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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS.
De “nascença” ou de “simpatia”: iniciação,
hierarquia e atribuições dos mestres na pajelança
marajoara.
PATRICIA CARVALHO CAVALCANTE.
BELÉM – PARÁ
2008
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PATRICIA CARVALHO CAVALCANTE
De “nascença” ou de “simpatia”: iniciação,
hierarquia e atribuições dos Mestres na Pajelança
Marajoara.
Dissertação apresentada ao Programade
Pós-Graduação em Ciência Sociais,
área de concentração em Antropologia,
como requisito parcial para a obtenção
do título de mestre em ciências sociais.
Belém – Pará
2008
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus e a meus pais Humberto e Maria Célia, que foram fundamentais
no processo de aproximação com os moradores da Vila, que residem, além do apoio
que sempre dispensaram aos meus estudos acadêmicos. A meu marido Wendel e as meus
filhos Eduarda e Mateus que tiveram que aturar uma mãe e esposa ausente por conta do
trabalho de campo, e que em muitos momentos foram meus companheiros de pesquisa no
campo, em que praia e passeios eram esquecidos para o mergulho na realidade da pajelança
local. A meu tio Paulo e minha avó Altamira que muito me ajudaram, com uma série de
informações sobre as histórias de Condeixa.
Gostaria de agradecer aos professores Raymundo Heraldo Maués, Angélica Motta-
Maués e Flávio Leonel pela força e sugestões que deram a este trabalho, além do respeito e
carinho com que sempre me trataram, não posso esquecer dos amigos que me deram muita
força, meus colegas da turma de 2006, em especial a Michiko e Lílian Rose Mascarenhas
pela confiança que sempre depositaram em mim, a minha grande amiga Taissa Tavernard
que colaborou para tornar esse sonho realidade, me auxiliando e me ouvindo nos momentos
mais difíceis. Não posso esquecer de agradecer a Marília Imirriba, aprendiz de feiticeira, que
muito me ajudou no processo de conclusão deste trabalho.
Não posso esquecer de agradecer o auxilio financeiro dado pelo Governo do Estado
do Pará através da bolsa mestrado, programa destinado a custear a pesquisa dos professores
efetivos no período da pós-graduação, bem como, a liberação integral para o estudo através
do programa de valorização do servidor da Secretaria de Educação do Estado do Pará.
Aos moradores da localidade que sempre me receberam com especial atenção e
carinho, aos meus interlocutores D. Ida e seu Sérgio que sempre foram muito atenciosos
comigo, a D.Nelly que me deu informações muito preciosas, a D.Ieda, D. Zuleide ,
Consolação e a Mariquinha que deram contribuições valiosas sobre o campo.
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Resumo
De “nascença” ou de “simpatia”: iniciação, hierarquia e atribuição dos
Mestres na pajelança Marajoara.
Este estudo tem como objetivo descrever e analisar o processo de iniciação dos
pajés na Vila de Condeixa, localizada na Ilha do Marajó, analisando-a do ponto de vista
antropológico, procurando mostrar que a partir do processo de ritualização é possível
compreender toda uma hierarquia que se forma entre os pajés, fato este que definirá sua
atuação no cotidiano da Vila, chamando atenção para a compreensão que os pajés têm da
participação das mulheres neste mundo extremamente masculino, em que os Mestres reinam
soberanos.
Palavras chave
: ritual, iniciação, hierarquia.
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FROM “BIRTH” OR AFFECTION”: INITIATION,
HIERARCHY AND ATTRIBUTION TO MASTERS AT
PAJELAA MARAJOARA (CURE RITUAL).
Abstract
This study has as objective to describe and analyze the initiation of pajés (medicine
men) at Vila de Condeixa, located in Marajó Island. The study and analysis were
performed under anthropologic aspects. We also demonstrated through a
ritualization process is possible to understand all hierarchy formed among pajés,
fact that will define its performance in day-to-day life of the Village, calling attention
to understanding that pajés extremely have for participation of women in this male
world, where the masters reign sovereignly.
Key Words : ritual, initiation, hierarchy.
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Sumário
Considerações Iniciais.................................................................................................................09
Capítulo 1- Apresentando o campo............................................................................................15
Capítulo 2- Xamanismo e pajelança Cabocla: definições de categorias.....................................41
Capítulo 3- Um estudo das categorias nativas : mestres, meuam, nascença, simpatia................50
Capítulo 4- Iniciação e Ritualização...........................................................................................63
4.1- Hierarquia e as atribuições dos mestres e meuans na pajelança Marajoara.........................82
Capítulo 5 - A mulher na pajelança marajoara ...........................................................................85
Capítulo 6- A família no contexto da pajelança..........................................................................93
Consideração finais ....................................................................................................................98
Referências ...............................................................................................................................101
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Banca examinadora
Profº Dr. Raymundo Heraldo Maués (orientador)
Profª Dra. Maria Angelica Motta-Maués (examinadora)
Profº Dr. Antônio Maurício Dias da Costa (examinador)
Profº Dr. Flávio Leonel Abreu da Silveira (suplente)
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Considerações iniciais
muito vêm sendo discutidas no meio acadêmico, questões relacionadas à
pajelança. Historicamente na América do sul o termo pajé é usado de forma corrente entre as
populações indígenas (paye), sendo proposta pelos cronistas que chegaram a América a
partir do século XVI para designar o xamã dessas terras, os mesmos percebiam tais práticas
como demoníacas. Os europeus atribuíam os “atos” demoníacos dos índios ao fato de serem
induzidos pelo próprio demônio representado pela figura do pajé
Luis de Câmara Cascudo (1956), em coletânea acerca do folclore brasileiro,
reproduz uma série de registros feitos por alguns cronistas sobre a prática da pajelança entre
os grupos indígenas. Sobre o maracá Padre Nóbrega (1549) apud Cascudo (1956, p.23)
comenta que:
” Instrumento usado pelos pajés, feito de um
cabaço de tamanho da cabeça humana. No maracá
faziam fumos, dentro, com fôlhas sêcas de tabaco
queimadas e desse fumo que saía pelos olhos, bôca
e narinas, nesse estado vazio faziam cerimônias.”
O autor Aldrim Moura de Figueiredo (1996), em estudo acerca da realidade
amazônica, possuindo como recorte cronológico o fim do século XIX e início do XX, possui
como foco central à pajelança no município de Belém e as visões que os intelectuais da
época possuíam de tal discussão.
Como não poderiam fugir da discussão de seu tempo, esses folcloristas custavam a
reconhecer a presença da pajelança em Belém, em virtude de uma série de processos de
modificação pelo qual a mesma havia passado, se mesclando com outras práticas religiosas,
num processo de sincretismo, percebido pelos intelectuais da época como algo negativo.
Na visão dos folcloristas, segundo Figueiredo (1996), havia uma clara distinção
entre curandeiros e pajés, os primeiros benziam e os últimos eram vistos como responsáveis
pelas curas e feitiços travando uma luta entre o bem e o mal.
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O trabalho dos folcloristas tinha como objetivo registrar tais práticas, para que não
desaparecesse com o tempo dado o processo corrosivo do sincretismo, percebido como letal
para as práticas identificadas como puras.
Na discussão da literatura antropológica, essa temática é extremamente recorrente
destacando-se os estudos pioneiros de Charles Wagley (1957) Eduardo Galvão (1955),
Napoleão Figueiredo e Anaiza Vergolino (1972) e Heraldo Maués (1975) que muito
contribuíram para os estudos da pajelança na Amazônia nos primeiros trinta anos a partir da
década de 1950, respeitando a diversidade e especificidades locais. Dentro da literatura é
possível citar uma série de outros autores que também vem se dedicando, na atualidade ao
estudo da pajelança amazônica como Gisela Macabira Villacorta (2000), Pedro Alvim Leite
Lopes (2001), Aiezer Duarte Filho (2003), Benedita Celeste (2004), Raida Renata Reis
Trindade (2007), Giano Quintas (2007) e Marinete Bulhosa (2007).
Minha inquietação em primeiro lugar ocorreu pela constatação da ausência de
trabalho antropológico na região do Marajó sobre tal temática, meu diálogo ocorreu
principalmente com as obras do escritor Dalcídio Jurandir (1992) e da pajé Zeneida Lima
(1998), que embora não sejam leituras de cunho antropológico fazem um mapeamento da
pajelança na região. Outra questão relevante reside na ausência de estudos acerca da
iniciação do pajé, estudo amplamente discutido pelos antropólogos que estudam as
religiões de matriz africana, no caso de Belém podemos destacar os estudos realizados pela
autora Anaíza Vergolino (1974) em uma obra singular que discutiu o processo ritual de
“feitura”do pai de santo. Neste sentido, o objetivo do trabalho é discutir o processo iniciático
dos pajés e a partir deste, perceber as hierarquias entres os pajés de simpatia e os de
nascença.
Em relação ao processo de iniciação, ficou claro que todos os pajés são
acometidos por uma “doença”, espécie de indício de que a pessoa fora escolhida pelas
entidades para ser xamã. Na questão específica do ritual faz-se necessário, identificar e
classificar todo o processo iniciático do pajé, a partir da perspectiva de Anold Van Gennep
(1960).
Outra questão que merece esclarecimento diz respeito as trajetórias dos pajés, que
podem variar quanto à origem do dom. Para discutir a questão do dom Marcel Mauss
(1974), é fundamental visto que é um dos primeiros teóricos da antropologia que se
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preocupam em melhor esclarecer tais questões. Segundo Mauss, em discussão sobre os
elementos que compõem a magia, percebe a figura do mágico como agente dos ritos
mágicos. Uma terceira questão a ser analisada, é a formação da pessoa moral a partir da
análise de Roberto Cardoso de Oliveira (2002), uma vez que todo o processo iniciático é
fundamental para a preparação de um outro ser que surge ao fim do ritual.
É muito intrigante perceber que existem determinados fatos que muitas vezes apesar
de não o percebemos, estão bem a nossa frente tornando-se invisíveis aos nossos olhos.
Neste sentido, percebo a questão do familiar que parece comum, que na realidade não era
tão comum assim como pensava, falo isto em referência a minha temática de discussão a
pajelança marajoara. O fato que realmente me chamou atenção, fora a constatação do meu
desconhecimento de tal lógica. Na realidade foram às leituras, sobre as quais me debrucei
como dos antropólogos Eduardo Galvão no clássico Santos e Visagens e a Ilha Encantada de
Heraldo Maués que fizeram com que me interessasse por tal discussão. No entanto é
interessante perceber que essas apesar de serem muito relevantes me mostraram em campo
que as especificidades da imensidão da região, amazônica nunca devem ser relegadas a
segundo plano. Na realidade a própria idéia de modelo mostrou a importância e a
necessidade de se compreender o campo a partir dele mesmo. Neste sentido é fundamental
os questionamentos de Gilberto velho (1978), sobre a questão da suposta familiaridade em
que o mesmo afirma que:
Assim, volto ao problema de Da Matta, para sugerir certas complicações. O que
sempre vemos e encontramos pode ser familiar mas não é necessariamente conhecido e o
que não vemos e encontramos pode ser exótico mas, até certo ponto conhecido. No entanto,
estamos sempre pressupondo familiaridades e exotismos como fontes de conhecimento ou
desconhecimento, respectivamente.(...) Posso estar acostumado, como já disse, com um
certa paisagem social onde a disposição dos atores me é familiar, a hierarquia e a
distribuição de poder permitem-me fixar, grosso modo, os indivíduos em categorias mais
amplas. No entanto, isto não significa que eu compreendo a lógica de sua relações. O meu
conhecimento pode estar seriamente comprometido pela rotina, hábitos, estereótipos. Logo
posso ter o mapa, mas não compreendo necessariamente os mecanismos que o organizam.”
11
( Gilberto Velho, 1978: p. 39 e 41)
Minha relação com a temática começou a partir de algumas leituras que fiz acerca
da questão da pajelança, algo que aparentemente me era familiar, mas que ao mesmo tempo
era uma lógica desconhecida para mim, pelo fato de para me dirigir durante as férias
escolares junto com minha família, uma vez que meu pai nasceu na vila que agora é o lócus
de minha pesquisa. A vila de Condeixa fica localizada a 25 Km da sede do município que é
Salvaterra na ilha do Marajó.
Minha infância fora vivida em constantes viagens de férias ao Marajó, terra de
origem de meus ancestrais paternos que vieram da região nordeste para ai se estabeleceram.
Neste sentido refletindo sobre tais questões, resolvi então aproveitar todo um conjunto de
situações favoráveis que me levavam a esse “novo” universo que também era um velho
conhecido meu.
O fato de estar trilhando um caminho que me é “familiar” me levou a cercar-me dos
teóricos que dispunha, busquei inspiração na iniciação na pesquisa de campo do grande
antropólogo, Malinowski (1976: 23)
“ Imagine-se o leitor sozinho, rodeado apenas de seu equipamento numa praia
tropical próxima a uma aldeia nativa, vendo a lancha ou o barco que o trouxe
afastar-se no mar até desaparecer de vista...”
Minha preparação para ir a campo, agora na condição de pesquisadora, ocorreu no
sentido de tentar despir-me de certos conceitos buscando na realidade ver as pessoas e as
histórias como se fosse pela primeira vez. Da maneira como afirma Cardoso de Oliveira:
“Talvez a primeira experiência do pesquisador de campo (ou no campo) esteja
Na domesticação teórica de seu olhar. Isso porque, a partir do momento em que nos sentimos preparados
para a investigação empírica, o objeto sobre o qual dirigimos o nosso olhar foi previamente alterado pelo
próprio modo de visualizá-lo. Seja qual for esse objeto, ele não escapa de ser apreendido pelo esquema
conceitual disciplinadamente apreendido (...) funciona como uma espécie de prisma por meio do qual a
realidade observada sofre um processo de refração. É certo que isso não é exclusivo do olhar, uma vez que
está presente em todo o processo de conhecimento envolvendo, portanto, todos aqueles atos cognitivos, que
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mencionei, em seu conjunto. Mas é certamente no olhar que essa refração pode ser mais bem compreendida. A
própria imagem óptica-refração chama atenção para isso”.
(1996: 16)
Inicialmente minha proposta de pesquisa era ritualizar a iniciação de pajés como o
Mestre modesto, Mestre Mundico e Mestre Sérgio, mas em virtude de uma serie de
adversidades como a morte de pessoas que poderiam fornecer preciosas informações, sem
falar no fato de que Mestre Modesto nascera no fim do século XIX e sua iniciação ocorrera
durante a primeira década do século XX, fato este que dificultou bastante o levantamento
dessa história junto a comunidade. Diante desses fatos, resolvi centrar minha discussão nos
pajés Sérgio, Didico ainda vivos e atuantes os dois de nascença. Entre os mortos de simpatia
trabalhei com Zé Costa e D.Oscarina. um outro pajé que ainda esta em processo de iniciação
e a Meuam Carlene também de nascença que vive na Vila.
Para a realização deste estudo, utilizei principalmente a observação direta do campo,
em alguns momentos cheguei a participar dos trabalhos auxiliando as entidades na cópia das
prescrições, através desta foi possível perceber as histórias de vida dos interlocutores em que
pude acompanhar a trajetória dos pajés. Através da narrativa de sua trajetória é possível
recompor aspectos da vida individual e do grupo religioso envolvido.
O trabalho de campo tem por objetivo observar as pessoas, nessa observação íntima
procurar escrevê-las sem prejuízo. O trabalho de campo possui dois aspectos principais que
consiste na observação e nos relatos, esse método é o mais importante nas ciências sociais.
Para Rosana Guber (2001), o observação participante é uma técnica de obtenção de
informações, seu objetivo é perceber as situações em que se expressam os universos
culturais sociais em sua complexa articulação e variedade.
Para Clifford Geertz (1989), o fundamental de uma pesquisa é a descrição densa da
realidade pesquisada, uma vez que o homem é um ser imerso em um universo de símbolos e
significados. Neste sentido o objetivo do antropólogo é alargar o discurso humano, perceber
sua densidade. Para o autor o ato etnográfico é em si uma descrição densa, tentativa de
perceber o que está contida nas ações humanas.
Geertz centra sua análise a partir dos pressupostos teóricos de Hans-Georg Gadamer
(2002) que possui como idéia fundamental a circularidade da compreensão, que por sua vez
ocorre a partir de um processo abertura para o diálogo. Neste sentido, a relação
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estabelecida com os interlocutores fora baseada na abertura para o entendimento do
intérprete e assim possibilitando construir o diálogo.
“ Quando se ouve alguém ou quando se
empreende uma leitura, não é necessário
que se esqueça todas as opiniões prévias
sobre o seu conteúdo e todas as opiniões
próprias. O que se exige simplesmente é
a abertura à opinião do outro.”
(Gadamer,2002.p.404)
A dissertação possui seis capítulos, no primeiro o campo de pesquisa será
apresentado, no segundo será discutida algumas questões de cunho teórico fundamental para
a temática. No terceiro capítulo discutiremos as categorias de pajés existentes em Condeixa
e no seguinte a iniciação dos mesmos, bem como, a hierarquia que se forma a partir das
categorias apresentadas. Outra discussão a ser feita é a questão da iniciação feminina que em
Condeixa possui suas especificidades.
Após o termino da discussão de formas de iniciação dos pajés em Condeixa, discuto
a questão do papel da família no processo iniciático e para finalizar a hierarquia que se
forma entre os pajés a partir da iniciação.
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1- CONHECENDO CONDEIXA
A pesquisa em questão realizou-se na ilha do Marajó, conhecida como a maior ilha
fluvial do mundo e composta por diversos municípios, sua economia de modo geral
sobrevive da pesca, agricultura e da criação de gado bovino e bubalino. A chegada do
europeu na região ocorreu a partir do século XVII, através de grupos missionários jesuítas
que entraram em contato com nativos remanescentes da famosa civilização marajoara,
extinta que habitava nas proximidades do lago Arari, famosa por cerâmica com traços
geométricos.
Em 1865, para valorizar a pescaria como fonte de alimento para a região, foi criada
na ilha do Marajó os estabelecimentos pesqueiros na aldeia de Joanes as proximidades do rio
de Condeixa, que ainda não existia como povoado com este nome. A partir de 1752, durante
o governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, seguindo os princípios do projeto do
índio cidadão de Marques de Pombal,começam a dar maior autonomia aos lugares no Grão-
Pará. Durante a terceira gestão do governador foram enviados para a parte leste do Marajó,
os primeiros colonizadores de uma cidade chamada Concilia, localizada no distrito de
Coimbra (Portugal) as proximidades do rio Mondego onde existem a cidade de Soure,
Salvaterra, Condeixa e Monsarás.
Ao chegarem à região do Marajó, observaram as coincidências existentes entre a
região de origem e os locais em que iriam fixar moradia, solicitaram ao governador que
mudasse o nome das seguintes freguesias e aldeias: a Freguesia de São Francisco Xavier,
passou a se chamar de Monsarás, freguesia de Menino Deus, denominou-se Soure; aldeia de
Nossa Senhora da Conceição, de Salvaterra; um lugar próximo a freguesia de São Francisco
Xavier passou a se chamar Condeixa. Mas desde seu surgimento fora exigido pelas
autoridades que fosse anexada a Monsarás, em virtude de não atender ao regimento do
Diretório, fato que ocorreu em 1883, pelo Conselho da Província, que tinha como presidente
Coronel José Joaquim machado de Oliveira. Somente no governo do General Lauro Sodré
em nove de setembro de 1917 a povoação de Condeixa a categoria de Vila.
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O lócus pesquisa, a vila de Condeixa é fortemente marcada pela mistura cultural e
religiosa entre índios, negros e brancos. Geograficamente, Condeixa pertenceu a Soure até o
ano de 1961, data da criação elevação de Salvaterra a município , que possui atualmente
Monsarás e Condeixa como distrito a área do Maruacá. Condeixa não tem praias, na
realidade é cercada por igarapés responsáveis tempos atrás pelo, acesso das pessoas a
outras localidades até a vila, até mesmo de Belém principalmente antes da década de 90,
época em que foi inaugurada uma estrada ligando a foz do rio camará a Salvaterra.
No porto de Camará, atracam navios e balsas que fazem o transporte para essa área ,
não deixando de mencionar que o acesso à região pode ser feito via Soure através de um
porto que fica localizado na frente da cidade.
Fig.01 Porto do Camará
Existem em Condeixa pequenos igarapés, pois o atrativo para os turistas são as
praias e a beleza natural da ilha. Na realidade a vila é visitada pelos seus filhos que foram
para outras localidades e que durante ocasiões festivas e férias escolares aproveitam para
16
retornar e assim rever o lugar onde viveram e os amigos que ainda residem. O principal
rio que corta a vila possui o mesmo nome, serve de escoadouro para a produção de abacaxi,
em que os pequenos produtores carregam os barcos com o produto para ser revendido em
Belém e outras localidades, por conta da vasta produção de abacaxi é realizado o festival do
abacaxi promovido pela prefeitura de Salvaterra e pela associação de agricultores de
Condeixa na época das férias escolares, atraindo durante sua realização um número
significativo de turistas. Entretanto, atualmente o festival é realizado no mês de setembro
coincidindo com o aniversario da Vila.
Fig. 02 Rio Condeixa
Nas férias escolares minha família e eu íamos à Condeixa, com o intuito de visitar
minha bisavó, que lá residia. Eram momentos em que aproveitávamos aquela liberdade para
brincar muito durante o dia, ficando boa parte dele a beira do igarapé que fica no terreno de
minha bisavó, falecida, onde inclusive eu e meus primos aprendemos as nadar e vivemos
grandes aventuras. À noite sentávamos na frente da casa para ouvirmos as histórias de
assombração contadas por nossos bisavós. Nos relatos, falavam a respeito de visagens que
atacavam em Baixo de uma grande mangueira através de ampla distribuição de tapas e
17
safanões, ressaltava ainda que com a chegada da eletricidade as visagens haviam se
acalmado um pouco. Falavam também a respeito de pessoas que moravam em Condeixa que
ficaram assombradas
1
, tendo por determinação do pajé local necessidade de se mudar da
localidade para não ser perseguido por bichos visagentos, que cresciam e se tornavam
gigantes, procissões de mortos que passavam na frente do cemitério, as iaras que
mundiavam
2
. Meu pai mesmo, relata que certa vez ao participar de uma pescaria, avistou um
conhecido seu de longe e que ao se aproximar a pessoa desapareceu, sendo encontrada hora
depois muito distante do local em que havia sido visto, concluindo que devia se tratar de
uma oiara que possui a capacidade de se gerar
3
em qualquer pessoa.
As histórias acerca da pajelança, que escutava durante minha infância tinham o
nome de Mestre Modesto, todos são unânimes em constatar a eficácia do pajé. Sobre Mestre
Sérgio, alguns amigos que iam para Condeixa relatavam sua participação na pajelança,
sempre num sentido pejorativo, pois iam a pajelança apenas para beber e fazer anarquia
4
.
Na realidade, a Condeixa de minha infância lembra coisas como a castanha de caju
queimando no fogareiro improvisado feito pela bisavó no fundo do quintal; o café que ela
mesma plantava, colhia e moia. Esses aromas que tento rememorar, tem o sabor
aconchegante da casa da que sempre procura fazer coisas gostosas para os netos, aquela
senhora idosa e de cabelos alvos como o algodão, que tinha muitos livros de histórias que
eram contadas ao anoitecer. Histórias estas, que mesclavam príncipes europeus e figuras
míticas da nossa Amazônia em um completo bricoleur
5
.
Histórias da mulher de branco que vaga noite afora, também são bastante
recorrentes em Condeixa, uma vizinha de meus relatou que certa vez seu filho teria avistado
a mulher de branco e, após esse acontecimento, fora alvejado por uma febre muito forte,
quase levando o rapaz ao óbito. Foi apenas depois de um trabalho de mestre Sérgio que o
1
- Segundo Heraldo Maués (1990), mal-assombrado trata-se de uma doença provocada por duas categorias de
espírito, o mal ou o penitente, manifestando-se de forma visível para a vitima.
2
- Categoria nativa utilizada pelos moradores da localidade, se tratando de um estado hipnótico em que as
pessoas são levadas por seres visagentos não se lembrando de nada posteriormente.
3
- Categoria nativa para designar pessoas e seres, que possuem a capacidade de metamorfosear em outras
pessoas e animais.
4
- Esse fenômeno é citado nos estudos de Motta-Maués (1993) e Maués(1995).
5
- É um termo francês para designar o artesão, que constrói seu próprio artesanato a partir de outros
elementos, aparentemente absurdos e confusos. (Lévi-Strauss, 1970).
18
rapaz ficou curado. O boto também faz incursões pela vila, havia o comentário de uma moça
estava sendo perseguida pelo boto, ficando amarela e fraca, para afastá-lo foi preciso
recorrer ao mestre Sérgio devido a proximidade do rio, as pessoas acreditam serem os
encantados que deixam o fundo para passear na vila tarde da noite.
Fig. 03 Fundos do quintal de minha bisavó
O campo religioso de Condeixa é fortemente marcado pelo catolicismo através da
devoção a Nossa Senhora da Conceição, São Jorge, Divino Espírito Santo e São Sebastião ,
são estas as festas religiosas que marcam a vila e seus arredores. O catolicismo na vila, fora
fundamentalmente marcada pelo domínio leigo através da presença de grupos religiosos
formados por leigos, que realizavam as cerimônias religiosas, uma vez que não existe padre
residente na vila, até a década de 90 o padre se dirigia para a vila apenas durante a festa da
padroeira, que ocorre em dezembro, entre esses grupos havia o Sagrado Coração de Jesus
19
formado apenas por senhoras que comandavam a organização de eventos religiosos, zelando
pelo catolicismo na vila.
Atualmente existe um grupo de jovens que realiza uma série de eventos religiosos
oficiais como a festa da Conceição e do São Sebastião que possui uma diretoria da festa
eleita a cada dois anos, responsável pelo lado profano da mesma.
Fig. 04 Igreja de Nossa Senhora da Conceição
As festas realizadas em homenagem ao Divino Espírito Santo e a São Jorge, são
realizadas sem a participação de membros da Igreja Católica oficial, são festas de família, os
santos possuem dono. O primeiro pertence ao senhor João Luis Vital. Vale ressaltar, que o
conflito ocorre principalmente em relação ao o Jorge, que a mais de 30 anos é realizado
pela família do pajé Sérgio, chamando atenção para o caráter maligno da festa, realizado no
20
local em que o pajé realiza seus trabalhos, o sitio Tarassuí. Vale ressaltar que os dois santos,
não possuem capela apenas o local em que se realiza a festa. O lado religioso consiste na
elevação do mastro, uma semana de ladainhas, não tendo missa.
Fig. 05
O campo religioso de Condeixa, não se resume a presença de santos e encantados
6
,
existindo a presença de evangélicos, através das denominações religiosas Assembléia de
Deus e Igreja do Evangelho Quadrangular.
Falar em catolicismo popular na Amazônia, remete a uma série de outras questões
que estão inseridas no bojo desta discussão, principalmente no conflito entre a igreja católica
oficial e as devoções de cunho popular.
na Europa, durante o período medieval e a época da reforma protestante, os
membros da alta cúpula do clero, através do Concílio de Trento tentavam reformar o
catolicismo popular separando-o do profano.
6
- Segundo Maués (1995), são pessoas vivas que foram encantadas por seres como o boto, oiara e cobras
grandes. Estão vivos e desejam se desencantar, vivendo no fundo dos rios ou igarapés, local denominado de
encante.
21
No Brasil, a tentativa efetiva de reformar o catolicismo ocorre a partir do fim do
século XIX, através de um movimento denominado de Romanização
7
que possuía como
seus principais membros dois bispos, D. Vital em Pernambuco e D. Macedo Costa no Pará.
Fig.06 Casa em que se realiza a festividade de São Jorge e os trabalhos do Pajé Sérgio,
segundo o pajé neste local ocorrera sua iniciação. Local onde estão concentradas suas
forças.
Na vila de Condeixa, além de pajés, encantados é recorrente a presença de feiticeiras
e pessoas que possuem o dom de se geram em aves e animais de toda espécie como cavalos,
porcos e bode. Nos relatos, todos são unânimes em afirmar a eficácia das feiticeiras em
relação às maldades que faziam, tendo sempre um caso para contar.
7
- Sobre Romanização ver Maués (1995)
22
Fig. 07 Cemitério Municipal de Condeixa Santa Luzia, que atende não só a vila de
Condeixa como a outras localidades como Maruacá e São Marcos.
23
Fig. 08. Cemitério de Condeixa.
24
Fig. 09. A vila de Condeixa possui três ruas principais e quatro transversais.
25
Fig. 10. Posto de Saúde de Condeixa.
Atualmente o posto de saúde da vila conta penas com duas atendentes e uma auxiliar de
enfermagem, fato que dificulta o atendimento aos doentes. Como o transporte para
Salvaterra é realizado em horários específicos, a procura pelos pajés ainda é bem
recorrente.
26
Fig. 11. Trapiche de Condeixa, sua construção data da década de 90. Durante as
férias escolares servia de diversão para os banhistas, mas em virtude de uma serie de mortes
por afogamento, hoje é pouco utilizado para este fim.
27
Fig.12. Na realidade existem duas denominações da Assembléia de Deus na vila,
esta é a mais atual fora construída no ano de 2006. A outra denominação, já está
presente na vila desde 1985.
28
Fig. 13. Igreja do Evangelho Quadrangular. A primeira igreja erguida em 2006 fora
de madeira, atualmente estão construindo um templo de alvenaria.
29
Fig. 14. Rua principal de Condeixa, local em ficam concentradas pequenas vendas que
atendem as necessidades de consumo da comunidade.
30
Fig. 15 Escola Municipal de Condeixa. Na vila atualmente existem duas escolas, esta
atende apenas ao ensino infantil, fora construída recentemente outra que atende ao ensino
fundamental maior, não possuindo escolas de ensino médio. Os jovens que desejam
prosseguir em seus estudos procuram à sede do município, Salvaterra.
31
Fig. 16. Local em que se realiza o festival do abacaxi e outras festas, principalmente as
grandes que precisam de um espaço maior.
32
FIG. 17. O mercado de Condeixa abastece a vila com peixe e carne. Apesar de ainda se
manter o costume de avisar da venda do peixe, soprando em uma garrafa, que por sua vez
reproduz o som de uma buzina.
33
Na vila de Condeixa existe a presença marcante dos Mestres
8
, possuindo estes uma
função marcante na prática da pajelança na vila, tendo por objetivo a cura dos males que
afligem o povo que habita a Vila. Na memória do povo que habita a vila, a figura dos
Mestres é recorrente, todos de alguma maneira têm um relato de uma situação em fizeram
uso dos serviços dos Mestres.
Os Mestres pajés sempre tiveram um lugar privilegiado em Condeixa,
principalmente pela ausência do poder público, através de postos de saúde, sendo recorrente
a utilização de serviços como de parteiras, benzedeiras e feiticeiras que auxiliam a
população local em seus problemas mais imediatos. Atualmente, mesmo com a presença de
um posto de saúde, que funciona precariamente, as pessoas acabam recorrendo a esses seres
que possuem a capacidade de entrar em contato com as entidades sobrenaturais.
“ Me lembro que um dia, eu tava chateada tinham robado 10
Galinhas minhas, a Esperança chegou aqui em casa e disse:
O quê aconteceu? Eu contei pra ela , ela disse: eu não vou
Trazer a galinha de volta, mas eu vou te mostrar quem foi
O ladrão. Ela fez um serviço, ai vieram me avisar que seu
Antonio tava muito doente, ela mesma foi lá ajudar o homem.”
(Joana, 01/08)
A prática da pajelança existente na vila segue o modelo, estabelecido pela literatura
antropológica de pajelança cabocla, em que se misturam vários elementos católicos,
umbanda e kardecismo. O mestre mais famoso da vila, fora mestre Modesto de Maruacá,
falecido, possui uma série de relatos em que foi possível constatar eficiência.
8
- É a categoria nativa utilizada pelo povo de Condeixa para se referir ao Pajé.
34
Fig.18 Túmulo de mestre Modesto de Maruacá, no cemitério de Condeixa.
“Abaixo de Deus, só Mestre Modesto, quando não tinha jeito
Ele dizia: o remédio só é o pau de marupá. Ele era muito bom,
Adivinhava, quando alguém ia pra lá doente ele já sabia, e
Mandava a mulher dele arrumar a casa.”
(D. Zuleide 01/08)
Os mestre mais procurado da vila são seu Didico e Sérgio, ambos identificados
como pajés de nascença e recebedores do maracá dado pelas próprias entidades, durante o
seu primeiro trabalho após o longo período de iniciação. A primeira visita que fiz a campo,
fora ao sítio do Mestre Sérgio, denominado Tarassuí local de seus trabalhos. O sítio fica
35
distante do centro de Condeixa, local de sua residência. O sitio serve também como roçado
de Abacaxi e de mandioca, atividades as quais o pajé se dedica.
Durante minha primeira visita ao sitio, em 1998 deparei-me com um altar cheio de
santos, sereias e índios, inusitadamente no momento da visita o pajé pediu para me mostrar
como realizava seus trabalhos. Na oração de abertura, invoca o auxílio dos santos católicos,
principalmente Nossa Senhora de Nazaré, Conceição e São Jorge, entre as entidades
espíritas citou Camilo Salgado
9
. Ao atuar-se a entidade que baixou em sua cabeça, fora a
Cabocla Mariana, princesa que freqüenta bastante os trabalhos de umbanda, esta me receitou
banhos.
No dia 17 de julho do ano de 2006, foi encomendado um trabalho para uma senhora
da Vila, que já havia procurado médicos sem obter qualquer resultado positivo. No dia
anterior ao trabalho, o pajé Sérgio fez alguns preparos especiais, retirou-se para o sítio
fazendo apenas uma refeição, preparando-se para receber as entidades. José Tupinambá
mandou que o pajé tomasse leite de mururé
10
para lhe fortalecer no trabalho. Segundo
contou-me o pajé, ele realiza esse procedimento uma vez por ano, orientou que o servente
preparasse 12 cigarros de tauari
11
, preparados pelo servente atualmente seu irmão, pois sua
esposa esta acometida por um glaucoma, encontra-se cega.
O trabalho realizado no sítio começou aproximadamente às 20 horas da noite, o clima
era de completa descontração. A demora do trabalho ocorreu em virtude da longa espera
pelos participantes, uma vez que o sitio fica distante da vila, em uma completa escuridão. O
local é bastante escondido, confesso que fiquei receosa, em virtude do período de chuvas, as
cobras acabam invadido a vila, porem tudo ocorreu bem a caminhada durou uns 30 minutos.
Enquanto aguardávamos os demais participantes, o servente preparava o fogareiro com as
defumações e os cigarros que seriam utilizados pelo pajé durante o trabalho e a cachaça e o
refrigerante que seria distribuído durante o trabalho para os participantes que tema função de
cantar durante todo o trabalho, que pode durar ate 5 horas sem parar
9
- Espírito de um médico, que viveu em Belém a quem é atribuída muitas curas sendo alvo de intensa devoção
popular em Belém.
10
- Espécie de planta aquática.
11
- cigarro feito da casca da árvore de tauarizeiro, segundo os interlocutores existe todo um preparo para
extrair a folha da árvore, considerado visagento. Para a retirada da folha é preciso todo um ritual, pedir licença
Para a árvore e jogar cachaça no seu pé.
36
Para começar o pajé pediu que o servente enchesse uma cuia com cachaça e tocasse
fogo na mesma, esse fogo fora passado em seus braços, pernas e nuca, em seguida o
servente jogou a água em chamas no chão, o pajé dividiu as tarefas em dos serventes ia ficar
responsável pela defumação do ambiente outro pelos seus preparo como a cinta.
Após chegarem os donos do trabalho, começa efetivamente o trabalho, as luzes
foram apagada, longos assobios foram dados pelo pajé
Para começar o pajé pediu ao servente que enchesse uma cuia com cachaça e
tocasse fogo na mesma, esse fogo fora passado em seus braços, costas, pernas e no peito, em
seguida o servente jogou no chão a água em chamas, o pajé pediu as tarefas, um servente
ficou responsável pela defumação do ambiente outro pelos seus preparos como a cinta e as
espadas.
Após chegarem os donos do trabalho, este começa efetivamente, as luzes são
apagadas e longos assobios são dados pelo pajé.
O pajé começou o ritual amarrando as cintas no corpo, vestido que estava com
calça e blusa branca não as retirou, apenas dobrou a bainha da calça.
A casa onde foi realizado o trabalho é simples com chão de cimento e três cômodos;
uma sala pequena, um quarto e uma cozinha. Na sala estavam bancos para sentar o povo do
trabalho, as luzes apagaram e o clima era bem descontraído. Seu Sérgio fora dessas ocasiões
é de pouca conversa e muito sério, mas durante os trabalhos é brincalhão e fala com todos.
O pajé começou a assobiar chamando as entidades, ficou assim batendo com um dos pés no
chão e assobiando, as luzes estavam totalmente apagadas, e ele apenas fumava o cigarro
tauari, não havia ingerido nenhuma bebida alcoólica, batendo os pés no chão e as costas na
parede e fazer orações como a Salve Rainha.
A primeira entidade a baixar foi a princesa Flora, vaqueiro do Piratuba , estes foram
saudados com festa, mas para o final as pessoas estavam cansados e as doutrinas eram
cantadas quase sem força em alguns momentos cheguei realmente a puxar as doutrinas que
se repetiam várias vezes até a entidade despedir-se entre estes santo Antônio de Lisboa .
As curas foram realizadas pelas entidades através do pajé. A primeira a ser atendida
fora uma moça, diagnosticada sua doença pelo caboclo Flexeiro como flechada de bicho. A
segunda fora atendida pelo caboclo Maguary, esta apresentava uma enfermidade na
37
garganta, já havia consultado vários médicos sem qualquer resultado. Segundo o caboclo sua
doença era ocasionada por espíritos.
Outro caso atendido pelas entidades, fora de um rapaz que mesmo não estando
presente fisicamente, sua cura fora realizada com o auxilio de sua irmã que levara uma peça
de roupa. Quem presidiu esta cura fora a cabocla Mariana que apontou como causa de tal
sofrimento a perseguição de espíritos.
Ao dar o diagnóstico as entidades começam o tratamento, primeiro através da
imposição de mãos
12
, então o pajé espremia a cabeça e a barriga como se quisesse tirar algo
e depois sugou o local sempre defumando e limpando com as espadas verde e vermelha.
Após este procedimento o caboclo Flecheiro passa os remédios, entre banhos e remédios
para tomar, acabei auxiliando a entidade anotando para os doentes o que o caboclo ditava
bem como a posologia da medicação.
Ao fim, o caboclo retirou-se, baixou ainda uma preta da Bahia, por ultimo veio a
princesa Flora fechar o trabalho, foi retirado o ponto, apagaram as luzes os serventes
começaram auxiliar o pajé na retirada da cinta. O pajé retornou ao estado anterior como se
nada tivesse acontecido. Todos cansados lancharam e foram para suas casas. Entre as
doutrinas cantadas, neste ritual, estavam a da Princesa Flora, Piratuba, Flecheiro e Mariante.
Veja Princesa, rainha do mar
Só quem manda é quem pode
Nestas cordas, nestas cordas trabalhar.
(doutrina da Princesa Flora)
Eu me chamo Boaventura ia, ia
Caboco do Piratuba
Meu cavalo esta selado ia,ia.
Vou já tomar meu golinho.
(caboclo do Piratuba)
Gostou do índio, venha ver quem é?
Ele caboco por que usa a pena
12
- Sobre técnicas corporais na pajelança ver Maués (2003).
38
Vem trazer a força que tem a jurema
Ele é caboco, ele é Flexeiro.
Sua pisada é cruel
Sua taquara, quem carrega é uma mulher
Na mata virgem caboco é cruel
( caboclo Flexeiro)
Fig.19. Outro local em que se realizam os trabalhos de seu Sérgio é a casa de sua irmã D.
Neli.
39
Fig. 20. D. Ida e mestre Sérgio no sítio Tarassuí, local em que o pajé começou sua missão.
40
2- Xamanismo e as definições de categorias.
Na Amazônia o xamanismo recebe a denominação de pajelança cabocla, uma vez
que a pajelança indígena está em constante processo de mudança desde o processo de
ocupação das terras pelo europeu e posterior ao contato com os grupos de origem africana,
resultando em uma grande mistura que ajudou definir a forma das atuais práticas religiosas
do Brasil. Um dos ícones nos estudos das práticas religiosas do homem amazônico é
Eduardo Galvão (1976), em relação à pajelança esse autor, lança a primeira definição como
sendo “um complexo de práticas mágicas que se baseia no poder de determinados
indivíduos, os
pajes
”.
É possível apreender na realidade a existência de várias definições
para xamanismo, de uma maneira geral é percebido como o poder que o indivíduo tem de
intermediar a relação dos homens com os espíritos. Existindo três princípios básicos do
xamanismo, a capacidade da alma se destacar do corpo, possibilidade de comunicação com
o sobrenatural e a possibilidade de estabelecimento do equilíbrio fisiológico-social.
Mircea Eliade (2002), que segue essa linha de explicação, percebe os xamãs como
indivíduos dotados de prestígio religioso. Neste sentido, o autor explica que o termo
xamanismo por excelência é um fenômeno religioso de origem siberiana do centro-asiático,
sendo o xamã o grande mestre do êxtase.
Vale ressaltar que em outras regiões do mundo o xamanismo coexiste com diversas
formas de magia e religião, em que xamã é visto como alguém capaz de estabelecer o
contato entre os mundos, realizando subidas e descidas ao céu e ao inferno para estabelecer
o equilíbrio.
Segundo o autor, xamanismo é um sistema religioso antigo, complexo e atualmente
difundido através de práticas diferentes de acordo com o contexto sócio-cultural do
respectivo lugar, mas tendo sempre o xamã como centro da atividade religiosa. A palavra
xamã, vem da língua siberiana Tungue, e indica o mediador entre o mundo humano e o
mundo dos espíritos. Os primeiros relatos, sobre os xamãs, o descrevem como figuras
exóticas que entravam em constante estado de transe.
Os xamãs, segundo Eliade (2002), podem receber sua vocação de forma
espontânea e hereditária, existindo também aqueles que são escolhidos pelo próprio grupo,
sendo estes considerados mais fracos. Para ser reconhecido como xamã, faz-se necessário
41
um processo de iniciação, que possui um caráter extático e didático em que o neófito recebe
instrução para que ao fim desse processo ele também possa transformar-se em xamã,
possuindo os escolhidos desde crença um comportamento diferenciado, este percebido pelo
grupo como um possível indício desse dom xamanístico.
Os xamãs são indivíduos dotados de prestigio gico-religioso, neste sentido o
autor destaca que o xamanismo por excelência é siberiano centro-asiático, nestas sociedades
a vida da comunidade gira em torno da vida dos xamãs, no entanto chama atenção para fato
que este fenômeno convive com outras formas de magia e religião. O xamanismo consiste,
segundo o autor em especialidades mágicas qual seja o domínio do fogo e o vôo mágico. O
xamã seria o especialista em um transe. Para Eliade o xamã distingue se claramente de um
possesso, uma vez que :
ele controla seus “espíritos”, no sentido de que ele ser humano, consegue comunicar-se com os
mortos, com os “demônios” e com os “espíritos da Natureza”sem por isso transformar-se em instrumento
deles. Evidentemente, encontram-se xamãs que são verdadeiros “possessos”, mas estes constituem-se
exceções que, alias, têm sua explicação.”
(Eliade, 2001.p. 24)
Quanto à questão da iniciação os segredos do ofício do Xamã, é realizado através de
sonhos e transes, sendo necessário, porém, a legitimação da comunidade. O xamã é um
doente que se curou, o dom é revelado através de uma doença e a iniciação do candidato
equivale a uma cura, na realidade a doença seria um sinal da escolha sendo este estado
passageiro, o prestígio é obtido em virtude do domínio obtido pelo neófito em relação a
doença. A iniciação seria um período de instrução de cunho teórico e prático.
Os xamãs não podem ser percebidos como meros doentes, pelo fato de conhecerem
os mecanismos das doenças. Acerca da iniciação o autor chama atenção para as condições
que permitem ao indivíduo ter acendido a condição de xamã. A cerimônia de iniciação
comporta o esquema básico de sofrimento, morte simbólica e ressurreição.
No modelo centro-asiático, o novo xamã se faz sozinho, em que ocorre o
despedaçamento do corpo do futuro xamã, que volta a se recompor com seu nascimento
ritual, momento de sua plenitude mística. Destaca o autor, que em alguns grupos indígenas
42
da América existe a presença do iniciador. O autor destaca os elementos centrais de
qualquer iniciação:
“Sonho, doença ou cerimônia de iniciação, o elemento central é
é sempre o mesmo : morte e ressurreição simbólicas do neófito,
com o despedaçamento do corpo realizado de diversas formas
” (esquartejamento, incisões, abertura do ventre etc...).”
(Eliade, 1998: 141)
Para Jean Langdom (1996), o xamã tem a missão de mediar os espíritos e os
homens, essa mediação é possível através das técnicas de êxtase por ele desenvolvidas
como cantos, danças e intoxicação, com o único objetivo de garantir a harmonia do grupo.
No Brasil o xamanismo é conhecido como pajelança, compreendido atualmente pela
antropologia como um fenômeno dinâmico, ganhando assim um novo status no meio
acadêmico. Segundo o autor é de suma importância analisar o caráter social exercido pelo
xamã, análise que não é realizada por autores clássicos como Mircea Eliade, por exemplo.
Em relação ao xamanismo na América do sul o autor, percebe uma clara diferença
entre as práticas xamânicas de outras regiões, que possui nestas áreas um caráter positivo,
pois não pode ser classificado como psicótico. Os xamãs sul americanos não adquirem seus
poderes através da ingestão de substâncias e nem por crises psicóticas.
Para Langdom (1996) uma questão que entravava o entendimento do xamanismo,
era a questão das teorias acerca da magia e religião, pensadas como estágios para o
desenvolvimento de uma cientificidade, a partir das análises de Marcel Mauss (1974) o ato
mágico passou a ser visto como social e o xamanismo percebido como blico, organizador
da sociedade além de expressar seus valores. Os estudos de Mauss foram de suma
importância para o entendimento da magia, para ele a magia se distingue em diversas
sociedades, fato que demonstra o caráter relativista do autor. Para o autor as coisas mágicas
para serem consideradas como tal, é preciso que sejam percebidas desta forma por todo o
grupo. No entanto, uma definição eficaz da magia será possível a partir do estudo da
relação desta com a religião.
A magia compreende agente, atos e representações. Neste sentido o mágico seria o
responsável pela realização dos atos mágicos, mesmo que este não seja um profissional.
43
O conceito de ritos de passagem, proposto por Arnold Van Gennep (1960/ 1978) e
retomado por Victor Turner (1974) está ligado a idéia de transmissão. O autor entende que
a vida em sociedade é permeada por uma série de ritos de passagem, que acompanham todas
as mudanças da vida do sujeito.
O autor trabalha com a idéia de que o ritual possui uma ordem comum, que se
mantêm articulado a uma estrutura social simbólica. O rito de passagem segundo Gennep
divide-se em três etapas quais sejam: separação ou pré-liminaridade , a liminaridade ,
geralmente fase mais importante do rito e a agregação do indivíduo ao seu grupo. A fase que
suscitava grande fascínio em Gennep era a da liminaridade para ele caracterizado como um
estado de suspensão. Apesar desse fascínio o autor admitia que a fase mais significativa de
um rito varia de acordo com o ritual. O principal interesse do autor no processo ritual era em
compreender a dinâmica da mudança que o ritual favorecia.
Turner (1974) destaca que a vida do homem em sociedade é permeada por ritos de
passagem, que vão do nascimento a morte. Nas religiões é bastante recorrente as iniciações
fortemente ritualizadas. Nas religiões de matriz africana essa questão fora bastante
explorada, uma obra singular no Pará é o estudo da antropóloga Anaíza Vergolino (1973)
que discutiu o processo de “feitura” do pai- de- santo, formado um complexo rico de rituais,
tendo como objetivo agregar o indivíduo ao terreiro , podendo então ocupara função para a
qual foi preparado durante toda a iniciação.
Durante a liminaridade os indivíduos escapam a qualquer sistema de classificação,
vivendo na ambigüidade. A função desta fase seria de reduzir as tensões e os efeitos
perturbadores da própria mudança. Este período, representa a morte ritual do neófito e a
destruição de sua antiga condição para a posterior construção de um novo sujeito. O sujeito
liminar não possui papel definido e passa a ter um comportamento passivo e humilde.
A communitas é um estado intermediário, onde o neófito aprende valores de sua
nova condição, é um período de caráter pedagógico, que o neófito é visto como uma
tabula rasa onde será impresso todo o conhecimento necessário para o exercício de sua nova
condição após ser agregado ao grupo.
Outro conceito importante é o de transe, fundamental para que o neófito entre em
contato com as entidades. Neste sentido a obra do autor Ioan M. Lewis (1971) é de extrema
relevância para a discussão, ao debruçar-se sobre o estudo das religiões aponta suas bases
44
constitutivas a crença e o rito, sendo que o estudo destes elementos são constitutivos do
métier do antropólogo.
Como método para a realização desta tarefa o autor remete ao método da observação
direta em campo. Seu estudo possui como tema central a tomada do homem pela divindade,
o autor percebe a questão do êxtase como um fato social. Lewis faz críticas aos historiadores
das religiões em especial Mircea Eliade que deu maior importância para a questão das
estruturas internas do fenômeno do xamanismo bem como sua relação histórica e pouca
relevância para uma análise sociológica.
Na análise sociológica de Lewis percebe uma diferença entre transe e possessão. O
transe seria como:
estado de dissociação, caracterizado pela falta de movimento voluntário, e, frequentemente, por
automatismo de ato e pensamento, representados por estados hipnótico e mediúnicos”
(Lewis: 1971, p.41)
Para o autor, o transe possui uma série de estímulos, técnicas consagradas como a
ingestão de bebida, fato este que permite uma série possibilidades de olhares culturais sobre
o mesmo, bem como, definições de cunho fisiológico e culturais. Na possessão segundo o
autor ocorre uma despossessão do “eu”, ou seja, ocorre a perda da alma, havendo vários
graus de possessão. Sobre Eliade, Lewis discorda da possibilidade do transe esta dissociada
da possessão, para Lewis no xamanismo clássico as duas formas ocorrem juntas.
Ao examinar o fenômeno do xamanismo o autor chama atenção, para o fato de que
xamã:
“pode ser uma pessoa de qualquer sexo, que dominou os espíritos e que pode, à sua
vontade, introduzi-los em seu próprio corpo. De fato, ele frequentemente encarna esses espíritos e pode
controlar suas manifestações, caindo em estados controlados de transe em circunstâncias apropriadas. Como
coloca Shirokogoroff, grande autoridade russa nos tungues, o corpo do xamã é um “posto”ou receptáculo
para os espíritos. De fato, por seu poder sobre os espíritos que encarna é que o xamã consegue tratar e
controlar males causados por espíritos patogênicos em terceiros.”
(Lewis: 1971p, 58)
45
Entre os sintomas do xamanismo o autor cita a questão do descontrole do neófito,
tornando-se fundamental para o exercício, produção controlada do transe.
Charles Wagley (1957) ao tratar das crenças populares do caboclo amazônico,
percebe as mesmas como resultadas da fusão cultural de várias outras crenças, fato este que
dará um contorno diferenciado as mesmas. Segundo o autor a prática da pajelança entre
essas populações possui ainda alguns traços peculiares com a pajelança indígena dos povos
de língua tupi. Entretanto, percebe algumas mudanças significativas através da introdução
de elementos exteriores a cultura indígena. Para Wagley (1957) essa prática para o caboclo
amazônico é uma das formas pela qual encontra para lidar com os problemas que lhes
afligem no cotidiano. Em Itá, o pajé mais importante é o “sacaca, estes reconhecidos pelo
grupo como capaz de realizar incursões ao fundo dos rios, local de morada dos encantados”.
Entretanto, mesmo o pajé “sacaca” precisa ser iniciado por outro pajé que vai lhe
instruir a controlar seus companheiros.
Eduardo Galvão (1955) tece uma série de considerações acerca das diferentes
classes de sobrenaturais que o pajé utiliza para a cura de doenças. Galvão descreve a origem
do ritual como sendo tupi, fez os primeiros relatos sobre o processo de iniciação do pajé, a
relação deste com a comunidade, além de apontar as principais entidades que compõem o
ritual de cura, que segundo o autor é a principal atividade deste campo religioso. Segundo o
autor, no entanto, a pajelança assimilou uma série de novos elementos que a diferenciam do
xamanismo tupi-guarani, como orações cristãs e o uso de substancias alcoólicas, estas
afirmações feitas pelo autor em relação aos pajés de Itá, seu campo de estudo. Estes
possuem como companheiros de cura os seres da mata e das águas. Neste sentido, conclui o
autor que cultos de várias naturezas trarão a pajelança uma nova forma de culto.
Napoleão Figueiredo e Anaíza Vergolino (1972), em estudo das populações do alto
cariri, localizado no município do Moju, falam acerca das práticas culturais da comunidade
residente na região, tecem uma série de comentários acerca da religiosidade e crenças
populares, da pajelança e curadores traçam uma diferença entre os mesmos que residiria no
fato de que o primeiro manipula as forças sobrenaturais e o segundo se resume ao
aprendizado da farmacopéia e a memorização das rezas. Ressaltam que o pajé precisa do
dom para tornar-se pajé, visto como uma condição fundamental. Em relação aos serviços
que prestam o pajé não pode cobrar, pois seu poder vem de um dom e de uma obrigação que
46
precisa cumprir diferente do curador cobra, uma vez que ambos funcionam como médicos
do corpo e do espírito. A condição do pajé está condicionada a um processo de iniciação
realizada por alguém que lhe seja próximo.
Em relação ao mundo que permeia tal prática, os autores relatam que este no ritual o
pajé lida com um conjunto de seres como os espíritos que seriam intermediários entre os
homens e os santos. Entre as entidades espirituais, podemos encontrar agrupadas em
espíritos da mata, das águas, caboclos, encantados, os brancos e os anjos.
As entidades para serem identificadas cantam o seu “ponto”, sua doutrina a partir da
qual pode ser identificadas. Acerca das sessões os autores relatam que:
“ As sessões são sempre realizadas a noite e não há
utilização de instrumentos musicais como maracás
tambores ou outros . apenas um pajé utiliza um feixe de
penas de arara amarradas na base.”
( Figueiredo e Vergolino: 1975 p. 28)
Napoleão Figueiredo (1975), em estudo realizado na região bragantina, tenta
demonstrar a influência do catimbó na pajelança realizada na região. Em sua análise chama
atenção pra o fato de que a área possui a presença marcante de nordestinos, com este
,chegando a Amazônia o catimbó
13
.
Acerca do ritual desenvolvido na região revela o autor que a crença gira em torno
dos espíritos dos mestres curadores, forças essas que são manipulados pelos pajés e
curadores nas sessões denominadas de “mesas”, o autor ressalta que não existe hierarquia no
cerimonial que geralmente ocorre na casa pajé ou do cliente. Na etnografia do ritual feita
pelo autor , revela as entidades que mais comumente freqüentam os trabalhos, fiando claro o
amálgama das tradições neste processo ritual.
Heraldo Maués (1982) ao se dedicar a temática da pajelança , no fim da década de
70 escreve sua dissertação de mestrado defendida na UNB, que posteriormente fora editada
com o titulo de “A ilha encantada”, seguindo os princípios da etnociencia, traça as formas de
13
- segundo Figueiredo (12975), catimbó é uma pratica religiosa surgida no nordeste resultante da integração
de vários sistemas de crença indígena, europeu e africano.
47
classificação das doenças naturais e não-naturais e as medidas de prevenção e estratégias de
cura no tratamento utilizado pela comunidade de Itapuá no município de vigi a ,região do
nordeste paraense. Para Maués existem dois tipos de pajés o de nascença que trás o dom do
ventre da mãe e o de agrado, no qual o dom se manifesta tardiamente. Em relação a
iniciação do pajé, esta começa quando os mesmos são acometidos por uma doença chamada
de corrente do fundo , geralmente tratada por um pajé experiente, sendo este considerado o
primeiro passo do processo iniciático que possibilita ao neófito controlar suas entidades, que
serão utilizadas pelo mesmo, durante o ritual de cura.
Heraldo Maués (1995: 18) aprofunda o conceito de pajelança cabocla, percebida por
ele da seguinte forma:
“ Chamo de pajelança cabocla a uma forma de culto mediúnico,
constituída por um conjunto de crenças e práticas muito difundidas na
Amazônia, (...) tendo origem, (...), na pajelança dos grupos tupis, esse culto,
que hoje se integra em um novo sistema de relações incorporou crenças
e práticas católicas, kardecistas e africanas, recebendo atualmente forte
influência da umbanda.”
Ao tratar da pajelança Heraldo Maués e Gisela Macambira Villacorta (2001),
chamam atenção para a especificidade de seu trabalho voltado para a pajelança conhecida
como cabocla.
Os autores falam da problemática do termo pajelança, categoria criada na
academia para classificar essas práticas religiosas, o termo é pejorativo e sempre utilizado
pelas populações citadinas. Atualmente a pajelança se restringe mais as populações rurais,
porém é bastante praticada nos centros urbanos de Belém e Manaus. Segundo os autores,
vários estudos já foram realizados tendo como temática a pajelança, porém percebeu-se nos
estudos realizados que a pajelança não é um fenômeno uniforme, existindo pajelanças
caboclas.
48
3 - MESTRES, SIMPATIA, NASCENÇA E MEUAM O ENTENDIMENTO E O
SIGNIFICADO DESSAS CATEGORIAS EM CONDEIXA.
Em Condeixa os xamãs são conhecidos e chamados pela comunidade, não de pajés
mais de mestres. Na realidade nas entrevistas não uma concordância acerca da causa da
utilização do termo mestre para essas pessoas, os interlocutores indicam que este termo é
utilizado tanto para homens quanto para mulheres. Apesar desta afirmação ser feita apenas
durante as entrevista, pois em momentos em que não estão nesta situação, nunca utilizam o
termo mestre para mulheres..
Eu não sei a causa de me chamarem de mestre,
ai que eu fico, eu não devia carregar uma
Palavra desta, eu apenas um recebedor do
trabalho deles, mestre são os espíritos que
participam dos trabalho e Deus
( Mestre Sérgio – 5/03/2007)
quer dizer que chamam pra ele de mestre
porque ele é o dono do trabalho, eu acho porque
ele cura. mestre é muito antigo desde que me
entendo se usa mestre. Aqui não chama pajé
agente chama mestre.
(dona ida servente e esposa do Sérgio 2/03/2007)
pra mim nem todos são mestres, apenas aqueles
que não desrespeita as entidades, como o mestre
Mudesto que nunca ninguém viu cai bêbado pela
esses são mestres de verdade.
(dona Altamira 7/04/2007)
Nas obras de Dalcídio Jurandir (1992), escrito durante a década de 1930
encontramos a referência aos Mestres da pajelança Marajoara, termo, no entanto utilizado
49
apenas para se referir aos homens, para a mulher pajé o autor utiliza a denominação
feiticeira. A pajé Zeneida lima (1998) em obra de cunho biográfico também faz referência
aos Mestres das áreas do Maruae de Condeixa, Mestre Modesto e Mestre Mundico este
ultimo sendo o responsável por sua iniciação a pajé.
...Estavam no sítio do Mestre Jesuíno, na estrada
de Joanes para Condeixa, município de Soure....
(Jurandir (1992), Marajó p. 318)
Como não uma concordância em relação ao termo Mestre, acredita-se que está
ligada a questão da tradição, na verdade os que nascem aprendem que o termo é mestre e
passam a reproduzir sem se questionar o porquê de ser dessa forma. Neste sentido Eric
Hobsbawm (2002) sobre a questão da tradição inventada esclarece que elas podem ser
formalmente institucionalizadas ou surgirem espontaneamente segundo o autor :
Por ``tradição inventada`` entende-se um conjunto
de práticas, normalmente reguladas por regras tácita
ou abertamente aceita; tais práticas, de natureza ritual
ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas
de comportamento através da repetição, o que implica
automaticamente; uma continuidade em relação ao
passado ...
(Hobsbawm ,2002,p 9)
O termo Mestre é utilizado na jurema
14
para designar o xamã curador. Esses mestres
seriam descendentes de escravos africanos e de mestiços brasileiros que em vida
conheceram os segredos das plantas curativas, grandes curandeiros vivos ou mortos seriam
espíritos que habitam o outro mundo e ajudam os vivos em sua tentativa de se livrar de seus
sofrimentos. As principais entidades da jurema são os caboclos e espíritos de índios.
14
-bebida preparada a partir de da casca do tronco de uma arvore do mesmo nome pelos índios tapuias que
habitavam as áreas do sertão distante do litoral e não falavam a língua tupi.
50
Os mestres vivos incorporam os mestres mortos ligando um mundo ao outro por
meio do transe
15
, os espíritos habitam as cidades sagradas da jurema.
O autor Luiz Carvalho Assunção (2006), ao falar acerca da jurema nordestina,
chama atenção ao processo de adaptação vivenciado por tal prática religiosa, através da
adoção das entidades de outras denominações religiosas. Entre os mestres mais conhecidos
da jurema o autor indica Zé Pilintra, mestre Carlos, mestra Paulina e mestra Ritinha.
Em se tratando do ritual da jurema, o autor aponta a beberagem da Jurema, que tem
sua origem nos antigos grupos indígenas, apontando o autor como momento crucial do
trabalho o uso da fumaça ritual fabricada a partir do cachimbo e do fumo do Tauari, quando
os mestres ligam-se aos espíritos no trabalho, podendo ainda a jurema ser praticada de três
formas: de mesa, dançada e de chão.
Ao discutir a jurema, a proposta do autor é tentar perceber a relação da jurema no
contexto da umbanda nordestina e a partir deste processo entender a reelaboração do culto
da jurema ao se transformar em catimbó nordestino, processo esse visto como dinâmico de
reelaboração das práticas culturais.
Neste sentido, a partir de 1920, os estudos dos folcloristas procuraram inventariar as
manifestações culturais antes de seu desaparecimento, para Roger Bastide (1945), a
santidade Jaguaribe
16
seria o primeiro esboço do catimnordestino, esta é percebida por
outros autores como forma de resistência contra a colonização portuguesa, em que durante o
transe stico o profeta entrava em contacto com a santidade anunciando profeticamente a
busca da terra sem mal, seria a desforra do vencido contra o europeu. Palavra Câmara
Cascudo (1978), o catimbó seria o resultado da mistura das três raças.
A forca da jurema é espiritual, este outro mundo é denominado como o “reino dos
encantados”, em que o mestre é a entidade central do catimbó; os mestres catimbozeiros
seriam pessoas que já viveram na terra.
Outro elemento fundamental para o mestre é a sua iniciação que possui o significado
de se conhecer os segredos da bebida mágica, além de se aprender o segredo dos mestres
15
Lewis (1977), percebe o transe como`...um estado de dissociação caracterizado pela falta de movimento
voluntário e freqüentemente tomado pelo automatismo de ato de pensamento, representados por estados
hipnóticos e mediúnicos```....
16
o profeta indígena, denominado caraíba em seus rituais mistura elementos da religião indígena e católica.
51
vivos. Segundo o autor no século XVII, em Portugal, os feiticeiros e curadores eram
chamados de “mestres”.
No nordeste todo mestres possui uma semente que o sagra como tal, o autor aponta
outros elementos que compõem o catimcomo a defumação usada para curar e induzir ao
transe. No catimbó existe uma organização hierárquica em que a frente esta o Mestre,
discípulos e criados.
A principal cerimônia do Catimbó é conhecida como mesa; os elementos presentes
no ritual da jurema são os santos católicos, incenso, velas acesas e orações católicas.
Segundo Câmara Cascudo (1978), o catimbó possuía um caráter privado, dado a qustao de
ser visto de forma pejorativa pelo resto da sociedade. foi falado anteriormente acerca
desse processo em que o mestre morto volta para atuar nos trabalhos, junto aos mestres
vivos, mas para que isto ocorra faz-se necessário um novo processo de iniciação e que a
partir da realização do mesmo, que consiste em uma espécie de purificação dos instrumentos
usados pelo morto durante a vida, é que o mestre morto pode ser invocado nas sessões de
cura.
A invocação dos mestres falecidos é realizada através de cantigas a ele consagradas,
tendo por finalidade a cura.
Dentro desse contexto do catimbó em aparece à figura dos mestres, no Marajó o
aparentemente eles não tem essa função de retorno, no entanto como fora citado aqui
essas práticas estão em constante processo de mudança e reelaboração, em que pude
constatar o retorno de um mestre muito importante na vila de condeixa, mestre Mudesto,
retornado na cabeça de um jovem que esta em processo de iniciação.
Eu tava meio que dormido, na realidade não estava
e um homem se aproximou de mim, se identificou
como Mestre Mudesto e disse que ia me ajudar nos
meus trabalhos, a partir desse dia passei a ver ele
constantemente , não só pra me ajudar na cura ,mas
me aconselha também.
( Paulo – 26/05/07)
52
Em Condeixa existem dois tipos de pajés reconhecidos, apenas o de nascença é
denominado mestre, que passaram por uma iniciação. Apesar de essas categorias permearem
a Amazônia na prática da pajelança em Condeixa o mestre da nascença traz o indício desse
dom desde criança, chorando no ventre da mãe e relata uma série de perturbações
comportamentais, a diferença concentra-se no fato de que para ser considerado um mestre da
pajelança deve ser iniciado sozinho sem a intermediação de outro mestre, feita junto e com o
auxilio das próprias entidades, se apresentarem todas as características acima e se for
iniciado por outro mestre, será considerado um mestre de Simpatia.
Quando pega assim 10 e 20 anos não é mais de nascença, se desde a idade dele não era pra ser de
nascença tem que ser entre 10 e 12 anos, tem que ser virgem, agente carrega uma missão, tem dia que elas tão
saliente as vezes elas vem pras mãos da gente ,a missão é azul , as conta do de nascença esta dentro do corpo.
Quando recebe as conta da missão no ventre da e a criança chora, porque as conta é colocada dentro do
corpo.
(Sérgio 12/2007)
O pajé de simpatia não recebe essas contas, que ficam dentro do corpo do pajé de
nascença independente do gênero, essas precisam ser retiradas apenas por um outro pajé de
nascença no intuito de garantir uma morte mais rápida e tranqüila ao xamã. Mestre Sérgio,
relatou o caso de uma pajé que estava sofrendo muito para morrer por ainda estar com a
missão que precisavam ser retiradas, Sérgio foi chamado retirou e como ninguém da família
queria as contas, ou seja, a missão ele mesmo engoliu, esta é outra forma de se herdar o
dom, ficando com a missão do pajé que falece.
Na literatura antropológica, esse tipo de pajé foi identificado por Eduardo Galvão
(1976), em sua pesquisa realizada em Ita como pajé Sacaca
17
, segundo autor alguém que é
iniciado no próprio fundo com as entidades.
Isso vem por nascença, eu cumecei com a idade de oito anos, eu sofri sabe, quando eu tinha 12
anos eu cumecei a trabalhar. O meu Mestre é Mineiro , o segundo dele é José Tupinambá, na limpeza
assim do corpo, sofrimento rápido quem trabalhas é caboco Pena verde, caboca Mariana, tudo os trabalho
eles tão.
17
- o termo sacaca não é nativo da Amazônia brasileira, termo utilizado pelos índios dos Andes.
53
( Mestre Sérgio- 5/07/1998)
Nessa busca por uma explicação para os problemas que se abatia sobre o menino
Sérgio, seu padrinho o levou no pajé mais famoso da vila, Mestre Mudesto, ao se deparar
com o Mestre Sérgio disse:
Eu num consinto que vocês dão a cabeça dele
Pra ninguém, ele mesmo vai se endireitar.
(Dona Ida- 23/07/2000
)
Essa questão da passagem do dom na vila de Condeixa dar-se de forma hereditária
tanto o bom como o mal
18
, todos os mestres de nascença receberam o dom de sua mãe ou
pai e passam para seus filhos.
O Sérgio tem uma filha, ela trabalha benze criança,
tem que ela num quer aceitar, é horrive eu digo
Pra ela, tu não quer aceitar. Tu ta só apanhando.
(Dona Ida – 2/03/07)
Sobre a discussão acerca do dom, Marcel Mauss (1974), é fundamental visto que
uma da referencias no estudo de tais questões. Segundo o autor em discussão acerca dos
elementos que compõe a magia, percebe a figura do mágico, como principal agente dos ritos
mágicos, no seu entendimento existe ritos mágicos que podem ser cumpridos por não
especialistas, esse tipo de pratica é percebida pelo autor como magia popular, necessitando
para este exercício apenas o conhecimento de recitas e da tradição.
As revelações ocorrem quando o mago entra em contato com os espíritos
aprendendo suas doutrinas, fato que pode ocorrer através de experiências extáticas. Este
contexto permite ao indivíduo a aquisição de poderes mágicos, sendo a iniciação condição
18
- o dom mal ao qual me refiro é o da matinta-perera, pessoa que tem a capacidade de setransformar em um
pássaro, passando esse fardo para os filhos diferindo da região do salgado, que segundo Motta-Maués(1993), a
passagem do dom e Itapsempre pula um geração. O dom positivo é o do pajé que passa a entrar em contato
com os espíritos e entidades para promover a cura.
54
fundamental para que o neófito seja considerado Xamã. A iniciação pode por sua vez, pode
partir do próprio mago contando apenas com ajuda das entidades ou de outro xamã mais
experiente, neste caso essa diversidade de formas de dom atua diretamente na eficácia dos
mesmos.
Outro autor que também fala acerca do dom é Mircea Eliade (2002/1951), ao se
debruçar sobre a outorga de poderes xamânicos, o autor percebe o dom de três maneiras, a
hereditária, vocação espontânea e a escolha, segundo o autor esses dois últimos são
considerados com menos forca do que aqueles que herdaram de seus ancestrais ou foram
escolhidos pelas entidades e espíritos. Segundo o autor uma das principais marcas do
período iniciático é seu caráter doutrinário e pedagógico, a iniciação sendo fortemente
marcada por uma tríade : sofrimento, morte e ressurreição.
Segundo os interlocutores o próprio pai de Sérgio, duvidava dos trabalhos do filho e
como este viria a desenvolver-se como pajé, pois nunca haviam saído do tio para ver
qualquer tipo de trabalho na região.
ele criou os filhos o sitio e nunca viu o trabalho de ninguém, nunca
os filhos dele foram em casa de pajé apreciar um trabalho , nem nunca
deu a casa dele pra fazer trabalho. O velho dizia o que esse menino
vai cantar, nunca apreciou trabalho de ninguém, o velho duvidava dele.
(Maria do Antonio Pedro- 10/07/2006)
Em seu estudo acerca da pajelança, Eduardo Galvão (1955: 1976), constata variadas
formas de crenças que auxiliam no processo de definição do mundo sobrenatural do caboclo
amazônico, que seriam normas e atitudes do caboclo diante do mundo, surgindo neste meio
indivíduos capazes de mediar a relação dos homens com os espíritos, ou seja, pajé.
Segundo o autor existe o pajé de nascença que trás o dom do ventre da ame e
começa a manifestá-lo ainda na infância, devendo seus parentes levá-lo a um pajé experiente
para endireitá-lo, ou seja, ensiná-lo a lidar com os companheiros
19
. Em Itá, relata o autor que
19
- são as entidades, encantados que vivem no fundo dos rios, que auxiliam o pajé durante seus trabalhos de
cura.
55
se o candidato a pajé o for iniciado morre. Neste sentido, o autor relata vários casos em
que essa fatalidade ocorreu.
Em Condeixa as pessoas relatam que, quando não aceitam seu dom passam a sofrer
de alguma enfermidade, que a medicina não consegue diagnosticar ou são marcados para
sempre com doenças irreversíveis como a cegueira.
“ eu tinha um tio que não aceitava de jeito nenhum a missão dele,
quando tava bebido xingava os companheiro, resultado cegaro
ele”
(D. Altamira 27/07/1998)
Para Eduardo Galvão, o poder do pajé depende do número de companheiros que
consegue mobilizar. No entanto, seria o pajé sacaca que possui a capacidade de viajar pelo
fundo dos rios, para tal se veste com pele de cobra, este tipo de pajé não morre quando
desaparece acredita-se que se encantou e foi viver no mundo dos encantados, no fundo dos
rios.
Na literatura antropológica tal questão está sempre de acordo com o contexto
cultural em que o grupo está inserido. Segundo Heraldo Maués (1995) ao traçar a carreira do
pajé ou curador, pretende explicitar os aspectos principais de sua carreira como xamãs,
existindo no campo de sua pesquisa duas de pajé de nascença e de agrado. No contexto da
coletividade é dada maior relevância a pessoa que traz o dom desde a tenra idade,
considerada como de nascença ou de natureza.
O autor passa a analisar a trajetória de alguns pajés da região, em numero de seis
pessoas com idade em torno de 40 a 70 anos.
Todos os futuros pajés são acometidos por uma espécie de doença conhecida como
corrente do fundo caracterizada por aborrecimento e descontrole do escolhido, há a
necessidade de se procurara um pajé experiente para detectar o chamado das entidades e
imediatamente começar os trabalhos para tornar o neófito em um pajé reconhecido.
“ A manifestação do dom xamanístico, surgindo através da doença chamada
corrente do fundo, leva a uma situação em que o candidato ao xamanismo se vê conduzido
pelos encantados, a uma aproximação da natureza e, conseqüentemente, a um afastamento da casa e da família,
tendendo a se apartar do convívio social. O tratamento a que será submetido, a partir de uma sugestão de
56
alguém que não pertence a sua família nuclear, permitirá não a sua reintegração ao lar, mas o seu retorno à
sociedade (cultura), o que, no caso dos pajés no exercício de suas funções, resultará em benefício dessa mesma
sociedade (o trabalho na cura de doentes, a caridade).”.
(Maués, 1995: p. 299)
Seguindo a linha de biografia nativa Pai Euclides Menezes Ferreira (2003) tem por
objetivo de explicar alguns elementos que estão presentes no brinquedo de cura (pajelança),
no Maranhão, especificamente em São Luis. Em seu trabalho vem mostrando a presença do
brinquedo nos terreiros de tambor de mina
20
. Sobre a questão do dom Mestres, Pai Euclides
não as esclarece, revela que a necessidade durante o encruzamento o auxílio de um
mestre para afirmar o corpo do discípulo no brinquedo. Segundo o autor o este ritual, é um
dos momentos mais relevantes do ritual iniciático em que o discípulo recebe seu penacho e
Maracá dando continuidade ao brinquedo, que consiste no momento de agregação do
neófito; recebendo suas contas do próprio corpo do Mestre que lhe iniciou.
Seguindo a mesma linha de Pai Euclides, a pajé Zeneida Lima (1998), fala de sua
experiência como pajé que residiu muitos anos na Ilha do Marajó, no município de Soure, a
mesma relata todo o longo processo pelo qual passou até tornar-se pajé, relatando uma
infância difícil em virtude das doenças e perseguições que sofria por parte dos camaradas do
fundo, dando claro indicio de que precisa ser iniciada. Sobre as questões que me proponho a
elucidar a autora lança alguns indícios, primeiramente deixa claro que nessa região do
Maruacá
21
onde começou seu processo de iniciação os pajés eram denominados de Mestre,
fazendo referência ao Mestre que lhe iniciou.
“ Quem me sentou como pajé foi o Mestre Mundico de
Maruacá.Mestre Mundico era filho pajé Mestre Mudesto.
Os dois moravam além de Salvaterra do outro lado do rio
Paracauari. As pessoas que os conheceram são todas
testemunhas em reconhecer a eficiência dos dois.
havia uma diferença entre eles, o Mestre Mundico era
pajé de nascença, tinha trazido o sinal de pajé, isto é, o
20
-de origem maranhense é uma modalidade de culto em que este é praticado ao som de tambores e outros
instrumentos musicais.
21
Pequena localidade que pertence ao Distrito de Condeixa
57
dom do adivinho. Adivinhava quem ia chegar. Sabia
antecipadamente que tipo de tratamento o doente
buscava. E o Mestre Modesto era pajé de simpatia, só
fazia curas.Isto enciumou o pai e os levou à separação
( Lima 1998 , p. 26)
Na memória dos interlocutores a figura do mestre Mudesto é bastante recorrente,
percebe-se toda uma aura mística acerca de seus trabalhos. Apresentou o dom de xamã
durante a infância, sendo lembrado pelos mais velhos seus constantes desaparecimentos em
virtude das viagens que fazia aos encantados, o local em que o mestre se encontrava com as
entidades era o igarapé do maruacá, segundo contam o próprio pajé fez um trabalho muito
forte nas margens do igarapé e assim liberar a passagem de todos nesta área, pois eram
constantemente atacados por uma entidade que guardava o rio. Sua iniciação ocorreu no
próprio fundo, chegando a ficar desaparecido por um período de aproximadamente um mês.
Segundo as informações seu poder vinha exatamente de sua iniciação, tornando-o
uma figura quase que mítica entre as pessoas quer habitam esta região. Mestre Mudesto, não
atendia diretamente as pessoas que lhe procuravam,adivinhava sempre quem estava
chegando e os encaminhava a seus discípulos.
O pajé fazia parte da vida cotidiana das pessoas, seja para desvendar determinados
mistérios, fossem para curar os doentes ou resolver problemas como os relacionados a
assombrações que impediam a passagem das pessoas em alguma área da vila. Em um relato
de uma das poucas pessoas que tiveram contato e conheceram mestre Modesto dona
Altamira, hoje com 75 anos de idade na época uma jovem casada, conta que estava mestre
Modesto em uma mercearia conversando com os seus, pressentiu que alguém estaria
mexendo com seu maracá, contam que as contas do maracá apareceram sobre sua cabeça e
que este as engoliu automaticamente, praticando constantemente seu poder de adivinhação.
Mestre Mundico, era filho de mestre Modesto, começara efetivamente seus
trabalhos após a morte de seu pai que lhe dera todas as informações necessárias acerca do
processo para tornar-se um pajé. Segundo o filho de Mestre Mundico, seu João que
atualmente reside na localidade do Maruacá sendo conhecido como exímio curador seu pai
sempre fora um homem muito calado e pelo que sua mãe e avó contavam a ele também,
58
fazia suas incursões ao fundo para visitar seus camaradas com quem teria aprendido os
segredos da pajelança. Seu processo de iniciação teria ocorrido durante aproximadamente
uns trinta dias em completo isolamento, apenas uma pessoa ficara responsável por lhe levar
alimentos com a completa aprovação das entidades.
Outra história bem emblemática é a do mestre Arruda com aproximadamente 60
anos, contam que desde criança andava a procura de alguém que pudesse resolver seus
problemas, constantemente era alvo das incorporações das entidades, porém toda sua
iniciação fora acompanhada por uma pajé da região, dona Clarice. A através das sessões de
pajelança teria visto que os caruanas haviam se agradado dele e agora lhe cobravam que os
servisse, passaram banhos e fizera todas as recomendações necessárias para que este viesse a
se tornar um xamã. Após um período de reclusão, seguindo as prescrições das entidades
repassadas por dona Clarice, já falecida, tornara-se um pajé.
Outro caso bem emblemático é do jovem Paulo, que atualmente reside em Belém,
possui 38 anos de idade e até a idade de 15 anos vivera em Condeixa. Toda sua infância e
adolescência fora muito sofrida, principalmente pelo fato de ser muito introspectivo e atuar-
se constantemente. Na realidade Paulo, hoje formado em economia, ainda enfrenta uma
serie de dificuldades atribuídas as sua missão de ser pajé que deve ser feita no Marajó.
Constantemente viaja para a região, por dificuldades financeiras não conseguira terminar a
construção de uma casa local de sua iniciação, enquanto esta não ocorre Paulo vive em uma
constante busca por saber quem é, e qual sua missão. Segundo contou as pessoas não o
compreendem apenas Mestre Ji um pajé antigo de Salvaterra lhe confidenciou que ele
precisa sentar a cabeça e se iniciar sozinho, pelo que pude acompanhar esta iniciação
começara ocorrendo de forma lenta em que através de experiências extáticas, como sonhos
ou viagens mesmo que ele acredita fazer tem entrado em contato com algumas entidades de
quem esta recebendo suas cordas.
Em seus relatos, entre as entidades que já recebera e são seus companheiros, citou o
encantado Norato Antonio e o caboclo Pena Verde. Acerca de suas viagens, relata que viaja
ao fundo de um rio onde seu maracá, se todo coberto por escamas azuis mergulhado
nas águas. No entanto relata que apesar de todos esses acontecimentos, estará pronto para
o trabalho quando conseguir completar todo esse processo no Marajó, mais próximo das
águas de onde seu Mestre tira suas energias.
59
O pai de Paulo, segundo os relatos também possui o dom, no entanto é conhecido na
região com o Meuam, segundo relatos seria uma pessoa que em possuindo o dom não o
desenvolvera por completo, não fora iniciado, mas faz suas obrigações para as entidades de
forma “secreta”.
Segundo me contou a esposa do mestre Sergio, que é sua prima legitima, toda a sua
família possui esse dom para ser pajé, fato este que atribui à ascendência indígena de sua
família.
Neste capítulo ficou claro como as categorias de pajés são pensadas em Condeixa,
trazendo a tona suas similaridades dentro do contexto da pajelança cabocla. Heraldo Maués
(1999) havia chamado atenção para essa questão, pois segundo ele não podemos falar em
um modelo único e sim pajelanças e sua especificidades.
Nos estudos das categorias de pajés de Heraldo Maués (1995), o de nascença basta
trazer esse dom desde a mais tenra idade para sejam reconhecido pelo grupo como de
nascença, os de agrado não trazem desde a infância sendo levados a esta pratica por força
das entidades que dessas pessoas se agradaram. E a categoria de Meuam, que outros autores
haviam detectado em suas pesquisas, porem sem um nome especifica. Em Condeixa essa
categoria é bem definida e segundo relatos existem várias pessoas que se enquadram nela.
Ao analisar a sociedade Kamaiurá do Alto-Xingu, Carmem Junqueira (2004), revela
que os pajés atuam guiados pelo sagrado, uma vez que contam com a ajuda dos animais para
fazer a cura, no caso seus espíritos. Neste grupo o pajé é escolhido seja através de um sonho,
revelação ou visão, pesando sobre o escolhido uma forte restrição sexual, fato apontado pela
autora como um dos limitadores de novos xamãs.
A questão do poder dos pajés está relacionada com o poder dos espíritos, alguns
mais poderosos que outros. Helder Farago (2005) estuda o xamanismo e o poder entre os
grupos indígenas de língua Pano, sua pesquisa ocorreu numa região fronteiriça entre o Brasil
e o peru alto do rio Solimões, constituída por 30 mil falantes.
Na realidade, relata o autor a diferença entre curadores e xamãs reside no processo
iniciático, uma vez que o processo de iniciação exige muito do neófito, muitos desistem
virando apenas curadores, que para realizar tal tarefa dependera apenas de si mesmo, não
precisando dialogar com os espíritos.
60
Outro tipo de chamada vocacional, segundo o autor, ocorre quando o individuo é
picado por insetos, este acontecimento visto pelo grupo como um indicio de que o individuo
em questão tornar-se-á curador ou xamã. Durante todo o doloroso processo de iniciação, os
neófitos são supervisionados por um xamã experiente.
Ainda segundo o autor, para estes grupos a transformação do neófito não é apenas
pessoal e sim substancial, passando o novo xamã a ser radicalmente diferente dos seres
humanos.
Entre o grupo Katukina os rezadores possuem atribuições mais modestas, cabendo-
lhes tratar de pequenos desarranjos corporais através de cantos de cura. Apenas os xamãs
podem curar e vingar doenças causadas por feitiços e capacidade de atrair a caça com seus
cantos.
Pedro Alvim Leite Lopes (2001), trata de questões acerca do xamanismo entre os
grupos Araweté, Bororó e Tukano. De maneira geral entre os grupos indígenas
mencionados, não diferenças radicais entre os xamas e os não- xamãs , uma vez que
todos podem tornar inofensivos as doenças e alimentos perigosos.
Entre os tukano as formulas mágicas são apreendidas por todos. Neste se4ntido,
todo homem teria capacidade para o desenvolvimento dos dotes xamânicos e nem todos os
neófitos efetivamente tornam-se xamãs, acabando por exercer uma atividade intermediária a
do xamã.
Não existe sinal nem convocação para o indivíduo vir a tornar-se um xamã, apenas
indícios como os sonhos e a grande capacidade de ingestão de fumo. Na realidade nestes
grupos a transformação em xamã depende muito mais da vontade pessoal.
Entre os Bororos, os dois critérios fundamentais para se tornar um xamã é ter um
parente morto que tenha sido um xamã. A adivinhação de um acontecimento futuro pode ser
interpretada pelo grupo como um indício da escolha.
No contexto da pajelança cabocla, já fora citado obras importantes como de Eduardo
Galvão (1976) e Heraldo Maués (1982) verdadeiros ícones nesses estudos, relatando como
essas categorias de pajés se apresentam nas respectivas áreas de pesquisa Ita e Itapuá.
Benedita Celeste de Moraes Pinto (2004) realiza seu estudo em um povoado rural da região
do Tocantins, em áreas de remanescentes de quilombolas abordando de forma interessante
questões relacionadas à iniciação.
61
Ao se debruçar especificamente sobre a questão do dom, Benedita Celeste percebe a
existência de alguns indícios fundamentais para que no futuro, a pessoa venha a tornar-se
um ser gico, como chorar no ventre da mãe. Tendo como foco central a iniciação a
pajelança em Juruti Aiezer Duarte Filho (2003), relata a não existência do pajé de agrado,
sendo todos de nascença, mesmo os que adquirem o dom tardiamente.
Em Condeixa na realidade é a forma como o individuo é iniciado que o define
enquanto um mestre de simpatia ou de nascença ou sua falta de iniciação passando a ser
visto como um meuam.
No próximo capítulo, procuro entender a iniciação e todo seu processo ritual que
contribuirá para a formação de nova pessoa do pajé.
62
CAPÍTULO 4 : RITUALIZAÇÃO DA INICIAÇÃO DOS MESTRES E MEUANS DA
PAJELANÇA MARAJOARA.
Na literatura antropológica acerca da iniciação dos pajés na Amazônia autores
como Eduardo Galvão (1955/ 1976), Charles Wagley (1957) constataram a existência de
três tipos de pajés, o de nascença e o de agrado, além da existência de um terceiro chamado
de sacaca. Os autores destacam a necessidade da iniciação com o objetivo de domar as
entidades que acompanham o indivíduo, candidato a tornar-se um xamã. Neste sentido,
apenas um outro pajé pode iniciar esse processo em que o neófito aprenderá a lidar com seus
caruanas.
Segundo Maués (1995), é imprescindível ter o dom, trazê-lo consigo desde o ventre
materno ou então cair nas graças dos encantados e ser “escolhido” por eles para ser pajé.
Essa pessoa que traz o dom ou é escolhido tem a capacidade de comunicar-se com o mundo
visível e invisível, com o objetivo de estabelecer uma harmonia na saúde física, mental e
espiritual dos seres humanos com a ajuda dos seres invisíveis.
Para se tornar um Pajé, não basta ter o dom ou ter sido escolhido. É preciso que o
candidato passe por um processo intenso de formação, que se inicia com a descoberta do
dom e que alcança o ápice quando da aceitação do novo pajé pela comunidade. Maués
(1995:241) descreve que o processo de formação dos pajés:
“quer sejam eles de ‘nascença’ ou de ‘agrado’, inclui um padrão bem estabelecido. O
candidato ao xamanismo sofre de uma doença chamada de “corrente do fundo”(...). Quem,
apresenta estes sintomas deve ser levado a um pajé para tratar-se. Acredita-se que uma
pessoa, mesmo possuindo o dom para tornar-se pajé , pode ser perseguido por espíritos e
que, entre os caruanas que o acompanham, nem todos são bons e, portanto , também devem
ser afastados , assim como os espíritos. O pajé que preside o tratamento é chamado de
“mestre “, enquanto o doente é o seu “discípulo”. Este deve acompanhar o mestre em todas
as sessões de cura ou trabalhos por eles presididos, em que outros doentes comparecem
para tratar-se de outros males. Durante o tratamento, o discípulo recebe as prescrições de
vários “remédios”, entre eles, banhos, defumações e vomitórios. Se for considerado que o
63
discípulo possui, de fato, um dom autentico, o tratamento será coroado com uma sessão
especial, onde se fará o ‘encruzamento’ do novo pajé . Trata-se de um ritual bastante
elaborado, durante o qual, como acontece em outros ritos de passagem, o discípulo deve
morrer simbolicamente, pra renascer pajé”.
Maués (1995:242) acrescenta ainda que : “imediatamente após o encruzamento , o
novo pajé estará sujeito a uma reclusão rigorosa , durante sete dias , alimentando-se de
comidas especiais , semelhantes as que são prescritas para as crianças , entre 1 e 2 anos e a
mulheres de parto. Somente a partir daí estará preparado para trabalhar de modo
independente , presidindo suas próprias sessões e tratando de seus próprios doentes.
Em artigo intitulado, “A novilha encantada do lago Guajará: religião e medicina
popular na ilha do Marajó” Heraldo Maués (2006) faz uma releitura da obra Marajó de
Dalcídio Jurandir (1974), dele extraindo os elementos antropológicos e culturais. O artigo
surgiu de uma necessidade de estudos, que abranjam a região do marajó onde os estudos
antropológicos ainda são escassos.
Segundo o autor, a obra de Dalcídio esta povoada por elementos da pajelança
cabocla, universo imerso em encantados e malinezas. Em relação aos pajés, relata a
existência de dois pajés, uma mulher chamada de Nhá Leonardina, aquém Dalcídio chama
de feiticeira, formada no fundo das águas e Mestre Jesuíno.
Em Condeixa, a iniciação é fundamental para classificar o pajé e o meuan como de
nascença ou de simpatia, uma vez que mesmo que apresente todas as características de um
dom de nascença precisa passar por uma iniciação reservada para os pajés de nascença, esta
consiste em uma espécie de iniciação em que nenhum outro pajé pode auxiliar o jovem
neófito, seu tratamento ocorrerá com a ajuda apenas das entidades. No entanto, não se usa o
termo “encruzamento”, já bastante explorado por antropólogos na região do Salgado
22
, na
vila de Condeixa usa-se o termo “endireitar”, uma vez que o estado inicial do neófito é de
extrema desordem, este terá seu equilíbrio estabelecido por um pajé mais experiente ou
pelas próprias entidades.
Mestre Modesto e seu Sérgio são dois pajés considerados pela comunidade como de
nascença, acerca da vida do mestre Modesto, já falecido, repousa uma certa áurea de
22
- Sobre “encruzamento” ver Maués (1995).
64
mistério, as pessoas da Vila falam apenas que o mestre fazia uma rie de viagens ao fundo
do igarapé na estrada do Maruacá, local em que recebeu das mãos do mestre de suas cordas,
Norato Antonio , o maracá para trabalhar e as contas de sua missão que ele teria engolido.
Foi o iniciador na arte da pajelança de vários pajés, possuindo por tal razão vários
discípulos. Na área um outro pajé percebido como de nascença é mestre Sérgio, que possui
uma trajetória bastante interessante, apresentando o dom desde muito pequeno.
isso vem por nascença, eu cumecei com a idade de oito anos, eu sofri sabe,
quando eu tinha 12 anos eu cumecei a trabalhar. O meu mestre é Zé Mineiro, o segundo
dele é José tupinambá, trabalha assim na limpeza assim do corpo, sofrimento rápido quem
trabalha é caboco Pena Verde, caboca Mariana, tudo os trabalho eles tão.
Quer dizer que não parava aqui, sabe!Eu com 6 anos eu me cunvivia mais assim
na praia, eu saia daqui e ia pra praia, passava o dia, chegava as 6 horas da tarde, eu
não tinha fome , não tinha sede , chegava aqui pra mim era maior tristeza, que eu tivesse la
maior alegria pra mim .
Então daí ninguém se cunfurmava com que eu era, ninguém cumpreendia, né!
Naquele tempo as pessoas mais desacreditava que acreditava nas coisas, meu pai pegou eu
assim na outra casa e me passou um dente de alho e via que eu tava ficando triste com a
minha vida, minha alegria era na praia, chegava lá aquelas fulhas vindo na água era
maior alegria.
Quando eu tava triste a banda da noite que eu ia embora porque era longe, chegava
aqui maior a tristeza as pessoas vinha cunversar e eu nem assim, com a pessoa que eu
me dou muito, sabe! Papai pegou folhas de alho e passou na minha mão e por todo meu
corpo, pronto pareceu que aquilo me corre no uma friardade, ai eu fui me cunfurmar
com que eu era.
Eu me batia tudo, me quebrei tudo porque eles num gosta de alho, caboco não gosta
de alho, duas coisa que não se passa é alho e canforina, ai pronto abala com eles , ai
encustaram de vez. Eu tava com 8 anos de idade e passei um ano sofrendo, mas de
sufrimento mesmo, depois disso fiquei cunservado 3 mês numa casa sem ver ninguém, pra
não falar com ninguém, eu me cunvivia só com uma pessoa pra me dar de beber e cumer.
65
Depois disso eu fiquei muito triste, porque é uma coisa que martrata muito. Quando foi um
dia, eu sai pra lá pra praia, quando deu meia-noite certinho, recebi esse meu mestre que é o
Mineiro, ele trabalha na linha de benefício e caridade, é nessa linha que eu trabalho.”
( Mestre Sérgio – 5/07/1998)
Nessa busca por uma explicação pra os problemas que se abatia sobre menino
Sérgio, seu padrinho o levou no pajé mais famoso da Vila, mestre Modesto, que ao se
deparar com o jovem Sérgio disse:
“Olha meu filho, eu não vou fazer trabalho e nem consinto que ninguém faça, ele
vai se endireitar por ele mesmo. Vou passar apenas um banho cheiroso de ervas. O resto é
com ele, vai chegar primeiro os brabo , depois vai amansar e depois vai chegar os manso.
(...) Tinha um, que o irmão do Sérgio sabia, a premera coisa que ele fazia era
uma pedrada com o mucho
23
, não tinha mucho que agüentasse, o nome dele era Balanço de
Cavalo, quando ele baixava a velha mãe do Sérgio tinha até medo. Sua cantoria era assim:
Eu sou balanço, balanço eu sou
Eu ando no jogo do mar.
Meu cavalo é maresia.
Ando no jogo do mar.
Quando esse ai vinha o irmão do Sérgio corria a defumação, esse batia muito
Sérgio nas parede, isso foi só no começo depois foram tudo amansando.”
(Dona Ida- 23/07/2000)
A família do Sérgio sufreu, muito passou um ano sem ter roça fiando pela
taberna dos outro, sem poder trabalhar, um ano, agente fazia farinha e via a casa
fechada. Eles também não dizia o que era, eles escondia, a mãe dele sofria muito, quando
23
- nome dado pelas populações do interior do Pará para designar um banco.
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dava as crise nele, rede não tinha lugar pra rasgar, rasgavo tudo a rede dele. O padrinho e
o tio que procuraram alguém pra endireitar ele, foro no mestre Mudesto. O velho Mudesto
achou graça e disse:’-Uma coisa eu vou dizer pra vocês, o pai dele num acredita, mas o que
eu posso fazer pra vocês é não cunsentir vocês butare ele na mão de ninguém que ele vai se
endireitar por ele mesmo, o que eu posso fazer é ensinar banho cheroso, não fedorento,
banho de ervas cherosas, com rosas esfregadas na água e deixado no sol pra ele tomar
banho’. Até no poço jogaram ele, o irmão dele mais velho não tinha paciência com ele, era
irmão que era servente dos trabalhos dele, falecido, que tinha muita paciência e aturava
muita coisa dele. Quando ele tava no saculejo não deixava ele cair, não deixava ele ir pro
mato caçar.
Tinha uma outra pajé que era muito de nascença , a velha Juliana , disse pra mãe
do Sérgio:’- Olha Martiminiana, não entrega teu filho na mão de ninguém, teu filho é de
nascença. Um dia chegou uma senhora de Belém, disque ela trabalhava né? Sentou pra
conversar, o Sérgio tava trepado na goiabeira, ai a mulher disse: ‘-Me dá teu filho, tu não
vai ter paciência pro que vem ai pela frente, tu não vai aturar o que vem ai pra ele’. Ela
disse não, naquele tempo era tudo abestado, nem perguntaram o que era, né? Por isso
ficou, com o tempo é que ela veio se alembrar, o que a mulher queria dizer.
Eles sofreram muito com ele, pensou na hora do almoço, muitas vezes ia sentar
na mesa pra almoçar , quando dava um negócio nele, largavam o prato. Levaram mais de
ano com ele. Agradeço esse padrinho dele e o tio, depois que ele se endireitou acabou as
perseguições”.
(D. Ida 3/11/07)
Um relato bem interessante é da irmã de Sérgio, que participou e viu tudo, que
acontecera durante o processo de “endireitar”, pelo qual seu irmão passou. Na época ela
contava com 11 anos, D. Nelli, hoje com 73 anos.
No primeiro momento, D. Neli, irmã de Sérgio, comenta acerca de todo o processo
que acabou por trazer à tona, falando da condição de seu irmão como neófito.
67
“ Antes dele trabalhar foi 1 ano e três meses pra ele aceitar essa missão que ele não
aceitava, ele sentia que ele não dava conta.
Logo no começo tudo que ele via ele contava, não pode dizer o que , por isso
que ele custou a se endireitar, ele ia pra uma praia na foz do rio, pra era muito bonito
ele passava das 6 da manhã as seis da tarde dizia que lá ele brincava com uma crianças.
Ele tinha dez anos, era tempo de saber, numa tarde o papai preocupado, neste
dia até se aborreceu, quando foi umas 6 e meia Sérgio vinha chegando, vinha com um
paneiro de bacaba bem satisfeito, pra mesmo ele fazia, nós ficamos até com pena dele, o
papai ralhou com ele, ele chorou. A mamãe falou pro papai:’- Por que tu ralhou com ele?.
E o papai disse: ‘- Me preocupa, todo mundo na vila me conhece, pergunto pelo meu filho o
que foi que tu fizesses quando ele sumiu a responsabilidade é nossa se ele não voltar pra
casa, ele goste ou não goste ele tem que aceitar’. Meu pai pegou um dente de alho quebrou,
papai disse:’- Para saber quem tu és e o que tu fazes, vou fazer isso’. E fez sinal da cruz na
costa dele, ele tombou ai levou 1 ano e três meses de sofrimento ele sofria agente também.
Ai ele se batia, agente não sabia a mamãe ficava triste, o papai não fez roça a mamãe era
lagrimas e dizia que ele ia morrer, o papai não aceitava ele dizia isso é caruana, fuma
isso, aquilo eu não quero aqui em casa isso, chegava a noite ele se batia, depois começou a
se exaltar por que ninguém entendia ele, quando dava as coisas nele tudo ele quebrava,
queria correr se jogava no poço, no igarapé e meus irmão traziam ele, não falavam o que
era batiam ele, duas vezes o papai quis ir embora de casa, quando eles falarem tu não
responde, como eu não vou responder eles vinham de lá ralhar com agente, e eu vou aceitar
sendo pai vou pegar minhas coisas e vou embora. pensando que é como agora que eles
conversam com vocês, com agente era brutal pisavo na gente.”
Após esse momento inicial, relata as horas vivenciadas por Sérgio, como ela mesma
afirma, a extrema violência.
“Depois foi conversando e disse que não era pra dizer pra ninguém, batiam ele de
costa no chão era horrível, muito triste até gilete ele engoliu o papai disse que ia participar
tudo pro comissário que era muita responsabilidade:’- Vamos que ele morra’. Dizia papai.
68
Quando Sérgio ficava bom ele chorava, dizia que ia morrer, a mamãe ficava desesperada
depois começava tudo de novo.
Correram lá pro velho Modesto, ele disse:’- Ele que se vire para lá, dão um banho
nele aquilo é o credo cruz que baixa nele não é nada de disso que dizem’.Aí o papai dizia:
‘ - Num to dizendo que é o credo em cruz que abaixa nele’.
Foram dois que endireitaro ele mestre Mineiro e o Rei José, ai eles disseram: ‘-
Vem sempre a Princesa, mas é preciso um servente que ele vai querer trabalhar’. De uma
vez queriam falar e trabalhar, um disse assim: ’- Ou ele agüenta ou ele espoca’. Ele não
tinha aquelas tracadeiras
24
.’- Pra nós não escangalhar com ele amarro ele com tracadeira,
pode ser de rede, amarro ele que nós dois vamo querer trabalhar, se não vamo espocar ele’.
E agora pra gente aprender fazer aquelas tracadeira , uma mulher fez uma eles não
gostaro, tava muito mole, tinha uma mulher que fazia de tear, a minha missão era entender
tudo que ele queria antes dele falar. Eu ia pra casa da dona Maria, ela me ensinava, eu
tinha 11 anos, papai me ajudou a montar os pau, fiz uma, tinha que ser rápida, pediu num
dia no outra tinha que ta pronto. As meninas quando baixavo nele, não queria usar calça,
queriam vestido, diziam: ‘- Nós não somos homem pra usar calça, vocês fazem uma bata
quando eu baixar vocês me dão para cubrir meus braços e minhas pernas, quero assim um
bordado no peito’. Eles é que distribuam a tarefa, minha irmã não sabia bordar não sabia
quase fazer nada. Quando ele baixou perguntou quem ficou com a tarefa que eu dei, foi a
Maria, pode trazer, ela veio e disse: ‘- Olha como ta bonitinho!’.’ - Ta bonitinho igual a tua
cara, mas credo vocês não sabem nada, nem o bordado de uma roupa’. E ai todo mundo foi
mostrar sua tarefa, eles aprovaram a minha que foi a cinta.’ - Mas sempre olha esse fio
solto aqui, agora tu vai fazer uma assim de linho uma coisa fina, uma coisa que seja
bonitinho mesmo na gente, vocês pensam que agente vai usar parece assim um cipó à toa,
isso se vocês quiserem ele assim , se não a gente leva ele e ele vai usar coisa boa, ele vai
usar tudo que nós queremos’. Ai o papai disse:’ - O que falta? tem as tracadeiras, uma
pra pendurar na parede que é a mestra e a da cintura’.’ - Falta a coral, uma que é toda
feita de ponto bem fechado’. Ai eu fiz, eles disseram: - Essas tão bem, mas sempre tem um
24
- As tracadeiras são as cintas que o pajé deve usar, para se apertar e assim conseguir agüentar as possessões a
que é submetido durante os trabalhos.
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defeito porque vocês fazem as coisas assim, sem sentido, não prestam atenção nas coisas’.
Até aprender a conversar nos aprendemos com eles”.
D. Nelly aponta uma série de situações vivenciadas por uma família simples do
interior, que viviam quase que isoladas em sua pequena propriedade.
Nós pouco íamos na vila, eles diziam vocês precisam saber conversar por que
agora vocês vão ter que cantar, nos tínhamos vergonha, era uma raiva pra eles, jogavam
todos os preparo, eu fui aprender na casa da minha prima por que tinha um caboco que
baixava nela, era o Severino , eu fazia aquele esforço pra aprender para o ouvir, nem
passar vergonha por que aumentava toda vez o número de pessoas, nós cantávamos uma
perto da outra pra uma ajudar outra, eles diziam: - Vocês têm que aprender, porque é
muita responsabilidade, a gente pode até levar ele’.
Agente em casa não cantava nem pra criança dormir, uma hora dessas, 6 horas da
tarde, Sérgio cantava todas as doutrinas, ai acabou aquela raiva, cantava aquele que diz
‘eu vou me embora, vou me embora’, minha prima disse: ‘ - Vai ter uma hora que ele vai ter
uma saída, ele ta quase preparado, ele parou de rolar pelo chão, essa viagem é de sete
meses e vocês têm que deixar ele ir’. Papai disse: - Como é que eu vou deixar, preciso
comunicar a polícia’. Neste dia à tarde ele se preparou bem, começou a cantar e dizia que
ia ali e não demorava,e dizia: - Tem que ser hoje que eu vou fazer essa viagem’. Mamãe
disse: ‘- Tu não vai que tu não vai voltar’. E os dois chorando cercaram ele,pensaram que
depois de 6 horas ele não ia mais. Mas Sérgio [atuado] disse pra eles:”Ele não vai, mas
vocês vão comer uma boa pupunha. ele ia se preparar, ele não ia trabalho pra
vocês. Ninguém ia ver, ele ia parece uma areia, ia ser muito bem tratado’. E a princesa
continuou falando: - Ele vai ficar aqui, mas vocês vão da tudo pra ele, a pena o maracá e
as cintas, antes disso ele tem que fazer uma chamada daquelas grande’. Ai teve um trabalho
grande, deu a mão direita e pegou o maracá e a pena de arara, veio e não veio pra ficar: ‘ -
Nós mesmos vamos tirar’, disseram as entidades, as penas eram amarela, vermelha e
escura, o maracá sumiu e a pena eles mesmos queimaram, o Sérgio sofre por que não fez
essa viagem, vão malinar com ele, no fim ele não vai poder se defender.
70
Ele foi na dona Juliana, ele tava com um problema nas pernas ,eles batiam muito
nele e ele ficava fraco, foi encima de um cavalo, quando chegou próximo o cavalo se
espantou e jogou ele, a mulher bebia, bebia; o cavalo sumiu no campo, papai pensou no
prejuízo que ia ter, ai o caboco falou: - Nós não vamos aceitar a velha Juliana’. A velha
falou: ‘ - Vieram na minha casa por que quiseram’. E os cabocos disseram: ‘ - Essa mulher
não vai ser mestra dele , nós que somos o mestre dele, ninguém vai botar a mão na cabeça
dele, o cavalo ta longe, mas antes de terminar o trabalho ele vai voltar, não se preocupe
velhinho que você não vai pagar’. O cavalo veio e se trançou na laranjeira e ficou lá. -
Pra vocês verem que s não somos tolo, não chame ninguém pra trabalhar pra ele, é de
nascença, o único mestre é o Modesto, essa bebe muito’. Mas no final da vida o Modesto
era comandado pela mulher dele, depois tudo foi feito na casa, nós ajeitamos a casa, ela foi
caiada, teve ajuntamento de gente como eles pediam.
O Sérgio comia junto com agente, mas a comida dele era separada, a dieta dele
era insossa, até ele se equilibrar, podia comer de tudo, a roupa era tudo passada, devia ser
tratado com todo conforto, como tava em princípio passava o dia inteiro com a princesa,
sem beber nem cumer, era a princesa que tomava conta dele, ficava deitado na rede os
olhos dela que mexiam Às 6 horas da tarde ela se despedia, tomavam banho de ervas
cheirosa com perfume.
O mestre botou os caboco dele. O Rei José foi o primeiro, depois veio o Mineiro e
tomou o conta do trabalho, a princesa agora só vem de ano a ano.
Em relação à questão da iniciação de seu Sérgio as pessoas da vila de mais idade
que conversei, todos afirmaram o fato do mesmo ser realmente de nascença, confirmando o
relato dele e de seus familiares, nas falas foi possível perceber através de trabalhos bem
sucedidos de cura, a crença na eficácia do pajé.
Mamãe apareceu com uma doença, uma dor no estômago que nada dava jeito,
mestre Sérgio fez um trabalho pra mim e curou a mamãe, chupou a barriga dela e tirou um
sapo, que uma feiticeira muito perigosa colocou nela, chamada de Esperança”.
(D. Zuleide 3/ 11/07)
71
Entre os pajés que se formaram na vila, é possível destacar seu Didico. Este teve um
incidente em que viu uma mulher muito bonita na rua, a partir desta data começou os
aborrecimentos, passando por um longo tempo a viver em transe, não comia nem bebia,
ficava amarrado em casa para não sair correndo descontrolado pelas ruas e tentar, como
fizera diversas vezes, se jogar no rio. Em sua casa todos viviam em constante vigilância,
levaram ele a um pajé que morava em Salvaterra, João Grossinho este disse que o mesmo
tinha o dom para ser pajé, sendo de nascença. As entidades se manifestaram no trabalho e
disseram que eles mesmos iam endireitar o jovem, que contava na época com 16 anos.
Em virtude de sua família residir no centro da Vila, fora recomendado pelas
entidades que se dirigissem para outra área mais afastada, começando o processo iniciático
propriamente dito, recomendava-se banhos cheirosos duas vezes ao dia, com o intuito de
aproximar as entidades e evitar comer caça e mariscos, apenas peixe poderia ser consumido
durante três meses, recomendaram deixar o rapaz sozinho durante algumas horas por dia
próximo ao rio que nada aconteceria, assim fora feito. Sempre voltava pra casa molhado
dizendo que conversara com os encantados, não revelando nunca o conteúdo da conversa.
Ao fim de seis meses a entidade dirigiu-se aos pais do jovem pedido-lhe que preparasse a
casa para o grande dia e convidasse muitas pessoas. Ao anoitecer o rapaz foi à beira do rio e
de trouxe maracá, penas e a missão que fora introduzida em seu corpo, começando assim
a atuar como pajé tendo como mestre o encantado Cobra Coral, que durante suas aparições
arrastava-se como se fosse realmente uma cobra.
Paulo, que encontra-se em processo de iniciação, destaca que durante sua infância
tinha visões e escutava vozes. Aos 10 começaram aparecer várias doenças, que os médicos
não conseguiam diagnosticar, até que sua mãe o levou a um pajé, que lhe passou banhos,
conseguindo resolver momentaneamente o problema, com o crescimento veio também as
possessões, mais doenças e as visões e viagens extáticas, em que ao dormir o jovem
conseguia perceber em seu corpo a presença de escamas e ao deitar-se, muitas vezes, era
como se instantaneamente mergulhasse em um igarapé e nadasse junto com os
encantados.
Atualmente Paulo encontra-se na fase do tratamento com mestre Jirú, que reside em
Salvaterra. Este lhe proibiu de ingerir durante esse período, que ele não sabe exatamente
quanto tempo vai durar caça e marisco, devendo tomar apenas banhos de ervas cheirosas.
72
Segundo Paulo, o fim desse processo ocorrerá quando estiver isolado em uma casa no meio
da mata durante 15 dias, neste período receberá seus preparos, podendo a partir desse
momento ser considerado um pajé, podendo realizar seus trabalhos.
Seu Sérgio relata outras iniciações que realizou de pessoas que apresentavam o dom
de simpatia e outras que se tornaram meuam, uma espécie de pajé que só trabalha durante os
trabalhos de um outro pajé, a iniciação do meuam é feita no sentido de “endireitar” a pessoa
para que fique livre das perturbações que vive e possa realizar suas obrigações junto as
entidades. O meuam pode ser também de nascença ou de simpatia, as duas categorias
trabalham apenas durante os trabalhos de outros, aproveitando para cumprir suas obrigações.
Na iniciação dos pajés de simpatia, quanto mais novo menos trabalho, quanto mais
velho é necessário mais trabalhos, seu Costa estava com certa idade mais de 20 anos.
Durante o tratamento foi recomendado que tomasse banho de japacani, samambaia e
patchouli durante 90 dias não podendo ingerir jacaré e pirarucu, porque muitos seres
encantados se metamorfoseiam nestes seres. Nos primeiro oito dias o jovem iniciado deve
tomar apenas liquido e mingau de farinha.
Os pajés de simpatia não recebem pena e maracá e não tem mestre da linha, apenas
os pajés de nascença possuem um mestre certo.
A Carlene ia para o rio pescar e os encantados se simpatizaram por ela, ela começou
a passar mal e desmaiar, queria fugir pro rio, ficava perturbada, os pais dela chamaram
mestre Sérgio e este revelou que ela era meuam. Foram quatro trabalhos para endireitar
Carlene, no último foi feito um trabalho só para ela trabalhar para o mestre Sérgio; para que
ele verificasse se ela está trabalhando certo. Os banhos segundo Sérgio, são os mesmos para
todos que vão se preparar como pajé, a variação é apenas no tempo de preparação, onde para
o pajé de nascença o tempo de preparo é maior.
Carlene ela sempre vai nos trabalho dele, ela se atua, ela tem os preparo
dela. Ela é meuam de simpatia, começou aparecer quando ela se atuava na casa dela e
mandava chamar o Sérgio pra ir lá ver , ele fez um trabalho pra domar eles e agora quando
ela vai nos trabalho de Sérgio ela trabalha.”
(D. Ida 27/11/07)
73
“O Sérgio endireitou muita gente, como o seu Costa e a dona Mariazinha, do
Costa pouca coisa lembro, mas dona Mariazinha era madrinha da minha filha Mita,só tem
que a família dela num acreditava, quando ela apareceu com essas pertubação como o
marido dela era cumpadre do Sérgio ele contou pra ele. O Sérgio disse pra ele o que ela
tinha, que precisava trabalhar, que tinha que o marido dela não gostava que ela bebesse e
fumasse, quando baixava os caruanas que pediam bebida e cigarro o marido dela ficava
aborrecido. sei que o Sérgio endireitou ela , ela até andou trabalhando, tem que todos
os trabalho dela ele brigava com o mestre dela. Aonde teve um trabalho, que ele brigou com
o mestre dela , ai ele disse que nunca mais ela ia trabalhar, que nunca mais ela ia fumar que
eles iam levar ela , e levaram! Ela adoeceu, adoeceu e ai levaram ela pra casa do pai dela
no Gurupatuba, ainda fui por duas vezes visitar ela, a madrasta dela era minha madrinha
legítima e me disse: ‘- Então minha filha, essa doença da Mariazinha é incriver, tem dias que
parece que ela não tem nada, vai na sala conta conversa, tem dias que ela fica que Deus
sabe. Desde que ela adoeceu, acompanha ai na goiabeira uma pomba galega’. Esta pomba
galega saiu de quando ela morreu, no dia do enterro dela. Ai eles disseram que que
não acreditavam eles iam levar ela. O mestre dela, eu não lembro o nome dele , mas ele
cantava assim:
Aonde vai meu pombo branco
Escolher penas no ar.
Escolho as penas mais bonitas,
Ver penacho e maracá.
Aonde estava aonde estou, perto do Camará ô,
Moro na ilha dos pombos, aonde senta curador,
Lá senta curador bom, também senta remendão
25
.
(dona Ida 30//11/07)
Sobre os pajés de simpatia seu Sérgio comentou: “Eles tinha os cumeço, eles
estava pegando caboco, fartava encaminhar, que não tinha quem adomace, agente tem
25
- remendão é o pajé de simpatia.
74
que adomar, eu fui fazer uma ação, fui adomar, tem que adomar senão eles vão fazer o que
querem. Tem uns que sabe mais, que é pra poder encaminhar, pra botar no ponto que tende
ser, não ser vacilado na hora de trabalhar.
Quando os caruana se agrada da pessoa ela fica perturbada, fica aquela perturbação na
vida , hoje ta bem amanhã ta ruim, ta tudo desconfiado, ai pode ter uma aproximação ruim,
as vezes quer ser bem e vem com maldade também. É isso que agente tem que fazer tirar os
mal deixar os bom, agora tem gente que invés de endireitar perturba mais. Teve uma
menina, ela é do Aranaí, ela herdou o dom da mãe dela que morreu, ela veio aqui pra
eu endireitar, veio aqui duas vezes. A primeira vez que ela veio o pai e a madrasta não
queria, começou atacar com ela, quando ela veio pela segunda vez eu disse, vocês que
sabem se quiserem eu endireito, mas tem que ta de acordo com a vontade de vocês, não vou
endireitar para trabalhar se vocês não quiserem, ela pegou e disse que vinha neste mês de
novembro.
O Zé Costa era muito perturbado, tinha dia que ele não se entendia propriamente, ai a
mãe dele veio falar comigo, isso depende da família aceitar eu endireito, se forem contra
não adianta. Eu perguntei se ele se responsabilizava pela corrente que ia trabalhar, ele
disse que sim. Olha rapaz, tem duas coisas, agente tira as nossa brincadeira, mas não
nessa hora, ai eu endireitei ele, depois ele foi trabalhar , mas antes disso eu deixo um
caboco pra ficar de vigia daquela pessoa pra saber se ele vai trabalhar direito, sempre eu
tiro José Tupinambá,o chefe do segundo da linha, pra ficar tomando conta dele até eu
entregar todos os preparo dele, que são as cintas quando não as espadas uma verde e uma
vermelha mandada pelos cabocos, ele trabalhava só com caboco de encantaria”.
( Mestre Sérgio 3/11/07)
Nos relatos acerca do processo de iniciação do jovem neófito à pajelança o período
de liminaridade é o mais perigoso e mais importante, pois este momento define o tipo de
pajé que o neófito virá a ser, ou seja, de simpatia ou nascença. Neste sentido, o pajé de
nascença caracteriza-se pela não iniciação formal, diretamente feita por um mestre
experiente que deveria diagnosticar o dom encaminhando todo o tratamento, com o objetivo
75
de “endireitar”
26
, se o pajé realizar todo esse procedimento sem o auxilio de um terceiro é
considerado pelo grupo como de nascença. Esse período é fortemente marcado pelo
sofrimento.
Uma outra questão relevante reside no fato da iniciação feminina ser diferente da
masculina, mesmo sendo de nascença esta precisa do auxílio de um outro pajé, para
“endireitá-la” e a partir de então poderá atuar em seus trabalhos. Um dos interlocutores
relatou a existência de uma pajé chamada Juliana, considerada de nascença, mas que era
discípula de mestre Modesto, que por sua vez possuía também como discípula D. Antônia,
considerada de nascença, que estava em tratamento com o mestre. Mestre Sérgio relata o
caso de uma moça que recentemente lhe procurou para começar todo o processo de
iniciação, ressaltando o pajé que a mesma herdara o dom de sua mãe, sendo considerada de
nascença. Essa é outra questão relevante, visto que elencado os pajés existentes na vila de
Condeixa, foi possível perceber que uma das condições para se tornar um pajé de nascença é
herdar de seus pais e assim sendo perpetuado hereditariamente.
Para a análise dos rituais de iniciação, o autor Van Gennep (1978), é de extrema
relevância uma vez que este compreende que a existência humana é marcada por uma série
de rituais de passagem, que eventualmente acompanha toda a vida do sujeito. O autor
trabalha com a idéia de que o ritual é um drama fixo e fortemente articulado a uma estrutura
social simbólica. Os ritos de passagem dividem-se em três etapas: separação ou
liminaridade, geralmente a fase mais importante do rito e a agregação do indivíduo ao seu
grupo. Segundo o autor, durante a limiaridade os indivíduos escapam a qualquer sistema de
classificação , vivendo na ambigüidade. Este momento representa a morte ritual do neófito e
a destruição de sua antiga condição e a construção de um novo sujeito, não possuindo o
sujeito liminar um papel definido, passado a ter um comportamento humilde e passivo.
O estado intermediário da iniciação é fortemente marcado por um caráter
pedagógico, já que o neófito precisa ter conhecimento de sua prática para poder exercer sua
atividade de cura. Ao término do ritual de passagem, entendido como um sistema simbólico
e de comunicação culturalmente definido, que possibilita a construção de visões do mudo,
emerge uma nova pessoa. A partir da iniciação, a pessoa se difere no meio social, pois passa
26
- através da iniciação permitir que o pajé consiga restabelecer seu equilíbrio passando a dominar as
entidades.
76
a possuir e manipular peculiaridades próprias do sobrenatural, do mágico, do sagrado, e
desta forma é reconhecido diante dos seus.
Durante o processo de agregação ou communitas o pajé, passa a possuir o seu
estatuto na hierarquia, elemento fundamental que irá nortear toda a sua prática de xamã.
Neste sentido,como fora dito por Lévi-Strauss ( 2003), a eficácia e aceitação
deste individuo como pajé no grupo, faz-se, primeiramente, pelo sofrimento que vivenciou
durante toda sua preparação, depois a pratica, ou seja, no seu cotidiano e interação com seu
grupo é que será possível perceber o grau de aceitabilidade e confiança das pessoas no
Xamã.
Eduardo Galvão (1955), fala acerca da importância da iniciação que começaria
com o diagnóstico e posterior tratamento, que segundo o autor, em caso da não ocorrência
do tratamento, o neófito poderá ser levado a morte. O autor não faz referência a
especificidades na questão do feminino. Segundo Benedita Celeste (2004), a concepção de
mundo que marca a região Amazônica são as misturas de crenças, existindo seres que
acabam por transitar entre o humano e o sobrenatural, essas concepções religiosas acabam
por moldar o universo simbólico desta região.
Para se proteger de seres encantados, que podem causar as mais variadas formas de
sofrimento, recorre-se com freqüência a pessoas que possuem o dom de dialogar com os
mesmos, podendo por essa razão cura-los de seus males. Esses seres mágicos, todavia,
possuem qualidades específicas, sendo orientados para exercer suas funções por entidades
sobrenaturais.
Para a autora, na região do Baixo Tocantins, lócus de sua pesquisa, todos trazem
o dom desde o nascimento, contudo podem passar grandes parte de suas vidas sem saber. O
primeiro diagnostico é feito por um membro da própria família, que através da observação
percebe o comportamento visto diferente e fora dos padrões de normalidade do grupo.
Trazer o dom é fundamental para se tornar um elemento mágico, chorar no ventre
da mãe é considerado um forte indício do dom xamânico, este é percebido por pessoas
com sensibilidade mediúnica. No entanto a migração de um mundo a outro, é possível
mediante um processo de apuração do dom que ocorre durante a iniciação.
O dom para tornar-se um curador não é exclusividade do individuo que chora ainda
no ventre da mãe, é possível aprender o ofício através de sonhos e visões. Muitas vezes a
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partir da primeira cura, o próprio indivíduo toma conhecimento de seu dom, porém apenas
após a iniciação, seus saberes tornam-se conhecidos dentro do grupo.
Existem alguns sinais que caracterizam a presença dos sinais do dom, como choro
ainda no ventre materno, sonhos premonitórios, visões, neurastenias ou uma doença
denominada de “corrente do mato ou do fundo”. A tomada de consciência do dom, na
maioria das vezes é apreendida pelo neófito e por sua família de forma negativa. Com a
iniciação ocorre uma grande transformação no cotidiano do neófito, se este não for
efetivamente iniciado, o mesmo sofrerá uma rie de punições impostas pelas entidades
como o aparecimento de doenças que não podem ser explicadas pela medicina.
Os trabalhos dos curadores são realizados através das incorporações ou transe, o
médium passa a ser uma ave ou cavalo para as entidades. Os encantados, nas sessões, são
identificados por expressões fisionômicas e pela doutrina cantada nos trabalhos. Os Santos
são invocados no trabalho, porém não incorporam nos pajés, nos rituais dirigidos aos santos,
os guias estão ausentes.
Contudo, não se pode generalizar a descoberta do dom associado-a sempre a
primeira cura, muitas vezes a descoberta do dom esta associada a dor e ao sofrimento que as
entidades impõem ao neófito, passando as entidades a fazer parte do cotidiano dos
candidatos a pajé. O comportamento do candidato a xamã é geralmente estranho , fugindo
do controle. Acerca do tratamento iniciático do neófito, Benedita Celeste (2004: 206) revela:
O tratamento presidido por um “experiente” já de fama, consiste num longo
processo de preparação a base de seções de benzeção diária, defumação com cigarro ou
“porronca de tabaco mole” e resinas, como do breu branco e da copaíba; banhos de folhas,
cascas e raízes de plantas, como vindicá, pau de angola, mucuracaá, folha de cio titica,
sumo de buiçú, folha ou raízes de borboleta, no intuito de abrandar os espíritos e caruanas
nas suas investidas e incorporações descontroladas.
Durante o tratamento de iniciação ou desenvolvimento do dom, a vida
cotidiana da pessoa passa por etapas caracterizadas por conflitos, ausências, sonhos,
desmaios, atuações ou incorporações. “Suas ausências se configuram em passeios
misteriosos por lugares supostamente de ordem espiritual”.
Durante a iniciação, o mundo sobrenatural aos poucos vai sendo descoberto pelo
iniciado, através de sonhos e desmaios, momento em que as entidades lhes repassam o
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conhecimento necessário para tornar-se um bom curador. Esse aprendizado inclui a forma
correta de curar. Além dos segredos das ervas curativas, aprende a dialogar com os guias e
com os encantados. Segundo Benedita Celeste (2004:220):
“O ponto alto da iniciação ou desenvolvimento do dom, culmina com a
realização de uma bancada ou trabalho. Uma seção de pajelança, através da qual, a
possuidora de dom tem a possibilidade de estabelecer contatos e acordos com as entidades
sobrenaturais. Durante esta bancada, aqueles que não obtiveram a devida aceitação são
afastados, principalmente, encantados e espíritos considerados inferiores.”
Existem diferenças no tratamento iniciático, para alguns o tratamento é mais longo
com reclusão de 7 a 15 dias incomunicáveis e em jejum. Após o término do processo de
iniciação relata Benedita Celeste, que por certo período de tempo o jovem curador o
realiza trabalhos sozinho, os rituais são de responsabilidade do iniciador, após este período,
o jovem curador passa a cumprir suas obrigações.
Uma outra questão apresentada pela autora é a do desencantamento dos curadores,
este identificado como a perda do dom, podendo ocorrer por “malineza” e ciúme de outro
curador ou pela idade avançada. No caso da malineza é possível a retomada do dom após
um longo tratamento. Sobre o desancamento por idade Benedita Celeste (2004:220), revela:
“No desencantamento por idade os guias vão se afastando aos poucos da
pessoa. Durante uma sessão de pajelança a pessoa sente fraqueza generalizada, demora
mais tempo para repor as forças, os guias vãos se afastando aos poucos até o
desencantamento total. Afinal é o momento do desencantamento do dom, os guias o
abandonaram, enfim, a missão designada por Deus foi cumprida.”
Sobre a iniciação de um pajé de simpatia o caso de dona Maria é interessante, ela
fora iniciada pelo mestre Sérgio, Mariazinha foi a personagem principal de um conflito
muito intenso em relação ao desenvolvimento de seu dom. O diagnóstico do dom, fora
possível pelo fato de seu Sérgio possuir uma relação de compadrio com Mariazinha e seu
marido, que eram padrinhos da filha mais velha de Sérgio. Em convívio com a moça, Sérgio
percebeu o dom e ofereceu-se para auxiliar no tratamento. No entanto, seu marido apesar de
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ter consentido o desenvolvimento do trabalho de iniciação, não aceitava que durante as
sessões de seus trabalhos que bebesse e fumasse de forma copiosa, passando a discutir com
as entidades que sinalizaram para a possibilidade da moça nunca mais trabalhar, nem fumar
ou beber.
A pajé Mariazinha adoeceu, retornou para a casa de seu pai , local em que veio a
falecer. No tocante a iniciação do Meuam este é iniciado, porém seus trabalhos são
realizados no trabalho que possui como chefe outro pajé, instituído como de nascença ou de
simpatia, considerados fortes. A iniciação do meuam possui os mesmo elementos da
iniciação do pajé de simpatia , mesmo que ele seja um meuam de nascença, momentos em
que são passadas prescrições de banhos, dietas alimentares na tentativa de domar as
entidades.
O meuam em sua iniciação, não recebe os preparos usados pelo pajé ao longo de sua
trajetória, como o maracá, espadas e a cinta. Para realizar suas curas utiliza os preparos do
pajé dono do trabalho, o meuam uma linha de entidades com a qual trabalha com o intuito
de fazer suas obrigações e curar as pessoas. Durante os trabalhos fuma cigarro tauari,
recebe as entidades reconhecidas pelas doutrinas que canta.
O meuam de nascença traz o dom na infância e o de simpatia apresenta o dom
tardiamente, na iniciação o pajé pode tirar o dom, preparando o neófito apenas para cumprir
algumas obrigações, dessa forma não será punido pelas entidades.
Alguns pontos comuns da iniciação do pajé de nascença, como a questão do
sofrimento que marca o primeiro momento, após a descoberta do dom; em Condeixa
chamado de princípio e marcado pela rebeldia das entidades e pela total falta de
comunicação entre a família e as mesmas, ocasionando um maior sofrimento para o neófito,
precisando procurar alguém que diagnostique o problema para dar inicio ao tratamento.
No caso dos de nascença esse diagnóstico é dado pelas próprias entidades que
passam a se apossar do corpo do neófito em períodos muito longos, passando a diagnosticar
e passar o tratamento. Após o inicio do tratamento, começa o segundo momento que é o
aprendizado das técnicas de cura feita no fundo, as entidades levam o neófito para o encante,
cidades que habitam, de apenas retornando ao final do tratamento de posse dos
instrumentos, com que trabalhará.
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A iniciação do pajé de simpatia ocorre a partir do momento em que o neófito, é
diagnosticado como possuidor do dom para ser pajé. Todos os sinais que caracterizam a
presença do dom, como sonhos premonitórios, aborrecimentos e ataques descontrolados
fazem parte de um ritual, que permitem com a manifestação do dom, que repousa em
dormência, até que surja o momento de uma necessidade concreta em que emergirá. Para tal
é preciso a intervenção de um pajé experiente que durante certo tempo acompanhará os
trabalhos do jovem pajé, até que este esteja apto para realizá-los sem sua companhia,
momento em que receberá os seus preparos como a cinta e maracá.
O não cumprimento da iniciação e posterior desenvolvimento do dom trás como
conseqüência, segundo relatos muitas pessoa foram punidas em Condeixa por não
assumirem seu dom, doenças ou atraso em suas atividades de sobrevivência. Na realidade
todo esse processo iniciático culmina com a emergência de uma nova pessoa que ao mesmo
tempo é múltiplo e uno.
Entre as categorias teóricas de fundamental importância para o entendimento das
questões propostas neste estudo podemos citar a noção de “pessoa”. Roberto Cardoso de
Oliveira (2002) em estudo acerca de tal temática em primeiro momento procura distinguir
entre as categorias “EU” e “PESSOA”, em seu entendimento o eu revela a essência do ser
humano ao passo que a noção de pessoa é um termo carregado de sentido cultural, seria o
individuo socializado. Entre os questionamentos levantados pelo autor, está a questão acerca
de como o eu pode ser vários e ainda assim manter - se uno , na realidade sua discussão
possui como questão principal a discussão acerca da integridade do eu, este por sua vez
podendo assumir várias identidades, esta situação é possível pela capacidade do eu em
manejar identidades.
Em reflexão acerca da temática o autor fala da multiplicidade de estudos
antropológicos sobre identidade, no entanto todos silenciando o “eu”. O autor na realidade
faz uma longa viagem pela literatura antropológica analisando os estudos que tratam desta
questão, chegando a conclusão de que para melhor compreender tal questão é preciso fazer
uma conexão entre o eu e as identidades , elencando de forma esclarecedora o caminho
metodológico para melhor compreender tal questão. No primeiro momento é preciso
distinguir os conceitos de forma analítica, no segundo momento é preciso examiná-lo no
contexto etnográfico e para concluir levar tais reflexos para o mundo da moral.
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Para se realizar tal estudo, o autor fala da necessidade de se recorrer a
interdisciplinaridade, uma vez que tal questão é foco dos estudos da psicologia. Para que tal
questão seja percebida no campo antropológico a noção de “eu” precisa ser entendido como
universo humano , ou seja como cultura .
Na realidade o eu para o autor possui um caráter reflexivo, em que a manipulação de
identidades é a capacidade de expressar determinada identidade em algumas situações, em
conformidade com diferentes interlocutores ou no cenário em que se situa em que as
identidades podem ser renunciadas de acordo com as circunstancias. Todas essas questões
estão relacionadas, segundo Roberto Cardoso de Oliveira, com a questão da liberdade que o
indivíduo possui pra fazer uso de tais identidades.
4.1- HIERARQUIA E ATRIBUIÇÕES DOS MESTRES E MEUANS NA PAJELANÇA
MARAJOARA.
As hierarquias, e por conseqüência as atribuições dos pajés, são ditadas a partir do
dom que possuem, apesar de nos relatos no primeiro momento haver uma suposta igualdade
entre os gêneros, é aprofundar a discussão para que essa diferença fique explicita. No
caso dos pajés de nascença é permitido que endireitem outros candidatos a pajé, no entanto,
na pesquisa ficou claro que apenas os homens iniciam tanto homens quanto mulheres, apesar
de afirmar que as mulheres pajés de nascença podem também endireitar não encontrei um
único caso em que esse fato tenha ocorrido.
Existe apenas um pajé de simpatia, que foi iniciado por uma mulher, D. Joana. Este
não é visto exatamente como pajé e sim como pai de santo, fato atribuído ao uso do tambor
em seus rituais.
No quadro abaixo fica bem claro, a relação estabelecida entre o sexos em que a
mulher não inicia pajé de nascença apenas de simpatia e quando assim o faz este não possui
muita credibilidade junto a comunidade, em todos os casos de mulheres pajés seus
iniciadores foram homens, independente de sua categoria. No caso das de simpatia é
possível, se a família permitir, a retirada do dom. No caso da nascença isso não é possível,
precisando-se, realmente, passar por um ritual iniciático.
82
Acerca do poder dos pajés, reside uma maior credibilidade no pajé de nascença que
traz o dom do ventre de sua mãe. Como indício, a criança chora ainda no ventre, indicando
assim sua missão ao nascer. Os trabalhos de mulheres nos relatos, eram bem freqüentados,
possuindo algumas características que marcariam um bom pajé como no caso da
adivinhação, todas de nascença apontadas com tal dom. Embora, todos apontem que a
mulher possui restrições para o exercício da prática xamânica pelo fato de não estar a todo
momento disponível, já que seu corpo fica enfraquecido todo mês por conta do ciclo
menstrual, porém a menopausa também não é apontada como um momento em que a pajé
fique mais forte.
Apesar de relatos, em campo, apontarem a presença de homens e mulheres meuans,
identifiquei atuando como meuam, apenas mulheres. Apesar dos interlocutores identificarem
homens meuans, observaram que suas obrigações eram restritas ao seu ambiente doméstico.
as meuans, não podem iniciar ninguém, não podem trabalhar sozinhas, pois não
possuem força para suportar o poder das entidades precisando do auxilio masculino. Em
Condeixa os pajés reconhecidos como grandes especialistas na arte da cura são mestre
Modesto, mestre Sérgio e mestre Didico, que permeiam a memória de um passado e
presente em que ao recorrer ao médico sem resultado apenas o pajé pode resolver seus
problemas, todos de alguma forma têm algum caso para contar de cura em que foram
ajudados pelos grandes mestres, apesar de existirem mulheres que trabalham estas não são
muito requisitadas.
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PAJÉ CATEGORIA INICIADOR
MODESTO ٭
NASCENÇA
MESTRE NORATO
ANTONIO
JULIANA ٭
NASCENÇA
MESTRE MODESTO
ANTÔNIA FRANCO ٭
NASCENÇA
MESTRE MODESTO
SÉRGIO
NASCENÇA
MESTRE MINEIRO
REI JOSÉ
PRINCESA FLORA
D. MARIAZINHA ٭ NASCENÇA MESTRE SÉRGIO
D. JOANA ٭ SIMPATIA MESTRE SÉRGIO
ZÉ COSTA ٭ SIMPATIA MESTRE SÉRGIO
ARRUDA SIMPATIA ARRUDA
DIDICO NASCENÇA AS ENTIDADES
CARLENE MEUAN NASCENÇA SÉRGIO
MUNDICO ٭ SIMPATIA MESTRE MODESTO
D. EMILIA SIMPATIA MESTRE SÉRGIO
D. OSCARINA
SIMPATIA
MESTRE SÉRGIO
* Já falecidos.
84
5- A MULHER NO CONTEXTO DA PAJELANÇA EM CONDEIXA.
Na literatura antropológica existem poucos trabalhos que discutem a questão da
mulher xamã, na região amazônica prevalece a idéia do xamanismo ser exercido
essencialmente pela figura masculina. As mulheres neste contexto seriam xamãs de segunda
ordem, outra idéia recorrente acerca dessa questão repousa no fato da mulher ser percebida
como tal apenas a partir da menopausa. As xamãs são pouco reconhecidas ou omitidas. Em
estudo sobre a questão do xamanismo feminino a autora Anne-Marie Colpron (2005) possue
como centro de sua pesquisa o grupo indígena da Amazônia peruana shipibo-conibo. As
dicotomias entre os gêneros nessa sociedade estariam pautadas principalmente no biológico.
Nos estudos realizados sobre tais questões, a mulher teria uma natureza doméstica e
submissa, neste sentido a mulher estaria excluída das funções sociais com mais prestigio,
como o xamanismo. A tradição teórica reduz a mulher a um mero papel reprodutivo, as
mulheres seriam valorizadas ao tornarem-se mães e os homens xamãs.
Na realidade dentro desta tradição, a mulher teria uma barreira que lhe impedia de
assumir tais funções, apenas o homem possui a capacidade de ultrapassar suas barreiras
corporais.
Segundo a autora nessa sociedade indígena as mulheres conseguem conciliar o papel
maternal com as funções xamanísticas, algumas desde jovens começam seu aprendizado,
outras apenas após a menopausa. Assim, seu aprendizado vem do ensinamento de outros
mestres, salienta a autora que a maior parte delas fora guiada por um mestre masculino.
Entre os shipibo-conibo acredita-se ser possível moldar comportamentos, gostos e
hábitos a partir de cantos e infusão de ervas, através das quais as mulheres superam sua
condição de mal-cheirosas durante o período menstrual e durante o pós-parto. No entanto, a
autora ressalta o caso de uma xamã considerada como feiticeira, pois sobre ela repousa a
acusação de ser a culpada pelo falecimento de todos os seus filhos, a autora conclui seu
artigo chamando atenção para a possibilidade de detectar na vastíssima região amazônica,
outras situações em que a mulher possa, de alguma forma, exercer o dom xamânico, uma
vez que ainda as informações acerca de tais práticas são muito escassas.
85
Para analisar a questão da participação dos gênero feminino na religião, o trabalho
de Patrícia Birmam (1995) é fundamental, pois ao analisar a questão do gênero nos terreiros
de umbanda e candomblé , a autora apreende como construímos os lugares dos gêneros
nestes cultos religiosos, fato este diretamente relacionado com a maneira que os gêneros são
afetados pela possessão.
A autora mostra que o conservadorismo é um dos princípios que permeia a
personalidade das mães-de-santo. Segundo Patrícia Birmam, existe uma clara diferença
entre os terreiros dirigidos por homens e mulheres. Nos terreiros dirigidos por homens,
existe uma abertura maior, incluindo em festas e demais rituais, um número considerável de
pessoas estranhas a casa. Nos terreiros dirigidos pelas mulheres, percebe-se uma
preocupação maior em evitar o contato com o mundo exterior, havendo uma maior
valorização da casa. Neste sentido fica claro a dicotomia das relações entre os gêneros, em
que a mundanidade é identificada com figura masculina e a moralidade com a face feminina.
Segundo a autora, as mulheres, nos terreiros em relação as entidades, possuem
muito mais um caráter de resignação, submissão e humilhação. Nos terreiros, uma clara
divisão sexual do trabalho, refletindo a ordem da sociedade mais ampla, nesta divisão é
atribuído ao homem o espaço da rua e por conseqüência a esfera do público, ficando a
mulher relegada ao privado e doméstico. As obrigações das mulheres nos terreiros passam a
ser, uma extensão da esfera doméstica, segundo a autora até mesmo as entidades que
incorporam nas mulheres, são as entidades relacionadas à esfera doméstica, como as pretas
velhas.
Em “Trabalhadeiras” e “Camarados”, Angélica Motta-Maués (1993) fala acerca do
papel da mulher em uma comunidade de pescadores conhecida como Itapuá, que pertence ao
município de Vigia, nordeste do estado do Pará. Em suas análises, a autora mostra como
essa comunidade percebe o papel que a mulher desempenha na sociedade e o quanto este
suposto lugar feminino está intimamente relacionado a fisiologia e do ciclo biológico da
mulher.
A autora verifica, a existência de áreas definidas como de domínio feminino e
masculino. A aceitação da mulher no universo masculino, é sempre dentro de um contexto
de submissão. Na esfera da religião, do ritual e do poder o homem geralmente se destaca.
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No tocante ao xamanismo a mulher possui um caráter de passividade como
ajudante, doente ou assistente nos rituais, cabendo ao homem o papel ativo. Na comunidade
de Itapuá, a mulher é desestimulada a exercer o papel de xamã, sendo alvo de pressões
sociais, são levadas a desistir de seus objetivos. Segundo Motta-Maués (1993), caso a
mulher insista em assumir uma posição hegemônica no xamanismo, é sempre ligada ao lado
negativo, passa a ser vista como feiticeira que na área pesquisada pela autora recebe a
denominação de matinta perera, espécie de bruxa que possui poder sobrenatural e o utiliza
para fazer malefícios.
A mulher para ser aceita na comunidade, como pajé, deve se hominizar , ou seja,
entrou no período da menopausa tornando-se “homem”, podendo assim ser aceita no
domínio considerado masculino. Neste sentido, muito resumidamente podemos perceber que
ocorre uma divisão na esfera religiosa, onde o papel mais importante cabe ao homem. No
campo da prática religiosa católica a mulher possui um raio de atuação maior, uma vez que
nas comunidades amazônicas em virtude da ausência de clérigos as práticas religiosas
ficavam sob a responsabilidade das mulheres dessas comunidades.
“O tipo de atuação da mulher e do homem na
esfera religiosa está vinculada também, em
termos amplos, aquelas que ambos
desenvolvem na esfera econômica, em que
o homem controla a atividade lucrativa por
excelência (a pesca ) e a mulher atua na que
é concebida como não lucrativa (agricultura)
embora não exerça um controle sobre ela.
Além disso, tanto numa como noutra esfera
as atribuições do homem e da mulher se
enquadram em uma outra dimensão que
estabelece entre o público e o privado e
atividade rotineira e não-rotineira.”
(Motta-Maués, 1993:93)
87
Segundo a autora, o setor religioso seria uma extensão das atividades domésticas
femininas, como limpeza e ornamentação. O homem, dentro deste contexto, atuaria como
dirigente de grupos religiosos. No que concerne aos rituais xamanisticos, a autora comenta
que o xamã é o elemento de ligação entre as pessoas e o sobrenatural, revelando sua grande
importância.
Apesar de existirem na região mulheres que apresentam o sinal do dom xamanístico,
nenhuma chega a exercer tal função. As mulheres que são ativas, são ligadas ao lado
negativo. Em Itapuá existe uma pajé, que não é nativa da região, mas que também não é
aceita no grupo, sendo alvo de retaliações por parte de alguns membros da comunidade em
um fenômeno chamado de anarquia.
“Eles gritam, assobiam, imitando uma Matinta
perera e alguns chegam a entra na casa,
fingindo-se presas de espíritos ou
caruanas”
(Motta-Maués, 1993:96)
O homem quando atua no xamanismo estabelece a ordem, no caso da mulher
instala-se a desordem, no plano simbólico ela passa a ser acusada de feitiçaria, o homem
quando se atua como pajé nunca é visto como feiticeiro.
Durante os ataques xamanístico as mulheres quebram a ordem, sendo o centro das
atenções, quando esta assume um papel social que não lhe é reservado é alvo de uma série
de pressões sociais, uma vez que dentro do contexto xamânico lhe é atribuído um papel de
passividade.
Acerca da ocorrência do dom, revela a autora que de uma maneia geral ocorre no
período da puberdade, o homem geralmente se desenvolve plenamente, geralmente a mulher
é estimulada a abortar o dom. No entanto, entre as mulheres o dom apresenta-se sempre de
maneira violenta e espetacular. Para que a mulher possa atuar no campo xamanístico sem
restrições é preciso atender a certas condições: está no período da menopausa, exercendo um
papel masculino, no caso da ausência ou doença de seu marido, exercer a condição de
provedora de sua família.
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No contexto do simbólico, a mulher é percebida em Itapuá como um mero
repositório para os homens, tem a função de gestar assim como a terra. O homem tem um
papel preponderante e sua parceira possui um papel secundário, no contexto familiar o pai é
a figura mais privilegiada, a mulher e os filhos possuem um papel de inferioridade e
dependência. A autora, chama atenção para o fato de que a ideologia não pode ser
dissociada da realidade social.
Em estudo realizado no município de Colares, Gisela Villacorta (2000) fala sobre a
presença da mulher na pajelança cabocla. Em estudo a autora constata que de uma maneira
geral na literatura antropológica na Amazônia, a pajelança é de domínio masculino, em
Colares as que insistem são vistas como matintas. Seu estudo tem como foco central um
estudo de caso de uma mulher conhecida como D. Maria Rosa que se estabelece no
município como pajé, mas que segue a regra de não ser do lugar.
Ao analisar a possessão feminina, em cultos periféricos na África, Lewis (1977)
percebe, nesse momento, a possibilidade de se contrapor a dominação hegemônica
masculina, sendo percebida pelo autor como uma estratégia. Em se tratando das mulheres
que se dedicam a práticas mágicas, estas são identificadas com a matinta, feiticeira
amazônica que carrega um fado e tem o dom de se metamorfosear em ave.
Segundo a autora, em Colares, mulheres que de alguma forma transgridem as regras
morais são também percebidas como matintas, mulheres pajés e inclusive as que traem seus
companheiros.
Em estudo recente sobre a cura no município de São Caetano de Odivelas, Raida
Trindade (2007) verificou que o fato de ser mulher não se configura como um problema de
aceitação no campo das práticas xamânicas, e que a concepção de Matintaperera não tem o
mesmo significado de Itapuá e Colares, relacionando a prática do xamanismo.
Durante a pesquisa em Condeixa um fato que percebi, foi que as mulheres são
sempre reconhecidas pelo nome do marido como a Ida do Sérgio, a Maria do Antonio Pedro.
Apesar de num primeiro momento as mulheres com que dialoguei tentarem igualar-se aos
homens, pelo menos no discurso. Na atividade econômica as mulheres trabalham lado a lado
com seus maridos, uma vez que a principal atividade econômica são as roças de mandioca e
de abacaxi. No entanto, a mulher é percebida como perigosa durante o período menstrual e
no puerpério em que ela precisa se afastar das atividades produtivas, não pelo fato de
89
empanemar as pessoas que a cercam, mas sim por estar desprotegida durante estes
momentos, ocorrendo casos de mulheres que engravidaram de bichos, como se seus corpos
ficassem abertos e sem proteção, fato que as enfraquece. Foram relatados casos de mulheres
que engravidaram, e que ao consultarem um especialista pajé, fora receitado remédios para
que purgassem o bicho em um dos casos eram muitas lacraias e em outro era um peixe que
saiu ainda vivo das entranhas da mulher, que tinha ido pescar neste período.
No tocante ao xamanismo, as mulheres que já atuam nessa prática, não eram
percebidas como Matintaperera pois na vila existe bem definido as pessoas que se geram e
as feiticeiras. Apenas em um caso é relatado em que uma mulher pajé que era acusada de se
gerar em uma porca, que fora descoberta por mestre Modesto. Ao estar passando mal foi
levada ao pajé que detectou se tratar de alguém que fora atingida no momento em que estava
gerada. Acerca da matintaperera as mulheres acusadas de carregar este fado, não tem
qualquer relação com o xamanismo, inclusive atualmente uma dessas mulheres é a esposa de
um pastor da Igreja Assembléia de Deus. Outra questão é o fator de ser identificado homem
matinta, não sendo exclusivamente do domínio feminino, sobre tal questão Eduardo Galvão
(1955) chamava atenção para o fato de que em Ifora relatado a presença de homens
como matintaperera, porém tais informações ficaram apenas a nível de relatos, uma vez que
o autor não conseguiu identificar nenhum homem que apresentasse tal comportamento.
Durante as conversas com algumas mulheres da vila pude perceber uma construção
muito interessante acerca das matintas. No caso especifico dessa jovem esposa do pastor,
conta-se que uma de suas filhas morreu durante o vôo, a matinta quando está amamentando
nunca abandona seus filhos, levando-os durante o mesmo. Em um desses vôos a criança caiu
vindo a falecer, mas vale ressaltar que em relação à feitiçaria nos relatos fora recorrente
apenas a figura de mulheres como praticantes e recebedoras do dom para ser feiticeira. Na
memória local é muito recorrente, em todos os relatos, o nome de duas mulheres,
consideradas feiticeiras perigosíssimas D. Esperança e D. Constancia, as duas falecidas.
Nos relatos as pessoas revelaram como as duas agiam, e os casos em que estiveram
envolvidas. Todos demonstram temer muito a sua memória, no caso de D. Esperança conta-
se que ao falecer fora colocada no caixão, e que horas depois viveu, e dois dias depois
falecera novamente, esse fato é apontado por todos como um sinal das maldades que fazia,
tendo muito sofrimento antes de morrer.
90
A respeito da pajelança na região, percebi que existe uma diferença clara entre
homens e mulheres xamãs que, a diferença começa na iniciação, pois mesmo a mulher sendo
de nascença sua iniciação precisa ser acompanhada por um homem, ou seja, precisa de um
pajé para lhe endireitar não pode se endireita sozinha, como no caso dos homens que são
reconhecidos como de nascença quando se preparam junto as entidades.
Atualmente em Condeixa, não existe nenhuma mulher que atue e seja reconhecida
como pajé de nascença, as pajés, na memória dos condeixenses, de nascença eram D.
Juliana, D. Antonia Franco, D. Oscarina e D. Emilia, as três primeiras falecidas a última
vive em Belém se convertendo ao pentecostalismo, todas eram discípulas de mestre
Modesto, ele as endireitou para trabalhar. Atualmente existe um número considerável de
mulheres trabalhando como meuans, pajés que não trabalham sozinhas, não têm força para
tal segundo relatos, durante o trabalho de um pajé mais forte podem se atuar realizando
curas. O meuam pode ser homem e mulher, mas ninguém relata ter participado de um
trabalho em que um homem agisse como um meuam, apenas as mulheres na vila trabalham
desta forma.
Apesar de negarem a diferença entre os pajés homens e mulheres, é claro a
existência de dificuldades encontradas pelas mulheres em se ascentar como pajé, em
primeiro lugar pela questão da não aceitação por parte da família, principalmente o marido
que não aceita a mulher se libertar durante os trabalhos, beber e fumar. Impedindo que
adentrassem no mundo das encantarias, precisando ser auxiliada sempre por um pajé de
força, considerado sempre um homem.
Neste sentido falar do feminino, é lembrar sempre do papel da mulher enquanto um
ser cil e cumpridora de seu papel de mãe e esposa recatada, tanto que as imagens de
matintas, por exemplo, se confundem com de mãe e esposa que em nenhum momento pode
ausentar-se de suas funções. A mulher pajé tem um série de dificuldades a enfrentar dentro
de casa pelo fato de precisar conciliar os dois papeis, ficando mais cômodo o exercício do
meuanismo, ou seja, continuar no ofício de xamã apenas durante os trabalhos de outro pajé,
momento em que realiza curas.
Como as mulheres das áreas do interior casam-se cedo, geralmente apresentam o
dom durante o convívio com o cônjuge, sendo por essa razão de difícil aceitação por parte
do mesmo, pois o exercício do xamanismo está associado a vícios e doenças que se
91
manifestam durante todo o processo de iniciação, salvo casos em que a convivência com tais
práticas é vista como normal sendo sua aceitação mais fácil, como a nora de mestre
Modesto, Antonia Franco. que era sua discípula, ou seja, foi preparada por ele e era esposa
de seu filho, que também era pajé.
A mulher, segundo mestre Sérgio, não trabalha com o mesmo potencial do homem,
segundo o pajé, trabalha apenas com a metade das entidades, pelo fato dela ficar um
determinado período ausente, por conta da menstruação, não tendo força, segundo o pajé
acaba vacilando com as entidades.
“ Da parte da mulher, é diferente ela não pode trabalhar com
todos, por que fica uma linha corrente, só trabalha com uma
metade não com todos, fica com sofrimento, passa um tempo
ai não pode ter conciliação, é ai que ela vacila”
(Sérgio – 12/07)
92
6- A FAMÍLIA NO CONTEXTO DA PAJELANÇA.
No contexto do xamanismo a família é apontada como uma das grandes
responsáveis pelo excessivo sofrimento do neófito, sendo também a responsável pelo
pleno desenvolvimento do neófito como pajé. Em primeiro lugar podemos perceber de
uma maneira geral nas famílias analisadas a não aceitação do dom, percebido
primeiramente como algo negativo que leva homens e mulheres a terem comportamento
diferente do percebido como natural, além de serem levados à vida de vícios como o
fumo excessivo e ao alcoolismo.
Essas questões estão relacionadas às mulheres que apresentam o dom. Mulheres
casadas, em que os maridos não aceitam com facilidade tal prática precisando
compartilhar sua esposa com os doentes durante os trabalhos de cura. Em um desses
casos, chegou-se ao extremo de uma mulher morrer pelo fato de seu marido não
concordar e discutir constantemente com seus mestres
27
durante o trabalho, não
permitindo que a mesma fumasse ou bebesse.
Em outro caso o marido nem admitia a possibilidade de sua mulher vir a ser uma
pajé, vivendo em estados de sonolência, resolveu fazer um trabalho de cura para a
mesma com mestre Sérgio, durante o trabalho a mesma se atuou ficando seu marido
surpreso com sua atitude extravagante
28
, uma vez que a senhora era extremamente
recatada. Durante o trabalho soltou os cabelos e passou a beber , falar alto, trabalhando
junto com Sérgio, sendo reconhecida como de nascença passando posteriormente a ser
endireitada pelo mesmo pajé.
O dom de pajé é relatado como uma missão, que não tem dia nem hora
dependendo da necessidade das pessoas doentes e da crença na eficácia do pajé. Homens e
mulheres precisam se deslocar para realizar seus trabalhos, possuindo família muitas vezes
são ausentes de suas obrigações familiares, no caso de Sérgio sua esposa o acompanhava
em todas as suas viagens, ficando seus filhos sob a responsabilidade das avós. A rotina da
família transforma-se completamente, não tendo hora para visitas e pedidos para
27
- Heraldo Maués (1995), ressalta o caráter ambíguo dos caruanas que fazem o bem, mas podem castigar
fazendo o mal.
28
Lewis (1977), relata caso de mulheres que durante os estados de possessão, passam a ter um comportamento
diferente, livrando-se dos estados de opressão que vive as mulheres de determinadas sociedades.
93
realização de trabalhos. Na casa de seu Sérgio existe uma barracão para receber as visitas,
talvez na tentativa de não importunar a rotina íntima da família e os trabalhos são
realizados no Sítio São Jorge, nunca na residência do pajé.
FIG. 20 Sítio São Jorge.
94
FIG. 21 Barracão da casa de seu Sérgio, local reservado para receber as visitas que
chegam a procura de uma solução para seus problemas.
Nos relatos dos familiares de seu Sérgio é recorrente a mudança no cotidiano que a
descoberta do dom trouxe para todos, os irmãos e pais estiveram participando ativamente de
todo processo iniciático e inusitadamente aprendendo a lidar com as entidades. Nos relatos
este período é marcado por muito sofrimento e por uma vigilância constante de toda família
com o objetivo de salvaguardar a integridade física do neófito. O período, também, é
marcado por conflitos internos, seja pelo pai que não aceita o dom, ou as ofensas das
entidades e que pensa em alguns momentos em abandonar a família diante de um futuro
incerto. Ou ainda de um irmão que resolve sair de casa por ver em tais situações apenas uma
espécie de fingimento, onde o garoto aproveita para insultar a todos, resolvendo não mais
95
participar de tais acontecimentos. Conflitos porque os pais são acometidos pelo temos
constante da perda do filho, pelos maus tratos sofridos na iniciação. No entanto esse
sofrimento é percebido como algo necessário, é uma missão a ser cumprida e todos
modificam suas vidas em prol desta missão.
No caso de seu Didico, não seus pais como também demais parentes, estiveram
envolvidos no processo de iniciação. Todos com muito cuidado para que no período, visto
como mais difícil pelo fato das entidades ainda estarem se aproximando do jovem,
maltratando-o bastante onde a vigilância é fundamental, uma vez que qualquer descuido,
pode levar o jovem a morte.
Nos casos analisados percebeu-se a questão dos neófitos independente do sexo
tentarem o suicídio, ou seja, a possessão de forma descontrolada. Nos relatos uma parente de
seu Didico relatou que certa vez , estando todos dormindo, o jovem aproveitou e saiu
correndo para atirar-se ao rio, ela percebendo saiu em disparada com o intuito de salvar o
jovem neófito. Nos relatos esse primeiro momento da descoberta do dom e dos primeiros
estados de possessão é marcado pelo extremo sofrimento da família e de todos que o
cercam, ocorrendo a negação do dom.
Charles Wagley (1967), é considerado um pioneiro nos estudos sobre Amazônia,
sua pesquisa desenvolveu-se no município de Gurupá, seus estudos traçam um panorama da
realidade do homem da região a partir dos mais variados aspectos.
Sobre a questão da família, o autor revela que na região pesquisada os grupos
familiares não são tão extensos, neste contexto a denominação família está reservada a um
círculo mais amplo de parentes. Para estes grupos toda a vida social, gira em torno de
acontecimentos de cunho familiar, na realidade acabam por ter função de aproximar a
parentela, tranformando-se numa estratégia de união do grupo.
No contexto familiar o parentesco constitui um fator importante para o
estabelecimento das relações sociais, em que o compadrio esta relacionado a status social e
prestigio, sendo a relação de compadrio entre indivíduos de camadas distintas, naturalmente
menos intimas do que entre pessoas da mesma posição econômica e social.
Esses grupos atribuem muito valor a figura do pai, a mulher trabalhando fora de
casa seria um sinal da falha do homem como provedor do grupo familiar. O autor ressalta,
que na realidade existem no grupo padrões de comportamento para os gêneros, que de uma
96
maneira geral não são seguidos, segundo fala do autor existe um comportamento real e o
ideal, que assume no interior das famílias aspectos diferentes.
97
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos primeiros capítulos, meu objetivo foi de colocar o leitor a par de como é a
dinâmica da Vila de Condeixa, seu contexto econômico e religioso bem como um pouco de
sua história. Num segundo momento tentei buscar subsídios na literatura antropológica
acerca de como a questão da pajelança se apresenta em outras regiões da Amazônia , tanto a
brasileira como a internacional, neste sentido tais informações foram fundamentais a medida
que permitiram tê-las como parâmetro da pesquisa, haja vista que na região não existe
nenhuma pesquisa acerca dessa questão. Ficando a discussão da pajelança restrita a obra
belíssima de Dalcídio Jurandir escrita no inicio do século XX, e a obra de Zeneida Lima
(1988) que apesar de sua riqueza informativa é classificada como biografia nativa.
Neste sentido, percebi uma série de elementos que vão acabar por mostrar as
especificidades dessa pajelança, que de certa forma exprime novas visões ao estudo
antropológico desta questão.
Entre as categorias de pajés detectadas em Condeixa, consegui, em campo, perceber
o meuam, uma espécie de pajé que apesar de ser iniciado, pode também ser de nascença ou
de simpatia, não atua como os demais pajés. atuando durante os trabalhos de outro,
caindo por terra a idéia de que um pajé é o dono do trabalho e que apenas ele lidera o
mesmo. No entanto, outra questão bem interessante é o fato de que apenas foram
encontradas meuans mulheres. Apesar de citarem homens atuando foi possível perceber
mulheres; dando indicio para uma outra questão que se apresentou no campo, o fato de
haver uma forma especifica de iniciação feminina. No caso, reforçando a idéia de que
pajelança é lugar de homem, mas por outro lado dizendo que elas até podem ser pajés, com
especificidades bem definidas desde a iniciação, principalmente no caso da pajé de
nascença.
No modelo encontrado na vila de Condeixa o homem de nascença para tornar-se
um pajé completo, não pode ser iniciado por ninguém. É um discípulo da própria entidade,
outra questão que diferiu do modelo estabelecido é que neste, existem três categorias de
pajés , o de nascença que traz o dom do ventre da mãe; o de agrado, em que as entidades se
98
agradam do indivíduo tardiamente e o pajé sacaca que é iniciado no fundo pelas próprias
entidades. Contudo em Condeixa, se o neófito for iniciado por outro passa a ser visto como
de simpatia isso no caso dos homens, no caso das mulheres, mesmo sendo de nascença
precisam do auxílio masculino. Neste caso, o estudo de Angélica Motta-Maués (1993) é de
fundamental importância pelo fato de tratar do universo feminino e de seus simbolismos na
comunidade de Itapuá, em que o universo da pajelança é masculino e a mulher é percebida
como fraca e sem condições de lidar com as entidades.
A diferença reside no fato de que as mulheres pajés de Condeixa não estão
relacionadas com a figura das matintas, essa é outra categoria que difere da feiticeira que
aqui ainda não foram estudadas, uma vez que meu foco central era o ritual de iniciação e
como seria possível relacionar o mesmo com a análise ritual de Van Gennep e a partir deste,
estabelecer as hierarquias que surgem entre os pajés, que por sua vez são responsáveis por
suas atribuições dentro do sistema xamanístico local.
O ritual iniciático do pajé de nascença é bem mais expressivo e maior que o de
simpatia, aquele é caracterizado por muito sofrimento, seja através de doenças ou de
possessões desordenadas.
Esse momento do ritual na vila é denominado de principio, onde é necessária uma constante
vigilância da família, do contrário, o neófito corre o risco de vir a óbito, dada a violência
com que as primeiras possessões ocorrem. Após este momento começa a preparação mais de
cunho pedagógico, em que a família e quem estiver a frente da iniciação começa a
providenciar os instrumentos que o pajé utilizará durante os anos que conviverá com sua
missão. Após este momento o jovem é agregado ao grupo com um grande ritual em que
todos são convidados a ver o jovem xamã trabalhar.
Outra questão que ficou muito clara fora a participação da família nesse processo,
principalmente no caso dos neófitos masculinos de nascença, pois os familiares são o elo de
ligação entre as entidades e o jovem , a família é responsável pelo cumprimento de todas as
etapas do tratamento, sua participação é crucial pois em caso de descumprimento das ordens
das entidades podem também ser responsáveis pelo fracasso do futuro pajé.
A atuação da mulher na pajelança, é impedida pela não aceitação de seu dom por
parte de seu marido; bem como, a questão do ciclo biológico, que torna a mulher
desprotegida diante de seres encantados que acabam muitas vezes por malinar da mesma,
99
principalmente se esta for de simpatia, sendo vista como uma pajé incompleta por trabalhar
com a metade das entidades que normalmente os homens trabalham, não possuindo mestre
de suas cordas e não trabalhando nem com pena nem com maracá, símbolos do poder do
verdadeiro pajé. Usam apenas as cintas, estes pajés até podem iniciar outro de simpatia, não
tendo força para iniciar uma pajé de nascença, sendo esta situação muito rara só um caso me
foi apontado e o discípulo não goza na vila de credibilidade junto aos moradores.
Outra questão reside no fato, que apenas o pajé de nascença recebe sua missão, que
são as contas que correm em seu corpo. Essa situação é bastante interessante, pois na jurema
também os mestres recebem sua missão que é colocada em seu corpo, pelo seu mestre
iniciador.
Em Condeixa não sabem dizer qual a entidade que coloca as missões, dizem que
são os encantados, devendo ser retiradas por um pajé de nascença e assim repassadas para
alguém que as queira. Esta é outra forma da passagem do dom xamanístico, as demais são a
própria nascença e a simpatia.
Apesar do trabalho, dada a dimensão da própria região, este ainda deixa uma série
de questões a serem respondidas, principalmente sobre a mulher neste universo, ainda pouco
discutido. E em virtude de não haverem mulheres trabalhando como pajés, com seus
próprios trabalhos, em Condeixa, não pude pesquisar tal questão, mas durante a pesquisa
ouvi falar de pajés consideradas boas, fora da vila, em localidades próximas, mas que a
população de Condeixa não freqüentava.
Sobre a questão do dom, acredito que este pode ser pensado em Condeixa como
hereditário familiar, uma vez que todos ao falarem dos pajés sempre relatavam que de
alguma forma, existia alguém na família que apresentava o dom, sendo meuam, ou seja,
apenas realizando suas obrigações; ou ainda, sendo grandes curadores.
100
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