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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIENCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
JOYCE TOGNOLA PIMENTEL
A INSTITUCIONALIDADE DO "JEITINHO BRASILEIRO":
REGRAS IMPLÍCITAS OU HÁBITOS DOS INDIVÍDUOS? UMA
DISCUSSÃO DAS ABORDAGENS INSTITUCIONALISTAS À LUZ DOS
INTÉRPRETES DO BRASIL
Porto Alegre
2009
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2
JOYCE TOGNOLA PIMENTEL
A INSTITUCIONALIDADE DO "JEITINHO BRASILEIRO":
REGRAS IMPLÍCITAS OU HÁBITOS DOS INDIVÍDUOS? UMA
DISCUSSÃO DAS ABORDAGENS INSTITUCIONALISTAS À LUZ DOS
INTÉRPRETES DO BRASIL
Dissertação submetida ao Programa de s-
Graduação em Economia da Faculdade de
Ciências Ecomicas da UFRGS, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Economia.
Orientador: Prof. Dr. Octávio Augusto
Camargo Conceição
Porto Alegre
2009
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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
Responsável: Biblioteca Gládis W. do Amaral, Faculdade de Ciências Econômicas da
UFRGS
P644r Pimentel, Joyce Tognola
Regras sociais implícitas brasileiras e seus impactos econômicos /
Joyce Tognola Pimentel. – Porto Alegre, 2009.
130 f. : il.
Orientador: Octávio Augusto Camargo Conceição.
Dissertação (Mestrado em Economia) - Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Faculdade de Ciências Econômicas, Programa de Pós-
Graduação em Economia, Porto Alegre, 2009.
1. Desenvolvimento econômico : Brasil. 2. Instituições : Brasil. 3.
Capitalismo : Brasil. I. Conceição, Octávio Augusto Camargo. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Ciências
Econômicas. Programa de Pós-Graduação em Economia. III. Título.
CDU 338.24.021(81)
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JOYCE TOGNOLA PIMENTEL
A INSTITUCIONALIDADE DO "JEITINHO BRASILEIRO":
REGRAS IMPLÍCITAS OU HÁBITOS DOS INDIVÍDUOS? UMA
DISCUSSÃO DAS ABORDAGENS INSTITUCIONALISTAS À LUZ DOS
INTÉRPRETES DO BRASIL
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
s-Graduação em Economia, da Faculdade de Ciências
Econômicas, da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, como exigência para obtenção do tulo de mestre
em Economia, com ênfase em Economia do
Desenvolvimento.
Orientação: Prof. Dr. Octávio Augusto Camargo
Conceição
BANCA EXAMINADORA
___________________________________
Prof. Dr. Pedro Cezar Dutra Fonseca
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
___________________________________
Prof. Dr. Sérgio Marley Modesto Monteiro
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
____________________________________
Prof. Dra. Izete Pengo Bagolin
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS)
Porto Alegre, 18 de Maio de 2009
5
Em memória de Sylvia Maria Romero Tognola;
Para meu pai e minha mãe.
6
AGRADECIMENTOS
À Deus por guiar a minha vida, por me dotar de capacidades que me permitem buscar
e alcançar minhas realizações. E, ao contrário do que diz o senso comum, por fomentar em
mim a busca pelo conhecimento. “Porque a sabedoria serve de defesa, como de defesa serve
o dinheiro; mas a excelência do conhecimento é que a sabedoria dá vida ao seu possuidor”.
(Eclesiastes 7:12).
À minha família. Meus pais por todo amor e esmero pelo qual me educaram e assim,
construíram o meu caráter e enraizaram em mim os valores que tenho muito orgulho em
possuir. Meu iro pela amizade e amor.
Ao Gustavo, meu grande presente deste mestrado, que provavelmente sabe esta
dissertação de cor. Meu melhor amigo que sempre esteve disposto a ouvir minhas discussões
intermiveis sobre este estudo. Meu amor, que sempre me fez acreditar em mim mesma e me
apoiou incondicionalmente em todos os momentos.
Ao professor Octávio Conceição, meu orientador, que através de sua competência,
experiência e, principalmente, seu entusiasmo nesta área, fez suscitar em mim o interesse por
este estudo.
Aos professores do PPGE, dos quais fui aluna durante este período, que tiveram
extrema importância em me fazer repensar o mundo por diversos novos prismas e, desta
forma, me fizeram evoluir em diversos aspectos de minha vida.
E, por fim, mas não menos importante, à CAPES, pelo suporte financeiro durante este
período.
7
“...somos precisamente estranhos a nós mesmos, não nos compreendemos, temos que nos
confundir com os outros, estamos eternamente condenados a esta lei: não há ninguém que
não seja estranho a si mesmo; nem a respeito de nós mesmos somos ‘homens de
conhecimento’”
Friedrich Nietzsche, 1887
8
RESUMO
O objetivo deste trabalho consiste em analisar as implicações das regras sociais implícitas
brasileiras no desenvolvimento sócio-econômico do país sob a luz da teoria neo-
institucionalista. Inserido neste arcabouço teórico tem-se um desenvolvimento alcançado a
partir de um progressivo ajustamento entre as instituições e a realidade. Como realidade,
entende-se, neste estudo, o capitalismo. Desta forma, primeiramente, se analisa as instituições
que propiciaram o surgimento do capitalismo na Europa, enfatizando as revoluções
precedentes que influenciaram a formação cio-cultural deste sistema. Posteriormente, se
realiza um resgate histórico da formação cio-econômica do Brasil destacando os aspectos
culturais enraizados na sociedade durante o período colonial. Observa-se que, a despeito da
industrialização, o Brasil permaneceu calcado em valores tradicionais e arcaicos que não
condizem com os valores modernos da gênese do capitalismo. Tendo em vista estes conceitos,
utiliza-se do Reconstitutive Downward Causation para se analisar a forma em que emergem
as instituições no Brasil. Observou-se que, enquanto as instituições que operam no ambiente
informal surgem a partir dos bitos mentais dos próprios indivíduos, as instituições que
operam no âmbito formal são decorrentes da importação de modelos externos. Esta
incoerência faz com que surja o ‘jeitinho brasileiro’, uma instituição que permite ao indivíduo
lidar com a esfera formal mantendo seus hábitos mentais.
Palavras-Chave: Instituições; Reconstitutive Downward Causation; Desenvolvimento sócio-
econômico; ‘Jeitinho brasileiro’.
9
ABSTRACT
The objective of this study consists of analyzing the implications of the Brazilian implicit
social rules in the socio-economic development of the country under the light of neo-
institutionalist theory. Inserted in this theoretical approach, development it is achieved from a
gradual adjustment between institutions and reality. As, reality, it is understood in this study,
capitalism. Thus, first, examines the institutions that enabled the emergence of capitalism in
Europe, emphasizing the previous revolutions that have influenced the social-cultural
formation of the system. Subsequently, it is done a rescue of the historic socio-economic
formation of Brazil highlighting the cultural aspects rooted in society during the colonial
period. It is observed that, in spite of industrializations, Brazil remained based on traditional
and archaic values which do not match with the values of the genesis of modern capitalism. In
view of these concepts, the Reconstitutive Downward Causation concept it is used to examine
the way in which institutions emerge in Brazil. It was observed that while the institutions
operating in the informal environment arise from the mental habits of the individual
themselves, the institutions that operate under formal scope are resulted from the importation
of foreign models. This inconsistency makes it arises the jeitinho brasileiro’, an institution
that allows the individual to deal with formal sphere keeping its mental habits.
Key Words: Institutions, Reconstitutive Downward Causation, Social-economic
Development, ‘Jeitinho brasileiro’.
10
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Economics of Institutions ...................................................................................... 25
Figura 2: Críticas de Veblen à Economia Ortodoxa .............................................................. 33
Figura 3: Reconstitutive Downward Causation ..................................................................... 39
Figura 4: Evolução do ethos capitalista ................................................................................ 55
Figura 5: Linha do processo da Revolução Burguesa no Brasil ............................................. 76
Figura 6: Controle dos preços dos serviços básicos ............................................................ 100
Figura 7: Controle dos preços de todos os produtos ............................................................ 100
Figura 8: Dificultar a entrada de produtos estrangeiros ....................................................... 101
Figura 9: Definição do valor dos salários............................................................................ 101
Figura 10: Socorro às empresas em dificuldades ................................................................ 102
Figura 11: Administração dos Bancos ................................................................................ 102
Figura 12: RDC Capitalismo Europeu ................................................................................ 105
Figura 13: RDC Capitalismo Brasileiro .............................................................................. 107
Figura 14: Uso do Jeitinho no Brasil .................................................................................. 115
Figura 15: Valores Modernos versus Valores Arcaicos....................................................... 118
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 12
2 A ECONOMIA INSTITUCIONAL E SUA DINÂMICA EVOLUTIVA ...................... 17
2.1 Economia Institucional ................................................................................................... 18
2.1.1 O Velho Institucionalismo Americano ......................................................................... 19
2.1.2 A Nova Economia Institucional ................................................................................... 23
2.1.3 O Neo-Institucionalismo.............................................................................................. 27
2.1.4 Conseqüências da inserção das instituições na análise econômica ................................ 29
2.2. Marco teórico ................................................................................................................ 30
2.2.1 Abordagem evolucionista ............................................................................................ 30
2.2.2 Conceitos chave .......................................................................................................... 34
2.2.2.1 Self-enforcement versus External Enforcement ......................................................... 36
2.2.3 Dinâmica: Indivíduos e Instituições ............................................................................. 37
2.2.4 Dinâmica: Instituições e Desenvolvimento .................................................................. 41
3 O “ESPÍRITO” DO CAPITALISMO ............................................................................ 44
3.1 Interpretações do Capitalismo ........................................................................................ 45
3.2 A Ética Protestante ......................................................................................................... 49
3.3 Revolução Francesa ....................................................................................................... 54
3.3.1 A Revolução Científica ............................................................................................... 56
3.3.2 Iluminismo .................................................................................................................. 58
3.3.3 Liberalismo ................................................................................................................. 63
3.4 Revolução Industrial ...................................................................................................... 65
3.5 Opção Cultural Ibérica ................................................................................................... 68
3.6 Principais Resultados ..................................................................................................... 71
12
4 VELHOS HÁBITOS BRASILEIROS ............................................................................ 73
4.1 A Revolução Burguesa no Brasil .................................................................................... 74
4.1.1 Plano Econômico ........................................................................................................ 78
4.1.2 Plano Potico .............................................................................................................. 82
4.2 Velhos hábitos mentais ................................................................................................... 89
4.2.1 Tripaliare: A moral do trabalho ................................................................................... 89
4.2.2 Iluminismo em verde e amarelo ................................................................................... 92
4.2.3 Liberalismo em linhas tortas ........................................................................................ 98
5 CAPITALISMO À BRASILEIRA ............................................................................... 103
5.1 Reconstitutive Downward Causation ............................................................................ 104
5.1.1 Ambiente Formal Brasileiro ...................................................................................... 107
5.1.2 Ambiente Informal Brasileiro .................................................................................... 108
5.1.3 Solução: Jeitinho ....................................................................................................... 109
5.2 Valores modernos versus valores arcaicos .................................................................... 117
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 121
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 124
ANEXO A: O discurso de Benjamin Franklin .................................................................... 129
ANEXO B: Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão ............................................. 131
13
1 INTRODUÇÃO
Em seu artigo “O conceito da sabedoria convencional” Galbraith afirma que o
primeiro requisito para uma compreensão da vida econômica e social contemporânea é
conseguir uma visão clara da relação entre os eventos e as idéias que os interpretam, pois cada
uma destas últimas tem existência própria e, por mais contraditório que pareça, cada uma é
capaz de, por um período de tempo considerável, seguir um curso independente.
(GALBRAITH, 2007, p.30).
A razão deste fato residiria na própria dinâmica tanto da vida econômica como da vida
social que não se adaptam a um padrão simples e coerente. Segundo Galbratih, porque os
fenômenos econômicos e sociais são tão enigmáticos e cedem a poucas verificações daquilo
que existe ou não, o indivíduo, dentro de uma amplitude considerável, se permite acreditar no
que lhe agrada e sustentar qualquer visão de mundo que mais esteja de acordo com o seu
gosto (GALBRAITH, 2007, p.30).
O que ocorre em conseqüência é que na interpretação da vida social existe uma
competição persistente e interminável entre o que é certo e o que é aceitável. Nesta
competição, o autor coloca que embora a realidade conte com uma vantagem estratégica, o
aceitável conta com inúmeras vantagens táticas. À estrutura das idéias baseadas na
aceitabilidade o autor denomina de Sabedoria Convencional.
Esta sabedoria convencional, ou seja, determinado consenso sobre grande número de
problemas sociais modernos, é articulada em todos os veis de sofisticação, inclusive nos
níveis acadêmicos mais elevados das ciências sociais.
No estudo da economia como não poderia deixar de ser, por se tratar de uma ciência
social ocorre também o femeno da Sabedoria Convencional, mas de acordo com o autor,
seu principal inimigo é a realidade, a marcha dos acontecimentos, que o tornando inviáveis
algumas das “idéias aceitáveis” até um ponto crítico em que deixam de existir.
A ciência econômica nasce a partir da economia clássica, como uma economia
política, desta forma, não poderia ignorar os aspectos da realidade no processo de construção
de teorias, sendo assim, a ciência se contruía através da observação da realidade. Sob este
14
aspecto Fernandez (2006) observa que naquele momento, os problemas que a Teoria Clássica
buscava resolver e também o arcabouço analítico que a fundamentava estavam voltados a
solução e explicação de problemas econômicos específicos, que eram dados historicamente,
inseridos, desta forma, em uma perspectiva sociocultural única, idiossincrática e que não se
repetiam no tempo. “Trata-se aqui da análise de um processo que envolve agentes
econômicos, cujo comportamento é complexo em suas motivações (absorvendo dimensões
culturais, sociais, hisricas, poticas e ideológicas) e que atuam num contexto de incertezas
que a ciência não tem como banir” (FERNANDEZ, 2006, p.163).
Mas ao decorrer da evolução da ciência ecomica, principalmente através da
influência da Revolução Científica, a teoria passa a ser desenvolvida fundamentada nos
modelos utilizados nas ciências naturais, pois acreditava-se que esta era a única forma de se
alcançar o conhecimento verdadeiro. A busca por leis naturais que regessem a dinâmica
econômica tornou-se a função primordial do cientista econômico. O resultado desta evolução
fez com quem, a partir da Revolução Marginalista, o estudo da Economia se dividisse em um
arcabouço positivo, este científico e matemático, e outro arcabouço, que se referia a arte das
aplicações de política econômica.
A passagem do substantivo adjetivado Economia Potica (Political Economy século
XVIII) para o substantivo Economia (Economics) sem qualificação (século XIX) denota,
portanto, modificações substantivas, tanto a nível metodológico, quanto epistemológico.
Nesta nova Economia passa a vigorar o modelo científico, a-histórico, de investigação da
realidade: o modelo mecânico, formal e matemático.
Fernandez (2006) ainda ressalta que, desta forma, a teoria neoclássica, fortemente
influenciada pelo paradigma mecanicista, depurada da influência valorativa, da análise
hisrica dos fenômenos econômicos, e cada vez mais formalizada matematicamente, passa a
dominar a formação dos economistas em quase todo o mundo. Ao buscar assegurar as
credenciais epistêmicas da Economia por meio de sua adesão ao método científico, a corrente
teórica hegemônica passou a apresentar-se como a única forma possível de conhecimento
racional, no âmbito econômico, dificultando a disseminação de correntes alternativas de
explicação do fenômeno. (FERNANDEZ, 2006, p.167)
No entanto, esta passagem o impediu que outras correntes continuassem a buscar
novas explicações para os femenos econômicos a partir de um novo arcabouço teórico.
15
Uma delas foi a Economia Institucional. Esta escola tinha como objetivo trazer novos
elementos para o centro da análise, majoritariamente, as instituições e todas as suas facetas ou
elementos adjacentes.
O institucionalismo norte-americano, ou o chamado, velho institucionalismo foi umas
das primeiras escolas de pensamento que se propôs a realizar este intento. Apesar de ter
obtido grande atenção por parte da Economia por volta de dos anos 20, a partir da “Revolução
keynesianaentra em declínio e percebe-se uma retomada em seus estudos a partir dos
anos 70 pela chamada Nova Economia institucional.
A partir desta retomada, diversos trabalhos acadêmicos que inserem as instituições
como elemento central da análise foram desenvolvidos, mas sempre relegando um papel
secundário a esfera informal, ou seja, deixando este aspecto para ser analisado por outras
ciências como a sociologia, antropologia e psicologia.
Desta forma estes estudos iam de encontro as premissas essenciais dos primeiros
institucionalistas como Thorstein Veblen. De acordo com o seu legado, os hábitos operam um
papel chave na dinâmica da sociedade, tanto ao buscar conhecimento científico, como ao
realizar progressos sociais, através da criação de instituições que mais se adaptam à realidade.
Em suas palavras, “A questão de um ponto de vista científico, de uma atitude específica e
animus acerca do conhecimento, é uma questão de formação de hábitos de pensamento; e
hábitos de pensamento são um resultado de hábitos de vida” (VEBLEN, apud
MONASTÉRIO, 1995, p. 28)
A partir de sua Economia Evolucionária, Veblen, tem uma visão de progresso social
como resultado da dinâmica institucional, ou seja, é a partir da evolução das instituições e sua
proximidade à realidade que o desenvolvimento ocorre.
Por outro lado, esta dinâmica é resultado da relação interdependente entre os
indivíduos e as instituições, na qual o hábito opera, como dito anteriormente, um papel
fundamental.
Tendo em vista de que, para esta corrente, o crescimento econômico de um país se
através da evolução de suas instituições em um contexto de permanente mudança, e que a
emergência e durabilidade das instituições ocorre através de um processo de interdependência
entre os indivíduos e as instituições, onde o hábito se torna o mecanismo chave deste
16
processo, se faz necessário entender as regras implícitas e tácitas brasileiras que em seu
conjunto irão determinar em parte a estrutura social e a forma em que ocorrem as interações
sociais e, em última instância, o padrão de desenvolvimento obtido pelo país.
Portanto, o objetivo deste trabalho é identificar e entender a esfera informal brasileira,
suas implicações econômicas e conseqüentemente no crescimento do país. Sendo assim, se
espera através desta pesquisa contribuir ao entendimento do processo de desenvolvimento do
país ao se ter uma análise mais aprofundada dos aspectos informais do Brasil e de suas
idiossincrasias.
Com este objetivo buscar-se-á, no primeiro capítulo, compreender o papel das
instituições no desenvolvimento de um país. Particularmente, apreender a influência que as
tradições e os costumes exercem, pois acredita-se que o enraizamento e a permanência de
determinadas instituições no Brasil operam de forma a frear o desenvolvimento do país. Esta
análise, a partir do arcabouço teórico neo-institucionalista, propiciará o entendimento da
forma pela qual a inter-relação entre o indivíduo e as instituições, através do mecanismo
chave, o hábito, molda tanto os indivíduos como as instituições e, desta forma, determinam o
desenvolvimento econômico de um país.
No capítulo dois, serão analisados os fatores cio-culturais que propiciaram o
surgimento do capitalismo com o objetivo de conhecer em que medida as regras sociais
implicitas brasileiras estão em descompasso com os valores modernos do capitalismo, e
estariam assim, funcionando como obstáculos ao desenvolvimento econômico do país, já que
estariam distantes da realidade. Neste sentido, se entende por realidade a ser confrontada, o
capitalismo. Este definido como uma opção de sistema econômico que envolve sistemas
políticos, jurídicos e sociais que regulamentam as interações sociais e que surgiu a partir de
mudanças nos hábitos de pensamento.
No capítulo seguinte, será analisada a forma em que emergiu o capitalismo no Brasil.
Serão analisadas a esfera econômica, potica de forma abreviada, mas majoritariamente os
hábitos mentais brasileiros que foram enraizados em seu período colonial e que permanecem
estruturando as relações sociais brasileiras até hoje e, em última instancia, determinando a
dinâmica institucional brasileira e seu progresso social.
17
Por fim, no capítulo final, serão comparadas as instituições que propiciaram o
surgimento do capitalismo na Europa com as instituições que foram enraizadas no período
colonial brasileiro e que permaneceram presentes a despeito de qualquer desenvolvimento.
Serão vistas também as conseqüências da não aderência entre o ambiente formal e informal
no Brasil. O objetivo se torna demonstrar que se não existe uma aderência, ou uma aprovação
tácita da sociedade através de seus hábitos de pensamento, esta não vai seguirá as regras
formais e as conseqüências são extremamente negativas não para o desenvolvimento
social, mas para o crescimento econômico também.
18
2 A ECONOMIA INSTITUCIONAL E SUA DINÂMICA EVOLUTIVA
“The novelties of today are a... later generation of the commonplaces of the day before yesterday”.
Thorstein Veblen,1923
Na atualidade, parece existir um consenso na economia de que as instituições
importam e que dificilmente se poderá captar de forma ampla o processo de desenvolvimento
econômico sem levar em consideração o papel das instituições e seu desempenho. O que pode
variar nas diversas correntes teóricas é a forma em que aparecem as instituições e suas
implicações.
Mesmo dentro da chamada economia institucional existem diversos conceitos distintos
do que é instituição, o seu papel e seus impactos econômicos. Em algumas correntes como,
por exemplo, a Nova Economia Institucional, que apesar de admitir a existência e a
importância da esfera informal, sua ênfase reside na esfera formal confinando a definição de
instituições a regras que podem ser codificadas em leis, sendo a esfera informal, considerada
apenas, como restrições ou constrangimentos.
Neste capítulo será realizada uma exposição suscinta das principais correntes
institucionalistas, seus principais conceitos e consequências de cada abordagem para a análise
econômica. Maior ênfase será dada a corrente do velho institucionalismo americano e seus
seguidores, os chamados neo-institucionalistas, por se entender ser este o enfoque
institucionalista mais apropriado a análise proposta.
A partir deste arcabouço teórico, o do neo-institucionalismo, buscar-se-á explicar de
que forma a inter-relação entre o indíviduo e as instituições, através do mecanismo chave, o
hábito, molda os individuos e as instituições. Posteriormente, entender quais as implicações
deste processo para o ambiente econômico e, conseqüentemente, para o desenvolvimento
sócio-econômico de um país.
19
2.1 Economia institucional
O termo ‘economia institucional’ foi, de acordo com Hodgson (1994) originalmente
aplicado a Escola Americana de Economia de Thorstein Veblen, Wesley Mitchell, and John
Commons. Este grupo prosperou nos Estados Unidos durante o período entre guerras, mas
declinou dramaticamente após a Segunda Guerra mundial. Apesar deste declínio o
institucionalismo atraiu adeptos não só nos Estados Unidos, mas também na Europa como
William Kapp, Gunnar Myrdal e Karl Polanyi.
A partir de meados dos anos de 1970, houve uma crescente retomada nos estudos
institucionalistas. Esta retomada foi propiciada principalmente pela chamada Nova Economia
Institucional (NEI), na qual, segundo Hodgson (1994), o termo ‘Nova’ foi escolhido
precisamente para distinguir os recentes enfoques desta escola dos enfoques da escola original
institucionalista de Veblen, Commons e Mitchel.
Grande parte desta distinção residia no fato de que esta nova escola se denominava
neoclássica, sendo uma tentativa de se expandir os estudos econômicos, principalmente na
esfera microeconômica, sem rejeitar os postulados neoclássicos, que eram fortemente
criticados pelos antigos institucionalistas. Atualmente a Economia Institucional é um campo
de pesquisa amplo e interativo podendo ser caracterizado pela diversidade das idéias que
abarca.
Segundo Conceição (2007), existe um núcleo teórico definido na economia
institucional que nem sempre é convergente e homogêneo, mas, segundo o referido autor, não
invalida a contribuição teórica de cada abordagem, mas as reforçam constituindo a própria
fonte de riqueza do pensamento institucionalista.
Devido à amplitude do pensamento institucionalista e sua heterogeneidade diversas
divisões entre as abordagens institucionalistas foram propostas por alguns autores. Nelson
(1995), por exemplo, sugere uma subdivisão apenas entre o novo e o velho institucionalismo.
Da mesma forma, Stanfield (1999) propõe uma divisão no pensamento institucionalista em
OIE (Original Institutional Economics) e NIE (New Institutional Economics). Villeval (1995),
por sua vez, sugere uma subdivisão em seis correntes de acordo com suas proximidades entre
20
os conceitos, metodologia e a questão evolutiva de cada abordagem. Por fim, Samuels (1995)
subdivide as correntes institucionalistas em três, sendo elas: o Antigo Institucionalismo
Americano, a Nova Economia Institucional (NEI) e o Neo-institucionalismo.
Será esta última a proposta utilizada a seguir para a apresentação dos principais
conceitos referentes à esfera informal de cada abordagem.
2.1.1 O Velho Institucionalismo Americano
Para a Rutherford (1998) a economia evolucionista de Veblen é concebida como uma
formulação teórica do processo da vida ecomica, onde o agente das mudanças é o ser
humano ou seus conhecimentos, habilidades e hábitos. Para Veblen, principal teórico desta
corrente, os indivíduos são ativos e a direção das suas atividades é determinada pelas
circunstâncias e temperamento deles. Estas são produtos das características hereditárias,
experiências passadas, que agem cumulativamente sobre dado volume de tradições,
convencionalidades e circunstâncias materiais. O entendimento do desenvolvimento como um
processo evolutivo é o conceito fundamental da análise de Veblen, desta forma a influência
Darwinista é marcante em seus trabalhos.
Para Veblen (1899) os hábitos mentais de uma sociedade tem um papel predominante
na dinâmica desta sociedade e de suas instituições, pois é apenas através da mudança dos
hábitos mentais que a estrutura social se modifica e evolui. Neste sentido Veblen analisa a
evolução de uma determinada camada social, suas instituições e as implicações destas ao
desenvolvimentocio-econômico. Esta camada social foi chamada pelo autor de classe
ociosa. Dentro de seu arcabouço teórico, a classe ociosa opera uma função de extrema
importância ao determinar alguns padrões de comportamento e consumo, hábitos e costumes
que seriam os adequados à elite e que passam a ser os desejados ao restante da sociedade.
Segundo Veblen (1899), a instituição da classe ociosa é o resultado de uma
discriminação, bem cedo estabelecida, entre diversas funções, segundo a qual algumas são
dignas e outras indignas. Estabelecida a discriminação, as funções dignas são aquelas em que
21
intervém um elemento de proeza e façanha; as funções indignas são as diárias e rotineiras em
que nenhum elemento espetacular existe. Dentro deste critério de separação das funções, o
trabalho produtivo em uma economia capitalista, se apresenta como indigno por esta classe.
O ócio, na teoria da classe ociosa de Veblen, o significa indolência ou quiescência,
mas significa tempo gasto em atividades não produtivas. Neste sentido não é suficiente viver
do ócio, mas é necessário que o ócio seja traduzido em fatos que podem ser ostensivamente
observável por outros. Desse modo, mostra-se a instituição da propriedade privada, cujo valor
gradualmente baseia-se na utilidade de consumo, mas sem abdicar seu caráter de prova
honorífica. A acumulação de bens se traduz em riqueza e essa é a base convencional da estima
social. O consumo tem como característica a ilimitada aquisição de bens, principalmente os de
melhor excelência. Esse princípio de consumo serve como norma de respeitabilidade entre os
homens, sendo que qualquer desvio de tal norma é considerado aberrante dentro da classe
ociosa.
Juntamente com o processo de acumulação de bens surgem então códigos de
comportamento, consumo e hábitos que funcionam como mecanismo de diferenciação desta
classe. Segundo Veblen (1899), os gostos refinados, as boas maneiras e os hábitos requintados
de vida são sinal útil de bom nascimento, porque a boa educação requer tempo, esforço e
dinheiro, estando fora do alcance dos que têm todo o seu tempo e energia ocupados com o
trabalho. O conhecimento das normas da boa educação é sinal ostensivo de que o indivíduo,
enquanto está longe da observação dos outros, se ocupa em adquirir talentos de nenhum valor
lucrativo. Em última análise, o valor das boas maneiras reside no fato de que são provas de
uma vida de ócio. Desse modo, já que o ócio é meio convencional que conduz à
respeitabilidade pecuniária, adquirir uma certa dose de decoro é essencial a todos quantos
aspiram a qualquer posição pecuniária.
Através da alise da classe ociosa, Veblen demonstrou de que forma, aspectos que a
primeira vista fogem do escopo econômico, interferem no desenvolvimento sócio-econômico
de uma sociedade. Deixa explícito em sua análise que um dos aspectos chave desta dinâmica
são os hábitos mentais dos indivíduos, as instituições, pois, são eles que ditam os padrões de
desenvolvimento das sociedades. Esta é razão pela qual o autor acredita ser inadequada uma
22
análise da sociedade e do desenvolvimento sem que haja um profundo estudo das instituições
e dos hábitos incorporados por uma sociedade.
Neste sentido Veblen se opõe fortemente a caracterização do indivíduo como o homo
economicus neoclássico, suas objeções são agrupadas por Monastério (2004) em quatro
picos, a saber:
i. Restrições quanto à eficiência da racionalidade. Veblen oe-se à
caracterização do indivíduo como um maximizador que faz lculos hedonistas
ininterruptos. Ele também critica a visão de que os indivíduos são perspicazes
(clearsighted) e dotados de grande capacidade preditiva (farsighted) na apreciação
antecipada dos prazeres.
ii. Tal como os economistas austacos, Veblen critica a postura passiva
que o homem tem na concepção neoclássica. Na visão hedonista, a atividade
humana é resultado da busca pela satisfação de desejos dados; o homem não faz o
gesto inicial, apenas se ajusta de acordo com as forças que agem sobre ele. para
Veblen, a ação é característica do homem e deve ser tratada como o fato
substancial do processo.
iii. Ele combate também a idéia de imutabilidade do homem diante das
pressões do ambiente. Na teoria neoclássica, o indivíduo não tem passado nem
futuro; portanto, se uma força cessa de pressioná-lo, ele volta exatamente ao ponto
de equilíbrio inicial. Tem-se, assim, um indivíduo sem história pessoal, sem
aprendizado.
iv. Coerente com a abordagem institucional, Veblen entende ser
inadequado, para uma teoria da conduta humana, considerar apenas as
características individuais, mesmo que o propósito seja uma análise estática, pois
segundo Veblen os fenômenos da vida humana ocorrem apenas como femenos
da vida de um grupo ou comunidade.
Dada a impossibilidade ou pobreza de se estudar o indivíduo de forma isolada tem se
na obra de Veblen um estudo profícuo das instituições. Segundo Veblen, “... as instituições
em vigor em qualquer época determinada favorecerão a sobrevincia e o donio de um tipo
23
de caráter de preferência a outro; e o tipo humano assim selecionado para continuar e,
ulteriormente, elaborar as instituições herdadas do passado modelaessas instituições à sua
própria semelhança” (VEBLEN, 1899, p. 87).
O que se torna claro na análise vebleniana é que este processo evolutivo não se
apresenta como um canal condutor para uma sociedade mais desenvolvida ou melhor
sucedida. A condição futura de uma sociedade será determinada pelas suas instituições
presentes que podem propiciar uma sociedade mais apta ao contexto futuro, o que seria uma
aproximação maior entre as relações externas e internas, ou uma sociedade mais inapta
dependendo do grau de ajustamento. Portanto, devido a dinâmica inerentemente mutável do
processo evolutivo, não existe nenhuma forma de garantia de que certas mudanças culturais
proporcionadas às próximas gerações suscitarão um maior desenvolvimento de um país.
Juntamente com Veblen, Commons fazia parte do Velho institucionalismo. Em seu
artigo Institutional Economics, de 1931 ele define instituição como a ação coletiva em
controle, liberação e expansão da ação individual. Para Commons a unidade básica de estudo
era a transação, em suas palavras:
the smallest unit of the institutional economists is a unit of activity -- a transaction,
with its participants. Transactions intervene between the labor of the classic
economists and the pleasures of the hedonic economists, simply because it is society
that controls access to the forces of nature, and transactions are, not the "exchange
of commodities," but the alienation and acquisition, between individuals, of the
rights of property and liberty created by society, which must therefore be negotiated
between the parties concerned before labor can produce, or consumers can
consume, or commodities be physically exchanged... (COMMONS, 1931, p.647)
Segundo Hodgson (1994), Commons aplicou em seus trabalhos algumas das idéais de
Veblen sobre seleção natural das instituições, mas insistia que o processo de evolução
institucional era mais uma seleção artificial que natural. Grande parte de sua contribuição
teórica, além do campo da economia institucional, se deu no campo de economia industrial e
na economia do trabalho, escrevendo duas das principais obras sobre a história dos sindicatos
nos Estados Unidos. Commons também influiu de maneira significativa os estudos da Nova
Economia Institucional que será vista a seguir.
24
2.1.2 A Nova Economia Institucional
De acordo com Conceição (2002), o marco fundamental das análises da NEI
distingue-a da velha tradição institucionalista dos anos 40. A ênfase em aspectos
microeconômicos é destaque em suas análises, porém as noções de mercados e hierarquias
(Dosi, 1995; e Williamson, 1995) sofrem profunda redefinição relativamente à abordagem
neoclássica tradicional. Tal fato parece distinguir irreversivelmente os “novos economistas
institucionais” dos neoclássicos, embora eles próprios justifiquem sua permanência na
referida escola”. (CONCEIÇÃO, 2002, p.111)
Os principais autores desta corrente são Ronald Coase, considerado por muitos o
fundador desta escola com seu artigo seminal de 1937, The Nature of the Firm, Oliver
Williamson e Douglass North. De acordo com Conceição (2002) a NEI seguindo sua ênfase
nos aspectos microeconômicos aborda fundamentalmente assuntos relativos à teoria da firma
em uma abordagem não convencional, mesclada com história econômica, economia dos
direitos de propriedade, sistemas comparativos, economia do trabalho e organização
industrial. Esses estudos pretendem superar a microteoria convencional, centrando sua análise
nas “transações”.
Dentro desta abordagem, Commons, é um dos principais influenciadores desta
corrente teórica por ser considerado um dos fundadores da Economia dos custos de transação.
Neste sentido, Commons insere a transação como unidade básica de análise, isto devido ao
fato de apreender o conflito como algo inerente ao ambiente natural decorrente da escassez
dos recursos e por este conflito algo possível de ser controlado através das instituições. Esta
influência marca profundamente a maneira de tratar as instituições nesta corrente, onde os
aspectos de controle e regras das instituições são extremamente enfatizados ou até mesmo, no
caso de alguns autores, os únicos a serem incorporados na análise.
Seguindo essa linha, Coase (1937) relaciona o surgimento da firma à existência de
custos em se operar através dos mecanismos de mercado, os chamados custos de transação.
Em suas palavras: The main reason why it is profitable to establish a firm would seem to be
that there is a cost of using the price mechanism” (COASE, 1993, p.390).
25
Um segundo ponto levantado por Coase era que o mecanismo chave para se entender
os custos de transação era a incerteza. Segundo Conceição (2002), o artigo de Coase trata de
dois pontos fundamentais: primeiramente, não é a tecnologia, mas as transações e seus
respectivos custos que constituem o objeto central da análise; e, segundo, a incerteza e, de
maneira implícita, a racionalidade limitada, são elementos-chave na análise dos custos de
transação (COASE, 1993, p.336).
Em Coase, a empresa teria como fuão economizar os custos de transação. Isto se
realizaria de duas maneiras: através do mecanismo de preços, que possibilitaria à empresa
escolher os mais adequados em suas transações com o mercado, gerando “economia de custos
de transação”; e substituindo um contrato incompleto por vários contratos completos, uma vez
que seria de se supor que contratos incompletos elevariam custos de negociação”.
(CONCEIÇÃO, 2002, p.112)
A partir deste artigo, Williamson (1989), aprofunda o conceito de custos de transação.
De acordo com Williamson o estudo da economia dos custos de transação difere de outras
abordagens em sete pontos fundamentais:
(1) is more microanalytic, (2) is more self-conscious about its behavioral
assumptions, (3) introduces and develops the economic importance of asset
specificity, (4) relies more on comparative institutional analysis, (5) regards the
business firm as a governance structure rather than a production function, (6)
places greater weight on the ex post institutions of contract, with special emphasis
on private ordering (as compared with court ordering), and (7) works out of a
combined law, economics and organizations perspective. (WILLIAMSON, 1989,
p.136)
Ainda assim, Williamson afirma neste mesmo artigo que os custos de transação não se
tornam um rompimento com a teoria neoclássica, pois em seu ponto de vista os insights do
enfoque dos custos de transação serão absorvidos dentro do corpo da análise neoclássica
‘extendida’.
Amparado pelos desenvolvimentos de North sobre instituições formais e informais,
que será visto a seguir, Williamson (2000) sugere uma divisão da economia institucional em
quatro níveis. Para cada um desses níveis o autor define a freqüência de mudança em anos e
cada um de seus prositos. A relação entre eles, de acordo com a indicação das setas, que
pode ser observado na figura a seguir, é que o vel acima ‘constrange’ o vel abaixo, o
movimento contrário, por sua vez, seria o feedback.
26
Figura 1: Economics of Institutions
Fonte: Williamson (2000, p.597)
O primeiro que ele denomina de embeddednessse refere às instituições informais,
costumes, tradições, normas e religião, estes teriam uma freqüência de mudança de cem a mil
anos. Devido à morosidade de sua mudança este seria um campo de estudo para as ciências
sociais e não da economia.
Get the governance
structures right. 2nd
order economizing
1 to 10
Institutional
environment: formal
rules of the game – esp.
property (polity,
judiciary, bureaucracy
: play of
the game – esp.
contract (aligning
governance structures
with transactions)
Embeddedness
:
informal institutions,
customs, traditions,
norms, religion
Frequency
(years)
Often
noncalculative;
spontaneous (caveat:
see discussion in text)
Get
the institutional
environment right. 1st
order economizing
10² to 10³
10 to 10²
L1
L2
Level Purpose
Resource allocation
and employment
(prices and quantities;
incentive alignment
Get the marginal
conditions right. 3rd
order economizing
continuous
L3
L4
L1
: Social
t
heory
L2: Economics of property rights/positive political theory
L3: Transactions costs economics
L4: Neoclassical economics/agency theory
27
O segundo nível é o nível institucional propriamente dito, este define o ambiente
institucional, onde a economia opera. Estão inseridos neste nível o que North denomina ‘as
regras do jogo’, ou seja, direitos de propriedade, sistema judiciário, potico e burocracia. Este
nível tem freqüência de mudança de dez a cem anos e o propósito seria obter um ambiente
institucional adequado. Esta, por sua vez, é uma área da economia dos direitos de propriedade
e teoria potica positivista.
O terceiro nível denominado governança seria o ‘jogo propriamente dito, inserido
neste nível estão os contratos, as estruturas de governança e as transações. Sua freqüência de
mudança já é inferior, de hum a dez anos e o propósito do estudo deste nível é determinar uma
estrutura de governança apropriada ao ambiente econômico. Este seria o campo de estudo da
Economia dos custos de transação.
Por fim, tem-se o quarto nível que é o campo de estudo da economia neoclássica. Este
nível envolve alocação de recursos e emprego, sua freqüência é contínua, ou seja, está em
constante mudança. Para Williamson (2000), a Nova Economia Institucional trabalha
fundamentalmente com o segundo e terceiro nível. (WILLIAMSON, 2000, p.598).
North, por sua vez, considerado também um dos principais teóricos da NEI,
inicialmente foca seus estudos na história ecomica e desenvolvimento econômico. Ao
analisar estes aspectos afirma ser impossível entender a mudança ecomica sem levar em
consideração as instituições. Em suas palavras:
Institutions form the incentive structure of a
society, and the political and economic institutions, in consequence, are the underlying
determinants of economic performance.
(NORTH, 1994, p.360)
As instituições, em seu ponto de vista, são necessárias devido à existência dos custos
de transação, da informação incompleta, da falta de cooperação nas interações e devido ao
grande número de interações. A definição de instituições utilizada por ele é a seguinte:
Institutions are the humanly devised constraints that structure human interaction.
They are made up of formal constraints (e.g. rules, laws, constitutions), informal
constraints (e.g. norms of behavior, conventions, self-imposed codes of conduct),
and their enforcement characteristics. Together they define the incentive structure of
societies and specifically economies. (NORTH, 1994, p.360)
North também vai aplicar o conceito de
path dependence
em suas alises, ou seja, a
inflncia poderosa do passado sobre o presente e o futuro, para explicar as diferenças entre
28
as economias existentes no mundo, onde a cultura exerce um papel fundamental na explicação
do por quê determinadas poticas e decisões estratégicas não produzem o resultado desejado
(NORTH, 1994, p. 364).
Por fim, se tem a terceira vertente que pode ser denominada como neo-
institucionalista, esta abordagem segue da forte influência de Veblen resgatando a
importância de conceitos centrais ao Antigo Institucionalismo.
2.1.3 O Neo-Institucionalismo
Segundo Conceição (2007), a revista
Journal of Economics Issues
, publicada pela
Association for Evolutionary Economics
(AFEE), se constituiu como o principal veículo
sistematizador das idéias desta corrente institucionalista. As principais referências desta
corrente são Veblen, Commons, Karl Polanyi, Wesley Mitchell, John Clark, Clerence Ayres,
J. Foster, John Galbraith e Kenneth Boulding. Suas contribuições mais relevantes se
localizam no campo da teoria geral institucional, sistemas ecomicos comparados, hisria
do pensamento econômico, desenvolvimento econômico, economia do trabalho, teoria
evolucionária e organização industrial.
O que integra todos estes economistas no chamado neo-institucionalismo, é segundo
Conceição (2007), a concordância em relação ao “paradigma institucionalista”. Este
paradigma seria constituído de três proposições fundamentais. A primeira diz respeito ao
papel exercido pelo mercado, para este grupo a determinação da alocação de recursos em
qualquer sociedade é dada por suas instituições e o mercado apenas daria cumprimento às
instituições predominantes.
A segunda proposição se refere à organização e controle da economia como um
sistema mais complexo que o mercado, o que incorporaria na teoria o reconhecimento da
implicação de fatores como: distribuição de poder na sociedade; forma de operação dos
mercados interagindo com outros complexos institucionais; a formação de conhecimento; e,
por fim, a determinação da alocação de recursos, do nível de renda agregada, da distribuição
29
de renda, e da organização e controle da economia que decorrem do processo de causação
cumulativa, em que estes elementos exercem impacto uns nos outros.
O terceiro aspecto está relacionado à crítica ao neoclassismo, onde a principal delas se
assenta na questão do “individualismo metodológico”, questão essa que será aprofundada
posteriormente.
William Kapp (1968
apud
HODGSON, 1994, p.72), por sua vez, afirma que o
institucionalismo, que de acordo com a divisão utilizada neste estudo é o chamado neo-
institucionalismo, é caracterizado por três aspectos: (i) crítica comum as pré-concepções e
elementos normativos implícitos na análise ecomica tradicional; (ii) visão comum do
processo econômico como um sistema aberto e como parte de uma ampla rede de relações
sócio-culturais; (iii) aceitação comum do principio de causação circular como hipótese central
na explicação dos processos da dimica econômica, incluindo o processo de
desenvolvimento e subdesenvolvimento. (KAPP, 1968,
apud
HODGSON, 1994, p.72).
Tendo em vista estes princípios, Hodgson (1994) define o neo-institucionalismo, ou
como prefere chamar o institucionalismo derivado da Velha escola de Veblen, Commons e
Mitchell, como um enfoque que tem os seguintes atributos:
Institucionalismo evita o atomismo e reducionismo na análise ecomica,
assumindo alternativas hosticas ou organicistas.
Ao invés do agente racional e calculista da teoria neoclássica, o
institucionalismo o comportamento humano normalmente sendo dirigido pelos
hábitos e rotinas, mas ocasionalmente pontuado por atos de criatividade e
novidade.
Ao contrário de um foco exclusivo nos indivíduos como unidade de análise,
institucionalismo considera instituições como unidade analítica adicional ou
mesmo alternativa.
A concepção da economia é de um sistema aberto e que se desenvolve no
tempo histórico, sujeito ao processo de causação cumulativa ao invés dos
enfoques tricos que focam exclusivamente no equilíbrio mecânico.
30
O institucionalismo os indivíduos como situados e moldados em uma
cultura social evolutiva, onde suas funções de preferência o são dadas ou fixas,
mas estão em um processo de contínua adaptação e mudança.
Igualmente, a tecnologia é vista como evolutiva e como força primária e
motivadora no desenvolvimento cio-econômico ao contrário da estrutura
teórica que apreende a tecnologia como fixa e exógena.
uma preocupação dominante com o papel e a significância do poder e do
conflito entre indivíduos e instituições na vida sócio-econômica.
Ao invés de uma estrutura utilitarista que avalia o bem estar humano em
termos de utilidade ou prazer individual e separa considerações dos meios das
considerações dos fins, um foco na identificação das reais necessidades
humanas e no desenho das instituições que podem melhor representar sua
identificação e clarificação (HODGSON, 1994, p.69).
2.1.4 Conseqüências na inserção das instituições da análise econômica
A Economia Institucional proporcionou grandes avanços ao estudo da economia.
Através da sua riqueza de idéias e pluralidade tornou possível à inserção de novas variáveis ao
estudo da economia. Ainda mais, propiciou que a economia pudesse ser entendida a partir de
novos parâmetros, conceitos e metodologia.
Uma nova economia passou a ser desvendada, uma economia capaz de verificar e
entender as diferenças entre performances econômicas de diversos países, uma economia
capaz de apreender o desenvolvimento econômico ao longo do tempo, respeitando, portanto,
questões geográficas, temporais e culturais que como observado por suas análises tinham um
impacto relevante na economia.
Provavelmente, a principal contribuição da economia institucional foi uma
aproximação gradual as outras disciplinas sociais e um distanciamento das ciências naturais.
31
Este processo propiciou que relações ou fatos econômicos que antes eram excluídos do
modelo pela falta de aparato conceitual, fossem novamente inseridos na análise econômica.
2.2 Marco Teórico
Sendo o objetivo da pesquisa proposta avaliar os impactos das regras sociais implícitas
brasileiras no desenvolvimento sócio econômico do país, a abordagem mais adequada será
aquela que insere a esfera informal - costumes, hábitos, comportamentos, crenças em um
patamar relevante da análise. Como mostrado anteriormente o Velho institucionalismo
americano, fundamentalmente através do legado de Veblen, e o neo-institucionalismo são as
abordagens que atendem esse critério. Sendo assim, estes serão os enfoques que permearão
toda a pesquisa do caso brasileiro.
Para que a análise brasileira seja realizada de forma coerente ao arcabouço teórico
utilizado, os pontos primordiais do velho e do neo-institucionalismo serão examinados a
seguir. O objetivo é, portanto, dispor de ferramentas lidas para verificação posterior. Neste
sentido é necessário o entendimento dos seguintes pontos: a questão evolucionária, os
conceitos-chave desta escola, a dinâmica ‘indivíduos e instituições’ e, por fim, a relão entre
as instituições e o desenvolvimento de uma sociedade.
2.2.1 Abordagem evolucionista
Em seu artigo
Why is Economics not an Evolutionary science’
escrito em 1898,
Veblen critica a economia ortodoxa por crer que esta não é uma ciência evolucionária. Para se
entender a natureza desta crítica é necessário definir primeiramente quais são as
especificidades de uma ciência que, na visão de Veblen, a torna evolucionária, ou seja, qual o
conceito de ciência evolucionária. Segundo, entender o porquê da economia não estar inserida
neste conceito. Posteriormente, serão vistas as alternativas que Veblen sugere para tornar a
ciência econômica evolucionária.
32
Uma das primeiras questões que Veblen insere em sua argumentação é a presença de
dados que tornariam uma ciência realística. Neste sentido, o autor afirma que este “realismo
o torna uma ciência evolucionária. Como exemplo, utiliza-se da primeira geração da Escola
Hisrica, que segundo o autor, estando abastados de dados, não podiam oferecer através
deles uma teoria e nem elaborar resultados dentro de um consistente corpo de conhecimento.
Segundo Veblen,
“Any evolutionary science, on the other hand, is a close knit body of theory.
It is a theory of a process, of an unfolding sequence.”
(VEBLEN, 1898, p.2).
Segundo Veblen, no caso da economia clássica, esta não falha pela falta de uma teoria
de processo, mas por não conceber suas teorias através de hábitos de pensamento
evolucionários. Ou seja, o problema reside no fato de que as relações de causa e efeito o o
suficientes. Para os economistas clássicos é necessário se desenvolver ‘leis naturais’ que
guiem os fenômenos econômicos, qualquer seqüência causal que não estivesse de acordo com
a tendência das leis naturais seria considerada como um ‘fator de perturbação’ (VEBLEN,
1898, p.4). Existiria, portanto, um caráter teleológico, na ciência econômica.
Tanto a Escola Hisrica, como os economistas clássicos, não poderiam ser
qualificados como evolucionários segundo Veblen, pois no primeiro caso verifica-se o uso do
método indutivo, ou a coleta de dados empíricos sem teorização expcita, e no segundo caso
observa-se o uso do método dedutivo, ou a explicação de eventos da realidade a partir de
postulados formulados sem referência aos fatos. (CAVALCANTE, 2007, p.50). O resultado
deste método, na melhor das hipóteses
“is a body of logically consistent propositions
concerning the normal relations of things a system of economic taxonomy”.
(VEBLEN,
1898, p.8)
.
Um outro ponto de crítica para Veblen é a concepção hedonista do indivíduo na
economia onde este indivíduo não tem antecedentes nem conseqüências, ou seja, sem passado
ou futuro:
“The hedonistic conception of a man is that of a lightning calculator of plesures
and pains who oscillates like a homogeneous globule of desire of happiness under the impulse
of stimuli that shift him about the area, but leave him intact”. (VEBLEN, 1898, p. 12)
A visão de Veblen, seguindo sua tradição evolucionária, é de um indivíduo como
sendo o produto de suas características hereditárias e de sua experiência passada acumulada
sob um corpo de tradições, convenções e circunstancias materiais
.
A hisria da vida
33
econômica dos indivíduos é um processo cumulativo de adaptação de meios aos fins que
mudam cumulativamente enquanto o processo evolui, ambos, o indivíduo e seu ambiente, em
qualquer ponto, são o produto final do último processo. Seus métodos de vida hoje são
resultados dos hábitos passados e das circunstancias deixadas como resíduos mecânicos da
vida passada (VEBLEN, 1898, p.13). E o que é verdade para os indivíduos é verdade também
para a comunidade na qual vive.
All economic change is a change in the economic community, - a change in the
community’s methods of turning material things to account. The change is always in
the last resort a change in habits of thought. This is true even of changes in the
mechanical processes of industry…. In all this flux there is not definitively adequate
method of life and no definitive or absolutely worthy end of action, so far as
concerns the science which sets out to formulate a theory of the process of economic
life. (VEBLEN, 1898, p.13)
Neste contexto, um ponto de vista evolucionário não deixa espaço para a formulação
de leis naturais em termos de normalidade definitiva nem na economia nem em outros campos
de pesquisa.
Veblen, conclui afirmando que uma economia evolucionária deve ser uma teoria do
processo de crescimento cultural determinado pelo interesse econômico,
a theory of a
cumulative sequence of economic institutions stated in terms of the process itself
(VEBLEN,
1898, p.15)
.
No quadro a seguir é apresentado um resumo das principais críticas de Veblen à
economia e suas sugestões em como transformar a economia em uma ciência evolucionária.
34
Figura 2: Críticas de Veblen à Economia Ortodoxa
Fonte: Cavalcante, 2007
Outro atributo importante da teoria vebleniana é a influência marcante do Darwinismo.
Em sua obra ‘A Teoria da Classe Ociosa’, Veblen explicita a sua influência e aproximação ao
Darwinismo argumentando que o princípio da seleção poderia explicar não só a sobrevivência
do indivíduo, mas também de grupos, costumes, nações, firmas e outras instituições sociais:
A vida do homem em sociedade, bem como a vida de outras espécies, é uma luta
pela existência, e, portanto, um processo de adaptação seletiva. A evolução da
estrutura social foi um processo de seleção natural das instituições. O progresso que
se fez e que se vai fazendo nas instituições humanas e no caráter humano pode ser
considerado, de um modo geral, uma seleção natural dos hábitos mentais que vem
mudando progressivamente mediante o desenvolvimento da comunidade e a
mudança das instituições sob as quais o homem vive. As instituições são elas
próprias o resultado de um processo seletivo e adaptativo que modela os tipos
prevalecentes, ou dominantes, de atitudes e aptidões espirituais; são, ao mesmo
tempo, métodos especiais de vida e de relações humanas, e constituem, por sua vez
fatores eficientes de seleção. De modo que as instituições em mudança levam por
2. Taxonomia
Atribuição de uma finalidade
ao processo econômico
(teleologia).
Dedução dos fenômenos
econômicos a partir de
postulados gerais como
“homem econômico” ou
“competição perfeita”
Alternativa 1: Causação cumulativa
1. Animismo
Equilíbrio
Modelo H
-
D
Alternativa 2: Método Abdutivo
3. Hedonismo
Homem como um lightning
calculator de prazer e dor.
Indivíduo
racional
otimizador
Alternativa 3: Instintos e hábitos mentais
35
seu turno a uma ulterior adaptação do temperamento individual e seus hábitos ao
ambiente mutável, mediante a formação de novas instituões. (VEBLEN, 1899,
p.87).
Neste contexto os hábitos mentais dos indivíduos se tornam uma variável importante
para o estudo de uma economia evolucionária. Serão eles que explicarão a existência de
determinadas instituições que, por conseguinte, influenciarão no grau de desenvolvimento de
uma comunidade.
2.2.2 Conceitos Chave
Conforme visto anteriormente o termo instituições se tornou amplamente utilizado nas
ciências sociais, e principalmente na Economia com o retorno do estudo das instituições pela
Economia Institucional. No entanto, o conceito e a aplicação do termo são definidos de
diversas formas por cada uma das escolas. Portanto, se torna necessário que alguns conceitos-
chave sejam bem delimitados para que o estudo das estruturas sociais seja frutífero. Dentro
deste enfoque Hodgson (2006) aponta os principais conceitos. São eles:
Instituições
são sistemas de regras sociais estabelecidas e enraizadas que
estruturam as interações sociais.
Regras
, no contexto são entendidas como arranjos ou disposições socialmente
transmitidos e potencialmente codificáveis em que na circunstância X se faz Y.
Convenções
são instâncias particulares das regras institucionais.
Organizações
são instituições especiais que envolvem (i) critério para
estabelecer suas fronteiras e para distinguir seus membros dos não-membros,
(ii) princípios de poder em relação a quem está no comando, e (iii) cadeias de
comando delineando responsabilidades dentro da organização.
Hábito
é o elemento chave no entendimento de como as regras são enraizadas
na vida social e como as estruturas sociais são mantidas.
36
As instituições são tipos de estruturas que mais importam no conjunto social, pois elas
formam o substrato da vida social. Idioma, dinheiro, lei, sistema de pesos e medidas, regras de
etiqueta, firmas, todos estes são exemplo de instituições.
A durabilidade das instituições, como sistemas de regras sociais estabelecidas e
enraizadas que estruturam as relações sociais, se fundamenta, de acordo com Hodgson (2006)
em parte no fato delas poderem criar expectativas estáveis do comportamento dos outros.
Geralmente, as instituições possibilitam o pensamento organizado, a expectativa, e ação
através da imposição da forma e consistência nas atividades humanas. Sendo assim, elas
dependem dos pensamentos e das atividades dos indivíduos, mas não são reduzidas a eles.
Ao contrário da NEI, neste enfoque as instituições não apenas constrangem o
comportamento dos indivíduos, mas também possibilitam novos comportamentos. A
existência de regras implica restrições. Contudo, tal restrição abre novas possibilidades, ou
seja, possibilitam escolhas e ações que de outra forma não existiriam. Por exemplo, as regras
de linguagem possibilitam a comunicação entre os indivíduos, regras de trânsito possibilitam
que o tráfego flua de forma mais fácil e segura.
“Regulation is not always the antithesis of
freedom; it can be its ally.”
(HODGSON, 2006, p.2).
Sendo as regras um dos elementos chave da definição de instituições, sua definição
será explorada a seguir. De acordo com Hodgson (2006) regras são arranjos ou disposições
socialmente transmitidos e potencialmente codificáveis em que na circunstância X se faz Y.
O termo ‘socialmente transmitidosignifica que a replicação destas regras depende de
uma cultura social desenvolvida e algum uso da linguagem. Estas disposições não se
apresentam simplesmente como resultado da herança genética ou instintos; eles dependem de
estruturas sociais que possivelmente não tem representação óbvia ou direta no mapa genético
de um indivíduo.
O fato destas regras serem potencialmente codificáveis é relevante, pois significa que
uma quebra desta regra pode ser facilmente identificada pelos membros de uma comunidade.
É importante também, pois auxilia na identificação de determinadas comunidades que
compartilham o conhecimento tácito ou explícito destas regras.
37
2.2.2.1
Self-enforcement versus External Enforcement
Uma importante característica das instituições é o grau em que elas são auto-
organizadas. Desta particularidade se deriva diversas conseqüências para as interações sociais.
Neste sentido, Hodgson (2006) afirma que a literatura sobre auto-organização e ordens
espontâneas pro a compreensão essencial para o fato de que as instituições e outros
fenômenos sociais podem surgir de modo o proposital através das interações estruturadas
entre os agentes. O foco nos aspectos do sistema social que são auto-organizados pode ser
encontrado desde os trabalhos de David Hume, Adam Smith, Carl Menger e Hayek. Esta
literatura mostra que a ordem social pode emergir sem que haja a intenção de qualquer
indivíduo ou grupo de indivíduos.
Do conceito de auto-organização decorre a necessidade de um maior ou menor
enforcement
, ou seja, quanto maior o grau de auto-organização de uma instituição menor será
a necessidade de outras instituições para garantir a sua execução (
enforce
).
“With institutions
that are not self-organizing, there is a stronger dependence on other institutions that are
required to enforce the internal rules”
. (HODGSON, 2006, p.14)
O autor ilustra esta questão a partir de dois exemplos clássicos. O primeiro diz respeito
à comunicação (linguagem). Esta instituição seria considerada a instituição básica, já que
todas as outras dependem de alguma forma de comunicação para existir. Neste sentido a
comunicação como uma instituição auto-organizada fornece fortes incentivos para seu
cumprimento, ou seja, normas de linguagem e pronúncia são altamente
self-policing
.
Em contraste, as regras que restringem o comportamento e onde vantagens em
transgredi-las são as que mais necessitam de policiamento. A instituição básica que cumpre
este papel seria o Estado, através do policiamento garante que outras instituições, ou seja,
outras regras sejam observadas. Sobre este papel o autor finaliza:
It is as open question as to whether another strong institution, apart from state,
could fulfill this necessary role. I simply note that an important class of institutions
exist in which such institutions depend on other institutions in order to enforce
effectively their rules. (HODGSON, 2006, p.15)
38
2.2.3 Dinâmica: Indivíduos e instituições
Para se entender a dinâmica entre os indivíduos e as instituições dentro desta
abordagem, é necessário que anteriormente algumas questões metodológicas sejam
desenvolvidas. Portanto, o primeiro ponto a ser abordado será a discussão entre
individualismo metodológico, coletivismo metodológico e reducionismo. Em seu artigo
‘Institutions and individuals: Interaction and Evolution’
, Hodgson (2007) argumenta que
ambas as escolhas metodológicas, tanto o individualismo como o coletivismo metodológico,
são incapazes de explicar a relação entre os indivíduos e as instituições e a origem destes.
Tanto o individualismo quanto o coletivismo metodológico, segundo o autor, incorreriam no
problema do reducionismo.
Em relação aos problemas do individualismo metodológico, Hodgson (2007) explica
que estes se iniciam na própria definão do que é individualismo metodológico. Com base
nos considerações de Ludwig Lachmann e Jon Elster, Hodgson (2007) sugere duas distintas
definições: i) o femeno social deve ser explicado inteiramente em termos de indivíduos
somente; ii) o fenômeno social deve ser explicado em termos de indivíduos,
mais
as relações
entre os indivíduos.
O problema da primeira definição é a sua inviabilidade na prática. Mesmo dentro da
economia neoclássica que afirma ter alcançado este objetivo - do individualismo
metodológico - podem ser encontradas teorias que envolvem interações sociais como
argumenta o economista Kenneth Arrow (1994
apud
HODGSON, 2007, p. 97):
Economic theories require social elements as well even under the strictest
acceptance of standard economic assumptions… individual behavior is always
mediated by social relations. These are as much part of the description of reality as
is individual behavior. (ARROW, 1994 apud HODGSON, 2007, p.97)
Um segundo problema desta definição é a questão da regressão infinita, onde a
explicação para a emergência de uma instituição está na existência de uma instituição anterior
que também precisa ser explicada, sendo este um processo que não tem fim.
Em relação à segunda definição o problema se encontra nas interações entre os
indivíduos, pois, quando existe uma relação envolvendo, por exemplo, um gerente de
39
produção, um representante de venda ou um primeiro ministro, a interação não ocorre apenas
entre indivíduos, mas também entre indivíduos que possuem determinadas posições sociais.
Sendo assim, este indivíduo não traz para a interação apenas suas qualidades e características
próprias, mas também as qualidades e poderes adicionais inerentes à sua posição social, ou
seja, não é mais apenas um indivíduo de forma isolada. No momento em que estruturas
sociais se tornam partes explicativas, a metodologia não pode mais ser considerada como
individualismo metodológico.
Segundo Hodgson (2007) similarmente ao individualismo metodológico, o
coletivismo metodológico também deve ser rejeitado. Ele argumenta que autores que seguiam
essa metodologia, como Marx e Durkheim, falharam ao ignorar as especificidades dos
indivíduos, como sua diversidade, variações culturais e possibilidades discricionárias. Muitos
teóricos sociais criticam o coletivismo metodológico não apenas por tratar os indivíduos como
meras marionetes das forças sociais, mas também por não se atentarem suficientemente aos
processos e mecanismos pelos quais os indivíduos são profundamente transformados.
Portando, o ideal é sempre partir tanto dos indivíduos como das estruturas sociais de
forma conjunta. De acordo com Hodgson (2007) não outra estratégia explicativa viável,
pois, instituição e indivíduo se definem e se constituem conjuntamente, tornando necessário
se desenvolver uma estrutura capaz de explicar de forma conjunta indivíduos e instituições.
Este enfoque deve fornecer explicações para interações e reconstituições partindo tanto dos
indivíduos para as instituições como das instituições para os indivíduos. Deve prover também
explicações para a evolução dos propósitos e creas dos indivíduos como a evolução das
estruturas sociais. Preferências ou propósitos seriam formados endogenamente. De acordo
com Hodgson (2007) sua co-evolução deve ser examinada sem que ocorra uma fusão entre
ambos. Tal análise evolucionária provê o significado pelo qual a teoria social pode escapar de
sua insustentável dicotomia e fazer progressos futuros.
Sendo assim, a relação entre os indivíduos e as instituições é de interação e
interdependência, ao mesmo tempo em que as instituições dependem dos indivíduos para a
sua existência (
upward causation
’), ao estruturar, restringir e possibilitar o comportamento
dos indivíduos, as instituições têm o poder de moldar o comportamento dos agentes de forma
fundamental, ou seja, têm a capacidade de mudar as aspirações, ao invés de meramente
40
restringi-las (
‘reconstitutive downward causation
). Ator e estrutura institucional, embora
distintos, estão conectados em um ciclo de interação mútua e de interdependência.
(HODGSON, 2006, p.6)
Figura 3:
Reconstitutive Downward Causation
Fonte: Autora com base em Hodgson (2006)
Com base na figura apresentada, as instituições são originadas a partir de
comportamentos repetidos dos indivíduos que se tornam hábitos, esses hábitos ao serem
racionalizados tornam-se crenças, surgindo as instituições (
upward causation
). As
instituições, ao canalizar os comportamentos dos indivíduos através de seus mecanismos de
restrições e liberações, têm um enorme poder de auto-perpetuação e reforço garantindo assim
sua durabilidade.
Conforme visto o hábito é o mecanismo chave para explicar a inter-relação entre
indivíduos e instituições. Devido a sua importância para esta dinâmica, será visto a seguir a
natureza e o papel do hábito mais profundamente.
De acordo com a tradição vebleniana as instituições funcionam somente porque as
regras envolvidas estão enraizadas em hábitos de pensamento e comportamento. Através da
inflncia da psicologia behaviorista, as ciências sociais tratavam o hábito como
comportamento. Ao contrário, Veblen, entendia o hábito como uma pré-disposição ou
capacidade adquirida de formas de resposta que não será necessariamente expresso no
INDIVÍDUOS
INSTITUIÇÕES
CRENÇAS
HÁBITOS
41
comportamento corrente. (HODGSON, 2007, p.106). Comportamento repetido é importante
para estabelecer um hábito, mas hábito e comportamento são conceitos distintos. Ao se
adquirir um hábito não se irá necessariamente se comportar todo o tempo segundo este hábito.
Muitos dos hábitos são inconscientes. Desta forma, hábitos são repertórios submersos de
pensamento e comportamento potenciais, que devem ser ativados por um estímulo ou
contexto apropriado. (HODGSON, 2007, p.106).
A formação de um hábito requer que certo comportamento seja repetido. Algumas
vezes este comportamento é ativado por disposições inatas e, outras vezes é o resultado de
uma propensão em imitar outros em determinadas condões sociais. O comportamento
repetido leva a formação de hábitos de pensamento e ação. Hábito é o mecanismo psicológico
que forma grande parte do comportamento de seguir regras. (HODGSON, 2007, p.107). Neste
sentido os hábitos são adquiridos em um contexto social e não são geneticamente
transmitidos.
Outro atributo importante do hábito é que ele passa a ter um
status
de regra no
momento em que um componente normativo inerente a ele, este componente deve ser
potencialmente codificável e deve prevalecer entre um grupo. Por sua vez, a estrutura de regra
prevalecente provê os incentivos e constrangimentos para a ação individual. Desta maneira ao
canalizar o comportamento, hábitos acordados são desenvolvidos e reforçados entre a
população. Portanto, a estrutura de regras ajuda a criar hábitos e preferências que são
consistentes com sua reprodução.
O hábito é o material constitutivo das instituições, prevendo-as com durabilidade,
poder e autoridade normativa. Por sua vez, por reproduzir hábitos de pensamento
compartilhado, as instituições criam um forte mecanismo de conformismo e concordância
normativa. Este processo pode ser visualizado na figura anterior.
Mas que relação entre o hábito, a crença, a razão e os costumes de uma sociedade?
De acordo com Charles Sanders Peirce, a
‘essence of belief is the stablishment of habit’.
(PEIRCE, 1878
apud
HODGSON, 2007, p.107). As razões e as crenças são, na maioria das
vezes, racionalizações de sentimentos e emoções que emergem dos hábitos, que por sua vez,
surgem através de comportamentos repetidos. Esta inter-relação entre comportamento, hábito,
42
emoção e racionalização contribui, conforme demonstrado, na explicação do poder normativo
dos costumes na sociedade humana.
2.2.4 Dinâmica: Instituições e desenvolvimento
Para que o arcabouço teórico necessário para se empreender a pesquisa proposta se
torne frutífero, ainda resta se entender de que forma a dinâmica indivíduos e instituições’ se
relaciona com o desenvolvimento sócio-econômico de uma sociedade.
Para Veblen (1899) os hábitos mentais de uma sociedade tem um papel predominante
na dinâmica desta sociedade e de suas instituições, pois é apenas através da mudança dos
hábitos mentais que a estrutura social se modifica e evolui. Neste contexto o desenvolvimento
econômico, ou como chamado por Veblen o progresso social sob o ponto de vista da teoria
econômica, consiste em uma contínua abordagem progressiva, de um ‘ajustamento’,
aproximadamente exato, ‘das relações externas com as internas’; mas esse ajustamento jamais
se estabelece definitivamente, uma vez que as ‘relações externas’ estão sujeitas a uma
constante mudança consequência da mudança progressiva que se processa nas ‘relações
internas’. Mas o grau de aproximação pode ser maior ou menor, dependendo da facilidade
com a qual o ajustamento se faz. (VEBLEN, 1899, p.89).
Neste sentido, as instituições devem mudar em compasso com a mudança do contexto,
das circunstâncias, pois isto, de acordo com Veblen, é próprio de sua natureza, ou seja,
corresponder aos estímulos que essas circunstâncias variáveis lhes proporcionam. Disto
decorre também, que as instituições de hoje, sendo heranças de uma época anterior, nunca se
adaptam inteiramente a situação atual. (VEBLEN, 1899, p.88).
O progresso social ou o reajustamento das instituições em relação a um ambiente
alterado, como definido por Veblen, é realizado em resposta à pressão externa, ou seja, sua
natureza é a de uma reação provocado por um estímulo. Neste sentido a facilidade ou
liberdade do reajustamento, ou da capacidade de desenvolvimento da estrutura social,
dependem, portanto, do grau de exposição dos indivíduos às forças constrangedoras do
43
ambiente. Em última análise, as forças que levam ao reajustamento das instituições,
principalmente no caso da comunidade industrial moderna, são quase que inteiramente de
natureza econômica.
Qualquer comunidade pode ser considerada como um mecanismo industrial ou
econômico, cuja estrutura se constrói com aquilo que se denomina ‘instituições econômicas’.
Essas instituições são métodos habituais de dar continuação ao modo de vida da comunidade
em contato com o ambiente material no qual ela vive.
Quando determinados todos de desenvolver a atividade humana nesse determinado
ambiente foram, por essa forma, elaborados, a vida da comunidade se exprimirá com alguma
facilidade nesses rumos habituais; e a comunidade empregará as forças e o ambiente para
alcançar os objetivos situados pelo seu modo de vida, de acordo com os todos aprendidos
no passado e corporificados nessas instituições. Mas enquanto cresce a populão, e enquanto
o conhecimento e a proficiência humana se amplia no dirigir as forças da natureza, os
métodos habituais de relações entre os membros do grupo, e o método habitual de dar
realização ao modo de vida do grupo como um todo, já não se apresentam os mesmos
resultados anteriores. Se o esquema de acordo com o qual se efetua a vida do grupo sob as
anteriores condições apresenta aproximadamente o mais alto resultado atingível (sob as
circunstâncias) em eficácia ou facilidade para a vida do grupo, nesse caso o mesmo esquema
inalterado não produzirá o maior resultado atingível a esse respeito sob as condições
alteradas.
Modificadas as condões de população, proficiência e conhecimento, a facilidade da
vida tal como se processa de acordo com o esquema tradicional pode não ser mais baixa do
que era sob as condições anteriores; mas as probabilidades são de que seja menos do que
podia ser se o esquema fosse alterado para se ajustar às condições alteradas. (VEBLEN, 1899,
p. 89).
A essência de todo o marco teórico selecionado para a análise brasileira é, portanto, o
desenvolvimento econômico como um processo de evolão das instituições em um sentido
de ajustamento à realidade. Decorrente disto, os principais focos de análise para o Brasil
serão, primeiramente, analisar a forma em que ocorre a inter-relação entre os indivíduos e as
44
instituições na sociedade brasileira. Com este intuito, a principal ferramenta a ser utilizada
será o
Reconstitutive Downward Causation
.
O segundo foco é referente ao grau de ajustamento das instituições brasileiras à
realidade, por realidade se entende, neste trabalho, o capitalismo. Neste sentido no capítulo
seguinte será analisada a forma como se estabeleceu o capitalismo na Europa, ou seja,
identificar os hábitos, valores e comportamentos presentes na sociedade européia que
propiciaram o desenvolvimento do capitalismo e, por fim as crenças ou instituições do âmbito
informal que sustentaram sua durabilidade
1
.
1 O Capitalismo europeu está sendo utilizado neste trabalho como um tipo ideal de acordo com a tipologia
weberiana. Este ponto será aprofundado no capítulo subseqüente.
45
3 O “ESPÍRITO” DO CAPITALISMO
“Para saber quais as forças motrizes da expansão do capitalismo não se precisa pôr em primeiro lugar a
questão da origem das reservas monetárias valorizáveis como capital, e sim, a questão do desenvolvimento do
espírito capitalista. Por toda parte onde emerge e se efetiva, ele cria para si as provisões monetárias como
meios de sua efetivação , não o contrário”.
Weber, 1904
Existe uma tendência, principalmente no ambiente econômico, de se tratar o
capitalismo, suas origens, impactos e conseqüências como um fenômeno estritamente
econômico, sem levar em consideração a existência de uma base social e cultural que sustenta
e reforça esse sistema.
O que fica evidente a partir da exposição realizada no capítulo anterior é que esses
aspectos têm que ser levados em conta, pois não são apenas afetados pelo ambiente
econômico, mas também tem a capacidade de influenciá-lo e até mesmo transformá-lo.
Em concordância com o arcabouço teórico institucionalista o desenvolvimento social é
um processo evolutivo onde as instituições presentes são resultados de transformações sociais
ou nos hábitos mentais passados. Neste sentido, o capitalismo entendido como uma instituição
é um sistema de regras que estrutura as interações sociais tanto no âmbito material como no
potico e jurídico. Esta instituição, por sua vez, surge como resultado de transformações
sociais que estavam ocorrendo na sociedade européia nos séculos anteriores à sua emergência,
como tentativa de ajustamento à realidade.
A partir destas transformações foi construído o tripé sobre qual o capitalismo se erigiu.
Este era constituído pelo individualismo, como sua filosofia, o liberalismo como sua ideologia
potica e a industrialização como instrumento prático para a lógica do capital se materializar
e se tornar o sistema econômico vigente neste determinado período.
Três revoluções tiveram extrema importância na constituição destas três faces da
sociedade liberal-burguesa. São elas: a Reforma Protestante ocorrida em meados do século
XVI, a Revolução Francesa que através do Iluminismo provocou profundas mudanças nas
46
sociedades européias a partir do século XVIII e por fim a Revolão Industrial que pode ser
considerada como o coroamento deste novo arranjo social.
É necessário ressaltar que esta análise tomará o capitalismo como um ‘tipo ideal
2
’ Este
procedimento se faz necessário, pois sabe-se que a despeito de todas as revoluções que
ocorreram na Europa, as repercussões em cada país não foram exatamente as mesmas,
portanto, as instituições que emergiram também não foram exatamente iguais. Neste sentido
Morse (1988), ao analisar os impactos das revoluções religiosa e científica nas nações Ibéricas
afirma:
A significação do caso ibérico se faz evidente quando consideramos que as
revoluções religiosa e científica, em suas trajetórias de incidência, não dividiram
claramente a Europa em duas. O protestantismo prosperou ao longo de um eixo
setentrional leste-oeste, enquanto a ‘ciência’ desenvolveu-se num eixo norte-sul
inclinado para a península italiana. Os padrões resultantes de enfrentamento e
adaptação variaram de um lugar a outro. (MORSE, 1988, p.36)
Desta forma o capitalismo como um tipo ideal será entendido como um sistema
econômico, social e potico que surge na Europa e tem como principais atributos o
liberalismo, o individualismo e a industrialização, como sistema econômico, propriamente
dito. Esta será, portanto a realidade com a qual a matriz institucional brasileira será
confrontada posteriormente.
3.1 Interpretações do Capitalismo
São duas as principais correntes de interpretação do capitalismo, a de Marx e de
Weber. Com algumas similitudes e divergências elas vão explicar o surgimento, o
funcionamento e as conseqüências para a sociedade do capitalismo. Segundo Silva (2007), as
concepções de Marx e Weber convergem na caracterização do capitalismo, mas aplicam-lhe
pressupostos distintos. Em termos extremamente simplificadores, pode-se dizer que Marx
generaliza a partir do econômico, e Weber a partir do político. Para o primeiro autor, o
2 O tipo ideal é a construção de uma ação orientada pelo fim de maneira estritamente racional que em virtude de
sua compreensibilidade evidente e de sua inequivocabilidade ligada a racionalidade permite compreender a
ação real, influenciada por irracionalidades de toda a espécie (afetos, erros) como ‘desviodo desenrolar a ser
esperado no caso de um comportamento puramente racional. (Weber, 1999:5).
47
capitalismo é a chave interpretativa da modernidade, e os outros elementos nela envolvidos -
industrialismo, democracia, racionalização etc. – são decorrências superestruturais da sua
infra-estrutura econômica; o segundo autor a racionalização como o elemento central da
modernidade, sendo o capitalismo apenas uma de suas manifestações, e chega mesmo a
apontar a existência do Estado racional-legal como pré-condição para o surgimento deste
último (BIRNBAUM, 1997).
Para Hirschman (2002), ao mesmo tempo em que as análises marxistas e weberinas
discordam a respeito da importância relativa dos fatores econômicos e não econômicos,
ambas vêem a ascensão do capitalismo e do seu ‘espíritocomo um ataque aos sistemas
preexistentes de iias e de relações socioecomicas”. (HIRSCHMAN, 2002, p.26).
Aprofundando um pouco mais cada uma das interpretações, em Marx tem-se um
capitalismo definido como um modo de produção historicamente determinado cuja dinâmica,
ou seja, sua lei de movimento decorre da lógica do capital. Dentro desta concepção, capital é
entendido como o valor que se valoriza através do trabalho não pago. O valor, por sua vez, é a
forma que assume o capital, esta pode ser de uso ou troca. A valorização do capital é a
dinâmica que viabiliza sua expansão. E, por fim, o trabalho não pago é a mais valia.
Ainda, segundo Marx o capitalismo se constituiu historicamente através do processo
evolutivo que se tem como uma primeira fase, na Europa, o artesanato, em seguida a
manufatura e por fim, a indústria. Na visão de Marx este processo engloba mudanças muito
mais significativas que apenas a substituição da forma de produção, pois tanto no artesanato
quanto na manufatura, o processo de produção dependia da destreza e da qualificação do
trabalhador. Já a partir da mudança da manufatura para a instria ocorre a divisão do
trabalho e o trabalhador torna-se apêndice da máquina. Neste contexto a instria é o lócus
privilegiado do capitalismo.
Por fim, para Marx, o capitalismo tem intrínseco a ele a capacidade de enfrentar todas
as barreiras existentes para sua expansão. Tudo é governado pelo capital. O único limite se
dará através do próprio capital, ou seja, seu limite reside nele próprio, pois as crises externas
são resolvidas por ele mesmo. Mas, por outro lado, as crises internas também são um atributo
intrínseco do capitalismo. O capitalismo reside na lógica da produtividade e inovação.
48
Já Weber instaura uma nova maneira de compreender o capitalismo, este como cultura
e identifica a gênese da cultura capitalista moderna nos fundamentos da moral puritana. Para
ele a sociedade é racionalmente capitalista. A complexidade da sociedade faz com que ela não
esteja sujeita à leis “rígidas”, sendo assim estas dependem de decisões individuais que o
podem ser previstas em todas as situações. Das decisões individuais decorre a ação social
racional, que se transformam em ação social quando os agentes econômicos estabelecem
conscientemente os fins e os meios mais adequados, ou seja, com objetivos e valores
claramente explicitados. Segundo Weber:
A ação social, como toda a ação, pode ser determinada: 1) de modo racional
referente a fins: por expectativas quanto aos objetos do mundo exterior e de outras
pessoas, utilizando essas expectativas como “condições” ou “meios para alcançar
fins próprios, ponderados e perseguidos racionalmente, como sucesso; 2) de modo
racional referente a valores: pela crença consciente no valor ético, estético,
religioso ou qualquer que seja sua interpretação – absoluto e inerente a determinado
comportamento como tal, independentemente do resultado; 3) de modo afetivo,
especialmente emocional: por afetos ou estados emocionais atuais; 4) de modo
tradicional: por costume arraigado. (WEBER, 1999, p.15)
Dentro desta concepção o capitalismo se caracteriza não apenas pela existência do
lucro, mas de uma ação social racional dirigida para a obtenção do lucro.
O pensamento é muito importante para o capitalismo segundo Weber, pois é o que
gera a ação social racional e esta, por conseqüência, gera a transformão social. Neste
sentido, a forma de sua interpretação se assemelha por demasia à interpretação de Veblen que
nas transformações dos hábitos mentais de uma sociedade o fato gerador do progresso
social.
Uma questão importante na análise weberiana, mencionada anteriormente, é a
construção de tipos ideais. Na visão de Weber, não é que o capitalismo exista concretamente
no mundo, mas é uma criação mental feita por cientistas para fazer um ordenamento, ou seja,
como tentativa de explicar o mundo. Capitalismo é, portanto, um modelo, pois a realidade é
muito complexa e não pode ser entendida e descrita por completo, ou seja, o capitalismo seria
um “tipo ideal”. Neste sentido não existiria nenhuma sociedade puramente feudal ou
puramente capitalista de acordo com o modelo ideal.
Este é um ponto de discordância entre Marx e Weber, pois na análise marxista tem-se
a influência do materialismo, ou seja, o capitalismo é um femeno material e não uma
49
criação mental do cientista. Nesta concepção existe na realidade uma sociedade feudal e uma
sociedade capitalista e existe também um definidor, que é a predomincia da lógica do
capital (D-M-D’)
3
.
Por fim, Marx rejeita o pressuposto de que o capitalismo é um processo
necessariamente racional e consciente, pois em sua análise existe um importante atributo da
sociedade capitalista que é a alienação.
Outro ponto discordante é que na análise de Weber, Marx acredita que exista um
determinismo ecomico no capitalismo. Weber, por sua vez, acredita que às vezes
predomina o valor econômico, às vezes o social, às vezes a religião.
A partir de uma visão resumida das principais idéias sobre o capitalismo e
particularmente das proposições de Weber, será analisada, em seguida, a influência da
Reforma Protestante para o capitalismo a partir da obra
A Ética Protestante e o “Espírito” do
Capitalismo
.
3 Marx ao diferenciar a “circulação simples de mercadorias” da circulação do dinheiro como capital”,
desenvolve para cada processo uma rmula: M-D-M e D-M-D, respectivamente (sendo M=mercadoria e
D=dinheiro). Na primeira, o objeto da circulação é o valor de uso (a troca entre diferentes qualidades) enquanto
que no segundo, o objeto passa a ser o valor de troca como uma finalidade em si mesmo. Como este último
processo seria insosso e redundante caso não ocorresse uma diferença quantitativa entre os dois D’s extremos,
temos agora uma nova fórmula: D-M-D’ (sendo D’>D). No primeiro processo temos um movimento limitado,
uma vez que sua finalidade é a satisfação de determinadas necessidades humanas: quando se atinge este objetivo,
a circulação cessa. Entretanto, o segundo processo não tem limites: a diferença quantitativa não encontra uma
conclusão, que sempre é possível atingir uma quantidade maior. O resultado é um movimento insaciável e
infinito de acumulação. Se a primeira fórmula denota uma economia mercantil simples, na qual a “produção visa
à vida”, a segunda descreve uma economia capitalista, na qual a produção se autonomiza e visa somente a si
mesma. Desta maneira, o capitalismo se define por ser um modo de produção cujo objetivo é a autovalorização
do valor. Este é o sentido da rmula D-M-D’: o capital é este movimento incessante de expansão quantitativa
que resulta na sua caracterização como um sujeito cego e automático.
MARX, 1988.
50
3.1.2 A Ética Protestante
Segundo Heilbroner (1987), os historiadores econômicos ainda debatem o grau preciso
de influência que pode ser adequadamente atribuído àética protestante” como fator de
ascensão de uma nova filosofia mundana centrada no ganho. (HEILBRONER, 1987, p.80)
Para se entender este ponto é primordial tomar como um pressuposto que, conforme
apontado acima, Weber faz uma análise do capitalismo partindo da questão cultural e social,
pois segundo o autor,
o racionalismo econômico, embora dependa parcialmente da técnica e do direito
racional, é determinado pela capacidade e pela disposição dos homens em adotar
certos tipos de conduta racional. Onde esses tipos foram obstrdos por obstáculos
espirituais, o desenvolvimento de uma conduta econômica também tem encontrado
uma ria resistência interna. As forças mágicas e religiosas e os ideais éticos de
dever decorrentes sempre estiveram no passado entre os mais importantes elementos
formadores da conduta. (WEBER, 2001, p.14).
E é dentro desta conjuntura que opera a Reforma Protestante, ou seja, removendo
alguns dos obstáculos inseridos pela ética católica.
Na visão de Weber, o capitalismo pode ser apreendido a partir de uma nova conduta
de vida, uma nova matriz de valores, um novo
ethos
, cujas raízes não são políticas e tampouco
econômicas. O que foi considerado pelo sociólogo como matéria-prima do capitalismo, a vida
metódica e racional, não tem suas origens na economia ou na potica e nem em um profundo
desejo de enriquecimento, mas num conjunto de valores religiosos que fortaleceram e
introduziram uma sistematização da conduta ética.
Este ponto é aprofundado por Barreto (2006), onde o autor salienta que o estudo sobre
a influência dos valores éticos na formação do
ethos
liberal e capitalista, mesmo encontrando-
se plenamente estudado nos dias atuais, teve como contribuição pioneira o trabalho de Max
Weber no clássico,
A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo
. Nesse livro Weber
mostra como as formas de atuação e a concepção do mundo e da sociedade encontrada no
capitalismo refletiam uma visão ética específica. Procurava mostrar o sociólogo alemão como
essa ética diferenciava-se da ética católica, vigente na época e busca, a partir, disto determinar
o que é denominado por ele: Espírito do Capitalismo.
51
Neste sentido se insere a questão do enriquecimento para a ética protestante que se
responde no entendimento do que, segundo Weber, é o “espírito” do capitalismo. Essa
riqueza, entretanto, não se identificava com a pura sede de acumular, com a busca do lucro e
do dinheiro, escrevia Max Weber. O capitalismo nada tinha a ver com a avidez desmesurada
do ganho. Segundo Weber,
O ‘impulso para aquisição’ , a ‘ânsia do lucro’, o ‘quanto mais dinheiro melhor’ não
tem nada a ver em si com o capitalismo. Este impulso existiu e existe entre garçons,
médicos, cocheiros, artistas, prostitutas, funcionários corruptos, soldados nobres,
cruzados, jogadores e mendigos ou seja, em todo o tipo de gente e classe social,
em todas as épocas e nações, onde quer que, de alguma forma, se apresentou ou se
apresenta a possibilidade objetiva para tal. (WEBER, 2001, p.9).
Neste sentido, o autor afirma que O desejo de ganho ilimitado não se identifica nem
um pouco com o capitalismo, e muito menos com o espírito do capitalismo”. (WEBER, 2001,
p.9). Ao contrário, afirmava Weber, o capitalismo iria caracterizar-se antes de tudo pela
contenção e pela moderação racional dos nossos impulsos irracionais. O capitalismo necessita
do lucro no empreendimento racional para que haja rentabilidade, sem a qual a empresa está
fadada ao fracasso; é um lucro que se desdobra no crescimento da empresa, e somente assim
justifica-se no
ethos
protestante (BARRETO, 2006).
O que diferenciou este momento foi que “na era moderna, o ocidente desenvolveu um
tipo completamente diverso de capitalismo nunca antes encontrado: a organização capitalista
racional do trabalho livre (formalmente pelo menos)”. (WEBER, 2001, p.11).
Para que uma nova ordem social capitalista fosse formada era necessário que existisse
um espírito que envolvesse os sujeitos sociais e os motivasse a agir de determinada maneira,
pois, segundo Weber, para que um modo de vida se adaptasse tão bem às particularidades do
capitalismo, ele não poderia originar-se apenas em indivíduos isolados, mas constituir-se
como um modo de vida comum a grupos inteiros de homens.
Adicionalmente, para se ter um capitalismo racionalmente dirigido era necessário se
alcançar uma determinada produtividade do trabalho, neste sentido haveria de se romper com
a mentalidade vigente da sociedade, tanto do trabalhador como também do capitalista
empreendedor.
52
Segundo Weber, um dos maiores adversários do capitalismo moderno foi o
tradicionalismo, traduzido como: o ser humano por natureza não quer ganhar dinheiro e
sempre mais dinheiro, mas simplesmente viver, viver de modo como está habituado a viver e
ganhar o necessário para tanto. (WEBER, 2007, p.53). Neste sentido, para o trabalhador
ganhar mais trabalhando mais, atraía menos que trabalhar menos mesmo ganhando um salário
menor. Esta mentalidade pré-capitalista atuava como um obstáculo ao capitalismo moderno
em que se buscava a produtividade cada vez maior do trabalho.
Da mesma forma o empresário o poderia enxergar a atividade produtiva como uma
possibilidade de se alcançar um padrão de vida que propiciasse o ócio e nem de gastos
excessivos, ou conspícuos, pois isso iria de encontro à mentalidade focada na produtividade e
progresso, ou seja, a racionalização.
Conforme apontado anteriormente Weber não aceitava a tese na qual os valores,
idéias e representações constituem o produto de condições ecomicas específicas, ou seja, o
materialismo histórico, “A questão das forças motivadoras da expansão do capitalismo não é,
em primeira instância, uma questão de origem das somas de capital disponíveis para uso
capitalístico, mas, principalmente, do desenvolvimento do espírito do capitalismo(WEBER,
1996, p.44). Portanto, restava investigar a origem deste conjunto de idéias que motivou o
surgimento e a consolidação deste determinado tipo de conduta. Tal espírito ou
ethos
possuía
estreitas relações com a ascese cristã, mais especificamente a protestante. (PASSIANI, 2001)
Weber demonstra em sua tese que ambas doutrinas, a luterana e a calvinista, como um
conjunto de iias e valores - portanto, de elementos culturais - moldam o comportamento dos
sujeitos sociais e orientam suas ações, conferindo um sentido muito particular a esse novo
ethos
econômico que, por seu turno, constituiu-se num componente vital do espírito
capitalista: Um dos componentes fundamentais do espírito do moderno capitalismo, e não
apenas deste, mas de toda a cultura moderna: a conduta racional baseada na idéia da vocação,
nasceu do espírito da ascese cristã” (WEBER, 1996, p. 130).
Neste contexto, a Reforma Protestante que ocorre principalmente nos Países Baixos,
Inglaterra e França, insere um senso de responsabilidade que seria uma disposição de executar
o trabalho como se fosse um fim absoluto em si mesmo, como “vocação”. A perda de tempo
e o ócio são duramente criticados, quem não trabalha, não come”, a divisão do trabalho vista
53
como articulação da sociedade como emanação direta do plano de Deus para o mundo (Tomás
de Aquino) e a valorização do indivíduo perante Deus se pela sua capacidade de dar lucro,
trabalhar de forma ordenada e o pecado da riqueza ocorre quando se torna uma tentação
para o ócio, o resultado desta
s
novas crenças, ou seja, deste espírito capitalista, foi a
acumulação de capital mediante coerção ascética à poupança, ou seja, “ganham tudo quanto
podem e poupam tudo quanto podem”(WEBER, 2007, p.160).
Da Reforma Protestante se deriva uma racionalização como forma concreta de
pensamento e de vida racionais da qual resultaram a idéia de vocação profissional e aquela
dedicação de si ao trabalho profissional tão irracional, como visto do ângulo dos interesses
pessoais puramente eudemonistas que foi e continua a ser um dos elementos mais
característicos de nossa cultura capitalista (WEBER, 2007, p.69).
Quando o ascetismo ultrapassa os limites dos mosteiros e chega à vida profissional,
passando a influenciar a moralidade secular, contribui para a formação da moderna ordem
econômica e técnica ligada à produção por meio da máquina, o que determina, de maneira
irresistível, o estilo de vida de todo indivíduo nascido sob esse sistema. Aos poucos, o modo
de vida típico do capitalismo foi se destacando de um
ethos
de base religiosa. “Desde que o
ascetismo começou a remodelar o mundo e a nele se desenvolver, os bens materiais foram
assumindo uma crescente, e, finalmente, uma inexorável força sobre os homens, como nunca
antes na História” (WEBER, 2007, p.130). Mas os bens materiais só possuem tal força porque
lhes foram atribuídos novos significados culturais ao longo da história. (PASSIANI, 2001).
Weber “tenta demonstrar que os comportamentos econômicos da classe dos
empresários capitalistas são compreensíveis somente se levarmos em consideração a sua
concepção de mundo e seu sistema de valores” (CUCHE, 1999, p.161). Se, inicialmente, tal
conduta é fortemente influenciada por valores religiosos, aos poucos ela se seculariza,
ultrapassando os limites éticos e morais impostos a princípio. Vale assinalar que a Reforma
foi um catalisador na transformação da cultura urbana ocidental, que estimulou - mas não
determinou - uma nova forma de racionalidade. (PASSIANI, 2001, p.49)
Ainda segundo Passiani (2001) o papel futuro deste novo
ethos
(que diz respeito a um
estilo ou modo de vida e costumes até então inéditos), onde a conduta de vida ancorada em
um crescente e amplo processo de racionalização passa a tomar conta de todas as esferas da
54
vida social. A cultura ocidental capitalista enfatiza a razão, a estabilidade, a coerência, a
disciplina e o controle sobre o mundo: uma cultura dedicada ao trabalho e à transformação do
meio humano. Segundo Bryan Turner (1993), encontramos, em
Ética protestante e o espírito
do capitalismo,
a visão central das origens, natureza e efeitos da racionalização.
No entendimento de Weber, à medida que foi se estendendo a influência do estilo de
vida puritano, centrado na idéia de vocação, foi favorecido o desenvolvimento de uma vida
econômica racional e burguesa. Essa racionalidade era a sua mais importante orientação e
mais consistente, tendo sido o berço do moderno homem ecomico”. Em suas palavras:
Até onde alcançou a potencia da concepção puritana de vida, em todos esses casos
ela beneficiou e isso, naturalmente, é muito mais importante que o mero
favorecimento da acumulação de capital a tendência à conduta de vida burguesa
economicamente racional; ela foi seu mais essencial, ou melhor, acima de tudo o
seu único portador conseqüente. Ela fez cama para o “homo oeconomicus”
moderno. (WEBER, 2007, p.158)
A intensidade da busca do reino de Deus, gradualmente coma a transformar-se em
sóbria virtude econômica, quando lentamente desfalecem as raízes religiosas, dando lugar à
secularidade utilitária, surgindo uma ética profissional burguesa em seu lugar. Neste sentido o
discurso de Benjamin Franklin
4
, que está presente nesta obra de Weber, é um documento que
contém, em pureza quase clássica, um delineamento provirio do que se entende por
espírito” do capitalismo.
Essa ética de fundo religioso, que Max Weber descobre nas diferentes denominações
religiosas do protestantismo, expressa, entretanto, nos tempos modernos uma concepção
própria do comportamento social, pois o que era primeiramente uma ação social de modo
racional referente a valores torna-se uma ação social de modo racional referente a fins.
Sintetizando, para Weber, a destruição das relações feudais e patriarcais, a
despersonalização dos vínculos sociais, a substituição do fervor religioso pelo cálculo egoísta,
tudo isto caracteriza a ascensão do capitalismo. Estes fatores interagem de forma mais
complexa com o capitalismo e se, por um lado, o por ele consolidadas e exacerbadas, por
outro, repercutem processos sociais mais longos, dos quais ambos são sub-processos
particulares. (SILVA, 2007, p.4).
4 Este discurso está disponível no Anexo A.
55
Outra profunda transformação que ocorreu na sociedade moderna e que
concomitantemente com a Revolução industrial desenhou a estrutura capitalista
contemporânea foi a revolão francesa. Esta Revolução será analisada a seguir.
3.2 A Revolução Francesa
A Revolão Francesa se constituiu em um conjunto de acontecimentos que ocorreram
entre 1789 e 1799, estes acontecimentos alteraram o quadro potico e social da França e
posteriormente de todo o mundo. Esta revolução foi influenciada pelos ideais do Iluminismo e
da Independência Americana. A revolão é considerada como o acontecimento que deu
início a Idade Contemporânea, aboliu a servidão e os direitos feudais e proclamou os
princípios universais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
A escolha da Revolução francesa como um movimento preparatório para o surgimento
do capitalismo decorre do fato desta ser considerada como um marco divirio entre um
arranjo social tradicional ou feudal e um novo arranjo social pautado no capitalismo e em uma
série de valores chamados ‘modernizantes’.
No livro
A Revolução Francesa
, Albert Soboul (2003) afirma categoricamente que o
papel histórico da Revolução Francesa foi o de assegurar, pela destruição da feudalidade, a
transição para a sociedade capitalista. Segundo ele, o principal fundamento para a aniquilação
do regime feudal foi a mudança que ocorreu na maneira de pensar dos cidadãos: a partir do
momento em que a sensação de liberdade toma conta do povo, seja pela possibilidade de
enriquecimento pelo comércio, seja pela esperança de participação potica, um regime como
o feudal não tem mais como se manter. Neste momento surge a Revolução Francesa, que com
seus ideais liberais faz brotar uma nova realidade, tornada irreversível por igualmente
irreversível ser o contato do povo com os clássicos ideais de igualdade, liberdade e
fraternidade, criando, de uma vez por todas, as condições para o nascimento de uma nova
56
sociedade capitalista, que viria abrir espaço para descobertas científicas, técnicas, artísticas e
econômicas que nunca conquistariam terreno numa sociedade feudal.
A idéia do progresso fundamentado na razão, ciência e liberalismo se enraizou tão
fortemente na mentalidade da época que apesar de todos os desarranjos sociais e pobreza
gerado pela modernidade e pela revolão industrial ninguém ousava pensar em retroceder.
Era o drama do progresso, a palavra-chave da época: maciço, iluminado, seguro de si,
satisfeito, mas acima de tudo inevitável. Quase nenhum dos homens de poder e influência, em
todos os acontecimentos no mundo ocidental, desejou r-lhe um freio”. (HOBSBAWN,
2009, p.23)
Neste contexto, se faz necessário entender a raiz desta mentalidade que estava imbuída
na sociedade européia neste momento, quais eram os movimentos transformadores que foram
consolidados pela Revolução Francesa e que se tornaram guias para a estruturação tanto da
esfera ecomica, como a política e a social.
A partir da figura abaixo pode-se ter um melhor entendimento da evolução filosófica
que fundamentou as crenças e os valores ‘modernizantes’ e desta forma, impulsionou o
avanço do capitalismo. Cada um destes momentos serão analisados resumidamente a seguir.
Figura 4: Evolução do
ethos
capitalista
Fonte: Autora
Revolução Francesa
Revolução
Científica
Iluminismo Liberalismo
Revolução Industrial
57
3.2.1. Revolução Científica
A revolução científica foi um período em que as idéias tradicionais a respeito de Deus,
da existência humana e do universo foram questionadas, grande parte delas foram
drasticamente modificadas e muitas completamente abandonadas. Neste sentido a Revolução
Científica foi o preâmbulo da origem das idéias, instituições e movimentos contemporâneos.
A auto-confiança que compeliu homens a questionarem essas idéias e a crença no progresso
decorrente destas, ajudaram a fomentar tanto a Revolução Francesa como a Revolução
Industrial.
Segundo Burns (1968) as conquistas da filosofia e da ciência que ocorreram nestes
séculos, juntamente com as novas atitudes que daí resultaram, tiveram de certo modo, um
alcance mais amplo que qualquer transformação anterior, e os seus resultados, talvez mais
significativos.
Os principais pensadores deste período foram Francis Bacon, René Descartes, Isaac
Newton e John Locke. O ápice de seus trabalhos foi o desenvolvimento do racionalismo.
Neste sentido a relevância de Bacon se assenta em sua glorificação do método indutivo como
base do conhecimento exato e na utilidade dessas idéias, pois para Bacon só se tornavam parte
do conhecimento ‘verdadeiro’ as descobertas cientificas que podiam ser aplicadas na prática.
Descartes, a partir da célebre frase: ‘Penso, logo existo’ desenvolve o novo
racionalismo que consistia em partir de verdades ou axiomas simples e evidentes por si
mesmos e depois raciocinar com base neles para se alcançar conclusões particulares. Esse
método foi o instrumento matemático da dedução simples. (BURNS, 1968, p.546). Além
deste, outro ensinamento que mais teve influência foi a concepção cartesiana de um universo
mecanicista. Os princípios do racionalismo e do mecanicismo foram adotados, de uma forma
ou de outra, pela maioria dos filósofos do século XVII. A partir destas doutrinas a razão
passou a ser então considerada como o único manancial de conhecimento.(BURNS, 1968,
p.547).
58
John Locke, por sua vez constitui uma nova teoria do conhecimento resultante da
combinação do sensacionismo com o racionalismo
5
, esta teoria foi considerada,
posteriormente, um dos elementos básicos da filosofia iluminista. Locke também é
considerado o pai da teoria potica liberal.
Isaac Newton, considerado o quarto ‘pai’ da revolução intelectual, submeteu toda a
natureza a uma interpretação mecânica precisa, ou seja, estendeu a idéia das leis físicas
invariáveis à todo o universo, pois em sua visão todos os acontecimentos da natureza são
governados por leis universais, capazes de ser formuladas com tanta precisão quanto os
princípios matemáticos. Neste sentido, a principal ocupação da ciência é descobrir essas leis,
e é dever do homem permitir-lhes a livre ação.
As implicações desta revolução foram inúmeras para o desenvolvimento da filosofia e
da ciência. As teorias de Bacon, Descartes e Locke tiveram uma influência enorme no sentido
de libertar os homens das restrões das creas estabelecidas. Se existia o mal no mundo, a
argumentação de Locke deixava implícito que isso o era conseqüência do plano divino, mas
sim de um sistema social e educacional que foram elaborados pelos próprios homens e que
podiam ser modificados por eles. “Melhorai a sociedade, estava dizendo Locke, e tereis
melhorado o comportamento humano, pois este é moldado por aquela”. (BURNS, 2007,
p.457).
as implicações da obra de Newton foram primeiramente inserir como dever dos
filósofos e cientistas questionar as opiniões recebidas do passado, segundo, evidenciar que a
natureza não é governada por misteriosa intervenção divina nem por capricho, mas como dito
anteriormente, por leis racionais e universais. E, por fim, embora submetidos às leis
universais, os homens poderiam, à medida que conhecessem o funcionamento destas leis, pô-
las em ação a fim de garantirem o progresso da raça humana. (BURNS, 2007, p.458).
O grande mérito da revolução científica foi fundamentar as bases racionais e otimistas
da atmosfera cultural setecentista conhecida como o Iluminismo que será analisado a seguir.
5 Esta combinação é derivada da doutrina de que as idéias simples são resultados diretos da percepção sensorial,
todavia são apenas bases do conhecimento, é necessário que estas se integrem em idéias complexas e é este o
papel da razão, ou seja, combinar, coordenar e organizar as impressões obtidas pelos sentidos, construindo assim
um sistema utilizável de verdades gerais. (BURNS, 1968, p.551)
59
3.2.2. Iluminismo
Sob influência da Revolução científica a diversidade de autores e iias reunidas pelo
signo do Iluminismo tinham como unidade, primeiramente, a certeza de que o mundo natural
era dotado de leis racionais e inteligíveis, passíveis de serem apreendidas pelo conhecimento
humano. Soma-se a esta os outros três pilares da doutrina iluminista comuns à maioria de seus
pensadores. Sao eles: a na razão, a permanência da natureza humana ao longo do tempo e a
capacidade racional do homem de realizar na história as metas universais do inexorável
progresso. Mas, o que de fato conferia unidade aqueles pensadores era sua pré-disposição para
erguer uma nova sociedade, baseada nos ideais de civilização.
Neste sentido, o Iluminismo era uma atitude geral de pensamento e de ação. Os
iluministas admitiam que os seres humanos estão em condição de tornar este mundo um
mundo melhor - mediante introspecção, livre exercício das capacidades humanas e do
engajamento político-social. Immanuel Kant, um dos expoentes do pensamento iluminista, em
um texto escrito precisamente como resposta à questão do que era o Iluminismo, descreveu de
maneira lapidar a mencionada atitude:
O Iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma tutelagem que estes
mesmos se impuseram a si. Tutelados são aqueles que se encontram incapazes de
fazer uso da própria razão independentemente da direção de outrem. É-se culpado da
própria tutelagem quando esta resulta não de uma deficiência do entendimento mas
da falta de resolução e coragem para se fazer uso do entendimento
independentemente da direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem para fazer uso
da tua própria razão! - esse é o lema do Iluminismo.(KANT, 1783).
Decorrente dos pensamentos e doutrinas da revolução científica, no Iluminismo teve-
se uma consolidação do princípio racional e a separação definitiva da religo e a ciência.
Neste sentido, os homens deixaram de serem tidos como a explicação para existência do
universo, como no ideário teológico do período medieval, ao contrário, passaram a ser
considerados parte integrante de um ordenamento universal. Desta forma, eram consideradas
inúteis as orações e sacramentos do cristianismo organizado, pois Deus não poderia ser
persuadido a desprezar a lei natural criada por Ele mesmo em favor de um indivíduo.
Mas a tônica deste movimento foram as doutrinas da liberdade e da igualdade. Da
primeira doutrina decorria a idéia de que a melhor estrutura da sociedade é a mais simples e a
60
mais natural. A vida do ‘nobre selvagem’ é preferível à do homem civilizado, com as suas
concepções obsoletas que servem para perpetuar a tirania do clero e dos governantes. A
religião, o governo e as instituições econômicas devem ser expurgados de todo artificialismo
e reduzidos a uma forma coerente com a razão e a liberdade natural. Neste sentido, Diderot
afirmava que “os homens jamais serão livres enquanto não seja enforcado o último rei com as
tripas do último padre”. (BURNS, 2007, p.462).
Da mesma forma, não existe pecado original. O homem não é congenitamente
depravado, mas levado a cometer atos de crueldade e de baixeza por padres intrigantes e
déspotas belicosos. A infinita perfectibilidade da natureza humana, e, portanto, da sociedade,
seria facilmente exeqüíveis se os homens tivessem a liberdade de seguir as diretrizes da razão
e dos seus instintos inatos. (BURNS, 2007).
Destes postulados, derivaram-se a teoria liberal de escritores como Locke, Voltaire e
Montesquieu e a teoria democrática de Rousseau que foram as principais teorias a influenciar
a Revolução Francesa.
Segundo Locke, todos os homens viviam originalmente num estado natural em que
prevaleciam a liberdade e a igualdade absolutas e não existia governo de espécie alguma. A
única lei era a lei da natureza, que cada indivíduo punha em execução por sua própria conta a
fim de proteger os seus direitos naturais à vida, à liberdade e à propriedade. Mas o estado
natural trazia desvantagens, pois cada um buscando seu próprio interesse gerava confusão e
insegurança, desta forma os indivíduos determinaram estabelecer um governo e ceder-lhe
certos poderes. Segundo Locke:
Uma vez que o estado nada mais é do que o poder conjunto de todos os membros da
sociedade, sua autoridade não pode ser maior do que aquela que essas pessoas
possuíam no estado natural, antes de formarem um grupo social e de cederem-na à
comunidade. (BURNS, 1968, p.598)
Segundo Burns (1968) poucos filósofos exerceram tanta influência na história do
mundo como Locke, não para a Revolução Francesa, pois suas doutrinas dos direitos
naturais, do governo limitado e do direito de resistência à tirania, encontraram ampla
aceitação na América. Este fato, pode ser observado na própria Declaração de Independência
dos Estados Unidos.
61
a teoria democrática de Rousseau, segundo pilar da Revolução Francesa,
desenvolvida no
O Contrato Social
, sustentava que a soberania é indivisível e que toda ela
passa à comunidade quando se constitui a sociedade civil. Neste sentido considerava o estado
como a comunidade politicamente organizada, cuja função soberana é expressar a vontade
geral.
Vale ressaltar que, para Rousseau, o homem se completa com a natureza, portanto não
é um estado a ser superado, como Locke e Hobbes acreditavam. Rousseau em,
A Origem da
Desigualdade entre os Homens
, afirma que “a maioria de nossos males é obra nossa e (...) os
teríamos evitado quase todos conservando a maneira de viver simples, uniforme e solitária
que nos era prescrita pela natureza” (ROUSSEAU, 1978
apud
LEOPOLDI, 2002, p.160)
A transição do estado de natureza para a ordem civil transforma a liberdade do sujeito,
ocorrendo um período de “guerra de todos contra todos” que se inicia com o estabelecimento
da propriedade privada e ausência de instituições poticas e de regras que impedissem a
exploração entre as pessoas. Para evitar as desigualdades, advindas da propriedade privada e
do poder que devido a ela as pessoas (ricos proprietários) passam a exercer sobre outras
pessoas (pequenos proprietários e despossuídos), é firmado o contrato social, “O que o
homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto
aventura e pode alcançar. O que com ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o
que possui.” (ROUSSEAU, 1978, p.36)
Tal contrato é para Rousseau o que forma um povo enquanto tal, sendo precedente a
formação do Estado e do governo. Esses são decorrentes da organização e do acordo vigentes
na constituição do povo. Aqui Rousseau estabelece um princípio de organização das
instituições poticas, no qual a organização de um povo em relação à propriedade, aos
direitos e aos deveres de cada indivíduo são estipulados na lei, a partir do contrato social que
orienta a constituição do Estado e da legislação.
Portanto, ao Estado, através das leis, cabe estipular que a igualdade se dê
juridicamente, ou seja, estabelecer um padrão das leis (que seria uma forma de superar as
oposições entre indivíduo e Estado), baseado na igualdade, sendo esse critério indispensável
para o contrato social. Portanto, a justiça estabelecida na lei deve ter reciprocidade entre os
62
indivíduos, desta forma, as leis devem representar toda a sociedade, sendo consideradas como
vontade geral.
Assim, o contrato social não apenas iguala todos os cidadãos, como também fortalece
a liberdade de cada indivíduo, a partir de seus interesses particulares. Uma vez que um dos
principais objetivos do contrato social é garantir a segurança e a liberdade de cada indivíduo,
ainda que a última seja limitada por normas.
Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja com toda a força comum a
pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, ao unir-se a todos,
obedeça somente a si mesmo e continue o livre quanto antes. Esse é o problema
fundamental cuja solução o contrato social oferece. (ROUSSEAU, 1978, p.32)
Contudo, o contrato de Rousseau oferece outra solução: a separação nominal jurídica
do público e do privado. Tal separação é o que garante a igualdade potica a cada pessoa que
passa a ser um cidadão de direitos e deveres na esfera blica e com liberdade comercial e
livre expressão de idéias, uma vez que é um indivíduo único. Tal princípio de separação, além
de ser uma tentativa lógica de equacionar o problema liberdade e igualdade é um pesado
ataque a ordem potica feudal, na qual os laços de sangue e de parentesco determinavam o
tratamento político diferenciado e limitavam a participação política de cada cidadão.
Rousseau, no
O contrato Social,
propõe um Estado que assegura a liberdade de cada
cidadão através da independência individual privada e da livre participação potica. Sendo
que para Nisbet, esta predomincia do Estado na vida do indivíduo não constitui,
entretanto, despotismo; constitui a base necessária da verdadeira liberdade individual.
(NISBET, 1982, p.158).
Seus dogmas de igualdade e de supremacia da maioria foram a principal inspiração da
segunda etapa da Revolução Francesa.
Um documento que evidencia a expressiva influência do Iluminismo e,
particularmente de Rousseau, para os ideais da Revolução Francesa foi a constituição
elaborada pela Assembléia Nacional Constituinte. Na introdução, que seria denominada
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Déclaration des Droits de l'Homme et du
Citoyen), os delegados formularam os ideais da Revolução, sintetizados em três princípios:
"Liberté, Egalité, Fraternité"
(Liberdade, Igualdade, Fraternidade). Inspirada na Declaração
de Independência dos Estados Unidos e divulgada em 26 de agosto, a primeira Declaração dos
63
Direitos do Homem e do Cidadão
6
foi síntese do pensamento iluminista liberal e burguês.
Nesse documento defendia-se o direito de todos à liberdade, à propriedade, à igualdade -
igualdade jurídica, e não social nem econômica - e de resistência à opressão. Sobre a
Revolução Francesa, Hobsbawm afirma que:
Um individualismo secular, racionalista e progressista dominava o pensamento
“esclarecido. Libertar o indivíduo das algemas que o agrilhoavam era o seu
principal objetivo: do tradicionalismo ignorante da Idade Média, que ainda lançava
sua sombra pelo mundo, da superstições das igrejas (distintas da religião “racional”
ou “natural”), da irracionalidade que dividia os homens em uma hierarquia de
patentes mais baixas e mais altas de acordo com o nascimento ou algum outro
critério irrelevante. A liberdade, a igualdade e, em seguida, a fraternidade de todos
os homens eram seus slogans. No devido tempo se tornaram os slogans da
Revolução Francesa. O reinado da liberdade individual não poderia deixar de ter as
conseqüências mais benéficas. Os mais extraordinários resultados podiam ser
esperados podiam de fato ser observados como provenientes de um exercício
irrestrito do talento individual num mundo de razão. A apaixonada crença no
progresso que professava o típico pensador do iluminismo refletia os aumentos
visíveis no conhecimento e na técnica, na riqueza, no bem-estar e na civilização que
podia ver em toda a sua volta e que, com certa justiça, atribuía ao avanço crescente
de suas idéias. No começo do século, as bruxas ainda eram queimadas; no final, os
governos do iluminismo, como o austríaco, já tinham abolidoo só a tortura
judicial, mas, também, a escravidão. (HOBSBAWN, 2007, p.41)
A importância, portanto da Revolução Francesa e da evolão da filosofia que a ela
legitimava, se dá por incutir na mentalidade social da época novos valores como, a
racionalização, a liberdade, o individualismo, a democracia e o progresso. Será essa a
mentalidade que fundamentará todas as crenças e instituições que surgem na Europa e na
América nos séculos posteriores.
Vale ressaltar, que de todos os ideais da Revolução Francesa provavelmente o que
mais forneceu substrato para o capitalismo contemporâneo, tanto no âmbito político como
econômico, foi o liberalismo. Devido a sua relevância, ele será visto com mais detalhes a
seguir.
6 O documento está disponível na íntegra no Anexo B
64
3.2.3 Liberalismo
A racionalização de todo o movimento filosófico conhecido como Iluminismo fez
surgir como instituição ideológica o Liberalismo. Este dividido em liberalismo potico e
liberalismo econômico tornaram-se, posteriormente, a essência do capitalismo.
O relacionamento entre o liberalismo e o capitalismo é de fato muito estreito. Barreto
(2006) define uma relação interdependente entre eles, onde o ideal liberal exige para sua
realização uma determinada forma de trabalho que será a implementada pelo capitalismo, por
sua vez o estado liberal em sua estrutura política e, principalmente jurídica, estruturará o
funcionamento da economia capitalista. E, por fim, é na sociedade liberal que a ética
capitalista encontrará o sistema potico e social necessário ao seu pleno desenvolvimento.
Ambos dependem um do outro para sua existência e ao mesmo tempo se reforçam.
A essência filofica dessa vertente do liberalismo conferiu uma prioridade à liberdade
individual na sociedade; afirmava o liberalismo que a estabilidade e progresso da sociedade
dependiam da expansão crescente da liberdade individual.
Como visto anteriormente, os fundamentos filosóficos do liberalismo basearam-se
num complexo entendimento antropológico do ser humano. O homem liberal foi produto da
Revolução Científica e, posteriormente do Iluminismo, quando, mais uma vez na história da
cultura ocidental, a natureza humana foi explicada como sendo essencialmente
antropocêntrica. Logo, a primeira tese filofica do liberalismo foi o naturalismo, entendido
como a expressão da opção do homem pela busca da felicidade na sua vida terrena, rompendo
a subordinação à Deus. O naturalismo, entretanto, significou, por outro lado, a submissão à
natureza, através da compreensão e do donio do cosmos, deixando de ser o universo algo
de misterioso e mágico. O objeto da intelincia humana no naturalismo abandona como
preocupação prioritária a reflexão sobre a natureza de Deus, e passa a considerar a descoberta
e o controle das forças da natureza como prioridade. (BARRETO, 2006).
O primeiro resultado foi o emprego da inteligência para compreender o mundo e
melhorar a sua condição. Trata-se de aplicar a razão na solução dos problemas humanos.
Locke definiu a relação entre a razão humana e a busca da felicidade ao escrever que: "o
65
poder é, em princípio, poder de liberdade. E essa liberdade é uma liberdade para a felicidade,
uma liberdade para a felicidade através da razão." (BARRETO, 2006, p.4). Dessa forma, o
naturalismo submete-se ao controle da razão, que irá determinar quais as leis da natureza às
quais o homem encontra-se subordinado.
Ao lado do racionalismo e da idéia de lei natural, o individualismo é a terceira tese
filofica do liberalismo e que irá, no entendimento, de alguns autores constituir o núcleo
central da ideologia liberal. A idéia básica do liberalismo é a de que do ponto de vista
ontológico e ético o ser humano é, antes de tudo, um indivíduo. Por essa razão, a sua inserção
na sociedade é relativizada, sendo o Estado considerado como um mal necessário. O
individualismo vem a constituir-se, assim, numa afirmação do valor maior, que é o indivíduo,
diante do Estado. Alguns autores propõem três etapas no surgimento do individualismo
liberal: i) a Igreja é substituída pelo Estado como agente da disciplina social; ii) o indivíduo
afirma-se diante do Estado, proclamando seus direitos individuais e limitando o exercício do
poder público; iii) o indivíduo passa a identificar-se com o Estado, na etapa final da evolução
do individualismo, fazendo com que o bem comum identifique-se com a realização material e
pessoal do indivíduo.(BARRETO, 2006).
A sistematização dessa evolução realizou-se através da doutrina do contrato social,
que serviu como fundamento da teoria potica do liberalismo. A doutrina do contrato social
foi construída em fuão das teses poticas do liberalismo: a liberdade, como pedra angular
do pensamento liberal; o reconhecimento da igualdade de natureza, diferenciada da igualdade
jurídica; o direito à propriedade, que consagra e assegura o produto do trabalho do homem; o
Estado considerado responsável pela ordem e segurança; e, finalmente, o estado de direito,
limitando o exercício do poder e definindo direitos e garantias dos indivíduos. Essas teses
poticas constituem o núcleo do pensamento liberal e serviram como alicerce ideológico e
jurídico para a construção do estado liberal. (BARRETO, 2006, p.4)
Por fim tem-se a influência da nova teoria econômica que alicerçava-se em grande
parte nas concepções básicas do iluminismo, em especial na iia de uma mecânica universal
governada por leis inflexíveis. Esta nova teoria também pode ser considerada um
complemento natural do liberalismo potico, pois seus objetivos eram muito semelhantes:
reduzir os poderes do governo a um mínimo compatível com a segurança e preservar para o
66
indivíduo a maior parcela possível de liberdade na prossecução dos seus intentos”. (BURNS,
1968, p.604)
Enquanto que a Revolução Francesa simboliza as mudanças no campo intelectual,
cultural e potico, a Revolução Industrial caracterizou um novo modelo produtivo, um avanço
da técnica, onde a partir de seu surpreendente progresso legitimava as questões culturais,
sociais e políticas discutidas na Revolução Francesa e era por ela também reforçada. Esta
revolução será vista a seguir.
3.3 Revolução Industrial
Segundo Hobsbawm “A história de nosso período é, portanto, desigual. Ela é
basicamente a do maciço avanço da economia do capitalismo industrial em escala mundial, da
ordem social que ele representou, das iias e credos que pareciam legitimá-lo e ratificá-lo: na
razão, ciência, progresso e liberalismo”. (HOBSBAWN, 2004, p.21).
A revolução industrial não pode ser entendida como um episódio com um início e um
término, mas sim como uma norma que estabelece sua essência de mudança
revolucionária. Todavia, Hobsbawm (2004) argumenta que uma investigação cuidadosa levou
a maioria dos estudiosos a localizar como decisiva a década de 1780, pois segundo o autor,
“foi o período onde todos os índices estatísticos relevantes deram uma guinada repentina e
quase vertical para a ‘partida’. A economia, por assim dizer, voava”. (HOBSBAWN, 2004,
p.51)
Três elementos eram essenciais para que essa mudança revolucionária fosse levada a
cabo: trabalho, terra e dinheiro. Mas estes adquiririam uma nova essência que nunca dantes
fora encontrada em qualquer outro sistema econômico.
Polanyi (2000) em sua análise indica que sob o feudalismo e o sistema de guildas, a
terra e o trabalho formavam parte da própria organização social (o dinheiro ainda não se tinha
desenvolvido no elemento principal da indústria). A terra, o elemento crucial da ordem feudal,
era a base do sistema militar, juridico, administrativo e político; seu status e função eram
67
determinados por regras legais e costumeiras. Se a sua posse era transferível ou não e, em
caso afirmativo, a quem e sob quais restrições; em que implicavam os direitos de propriedade;
de que forma podiam ser utilizados alguns de terra todas essas questões ficavam à parte da
organização de compra e venda, e sujeitas a um conjunto inteiramente diferente de
regulamentações institucionais. Neste momento, ainda prevalecia a ordem tradicional.
Polany (2000) continua a sua análise, agora discutindo como se organiza o trabalho.
Sob o sistema de guildas, como sob qualquer outro sistema econômico da história anterior, as
motivações e as cirscunstâncias das atividades produtivas estavam inseridas na organização
geral das sociedades. As relações do mestre, do jornaleiro e do aprendiz; as condições do
artesanato; o número de aprendizes; os salários dos trabalhadores, tudo era regulamentado
pelo costume e pelas regras da guilda e da cidade. O mercantilismo, com toda a sua tendência
em direção à comercialização, jamais atacou as salvaguardas que protegiam estes dois
elementos básicos da produção trabalho e terra e os impedia de se tornarem objetos de
comércio. (POLANYI, 2000, p.91)
É verdade que nenhuma sociedade pode existir sem algum tipo de sistema que
assegure a ordem na produção e distribuição de bens. Entretanto, isto não implica a
existência de instituições econômicas separadas. Normalmente a ordem econômica é
apenas uma função da sociedade, na qual ela está inserida. Como demonstramos,
não havia um sistema econômico separado na sociedade, seja sob condições tribais,
feudais ou mercantis. A sociedade do século XIX revelou-se, de fato, um ponto de
partida singular, no qual a atividade econômica foi isolada e imputada a uma
motivação econômica distinta. (POLANYI, 2000, p.92).
Mas segundo o autor, este novo padrão institucional poderia funcionar mediante
uma subordinação da sociedade às suas exigências. Uma economia de mercado só pode existir
numa sociedade de mercado. Uma economia de mercado deve compreender todos os
componentes da instria, incluindo trabalho, terra e dinheiro. Numa economia de mercado,
este último é também elemento essencial da vida industrial, e a sua inclusão no mecanismo de
mercado acarretou, consequências institucionais de grande alcance. O problema neste novo
arranjo instituicional assentava-se no fato de que o trabalho e a terra eram os próprios seres
humanos que consistiam a sociedade, e o ambiente natural no qual elas existiam. Incluí-los no
mecanismo de mercado significa subordinar a substância da ppria sociedade às leis de
mercado. (POLANYI, 2000, p.93).
68
É com a ajuda do conceito de mercadoria que o mecanismo do mercado se engrena aos
rios elementos da vida industrial. O ponto crucial era que o trabalho, a terra e o dinheiro
são elementos essenciais da indústria. Desta forma, eles deveriam ser organizados em
mercados e Polanyi (2000) ressalta o fato de que esses mercados formam uma parte
absolutamente vital do sistema econômico.
Todavia, o trabalho, a terra e o dinheiro obviamente não o mercadorias. O postulado
de que tudo o que é comprado e vendido tem que ser produzido para a venda é enfaticamente
irreal no que diz respeito à eles. Em outras palavras, de acordo com a definição empírica de
uma mercadoria, elas não são mercadorias.
Trabalho é apenas um outro nome para a atividade humana que acompanha a própria
vida, que por sua vez, não é produzida para venda mas por razões inteiramente diversas, e
essa atividade não pode ser destacada do resto da vida, não pode ser armazenada ou
mobilizada. Terra é apenas outro nome para a natureza, que não é produzida pelo homem.
Finalmente, o dinheiro é apenas um mbolo do poder de compra e, como regra, ele não é
produzido, mas adquire vida através do mecanismo dos bancos e das finanças estatais.
Nenhum deles é produzido para a venda. A descrição do trabalho, da terra e do dinheiro como
mercadorias é inteiramente fictícia. (POLANYI, 2000, p.94)
Não obstante, é com a ajuda dessa ficção que são organizados os mercados reais do
trabalho, da terra e do dinheiro. A ficção da mercadoria, portanto, oferece um principio de
organização vital em relação à sociedade como um todo, afetando praticamente todas as suas
instituições, nas formas mais variadas. (POLANYI, 2000, p.94).
Não foi o aparecimento da máquina em si, mas a invenção de maquinarias e fábricas
complicadas e, portanto, especializadas, que mudou completamente a relação do mercador
com a produção. Embora a nova organização produtiva tenha sido introduzida pelo mercador
fato esse que determinou todo o curso da transformação - , a utilização de maquinarias e
fábricas especializadas implicou o desenvolvimento do sistema fabril e, com ele, ocorreu uma
alteração decisiva na importância relativa do comércio e da indústria, em favor dessa última.
A produção industrial deixou de ser um acessório do comércio organizado pelo mercador
como proposição de compra e venda; ela envolvia agora investimentos a longo prazo, com os
69
riscos correspondentes, e a menos que a continuidade da produção fosse garantida, com certa
margem de segurança, um tal risco não seria suportável.
Desta forma, quanto mais complicada se tornou a produção industrial, mais numerosos
passaram a ser os elementos da indústria que exigiam garantia de fornecimento. Como visto o
trabalho, a terra e o dinheiro eram elementos fundamentais. A ampliação do mecanismo de
mercado à esses elementos foi a consequência inevitável da introdução do sistema fabril numa
sociedade comercial. (POLANYI, 2000, p.97).
Para Hobsbawm (2007) a consequência mais profunda e duradoura entre todas as
consequências econômicas da época da revoluçao Francesa e Industrial, foi a divisão entre os
países chamados pelo autor de ‘adiantados’ e os ‘subdesenvolvidos’. E continua “falando a
grosso modo, por volta de 1848 estava claro que os países deviam seguir o exemplo do
primeiro grupo, isto é, da Europa Ocidental (exceto a Península Ibérica)...”(HOBSBAWN,
2007, p.253). Para o autor nenhum outro fato determinou a história do século XX de maneira
mais firme.
É interessante notar que na análise de Hobsbawm a Península Ibérica não se
encontrava no grupo dos ‘adiantados’, ou seja, no grupo que servia de modelo ao resto do
mundo. Esta exclusão se torna compreensível através do exame de Richard Morse em sua
obra
O Espelho de Próspero
, na qual o autor explica as opções culturais feitas pelas nações
ibéricas frente às revoluções que ocorriam na Europa Ocidental. Esta análise torna-se
extremamente relevante também pelo fato de que as conseqüencias destas opções
repercurtiriam em suas respectivas colônias, ou seja, no Brasil que é o objeto de estudo neste
trabalho.
3.4 Opção Cultural Ibérica
Richard Morse, em
O Espelho de Próspero
, pretende explicar as diferenças entre as
Américas através da cultura. Ao voltar no tempo, analisa as conseqüências de cada opção
cultural feita por cada um dos povos que fundaram as colônias e assim, enraizou nestas,
70
fundamentos culturais que podem ser observados através de seu desenvolvimento até hoje.
Em suas palavras: “parece oportuno confrontar-lhe a experiência histórica da Ibero-América,
o mais como estudo de um caso de desenvolvimento frustrado, mas como vivencia de uma
opção cultural”. (MORSE, 1988, p.14). Ainda, segundo o autor, as tradições da Anglo-
América e da Ibero-America surgem de uma matriz moral, intelectual e espiritual comum.
Dentro desta matriz, entre os séculos XII e XVII, foram feitas opções e constrdos modelos
conceituais que viriam a produzir diferentes padrões da civilização ocidental.
Neste sentido, e com pressupostos similares ao utilizados neste estudo, o autor salienta
a importância das revoluções que ocorreram na Europa Ocidental e afirma:
As revoluções religiosa e científica foram fundamentalistas. Elas não foram, de
inicio, ‘revoluções’, mas respostas ‘finais’ a enigmas colocados séculos antes. Aqui
dois resultados importantes. Primeiro, as duas supostas revoluções não foram,
infelizmente, companheiras de todo compatíveis. A consciência privada e a
demonstrabilidade experimental e pública nem sempre combinam, apesar da
afinidade etimológica de scientia e con-scientia. Das, duas, a consciência tornou-se,
ao longo dos séculos, bem mais maleável que a ciência, o que explica algumas
características da civilização ocidental em sua versão mais recente, quando a fusão
desses ingredientes fundamentais alastra-se mundialmente e quando a “consciência”
das pessoas e dos grupos é programada pela “ciência” num sentido jamais sonhado
pela consciência coletiva de Durkheim. Um segundo resultado é que uma vez
estabelecidas as regras básicas pelas duas revoluções, as preocupações dos
escolásticos e dos primeiros cientistas com as questões primordiais foram sendo
trivializadas, infantilizadas, marginalizadas ou simplesmente suprimidas. (MORSE,
1988, p.28)
Após analisar a profundidade da influência destas revoluções para o mundo ocidental,
Morse identifica duas opções culturais que seriam a raiz das diferenças entre a América
Anglo-Saxônica e a Ibero-América, Anteriormente, porém ele assinala que os impactos e
significações das revoluções religiosa e científica não foram as mesmas em todo a Europa, ou
seja não a dividiram em duas. Enquanto que o Protestantismo prosperou em um eixo
setentrional leste-oeste, a ciência desenvolveu-se em um eixo norte-sul inclinado para
península italiana.
Neste sentido as diferenças se assentam, segundo Morse (1988) no fato de que
N
o momento crítico da expansão ultramarina as sociedades progenitoras adotaram,
deixaram-se levar ou foram arrastadas por dois conjuntos de premissas políticas que
seguem orientando a lógica da ação e do pensamento político até hoje (....) numa
conjuntura histórica ctica da qual a expansão ultramarina era mais um sintoma
que uma causa suas formulações deram expressão prototípica e profética à
cristalização de dois conjuntos de imperativos institucionais, econômicos e morais.
(MORSE, 1988, p.56)
71
Em relação às premissas protestantes o autor afirma que estas com o intuito de validar
a crença e fundamentar o conhecimento tiveram inúmeras conseqüências para a teoria
potica. Entre elas, Morse cita os acordos por consenso, o individualismo dos direitos
naturais, uma regra de direito comum em lugar do decreto prerrogativo, uma mudança da
legitimação do Estado do terreno da ética para o da eficiência e, finalmente, um cálculo
utilitário de bem-estar social que substituiria a lei natural e inclusive transcenderia a lógica da
consciência. (MORSE, 1988, p.28).
Sendo assim, no mundo Anglo Saxão a soberba do vocabulário do liberalismo potico
com a do liberalismo econômico fortaleceu a legitimidade ‘científica’ do discurso ideológico
e ampliou seu alcance articulador. Diferente da tradicional metáfora da ‘mão de Deus’, a da
‘mão invisível’ podia encontrar aquiescência sem necessidade de elaborados arranjos
eclesiásticos ou informais para levar consolo aos deserdados. (MORSE, 1988, p.66).
no mundo Ibérico, o pensamento político representava a liberdade não como uma
circunferência de imunidade para o indivíduo, e sim como uma obediência voluntária ou
‘ativa’ ao poder constituído, noção vinculada à doutrina católica que definia o papel do livre-
arbítrio na obtenção da graça. O cororio da liberdade, assim concebida, consistia num
Estado cuja função principal era a manutenção da ordem através da administração da justiça,
justiça que tanto premiaria orito quanto castigaria a delinqüência. (MORSE, 1988, p.68).
Neste sentido, o liberalismo Ibero-Americano era alheio à cultura potica, ou seja, o
liberalismo era perfeitamente adaptável como vocabulário, como ideologia, como programa
seletivo ou estratégia econômica, mas não como um modo de vida potico. Adicionalmente a
isso, Morse afirma que o liberalismo na Ibero-América não chegou a realizar uma união
frutífera com a democracia rousseauniana. (MORSE, 1988, p.88). Decorrente a isso, “o
liberalismo, uma importação problemática desde o princípio, dificilmente podia florescer num
clima não liberal”. (MORSE, 1988, p.90).
Finalmente, o autor supõe que a explicação é que “o mundo ibérico rejeitou as
implicações últimas das revoluções religiosa e cientifica e, portanto, não pode experimentar
plenamente os resultados lógicos na forma do utilitarismo, e seu subordinado individualismo,
que estão implantados como marca-passos na mente coletiva do resto do Ocidente”.
(MORSE, 1988, p.134)
72
3.5 Principais resultados
Sem o intuito de determinar relações causais entre as revoluções apresentadas
anteriormente e o capitalismo, os resultados de todas elas, parece ter sido a ascensão do
mercado como elemento mais importante da vida em sociedade, ofuscando ou mesmo
eliminando outros aspectos.
Da Reforma Protestante, o que pode ser extraído de resultados que se evidenciam na
sociedade contemporânea, é a crença no trabalho como um valor social intrínseco e a
poupança, credos que em parte colaboraram para uma racionalizacao da vida social, onde o
elemento primordial é o trabalho e consequentemente o progresso econômico. Disto decorre o
surgimento de uma força de trabalho e de um capitalista com o espírito necessário, para o
adquirir lucro apenas para seu proveito próprio, mas para levar a cabo o projeto de progresso e
assim garantir sua salvação.
A partir da Revolução Francesa, que pelos objetivos aqui propostos se apresenta como
uma das mais importantes, disseminou-se uma matriz institucional propícia para a Revolução
Industrial que ocorria. Criou-se a partir desta, um ambiente potico e social que permitiam o
desenvolvimento pleno do progresso economico. Desfez-se todas as barreiras que naquele
momento o capitalismo poderia encontrar, garantiu a liberdade dos individuos, sua igualdade,
sua iniciativa e, por fim, inseriu na mentalidade dos individuos sua crença no progresso
realizadas a partir do uso da razão por cada indivíduo. Agora, o destino de cada um e,
consequentemente de uma nação, estava em suas próprias mãos, o responsável não era mais o
destino, Deus, aspectos de seu nascimento ou qualquer outra tradição.
Por fim, a Revolução Industrial, mais que o progresso técnico que introduziu no
mundo ocidental, teve uma função muito mais importante que foi corroborar todas as crenças
advindas da revolução francesa, pois viabilizava o progresso, como que comprovando que
estes credos estavam corretos. Além disto fez a lógica do capital se materializar e se tornar a
lógica triunfante de todo o arranjo social contemporâneo.
No capítulo seguinte, ao analisar o capitalismo brasileiro percebe-se que no momento
de verdadeira independência potica e econômica do país, os intelectuais ‘revolucionários
73
brasileiros buscam implementar no país o modelo instaurado pelos países desenvolvidos,
ignorando as conseqüências mais profundas da colonização ibérica para a sociedade e,
principalmente, ignorando o substrato social que formava os hábitos mentais dos brasileiros.
As consequências desta estratégia será vista nos capítulos subseqüentes.
74
4 VELHOS HÁBITOS BRASILEIROS
“Isso aqui, ô, ô
é um pouquinho de Brasil, iá
Desse Brasil que canta e é feliz, feliz, feliz,
É também um pouco de uma raça
Que não tem medo de fumaça, ai, ai
E não se entrega não”
“Isso aqui o que é”; de Ari Barroso
Quando se trata do Brasil, dentro deste contexto, é necessário identificar a forma e o
sentido que tomou a evolução social no Brasil, quais eram os arranjos institucionais vigentes e
quais regras sociais passadas persistiam.
Somando-se a isto e, de acordo com o arcabouço teórico institucionalista, é necessário
se entender especificamente como se deu o surgimento e a evolução do capitalismo não
apenas a partir de dados como PIB, PNB que representam parcialmente em termos de
parâmetros de progresso social, mas como as crenças, os hábitos mentais evoluíram de modo
a se ajustar a dinâmica evolutiva da realidade e levar consigo o desenvolvimento tanto social
como econômico. Corroborando com a teoria institucionalista de Veblen, Furtado (1969),
conceitua o desenvolvimento da seguinte forma:
O desenvolvimento, demais de ser o fenômeno de aumento de produtividade do fator
trabalho que interessa ao economista, é um processo de adaptação das estruturas
sociais a um horizonte em expansão de possibilidades abertas ao homem. As duas
dimensões do desenvolvimento – a econômica e a cultural – não podem ser captadas
senão em conjunto. (FURTADO, 1969, p.18).
Respeitando as peculiaridades do caso brasileiro, neste capítulo será apresentado
primeiramente o que representou a Revolução Burguesa no Brasil. Com este objetivo, será
realizada de maneira suscinta uma exposição breve deste processo, ressaltando as principais
conseqüências para o país.
Posteriormente, será realizado um resgate histórico sobre a formação do Brasil
abordando fundamentalmente os aspectos sociais e culturais para a análise em questão. São
eles: a moral do trabalho; a separação público e privado; a importação de modelos externos; a
democracia e o liberalismo.
75
Todos estes aspectos serão observados através dos principais clássicos de interpretação
do Brasil como: Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro, Florestan Fernandes, Caio
Prado Junior, Roberto DaMatta, e, quando necessário, serão complementados pelas obras de
outros intérpretes do Brasil, como Darcy Ribeiro, Wanderley Guilherme dos Santos, Richard
Morse, Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso, Alberto Carlos Almeida e outros .
A diversidade de autores selecionados para esta análise se faz necessária como forma
de evidenciar que certos aspectos da formação cultural brasileira o se depreendem apenas
da visão de um único autor, mas que são tão contundentes na realidade social brasileira que
participam da análise de grande parte dos intérpretes do Brasil.
Ao interpretar o Brasil, cada um destes autores encontra uma característica primordial
do brasileiro ou de suas interações sociais que vão de encontro às características do
racionalismo ocidental que propiciou o desenvolvimento alcançado pelos países mais
desenvolvidos.
A questão mais recorrente nestas interpretações diz respeito à deturpação ou rejeição
do
ethos
liberal em sua essência. A forma como aparece em cada uma das obras pode diferir,
mas no cerne, a esfera informal que se cristalizou no país pouco tinha em concordância com a
ética capitalista e com o espírito liberal. As principais inobservâncias diziam respeito à
divisão clara entre o público e o privado e a questão da igualdade e democracia.
4.1 A Revolução Burguesa no Brasil
A revolão burguesa no Brasil não se deu através de uma ruptura violenta com a
ordem vigente, como foi o caso da Revolução Francesa, por exemplo. Tampouco houve um
embate direto entre a classe que detinha a hegemonia econômica e a nova classe que estava
emergindo desse novo processo. Neste sentido tem-se uma das principais peculiaridades a
respeito do desenvolvimento sócio-econômico do Brasil é a de que no país grande parte das
mudanças ocorriam de forma acomodativa. Nunca foi um país de grandes transformações
através de grandes revoluções. A tônica sempre foi a de um país em que as mudanças
76
ocorriam de forma gradual e, em grande parte das vezes, elas aconteciam de cima para baixo.
A sociedade, como um todo, sempre ficou alheia às mudanças. Este fato pode ser decorrente
de uma das peculiaridades da sociedade brasileira, o homem cordial
7
, que não enfrentava
conflitos, mas os administrava, a partir dos interesses de cada envolvido, e que,
conseqüentemente, em um ambiente formal, estabelece um padrão político que sempre busca
contornar o conflito.
Para Caio Prado Jr., por exemplo, a história no Brasil possui traços de continuidade
expressivos, a história se repete, sem grandes mudanças, sendo assim, num contínuo processo
de adaptação. Neste sentido, na evolão do Brasil não momentos de rupturas ou
revoluções, existem elementos que se repetem sempre. Em sua análise,
‘Revolução, em seu sentido real e profundo, significa o processo histórico
assinalado por reformas e modificações econômicas, sociais e políticas sucessivas,
que, concentrada em período histórico relativamente curto, vão das em
transformações estruturais da sociedade, e em especial das relações econômicas e do
equilíbrio recíproco das diferentes classes e categorias sociais. (...) Ou mais
precisamente, em que as instituições políticas, econômicas e sociais se remodelam a
fim de melhor atenderem a necessidades generalizadas que antes o encontravam
devida satisfação. o esses momentos históricos de brusca transição de uma
situação econômica, social e política para outra, e as transformações que então se
verificam, é isso que constitui o que propriamente se há de entender por ‘revolução’
(PRADO JUNIOR, 1966, p. 2)
Florestan Fernandes, em a
Revolução Burguesa no Brasil
, mostra que no Brasil, o
que representou a revolução burguesa foi um processo longo e demorado, uma linha do
tempo, mas por ser um processo, não deixou de ser menos efetivo, pois tinha um sentido, uma
lógica. O processo tinha a direção de superar as barreiras para consolidar o capitalismo e a
sustentação nas bases competitivas, pois esta era a base do sistema capitalista. Podia avançar
ou recuar, mas seguia uma direção, que era, a construção e o fortalecimento do capitalismo.
Neste sentido, Florestan Fernandes assinala que as principais características do
processo de independência brasileira foram: a existência de um lado conservador que o
permitia que ocorressem grande mudanças e o gradualismo que determinava o ritmo deste
processo.
7 Conceito desenvolvido por Sérgio Buarque de Holanda em sua obra, Raízes do Brasil (1936). Este conceito
será analisado posteriormente quando for realizada uma caracterização da sociedade brasileira e de sua cultura
frente ao ethos capitalista.
77
A existência de um lado conservador implicou na manutenção da grande propriedade,
da escravidão, do império, do estamento e outras instituiçoes que não faziam parte do escopo
de uma nação capitalista e independente, em seu tipo ideal. a questão do gradualismo de
ser explicitada pelo “Ordem e Progresso”, ou seja, a ordem acompanha o processo histórico.
A revolão, que para o autor ocorre no Brasil, vai ocorrer mantendo-se a ordem, pois ela é
sempre negociada. Neste sentido a regra fundamental era a acomodação, ou seja,
evolucionários, mas não revolucionários. Neste sentido, o autor sugere uma linha do processo
da Revolução Burguesa no Brasil
Figura 5: Linha do Processo da Revolução Burguesa no Brasil
Fonte: Informão Verbal
8
Este processo se inicia em 1808 a partir da vinda da família real e da abertura dos
portos, que em termos econômicos decretou o fim do mercantilismo que era marcado pelo
monopólio.
Já em termos poticos, em 1815 se tem um momento decisivo, pois o Brasil é elevado
à Reino Unido, deixa de ser colônia no sentido potico. Em 1822, ocorre, de fato, a
independência e se instaura a possibilidade de um estado nacional, que era um pré-requisito
para o capitalismo, com leis, instituições e políticas econômicas próprias.
O período de 1808 a 1822 é um período marcante para a história do país, pois
primeiramente é o período no qual, muitos historiadores identificam a independência
brasileira
de facto.
E, em segundo, é neste momento que, através da implantação no Brasil das
8 Informação proferida pelo Prof. Dr. Pedro Cezar Dutra Fonseca na disciplina Interpretações do Brasil
(ECOP47), ministrada no Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, no 3º trimestre de 2007.
1808
1815
1822
1831
1850
1888
1889
1930
1937
Linha do Processo da Revolução Burguesa no Brasil
-
Florestan Fernandes
78
estruturas política portuguesas, se deliniam os contornos das instituições poticas brasileiras
presentes atualmente.
Em 1831 tem-se a abdicação de D. Pedro que volta para Portugal permitindo assim
que a classe dominante brasileira pela primeira vez ocupasse o poder verdadeiramente, ou
seja, a partir deste momento as forças poticas nacionais são formadas essencialmente por
brasileiros.
a data de 1850 é importante em termos de implantação do capitalismo, pois, neste
momento, é criada a Lei Eusébio de Queiroz que proíbe o tráfico de escravos e, desta forma,
se inicia nas fazendas de caem São Paulo o trabalho assalariado. Este é um marco, pois
como visto anteriormente na análise de Polanyi, para se ter capitalismo nos moldes em que
este se desenvolveu, era de suma importância a existência do trabalho assalariado, ou seja,
uma força de trabalho que funcionaria como mercadoria, podendo desta forma ser obtida no
mercado. Outro ponto importante ocorrido nesta data foi a Lei de terras, que transforma a
terra em mercadoria, o que seria um outro passo fundamental rumo ao capitalismo, todavia a
forma de compra e venda instituída por esta lei vai consagrar o latifúndio no Brasil. Por fim se
têm como datas marcantes, 1888 com a abolição da escravatura e 1889 com a proclamação da
república.
os anos de 1930 a 1937 se configuram em um período de extrema relevância. Em
1930 tem-se o fim do modelo Agro-exportador com o início do processo de substituição de
importações e, finalmente 1937 tem-se o golpe do Estado Novo. Este é um período de
transição em que ocorre a consolidação do estado nacional unificado que possui um projeto de
industrialização.
A partir desta breve retrospectiva dos principais momentos do desenvolvimento
brasileiro será visto, a seguir, a forma em que as principais esferas sociais evoluíram de modo
a se ajustar ao capitalismo que emergia. Neste sentido uma outra característica da história
brasileira e principalmente do surgimento do capitalismo é que ao contrário de uma mudança
totalizante que englobasse tanto as esferas, poticas, sociais e econômicas como a que ocorreu
na Europa Ocidental, no Brasil foi preponderantemente uma mudança econômica através do
surgimento das indústrias e o aumento da produção. Segundo Fernandes (1987), isso se deve
ao fato de que o tempo econômico e o tempo político da revolução burguesa brasileira foram
79
desagregados. Diferente do modelo clássico de revolução burguesa (França), onde o avanço
dos aspectos econômicos se dava concomitantemente com os avanços de aspectos poticos,
no Brasil esses últimos estrategicamente foram deixados de lado, exaltando-se somente a
necessidade de aceleração do processo econômico.
4.1.1 Plano Econômico
Na esfera econômica, tem-se um país que nasce a partir de uma lógica externa, ou seja,
nasce como um elemento na dinâmica da acumulação mercantilista de Portugal. Esta lógica
permanece constante a despeito de qualquer desenvolvimento econômico alcançado nos
séculos posteriores.
A lógica mercantilista, ou o capitalismo mercantil é um ponto definidor da obra de
Caio Prado. Sua principal emergência, no caso das nações ibéricas, se deu através da
expansão marítima. Esta foi a forma predominante de acumulação primitiva de capital. Dentro
deste contexto, o Brasil se torna uma invenção do capital. A lógica das relações entre a
metrópole (Portugal) e a colônia (Brasil) se justifica pela reprodução do capital mercantil, ou
seja, o Brasil é, desta forma, uma invenção do capital a partir da lógica D-M-D’.
No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonização dos
trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais completa que a
antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os
recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o
verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes: e
ele explicará os elementos fundamentais, tanto no econômico como no social, da
formação e evolução históricas dos trópicos americanos. {...} Se vamos a essência
da nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar,
tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois, algodão, e em
seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isto. E com tal objetivo,
objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que o
fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia
brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura, bem como as atividades do
país. (PRADO JÚNIOR, 1981, p. 31).
Na interpretação deste autor, era decisivo que se rompesse com a situaçao colonial
para que o capitalismo realmente pudesse emergir com bases lidas. Para ele, era impossivel
combinar e coexistir os móveis capitalistas do comportamento econômico num sistema
80
colonial, pois a situaçao colonial não permitiria o surgimento do capitalista imbuído da
racionalidade do lucro.
Inserido neste processo, Florestan Fernandes mostra que o surgimento do capitalismo
no Brasil, diferentemente da Europa, surge no campo através da burguesia do café, que
incorporou o homem econômico e se torna agente modernizador. Neste sentido se faz
necessário uma diferenciação dos agentes da economia cafeeira.
Neste momento o café era cultivado primordialmente no Rio de Janeiro e em São
Paulo. No entanto, no Rio de Janeiro, não existia uma burguesia do café, mas sim os barões
do café, típico rentista que tinha escravos e viviam como nobres, um tipo de estamento.
Diferentemente, em São Paulo, os fazendeiros de café eram guiados pelo lucro. Esta
burguesia do café formava o partido republicano, introduz o trabalho assalariado, tem um
projeto nacional, que consistia em uma economia descentralizada, agro-exportadora com base
no trabalho assalariado, usa o lucro, está na base da proclamação da república e, desta forma,
formavam uma classe capitalista. Neste sentido, estes formaram um tipo econômico que foi o
prenúncio da burguesia.
Juntamente com os cafeicultores paulistas, se tinha um outro tipo econômico que
também foi o prenúncio da burguesia: o imigrante. O imigrante possui algum capital, encarna
o ‘espíritocapitalista, não ambiciona nenhum privilégio estamental, não tem terra, possui
uma cultura diferente em que se tem a idéia do lculo ecomico, pois tem a influência do
capitalismo europeu.
Mas, Florestan Fernandes, ressalta que a burguesia que surge no país, não se constituiu
inicialmente como uma força potica revolucionária, dotada de capacidade de empreender a
suplantação da hegemonia oligárquica através de uma insurreição. Ela surgiu como uma
conseqüência imediata da sociedade de classes, mas sem assumir o papel de “salvar” a
sociedade das forças que estavam no poder. O papel que ela se pros a desempenhar era
claramente o de tirar o máximo de vantagem possível das desiguais condições da sociedade
brasileira. A transformação social que ela se propunha a desempenhar era orientada por esses
interesses, “preferindo a mudança gradual e a composição, à uma modernização impetuosa,
intransigente e avassaladora”. (FERNANDES, 1987, p.205). A o ocorrência de um
confronto direto entre a burguesia e a aristocracia devia-se também, segundo Florestan, ao
81
fato, visto acima, da origem da maior parte dessa burguesia ser também rural, e que através
dessa socialização com a oligarquia ela naturalmente havia absorvido muitas das suas
características e as reproduzia no seu meio. Nas palavras de Florestan, a burguesia até
Podia discordar da oligarquia ou mesmo opor-se a ela. Mas fazia-o dentro de um
horizonte cultural que era essencialmente o mesmo, polarizando em torno de
preocupações particularistas e de um entranhado conservantismo sociocultural e
político. O conflito emergia, mas através de discórdias circunscritas, principalmente
vinculadas a estreitos interesses materiais, ditados pela necessidade de expandir os
negócios. Era um conflito que permitia fácil acomodação e que não podia, por si
mesmo, modificar a história. Além disso, o mandonismo oligárquico reproduzia-se
fora da oligarquia. O burguês que o repelia, por causa de interesses feridos, não
deixava de pô-lo em prática em suas relações sociais, já que aquilo fazia parte de sua
segunda natureza humana. (FERNANDES, 1987, p.205)
Neste sentido, o capitalismo no Brasil se inicia agrário e com o surgimento da
indústria, que ocorre nas cidades, que toma uma caracteristica irreversível. Para alguns
autores o ponto irreversível do capitalismo foi em 1937 com o golpe do estado novo. Um
sintoma disso é que ao findar o estado novo o grupo que defendia o capitalismo agrário
estava extremamente enfraquecido. Não existe partido contra o projeto industrializante. O
projeto burguês industrial é hegêmonico e existe um relativo consenso sobre o Processo de
Substituiçao de Importações, do qual derivou-se um capitalismo dependente.
Desta forma, o Brasil agrário cede lugar, gradativamente, a uma sociedade moderna,
com base na industrialização, reestruturando-se sob as exigências de um capitalismo sempre
voltado para suas matrizes externas.
Estes matizes de dependência vão se perpetuar de tal forma que quando o país se torna
capitalista
de facto
, a partir de sua industrialização, o fará de maneira dependente este ponto
também é primordial nas análises posteriores de Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso e
de outros intérpretes do Brasil.
Portando, a despeito da industrialização, Caio Prado afirma que o país seria
realmente uma nação quando rompesse com os aspectos coloniais que permaneciam em sua
dinâmica:
Nesse complexo processo evolutivo de transição de colônia para nação (...)
destacam-se sobretudo, na atual etapa, dois aspectos essenciais que, de certo modo,
se situam no centro do processo, e que, intimamente interligados, podem ser
considerados à parte para os fins da nossa análise. (...) São essas circunstâncias, de
um lado, o caráter originário da economia Brasiléia, estruturada na produção para o
atendimento de necessidades estranhas ao país e voltando assim, essencialmente
82
para o fornecimento de mercados exteriores; e de outro lado o tipo de relações de
produção e trabalho vigentes na agropecuária brasileira, bem como as condições
materiais e morais da população trabalhadora daí derivadas, e que conservam ainda
muito acentuadamente alguns traços nelas impressos pela tradição escravista
herdada do passado colonial. (PRADO JR, 1981, p.131)
na análise de Celso Furtado, a economia brasileira poderia ser caracterizada por
estruturas sociais arcaicas e baixo dinamismo, esta caracterização é decorrente da existência
de uma estrutura dual, onde se tem uma esfera buscando a maximização do lucro, e a outra
conservada no sistema pré-capitalista. Esse tipo de economia dualista constituiria o femeno
do subdesenvolvimento contemporâneo.
Neste sentido, o autor conceitua o subdesenvolvimento como sendo um processo
histórico autônomo, e não uma etapa pela qual tenham, necessariamente, passado as
economias que já alcançaram grau superior de desenvolvimento”. (FURTADO, 1969, p.154).
Furtado argumenta que há um processo evolutivo de intensa dependência dos países
periféricos para com os países centros que reforça a condição do subdesenvolvimentismo.
Este processo ocorreria em etapas e a partir de transformações das economias
periféricas. Primeiramente, a de vantagens comparativas, em seguida, o processo de
substituição de importação e por fim, condicionamento as formas de comportamento dos
grupos de alta renda. Em comum, esses processos seriam adaptativos em relação aos países
centros sendo uma evolução do próprio processo de dependência.
da análise de Fernando Henrique Cardoso decorre a Teoria da Dependência, esta
teoria tinha como meta deslocar a explicação simplista de um condicionante externo sobre o
interno (como no caso das teorias imperialistas) para uma concepção mais integrada do
relacionamento das partes que comem o sistema capitalista internacional.
Fernando Henrique salienta que, em seus trabalhos sobre dependência, buscava tecer
críticas sobre os estudos que tinham sido feitos até aquele ponto. Suas críticas estavam
baseadas em dois pontos. O primeiro era a abstrão dos condicionamentos sociais e poticos
do processo econômico nas teorias de desenvolvimento, pois, segundo o autor, o
desenvolvimento
que ocorre é
capitalista
e que não pode desligar-se do processo de expansão
do sistema capitalista internacional e das condições poticas em que êste opera”.
(CARDOSO, 1970, p.2). E, em segundo, mostrar que tem sentido a análise estrutural dos
processos de formação do sistema capitalista quando referida historicamente.
83
Neste sentido, o autor evidencia que a dinâmica interna dos países dependentes é um
aspecto
particular
da dinâmica mais geral do mundo capitalista e esta dinâmica geral produz
efeitos concretos. Em suas palavras,
Quer dizer, simplesmente, que as mudanças ocorridas "no centro" são
concomitantes, estão relacionadas e encontram expressão concreta em outras tantas
mudanças na periferia. Assim, por exemplo, se o "conglomerado multi-nacional"
passa a prevalecer como forma de organização da produção, êle provoca uma
reorganização da divisão internacional do trabalho e leva à rearticulação das
economias periféricas e do sistema de alianças e de antagonismos entre as classes
nos dois veis, interno e externo. Entretanto, a "expressão concreta" que o modo
capitalista de produção vai encontrar nas áreas dependentes não é "automática":
dependerá dos interêsses locais, das classes, do Estado, dos recursos naturais etc. e
da forma como êles se foram constituindo e articulando historicamente.
(CARDOSO, 1970, p.5)
A característica dependente da economia brasileira é relevante para a análise em
questão, pois a partir dela se evidencia a incapacidade do Brasil e, é claro, de outros países em
desenvolvimento, em determinar a forma capitalista que existina realidade mundial. Nesta
lógica, a incorporação de determinadas instituões e práticas socias, ajustadas a lógica
interna, é fundamental para que o ocorra o ajustamento a realidade e, consequentemente o
progresso social.
4.1.2 Plano Político
A partir da mudança da família real, a herança ibérica vai influenciar de maneira
significativa a formação social, potica e ecomica do país, deste modo, um período
relevante, para este trabalho, foi a vinda da família real para o Brasil, pois foi neste período
que se estruturou a vida potica brasileira e se desenhou os primeiros contornos das
instituições formais do Brasil contemporâneo.
Ao analisar as raízes históricas do Estado Português, Faoro descobre que a
fundamental peculiaridade de sua forma de organização estava calcada no fato de que o bem
público as terras e o tesouro da Corte Real não estava dissociado do patrimônio que
constituiria a esfera de bens íntima do governante, ou seja, não havia separação do público do
84
privado. Tudo constituía um imenso conjunto de possessões sob a égide de disponibilidade
fática e jurídica de deliberação do príncipe. Assim dizia:
A coroa conseguiu formar, desde os primeiros golpes da reconquista, imenso
patrimônio rural (bens ‘requengos’, ‘regalengos’, ‘regoengos’, ‘regeengos’), cuja
propriedade se confundia com o domínio da casa real, aplicado o produto nas
necessidades coletivas ou pessoais, sob as circunstâncias que distinguiam mal o bem
público do bem particular, privativo do príncipe (...) A propriedade do rei suas
terras e seus tesouros – se confundem nos seus aspectos público e particular. Rendas
e despesas se aplicam, sem discriminação normativa prévia, nos gastos da família ou
em bens e serviços de utilidade geral. (FAORO, 1977, p.4).
O modelo institucional existente em Portugal tinha como forma de organização
potica um patrimonialismo gerido pela vontade administrativa do príncipe, o qual estava
munido de todo um aparato de funcionários e ditos leais que se apropriavam do Estado e
que se utilizavam deste em benefício próprio, em caráter particularista. Era essa elite que
administrava os assuntos reais que constituía o estamento burocrático”. E foi esta estrutura
que se estabeleceu no Brasil.
De acordo com os desenvolvimentos de Rousseau no
Contrato Social
a função do
Estado deveria ser a de garantir a independência individual privada e a igualdade potica dos
seus cidadãos, para isto tem-se como pré-requisito a separação nominal jurídica do público e
do privado. Contrastando com este princípio, Raymundo Faoro em sua obra,
Os Donos do
Poder
, assegura que o poder político no Brasil por influência ibérica, era exercido em causa
própria, por um grupo social cuja característica era, exatamente, a de dominar a máquina
potica e administrativa do país, através da qual fazia derivar seus benefícios de poder,
prestígio e riqueza, o estamento burocrático, exatamente como instituído em Portugal.
O conceito do estamento burocrático é o ponto central da tese de Faoro e será através
deste conceito que Faoro fornece uma explicação para as mazelas do Estado e da Nação
brasileira.
É através do estudo do passado colonial brasileiro e mais ainda o estudo das estruturas
de poder existentes e importadas de Portugal que Faoro capta o que seria para ele uma das
características mais marcantes da vida potica, econômica e social do Brasil ao longo do
tempo: o estamento burocrático, derivada da estrutura de poder patrimonialista. O
patrimonialismo seria, para Faoro, a característica mais marcante do desenvolvimento do
Estado brasileiro através dos tempos.
85
O estamento, que Faoro remonta a Weber para descrever seus aspectos mais
importantes, é uma forma de ordem social vigente sob a qual se funda a estratificação e que
dissemina relações de poder pela tessitura social, que segundo Faoro, reclamando a imposição
de uma vontade sobre a conduta alheia
.
Enquanto que nas classes sociais se tem uma
manifesta estratificação segundo o rearranjo de grupos que estão dispostos conforme
interesses
econômicos
determinados por uma “situação de mercado”, os estamentos se
fundam na divisão da sociedade conforme a posição social que ocupam, ou seja, a um
status
específico. Trata-se de comunidades “fechadas”, de maneira que fazem de tudo para impedir
que outros indivíduos adentrem tal grupo e compartilhem do poder ali centralizado (ao
contrário das classes, que são “comunidades abertas”, desde que haja um fator econômico
preponderante). Calcam-se na desigualdade social, reclamando para si privilégios materiais e
espirituais que irão assegurar sua posição e sua base de poder no seio da sociedade. Neste
sentido, o estamento é uma camada de indivíduos que se organiza e que é definido pelas suas
relações com o Estado.
Conforme Faoro, os estamentos governam, as classes negociam. Os estamentos são
órgãos do Estado, as classes são categorias sociais (ecomicas). Nesta concepção, estes
estamentos organizados se apropriam do Estado, de seus cargos e funções públicas, impondo-
se um regime de uso dessas vantagens advindas do cargo
ocupado para a utilização da
máquina estatal em proveito próprio, para a satisfação de interesses particulares. Eles são os
verdadeiros “donos do poder”. A conseqüência é que o instrumento de poder utilizado pelo
estamento é o controle patrimonialista do Estado, traduzido em um Estado centralizador e
administrado em prol da camada potico-social que lhe infunde vida, ou seja, leis criadas para
benefício próprio do estamento. Este patrimonialismo é intrinsecamente personalista e, desta
forma, despreza a distinção entre a esfera púbica e privada. Em uma sociedade
patrimonialista, em que o particularismo e o poder pessoal reinam, o favoritismo é o meio por
excelência de ascensão social. O distanciamento do Estado dos interesses da nação reflete o
distanciamento do estamento dos interesses do restante da sociedade.
A característica centralizadora do estamento burocrático, ou patrimonialismo
brasileiro acarretava no fato de que a sociedade civil pouca influência tinha para atuar como
força refreadora dos mandos unívocos do Estado nacional. A sociedade para Faoro é retratada
como inativa frente à ordem política.
86
Para Faoro, o surgimento de uma identidade potica nacional está estreitamente
ligado à forma de organização social assumida pelos indivíduos historicamente. Neste sentido
apenas em um sistema em que exista o domínio da economia livre de mercados, é que se pode
se consolidar um estado liberal e democrático, em que, de fato, a tida separação das
esferas blico e privada. No caso brasileiro onde prevalece a posição de estamentos que,
segundo Silveira,
cooptam os interesses no ápice de um mecanismo estrutural de Estado, não uma
vida civil livre, não poderá prevalecer a justiça social e a desigualdade é regra de
sobrevivência dessa elite, forma pela qual a sociedade se assenta e se reproduz. Em
tal contexto, democracia e liberalismo político são meramente simulacros de um
sistema político vigente. Esfera pública e esfera privada são amalgamadas em um
único poder central, emanado ou do governante, e/ou da camada de indivíduos
detentores do poder político (estamento). (SILVEIRA, 2008 p.12)
Desta forma o liberalismo submetido à ordem patrimonial como no caso brasileiro era
para Faoro um liberalismo que pouco tinha de democrático e um pouco de liberal:
Não se estranhe esse divórcio que, até Tocqueville, foi um dos grandes dogmas do
credo liberal. O problema do liberalismo era compatibilizar-se com os estamentos,
que assumem papel semi-independente. Forma-se uma modalidade especial de
liberalismo, onde a base o está no povo, no cidadão, mas nos corpos
intermediários.(...) O povo, nessa perspectiva, é um corpo inorgânico a ser protegido
ou, se entregue a si mesmo, a ser temido. (...) As deficiências do liberalismo político
estão na base das fraquezas do liberalismo econômico. Embora, entre nós, um não
tenha saído do outro, com mais desencontros do que encontros, na base da
racionalidade do liberalismo econômico estão os elementos previsíveis e calculáveis
do Estado de direito. Esta irracionalidade formal é o grande obstáculo de um e de
outro para vencer o patrimonialismo. (FAORO, 1993, p.26)
Por conseguinte, era de suma importância para se construir um capitalismo sólido e
coerente no país romper com o sistema patrimonialista (estamento burocrático) institdo na
época colonial. Era necessário organizar a nação a partir de dentro e obter assim uma
economia mais potica e com mais instituições. Sair do patrimonialismo da colônia para uma
ordem competitiva burguesa. Portanto, existia um empecilho a ser rompido para a ordem
competitiva. Na visão de Florestan era necessário grupos de homens com espírito,
consciência social e vontade para fazer este rompimento.
Mas como evidenciado pela análise de Florestan Fernandes, a burguesia que leva a cabo
a ‘revoluçãoo tinha estes objetivos, pois no momento em que esta toma o Estado e o
coloca a serviço dos seus interesses surge uma nova gama de oportunidades para que ocorra a
sobrevivência e a posterior modernização pela qual a oligarquia viveu.
87
Diferente de outras burguesias, a brasileira se unificou no plano potico, e isso permitiu
que a oligarquia se renovasse. Outro elemento que contribuiu significativamente para a
afirmação dos valores oligárquicos foi a representação que a burguesia fazia do seu próprio
papel dentro da sociedade. Influenciada pelos ideais de revolução nacional e democracia, a
burguesia brasileira vangloriava-se de ter posto em prática algo tão louvável quanto aquilo
que a Revolução Francesa instituíra. Ao mesmo tempo, internamente ela reproduzia uma
organização social extremamente elitista herdada dos tempos do Império. No momento em
que essa sociedade passou a acirrar suas contradições, a burguesia não teve outra forma para
controlar os ânimos seo através dos mecanismos oligárquicos de repressão. A recomposição
conservadora das estruturas de poder deve-se também, de acordo com Florestan, à fraca
capacidade modernizadora da burguesia brasileira. Segundo o autor, ela o conseguia
vislumbrar alterações na estrutura social, e suas inovações circunscreviam-se à esfera da
produção e das atividades econômicas. A própria influência modernizadora externa
circunscrevia-se à esfera econômica, justamente para impedir que a estabilidade potica
sofresse qualquer ameaça das iias de revolução nacional.
Florestan afirma que foi a oligarquia quem determinou quais seriam as condições da
dominação burguesa na sociedade brasileira. No processo de evolução da dominação
burguesa houve
Entrechoques de conflitos de interesse da mesma natureza ou convergentes e de
sucessivas acomodações, e é nele que repousa o que se poderia chamar de
consolidação conservadora da dominação burguesa no Brasil. Foi graças a ela que a
oligarquia – como e enquanto oligarquia ‘tradicional’ (ou agrária) e como oligarquia
‘moderna’ (ou dos altos negócios, comerciais-financeiros, mas também industriais) –
logrou a possibilidade de plasmar a mentalidade burguesa e, mais ainda, de
determinar o próprio pado da dominação burguesa. (FERNANDES, 1987, p.209)
Apesar de todos os requisitos ideais que permeavam o imaginário da burguesia
brasileira (revolucionários, nacionalistas), na prática quem definiu as roupagens que a
dominação burguesa iria adotar foi a classe olirquica. Esse aspecto ganha importância na
medida em que se observa que nas revoluções européias a oligarquia foi expurgada da sua
condição hegemônica, sendo destituída pela classe burguesa emergente. No caso brasileiro, o
aspecto conciliador e pactual da reestruturação do poder fez com que ela, além de não ser
destituída, pudesse criar condões que realocaram-na a uma posição central no controle
social juntamente com a própria classe burguesa.
88
No entanto, a dimensão mais importante dessa reestruturação de poder, segundo
Florestan, foi sem dúvida a associão do padrão burguês de dominação com os
procedimentos autocráticos e conservadores da oligarquia, que tornou o regime impermeável
à instauração de mecanismos democráticos de participação política. Havia um acordo entre as
elites para manter essa autocracia, e isso significava a negação de qualquer possibilidade de
tornar o Estado numa instituição democrática e nacional, tal qual era pregado pela ideologia
burguesa. A democracia burguesa que passou a funcionar no Brasil era extremamente restrita
àqueles que pertenciam à minoria que detinha o poder. Para evitar que as massas
conquistassem espaço potico próprio dentro da ordem, a classe dominante mobilizou o seu
aparato repressivo para oprimir, coibir e condicionar qualquer forma de reivindicação.
A pressão posta em prática, de maneira tão brutal e ostensiva e fora de qualquer
consenso ou legitimidade civil e política exigia que se entendesse
sociologicamente as estruturas e dinamismos de uma sociedade de classes que o
chegou a completar a sua revolução nacional, ao nível da distribuição da riqueza, da
participação dos direitos civis e do funcionamento das instituições políticas, o que a
tornou incapaz de promover a democratização do controle do Estado pela população
(ou por sua maioria econômica e politicamente ativa). (FERNANDES, 1978, p.203)
Neste sentido, Darcy Ribeiro (2006) acredita que as causas para pobre performance
econômica seria o resultado do “modo de ordenação da sociedade, estruturada contra os
interesses da população, desde sempre sangrada para servir a desígnios alheios e opostos aos
seus. Não , nunca houve, aqui um povo livre, regendo seu destino na busca de sua própria
prosperidade.” (RIBEIRO, 2006, p.407).
A sua tese se assenta no fato de que o contexto social que se desenvolveu no Brasil
nunca teve condições de estabelecer instituições democráticas com base em formas locais de
auto-governo. Corroborando com a análise de Faoro, Darcy Ribeiro afirma que as instituições
republicanas, adotadas formalmente no Brasil para justificar novas formas de exercício de
poder pela classe dominante, tiveram sempre como seus agentes junto ao povo a própria
camada proprietária. Neste contexto, a sociedade resultante tem incompatibilidades
insanáveis. Dentre elas, a incapacidade de assegurar um padrão de vida, mesmo
modestamente satisfatório para a maioria da população nacional; a inaptidão para criar uma
cidadania livre e, em conseqüência, a inviabilidade de instituir-se uma vida democrática. “Não
é por acaso, pois, que o Brasil passa de colônia a nação independente e de Monarquia à
República, sem que a ordem fazendeira seja afetada e sem que o povo perceba.” (RIBEIRO,
2006, p.201).
89
Richard Morse (1988) ressalta a questão do liberalismo e afirma que o problema
brasileiro residia no fato de que aqui o liberalismo era alheio à cultura potica’ ou seja, era
alheio as noções informais de autoridade, comunidade e salvação pessoal que permeiam a
sociedade. Nesse contexto, o liberalismo foi perfeitamente adaptável como vocabulário,
ideologia, programa seletivo ou estratégia econômica, mas não como um modo de vida
potico. Ainda mais, o liberalismo aqui o chegou a realizar uma união frutífera com a
democracia rousseauniana. Desta forma o liberalismo europeu no Brasil tornou-se tanto
propriedade de partidos ou regimes liberais’ quanto conservadores, e perdeu muita de suas
conotões ‘liberais’ adquiridas desde Locke. (MORSE, 1988, p.88).
Um exemplo disto é a forma que se instituiu o liberalismo no Brasil, ou seja, como
um conjunto de paradoxos. Entre os mais importantes, Wanderley Guilherme do Santos (1977
apud
MORSE, 1988) aponta: os interesses dos proprietários de escravos numa economia de
mercado “livre”, contraposto ao interesse dos industriais “liberais” na intervenção estatal e no
protecionismo; a relutância dos “liberais radicaisem desafiar o sistema monárquico em sua
campanha pela abolição da escravatura; ou, ainda, a ansiedade dos regimes republicanos, sob
a constituição de 1891, em suspender o liberalismo potico em favor do econômico.
(SANTOS, 1977
apud
MORSE, 1988)
“As assimetrias dos liberalismos potico e econômico levaram os ‘liberais
doutrinários’ a se apegarem à reforma puramente legal, na crença de que boas leis produzem
instituições viáveis que, por sua vez, elevam a qualidade moral do sistema”. (MORSE, 1988,
p.91) E, Morse, resume, afirmando que, o liberalismo, uma importação problemática desde o
princípio, dificilmente podia florescer num clima não liberal.
Sintetizando, o fato é que o Brasil, através do processo de substituição de importações,
se tornou um país industrializado e pôde ser considerado uma nação capitalista. Ao menos em
termos ecomicos a mudança, ainda que de forma gradual e dependente, ocorreu. Todavia, o
que se instituiu no Brasil em termos poticos foi um administração patrimonialista calcada no
modelo ibérico que permanecerá influenciando toda a matriz instituicional brasileira posterior,
este ponto será aprofundado na seção seguinte onde se abordará a formação ou ‘deformação’
do
ethos
capitalista nos hábitos mentais da sociedade brasileira.
90
4.2 Velhos hábitos mentais
A questão que ainda permanece é se na essência o país se tornou realmente um país
capitalista, ou seja, até que ponto o
ethos
capitalista foi enraizado na sociedade brasileira.
Resta, portanto, analisar o conjunto de valores brasileiros referentes ao capitalismo e
liberalismo. Com este intuito será utilizado como parâmetros as crenças desenvolvidas na
Europa a partir da consagração do sistema capitalista como visto no capítulo anterior.
4.2.1 Tripaliare
: A Moral do Trabalho Brasileira
Diversos intérpretes do Brasil se dividem em relação à herança portuguesa, se esta foi
um fator positivo ou um peso para o país. A despeito das divergências encontradas na
literatura sobre este ponto, esta questão pode ser facilmente encontrada na bibliografia sobre a
cultura brasileira já que esta influenciou de forma ativa a formação sócio-cultural do país.
A partir da análise de Richard Morse mencionada anteriormente observou-se que os
países Ibéricos se mantiveram alheios à Reforma Protestante que ocorria na Europa no século
XVI, conseqüentemente a partir da herança portuguesa, o Brasil também não pode desfrutar
dos benefícios da moral do trabalho para o desenvolvimento de seu capitalismo.
Sobre a moral do trabalho, Sérgio Buarque de Holanda em
Raízes do Brasil
afirma que
a repulsa pelo trabalho regular e as atividades utilitárias é resultado da herança ibérica, pois
este não renuncia às veleidades em benecio do grupo ou dos princípios. O resultado mais
evidente disto é a falta de organização. Em suas palavras: “Um fato que o se pode deixar de
tomar em consideração no exame da psicologia desses povos é a invencível repulsa que
sempre lhes inspirou toda moral fundada no culto ao trabalho”. (HOLANDA, 1995, p.38). E o
autor continua sua análise sobre a moral do trabalho que se fundou no país dizendo:
A ‘inteireza’, o ‘ser’, a ‘gravidade’, o ‘termo honrado’, o ‘proceder sisudo’, esses
atributos que ornam e engrandecem o nobre escudo, na expressão do poeta
português Francisco Rodrigues Lobo, representam virtudes essencialmente inativas,
91
pelas quais o individuo se reflete sobre si mesmo e renuncia a modificar a face do
mundo. A ação sobre essas coisas, sobre o universo material, implica submissão a
um objeto exterior, aceitação de uma lei estranha ao individuo. Ela não é exigida por
Deus, nada acrescenta a sua glória e não aumenta nossa própria dignidade.
(HOLANDA, 1995, p.38)
Desta forma, é com facilidade que se intui que nas colônias portuguesas não tenha se
naturalizado a moderna religião do trabalho. “Uma digna ociosidade sempre pareceu mais
excelente e até mais nobilitante, a um bom português, ou a um espanhol, do que uma luta
insana pelo pão de cada dia”. (HOLANDA, 1995, p.38)
No capítulo intitulado “Trabalho & Aventura” surge a tipologia básica do livro, que
distingue o trabalhador do aventureiro. Neste sentido, o trabalhador seria o tipo ideal
referente ao indivíduo que não busca o lucro cil ou rápido, mas vendo primeiro as
dificuldades e não o resultado a se alcançar se esmera de forma persistente às ações que sente
ânimo em praticar. Conseqüentemente, nas palavras do autor, “terá por imorais e detestáveis
as qualidades pprias do aventureiro audácia, imprevidência, irresponsabilidade,
instabilidade, vagabundagem – tudo, enfim, quanto se relacione com a concepção
espaçosa
do
mundo, característica deste tipo”. (HOLANDA, 1995, p.44).
O aventureiro, por sua vez, busca o ganho material rápido, e vê como objetivo final de
suas ações sempre aquilo que intenta alcançar; assim, tal objetivo assume papel tão
fundamental para seus esforços que considera enfadonhos e até mesmo secundários e quase
desnecessários todos processos que lhe pareçam intermediários:
Esse tipo humano ignora fronteiras. No mundo tudo se apresenta a ele em generosa
amplitude e, onde se erija um obstáculo a seus propósitos ambiciosos, sabe
transformar esse obstáculo em trampolim. Vive dos espaços ilimitados, dos projetos
vastos, dos horizontes distantes. (HOLANDA, 1995, p.44).
O segundo tipo ideal sistematizado por Holanda, o aventureiro, é o que direcionou as
atividades portuguesas em suas colônias. Adicionalmente a isto e com um impacto maior foi
esta a característica enraizada nos hábitos mentais da sociedade brasileira em sua formação.
Ao invés da virtude do trabalho apregoada pela ética protestante, conforme argumentado por
Weber, se instituiu aqui uma ética muito mais próxima a da classe ociosa conforme a
construção teórica de Veblen, na qual o trabalho se associa nos hábitos de pensamento dos
homens à fraqueza e a sujeição ao senhor, considerado, portanto, marca de inferioridade,
humilhação e indigno do homem em sua plena capacidade.
92
Ao contrário do que se estabelece através da racionalização do espírito capitalista e se
materializa no discurso Benjamim Franklin, mencionado no capítulo 2 deste trabalho, no
Brasil tem-se uma repulsa firme à todas as modalidades de racionalização e,
conseqüentemente, uma aversão às virtudes econômicas.
As qualidades morais que requer naturalmente a vida de negócios distinguem-se das
virtudes ideais da classe nobre nisto que respondem, em primeiro lugar, à
necessidade de crédito, não à de gloria e de fama. São virtudes antes de tudo
lucrativas, que à honra cavalheiresca e palaciana procuram sobrepor a simples
honorabilidade profissional, e aos vínculos pessoais e diretos, a crescente
racionalização da vida. (HOLANDA, 1995, p.133)
Neste contexto, Buarque de Holanda enfatiza que para se ter uma transação econômica
frutífera de se desenvolver
a priori
“vínculos mais imediatos do que relações formais que
constituem norma ordinária nos tratos e contratos”. (HOLANDA, 1995, p.133).
Desta forma, o autor aponta o fato de que tanto portugueses como os espanhóis
admiram e almejam é “uma vida de grande senhor, exclusiva de qualquer esforço, de qualquer
preocupação. E assim, enquanto os povos protestantes preconizam e exaltam o esforço
manual, as nações ibéricas colocam-se ainda largamente no ponto de vista da Antiguidade
clássica. O que entre elas predomina é a concepção antiga de que o ócio importa mais que o
necio e de que a atividade produtora é, em si, menos valiosa que a contemplação e o amor”.
(HOLANDA, 1995, p.38)
Ainda, na análise de Buarque de Holanda, no Brasil não se busca no trabalho uma
satisfação na obra, mas apenas nos próprios indivíduos, um
finis operantis
, não um
finis
operanis
(HOLANDA, 1995, p.156). Desta forma as atividades profissionais são apenas
acidentes na vida dos indivíduos, e ao utilizar o desenvolvimento de Weber, o autor mostra
que o que se sucede no país é o oposto do que ocorre “entre outros povos, onde as próprias
palavras que indicam semelhantes atividades podem adquirir acento quase religioso”.
(HOLANDA, 1995, p.156)
Corroborando com o diagnóstico de Holanda, Roberto DaMatta escrevendo a partir
dos anos 80, evidencia em seus trabalhos que o que se enraizou na sociedade brasileira foi, de
fato, a repulsa ao trabalho.
93
Decorrente da análise de dois espaços sociais fundamentais que dividem a vida social
brasileira a casa e a rua esta questão é abordada. A rua é o espaço onde se concretiza o
trabalho, o chamado ‘batente’, que segundo DaMatta nome indicativo de um obstáculo que
se tem que cruzar, ultrapassar ou tropeçar. “Trabalho que no nosso sistema é concebido como
castigo. E o nome diz tudo, pois a palavra deriva do latim
tripaliare
, que significa castigar
com o
tripaliu
, instrumento que, na Roma Antiga, era um objeto de tortura, consistindo numa
espécie de canga usada para supliciar os escravos” (DAMATTA, 2000, p.31)
E o autor prossegue ao salientar a diferença da concepção anglo-saxã que equaciona
trabalho
work
com o agir e fazer, de acordo com a sua concepção original, através da
influencia da tradição calvinista, que foi vista anteriormente, onde o trabalho foi transformado
em uma ação destinada à salvação.
No Brasil, de tradição católica e sem as influências da Reforma Protestante, o que se
consolidou foi o horror ao trabalho e, segundo DaMatta, não foi à toa que o panteão de heróis
brasileiros oscila entre uma imagem do malandro, aquele que vive na rua sem trabalhar e
ganha o máximo com o mínimo de esforço, o renunciador ou santo, aquele que abandona o
trabalho neste e deste mundo e vai trabalhar para o outro, como fazem os santos e líderes
religiosos e, por fim, o caxias, que talvez não seja o trabalhador, mas o cumpridor das leis que
devem obrigar os outros a trabalhar. O fato, diz DaMatta é que não temos a glorificação ao
trabalhador.
4.2.2 Iluminismo em verde e amarelo
Como visto anteriormente, não se pode negar que o Iluminismo teve influências
significativas no Brasil desde seu processo de independência até na formação de seu corpo
potico. Mas estas influências, para o bem ou para o mal, foram exercidas apenas sobre os
intelectuais brasileiros e não sobre o povo. Neste sentido, Holanda (1995) ressalta que os
“movimentos aparentemente reformadores, no Brasil, partiram quase sempre de cima para
baixo: foram de inspiração intelectual, se assim se pode dizer (...). Nossa independência, as
conquistas liberais que fizemos durante o decurso de nossa evolução potica vieram quase de
94
surpresa; a grande massa do povo recebeu-as com displicência, ou hostilidade” (HOLANDA,
1995, p.160).
E autor prossegue em sua análise mostrando que estas reformas e conquistas liberais
o foram provenientes de uma pré-disposição espiritual e emotiva particular, de uma
concepção de vida bem definida e específica, que tivesse chegado à maturidade plena. “Os
campeões das novas idéias esqueceram-se, com freqüência, de que as formas de vida nem
sempre são expressões do arbítrio pessoal, não se ‘fazem’ ou ‘desfazem’ por decreto
(HOLANDA, 1995, p.161).
Portanto, aqui o que ocorreu foi uma tentativa de se importar os resultados deste
movimento da Europa para o Brasil de acordo com determinados interesses e a partir da
criação de um corpo legislativo robusto instaurar a questão da cidadania, igualdade, liberdade,
democracia e todos os outros resultados decorrentes destes ideais, mesmo que estes não
estivessem presentes na mentalidade da sociedade brasileira. Resta identificar quais eram os
elementos formadores desta mentalidade brasileira. Neste sentido, Holanda define o indivíduo
típico brasileiro como sendo o ‘Homem Cordial’.
Concebido a partir da mesma raiz de Faoro, ou seja, o patrimonialismo de Weber, mas
com conseqüências mais amplas, Holanda conceitua o Homem Cordial como característica
fundamental do brasileiro que, em sua bil vida pública, era tenazmente propenso a não
considerar a fundamental diferença entre seu interesse privado e a dimensão da esfera coletiva
em que este se inseria. Mediante o uso de um método intimamente voltado à psicologia e à
história social, Holanda, define de que maneira as características por nós herdadas, que nos
tornaram Homens cordiais” se interiorizaram em nossa cultura durante o processo
colonizador, desenvolvendo no Brasil modelos institucionais tipicamente patriarcais, de uma
prática de subordinação à autoridade e de manifesto descaso com os assuntos relativos à
esfera blica. Desta forma, Buarque de Holanda caracteriza o pico membro da elite
detentora do poder político no País:
Não era fácil aos detentores das posições públicas de responsabilidade, formados por
tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado
e do público. Assim, eles se caracterizam justamente pelo que separa o funcionário
“patrimonial” do puro burocrata, conforme a definição de Max Weber. Para o
funcionário “patrimonial”, a própria gestão política apresenta-se como assunto de
seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere,
relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como
95
sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que prevalece a especialização das
funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos. A escolha
dos homens que irão exercer as funções blicas faz-se de acordo com a confiança
pessoal que meram os candidatos, e muito menos de acordo com as capacidades
próprias. Falta a tudo a ordenação impessoal que caracteriza a vida no Estado
burocrático. (HOLANDA, 1995, p.139)
Esse movimento social de passagem da predominância de uma esfera eminentemente
privatizada, particularista, familiar, para a formão do Estado foi um processo pelo qual a
maioria dos países desenvolvidos modernos vivenciou, inclusive características que revelaram
a transição de uma ordem feudal para uma ordem capitalista na Europa como visto no capítulo
anterior. Entretanto, esse mecanismo de construção de um espaço público autônomo, em
contrapartida, não foi vivenciado pelo povo brasileiro em sua plenitude, o qual ficou ainda
intimamente ligado aos laços tradicionais, de predominância das relações familiares,
transpondo estes valores inadvertidamente para a esfera pública.
O ponto crucial ao qual Buarque de Holanda enfatizava, era essa peculiaridade deste
perfil de homem blico nacional que, nascido e criado sob um invólucro cultural marcado
pela forte presença dos valores de um núcleo familiar de caráter patriarcal, trazia para suas
atividades na vida blica características próprias do meio em que se fez indivíduo. Deste
modo, este indivíduo carregava para o atividades públicas os mesmo traços paternalistas
delimitadores de sua visão de mundo, de modo conducente a confundir na prática aqueles
assuntos aptos ao âmbito pessoal das atividades inerentes à
res publica..
Mais adiante, segue
em sua procua argumentação:
No Brasil, pode dizer-se que excepcionalmente tivemos um sistema
administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses
objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao
longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que
encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma
ordenação impessoal. Dentre esses círculos, foi sem dúvida o da família aquele que
se exprimiu com mais força e desenvoltura em nossa sociedade. E um dos defeitos
decisivos da supremacia incontestável, absorvente, do núcleo familiar – a esfera, por
excelência dos chamados “contatos primários”, dos laços de sangue e de coração
está em que as relações que se criam na vida doméstica sempre forneceram o
modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós. Isso ocorre mesmo
onde as instituições democráticas, fundadas em princípios neutros e abstratos,
pretendam assentar a sociedade em normas antiparticularistas. (HOLANDA, 1995,
p.142)
A partir dessa constatação sociologicamente vislumbrada do homem cordial seria
inerente à condição do brasileiro típico essa atávica propensão em tratar a potica e os
assuntos do Estado em conformidade com a noção que o indivíduo adquiriu de seu ambiente
96
familiar, ou seja, de modo pessoal, avesso a formalismos. Tudo isso obteve como
contrapartida o obstáculo em se erigir um Estado burocrático por excelência, de uma
separação mais tida entre o público e privado, dificultando a inserção deste “homem
cordial” em organizações sociais que estejam fora de sua visão patrimonialista do mundo.
Já para Roberto DaMatta a sociedade brasileira é uma sociedade hierarquizada e
autoritária, com uma ordem formal, baseada em posições de status e de prestígio social bem
definidos, onde não existe conflito e onde cada um sabe o seu lugar, ou melhor, cada qual
busca sempre estar no lugar social adequado, o que significa que o princípio da hierarquia é
sempre aplicado. (DAMATTA, 1997, p.171).
Ainda segundo este autor, a outra característica marcante da sociedade brasileira é a
existência de uma oposição sistemática entre o mundo das "pessoas", socialmente
reconhecidas em seus direitos e privilégios, e um universo igualitário dos indivíduos, onde as
leis impessoais funcionam como instrumentos de opressão e de controle ("para os amigos,
tudo; para os inimigos, a lei").
Corroborando com a análise realizada no capítulo 2, Roberto DaMatta evidencia o
papel inaugural da Europa na tradição igualitária. Todavia o autor salienta que esta tradição
que surge no universo social europeu foi muito mais forte no mundo anglo-saxão que em
Portugal. E segue na sua análise:
Noto que foi a Inglaterra que deu forma moderna à idéia econômica de mercado e
capitalismo. E com isso veio a prática de equacionar todos como iguais perante as
leis. Foi ali também que variantes radicais do protestantismo – como o puritanismo e
o calvinismo ganharam amplo terreno. Isso tudo conduziu a um individualismo
radical – “possessivo”, no dizer de um teórico dessas questões, o cientista político C.
B. Macpherson. Tal ideologia social nega as relações sociais e , com isso a presença
das redes imperativas de amizade e de parentesco que sustentavam a chamada moral
tradicional; ou seja: aquela moralidade que afirma a importância do todo (ou da
sociedade) sobre o indivíduo. Dentro dela, a pessoa é importante porque pertence a
uma família e tem compadres e amigos. É a relação que ajuda a defini-la como ser
humano e como entidade social significativa. Na moralidade individualista moderna,
porem inaugurada com a Reforma e com a Revolução Industrial, a família e a
sociedade é que eram constituídas de indivíduos, tal como os clubes, as paróquias,
os partidos políticos. Aqui, o individuo não é possuído (ou englobado) por sua
família ou por seus pais, confessores ou patrões. Ao contrario, é dono de si mesmo e
pode, em conseqüência, dispor de sua força de trabalho individualmente num
mercado de homens livres, mercado esse que desvincula moralmente quem oferece
de quem faz o trabalho”. (DAMATTA, 2000, p.44)
97
Contrastando com estes conceitos DaMatta mostra que no Brasil, onde prevalece uma
sociedade que jamais vive a si mesma em termos competitivos, ou seja, na qual as pessoas
o se em capacitadas a mudar de posição através de seu próprio desempenho, tudo isso é
fora do comum. O autor afirma que a sociedade brasileira é uma sociedade marcada e dividida
pelas ordens tradicionais: “o nome de família, o título de doutor, a cor da pele, o bairro onde
moramos, o nome do padrinho, as relações pessoais, o ser amigo do Rei, Chefe Potico ou
Presidente” (DAMATTA, 2000, p.77). Desta forma, esses tulos classificam os indivíduos
socialmente de modo irremediável. E na visão do autor : Jamais utilizamos o concurso
público e a competição como algo normal entre nós, daí o trabalho que é fazer uma eleição
honesta e disputada”. (DAMATTA, 2000, p.77)
E dada, as diferenciações sociais que já existem no mundo diário, pela qual os
indivíduos efetivamente se distinguem por meio de cadeias hierárquicas que indicam e
revelam sua importância na reprodução da ordem social conhecida, o autor insere a questão:
Qual a nossa relação e a nossa atitude para com e diante de uma lei universal que
teoricamente deve valer para todos? (DAMATTA, 2000, p.95)
Para responder esta pergunta o autor através de sua obra
Carnavais, Malandros e
Heróis
, constrói a tese na qual “o dilema brasileiro residia numa trágica oscilação entre um
esqueleto nacional feito de leis universais cujo sujeito era o indivíduo e situações onde cada
qual se salvava e se despachava como podia, utilizando para isso o seu sistema de relações
pessoais” (DAMATTA, 2000, p.95). Desta forma, para o autor, existe um conflito permanente
entre as leis que devem valer para todos e determinadas relações que podem ser utilizadas
por aqueles que as possuem. O resultado é um sistema social dividido e até mesmo
equilibrado entre duas unidades sociais básicas: o indivíduo (o sujeito das leis universais que
modernizam a sociedade) e a pessoa (sujeito das relações sociais, que conduz ao pólo
tradicional do sistema). “Entre os dois, o coração do brasileiro balança. E no meio dos dois, a
malandragem o jeitinho e o famoso e antipático ‘Sabe com quem esta falando?’ seriam modos
de enfrentar essas contradições e paradoxos de modo tipicamente brasileiro”. (DAMATTA,
2000, p.95).
Para ilustrar essa problemática o autor se utiliza como exemplo os Estados Unidos, a
França e a Inglaterra, onde, segundo o autor, as regras ou são obedecidas ou não existem, ou
98
seja, uma coerência profunda entre a regra jurídica e as práticas da vida diária . Nessas
sociedades, sabe-se que não há prazer algum em escrever normas que contrariam e, em alguns
casos, aviltam o bom senso e as regras da própria sociedade, abrindo caminho para a
corrupção burocrática e ampliando a desconfiança no bem público” (DAMATTA, 2000,
p.97).
Segundo o autor, para o brasileiro a obediência à regras, como, por exemplo, parar
diante de uma placa de trânsito que ordena parar (da forma que ocorre nos países citados)
parece um absurdo lógico e social. Desta forma o brasileiro fica confuso e fascinado com a
chamada disciplina existente nestes paises supracitados. E o autor ressalta que apesar desta
conduta, ou seja, essa obediência às leis universais, ser traduzida na percepção do brasileiro
em termos de civilização e disciplina, educação e ordem, na realidade ela é decorrente de uma
simples e direta adequação entre a prática social e o mundo constitucional e jurídico. Nas
palavras do autor:
É isso que faz a obediência que tanto admiramos e, também, engendra aquela
confiança de que tanto sentimos falta. Porque, nessas sociedades, a lei o é feita
para explorar ou submeter o cidadão, ou como instrumento para corrigir ou
reinventar a sociedade. a lei é um instrumento que faz a sociedade funcionar
bem. (DAMATTA, 2000, p.97)
Em contraste, no universo social brasileiro, a lei foi sendo utilizada conforme as
palavras de DaMatta, para corrigir ou reinventar a sociedade, o resultado é que a lei é
percebida pela sociedade brasileira como o ‘não formal’ capaz de eliminar os prazeres e inibir
todos os projetos e iniciativas. “Assim entre o pode e o não pode, escolhemos, de modo
chocantemente anti-lógico, mas singularmente brasileiro, a junção do pode com o não pode”
(DAMATTA, 2000, p.98). É desta forma que a sociedade opera entre um sistema legal que
quase sempre nada tem a ver com a realidade social. As implicações últimas desta escolha
serão analisadas no capítulo seguinte.
Por fim, ao contrário tanto das implicações da reforma protestante como da revolão
científica e do racionalismo, no Brasil tem-se uma relação única com Deus e com a religião.
Enquanto que Bacon, Descartes e Locke libertavam os homens das crenças estabelecidas, ou
seja, da que os males eram conseqüências dos planos divinos, DaMatta (2000) evidencia que
o papel primordial da religião no Brasil é oferecer respostas a perguntas que, rigorosamente,
o podem ser respondidas pela ciência ou pela tecnologia” (DAMATTA, 2000, p.112), entre
99
elas estariam as causas dos infortúnios e dos sofrimentos. “a religião é um modo de ordenar o
mundo, facultando nossa compreensão para coisas muito complexas, como a idéia do tempo,
a ideia de eterno e a idéia de perda e desaparecimento, esses mistérios perenes da existência
humana.” (DAMATTA, 2000, p.113)
No livro,
A cabeça do Brasileiro
, Almeida (2007) mostra que no Brasil ,1/3 dos
adultos acreditam que Deus decide o destino dos homens, sem espaço para a mão humana.
60% da população acredita que grande parte do acontece com os homens está fora de seu
controle e, no extremo oposto, apenas 14% da população adulta brasileira acreditam que não
um desígnio além da capacidade humana de definir sua própria vida. (ALMEIDA, 2007,
p.114).
4.2.3 Liberalismo em linhas tortas
Como resultante de todo este ambiente potico e cultural tem-se um liberalismo típico
brasileiro, ou seja, um liberalismo sem igualdade jurídica e nem material, com uma sociedade
hierarquizada onde os indivíduos assumem identidade a partir de suas relações sociais,
rejeitando assim o princípio individualista.
Neste Sentido, Darcy Ribeiro (2006), afirma que ao contrário do que aconteceu nas
sociedades autônomas, aqui o povo não existe pra si mesmo. “Ontem, era uma força de
trabalho escrava de uma empresa agro-mercantil exportadora. Hoje, é uma oferta de mão-de-
obra que aspira a trabalhar e em mercado potencial que aspira a consumir”. (RIBEIRO, 2006,
p.229).
O resultado deste processo faz com que nas palavras de Sergio Buarque a democracia
no Brasil tenha sempre sido um lamentável mal-entendido. As constituições feitas para não
serem cumpridas, as leis existentes para serem violadas, tudo em proveito de indivíduos e
oligarquias deflagram a característica mais marcante da sociedade brasileira: o personalismo
acima de qualquer instituição formal.
100
Seguindo o mesmo padrão do liberalismo potico, que não se arraigou na mentalidade
da sociedade brasileira durante sua estruturação política e social, devido a forma como esta se
desenvolveu, o liberalismo econômico, influenciado pelo desenvolvimento da indústria que de
fato ocorreu no país, também não conseguiu transpor as barreiras da iniciativa privada e
imbuir a mentalidade do povo de suas doutrinas.
Neste sentido, a PESB
9
Pesquisa Social Brasileira empreendida pelo DATAUFF, da
Universidade Federal Fluminense traz a tona às crenças do brasileiro no que diz respeito ao
liberalismo ecomico. Ao contrário do que prega a doutrina do liberalismo ecomico na
qual os poderes do governo devem ser reduzidos a um nimo compatível com a segurança,
para a sociedade brasileira a participação do Estado é fundamental para a dinâmica
econômica.
Para o brasileiro, esta participação não pode ser confinada apenas à provisão de
serviços básicos segurança, educação, saúde, transporte e previdência e aposentadoria, mas
deve ir além, ou seja, se expandir e atuar em áreas economicamente estratégicas como
administração dos bancos, dificultando a entrada de produtos estrangeiros, estipulando os
salários de todos os cargos de todas empresas brasileiras e, mais, controlando o preço de todos
os produtos produzidos no Brasil.
Esta posição, não apenas mostra o grau de aproximação a teoria liberal capitalista, mas
em última instância, evidencia uma profunda rejeição e ruptura entre o liberalismo e as
crenças enraizadas na sociedade. Os gráficos a seguir ilustram a posição do brasileiro em
relação aos pontos supracitados.
9 “A Pesquisa Social Brasileira fez 2.363 entrevistas, entre 18 de julho e 5 de outubro de 2002. Na elaboração
da amostra, foram utilizados os dados de contagem de 1996 do IBGE e a divisão político-administrativa
brasileira (cinco regiões, 26 estados mais o Distrito Federal e 5.507 municípios). A partir daí foram sorteados
102 municípios e, desses, 27 foram considerados auto-representativos (as capitais dos estados) e 75 não auto-
representativos.
A amostra foi probabilística, com três estágios de seleção e representativa das cinco regiões. Para reduzir os
custos, todos os municípios com até 20.000 habitantes das regiões Norte e Centro-Oeste foram excluídos, o que
significou que o equivalente a 3,1% da população ficou fora da população amostrada. Almeida (2007:19).
101
O governo deve controlar os preços de todos os serviços básicos
57,19%
28,21%
6,68%
7,71%
0,21%
85,40%
Discorda muito Discorda um pouco Nem concorda nem discorda Concorda um pouco Concorda muito
Figura 6: Controle dos preços dos serviços básicos
Fonte: PESB
O governo deve controlar os preços de todos os produtos vendidos no Brasil
53,96%
16,13%
18,19%
11,55%
0,17%
70,09%
Discorda muito Discorda um pouco Nem concorda nem discorda Concorda um pouco Concorda muito
Figura 7: Controle dos preços de todos os produtos
Fonte: PESB
102
O governo precisa dificultar mais a entrada de produtos estrangeiros no
Brasil
67,92%
0,52%
15,82%
15,74%
21,10%
46,82%
Discorda muito Discorda um pouco Nem concorda nem discorda Concorda um pouco Concorda muito
Figura 8: Dificultar a entrada de produtos estrangeiros
Fonte: PESB
O governo deve definir qual o valor dos salários de todas as empresas no
Brasil
40,20%
14,21%
30,48%
14,94%
0,17%
54,41%
Discorda muito Discorda um pouco Nem concorda nem discorda Concorda um pouco Concorda muito
Figura 9: Definição do valor dos salários
Fonte: PESB
103
O governo deve socorrer as empresas em dificuldades
82,30%
0,04%
5,47%
12,18%
19,79%
62,51%
Discorda muito Discorda um pouco Nem concorda nem discorda Concorda um pouco Concorda muito
Figura 10: Socorro às empresas em dificuldade
Fonte: PESB
Opinião sobre quem deve administrar os bancos
17%
32%
51%
Governo Governo e empresas particulares Empresas particulares
Figura 11: Administração dos Bancos
Fonte: PESB
A partir desta análise na qual se resgata o passado, privilegiando os aspectos presentes,
observou-se no decorrer deste capítulo que no desenrolar do processo de evolão social do
país, através do capitalismo, o país não se mostrou capaz de internalizar valores compatíveis
com a dinâmica capitalista. No capítulo seguinte serão analisadas, a partir do arcabouço
institucionalista, as conseqüências para o desenvolvimento sócio-econômico brasileiro.
104
5 CAPITALISMO A BRASILEIRA
“BRASIL, ...que sabe tão bem conjugar lei com grei, indivíduo com pessoa, evento com estrutura, comida farta
com pobreza estrutural, hino sagrado com samba apócrifo e relativizador de todos os valores, carnaval com
comício político, homem com mulher e até mesmo Deus com o Diabo”.
DaMatta, 2000
De acordo com o foco de análise determinado na exposão do primeiro capítulo, a
essência de todo o marco teórico selecionado para a análise brasileira é o desenvolvimento
econômico como um processo de evolão das instituições em um sentido de ajustamento à
realidade.
Desta forma, foi selecionado para o estudo, analisar o Brasil em dois termos. Esta
distinção é feita apenas com o objetivo de facilitar a análise, pois eles não estão apenas
intimamente relacionados, mas pode-se dizer que um é decorrente do outro e ambos se inter-
relacionam e se influenciam mutuamente.
Primeiramente será analisada a forma em que ocorre a inter-relão entre os
indivíduos e as instituições na sociedade brasileira, ou seja, o mecanismo que estabelece e
garante a durabilidade destas instituições. Com este intuito, a principal ferramenta a ser
utilizada será o
Reconstitutive Downward Causation
.
Posteriormente será analisado o grau de ajustamento das instituições brasileiras à
realidade, ou seja, ao capitalismo. Este na forma em que foi determinado no capítulo 2. Neste
sentido será comparada a forma como se estabeleceu o capitalismo na Europa, os hábitos,
valores e comportamentos presentes na sociedade européia que propiciaram o
desenvolvimento do capitalismo e as crenças ou instituições do âmbito informal que
sustentaram sua durabilidade, com a matriz institucional brasileira.
Portanto, sob a perspectiva do institucionalismo, neste capítulo, serão analisadas as
implicações decorrentes das idéias apresentadas ao longo do desenvolvimento deste trabalho.
Da mesma forma que o foco de análise, as conseqüências dos diferentes arranjos sociais
105
encontrados neste trabalho, serão agrupados em dois conjuntos principais. Cada um deles com
suas respectivas implicações.
O primeiro conjunto de implicações é resultado do que foi chamado por Richard
Morse de opção cultural, que resultou em diferentes arranjos sociais. Desta forma será
comparado o ambiente informal que propiciou o surgimento, desenvolvimento e a sustentação
do capitalismo na Europa ocidental e América do Norte e o ambiente informal que se
desenvolveu no Brasil na época de sua formação e que se perpetua até os dias atuais.
O segundo conjunto diz respeito à forma em que se estabelecem as instituições
brasileiras. Se em relação ao primeiro conjunto de implicações o Brasil se ‘isenta’ de qualquer
responsabilidade, já que foi uma opção de seus colonizadores, em relação ao segundo não se
pode afirmar o mesmo, pois foi uma opção brasileira a de recair na falácia de que bastam
instituições formais modernas para se construir um capitalismolido e coerente. Estes
conjuntos e suas derivantes serão analisados a seguir.
5.1
Reconstitutive Downward Causation
O primeiro conjunto de conseqüências que será analisado, diz respeito à forma pela
qual se constituem as instituições. Para entendê-las de forma completa lança-se mão de uma
das ferramentas que foi desenvolvida pela corrente neo-institucionalista, a partir dos escritos
de Veblen, já apresentada e explicada neste trabalho, que é o
Reconstitutive Downward
Causation
.
De acordo com o exposto neste trabalho, fica explícito que o surgimento do
capitalismo na Europa foi fruto de uma confluência de fatores que operavam na sociedade
européia por séculos. Estes fatores atuavam pressionando as instituições presentes de modo a
provocar uma mudança nestas instituições e nos hábitos mentais, ou seja, tornando-as
inadequadas para lidar com a realidade, que por natureza está sempre em contínua
transformação.
106
Alguns dos eventos notoriamente marcantes neste processo foram: a Reforma
Protestante, a Revolão Francesa e Científica e a Revolução Industrial que tiveram o papel
primordial de transformar os hábitos mentais dos indivíduos ao mesmo tempo em que eram
influenciados por eles.
Dada a dinâmica do
Reconstitutive Downward Causation
RDC pode se dizer que as
instituições que emergiram neste período como o liberalismo, o individualismo, a democracia
e até mesmo industrialização foram resultados de mudanças nos hábitos mentais da sociedade
atuando no sentido de ajustamento a esta nova realidade.
Estes novos bitos mentais originaram novas crenças como: a importância do
trabalho como vocação e o papel primordial do capitalista no progresso técnico social; a razão
como único instrumento para construção de conhecimento e, conseqüentemente, para o
desenvolvimento da sociedade; a igualdade, o individualismo e a democracia como
instrumentos para tornar a sociedade mais justa, a proteção e a manutenção da propriedade
privada e o liberalismo como mecanismos de garantir a livre iniciativa e o desenvolvimento
do capitalismo. Por fim, a evolução da racionalização de todas essas novas crenças fez com
que o capitalismo emergisse fundamentado nestas crenças como o melhor arranjo social para
garantir o progresso da civilização.
Figura 12: RDC Capitalismo Europeu
Fonte: Autora
Sociedade liberal
-
burguesa
CAPITALISM
O
Liberalismo; individualismo; Industrialização
Razão; Progresso; Lógica do Capital
Hábitos
107
Em concordância com a análise weberiana do capitalismo, o processo de
racionalização que tomou conta de todas as esferas, tanto social, como política e econômica
na Europa propiciou o surgimento e a durabilidade destas instituições e teve como resultado
final a sustentação do sistema capitalista. Se por um lado a lógica do capital era reforçada pela
filosofia, política e religião, estas, por sua vez, se fortaleciam ante o inegável progresso
proporcionado pela industrialização. Destarte este mecanismo propiciou a sustentação e o
desenvolvimento do capitalismo.
Nota-se que a forma pela qual se estabeleceu esse mecanismo (RDC) na Europa não
trouxe conflitos imediatos entre as esferas formais e as esferas informais, pois eram aderentes
e se reforçavam. Desta forma, um plano era evidentemente decorrente do outro garantindo
assim a durabilidade de suas novas instituições. O capitalismo não surge, portanto, de forma
arbitrária, como uma opção econômica de um determinado indivíduo, ou instituição, como
por exemplo, o Estado. O capitalismo surge na Europa como resultado do processo evolutivo
das instituições presentes neste período e que estavam presentes nos hábitos mentais da
sociedade da época.
Como visto no caso brasileiro, os hábitos mentais da sociedade brasileira pouca
relação tinha com as crenças que propiciaram a emergência e sustentação do capitalismo na
Europa. Vale ressaltar que nem mesmo os precursores das mudanças tinham essas crenças
arraigadas. Mas a problemática se insere na forma pela qual se estabelecem as leis, as
constituições, as instituições que operam no ambiente formal, pois estas não têm aderência
qualquer ao ambiente informal.
Destarte, no caso brasileiro tem-se dois movimentos diferentes originando suas
instituições. Os hábitos mentais da sociedade, como um todo, não geram fundamentalmente
regras sociais para o ambiente formal, apenas para o ambiente informal, portanto o modelo do
Reconstitutive Downward Causation
não se aplica de forma genérica a qualquer instituão,
ou seja, não existe aderência entre o ambiente formal e o informal, pois a dinâmica utilizada
para o surgimento das regras sociais que operam no âmbito formal é diferente daquelas
formadas no ambiente informal.
Neste sentido, este conjunto de implicações diz respeito ao que foi chamado aqui de
opção brasileira, ou seja, a de recair na falácia de que se é suficiente a criação de instituições
108
formais modernas para se construir um capitalismo lido e transformar os hábitos mentais
dos indivíduos. O que se intui, e se fundamenta a partir do arcabouço teórico neo-
institucionalista, é que as instituições que operam no ambiente formal apenas se sustentam em
seu formato ideal se existe coerência com as crenças e hábitos mentais que operam no
ambiente informal, e desta forma ocorrem as relações de interdependência entre estas esferas.
A seguir se verá como se dá este processo na sociedade brasileira.
Figura 13: RDC – Brasil
Fonte: Autora
5.1.1 Ambiente Formal
A primeira parte do modelo apresentado diz respeito às instituições que operam no
âmbito formal. A principal matéria-prima no desenvolvimento de instituições formais no
Brasil, como visto no capítulo anterior, é o modelo importado de países mais desenvolvidos e
o os hábitos mentais dos indivíduos que pertencem a essa sociedade. A partir da importação
destes modelos, estes sofrem inflncias das crenças enraizadas no país e emergem de uma
maneira distinta da original.
MODELO EXTERNO
INSTITUIÇÕES
CRENÇAS
HÁBITOS
INDIVÍDUOS
INSTITUIÇÕES
CRENÇAS
HÁBITOS
AMBIENTE FORMAL
AMBIENTE INFORMAL
‘Jeitinho’
109
Desta forma as instituições que surgiram na Europa a partir do desenvolvimento do
capitalismo são importadas para o Brasil, como o liberalismo, a democracia, a igualdade, a
industrialização, mas durante esse processo alguns problemas surgem. O primeiro é que essas
instituições não são importadas na essência, apenas na forma de leis e constituições que são
utilizadas de acordo com interesses particulares, o que fere o princípio da igualdade e da
democracia. Neste sentido, tem-se um segundo efeito, como visto no capítulo anterior, surgem
versões abrasileiradas destas instituições que em seu cerne fogem de seus princípios originais
e, portanto, não adquirem a mesma relevância para operar como uma regra que estruturam as
relações sociais no Brasil. Esta mutação ocorre nestas instituições devido à influência que as
regras informais exercem nos idealizadores e formuladores de instituições que se representam
na forma explícita.
O segundo problema é decorrente do fato destes não ser aderentes a dinâmica tácita da
sociedade. Esta dinâmica tácita diz respeito aos hábitos mentais que estruturam as relações
sociais no ambiente informal. Esta dinâmica, opera na conjuntura formal de forma a
abrasileirar estas instituições e na conjuntura informal faz com que surjam conforme visto na
análise de DaMatta instituições como o jeitinho, o ‘você sabe com quem está falando?’ e até o
despachante. Os resultados mais aparentes desta “opção” ficam evidentes na análise de
DaMatta, sobre o repúdio do brasileiro às leis, onde estas significam apenas o ‘não pode’. As
conseqüências desta repulsa serão aprofundadas posteriormente.
5.1.2 Ambiente Informal
o ambiente informal, este sim, é resultado dos hábitos mentais dos indivíduos. E,
desta forma, o RDC se aplica conforme formulado por Hodgson (2006). Neste sentido,
Almeida (2006) no livro
A cabeça do Brasileiro
se propôs a examinar se as proposições sobre
a sociedade brasileira de Roberto DaMatta se verificariam na realidade.
O cerne destas proposições estava no fato, por demais enfatizado nas obras de Roberto
DaMatta, de o Brasil ser um país extremamente hierárquico. Deste fato, surgem diversas
110
outras implicações como o Jeitinhoe o descumprimento de normas e leis, que minariam a
democracia e o liberalismo no Brasil.
Segundo o autor, a mentalidade de grande parte de sua população brasileira
10
obedecerá às seguintes características: apóia o “jeitinho brasileiro”; é hierárquico; é
patrimonialista; é fatalista; não confia nos amigos; não tem espírito público; defende a Lei de
Talião; é contra o liberalismo sexual; é a favor de mais intervenção do Estado na economia; é
a favor da censura. (ALMEIDA, 2007, p.26).
A conclusão desta obra -
A cabeça do Brasileiro
-, segundo seu autor foi, portanto, a
de que as interpretões de Roberto DaMatta sobre a sociedade brasileira estão
essencialmente corretas. O Brasil é hierárquico, familista, patrimonialista e aprova tanto o
“jeitinho” quanto um amplo leque de comportamentos similares.(ALMEIDA, 2007, p.26).
O terceiro aspecto presente na figura do RDC brasileiro que ainda não foi abordado é
o jeitinho brasileiro. Sua causa, a forma como atua na sociedade e suas conseqüências serão
vistas a seguir.
5.1.3 Solução: Jeitinho
A principal conseqüência da não aderência entre o conjunto de instituições explícitas e
as regras implícitas é o surgimento do chamadojeitinho brasileiro’. Neste sentido, o trabalho
de DaMatta, auxilia no entendimento deste fenômeno, resultante desta não aderência. As
explicações das características primordiais do brasileiro, formuladas pelo autor, são
decorrentes da análise da tida separação entre dois espaços sociais, a casa e a rua. Deste
exame decorre a diferenciação entre a ‘pessoa’ e o ‘indivíduo’, o cidadão. A dinâmica destes
10 Vale salientar que a conclusão obtida pelo autor é a existência de dois Brasis, dois paises distintos
mentalidade em suas palavras um verdadeiro apartheid cultural. “Dois paises separados, num verdadeiro
apartheid cultural... O que está em jogo são valores em conflito, e por conseguinte, uma sociedade em conflito.
Enquanto a classe baixa defende valores que tendem lentamente a morrer ou a se enfraquecer, a classe alta
mantém-se alinhada a muitos dos princípios sociais dominantes no paises desenvolvidos”. (Almeida 2007:25) O
grande divisor de águas para o autor seria o acesso à educação, ou seja, entre os determinantes deste conflito ou
o abismo entre brasileiros um dos mais importantes, para Almeida, é a escolaridade. E segue afirmando que
como a maior parte da população brasileira tem escolaridade baixa, pode-se afirmar que o Brasil é arcaico.
111
conceitos resulta no surgimento do chamado ‘jeitinho’, que é conseqüência da relação que a
sociedade brasileira tem com as suas leis.
Entre essas duas unidades sociais básicas: o indivíduo (o sujeito das leis universais que
modernizam a sociedade) e a pessoa (sujeito das relações sociais, que conduz ao pólo
tradicional do sistema) existe a malandragem, o jeitinhoe o ‘sabe com quem está falando?
como modos de enfrentar essas contradições e paradoxos de modo tipicamente brasileiros.
(DAMATTA, 2000, p.96).
Em um país que de acordo com DaMatta a lei sempre significa o “não pode”, o
jeitinho se torna um estilo de navegação social, ou seja, a junção do “pode” com o “não
pode”. Não se torna necessário a obediência cega às regras, ao mesmo tempo não se pode
simplesmente desobedecê-las e sofrer as conseqüências dessa desobediência. O brasileiro
encontra uma terceira via, a via do “jeitinhoque garante que as coisas ocorram de acordo
com seus desejos sem que para isso haja um confronto, pois o brasileiro, como visto, é o
‘homem cordial’, que repudia o conflito e, é através da amizade, da identificação com o outro
que consegue que as leis funcionem a seu favor.
O ‘jeitinho’ surge na realidade de suas implicações sociológicas como uma
instituição de pleno direito, e como um instrumento que ajuda a navegar o oceano
turbulento do cotidiano brasileiro, um dia-a-dia marcado pelo inferno das
incoerências entre as leis explicitas, escritas, discutidas e formalizadas em digos
bem elaborados e freqüentemente muito duros; e as práticas sociais, que jamais são
vistas como questões políticas relevantes. DaMatta (prefácio Jeitinho Brasileiro xxi)
No prefácio da obra
O Jeitinho Brasileiro
, de Lívia Barbosa, DaMatta argumenta que
após uma avaliação critica de outros estudos do ‘jeitinho’, ela detecta o seu centro na nossa
notória dificuldade de lidar com um principio burguês fundamental, qual seja: o da igualdade
de todos perante as normas, base da isonomia jurídico-politica descoberta e instituída pela
mentalidade revolucionária no Ocidente Europeu”. (DAMATTA, prefácio Jeitinho Brasileiro
xxi)
Assim, se o Brasil enquanto sociedade opera por meio de “estilosde falar e fazer que
usam a forma diminutiva do “jeitinhoe apelam para a simpatia pessoal e para a generosidade
humana do interlocutor (que deve nos compreender a acolher a nossa carência e a nossa
necessidade humana); como estado-nacional, por outro lado, o Brasil funciona desenhando e
instituindo leis baseadas no individualismo igualitário que, em principio, nega as hierarquias e
112
as relações instrumentais. Neste sentido, no Brasil é muito mais importante conhecer a pessoa
implicada do que a lei que governa dada situação. (DAMATTA, prefácio Jeitinho Brasileiro
xxi)
No livro
O Jeitinho Brasileiro
, Livia Barbosa, apresenta perplexamente que em suas
pesquisas concluiu que o ‘não’, ou qualquer outro tipo de negativa, no Brasil, não significava
o que semanticamente pretendia denotar. O ‘não’, não era o limite. “Da mesma forma que a
lei, a norma e a constituição também não implicam barreiras definitivas e irrevogáveis para o
comportamento e o desejo das pessoas”. (BARBOSA, 2006, p.2).
Neste mesmo livro, a autora apresenta as principais visões intelectuais do jeitinho
brasileiro’ e identifica cinco trabalhos que já desenvolveram este conceito. Primeiramente
apresenta o conceito de Guerreiro Ramos desenvolvido em 1966. Neste trabalho, Ramos
define o jeitinho como a “discrepância entre nossas instituições sociais, poticas e jurídicas e
nossas praticas sociais. Entre o que é prescrito e o que realmente ocorre; entre nossa
constituição, nossas leis e regulamentos e os fatos e as práticas reais do governo e da
sociedade.” (BARBOSA, 2006, p.14). Para o autor esta seria uma estratégia global utilizada
pelos países latino-americanos com objetivos de superar a fase desenvolvimento em que se
encontram. Desta forma promulgam leis, decretos etc., que possam gerar modificações
formais nos aspectos poticos e ecomicos. Desta forma, conseguem adiar as tensões sociais
existentes.
Enquanto o formalismo é uma estratégia primária, o ‘jeitinhoseria uma estratégia
secundária suscitada pelo próprio formalismo. Mas, ainda, na opinião deste autor, o jeitinho
estaria fadado a desaparecer no futuro mediante, o desenvolvimento econômico e social que
exigiram a adoção de estruturas legais mais realistas que preconizariam seu desuso. Neste
sentido, a industrialização desempenharia um papel relevante, pois este processo acarretaria o
surgimento de classes sociais diferenciadas e a exigência de adoção de normas universais na
elaboração de decisões governamentais, pois a indústria não subsistiria sem o predonio da
racionalidade nas relações sociais, o ‘jeito’ seria fatalmente eliminado de nossa prática
cotidiana”. (BARBOSA, 2006, p.15).
Roberto de Oliveira Campos, em seu ensaio
A técnica e o riso
, 1966, insere o
jeitinho como uma das características que difere as sociedades de origem anglo-sae as
113
latinas. Neste sentido, o ‘jeitinho não é uma instituição nem legal e nem ilegal, é
simplesmente paralegal. E suas origens se assentam em três fatores principais.
O primeiro fator é decorrente da formão destes países, ou seja, suas raízes históricas.
Nos países latinos as relações feudais perduraram por um período maior, tanto no donio
potico como no econômico.
O segundo fator é decorrente das relações entre a lei e o fato social. O autor aponta
que para o inglês, a lei é uma cristalização do costume. “A
commom law
é uma coletânea de
casos e precedentes, e não um sistema apriorístico e formal de relações. A lei magna da
Inglaterra nunca foi escrita e a norte-americana restringe-se a apenas algumas páginas”.
(BARBOSA, 2006, p.17). No caso das sociedades latinas americanas, as constituições são
normativas e regulamentares, criando um descompasso entre a norma e o comportamento, e,
dessa forma, gera uma permanente tensão institucional. Nesta visão o descumprimento da lei
é condição de sobrevivência do indivíduo e de preservação do corpo social sem um atrito
constante.
O terceiro fator é de origem religiosa, pois as sociedades latinas são
predominantemente católicas, uma religião que, segundo o autor, tem dogmas rígidos e
intolerantes ao contrário dos países protestantes, onde sua moral é utilitária e complacente.
Roberto Campos conclui, que se esta instituição paralegal, o ‘jeitinho’, fosse
amputada, dado o irrealismo de nossas formulações legais, a tensão social poderia levar a
sociedade a duas posições extremas. Primeiro, a de uma sociedade paralítica, puramente
obediente, e, segundo, a da sociedade explosiva, pelo descompasso entre a lei, o costume e o
fato. Daí a essencialidade do ‘jeitinho’.
João Camilo Oliveira Torres, um dos autores que também analisou o jeitinho, o
caracterizou como uma adaptação ao inesperado e conceituou o ‘jeitinhoda seguinte forma:
o ‘jeito é uma maneira de ser peculiarmente brasileira, fruto de condições históricas
particulares que permitiram a criação desse tipo de filosofia de vida”. (BARBOSA, 2006,
p.23). Essas condições hisricas representam essencialmente a formão brasileira, o papel
da educação dos jesuítas, o tipo de colonização que foi aqui levada a cabo e, por fim, a
mestiçagem.
114
Keith Rosen, por sua vez, faz o estudo mais minucioso entre os aqui mencionados. Em
seu trabalho,
The Jeito Brazil’s Institutional Bypass of the Formal Legal System and its
Development Implications
, o autor detalha cinco tipos diferentes do jeitinho encontrado no
Brasil e analisa suas causas a partir seu passado colonial. Desta forma, busca fazer paralelos
entre o ‘jeitinhoe a heraa portuguesa. Entre as características portuguesas que, segundo o
autor, ainda condicionam as atitudes brasileiras em relação ao funcionamento de seu governo,
podem ser citadas: administração autoritária, paternalista, particularista e
ad hoc
; a
mentalidade tolerante à corrupção; a falta de responsabilidade civil; e a ênfase acentuada nas
relações pessoais, de amizade e família.
Em decorrência desta cultura política e social tem-se um excesso de legalismo,
caracterizado como uma tendência de se regular todas as relações sociais sob a forma de lei. O
autor ressalta que esta legislação brasileira não é decorrente da cristalização do costume, mas
é o produto do que um pequeno grupo imagina ser o ideal para o povo.
Rosen conclui esta questão, afirmando que “na medida em que produz uma
superabundância de legislação e uma falência em construir suficiente flexibilidade nessa
regulamentação, o legalismo acoplado ao nosso conhecido formalismo e à nossa estrutura
burocrática caótica, cria um contexto dos mais procios ao florescimento dessa prática
paralegal”. (BARBOSA, 2006, p.30)
Após esta análise histórica, Keith Rosen, demonstra que o ‘jeitinhoimplica custos e
benefícios. No lado dos custos, o autor salienta a questão econômica, na qual ojeito’ provoca
alocação de recursos, aumento dos custos de produção ou qualidade do produto e
injustiça social. Os aspectos corruptos do ‘jeito’ retardam a eficiência administrativa, além de
causar prejuízo moral, expresso no constante desrespeito às leis. Outro problema, é que ao
funcionar como válvula de escape esta instituição impede a emergência de uma pressão social
efetiva que pode proporcionar mudanças necessárias ao aparato legal e administrativo
brasileiro.
No lado dos benefícios, o autor argumenta que o ‘jeitoproporciona um mecanismo
mais eficiente no processo de desenvolvimento, ao permitir que se solucionem impasses
legais e administrativos a um custo relativamente baixo. Outro aspecto se relaciona ao fato de
115
que o ‘jeito’ surge como uma fonte de previsibilidade e estabilidade. Ainda, segundo o autor o
principal benefício é,
Permitir uma sociedade em vias de desenvolvimento, como o Brasil, ganhar tempo
para resolver seus problemas institucionais sem qualquer grande ruptura política ou
social. Sob esse ponto de vista, o ‘jeitotem sido de valor incalculável ao permitir
que o sistema brasileiro opere sem conflitos violentos
. (BARBOSA, 2006,
p.30).
Não obstante, o autor ressalta que embora inúmeros resultados em termos de
desenvolvimento fossem obtidos via ‘jeito, eles são basicamente benefícios a curto prazo. A
longo prazo, o ‘jeitoe o estilo de operação que ele permite continuar existindo constituem-se
em um sério obstáculo ao desenvolvimento, pois permite que a sociedade se mantenha
personalista.
Por fim, tem-se o trabalho
O jeitinho brasileiro como um recurso de poder
, de Clóvis
de Abreu
et alli
, este é o trabalho mais recente entre os citados aqui, publicado em 1982 na
Revista de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas. Este trabalho é fruto de uma
pesquisa entre vinte pessoas dos mais diferentes níveis sociais que mantinham algum vínculo
com alguma organização burocrática. Este artigo tinha como objetivo analisar o jeitinhoa
partir da conjugação entre a antropologia e a teoria da administração e, desta forma, relacioná-
lo com as estruturas de poder da sociedade brasileira e com as diferentes organizações
burocráticas. De acordo com Barbosa (2006:33), a tese central do artigo é a de que o ‘jeitinho
é um recurso de poder e suas conclusões foram:
i)
O ‘jeitinho nas organizações burocráticas é decorrente da constante
necessidade de formalismo, porque é por meio dessa característica que a
organização desenvolve a possibilidade de dar e negar, vetar e consentir.
ii)
A estratégia do ‘jeitinho’, como fuga à formalização neutra e igualitária, é
um instrumento de poder principalmente daqueles que o aceitam a
predomincia da racionalidade ecomica, ética ou legal para a distribuição
dos chamados bens e serviços públicos.
iii)
O ‘jeitinhonão se constitui uma singularidade brasileira. Manifesta-se onde
prevaleça um sistema de hierarquização social múltipla e uma estrutura de
relações pessoais.
116
iv)
O ‘jeitinhoé uma relação de poder nos moldes do ‘Você sabe com quem
está falando?’, que distingue os que podem e os que devem, os que têm e os
que não têm, enfim, as pessoas e os indivíduos.
v)
O ‘jeitinhonão está em extinção, mesmo com o avanço da burocracia e de
sua ótica racional e impessoal. (BARBOSA, 2006, p.33)
O principal problema destas análises é que o jeitinho conforme comprovado pela
realidade, não foi apenas uma estratégia encontrada em um determinado estágio de
desenvolvimento do país, mas permanece até os dias atuais, ou seja, o papel que o processo de
industrialização teria de banir esta instituição das interações sociais brasileiras, de fato não
ocorreu. Hoje, o Brasil considerado um país industrializado ainda mantém esta prática em sua
sociedade, conforme observado no gráfico abaixo.
77,28%
22,72%
Sim o
74,71%
25,29%
Sim o
76,55%
23,45%
Sim Não
deu jeitinho para
alguém
pediu jeitinho
para alguém
deu jeitinho
Figura 14: Uso do Jeitinho no Brasil
Fonte: autora com base na PESB
Em concordância como arcabouço institucionalista, o jeitinho é, portanto, um
mecanismo de garantir a durabilidade das instituições brasileiras, tanto formais quanto
117
informais, pois viabiliza a coexistências de dois planos sociais incongruentes sem que haja
conflitos.
Mas se em um primeiro momento a instituição do jeitinho promove uma suavização
nas disparidades entre as esferas que estruturam as relações sociais brasileiras, ou seja, evita o
conflito, no longo prazo suas conseqüências são mais profundas, pois inviabiliza o surgimento
de instituições mais aptas ou mais aderentes à realidade, portanto, instituições que poderiam
fomentar o desenvolvimento sócio-econômico do Brasil, conforme a ótica institucionalista.
Desta forma, a existência de uma instituição como o jeitinho não traz benefícios claros
para a sociedade brasileira em termos de progresso social nem no curto, nem no longo prazo,
pois a forma pela qual o jeitinho amortece a pressão externa que deveria ser exercida na
sociedade impede o processo natural de seleção das instituições.
Outra conseqüência é a emergência da figura do despachante que também gera custos
para a sociedade. Para DaMatta ele é o oposto social do malandro.
Esse especialista em entrar em contato com as repartições oficiais para obtenção de
documentos que normalmente implicam as confusões que mencionei, ao descrever
detalhadamente o jeitinho. O despachante como figura sociológica, só pode ser visto
em sua enorme importância, quando novamente nos damos conta dessa enorme
dificuldade brasileira de juntar a lei com a realidade social diária. Assim, o
despachante parece mais um padrinho. Tal como padrinho, ele é um mediador entre
a lei e uma pessoa. Do mesmo modo que um pato deve dar emprego e boas
condições de trabalho aos seus empregados, o despachante deve guiar seus clientes
pelos estreitos e perigosos meandros das repartições oficiais, fazendo com que sigam
o caminho certo. (...) Assim, se não tem um amigo e uma relação que possa
imediatamente facultar o jeitinho, contrata-se um despachante, que realiza
precisamente essa tarefa. (DAMATTA, 2000:102)
Viu-se nesta seção a forma em que ocorre a inter-relação entre indivíduos e
instituições no Brasil e suas conseqüências para o desenvolvimento cio-econômico do país.
A seguir, serão vista as conseqüências da forma pela qual se constituiu a matriz institucional
brasileira, no âmbito informal, a partir da comparação com as instituições que suscitaram a
emergência do capitalismo na Europa.
118
5.2. Valores modernos
versus
valores arcaicos
De acordo com a teoria evolucionária de Veblen, as instituições surgem como forma
de melhor adaptação do indivíduo ou sociedade ao contexto presente, sendo assim, as
instituições que melhor se adaptam são as que permanecem, mas dada uma mudança no
contexto presente deve haver também uma mudança nas instituições com o propósito de
melhor adaptação.
Neste sentido, o fator gerador da mudança é sempre, em última instância, uma
mudança nos hábitos de pensamento. Concomitante a isto, o progresso social em relação a um
ambiente alterado é realizado em resposta a um estímulo. Portanto, sua natureza é de uma
reação provocada por um estímulo. Este estímulo, de acordo com a teoria vebleniana, é quase
que majoritariamente um estímulo econômico.
Conforme visto no caso Europeu, as mudanças que ocorriam nas sociedades, mais
inúmeros fatores econômicos que as pressionavam, fez com que se desenvolvessem novas
crenças a respeito do trabalho, do dinheiro, da ciência e da religião, ou seja, uma nova
dinâmica da sociedade pautada em novos hábitos de pensamento que fomentaram o
surgimento de novas instituições. Desta forma, e como analisado em capítulos anteriores, o
capitalismo surge na Europa como resposta à diversos estímulos, rompendo desta forma com
as instituições passadas e arcaicas do período feudal que não mais se adaptavam à realidade.
A partir destes elementos, se institui um novo sistema social e não apenas econômico,
o sistema capitalista. Este sistema não reivindicava apenas uma nova forma de produção, a
indústria, mas como surge fundamentado em um
ethos
próprio, reivindicava também a crença
de um indivíduo necessariamente livre para buscar seus intentos, amparados de forma legal
pelo Estado e estimulados racionalmente ou religiosamente a buscar o lucro.
A partir da análise de Richard Morse evidenciou-se que, no momento em que ocorriam
na Europa as revoluções que geraram as novas instituições, as nações ibéricas realizaram
oões culturais através das quais se mantiveram alheias a todo este processo. Posteriormente,
foram vistos estes reflexos na formão sócio-cultural de suas colônias, em particular, o
Brasil. Desta forma, as diferenças culturais e dos bitos mentais dos indivíduos
119
proporcionaram o desenvolvimento de diferentes condutas sociais entre os continentes. O
quadro a seguir resume as principais diferenças:
Capitalismo Europeu
VALORES MODERNOS
Capitalismo Brasileiro
VALORES ARCAICOS
Vocação ao trabalho Repúdio ao trabalho
Igualitário Patrimonialista
Democrático Hierárquico
Individualista Social
Liberal Jeitinho
Figura 15: Valores Modernos
versus
Valores Arcaicos
Fonte: Autora
O quadro acima sugere que o Brasil a despeito de ser considerado um país inserido na
lógica capitalista, priorizou apenas a esfera econômica, relegando um papel secundário ao
ethos
capitalista. Desta forma permaneceu com valores tradicionais e arcaicos mais
comumente encontrados nos momentos e nos lugares em que se teve um sistema feudal,
mesmo não tendo vivenciado um período como este.
Apesar da mudança no contexto, ou seja, a adoção do sistema capitalista, o Brasil não
foi capaz de desenvolver instituições mais aptas a lidar com este novo ambiente social e
econômico. Portanto, o principal problema reside no fato de que no surgimento do
capitalismo no Brasil apenas a industrialização foi levada a cabo, fatores como o liberalismo e
o individualismo, ou seja, o
ethos
capitalista nunca fincou raízes na sociedade brasileira.
120
Conforme salientado por DaMatta esses princípios são importantes não simplesmente
porque são normas nas sociedades mais desenvolvidas ou que encabeçaram o capitalismo,
mas decorre do fato de que esses princípios se tornaram parâmetros de desenvolvimento para
as demais sociedades capitalistas.
A partir do conceito de progresso sob a perspectiva ecomica de Veblen, ou seja, o
de uma contínua abordagem progressiva, de um ‘ajustamento’, aproximadamente exato, ‘das
relações externas com as internas’, é necessário que haja um ajustamento quase que exato
entre a forma de produção capitalista e o
ethos
capitalista para que o progresso ocorra, ou
seja, não basta haver industrialização é necessário que a sociedade esteja imbuída dos valores
capitalistas.
No caso brasileiro, a distância entre os valores capitalistas e os valores que foram
enraizados em sua sociedade faz com que este ajustamento não ocorra, ou seja, os valores
aqui chamados de arcaicos operam de forma a frear o desenvolvimento da sociedade
brasileira.
Sendo o desenvolvimento, na abordagem neo-institucionalista, o resultado da evolução
das instituições em um sentido de ajustamento à realidade, a domincia da força reacionária
dos valores arcaicos pode explicar em alguns países a dificuldade que se tem em se
desenvolver a partir de crião de novas instituições que se ajustam melhor a mudança que
vem ocorrendo nas sociedades.
Outra conseqüência resultante da incoerência na matriz institucional brasileira pode
ser observada através do conceito de instituições auto-organizadas. De acordo com o
arcabouço teórico neo-institucionalista quanto maior o grau de auto-organização de uma
instituição menor o
enforcement
que esta instituição exige. Neste sentido, pode-se dizer que o
grau de “auto-organização” - o que pressupõe menor
enforcement
ou menor dependência de
outras instituições - do capitalismo conforme surgido na Europa seria bem maior que o
brasileiro, pois segundo a análise do capítulo anterior, no Brasil foi um capitalismo
praticamente imposto pela metrópole em seu período colonial.
No momento em que existe uma unidade entre as crenças, hábitos e costumes de uma
sociedade e suas leis, constituições e governança como no da Inglaterra ou Estados Unidos
121
a estabilidade alcançada pelo sistema é evidentemente muito maior. Por outro lado, quando
se tem como no caso brasileiro instituições expcitas incoerentes com o as regras tácitas,
o
enforcement
das primeiras é um processo muito mais dificultoso e dispendioso.
Como visto no primeiro capítulo a principal instituição a fornecer o policiamento à
outras instituições, ou seja, garantir seu cumprimento e execução, é o Estado. Quando se tem
uma determinada conjuntura social como a que se desenvolveu no Brasil, os custos do Estado
para garantir o cumprimento das instituições que operam no ambiente formal brasileiro são
extremamente significativos.
Objetivou-se mostrar neste capítulo que a falta de coesão na matriz institucional de um
país pode ser altamente prejudicial para seu desenvolvimento social e econômico. Desta
forma, ao analisarmos separadamente as esferas econômicas, sociais e poticas, perde-se de
vista as implicações que as regras formadas em um ambiente social têm na dinâmica
econômica de um país. Apreender a dinâmica que entre essas unidades e a forma pela qual
esta dinâmica atua na economia pode ser de extrema valia para tornar o estudo do
desenvolvimento econômico mais frutífero. Neste sentido, o desenvolvimento da Economia
Institucional tem sido uma ferramenta chave para desvendar aspectos de grande impacto na
economia, mas que não faz parte de seu escopo atual.
A principal conseqüência que se tem a partir desta análise reside no fato que excluir as
instituições e sua inter-relação com os indivíduos do estudo da Economia torna a análise
incompleta e em última instância pode até gerar conclues errôneas e soluções impróprias
para determinadas sociedades.
122
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta dissertação possuiu como objetivo central apresentar a dinâmica da matriz
institucional brasileira e, particularmente, a forma pela qual as instituições que atuam no
ambiente informal impactam no desenvolvimento sócio-econômico de um país,
especificamente do Brasil.
Primeiramente evidenciou-se o fato de que o capitalismo não é apenas um sistema
econômico, ou que envolve apenas o modo de produção industrial, mas é também um sistema
social, jurídico e político, ou seja, possui um
ethos
que sustenta todo o sistema.
Desta forma, no momento que o Brasil, ao copiar um modelo de desenvolvimento que
o emergiu em si próprio, ou seja, que vai de encontro aos hábitos de pensamento de sua
sociedade, desenvolve um sistema social que na prática não respeita os valores ditos
‘modernos’.
O resultado é um capitalismo parcialmente democrático, não liberal e pouco
individualista. Estas características tornam o capitalismo brasileiro em termos éticos, pouco
competitivo, facilitando a concentração de renda e acabando por não possuir em sua
sociedade nem a igualdade jurídica, nem a de oportunidade e muito menos a material, pois
como visto no capítulo 3, os valores enraizados em nosso período colonial e que
permaneceram presentes na atualidade seriam os ditos ‘arcaicos’. Valores que priorizam as
relações sociais mais que as individuais, que são hierárquicos, patrimonialistas e que admitem
o jeitinho brasileiro’, mesmo sendo este considerado por muitos como um facilitador da
corrupção.
Um segundo ponto relevante da análise diz respeito à ruptura na dinâmica entre os
indivíduos e as instituições que ocorre no Brasil. Este femeno favorece que as regras que
operam no ambiente formal não sejam seguidas. A dinâmica evolutiva do
reconstitutive
downward causation
não se mantém quando esta necessita ser ampliada para a esfera formal,
o que dificulta seu
enforcement
e fomenta a permanência de valores arcaicos.
Este panorama se mostra ainda mais preocupante quando o país está inserido em uma
economia cada vez mais global, onde determinados resultados e padrões devem ser atendidos
para que a economia internacional se desenvolva e atinja resultados satisfatórios.
123
O que foi desenvolvido, através do
reconstitutive downward causation
foi um
mecanismo de lidar com o ambiente formal que nunca foi bem aceito pela sociedade
brasileira, este foi o chamado jeitinho brasileiro. Este sim extremamente compatível com o
ambiente informal e que de certa forma, desenvolveu no Brasil uma capacidade de lidar com
o ambiente formal sem que este entrasse em choque com os hábitos mentais dos indivíduos,
mas que não foi um fator positivo.
Seguindo a teoria vebleniana, uma sociedade pode ficar estagnada em uma
determinada malha institucional se não sofre as pressões advindas da realidade e o se ajusta
à ela. E este é o mecanismo pelo qual o “jeitinho brasileiro atua, ou seja, sendo um
amortecedor desta pressão e um obstáculo ao desenvolvimento cio-Econômico mediante a
transformação da malha institucional.
Vale ressaltar que a pretensão deste estudo não foi de forma alguma, se utilizando de
valores morais, determinar qual seria a cultura adequada” ao capitalismo brasileiro. Muito
menos depreciar a cultura brasileira e recair em uma análise etnocentrista, mas deixar
explícito que, ao apartar os mecanismos de desenvolvimento das ferramentas, que implícita
ou explicitamente, regem as interações sociais, os resultados podem ser negativos,
principalmente na esfera econômica.
Ao contrário do que ingenuamente poderíamos sugerir, onde a educação
proporcionaria às gerações futuras diferentes hábitos mentais e padrões culturais, o sistema da
forma em que se encontra, acaba por legitimar o comportamento e refletir determinados
valores. O desenvolvimento econômico e o mercado, por sua vez, ainda não se mostraram
capazes, através de sua atuação dominante nas interações sociais, de alterar esta matriz
institucional, e acabar por completo com essa “dissonância cognitiva” entre o ambiente formal
e informal.
Através da Economia Institucional, particularmente do Neo-Institucionalismo, novos
insights
emergiram e novas relações puderam ser apreendidas. Como visto, a herança
histórica e a formação cultural brasileira impactam mais do que pode ser observado nas
teorias econômicas tradicionais. Pois, segundo Galbraith, “O pensamento econômico e o
social geralmente podiam perseguir a verdade, mas não havia vida de que a última poderia
124
ser profundamente influenciada por aquilo em que era conveniente ou apenas tradicional
acreditar”. (GALBRAITH, 2007, P.29).
Através do arcabouço institucionalista, é possível que a solução se assente no fato de
que o Brasil precisa deixar de ser uma nação em devir, como uma possibilidade perene de
criação e realização que busca nas sociedades desenvolvidas o modelo a ser seguido, ou seja,
é necessário que o país deixe de replicar instituições externas no Brasil com o intuito de ser a
nação do futuro. É indispensável que se desenvolvam instituições próprias, a partir da própria
dinâmica social brasileira. Instituições capazes de propiciar o ajustamento à realidade,
garantindo assim o progresso sócio-econômico do país.
125
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130
ANEXO A - Discurso de Benjamin Franklin
11
Lembra-te que o tempo é dinheiro; aquele que com seu trabalho pode ganhar dez
xelins ao dia e vagabundeia metade do dia, ou fica deitado em seu quarto, não deve, mesmo
que gaste apenas seis pence para se divertir, contabilizar essa despesa; na verdade gastou,
ou melhor, jogou fora, cinco xelins a mais.
Lembra-te que crédito é dinheiro. Se alguém me deixar ficar com seu dinheiro depois
da data do vencimento, está me entregando os juros ou tudo quanto neste intervalo de tempo
ele tiver rendido para mim. Isso atinge uma soma considerável se a pessoa tem bom crédito e
dele faz bom uso.
Lembra-te que o dinheiro é procriador por natureza e fértil. O dinheiro pode gerar
dinheiro, e seus rebentos podem gerar ainda mais, e assim por diante. Cinco xelins investidos
são seis, reinvestidos são sete xelins e três pence, e assim por diante, até se tornarem cem
libras esterlinas. Quanto mais dinheiro houver, mais produzirá ao ser investido, de sorte que
os lucros crescem cada vez mais rápido. Quem mata uma porca prenhe destrói sua prole até a
milésima geração. Quem estraga uma moeda de cinco xelins, assassina tudo o que com ela
poderia ter produzido: pilhas inteiras de libras esterlinas.
Lembra-te que – como o ditado diz – um bom pagador é senhor da bolsa alheia. Quem
é conhecido por pagar pontualmente na data combinada pode a qualquer momento pedir
emprestado todo o dinheiro que seus amigos não gastam.
Isso pode ser de grande utilidade. A par de presteza e frugalidade, nada contribui mais
para um jovem subir na vida do que pontualidade e retidão em todos os seus negócios. Por
isso, jamais retenhas dinheiro emprestado uma hora a mais do que prometeste, para que tal
dissabor o te feche para sempre a bolsa de teu amigo.
As mais insignificantes ações que afetam o credito de um homem devem ser por ele
ponderadas. As pancadas de teu martelo que teu credor escuta as cinco da manha ou as oito
da noite o deixam seis meses sossegado; mas se te a mesa de bilhar ou escuta tua voz
numa taberna quando devias estar a trabalhar, no dia seguinte vai reclamar-te o reembolso e
exigir seu dinheiro antes que o tenhas à disposição, duma vez só.
11 Texto presente na obra A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo de autoria de Max Weber.
131
Isso mostra, além do mais, que não te esqueces das tuas dívidas, fazendo com que
pareças um homem tão cuidadoso quanto honesto, e isso aumenta teu credito.
Guarda-te de pensar que tudo o que possuis é propriedade tua e de viver como fosse.
Nessa ilusão incorre muita gente que tem credito. Para te precaveres disso, mantém uma
contabilidade exata de tuas despesas e receitas. Se te deres a pena de atentar para os detalhes,
isso terá o seguinte efeito benéfico: descobrirás como pequenas despesas se avolumam em
grandes quantias e discernirás o que poderia ter sido poupado e o que poderá sê-lo no futuro...
Por seis libras por ano podes fazer uso de cem libras, contando que sejas reconhecido
como um homem prudente e honesto. Quem esbanja um groat (quatro pence) por dia esbanja
seis libras por ano, que é o pro para o uso de cem libras. Quem perde a cada dia um bocado
de seu tempo no valor de quatro pence (mesmo que sejam so alguns minutos) perde, dia após
dia, o privilegio de utilizar cem libras por ano. Quem desperdiça seu tempo no valor de cinco
xelins perde cinco xelins e bem que os poderia ter lançado ao mar. Quem perde cinco xelins
o perde essa quantia, mas tudo o que com ela poderia ganhar aplicando-a em negócios
o que, ao atingir o jovem uma certa idade, daria um soma bem considerável. (Weber 2004:42)
132
ANEXO B - Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão
Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão
França, 26 de agosto de 1789.
Os representantes do povo francês, reunidos em Assembléia Nacional, tendo em vista que a
ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos
males blicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos
naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente
em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e seus
deveres; a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a
qualquer momento comparados com a finalidade de toda a instituição potica, sejam por isso
mais respeitados; a fim de que as reivindicações dos cidadãos, doravante fundadas em
princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à
felicidade geral.
Em razão disto, a Assembléia Nacional reconhece e declara, na presença e sob a égide do Ser
Supremo, os seguintes direitos do homem e do cidadão:
Art.1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais podem
fundamentar-se na utilidade comum.
Art. 2º. A finalidade de toda associação potica é a conservação dos direitos naturais e
imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a prosperidade, a seguraa e a
resistência à opressão.
Art. 3º. O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhuma operação,
nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.
Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o
exercício dos direitos naturais de cada homem o tem por limites senão aqueles que
133
asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites
apenas podem ser determinados pela lei.
Art. 5º. A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei
o pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.
Art. 6º. A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos m o direito de concorrer,
pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para
todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e
igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua
capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.
Art. 7º. Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e
de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou
mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos; mas qualquer cidadão convocado ou
detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se culpado de
resistência.
Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém
pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e
legalmente aplicada.
Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar
indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser
severamente reprimido pela lei.
Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde
que sua manifestação não perturbe a ordemblica estabelecida pela lei.
Art. 11º. A livre comunicação das idéias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do
homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo,
todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.
Art. 12º. A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública. Esta
força é, pois, institda para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem
é confiada.
134
Art. 13º. Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é
indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo
com suas possibilidades.
Art. 14º. Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, da
necessidade da contribuição blica, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e
de lhe fixar a repartição, a coleta, a cobrança e a duração.
Art. 15º. A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua
administração.
Art. 16.º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a
separação dos poderes não tem Constituição.
Art. 17.º Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser
privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob
condição de justa e prévia indenização.
(In Textos Básicos sobre Derechos Humanos. Madrid. Universidad Complutense, 1973,
traduzido do espanhol por Marcus Cláudio Acqua Viva.
apud
FERREIRA Filho, Manoel G.
et. alli. Liberdades Públicas São Paulo, Ed. Saraiva, 1978)
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