93
referenciais do pesquisador influenciam nos resultados. Comparar dados de pessoas que
enxergam com as que nada vêem pode levar a desprezar a princípio a potência dos outros
canais perceptivos e dar à visão uma supremacia entre os mesmos, recaindo-se no paradigma
visuocêntrico.
Fazendo-se uso de uma situação hipotética tentando explicar o que foi dito recorremos
ao conto de H. C. Wells, Em Terra de Cegos escrito em 1889. Talvez se as pesquisas fossem
realizadas na cidade do conto de Wells, os resultados obedecessem a outro padrão, ou seja, o
da cegueira. Neste conto, um homem chamado Nuñes escalava uma montanha quando, após
uma avalanche, cai numa cidade onde todos os habitantes são cegos, e percebe após alguma
convivência, que uma antiga lenda contada nos Andes tornara-se para ele uma realidade.
Nuñes depara-se com uma cidade de características distintas das que já havia visto; as casas
não tinham janelas, eram alinhadas seguindo uma única linha e pintadas de maneira muito
diferente do que ele estava acostumado. Em dado momento do conto há uma qualificação das
diferenças das casas:
As casas da aldeia central eram bem diferentes da aglomeração casual e
amontoada das aldeias montanhesas que ele conhecia; as casas ficavam
numa fileira contínua de cada lado de uma rua central surpreendentemente
limpa; aqui e ali, sua fachada multicolorida era perfurada por uma porta, e
nem uma única janela quebrava sua frontaria harmoniosa. Eram
multicoloridas com extraordinária irregularidade, manchadas com um tipo de
cimento que era às vezes cinza, às vezes pardo, às vezes cor de ardósia ou
marrom-escuro; e foi a visão desse colorido selvagem que trouxe primeiro a
palavra “cego” aos pensamentos do explorador. “O bom homem que fez
isso”, pensou, “deve ter sido tão cego quanto um morcego.” Quando se dá
conta de que todos os habitantes são cegos, pensa: “Em terra de cegos quem
tem um olho é rei!” Todavia há um estranhamento dos habitantes quanto à
aparência de Nuñes, e sua maneira de caminhar, pois logo de imediato ele
tropeça, e os habitantes comentam que seus sentidos ainda não estão
completamente desenvolvidos, ao que Nuñes retruca, “Eu posso ver!” Mas
de nada adiantava essa fala; naquela aldeia ver, nada significava, os
ambientes escuros, faziam com que Nuñes caísse, se confundisse ao
caminhar, dando a impressão de não estar completamente socializado ou
maduro. Para os cegos ele era imperfeito; naquela aldeia, outros valores e
outras habilidades eram valorizadas, a sensibilidade das mãos, dos ouvidos a
organização de tudo e a forma de interação dos habitantes com o mundo era
diferente. Por isso todo o estranhamento se dava de forma tão forte. Nuñes
tentou inutilmente explicar o que era ver, mas os habitantes não estavam
interessados em suas explicações, haviam se adaptado e construído novas