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A primeira modalidade consiste numa superposição (um recobrimento) entre o sujeito da
enunciação e o sujeito universal, de modo que a “tomada de posição” do sujeito realiza seu
assujeitamento sob a forma do “livremente consentido”: essa superposição caracteriza o
discurso do “bom sujeito” que reflete espontaneamente o Sujeito (em outros termos: o
interdiscurso determina a formação discursiva com a qual o sujeito, em seu discurso, se
identifica, sendo que o sujeito sofre cegamente essa determinação, isto é, ele realiza seus
efeitos “em plena liberdade”). (Ibidem, p. 215)
Na segunda delas, a da contra-identificação, o que temos é um trabalho do sujeito do discurso
sobre a forma-sujeito, resultando na tomada de posições não-coincidentes, divergentes, discordantes.
Ou seja, não é mais possível pensar o sujeito enquanto uma noção autocentrada e monolítica; deve-se,
portanto, ter em mente os seus desdobramentos:
A segunda modalidade caracteriza o discurso do “mau sujeito”, discurso no qual o sujeito
da enunciação “se volta” contra o sujeito universal por meio de uma “tomada de posição”
que consiste, desta vez, em uma separação (distanciamento, dúvida, questionamento,
contestação, revolta...) com respeito ao que o “sujeito universal” lhe “dá a pensar”: luta
contra a evidência ideológica, sobre o terreno dessa evidência, evidência afetada pela
negação, revertida a seu próprio terreno. Essa reversão apresenta traços lingüísticos [...] Em
suma, o sujeito, “mau sujeito”, “mau espírito”, se contra-identifica com a formação
discursiva que lhe é imposta pelo “interdiscurso” como determinação exterior de sua
interioridade subjetiva, o que produz as formas filosóficas e políticas do discurso-contra (isto
é, contradiscurso), que constitui o ponto central do humanismo (antinatureza, contranatureza,
etc.) sob suas diversas formas teóricas e políticas, reformistas e esquerdistas. (Ibidem, p.
215-6)
A desidentificação, por fim, vem dar conta daquilo que sucede quando o trabalho na e sobre a
forma-sujeito (realizado pelo sujeito do discurso) conduz a uma ruptura tão grande em relação ao
conjunto dos saberes da formação discursiva que a posição-sujeito daí resultante não mais está
contida nesta. Se uma formação discursiva é “aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a
partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes,
determina o que pode e o que deve ser dito” (PÊCHEUX, Ibidem, p. 160), a posição-sujeito
produzida pelo processo de desidentificação faz com que o sujeito do discurso migre para uma outra
formação discursiva, na qual o sujeito do discurso vai identificar-se com a forma-sujeito a ela
correspondente.