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Nesse sentido, atento a transposição de um repertório transmitido oralmente para
os domínios da educação formal, e refletindo sobre os limites de um material didático,
Ed Uribe (1993) aponta que:
Este material é uma organização formal de estilos musicais que sobreviveram
e se desenvolveram de geração a geração, através da tradição oral. Não é uma
música que foi desenvolvida ou ensinada através da educação formal. Este é
um estudo de folclore. Você está, em essência, aprendendo uma linguagem – a
linguagem dos ritmos brasileiros e seus estilos musicais. Ao aprender qualquer
linguagem, você estudará seus componentes, o alfabeto e a pronunciação,
como formar palavras a partir de letras, como fazer frases e tudo mais. O
estudo deste material é o mesmo. Você irá praticar técnicas básicas e ritmos.
Estes são os componentes. Você irá depois colocá-los juntos para tocar estilos
musicais específicos e improvisar neste idioma. Num sério estudo de
linguagem, o objetivo é falar, entender e ser entendido – falar como um nativo.
Seu objetivo final em estudar um estilo musical deve ser o mesmo. Você deve
se esforçar para tocar essa música como se você estivesse a aprendido em sua
pureza, de maneira autodidata, na tradição oral. Logo você poderá realmente
sentir que sabe como tocar um estilo. O objetivo deste estudo não é ensinar
como tocar um samba ou baião em particular, mas aprender como tocar
Samba, e Baião, juntamente com os outros estilos apresentados. Esta é a
grande diferença. (URIBE, 1993, p. 7)
Entretanto, a notação musical enquanto matéria escrita nasce na contradição da
sua materialidade. O conhecimento fundado numa prática sócio-cultural específica,
como a da música percussiva brasileira em constante movimento e transformação,
recebe então, uma forma, também específica. Tais formas de ensino, na exigência da
síntese, vão delimitar e muitas vezes limitar a vivência da musicalidade. Esta questão
ultrapassa obviamente os limites da música percussiva, tendo sido tratada por vários
pesquisadores nos domínios da Educação, Musicologia e Etnomusicologia
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Na sua aprendizagem informal, na vivência socializadora e coletiva, nas festas e
no cotidiano, a música da cultura popular é transmitida oralmente, através da imitação,
repetição, observação e memorização. São absorvidas não somente melodias e padrões
rítmicos, mas a corporalidade e os valores que cada manifestação carrega, apresentados
explicitamente ou na forma de segredos, histórias e letras de música. Dessa maneira, ser
batuqueiro de maracatu é incorporar a gestualidade do maracatu, é plasmar seu corpo
pela música, pelo contexto, pelas histórias e pelos gestos dos antepassados, sem perder
sua individualidade e expressão pessoal, pois a música só existe no momento da
performance e cada indivíduo tem liberdade para criar sua “técnica”, isto é, desenvolver
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Para um panorama bibliográfico sobre a questão ver: Cahiers de musiques traditionnelles. Le Geste
Musical (2001); Heller (2006), Fenomenologia da expressão musical.