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MARIA DOROTHEA BARONE FRANCO
LINGUAGEM E PENSAMENTO INFANTIL NA OBRA O PEQUENO PRÍNCIPE:
CONSTRUÇÃO DO CONCEITO “CATIVAR” EM ATIVIDADES DE LEITURA
Porto Alegre
2009
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MARIA DOROTHEA BARONE FRANCO
LINGUAGEM E PENSAMENTO INFANTIL NA OBRA O PEQUENO PRÍNCIPE:
CONSTRUÇÃO DO CONCEITO “CATIVAR” EM ATIVIDADES DE LEITURA
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Letras do
Centro Universitário Ritter dos Reis
como requisito para a obtenção do
grau de mestre em Letras.
Orientação: Profª. Drª. Rejane Pivetta
de Oliveira.
Porto Alegre
2009
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MARIA DOROTHEA BARONE FRANCO
LINGUAGEM E PENSAMENTO INFANTIL NA OBRA O PEQUENO PRÍNCIPE:
CONSTRUÇÃO DO CONCEITO “CATIVAR” EM ATIVIDADES DE LEITURA
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação Mestrado em Letras
do Centro Universitário Ritter dos Reis,
como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Letras.
Aprovada em: _____________________________________________
Banca Examinadora:
_______________________________________________________________
Professora Drª. Rejane Pivetta de Oliveira – UniRitter
_______________________________________________________________
Professora Drª. Noeli Reck Maggi – UniRitter – Examinadora
_______________________________________________________________
Professora Drª. Juracy Assmann Saraiva – Feevale – Examinadora
AGRADECIMENTOS
Para Franco e Martinha, meus pais, a gratidão por todo o amor e
oportunidades de estudos;
À irmã São José e às irmãs do Convento Nossa Senhora do Carmo,
presenças de Deus em mim;
À Professora Rejane Pivetta, minha orientadora, por conduzir-me à escolha
de leituras necessárias para a elaboração da dissertação e por sua competente
orientação para a elaboração do texto escrito;
Às professoras Juracy Saraiva e Noeli Maggi, examinadoras da Banca de
Qualificação, pela leitura crítica do meu trabalho e por todas as sugestões para o
seu aperfeiçoamento;
À Maria do Carmo Alves de Campos, amiga e professora, por todos os
comentários e sugestões em suas aulas de Literatura, imensamente úteis para a
elaboração do meu estudo;
Ao amigo Dr. André Gross, por sua paciência ao ouvir-me em momentos de
elaboração dos capítulos e por acreditar (e possibilitar que acredite) que posso
melhorar cada vez mais;
Aos amigos Paulo Kunh, Cristina Kunh e sua adorável filha Valentina;
Aos colegas e amigos Eduardo Machado e Patrícia Perelló, pela alegre
companhia durante o curso;
À Denise, amiga e colega da Escola Estadual de Ensino Fundamental Piauí,
por permitir a aplicação das atividades de leitura com sua turma pré-escolar;
À Direção, aos colegas e aos funcionários da Escola Estadual de Ensino
Fundamental Piauí;
Às crianças que participaram das atividades de leitura;
À professora Regina da Costa da Silveira, por sua orientação inicial para a
constituição do estudo que apresento;
À professora Lúcia Leiria, por seu auxílio na realização do Curso de Mestrado;
À professora Margarita Labarthe, pela amizade sincera;
Aos professores Anelise Burmeister e Vicente Saldanha, por valorizarem e
divulgarem, na sala de aula, minha proposta de trabalho e pela indicação de estudos
teóricos para a produção do texto escrito;
4
Ao professor José Castelano, pela incansável colaboração;
À professora Lene Belon, por revisar a dissertação;
À Emília Morselli, pela formatação do trabalho;
Ao Centro Universitário Ritter dos Reis, que me apresentou sábios
educadores no decorrer dos oitos anos em que fui aluna da Instituição.
RESUMO
Esta dissertação estuda a recepção da obra O Pequeno Príncipe por crianças pré-
escolares, na faixa de 5 e 6 anos, alunas de uma escola pública estadual, tendo em
vista compreender o processo de construção do conceito “cativar”, a partir de
atividades de leitura elaboradas com base em pressupostos da estética da
recepção. O trabalho pretende verificar a forma como se a comunicação da obra
com a criança e quais significados são construídos e compreendidos, considerando
a hipótese de que a interação do leitor com a obra literária contribui para a
compreensão de conceitos científicos. A análise do problema é sustentada
teoricamente pelos estudos de Jean Piaget e Lev Vygotsky sobre o desenvolvimento
cognitivo e a linguagem.
Palavras-chave: Linguagem. Pensamento. Literatura. Crianças pré-escolares.
Práticas de leitura.
ABSTRACT
This dissertation approaches the reception of the work The Little Prince by pre-
school children, aged 5-6 years old, attending a state public school. It aims at
understanding the process of construction of concept “captivate” from reading
activities based on assumptions of the reception aesthetics. The study attempts to
investigate how communication between the book and children takes place, and
which meanings are constructed and understood, considering the hypothesis that the
interaction between the reader and the literary work contributes towards the
understanding of scientific concepts. The analysis of the problem has been
theoretically grounded on studies of cognitive development and language carried out
by Jean Piaget and Lev Vygotsky.
Key Words: Language. Thought. Literature. Pre-school children. Reading practices.
LISTA DE ANEXOS
ANEXO A – O jogo dos conceitos ............................................................................ 85
ANEXO B – Tela de Chardin: Le Phlilosophe lisant ................................................. 86
ANEXO C – Apresentação na Escola Crescer ......................................................... 87
ANEXO D – Atividades sobre O Sistema Solar ........................................................ 88
ANEXO E – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Potter) .............................. 90
ANEXO F – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Peter) ............................... 91
ANEXO G – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Tom) ................................ 92
ANEXO H – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Pedrinho) ......................... 93
ANEXO I – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Marcelo) ............................ 94
ANEXO J – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Gulliver) ............................ 95
ANEXO K – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluna Lili) ................................... 96
ANEXO L – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluna Emília) .............................. 97
ANEXO M – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluna Alice) ............................... 98
ANEXO N – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Arthur) .............................. 99
ANEXO O – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno João).............................. 100
ANEXO P – Ilustrações do encontro entre o príncipe e a raposa ........................... 101
ANEXO Q – Confecção das rosas e das folhas ..................................................... 109
ANEXO R – Figuras selecionadas ......................................................................... 112
ANEXO S – Fantoches ........................................................................................... 114
LISTA DE APÊNDICES
APÊNDICE A – Roteiro de entrevista ..................................................................... 117
APÊNDICE B Roteiro de atividades de leitura para a obra O Pequeno
Príncipe .................................................................................................................. 118
APÊNDICE C – Modelo de autorização ................................................................. 122
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Frequência dos alunos nas atividades .................................................... 55
Quadro 2: Pseudônimos das crianças e desenhos correspondentes ....................... 63
Quadro 3: Nomes dados às serpentes confeccionadas pelos alunos ...................... 64
Quadro 4: Nomes dos desenhos feitos pelos alunos e conceitos
correspondentes ....................................................................................................... 67
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ................................................................................................. 3
RESUMO.................................................................................................................... 5
ABSTRACT ................................................................................................................ 6
LISTA DE ANEXOS ................................................................................................... 7
LISTA DE APÊNDICES ............................................................................................. 8
LISTA DE QUADROS ................................................................................................ 9
SUMÁRIO ................................................................................................................ 10
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11
1 AS RELAÇÕES ENTRE A LINGUAGEM E O PENSAMENTO INFANTIL ......... 14
1.1 O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM E DO PENSAMENTO
INFANTIL: A TEORIA COGNITIVA DE JEAN PIAGET ................................. 14
1.2 O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM E DO PENSAMENTO
INFANTIL: A FORMAÇÃO DE CONCEITOS NA CRIANÇA EM IDADE
PRÉ-ESCOLAR NOS ESTUDOS DE LEV SEMENOVITCH VYGOTSKY .... 27
2 LITERATURA E CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADOS NA INFÂNCIA................ 35
2.1 LINGUAGEM E PENSAMENTO INFANTIL NA OBRA O PEQUENO
PRÍNCIPE ...................................................................................................... 35
2.2 O PROCESSO DE RECEPÇÃO NA OBRA INFANTIL ..................................... 43
3 ATIVIDADES DE MEDIAÇÃO DE LEITURA ....................................................... 48
3.1 ANTECEDENTES ............................................................................................. 48
3.2 CARACTERIZAÇÃO DO PÚBLICO PARTICIPANTE ........................................ 50
3.3 PROCEDIMENTOS DE APLICAÇÃO DAS ATIVIDADES.................................. 53
4 A CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS: ANÁLISE DOS RESULTADOS ................ 58
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 78
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 81
OBRAS CONSULTADAS ........................................................................................ 83
ANEXOS .................................................................................................................. 84
APÊNDICES .......................................................................................................... 116
INTRODUÇÃO
A criança adquire conhecimento experimentando objetos, sons e demais
elementos que constituem o meio social em que vive. Através da coordenação entre
o ato perceptual observar as propriedades constitutivas dos objetos e seres e a
ação motora – visualizar essas propriedades, diferenciá-las, assimilá-las e acomodá-
las aos seus esquemas mentais adquiridos e, posteriormente, reconstituí-las pela
imagem mental –, a criança estará habilitada a iniciar sua primeira tentativa de
formação de conceitos espontâneos.
O seu ingresso na escola, em um período pré-escolar, indica o início de um
novo processo de aquisição de conhecimento: o dos conceitos científicos. Para o
início da formação de conceitos, sejam eles espontâneos ou científicos, a criança
deve generalizar suas experiências perceptuais das coisas. A palavra é o produto
final dessa atividade. Um nome é a representação sonora do objeto, da ação, da
pessoa que é nomeada. Possibilita a permanência dos objetos e seres e a
comunicação das experiências da criança com o outro.
As histórias infantis narradas para as crianças recuperam, pela ação das
personagens, suas experiências de vida. a identificação entre os protagonistas e
antagonistas das narrativas e a criança que as ouve. As ações dos vilões e
mocinhos, as características dos animais e objetos presentes nos segmentos
narrativos serão assimiladas pela criança e acomodadas aos seus esquemas
mentais, tornando-se representáveis, não pela ilustração, como também pelas
palavras. Todas essas vivências contidas na narrativa são passíveis de serem
experimentadas pela criança no ato de contar histórias, o que facilita a
generalização de suas experiências etapa inicial para uma tentativa de formação
de conceitos científicos.
Os conceitos espontâneos e científicos diferenciam-se quanto à sua forma de
aquisição. Os primeiros são formulados a partir da comunicação das próprias
experiências infantis. A criança interage com tudo o que em seu meio social,
ação que produz experiências e conhecimento. Toda aquisição de conhecimento
ocorre pelo processo de interação e necessita generalização e representação em
palavras. As palavras são comunicadas ao outro, e inicia-se a formação de
conceitos espontâneos. os conceitos científicos são mediados pelo outro neste
12
estudo, pela professora, que é responsável pela oferta de experiências escolares e
lúdicas às crianças.
No caso deste estudo, a história infantil é o meio utilizado para desencadear
o processo inicial de formação dos conceitos científicos. Para a realização da
proposta de trabalho, foi escolhida a obra literária O Pequeno Príncipe, de Antoine
de Saint-Exupéry, a ser apresentada a uma turma pré-escolar composta por catorze
crianças entre cinco e seis anos, alunas de uma escola estadual que se localiza na
Grande Vila Cruzeiro do Sul, na Zona Sul da capital.
Para a criança, a compreensão de significados como os contidos na palavra
“cativar” ideia chave da obra em questão – exige por demais dos esquemas
mentais. As palavras abstratas não possuem uma imagem representativa
correspondente, ao contrário de palavras que designam objetos concretos, como
“carneiro”, por exemplo. A criança é capaz de observar um carneiro, isolar seus
atributos físicos imediatos (número de patas, textura, sons que produz, etc.) e
assimilá-los em seus esquemas mentais, os quais produzirão uma imagem
representativa para a palavra “carneiro”. O mesmo não ocorre com os nomes
atribuídos às sensações e ações abstratas: não há uma imagem representativa
única para a palavra cativar. É necessária a intervenção do adulto para que os
conceitos abstratos façam sentido para a criança.
A presente proposta de trabalho, para tornar possível a análise e a
demonstração da forma como a obra literária é capaz de contribuir para a
construção de conceitos científicos por crianças de pré-escola, fundamenta-se nas
teorias de Jean Piaget (1993 e apud WADSWORTH, 1995) e Lev Vygotsky (1998)
sobre as relações entre a aquisição da linguagem e o processo de desenvolvimento
do pensamento infantil, conforme é exposto no primeiro capítulo.
Na segunda parte, analisa-se o modo como a narrativa de Saint-Exupéry
representa, por meio da linguagem, o pensamento infantil, e ainda são feitas
considerações sobre a recepção do texto literário, conforme pressupostos da
Estética da Recepção de Hans Robert Jauss, com o objetivo de embasar a prática
de leitura da obra O Pequeno Príncipe (2006), cujas atividades e procedimentos de
aplicação são descritos no terceiro capítulo.
13
Por fim, é feita a análise dos resultados, com base no referencial teórico que
delimita este trabalho
1
.
Os resultados obtidos a partir da interação da criança com a obra literária,
com os colegas e com as atividades lúdicas evidenciam as primeiras tentativas de
elaboração e reelaboração do conceito “cativar”, possibilitando, dessa forma, a
verificação da manifestação da linguagem e do pensamento infantil da criança pré-
escolar, utilizando como mote a obra literária O Pequeno Príncipe (2006).
____________
1
A dissertação obedeceu às regras da nova ortografia. Os modelos de autorização e entrevista
(elaborados em 2008) seguiram a antiga ortografia.
1 AS RELAÇÕES ENTRE A LINGUAGEM E O PENSAMENTO INFANTIL
1.1 O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM E DO PENSAMENTO INFANTIL: A
TEORIA COGNITIVA DE JEAN PIAGET
Do mesmo modo que nós nos adaptamos biologicamente ao mundo que
nos cerca, o desenvolvimento da mente desenvolvimento intelectual é
também um processo de adaptação. (WADSWORTH, 1995, p. 9)
Jean Piaget, professor da Universidade de Genebra entre 1929 e 1954,
dedicou-se às pesquisas sobre o desenvolvimento da criança e, como resultado dos
seus estudos, elaborou uma concepção sobre o desenvolvimento cognitivo infantil.
Segundo o autor (apud WADSWORTH, 1995), o desenvolvimento cognitivo ocorre
mediante a interação da criança com o meio social no qual está inserida. Em seu
processo de interação com o outro, com os objetos e com as situações presentes no
meio, a criança organiza sua experiência vital própria. Ela é um organismo vivo, e a
adaptação desse organismo ao meio é o que possibilita a organização de suas
experiências de vida.
O agir da criança sobre a realidade segue uma dada forma de
comportamento, uma organização, ou seja, a criança é um organismo vivo que
comporta uma estrutura mental interna capaz de receber as experiências de mundo
que procedem do ambiente externo. Essa forma comportamental organizada chama-
se esquema. Os esquemas mentais infantis possibilitam a adaptação da criança e
sua organização no meio social em que vive. Os estímulos provenientes do meio
permitem à criança a vivência de novas experiências. As novas experiências
coincidem com as experiências assimiladas nos esquemas mentais infantis ou
provocam estranhamento (desequilíbrio). Quando ocorre o estranhamento entre as
experiências, a criança busca aproximar o estímulo da experiência recente e os
esquemas mentais desenvolvidos. Um esquema é elaborado através dos atos
perceptuais, o que possibilita, na integração com a realidade externa, o comunicar-
se com os objetos, indivíduos e ações presentes no meio, etc. (WADSWORTH,
1995).
A interação da criança com o ambiente externo, origem do conhecimento,
requer dos seus esquemas mentais quatro ações primordiais: assimilar, acomodar,
15
equilibrar e adaptar. Um objeto, uma ação, uma ideia nova contida na relação entre
criança e meio são estímulos. Estes novos estímulos podem ser assimilados pelos
esquemas mentais estruturados. Ocorre a deformação do objeto em função dos
esquemas mentais já presentes na criança
2
. Quando não é possível a assimilação, a
criança modifica um esquema ou elabora um novo para que a tentativa de assimilá-
lo possa ser realizada uma vez mais:
Nós podemos dizer, então, que uma criança, ao experienciar um novo
estímulo (ou um velho, outra vez), tenta assimilar o estímulo a um esquema
existente. Se ela for bem sucedida, o equilíbrio, em relação àquela
situação estimuladora particular, é alcançado no momento. Se a criança não
consegue assimilar o estímulo, ela tenta, então, fazer uma acomodação,
modificando um esquema ou criando um esquema novo. Quando isto é
feito, ocorre a assimilação do estímulo e, nesse momento, o equilíbrio é
alcançado. (WADSWORTH, 1995, p. 8)
Para Jean Piaget (apud WADSWORTH, 1995), as ações de assimilar e
acomodar promovem o desenvolvimento cognitivo, e o conhecimento adquirido ao
longo desse desenvolvimento resulta da ação da criança em relação às experiências
que o mundo lhe apresenta. O autor apresenta formas diversificadas de
conhecimento: o físico, o lógico-matemático e o social. O conhecimento físico é
obtido através da capacidade sensorial da criança. O sentir e o perceber as coisas
que constituem o meio permitem conhecê-las e estabelecer seus fins. O
conhecimento lógico-matemático é construído a partir da ação de pensar sobre os
objetos, indivíduos e situações presentes no ambiente. O conhecimento social é
oriundo da troca de experiências com o outro. Todas essas formas de conhecimento
____________
2
Uma ilustração do processo de assimilação pôde ser encontrada em uma situação real de sala de
aula com uma turma de Educação Infantil. As crianças, na escola na qual trabalho, assistiram ao
filme Deu a Louca na Chapeuzinho, produzido pelos irmãos Cory e Toddy Edwards. A
caracterização da personagem principal do filme Chapeuzinho Vermelho distanciava-se da
representação da personagem dos contos de fadas: no roteiro do filme, a menina de capuz
vermelho era exímia praticante de artes marciais. A nova apresentação da personagem não foi
aceita de imediato pelos alunos entre cinco e seis anos de idade. Um menino mencionou “não
gostar nem um pouco da história”. Outra Chapeuzinho aparecera no filme, e não aquela cujas
características perceptuais ele havia incorporado aos seus esquemas mentais a partir das
narrações das histórias infantis. Houve o estímulo: a apresentação para as crianças da
Chapeuzinho Vermelho (não a mesma personagem dos contos de Grimm). Ocorreu a
desconstrução do objeto a personagem no instante em que as características da protagonista,
percebidas pelas crianças, divergem das características reconhecidas. A criança esapta (ou
não), de forma imediata, a assimilar em seus esquemas mentais um estímulo novo: a Chapeuzinho
Vermelho personagem do filme. A criança poderá criar um novo esquema para o novo estímulo ou
modificar um esquema já existente para que ocorra a adaptação do novo estímulo.
16
constituem o que o autor denominou de desenvolvimento cognitivo (apud
WADSWORTH, 1995).
O desenvolvimento cognitivo ocorre na forma de um processo contínuo no
qual a criança experimenta estímulos do meio social em que está inserida, os
assimila ou os acomoda (para uma nova tentativa de assimilá-los) em seus
esquemas mentais existentes. Esse processo, segundo Piaget (apud
WADSWORTH, 1995), é subdividido em quatro estágios de desenvolvimento. As
idades limites para os estágios não são fixas e podem sofrer alterações a partir da
experiência particular da criança ou por questões hereditárias maturação que
constituem o organismo de cada indivíduo. Para cada ensejo do desenvolvimento
cognitivo, uma estrutura mental é acionada e possibilita à criança agir sobre os
objetos, seres e situações presentes em seu meio social em um momento
específico.
O primeiro estágio do desenvolvimento infantil é o estágio sensório-motor,
que tem início quando a criança nasce e segue, aproximadamente, aos dezoito
meses de vida. O desenvolvimento e o conhecimento da criança são dependentes
da sua ação sobre o meio social em que está inserida. A criança, a partir do
momento em que nasce, age sobre o meio externo através dos sentidos. A boca é o
órgão que permite o seu primeiro agir sobre o que lhe é externo. A criança
experimentará o mundo, levando à boca objetos de borracha, o pé, a mão, e
desenvolvendo, por consequência, a inteligência prática. É o manusear as partes do
seu corpo e os objetos que lhe permite reconhecer propriedades físicas imediatas,
adquirir controle motor sobre seu corpo e diferenciar-se do outro.
Para a criança, nos primeiros meses de vida, é necessária a presença
constante do objeto para que haja a existência deste. O que a criança não pode
tocar ou ver passa a não existir. Os pais, avós e demais cuidadores da criança, ao
realizarem brincadeiras como cobrir o rosto com um lençol ou esconder um objeto
da criança, irão perceber que a atenção dela, automaticamente, partirá para outro
objeto presente em seu campo de visão. É através do tato e demais órgãos do
sentido que a criança constrói relações,nculos com o meio social.
A criança, no instante do seu nascimento, age, primeiramente, por reflexos
motivados por sensações externas que afetam o comportamento: ao ouvir o choro
de outro bebê, a sensação de desconforto dominará a criança, motivando também o
seu choro. O ato de imitar o choro do outro é, nesse momento, um ato do reflexo.
17
Com alguns meses de vida, a criança é capaz de imitar pequenos gestos produzidos
por adultos e outras crianças porque tais movimentos foram assimilados pelo seu
próprio corpo. Os movimentos exibidos pelo outro motivam a criança a reproduzi-los.
a coordenação entre a percepção visual do movimento do outro bater os pés,
por exemplo e a capacidade motora de imitá-lo: reprodução da ação de bater os
pés. é reproduzido pela criança, nessa etapa do desenvolvimento cognitivo, o
gesto visível em seu próprio corpo (WADSWORTH, 1995).
Nesse período, que contempla os primeiros meses de vida, a criança já
demonstra a habilidade de diferenciar, no ambiente externo, sons de suas
experiências de vida e pode, ao observá-los no outro, distingui-los e reproduzi-los. A
partir dos oito meses de vida, a criança imita gestos e sons não visualizados em seu
corpo. A imitação de uma ação não é perceptível em si própria e torna-se um
problema a ser solucionado pela criança. o afastamento entre o eu da criança e
os outros eus. A criança não possui, como acreditava possuir, as características dos
objetos e indivíduos presentes em seu meio social. As propriedades de cada objeto
são estímulos que serão assimilados por esquemas cognitivos. Essas características
devem ser assimiladas pelos esquemas mentais existentes para que possam,
futuramente, ser reproduzidas. Uma nova estrutura cognitiva pode ser criada ou
modificada também para os recebimentos. Para que isso ocorra, a criança deve
experimentar, vivenciar novos estímulos.
Aos poucos, a permanência constante dos gestos e dos sons no campo visual
infantil não se faz tão necessária. A imagem sensorial do objeto e do som é
ativada pela memória sensorial da criança, possibilitando, assim, que esta os
reproduza. Os objetos passam a existir quando são observáveis e quando não o são
pela criança. O início da permanência do objeto permite à criança individualizar-se,
promovendo a distinção entre o eu e o outro. O período anterior à distinção entre o
eu e o tu permitia que a criança demonstrasse, unicamente, sensações de prazer,
desconforto, etc. A criança, ao final dos dezoito meses de idade, é capaz de criar
novos esquemas para assimilar estímulos novos que são oriundos das experiências
do meio.
O segundo estágio, o estágio pré-operacional, tem início aproximadamente
aos dois anos de idade. A criança demonstra a habilidade de construir a imagem dos
objetos mentalmente e a associa a um nome. Através dos sentidos, a criança
assimila a realidade e inicia sua representação através de símbolos diversos:
18
gestos, jogos, desenhos, palavras, etc. O processo de representação começa ao
final do estágio sensório-motor, quando a criança, através da imitação, é capaz de
reproduzir gestos e ações sem a presença constante da ação, pessoa ou objeto.
São características da representação: a imitação diferida, o jogo simbólico, o
desenho, a imagem mental e a linguagem.
A imitação diferida tem início no estágio anterior, mas prolonga-se no estágio
atual. A criança não imita, unicamente, o objeto ou a situação no ato de sua
percepção, sendo também capaz de representá-lo posteriormente. A imitação
permite que a criança represente o que lhe causa prazer e possibilita-lhe a
diferenciação entre ela e o outro (objeto ou pessoa). A ação de imitar sons, gestos e
ações externas possibilitará, em um nível posterior do desenvolvimento cognitivo
infantil, a formação dos primeiros conceitos da criança, ato que consiste em
observar dado objeto, apreender suas características e decompô-las. Essas
características isoladas possibilitam à criança construir, mentalmente, a imagem
simbólica do objeto e a sua recuperação, bem como todas as suas propriedades,
através do som. É a materialização fônica do objeto que o torna permanente e
comunicável aos demais indivíduos.
A imagem é a “ilustração” do conceito e permite evocá-lo sem que este esteja
presente no campo visual infantil. A imagem sonora os sons da palavra “coelho”,
por exemplo, juntamente com a ação de formar orelhas com os braços e mãos e dar
pequenos saltos permite a recuperação do objeto e é o primeiro passo para a
formação de conceitos propriamente ditos. A criança é capaz de representar o
coelho porque já assimilou tais movimentos e os acomodou em seu próprio corpo.
Para Jean Piaget (apud WADSWORTH, 1995), os conceitos são
apresentados em duas formas distintas: os que dispõem de referentes físicos e os
que não. Os primeiros são construídos pela percepção infantil. O que é observável e
passível de experimentação o conceito “flor”, por exemplo é conceituado de
maneira espontânea pela criança. No caso do conceito “flor”, inúmeras situações
nas quais as crianças m acesso à terra, a brincadeiras no jardim. O contato com
flores pertence ao mundo experimentado pelas crianças. A segunda forma de
conceitos não é possível de observação direta porque não um referente concreto
que possa ser observado pela criança de maneira imediata. O segundo grupo de
conceitos é formulado na interação da criança com o outro e com o meio:
19
Os conceitos ou esquemas que as pessoas desenvolvem podem ser assim
classificados: (1) aqueles que, sensorialmente, têm referentes físicos
acessíveis (eles podem ser vistos, ouvidos e assim por diante) e (2) aqueles
que o têm tais referentes. O conceito de árvore tem referentes físicos; o
conceito honestidade não tem. Uma criança pode desenvolver um conceito
socialmente aceitável de árvore (conhecimento físico), relativamente
independente dos outros, porque os referentes (árvores) são
freqüentemente acessíveis. Mas a mesma criança não pode desenvolver
um conceito aceitável de honestidade (conhecimento social) independente
dos outros. Na medida em que os conceitos são “arbitrários” ou socialmente
definidos, a criança depende da interação social para a construção e
validação dos conceitos. (WADSWORTH, 1995, p. 20- 21)
O jogo simbólico é rico em significação para o desenvolvimento infantil, pois
ele proporciona a satisfação em reproduzir ações, a recuperação de situações
passadas (o que permite a recuperação e permanência das coisas) e a interação
com outras crianças, auxiliando também na busca pelas soluções de conflitos.
A interação da criança com as narrativas infantis é uma forma de jogo: o jogo
do “faz-de-conta”. A criança inicia o seu jogo no instante em que escolhe identificar-
se com uma ou mais personagens da história e compartilha suas vivências. O “faz-
de-conta” distancia-se do “fazer” na vida real. As narrativas infantis mostram
possibilidades de experiências de vida. O jogo da representação contido na
apreciação de uma história consiste em criar o que seria possível no mundo
cotidiano infantil. A literatura, em verso ou prosa, produz jurisdições sobre o mundo
real. Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, em Pecado Original, diz,:
“Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido? Seessa, se alguém a
escrever, a verdadeira história da humanidade” (PESSOA, 2001, p. 440). O jogo do
“faz-de-conta” é inerente ao texto de Fernando Pessoa e assemelha-se ao jogo
infantil. Talvez o genuíno poeta necessite recuperar a criança que um dia foi e
permitir-se criar outros eus que possam experimentar as realidades possíveis que o
texto literário permite. A criança, no jogo proporcionado pela literatura, vive as
experiências ali descritas pelo autor. O jogo do “faz-de-conta” permite o escape da
realidade:
Chegamos, assim, à primeira das características fundamentais do jôgo: o
fato de ser livre, de ser ele próprio liberdade. Uma segunda característica,
intimamente ligada à primeira, é que o jôgo não é vida “corrente” nem vida
“real”. Pelo contrário, trata-se de uma evasão da vida “real” para uma esfera
temporária de atividade com orientação própria. Tôda criança sabe
perfeitamente quando está “só fazendo de conta” ou quando está “só
brincando”. (HUIZINGA, 1971, p. 11)
20
Segundo Johan Huizinga (1971), “no jôgo existe alguma coisa 'em jôgo' que
transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação. Todo o
jôgo significa alguma coisa” (HUIZINGA, 1971, p. 4). Ao viver as possibilidades de
experiências que são apresentadas no jogo infantil, a criança vivencia uma
desestabilização de sua vida cotidiana. Essa atitude é positiva porque é ela que
permite à criança criar futuras soluções para os conflitos do meio social em que vive.
O desenho infantil representa a linha tênue entre o jogo simbólico e a imagem
mental que a criança elabora dos objetos, seres e situações presentes na realidade
do mundo em que vive em uma fase posterior do seu desenvolvimento cognitivo. Os
primeiros desenhos compreendem as percepções que a criança assimilou da
realidade a partir de sua atividade sensorial. Em um primeiro momento, no
compasso em que a criança vai atribuindo formas ao seu desenho, a imagem
representada vai adquirindo significado. Um desenho infantil pode parecer, ao olhar
adulto, um conjunto de imagens, uma justaposição de traços, riscos, formas.
A percepção da criança sobre o objeto a ser representado nesse processo de
produção do desenho mistura características diversas, como cores, formatos,
tamanhos. a sobreposição de características que compõem a representação do
objeto real. Aos cinco e seis anos de idade idade aproximada –, a criança está
apta a desenhar as características conceptuais dos objetos representados.
A imagem mental é uma ou mais possibilidades de representação do objeto,
sem o eventual uso de um ou mais recursos materiais (brinquedos, blocos de
madeira, fantoches, canetinhas, etc.). Uma ação, um evento, uma história, um gesto,
uma música ou uma palavra podem evocar, na mente infantil, uma imagem. Para
haver a permanência do objeto, é necessária sua representação. Representar
requer da criança a capacidade de isolar e relacionar as propriedades pertencentes
a esse objeto: cor, tamanho, etc. Cada propriedade corresponde a uma imagem
sensorial. A partir do instante em que a criança constrói, em sua mente, a imagem
representativa do objeto, ela o torna permanente. Também as demonstrações de
afetos e sentimentos iniciam seu processo de representação pela criança.
A linguagem, como forma de representação, é merecedora de um capítulo à
parte. Durante os primeiros meses de vida, a comunicação da criança comporta
gritos de diversificados timbres, bocejos, o som da respiração e os gestos. Antes da
primeira palavra, há a utilização de gestos para comunicar-se com o meio. O
21
balbucio e os gestos são tentativas iniciais, construídas pela criança, para iniciar a
comunicação no meio social em que vive.
Somente com o desenvolvimento do seu aparelho fonador e respiratório e a
eventual necessidade do uso de outras palavras para ser compreendida é que a
criança produzirá frases e sentenças em sua língua materna. A comunicação, antes
emocional, passa a ser intelectual. O pensamento da criança inicia seu processo de
verbalização através do uso das palavras.
Jean Piaget (1993), na obra A Linguagem e o Pensamento da Criança,
caracteriza o desenvolvimento linguístico da criança em fala egocêntrica e fala
socializada. As falas infantis socializada e egocêntrica diferem quanto às suas
funções. A fala egocêntrica não pretende comunicar qualquer informação ao
interlocutor. É uma conversa da criança com ela própria. A fala socializada faculta a
comunicação com o outro: criança ou adulto. Em oposição à fala socializada, a
criança, ao produzir a fala egocêntrica, não demonstra qualquer interesse por um
interlocutor para escutá-la e compreendê-la:
Podemos dividir todas as frases dos nossos dois modelos em dois grandes
grupos, que podem ser chamados egocêntrico e socializado. Ao pronunciar
as frases do primeiro grupo, a criança não se preocupa em saber a quem
fala nem se é escutada. Ela fala seja a si mesma, seja pelo prazer de
associar qualquer um à sua ação imediata. Esta linguagem é egocêntrica
em primeiro lugar porque a criança não fala a não ser de si mesma e, em
segundo lugar, porque não procura colocar-se no ponto de vista do
interlocutor. (PIAGET, 1993, p. 7)
O egocentrismo infantil pertence ao comportamento espontâneo da criança e
é responsável por exteriorizar a atividade psíquica: o pensamento. No momento em
que a criança une duas peças de Lego, por exemplo, e diz, simultaneamente, ao
praticar a ação, “Estou montando o meu castelo”, ela não está comunicando ao
outro que o objeto que constrói é um castelo. Está, através da palavra, emitindo uma
consciência primária de imaginar um castelo, escolher peças de plástico, construí-lo
e dar suporte à ação pela fala. Segundo Piaget (1993), o período que compreende a
fala egocêntrica subdivide-se em três estágios evolutivos: a repetição, o monólogo e
o monólogo coletivo.
A repetição é originária do prazer de produzir sons, sílabas e palavras ditas
por adultos e crianças. A criança não reconhece, nessas combinações de sons, seus
significados. O divertimento com a repetição de um determinado som faz com que o
22
reproduza. Nesse momento, acredita ser a criadora dos sons que repete. É
responsável por tudo o que ocorre no meio externo.
O monólogo da criança é responsável por deflagrar a ação que realiza. Não é
uma fala dirigida, portanto, não possui um interlocutor. Todos os atos ou intenções
materializam-se através do som. O monólogo coletivo é motivado pelo outro. A
criança ou ouve o adulto (ou outra criança) praticar uma ação ou evocar palavras
e, prontamente, reproduz a ação na qual ela é a criadora e a centralizadora do agir.
Uma criança brinca com um carrinho, demonstrando a velocidade do objeto. Outra
criança, prontamente, faz uso de um brinquedo semelhante e produz sentenças
como: “O meu carro é rápido”, “Eu corro rápido”, etc. O uso do eu é uma tentativa
para iniciar a separação do outro.
Segundo Piaget (1993), entre os três e os seis anos de idade, a fala
egocêntrica não desaparece das conversas das crianças, mas não é intensamente
usada. Inicia, nessa faixa etária, aproximadamente, o uso da fala socializada. A
primordial diferença entre as falas egocêntrica e socializada é a função que
desempenham: a primeira exterioriza as sensações, reações e ações da criança, a
partir de um ponto de vista único: o dela própria; a segunda é intencional e promove
a troca linguística com adultos e crianças. A fala socializada possui, também, uma
subdivisão em cinco processos evolutivos, assinalados por Piaget (1993): a
informação adaptada, a crítica, as ordens (súplicas e ameaças), as perguntas e as
respostas.
A informação adaptada
3
consiste na troca de informações, entre a criança e
seus interlocutores, tendo, em seu conteúdo, assuntos, picos de interesse mútuo,
podendo ou não influenciar o comportamento do outro. A criança busca, em sua
troca linguística, a resolução de um problema ou realização de um objetivo.
O uso da crítica pela criança valoriza suas ações e desvaloriza as do outro. A
criança necessita, ainda, a diferenciação do eu e o faz, também, através da crítica. A
crítica normalmente é dirigida a crianças menores e, com pouca frequência, aos
____________
3
Certa vez, por exemplo, uma menina com três anos de idade percorria, com seu pai, as
movimentadas ruas do centro da cidade. Durante o percurso, a menina viu, na vitrine de uma loja de
brinquedos, a boneca Barbie. Pediu que seu pai lhe desse uma. O pai negou o insistente pedido,
explicando não possuir dinheiro. Na esquina, um banco erguia-se diante dos olhos da menina, que
comunicou ao pai: “Olha pai, o banco”. Há, no exemplo apresentado, a troca de informações entre a
criança e o pai, em que a primeira procura informar um conteúdo que pode influenciar no
comportamento do interlocutor existe um banco bem próximo na busca por um objetivo: ganhar
a boneca Barbie. Exemplo retirado da experiência pessoal da pesquisadora.
23
adultos e crianças mais velhas. Como exemplo de críticas, as seguintes frases,
comuns nas conversas entre irmãos: “Eu sou mais forte que você”, “Eu consigo abrir
a geladeira”, “Você é pequeno”, “Não consegue abrir a geladeira”.
As ordens, súplicas e ameaças são pequenos artifícios linguísticos usados
pelas crianças para conseguir atingir seus objetivos. Através da fala, a criança
reproduz ações ou desejos que não realizará ou que é impedida de realizar por
conta das regras de conduta do ambiente social em que vive. Frases como “Eu
quero o lápis vermelho”, “Eu vou riscar todo o teu desenho”, “Me o lápis
vermelho” o exemplos de uso linguístico retirados de experiências docentes
cotidianas em que a criança mostra ser superior a outro eu, buscando realizar sua
vontade imediata: conseguir o lápis vermelho. A palavra visa ao reforço do agir da
criança (PIAGET, 1993).
As perguntas buscam conhecer, por exemplo, os motivos do desaparecimento
de um brinquedo, a ausência de um colega da escolinha e o motivo das
combinações que não ocorrem conforme previstas. Surgem, entre as crianças, as
discussões verdadeiras, ou seja, aquelas que relacionam um acontecimento a uma
conclusão: “O Pedro não veio”, “Ele está doente”. Outra criança diz: “O Pedro não
está doente”, “O Pedro foi visitar a vovó dele”. Cabe destacar a expressão “não”, que
passa a ser usada como intenção na fala da criança. O uso do “não”, na fala
egocêntrica, não é intencional. É uma das muitas formas de separar o eu - criança
do eu do outro (PIAGET, 1993).
As respostas não pertencem ao uso linguístico espontâneo da criança. O uso
da linguagem, entre as crianças, é mediado pelo brincar. Através das brincadeiras
de roda, com peças de Lego, com bonecas, bola, carrinhos e demais brinquedos, a
criança interage com outras crianças. Não há, até os seis anos de idade, a
preocupação em trocar ideias, mas em comunicar informações. As perguntas
pertencem ao diálogo estabelecido entre adulto e criança. O primeiro pergunta, a
segunda responde.
A interação linguística é maior nas conversas entre crianças do que nos seus
diálogos com adultos. Há a superioridade da fala do adulto sobre a fala da criança, o
que não ocorre na comunicação entre indivíduos da mesma idade. O adulto é
responsável por fazer perguntas, questionamentos para a criança. Já as crianças, na
conversa entre elas, instigam o uso das palavras através das ações (em especial,
com jogos e brinquedos).
24
A inteligência, no estágio pré-operacional, não é apenas empírica: a
inteligência passa a ser simbólica
4
. A perspectiva da criança é responsável, ainda,
por todas as ações e reações presentes no mundo externo. A criança é capaz de
diferenciar objetos e outras pessoas do seu próprio eu, mas supõe que esses
objetos e seres atuem e sintam conforme sua própria vontade. O que ela não sente
o outro não pode sentir. A criança pode cobrir-se com um cobertor por ter medo do
escuro em seu quarto. Ela não pode mais ver o que lhe causa temor: o escuro. Ela
não vê o que no escuro, portanto, as coisas que estão no escuro também não
podem vê-la. O raciocínio transdutivo
5
em outras palavras, a explicação de uma
situação a partir de uma explicação dada a uma situação semelhante também
caracteriza esse estágio do desenvolvimento cognitivo infantil.
Durante o estágio pré-operacional, a realidade mágica
6
mistura-se às
experiências reais. A criança brinca, joga, ouve histórias, e, em determinados
momentos, a linha tênue entre a experiência real e a fantasia desaparece. Um
menino em idade pré-escolar pode vestir a capa do seu herói preferido o Batman,
por exemplo e acreditar possuir um corpo à prova de qualquer ferimento. Para a
criança, a capa impede o herói de ferir-se no desenho animado e também auxilia a
criança a proteger-se no mundo real (pensamento mágico). Esse estágio é
caracterizado, ainda, pelo animismo: dar vida aos objetos. Uma vassoura pode ser o
cavalo, usado para salvar a princesa presa na torre do castelo. Um galho de árvore
pode ser uma espada para enfrentar o gigante. Um casaco de é o monstro do
armário que deseja levá-la enquanto dorme, etc.
Em Convite à Filosofia, de Marilena Chauí (1995), um capítulo destinado à
imaginação que pode ser relacionado ao pensamento mágico infantil na teoria de
Jean Piaget. A autora busca, nos estudos sobre a fenomenologia, definições para
imagem e imaginação. Segundo a autora, a imagem é responsável pela recuperação
____________
4
O Sistema Solar foi tema de pesquisa para as crianças pré-escolares no segundo semestre de
2008. Materiais diversos foram utilizados para a confecção de planetas, asteroides, estrelas, etc. A
inteligência constitui-se prática e simbólica no instante em que cada criança transpõe para a bola de
isopor todo o seu conhecimento experimentado sobre cada astro que compõe o Sistema Solar.
5
Um aluno de seis anos, ao ser questionado sobre o que seria um planeta, respondeu: “Uma cidade
lá em cima”. A criança explicou o que seria um elemento – um planeta – a partir do conhecimento já
adquirido de outro – uma cidade.
6
Um aluno de seis anos usava, diariamente, a fantasia de Batman que sua mãe fez. Certa vez, em
uma de suas brincadeiras, escalou a parte mais alta de um dos brinquedos da pracinha para saltar.
Foi impedido, em tempo, pela professora e advertido a respeito das consequências do seu ato. O
menino, após escutar a explicação da professora, disse que não poderia cair. Ele tinha a capa do
Batman.
25
dos objetos, indivíduos e ações existentes em nosso mundo de experiências. A
imaginação é a habilidade de produzir as imagens do que não está presente em
nosso campo de visão e também a capacidade que o indivíduo tem de criar objetos,
seres e situações a partir da percepção que tem das coisas que permeiam a
realidade. A autora faz a distinção entre cinco possíveis formas para a imaginação: a
reprodutora a evocadora, a irrealizadora, a fabuladora e a criadora, todas com
intensa relação com o desenvolvimento cognitivo infantil.
A imaginação reprodutora permite a recuperação de um objeto, ser ou
situação presente no campo perceptivo do indivíduo. A imitação infantil é um
exemplo dessa forma de imaginação. A imaginação evocadora
7
é capaz de
recuperar o ausente, o não-perceptível ao olhar. A permanência do objeto e,
posteriormente, a construção da imagem mental feita pela criança exemplificam a
imaginação evocadora. A imaginação irrealizadora é responsável pela criação de um
universo mágico em que os objetos reais podem ocupar a função de objetos criados
pela própria criança. A ação de brincar constitui essa forma de imaginação: um
galho de árvore pode recuperar a imagem que a criança possui do objeto “espada”.
Para a criança que brinca, o galho não representa a espada, ele é a própria espada.
A imaginação fabuladora origina-se da criação coletiva. Os contos de fadas são
exemplos da imaginação fabuladora, que permite, através da palavra falada, a
recuperação de cenas e seres imaginários.
uma quinta forma de manifestação da imaginação humana que
corresponde a um estágio posterior do desenvolvimento cognitivo infantil o estágio
das operações formais –, que será apresentado: a imaginação criadora. A
imaginação criadora habilita hipóteses para situações reais e, possivelmente, para
alterações no futuro.
O terceiro estágio do desenvolvimento é o estágio das operações concretas e
inicia, aproximadamente, aos sete anos de idade. As ações da criança são
reconstruídas e representadas mentalmente. O conhecimento resulta não apenas da
inteligência prática, de experimentar o real para conhecê-lo, mas da reflexão: a
atividade de pensar sobre uma atividade específica ou sobre um objeto também
____________
7
Essa forma de imaginar pode ser demonstrada através de um exemplo ocorrido em sala de aula
durante a festa de Páscoa de 2007. As crianças, a partir do estímulo da canção Coelhinho da
Páscoa, erguiam seus braços sobre a cabeça e os moviam, alternadamente, de trás para frente,
evocando os movimentos das orelhas de um coelho real.
26
oportuniza o conhecimento. A criança é hábil em classificar, seriar, comparar
objetos.
O estágio das operações formais começa na adolescência. O adolescente é
capaz de formular hipóteses, fugindo de ações e situações concretas para sanar
problemas (pensamento hipotético-dedutivo). As hipóteses formuladas pelo
adolescente estão presentes no plano da representação, mas são utilizadas para a
resolução de situações reais de conflito.
A partir da observação detalhada do processo do desenvolvimento cognitivo
da criança, toma-se como reflexão a seguinte premissa: a criança é a responsável
principal na construção de conhecimentos. O seu agir sobre o meio possibilita a
aprendizagem. Ao adulto cabe o incentivo à criança nesse processo, possibilitando-
lhe atividades lúdicas e experiências que envolvam interação, desafios, exploração,
etc. Há um papel a ser desempenhado pelo professor no processo de aprendizagem
infantil: as ações de selecionar e propiciar atividades escolares que sirvam como
estímulo a ser assimilado pela criança.
A experiência com o meio externo é a responsável pelo desenvolvimento
cognitivo infantil, mas as atividades que tornam realizáveis as experiências também
devem ser apresentadas em sala de aula pelo professor. As experiências são
originárias dos desafios: a situação problema e a busca para resolvê-la é o que
conduz a criança a experimentar o mundo.
27
1.2 O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM E DO PENSAMENTO INFANTIL: A
FORMAÇÃO DE CONCEITOS NA CRIANÇA EM IDADE PRÉ-ESCOLAR NOS
ESTUDOS DE LEV SEMENOVITCH VYGOTSKY
As formas mais elevadas da comunicação humana somente são possíveis
porque o pensamento do homem reflete uma realidade conceitualizada. É
por isso que certos pensamentos não podem ser comunicados às crianças,
mesmo que elas estejam familiarizadas com as palavras necessárias. Pode
ainda estar faltando o conceito adequadamente generalizado que, por si só,
assegura o pleno entendimento. (VYGOTSKY, 1998, p. 7-8)
Para Lev Vygotsky (1998), o conhecimento é adquirido pela interação do
sujeito com o meio externo, de forma semelhante ao que propõe a teoria de Jean
Piaget. Há, para o autor, o desenvolvimento real da criança, adquirido através de
suas experiências com o meio, e também o desenvolvimento de inúmeras
habilidades, através da intervenção do adulto nas atividades infantis diárias (Zona de
Desenvolvimento Potencial).
Lev Semenovitch Vygotsky foi um dos autores nas áreas de Linguística e
Psicologia a desenvolver estudos sobre o desenvolvimento da criança em idade
não-escolar, pré-escolar e escolar e formulou hipóteses a respeito do
desenvolvimento cognitivo e sociocognitivo da criança. Em sua obra Pensamento e
Linguagem, Vygotsky (1998) preocupou-se em buscar as relações entre o
pensamento e a linguagem. Segundo o autor, uma etapa no desenvolvimento
sociocognitivo da criança em que o pensamento adquire características verbais, e a
fala, propriedades intelectuais.
A função inicial da fala é a comunicação com o outro. A fala da criança é,
inicialmente, emocional exteriorizam-se, através do choro e de pequenos
movimentos, as sensações experimentadas. Em seguida, uma breve
intencionalidade na forma de comunicação da criança quando tenta satisfazer suas
vontades e necessidades primárias através do choro, dos gestos, etc.
A fala da criança, para Vygotsky (1998), é inicialmente comunicativa. O autor
escolhe a expressão “comunicativa” para nomeá-la, e não a expressão “socializada”,
como Jean Piaget (1993). A expressão “socializada” poderia sugerir a seguinte
conclusão errônea: antes de socializada, a fala poderia ter exercido outra função que
não a social (VYGOTSKY,1998).
28
A fala egocêntrica não possui um interlocutor externo, mas um interlocutor
interno: a própria criança. A fala egocêntrica faz sucessão à comunicativa e,
posteriormente, irá transformar-se em fala interior (a fala interior desempenha
funções semelhantes às da fala socializada, mas não é exteriorizada). É utilizada
pela criança na resolução de percalços encontrados no desenvolvimento de suas
ações e atividades. Uma interrupção em uma atividade de pintura, por exemplo,
suscita a consciência sobre a própria ação de pintar:
Nossas descobertas indicam que a fala egocêntrica não permanece por
muito tempo como um mero acompanhamento da atividade da criança.
Além de ser um meio de expressão e de liberação da tensão, torna-se logo
um instrumento do pensamento, no sentido próprio do termo a busca e o
planejamento da solução de um problema. (VYGOTSKY, 1998, p. 20)
Para Vygotsky (1998), sem vida alguma, a função primeira da fala é a
comunicação, seja ela emocional ou intencional. Quando intencional, é necessário
que não seja apenas a mera produção de sons combinados, mas sons significativos.
O significado é o elo entre o pensamento e a palavra, o que constitui o que Vygotsky
(1998) chama de pensamento verbal. Os fonemas, pequenas unidades fonéticas
que formam sílabas, quando escolhidos para compor uma palavra, já são eivados de
significados. Os traços distintivos são um exemplo: as palavras “faca” e “vaca”
possuem sons semelhantes. Mas, ao trocarmos o fonema /f/ pelo fonema /v/, a
alteração do significado da palavra.
O mundo experimentado pela criança deve passar pelo processo de
generalização para que sua transposição para o universo simbólico a palavra
ocorra. As experiências da criança estão contidas em suas atividades psíquicas.
Não há como comunicá-las a não ser por um meio material: as combinações
sonoras significativas que conhecemos como palavras.
Cada palavra, ao ser produzida pela criança, contém uma experiência
generalizada por ela. O ato de tornar comunicáveis suas experiências é conduzido
por forças afetivas, emocionais e intencionais da criança, a partir de sua percepção
sensorial de determinado objeto da realidade que experimentou, generalizou e
materializou através da palavra.
Lev Vygotsky (1998) apresentou, no decorrer de Pensamento e Linguagem,
oportunos estudos a respeito da fala e do pensamento do homem. Um deles foi o de
William Stern (apud VYGOTSKY, 1998), responsável por atribuir à fala três funções:
29
a expressiva, a social e a intencional. A primeira exterioriza as sensações do
homem. A segunda permite a interação com os demais indivíduos da sua espécie. A
terceira volta-se para a realização de um objetivo ou para a transmissão de
informações.
A palavra, primeiramente, era acompanhada pelo ato de apontar para a coisa
a ser nomeada. Seu significado era atribuído pela união entre ação e palavra
8
. Foi o
gesto que antecedeu a intenção na comunicação humana.
Outra investigação de grande valor mencionada por Vygotsky (1998) foi a de
Koehler e Yerkes, que forneceram inúmeras informações a respeito do
desenvolvimento da fala e do pensamento nos homens e nos animais irracionais.
Um estudo comportamental realizado com chimpanzés possibilitou evidências a
respeito de um intelecto primário nessa espécie. Os animais utilizavam-se de
utensílios varas para a resolução de uma situação problema: buscar o alimento.
Através de tentativa e erro e da constante presença do alimento e das varas em seu
campo visual, os animais uniam as ferramentas, permitindo que dispusessem dos
alimentos fora de alcance até o momento.
Os chimpanzés demonstraram também o uso rudimentar da fala. Seus
grunhidos eram emocionais e não intencionais. A espécie foi capaz de reproduzir
gestos humanos, mas o manifestações vocais articuladas, semelhantes às
humanas. A não-indicação da presença de sons articulados não demonstra que
esses animais não possuam uma linguagem criativa. A voz humana não é o meio
único utilizado para produzir linguagem os gestos, usados por crianças mudas,
por exemplo, para exteriorizar o pensamento.
O ponto principal que diferencia os chimpanzés do ser humano, no que diz
respeito à produção de linguagem, é a ausência da ideação
9
. Para os chimpanzés, o
____________
8
Dá-se uma associação dessa função do gesto de apontar como substituto do nome, segundo
William Stern, à tese de Crátilo, que Platão expõe no diálogo que leva o nome desse filósofo grego
do século V a. C. Crátilo não dava nome às coisas, contentava-se em apontá-las. Para o filósofo
grego, as coisas recebiam seus nomes a partir de sua natureza. Como as coisas estão sempre em
constante transformação, não caberia atribuir-lhes nomes porque estes nunca seriam adequados
(PLATÃO, 2001).
9
A palavra “ideação” origina-se da “Teoria das Idéias” ou “das Formas” do filósofo ateniense Platão
(1979). Toda a percepção humana das coisas externas que formam o mundo em que vivemos é a
cópia do mundo das ideias. Um objeto concreto compartilha com outros objetos propriedades,
ideias a respeito do próprio objeto. Uma bola de tênis é circular, leve, etc. Uma bola de futebol
americano é oval e pesada. Ambas possuem atributos físicos diferentes. O que permite chamá-las
de bola é a ideia que o homem constrói do objeto “bola”: instrumento utilizado em atividades
esportivas, etc. A ideia sobre o objeto “bola” está contida na memória do homem. Ele não precisa
vizualizá-la cada vez que necessitar fazer uso da palavra “bola”.
30
uso das varas, que facilitava a obtenção de comida, era realizado mediante a
visualização permanente da comida e da vara. Os gestos dos chimpanzés são
estimulados mediante o apelo visual dos objetos, ao contrário do que ocorre com o
homem.
Semelhanças também foram encontradas no comportamento dos animais em
relação ao comportamento das crianças: o uso do gesto, antecessor da
comunicação intencional. As crianças que ainda não produziram a fala
desenvolveram o pensamento pré-linguístico, utilizando-se do ato de apontar ou de
algum instrumento para alcançar determinado objetivo.
Segundo Lev Vygotsky (1998), a descoberta das palavras pela criança é
acompanhada por gestos. O significado da palavra é construído a partir da união
entre palavra e gestos. À expressão vocal cá, une-se o ato de apontar para a
mamadeira, por exemplo:
No entanto, quando observarmos a criança em ação, fica bastante claro que
não é somente a palavra mamã que significa, digamos, “Mamãe, me põe na
cadeira”, mas o comportamento todo da criança naquele momento (seus
movimentos em direção à cadeira, tentando agarrar-se a ela, etc.). Aqui, a
orientação “afetivo-conativa” em direção a um objeto (nas palavras de
Meumann) é ainda inseparável da “tendência intencional” da fala: ambas
constituem ainda um todo homogêneo, e a única tradução correta de mamã,
ou de qualquer uma das primeiras palavras, é o gesto de apontar.
(VYGOTSKY, 1998, p. 37)
No princípio, a palavra é uma propriedade, qualidade do objeto que nomeia. A
criança não a percebe como um símbolo, uma representação em fonemas do objeto
ou ser em questão. Esse comportamento exigiria um grau maior de abstração, não
pertencente ao seu estágio de desenvolvimento atual. Por essa razão, o objeto
necessita ser visualizado, estar diante do seu olhar. A palavra, por si só, não o
recupera. Sua forma de elaboração mental necessita do concreto
10
. A partir do
momento em que a criança reconhece que para cada coisa há um nome, a atividade
psíquica e a fala encontram-se e constituem o pensamento verbal, ou seja, através
da palavra o pensamento infantil materializa-se e torna-se comunicável.
____________
10
Usualmente, temos como exemplo crianças que levam para a escola um paninho velho ou uma
peça de roupa que representa seus cuidadores. A criança conhece as palavras “pai” e “mãe” e as
relaciona com a figura concreta de um pai e uma mãe. Mas a não-permanência perto dos pais
necessita sua recuperação, não pelas palavras “pai” e “mãe”, mas por um objeto que os represente.
31
O mundo infantil é repleto de experiências. O ato de comunicá-las a um
interlocutor é uma situação problema. A criança necessita particularizá-las e transpô-
las, em combinações sonoras, para que se tornem comunicáveis pelas palavras.
Dessa forma, um conceito não pode ser transmitido à criança. O ato de contar
histórias apresenta-nos, de forma visível, um processo rico em construção de
significados
11
.
Experimento criativo foi elaborado por outro autor, L. S. Sakharov (apud
VYGOTSKY, 1998), para estimular a elaboração de conceitos
12
em crianças pré-
escolares. Sakharov forneceu às crianças blocos de madeira: cinco cores, seis
formas, dois tipos de largura e duas possibilidades de altura. Na parte posterior dos
blocos, eram escritas, fundamentadas em suas características físicas, as seguintes
palavras, não pertencentes ao vocabulário nacional ou estrangeiro, até o momento
sem significado: lag, bik, mur, cev. Os blocos altos e largos continham o nome lag.
Os baixos e largos, a palavra bik. O vocábulo mur aparecia nos altos e estreitos. E,
____________
11
Toma-se como exemplo o conto de fadas Joãozinho e Mariazinha (1989), que relata a história de
dois irmãos Joãozinho e Mariazinha abandonados pelo pai e pela madrasta na floresta em um
ato de desespero por não possuírem mais alimentos para proverem o sustento dos filhos. As
crianças encontram, pelo caminho, uma deliciosa casinha feita com os mais variados doces e
habitada por uma bruxa. A velhinha, com um enorme nariz, grandes óculos e roupas velhas o
aparenta, em um primeiro momento, ser uma exímia feiticeira. Através das guloseimas, atrai os
irmãos para casa e aprisiona-os. A astúcia de Joãozinho e Mariazinha permite que vençam a
maldade da bruxa e reencontrem o caminho de casa e seus pais. Após ouvirem essa história, se
outros contos e lendas forem apresentados às crianças, contendo a imagem da bruxa e as
características que a acompanham (velha, má, possuidora de poderes mágicos, etc.), elas estarão
aptas para uma tentativa inicial de elaborar um conceito para a bruxa. Há, nesse processo, o
ativamento de imagens na memória da criança, por associação e permanência de determinada
experiência que será repetida cada vez que ouvir uma história sobre bruxas. A criança mostrará ser
capaz de identificar o problema o que seria uma bruxa e criar uma imagem ou ver a imagem
apresentada por esse problema. Ao formar o conceito para bruxa, estará simbolizando, porque a
palavra, assim como a imagem, é, para a criança, o simbolizar da realidade.
12
Nas turmas pré-escolares do ano de 2008, foi apresentado um jogo (Anexo A) cujo objetivo era a
formação de conceitos através da experiência infantil. O jogo era constituído por diversas imagens
que compunham cinco grupos distintos: animais, alimentos, vegetação, pessoas e brinquedos. As
crianças, para a realização da atividade, foram separadas em duplas. Os cartões com as imagens
foram dispostos nas mesas, e a regra foi apresentada: a escolha de um cartão (por equipe) e o
agrupamento dos demais cartões nos quais as imagens fossem parecidas com a do cartão inicial.
Após a escolha dos cartões, um integrante de cada grupo relatou aos demais todas as ilustrações
de sua equipe e, para o conjunto de cartões, um nome foi dado. As crianças, após a apresentação
dos seus conjuntos, desenharam mais um cartão para completar o grupo. As que coletaram os
cartões com itens usados para brincar deram o nome os brinquedos para seu conjunto. Quando
questionadas sobre a escolha do nome, disseram que tudo o que havia desenhado ali “dava para
brincar”. Foi desenhado, no novo cartão, um skate para completar o conjunto dos brinquedos.
Como definição para skate, os dois participantes da equipe um menino e uma menina
apresentaram informações complementares: o menino definiu skate como “uma coisa que a gente
anda”. Para o objeto, a menina atribuiu o seguinte significado: o que a gente usa para praticar
esportes”. Nota-se que os conceitos foram correspondentes a um elemento, e não ao conjunto
como um todo, e que o significado para o skate parte da sua função: prática de esportes.
32
finalmente, cev constava nos objetos baixos e estreitos. O pesquisador solicitou às
crianças que agrupassem os blocos livremente. Aos poucos, combinações entre
blocos largos e baixos, e altos e largos eram feitas.
As crianças experimentavam os blocos, trocando suas combinações a todo o
momento. Houve, na atividade lúdica, a separação dos blocos largos e baixos dos
altos e largos. As crianças perceberam que a palavra contida na parte inferior dos
baixos bik não era a mesma escrita nos objetos de madeira altos e largos lag.
As palavras bik e lag, antes sons vazios, passaram a ter significado a partir da
experiência das crianças ao manusearem os blocos de madeira. Ambas tornaram-se
conceitos.
A relação entre a palavra e o significado não é direta, ou seja, um significado
pode estar contido em mais de uma palavra ou uma palavra pode apresentar
significados diversos: “banco”, para a criança, é o local em que pode sentar-se e a
instituição onde o pai retira o dinheiro. Adultos e crianças partilham os referentes e,
nem sempre, o significado das palavras. A palavra “bolo”, para a criança, significa o
doce que é saboreado em festas de aniversário. “Bolo”, para os adultos, poderá
significar o alimento, uma quantia relativamente significativa de dinheiro ou, na gíria
popular, o não-comparecimento a algum compromisso, etc.
A imagem é a unidade fundamental para a formação dos conceitos
espontâneos. É através das propriedades visuais, como nos foi possibilitado
reconhecer nas atividades com blocos de madeira de Sakharov (1998), que a
criança aprende por meio dos órgãos sensoriais, possibilitando, dessa forma, a
formação do pseudoconceito. O exemplo que segue parece-nos elucidativo:
borboleta é um animal que voa. O papagaio também possui asas e pode voar. Logo,
a criança poderá ver um papagaio e chamá-lo de borboleta (VYGOTSKY, 1998).
Todos esses estágios correspondem a uma tentativa inicial de formação de
conceitos. A criança, através da interação com a realidade em que se insere,
constrói o seu mundo de experiências, que são comunicadas para os adultos e para
outras crianças. O número de experiências é infinito e precisa ser generalizado. A
generalização será apresentada em palavras e desenvolverá, na criança, a
capacidade de comunicação com o outro.
Na idade escolar, a capacidade inata de comunicação criativa, em língua
materna, irá encontrar a escrita: um símbolo para representar a fala da criança.
Surge, a meu ver, o ponto de maior impacto na aprendizagem da linguagem: a
33
escrita jamais será a cópia fiel da fala. Exige um grau de abstração e consciência na
ação de formar palavras. A criança, entre os cinco e seis anos de idade, não
desenvolveu a capacidade consciente sobre suas ações. Para iniciar o processo de
escrita, precisa estar consciente dos sons que compõem cada palavra, apropriar-se,
através da observação e da memorização, dos símbolos alfabéticos, relacioná-los
aos fonemas que compõem as palavras e reproduzi-las, não oralmente, mas através
da escrita:
Saber ler e escrever é, na verdade, mais do que dominar um instrumento,
pois o usuário integra-se na prática social: o sujeito traz para a escola o seu
cotidiano, e o conhecimento adquirido volta para o cotidiano. Isso requer uma
metodologia que se concentre na linguagem escrita como forma de inserção na vida
do sujeito e deste na realidade letrada:
O ato de escrever consiste na representação gráfica do sistema fonológico
da língua, pois “a escrita, produto histórico-cultural, tecnologia posta a
serviço do homem, representa a linguagem sem ser dela transcrição”
(ABAURRE, 1998, p. 6). A alfabetização constrói-se, assim, através de
atividades de uso, contextualizadas e significativas da linguagem oral e
escrita, bem como de atividades de análise e reflexão em condições de
interlocução, sem a evidência de preconceitos lingüísticos. (VARELLA,
2001, p. 31)
No período escolar, a criança entra em contato com os conceitos científicos
apresentados pelos professores. Esses conceitos não são adquiridos através da
generalização das experiências da própria criança. Seus conteúdos são, por
diversas vezes, externos às experiências de mundo das crianças. A criança acaba
por não construir o conceito científico através da generalização das suas
experiências individuais e sociais, o que não deveria ocorrer. Os conceitos
científicos, usualmente, são transmitidos na escola. Cabe à criança atuar sobre eles
para poder compreendê-los. Um conceito científico poderá ser compreendido se
mediado pela experiência da criança:
Em primeiro lugar, com base na simples observação, sabemos que os
conceitos se formam e se desenvolvem sob condições internas e externas
totalmente diferentes, dependendo do fato de se originarem do aprendizado
em sala de aula ou da experiência pessoal da criança. Mesmo os motivos
que induzem a criança a formar os dois tipos de conceitos não são os
mesmos. A mente se defronta com problemas diferentes quando assimila os
conceitos na escola e quando é entregue aos seus próprios recursos.
Quando transmitimos à criança um conhecimento sistemático, ensinamos-
lhes muitas coisas que ela não pode ver ou vivenciar diretamente.
(VYGOTSKY, 1998, p. 108)
34
A criança dainício à elaboração de um conceito a partir do instante em que
desenvolver a consciência das operações mentais envolvidas na elaboração deste.
As tentativas para o seu desenvolvimento são experimentadas na infância. A
consciência requer uma transposição do nível concreto para o abstrato em outras
palavras, construir na mente, através da imaginação, a ação e representá-la por
meio da palavra. O contar histórias é uma excelente atividade para o
desenvolvimento da imaginação:
Na idade em que estas estórias são mais significativas para a criança, seu
problema principal é colocar alguma ordem no caos interno de sua mente
de modo a poder-se entender melhor – uma preliminar necessária para
adquirir alguma congruência entre suas percepções e o mundo externo.
(BETTELHEIM, 2006, p. 69)
A Hora do Conto é imprescindível para o desenvolvimento de habilidades
iniciais de leitura e escrita, úteis para o decorrer dos anos de escolarização. Por
meio dos contos de fadas, por exemplo, a criança vai abstraindo uma significação
para os objetos, os seres e as sensações do mundo real. O medo, a morte, a
tristeza, a alegria e outras sensações são abstratas e necessitam das histórias
infantis para serem materializadas pela criança:
A estrutura dos contos de fadas e dos contos maravilhosos é extremamente
simples, o que talvez contribua para seu sucesso junto às crianças. A
narrativa inicia com uma situação de equilíbrio, que é alterada pela
manifestação de carência ou conflito por parte do herói. A seguir, são
apresentadas as peripécias vividas pela personagem, que, com a ajuda dos
seres ou objetos mágicos, vence os obstáculos e emerge vitoriosa no final.
Então, a situação de harmonia inicial é novamente instaurada. (VALE, 2001,
p. 47)
Surge, assim, a hipótese de que o contato com histórias seria facilitador no
processo de construção de significados, o que será verificado nas práticas de leitura
com crianças pré-escolares.
2 LITERATURA E CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADOS NA INFÂNCIA
2.1 LINGUAGEM E PENSAMENTO INFANTIL NA OBRA O PEQUENO PRÍNCIPE
O protagonista da narrativa apresentada na obra O Pequeno Príncipe é um
jovem príncipe, o pequeno quanto os alunos da comunidade. Ele vive , no
pequeno asteroide B 612. Certo dia, um vento forte traz ao seu lar um botão de flor.
A arrogante rosa, nascida desse botão, repele a atenção do menino. Decepcionado
por não encontrar na rosa qualquer demonstração de afeto, o jovem príncipe parte,
sozinho, para outros planetas, buscando a amizade.
As atitudes comportamentais do principezinho assemelham-se ao
comportamento de uma criança em uma situação real de convívio com o outro:
atitudes afetivas e intuitivas. O jovem príncipe busca, em sua primeira comunicação
com o aviador, a resolução de uma situação problema: em seu asteroide, não
carneiros para comer os baobás, uma vegetação de crescimento rápido, capaz de
destruir, com suas raízes, o pequeno lugar em que vive. O carneiro seria útil porque
poderia comê-los. O príncipe pede insistentemente ao aviador que lhe desenhe um
carneiro. O aviador, perplexo ao ver o jovem com vestimentas nobres em meio ao
calor e ao vazio do Saara, procura descobrir, por meio de perguntas, seu nome, o
lugar de onde veio, etc. As perguntas feitas pelo adulto não são respondidas pela
criança, cujo objetivo é conseguir a posse do carneiro.
Esse comportamento relaciona-se ao da criança pré-escolar: entre os cinco e
os seis anos de idade, a criança utiliza-se da fala não com o intuito de comunicar
uma informação a um interlocutor, mas na tentativa de solucionar um conflito: no
caso da personagem da história, adquirir um carneiro e levá-lo ao seu asteroide.
Há, contida na fala do principezinho, a manifestação do pensamento mágico:
o pequeno príncipe não vê na folha de desenho a imagem de uma caixa que contém
o carneiro, mas a própria caixa que o abriga. Uma caixa que guarda o carneiro real,
e não a representação, através da imagem, de um carneiro:
36
– Por favor... desenha-me um carneiro!
– O quê?
– Desenha-me um carneiro [...]
– Mas... que fazes aqui? E ele repetiu, lentamente, como se estivesse
dizendo algo muito sério:
– Por favor... desenha-me um carneiro [...]
Então, perdendo a paciência, e como tinha pressa em desmontar o motor,
rabisquei o desenho ao lado. E arrisquei:
Esta é a caixa. O carneiro que queres está dentro. E fiquei surpreso ao
ver iluminar-se a face do meu pequeno juiz:
Era assim mesmo que eu queria! Será preciso muito capim para esse
carneiro?
– Por quê?
– Porque é muito pequeno onde eu moro...
– Qualquer coisa chega. Eu te dei somente um carneirinho! Inclinou a
cabeça sobre o desenho:
Não é tão pequeno assim. Olha, ele adormeceu... E foi assim que
conheci, um dia, o pequeno príncipe. (SAINT-EXUPÉRY, 2006, p. 11-15)
A expressão linguística observada na comunicação entre o aviador e o
pequeno príncipe aproxima-se do pensamento do adulto, que atua, constantemente,
com conceitos abstratos. O diálogo final entre as personagens, indicando o retorno
do principezinho para o asteroide B 612, apresenta o conceito abstrato “morte”,
através da voz da criança. O príncipe conduz o aviador ao pensamento reflexivo
sobre sua partida, propondo a diferenciação entre a matéria e a essência. O
Pequeno Príncipe é picado por uma serpente do deserto. O aviador o encontra
quase sem vida sobre a areia.
O jovem justifica sua atitude através de suas palavras, atribuindo à picada
não uma agressão, mas a possibilidade de voltar para casa. O veneno permite o
abandono do seu corpo, cujo peso o impossibilitaria de regressar para casa. O que
fica é um objeto sem vida: o corpo do príncipe. O que permanece imortalizado na
imagem das estrelas é a essência do menino:
Naquela noite, não o vi partir. Saiu sem fazer barulho. Quando consegui
alcançá-lo, ele caminhava decidido, num passo rápido. Disse-me apenas:
– Ah! Aí estás...
E segurou a minha mão. Mas preocupou-se de novo:
Fizeste mal. Tu sofrerás. Eu parecerei estar morto e isso não será
verdade...
Eu me calara.
Tu compreendes. É muito longe. Eu não posso carregar este corpo. É
muito pesado.
Continuava calado.
– Mas será como uma velha concha abandonada. Não tem nada triste numa
concha velha... (SAINT-EXUPÉRY, 2006, p. 88).
37
A palavra “cativar”, encontrada na narrativa de Exupéry, não pertence à
comunicação espontânea das crianças, foi apresentada em situação escolar de
convívio através de uma história infantil. Para a compreensão do significado
constitutivo de “cativar”, as crianças necessitam experimentá-lo em ações. É através
da comunicação da experiência de vida que as crianças iniciam a formação de
conceitos espontâneos. A experiência, no caso em estudo, é mediada pela
professora. Ela é responsável pela escolha de situações que oportunizem às
crianças a compreensão da nova palavra que lhes é apresentada no caso,
“cativar”, um conceito científico, e não espontâneo.
É oportuna uma investigação a respeito da duplicidade de significados para a
expressão “cativar” e sua ausência na narrativa americana, francesa e espanhola.
Tem-se conhecimento de que o autor Antoine de Saint-Exupéry escreveu a obra O
Pequeno Príncipe (2006) em sua estada na cidade de Nova Iorque no início dos
anos 40. A primeira publicação foi em língua inglesa, a partir dos manuscritos
franceses. Na narrativa em língua inglesa, usa-se o vocábulo tame”; em francês, a
expressão apprivoiser”; e, em espanhol, a palavra domesticar todas
correspondem à palavra “cativar” na tradução para a língua portuguesa. Nas línguas
inglesa, francesa e espanhola, vocábulos correspondentes ao verbo “cativar”:
captivate”, captivere cautivar”. O que provoca curiosidade é o uso de “cativar” na
tradução em português e a escolha de domesticar para as traduções estrangeiras. O
interessante, na busca por significados, é a origem das duas expressões, “cativar” e
“domesticar”: do latim captivoe domesticos”. Para captivo”, temos o significado
de “reter como priosioneiro”. A palavra domesticos significa toda e qualquer
experiência pessoal, particular ou pátria ou, ainda, indica os componentes da família
ou servos. “Cativar”, hoje, contempla um significado figurado para “capturar”:
prender o outro não pela força física, mas pela sedução e simpatia.
Nota-se que a escolha de um vocábulo e não de outro segue a interpretação
do autor e do próprio tradutor a respeito da história narrada. O diálogo em que as
expressões aparecem ocorre entre um ser humano O Pequeno Príncipe e um
animal selvagem – uma raposa. Em algumas interpretações, portanto, a raposa
recebe traços humanizados, o mesmo que ocorre nas bulas e, em outras, assume
a posição de animal. A expressão “domesticar” – “apprivoiser”, “tamee “domesticar
é utilizada, em maior proporção, em referência a animais irracionais, e não a seres
humanos. Quando utilizada para referir-se ao homem, conduz a uma interpretação
38
pejorativa do ato que está por vir: o homem retorna a sua condição de selvagem, o
que faz necessário o ato de “domesticá-lo” para que possa conviver em sociedade.
A raposa, um animal selvagem, se domesticada, pode manter um convívio com o
príncipe. A personagem não apresenta características apenas instintivas. Ela fala,
pensa, escolhe suas palavras e conduz o principezinho à compreensão delas. A
raposa demonstra atitudes humanas, o que torna mais apropriada a tradução para
língua portuguesa, “cativar”, e não suas correspondentes em línguas estrangeiras
para a palavra “domesticar”.
A escola, no presente contexto social, apresenta-se como alternativa para
oportunizar às crianças experiências de interação e de trocas afetivas, valendo-se,
sobretudo, do trabalho com a literatura infantil. Na obra O Pequeno Príncipe
13
,
uma personagem infantil para a completa identificação da criança e uma temática
que contempla valores como amizade, solidariedade e respeito, pouco presentes na
comunidade em estudo – razão pela qual se justifica sua escolha.
Como se observou, a presença do protagonista infantil o pequeno
príncipe permite a verificação de uma linguagem e de uma forma de pensamento
que se aproximam das do desenvolvimento cognitivo infantil e que, outras vezes, se
distanciam dessas formas de desenvolvimento. As ações do jovem príncipe
condizem com as atitudes comportamentais das crianças pré-escolares; as
expressões linguísticas constitutivas dos seus diálogos aproximam-se, em
determinados capítulos, do discurso do adulto. Contudo, a obra escolhida é rica para
o trabalho literário em sala de aula porque possibilita a identificação com as ações
da personagem principal, permitindo também romper com os horizontes de
expectativas, sobretudo no que se refere às limitações de vocabulário, um desafio
para a compreensão da história e, certamente, uma possibilidade para construção
de novos significados, a partir de atividades lúdicas possibilitadoras de experiências
com as novas palavras.
____________
13
A adaptação americana da obra O Pequeno Príncipe (2006) para o cinema, O Pequeno Príncipe,
de Stanley Donen de Lerner (1974), recupera a representação da personagem como animal e
homem. A peça de teatro dirigida e adaptada por João Falcão e interpretada por Luana Piovani
utiliza uma atriz para representar a raposa, ao invés de um fantoche ou qualquer outro boneco que
indicasse um animal selvagem, e não um animal humanizado.
39
O ponto de partida para o estudo da obra é a construção da narrativa feita por
Exupéry: ela é não-linear. As crianças do grupo em estudo estão expostas às
narrativas cujo início, meio e fim seguem uma trajetória temporal definida e imutável:
os contos de fadas. A expressão “era uma vez” indica um fato ocorrido, o que
permite à criança distanciar-se dos acontecimentos apresentados pelo autor. O
sentimento de segurança está garantido porque o que passou não pode exercer
qualquer ação sobre a criança no agora. A narrativa apresentada por Exupéry une
dois tempos passados que dificultam a localização espacial da criança no ambiente
da história: o tempo em que o aviador encontrou o menino visão do tempo sob a
perspectiva do narrador – e o tempo no qual o jovem príncipe partiu do seu asteroide
B 612, percorreu planetas, entre eles, a Terra, até o momento em que encontrou o
aviador. O autor apresenta memórias não coletivas (o que não ocorre nos contos de
fadas), mas individuais de um, dois ou mais personagens.
A exclusão da expressão “era uma vez” pode dar uma oportunidade de
mostrar às crianças que existem formas distintas de contar uma história, o que
possibilita a ampliação dos seus horizontes de expectativas. Ressalta, também, a
real importância de uma lembrança, uma tristeza e uma alegria, que lhe o
peculiares e poderão ser o mote para a narração de uma história.
O fragmento textual que inicia a narrativa de Exupéry apresenta um narrador
não satisfeito com a incapacidade do adulto de compreender os desenhos feitos
pela criança. Aos seis anos de idade, o aviador-criança, a partir da ilustração de uma
jiboia digerindo sua presa, resolve reproduzi-la e mostrá-la às “pessoas grandes”
presentes em seu convívio. A óptica adulta vê, no desenho do menino, um chapéu, e
não um réptil.
O desenho infantil é uma etapa anterior e necessária à construção mental que
a criança irá elaborar dos objetos e seres presentes em seu mundo de experiências.
Os primeiros desenhos apresentam as percepções provenientes dos estímulos
ocasionados pela ilustração da jiboia no livro: a criança desenha não o que ela vê,
mas como ela vê. Os desenhos, em uma fase posterior do desenvolvimento
cognitivo infantil, compreendem as características comuns dos objetos e seres
observados, compartilhadas entre os demais indivíduos (WADSWORTH, 1995).
Há, nessa breve análise literária, uma resposta possível para a
incompreensão do adulto para com o desenho do aviador-menino. Quando criança,
o aviador demonstrou interesse por uma ilustração de uma jiboia devorando uma
40
presa. Fez o desenho da jiboia, a partir da percepção do réptil alimentando-se. Para
os adultos que observaram os traços do aviador, o desenho assemelhava-se a um
chapéu, e não a uma jiboia. adulto, o aviador apresenta a mesma imagem ao
pequeno príncipe – uma criança –, que a reconhece como uma jiboia:
Como jamais houvesse desenhado um carneiro, refiz para ele um dos dois
únicos desenhos que sabia: o da jibóia fechada. E fiquei surpreso de ouvir o
garoto replicar:
Não! Não! Eu não quero um elefante numa jibóia. A jibóia é perigosa e o
elefante toma muito espaço. Tudo é pequeno onde eu moro. Preciso é de
um carneiro. Desenha-me um carneiro. (SAINT-EXUPÉRY, 2006, p. 14)
O aviador disponibiliza inúmeras ilustrações de um carneiro para o
principezinho. Em uma de suas tentativas, o desenho que mostra ao menino
assemelha-se à representação de um bode, e não do animal solicitado: “Bem vês
que isto não é um carneiro. É um bode... Olha os chifres...” (EXUPÉRY, 2006, p. 14).
Para estabelecer a distinção entre um bode e um carneiro, foi necessária a
ideação (VYGOTSKY, 1998) a respeito dos dois animais, ou seja, o principezinho
reconhece as características observáveis de um bode e de um carneiro. Transpondo
essa experiência para um comportamento infantil observável, uma criança que
conviveu com carneiros e bodes em suas experiências de mundo. Sua percepção
permitiu a observação de características semelhantes e distintas dos dois animais.
Houve o momento em que essas propriedades foram observadas, generalizadas, o
que possibilitou a formulação de uma imagem mental dos animais. O estímulo o
desenho apresentado pelo aviador não condizia com o esquema mental infantil
que continha a ideia de um carneiro, mas foi assimilado no esquema em que
estavam armazenadas as informações a respeito dos bodes.
A realidade mágica e as experiências reais nos esquemas mentais de uma
criança entre os cinco e seis anos de idade coexistem. A realização paralela entre
essas duas possibilidades de experiências são facilmente encontradas na narrativa
de Antoine de Saint-Exupéry. O Pequeno Príncipe acredita na existência de um
carneiro no interior de uma caixa desenhada pelo aviador, é capaz de conversar
com uma rosa, criar laços de amizade com uma raposa e ouvir o canto da roldana
de um poço. Objetos o animados, e animais o humanizados, o que oportuniza,
na narrativa, a representação do que Piaget (1993) chamou de pensamento mágico:
41
Esta é a caixa. O carneiro que queres está dentro. E fiquei surpreso ao
ver iluminar-se a face do meu pequeno juiz.
Era assim mesmo que eu queria! Será preciso muito capim para esse
carneiro? (SAINT-EXUPÉRY, 2006, p. 14-15)
O desenvolvimento cognitivo infantil inicia com o processo de interação entre
a criança e o mundo. A interação, segundo Piaget (apud WADSWORTH, 1995),
ocorre de acordo com a experimentação do que é externo (objetos, animais e
pessoas) através da percepção sensorial. As generalizações provenientes das
experiências de mundo da criança, segundo Vygotsky (1998), são plausíveis de
comunicação para o outro em palavras. um momento na história escrita por
Exupéry em que o Pequeno Príncipe questiona o aviador sobre o que seriam “coisas
sérias” com que se preocupar. O menino relata enfaticamente ao adulto a história de
um indivíduo vermelho, enfadonho, que se preocupava unicamente com contas e
números. O homem vermelho apresentado pelo principezinho orgulhava-se de
conversar somente sobre coisas rias. O seu orgulho em demasia permitiu que
inflasse e ficasse semelhante a um cogumelo. O pequeno príncipe, no diálogo do
autor, não mais denomina o sujeito de homem, mas de cogumelo.
O fragmento literário que contém a história do “homem-cogumelo” evidencia a
capacidade da criança de comunicar as coisas ao outro através de sua
experimentação do mundo. Uma criança real poderia ter experimentado o objeto, a
imagem e os sons da palavra “cogumelo” em um jardim, em uma gravura de revista
ou em uma receita lida pela mãe. Experimentou, percebeu e apreendeu as
propriedades do cogumelo. O homem que o principezinho conheceu possuía essas
características, logo, não era mais um homem, mas um cogumelo:
Eu conheço um planeta onde um sujeito vermelho, quase roxo. Nunca
cheirou uma flor. Nunca olhou uma estrela. Nunca amou ninguém. Nunca
fez outra coisa senão contas. E o dia todo repete como tu: “Eu sou um
homem sério! Eu sou um homem sério!” E isso o faz inchar-se de orgulho.
Mas ele não é um homem; é um cogumelo! (EXUPÉRY, 2006, p. 29)
O animismo – atribuir vida aos seres inanimados – também é característica do
comportamento infantil. Em sua visita ao planeta Terra, o jovem príncipe encontra
um jardim repleto de flores e com elas conversa:
– Bom dia! – disse ele.
Era um jardim cheio de rosas.
– Bom dia! – disseram as rosas. (SAINT-EXUPÉRY, 2006, p. 64)
42
A personagem pequeno príncipe é a ilustração de uma criança do mundo
real, pronta para conhecer e experimentar o que no planeta Terra, antes
desconhecido. As perguntas feitas pelo jovem príncipe exemplificam uma das
formas de comunicação descritas por Piaget (1993), característica da fala
socializada. O principezinho usa suas perguntas como forma de experimentar o
mundo e apreender seus significados. A pergunta que coisa é aquela?”, referente
ao avião, recebe como resposta não o que o avião é, mas para que ele é usado. Os
conceitos iniciais
14
construídos pelas crianças são as funções que os objetos e seres
desempenham:
Assim, quando viu pela primeira vez meu avião (não vou desenhá-lo aqui,
pois acho muito complicado), perguntou-me:
– Que coisa é aquela?
Não é uma coisa. Aquilo voa. É um avião. O meu avião. (SAINT-
EXUPÉRY, 2006, p. 15)
um diálogo da narrativa no qual o aviador e o príncipe contemplam o
perigo dos baobás, vegetação de crescimento rápido. No asteroide B 612, o
principezinho, todos os dias, ao acordar, arranca as primeiras raízes de baobás para
que o invadam o pequeno espaço em que vive. O príncipe anima-se com a ideia
de que os carneiros possam comer arbustos e, possivelmente, baobás. Quando
pergunta sobre essa possibilidade, o aviador lhe responde que “uma manada de
elefantes” não poderia arrancar um baobá. O jovem sorri ao imaginar-se carregando
consigo tantos elefantes. o haveria espaço suficiente para acomodá-los em seu
planeta. Segundo o filósofo Paul Ricoeur (2000), no capítulo Metáfora e Símbolo, as
obras literárias mostram ao seu público leitor um “excesso de sentido”. Os sentidos,
em uma obra literária, podem ser figurados e literais:
A primeira razão concerne ao funcionamento da significação das obras da
literatura enquanto opostas às obras científicas, cujas significações se
devem tomar literalmente. A questão aqui é se o excesso de sentido,
característico das obras literárias, é uma parte da significação ou se deve
entender-se como um factor externo, que não é cognitivo e simplesmente
emocional. (RICOEUR, 2000, p. 57)
____________
14
Um exemplo de sala de aula é correlato ao apresentado no diálogo de Exupéry. Uma menina (seis
anos), ao ser indagada sobre o que seria um gato, respondeu: "o que mia”. Não definiu o gato como
um animal, mamífero, coberto de pelos, mas o apresentou a partir de uma característica percebida
por ela.
43
O Pequeno Príncipe compreendeu literalmente a informação dada pelo
aviador. A criança não é capaz de identificar, com seus cinco e seis anos de idade, a
duplicidade de sentidos contida na expressão “manada de elefantes”: sentidos literal
e figurado. A informação literal seria: os baobás crescem muito rapidamente e
adquirem enormes proporções, logo, nenhum animal seria capaz de devorá-los,
quanto mais um pequeno carneiro. Em sentido figurado, o substantivo “carneiro” é
substituído pela expressão “manada de elefantes”, o que permite observar uma
semelhança entre o tamanho dos baobás em comparação ao tamanho dos
elefantes.
Inúmeros são os episódios narrativos que se aproximam da linguagem e do
pensamento infantis e aqueles que se assemelham mais à linguagem e ao
comportamento adultos. Em cada nova leitura da mesma obra, novas observações
tornam-se possíveis. Assim, após demonstrado o modo como a linguagem associa-
se ao pensamento infantil na narrativa O Pequeno Príncipe (2006), ao mesmo tempo
em que configura um universo de sentidos dificilmente acessível a um público infantil
sem um trabalho de mediação que possibilite sua apreensão, cabe, no próximo
capítulo, descrever o processo de recepção da obra em foco, tendo em vista o
objetivo de verificar o modo como se dá a apreensão de conceitos abstratos a partir
da experiência de leitura.
2.2 O PROCESSO DE RECEPÇÃO NA OBRA INFANTIL
Le Philosophe lisant, de Chardin, foi determinado a 4 de dezembro de 1734.
Pensa-se que seja um retrato do pintor Aved, amigo de Chardin. O tema e a
pose, um homem ou uma mulher a ler um livro aberto sobre uma mesa são
frequentes. Constituem quase um subgénero de interiores domésticos. A
composição de Chardin tem antecedentes nas iluminuras medievais em que
a figura de S. Jerónimo ou de qualquer outro leitor é em si mesma ilustrativa
do texto que ilumina. O tema continua a ser popular até bem entrado do
século XIX (veja-se o famoso estudo de Courbet, de Baudelaire lendo, ou os
vários leitores pintados por Daumier). Mas o motivo de le lecteur ou la
lectrice parece ter desfrutado de particular preponderância durante os
séculos XVII e XVIII e constitui um elo, de que toda a produção de Chardin
foi representativa, entre o grande período dos interiores holandeses e o
tratamento dos temas domésticos no estilo clássico francês. (STEINER,
2003, p. 15)
44
O artista Jean-Baptiste Chardin retratou, em sua tela Le Philosophe lisant
15
O Filósofo lendo , o sujeito leitor do século XVIII e o caráter solene que foi
atribuído ao ato de ler na Europa da época. Conforme é representado na tela, ao
leitor era destinado um tempo específico para a leitura, ao prazer proporcionado por
ela. Um local determinado e apropriado para o ato de ler era previamente escolhido.
O sujeito leitor dispunha de um ambiente rico em silêncio e o auxílio de alguns
objetos necessários para dar seguimento à leitura: a pena, a ampulheta, etc. A pena
permitia ao leitor destacar, na própria obra, sua apreciação única a respeito da
leitura. A ampulheta indicava o tempo despendido no ato de ler, ou seja, algumas
horas eram reservadas para a leitura, o que a caracterizava como um hábito.
O tempo não foi um aliado da leitura. Hoje, é incomum a existência de uma
hora própria para desfrutar desse prazer. As crianças, por exemplo, muitas vezes
leem por obrigatoriedade imposta pelas escolas. A preocupação na escolha de
narrativas que encontrem os horizontes de mundo do pequeno leitor é quase nula. A
sociedade segue um processo de regressão cultural: se, no século XVIII, o ato de ler
recebia um caráter solene, como na percepção artística de Chardin, hoje, o tempo
que sobra nas salas de aula é o apropriado para a leitura e a narração de histórias.
Recuperar e oportunizar às crianças a Literatura Infantil em sala de aula, a
partir das turmas pré-escolares é permitir que desenvolvam a imaginação e
habilidades comunicativas, orais e escritas, no decorrer da vida escolar. Para tanto,
faz-se necessária uma metodologia que considere o papel do leitor no processo de
recepção da obra: a estética da recepção. Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de
Aguiar (1993), em sua obra Literatura: formação do leitor: alternativas
metodológicas, transpõem os princípios fundamentais da estética da recepção,
teoria oriunda da Escola de Constança, para as práticas de leitura em sala de aula.
O valor maior a ser alcançado através da utilização do método é o estudo da obra
literária em conjunto com os seus diversos contextos: histórico, social e cultural.
Para os teóricos dessa escola alemã, todo texto literário é transpassado por
lacunas a serem preenchidas pelos leitores em dado momento histórico. O
preencher lacunas é dependente da percepção sensorial que o sujeito leitor tem da
obra literária. A obra literária é escrita em dada época com suas características
____________
15
Disponível em: <http://robertokles.lacoctelera.net/post/2008/03/07/malinconia>. Acesso em: 13 abr.
2009 (Anexo B).
45
estruturais específicas. Seu público leitor não será sempre o mesmo;
consequentemente, a organização social, histórica e cultural à qual pertence será
outra.
O método recepcional tem como agente o leitor e como objetivo analisar a
forma como o leitor receberá um texto específico em dado momento histórico. No
entanto, pouco valor se tem dado ao leitor nas salas de aula. A análise da obra
continua dirigida ainda pelas velhas fichas de leitura, que propõem uma
interpretação superficial. As perguntas de interpretação promovem uma busca por
dados óbvios: “qual o autor da história?”, “qual o nome da história?”, “qual a
personagem principal da história?”, entre outras.
A interação é responsável pela concretização da obra, ou seja, é através da
prática de leitura que o texto literário ganha vida. Para que ocorra a interação, é
necessária a aproximação dos contextos históricos, sociais e culturais do leitor e do
texto. Hans Robert Jauss (apud AGUIAR; BORDINI, 1993), teórico da estética da
recepção, nomeou tais contextos de “horizontes de expectativas”.
O professor, na Educação Infantil, responsável pela apresentação do universo
das histórias infantis à criança (muitas vezes único responsável, uma vez que a
família das classes menos favorecidas, algumas vezes, não é participante das
atividades da criança), deve identificar os horizontes de expectativas próprios para
dada turma escolar. A definição ocorre a partir da observação minuciosa das ações
e reações dos alunos frente às diferentes práticas de leitura ocorridas no ambiente
escolar. Através da observação das atividades de desenho livre, das primeiras
interpretações teatrais, da escolha dos livros infantis na estante da sala de aula ou
na biblioteca da escola e das brincadeiras, entre outras, o professor estará apto a
identificar quais histórias, temas e personagens têm preferência entre as crianças.
O professor deverá possibilitar à criança o atendimento dessas expectativas
através da leitura, das dramatizações, das brincadeiras dirigidas e demais atividades
lúdicas relacionadas às histórias. Aos poucos, o professor selecionará histórias que
deverão divergir das apresentadas anteriormente. Essa ação torna praticável a
ruptura do horizonte de expectativas das crianças, possibilitando a apreciação de
uma história, sua comparação e diferenciação entre os temas apresentados, a
caracterização de algumas personagens, etc. A inserção de atividades lúdicas nas
práticas escolares da criança é gratificante e fundamental para a presença desta no
universo letrado.
46
A determinação dos horizontes de expectativas do grupo de leitores pré-
escolares tem seu início com a investigação sobre o conhecimento de mundo que
trazem para a sala de aula. As experiências individuais e partilhadas de um grupo
social específico irão encontrar-se com as experiências de mundo do autor que
escreve dada obra. O passo inicial para a produção de um trabalho literário é a
consideração de um público leitor e o horizonte de expectativas desse público.
Neste estudo, os participantes das atividades de leitura pertenciam a uma
turma pré-escolar da rede estadual de ensino de Porto Alegre
16
. Às crianças é
vetado o direito de brincar no espaço em que moram por duas razões principais: o
temor dos pais de que seus filhos, ao brincarem de bolita, corda, sapata ou bicicleta
nas ruas, sejam alvos de armas de fogo ou de possível aliciamento pelos perigos
das ruas. Os jogos de video games – apesar da condição precária das famílias – são
uma das opções preferidas das crianças, situação que se reflete na formação do
leitor, conforme aponta Juracy Saraiva:
A leitura e a troca de experiências de leitura e de vida não fazem parte
dos encontros familiares. O encantamento oriundo de fábulas e de lendas,
de narrativas fantásticas ou realistas, das histórias de vida, marcadas por
fracassos e sofrimentos ou por sucessos e alegrias, bem como o ludismo
dos jogos poéticos não mais agregam a família em torno de um círculo
solidário e cedem lugar a programas televisivos ou aos jogos eletrônicos,
comprovando a afirmação de procedimentos que estimulam o individualismo
e empobrecem o sujeito em sua capacidade de diálogo. (SARAIVA, 2001, p.
24)
Definido esse público leitor, é importante levar em consideração, na escolha
da obra a ser lida, a relação que esta estabelece com a realidade em que vivem os
leitores e as condições próprias de suas experiências. Trata-se de uma obra literária
O Pequeno Príncipe (2006) cuja temática central a importância de cativar o
outro se faz necessária nas experiências de vida das crianças. A carência afetiva
do público leitor justifica a escolha da obra.
____________
16
A pesquisadora atua como professora da Educação Infantil na Escola Estadual de Ensino
Fundamental Piauí três anos. O contato diário com a comunidade escolar possibilitou a
observação, a análise e a descrição das condições econômicas e sociais dos familiares e
cuidadores das crianças participantes do estudo.
47
As crianças participantes deste estudo pertencem a famílias cujo contato com
a literatura é mínimo. O desemprego e a escolarização incompleta dos pais ou dos
responsáveis muitos não concluíram as séries finais do Ensino Fundamental os
distanciam da leitura. As dificuldades encontradas em compreender o código da
escrita não são estímulos positivos para a experiência com a literatura.
Observada a ausência, não total, mas significativa, do contato com os livros
de histórias em entrevistas
17
realizadas com os pais ou responsáveis pelas crianças
no início do ano letivo, fez-se necessária a inclusão diária da Hora do Conto em sala
de aula. Entre as histórias apresentadas às crianças, encontra-se a de Antoine de
Saint-Exupéry – O Pequeno Príncipe (2006) –, objeto de estudo desta dissertação.
____________
17
No início de cada ano letivo, a comunicação e a interação entre os professores e a comunidade
escolar é prioridade da escola. São realizadas reuniões coletivas e individuais com os responsáveis
pelas crianças. Nas reuniões coletivas, a Direção e o Corpo Docente da Instituição apresentam o
ambiente escolar aos membros da comunidade. As reuniões individuais acontecem nas respectivas
salas de aula. Os pais ou cuidadores das crianças são entrevistados pela professora, o que permite
a coleta de dados econômicos, sociais e afetivos das famílias.
3 ATIVIDADES DE MEDIAÇÃO DE LEITURA
3.1 ANTECEDENTES
Se uma criança aceita como verdade o que seus pais lhe dizem que a
terra é um planeta mantido firmemente em seu caminho pela gravidade
então a criança pode imaginar que a gravidade é uma corda. Assim, a
explanação não conduziu a uma melhor compreensão ou a um sentimento
de segurança. [...] Tais crianças repetem como papagaios explanações que
de acordo com sua própria experiência de mundo são mentiras, mas que
devem acreditar que são verdadeiras porque algum adulto assim o disse. A
conseqüência é que as crianças passam a desconfiar da sua própria
experiência, e por conseguinte delas mesmas e do que suas mentes podem
fazer por elas. (BETTELHEIM, 1980, p. 62)
A interação entre as crianças pré-escolares e o texto literário infantil esteve
presente no planejamento escolar desde o início do ano letivo de 2006. No ano
mencionado, a pesquisadora assumiu a docência de uma turma de Educação Infantil
de uma escola pública. O projeto inicial de trabalho foi a elaboração, ao final do ano
letivo, de um livro de histórias com ilustrações e textos das crianças. O projeto,
denominado Pequenos Autores, possibilitou às crianças o contato com os livros de
narrativas infantis no ambiente escolar. Diariamente, uma hora de aula era destinada
à narração de histórias pela professora e pelas crianças do grupo escolar. O grupo
não dispunha de muitos livros de histórias em sala de aula. Para solucionar a
questão, as crianças foram associadas à biblioteca escolar. Uma vez por semana,
além do tempo aproveitado em sala de aula para a narração das histórias, os alunos
tinham acesso a uma variedade de contos de fadas, fábulas, lendas, poesias, etc.
Em julho do ano de 2006, as crianças apresentaram para a Direção, a
Supervisão e demais turmas de Educação Infantil o conto de fadas Branca de Neve
(GRIMM, 1989) através da representação teatral. As roupas, os cenários e os
diálogos para a apresentação da peça foram produzidos pelas crianças com o
auxílio da professora. No mês de agosto de 2006, dentro da unidade temática
Germinação, as crianças representaram para a segunda turma pré-escolar do turno
da tarde a história João e o de Feijão (BELLINGHAUSEN, 2006). Cada criança,
ao final do ano, escolheu contar uma história e desenhá-la. A professora coletou, por
escrito, falas e ilustrações. As produções infantis foram encadernadas e integraram
o livro da turma.
49
No ano de 2007, a ênfase no processo de apresentar às crianças o universo
das histórias infantis teve continuidade. Foi no projeto temático Família e Valores
que a história de Antoine de Saint-Exupéry O Pequeno Príncipe (2006) foi narrada,
pela primeira vez, em uma atividade da Hora do Conto. A partir da apresentação da
narrativa às crianças, uma adaptação para o teatro foi produzida. Roupas, fantoches
e demais objetos referentes à história foram idealizados em sala de aula.
A pesquisadora participou, no mesmo período, de um grupo acadêmico de
narração de histórias: O Grupo Paralendas. Os alunos participantes da atividade
eram oriundos dos cursos de Graduação e s-Graduação em Letras do Centro
Universitário Ritter dos Reis
18
. A obra O Pequeno Príncipe (2006) estava entre os
textos literários escolhidos para a elaboração de atividades para crianças. Alguns
episódios da narrativa de Exupéry (2006) foram adaptados e encenados para alunos
pré-escolares e para crianças de outras instituições de ensino particulares e
públicas – na Feira do Livro de Porto Alegre do ano de 2007. Para a apresentação, a
pesquisadora caracterizou-se com roupas semelhantes aos trajes do principezinho
19
.
A ênfase na aproximação entre as crianças e os livros de histórias infantis
principiou no ano de 2006 e persistiu nas turmas pré-escolares de 2008. Partiu-se do
pressuposto de que o processo de interação entre as crianças e o meio ambiente
onde estão inseridas é o que permite o conhecimento. Nada lhes é ensinado quando
não mediado por suas próprias vivências infantis. Ao adulto, cabe a promoção de
atividades possibilitadoras para o desenvolvimento integral.
As teorias de Jean Piaget (1993 e 1995) e Lev Vygotsky (1998) são
inspiradoras para a análise das atividades de leitura elaboradas, as quais se
organizam segundo os pressupostos teóricos da estética da recepção, de Hans
Robert Jauss, conforme apresentados por Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de
Aguiar (1993). Tanto Piaget quanto Vygotsky partem da ideia de que nada é
ensinado sem a mediação da experiência. Seus escritos foram produzidos a partir
da observação e da interação dos autores com o público em questão: as crianças. A
experimentação de hipóteses a respeito do desenvolvimento infantil conduziu ao
____________
18
As atividades de apresentação de histórias, contos e lendas foram coordenadas pela Professora
Drª Regina da Costa da Silveira.
19
A representação da história O Pequeno Príncipe (2006) também foi levada a uma turma de quarta-
série do Ensino Fundamental da Escola Crescer, instituição de ensino privada (Anexo C).
50
conhecimento e, sucessivamente, à comunicação das experiências através do texto
escrito.
3.2 CARACTERIZAÇÃO DO PÚBLICO PARTICIPANTE
As crianças participantes das atividades de leitura são alunas de uma escola
estadual da rede pública de ensino (localizada na Grande Vila Cruzeiro) e estudam
no turno da manhã (catorze crianças entre cinco e seis anos de idade). A escola,
para muitas famílias do Beco do Sorriso, nome dado pelos moradores à localidade, é
um local seguro para deixar seus filhos enquanto trabalham. Os pais ou
responsáveis desempenham funções empregatícias diversas, como as funções de
papeleiro, gari, diarista, mecânico. No turno correspondente ao do trabalho de seus
cuidadores, as crianças são matriculadas na escola.
Algumas crianças são mais assíduas na participação das atividades
propostas pela escola. A ausência de um número significativo de alunos na
Educação Infantil -se por razões diversas: a não-obrigatoriedade da Educação
Infantil, o difícil acesso à escola em dias de chuva e nos meses frios, etc. O
ambiente escolar impede que as crianças se aproximem de armas de fogo, afasta-as
de violências domésticas, etc. É a escola o local onde muitas recebem suas
primeiras refeições diárias completas e encontram a possibilidade de usufruir da
infância ao ouvir histórias, manusear jogos, brincar com bolas e cordas no ginásio,
etc. Em casos específicos, alguns alunos, no turno em que não estão na escola,
auxiliam seus cuidadores no trabalho diário. Duas crianças frequentam, no turno
oposto ao do estudo, a Creche Municipal Santa Anita (localizada nas imediações da
escola), por opção dos pais.
A realidade familiar das crianças é distinta. Há crianças cujos pais estão
detidos na Penitenciária Estadual e são educadas pelos avós; há filhos de
adolescentes; crianças com necessidades físicas e alimentares, etc. As experiências
diversas de vida não inibem a participação das crianças nas atividades de leitura de
histórias infantis.
A partir dos primeiros dias de aula, há a proposta de uma rotina, cuja função é
permitir que as atividades escolares fluam da melhor forma possível durante as vinte
horas semanais em que as crianças permanecem no ambiente escolar. O trabalho
51
escolar inclui atividades com materiais didáticos (fotocópias e uma apostila, montada
pelas professoras e elaborada em concordância com o Plano de Ensino para o ano
letivo escolar), atividades lúdicas (músicas, sessões de vídeo, apresentações de
teatro, competições esportivas, festas temáticas, Hora do Conto, etc.) e atividades
que ocorrem fora do ambiente escolar (visita à Feira do Livro, participação em
teatros infantis, ida ao zoológico, passeio ao cinema, etc.).
Os alunos, em sala de aula, acomodam-se em pequenos grupos (com cinco
lugares cada) cujos participantes são alternados semanalmente. A disposição física
do ambiente facilita a interação entre as crianças, o que permite também que um
colega auxilie o outro nas atividades propostas e que uma criança participe das
atividades com colegas de grupos diferentes.
As crianças, no início do ano letivo, são convidadas a trazer para a biblioteca
da sala livros de histórias, usados ou novos e, desde o primeiro dia de aula, estão
em contato com as atividades literárias da Hora do Conto, apresentadas pela
professora e pelos alunos. Além dos livros escolhidos pelas crianças, a seleção de
obras infantis engloba autores como Ana Maria Machado, Cecília Meirelles, Charlles
Perrault, os irmãos Grimm, José Saramago, Mário Quintana, etc. As obras
escolhidas possuem temáticas necessárias para o desenvolvimento cognitivo
infantil. Os contos de fadas, por exemplo, permitem à criança o encontro com
angústias internas, não visíveis em situações reais de convívio: o crescimento, o
nascimento do irmão menor, a perda dos pais, o abandono da família, as situações
de maus tratos, etc.
Diariamente, são apresentadas histórias infantis na Hora do Conto. As
professoras, nas primeiras semanas de aula, oportunizam um tempo destinado à
narração de histórias pelas próprias crianças, que são responsáveis pela escolha do
livro que desejam compartilhar com os demais colegas. São utilizados, para a
atividade lúdica, recursos visuais e sonoros diversos que cativam a criança para o
mundo imaginário dos contos de fadas, das fábulas, da poesia, etc. Entre os
recursos usados, estão os fantoches, os livros sonoros, as histórias cantadas, o
teatro de dedoches, as adaptações dos clássicos infantis para o cinema, teatro, etc.
Por mais que as crianças escolham o mesmo livro com certa frequência, a história
nunca parece ser a mesma. Uma narrativa própria é acrescentada às narrativas de
Perrault, Grimm, Ana Maria Machado, entre outros, o que as torna únicas cada vez
que são apreciadas.
52
O planejamento das aulas é formulado em conjunto pelas professoras a partir
de sua área de atuação. As atividades são apresentadas às crianças em forma de
projetos temáticos (semanais, quinzenais e mensais). O tema para cada programa
compreende datas comemorativas universais (Páscoa, Dia das Mães, etc.), eventos
especiais (Olimpíadas, Copa do Mundo, etc.), comemorações e feriados regionais
(Semana Farroupilha, Aniversário e História da Cidade de Porto Alegre, etc.) e
tópicos de interesse das crianças (O Espaço, o Folclore
20
, etc.).
duas professoras titulares para as três turmas pré-escolares que
compõem a Educação Infantil da respectiva escola: uma turma no turno da manhã e
duas no turno da tarde. As atividades de leitura foram realizadas com a turma pré-
escolar do turno da manhã, da qual a autora do estudo não é a professora titular.
Quanto à coleta de dados, esteve fundamentada na observação participante da
pesquisadora, ou seja, a pesquisadora conviveu com os participantes da pesquisa,
tornando-se também sujeito desta. O estudo propôs a investigação natural dos fatos
a serem observados: a investigadora participou da comunidade onde as atividades
foram desenvolvidas. A pesquisa é qualitativa, o que exigiu da pesquisadora
sensibilidade, boa percepção de fatos, capacidade de estabelecer confiança com os
sujeitos participantes do projeto, capacidade de ouvir e formular perguntas
adequadas, familiaridade com as questões investigadas, adaptação para situações
inesperadas e paciência ao atribuir significado aos resultados obtidos. A proposta de
apreciação e compreensão da narrativa O Pequeno Príncipe (2006) pelas crianças
esteve inserida em uma unidade temática maior: o Sistema Solar. As crianças
manusearam e interagiram com obras literárias, filmes e atividades lúdicas
referentes aos astros e planetas que constituem o nosso Universo e que também
estão presentes na narrativa de Exupéry (2006).
____________
20 A coleta de dados dispôs das anotações manuais da pesquisadora. Foram utilizados também,
para a obtenção dos dados de pesquisa, um gravador e uma câmera digital de capturação de
imagens. A gravação das falas e imagens das crianças foi de uso pessoal, e não público. A
identidade das crianças participantes foi preservada, e seus nomes foram substituídos por
pseudônimos (pseudônimos coletados das histórias infantis). Os pais ou responsáveis foram
informados a respeito da realização das atividades e permitiram a participação das crianças. Foram
feitas e entregues cópias dos Termos de Consentimento para a Direção da Escola e para os
responsáveis pelas crianças.
53
3.3 PROCEDIMENTOS DE APLICAÇÃO DAS ATIVIDADES
As atividades apresentadas no decorrer deste capítulo propõem verificar, na
prática de leitura da obra O Pequeno Príncipe (2006), o processo de elaboração de
significados por crianças em idade pré-escolar por meio da linguagem verbal oral,
tendo por base os fundamentos teóricos de Jean Piaget (1993 e 1995) e Lev
Vygotsky (1998). Dois questionamentos iniciais provocaram o interesse para a
produção do trabalho:
A representação da linguagem na obra O Pequeno Príncipe está
associada à manifestação do pensamento infantil?
Como a obra se comunica com a criança em idade pré-escolar e de que
forma ocorre o processo de construção de significados?
Na obra de Exupéry (2006), fragmentos literários em que o protagonista
atua e se comunica de forma semelhante à de uma criança com cinco e seis anos
de idade; em outros, seu pensamento, apresentado em palavras, assemelha-se às
reflexões adultas. A escolha de uma obra literária que é destinada ao jovem leitor e
que se mostra, na narrativa, guardiã das características comportamentais desse
mesmo público possibilitou a investigação da primeira questão de pesquisa
constitutiva do estudo.
A interação da criança com o texto literário permite a análise da segunda
questão de pesquisa, que busca conhecer o processo de comunicação da criança e
o produto desse ato: a construção de significados. A hipótese de que a literatura
infantil em outras palavras, o contato entre a criança e o texto literário possibilita
a construção de significados e, posteriormente, uma tentativa inicial de formação de
conceitos científicos no ato de comunicar para o outro o que foi significativo é
passível de verificação nas atividades de leitura oportunizadas às crianças pré-
escolares participantes do estudo.
Para a apresentação das atividades às crianças pré-escolares, um roteiro
com atividades práticas de leitura foi produzido pela pesquisadora. As perguntas
apresentadas no roteiro de atividades possibilitaram o direcionamento para aspectos
considerados significativos na narrativa. Na aplicação das atividades, o rumo dos
54
questionários alterou-se a partir da participação das crianças, ou seja, algumas
questões foram acrescentadas às propostas iniciais de atividades de leitura.
As atividades de leitura desenvolveram-se em cinco dias letivos. O objetivo do
estudo não foi a apresentação do texto literário integral, pois a obra completa é por
demais extensa, o que poderia distanciar o interesse da criança pela história. Houve
a seleção dos seguintes episódios narrativos da obra: o encontro do príncipe com o
aviador; o diálogo estabelecido entre a rosa e o pequeno príncipe; o contato do
principezinho com a raposa em sua visita ao planeta Terra; a aproximação do
menino com a serpente do deserto. A seleção dos segmentos narrativos não foi
aleatória. Um tema comum entrelaça os quatro episódios e determina a escolha: a
necessidade de interação com o outro. Há, nos capítulos escolhidos, o diálogo
permanente entre o príncipe e as outras personagens integrantes da narrativa. A
cooperação, a solidariedade, a amizade e o afeto são percebidos pelas crianças ao
se manter uma comunicação com a história escolhida.
A oralidade fez-se presente na realização das atividades de leitura. Os quatro
episódios foram narrados para as crianças pré-escolares em processo inicial de
alfabetização. Os episódios foram lidos respeitando-se a sequência temporal da
narrativa de Exupéry. Entretanto, devido à extensão do texto literário, suas
apresentações foram feitas em dias alternados.
Foram acrescentadas à narrativa perguntas sobre objetos, personagens e
ações pertencentes à história, como, por exemplo: “O que é um deserto?”; “Em qual
local vivem os carneiros?”; “Quais os alimentos necessários para uma rosa?”, etc.
Os questionamentos intercalados com a narrativa foram pertinentes porque
possibilitaram às crianças maior compreensão da história. Para a narração dos
episódios, a professora dispôs da obra literária unicamente. na elaboração das
atividades de leitura, as crianças obtiveram acesso a materiais diversos, como
fantoches, sucatas, gravuras, etc.
A presença não constante das catorze crianças em todos os dias nos quais
foram realizadas as atividades ocasionou a necessidade de uma retomada do
episódio apresentado anteriormente, além da introdução do novo episódio narrativo.
A pesquisadora não leu, novamente, os episódios anteriores ao dia da ausência de
um ou mais alunos, mas os retomou, oralmente, solicitando o auxílio dos alunos que
estavam presentes nos dias das narrações para que ajudassem professora a contar
55
a história. O quadro que segue indica a frequência das crianças na participação das
atividades:
Pseudônimo e registro das crianças
participantes
1º dia
2º dia
3º dia
4º dia
5º dia
Potter x x x x
Peter x
Tom x
Pedrinho x x x x
Marcelo x
Gulliver x x x x x
Lili x x x x x
Emília x x x x x
Alice x x x x
Arthur x
João x x x x
Ali x x x
Aladin x
Sebastian x x
Quadro 1: Frequência dos alunos nas atividades
Fonte: dados da pesquisa
A atividade introdutória de aplicação do roteiro – primeira atividade consistiu
na apresentação de uma imagem da narrativa de Antoine de Saint-Exupéry o
encontro do príncipe com a raposa (aquarela ampliada para melhor visualização).
Após a apresentação da ilustração, perguntas feitas pela professora, referentes à
percepção visual dos elementos constitutivos da imagem, serviram como orientação
para a prática. Antes da apresentação do texto literário às crianças, a imagem que
ilustra a capa do livro foi deixada ao alcance do campo visual infantil, e perguntas
foram determinadas para uma leitura significativa da imagem.
56
A apresentação do episódio narrativo do encontro do aviador com o príncipe
foi a segunda atividade de leitura. O término da narrativa correspondeu ao instante
em que o príncipe recebeu o desenho tão solicitado: uma caixa que guardava um
carneiro. Para as crianças, foi solicitada a ilustração de presentes que gostariam de
oferecer ao pequeno príncipe. A atividade esteve inclusa em um contexto mágico, no
qual todos os desenhos, armazenados em um envelope e entregues ao príncipe,
dispunham da possibilidade de ganhar vida no instante em que ultrapassassem o
planeta Terra em direção ao asteroide B 612.
O segundo dia foi preenchido com a aplicação da terceira atividade de leitura.
A prática contemplou a apresentação do episódio narrativo sobre a descrição do
asteroide B 612 e a chegada do botão de rosa em seu solo. As crianças
representaram as personagens da história: os meninos foram os príncipes, e as
meninas, as rosas. Coube aos meninos o ato de decorar folhas para as rosas com
papéis verdes e cola com glitter. O objetivo da atividade correspondeu à atribuição
de características para a rosa da narrativa. Para cada folha anexada à rosa
desenhada, uma característica da rosa era apresentada, oralmente, pelas crianças.
Para o terceiro dia de aula, duas atividades foram preparadas. A quarta
atividade iniciou com a apresentação da ilustração do encontro do príncipe com a
raposa (imagem apresentada na atividade introdutória), seguida da narração do
mesmo episódio. As crianças, a partir do relato ouvido, elaboraram suas próprias
ilustrações em folhas de desenho.
A quinta atividade integrou a reapresentação do encontro do principezinho
com a raposa. Perguntas a respeito da palavra “cativar” foram feitas para as
crianças; logo após, as crianças obtiveram acesso à seleção de gravuras de
revistas, com a finalidade de atribuir adjetivos aos elementos presentes nas
imagens. As crianças observaram gravuras em que os indivíduos retratados
representavam situações alegres ou tristes. As crianças puderam escolher
livremente suas gravuras.
Duas caixas foram posicionadas, no fundo da sala, sobre classes vazias. Para
o grupo escolar, foi dito que cada caixa receberia um tipo de figura. A gravura
selecionada para uma caixa não poderia ser adicionada na outra. Cada criança foi
convidada a apresentar sua gravura para os colegas do grupo e adicioná-la a uma
das caixas. Cada criança descreveu detalhadamente sua figura. Posteriormente à
separação das figuras nas caixas, um nome, escolhido em grande grupo, foi
57
atribuído para cada uma das caixas. A imagem introdutória do roteiro de práticas de
leitura foi apresentada uma vez mais para as crianças. Coube-lhes a função de
decidir em qual caixa a imagem seria depositada.
Foi durante o quarto dia de atividades que as crianças ouviram o episódio em
que se encontram o príncipe e a serpente do deserto (sexta atividade). As crianças
demonstraram seus conhecimentos sobre os répteis e, com bolas de jornal
amassado e pés de meias de nylon, confeccionaram suas serpentes.
No quinto e último dia para a realização de práticas de leitura, uma
representação diferente para uma mesma história foi destinada ao público infantil: o
filme de Stanley Donen O Pequeno Príncipe (1974). em sala de aula, um
levantamento a respeito de alguns aspectos significativos dos diálogos da adaptação
da história para o cinema foi realizado oralmente com as crianças (sétima atividade).
O encerramento (oitava atividade) consistiu na apresentação da história pelas
crianças participantes. As crianças produziram fantoches do principezinho com
materiais disponíveis em sala de aula. Os fantoches por elas produzidos foram
facilitadores da recuperação da história apreciada.
4 A CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS: ANÁLISE DOS RESULTADOS
Alguns educadores concluíram que, em virtude das crianças desenvolverem
seus conhecimentos a partir de suas experiências no meio ambiente, não
lugar para o professor na teoria piagetiana. Isto é absolutamente falso. A
verdade é que o professor que está tentando ensinar de modo consistente
com a teoria de Jean Piaget gasta consideravelmente menos tempo em dar
aulas expositivas às crianças e menos tempo em fazê-las adquirir um
conhecimento através de ditados e de cópias. Mas o papel do professor
continua central na sala de aula piagetiana. É ele que basicamente decide
as experiências que irão compor o ambiente escolar. Além do mais, o
professor é aquele que se encontra em melhores condições de decidir as
experiências que os alunos estão prontos para adquirir. (WADSWORTH,
1995, p. 180-181)
O pesquisador e professor Barry Wadsworth, autor da obra Inteligência e
afetividade da criança na Teoria de Jean Piaget (2005), encontrou, na leitura
desatenta dos estudos piagetianos por alguns educadores, a impressão de ausência
da atuação do professor no processo do desenvolvimento cognitivo infantil.
Adiciona-se a essa leitura outra falsa premissa: quem considere o professor um
agente na transmissão de conteúdos escolares. Para Jean Piaget (apud
WADSWORTH, 1995, p. 11), o “conteúdo é o que a criança conhece. Refere-se aos
comportamentos observáveis sensório-motor e intelectual que refletem a
atividade intelectual”. O professor, no processo do desenvolvimento cognitivo infantil,
desempenha a ação de escolher e apresentar práticas escolares significativas às
crianças.
Uma turma composta por catorze crianças entre cinco e seis anos de idade
interagiu com oito atividades práticas de leitura, as quais foram intercaladas, pela
professora, por quatro episódios narrativos: o encontro entre o aviador e o príncipe
no deserto africano, a chegada da rosa ao asteroide B 612, o convívio social entre o
principezinho e a raposa e os diálogos com a serpente do deserto.
O estudo esteve inserido em uma unidade temática maior: o projeto Sistema
Solar. A prévia apresentação de elementos constitutivos do nosso Sistema Solar
pareceu necessária para a futura compreensão da história O Pequeno Príncipe
(2006). A narrativa de Antoine de Saint-Exupéry faz menção a elementos
pertencentes ao universo espacial: planetas, asteroides, etc. Um conhecimento
inicial a respeito desses elementos facilitou a compreensão e apreciação da história
pelas crianças. o pressuposto de que um texto com informações inteiramente
59
conhecidas não move a curiosidade infantil e se torna cansativo para os pequenos
leitores. Um texto com excesso de informações novas distancia a criança da leitura
por não ser compreendido por ela. A elaboração do projeto Sistema Solar propiciou
o equilíbrio entre o conhecimento dado e o novo, bem como o prazer pela realização
das atividades de leitura.
O início do projeto ocorreu com a leitura da obra infantil O Ônibus gico
Perdidos no Sistema Solar (1999), de Joanna Cole e Bruce Degen. Na narrativa,
uma turma escolar que faz uma viagem espacial com sua professora a bordo de um
ônibus escolar mágico. No decorrer do passeio, as personagens da história m a
oportunidade de conhecer planetas, estrelas e demais elementos constitutivos do
Sistema Solar. Após a apresentação da narrativa para as crianças pré-escolares, foi
confeccionado, com sucata, o Sistema Solar.
A segunda atividade pertencente ao projeto consistiu na apreciação do filme
21
Zathura, uma Aventura no Espaço, dirigido por Jon Favreau (2005). O roteiro do
filme apresenta três irmãos que descobrem um jogo de tabuleiro sobre uma aventura
em outras galáxias. Em cada arremesso dos dados, os deveres de cada jogador não
mais pertencem ao plano do tabuleiro: eles ganham vida, e as crianças inserem-se
em uma aventura espacial.
Após assistirem ao filme, os alunos, em sala de aula, fizeram uma
exploração oral sobre as coisas que podem ser encontradas no espaço. As crianças
apresentaram os nomes de elementos pertencentes à história narrada na aula
anterior e palavras relacionadas ao filme que assistiram: Sol, planetas, Lua, buracos,
pedras, água, extraterrestres, foguetes, astronauta, nave espacial, estrelas, etc.
Cada criança fez a escolha de um item para a representação através do desenho.
Às produções artísticas, foram acrescentados os objetos elaborados na aula
anterior, e um painel foi montado com o título O que tem no Espaço? (Anexo D).
As atividades sobre o Sistema Solar foram realizadas nas três turmas pré-
escolares, com a participação da professora titular correspondente. A professora da
turma da manhã fez os relatos e observações a respeito desta prática inicial bem
como o registro das imagens dos trabalhos das crianças, através de câmera
____________
21
A escola mantém uma sala temática na qual as crianças quinzenalmente assistem a filmes
previamente escolhidos pelas professoras. O material usado para a decoração da sala (cartazes de
filmes infantis e infanto-juvenis) foi doado por uma professora da Instituição, proprietária de uma
locadora de vídeos.
60
fotográfica e disponibilizou as informações coletadas à professora e autora da
dissertação.
As mentes das crianças dispõem de estruturas cognitivas que proporcionam
sua adaptação ao mundo e a organização de suas experiências vitais
(WADSWORTH, 1995). O ato de experimentar contempla a percepção dos objetos e
seres presentes no meio social através dos sentidos: visão, audição, tato, olfato e
paladar. Os elementos observáveis são estímulos recebidos assimilados por
estruturas cognitivas (esquemas mentais). Esse processo corresponde ao
desenvolvimento cognitivo. O desenvolvimento infantil é passível de observação e
análise nos dados coletados nas práticas de leitura.
A atividade introdutória à primeira recepção da obra O Pequeno Príncipe
(2006) consistiu na apresentação de uma ilustração do autor referente a um episódio
narrativo da história escolhida: o encontro entre o príncipe e a raposa. Estavam
representados na imagem o principezinho, a raposa e um local contendo árvores,
pedras, montanhas e rochedos. Uma das perguntas feitas às crianças referia-se aos
objetos, animais e pessoas presentes na ilustração. Eis o diálogo entre a professora
e as crianças:
Professora: Quais objetos, animais e pessoas aparecem na imagem?
João: Árvore.
Lili: Anjo.
João: Que anjo, quê!
Lili: É anjo.
João: Um bichinho.
Peter: Uma flor.
Professora: Que bichinho vocês acham que é: um gato, um elefante, um
rato?
João: Um camundongo.
Peter: Um cachorro.
João: Cachorro não tem rabo assim. Não é!
O animal perceptível na imagem uma raposa compartilha características
físicas semelhantes às do esquema que João elaborou para camundongo. É
possível inferir que João armazena em sua mente uma estrutura que contém as
características possíveis de percepção para o animal roedor: quatro patas, focinho
alongado, corpo coberto por pelos, etc. Características físicas semelhantes são
encontradas ao perceber a raposa através da visão. O estímulo – o animal presente
na imagem é assimilado por João, ou seja, é adicionado ao esquema
camundongo.
61
Para a pergunta sobre o animal representado na figura, Peter atribuiu outra
resposta: um cachorro. Pode-se concluir que, na mente de Peter, uma estrutura
cognitiva para cachorro que armazena as características perceptuais do animal
observado na ilustração. A afirmação de Peter é questionada por João, que nega
que o animal representado seja um cachorro. Há uma característica física observada
– o rabo que não corresponde ao esquema mental que João elaborou para
cachorro.
É interessante observar a resposta de Lili para o questionamento feito sobre o
que havia na imagem apresentada. A menina identificou um anjinho. Percorrer o
caminho interpretativo que levou Lili a dizer que havia um anjo na ilustração é
possível a partir da observação das características físicas do principezinho: tez
branca e cabelos cor de ouro encaracolados determinam um estereótipo para anjo.
Lili armazenou em seus esquemas mentais para a expressão “anjinho” essas
características perceptuais. A imagem mental elaborada pela menina corresponde à
ilustração do pequeno príncipe visível no desenho de Exupéry (2006). Em atividade
posterior (quarta atividade prática de leitura), a ilustração é mostrada novamente às
crianças e acompanhada do diálogo a seguir:
Professora: Olhem para a figura. Lembram dela?
João: Ahã.
Professora: E quem aparece nessa imagem?
Gulliver: O anjinho.
Lili: O príncipe e um bichinho.
Professora: O pequeno príncipe conheceu esse bichinho. Esse bichinho é
uma raposa. A raposa é um animalzinho que vive no deserto.
Não João, como também as demais crianças demonstraram o
reconhecimento da imagem apresentada. A palavra “raposa” foi apresentada nesse
momento. Ela é um estímulo novo para as crianças. Um novo estímulo poderá ser
assimilado pelos esquemas mentais existentes na criança. É possível que isso
não ocorra, porque nenhuma das crianças disse o nome “raposa” ao serem
questionadas sobre o “bichinho” representado na ilustração. Duas possibilidades são
apresentadas, a partir dos dados coletados: uma nova estrutura cognitiva será
elaborada para acomodar o estímulo novo raposa –, ou estruturas existentes
serão alteradas para recebê-lo (acomodação). Após o processo de acomodação, a
assimilação do estímulo será buscada novamente pelas crianças.
62
Em pesquisas feitas por Piaget (apud WADSWORTH, 1995) com crianças, foi
possível identificar a presença da inteligência simbólica no comportamento infantil. A
inteligência, antes empírica, permite agora a recuperação dos objetos, indivíduos e
seres pelo uso da representação. Para a criança, não se faz tão necessária a
presença constante desses elementos para que sejam lembrados. A presença da
inteligência simbólica fez-se presente na participação das crianças nas atividades
práticas de leitura. Na segunda atividade de leitura a apresentação do encontro
entre o aviador e o principezinho –, os participantes elaboraram desenhos para
presentear o Pequeno Príncipe.
A realização da atividade foi antecipada por um diálogo entre professora e
crianças cujo tópico eram os presentes que gostariam de ganhar. A intervenção da
professora pareceu oportuna no momento da prática porque possibilitou a
investigação do interesse das próprias crianças. A comunicação entre pesquisadora
e participantes da pesquisa oportunizou uma tentativa inicial de perceber o outro no
convívio em grupo: eu gostaria de ganhar isto, e o príncipe gostaria de ganhar
aquilo. Para descobrir que presente deixaria o príncipe feliz, as crianças
necessitaram assumir a posição da personagem para identificar seus gostos.
As crianças, nessa etapa do desenvolvimento, centram as atitudes, as
brincadeiras, as conversas em si (pensamento egocêntrico). É somente com a
interação com outras crianças e adultos que o papel do outro em um estágio
posterior do desenvolvimento se fará presente. Eis um fragmento da conversa que
antecedeu a produção dos desenhos:
Professora : O que vocês gostariam de ganhar?
Gulliver: Um carrinho de rolimã.
Professora: E o Peter, o que gostaria de ganhar?
Peter: Um boneco do Homem-Aranha.
Professora: E o Marcelo?
Marcelo: Hot Wheels.
Professora: E a Lili?
Lili: Um apontador (...)
Os desenhos feitos para presentear o principezinho refletiram, com maior
frequência, os desejos das próprias crianças. Houve dois casos nos quais foram
desenhados castelos para o príncipe. As crianças pré-escolares apreciam os contos
de fadas em que príncipes, princesas, reis e rainhas vivem em nobres castelos. O
menino da história narrada é um pequeno príncipe, e príncipes moram em castelos.
63
Os alunos Peter e Alice presentearam o principezinho com castelos. As duas
crianças assumiram-se, naqueles instantes, como príncipe e princesa. Duas análises
são possíveis com fundamentos nas produções artísticas de Peter e Alice: a
descentralização do eu e a possibilidade de enxergar o outro ou a construção de um
eu do “faz-de-conta”; em outras palavras, nesses instantes, “eu sou um príncipe/uma
princesa e gostaria de ganhar um castelo”. Abaixo, o quadro com o pseudônimo da
criança e o desenho correspondente:
Criança
Anexo
Potter Travesseiro Anexo E
Peter um castelo e o príncipe Anexo F
Tom Carrinho Anexo G
Pedrinho Ben 10 Anexo H
Marcelo Casa Anexo I
Gulliver Bola Anexo J
Lili Sol Anexo K
Emilia Bicicleta Anexo L
Alice um castelo e uma florzinha Anexo M
Arthur um monte de boneco Anexo N
João um desenho Anexo O
Quadro 2: Pseudônimos das crianças e desenhos correspondentes
Fonte: dados da pesquisa
As crianças desenharam brinquedos, personagens animados dos seriados da
televisão, objetos constitutivos das histórias infantis, etc. Todos os desenhos eram a
representação de elementos cujos referentes físicos não estavam presentes.
Os primeiros desenhos infantis correspondem à imaginação das crianças
sobre o que ilustram: o Sol de Lili apresenta olhos, boca e nariz. Desenhos
posteriores representam reais características dos elementos representados. Nas
ilustrações recolhidas após o término da quarta atividade prática a do encontro
entre a raposa e o pequeno príncipe –, foram identificadas características
semelhantes às da imagem física do príncipe e da raposa, no livro, em alguns
desenhos das crianças: a vestimenta do principezinho (calça, manta, etc.), a
presença da raposa, etc. (Anexo P). A interpretação dos desenhos das crianças
participantes do estudo restringiu-se à análise das relações entre os desenhos e o
processo de formação inicial de conceitos pelas crianças, relacionados aos
estímulos oferecidos pela leitura da obra em foco.
Na sexta atividade – a apresentação do encontro com a serpente do deserto e
o regresso para o asteroide B 612 –, as crianças ouviram a história e
64
confeccionaram, com jornal, um par de meias de nylon e têmpera, as suas
serpentes. Aos répteis foram dados os nomes a seguir:
Criança
Nome da serpente
Criança
Nome da Serpente
Gulliver Cassiano Ali Jibóia e Jack Chan
Potter Harley Sebastian Bola
Pedrinho Pintinho João Disse não saber nenhum nome
Emilia Iasmin Lili Rakeli
Quadro 3: Nomes dados às serpentes confeccionadas pelos alunos
Fonte: dados da pesquisa
No horário de saída da escola, João e Ali permaneceram em sala de aula com
a professora, à espera dos seus cuidadores para buscá-los. Os dois brincavam com
as serpentes. Um diálogo foi principiado pela professora:
Professora: O que vocês fariam se encontrassem com a serpente da
história?
Ali: Saía correndo.
João: Eu ia falar com ela, perguntar se ela ia ser minha amiga.
Ali: Não dá pra falar com ela.
João: Dá.
Ali: Ela não fala.
João: Fala.
Ali: Na história.
Na história de Exupéry (2006), o principezinho encontra uma serpente falante
que não confia nos homens. Ao contrário dos seres humanos que conhece, o
menino não teme ao aproximar-se dela. As crianças pré-escolares, ao produzirem
suas serpentes, iniciaram o jogo do faz-de-conta, no qual a meia repleta de jornal
representava a serpente (imagem mental). As fantasias elaboradas nesse jogo
permitem a realização de experiências não possíveis ou não vivenciadas no mundo
real. No diálogo mantido entre a professora e os dois meninos Ali e João , a
presença do jogo. João “faz de conta” que pode conversar com a serpente e lhe
pedir que seja sua amiga. As crianças são capazes de ingressar e partir do mundo
de possibilidades do “faz-de-conta”. Essa constatação é comprovada no diálogo de
Ali ao dizer que só é possível uma serpente falar na história.
João encontra maior facilidade do que Ali para ingressar no universo do “faz-
de-conta”. Talvez seja oportuno salientar as realidades sociais às quais pertencem
os dois meninos, fator que influencia na participação das crianças nas atividades de
leitura. João é morador do Beco do Sorriso, juntamente com seu pai, sua mãe e
seus irmãos: Wendy, com oito anos, e Jack, com cinco anos. O menino Ali vive na
65
mesma comunidade de João. É filho único e cuidado por uma tia (na maior parte do
tempo) e por sua mãe. Os pais do menino são separados.
Em sala de aula, Ali e João apresentam atitudes comportamentais diversas:
João é uma criança alegre e interage de forma harmoniosa com os colegas da
turma. Ali não brinca com os colegas da sala e, eventualmente, os machuca. Talvez
para João uma realidade mais pacífica e com amor familiar permita-lhe acreditar em
“contos de fadas”. Para Ali, a ausência constante de afeto permite-lhe estabelecer
uma linha limite muito acentuada entre o que pode ocorrer em uma história infantil e
o que realmente acontece na realidade em que vive.
A linguagem também indica representação: representação dos objetos, ações
e sentimentos pela palavra. O uso das palavras é um caminho mais eficaz no
atendimento dos desejos e necessidades básicas infantis. Antes de adquirir a
linguagem, a criança comunica-se através dos gestos. Posteriormente, estes serão
acompanhados das primeiras palavras: a palavra deflagra a ação e, em seu
processo final, representa a ação.
A aquisição da linguagem também faz parte do desenvolvimento cognitivo
infantil. Para o aprendizado, o mesmo processo de aquisição de conhecimentos faz-
se necessário. É através da experiência da criança sobre o meio que a linguagem
oral é adquirida. Uma palavra é um estímulo novo a ser assimilado pelos esquemas
mentais infantis.
Com a linguagem, a criança inicia seu processo de formulação de conceitos.
Uma palavra representa um objeto. Este objeto possui características perceptuais.
Estas características são estímulos. A criança percebe estes estímulos por seus
órgãos sensoriais e os assimila em suas estruturas cognitivas existentes
(esquemas). No estágio pré-operacional, a inteligência infantil passa por um
processo de transição: a atividade psíquica infantil produto das experiências
infantis é resultado, também, da representação. Os conceitos estão intimamente
relacionados a um referente. Uma criança solicitada a responder “O que é um
gato?”, por exemplo, apresenta como definição uma propriedade perceptual do gato:
“O que mia”.
Apesar de divergir da teoria piagetiana quanto à evolução do desenvolvimento
da linguagem infantil, Vygotsky (1998) também vê na linguagem uma atividade
simbólica de comunicação das experiências infantis. As experiências infantis
armazenam-se em estruturas psíquicas. Muitas são as práticas das crianças, o que
66
impossibilita os seus intercâmbios, senão por representação, através das palavras.
Essa primeira comunicação das suas experiências inicia o processo de formação
dos conceitos espontâneos. Na apresentação do episódio narrativo o encontro do
aviador com o principezinho –, as crianças ouviram o episódio, produziram
ilustrações que representavam presentes para o príncipe e, no momento em que
estas foram apresentadas para o grande grupo, a professora sugeriu que
elaborassem, oralmente, definições para os desenhos:
Professora: O que você desenhou para o pequeno príncipe, Potter?
Potter: Travesseiro.
Professora: O que é um travesseiro? Vamos ver quem é que sabe me dizer
o que é um travesseiro? [Pergunta feita ao grupo]
Marcelo: É de deitar.
Peter: É de deitar.
Potter: De cama.
Professora: Peter, o que desenhou? Mostra o desenho.
Peter: Um castelo e um príncipe.
Professora: Que lindo! Um castelo e um príncipe. O que é um castelo?
Tom: Castelo é onde vive a rainha.
Professora: Fala de novo o que é um castelo.
Tom: O castelo é onde vive o príncipe.
Professora: E o Tom, o que “tu desenhou” para o príncipe?
Tom: Um carrinho.
Professora: O que é um carrinho? [Pergunta para o grupo]
Tom: É de brincar.
Professora: E o Pedrinho, o que “tu desenhou” para o pequeno príncipe?
Fala bem alto.
Pedrinho: Ben 10. [O menino sussurra]
Professora: Repete bem alto, Pedrinho.
Tom: O Ben 10. [Tom responde]
Professora: O que é o Ben 10? [Pergunta para o grupo]
Pedrinho: Quatro braços.
Tom: Um herói.
Peter: É de desenho (...).
Com o objetivo de não inibir o grupo escolar na apresentação das respostas,
as perguntas, inicialmente, foram feitas para o grande grupo. Há, no entanto, a
participação constante de dois a quatro alunos com maior frequência. Para que o
silêncio dos demais não permanecesse como resposta às perguntas uma busca
pela participação integral do grupo –, as perguntas eram repetidas e direcionadas,
algumas vezes, para os alunos não tão falantes. No quadro abaixo, encontram-se os
nomes dos desenhos e conceitos correspondentes:
67
Criança que
elaborou o
desenho
Desenho
Definição dos desenhos e o pseudônimo da
criança que os definiu
Potter Um travesseiro É de deitar/ Marcelo
De cama / Potter
Peter Um castelo e um príncipe Onde vive a rainha / Tom
Onde vive o príncipe / Tom
Tom Um carrinho É de brincar
Pedrinho Ben 10 Quatro braços/ Pedrinho
Um herói / Tom
É de desenho/ Peter
Marcelo Uma casa É de morar / Peter
Gulliver Uma bola É de jogar bola / Peter
É de jogar futebol / Peter
É de fazer balãozinho / João
Lili Um sol É uma terra de fogo / Emília
Emília Uma bicicleta É de andar / Emília
Alice Um castelo e uma florzinha O que a gente planta no chão / Alice
João Um desenho É uma casa e um carro, pode ser / Peter
Arthur
Um monte de boneco
Uma família/ fala de Potter
De namorado / Marcelo
Quadro 4: Nomes dos desenhos feitos pelos alunos e conceitos correspondentes
Fonte: dados da pesquisa
Nota-se a aproximação entre o conceito e as características perceptuais,
sejam elas propriedades físicas como cor, tamanho, forma, etc., ou o uso que a
criança faz do elemento conceituado. Todos os conceitos possuem um referente: o
desenho da criança. Os desenhos feitos pertencem à experiência infantil, ou seja,
em sua interação com o meio, as crianças brincaram com carrinhos, andaram de
bicicleta, usaram um travesseiro para dormir. Todos esses objetos foram estímulos
provenientes do meio, os quais foram assimilados pelos esquemas mentais infantis,
possibilitando sua representação através do desenho e, posteriormente, da palavra.
Um interesse maior destina-se à análise dos desenhos de Peter e Alice. Um
castelo e um príncipe não pertencem ao mundo real em que a criança convive, mas
a um universo apresentado por intermédio do adulto: o universo das histórias. As
crianças, em seu faz-de-conta, projetam-se do mundo real para um mundo mágico,
eivado de sapos que se transformam em príncipes, temidas feiticeiras, exímios
piratas navegadores dos oceanos, etc. É o proferir das palavras “era uma vez” que
cria esse mundo e outros. As crianças são capazes de interagir também nesse meio
e constroem, igualmente, experiências.
Para possibilitar a visualização e análise do desenvolvimento das crianças,
parte-se da ideia de que um castelo é um estímulo novo apresentado às crianças. A
professora regente contou muitas histórias nas quais a palavra e a imagem do
castelo esteve presente. Aceita-se que as crianças elaboraram um esquema para
68
casa em sua experiência cotidiana. Casa “é de morar”, nas palavras de Peter. Nos
contos de fadas, reis, rainhas, príncipes e princesas moram em castelos. As
crianças podem assimilar o estímulo “castelo” no esquema casa, elaborado.
Castelo compartilha muitas características de casa, perceptíveis por crianças: janela,
portas, quartos, etc. Um olhar observador para o desenho das duas crianças que
ilustraram castelos Peter e Alice reconhece traços comuns nas duas
representações: uma torre e uma janela (WADSWORTH, 1995).
O castelo poderá ser chamado “casa” por apresentar características
semelhantes a este esquema: as propriedades comuns são percebidas, e as
diferentes não. Ao perceber os atributos não semelhantes entre os dois elementos, a
criança poderá mobilizar modificações no esquema mental “casa” para que este
inclua o estímulo “castelo” ou construir uma estrutura mental nova para o objeto. O
desenho e a palavra são representações do objeto (WADSWORTH, 1995).
Na alteração de enfoque para a análise dos desenhos e conteúdos infantis,
Lev Vygotsky (1998) apresenta duas possibilidades de conceitos, os espontâneos e
os científicos, conforme referido anteriormente. Os primeiros são constituídos na
ação da criança sobre seu meio. Os segundos são apresentados às crianças, mas
devem ser mediados pela própria experiência infantil. Por exemplo, a palavra
“castelo” foi apresentada às crianças através de muitos contos de fadas. A criança,
ao acompanhar as personagens de uma narrativa em suas peripécias, também as
vive. Elas acompanharam o príncipe em sua jornada para o resgate da donzela,
presa na torre da velha feiticeira em Rapunzel (GRIMM, 1989). Elas desceram
correndo as escadas do castelo onde a Gata Borralheira (GRIMM, 1989) perdeu o
sapatinho. A representação dessas vivências foi possível em palavras, cujo
resultado pode ser observado na fala de Tom ao apresentar, para seus colegas, sua
ideia para castelo: “onde vive a rainha, onde vive o príncipe”.
Mas não são todas as palavras usadas por adultos e crianças em sua
comunicação que possuem um referente perceptível. Sentimentos, adjetivos e ações
não estão intimamente ligados a um objeto correspondente. A história infantil pode
auxiliar na percepção das palavras, apresentadas pela professora e ausentes na
experiência das crianças pré-escolares. Um sentimento, um adjetivo, uma ação ou
uma emoção podem ser representados nas ações das personagens infantis,
também sendo passíveis de vivência pela criança que ouve a história. No momento
69
em que a criança é capaz de experimentar um sentimento e uma ação, estes se
tornam significativos para ela.
A realização das atividades de leitura da obra O Pequeno Príncipe (2006) foi
uma oportuna ocasião para apresentar às crianças um adjetivo “egoísta” e uma
ação “cativar”. A palavra “egoísta” encontra-se presente nos diálogos do filme O
Pequeno Príncipe (1974), de Stanley Donen. A rosa considera o jovem príncipe
egoísta por decidir conhecer outros planetas e deixá-la só no asteroide B 612.
A palavra “egoísta” pertence à comunicação das crianças pré-escolares.
Eventualmente, nas atividades com jogos e com brinquedos, as crianças
caracterizam um ou outro colega dessa forma. Os portadores dos adjetivos são
aquelas crianças que não permitem a participação do outro em seus jogos ou que
recolhem todos os brinquedos para si. Aquele colega que não empresta brinquedos
e jogos é egoísta.
Para o trabalho com a palavra “egoísta”, presente nos diálogos do filme, uma
atividade que possibilitou a caracterização da rosa no texto literário foi feita. A
terceira atividade a apresentação da narrativa O Pequeno Príncipe às crianças, o
asteroide B 612 e a chegada da rosa iniciou com a leitura do episódio no qual um
botão de flor chega à pequena morada do príncipe. A nova visitante, com os
cuidados do principezinho, transforma-se em uma bela rosa. Ela é por demais
exigente e não muito grata à dedicação do menino.
Após a apresentação da história, as crianças produziram rosas (as meninas)
e folhas (os meninos) com papéis coloridos, folhas de desenho e cola com glitter. Os
desenhos das meninas representaram a rosa que foi acolhida pelo pequeno príncipe
(Anexo Q); os meninos escolheram uma menina (cada um) e lhes anexaram as
folhas. A cada folha anexada, uma característica para a rosa foi dita:
Professora: Ali, como era a rosa, a flor?
Ali: Vermelha.
Professora: E o que ela fazia?
Ali: A flor maltratava muito ele?
Professora: O que ela fazia para maltratar ele?
Ali: Ela pedia, todo dia, água, comida. Dizia “não quero mais água”, “não
quero mais comida”.
Professora: Gulliver, quem você escolhe para colar a folha?
Gulliver: A Alice.
Professora: Como era a rosa da história?
[Gulliver e o dedo na boca e sorri, o que indica certo receio em participar
da atividade]
Professora: A flor era boa, Gulliver?
Gulliver: Era. [Responde com o dedo na boca]
70
Professora: O que faz alguém que é bom, uma pessoa amiga? Ela era
amiga do príncipe?
[Gulliver movimenta a cabeça, indicando que sim]
Professora: Qual é a primeira coisa que a gente faz para ser amigo de
alguém?
Gulliver: Brincar.
Professora: Agora vem o Pedrinho. Pedrinho, quem que “tu escolheu” para
prender a folha?
[Pedrinho aponta a aluna Lili]
Professora: Como era a flor?
[Pedrinho sorri]
Professora: Todo mundo junto, ajudando o Pedrinho.
Lili: Era legal.
Ali: Era boa, pedia as coisas, dizia que não queria nada.
Professora: Ela falava muito?
Ali: Falava. Era triste.
Professora: Por que ela era triste?
Ali: Porque o príncipe foi.
Professora: E como ela ficou quando ele foi embora?
Ali: Sozinha. No planeta, sozinha.
Os dados presentes no diálogo mostram que o primeiro adjetivo para a rosa é
uma propriedade física desta a cor –, passível de percepção visual: a rosa era
vermelha. Algumas características encontradas na coleta de dados são incluídas por
mediação da professora. Outras particularidades sobre a rosa fizeram-se presentes
nas respostas para as perguntas feitas pela professora. Na comunicação informal
entre professora e crianças, Ali atribui à flor o adjetivo “triste”. A palavra “triste”, em
um mundo real, não possui um referente físico que possa ser observado pela
criança. A história infantil possibilitou a elaboração de ações, feitas pela rosa, que
serviram como um elemento material para o conceito “triste”. A flor, com a partida do
príncipe para outros planetas, demonstra a intenção de chorar. A ação de chorar é
feita por pessoas que estão tristes:
– Adeus – disse ele à flor.
Mas a flor não respondeu.
– Adeus – repetiu ele.
A flor tossiu. Mas era por causa do resfriado.
– Eu fui uma tola – disse finalmente. – Peço-te perdão. Procura ser feliz.
A ausência de censuras o surpreendeu. Ficou parado, completamente sem
jeito, com a redoma nas mãos. Não podia compreender essa delicadeza.
– É claro que eu te amo – disse-lhe a flor. – Foi minha culpa não perceberes
isto. Mas não tem importância. Foste tão tolo quanto eu. Tenta ser feliz...
Larga esta redoma, não preciso mais dela.
– Mas o vento...
Não estou tão resfriada assim. O ar fresco da noite me fará bem. Eu sou
uma flor.
– Mas os bichos...
71
É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as
borboletas. Dizem que são tão belas. Do contrário, quem virá visitar-me? Tu
estarás longe... Quanto aos bichos grandes, não tenho medo deles. Eu
tenho as minhas garras.
E ela mostrava ingenuamente seus quatro espinhos. Em seguida
acrescentou:
– Não demores assim, que é exasperante. Tu decidiste partir. Então vai!
Pois ela não queria que ele a visse chorar. (SAINT-EXUPÉRY, 2006, p. 34-
36)
A comunicação entre a obra e a criança possibilitou um conhecimento sobre a
rosa. A retomada do diálogo entre o principezinho e a flor foi proporcionada na
sétima atividade de leitura: a apresentação do filme O Pequeno Príncipe (2006) às
crianças. A palavra “egoísta” desponta na conversa entre ambas as personagens. A
rosa, apesar de todos os cuidados prestados pelo menino, considera-o egoísta. Ele
é egoísta por não poder lhe satisfazer todas as vontades da forma como ela queria.
em sala de aula, após assistirem ao filme, as crianças apresentaram suas
apreciações a respeito da história sétima atividade. Entre as falas das crianças,
foram intercaladas perguntas da professora, na busca pela compreensão da palavra
“egoísta”.
As crianças não fizeram uso espontâneo da palavra “egoísta” ao atribuir
características para a rosa. O conceito para a palavra em questão está solidificado
na ação de não emprestar algum brinquedo para o colega. Brinquedos não são
utilizados na interação entre o príncipe e a flor. Contudo, uma relação entre os
cuidados dispensados à flor e o ato de emprestar ou não brinquedos poderia ser
feita para tornar mais significativa a construção do conceito da palavra “egoísta”. Por
exemplo, os brinquedos, nessa situação específica, seriam substituídos pela água e
pela proteção contra as correntes de ar. O pequeno príncipe reparte seus objetos
com a rosa. O sujeito que empresta suas coisas não é um indivíduo egoísta.
A posterior apresentação do diálogo entre a rosa e o príncipe modifica a
caracterização do protagonista: a rosa o chama de egoísta. As crianças não negam
a afirmação da rosa e a justificam, atribuindo ao príncipe atributos que o
caracterizam como um indivíduo que se encaixa, perfeitamente, na imagem mental
constituída pela criança (conceito):
Professora: Vocês lembram que, no filme, o pequeno príncipe conhece a
rosa, a flor, e ela diz que ele é egoísta. Quem sabe o que é egoísta?
Potter: Eu!
Professora: O que é egoísta, Potter?
[Potter sorri, cobre o rosto com os braços e não responde]
72
Professora: Quem sabe fala bem alto: o que é egoísta?
Gulliver: Triste.
Sebastian: Triste. [Repete o que Gulliver falou]
Lili: Feliz.
Professora: O que é uma pessoa egoísta? Egoísta?
Alladin: É não dar alguma coisa pra ele.
[Alladin fala com o dedo na boca]
Professora: Alladin, fala de novo.
Alladin: É não dar alguma coisa pra ele.
Professora: Por que será, Alladin, que ela dizia que o principezinho era
egoísta?
Alladin: Porque ele não dava nada.
As intervenções de Alladin puderam demonstrar que o menino reconhece o
significado daquela palavra, ou seja, ela pertence ao seu mundo de experiências. Na
história de Exupéry (2006), o principezinho não demonstra ser egoísta, pois faz todo
o possível para atender às solicitações da rosa.
Aos alunos foi dito que a rosa chamou o jovem príncipe de egoísta e a eles
caberia a situação problema, o desafio de descobrir por quê. É o primeiro dia da
presença de Alladin nas atividades de leitura (o menino falta muito à escola). Há, na
fala de Alladin, a manifestação do pensamento transdutivo; em outras palavras, a
transferência da explicação para a palavra “egoísta” pertencente ao seu
universo de experiências – para a definição de egoísta que está presente na história.
Primeiro, Alladin diz que “é não dar alguma coisa pra ele”, ou seja, o pronome “ele
refere-se a príncipe e é ele quem não recebe alguma coisa de alguém. Entretanto,
Alladin é questionado novamente, pela professora, sobre o motivo pelo qual a rosa
chamou o principezinho de egoísta. O menino faz uso do pensamento transdutivo ao
dizer que “ele não dava nada” e, por essa razão, era uma pessoa egoísta. Ser
egoísta é, na interpretação infantil, não dar algo a alguém.
A professora foi responsável por uma seleção de atividades que possibilitou
às crianças uma tentativa inicial de contato com outro conceito: o conceito de
“cativar”. A palavra “cativar” de forma semelhante à palavra “egoísta” pertence
ao grupo de conceitos que, para Piaget (apud WADSWORTH, 1995), não possuem
um referente externo cujas propriedades físicas possam ser percebidas pelas
crianças. O conceito “cativar” ocorreu mediante a interação social “a troca de
ideias” entre as crianças e o adulto: a professora. A professora apresentou
possibilidades de vivências nas quais as crianças experimentaram a palavra e seus
atributos.
73
Segundo a concepção de Vygotsky (1998) a respeito da aquisição de
conceitos, estes serão formulados na generalização e comunicação das
experiências da criança para os outros indivíduos. O professor, em sala de aula,
apresenta à criança outros conceitos, os quais “ela não pode ver ou vivenciar
diretamente” (VYGOTSKY, 1998, p. 108). Com o intuito de transformá-lo em
significativo para as crianças pré-escolares, o conceito para a palavra “cativar”
esteve incluso na história infantil escolhida. Os eventos protagonizados pelo príncipe
e pela raposa possibilitaram a “visão” e a experimentação” de tal conceito pelas
crianças. O caminho percorrido dispôs da integração entre a história e as
experiências reais das crianças.
A quinta atividade permitiu às crianças o contato com a palavra “cativar”. Foi
reapresentada a passagem em que a raposa e o príncipe se conhecem. Um dos
questionamentos destacados foi: “o que é cativar?”. O diálogo entre professora e
crianças pré-escolares mostrou a retomada de alguns pontos importantes da
narrativa:
Professora: O que será cativar? Por que será que a raposa disse para o
príncipe que ele não podia ser amigo dela porque ele não a tinha cativado?
[As crianças não respondem à pergunta]
Professora: O que é cativar? Para ser amigo, ele tinha que cativar. Quem
sabe?
[As crianças olham umas para as outras sem apresentar qualquer resposta]
Professora: O Ali chega e fala comigo: “Vamos brincar?”. Eu digo: “Não. Tu
não me ‘cativou’ ainda. Eu não posso brincar contigo. Só vou brincar contigo
se tu me cativar”. O que é cativar?
Lili: É quando uma pessoa fica triste.
Professora: Para brincar ele tinha que cativar. Cativar é uma coisa boa ou
uma coisa ruim?
Potter: Boa.
Lili: Boa. [A menina manifesta-se após a fala dos meninos]
Professora: Cativar é uma coisa boa, como disseram os meninos e a Lili.
Para o Potter brincar com o irmão, ele tem que cativar o irmão. Para o Ali
brincar com a Emília, ele tem que cativar a Emília. Para a Emília brincar
com a Lili, ela tem que cativar a Lili. O que será cativar?
Gulliver: É enterrar.
Professora: A Emília quer ser amiga do Ali. A Emília não conhece o Ali. Os
dois estão no primeiro dia de aula. Eles nunca se viram. O Ali convida a
Emília para brincar. A Emília diz: “Não, tu não me ‘cativou’. Eu não vou
brincar contigo”. O que é cativar?
Lili: Não ficar triste.
Potter: Ficar brincando.
Professora: Eu posso ser amiga do Potter se ele me cativar. Cativar é fazer
o quê?
Ali: Um é amigo do outro? Os dois estão alegres? [Referindo-se à ilustração
do príncipe e da raposa, anexada no quadro]
74
Professora: Eles acabaram de se conhecer. que ele não brinca com ela.
Estão vendo? Ela está longe dele. Ele convida a raposa para brincar: Oi,
raposinha, quer brincar comigo?”. A raposa responde: “Eu até quero, mas tu
não me ‘cativou ainda, não ‘criou’ laços comigo. Tu ‘precisa criar laços
comigo para eu ser tua amiga e brincar contigo. Eu vou ser tua amiga se
tu me ‘cativar’”. O que será cativar?
Gulliver: Ele não gostava da raposa.
Professora: Será que ele não gostava da raposa? A raposa conhecia o
príncipe ou conheceu quando ele chegou no planeta Terra?
Potter: Conhecia.
João: Conheceu agora.
Ali: É quando a gente conhece uma pessoa na hora. A gente tem que
conhecer mais.
Professora: Tem que conhecer mais, como disse o Ali. Tem que conhecer
mais, porque a gente não pode ficar amigo de uma pessoa estranha.
A primeira explicação para “cativar” foi a apresentada por Lili: “ficar triste”. Ela
atribui para a palavra o resultado de uma ação: o ato de não brincar provoca o
sentimento de tristeza. A professora, nesse instante, fez uma nova intervenção:
“Para brincar, ele tinha que cativar. Cativar é uma coisa boa ou uma coisa ruim?”.
Após a pergunta da professora, Lili apresenta sua posição ao indicar que cativar é
“Não ficar triste.” (o início da reversibilidade do pensamento). O ato de brincar
resulta de outro, que é cativar. Brincar é algo bom e, por conseguinte, cativar
também.
A intervenção da professora, a respeito da palavra “cativar”, provocou o
desequilíbrio no grupo escolar: o estímulo apresentado “cativar” não se
encaixava nos esquemas existentes nas mentes infantis. Muitas foram as
tentativas de sua integração às estruturas cognitivas já elaboradas, como: ficar triste,
enterrar, brincar, etc. Os questionamentos da professora foram responsáveis por
aproximar a palavra “cativar” das experiências de vida das crianças.
Em dado momento do diálogo, o aluno Ali retoma o foco da história infantil ao
perguntar se a raposa e o príncipe eram amigos e estavam alegres. As demais
crianças também direcionaram sua atenção, novamente, para a narrativa. Buscava-
se a resolução para uma situação de desequilíbrio – o que seria a palavra “cativar”
nas experiências das personagens presentes na história. A ação das crianças
convidar alguém para brincar correspondia à ação do príncipe ao pedir para a
raposa que brincasse com ele. A fala de Ali parece conter a tentativa de formação de
um conceito para “cativar”: ir se conhecendo. Segundo Piaget (apud WADSWORTH,
2005), quando há o conflito entre o estímulo novo e as experiências infantis
75
presentes em seus esquemas mentais, a criança apresenta motivação para a nova
experimentação.
A atividade seguinte completou a anterior. Nessa prática, as crianças
observaram imagens coletadas de jornais e revistas onde poderiam ser encontrados
indivíduos em situações alegres e tristes (Anexo R). Cada criança selecionou a
gravura de sua preferência, que deveria ser armazenada em uma das caixas
dispostas na sala. A escolha da caixa para a figura foi mediada pela interação entre
a professora e as crianças pelo diálogo:
Professora: Olhem para cá. Existem duas caixas. Olhem para as figuras que
vocês escolheram. Agora, vocês vão separar essas figuras. Numa caixa,
vocês vão pôr um tipo de figura e, na outra, o outro tipo de figura. Ali, vem
mostrar a figura para os colegas.
[A figura continha três rapazes]
Professora: Quantas pessoas existem na figura?
Ali:Três.
Professora: Eles estão alegres ou tristes?
Ali: Alegres.
Professora: Como tu “sabe”?
Ali: Estão sorrindo.
Professora: Qual caixa tu “escolhe” para a figura?
Ali: Aquela [Apontou para caixa que estava à direita da professora]
Professora: Vem o Potter. Mostra a figura. Quem são eles?
Potter: Jogador de futebol.
Professora: Estão alegres?
Potter: Estão rindo.
Professora: Qual a caixa em que tu “vai” colocar a figura?
Ali: Dá pra mim colocar?
Potter: Não sei.
Professora: Vamos ajudar o Potter?
[Todos respondem “sim”]
Professora: Quem acha que ele tem que colocar na caixa da figura com
pessoas alegres levanta a mão.
[Todos ergueram as mãos, e a criança se dirigiu para a caixa com a
gravura]
Professora: Agora o João.
[Ele traz a figura e a mostra para os colegas]
Professora: Esse gurizinho parece estar alegre?
João: Não.
Professora: Por que ele não está alegre?
João: Porque ele não tem uma vida.
Potter: Ele está triste.
Professora: E por que ele não tem uma vida?
Ali: A casa dele não é como ele queria.
Professora: Ele vai ficar em que caixa?
[As crianças apontam para a caixa da esquerda, e Ali levanta-se do lugar
para encostar na caixa escolhida. João insere a figura na caixa escolhida]
O objetivo dessa atividade complementar foi o de associar e intensificar ao
ato de “cativar”, apresentado na situação de convívio entre o príncipe e a raposa
uma conotação positiva, e não negativa. As figuras cujas imagens eram alegres
76
continham mais de um indivíduo, e as imagens classificadas como tristes
apresentaram pessoas sós, com feições brutas e ações não agradáveis. A imagem
representativa da história O Pequeno Príncipe (2006) foi disposta na caixa que
continha as imagens dos indivíduos alegres. Para as crianças, foi questionado quais
eram os participantes da ilustração e o que estavam fazendo. As crianças
reconheceram o príncipe e a raposa e consideraram que os dois estavam brincando.
A imagem foi armazenada, a pedido das crianças, na caixa com imagens
representativas da alegria.
A imagem mediou uma tentativa de formação de conceitos para “alegre” e
“triste”. O menino Ali observa a ilustração escolhida por João. João selecionou uma
figura que continha um menino com roupas rasgadas e sujas, e alimentando-se
com uma porção insignificante de comida. A criança que convive com a ausência de
roupas e alimentação adequada é uma pessoa triste
22
.
A prática final, presente na oitava atividade, foi a recapitulação da história,
pelas crianças, através da Hora do Conto. Duas crianças pediram para contar a
história: Peter e Lili. A professora responsável pelas atividades de contação de
história para essa turma, no decorrer do ano letivo, é a professora titular, e não a
pesquisadora. É dada maior ênfase à narração de histórias pela professora, seguida
de atividades dirigidas para a compreensão da obra. As crianças que terminam suas
atividades têm acesso aos livros de seu agrado e, em pequenos grupos, contam
para seus colegas, a partir da ilustração dos livros, a história ocorrida.
Peter e Lili demonstraram livre interesse na reapresentação da narrativa O
Pequeno Príncipe (2006) para os colegas. As crianças utilizaram como recurso
visual os fantoches construídos por elas e um flanelógrafo no qual as cenas dos
episódios narrados estavam presentes (Anexo S). Peter e Lili buscaram o auxílio dos
colegas na apresentação da história. As demais crianças auxiliaram na
movimentação das cenas, na recordação de nomes de objetos, locais e
personagens esquecidos pelas crianças que estavam contando a história. A
interação entre crianças é uma das formas de aquisição de conhecimento. É na
____________
22
Parece oportuno o acréscimo de uma atividade de sistematização, que além dos diálogos
apresentados, para observar a construção e a reelaboração dos conceitos “cativar” e “egoísta”,
respectivamente. Como sugestão, o teatro. As crianças teriam a possibilidade de representar,
usando a mímica, situações em que o egoísmo e o ato de cativar pudessem ser encontrados.
Posteriormente, as criança ilustrariam as situações interpretadas e as apresentariam, oralmente,
para os colegas.
77
interferência positiva do colega que a criança, aos poucos, descentraliza suas ações
e ideias.
O desenvolvimento cognitivo infantil é um processo evolutivo e cumulativo de
experiências significativas estágios do desenvolvimento cognitivo que conduzem
ao conhecimento. O conhecimento não é ensinado, mas pode ser oportunizado
neste caso, no ambiente escolar – na escolha, por parte da professora, de atividades
que possibilitem a interação das crianças com o meio. A cadência do
desenvolvimento cognitivo infantil não é mesma para cada criança que compõe o
grupo escolar participante do estudo. O desenvolvimento cognitivo ocorre em ritmos
diferentes para cada indivíduo. Fatores hereditários, como a maturação e a
acumulação das experiências que cada criança constrói, são decisivos para o
desenvolvimento.
A interação das crianças com o texto literário é uma possibilidade de
experiência. O leitor identifica-se com as histórias das personagens, vivencia e
formula, nas práticas de leitura, significados para o que lhe é apresentado. A
narração da obra O Pequeno Príncipe (2006) para crianças entre cinco e seis anos
de idade foi uma experiência na qual os participantes do estudo tiveram a
oportunidade de entrar em contato com conceitos científicos. Segundo Bruno
Bettelheim (1980, p. 63), “nos primeiros anos, até a idade de oito ou dez, a criança
pode desenvolver conceitos altamente personalizados sobre aquilo que
experimenta”. As crianças puderam experimentar conceitos na interação com a
história de Exupéry, os quais puderam transitar na vivência das crianças. Assim,
com a intervenção da professora, houve a proximidade do texto literário com a vida
cotidiana infantil e sua procura por amigos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chovia naquela noite, uma chuva fininha e murmurante. Ainda depois de
muitos anos, bastava Meggie fechar os olhos e ela podia ouvi-la novamente,
como se minúsculos dedinhos estivessem batendo em sua janela. Um cão
latia em algum lugar na escuridão e, por mais que se virasse de um lado
para o outro, Meggie não conseguia dormir. O livro que ela começara a ler
estava debaixo do travesseiro. Cutucava o ouvido dela com a ponta da
capa, como se quisesse chamá-la de volta para as suas páginas. “Oh, deve
ser mesmo muito confortável dormir com uma coisa dura e pontuda debaixo
da cabeça”, dissera seu pai na primeira vez que encontrara um volume sob
o travesseiro dela. “Confesse, à noite ele sussurra histórias no seu ouvido”.
“Às vezes, sim!”, respondera Meggie. Mas só funciona com crianças”. Em
troca, Mo lhe dera um beliscão no nariz. Mo. Meggie nunca chamara o pai
de outra maneira. (FUNKE, 2006, p. 11)
Cornélia Funke, autora germânica de obras infantis e infanto-juvenis, publicou
no ano de 2003 a primeira edição da obra Tintenherz (Coração de Tinta), na qual
duas realidades coexistem: a real e a ficcional. Em Coração de Tinta (2006), a
menina Meggie herda de seu pai um poder mágico que a torna capaz de tornar vivos
os personagens das histórias infantis ao contar, em voz alta, uma história.
A narrativa de Cornélia Funke é muito apropriada para o estudo apresentado
nesta dissertação. Na voz de um professor, uma história infantil também ganha vida.
Uma criança, ao ouvir uma história de fadas ou aventuras, permite-se vivenciar as
experiências em conjunto com as personagens. Na história Coração de Tinta (2006),
Mo, pai de Maggie, é chamado pelos personagens de “Língua Encantada” por sua
habilidade em tornar reais as peripécias contidas nos episódios de cada livro.
Para o professor, caberia também falar de língua encantada, porque ela
possibilita a comunicação da criança com o texto literário. O livro, pela voz do
professor, fala com as crianças, sugere-lhes desafios, confia-lhes segredos e
convida-as a ingressar em um universo no qual há como criar e participar de infinitas
possibilidades de experiências.
As atividades práticas de leitura da obra O Pequeno Príncipe (2006)
oportunizaram às crianças sua comunicação com o texto literário e sua ão sobre
ele. De forma semelhante à personagem de Cornélia Funke Meggie –, a
professora, ao ler a história de um principezinho que percorre o deserto africano,
trouxe-o para bem perto das crianças, e elas puderam, ao lado da personagem,
compartilhar de suas experiências: desenharam presentes mágicos, temeram a
79
serpente do deserto, aborreceram-se com os muitos pedidos da flor e buscaram um
significado para “cativar”, ato muitas vezes ausente nas relações de convívio na
comunidade em que moram. Houve comunicação entre crianças e texto literário,
porque aquelas foram agentes na construção de significados, e não meras
expectadoras da fala da professora.
O professor, em sala de aula, é aquele que tem o compromisso maior de
conduzir as experiências de aprendizagem durante o ano letivo. Elas devem atender
às necessidades e destacar as habilidades de cada indivíduo do grupo escolar. No
entanto, atender às necessidades infantis não pressupõe apresentar, unicamente,
práticas conhecidas do grupo. Para que ocorra o processo de aprendizagem a
aquisição de conhecimento pela experiência infantil –, as crianças necessitam estar
motivadas a aprender.
Para que a aprendizagem seja efetiva, as crianças devem confrontar seus
conhecimentos prévios, adquiridos, com os conhecimentos novos presentes no
universo escolar. As atividades práticas de leitura, elaboradas para a compreensão
dos episódios narrativos da obra escolhida, propiciaram essa desestabilização entre
um conhecimento dado e um novo.
Toma-se como exemplo a discussão construtiva durante a atividade
introdutória para a leitura da obra entre as crianças, cujo objetivo era descobrir qual
animalzinho fora representado na aquarela de Exupéry (2006). A palavra “raposa”,
ausente do contexto comunicativo das crianças pré-escolares participantes do
estudo, não foi utilizada. Entretanto, a falta do vocábulo para nomear a imagem não
as impediu de procurarem, em seus conhecimentos adquiridos, um nome
correspondente às características perceptuais observadas por elas.
As experiências infantis o aquelas que possibilitam o desenvolvimento
integral da criança. O livro infantil está incluso nessa ação. Caso o contato com o
texto literário infantil não inicie em casa, com a criança vendo seus cuidadores lendo
ou contando histórias, que seja o professor o responsável por essa aproximação. O
que a criança não pôde realizar em seu meio ambiente terá oportunidade de fazê-lo
com as histórias.
O êxito na interação entre leitores e obra justifica-se na escolha de um texto
literário significativo para as crianças. A obra O Pequeno Príncipe correspondeu aos
horizontes de expectativas das crianças. A narrativa de Exupéry (2006) demonstra
que as crianças são capazes de conhecer, enfrentar perigos, fazer amigos, conviver
80
com a ausência de alguém querido, rir, chorar, estabelecer o que realmente
consideram importante. A criança, em O Pequeno Príncipe (2006), é aquela que
constrói sua própria história.
A obra oportunizou a ruptura dos horizontes de expectativas dos jovens ao
apresentar palavras e elementos novos, não participantes das experiências de
mundo das crianças. Um dos desafios propostos às crianças na apresentação da
história e de suas atividades de leitura foi a busca por formular conceitos a partir de
palavras que não possuíam um referente físico, perceptível pela criança em seu
mundo real de convívio. A história infantil foi mediadora nesse processo. As ações
das personagens da obra O Pequeno Príncipe (2006), também vividas pelas
crianças na produção das atividades, foram ilustrações para esses conceitos.
A palavra “cativar”, por exemplo, não representa nem perpetua um objeto,
como “bola”. Ao ouvir a palavra “bola”, a criança aciona todas as propriedades
perceptuais de “bola” armazenadas em suas estruturas mentais. O texto literário,
nesse contexto, permitiu a visualização de “cativar” nas ações do príncipe: para
brincar com a raposa, ele deveria cativá-la.
As crianças trouxeram o brincar, presente na história, para suas experiências,
para a ação. Foi nessa movimentação, entre a história do livro e a história de vida
das crianças, que a palavra “cativar” foi passível de percepção na ação de brincar, e
uma tentativa de elaboração de um significado para a palavra iniciou. “Cativar” é
“uma coisa boa”, “é o ficar triste”, é “conhecer mais” uma pessoa todas
características pertencentes ao ato de brincar.
A comunicação das crianças com a obra O Pequeno Príncipe (2006),
oportunizada na realização das atividades de leitura, possibilitou a construção de
significados para novos estímulos, experimentados pelas crianças na interação com
a narrativa. As crianças foram agentes nesse processo contínuo de elaboração de
significados porque foram capazes de completar, com suas experiências de vida, as
lacunas interpretativas da obra infantil.
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84
ANEXOS
85
ANEXO A – O jogo dos conceitos
86
ANEXO B – Tela de Chardin: Le Phlilosophe lisant
87
ANEXO C – Apresentação na Escola Crescer
88
ANEXO D – Atividades sobre O Sistema Solar
89
90
ANEXO E – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Potter)
91
ANEXO F – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Peter)
92
ANEXO G – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Tom)
93
ANEXO H – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Pedrinho)
94
ANEXO I – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Marcelo)
95
ANEXO J – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Gulliver)
96
ANEXO K – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluna Lili)
97
ANEXO L – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluna Emília)
98
ANEXO M – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluna Alice)
99
ANEXO N – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno Arthur)
100
ANEXO O – Presentes para o Pequeno Príncipe (aluno João)
101
ANEXO P – Ilustrações do encontro entre o príncipe e a raposa
102
103
104
105
106
107
108
109
ANEXO Q – Confecção das rosas e das folhas
110
111
112
ANEXO R – Figuras selecionadas
113
114
ANEXO S – Fantoches
115
APÊNDICES
117
APÊNDICE A – Roteiro de entrevista
ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO FUNDAMENTAL PIAUÍ
Rua Gregório da Fonseca, 91- Bairro Nonoai -CEP 90830-260
Fone/Fax (51) 3266.2033- Porto Alegre- RS
Educação Infantil- Jardim nível B
Entrevista
1 Nome da criança:
2 Data de nascimento:
3 Telefone:
4 Endereço:
5 Nome do pai: Profissão: Escolaridade:
6 Nome da mãe: Profissão: Escolaridade:
7 Qual é a renda familiar mensal?
8 Os pais da criança moram juntos ou separados? Há quanto tempo?
9 A família possui algum vício que reflita na conduta da criança? Qual? Quais soluções foram
tomadas?
10 A criança é filha legítima?
11 A criança foi desejada? Como foi a gravidez? E o parto?
12 Nº de irmãos: Idades:
13 Quais as pessoas que convivem com a criança?
14 Na ausência da (do) mãe (pai), qual o resposável por cuidar da criança?
15 Quais os brinquedos, as histórias e os desenhos preferidos da criança?
16 A criança toma mamadeira ou chupa bico?
17 Apresenta dificuldades na linguagem?
18 A criança dorme sozinha?
19 Presenciou alguma emoção forte? Qual?
20 Qual a reação quando contrariada? Qual a reação da família?
21 Tem animais em casa?
22 É alérgica a algum alimento ou medicamento? Qual?
23 Demonstra o controle do xixi?
24 Possui manias? Quais?
25 Tem medos? Quais?
26 Já esteve hospitalizada?
27 Toma remédios habitualmente? Doenças? Quais?
28 Já freqüentou a escola ou a creche? Como reagiu?
29 Em caso de acidente devemos: ( ) buscar por socorro
( ) telefonar para os pais
30 Qual o responsável por buscar a criança na escola?
118
APÊNDICE B – Roteiro de atividades de leitura para a obra O Pequeno Príncipe
1. Atividade Introdutória à primeira recepção da obra O Pequeno Príncipe
A professora fará uso da seguinte ilustração que se encontra na obra selecionada:
A imagem será ampliada e posta em uma parede da sala, visível para as crianças.
A partir da percepção da imagem, serão apresentadas, oralmente, as perguntas que
seguem:
. Quais objetos, animais e pessoas aparecem na imagem?
. Como são esses objetos, animais e pessoas (atributos como cor, tamanho,
vestimenta, etc)?
. Em qual local eles estão?
. Como é esse local?
. O que eles estão fazendo?
. Eles são conhecidos um do outro?
As respostas das crianças serão anotadas no quadro negro que estará localizado
sob a imagem em destaque.
119
2. Apresentação da narrativa O Pequeno Príncipe às crianças: o encontro do
aviador com o principezinho.
Serão apresentados às crianças episódios da narrativa O Pequeno Príncipe
(2006). O primeiro será o encontro do príncipe com o aviador. A seguinte pergunta será feita
às crianças, o que possibilitará a relação da imagem apresentada na atividade anterior e a
história a ser contada:
Olhem para a capa desse livro. Vocês observaram essa imagem em algum
lugar? O que vocês conhecem sobre ela? Hoje eu vou contar um pouco mais
sobre esse menino que aparece na capa do livro.
A partir do questionamento inicial, a narrativa será apresentada até o fragmento em
que o principezinho fica maravilhado com o desenho que o aviador lhe dá. Neste momento,
as crianças serão solicitadas a desenhar presentes que gostariam de dar ao pequeno
príncipe. Esses presentes encontram-se em um contexto mágico: no nosso planeta são
desenhos, mas quando o principezinho levá-los ao seu asteroide eles terão vida.
As crianças farão, para os colegas, a descrição do que desenharam. A professora
ficará responsável pela anotação das definições das crianças sobre os desenhos. Os
desenhos e suas definições serão postos em um envelope. O envelope será destinado ao
pequeno príncipe.
3. Apresentação da narrativa O Pequeno Príncipe às crianças: o asteroide B
612 e a chegada da rosa.
O episódio narrativo sobre a descrição do asteroide no qual mora o protagonista e
seu encontro com a rosa será narrado para as crianças. Após a apresentação do episódio,
as crianças representarão as personagens da história. As meninas serão rosas e as
ilustrarão em folhas de desenho. Os meninos representarão os príncipes. Eles deverão
confeccionar folhas, usando cola com glitter e papel colorido. Cada menino deverá escolher
uma rosa- sua colega de aula- e anexar a folha. Características correspondentes à flor da
história deverão ser ditas por cada menino.
4. Apresentação da narrativa O Pequeno Príncipe às crianças: o encontro
entre a raposa e o pequeno príncipe.
A ilustração da atividade introdutória será, novamente, apresentada para as
crianças, o que possibilitará a recuperação da primeira impressão que apresentaram a
respeito da imagem e a percepção que têm agora. Em sequência, o episódio no qual o
120
príncipe encontra a raposa do deserto será narrado às crianças. Ao final da leitura, as
crianças receberão folhas de desenho para produzirem suas próprias ilustrações da história.
5. Apresentação da narrativa O Pequeno Príncipe às crianças: o encontro
entre a raposa e o pequeno príncipe.
O episódio narrativo no qual o pequeno príncipe e a raposa se encontram se
retomado. Após a apresentação da narrativa, o seguinte questionamento será apresentado:
A raposa pede para o príncipe a cativar? O que quer dizer cativar?
Gravuras de revistas serão mostradas às crianças que, através da observação do
conteúdo das imagens (imagens de pessoas), poderão inferir se os sujeitos presentes nas
gravuras estão em situações alegres ou tristes. Cada criança escolherá a gravura do seu
agrado. Duas caixas, posicionadas sobre uma mesa vazia no fundo da sala, serão os locais
para o recebimento das gravuras. A gravura posta em uma das caixas não poderá ser
guardada na outra. As crianças serão chamadas, individualmente, para apresentar a figura
escolhida para os colegas. A apresentação das imagens seguirá estas indagações:
. De que maneira estão as pessoas na imagem: alegres ou tristes?
. Como se pode saber que estão alegres ou tristes?
. As pessoas, na gravura, estão sozinhas ou acompanhadas?
. O que elas estão fazendo?
Após a seleção de gravura, um nome será dado para cada uma das caixas. Neste
momento, a ilustração da obra O Pequeno Príncipe (2006), utilizada na atividade introdutória
da estudo, será retirada do quadro negro, local no qual estava exposta, e apresentada aos
alunos, seguida pelos questionamentos:
. A imagem da história do Pequeno Príncipe (2006) deve ser posta em qual caixa?
. O que há na caixa em que a imagem será colocada?
A professora fará a colagem da imagem da obra literária na caixa selecionada. As
caixas permanecerão expostas, em sala de aula, durante a realização de todas as
atividades de leitura.
6. Apresentação da narrativa O Pequeno Príncipe às crianças: o encontro com
a serpente do deserto e o regresso para o asteroide B 612
O episódio será contado para as crianças. Após a narrativa, serão feitos os
seguintes questionamentos:
. Vocês conhecem uma serpente?
. Como ela é?
121
. O que ela faz?
. Em qual local ela mora?
As crianças utilizarão meia, jornal e canetinha para a produção de uma serpente de
pano.
7. Apresentação do filme O Pequeno Príncipe
As crianças assistirão ao filme O Pequeno Príncipe. Após a apreciação do filme,
com o material disponível em sala de aula, confeccionarão fantoches do protagonista da
história: o pequeno príncipe.
Após o término da elaboração dos fantoches, uma breve apreciação oral sobre
elementos significativos dos diálogos do filme será feita:
. Vocês gostaram do filme? Que parte mais gostaram?
. O filme é semelhante a uma história que vocês conhecem? Qual história?
. Vocês recordam as cenas nas quais o príncipe encontra a rosa?
. Como era o tratamento da rosa com o principezinho?
. A rosa disse que o príncipe era egoísta. O que é ser egoísta?
. O que o príncipe fazia para ser egoísta?
8. As crianças contam a história
A atividade de encerramento para o roteiro de práticas de leitura será a
apresentação da história pelas crianças. Elas utilizarão seus fantoches como auxílio na
realização da atividade.
122
APÊNDICE C – Modelo de autorização
ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO FUNDAMENTAL PIA
Rua Gregório da Fonseca, 91-Bairro Nonoai-CEP 90830-260
Fone/Fax (51) 3266.2033- Porto Alegre- RS
Educação Infantil- Jardim nível B
AUTORIZAÇÃO
Termo de consentimento livre e esclarecido
Autorizo meu filho (a)______________________________, aluno (a) da Escola
Estadual de Ensino Fundamental Piauí, a participar das atividades de leitura para a obra O
Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, pertencentes à dissertação do Mestrado em
Letras (PPGL Programa de Pós-Graduação em Letras do Centro Universitário Ritter dos
Reis). As atividades estão sob a responsabilidade da mestranda e professora da pré-escola
Maria Dorothea Barone Franco e contam com a orientação da Profª. Drª. Rejane Pivetta de
Oliveira.
O projeto A Linguagem e o Pensamento infantil na obra O Pequeno Príncipe
pretende verificar a relação entre linguagem e pensamento infantil na obra literária O
Pequeno Príncipe (a partir de experiências de leitura), a forma como se dá a comunicação da
obra com a criança e quais significados são construídos e compreendidos nessa interação
entre a criança e o texto literário.
O estudo prevê a narração da história para as crianças e algumas atividades de leitura
(práticas e lúdicas): a confecção de fantoches, a encenação dos diálogos das personagens, a
ilustração de ações e elementos significativos da narrativa, etc.
A participação nas atividades é totalmente voluntária. A desistência poderá ocorrer
no decorrer da aplicação do estudo. Todas as informações de identificação pessoal coletadas
(a imagem, a voz e o nome da criança) serão mantidas de forma confidencial. Sinta-se à
vontade para esclarecer quaisquer dúvidas antes de decidir sobre a participação nas atividades.
Para outras informações, você poderá entrar em contato com a professora Maria
Dorothea Barone Franco (pessoalmente ou pelo número: 32662033), com a direção da escola
(pessoalmente ou pelo número: 32662033) ou com a secretaria do Mestrado do UniRitter
(pessoalmente ou pelo número: 32203323). O endereço do Centro Universitário Ritter dos
Reis estará disponível na secretaria da escola. Uma cópia do presente documento será
entregue pela professora para cada responsável pela criança. É importante ressaltar que o
Comitê de Ética do UniRitter foi consultado e aprovou o projeto.
Declaro ter lido e discutido, de forma livre e esclarecida, o conteúdo do presente
Termo de consentimento para poder permitir a participação do meu (a) filho (a) na realização
das atividades de leitura ministradas pela pesquisadora e professora Maria Dorothea Barone
Franco.
________________________________
Assinatura do responsável
________________________________________
Assinatura da professora
Porto Alegre,___de novembro de 2008.
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