vencidas e não pagas totalizam elevada soma,
representam motivo para as atividades da consultoria Jurídica.
237
Na última Mensagem do mandato de Moysés Lupion, 1960, o governador reafirma: “o
princípio que tem, neste sentido, servido para nossa orientação, é o da disseminação da pequena
233
Ibid.
234
PARANÁ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura
da sessão legislativa ordinária de 1958 pelo Senhor Moysés Lupion governador do Paraná. Curitiba, 1958. p.
112.
235
PARANÁ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura
da sessão legislativa ordinária de 1959 pelo Sr. Moysés Lupion governador do Paraná. Curitiba, 1959. p. 95.
236
Ibid., p. 95.
237
Ibid., p. 97.
115
e dia propriedade, e o de obter que o processo de expansão rural do Paraná [...] [aconteça]
dentro de um ambiente de ordem e num clima de estímulos para o trabalho honesto.
238
A Mensagem também recapitula alguns números que podem ser elucidativos. “De de
fevereiro de 1956 a dezembro de 1957 foram expedidos 2.062 títulos de donio pleno sobre
terras, sendo que, desse total 1.321 são correspondentes a lotes coloniais, isto é, de área inferior a
100 hectares”.
239
Portanto, 35,9% dos títulos eram de lotes o coloniais. Por outro lado, de 1-
1-1958 a 30-11-1959 foram expedidos aproximadamente, 1.700 títulos, dos quais 1.200 sobre
lotes coloniais.”
240
Ou seja, 29,4% dos títulos eram de lotes não coloniais, cuja área não foi
informada pelo governador.
No mandato de Ney Braga há uma atuação mais coerente no tocante à questão de terras,
até porque não havia grandes áreas à disposição a serem distribuídas e as tensões sociais no
campo eram grandes. A Mensagem do governador Ney Braga à Assembléia Legislativa do ano
de 1962 denuncia os desmandos nos negócios com terras das “administrações anteriores” e
informa seu projeto de “pacificação” do campo, procurando corrigir situações potencialmente
violentas na busca de evitar os acontecimentos de 1957.
Logo de início foi procedida a revisão administrativa dos títulos concedidos por
administrações anteriores. Quer administrativamente quer através do Conselho
Superior da Magistratura, foram anulados títulos correspondentes a mais de
100.000 alqueires [242.000 hectares], [estão] correndo no judiciário as ações
propostas pelo Estado, visando o cancelamento dos títulos nos cartórios de
registro de imóveis. [...]
Entre as diversas anulações procedidas, desde então, destaca-se a da Colônia
Adelaide, devido à amplitude de sua área (quase 40.000 alqueires) em que
foram expedidos títulos à [sic] pessoas estranhas a região, prejudicando 1.300
famílias de posseiros.
241
Informa também a Mensagem que o DGTC realizou vistorias numa área total de
1.089.000 hectares, além de medição de 72.600 hectares, através de autorização a firmas
contratadas.”
242
Nas áreas de colonização antiga, visando regularizar sua situação, foram
realizadas medições em mais de 12.100 hectares.”
243
“Em 1961, foram processados 1.114
requerimentos de terras, sendo expedidos 251 títulos, apesar do Departamento de Terras somente
238
PARANÁ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura
da sessão legislativa ordinária de 1960 pelo Sr. Moysés Lupion governador do Paraná. Curitiba, 1960.
239
Ibid.
240
Ibid.
241
PARANÁ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativas do Estado por ocasião da
abertura da sessão ordinária da legislatura pelo Sr. Ney Aminthas de. Barros Braga governador do
Estado. Curitiba, 1962. p. 79.
242
Ibid., p. 79.
243
Ibid., p. 79-80.
116
ser reaberto suas atividades em setembro.”
244
A colonização dirigida do Paraná dava seus
últimos fôlegos.
Em meados da década de 1970, o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico
e Social (IPARDES) faz um diagnóstico da posse e uso da terra. Os graves problemas
encontrados levam os técnicos a fazer observões sobre a atuação direta do Estado como
colonizador. Observações um pouco exageradas, mas reveladoras dos resultados da ação
racionalizadora” do Estado:
Ainda que algumas publicações façam referência à ação deliberada do governo
estadual no sentido de colonizar suas terras, os fatos indicam a ausência de
qualquer planejamento que definisse esta intenção como tal, o que é facilmente
identificado quando se constatam titulações irregulares (duplas) da mesma
propriedade, o que, no mínimo, indica não haver controle sobre aquilo que
realiza. Toda a titulação (ou a maioria delas) feita pelo Estado nas áreas
legalmente vazias foi aleatória, definida pelo pretendente que obteve
documentos em troca de pagamento de favores políticos.
245
O que até aqui foi explanado, permite tecer algumas considerações sobre o papel do
Estado na colonização dirigida. Se é correto que havia uma escassez crônica de recursos
humanos e materiais, por parte do Estado, que eram bastante presentes no DGTC, e uma
excepcional corrupção e explícito favorecimento de apadrinhados poticos, em especial nos
governos de Moysés Lupion,
246
por outro lado, tais fatores não devem ser entendidos como
simples desvios morais ou ineficiência administrativas, e sim entendidos em um quadro mais
amplo. Silva e Linhares afirmam que havia uma tensão interna naqueles que queriam
modernizar, ou melhor, transformar terra e trabalho em “mercadorias fictícias”. Isso não
implicava em um projeto anti-industrial, mas uma reserva quanto ao tipo de alteração que tal
processo industrializante provocaria no campo, que pudesse ameaçar a grande propriedade.
247
Todavia, no período estudado, o campo sofreu alterações profundas. As oportunidades de ganho
com a expansão do mercado interno, no caso do Paraná, em especial pela colonização dirigida e
pela apropriação pelos caminhos lícitos e ilícitos da burocracia e legislação de terras, geravam
novas e poderosas fontes de recursos. A figura de Moysés Lupion, que esteve envolvido nas duas
atividades, é exemplar a este respeito. Como afirma Jode S. Martins: “Enquanto os grupos
políticos falavam em aumentar os lucros da burguesia através da ampliação do mercado interno,
a burguesia procurava aumentar os seus lucros envolvendo-se nos negócios de terras, na
244
Ibid., p. 80.
245
IPARDES. Subdivisão, Posse e Uso da Terra no Paraná. Curitiba, Convênio CODESUL/IPARDES,
1976. p. 49. apud: HESPANHOL, Antonio Nivaldo. A formação sócio-espacial da região de Campo Mourão e dos
municípios de Ubiratã, Campina da Lagoa e Nova Cantu PR. Boletim de Geografia. Maringá, v. 11, n. 1, p. 17-
28, dez. 1993. p. 20.
246
Como parece fazer SERRA, 1991, op. cit., p. 87 passim.
247
LINHARES; SILVA, 1999, op. cit. 72, 93.
117
grilagem, na especulação.”
248
Dessa forma, a “corrupção”, o uso do DGTC para favorecimento
de apadrinhados e para se manter no Governo
249
e a venalidade de muitos funciorios do DGTC
o eram “falhas” no sistema, mas parte de como a sociedade brasileira fortemente hierarquizada
se reproduz.
Para colocar a questão em termos utilizados por Roberto Da Matta: havia aqueles que
chegavam no DGTC e eram pessoas”, grande parte daqueles que aparecem como requerentes
de terra” eram desta categoria, e havia aqueles que eram “indivíduos”, como os
posseiros/intrusos. Segundo Da Matta, na hierárquica “cultura brasileira” tal distinção, entre
os ‘indivíduos” e “pessoas”. Os primeiros são mais um na multidão, devem ser tratados
impessoalmente e segundo os rigores da lei. Quando “indivíduos” conseguem alcançar direitos
junto ao Estado, muitas vezes, este é interpretado como um favor pessoal de algum poderoso que
busca estabelecer relações clientelistas. aqueles que se consideram e/ou são considerados
pessoas” o os que não podem ser “tratadas como qualquer um”. Eles são titulares de
favorecimentos pessoais e, aliás, como nós brasileiros ainda usamos expressões de indignação
aristocrática quando dizemos: fui tratado como qualquer um”. Dessa forma, para as “pessoas”,
o apenas a lei funciona, como um sistemático favorecimento, enquanto os “indivíduos”
ficam, em geral, excluídos, ou no máximo sujeitos aos rigores da lei.
250
A utilização da coisa
pública em favor próprio, da família, do partido é a marca do “homem cordial”, do brasileiro,
que mantém laços pessoais, quase familiares, na esfera pública, ao mesmo tempo em que
mantém a extrema hierarquia das relações.
251
Em geral, no Brasil moderno, prefere-se silenciar
sobre as práticas pelas quais reproduz-se tais características hierarquizantes de nossa
sociedade.
252
Mas lembrá-las é fundamental para entender o tratamento diferenciado que os
sujeitos recebiam junto aos órgãos governamentais, e, portanto, entender as diferentes
possibilidades de apropriação da terra que estavam em seus campos de possibilidades.
Dessa forma, é necessário reconhecer o papel funcional desta “organização paralela a
oficial” na realização da colonização racional no Paraná e na manutenção de uma estrutura
fundiária excludente. Entre as décadas de 1930 e 1960, a “questão de terras” constitui o eixo
central da potica, strictu sensu, no Estado do Paraná. E isso em especial no boom posterior a
248
MARTINS, 1995, op. cit., p. 92.
249
Ou para se eleger, como fez Moysés Lupion em seu segundo mandato. Conf. SERRA, 1991, op. cit.,
p. 122.
250
DA MATTA, Roberto. Você Sabe com Quem Está Falando? Um Ensaio sobre a distinção entre
indivíduo e pessoa no Brasil. In: _____. Carnavais, Malandros e Heróis: Para uma sociologia do dilema
brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1990. p. 146-204.
251
HOLANDA, 1995, op. cit., p. 139 et seq.
252
DA MATTA, 1990, op. cit.
118
Segunda Guerra Mundial, com o rendoso negócio de venda de terras e as oportunidades de novos
negócios geradas pelo deslocamento de milhões de pessoas para o território paranaense. Como
afirmam alguns trabalhos já clássicos:
A questão de terras constitui o centro da ação política, na conquista e no
exercício do Poder, presente na programação dos Partidos políticos, nas
campanhas eleitorais, nos debates do Congresso Nacional, da Assembléia
Legislativa Estadual e das Câmaras Municipais.
253
Diante da enorme pressão sobre o DGTC, para o favorecimento de grupos e interesses
particulares ou setoriais, não é estranho que, mesmo com as reformas saneadoras, que visavam
impedir a corrupção no DGTC, da realizada em 1939 até a feita por Ney Braga, não se impediu a
formação de “um poder paralelo, formado por funcionários blicos, que adulteravam o trâmite
legal dos requerimentos” de terras.
254
Todavia, para além dos “funcionários públicos” tal poder
paralelopermeava todo o Estado e a sociedade, sendo tal “poder paraleloou seja as relações
de poder “reais” e não as formais o principal local de atuação dos interesses dos grandes
proprietários e especuladores.
Por exemplo, Cecília Westphalen, Brasil Pinheiro Machado e Altiva Balhana afirmam
que os problemas
[...] de terras são registrados, em 1948, em Campo Mourão, onde grossas
negociatas contra pequenos lavradores, estariam sendo realizadas. Havia sido
abertas as glebas de Paranavaí e Campo Mourão, mas os moradores das zonas
próximas que anseiam por um pedaço de terra, são preteridos nas suas
expectativas de aquisição, pelo critério do pistolão. Bandoleiros atiram contra
sitiantes.
255
Um outro bom exemplo é dado por Geraldo Boz, um engenheiro que entrou no DGTC
em 1951 e trabalhou no Estado até 1979. Assim explica a sua função e a corrupção no DGTC:
‘A minha missão foi trabalhar em grandes regiões de terra devoluta onde
existiam conflitos pela posse entre posseiros, grileiros e donos legítimos das
áreas. Eu era realmente um pacificador. Sempre agi dentro da lei e de forma
correta, apesar da enorme corrupção da época, principalmente dos
funcionários nos quais o governador Moysés Lupion depositava confiança. Essa
falta de seriedade é que gerava as brigas e mortes porque funcionários
irresponveis escondiam os documentos e depois cobravam imporncias
absurdas pelas buscas, enquanto que o título de propriedade de terra custava
uma pequena importância, expedido pelo governo desde que respeitadas as
exigências que o futuro proprietário tinha que obedecer, como por exemplo:
provar que estava na terra com benfeitorias realizadas. A minha função era
253
WESTPHALEN; MACHADO; BALHANA, 1968, op. cit., p. 51.
254
SORIANO, Sara nica Pitot de. Expropriação e violência: A luta dos trabalhadores rurais pelo
acesso à terra (Campo Mourão: 1946-1964). 2002. Dissertação (Mestrado em História) Universidade Estadual de
Maringá/Universidade Estadual de Londrina, Maringá. p. 83.
255
WESTPHALEN; MACHADO; BALHANA 1968, op. cit., p. 34-35.
119
fiscalizar estas posses, acabar com as falcatruas e defender os direitos de quem
realmente os tinham.’ (grifo meu).
256
Explica ainda o engenheiro que o “‘Departamento de Terras era o que mais tinha
influência potica e foi bastante usado para fins eleitorais. Havia muita corrupção no meio por
causa das tais barganhas e negociatas da terra’”.
257
‘Em 1953 fui mandado para Londrina com a finalidade de resolver aquele
conflito terrível [A Guerrilha de Porecatu]. Eu utilizava veículos do Estado com
chapa branca. que para entrar no sertão tinha que retirar as placas para não
ser morto. Chegava, conversava com os posseiros e depois me identificava e
dizia a minha missão. Os posseiros, tipo os sem-terra de hoje, sofriam com as
ações da polícia e por isso odiavam carros oficiais. A minha missão no Norte do
Paraná era retirar os intrusos, selecionar as famílias e encaminhá-las para
assentamento na região de Campo Mourão e Pitanga, onde havia quantidade
maior de terra devoluta. Essa peãozada era transportada em caminhões fretados.
Tratava-se de um povo, muito carente, morava e se alimentava mal. Morria
muitos à mingua, principalmente criança picadas de mosquitos e subnutridas”,
narra triste.’
258
Geraldo Boz esteve presente na viagem de pacificação que Ney Braga fez no início do
seu mandato buscando pacificar” a questão de terras”. Narra que em Cascavel a “‘coisa estava
[...] feia lá, roubaram tanto” que quando chegaram lá “todas as repartições públicas estavam
abandonadas e os titulares foragidos. [...] Tivemos que reorganizar tudo e fazer as coisas
funcionarem corretamente’.”
259
Já sobre Campo Mourão narra:
‘No dia 18 de julho de 1952 assumi a 8ª Inspetoria de Terras de Campo Mourão
que abrangia a região entre Pitanga, os rios Ivaí, Piquirí e Paraná. Era imensa
para cuidar. Não existiam estradas e meios de ligação. Estava conturbada e
havia violência exacerbada. Poucos trechos davam passagem a jipes e a maioria
se fazia a cavalo ou a pé. Em muitas ocasiões éramos recebidos à bala. Nunca
andava armado. Sou avesso à violência. A situação era terrível. Passei apuros,
fome, dormia mal, mas tinha que encarar e resolver. Hoje esta região tem mais
de sessenta e cinco municípios. [...] Fui enviado a Campo Mourão porque o meu
antecessor foi baleado por causa da terra. Ele estava hospitalizado em Curitiba.
Eu não sabia exatamente qual era o meu serviço ou como era Campo
Mourão e desconhecia os perigos que iria enfrentar. Mas cheguei e toquei o
barco sem medo. À noite lia os processos e fui aprendendo. Nessa época o
governador Bento Munhoz da Rocha Neto criou a Delegacia Especial de Terras
com sede em Campo Mourão onde se concentrava o maior conflito. O delegado
era Alberto Abujanra, com o qual acabei me desentendendo em 1952, porque
ele extrapolava a função. Meu trabalho era encontrar os posseiros e legalizar a
ocupação da terra, titular entregar o documento e registrar no Cartório de
Imóveis. Do outro lado estavam os grileiros que lutavam para tomar a terra dos
posseiros e nesse meio estava eu como mediador dos conflitos. Uma espécie
de juiz sem tribunal, que tinha que decidir sozinho o certo e o errado numa
missão espinhosa porque a gente sofria muita pressão de políticos, daí as
256
BATHKE JÜNIOR, Wille (Ed.). ALVES, Eleano (reportagem). Walkyria Goertner e Geraldo Boz,
52. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 25 ago. 2002. Especial: Projeto Raízes.
257
Ibid.
258
Ibid.
259
Ibid.
120
constantes ameaças, de morte ou de perder o emprego, que eu recebia de
todo lado. Porém, com medo ou sem medo, tinha que resolver’ relata
Geraldo.
260
A longa citação é reveladora no que tange o papel do agente público na situação de
conflito. Ele era pressionado pelos posseiros, os quais, em geral, desconfiavam dos agentes
públicos, pressionado por ameaça a sua vida e pressionado do alto da hierarquia de “perder o
empregose contrariasse os interesses errados, com poucos recursos, mas ocupando um cargo
com amplos poderes, um “juiz sem tribunal”. A impessoalidade da burocracia e a suposta
isenção do técnico se defrontavam com uma cultura personalista e com relações de poder que
trazem ao primeiro plano a violência física. Mesmo que houvesse, e deveria haver, pessoas que,
por questões morais, não se entregavam à corrupção as condições eram propícias para
constituição de um “poder paralelo”, que favorecia as “pessoas”.
A complexidade das situações geradas por relões pode ser percebida nesta fala de
Silvestre Stansziewski que conta como seu pai, um “lavrador” polonês, que no Brasil se tornou
dono de serraria e veio para o “sertão requerer terra de pinhal”:
Grilo ‘Em 1946 requeremos, do governo Moisés Lupion, quatro mil e
quinhentos hectares de terra na Gleba 10, região do Pinhalzinho (Janiópolis).
Perdemos tudo por causa de um rolista, no tempo do governo Bento Munhoz da
Rocha Neto, que comprou nossos documentos de posse e direito de exploração
da terra. Deu uma entrada e não pagou mais nada. Albino Gugelmim (avô do
piloto de carro, Mauricio Gugelmim) e João Scheder (deputado constituinte)
também foram vítimas do mesmo grileiro’
261
As ter requerido uma área de 4,5 mil hectares, portanto uma grande propriedade em
uma época em que havia tantos obstáculos legais para conseguí-lo, o proprietário perdeu a área
em um negocio com um “rolista”, que se aproveitando da condição precária da documentação do
imóvel, o qual provavelmente não possuía título definitivo mas apenas o requerimento
deferido”, o conseguiu receber o restante das prestações da venda.
É importante notar que em tais negócios, paralelos” ou oficiais”, com terras a
violência era uma constante. Na década de 1980 eu morava na região e lembro que a memória
popular ainda identificava certas áreas do primitivo município de Campo Mourão, como Goioerê
e Campina da Lagoa, como lugares violentos, nos quais havia pistoleiros e conflitos armados
constantes. Tal memória foi formada a partir da experiência da sua colonização dirigida. Em
artigo de 1952, em um jornal curitibano, Nelson B. Prado busca negar a representação de Campo
Mourão como uma região violenta marcada pela ação de pistoleiros e pelo conflito por terra,
afirmando que o território:
260
Ibid.
121
[...] que essendo povoado por elementos provindos de todos os pontos do país
e muitos do estrangeiro, mostra uma crescente disciplina e ordem social, para
desmentir a fama injusta. Os bandidos que acaso ainda não estão recolhidos ao
xadrez, estão identificados perfeitamente, como todo mundo sabe, e não
foram segregados do convívio social por certas deficiências que não devem ser
comentadas aqui...
262
Contra a “fama de terra de violência e de pistoleiros” Nelson B. Prado mobiliza os
elementos positivados do imaginário da “tristeza rural”, ou seja, do homem capaz de “ganhar um
milhão” e de se submeter à ordem. Todavia as narrativas de violência são abundantes, Geraldo
Boz rememora que:
Entrevero ‘recordo-me que tivemos que resolver uma encrenca no Barreirão
do Oeste (Boa Esperança). Fomos em dois jipes. O delegado levou os jagunços
dele. Turma da pesada. Na ida, no meio do carreador, que não cabia dois jipes
lado a lado, paramos para dar passagem a um outro que vinha em sentido
contrário. As pessoas procediam do local de conflito. Um homem estava
estirado no assoalho, ferido à bala, para ser socorrido em Campo Mourão.
Chegando perto da clareira avistamos uns seis ranchinhos de pau-a-pique e
ouvimos tiros. A polícia saltou do jipe e atirava para o alto e dava gritos.
Apavorei. Pulei e me escondi atrás de um toco de árvore. Depois nos
identificamos. O tiroteio cessou. A jagunçada saiu do mato e veio. Começamos
a conversar. Um dos ranchos servia comida e tinha um morto jogado em um
canto, cheio de sangue no chão. Pernoitamos e dormimos em tarimbas, de paus.
À noite o tiroteio continuou. No dia seguinte o delegado abriu inquérito e tomou
vários depoimentos. Na volta pensei e fiz planos de retornar à Curitiba. Aquela
encrenca me assustou. Não sabia que a região era assim o perigosa. Mas com
vergonha de eu mesmo, permaneci em Campo Mourão’, decidiu Geraldo.
263
Grupos privados que agiam na região de Campo Mourão também poderiam atuar na
repressão aos lavradores: “Grupos de jagunços, organizados pela Sociedade Imobiliária Noroeste
do Paraná Sinop, e pela Companhia Brasileira de Imigração e Colonização – Cobrinco,
expulsam posseiros do imóvel Boa Esperança.”
264
Quando os agressores tinham a proteção do Governo, a polícia não agia contra os
agressores, e, muitas vezes, agia diretamente na repressão aos posseiros: “A própria Pocia é
acusada de favorecer a formação de grilos, como no caso de Boa Esperança, entre os rios Ivaí,
Paranapanema e Paraná; onde se registram encontros armados entre a Pocia, ao lado de
grileiros, e aqueles que defendiam suas posses.”
265
Os autores argumentam ainda que, em “Goio-
261
BATHKE JÜNIOR, Wille. Silvestre Stansziewski, 40. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 2 jun.
2002. Especial: Projeto Raízes.
262
PRADO, Nelson Bittencourt. Evolução social de Campo Mourão. O Dia. Curitiba, nov. 1952. apud
VEIGA, 1999, op. cit., p. 159-160.
263
BATHKE JÜNIOR, Wille (Ed.). ALVES, Eleano (reportagem). Walkyria Goertner e Geraldo Boz,
52. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 25 ago. 2002. Especial: Projeto Raízes.
264
WESTPHALEN; MACHADO; BALHANA, 1968, op. cit., p. 48.
265
Ibid., p. 39-40.
122
Erê, [...] as famílias são escorraçadas de suas terras. Jaguos e policiais muitas vezes trabalham
juntos.”
266
Não apenas os posseiros estavam sujeitos à violência. Aqueles que chegavam e
compravam terras também poderiam se ver em meio a conflitos com um posseiro ou com uma
empresa ou particular que afirmavam ser donos da terra. Um destes episódios, ocorrido na região
de Campo Mourão, para ser mais exato no atual município de Engenheiro Beltrão, é a tentativa
de grilagem dos Marimpá. Sebastião de Castro, ou um grupo ligado a ele, chegaram a se
estabelecer na região e vender terras, ficando conhecido como MARIMPÁ. Ocorre que as terras
também estavam sendo vendidas, desde 1948, por um concessionário de terras, a Sociedade
Técnica Colonizadora Engenheiro Beltrão Ltda, de propriedade de uma tradicional família de
engenheiros curitibanos ligados ao DGTC. Em 1952, estes grupos chegaram a pegar em armas.
Na época, esta disputa chegou a ter projeção nacional, visto que dois moradores da localidade,
Benedito Rodrigues da Silva e Pedro Bosa, foram até o Rio de Janeiro a fim de falar com o
presidente da república, Getúlio Vargas. Não conseguiram, mas através do jornalista Carlos
Lacerda chamaram a atenção da imprensa nacional para esta questão, especialmente porque
envolvia altos nomes do escao político, nomeadamente o então senador, pelo PSD, Pinto
Aleixo (acusado de favorecer os Marimpá). Os “Beltrãoganharam a causa e, em uma operação
violenta da polícia estadual, os “Marimpá”, juntamente com as famílias que ficaram ao seu lado,
foram expulsos da região.
267
Todos esses conflitos geravam situações dramáticas, como, no caso da “Dona Remedia
Alcântara” que foi uma das transferidas da região da Guerrilha de Porecatu para Goio-Erê, e
posteriormente “novamente é expulsa de suas terras.”
268
O fato dos posseiros estarem sujeitos a
tal grau de violência não é motivo para vitimizá-los, deve-se reconhecer sua agência, seu campo
de possibilidades.
2.3.4 – Os lavradores: posses e lutas
Os trabalhos que lidaram com a questão de terras na colonização dirigida do território
paranaense são pouco atentos às pressões geradas pela demanda de terras, concentrando-se na
266
Ibid., p. 43.
267
SILVA, Benedito Rodrigues da. Benedito Rodrigues da Silva: depoimento [17 fev. 1998].
Entrevistador: Ely Bergo de Carvalho, Engenheiro Beltrão, 1998. 2 fitas cassete. apud CARVALHO, Ely Bergo.
Sombras do passado, projetos de futuro: as florestas nas memórias dos agricultores de Engenheiro Beltrão
Paraná, 1947-2003. 2004. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de Santa Catarina – USFC, Florianópolis.
268
WESTPHALEN; MACHADO; BALHANA, 1968, op. cit., p. 48.SORIANO, 2002, op. cit.
123
estruturação da oferta de terras e na ação das colonizadoras privadas. E como sugere Márcia
Maria M. Motta, a posse é uma estratégia de luta secular de homens e mulheres pobres do campo
contra os terratenentes.
269
No conflito pela terra, às vezes também no lado dos intrusos, havia a utilização da
violência física: “Alguns posseiros, como os da colônia Cantu, tentavam, na Justa, a defesa dos
seus direitos, outros, porém, reagiam com violência ante a usurpação de que eram vítimas”,
270
ou
ainda se organizavam para garantir o que entendiam ser seus direitos.
Ainda, em janeiro de 1951, animados pelo exemplo de Porecatu, e ludibriados
por um falso agrimensor com quem haviam contratado serviços de demarcação,
cerca de 300 posseiros invadem e acampam na cidade de Campo Mourão, a fim
de fazer valer os seus direitos.
271
Todavia, mais do que em atos de confronto aberto, é na estratégia de fazer posses que se
pode acompanhar um confronto pela terra, mas, também, a negociação, como abordarei no
quarto catulo. José de Souza Martins postulou que o camponês brasileiro é um
desenraizado, é migrante, é itinerante. A história dos camponeses posseiros é uma história de
perambulação.
272
Em tal perambulação, invariavelmente, eles se colocavam para além da
fronteira agrícola. Portanto, a colonização dirigida acaba entrando em choque com os intrusos.
Mesmo empresas privadas de colonização que difundiram a “fantasmagoria” de não terem tido
problemas com intrusos, pois compravam e negociavam as terras e posses destes, para poder
vender terras com certeza de direito de propriedade, mantinham um enorme contingente de
homens armados, para fazer garantir a “tranqüilidade em suas terras”.
273
Na primeira colônia implantada com o Plano governamental de colonização direta pelo
Estado de 1939, a Colônia Içara, a figura do intruso estava presente. Eram cerca de 100
famílias, de intrusos, na época da demarcação do núcleo colonial Içara, eles foram notificados
que deveriam regularizar a sua situação, enviando requerimento ao Governo do Estado,
solicitando a concessão, por compra, das terras”.
274
Inicialmente, os 4.430 hectares da colônia
foram divididos em 46 lotes rurais, mais o núcleo urbano, mas, depois, acabaram por demarcar
134 lotes rurais, 144 urbanos e 15 chácaras, que poderiam servir para” a localização dos
intrusos.
275
Como já argumentei, a ação do Estado na colonização dirigida é, em parte, uma
269
MOTTA, 2001, op. cit., p. 9-10.
270
WESTPHALEN; MACHADO; BALHANA, 1968. p. 39.
271
Ibid., p. 39.
272
MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil: As lutas sociais no campo e seu
lugar no processo político. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1995.
273
TOMAZI, 1997, op. cit.
274
COSTA, Odah Regina G. O preço de terras na colônia Içara, 1939-1968. Curitiba, 1974.
Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História, Universidade Federal do Paraná, UFPR. p. 54.
275
Ibid.
124
reação à ação dos intrusos, que, muitas vezes, garantiu um maior parcelamento da terra, ou pelo
menos, o seu acesso individual à propriedade, o qual poderia não se efetivar pelos tortuosos
caminhos oficiais.
Na região de Campo Mourão o muitos os indícios da forte presença dos intrusos:
[...] quando o Estado vendeu as terras, ou desejou ele próprio colonizá-las,
muitos lotes, e mesmo glebas inteiras, se encontravam ocupados pelos
posseiros. Foi, por exemplo, o caso, no Norte do Paraná, da colônia Jaguapitã,
cujas terras se encontravam praticamente todas ocupadas quando o Governo
iniciou ali os trabalhos de medição e demarcação. No Oeste foram também
numerosos os casos da presença, em massa, de posseiros, como nas colônias
Piquirí e Cantu.” (grifo meu)
276
Lysia Bernardes, também, reconhece a ação dos intrusos:
Em grande parte das colônias de nacionais fundadas pelo governo estadual,
especialmente junto ao divisor Ivaí-Piquirí e no vale deste, o povoamento [sic]
se iniciara espontaneamente desde o começo do século. se haviam
instalado, em número bastante elevado, caboclos e colonos de origem
estrangeira, especialmente poloneses e ucrainos vindos das velhas colônias do
leste (Rio Claro, Prudentópolis, etc.) que agora estão requerendo a posse das
terras por eles ocupadas.
Nas glebas 3 e 7 da colônia Mourão havia, respectivamente, 102 e 60 famílias
com morada efetiva e culturas habituais. Na de n. 4 da colônia Goio-Bang,
situada no divisor Ivaí-Piquirí, [...] havia 43 lotes ocupados, em um total de 140.
(grifo meu)
277
No relatório do DGTC, datado de 1954, também consta intrusos na Colônia Mourão: na
Gleba 13, 90 famílias sendo a gleba dividida em 182 lotes, a Gleba 11 registra 36 famílias, sendo
dividida em 80 lotes, na Gleba 9 “existiam na ocaso da demarcação mais de 70 famílias, de
nacionais e entre estas 8 famílias de poloneses e ucranianos”
278
Na Gleba 5 encontravam-se 60
famílias de nacionais, afirma o relatório, e que em todos os casos “as benfeitorias foram
respeitadas”. A respeito da Colônia Cantu, o relatório informa que ela serviu para “localização
de famílias de nacionais muitas das quais ali radicadas.”
279
O fato de não haver dados sobre
intrusos nas outras glebas e colônias não indica que não existissem, pois o relatório é
assumidamente incompleto, não sendo esta uma questão central para seus elaboradores. Lysia
Bernardes reforça tal perspectiva:
O mesmo se em relação à colônia Cantu, onde nos extensos pinheirais de
glebas 1 e 3, as primeiras a serem demarcadas, havia um número de
ocupantes superior ao de lotes previstos (140 falias para 79 lotes de gleba 1
276
WESTPHALEN; MACHADO; BALHANA, 1968, op. cit., p. 22.
277
BERNARDES, 1953, op. cit., p. 19-20.
278
DEPARTAMENTO de Geografia Terras e Colonização. Relatório apresentado pelo
Departamento de Geografia, Terras e Colonização do Estado do Paraná, referente aos trabalhos de
colonização. Curitiba, 1954. p. 25.
279
Ibid., p. 39-40.
125
e 227 para 147 lotes da gleba 3). ‘Em conseqüência da ocupação desordenada,
verificam-se pequenos agrupamentos de moradias formando algumas aldeias em
vários pontos da gleba (n. 3), resultando ficarem no mesmo lote mais de uma
família de colonos; se bem que a maioria seja de colonos nacionais grande
porcentagem de descendentes de poloneses originários das colônias federais
antigas' (Tombamento Geral das Colônias...). Nas outras colônias verificou-se a
mesma ocupação indevida de terras do Estado, porém em menor escala (grifo
meu).
280
O que autores contemporâneos ao processo de colonização dirigida, como Lysia
Bernardes, não atentam, bem como grande parte dos autores posteriores, é o papel exercido por
talocupação indevida” ao incentivar o Estado a atuar diretamente na colonização dirigida,
levando a um maior parcelamento, e, portanto, a uma maior democratização da terra.
Antonio Nivaldo Hespanhol, afirma que a maioria das glebas da Colônia Cantú
(inclusive as que deram origem a Campina da Lagoa e Nova Cantu) se encontravam, naquele
período (décadas de 1930 e 1940) parcial ou totalmente ocupadas.” Enquanto a área do atual
município de Ubiratã estava “praticamente livre de ocupação”. Para Hespanhol, tal situação
levou ao DGTC a lotear “a área pertencente aos atuais municípios de Campina da Lagoa e Nova
Cantu” a partir de 1954, enquanto a área supostamente menos ocupada foi vendida a uma
empresa colonizadora, a Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná Ltda (SINOP).
281
Apesar do
autor não indicar as fontes para corroborar tais afirmações, estas são uma indicação da dinâmica
que quero aqui apresentar, segundo a qual a ação dos posseiros foi um fator fundamental para a
relativa democratização do acesso à terra, inclusive da realização de poticas blicas de
colonização. Autores clássicos já haviam apontado nesta direção, de não se perceber os homens e
mulheres do campo como meras vítimas dos poderosos ou sujeitos passivos que sofrem a
história:
No plano social-econômico, a ocupação colonizadora da terra resultou,
verdadeiramente, na implantação de uma reforma agrária, fundamentada na
pequena propriedade, que domina hoje no quadro rural paranaense, o qual
apresenta certos aspectos característicos, como a densidade demográfica
elevada e a existência de uma classe média rural. Reforma agrária presente, até
certo ponto, na mentalidade e na ação dos empresários de grandes companhias
que colonizaram o Paraná moderno, e de alguns de seus governantes,
concretizada, porém, pela numerosa presença de posseiros e pequenos
proprietários lavradores que, a duras penas, defenderam sua oportunidade
e o seu direito de acesso à terra. (grifo meu).
282
Se, por um lado, discorde fortemente da afirmação de que a colonização dirigida tenha
gerado uma “reforma agrária, fundamentada na pequena propriedade”; por outro, me parece,
280
BERNARDES, 1953. p. 20.
281
HESPANHOL, Antonio Nivaldo. A formação cio-espacial da região de Campo Mourão e dos
municípios de Ubiratã, Campina da Lagoa e Nova Cantu PR. Boletim de Geografia. Maringá, v. 11, n. 1, p. 17-
28, dez. 1993. p. 20-21.
126
acertada a afirmação final, ou seja, a distribuição da terra, de forma um pouco mais eqüitativa no
Paraná do século XX, se deve, em grande parte, à ação ativa de homens e mulheres que lutaram
pela posse da terra, ressalvado apenas que não foram apenas os casos de violência aberta que
caracterizam tal luta pela terra, mas um processo cotidiano de resistência, negocião e muitas
derrotas.
2.3.5 – A estrutura fundiária
A respeito da suposta reforma agrária” gerada pela colonização dirigida,
283
basta aqui
apontar que, por um lado, se efetivamente houve uma maior distribuição da terra na região do
que a tradição latifundiária brasileira era acostumada, por outro, os contemporâneos do processo
apontavam a concentração fundiária durante o processo de colonização dirigida, e percebiam
que as compras especulativas, dos que não cultivavam a terra, e as ampliações de propriedades
por revenda colocariam em perigo a pequena e média propriedade.
284
É de se considerar também
que era (e é) comum os lavradores terem mais de uma propriedade, sejam chacareiros, sitiantes
ou fazendeiros.
285
De fato, fazendeiros conviviam com as médias e pequenas propriedades, no
sertão do Paraná, com índices de concentração de terra que poderiam variar muito de um
município para outro.
A concentração fundiária durante a colonização dirigida é algo bem claro. E tal
constatação reforça a importância da ação dos intrusos para garantir a menor concentração
fundiária. No trabalho seminal de Cecília Westphalen, Brasil Pinheiro Machado e Altiva Balhana
se afirma que a área média dos lotes agrícolas nas colônias entre os rios Ivaí e Piquirí,
colonizadas pelo Estado a partir de 1939, “foram, em geral, de áreas superiores àqueles do Norte
do Paraná, medindo, em média, mais de 20 alqueires”, ou seja, 44,8 hectares.
286
O trabalho
citado acompanha a memória oficial que afirma ter ocorrido uma “reforma agrária" com a
colonização dirigida no Paraná. Os citados autores, por exemplo, afirmam que a CTNP/CMNP
vendeu terras em pequenas propriedades. Cancian demonstrou que também foram vendidas
grandes propriedades pela CTNP/CMNP
287
Tomazi discute longamente o motivo da adoção de
pequenas e médias propriedades pela CTNP/CMNP e levanta a hipótese de que o fato do grupo
282
WESTPHALEN; MACHADO; BALHANA, 1968, op. cit., p. 51.
283
Ver: GONÇALVES, 1994. op. cit., GONÇALVES, 1996. op. cit.
284
WAGLEY, Charles. An introduction to Brazil. New York: Columbia University Press, 1963. p.
91-2.
285
CANCIAN, 1997. op. cit.
286
WESTPHALEN; MACHADO; BALHANA, 1968. p. 20.
287
CANCIAN, 1977, op. cit., p. 169.
127
empresarial ser dono da ferrovia que chegava à região fez com que, depois de abandonarem a
idéia de cultivar a área pelo sistema de plantation, adotassem a pequena propriedade para terem
demanda para carga nas viagens de volta dos trens e, assim, garantir um maior lucro com a
ferrovia.
288
O relario de 1954 do DGTC permite calcular, a partir dos dados fornecidos, que a
área média dos lotes nas cinco principais colônias da região de Campo Mourão (a Colônia
Mourão, Goio-Bang, Goio-Erê, Cantu e Muquilão) era de 115,4 hectares, embora os dados do
relatório sejam bastante incompletos.
Já o relatório da Inspetoria de Terras, referente ao período de 1940 a 1945, apesar da
lei que autorizou a colonização ter previsto lotes entre 10 e 200 hectares e do próprio relatório
afirmar que as áreas eram “divididas em lotes rurais de 100 hectares em média”, afirma-se que
havia exceções, como explica o Engenheiro Chefe da Divisão de Colonização, Sady Silva:
Para atender os interessados em formação de fazendas de café e de criar, além
da divisão em lotes destinados a localização de colonos, o Departamento de
Geografia, Terras e Colonização, delimitou uma parte da colônia para ser
demarcada em glebas que serão divididas em lotes de áreas de 200 a 500
hectares e alguns de 2.000 hectares.
289
Para ser mais exato, até 1945, o relatório da Inspetoria informa que na Colônia
Mourão foram medidas, demarcadas e divididas sete glebas em lotes rurais com a média de 100
hectares, abrangendo a área total de 63.530 hectares com 827 lotes”.
290
Entretanto, além “dessas
glebas foi medida, demarcada e dividida a primeira parte da gleba 8, requerida por
agricultores e criadores, com a área de 13.000 hectares e dividida em 3 lotes de 2.000 hectares e
14 lotes de 500 hectares”.
291
E afirma ainda que estavam em andamento “os serviços de divisão
da Parte da Gleba n. 8 e os levantamentos do perímetro da gleba n. 4, que também seriam
divididas em lotes de 200 a 500 hectares.”
292
No relatório do DGTC, datado de 1954, que avaliava a atuação do DGTC no “noroeste”
do Paraná em face da limitação em 250 hectares da área máxima dos lotes no inicio no mandato
de Bento Munhoz, após descrever várias glebas da Colônia Mourão, afirma-se:
As outras glebas da Colônia Mourão, 1, 4, 6, 8, 10 e 12 todas com processo de
medição aprovados por sentenças, com exceção de dois processos da segunda a
terceira partes da gleba n. 1. Nessas glebas a divisão de lotes o obedece aos
mesmos critérios de lotes coloniais, sendo a grande maioria de lotes grandes,
288
TOMAZI, 1997, op. cit., p. 317 passim.
289
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Inspetoria de Terras. Relatório apresentado ao
Ilmo. Snr. Dr. Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização pelo Eng. Chefe da Divisão de
Colonização, Sady Silva. Ano 1940-1945. Curitiba,[s.d]. p. 4.
290
Ibid., p. 4.
291
Ibid., p. 5.
292
Ibid., p. 5.
128
alguns dos quais se aproximam de 500 hectares, onde foram localizadas áreas
concedidas em diversos períodos administrativos.
293
Em relação à Colônia Muquilão, a única informação dada é que “deram entrada no
DGTC, 20 processos de medição, abrangendo a área total de 171.310 hectares, dos quais sete
foram aprovados por sentença”.
294
Eram, portanto, áreas de 8.565,5 hectares em dia. Ademais,
havia medições em separadoque o faziam parte das colônias, derivadas de processos de
legitimação de terras pautadas em requerimentos, concessões e outros direitos supostos ou reais
de diversos períodos anteriores, que formavam grandes áreas como as terras de “Manoel Mendes
Camargo e sucessores” e a Fazenda Santa Maria, constantes na figura 6.
FIGURA 6 – COLONIAS DA REGIÃO ENTRE OS MEDIOS RIOS IVAÍ E PIQUIRÍ
FONTE: MAPA do Estado do Paraná, Curitiba: Fundação Instituto de Terras e Cartografia.
Divisão de Cartografia. 1974. Escala: 1:600.000. (detalhe do mapa)
293
DEPARTAMENTO de Geografia Terras e Colonização. Relatório apresentado pelo
Departamento de Geografia, Terras e Colonização do Estado do Paraná, referente aos trabalhos de
colonização. Curitiba, 1954.
294
Ibid., p. 42.
129
Mesmo as áreas informadas como dias, com 100 hectares, eram bem superiores aos
lotes familiares. É pautada neste fato que Lysia Bernardes, ainda em 1953, avaliando a
colonização feita pelo Estado afirma que a
[...] área dos lotes rurais nas glebas demarcadas não é uniforme, variando de
10 a 200 hectares em uma gleba, de 80 a 150 em outra, etc. Se considerarmos a
área média, esta é sempre superior a 50 hectares alcançando às vezes 100
hectares ou mais, o que nos leva a concluir serem pouco numerosos os lotes
pequenos. (grifo meu)
295
Um critério a partir do qual se pode pensar a estrutura fundiária, então constituída, são
os lotes efetivamente titulados pelo Governo do Estado. A tabela 1 apresenta a área total, o
número de lotes e a área média dos lotes, segundo as fichas, da atual Divisão de Terras. Em tais
fichas foram cadastradas as titulações efetuadas pelo Estado. Apesar da grande maioria dos lotes
terem sido titulados nas décadas de 1940, 1950 e 1960, em quase todas as glebas casos
pendentes que foram titulados nas décadas de 1970 e 1980. O título mais antigo é de 1930 e o
mais recente, de 1989 e a sentença de homologação da gleba que autorizava o início do
processo de loteamento da gleba - mais antiga é de 1942, como a Gleba 9 da Colônia Mourão, e
a mais nova, de 1961, como a Gleba 8, 2ª Parte da Colônia Goio-Bang.
TABELA 1
LOTES TITULA
DOS DAS CINCO MAIORES COLONIAS DA REGIÃO
DE CAMPO MOURÃO
COLÔNIA
ÁREA
(ha)
LOTES
ÁREA MEDIA
Mourão
171.001,67
1.606
106,48
Goio
-
Bang
105.095,29
1.626
64,63
Goio
-
Er
ê
333.487,08
2.829
117,88
Muquilão
216.998,53
2.563
84,67
Cantú
201.079,28
2.638
76,22
Total
1.027.661,85
11.262
91,25
FONTE: Arquivo do: PARANÁ. Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Recursos dricos.
Coordenadoria de Gestão Territorial. Divio de Terras.
O tamanho dos lotes são extremamente variados, indo de menos de 1 hectare até um
pouco mais de 2.000 hectares, mas raramente os lotes passavam de 500 hectares. A área média
dos lotes era superior ao tamanho de um imóvel familiar na época, apesar de serem na média
geral inferiores a 100 hectares, o que poderia ser legalmente considerado um lote colonial.
Todavia, a média dos lotes oculta a discrepância entre a extensão dos lotes e fica despercebido o
fato de uma mesma pessoa, família, ou empresa ter conseguido o título de vários lotes, contíguos
ou separados. Cabe dar alguns exemplos mais significativos, sem pretender serem exaustivos, no
tocante às 5 colônias que foram especificamente analisadas:
295
BERNARDES, 1953, op. cit., p. 19.
130
Na Colônia Goio-Erê, em 1951, a firma A. Madeireira Limitada titulou 20 lotes de
quase 500 hectares cada e que foram requeridos por diversas pessoas físicas, mas titulados todos
em nome da referida empresa. Há, ainda, 34 lotes de cerca de 450 hectares titulados em nome de
Comissária Import. e Export. União S/A no mesmo ano de 1951. A Colônia Goio-Erê, que
apresenta maior área dia dos lotes, é a colônia em que tais casos de compra de mais de um
lote por um mesmo proprietário foi mais flagrante, mas estas e outras práticas são também
encontradas nas outras Colônias aqui analisadas.
Na Colônia Mourão casos como o da Im. Campo Mourão que titulou três imóveis
que foram requeridos por pessoas sicas: um de 633,6 hectares requerido por Luiz Pereira da
Cruz em 1938, outro de 356,9 hectares, requerido por JoGalvão do nascimento em 1941 e
outro de 1.716,5 hectares, requerido por Ananias L. Pereira em 1940. casos ainda em que
uma mesma família titula rios lotes, um para cada membro da família, como Lauro, Maria e
José Glinski, que titularam respectivamente, em 1961, 26,7, 38,9, 14,3 hectares. Não sendo,
portanto, necessariamente grandes lotes que foram comprados por uma mesma empresa ou
família que contribuíam por tais processos de concentração da propriedade, como no caso em
tela. Mas as fichas registram ainda rios casos de grandes lotes, como um lote de 2.109 hectares
titulado para Elias Xavier do Rego.
Na Colônia Goio-Bang, Antonio Germano Wunche titulou 16 lotes; a Agropecuária São
João Ltda titulou 7 lotes de 12 a 48 hectares; e a família Brunetta titulou, em 1975, uma série de
lotes na Gleba 5: Cezar Brunetta titulou três lotes de 13,3, 15,0 e 25,6 hectares, Deomiro
Brunetta titulou um lote de 17,51 hectares e Alcides Brunetta titulou lotes de 24,5, 15,5 e 14,7
hectares.
Na Colônia Muquilão acontecimentos semelhantes com a família Salvadori. Em
1959, esta titulou uma série de lotes requeridos em 1959, da Gleba 2: Olívio Salvadori 70
hectares, Jacó Salvadori 8,24 hectares, Terezinha Salvadori 9,23 hectares, Adelaide Salvadori
46,47 hectares e outro lote de 47,65 hectares. Caso semelhante ocorreu com a família Ferrari, na
mesma Gleba 2 da Colônia Muquilão: Alfredo Ferrari requereu em 1959 e titulou em 1959 os
lotes 1, 26 hectares, 2, 24 hectares, no ano de 1963 titulou os lotes nº 3, 25 hectares e 5,
45 hectares, o lote nº 4 foi titulado em 1960 para Desolina Ferrari; Olga Rocha Ferreira
requereu em 1950 e titulou em 1960 8 lotes, sendo o menor de 24 e o maior de 81 hectares. Mas
havia grandes lotes, como um de 2.420 hectares, titulado para Herdeiros de Francisco de Paula
Eduardo, e o lote 76, da Gleba 14, com 1.487,2 hectares na qual a única informação que consta
na ficha é “área de donio particular”. Em geral, eram áreas com requerimentos ou alguma
outra forma de direito anterior ao processo de colonização dirigida, algumas destas áreas foram
131
mantidas fora das colônias, como se pode perceber na Figura 6, outras foram incorporadas nas
colônias e aparecem como “tratos isolados”, como em um lote de 1.118 hectares da Gleba 22, na
Colônia Muquilão.
Na Colônia Cantú um dado de um caso revelador, o da Gleba 9, Parte. Esta foi
dividida em 254 lotes, mas que foram titulados em nome de 139 pessoas, o que é indicador da
forma como a terra era concentrada não apenas ao ser dividida em grandes lotes, mas também ao
ser vendida para uma única família, pessoa ou empresa.
Tais Fichas de controle, do atual Divisão de Terras, apesar de serem um documento
oficial apresentam inúmeras inconsistências: registros sem a data do requerimento, da titulação,
do mero do lote, e até mesmo, do nome para quem foi titulado o lote. Constam nas fichas
inúmeros acréscimos entre as linhas e nas margens, além de dados alterados com corretivo. O
estado das fichas que serviram de fonte é um indício do fraco controle e dos desvios dos
processos oficiais que marcaram a colonização dirigida. Segundo os funcionários da Divisão de
Terras, há áreas no Paraná em que, ainda hoje, perduram pendências de regularização de
titulação de terras a serem efetuadas, mas este não é o caso da região de Campo Mourão.
Um outro critério, do que o de lotes titulados, possibilita uma visão melhor da estrutura
fundiária produzida pela colonização dirigida. Trata-se dos dados do IBGE referente aos
estabelecimentos
296
agrícolas do período final da colonização. Tais dados permitem afirmar que
falar em “democratização fundiária”, no Paraná, é ignorar a condição de vida da maioria da
população.
297
O Censo Agropecuário de 1950 apresenta uma estrutura fundiária do Município de
Campo Mourão (ver tabela 2). uma predomincia de estabelecimentos médios, tanto no que
tange a área como ao número de estabelecimentos. Como as informações do censo são por
declaração, provavelmente muitos posseiros informaram áreas maiores do que efetivamente
cultivavam, seja, porque em uma cultura de coivara havia a necessidade de se ter áreas não
cultivadas diretamente de florestas, seja porque desejavam “enricar” e tornar-se fazendeiros.
Ademais, havia rios casos de fazendeiros, morando na região ou por meio de prepostos
296
Um estabelecimento agropecrio é para o IBGE “todo terreno de área contínua, independente do
tamanho ou situação (urbana ou rural), formado de uma ou mais parcelas, subordinado a um único produtor, onde se
processasse uma exploração agropecuária” (IBGE. Censo agropecuário. Rio de Janeiro, 1960/1970). Portanto tal
critério não corresponde a propriedade da terra, muito menos, aos tulos emitidos pelo Estado. Que além de
poderem ter sido divididos posteriormente em cartório, cada estabelecimento pode ser formado por vários lotes, e
pelo contrário um lote, pode ser divido em vários estabelecimentos, por exemplo, entre arrendatários ou parceiros.
Infelizmente somente tal informação para a região para o ano de 1970, momento em que a fronteira agrícola
havia se esgotado no Paraná, apesar das inúmeras situações de conflitos e por regularizar que ainda estavam
pendentes, também, era um momento em que os efeitos da “Revolução Verde” começavam a sentir, mas a
concentração fundiária ainda não pode ser atribuída a mudança nas bases técnicas, apesar da base técnica já estar em
profunda mudança, como abordarei melhor no capítulo quatro.
132
como indiquei alguns exemplos no primeiro capítulo procuravam garantir a posse de fazendas
no sertão. O vertiginoso aumento da área e principalmente no número de estabelecimentos
ocorridos até o censo de 1970, em decorrência, principalmente, da colonização dirigida, reduziu
em termos relativos (ver anexo 1) a área de “matas naturais” nos estabelecimentos e
aparentemente reduziu a concentração da terra. Todavia, tal aparência é relativizada quando se
leva em conta a condição do possuidor da terra.
TABELA 2
-
CAMPO MOURAO
-
PR. ESTABELECIMENTOS POR GRUPOS DE AREA
TOTAL
1950*
1970*
*
ESTA
BELE
CIME
NTOS %
ÁREA
(HA) %
ESTAB
ELECI
MENT
OS %
ÁREA
(HA) %
ATE 5
21
1,28
776
0.03
12.578
31,41
45.895
4,49
5 A <10
82
4,98
6.650
0,28
11.585
28,93
86.024
8,41
10 < 20
84
5,11
11.176
0,51
8.028
20,05
111.705
10,93
20 <50
261
15,87
99.983
4,35
4.863
12,15
148.525
14,53
50 <100
675
41,03
558.809
25,61
1.528
3,82
108.082
10,57
100 <500
482
29,30
994.501
41,15
1.248
3,12
256.641
25,10
500 <2000
35
2,13
330.243
13,17
177
0,44
147.595
14,44
2.000 <10.000
4
0.24
220.899
9,10
23
0,06
97.990
9,59
10.000 <100.000
1
0,06
113.324
5,80
1
0,00
19.844
1,94
SEM
DECLARAÇAO
-
9
0,02
-
TOTAL
1.645
100
2.229.661
100
40.040
100,00
1.022.301
100
FONTE: IBGE. Censo Agropecuário, 1950, 1970.
*Município de Campo Mourão. ** Microrrgião de Campo Mourão.
O Censo Agropecuário de 1970 traz, pela primeira vez, a condição do produtor, por
município e microrregiões (ver tabela 3).
297
Já utilizei este argumento e informações In: CARVALHO, E. B. de, 2004, op. cit.
133
TABELA 3
PARANÁ: CONDIÇÃO DO PRODUTOR, SEGUNDO A PROPRIEDADE DAS
TERRAS E GRUPOS DE ÁREA TOTAL, 1970
MICRORREGIÕ
ES
PROPRIETÁRIO(1)
ARRENDATÁRIO
(2)
PARCEI
-
ROS(3)
OCUPAN
-
TES(4)
%
(2+3+4)
Campo Mourão
21.831
12.668
16.001
4.482
60.3
N. Novíssimo de
Paranav
12.031
2.838
7.907
1.903
51.3
N.Novíssimo de
Umuarama
29.208
9.080
23.457
4.774
56.1
Norte Novo de
Londrina
15.608
2.401
10.277
1.181
47.0
Norte Novo de
Maringá
8.243
529
12.071
345
61.1
Norte Novo de
Apucarana
19.394
2.763
20.995
2.224
57.3
Algodoeira da Assai
4.594
2.224
1.693
674
50.0
Norte Velho de V.
Braz
9.772
4.914
3.805
2.275
52.9
Norte Velho de
Jacarezinho
10.135
3.013
7.879
1.122
54,2
Curitiba
12.618
2.272
273
1.658
25,0
Litoral Paranaense
1.312
45
20
780
39,2
Alto Ribeira
2.434
575
38
610
33,4
Alto Rio Negro
Paranaense
3.616
993
114
510
30,9
Campos da Lapa
5.123
932
278
683
27,0
Campos de P
onta
Grossa
5.963
710
44
795
20,6
Campos de
Jaguariaiva
2.017
1.330
100
270
45,7
São Mateus do Sul
4.823
937
73
359
22,1
Colonial de Irati
16.591
2.556
670
1.932
23,7
Alto Ivaí
7.896
2.366
275
1.478
34,3
Pitanga
9.016
1.142
1.268
2.118
33,4
Extremo O
este
Paranaense
48.748
10.171
11.823
11.828
41,0
Sudoeste
Paranaense
41.374
1.961
3.409
3.707
18,0
Campos de
Guarapuava
11.769
1.702
151
2.893
28,7
Médio Iguaçu
8.646
619
316
1.447
21,6
Total PARA
312.762
68.741
122.937
50.048
43,6
F
ONTE
: IBGE, Cens
o Agropecuário 1970.
Na microrregião de Campo Mourão a soma dos arrendatários, parceiros e ocupantes,
que podem ser considerados “não-proprietários” (nem sempre realmente estes eram o
proprietários, poderia ocorrer de se ter um estabelecimento próprio e arrendar um outro, distante
do seu imóvel, por exemplo), era 60,3% do total dos estabelecimentos. O que era algo recorrente
134
em praticamente todo o Paraná. No Norte do Paraná salvo as microrregiões do Norte Novo de
Londrina e Algodoeira de Assaí, com 47% e 50%, em todas as demais microrregiões, os “não-
proprietários” eram maioria.
298
É esclarecedor verificar ainda que o “pessoal ocupado” nos estabelecimentos, ainda
segundo o Censo Agropecuário de 1970, sob a categoria de empregados em trabalho permanente,
empregados em trabalhos temporários, parceiros e outras condições, totalizam 13% na
microrregião de Campo Mourão e 20,1% do total do pessoal ocupado nas microrregiões que,
então, compunham o Norte do Paraná. Estes trabalhadores não eram necessariamente não-
proprietários, pois era comum pequenos proprietários ou seus filhos se empregarem em
estabelecimentos maiores para complementar a sua renda familiar.
Mesmo com as ressalvas feitas, o que quero chamar a atenção é que, em Campo
Mourão, a maioria da população rural estava excluída da propriedade da terra, pois 60,3% dos
estabelecimentos não pertenciam às pessoas que produziam nele, e mesmo assim, 13% do
pessoal ocupado eram de “não responsáveis” pelo imóvel, ou membros da sua família não
remunerados.
299
2.4 A IRRACIONALIDADE AMBIENTAL DA COLONIZAÇÃO RACIONAL
Uma característica central da estratégia da colonização racional é que era uma prática
de “manipulação dos indivíduos tratados como coisas, em proveito dos princípios de ordem, de
economia, de eficácia”.
300
Todavia, os homens e mulheres pobres do campo que deveriam ser
transformados em disciplinados produtores de alimentos para a “nação” industrial nascente, não
obedeceram os planos traçados nos gabinetes, partiram de seus próprios valores, práticas e
representações, e confrontaram a ação do Estado que os tentava enquadrar.
298
As microrregiões de Campo Mourão e do Norte Velho de Venceslau Braz foram incluídas no “norte
do Paraná”. O Censo Agropecuário de 1970 não incluiu tais regiões no “norte”. O faço por priorizar a influência da
lavoura cafeeira como determinante do que, aqui, se chama “norte do Paraná.” Definir o que é o “Norte” é
complicado, pois houve e há uma tentativa das elites regionais de construírem uma identidade regional “norte
paranaense” em oposição ao “Paraná tradicional”/Curitiba. O próprio IBGE não utiliza mais uma classificação com
um “grande norte”. Quando Nadir A. Cancian se refere ao norte, ela usa os cririos do IBGE para defini-lo. Ver:
MENDES, Cesar Miranda. A delimitação regional do norte paranaense. Consciência, Palmas, n. 3 jan./jul. 1989. e
GONÇALVES, 1994, op. cit., p. 7-9.
299
Em 1970 o índice de GINI dos estabelecimentos rurais do Paraná era de 0,702 enquanto a do Brasil
era de 0,844, já a microrregião de Campo Mourão tem índice considerado como de “forte concentração, entre 0,501
e 0,700 (SERRA, 1991, op. cit., p. 186-188).
300
MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Tradução Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio
ria. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. p. 162.
135
A colonização racional também foi uma prática de manipulação do mundo natural
tratado como coisa, “em proveito dos princípios de ordem, de economia, de eficácia”
301
O
próprio mundo natural não é inerte, ele também é dotado de agência, apesar de não possuir um
discurso próprio.
302
E o mundo natural teima em exceder o compleat mappa mundipretendido
pela espírito moderno”,
303
posto de outra forma “o real excede sempre o racional.”
304
Vou me ater aqui a apenas um exemplo desta questão para o caso aqui abordado, o da
eroo. Os processos erosivos, causados pela atividade humana, foram particularmente graves no
Noroeste paranaense, onde uma grande área com solos do tipo arenito Caiuá, que se mostrou
extremamente frágil. A rápida degradação do solo com a atividade agrícola, em especial com as
técnicas que então se adotavam, provocou a ruína de muitos produtores, sobretudo na década de
1960, favorecendo com isto a concentração de terras nas mãos dos grandes pecuaristas.
305
Na Mensagem para a Assembléia Legislativa do ano de 1964, Ney Braga aborda esta
questão nestes termos:
Na região noroeste do Paracompreendida entre os rios Paraná e Piquirí e
deste pouco adiante de Campo Mourão até o Paraná é constituído de arenito de
proveniência eólica. O arenito superficial conhecido como ‘arenito Caiuá’ é
muito sensível a ação erosiva.
As florestas cederam lugar a cultura do café e as cidades ‘apareceram em
grande número.” [O] homem, ansioso por conseguir o máximo proveito da
terra o cuidou da preservação da flora, como devia.
As cidades em grande parte, o foram racionalmente planejadas, e na sua
maioria, encontram-se em terrenos ondulados. Aliada à essa condição
topográfica, o crescimento das cidades, em alguns casos, com altas taxas de
urbanização, trouxe a diminuição das áreas de infiltração das águas e elevou o
processo de erosão a índices de verdadeira catástrofe. [...] Em 1963 foi
elaborado projetos para resolver o problema da erosão urbana em: Goio-Erê,
[...] Foram atendida ainda Jussara, Peabiru, Ubiratã, etc.
306
Agora o governador criticava o desflorestamento tão completo por não ter sido eficaz.
Da mesma forma criticava o planejamento urbano por não ter sido eficaz. E quando algo é
ineficaz em um projeto racionalizador o problema para o modernizador é sempre o mesmo, é
301
Ibid., p. 162.
302
ARNOLD, David. La naturaleza como problema histórico: El medio, la cultura y la expansión de
Europa. Mexico: Fondo de Cultura Econômica, 2000.
303
BAUMAN, 1999, op. cit.
304
Como lembra: MORIN, 1999, op. cit., p. 169.
305
MAACK, Reinhard. Geografia física do Estado do Paraná. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio,
Curitiba: Secretaria da Cultura e do Esporte do governo do Estado do Paraná, 1981; GOETZKE, Siumar. Estudos
fitossociológico de uma sucessão secundária no norte do Paraná: Proposta para recuperação de áreas degradadas.
1990. Tese (Mestrado em Botânica) Universidade Federal do Paraná – UFPR, Curitiba.
306
PARANÁ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura
da sessão da legislatura pelo Sr. Ney Arminthas de Barros Braga governador do Estado. Curitiba, 1964.
p. 63-64.
136
falta de racionalização”, dessa forma é sempre necessário mais conhecimento, mais técnica, ou
melhor mais tecno-ciência, e, portanto, mais controle sobre o mundo, para solucionar os
problemas que aparecem. Nunca se pensa que o problema era a arrogância do “espírito moderno”
que pretendia estabelecer um compleat mappa mundino qual nada saia do controle, ou seja,
nunca se admite a continncia como parte da condição humana.
307
Nesse capítulo abordei escritos de engenheiros, burocratas e políticos. Eles defendiam e
foram responsáveis por colocar em prática uma dada estratégia de gestão das terras devolutas do
Estado do Paraná, a qual denominaram de colonização racional, que por sua vez estava
associada a um projeto de modernização nacional que então se implantou no âmbito das elites
brasileiras.
Tal projeto de modernização nacional pode ser pensado como a tentativa de implantar
no Brasil um modelo de regulamentação fordista.
308
A partir da Era Vargas, cabia ao Estado o
planejamento da economia, mas a nova forma de regulamentação, se estendia bem além da
esfera estritamente econômica. Durante o Estado Novo a estratégia adotada para o campo foi a
priorização da pequena propriedade familiar criada por meio da colonização dirigida. Neste
processo não se buscou apenas ampliar a capacidade dos homens e mulheres do campo de
consumir e produzir, mas buscou-se interferir em todos os aspectos de sua vida, transformando-
os em disciplinados trabalhadores, em “homens novos”. Estes são os elementos com os quais
interpreto os projetos de uma colonização racional para a região de Campo Mourão. E que
poderia ser encontrado em outros projetos modernizadores alhures, em outros projetos de
engenharia social:
[...] de fato era moda nos anos 50 louvar as virtudes do estilo internacional,
alardear suas capacidades de criação de uma nova espécie de ser humano, -
lo como o braço expressivo de um aparelho estatal burocrático intervencionista
considerado, ao lado do capital corporativo, o guardião de todos os avanços do
bem-estar humano (grifo meu).
309
Todavia, o fordismo no Brasil era um fordismo periférico, estruturalmente limitado na
produção de bem estar social. Dessa forma, a “hierárquica sociedade brasileiracontinua a se
reproduzir na fronteira agrícola, de forma e, em parte, por meio da hierárquica cultura
brasileira
310
que continua a se reproduzir, mas agora em uma paisagem tida como “moderna”.
307
BAUMAN, 1999, op. cit., p. 169 passim.
308
Abordarei mais detalhadamente o conceito de projeto fordista-keynesiano periférico no terceiro
capítulo.
309
HARVEY, David. Condição s-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural.
Tradução Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. 11. ed., São Paulo: Loyola, 2002. p. 73.
310
DA MATTA, 1990, op. cit., p. 146-204.
137
A colonização racional, bem como o projeto de modernização da nação, estava
assentado em uma visão racionalizadora do mundo. Segundo Edgar Morin, a colonização
racional não seria racional, mas racionalizadora.
311
A colonização racional busca reduzir tudo a
eficácia e rendimento”, no caso, para produção para o mercado. Para Morin, o racional é
compreender a complexidade do real: “A racionalização, apesar de desmentidora, tem os
mesmos ingredientes que a razão. A única diferença é que a razão deve estar aberta e aceita, e
reconhece, no universo, a presença do não racionalizável, ou seja, o desconhecido ou o
mistério”.
312
Portanto, uma verdadeira postura racional se abre para o diálogo com o outro e com
o mundo, e rejeita as intervenções centralizadas e de cima para baixo.
Isto são preocupações do nosso tempo, na década de 1960, quando o projeto
modernizador pensado na Era Vargas, e inspirado na experiência de colonização que gerou um
campesinato próspero” no Rio Grande Sul, se desfazia no ar. Um novo projeto de
modernização no campo e dos seus homens e mulheres já estava em prática, a “revolução verde”,
tendo como seu Fausto não mais o engenheiro civil, mas o agrônomo que acionaria novas
práticas de manipulação dos seres humanos e do mundo natural tratados como coisas, em
proveito dos princípios de ordem, de economia, de eficácia”.
313
Em suma, neste capítulo procurei argumentar que:
1 A estratégia utilizada pelo DGTC para gerenciar o acesso à terra devoluta na rego
de Campo Mourão foi a colonização racional, a qual implicava em (1) um ordenamento sobre
princípios técnicos e (2) em um planejamento do Estado e de seus representantes, a tecnocracia,
e das terras, (3) fazendo-a voltar-se para produção agrícola para o mercado, (4) pelo loteamento,
em especial em médios e pequenos lotes, (5) gerando, neste processo, um disciplinado
trabalhador do campo.
2 – Tal estratégia era uma prática de manipulação do outro, de transformação de
homens e mulheres pobres do campo representados como atrasados, mas capazes”; em
trabalhadores disciplinados e produtivos, em um “homem novo”.
3 Busquei demonstrar que os lavradores pobres o ficavam passivos no processo de
gestão das terras devolutas, mas tiveram uma ação ativa em seu parcelamento e na efetivação das
políticas blicas. Todavia, tal ação da sociedade civil, como a ação estatal, não gerou uma
estrutura fundiária realmente democrática.
311
MORIN, 1999, op. cit., p. 155.
312
Ibid., p. 112.
313
Sobre os pressupostos ideológicos “modernização desigual” do campo ver: ALMEIDA, Jalcione. Da
ideologia do progresso à idéia de desenvolvimento (rural) sustentável. In: ALMEIDA, Jalcione; NAVARRO,
Zander. (Orgs.). Reconstruindo a agricultura: idéias e ideais na perspectiva de um desenvolvimento rural
sustentável. 2. ed. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1998. p. 33-55.
138
4 Para colocar a estratégia de colonização racional, em termos de Zygmunt Bauman,
se trataria de uma ação típica de um Estado Jardineiro ao tentar, por meio da colonização
racional, eliminar os mecanismos de auto-reprodução sócio-ambientais das populações e a
substituir por um controle central. Ou colocando a questão de outra forma, seguindo Morin, se
afirmaria que a colonização racional é uma forma de racionalização, ou seja, os proponentes da
colonização racional compartilham a busca de uma visão do mundo coerente e totalizante a
partir de um principio único. Para tal operação de simplificação é necessário ignorar a
contingência da condição humana e pensar que tudo que escape ao controle, seja a erosão ou os
intrusos, é um “erro a ser suprimido com um aumento na ampliação da tecno-ciência, do
controle. E que os efeitos-perversos do projeto foram erros a serem consertados em um,
permanente, novo projeto modernizador, racionalizador.
CAPÍTULO 3 O JARDINEIRO INFIEL: O DGTC, O INP E O REFLORESTAMENTO
RACIONAL
"A paisagem era civilizada, mas os homens não."
Érico Veríssimo
“Carecia-se, pois, de um Estado que considerasse
todos os planos da vida humana, ordenando-os,
dirigindo-os, segundo leis próprias para fins
determinados. desta maneira poderia o Estado
constituir-se no que deve ser: uma técnica de
construção do povo. Paulo Augusto de
Figueiredo. O Estado nacional e a valorização do
homem Brasileiro, Cultura Política, n. 28, julho
1943, p. 42.
3.1 O REFLORESTAMENTO: ÁRVORES PARA UM BRASIL MODERNO
No ano de 1953 ocorreu na cidade de Curitiba o I Congresso Florestal Brasileiro.
Reuniram-se poticos, como o governador do Estado, cientistas e técnicos na área florestal e
empresários do comércio e indústria madeireira para debater o futuro das florestas brasileiras. O
Congresso foi promovido pelo Instituto Nacional do Pinho INP, sendo que o seu presidente,
Pedro Sales dos Santos, proferiu um discurso na sessão solene de instalação do Congresso no
qual afirmava:
Não vimos a esta sala praticar um grosseiro surto pagão à árvore protetora, nem
entoar loas líricas à floresta generosa, matriz de tantos e o inapreciáveis bens.
Acima da árvore e acima da floresta, rendemos um culto à Pátria. E isso, porque
entendemos que a pátria terá de sobreviver. Até hoje, no curso dos tempos,
nenhumatria sobreviveu sem a floresta. [...]
Senhores, E [sic.] para que amanhã, e sempre, o Cruzeiro do Sul se refletisse
sobre o manto verde da floresta brasileira que aqui estamos reunidos. [...]
Fomos todos conclamados por impulso altruísta não de um para os presentes,
numa reciprocidade atual, mas para com aqueles que, em dias futuros, estarão
em nossos lugares.
1
O Estado-Nacional constituía uma comunidade imaginada a partir do qual se podia
reivindicar a conservação da floresta. Em nome da Pátria” se deveria superar os interesses
individuais e atuais em uma ação “altruísta”. Ou seja, para garantir a sobrevivência da “pátria” se
superaria os interesses individuais e geracionais.
1
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1953. Curitiba, 1954. p.
116-117.
140
Pedro Sales dos Santos critica as gerações anteriores por terem se orientado por uma
perspectiva da inesgotabilidade da natureza, mas que, supostamente, tal percepção teria sido
alterada pela sua geração, ou pelo menos por aqueles ilustres homens ali reunidos:
Ao raiar da alvorada da descoberta, quando se desvendou ao Mundo o
prodigioso cenário do Brasil, toda a imensa vastidão desta Terra pareceu, aos
olhos deslumbrados dos homens, como inesgotáveis reservas de dons
providencialmente escondidos à cobiça dos povos, desde os Sete Dias
ciclópicos do Gênesis.
Quadricentenariamente desfalcadas as nossas florestas, atras de uma
exploração indiscriminada e intensa, somente nos últimos tempos, abrimos os
olhos para a extensão desse mal.
2
Partindo de tal percepção do problema, ou melhor, de tal construção do passado, o
presidente do INP apontava que era necessário efetuar uma racionalização do setor madeireiro, e
tal idéia foi amplamente compartilhada neste período. A principal preocupação era de fazer da
floresta uma fonte perene de riqueza”.
3
O diretor afirma que dois eventos foram fundamentais
para uma política florestal, racionalizadora. O primeiro foi a promulgação do Código Florestal
em 1934, o segundo evento foi a constituição do:
Instituto Nacional do Pinho, também devida ao patriotismo e a sabedoria do
preclaro Presidente Getulio Vargas. O Instituto Nacional do Pinho entrou em
propugnar pela preservação a reconstituição das reservas florestais do país.
Limitando a produção madeireira, de acordo com as necessidades de consumo e
da exportação, tendo em vista a capacidade dos transportes, logrou a Autarquia
poupar da derrubada inútil um considerável número de árvores, cujo valor se
expressa, hoje, em índices fiduciário, num terço do emio [sic] circulante
nacional. Reduziu o Instituto Nacional do Pinho, de pronto, a metade, o
desfalque anual, que se verificava em nossas florestas.
4
Dessa forma, o INP postulava “uma política susceptível de condicionar a exploração
racional das madeiras comercializáveis a [sic] preservação do nosso patrimônio florestal. O lema
do Instituto é o fazer com que, por maior que seja a retirada anual do material lenhoso, [...] não
venha afinal importar em desfalque para as nossas reservas.”
5
A forma de manter os estoques era o reflorestamento. Dessa forma, a estratégia
fundamental para uma “exploração racional”, ou melhor, para uma racionalização do setor
florestal era o reflorestamento racional. Evidente que havia outros aspectos na potica florestal,
como uma preocupação em buscar novas tecnologias de produção, mas o ponto central para se
manter a exploração racional”, segundo os relatórios do INP, era o reflorestamento. Para isso,
até aquela época, o INP já havia instalado “nos Estados do Sul, oito parques florestais de extensa
2
Ibid., p. 117-120.
3
Ibid., p. 118.
4
Ibid., p. 121.
5
Ibid., p. 118.
141
área, ondeeram “levados a cabo serviços de reflorestamento do pinheiro e das essências de
valor econômico, mediante o emprego de 40% da arrecadação de suas taxas.
6
O INP, ao promover o I Congresso Florestal Brasileiro, estava imbuído do “intuito de
revelar perante uma escolhida assembléia de autoridades e de técnicos, o seu prosito de
contribuir para o reflorestamento das espécies economicamente exploveis do país”.
7
O
presidente do INP exortava a “reposição racional do material lenhoso”:
Manter as possibilidades dos mássicos florestais, numa industrialização
continuada, representa, pois, um dever de quantos se dão a atividade extrativa
das madeiras. E esse objetivo só poderá ser alcançado, através da reposição
racional do material lenhoso, extraído cada ano.
8
Ecologicamente a estratégia do reflorestamento para “manter os estoques” implicava na
substituição de um ambiente complexo pois uma floresta longe de um conjunto de “material
lenhoso” é uma teia de relações bio-geo-sica por uma “floresta plantada”, que como
silvicultura é um campo homogêneo e controlado, um “deserto verde”. Tal proposta vai ao
encontro da visão de mundo racionalizadora moderna”. Visão, por exemplo, expressa também
pelo principal representante do conservacionismo estadunidense, do final do século XIX, o
engenheiro florestal, treinado na Alemanha, Gifford Pinchot que afirmava que a natureza era,
freqüentemente, lenta e os processos de manejo humano poderia torná-la “eficiente”.
9
Da mesma
forma não é fortuito a semelhança entre tecnoburocratas do INP e do DGTC e os planejadores
urbanos modernistas, como Le Corbusier, que se declaram inimigos da diversidade, temendo o
caos e a complexidade por considerá-los desorganizados, feios e irremediavelmente
irracionais.
10
A cidade não poderia ser deixada crescer, deveria ser planejada a partir do centro e nada
poderia sair de tal controle, o que geraria o bem estar para todos. A colonização dirigida de
vastas regiões do interior do Paraná compartilhava tal proposta modernizadora. O caráter
planificado de todas as operações, desde a publicidade sistemática até a rigorosa delimitação
das formas de assentamento nas áreas agrícolas e urbanas”, foi um dos aspectos que mais
impressionou os pesquisadores, em especial dos pesquisadores geográficos e dos planejadores
6
Ibid., p. 121.
7
Ibid., p. 117.
8
Ibid., p. 120.
9
DIEGUES, Antonio Carlos Sant’Ana. O mito moderno da natureza intocada. 2 ed. São Paulo:
HUCITET, 1998. p. 29; McCORMICH, John. Rumo ao paraíso: a história do movimento ambientalista. Rio de
Janeiro: Relume-Dumará, 1992.
10
HARVEY, David. Condição s-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural.
Tradução Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. 11. ed., São Paulo: Loyola, 2002. p. 75.
142
espaciais” do Paraná moderno.
11
Tal deslumbre vai ao encontro de uma memória produzida,
principalmente, por empresas colonizadoras, que silencia a respeito da violência, da dissonância,
e das contradições do processo de colonização dirigida.
12
Uma outra semelhança entre os modernistas urbanos e os planejadores de uma
colonização dirigida é que ambos se desenvolveram, principalmente, sob a égide de um projeto
Fordista-Keynesiano. Projeto que corresponderia, no Brasil, a um Fordismo-Periférico, no qual,
em nome e pelo Estado-Nacional, se buscaria produzir uma paisagem (populão e natureza)
moderna.
Os elaboradores da estratégia de apropriação dos recursos florestais durante o processo
de colonização dirigida de Campo Mourão compartilham a visão de mundo racionalizadora da
modernidade, em um momento de formação de uma sociedade fordista-keynesiano periférica e a
tendem a silenciar sobre os conflitos sociais que estavam na base da ação do Estado em relação
aos recursos florestais. O objetivo neste capítulo é justamente inserir tal estratégia em um
contexto de conflitos sócio-ambientais, a partir das diferentes representações produzidas durante
o processo de colonização da região de Campo Mourão, apontando algumas das limitações e
contradições de tal estratégia.
3.2 PROJETO FORDISTA-KEYNESIANO PERIFÉRICO
Já postulei genericamente que conforme Bauman: a “sociedade racionalmente planejada
era a causa finalis declarada do Estado moderno. O Estado moderno era um Estado jardineiro.”
13
Todavia, é necessário especificar mais as características da ação do Estado em tela para entender
a atuação do INP e a tentativa de produzir um “homem novo”.
No período entre as duas Guerras Mundiais houve um rompimento com o liberalismo
econômico na economia mundo, por meio de uma série de políticas de intervenção estatal que
tentavam orientar a economia, em parte inspiradas no crescimento econômico planejado da
Rússia comunista e como reação da crise econômica do sistema-mundo capitalista no s-1929.
Poticas de intervenção que dariam origem e passariam, posteriormente, a ser orientada pela
teoria econômica keynesiana. Dessa forma, o INP, junto com outros institutos como o do Mate,
11
GONÇALVES, José Henrique Rollo. Quando a imagem publicitária vira evidência factual; versões e
reversões do norte (novo) do Paraná 1930/1970. In: DIVAS, Reginaldo B.; GONÇALVES, JoHenrique Rollo.
(Orgs.). Maringá e o Norte do Paraná: estudos de história regional. Maringá: EDUEM, 1999. p. 87-121. p. 112.
12
GONÇALVES, 1999. op. cit., p. 112. TOMAZI, Nelson Dacio. “Norte do Paraná”: História e
Fantasmagorias. 1997. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do Paraná, UFPR. Curitiba.
13
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 29.
143
do Açúcar e do Álcool e o Departamento Nacional do Café,
14
bem como das poticas de
substituição de importações, eram fruto de novas práticas, de tentativas, de planejamento e
regulação da economia pelo Estado.
Para Alfredo Bosi foi no Rio Grande do Sul, depois da Constituição Estadual de 1891,
que seria implantada a primeira experiência de um proto-Estado Provincia no Brasil. Ou seja,
a experiência da formação de um vasto e organizado aparelho público que ao mesmo tempo
estimula a produção e corrige as desigualdades do mercado.
15
Isso porque ocorreram, naquele
período, poticas voltadas para: 1 - a taxação da terra, com uma forte crítica à estrutura fundiária
e propondo retalhar o campo em pequenas glebas com cultura intensiva, inspirado nas zonas
coloniais gaúchas; 2 - isenção à manufatura; 3 - socialização dos serviços públicos, que,
afinal, eram os interesses agro-exportadores dos cafeicultores que postulavam fortemente um
certo liberalismo, e a economia sul-rio-grandense estava fortemente ligada à parte da fração o-
hegemônica da República Velha, e 4 - a incorporação do proletariado à sociedade moderna,
mesmo que fosse uma incorporação autoritária que ao garantir direitos como trabalhadores
negasse os direitos como cidadãos. Para Bosi, foi a ideologia positivista que informou o processo
de formação de um Estado-Provincia no Brasil, a começar pela pioneira experiência sul-rio-
grandense. Nesse ponto ele segue a hipótese que os processos de modernização não são
decorrências automáticas da “revolução industrial”, mas em cada país eles devem ser justificados
e produzidos culturalmente. Dessa forma, para o citado autor, tal modelo de centralização estatal,
plasmado no Rio Grande do Sul, na República Velha, e defendido por políticos como Getúlio
Vargas e Lindolfo Collor, foi o modelo/germe “vivo no Brasil de 1930 a 1964, e sobrevivente
entre 64 e nossos dias,” sendo que “já é um ilustre centenário.”
16
Todavia, para além de uma ruptura com o liberalismo, o que estava em tela era o
fordismo, ou pelo menos me parece um modelo conceitual adequado para entender tal período. E
aqui cabe seguir as pistas dadas por Antonio Gramsci. Dessa forma, o fordismo não é tomado
apenas como um sistema de produção de massa no qual através de uma linha de produção se
reduz o trabalho básico da fábrica a funções repetitivas e passa-se a produzir em maior
quantidade com menor custo, ao mesmo tempo em que cria demanda para a produção em massa,
produzindo o consumo em massa. Pois, como desejava Ford, todo operário seu deveria ser capaz
de comprar um carro. O fordismo é mais que isto, pois se espraia da fábrica e procura
14
“As antigas elites agrárias viam-se, assim, constrangidas a aceitar, em troca de financiamento e apoio
técnico, a virtual perda do controle das políticas voltadas para sua produção e, inclusive, a cobrança de taxas por
parte do Estado.” LINHARES, Maria Yedda; SILVA, Francisco Carlos Teixeira. Terra prometida? Uma história
da questão agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1999. p. 129.
15
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. 4. ed. São Paulo: Companhia da Letras, 1992. p. 274.
16
Ibid., p. 306.
144
reorganizar todo o ambiente. “Assim, a vida familiar, a diversão, a economia doméstica, as
percepções de mundo, todo o cotidiano do trabalhador são englobados no novo projeto de
normatização do trabalho.”
17
O fordismo, dessa forma, é um “modo de vida total
18
que busca
produzir um “homem novo”.
E no fordismo-keynesiano elementos para entender porque as estratégias de gestão
de terras e florestas, implantadas no Governo Vargas, em especial durante um regime autoritário,
o Estado Novo, tem uma continuidade na fase democrática s-1945, apesar de terem ocorrido
descontinuidades. Não é no suposto “fascismo do Governo Vargas que melhor se pode
caracterizar este momento da história brasileira, mas na produção de uma sociedade de consumo
de massa. Como argumenta Linhares e Silva:
Coube ao presidente Franklin Roosevelt, 1933-1945, dos Estados Unidos, sem
dúvida país fora da possibilidade de se apontar como antigo, corporativista ou
fascista, inaugurar, no âmbito das grandes nações capitalistas, uma política de
forte intervenção estatal – o New Deal. A chave de compreeno da nova
política estaria no estabelecimento de um tri de garantia para uma nova
arrancada da economia americana face à crise econômica: a associação entre
grande Capital, grande Estado e grande Trabalho – este entendido como as
garantias dadas aos operários, mediante o reconhecimento dos sindicatos como
interlocutores do Estado, quanto ao valor do salário, à criação de vários
mecanismos de proteção social e à disponibilidade e distribuição de recursos do
Estado. Criava-se, eno, uma série de órgãos onde trabalhadores e patrões
sentavam-se lado a lado, intermediados pelos representantes do Estado. Tratava-
se da associação clara de políticas keynesianas com práticas fordistas, da
produção de massa, garantindo-se, assim, a transformação do mundo do
trabalho em sustentação, atras do consumo de massa, de uma expansão
contínua da economia capitalista. Estão aí as origens do que viria a ser
denominado de sociedade ou Estado do Bem-Estar Social, The Welfare State.
19
Mas o Brasil estava e está na periferia do sistema-mundo. O país não possuía as
condições que existiam nos Estados Unidos, os operários não possuíam os mesmos recursos de
poder capaz de voltar os empresários para o mercado interno. Num momento de aguda
depressão do mercado externo, sem uma poupança privada capaz de impulsionar o processo de
investimentos quando o havia oferta externa de capitais –, Vargas utilizava-se do único
mecanismo disponível: o Estado.” Nesse contexto, o Estado surge como “demiurgo, criador das
condições mais justas de desenvolvimento, incluindo-se a decidida intervenção na questão
agrária, no inteiro do capitalismo; o tripé que Roosevelt organizou, Vargas deveria criar.”
20
Evidentemente, a incapacidade do Estado de dar conta de todas estas demandas é previsível. A
o extensão dos direitos trabalhistas para os trabalhadores rurais, o que é feito legalmente
17
LINHARES, Maria Yedda; SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Terra Prometida: uma história da
questão agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1999. p. 107.
18
HARVEY, op. cit., p. 131.
19
LINHARES; SILVA, op. cit., p. 133.
145
com o Estatuto do Trabalhador Rural, 1963, é um bom exemplo, pois, afinal, o Estado o
poderia enfrentar os interesses dos latifundiários. “Entretanto, o próprio avanço e a dinâmica da
ação estatal, em especial as exigências da nova regulação econômica, abriam novas áreas de
atrito e resistência por parte dos setores tradicionais, obrigando o Estado, assim, a superar tais
resistências e ampliando sua ação para além de seus objetivos iniciais.”
21
É dentro de tal “projeto
fordista-keynesiano periférico”
22
que procuro entender as estratégias de gestão de terras e
florestas.
Carlos J. C. Bacha, ao abordar a dimica de desmatamento e reflorestamento no Brasil,
durante o século XX, conclui que as poticas federais “de controle do desmatamento foram
elaboradas em uma posição secundária na orientação macroeconômica do Governo
(principalmente em relação ao objetivo de crescimento econômico).
23
A estratégia utilizada
pelo Estado brasileiro teria sido semelhante a de outros países, pautada na criação de unidades de
conservação, na restrição à eliminação da cobertura florestal e na regulação do setor madeireiro.
Segundo o citado autor, o Brasil seguiu a “mesma estratégia adotada por outros países para
controlar o desmatamento. Foi estabelecida uma política de regulamentação do desmatamento,
criando normas para discipliná-lo e instituindo unidades de conservação.
24
Para ele, tal
estratégia iniciada com o digo Florestal de 1934 permaneceu vigente até 1989, quando inicia-
se uma nova fase.
25
A ineficiência do controle do desmatamento foi explicada por ele nos
seguintes termos:
Em nossa exposição da evolução da política federal de controle do
desmatamento demonstramos que parte significativa das medidas adotadas
originaram-se de pressões internas e externas ao País e sempre tiveram uma
posição secundária na orientação macroeconômica do governo (principalmente
em relação ao objetivo de crescimento econômico). Isto explica a insuficiência
20
Ibid., p. 134.
21
Ibid., p. 135.
22
Ibid., p. 135.
23
BACHA, Carlos José Caetano. A dinâmica do desmatamento e do reflorestamento no Brasil.
1993. Tese (Livre-Docência) – ESALQ. Universidade de São Paulo. p. 183
24
Ibid., p. 185.
25
“A partir de 1989, iniciamos uma fase de se impor o reflorestamento de determinadas áreas que não
deveriam ser desmatadas. A Lei n. 7.754 (de 14/04/89) determinou que nas nascentes dos rios seja definido uma
área em forma de paralelograma, onde não se pode realizar o desmatamento (pois é um dos tipos de área de
preservação permanente definidas no Código Florestal) e que se encontrando desmatada deveria ser
reflorestada com espécies nativas da região.” (BACHA, 1993, op. cit., p. 185) Sendo que a legislação, que até então,
era fortemente pautada em mecanismos de “comando e controle” passa por modificações, passando a ser introduzido
outras formas de incentivo a preservação das florestas (BACHA, 1998. p. 155-182). Em torno da década de 1980 foi
o momento em que a legislação florestal se “ambientalizou”, tornando-se mais rigorosa e mais voltada para a
“preservação da natureza”, e menos voltada para a racionzalização da produção. DEAN, Warren. A ferro e fogo: A
história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 303-305, 372;
BOHN, Noemia. A legislação ambiental e sua implementação frente a degradação da cobertura florestal no
vale do Itajaí. 1990. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas – Especialidade Direito) – Universidade Federal
de Santa Catarina, Florianópolis. p. 148 et. seq. MAGALHÃES, Juraci Perez. A evolução do direito ambiental no
Brasil. 2. ed. ver. atual. e aumentada. São Paulo: J. de Oliveira, 2002. p. 64.
146
de empenho dos administradores públicos para implementarem, efetivamente, a
política de controle do desmatamento.
26
Vários autores apontam o papel secundário das políticas de controle de
desflorestamento e de reflorestamento em relação ao objetivo principal de crescimento
econômico.
27
Todavia, neste trabalho o escopo não é avaliar a eficácia das poticas florestais
brasileiras, mas pensar os seus pressupostos. Ou seja, pensar os valores, as representações e
projetos nas quais estavam inseridos.
A noção de um “projeto fordista-keynesiano periféricoajuda a entender o “relativo
desinteresse” do Estado em preservar. Isso porque pressupõe a prioridade dada à industrialização
e, ao mesmo tempo, os limites estruturais para uma ação mais ampla do Estado. Mas também tal
projeto deve chamar a atenção para um conjunto maior de intervenções estatais na vida
cotidiana, buscando regular e construir uma sociedade/paisagem diferente.
Ademais, neste trabalho, também não procuro tratar de buscar as pressões externas e
internas do movimento ambientalista nacional ou internacional, por exemplo mas perceber a
inserção da estratégia de reflorestamento racional a partir dos próprios projetos modernizadores.
E o projeto de construção de uma sociedade industrial de consumo de massa não era
simplesmente um projeto de construção de indústrias, mas também um projeto de construção de
um povo, de um “homem novo”.
3.3 “AQUI É O PARAISO, MAS ÊTA POVINHO”
Novamente devo lembrar Keith Thomas ao afirmar que “é impossível desemaranhar o
que as pessoas pensavam no passado sobre as plantas e os animais daquilo que elas pensavam
sobre si mesmas.”
28
Um elemento de longa duração no imaginário dos brasileiros, que aliás
antecede a própria nação e identidade brasileira, é o motivo edênico. Sergio Buarque de Holanda
abordou os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil, procurando mostrar
como os “descobridores, povoadores, aventureiros, o que, muitas vezes, vêm buscar, e, o raro,
acabam encontrando, nas ilhas e terra firme do Mar Oceano, é uma espécie de cerio ideal, feito
de suas experiências, mitologias ou nostalgias ancestrais.
29
E tal visão contribui, segundo o
autor, para a exploração predatória da América Portuguesa, como adverte o autor no final da
citada obra:
26
BACHA, 1993, op. cit., p. 186.
27
DEAN, op. cit., p. 306.
28
THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos
animais, 1500-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 19.
147
Teremos também os nossos eldorados. Os das minas, certamente, mas ainda o
do açúcar, o do tabaco, de tantos outros gêneros agrícolas, que se tiram da terra
fértil, enquanto fértil, como o ouro se extrai até esgotar-se, do cascalho, sem
retribuição de benefícios. A procissão dos milagres de continuar assim
através de todo o período colonial, e não a interromperá a Independência,
sequer, ou a República.
30
Sérgio Buarque de Holanda, já em Raízes do Brasil, identificava a “mentalidade”
brasileira produzida na colônia através do tipo ideal: “aventureiro”, em oposição ao
trabalhador”, e como tal estava sempre pronto a se adaptar ao meio para “feitorizar uma
riqueza fácil e quase ao alcance da mão”.
31
Warren Dean aborda a relação dos brasileiros com a
floresta nos seguintes termos:
O ódio secular da vida selvagem, expresso pela maioria dos neo-europeus
brasileiros, conjugado à disposição geral de saquear o patrimônio nacional em
proveito privado, como se o país ainda fosse uma colônia e houvesse algum
outro El Dorado em outras índias para compensar quando nada de valor restasse
dessa morada temporária, talvez seja suficiente para explicar, em termos gerais,
por que a floresta está desaparecendo.
32
Todavia, José Augusto Drummond, ao avaliar a tese de Dean sobre o processo de
transformação de capital natural em capital social”, afirma que:
Sem negar que houve desperdícios incríveis no aproveitamento dos recursos da
Mata Atlântica e que desigualdades sociais escandalosas na sociedade
brasileira contemporânea, sinto que Dean foi neste livro implacável com os
habitantes das terras florestadas brasileiras, desde os anônimos indígenas
coletores e caçadores a os modernos ambientalistas urbanos.
33
E lembra que outros países também devastaram suas florestas, em especial, durante seus
processos de industrialização. Dessa forma, para Drummond, “os brasileiros acabam
injustamente estigmatizados como excepcionais destruidores de florestas e sofríveis produtores
de riquezas.”
34
De modo semelhante, Bárbara Weinstein, ao comparar a história do desflorestamento,
na Nova Inglaterra e no Brasil, assinala que a história da devastação da Mata Atlântica parece
menos extraordinária do que Dean desejaria, não devendo, portanto, a referida devastação ser
29
HOLANDA, Sergio Buarque de. Visão do Paraíso: Os motivos edênicos no descobrimento e
colonização do Brasil. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1996. p 315.
30
Ibid., p. 334
31
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
p. 95.
32
DEAN, op. cit., p. 298-299
33
DRUMMOND, José Augusto. Mata Atlântica: A História de uma Destruição. Estudos Históricos,
Rio de Janeiro, v. 9, n. 17, p. 239-250, 1996. p. 247.
34
Ibid., p. 248. Dean argumenta ainda que a floresta foi mal aproveitada. Até mesmo para a elite
econômica havia formas de exploração mais racionais” da floresta que teriam dado melhor resultado para todos.
Drummond se questiona: “Qual era, verdadeiramente, a viabilidade técnica e social de usar esses recursos das
formas racionais implícita ou explicitamente exigidas por Dean e ausentes em todos os processos históricos de
148
atribuída a uma imperfeição moral peculiar dos brasileiros. Não obstante, esta constatação, não
deve fazer os resultados parecerem menos trágicos.
35
É costumeiro no senso comum afirmações simplistas que a abundância de recursos
naturais é a causa do desperdíciode recursos naturais no Brasil. Sergio Buarque de Holanda
supera tal materialismo vulgar, mostra como a imagem de um país paradisíaco foi historicamente
construída e procura mostrar como as bases psico-sociais de um comportamento perdulário em
relação à natureza também foram historicamente constrdas. Todavia, em busca de uma
“mentalidade demasiada homonea, o autor acaba perdendo a diferença, no tempo e no
espaço, das relações entre sociedades humanas e natureza no Brasil. Dessa forma, segundo
Diogo de Carvalho Cabral, tanto Holanda como Dean, em nome de uma eficácia ecomica,
inspirada nas idéias liberais e no modelo do centro do sistema mundo, criticam de perduria e
ineficiente a sociedade brasileira.
36
Não cabe aqui avaliar se houve no Brasil um comportamento
perdulário ou uma sofrível transformão de capital natural em capital social”, mas, para o
historiador uma questão, central é perguntar: como estes critérios de eficácia foram
historicamente constrdos? Em geral, tais “critérios” são mais contingentes do que parecem à
primeira vista.
Diogo Cabral, por exemplo, aborda esta questão no período colonial, e argumenta que:
Dean desenvolve a idéia de que "a taxa de conversão da floresta em capital (fixo e de giro) foi
irrisória ao longo de todo o período de domínio português”. Dessa forma, Dean espera um
capitalismo que maximize a produção e a eficiência. E o percebe que no Brasil colônia há uma
“matriz culturaldiferente. A extração do sobre-trabalho era investido, em grande parte, não na
reprodução ampliada do capital e sim na reprodução da hierarquia social. Dessa forma, Cabral,
apoiado em uma dada interpretação sobre a sócio-econômica colonial, afirma:
[...] que a questão não é, absolutamente, se a economia brasileira produziu
capital internamente ou não, mas sim como esse capital era ‘aplicadoou, em
outras palavras, como a renda era alocada. Dependendo das motivões sociais
e políticas dos agentes gerenciadores dos mecanismos de acumulação, uma
floresta pode se transformar numa estrada ou num pelourinho, num moinho ou
numa igreja todas estas incontestes manifestações de riqueza, a única
diferença sendo a matriz cultural a partir da qual elas são percebidas e
valoradas.
37
desenvolvimento registrados? Ele não responde essas perguntas um tanto retóricas, mas a sua lógica nos autoriza a
fazê-las e a dar respostas um tanto salgadas.” (DRUMMOND, 1996, p. 248).
35
WEINSTEIN, Barbara. Warren Dean. The American Historical Review. v. 101. n. 3. p. 951-952,
jun. 1996. p. 952.
36
CABRAL, 2007, op. cit., 2007.
37
CABRAL, Diogo de Carvalho. Teorias da devastação ecológica colonial na historiografia brasileira
contemporânea: algumas notas críticas. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24., 2007, São Leopoldo – RS.
Anais eletrônicos. São Leopoldo: Unisinos, 2007.
149
Dessa forma, faltaria nas abordagens criticadas por Cabral uma maior atenção para a
cultura. E isso não se limita ao período colonial. Recorrentemente, em nome de critérios de
eficácia ecomica a-históricos, se condena como irracionais as práticas sócio-cultural-
ambientalmente enraizadas do Outro. Tal condenação, em geral, é feita a partir de uma
homogeneizadora racionalidade econômica que se subtrai de indagar o tempo.
38
Mas isto não significa que idéias e comportamentos de longa duração não podem ser
identificados. Dessa forma, por exemplo, o motivo edênico deve ser entendido na longa duração
no imaginário social, mesmo que não deva ser tomado como um todo homogêneo. Em geral, os
elementos de longa duração não se mantêm por serem sempre iguais a si mesmos, mas por terem
sido apropriados em diferentes configurações sociais, em diferentes contextos, nos quais eles são
reelaborados e neste processo muitas vezes se amplificam. Mas, não entendemos a força de tais
elementos se não percebemos que eles se legitimam e tiram força de uma tradição de longa
duração.
39
Dessa forma, Pero Vaz de Caminha, ao afirmar que “nesta terra se plantando tudo dá”,
e os tecnoburocratas, ao afirmarem que as terras da região de Campo Mourão eram “terras
fertilíssimas”, formam uma tradição, apesar de serem textos em contextos bem diferentes.
Um outro elemento de longa duração no imaginário “brasileiro” é a visão negativa da
população, em especial das classes subalternas. Visto pela elite brasileira, tendo como horizonte
o centro do sistema-mundo, como incivilizados, inadequados.
40
Este é um elemento associado
com a edenização, pois na constituição do Estado-Nacional, no século XIX, não se via na
população ou nas instituições poticas motivo de orgulho, mas tal orgulho podia ser buscado na
“natureza maravilhosa”.
41
Ou, como naquela anedota popular, segundo a qual um anjo reclamava
para Deus que o Brasil havia sido demasiadamente abençoado com dádivas naturais, então Deus
replicou: “mas você vai ver o povinho que vou colocar lá.”
42
Apesar das representações da
natureza como orgulho nacional, positivas e adequadas não serem as únicas, elas foram
recorrentes na história do Estado-Nacional brasileiro. E estiveram, em geral, associadas às
representações do povo “simples” como inadequado, motivo de vergonha. Justificando, assim,
toda a forma de ingerência sobre tal população. Da critica ambiental” do século XIX aos
38
SAHLINS, Marshall. História e Cultura: Apologias a Tucídides. Tradução Maria Lucia de Oliveira.
São Paulo: Zahar, 2006. passim. LEFF, E. Construindo a História Ambiental da América Latina. Tradução Ely
Bergo de Carvalho. Esboços, Florianópolis, n. 1, v. 13, p. 11-30, 2005.
39
A inspiração aqui é evidentemente feita na obra de SAHLINS, Marshall. História e Cultura:
apologia a Tucídides. Tradução Maria Lucia de Oliveira. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.
40
CHAUI, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Ed. Fundação Perseu
Abramo, 2000.
41
CARVALHO, José Murilo de. O motivo edênico no imaginário social brasileiro. Revista Brasileira
de Ciências Sociais. v. 13, n. 38, p. 63-79, out. 1998.
42
CHAUI, 2000, op. cit.
150
modernizadores agrícolas na década de 1970, guardadas as diferenças, os projetos de
modernização tentavam adequar o povo “inadequado” à “rica” natureza.
Dessa forma, a abolição da escravidão legal marca uma das muitas transformações na
imagem negativa do povo. Nas últimas décadas do século XIX ocorreu a importação e
reelaboração das teorias racistas, em grande parte para justificar a continuidade das assimetrias
sociais.
43
Por outro lado, a escravidão, pelo menos para a parte da elite abolicionista, era
apontada como causa do atraso do país, em especial do campo.
Uma vez que a Abolição abriria caminho para configurar-se um mercado de
trabalho produzindo homens juridicamente livres e teoricamente dotados de
mobilidade o fundamento das representações acerca do atraso da agricultura
deslocou-se [...] para o trabalhador do campo, corroborando a segmentação
natureza X Homem como fundamento de um projeto que visava atuar
sobre este último, para adeq-lo às infinitas possibilidades daquela (grifo
meu).
44
A figura do Jeca Tatu de Monteiro Lobato é exemplar. O caboclo, entendido
racialmente como o mestiço de índios e brancos, é apresentado como alguém que vegeta na
paisagem, um ser intrinsecamente incapaz e sem razão de ser.
45
Ou como na descrição celebre de
Lobato:
A modinha, como as demais manifestações de arte popular existentes no país, é
obra do mulato, em cujas veias o sangue recente do europeu, rico de atavismos
estéticos, borbulha d’envolta com o sangue selvagem, alegre e são do negro.[...]
No meio da natureza brasílica, o rica de formas e cores, onde os ipês floridos
derramam feitiços no ambiente e na infolhescência dos cedros, às primeiras
chuvas de setembro, abre a dança dos tangarás; onde abelhas de sol,
esmeraldas vivas, cigarras, sabiás, luz, cor, perfume, vida dionisíaca em
escachôo permanente, o caboclo é sombrio urupê de pau podre e modorrar
silencioso no recesso das grotas.
Só ele não fala, não canta, não ri, não ama.
Só ele, no meio de tanta vida, não vive...
46
Monteiro Lobato mudou de posição. O Jeca Tatu passou posteriormente a ser
apresentado em sua obra como fruto de um meio carente, mas como alguém capaz, que, pela
medicina, pela escola, poderia passar a participar ativamente da vida nacional. A trajetória
43
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no
Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
44
MENDONÇA, Sonia Regina de. O ruralismo Brasileiro (1888-1931). São Paulo: HUCITEC, 1997.
p. 162.
45
Como muitos autores concebiam os homens livres pobres no século XIX, conf.: MOTTA, Márcia.
Movimentos rurais nos oitocentos: uma história em (re)construção. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de
Janeiro, abril 2001.
46
LOBATO, Monteiro. Contos (extraídos de Urupês). Curitiba: Pólo Editorial do Paraná, 1997. p. 97.
(Primeira ed. 1918).
151
ilustrativa do seu personagem, o Jeca Tatu, “de homem ignorante, supersticioso e indolente ‘a
vegetar de coras, impenetrável ao progresso’ torna-se o símbolo do povo brasileiro, vítima
indefesa da doença, da falta de educação e da fome” (grifo meu).
47
Acompanha assim, o forte
investimento simlico que buscava positivar e incluir, mesmo que apenas simbolicamente, o
campo no processo modernizador do período Vargas.
Mas o imaginário do mundo rural era ainda um imaginário da “tristeza rural”, de um
“homem do campo” capaz, mas que necessitava da tutela e da disciplina estatal.
48
Como abordei
no capítulo anterior, a figura do intruso, apegado à passiva rotina de suas tradições de
“inveterado devastador”, era uma forma negativada de se referir à ambígua figura do lavrador
pobre, e, ao mesmo tempo, ele era o problema (o atraso, o devastador) e a solão (o braço a ser
disciplinado para garantir a produção e o consumo necessário para a modernização do país).
Voltarei à construção da figura do intruso e seu papel na formulação das estratégias de gestão
florestal. Mas por hora quero me deter no contraponto do “povinho” à natureza paradisíaca.
A tecnoburocracia nos relatórios que serviram aqui de fonte principal não é pródiga em
exaltar a natureza, mantendo um linguajar mais comedido. Embora, não deixam de exaltar a
uberdade da natureza. No relatório que faz um balanço da atuação da Inspetoria de Terras
entre 1940 e 1945 se afirma que as terras subordinadas à Inspetoria são “dotadas de climas
salutares, vegetação abundante e solo fertilíssimo.
49
Afirmam isto apesar de as “terras roxas”
estarem presentes fundamentalmente na parte norte da região de Campo Mourão, na área de
incidência da Floresta Estacional Semidecidual. Sobre a Colônia Mourão, no citado relatório, se
reafirma: as “terras são fertilíssimas e apresentam padrões de terras roxas e outras que se prestam
a qualquer cultura.”
50
Aponta, ainda, o citado relatório, a fertilidade do solo da Colônia Mourão
como um fator de atração de homens e mulheres para a fronteira agrícola: “Devido à fertilidade
do solo já conhecida, a afluência de colonos e fazendeiros de diversos pontos do Estado e dos
estados de Santa Catarina, Rio Grande e São Paulo, tem sido em numero considerável, nestes
últimos anos.”
51
Tal afirmação sobre a fertilidade do solo, em especial da “terra roxa” é
recorrente nos relatórios e também afirmada por boa parte da historiografia.
47
SKIDMORE, Thomas E. Preto no Branco: Raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1976. apud GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. 3. ed. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2005. p. 138.
48
LINHARES; SILVA, 1999, op. cit., p. 125.
49
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Inspetoria de Terras. Relatório apresentado ao
Ilmo. Snr. Dr. Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização pelo Eng. Chefe da Divisão de
Colonização, Sady Silva. Ano 1940-1945. Curitiba,[s.d].
50
Ibid., p. 4.
51
Ibid., p. 4.
152
Sem querer negar a fertilidade das terras argilosas do Paraná, a ênfase dada em serem
as melhores terras do mundo” foi apontada por Nelson D. Tomazi como uma das
“fantasmagorias” que, entre outras coisas, contribuem para edenização do Norte do Paraná. Um
levantamento mais acurado dos solos traz dúvidas a tal homogeneização, pois ao analisar os
[...] solos do estado do Parapode-se observar que dois grandes blocos de
solos: os argilosos e os arenosos. Estes possuem menor fertilidade que aqueles.
Numa escala de 0 a 50 os arenosos ficariam entre 3 e 5 e os argilosos entre 5 e
15. Entre os argilosos, encontram-se os solos derivados do basalto e entre estes
há uma variação em uma escala de solos que vai desde aqueles com alta
fertilidade até os de baixa fertilidade, com toxidade. Assim, os melhores solos
argilosos se situariam, na mesma escala, entre 10 e 15 e os de baixa fertilidade
entre 5 e 7. [...] Esta escala é importante de ser citada para que não se tenha a
idéia o reiterada que, na região em estudo [Norte do Paraná] estão ‘as terras
mais férteis do mundo’.
52
A imagem do sertão do Paraná como a Terra da Promissão, a Nova Canaã e o Novo
Eldorado para todos os que para ela afluíram foi mais explorada em regiões colonizadas por
empresas colonizadoras particulares que venderam tal imagem como propaganda para atrair
compradores para suas terras, estando fortemente presente no imaginário regional.
53
Um artigo, exemplar disso, é intitulado “A Marcha para o Oeste do Paraná”, de autoria
do “jornalista João Gabardo” e publicado no jornal curitibano, Gazeta do Povo, em 1940.
Segundo o articulista o Interventor, no espírito da “Marcha para o Oeste”, procurou ir até Campo
Mourão, mas foi detido em Pitanga devido às chuvas que caiam que deixava a estrada
intransitável. Alguns meses depois havia sido promovido a reconstrução e alargamento da
estrada Pitanga-Campo Mourão e foi organizada uma nova caravana para o interior, sem a
presença do governador, mas com algumas autoridades como o “Dr. Sady Silva, Engenheiro da
Inspetoria de Terras” e representantes da imprensa. O articulista argumenta que
representantes vegetaisna região, como Palmito e Cedro serviam, de prova cabal das “terras
fertilíssimas dos climas quentes”.
54
As imagens edênicas se sucedem: Todas as frutas vicejam
com inigualável desenvoltura, destacando-se abacaxis, mamão, cana de açúcar, etc. Os rios da
região são piscosos.”
55
E declara explicitamente que os componentes da comitiva regressaram
verdadeiramente encantados com a descoberta desse novo El-Dorado”.
56
52
TOMAZI, Nelson Dacio. “Norte do Paraná”: História e Fantasmagorias. 1997. Tese (Doutorado
em História) – Universidade Federal do Para, UFPR. Curitiba. p. 111.
53
Sobre a produção de tal imaginário regional ver: TOMAZI, 1997, op. cit.; GONÇALVES, 1999, p.
87-122.
54
GABARDO, João. A Marcha para o Oeste do Paraná. Curitiba, Gazeta do Povo, 1940. apud VEIGA,
Pedro da. Campo Mourão centro do progresso. Maringá: Bertoni, 1999. p. 143.
55
Idem, p. 144.
56
Idem, p. 144.
153
Outro elemento recorrente na concepção de natureza nas fontes abordadas é a sua
virgindade. Vários autores já apontaram o equívoco da idéia de “mata virgem”. Uma vez que
milhares de anos ocorrem impactos antrópicos nas florestas alterando a sua composão
ecológica, uma boa parte das florestas primárias existentes são florestas antropogênicas.
57
Todavia, ainda hoje, qualquer remanescente de floresta que pareça primária ainda pode ser
denominado de “mata virgem”, mesmo que tenha apenas uns poucos hectares e esteja bastante
degradada. Tal tipo de afirmativa era ainda mais usada no período da colonização dirigida. O
relatório de DGTC, datado de 1954, afirma que a Gleba 3 da Colônia Mourão era “cobertas de
mata virgem”.
58
Afirmava ainda que a referida gleba foi ocupada por nacionais de sobrenome
ucraniano, muitos vindos da região de Mallet. no relatório do exercício de 1940 se afirmava
que o serviço de colonização possuía o apatriótico de incrementar o povoamento dos ínvios e
virgens sertões do Brasil, objetivando o progresso econômico do país, fonte de renda para o
erário público e riqueza para coletividade.”
59
Como argumentei no primeiro capítulo, longe de
ser desprovido de caminho, havia muitos que conheciam as entradas e saídas do sero e o
exploravam para sua sobrevivência e/ou para o mercado internacional. aqui uma forma de
invisibilidade. O que alguns chamariam de um “dispositivo de negação do Outro”,
60
não se trata
apenas que o padrão para considerar algo “ocupadoé o desflorestamento, como apontei no
primeiro capítulo, mas porque “vê o Outro como o existente”.
De qualquer forma, seja por meio da invisibilidade do Outro ou da imagem edênica,
um reforço da separação entre seres humanos e natureza. A natureza é pensada como um éden
intocado/vazio. E quando se percebe a ação dos “indivíduos” ela é percebida como destruidora.
Legitimando, assim, um projeto modernizador que visava atuar “sobre os homens”, mesmo que
o apenas sobre eles, para adequá-los à “infinita possibilidade” da natureza.
61
57
DEAN, 1996, p. 38 et seq. BALÉE, William. Diversidade amazônica e a escala humana do tempo.
In: SIMPÓSIO DE ETNOBIOLOGIA E ETNOECOLOGIA DA REGIÃO SUL, 1., 2003, Florianópolis. Anais.
Florianópolis: UFSC, 2003. p. 14-28.
58
DEPARTAMENTO de Geografia Terras e Colonização. Relatório apresentado pelo Departamento
de Geografia, Terras e Colonização do Estado do Paraná, referente aos trabalhos de colonização. Curitiba,
1954.
59
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Relatório dos serviços executados pelo
Departamento de Terras e Colonização durante o ano de 1940. Curitiba, 1941. p. 189.
60
LEITE,Ilka Boaventura. Descendentes de africanos em Santa Catarina: invisibilidade histórica e
segregação. In: _____. (Org.). Negros no Sul do Brasil. Florianópolis: Letras contemporâneas, 1996. p. 33-53. p.
41.
61
De forma semelhante ao que descreve Mendonça para o período da República Velha. MENDONÇA,
1997, op. cit., p. 162.
154
3.4 LEGISLAÇÃO FLORESTAL: ESTADO E FLORESTAS
A legislação florestal é um dos elementos chaves para compreender as poticas estatais
em relação a florestas, ou pelo menos as poticas para o setor madeireiro. Vou me ater,
basicamente, às principais normas jurídicas da legislação florestal: os códigos florestais.
Desde o período colonial, o reino de Portugal possuía uma legislação sobre o acesso
a árvores, em especial as que forneciam madeira para a construção de navios.
62
No Império, a
legislação não altera seu caráter esparso. Os autores que formam uma “tradição intelectualde
crítica ambientalnão conseguiram concretizar seus planos de modernização em uma legislação
sistemática que visava tentar solucionar os problemas ambientais causados, como então se
pensava, pelo “atraso”.
63
Com a República, 1889, as terras devolutas passaram ao domínio dos
governos estaduais o que dificultava uma potica federal mais ampla de proteção florestal.
64
Todavia, já em 1900 havia uma proposta de um digo federal de florestas,
65
mas foram os
governos estaduais, principalmente, a legislar sob tal tema na República Velha.
O Estado do Paraná foi um dos/ou o pioneiro na criação de um Código Florestal. A Lei
706, de de abril de 1907, já estabelecia de “utilidade blica” as “florestas protetoras”,
conceituando estas como florestas que influem: sobre a manutenção das terras nas montanhas e
encostas; sobre a defesa do solo contra os transbordamentos dos rios, rregos e torrentes; sobre
a existência e conservação das nascentes e cursos d’água esobre a hygiene e salubridade
públicas”; as quais eram proibidas de serem convertidas em “campos”, salvo para e “exploração
usual” ou com prévio “consentimento do Governo”.
66
Cabia ao Estado demarcar as áreas consideradas de “florestas protetoras”. Neste caso
cabia aos proprietários comunicar a conversão da “floresta em campo”. O Governo, então, ficava
responsável em consentir na conversão ou promover “os meios convenientes de evitá-la.” Os
legisladores se preocuparam em explicitar que na “execução d’esta lei serão, em toda a sua
plenitude, respeitados os direitos decorrentes da propriedade”.
67
O digo estabelece ainda uma série de normas sobre a exploração madeireira, no
sentido de otimizar a produção. Normas que vão desde a época para o corte até o diâmetro
62
MAGALHÃES, 2002, op. cit.
63
PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil
escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: J. Zahar, 2002. p. 30.
64
DRUMMOND, José Augusto. A legislação ambiental brasileira de 1934 a 1988: comentários de um
cientista ambiental simpático ao conservacionismo. Ambiente & Sociedade, n. 3 e 4, p. 127-149, 1998 1999. p.
130.
65
DEAN, 1996, op. cit. p. 272
66
PARANÁ. Coleção de leis. Curitiba, 19??. (Biblioteca Pública do Paraná).
67
Ibid.
155
mínimo das árvores. A conservação da floresta era postulada como um fator de “defeza [sic] do
solo e um dos principais elementos da salubridade blica”.
68
Não se pretendia proteger a
floresta, e sim, efetuar uma racionalização do seu uso voltado para a produção pensada no prazo,
um pouco além do lucro imediato, de forma semelhante ao que faziam os pensadores
conservacionistas. Dessa forma, postula-se em seu artigo 32 que, a “conservação das florestas
baseia-se fundamentalmente no princípio de replantio systemático [sic.] de árvores, ou essências
florestais desaparecidas”.
69
Assim, Romário Martins, um dos elaboradores do digo Florestal,
de 1907, em 1919 elabora um projeto de lei, segundo o qual, a derrubada ordinária de florestas
deveria ser seguida da reconstituição, no nimo de 25% feita com eucalipto”.
70
Em plena belle
époque, intelectuais maravilhados com a capacidade técnica humana, materializada nas
quinas que invadiam seu cotidiano, poderiam acompanhar o deslumbre com o “progresso” e
pensar o ambiente como algo simples, em que a ingerência humana era quase ilimitada.
Substituir a “função” da caótica floresta nativa, por algo mais eficiente, ou seja, por 25% da área
em monocultura de uma espécie exótica, o eucalipto, era pensado como uma boa alternativa,
entre outros motivos, porque a racionalização do ambiente o reduzia à dimensão da produção,
seja de madeira, seja, do que se chama hoje, de serviços ambientais, como a proteção do solo.
71
Todavia, mesmo sendo pouco restritivo, segundo o próprio Romário Martins, tal código “ficou
constituindo mera decoração da legislação paranaense”.
72
O primeiro Código Florestal nacional emerge com o Decreto nº 23.793, de 23 de janeiro
de 1934, e aplicava-se “às florestas como às demais formas de vegetação reconhecidas de
utilidade às terras que revestem”.
73
Este código classifica as florestas em quatro tipos:
1 - as “protetoras”, que por sua localização, servissem, conjunta ou separadamente,
para qualquer dos fins seguintes: a) conservar o regime das águas; b) evitar a eroo das terras
pela ação dos agentes naturais; c) fixar dunas; d) auxiliar a defesa das fronteiras, de modo
julgado necessário pelas autoridades militares; e) assegurar condições de salubridade pública; f)
68
Ibid.
69
Ibid.
70
MARTINS, Romario. Livro das árvores do Paraná. Curitiba: Empresa Gráfica Paranaense, 1944.
p. 103.
71
Se neste momento Martins era capaz de fazer grandes elogios aos madeireiros paranaenses, no final
de sua vida, em 1944, ele tecia severas críticas à “pseudo indústria das serrarias” por sua devastação florestal, em
uma retórica que lembra os catastrofistas ambientais do terceiro quartel do século XX. Ver: CARVALHO, Miguel
Mundstock Xavier de. O desmatamento das florestas de araucária e o Médio Vale do Iguaçu: uma história de
riqueza madeireira e colonizações. 2006. Dissertação (Mestrado em História) Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Florianópolis. p. 88-89.
72
MARTINS, 1944, op. cit., p. 101.
73
BRASIL, Ministério da Agricultura, Conselho Florestal Federal. Código Florestal. Florianópolis:
Imprensa Oficial do Estado, 1949.
156
proteger tios que por sua beleza natural mereçam ser conservados; e g) asilar espécimes raros
da fauna indígena;
2 – as “remanescentes”, que são aquelas que formam parques ou assemelhados;
3 as “modelo”, que são “as artificiais constituídas apenas por uma, ou por limitado
número de essências florestais, indígenas ou exóticas, cuja disseminação convenha fazer-se na
região”;
4 – todas as demais florestas eram consideradas de “rendimento”.
74
O Código Florestal federal o era tão produtivista quando o Código Florestal estadual,
o que já aparecia ao estabelecer como florestas protetoras as que têm por função “proteger tios
que por sua beleza natural mereçam ser conservados; asilar espécimes raros da fauna indígena”.
Preocupações que poderiam indicar como preservacionistas, tomando tal termo como um tipo
ideal.
75
lia L. da Silva, ao analisar o debate “sobre o meio ambiente” na década de 1930,
aponta, por exemplo, que, na Constituição brasileira de 1937, a natureza é abordada “sob duplo
enfoque: enquanto monumento e, também, a partir de dispositivos que a subordinam à ordem
econômica”.
76
Indicando, dessa forma, que:
Desenha-se, ao longo da década de 1930, uma outra perspectiva sobre a
natureza que a inscreve no âmbito das relações sociais, ao atribuir-lhe o sentido
de “Monumento” e, enquanto tal, de interesse comum aos habitantes do país.
Por se constituir tal qual os legados artísticos e históricos, em patrimônio
nacional que deve ser preservado, ‘evoca um passado’ e, enquanto tal, liga-se
‘ao poder de perpetuação’.
77
Todavia, o Código Florestal federal era principalmente produtivista, o que se expressa
em denominar de “modelo as florestas artificiais. O “modelo de floresta era a silvicultura
ordenada e produtiva. Sendo a esmagadora maioria das florestas, no Brasil, classificadas como
de rendimento”, e aqui, novamente, a denominação é reveladora da destinação prevista para tais
florestas.
A exploração florestal apresentava uma outra classificação das florestas, entre as
florestas homogêneas e as heterogêneas. Segundo Bohn (1990) o espírito da comissão que
74
Ibid., art. 3º a 7º.
75
É comum a divisão de três correntes básicas dentro do movimento ambiental, como faz John
McCormick: os preservacionistas, para os quais “a proteção da natureza havia sido uma cruzada moral centrada no
ambiente não humano”; o “conservacionismo um movimento utilitário centrado na administração racional [seria
melhor dizer racionalizada] dos recursos naturais”; e o Novo Ambientalismo, que emergiu no plano internacional na
década de 1960, e “centrou-se na humanidade e em seus ambientes. [...] para o Novo Ambientalismo a própria
sobrevivência humana estava em jogo.Tal divisão não passa, entretanto, de tipos ideais. O movimento ambiental,
na prática, combina diferentes posições nas mais diferentes configurações. McCORMICK, John. Rumo ao paraíso:
a história do movimento ambientalista. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1992.
76
SILVA, lia Lopes da. As percepções das elites brasileiras dos anos de 1930 sobre a natureza: das
projeções simbólicas às normas para o seu uso. In: ARRUDA, Gilmar. (Org.). Natureza, Fronteiras e Território.
Londrina: EDUEL, 2005. p. 177-215. p. 188.
77
Ibid., p. 183.
157
elaborou o anteprojeto do” primeiro digo Florestal brasileiro, de 1934, poderia assim ser
sintetizado:
‘O Brasil, talvez o país que possua maior área florestada é pobre de floresta
homogêneas. Verdadeiramente merecedora desse qualificativo só temos os
pinhais da chamada Araucarilândia, nos Estados do Paraná e Santa Catarina.’
‘Ora, as florestas homogêneas permitem exploração industrial em grande
escala com vantagem econômica, porque a mão-de-obra nas heterogêneas, é
muito dispendiosa, encarecendo o custo da produção’
78
Nas heterogêneas florestas tropicais, que compunham a grande maioria das florestas
brasileiras, apenas algumas espécies têm as qualidades exigidas pelo mercado consumidor, e elas
estão espalhadas, com apenas alguns indivíduos da espécie no meio de uma densa floresta. Dessa
forma, para as florestas homogêneas havia formas de conservação — racionalização do uso — já
as florestas heterogêneas eram “consagradas” ao “corte raso”.
79
O tratamento dado às florestas homoneas previa que “o corte far-se-á de forma a não
abrir clareiras na massa florestal”,
80
ou seja, “não admitia, portanto, o corte raso. E no parágrafo
único ficava estabelecida a inadmissibilidade do uso das terras das florestas homogêneas para
outro que não o do reflorestamento, significando na prática que a área da floresta homogênea não
poderia ser reduzida”.
81
para as florestas heterogêneas, como a Floresta Estacional Semidecidual, o
tratamento era outro:
A exploração intensiva era permitida nas florestas heterogêneas, o tipo de
floresta mais comum no Brasil, e admitia o corte raso em ¾ partes das florestas
existentes na propriedade na data em que o Código entrou em vigor. Isso
significa que, de acordo com o artigo 23, um proprietário poderia derrubar 75%
das matas da sua propriedade desde que elas o estivessem enquadradas como
'florestas protetoras' ou 'remanescente'. [...] Mas se isso não bastasse, um
outro artigo que permitia a exploração dos 25% restantes, caso eles o
estivessem enquadrados como 'floresta protetora' ou 'remanescente'. Para isso,
bastava que o proprierio assinasse perante a autoridade florestal, termo de
obrigação de replantio e trato cultural por prazo determinado, com garantias de
que substituiria aquela quarta e última parte da floresta heterogênea por uma
floresta homogênea. Era a legalização do corte raso.
82
78
PEREIRA, Osny Duarte. Direito florestal brasileiro. Rio de Janeiro: Borsoi, 1950. p. 140, apud
BOHN, Noemia. A legislação ambiental e sua implementação frente a degradação da cobertura florestal no
vale do Itajaí. 1990. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas – Especialidade Direito) – Universidade Federal
de Santa Catarina, Florianópolis. p. 140-141.
79
BOHN, Noemia. A legislação ambiental e sua implementação frente a degradação da cobertura
florestal no vale do Itajaí. 1990. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas – Especialidade Direito)
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. p. 139-141.
80
BRASIL, Ministério da Agricultura, Conselho Florestal Federal. Código Florestal. Florianópolis:
Imprensa Oficial do Estado, 1949. art. 49.
81
BOHN, 1990, p. 139-140.
82
Ibid., p. 139-140.
158
Enquanto as florestas homogêneas deveriam ser “substituídas por mudas da mesma
espécie ou de outra essência florestal julgada preferível”, na floresta heterogênea a substituição
poderá ser feita por espécie diferente das abatidas, visando a homogeneidade da floresta futura e
a melhoria da composição florística (grifo meu).
83
A floresta melhorada era a floresta
controlada e produtiva; a floresta ideal era a produzida pela silvicultura.
O Código Florestal, juntamente com uma série de poticas blicas e novas leis, faz
parte da emergência no Brasil de um projeto fordista-keynesiano periférico. Dessa forma, pode-
se entender odigo Florestal de 1934 como parte do esforço do Estado em modernizar, ordenar
a produção e, conseqüentemente, controlar e ordenar o próprio território. A ação de explorar a
floresta, de onde e de que tipo de floresta deveria existir não poderia mais ser deixada nas mãos
da iniciativa privada, e sim, deveria ser ordenada pelo Estado.
O crucial é que o novo Código Florestal [Federal] negava o direito absoluto da
propriedade proibindo, mesmo em propriedades privadas, o corte de árvores ao
longo de cursos d’água, árvores que abrigavam espécies raras ou que protegiam
mananciais. Aos proprierios vedava cortar mais de três quartos das árvores
restantes em sua propriedade. As indústrias eram obrigadas a replantar árvores
suficientes para manter suas operações. Determinava-se a criação de uma
Guarda Florestal e era esboçada a base da organização de parques nacionais e
estaduais. O Código de Águas, no mesmo sentido, retirava dos proprietários o
controle da água que fluísse atras de suas propriedades. Foi uma rejeição
histórica do liberalismo e uma reversão para o controle estatal, abafado desde os
primeiros dias do império, mas agora revivido sob a bandeira de um
nacionalismo modernizante e tecnocrata.
84
Todavia, o Código Florestal não era tão draconiano com a propriedade privada como
aparentava à primeira vista. Isto porque o Código estabelecia em seu art. 11, que as florestas de
propriedade privada
[...] poderão ser, no todo ou em parte, declaradas protetoras, por decreto do
Governo Federal, em virtude de representação da repartição competente, ou do
Conselho Florestal, ficando, desde logo, sujeitas ao regime deste Código e à
observância das determinações das autoridades competentes, especialmente
quanto ao replantio, à extensão, à oportunidade e à intensidade da exploração.
85
Sendo que em seu parágrafo único afirma que, caberá ao proprietário, em tais casos, a
indenização de perdas e danos comprovados, decorrentes do regime especial a que ficar
subordinado”.
86
Ademais, o Código visava manter a cobertura florestal e não exatamente as
florestas. Dessa forma, as florestas heterogêneas poderiam ser totalmente substitdas por
83
BRASIL, Ministério da Agricultura, Conselho Florestal Federal. Código Florestal. Florianópolis:
Imprensa Oficial do Estado, 1949. art. 50.
84
DEAN, 1996, p. 275-6.
85
BRASIL, Ministério da Agricultura, Conselho Florestal Federal. Código Florestal. Florianópolis:
Imprensa Oficial do Estado, 1949. art. 11.
86
Ibid., art. 11.
159
florestas artificiais, conforme argumentei, e as “florestas protetoras e as remanescentes, que
o constitrem parques nacionais, estaduais ou municipais,” poderiam “ser objeto de
exploração limitada”.
87
Alem disso, as
[...] falhas do Código Florestal logo se evidenciaram. Um proprietário poderia
cortar madeiras de lei valiosas e alegar que tinha cumprido a sua obrigação de
replantar simplesmente permitindo que nascesse capoeira em seu lugar. Os
tribunais decidiam que um proprietário que havia reduzido a floresta em sua
terra a um mínimo de um quarto podia então vender esta fração com floresta; o
novo proprietário desfrutaria de direito de derrubar três quartos de sua aquisição
e assim por diante, a, provavelmente, o último broto de árvore. As firmas
industriais facilmente se furtavam a sua obrigação de replantar contratando
empreiteiros independentes, que não eram sujeitos pelo código. O governo
federal, am, disso, dispunha de recursos insuficientes para cumprir o código.
A Guarda Florestal prevista não se instalou; em seu lugar, esperava-se que as
forças policiais locais empreendessem a proteção florestal como um encargo
adicional. [...] O Conselho Federal de Florestas, com poucas reservas para
proteger e nenhuma polícia para aplicar a lei em propriedades privadas,
continuava a se ocupar com a arborização do Rio de Janeiro. A cláusula que
obrigava os proprietários a notificar a derrubada ao Serviço Florestal, com trinta
dias de antecedência, fracassava diante da incapacidade da burocracia de
responder no prazo de trinta dias. Na verdade, poucos proprietários sequer
faziam a notificação.
88
Entretanto, segundo Dean, o
[...] principal defeito do código, de fato, era que ele nunca havia sido cumprido:
nunca foram alocados fundos suficientes e, por muitos anos, sua aplicação era
fiscalizada por voluntários, muitos dos quais em busca de propinas. Suas
atribuições foram então transferidas para a polícia civil não qualificada. Uma
multiplicidade de repartições era responsável pela execução do código. O
andamento dos processos era solapado por um novo código penal, que reduzia
os crimes florestais a contravenções, e por uma relutância em aplicar uma lei
que estava recebendo nova redação. Em 1957, houve apenas uma condenação
por uma violação desse código! Uma vez mais, um ponto principal de impasse
era a questão dos direitos de propriedade privada.
89
E aqui se situa uma grande questão: por que se elaborou uma lei para não ser cumprida?
Drummond,
90
ao analisar uma “série relativamente longa de leis, decretos e regulamentos de
caráter ambiental, emitida pelo Governo Federal brasileiro entre 1934 e 1988”, constata que a
“legislação ambientalconstituída no século XX, mas principalmente nos anos 70 a 90, formou
uma ampla e “moderna” “legislação ambiental”, mas que sofria do mal de não ser cumprida. E
afirma que ambientalistas “inativos e governantes irresponsáveis formariam [...] uma
combinação capaz de fazer toda a nossa legislação ambiental parecer como muitas outras leis
87
Ibid., art. 53.
88
DEAN, 1996, op. cit., p. 277-8.
89
Ibid., p. 303.
90
DRUMMOND, 1998 – 1999, p. 127.
160
brasileiras são as mais avançadas do mundo, mas não pegam’...”.
91
Mesmo se tal afirmação
for correta, o se pode explicar um fenômeno pelo que nele esteve ausente.
Dean também coloca esta questão e postula que o digo Florestal foi influenciado por
intelectuais de classe média preocupados com o impacto da ação humana sobre o mundo natural.
Intelectuais que, nos primeiros anos democráticos do Governo Vargas, tiveram oportunidade de,
como burocratas, influenciar na legislação, com a instalação do Estado Novo, enquanto que a
falta de democracia e os assessores militares menos sensíveis a tal problemática afastaram um
pouco o Governo de tais questões.
92
Dean mostra que havia dezenas de grupos e milhares de
núcleos preocupados com árvores, pássaros, rios, entre outros, e Silva também enfatiza que: a
“mobilização dessas forças seguramente interferiu nos rumos da formulação da legislação
ambiental, no período inicial do Governo Vargas, mesmo que alguma dessas leis nem sempre
contemplem as reivindicações dos ativistas em sua integralidade”.
93
Tal legislação, influenciada pelos debates que ocorriam nos Estados Unidos e na
Europa, eram inadequadas ao contexto brasileiro. Não havia aqui infra-estrutura, nem grupos de
pressão para transformar a lei em prática. Seria uma iia fora do lugar.
Dean se pergunta, “por que o governo fazia repetidos esforços rericos para salvar seus
remanescentes?
94
Um dos motivos parece ser o de que estava crescendo a consciência entre os servidores
públicos de que a conservação, e mesmo a preservação da natureza era uma das
atribuições de um Estado digno. Tal como muitas outras novidades, a idéia despontava no
horizonte vinda dos mesmos países que também forneciam o modelo de desenvolvimento
econômico rumo ao qual o Estado ao mesmo tempo se empenhava. Conservação e
preservação eram duas outras atividades nas quais o Estado se engajava para dar crédito à
afirmação de que, de fato, era um Estado. Em grande parte essas medidas como muitas
outras que o Estado empreendia, eram, como dizia um ditado tradicional, ‘para inglês ver
[...] E as evidências mais flagrantes de atraso teriam de ser camufladas ou negadas, para
que o senso de superioridade dos estrangeiros não se tornassem hostil e intervencionista
[sic] ou, ainda pior, indiferente.
95
Não se pode menosprezar um aspecto deste argumento: o poder simlico que tal
legislação tinha advindo do seu aspecto de “modernizadora”, e que, provavelmente, foi um dos
fatores que fez ela ser aprovada pelos legisladores. Romário Martins, por exemplo, argumentou,
com um claro orgulho, que medidas propostas por ele no Projeto de Lei de 1919 foram
semelhantes à legislação florestal elaborada no regime fascista de Mussolini, cerca de 15 anos
depois.
96
91
Ibid., p. 145.
92
DEAN, 1996, op. cit., p. 272-279.
93
SILVA, 2005, p. 214.
94
DEAN, 1996, op. cit., p. 299
95
Ibid., p. 299.
96
MARTINS, 1944, op. cit., p. 106.
161
É esclarecedor pensar a questão aqui proposta a partir de padrões culturais construídos
na “holística” e hierarquizada sociedade brasileira em sua relação com a lei. Recorrendo
novamente a Da Matta
97
e seu esquema de que no Brasil duas formas de nos conceber: o que
ele chama de “indivíduo”, ou seja, mais um na multidão, para estes cabe a aplicação da letra fria
da lei; e o que ele chama de “pessoas”, aqueles que exigem, pela sua posição social, um
tratamento diferenciado e para os quais sempre é possível dar um “jeitinho”. “Em outras
palavras, as leis se aplicam aos indivíduos e nunca às pessoas; ou, melhor ainda, receber a
letra fria e dura da lei é tornar-se imediatamente um indivíduo. Poder personalizar a lei é sinal de
que se é uma pessoa”.
Mas o uso do ‘jeitinho’ e do Você sabe com quem está falando?’ acaba por
engendrar um fenômeno muito conhecido e generalizado entre nós: a total
desconfiança nas regras e decretos universalizantes. Essa desconfiança,
entretanto, gera sua própria antítese, que é a esperança permanente de vermos as
leis serem finalmente implementadas e cumpridas. Julgamos, deste modo, que a
sociedade pode ser modificada pelas boas leis que algum Governo venha
finalmente estabelecer e fazer cumprir. A força da lei é, pois, uma esperança.
Para os destituídos, ela serve como alavanca para exprimir um futuro melhor
(leis para nós e não contras), e para os poderosos ela serve como um
instrumento para destruir o adversário político. Num caso e no outro, a lei
raramente é vista como lei, isto é, como regra imparcial. Legislar, assim, é mais
básico do que fazer cumprir a lei. Mas, vejam o dilema, é precisamente porque
confiamos tanto na força fria da lei como instrumento de mudar o mundo que,
dialeticamente, inventamos tantas leis e as tornamos inoperantes. Sendo assim,
o sistema de relações pessoais que as regras pretendem enfraquecer ou destruir
fica cada vez mais forte e vigoroso, de modo que temos, de fato, um sistema
alimentando o outro.
98
Dessa forma, antes de ser “idéias fora do lugar”, a legislação “para inglês ver” faz parte
dos padrões culturais brasileiros. Ademais, no que concerne aos Códigos Florestais, devo
destacar ainda que o se pode avaliar a eficácia de tais leis pensado-as como uma legislação
ambiental”.
99
Se, por um lado, for correto que em tal legislação aparecem posições que podem
ser classificadas como preservacionistas, por outro, era uma legislação profundamente marcada
pelo “produtivismo
100
que visava regular as relações humanas com relação a florestas, rios,
dentre outros. Não havia nessa legislação a idéia de algo como um “meio ambiente”. O meio
ambiente somente se configura na legislação brasileira na década de 1970 e 1980. Seria
anacrônico exigir que uma legislação, que foi pensada para efetuar uma racionalização
produtivista, preservasse a floresta. O que, todavia, o modifica o fato de tal legislação ter sido
97
DA MATTA, Roberto. Vo Sabe com Quem Está Falando? Um Ensaio sobre a Distinção entre
Indivíduo e Pessoa no Brasil. In Carnavais, Malandros e Heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 5.
ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1990. p. 146-204. p. 194.
98
Ibid., p. 195.
99
DRUMMOND, 1999, op. cit., p. 132.
100
Ibid., p. 132.
162
amplamente ignorada e que faltaram recursos e vontade para efetivar grande parte dos seus
preceitos.
Depois de mais de uma década de debate é aprovado um novo digo Florestal, com a
Lei Federal 4.771, de 15 de setembro de 1965. As florestas são novamente definidas como
“bens de interesse blico”. A classificação das florestas é simplificada. O Art. do novo
Código afirma que: “Consideram-se de preservação permanente, pelo efeito desta Lei, as
florestas e demais formas de vegetação natural situadas”, em faixas nas margens de rios e
nascentes, no topo de morro, montes, montanhas e serras, nas restingas, entre outros lugares, e o
Poder Público poderia declarar uma área como de preservação permanente, por motivos
ambientais, sociais, estéticos ou militares.
101
As florestas privadas que não fossem de
preservação permanente” estavam sujeitas à exploração, com restrições, no Sul do País, por
exemplo, derrubada de “florestas nativas, primitivas ou regeneradas, serão permitidas desde
que seja, em qualquer caso, respeitado o limite mínimo de 20% da área de cada propriedade com
cobertura arbórea.”
102
, constituindo assim uma área que ficou conhecida como Reserva Legal.
Continuando a existir um tratamento diferenciado para a Floresta Ombfila Mista:
[...] na região Sul, as áreas atualmente revestidas de formões florestais em que
ocorre o pinheiro brasileiro Araucária angustifólia [...] não podeo ser
desflorestadas de forma a provocar a eliminação permanente das florestas,
tolerando-se, somente, a exploração racional destas, observadas as prescrições
ditadas pelacnica, com a garantia de permanência dos maciços em boas
condições de desenvolvimento e produção;
103
Tanto a área de Reserva Legal como a área total das matas de araucária, que não
fizessem parte das áreas de “preservação permanente”, poderiam ser exploradas. A questão era
apenas o efetuar a “eliminação permanente das florestas”. Sendo que, visando “maior
rendimento econômico, é permitido aos proprietários de florestas heterogêneas transformá-las
em homogêneas”. Para isto bastava assinar, diante da autoridade competente, um “termo de
obrigação de reposição e tratos culturais.
104
A isto a legislação denominava de exploração
racional” das florestas.
Apesar de possuir dispositivos que autorizavam o Poder Público a criar Parques
Nacionais e a decretar como área de preservação permanente” as “florestas e demais formas de
vegetação destinadas a: “proteger tios de excepcional beleza ou de valor científico ou
histórico ou asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção”.
105
Ainda assim, o
101
BRASIL, IBDF. Código Florestal. Brasília, 1977.
102
Art. 15 alínea “a”. Ibid.
103
Art. 16 alínea “c”. Ibid.
104
Art. 19. Ibid.
105
Art. 5, 3 alínea “e”, “f. Ibid.
163
Código Florestal era fundamentalmente produtivista e bastante racionalizador. A “educação
florestalque preconizava que deveria constar obrigatoriamente de todas as cartilhas escolares e
deveria obrigatoriamente ser divulgada em rádios e tevê, no limite nimo de 5 minutos
semanais e que deveria ser promulgada na Semana Florestal tinha por objetivo ressaltar o “valor
das florestas, face aos seus produtos e utilidade, bem como sobre a forma correta de conduzi-las
e perpetuá-las.”
106
Ou seja, a forma correta de conduzir a floresta era, sem dúvida, explorando-a
e a forma de perpetuá-la era replantando, e assim “melhorando” a caótica floresta.
Bohn é taxativa em sua avaliação:
[...] o novo Código Florestal mantém, em linhas gerais, a mesma orientação do
Código de 1934, permitindo a continuidade da destruição das florestas
heterogêneas e nativas, e, conseqüentemente da fauna correspondente, desde
que em seu lugar seja instalada uma floresta homogênea, basicamente de Pinus
ou Eucaliptus, as essências exóticas dominantes hoje no Brasil.
107
Dean aponta
108
ainda, outras possibilidades de exploração florestal dadas pelo Código:
O código também continha brechas suficientes para eliminar toda árvore nativa
ainda existente. Embora o proprierio fosse obrigado a manter 20% de sua terra
florestada, não havia, tal como antes, nenhum dispositivo contra a venda dessa
faixa de mata a um comprador, que poderia cortar até 80% da mesma ad
infinitum. O governo também não repudiava a destruição de ‘florestas de
preservação permanente,’, embora os casos de ‘utilidade pública ou interesse
social’ ficassem sujeitos à aprovação do presidente. A reforma agrária era o
único projeto federal obrigado a respeitar a floresta existente (grifo meu).
109
Não se tratavam de “brechas”, e sim do tal caráter racionalizador e produtivista da
legislação florestal. “Brechas” parecem indicar que havia um propósito de manter a floresta não
explorada, preservada, e que havia falhas neste propósito, o que não me parece ser a orientação
da lei. Ou seja, apesar de haver entre os legisladores alguns preservacionistas que procuraram
interferir na letra da lei, os dispositivos da lei que permitiam o desflorestamento não eram
“falhas” ou “imperfeições”, mas estavam perfeitamente de acordo com o propósito de parte dos
legisladores que procuravam uma racionalização da floresta, reduzindo a floresta a uma
produtiva cobertura florestal. Tal caráter racionalizador somente sofreu uma forte alteração nas
décadas de 1980 e 1990 com a constituição de uma legislação, propriamente, ambiental no
Brasil.
110
106
Art. 42, 43. Ibid.
107
BOHN 1990, p. 144.
108
Dean (1996, op. cit., p. 304) trás alguns dados equivocados sobre o referido Código Florestal de
1965. Afirma, o citado autor, que o código encarrega o Estado de desapropriar a cobertura florestal que protegiam
mananciais, quando, pelo contrário a citada lei afirma que nas “terras de propriedade privada, onde seja necessário o
florestamento ou o reflorestamento de preservação permanente, o Poder Público federal pode fazê-lo sem
desapropriá-las, se não o fizer o proprietário.” (Art. 18).
109
DEAN, 1996, op. cit., p. 304.
110
BOHN, 1990, p. 148 et. seq.; MAGALHÃES, 2002, p. 64. DEAN, 1996, op. cit., p. 372.
164
Mas o Código Florestal de 1965 aponta para uma conjuntura que não analisarei aqui,
pois os incentivos fiscais previstos na referida lei e aplicados pela ditadura (1964-1985) iriam
gerar um boom de grandes projetos de reflorestamento ligados a indústrias de celulose, móveis,
compensados, siderúrgicas, entre outras. Atividades de reflorestamento que vieram a ocupar uma
grande parcela do espaço rural, todavia sendo pouco importante na geração da produção
agropecuária, na crião de empregos e contribuiu para o crescimento da desigualdade da
distribuição da posse da terra e da riqueza em nosso País.”
111
Essa é uma conjuntura que
acompanha a “revolução verde” do campo e se distancia dos processos de colonização dirigida
aqui abordados.
3.5 DGTC NA RACIONALIZAÇÃO DA PAISAGEM
O imposto sobre a terra
112
é um bom elemento para se pensar a posição do Governo
Estadual na produção de uma paisagem racionalizada, que no caso estudado seria uma paisagem
sem as caóticas florestas e com produtivas florestas artificiais. Mostrando, ainda, a prioridade
dada ao crescimento econômico imediato,
Esse aspecto fica evidente, por exemplo, quando o governo procurando ocupar
os chamados espaços vazios e fazer a modernidade chegar ao sertão ‘taxou as
terras cobertas de matas de forma muito mais elevada do que as pastagens e
campos naturais’ (REVISTA A PIONEIRA SET/OUT 1949). Podendo-se
inferir que, tendo uma prática política de ocupar rapidamente essas áreas para
produzir mercadorias, forçava-se os colonos a derrubarem o mato logo que
compravam os lotes de terras.
113
Maack, ainda em 1952, já denunciava:
111
BACHA, 1993, p. 188.
112
A criação de um imposto sobre a terra sofreu uma grande resistência da elite agrária tradicional. Esta
tentava evitar a “grande transformação”, a da terra em uma mercadoria fictícia, ou seja, da equivalência da terra
com as outras mercadorias. A tributação da terra foi recusada durante o império. Na República, com a possibilidade
da tributação da terra passando para os Estados, ela foi paulatinamente implantada pelos Governos, mas bastante
influenciados pelas oligarquias estaduais (CAMPOS, Dejalma de. Imposto sobre a propriedade territorial rural –
ITR. São Paulo: Atlas, 1993. p. 27 et. seq.; BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. 4. ed. São Paulo: Companhia
da Letras, 1992. p. 285-6). No Paraná o impostos territorial rural foi criado em 1922, mas, segundo Ana Y. Lopes
foi “inoperante”, havendo um esforço mais sério de sua cobrança apenas no período dos interventores (LOPES, Ana
Yara D. P. Pioneiros do Capital: A Colonização do Norte Novo do Paraná. 1982. Dissertação (Mestrado em
Ciências Sociais) – FFLECH., USP, São Paulo. p. 96). Em 1964 a tributação da terra passou a ser de competência da
Uno, na política de centralização que se seguiu ao Golpe Político-Militar de 1964 e com o objetivo oficial de
resolver o problema da ineficiência da cobrança do imposto por parte dos governos estaduais. Apesar de
oficialmente tal tributação estar voltada para um “reforma agrária” que pretendia eliminar o “minifúndio e o
latifúndio, a tributação era feita de tal forma que mantinha certas “distorções” que favoreciam as grandes
propriedades. Foi na década de 1990 que o Imposto Territorial Rural tomou um aspecto confiscatório, sendo
bastante majorado para as propriedades rurais consideradas improdutivas (CAMPOS, 1993, op. cit., p. 27 et. seq.).
113
ROLIM, Rivail Carvalho. Progresso e Destruição. História & Ensino, Londrina, n. 1, p. 23-32,
1995. p. 29-30.
165
A mata virgem e o mato secundário atualmente não gozam da proteção do
governo, pois as leis de imposto no Paraná favorecem a destruição da mata. O
imposto territorial sobre a mata virgem e a capoeira, no Paraná, é o dobro do
que para campo e terras de produção. [...] Enquanto que às terras em produção
ou terras em preparo, cabe apenas a metade do imposto territorial do Estado do
Paraná, as terras com mato não tem nenhum abatimento, pagando imposto total
de 6 por mil do valor do terreno. Esta política de impostos tem conseqüência
que, no norte do Paraná, desaparecem também as últimas reservas de belas
matas, transformando-se em cafezais ou roças primitivas para a engorda de
suínos.
114
Devo lembrar, todavia, que havia na legislação dispositivos que protegiam a floresta da
tributação. O Código Florestal de 1934 previa em seu artigo 17 que:
As florestas são isentas de qualquer imposto, e não determinam, para efeito
tributário, aumento do valor da terra, de propriedade privada, em que se
encontram. Parágrafo Único - As florestas protetoras determinam a isenção de
qualquer tributação, mesmo sobre a terra que ocupam.
A interpretação de Luiz Alberto Langer, do INP, seria que todas as florestas estariam
isentas de tributação do imposto sobre a terra e não apenas as “florestas protetoras”. De qualquer
forma, segundo Langer, tal artigo o era observado pelas autoridades: “o que é doloroso é que
este sábio dispositivo vem sendo desconhecido pelo fisco de todos os Estados e da própria
União, apesar da sua juristicidade e constitucionalidade serem jurisprudência pacífica dos
tribunais brasileiros.”
115
Para Langer, a tributação da terra florestada contribuía para o
desflorestamento por parte da instria madeireira e ainda mais por outras atividades, como dos
“simples lenhadores ou dos caboclos que, queimando florestas para plantar suas roças de milho,
ficam, afinal, beneficiados, pagando menos impostos.”
116
.
A tributação da terra favorecia a queima da floresta, antes da sua conservação. O que
indica a prioridade do “desenvolvimento” econômico sobre a conservação de recursos naturais. E
as poucas vozes dissonantes, na esfera estatal, que se colocavam contra tal “desenvolvimento a
qualquer custo”, colocavam-se em especial contra os setores” mais atrasados” e “simples”,
percebidos como os grandes devastadores.
114
MAACK, Reinhard. Plano de Proteção das florestas do Paraná. Anuário Brasileiro de Economia
Florestal. Rio de Janeiro, n. 5, Instituto Nacional do Pinho, 1952. p. 66.
115
PORTES, Antonio Oliveira; LANGER, Luiz Alberto. Política Florestal. Anuário Brasileiro de
Economia Florestal, Rio de Janeiro, p. 252-255, 1957. p. 253.
116
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1956. Curitiba, 1957. p.
282. Com a passagem, em 1964, da tributação da terra para a competência da Uno, facilitou-se a aplicação dos
aspectos conservacionistas da legislação. Todavia, diferentemente do que afirma Dean (1996, op. cit., p. 304) o
Código Florestal de 1965, não estabelece que a “terra florestada era isenta de todo tributo” e sim que as florestas são
“imunes a qualquer tributação” (Art. 38). As terras florestadas ficaram isentas do imposto territorial rural, salvo se
“a floresta for nativa”. Neste caso a isenção não ultrapassaria 50% do valor do imposto devido (Art. 39). Tal artigo
foi criticado, posteriormente, pelo novo movimento ambiental, por ser “discriminatório, anti-ecológico e
desestimulante, do ponto de vista conservacionista.(BOHN, 1990, op. cit., p. 143). Sendo que tais críticas levam a
uma mudança “da legislação referente ao Imposto Territorial Rural ITR (Leis ns. 8.847/94 e 9.393/96) que dão
tratamento tributário especial para as áreas de preservação florestal.” (MAGALHÃES, 2002, op. cit., p. 66-7).
166
Para aprofundar esta relação entre a ação estatal e conservação da floresta vou voltar a
abordar a legislação florestal, mas partindo do seu contexto de aplicação e o mais de produção.
Como o Código Florestal era aplicado no sertão de Campo Mourão”? Para responder
esta questão é necessário deslocar a atenção do contexto de produção da legislação para o de sua
aplicação. Penso não tanto nas condições e disposição do Estado” em aplicar a lei, e sim, nas
diversas apropriações que diferentes instituições e grupos fazem da legislação.
Como argumenta Dean, não foi o Governo Federal o principal responsável pela
fiscalização da aplicação do Código Florestal de 1934, e sim os governos estaduais, pois um
aparato federal de fiscalização previsto na lei não foi efetivamente criado.
117
No Relatório dos
Serviços e Ocorrências da Secretaria de Fazenda e Obras Públicas, do ano de 1934, é
informado que o Decreto Estadual 2.569, de 11 de dezembro de 1934, já mandava adotar, no
Estado do Paraná, o Código Florestal Nacional, sendo confiado ao Departamento de Terras e
Colonização a maior responsabilidade na execução do digo Florestal”.
118
Por isso, o DTC
iria “iniciar uma campanha pela defesa das mattas, [sic.] principiando pela educação do
industrial e do lavrador, antes de aplicar as penalidades da lei”.
119
Contudo, infelizmente, o
escassos os relatórios governamentais a esse respeito. Apesar disso, em 1945, a 5
a
Inspetoria de
Terras elaborou um relatório referente a suas atividades nos anos de 1940 a 1945. Tal órgão fazia
parte do DTC e abrangia 43.000 km
2
, com sede na cidade de Guarapuava. No item “Serviço
Florestal”, informa-se que
[...] foram feitas contínuas inspeções in-lóco [sic.] em toda a zona de sua
jurisdição. [...] Verificou-se então a grande e criminosa invasão nas terras
devolutas existentes nas diversas zonas, pelos sertanejos amparados pelos
celebres safristas que só se aproveitam das mesmas. [...] Para por termo a esse
abuso solicitou a Inspetoria, em 1942, a nomeação de Guardas Florestais, a fim
de executar as determinações do Código Florestal e impedir a invasão e queima
desordenada das florestas de domínio público. (grifo meu)
120
A aplicação da lei florestal procurava r fim na “abusiva colonização espontânea”, ou
seja, na ação dos milhares de posseiros vindos de várias partes do Brasil que pressionavam o
Estado ao adentrarem no sertão para fazer posse. Segundo o citado relatório, a nomeação de
117
DEAN, 1996, op. cit.
118
Todavia, eram também responsáveis “III – os funcionários do Departamento de Agricultura. IV – os
funcionários da fiscalização das Rendas do Estado. V – os delegados e sub-delegados de polícia” at. 2 do Decreto
n.
o
2.569 de 11 de dez. de 1934, indicando a dispersão dos órgãos responsáveis pelas políticas florestais que
marcaria durante muitos anos e ampliaria a ineficiência da ação do Estado. DEAN, 1996, op. cit. passim
119
PARANÁ, Secretaria de Fazenda e Obras Públicas. Relatório dos Serviços e Ocorrências da
Secretaria de Fazenda e Obras blicas no ano de 1934. Curitiba, 1934. p. 34.
120
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. 5
a
Inspetoria de Terras. Relatório apresentado ao
Ilmo. Snr. Dr. Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização pelo Eng. Chefe da Divisão de
Colonização, Sady Silva. Ano 1940-1945. Curitiba, [s.d]. p. 20.
167
guardas florestais tinha justamente o objetivo de controlar a ação do sertanejo”. Como diria Da
Matta, estes eram os “indivíduos” para quem cabia a letra fria da lei.
121
Deve-se considerar, entretanto, que, pelo menos oficialmente, os guardas florestais
tinham uma função propedêutica. Assim, segundo o citado relatório, eles atendiam “as queimas
de roças e orienta[vam] os sertanejos da maneira como deve[ri]m preparar os aceros para
impedir a propagação do fogo nas florestas vizinhas”
122
. E, oficialmente, não se limitavam à
repressão ao intruso, mas também se dedicavam a conservação da natureza, pois “impedem,
também, a derrubada das margens dos rios e ribeies de pequeno curso e das nascentes para
conservar o regime de águas”
123
.
Obviamente as condições de fiscalização eram bastante precárias. No relatório, reclama-
se dos baixos sarios dos “rapazes abnegados” que defendem o “patrimônio público”, passando
privações e arriscando às vezes a própria vida”
124
. Ademais, os guardas florestais eram “em
número muito reduzido para atender a vasta extensão territorial da Inspetoria, [e só] foram
aumentando no correr dos anos” chegando na época eram 9, os quais estavam “espalhados em
lugares diversos nos distritos”
125
.
No relatório do exercício de 1947, constam apenas quatro guardas florestais na 5
a
Inspetoria, tendo, em todo o Estado, 11 guardas florestais
126
. É compreensível que, nessas
condições, os relatórios reivindicassem que se “atribua autoridade maior” aos guardas florestais
para a repressão quiçá permitindo-se-lhes a faculdade de requisição imediata de força armada
para solução dos casos constantes de obstinação
127
. Mesmo o Decreto Estadual 2.569, de 11
de dezembro de 1934, prevendo que os funcionários poderiam recorrer ao auxílio das
autoridades policiais que lhes prestarão o necessário apoio moral e material”,
128
o havia apoio
de todos os órgãos e agentes estatais, como transparece no caso da 5
a
Inspetoria de Terras:
Os infratores são autuados e os respectivos autos de infração são remetidos à
sede da Inspetoria, que solicita a abertura de inquérito às autoridades policiais.
[...] Infelizmente esses inquéritos cujo maior número foi remetido à Delegacia
de Pitanga, não mereceram a atenção dos delegados de polícia por insinuação
do Tenente da Força Pública, Abílio Antunes Rodrigues, que ao envês [sic.] de
121
DA MATTA, 1990, op. cit., p. 194.
122
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. 5
a
Inspetoria de Terras. op. cit. [s.d]. p. 21.
123
Ibid., p. 21
124
Ibid., p. 21
125
Ibid., p. 21
126
DEPARTAMENTO de Geografia, Terras e Colonização. Relatório 1947 apresentado ao
Excelentíssimo Sr. Cél. Antenor de Alencar Lima digníssimo Secretário de Viação e Obras Públicas pelo Engº
Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização. Curitiba, 1948.
127
Ibid.
128
Art. 3º. PARANÁ. Decreto nº 2.569, de 11 de dezembro de 1934. Diário Oficial [do] Estado do
Paraná, Curitiba, n. 1,062. 14 dez. 1934. p. 2.
168
dar apoio moral e material aos Guardas Florestais, sempre procurou diminuir a
autoridade dos mesmos.
129
A atuação dos guardas florestais aponta uma ação efetiva de controle do terririo,
mesmo que pouco eficiente do ponto de vista da proteção da floresta. Os guardas florestais,
aparentemente, não atuavam sobre terras de propriedade particular e se concentravam nas terras
devolutas e, em especial, naquelas em processo de colonização. Sendo a ação da Guarda
Florestal voltada contra os “indivíduos”, provavelmente pouco atingia a ação das “pessoas”,
como os donos de colonizadoras e fazendeiros. Todavia, o citado relatório apresenta uma
apreciação bastante positiva da ação dos guardas florestais.
Com a fiscalização por parte dos Guardas Florestais, que recebem instruções e
ordens diretas da Inspetoria de Terra, calcula-se que em mais de 60% foram
reduzidas as invasões e queimadas desordenadas das florestas de domínio do
Estado. [...] Todos os ocupantes e requerentes de terras de domínio do Estado,
ainda não legalizadas, são obrigados a tirarem todos os anos uma licença para
fazerem suas derrubadas e roças. [...] Essas licenças o expedidas pelos
Guardas Florestais. [...] No período de 1942 a 1945, foram expedidas 24.460
licenças para feitio de roças abrangendo a área total de 343.068 hectares, sendo
132.348 hectares para derrubada de mata virgem e 210.720 hectares para
derrubada de capoeiras. [...] Além desse número de licenças e área, presume-se
que tenha sido derrubado muito mais, levando-se em conta as zonas mais
distantes que escapam à fiscalização dos Guardas Florestais.
130
Os números otimistas apresentados reforçam a hipótese de uma tentativa de controle
efetivo sobre um território que, 30 anos antes, aparecia nos mapas como sertão desconhecido”
ou “sertão desabitado”, pois indicava que, durante quatro anos, foi autorizada a derrubada de
“mata virgem” de 3,5% do território da Inspetoria, ou uma média de 0,76% por ano. Mesmo
considerando que, antes da instalação do Território do Iguaçu, a área da Inspetoria era de 73 mil
km
2
e que o índice de desflorestamento deveria ser bem mais alto que isso, como reconhece o
próprio relatório, tais números indicam a efetividade da ação do Estado, mesmo em condições
precárias. Reforça tal hipótese o Relatório do exercio de 1947, o qual informa que, para todo o
Estado do Paraná, a arrecadação com “multas decorrentes de infração florestalalcançou C$
100.700,00, ou 3,1% das receitas do DGTC.
131
Todavia, antes de se proteger a floresta, tal ação
era voltada para controlar o território, procurando manter sob controle a ação dos intrusos ou,
pelo menos, daqueles que eram “indivíduos”. Assim, a legislação era usada para excluir homens
e mulheres pobres do campo do acesso à terra ao mesmo tempo em que o Estado facilitava o
129
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. 5
a
Inspetoria de Terras. op. cit., [s.d]. p. 21
130
Ibid., p. 21
131
DEPARTAMENTO de Geografia, Terras e Colonização. Relatório 1947 apresentado ao
Excelentíssimo Sr. Cél. Antenor de Alencar Lima digníssimo Secretário de Viação e Obras Públicas pelo Engº
Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização. Curitiba, 1948.
169
acesso a ela, por parte das empresas colonizadoras e dos fazendeiros, através de meios citos e
ilícitos.
132
No Relatório de 1948 do Departamento de Geografia, Terras e Colonização, afirmou-se
o seguinte a respeito da ação dos guardas florestais:
No afan [sic.] de salvar o patrimônio florestal remanescente, em terras de
domínio público, da fúria iconoclasta dos devastadores, muito têm feito esses
funcionários, [...] aconselhando e advertindo os sertanejos incautos dos
prejuízos decorrentes das derrubadas criminosas e do respeito devido às leis.
(grifo meu)
133
Os relatórios do DGTC são implacáveis em denunciar a “fúria iconoclasta dos
devastadores”, revelando, a partir de dados certamente impressionistas, no Relatório
provavelmente de 1946, que mais de dois terças partes [sic] das terras de domínio do Estado se
acham invadidas e grande área devastada.”
134
A crítica o se dirigia apenas aos intrusos, mas a todos que o faziam a terra
produzir”, como o latifúndio improdutivo ou as sociedades indígenas. A respeito das terras
indígenas, o Relatório do exercício de 1941 do DGTC, assinado pelo seu Engenheiro Diretor,
Antonio Baptista Ribas, opõem-se ao fato de as reservas de terras para localização e fixação de
silvícolas neste Estado” atingirem “uma área imensa, que equivale à extensão territorial de
alguns países europeus de densidade populosa bem significativa, ou seja, 200.000 hectares”.
135
Antonio B. Ribas, em relação ao conjunto de terras reservadas aos indígenas, afirma que
essa imensa área que [...] permanece improdutiva, como reserva destinada à proteção e
perpetuação de uma raça que se encontra em degenerescência” pelo seu reduzido número e
pelo cruzamento com o nosso caboclo e de outros tipos étnicos oriundos das correntes
imigratórias que se internaram pelo sertão, poderia ser justificada quando o território do
Estado era constituído pelo sertão virgem e despovoado”. Todavia, tais terras reservadas não se
justificavam mais quando “as terras uberrimas e ferazes do território paranaense” são “assoladas
por uma avalanche de colonos de outros estados, que na sua espantosa produtividade, buscam
auferir a compensação merecida do seu trabalho [...] fecundo”. A pretensão do diretor do DGTC
era eliminar estes “entraves ao desenvolvimento, passando a terra novamente ao controle do
132
SERRA, Elpídio. Processos de ocupação e a luta pela terra agrícola no Paraná. 1991. Tese
(Doutorado em Geografia) Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista Julio de
Mesquita Filho, UNESP. Rio Claro.
133
DEPARTAMENTO de Geografia, Terras e Colonização. Relatório 1947 apresentado ao
Excelentíssimo Sr. Cél. Antenor de Alencar Lima digníssimo Secretário de Viação e Obras Públicas pelo Engº
Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização. Curitiba, 1948.
134
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. 5
a
Inspetoria de Terras. op. cit., p. 19.
135
No mapa da localização anexo ao citado relatório constam 11 terras reservadas para indígenas e 6
reservas, nas quais constam os decretos de criação, são datados de 1900 a 1915. DEPARTAMENTO de Terras e
170
Estado para formar “núcleos progressistas que concorreriam para o engrandecimento e
desenvolvimento econômico não só do Estado como da União.”
136
E acrescenta que:
Não é somente este o prejuízo que resulta da liberalidade consubstanciada na
reserva que constitui uma grande série de glebas improdutivas, que tolhe o
incremento do seu respectivo povoamento, mas também a resultante da
intrusão clandestina que produz a devastação criminosa depauperadora e
desvalorizadora das terras, sem que, a administração estadual, possa fazer
sentir os efeitos consubstanciais nas medidas coercitivas de tão pernicioso
abuso.
(grifo meu)
137
Por todos esses motivos, afirma Antonio B. Ribas, para garantir o “progresso e o
desenvolvimento” não se pode, por sentimentalismo”, esquecer da questão das terras reservadas
para indígenas a qual vinha sendo tratada em outros relatórios do DGTC, devendo ser solicitado
um entendimento com o Governo Federal, a-fim-de que fosse medida e demarcada, uma única
área, capaz de abrigar suficientemente os poucos índios sobreviventes que aí seriam localizados
de maneira a poderem ser [sic.] assistidos, material e moralmente, mais direta e
eficientemente”
138
. Dessa forma, para Antonio B. Ribas, o terririo paranaense seria ordenado
em nome dos princípios da eficiência e da produtividade, ou seja, seria racionalizado.
Apesar de tal visão de mundo racionalizadora,
139
a produção da paisagem era fruto de
um conjunto de relações e forças maiores, nas quais as sociedades indígenas o eram meras
timas, mas agentes ativos. As reservas para indígenas o eram o fruto da mera “liberalidade”
ou planejamento do Estado, como já discutido no primeiro capítulo, mas de resistência,
negociação e colaboração das populações indígenas em sua relação com a sociedade nacional.
140
Por mais que tal relação tenha sido e seja em condições extremamente desiguais.
141
As colocações do engenheiro diretor do DGTC reforçam, também, outras posições
presentes nos relatórios, como o horror a tudo que o seja produtivo e à percepção negativa em
relação aos grupos populares, um povo que necessitava ser tutelado; no caso dos indígenas,
literalmente “degenerados”. Já no caso dos intrusos, estes deveriam ser tirados da passividade de
Colonização. Relatório dos serviços executados pelo Departamento de Terras e Colonização durante o ano de
1940. Curitiba, 1941. p. 185.
136
Ibid., p. 185.
137
Ibid., p. 186.
138
Ibid., p. 186. O Serviço de Proteção ao Índio (SPI), segundo o relatório, vinha obstaculizando tal
proposta.
139
MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. p. 155.
140
Ver: MOTA, Lúcio Tadeu. As Guerras dos Índios Kaingang: A História épica dos índios
Kaingang no Paraná. Maringá: EDUEM, 1994; MOTA, Lucio Tadeu. As colônias indígenas no Paraná
Provincial. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2000.
141
As reservas indígenas legalmente constituídas foram amplamente invadidas por pequenos posseiros
ou grandes empresários, sendo que as 17 terras indígenas atualmente legalmente constituídas no Paraná atingem
apenas 91.524,5 hectares. SEMA, Assessoria de Assuntos indígenas. 2003, p. 60. apud ONOFRE, Gisele Ramos.
Campo Mourão: colonização, uso do solo e impactos socioambientais. 2005. 206 p. Dissertação (Mestrado em
Geografia), Universidade Estadual de Maringá, UEM, Maringá. p. 46-47.
171
sua contumaz tradição de “devastação criminosa depauperadora e desvalorizadora das terras”,
cabendo à administração estadual” coibir tão pernicioso abuso”.
Algumas vezes, os relatos não ficavam apenas na crítica ao intruso e à colonização
espontânea e percebia outras motivações para o ataque à floresta: “Lamentavelmente é vultosa a
devastação criminosa das florestas mercê da irrefletida e gananciosa ambição de quantos
objetivam somente a acumulação indevida de lucros com prejuízos múltiplos para toda uma
coletividade.
142
Entretanto, as atribuões incumbidas ao DTC/DGTC, pelo Decreto Estadual n
o
39, de 9 de janeiro de 1934, já indicavam o projeto a que estava associado: zelar pela
conservação das matas, impedindo por todos os meios a devastação oriunda das derrubadas
criminosas; promover a fixação do homem ao solo.”
143
Segundo Lenharo, fixar o “homem no
solo” era “impedir o livre movimento dos sem terra, isto é, dificultar a cercar o posseiro, e, acima
de tudo, criar o ‘novo’ trabalhador rural brasileiro, ordeiro, produtivo, voltado para o lucro,
distante do seu meio natural, da sua tradição e do seu passado.
144
Procurando, assim, afastá-los
do seu modo de vida e da sua agricultura de coivara, que devorava as florestas”.
inclusive cientistas contemporâneos que criticavam a “colonização espontânea” e a
coivara”. E apontavam positivamente os esforços do DGTC em impedi-los, como se pode
observar, neste comentário de Bernardes, acerca das alterações na legislação e nos
procedimentos do DGTC logo após o primeiro Governo Lupion:
Punindo a apropriação indevida das terras e a devastação das florestas e
proibindo a cessão de direitos e venda de benfeitorias nas colônias, salvo casos
de necessidade imediata, procurou o Departamento de Terras e Colonização
impedir que se continuasse o velho sistema já tradicional entre colonos e
caboclos, de abandonar depois de alguns anos de roças e queimadas os lotes
por eles ocupados. (grifo meu)
145
Assim, algumas análises dos cientistas contemporâneos a colonização dirigida
acompanhavam os relatórios da tecnoburocracia na condenação de uma agricultura tradicional
em nome das novas tecnologias, da modernização. É importante destacar duas concepções
acerca da produtividade da terra. Na agricultura de coivara, em geral, a terra é algo que se esgota
inexoravelmente e apenas o crescimento da floresta permite a regeneração da capacidade
produtiva do solo. na agricultura “moderna”, uma propriedade rural é um elo em uma cadeia
de produção. Nela criou-se a necessidade da entrada de inúmeros insumos para a posterior saída
142
DEPARTAMENTO de Geografia, Terras e Colonização. Relatório 1947 apresentado ao
Excelentíssimo Sr. Cél. Antenor de Alencar Lima digníssimo Secretário de Viação e Obras Públicas pelo Engº
Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização. Curitiba, 1948.
143
Ibid.
144
LENHARO, Alcir. Colonização e Trabalho no Brasil: Amazônia, Nordeste e Centro-Oeste. 2. ed.
Campinas: Editora da Unicamp, 1986. p. 14.
172
da produção. Ou seja, cria-se a necessidade de fertilizantes sintéticos e também de biocidas, de
maquinas automotoras agrícolas e sementes selecionadas. Como certa vez me explicou um
agricultor da região que passou a usar tratores e fertilizantes no final da década de 1960: “a terra
é que nem banco, tem que colocar para depois tirar”. Mas antes ele não pensava assim, porque
quando a terra ficava “fraca, não tinha o que fazer”.
Um perito de um processo judicial ao calcular, em 1958, o valor de um imóvel rural,
afirma que o valor da terra depende “de inúmeros fatores, como sejam, qualidade das terras,
feitio topográfico das mesmas, distancias às cidades e grandes mercados e idade das terras,
146
pela qual se mede o seu índice de vida produtiva.”
147
Tal concepção de fertilidade do solo não implicava a inexistência de formas diferentes e
criativas de manejo desenvolvidas a partir do conhecimento local de ecossistemas por diferentes
grupos sociais, como o sistema de “faxinais” e o sistema bracatinga de agrossilvicultura no
Paraná.
148
E também não implicava, necessariamente, uma concepção cornucópica de natureza.
Lysia Maria Cavalcanti Bernardes afirma, sobre a região cafeeira paranaense em meados da
década de 1950, que: “Há casos em que, mesmo depois do cafezal em produção, continuam as
lavouras intercaladas, por conta do proprietário da terra, o que contribui para a exaustão rápida
do solo, cuja grande riqueza é considerada pelo desbravador como inesgotável.
149
Tal
comportamento aparece também na documentação aqui abordada, mas envolvendo proprietário e
o-proprietários. E como argumentou Verena Stolcke para São Paulo,
150
e já constatei por meio
de entrevistas em Engenheiro Beltrão no Paraná,
151
a cultura intercalar, ou seja, o cultivo nos
intervalos dos cafezais, era um dos pontos fundamentais de negociação entre proprietários e não-
proprietários. Como a cultura de produtos como arroz, feijão e milho realizada entre as carreiras
de pés de café era do não-proprietário, este tendia a plantar o máximo possível de tais produtos, o
que acabava por prejudicar o crescimento e a produção do café. A cultura intercalar não afetava
o cafezal quando novo, todavia, conforme o café crescia, a cultura intercalar competia com a
145
BERNARDES, Lysia Maria Cavalcanti. O problema das frentes pioneiras” no Estado do Paraná.
Revista Brasileira de Geografia. v. 15, n. 3, jul.-set. p. 3-52, 1953. p. 21.
146
Todos os destaques em citações são do original, salvo indicação ao contrário.
147
Processo nº 205 de 1958. Ação de Reintegração de Posse. Requerente Paulo José de Camargo.
Requerido Marcelino Araújo e sua mulher e outros. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
148
CUNHA, Aércio S.; BASTOS FILHO, Guilherme Soria. O sistema agrossilvicultural da bracatinga.
In: LOPES, Ignez Vidigal; et al. (Orgs.). Gestão Ambiental no Brasil: experncia e sucesso. 2. ed. Rio de Janeiro:
FGV, 1998.
149
BERNARDES, 1954, op. cit., p. 8.
150
STOLCKE, Verena. Cafeicultura: Homens, mulheres e capital (1850-1980). São Paulo: Brasiliense,
1986.
151
CARVALHO, E. B.; NODARI, Eunice Sueli . A percepção da transformação da paisagem: os
agricultores no desflorestamento de Engenheiro Beltrão, Paraná, 1948-1970. In: Encontro da Associação Nacional
de Pós Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade, 2006, Brasília. Anais. Brasília : Associação Nacional de
s Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade, 2006. v. 3.
173
cultura principal pelos nutrientes.
152
Os proprietários procuravam diminuir tal cultura intercalar
e/ou destiná-la a uma área em separado da lavoura cafeeira. Mas em pequenos lotes, mesmo
proprietários, acabavam por utilizar a cultura intercalar de cereais. Ou seja, a sobre-exploração
da base de recursos naturais estava pautada por conflitos pela apropriação de recursos e não
apenas por uma visão cornucópia de natureza.
E uma outra forma de perceber a degradação da capacidade produtiva dos solos poderia
ser encontrada, nesse período, em um texto datado de 1948, assinado pelo “agrimensor
licenciado” João Ryses, referindo-se à Parte 2, da Gleba 7, da Colônia Piquirí:
As terras desta parte da gleba acham-se bastante devastadas, apresentando na
sua maior extensão principalmente capoeiras baixas, existindo somente nos
lugares menos acessíveis alguns capões de mato branco e restinga de pinheiros
pouco numerosos.
Entretanto, devido a qualidade boa do seu solo, fértil por natureza, os trabalhos
agrícolas regulares, com o possivelmente emprego de queimadas, com a
aplicação do arado e do sistema de rotações de cultura, estas terras continuarão
por muitos anos produzir satisfatoriamente, compensando plenamente o
trabalho do agricultor.
153
Em tal enxerto aparece uma concepção moderna: a tecnologia como responsável por
garantir a produtividade.
154
Mesmo que os elementos tecnológicos não fossem, então,
amplamente utilizados, como o arado, ou que fossem elementos mais identificados com uma
agricultura tradicional do que com a “moderna”, como no caso das “queimadas”, de toda a forma
era o elemento técnico/tecnológico que iria garantir a produção.
Segundo Gilmar Arruda, no final do século XIX e início do XX, houve um
deslocamento na percepção da natureza: de exuberante/paradisíaca para uma natureza também
exuberante, mas na qual deveria ser integrado o progresso, mediada pela tecno-ciência, a qual
levaria a ver a natureza como recurso natural.
155
De forma semelhante, segundo Araújo, houve
uma passagem do “mecanicismo clássico” para o “mecanicismo termodinâmico” no século XIX,
ou seja, de uma natureza como uma máquina inesgotável, movimentada por Deus, para uma
natureza como maquina inesgotável, mas movimentada pelo homem, ou, talvez fosse melhor
152
O cultivo associado de diferentes espécies vegetais pode se mostrar vantajoso para os dois, ou mais,
cultivos, mas isto depende de uma série de fatores técnicos a serem observados.
153
DEPARTAMENTO de Geografia, Terras e Colonização. Relatório apresentado pelo
Departamento de Geografia, Terras e Colonização do Estado do Paraná, referente aos trabalhos de
colonização. Curitiba, 1954. p. 50.
154
Gilmar Rocha, interpretando o imaginário intelectual brasileiro na Belle Époque afirma que neste
momento houve “uma ruptura parcial com toda uma tradição que remonta ao imaginário colonial: a visão edênica do
paraíso tropical.” ROCHA, Gilmar. Nação, tristeza e exotismo no Brasil da Belle Époque. Varia Historia, Belo
Horizonte, n. 24. jan. p. 172-0189, 2001. p. 184.
155
ARRUDA, Gilmar. Representações da Natureza: História, Identidade e Memória. In: ROLIM, Rivail
C.; PELEGRINI, Sandra A.; DIAS, Reginaldo. História, Espaço e Meio Ambiente. Maringá: ANPUH-PR. 2000.
p. 43-66.
174
dizer, movida pela tecnologia. Para tal autor, entretanto, houve uma persistência do
“mecanicismo clássico” no Brasil, com a hegemonia da idéia de um “país essencialmente
agrícola” por parte da elite ligada aos interesses agrários, no qual caberia aos seres humanos
apenas gerir a riqueza produzida pela natureza e o ser o motor produtor da riqueza.
156
Ao menos nas fronteiras de colonização, aparentemente, a imagem de uma natureza
como motor do progresso parece ter sido mais persistente. Romanello afirma que, somente nos
anos 1940/1950, houve uma “transição discursiva” em relão à terra, no Vale do Paranapanema
paulista, de uma terra como paradisíaca que garante por si mesmo o progresso para uma terra que
demanda a aplicação de tecnológica:
[...] durante a década de 1940, [...] imagem de riqueza começa a ceder espaço
para um discurso de fundo, mais técnico; a terra rica, passa a não ser mais
necessariamente a fonte da riqueza, pois faz-se necessário que a agricultura
aplique ‘cuidados científicos’ ao solo, para que ele possa produzir, mais e
melhor.
157
Se, nos relatórios do DGTC, a tecnologia moderna era a garantia da produção e do
progresso, a falta de tecnologia ou as técnicas arcaicas eram apontadas como as responsáveis
pela degradação. A agricultura de coivara ou tradicional era indicada como a fonte de
degradação ambiental; já a moderna era referida como a solução para os problemas gerados pela
devastação das florestas”. No século XIX, os poucos intelectuais que formaram, segundo Jo
Augusto Pádua, uma tradição intelectual” de “crítica ambientalno Brasil escravista projetavam
uma agricultura moderna, sendo o “atraso” entendido como a principal fonte da degradação
ambiental no Brasil:
O modelo ideal de sociedade passava por um rural modernizado, inclusive com
a introdução de máquinas e produtos químicos. Essa agricultura modernizada
não era vista como fonte de destruição ambiental, mas sim como o caminho
mais direto para a salvação do território e para a construção de um país
efetivamente civilizado.
158
A parcela não-hegemônica da elite agrária, na República Velha, que pros, por meio
do Ministério de Agricultura, uma política de constituição de colônias de pequenos agricultores
como forma de disciplinar homens e mulheres pobres do campo para o trabalho também pensava
na modernização tecnológica dos agricultores.
159
Por mais que as tecnologias identificadas como
156
ARAÚJO, Hermetes Reis de. Da Mecânica ao Motor: A idéia de natureza no Brasil no final do
século XIX. Proj. História, São Paulo, n. 23, p. 151-167, nov. 2001. Sobre a relação entre a elite brasileira e a
modernização no século XIX, ver: CRIBELLI, Teresa. “Civilizar” e “Aperfeiçoar”: Debates e projetos para a
modernização da Nação. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24., 2007, São Leopoldo RS. História e
multidisciplinaridade: territórios e deslocamentos: anais. São Leopoldo: Unisinos, 2007. 1 CD.
157
ROMANELLO, Jorge Luiz. Imagens e visões do Paraíso no Oeste Paulista: Um Estudo do
Imaginário Regional. 1998. Dissertação (Mestre em História). UNESP, Assis. p. 15.
158
PÁDUA, 2002, op. cit., p. 19.
159
MENDONÇA, 1997, op.cit.
175
“modernas” tenham se alterado, o desejo de “modernização permanece, sendo a
“modernização” a solão para os problemas gerados com a “devastação florestal”.
O DGTC tinha como objetivo modernizar o sertão. Para tal, era necessário disciplinar a
população, o que se expressava na máxima de “fixar o homem no solo”. Contudo, também era
seu objetivo disciplinar a floresta, eliminando a caótica floresta e a substituindo por uma
disciplinada e produtiva floresta artificial. Como afirma Acrício L. Marques, “Engenheiro
Diretor” do DGTC, no Relatório do exercício de 1947: era imprescindível uma “reflorestação
racional que não pode ser retardada.
160
O diretor reproduz, no citado relatório, um projeto
apresentado por ele ao Secretário de Viação e Obras blicas, a quem o DGTC estava
subordinado, para conter o desflorestamento, justificando a proposta nos seguintes termos:
É do vosso conhecimento, Exmo. Sr. Dr. Secretário, o quanto é desolador o mal
resultante das derrubadas; o quanto prejudicial tem sido a ação nefasta do fogo,
do machado e das traçadeiras, desnudando e tornando imprestáveis extensas
glebas de terras que outrora ostentavam o esplendor verde das florestas nativas;
a miséria acabrunhante do solo devastado, onde calcinado jaz o húmus
fertilizante da vida vegetal e, onde morta à fauna microscópica não mais
subsistem os compostos amoniacais, elementos preponderantes ao crescimento
das árvores; em suma e como conseqüência: a seca; a erosão destruidora de toda
a feracidade; o desequilíbrio climático, a esterilidade e a miséria da terra,
imprópria para a agricultura e para a criação e inabitável pelo homem.
161
Apesar das graves conseqüências do desflorestamento apontadas pelo diretor, chegando
até mesmo a um certo catastrofismo, a proposta de Acrício L. Marques, para a “defesa do
patrimônio florestal paranaense”, consistia em estabelecer em lei que a exploração intensiva e
extensiva de pinheiros, para fins industriais, somente se fará mediante autorização prévia, do
Governo do Estado”.
162
Tal como na legislação florestal então vigente, a proposta era conservar
apenas a Floreta Ombrófila Mista, ou melhor, apenas a Araucária angustifólia. Afinal, a mata de
araucária era o tipo de floresta de exploração mais rentável economicamente devido à relativa
homogeneidade de espécies. Ademais, apenas a exploração para “fins industriais” seria atingida
pela norma, sendo, portanto, desobrigada de tal taxa a exploração para fins agropecuários, afinal
o DGTC visava a “colonização” da terra. A proposta do diretor previa ainda que se cobraria uma
taxa prévia ao corte, por número de árvores abatidas, a qual poderia ser posteriormente restituída
caso “o interessado” comprovasse o “reflorestamento da área devastada ou o florestamento de
área equivalente na proporção de dois pinheiros para cada um utilizado”.
163
Havendo assim um
160
DEPARTAMENTO de Geografia, Terras e Colonização. Relatório 1947 apresentado ao
Excelentíssimo Sr. Cél. Antenor de Alencar Lima digníssimo Secretário de Viação e Obras Públicas pelo Engº
Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização. Curitiba, 1948.
161
Ibid.
162
Ibid.
163
Ibid.
176
adensamento de “material lenhosoe da produtividade da floresta, o que parece ser o que os
legisladores entendiam por uma “melhoria” na floresta. Para ocorrer a devolução da taxa, as
árvores deveriam ter pelo menos dois anos e deveriam ser inspecionadas in loco; caso isso não
fosse constatado, o Estado deveria destinar o valor da taxa para executar tais serviços. Deveria
ainda ser instituído um Departamento Florestal, o qual criaria hortos florestais para servirem
como “estações experimentais e multiplicadoras”, e com a criação de viveiros para o “início
imediato dos trabalhos de florestamento e reflorestamento”.
164
Tal proposta não foi colocada em
prática, mas uma série de órgãos foi criada naqueles anos.
Em 1946, foi criado o Serviço Florestal do Paraná
165
e, em 1955, foi instituída uma
Pocia Florestal e um Fundo Florestal,
166
sendo também criado o Conselho de Defesa do
Patrimônio Natural do Paraná.
167
João Angely, membro do Conselho de Defesa do Patrimônio
Natural do Paraná, afirmou que o “Governo do Paraná antecipou-se a todos os Estados da União
com a criação” do citado conselho, sendo que foi nomeada uma comissão “para estudar e
selecionar as áreas que deveriam permanecer intactas e ao abrigo da devastação.” Sendo que
após “meses e meses de estudos e planejamentos foram aprovadas pela respectiva comissão as
áreas selecionadas e foi enviado minucioso parecer para respectiva desapropriação por parte do
Governo”. Tais áreas espalhadas por todo o Estado foram escolhidas, aparentemente, por
critérios estéticos/“nacionalistas”: “constituem o mais soberbo panorama que possui o Paraná”;
ou por sua importância para estudos científicos; ou, ainda, por sua natureza supostamente
“intocada”: Um maciço de pinheirais existente nessa região quase inacessível (só vimos de
avião) é de uma beleza tão deslumbrante que deixaria pasmo qualquer inimigo da natureza”.
168
Este aparenta ser um caso do que Diegues denominou de “mito moderno da natureza intocada”,
que orientou a constituição de parques nacionais nos EUA, e foi o modelo seguido no Brasil.
Segundo tal modelo, toda a presença humana deveria ser eliminada para que a área do parque se
enquadrasse no ideal de uma área intocada pelo ser humano. Baseada em parte no tema ocidental
do paraíso terrestre, essa área seria um lugar para uma recuperação espiritual das agruras da
vida moderna. Todavia, na proposta narrada por Angely, como “reserva de área para as
povoões de nossos índios foi selecionada vasta região compreendida na confluência dos rios
164
Ibid.
165
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1953. Curitiba, 1954. p.
105.
166
Pela Lei Estadual n
o
2.509, de 23 de novembro de 1955. PARANÁ. Mensagem apresenta à
Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura da sessão legislativa ordinária de 1956 pelo Sr.
Moysés Lupion. Curitiba, 1956.
167
Ibid.
168
ANGELY, João. As reservas florestais do Paraná. Anuário Brasileiro de Economia Florestal, Rio
de Janeiro, p. 190-191, 1957. p. 191.
177
Piquirí e Cantu, que possui material florístico e faunístico de primeira grandeza.Tal como o
parque defendido por Reinhard Maack para os Xetá, a população indígena recebia uma proposta
de proteção como parte da natureza.
169
Em tal proposta os índios aparecem naturalizados,
entendendo-se seu modo de vida como algo imutável que não afetava a flora e fauna de
primeira grandeza”, e, talvez, por isso era permitido permanecessem nos parques.
170
Os parques
sugeridos pelo citado Conselho, como abordarei, não foram tão facilmente constituídos. Por
exemplo, no ano de 1957, pelo Decreto Estadual 11.787, foi considerada de utilidade blica
uma área de 1.200 hectares situada na parte sul da serra da Prata e ao norte da barra da Baia de
Guaratuba,
171
embora o citado Conselho tenha recomendado um parque no litoral, não naquela
localidade e sim a desapropriação de uma “faixa de terras absorvendo toda a península de
Superagui”.
172
Apesar de tais propostas preservacionistas, os óros criados estavam voltados,
fundamentalmente, para o reflorestamento. A caótica floresta” necessitava ser substituída por
algo ordenado e produtivo
173
.
A legislação estadual é ainda mais clara neste sentido. O Decreto de 1934 que indicava
condições para aplicar no Paraná o digo Florestal, estabelecia em seu preâmbulo a seguinte
consideração: Que a reserva florestal do Estado, em virtude da criminosa devastação das suas
florestas, a pretexto do aproveitamento das terras para fins agrícolas, está se tornando cada vez
menor”.
174
Um outro Decreto Estadual, o 7.528, de 14 de outubro de 1938, se antecipou em
alguns aspectos na regulação do setor feita pelo INP. Ele obrigava as pessoas físicas ou jurídicas
que efetuavam a exploração industrial da floresta a fazerem um registro no Departamento de
Agricultura Estadual, ficando obrigadas a fazerem relatórios trimestrais da produção. E
estabelecia ainda que:
169
SILVA, Carmen Lucia da. Sobreviventes do extermínio: uma etnografia das narrativas e lembranças da
sociedade Xetá. Florianópolis, 1998. Dissertação (Antropologia Social) Universidade Federal de Santa Catarina
UFSC. p. 205 et seq.
170
ANGELY, João. As reservas florestais do Paraná. Anuário Brasileiro de Economia Florestal, Rio
de Janeiro, p. 190-191, 1957. p. 190.
171
Sendo que o decreto previa que a área era desapropriada “para fins de abastecimento d’àgua à
população, e proteção da fauna, flora e da paisagem regional”, ficando, sintomaticamente, “vinculada
administrativamente ao Departamento de Água e Esgotos a área em questão”. RAMOS, Antonio Albino. A situação
atual das Reservas Florestais do Paraná. Revista Floresta, Curitiba, n. 1, v. 1, p. 71-9, 1969. p. 94.
172
ANGELY, João. As reservas florestais do Paraná. Anuário Brasileiro de Economia Florestal, Rio
de Janeiro, p. 190-191, 1957. p. 191.
173
“Como conseqüência dessa persistente ausência de recursos, exercício as exercício, a Divisão
Florestal dedicou-se somente ao planejamento e à pesquisa, preparando caminho para reflorestamentos futuros, que
fatalmente serão concretizados.” RAMOS, Antonio Albino. A situação atual das Reservas Florestais do Paraná.
Revista Floresta, Curitiba, n. 1, v. 1, p. 71-9, 1969, p. 74.
174
PARANÁ. Decreto n. 2.569, de 11 de dezembro de 1934. Diário Oficial [do] Estado do Paraná,
Curitiba, n. 1.062. 14 dez. 1934. p. 1.
178
É obrigatório o reflorestamento das áreas que forem desmatadas a partir desta data,
desde que as mesmas o se destinem à exploração agrícola ou pastoril. Esse
reflorestamento cabe a quem proceder à derrubada ou ao proprietário das terras no
caso deste ter ficado a isso obrigado em contrato [...] (grifo meu).
175
Tal reflorestamento deveria ser feito “com as mesmas espécies vegetais, abatidas ou
dominantes na região”, salvo solicitado autorização ao Departamento, que emitiria uma lista das
espécies que poderiam ser empregadas no reflorestamento.
176
Sendo que, naquele momento, o
havia espécies aclimatadas e conhecimento técnico para a produção das espécies nativas, que
viabilizassem uma silvicultura na região em escala realmente industrial. De qualquer forma, o
principal escopo da lei era impedir o desflorestamento que não levasse a terra a produzir, e não
necessariamente impedir o desflorestamento. Por exemplo, seu artigo 19 previa: “Não será
permitida a derrubada de pinheiros que não tiverem no mínimo 34 centímetros de diâmetro,
tomado a 1 metro do solo. Esta proibição não se aplica às derrubadas destinadas
exclusivamente à exploração agrícola ou pastoril das terras (grifo meu).”
177
Sendo o citado
decreto pouco restritivo ao desflorestamento, inclusive contrariando o digo Florestal de 1934.
A questão central é manter a “reserva”/estoque de madeiras, sendo a considera a “devastação
criminosa” porque não foi destinado a fins agrícolas, ou seja, se destruiu e não se produziu, pois
desflorestar para o cultivo é produção é não destruição, nesta perspectiva.
Tal postura, que hoje parece draconiano em relação à floresta, é melhor compreendida à
luz do imaginário da época. Ao procurar compreender o imaginário regional sobre o “verde” nas
cidades de Campo Mourão e Marinpor meio da imprensa, entre 1954 e 1970, argumentei, em
pesquisa anterior, que houve até finais da década de 1970 um discurso de “civilizadores” e toda a
área “verde”, descontrolada e caótica, era vista pejorativamente.
178
Havia algumas vozes
dissonantes nos periódicos, mas quando surgem tais críticas ao desflorestamento, elas são feitas
em termos estritamente conservacionistas, ressaltando a racionalização da utilização do recurso.
Sendo mais representativo da posição hegemônica um artigo elogioso ao diretor do DGTC, que
pretendia adquirir “máquinas agrícolas mais modernas”, para, com isso, acelerar
consideravelmente os trabalhos de derrubadas das matas, limpeza e lavra da terra em uma tarefa
de alargamento de Horizontes para as primeiras e grandes colheitas a serem realizadas” (grifo
175
Art. 5º. PARANÁ. Decreto n. 7.528, de 14 de outubro de 1938. Diário Oficial [do] Estado do
Paraná, Curitiba, n. 1.941. 20 out. 1938. p. 1.
176
Art. 6º. Ibid. p. 1.
177
Art. 10º. Ibid., p. 1.
178
Somente no final dos anos 1970 uma mudança neste discurso, em direção a uma positivação do
“verde”, seja a floresta ou árvores isoladas. Então o desflorestamento passa a ser criticado como um ato “bárbaro”.
CARVALHO, Ely Bergo. Sombras do passado, projetos de futuro: as florestas nas memórias dos agricultores de
Engenheiro Beltrão Paraná, 1947-2003. 2004. Dissertação (Mestrado em História) Programa de s-Graduação
em História da Universidade Federal de Santa Catarina – USFC, Florianópolis.
179
meu).
179
Havia uma clara contraposição entre as representações da floresta como algo caótico,
que fechava os “horizontes”; e a positivação da ação de desflorestamento, da qual surgiam os
campos (que abriam os horizontes), a ordem e a civilização.
Elementos já percebidos por Duglas Monteiro, escrevendo ainda no início da década de
1960, sobre Maringá:
Seria possível discernir na mentalidade dominante na região certos traços de
difícil caracterização, mas cuja presença se evidencia de maneiras diversas, as
quais revelam uma atitude negativa em relação à natureza. o é raro, por
exemplo, ouvirmos recriminações dirigidas aos responsáveis pelo planejamento
de patrimônios e cidades por deixarem pequenas reservas de mata dentro do
perímetro urbano. Como o grau de ‘civilização’ é medido pela extensão do
desmatamento tudo quanto lembre o primitivo revestimento vegetal é
repelido como índice de atraso (grifo meu).
180
Dessa forma, o imaginário regional, nesse ponto, era semelhante ao que Thomas afirma
sobre a Inglaterra no início do período Moderno: as “matas não cultivadas eram vistas [...] como
obstáculo ao progresso humano”.
181
Se se imaginava a rego como um novo éden,
182
este o
era uma floresta “caótica”, mas um “jardim” que não daria frutos por si mesmo, porém deveria
ser ordenado, disciplinado e tornado produtivo.
3.6 A FLORESTA DENTRO DO JARDIM
Havia, no entanto, propostas e ações no âmbito do Governo do Estado que visavam
conservar áreas florestais no período aqui abordado. É para tais ações que me voltarei, buscando
entender seu papel dentro do “jardim” idealizado.
Apesar de os agricultores da região, via de regra, o lembrarem da legislação restritiva
à exploração de determinadas áreas que deveriam ser reservadas à cobertura florestal,
183
pelo
menos uma empresa colonizadora, a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP/CMNP),
exigia ao comprador a reserva “de área florestal na propriedade adquirida.”
184
Todavia, tal
exigência foi amplamente descumprida:
179
COLONIZAÇÃO do Estado através de solução eficiente escolhida pelo Dr. Hugo Vieira, diretor do
Departamento de Geografia, Terra e Colonização. O Jornal. Maringá, p. 4, 23 jul. 1960.
180
MONTEIRO, Duglas Teixeira. Estrutura social e vida econômica em uma área de pequena
propriedade e de monocultura. Revista Brasileira de Estudos Políticos. n. 13, p. 47-63, out. 1961. p. 55.
181
THOMAS, 1996, op. cit., p. 234.
182
Sobre a produção de tal imaginário regional ver: TOMAZI, 1997,op. cit.; GONÇALVES, 1999, op.
cit., p. 87-122.
183
CARVALHO, 2004, op. cit.
184
WESTPHALEN, Cecília Maria; MACHADO, Brasil Pinheiro; BALHANA, Altiva Pilatti. Nota
prévia ao estudo da ocupação da terra no Paraná moderno. Boletim da Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
n. 7, p. 1-52, 1968. p. 18.
180
No ato da aquisição era assinado um compromisso de compra e venda em que o
comprador se obrigava a conservar 10% da propriedade adquirida como área
florestal; esta cláusula não foi cumprida, salvo nas áreas reservadas pela
companhia para sua própria exploração.
185
Sobre tal questão, é importante destacar que, muito antes da iniciativa privada, o
Decreto 218, de 11 de junho de 1907, que estabelecia as bases para a colonização no Estado,
afirmava que os lotes deveriam: ser “servidos por águas, abrangerem uma área florestal”. Tal
área florestal”, provavelmente, era voltada para atender a demanda de madeiras e recursos
florestais por parte dos proprietários rurais.
186
As Colônias Agrícolas Nacionais que foram
implantadas no regime autoritário do Estado Novo também previam o estabelecimento de uma
reserva florestal, algo em torno de 25% da área total da colônia”, aqui em obediência ao Código
Florestal de 1934. Os poucos intelectuais que formavam uma tradição intelectual de crítica
ambiental”, no século XIX, no Brasil, já condenavam os abusos das derrubadas das matas,
devido à falta de madeira e outros recursos que isso propiciava ou por considerarem que isso
afetava negativamente a natureza, como a esterilização da terra e secas. Tais intelectuais
procuravam levar o “auxílio das luzes” aos agricultores para que substituíssem as “vantagens
efêmeras”, que conseguiam com a derrubada completa, por vantagens mais duradouras.
187
Dessa forma, eliminar completamente quaisquer resquícios da floresta não fazia parte
dos projetos modernizadores. Maximizar a produção implicava na permancia de
remanescentes florestais que servissem de depósito de recursos e fornecessem “serviços
ambientais”. Em 1951, Zygmunt Wieliczka, engenheiro diretor do Departamento Florestal das
Indústrias Klabin do Paraná de Celulose S/A, propunha a crião de uma reserva florestal de
185
LUZ, France; OMURA, Ivani A. R. A propriedade rural do sistema de colonização da companhia
Melhoramentos Norte do Paraná Município de Maringá. In: SIMPÓSIO NACIONAL DOS PROFESSORES
UNIVERSITÁRIOS DE HISTÓRIA, 7, 1975, Aracaju. Anais. São Paulo, 1976. 3. v. p. 793-815. p. 794. Dean
fornece algumas outras informações: “A companhia do norte do Paraná exigia antes de qualquer digo florestal
brasileiro ter sido escrito que os compradores de seus lotes mantivessem 10% de suas áreas com cobertura
florestal. Não existem evidências, contudo, de que a companhia impusesse tal cláusula contratual. Os proprietários
brasileiros sucessores criaram três reservas florestais sob a direção de um silvicultor experiente, mas estas
representavam meros dezessete km
2
, nada além de sementeiras de árvores para embelezamento das vilas.”(DEAN,
1996, op. cit., p. 256). Ressalta-se que, quando da fundação da CTNP, o Código Florestal estadual de 1907 era
vigente, e a venda massiva de terra por parte da companhia começou na década de 1930, havendo uma expansão
relativamente lenta da colonização até o fim da Segunda Guerra Mundial. Assim, o Código Florestal federal de 1934
exigia a manutenção de 25% de cobertura florestal. Segundo Zueleide C. de Paulo, tal exigência de uma reserva
de 10% de área florestal fazia parte de um acordo entre a CTNP/CMPN e o Governo do Estado quando do ato de
compra. Todavia, não há, nas fontes indicadas pela autora, elemento para respaldar tal afirmação. A autora informa
ainda que tudo “indica que a CTNP/CMNP vendia a madeira de lei e a retirava antes da venda das terras.” PAULA,
Zueleide Casagrande de. Maringá: o coração verde do Brasil? 1998. Dissertação (Mestrado em História) –
Universidade Estadual Paulista – UNESP, Assis. p. 68 e 71.
186
Essa lei se insere no projeto modernizador e conservador do ruralismo brasileiro da Primeira
República. MENDONÇA, op. cit.
187
PÁDUA, op. cit., p. 172-176, passim.
181
500.000 hectares, que deveria ser cuidada por guardas florestais, para servir como estoque de
sementes de Araucaria angustifolia.
188
Isto torna menos surpreendente que tenha sido em 1956, no primeiro ano do segundo
Governo de Moysés Lupion, que possuía interesses ligado à indústria madeireira e às
colonizadoras privadas, que o Estado passou a averbar em todos os títulos de donio pleno de
terras, expedidos pelo DGTC, o seguinte:
O detentor deste, fica na obrigação de preservar 25% (vinte e cinco por cento)
das matas naturais existentes nas terras objeto do presente, observadas as
nascentes e cótas [sic] de elevação, de acordo com o que determina a Ordem de
Serviço nº 146 de 1.956, expedida por este Departamento de Geografia, Terras e
Colonização
189
Tal averbação, feita por meio de um carimbo e assinada e datada por um funciorio do
DGTC, era transcrita na matrícula do ivel no Cartório de Registro de Imóveis. Durante dois
ou três anos após a expedição da Ordem de Serviço 146 a averbação afirmava a obrigação de
preservar 20% (vinte por cento), passando posteriormente a ser registrado 25%, mas se referindo
à mesma Ordem de Serviço. Infelizmente, não tive acesso a qualquer tipo de informação a
respeito da citada Ordem de Serviço 146, de 1 de setembro de 1956, que, provavelmente,
estava pautada no artigo 23 do Código Florestal de 1934. Este afirma: “Nenhum proprietário de
terras cobertas de matas poderá abater mais de três quartas partes da vegetação existente”.
Contudo, manter a cobertura florestal” não implicava, necessariamente, em manter a floresta
com toda a sua complexidade “inútil”, ela poderia ser “melhorada” com o “adensamento do
material lenhoso”.
Uma outra forma de procurar estabelecer reservas florestais foi iniciada pela ação do
interventor Manoel Ribas, que, durante o Estado Novo, utilizou a faculdade que lhe permite o
Código Florestal de criar reservas florestais. Contudo, sabe-se pouco sobre as motivações de tais
atos, apenas que elas foram sistematicamente descumpridas. Reinhard Maack sugere, e Dean o
acompanha, que houve apenas uma dessas reservas e que a motivão de sua criação tenha sido
as denúncias feitas na época da fragilidade dos solos arenosos, conhecidos como arenito Cai”,
presente em vasta área do Noroeste do Paraná, o que sensibilizou o interventor, que era alguém
próximo das tecno-ciências
190
:
188
WIELICZKA, Zygmunt. O problema dos pinheirais brasileiros. Anuário Brasileiro de Economia
Florestal, Rio de Janeiro, p. 37-42 , 1951. p. 41.
189
Tal averbação está presente nos títulos de domínio pleno e dados cartoriais consultados nos arquivos
da Primeira Vara Civil de Campo Mourão e nos arquivos da Divisão de Terras, da Coordenadoria de Gestão
Territorial – CGET, da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Paraná.
190
A reserva era destinada a uma floresta “remanescente”. Ocorre que o digo Florestal estabelece
que “evitar a erosão das terras pela ação doas agentes naturais” é um objetivo das florestas “protetoras”. BRASIL,
182
O antigo interventor Manoel Ribas que possuía extraordinário interesse pela
agronomia, correspondeu à exigência por meio de uma grande reserva florestal
estadual. Porém, após a morte do venerado interventor, esta lei referente à
formação de reservas florestais foi novamente revogada por um governador
posterior e a destruição das matas segue seu caminho.
191
Na realidade, pelo menos três reservas florestais foram estabelecidas por Manoel Ribas.
A reserva a que se refere Maack provavelmente é a reserva estabelecida na margem do rio
Paranapanema, do outro lado do Pontal do Paranapanema, pelo Decreto Estadual nº 1.943, de 29
de abril de 1943, com “uma área de 248.000 hectares de terras, destinadas a constituir florestas
remanescentes.”
192
Tal área sofreu o processo de colonização dirigida pelo Estado ou por
empresas particulares ainda na década de 50 do século passado. Então, a pressão para
(re)ocupação da floresta era enorme, o apenas por parte de empresários colonizadores, mas
também pelos milhares de posseiros que estavam no interior do sertão. No Relatório do exercício
de 1947, assinado pelo Engenheiro Diretor Acrício L. Marques, sugere-se, como primeira das
provincias para resolver o problema dos intrusos e da desordenada “colonização espontânea”,
promover a redução “por decreto da área reservada como floresta protetora na região noroeste do
Estado para obtenção de uma gleba com extensão de 50.000 hectares, a qual seria destinada à
localização de 2.000 famílias de intrusos”.
193
Outra reserva criada pelo interventor Manoel Ribas foi instituída legalmente pelo
Decreto Estadual 1.965, de 19 de outubro de 1943, a qual reserva “área de terras [...] a fim de
constituir floresta protetora, destinada a asilar os espécimes da respectiva fauna”.
194
O Decreto
o informa a área total das terras reservadas, limita-se apenas a descrever os limites da área.
Art. Único Fica reserva no município de Guarapuava, a-fim-de constituir
floresta protetora destinada a asilar os espécimes da respectiva fauna, a área de
terras abrangidas pelos seguintes limites de confrontações: - Começa no rio
Piquirí, na foz do rio Iporã, por este acima até sua cabeceira, daí em reta, à mais
próxima cabeceira de um afluente do rio Verde, desce por esta até sua foz no
aludido rio Verde, pelo qual segue, águas abaixo, a sua foz no rio Piquirí,
Ministério da Agricultura, Conselho Florestal Federal. digo Florestal. Florianópolis: Imprensa Oficial do Estado,
1949.
191
MAACK, Reinhard. A modificação da paisagem natural pela colonização e suas conseqüências no
norte do Paraná, Boletim Paranaense de Geografia, Curitiba, v. 1, n. 2/3, p. 29-45, 1961. p. 42; DEAN, 1996, op.
cit., p. 276-27.
192
DEPARTAMENTO de Geografia, Terras e Colonização. Legislação de Terras. Vigente até 31 de
maio de 1953. Curitiba. p. 33. Todavia, os limites indicados no decreto conformam uma área de 192.000 e não de
248.000 hectares conforme RAMOS, op. cit., p. 86.
193
DEPARTAMENTO de Geografia, Terras e Colonização, Relatório 1947 apresentado ao
Excelentíssimo Sr. Cél. Antenor de Alencar Lima digníssimo Secretário de Viação e Obras Públicas pelo Engº
Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização. Curitiba, 1948.
194
DEPARTAMENTO de Geografia, Terras e Colonização. Legislação de Terras. Vigente até 31 de
maio de 1953. Curitiba. p. 33. A terceira reserva florestal criado por Manoel Ribas conta na figura 7..
183
desce por este até a foz do rio Ipo, ponto de partida desta descrição, revogadas
as disposições em contrário.
195
195
Ibid.
184
FIGURA 7 PLANTA DA SITUAÇÃO DAS TERRAS DO OESTE PARANAENSE
DESTINADAS A COLONIZAÇÃO, 1945
FONTE: Planta da Situação das Terras do Oeste Paranaense destinadas a colonização. Escala
1:400.000. 1945. Elabora pelo D.G.T.C. In: DEPARTAMENTO de Terras e Colonização.
Inspetoria de Terras. Relatório apresentado ao Ilmo. Snr. Dr. Diretor do Departamento de
Geografia, Terras e Colonização pelo Eng. Chefe da Divisão de Colonização, Sady Silva. Ano
1940-1945. Curitiba,[s.d].
185
Na figura 7 tal reserva florestal está situada ao lado das Colônias Goio-Erê e Goio-
Bang. É impressionante uma área de 224.000 hectares destinada, ainda no final dos anos 1940,
para “asilar os espécimes da respectiva fauna”. De qualquer forma, no final do primeiro Governo
Lupion, momento em que este tomou uma série de provincias para acelerar os processos de
colonização junto a uma série de favorecimentos citos e ilícitos, tal decreto é revogado pelo
Decreto Estadual “12.268, de 6-10-1950”
196
O que também aconteceu com a reserva nas
margens do Paranapanema. Seu decreto de criação foi revogado “pelo Decreto n
o
12.281 de 10-
10-1950”. No segundo mês do Governo subseqüente, por meio do Decreto Estadual “171, de
23-02-1951”,
197
os decretos de instituição de ambas as reservas são restabelecidos como parte de
uma série de medidas tomadas pelo Governo Bento Munhoz da Rocha Netto para sanar o
descontrole do Estado, a corrupção e a violência no campo ligados aos conflitos por terras.
Todavia, ainda no mandato de Bento M. da Rocha, a reserva institda pelo Decreto
1.965 havia sido eliminada na prática, pois, em 1954, a Sociedade Imobiliária Noroeste do
Paraná (SINOP) adquiriu a Gleba Rio Verde, atual Município de Ubiratã, na área da antiga
reserva florestal.
198
Antonio N. Hespanhol afirma que, nos anos 1940, a “área atualmente coberta pelo
município de Ubiratã”, “apresentavam-se praticamente livre de ocupação”, diferente de outras
áreas mais ao sul, [como as áreas d]os atuais municípios de Campina da Lagoa e Nova Cantu,
que se encontravam parcialmente ou totalmente ocupadas”.
199
Todavia, os ocupantes da região
eram em número suficiente para transformar aquela área, nos anos seguintes, em um dos grandes
conflitos no Paraná.
Em 1956, ameaça de novo Porecatu irrompe em Guaíra, contra a ação da
Sociedade Imobiliária Noroeste do Para- SINOP, que, com seus jagunços,
promovia o despejo de posseiros e de proprietários com títulos de domínio
legalizados. Espancavam mulheres e crianças, matavam lavradores na colônia
Rio Verde.
200
Os conflitos e as disputas só foram sanados na década de 60 do século passado, quando
o Governo Estadual promoveu a “pacificação” e a (re)colonização de áreas em que persistiam o
conflito e a dúvida sobre os proprietários legítimos:
196
Ibid.
197
Ibid.
198
HISTÓRIA de Ubiratã. Disponível em: <www.ubirata.pr.gov.br>. Acesso em 13 jul. 2007. Outras
fontes indicam que a compra se deu em 1951 e que a venda de lotes ocorreu a partir de 1956. HESPANHOL,
Antonio Nivaldo. A formação socioespacial da região de Campo Mourão e dos municípios de Ubiratã, Campina da
Lagoa e Nova Cantu – PR. Boletim de Geografia. Maringá, v. 11, n. 1, p. 17-28, dez. 1993. p. 21.
199
HESPANHOL, op. cit. p. 20.
200
WESTPHALEN; MACHADO; BALHANA. op. cit., p. 40. Todavia, a Gleba, ou Colônia Rio Verde,
nunca fez parte do Município de Guaíra, e sim do Município de Campo Mourão, antes de Pitanga e anteriormente
ainda de Guarapuava.
186
Demandas de terras ainda se encontram na Justiça, casos de terras ainda se
verificam. Ocorrem reajustamentos. No Relatório de 1967, o Diretor do
Departamento de Geografia, Terras e Colonização no Estado do Paraná,
anunciava a realização de grandes acordos de terras, beneficiando 2.400
famílias, ou cerca de 13 mil pessoas. Terras situadas em Chopim, Rio Verde e
Loanda, formam os casos mais importantes (grifo meu).
201
Tais reservas florestais de papel eram espaços fundamentalmente modernos. A
legislação florestal previa que as “florestas remanescentes” eram as que formavam parques
nacionais, estaduais ou municipais”, devendo ser expulsas as populações que viviam ou
tentassem viver nestas áreas. Como afirma Diegues: “o Estado impõe sobre espaços territoriais
onde vivem populações tradicionais outros espaços tidos como modernos e blicos’: o dos
parques e reservas de onde, por lei, necessariamente devem ser expulsos os moradores.”
202
Tal
modelo de parque segue o produzido nos Estados Unidos, no qual o Parque seria um refrigério
para a vida atribulada moderna e onde os seres humanos poderiam retornar às suas raízes
naturais. E isso ao mesmo tempo em que a autoridade para decidir o que e como preservar
deveria ser tecnicamente decidida, ou seja, deveria ser monopólio da tecno-ciência. O papel
positivo da crião de unidade de conservação, que hoje se tem com clareza, não pode
obscurecer os limites e problemas da forma como tais instituições foram introduzidas no
Brasil.
203
A conjuntura de forte expansão da fronteira agrícola no pós-Segunda Guerra e a
abertura democrática que facilitou a influência da elite estadual não incentivou a crião de
grandes reservas florestais. Mas o Governo Estadual continuou com uma potica de criar
reservas, pelo menos no papel. Talvez sob a influência do I Congresso Florestal Brasileiro,
realizado em 1953, e de pessoas e grupos preocupados com a “questão florestal houve a criação
do Patrimônio Florestal do Estado, com o Decreto Estadual nº 17.790, de 17 de julho de 1954.
Com esse importante ato ficou assegurado a posse e o domínio da área inicial de
69.141 hectares de terras florestais, situadas em diferentes regiões do Estado e
que constituirão as Florestas do Estado e os Parques do Estado, garantindo para
o futuro uma permanente fonte de matéria-prima para a indústria e a
subsistência da fauna e da flora, além de manter os aspectos paisagísticos
naturais, em vias de desaparecer pelos atuais sistemas de exploração e
colonização adotados indistintamente no Paraná.
201
Ibid., p. 49
202
DIEGUES, 1998, op. cit., p. 158.
203
Ibid., op. Cit; SERRÃO-Neumann, Silvia Maria. Para além dos domínios da mata: as estratégias
de preservação de fragmentos florestais no Brasil (Santa Genebra, Campinas – SP). São Paulo: Annablume, 2007.
187
Novas áreas, entretanto, deveo ser incorporadas ao Patrimônio Florestal do
Estado, pois a acima mencionada não satisfaz o plano estabelecido e já
aprovado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Natural do Paraná.
204
Entretanto, os serviços de demarcação das áreas que passariam a compor o Patrimônio
Florestal do Estado parecem ter se seguido com bastante lentidão.
205
Considerando, ainda, que a
área total prevista já era bastante limitada, 69.141 hectares de terras espalhados pelo Estado, para
funções tão grandes quanto garantir matéria-prima para a indústria madeireira e a “subsistência
da fauna e flora”. As áreas demarcadas para compor efetivamente o Patrimônio Florestal do
Estado foram ainda mais reduzidas do que o planejado inicialmente e se comparadas com as
criadas no período do Governo Bento Munhoz da Rocha Netto. Na Mensagem de 1959, o
governador Lupion informa apenas que quatro pequenas áreas estavam devidamente
fiscalizadas”: Vila Rica (Campo Mourão), Jurema (Paranavaí), Cascavel (Cascavel), Salto das
Bananeiras (Engenheiro Beltrão)
206
; e duas em “fase de incorporação”: São Tomé e Arcangeles,
no Município de Pitanga.
207
Na região estudada constam duas destas áreas.
208
A de “Salto das Bananeiras” no
Município de Engenheiro Beltrão. Na atualidade, tal Município possui apenas uma Unidade de
Conservação em terras públicas com mais de 10 hectares, a Reserva Florestal de Figueira, mas
ela não se situa na localidade de Salto das Bananeiras” e não nenhuma reserva florestal
naquela área.
209
E a outra área é a de Vila Rica em Campo Mourão, situando-se atualmente no
Município de Fênix. Esta não passa de alguns hectares de floresta ao redor do que foi um dia a
Vila Rica do Espírito Santo, na época das reduções guaraníticas. Dessa forma, devo concluir que
mesmo estas pequenas áreas criadas no pós-45 tiveram dificuldades de serem preservadas.
Em 1969, segundo Antonio A. Ramos, haviam sido “efetivamente incluídas ao
Patrimônio Florestal do Estado 18 dessas áreas” de parques, reservas ou hortos, “mas, os
204
PARANÁ. Mensagem apresenta à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura
da sessão legislativa ordinária de 1956 pelo Sr. Moysés Lupion. Curitiba, 1956. p. 33.
205
PARANÁ. Mensagem apresenta à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura
da sessão legislativa ordinária de 1957 pelo Sr. Moysés Lupion governador do Paraná. Curitiba, 1957. p. 121;
PARANÁ. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura da sessão
legislativa ordinária de 1958 pelo Senhor Moysés Lupion governador do Paraná. Curitiba, 1958. p. 25;
PARANÁ. Mensagem apresenta à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura da sessão
legislativa ordinária de 1959 pelo Sr. Moysés Lupion governador do Paraná. Curitiba, 1959. p. 21-22.
206
Tal área, em Engenheiro Beltrão, provavelmente se trata de uma área originalmente destinada a ser
um “campo experimental do Estado”, com 200 hectares, que, todavia, saiu do domínio do Estado sendo
desflorestado. Ramos (op. cit.), entretanto, não inclui tal área dentre as 33 reservas estaduais criadas até 1964.
207
PARANÁ. Mensagem apresenta à Assembléia Legislativa do Estado por ocasião da abertura
da sessão legislativa ordinária de 1959 pelo Sr. Moysés Lupion governador do Paraná. Curitiba, 1959. p. 21-
22.
208
Ibid., p. 21-22.
209
IAP. Escritório Regional de Campo Mourão. Informações sobre unidades de conservação
localizadas no Município de Engenheiro Beltrão, conforme solicitação protocolada no IAP/ERCMO n. 5487.701-3,
a pedido do Sr. Ely Bergo de Carvalho. Campo Mourão, 2003.
188
serviços de cadastramento e de marcação dessas reservas a cargo do D.G.T.C., nunca foram
realizados.”
210
As duas grandes reservas já citadas estavam incluídas entre essas dezoito, sendo
que todas as dezoitos já haviam sido alienadas, totalizando 542.800 hectares de terras reservadas
para cobertura florestal que foram alienadas pelo Estado. Ademais, outras 9 reservas e parques,
com um total de 95.870 hectares, foram criadas, porém, sem efetiva anexação ao Patrimônio
Florestal do Estado e que então se encontram em poder de particulares.”
211
Apenas 6 reservas
criadas, até então, estavam efetivamente cadastradas e sob o regime de administração especial da
Secretaria da Agricultura do Paraná, totalizando apenas 5.104 hectares. Ramos conclui, incluindo
301.000 hectares dos dois Parques Nacionais criados pelo Governo Federal, que no Paraná
tentou-se preservar[,] no período 1940-1964, 944.774 hectares de florestas, mas, somente 5.104
hectares foram realmente preservados”,
212
ou pelo menos estavam sob a administração da
Secretaria de Agricultura. Dessa forma, o Governo Estadual do Paraná, até 1969, criou 33
reservas florestais abrangendo 643.774 hectares, ou seja 3,23% da superfície do Estado. O fato
de se ter criado as reservas é quase tão impressionante quanto o quão pouco delas sobreviveram.
Cabe fazer algumas comparações do período do Estado Novo com o período
democrático subseqüente (1945-1964). Nos anos finais do Estado Novo, o Governo Federal se
colocava em rota de colisão com a elite fundiária.
213
O Governo do Estado, sob intervenção do
Federal, não apenas fez uma reordenação na estrutura fundiária “legal”, com o cancelamento das
concessões e grilos,
214
mas pôde assumir seu papel de planejador do território, definindo,
racionalizadoramente, onde deveria ou não ter floresta. Uma decisão tomada de forma
centralizada para além não apenas da população local, mas, supostamente, também dos interesses
de grandes agentes econômicos. Grandes reservas são criadas para preservar espécies ou
conservar o solo. Obviamente que as “florestas remanescentes e protetoras” poderiam ainda ser
legalmente alvo de uma “exploração limitada”,
215
e, assim, também, estariam sendo pensadas
como parte do processo de manutenção dos “estoques florestais”. No período democrático
subseqüente, mais permeável aos interesses locais e diante da grande demanda por terra que
marcou aqueles anos, os projetos de reservas florestais ficaram sensivelmente menores e os
esforços se voltaram mais diretamente para o auxílio à instria madeireira. Todavia, nos dois
casos, a conservação da floresta ficou muito distante de se realizar.
210
RAMOS, op. cit., p. 90.
211
Ibid., p. 76.
212
Ibid., p. 90.
213
LINHARES; SILVA, op. cit.
214
WESTPHALEN; MACHADO; BALHANA. op. cit.
215
BRASIL, Ministério da Agricultura, Conselho Florestal Federal. digo Florestal. Florianópolis:
Imprensa Oficial do Estado, 1949. art. 53.
189
Dean afirma que no Estado Novo houve uma
[...] retração do entusiasmo pela implementação [do código florestal], indicando
que a intervenção de conservacionistas da camada civil da classe média tinha
sido importante nas campanhas legislativas de 1933 e 1934 e que, uma vez
interrompidas todas as formas de participação política civil, os cientistas
conservacionistas não mais exerciam muita influência no círculo próximo a
Vargas, composto principalmente de oficiais militares da ativa ou da reserva.
Fernando Costa e Manuel Ribas representaram notáveis exceções.
216
Se Manoel Ribas foi excepcional em seus atos como legislador, como afirma Dean, em
outro aspecto ele o é tão extraordinário, a saber: seu Governo foi modernamente autoritário. O
próprio Dean aponta para tal questão em sua abordagem do pensamento de Alberto José de
Sampaio, em que este “Passara a acreditar na eficácia do poder do Estado”, onde a eficiência,
tanto na aplicação de medidas conservacionistas como em outras questões, dependia de
‘tecnologia, educação e força’” (grifo meu)
217
. Mais que a ligação com regimes poticos
autoritários, o que era algo muito presente no período entre as duas guerras mundiais, na qual era
generalizada a descrença nas posições liberais, seja na potica ou na economia,
218
o que quero
enfatizar são as soluções autoritárias para a conservação de recursos naturais. Ou seja, em
conformidade com uma visão de mundo mecanicista se buscava a manipulação do Outro em
proveito de um princípio de eficácia e produção.
No caso em tela tal ação antidialógica e racionalizadora era justificada em um
diagnóstico do atraso” como a “causa” da degradação ambiental, sendo que a modernização (a
colonização racional, o reflorestamento racional) seria a solução para o “problema florestal do
Paraná”. Dessa forma, processou-se a atuação do DGTC buscando o controle da natureza, o qual
implicava em um controle da população, ou pelo menos dos “indivíduos”.
Sendo assim, este pequeno histórico da atuação do Governo Estadual na gestão florestal
pode, ainda, entrar no longo rol de pesquisas que mostram os grandes limites da gestão estatal na
preservação de recursos naturais
219
e no rol dos casos em que, em nome de conservar a natureza,
ou pelo menos a riqueza florestal nacional, setores do Estado tentaram excluir a população mais
pobre do acesso à terra, enquanto na prática favoreciam o acesso à terra e às florestas por parte
dos grandes proprietários.
216
DEAN, 1996, op. cit., p. 278
217
Ibid., p. 427
218
HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos: O breve século XX: 1914-1991. 2. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. p. 29, et. seq.
219
BERKES, Fikret. Sistemas sociais, sistemas ecológicos e direitos de apropriação de recursos
naturais. In: VIEIRA, Paulo Freire; BERKES, Fikret; SEIXAS, Cristiana S., Gestão integrada e participativa de
recursos naturais: conceitos, métodos e experiências. Florianópolis: Secco/APED, 2005. p. 47-72.
190
Mas para entender melhor tal “jardineiro infiel” cabe voltar a esfera federal e entender
as poticas florestais federais realizadas pelo Instituto Nacional do Pinho e sua aplicação no
Paraná e na região de Campo Mourão.
3.7 O INP E A ESTRATÉGIA DE REFLORESTAMENTO RACIONAL
3.7.1 – O INP e as Florestas
Como indiquei, durante o I Congresso Florestal Brasileiro o presidente do INP, Pedro
Sales do Santos, afirmou terem ocorrido dois grandes eventos no setor florestal brasileiro: o
Código Florestal, abordado, e a criação e atuação do Instituto Nacional do Pinho, o qual foi
instituído pelos Decretos Leis números 3.124, de 19 de março de 1941, e 4.813, de 8 de outubro
de 1942. A ação de tal instituto permite entender melhor o caráter racionalizador e as limitações
da estratégia de reflorestamento em específico e da gestão da floresta estatal em geral.
O artigo primeiro do decreto de criação do INP previa que ele seria o “órgão oficial dos
interesses dos produtores, industriais e exportadores de pinho”.
220
Sendo que se constituiu
aproveitando a estrutura do Serviço do Pinho, da extinta Comissão de Defesa da Economia
Nacional, tendo o Serviço do Pinho substitdo ou encampado o Sindicato da Indústria de
Serrarias.
221
Dessa forma, segundo histórico publicado no periódico oficial do INP, o Anuário de
Econômica Florestal, o INP “não foi delineado, projetado e definido preventivamente, mas
somente tomou forma oficial, como órgão autárquico, após impor, pelo imperativo das
necessidades, a razão e a forma de sua constituição.”
222
O citado histórico assim narra a situação
que levou à criação do INP:
A destruição sistemática e ininterrupta de nossas reservas florestais, observada,
principalmente, no planalto meridional brasileiro, onde se instalou uma
poderosa indústria de exportação madeireira, vinha causando profundas e
justificadas apreensões quanto ao destino que estava reservado a tão preciosa
riqueza.
Generalizou-se, assim, por quase todo o território nacional, um grande clamor
contra as derrubadas inclementes das nossas florestas, ao mesmo tempo que se
reclamavam medidas urgentes sobre o reflorestamento.
[...]
Por sua vez, a iniciativa particular, sem preparo nem assistência técnica para
proceder a exploração e, muito menos, a reconstrução florestal, pouco ou nada
220
DECRETO-LEI federal n. 3.124, de 19 de março de 1941. Art. 1.
221
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1955. Curitiba, 1956.
222
Ibid., p. 32.
191
podia realizar, mesmo porque, manda a verdade dizer, o imediatismo dos
negócios e a improvisação da indústria não lhe permitia pensar na solução de
tão grave quanto importante problema.
[...]
Cumpria, portanto, uma providência do Estado, capaz de garantir condições de
sobrevivência para nosso o dilapidado patrimônio florestal. A adoção de
uma política orientada nesse sentido teve como conseqüência a criação do
Instituto Nacional do Pinho.
223
O INP era um órgão para-estatal, administrativa e financeiramente autônomo, sendo as
atribuições do instituto:
I coordenar e superintender os trabalhos relativos à defesa da produção do
pinho;
II – promover o fomento do seu comércio no interior e exterior do País;
III – contribuir para o reflorestamento nas zonas de produção do pinho;
IV promover os meios de satisfazer os produtores, industriais e exportadores
quanto às necessidades de crédito e financiamento;
V manter, em colaboração com o Ministério da Agricultura, a padronização e
a classificação oficial do pinho;
VI – fixar preços nimos; estabelecer quotas de produção e de exportação;
VII – organizar o registro obrigatório dos produtores, industriais e exportadores;
VIII – providenciar sobre a construção, em locais adequados, de usinas de
secagem e armazéns para depósito de madeiras;
IX regular a instalação de novas serrarias, bricas de caixas e de
beneficiamento de madeira;
X promover a criação de órgãos industriais autônomos para a exploração de
indústrias derivadas da madeira;
XI – manter um serviço de estatística e informões;
XII – fiscalizar a execução das medidas e resoluções tomadas, punindo os
infratores de acordo com as penalidades que forem fixadas no regulamento do
Instituto Nacional do Pinho (I.N.P.);
XIII instituir e organizar os demais serviços necessários à realização dos seus
objetivos (grifo meu).
224
Somente no ano de 1944 foi criado dentro do INP o Departamento de Economia
Florestal, que tinha as seguintes incumbências:
223
O INSTITUTO Nacional do Pinho e a questão florestal. Anuário Brasileiro de Economia
Florestal, Rio de Janeiro, p. 401-408, 1948. p. 401.
224
DECRETO-LEI federal n. 3.124, de 19 de março de 1941. Art. 2.
192
‘a) Orientar o florestamento artificial nos estados onde a indústria extrativa de
madeiras estiver sob o controle do Instituto Nacional do Pinho;
b) Criar hortos para a adaptação de essências florestais nacionais ou exóticas
com outras queo o pinho brasileiro;
c) Estudar e promover o aproveitamento econômico de florestas naturais e
artificiais;
d) Incentivar a ação de particulares em prol do reflorestamento, prestando-lhes
assistência técnica efetiva e gratuita, resultando o valor econômico das florestas
artificiais;
e) Iniciar dentro do plano estabelecido o plantio do pinheiro brasileiro;
f) Adquirir florestas criadas por particulares dentro das condições estatuídas e
do plano de financiamento;
g) Conceder prêmios aos proprietários que florestassem suas terras dentro dos
limites a serem fixados;
h) Receber ou adquirir dos órgãos públicos ou particulares a terra para
florestamento;
i) Fazer o levantamento cadastral das florestas, principalmente das artificiais;
j) Cooperar com os órgãos públicos federais, estaduais e municipais conjugando
todos os esfoos em prol do florestamento;
k) Aconselhar e propagar medidas de proteção às florestas’
225
A organização do INP era formada por uma Junta Deliberativa, constituída pelo
presidente do INP, nomeado pelo presidente da República; um representante, para cada um dos
governos estaduais, dos 3 grandes estados produtores de pinho, Rio Grande do Sul, Santa
Catarina e Paraná; e por um representante dos industriais e exportadores de pinho, de cada estado
envolvido, indicados por órgãos de classe reconhecido pelo Estado. Nos estados a diretoria
regional era constituída pelo representante do respectivo Governo Estadual e por dois
representantes dos empresários do setor.
226
Para custeio das despesas com a manutenção dos serviços do instituto, o decreto
estabelecia a criação das seguintes taxas variáveis: a) a dois mil réis pelo
metro cúbico de pinho beneficiado; b) até quatro mil réis pelo metro cúbico de
toras de pinho; c) até cinco mil réis pelo metro cúbico de outras espécies
florestais.’ A arrecadação dessas taxas era feita diretamente pelo instituto ou
mediante acordo entre os governos estaduais e as empresas de transportes.
227
225
DEPARTAMENTO de Economia Florestal. Jornal da Serra, Carazinho, n. 1243, 10 abr. 1944, p. 4
apud WENTZ, Liliana Irma Mattje. Os caminhos da madeira: região norte do Rio Grande do Sul 1902-1950. Passo
Fundo: UPF, 2004. p. 129-130.
226
WENTZ, Liliana Irma Mattje. Os caminhos da madeira: região norte do Rio Grande do Sul 1902-
1950. Passo Fundo: UPF, 2004. p. 122-123.
227
Ibid., p. 124.
193
O chefe do Serviço Florestal do Ministério da Agricultura, A. de Miranda Bastos, narra
em 1961, que quando entrou no Serviço Florestal em 1930 havia no Paraná “uma febre
contagiante de derrubar pinheiros, arrastar toras, montar serrarias, sem ninguém se importar de
saber se havia transporte e compradores para toda a madeira produzida.
228
Em 1939, a situação chegara a um ponto dramático: 1.350.000 metros cúbicos
de pinho serrado esperavam que 45.000 vagões viessem apanhá-los. Não havia
possibilidade de transporte e de consumo se não para um terço desse volume,
mas as serrarias continuavam trabalhando e se multiplicando.
229
Apesar da criação do INP conseguir “debelar essa crise”,
230
o setor madeireiro
continuou a sofrer com crises periódicas de superprodução. O setor econômico madeireiro foi
marcado pela instabilidade. O Brasil passou a exportar mais madeira do que importava
durante a Primeira Guerra Mundial. E no Estado do Paraná foi durante a década de 1920 que
tal produto passou a ter grande importância ecomica para o Estado. Os pros internacionais
eram baixos devidos à baixa qualidade do produto brasileiro e à grande oferta do produto, ao
mesmo tempo em que os meios de transporte eram insuficientes, causando freqüentemente a
deterioração da madeira a ser exportada por falta de transporte. As poticas de cotas e
autorização de produção, para adequação da produção à demanda e à capacidade de transporte,
foram medidas tomadas pelo INP, mas a ação do Instituto não foi suficiente para otimizar o
setor.
231
Um jornal sul-rio-grandense expressa bem tal situação na época da crião do INP:
‘A criação do Instituto Nacional do Pinho era uma imperiosa necessidade. Era
imprescindível uma organização autônoma para pôr ordem, à desorganização da
indústria e comércio de madeiras, pois, estávamos destruindo a esmo, sem
proveito para o país, as suas reservas florestais, numa concorrência desenfreada
e descabida, em proveito do comprador estrangeiro. [...] [O que] corresponde
perfeitamente, aos anseios da classe madeireira. Era, mesmo, preciso que os
negócios do pinho fossem devidamente regulados, em benefício não só dos
produtores, exportadores e beneficiadores, como também, e principalmente da
própria riqueza nacional’.
232
A “riqueza nacional” deveria ser racionalizada com o controle e regulação da produção.
A criação do INP marca uma conjuntura em que estava clara, pelo menos para as
lideranças do setor madeireiro e políticos, a escassez da Floresta Ombrófila Mista, para a qual
228
BASTOS, A. de Miranda. O drama da floresta de pinheiro brasileiro. Anuário Brasileiro de
Economia Florestal, Rio de Janeiro, p. 69-80, 1961. p. 73.
229
Ibid., p. 73.
230
Ibid., p. 73.
231
LAVALLE, A. M. A madeira na economia paranaense. 1974. Dissertação (Mestrado em História)
– Universidade Federal do Paraná, UFPR., Curitiba. p. 140. passsim.
232
CRIAÇÃO do Instituto Nacional do Pinho. Jornal da Serra, Carazinho, n. 765, 24 mar. 1941. p. 11.
apud WENTZ, 2004, op. cit., p. 125.
194
tanto a legislação florestal quanto o INP se voltaram. Sua estratégia para resolver o problema
florestal” era fomentar o reflorestamento.
Mas tal reflorestamento industrial massivo somente se efetivaria após a promulgação
do Código Florestal de 1965 graças ao acúmulo técnico até então realizado, e, principalmente, a
incentivos fiscais do Governo Federal. Sendo que o órgão responsável, na esfera federal, pela
política florestal passaria a ser o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF).
233
Luiz Alberto Langer, que durante muitos anos foi delegado regional no Paraná do INP e
assumiu a delegacia do IBDF no Paraná, no seu relatório do exercício de 1967 afirma: os
trabalhos vêm se desenvolvendo ainda em geral com apoio na rotina anterior e atendidos pelos
mesmos funcionários remanescentes dos órgãos extintos.”
234
E o relatório do exercício de 1970
comenta sobre as obrigações legais do IBDF:
É preciso registrar que com todo esse conjunto de encargos muito poucos,
proporcionalmente foram os recursos que o novo órgão recebeu, além daqueles
advindo do ex-Instituto Nacional do Pinho, que aliás também foi absorvido e
continuou funcionando, aguardando condições para desempenhar todos esses
novos encargos, com normalidade.
235
O IBDF reunia em um único órgão as políticas em prol do setor florestal e da
preservação de parques nacionais. As poticas “preservacionistas”, ligadas principalmente aos
parques nacionais, até então eram atribuição do Departamento de Recursos Naturais Renováveis
(DRNR), que, por sua vez, era sucessor do Serviço Florestal Brasileiro.
236
Vários autores
apontam um conflito entre, por um lado as ações de conservação das florestas e por outro de
desenvolvimento da silvicultura, que eram incumbências do IBDF. E, ainda, o quanto as
posições assumidas pelos Governos, forçada pelo novo movimento ambientalista nacional ou
internacional, eram mal compreendidas pelos burocratas de órgãos fundamentalmente voltados
para incentivar o “desenvolvimento a qualquer custo, com o INP.
237
Conflito interno que
permanecerá até a crião do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
233
INSTITUTO Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Delegacia Estadual do Paraná. Relatório
1967. Curitiba, 1968. p. 2.
234
Criado “pelo Decreto-Lei n. 289 de 28.2.67, recebeu as atribuições dos extintos Instituto Nacional
do Pinho, Instituto Nacional do Mate, Departamento de Recursos Naturais Renováveis do Ministério de Agricultura,
mais as de cumprir e fazer cumprir as Leis 4.771 de 15.9.65 (digo Florestal), 4.797 de 10.10.65 (Uso obrigatório
de Madeiras Preservadas) 5.106 de 2.9.66 (incentivos Fiscais) e 5.197 de 3.1.67 (proteção à Fauna)” (Ibid., p. 2).
235
INSTITUTO Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Delegacia Estadual do Paraná. Relatório de
1970. Curitiba, 1971. p. 3.
236
MAGALHÃES, 2002, op. cit., p. 43. Isso apesar de parte destas atribuições estar sendo cumpridas
pelo Governo Estadual, aentão. “O Governo do Estado, que, mediante um antigo Acordo com a ex-DRNR do
Ministério da Agricultura, vinha atendendo ao cumprimento do Código Florestal no Paraná, a partir da data da
vigência do artigo IX do Decreto-lei n. 289, que criou o IBDF isto é, a partir de 28.2.67, oficialmente cessou suas
atividades nesse setor, que, pelo referido artigo IX, passaram para o IBDF.” INSTITUTO Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal. Delegacia Estadual do Paraná. Relatório de 1970. Curitiba, 1971. p. 4.
237
DEAN, 1996, op. cit., p. 305 passim.
195
Renováveis (IBAMA), em 1989. Mas o INP não compartilhava de tal problema. Ele surgiu para
resolver a “questão florestal”, entendido como o problema de manter “estoques florestais”.
Um ponto importante quanto à ação do INP, é que, se o INP era um “órgão oficial dos
interesses dos produtores, industriais e exportadores de pinho”, isto não implica que não
houvesse divergências entre seu “objetivo de proteger e defender os produtores e exportadores de
pinho e de disciplinar as derrubadas das matas”
238
e os interesses dos empresários do setor
madeireiro. Apesar da tecnoburocracia, nos relatórios do INP, em geral, apresentar suas posições
como se coincidissem “racionalmente” com as posições do setor madeireiro. Ao tentar controlar
a produção por meio de autorizações de produção, estabelecendo cotas para cada Estado,
efetuando inspeções, acordos e pesquisa para garantir a qualidade da madeira exportada, a
tecnoburocracia entrava em confronto com posições dos empresários do setor industrial
madeireiro. Assim, por exemplo, o engenheiro de uma grande empresa do setor argumentava:
É sempre o mesmo imortal espírito de unilateral critério de julgamento dos
problemas de interesse comum, que provocou em 1949 o torpedeamento dum
projeto do Instituto Nacional do Pinho, baseado na normalização das
derrubadas, fazendo-as dependentes dum trabalho de florestamento, a cargo do
autor daquelas.
239
No I Congresso Florestal Brasileiro tal questão fica clara com a contraposição do
presidente do INP, que na abertura do Congresso afirma: “Urge que atinjamos, desde já, a uma
outra etapa, qual seja a de conferir individualmente aos produtores de madeira a responsabilidade
do reflorestamento proporcional à sua utilização de material lenhoso.
240
Embora na conclusão
décima do congresso se afirme: “Que sejam os Governos, em primeiro plano, os responsáveis
pelas campanhas de florestamento e reflorestamento, não através da difusão de ensinamentos
adequados, como também da concessão de recursos específicos para tais fins”.
241
Se bem que,
sobre este ponto, de quem deve ser responsável pelo reflorestamento, em geral, não se esperava
que a indústria madeireira arcasse com os próprios custos de manutenção de sua atividade a
longo prazo. Esperava-se sempre alguma forma de externalização dos custos, seja pela ação
direta do Estado reflorestando ou pelo subsídio da atividade particular. Tal como afirma o Chefe
do Serviço Florestal, do Ministério da Agricultura, o :
Reflorestamento em grande escala de áreas adequadamente escolhidas,
mediante compra das mesmas pelo Governo ou auxílio aos seus proprietários.
238
WENTZ, 2004, op. cit., p. 119.
239
WIELICZKA, Zygmunt. O problema dos pinheirais brasileiros. Anuário Brasileiro de Economia
Florestal, Rio de Janeiro, p. 37-42 , 1951. p. 40.
240
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1953. Curitiba, 1954. p.
121.
241
Ibid., p. 107.
196
Financiamento em condições favoráveis deve ser instituído para trabalhos de
reflorestamento com o pinheiro.
242
Ou, também, como afirma Luiz Alberto Langer: as medidas de ordem fiscal o
“motivos de decisiva importância para a conservação de grandes partes das matas existentes,
dando ainda lugar ao surgimento de novas florestas de donio privado.
243
Mas, de “imensa
valia nessa orientação de conservar as florestas protetoras será também o Poder Público manter
as reservas florestais adequadas, em terras do seu domínio ou ainda, onde necessário, com a
desapropriação.”
244
Ainda, durante o I Congresso Florestal Brasileiro as divergências entre tecnoburocracia
e empresários emergiram quando o senhor Costa Muniz afirmou que as resoluções da Junta
deliberativa do INP eram de caráter industrial, não atendendo o critério técnico.
245
Argumentava que serrarias foram autorizadas a se instalar em lugares em que as reservas
florestais não justiçariam a ampliação do número de serrarias e sugeria que isto era feito em
virtude dos interesses dos madeireiros, o que causou uma grande celeuma durante o Congresso.
Tanto que o Dr. Teixeira Leite afirmou:
Senti a princípio um certo ar de reserva e desconfiança da parte dos técnicos e
economistas que nos honraram aqui com a sua presea. A esta hora, porém,
eles devem estar convencidos de que o INP veio ao seu encontro
sinceramente. Veio ao seu encontro para buscar as luzes que necessitamos.
246
O mesmo Teixeira Leite elogia alguns trabalhos pioneiros de silvicultura afirmando:
como brasileiro, dizia sentir-se orgulhoso, pois aquele trabalho era um passo dado há anos atrás,
mostrando um grau de civilização muito adiantado.
247
Se, como já indiquei, a eliminação da
floresta aparece no imaginário regional como prova de civilização, a implantação da silvicultura,
é aqui percebida também como uma característica da civilização. Nesse sentido, não é estranho
que a atividade das serrarias possa ser representada como civilizadora, como, segundo Teixeira
Leite, teria afirmado o governador Bento Munhoz da Rocha Netto, na instalação do Congresso
Florestal: “‘não devemos pensar no madeireiro como um devastador de florestas e sim como
construtor da nossa civilização’.”
248
E que a tecnoburocracia justifique tal posição argumentando
que a
242
BASTOS, A. de Miranda. O drama da floresta de pinheiro brasileiro. Anuário Brasileiro de
Economia Florestal, Rio de Janeiro, p. 69-80, 1961. p. 79.
243
PORTES, Antonio Oliveira; LANGER, Luiz Alberto. Política Florestal. Anuário Brasileiro de
Economia Florestal, Rio de Janeiro, p. 252-255, 1957. p. 254.
244
Ibid., p. 255.
245
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1953. Curitiba, 1954. p.
128.
246
Ibid., p. 159.
247
Ibid., p. 158.
248
Ibid.
197
[...] classe madeireira é sempre apontada como a grande devastadora de
florestas, mas os que a conhecem bem sabem que os madeireiros apenas retiram
cincoenta [sic.] árvores por alqueire; o restante da floresta permanece intacto.
Os pinheirinhos novos são respeitados. Assim não vai se dar esse qualificativo
de devastadores de florestas aos madeireiros.
249
O geógrafo Reinhard Maack, em seus textos e conferências, desde a década de 1940
o considerava as serrarias como as principais devastadoras da floresta ao argumentar que:
Não se deve procurar a principal causa de desmatação [sic.] no aproveitamento
da madeira pelas serrarias. Salienta-se que as serrarias não destroem a mata em
sua totalidade. Todas as árvores inaproveiveis ficam em pé, permanecendo o
caráter protetor da mata em relação à circulação da água, embora muitas árvores
jovens sejam também destruídas pelo trabalho dos tratores, principalmente na
mata de araucárias.
250
Era, em geral, a expansão da fronteira agrícola que impelia toda a indústria madeireira,
como vários trabalhos já indicaram.
251
Nos relatórios do INP a expansão da fronteira agrícola é o
dado inexorável. Assim como para uma sociedade guerreira era “natural” ir para a guerra,
também, para a tecnoburocracia, era natural avançar sobre a floresta. Mas se tinha claro a
pressão da expansão da fronteira agrícola, tal como neste comentário sobre o problema das
serrarias sem registro:
As novas zonas agrícolas que se estão formando no oeste do Estado, com a
necessária derrubada de matas, para fins de plantio, fazem com que a solução do
problema se torne mais premente, devido a [sic.] repetição incoercível de
instalações autorizadas pelos Municípios e Estados e ignoradas pelo Instituto.
252
E isto leva a outro ponto importante sobre a atuação do INP: seu baixíssimo controle
efetivo sobre o setor florestal. No relatório citado do exercício de 1953 o diretor já aponta a falta
de articulação do INP com outros órgãos estatais, pois as serrarias eram, freqüentemente,
registradas em outros órgãos e não registrada no INP. Para tentar resolver tal questão, afirma o
Delegado Regional do INP, Luiz Alberto Langer que pretendia imprimir os atos oficiais relativos
à regulamentação das atividades madeireiras por parte das INP e distribuir tal publicação para
prefeituras e outras entidades sobre “como podem ou o ser instaladas e funcionar as indústrias
madeireiras e as condições em que podem ser exploradas as reservas florestais
industrializáveis.”
253
Todavia, esclarece que isto o foi possível devido à “falta de atualização e
249
Ibid., p. 157.
250
MAACK, Reinhard. Geografia física do Estado do Paraná. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio,
Curitiba: Secretaria da Cultura e do Esporte do Governo do Estado do Paraná, 1981. p. 204-205.
251
LAVALLE, 1974, op. cit.; CANCIAN, Nadir Apparecida. Conjuntura econômica da madeira no
norte do Paraná. 1974. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2 v.
252
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1953. Curitiba, 1954. p.
4.
253
Ibid., p. 4.
198
reajuste de todos esses Atos, [fato que] impediu a impressão e divulgação solicitada.
254
O que
indica que, aparentemente, a legislação florestal, se não era tão caótica quanto a legislação de
terras, pelo menos o principal órgão responsável por sua aplicação sequer possuía a legislação
organizada.
Ademais, as reclamações quanto à existência de muitas serrarias sem registro são
recorrentes nos relatórios anuais da Delegacia Regional do INP. Como, em 1951, o relatório da
Sub-Delegacia de Londrina, a qual se subordinou por muitos anos a região de Campo Mourão,
denunciava: “Diariamente venho recebendo denúncias veladas sobre a montagem clandestina de
inúmeras serrarias. Julgo que uma inspeção severa, punindo os infratores, viria de encontro [sic.]
aos interesses da classe”.
255
Tal problema era especialmente forte no tocante às serrarias para o consumo local, em
geral de menor porte, que, como não exportavam, não necessitavam passar pelos postos de
fiscalização. Dessa forma, ou não se registravam ou se se registravam, então não pagavam as
taxas destinadas ao INP. Sendo assim, o Relatório do exercício de 1953 reconhece que as
serrarias “para CONSUMO LOCAL e PRÓPRIO, no Estado do Paraná, não têm recolhido as
taxas de produção, desde o início da instituição desse gênero de registro, pelo que não é possível
apresentar o volume da produção desses estabelecimentos.”
256
Dessa forma, por todo o período estudado, o INP tentou regular o setor, mas teve
sempre presente os problemas gerados pela sobreprodução, que continuava sendo um fator
central para baixar preços e estrangular os canais de escoamento.
257
Por exemplo, uma das moções aprovadas no I Congresso Florestal Brasileiro foi
2º) Que, de todas as espécies florestais nacionais, a araucária causa o maior
consumo, perfazendo 75% do nosso comércio de madeira, razão pela qual,
diminutas o as reservas desta espécie, tomando-se necessários as seguintes
medidas: a) diminuir o corte para um máximo de 1.000.000 m
3
por ano. Os
cortes devem ser fiscalizados pelos Serviços Florestais Estaduais; b)
simultaneamente, diminuir o consumo de pinho serrado, adotando-se todas as
medidas possíveis
258
.
No Relatório do exercício de 1955, Luiz Alberto Langer afirma que, ao visitar o interior
do Estado, a partir de 1953, se deparou “com a desorganização e conseqüente situação de
descalabro reinante na produção de Peroba Rosa”, sentindo, então, a “necessidade imperiosa de
254
Ibid., p. 4.
255
Suponho que o autor quisesse afirmar que a inspeção viria ao encontro da “classe madeireira”.
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório de 1950. Curitiba, 1951. p. 153.
256
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1953. Curitiba, 1954. p.
9.
257
LAVALLE, 1974, op. cit.,; CANCIAN, 1974, op. cit.
258
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1953. Curitiba, 1954.
199
medidas urgentes de amparo àquela indústria”.
259
Tomando em seguida as providências de
costume:
A redução do volume de guias emitidas para a produção de madeira de lei
serrada, extração e transporte de toros foi objeto de Atos da Junta Deliberativa
do Instituto Nacional do Pinho, resultantes de perfeito entendimento entre as
representações do Paraná e de São Paulo.
260
Tendo sido os resultados os esperados:
Salvo pequenos desajustes, logo corrigidos no curso da execução do plano de
atendimento das requisições de vagões do norte do Estado, o objetivo foi
alcançado, e; hoje após o fornecimento de 5.608 vagões em 1955, pode-se
afirmar que a posição das requisições de vagões e transporte de madeira no 4º
Distrito, correspondem às reais necessidades da região.
[...]
A cadeia de providências tomadas pelo Fisco Estadual, está estreitando cada vez
mais, tornando difícil o comércio irregular de firmas não estabelecidas
legalmente, no Estado. As atividades desses elementos estranhos à classe
madeireira e turbadores do seu comércio regular felizmente está desaparecendo,
tendo ainda expressão somente ao longo do Rio Paraná, pouco fiscalizado.
261
Todavia, no Relatório do exercício de 1957, a Sub-Delegacia de Londrina já indicava
em seu sub-relatório:
Repetiu-se em 1957 outra das crises que têm prejudicado ultimamente, à
economia madeireira do Norte do Paraná, no sector da produção de madeiras de
lei e qualidade, tendo entretanto no final do ano uma reação favorável e espera-
se a normalidade dos negócios para o próximo ano de 1958.
262
No mesmo Relatório da Sub-Delegacia de Londrina se reclama que na “fiscalização dos
embarques pelo rio Paraná, por via fluvial, continua a mesma situação precária e falha, da qual é
do conhecimento desta Delegacia Regional e da presidência deste Instituto.E justifica que isto
se deve à “falta de funcionários para atender os serviços normais de nossa responsabilidade.”
Pois eram na Sub-Delegacia ao todo apenas três funcionários” para serviços que tinham
aumentado como é natural, não em razão de novas instruções de serviços mas,
principalmente pelo desenvolvimento da região no sector madeireiro”.
263
Dessa forma, os próprios relatórios admitem “a deficiente fiscalização por parte do
Institutono que se refere ao escoamento da produção madeireira no Estado”.
264
Somente no
259
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1955. Curitiba, 1956. p.
1.
260
Ibid., p. 3.
261
Ibid., p. 3-4.
262
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório de 1957. Curitiba, 1958.
p. 19.
263
Ibid., p. 19-20.
264
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1953. Curitiba, 1954. p.
6.
200
final da década de 1960 aparecem posições mais otimistas quanto à eficácia da fiscalização: “O
escoamento da produção é perfeitamente controlado pelos Postos de Classificação e Medição do
próprio Instituto, instalados nos portos de exportação para o exterior e de forma satisfatória,
através de fiscalização, com relação aos mercados nacionais.”
265
Não realizei entrevistas com madeireiros atuais, mas entrevistas realizadas por Wentz
com antigos madeireiros e filhos de madeireiros do norte do Rio Grande do Sul indicaram uma
memória de descontentamento com a atuação do INP: “Foi consenso a declaração de que o
Instituto Nacional do Pinho não conseguiu cumprir o seu objetivo inicial, e, inclusive, foi
permeado por muita corrupção”.
266
Quanto à corrupção, em geral, não registro nos relatórios do INP abordados, sobre
corrupção no óro. Mas no órgão, de forma semelhante ao DGTC, havia uma condição propícia
na qual agentes estatais podiam agir como verdadeiros “juizes sem tribunal”, o que facilitava,
portanto, a corrupção. Cabem algumas indicações sobre a estrutura do INP para entender melhor
as dificuldades de operação do Instituto.
A estrutura material e humana do INP e do IBDF, nos anos iniciais, era insuficiente para
uma ação mais efetiva. No Relatório do exercício de 1953 o Delegado Regional afirma:
Não pode a Delegacia Regional, durante o ano de 1.953, efetuar inspeções
regulares das indústrias madeireiras do Estado, por falta de dotação
orçamentária e ocupação dos três Inspetores disponíveis em inspeções
decorrentes de registros novos e transferências de local. Além dessas
deficiências, a Delegacia Regional do Paraná não dispõem de um veículo
sequer, para seus serviços, dependendo exclusivamente de transportes fretados,
carro de aluguel, ônibus, etc. Por isso, qualquer inspeção representa despesas
desproporcionais ao serviço prestado.
267
Quanto ao espaço sico, no relatório se comemora a aprovação da compra de uma nova
sede para a Delegacia Regional do Paraná, pois “as atuais dependências onde se comprimem os
serviços da Delegacia não permitem que se mantenha os arquivos ou os papéis em ordem.”
268
Em virtude disso, as “Guias, documentos de valor, são guardados sobre e sob as mesas e
cadeiras, com um mínimo de segurança.”
269
Mas, mais complicado era o “crucial problema do desajuste do pessoal
270
que persistia.
Assim, no exercício de 1963 se afirmava que “a Delegacia e suas dependências do interior
265
INSTITUTO Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Delegacia Estadual do Paraná. Relatório
1967. Curitiba, 1968. p. 4.
266
WENTZ, 2004, op. cit.
267
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1953. Curitiba, 1954. p.
5.
268
Ibid., p. 5.
269
Ibid., p. 5.
270
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1955. Curitiba, 1956. p.
32.
201
continuam arcando com o ônus da deficiência de pessoal normalmente exigido para eficiência do
serviço.
271
Em 31 de dezembro de 1967, o então IBDF, possuía 173 servidores ativos, dos quais 50
estavam lotados na sede da Delegacia Regional, sendo que 4 estavam nas instalações em Campo
Mourão.
272
O outro óro federal responsável por florestas, nesse momento também sofreu de tal
carência crônica, como relata o chefe do Serviço Florestal, do Ministério da Agricultura:
No Serviço Florestal do Ministério da Agricultura, o drama da floresta de
pinheiro não tem ficado indiferente à atenção dos diretores. As deficiências
orçamentárias, a falta de técnicos e a proibição de admiti-los, são três das raes
de não ter o mesmo um trabalho mais eficaz nesse terreno.
273
Dessa forma, a atuação direta do INP no sertão foi relativamente pequena. Na região de
Campo Mourão, foi somente em 1961 que se inaugurou uma Ancia de Distribuição de Guias
para que se procedesse” as emissões de guias, desdobramentos, transferências e
revalidações, que até então recebiam em Curitiba, Londrina, Maringá e alguns em P. Grossa.”
274
O relatório do responsável pela Agência de Campo Mourão, do exercício de 1963, informa que
era grande a demanda local por guias, destacando o caso das serrarias denominadas como de
Consumo Local, que uma centena delas” eram devedoras “de milhões de cruzeiros desde
1954.”
275
Tal Agencia de Distribuição de Guias (ADG) era subordinada à Sub-Delegacia de
Londrina e no relatório do exercício de 1965, seu responsável, afirma: “Acreditamos que uma
Dependência que vem melhorando sua arrecadação dia a dia deveria contar com os móveis e
utensílios de que necessita.”
276
Trabalhavam 3 funciorios, além do Agente, mas faltava
infra-estrutura, ainda conforme o relatório: “Esta A.D.G. continua ainda na falta de móveis e
utensílios como é do Vosso conhecimento, entretanto, até a presente data não fomos atendidos.
Apesar de termos feito várias solicitações não logramos êxito.”
277
Afirma o “Agente”, ainda, que
havia uma grande demanda por mudas para reflorestamento a qual cabia o INP suprir:
É grande o número de firmas e pessoas interessadas em adquirirem mudas para
iniciarem o plantio de pinheiros. Entretanto, os interessados alegam não ser
possível plantar em virtude da dificuldade de transporte das referidas mudas até
271
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1963. Curitiba, 1964.
p.28.
272
INSTITUTO Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Delegacia Estadual do Paraná. Relatório
1967. Curitiba, 1968. p. 9.
273
BASTOS, A. de Miranda. O drama da floresta de pinheiro brasileiro. Anuário Brasileiro de
Economia Florestal, Rio de Janeiro, p. 69-80, 1961. p. 74.
274
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1963. Curitiba, 1964.
275
Ibid.
276
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório de 1965. Curitiba, 1966.
p. 4.
277
Ibid., p. 4.
202
o local do plantio, cada muda transportada de Iraà Campo Mourão custa mais
de CR$ 100 somente o transporte.
[...]
Por este motivo fazemos mais um apelo a VV.SS. no sentido de acelerar a
construção do viveiro em nossa região, que acha-se em faze [sic] de início de
construção.
278
No exercício de 1965, é instalado o viveiro de Campo Mourão, buscando atentar tal
demanda crescente por mudas para silvicultura:
A administração do atual Presidente do Instituto Nacional do Pinho, Cel. Sylvio
Pinto da Luz, prevê a instalação sucessiva de viveiros no interior dos Estados do
Sul, próximos às zonas de produção da indústria madeireira, à medida que a
procura de mudas for evidenciando a disposição dos industriais de se
interessarem pelo reflorestamento a que estão obrigados, não por dispositivo
legal como medida de sobrevivência perene da própria indústria.
[...]
Os planos de incentivos ao reflorestamento no Estado, impulsionado pelo
Senhor Presidente do INP, no que diz respeito à obtenção de áreas para a
instalação de novos viveiros destinados à produção de mudas para
reflorestamento encontrou sérias dificuldades, principalmente devido as
deficiências de documentação de propriedade das terras oferecidas.
Assim é que, áreas ofertadas, nos municípios de Guarapuava, Apucarana,
Cascavel, ponta Grossa, Curitiba e outras cogitadas, não puderam ser aceitas
pelo INP., por não contarem com os títulos de propriedade e outros documentos,
conforme exigências estabelecidas pela Procuradoria.
em fins de 1965, é que foi possível obter uma área doada pela Prefeitura de
Campo Mourão no Centro do Estado e outra em Clevelândia, no Sul, onde serão
instalados 2 viveiros no primeiro semestre de 1966.
279
A referência à dificuldade de encontrar terras com documentação regularizada até
mesmo para instalação de um viveiro é emblemática da situação fundiária então vigente. Quanto
à questão florestal, não se pode exagerar a demanda existente para o reflorestamento. O relatório
do exercício de 1969 é esclarecedor ao informar que o viveiro, então denominado Posto de
Fomento Florestal de C. Mourão (POFOM), possuía “vários problemas de ordem Material e
Pessoal, [...] [que] aos poucos estão sendo sanados.”
280
Então o
[...] viveiro achava-se com aproximadamente 800.000 mudas, com
crescimento adiantado e a ponto de serem perdidas, isso porque naquela época o
tempo era de seca, e os madeireiros não as procuravam, inclusive deixando que
caixas depois de cheias apodrecessem, sem que fossem retiradas,
aproximadamente em junho, com o corte das guias para as firmas que não
278
Ibid., p. 4.
279
Ibid., p. 17-18.
280
INSTITUTO Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Delegacia Estadual do Paraná. Relatório de
1969. Curitiba, 1970.
203
tivessem seus plantios recomeçados e seus projetos apresentados no IBDF, a
procura de mudas foi aumentando gradativamente, e foram sendo retiradas pelas
firmas que já as haviam comprado a tempos e não retiravam.
281
A demanda principal era dos projetos de reflorestamento subsidiados pelo Estado. No
Relatório do exercício de 1980 informa-se que, por meio de um convenio, firmado em 1978 com
o Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Paraná (ITC), objetivava-se o plantio de árvores
a fim de servir de recursos florestais pequenas propriedades. Todavia, dos 6 milhões de mudas
em 3.000 hectares apenas 328.817 mudas foram plantadas, o que corresponde a 162,9 hectares.
Logo, o convênio não foi renovado por ter sido considerado um fracasso.
282
Em 1970, a área de
“matas plantadas” informadas pelos responsáveis pelos estabelecimentos rurais na microrregião
de Campo Mourão era de 5.330 hectares, ou seja, 0,55% da área total dos estabelecimentos rurais
então informados.
A atuação do INP, dessa forma, não garantiu a perenidade das serrarias na rego de
Campo Mourão (ver anexo 2). Um dos legados da atuação do INP foi a criação dos Parques
Florestais, os quais serviam para pesquisa e experimentação, e nos quais se realizou, em micro
escala, aquilo que era planejado para ter sido realizado em grande escala.
Quando foi instituída a Divisão de Florestamento e Reflorestamento, que traçou um
plano de instalação de rias estações experimentais, para o plantio e observações sobre a cultura
do pinheiro do Brasil.
283
O Estado do Paraná interessando-se imediatamente pela questão, ofereceu ao
I.N.P. uma área de 490 hectares para a instalação da primeira estação,
concretizada em junho de 1943, e que recebeu a denominação de Parque
Florestal de ungui. foram plantados os primeiros pinheiros pelo I.N.P. e
lançadas as bases para os trabalhos futuros.
284
Em 1946, outro Parque Florestal é criado no Paraná no “município de Imbituva, com
1.936 hectares.”
285
Em 1948, havia Parques de São Paulo ao Rio Grande do Sul, cobrindo a
zona brasileira de Araucária” com uma “rede de estações experimentais de cultura do pinheiro”,
que então possuíam juntos 11.518,9 hectares.
286
relativamente poucas referências nos relatórios a outras espécies florestais nativas,
salvo a peroba.
287
Apesar de haver experimentações com outras essências, os trabalhos nos
281
Ibid.
282
INSTITUTO Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Delegacia Estadual do Paraná. Relatório de
1980. Curitiba, 1981.
283
O INSTITUTO Nacional do Pinho e a questão florestal. Anuário Brasileiro de Economia
Florestal, Rio de Janeiro, p. 401-408, 1948. p. 202.
284
Ibid., p. 402.
285
Ibid., p. 403.
286
Ibid., p. 403-404.
287
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório de 1958. Curitiba, 1959.
p. 11.
204
parques se voltaram fundamentalmente para a Araucaria angustifolia, e para espécimes exóticas
de crescimento mais rápido e mais rentáveis economicamente. No Relatório do exercício de
1953, informa-se que os “trabalhos nos Parques Florestais se processaram satisfatoriamente,
tendo sido completado o plantio do Parque Romário Martins (Açungui), com 300.000, que assim
está completamente coberto, com cerca de 1.800.000 unidades” de pinheiro brasileiro. Já no
[...] Parque Manuel Enrique da Silva foram anexados 266 alqueires, adquiridos
do mesmo vendedor da área antiga. Foram ali plantados mais 980.000 unidades,
que somadas às anteriores, perfazem um total de cerca de 3.6000.000 pinheiros,
além da recuperação natural.
288
No Relatório do ano de criação do IBDF, 1967, informa-se que a Delegacia Regional
contava com:
a) Parque Florestal “Romário Martins”, com viveiro de mudas anexo;
b) Parque Florestal Manuel Enrique da Silva”, com viveiro de mudas anexo;
c) Horto Florestal de “Campo Mourão”;
d) Viveiro Florestal Clevelândia”;
e) Instalações de Barbaquá de Prudentópolis, com sementeiras e viveiros de produção de
mudas de erva-mate anexos. Oriundo do Instituto Nacional do Mate;
f) Posto de Produção de Mudas de Campo Largo, oriundo do ex-DRNR.
289
Durante o I Congresso Florestal Brasileiro, Costa Muniz argumentou que com “sua
política dos Parques o Instituto não cumpria a obrigação prevista, pois os trabalhos desses dez
anos não representam uma terça parte do valor arrecadado.”
290
Os 50% da arrecadação prevista
inicialmente, foram reduzidos para 40% e havia debate para uma redução para 30% da
arrecadação a ser investido no reflorestamento. Todavia, na prática, os percentuais não eram
respeitados. Mas já apontei os indícios da falta crônica de recursos; o que quero apontar são dois
elementos importantes para esta pesquisa presentes nos relatórios e que se referem aos parques
florestais.
Em primeiro lugar, quero destacar algumas mudanças no imaginário em torno da década
de 1970, e que se fazem sentir a partir da criação do IBDF, 1967. No Relatório do exercício de
1967 afirma-se a respeito do Parque Florestal “Manuel Enrique da Silva”:
O plano de trabalho para 1967 previa um plantio de 150 hectares com Pinus
Elliottii em área coberta com mato pesado. Contudo, tornou-se impossível
preparar esta área por diversos fatores, conforme esclarecimento abaixo:
288
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1953. Curitiba, 1954. p.
8.
289
INSTITUTO Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Delegacia Estadual do Paraná. Relatório
1967. Curitiba, 1968. p. 1-2.
290
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1953. Curitiba, 1954. p.
128.
205
A área [...] apresenta-se com cobertura vegetal pesada (capoeira grossa),
tendo sido escolhida por não ter pinheiros ou madeira de lei, a espécie
dominante, porém, é a bracatinga, em formão antiga em consorciação com
outras também sem valor (grifo meu).
291
no Relatório do exercício de 1969, se afirma a respeito da então Floresta Nacional
(FLONA) de Irati e Açungui: Essas regiões
[...] possuem suas áreas inteiramente cobertas de árvores. Assim sendo, a Flona
de Iratí que possui área de 1.450 alqueires, um terço da mesma foi florestada e
reflorestada com coníferas. Quanto ao restante da área não aconselhamos
efetuar o reflorestamento, pois essa apresenta-se coberta com ricas essências
florestais nativas (espécies erbáceas, arbustivas e arbóreas), que se prestam
para estudos de “Botânica” e, sobretudo abrigar nossa fauna em vias de
extinção (grifo meu).
292
A vegetação nativa de bracatinga, que hoje em dia é utilizada em um sistema de
agrossilvicultura sustentável”,
293
no primeiro relario é apresentada como uma “cobertura
vegetal pesada”, sem “valor”, já no segundo relatório é valorizada como uma “rica essência
florestal nativa”. Há aqui uma clara ecologização da percepção do mundo natural.
294
Em segundo lugar, quero destacar que havia uma preocupação em disciplinar a força de
trabalho. Em uma miniatura do que, com a colonização racional, se pretendia realizar em larga
escala. O pessoal de um Parque Florestal era composto por: “1 administrador; 1 caixa-
almoxarife; 2 capatazes e tantos trabalhadores quantos fossem necessários e possíveis. O
administrador, o técnico, recebia instruções de um engenheiro-agrônomo.”
295
Mas era aos
trabalhadores braçais” que grandes preocupações eram dirigidas.
Dentro das estações, temos a preocupação de valorizar o nosso pessoal, sem o
que seu trabalho se tornará desinteressante e de baixo nível de rendimento.
Assim, é que, além da Escola que instalamos queremos tamm um clube
com finalidades, recreativas e culturais, e a organização de abastecimento
de víveres de grande importância na economia doméstica dos empregados.
Tudo isso tem sido regularmente trabalhoso, não somente em organizar como
também em manter, devido uma infinidade de fatores contrários, inclusive a
falta de melhor compreeno da parte do pessoal.
Trata-se de problemas delicados e de execução complexa. Nosso propósito,
entretanto, é levar avante sua fiel execução, custe o que custar. Os fatores, desde
os psicológicos até os econômicos, o detidamente apreciados e balanceados,
291
INSTITUTO Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Delegacia Estadual do Paraná. Relatório
1967. Curitiba, 1968. p. 32.
292
INSTITUTO Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Delegacia Estadual do Paraná. Relatório de
1969. Curitiba, 1970.
293
Sobre o sistema de agrossilvicultura, Cf. CUNHA, Aércio S., BASTOS FILHO, Guilherme Soria. O
sistema agrossilvicultural da bracatinga. In: LOPES, Ignez Vidigal; et al. (Orgs.). Gestão Ambiental no Brasil:
experiência e sucesso. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1998.
294
CARVALHO, 2004, op. cit.
295
O INSTITUTO Nacional do Pinho e a questão florestal. Anuário Brasileiro de Economia
Florestal, Rio de Janeiro, p. 401-408, 1948. p. 405.
206
no intuito de afastar as dificuldades encontradas, na convicção de que se trata de
uma questão de entendimento, possível de alcançar, em se tratando de gente
simples, infelizmente abandonada a seu próprio destino, mas que uma vez
retirada da atitude em que se acha, poderá representar importante papel no
desenvolvimento do país, ao qual, apesar de tudo, presta os serviços possíveis.
Mercê o esforço que em seu benefício, estamos empreendendo (grifo meu).
296
Procurava-se interferir em todos os níveis da vida do trabalhador, de forma a se produzir
o “homem novo” que os modernizadores da Nação desejavam.
3.7.2 – A tradição modernizadora
As árvores o um rico repositório de símbolos para a sociedade humana, em especial
por, freqüentemente, serem um símbolo visível da sociedade humana.”
297
Como argumenta K.
Thomas, para o caso inglês:
Era tão estreita a relação entre as árvores e a sociedade humana que seu
tratamento, como o das crianças e dos cavalos, flutuava conforme as alterações
nas vogas educacionais. No século XVI e começo do XVII, as crianças eram
enfaixadas; e era crença comum que deviam ser surradas e reprimidas. As
árvores para corte, conseqüentemente, deviam ser podadas (isto é, decapitadas),
desbastadas e recortadas (retirando-se os seus ramos laterais). [...] As árvores
destinadas à ornamentação eram severamente controladas pelo homem [...] No
século XVIII, quando as teorias educacionais se tornaram menos repressivas, o
cultivo de árvores passou da ordem para a espontaneidade. Houve uma reação
contra a ‘mutilação’ de árvores ou a sua moldagem em formas ‘não-naturais’.
298
Nos projetos de “modernizaçãodo Brasil, desde pelo menos o século XIX, é possível
encontrar propostas de civilizar ou modernizar árvores e seres humanos. Propostas, que, às
vezes, hoje, podem parecer esdrúxulas, por partirem de concepções sobre a saúde presente na
época, como a apresentada em artigo da Revista Agrícola do Instituto Imperial Fluminense de
Agricultura, de 1874, e discutida por Teresa Cribelli:
O artigo propõe civilizar a terra e sua população pobre através da introdução de
bosques de eucalipto. O eucalipto, como se sabe bem, exige muito do lençol
freático, e até hoje é usado para limpar pântanos e zonas úmidas. O texto propõe
que o plantio de eucalipto não iria apenas drenar os miasmas infecciosos das
áreas pantanosas, mas este processo também levaria à purificação mágica da
população local (talvez devido ao aroma do óleo de eucalipto) e a tornaria mais
receptiva às energias civilizatórias de seus superiores: ‘Sua constituão física
depauperada, seus ventres bojudos, pernas de côr [sic.] pardocenta, membros
infiltrados, tudo desaparecerá em pouco tempo a vida e a saúde se manifestarão
por seus caracteres próprios, [torna-se] hão aptos para adquirir uma civilização
296
Ibid., p. 407-408.
297
THOMAS, 1996, op. cit., p. 262.
298
Ibid., p. 163-264.
207
vantajosa, desaparecendo essas raças meio selvagens que o o approbrio [sic.]
da humanidade’
299
A proposta aponta para os grandes problemas da modernização do Brasil, ou seja, a
suposta inadequação do povo à civilização moderna. No estilo da apropriação feita das idéias
racialistas no Brasil, o autor do artigo apresenta um povo degenerado, mas que poderia ser
“salvo”, pois não estava condenado a degenerescência.
No final do século XVIII as árvores eram percebidas, principalmente, como fonte de
insalubridade.
300
Mas cada vez mais o contato com elas foi valorizado como fonte de saúde. No
final do século XIX, o plantio de algumas essências com objetivos higiênicos era recomendada.
Como afirma um artigo publicado em 1896 em Campinas
Quarenta, ou cincoenta [sic] mil pés de eucalyptus [sic.] (numero sufficiente,
[sic] segundo os entendidos) disseminados por todo o perímetro urbano além de
offerecerem [sic.] uma circunstância de embelezamento, muito contribuiriam a
melhorar as nossas condições sanitárias e os benefícios que de futuro nos
poderam [sic.] proporcionar, caso ainda não tenha sido resolvido por outros
meios o problema da extinção da febre amarella, [sic.] seriam de um valor
incalculável.
301
A solão inusitada, o plantio de eucalipto, é um bom exemplo do gerenciamento de
uma natureza dadivosa, que por si mesma produziria o “progresso”. Concepção esta
característica do que alguns chamariam de uma visão de mundo mecanicista clássica.
Para além de uma questão de saúde blica, os recursos florestais, em especial para
lenha e madeira de construção, demandam uma regulação social para lidar com tais recursos
escassos. As reservas de madeira para construção naval ou a regulação de madeira para purgar o
açúcar eram exemplos destas formas de regular, sendo que tais recursos podiam ser localmente
escassos e valorizados. No início do século XX, haviam propostas de lidar com tal questão
florestal”, que apostavam muito mais na tecnologia. A natureza ainda era edênica, mas ela
poderia ser “melhorada”, tornada mais produtiva.
Por exemplo, no Rio Grande do Sul o padre Max von Lassberg, talvez influenciado pela
engenharia florestal alemã na qual era bem presente a tradição conservacionista, apresenta
algumas iias sobre o “problema florestal”. Arthur B. Rambo sintetiza o discurso de Lassberg
da seguinte forma:
299
CRIBELLI, Teresa. “Civilizar” e “Aperfeiçoar”: Debates e projetos para a modernização da
Nação.In: Simpósio Nacional de História (24: 27: São Leopoldo, RS) História e multidisciplinaridade: territórios e
deslocamentos: anais do XXIV Simpósio Nacional de História. São Leopoldo: Unisinos, 2007. 1 CD. p. 5.
Citando: Revista Agrícola do Instituto Imperial Fluminense de Agricultura, jun. 1874. p. 28.
300
PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. De árvores e cidades ou a difícil aceitação do verde nas
cidades de tradição portuguesa. In: SOLLER, Maria Angélica; MATOS, Maria Izilda S. (orgs.). A cidade em
debate. São Paulo: Olho d’Água, 1999. p. 11-47. p. 36.
301
ARBORIZAÇÃO. Diário de Campinas, , 26. abr. 1896. p. 1. apud SERRÃO-Neumann, 2007, op.
Cit., p. 82.
208
Sempre, segundo o religioso, competia ao Estado: garantir a normalidade do
clima e zelar pela higiene pública; salvaguardar a fertilidade e as demais
qualidades do solo; aproveitar ocasionalmente os imensos recursos oferecidos
pelas florestas. Pressupunha, para tanto, a existência, no País, de uma rica e
vasta cobertura florestal. Mais importante do que florestas gigantescas e
ininterruptas seria a existência de extensões razoáveis de matas, principalmente,
bem distribuídas. Conforme demonstra a ciência esse tipo de cobertura
vegetal favorece sobremodo a pureza do ar, a regularidade das chuvas, o
controle do granizo, a conservação do clima, o equilíbrio, do calor e do frio, a
formação de fontes e de mananciais de água, a proteção contra enchentes e a
inestimável riqueza que uma floresta representa quando racionalmente
explorada e utilizada.
[...]
Continuando, o conferencista atacou uma questão ainda mais condenável. Falou
daqueles verdadeiros vampiros rapineiros que penetram nas florestas alheias ou
pertencentes ao governo. Sem o menor escrúpulo e sem a menor consideração
para com a sociedade, depredavam as matas, pilhando as madeiras nobres,
tendo, como única finalidade, o lucro fácil (grifo meu).
302
Lassberg esclarece que é justifivel e necessário que as grandes extensões de florestas
fossem “entregues a um abate parcial” para “franqueá-las à agricultura”. Argumenta que a
carência de florestas e de madeira não deve ser exagerada”, pois na “região colonial” antiga do
Rio Grande do Sul ainda “subsistem em toda parte serrarias”. E afirma ainda que em colônias em
zonas mais elevadas a situação era mais “triste”.
303
foram derrubadas florestas inteiras de araucárias, para em seguida serem
abandonadas sem terem sido aproveitadas. Muitos colonos derrubaram a mata
sem nenhuma medida, para em seguida se verem forçados e irem embora por
causa da fertilidade do solo. A terra foi devastada e uma floresta, no sentido
legítimo do termo, não se recompõe espontaneamente.
304
Lassberg argumenta, ainda, que um ‘reflorestamento sistemático de nossas matas
naturais parece inviável porque a mata virgem não possui sistema.’” Informa para justificar sua
afirmação que a produção dia de madeira em um hectare era de 4 a 5 metros cúbicos. E
questiona: de “‘que maneira executar um dispositivo destes? No caso, o vale nem a pena abrir-
se uma trilha.’Ou seja, a floresta natural no Brasil seria economicamente pouco produtiva.
Dessa forma, para o padre, não se pode copiar a legislação de outro país. “‘O problema mais
complicado em tudo o que se relaciona com a questão das florestas é a lei que regulamenta a
fiscalização. Qual a maneira, por exemplo, de impedir que um caboclo penetre na mata do
alto Uruguai’”(grifo meu). Outro problema, para o padre é que “‘em regiões mais próximas a
302
LASSBERG, Max von. Conferência na Assembléia Geral da Confederação dos Agricultores do Rio
Grande do Sul de 1909. Bauernfreund, 1909, n. 6, p. 43-44. apud RAMBO, Arthur Blasio. Imigração Alee
Ecologia. Estudos Leopoldenses, São Leopoldo, v. 30, n. 136, p. 71-90, mar./abr. 1994. p. 76-77.
303
Idem, p. 78. A araucária é uma planta acostumada a regiões acima de 500 metros, daí sua presença
em regiões mais elevadas.
304
Idem, p. 78.
209
fiscalização enfrenta a cosmovisão e as longas tradições dos povoadores e se preocupa em não
sobrecarregá-los com novos deveres.’” E que se o Governo afirmasse para os colonos: “‘Daqui
em diante não podes mais retirar madeira do mato, ou a um fazendeiro: Daqui em diante deves
plantar tantos hectares de mato, tais determinações seriam simplesmente inexeqüíveis.’”
305
Para “‘solucionar o problema florestal’ Lassberg propunha, basicamente, a apropriação
privada da floresta e o sistemático reflorestamento.
‘1. Os complexos florestais têm que ser protegidos na sua integridade, de forma
que sua exploração, por parte de não-proprietários, seja dificultada. Com esse
objetivo, o governo não deveria conceder com tanta facilidade, como o vinha
fazendo, aagora, as concessões para explorar a madeira, com a finalidade de
obter dormentes de trilhos, de táboas [sic.], de erva-mate. Se possível, conceder
a autorização somente para aqueles que comprarem e pagarem o mato. Porque
se alguém o é proprietário, pouco interesse terá em tratar o mato com
cuidado. [...] Também o colono terá um interesse pessoal em assegurar o valor
do próprio mato. Além disso, deveria ser aplicada, com todo o rigor as leis que
se destinam à expulsão dos invasores de matas alheias. Isso, porém, não ocorre
sempre. Desta forma, os direitos dos proprietários de matas localizadas em
locais afastados sofrem sérias violações por parte de indivíduos que retiram,
sem autorização, a madeira. Uma outra praga representam os assim chamados
intrusos, os quais, sem título fixam residência em glebas e, quando são
solicitados a indenizar, vão embora e deixam o prejuízo para os outros.
Tais casos acontecem também em terras em situação legal duvidosa. Caso
alguém pretender estabelecer-se em tais glebas, deveria antes de mais nada, ter
clareza sobre a situação legal das mesmas.’
‘2. Impõe-se como remédio mais adequado para as nossas circunstâncias, a
formão de matas plantadas. A floresta não cultivada é passível de
resultados na medida em que for derrubada. Uma floresta sistematicamente
plantada fornece um retorno no mínimo quadruplicado. [...] As iniciativas
deveriam partir dos indivíduos, dos distritos e dos municípios. Em outros
países, comunidades individuais conseguiram florestas tão ricas que com os
seus resultados foi possível cobrir todas as despesas da comunidade, e os
cidadãos puderam ser liberados dos impostos. O melhor caminho seria aquele
em que os indivíduos ou as cooperativas cultivassem determinadas áreas de
matas. [...] Porque não pensar em implantar estações experimentais de
silvicultura? Constituir-se-iam, como é óbvio, numa obra sem retorno a curto
prazo, como se se tratasse da implantação de uma lavoura. Caso, porém, se tiver
a paciência necessária e caso os empreendimentos forem bem conduzidos, seu
retorno, mais tarde, se tanto maior. Esses seriam os meios que atenderiam os
interesses de todos, no que se refere à questão florestal’ (grifo meu).
306
Figuras como a do padre Lassberg são apresentadas comoexóticas, meio fora do
contexto,
307
por Arthur Blasio Rambo.
Mas se forem inseridas no contexto dos projetos
modernizadores elas não pareceram “fora do contexto”, apesar de serem figuras excepcionais em
305
Idem, p. 78-79.
306
Idem, p. 79-80.
307
RAMBO, Arthur Blasio. Imigração Alemã e Ecologia. Estudos Leopoldenses, São Leopoldo, v. 30,
n. 136, p. 71-90, mar./abr. 1994. p. 85.
210
seu tempo. Em linhas básicas, as propostas de Lassberg estavam presentes nas resoluções do
Congresso Agro-Pastoril-Agrícola, realizado no ano anterior em Pelotas:
[...] uma parte das glebas destinadas, no futuro, para fins de colonização,
deveria ser retirada, não vendida, mantendo-se nela uma reserva florestal;
aconselhava-se introduzir uma série de árvores exóticas como, por exemplo,
certas variedades de eucaliptos, plátanos, acácias, pinheiros, cinamomos...
308
As resoluções do Congresso Agro-Pastoril-Agrícola não eram tão liberais quanto
Lassberg, que, afinal, confiava a solução fundamentalmente à ação de reflorestamento dos
proprietários rurais, e ao efeito que a certeza do direito de propriedade geraria na valorização
econômica da mata remanescente. Pois para tal Congresso, antes da colonização dirigida se
deveria reservar uma parte da área para “reserva florestal”, a qual, todavia, o é informado se
ficaria com o Estado ou com as empresas colonizadoras. Ressaltar ainda que Lassberg confiava
pouco na ação dos madeireiros, haja vista que denuncia, em especial, a atuação destes ao
entrarem em terras devolutas ou particulares para retirar as madeiras nobres.
Por fim, ressalto, ainda, por um lado, a confiança de Lassberg na tecno-ciência, na qual
busca legitimar sua fala. E que aparece como algo fundamental para a solão do “problema
florestal”, na forma, por exemplo, de estações experimentais”. Era por meio da tecno-ciência
que se ira fazer com que a floresta produza os serviços ambientais e mercadorias para os colonos.
E por outro, o que fica evidente nas citações, é a desconfiança dele quanto ao intruso, quando ao
caboclo. Se ao colono cabia mudar as regras institucionais e lhe dar condições de reflorestar, ao
caboclo cabia apenas impedi-lo de penetrar o “mato”.
309
E estes dois elementos, a confiança na tecno-ciência e a deslegitimação dos lavradores
pobres, tidos como tradicionais”, presente no que estou denominando projetos modernizadores,
se conectam com a atuação do INP no sertão do Paraná. Em 1956, Luiz Alberto Langer elabora
um estudo sobre uma “Potica Prática de Reflorestamento destinada à Indústria Madeireira do
Paraná”, a qual é “adotada”, ou pelo menos é informada como expressando o “pensamentodo
Sindicato da Indústria das Serrarias, Carpintarias, Tanoarias e da Marcenaria, do Sindicato do
Comércio Atacadista de Madeiras e do Sindicato da Indústria da Madeira Laminada e
Compensada do Paraná.
310
A proposta se pautava na aproprião privada da floresta e no
reflorestamento público e privado.
308
LASSBERG, Max von. Conferência na Assembléia Geral da Confederação dos Agricultores do Rio
Grande do Sul de 1909. Bauernfreund, 1909, n. 6, p. 43-44. apud RAMBO, 1994, op. cit., p. 80.
309
Sobre colonos e modernização agrícola ver: ZARTH, Paulo Afonso. História Regional/História
Global: uma história social da agricultura no Noroeste do Rio Grande do Sul (Brasil). História: debates e
tendências, Passo Fundo. v. 1, n.1, p. 190-128, jun. 1999.
310
Tal estudo aparece em: INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório
1956. Curitiba, 1957. p. 279-288; e, também, em: POLÍTICA prática de reflorestamento destinado à indústria
madeireira do Paraná. Anuário Brasileiro de Economia Florestal, Rio de Janeiro, p. 292-300, 1958.
211
Dessa forma, essa proposta começa com uma defesa da grande propriedade, diante do
“forte movimento no intuito de forçar a adoção de revolucionária reforma Agrária, cujas
conseqüências serão fatais para a vida da nação”.
311
Afirma ser necessário fazer uma distinção
entre: terras agriculturáveis; terras de pastoreio e terras florestais, para “tratamento diverso para
cada tipo de terra”.
312
E como prova de tal necessidade dá o exemplo da
[...] grande colonização feita pelo Governo no vale do Rio Ivaí, no Paraná, onde
a exigüidade das áreas concedidas aos colonos, e, principalmente, a
impropriedade da maioria das terras para agricultura (pois estão situadas
em zonas montanhosas) sofreram a ação da erosão e perderam rapidamente a
sua precária fertilidade, dando como resultado, a formação, em perto de 30
anos, de milhares de alqueires de terras semi-desertas, cobertas de ‘guanxumae
‘samambaia’ em substituição às vastas florestas que ali existiam.
[...] Sobre o pretexto de exploração agrícola e pastoril, foram destroçadas a
maioria das florestas brasileiras e o nomadismo agrícola, cada vez mais forte,
em pouco tempo destruirá as restantes (grifo meu).
313
No artigo publicado no Anuário de Economia Florestal se afirma cabalmente: a
agricultura mal conduzida é a principal responsável pelo desflorestamento no Brasil, porque
utiliza cada ano enormes extenes de mata (grifo meu).”
314
Não se tratava de condenar a
agricultura em geral. A agricultura moderna não era entendida como fonte do “problema
florestal”. Antes, era a agricultura made, ou seja, a agricultura de coivara a culpada pelo
desperdício de recursos naturais. Apesar da grande lavoura no Brasil poder ser identificada,
naquele momento, como uma “agricultura mal conduzida”, esta agricultura, estava mais próxima
do que se considerava “modernoao utilizar “completamente” o solo, mais do que as práticas
propriamente de coivara, identificadas como as práticas mais “primitivas” e “bárbaras”. Um bom
geógrafo uma vez comentou que os geógrafos e urbanistas vivem afirmando que a expansão
desordenada provoca impactos ambientais e agem como se a expansão ordenada” não
provocasse impacto, o que mostra que a fé nos inexoráveis efeitos benéficos da ação tecno-
cientificamente orientada, ou seja no “progresso”, ainda hoje é forte.
Nessa interpretação, presente nos relatórios do INP, não caberia responsabilidade para o
setor industrial: “À indústria madeireira não cabe a culpa das devastações das florestas, pois ela
limita-se à exploração das essências industrializáveis, com relativamente pequenos danos para o
resto da floresta.
315
311
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1956. Curitiba, 1957.
312
Ibid.
313
Ibid., p. 279.
314
Ibid., p. 293.
315
Ibid., p. 280.
212
E se argumenta que a instria madeireira, “que representa parcela nima das
desmatações no terririo nacional”, é a única “sujeita à regulamentação específica e à [sic.]
limitações”.
Todas as outras, que podem significar mais de noventa por cento das
devastações, tais como queimadas para roças, derrubadas para plantio de café,
núcleos coloniais e povoamento, corte de lenha destinada às estradas de ferro, as
empresas siderúrgicas e consumo particular, estão inteiramente livres, sem
regulamentação alguma, que o Código Florestal até hoje não teve aplicação
positiva.
316
Diante dessa situação, Langer demanda que o novo Código Florestal, que então estava
sendo elaborado, deveria preservar a “propriedade florestaldo perigo de uma reforma agrária
puramente minifundiária’ que não reconheça a influência ou mesmo a necessidade do
‘latifúndio’ na preservação das florestas.”
317
Mas a principal demanda da proposta, esboçada por Langer, era a desoneração fiscal. A
tributação era, segundo Langer, um motivo para não se reflorestar e para cortar o mais rápido
possível a “floresta natural”.
318
Por isso, afirma que o novo Código Florestal deveria de forma
insofismável declarar que a isenção de impostos “atinge não o imposto territorial, como o de
transmissão de propriedade ‘inter-vivos’ e ‘causa–mortis’, bem como qualquer outro tributo
(Valorização – Imposto de Renda).”
319
Para Langer, a tributação deveria recair “sobre os produtos da floresta, depois de árvore
abatida e industrializada, em limites estabelecidos para cada espécie e finalidade”, não antes.
Ademais, já solicitava incentivos fiscais, argumentando que deveria ser permitido que “dos
lucros taxáveis pelo imposto sobre a renda, quer para as pessoas físicas, quer para as pessoas
jurídicas, sejam descontáveis as quantias aplicadas no reflorestamento.”
320
Dessa forma, geraria
no Brasil um “empreendimento econômico sadios e alentadores, [...] formando no Paíz [sic.] um
novo tipo de propriedade, a floresta”.
321
Tal como Lassberg, Langer defende a apropriação privada esperando que um cálculo
econômico utilitário e as regras de mercado, que valorizam um bem escasso, permitissem a
conservação do recurso, a floresta. Dessa forma, argumenta:
Atualmente, o valor das essências exploradas pela indústria obriga os industriais
a zelarem pela preservação das mesmas, sendo que o replantio começa a ser
316
Ibid., p. 281.
317
Ibid., p. 281.
318
Ibid., p. 282.
319
Ibid., p. 280.
320
Ibid., p. 280.
321
Ibid., p. 282.
213
feito por alguns, e todos o unânimes em reconhecer a necessidade de um
reflorestamento intenso.
322
Para Langer, o “replantio das essências industrializáveis abatidas pela indústria
madeireira nos limites oficialmente permitidos, é empreendimento perfeitamente exeqüível, se
for convenientemente liberado pelo Fisco.”
323
Passando o autor a fazer os lculos,
admitidamente sobre bases impressionistas, haja visto o estado da pesquisa florestal de então,
sobre as áreas e valores necessários para o reflorestamento do pinheiro brasileiro, calcula que:
“são anualmente necessários, em números redondos, 1.300.000 pinheiros para manter o atual
[1958] ritmo de produção de pinho serrado no Paraná.
324
Sendo que um dos problemas para o
reflorestamento com espécies nativas era o crescimento relativamente lento. No caso da
Araucaria angustifolia, seu crescimento gira “em torno de 60 e 80 anos” para estar em ponto de
corte para as serrarias. Calcula então Langer que seria necessário um total de “62.400 hectares
para o plantio dos pinheiros” para garantir a produção, de então, de forma perene. Afirma ainda
que seria recomendável a imediata compra de 6 áreas com localização adequada, pois mais tarde
custarão mais caro. Calcula que uma taxa de Cr$ 15,00 por metro cúbico pode servir como base
ampla do empreendimento”, o qual deveria ter a forma de cooperativa, pois” a proposta
depende de completa IMUNIDADE FISCAL”.
325
Diferente de Lassberg, o no projeto referência aos serviços ambientais que tais
florestas poderiam gerar. Apenas registra que, se “aprovado este plano assim esboçado, serão
evidentemente necessários estudos mais exatos, e a sua extensão a outras espécies florestais
utilizadas pelo nosso parque industrial madeireiro, principalmente, a peroba, o cedro e a
imbuia.”
326
Mas há muitos pontos em comum entre Lassberg e Langer, e entre outras propostas
deste período. Um deles é a na tecno-ciência. Esta poderia orientar um reflorestamento que
eliminaria os efeitos negativos da devastação florestal. Outro é a crença nas regras de mercado e
na apropriação privada das florestas como fator de conservação florestal ou pelo menos de
maximização do valor das florestas. Outro ponto, ainda, é a condenação da relação que os
lavradores pobres tinham com a floresta, em especial aqueles que praticavam uma agricultura de
coivara, os caboclos. Os quais deveriam ser educados para ter “amor às árvores”. Nos próximos
três itens retorno a esses pontos.
322
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1955. Curitiba, 1956. p.
280.
323
Ibid., p. 281.
324
POLÍTICA prática de reflorestamento destinado à indústria madeireira do Paraná. Anuário
Brasileiro de Economia Florestal, Rio de Janeiro, p. 292-300, 1958. p. 298.
325
Ibid., p. 300.
326
Ibid., p. 300.
214
3.7.3 – O motor da produção: a tecnologia
O chefe do Serviço Florestal do Ministério de Agricultura, A. de Miranda Bastos,
afirmava que a solão para o drama da floresta de pinhonão era proibir o corte e sim seguir a
estratégia de efetuar reflorestamento:
Não se trata de proibir o corte. Segundo a ciência florestal, as árvores
produtoras de madeira devem ser cortadas assim que apresentem as dimensões
próprias a cada indústria.
Uma floresta tecnicamente explorada tende a produzir maior volume de
madeiras de melhor qualidade, que o volume que produzia no como.
327
Tal como na legislação florestal, tanto as florestas heterogêneas como as florestas
homogêneas poderiam ser “melhoradas” quando tecnicamente exploradas”.
Todavia, no início da atuação do INP não havia, no Brasil, um arcabouço de
conhecimentos tecno-científicos capazes de sustentar um reflorestamento industrial. Nem mesmo
os critérios técnicos de padronização para a exportação do pinho brasileiro haviam sido
estabelecidos, sendo este um dos elementos que se buscou estabelecer para ampliar o mercado
externo, que isto garantia um padrão de qualidade ao comprador estrangeiro. Mais tarde, em
meados da década de 1950, foi estabelecida a padronização de medidas e classificação para a
peroba rosa.
328
Quanto à tecnologia para o plantio, uma série de instituições, estatais e privadas, em
esforços esparsos, foram reunindo elementos que vão, dos espaçamentos até os cuidados técnicos
necessários para o cultivo em especial do pinheiro brasileiro. O INP participou desse esforço,
mas em 1948, ainda poderia se afirmar que eram necessárias pesquisas básicas:
Necessitamos com presteza de conhecimentos gerais do problema [do
reflorestamento] que ainda não foram sequer iniciados. A organização de um
programa de estudos preliminares florísticos, geogficos, geológicos,
pedológicos, entomológicos, zoológicos em geral e, finalmente, metereológicos,
o I.N.P. está dedicando sua melhor atenção.
329
Durante o I Congresso Florestal Brasileiro, o madeireiro Ruy Itiberê da Cunha afirma,
com um pouco de exagero, que: “Saímos do marco zero, em matéria de florestamento, pois até
327
BASTOS, A. de Miranda. O drama da floresta de pinheiro brasileiro. Anuário Brasileiro de
Economia Florestal, Rio de Janeiro, p. 69-80, 1961. p. 79.
328
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1955. Curitiba, 1956.
329
O INSTITUTO Nacional do Pinho e a questão florestal. Anuário Brasileiro de Economia
Florestal, Rio de Janeiro, p. 401-408, 1948. p. 408.
215
aparecer o Instituto Nacional do Pinho, não tínhamos nada feito.”
330
E narra um acontecimento
emblemático: uma reunião que foi a “semente” do INP na qual apresentou um trabalho sobre o
reflorestamento do pinheiro brasileiro, baseado no técnico Navarro de Andrade, durante a qual
apresentou um trabalho e narra que:
Enquanto procedia à leitura daquele trabalho, notei que Navarro de Andrade
sorria e fiquei intrigado com aquele sorriso. E pensei: teria copiado alguma
coisa errada? Teria interpretado algo errado? E cada vez que olhava para
Navarro de Andrade, ele sorria. Quando terminei de leer [sic] o meu trabalho,
perguntei-lhe porque tinha rido enquanto eu falava e ele me respondeu que tinha
feito exatamente aquilo que eu dizia e que havia escrito, mas que tinha sido um
fracasso, por isso tinha achado graça, quando falei em fazer exatamente o que
estava em sua obra e que, infelizmente, ele mesmo havia condenado. Vejam
por isso, como tudo era difícil. Acompanhando o Instituto desde a sua fundação,
nele tenho trabalhado algumas vezes e me permito, empregando uma palavra
pouco parlamentar, dizer-vos que todas as ‘burradas’ em matéria florestal que o
Instituto tenha feito, as fez para evitar que os particulares e os interessados
viessem a fazê-las.
331
Houve um debate no I Congresso Florestal sobre se a formação de pessoal qualificado
para a silvicultura deveria ser feita por agrônomos que se especializariam na cultura florestal ou
por cursos específicos de engenharia florestal. Sendo que, nas conclusões do Congresso, foi feita
constar a necessidade da “criação em regime de urgência, da cadeira específica de Silvicultura,
nas escolas agromicas do Brasil”.
332
Isto porque a quem cabe o lado natural do
reflorestamento é ao agrônomo: ao comércio e à indústria cabe o amparo ao técnico.
333
Sendo
que uma outra conclusão do Congresso foi: que “sejam intensificados os estudos e pesquisas no
domínio da Silvicultura, com o fim de obter, no mais breve espaço de tempo possível, a
conservação do capital florestal ou o reflorestamento das zonas devastadas”.
334
A estratégia de reflorestamento racional estava pautada em uma confiança na tecno-
ciência que não poderia ser questionada. O que se expressa na afirmação exemplar de Carvalho
Araújo quando enfatiza que era “preciso usar da técnica na questão florestal. E que a ciência
tinha dito o que era possível fazer (grifo meu).
335
A tecno-ciência não seria capaz apenas de
orientar o sistema de produção, mas, tamm, disciplinar os trabalhadores, como “diz o dr.
Castro Velloso”: os industriais precisavam “de agnomos capazes de elevar o nível intelectual
330
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1953. Curitiba, 1954. p.
133.
331
Ibid., p. 132-133.
332
Ibid., p. 111.
333
Ibid., p. 143.
334
Ibid., p. 109.
335
Ibid., p. 136. De forma semelhante um ambientalista, no inicio do século XXI, afirmou que “os
biólogos já disseram o que tem que se fazer, agora é implementar”. Indicando que parte do movimento ambientalista
regional, continuava com tal postura antidialógica. Ver: CARVALHO, 2004, op. cit.
216
do homem do campo.”
336
Mas a gritante falta de trabalhadores qualificados até mesmo para os
poucos Parques Florestais indicava a impossibilidade de uma ação mais sistemática de tais
técnicos.
Quanto à pesquisa para o reflorestamento, nos anos seguintes cada vez mais elas iriam
se direcionar para o estudo de espécimes exóticas que apresentavam crescimento mais rápido e
forneciam um maior retorno econômico diante do “rápido desaparecimento dos nossos
pinhais”.
337
Como se afirmou durante o Congresso Florestal: “Entre as muitas experiências
realizadas, surgiu como esplêndida solução o ‘pinus elliottii’, trazido para o Brasil pelo eminente
Engenheiro Florestal Dr. Helmuth Paulo Krug da Secretaria de Agricultura de São Paulo.
338
Um outro ponto que a estratégia de reflorestamento industrial e a tecno-ciência indicam
é o abrandamento da iia de uma natureza cornucópica. Não era a aposta em uma
inesgotabilidade que aparece nos anais do I Congresso Florestal Brasileiro ou nos relatórios do
INP.
Liliane I. M. Wentz afirma, para a região norte do Rio Grande do Sul, que:
Geralmente, não havia uma exploração racional, ou seja, não se dava
importância ao reflorestamento por se acreditar na permanente abundância do
mato; assim, os madeireiros e afins iam derrubando as florestas.
339
Mas o que aparece nas fontes citadas pela referida autora, em especial de artigos de
jornais, é que havia uma forte condenão dos “desflorestamento irracional”, em termos
conservacionistas/utilitáristas, bem próximo da condenação presente nas fontes aqui abordadas.
Indica a autora, inclusive, que houve a formão de cooperativas de madeireiros visando o
reflorestamento e a execução do digo Florestal.
340
Evidentemente, tais atividades não foram
amplamente e calorosamente apoiadas pelos madeireiros. Mas elas, como a presença e discurso
das elites do setor madeireiro, representado em seus sindicatos, apontam que, nos anos 1930 e
1940, estava clara a limitão da “floresta naturalenquanto fonte de madeira.
Dessa forma, tão ou mais importante que uma crença em uma natureza cornucópica,
para entender a ação da elite madeireira e da tecnoburocracia a ela associada, era a crença que o
reflorestamento ordenado poderia resolver o “problema florestal”, ou seja, a certeza na tecno-
ciência.
336
Ibid., p. 143.
337
Ibid., p. 70.
338
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório de 1965. Curitiba, 1966.
p. 17.
339
WENTZ, 2004, op. cit., p. 14.
340
Ibid. Devo ressaltar, entretanto, que no Rio Grande do Sul, já no início dos anos 1950 estava claro o
esgotamento da mata de araucária.
217
Luiz Alberto Langer afirma que o I Congresso Florestal Brasileiro foi um marco
importante para o desenvolvimento de uma consciência florestale que o “otimismo abstrato
com que a instria madeireira sempre considerou as reservas florestais industrializáveis, passou
a ser substituído por uma recente atenção à realidade evidenciada nas discussões daquele
memovel certame.
341
Langer, em 1966, argumentou ainda que, com o correr dos anos, foi
aos poucos se diluindo a ilusória euforia antiga, que as enormes reservas de pinheiros no sul do
país eram suficientes ao suprimento das nossas necessidades de madeiras de pinho durante
séculos.”
342
Por mais que ainda hoje a instria madeireira pareça se comportar como se as
florestas fossem inesgotáveis, os modelos de ação e cognição são mais complexos do que podem
aparentar.
3.7.4 – O Homo economicus conserva a floresta?
Por que desflorestar? Por que conservar cobertura florestal? Não como elaborar aqui
um modelo de cognição e ação, mas é possível apontar as representações a respeito desta
questão. As motivações apresentadas em primeiro plano eram as econômicas. Como afirma o
representante do Sindicato do Comércio Atacadista de Madeiras do Paraná, Aníbal Sevalho:
Estamos dando o primeiro passo para o reflorestamento no nosso país. Esse
reflorestamento que deve ser considerado de um ponto de vista econômico, pois
a floresta é uma riqueza que pode se tornar semelhante ao que é hoje o aço e o
ferro, é uma necessidade para a situação da nossa madeira. Por conseguinte,
quando tratarmos de reflorestamento, os brasileiros devem ter sempre em mente
que o produto da floresta a madeira é essencial para o progresso, para o
progresso da nossatria, e também essencial para o mundo inteiro.
343
Mas o representante do sindicato se defende de uma acusação economicista ao afirmar
que: não podia “hipotecar solidariedade no que disseram a respeito do reflorestamento
puramente comercial. Sabemos que o valor da arborização não visa somente esse prisma: o
aproveitamento econômico. A floresta tem suas aplicações múltiplas”
344
Era comum nas fontes abordadas a redução da floresta à madeira, o que é uma redução
mesmo em termos economicistas, pois este não era o único produto que a floresta produz.
Durante o I Congresso Florestal, o naturalista Augusto Ruschi afirma que, no Espírito Santo, na
“sua opinião o eucalipto não está sendo usado para reflorestar; estão apenas aproveitando a
341
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1955. Curitiba, 1956. p.
17.
342
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório de 1965. Curitiba, 1966.
p. 16.
343
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1953. Curitiba, 1954. p.
151.
218
essência economicamente.
345
Isto em meio a uma celeuma provocada pela tese intitulada “O
eucalipto e o reflorestamento do Brasil no quadro da Natureza”, apresentada no Congresso pelo
Cristóvão Camargo. Este afirma que era um equívoco “quando muitos o taxavam de inimigo do
eucalipto”, e que, na posição de
Presidente da Sociedade Campanha de Proteção à Natureza, e uma vez que
defendia a natureza, parecia-lhe lógico, ninguém podia duvidar ser ele amigo
das árvores. E naquele seu trabalho dava provas de não ser contra o eucalipto,
nos protestos por ele formulados contra a derrubada e mutilação dessa
essência. Criou-se no Brasil, continua o Senhor Camargo, a lenda de que o
eucalipto é a essência indicada para o reflorestamento. Estava certo ou errado?
Era o que ia estudar e esse estudo procuraria fazer guardando a linha de
imparcialidade. O seu tema, portanto, não era contra o aproveitamento do
eucalipto, mas da intensificação do seu plantio no Brasil.
346
Ainda Cristóvão Camargo afirma que era “de opinião que o eucalipto deve ser plantado
em banhados, mas não em serras e cerrados. Justamente porque tem o poder de se aprofundar
muito, vai buscar no solo, grande quantidade de água.” E continua defendendo que deveria haver
uma restrição ao direito de se destruir aquilo que a natureza criou. O ponto central da sua tese
contra o plantio de eucalipto é pelo seu caráter de ressecador da terra, extintor de mananciais,
pela grande absorção de água.” Cita também pesquisas produzidas pelo Instituto Agronômico de
Campinas, nas quais teriam sido constatado a redução das chuvas em uma pesquisa feita pela
Companhia Paulista de Estradas de Ferro. E afirma ainda que suas consultas a “mais de cem
plantadores” levaram-no à convicção de que o eucalipto é realmente um elemento que produz
mais mal do que bem.
347
A. de Navarro Sampaio, cujo nome estava associação a introdução de
eucalipto no Brasil, se contrapõem a tal tese e afirma que ela “estava alicerçada em opinião
pessoal e não baseado em observações técnicas.”
348
Do debate se desprende que as aplicações múltiplas que justificavam o reflorestamento
eram fundamentalmente os serviços ambientais que a cobertura florestal forneceria. Em especial,
a proteção do solo contra erosão e a garantia do regime de chuvas, uma vez que se acreditava
haver uma relação bastante mecânica entre cobertura florestal e chuvas.
349
Mas isto era motivo
para manter a cobertura florestal e o necessariamente a floresta em toda a sua complexidade. A
manutenção da floresta era algo, muitas vezes, considerado irracional:
344
Ibid., p. 151.
345
Ibid., p. 140.
346
Ibid., p. 137.
347
Ibid., p. 137-138.
348
Ibid.
349
Sobre a produção de tal teoria da relação mecânica entre desflorestamento e redução dos índices
pluviométricos ver: MATHEWS, A. S. Of Forests and Waters: State formation, desiccation theory, and Forest
exploitation in xico 1926-2001. Xerox. Comunicação apresentada no III Simsio Latino-Americano e
Caribenho de História Ambiental. Espanha, Carmona, 2006.
219
‘Não é economicamente racional proteger indefinidamente as manchas de
grandes pinheiros salvo quando se tratar de áreas escolhidas para constituírem
Parques Nacionais ou reservas científicas ou com a finalidade de produzir
sementes para trabalhos de reflorestamento’.
350
Nesta citação, endossada pelo chefe do Serviço Florestal do Ministério da Agricultura,
aparecem motivos o monetários para conservar a floresta, a saber, o interesse científico por
catalogar plantas e animais e assim preencher o compleat mappa mundi,
351
e a criação dos
Parques Nacionais, que lembro, segundo Diegues, eram “paraísos intocados” que serviriam de
refrigério à conturbação da vida moderna.
352
Para além dos mitos modernos que estavam presentes na relação da sociedade com a
natureza, havia uma crença nas regras de mercado como fator de conservação de recursos. A
apropriação privada garantiria a conservação do recurso, ou pelo menos sua otimização de uso,
mediante o contínuo aumento do preço em virtude da escassez: “Atualmente, o valor das
essências exploradas pela indústria obriga os industriais a zelarem pela preservação das
mesmas”.
353
Dessa forma, os industriais madeireiros seriam “amigos das árvores” pois “ao
madeireiro que norteia sua vida pela floresta, interessa a continuidade da matéria prima, quer
constitua a razão de ser da sua indústria.”
354
Quem não teria motivação para conservar a floresta seriam os proprietários de terras,
sem contar os não-proprietários como já abordei. Como argumentou um membro do INP:
O total desinteresse dos proprietários de terras em continuar com estas sob o
caráter de floresta. Uma vez vendidas as árvores adultas a um serrador,
raciocinam eles simplesmente e sumariamente, que muito mais prático do que
esperar que as árvores de pequeno diâmetro, que sobraram, engrossem e por sua
vez adquiram valor comercial, é plantar qualquer coisa que possa ser colhida no
mesmo ano.
355
Era necessário, nesta perspectiva, produzir uma “mentalidade florestal”:
Falta de um suficiente serviço de exteno, com o fim de informar as
populações do interior que as florestas são uma segura fonte de renda, bem
assim, de assistência técnica, material e financeira, para trabalhos de
regeneração natural e reflorestamento.
356
350
BASTOS, A. de Miranda. O drama da floresta de pinheiro brasileiro. Anuário Brasileiro de
Economia Florestal, Rio de Janeiro, p. 69-80, 1961. p. 79.
351
BAUMAN, 1999, op. cit., p. 15-16.
352
DIEGUES, 1998, op. cit.
353
PORTES, Antonio Oliveira; LANGER, Luiz Alberto. Política Florestal. Anuário Brasileiro de
Economia Florestal, Rio de Janeiro, p. 252-255, 1957. p. 252.
354
MARTINO, Suavita. Reflorestar, problemas de ontem e de hoje. Anuário Brasileiro de Economia
Florestal, Rio de Janeiro, p. 263-266, 1957. p. 263.
355
BASTOS, A. de Miranda. O drama da floresta de pinheiro brasileiro. Anuário Brasileiro de
Economia Florestal, Rio de Janeiro, p. 69-80, 1961. p. 73-4.
356
Ibid., p. 74.
220
Dessa forma, muitas vezes, a tecnoburocracia e industriais trabalhavam com o
pressuposto de um Homo economicus, ou melhor, esperavam que a apropriação privada e as
regras de um mercado auto-regulado permitissem a otimização e conservação dos recursos
naturais. Opinião, ainda hoje, defendida pelos ideólogos do livre mercado. Apesar de haver casos
em que isto ocorreu, há pesquisas bem consolidadas mostrando que em tal perspectiva:
Supõe-se que a propriedade privada, permitindo internalizar as externalidade,
seria suficiente para garantir uma gestão eficiente dos recursos. Ao mesmo
tempo, esquecemos que a eficiência é considerada em termos mercantis e a
propriedade privada pode muito bem nos conduzir à pilhagem dos recursos em
casos de capital móvel: a busca de eficiência me conduz a destruí-los o mais
rapidamente possível e, em seguida, a transferir meu investimento.
357
Sendo assim, trabalhos contemporâneos mostram que, mesmo do ponto de vista da
otimização dos recursos, a apropriação privada e as regras de mercado não garantem a
otimização do uso dos recursos.
358
De qualquer forma, o que destaco é que aqueles, mesmo os
industriais, que não agiam conforme tal racionalidade econômica eram apontados como
“irracionais”.
3.7.5 – Produzir uma “mentalidade florestal
Diante do comportamento identificado como “irracional”, tecnoburocratas, políticos e
empresários madeireiros eram unânimes na afirmação da necessidade de medidas educativas que
visavam gerar uma “mentalidade florestalou gerar “amor às árvores”. Mas o que eles estavam
dizendo quando afirmavam a necessidade de uma “mentalidade florestal?
No I Congresso Florestal Brasileiro, Gastão Chaves formulou o problema da seguinte
forma: “na questão de educação florestal, dever-se-ia conclamar o Governo para que essa
educação que se fazia necessária, criando uma mentalidade florestal, viesse do jardim da
infância, propondo que à criança seja ensinado aquilo que nós não aprendemos.”
359
Ruy
Itiberê da Cunha explica que, nos anos 1950, “ainda temos uma mentalidade anti-florestal,
porque ainda guardamos no sub-consciente [sic.], vinda dos nossos antepassados, a idéia de que
a floresta, é nossa inimiga(grifo meu).
360
E aqui cabe uma pequena digressão sobre a nossa
sensibilidade em relação à floresta.
357
WEBER, Jacques. Gestão de recursos renováveis: fundamentos tricos de um programa de
pesquisa. In: VIEIRA, Paulo Freire; _______. (Orgs.). Gestão de recursos naturais renováveis e
desenvolvimento: Novos desafios para a pesquisa ambiental. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 115-146. p. 128.
358
BERKES, 2005, op. cit., p. 47-72.
359
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1953. Curitiba, 1954. p.
136.
360
Ibid., p. 133.
221
Segundo Keith Thomas, até o século XVI para os ingleses, em geral, se uma árvore não
produzisse nada, era melhor cortá-la do que mantê-la em pé. Mas no final do século XVIII já se
afirmava que era melhor plantar do que cortar uma árvore, mesmo que não tivesse utilidade
prática. Para Thomas, no final do XVIII na Inglaterra já havia se formado uma sensibilidade para
com o mundo natural bastante semelhante à atual, havendo um conflito crescente entre as novas
sensibilidades e os fundamentos materiais da sociedade humana.”
361
Isso porque, para o autor,
durante o período Moderno:
[...] emergiram aos poucos atitudes face ao mundo natural essencialmente
incompatíveis com a direção em que se movia a sociedade inglesa. O
crescimento das cidades conduziu a um novo anseio pelo campo. O progresso
da lavoura fomenta um gosto por ervas daninhas, montanhas e natureza o
dominada. A recém-descoberta segurança diante dos animais selvagens
produziu um empenho cada vez maior em proteger aves e conservar as criaturas
selvagens no seu estado natural. A independência econômica face à energia
animal e o isolamento urbano em relação aos bichos de criação nutriu atitudes
difíceis, senão impossíveis, de se conciliar com a exploração dos animais que
dava o sustento à maior parte das pessoas. Doravante, uma visão cada vez mais
sentimental dos animais enquanto bichos de estimação e objetos de
contemplação iria acomodar-se mal com a sombria realidade de um mundo no
qual a eliminação das ‘pestes’ e a criação de animais para abate ia-se tornando
cada dia mais eficiente. [...] Para os adultos os parques naturais e as áreas
preservadas cumprem uma função que não é diferente da que os bichos de
pelúcia têm para as crianças; são fantasias que cultuam os valores mediante os
quais a sociedade como um todo, não tem condições de viver.
362
Todavia, Thomas não afirma que haja uma relação causal linear entre domesticação”
da natureza e uma percepção positivado mundo natural. O citado autor aponta uma serie de
mudanças sócio-cultural-ambiental, às vezes interligadas de forma tênue, que geraram uma dada
sensibilidade. Afinal, a relativa segurança diante do afastamento do “mundo natural”, gerado
pelo aumento da capacidade da sociedade moderna em transformar o seu ambiente, não gera
automaticamente uma dada sensibilidade, mas as nossas diferentes sensibilidades que devem ser
culturalmente elaboradas. E tal elaboração cultural se em meio a um conflito de
representações e não de uma homogeneidade de signos blicos. Dessa forma, a sensibilidade
moderna para com o mundo natural na Inglaterra é antes de elite e classe média do que de classes
populares, apesar de passar a ser, em grande parte, compartilhada por estas últimas; e é antes,
esta sensibilidade, urbana do que rural. Thomas alerta, todavia, que suas conclusões são válidas
para a Inglaterra. Em outros países, mesmo dentro da Grã-Bretanha, a história pode ter sido
diferente.
363
361
THOMAS, 1996, op. cit., p. 358, 234 passim.
362
Ibid., p. 356-357.
363
Ibid.
222
No Brasil o se tem uma história de muita simpatia para com as árvores. Pelo
contrário, defensores da conservação da floresta do século XIX afirmavam que a atitude geral
para com as árvores não era apenas de indiferença, mas de perseguição.
364
Segundo Magnus R.
de M. Pereira, a urbanidade em todo o mundo português, desde o século XII, não aceitava as
árvores em seu interior, elemento este comum no mundo medieval. “O que se pode supor é que a
fraca separação existente no dia-a-dia tivesse de ser compensada por maior apego a formas
simlicas de expressar a cisão entre as cidades e os seus arredores agrícolas e florestais.”
365
Elemento que, segundo o citado autor, teve mais força nas colônias com suas florestas
abundantes e exuberantes. Mas no mundo português, como um todo, foi muito tardia a
incorporação de áreas verdes às cidades. No século XVIII, os planejadores de cidades ainda
pensavam a floresta como “insalubre”. Somente no final do XVIII e início do XIX é que as
árvores penetraram no mundo urbano por meio de passeios públicos e jardins botânicos.
Todavia, estes não eram lugares apreciados pela população em geral. A partir de 1830,
aproximadamente, a nova sensibilidade romântica começou a produzir uma apreciação favorável
de tais espaços, mas nas pequenas cidades do interior a resistência ao “verde” durou mais. Para
Pereira, tal incompatibilidade entre o urbano e a vegetação teve como ponto fundamental para
sua dissolução o início da fruição de lazer em espaços fora da cidade e a prática de “culturalizar
ou desnaturalizar” a vegetação, ou seja, “o mundo das plantas, entendido como caótico, teve de
ser submetido a princípios de ordem geométrica, resultando nos passeios blicos.”
366
Concomitantemente, as árvores deixaram de ser consideradas insalubres para serem tidas como
benéficas à saúde. Dessa forma, na
[...] grande maioria das cidades de tradição portuguesa, a difusão de espaços
públicos vegetados teve início ao findar o século XIX, quando não em pleno
século XX. então deixou-se para trás o tempo da cidade estéril, iniciada na
Idade Média, no momento de constituição dessa tradição urbana.
367
Da Matta, segue um modelo de análise segundo o qual a sociedade brasileira teria sua
dinâmica caracterizada por um circulo vicioso de teorias modernas (de caráter universalizante e
impessoal) com práticas tradicionais (de cunho particularista e pessoal)”.
368
Tal sociedade
hierárquica, produziria uma
[...] representação de natureza como esfera passiva, e metaforicamente
concebida como serva uma escrava do homem que dela dispõe como bem
364
PÁDUA, 2002, op. cit., p. 236.
365
PEREIRA, 1999, op. cit., p. 11, 41, 47, passim.
366
Ibid., p. 41, passim.
367
Ibid., p. 47, passim.
368
DAMATTA, Roberto. Em torno da representação de natureza no Brasil: pensamentos, fantasias e
divagações. In: _____. Conta de mentiroso: Sete ensaios de antropologia brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco,
1994. p. 94.
223
entende —, corresponde uma estrutura social igualmente fundada na
passividade obrigatória do trabalhador e na sua submissão total ao senhor.
369
A natureza faria, nessa perspectiva, parte das hierarquias sociais. Dessa forma, entre “os
homens e a natureza estabelece-se a mesma lógica que governa os homens entre si: a lógica da
desigualdade que jamais contempla o direito do subordinado como ser igual ou autônomo.
370
Da Matta, seguindo essa linha de raciocínio e apoiando-se em Sergio Buarque de
Holanda afirmar que haveria aqui um incentivo ao tipo aventureiro personalidades com
[...] uma vio do mundo natural como um domínio infinito, na qual a interação
ocorre de modo imediato, sem a menor preocupação com o conhecimento
profundo do habitat (que conduz a ciência moderna) ou com o esgotamento do
produto explorado.
371
Fica-se com a impressão que o brasileiro é um excepcional destruidor da natureza,
impressão nem sempre confirmada pela pesquisa empírica, como alguns autores já indicaram.
372
Ademais, a generalização de um tipo ideal ou de um significado homogêneo presente na esfera
pública elimina a dimensão do conflito na qual as representações são produzidas. Todavia,
apesar das pesquisas já indicadas, sobre o imaginário hegemônico sobre o verde no Paraná
parecer corroborar tal imaginário da floresta como inimiga; as pesquisas sobre o modo de vida de
grupos sociais que viviam no sertão permitem afirmar que nem para todos os setores da
sociedade a floresta era um inimigo ou obstáculo.
373
Mas mesmo se admitirmos que a floresta fosse, fundamentalmente, uma “inimiga”. A
“mentalidade florestalque a campanha educativa propalada queria produzir o queria produzir
exatamente a idéia de que a floresta é nossa “amiga”. O que leva à pergunta: o que era necessário
ensinar para as crianças que o senhor Gastão Chaves não teria aprendido? Nas resoluções do
Congresso Florestal duas proposições tratam desse tema:
16º) – Que o ensino da Silvicultura deve ser amplamente difundido em todas as
escolas, quaisquer que sejam os seus graus, para o que, necessário se faz:
a) obrigatoriedade nas escolas primárias do país, notadamente nas zonas rurais,
do ensino de lições objetivas, com material escolar apropriado, sobre as
369
Ibid., p. 110-113.
370
Ibid., p. 114.
371
Ibid., p. 108.
372
WEINSTEIN, Barbara. Warren Dean. The American Historical Review. v. 101. n. 3. p. 951-952,
jun. 1996. p. 952. DRUMMOND, José Augusto. Mata Atlântica: A História de uma Destruição. Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, v. 9, n. 17, p. 239-250, 1996. p. 247. CABRAL, Diogo de Carvalho. Teorias da
devastação ecológica colonial na historiografia brasileira contemporânea: algumas notas críticas. In: SIMPÓSIO
NACIONAL DE HISTÓRIA, 24., 2007, São Leopoldo RS. História e multidisciplinaridade: territórios e
deslocamentos: anais do XXIV Simpósio Nacional de História. São Leopoldo: Unisinos, 2007. Ver nota 34 e
passim.
373
CARVALHO, E. B.; NODARI, Eunice Sueli. Rememorar o sertão: a percepção ambiental de
lavradores no “sertão paranaense. In: Encontro Sul Brasileiro de História Oral, 2007, Florianópolis. Anais
eletrônico. Florianópolis: Associação Brasileira de História Oral, 2007.
224
utilidades das matas, o culto ou o amor às árvores, como defendê-las e
preservá-las da ação do fogo e dos seus inimigos naturais; [...]
17º) – Que se crie a Sociedade Brasileira de Silvicultura, para, unindo técnicos,
industriais e profissionais da madeira, criar no Brasil uma mentalidade
nitidamente florestal; (grifo meu).
374
O que deveria ser ensinado era a silvicultura, era o plantio racional do pinheiro e que a
árvore era uma importante fonte de renda. Dean apontava que, na primeira metade do século
XX, houve um investimento simlico para positivar as árvores no imaginário brasileiro:
Surgiu uma corrente na literatura infantil destinada a insuflar reverência pelas
árvores; tal como as sementeiras municipais de árvores criadas em diversos
locais na época, sua preocupação era com o replantio em praças e avenidas das
vilas. O Dia da Árvore passou a ser comemorado em algumas escolas públicas,
para a doutrinação das crianças. Um comentarista queixava-se de que às vezes,
nessas oportunidades, plantavam-se pés de café, prática que ele condenava por
ser como louvar galinhas em dia dedicado à comemoração da vida selvagem.
375
Provavelmente muitos tecnoburocratas criticariam o plantio de café nos mesmos termos,
pois o que deveriam ser plantadas eram frondosas Araucaria angustifolia ou algum Pinus, que
produziriam maior quantidade de material lenhoso de maior valor e utilidade. Ou seja, a
educação florestal estava preocupada com o esgotamento do “recurso” e com ensinar o seu
uso racional”, ou melhor, em ensinar uma racionalização do uso desse recurso natural.
3.7.6 – O corpo verde da pátria
Essa positivação das árvores buscada pela campanha de educação florestal estava
pautada no nacionalismo. Dean já afirmou que, com a “Revolução de 1930”,
O nacionalismo começou a afastar a classe média do liberalismo e a classe
operária do internacionalismo. Nessa atmosfera, os recursos naturais passavam
a ser encarados como uma reserva coletiva a ser utilizada eficientemente em
favor da nação.
376
Mas na República Velha houve uma mudança substancial no movimento nacionalista
do Brasil, como aponta Angela de Castro Gomes: é
[...] dentro deste contexto de pós-Primeira Guerra que se pode situar a
emergência de um movimento nacionalista que, por suas características, tornou-
se um interlocutor poderoso para o movimento sindical e anarquista. Este
nacionalismo dos anos 20 não se traduzia mais por um sentimento de amor à
pátria, fundado na grandeza e beleza territoriais do Brasil, conforme o modelo
paradigmático do Por que me ufano do meu país do conde Afonso Celso. Ele se
374
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1953. Curitiba, 1954. p.
111.
375
DEAN, op. cit., p. 257.
376
Ibid., p. 272.
225
manifestava como um movimento social, agressivo e militante, que tinha como
objetivo apontar e combater os males de nosso país.
377
O Estado-Nacional foi a comunidade imaginária a partir da qual se produziu uma
solidariedade intergeracional que deu a esses homens a certeza de que sua ação como
reflorestadores era algo que transcendia seus interesses particulares. Como afirma Pedro Sales
dos Santos, presidente do INP, no discurso de abertura do I Congresso Florestal Brasileiro, não
estavam lá reunidos por umsurto pagão á arvore”, mas sim, acima “da árvore e acima da
floresta, rendemos um culto à Pátria.”
378
A solidariedade intergeracional não era simplesmente
com os homens e mulheres do futuro, e muito menos com a “natureza por si mesma”, tal como
apresentado hoje por algumas propostas ambientalistas. A solidariedade era com a “Pátria” que
transcendia a todos os seus membros. Nas palavras proferidas por Gastão Chaves durante do I
Congresso Florestal, este afirma que “sempre viu na árvore a responsável pela felicidade de um
povo; olhava para as florestas com grande amor, como engenheiro que é.” E que não temos
o direito de entregar amanhã aos nossos vindouros uma pátria corrompida, uma pátria dilapidada
(grifo meu).
379
Uma atitude emblemática de tal dever para com a “floresta” foi a criação durante o I
Congresso Florestal Brasileiro da Benemérita Ordem da Árvore. Esta era proposta pelo
secretário do INP, Lincoln Nery, citando diretamente Virgílio, e utilizando toda a tradição
pastoral ocidental:
Sub tegmine fagi é o trecho do verso virgiliano, do qual nunca nos esquecemos,
porque significa a advertência de que aquele é o melhor teatro do bem estar.
Na sombra do carvalho, como na sombra do pinheiro, esa paz rural, essa
infinita felicidade bucólica, que põe o homem, no íntimo, integral e, único
satisfatório, amplexo com a natureza.
[...]
377
GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
p. 136. Trabalhando com o imaginário intelectual da Belle Époque, Gilmar Rocha situa tal transformação um pouco
antes, pois para ele “no realismo naturalista a natureza deixa de ser objeto de culto e/ou exaltação e passa a ser vista
como problema na definição da identidade nacional.” (ROCHA, Gilmar. Nação, tristeza e exotismo no Brasil da
Belle Époque. Varia Historia, Belo Horizonte, n. 24. jan. p. 172-0189, 2001. p. 181). Marilena Chauí situa no final
da Primeira Guerra Mundial a passagem do nacionalismo como caráter nacional para um nacionalismo como
identidade nacional. O que corresponderia, grosso modo, à passagem que Eric Hobsbawm descreve, no centro do
Sistema Mundo, dos períodos de vigência do “princípio da nacionalidade” (1830-1880) e da “idéia nacional” (1880-
1918), para o período da “questão nacional” (1918-1960). Ou seja, um caráter que podia ser apenas externo para
uma questão de identidade e portanto de auto-consciência. É um grande deslocamento que colocou a questão da
participação política mais ampla no contexto de uma sociedade de comunicação de massa. CHAUI, Marilena.
Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2000. p. 17-22.
378
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1953. Curitiba, 1954. p.
116.
379
Ibid., p. 154.
226
Para que haja, pois, a sombra, para que, como o pastor de Virgílio, repousemos,
sub tegmine fagi, é preciso que haja também a árvore.
Todo aquele que planta uma árvore produz a sombra e o bem estar essa
doçura heróica e pastoril de écloga pagã, essa proteção, que nos é dada por
Deus.
380
E não apenas consta no excerto a tradição pastoral, que vê no mundo rural um refrigério
para as agruras do mundo urbano, tradição quase tão antiga como a divisão entre campo e
cidade.
381
Mas consta também uma tradição segundo a qual tal natureza foi dada por Deus e cabe
ao homem gerenciá-la e cuidá-la, uma tradição cristã em relação à natureza que rivalizava” com
outra, tradição em que a natureza é uma criação de Deus para uso e abuso do ser humano.
Segundo Thomas, a primeira interpretação foi importante para uma “positivação do mundo
natural no caso inglês.
382
Todavia, a Benemérita Ordem da Árvore, era antes de tudo um ato patriótico. Daí que o
lema oficial da Ordem foi: “Dêem árvores ao Brasil!
383
Ordem que foi constituída por um Alto
Conselho Honorífico, tendo como Grão Mestre o presidente da república, Getúlio Vargas e como
Grão Chanceler o “Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio Dr. João Goulart”, sendo
comandada por um Grande Conselho Nacional Efetivo, formado por representantes de estados e
tecnoburocratas, tendo como Grão Mestre o presidente do Instituto Nacional do Pinho. Mesmo
que a criação dessa ordem não tenha tido nenhuma conseqüência profunda, ela indica a forma
como tais homens encaravam a estratégia de reflorestar o Brasil:
TODOS QUANTOS esta Ata subscrevem, concistos [sic.] do compromisso que
assumem, perante si mesmos, perante a Nação, perante as gerações coêva [sic.]
e futuras, declaram solenemente que, daqui por diante, dedicarão os seus
lazeres, à missão, que consideram sagrada, patriótica e nobilitante, de tudo
fazerem para assegurar o respeito à árvore e a proteção à floresta (grifo meu).
384
O discurso do Deputado Paulo Lopes também é exemplar de tal posição nacionalista.
Ao conversar com um dos diretores do Banco do Brasil, ao visitar o Norte do Paraná para
verificar os efeitos das geadas que destruíram cafezais, este diretor declarou que “vinha muito
mais impressionado com as derrubadas do que propriamente com os resultados das geadas, com
a impressionante devastação do Norte do Paraná.
385
E que a primeira dama Darcy Vargas teria
afirmado: “deputado Lauro Lopes, na sua terra estão devastando todas as florestas.” E ele não
380
Ibid., p. 124.
381
WILLIAMS, Raymond. O campo e a Cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989.
382
THOMAS, 1996, op. cit., p. 29 passim.
383
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1953. Curitiba, 1954. p.
125.
384
Ibid., p. 124.
385
Ibid., p. 165.
227
poderia responder nada a não ser: “o Paraná também é o Brasil.”
386
O Deputado chegou,
inclusive, em uma reunião de madeireiros, a afirmar que: “esses homens que destroem as nossas
florestas sem qualquer método, que assumissem [...] um compromisso de plantar uma árvore
sempre que abatesse outra.”
387
E por fim declara:
[Prepare] a criança, forme a sua personalidade no amor às nossas florestas, para
ensinar à criança que derrubando as nossas florestas estamos destruindo o
Brasil, fazendo de nossa tria, esse quase deserto que já se vê. As nossas
poucas indústrias trabalham quatro horas por dia. Nossas cidades não têm água.
Uma população morre em conseqüência da seca. Este é o quadro atual
brasileiro. E a missão do professor está educar a criança no amor às
árvores. E essa educação deve ser completada pelos pais, pois é desde o lar que
devemos educar os nossos filhos e os nossos netos, no sentido do amor à
floresta, para que eles fiquem com o ônus de resgatar os nossos crimes.
[...]
Quando ouço as narrativas do Norte do Para, daquelas cidades que surgem a
cada instante, [...] vejo que todo mundo esquece que derrubando as florestas
como estamos fazendo, nem aquele café que estamos plantando florescerá e
frutifica.
[É] preciso que de tudo isso não fique uma ata elaborada e umas palavras no ar.
Levemos para frente esse programa, senão pensando que é desta floresta, que é
destas árvores que vem a madeira para o berço que embala o nosso primeiro
sono, pensando então naquelas quatro taboas que nos darão o sono
verdadeiro e tranqüilo se tivermos sabido viver dignamente em favor da nossa
pátria (grifo meu).
388
O amor a ser gerado deveria ser às árvores enquanto um “patrimônio florestal
brasileiro”. A degradação no ambiente que poderia ser atribuída a esta “destruição sem método”
da floresta era um “crime” – pois a destruição com método não seria “destruição” e sim
produção de uma floresta mais produtiva que aquela geração cometia contra a “Pátria”. Ao
final do Congresso Florestal uma das resoluções aprovadas afirmava:
Que sejam, enfim, convocados, por todas as formas e todos os meios, aqueles
que, nascidos no Brasil, têm o dever patriótico de se empenhar de corpo e alma
na grande campanha de redenção nacional, pelo estudo, defesa, preservação e
conservação do patrimônio florestal brasileiro (grifo meu).
389
Evidentemente, a campanha em prol da conservação do “patrimônio florestal brasileiro
era uma campanha de “redenção nacional” não porque fosse salvar uma natureza intocada”, que
deveria preservar lugares que por sua beleza e tipicidade representam a nação, o que foi uma das
386
Ibid., p. 165.
387
Ibid., p. 165.
388
Ibid., p. 167.
389
Ibid., p. 111.
228
motivações da proposta de crião dos primeiros parques nacionais.
390
A “redenção nacional”
significava antes agir sobre uma natureza desperdiçada e alguns seres humanos tidos como
improdutivos e ordená-los, discipliná-los e torná-los produtivos.
Como afirma Ângela de Castro Gomes ao abordar o discurso dos idlogos do Estado
Novo. Em tal discurso a redenção” era uma volta para uma “essência” de brasilidade que estaria
em um povo e em uma natureza primitiva. Mas este povo e terra teriam sido menosprezados e
abandonados pelos regimes pré-1930 e caberia ao Estado, comotécnica de construção do
povo”, resgatar a natureza e os seres humanos de seu atraso, com vistas a um mundo moderno e
produtivo.
A natureza era aquela de um território imenso e povoado de riquezas naturais.
Porém, era também a natureza desconhecida e inaproveitada pela incúria
política de um regime demagógico que se satisfazia com um discurso ufanista:
O Brasil liberal era o Brasil do Amazonas, maior rio do mundo da
Guanabara, a baía mais linda do mundo -, da mina de Morro Velho, a mais
rica do mundo. O Brasil liberal era o país onde tudo era grande, menos... o
homem’. Este permanecia ignorado e afastado do potencial de sua própria terra.
Os políticos liberais desacreditavam de nossos homens e longe de pesquisarem
as causas de nossos males, preferiram, numa atitude comodista e pela lei do
menor esforço, explicar tudo pela negação da nossa raça. O brasileiro é
preguiçoso – somos um povo de bugres – (...)’
391
Tratava-se de “recuperar a grandeza de nossa realidade natural, mas não mais a partir de
uma tradição contemplativa e desligada do homem brasileiro”
392
Voltando-se para o sertão, a
Marcha para o Oeste foi, entre outras coisas, uma busca da nacionalidade autêntica. Mas este
sertão portador da “essência da brasilidade”, era também um lugar “triste”.
Por conseguinte, ‘restaurar a sociedade brasileira era retirá-la do estado da
natureza, isto é, organizá-la pela via do poder político. Tal ação implicava um
‘retornoà própria natureza às riquezas potenciais e inativas do país e um
‘retorno’ à própria cultura nacional – ao caráter do homem brasileiro. A tradição
a ser encontrada e revivida seria a junção da natureza e da cultura por
intervenção da política, que acionaria o elemento integrador e produtivo do
trabalho nacional. A terra era rica e o homem era bom, mas nada disso tinha
significado quando abandonado e inexplorado. A ‘restauração’ seria um
verdadeiro ato de construção da terra e do homem, pela exploração do
primeiro e a formão do segundo (grifo meu).
393
Para além do Estado Novo, a “construção da terra e do homem” por meio do Estado
como “uma técnica de construção do povoera uma questão básica para um projeto fordista-
390
DIEGUES, 1998, op. cit.; ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. O Tempo, o Vento, o
Evento: história, espaços e deslocamentos nas narrativas de formação do território brasileiro. In: SIMPÓSIO
NACIONAL DE HISTÓRIA, 24., 2007, São Leopoldo RS. História e multidisciplinaridade: territórios e
deslocamentos: anais do XXIV Simpósio Nacional de História. São Leopoldo: Unisinos, 2007.
391
GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
p. 193.
392
Ibid., p. 194.
393
Ibid., p. 195.
229
keynesiano periférico. Em tal campanha de “redenção nacional”, que de certa forma foi muito
além do Estado Novo, a redenção nacional” não era a construção de uma cidadania plena, mas a
inserção de terra e trabalho (seres humanos e natureza) no mercado, ou seja, sua racionalização
produtivistas, reduzindo-os à dimensão da produção. Ademais, para a tecnoburocracia não cabia
mais a afirmação que a “paisagem era civilizada, mas os homens o."
394
No caso do projeto de
modernização do sertão do Paraná, em meados do século XX, cabia não apenas “valorizar” o ser
humano, mas também a natureza. Ambos deveriam ser disciplinados e tornados produtivos. O
ser humano e a natureza deveriam ser civilizados/modernizados por meio da colonização
racional e do reflorestamento racional.
3.7.7 – A irracionalidade ambiental da estratégia de reflorestamento racional
O mundo moderno é marcado pelo mecanicismo. Desde, pelo menos, a chamada
Revolução Científica do século XVI, a máquina se tornou a grande metáfora para se entender a
natureza. Como afirma Morin, a lógica das máquinas artificiais, as quais são incapazes do
desvio, do erro, tem como pressuposto que a realidade é simples, ou seja, que ela é objetiva e
contém um conjunto de leis que podem ser formalizadas e que permitiriam controlar o objeto
estudado, pois possibilitam a previsão de seu funcionamento. Mas a lógica da máquina artificial
foi aplicada não apenas na relação dos seres humanos com a natureza, mas entre os próprios
seres humanos. Dessa forma, tanto o Estado como a sociedade civil moderna se pautam em
esquemas da quina artificial, ou seja, baseiam-se em uma racionalidade pautada na
centralização, na especialização e na hierarquia. Ou seja, baseiam-se no que outros autores
chamam de uma racionalidade burocrática-técnica.
395
O que forma uma visão de mundo pautada
na lógica da máquina artificial, ou seja, no que Morin chama de racionalização. A lógica das
quinas artificiais não suporta a desordem, que se por um lado é fonte de destruição, por outro
é fonte de liberdade. Como a criação pressupõe uma desordem criadora, a auto-produção
permanente da sociedade o é comportada pela lógica da máquina artificial. Dessa forma, os
processos de criatividade e de invenção não são redutíveis à lógica da máquina artificial.
396
A visão de mundo moderna pautada na lógica da máquina artificial, ao buscar uma
racionalização do mundo, gera incessantemente dissonância, gera “efeitos perversos” diante dos
quais a posão tipicamente moderna é procurar incessantemente fragmentar e aumentar o
394
Ver por exemplo, a interpretação da obra de Érico Veríssimo feita em: ALBUQUERQUE JÚNIOR,
2007, op. cit.
395
HARVEY, op. cit., p. 131; . LEFF, Henrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da
natureza. Tradução Luis Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 252.
230
controle procurando eliminar toda a dissonância e todo o não controlável a um controle central, o
qual poderia moldar o mundo. Dessa forma, uma posição tipicamente moderna é conceber o
mundo como “plástico, apto a ser adaptado e modelado.
397
O que por um lado constitui a
responsabilidade moderna pela constituição do mundo; e por outra a arrogância moderna de
tentar dominar os seres humanos e a natureza, que poderiam ser manipulados em nome de algum
princípio como o de eficácia econômica.
Daí se pode compreender uma proposta como a, já citada, de Romário Martins, de uma
legislação florestal que autorize a substituição da floresta por uma plantação em eucalipto de
25% da área do imóvel rural, pois em um mundo plástico”, que poderia ser modelado pelo ser
humano, não apenas o eucalipto poderia fornecer a madeira, mas manter os serviços ambientais
fornecidos pela floresta de forma muito mais produtiva. A natureza como uma máquina passiva
se subordinaria ao controle humano. Independente do estado do desenvolvimento das ciências
ecológicas no início do século XX que permitira diagnosticar os impactos ambientais de tal
proposta –, era tal visão de mundo mecanicista a condição de possibilidade para a proposta de
Romário Martins.
Um bom exemplo dessa questão é a “critica ambiental” desenvolvida pelo geógrafo
Reinhard Maack. Nascido na Alemanha em 1892, o cientista e explorador é um exemplo perfeito
do esforço de tornar completo um compleat mappa mundi. Ele fez curso de geodésica, participou
de expedições na África, chegou ao Brasil em 1923 para trabalhar como técnico na área de
mineração, posteriormente formou-se na área de geografia na Alemanha, trabalhando para várias
empresas no setor de minério e madeira. Durante a Segunda Guerra Mundial foi preso, mas por
iniciativa do Interventor Manoel Ribas é solto e convidado a colocar-se a serviço do Estado,
desenvolvendo uma carreira universitária e de pesquisas geológicas no Paraná. Até a sua morte
em 1969 vai criticar o processo de desflorestamento no Estado do Paraná moderno, o qual em
sua maioria de acompanhar. Apontando os impactos ambientais gerados pelo
desflorestamento, tais como:
1 Abaixamento do nível freático superior após aumento por curto tempo e
pida redução da capacidade das fontes ou secamento total.
2 Erosão fluvial destruidora com extraordinário transporte de material
sedimentar pelos rios e o início da erosão eólica na região friável do arenito
Caiuá do Estado do Paraná.
396
MORIN, op. cit., p. 110-111, passim; HARVEY, op. cit., p. 131 passim.
397
THOMAS, 1996, op. cit., p. 34.
231
3 – Enchentes periódicas e súbitas dos rios, freqüentemente, com conseqüências
devastadoras [...]
398
Ainda hoje os trabalhos científicos de Maack em geologia e biogeografia são básicos
para os pesquisadores da área. Dos três problemas apontados por Reinhard Maack, todos estão
associados à mudança do ciclo das águas causada pelo desflorestamento. A floresta tropical e
subtropical serve como uma esponja para as águas da chuva, retendo a água na turfa, nas folhas,
no solo e reconduzindo-a para a atmosfera pela evaporação e pela transpiração, reduzindo em
quantidade e velocidade a água que vai para os lençóis de águas subterrâneas e também para os
rios. Quanto menor for a cobertura vegetal, mais as águas pluviais aumentam seu deslocamento
superficial em quantidade e velocidade. Isto, via de regra, provoca o deslocamento da terra na
superfície, causando a erosão dos solos. Processo semelhante ocorre com o lençol subterrâneo,
causando, em um primeiro momento, um aumento da capacidade das fontes, seguido de uma
redução, quando não secam totalmente. Isto levou várias cidades da região a terem sérios
problemas com o abastecimento de água. Ao mesmo tempo, os rios têm um desequilíbrio muito
grande em seu volume, sendo acometidos de grandes enchentes, pois a água que não é retida pela
floresta corre rapidamente em sua direção carregando sedimentos que causam um processo de
assoreamento.
Diante deste graves impactos, seria necessária, para Maack, uma maior racionalização
do processo de exploração florestal e de expansão da fronteira agrícola no Paraná. Ele publica no
Anuário Brasileiro de Economia Florestal, um plano de “proteção da floresta”, no qual afirma
que para a proteção da mata e o reflorestamento” seriam necessários:
1) O governo deve criar grandes reservas de mata virgem;
2) Deve ser institda uma proteção especial à regeneração da mata pela
capoeira em virtude de perturbação da circulação de água e da falta de matas
protetoras;
3) Devem ser cobrados, para mata e capoeira, os mesmos ou menores impostos
territoriais e taxas de melhoramentos públicos rurais do que para terras de
cultura, pela razão natural da necessidade de conservação do solo;
4) O reflorestamento de grandes árvores deve considerar, em primeiro lugar, a
mata mista, para conseguir fora da lenha e madeira para celulose, também
madeiras úteis para a indústria;
5) Devem ser reflorestadas no Paraná as árvores de madeiras úteis de espécies
nativas. Isto é necessário, o só por motivo de proteção à paisagem, mas,
principalmente, para transformar a Paraná em duas gerações, num território
produtor e beneficiador de madeiras;
398
MAACK, Reinhard. O ritmo da devastação das matas no Estado do Paraná. Ciência e Cultura, v.
15, n.1, p. 25-34, mar. 1963. p. 32.
232
6) Já se verificando que o Paraná, antigamente rico em madeira, se transforma
em poucos decênios, de Estado exportador em importador, se não concorrermos
com imediato reflorestamento e criação de reservas de matas virgens,
concluímos estas explanões com o pedido principal: - Proteção às matas e
mais sistemáticos reflorestamentos.
399
Diante dos efeitos perversos do processo de desflorestamento, a solução apontada por
Maack talvez possa ser resumida nos princípios da colonização racional e do reflorestamento
racional. Maack se diferenciando, talvez, na sua ênfase da criação de “grandes reservas”, as
quais, como argumentei, foram criadas apenas no papel, para o desgosto de Maack. Tais
reservas de “mata virgem” deveriam servir para proteger o ciclo hídrico e como reserva de
material lenhoso.
A proposta de Maack estava voltada para uma exploração mais eficiente, e portanto,
para um aumento na produção:
O melhor, mais barato e mais rápido todo de reflorestamento é a regeneração
natural do mato pela conservação da capoeira. Esta regeneração natural pode ser
favorecida por meio de semeadura de árvores de madeiras úteis, como a
araucária e o cedro, entre outras. Desta maneira se consegue a restauração do
rculo natural da água com maior rapidez do que pelo reflorestamento em filas,
em pequeno espaço. Das atuais experiências de reflorestamento por plantações
enfileiradas de uma única espécie vegetal, como por exemplo, de Araucaria
angustifolia [...], nunca resultará madeira para as indústrias madeireiras;
praticamente, obtém-se apenas madeiras para a fabricação de celulose e lenha.
A araucária com tronco liso, não ramificado, o importante para a indústria
madeireira, cresce melhor nas associações naturais da mata mista. Portanto,
deve-se partir da capoeira, como base para uma regeneração natural da mata de
araucária, ou de uma silvicultura organizada, fundamentada na plantação de
mata mista de araucária, cedro, imbuia, etc., com crescimento de vegetação
rasteira para fornecimento de lenha.
400
Apesar de criticar fortemente o desperdício de recursos provocado pelas madeireiras,
que muitas vezes não possuíam “vida econômica justifivel” e se faziam notar pelo estrago
que provocavam na mata”, como citei, não estaria para Maack na ação das madeireiras a
principal causa do desflorestamento. Mas o desperdício de recursos estaria associado mais à
expansão de uma agricultura atrasada” em terras sem uma infra-estrutura básica de transporte.
Para afirmar isso, Maack se pautava na teoria da geografia econômica de Johann H. von Thünen
(1783-1850) segundo a qual, grosso modo, as terras mais próximas do centro consumidor têm
maior renda em relação àquelas mais distantes, ou seja, a renda de localização tem uma relação
inversa com a distância. Daí a conclusão: nas áreas mais distantes os custos de transportes
inviabilizariam a produção. No caso estudado, tais áreas estariam, por falta de acesso ao
mercado, condenadas a uma agricultura de subsistência, sendo, uma alternativa, atividades como
399
MAACK, Reinhard. Plano de proteção as florestas do Paraná. Anuário Brasileiro de Economia
Florestal, Rio de Janeiro, p. 55-68 , 1952. p. 67-68.
233
a crião de porcos que permitia transportar os recursos locais até os mercados consumidores, ou
seja, transforma a produção agrícola em carne e gordura animal que poderiam ser transportados
por dezenas de quilômetros em varas pastoreadas pelos caminhos das florestas. Nas palavras de
Maack:
Um dos consideráveis fatores de destruição da mata foi a constante mudança
das áreas para novas plantações. Sem rodovias e longe dos centros de consumo,
atingíveis somente através de carreiros com cavalos ou muares até poucos
anos, operou a lei de Thuenen no Estado do Paraná. Desta maneira, o caboclo é
obrigado a se dedicar principalmente à criação de porcos, os quais são tocados
através de picadas abertas nas matas. Para alimentar suas famílias e animais, em
primeiro lugar porcos, cavalos, mulas e um pequeno mero de gado, os
habitantes da mata necessitavam de terras cultiváveis, as quais somente podiam
ser obtidas por meio de queima. Para a engorda dos porcos o necessárias
grandes quantidades de milho, o qual era plantado em áreas de 10 a 100
alqueires entre os restos da queima da mata. A terra ficava abandonada após a
colheita, entregue á tigüera e à capoeira viçosa. A madeira de lei era aproveitada
apenas para o consumo próprio, pois o transporte até as serrarias se tornava
impossível, devido aos péssimos meios de comunicação. Incalculáveis
quantidades destas preciosas árvores desapareceram pelo fogo, que transformou
complexos de matas em samambaiais.
401
O atraso” é apresentado como o principal responsável pela degradação ambiental e a
“modernização como uma solução. O caboclo e seu modo de vida tradicional ao qual era
obrigado” poderia ser substitdo pela sua fixação no solo”. E isto ao mesmo tempo em que
Maack reivindicava a criação de áreas de reservas de “mata virgem”, na qual, provavelmente, o
caboclo não deveria entrar, enquanto o madeireiro poderia entrar para uma exploração
racional”.
Do ponto de vista da atual racionalidade ambiental é evidente que o processo de
colonização dirigida em tela foi ambientalmente irracional. Mesmo em áreas que foram
colonizadas mais eficientemente dentro das técnicas de colonização os impactos ambientais não
aparentam ter sido menores.
402
Todavia, não estou postulando, simplesmente, que os processos de degradação gerados
pela colonização e pelo desflorestamento rompam com uma lógica que é inerente à natureza em
si. Mais que isso, atento para a construção social de racionalidades. Dessa forma, as fontes
abordadas apresentavam uma racionalidade tecno-científica ou burocrática-técnica voltada para
ampliação da produção ao infinito. Racionalidade esta que é questionada no mundo
contemporâneo, o que tem produzido a emergência de uma outra racionalidade, uma
400
MAACK, Reinhard. Plano de Proteção das florestas do Paraná, op. cit., p. 66.
401
MAACK, 1981, op. cit., p. 205.
402
MAACK, Reinhard. A modificação da paisagem natural pela colonização e suas conseqüências no
norte do Paraná, Boletim Paranaense de Geografia, Curitiba, v.1 n. 2/3, p. 29-45, 1961. GOETZKE, Siumar.
234
racionalidade ambiental” na qual “prevalece um valor de adaptação e convincia sobre a
vontade de donio da natureza no qual se fundam a racionalidade capitalista e os paradigmas de
ciência moderna”.
403
No caso em tela, alguns dos principais críticos ao processo de desflorestamento do
sertão paranaense também apontavam, durante o processo de desflorestamento, para a
degradação ambiental em curso. Mas o mais trágico é perceber que as alternativas apontadas, em
alguns casos, poderiam ser ecologicamente mais sustentáveis, mas eram igualmente socialmente
injustos. Pois tanto aqueles que eram contra como aqueles que eram a favor, partiam, em grande
parte, da mesma visão de mundo e de um conjunto de representações sobre o Outro.
Se Bauman está correto em afirmar que o Estado Moderno foi um Estado jardineiro, que
deslegitimou a condição presente da população e suas formas de auto-equilíbrio em nome de um
controle central.
404
No caso estudado, o Estado foi fiel em tentar deslegitimar a condição da
população pobre como “selvagem e inculta”, mas menos fiel em produzir uma sociedade
racionalmente planejada”, ou melhor, em efetuar uma racionalização
405
reduzindo os seres
humanos e a floresta à eficácia produtivista. Afinal, o almejado reflorestamento racional, bem
como a colonização racional, tal como desejada pela tecnoburocracia, o se concretizaram, mas
foram reelaboradas. No ambiente da elite a cultura “tradicional” hierárquica brasileira é
reelaborada e continua a se reproduzir na nova e excludente paisagem que emergiu em Campo
Mourão; e igualmente no ambiente popular o projeto de modernização também é reelaborado
pelos lavradores, como abordei no capitulo anterior. E mesmo que tivesse sido um Estado “fiel”,
este não teria deixado de ser uma racionalização da paisagem, em que seres humanos e florestas
seriam manipulados em proveito de um princípio de eficácia e produção.
Estudos fitossociológico de uma sucessão secundária no norte do Paraná: Proposta para recuperação de áreas
degradadas. 1990. Tese (mestrado em Botânica) UFPR,Curitiba.
403
LEFF, E. Construindo a História Ambiental da América Latina. Tradução Ely Bergo de Carvalho.
Esboços, Florianópolis, n. 1, v. 13, p. 11-30, 2005. p. 14. LEFF, Henrique. Racionalidade ambiental: a
reapropriação social da natureza. Tradução Luis Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 252.
404
BAUMAN, 1999, op. cit., p. 29.
405
MORIN, op. cit.
CAPÍTULO 4 – LAVRADORES: TERRAS E FLORESTAS
“Sertão é onde manda quem é forte, com as
astúcias.”
Guimaes Rosa
“Não podemos acreditar que a modernidade era
monopólio das elites, assim como que a
resistência que os de baixo fazem é fruto da
tradição.” Federico Navarreti
“O passado era caracterizado pela ausência do
Estado, mas era também reconstruído como um
quase que total vazio de atuação por parte dos
trabalhadores.”
Angela de Castro Gomes
4.1 A ESTRATÉGIA DE FAZER POSSE
O processo nº 140 de 1957, da Primeira Vara Civil de Campo Mourão é uma ação de
reintegração de posse, promovido pelo espólio de Francisco Ferreira Albuquerque contra José
Pedroso Bueno e outros,
1
alegando que os segundos invadiram os lotes 31, 36 e 37 da Gleba
9, da Colônia Goio-Erê, uma área de 1.075 hectares.
2
O falecido Francisco Ferreira Albuquerque, chegou a Campo Mourão em 1936, vindo
de Palmeirinha, Município de Guarapuava.
Foi morar num rancho á beira do Rio do Campo, [...] próximo à serraria do
senhor Teodoro Metchko. Logo o senhor Francisco comprou o armazém do
senhor Léo Guimaes que ficava bem próximo. Construiu uma boa casa de
madeira com sótão, que acabou se transformando numa peno. [...] Depois de
ser agricultor por 10 anos em Pitanga, chegou a Campo Mourão, adquiriu uma
fazenda próxima ao Rio da Várzea e outra para o lado de Goio-Erê, comprou
uma fazenda de 268 alqueires na Figueira, município de Terra Boa.
3
Mantinha posse sobre a fazenda em Goio-Erê, segundo consta no citado processo
mais de oito anos, tendo sempre no local prepostos e empregados, o que vem caracterizar a
1
Nomeadamente: “[ilegível] Eliote, Irací de tal, Eurides Francisco de Almeida, Waldemar Calixto,
Orlando Gomes, Júlio de Brito, Filisberto de Tal, Paulo Vieira Rosa, José Ramos Nogueira, Braz Claro dos Santos,
Otávio Leandro, Onorio Ribeiro Teodoro, Amantino Paiano, Pedro Ribeiro de Souza, Pedro de Tal, Urias Ribeiro,
Manoel Evaristo, José Ribeiro e Geral de Tal”
2
Processo nº 140 de 1957. Ação de Reintegração de Posse. Requerente: espólio de Francisco Ferreira
Albuquerque. Requerido: José Pedroso Bueno e outros. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo
Mourão.
3
LARA, João Maria. Campo Mourão 100 anos do desbravamento 1903-2003: Uma homenagem à
família Pereira. Campo Mourão: Kromoset, 2003. p. 164-165.
236
morada habitual e a cultura efetiva.” Sendo que, em 1951, foi expedido o título de donio pelo
Governo do Estado, em que os títulos saíram em nome de Ivone Gaspari, JoPires Moreira e
Djalma Rodrigues Bittencuourt, que por sua vez cederam através das escrituras públicas”. Como
argumentei no capítulo anterior, para poder legalizar grandes áreas de terras, acima de 500
hectares, era comum titulá-las para pessoas diferentes da mesma família. Mas é provel, que
alguém que tivesse a posse, pudesse titular a área em nome de terceiros e depois passaria a
terra para o seu nome com uma escritura de venda, havendo vários processos que sugerem esta
trajetória.
Dos posseiros contra quem a ação era promovida pouco se pode saber. Apenas que treze
deles compareceram à audiência inicial do processo: Jo David dos Santos, José Ramos
Nogueira, JoTeodoso Ribeiro, Geraldo Manoel Rodrigues, Manoel Evaristo, Otavio Teodoro
Ribeiro, Honório Teodoro Ribeiro, Pedro Teodoro Ribeiro, Pedro Ribeiro de Souza, Urias
Ribeiro, Pedro Gonçalves, José Ribeiro dos Santos e Francisco Boaventura dos Santos, sendo
todos analfabetos. Eles deixaram o feito correr a revelia.”
4
Talvez por não possuírem dinheiro
para pagar um advogado.
De qualquer forma, este processo, como todos os processos em que o que estava em
disputa era a posse de uns contra o título de propriedade de outros, o julgamento favoreceu o
portador do título de propriedade. Devo esclarecer que os processos da Primeira Vara Civil que
serviram de fonte são os de 1949,
5
quando os primeiros processos da Comarca, até 1964.
Portanto, dentro dos marcos legais estabelecidos com a Constituição de 1946, pós-Estado Novo
e, basicamente, antes do Estatuto da Terra, de 1964. Em outro processo, o juiz Sinval Reis,
diante de um advogado que afirmava ser imoral tirar a terra de posseiros que por anos
trabalhavam a terra para dar ganho de causa aos que possuíam título de donio, mas que não
trabalhavam na terra, o juiz resume exemplarmente a legislação, ao afirmar: Que vale ao juiz
pensar que a terra deve ser de quem a cultiva, quando a lei manda entregá-la àquele que a
compra?
6
4
Processo nº 140 de 1957. Ação de Reintegração de Posse. Requerente: espólio de Francisco Ferreira
Albuquerque. Requerido: José Pedroso Bueno e outros. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo
Mourão.
5
Foram consultados todos os arquivos da Primeira Vara Civil do Fórum de Campo Mourão, do período
de início dos processos, 1949, até 1964. E, também, os processos que foram transferidos para a guarda da Biblioteca
da Faculdade de Ciências e Letras de Campo Mourão – FECILCAM. Todavia, pelo estado de conservação e
quantidade de processos, nem todos os processos estavam nestes arquivos. Sendo que um total de 239 processos
que envolviam a apropriação de terras e madeiras.
6
Juiz substituto Sinval Reis no: Processo nº 103 de 1951. Reintegração de Posse. Requerente: Alonso
Carvalho Braga. Requerido: Joaquim Carvalho da Costa e outros. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de
Campo Mourão. p. 177.
237
Um dos elementos mais instigantes do processo nº 140 de 1957 são os depoimentos das
testemunhas, por mais que as “falas” nos processos estejam quase sempre filtradas. Ou seja, são
mediadas por outrem, pelas perguntas do juiz ou advogados ou pelo escrivão. Todavia, como
afirma Sidney Chalhoub, apesar das mediações introduzidas, por juízes e advogados que
estruturam e direcionam a fala, “os personagens de carne e osso que protagonizam efetivamente
a trama berram bem forte, e os ecos distantes de suas vozes fazem vibrar os nossos tímpanos.”
7
Dessa forma, procuro “ouvir” estas testemunhas, como Pedro Silvério, lavrador, 46
anos, solteiro, sabendo ler e escrever, natural da comarca de Campo Mourão, que sendo
testemunha por parte dos autores do processo 140 de 1957 afirmou:
[...] que tem ciência própria da invasão levada a efeito nas terras do espólio, a
partir de um ano para cá, cujo movimento se reveste unicamente Comunista”,
disciplinado por chefes, que pretende a posse de um terreno titulado, no ano
de 1951, não obstante, o zelo dos proprierios, que por bons modos tentaram
convencer os posseiros a saírem, mas, estes, ao invés de aproveitar a dedicação
dos proprierios, se reforçam, no sentido de enfrentarem a lei pela violência;
[...] afirmaram categoricamente de resistirem à justiça de qualquer forma [...]
que as benfeitorias dos intrusos, consistem, exclusivamente em ‘tigueras’
8
, isto
é, ao estrago de terras rteis, a custa do machado e do fogo, deixando que as
mesmas se praguegem,[sic.] cujo sistema já foi generalizado nesta comarca,
e mesmo em todo o Estado do Paraná, com estrago de milhares de
alqueires de terras, que ficaram praticamente estéreis; que os posseiros
habitavam em ranchos, sem qualquer valor estimativo, não plantam, sequer um
de capim, conduzindo-se em uma vida de ociosidade permanente, e todos
eles estreitos a valentia; que a família do espólio e do próprio finado
Albuquerque, tem posse no terreno demandado a mais de oito anos, exercendo a
referida posse através de prepostos seus e empregados; que, o espólio tem
benfeitorias úteis nos referidos lotes a saber: casa de morada da sede, casas para
empregados, pastos formados, potreiros, mangueirões e outras benfeitorias
necessárias.
9
Quanto à afirmação de serem os posseiros “comunistas”, apesar do Partido Comunista
realmente ter organizado lavradores no Norte do Paraná, parece que o termo deve ser tomado no
sentido que a própria testemunha ao termo, o de serem “disciplinados por chefes”. O mais
provável, pelo menos partindo dos nomes dos treze que compareceram a primeira audiência, é
que os chefes eram chefes de família, da família Ribeiro e Santos. Pois apesar do nome de todos
os membros não estarem presentes no processo, em geral, apenas o chefe da família negociava
pela família na esfera blica, mesmo que, às vezes, por força da lei constava o nome da esposa
como co-possuidora ou co-proprietária. O processo de fazer uma posse era algo feito a partir de
7
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: O cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da
belle époque. 2. ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2001. p. 36.
8
Roça depois de efetuada a colheita.
9
Processo nº 140 de 1957. Ação de Reintegração de Posse. Requerente: espolio de Francisco Ferreira
Albuquerque. Requerido: José Pedroso Bueno e outros. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo
Mourão.
238
uma equipe de trabalho familiar, segundo uma ordem moral própria, a qual se pode denominar
de “campesinidade”.
Nos autos do processo em tela, como testemunha do autor da ação, a testemunha
procurava valorizar as benfeitorias e a morada habitual e cultura efetiva” de Francisco Ferreira
Albuquerque. E depreciava as benfeitorias dos posseiros, pois outra decisão padrão da justa era
a indenização das benfeitorias feitas por posseiros no imóvel.
10
É neste contexto que se deve
entender a crítica de um lavrador a um sistema de cultivo baseado no “machado e no fogo”.
Um modelo de uma “agricultura de enxada”,
11
movido a “ferro e fogo” era
predominante ainda na região em 1964. Por exemplo, em 1950 havia apenas 4 tratores nos 1.645
estabelecimentos agropecuários da microrregião de Campo Mourão, sendo que apenas 67
estabelecimentos possuíam arados de tração animal, era ainda uma agricultura de enxada. Em
1960, eram 135 tratores, 480 arados de oiveca para 20.998 estabelecimentos agrícolas. E, ainda
em 1970, eram apenas 1.144 tratores e 24.202 arados de tração animal para 54.982
estabelecimentos.
12
Por todas as décadas de 1960, 1970 e 1980 os extensionistas
vão criticar profundamente o uso do fogo como prática agrícola. Seja para recuperar pastos,
queimando as graneas velhas, o que faz brotar uma grama nova e macia para o gado, seja no
cultivo agrícola, no qual se queimava os restos secos da cultura anterior, facilitando um novo
cultivo. Os novos modernizadores vão se voltar, quase em uníssono, contra tais práticas e afirmar
que a exploração “agrícola, de forma geral, tem sido uma atividade predatória em termos de
10
Em conformidade com o Código Civil Brasileiro: Art. 516. O possuidor de boa-fé tem direito à
indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se lhe não forem pagas, a
levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa. Pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis, poderá exercer
direito de retenção. Art. 517. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias [...] Art.
510. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos.”. DINIZ, Maria Helena. Código
Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 1995.
11
Sérgio Buarque de Holanda, afirma que no Brasil se praticava mais “mineração do que agricultura.
Se referindo a adaptação que os portugueses fizeram das técnicas indígenas para poderem produzir alimentos para
subsistência e produtos de exportação em um país tropical, uma vez que, as técnicas européias de agricultura – como
a aração profunda – em geral são inadequadas para o meio tropical. E, desta forma, pondera que era uma
“agricultura de enxada”, onde “os métodos bárbaros da agricultura indígena eram, em alguns casos, os que
convinham”. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Prefácio. In: DAVATZ, Thomas. Merias de um colono no
Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1980. p. 15-45. p. 15. et seq.
12
Foi na década de 1970 o momento do grande boom da “revolução verde” na região. Em 1970 apenas
2.752 estabelecimentos utilizavam fertilizantes químicos, 365 orgânicos e 576 químicos e orgânicos; em 1980 eram
15.850 estabelecimentos utilizando fertilizantes químicos e 2.456 orgânicos. Em 1970, os 24.202 arados de tração
animal estavam distribuídos em 18.041 estabelecimentos, do total de 54.982 estabelecimentos. Em 1980, em 25.120
arados de tração animal, todavia, os tratores haviam subido para 8.423 com um significativo aumento na potência e
o número de estabelecimentos cai para 32.319, indicando o êxodo rural e a substituição dos parceiros pelo trator e
mesmo entre os proprietários iniciava um novo processo de concentração fundiária.
239
conservação do solono Paraná.
13
Na agricultura de coivara se queimava uma área para cultivo
e, em alguns anos, quando a área estava “infestada” por organismos concorrentes e a fertilidade
inicial gerada pela queimada da biomassa e pelo húmus presente no solo se perde, a área era
abandonada para voltar a crescer a floresta. Com a colonização dirigida, cada lavrador deveria
estar “localizado em seu devido lote, e, em geral, toda a terra deveria estar voltada para a
produção. Por esse motivo, a degradação ambiental era acentuada.
A testemunha do processo 140/57, o senhor João Florizack, polonês, solteiro, 41 anos,
sabendo ler e escrever, afirma:
[...] que a partir de um ano para cá, vários posseiros invadiram a área em
referência, não obstante, a insistência dos proprietários, ali destruindo, matas
virgens, sem plantarem nas mesmas, capim e outras plantações, para o
condicionamento das culturas; que, os posseiros limitam-se a derrubar matas
virgens, queimá-las, logo quando caídas, fazendo exclusivamente uma planta,
pelas condições admitidas na lei do mínimo esforço com o máximo
rendimento a eles posseiros; que as terras assim estragadas, dão lucro
exclusivamente aos posseiros que delas tiram muitos cereais (grifo meu).
14
Tal como nos relatórios do INP, projeta-se no Outro uma racionalidade econômica que
busca apenas maximizar o lucro. Ou por outro lado, mas dentro da mesma lógica de
deslegitimação, se acusa o Outro de possuir uma lógica perdulária, na qual se desperdiça
sistematicamente recursos naturais em proveito individual e imediato.
15
Ou seja, ou o Outro é
interpretado como possuindo uma racionalidade economicista ou é interpretado como irracional.
Mas quando se insere estas práticas, como a coivara, o na racionalidade econômica
maximizante, mas dentro de outras racionalidades, são as práticas modernas que são colocadas
em xeque, como “irracionais”, ou carecedoras, de uma racionalidade ambiental.
16
13
SORRENSON, Willian Jack; MONTOYA, Luciano Javier. Implicações econômicas da erosão do
solo e do uso de algumas práticas conservacionistas no Paraná. Boletim Técnico IAPAR, Londrina, n. 21, ago.
1989.
14
Processo nº 140 de 1957. Ação de Reintegração de Posse. Requerente: espólio de Francisco Ferreira
Albuquerque. Requerido: José Pedroso Bueno e outros. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo
Mourão.
15
Se alguns intérpretes do Brasil desenvolveram uma “teoria da devastação ecológica”, ou seja, a
afirmação que e houve “ocupação irresponsável, imprevidente e esbanjador” dos recursos naturais, no Brasil.
(CABRAL, Diogo de Carvalho. Teorias da devastação ecológica colonial na historiografia brasileira
contemporânea: algumas notas críticas. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24., 2007, São Leopoldo – RS.
Anais eletrônico. São Leopoldo: Unisinos, 2007). Tal “teoria”, parece, estar assentada no imaginário social
brasileiro, pois o discurso dos modernizadores, desde o século XIX, condenaram a “atrasadasociedade brasileira
como imprevidente e esbanjadora. E, às vezes, as práticas eram consideradas imprevidentes e esbanjadoras, ou
mesmo irracionais, no passado; hoje podem ser consideradas “ecologicamente corretas”, como ocorre com a
coivara. Ver: CAROLA, Carlos Renato. Agricultura brasileira e impactos ambientais no século XIX: a grande
lavoura, a agricultura de subsistência e o diagnóstico do atraso tecnológico. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE
HISTÓRIA, 24., 2007, São Leopoldo – RS. Anais. São Leopoldo: Unisinos, 2007. 1 CD.
16
WORSTER, Donald. Transformações da terra: para uma perspectiva agroecológica na história.
Ambiente & Sociedade. v. 5, n. 2, p. 23-44, 2003; CAROLA, op. cit.; “À medida que mais pesquisas são
conduzidas, muitas práticas agrícolas, primeiramente consideradas primitivas ou equivocadas, são reconhecidas
240
O objetivo deste capítulo é inserir a estratégia de fazer posse em bases culturais e
ambientais. O que permite entendê-la um pouco mais próxima do ponto de vista dos lavradores
que utilizavam tal estratégia. Procuro, com isso, fazer um contraponto ao projeto modernizador
abordado nos capítulos anteriores e indicar melhor como lavradores pobres participaram
ativamente deste processo de modernização do sertão, mesmo que em condições de recurso de
poder bastante assimétricas.
4.2 LAVRAR A TERRA E DERRUBAR A FLORESTA: AS BASES CULTURAIS E
ECOLÓGICAS DO FAZER POSSES
Para compreender melhor a prática de se fazer posse, há que se pensar a trajetória sócio-
ambiental dos migrantes que conquistaram o sertão de Campo do Mourão.
Mas trajetória de quem? Não seria a dos “pioneiros”, pois tal, designa
fundamentalmente os heróis civilizadores, o discurso pioneiro tende a ressaltar a ação das elites e
silenciar sobre as pessoas comuns e, dessa forma, aderir ao discurso de “pioneiros” é, em grande
parte, reproduzir a versão dos vencedores, ou seja, da memória oficial.
17
Poderia-se pensar estes
migrantes como colonos, que não se afastavam dos seus valores tradicionais de “amor a terra”.
18
E como caboclos apegados a tradição, errantes no sertão, por uma lógica não-capitalista.
19
Mas
estas classificações o ajudam muito a entender o processo de fazer posse no sertão de Campo
Mourão.
Procuro fugir dos essencialismos etno-culturais e de dicotomias simples. Não se trata,
entretanto, de buscar aqui constituir uma classificação sociológica. Mas de entender estas
categorias no processo de formação de um mercado de mão-de-obra no Brasil e na formação de
um "campesinato específico" no Brasil. Ou dito de outra forma, a trajetória dos migrantes que
faziam posse no sertão de Campo Mourão é aqui compreendida no contexto da grande
como sofisticadas e apropriadas (ALTIERI, Miguel. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura
sustentável. Tradução Eli Lino de Jesus, Patrícia Vaz. Guaíba: Agropecuária, 2002. p. 180, passim).
17
Ver: TOMAZI, Nelson Dacio. “Norte do Paraná”: História e Fantasmagorias. 1997. Tese
(Doutorado em História) Universidade Federal do Paraná, UFPR. Curitiba; GONÇALVES, JoHenrique Rollo.
Trabalhando em fontes orais: Reflexões a partir de uma pesquisa em andamento: “Caboclos” e “Pioneiros” em
Maringá, 1937 a 1953. Cadernos de Metodologia e Técnica de Pesquisa, Maringá, n. 3, jan./dez. 1991.
18
Como sugere: ALVIM, Zuleika. Imigrantes: a vida privada dos pobres do campo. In: NOVAIS,
Fernando A. (Coord.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. v. 3.
19
Ver, por exemplo: LOPES, Ana Yara D. P. Pioneiros do Capital: A Colonização do Norte Novo do
Paraná. 1982. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – FFLECH., USP., São Paulo.
241
transformação”, para usar a linguagem de Polanyi, na qual terra e trabalho são transformados em
“mercadorias fictícias”.
20
Trabalho é apenas um outro nome para atividade humana que acompanha a
própria vida que, por sua vez, não é produzida para venda, mas por razões
inteiramente diversas, e essa atividade não pode ser destacada do resto da vida,
não pode ser armazenada ou mobilizada. Terra é apenas outro nome para a
natureza, que não é produzida pelo homem. [...] Nenhum deles é produzido para
a venda. A descrição do trabalho, da terra e do dinheiro como mercadorias é
inteiramente fictícia.
21
O livre mercado significaria, para Polanyi, submeter a vida humana a regra básica do
mercado. O que se deu no caso inglês, por ele estudado, apenas no XIX, pois socialmente o
mercado local esteve sempre “encapsuladopelas relações sociais. Desta forma, o trabalho e a
terra nada mais são do que os “próprios seres humanos nos quais consistem todas as sociedades,
e o ambiente natural no qual elas existem. Incluí-los no mecanismo de mercado significa
subordinar a substância da própria sociedade às leis de mercado.
22
No Brasil, a terra e o
trabalho, da esmagadora maioria do país sofreu uma grande resistência em se transformar em
uma mercadoria fictícia. Mesmo com a Lei de Terras de 1850 e com a abolição da escravidão em
1888, não houve um processo automático de criação de um mercado de terras e trabalho. As
relações de trabalho por toda a República Velha ainda foram fortemente marcadas pelas formas
de coerção extra-econômicas, sendo que as leis trabalhistas foram negadas aos trabalhadores
rurais até, pelo menos, 1963.
23
A plena existência do mercado de terras foi obstaculizada pela
20
POLANYI, Karl. A grande transformão: as origens da nossa época. . Tradução Fanny Wrobel. 8.
ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000. Worster sugeriu que “a tarefa mais importante para os acadêmicos da história da
agroecologia moderna consista em traçar o que Karl Polanyi chamou de ‘a grande transformação’, tanto em termos
planetários gerais como em todas suas permutas de um lugar a outro” (WORSTER, 2003, op. cit.).
21
POLANYI, 2000, op. cit., p. 94. “As mercadorias são aqui definidas, empiricamente, como objetos
produzidos para a venda no mercado; por outro lado, os mercados são definidos empiricamente como contatos reais
entre compradores e vendedores. Assim, cada componente da indústria aparece como algo produzido para a venda,
pois só então pode estar sujeito ao mecanismo da oferta e procura, com a intermediação do preço.POLANYI,
2000, op. cit., p. 93.
22
Ibid., p. 93.
23
FRAGOSO, João Luis. Economia Brasileira no século XIX: mais do que uma plantation escravista-
exportadora. In: LINHARES, Maria Yedda. (Org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990. p.
131-176. Ana Yara Lopes afirma que no Norte Velho no interior do Paraná, nas primeiras décadas do século XX:
“[...] enquanto a distância entre os fazendeiros e os demais era bem marcada [...] o mesmo não acontecia com
aquelas categorias que começavam a constituir a força de trabalho. Os trabalhadores, camaradas, agregados,
colonos, formadores de café, empreiteiros de derrubada – englobavam desde aqueles que não tinham (o que era raro)
nenhum acesso a explorar algum pedaço de terra, até sitiantes e caboclos, passando por todas as relações de trabalho
que implicavam em rendas no total ou em parte não monetárias, que tinham por origem a possibilidade do
trabalhador extrair da terra seu próprio sustento. Variavam as formas de cessão das terras pelos fazendeiros
(parceiros etc.), ou seja, variavam as formas de acesso transitório á terra pelos trabalhadores. [...] [S]ó os sitiantes
tinham títulos de propriedade expedidos pelas autoridades competentes, a terra do sertanejo era sua do mesmo jeito,
em respeito ao direito dos costumes que legitimava seu modo de se apropriar provisoriamente de uma parte do
imenso sertão do Paraná. O processo que viria a acabar com a integridade desse direito havia comado com a
crescente mercantilização e com o isolamento do modo de vida sertanejo restrito a um espaço físico determinado,
modo de ser que não mais se espalhava, mas ao contrário, se acanhava”. Apesar de matizar as relações de trabalho,
Lopes estabelece uma forte dicotomia entre o “sertanejoe o “sitiante”. Que corresponde à dicotomia o colono e o
242
própria elite fundiária, sendo que somente no Estado Novo, há uma legislação realmente
inserindo plenamente, pelo menos em termos legais, a terra no mercado.
24
Dessa forma, diferente
do caso inglês abordado na obra clássica de Polanyi, no Brasil o processo de inserção da terra e
do trabalho como “mercadoria fictícia” se em um momento em que se formava um Estado
Fordista-Periférico, o qual buscava, por meio de um vasto aparelho público, estimular a
produção e ao mesmo tempo corrigir os efeitos perversos do “moinho satânico”, do livre
mercado.
25
O que forma a uma dinâmica entre teorias modernas/impessoais e práticas
tradicionais/personalistas que caracterizam a cultura brasileira, dinâmica na qual uma sociedade
fortemente hierárquica/desigual se reproduz.
26
É a partir desta interpretação da grande transformação” no Brasil que pretendo
debruçar sobre o caso de Campo Mourão. argumentei que no caso em tela, grande parte
daqueles que foram à frente da colonização dirigida, fazendo posses, eram de descendentes de
imigrantes europeus. Sendo que tais descendentes de imigrantes europeus podiam ser
identificados como caboclos. Tal como ocorre, por exemplo, no depoimento de João Otales
Mendes, comerciante, 44 anos, natural do Estado do Paraná, afirma que em 1952, acompanhou o
representante de uma madeireira, na tarefa de pegar dos caboclos da redondeza, procurações
[...] para legalizações de terras” (grifo meu).
27
Foi feito um contrato com os posseiros” do
“bairro”, pelo qual a madeireira iria legalizar a terra em troca das árvores de pinho madeiráveis
dos lotes, no qual constava os nomes daqueles que foram denominados por João O. Mendes de
caboclos e posseiros”: Miguel Skalki, José Piroga, Felisbina Mateus Mendes, Antonio Voidelo,
Tiburcio José Ferreira, Messias Ferreira dos Santos, Carlos Smach, Fernando Eugenio Branco,
Ana Silva da Sul, Julia Gomach, Isabel Gomach, Daniel Malko e Francisca Gelinska Esmoka,
todos identificados no aludido contrato como “brasileiros, casados, proprietários, residentes no
município do Campo do Mourão”, na Gleba 3, da Colônia Cantú.
28
Os sobrenomes poloneses e
caboclo (LOPES, 1982, op. cit., p. 53-55). As relações de trabalho no campo, no Brasil, vão ser relativamente
homogeneizadas a partir do momento em que o Estatuto do Trabalhador Rural, 1963, é efetivamente aplicado. As
relações de trabalho que permitiam: 1) a exploração da mão-de-obra da família como um todo, que é substituída, por
lei, pelo contrato individual; 2) o cultivo de subsistência é considerado pela lei como parte do salário. Isto leva as
antigas formas de relação de trabalho sejam substituídas pelo trabalho assalariado. Para uma análise das relações de
trabalho na cafeicultura, Cf. STOLCKE, Verena. Cafeicultura: Homens, mulheres e capital (1850-1980). São
Paulo: Brasiliense, 1986.
24
LINHARES, Maria Yedda; SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Terra Prometida: uma história da
questão agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
25
Ibid.
26
DA MATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heis: Para uma sociologia do dilema
brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1990.
27
Processo nº 18 de 1956. Ação Cominatória. Requerente: Irmãos Nascimento. Requerido: Miguel
Skalki. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
28
Processo nº 19 de 1956. ão Cominatória. Requerente: Irmãos Nascimento. Requerido: Felisbina
Matheus Mendes. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão. p. 6.
243
ucranianos, que fazem parte da lista, são provavelmente de uma primeira geração de
descendentes de imigrantes que vieram para o Paraná Tradicional.
A dicotomia caboclo X colono, talvez fosse mais marcada em outras regiões e em
momentos anteriores da expansão da produção agropecuária familiar de origem euroia no Sul
do Brasil. Segundo Paulo Zarth, as elites pecuaristas do Sul tiveram nos emigrantes europeus
uma forma de tentar modernizar a agricultura, em especial, do que tange a produção de
alimentos. Ademais, conforme tal população foi destinada às áreas de interesse marginal para
aquela elite, às áreas de florestas houve uma expulsão da população de nacionais que tenham, no
acesso a florestas, uma forma de não se subordinar totalmente ao trabalho da grande fazenda de
gado. Sem a floresta, com esta sendo sistematicamente ocupada por migrantes, ficava mais fácil
subordinar os homens e mulheres livres pobres ao trabalho. Esta, para Zarth, foi uma das formas
que a colonização com europeus no XIX, contribuiu para abolição da escravidão no Rio Grande
do Sul.
29
No Paraná, na região e época aqui tratada, o contexto era diferente e os processos
migratórios. Um grande contingente de descendentes de imigrantes já se colocava no sertão,
juntamente com os “nacionais”. Para conseguir subordinar a mão-de-obra para as fazendas no
sertão do Paraná dependia-se do fluxo de migração.
As possibilidades de apropriação do trabalho passavam pelo trabalhador avulso, o qual
desempenhava funções como abrir estradas ou derrubar a floresta, desempenhava a função por
algum tempo e voltava para sua região de origem.
30
Mas, outra grande fonte de trabalhadores era
formada por pessoas de grupos familiares rurais que destacavam alguns membros da equipe de
trabalho familiar para uma atividade externa, a fim de complementar a renda familiar. Como
constata Lopes, na “necessidade dos sitiantes combinarem trabalho no lote e assalariamento em
outras atividades: como camaradas, nas derrubadas e na construção de estradas; como
empreiteiros, na formação de plantações para os fazendeiros; e além destas poderíamos ainda
alongar a lista de alternativas.”
31
De qualquer forma, o grosso dos trabalhadores, na rego de
Campo Mourão, como argumentei no capítulo dois, era formada pelo que o IBGE identificava
como “parceiros e arrendatários”, sendo, a opção mais plausível para se conseguir força de
trabalho a adoção de contratos de trabalho que possibilitassem um certo grau de autonomia aos
29
“A eliminação das relações escravistas implicava a existência de um contingente populacional sem
acesso livre aos meios de subsistência, o que era difícil num território de recursos abundantes e densidade
demográfica muito baixa. Diante dessa situação, a estratégia dos grupos dominantes deu-se no sentido de eliminar os
espaços disponíveis aos camponeses nacionais, submetendo-os ao trabalho nas estâncias, sob diversas formas de
coerção ligadas ao controle da terra.” ZARTH, Paulo Afonso. Do Arcaico ao Moderno: o Rio Grande do Sul
agrário do século XIX. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 2002. p. 194.
30
Ibid., p. 74
31
LOPES, 1982, op. cit., 118.
244
trabalhadores, com o acesso, parcial a terra, e a manutenção da unidade familiar como estrutura
produtiva, com os contratos sendo celebrados apenas com o chefe da família. Dessa forma, havia
uma diversidade de situações em relação ao acesso a terra e a subordinão. Eis um apanhado
apresentado pela literatura, seguindo uma escala de autonomia e acesso a terra:
a) pequeno proprietário - reside no tio e o cultiva com a ajuda da família e de
empregados;
32
b) posseiro - é um “pequeno proprietário” sem título de propriedade;
c) parceiro, porcenteiro ou meeiro - em geral recebia casa e instalações anexas,
recebendo 50% ou uma outra porcentagem da colheita, além da cultura de
subsistência;
d) formadores de café - no contrato de 4 anos, o proprietário entregava o café plantado e
o formador deveria cuidar do café em troca da lavoura intercalar que produzia-se e da
colheita do café; no contrato de 6 anos, o proprietário dava “mata em pé e água no
córrego, e o café produzido era repartido entre as partes; a lavoura intercalar era toda
do formador;
e) colono - “não recebe todo o seu pagamento em dinheiro. Pelo contrato que assina, o
proprietário garante-lhe um pagamento mensal ou bimensal em moeda, o direito de
usar um pasto, a permissão para plantio de mantimentos, a cessão de uma casa de
moradia etc”;
33
f) volante ou peão é uma situação provisória que, por vezes, perdura. Desloca-se de
uma para outra fazenda, de um para outro sítio, capinando café por empreitada,
ganhando por dia de trabalho ou por saco de café colhido.”
34
Tal classificação não é exaustiva e, na prática, havia várias formas de combinação e
contratos, ou melhor, “acertos”, que poderiam variar bastante. Os contratos na grande maioria
o eram escritos. Sendo as situações de não-controle da terra pensadas como transitórias. Ou
seja, situações de subordinação eram pensadas como transirias ou pelo menos desejadas como
transirias.
Há, portanto, um conjunto de valores e conflitos comuns a colonos e caboclos. O que
permite interpretar a dicotomia colonos X caboclos, para colocar a questão tal como faz
32
MONTEIRO, Duglas Teixeira. Estrutura social e vida econômica em uma área de pequena
propriedade e de monocultura. Revista Brasileira de Estudos Políticos. n. 13, p. 47-63, out. 1961. Deve-se destacar
as duas acepções de “colono” na documentação, uma como aquele que está trabalhando na forma de colonato, o que
implica em ser um não-proprietário; e a acepção de colono como um pequeno proprietário familiar, que pode ser
tomado, em dada configurações, como sinônimo de “pioneiro.
33
Ibid., p. 53.
34
Ibid., p. 53.
245
Bauman, em uma diferenciação, no qual um poder diferenciador estabelece a dicotomia, sendo o
segundo membro o Outro do primeiro, não havendo, portanto, simetria entre os membros, uma
vez que o poder diferenciador seria parte do primeiro termo.
35
Os pares dicotômicos “moderno”
versus “arcaico/atrasado”; sertão versus cidade/civilização-modernidade”; colonização racional
versus colonização espontânea podem ser interpretados dentro desta mesma dinâmica. Dessa
forma, deve ser entendido a representação do colono/pioneiro em relação a de caboclo:
errando” pelo sertão alheio as noções de propriedade privada, mercado de terra, venda regular
da força de trabalho, que passavam a vigorar”
36
, produzindo unicamente para subsistência.
Não se deve naturalizar ou derivar de uma tradição cultural algo que foi socialmente
construído, ou melhor, sócio-ambientalmente constrdo. Deve-se tomar a sério a afirmação de
Martins de que “o camponês brasileiro é um desenraizado, é migrante, é itinerante. A história
dos camponeses posseiros é uma história de perambulação,
37
e pensar tal como Mota que, a
posse é uma estratégia secular de “luta dos camponeses no Brasil contra a grande propriedade”.
38
É fundamental para tal, não partir de dicotomias, em grande parte produzidas pela memória dos
vencedores e dos projetos modernizadores, mas pensar o que aproximava estes homens e
mulheres que viviam em sua busca por não perder sua autonomia.
No episódio da Guerrilha de Porecatu, citada, um bom exemplo, do que quero
chamar a atenção. Em 1951 foram publicados, na imprensa nacional, os “mandamentos dos
colonos”, um conjunto de 12 reivindicações feitas em nome dos posseiros de Porecatu, as quais
iam da “ - entrega imediata das posses e respectivos títulos a seus primeiros ocupantes;”
passando por - Cr$ 3.000,00 por trato de mil pés de café, direito à planta e Cr$ 40,00 por saca
de 1000 litros de café colhido;” até “Cr$ 50,00 livres por dia de oito horas para colonos
volantes”.
39
Não se sabe até que ponto estas reivindicações eram fruto de posições do Partido
Comunista ou dos próprios lavradores, mas a lista era formada por amplas reivindicações de
direitos sociais no campo. Todavia, tal proximidade entre a questão da força de trabalho e o
acesso a terra poderia levar a aproximações várias. Como a constante em um contrato
denominado “Termo provisório de acordo”, firmado em 1961, entre Primo Francisco Muzzaco e
Frauzino Dias Paião, pelo qual o segundo receberia, a título de indenização e pagamento, 36,3
35
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1999. p. 22.
36
LOPES, 1982, op. cit., p. 175.
37
MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a potica no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1985.
38
MOTTA, Márcia. Movimentos rurais nos oitocentos: uma história em (re)construção. Estudos
Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 16, p. 113-128, abr. 2001. p. 9-10.
39
O Estado de São Paulo, 24 jun. 1951. p. 9 apud LOPES, 1982, op. cit., p. 149-150.
246
hectares, por todo e qualquer direito que possa reclamar tais como de posse direitos
trabalhistas e outros qualquer[sic] (grifo meu)”.
40
Como o processo em que tal contrato se
encontrava terminou por desistência dos autores, não foi possível saber como tais aproximações
entre a desistência de direitos de posse e trabalhistas foram reunidos em uma mesma epígrafe.
Apenas foi possível saber que os autores do processo, sendo aeronautas e residentes em Curitiba
pretendiam lotear uma área de 355,4 hectares, e entraram com a ação de interdito proibitório,
em 1962, contra Frauzino Dias Paião e outros, por estarem ameaçando invadir parte do imóvel.
Mas alegaram nos autos do processo, que pretendiam cumprir o contrato citado. Sendo que um
dos elementos do “contratoera que: “Por este acordo o sr. Frauzino Dias Paião se compromete
a tirar os demais posseiros por sua conta [...] indenizando si [sic] necessário for e se
comprometendo [...] evitando mais invasão nesse lote até 30 [...] de 1962.”
41
A formação de um mercado de trabalho no Brasil passa não apenas pela expropriação
dos meios de produção por parte dos trabalhadores, mas pela formação de uma série de relações,
na qual persistem as formas de coerção extra-econômica. E é neste contexto de violência que um
campesinato específico se constitui no Sul do Brasil. Cabe aqui um relato de memória familiar.
O meu apaterno, João Carvalho, trabalhava transportando gado entre Minas Gerais e São
Paulo. No início da cada de 1950 havia conseguido reunir uma economia suficiente para
comprar terra, então resolveu vir para o Paraná, pois aqui se poderia “juntar dinheiro com
rastelo”, ou seja, ganhar dinheiro produzindo café. Mas, talvez, porque possuía filhos muito
pequenos resolveu não arriscar comprando terra e ficando sem dinheiro para formar o sítio,
resolveu, então, assumir um “tratocomo formador de café, pelo contrato de 6 anos com “mata
em e água no rrego”. Fez a picada para chegar ao lote, investiu na derrubada inicial e
depois foi “abrindomais por conta própria. Mas o café foi praticamente destruído pela geada de
1955. Então ele começou a replantar o café que havia morrido, mas o dono do lote afirmou que
o queria mais do trato e falou para ele sair do imóvel. Ele não saiu. Então sua casa começou a
ser vigiada por um jagunço. A minha avó paterna, Emilia, ficou com medo e pediu para meu avô
ir embora, mas João Carvalho permaneceu no lote. Então um homem a cavalo e armado foi
procurá-lo no momento em que ele estava na roça, desconfiado, ele se escondeu atrás de um
toco, de forma que o homem a cavalo tivesse que desmontar e enfrentá-lo com a enxada em riste.
Mas o homem foi embora, e meu asaiu do lote, sem receber nada do dono do lote pelo que
gastou em “formar” o tio. Mudou para a pequena cidade de Engenheiro Beltrão e foi trabalhar
40
Processo nº 1.009 de 1962. Ação de Interdito Proibitório. Requerente: João da Costa Faro Wircker e
sua esposa e outros. Requerido: Flauzino Dias Paião e outros. Arquivo da Biblioteca da Faculdade de Ciências e
Letras de Campo Mourão - FECILCAM.
41
Ibid.
247
na abertura de estradas para a empresa colonizadora da região. Mais tarde foi trabalhar de
meeiro, no mesmo Município, na produção de hortelã. Em 1967, apesar da minha avó ter
falecido, meu acontava com 5 braços para o trabalho, então comprou terras em Cascavel,
conseguindo, finalmente, se estabelecer na terra como um “pai” de família.
42
Apesar deste tipo
de violência não ser o objeto desta pesquisa, entender tais conflitos possibilitam entender melhor
a dinâmica de se fazer uma posse.
Partindo de tais conflitos é possível entender alguns elementos inusitados, presentes
ainda hoje na região. Os tios paternos deste pesquisador o agricultores familiares, tecnificados,
produtores de soja, apesar de terem terra própria, arrendaram áreas para cultivar. Na década de
noventa eles arrendaram terras em uma fazenda chamada Ouro Branco, no Município de Peabiru,
apesar desta condição de arrendatários, tendo cada um o seu próprio contrato, eles chamavam o
dono da fazenda de “patrão”. Não é costume designar o arrendante como “patrão”, todavia, isto
o soou estranho quaisquer das vezes que eles falaram, e eles sempre foram entendidos. O
arrendamento era uma relação que reduzia sua autonomia, os colocava na posição daqueles que
tem “patrão. E não ter patrão era o que estava em jogo para muitos daqueles que faziam posse.
Por ocasião da articulação para constituir o Município de Campo Mourão, criado em
1947, foi feito um documento, pelo qual 717 homens do Distrito de Campo Mourão, delegavam
poderes para uma comissão para pleitear” junto ao Governo do Estado a criação do referido
Município. Os únicos dados da lista eram os nomes e a profissão. Sendo que a quase totalidade
da população masculina é apresentada como de lavradores, com 654 pessoas. A única outra
categoria agrícola que aparece é a de agricultor, não havendo fazendeiros ou outra denominação
de terratenentes. Praticamente toda a população poderia ser identificada, independente de seus
bens, sobre uma mesma classificação profissional.
43
É evidente, como argumentei, que havia
grandes lavradores e pequenos lavradores; lavradores que eram proprietários e lavradores que
eram parceiros/formadores de café/etc. Portanto utilizo tal categoria nativa, lavrador, não para
indicar uma suposta homogeneidade entre os lavradores, mas para ajudar a perceber os
elementos em comum entre os caboclos “destruidores” e os colonosprodutivos” e, assim,
relativizar uma dicotomia que está demasiadamente próxima da lógica dos modernizadores que
procuravam efetuar uma racionalização da paisagem.
42
Sobre as relações de trabalho na cafeicultura ver: STOLCKE, 1986, op. cit.
43
Sendo que para 44 pessoas não havia identificação ou esta estava ilegível, havendo ainda 6
comerciantes, 2 operários, 1 toreiro e 1 agrimensor. Tal documento encontra-se em apêndice In:
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Inspetoria de Terras. Relatório apresentado ao Ilmo. Snr. Dr.
Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização pelo Eng. Chefe da Divisão de Colonização,
Sady Silva. Ano 1940-1945. Curitiba,[s.d]. Arquivo da Biblioteca Publica do Paraná
248
Ao procurar superar esta dicotomia o se está negando que haja diferença de saberes,
de valores, de modos de vida, entre os lavradores. Por exemplo, enquanto os descendentes de
europeus de primeira e segunda geração tendiam a mudar para o sertão e se estabelecer por uma
geração, ou pelo menos por vários anos, os trabalhadores nacionais, em geral, dominavam
melhor os saberes necessários para viver nas áreas florestadas e, muitas vezes, dominavam
menos os saberes necessários para se inserirem mais fortemente no mercado. Apenas para
apontar uma das diferenças fundamentais, no que tange a prática de fazer posse.
Tal dicotomia também está pautada em uma imagem idealizada a respeito dos pequenos
agricultores do Sul do país. Alcir Lenharo aponta um texto de Caio Prado Júnior, de 1944, que é
exemplar de tal idealização. No qual Prado parte do caso paulista para afirmar:
[...] o fazendeiro [...] ‘Investe seus capitais numa fazenda com o mesmo espírito
com que o faria na indústria ou no comércio’. Portanto, não se apega à [sic]
terra; o trabalhador assalariado, colono ou camarada tem menos motivos ainda
para se fixar à [sic] terra. ‘Nada prende o trabalhador a uma fazenda senão o
salário que recebe’. [...] tudo para ele tem caráter provisório e nada realiza que
não atenda ao imediato. Como seu patrão, não restaura a terra. Também o
cuida das habitações, nem se dedica à criação de animais e à produção de frutas
e hortaliças; o pequeno proprietário, ao contrário, constitui o elemento
demograficamente estável. Geralmente, começa como assalariado; forma um
pecúlio e compra um pedaço de terra. ‘A propriedade não é, para ele, como para
o fazendeiro, um negócio: é a sua habitação, o seu lar, a sua fonte de
subsistência’. Tende a ser menos atraído pelas novas frentes de colonização,
como nos casos dos agricultores paulistas e gaúchos[...] ‘procuremos fixar aí
uma população densa e estável capaz de aproveitar todos os recursos da terra e
viver uma vida digna da espécie humana. Precisamos encerrar definitivamente a
nossa secular e tão onerosa caça ao ‘húmus’.’
44
Lenharo aponta os pontos de proximidade e afastamento de tal pensador de esquerda,
em relação a proposta de Marcha para Oeste do Estado Novo. O que acredito fundamental
ressaltar aqui é a condenação do autor pautado em um diagnóstico dependentista, segundo o qual
a inserção do país no mercado internacional como país agro-exportador levou a uma formação
social que incentivava um aproveitamento fugaz dos recursos naturais, em ciclos de produção,
seguido do abandono da terra degradada e na busca de novas terras. Tal agricultura deveria ser
substitda por uma agricultura “moderna”, havendo, portanto, como afirma Lenharo, um forte
apelo técnico na proposta caiopradiana. Lenharo destaca, ainda, “a excessiva idealização do
pequeno proprietário, ou a difícil estabilidade, que o autor persegue e que a experiência gaúcha
da pequena propriedade estava mostrando precária.”
45
44
PRADO Jr, Caio. Problemas de povoamento e a pequena propriedade. Boletim do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, v. 10, n. 115, mar. 1994. p. 209-228. apud LENHARO, Alcir. Colonização e
Trabalho no Brasil: Amazônia, Nordeste e Centro-Oeste. 2. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1986. p. 36-39.
45
LENHARO, Alcir. Colonização e Trabalho no Brasil: Amazônia, Nordeste e Centro-Oeste. 2. ed.
Campinas: Editora da Unicamp, 1986. p. 40.
249
Giralda Seyferth analisou os problemas fundiários decorrentes do modelo de
colonização que prevaleceu a partir de 1850 quando aumentaram os fluxos imigratórios para o
Sul do Brasil e suas conseqüências.”
46
A autora procura desfazer o mito da chamada
colonização européia” no Sul do país como organizada e pacífica, indicando que era freqüente a
insegurança da propriedade da terra e a titulação dos lotes, muitas vezes, demorava uma ou mais
gerações, ao mesmo tempo que era questionada, por exemplo, por antigos sesmeiros que
afirmavam ter direito de partes da área das colônias. Ademais, muitos colonos abandonaram os
lotes afinal foi relativamente pequena a fixação dos imigrantes nos lotes, havendo um
significativo índice de re-imigração, retorno e migração que muitas vezes eram ocupados
“ilegalmente” por outro colono. Gerando assim, uma estrutura fundiária “marcada pela pequena
propriedade familiar”, mas bastante “confusa”, quando não caótica.
47
Afirma ainda a citada autora, que desde o início, este modelo de “colonização européia
no Sul do país, foi secundário no cenário nacional. Sendo desenvolvida em terras que não eram
as mais produtivas, que por sua condição ou distância do mercado eram rejeitadas pelos
latifundiários. Em terras de florestas, que muitas vezes, não interessavam a uma elite de
pecuaristas ligada a terras de campos. Ademais, o tamanho das áreas dos lotes coloniais foi
reduzindo até chegar a, em média 25 hectares. Apesar dos imigrantes terem sido pensados como
uma forma de modernizar a agricultura e trazer técnicas modernas, as práticas agrícolas
desenvolvidas pelos “agricultores europeus” foram, em grande parte, apreendidas dos
trabalhadores nacionais, ou seja, em muitos casos continuaram a utilizar a coivara, em lotes
pequenos o que levou a uma degradação do solo. O tamanho pequeno dos lotes coloniais, a
degradação ambiental e o grande crescimento demográfico destas populações, na América, o
elementos estruturais de um processo de migração e “colonização” desta população pelo Brasil.
Sendo que tal modelo de colonização não produziu agricultores capitalistas, como
alguns esperavam no século XIX, e sim, um “campesinato específico”, que não corresponde ao
modelo de campesinato da Europa. Constituindo em um modelo de colonização que descartou a
população indígena”, e ajudou a “expropriar” a população nacional, classificada como cabocla,
“sem muitas chances de adquirir terras no regime de colonização”48 Ou, ainda, como argumenta
Seyferth:
[...] a redução do lote colonial, a chegar à média de 25 hectares, produziu
camponeses e não os pequenos fazendeiros capitalistas imaginados pelos setores
imigrantistas. O problema não estava, propriamente, na fixação da área do lote,
46
SEYFERTH, Giralda. Imigração, colonização e estrutura agrária. In: WOORTMANN, Ellen F.
(Org.). Significados da terra. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004. p. 69.
47
Ibid., p. 69-150.
48
Ibid., p. 139, passim.
250
mas nas restrições ao acesso, que praticamente inviabilizaram concessões a
filhos de imigrantes na mesma área, assim como na má qualidade das terras e no
pido esgotamento do solo por causa dos sistemas agrícolas vigentes no início
da exploração. Essa forma de agricultura camponesa foi definida por alguns
autores como parte de um processo de ‘caboclização’ designado como
‘primitivoou ‘pré-capitalistasupondo o ‘retrocesso econômicodo imigrante
europeu atribuído, em parte, ao tamanho do lote e à migração constante para
novas fronteiras agrícolas [...]
A migração [...] é um desdobramento lógico do modelo de colonização porque
está diretamente relacionada à questão da terra. Ela tem relação causal com a
necessidade de encontrar novas terras para as gerações vindouras, [...] afinal, o
lote de 25 hectares subdividido inviabiliza a produção social, daí o
deslocamento para novas fronteiras agrícolas - dentro e fora do país. Essa
mobilidade espacial tem outras causas igualmente relevantes, que também
ocasionaram invasões irregulares de lotes entre colonos e abandonos à revelia
das autoridades: a má qualidade das terras e distância em relação à sede colonial
foram causas determinantes da migração, mas também a separação da família
aparentada ou emigrada de uma mesma região, que reflete a impossibilidade de
escolha da terra, sobretudo nas colônias oficiais. Tal situação, comum nas áreas
mais antigas de ocupação, persistiu nas novas fronteiras agrícolas, aonde a
exploração da madeira e a especulação fundiária resultante da construção de
ferrovias realizada por particulares e companhias de colonização atingiram
uma outra população camponesa, os caboclos nacionais, em nome da
civilização.
49
Partindo deste quadro, Seyferth critica a interpretação de que a migração freqüente, dos
descendentes de europeus das grandes migrações do XIX e XX, foi gerada pela perda “pelos
imigrantes, de uma virtude camponesa essencial o apego a terra”. Pois se trata de um
essencialismo de uma “perda cultural”, “no qual, as condições reais de colonização em áreas
coloniais não são levadas em conta”, o que “aparece em Willems [...], por exemplo, para quem o
desapego pela terra e a troca de lote decorrem da abundância de terras virgens nas frentes
pioneiras.
50
Seyferth situa tal processo de imigração dentro das “estratégias familiares camponesas
de reprodução social.” A iniciar pelo processo pelo qual as “colônias mães” (colônias antigas)
produziram verdadeiras “colônias filhas”, pois:
49
Ibid., p. 143-4. Ressalva-se que a degradação gerada por tal modelo de coivara aplicada em pequenos
lotes deve ser relativizada. Afinal agricultores, descendentes destes imigrantes, que atualmente, em áreas
montanhosas, utilizam tal técnica, conseguindo manter-se viável como agricultor ainda hoje. Sendo que muito os
criticaram por manter tais técnicas “atrasadas, em nome da adoção de um padrão agrícola com a utilização de
máquinas automotoras agrícolas e alto uso de insumo químicos, vistas como menos degradantes que tais modelos
agrícolas “tradicionais”. SIMINSKI, Alexandre. Formações florestais secundárias como recurso para o
desenvolvimento rural e a conservação ambiental no litoral de Santa Catarina. 2004. Dissertação (Mestrado em
Recursos Genéticos Vegetais) Centro de Ciências Agrárias. Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis; DALMORA, Eliane. O Papel da Agricultura Familiar no Processo de Conservação da Mata
Atlântica em Santa Catarina: Modos de apropriação e transformações no sistema de gestão ambiental na década
de 1990. 2004. Tese (Interdisciplinar em Ciências Humanas) Centro de Filosofia e Ciências Humanas.
Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis.
50
SEYFERTH, 2004, op. cit., p. 144. A autora cita: WILLIMS, Emilio. A aculturação dos alemães no
Brasil. 2. ed. São Paulo: Cia Ed. Nacional, 1980.
251
[...] predominou o que os geógrafos definiram como povoamento rural disperso
– processo este que Roche (1969) denominou ‘enxamagem’, referindo-se à
expansão constante das colônias e à migração interna intensificada a partir da
segunda geração, forçada a repetir o ciclo pioneiro dos pais. A figura de retórica
usada por Roche é perfeita, pois, na apicultura, evoca a emigração de parte de
uma colméia, em companhia de uma rainha, para fundar nova colméia. Na
verdade, a migração para outras áreas abertas à colonização, quase sempre em
grupo de famílias, estava relacionada à reprodução social, pois era inviável a
permanência de todos os filhos casados no lote recebido pelo pai.’
51
Tal forma de migração estruturada permaneceu vigente até aproximadamente meados
do século XX. Nos grupos que adotaram a unigenitura, como no caso dos teuto-brasileiros do
Rio Grande do Sul, um dos filhos ficava com a casa-tronco”, com a responsabilidade de cuidar
dos pais e de continuar a tradição da família, plantada” na América, os demais filhos, ou
recebiam formação para exercerem atividades urbanas ou eram financiados para irem ocupar
novas terras da fronteira agrícola, ou ainda, eram excluídos da herança de terras, no caso de
mulheres que poderiam receber o dote. E mesmo nos grupos em que a herança indivisa não era
praticada ou quando ela era inviável, havia o esforço familiar de preservar a condição de
pequeno proprietário familiar.
52
Trabalhando com os teutos do Rio Grande do Sul, Ellen Woortmann afirma que entre
estes imigrantes havia um tema milenarista da América como espaço de redenção, um paraíso
uma gutes Land. Sendo que a América surge num discurso de inspiração bíblica como o lócus
de realização de um espaço destinado por Deus para a reconstrução de uma campesinidade e de
uma liberdade ameaçadas”.
53
No contexto da ‘Grande Transformaçãode que fala Polanyi [...] quando a terra
e o trabalho vão se transformando em mercadorias fictícias’ e por força do
‘grande moinho’ à perspectiva religiosa se acrescenta outra, de cater laico,
derivada, ainda que vagamente, do ideário da Revolução Francesa. Essa nova
perspectiva não elimina a anterior, mas com ela se articula. A terra passa a
ser vista como espaço de realização de oportunidades construídas pelo homem,
e a América é o lugar onde se pode realizar a asceno social e econômica, em
contraposão ao imobilismo e à impermeabilidade da Alemanha (grifo meu).
54
Para tal autora, o fato dos “camponeses” estarem ligados ao mercado, não elimina a sua
campesinidade”, aliás a trajetória de tais atores pode ser plenamente compreendida dentro
deste “projeto camponês”. Ou seja, dentro das estratégias camponesas de reprodução social. O
que não é válido apenas para os descendentes de imigrantes do Sul.
51
SEYFERTH, 2004, op. cit., p. 121. A autora cita: ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio
Grande do Sul. Proto Alegre: Globo, 1969. 2 v.
52
WOORTMANN, Ellen F. Ein gutes land: uma categoria do imaginário teuto-brasileiro. In: ______
(Org.). Significados da terra. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004. p. 23-68. WOORTMANN, Ellen F.
Herdeiros, Parentes e Compadres: Colonos do sul e sitiantes do Nordeste. São Paulo: HICITEC, 1995.
53
WOORTMANN, E., 2004, op. cit., p. 24.
54
Ibid., p. 24-25.
252
Segundo Zuleika Alvim, os imigrantes italianos, espanhóis, portugueses, dentre outros
que ocuparam as lavouras, em grande parte, imigraram vindos da Europa: “lutaram o quanto
puderam para fugir à proletarização, lutaram para manter seus valores, como o apego a terra e à
forma de viver. E é por esses valores que suas vidas nos outros países serão pautadas”.
55
Vieram
para América fugindo da miséria e da fome que lhes empurrava para a proletarização para
trabalhar nas lavouras cafeeiras, mas tal condição era pensada como provisória, queriam fazer
fortuna e voltar para Europa ou ter acesso a terra no Brasil.
Em São Paulo, as decadências de velhas fazendas de café que eram loteadas, mas
principalmente, a ampliação da fronteira agrícola, já na República Velha, abriram a possibilidade
de muitos destes imigrantes e seus descendentes se tornarem proprietários. Dessa forma, “com a
aquisição da pequena propriedade, o sonho de reconstrução do Velho Mundo se concretizava.
Isso, muitas vezes, consumiu dez ou vinte anos de labuta para imigrantes”. Assim, “finalmente
prevalecia à autonomia camponesa própria do imigrante, em que família e terra confundiam, em
que o público e o privado podiam viver em harmonia segundo os hábitos do mundo rural
pobre.”
56
Para Alvim, esses homens e mulheres alguns valores do mundo rural permaneciam
inabaláveis. O amor à terra era sem vida o maior deles, era o fulcro de suas existências, e toda
a ordenação destas estava voltada para a manutenção de seu pedaço de terra.
57
Todavia, ter “amor a terra” não implicava em permanecer sempre na mesma terra. Na
América era sempre possível, enriquecer, ou melhor, migrar para tentar enricar. Ao mesmo
tempo em que era necessário migrar, em virtude das condições estruturais semelhantes as do Sul,
para poder se manter como “camponeses”. Tendo a degradação ambiental, um fator importante,
neste processo de deslocamento, que acompanhou a “onda verde” do café.
E cabe uma pequena digressão sobre este ponto. A lavoura cafeeira é exemplar do
desflorestamento gerado pela aplicação da coivara em larga escala. O café, desde que iniciou a
produção em escala para exportação no Brasil, teve um cultivo itinerante, pois, para o seu
plantio, procedia-se da seguinte forma: desmatava-se uma área e fazia-se a queimada, o solo
ficava então coberto por uma camada fértil humos e cinzas. Todavia, as técnicas de cultivo
levavam a um rápido empobrecimento do solo, reduzindo a produção. O baixo preço da terra e a
sua abundância faziam com que derrubassem uma nova floresta e deslocassem a produção de
café para outra região. Assim, a cultura do café teve sempre três regiões, uma onde estava
penetrando, derrubando-se a mata; uma onde estava exuberante; e outra, onde os cafezais
55
ALVIM, Zuleika. Imigrantes: a vida privada dos pobres do campo. In: NOVAIS, Fernando A.
(Coord.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. v. 3. p. 16.
56
Ibid.
57
Ibid.
253
estavam decadentes. Monteiro Lobato denominou este fenômeno de “onda verde” do café. Onda,
aliás, que deixava um rastro de degradação ambiental, por onde ela passava, deixava um
ecossistema empobrecido, assim como algumas fortunas. Deste modo, a lavoura cafeeira,
primeiro ocupou o litoral do Rio de Janeiro, no início do século XIX, subiu a serra do Vale do
Paraíba, desceu através do Estado de São Paulo e, no início do século XX, chegou às fronteiras
paranaenses.
58
Tal processo, a expansão da frente agrícola cafeeira paulista, inviabilizou, em grande
parte, as bases ecomico-sociais do modo de vida caipira. Estes nacionais que praticavam uma
agricultura de coivara no interior da então província de São Paulo, nos séculos XVIII e XIX,
sendo uma agricultura que tinha a capacidade de se reproduzir ecologicamente por longo prazo.
Foi à expansão da lavoura cafeeira e o crescimento demográfico que acabaram com a abundância
de terras, colocando cercas nas propriedades, aumentando o nível de exploração da terra e,
conseqüentemente, o nível de degradação inviabilizou tal forma de cultivo e contribuiu para a
expropriação dos “caipiras”.
59
Obrigando muitos destes “trabalhadores nacionais” a se ocuparem
nas fazendas cafeeiras, em atividades que lhes eram pprias, durante o XIX, como a derrubada
de florestas para o cultivo do café. Essa “onda verde” atingindo o Norte da região de Campo
Mourão na década de 1940, na área de Floresta Estacional Semidecidual, e não desceu mais,
devido ao limite climático gerado pela baixa resistência dos cafezais ao frio.
A pequena propriedade familiar, aparentemente, no Norte do Paraná, o iria modificar
a dinâmica desta “onde verde” de degradação ambiental. Ao mesmo tempo em que permitiriam a
alguns destes imigrantes e seus descentes ascenderem a condição de fazendeiros. Esta nova
perspectiva de enricar não elimina a anterior de se manter como “camponês”, mas com ela se
articula. Sem eliminar os “valores do mundo rural”, mas reelaborando-os na produção de uma
campesinidade, pensada como uma “ordem moral, como faz Klaas Woortmann.
Ao afirmar na existência de uma “campesinidade”, Woortmann acompanha
Anton Vassilievich Chayanov, que teorizou as condições de existência do
campesinato, mostrando que o trabalho familiar, como era desenvolvido pelos
camponeses, estabelecera estragias de sobrevivência frente a regimes
econômicos adversos, muitas vezes através de sua própria auto-exploração
(aumento das horas de trabalho, colocação dos filhos no processo de trabalho
58
Neste período tão longo, houve mudanças nas técnicas de cultivo da lavoura cafeeira, porém, o
impediram a continuidade do seu ciclo de devastação, somente no processo de erradicação e racionalização da
cafeicultura na década de 1960 tem-se resultados mais efetivos neste sentido. Ver: DEAN, Warren. A ferro e fogo:
A história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. passim;
DRUMMOND, JoAugusto. Devastação e preservação ambiental: Os parques nacionais do Estado do Rio de
Janeiro. Niterói: EDUFF, 1997. p. 95 et. seq.
59
Sobre os “caipiras” paulistas, ver: MELO E SOUZA, Antôniondido. Os parceiros do Rio
Bonito: Estudos sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 2. ed. São Paulo: Duas Cidades,
1971.
254
em idades muito precoces, etc), conseguindo desta forma, manter-se como um
dos personagens políticos básicos da modernidade.
60
Sendo que para tal grupo:
[...] a proletarização seria um horizonte extremo, poucas vezes colocado de
forma única para a empresa camponesa. Muitos dos filhos das unidades
camponesas, isto sim, proletarizar-se-iam, fornecendo ora trabalhadores para a
agroindústria, ora material humano para o êxodo rural. A unidade familiar,
contudo, manter-se-ia utilizando-se mesmo de tal diferenciação demográfica
como estratégia de continuidade. Para Chayanov o conceito de penalização do
trabalho, ou tyagostnot, aparece como elemento central do universo mental do
produtor, capaz de considerar a manutenção da unidade familiar, enquanto
empresa produtora, mais importante do que o destino individual, ou o
sofrimento do trabalho, de cada um dos seus membros.
61
Todavia, Woortmann se afasta da perspectiva economicizada” de Chayanov não
abordando a campesinidade apenas como unidade de produção, mas no contexto de “um contrato
social fundado na reciprocidade enquanto valor.”
62
Ademais, se refere a campesinidade” como uma “ordem moral”, da qual nem todos os
pequenos produtores rurais compartilhariam. Conseqüentemente, falar em campesinidade não
implica tentar usar uma classificação sociológica de camponês, mas pensar em uma ética
presente em maior ou menor grau em distintos grupos específicos. Dessa forma, é possível
imaginar um contínuo, que tanto pode ser prensado no tempo como no espaço, ao longo do qual
se movem os pequenos produtores, desde um lo de máxima até outro de mínima
campesinidade.”
63
E ressalta Klaas Woortmann:
Esta tentativa se afasta, portanto, da tendência economicista que o
campesinato como um modo de produção com sua lógica própria ou como o
resultado de determinações impostas pela lógica do capital, mesmo porque,
como ressalta Taussig (1983:10), se o mercado domina o campesinato, ele não o
organiza.
64
Destaco aqui apenas um dos elementos desta “ordem moral”, a qual Klaas Woortmann
busca modelizar, o significado da terra. Por ser uma categoria central nesta pesquisa e uma
categoria nucleante na campesinidade. Afirma Klaas Woortmann:
Percebo a cultura ainda como um sistema onde diferentes núcleos de
representações estão em comunicação uns com os outros, como que formando
uma rede de significados. Essas categorias nucleantes agregam conjuntos de
significações, os quais, em sua comunicação dentro do universo de
representações, se articulam e compõem uma totalidade. Essas categorias o
60
LINHARES; SILVA, 1999, op. cit., p. 35.
61
Ibid., p. 36.
62
WOORTMANN, Klaas. “Com parente não se neguceia”: O Campesinato como ordem moral.
Anuário Antropológico, Brasília, p. 11-73, 1987. p. 12.
63
Ibid., p. 13.
64
Ibid., p. 12. Citando: TAUSSIG, M. The Devil and Commodity Fetishism in South America.
Chepel Hill: The University of North Carolina Press, 1983.
255
também nucleantes no plano do discurso, isto é, elas organizam o discurso e a
cultura pode ser vista como um conjunto de discursos. Assim, naturalmente,
cada cultura terá categorias nucleantes específicas, mas, ao que parece, existem
certas categorias comuns às sociedades camponesas em geral, como terra,
família e trabalho.O importante, contudo, não é que sejam comuns pois elas
estão presentes, também, em culturas urbanas mas que sejam nucleantes e,
sobretudo, relacionadas, isto é, uma não existe sem a outra. Nas culturas
camponesas, não se pensa a terra sem pensar a falia e o trabalho, assim como
não se pensa o trabalho sem pensar a terra e a família. Por outro lado, essas
categorias se vinculam estreitamente a valores e a princípios organizatórios
centrais, como a honra e a hierarquia. Pode-se opor esse tipo de sociedade às
sociedades modernas, individualizadas e voltadas para o mercado; em outras
palavras, pode-se opor uma ordem moral a uma ordem econômica.
65
Dessa forma, por exemplo, a condição de liberto é realizada plenamente pelo sitiante
ou pelo agricultor, na media em que este, enquanto pai, tem o controle sobre a terra, o trabalho e
o tempo.”
66
Ter acesso a terra significava atingir a “autonomia”, cumprir plenamente a função de
pai”, ser um “liberto” e não simplesmente uma forma de ampliar seus ganhos econômicos.
Nessa perspectiva, não se vê a terra como objeto de trabalho, mas como
expressão de uma moralidade; não em sua exterioridade como fator de
produção, mas como algo pensado e representado no contexto de valorações
éticas. -se a terra, não como natureza sobre a qual se projeta o trabalho de um
grupo doméstico, mas como patrimônio familiar, sobre a qual se faz o trabalho
que constrói a família enquanto valor. Como patrimônio, ou, como dádiva de
Deus, a terra não é simplesmente coisa ou mercadoria.
67
Nos casos de máxima campesinidade, a terra está fora do mercado “encapsulada nas
relações sociais”, pois a terra como uma dádiva de Deus é parte do patrimônioda família.
Assim, no caso nordestino estudado por Woortmann, “é no Sítio, onde a terra não é livre, pois é
pensada como um patrimônio que deve passar de geração a geração dentro de um território de
parentesco, que se é liberto. O mesmo se pode dizer com relação à Casa-Tronco teuto-brasileira,
análoga à Maison camponesa na França, onde a terra é presa a uma ordem moral e não livre no
mercado.”
68
Todavia, o fato de haver venda da terra, o altera o fato de ser uma categoria
nucleante, com maior ou menor campesinidade.
69
Dentro desta perspectiva, o se é dono simplesmente por ter comprado. “É-se dono,
o por se ter comprado a terra, mas por tê-la trabalhado”.
70
José de Souza Martins aponta uma
versão mais histórica e menos estrutural para tal concepção:
65
WOORTMANN, 1987, op. cit., p. 23.
66
Ibid., p. 44.
67
Ibid., p. 12.
68
Ibid., p. 44.
69
LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII.
Tradução Cynthia Marques de Oliveira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. p. 45.
70
WOORTMANN, 1987, op. cit., p. 28.
256
Uma característica importante da frente de expansão em todo o país, para datá-
la historicamente, é que quando se deslocavam juntos ricos e pobres
deslocavam-se com base nos direitos assegurados pelo regime sesmarial.
Embora o regime de sesmarias tenha cessado às speras da Independência e só
tenha sido substituído por um novo regime fundiário com a Lei de Terras de
1850, ele continuou norteando as concepções de direito à terra de ricos e pobres
e, em muitos casos, norteia aagora. A concepção de que é preciso ocupar a
terra com trabalho (na derrubada da mata e no seu cultivo) antes de obter
reconhecimento de direito, era próprio do regime sesmarial. Do mesmo modo, a
concepção de que o trabalho gera direito de propriedade sobre os frutos do
trabalho também era próprio desse regime fundiário. Nele, o domínio estava
separado da posse. O domínio era da Coroa. Quando, por acaso, o sesmeiro
deixasse de cultivar a terra ou de obter dela frutos para pagar tributos, a terra se
tornava devoluta (ou realenga, como eno se dizia, isto é pertencente ao rei).
Podia por isso ser novamente distribuída pelo representante da Coroa, bastando
que alguém a ocupasse e, depois, a requeresse, como ocorreu freqüentemente.
Do mesmo modo, a casa de um agregado construída em terras de sesmaria ou
data de outrem, bem como suas roças e cultivos, não sendo ele escravo, lhe
pertenciam legalmente, sendo a relação com o sesmeiro apenas relação de
enfiteuse. Portanto, o trabalho de fato gerava direito sobre bens produzidos e
sobre a terra beneficiada ou, melhor, sobre o benefício incorporado a terra,
como era o caso do desmatamento.
71
Martins, ao argumentar sobre estas persistências do “imaginário monárquico”, na frente
de expansão, afirma que isto não se deve apenas a “arcaísmos religiosos”, “mas também a uma
concepção de direito muito próxima dos pobres: a dos direitos (de uso) gerados pelo trabalho em
oposição aos direitos (de propriedade) gerados pelo dinheiro”.
72
De qualquer forma, e
independente da gênese, este é um fator importante para entender a persistência dos lavradores
da região de Campo Mourão em permanecer na terra. Eles tinham uma concepção que teriam
direito a terra, ou pelo menos teriam direito ao trabalho que produziram na terra, ou seja, as
benfeitorias geradas no imóvel.
Klaas Woortmann aponta o quanto o deslocamento destes grupos esteve orientado por
uma ordem moral camponesa, inclusive no Paraná, em que encontramos invasores,
descendentes de colonos europeus (alemãs, italianos, polonês) que buscam restaurar uma
tradição centrada no valor-família e no parentesco.” Tais terras seriam invadidas comoterras de
casamento”. Ou seja, a “invasão visa constituir unidades sociais coerentes com os valores do
colono, como resposta a uma situação que impossibilita a transmissão do patrimônio. Visto de
outro ângulo, esse movimento social objetiva criar as condições de constituição do pai e da
família.”
73
Tais “invasões” são uma prática aparentemente subversiva”, na medida em que se
71
MARTINS, José de Souza. O tempo da fronteira: retorno à controrsia sobre o tempo histórico da
frente de expansão e da frente pioneira. Tempo Social, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 25-70, maio, 1996. p. 43-4.
72
Ibid., 1996, op. cit., p. 44.
73
VIANNA, A. Terra de Casamento. Comunicação apresentada à 15ª Reunião da Associação Brasileira
de Antropologia, Curitiba, 1986. apud: WOORTMANN, 1987, op. cit., p. 15.
257
opõe ao princípio da propriedade mercantil, era organizada pelos valores camponeses.
Subverte-se, no caso, a ordem econômica para reinstalar a ordem moral.
74
Assim como a Lei de Terras de 1850 o transformou automaticamente a terra em uma
mercadoria, como qualquer outra, a criação da propriedade não instala automaticamente ou
necessariamente uma racionalidade mercantil”. Diferente do que afirma Duglas Teixeira
Monteiro para o Norte do Paraná”:
Mannheim, ao se referir às fases iniciais da expansão capitalista e à motivação
dos agentes, afirma que ‘o conceito de propriedade privada opera na mente do
indivíduo como uma força dinâmica, incitando-o continuamente a arriscar seu
capital, a economizar os ganhos para nova acumulação e novas inversões, a
deixar o ócio e o prazer em troca do poder e dos lucros’ Esta descrão vale para
a mentalidade do pioneiro, plantador de café ou dirigente da colonização no
Norte do Para (grifo meu).
75
Como afirma Thompson, “os valores resistem a ser perdidos bem como a ser ganhos”. É
sempre enganoso pensar uma “mentalidade”, uma forma de pensar homogênea e, ainda mais,
que se estabeleceria como conseqüência de uma mudança técnica ou por uma “nova” condição
social objetiva, a de proprietário.
76
Para não cair neste enganos, postulo que o
pioneiro/plantador-de-café/colono”, assim como o caboclo compartilhavam em certo grau uma
campesinidade, esta não desapareceu mesmo para a minoria que teve acesso a propriedade da
terra. Todavia, não se afirma que estavam programados por uma “ordem tradicional/moral” que
orientavam sua conduta, mas jogavam entre esta, a uma ordem mercantil”.
Isto posto, posso afirmar que Rivail Carvalho Rolim está, em parte, equivocado a
respeito da racionalidade que orientou os lavradores no processo de colonização dirigida no
Norte do Paraná, quando afirma que:
[...] é possível afirmar que o pioneiro ávido pelo lucro, tanto com o comércio
da madeira, quanto no uso do solo para a prática da cultura agrícola, usava
74
WOORTMANN, 1987, op. cit., p. 15.
75
MONTEIRO, 1961, op. cit., p. 48. Citando: MANNHEIM, K. Libertad, Poder y Planificacn
Democrática, p. 31. Nesta linha, ainda, Lopes afirma que no Norte do Paraná: “as terras se tornam mercadorias
como quaisquer outras, com valor de uso e valor de troca. [...] O mercado de terra e de força de trabalho existiam
plenamente no Norte Novo no começo dos anos 60, quando a fronteira agrícola move-se para o sudeste.” LOPES,
1982, op. cit., p. 64, 175.
76
THOMPSON, E. P. Costumes em Comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. Tradução
Rosaura Eichemberg. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 267-304. p. 301. Monteiro identifica, entretanto,
no Norte do Paraná, o que denomina de “desenraizamento”, a ruptura de vinculações mantidas dentro de um “estilo
pré-capitalista de vida”. Desta forma, argumenta que rias práticas e saberes tradicionais não conseguem mais se
estabelecer plenamente em virtude da “ação das forças sociais que atuam na sociedade local”, diria-se do “moinho
satânico”. E assevera que para “aqueles que conseguiram êxito econômico, a questão se coloca de forma diversa e
menos grave do que para aqueles, os quais, tendo adquirido novas necessidades, não têm meios de satisfazê-las, e,
tendo perdido as soluções antigas, não têm possibilidade de adotar as novas (MONTEIRO, 1961, op. cit., p. 55-56).
258
intensamente seus instrumentos, como machado, o fogo, o arado, a enxada e
também as queimadas e destruía as matas que cobriam esta região (grifo meu).
77
Não se trata de afirmar que grandes empresas não estivessem buscando o lucro, e que
mesmo os lavradores o tivessem. Mas, como afirma José de Souza Martins, não se pode reduzir a
lógica dos “padrões camponês de produçãoà lógica dos “padrões empresariais”. Pois, desse
tipo de “interpretação desaparecem os componentes propriamente históricos e antropológicos da
vida do campesinato de fronteira, isto é, o seu próprio e característico cálculo, como se o
camponês da fronteira fosse apenas um capitalista em miniatura.”
78
Ou seja, não se pode tratá-los
como Homo economicus. Não por motivos morais, mas a escolha por Rolim de denominar os
lavradores pelo epíteto de “pioneiros”, indica que tal interpretação “está demasiado ligada às
representações que nunca deixaram de ser sugeridas pelas próprias lógicas do poder, que
pretendiam ditar até a maneira de se opor a elas”.
79
A afirmação de um “pioneiro ávido pelo lucro” parece contraditória com a afirmação de
que o colono que “amava a terra”. Mas ambos partem de uma memória dos pioneiros”, com a
diferença que no primeiro caso busca-se deslegitimar a ação vista como movida por uma “ordem
econômica”; no segundo caso, busca-se legitimar a ação vista como movida por uma “ordem
moral”. E, em ambos, se oem a um Outro, o “caboclo errante, não-capitalista” que não tinha
amor” a terra, um representante da tradição do perdularismo, quando não um “preguiçoso
incorrigível”.
Tal contraposição não permite perceber a continuidade existente de uma campesinidade,
de um conjunto de valores que orientava estas pessoas na reprodução de uma dada autonomia. A
quais era permanentemente ameaçada pelo conflito por terras, em que se defrontavam com
grandes fazendeiros, industriais ou mesmo com uma classe média urbana que procurava se
apropriar da renda capitalista da terra – por exemplo, comprando barato do Estado, grandes áreas
em plena valorização, e vendendo-as em lotes menores, um excelente negócio naquele momento
o que excluía os mais pobres do acesso a terra e contribuía para forçar os lavradores a se
subordinar nas relações de trabalho.
São nestas bases sociais e ecológicas que se pode compreender melhor a diversidade e a
forma como lavradores buscaram fazer posse no sertão.
77
ROLIM, Rivail Carvalho. Progresso e Destruição. História & Ensino, Londrina, n. 1, p. 23-32,
1995. p. 28.
78
MARTINS, 1996, op. cit., p. 62.
79
REVEL, Jacques. Microanálise e construção do social. In: _______. (Org.). Jogos de escalas: A
experiência da microanálise. Tradução Dora Rocha. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p. 15-38. p. 29.
259
4.3 INSPIRAR AMOR A TERRA: DESMONTAR OS MECANISMOS DE
REPRODUÇÃO E AUTO-EQUILÍBRIO
O projeto modernizador da colonização racional desmontava os “mecanismos
existentes de reprodução e auto-equilíbrio
80
da população livre pobre “nacional”, e daqueles
imigrantes que por condições sócio-ambientais vieram adotar práticas semelhantes.
81
Já foi
efetuada tal argumentação, quando se procurou indicar como a tecnoburocracia deslegitimava o
intruso e sua forma de agricultura, no processo de disputa por acesso a terra. Mas devo reforçar
tal argumentação. Uma passagem exemplar desta posição deslegitimadora se encontra na
exposição de motivos da elaboração do plano de colonização efetuada diretamente pelo Governo,
segundo uma comissão que atuou quase 10 anos depois:
Visando reprimir tão abusiva quão perniciosa atividade (a localização
desordenada e espontânea dos que se dedicavam às atividades agrícolas),
preservando o patrimônio territorial público da inevitável devastação que se
processava por aquele meio, bem como solucionar gradativamente o problema
da colonização planejada de famílias nacionais em terras de domínio do Estado,
objetivando, simultaneamente, sistematizar a ocupação das terras públicas, por
meio de iniciativas que possibilitassem circunscrever a determinadas áreas,
previamente demarcadas, a excessiva expansão e conseqüente isolamento das
famílias de agricultores nacionais, cuja tendência é a exploração individual
de grandes áreas em mata virgem, estimando-lhes por este modo o amor e
o zelo por aquilo que iria constituir seu patrimônio próprio, com respeito à
propriedade territorial pública, o Departamento de Geografia, Terras e
Colonização elaborou um plano de colonização que veio ao encontro do
programa administrativo traçado pelo Governo do Estado, para o incremento
dos respectivos serviços, cuja influência social, econômica e política é de
grande alcance e interesse coletivo’ (grifo meu).
82
O aspecto mais trágico desta busca de “fixar o homem” no solo e evitar um povoamento
disperso”, não estava apenas em ignorar as fortes relações de reciprocidade que ligavam estas
pessoas “isoladas”,
83
mas no fato das bases ecológicas de uma agricultura de coivara demandava,
em geral, uma população menos densa e a não utilização para o plantio de toda a área. Dessa
80
BAUMAN, 1999, op. cit., p. 29.
81
Para uma descrição detalhadas e modelação de como os aspectos geo-bio-físicos destes
agroecossitemas “tradicionais” são, em geral, desmontados pelos agroecossistemas modernos. Ver: ALTIERI,
Miguel. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. Tradução Eli Lino de Jesus, Patrícia Vaz.
Guaíba: Agropecuária, 2002. 179 et. seq.
82
PARANÁ. Relatório apresentado ao Exmo. Snr. Dr. Benjamim de Andrade Mourão, D.D. Secretario
de Viação e Obras Publicas, pela Comissão incumbida de proceder o tombamento geral de todos os serviços
atinentes à colonização e as medições, em tratos isolados, executados na zona Norte e Oeste do Estado, em
obediência à Portaria n. 161, de 19 de maio de 1947. Curitiba, 29 de setembro de 1947. p. 7. apud: LOPES, 1982,
op. cit., p. 167.
83
MONTEIRO, 1961, op. cit., p. 55; MELO E SOUZA, op. cit.,1971.
260
forma, o projeto modernizador repudiava justamente o que permitia certo equilíbrio ecológico
nas práticas agrícolas então utilizadas.
84
Na história das grandes imigrações européias para o Sul do Brasil a rejeição da coivara
esteve associada a sua utilização em bases menos sustentáveis. O fato de os imigrantes europeus
e seus descendentes terem adotado as práticas básicas de cultivo da coivara, mas em pequenas
propriedades, foi um dos fatores que contribuiu para a mobilidade espacial relativamente alta
destes grupos, como indicado. Embora se tenham desenvolvido modelos de manejo que, em
alguns casos, mais sustentáveis e ainda hoje praticados.
85
O caso narrado por Paulo Zarth é mais
exemplar desta relão: no final do XIX, no Noroeste do Rio Grande do Sul, diante da crise da
produção tradicional, em especial de erva-mate, uma solução pensada pela elite regional era
trazer “imigrantes alemães e italianos do Norte”, para desenvolver uma agricultura moderna”,
pois estes teriam a capacidade que faltava ao trabalhador nacional. Neste caso, o “europeu” seria
melhor produtor por sua capacidade de trabalho e de inovação tecnológica, superior à aplicada na
região pelos caboclos”.
86
Todavia, a
[...] tecnologia utilizada pelos agricultores nacionais na região era determinada pelas
próprias condições ecológicas e econômicas e, nesse sentido, era racionalmente adequada,
ou seja, o se tratava de simples ignorância, mas, sim, de um outro raciocínio
econômico, que privilegiava os recursos naturais disponíveis.
87
No caso da agricultura do Noroeste do Rio Grande do Sul, a partir da década de 1950,
os filhos dos lavradores, que foram instalados na região para “modernizar a agricultura”,
sofreram com a crise na agricultura, gerada em parte pela degradação do solo. Então passaram a
ser tomados como os “atrasados” que deveriam ser modernizados, agora com o modelo da
revolução verde”.
88
Portanto, voltando, para o caso de Campo Mourão, pode-se afirmar que o “amor e o
zeloa terra, que oficialmente os idealizadores do projeto modernizador queriam produzir nos
intrusos, era uma forma de ampliar a degradação ambiental, pois ter amor a terra” era,
basicamente, fazê-la produzir intensamente.
A atividade dos “safristas” é um exemplo de como a “fixação do homem no solo
eliminava a possibilidade da reprodução da atividade tal como era praticada. Por mais que tais
84
Com isto não se quer afirmar que a agricultura de coivara não pode gerar grandes impactos
ambientais. Apenas, como indicam rios trabalhos, na agroecologia e na etno-agricultura, ela pode ser sustentável
em longo prazo em dadas condições sócio-ambientais. Ver: ALTIERI, 2002, op. cit.
85
Ver nota 49.
86
ZARTH, Paulo Afonso. História Regional/História Global: uma história social da agricultura no
Noroeste do Rio Grande do Sul (Brasil). História: debates e tendências, Passo Fundo. v. 1, n.1, p. 190-128, jun.
1999. p. 115.
87
Ibid., p. 115.
88
Ibid.
261
técnicas tradicionais não estivessem fora do sistema-mundo capitalista, como indicado no
primeiro capítulo, como no caso dos safristas”, uma vez que as poticas industrializantes e
infra-estrutura de transporte foram fundamentais para a ampliação de tal atividade no sertão do
Paraná no século XX.
Pierre Monbeig afirma sobre os “pioneiros” em 1949:
O avanço pioneiro proveniente de São Paulo, tradicionalmente baseado na
cultura do café, encontra aqui outras correntes de povoamento. Ao sul do
espigão Londrina-Apurarana, quando se vai em dirão a São Sebastião,
encontram-se outros pioneiros paulistas, que vieram dos municípios vizinhos à
fronteira com o Estado do Paraná (Itararé e Faxina). São criadores de porcos
que, depois de fazer queimadas e semear o milho, soltam os animais no campo
até a engorda. São chamados ‘safristas’ e não se fixam a terra, portanto nada
têm em comum com o pioneiro que planta ca e algodão. Junto à margem
direita do Ivaí, onde tomaram pé alguns derrubadores de mata, vindos de
Londrina, o mesmo tipo de contato. Campo Mourão parece ser atualmente
[em 1949] o extremo de uma corrente migratório [sic] que vem do Rio Grande
do Sul e de Santa Catarina, migração essa também de ‘safristas’ que tudo
ignoram das culturas tropicais.
Atualmente as duas correntes pioneiras superpõem-se curiosamente, os paulistas
procurando as boas terras roxas, que ficam nas partes baixas do vale do Ivaí,
enquanto os ‘safristas’ vindos do sul preferem os solos pobres dos altos.
89
Lucidio Marcos Trindade, era um destes safristas”, mas com algumas especificidades
em sua trajetória de vida. Nascido em 1914 em Carlopes, no Norte Velho do Paraná, criava
porcos em uma área de 145,2 hectares de terras, vendendo os suínos em Santo Antonio da
Platina, sendo os mesmos levados para São Paulo ou Curitiba. Mas teve um grande prejuízo com
a “peste suína” e procurou “melhora em Campo Mourão”. Mudou-se em 1949 para o atual
Município de Quinta do Sol, trabalhando como capataz em uma fazenda, onde iniciou o plantio
de café com trabalhadores “assalariados”, segundo ele, não utilizavam “porcenteiroporque eles
ganhavam muito”, mas os trabalhadores se “revoltarame colocaram fogo no cafezal. Mais
tarde, a fazenda foi dividida em lotes menores. O senhor Lucidio recebeu do acertocom a
fazenda 48,4 hectares de terras da própria fazenda. Dessa forma, o senhor Lucidio conseguiu
retornar a condição de “pai”, retornar a sua condição de autonomia. Não conseguiu enricar, mas
se defendeu e manteve-se na condição de pequeno proprietário familiar até sua morte em 1999.
90
No conjunto de “pioneiros” entrevistados pelo principal jornal de Campo Mourão,
também localizei “safristas”, como Francisca Teodora Pereira e João Teodoro de Oliveira. Ele
nasceu em Campo Mourão dia 1 de abril de 1915, foi identificado como tendo sido “lavrador e
89
MONBEING, Pierre. Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo. Tradução Ary França e Raul de
Andrade e Silva. São Paulo: HUCITEC, 1984. p. 207.
90
TRINDADE, Lucidio Marcos. Lucidio Marcos Trindade: depoimento [21 jul. 1998]. Entrevistador:
Ely Bergo de Carvalho. Quinta do Sol, 1998. 4 fitas cassete.
262
safrista de porcos.” Ela afirma que nunca teve “‘medo de nada. Ficava e dormia sozinha no meio
do sertão’”. Casados, João e Francisca montaram um ranchinho na beira do Rio da Várzea e
abriram a Fazenda São João: ‘por mais de trinta anos fomos safristas de porcos e também
plantava café.’”
91
Um outro caso é o da família de José Arana, nascido em Ponta Grossa em 1924, filho de
um fotógrafo, mudo-se para Campo Mourão na década de 1940, sendo que podia ser
identificado, em dado período, como “safrista”:
Safras – [...] A falia Arana com o início do desmatamento a base da ‘coivara’
(queima das árvores derrubadas) e a abertura da terra, passou a criar cavalos e
porcos meio soltos que, uma vez por ano (safra) eram reunidos confinados nas
roças de milho para ganharem peso, tocados a por entre matas e rios,
vendidos no patrimônio de Apucarana, em jornadas que duravam cerca de um
s.
Barreiras Nesta viagem o maior obstáculo era o Rio Ivaí, atravessado a nado.
Quando chovia precisava acampar e esperar a água baixar, dias e às vezes
semanas. José Arana também foi ‘tocador’ de tropas de mulas (cargueiros) e
‘puxadorde porcos. Esse trabalho “madrinheiro” geralmente era executado por
um rapazote que ia à frente da tropa com a ‘égua madrinha’ (sinoeiro) ou
chamando a porcada. Dispunha de um bornal de pano, sempre cheio de milho
debulhado, a tiracolo. O milho jogado a pequenos lanços é o que atraia e
mantinha os porcos reunidos na trilha. Os de trás atropelavam os da frente por
causa do alimento, e assim iam. Á noite faziam-se cercas’ de galhos de
arbustos para ‘prender’ os animais. Mantinha-se fogueira acesa para ‘espantar
as onças. Os cachorros mateiros eram indispensáveis nestas viagens.
Pressentiam e ‘avisavam’ (ladravam) qualquer barulhinho ou aproximação.
92
Todavia, o processo de colonização dirigida impedia a criação de porcos “soltos”, pois
gerava conflitos com os vizinhos. Como narra Manoel do Nascimento, que no início da década
de 1950, a família com a qual estava vivendo mudou-se de Guarapuava para Juranda, pois
estavam com “saudades dos filhos”, que moravam na região, abriram a “fazenda Salmo 23”,
com 242 hectares. Afirma que os porcos eram adquiridos na fazenda por um comprador que os
vinha buscar com um caminhão, mas que, tiveram que parar com as “‘bem sucedidas safras de
porcos, que não podiam mais ser criadas soltas por causa das plantações dos vizinhos
fazendeiros, que rapidamente se estabeleceram em volta da Fazenda Salmo 23’ (grifo meu)”.
93
Nos processos uma ação de reintegração, de um lote de 146,7 hectares, na Colônia
Muquilão, de propriedade de Carlos Caetano de Gouveia, que entrou com tal ação contra
Joaquim Nogueira, alegando que, em 1963, “o réu, com alguns empregados, invadiu a posse dos
91
BATHKE JÜNIOR, Wille. Francisca Teodora Pereira, 41. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 9
jun. 2002. Especial: Projeto Raízes.
92
BATHKE JÜNIOR, Wille. José Luiz Arana, 35. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 28 abr. 2002.
Especial: Projeto Raízes. (com informações de Lúcio Arana).
263
suplicantes e aí passaram a construir e a plantar milho em área onde se procedia a formão de
pastagens, cuja intenção (do réu) é fazer uma ‘safra de porcos’, praticando, assim, esbulho da
posse dos requerentes.”
94
As testemunhas do autor esclarecem melhor o caso. Como o
testemunho de Wilhelm Hans, aleo, lavrador, 52 anos que afirmou: “Joaquim Nogueira é
proprietário nas vizinhanças; que de fato Joaquim Nogueira ficou no lote 19-A até agosto de
1963, no fito de cuidar de uma safra, dali desinteressando-se, quando então [...] a posse do
terreno ficou definitivamente para o requerente e proprietário, da terra.”
95
Havia um acordo entre
as partes que, depois da utilização da área para a “safra de porcos”, Joaquim Nogueira deveria,
em troca da utilização da área, plantar gramíneas para formação de pastos. O que, segundo outra
testemunha, o foi realizado, mesmo assim “depois da queima que assolou todo Estado do
Paraná, permitindo a limpeza integral do terreno onde fazia safra, Joaquim Nogueira, este
indevidamente, voltou a fazer roças naquele local contra a vontade do dono”.
96
O processo
termina com uma “composição amigável” entre as partes.
97
Assim como “fazer safras” a coivara perde sua lógica ambiental quando se “fixa o
homem ao solo”. Mas isto não implicava que aqueles que adotavam uma agricultura de coivara
estivessem “errantes”. É evidente que na coivara “há sempre necessidade de novas terras (e,
portanto, de paulatino deslocamento dos agricultores em direção a terras virgens).”
98
Todavia,
era um deslocamento local, que não implicava a mudança da família, o deslocamento para novas
áreas era menos freqüente e, muitas vezes, provocado pelo conflito por terras, como afirma
Martins: “entre 1940 e 1960, as famílias camponesas da fronteira podiam esperar ter que se
mover para uma nova terra apenas uma ou duas vezes em sua vida, incluindo aí, o deslocamento
provocado pela exaustão do solo.
99
A imagem do caboclo errante vem deslegitimar as práticas
agrícolas destes lavradores, assim como o “amor a terra” produtiva, a qual a colonização
racional procurava incutir, acabava por desmontar mecanismos de auto-equilíbrio presente em
tais práticas.
93
BATHKE JÜNIOR, Wille. Manoel do Nascimento, 45. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 7 jul.
2002. Especial: Projeto Raízes.
94
Processo nº 691 de 1963. Ação de Reintegração. Requerente: Carlos Caetano de Gouveia. Requerido:
Joaquim Nogueira. Arquivo da Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras de Campo Mourão - FECILCAM. p. 2.
95
Ibid.
96
Ibid., p. 7.
97
Ibid.
98
MARTINS, 1996, op. cit., p. 50.
99
Ibid., p. 61.
264
4.4 INSPIRAR AMOR ÀS ÁRVORES: LAVRADORES, MADEIREIRAS E
DESFLORESTAMENTO
Já no início do século XX, o Pe. Max Von Lassberg em conferência de abertura da nova
assembléia geral da Associão Riograndense de Agricultores, denunciava:
Os colonizadores, individualmente considerados, costumavam, e isto era mais
do que natural, preocupar-se em obter, o mais depressa possível, resultados
concretos. Derrubavam, no menor espaço de tempo possível a mata do seu lote
colonial, utilizavam alguma madeira para atender às necessidades próprias.
Somente em situações especiais e não muito freqüentes, vendiam alguma
coisa. Livravam-se do restante das árvores abatidas, queimando-as ou, na
melhor das hipóteses, amontoando-as e entregando-as á decomposição.
Essa estratégia universalmente difundida, vinha acompanhada de seus riscos.
Não raro, em questão de poucos anos, não sobrava, aos colonizadores, a
madeira suficiente para suprir as necessidades diárias de lenha. O dano, no caso,
era duplo. De um lado, o próprio colono via-se forçado a comprar a madeira de
construção e a lenha. Do outro lado, como essa forma de proceder era comum, a
coletividade, em pouco tempo, exauria suas reservas de madeira. Prejudicava-
se, como é óbvio, o dono do lote colonial e prejudicava-se a rego, o Estado e o
próprio País.
100
Um dos pressupostos desta pesquisa é que tal comportamento é considerado como o
“natural”, mas sócio-cultural-ambientalmente construído. E a inter-relação de lavradores e
florestas apresentava muitas variáveis. Se for correto que hoje os agricultores, pequenos ou
grandes, que podem se identificar como pioneiros”, constrram uma memória sobre a
floresta/sertão, como sendo esta um “nada”, um marco zero em que se começa a construir a
civilização, um obstáculo e um perigo para a realização dos sonhos daqueles que migraram para
a região.
101
Todavia, mesmo para aqueles que vieram com a colonização dirigida a floresta
poderia ser um espaço de liberdade.
102
Marcos Gerhadt, estudando a “Colonia Ijuhy”, situada no
interior do Rio Grande do Sul, entre meados do XIX e princípio do XX, afirma que uma
ambivalência diante das florestas, é um lugar associado a perigo, desconforto e, tamm, é um
local que é fonte de recursos necessários, um lugar de abundância.
103
E se isto é valido para os
colonos, muito mais é para os caboclos. Dessa forma, aqueles lavradores que conviveram
100
LASSBERG, Max von. Conferência na Assembléia Geral da Confederação dos Agricultores do Rio
Grande do Sul de 1909. Bauernfreund, 1909, n. 6, p. 43-44. apud RAMBO, Arthur Blasio. Imigração Alee
Ecologia. Estudos Leopoldenses, São Leopoldo, v. 30, n. 136, p. 71-90, mar./abr. 1994. p. 77.
101
CARVALHO, E. B.; NODARI, Eunice Sueli . A percepção da transformação da paisagem: os
agricultores no desflorestamento de Engenheiro Beltrão, Paraná, 1948-1970. In: Encontro da Associação Nacional
de Pós Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade, 2006, Brasília. Anais. Brasília : Associação Nacional de
s Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade, 2006. v. 3.
102
CARVALHO, E. B.; NODARI, Eunice Sueli. Rememorar o sertão: a percepção ambiental de
lavradores no “sertão paranaense. In: Encontro Sul Brasileiro de História Oral, 2007, Florianópolis. Anais
eletrônico. Florianópolis: Associação Brasileira de História Oral, 2007.
265
durante muitos anos com a floresta tem, outras lembranças, de um lugar que não dava medo e
que, ao contrário, poderia proporcionar momentos alegres, por exemplo, em grandes caçadas.
104
Ou, para dar outro exemplo da memória pessoal, lembro de certa vez ter encontrado casualmente
com uma senhora na faixa dos cinqüenta anos de idade, moradora da Nova Cantu que afirmou
que o pai dela era “maluco”, porque ele criou os filhos na beira do Piquirí, no “meio do mato”,
provavelmente porque preferia viver no “meio do mato”, mantendo a sua condição de “pai” e sua
autonomia, do que se submeter as relações de trabalho que o subordinariam em lugares
economicamente mais dinâmicos. Não é possível aqui tentar rastrear todas as interações
materiais e simbólicas com a floresta, pois isto implicaria em uma reconstrução dos
agroecossistemas constrdos, o que vai além das pretenes deste trabalho, que apenas esboça
um quadro geral da exploração florestal e madeireira na região estudada.
4.4.1 – Mercado de Madeireira: Valorizar a Terra é Queimar a Floresta
O aproveitamento para o mercado da floresta, nisto Maack está correto, operou a “Lei
de Thünen”. Ou seja, o acesso à rego estudada, desde a muito, foi um obstáculo para sua
exploração econômica para o mercado. E cabe dar uma visão geral desta questão. Situada no
interior do Estado do Paraná, entre dois rios que, todavia, não possibilitavam uma navegação
comercial. Sendo que, como indicado, poucos realmente dominavam o conhecimento das
entradas e saídas do sertão de “Campo do Mourão”.
No primeiro capítulo apontei as dificuldades de transporte dos migrantes que vieram
para a região na primeira metade do século XX. Que a comunicação em direção ao Paraná
Tradicional, mais exatamente para Pitanga-Guarapuava, com estrada de rodagem regular se
em 1939. Em 1938, inicia a comunicação com o Norte do Estado, sendo a estrada de rodagem
aberta em 1944 em direção a Maringá. O IBGE informa que em 1948 a Rodovia Campo
Mourão-Curitiba, via Pitanga era a única de responsabilidade do Governo do Estado, mas era
feita, na região, de terra melhorada”. Havia, ainda, outras quatro rodovias de responsabilidade
do Município, sendo a maior delas a que passava por Peabiru e Engenheiro Beltrão, em direção
ao Norte do Estado, sendo feita de “terra natural e dependendo, de balsa para cruzar o rio
Ivaí.
105
103
GERHARDT, Marcos. Estado, estancieiros, caboclos e colonos modificam o ambiente: a
história da “Colonia Ijuhy” 1850-1930. Dissertação (Mestre em História). Londrina, UEM/UEL, 2002. p. 145.
104
CARVALHO; NODARI, 2007, op. cit.
105
IBGE. Departamento Estadual de Estatística. Sinopse Estatística do Município de Campo
Mourão. Curitiba, 1950. p. 24.
266
A chegada da ferrovia foi um grande fator de expansão da penetração no sertão, a estrada de
ferro alcançou Londrina em 1935, Apucarana em 1937 e Maringá, apenas, em 1954. Como afirma
Lalalle:
O transporte ferroviário possibilitou até certo ponto o aproveitamento das
reservas florestais paranaenses, facilitando seu escoamento para os portos
marítimos e para o mercado paulista. Ao mesmo tempo, porém, constituiu-se
em pesado óbice a essa atividade econômica, pois as condições da ferrovia não
acompanharam as necessidades crescentes de transporte não apenas da
produção da madeira, como, de modo geral, de toda a produção do Estado. A
existência dos estoques visíveis de madeira nos pátios ferroviários e ao longo
das linhas aliada a demora em atender as requisições de vagões, ocasionou a
perda de grandes quantidades de madeira serrada, que se tornaram inadequadas
ao consumo.
106
A primazia do transporte ferroviário da madeira era tal, que o INP quando foi criado não
estabeleceu normas especiais e nem era necessário, para o transporte rodoviário, porque era
uma modalidade inexpressiva naquele tempo.”
107
Mas isso mudou rapidamente, de forma que
em 1953 se afirmava no Relatório do INP: “Hoje, entretanto, o transporte pelas rodovias é talvez
mais importante que o ferroviário.
108
Na rego de Campo Mourão, a inviabilidade do transporte fez com que apenas em 1937/39, a
primeira serraria se estabelecesse e era uma serraria movida à água, talvez para atender a demanda local
de madeira. Posteriormente, como afirma um memorialista local, o Município recebeu:
[...] inúmeras famílias do Sul do País e do Estado, com o propósito de iniciar a
serragem de pinheiros, os quais existiam ‘à vontade’, o que era uma novidade
inusitada para os moradores: chegando a ponto de surpreender quem chegava
para cultivar a terra, dizendo que a dificuldade era grande, pois como iriam
proceder na derrubada de pinheiros, que muitos e grandes eram (grifo meu).
109
Em 1960, havia na região, 95 indústrias madeireiras, e em 1970 chegou a ter 123 indústrias,
ocupando 1.245 pessoas. Entretanto, o transporte vai continuar a ser um ponto de estrangulamento. Como
afirma o “pioneiro” João Pacheco Gomes,
A região era rica em produção, mas, pobre em estradas’. Neste ponto, insiste
em dizer que, ‘a falta de comunicação emperrou o desenvolvimento de Campo
Mourão’ [...]
‘Muitas vezes dirigi caminhões carregados de madeira, até Maringá’. Mas não
havia estrada boa e nem ponte no Ivaí. A viagem durava cerca de dois dias, isso
quando não tinha barro. [...] ‘A poeira dava prá encarar, mas, quando a estrada
virava meleca, viajar, nem pensar’. Os caminhões e automóveis ‘atolavam[...].
‘Com tempo bom eu demorava uma tarde, uma noite e quase mais um dia pra
achegar, descarregar e voltar’. [...] ‘No começo da tarde eu me mandava e
106
LALALLE, C. M. A madeira na economia paranaense. 1974. Dissertação (Mestrado em História)
– Universidade Federal do Paraná, UFPR., Curitiba. p. 140.
107
INSTITUTO Nacional do Pinho. Delegacia Regional do Paraná. Relatório 1953. Curitiba, 1954. p.
6.
108
Ibid., p. 6.
109
BRZEZINSKI, Francisco Irineu. A futura capital. Curitiba: Juruá, 1975. p. 30.
267
anoitecia perto da balsa do Rio Ivaí. Eu dormia na cabina do caminhão’. A balsa
não funcionava à noite e nem tinha pensão por perto. A perigosa balsa era
tracionada por cardas [sic] e manivelas manuais. ‘No outro dia cedinho,
conforme a fila, passava na balsa e chegava à tarde em Maringá’. Nesta balsa
passava um caminhão carregado por vez. ‘Na volta anoitecia e eu dormia na
outra, beira do rio, comia num boteco [...] no outro dia, de tarde, eu estava em
Campo Mourão.’
110
Esta dificuldade de transporte foi resolvida gradualmente, a ausência ou as ssimas
estradas permaneceram como um problema para o escoamento da produção. Em relação à
saída em direção a cidade de Maringá, distante aproximadamente cem quilômetros de Campo
Mourão, o problema só foi efetivamente resolvido com o asfaltamento da rodovia, no final dos
anos 1960.
111
E a ligação direta em direção ao Paraná Tradicional, rodovia BR 487, somente será
asfaltada em 1980.
Na primeira metade do século XX, tem-se uma grande transformação na forma de
exploração das florestas no Brasil. Segundo Dean, introduz-se uma sistemática remoção da
madeira. No Vale do Ribeira, passou-se a comprar a terra somente para explorar a madeira, ao
invés de simplesmente queimá-la. “No fim da cada de 20, caminhões a gasolina e serrarias
portáteis movidas à máquina de [sic] vapor tornaram ecomico um tráfico terrestre de madeiras
de lei.”
112
Ainda de acordo com Dean, muito provavelmente, tal exploração da madeira é a causa
da inversão dos pros das terras, com a terra florestada superando o preço da terra desmatada.
“As vendas de madeira podiam facilmente igualar o custo do desmatamento da terra”.
113
Embora no século XIX a terra florestada fosse
[...] vendida em geral pela metade do preço da terra desmatada, refletindo o
custo da derrubada, agora as terras florestadas custavam mais. Em dezoito
municípios pesquisados na Zona da Mata de Minas Gerais em 1905, a floresta
primária era avaliada 70% acima da terra desmatada [...] O preço da floresta
primária em cada um desses municípios estava associado não à sua escassez
absoluta, mas ao valor da terra desmatada, sugerindo que os fatores que
determinavam seu preço eram a fertilidade do solo e o clima do município,
donde seu potencial para o cultivo de café. O que está implícito na alteração
desses percentuais é que, em algum ponto inicial do povoamento, havia
vantagem em não levar a floresta ao mercado, mas que essa vantagem
desapareceu bem cedo as faixas finais da floresta primária não aumentariam
continuamente de valor, mas acompanhariam o mercado de terra desmatada.
Não era, portanto, promissora especulação com essas faixas e também não havia
perspectivas de longo prazo para sua sobrevivência.
114
110
BATHKE JÜNIOR, Wille. João Pacheco Gomes 03. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 16 set.
2001. Especial: Projeto Raízes. p. 7.
111
RODOVIA Maringá C. Mourão inicia-se hoje o asfaltamento. O Jornal, Maringá, 9 out. 1966. p. 1.
112
Ibid., p. 265.
113
Ibid., p. 265.
114
Ibid., p. 262-3.
268
Todavia, esta grande ampliação da produção de madeiras para o comércio no início do
século XX no Brasil, e em especial no Sul do país, era, principalmente, da Araucária
angustifólia. A Floresta Estacional Semidecidual foi antes de tudo queimada e pouco de suas
madeiras de lei foram levadas ao mercado.
115
A exploração da madeira, de acordo com Claudia
Sonda, foi “bastante seletiva e exclusivamente calcada na prática extrativista”, sobretudo na
Floresta Estacional Semidecidual, a floresta foi pouco aproveitada economicamente.
116
Dessa
forma, “essas madeiras espalhadas pela floresta primária latifoliada eram difíceis de transportar.
Uma pequena parte teve uso local, principalmente, para a construção das casas de madeira e
gales típicos dessa fase ‘pioneira’, mas a maioria era queimada in loco”.
117
Como afirma um
pioneiro”, narrando a abertura de uma fazenda em Juranda na década de 1950: Derrubavam a
mata, as árvores gigantescas, as madeiras nobres, davam um tempo para perderem a seiva ‘e
fazíamos a coivara’. Na queimada os troncos maiores resistiam. ‘Ninguém ligava para as toras de
madeiras de lei, porque não tinha para quem vender’.”
118
Havia uma superprodução de madeira, inclusive de pinho, por parte das serrarias, a qual
foi responsável, em parte, pelos baixos preços pagos nos grandes mercados consumidores.
119
Afinal, não havia falta de fornecedores do produto, ao contrário, os lavradores também
mantinham uma superprodução de madeiras para as serrarias, que “não vencia cortar”,
120
o que,
provavelmente, mantinha os preços baixos e incentivava o corte hiper-seletivo, como afirmou
um agricultor: Retirava a madeira, mas tirava a boa, né, naquele tempo precisava de
madeira melhor, tinha madeira sobrando, a ruim a gente largava lá, queimava, apodrecia”.
121
A forte presença na região de estabelecimentos rurais de pequeno porte, criou novas
formas de pressão em relação à floresta. Como salientou Warren Dean, ao constatar que na
primeira metade do século XX tem-se, em rias regiões do Brasil, um processo de parcelamento
em pequenas propriedades da terra, ele afirma:
A passagem para a pequena propriedade alterava, pois, a tática, mas não a
estragia do ataque à floresta. A remoção da cobertura florestal nas condições
115
LALALLE, 1974, op. cit.
116
SONDA, Claudia. A cobertura florestal nas explorações agrícolas: quem tem e quem não tem
floresta. Análise Conjuntural, v. 18, n. 11-12, p. 25-27, nov./dez. 1996. p. 25.
117
NESELLA, Maria Lúcia Bertachini; ALCÂNTARA, José Carlos. O desmatamento no norte do
Paraná: um recorte comparativo ambiental. Teia, Maringá. Dispovel em: <www.pea.uem.br;teia;teia-
art_04.html>. Acesso em: 08 jan. 2002. p. 11.
118
BATHKE JÜNIOR, Wille. Manoel do Nascimento, 45. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 7 jul.
2002. Especial: Projeto Raízes.
119
CANCIAN, Nadir Apparecida. Conjuntura econômica da madeira no norte do Paraná. 1974.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2 v. p. 206.
120
DALPONT, João; DALPONT, Fortunata B. João Dalpont; Fortunata B. Dalpont: depoimento.
Entrevistador: Ely Bergo de Carvalho. [24 abr. 2003]. Engenheiro Beltrão, 2003.
121
Ibid.
269
desse novo regime de pequenas propriedades, menores que o normal e
subcapitalizadas, provavelmente era muito mais rápida e mais completa.
122
Por isto, segundo Claudia Sonda, é comum a maioria dos remanescentes florestais,
existentes hoje no Paraná, estarem em grandes propriedades.
123
No censo agropecuário de 1980
foi informada a menor quantidade de “matas naturais” dentro dos estabelecimentos rurais, na
região de Campo Mourão, foram 71.108 hectares distribuídos entre 3.478 estabelecimentos, o
que uma média de 20 hectares, e é um indício de que as áreas de remanescentes não
estavam em pequenos estabelecimentos rurais. O pequeno lavrador necessitava de toda a terra
para a sua sobrevivência, já o grande e médio lavrador, às vezes, poderia deixar áreas florestadas
que fossem impróprias ou com baixa possibilidade de aproveitamento agrícola. Na mesorregião
de Campo Mourão, em 1970, conforme o Censo Agropecuário, 31,4% dos estabelecimentos
agrícolas possuíam até 5 hectares, com uma área média de 3,65 hectares, eram, portanto,
minifúndios dos quais uma família teria dificuldade de tirar sequer sua subsistência, dentro do
padrão agrícola predominante. Sendo a maioria dos estabelecimentos de não proprietários, os
quais sabiam estar em uma situação instável, o que contribui para sobre-explorar a base de
recursos naturais.
Para além de todos os motivos sócio-econômicos apresentados para o brutal ataque a
floresta, acrescentam-se dois elementos, pautados basicamente em dissertação de mestrado deste
pesquisador, sobre a memória e percepção dos agricultores de Engenheiro Beltrão.
124
O primeiro é a noção de trabalho, se ele é um valor central na campesinidade. Também
é um elemento central no capitalismo em geral e em um dado modo de regulamentação, o
fordismo. Nos quais se procurava produzir uma dada ascese do trabalho como já argumentado
anteriormente. É interessante perceber que ainda hoje entre os lavradores do sertão é quase um
sinônimo de floresta, ter sertão é ter floresta. Aliás, não é sinônimo de floresta, e sim, de mato.
Sendo que mato não é apenas a floresta primária, é também a capoeira, e mais, qualquer planta
que nasça em lugar indesejado (praga”), as quais o agricultor tem por ofício carpir, eliminar,
para limpar o terreno. Dessa forma, ter uma área de mato, poderia ser entendida como uma área
inculta, na qual não se trabalha. Ter floresta em ou gostar muito de caçar era tido, entre
muitos dos lavradores, como atos moralmente condenáveis, coisa de “preguiçoso”.
O segundo elemento é que o juízo estético compartilhado pelos lavradores também não
era muito favorável a manutenção da floresta.
122
DEAN, op. cit., p. 256.
123
SONDA, 1996, op. cit., p. 26.
124
CARVALHO, Ely Bergo. Sombras do passado, projetos de futuro: as florestas nas memórias dos
agricultores de Engenheiro Beltrão Paraná, 1947-2003. 2004. Dissertação (Mestrado em História) Programa de
s-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina – USFC, Florianópolis.
270
Entre os lavradores da região estudada, ainda hoje, um grande apreço por uma
“natureza desnaturalizada”, ordenada e racionalizada, ou seja, “bonito” é a carreira de eucaliptos,
homogêneos e não “mato/floresta/sertão”, caótica”. Em entrevista com um membro da
pioneira” família Pereira, este narra que plantou uma carreira de eucaliptos nas margens da
rodovia que passa ao lado do sítio onde mora, afirmando que plantou “há uns 50 anos”, quando
ele era “moleque”. Quando perguntado por que plantou, ele responde:
Quando nós plantamos [...] meu pai achou bonito plantar uma carreira... era para
ser de fora a fora, mas como morreu umas mudas, ficou uma moita ali e ficou
mais uns pés para lá, o resto morreu... que nem essa grevílea que você vê ali em
cima, fui eu quem plantou, eno a gente achava bonito plantar aquelas árvores,
, por isto foi plantado, e não foi mexido.
125
uma grande valorização em manter-se “limpa a terra. E, não necessariamente, isso
visa um aumento de produção, algo utilitarista. Santo Bergo, avô materno deste pesquisador, por
exemplo, possuía uma “mata” que ficava em torno de uma nascente no seu tio em Engenheiro
Beltrão. o se cultivava nada, mas ele fazia absoluta questão de manter a área, sob as árvores,
“limpa” e gastava muitas horas de serviço em tal atividade. Manter um terreno “limpo”, era
reafirmar que naquela área se trabalhava, reforçando-se a auto-imagem de trabalhador,
reforçava-se, ainda, a propriedade/posse da terra. Mas é, também, um exemplo de como os
agricultores pesquisados têm dificuldade de considerar “belo e aprazível” o “mato”, bonito
mesmo é terra “bem cuidada”. As árvores isoladas, o pomar, a silvicultura, o campo cultivado,
são bonitos, já “mato” é, por definição, o antônimo disto, é “terra inculta”, é sertão.
126
Em virtude desta conjuntura, a instria madeireira estava assim constrangida entre as
limitações de transporte e o avanço da fronteira agrícola. Para Nadir A. Cancian foi o avanço da
fronteira agrícola, o principal motivador da ação das madeireiras e do desflorestamento:
A exploração madeireira foi significativa enquanto se completava esta
ocupação, o que, aliás, se fez de forma muito rápida. [...] Pode dizer-se que a
serraria é pioneira na abertura de regiões, aproveitando-se das madeiras
liberadas pela ocupação agrícola das terras. Nota-se o movimento de
deslocamento das serrarias à medida que a colonização ou as novas frentes
pioneiras penetram mais para o interior.
127
Tanto que foi exatamente no período da colonização dirigida em que ocorreu a
expansão da instria madeireira: no “Norte do Paraná [...], por volta de 1935, as serrarias eram
em número de 11, e catorze anos depois, em 1949, perfaziam um total de 177 serrarias
125
PEREIRA, João Viana. João Viana Pereira: depoimento [21 jul. 1998]. Entrevistador: Ely Bergo
de Carvalho. Engenheiro Beltrão, 1998. 2 fitas cassete.
126
CARVALHO, E. B. de, 2004, op. cit.
127
CANCIAN, 1974. p. 5.
271
registradas no I.N.P.
128
As serrarias e a extração madeireira foram atividades transitórias na
região:
[...] a tal ponto que se pode dizer que, quando as serrarias operam com peroba,
pinho, cedro, cabreúva, marfim e outras madeiras preciosas, estão na plenitude
dos lucros financeiros, com uma duração média de 25 anos em uma região, ao
passo que quando começam a serrar pau-d’alho, madeira de pouco valor
comercial, é a decadência pelo esgotamento da matéria-prima de fácil acesso,
pois madeiras inferiores não compensam comercialmente a produção, quer pela
qualidade, quer pelo preço. Isto não quer dizer que, além desse limite de tempo,
não possa haver serraria funcional em uma área determinada. Mas, ou são
firmas de grandes recursos financeiros que podem operar trazendo a matéria-
prima de longa distância, ou se transformam em verdadeiras fábricas de
artefatos de madeira, o que lhes permite um aproveitamento maior da matéria-
prima, transformando-a em diversos produtos secundários cujos preços
compensam os fretes pagos no transporte de longo curso.
129
Um Município típico com predonio de Floresta Estacional Semidecidual, como
Engenheiro Beltrão, criado em 1954, seguiu a trajetória típica das indústrias madeireiras no
Norte do Paraná. Os anos de 1958 a 1961 foram o auge da produção madeireira, na média, o
Município produziu 32,3% da madeira da microrregião de Campo Mourão, já em 1964, a
produção do Município representava apenas 1,7% da produção total, o que indica que a abertura
de outras localidades para a agricultura na microrregião liberava a madeira para as serrarias (ver
anexo 2).
130
em região pica de Floresta Ombfila Mista, como o Município de Roncador, que
começa a aparecer nos dados estatísticos em 1962, com 29.600 m
3
, 7% da produção da
microrregião, em 1980, apresentava 42.000 m
3
, 24,8% da produção, indicando uma produção
bem mais estável. Apesar da mata de araucária ter fornecido uma base mais lida para um
processo de acumulação local de capital, a partir da exploração madeireira. Francisco Irineu
Brzezinski, um memorialista local, em 1975, já argumentava que o pinho” foi a árvore que deu
o suporte econômico da região”. Todavia adverte que:
Com o advento dos nômades, que são os madeireiros, visto que o que os prende
ao lugar, inegavelmente é o pinho e não o interesse em outra aplicação, os
pinhais foram desaparecendo, o que trouxe fortunas incalculáveis a muitos, [...]
sem iniciativa para outras realizações, com raríssimas exceções, é claro.
131
O nomadismo, mesmo em áreas de Floresta Ombrófila Mista é narrado em estudos
como de Miguel M. X. de Carvalho sobre o Médio Vale do Iguaçu, descrevendo como, em
menos de 50 anos, tais indústrias se instalaram na rego, esgotaram os recursos e seguiram
128
Ibid., p. 204.
129
Ibid., p. 71-2
130
CANCIAN, 1974. op. cit., p. 88 et seq. p. 455-8, 461.
131
BRZEZINSKI, 1975, op. cit., p. 30.
272
buscando novas áreas com florestas primárias, na primeira metade do século XX, de forma que o
autor argumenta que:
[...] não é difícil imaginar o nomadismo da indústria madeireira em muitas
regiões da Araucarilândia, deixando por onde passava florestas secundárias ou
mesmo capoeiras, e que freqüentemente era então dizimado o que sobrava pelo
fogo e pela agropecuária da colonização.
132
Familiares do mais notório madeireiro de Campo Mourão procuram construir a imagem
de um pioneiro” que “amou aquela terra”. Desta forma, afirmam que Belin Carollo “tudo que
ganhou investiu em Campo Mourão. Mas Carollo antes de falecer em 1974, diversificou
bastante seus investimentos, como na construção civil, tendo sido “pioneiro na abertura do
Balneário de Camburiú (SC), onde construiu e incentivou seus amigos a investir”.
133
Muitos dos fazendeiros e industriais “pioneiros” entrevistados têm uma trajetória de
mudança de atividades e de região, se espalhando pelo Brasil, em especial os sulistas, tendo
rios deles migrado para o Centro-Oeste, sendo “pioneiros”, também, lá, possuindo fazendas
em várias regiões diferentes do país. Campo Mourão é um ponto neste processo de deslocamento
de pessoas e capitais. A migração da indústria madeireira para novas zonas produtoras e a
abertura de estradas, permitiram um verdadeiro ciclo da madeira em Campo Mourão.
Tal ciclo pode ser percebido em outras fontes. Na década de 1940, a serraria da região
o conseguia dar conta nem da demanda local de madeira. Como indica o relatório do DTC que
afirma que na sede da Colônia Mourão as “edificações do Estado foram feitas com morosidade,
justamente por deficiência do fornecimento de madeiras.” E que é “grande o número de
interessado que desejam localizar-se nessa sede e construir edificações, mas que aguardam a
instalação da serraria que está em vias de ser montada, visto a pequena serraria existente na sede
do distrito não dar vazão aos pedidos de material.
134
Isso mudou durante a década de 1950. Os
processos abaixo indicam a trajetória de valorizão da madeira e da exploração da madeira na
região.
O processo de manutenção de posse de 1951, do Fórum de Campo Mourão, a CMNP
requeria a saída da família Sutil que apesar de deter a posse mansa e pacífica” não eram os
proprietários da área que ocupavam. O juízo foi favorável a CMNP, mas a obriga ao pagamento
132
CARVALHO, Miguel Mundstock Xavier de. O desmatamento das florestas de araucária e o
Médio Vale do Iguu: uma história de riqueza madeireira e colonizações. 2006. Dissertação (Mestrado em
História) Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC,
Florianópolis.p. 174.
133
BATHKE JÜNIOR, Wille. Belin Carollo, 48. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 28 jul. 2002.
Especial: Projeto Raízes. (baseada nas informações de “Ana Rosalie, neta do ‘nono’ Belin Carollo”).
134
DEPARTAMENTO de Terras e Colonização. Inspetoria de Terras. Relatório apresentado ao
Ilmo. Snr. Dr. Diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização pelo Eng. Chefe da Divisão de
Colonização, Sady Silva. Ano 1940-1945. Curitiba,[s.d].
273
de indenização das benfeitorias do ivel. A Companhia alega, para reduzir o valor da
indenização, que: “a desmatação e a queimada feita indiscriminadamente pelos [...] réus
representa, [...] efetivo prejuízo para a autora, que por isso obterá menos lucros na venda de
terras já exploradas com o plantio de cereais e com a criação de suínos.” O juiz descorda desta
afirmação, pois:
[...] não tem cabimento a alegação da autora, Companhia Melhoramento Norte
do Paraná, sobre estrago de suas terras, conforme evidencia o laudo pericial e,
ainda que o laudo fosse contrário, pela própria razão natural das coisas um
alqueire com mata virgem, valendo, no Norte do Estado, aproximadamente,
entre 6.000 e 8.000 cruzeiros o mesmo alqueire, com café de três anos, com o
preço aproximado, entre 20.000,00 e 60.000,00 cruzeiros (grifo meu).
135
Dessa forma, em 1951, na região estudada, o desflorestamento ainda é percebido
“naturalmente” como um custo, derrubar a floresta era valorizar a terra. Em 1948, o IBGE
estimava em Cr$ 700,00 o alqueire, 2,42 hectares, de “terras em matas” em Campo Mourão.
Enquanto as “terras de lavoura em geral” de terceira qualidade eram avaliadas em Cr$ 1.000,00 o
alqueire. Também as “terras de pastagem natural de terceira qualidade eram avaliadas em Cr$
1.000,00 e as de primeira em Cr$ 1.500,00. Neste momento, portanto, a derrubada da mata
valorizava a terra na região em pelo menos 42,86%, segundo as estimativas do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística.
136
Com a abertura das estradas e instalação das instrias, o preço relativo da madeira sobe
rapidamente. Em processo número 205 de 1958, no qual é autor Paulo José de Camargo,
proprietário”, residente em Curitiba, herdeiro de Manoel Mendes de Camargo, o qual foi um
comerciante e industrial da região de Guarapuava, um dos responsáveis pela construção da
chamada “Estrada Boiadeira”, ligando Guarapuava a Mato Grosso.
137
E que adquiriu um imóvel
de 15 mil alqueires, ou seja, 36.300 hectares, “por compra feita ao Estado do Paraná, conforme
título de concessão expedido de acordo com o contrato lavrado aos 10 de julho de 1917, sob
número 219, pela Secretaria Geral do Estado, transcrito sob o número 7.493, fls 338 do livro
número 3-C do Registro de Imóveis da Comarca de Guarapuava (a qual pertencia o imóvel) de
23 de Julho de 1925”.
138
Segundo os autores do processo:
135
Autos do Processo de manutenção de posse nº 13/51. Requerente Companhia Melhoramentos Norte
do Paraná. Requeridos Antônio Sutil e outros. In: SORIANO, Sara nica Pitot de. Expropriação e vioncia: A
luta dos trabalhadores rurais pelo acesso à terra (Campo Mourão: 1946-1964). 2002. Dissertação (Mestrado em
História) – Universidade Estadual de Maringá/Universidade Estadual de Londrina, Maringá. p. 109.
136
IBGE. Departamento Estadual de Estatística. Sinopse Estatística do Município de Campo
Mourão. Curitiba, 1950. p. 21.
137
SIMIONATO, Edina Conceição. Campo Mourão na espiral do tempo. Campo Mourão, Nerygraf,
1997. p. 58-59.
138
Processo 205 de 1958. Ação de Reintegração de Posse. Requerente: Paulo José de Camargo.
Requerido: Marcelino Araújo e sua mulher e outros. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo
Mourão.
274
Manoel Mendes Camargo, senhor e possuidor da gleba total, mandou proceder a
divio da mesma gleba de 15 mil alqueires em vários lotes, conforme planta
organizada que se acha no Departamento de Terras e Colonização [...] passando
a vendê-los a várias pessoas, com DIVISAS CERTAS E DETERMINADAS,
como se constata na mesma planta;
Que, com as diversas vendas feitas pelo falecido, a época de seu falecimento
restavam 737 alqueires que foram inventariados como remanescentes, sendo
entretanto, compostos de duas glebas, uma das quais de 400 [...] alqueires, foi
vendida pelo suplicante a Industrias Klabim de Celulose [...] e outra de 337
constituída do lote G” da planta referida e que se confrontava com as terras
pertencentes a Da. Cisina Ribas de Camargo, com o quinhão C”, de
Carolina Taques de Camargo, com terras de Maria Gonçalves (depois
adquiridas pelos suplicantes), com Vitório Neto, e com o quinhão “E”, de quem
de direito [...] (grifo meu).
139
Dessa forma, provavelmente, Manoel Mendes Camargo se beneficiou de uma daquelas
concessões efetuadas pós-1916, em que as concessionárias acabavam não colonizando a área, e
sim, procuravam manter para si ou para sua família. Mas voltando ao processo, os autores
alegam que um lote de tal “sorte de terra” denominada “Fazenda São Domingo”, foi invadida
indevidamente por Marcelino de Araújo, que comprou 334 hectares de terras em área vizinha. O
juiz não emite a liminar, pois considera que as divisas do imóvel o correspondem mais a
demarcação originada do plano citado. Seguindo duas perícias quanto à localização do
imóvel e ao valor das benfeitorias e das madeiras derrubadas e “estragadas”, sendo necessário a
elaboração de um terceiro laudo pericial para desempatar. O qual respondendo os quesitos
formulados pelas partes indicando, que nos 121 hectares de “derrubada” houve:
Prejuízos:
Valor da madeira inutilizada pelo fogo:
105 pinheiros (árvore em pé)....................................................................... Cr$ 42.000,00
500 árvores de essência, número esse com exatio muito relativa.......... Cr$ 120.000,00
35 árvores de pinho aproveitadas, Cr$ 500,00 cada árvore......................... Cr$ 17.500,00
38 árvores de cedro, total 95m
3
a Cr$ 700,00 o m
3
..................................... Cr$ 66.500,00
TOTAL...................................................................................................... Cr$ 246.000,00
Benfeitorias:
Trinta alqueires de capim “colonião“uma pastagem não inteiramente formada, a qual
valorizamos, (dado ao alto custo da mão–de-obra atual), em Cr$ 10.000,00 (dez mil cruzeiros)
por alqueire, livre de terra, num total de”................................................................ Cr$ 300.000,00
Casa de madeira 120 m
3
.............................................................................. Cr$ 60.000,00
1.200 m. de estrada de penetração............................................................... Cr$ 10.000,00
139
Ibid.
275
TOTAL.................................................................................................. Cr$ 370.000,00
140
O processo termina com as partes elaborando um termo de acordo”, pelo qual
Marcelino Araújo reconhecia a titularidade das terras a Paulo Jode Camargo, entregando as
terras e todas as benfeitorias e não pagando ou recebendo nenhuma indenização.
141
De qualquer
forma, o valor das “benfeitorias” no terreno poderia ainda igualar o valor da “madeira”.
Enquanto o valor da terra nua, segundo o mesmo perito desempatador, era de Cr$ 25.000,00 a
30.000,00 o alqueire paulista, o que na área em litígio, tomando o maior valor, daria um valor
total de Cr$ 600.000.00 (seiscentos mil cruzeiros).
Já nos autos da ação reivindicatória, em que o lavrador José Schultz é o autor, em 1960,
a relação de preço havia mudado. O autor alega que comprou de Praxedes Alves Bueno, um
imóvel de 84,3 hectares na Colônia Goio-Bang, e que lavrou a escritura no Registro de Imóveis,
em 1960, e passou a querer ocupar a área já ocupada por Antonio M. Pacheco. Por sua vez,
Antonio M. Pacheco alega que havia trocado aquela área com um terceiro que a teria adquirido
de Praxedes A. Bueno, todavia estes não haviam registrado os contratos em cartório. Uma outra
parte passa a figurar no processo como opoente”, pois a madeireira Padolan & Cia, alega que
em 1956 comprou os pinheiros existentes no referido lote do mesmo Praxedes A. da Silva. No
final do processo, a decisão judicial foi favorável a que a madeireira ficasse com os pinheiros,
pois mesmo tendo Praxedes vendido algo enquanto posseiro de terras devolutas, seria respeitada
o direito de posse, tanto da madeira como da terra. Antonio Muniz Pacheco foi indenizado pelas
benfeitorias e apesar de não sair imediatamente do lote, o que levou o autor a pedir a citação de
Antonio para, em 10 dias, fazer a entrega do lote, sendo que em 18 de fevereiro de 1966, há a
retirada dos Cr$ 373.000,00 (trezentos se setenta e três mil cruzeiros) referente à indenização das
benfeitorias, indicando que sairia do imóvel. José Schultz ficou com a terra. O que o deixou
inconformado uma vez que “a subtração das madeiras (que, na realidade, valem mais que o
terreno)” lhe causou um grande prejuízo. Tendo recorrido até ao Supremo Tribunal Federal,
perdendo nesta última instância e não entregou a madeira até ser lavrado um auto de imissão de
posse” garantindo legalmente a posse da madeira a Padolan & Cia, em 22 de dezembro de 1966.
142
O laudo da perícia elaborado em 1964 aponta que:
O valor individualizado das benfeitorias e acessões constatadas é o seguinte:
140
Ibid.
141
Ibid.
142
Processo nº 130 de 1960. Ação Reivindicatória. Requerente: José Schultz. Requerido: Antonio
Muniz Pacheco e sua mulher. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão. p. 160.
276
1 casa de Antonio Muniz Pacheco..........................................................30.000,00
1 paiol de ...........................................................15.000,00
1 poço de “ ..............................................................12.000,00
1 alq. pasto ...........................................................50.000,00
1 potreiro ............................................................10.000,00
1 casa de Benedito M. Pacheco..........................................................25.000,00
30 arv. Frutíferas...................................................................................15.000,00
1 poço 10 m.......................................................................................... 17.000,00
1 litro de grama....................................................................................... 2.000,00
1 casa Vitorino M. Pacheco................................................................35.000,00
78 árvores frutíferas...............................................................................39.000,00
1 tanque de peixe..................................................................................10.000,00
1 poço de 8 m.........................................................................................14.000,00
1 litro de canavial....................................................................................9.000,00
5 alqueires de terra.......................................................................100.000,00
Total geral......................................................................................Cr$ 373.000,00
[...] Foram cortadas 54 árvores de pinho pela firma PODOLAN & CIA, que
transformadas em taboas representam 223 (duzentas e vinte e três) dúzias, no
valor atual de Cr$ 1.115.000,00 (hum milhão, cento e quinze mil cruzeiros). [...]
Há 480 (quatrocentos e oitenta) pinheiros em pé, no imóvel litigioso, bem como
outras madeiras lei, [sic] especialmente perobas e cedros.
143
O laudo indica que, apesar do processo ser feito tendo como réu apenas Antonio Muniz
Pacheco e sua mulher, o imóvel era um “sítiocomposto por pelo menos três casas de uma
família extensa. E, também, o quanto o pro da madeira poderia superar o valor da terra nua
neste momento. Nos anos 1970 e 1980, principal período em que as terras da região foram
“mecanizadas”. Ou seja, tirava-se os obstáculos para a circulação de máquinas automotoras
agrícolas, muitos troncos de árvores tinham que ser retirados do meio das roças, em alguns
casos, troncos com 20 ou 30 anos de derrubada foram serrados para aproveitar o que havia se
tornado uma mercadoria nobre.
4.4.2 – Industrial Madeireira: Insegurança, Exclusão e Violência
Apesar das limitações da exploração madeireira da floresta, tal exploração tem um papel
de sinergia na ampliação da especulação com terra e dos conflitos e violência aberta, gerada na
colonização da região de Campo Mourão.
144
143
Ibid. p. 101.
144
Joe Foweraker, abordando o sudoeste do Paraná e outras áreas de fronteira do Brasil, afirma:
“Através de toda a região, eram as árvores que comandavam os altos preços, particularmente as ricas reservas de
araucárias. Na verdade, a maioria das assim chamadas companhias de colonização que operavam na região por essa
época eram, de fato em tudo, exceto no nome, companhias madeireiras, e suas alegações para requerer terras eram
motivadas pelos pinheiros que nelas existiam [...]. A terra era um investimento meramente residual, enquanto a
elevação do preço do pinho nos mercados nacional e internacional nos anos subseqüentes assegurou a
predominância da extração madeireira como a principal atividade econômica, obscurecendo o incipiente
277
É interessante notar, neste sentido, a trajetória e atuação na região de Belin Carollo.
145
Filho de colonos italianos, nascido em 16 de julho de 1896 em Veranópolis, Rio Grande do Sul,
em uma família com 15 irmãos. Casou em 1924 e passou a trabalhar em serraria. Mudou de Boa
Esperança (Colorado-RS) para Matos Costa em Santa Catarina, para trabalhar com madeira,
abrindo a firma Carollo Irmãos & Cia Ltda, naquela localidade em 1938, em 1951,
provavelmente, tal firma não existia mais em Matos Costa, pois sua sede estava em Irati
Paraná, possuindo filiais, serrarias, em Prudentópolis Papanduva. Sendo que também era cio
majoritário da firma Ferri, Carollo & Cia Ltda, com sede em Irati, e serraria no Município de
Campo Mourão.
146
Ele veio para Campo Mourão pela primeira vez em 1946, mais tarde comprou a serraria
de Teodoro Metchko.
147
Carollo, uma vez estabelecido na região, segundo depoimento de
familiares:
[...] comou a desbravar a mata e progredir. À medida que abria espaços na
terra convidava mais amigos para conhecerem Campo Mourão. Assim vieram
os cunhados João Fioravante e Ildefonso Ferri, irmãos de Maria Guidi Gerri,
que se fixaram na região da Campina dos Amoral. Depois trouxe as famílias:
Trombini, Mignosso, Ferri e Tonet. No auge do comércio da madeira,
impulsionado na década de 1960 pela construção de Brasília, Belin Carollo
progrediu rapidamente.
148
Carollo foi um dos personagens da trama que levaria a um dos mais famosos
assassinatos da história de Campo Mourão. Apesar de ser uma longa história, vale a pena narrá-
la. Basicamente seguirei a versão produzida por Sara M. P. de Soriano,
149
acrescendo alguns
crescimento agrícola.” (FOWERAKER, Joe. A luta pela terra: a economia política da fronteira pioneira no Brasil
de 1930 aos dias atuais. Tradução Maria Júlia Goldwasser. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. p. 65). Os dados, já citados,
em especial da dificuldade de transporte e a primazia da agropecuária na dinâmica de avanço da fronteira agrícola,
indicam que a afirmação de ser a terra um “investimento residual” é exagerada. Ademais, mesmo na área de Floresta
Ombrófila Mista, havia uma diversidade de composição florestal que permite rendimentos diferenciados na
exploração madeireira. Dessa forma, aparentemente, Foweraker generaliza indevidamente uma conjuntura
específica da década de 1960 em algumas áreas. Mas é indiscutível que ele está certo ao afirmar, tal como
afirmaram para ele durante o seu trabalho de campo, que: “‘onde há pinheiro há brigas’” (FOWERAKER, 1982, op.
cit., p. 157).
145
Sobre a biografia de Carollo ver: LARA, 2003, op. cit., p. 170-171.
146
CARVALHO, M. M. X. de, 2006, op. cit., p.173.
147
Um ucraniano, nascido em 1896, que fugiu do seu país com a Primeira Guerra Mundial, viajou por
vários países, mudando para o Brasil em 1934, tendo conhecido Léo Guimarães em Guarapuava resolveu montar
uma serraria em Campo Mourão, tendo permanecido na cidade até 1943. Retornando alguns anos depois e tendo
desenvolvido várias atividades até falecer em 1971. SIMIONATO, 1997, op. cit., p. 85-86.
148
BATHKE JÜNIOR, Wille. Belin Carollo, 48. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 28 jul. 2002.
Especial: Projeto Raízes. (baseada nas informações de “Ana Rosalie, neta do ‘nono Belin Carollo”). “Na década de
60 explodiu o comércio de madeira em Campo Mourão, devido à construção de Brasília. “As serrarias se
multiplicaram derrubavam e cortava madeira, dia e noite. Os caminhões faziam fila prá carregar”.” BATHKE
NIOR, Wille. João Pacheco Gomes 03. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 16 set. 2001. Especial: Projeto
Raízes. p. 7.
149
SORIANO, Sara Mônica Pitot de. Expropriação e violência: A luta dos trabalhadores rurais pelo
acesso à terra (Campo Mourão: 1946-1964). 2002. Dissertação (Mestrado em História) Universidade Estadual de
Maringá/Universidade Estadual de Londrina, Maringá.p. 87-102.
278
dados. Para se compreender o conflito deve ser entendida a atuação de Jorge Walter que,
segundo esta versão, vendeu sua “fazenda Campo de Maioem Guarapuava e pretendia criar
gado em novas terras. Vindo, assim, para Campo Mourão. Em 1912, adquiriu várias posses
formando a “Fazenda Walter”. Tal fazenda teria, em 1940, 32.495,76 hectares, ou seja, 13.428
alqueires. Todavia até o falecimento de Jorge Walter em 1924, apenas duas glebas de 2.834
hectares haviam sido regularizadas. Sendo que Francisco Solano Alves de Camargo, que efetuou
o serviço de legalização do imóvel, recebeu um dos lotes em pagamento pelos seus serviços, ou
seja, ficou com 50% das terras pelo serviço de titular o imóvel em Curitiba. O que demonstra o
quão caro poderia ser os “tramites burocrático” para se ter acesso à propriedade da terra.
A partir de 1946, a madeireira Vieira S/A, com sede em Londrina, que havia comprado
rias posses e formado uma fazenda de 7.260 hectares, vizinha a “Fazenda Walter” estava
invadindo a área da antiga Fazenda Walter. Neste contexto, os herdeiros de Jorge Walter assinam
uma procuração, em 1949, para Belin Carollo conseguir a legalização do restante das terras junto
ao DGTC.
Belin Carollo era conhecido na região por agenciar a regulamentação de várias
glebas de terras de posseiros perante o D.G.T.C. em Curitiba ficando com uma
parte das glebas como forma de pagamento. Serviço que lhe permitiu acumular
um patrimônio estimado em vários milhares de alqueires de terra, entre fazendas
e serrarias. Dessa vez, a família Walter cedia a metade das terras
legitimadas como forma de pagamento mais a extração de pinheiros e
perobas que se encontravam na parte dos requerentes (grifo meu).
150
O que era um valor extremamente alto, acima do que em geral era cobrado neste tipo de
contrato. Uma vez que, o madeireiro, em outros contratos deste tipo na região, cobrava, pelos
serviços de providenciar os títulos de donio das terras, o direito de comprar as madeiras do
imóvel descontando as despesas ou a totalidade das árvores madeiráveis do imóvel titulado. No
final de 1952, Carollo consegue dez lotes para a família Walter, com uma área de 434 hectares
cada um, ou seja, um total de 4.340 hectares.
Ocorre que a origem dos direitos possessórios da família Walter está na alegação de
que:
Em 5 de novembro de 1912, Jorge Walter adquiriu de José Simões de Oliveira,
duas partes, uma originada de posse e outra de Cesarina Maria do Belém e
outros. [...] Ainda neste ano, adquiriu glebas de terras de José Fernandes
Rodrigues da Cruz e sua mulher; de Diego de José de Faria, de José Rosa de
Lima; de Antino José Barbosa; de Brasílio de Alcântara; de Dr. Juliana
Bittencourt Martins e da. Julia Martins de Bastos, pagando as respectivas cizas
150
Ibid., p. 90-91.
279
ao Estado do Paraná e levando as escrituras de compra das propriedades e
direitos assim adquiridas ao Registro Imobiliário da Comarca de Guarapuava.
151
Estes posseiros, por sua vez, teriam a posse pautada em fato ocorrido em 16 de
setembro de 1893, quando 24 guarapuavanos:
Dos quais apenas Horácio Hilário Pimpão ainda vive, [em 1951] dirigiram
uma petição coletiva ao Juiz distrital de Terezina, Snr. Pedro Demongoon
Lacerda, declarando possuíram o imóvel ‘Campo do Mourão,’ pela posse mansa
e pacífica, desde o ano de 1880, sem contestações, ali existindo dos
peticionários, casas de moradia, benfeitorias, assim como regular
quantidade de gado vacum e cavalar, tendo a propriedade sessenta mil
hectares, com trinta quinhões, cada qual com a área certa de dois mil hectares
[...] (grifo meu).
152
Ocorre que não há nenhum indício que os citados guarapuavanos tiveram “cultura
efetiva e morada habitual” nos “Campos de Mourão”, como indicado no primeiro capítulo, o que
o é percebido por Soriano, em sua narrativa do evento.
As terras que ficaram com Carollo, como pagamento pelos seus serviços, ele colocou
um “administrador”, Elias Xavier do Rego, o qual com jagunços fez uma grande pressão sobre
15 famílias de lavradores, que há três anos haviam-se instalado na área.
Ainda em 1951, Carollo, que havia ganhado a confiança dos Walter, consegue uma
segunda procuração para procurar legalizar o restante da área primitiva da fazenda. Em 1953, ele
consegue novos títulos de propriedade em nome dos Walter. Todavia, Carollo inseriu, sem
consentimento dos Walter, na procuração de 1951, poderes emcausa própria” para efetuar
venda sem a necessidade de prestar contas. Sendo tal procuração alterada no Tabelionato de
Notas de Curitiba, que tinha como proprietário Dr. Francisco Ferreira Pimpão.
153
E, com tal
procuração, Carollo vende as novas áreas para várias madeireiras suas, de parentes seus e de
terceiros, entre estas, a Vieira S/A.
Nessa parte da fazenda, agora titulada, residiam rios lavradores que moravam nela
desde 1943. As famílias de José Onieski, Pedro Onieski, João Vidal dentre outras famílias foram
levadas de Ponta Grossa, em uma viagem de 4 dias, até a Fazenda Walter com o “trato” de
trabalharem por 6 anos na fazenda, sendo que receberiam em pagamento 871,2 hectares em
terras. O prazo acordado já havia passado, mas eles não receberam as terras, e também, não
saíram da fazenda. Quando em 1952 passaram a ser pressionados pelos jagunços da firma Vieira
S/A. A qual em julho de 1953 manda seu administrador” Gaspar Negreiros e outros capangas
151
Processo nº 24 de 1951. Ação de Manutenção de Posseinitio-litis. Requerente: Benjamim C.
Teixeira e sua mulher. Requerido: Pedro Viriato de Souza Neto e outros. Arquivo da Primeira Vara Civil da
Comarca de Campo Mourão. p. 4.
152
Ibid., p. 4.
153
Parente do senhor Horácio Hilário Pimpão, único dos guarapuavanos que requereu terras em 1893 e
que ainda vivia em meados do século XX.
280
fortemente armados para expulsá-los, casas e tulhas são queimadas. No mês de agosto, Jo
Onieski, Pedro Onieski e João Vidal foram à cidade de Campo Mourão e acompanhados de
advogado abriram um inquérito contra a ação violenta que sofreram. Todavia, as testemunhas
indicadas, quando procuradas na localidade, não foram mais encontradas pelo oficial de justiça
no bairro rural. Tal inquérito ficou anos sendo “enroladoaté que foi encerrado por decurso de
prazo.
Mas entre 1953 e 1956, Gaspar Negreiros seguia avançando sobre as terras, que agora
eram de Carollo, protegidas por Elias Xavier do Rego, sendo que estaria roubando pinheiros
dessa propriedade. Como lembra um membro da família Teodoro:
[...] ‘se tratava de um campo minado, onde a briga não era entre ‘posseirinhos’ e
sim brigas entre grandes fazendeiros. [...] Na cada de 50, despertou o
potencial da região a extração de madeira de pinheiro. A partir disso inicio-se
[sic] uma disputa muito grande inclusive por grupos, cada um deles tentava
proteger-se, contratando seguranças. Além disso, os conflitos de terras roxas se
davam na região toda e repercutiam na cidade que era o centro maior. Então
vinha o pessoal, vinha um grupo vinha outro à Inspetoria de Terras, aqui em
Campo Mourão. Um sr. Chamado Gaspar Negreiros, grande amigo nosso,
matou na frente da dependência a Elias Xavier do Rego que era pai de meu
cunhado. Foi ruim para a família, pois Gaspar Negreiros cuidava dos interesses
de uma grande empresa de madeiras e estava querendo aquelas terras cheias de
pinheirais e Elias Xavier cuidava da fazenda de Carollo outro grande
madeireiro.’
154
Com tal situação, José Onieski, Pedro Onieski, João Vidal e outros antigos moradores
retomaram a demanda por suas posses. A família Walter consegue cancelar a venda efetuada por
Carollo e retomar as terras, em 1964, recebe novamente a titularidade das terras. Sendo que os
moradores antigos que vieram trabalhar na fazenda continuavam no lote, tendo iniciado um
processo de manutenção de posse, com um longo e desgastante processo judicial, que termina
em 1966, com um acordo com a família Walter, a qual concede 871,2 hectares de terra em Goio-
Erê. Algum tempo depois, a propriedade em disputa foi dividida e colocada à venda.
Uma outra personagem, cuja trajetória é esclarecedora das conexões entre os conflitos
por apropriação de terras e madeiras em Campo Mourão é Nicolau Macowski.
155
Seu sincero
depoimento como “pioneiro” de Campo Mourão é exemplar da trajetória de um grupo social
economicamente vitorioso. Nasceu em 1921, em Erechim. Seu pai era um imigrante que recebeu
24,2 hectares de terra do Governo “‘e pagou tudo direitinho’”, eram 7 irmãos, dos 3 casamentos
do seu pai. Em 1935, segundo seu depoimento, sua família muda para Quatanguá, Paraná,
154
Nelson Teodoro de Oliveira, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Campo Mourão,
desde 1967, neto de Antônio Teodoro de Oliveira, Entrevista cedida em 14 de maio de 2001 apud: SORIANO, 2002,
op. cit., p. 100.
155
BATHKE JÜNIOR, Wille. Nicolau Macowski, 19. Tribuna do Interior, Campo Mourão, 06 jan.
2002. Especial: Projeto Raízes, p. 7.
281
próximo à divisa com São Paulo. Segundo seu depoimento: “‘Aí papai comprou oito alqueires de
terra.’”.
156
Todavia, a lavoura não ia bem, seu pai entrou em crise, abandonou tudo e voltou a
morar com o filho em Erechim.
157
A modernização nesse momento era o arado, de forma que
comenta: “A lavoura e os animais iam bem, mas não tinham arado. ‘Conseguimos um
emprestado do vizinho e aí a produção aumentou.”
158
E a situação da família melhora quando
seu iro mais novo volta do exército, assumindo a propriedade no Rio Grande do Sul e seu pai
volta para o Paraná. Em “1946, casou com Miroslava [...] Casados, moravam no sítio.” Narra
que: “‘Lá também tinha uma serraria que meu pai montou e a gente serrava as toras’ [...] ‘Depois
montei uma serra Tissot vertical, mais conhecida como pica pau, fazia dormentes com o Vasco
(Wenceslau) e vendia muito para estrada de ferro em Joaquim vora.’”
159
A família abriu uma
fábrica de carroças e outras ferramentas, um posto de combustível, entre outras atividades. Em
1951 alega que: “‘tomei gosto por serraria e viajei em busca de terra que tivesse bastante
pinheiro’”. Veio para Campo Mourão no início de 1951: ‘Veio tudo em dois caminhões, até a
serraria desmontada. Era pequena’. Se estabeleceu em Peabiru com o irmão Vasco. [...] Represou
o Rio da Lagoa e montou a Serraria do Norte, movida à roda d‘água.”
160
Mas as serrarias, em
especial as pequenas, deveriam acompanhar a madeira:
Quando o Vasco casou [...] abriram a sociedade ‘Montei outra serraria com
uma serra fita Scheaffer, cara comprada em Ponta Grossa, que demorei, mas
paguei’. Se estabeleceu entre Bourbônia e Luiziana, próximo a uma queda de
água de 15 metros do Rio Depositozinho. ‘O começo foi difícil. O dinheiro
acabou e eu empregava doze famílias na serraria. Em cinco anos aprumei.’
161
Lembra, ainda, que ganhou muito dinheiro na época da construção de Brasília, mas
reclama da ilegalidade dos procedimentos então adotados.
‘A roubalheira comia solta. Os compradores exigiam nota fiscal em dobro do
que pagavam. Quem não fizesse, não vendia. Tive que fazer. Era o tal do
superfaturamento que se praticava naquele tempo e na época que eu vendia
dormentes’, lamenta. ‘As falcatruas maiores eram em Brasília. Caminhão
carregado entrava por um portão, saia das obras e entrava por outros portões,
umas cinco a dez vezes, a cada entrada era paga’, denuncia. ‘isso eu porque
se não fizesse eu não vendia’, diz chateado.
162
As lembranças do Nicolau sobre a venda de terras na região são igualmente marcadas
pelos esquemas ilegais do qual “teve” de participar.
156
Ibid., p. 7.
157
Ibid., p. 7.
158
Ibid., p. 7.
159
Ibid., p. 7.
160
Ibid., p. 7.
161
Ibid., p. 7.
162
Ibid., p. 7.
282
Ladroagem [...] No Depositozinho comprou terras do Pedro Cândido dos Santos
[...] ‘Paguei e quando fui verificar na Inspetoria de Terras, o Pedro Mentira não
tinha requerido e nem pago nada’. Aí foi um Deus nos acuda. ‘O doutor
Rubens, que era chefe da Inspetoria me pediu quarenta milhões de cruzeiros da
época, prá regularizar minha terra. Embolsou e não fez nada. Fez isso com
muita gente’. [...] Um advogado de Peabiru, almofadinha, de certa idade, que
tirava o chapéu ao cumprimentar as pessoas, todo galante, me intimou três
vezes para ir falar com ele, porque se dizia dono da terra que eu comprei do
Pedro Mentira [...] Por minha conta fui a Curitiba. Dinheiro no bolso. Imagine
um caipira na Capital. Achei a Inspetoria do Estado na Avenida Barão do Rio
Branco. [...] Andei igual tonto nos três andares e via gente mal atenciosa e
mal intencionada. Cochichavam e faziam os acertos. [...] Subi pra falar com o
presidente, mas um policial, deste tamanho ó, mandou eu voltar. Desci e vi um
homem, numa salinha, sozinho. Não tinha patota ali. Bati no vidro e o chamei.
Contei minha história inteirinha. Ele consultou um livro e me disse: que não
estava nada perdido e que eu tinha que dar uma certa quantia de dinheiro e ele
que arrumava tudo. Pensei: se vai meu dinheiro de novo, mas arrisquei. Ele
mandou eu descer, enrolar o dinheiro escondido num papel e, entreguei a ele.
Parece milagre. Dali uma semana o Vinício Vecchi, da Casa Catarinense, me
chamou em Peabiru. Me entregou um envelope daquele senhor e dentro tava o
Título a minha terra. [...] Trabalhei dobrado e feliz’... (risos).
163
Os filhos de Nicolau Macowski são aviadores e fazendeiros em Xapuri no Acre, que,
também, ajudaram a desbravar”. Sendo que vive entre Xapuri e Campo Mourão, e um dado o
deixa vida sobre as posições do senhor Nicolau Macowski nos conflitos cio-ambientais
atuais:
Tudo que ganhei investi aqui e ajudei meus filhos a comprar aviões e terra em
Xapuri (Acre), onde conheci o Chico Mendes, que era pau mandado dos
americanos. Ganhava em dólar e foi matado pelo Jaci que é do Paraná. Conheci
o Jaci e o filho dele também. O Jaci a vendeu uma fazenda pro Bruno
Ghering. Eram pessoas boas, mas pistoleiros.
164
Ao narrar tal trajetória de vida e ao descrever os embates nestes processos judiciais,
acredito ser possível mapear o campo de possibilidades no qual se moviam madeireiros e
lavradores no sertão de Campo Mourão.
Dessa forma, por exemplo, o processo 58 de 1961, Francisco Vicente, marceneiro,
residente em Campo Mourão, afirma ser proprietário de um imóvel de 31,6 hectares na Colônia
Cantú, tendo adquirido por compra do Governo de Estado em 1961. Sendo que “Manoel Saraiva
e familiares” se “apossou indevidamente, tendo iniciado a derrubada de árvores de pinho
tendo por isso iniciado um ação judicial de seqüestro dos referidos pinheiros, solicita nesta ação,
a reintegração da posse.
165
163
Ibid., p. 7.
164
Ibid., p. 7.
165
Processo nº 58 de 1961. Ação Reivindicatória. Requerente: Francisco Vicente. Requerido: Manoel
Saraiva. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
283
As testemunhas do autor, lavradores vizinhos ao lote demandado, narram a seguinte
história: Que Francisco Vicente abriu a posse do imóvel mudando para Campo Mourão para
exercer a atividade de marceneiro, um “prepostoseu de nome José Dutra, vendeu o direito de
posse do referido lote para Manoel Saraiva, o qual residia no lote, nele construiu benfeitorias,
mas quem cultivava efetivamente o lote era Geraldinho, vizinho que o fazia com a autorização
de Manoel Saraiva.
166
O processo se encerra com um acordo entre as partes, em 19 de fevereiro de 1963, pelo
qual Manoel Saraiva recebe Cr$ 130.000,00 pelas benfeitorias e compromete-se a sair do imóvel,
podendo retirar todos os bens móveis do lote, ficando ainda responsável pelos encargos judiciais.
Sendo que há uma cusula no acordo pelo qual todos os pinheiros seriam vendidos para Luersen
& Bauer Ltda, as 80 árvores que foram prometidos por Francisco Vicente para Albino Schimidt,
o qual consentia com o acordo e por isso o assinava, e outras 20 árvores não prometida a venda a
ninguém, totalizando 100 árvores, que seriam vendidas por Cr$ 560.000,00 (quinhentos e
sessenta mil cruzeiros).
167
Além da indicação do quanto a madeira valia nesta disputa no início da década de 1960.
Poderia-se ter neste caso:
a) alguém que desenvolvia atividades urbanas e que faz uma posse para conseguir, nos
labirintos burocráticos, um título de donio do lote: Francisco Vicente;
b) alguém que compra uma posse a fim de se tornar proprietário: Manoel Saraiva;
c) alguém que é colocado como “prepostoe dolosamente vende uma posse que não fez:
José Dutra;
d) alguém que cultiva o lote de um vizinho, provavelmente como parceiro: Geraldinho;
e) um madeireiro que elaborou um contrato de promessa de venda de madeira: Albino
Schimidt; e
f) uma madeireira que comprou os pinheiros do lotes: Luersen & Bauer Ltda.
Mas não seria estranho, se na verdade tivesse:
a) um “preposto” em nome do qual foi emitido um título de propriedade por intermédio da
influência de uma grande empresa junto ao Governo: Francisco Vicente;
b) alguém que compra uma posse para vender a madeira: Manoel Saraiva;
c) alguém realmente acreditava ter o direito de vender as benfeitorias da área em que
trabalhava: José Dutra;
d) alguém que cultiva o lote de um vizinho, provavelmente como parceiro: Geraldinho;
166
Ibid.
284
e) um toreiro
168
que trabalhava para uma madeireira: Albino Schimidt; e
f) uma madeireira que conseguia madeira de um imóvel por meio de um “preposto” em
nome do qual legitimou o imóvel: Luersen & Bauer Ltda.
Outros cenários poderiam ser aventados, mas a questão aqui é perceber que todas estas
situações e relações eram plausíveis naquele contexto.
Uma situação na relação entre madeireiras e florestas, que apesar de ilegal, salta ao
primeiro plano nos processos judiciais abordados é a “grilagem de madeira”. Como no processo
363 de 1961, na qual José Dziubate Sobrinho alega ter o título de domínio de um lote de 100
hectares na Colônia Muquilão. Por sua vez, Francisco Bezerra dos Santos, alega que tem a posse
do imóvel desde 1954 e pagou para José Dziubate Sobrinho para legalizar o imóvel em Curitiba,
mas este, além de roubar o seu dinheiro, registrou o imóvel em seu próprio nome. O desfecho do
processo é o padrão, Francisco Bezerra dos Santos recebeu em março de 1963 Cr$ 36.235,00 a
título de indenização pelas benfeitorias do lote, sendo que o imóvel custou Cr$ 30.000,00 em
setembro de 1960, quando foi comprado do Estado.
169
Tal processo indica a prática da grilagem” de madeira. Todos os indícios apontam que
a grilagem ou, puro e simples, roubo de madeira, em especial em terras públicas, era uma prática
comum na região. Como afirma Daniel Maiko, um lavrador, residente em Roncador, que durante
o seu testemunho em um processo argumenta: “nas terras devolutas do Estado, é costume toda
sorte de robalheras [sic] de madeira, sem que os responsáveis sejam punidos na forma da lei”.
170
Delcides Constantino Miguel, industrial, residente em Campo Mourão, em testemunho
no mesmo processo, argumenta saber “que é costume na região, o roubo, e contratos escusos nas
terras devolutas do Estado”, com madeiras.
171
Apesar de não haver nenhum processo contra tal atividade em terras devolutas
iniciados pelo poder público, vários processos em que se buscava impedir a retirada de
167
Ibid.
168
Cancian faz os seguintes comentários sobre este profissional: “Há ainda um tipo especial, o mateiro,
ou extrator de toros. Esse tipo de trabalhador é um verdadeiro profissional em extração madeireira. Conseguia
derrubar uma árvore mesmo entre cafezais, na mata virgem ou onde quer que se localizasse. Para se conhecer bem
todo o processo, é preciso dizer que ele exerce várias funções. Pode adquirir a madeira em pé, por sua própria conta,
derrubá-la e vendê-la depois às serrarias. Nesse caso, age como extrator e intermediário. Compra e vende madeira.
Os gastos correm por sua conta. Pode ainda ser contratado por uma serraria que comprou a madeira em pé e precisa
derrubá-la. Nesse caso, os seus serviços são contratados e as despesas podem ou não correr por sua conta,
dependendo do contrato. É preciso assinalar ainda que não foi encontrado um único contrato por escrito. São
geralmente à base da palavra empenhada (CANCIAN, 1974, op. cit., p. 74-5).
169
Processo nº 363 de 1961. ão ordinária de Reivindicação. Requerente: José Dziubate Sobrinho.
Requerido: Francisco Bezerra dos Santos. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
170
Processo nº 89 de 1959. Ação PossessóriaInterdito de Manutenção. Requerente: Teodoro Retkava
e sua mulher. Requerido: Aldevino Santiago. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
171
Ibid.
285
madeira tida como indevida, em terras de posse ou já tituladas. São basicamente dois tipos,
aqueles em que a madeira é um tema secundário e a terra o principal. Muitas vezes o portador do
título de donio buscava impedir que aquele que estava com a posse do imóvel efetuasse a
venda da madeira do lote.
Tal como no processo de seqüestro judicial, iniciado, em 1956, por Juvenal Portela,
agricultor residente em Curitiba, e sua mulher, contra Andraci Ribeiro. Alegando que possuem o
título de donio dos lotes 120, 122 e 123 da Gleba. 12, 3ª Parte, da Colônia Goio-Erê, e que
Andraci é um posseiro que permanece em parte do imóvel, graças a uma liminar concedida em
1954. Mas que Andraci e sua mulher:
[...] determinaram a derrubada e venda das madeiras de lei existentes na terra,
principalmente cedro e marfim. Não bastando isso, ainda estão pondo abaixo e
negociando os palmitos encontrados, tal situação e tal procedimento, vem
causando sérios prejuízos aos requerentes [...] ainda estão abrindo uma
infinidade de carreadores, penetrando a mata em todas as direções e com isso
devastando e estragando irremediavelmente, o a floresta, como a
própria terra. Derrubando, por outro lado, os palmitais e vendendo-os, outra
lesão vem sofrendo o patrimônio dos requerentes, sabido como é que nessa
região do norte, a qualidade e destino da terra se mede pela existência ou
o de palmitais.
[...] que, no presente momento se encontram lá [...] serradas e traçadas, cerca de
duzentas toras de cedro e marfim prontas para venda, am de mais um
deposito, [...] beira da estrada com outras quarenta, prontas para serem
transportadas. [...] Desnecessário frisar a desvalorização tremenda que vem
sofrendo essas terras (grifo meu).
172
Solicita o seqüestro judicial das árvores e das madeiras já cortadas, no que são atendidos
pelo juiz. Não nos autos indicação do desfecho, apenas um comunicado do “depositário
judicial da comarca” informando ao delegado que José Teixeira, residente em Maringá, entrou
no lote 123, situada em um lugar denominado “divisa dos catarinenses” em Moreira Sales, e
levou 33 toras para um lugar a 6 quilometros dali.
173
Neste processo, também, se expressa
um argumento aceito então, de que derrubar a floresta é uma forma de degradar/desvalorizar a
terra. Uma desvalorização, no caso, entendida como material e simbólica, pois se argumentava
que a terra não apenas perderia inexoravelmente a fertilidade com a ausência da floresta, ficando
“fraca”, como perderia os símbolos pelos quais se identificava as terras “boas para café”, como a
existência de palmitos. As testemunhas do autor seguem no depoimento a linha argumentativa
traçada pelo advogado. Waldomiro Rodrigues, lavrador, 32 anos, em seu testemunho afirma que
o réu havia
172
Processo nº 146 de 1956. Sequestro. Requerente: Juvenal Portela e sua mulher. Requerido: Andrací
Ribeiro. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
173
Ibid.
286
[...] ‘punhadoum preposto de nome João André nas terras; que Andraci vem
tirando madeira dos lotes ‘que sabem também da extração de palmitos nos lotes
do requerente, cuja extração depende de carreadores, pelo meio da floresta, em
evidente prejuízo ao ora requerente, que ficará em situação verdadeiramente
calamitosa, diante dos absurdos cometidos pelo Sr. AndraRibeiro, através de
seus prepostos João André e Zezinho de tal, residentes em Maringá; [...] que o
cedro tirado da propriedade do requerente, cegue com destino a Maringá, sem
passar pela cede da Comarca
174
.
Brandizio Marques de Souza, lavrador, 33 anos, natural deste Estado, afirma que:
quase todo o lote foi estragado, face tal devastação; que, João André retirou uma quantidade
muito grande de palmitos, acabando com isso de estragar toda a floresta”.
175
O segundo tipo de processo em que se alega a apropriação indevida de madeira é, em
geral, contra uma empresa madeireira ou industriais madeireiros. Por estes terem entrado sem
autorização no imóvel e estarem retirando madeira ilegalmente.
É o caso do processo nº 89 de 1959, que Teodoro Retkava e sua mulher, Tecla Retkava,
ele lavrador, ela “de prendas do lar”, que propuseram contra Aldevino Santiago, industrial,
residente em Engenheiro Beltrão.” Alegando que tendo a posse dos lotes 68 e 69, da Gleba 1, da
Colônia Muquilão e tendo efetuado o requerimento junto a DGTC para conseguir o título da
terra, que “no dia 10 do corrente mês, o suplicado, por intermédio de prepostos seus, invadiu o
lote n. 69, e passou a efetuar derrubada de pinheiros existentes no imóvel, com o intuito de
aproveitá-los como matéria-prima em uma serraria de sua propriedade [...] tudo com evidente
dano para os suplicantes, embora, continuem estes a manter sua posse apesar da turbação.”
176
Sendo que ganha a causa, e lavra-se um “auto de manutenção de posse”, no dia 24 de março de
1959, dos lotes citados e da madeira cortada pela firma Santiago, num total de 131 toras de
“madeira de Pinho”.
177
Em grande parte deste tipo de processo, localizei mais de uma dúzia
deles, terminam com um acordo entre as partes.
178
É bom ter presente que os casos que se transformaram em processos judiciais eram
especialmente aqueles praticados quando a “vítima” era alguém com algum recurso econômico.
Provavelmente lavradores muito pobres, em especial os posseiros, tinham poucas possibilidades
de impedir a ação da grilagem” de madeira. Salvo pela força das armas, em especial porque,
muitas vezes, as autoridades policiais destes Municípios estavam muito próximas aos grandes
174
Ibid.
175
Ibid.
176
Processo nº 89 de 1959. Ação PossessóriaInterdito de Manutenção. Requerente: Teodoro Retkava
e sua mulher. Requerido: Aldevino Santiago. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
177
Ibid.
178
127/57, 30/61, 150/59, 264/59, 296/59, 297/59, 103/60, 53/63, 360/64, 523/62, 1186/62.
287
interesses econômicos. Ademais, é provável que muitos casos tenham terminado com acordo
antes de se constituírem em processos judiciais.
179
No limite, casos em que madeireiras invadiam terras de outras madeireiras para
roubar madeira. Como se alega no processo de reintegração de posse, promovido pelas Indústria
Reunidas de Madeiras Nascimento Ltda, com sede em Maringá, promovido contra Pedro Maia,
industrial e comerciante, e sua mulher, residentes em Apucarana. Alegam os advogados da
indústria que, esta tem o título de donio do lote 6 e 16, Gleba B, da Colônia Cantú e que a 15
dias Pedro Maia com prepostos seus, invadiu o citado imóvel e está retirando pinheiros para
serraria situada a 12 quilômetros do lote, da qual é sócio. Mediante depoimentos e outras provas,
inclusive com fotos aéreas, na qual se um caminhão saindo carregado de madeira dos limites
do lote da instria, o juiz considera procedente e manda emitir o mandato de manutenção de
posse. Todavia, alegam os advogados da instria, eis que pouco tempo decorrido, voltaram os
turbadores em sua faina de rapinagem, derrubando e roubando novos pinheiros” da instria
autora, “no mesmo local, já agora mantendo ‘jagunços’ armados, para, pela força, desrespeitarem
aquela ordem emanada” do poder judiciário. Sendo solicitado, inclusive, que seja feita o devido
encaminhamento da denúncia para se instalar o processo criminal. Infelizmente não nos autos
informações sobre o desfecho do processo.
180
Um outro procedimento não convencional de adquirir madeira era se propor a conseguir
o título de donio de terras em Curitiba, em troca de toda ou de parte das árvores madeiráveis
existentes no lote de um posseiro. apenas 5 processos derivados deste tipo de “acerto”, mas
deve-se considerar que, somente originavam processos judiciais, quando algo dava errado no
contrato estabelecido entre as partes. Como no caso dos processos ns. 18 e 19 de 1956, sendo
processos semelhantes, pois originados no contrato lavrado em 1952 entre Irmãos Nascimento,
firma com sede em Ponta Grossa, e 13 lavradores com lotes coloniais na Colônia Cantú.
Contrato, segundo o qual, os lavradores:
[...] cedem e transferem, como cedido e transferido tem, à firma Irmãos
Nascimento, os direitos que possuem sobre todas as arvores [sic] e pinheiros
existentes nos aludidos lotes e mais madeiras de lei por Cr 30,00 (Trinta mil
cruzeiros) de que o quitação, pinheiros ao preço de Cr 50,00 (cincoenta [sic.]
179
Joe Foweraker, trabalhando com o caso do Sudoeste do Paraná, afirma: “Essas serrarias clandestinas
extraíam as reservas dos pequenos posseiros e floresciam onde houvesse terras em disputas de onde os camponeses
pudessem ser retirados. Os camponeses, de qualquer forma, estavam ansiosos para vender suas árvores a baixos
preços, sabendo que nem poderiam defender-se a si mesmos contra os pistoleiros, nem a terra contra a invasão”
(FOWERAKER, 1982, op. cit., p. 66). Todavia, o citado autor, ao explicitar a violência, acaba por vitimizar os
“camponeses”, apresentado-os como heróis indefesos diante dos opressores e se afastando, dessa forma, da dinâmica
sócio-cultural-ambiental a partir da qual a luta pelo acesso a terra se deva.
180
Processo nº 255 de 1959. Reintegração de Posse. Requerente: Indústria Reunidas de Madeiras
Nascimento Ltda. Requerido: Pedro Maia e sua mulher. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo
Mourão.
288
cruzeiros) por arvore [sic] de mais de 20 (vinte) polegadas e os de 15 a 20
polegadas ao mesmo preço, sendo, porém os pinheiros contados 2 por um, todos
medidos a altura de um metro e dois centímetros [...] os outorgantes cedentes se
obrigam a passar a escritura definitiva de todos os pinheiros e madeiras de lei
existentes nos referidos lotes, de acordo com as bitolas já indicadas, no
momento em que o procurador dos cedentes exibir o titulo de opção ou título
definitivo conforme [...] procurações outorgadas para isso; fica estipulado o
prazo de vinte anos para os outorgados tirarem as arvores [sic] de pinheiros e
outras madeiras de lei, ficando ainda os outorgados com direito exclusivo de se
utilizar sem mais indenizações, de madeiras para o feitio e construção de
serrarias, pontes, pontilhões, estivas, estaleiros, bem assim escolher o terreno ou
local apropriado para a localização de serrarias e dependências, estradas,
carreadores, picadas, e qualquer benfeitoria, obrigando-se ainda a darem livre
transito [sic] no imóvel para que os outorgados possam, exercer sua atividade
industrial; declaram ainda que, caso a firma outorgada não possa no prazo de 20
anos (vinte) cortar ou retirar a madeira objeto desta sessão, os outorgantes
cedentes, se obrigam a dar-lhes maior prazo nunca menor de cinco anos,
prometendo-se os outorgantes cedentes a não fazer roças, ou consentir que o
façam ou mesmo derrubadas de matas ou capoeiras onde houver pinheiros.
181
Dessa forma, a empresa procurava montar uma serraria no local para beneficiar a
madeira, ao mesmo tempo em que teria uma reserva de madeira para uma atividade futura. Um
dos lavradores envolvidos, Miguel Skalski, 48 anos, não sabendo ler nem escrever, a seguinte
versão para o epidio: Que em 1952, os Irmãos Nascimento o procuraram em sua casa
propondo efetuar a legalização do lote 43, a proposta era que em noventa dias o lote seria
legalizado e os Irmãos Nascimento comprariam a madeira do imóvel e descontariam as despesas
de legalização. Miguel Skalski afirma que “achava boa a proposta dos Irmãos Nascimento, em
1952, desde que os mesmos pagavam [sic] os pinheiros e a cincoenta cruzeiros, quando o preço
do dia era de vinte cruzeiros”. Sendo que eles estavam “patrocinando outras causas, de
legalização, dos” seus vizinhos. Nestes termos foi estabelecida uma procuração pública, com a
vinda à casa de Miguel de um “escrivão de Pitanga”, para realizar tal “acerto”. Todavia, como
em 90 dias não foi mais procurado, em 1955 procurou “a comissão do Departamento de Terras,
para tomar as providências de legalização, para o que pagou a primeira prestação do lote 43”.
Mas no final de 1955, os Irmãos Nascimento apresentaram “o título de donio do lote 43, ao
declarante”. Sendo que “na ocasião em que foi apresentado o Título de Domínio ao requerente,
este já tinha vendido os pinheiros do lote”, tendo vendido “os pinheiros a Bruno de tal, por uma
escritura.”
182
No contrato que foi assinado pelo procurador, não havia a exigência de 90 dias de prazo
para a regularização, assim, 4 anos depois, quando Miguel Skalski, inclusive, já havia requerido
181
Processo nº 19 de 1956. Ação Cominatória. Requerente: Irmãos Nascimento. Requerido: Felisbina
Matheus Mendes. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão. p. 6.
182
Processo nº 18 de 1956. Ação cominatória. Requerente: Irmãos Nascimento. Requerido: Miguel
Skalki. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão. p. 40-41.
289
e pago parte do valor do lote para o DGTC, a empresa madeireira entregou o título de
propriedade e impetrou uma ação cominatória, visando obrigar os lavradores a cumprir o citado
contrato e passar a escritura definitiva dos pinheiros. Nos dois processos, o desfecho foi à
condenação dos lavradores a “outorgar a escritura definitiva dos pinheiros e arvores de lei” ou a
ressarcir a indústria, das despesas de legalização do lote. Em ambos os processos, os lavradores
optaram por pagar as despesas de legalização da terra.
183
Pedro Maia, que foi acusado de roubar madeira das terras de uma indústria madeireira,
em processo já comentado, aparece, também, em outro processo, legalizando terra em troca do
direito da compra de pinheiros. No processo 971 de 1961, no qual os autores Augusto Clazik,
José Klazik, Rosa Klazik e seu esposo JoTobarda Ribas alegam que o industrial Pedro Maia
fez um acordo verbal com os autores pelo qual este deveria obter o título de donio dos lotes 3,
4, 5, da Gleba 9, da Colônia Cantú, em nome da família Klazik, em troca seria assegurado ao
senhor Pedro Maia a compra dos pinheiros existentes na propriedade. Sendo que assinaram uma
Declaração Particular” assumindo tal compromisso. Todavia alegam que foram surpreendidos
por um “Contrato de Compra e Venda de Pinheiros”, segundo o qual, teriam vendido a madeira
do lote a Ivo Amim Maia, industrial, residente na capital de São Paulo. Alegando que o
assinaram tal contrato, apenas a citada “declaração particular”, pedem a anulação do citado
contrato. Os réus alegam que o contrato é verdadeiro e que não haveria como enganar três
homens a assinarem um documento, pensando que era outra coisa, sendo elaborado em 1967 um
laudo para verificar se as assinaturas eram verdadeiras, o que foi confirmado pelo perito,
determinando os rumos do processo.
184
Todos estes processos deixam entrever uma situação de incerteza quanto a propriedade.
Uma situação permanente de conflito pela terra ou pela madeira, a qual colocou grandes
obstáculos para um processo sistemático de reflorestamento comercial. Como argumentou
K. Thomas, a respeito da plantation de árvores:
Esses plantios não exigiam apenas tempo livre e uma bolsa recheada, mas
segurança política e um sistema de herança que oferecesse confiança na
transmissão de propriedade. Sem dúvida, essa era uma das razões pela quais
isso ocorreu mais cedo na Inglaterra que na agitada Irlanda [...].
185
183
Processo nº 18 de 1956. Ação cominatória. Requerente: Irmãos Nascimento. Requerido: Miguel
Skalki. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão. Processo nº 19 de 1956. Ação Cominatória.
Requerente: Irmãos Nascimento. Requerido: Felisbina Matheus Mendes. Arquivo da Primeira Vara Civil da
Comarca de Campo Mourão. p. 41.
184
Processo nº 304 de 1964. Imissão de Posse. Requerente: Juvenal Pedrosa da Silva. Requerido:
Renato Celestino dos Santos. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
185
THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos
animais, 1500-1800. Tradução João Roberto Martins Filho, São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 251.
290
O que também era reconhecido por um engenheiro das indústrias Klabin, pioneiros no
reflorestamento por plantation, ainda na década de 1950, quando depois de reclamar que
predominava no Brasil, o ponto de vista de que “o dono do mato pode dispor à vontade do
mesmo e que o “reflorestamento constitui um problema de interesse exclusivamente
governamental”, afirma que:
Temos que confessar que, em nossas condições, uma lógica resolução do
assunto torna-se complicada pelo fato de que, na maioria dos casos, os pinheiros
são vendidos sem a terra. Assim temos dois usufrutores, o dono da terra e o
dono dos pinheiros, fato que determina seja o problema do reflorestamento
particular quase insolúvel.
186
Sugerindo o engenheiro, que o Governo deveria proibir a venda dos pinheiros, sendo a
indústria obrigada a reflorestar, em terreno próprio, o pinheiro derrubado em terrenos de
outrem.
187
Mas, como argumentei no terceiro capítulo, a tecnoburocracia, costuma imaginar que
aqueles que detinham a posse ou a propriedade da terra e das florestas eram como operadores da
bolsa de valores, procurando alocar e maximizar os lucros, e não seres humanos imersos em
cultura e em um ambiente. E, assim, subestimavam a violência e a exclusão real, nos quais
estavam inseridos os processos de apropriação de recursos no sertão.
As trajetórias e processos judiciais, em especial sobre “grilagem” são um exemplo de tal
exclusão e violência. No tocante apenas a apropriação da terra, Sara M. P. Soriano já apontou,
trabalhando com processos judiciais em Campo Mourão entre 1946-1964, que:
[...] a intimidação e a coação do trabalhador rural, a expulsão violenta das
pequenas posses, a apresentação de títulos falsos, a extorsão dos preços dos
lotes e a abertura de processos judiciais se revelaram como mecanismos
utilizados, pela fração da elite dominante, na figura dos grileiros, grandes
proprierios e especuladores, para impedir a expansão da pequena propriedade,
e, assim concentrar a renda da terra em pleno processo de expansão da fronteira
agrícola.
188
Os lavradores pobres estavam em meio a tal processo, mas não apenas como vítimas da
violência ou da modernização, é sobre tal questão que passo a me debruçar.
186
WIELICZKA, Zygmunt. O problema dos pinheiros brasileiros. Anuário Brasileiro de Economia
Florestal, Rio de Janeiro, p. 37-42 , 1951. p. 41. (ENG diretor do Departamento Florestal das Industrias Klabin do
Paraná de Celulose SA)
187
Ibid., p. 41.
188
SORIANO, 2002, op. cit., p. 7.
291
4.5 FAZER POSSE OU MODERNIZAR O SERTÃO
Nos projetos de modernização, em geral, as ações de “desenvolvimento” não são feitas
conforme planejada pelos modernizadores, mas vai ser reelaborada pelos agentes, a partir de suas
tradições”. Neste sentido, no segundo capítulo argumentei que a colonização racional foi
colocado em prática, em grande parte, como uma reação a ação de lavradores que buscavam
fazer a posse no sertão.
Cabe ainda reforçar a participação ativa dos lavradores neste processo de transformação,
por meio da produção de posse, com duas ressalvas, primeiro que o foco é a ação cotidiana, às
vezes, percebidos durante toda uma vida se defendendo, mais que confrontações de lutas abertas;
a segunda é que, como já sugeri, a ação não se apenas a partir de uma ordem moralou de
uma “ordem econômica”, mas por sua articulação.
O processo 28 de 1959, Juvenal Gaspar da Silva, Candido Hey Gomes, Ciriaco Hey
Gomes e suas respectivas esposas, Julia Gomes da Silva, Julieta Clementina Gomes e Clotilde C.
Santos Gomes, “comerciantes, o primeiro residente em Ponta Grossa, os demais em
Prudentópolis”, no Paraná, por meio de seu advogado exem na petição inicial que são
legítimos proprietários do ivel, de 241,2 hectares, constitdo pelo lote 23, Gleba 3, Parte
da Colônia Goio-Bang, adquirido conforme escritura de compra e venda de Jo Galicioli e
Maria Zarpellon Galicioli. Que, por sua vez, haviam adquirido o referido lote por compra do
Governo do Estado, conforme título expedido em 26 de janeiro de 1956, em favor de Maria Z.
Galicioli, que já o haviam requerido em 12 de janeiro de 1950. Alegam que Said Chaar,
comerciante residente em Ibiporã, se apoderou indevidamente de 14,5 hectares do citado imóvel
e Francisco Pedroso, lavrador, residente no citado lote, se apoderou de outros 24,2 hectares.
189
Como era de costume neste tipo de processo, ocorre uma avaliação das benfeitorias em
março de 1960. As benfeitorias de Francisco Pedroso são avaliadas em:
Casa...................................................................................................................... 7.000,00
Dois ranchos de palmito no total de..................................................................... 2.000,00
Poço...................................................................................................................... 3.500,00
Monjolo instalado................................................................................................. 4.000,00
Mangueirão........................................................................................................... 6.000,00
1500 covas de café Bourbon............................................................................... 45.000,00
Árvores frutíferas, bananeira, abacaxi etc............................................................ 7.000.00
189
Processo nº 28 de 1959. Ação Reivindicatória. Requerente: Juvenal Gaspar da Silva e sua mulher e
outros. Requerido: Said Chaar e Francisco Pedroso. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
292
Canavial................................................................................................................ 5.000,00
Valor total das benfeitorias de Francisco Pedroso.............................................. 79.500,00
Sendo que houve a derrubada de árvores de lei, em um total de prejuízo de Cr$
15.000,00. Um outro prejuízo alegado foi ter o terreno ficado “praguejado”. Ademais “a área
reivindicada apresenta um valor de Cr$ 15.000,00 [...] o alqueire, sendo a parte ocupada pelo
reivindicado de aproximadamente dez alqueires. Em um total de Cr$ 150.000,00.
190
Como em geral ocorria, o juiz foi favorável aos autores detentores do título de
propriedade, mas condenou-os a pagar indenização pelas benfeitorias, que no caso de Francisco
Pedroso foi estipulado em Cr$ 64.500,00. Sendo lavrado um auto de imissão de posse em de
setembro de 1960. Todavia, somente em abril de 1962, Francisco Pedroso levantou o valor da
indenização, indicando que, talvez, tenha permanecido no lote até aquela data.
191
As testemunhas nomeadas pelos autores produzem uma visão mais rica dos eventos que
levaram a feitura desta posse. Assim, consta o testemunho de Antonio Teodoro de Oliveira,
identificado como proprietário:
[...] ‘que, no ano de 1.950 o depoente foi procurado pelos Autores em sua
residência, afim de que o mesmo indicasse onde poderiam localizar,
quinhentos hectares de terras, que o Departamento de Terras, por despacho
Governamental, lhes havia concedido; que, o depoente encaminhou os Autores,
para Barreirinho d’Oeste, afim de procurarem José Alves da Rosa, também
conhecido por Alvin Inácio, que podia indicar onde os mesmos poderiam
comprar posse, para ali localizarem e requerimento deferido; que, ao Autores
compraram de Manoel Ferreira do Nascimento um posse que hoje se localiza no
lote reivindicado. Sendo [ilegível] compra e respectivo pagamento na
importância de Cr$ 12.000,00 [...] que, a posse comprada era efetivamente de
Manoel Ferreira do Nascimento e ficava ao lado esquerdo da estrada que vae
[sic] para Barreirão, [Boa Esperança] sendo que em frente do lote, mas do lado
direito da estrada, morava João Ferreira e seu sogro Francisco Pedroso; que, a
área já estava dividida, quando foi intrusada pelo u Francisco Pedroso, pois
os Autores tiveram sua área dividida por ordem da Inspetoria de Terras, o
conseguindo os mesmos localizarem toda a metragem da área do requerimento;
que, na ocasião de Francisco Pedroso e João Ferreira intrusarem o lote
reivindicado foram os mesmos embargados, diversas vezes, pela Inspetoria
desta Cidade, [...] para que não efetuassem derrubadas e abandonassem
local(grifo meu).
192
O outro testemunho, de JoAlves da Rosa, lavrador, residente em Barreiro d’Oeste,
em Campo Mourão, consta:
[...] ‘que, o depoente é fundador do bairro, onde se localiza o litígio argüido na
inicial, sabendo de ciência própria, que Manoel Ferreira, vendeu a pose do lote
aos Autores, que ali passaram a residir através de seus prepostos, com cultura
efetiva e morada habitual; que na ocasião de Manoel Ferreira, vender a posse
190
Ibid.
191
Ibid.
192
Ibid.
293
aos Autores, foi acompanhado também no negócio, por seu filho de nome João
Ferreira, atualmente, cumprindo pena de morte e lesões corporais, na
penitenciaria central deste Estado; que, o depoente vendo que Manoel Ferreira,
incluía na posse, cedida aos autores, um espigão, de frente a casa de morada de
João Ferreira, mas separado pela estrada de rodagem, coube ao depoente
aconselhar a João Ferreira e não permitir que seu pai Manoel Ferreira, vendesse
a posse de frente a casa dele João Ferreira; que, no entanto João Ferreira,
respondera ao depoente, que o seu intento, era somente ‘tomar o dinheiro dos
trouxas, que o velho Manoel Ferreira, estava precisando de dinheiro, que
assim fazia o referido João, em tom de gozar do prejuízo que poderia causar aos
Autores; que a posse fora vendia pela importância de Cr$ 12.000,00, [...] a
dinheiro; que, foi exatamente nessa ocasião, que Francisco Pedroso, atual
ocupante da posse em litígio e sogro de João Ferreira, vendeu uma posse que
tinha no Barreirão, passando a residir no lote 7-A, de propriedade de João
Ferreira; que, depois do lote 23 ora em litígio, estar devidamente demarcado,
dentro da posse comprada pelos Autores, de Manoel Ferreira, foi que Francisco
Pedroso, sogro de João Ferreira, saiu do lote 7-A, para ocupar apenas uma parte
do lote 23 [...] ora reivindicado; que, Francisco Pedroso é realmente, quem está
intrusando a posse reivindicada, onde, milita por mais de quatro anos, ali
cultivando, cereais, e tratando de um cafezal [...] folhado; que , não obstante,
Pedroso, ainda se de arrendar os terrenos dos Autores, recebendo
arrendamento a dinheiro e a percentagem; que , Pedroso, ou João Ferreira,
também vendeu uma posse dentro do lote 23 [...] para um turco de Ibiporã de
nome Said Chaar, que fez plantar um café, de duas mil covas, mais ou menos, e
que abandonou a plantação, tão logo soube que o terreno era titulado, deixando
de pagar os empreiteiros, que posteriormente receberam o preço estipulado de
formação, dos próprios Autores, que ali mantêm posse; que, o depoente pode
afirmar, também, de ciência própria, que a Inspetoria de Terras local,
embargou a invasão de Francisco Pedroso, e João Ferreira, no lote 23 [...]
sendo que os mesmos desrespeitaram a ordem, agindo dali para frente por conta
própria; que, os Réus, ao intrusarem o terreno reivindicado, o fizeram, a custa
de machado e fogo, ali destruindo toda madeira de lei existente no solo, além
de deixar o mesmo completamente praguejado, como se poderá sentir atras de
uma vistoria que, Francisco Pedroso, deixou os terrenos reivindicados em
‘quiçaça’, a não ser, na parte em que se defende [sic.] pequenas benfeitorias;
[...] que, Francisco Pedroso e seu genro, são dados a vícios da valentia, ambos
tendo respondido por crime de morte, nesta e noutra Comarca’ (grifo meu).
193
O citado processo é muito rico para ser interpretado. Parto de alguns pontos dele para
fazer relações com outros processos e outras fontes.
O primeiro ponto que quero chamar a atenção, é para a expressão “se defende pequenas
benfeitorias”. É comum, entre lavradores, ainda hoje, expressões do tipo: “ele se defende
plantando soja”. Mas, defender-se contra o que ou contra quem? O defender-se pode ter o
sentido de defender-se da “necessidade de subsistência” econômica. Mas defender-se pode ser,
defender-se contra a expropriação e a violência presente em uma condição de insegurança quanto
ao acesso a terra.
193
Ibid.
294
A expropriação dos meios de produção para que haja a subordinação da força de
trabalho encontra uma expressão exemplar no fato de posseiros, que enfrentavam a situação de
serem interpelados por pessoas que possuíam o título de donio da terra em que estavam,
efetuavam um “acerto” para permanecer na terra como um “parceiro”.
Estes casos, em geral, não produziam processos judiciais. Mas, é possível perceber
serem eles freqüentes. Como nos autos do processo nº 23 de 1951, no qual os autores, industriais,
residentes em Ponta Grossa, Irati e São Paulo alegam: terem adquirido de terceiros uma área de
497,3 hectares; que os antigos proprietários quando obtiveram o título de donio, fizeram
acordo com os posseiros da área para eles saírem, comprando as benfeitorias e indenizando-os;
que na casa deixada por um desses posseiros se instalou a menos de um ano o réu. No decorrer
do processo, o advogado do réu procurando argumentar que os testemunhos efetuados por
pessoas, a pedido dos autores são nulos, por não terem autonomia em relação aos autores:
“Francisco Moura, Abrão Bueno da Luz e JoPinto de Cristo, ao deporem, afirmaram
a sua condição de agregados dos AA.[autores] morando como prepostos destes, nas terras
objeto da demanda.”
194
E esclarece que eles “são pessoas que além de terem cedido os seus
direitos de posse sobre terras de donioblico aos AA., vivem agora sob relação de
dependência destes’ (grifo meu)”.
195
Ou nos autos do processo 644 de 1962, pela qual Alicio Vitório, JoPereira de
Araújo e Petronilha Chermat, eles casados e ela viúva, todos lavradores, procuravam tornar nulo
um contrato assinado com Casimiro Biaico. Na petição inicial, o advogado dos autores alega que
em novembro de 1953, estes entraram na área em que reside no lote 78, Gleba 7, da Colônia
Mourão e formaram cultura de café. “Assim na qualidade de co-possuidores, os suplicantes
juntaram seus esforços, e até esta data formaram 14.600 pés de café, em franca produção, sendo
que o resultado financeiro de seus frutos, nunca foi dividido na mínima parte”. O advogado alega
ainda: Que tal área foi titulada pelo Governo do Estado, em 1951, a Sebastião Leal de Lima,
mas, até hoje, não foi o autor procurado por Sebastião L. de Lima. Que Odilon Joffre Tayer
procurou José Pereira de Araújo dizendo-se procurador de Casimiro Biaico, o qual seria o
proprietário da terra, propondo um acordo. Que Jo Pereira da Silva sendo pessoa simples,
semi-analfabeta, assinou o contrato mesmo sendo prejudicial a ele, o colocando na condição de
parceiro, e descaracterizando a sua condição de posseiro. E por isso requer a anulão do
194
Processo nº 23 de 1951. Interdito Proibitório. Requerente: Lydio Slaviero e outros. Requerido:
Mario Cyrino. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão. p. 36.
195
Ibid., p. 34.
295
contrato, porque o primeiro não é proprietário e porque o segundo é apenas co-possuidor do lote,
o tendo procuração dos outros dois possuidores.
196
Mas o testemunho das partes narra uma outra versão. Dessa forma, Casimiro Biaico,
lavrador, 54 anos, afirma em seu testemunho:
[...] ‘o depoente no ano de 1.944, fez um requerimento ao Estado para a compra
de 500 hectares de terras devolutas, que, para localização dessa área foi o
depoente aconselhado no próprio departamento de terras, que a localizasse nos
lote 54 e 78 da Gleba 7 da Colônia Mourão, atendendo porém aos regulamentos
do mesmo Departamento, que o requerimento fosse desdobrado em dois, que
dessa maneira o depoente recebeu um lote em seu próprio nome e outro, objeto
da questão ficou em nome de Sebastião Leal de Lima, porque o procurador do
depoente em Curitiba, negligenciou e não pagou a cessão de direito ao Estado;
que, desde o dia 5 de agosto de 1944, o depoente abriu posse no lote, sendo que
no lote questionado, uma derrubada de dois alqueires feita, ele próprio
depoente; que, o depoente plantou pinheiros nos locais dos marcos, além de
árvores de frutas [...] que , no mês de Julho de 1.953, o depoente foi procurado
em sua residência nesta cidade pelo autor José Ferreira de Araújo, com o qual
contratou a formação de cafezal no número de 25.000 s aproximadamente,
sendo o contrato por seis anos, sem financiamento; que, como o depoente
combinou com o autor naquele mesmo ano foi procedido parte da derrubada [...]
que, quanto a contrato escrito o próprio autor disse não precisar, porque ‘para
homem de palavra basta a mesma não precisando de contrato’; que, por causa
de geadas o declarante tolerou a prorrogação dos contratos a o ano de 1961;
que, no ano de 62 o depoente não podendo comparecer ao chamamento do Dr.
Wilson Brandão constitui pelo autor, mandou o Dr. Odilon Tayer representá-lo
[...] que, antes disso o depoente procurou resolver a questão por intermédio da
Promotoria desta cidade e de Peabiru sendo que o autor não atendeu aos
chamamentos; [...] que, na ocasião da derrubada efetuada pelo autor, o depoente
retirou palmitos e vendeu ao sr. Lauro Simões, então residente nesta cidade,
estabelecido com fábrica de conservas;’
197
Portanto, segundo o depoimento do proprietário, trata-se apenas de um formador de café
que se arvora em ter a posse. Mas o testemunho de JoPereira de Araújo, lavrador, 41 anos, e
um dos autores do processo, traz uma versão diferente:
[...] ‘que, no ano de 1.953, no mês de Setembro, chegou no lote n. 78, da Gleba
7, Colônia Mourão, ocupando o referido lote por indicação do sr. Vicente
Cordeiro o qual dizia serem aquelas terras devolutas, uma vez que não
existia requerimento de compra ao Governo do Estado; que, mais tarde, o
depoente soube ser proprietário do referido imóvel sr. Sebastião Leal de Lima,
obtendo este informação da Inspetoria de Terras; [...] que, no ano de 1954
apareceu em sua casa o sr. Casimiro Biaico, o qual se dizia proprietário do
citado lote de terras, quando então o depoente perguntou ao citado cidadão qual
o acerto que o mesmo pretendia fazer que, entraram em entendimento, o
depoente e o sr. Casimiro Biaico para que se fizesse o plantio de café por conta
exclusiva do depoente, cujo produtos seria do depoente, pelo prazo de seis anos
a partir da combinação; que, não lavraram contrato porque o réu queria que o
depoente viesse firmá-lo em Campo Mourão e o depoente disse não poder fazer
196
Processo nº 644 de 1962. Ação Declaratória de Nulidade Contratual. Requerente: Alicio Vitório.
Requerido: Casimiro Biaico. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
197
Ibid.
296
despesas com viagem a esta cidade [...]. que, sabe que o sr. Casimiro Biaico tem
uma fazenda de ca em um lote limítrofe ao ocupado pelo depoente; que,
quando o depoente chegou no lote, o réu estava formando sua propriedade no
lote limítrofe; que, no lote que o depoente ocupou existia um capoeirão, porém
não tinha terras preparadas; que, no lote existia um de abacateiro e um
pinheiro, este plantado numa divisa do lote; [...] que, os demais ocupantes
tiveram ocupação no lote a partir de 1.954, porém todo o cafezal foi plantado
pelo depoente; que Alicio Vitório é concunhado do depoente e Dona
Petronilha Chermat é sogra do depoente; que, foi o depoente que levou os
demais co-autores para residirem no lote; que, o depoente distribui uma parte do
café para os demais co-autores nele trabalharem; [...] que, efetivamente lavrou
um acordo com o réu por intermédio do seu procurador, cujo documento se acha
anexado nos autos; que, na ocasião de firmarem o compromisso, o concunhado
do depoente Alicio Vitório estava presente e firmou como testemunha; que, o
depoente como receava fazer pagamento no Banco, em face de ter feito um
empréstimo e precisando pagá-lo vendeu 46 sacas de café, da última safra, pelo
preço de Cr$ 1.530,00 a saca;’ (grifo meu).
198
A diferea entre a versão produzida pelo advogado dos autores na petição inicial e a
versão produzida por um dos próprios autores, revela não apenas uma estratégia de defesa da
causa por parte do advogado, mas diferenças culturais entre, grosso modo, aqueles que pensavam
a partir de uma campesinidade e aqueles que pensavam a partir de uma perspectiva mais
individualista, urbana e liberal. Uma vez que não se tratava para José Pereira de Araújo, de co-
possuidores do sítio, mas de um pai que, como tal, podia e deveria representar toda a família.
Tomando a versão narrada por este, trata-se de uma família extensa em que José Pereira
de Araújo era o pai, e como tal possuía autoridade para “negociar” em nome de todos. Ao
procurar terras para fazer posse em 1953, buscou informações para saber, qual “mato” era de
terras devolutas. Apesar de existirem indícios que aquelas terras foram ocupadas um dia, ou
seja, os elementos da paisagem gerados pela da ação de Casimiro Biaico procurando legitimar
sua posse naquela área em 1944, como em 1953 não havia indícios que se trabalha naquela
terra, considerou que seriam devolutas e legitima sua entrada. Quando procurado pelo
detentor do título, estava disposto a fazer um “acerto”. Independente se o JoP. de Araújo fez
ou o realmente o acordo, o que se quer argumentar é que era factível a existência deste tipo de
acordo.
Diferente do que o advogado dos autores afirmou, José P. de Araújo estava, segundo
seu próprio depoimento, disposto a abrir mão dos seus direitos de posse para se tornar um
parceiro”. E não porque ele era um homem “simples”, incapaz de defender seus interesses por si
mesmo. Mas porque o contrato oferecido lhe pareceu vantajoso, pois, em geral, o contrato de
formador de café por 6 anos, implicava em dividir o café nos últimos anos, no caso, todo o café
ficaria para ele até o último ano. Todavia uma das muitas geadas que atingiram a região
198
Ibid.
297
frustraram os seus planos de obter um bom ganho com tal contrato, sendo que neste caso poderia
haver uma negociação com o proprietário para a prorrogação do prazo do contrato.
Há outros processos em que este tipo de “acerto” aparece.
199
Como, por exemplo, o caso
registrado nos autos do processo nº 304 de 1964. O agricultor Juvenal Pedrosa da Silva alega por
meio do seu advogado na petição inicial que adquiriu, em 1960, por meio de uma procuração
em causa própria” o lote 108, da Gleba 10, da Colônia Goio-Erê, de Nelson Borba, que o havia
adquirido do Governo do Estado, naquele mesmo ano. Novamente tem-se aqui, o caso de alguém
se aproveitando da possibilidade de transitar pela burocracia pouco ortodoxa para comprar terra
do Governo do Estado para especular, ou seja, para vender por um preço maior ou de alguém que
compra terras em nome de terceiros.
Alega, ainda, na petição inicial do citado processo, que Juvenal Pedrosa da Silva
celebrou um “Contrato Particular de Habitação e Cultura” com o Renato Celestino dos Santos,
residente no citado lote em Janiópolis. Argumenta que terminou a vigência do contrato e Renato
C. dos Santos e não cumpriu sua obrigação contratual de sair da terra. E o advogado dos autores
afirma em bom bachareles:
Reconhece-se por outra lado que o R. Renato Celestino dos Santos, não era
fâmulo da posse, face a eficácia dos documentos transatos e que são anexados
aos autos, perdeu a então, sua posse, os caracteres que possuía; para vir a ser o
que nos referimos, e que em realidade é, uma posse em nome de terceiros,
posse direta em nome do possuidor indireto, posse modista em fuão da
concessão que lhe fez o possuidor imediato.
200
Desta forma, procura-se transformar Renato Celestino dos Santos em fâmulo, ou seja
“servo”, não da posse”, mas dos “autores”. A versão apresentada pelo advogado de Renato
Celestino dos Santos na contestação era bastante diferente:
A história do lote rural nº 108, da Gleba 10, da Colônia Goio-erê, teve início no
ano de 1.948, quando o adentramento da Gleba 10, constituía verdadeiro
bandeirantismo, característica peculiar do caboclo brasileiro, que ao léu da sorte
enfrentavam – os heróis anônimos, verdadeiras e reais situações de perigo, face
a inexistência de recursos de qualquer espécie. O perigo, os mais variados, era
uma constante cotidiana.
Foi enfrentando e vencendo todas as intempéries que o contestante, naquele
ano, abriu picadas, carreadores, efetuou derrubadas e afinal formou a sua posse
(em 1.948), na esperança de transformar esta situação de fato, em uma situação
real e condigna com a obtenção do título de domínio do lote 108.
201
199
Processo nº 314 de 1960. Ação de Reintegração de Posse. Requerente: Lino Sacchetim. Requerido:
José Francisco dos Santos e outros. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
200
Processo nº 304 de 1964. Imissão de Posse. Requerente: Juvenal Pedrosa da Silva. Requerido:
Renato Celestino dos Santos. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão. p. 3.
201
Ibid. p. 25-26.
298
Efetuando o requerimento de compra do lote ao Governo do Estado pelo protocolo
3.922/51, em 16 de fevereiro de 1951, mas não recebeu o tulo “tendo em vista a imoralidade
administrativa que campeou em um Governo tido e havido como corrupto e imoral”, sendo
titulado o imóvel para terceiros. Tendo o Juvenal Pedrosa da Silva “por si e por prepostos,
desenvolveu várias dilincias para desalojar o contestante da posse do lote em tela, e do
trabalho realizado pelo autor, resultaram [...] contrato particular de habitação e cultura e a [...]
Declaração, ambos assinados a rogo, por ser analfabeto o contestante.”
202
E argumenta que:
De nada valem as alegões com base nos instrumentos particulares [os
documentos citados] [...] dado que assinados a rogo e em circunstâncias que
estão longe de manifestar a vontade do posseiro de vender, ceder, desistir ou de
qualquer forma desobrigar-se da posse gratuitamente, mediante uma esdrúxula
avença de HABITAÇÃO E CULTURA [sic], unilateralmente feita.
203
Em 7 de março de 1966, as partes entram em “composição amivel”. Recebendo
Renato Celestino dos Santos Cr$ 500.000,00 pelas benfeitorias e o direito de retirar a colheita do
imóvel devendo desocupar o imóvel até o dia 30 de março de 1966.
204
Este tipo de “acerto” era uma das formas que os lavradores pobres procuravam negociar
para manter sua autonomia e se defender.
Um outro ponto que quero chamar a atenção, a partir dos autos do processo 28 de
1959 é sobre a ação estatal na região e algumas das formas pelas quais os lavradores pobres
poderiam interpretar tal ação. abordei a historiografia que procura ressaltar a importância da
ação estatal da colonização dirigida do sertão do Paraná.
205
E argumentei o tocante aos
recursos florestais que houve uma aplicação efetiva da legislação, mesmo que de forma
ineficiente. E, também, argumentei que esta ação efetiva estava voltada, principalmente, contra
os “indivíduos”. No terceiro capítulo, o fiz, partindo dos relatórios oficiais, e aqui pretendo
voltar a este argumento a partir dos processos judiciais, apontando algumas de suas implicações
na estratégia de “fazer posse”.
No citado processo 18 de 1959, as testemunhas afirmam que: “na ocasião de
Francisco Pedroso e João Ferreira intrusarem o lote reivindicado foram os mesmos embargados,
diversas vezes, pela Inspetoria desta Cidade, [...] para que não efetuassem derrubadas e
202
Ibid.
203
Ibid. p. 28.
204
Ibid., p. 70.
205
LOPES, 1982, op. cit., p. 57 et. seq.; GONÇALVES, José Henrique Rollo. Quando a imagem
publicitária vira evidência factual; versões e reversões do norte (novo) do Paraná – 1930/1970. In: DIVAS,
299
abandonassem o local.
206
Apesar de fazer posse ir de encontro a colonização racional, a sua
ampla prática levou a que, até mesmo, ela estivesse prevista e consagrada na própria
regulamentação de acesso a terra devoluta do Estado. Dessa forma, em especial, depois de 1945,
o DGTC, aparentemente, teve uma ação mais restrita quanto a tentar impedir a prática da posse
em geral. O DGTC, aparentemente, se concentrou em atuar contra a ação dos posseiros, nos
casos em que houvesse um título de propriedade emitido ou um processo de demarcação em
curso, havendo uma fiscalização que buscava impedir a derrubada de árvores e a permanência de
posseiros em áreas tituladas. A afirmação que os posseiros foram abordados “diversas vezes”
é um bom indício da pouca eficiência prática desta ação. Mesmo que tal ão fosse voltada,
principalmente, contra aquele que não possuía prestígio ou dinheiro para afastar os fiscais.
nos processos citados, outros casos em que aparecem explicitamente as atividades
fiscalizadoras do DGTC, como, por exemplo, nos autos do processo 11 de 1960, em que a
Indústria e C. Prado & Cia Ltda, procura interpelar judicialmente Belin Carollo, porque
compraram o direito de 10.000 pinheiros e haveria uma notícia de que Belin Carollo tentava
comprar estes pinheiros da viúva proprietária da terra.
207
Em tal processo consta a seguinte
autorização:
23 de junho de 1953. Autorização. Pela presente fica a firma ‘Indústria e C.
Prado & Cia Ltda’ autorizada a retirar madeiras na área em que esta ocupando,
por ser as referidas terras de domínio particular.Inspetoria de Terras. Dr. Ilve
Saldanha Marinho Inspetor.
208
Ou, ainda, nos autos do processo nº 118 de 1960. Na qual Abílio Paez Carneiro,
agricultor, residente em Caçador, Santa Catarina, sendo possuidor de uma área de 489 hectares,
composta pelos lotes 13, 14, 17, 27 e 28, da Gleba 2, da Colônia Muquilão, com posse mansa e
pacífica mantida por prepostos seus e com requerimento de compra do Governo do Estado já
realizado. Alegam que Manoel Moreira ocupou indevidamente o lote 27 em uma área de 8
alqueires, ou seja, 19,36 hectares. No citado processo consta o seguinte documento manuscrito:
Lote n. 27 Gba 2, C. Muquilão. Em 28-3-1957. Sr. Manoel Moreira. Levo ao
seu conhecimento que eu tendo passado pelo lote n. 27 constatei que o sr. es
sobre o referido lote. Quero deste que saiba que este lote foi entregue pelo
Departamento de Geografia, Terras e Colonização ao sr. Abílio Paes Carneiro.
Estando o mesmo com ordem de localização e documentos. Por este motivo
quero por meio deste fazer ciente ao sr. que fica suspenso o serviço de roçada
Reginaldo B.; GONÇALVES, JoHenrique Rollo. (Orgs.). Maringá e o Norte do Paraná: estudos de história
regional. Maringá: EDUEM, 1999. p. 87-121. p. 106-112.
206
Processo nº 28 de 1959. Ação Reivindicatória. Requerente: Juvenal Gaspar da Silva e sua mulher e
outros. Requerido: Said Chaar e Francisco Pedroso. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
207
O processo se extingue em 29.05.1973, a pedido de Belin Carollo por decurso de prazo sem a
manifestação da Ind. e Com. Prado & Cia Ltda. Processo nº 11 de 1960. Interpelação Judicial. Requerente: Indústria
e C. Prado & Cia Ltda. Requerido: Belin Carollo. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
208
Ibid.
300
que está processando dentro do referido lote. José [ilegível] Sales. Guarda
Florestal.
209
Dessa forma, a ação estatal se fazia sentir no sertão, em especial para os “indivíduos”,
pois para as “pessoas” havia outros caminhos e possibilidades. Todavia, os serviços de
fiscalização do DGTC, que visava controlar e coibir a colonização desordenada” e a ação dos
intrusos, poderia ser interpretada de forma diferente pelos posseiros.
Algumas das licenças emitidas pelo Serviço Florestal, vinculado ao Departamento de
Geografia, Terras e Colonização, em favor de “ocupantes”, para efetuar “serviços de roças e
queima” de mato” o encontradas em processos da Primeira Vara Civil de Campo Mourão, das
décadas de 1950 e 1960, a fim de comprovar a posse da terra. Assim, as “licenças” emitidas pelo
Serviço Florestal para “controlar” o acesso a terra, por parte dos “indivíduos”, podiam ser
interpretadas pelos posseiros, antes de tudo, como um “documento que poderia legitimar a
posse que tinham da terra.
Como, por exemplo, consta nos autos do processo 590 de 1962. Bráulio Marques da
Silva e sua mulher, proprietários, residente em São João do Guarací, Paraná alegam, por meio do
seu advogado, na inicial, que tem o “justo título” do lote 64, Gleba 9, 2ª parte, da Colônia Cantú,
com 86,88 hectares. E que venderam o imóvel, por Cr$ 500.000,00, a Nicolau Susienka, a forma
de pagamento seria 1/5 à vista e o restante a prazo. Sendo que os autores não ficaram com uma
via do contrato. Todavia, Nicolau Susienka não teria pagado os Cr$ 400,000,00 que estava
devendo, ademais vendeu 150 “árvores de madeira” do imóvel no valor de Cr$ 300.000,00.
210
Na contestação, o advogado do réu narra uma outra versão para a questão. Afirma que
os autores são Colonos do Asfalto”. Afirmando que Nicolau Susienka detém a posse legítima
do imóvel citado, sendo ela anterior ao título de domínio dos autores. Afirmando serem falsas as
alegações dos autores da ação. Que na “verdade” o réu teria pagado o “preço combinado de Cr$
100.000,0 (cem mil cruzeiros) sob o crivo das ameaças e recriminações, além de ameaças a sua
integridade física feitas” por Bráulio Marques da Silva.
211
Indicando que teria havido uma
tentativa de forçar o posseiro a comprar o título de domínio. Como prova de que eram os únicos
posseiros, apresentam três “licenças” emitidas em nome de “Miguel Orranik” [sic.], que teria
vendido o direito de posse a Nicolau Susienka. E argumenta que: “Provada então está a posse
209
Processo nº 118 de 1960. Ação Reivindicatória. Requerente: Abílio Paes Carneiro. Requerido:
Manoel Fernandes Moreira. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão. p. 71. As partes
assinam um “Termo de Acordo” em 16.11.1962, pelo qual Abílio Paez Carneiro paga Cr$ 250.000,00 para Manoel
Moreira a título de indenização das benfeitorias, sendo que o segundo reconhecia o direito de propriedade do
primeiro e saia do lote.
210
Processo nº 590 de 1962. Ação de Reintegração de Posse. Requerente: Bráulio Marques da Silva e
sua mulher. Requerido: Nicolau Susienka. Arquivo da Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras de Campo
Mourão - FECILCAM.
211
Ibid.
301
dos RR.[requerido] como firme e valioso pois muito anterior a própria data de expedição do
tulo de Domínio de Terras, feita indevidamente pelo Estado do Paraná.”
212
Nas três licenças, datadas de 29/4/48, 19/5/49 e 22/2/50, constava:
Secretaria de Viação e Obra Públicas. Departamento de Geografia, Terras e
Colonização. 10 Inspetoria de Terras. Serviço Florestal.
Licença n. 630.
Snr Pedro Organik ocupante das terras, situada no lugar Rio do Peixe no
município de Campo Mourão e distrito de Col. Cantú, fora da medição.
Fica autorizado a executar os serviços de roçada e queima na extensão de mato
5 alqs. existente no refiro lugar, compreendendo uma área nunca superior a
[ilegível] alqs. Deve ser observado o serviço de aceiros (6 metros no mínimo)
para evitar o perigo da propagação do fogo.
O proprierio da roçada deverá ocupar terras de seu domínio, caso contrário,
será cassada a presente licença, que implica na perda da ra, que passará eno
ao legitimo proprietário das terras. Em 19/5/1949 [rubrica] Guarda Florestal.
213
A primeira das licenças foi emitida em nome de Miguel Organik e todas eram de 5
alqueires, ou seja 12,1 hectares.
214
Este tipo de documento deve ter sido bem guardado pelos
posseiros. Sendo, como neste caso, inclusive, passado para outros quando de uma eventual venda
da posse.
Tais licenças também aparecem nos autos do processo 31 de 1952. Na ação de
reintegração de posse em que são autores José Nunes Rato, Luis Nunes Rato, Salvador Nunes
Rato, lavradores, o primeiro residente em Tapejara e os dois últimos em Paranavaí. Que são
possuidores do lote 77, Gleba 6, 6ª secção, da Colônia Tapejara. Alegam no processo:
Que quando entraram no dito lote este era completamente desabitado, coberto
de imensas florestas; que o primeiro suplicante ali deu início aos primeiros
trabalhos de campos, construindo com grandes sacrifícios casa de morada, ali se
instalando, com sua companheira e filhos, derrubando matas, fazendo roças,
plantando 3 alqueires de capim ‘colonião’, bananeiras, abacaxi, construindo
cercas de arame para melhor aproveitamento de seu exaustivo trabalho de
sero, sem conforto, antes exposto a toda sorte de intempéries, fez roçadas para
plantio de café. [...] Sucede, porém, que no dia 8 do corrente mês de Abril,
Pedro Sardinha e França Legat, acompanhados de dois soldados e dois outros
indivíduos, na ausência do primeiro suplicante, José Nunes Rato, chegaram em
sua propriedade e ali perguntara a sua mulher pelo suplicante, ao que a senhora
respondeu que o mesmo tinha viajado e que ela se achava só; que em seguida os
referidos Suplicados ordenaram que ela desocupasse a casa e fizesse a mudança
dos seus trastes para outro lugar, pois, que ali tudo lhe pertencia. A despeito da
212
Ibid., p. 27.
213
Ibid., p. 30.
214
Em dezembro de 1962 Braulio M. da Silva desiste da ação por ter chegado a uma “composição
amigávelcom Nicolau Susienka. Processo nº 590 de 1962. ão de Reintegração de Posse. Requerente: Bráulio
Marques da Silva e sua mulher. Requerido: Nicolau Susienka. Arquivo da Biblioteca da Faculdade de Ciências e
Letras de Campo Mourão - FECILCAM. p. 48.
302
recusa que a mesma opôs, ordenou aos soldados e jagunços que os
acompanhavam que fizessem a mudança, tendo estes obedecidos carregando os
trastes e demais objetos depositando num rancho ali existente, expulsando a
pobre senhora do seu lar, ficando completamente abandonada no lugar, com os
seus 4 filhinhos todos menores impúberes, aquela temendo agressão rumou para
a cidade de Paranavaí cerca de 56 quilômetros de distância, a , sem recursos,
debaixo de copiosa chuva que caia naquele malfadado dia, oito (8) de abril
corrente.
215
Em linhas gerais, as testemunhas do autor confirmaram esta versão. Com alguns
detalhes que vale a pena destacar. Herculano Rubim de Toledo, lavrador, 42 anos, natural de
Minas Gerais: “ali se instalando com sua companheira e filhos menores, derrubando matas, com
toda sua família, juntamente com seu pae [sic] Salvador Nunes Rato e seu irmão Luiz Nunes
Rato; que ali fez roças de milho e feijão, plantou também outros cereais”.
216
Nicolau Messias,
lavrador, natural de Paranavaí, 25 anos: sobre o episódio em que os “jagunços” mandaram “fazer
a mudança dos trens de dentro da casa para outro rancho, ao que ela se recusou, tendo então os
réus ordenado aos soldados e jaguos que efetuassem a mudança, sendo obedecido e feita a
mudança a mão armada; que é verdade também que os réus nessa ocaso prenderam o depoente
pelo motivo de o mesmo recusar a fazer a mudança e que o depoente preferiu ser prezo [sic] do
que fazer a mudança dos trens da casa;”
217
José Vicente, comerciante, alagoano, 38 anos:
aberturas que os autores fizeram é aproximadamente de treze alqueires [...] é verdade que os
autores construíram uma olaria para fabricação de tijolos que presentemente está funcionado”.
218
Na contestação se alega que havia dois lotes em questão, um que era da família Rato e
outra ocupado por Pedro Sardinha da Silva. Sendo que em novembro de 1951, JoNunes Rato
tentou “intrusar” o terreno de Pedro. S. da Silva, o qual apresentou reiteradas queixas junto a
Inspetoria de Terras de Paranavaí e Campo Mourão, conseguindo uma “determinação daquelas
repartições” para que JoNunes Rato abandona-se o lote, o que foi conseguido. E agora a
família Rato tentava, por outros meios, esbulhar a posse de Pedro Sardinha da Silva.
219
A tréplica do advogado dos atores estava pautada em descaracterizar os documentos em
que se apoiava Pedro Sardinha da Silva: “apenas cartas-ofício trocados entre funcionários da 10ª
Inspetoria e 11ª, assim como outro ofício dirigido ao delegado”.
220
Sendo que todos os
documentos apresentados têm menos de seis meses. De onde se que tais papéis foram
engendrados para encobrir patifarias”. E afirma, ainda, que “Pedro Sardinha o passa de um
215
Processo 31 de 1951. Reintegração de Posse. Requerente: José Nunes Rato e outros. Requerido:
Pedro Sardinha. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão. p. 2.
216
Ibid., p. 14.
217
Ibid., p. 15.
218
Ibid., p. 16.
219
Ibid., p. 27.
220
Ibid., p. 32.
303
testa de ferro de conhecido ‘tubarão’ desta zona.”
221
Já os autores apresentam uma “licença para
trabalhar no lote de 500 hectares, datada de 7 de maio de 1948, ano em que fizeram a posse; e no
ano seguinte – 1.949 – requerera por compra a dita área”.
222
A citada licença para trabalhar” são as licenças emitidas pelo Serviço Florestal do
DGTC, como segue:
Secretaria de Obras Públicas, Viação e Agricultura. Departamento de Geografia,
Terras e Colonização. Inspetoria de Terras. Serviço Florestal.
Licença n. 122
O SNR. Luiz Nunes Ratos. Ocupante das terras, situada no lugar Marg. Esq. R.
Ivaí do munipio de Campo Mourão e distrito de Peabiru.
Fica autorizado a executar os serviços de roçada e queima na extensão de 500
hectares existente no refiro lugar, compreendendo uma área nunca superior a 3
alqs. Deve ser observado o serviço de aceiros, para evitar o perigo da
propagação do fogo.
O proprierio da roçada deverá ocupar terras de seu domínio, caso contrário,
será cassada a presente licença, que implica na perda da ra, que passará eno
ao legitimo proprietário das terras. O mesmo é Requerente. Em 7/5/1948 Visto
Nilo Saldanha Eng. Inspetor de Terras Sezinando Guarda Florestal.
223
O tamanho do lote requerido era 500 hectares, a atividade de olaria desenvolvida pela
família Rato, o indícios de que não apenas posseiros pobres tomavam tais “documentos”, como
importantes formas de legitimar sua posse na terra.
Um terceiro ponto que quero chamar a atenção, a partir dos autos do processo 28 de
1959, é a forma como se verificava a situação da área onde se iria fazer a posse.
A testemunha do citado processo 28 de 1959, Antonio Teodoro de Oliveira nasceu
em Pitanga em 1910, mas veio para Campo Mourão no mesmo ano. Portanto, criou-se no sertão
de Campo Mourão, estudou com professor pago pelo pai. Foi filiado ao Partido Social
Democrata PSD. Sendo eleito pelo referido partido como prefeito municipal na gestão,
12/1959 à 12/1963.
224
Tendo declarado em seu testemunho no citado processo que foi procurado
em 1950 por Juvenal Gaspar da Silva para que “indicasse onde poderiam localizar, quinhentos
hectares de terras, que o Departamento de Terras, por despacho Governamental, lhes havia
concedido”.
225
221
Ibid., p. 32.
222
Ibid., p. 32.
223
Ibid., p. 9.
224
LARA, 2003, op. cit., p. 157.
225
Processo nº 28 de 1959. Ação Reivindicatória. Requerente: Juvenal Gaspar da Silva e sua mulher e
outros. Requerido: Said Chaar e Francisco Pedroso. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
304
Não era estranho terem procurado um líder potico local, afinal o favorecimento do
acesso a terra por alguns estava fortemente vinculado a ação dos da “sociedade política”. O
procedimento em questão visava reduzir o risco de situar o título em uma área com posseiros
renitentes ou áreas de conflito, no caso, optou-se pela solão de comprar a posse de uma área,
para sobre aquela área proceder à emissão do título de propriedade, o qual haviam “conseguido
junto ao DGTC. Mas, a posse adquirida não poderia justificar toda a área requerida por Juvenal
Gaspar da Silva que teve “sua área dividida por ordem da Inspetoria de Terras, o conseguindo
o mesmo localizar “toda a metragem da área do requerimento.
226
O sertão não estava vazio. argumentei sobre os estudos que indicam o engano da
imagem de “vazio demográfico”, de um sertão com uma “mata virgem”. Também, aqueles que
iriam fazer posse sabiam que o sertão o estava vazio e procuravam informações para poder se
estabelecer em territórios que eram ocupados por outros. Sendo recorrente a forma como os
posseiros procuravam informações, muitas vezes junto ao próprio Governo para se estabelecer
em terras “livres”, ou, como abordei, como a notícia de que dada área estava livre poderia
gerar um fluxo de posseiros, e também de especuladores, para a área.
No caso estudado, de certa forma isso é válido desde a vinda dos irmãos Pereira. Afinal,
a família Pereira tivera que descobrir as entradas para o “Campo de Mourão”, e lá chegando
tiveram que negociar com os grupos indígenas. Os fazendeiros que no início do século XX se
instalaram efetivamente na região, também, tiveram que enfrentar os atos de violência e,
principalmente, negociar com as populações indígenas locais. Isto sem contar os extratores de
erva paraguaios, com os quais estabeleceram contato, mas não tenho mais dados sobre a relação
entre os dois grupos. Ademais, os fazendeiros de Guarapuava, também, tentavam manter tal área
sob o seu controle. Assim, em um livro de memórias da família Pereira, o autor afirma que José
Luiz Pereira “recebeu muitas doações dos fazendeiros guarapuavanos que tinham interesse de
que a região dos Campos do Mourão fosse povoada.”
227
E Jorge Walter apesar de ser
identificado em alguns lugares como um fazendeiro guarapuavano em outros trabalhos ele é
identificado como “um russo que se aliara a fazendeiros de Guarapuava, financiado por estes
para realizar o trabalho de colonização de Campo Mourão.”
228
Logo, Campo Mourão era uma
área disputada por vários grupos, de dentro e de fora do sertão.
Mesmo nos anos 20 e 30, com a baixa densidade demográfica em um momento em que
poucos procuravam legalizar a posse. A terra não estava “livrepara qualquer forma de acesso.
Não apenas porque havia dispositivos formais e não-formais que regulavam a sua propriedade,
226
Ibid.
227
LARA, 2003, op. cit., p. 40.
305
os quais implicavam como fez Jorge Walter em entregar metade da terra “legitimada”, para
poder ter o título de propriedade, no caso abordado neste capítulo. Mas, mesmo os posseiros que
chegavam deveriam, no nimo, se reportar às famílias mais antigas e bem estabelecidas como
indicado no primeiro capítulo.
Os posseiros que vieram depois do início da colonização dirigida, em geral, procuravam
informações sobre as terras, com amigos que estavam na região, com pessoas tidas como
autoridades locais e com autoridades ligadas do DGTC. Assim, no processo 644 de 1962,
abordado, o posseiro José Pereira de Araújo, em seu testemunho afirma que, em 1953, chegou no
lote em disputa, 78, da Gleba 7, Colônia Mourão, “ocupando o referido lote por indicação do
sr. Vicente Cordeiro o qual dizia serem aquelas terras devolutas, uma vez que não existia
requerimento de compra ao Governo do Estado.
229
Dessa forma, fazer posse não é avançar em
uma área vazia, mas se estabelecer em meio a conflitos pela apropriação da terra.
Um quarto ponto que quero chamar a atenção a partir do processo 28 de 1959, é a
certeza do direito da posse, para os posseiros. Mais do que no direito positivo que garantia o
direito às benfeitorias para os posseiros de boa ou nas promessas governamentais de dar a
terra a quem trabalha, parece que eram em valores tradicionais que estava pautado tal certeza.
Como argumentei, seja tal certeza pautada na concepção de direito (de uso) dos pobres, gerado
pelo trabalho em oposição ao direito (de propriedade) gerado pelo dinheiro; ou de uma tradição
ligada ao direito de propriedade no regime sesmarial; ou, ainda, como pressupostos da
campesinidade, de que se tem direito a terra em que se trabalha. De qualquer forma, o resultado
era uma resistência em sair da posse, alicerçada pela certeza de que se estava fazendo aquilo que
era moralmente correto. Como, talvez, seja o caso do posseiro Francisco Pedroso e sua família,
eles permaneceram no imóvel mesmo quando as possibilidades de ão judicial tenham se
esgotado.
230
Quando não eram expulsos violentamente da terra, e mesmo assim, tendiam a
permanecer. Como no caso de Jo Onieski, Pedro Onieski, João Vidal e outros antigos
moradores da Fazenda Walter, em caso já citado, que diante da briga entre grandes madeireiros
aproveitaram da situação e voltaram a demandar as posses, das quais tinham os jagunços tentado
expulsá-los.
231
228
VEIGA, Pedro da. Campo Mourão centro do progresso. Maringá: Bertoni, 1999. p. 29.
229
Processo nº 644 de 1962. Ação Declaratória de Nulidade Contratual. Requerente: Alicio Vitório.
Requerido: Casimiro Biaico. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
230
Processo nº 28 de 1959. Ação Reivindicatória. Requerente: Juvenal Gaspar da Silva e sua mulher e
outros. Requerido: Said Chaar e Francisco Pedroso. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
231
Ibid.
306
Apesar da maioria das ações judiciais, nas quais se confrontam detentores de título de
domínio e posseiros, terem sido iniciadas pelos detentores de títulos. Sendo que, muitas vezes, os
posseiros sequer possuíam dinheiro para pagar um advogado, neste caso, poderia ser nomeado
um advogado dativo ou deixar o processo correr a revelia. Pelo menos 19,1%, dos 105 processos
encontrados deste tipo, foram impetrados por iniciativa dos posseiros. Todavia, como já
argumentei, a propriedade da terra foi invariavelmente mantida com os detentores do tulo de
domínio, mesmo estes não tendo cultura efetiva e morada habitual, sendo isso uma das
obrigações para a validação ao título de domínio. Os poucos posseiros que conseguem acesso a
terra por via judicial contra os detentores do título de domínio, o fazem por acordo. Como no
caso da ação impetrada por José Onieski, Pedro Onieski, João Vidal e outros antigos moradores
da Fazenda Walter, que ao final de um desgastante processo conseguiram 871,2 hectares de
terra.
232
Ou no caso, dos autos do processo 14 de 1959, no qual o autor é Belin Carollo e sua
esposa, alegando serem legítimos proprietários do lote 370, Parte, da Gleba Registro, de
Campo Mourão, com 35,1 hectares, com o título de domínio emitido pelo Governo do Estado,
em 5 de novembro de 1958. Afirmam que adquiriram por compra o direito a posse do lote, em
20 de janeiro de 1944, de Benedito José da Rocha e sua mulher. Sendo que “sempre” exerceram
a detenção o imóvel, tendo comprado rias benfeitorias de José Schner, em 22 de abril de 1947.
Tendo o falecido JoMichalezeszen e Maria Michalezeszen se apoderado indevidamente do
citado imóvel.
233
Na contestação, o advogado alega que José e Maria Michalezeszen mantinham posse
mansa e pacífica sobre 24,2 hectares de terras, que adquiriram o direito da posse de “Tote”
Xavier. Sendo que Carollo realmente possuía 121 hectares do imóvel registro, mas que não
incluíam a área pertencente à Maria Michalezeszen e a seus 5 filhos menores de 11 anos.
E, tanto assim o é que, o titular da 8ª Inspetoria de Terras – Dr. Rubens
Gonçalves pegou de Da. Maria Michalzens [sic] a importância de cinco mil
cruzeiros para os gastos da titulação e inexplicavelmente o título saiu para
terceiros, havendo, assim, cabal demonstração de equívoco do DGTC, ou má fé
de quem prestou informações da existência da posse por parte do requerente.
234
Em 25 de julho de 1959, o juiz delibera por anular o processo porque o advogado de
Carollo era curador de menores da comarca, como eram bens de menores que estavam sendo
demandados, estaria o advogado “militando contras as funções de seu cargo”.
235
Mas, Belin
232
SORIANO, 2002, op. cit., p. 102.
233
Processo nº 14 de 1959. Ação Reivindicatória. Requerente: Belin Carollo e sua mulher. Requerido:
Maria Michalezeszen. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão. p. 2, 3.
234
Ibid., p. 21.
235
Ibid., p. 44.
307
Carollo inicia um outro processo contra a citada viúva. O processo 242 de 1959, sendo
requerido o Espólio de José Michalezeszen. Como de praxe no julgamento o posseiro é
condenado a se retirar do imóvel e o detentor do título é condenado a pagar as benfeitorias. Mas
as partes entram em um acordo, tendo a viúva e seus 5 filhos permanecido no imóvel em uma
área de 7,26 hectares, não sendo pago a indenização das benfeitorias.
236
Um acordo amigável” era uma alternativa para os processos entre posseiros e
detentores de título de donio, 65% deles foram assim encerrados. Não se sabe o grau de
coerção física ou moral que estiveram envolvidos nestes acordos “amigáveis”. Contando aí os
processos que, também, ou pela violência ou peloacerto” foram resolvidos e abandonados pelas
partes. Em uma situação de grande desigualdade de recursos de poder, procurar a justiça era
apenas uma das formas pelas quais se procurava se defender para conseguir o que considerava
seu direito, manter sua autonomia.
Um quinto ponto, presente no processo 28 de 1959, o qual quero chamar a atenção é
a venda de posses. No citado processo 28, de 1959, as testemunhas mencionam algumas
vendas de posse.
237
A primeira feita por Manoel Ferreira à Juvenal Gaspar da Silva, o qual queria situar
naquele local, um título de 500 hectares de terras que havia requerido do Governo. A
testemunha, que era vizinho da propriedade em litígio, menciona o motivo da venda do imóvel:
o velho Manoel Ferreira, estava precisando de dinheiro”. Uma vez que seu filho era
proprietário, provavelmente de terras mais novas, ele poderia se desfazer da terra em um
momento de emergência. Em especial, porque naquele momento uma série de serviços e bens
estavam acessíveis, mas eram interditados. Ou seja, eram acessíveis pela possibilidade de
comunicação e/ou proximidade, mas interditados, pois implicavam gastos que, em geral, um
posseiro não conseguia obter, como gastos com hospitais.
238
Daí a possibilidade de venda da
posse para satisfazer tais gastos.
O testemunho dos autores, ou seja, indicada por Juvenal Gaspar da Silva, sugere que
havia fé, em 1950, pelo menos por parte do filho de Manoel, João Ferreira, quando eles
venderam a posse de terras que era relativamente próxima a casa de João Ferreira. Sendo que
João Ferreira teria afirmado que pretendia: “tomar o dinheiro dos trouxas”, ou seja, de Juvenal
Gaspar da Silva.
236
Processo nº 242 de 1959. Ação Reivindicatória. Requerente: Belin Carollo. Requerido: Espólio de
José Michalezeszen. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
237
Processo nº 28 de 1959. Ação Reivindicatória. Requerente: Juvenal Gaspar da Silva e sua mulher e
outros. Requerido: Said Chaar e Francisco Pedroso. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
308
O que aconteceu em seguida, segundo a testemunha, é que Francisco Pedroso, vendeu
uma posse que detinha no Barreirão e passou a residir no Barreirinho do Oeste, na propriedade
de seu genro, João Ferreira. O que indica um outro motivo para se vender, posse ou propriedade,
reunir a família. Em uma sociedade em que a estrutura familiar pesa majoritariamente nos
destinos individuais, a proximidade de uma parentela era fator de segurança.
Em seguida, Francisco Pedroso teria mudado para a área da antiga posse de Manoel
Ferreira. Talvez, porque por uma questão de fronteira considerassem aquela área como livre.
Talvez, porque considerasse que como ninguém trabalhava na área ele poderia trabalhar e ter
direito ao fruto do seu trabalho.
Ainda segundo a citada testemunha, Francisco Pedroso vendeu uma área para um
comerciante chamado Said Chaar, o qual empreitou a área para um parceiro para cultivar café.
Francisco Pedroso “abriu” uma área de aproximada de 24,2 hectares, era terra suficiente para
uma família cultivar, dentro do padrão agrícola de então, portanto, poderia vender a área
excedente. Em especial porque o posseiro sabia da precariedade da condição de posseiro. E,
desta forma, venderia 9,68 hectares para Said Chaar.
E, finalmente, a “venda” que a testemunha o narra. Quando Juvenal Gaspar da Silva é
condenado a pagar a indenização das benfeitorias. O que permite entender a possibilidade deste
tipo de acerto”, pois se o que gera o direito é o trabalho, o pagamento das benfeitorias, como
frutos do trabalho, poderia ser aceito como um pagamento aceitável, dentro da desigualdade de
recurso de poder. Como indicam os casos em que os posseiros voluntariamente aceitaram o
pagamento. Mesmo que o fato de terem que abandonar a terra em que trabalhavam seja
lembrado, invariavelmente, como um fato injusto.
239
A prática de venda de posse era tão freqüente que forçou o próprio Governo a legalizar
tais vendas. Como no disposto no art. 7 do Decreto Estadual nº 3.060, de 26 de outubro de 1951:
“A cessão de direitos de posse, em favor de terceiros, outorgada por posseiros, com moradia
efetiva e cultura habitual, será reconhecida pelo Estado, em área circunscrita ao espaço cultivado
e ao reservado para moradia, não excedente de 100 hectares.”
240
Na prática, às concessões de
direito de posse em terras devolutas, como já foram apresentados casos, eram aceitas para áreas
muito maiores que os 100 hectares, além de serem, também, para o direito sobre as árvores.
Como argumentei anteriormente, o projeto ideal da colonização racional era dispor de espaço,
segundo um planejamento centralizado, ou seja, dispor de um espaço plástico e vazio. Todavia a
238
MONTEIRO, 1961, op. cit., p. 55-56.
239
Por exemplo, ver o depoimento colhido In: SORIANO, 2002, op. cit.
240
Processo nº 17 de 1958. Reintegração de Posse. Requerente: Fernando Peressim. Requerido: Ismael
Pereira e Aurélio Benedini. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
309
presença de posseiros no sertão era um dos fatores que tornava o mundo não plástico e levou as
autoridades a admitirem o direito de posse. Entretanto, há que se considerar que tal fato,
provavelmente, também permitiu a criação de cadeias sucessórias falsas de vendas de direito de
posse. Apesar de não poder demonstrar quem fazia isso, as acusações das partes do processo,
alguns já abordados, não deixam dúvidas de que isso ocorria. Aliás, as sucessões de posseiros, às
vezes, chegam a três ou mais antes do imóvel ser legalizado, conforme consta em muitos
processos.
Por exemplo, nos autos do processo 100 de 1955, na petição inicial os lavradores:
Antonio Pereira da Silva e sua mulher, Laurinda Celestina, alegam por meio do seu advogado
que o agricultor Erwino Hupers e prepostos a uma semana entraram em seu imóvel “fazendo
picadas, medições, fincando marcos e removendo outros, destruindo roças e árvores frutíferas,
insultando e pondo em perigo a vida de todos, para terminarem se apossando e se instalando” em
parte dos lotes 144A e 145, da gleba 5, da Colônia Goio-Bang, com uma área de 193,6 hectares.
Afirmando terem a posse legítima, apresentam a cadeia sucessória do direito de posse, pautado
em instrumentos públicos de “cessão de direitos”. Alegam que rios anos os lotes vinham
sendo ocupados por Erno Lengler e Nelson Lengler, tendo estes requeridos os lotes ao DGTC,
sendo que venderam os lotes para João Martins Sanches e João Ruiz Aiale. Que este último
transferiu seus direitos sobre o imóvel para o primeiro. João Martins Sanches, único titular,
então, vendeu para os autores do processo os direitos sobre os lotes.
241
Quando se percebe o ato de “fazer posse” na trajetória de vida de um indivíduo ou
família, fica mais claro como ela pode se inserir na reprodução familiar, sem com isso, significar
que a família esteja presa a terra ou que não possa explorar um campo de possibilidade que
envolve atividades o agrícolas. João Maria de Lara, membro da família Pereira, um bancário
aposentado, narra algumas trajetórias de seus familiares em Campo Mourão.
Como de Joaquina Dorneles Barboza, nascida em 1908, mãe de 6 filhos, segundo o
citado autor:
A tia Joaquina logo que casou, no final dos anos de 1930, foi para a região de
Mamborê, na mesma ocasião que foram seu pai e seu irmão Quirino. Tia
Joaquina e seu marido tomaram posse de um sítio de mais ou menos 45
alqueires, vizinho da posse do tio Quirino, às proximidades do Rio Gavião e
Lageado [sic.]. Naquele lugar ela criou todos os seus filhos; só saiu de
quando vendeu o tio no ano de 1972 e compraram uma chácara em Campo
Mourão, na saída para Goio-erê, estrada velha [...]. Ficaram ali por pouco
241
Processo nº 100 de 1955. Ação de Reintegração. Requerente: Antonio Pereira da Silva e outros.
Requerido: Erwino Hupers. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
310
tempo, venderam a chácara e minha tia foi morar na cidade de Mamborê, onde
faleceu no ano de 1973 [...] (grifo meu).
242
Outras trajetórias foram ainda mais intrincadas para conseguir defender-se. Como a
narrativa sobre Joaquim Inácio Pereira, pai de 8 filhos:
O senhor Joaquim Inácio requereu do Estado um sítio de 42 alqueires no Bairro
dos Inácios [que assim foi chamado por ali situarem 4 irmãos da família Inácio]
e morou desde 1952 a 1975. Depois mudou-se para Terra Boa, comprou uma
máquina de arroz e morou por cinco anos. Em seguida mudou-se com a
família para Rondônia, em 1978. Morou na cidade de Colorado do Oeste, e após
mudou-se para Cerejeiras, em 1993 voltou de mudança para Campo Mourão,
onde mora com sua esposa no Jardim Country.
243
Ou ainda, a narrativa da vida de Sebastiana Teodoro de Jesus, nascida em Campo
Mourão em 1914, e de seu esposo Manoel Gabriel de Lara, casados em 1940, sendo os pais do
citado autor. Ele assim narra à trajetória do pai:
Ele nasceu a 15 de outubro de 1916 na localidade de Marrequinha, município de
Guarapuava (PR). Ficou órfão de pai ainda menino, sua mãe se casou com o
senhor Vidal Ribeiro da Rocha. Depois moraram em Pitanga. Por ocasião da
revolução de 1930 [...] criou-se um certo pânico na região. Então meu pai, com
sua mãe, seu padrasto e seus irmãos, com carroção e montados em cavalos
deixaram Pitanga e rumaram para Campo Mourão, enfrentando as precárias
condições de um carreador. [...]
Meu pai era um caboclo sem instrução, mas honesto e trabalhador. Foi
lenhador, lavrador e comerciante sem sucesso. [...] Como desbravador,
trabalhou em roçadas na abertura da estrada de Roncador a Campo Mourão.
Alguns anos depois de casado, meu pai foi com a família morar em um sítio de
41 alqueires [99,22 hectares] que comprou, seguindo a estrada Boiadeira, na
chamada Água da Vespa.
Meu pai comprou um armazém de secos e molhados na localidade de Campina
da Lizeta, entre Luiziana e Rio do Leão. ficou pouco tempo, a 1951, pois
um concorrente que tinha seu armazém numa estrada à direita, uns metros à
frente, chegou a botar fogo no armazém do meu pai, aproveitando sua ausência,
num final de semana.
Em Campo Mourão meu pai requereu várias datas e como o movimento estava
aumentando na cidade, resolveu colocar uma pensão em frente à rodoviária,
esquina com o Hotel Central, ao lado do Fórum, [...] 1951. Ali perdeu quase
tudo o que tinha, dando de comer aos peões e viajantes que na maioria das vezes
iam embora sem pagar a conta.
Depois, tomou posse de uma chácara de cinco alqueires na estrada para
Mamborê, que vendeu em 1960 ao Sr. João Palhano, seu compadre. Com a
ajuda deste compadre, que trabalhava na Inspetoria de Terras, requereu
uma chácara no Lar Paraná, antiga Avenida Municipal, em 1959, titulada pelo
Governo em 1961, onde vivemos por muitos anos. Foi vendida no ano de 1989.
Ali plantávamos lavoura de subsistência e tínhamos algumas vacas de leite.
242
LARA, 2003, op. cit., p. 94.
243
Ibid., p. 68.
311
Com a ajuda de meus irmãos, meu pai formou dois alqueires de pasto. Além de
plantar, meu pai vendia carroção de lenha, fazia cercas de arame para
fazendeiros. (grifo meu).
244
A posse deve ser vista na trajetória mais ampla, na qual os lavradores procuravam se
defender. vários trabalhos que apontam a grande rotatividade da terra em áreas de
colonização dirigida.
245
Entre outros motivos porque, nem sempre, como se vem indicando nas
trajetórias de vida citada, as estratégias utilizadas davam certo.
Um exemplo é a família Sutil, 17 homens casados e 2 viúvas, descendentes de
imigrantes espanhóis, que vieram do Rio Grande do Sul. Em 1943 assinaram um contrato de
compra e venda a prazo, de um lote agrícola de 112,53 hectares com a Companhia de Terras
Norte do Paraná, pagaram a primeira prestação, mas em 1946, não podendo pagar as demais
prestações venderam os direitos sobre o imóvel para terceiros. “Meses depois, sem recurso para
adquirir um lote, lio Sutil e família passaram a ocupar uma gleba de terras incultas, situada
entre o Rio Ivaí e o Córrego São To, freguesia de Campo Mourão, por espaço de
aproximadamente quatro anos, que acreditavam ser terras devolutas”. Mas se tratava de terras da
mesma CTNP, que impetrou um processo judicial e, como de praxe, conseguiram a
desapropriação da família, mas tiveram que indenizar as benfeitorias.
246
Dessa forma, a figura do posseiro errante”
247
descrita por alguns trabalhos clássicos da
historiografia regional, pode ser melhor entendido quando se percebe este conjunto de relações
sócio-ambientais em que está inserido. Afinal, como vários trabalhos citados indicaram
mesmo entre aqueles que têm acesso a propriedade da terra, necessitavam de estar
permanentemente no mercado de terras para poder reproduzir a sua condição de pequeno
agricultor familiar. A estabilidade do colono/pioneiro e a errância do caboclo, são imagens que
atrapalham a perceber a luta pelo acesso a terra a qual todos estavam sujeitos no sertão.
Um sexto, e último, elemento que chama a atenção, a partir dos autos do processo 28
de 1959, é a violência associada ao ato da posse. Uma das testemunhas dos autores no processo
afirma que o posseiro “Francisco Pedroso e seu genro, são dados a vícios da valentia, ambos
tendo respondido por crime de morte”. Mas é interessante notar que o único ato “violentoque
Francisco Pedrosa cometeu, no que tange ao processo, foi ter “feito posse”.
248
E aqui é
244
Ibid., p. 100-104.
245
SEYFERTH, 2004, op. cit., p. 69-150; DEAN, 1996, op. cit., p. 284.
246
SORIANO, 2002, op. cit., p. 103 et. seq.
247
BERNARDES, Lysia Maria Cavalcanti. O problema das frentes pioneiras” no Estado do Paraná.
Revista Brasileira de Geografia. v. 15, n, 3, jul.-set. p. 3-52, 1953. p. 22.
248
Processo nº 28 de 1959. Ação Reivindicatória. Requerente: Juvenal Gaspar da Silva e sua mulher e
outros. Requerido: Said Chaar e Francisco Pedroso. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
312
interessante voltar a figura do intruso. Um texto clássico sobre a colonização moderna no Estado
do Paraná afirma que:
Em todo o Paraná, onde se verificaram negócios de terras, surgiu a indústria da
intrusagem, desinteressados os intrusos na legalização de suas posses, e
objetivando apenas o recebimento de novas terras pela sua saída, ou o
pagamento de indenizações pelas benfeitorias realizadas nas propriedade, as
quais, via de regra, ficavam muito aquém das importâncias exigidas para a sua
retirada.
Muitas vezes, a intrusão era violenta, quando aventureiros penetravam e
instalavam-se, mesmo pela força, em terras já alienadas, porém com os títulos
definitivos ainda não expedidos, exigindo quantias de vulto para abandonarem
as terras invadidas, não faltando as ameaças ostensivas de sevícias e mortes.
Estes invasores operavam freqüentemente para grupos poderosos, interessados
geralmente na formação de grilos.
Com freqüência, a luta pela terra era travada entre o posseiro, o intruso e o
proprierio que tinha o título de domínio pleno, quando dois ou mais posseiros,
intrusos e proprietário não se apresentavam disputando o mesmo lote ou a
mesma gleba.
249
Elpídio Serra, também, trata o intruso como categoria sociológica:
[...] intruso, elemento que se infiltrava nas frentes pioneiras para extorquir terras
de particulares para depois vender a preços elevados, repetindo depois a mesma
operação, de preferência em outra área distante para não ser identificado. Os
pequenos posseiros eram as vítimas preferidas dos intrusos.
250
É evidente que existia a ação de profissionais na violência, jagunços, a pocia e
pistoleiros. Sendo que as grandes empresas e grandes proprietários utilizavam os serviços destes
contra os posseiros. Assim, com “prepostos” que se infiltravam, pela força ou não, em lotes para
justificar o domínio de um terceiro e excluir do lote o posseiro. Nos processos citados já
apareceram figuras, acusados, de serem tais agentes, de serem “testa de ferrode “grileiros”.
Todavia, tal figura é menos freqüente, na região de Campo Mourão, do que o texto de
Westphalen et. al. sugere para o Paraná. Sendo mais comum nos processos, a narração de casos
de violência direta, por meio de policiais e jagunços e da ação judicial. Embora seja, em geral,
difícil de detectar tal tipo de ação, haja vista a discrepância das versões apresentadas nos
processos.
249
WESTPHALEN, Cecília Maria; MACHADO, Brasil Pinheiro; BALHANA, Altiva Pilatti, Nota
prévia ao estudo da ocupação da terra no Paraná moderno. Boletim da Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
n. 7, p. 1-52, 1968. p. 23.
250
SERRA, Elpídio. Processos de ocupação e a luta pela terra agrícola no Paraná. 1991. Tese
(Doutorado em Geografia) Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista Julio de
Mesquita Filho, UNESP. Rio Claro. p. 75. Joe Foweraker também busca estabelecer essa distinção sociológica entre
o posseiro e o intruso. Mas ao final reconhece que: “Permanece sempre a questão sobre até que ponto seriam essas
‘invasões’ criminosamente engendradas, ou até que ponto estariam exprimindo a luta desorganizada do campesinato
oprimido da fronteira” (FOWERAKER, 1982, op. cit., p. 158).
313
Outra questão é diferenciar um posseiro que realmente acha que tem direito a posse de
um intruso que faz posse pensando em vender a posse, como sugere Serra. Como argumentei,
vender a posse estava dentro do campo de possibilidade para os posseiros. Era uma das táticas
utilizadas para sobreviver, para se reproduzir como agricultor familiar ou para enricar. Sem
negar que houvesse indivíduos que se infiltravam nas áreas de colonização com a intenção de
extorquir terras de particulares para depois vender”; o fato de um posseiro ter feito posse várias
vezes em sua vida, não significava que tal posseiro tivesse tal objetivo.
Por todos estes fatores e pela categoria intruso ter um significado diferente nos
relatórios governamentais, sendo, um sinônimo para posseiro em geral, optei utilizar a categoria
intruso, não como classificação sociológica, mas como representação. A qual deslegitimava o
processo de fazer posse e a denominavam “colonização espontânea”, em nome de uma
colonização racional.
Ademais, a acusação dos posseiros estarem “intrusandoda terra e de serem violentos
era largamente utilizada nos processos para legitimar o direito de acesso a terra daqueles que
detinham os títulos de propriedade, mas não a posse.
Nos autos do processo 103 de 1951. Impetrado por Alonso Carvalho Braga,
colonizador, residente em Curitiba, que, por meio de seu advogado alega na inicial que em
diferentes épocas adquiriu de diversos requerentes de terras do Estado, vários lotes todos
situados num bloco, da gleba 13, do Goio-Erê”. Assim, a posse sobre o citado imóvel seria
remota, anterior a serem tituladas pelo Estado, havendo várias benfeitorias no imóvel. Alega que
os réus, acerca de um pouco mais de um mês “privaram” o requerente “de sua posse em diversos
pontos invadindo grande parte da área em referência, passando ao mesmo tempo, a derrubar
matas e construir ranchos.” Afirma que esse apossamento doloso é, sobretudo violento, pois
que, com a intenção de evitar se aproximem os prepostos do requerente das áreas ocupadas,
muitos dos intrusos são portadores de armas que as exibem a-fim-de [sic] fazerem
demonstrações de força”. Os réus relacionados são em número de 50, todos homens, solicitando
ao juiz citar suas “esposas se casados forem”.
251
251
JOAQUIM CARVALHO DA COSTA, José Alves da Silva, José Reis, João Reis, João Bonetti, João
Onorio, Antonio Pereira, Antonio Cordeiro, Joaquim Cordeiro, Martiniano Bueno Lopes, José Paulino, José Brito,
Pedro Maia, Antonio Guilherme, Otavio Pereira, Joaquim do Carmo Pereira, Água Ferreira, Joaquim Carvalho da
Costa, Francisco Venâncio da Silva, Francisco Martins, Joda Cunha Pinto, Joaquim Izidio, João Izidio, Sebastião
Camargo, JoMartins Almeida, Sebastião Carneiro, Idalecio Nunes, Ernesto Nunes, Licio Costa de Almeida, João
Paulista, Marinho Paulo, Antonio Prado, Juvenal Prado, Emidio Prado, João Prado, Sebastião Prado, JoMartins,
Carlos Martins, Aquiles dos Santos, Herculano dos Santos, Serafim Moreira, Manoel Moreira, João Moreira,
Bonifacio Viana, José Antonio, José Lemes, José Ferreira, Joaquim Ferreira, Manoel Ferreira, JoIvã, Miguel
Silvério. Processo nº 103 de 1951. Reintegração de Posse. Requerente: Alonso Carvalho Braga. Requerido: Joaquim
Carvalho da Costa e outros. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
314
E, no decorrer do processo, o advogado do requerente argumenta que Alonso Carvalho
Braga:
[...] é sobejamente conhecido como colonizador tanto neste Estado como em S.
Paulo, onde sempre tem incentivado com a sua colaboração, grande
desenvolvimento a vida agrícola de ambos os Estados cooperando, assim, para o
enriquecimento econômico-financeiro de vastas regiões. Conseqüentemente,
não pode [...] ver-se prejudicado e desafiado por atos turbativos de posse e
verdadeiro vandalismo praticado por um grupo de indivíduos sem escrúpulos
que destroem matas e não plantam, mas lá se instalam ostensivamente á
espera de uma oportunidade a chantagem, visto não lhes assistir um só elemento
para pleitearem algo judicialmente. Enfim, são posseiros de má fé, nada lhes
assistindo (grifo meu).
252
O advogado dativo dos réus, em audiência no processo, apresenta uma outra versão:
Os Réus querem contestar as respeitadas afirmativas de que entraram no imóvel
como intrusos, esbulhadores e chantagistas. Não lhes cabe a culpa de o
poderem em suas deficiências econômicas, movimentar-se por terra e pelo ar,
movimentar e acelerar expedientes junto às diretrizes de terras do Estado, nesta
Cidade e na Capital. Confiantes no valor dos documentos fornecidos pelas
repartições publicas e desconhecendo centenas de detalhes que formam a
conhecida teratologia dos tramites administrativos, fizeram seus requerimentos
de compra de terras e aguardaram indefinidamente a solução que afinal saiu
para outrem. [...] Desprotegidos de tantas regalias, acampados à margem da
civilização, cabe-lhes apenas o direito justo de continuarem, dentro da
imoralidade administrativa, a serem ‘Os Servos da Gleba’. A questão social que
realmente está lançada [...]. Os Réus não o posseiros de ma fé, nem nunca o
foram. Cabe-lhes direito de terem ao menos onde caírem mortos. Abrindo sertão
foram os vanguardeiros de Midas.
253
No julgamento, o juiz substituto, Sinval Reis, narra que os réus solicitaram assistência
judicial, sendo nomeado para eles um advogado dativo. Todavia, o advogado dos réus não
apresentou a contestação do prazo legal, bem como não juntou ao processo os protocolos de
solicitação de terra que provariam à boa da posse dos réus. E argumenta, sobre o advogado
dos réus:
Na audiência, apresenta-nos lindíssimas e líricas palavras, sem um argumento
sólido, razoável, calcado nos autos, em defesa de seus constituintes. Reconheço,
muitas vezes, as injustiças cometidas, em detrimento dos menos favorecidos; é
possível que em muita cousa, tenha o advogado razão; [...] Que vale ao juiz
pensar que a terra deve ser de quem a cultiva, quando a lei manda entregá-la
aquele que a compra?
254
Todavia, considerando que a única testemunha dos autores que compareceu, o
agrimensor Bento Pinto Ferraz, afirmou que dez ou doze ocupantes antigos” possuem
requerimento de terras, anteriores aos dos requerentes, e que os demais ocupantes, noventa
252
Processo nº 103 de 1951. Reintegração de Posse. Requerente: Alonso Carvalho Braga. Requerido:
Joaquim Carvalho da Costa e outros. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão. p. 175.
253
Ibid., p. 173.
254
Ibid., p. 177.
315
aproximadamente”, não possuem tais documentos, estando de má no imóvel. Por isso,
considera, em parte, procedente a reintegração liminar de posse, determinando que seja emitido o
mandato de reintegração de posse. Condenando os possuidores de má a pagarem as custas do
processo e uma multa, e condena a
ALONSO DE CARVALHO BRAGA a pagar: aos possuidores de as
benfeitorias úteis; aos de boa fé (ocupantes anteriores à vistoria de junho de
1951 os que possuam protocolos e anteriores à aquisição mais antiga dos
Autores – 21 de fevereiro de 1951, os outros) as benfeitorias úteis e necessárias
e aos frutos pendentes até 15 de novembro de 1951, com o direito de retenção,
tudo a ser liquidado em execução de sentença.
255
Tal se em 2 de junho de 1952, todavia, aparentemente, o mandato não é expedido.
Uma vez que em janeiro de 1956, o escrivão informa que encontrou em seu cartório os autos:
“no estado em que se encontram”. Todavia, em fevereiro de 1957, Julio Martinez Benevides,
proprietário, residente em Londrina, solicita a execução parcial da sentença, uma vez que
adquiriu um lote de terras, parte da área objeto do referido processo e nela encontra-se José
Antonio, brasileiro, lavrador.
256
Quase 5 anos depois do “mandatojudicial ainda permanecia na
terra.
Os argumentos elaborados pelos advogados, apresentam os posseiros de forma
caricatural. Mas que podem ser tomados como exemplo das representações acerca dos posseiros
que procurei problematizar nesta pesquisa. O advogado do autor apresenta os posseiros como
violentos intrusos, como destruidores que praticam atos de destruição”.
257
São aqueles “sem
escrúpulos que destroem matas e não plantam. Por outro lado, o advogado dos réus, apresenta
os posseiros comotimas, da violência e da corrupção estatal e das elites. timas que poderiam
ou deveriam ser tituladas pelo Estado.
Sem negar a violência, estrutural e física, que sofreram os posseiros, acredito que a
narrativa das disputas estabelecidas nestes processos, e das trajetórias indicadas neste capítulo,
indicam um quadro mais rico, no qual muitos lavradores buscam reproduzir a sua condição de
agricultor familiar. E o fazem a partir de uma maior ou menor campesinidade, que, em parte,
organiza a ação destas equipes de trabalho familiar, para a sua reprodução. Tal ordem moral
tradicional se articulava com uma ordem de mercado, de forma que estava em seu campo de
possibilidade, não apenas reproduzir a condição de agricultor familiar, mas enricar. Neste
quadro proprietário e não-proprietários poderiam estar em aberto conflito ou em cooperação,
255
Ibid., p. 178.
256
Ibid., p. 181-182.
257
Processo nº 69 de 1957. Ação Reivindicatória. Requerente: Kanane Eda e sua mulher. Requerido:
Abílio Ribeiro de Mello e sua mulher. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
316
mas, em geral, se encontra a negociação de espaços e vantagens, usando da astúcia, necessária,
para viver e sobrevier no sertão.
Vitimizar os lavradores pobres é de, certa forma, reproduzir a representação de homens
e mulheres pobres do campo como seres passivos, que vegetam na paisagem, um ser
intrinsecamente incapaz e sem razão de ser. Ou, melhor, retoma principalmente a idéia do
trabalhador nacional do campo como capaz e laborioso, mas vítimas das condições sócio-
ambientais, os quais por isso, seguindo uma racionalidade tecnoburocratica, poderiam ser
manipulados, tratados como coisas, em proveito de um princípio de ordem e de eficácia.
Incapazes de opor resistência à elite, deveriam ser salvos pelos modernizadores, capitaneados
pela ação estatal, que os deveria transformar em “homens novos”, ou seja, em obedientes e
disciplinados trabalhadores.
A narração feita neste capítulo, de fragmentos da história de vida dos lavradores da
região de Campo Mourão, permite entrever algumas táticas que estes lavradores utilizavam para
ter acesso a terra no sertão. Tal ação cotidiana foi um elemento central na repartição da terra um
pouco mais democrática, e o apenas os grandes conflitos abertos entre posseiros e
proprietários/grileiros, como já a muito a historiografia aponta.
Sendo que tais lavradores o foram transformados em Homo economicus, pelo toque
da propriedade privada; ou se refugiaram em seus valores tradicionais, como apontava uma
historiografia das décadas de 1950 a 1970. Mas mantinha uma dada ordem moral diferenciada
que organizava, em parte, sua ação, mesmo que articulada com uma ordem econômica, como
indica a literatura, especialmente antropológica, a partir dos anos 1980.
Dessa forma, ao fazer posses os lavradores contribuíram ativamente para o processo de
modernização do sertão paranaense. Não sendo modernos Homo economicus, como, às vezes, a
designação de colono/pioneiro procura indicar; e muito menos, estavam aprisionados em uma
ordem tradicional, como a designação de caboclos, às vezes, parece indicar. Ao contrário,
jogavam com suas margens de liberdade entre os sistemas normativos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em 1971, o jornal Tribuna do Interior, de Campo Mourão, apresentava uma matéria de
capa, com o título Norte do Paraná atração turística:
A região Norte do Paraná pelo seu dinâmico aspecto populacional e agrícola,
torna-se curiosidade inédita no País. Onde somente esta região representa este
aspecto de civilização e aproveitamento total do solo. Ao horizonte mais
longínquo vemos o toque da mão do homem e a cultura racional do solo. Até a
máxima aproximação das margens das rodovias encontramos em cada palmo de
terra o devido trato e aproveitamento. Encontramos o amor a terra e a boa
terra que produz tudo que se plante. O minifúndio característica responsável por
esse bom aproveitamento foram metas dos colonizadores. Hoje comprovando
através de sua densidade demográfica, altos índices de desenvolvimento. E a
região Norte continua atravessando Campo Mourão, Mamborê, Juranda,
Ubiratã. Este último sendo colonização da Companhia Sinop, conta hoje seu
município com 5.480 propriedades agrícolas com média de 20 alqueires
responvel pela sua alta produção cerealista e desenvolvimento importante na
produção algodoeira (grifo meu).
1
O excerto é um bom exemplo da construção de uma dada memória sobre o processo de
colonização dirigida, da região de Campo Mourão, que é uma memória vista de cima, uma
memória da elite. Entre as instituições “colonizadoras” a única que é nomeada, é justamente uma
empresa privada, a SINOP, que se estabeleceu na região, justamente em uma área que havia,
anteriormente, sido destinada a ser uma reserva florestal. A iniciativa estatal direta na
colonização dirigida não é lembrada, em uma região que foi um dos maiores centros de sua
atuação, mostrando a força, na década de 1970, da imagem de que houve uma reforma agrária
em moldes liberais no “Norte do Paraná”.
O articulista ressalta a grande incidência de “minifúndios”, atribuindo a sua existência a
uma vontade do colonizador. Sabe-se que não era vontade dos colonizadores”, pelo menos do
Governo do Estado, produzir “minifúndios”. O minifúndio, stricto sensu, enquanto pequena
propriedade rural que usa técnicas rudimentares e têm baixa produtividade, bem como o
latifúndio, enquanto grandes propriedades rurais com parte da terra não cultivada e com baixa
produtividade, ambos, eram, justamente, o que os projetos estatais de colonização dirigida
queriam evitar. Ademais, em 1970, os “minifúndioseram, em sua maioria, estabelecimentos
agrícolas de parceiros e arrendatários, ou seja, não proprietários, que formavam a maioria da
população rural de então. Como afirma Giralda Seyferth, a colonização no Sul do Brasil não
reproduziu “o modelo farmer, idealizado pelos” “imigrantistas do século XIX”, ou por setores da
1
NORTE do Paraná atração turística. Tribuna do Interior. Campo Mourão, p. 1, 9 maio 1971.
318
tecnoburocracia do século XX, “que pretendiam implantar uma propriedade familiar capitalista”.
Mas sim, um “campesinato especifico”.
2
Segundo o excerto, a população rural estava dotada agora de um “amor a terra”. Tal
amor a terra”, se expressava por uma completa utilização da terra para a produção, o que
implicava em graves impactos ambientais. Denunciados por muitas pessoas que viam na
degradação dos solos, uma ameaça para o futuro da própria agricultura como atividade
econômica no Paraná, desde a época da colonização dirigida. Ademais, nas páginas dos jornais
da região já eram freqüentes as reportagens indicando o perigo e os problemas gerados pela
eroo urbana ou rural.
3
Enfim, o mais importante para esta pesquisa, é a afirmação do aproveitamento completo
do solo, e o aspecto de civilização da região a ele associado. O excerto traz uma representação
exemplar de uma paisagem racionalizada, ou seja, a paisagem foi reduzida ao princípio único, o
da produção. Evidentemente que um olhar mais atento à região perceberia que, segundo
informaram os agricultores no senso agropecuário de 1970, 14,87% da área dos estabelecimentos
rurais ainda estava coberta por “matas nativas”. Mas as novas pressões da chamada
modernização agrícola, pautada na revolução verde”, combinado com a ação das madeireiras,
iria reduzia ainda mais, as áreas de remanescentes florestais na região de Campo Mourão.
A primeira vez que abordei tal excerto pensei como algo a ser considerado a partir dos
projetos da chamada modernização agrícola, que teve seu boom na região, nos anos 1970. Mas
esta pesquisa mostrou que tal representação da região de Campo Mourão, como uma região
moderna, posto que totalmente voltada para a produção, foi construída no processo de
olonização dirigida da região, que interpretei como um projeto de modernização.
Neste projeto de modernização, no qual a colonização dirigida de Campo Mourão se
insere, procurei apontar as estratégias de gestão de terras e florestas postuladas no âmbito do
DGTC e do INP.
A estratégia de gestão de terras devolutas pode ser reduzida a fórmula: colonização
racional. E que se colocava em oposição à colonização espontânea, promovida por posseiros que
entravam desordenadamente” no sertão e a colonização dirigida promovido por empresas
privadas e pessoas físicas, que especulava com a terra e não efetuavam uma colonização
eficiente. A colonização racional deveria ser aquela feita sobre o mais rigoroso “princípio
técnico”, quanto à avaliação da área, medição, demarcação e localização dos colonos. Mais que
2
SEYFERTH, Giralda. Imigração, colonização e estrutura agrária. In: WOORTMANN, Ellen F. (Org.).
Significados da terra. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004. p. 69-150. p. 132
319
um habitus da tecnoburocracia, tal confiança nos “princípios técnicos” indicam uma visão de
mundo moderna, no qual o mundo é visto como um mecanismo que pode ser controlado por
especialistas. Ademais, a colonização racional deveria ser centralmente planejada.
Não caberia deixar a regulação da colonização às velhas forças liberais, tidas como
responsáveis pelo “desperdício da potencialidade dos seres humanos e da natureza. A
colonização dirigida em tela se insere dentro da construção de um Estado fordista-periférico no
Brasil. No caso, a idéia era criar um universo de agricultores familiares que produziram
alimento, produtos para exportação e consumiriam produtos industriais, cumprindo seu papel
dentro de um projeto de industrialização da Nação. Como parte da produção de um fordismo-
periférico no Brasil, a colonização racional, também, deveria produzir um “homem novo”, ou
seja, expandindo uma disciplina do trabalho para todos os campos vida social, para transformar
os homens e mulheres pobres do campo em obedientes trabalhadores. Assim, a colonização
racional visava transformar a terra e os seres humanos tidos como improdutivos ou pouco
produtivos, em eficientes e produtivos, visava uma racionalização reduzindo-os, trabalho e terra,
a mercadorias. Evidentemente a colonização racional é um ideal postulado pela tecnoburocracia
e por políticos. Na prática, a colonização dirigida efetuada diretamente pelo Estado ou por
empresas privadas, foi algo bem mais complexo.
A estratégia de gestão das florestas foi basicamente a do reflorestamento racional.
Apesar de existir uma, relativamente, ampla legislação florestal, para o período estudado, e de tal
legislação ter elementos preservacionistas, ela era principalmente conservacionista, e estava
pautada, fundamentalmente, em manter os estoques de madeira.
A eficácia do reflorestamento como estratégia por parte do INP foi muito pequena.
Assim, também foram pouco eficientes as iniciativas para conservar reservas florestais naturais.
Em um âmbito de conflitos por terra, as reservas florestais naturais são alvo de todos que
desejam ter acesso a terra. E, em um ambiente de insegurança quanto à propriedade, o
reflorestamento, que demanda altos investimentos, era pouco atrativo.
Dessa forma, o que deveria ser conservado era a cobertura floresta enquanto lenha e
madeira e não necessariamente a floresta em toda a sua enteléquia. Assim, os projetos
modernizadores não pretendiam eliminar completamente a cobertura florestal, mas eliminar a
floresta, “melhorando” a natureza, ou seja, tornando-a mais produtiva. E assim, apenas alguns
milhares de hectares poderiam produzir tanta madeira e lenha como milhões de hectares de
3
CARVALHO, E. B.; NODARI, Eunice Sueli. A civilização e a barrie nos jornais: o imaginário
sobre o discurso jornalístico sobre o “verde”. In: Simpósio Nacional de História Cultural, 2006, Florianópolis. Anais
eletrônicos. Florianópolis: ANPUH-SC, 2006. p. 1302-1311.
320
caótica floresta. Até mesmo os “serviços ambientais” que as florestas geravam poderiam ser
supridos por uma “floresta melhorada”, ou seja, uma floresta artificial, eficiente e produtiva.
Novamente é em uma visão de mundo moderna mecanicista, que este estudo se pauta
para poder entender tamanha confiança em que transformações tão radicais nos ecossistemas
poderia trazer resultados apenas “positivos”. Desta forma, no caso estudado, mais do que uma
confiança na inesgotabilidade dos recursos naturais, encontrei nos relatórios da tecnoburocracia e
nas explanações da elite madeireira uma confiança na tecno-ciência como salvação”.
No excerto inicial se repete o lugar comum, de que na terra de Campo Mourão (ou do
Brasil) se plantando tudo dá. Mas apesar da reprodução da imagem de uma terra paradisíaca, de
um Eldorado, o era exatamente um “sentimento de inesgotabilidade do meio-ambiente” que
estava presente nas fontes abordadas, pois tanto entre setores da elite madeireira e dos lavradores
estava presente, também, a certeza da positividade da ação tecno-cientificamente orientada, ou
seja, uma confiança no progresso.
4
Em um Estado fordista periférico, o Grande Estado, vem tentar formar o Grande
Capital e o Grande Trabalho. O INP é um exemplo, justamente, dessa tentativa do Estado de
formar o grande capital. Corrigindo os problemas gerados pelo mercado, por meio de uma
estrutura coorporativa, pelo menos no que tange ao “grande capital”. Mas a ação do Estado
fordista periférico se espraia e procura reorganizar todo o ambiente.
Em tal projeto de modernização, o Estado Jardineiro procurou desligitimar à condição
da população a ser modernizada e desmantelar os mecanismos de reprodução e auto-equilíbrio.
Neste ponto, apenas indiquei algumas práticas, que contribuíram para isso, com a “fixação do
homem ao solo”, ou seja, localizar cada família em seu lote, sendo que os lotes para muitos
proprietários e para os não-proprietários eram relativamente pequenos, ampliando a pressão
sobre o agroecossistema. Ademais, com isto, práticas como o uso comum das pastagens para
gado vacum e cavalar se inviabiliza, bem como a prática de fazer “safra” de porcos. E, também,
inviabiliza a coivara, pois não havia mais tempo e espaço para a mata crescer. Todo o espaço
deveria estar voltado para maximizar a produção.
4
José H. R. Gonçalves afirma sobre os problemas ambientais durante o processo de colonização
dirigida na Região de Maringá: “é evidente que percepções razoavelmente disseminadas de problemas dessa
natureza não pareciam existir ou eram minimizadas pro uma profunda e muito generalizada confiança nos resultados
sempre favoráveis das transformações ambientais. Algo que não era uma particularidade brasileira, uma vez que o
sentimento de inesgotabilidade do meio-ambiente alcançava anão muitos anos atrás, a maior parte dos povos da
Terra.” GONÇALVES, José Henrique Rollo. Quando a imagem publicitária vira evidência factual; versões e
reversões do norte (novo) do Paraná 1930/1970. In: DIVAS, Reginaldo B.; GONÇALVES, JoHenrique Rollo.
(Orgs.). Maringá e o Norte do Paraná: estudos de história regional. Maringá: EDUEM, 1999. p. 87-121. p. 115-
116. Tende-se a concordar quanto a “confiança”, tipicamente moderna, nos resultados da intervenção no ambiente,
mas o sentimento de uma natureza cornucópia, não parece tão generalizado quanto o autor sugere.
321
A deslegitimação de tais lavradores “improdutivos”, passa pelo imaginário social da
época. Assim, esta pesquisa se deteve mais em algumas representações a respeito dos homens e
mulheres pobres do campo. As representações hegemônicas sobre tal grupo, na primeira metade
do século XX, passaram daquelas em que eles vegetavam no campo, sendo imprestáveis; para
um trabalhador capaz, mas vítima das condições cio-ambientais, que por isso deveria ser
tutelado, pelo Estado. Transformando-os em “homens-novos”, significava produzir uma ascese
do trabalho ao mesmo tempo que os excluíam da plena cidadania. Não é estranho que, por este e
por outros motivos, até a pouco tempo, os pobres do campo eram descritos pela historiografia
como incapazes de ação, reconhecendo sua agência apenas em momentos de revolta aberta ou a
partir da ação de agentes poticos externos.
É neste conjunto de elementos que se insere a representação dos posseiros como
intrusos, tidos como destruidores contumazes das florestas, ao mesmo tempo em que o processo
de colonização dirigida era apresentado como um ato de não destruição da floresta, mas como
um ato de “produção”. Representação que deslegitima a ação dos posseiros que buscavam
garantir o seu acesso a terra.
Sem pretender ser sistemático, indiquei estas e outras práticas e representações que
levavam a exclusão de lavradores pobres das terras e florestas. Como a atuação das madeireiras
grilando” madeiras, os caminhos paralelos ao oficial da burocracia estatal para titular terras
devolutas ou a aplicação da legislação florestal, a qual contribuía para excluir “indivíduos” do
acesso a terra, enquanto as “pessoas”, aparentemente, escapavam aos efeitos da lei.
Todavia, os lavradores não foram timas do processo modernizador. Por isso, fiz uma
pequena incursão no universo destes lavradores, sem pretensão de modelizar sua ordem moral ou
os modelos de agroecossistemas por eles produzidos. Mas, principalmente, para fazer um
contraponto com as estratégias estatais, até então estudadas. O fio condutor de tal incursão é a
estratégia de fazer posse. Procurando perceber como os lavradores articularam uma ordem moral
e uma ordem econômica para reproduzir a condição de agricultor familiar ou enricar. A ão
cotidiana de lavradores pobres, resistindo, mas também, colaborando e, principalmente
negociando, foi fundamental para a transformação da paisagem florestal em uma paisagem
moderna, mas o fizeram não como realização do projeto modernizador, mas o reelaboraram em
seus próprios termos.
A prática de fazer posses foi fundamental para deslanchar a ação do Estado na
colonização dirigida e para um maior parcelamento da propriedade da terra. Mesmo que, esta
ação se desse em meio a hierárquica cultura brasileira, que continua a se reelaborar e se
322
reproduzir na fronteira agrícola, em meio a formão de uma estrutura fundiária excludente, uma
sociedade socialmente injusta e ambiental insustentável, mas agora, moderna.
Entretanto, algumas questões ainda precisam ser esclarecidas. Não abordei uma série de
outros agentes no processo de colonização dirigida, que eram atores interessados no processo de
gestão, Como as prefeituras municipais, a crítica ambiental da época, a indústria madeireira,
entre outros grupos e instituições que não tiveram uma participação reduzida neste processo,
como o presente texto pode ter deixado parecer. Tais agentes seriam merecedores de uma
abordagem em separado.
E, também, devo destacar que abordei a gestão de terras e florestas, em grande parte a
partir das representações que foram sugeridas pelas próprias lógicas do poder, “que pretendiam
ditar até a maneira de se opor a elas”, pois reduzi a gestão da terra ao problema de sua posse e
propriedade, indicando mas não pormenorizando às várias formas de acesso ao recurso e
as implicações do seu manejo. E também, reduzi a floresta, enquanto sua apropriação pela
indústria madeireira ou queima. Todavia, como espero ter deixado claro, a floresta é bem mais
que isto, sendo uma fonte de múltiplos recursos – caça, esconderijo, remédios etc – e de
múltiplos significados simlicos. Seria necessário um trabalho de fôlego e interdisciplinar, para
dar conta das diferentes demissões das formas de apropriação de terras e florestas pelos
diferentes agentes interessados. Essa pesquisa mais refinada, que abordasse as formas de manejo
dos recursos, abriria, com certeza, novas perspectivas para este trabalho, mas a inexistência deste
o inviabiliza as considerações aqui elaboradas.
Em suma, o projeto de modernização do sertão ocorrido na região de Campo Mourão,
foi uma tentativa de manipular lavradores, terras e florestas, tratados como coisas, em proveito
de um princípio de ordem e de eficia de produção para o mercado. Pautada em uma
racionalidade econômica e tecno-científica, em que prevalece a noção de donio da natureza e
do aumento desenfreado da produção. Racionalidade que é apontada por parte do atual
movimento ambiental como causa da crise ambiental por que se passa. E procuram desenvolver
outros valores como o de co-gestão da natureza e da apropriação social da natureza, valores que
pautam a produção de uma racionalidade ambiental.
5
Todavia, deve-se tomar cuidado com a postura teleológica da busca de uma origem para
a crise contemporânea que homogeneíza o passado e se esquece do tempo. Que interpreta o
passado a partir das suas conseqüências no presente, sem perceber o campo de possibilidades que
em cada momento histórico se delineava para os agentes. Afinal, uma das funções dos
5
MORIN, Edgar; KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria. Tradução Paulo Neves. Porto Alegre: Sulina,
2005.
323
historiadores, não é a condenão moral do passado, mas buscar entender o passado em seus
próprios termos, mesmo que o exista “um ponto de vista nativo único”, mas apenas uma
multiplicidade de representações.
6
E, remexer a “arca da memória e da linguagem”, pode trazer a cena, mais uma vez,
“mortos que não devem morrer. Mortos bifrontes, é bem verdade: servem de aguilhão ou de
escudo nas lutas ferozes do cotidiano, mas podem intervir no teatro dos crimes com vozes
doloridas de censura e remorso.”
7
Considerando que, invariavelmente, a luta pelo passado é uma
luta pelo futuro. Quando se olha o passado e não se apenas escombros, mas um campo de
batalha em que estiveram presentes, agentes em luta que determinaram o curso dos processos
com sua ão, talvez, se possa pensar outro futuro, em que as lutas o coloquem em risco a
sobrevivência da própria espécie.
6
SAHLINS, Marshall. História e Cultura: Apologias a Tucídides. Tradução Maria Lucia de Oliveira.
São Paulo: Zahar, 2006. p. 12.
7
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abertura da sessão legislativa ordinária de 1959 pelo Sr. Moysés Lupion governador do
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abertura da sessão legislativa ordinária de 1957 pelo Sr. Moysés Lupion governador do
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abertura da sessão legislativa ordinária de 1959 pelo Sr. Moysés Lupion governador do
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Requerido: Joaquim Carvalho da Costa e outros. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de
Campo Mourão.
Processo 103 de 1951. Reintegração de Posse. Requerente: Alonso Carvalho Braga.
Requerido: Joaquim Carvalho da Costa e outros. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de
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Requerido: Belin Carollo. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
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Manoel Fernandes Moreira. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
Processo 130 de 1960. Ação Reivindicatória. Requerente: JoSchultz. Requerido: Antonio
Muniz Pacheco e sua mulher. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
Processo 14 de 1959. Ação Reivindicatória. Requerente: Belin Carollo e sua mulher.
Requerido: Maria Michalezeszen. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo
Mourão.
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Andrací Ribeiro. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
Processo 147 de 1957. ão de Reintegração de Posse. Requerente: espólio de Francisco
Ferreira Albuquerque. Requerido: José Pedroso Bueno e outros. Arquivo da Primeira Vara Civil
da Comarca de Campo Mourão.
Processo nº 17 de 1958. Reintegração de Posse. Requerente: Fernando Peressim. Requerido:
Ismael Pereira e Aurélio Benedini. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo
Mourão.
Processo 18 de 1956. Ação Cominatória. Requerente: Irmãos Nascimento. Requerido: Miguel
Skalki. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
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Processo 18 de 1956. Ação cominatória. Requerente: Irmãos Nascimento. Requerido: Miguel
Skalki. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
Processo 19 de 1956. Ação Cominatória. Requerente: Irmãos Nascimento. Requerido:
Felisbina Matheus Mendes. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
Processo 19 de 1956. Ação Cominatória. Requerente: Irmãos Nascimento. Requerido:
Felisbina Matheus Mendes. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
Processo nº 205 de 1958. Ação de Reintegração de Posse. Requerente Paulo José de Camargo.
Requerido Marcelino Araújo e sua mulher e outros. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca
de Campo Mourão.
Processo 205 de 1958. Ação de Reintegração de Posse. Requerente: Paulo Jode Camargo.
Requerido: Marcelino Araújo e sua mulher e outros. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca
de Campo Mourão.
Processo 23 de 1951. Interdito Proibitório. Requerente: Lydio Slaviero e outros. Requerido:
Mario Cyrino. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
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Teixeira e sua mulher. Requerido: Pedro Viriato de Souza Neto e outros. Arquivo da Primeira
Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
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de José Michalezeszen. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
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Nascimento Ltda. Requerido: Pedro Maia e sua mulher. Arquivo da Primeira Vara Civil da
Comarca de Campo Mourão.
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Comarca de Campo Mourão.
Processo 304 de 1964. Imissão de Posse. Requerente: Juvenal Pedrosa da Silva. Requerido:
Renato Celestino dos Santos. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
Processo 31 de 1951. Reintegração de Posse. Requerente: Jo Nunes Rato e outros.
Requerido: Pedro Sardinha. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
Processo 314 de 1960. Ação de Reintegração de Posse. Requerente: Lino Sacchetim.
Requerido: JoFrancisco dos Santos e outros. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de
Campo Mourão.
Processo nº 363 de 1961. Ação ordiria de Reivindicação. Requerente: José Dziubate Sobrinho.
Requerido: Francisco Bezerra dos Santos. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de
Campo Mourão.
Processo 58 de 1961. ão Reivindicatória. Requerente: Francisco Vicente. Requerido:
Manoel Saraiva. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
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Processo 590 de 1962. Ação de Reintegração de Posse. Requerente: Bráulio Marques da Silva
e sua mulher. Requerido: Nicolau Susienka. Arquivo da Biblioteca da Faculdade de Ciências e
Letras de Campo Mourão - FECILCAM.
Processo 644 de 1962. Ação Declaratória de Nulidade Contratual. Requerente: Alicio Vitório.
Requerido: Casimiro Biaico. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca de Campo Mourão.
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Requerido: Abílio Ribeiro de Mello e sua mulher. Arquivo da Primeira Vara Civil da Comarca
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WOORTMANN, Ellen F. Herdeiros, Parentes e Compadres: Colonos do sul e sitiantes do
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ZARTH, Paulo Afonso. História Regional/História Global: uma história social da agricultura no
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343
ANEXO 1 – MICROREGIÃO DE CAMPO MOURÃO – PR.: UTILIZAÇÃO DAS TERRAS
1950 1960 1970 1975 1980
Área (Ha) Informantes
Área(Ha)
Informantes
Área (Ha) Informantes
Área (Ha) Informantes
Area (Ha) Informantes
Lavoura
permanente
3.829
-
77.828
6.357
92.007
12.296
73.198
8.244
57.129
11.950
Lavoura temporária
23.679
-
113.253
13.993
355.760
49.025
454.685
36.024
529.535
28.468
Pastagens naturais
14.423
- 9.986
832
21.264
2.330
92.793
6.205
34.108
2.673
Pastagens
plantadas
3.953
-
44.633
5.025
227.000
17.942
180.032
11.073
284.577
14.292
Matas naturais
126.623
-
259.922
7.068
143.897
7.159
88.940
2.313
71.108
3.478
Matas plantadas
2.478
- 6.816
325
5.330
506
4.866
401
9.270
1.970
Terras incultas
50.882
-
28.200
917
91.109
8.598
68.043
5.567
21.572
2.540
Total
229.651
1.645
551.467
17.602
967.611
54.982
1.022.231
40.040
1.055.139
32.319
FONTE: IBGE. Censo Agropecuário de 1950/1960/1970/19751980.
344
ANEXO 2
MICRO
-
REGIÃO DE CAMPOMORUÃO
PR.: PRODUÇAO DE MADEIRAS (m
3
)
ANO
C.
Mourão
Peabiru
Araruna
Eng.
Belto
Goio
-
erê
Mambo
Ronca
-
dor
Ubiratã
Outros
TOTAL
1948
6.213
6.213
1949
1950
5.000
5.000
1951
25.375
25.375
1952
5.000
15.882
20.882
1953
75.000
100.000
175.000
1954
80.000
110.000
190.000
1955
67.401
44.967
112.368
1956
21.100
22.390
5.000
5.800
54.290
1957
26.300
25.616
6.200
7.300
1.200
66.616
1958
27.500
34.238
8.300
278.986
1.200
350.224
1959
10.000
40.636
2.500
7.538
5.000
65.674
1960
200.000
52.104
15.000
62.000
5.000
334.104
1961
210.000
25.850
15.000
62.200
5.500
318.550
1962
175.000
42.000
17.000
15.900
6.000
54.000
29.600
40.000
31.050
410.550
1963
220.000
40.000
13.000
12.000
10.000
30.000
30.000
40.000
50.000
445.000
1964
200.000
30.000
10.000
8.000
7.000
95.000
34.000
40.800
52000
476.800
1973
356.235
1974
320.970
1975
50.000
4.000
3.000
5.000
1.612
56.150
40.000
14.500
134.560
308.822
1976
40.000
3.200
2.400
4.000
426
37.700
40.000
8.750
108.303
244.779
1977
36.000
2.280
2.400
3.600
250
8.800
40.000
8.200
103.395
204.925
1978
34.200
2.050
2.280
3.240
130
27.150
40.000
12.090
84.720
205.860
1979
30.800
1.948
2.250
3.176
80
36.900
41.000
8.550
88.440
213.144
1980
28.300
1.850
2.025
3.207
95
17
.030
42.000
7.430
67.448
169.385
1981
25.800
1.470
1.850
2.850
200
49.020
41.800
14.220
58.890
196.100
1982
34.823
950
750
1.900
180
12.2
50
41.600
6.500
38.802
137.755
1983
116.570
1984
122.212
1985
14.368
540
2.500
800
380
41.400
39.500
5.000
51.375
155.863
1986
15.132
354
2.242
650
310
25.700
39.300
4.700
60.143
148.531
1987
1.380
336
-
290
30.500
36.900
2.700
82.010
154.116
1988
2.425
40
-
250
12.900
35.000
3.700
81.880
136.195
1989
1.058
26
302
187
100
481
35.000
3.500
80.741
121.395
1990
500
40
250
200
95
1.000
32.000
3.250
104.677
142.012
1991
430
48
246
210
90
1.020
30.000
3.450
106.958
142.452
1992
245
265
4
80
40
25.000
2.300
75.240
103.174
1993
24
21
64
6
60
60
20.000
900
45.165
66.300
1994
92
5
15
6
70
6
19.000
410
16.885
36.489
1995
20
12
13
7
50
-
19.000
240
10.965
30.307
1996
27
15
12
8
40
20
16.000
663
16.785
1997
17
13
88
12
50
450
17.600
160
4.006
22.396
1998
18
10
90
10
380
18.500
4.019
23.027
1999
25
300
70
750
7.500
16.000
4.900
29.545
2000
-
400
2.500
750
7.500
-
4.830
15.980
F
ONTE
: Departamento Estadual de Estatística
Paraná. apud: CANCIAN, Nadir Apparecida.
Conjuntura
econômica da madeira no norte do Paraná. 1974. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal
do Paraná. Curitiba. 2 v. p. 446-461. IBGE. Produção extrativa vegetal. Rio de Janeiro: 1973-1985. 13 v.; IBGE.
Produção extrativa vegetal e da silvicultura. 1986-2000. 15 v.
Livros Grátis
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Milhares de Livros para Download:
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