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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
MARIA BÁRBARA DE MAGALHÃES BETHONICO
ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL
ESTADUAL DO RIO PANDEIROS - MG:
ESPAÇO, TERRITÓRIO E ATORES
Niterói
2009
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MARIA BÁRBARA DE MAGALHÃES BETHONICO
ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL
ESTADUAL DO RIO PANDEIROS - MG:
ESPAÇO, TERRITÓRIO E ATORES
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação de Geografia da
Universidade Federal Fluminense
UFF, como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor.
Orientadora: Profa. Dra. Sandra Baptista Cunha
Niterói, 2009
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MARIA BÁRBARA DE MAGALHÃES BETHONICO
ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL
ESTADUAL DO RIO PANDEIROS - MG:
ESPAÇO, TERRITÓRIO E ATORES
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
de Geografia da Universidade Federal Fluminense
UFF, como requisito parcial para obtenção do
título de Doutor.
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Sandra Baptista Cunha (Orientadora)
Departamento de Geografia da UFF
Prof. Dr. Luiz Renato Vallejo
Departamento de Geografia da UFF
Prof. Dr. Flávio Rodrigues do Nascimento
Departamento de Geografia da UFF
Profa. Dra. Nadja Maria Castilho da Costa
Departamento de Geografia da UERJ
Profa. Dra. Lilia dos Santos Seabra
Departamento de Formação de Professores da UERJ
B563 Bethonico, Maria Bárbara de Magalhães
Área de Proteção Ambiental Estadual do Rio Pandeiros,
MG: espaço, território e atores / Maria Bárbara de
Magalhães Bethonico. – Niterói : [s.n.], 2009.
288 f.
Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal
Fluminense, 2009.
1.Conflito de interesses. 2.Área de Proteção Ambiental.
3.Sustentabilidade. 4.Carvoarias. I.Título.
CDD 350.995
DEDICATÓRIA
Dedico esta pesquisa ao Sagrado Coração de
Jesus que, nos momentos de oração, me iluminou
com serenidade para prosseguir o trabalho.
A todas as pessoas que contribuíram com
informações e apóio para a sua realização.
À minha mãe, Maria do Carmo e ao companheiro
Marcos que sempre estiveram ao meu lado nesta
jornada.
AGRADECIMENTOS
Agradeço inicialmente à Profa. Sandra Baptista Cunha, que acreditou na
proposta de pesquisa e que sem sua preciosa orientação, carinho e paciência o trabalho
não teria se concretizado.
Ao Prof. Renato Vallejo também tenho muito a agradecer pelas contribuições
nos momentos de qualificação.
Aos demais professores que participaram dos momentos de avaliação pelas
contribuições.
Os momentos iniciais na nova instituição, a UFF, foram suavizados pelo Prof.
Ruy Moreira a quem agradeço de todo coração pelo apoio e confiança.
Aos demais professores e funcionários do Departamento de Pós-Graduação
encaminho meus agradecimentos pelo apoio oferecido.
Ao Instituto Estadual de Florestas que ofereceu suporte técnico e informações,
principalmente na figura dos funcionários Helen Duarte Farias, Ivan Barbosa e Walter
Viana Neves.
Ao Sr. Afonso, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Januária,
que ajudou na compreensão da dura realidade dos pequenos agricultores que lutam por
uma vida melhor.
Ao amigo Maurílio Arruda pelas informações sobre Januária.
A todos os líderes comunitários e demais pessoas que dispensaram tempo para
entrevistas.
“O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que
não seja: que situado sertão é por os campos-
gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo,
terras altas, demais do Urucúia. Para os de
Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito
sertão? Ah, que tem maior! Lugar sertão se
divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde
um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com
casa de morador; e onde criminoso vive seu
cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. O
Urucúia vem dos montões oestes. Mas, hoje, que
na beira dele, tudo dá – fazendões de fazendas,
almargem de vargens de bom render, as vazantes;
culturas que vão de mata em mata, madeiras de
grossura, até ainda virgens dessas lá há. Os gerais
corre em volta. Esses gerais são sem tamanho.
Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe:
pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está
em toda parte [...] Viver é negócio muito
perigoso”.
João Guimarães Rosa
1
SUMÁRIO
Lista de Figuras ............................................................................................... iv
Lista de Tabelas ............................................................................................... v
1
ROSA, J. G. Grande Sertão:veredas. 19 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 23-24.
Lista de Quadros ............................................................................................. v
Listagem de Siglas Utilizadas ......................................................................... vi
Resumo ............................................................................................................. vii
Abstract ............................................................................................................ vii
Introdução ........................................................................................................ 1
Métodos e técnicas ........................................................................................... 8
Capítulo I – Discussão temática ..................................................................... 18
1.1- Espaço geográfico .......................................................................... 18
1.2 - Território ....................................................................................... 22
1.3- Conflitos ........................................................................................ 27
1.4- A geografia e os conceitos ambientais ........................................... 31
1.5- Unidades de Conservação: uma forma de ordenamento do
território ........................................................................................ 40
1.6- As questões ambientais no mundo ................................................. 53
Capítulo II - A natureza e a sociedade........................................................... 60
2.1- O Cerrado no tempo e no espaço ................................................... 60
2.2- A bacia do rio São Francisco ......................................................... 66
2.3- Os primeiros moradores do norte de Minas Gerais ....................... 71
2.4- Os olhares sobre o Sertão .............................................................. 74
Capítulo III - Sociedade e Estado .................................................................. 78
3.1- A sociedade moderna ..................................................................... 78
3.2- O Estado ........................................................................................ 82
3.2.1- A formação do Estado brasileiro......................................... 88
3.2.2- O estado de Minas Gerais – o produzir .............................. 92
3.3- O carvão vegetal e a produção do ferro gusa: o processo
Siderúrgico ..................................................................................... 96
3.3.1- Vantagens e desvantagens do uso do carvão vegetal na
siderurgia: os conflitos no caso de Minas Gerais ................ 99
Capítulo IV - Movimento ambiental no Brasil e em Minas Gerais............. 109
4.1- O Estado brasileiro e a questão ambiental ..................................... 109
4.2- Políticas públicas e meio ambiente ................................................ 113
4.3- Minas Gerais e as políticas ambientais – o preservar .................... 116
4.3.1- O Instituto Estadual de Florestas ........................................ 119
Capítulo V - Bacia hidrográfica do rio Pandeiros: História e Paisagem ... 123
5.1- A APA Estadual do Rio Pandeiros ................................................ 123
5.1.1- Criação e localização .......................................................... 123
5.1.2- Caracterização do ambiente ................................................ 126
5.1.3- Ocupação humana ............................................................... 135
5.2- Ocupação anterior à implantação da APA Estadual do Rio
Pandeiros ........................................................................................ 139
5.2.1- As conexões no espaço geográfico ..................................... 139
5.2.2- O contexto regional ............................................................. 140
5.2.3- O Sertão Mineiro – a primeira herança ............................... 142
5.2.4- A herança natural do Sertão ................................................ 144
5.2.5- O humano na formação do Sertão ...................................... 149
5.2.6- A Região Administrativa do Norte de Minas – a segunda
herança ................................................................................ 155
5.2.6.1 - Organização político- administrativa e a
ocupação do vazio em Minas Gerais .................... 161
5.2.6.2- Programas e projetos para o Sertão Mineiro .......... 168
Capítulo VI - Unidades de Conservação: APA e Refúgio do rio
Pandeiros .................................................................................. 181
6.1- Uma herança sob os cuidados do Estado ....................................... 183
6.2- Refúgio Estadual de Vida Silvestre do rio Pandeiros .................... 194
6.2.1 – Do rio São Francisco ao Pandeiros – a transformação do
espaço ................................................................................ 195
6.3- O gestor - o IEF ............................................................................. 198
6.4- Abandono do reflorestamento e a continuidade do
carvoejamento ................................................................................ 203
6.5- A comunidade, suas relações e conflitos: Onde é que vamos
viver? ............................................................................................. 223
6.6- Produzir e preservar – um conflito do Estado? .............................. 239
Conclusão ......................................................................................................... 246
Proposições....................................................................................................... 251
Referências bibliográficas .............................................................................. 254
Anexo I Roteiro da entrevista com representantes das comunidades ...... I
Anexo 2 Definição de Unidades de Conservação – Categoria Proteção
Integral ........................................................................................ III
Anexo 3 Definição de Unidades de Conservação – Categoria Uso
Sustentável .................................................................................. IV
Anexo 5 Unidades Nacionais de Conservação ......................................... VI
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Localização da APA Estadual do Rio Pandeiros............................ 3
Figura 2 Esquema explicativo das conexões na área de pesquisa ................ 11
Figura 3 Unidades de conservação por tipo – Brasil-2007 .......................... 45
Figura 4 Bacia hidrográfica do rio São Francisco ........................................ 67
Figura 5 Produção e consumo de carvão vegetal em Minas Gerais ............. 107
Figura 6 Bacia Hidrográfica do rio Pandeiros ............................................. 125
Figura 7 Aspecto geral do relevo e da vegetação ......................................... 126
Figura 8 Rio Pandeiros ................................................................................. 127
Figura 9 Córrego Borrachudo – sede urbana de Bonito de Minas ............... 128
Figura 10 Usina Hidrelétrica Pandeiros ......................................................... 128
Figura 11 Vegetação da APA Estadual do Rio Pandeiros ............................. 132
Figura 12 Cerrado Denso – Alto rio Pandeiros .............................................. 133
Figura 13 Cerrado Típico - Médio rio Pandeiros ........................................... 133
Figura 14 Vereda ............................................................................................ 133
Figura 15 Áreas de reflorestamentos na APA Estadual do Rio Pandeiros .... 134
Figura 16 Reflorestamento inativo – Empresa Plantar S/A ........................... 134
Figura 17 Comunidades da bacia hidrográfica do rio Pandeiros.................... 138
Figura 18 Biomas de Minas Gerais ................................................................ 148
Figura 19 Moradores da área da pesquisa ..................................................... 151
Figura 20 Mesorregiões Geográficas de Minas Gerais .................................. 161
Figura 21 Microrregiões Geográficas de Minas Gerais ................................. 162
Figura 22 Balneário do rio Pandeiros ............................................................ 184
Figura 23 Balneário do rio Catolé – município de Bonito de Minas ............. 185
Figura 24 Região semi-árida da bacia hidrográfica do rio São Francisco ..... 196
Figura 25 Encontro das águas do rio Pandeiros com o rio São Francisco ..... 197
Figura 26 Pântano do rio Pandeiros – Refúgio Estadual de Vida Silvestre
do Rio Pandeiros ............................................................................ 198
Figura 27 Área com plantio de eucalipto – nascente do rio Pandeiros .......... 208
Figura 28 Processo erosivo na nascente do rio Pandeiros ............................. 208
Figura 29 Área da Empresa Plantar S/A – atualmente abandonada .............. 210
Figura 30 Carvoaria na área da Plantar S/A, explorada por outra
empresa/carvoeiro .......................................................................... 210
Figura 31 APA Estadual do Rio Pandeiros – carvoarias e impactos
ambientais ..................................................................................... 212
Figura 32 Carvoaria clandestina – comunidade de Poções/Angico ............... 217
Figura 33 Carvoeiro. Sr. Santino na carvoaria, juntamente com outro
companheiro e os filhos ................................................................. 218
Figura 34 Carvoeiro. Localidade Quilombo – Sr. Argemiro em moradia na
carvoaria ........................................................................................ 219
Figura 35 Local da carvoaria. Chegada de carregamento e água; fornos em
produção ........................................................................................ 219
Figura 36 Carvão aguardando carregamento. Comunidade da Vila
Pandeiros ....................................................................................... 228
Figura 37 Palmeira do babaçu e fruto – região de Bonito de Minas .............. 228
Figura 38 Babaçu aguardando transporte ....................................................... 229
Figura 39 Córrego Maria Crioula ................................................................... 230
Figura 40 Córrego Palmeira ........................................................................... 230
Figura 41 Processos erosivos nas estradas ..................................................... 231
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 População dos municípios que integram a bacia hidrográfica do
rio Pandeiros .................................................................................. 136
Tabela 2 População residente na bacia hidrográfica do rio Pandeiros ......... 137
Tabela 3 Exportações segundo principais segmentos exportadores – Minas
Gerais – Janeiro-Julho: 2006-2007 ................................................ 159
Tabela 4 Estimativas de exportação segundo Regiões de Planejamento –
Minas Gerais – 2006-2007 ............................................................ 160
Tabela 5 Utilização das terras em Minas Gerais – 1970/2006 ..................... 164
Tabela 6 Agricultura em Minas Gerais – 1970-1995 ................................... 165
Tabela 7 Evolução da população dos municípios da bacia hidrográfica do
rio Pandeiros .................................................................................. 171
Tabela 8 Plantios florestais anuais para energia – Minas Gerais ................. 171
Tabela 9 Evolução do consumo de carvão vegetal no Brasil e em Minas
Gerais – m
3
.................................................................................... 180
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Entrevistas realizadas ................................................................. 15
Quadro 2 Definição de categorias de Unidades de Conservação – UICN.. 43
Quadro 3 Unidades de Conservação em Minas Gerais .............................. 52
Quadro 4 Produção e consumo de carvão vegetal em Minas Gerais – em
mil tEP ........................................................................................ 106
Quadro 5 Tipos de solos predominantes na bacia hidrográfica do rio
Pandeiros .................................................................................... 130
Quadro 6 Vegetação da bacia hidrográfica do rio Pandeiros ..................... 131
Quadro 7 Cobertura vegetal da bacia hidrográfica do rio Pandeiros ......... 147
Quadro 8 População declarada como indígena na microrregião de
Januária ....................................................................................... 150
Quadro 9 Áreas prioritárias para conservação da biodiversidade – região
da bacia hidrográfica do rio Pandeiros ....................................... 186
Quadro 10 Levantamento de impactos provenientes da ação antrópica na 189
bacia hidrográfica do rio Pandeiros ............................................
Quadro 11 Reportagens da imprensa escrita envolvendo a produção de
carvão vegetal em Minas Gerais ................................................ 214
LISTAGEM DE SIGLAS UTILIZADAS
ALMG – Assembléia Legislativa de Minas Gerais
ANA – Agência Nacional de Águas
APA – Área de Proteção Ambiental
ASIFLOR – Associação das Siderúrgicas para Fomento Florestal
CBHSF – Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco
CEMIG – Companhia Energética de Minas Gerais
CETEC – Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais
CHESF – Companhia Hidro Elétrica do São Francisco
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CNUMAD – Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
CODEVASF – Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco
CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente
COP – Conferência das Partes
COPAM – Conselho Estadual de Política Ambiental
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
CPRM – Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais
DENOCS – Departamento Nacional de Obras Contra a Seca
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais
FEAM – Fundação Estadual do Meio Ambiente
FGV – Fundação Getúlio Vargas
FISET – Fundo de Investimentos Setoriais
FJP – Fundação João Pinheiro
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
GEOMINAS Programa Integrado do Uso da Tecnologia de Geoprocessamento pelos
Órgãos do Estado de Minas Gerais
IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IEF – Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais
IGA – Instituto de Geociências Aplicadas
MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
OMC – Organização Mundial do Comércio
ONG – Organização Não-Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
PNAP – Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas
REVS – Refúgio Estadual de Vida Silvestre
RURALMINAS – Fundação Rural Mineira
SEMA – Secretaria Especial do Meio Ambiente
SEMAD – Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação
SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
UC – Unidade de Conservação
UICN – União Internacional para a Conservação da Natureza
UNEP – United States Environmental Programe
UNIMONTES – Universidade Estadual de Montes Claros
WWF – Word Wildlife Fund
RESUMO
A sociedade atual é marcada por conflitos, entre eles o do crescente consumo e a
preservação do meio ambiente. Em situações mais específicas o conflito reflete a
situação sócio-econômica de pequenas comunidades que buscam a sobrevivência na
extração dos recursos naturais. Em áreas de proteção ambiental esses conflitos são
traduzidos, muitas vezes, em relações que envolvem moradores locais, governo e
empresas, formando um jogo de poder no interior de um espaço. A presente pesquisa
buscou refletir sobre esses conflitos, tendo como área de estudo a APA Estadual do Rio
Pandeiros e o Refúgio Estadual de Vida Silvestre do Rio Pandeiros, com enfoque nas
relações que envolvem a produção de carvão vegetal e a atuação do Estado enquanto
gestor da área. A compreensão desses conflitos e suas implicações nas comunidades e
na gestão do território foram os objetivos da pesquisa, considerando-se a complexidade
das relações entre os atores ali presentes. Os estudos abrangeram o resgate de conceitos
geográficos e teorias que embasaram a análise, além de trabalhos de campo para
identificação de carvoarias, avaliação da situação ambiental e aplicação de entrevistas
aos líderes e pessoas representativas nas comunidades, bem como a funcionários do
IEF, enquanto gestor da área. Foram identificados três momentos que marcaram a atual
configuração da área, sendo o primeiro definido pela não atuação do Estado, momento
denominado de Sertão Mineiro. O segundo momento foi marcado pela atuação do
Estado na execução de políticas econômicas com os reflorestamentos de eucalipto
destinados à produção de carvão para a siderurgia. O último momento foi delimitado
através da implantação da unidade de conservação APA Estadual do rio Pandeiros, fato
que definiu uma nova organização espacial, agravando os conflitos. Os resultados da
pesquisa indicaram que os conflitos estão presentes, principalmente entre a comunidade
e o Estado, pois a necessidade de sobrevivência tem superado a preocupação ambiental
e de preservação da área, mesmo considerando alguns projetos de sustentabilidade, os
efeitos da fiscalização e aplicação de multas ambientais. Porém esses conflitos não se
limitam a essa esfera, mas está no interior do próprio Estado que, pressionado pela
sociedade e pelo cumprimento da legislação vigente sobre meio ambiente se diante
da necessidade de delimitação de áreas de proteção. Mas a necessidade de manutenção
da exportação do ferro-gusa e demais produtos siderúrgicos faz com que o Estado
priorize a produção, fato refletido na pouca infra-estrutura oferecida aos funcionários
responsáveis pelo trabalho junto às comunidades e a ausência de políticas públicas
eficientes para o desenvolvimento econômico local, capaz de inibir a ação das
carvoarias, oferecendo alternativa para os moradores.
Palavras-chave: Área de Proteção Ambiental; carvoarias; sustentabilidade, políticas
públicas.
ABSTRACT
The present society is marked by conflicts, including the crescent consumption
and the environment preservation. In most specific situations the conflict reflects the
socio-economic situation of small communities and seeks to survive in the extraction of
natural resources. In areas of environmental protection such conflicts are translated,
often in relationship involving local residents, government and companies, forming a
game of power within a space. This research reflect on these conflicts, with the area of
the APA Estadual do Rio Pandeiros and Refúgio Estadual de Vida Silvestre do Rio
Pandeiros, with a focus on relations involving the production of charcoal and
performance of the state as manager of the area. The understanding of these conflicts
and their implications for communities and the management of land were the objectives
of the research, considering the complexity of the relationship between the actors
present there. The studies covered the ransom of geographical concepts and theories that
the analysis based, in addition to the field of coal for identification, assessment of the
environmental situation and application of interviews with leaders and people
representing the communities, as well as officials of the IEF, as manager of the area.
We identified three moments which marked the current configuration of the area, the
first being defined not by the actions of the state, now called “Sertão Mineiro”. The
second moment was the performance of the state in the implementation of economic
policies with the reforestation of eucalyptus for the production of coal for the steel
industry. The last moment was limited by the deployment of the unit of conservation
“APA Estadual do Rio Pandeiros”, a fact that defined a new space organization,
exacerbating the conflict. The survey results indicated that the conflicts are present,
especially between the community and state, because the need for survival is the
concern over environmental and preservation of the area, even considering some
projects by sustainability, the effects of supervision and implementation of
environmental fines. But such conflicts are not limited to that sphere, but is within the
state itself which, pressured by the company and compliment with current legislation on
the environment comes up against the need for demarcation of areas for protection. But
the need to maintain the export of iron and other steel products makes the state will
prioritize the production, a fact reflected in poor infrastructure offered to officials
responsible for working with the communities and the lack of efficient public policies
for economic development local, capable of inhibiting the action of coal, offering
alternative for the residents.
Keywords: Area of Environmental Protection; coal; sustainability, public policies.
INTRODUÇÃO
O século XX foi marcado por significativas modificações nas relações do
homem com o seu meio, gerando a construção de novos paradigmas para a ciência. Os
efeitos da globalização, seguidos pelo rápido desenvolvimento tecnológico e do
crescimento da utilização de matéria e energia fornecida por recursos naturais,
construíram novas demandas, novos produtos e, com a circulação de informação e da
mídia, marca da sociedade de consumo, todos os cantos do planeta foram atingidos por
essas novas necessidades, seja por produtos ou por serviços, mesmo que de forma
extremamente desigual. A rapidez com que se processaram as transformações fez com
que Hobsbawm (1995) considerasse esse século como “o breve século XX”, que foi
moldado entre momentos de crescimento econômico e transformações sociais, bem
como por uma era de composição e decomposição de blocos de países, incertezas e
crises, acentuadas nas suas últimas décadas. Por mais distante que os lugares possam
estar, as facilidades de comunicação e de transporte desse mundo tecnológico, faz com
que pareçam próximos e estabeleçam redes e fluxos compostos por empresas
capitalistas que fazem da produção e do comércio de bens sua máquina propulsora,
tendo o discurso do desenvolvimento como lema.
A demanda por produtos siderúrgicos tem sido crescente neste século, mesmo
que “breve” e marcado por incertezas em meio a uma certeza, traduzida na ampliação
do consumo por parcela significativa da humanidade concentrada em espaços
privilegiados economicamente. Se existem espaços privilegiados existem, na outra
ponta, espaços que não estão nessa situação e que deixam transparecer que as benesses
do consumo não são para todos. Nesses espaços que margeiam esse consumo é onde,
muitas vezes, está a base de sustentação desse sistema, com a produção e os primeiros
beneficiamentos dos produtos a serem aperfeiçoados para atender ao exigente mercado
consumidor.
O crescente consumo é acompanhado pela preocupação com o limite do planeta
em fornecer a matéria e a energia. Surgiram conceitos, como o de desenvolvimento
sustentável e impactos ambientais como forma de buscar minimizar os efeitos desse
crescimento e alcançar um equilíbrio que possa garantir as mesmas ou melhores
condições ambientais para as gerações futuras, sem a destruição das bases de
sustentação da sociedade a natureza. Essa discussão envolve todos os segmentos da
sociedade e tem em seu bojo os conflitos pelos diferentes interesses existentes, sejam
por parte dos produtores, consumidores, gestores ou moradores locais.
Para tal análise definiu-se como objetivo geral compreender os conflitos
existentes na APA do rio Pandeiros, com enfoque na produção de carvão vegetal. Para
atingir esse objetivo foram definidas etapas intermediárias, expressas nos objetivos
específicos abaixo:
Identificar as áreas de carvoejamento no interior da APA.
Compreender a realidade do carvoeiro, dos produtores rurais e moradores da
área em suas relações com o espaço e território.
Identificar e analisar os conflitos existentes na área de conservação de forma a
apontar parâmetros para as políticas e plano de manejo.
Identificar ações implementadas para reduzir a pressão das carvoarias na
região da APA.
Analisar a responsabilidade do Estado na criação e gestão de UC’s.
A produção de carvão vegetal ocorre em diversas partes do Brasil, seja ele de
origem de reflorestamentos de eucalipto, seja de vegetação nativa. Nas duas formas
ocorrem impactos ambientais e as áreas de ocorrência são palcos de conflitos. Para a
análise desses conflitos delimitou-se como espaço a APA do rio Pandeiros, localizada
nos municípios de Januária e Bonito de Minas, na região norte de Minas Gerais (FIG.
1). Essa delimitação justifica-se por ser uma área que contém em seu interior e entorno
áreas de reflorestamentos e produção de carvão vegetal de mata nativa seja autorizada
pelos órgãos competentes ou não. Paralelamente a essa atividade, em 1995 a área foi
definida como de conservação pela sua importância ecológica para os ecossistemas do
Cerrado e da Caatinga, além da relação com a ictiofauna do rio São Francisco.
O fenômeno do conflito presente atualmente nesse espaço gerou a necessidade
de um recorte temporal que foi definido pela década de 1970, momento em que o
Estado promoveu a ampliação das áreas de reflorestamentos atingindo essa região. As
conseqüências foram profundas alterações na paisagem e na vida das comunidades ali
presentes, nos seus hábitos e em novas relações de produção e trabalho. As relações
com o meio ambiente também se alteraram. Este passou a ser visto como recurso, na
figura de madeira para carvão.
Para compreender as modificações no espaço, nas relações e na vida das
pessoas, foi necessário um resgate histórico da Unidade de Conservação, tanto nos
aspectos ambientais que justificam sua delimitação como área de proteção, quanto nos
FIGURA 1: Localização da APA Estadual do Rio Pandeiros- MG
Fonte: Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais
aspectos de ocupação humana e atuação do Estado. Esses fatores foram fundamentais
para implementar políticas públicas direcionadas aos setores industriais e siderúrgicos, e
para as mais recentes destinadas à conservação do meio ambiente.
As APA’s são Unidades de Conservação de uso sustentável, que permite o
desenvolvimento de atividades econômicas dentro dos princípios da sustentabilidade
ambiental. A presença de conflitos nessas áreas é constante uma vez que os moradores e
agricultores precisam rever os hábitos de cultivo existentes décadas, como é o caso
do plantio em veredas. Outro ponto de conflito é a retirada ilegal da vegetação nativa
para a produção de carvão, configurando uma atividade incompatível com a
sustentabilidade e passível de aplicação de multas pelo órgão gestor da área, o IEF. A
identificação e compreensão desses conflitos são relevantes por contribuir para os
estudos ambientais e para adoção de políticas públicas em áreas destinadas à
preservação dos ecossistemas. Contribui também, quando adiciona reflexões para a
busca de soluções para os problemas de degradação ambiental, assunto presente nas
pautas de discussões da sociedade civil e das agendas políticas nacionais e
internacionais.
Dentro do exposto surge uma questão central que norteou esta pesquisa: a
delimitação e criação de Unidades de Conservação contribuíram para a ordenação e
gestão de áreas que possuem problemas sociais e conflitos no que se refere ao uso dos
recursos naturais?
Dessa questão central delimitou-se a hipótese de trabalho: a criação de
Unidades de Conservação de uso sustentável, no caso da APA Estadual do Rio
Pandeiros-MG sob responsabilidade do estado e com um aparato jurídico específico,
não contribuiu para a redução dos conflitos e, no caso da produção do carvão vegetal,
ocorreu a ampliação das divergências com a presença de um novo ator na gestão e
ordenação do território.
Os conflitos presentes na área de estudo são indicativos da ausência de harmonia
nas relações entre a sociedade humana e a natureza enquanto provedora de matéria-
prima para algumas demandas dessa sociedade. Esses conflitos estão vinculados ao uso
do poder e permeados pelos diferentes tipos de dominação nas relações entre
homem/natureza, homem/trabalho/produção/consumo e homem/Estado/sociedade.
A análise está estruturada em uma base conceitual e teórica. Os conceitos de
espaço, território, conflito e Estado ofereceram o suporte para a compreensão das teorias
sobre a formação da sociedade que demanda produtos que necessitam de carvão vegetal
para sua produção. Essa contribuição se estende para a formação do Estado brasileiro
enquanto ator decisivo no desenvolvimento da indústria de base na produção de bens de
consumo, através dos incentivos fiscais, apoio técnico e de infra-estrutura. Os conceitos
de espaço e paisagem participaram do resgate histórico da formação do Sertão mineiro
enquanto lugar com especificidades que foram afetadas pela implantação das políticas
desenvolvimentista das décadas de 1970 e 1980.
Os conceitos de território, políticas públicas e sistemas ambientais formam a
base para entender os fenômenos do movimento ambiental e seus reflexos no Brasil e
em Minas Gerais. Auxiliam, também, para compreender o papel do Estado enquanto
gestor e definidor de UC’s seguindo os princípios da sustentabilidade econômica, social
e ambiental. As questões ambientais formam o elo entre degradação
ambiental/produção/consumo/preservação/novas demandas, ensejando o ciclo das
relações do homem com a natureza. O reflexo de todos esses fenômenos na APA
transformou-a em território enquanto espaço da prática do poder e uso político do
espaço. Isso lhe concede vida, ligando-o a outros territórios estabelecidos através das
redes e dos fluxos.
Os conflitos existentes foram abordados através de um levantamento conceitual,
teórico e de dados pertinentes ao tema, servindo de subsídios para a análise do
fenômeno. A identificação das especificidades dos conflitos em uma área de
conservação e de carvoejamento foi efetuada através de trabalhos de campo para
verificação da existência de carvoarias e das condições de trabalho ali presentes. Essa
ação possibilita averiguar a associação presente nos discursos de que a produção de
carvão na região é decorrente de uma pobreza e falta de oportunidade para as pessoas.
Verificou-se os problemas ambientais acarretados pela retirada da vegetação e pelo
tráfego de caminhões nas vias de acesso. As relações entre moradores e órgão gestor, no
caso o IEF, foram levantadas e analisadas dentro do contexto, através de entrevistas
com as lideranças das comunidades, enquanto representante dos moradores e
conhecedor da realidade.
Esse diagnóstico foi complementado com entrevistas aos carvoeiros, para
verificar sua realidade. A atuação do estado foi realizada através de levantamentos de
programas e projetos implementados na área e com entrevistas aos funcionários do IEF
que atuam na APA do rio Pandeiros.
Os resultados alcançados após a coleta das informações, análise e interpretação
de dados, com a discussão dos resultados alcançados, foram correlacionando de forma a
compreender os conflitos e contribuir para a elaboração de políticas públicas e plano de
manejo da APA, ainda em construção.
A pesquisa foi organizada em sete capítulos. O capítulo I aborda os conceitos
geográficos e ambientais, no sentido de formar a base para a compreensão dos contextos
de construção do espaço da APA, auxiliando na análise. No capítulo II são abordadas
teorias relacionadas à dinâmica por que passou a bacia hidrográfica do rio Pandeiros,
marcada pela implantação de políticas públicas que visavam o crescimento econômico.
A sociedade é abordada enquanto mantenedora do consumo e dependente dos
recursos naturais para atender suas demandas. Essa mesma sociedade passou a
questionar os modos de produção e a degradação ambiental decorrente da retirada de
matéria prima, para os produtos consumidos, numa situação conflituosa entre o
consumir produtos e conservar o meio ambiente.
O Estado é abordado enquanto instituição que reflete os interesses de uma classe
dominante econômica e socialmente. Enquanto autoridade máxima, ele utiliza de seu
poder para implementar políticas, incluindo as destinadas ao desenvolvimento
industrial, com destaque, nesta pesquisa, para a siderurgia e reflorestamentos,
organizando o espaço de acordo com os interesses específicos de uma parcela da
sociedade.
O capítulo III resgata teorias que contribuem para compreender a formação da
base material, entendida aqui enquanto natureza. Discute-se a formação do Cerrado e
do rio São Francisco, componentes da paisagem do norte mineiro, anteriormente
desvalorizadas em termos de potencial econômico e, mais recentemente, valorizadas
enquanto áreas de conservação. O capítulo aborda, também, aspectos da ocupação
humana e formação do povo sertanejo, entendido como aspecto fundamental para
compreender a forma de implantação do projeto Distritos Florestais na década de 1970.
O capítulo IV vem discutir as origens do pensamento ambiental no mundo e a
definição de áreas de preservação enquanto formadores da ordem ambiental mundial. O
Brasil participa dessa nova ordem, que ainda está se estruturando, com a atuação do
Estado no cumprimento da legislação pertinente à criação de UC’s e posterior gestão
dessas áreas. São abordadas, também, as políticas públicas, enquanto referência
conceitual e teórica para analisar o papel do Estado nessas questões.
Os procedimentos metodológicos são descritos no capítulo V, detalhando as
técnicas utilizadas para a realização da pesquisa. Os capítulos VI e VII são destinados às
análises do fenômeno do conflito. O resgate da história da área da pesquisa é realizado
no capítulo VI, como elemento imprescindível para entender a realidade atual no
espaço, bem como as relações de poder ali presentes. Em um momento mais recente, a
criação da APA e a intensificação dos conflitos entre os atores, incluindo o Estado, são
assuntos tratados no capítulo VII.
A problemática das áreas de conservação é mundial, e os mesmos problemas
encontrados no Sertão Mineiro são encontrados em outras partes do Brasil e do mundo,
assim como a ausência de respostas. Finalizando a pesquisa, aponta-se para elementos
que podem contribuir para o manejo sustentável da área no que se refere à redução dos
conflitos relacionados a um contexto específico.
Cabe ressaltar que buscou-se analisar as relações entre o homem e a natureza,
mais especificamente dos homens que detêm o poder de decisão política no Brasil e de
controle do território, além dos homens do Sertão mineiro. Resgatando Lefebvre (1999),
cabe a reflexão de que um discurso não pode ser acabado. Ele comporta, por essência, o
inacabamento. Sabe-se que uma pesquisa abre caminhos para vários aspectos, os quais
não se pretendem esgotar, mas fazer reflexões sobre essas relações e suas conseqüências
para a vida como um todo.
Na análise buscou-se ultrapassar o puro saber e descrever os caminhos ocorridos
para formação das heranças e dos conflitos, mas compreender de que maneira se
constitui esse caminho, quais ações, relações e conexões foram realizadas para a
formação do território; compreender as transformações, as perpetuações que ocorreram,
isto é, o que está além das aparências.
Dessa forma, os fenômenos que ocorrem na APA recompõem os dispositivos da
produção, como as forças produtivas, as relações de produção e as contradições
existentes nesses dois elementos. Esses fenômenos se prolongam e acentuam-se num
plano novo o de uma área de proteção ambiental gerando conflitos ainda mais
profundos do que a propriedade privada dos meios de produção, conflitos esses que
agregam mais um ator, o Estado.
MÉTODOS E TÉCNICAS
Conflito é o fenômeno analisado nessa pesquisa e sua explicação foi realizada
através de um procedimento metodológico de estudo de caso.
Um conflito é decorrente de uma disputa por algum recurso que é escasso. A
impossibilidade de conciliar mais de uma visão e diferentes racionalidades sobre o
recurso, ampliam o conflito. Por envolver essas diferentes visões e interesses, foi
necessário ampliar os ângulos de análise estabelecendo as relações entre os elementos e
atores envolvidos.
A complexidade liga-se à estrutura e a ordem. Busca regras básicas e princípios
comuns que fundamentam todos os sistemas e não apenas os detalhes de uma
determinada categoria. A complexidade está presente nos sistemas geográficos que
possuem a espacialidade na superfície terrestre como característica fundamental
(CHRISTOFOLETTI, 2002).
Por outro lado os elementos formadores da base material da área da pesquisa
trazem novas conexões entre ações humanas e seus reflexos sobre o meio ambiente. A
definição de uma bacia hidrográfica como unidade de planejamento e, no caso
específico dessa pesquisa, como uma Unidade de Conservação, refere-se às limitações e
a capacidade de uso do solo para fins diversos. Relacionam-se, também, a
conscientização do homem para a necessidade de uma mudança de atitude frente à
resiliência dos ecossistemas, fundamentando-se no conceito de sistema aberto e na
relação de integração entre os elementos solo, água e cobertura vegetal com o homem
enquanto usuário dos recursos naturais. Para tal surgiu a necessidade de trabalhar com
metodologias integradoras, considerando as articulações existentes entre a escala local,
a regional e a global.
A base partiu da visão de mundo do pesquisador, identificada como uma visão
sistêmica que, como lembra Christofoletti (2002) varia de acordo com o contexto
histórico e com as nuances dos segmentos sócio-econômicos envolvidos no fenômeno
analisado. Essa visão comandou as explicações sobre as características, o
funcionamento, a utilização e a percepção do fenômeno, bem como as escalas utilizadas
durante a análise. Assim, dentro da visão de sistema, ou perspectiva sistêmica, a análise
parte de uma organização do território em forma de bacia hidrográfica e das
delimitações de uma área estadual de proteção ambiental, com momentos em que as
noções de unidade, totalidade e complexidade se juntam dentro do sistema.
Partiu-se da concepção de bacia hidrográfica como um sistema complexo
(entidade organizada que apresenta uma diversidade de elementos, encadeamentos,
interações, fluxos e retroalimentação) definido por Christofoletti (2002) como algo
composto por componentes interatuantes, que são capazes de intercambiar informações
de e com o seu entorno condicionante. São capazes, também, de promover uma
adaptação de sua estrutura interna como conseqüência das interações existentes entre
seus elementos.
A metodologia adotada avançou por três etapas sucessivas e que formaram o
corpo da pesquisa:
1 - a estrutura conceitual;
2 - a coleta de informações e dados;
3 - a ação analítica, diagnóstico e proposições.
A estrutura conceitual foi realizada para compor um arcabouço teórico visando
possibilitar a compreensão da dinâmica do território e das múltiplas facetas que
compõem os conflitos na área, incluindo seus aspectos naturais e humanos. A revisão da
literatura formou a estrutura do trabalho, compondo a unidade, a conexão entre os
objetos e ações que configuram a paisagem, o espaço e o território em cada momento
histórico analisado. A definição dos pontos abordados no referencial teórico partiu da
definição das variáveis e das relações que envolvem o fenômeno.
O procedimento de seleção das variáveis partiu da experiência do pesquisador na
análise das implicações sociais e ambientais decorrentes da produção de carvão e de
reflorestamentos. O carvoejamento de forma clandestina é uma atividade comum em
várias cidades do norte de Minas Gerais e traz problemas ambientais, além de estar
relacionado às questões sócio-econômicas da população envolvida, fatos permeados por
políticas públicas. O município de Januária é constantemente citado como participante
dessa atividade e seu destaque relaciona-se ao fato de possuir algumas Unidades de
Conservação ambiental, tanto estaduais quanto federais. A contradição entre a
preservação ambiental e a existência de uma atividade degradante chamou a atenção,
que foi reforçada pelo fato de pertencer à bacia hidrográfica do rio São Francisco, uma
das principais do estado.
A delimitação da APA Estadual do Rio Pandeiros foi decorrente da indicação de
alguns moradores sobre a existência de carvoarias, fato confirmado no primeiro
momento de reconhecimento da área, em 2005. Ser uma Unidade de Conservação sob
gestão do Estado e estar vinculada a uma legislação específica definiu o necessidade de
destacar essas duas variáveis no referencial teórico e conceitual o Estado e Unidades
de Conservação/UC’s.
O carvão vegetal está relacionado diretamente a uma demanda da sociedade por
produtos do qual é matéria-prima, como o ferro gusa e o aço. Essa demanda tem se
ampliado nos últimos anos a ponto de tornarem os principais produtos de exportação de
Minas Gerais, fundamentais para a economia do estado. Assim, pensar o que tem levado
a essa crescente demanda, além de suas implicações na sociedade de consumo,
ocasionou a definição de uma das variáveis.
A APA Estadual do Rio Pandeiros corresponde à área de sua bacia hidrográfica.
A análise dessa variável baseou-se no resgate de conceitos geográficos e ambientais,
dentro da concepção de sistemas. Os conceitos geográficos foram incorporados no
momento em que busca a compreensão da formação histórica do espaço enquanto
receptor das políticas públicas, com efetiva atuação do Estado. Assim, compreender os
conflitos na área da pesquisa decorre de um histórico de ocupação, em um momento
com a ausência do Estado e depois com sua inserção enquanto ator.
As variáveis escolhidas, considerando-se os atributos e as relações existentes no
interior da APA e que são geradoras de conflito, são: Estado, sociedade moderna,
políticas públicas, Unidades de Conservação, carvão vegetal e siderurgia. As ligações e
interdependências entre essas variáveis foram analisadas dentro da ciência geográfica,
que forneceu os conceitos que contribuíram para o diagnóstico, análise e as proposições
finais (FIG. 2).
FIGURA 2 : Esquema explicativo das conexões na área de pesquisa
A coleta de informações e dados foi precedida de um trabalho de campo para a
identificação dos atributos da área da bacia hidrográfica do rio Pandeiros. Essa tarefa foi
realizada em agosto de 2006, teve sua importância no reconhecimento inicial da área.
Foram também verificadas as possibilidades de aplicação de entrevistas nas
comunidades. A precariedade das vias de acesso para essas comunidades e carvoarias
apresentou-se como uma dificuldade no que se refere a veículo capaz de transpor os
obstáculos e ao tempo disponível para a realização das etapas de campo. Durante o
trajeto, que ocorreu em veículo e com acompanhamento de funcionários do IEF,
percebeu-se a presença de sacos de carvão aguardando transporte em várias partes,
indicando a existência da atividade de carvoejamento.
Observou-se, também, a relação entre os funcionários do IEF e a comunidade.
Foi possível acompanhar o trabalho de uma das etapas de regularização das terras de
vários moradores. Isso permitiu conhecer um pouco mais das pessoas que vivem e
trabalham na APA, oferecendo subsídios para a composição das entrevistas e
preparação dos roteiros para as próximas etapas de campo. Verificou-se, também, as
dificuldades para a coleta de informações quando acompanhado por funcionários do
IEF.
Mais dois momentos de trabalho de campo foram realizados julho de 2007
com o acompanhamento da orientadora, e janeiro de 2008. Esses momentos foram
destinados à coleta de dados, observações diretas e entrevistas. Com o objetivo de
conhecer a realidade das comunidades e suas relações com o carvoejamento e o IEF,
optou-se por entrevistar as lideranças comunitárias. A realidade das carvoarias foi
verificada através de entrevistas com carvoeiros. As questões levantadas foram oriundas
de uma adaptação das elaboradas para a comunidade, objetivando a compilação das
respostas entre esses dois segmentos.
O objetivo das entrevistas foi realizar a coleta de informações, identificando os
elos entre a vida das pessoas e a produção de carvão dentro da visão da comunidade. As
entrevistas foram padronizadas, seguindo um roteiro previamente estabelecido, mas
com a possibilidade de adaptação, uniformizando os dados para permitir comparações.
Esse procedimento permite apontar realidades distintas em caso de respostas diferentes
(MARCONI e LAKATOS, 1999). Essas diferenças poderiam indicar para diversas
situações que ocorrem na área em decorrência de sua extensão e de possuir
comunidades muito distantes, como é o caso da Larga, situada a 190 km da área urbana
de Januária. A cidade de Bonito de Minas encontra-se na mesma situação, sendo todas
ligadas por vias de acesso não pavimentadas e em péssimas condições de conservação.
Inicialmente a proposta era a aplicação de questionários aos carvoeiros e
moradores, mas devido às dificuldades de acesso e transporte, optou-se por aplicar
entrevistas a representantes das comunidades. A identificação ocorreu através de
apontamentos dos funcionários do IEF, do guia ou motorista e pela própria pesquisadora
que considerou a importância de entrevistar pessoas que identificou como
representativas, evitando um possível direcionamento por parte dos órgãos públicos.
Através da observação direta foi possível examinar alguns fatos e fenômenos,
como processos erosivos e os leitos secos dos rios, lagoas e veredas, que são associados
à produção de carvão e aos problemas ambientais correlacionados. As comunidades
foram observadas e as entrevistas com lideranças realizadas, totalizando 10 encontros
(QUADRO 1). Em alguns momentos considerou-se ex-lideranças ou antigos moradores
que residiam na comunidade no momento da chegada dos reflorestamentos, na década
de 1970.
As condições das estradas impediram a observação de todas as comunidades.
Assim elaborou-se um roteiro de forma a abranger parte expressiva da área. As
comunidades foram identificadas com o auxílio dos Mapas Municipais Estatísticos
IBGE/2000, dos municípios de Januária e Bonito de Minas. As entrevistas foram
realizadas nas comunidades de: Vila Pandeiros, Larga, Quilombo/Vereda,
Poções/Angico, Várzea Bonita, Campos, além da cidade de Bonito de Minas e de
lideranças em Januária. Essas comunidades foram mapeadas, incluindo-se outras
localizadas no entorno e que foram visitadas. O mesmo mapa aponta as carvoarias
indicadas pelo IEF. O registro foi feito através de gravações, seguindo o roteiro
elaborado previamente (ANEXO 01).
Durante o trajeto até as comunidades foram realizadas observações. As
informações foram registradas em um quadro operacional, contendo as características e
observações gerais. De acordo com Laville e Dione (1999) um quadro operacional
expressa o conjunto de indicadores que possuem vínculos entre os conceitos
empregados e as observações empíricas necessárias para se atingir os objetivos da
pesquisa. O quadro operacional permite observações para a verificação empírica da
hipótese de trabalho. Essas observações permitem a interpretação dos fundamentos
teóricos do trabalho expressos em fatos reais.
Para essa tarefa foram utilizadas as cartas topográficas como base para a
identificação dos elementos da paisagem. As cartas, em escala 1:100 000, produzidas
pela Diretoria de Serviço Geográfico do Exército foram:
Folha SD . 23 – Z – C – I / Catolé, 1979.
Folha SD . 23 – Y – D – IV / São Francisco, 1968.
Folha SD . 23 – Y – D – III/ São Joaquim, 1971.
As informações sobre a vegetação foram detalhadas através do Mapa de
Vegetação APA Pandeiros e REVS Rio Pandeiros, IEF/GEMOG, de julho de 2006, com
escala de 1:300 000.
Outro segmento entrevistado foi o de funcionários do IEF que atuam na área da
APA Estadual do Rio Pandeiros. Seguiu-se a técnica de entrevista padronizada com
adaptações para um dos casos, realizada por meio eletrônico. O roteiro da entrevista foi
elaborado com o objetivo de identificar a atuação do IEF, os projetos implementados, as
dificuldades e avanços alcançados nas relações com a comunidade e fiscalização da
produção de carvão.
Durante o levantamento de informações surgiu a necessidade de incluir mais
duas visitas, como forma de compreender alguns fatos ligados ao fenômeno analisado.
Procedeu-se um encontro com a liderança da Colônia de Pescadores de Januária. O
objetivo foi identificar os reflexos da situação ambiental da bacia hidrográfica do rio
Pandeiros e sua relação com o rio São Francisco, bem como a relação dos pescadores
com o IEF. Outra fonte foi a Cáritas do Brasil, que tem escritório em Januária
(QUADRO 1). As informações ali buscadas contribuíram para compreender as
dificuldades na implantação de projetos na região e as relações de parceria junto ao IEF.
QUADRO 1
Entrevistas realizadas
Comunidade Nome
Pandeiros Sra. Geralda - Presidente da Associação Comunitária Amigos do Distrito do Pandeiros
Larga Sr. Oswaldino - Líder comunitário da Larga
Quilombo (Com.
Vereda)
Sr. Argemiro - carvoeiro
Poções/Angico Sr. Santino – carvoeiro
Bonito de Minas Sr. Faustino Rodrigues da Silva - Vice-prefeito de Bonito de Minas e
ex-presidente do Sindicato Rural de Bonito de Minas
Várzea Bonita Sr. Erondino – morador mais antigo da comunidade
Várzea Bonita Sr. Mário Silveiro Viana – morador e vereador em Januária
Larga Sr. Eduardo – morador e participante do Projeto Pandeiros
Bonito de Minas Sr. Domingos – comerciante e dono de carvoaria
Campos (próximo
ao Refúgio)
Sr. José Francisco
Januária Sr. Afonso – Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Januária
Januária Simião Reginaldo Ferreira – Presidente da Colônia de Pescadores de Januária
Januária Sr. João Batista - funcionário Cáritas do Brasil
Januária Helen Duarte Faria – bióloga e funcionária do Escritório Regional do Alto-Médio São
Francisco do IEF – gerente do Projeto Pandeiros
Januária Alberto Luiz Ferreira Brito – funcionário do Escritório Regional do Alto-Médio São
Francisco do IEF; responsável pela APA Pandeiros em 2006
Januária Sra. Marli – funcionária do IEF, que desenvolve o trabalho junto com a comunidade no
trabalho de regularização das terras
Januária Sr. Walter Viana – funcionário do Escritório Regional do Alto-Médio São Francisco do
IEF e gerente da APA Pandeiros até 2006
Januária Sr. Diego – funcionário do Escritório Regional do Alto-Médio São Francisco do IEF e
gerente da APA Pandeiros em 2007/08
Procedeu-se, também, uma coleta de dados secundários relativos aos municípios
e a indicativos da importância da siderúrgica para a economia mineira, uma vez que a
produção de carvão vegetal está diretamente relacionada a esse segmento industrial. O
objetivo consistiu em caracterizar, a partir de informações quantitativas, os contextos
sociais e econômicos da área. Os dados foram buscados no IEF de Belo Horizonte e
Januária, incluindo-se os mapas usados durante a análise. Os demais dados foram
obtidos através de pesquisa pela internet e por meio de divulgação, como jornais e
revistas.
A ação analítica, de diagnósticos e preposições consistiram na etapa final do
trabalho de pesquisa. Os conflitos presentes na APA relacionam-se com diferentes
escalas, uma vez que envolvem aspectos econômicos (exportação e produção), sociais
(exploração de mão-de-obra e da pobreza), ambientais (extração da vegetação nativa em
área de preservação ambiental).
Existem várias divisões do estado de Minas Gerais, seguindo vários critérios, e
optou-se pela divisão em Mesorregiões Geográficas, elaborado pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística/IBGE e que apresenta o Estado dividido em 12 mesorregiões
Campo das Vertentes, Central Mineira, Jequitinhonha, Metropolitana de Belo
Horizonte, Noroeste de Minas, Norte de Minas, Oeste de Minas, Sul/Sudoeste de Minas,
Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, Vale do Mucuri, Vale do Rio Doce e Zona da Mata,
agrupando microrregiões com semelhanças sócio-econômicas. Aproximando a escala de
análise, de forma a permitir um maior detalhamento de dados, utilizou-se a divisão em
microrregiões, focando na microrregião de Januária, que engloba o município de Bonito
de Minas, cidades onde está localizada a bacia hidrográfica do rio Pandeiros. As cidades
das microrregiões foram agrupadas considerando a semelhança entre as características
físicas, sociais e econômicas, compondo certa homogeneidade dentro do Estado. Os
mapas foram obtidos por meio do site da Divisão de Geoprocessamento de Minas
Gerais/GEOMINAS (1996), com digitalização realizada pela Assessoria da Secretaria
Geral do Governador. A base para o trabalho foi o Mapa Geopolítico de Minas Gerais
IGA/CETEC/1994.
Esse detalhamento da divisão regional possibilitou agregar dados, indicando
parâmetros sócio-econômicos e ambientais para análise, sem desconsiderar as demais
escalas envolvidas.
O procedimento para o diagnóstico foi realizado através da análise integrada dos
elementos, fatos e fenômenos presentes na bacia hidrográfica. Considerou-se fenômenos
externos os que têm forte influência e são determinantes nas atividades econômicas e
nas tendências de gestão que envolvem Unidades de Conservação. As condições
ambientais foram integradas a outros fatores atuantes como as relações de poder,
atuação do Estado e tendências da sociedade de consumo, possibilitando a compreensão
do sistema e da dinâmica do território.
A bacia hidrográfica/APA Estadual do Rio Pandeiros foi usada como escala de
abordagem, concentrando-se na construção do espaço e formação do território. Em
alguns momentos foi necessária uma mudança de escala em função do objeto que se
desejava enfocar, como é o caso dos reflorestamentos e da formação do Sertão Mineiro.
Porém esse percurso pelas escalas espaciais e temporais não deixou de revelar aspectos
essenciais na escala da unidade fundamental.
Por último, foram elaboradas as proposições como forma de contribuir para os
estudos e a elaboração de projetos e programas para a área de estudo.
CAPÍTULO I
DISCUSSÃO TEMÁTICA
A Geografia, durante sua trajetória enquanto ciência construiu conceitos que
expressam as relações e interações entre o homem e o meio em que vive. O presente
capítulo traz algumas reflexões sobre os conceitos geográficos a serem utilizados
durante as análises desta pesquisa, como espaço, território, conflitos, e os relacionados
às dinâmicas existentes, como o conceito de sistema, contribuindo para o entendimento
do espaço e do território. Durante o texto é dada atenção especial à contribuição da
Geografia para a compreensão dos problemas ambientais, incluindo nesse universo as
questões sociais, econômicas e políticas que permeiam o contexto da APA Estadual do
rio Pandeiros.
1.1- Espaço geográfico
Pensar o ambiente hoje requer a necessidade de avaliar a importância de todos os
elementos que o compõem, tanto dos elementos bióticos quanto os abióticos,
acrescentando o homem. Considerar esses elementos é considerar, também, a sua
formação no tempo. Para Moreira (2006) tornou-se vital para a Geografia rever o
conceito de espaço geográfico. É importante considerar a interligação entre os
elementos que formam a diversidade e que, contraditoriamente, esses elementos se
fundem em uma única unidade, isto é, o espaço geográfico que é, ao mesmo tempo,
diversificado e unificado.
Nos estudos ambientais recebe importância o estudo da organização do espaço,
pois a intervenção promovida pelo homem não ocorre em um meio inerte, mas acontece
em uma “natureza mutante” que evolui segundo leis próprias e complexas. Estudar a
organização espacial é “determinar como uma ação se insere na dinâmica natural, para
corrigir certos aspectos desfavoráveis e para facilitar a explotação dos recursos
ecológicos que o meio oferece” (TRICART , 1977, p. 35).
Mas o conceito de espaço enquanto objeto de estudo da Geografia teve sua
importância variando entre as correntes do pensamento da área.
Corrêa (2001) discute a concepção de espaço nas diferentes correntes
geográficas, buscando contribuir com alguns conceitos operacionais. Segundo ele, a
Geografia enquanto ciência social estuda a sociedade e as transformações que esta
promove na superfície terrestre. Para tal aponta cinco conceitos-chave usados na
Geografia: paisagem, região, espaço, lugar e território, sendo que eles guardam entre si
um parentesco, mas foram ao longo do tempo mais ou menos destacados, de acordo
com a corrente do pensamento geográfico.
A Geografia tradicional privilegiou os conceitos de paisagem e região enquanto
objeto de estudo. O espaço ficou, assim, como abordagem secundária, apesar de ter sido
usado em obras como a de Ratzel. Este via o espaço como base indispensável para a
vida do homem tanto nos elementos naturais quanto nos produzido socialmente. Na
corrente teorético-quantitativa, o espaço aparece enquanto conceito chave, ficando em
segundo plano os conceitos de paisagem, lugar e território. Nessa corrente o espaço é
considerado em dois lados que não são, necessariamente, excludentes. No primeiro a
concepção do espaço é uma derivação do paradigma racionalista e hipotético-dedutivo,
isto é, admite-se o espaço enquanto unidade uniforme, independente das características
físicas ou humanas. Sob essa superfície uniforme se desenvolvem as ações econômicas,
que recebem destaque e estabelecem as diferenciações do espaço. Por outro lado, o
espaço passa a ser uma representação matricial, voltado para a racionalidade econômica
e com temas como localização, fluxos, hierarquias e especializações funcionais. Assim,
dentro dessa corrente, existe uma visão limitada do espaço, quando desconsidera os
agentes sociais, o tempo e as transformações, no momento em que se privilegia um
presente econômico.
Para a corrente denominada Geografia Crítica, o espaço permanece enquanto
conceito-chave. Nesse momento, as idéias de Marx foram discutidas amplamente,
levantando-se a questão de que, em sua obra, o espaço é ausente ou presente. Nas
discussões, Corrêa (2001) resgata o pensamento de Henri Lefébvre, para quem o espaço
é o locus da reprodução das relações sociais de produção, ou seja, da própria sociedade.
Na corrente mais recente, a Geografia Humanista e Cultural, ocorre a revalorização do
conceito de paisagem e o espaço adquire, para muitos, significado semelhante ao de
espaço vivido, uma vez que se considera é o sentimento, idéias e povo que existe sobre
um espaço, com a valorização da experiência. Essa corrente encontra-se nos estudos
atuais do espaço enquanto objeto de estudo da Geografia.
Em uma análise dos elementos constitutivos do espaço, Santos (2002) apresenta
uma possibilidade interpretativa da Geografia, incluindo descrição e explicação
enquanto elementos inseparáveis, pois a descrição deve basear-se no desejo de
explicação e supõe a existência de um sistema. Para tal aprofunda a análise do espaço
enquanto objeto de estudo da Geografia. Segundo este autor, espaço é formado por um
conjunto de sistemas de objetos e sistemas de ações que interagem, que não devem ser
considerados isoladamente, mas no seu conjunto. A história tem seu papel para esses
objetos; inicialmente os objetos naturais, período da “natureza selvagem” compunham o
espaço e, com o tempo esses objetos foram sendo substituídos por objetos fabricados,
técnicos, mecanizados e, depois cibernéticos. Isso leva a uma natureza artificial que
funciona como uma máquina, quando o homem implanta os elementos para seu
conforto, como hidroelétricas, fábricas, fazendas modernas, portos, estradas de
rodagem, de ferro, cidades, transformando o espaço.
Esses objetos compõem tudo o que existe na superfície da Terra, incluindo a
herança da história natural e os resultados das ações humanas. Por isso, Santos defende
que ao geógrafo interessa o presente, mas considerando as condições características de
várias épocas do passado. Mas analisar o espaço requer considerar que os objetos e as
ações estão reunidos em uma lógica que é, ao mesmo tempo
a lógica da história passada (sua datação, sua realidade material, sua causação
original) e a lógica da atualidade (seu funcionamento e sua significação
presentes). Trata-se de reconhecer o valor social dos objetos, mediante um
enfoque geográfico. A significação geográfica e o valor geográfico dos
objetos vêm do papel que, pelo fato de estarem em contigüidade, formando
uma extensão contínua, e sistematicamente interligados, eles desempenham
no processo social (SANTOS, 2002, p.77).
Santos, em sua obra, resgata o pensamento de Paul Ricoeur (1986) no que se
refere a uma ação humana que, quando se separa do seu agente, desenvolve suas
próprias conseqüências, tornando-se autônoma e constituindo-se na dimensão social da
ação. Existe, dessa forma, uma imprevisibilidade da ação, que tem autonomia; assim
não se pode prever completamente o resultado dessa ação, pois ela se sobre o meio,
que é uma combinação complexa e dinâmica, com poder para deformar o impacto da
ação.
Outro aspecto a ser considerado na análise dos objetos e sua relação com o
espaço é o tempo. É importante conhecer as propriedades fundadoras dos elementos
para compreender como ele se relacionará com os outros elementos. Assim, analisar
objetos significa reincluí-lo no conjunto das condições relacionais que incluem o espaço
que é, ao mesmo tempo, intermediador. Nesse aspecto, é essencial conhecer a história
dos objetos para compreender a organização do espaço. Santos (2002) lembra que uma
coisa não pode existir à parte do contexto, e esse pensamento vale também para o
espaço geográfico, pois é necessário considerar todo o conjunto de possibilidades de
combinação entre os objetos. Uma Geografia preocupada apenas com um aspecto do
objeto não poderia dar conta da realidade, que é total. Dessa visão complexa, surge a
idéia de se pensar o espaço enquanto um híbrido, partindo do princípio de que não
existem conceitos puros, pois matéria e homem estão em conexão, assim como o objeto
e a ação. Este autor faz uma crítica a análises separadas dos objetos e, propondo uma
análise conjunta, apresenta o espaço como resultado da inseparabilidade entre sistemas
de objetos e sistemas de ações, uma vez que não é possível fazer a análise separando
natureza e sociedade. Essa inseparabilidade dos sistemas faz parte da construção
epistemológica da Geografia e é papel do geógrafo propor um
modo de ver a realidade, oposto a esse trabalho secular de purificação,
fundado em dois pólos distintos. No mundo de hoje, é freqüentemente
impossível ao homem comum distinguir claramente as obras da natureza e as
obras dos homens e indicar onde termina o puramente técnico e onde começa
o puramente social (SANTOS, 2002, p.101).
Outra necessidade epistemológica apontada é a distinção entre paisagem e
espaço. Para Santos (2002, p.103) a paisagem é o “conjunto de formas que, num dado
momento, exprime as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre
homem e natureza”, enquanto o espaço refere-se a todas essas formas adicionadas da
vida que as anima. Assim, a paisagem, que inclui objetos do passado e do presente, é
apenas uma porção da configuração territorial, que é possível alcançar com a visão, pois
é formada pelos elementos naturais e artificiais que, fisicamente caracterizam uma área,
sendo uma construção transversal. o espaço é uma construção horizontal, é sempre
presente. Se a paisagem é caracterizada por uma dada distribuição de formas-objetos
com conteúdo técnico específico, o espaço é resultado da inclusão da sociedade nessas
formas-objetos. Disso decorre o fato dos objetos não mudarem de lugar, mas mudam de
funções, de valor e de significado que se transformam permanentemente.
Para Moreira (2006) o espaço é a essência da Geografia e um receptáculo do
qual o homem faz parte juntamente com os elementos da natureza. Esse espaço,
anteriormente classificado como natural, é modificado e organizado pelo homem
através dos objetos técnicos para compor o gênero de vida, conceito inspirado em Vidal
de La Blache. Dentro dessa ótica, toda a superfície terrestre torna-se o espaço
geográfico, composto como se fosse um mosaico formado por conjuntos de relevo,
cidades, agricultura, clima e demais elementos.
Tanto o gênero de vida quanto o meio técnico partem do mesmo princípio e
composição de elementos. Trata-se de uma combinação de meio geográfico,
técnica e população. O meio geográfico origina e ao mesmo tempo é
originado por uma cultura técnica (o complexo técnico de Sorre) que a
população cria no processo de conversão do meio geográfico em meio e
modo de vida (MOREIRA, 2006, p.182).
Resgatando o geógrafo Milton Santos, Souza (2005, p.15) aponta que o espaço
geográfico “é um sistema indissociável de objetos e ações, onde a técnica tem um papel
central”. Essa técnica é geradora das características do contemporâneo, como um tempo
técnico, científico e informacional. O conceito de sistemas abrange, assim, aspectos
materiais e imateriais, que possibilitam a criação do que denominou de inteligência
planetária, significando as redes, entendidas como produto das condições
contemporâneas da técnica, e as ações que vão se distinguir pela sua racionalidade e
intencionalidade.
1.2- Território
A categoria território, entre os conceitos geográficos, permite analisar enquanto
local onde coexistem diferentes formas de poder, configurando um espaço marcado,
muitas vezes, pelo conflito e analisado pela Geografia Política.
As relações entre a população local e o meio em que vivem são marcadas por
questões existentes no mundo. O presente processo de globalização em que os homens
encontram-se inseridos interfere no desenvolvimento das regiões mais remotas do
Brasil. Além dos aspectos econômicos e mercantis da globalização, que assinalam a
desigualdade social entre classes e países, temos a dinâmica territorial, que é uma
categoria analítica que nos remete à inscrição da sociedade da natureza e,
assim, nos obriga a considerar as relações sociais e de poder que estão
imbricadas na relação das sociedades com a natureza. A problemática
ambiental ganha maior consistência quando analisada a partir do território,
das territorialidades e dos processos de territorialização (GONÇALVES,
2006, p.38).
Dessa forma, a questão territorial e a geopolítica tornam-se essencial para a
compreensão do mundo e das questões ambientais. Os países industrializados dependem
dos recursos naturais dos demais países para a manutenção do padrão de vida de seus
habitantes e para garantirem a continuidade do fluxo de energia e materiais, utilizando a
dependência econômica desses países como instrumento de coerção política. Assim a
necessidade de exportar tem pressionado áreas nos países considerados em
desenvolvimento, que deveriam ficar como reserva da biodiversidade e de cultura dos
povos, para a ampliação dos espaços destinados à monocultura ou abertura de novas
jazidas para extração de recursos minerais. Com esse processo percebe-se que os
espaços tornam-se cada vez mais desiguais entre os que têm condições de pagar pelos
recursos, mesmo que de forma não justa, e os que necessitam se submeter a essas
condições.
De acordo com Santos (2003) é importante para os geógrafos não confundirem
espaço com território, pois o conceito de território implica na existência de relações
políticas dentro de um determinado espaço. Assim pode-se pensar, segundo Raffestin
(1993), que o espaço é anterior ao território, isto é, o território é um produto dos atores
sociais e esses atores produzem o território a partir de uma realidade inicial, que é o
espaço. Essas relações estão em constantes mutações e, conforme o pensamento de
Massey (2006) o espaço é produto de relações ou até da falta delas e está sempre em
construção, isto é, nunca é acabado. Como lembrou Santos (2003, p.22), a política e o
mercado regulam o território, fazendo surgir regiões do mandar e as regiões do fazer. O
território torna-se vivo com uma interdependência entre materialidade e a ação humana,
formando a expressão natureza + trabalho + política, estabelecendo-se uma ligação
entre os diferentes espaços através das redes e dos fluxos.
Becker (1988) expõe que o território é o espaço da prática, pois inclui a
apropriação de um espaço, a noção de limite e a intenção de poder sobre uma área. Por
outro lado, é um produto usado, vivido pelos atores e utilizado como meio de sua
prática. Raffestin (1993) em sua obra “Por uma Geografia do poder” esclarece que seu
estudo é sobre o poder, mas ao longo de sua discussão, vai unir os dois conceitos
território e espaço – em sua análise, pois a compreensão do conceito de território requer
um resgate do processo histórico ocorrido no espaço. Também para Souza (2001, p.11)
em um espaço as relações de poder participam da formação do território, afirmando que
este é “todo espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder”, e, com
isso aborda uma visão de transformação semelhante a Massey
o território, que são no fundo antes relações sociais projetadas no espaço que
espaços concretos [...] podem [...] formar-se e dissolver-se, constituir-se e
dissipar-se de modo relativamente rápido (ao invés de uma escala temporal
de séculos ou décadas, podem ser simplesmente anos ou mesmo meses,
semanas ou dias), ser antes instáveis que estáveis ou, mesmo ter existência,
mas apenas periódica, ou seja, em alguns momentos (MASSEY, 2006, p.86).
Um ponto comum entre os diversos autores consultados é a origem do conceito
de território. Friedrich Ratzel é considerado o fundador da Geografia Política, que trata
dos conflitos gerados pelo uso político do espaço. De acordo com Raffestin (1993),
Ratzel recebeu influência de outras áreas do conhecimento, como a Geografia, História,
Matemática e Sociologia, e foi além do determinismo do meio natural, elaborando uma
teoria das relações entre a política e o espaço, introduzindo o conceito de “sentido do
espaço” baseado na concepção de que certos povos tinham maior capacidade de ordenar
as paisagens e de valorizar os recursos naturais, bem como promover o enraizamento no
território. Esse “enraizamentopensado por Ratzel é reflexo da ligação entre o solo e as
comunidades que exploram as potencialidades do espaço, além das relações desse solo
com o Estado. O Estado descrito por Ratzel foi formado a partir das características do
povo que habita seu solo (RAFFESTIN, 1993). A obra de Ratzel ficou esquecida por
muito tempo, quando a Geografia Política passou a ser associada ao Estado Nazista,
momento em que alguns geógrafos colaboraram no planejamento da guerra, sendo
redescoberta cerca de sessenta anos mais tarde. De acordo com Raffestin
o que parece novo é aquilo que Ratzel, voluntária ou involuntariamente,
deixou na sombra [...] descobre-se que o pensamento da geografia política
atual flui, grosso modo, nos mesmos moldes que os de Ratzel. O que
significa que houve um enorme trabalho de reprodução, atualizado nos
conteúdos, mas um modesto trabalho de invenção, ou seja, uma medíocre
atualização das formas (RAFFESTIN, 1993, p.14).
Atualmente, a Geografia Política trabalha com as bases conceituais de Ratzel
que, como lembrou Raffestin (1993), são bastante modernas, como crescimento
diferencial, centro e periferia, interior e exterior, vizinhança e outros, além da idéia do
Estado como representante do poder político, atualmente repensado como um dos
centros do poder, mas não o único. Para Castro (2005) a Geografia Política pode ser
entendida como o conjunto de relações entre Geografia e Política e seu conhecimento é
resultado da interpretação dos fatos políticos em diferentes contextos. Dessa forma, a
Geografia Política trabalha com as reflexões ligadas às questões inerentes às relações
entre a política e o território. Assim ocupa-se das dimensões do controle de conflitos e
interesses, decisões e ações políticas que ocorrem em uma base material e simbólica do
cotidiano social, considerando as transformações históricas e espaciais (CASTRO,
2005).
Haesbaert (2004) destaca que o conceito de território pode ser associado a dois
sentidos, sendo o primeiro, predominante, ligado à materialidade, isto é, a terra em
sentido material e outro relacionado ao sentimento de pertencer a um determinado
espaço ou fazer parte de um grupo social. Na Geografia temos definições variadas para
território, das quais o autor destaca três:
- a vertente política: onde se destaca as relações de poder, institucionalizadas
ou não, configurando um espaço delimitado e controlado;
- a vertente cultural: que prioriza a dimensão simbólica e mais subjetiva, onde
o território é produto da apropriação simbólica de um grupo em relação ao
espaço vivido;
- a vertente econômica: com destaque para a dimensão das relações
econômicas, onde o território é visto como fonte de recursos.
Esse autor esclarece que outras áreas do conhecimento também trabalham com o
conceito de território, como a antropologia que fornece maior enfoque na dimensão
subjetiva, dentro da visão de que entre o meio físico e o homem se interpõe sempre uma
idéia, uma concepção. Para Haesbaert (2004), o diferencial da Geografia é a ênfase na
dimensão material do território.
Sobre a importância dos conceitos trabalhados, este autor destaca que estes
“devem revelar sua multiplicidade, os elos possíveis com outros conceitos que
permitem expressar a complexidade das questões que buscam compreender”
(HAESBAERT, 2004, p.71). Assim a Geografia possui uma visão integradora sobre o
território, uma vez que esse carrega uma dimensão simbólica ou cultural e uma
dimensão material, de natureza predominantemente econômico-politica. Essa
característica associa-se ao novo paradigma em construção baseado na visão holística
do espaço, além da diversidade do mundo atual. Haesbaert (2004) lembra da
importância de se considerar as duas características básicas do território. Sendo a
primeira relacionada ao seu caráter político presente no jogo entre os macropoderes
institucionalizados e os micropoderes, geralmente mais simbólicos que são produzidos e
vividos no cotidiano das populações; a segunda característica é o caráter integrador
entre o Estado, com seu papel gestor-administrativo, e os indivíduos formadores dos
grupos sociais nas relações com o ambiente em que estão inseridos. Completando o
pensamento o autor destaca a importância de se trabalhar o contexto histórico para se
chegar ao território:
é imprescindível, portanto, que contextualizemos historicamente o ‘território’
com o qual estamos trabalhando. Se nossa leitura for uma leitura integradora,
o território respondendo pelo conjunto de nossas experiências ou, em outras
palavras, relações de domínio e apropriação, no/com/através do espaço, os
elementos-chave responsáveis por essas relações diferem consideravelmente
ao longo do tempo (HAESBAERT, 2004, p.78).
Dessa forma o território deve ser trabalhado a partir da concepção de um espaço
híbrido, isto é, composto por uma complexa interação tempo-espaço entre sociedade e
natureza, política, economia, cultura, entre materialidade e idealidade, sem
desconsiderar as múltiplas relações de poder, tanto o mais material das relações
econômico-políticas quanto o poder mais simbólico expresso nas relações culturais.
Haesbaert (2004, p.80) cita Raffestin (1993) em várias partes de sua obra
enfatizando que a leitura desse autor deve ser mais condescendente “na medida em que,
também para ele, espaço pode ser um ‘trunfo’ e território, ‘os campos de ação dos
trunfos”, sendo que esses trunfos de poder, para Raffestin, são a população, os recursos
e o território.
Os movimentos e interações existentes no interior de um território e vivenciados
pelos seus habitantes passam a construir um sentimento de pertencimento ao espaço em
que estão inseridos, com a edificação da visão de serem iguais, uma vez que estão
subordinados a um mesmo tipo de controle. Dessa forma, toda relação de poder
espacialmente medida é produtora de uma identidade, como lembra Haesbaert (2004).
Porém a prudência é importante no que se refere a uma redução da visão acerca das
pessoas que habitam um território, limitando-os como agentes passivos dos processos
ali presentes e das relações com outros espaços e territórios, na medida em que vive-se
em uma realidade formada pelas redes.
Dentro dessa concepção, percebe-se que não é possível dissociar o território dos
homens que o constituem, pois não tem território que não se consagre pelos seus
sujeitos. Partindo dessa idéia, cabe nesse momento resgatar o pensamento de Markusen
(2005) que enfatiza a importância de considerar os atores em uma análise do território.
Em sua argumentação buscou a definição do que chamou de atores como “instituições
que funcionam como agentes decisórios, empreendedores que decidem estabelecer ou
criar firmas em determinados locais e trabalhadores que tomam a decisão de migrar”
(MARKUSEN, 2005, p.58). A autora demonstra como esses atores, dentro dos
processos modificadores dos ambientes físicos e das estruturas da sociedade, com a
tomada de decisões e o comportamento de cada indivíduo ou grupos de atores, replicam
e alteram as economias regionais. Assim, é possível incluir as alterações das paisagens
em uma visão mais ampla em que a economia está inserida. Mas alerta que a ênfase no
ator não elimina a importância de se considerar, para a análise, o contexto histórico.
1.3- Conflitos
O termo conflito pode ter várias definições, porém é possível definir como “uma
luta por valores e reivindicações de status, poder e recursos escassos, em que o objetivo
dos oponentes consiste em neutralizar, lesionar ou eliminar os rivais” (FUNDAÇÃO
GETÚLIO VARGAS, 1986, p. 240).
Bobbio (1991, p.225) expõe também o consenso da definição de conflito como
uma forma de interação entre indivíduos, grupos, organizações e coletividades, quando
estes objetivam o acesso e a distribuição de recursos escassos. Mas “esta proposição
suscita imediatamente diferenciações e divergências atinentes à maior parte dos
problemas ligados ao conceito de conflito e a sua utilização”.
As interações entre os indivíduos podem ocorrer de diversas formas e o conflito
é apenas uma dessas formas. A cooperação é outra forma e, “qualquer grupo social,
qualquer sociedade histórica pode ser definida em qualquer momento de acordo com as
formas de conflito e de cooperação entre os diversos atores que nela surgem”
(BOBBIO, 1991, p. 225).
Partindo do pressuposto de que um dos objetivos do conflito é a disputa por
recursos escassos, esses recursos são identificados no poder, na riqueza e no prestígio,
seja nos territórios, pelo controle de cargos em competição ou nos conflitos políticos.
Bobbio (1991) acrescenta que enquanto alguns recursos podem ser desejados como fins
em si mesmos, outros podem servir para melhorar as posições em vista de novos
prováveis conflitos. Os conflitos podem ocorrer entre grupos de indivíduos iguais ou
entre diferentes, como um indivíduo e uma organização, como é o caso de um conflito
pela democracia no interior de um partido, entre discordantes e os dirigentes, ou
conflitos étnicos, ou conflitos entre organizações e coletividade, no sentido da
burocracia e o Governo enquanto representante da coletividade.
As discussões ambientais que estão ocorrendo nas últimas décadas,
principalmente as que contribuíram para a implementação de uma legislação voltada
para a conservação e preservação de espaços representativos da biodiversidade são,
também, geradoras de conflitos. Como lembra Acselrad (2005) a categoria meio
ambiente é vista não apenas como um objeto de cooperação, mas também de
contestação e conflito por envolver outros elementos além dos classificados como
recursos naturais
ao contrário do que sugere o senso comum, o ambiente não é composto de
puros objetos materiais ameaçados de esgotamento. Ele é atravessado por
sentidos socioculturais e interesses diferenciados [...] Trata-se de um espaço
comum de recursos, sim, que exposto a distintos projetos, interesses,
formas de apropriação e uso material e simbólico (ACSELRAD, 2005, p. 7).
Assim, se o conflito pauta-se na disputa por recursos, os recursos naturais são
alvos de conflitos, principalmente quando associam-se a atividades industriais com peso
na economia, seja ela local, regional ou nacional, como é o caso da produção de carvão
vegetal. As limitações de uso desses recursos, seja via exigência de licenciamento
ambiental, seja por serem encontrados em áreas de proteção, promovem conflitos entre
os órgãos responsáveis pela gestão e demais interessados no seu uso. Independente do
poder existente, o conflito ocorre em várias esferas, mas o recurso é o mesmo. Quando
se trata de conflito, a visão de meio ambiente não se limita a locais de extração ou de
preservação de recursos e aspectos naturais, mas como lembra Acselrad (2005, p.8)
esses conflitos ambientais ocorrem “quando um desacordo no interior do arranjo
espacial das atividades de uma localidade, região ou país: a continuidade de um tipo de
ocupação do território vê-se ameaçada pela maneira como outras atividades,
principalmente conexas, são desenvolvidas”. Essas atividades, muitas implantadas por
políticas públicas voltadas para o desenvolvimento de regiões conduzem para a
instalação de conflitos, seja na esfera econômica, social ou ambiental.
Segundo Zhouri e Oliveira (2005) um conflito é decorrente da impossibilidade
de conciliar mais de uma visão sobre os recursos naturais, o seu uso ou não, sobre o uso
da terra entre os diversos atores que atuam no território e que possuem diferentes
racionalidades que se confrontam. Entre esses atores, são incluídos o Estado e os
empreendedores privados que
a partir de uma ótica de mercado, entendem o território como propriedade, e,
como tal, uma mercadoria passível de valoração monetária. Nesse campo de
lutas, em que as diferentes posições sustentam forças desiguais, perpetuam-se
políticas socialmente injustas e ambientalmente insustentáveis, enquanto as
comunidades ribeirinhas lutam contra uma lógica reificadora que as
transformam em objeto na paisagem natural, por via de conseqüência,
tornando-as invisível enquanto sujeitos sociais e atores políticos dotados de
desejos e direitos (ZHOURI e OLIVEIRA, 2005, p. 50).
A mensuração de um conflito varia de acordo com alguns aspectos, como
dimensão e intensidade. Para Bobbio (1991, p.226), os conflitos podem ser distintos
tendo como base algumas características objetivas, como:
- dimensão: indicado pelo número de participantes, quer absoluto, quer
relativo à representação dos participantes potenciais (ex: uma greve em que
participam todos os trabalhadores);
- intensidade: indicada pelo grau de envolvimento dos participantes, pela
sua disponibilidade a resistir até o fim (perseguindo os chamados fins não
negociáveis) ou entrar em tratativas apenas negociáveis.
Esse autor ressalta que a violência não é um componente da intensidade, pois
não mede o grau de envolvimento, mas assinala a inexistência, a inadequação, a ruptura
de normas aceitas por ambas as partes e de regras do jogo. Nessa perspectiva, a
violência pode ser considerada um instrumento utilizável num conflito social ou
político, nas não o único e nem necessariamente o mais eficaz.
Conhecer o objetivo de um conflito requer um conhecimento mais profundo da
sociedade em que este emergiu ou se manifestou, isto é, a origem da interrupção da
harmonia e da organização da sociedade. Dessa forma, a
distinção habitual entre conflitos que têm objetivos de mudança no sistema e
os que se propõem mudanças do sistema é substancialmente insuficiente.
Nada impede, de fato, que uma série de mudanças no sistema provoque uma
transformação do sistema; nem que tentativas de mudanças do sistema
acabem por cooperar para reforçar e melhorar o sistema que se visava
destruir, derrubar ou transformar estruturalmente [...] que o equilíbrio e
uma relação harmônica entre os vários componentes da sociedade constituem
o estado normal, as causas do conflito são meta-sociais, isto é, devem ser
encontradas fora da própria sociedade, e o conflito é um mal que deve ser
reprimido e eliminado. O conflito é uma patologia social (BOBBIO, 1991, p.
226).
Considerando que em nenhuma sociedade existe a harmonia e o equilíbrio de
forma constante, o contrário dessas duas situações é fato comum a essa sociedade e,
assim, para muitos autores citados por Bobbio (1991), como Marx, Sore, John Stuart
Mill, Simmel e os mais contemporâneos como Dahrendorf e Touraine, o conflito é visto
como uma vitalidade, como algo que vem para o bem dessa sociedade. Mesmo como
um aspecto relacionado à vitalidade, Bobbio, citando Dahrendorf (1971), destaca que o
centro do conflito de classe está no problema das relações de autoridade, de
subordinação e de superordenação, quando este autor busca uma explicação para a
permanência do conflito de classes também nas sociedades pós-industriais ou as
caracterizadas como tal, em que os conflitos sobre a distribuição dos recursos aparecem
de forma mais acentuada. Completando o pensamento dentro da mesma obra, Pasquino
afirma que para se compreender as causas e conseqüências do conflito é preciso
focalizar a configuração da sociedade
num sentido bem definido, portanto, não existem causas específicas do
conflito, nem do conflito de classes. De fato, todo conflito é ínsito na mesma
configuração da sociedade, do sistema político, das relações internacionais.
Ele resulta em elemento ineliminável que conduz à mudança social, política,
internacional. Ineliminável a longo prazo, porque a curto e a médio prazo, o
conflito pode ser sufocado ou desviado. É nessa fase que intervêm os
instrumentos políticos através dos quais os sistemas contemporâneos
procuram abrandar o impacto dos conflitos sobre suas estruturas (BOBBIO,
MATTEUCCI, e PASQUINO, 1991, p. 228).
Assim, os conflitos são condicionados pela configuração social e pelos próprios
sistemas sociais. É uma situação em que os atores têm certa discricionariedade em seus
comportamentos, seja na ampliação ou redução do número dos que estão envolvidos,
quer no modo de aumentar a intensidade do conflito, ou de moderá-lo, quer no modo de
institucionalizar o conflito ou mantê-lo fora e além das regras aceitas por todos.
A solução de um conflito pode ocorrer pela sua supressão, mas em casos raros
como destaca Bobbio (1991), pois necessitaria da eliminação das causas, das tensões,
dos contrastes que o originaram. A regulamentação dos conflitos é o mais freqüente
quando da formulação de regras aceitas pelos participantes que estabelecem
determinados limites aos conflitos.
A regulamentação dos conflitos deve garantir o respeito das conquistas
alcançadas por alguns atores e a possibilidade para os outros atores de entrar
novamente em conflito. O ponto crucial é que as regras devem ser aceitas por
todos os participantes e, se mudadas, devem ser mudadas por recíproco
acordo. Quando um conflito se desenvolve segundo regras aceitas,
sancionadas e observadas, sua institucionalização [...] as sociedades
organizadas procuram diluir o conflito, canaliza-lo dentro de formas
previsíveis, submete-lo e, às vezes, orientar para o sentido preestabelecido o
potencial de mudança (BOBBIO, 1991, p. 228).
Este autor lembra que nem todas as mudanças decorrentes dos conflitos tiveram
sinal positivo e indicaram melhoramentos no que se referem à ampliação valores como
liberdade, justiça e igualdade. Porém o conflito é necessário, pois “onde os conflitos são
suprimidos ou desviados ou não chegam a se realizar, a sociedade estagna e enfraquece
e sua decadência se torna inevitável” (BOBBIO, 1991, p. 228).
1.4 - A Geografia e os conceitos ambientais
Os estudos ambientais possuem um caráter interdisciplinar por tratar de eventos
e fenômenos que ocorrem na superfície terrestre, e devem ser compreendidos através da
evolução espaço-temporal. O olhar sobre as questões ambientais deve estar de acordo
com um posicionamento integrador e com uma visão holística, considerando a relação
entre os problemas ambientais e a sociedade causadora da degradação (CUNHA e
GUERRA, 1998), compreendendo o processo existente no espaço. As ações humanas e
suas conseqüências sobre o meio ambiente trouxeram a necessidade de elaboração de
um novo paradigma de análise, baseado na interdisciplinaridade, com a união dos
diferentes campos do saber, em contraposição a um pensamento fragmentado
predominante até pouco tempo. Mesmo os estudos divididos nas diferentes disciplinas
deve ser articulado com a pesquisa sobre o mundo e as circunstâncias de vida das
pessoas e a ele deve ser acrescentada a necessidade de “compreender o conjunto, a
totalidade ou o universo em que se inserem as distintas disciplinas, especialidades ou
faculdades e seus esforços interdisciplinares” (CASANOVA, 2006, P. 12).
No mundo atual as ações racionais estão cada vez mais presentes em
decorrência, principalmente da existência de objetos técnicos que tem como objetivo
servir a essa ação racional, da qual o homem é o único ser capaz de promover a ação
a ação é o próprio homem. Só o homem tem ação, porque só ele tem objetivo,
finalidade. A natureza não tem ação porque ela é cega, não tem futuro. As
ações humanas não se restringem aos indivíduos, incluindo, também, as
empresas, as instituições. Mas os propósitos relativos às ações são realizados
por meio dos indivíduos (SANTOS, 2002, p.82).
Assim as ações resultam de necessidades naturais ou não (materiais, imateriais,
econômicas, sociais, morais, afetivas, culturais) que conduzem o homem ao agir e
realizar as funções que acabam por desembocar nos objetos elaborados e construídos
para o conforto e satisfação das necessidades humanas.
Os fenômenos acontecem sobre uma base material. A análise desses fenômenos
deve ir além de uma mera descrição dos aspectos e dos elementos terrestres, mas buscar
suas conexões. Assim,
ela deve ter por objetivo uma obra aberta que é o homem num planeta de
encantamento misterioso e incerto. E é por isso que Edgar Morin identifica
na geografia a presença de um conhecimento multidimensional e formador de
uma epistemologia da complexidade por princípio, haja vista abranger desde
a física terrestre, a biosfera e as implantações humanas (SILVA; GALENO,
2004, p. 8).
A busca das conexões é retratada por Carvalho (2004) como uma necessidade
atual uma vez que
hoje, questiona-se não a extrema fragmentação dos conhecimentos, mas
também o artificialismo simplificador que classifica tais conhecimentos em
físico-naturais, de um lado, ou humano-sociais, de outro. A construção de
abordagens integradas da natureza e da cultura deixa de ser vista apenas
como uma nostalgia romântica de formulações típicas dos séculos XVIII e
XIX, ou como um desvario reducionista de renitentes positivistas, impondo-
se como uma necessidade para a compreensão de um mundo cujas fronteiras
culturais, históricas, políticas, não se expressam em escalas menores do que
as fronteiras do próprio geóide e com elas tecem um emaranhado complexo,
dificilmente desvendado por instrumentos pautados apenas na redução e
disjunção (CARVALHO, 2004, p. 70).
Independente da natureza dos aspectos existe uma conexão entre esses sistemas
ou organismos, que ocorre em um espaço específico, ou seja, em uma base física. As
abordagens podem ser múltiplas e é importante “argumentar e demonstrar as conexões
existentes entre todas as coisas presentes na Terra” (CARVALHO, 2004, p.73). Assim,
as conexões entre os elementos ocorrem de diversas formas, mas independente dessa
forma, a sua compreensão deve considerar o componente espacial.
Inicialmente falar de sistema natural é referir-se a elementos físicos como solo,
vegetação, relevo, água, clima, considerando a complexidade da inter-relação e o grau
de interdependência entre eles (CUNHA, 2006). Com a intensificação das atividades
humanas que utilizam recursos naturais, o processo de degradação se acentuou na
segunda metade do século XX. Frente a situações irreversíveis de extinção de espécies
da fauna e flora, a sociedade civil organizou-se em grupos de pessoas com a intenção de
conter a ação de uma outra parcela de homens que devastam. Com a ação humana de
forma mais intensa sobre os ecossistemas, uma nova conceituação surgiu para os
sistemas naturais, incluindo o homem como elemento.
Para Drew (2002, p.21) um sistema “é um conjunto de componentes ligados por
fluxos de energia e funcionando como uma unidade”. Para esse autor o Planeta Terra é
um grande sistema, em que uma das características é a interdependência das partes que
formam o conjunto. Assim, torna-se difícil compreender um aspecto sem considerar os
demais.
As ações humanas ocorrem em um espaço e interferem em um sistema
ambiental. Por isso a avaliação dos impactos decorrentes dessas ações e os objetos
inseridos no meio ambiente devem basear-se no estudo dos sistemas. Christofoletti
(2002) discute procedimentos metodológicos para pesquisas dos sistemas ambientais.
Para tal destaca a importância dos conceitos de concepções de mundo, unidade,
totalidade e complexidade, bem como as abordagens holísticas e reducionistas. Na
abordagem holística considera-se que a análise do fenômeno deve ocorrer em seu
próprio nível hierárquico e não através do conhecimento adquirido nos níveis inferiores.
Essa abordagem procura conhecer o conjunto mais que as partes e sugere que o todo é
mais do que o simples somatório das partes, pois no todo surgem novas propriedades
que não emergem do conhecimento das suas partes constituintes. Para Christofoletti
(2002, p.4), essa concepção engloba a idéia de complexidade e integração entre as
disciplinas e não “como uma coleção de disciplinas e setores disparatados”.
Utilizar uma abordagem holística torna-se importante para compreender como se
estruturam as unidades ambientais físicas, sua organização espacial e funcionamento em
diferentes unidades complexas em si mesmas e na hierarquia as quais pertencem.
Posição semelhante encontra-se em Tricart (1977), que defende ser importante conhecer
as partes para compreender as relações entre elas e o todo. A abordagem reducionista
implica num procedimento metodológico que analisa o problema em seu nível inferior
na hierarquia da complexidade. Assim, “a abordagem reducionista também se enquadra
como básica na pesquisa dos sistemas ambientais, sem contraposição com a holística”
(CHRISTOFOLETTI, 2002, p.1).
No caso da Geografia, isso acontece através do estudo compartimentado.
No conhecimento geográfico se considerou como ideal catalogar
separadamente todas as facetas do meio ambiente físico e de todos os fatos e
distribuição das atividades humanas em determinado lugar. Nessa
perspectiva, a Geografia encontra-se caracterizada pela desagregação em
inúmeros elementos componentes. Essa abordagem geral é denominada
reducionismo, definida mais formalmente como conceitos ou enunciados
redefinidos em termos que são mais elementares ou básicos
(CHRISTOFOLETTI, 2002, p.1).
Acredita-se que não existe oposição entre essas duas abordagens (reducionista e
holística), pois elas se complementam e se tornam necessárias aos procedimentos em
todas as disciplinas científicas.
O olhar geográfico sobre fenômenos deve pautar-se em uma visão de totalidade,
considerando os fatores que formam um sistema. Santos (2002), faz uma crítica à visão
de sistema-mundo, enquanto unidade de análise, pois
ao nosso ver, a precedência que é dada à noção de sistema-mundo é uma
dificuldade maior, que conduz a dois problemas. De um lado, a idéia de
totalidade-mundo é reduzida a um dos aspectos e, de outro lado, o enfoque
adotado conduz, geralmente, a análises externas ao fato geográfico, este
ficando subjugado por alusões, comparações, analogias, metáforas, que, em
nenhum caso, substituem a visão constitutiva do fenômeno (SANTOS, 2002,
p.114).
Diante desta proposta, o geógrafo deve adotar a visão totalizante do mundo, mas
deve fazer a partir de um aspecto da realidade global, para a construção de uma filosofia
menor (metageografia) que ofereça um sistema de conceitos capaz de reproduzir as
situações reais enxergadas de um ponto de vista sobre esse aspecto. Para Santos
um caminho seria partir da totalidade concreta como ela se apresenta neste
período de globalização uma totalidade empírica para examinar as
relações efetivas entre a Totalidade-Mundo e os Lugares. Isso equivale a
revisitar o movimento do universal para o particular e vice-versa,
reexaminando, sob esse ângulo, o papel dos eventos e da divisão do trabalho
como uma mediação indispensável (SANTOS, 2002, p.115).
Dessa forma, a noção de totalidade compõe um elemento fundamental para o
conhecimento e análise da realidade. Cada elemento é parte de uma unidade, do todo,
mas a totalidade não significa, com isso, a simples soma de partes; por outro lado, o
conhecimento dessas partes de forma isolada não é suficiente para conhecer a
totalidade. Na realidade é a totalidade que explica as partes, por isso Santos (2002,
p.118) defende que “a primeira noção a levar em conta é a de que o conhecimento
pressupõe análise e a segunda noção essencial é a de que a análise pressupõe a divisão
[...] pensar a totalidade, sem pensar a sua cisão é como se a esvaziássemos de
movimento”.
A apreciação da noção de totalidade também é defendida por Christofoletti
(2002), que em uma discussão sobre sistemas, conceitua a totalidade como um conjunto
de partes, cuja interação resulta em uma composição diferente e específica, mas não
necessariamente é a somatória das partes. O todo perfaz uma estrutura diferenciada de
seus subcomponentes, que possuem características específicas. Assim o sistema
organiza-se através das inter-relações entre os elementos que o compõe e sua dinâmica
enquadra-se na integralidade desses elementos que forma um todo, isolando o
funcionamento das partes, mas considerando entradas e saídas de matéria, energia e
informação (NASCIMENTO, 2006).
Para Christofoletti (2002), outro fator importante na análise dos sistemas
encontra-se na visão de mundo do pesquisador. Ao longo da história da humanidade,
essa visão variou, partindo de um prisma religioso, em que a natureza foi criada pelos
desígnios de Deus formando uma obra perfeita, na qual o homem é o elo final com toda
a natureza ao seu dispor. Em outro momento, a visão racionalista de Alexandre von
Humboldt e Charles Darwim de que a natureza tinha outras explicações como a
climática, formam a base para a visão mecanicista do mundo, onde a natureza é
composta por peças elementares e distintas, mas que se interagem num funcionamento
mecânico, assim, essa orientação tem como fundamento o estabelecimento de uma
noção de natureza composta por fenômenos dispostos em uma cadeia de ligações.
Para Moreira (2006) Humboldt apresentou a dinâmica da natureza através da
relação entre os elementos orgânicos e inorgânicos, sendo essa teoria considerada a base
da ecologia. Em um terceiro momento, a visão volta-se para um mundo organizado
conforme um modelo de um organismo biológico, com elementos componentes com
características e funções próprios, considerando que esse conjunto não é apenas o
somatório das partes, mas algo individualizado e distinto, com características próprias.
Analisar a superfície terrestre sob a visão organicista significa considerar cada
unidade regional que atingiu um estado de equilíbrio conforme as condições
predominantes e que funciona de forma integrada com as demais para compor a
individualização e a funcionalidade geral no planeta. Quando afetado por eventos que
interferem no equilíbrio, o sistema regional ou local absorve o impacto e busca um novo
equilíbrio, em casos nos quais esses impactos possam ser absorvidos, isto é, situações
em que os fluxos de energia e matéria não chegam a ultrapassar os limites de resiliência.
Christofoletti (2002, p.2) alerta para o fato de que “nessa perspectiva, os grupos
humanos devem compreender as características e o funcionamento dos sistemas do
meio ambiente e evitar introduzir ações que provoquem rupturas no equilíbrio,
ocasionando os impactos ambientais que ultrapassem a estabilidade existente”.
A visão organicista foi ampliada para a abordagem dos sistemas ambientais,
recebendo novas perspectivas de conceitos e bases analíticas. Citando Gare
2
,
Christofoletti considera que
essas perspectivas sistêmicas surgiram considerando o desenvolvimento
provindo da Biologia teorética, com as inovações introduzidas por Ludwig
Bertallanfy, e as concepções mais recentes ligadas com o desenvolvimento
observado no campo da Química e Física, mormente no que se refere aos
sistemas dinâmicos não-lineares, com comportamento caótico. Se a
perspectiva sistêmica com fundamentação biológica é considerada ligada à
modernidade, as perspectivas sistêmicas ligadas à incerteza e ao
comportamento caótico são consideradas como pertencentes à pós-
modernidade (CHRISTOFOLETTI, 2002, p.2).
Partindo do conceito de Tansley (1934), no qual o ecossistema pode ser definido
como um “conjunto de seres vivos mutuamente dependentes uns dos outros e do meio
ambiente no qual eles vivem” (p.17), Tricart (1977) destaca que o importante é a idéia
de sistema, definido como um conjunto de fenômenos processados através dos fluxos de
energia e matéria, fluxos esses que possuem uma relação de dependência mútua entre os
fenômenos. Lembra que cada sistema possui propriedades próprias e que diferem da
soma das propriedades de seus componentes.
O conceito de sistema é, atualmente, o melhor instrumento lógico de que
dispomos para estudar os problemas do meio ambiente. Ele permite adotar
uma atitude dialética entre a necessidade da análise que resulta do próprio
progresso da ciência e das técnicas de investigação e a necessidade,
contrária, de uma visão de conjunto, capaz de ensejar uma atuação eficaz
sobre esse meio ambiente. Ainda mais, o conceito de sistema é, por natureza,
de caráter dinâmico e por isso adequado a fornecer os conhecimentos básicos
para a atuação o que não é o caso de um inventário, por natureza estático
(TRICART, 1977, p.19).
Outros conceitos complementam a compreensão dos sistemas, como o conceito
unidade, significando tudo que pode ser considerado individualmente, porém sem ser
sinônimo de simples. Um conjunto pode ser composto por seres individuais
considerados em suas relações mútuas e pela dependência, organizados de forma
harmoniosa. Outro conceito é o de complexidade que aponta para uma diversidade de
2
GARE, A. E. Postmodernism and the Environmental Crisis. Londres, Routledge, 1995.
elementos encadeados e que interagem, com fluxos e retroalimentação, formando uma
entidade organizada.
Os sistemas complexos podem ser definidos como sendo “composto por grande
quantidade de componentes interatuantes, capazes de intercambiar informações com seu
entorno condicionante e capazes, também de adaptar sua estrutura interna como sendo
conseqüências ligadas a tais interações” (CHRISTOFOLETTI, 2002, p.3). Para esse
autor, o estudo da complexidade pode ser visto como uma revolução na ciência, pois
tem suas bases na concepção de que a maior parte da natureza é não-linear e que seus
elementos apresentam comportamentos caóticos, isto é,
na teoria dos sistemas dinâmicos, a complexidade significa não apenas a não-
linearidade, mas também uma diversidade elevada de elementos com muitos
graus de liberdade. A emergente ciência da complexidade tem a ver com a
estrutura e a ordem, procurando as regras básicas e os princípios comuns que
fundamentam todos os sistemas e não apenas os detalhes de uma determinada
categoria (exemplo: organização social, ecossistemas, embriões, cérebro,
geossistemas, etc.) (CHRISTOFOLETTI, 2002, p.3).
Sistemas, que de forma genérica significa um conjunto organizado de elementos
e de interações entre esses elementos, m a organização e a funcionalidade como
normas básicas. Por sistema ambiental compreende-se o “conjunto de processos e das
interações dos elementos que compõem o meio ambiente, incluindo, além dos fatores
físicos e bióticos, os de natureza sócio-econômica, política e institucional” (IBGE,
2004, p.295). No caso do sistema ambiental as relações interligando as várias unidades
presentes, considerando a transformação do input
3
recebido, representam o elo que
oferece o seu significado. Assim, “os sistemas podem ser classificados conforme
critérios variados. Para a análise ambiental, o critério funcional e o da composição
integrativa são os mais importantes” (CHRISTOFOLETTI, 2002, p.5).
Os sistemas podem ser classificados em isolados (não recebem nem perdem
energia ou matéria do ambiente que os circundam); os sistemas não-isolados (mantém
relações com os demais sistemas do universo no qual funcionam). Os sistemas não-
isolados são divididos em: abertos, quando ocorrem constantes trocas de energia e
matéria, com recebimento e perda (ex: bacia hidrográfica, vertente, homem, cidade,
indústria, animal e outros); fechados, quando permuta de energia,com recebimento e
3
Christofoletti descreve os critérios para a complexidade da composição interativa de Chorley e Kennedy
(1971), que elaboraram uma classificação estrutural para distinguir os sistemas, apresentando como um
dos pontos de análise, de acordo com o fluxo de matéria e energia, de forma que “o posicionamento dos
subsistemas é contíguo e nesta seqüência a saída (output) de matéria e energia de um subsistema torna-se
a entrada (input) para o subsistema de localização adjacente” (CHRISTOFOLETTI, 2002, p. 6).
perda, mas não de matéria (ex: o planeta Terra). Para o pesquisador ambiental, interessa
mais esses dois tipos de sistemas.
Os que normalmente pertencem ao interesse do pesquisador ambiental são
abertos ou fechados, e muitas de suas propriedades podem ser consideradas
como respostas ou ajustamentos ao fluxo de energia ou matéria através do
sistema em seqüência aos quais estão ligados. Por exemplo, a densidade de
drenagem é uma resposta à hidrologia da área; a densidade de estradas é
resposta à intensidade demográfica e econômica de uma área
(CHRISTOFOLETTI, 2002, p.6).
Dentro da concepção de sistema, Tricart (1977) elaborou uma proposta
metodológica para o estudo dos impactos ambientais decorrentes das ações humanas,
considerando a interação necessária entre a Geografia Física e a Ecologia. Como
orientação metodológica, propõe repensar a unilateralidade da atitude analítica da
Geografia Física, que a levou ao isolamento frente a outras ciências. Defende que a
Geografia Física deve, paralelamente à análise, cooperar com a Ecologia, servindo de
base de muitas das atuações práticas. Em outro aspecto, enfatiza a necessidade de
reequilibrar a própria Ecologia, abrindo-se para além das questões dos botânicos ou
zoólogos, em direção à compreensão das relações mútuas entre seres vivos e entre esses
e o meio ambiente, em informações fornecidas por outras áreas como a Geografia
Física. A importância dessa interação entre os diferentes campos do saber está na
formação de banco de dados e informações para subsidiar as políticas públicas.
A adoção do conceito ecológico, usando-se o instrumental lógico dos
sistemas, permite estudar as relações entre os diversos componentes do meio
ambiente. Podemos reequilibrar, dialeticamente, nosso pensamento científico,
alterado e viciado pelo excesso unilateral da análise. Do ponto de vista
prático, essa metodologia responde às necessidades do mundo
contemporâneo. Uma consciência mais aguda das interações entre os vários
elementos do meio ambiente é necessária para evitar, no planejamento,
conseqüências inesperadas, geralmente originando dificuldades e custos
maiores, e até fracassos em alguns casos (TRICART, 1977, p. 28-29).
A dinâmica do meio ambiente dos ecossistemas é de extrema importância para a
conservação e o desenvolvimento dos recursos ecológicos além de ser, também para a
dinâmica das próprias biocenoses, elementos considerados no desenvolvimento de sua
metodologia. Para tal Tricart (1977), utiliza-se, na descrição de sua metodologia, do
conceito de unidade ecodinâmica, caracterizada pela dinâmica do meio ambiente que
repercute de forma mais ou menos imperativa sobre as biocenoses. Este conceito
integra-se ao de ecossistema e baseia-se no instrumento lógico de sistema, enfocando as
relações mútuas entre os diversos componentes da dinâmica de fluxos de energia e
matéria existentes no meio ambiental. O uso desse instrumento lógico dos sistemas
possibilita identificar com rapidez as modificações indiretas desencadeadas por uma
intervenção que afeta os elementos do ecossistema, independente da intensidade e
forma. O primeiro elemento a ser afetado é a cobertura vegetal, trazendo como
implicações a alteração do fluxo de energia da radiação que atinge o solo, na
interceptação das precipitações ou no seu tempo de concentração e na quebra da
proteção do solo contra as ações eólicas, geradoras de intensa degradação.
O método proposto por Tricart (1977) amplia-se além da simples descrição,
servindo de apoio à implementação de políticas públicas. Assim,
o método que descrevemos parece responder às preocupações dos poderes
públicos desejosos de proteger o meio ambiente e nossas aspirações de vida,
e de salvaguardar os recursos ecológicos, cada vez mais indispensáveis para
fazer face à explosão demográfica mundial contemporânea. Seu objetivo
consiste em mostrar a maior ou menor sensibilidade dos ecossistemas que
constituem o ambiente ecológico, ou seja, precisar o grau de liberdade de que
se dispõe para a organização do território e o uso dos recursos sem os
degradar, ou mesmo destruir, condenando assim a geração emergente a
condições de vida piores que as nossas. Em outras palavras, nosso método
visa a esclarecer e orientar, tão objetivamente quanto possível, as decisões
que cabem ao poder público, e não aos cientistas e técnicos (TRICART,
1977, p.97).
Entre os sistemas ambientais encontra-se a bacia hidrográfica, vista como
unidade físico-territorial e espaço de planejamento. Essa importância é destacada pelo
fato de ser uma referência espacial para estudos do meio físico, servindo de subsídio
para a legislação e planejamento territorial e ambiental. De acordo com Nascimento
em termos de dinâmica ambiental, no âmbito de bacias hidrográficas, seja em
qualquer ecozona climática, seus elementos mantêm mútuas relações
dinâmico-instáveis, sob a perspectiva de sistemas entrópicos (Segunda Lei da
Termodinâmica, Lei da Entropia), e abertos, em termos de componentes
físicos, biogeoquímicos e socioeconômicos. Resulta daí, uma inter-relação e
interdependência intrínseca de suas partes, dispares entre si pelas funções que
executam no universo do sistema, onde sua morfologia, estrutura, dinâmica e
exploração biológica promovem diferenciações em seus subsistemas
(NASCIMENTO, 2006, p. 11).
O sistema de drenagem de uma bacia hidrográfica é considerado um sistema
aberto com entrada e saída de energia; a energia é fornecida pela atuação do “clima e da
tectônica locais, eliminando fluxos energéticos pela saída da água, sedimentos e
solúveis” (CUNHA e GUERRA, 1998, p.353). Existem ajustes nos elementos, formas e
processos que ocorrem internamente decorrentes das mudanças de entrada e saída de
energia. A bacia hidrográfica expressa a junção do comportamento das condições
naturais e das atividades humanas desenvolvidas em seu interior. Esse espaço deve ser
analisado enquanto um sistema, e não apenas como uma rede de drenagem, mas com
um enfoque holístico, capaz de compreender a complexidade que abrange, com
elementos físicos, sociais, econômicos e culturais.
1.5- Unidades de Conservação: uma forma de ordenamento do território
A criação do Parque Nacional de Yellowstone, em 1872 nos Estados Unidos,
aparece em grande parte da literatura como o marco do movimento gerador de
implantação de áreas para conservação ambiental no mundo. Esse fato marcou o início
de um novo ordenamento territorial em todas as partes do mundo, quando os espaços
naturais que devem ser preservados passaram a constituir áreas demarcadas e com uma
legislação específica. Mesmo considerando alguns eventos anteriores no Oriente, com
registros de até 5.000 a.C. e na Europa na Idade Média (VALLEJO, 2005), a
importância de Yellowstone foi lançar um conceito de conservação que originou o atual
processo de instituição das Unidades de Conservação - UCs, não apenas no Brasil, mas
em todo o mundo. As noções de parque como bem público, de usufruto democrático e
com caráter de monumento em uma área natural, são também oriundas dessa ação
(MORSELLO, 2001). De acordo com WWF (2000) não apenas o conceito, mas o
modelo de Parque Nacional Norte-americano é adotado em áreas que não compartilham
das mesmas características sociais, econômicas, políticas e ambientais, agravando os
problemas através da imposição de um modelo pronto que não funciona na prática.
Como defende o estudo, o fato que demonstra essa ineficiência é o grande volume de
recursos internacionais dispensados para essas ações de conservação, sem um resultado
próximo do esperado, apontando para deficiências na aplicação das verbas.
Segundo Diegues (1996) existem duas orientações teóricas que nortearam a
criação de áreas protegidas a partir do século XIX. A primeira refere-se ao
conservacionismo e a segunda ao preservacionismo. A primeira orientação está baseada
na proposta de Gifford Pinchot, com base em três princípios: i) uso dos recursos
naturais pela geração atual; ii) prevenção do desperdício; iii) uso dos recursos naturais
para a maioria dos cidadãos. O preservacionismo foi proposto por John Muir e tem por
base a reverência à natureza no sentido da apreciação estética e espiritual. Essa corrente
objetivava a preservação da natureza longe das ações humanas, como forma de proteger
a natureza do processo de urbanização e industrialização, criando a noção de natureza
intocada.
A importação do modelo de conservacionismo dos países do Norte implica no
aparecimento de conflitos, uma vez que estes não se adaptam nos países do Sul
A questão dos parques nacionais e outros tipos de áreas protegidas serviram
para levantar problemas mais amplos de conservação que desembocaram na
necessidade de se construir modelos de proteção da natureza viáveis para os
países do Sul, baseados nas especificidades ambientais e culturais de suas
sociedades. Parte-se do princípio de que, apesar de muitas conseqüências da
degradação ambiental serem de ordem global, afetando a biosfera como um
todo, os processos geradores desses desequilíbrios têm origem no interior de
diversas sociedades, nas formas como estas constroem, representam e
manipulam a natureza. Dessa forma, é fundamental buscar soluções para
esses problemas na relação dessas diferentes culturas e sociedades com o
mundo natural (DIEGUES, 2000, p. 4).
Atualmente as categorias de Unidades de Conservação se ampliaram bastante,
não apenas no nível público, mas também entre a sociedade civil, com as unidades
particulares de preservação e conservação. Morsello (2001) desenvolve a idéia de que a
criação dessas unidades tornou-se uma forma de compensação dos usos indevidos em
áreas particulares adjacentes, surgindo como alternativa às atividades econômicas,
aparecendo enquanto justificativa ecológica para essas áreas de conservação e
preservação.
Primeira área protegida no Brasil foi o Parque Nacional do Itatiaia, no Rio de
Janeiro, em 1937. Nas décadas de 1960 e 70 ocorreu a criação de outras Unidades de
Conservação e, de acordo com Almeida et al.. (2004) esse fato é decorrente da rápida
degradação dos ecossistemas nacionais que sofrem pressão da urbanização acelerada. A
criação dessas unidades vinculou-se, principalmente a razões estéticas ou políticas “sem
se articular a um sistema composto por diferentes tipos de categorias de manejo”
(PEREIRA, 2005, p.122). Mas o século XIX também pode ser considerado o marco no
histórico das áreas protegidas no Brasil, com a criação dos Jardins Botânicos, que se
destinavam ao lazer de parcela da sociedade.
O Código Florestal de 1934 (Decreto n. 23.793), foi o primeiro instrumento
jurídico que delimita áreas de proteção, sendo reformulado em 1965, através da Lei
4.771, com novas definições de áreas de proteção. As florestas existentes no território
nacional foram consideradas bens de interesse comum a todos os brasileiros e, de
acordo com o Art. do novo Código Florestal (revogado pela Lei 9.985) o poder
público seria o responsável pela criação de Parques Nacionais e Reservas Biológicas
com o objetivo de resguardar atributos excepcionais da natureza e a utilização dessas
áreas para atividades educativas, recreativas e científicas. A definição das Florestas
Nacionais contava, também, com a possibilidade de exploração econômica, apontando
para uma preocupação em preservar áreas de interesse para a manutenção de
ecossistemas específicos, porém sem considerar os biomas e percentuais de reserva.
Essa idéia foi desenvolvida mais recentemente, através da Lei Federal n. 9.985,
de 2000, com criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação/SNUC. Mesmo
buscando seguir os padrões determinados pela UICN União Internacional para a
Conservação da Natureza
4
(QUADRO 2), onde o mínimo a ser protegido por bioma
deve ser de 10%, o Brasil apresenta, ainda um percentual bastante inferior a essa
indicação, representando, em 2002, 8,13% de UC no território nacional (PEREIRA,
2005, p.124).
Discutindo a categorização realizada pela UICN, Weeks e Mehta (2004),
apontam para o fato de que essas definições atingem diretamente a vida da comunidade
local, promovendo na prática, não apenas a gestão do território, mas da própria vida das
pessoas, como ordens impostas sobre humanos e paisagens. Assim a organização pauta-
se na lógica de imposições de fora para dentro das unidades. A legislação oriunda
dessas categorias da UICN, como no caso do Brasil, acaba por impor um controle sobre
o território e a vida das pessoas que nele habitam, originando conflitos, principalmente
no que se refere à percepção dessas pessoas sobre seus direitos e o controle sobre os
recursos disponíveis. Os autores reconhecem as dificuldades de conciliar o direito das
pessoas que possuem uma relação histórica com a área e a necessidade de conservação,
4
A UICN é uma confederação de cerca de 1300 governo e organizações não-governamentais trabalhando
em mais de 160 países. Entre seus membros estão incluídos a WWF, o Banco Mundial, a ONU, dentre
outros. A UICN serve como intermediária entre os governos nacionais e locais e as comunidades
internacionais ambientais, contribuindo para a elaboração da legislação ambiental nacional, além de
conceber projetos de campanhas e educação ambiental.
mas defendem uma maior participação comunitária da definição e utilização desses
recursos.
QUADRO 2
Definição de Categorias de Unidades de Conservação – UICN
Categoria Definição
Reserva Natural Estrita
Áreas de terra ou mar representativas de algum ecossistema, destinadas a
manter as características específicas das condições naturais não
modificadas ou com pouca modificação, além manter espécies disponíveis
para pesquisa e monitoramento ambiental.
Parque Nacional
Área protegida destinada a proteção dos ecossistemas, podendo ser
utilizada para recreação, atividades educativas e científicas em atividades
compatíveis com a proposta conservacionista.
Monumento Natural
Área protegida que possui um ou mais atributo natural ou natural/cultural,
com valor pela sua raridade, representatividade estética ou de significado
cultural.
Área de Manejo de
Espécies e Habitat
Área protegida mas sujeita a intervenção ativa para fins de manejo com o
objetivo de garantir a manutenção dos habitats e exploração de alguns
recursos de forma controlada e compatível com a proposta de
conservação.
Paisagem Protegida
Área protegida com significativa característica ecológica ou valor cultural
com a possibilidade de atividades interativas entre homens e natureza,
como exploração tradicional dos recursos, turismo e recreação,
salvaguardando a integridade da área.
Área Protegida com
Manejo dos Recursos
Área protegida através dos princípios da sustentabilidade, com utilização
dos recursos de forma compatível com a preservação dos sistemas
naturais. Objetiva proteger a diversidade biológica paralelamente à
possibilidade de fluxo sustentável dos produtos naturais com a finalidade
de satisfazer as necessidades da comunidade.
Fonte: IUCN, 2008
A idéia de criação de um sistema voltado para instituição e gestão de Unidades
de Conservação originou-se legalmente em 1981, quando foram estabelecidas as
diretrizes para a Política Nacional do Meio Ambiente e criado o Sistema Nacional de
Meio Ambiente SISNAMA, através da Lei n. 6.938, de 31 de agosto. O sistema na
forma como está previsto, deve ser composto por órgãos e entidades da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios, além das fundações instituídas pelo Poder Público que
tem atribuições relacionadas ao meio ambiente.
A Política Nacional do Meio Ambiente tem, entre seus objetivos, a preservação,
melhoria e recuperação da qualidade ambiental da vida e, entre os pressupostos para
implementar essa política, encontra-se a proteção dos ecossistemas, com a preservação
de áreas representativas (Art. 2º, inciso IV). De acordo com o Art. 4º, inciso I, ela visará
“à compatibilização do desenvolvimento econômico social com a preservação da
qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”. Para tal, cabe ao Estado,
enquanto instrumento da lei, criar os espaços territoriais especialmente protegidos,
como as áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas
extrativistas.
Essa política pressupõe uma ação integrada entre os órgãos das diferentes esferas
do poder público (federal, estadual e municipal) em que as ações devem constituir-se
em sintonia mas com atribuições específicas, como forma de garantir a preservação e
conservação de parcelas dos biomas nacionais.
Durante a Conferência das Nações Unidas Rio -92 ocorreram momentos de
discussões sobre o número insuficiente de Unidades de Conservação no Brasil, tendo
em vista a extensão territorial e a diversidade de ecossistemas existentes. Como
resultado foi elaborado um projeto que revisou a forma de gestão e a legislação nacional
sobre Unidades de Conservação, culminando na Lei Federal n. 9.985 de julho de 2000
5
,
que tem como objetivo estabelecer critérios e normas para a criação, implantação e
gestão de UC nacionais. Definiu também, o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza SNUC, representando o conjunto das Unidades de
Conservação federais, estaduais e municipais.
O SNUC congrega todas as áreas protegidas e, em nível federal as unidades são
administradas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis IBAMA, órgão executor do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos
Hídricos e da Amazônia Legal, que por sua vez é responsável pelo estabelecimento de
políticas e diretrizes voltadas para as questões ambientais. Em seu Art.2º define
Unidade de Conservação como:
espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas
jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído
pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob
regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de
proteção.
5
Essa lei regulamenta o art. 225: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
A criação do SNUC objetiva proteger, preservar, recuperar e restaurar
ecossistemas, considerando as populações tradicionais, a valoração econômica e social
da diversidade biológica e a educação ambiental. A fim de organizar as Unidades de
Conservação, a legislação dividiu em dois grupos, sendo um englobando as Unidades de
Proteção Integral e outro as Unidades de Uso Sustentável (ANEXOS 02 e 03). A
primeira objetiva a preservação da natureza, sendo admitido em seu espaço apenas o uso
indireto de seus recursos, sendo vedadas para atividades econômicas, como o turismo. A
segunda prevê a exploração econômica dentro de padrões de sustentabilidade,
compatibilizando a conservação da natureza e o uso sustentável de parcela dos recursos
naturais.
As UC’s no Brasil são em sua maioria de uso sustentável (FIG. 3) e a
preservação dos ecossistemas brasileiros tem contado com a participação expressiva da
iniciativa privada e de particulares, com 58,92% do total das UC’s (ANEXO 4). O
Cerrado, bioma em que está inserida a APA do Rio Pandeiros, ocupa uma área de cerca
de 1,7 e 1,9 milhões de quilômetros quadrados na porção central do Brasil,
correspondendo a 23% do território nacional, e é o segundo maior bioma do país,
superado apenas pela Floresta Amazônica (SANO E ALMEIDA, 1998). Pela extensão e
importância ecológica, o Cerrado apresenta um quadro desfavorável no que se refere a
delimitação de áreas protegidas, pois do total nacional, apenas 45 encontram-se no
Cerrado, sendo 11 em Minas Gerais.
Unidades de Conservação por tipo
Brasil - 2007
18%
82%
Proteção integral
Uso sustenvel
FIGURA 3: Unidades de Conservação por tipo no Brasil
Fonte: IBAMA (2007)
Disponível em: <http://www.ibama.gov.br>.
Para Pereira (2005) existe um quadro em que várias UC’s não possuem Plano de
Manejo, fiscalização ou recursos humanos e financeiros suficientes. Para a autora, essa
situação poderia ser revertida com o envolvimento da comunidade, que apontaria com o
apóio necessário ao poder público na implementação das unidades. Porém questiona a
situação de como essa comunidade poderia participar se, segundo a legislação, elas são
excluídas e não é permitida a sua permanência no interior das UC’s de proteção integral.
Para a autora somente a instituição de Unidades de Conservação não é solução para os
problemas de degradação ambiental em que se encontram os biomas brasileiros.
A criação de UCs não conseguem por si só gerar profundas mudanças, apesar
de estarem ligadas a organismos com incumbências “estratégicas” para o
avanço do país. A latência de políticas convencionais permeáveis aos
interesses e tonificadoras da situação presente pouco alteram a rota e o ritmo
da degradação ambiental. Para tanto, as instituições e seus funcionários
carecem no mínimo, de considerável autonomia decisória, credibilidade
pública, além de programas de trabalho mais permanentes do que sujeitos a
interrupções (PEREIRA, 2005, p. 130).
A gestão de áreas de conservação públicas enfrenta sérios problemas. Segundo
Pereira (2005) esses problemas relacionam-se a
vontade política e capacidade administrativa governamental; condição
fundiária original da região antes da transformação em região protegida;
transparência dos objetivos de conservação da natureza e alternativas de
gestão; localização da área protegida; engajamento da população e existência
de outras políticas setoriais eventualmente discordantes (PEREIRA, 2005,
p.133).
Morsello (2001) confirma essa dificuldade de gestão, destacando os países em
desenvolvimento, no qual a área ambiental tem que disputar os escassos recursos
financeiros com outras áreas, como a social, uma vez que as necessidades básicas da
população ainda não foram satisfeitas.
Outro problema é a forma de contratação de funcionários para atuarem nas
Unidades de Conservação. O descompasso encontra-se no fato de que, enquanto
concursados, os funcionários testam seus conhecimentos técnicos específicos, mas esse
conhecimento não garante capacidade e conhecimento administrativo. Assim, “eles
tornam-se perenes nos escalões intermediários da administração pública e concorrem
para a manutenção do aproveitamento dos recursos públicos. A realidade de um Estado
economicamente moribundo exaspera críticas à sua inoperância” (PEREIRA, 2005,
p.133).
Uma forma de contornar esse problema seria a capacitação desses funcionários
através de cursos, principalmente no que se refere aos pontos de uma gestão cotidiana,
como reconhecer as novas demandas que as dinâmicas espaciais e sociais requerem
como legislação, compreensão de conceitos e procedimentos, além do conhecimento das
responsabilidades. A deficiência dessa formação é um dos fatores geradores de conflitos
no interior das UC’s, em momentos de abordagem dos funcionários junto à comunidade
e, principalmente, no que se refere a dificuldade de adaptação à legislação específica de
uma área de conservação. Essas abordagens são, muitas vezes, arrogantes por parte dos
funcionários, gerando um distanciamento do morador, ou do homem comum das áreas
protegidas.
Após ações prévias de estudos técnicos, consulta pública e criação de UC pelo
poder público, a legislação prevê um prazo de cinco anos para a elaboração do Plano de
Manejo, com a participação da população local para as Áreas de Proteção Ambiental e
demais categorias. O objetivo do Plano de Manejo é apontar “medidas com o fim de
promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas” (Lei n.
9.985, Art. 27). Para as áreas de proteção integral, como o Refúgio de Vida Silvestre, a
lei especifica que, enquanto não for elaborado e implementado o Plano de Manejo o
procedimento será orientado no sentido de que
todas as atividades e obras desenvolvidas nas Unidades de Conservação de
proteção integral devem se limitar àquelas destinadas a garantir a integridade
dos recursos que a unidade objetiva proteger, assegurando-se às populações
tradicionais porventura residentes na área as condições e os meios
necessários para a satisfação de suas necessidades materiais, sociais e
culturais (Lei n. 9.985, Art. 28, Parágrafo Único).
Os segmentos da sociedade recebem atenção desigual sobre a área a ser
protegida, principalmente no que se refere a serem ouvidos sobre suas perdas e
reivindicações. Com isso, a legalização da criação de uma UC
obriga o Estado a efetuar estudos e elaborar os Planos Emergentes e de
Manejo adequados a cada categoria uma prática normativa que pode trazer
descontentamento quanto a antigos empreendimentos não-indenizados a
contento ou inadequados em face das exigências de conservação. A pressão
do econômico acirra cada vez mais as desigualdades, o racionalismo utilitário
e dos atingidos, impedem o desenvolvimento, que não tem ocorrido, nem a
decisão sobre o seu formato. O desenvolvimento econômico tem sido dado
pela mensuração do jogo entre o valor contido e o valor criado nos vários
lugares (PEREIRA, 2005, P. 125-126).
Essa situação equipara-se ao fato de que, no histórico de criação das UC’s, as
decisões partem das esferas superiores, sem considerar a população local, que não é
ouvida em suas reivindicações, ou quando muito, essas manifestações limitam-se a
alguns segmentos locais e externos, envolvendo questões políticas e fundiárias,
formando um jogo de forças entre os atores, pertencentes às diversas escalas: locais,
regionais, nacionais e internacionais. De acordo com Pereira (2005), essa característica
enquadra-se na estratégia dos discursos, quando estes
agregam-se as representações de variados atores e seus interesses (ambiental,
econômico, político e social) a respeito das Unidades de Conservação como
determinadores de seus papéis, funções e intervenções, na implementação do
seu planejamento (quando existe) e de sua gestão. Então, os tecnocratas,
adotando um consenso gerado no debate ambiental, se apoderam de
procedimentos políticos disfarçados em soluções técnicas (PEREIRA, 2005,
p.126).
Assim, uma área de conservação é um bem público e deve atender aos interesses
dos diversos atores envolvidos e não de apenas uma parcela deles, como as de maior
poder aquisitivo ou político. Conforme Dias (2001), de acordo com a legislação cabe ao
governo defender e preservar o meio ambiente enquanto bem de uso comum,
compatibilizar o desenvolvimento econômico-social com a proteção do meio ambiente
dentro da concepção de preservação de qualidade e
assegurar e proteger o meio ambiente, enquanto patrimônio público, visando
a manutenção do equilíbrio ecológico e o uso coletivo, entendendo-se por
Meio Ambiente o conjunto de condições, leis, influências e interações de
ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas
as suas formas (DIAS, 2001, p. 18).
Cabe ressaltar que a existência de uma legislação que prevê a criação, gestão e
manutenção de Unidades de Conservação, não é garantia de preservação de parcelas dos
ecossistemas nacionais. Como lembra Almeida et al. (2006), a preservação do ambiente
é dever de diversos setores da sociedade, conforme previsto na legislação vigente, e não
apenas de uma ação do governo em criar uma área para esse fim. Essas áreas são alvos
constantes de ações predatórias, como o fogo, a caça e o extrativismo ilegal, os
problemas fundiários e, no caso desse estudo, a produção de carvão vegetal. Esses
problemas são agravados pelo número reduzido de funcionários para a manutenção
desses espaços, além dos recursos financeiros que são escassos. Assim
os estados e municípios deverão se adequar rapidamente à exigência do
SNUC, quanto ao enquadramento rapidamente de UCs e quanto à elaboração
dos seus respectivos planos de manejo e de gestão, para que possam ser, de
fato e de direito, uma Unidade de Conservação da Natureza, segundo a
legislação em vigor. Assim, espera-se que muitos dos problemas e conflitos
existentes atualmente nessas áreas sejam reavaliados e minimizados,
garantindo uma melhor eficiência gerencial para essas Unidades (Almeida et
al. 2006, p.135).
A legislação referente às questões ambientais considera a importância da
participação da comunidade nas decisões e na gestão de áreas. As discussões sobre meio
ambiente estão presente na pauta mundial, onde este tema adquiriu uma dimensão na
reflexão global sobre a sociedade, deixando de ser tratada como pontual e corretiva.
Tornou-se indissociável da pauta de prioridades dos programas de desenvolvimento e,
por isso passou a integrar a agenda do Estado, da sociedade civil, do setor privado e das
comunidades locais, surgindo a necessidade de compartilhar a gestão dentro dos
parâmetros de uma democracia participativa, capaz de garantir a criatividade e a gestão
autônoma da sociedade. Para Machado (2004), esse ideal de gestão de Unidades de
Conservação esbarra em questões comuns, independente da categoria em que a área está
inserida, pois uma UC corresponde a um território que aglutina interesses diversos,
tanto de grupos defensores da preservação, quanto de uma exploração dos recursos
naturais de forma predatória, quanto os interesses das comunidades locais. Esses
interesses divergentes tornam-se mais complexos frente a um gestor da área possuidor
de uma burocracia, no caso o Estado.
Como foi abordado anteriormente apenas a legislação não garante a preservação
e conservação dos ecossistemas. Desenvolvendo esse pensamento, Pereira (2005)
levanta questionamentos a respeito da condição secundária dos temas ambientais, no
que se refere às discussões políticas e de decisões onde as prioridades são econômicas e
não ambientais.
Outro ponto destacado refere-se à delimitação de áreas prioritárias para
preservação, considerando a biodiversidade nacional, que deve considerar os aspectos
quantitativos no total de áreas protegidas e os aspectos referentes à qualidade da
preservação, quando indaga-se sobre as condições e estado dessas áreas já criadas, a sua
“inserção regional (regulação de tensões e pressões recebidas), a quem e para quem elas
trarão (zem) modificações no cotidiano” (PEREIRA, 2005, p.120). Para a autora, a
insustentabilidade encontra-se na não funcionalidade das políticas, fato gerador de
espaços marcados pela diferenciação e exclusão. Em sua discussão aponta para o fato de
que o número significativo de Unidades de Conservação não irá garantir a proteção
desses espaços, pois em sua grande maioria, essas áreas encontram-se sem plano de
manejo, fiscalização, recursos financeiros e humanos.
A questão ambiental ultrapassa a relação homem/natureza e se dirige à faceta
das relações entre os homens como um objeto econômico, político e cultural
e principalmente como luta social. A insegurança, a fragmentação e a
efemeridade que reduziram as barreiras espaciais resignificaram o que o
espaço contém, acentuando a competição entre localidades, estados e regiões
(PEREIRA, 2005, p.120).
Esses diferentes interesses e discursos são causadores de conflitos entre
comunidade local e gestores, que permeiam as Unidades de Conservação. O
conhecimento da realidade da área a ser destinada à proteção aparece como importante
fator minimizador desses conflitos, bem como um auxilio na definição da categoria em
que será inserida a área (proteção integral ou área de sustentabilidade). Quando essas
áreas envolvem empreendimentos que são danosos à conservação, a situação prolonga-
se considerando a apropriação das condições naturais decorrente do processo de
acumulação de riqueza, sem considerar as condições de vida que não priorizam os
aspectos sociais e ambientais, mas apenas o econômico.
No cotidiano, as Unidades de Conservação enfrentam diversos problemas, pois a
legislação que garante a conservação de uma parcela de um bioma nacional e acarreta,
por outro lado, pontos negativos para a população que reside no interior ou área de
entorno das unidades. Como reflexo dessa situação, ocorrem constantes incêndios para
pastoreio do gado, atingindo a área dos parques, a retirada de espécies nativas e outros
recursos de forma clandestina, como alternativa de sobrevivência dessas populações.
As indenizações a proprietários de terras que serão ocupadas pelas UC’s são
pontos de conflito. Com a regulamentação da lei n. 9.985, as terras das Unidades de
Conservação integral passaram a ser propriedade do Estado, sendo que este indeniza aos
proprietários existentes em seu interior. O conflito ocorre devido ao cálculo que
normalmente é feito, e que apresenta valores considerados irrisórios pelos proprietários,
principalmente quando forem “consignados a aspectos ligados à vida das comunidades
tradicionais, como os laços afetivos, a topofilia” (PEREIRA, 2005, p.137).
Desmatamentos clandestinos aparecem, muitas vezes, como uma forma de
compensar os prejuízos causados pelas restrições de uso nas áreas. Outro ponto
agravante é a carência de políticas voltadas para o desenvolvimento econômico regional
compatível com a proposta de sustentabilidade ambiental e, conciliar esses conflitos e a
legislação ambiental torna-se o principal desafio para a gestão das UC’s.
Como rege a legislação, a preservação e conservação de áreas devem ser de
responsabilidade do Estado e da sociedade como um todo.
O papel do Estado deve ser o de trazer estabilidade ao sistema de reservas, de
funcionar como “gerenciador” e estimulador das iniciativas particulares, além
de suprir as deficiências nos locais e ambientes em que a iniciativa particular
não tem atuado. São, portanto, as ações conjuntas e coordenadas entre a
iniciativa pública e a iniciativa privada que podem trazer a maior esperança
de sucesso na conservação de habitats e de espécies (MORSELLO, 2001, p.
63).
Recentemente, demonstrando a busca de instrumentos legais para a solução dos
problemas existentes nas UC’s, elaborou-se o Decreto n. 5.758, de 13 de abril de 2006,
que institui o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas PNAP. Esse plano tem
como um dos princípios a cooperação entre União, Estados e Municípios para a gestão e
implantação de Unidades de Conservação, bem como a harmonização com as políticas
públicas de ordenamento territorial e desenvolvimento regional sustentável. Considera
também a inclusão social, a participação da comunidade e o exercício da cidadania no
interior e entorno das Unidades de Conservação. Tem como um dos objetivos ampliar o
SNUC, além aprimorar o sistema de gestão no que se refere à consulta pública, gestão
compartilhada, corredores ecológicos, categorias de manejo e outras políticas.
Seguindo os parâmetros nacionais previstos na legislação, os estados elaboraram
instrumentos de criação e gestão de Unidades de Conservação. De acordo com a
Constituição do Estado de Minas Gerais “todos têm direito a meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida, e ao Estado e à coletividade é imposto o dever de defendê-lo e conservá-lo para
as gerações presentes e futuras” (Art. 214). Entre as atribuições do Estado, incluem a
obrigação de proteção da fauna e flora, criação de parques e mantê-los sobre proteção
§1º - Para assegurar a efetividade do direito a que se refere este artigo (Art.
214), incumbe ao Estado, entre outras atribuições:
V – proteger a fauna e a flora, a fim de assegurar a diversidade das espécies e
dos ecossistemas e a preservação do patrimônio genético, vedadas, na forma
da lei, as práticas que provoquem a extinção das espécies ou submetam os
animais a crueldade;
VI definir mecanismos de proteção à fauna e à flora nativas e estabelecer,
com base em monitoramento contínuo, a lista de espécies ameaçadas de
extinção e que mereçam proteção especial;
VII controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que importem riscos para a vida, a qualidade de vida,
o meio ambiente, bem como o transporte e o armazenamento dessas
substâncias em seu território;
VIII criar parques, reservas, estações ecológicas e outras Unidades de
Conservação, mantê-los sob especial proteção e dota-los de infra-estrutura
indispensável às suas finalidades (JUNGSTEDT, 1999, p.78).
Em Minas Gerais a definição, criação e implantação de unidades estaduais de
conservação é uma atribuição do Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais. Cabe
ao órgão, também, a administração dessas áreas. Dentre as categorias previstas na lei
nacional, Minas Gerais possui 10. Entre as unidades de proteção integral, temos a
Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Estadual, Monumento Natural e Refúgio
de Vida Silvestre; entre as áreas de uso sustentável existem as Áreas de Proteção
Ambiental, as Florestas Estaduais, as Reservas de Desenvolvimento Sustentável e as
Reservas Particulares do Patrimônio Natural (QUADRO 3).
Além das áreas previstas no SNUC, Minas Gerais ainda possui as Áreas de
Proteção Especial, criadas para a proteção de mananciais. O processo de criação dessas
unidades no estado pode ser acionado por qualquer pessoa, em forma de sugestão ou
solicitação. Para tal é exigido o envio das coordenadas geográficas da área para
identificação de sua localização, objetivando a realização dos estudos de viabilidade de
criação. Todo o processo de criação leva aproximadamente um ano, envolvendo várias
etapas e profissionais de áreas técnicas e administrativas variáveis. Existe dentro do IEF
uma gerência específica para essa tarefa, a Gerência de Criação e Implantação de Áreas
Protegidas (IEF, 2008).
QUADRO 3
Unidades de Conservação em Minas Gerais
Categoria Total unidades Área (há)
Área de Proteção Ambiental 12 2.117.672
Reservas Biológicas 10 1.765.673
Refúgio de Vida Silvestre 2 9.819
Área de Proteção Especial Estadual 20 3.210.911
Floresta Estadual 2 145.117
Estações Ecológicas 9 1.998.288
Reserva Particular do Patrimônio Natural 70 22.915
Fonte: Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais
Disponível em: <http://www.ief.gov.mg.br>.
A Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais é responsável pelo
diagnóstico da situação das áreas protegidas no estado. Essa ação ocorre através do
Sistema Estadual de Unidades de Conservação, que tem como objetivo integrar a
política ambiental e, através do Cadastro das Áreas Protegidas em Minas Gerais,
identificar as unidades sob jurisdição federal e estadual apontando dados e informações
gerais sobre essas áreas, como categoria de manejo, instituição gestora, legislação de
criação, dimensões, municípios abrangidos. Segundo FEAM (1998) o principal
problema que envolve a gestão das Unidades de Conservação em Minas Gerais é a
carência de recursos humanos e materiais. A atuação da FEAM torna-se objeto de
questionamento uma vez que a atuação do IEF refere-se a atividade semelhante e é um
órgão voltado especificamente para a atuação no domínio das áreas de conservação.
1.6- As questões ambientais no mundo
Meio ambiente é uma preocupação mundial. Ter consciência desse fato é
importante, porém é importante também conhecer os acontecimentos e a movimentação
das organizações governamentais, não governamentais e sociedade civil que levaram o
meio ambiente tornar pauta das discussões internacionais.
Na década de 1960, as preocupações ambientais começam a tomar corpo e
incipientemente são incluídas nos discursos políticos. A crise desencadeada com a
elevação do preço do petróleo em 1973 deu origem, principalmente nas sociedades
ocidentais, aos questionamentos do modelo industrial, da sociedade de consumo e seus
desperdícios. Os crescentes problemas com a contaminação da água e do solo, a
excessiva exploração dos recursos naturais e os primeiros estudos sobre o efeito estufa,
alertam a sociedade para as mudanças no ambiente. Os cenários de fome no mundo
(região nigeriana de Biafra entre 1969 e 1970) alertaram para o crescimento
demográfico em regiões de extrema pobreza, independente dos contextos políticos
existentes nos locais, criaram uma sensibilização mundial que conduziu a sociedade a
reflexões sobre os problemas existentes além de suas fronteiras, tornando-se questões
globais.
Ribeiro (2005) defende a idéia de que existe uma ordem ambiental internacional
que está em construção, e que mesmo lenta, tem produzido alguns avanços. A
valorização de temas relacionados à questão ambiental, além de progressos científicos
sobre os processos globais como as mudanças climáticas e a camada de ozônio, tem
sido uma constante nas últimas décadas. Por outro lado existe o fato de que os impactos
ambientais gerados pelos países não apenas centrais, mas também periféricos se
sobrepõem aos limites territoriais dos Estados, apontando para problemas envolvendo
nações e o espaço-mundo.
Os problemas ambientais que ultrapassam os limites territoriais dos Estados,
ultrapassam também a história dos lugares e de quem os habitam, sendo eles a
desertificação ou “invasão dos desertos”
6
; o lançamento do CO
2
na atmosfera,
principalmente a partir da queima de combustíveis fósseis; a chuva ácida, decorrente da
precipitação que reage com os ácidos nítricos e sulfúricos, alcançando rios, lagos e
oceanos, afetando a fauna e flora; aumento das áreas com uso intensivo de agrotóxicos e
a emissão de metano CH
4 -
na atmosfera contribuindo para o efeito estufa e o
aquecimento do planeta.
O problema é que não existia, até pouco tempo, um sistema internacional de
regulação na área ambiental capaz de mediar as relações entre os países. Surgiu, assim,
a necessidade de se criar normas de conduta para evitar a degradação da vida e “a ordem
ambiental internacional foi uma resposta a essa necessidade” (RIBEIRO, 2005, p.12),
entendendo-se por ordem a existência de medidas de regulação da ação humana,
estabelecendo limites para a intervenção na natureza e nas culturas locais, sendo no
nível mundial ou não. Dessa forma argumenta que
a ordem ambiental tem de ser entendida como um subsistema em
construção do sistema internacional [...] no qual os Estados atuam segundo
seus interesses nacionais e procuram salvaguardar sua soberania dentro da
tradição do realismo político. Porém, um realismo sem armas [...] ela é muito
complexa para que apenas uma teoria possa explicar todas as suas rodadas
(Ribeiro, 2005, p.14).
Um dos marcos dessa nova ordem ambiental foi o documento emitido pelo
Clube de Roma
7
, quando inicia um discurso sobre a teoria malthusiana, enfocando os
limites do crescimento e a questão do esgotamento dos recursos naturais como ponto de
interesse. Com previsões catastróficas sobre o futuro do planeta elaborou-se um
documento que foi amplamente difundido pelo mundo. Como alternativa propunha o
corte drástico nas atividades industriais, mas alguns países, pressionados pelos seus
habitantes que possuíam uma consciência ambiental, transferiram as indústrias mais
poluentes para os países subdesenvolvidos, transferindo, também os problemas.
Novas discussões sobre questões ambientais ocorrem em uma fase de
crescimento econômico, principalmente das nações industrializadas, durante a década
de 1980. Esse período foi, também, marcado por desastres naturais e ambientais como
6
Fenômeno que se caracteriza pelo aumento das regiões desérticas, diminuindo as áreas agricultáveis, que
tem como uma das causas principais o desmatamento, associado aos baixos índices pluviométricos e ao
uso inadequado do solo (Ribeiro, 2005).
7
Instituição criada em 1968, de caráter político independente e formada por intelectuais, empresários e
cientistas de todo o mundo (FONT E RUFÍ, 2006).
secas na Etiópia, enchentes em Bangladesh, poluição em Cubatão e na Cidade do
México (1984), fome em alguns países da África, terremoto na cidade do México,
descoberta do buraco na camada de ozônio (1985), dentre outros. No final dessa década,
o desmatamento é destacado e torna a principal causa de luta.
O Brasil passa a ser visado, pois ao mesmo tempo em que é possuidor de um
terço das reservas mundiais foi responsável por 40% dos desmatamentos. Porém, apesar
da gravidade dos fatos e dos rumos da sociedade, as discussões na década de 80 foram
ricas, mas ficaram mais centralizadas nas questões científicas que políticas (FEAM,
1998, p.39). Inicia-se uma linha de pensamento onde os critérios qualitativos, como
qualidade de vida, são considerados. Assim novas percepções e valores sobre o
cotidiano são apreciados na formação de um novo paradigma, onde não é apenas o
quantitativo que participa das avaliações, isto é, mais importante do que saber a renda
per capita de uma região ou lugar é considerar todo o contexto e implicações sociais
desse valor para a população.
Entre as ações voltadas para as questões ambientais, destaca-se a Conferência de
Estocolmo em 1972, que foi um importante passo no sentido de ir além da
conscientização, divulgando propostas e ações orientadas. Considerada a primeira
tentativa de trazer os países em desenvolvimento para a discussão internacional dessas
questões, na prática percebeu-se que os objetivos dos países do Norte estavam centrados
nas discussões dos problemas de seus públicos (cidadãos) como a poluição marinha,
excesso de consumo dos recursos globais e crescimento populacional.
Do outro lado, os países do Sul objetivavam incluir temas como pobreza e ajuda
internacional, argumentando que se fazia necessário a adoção de tecnologias modernas
que permitissem um desenvolvimento econômico menos poluidor. Com isso instala-se o
princípio da compensação dos custos envolvidos na adoção de padrões ambientais mais
rígidos. O Norte tornou-se hostil, principalmente no que se referia ao princípio do
poluidor-pagador. O Brasil, aproveitando das outras discussões e usando argumentos da
soberania nacional e solidariedade com os países numa mesma situação de
desenvolvimento, diluiu as conclusões sobre desmatamento de que era alvo. A
Conferência de Estocolmo além da pretensão de produzir documentos que pudessem
servir de base para ações dos estados-nações, como legislação e implementação de
tratados internacionais, marcou o novo posicionamento da ONU, que deixou de atuar
em ações pontuais para coordenar suas atividades ambientais através do United States
Environmental Programe (UNEP).
Hogan (2000, p.23) avalia que nos anos 70 e 80 houve uma omissão e mesmo
resistência na identificação da degradação ambiental, como efeito do desenvolvimento e
das taxas de crescimento demográfico, ou seja, segundo palavras do representante
brasileiro em Estocolmo, 1972, “a poluição foi um sinal de progresso e o ambientalismo
um luxo para os países desenvolvidos”.
O Relatório Brundtland/1987 - Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, presidida pela primeira-ministra da Noruega, Mrs.
Brundtland, que apresentou o Relatório Nosso Futuro Comum destaca-se
por seu importante papel de adotar o conceito de desenvolvimento
sustentável, definindo-o como “desenvolvimento que atenda às necessidades
do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras em atender
suas necessidades” (FEAM, 1988, p.42). Desempenhou importante papel
quando buscou juntar os políticos do Primeiro Mundo, que precisavam
apaziguar os eleitores verdes, e os políticos do Terceiro Mundo, envolvidos
em problemas econômicos. Com uma fórmula vaga, as discussões dos
detalhes ficaram para momento posterior.
Em 1992 ocorreu a Conferência do Rio, que foi considerada a maior reunião de
líderes mundiais para discutir questões ambientais. Esperava-se que a Conferência
produzisse quatro convenções: mudança climática, biodiversidade, biotecnologia e
florestas. Deveria ser produzido, também um capítulo sobre direitos planetários com
princípios básicos para a proteção do meio ambiente e desenvolvimento, o Earth
Chapter contendo um plano de ação para o desenvolvimento sustentável, a Agenda 21, a
redefinição dos papéis da ONU e um tratado sobre transferência de tecnologia. No final,
a Conferência não conseguiu cumprir sua pauta. Limitou-se e conclamar os países a
fazer todo o possível para a promoção do desenvolvimento sustentável, sem muitos
avanços. Porém ocorre a evolução do conceito de desenvolvimento sustentável, que
passou a incluir a dimensão da equidade, além das noções de proteção ambiental e
desenvolvimento econômico. Construiu-se a Agenda 21, mas esta não se constituiu em
um plano de ação e não estabeleceu prioridades.
Diversos atores participaram e participam dessas conferências, porém o Estado-
Nação aparece como peça chave nos acordos internacionais. A justificativa é que eles
adequam suas políticas às pressões de interesses privados, ONGs e ciência, mas também
estão sujeitos a um conjunto de pressões políticas internas, que muitas vezes estão
distantes das questões ambientais, mas que exercem um papel importante nas tomadas
de decisões.
A Convenção sobre Mudanças Climáticas - O Protocolo de Kyoto - foi um
desdobramento da Rio 92, onde buscou-se o comprometimento dos países em combater
o aquecimento global, sob liderança dos países desenvolvidos. Em 1995 ocorre uma
conferência para discussão do tema em Berlim, que teve como resultado a estipulação
de um período com discussões sobre um Protocolo para definição de novos
compromissos legalmente vinculantes, visando possibilitar ações apropriadas para a
primeira década do século 21. A partir desse encontro, ocorreu a terceira Conferência
das Partes, realizada em Kyoto/Japão, em 1997, resultando o documento conhecido
como Protocolo de Kyoto. Os países que o assinaram aceitaram o compromisso de
reduzir, mesmo que de forma diferenciada as emissões dos gases causadores do efeito
estufa. As discussões prosseguiram em anos seguintes através de encontros
denominados Conferência das Partes-COP (COP 4 em Buenos Aires; COP 5 na
Alemanha; COP 6 em Haia; COP 7 em Marrakesh; COP 8 na Rússia; COP 9 em Bonn;
COP 10 em Buenos Aires; COP 11 em Montreal; COP 12 em Nairobi; COP 13 em Bali;
COP 14 em Poznan; COP 15 será em 2009 na cidade de Copenhagen) com avanços
pouco expressivos frente às necessidades do planeta.
A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 10) acontece no
ano de 2002, na cidade de Johanesburg, África do Sul. Apesar das expectativas, a
reunião termina sem grandes avanços, porém inicia-se uma discussão sobre o
estabelecimento de metas para o uso de fontes renováveis na matriz energética dos
países.
A grande questão ambiental está na necessidade de uma nova postura da
sociedade de consumo que envolve a avaliação de quem perderá com as alterações do
padrão de vida, imposto pela exaustão dos recursos (Ribeiro, 2005). Para o autor, esse
ponto, gerador de conflitos, deve ser analisado através da teoria do realismo político, no
qual o poder está como premissa fundamental da ação dos Estados e na salvaguarda da
soberania
8
. Essa teoria tem uma de suas bases o pensamento hobbesiano no que se
refere à necessidade do equilíbrio entre nações e no estabelecimento de um balanço de
8
Nas discussões do realismo político, Ribeiro baseia-se nas teorias de Hans Morgenthau (Politics among
Nations, 1948) que apontou os princípios do realismo político: “1- O realismo político é governado por
leis objetivas que têm raízes na natureza humana; 2- O conceito de interesse, definido em termos de
poder, é o principal elemento nas análises do realismo político; 3- O realismo admite que a idéia de
interesse é realmente a essência da política e que não é afetada pelas circunstâncias de tempo e de lugar;
4- O realismo político está atento ao significado moral da ação política; 5- O realismo político recusa
identificar as aspirações morais de uma nação particular como uma lei moral que governa o universo; 6-
As diferenças entre o realismo político e outras escolas de pensamento são reais e profundas” (RIBEIRO,
2005, p. 18).
poder, evitando que um estado sobreponha seus interesses aos dos demais integrantes do
sistema internacional.
A análise da ordem ambiental deve considerar o elemento tempo, pois, no que se
refere à periodização, existe uma descontinuidade na ordem ambiental internacional,
com rupturas, reformas e continuidades que se expressam nos fatos históricos
as tradições e as rupturas da ordem ambiental internacional ocorreram
segundo um arranjo temporal, baseadas em eventos, em fatos históricos
pretéritos que precisam ser ressaltados para que seja possível a elaboração de
uma interpretação que permita sustentar a predominância dos interesses
nacionais e da soberania entre seus integrantes [...] a complexidade de
interesses e de atores envolvidos em que tema ambiental discutido
internacionalmente demonstra que os países comportam-se de maneira
singular, reestruturando alianças para a garantida de sua soberania
(RIBEIRO, 2005, p.50-51).
Entre esses fatos ocorre a participação dos diferentes atores na criação de
organizações e em várias reuniões. Entre as organizações criadas, após a CNUMAD,
está a Organização Mundial do Comércio OMC. Para Ribeiro (2005), essa ordem é
uma complexa rede de ações internacionais, incluindo relações e acordos, como a CB
(Convenção da Diversidade Biológica), a CMC, a Convenção para o Combate à
Desertificação, envolvendo a ONU e a instalação de um sistema de qualidade ambiental,
a série ISSO 14000, dentre outros.
O problema ambiental é mundial e, como alternativas, o autor aponta vários
caminhos, como o “ambientalismo radical” que tem promovido ações diretas contra
alvos que representam a sociedade de consumo, o “ambientalismo de negócios” que
na temática um novo negócio, o “ambientalismo conservacionista” que prega a
utilização racional dos recursos naturais, e o “ambientalismo preservacionista” que
defende a intocabilidade dos ambientes naturais como forma de preservar. Lembra que
existem parcelas de pessoas que defendem uma relação menos impactante, com um
estilo de vida mais harmonioso, como os povos da floresta, caiçaras, ribeirinhos, povos
indígenas, quilombolas, entre outros.
Mas existe hoje o predomínio do realismo político nas esferas de decisão da
ordem ambiental internacional. A Rio-92 tornou-se um marco nas discussões,
principalmente por ter divulgado os temas, incluindo a opinião pública como ponto a ser
considerado. Acredita que as soluções estão por vir, mas elas passarão, necessariamente,
pela articulação entre países detentores de informação genética e os que possuem
tecnologia para processá-la; entre países poluidores e emissores de gases do efeito
estufa em diversas intensidades, colocando frente a frente países centrais e periféricos.
Defende a fundação de uma “ética do futuro ou a ética do amanhã”, isto é
uma ética que atenue a tensão entre o tempo de produção de mercadorias e o
da reprodução das condições naturais da existência humana. Uma ética que
acomode o tempo da reprodução da vida, não necessariamente o mesmo que
o da reprodução do capital, como nos fazem acreditar. Trata-se de adequar a
reprodução da vida com a capacidade do ambiente em incorporar os dejetos
que produzimos tal qual o fazem muitos grupos humanos (indígenas,
ribeirinhos, quilombolas) (RIBEIRO, 2005, p.147).
Mas as mudanças não vão acontecer apenas no campo da ciência e da
tecnologia, mas o campo da política é essencial a todo o processo. Para isso, as medidas
passarão pela educação, pela responsabilidade coletiva, permitindo a continuidade da
vida humana na Terra.
CAPÍTULO II
A NATUREZA E A SOCIEDADE
O Cerrado tem passado por um processo, nos últimos séculos, de degradação
que coloca em risco toda uma biodiversidade que o planeta levou milhões de anos para
formar. A expansão da fronteira agrícola, o extrativismo, as carvoarias, formação de
pastagens, extração de flores, frutos e madeira preocupam grupos voltados para a
preservação. A configuração de novas paisagens decorrentes da ação humana e que traz
como conseqüência a redução da diversidade ecológica e extinção de espécies, sendo
muitas delas talvez nem catalogadas, leva a reflexões sobre a relação homem e natureza.
O presente capítulo apresenta um levantamento das discussões sobre a formação do
domínio morfoclimático do Cerrado e sobre o homem que ocupou essa área, com as
alterações processadas ao longo do tempo, além de diversos olhares que são lançados
sobre esse espaço.
2.1- O Cerrado no tempo e no espaço
De acordo com Sano e Almeida (1988) o termo Cerrado é usado de forma mais
abrangente para designar o bioma predominante na região central do Brasil. Com
origem no espanhol, o termo Cerrado significa fechado, como forma de traduzir uma
vegetação arbustiva-herbácea densa e savânica. Grande parte das definições que se
encontra em meio digital fala do Cerrado de forma mais generalizada
o Cerrado típico é constituído por árvores relativamente baixas (até vinte
metros), esparsas, disseminadas em meio a arbustos, subarbustos e uma
vegetação baixa constituída, em geral, por gramíneas. Assim, o Cerrado
contém basicamente dois estratos: um superior, formado por árvores e
arbustos dotados de raízes profundas que lhes permitem atingir o lençol
freático, situado entre 15 a 20 metros; e um inferior, composto por um tapete
de gramíneas de aspecto rasteiro, com raízes pouco profundas, no qual a
intensidade luminosa que as atinge é alta, em relação ao espaçamento.
9
9
http://www.ibama.gov.br - consulta em 18/06/07
O Cerrado é uma savana tropical na qual a vegetação herbácea coexiste com
mais de 420 espécies de árvores e arbustos esparsos. O solo, antigo e
profundo, ácido e de baixa fertilidade, tem altos níveis de ferro e alumínio.
10
Mas o Cerrado não se apresenta de forma homogênea. Para Ab’Saber (2003,
p.18), mesmo tratando-se de uma paisagem monótona no que se refere às feições
geomórficas e fitogeográficas, o Cerrado apresenta “imponentes exceções de padrões de
paisagens nas altas escarpas estruturais”, bem como variações como as veredas e os
cerradões com uma vegetação mais densa, além de florestas-galeria, campos limpos
dentre outros. Essa diversidade é confirmada por Sano e Almeida (1988) que estudam
as formações florestais do Cerrado. Segundo esses autores, o Cerrado engloba variados
tipos de vegetação que foram classificados com base em critérios fisionômicos,
seguidos pelos aspectos ambientais, edáficos e pela composição florística. Com essa
subdivisão foram enumerados onze tipos fitofisionômicos gerais enquadrados em:
- formações florestais: mata ciliar
11
, mata de galeria
12
, mata seca e
cerradão;
- formações savânicas: Cerrado sentido restrito, parque de Cerrado,
palmeiral e vereda;
- formações campestres: campo sujo, campo rupestre, campo limpo.
Após séculos de intervenção intensa do homem, o Cerrado, no caso mais
específico o Cerrado mineiro que está diante dos olhos não é mais tão fechado. Hoje a
paisagem está bastante alterada, seja pelos amplos reflorestamentos com eucalipto nos
caminhos em direção ao norte e nordeste do estado, seja pelas extensas áreas de
agricultura em direção ao Triângulo Mineiro. Encontrar uma área com Cerrado em sua
forma mais pura transformou-se em uma remota possibilidade e remete ao pensamento
de como uma paisagem que foi formada e elaborada ao longo de milhões de anos pela
natureza se desfaz, em poucas décadas, pela ação humana.
Ao longo da história da Terra, fatores espaciais, como hidrografia, topografia,
características do solo e fatores temporais que marcaram as alterações climáticas e
geomorfológicas, determinaram a configuração do Cerrado e das outras formas
vegetacionais que existem na atualidade.
De acordo com algumas teorias, é possível pensar que as paisagens não foram
sempre com essa forma atual e nem mesmo com as existentes anteriormente à presença
10
http://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/bioma - consulta em 18/06/07
11
“Vegetação predominantemente arbórea que acompanha a margem dos rios” (IBGE, 2004, p.218).
12
“Floresta que orla um ou os dois lados de um curso d’água, em uma região onde a vegetação
característica não é florestal” (IBGE, 2004, p.218).
do homem. Antes da intensa intervenção humana, o planeta passou por fases de
modificações. Dessa forma, independente da ação humana, a Terra esteve e está em
constantes transformações, demonstrando assim, ser um sistema dinâmico. Esse
dinamismo refere-se à integração e relações entre os seres vivos com o seu meio,
constituindo os ecossistemas.
De acordo com Hutton e Lyell (SALGADO-LABORIAU, 2004), desse
dinamismo decorrem ciclos que se repetem indefinidamente, porém a autora defende
que, mesmo de posse de métodos mais refinados e de muitas informações, a base da
teoria do Atualismo
13
é válida, mas deverá ser adicionada das especificidades de cada
momento e local. Nesses ciclos ocorrem espécies que evoluem ou se extinguem. A
evolução e extinção de espécies ao longo do tempo histórico e geológico variam e é
importante considerar que a evolução foi e é irreversível. Dessa forma cada momento da
história é caracterizado por uma combinação única de espécies que, de certa forma,
conseguiram se harmonizar até que um evento novo se instalasse. Todas essas
mudanças são fontes de estudos para a paleoecologia e
cada sistema, o seu desenvolvimento e as suas modificações podem ser
reconstruídos pelo estudo dos fósseis contidos nos sedimentos e nas rochas
sedimentares. As seqüências desses fósseis são os documentos históricos que
registram a evolução (SALGADO-LABORIAU, 2004, p.9).
O planeta Terra levou milhões de anos para criar condições de vida. Os
primeiros sinais de oxigênio surgiram ainda no Arqueano e, com mais alguns milhões
de anos apareceram as primeiras formas de vida multicelular, com registros que datam
entre 2.500 e 2.100 M.a. (milhões de anos antes do presente). Nas regiões calcárias de
Minas Gerais foram encontrados registros desses seres, os estromatólitos, sendo esse
fato indicador da existência de mares e lagos no que representa hoje a região do Cerrado
mineiro. Enquanto a vida ia se constituindo e se adaptando às condições físicas, as
placas continentais se movimentavam, e ainda se movimentam, devido a forças
endógenas, promovendo modificações na arquitetura do nosso planeta, erguendo
montanhas, erodindo áreas, renovando o assoalho oceânico, criando condições de
formação de solos no futuro.
13
No século XIX surge uma corrente de pensamento, iniciada por Hutton e, posteriormente defendida por
C. Lyell (1830), que ficou conhecida por Atualismo e cujo princípio era “o presente é a chave do
passado”, isto é, observando os processos existentes hoje temos condições de compreender os processos
passados.
Os seres invertebrados e as primeiras plantas passam por um processo adaptativo
e, cerca de 450 M.a. os oceanos estão povoados com peixes e a vegetação recobre
parte dos continentes. A paisagem que anteriormente sofria transformações mais
constantes decorrentes da ação do vento, que transportava partículas num processo
erosivo intenso, passou a se estabilizar com a vegetação. Assim, com a adaptação da
vegetação à vida no continente e a ocupação que se iniciou nas bordas continentais,
ocorreu a desaceleração dos ventos, a formação de solos e a redução do fluxo das águas.
Espécies mais resistentes e com maior capacidade adaptativa superaram a competição
através do desenvolvimento de vasos para transporte de nutrientes, fazendo surgir as
primeiras florestas, há cerca de 350 M.a.
O aparecimento e extinção de espécies que ocorreram durante as eras Paleozóica
e Mesozóica mostram que a vida está em processo constante de mutação e transmite a
idéia de que a história não está pronta. Salgado-Laboriau (2004) esclarece mais sobre
esse processo
os organismos se extinguiram e se extinguem não porque são ou foram uma
experiência que não deu certo, mas porque as condições ambientais
mudaram, ou surgiu na evolução um predador que o eliminou, ou outra
circunstância que fez com que ele não pudesse mais viver (SALGADO-
LABORIAU, 2004, p.112).
Os acidentes topográficos e barreiras naturais, como oceanos, montanhas,
geleiras, fizeram surgir espécies que se tornaram endêmicas e que ficaram confinadas a
ambientes específicos e nichos ecológicos. Nesses espaços diferenciados surgiu a
diversidade de ecossistemas e uma complexa distribuição biogeográfica.
Após a separação do continente africano (110 M.a) a América do Sul deslizou
em direção ao Equador, tornando-se mais quente e úmida. O isolamento e a separação
pelo oceano permitiram a especiação da fauna e flora. Em uma visão mais próxima,
durante o Terciário Inferior Paleógeno e Neógeno acontecia a formação do Rio São
Francisco, há cerca de 65 M.a., que nesse período se articulava à bacia do Rio Parnaíba.
Após esse período foi gradativamente tomando seu curso atual decorrente de uma série
de capturas fluviais e efeitos crustais. A formação da Depressão São Francisco iniciou-
se um pouco antes, no Cretáceo superior – aproximadamente 90 M.a. que
na porção central do Estado de Minas Gerais, amplas e recorrentes coberturas
cretácicas ocupam o topo das chapadas esculpidas pela erosão regressiva dos
afluentes das margens esquerda e direita do atual Rio São Francisco. Essas
coberturas, depositadas pela ação de sistema flúvio-eólico, marcam o
encerramento do preenchimento da Bacia Sanfranciscana durante o Cretáceo
Superior (VALADÃO, 1998, p.213).
Voltando para uma época mais recente, com as eras glaciais do Quaternário e a
queda da temperatura dos oceanos, a corrente marítima de Falkland passou a transportar
menos umidade levando à alteração dos padrões pluviais da parte continental. A
alternância dos intervalos glaciais e de calor promoveu a contração e expansão das
florestas. Nesse movimento, fauna e flora concentravam-se em áreas de refúgio,
contribuindo para a configuração do quadro atual de complexidade dos ecossistemas, no
que se refere à biodiversidade.
O estudo do Quaternário aparece como o mais importante para a Geografia, uma
vez que se refere ao momento da história ecológica em que o homem foi inserido na
natureza, passando a ter esse ambiente como espaço para se desenvolver.
Durante os glaciais quaternários, formações vegetais mais abertas ocuparam
grandes extensões do continente americano, ficando alguns remanescentes mais úmidos,
dando origem ao Cerrado e Caatinga atuais. Na escala espacial, a formação do Cerrado
foi influenciada pelas características do solo, hidrografia e topografia (SANO e
ALMEIDA, 1998).
O Planalto Central brasileiro é visto como área nuclear do Cerrado, de onde este
se expandiu para as depressões interplanálticas
14
existentes no centro ou na periferia
dessa área. Para Ab’Saber (2003) houveram três gerações de Cerrado, uma considerada
arcaica, provavelmente do Terciário que recuou para os refúgios intermediários com a
abertura e expansão das depressões interplanálticas. Seguidamente a esta fase, as áreas
receberam uma nova geração de Cerrado, oriunda das cimeiras do Planalto, disputando
espaços com a Caatinga durante as flutuações climáticas do Pleistoceno. Em momento
mais recente e quando os climas úmidos predominavam, a Caatinga ficou restrita ao
Nordeste Brasileiro e algumas biomassas do Cerrado se deslocaram para o noroeste da
América do Sul. Assim é possível pensar que a formação vegetacional da área da
Depressão São Francisco é mais jovem e se originou da expansão do grande refúgio do
Planalto Central.
A composição florística de Minas Gerais no período anterior ao Quaternário era
bastante diferenciada, com grande área com domínio da Caatinga, Mata de Araucária,
14
Depressão interplanáltica é uma área de altitude mais baixa em relação à dos planaltos que a circundam
(GUERRA, 2005).
florestas temperadas frias de altitude e o Cerrado. Após o período das oscilações
climáticas, o Cerrado tomou a forma atual, assim
essa seria, em linhas gerais, a paisagem encontrada pelos primeiros grupos humanos
a atingir a América do Sul e, de forma particular, Minas Gerais, que iria se
transformar na medida em que o continente ia sendo ocupado, pelo menos, nos
últimos 12 milênios (RIBEIRO, 2005, p.68).
A formação prossegue até a era Cenozóica (65 M.a.), que se inicia com o
anúncio de novos domínios: os mamíferos, as angiospermas e os insetos que continuam
se diversificando e ocupando os nichos vazios deixados pela megafauna. O surgimento
dos primeiros membros do nosso gênero o Homo ocorre na África cerca de dois
milhões de anos, sinalizando os primórdios de uma fase marcada por transformações
intencionais e não mais ditadas pelo tempo da natureza. Mas como as demais espécies
que surgiram, o homem teve de buscar adaptações às condições físicas e ambientais.
Ab’Saber (2003) apresenta a paisagem como uma herança recebida pelos
homens. Essa idéia de herança significa um espaço que se formou através de processos
antigos e que foram modelados por processos exógenos e, atualmente são remodelados
por processos recentes em tempo paralelo ao surgimento do homem.
Fernandez (2004), em sua obra O poema imperfeito aponta para o papel do
homem na degradação e extinção de espécies naturais. Leva a refletir, baseando-se em
teorias da década de 1960, que o processo de degradação não aconteceu após a
Revolução Industrial, como é comum nos discursos ambientalistas. Outras civilizações
promoveram extinções de espécies citando como exemplo os moas da Nova Zelândia
e o dodo das Ilhas Maurício, extinto pelo homem em 1660. Assim o homem herdou uma
natureza, ou o “poema perfeito” que teve sua degradação acelerada pela sociedade
industrial. O autor não questiona o poder destrutivo da nossa sociedade, mas argumenta
que outros processos anteriores existiram e deles decorreram extinções.
A mesma idéia de que a ação do homem é danosa à natureza, quando ocorre de
forma irresponsável, é corroborada por Dean (1996):
a história florestal corretamente entendida é, em todo o planeta, uma história
de exploração e destruição. O homem reduz o mundo natural a ‘paisagem’
entornos domesticados, aparados e moldados para se adequarem a algum uso
prático ou à estética convencional ou também, o que é ainda mais
assustador, a ‘espaço’ planícies desertas aplainadas a rolo compressor e
sobre as quais o extremo do narcisismo da espécie se consagra em
edificações. As intervenções humanas quase nunca realizam as expectativas
humanas. Seus campos se empobrecem, seus pastos se tornam magros e
lenhosos, suas cidades entram em colapso. O mundo natural, simplificado,
em desacordo com os desejos humanos mas em resposta a seus atos,
converte-se em uma enorme macega cosmopolita de luto (DEAN, 1996,
p.24).
2.2- A bacia do rio São Francisco
A bacia hidrográfica do rio São Francisco, na qual se insere a bacia do rio
Pandeiros, possui uma área de 634.781 km² (8% do território nacional), abrange 503
municípios e parte dos estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe,
Goiás e Distrito Federal (FIG. 4).
Nasce na Serra da Canastra, com a singeleza de brotar da terra a água formadora
de um dos mais importantes rios do Brasil. De forma majestosa desce a serra, formando
a Cachoeira da Casca d’Anta e, recebendo afluentes, banha os estados de Minas Gerais,
Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas. Atravessando a região mais pobre de Minas
Gerais leva juntamente com suas águas, beleza e vida para as comunidades ribeirinhas.
Auguste de Saint-Hilaire (1975) descreve seu encontro com a nascente do São
Francisco, citando expressões de obras sobre a história do Brasil
a cascata da Casca d’Anta, de que obra nenhuma que eu conheça, falou até
aqui. Vi essa cascata sair da montanha; mas devo assinalar que não observei
o ponto em que suas águas se escapam da terra. Foi, aliás, nos nossos dias,
unicamente que se começou a ter idéias mais precisas sobre as nascentes do
S. Francisco. Antigamente, diz o historiador do Brasil, julgava-se que o São
Francisco saia de um lago famoso em cujas margens se situava a cidade
fabulosa de Manoah, e pretendia-se que os naturais do país usavam ornatos
de ouro. Fizeram-se pois, tentativas para chegar às nascentes do rio, e para
esse fim, organizaram-se expedições em todas as capitanias do Brasil. No
entanto, esses esforços não tiveram o resultado ambicionado, pois que, se
subiu o São Francisco até distância considerável do Oceano, em 1810
Southey ignorava ainda em que lugares começava esse rio, e supunha que
podia nascer das mesmas montanhas que o Paraguai e o Tocantins (Hist. Of
Braz.,I, pág. 534) (...) Depois que tudo o que precede estava escrito, encontrei
a frase seguinte na última obra de Eschewege: ‘Perto da fazenda da Casca
d’Anta chega-se a um rochedo cortado a pique, que tem certamente mais de
mil pés, e pertence à Serra da Canastra; escapa-se de uma profunda
depressão uma das principais fontes do Rio São Francisco, que forma uma
cascata digna de ser vista (SAINT-HILAIRE, 1975, p.337).
FIGURA 4- Bacia hidrográfica do rio São Francisco
Fonte: CHESF, 2004
A ocupação da área da bacia iniciou-se no século XVI, prosseguindo até o
século XVIII com o desenvolvimento da atividade de pecuária e formação de currais.
Foi chamado Rio da Unidade Nacional desde o século XIX, pela característica de
atravessar vários estados do país.
Pela sua extensão, 3.161 km, o rio São Francisco atravessa várias paisagens com
regime de chuvas que não são homogêneos, apresentando áreas mais secas,
correspondendo à Caatinga e áreas com mais umidade, com o domínio do Cerrado. De
acordo com os levantamentos, na região norte de Minas Gerais, parte da água da bacia
se infiltra no calcário do Grupo Bambuí. Isso explica, de acordo com a Companhia de
Pesquisa de Recursos Minerais - CPRM, a redução da vazão no trecho à jusante de
Januária até Carinhanha. Entre os anos de 1959 e 1961 os dados da Ruralminas e
Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco - CODEVASF apontam para
diminuição da descarga hídrica através dos dados do período da estiagem (CPRM,
1977). Em viagem pelo Brasil, Saint-Hilaire fez referência aos efeitos da estação das
chuvas e das secas pelo rio São Francisco
na estação das chuvas, que começa pelos fins de setembro e dura até janeiro,
o rio engrossa pouco a pouco; acaba por transbordar e, nos lugares em que a
Serra não fica a muito pequena distância, as águas se estendem por uma légua
e mais até. (...) A terra permanece inundada durante um mês e, às vezes mais.
Pouco a pouco as águas se retiram; escoam-se para o rio, e, no mês de abril,
a terra exibe uma lama lodacenta. As substâncias animais e vegetais em
putrefação corrompem a atmosfera; e começam então as doenças, que reinam
todos os anos às margens do Rio S. Francisco, e que as tornam tão temidas
(SAINT-HILAIRE, 1975, p.338).
O fato de atravessar uma região semi-árida que, além de problemas com a seca
enfrenta questões sócio-econômicas que acarretam levas migratórias para regiões mais
ricas do país, fez com que o governo buscasse através de políticas públicas várias ações
que minimizassem esse quadro de abandono. Projetos de irrigação e barragens foram
formados, vários órgãos criados e modificados ao longo das últimas décadas.
É inegável que a bacia do São Francisco possui potencial ecológico
diversificado, mas esse vem sendo explorado de forma setorizada e caracterizada pela
intervenção do Governo Federal. Mediando a inserção, mais recentemente, o capital
agroindustrial internacional, dentre as ações políticas para o desenvolvimento do São
Francisco destaca-se a criação da Companhia Hidrelétrica do São Francisco, a CHESF
com a intenção de promover a geração de energia. Em 1950 criou-se o Plano Geral para
o Aproveitamento Econômico do Vale do São Francisco, que foi encaminhado para o
Congresso Nacional, com ênfase especial à regularização do regime do rio. Dessas
ações e devido às condições naturais de desnível do rio foram construídas as Usinas de
Paulo Afonso (I, II, III em construções consecutivas) em 1955, seguida de Três Marias
em Minas Gerais, Moxotó, Sobradinho, Paulo Afonso IV, Itaparica e Xingo abrindo,
assim, perspectivas para o desenvolvimento regional no discurso oficial.
De acordo com Cunha (2006) a construção de barragens trouxe problemas
ambientais. Citando a barragem de Sobradinho, construída em 1978 na Bahia com o
intuito também de controle da vazão, enumera os problemas, iniciando pelas questões
sociais, uma vez que afetou a população que sobrevivia da agricultura nas áreas de solos
férteis das margens do São Francisco no período da vazante. Nos aspectos ambientais
ocorreram mudanças no processo de transporte de sedimentos e considerável perda de
habitats fluviais decorrente da alteração na velocidade das águas. Com a construção de
Paulo Afonso II processaram-se alterações na sedimentação da margem direita, que
passou a ter um quadro erosivo, invertendo o processo natural. Impactos semelhantes
ocorrem à jusante de Xingó (CUNHA, 2007; FONTES, 2002), envolvendo aspectos
morfológicos (fluxo, carga de sedimentos, erosão, assoreamento) e os ajustes do canal,
além dos efeitos na fauna de peixes e invertebrados.
Além das construções de represas e barragens, outras ações surgiram para a
promoção do vale, como a PROVALE/1972 Programa Especial para o Vale do São
Francisco, que foi criado pela Superintendência do Vale do São Francisco; mais tarde
(1974) criou-se a CODEVASF Companhia de Desenvolvimento do Vale do São
Francisco, para conduzir o aproveitamento agrícola e a implantação de distritos
agroindustriais em áreas prioritárias, com a exploração de áreas com capacidade para
agricultura irrigada. A grande enchente de 79/80 chamou a atenção para o controle e
conservação dos recursos naturais cuja utilização estava causando efeitos negativos.
Assim, em 1989 o Ministério do Interior elaborou o Projeto Plano Diretor para o
Desenvolvimento do Vale do São Francisco PLANVASF, com vistas ao crescimento
econômico compatível com o manejo adequado dos recursos naturais.
Atualmente falar do rio São Francisco, envolve a proposta de transposição do
rio, empenhada pelo atual governo como forma de sanar a questão da seca no Nordeste,
dentre outros objetivos. Porém esse projeto não é novo. No período de 1979/1985 um
projeto para transposição foi levado para a pauta política brasileira
durante a gestão do Ministro Mário Andreazza, o Ministério do Interior
formalizou um projeto que previa grandes obras para desviar as águas do Rio
São Francisco para outros estados do Nordeste, o que suscitou uma polêmica
nos meios técnicos e políticos nacionais (...) Mas a pretensão de captar as
águas do “Velho Chico” para abastecer os estados da Paraíba, Ceará e Piauí,
situados fora do percurso de suas águas, não parece ter morrido, malgrado os
protestos de associações como o S.O.S. São Francisco. Sustentada por alguns
e combatida por outros, a polêmica continua e, às vezes, constitui a expressão
dos desejos faraônicos de políticos e de irresponsabilidade técnica.
Periodicamente volta-se a se discutir a transposição das águas, antes inclusive
de se analisar o funcionamento das futuras bacias receptoras e se conhecer
em profundidade as comunidades envolvidas (NOU E COSTA, 1994, p.13).
O Governo Federal, defensor da transposição das águas do São Francisco, tem
consciência do nível de degradação em que se encontra a área da bacia. Após pressões
de entidades científicas e da sociedade civil, o discurso da transposição passou a
caminhar paralelamente ao da revitalização
15
, enquanto necessidade de recuperar as
condições ambientais de toda a bacia hidrográfica. A Companhia Hidrelétrica do São
Francisco - CHESF divulga textos que buscam demonstrar que o rio sofreu processo de
degradação nos últimos séculos
mais de quatro séculos de exploração, em geral desordenada, da bacia do
Velho Chico levaram os ambientalistas a considerá-lo atualmente um ‘rio
doente’. Para isto, contribuíram o desmatamento, a poluição e a alteração do
regime hídrico natural, decorrente da construção de barragens. O
desmatamento indiscriminado realizado para obter a lenha que serviu como
combustível e para "liberar" terras para agricultura e pecuária, provoca
carreamento de terras férteis, assoreamento e regime torrencial nos períodos
de alta pluviosidade. A poluição das águas tem origem nos esgotos não
tratados, resíduos industriais, mineração, adubos químicos e defensivos
agrícolas. Finalmente, as barragens alteraram o regime hídrico natural, e as
necessidades de energia elétrica do Nordeste aumentaram as vazões mínimas
naturais e reduziram os piques de cheias. Além disso, as barragens provocam
retenção de sedimentos no interior dos reservatórios. Tudo isto despertou a
consciência da necessidade de um intenso e efetivo programa de
Revitalização e Conservação do Rio São Francisco, e o maior desafio deste
programa de Revitalização e Conservação é, atingida a Revitalização,
proporcionar o uso dos recursos naturais da bacia, de forma sustentável,
proporcionando o desenvolvimento econômico e social dos seus habitantes, e
de dezenas de milhões de nordestinos que se beneficiam da energia elétrica
nela gerada. Simultaneamente deve ser garantida a disponibilidade dos
recursos naturais da bacia, para beneficiarem as gerações futuras. Não é
possível buscar restaurar a bacia do Rio, para condições iguais àquelas
existentes quando os colonizadores europeus encontraram pela primeira vez
sua Foz, em 4 de outubro de 1501. Como será a bacia do Velho Chico
revitalizada e conservada daqui a duas gerações? (CHESF, 2007).
16
O Ministério da Integração também caminha nesse sentido, divulgando notícias
sobre a revitalização
recuperação da hidrovia do rio São Francisco, esse é o principal objetivo da
parceria entre a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco
e do Parnaíba (Codevasf), vinculada ao Ministério da Integração Nacional, e
a Fundação de Estudos e Pesquisas Aquáticas (Fudespa).Para isso, está em
prática desde março, a construção do Campo de Provas, um trecho de 12
quilômetros na região de Barra (BA) para testar a engenharia que será
utilizada na revitalização desse trecho do rio, incluindo margens e o leito do
São Francisco. O sistema, baseado em biotecnologia (aproveitamento de
material nativo da região), prevê obras de contenção de margens,
disciplinamento do curso fluvial, reflorestamento ciliar, entre outros. As
obras estão sendo realizadas pelo Exército Brasileiro, sob a coordenação da
Fudespa e da Companhia Docas da Bahia (Codeba). O ministro da Integração
15
Revitalizar uma bacia hidrográfica significa empreender ações de conservação, recuperação e
preservação para que esta fique o mais semelhante possível à sua condição original. No caso da
revitalização do São Francisco, o enfoque é na revitalização do ecossistema, visto como base para o
desenvolvimento sustentável, mesmo tendo a consciência da igual necessidade de uma revitalização
sócio-econômica da região (ALMG, 2003).
16
Disponível em: <http://www.chesf.gov.br/riosaofrancisco>. Consulta em: 02 jul. 2007.
Nacional, Geddel Vieira Lima, visitou o Campo de Obras no último dia 14 de
junho, durante a viagem Travessia para o Futuro, ressaltando a importância
desse projeto para o desenvolvimento regional Brasília 29/06/2007
(MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO, 2007).
17
Para Nou e Costa (1994), a degradação ambiental afeta não apenas o meio
ambiente, mas as famílias inseridas nele, instalando um ciclo vicioso marcado pela
desestruturação da família, com a perda de valores culturais da sociedade, piorando a
qualidade de vida e refletindo sob a forma de impactos no meio e na economia regional,
tornando-se, dessa forma, um obstáculo ao desenvolvimento desejado para a região.
Apesar das ações no sentido de conservação de áreas, através de criação de
APA’s, parques, reservas ecológicas dentre outros, percebe-se que o pensamento de uso
dos recursos até seu esgotamento ainda é presente em áreas da bacia, e a crise que se
iniciou no século XIX com o fim do fornecimento de alimentos para a região
mineradora, ainda está presente, se não em toda a bacia, mas em várias áreas,
principalmente em Minas Gerais, incluindo a bacia hidrográfica do rio Pandeiros.
Araújo (2003, p.23), inicia um de seus textos questionando se o Rio São
Francisco não teria melhor denominação com o nome de “Rio dos Contrastes” ou “Rio
das Contradições” ou “Rio das Excludências”, pois abriga no seu curso áreas que
apresentam desenvolvimento com projetos de irrigação que tiveram sucesso e outros
espaços marcados pela miséria e descaso das autoridades. Em meio a esses contrastes o
Rio São Francisco continua seu curso, levando ainda esperança e vida para as
populações ribeirinhas ou os barranqueiros, como são regionalmente conhecidos os
moradores de suas margens, entre eles os moradores da região administrativa do Norte
de Minas Gerais, ou na área do Sertão Mineiro.
2.3- Os primeiro moradores do Norte de Minas Gerais
Falar o homem pré-histórico de Minas Gerais é, inicialmente, falar do Homem
de Lagoa Santa (idade do Pleistoceno, descoberto por Peter Wilhelm Lund), em
analogia ao local onde foi encontrado, um município da Região Metropolitana de Belo
Horizonte. Porém sítios arqueológicos existentes na região Norte de Minas Gerais
apontam, também, para a presença humana, com destaque para os municípios de
17
Disponível em: <http://www.integracao.gov.br>. Consulta em: 02 jul. 07
Januária, Itacarambí, onde está localizado o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, rico
em pinturas e registros rupestres, Montalvânia, Jaíba, Manga, Bocaiúva, dentro outros.
O vale do rio Peruaçu, um afluente do Rio São Francisco possui, em suas cavernas
calcárias, rico acervo que registra a presença de nossos antepassados (PROUS, 1992).
As culturas indígenas também se fizeram presentes no Norte de Minas Gerais
os sinais arqueológicos da presença da cultura Tupiguarani no Sertão Mineiro
são pouco significativos, em geral, se restringindo a descoberta de dois sítios
no Vale do Araguari, no Triângulo Mineiro e de cerâmica, designada como
fase Cocha, na área do Vale do São Francisco (RIBEIRO, 2005, p.107).
Por outro lado os relatos encontrados na carta do Padre João Aspicuelta Navarro,
de 1555, descrevem encontros com povos indígenas nas áreas dos rios Jequitinhonha e
São Francisco, incluindo-se os Tapuias e os Jês, apontando, também para um grande
número de tribos diferentes. O Sertão Mineiro foi ocupado por sete grupos principais de
indígenas que apresentavam grande riqueza e conhecimento que logo foram
ambicionadas pelos colonizadores europeus. São os grupos: Guaianá que viveram nas
margens do Rio das Velhas; os Cataguás e Araxás, habitando o sul, oeste e centro de
Minas, incluindo a região da nascente do São Francisco; os Kayapó, dominando a
região de Januária, incluindo a área do rio Pandeiros, até Paracatu, no noroeste do
estado; os Bororos, habitando a região do Triângulo Mineiro; os Xakriabá e Akroá que
ainda habitam a região compreendida entre o São Francisco e o Tocantins (RIBEIRO,
2005).
A existência de uma comunidade indígena associada ao fato de existirem poucos
moradores na região Norte de Minas Gerais confirmou idéia de “deserto”, de Sertão,
apontando para um “vazio cultural” que foi percebido pelos naturalistas que estudaram a
região, pois, como afirmou Saint-Hilaire (1975), um local desprovido de gente
civilizada, seguindo os moldes europeus, significava um vazio, um deserto. Além dessas
características atribui mais uma, a solidão, quebrada apenas pelos animais.
De acordo com dados do IBGE (2002) a região Norte de Minas Gerais,
principalmente a área a oeste do Rio São Francisco, onde a Unidade de Conservação
está localizada, apresenta uma densidade demográfica de menos de 10 hab/km
2
com
pouca alteração nas últimas décadas. O grande motor de ocupação do Norte de Minas,
centrado no rio São Francisco, foi a criação de currais para criação de gado.
Compreender um pouco do povo que habita o Norte de Minas, ou os Gerais
como ficou conhecia a região em distinção a outra parte, as Minas, significando a região
aurífera, requer retornar ao Século XVIII, quando desenvolveu a criação de gado e
produção de derivados dessa criação. A vocação pastoril ficou evidente no momento em
que passa a ser fornecedora de alimentos para a região mineradora chegando a
momentos de expansão econômica e desenvolvimento. Como lembra o discurso do
Movimento Catrumano
18
: “Minas Gerais não é ouro. É, também, gado e este se
disseminou pelo território estadual a partir dos Currais do São Francisco, ou seja, o
norte de Minas”.
Assim, a região do São Francisco foi palco de grande desenvolvimento,
anteriormente como fornecedor de rebanhos bovinos para o litoral até o século XVII e
no século seguinte quando a região mineradora de Minas Gerais passa a ser o novo
consumidor, alimentando as cidades do garimpo. Com essa nova via de escoamento de
produção ocorreu uma súbita valorização da pecuária e a ocupação rápida de todo o vale
com abertura de novos caminhos. Essa euforia durou enquanto durou o ouro. Com a
decadência da mineração ocorreu também a decadência do Vale do São Francisco que
ficou relegado ao abandono e isolamento do resto do país. Assim,
o intercâmbio com essas regiões (litoral) se mantiveram num nível muito
baixo durante todo o Século XIX e metade do Século XX, época em que o
vale do São Francisco não conheceu grandes transformações. Durante esse
tempo, outros estados brasileiros se desenvolviam e a diferença se
aprofundava cada vez mais (NOU e COSTA, 1994, p.16).
Em decorrência desse processo de crise econômica, esses autores reforçam a
idéia
o vale sofreu uma estagnação prolongada, tornando-se uma região atrasada
em pleno Século XX, enquanto que em meados do Século XVIII era uma das
mais prósperas do País. O homem agiu sempre com despreocupação,
destruindo as reservas naturais sem cogitar a sorte das futuras gerações. O
colono destruiu as matas do sertão e ciliares, para abandonar as terras após a
primeira ou segunda colheita, levando adiante a destruição, desencadeando
processos de desertificação nas novas áreas de devastações que empreendiam
(NOU E COSTA, 1994, p.16).
De acordo com Anastasia (1998), em 1736 ocorreram motins na região do Sertão
do São Francisco, decorrentes do repúdio dos moradores a taxa de capitação (impostos),
definida por D. João V como forma de compensar a queda da arrecadação da região
aurífera. Na região não existia a cobrança de impostos, com exceção do dízimo cobrado
18
O Movimento Catrumano O Norte de Minas como berço de Minas Gerais, envolve a Universidade
Estadual de Montes Claros, a Associação dos Municípios da Área Mineira da SUDENE e a Prefeitura
Municipal de Montes Claros. Tem como objetivo principal “buscar construir, a partir da articulação
regional, o norte de Minas como co-partícipe da fundação e consolidação da sociedade mineira”. O termo
catrumano refere-se a denominação do moradores da região do São Francisco.
pelo Arcebispado da Bahia e assim, esses motins se diferenciaram do restante da
Capitania de Minas Gerais por “contar com a participação das camadas mais baixas da
população do São Francisco nas assuadas mulatos, mamelucos, índios os motins de
1736 foram muito violentos, provavelmente pelo desenvolvimento singular da região”
(ANASTASIA, 1998, p.61). O desenvolvimento singular citado significa que a região
passou a possuir autonomia administrativa e organização sócio-econômica específica
decorrente do enriquecimento advindo do comércio com outras regiões do país, no
período áureo dos currais. Segundo a autora
o desenvolvimento econômico do sertão do São Francisco apoiou-se, assim,
na criação de gado e na produção de gêneros de subsistência para o consumo
das regiões mineradoras. Toda essa massa de mercadorias que era
comercializada com as áreas de extração aurífera voltava em ouro
(ANASTASIA, 1988, p.67).
Assim, desde tempos mais remotos em sua história, os moradores do Sertão do
São Francisco construíram sua economia e sua sociedade acostumadas a um Estado
ausente, onde “o poder das autoridades era apenas nominal” (ANASTASIA, 1998,
p.67).
2.4- Os olhares sobre o Sertão
19
Entre os anos 1816 e 1822, Auguste de Saint-Hilaire fez uma viagem pelo
interior do Brasil e na etapa sobre o Sertão faz uma previsão
com o tempo essa região deixará de ser deserta. Vivendo em um clima quente
e tendo, por conseguinte, poucas necessidades, seus habitantes jamais
mostrarão, sem dúvida, a atividade dos povos setentrionais da Europa ou da
América boreal; tornados, porém, mais numerosos, não poderão permanecer
na mesma indolência. O sertão conhecerá novos recursos, e, ao mesmo
tempo, restar-lhe-ão sempre gordas pastagens, terras férteis, e um rio que,
navegável em imensa extensão, estabelecerá úteis comunicações entre o país
e o oceano (SAINT-HILAIRE, 1975, p.320).
Através da literatura, João Guimarães Rosa (2001) buscou mostrar a vida, o
cotidiano, as crenças e hábitos dos povos do Sertão Mineiro, com contos e romances
19
O termo Sertão refere-se a parte de Minas Gerais correspondente ao Cerrado; é o lugar do deserto, do
deserdado. A denominação inclui não apenas um espaço geográfico, mas uma cultura e um povo que ali
reside.
que tem seu cenário na região da bacia do São Francisco. Inserindo no texto frases
como “O sertão é sem fim. Sertão está em toda parte. Sertão é dentro da gente” busca
mostrar que para o homem que vive nessa região de Minas, não está limitado em termos
de espaço geográfico, mas pertencer ao Sertão Mineiro simboliza pertencer a um
universo próprio, que ao longo da história de sua ocupação construiu um modo peculiar
de vida.
Na obra Manuelzão e Miguilim – Corpo de Baile, Guimarães Rosa (2001) busca,
através dos olhos de uma criança Miguilim expressar essa relação do ser humano
com o espaço de vivência. Os elementos naturais são vistos de diferentes formas, como
é o caso de um relato da mãe de Miguilim sobre uma serra: “A mãe não lhe deu valor
nenhum, mas mirou triste e apontou o morro; dizia: - ‘Estou sempre pensando que
por detrás dele acontecem outras coisas, que o morro está tapando de mim, e que eu
nunca hei de poder ver” (ROSA, 2001, p.29).
Essa expressão também serve para reafirmar que o homem que habita a região
do Sertão vive no isolamento, como foi detectado por naturalistas, como Saint-Hilaire.
A história passa-se num lugar chamado de Mutum, considerado um lugar distante,
“longe daqui”, mas margeado por veredas e com uma paisagem comum ainda hoje no
Norte de Minas Gerais uma casa isolada, formando um núcleo familiar, onde o
contato com o mundo externo é raro.
A visão de um vazio é encontrada também no discurso oficial. Porém fala do
vazio econômico, referindo a região do Norte de Minas que não tinha desenvolvido
nenhuma atividade econômica expressiva, aos olhos do governo, até a década de 1970.
A região era vista pelos órgãos oficiais como praticante de pecuária extensiva, com
baixa utilização dos solos agrícolas e com grande excesso de mão-de-obra, visto que a
pecuária extensiva utiliza poucos trabalhadores.
Assim, os olhares sobre o Sertão Mineiro são diversos. O visitante, como Saint-
Hilaire busca uma comparação com regiões conhecidas, estabelecendo parâmetros de
desenvolvimento. A visão do homem do lugar, presente em Guimarães Rosa, é voltada
para a relação mais próxima entre o homem e seu meio. a visão dos órgãos oficiais é
totalmente voltada para a exploração econômica, desconsiderando as peculiaridades do
local.
A região mineira do Cerrado também se caracteriza pelos frutos, cores e aromas
próprios, que estabelecem um elo entre os moradores e a paisagem.
Nas primeiras décadas do século XIX as imagens que são passadas pelos
viajantes mostram um Sertão sustentável, onde os habitantes produziam tudo o que
necessitavam, desde vestimentas até a criação de animais e alimentação. A abundância
de frutos é mostrada em relato de Saint-Hilaire (1975), que explorou o espaço brasileiro
entre os anos de 1816 e 1822, quando expõe que os vaqueiros saem para os currais, que
se localizam a certa distância das moradias, sem provisão, pois se alimentam do leite,
coalhada, mel e espécies de frutos nativos, como araticum, guabiroba, araçá, jabuticaba,
murici, giqui, umbu, jenipapo, buriti, mangaba, goiabas, bacoparí, pitomba, mutamba,
marmelada, indaiá, cagaiteira, jatobá, borulé.
Citando os naturalistas Karl Freidrich Philipp von Martius e Johann Baptist von
Spix, Ribeiro (2000) aponta que o povo do Sertão identifica os “senhores” que reinam
na paisagem por diversos motivos, isto é, as espécies vegetais mais apreciadas pela
população. Nas veredas o buriti (Mauritia vinifera Mart.) que em algumas comunidades
é oferecida às filhas como presentes; nas áreas de Cerrado e Cerradão esses naturalistas
destacaram a aroeira (Myracrodruon urundeuva Fr. Allem) que a sua presença aponta
para a fertilidade do solo, além de ter uma madeira apreciada para vários fins e ser
medicinal para tratamento de diarréias (ALMEIDA et al.., 1998); a mangaba
(Hancornia speciosa Gomez) também citada pelo seu destaque na culinária regional
20
,
possui uso medicinal para cólica menstrual, luxações e hipertensão.
Mas para Ribeiro (2000), nenhuma se iguala ao pequi (Caryocar brasiliense
Camb.), intitulado de “Rei do Cerrado”, sendo muito apreciado na culinária regional
não apenas pelo sabor, mas pelas propriedades nutritivas (vitamina A, B1, B2, B3, C,
cobre, ferro, fósforo, magnésio, potássio e sódio), além de ser usado na medicina
popular para bronquites, gripes e resfriados, no controle de tumores, na indústria de
cosméticos, na alimentação do gado; da casca retira-se corante amarelo para tinturaria
caseira.
Outro aspecto de destaque é o importante papel na economia local, com a
comercialização que sustenta várias famílias durante alguns meses do ano, além de
garantir alimentação (o fruto fresco ou com o óleo) por todo o ano.
Saint-Hilaire em seus relatos nos fala da beleza das flores e espécies do Sertão
apesar do calor, fui herborizar à margem de um desses lagos que conservam a
água depois da vazante, e que são tão numerosos nessa região (...) Suas águas
lodacentas e esbranquiçadas exalavam um cheiro de pântano; estava rodeado
de mimosas flores perfumadas, assim como exemplares de Bauhinia de
20
O nome mangaba em tupi-guarani significa “coisa boa de comer”.
pequenas folhas de quefalei (...) Em todas as partes do lago em que a água
era baixa via-se em grande abundância a planta de belas flores azuis dispostas
em espigas, à qual se o nome de golfo, e que dizem ser medicinal.
Prodigiosa quantidade de piranhas saltava nas águas, e numerosos bandos de
aves aquáticas nadavam sobre sua superfície ou passeavam pelas margens.
Eram jaburus, bandos de várias espécies de patos, garças brancas, cinzentas,
etc. No meio dessas aves fazia-se distinguir a bela espécie conhecida
no país sob o nome de colheira (Platalea ayaya, L.). Seu corpo é de um róseo
pálido, que se torna mais carregado na extremidade das asas; a cauda é mais
curta que estas últimas; seu longo pescoço é revestido por uma penugem
branca; a parte superior da cabeça, desprovida de plumas, é simplesmente
coberta de uma pele de um verde amarelado, e o bico bastante longo tem
exatamente a forma de uma espátula. (SAINT-HILAIRE, 1975, p.341).
CAPÍTULO III
SOCIEDADE E ESTADO
A organização do espaço é definida pela ação dos homens, enquanto usuários da
natureza e através da sua organização social, utilizando em alguns momentos o Estado
para o atendimento das demandas e formação do espaço geográfico. O presente capítulo
aborda reflexões sobre a sociedade moderna e o Estado, como contribuição para
compreender os conflitos existentes na APA do rio Pandeiros, no que se refere à sua
participação para essa sociedade, através dos reflorestamentos com eucalipto e da
produção do carvão vegetal e do seu caráter de área de proteção ambiental. Para tal foi
traçado um histórico do processo de acumulação do capital nas últimas décadas do
século passado com a reorganização do capitalismo, como forma de embasar o
entendimento da realidade atual e compreender as possíveis perspectivas para a área de
estudo.
3.1- A sociedade moderna
A sociedade moderna tem uma de suas raízes no modelo de desenvolvimento
econômico construído nos dois últimos séculos. O uso de combustíveis fósseis foi um
marco em sua evolução, quando surgiram novos hábitos, facilidades de transporte, a
circulação das mercadorias entre espaços diferenciados quando a técnica venceu as
distancias. Com o desenvolvimento industrial, as paisagens do planeta começaram a se
alterar com maior rapidez.
A cidade teve seu crescimento acelerado não apenas economicamente, mas em
sua população e demandas de infra-estruturas urbanas; o campo, que anteriormente
apresentava espaços mais diversificados, com culturas agrícolas consorciadas e voltadas
principalmente para o consumo da família, passou a se especializar e organizar-se de
acordo com o mercado, definindo uma divisão territorial do trabalho e demarcando a
nova relação de mercado entre cidade e campo, entre indústria e agricultura.
Necessitando de produtos cada vez mais especializados, a cidade transforma-se
em uma “máquina de consumo, transformando o luxo em necessidades” (SOJA, 1993,
p.126) e, paralelamente o campo tem a agricultura cada vez mais mecanizada,
especializada e com necessidades de insumos agrícolas produzidos nas cidades. Com
essas transformações, a sociedade se depara com uma unidade espacial formada pelos
pólos da produção e de circulação de mercadorias que marcam o tempo moderno e,
como lembra Drew (2002, p.193), se posicionando diante de “mudanças incontroláveis
à escala planetária, desencadeadas pelo homem”, imprimindo novas organizações ao
território.
Nesse quadro, a distribuição territorial da população está relacionada com o
capital e o trabalho, através de uma relação onde “a livre mobilidade territorial do
capital só é possível com a cada vez mais plena mobilidade territorial do trabalho. Daí, a
distribuição-redistribuição ser a constante da população” (MOREIRA, 2006, p.99).
Por outro lado, essa livre mobilidade do capital, a qual se vincula a mobilidade
populacional, traz uma imagem de mundo globalizado, onde o mercado e os espaços se
tornam globais. Assim, o termo globalização passou a ser amplamente utilizado para
designar o momento atual que teve seus primórdios nos séculos XV e XVI, com
processos contínuos de expansão mercantil, que deixaram suas marcas indeléveis em
nossa sociedade.
A descoberta da máquina a vapor reorganiza os espaços levando ao
aparecimento de novas relações homem-natureza. As forças produtivas têm seus limites
rompidos com a energia controlada e utilizados de acordo com os interesses do capital.
O advento da Revolução Industrial e o conseqüente aumento da velocidade da produção
e dos transportes trazem consigo toda uma gama de engenhocas baseadas na máquina a
vapor, que por sua vez utiliza-se de combustíveis fósseis.
A natureza é afetada com a aceleração do uso de seus recursos, refletindo na
vida de toda a humanidade e dos demais elementos da natureza, principalmente a fauna
e a flora. Com isso a indústria não precisa mais estar junto do local onde é produzida ou
extraída a matéria-prima, permitindo uma liberdade de localização decorrente das
técnicas de transferência de energia e das facilidades de transporte. Como lembra
Moreira (2006, p.103) essa tecnologia determina o fim da dependência da indústria ao
local de origem da matéria-prima, como o carvão, e esta é “a origem da mobilidade e
difusão territorial que a indústria apresenta hoje e da globalização”.
Para Gonçalves (2006), essa dissociação entre o local de produção e de extração
transforma a Geografia social e do poder, com conseqüências graves para a natureza e
para toda a sociedade. No momento em que se amplia a capacidade humana de
manipular e transformar a matéria, surge a produção de espaços diferenciados no que se
refere à concentração de riquezas e das forças produtivas.
Essas transformações ganharam impulso no momento em que o capital mercantil
cede espaço para o capital industrial. A crise econômica de 1929 nos Estados Unidos
demonstra o quanto a economia mundial está vinculada a indústria. A crise se
internacionaliza apontando para o fato de que a interligação entre as economias está
presente nesta época e que o papel mediador do Estado é essencial à sobrevivência do
capitalismo, com sua intervenção nas relações de produção, consumo e controle da força
de trabalho através de legislações.
Seguiram-se até a década de 1970, anos de excepcional crescimento econômico
com grandes transformações sociais. Hobsbawn (1995) denominou esse período de “Era
de Ouro”. O período subseqüente a Segunda Guerra Mundial é marco, sendo apontado
por muitos autores como o inicio do período atual, onde se presencia alterações
paisagísticas, crescimento populacional e econômico, o surgimento dos primeiros
questionamentos sobre os níveis de poluição e sobre a capacidade do planeta suportar a
ampliação da população. (FEAM, 1998; HARVEY, 2005; SANTOS, 2002; FONT e
RUFÍ, 2006). Assim, o sistema capitalista conheceu o seu auge, consagrando a
sociedade do consumo de massas, mas como lembra Gonçalves (2006) essas
características não conseguiram atravessar a linha do Equador.
Como se fosse um ciclo, o período pós-1970 foi novamente marcado por crises
profundas e decomposição de crenças e instituições, como o fim da URSS. A recessão
que se segue promove uma excepcional reestruturação do sistema capitalista mundial.
Inicia-se uma nova fase, chamada de pós-fordismo, que caminha em busca de um
mundo mais flexível e, como destaca Font e Rufí (2006), insere um sistema de produção
típico da fase da pós-modernidade, caracterizado pelo novo estado social, cultural e
econômico próprio do chamado capitalismo tardio que existe atualmente.
De acordo com Harvey (2005) a cada crise do sistema capitalista, ocorre uma
mudança no processo de acumulação para um novo nível que envolve, entre outras
coisas, a expansão efetiva de demanda de produtos, na indústria e no consumo final,
esvaziando o mercado dos bens produzidos. Esse novo nível é caracterizado por uma
acumulação flexível, mbio tecnológico, a automatização, busca de novos produtos e
mercados, recolocação industrial, mobilidade geográfica, flexibilidade trabalhista,
menor presença do Estado e a internacionalização dos processos econômicos. Tudo isso
emoldurado pelas novas tecnologias da informação. Chamando o período pós Segunda-
Guerra de técnico-científico-informacional, Santos (2002) fala de uma cientificização e
de uma tecnifização da paisagem. Em outras palavras, a ciência e a tecnologia aparecem
como substrato do espaço e com elas o homem “realiza sua vida, produz e, ao mesmo
tempo, cria espaço” (SANTOS, 2002, p.29). Com relação à presença do Estado no
processo capitalista, Gonçalves (2006) destaca que este manteve a sua importância no
planejamento do desenvolvimento, realizado por meio de instituições governamentais.
Compactuando desse pensamento, Harvey (2005, p.29) não acredita que o Estado-
Nação está encolhendo ou desaparecendo como centro de autoridade na época da
globalização. Na opinião do autor, o Estado dedica-se a
criar um ambiente de negócios para os investimentos, o que significa,
precisamente, controlar e reprimir os movimentos trabalhistas tem todos os
tipos de meios propositadamente novos: cortar benefícios sociais, regular os
fluxos migratórios e assim por diante (HARVEY, 2005, p.29).
Assim, a acumulação de capital está no centro do capitalismo. O dinamismo do
mundo capitalista e sua expansão levam a uma constante reforma do mundo e da
sociedade. O capitalismo sempre cria uma nova oportunidade para a acumulação de
capital que tem como produtos a organização espacial e expansão geográfica. De acordo
com Santos (2002) no início, que chamou de meio natural, o homem escolhia da
natureza as partes essenciais para sua vida, criando as técnicas e sendo comandante dos
tempos sociais e dos limites de sua utilização, compondo uma harmonia socioespacial.
Com a nova etapa os tempos sociais sobrepõem-se aos tempos naturais e a razão
passa a ser a do comércio, ficando a natureza como objeto com valor de mercado, isto é,
como matéria para suprir as necessidades humanas e do capital, configurando assim
uma nova visão sobre a natureza. A natureza passa a ser comandada pelo mercado. Com
a tecnologia otimizando o uso do espaço e a circulação atuando na constante
transformação, a especialização desses espaços, muitas vezes, não está mais ligada à
natureza, ficando submetidos a uma reorganização constante. A análise dessas
mudanças aliada à tecnologia e ao capital apontou, nas últimas décadas, para uma nova
interpretação das questões ecológicas. As novas relações entre as formas de acumulação
capitalista e sua hegemonia, desencadearam uma tendência nos padrões mundiais no
que se refere à distribuição de capital, emprego, produção, renda, bens e serviços
(GONÇALVES, 2006).
Para Drew (2002) o pensamento ocidental voltou-se para a associação do
aumento de consumo a uma sensação de “viver melhor”. Porém, a degradação
ambiental levou esse pensamento a ver o homem como mais um elemento da natureza e
não um ser à parte, mudando a concepção de que o progresso equivale ao controle da
natureza. Na atual concepção ecológica o homem passa a ser visto como mais um
componente do ecossistema geográfico, imprimindo um novo paradigma para a
sociedade moderna e uma nova possibilidade para o capital se reorganizar.
3.2 – O Estado
O Estado pode ser definido, de forma genérica, como um agrupamento de
pessoas que residem num território específico, onde apenas algumas delas são
designadas para exercer o controle das atividades do grupo, de forma direta ou indireta.
Para tal utiliza-se de uma base de valores reais ou socialmente reconhecidos e, em caso
de necessidade, faz uso da força (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 1986). Para
Reale (2000) o Estado é uma realidade cultural e foi constituída historicamente em
concordância com a natureza social do homem. Diversos aspectos contribuíram para sua
formação, como os sociológicos, jurídicos, políticos, geográficos, econômicos,
verificando um fenômeno de crescente interação dentro da sua realidade.
Assim surgiu o Estado Moderno, com um território que o povo declarou seu,
com um povo que se proclamou independente perante outros povos, com um
poder que, pela força e pelo direito, se organizou para a independência do
território e do povo [...] Assim surgiu a soberania como feição nova de
Poder, como expressão de uma nova unidade cultural, indicando a forma
especial que o poder assume quando um povo alcança um grau de integração
correspondente ao Estado Nacional (REALE, 2000, p. 44).
Os primórdios do Estado, de acordo com Engels, encontram-se no surgimento da
propriedade privada e de novas relações entre os homens, através de normas e leis.
Surge na Grécia antiga, em Atenas, no momento em que produtores deixam de
consumir apenas seus próprios produtos, estabelecendo relações comerciais. As ações
de troca entre os indivíduos trouxeram a transformação dos produtos em mercadorias,
juntamente com o cultivo individual da terra e a propriedade do solo. As relações
tornaram-se complexas e surge o dinheiro como mercadoria universal, momento em que
os grupos iniciam a organização para defesa de interesses próprios. Assim,
a sociedade, crescendo a cada dia, ultrapassava o marco da gens; não podia
conter ou suprimir nem mesmo os piores males que iam surgindo à sua vista.
Enquanto isso, o estado se desenvolvia sem ser notado. Os novos grupos,
formados pela divisão do trabalho (primeiro entre a cidade e o campo, depois
entre os diferentes ramos de trabalho nas cidades), haviam criado novos
órgãos para a defesa dos seus interesses, e foram instituídos ofícios públicos
de todas as espécies. O jovem Estado precisou, então, de uma força própria,
que, para um povo de navegadores como os atenienses, teve que ser, em
primeiro lugar, uma força naval, usada em pequenas guerras e na proteção
dos barcos de comércio (ENGELS, 1983, p.126).
O Estado que está em formação, criado para mediar trocas de mercadorias,
reflete uma divisão de classes, onde existe uma classe dominante, tornando-se algo a
serviço de uma parcela da sociedade que usa o poder dessa organização para a
acumulação de riquezas.
A força de coesão da sociedade civilizada é o Estado, que, em todos os
períodos típicos, é exclusivamente o Estado da classe dominante e, de
qualquer modo, essencialmente uma máquina destinada a reprimir a classe
oprimida e explorada [...] a civilização realizou coisas de que a antiga
sociedade gentílica jamais seria capaz. Mas as realizou pondo em movimento
os impulsos e as paixões mais vis do homem e em detrimento das suas
melhores disposições. A ambição mais vulgar tem sido a força motriz da
civilização, desde seus primeiros dias até o presente; seu objetivo
determinante é a riqueza, e outra vez a riqueza, e sempre a riquezamas não
a da sociedade, e sim de tal ou qual mesquinho indivíduo. Se, na busca desse
objetivo, a ciência tem-se desenvolvido cada vez mais e têm-se verificado
períodos de extraordinário esplendor nas artes, é porque sem isso teriam sido
impossíveis, na sua plenitude, as atuais realizações na acumulação de
riquezas (ENGELS, 1983, p.199).
Engels acaba por definir o Estado como um resumo da sociedade, onde expressa
suas contradições, mas é também o mediador e organizador dessas contradições, através
do uso do poder mantendo os conflitos nos limites de uma ordem.
Cardoso e Martins (1979) expõem o pensamento de Max Weber sobre o Estado,
sendo este visto como um ordenador, e aquele que exerce o monopólio da violência
legal. É, dessa forma, o locus privilegiado onde se encontram os meios para o poder e a
dominação se exercitarem. Em alusão ao poder exclusivamente econômico do Estado,
Weber expõe, em sua contextualização, que existem várias formas de poder, como o
social, o poder do status, o religioso, dentre outros, e o poder econômico é apenas uma
dessas formas, mas que nem sempre se exterioriza em forma de dominação e, por outro
lado, nem toda dominação se serve dos meios econômicos para se manter. Assim define
o sentido geral de poder, que não privilegia apenas o econômico, mas como sendo a
possibilidade de impor a própria vontade frente à conduta de outros homens.
Dominação é um caso especial de poder. Assim como ocorre em outras
formas de poder, na dominação não existe de modo algum uma tendência
exclusiva ou mesmo constante, por parte de seus beneficiários, para a busca
de interesses puramente econômicos, ou para uma ocupação dirigida
preferencialmente aos bens econômicos. Mas a posse de bens econômicos e,
por conseguinte, de poder econômico, é frequentemente uma conseqüência e,
muitas vezes uma conseqüência deliberada, do poder, bem como de seus
mais importantes meios (WEBER, 1979, p. 10).
Dentre as concepções, é possível resgatar o pensamento de Marx, que o
Estado como guardião da sociedade e o direito como encarnação da liberdade. Porém
mostra que considera que esta concepção acha-se em contradição com o comportamento
real do mesmo, pois “um Estado que não seja a realização da liberdade racional é um
mau Estado” (MILIBAND, 1979, p.62), condenando, dessa forma, a atribuição ao
Estado de servidor do rico e contra o pobre.
Falar em direitos é, para Marx, falar de homens e as atividades do Estado são
funções humanas, uma vez que “os assuntos estatais não são mais que os modos de
existência e de atividade das qualidades sociais dos homens” (MILIBAND, 1979, p.63).
O Estado tem, assim, a ilusão de ser determinante, mas na verdade é determinado, pois,
“às vezes pode submeter as vontades privada e social, mas isso somente para dar
substância à vontade da propriedade privada e para reconhecer sua realidade como a
realidade superior do Estado político como a mais elevada realidade moral”
(MILIBAND, 1979, p.63-64).
Em textos posteriores ao Manifesto Comunista, onde Marx defende a concepção
de Estado a serviço da classe dominante, cria uma nova concepção de Estado, onde
ocupa posição superior a todas as classes. Na análise de Miliband (1979), a concepção
secundária de Marx refere-se ao fato de ser um Estado independente de todas as classes
sociais, encontrando-se em situação superior a elas, tornando-se uma força dominante
na sociedade e não mais um instrumento da classe dominante. Porém, Marx alerta que
quando fala de classe dominante, não está referindo-se ao conjunto completo, mas a
uma fração dessa classe, que controla o Estado e que aqueles que realmente controlam o
Estado podem, inclusive pertencer a uma classe distinta da economicamente dominante;
esse fato não afeta o caráter de classe do Estado e o seu papel de guardião e defensor
dos interesses da propriedade. Porém introduz um elemento de flexibilidade em sua
concepção de funcionamento partidário, inclusive devido ao fato de que a própria classe
dominante passa a dividir-se e estabelecer competições.
Poulantzas (1979) analisa o pensamento de Lenin, que também discute o Estado,
definindo suas funções, destacando como principais as da ordem e da organização.
Dentro dessa função existem as modalidades ou os níveis sobre os quais o Estado atua,
sendo elas a função técnico-econômica, a função ideológica e a função política, que
sobredetermina as outras funções e diz respeito à luta de classes, constituindo-se no
papel global do Estado que é político e tem a coesão como característica de sua
formação. Para Poulantzas (1979), Lenin expõe a função organizadora do Estado dentro
do processo de trabalho (função técnico-econômica), traduzida em sistemas, como o
jurídico, que compõe as regras organizadoras das trocas capitalistas, o ideológico que
tem sua forma na educação e ensino, e o sistema político, que implica na ordem
mediadora e política do conflito de classes. Mas, todo esse arcabouço reflete a
dominação política de uma classe específica, definindo, dessa forma, o papel político do
Estado.
Mesmo as funções econômicas e ideológicas do Estado correspondem aos
interesses políticos da classe dominante que utiliza a organização do trabalho e do
ensino para a manutenção de sua hegemonia e defesa de seus interesses. Para melhor
analisar, Poulantzas (1979) resgata Engels, expondo que para o Estado a função social
está sempre na base de sua função política, indicando que
este conceito de sobredeterminação, aplicado aqui às funções do Estado,
indica portanto duas coisas: que as diversas funções do Estado constituem
funções políticas pelo papel global do Estado como fator de coesão de uma
formação dividida em classes; e que estas funções correspondem assim aos
interesses políticos da classe dominante (Poulantzas, 1979, p.61).
Dentro de uma concepção sociológica, a Fundação Getúlio Vargas (1986)
resgata o conceito de MacIver e Page (R. M. MacIver e C. H. Page; Society: an
introductory analysis. New York, Rinehart, 1949, p. 456) de que o Estado é uma
associação que proporciona liderança política e distingui-se das demais associações pelo
uso exclusivo da coerção enquanto poder. Essa liderança política configura-se função
específica do Estado e, para Ballard (FGV, 1986), “o Estado é a instituição que organiza
a vontade de um povo, politicamente constituído, no que diz respeito a seus interesses
coletivos”. Essa definição introduz a noção de que o poder coercitivo do Estado está, de
alguma forma, relacionado com a vontade popular e que o povo possui interesses ou
propósitos comuns. O Estado se constitui em uma estrutura em que as atividades do
povo são definidas e reguladas através de um grupo legítimo que exerce o poder o
governo. Para Ballard (FGV, 1986), o governo é o mecanismo através do qual agem os
Estados.
As relações entre classes, mediadas pelo poder do Estado, significa, também
uma relação entre homens e entre estes e o Estado. Utilizando a teoria da integração de
Rudolph Smend
21
, Reale (2000) expõe que a integração é uma condição essencial à
realidade do Estado. Porém, apesar de usar o princípio da integração de Smend, faz
ressalvas sobre a visão integradora em que os homens são iguais, livres e que integram
o Estado, pois
o homem nunca se entrega de todo ao Estado, e somente se integra na ordem
estatal à medida e à proporção que o Estado lhe reconhece uma esfera
autônoma de pensamento e de ação. Sendo os homens seres livres, a
participação na vida do Estado não pode deixar de ser uma integração de
liberdade, o que quer dizer que o processo de integração implica, ao mesmo
tempo, uma especificação, uma discriminação, uma atribuição de poderes e
faculdades a cada parte no todo (REALE, 2000, p.50).
Porém a liberdade do indivíduo deve ser vista com ressalvas, dentro da estrutura
e das funções do Estado. Em uma discussão sobre a liberdade jurídica, Neumann
(1979), esclarece que o Estado pode intervir na liberdade do indivíduo mediante uma
prova de que pode fazê-lo. Essa prova é a lei. As leis devem ser submetidas a órgãos
específicos do Estado, que exerce o monopólio dos meios de coação. Dessa forma, na
vida política, os direitos naturais têm validade se forem institucionalizados, isto é,
somente se existir um órgão autorizado capaz de pô-los em vigor contra os dispositivos
contrários do direito positivo.
Legalmente, as liberdades civis estabelecem uma presunção em favor dos
direitos do indivíduo contra o poder coercitivo do Estado. Nada mais do
que presunções porque não há, e obviamente não pode haver, um sistema
político que reconheça a esfera da liberdade individual de forma absoluta e
incondicional. Assim, o Estado pode intervir na liberdade do indivíduo, mas
primeiro tem que provar que pode fazê-lo. Essa prova só pode ser conseguida
por meio de referência à ‘lei’ e deve, em regra geral, ser submetida aos
órgãos específicos do Estado: tribunais de justiça ou tribunais administrativos
(NEUMANN, 1979, p.113).
21
Para Smend, o Estado é a representação da soma de todas as vontades e subjetividades, como “um eu
coletivo que seria a representação do eu de cada um (...) nessa concepção o Estado constitui o aspecto
mais elevado de nós mesmos: sendo e agindo, representaria todas as coisas que seríamos ou faríamos nós
mesmos”(REALE, 2000, p.45).
Reale (2000) resgata o pensamento aristotélico em que o Estado é, ao mesmo
tempo, unidade e multiplicidade, pois as partes devem participar da comunhão política
representando valores diferentes para possibilitar uma troca de serviços ou de utilidades,
ao mesmo tempo em que mantém a idéia de unidade no que se refere ao conservar uma
união visando o bem comum. Para a idéia de unicidade, retoma Santo Tomás de Aquino
no que se refere à idéia de solidariedade entre as partes. Esta solidariedade implica na
multiplicidade de interesses dos homens que necessitam de uma organização, função
que é realizada pelo Estado e que pauta-se no direito, isto é, o Estado é a autoridade
máxima com o poder de impor e assegurar a distribuição, de forma eficiente, dos
direitos e deveres dos cidadãos.
Mas o direito deve manter sua característica de generalidade, isto é, deve ser
uma regra que não mencione casos particulares, mas que possa ser aplicada em todos os
casos e para todas as pessoas de forma abstrata, tendo em vista sua formulação geral.
Dessa forma, o direito deve ter regras gerais e a soberania de uma comunidade é
limitada por esse direito. Assim, o Estado é essa ordem legal, visto sob o âmbito
jurídico. Para Reale (2000), a natureza humana tende para uma ordem social que
representa uma ordem de integração, onde as partes não perdem sua individualidade e
nem a atividade do todo se confunde com as partes.
O ponto culminante é a ordem jurídica que ordena a integração do homem na
sociedade e do cidadão no Estado. Essa ordem jurídica necessita da interferência do
poder, mas esse poder não pode ser confundido com a força, uma vez que a “força se
põe por si mesma, ao passo que o poder é a força, posta por uma exigência ética ou
jurídica” (REALE, 2000, p.69). Entre o fato da solidariedade social e da ordem jurídica
momentos de apreciação racional em que a sociedade elege seus valores,
determinando uma direção na vontade dos centros diretores, e
essa interferência positiva e criadora do homem que é tão fundamental que
alguns juristas chegam a negar que o Estado seja uma formação natural,
quando mais certo será dizer que o Estado, como realidade cultural que é,
tem, em sua base, a natureza, mas valorada e dirigida pela intencionalidade
criadora do homem (REALE, 2000, p.69).
Na defesa do aspecto jurídico, esse mesmo autor expõe que, com a elaboração e
o vigor de uma constituição, o poder do Estado não é arbitrário, mas institucionalizado,
uma vez que a própria constituição do Estado é decorrente da necessidade de relações
sociais e do desejo generalizado do povo de governar-se a si mesmo ou de fiscalizar aos
que governam de forma segura e com liberdade. Porém, Reale (2000) alerta que as leis
podem e devem alterar se para acompanhar as mudanças sociais.
Ilusório é dizer que o poder do Estado pode-se mover em uma atmosfera
puramente jurídica, pois não é exato afirmar que, uma vez constituído o
Estado, as suas funções se circunscrevam a editar leis e executar leis. Embora
os atos dos governantes devam sempre se subordinar aos preceitos legais,
segundo a ordem das competências, não é dito que o Estado não pode inovar,
dando novas formas jurídicas de garantia e de tutela às transformações que se
operam no seio do grupo. Além do mais, o fato de estar vigente uma
constituição não importa na paralisação da evolução social e econômica. A
verdade é que as leis devem acompanhar pari passu as transformações
sociais, ajustando as leis existentes com oportunos complementos, e
facultando às autoridades que as aplicam o poder de colocá-las em
consonância com as exigências da sociedade (REALE, 2000, p.141).
3.2.1- A formação do Estado brasileiro
Brasil país moderno. Essa frase que construiu o imaginário popular do início
do século XX em nosso país marca o processo de industrialização, no qual diversas
forças políticas e econômicas atuaram, promovendo profundas mudanças no espaço e
no sistema de acumulação capitalista.
O inicio pode ser apontado no momento em que o Estado brasileiro começou a
traçar suas linhas liberais, a partir do período da Primeira República com o governo de
Campos Sales (1898-1902) que caminhou em uma tentativa de construir um sistema
político-econômico estável.
Até a década de 1920 o Brasil possuía no setor agrícola sua principal atividade
econômica. Após essa época começaram a aparecer idéias voltadas para a
industrialização e, paralelamente, as necessidades de investimento na indústria de base
como forma de superação dos limites desse processo. O Estado tem papel fundamental
na ampliação dos incentivos, concretizando o surgimento das empresas Siderúrgica
Belgo Mineira em Minas Gerais, em 1924, e da Companhia de Cimento Portland, em
1926. De acordo com Fausto (2006) os incentivos oferecidos pelo Estado tinham como
objetivo central o setor agroexportador, mas ao mesmo tempo em que esse setor era
prioridade, concedeu empréstimos e isenção de impostos para a instalação da indústria
de base, fazendo surgir novos empreendimentos econômicos, com incentivos à
produção nacional.
O perfil do Estado capitalista brasileiro é reforçado na década de 1930, com o
aprofundamento da intervenção estatal na economia, momento em que assume o papel
de investidor, principalmente no setor industrial, de infra-estrutura e no setor energético,
além de regulador das relações entre capital e trabalho. Assim, essa década é
considerada um marco histórico que definiu a troca da importação pela produção
nacional, momento do auge de um processo que se iniciou décadas antes. No pós 1930 o
Estado, que sempre foi forte, mas utilizado de acordo com os interesses do
empresariado, passou a uma atuação mais concentrada na área econômica, promovendo
a industrialização, paralelamente com uma atuação social no sentido de elaboração de
uma legislação trabalhista, sob o argumento de proteção aos trabalhadores urbanos.
Assim, o chamado Estado Getulista promoveu o capitalismo nacional, formando a base
concreta da industrialização, no que diz respeito a sua infra-estrutura e organização da
mão-de-obra.
Enfatizando os aspectos internos do processo de acumulação, bem como as
estruturas de dominação e formação da sociedade industrial brasileira, Oliveira (2006)
aponta, também, a década de 1930 como um marco da economia, com o fim da
economia agrário-exportadora e princípio da fase urbano-industrial. Surge assim uma
nova correlação de forças sociais, reformulação do aparelho estatal, a
regulamentação dos fatores, entre os quais o trabalho ou o preço do trabalho,
têm um significado, de um lado, de destruição das regras do jogo segundo as
quais a economia se inclinava para as atividades agrário-exportadoras e, de
outro, de criação das condições institucionais para a expansão das atividades
ligadas ao mercado interno (OLIVEIRA, 2006, p.35).
Com isso o autor aborda o pensamento de que, antes de oposição entre nações,
tratada nos discursos de centro-periferia
22
do sistema capitalista, o desenvolvimento
industrial é um problema que está relacionado diretamente com a oposição entre classes
sociais internas e que convivem em um mesmo sistema.
Todo um arcabouço foi constituído para que fosse possível a re-criação do
sistema capitalista, em sua fase urbano-industrial, mas que se sustenta em sistemas de
acumulação, com concentração de renda e distinção de classes sociais. A nova
articulação da classe dominante se faz presente no processo em três aspectos principais,
como aponta Oliveira (2006):
22
Definição para uma situação em que uma região central com poder econômico reduz o resto do espaço
a uma área tributária que fornece recursos, mão-de-obra e capital (DULCI, 1999).
1- A regulamentação dos fatores através das leis para as relações entre trabalho e
capital.
2- A intervenção do Estado na esfera econômica como criador de condições para a
acumulação do capital industrial, oferecendo condições para as empresas se
reproduzirem. Dessa forma, o Estado opera na transferência de recursos e
ganhos para a empresa industrial, via incentivos fiscais, principalmente.
3- O papel da agricultura no que se refere à necessidade de mantê-la ativa, mas não
central, para “suprir as necessidades de bens de capital e intermediários de
produção externa (...) o compromisso de mantê-la ativa e não estimulá-la como
setor e unidade central do sistema”(OLIVEIRA, 2006, p.42). Por outro lado
ficou com o papel de prover o consumo interno das massas urbanas a fim de não
elevar o custo da alimentação e, assim, não criar obstáculos para o processo de
acumulação industrial.
A siderurgia permanece como alvo dos investimentos do governo. Os problemas
sociais e de desenvolvimento desigual entre as regiões brasileiras levaram a criação de
órgãos como o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) e a
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Como lembra Fausto
(2006), o Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek atingiu seus objetivos no
que diz respeito aos aspectos econômicos, quando o valor da produção industrial
cresceu 80% entre os anos de 1955 e 1961, com alterações significativas da paisagem.
Em 1964 o Brasil presencia novas mudanças, principalmente no quadro político,
quando os militares assumem o comando do país. Mas as medidas de expansão
industrial permanecem e assiste-se a um momento histórico que é chamado de “Milagre
econômico” nos anos de 1968/69. Novamente o imaginário popular é usado, com novo
lema: Brasil grande potência. A indústria automobilística foi o grande destaque dessa
fase e, para seu desempenho, foram desencadeadas ações oriundas do Governo como os
incentivos à produção do ferro.
Ao mesmo tempo em que o Brasil se destacava pelo potencial industrial apresentava
baixos indicadores sociais, onde o capitalismo nacional foi marcado, nos anos que se
seguiram, pela implantação de imensos projetos, que não consideravam nem a natureza
e nem as populações locais e “a palavra ‘ecologia’ mal entrava nos dicionários e a
poluição industrial e dos automóveis pareciam uma bênção” (FAUSTO, 2006, p.269).
O país que se industrializava construía uma realidade paralela, um país pobre, mas
necessário a todo processo, e complexo no que se refere às desigualdades regionais.
Como argumenta Andrade (2002, p.175): “os governos militares tiveram maior
preocupação com as realizações materiais do que com as sociais, e por isso o sonho de
um ‘Brasil grande potência’ tornou-se, na realidade, um Brasil pobre, endividado e com
uma população miserável”.
A indústria siderúrgica permanece na base do desenvolvimento e em 1966, dentro
do projeto de industrialização, o governo federal iniciou um amplo programa de
incentivos fiscais com o intuito de suprir uma demanda crescente de madeira, a serem
destinadas a uma indústria que dava sinais de ampliação. Para tal, ampliaram-se os
plantios de eucalipto, eleita a árvore que solucionaria os problemas dessa demanda por
apresentar características como rápido crescimento, uma vez que as reservas de matas
naturais estavam praticamente esgotadas em alguns estados, como São Paulo (LIMA,
1996).
Durante todo o processo histórico de industrialização brasileira é possível perceber o
papel fundamental que o Estado ocupou, tanto como participante ativo e intencional, no
que se refere ao fato de proporcionar a acumulação de capital nas mãos de uma
determinada classe social, como lembra Oliveira (2006), como com seu papel regulador
em momentos de necessidade, como expôs Santos (2007), pois
quanto maior a complexidade das relações externas e internas, mais
necessidade de regulação; e se levanta a necessidade de Estado: o Estado e os
limites do Estado e a produção, o Estado e a distribuição, o Estado e a
garantia do trabalho, o Estado e a garantia da solidariedade e o Estado e a
busca da excelência na existência (SANTOS, 2007, p.16).
Como lembra Oliveira (2006), o processo de acumulação industrial e de
urbanização no Brasil levou à formação de uma classe de trabalhadores informais que,
mesmo excluída do mercado formal tenta se inserir para ter a garantia dos direitos
trabalhistas, como aposentadoria. Essa população reside principalmente em áreas de
favelas, espaços periféricos e regiões menos desenvolvidas e carentes como o Norte de
Minas Gerais.
Uma forma específica de exclusão social onde a subordinação dessa classe
urbana ou não simboliza uma face do subdesenvolvimento e uma exceção permanente
da periferia no sistema capitalista. É na verdade uma exceção necessária ao capitalismo,
pois forma a reserva de mão-de-obra e a ampliação da oferta de trabalho, que tem como
uma de suas conseqüências a queda dos salários. Em casos de trabalhadores
temporários, a informalidade é uma marca do mundo atual no qual o pagamento pelo
trabalho depende da venda do produto e conseqüente lucro do patrão, como é o caso do
pagamento por produção. Assim, o empresário usa o trabalhador somente quando
precisa dele. Desaparecem os tempos do não-trabalho, como a folga semanal
remunerada, as férias e
todo o tempo de trabalho é tempo de produção. Os rendimentos dos
trabalhadores agora dependem da realização do valor das mercadorias [...]
dos lucros dos capitalistas. Disso decorrem todos os novos ajustamentos no
estatuto do trabalho e do trabalhador, forma própria do capitalismo
globalizado [...] Mas o fenômeno que preside tudo é a enorme produtividade
do trabalho: se o capital não podia igualar tempo de trabalho a tempo de
produção pela existência de uma jornada de trabalho e com ela os direitos dos
trabalhadores, então se suprime a jornada de trabalho e com ela os direitos
dos trabalhadores, pois não existe medida de tempo de trabalho sobre o
qual se ergueram os direitos do Walfare (OLIVEIRA, 2006, p.136-137).
Este é o lado contemporâneo da acumulação que, antes associada aos países
subdesenvolvidos, agora presentes no mundo chamado de desenvolvido, como
lembra Oliveira (2006). O campo e a cidade passam a ter uma nova relação de trabalho
colonos ou moradores desapareceram, surgindo em seu lugar os ‘bóias frias’
trabalhadores assalariados contratados para fazer serviços em épocas
específicas nas fazendas, como por exemplo, por ocasião do corte da cana ou
da colheita da laranja. Ao contrário dos colonos, em parte eles integram a
vida rural. Moram em cidades próximas às grandes fazendas, onde são
recrutados para trabalhar, diretamente pela agroindústria ou por
intermediários, chamados no Centro-Sul de ‘gatos’. O surgimento de favelas
em cidades do interior paulista, embora sem a mesma magnitude das da
capital, deve-se em grande parte à formação desse contingente pobre de
trabalhadores (FAUSTO, 2006, p.197).
Para Santos (2003) a dinâmica globalizante desenvolve-se juntamente com a
memória e as estruturas passadas. Sua inovação está no fato da capacidade do sistema
capitalista modificar o significado e “acrescentar, ao existente, novos objetos e novas
ações características do novo tempo. Agravam-se diferenças e disparidades, devidas, em
parte, aos novos dinamismos e a outras formas de comando e dominação” (SANTOS,
2003, p.253). O resultado desse dinamismo no território é uma nova forma de controle,
um controle parcial por lógicas que interessam a aspectos particulares, vinculados a
empresas e que constroem uma ordem hierárquica de territórios, não apenas na escala
nacional, mas também na escala global.
3.2.2- O Estado de Minas Gerais – o produzir
O desenvolvimento industrial em Minas Gerais iniciou-se através de um capital
oriundo da agricultura. Para Dulci (1999, p.26) o modelo baseia-se no fato de que os
acordos políticos se sobrepõem ao mercado, isto é, “podemos considerar que o elemento
central do modelo de modernização conservadora é a primazia de fatores políticos sobre
fatores de mercado”. Para o autor esse modelo se manifesta no fato de que existe uma
estratégia, uma articulação entre os atores políticos para o controle do processo e essa
articulação une os setores tradicionais e emergentes da nossa sociedade, garantindo um
modo de transição adaptativa. Todo o processo teve uma condução autoritária, com a
participação do Estado e com a restrição de setores subalternos da população. Destaca,
também, que todo o processo exigiu uma presença do Estado como
ator forte, capaz de coordenar estrategicamente a economia, de arbitrar o jogo
de interesses das classes integradas na coalizão dominante e, finalmente, de
impor aos outros setores sociais (sob combinações variáveis de coerção e
consentimento) o tipo de modernização adotado pelas elites (DULCI, 1999,
p.26).
Minas Gerais passou por duas fases de modernização industrial na tentativa de
sua inserção na economia nacional. Inicialmente predominou uma agropecuária que
serviu de base para indústria e buscava caminhos para gerar o dinamismo característico
dessa atividade. Posteriormente o Estado processa sua especialização produtiva, quando
os esforços se concentraram na produção industrial. Uma característica era o fato de que
os dois processos não eram excludentes, mas representavam
duas possibilidades de desenvolvimento ligadas tanto à dinâmica da
economia nacional (e, em outro plano, à do mercado internacional) quanto ao
jogo político interno do próprio estado, na medida em que suas zonas
possuem perfis produtivos heterogêneos, advindo daí, influências divergentes
sobre a formulação de políticas e a tomada de decisões. Ambas as estratégias
implicavam, para sua realização, o emprego de recursos políticos (DULCI,
1999, p.38).
A realidade mineira apresentava como característica, no momento da ampliação
da sua economia e da industrialização, a existência de regiões diferenciadas, não apenas
nos aspectos econômicos, mas nas carências de vias de transporte e comunicação.
Enquanto regiões como o sul se ligava a São Paulo recebendo daí suas influências e
com uma agricultura mais desenvolvida e organizada para a comercialização do café,
outras regiões como o norte e nordeste conviviam com o isolamento e com a
subsistência. Dulci (1999, p.39) destaca a existência de uma desarticulação e uma
estrutura econômica semelhante a uma “colcha de retalhos sem suficiente integração
orgânica de suas atividades”.
A preocupação de integrar o Estado se fez presente em 1903 com a realização do
Congresso Agrícola, Industrial e Comercial que apontou um projeto de diversificação
econômica, contando com a participação do governo estadual e da elite econômica.
Com a preocupação de uma situação de crise, advinda dos baixos preços do café que
permaneciam em queda desde 1897, e a necessidade de restauração econômica, foram
incluídos nas discussões temas como agricultura, pecuária, indústria, mineração, setor
bancário, transporte. No mesmo ano o governo estadual lançou a Lei nº363, de setembro
de 1903, que continha medidas econômicas para a oficialização de uma política de
produção com enfoque na diversificação e na implantação de uma infra-estrutura, como
bancos, escolas técnicas e vias de acesso.
Na primeira década do século XX foram realizados levantamentos pelo Serviço
Geológico e Mineralógico do Brasil que apontou o potencial de Minas, quando suas
reservas de minério de ferro foram estimadas em 5,7 bilhões de toneladas com alto teor
mineral e elevado aproveitamento. A divulgação dos dados fez com que não apenas o
Governo Estadual, mas também o Federal destinasse uma política mineral subordinada
ao desenvolvimento da siderurgia, com foco na exportação de parte da produção do
minério transformado em produtos como o ferro-gusa. O governo do estado decidiu
garantir o patrimônio material, com a adoção de um modelo de especialização
industrial.
A política protecionista estabelecida pelo estado de Minas Gerais pode ser
resumida na frase do governador mineiro Artur Bernardes “Minério não em duas
safras” (DULCI, 1999, p. 58), significando a consciência do potencial estratégico que
Minas possuía. Assim uma das preocupações do governo mineiro era a exportação do
minério de ferro sem antes estabelecer uma produção de beneficiamento para atender ao
mercado interno e externo. Essa garantia veio com a instalação da Belgo-Mineira, que
se tornou a principal siderúrgica do país, até a criação da Companhia Siderúrgica
Nacional, em 1946. Foi o início da especialização da região central do Estado.
O governo passou a incentivar a implantação de outras siderúrgicas na região. O
desenvolvimento do setor siderúrgico mineiro foi o destaque das décadas de 1920 e
1930, com o aumento de 2.000 toneladas em 1920 para 158.739 toneladas de ferro-gusa
em 1940, significando 90% da produção nacional, passando o Estado a ter papel
determinante na indústria nacional, especializando-se na produção de bens
intermediários (DULCI, 1999).
A região central do Estado, com destaque para a capital, foi o ponto de expansão
do setor siderúrgico, com a implantação de usinas em suas imediações. Com isso
estabeleceu uma ligação com as zonas menos desenvolvidas do centro e a parte norte.
Porém o Estado passou por períodos de estagnação econômica, que perdurou até a
década de 1970 quando o governo impulsiona novamente o setor siderúrgico.
Nas décadas posteriores o Governo do Estado permaneceu com seu processo de
industrialização e de tentativa de redução das desigualdades regionais em Minas Gerais,
com a diversificação industrial e a centralização em áreas da Região Metropolitana de
Belo Horizonte. Com essas medidas buscava a construção de uma identidade mineira e
a redução do fluxo migratório que deixava o Estado no período de estagnação
econômica, ofertando emprego (DULCI, 1999).
O modelo de modernização pelo alto e centralizador, imposta a todos os
brasileiros, conseguiu articular os centros do poder político e econômico, mas não
conseguiu solucionar as questões da desigualdade regional. Assim, como o resto do
Brasil, Minas Gerais produziu riquezas, dinamismo e prosperidade, mas todo esse
desenvolvimento, que está concentrado em algumas regiões do Estado, como a Central,
convive com áreas pobres, carentes e que vivem no atraso econômico. Assim “uma
viagem pelo Brasil é muitas vezes, uma incursão pela história de um século e mais para
trás” (PRADO JÚNIOR, 1977, p.12). Usando os índices de PIB per capita de 2000,
Silva (2005) demonstra que a desigualdade está presente, com a Região Central,
incluindo a Região Metropolitana de Belo Horizonte, sendo a mais rica e com as regiões
mais pobres as do Jequitinhonha, Mucuri e Norte, onde se situa a área da pesquisa.
As desigualdades regionais internas são questões históricas e, ao mesmo tempo
atuais que estão interligadas não apenas aos aspectos da economia, da política e da
sociedade brasileira, mas aos aspectos internacionais onde o mercado reafirma sua
supremacia, levando à construção de novos paradigmas de análise e de estruturação
política não apenas no âmbito governamental, mas uma organização política da
sociedade. Assim
esse paradigma tende a aprofundar o desenvolvimento desigual, tanto no
âmbito internacional quanto no inter-regional. Isto faz supor tentativas de
contraposição a surgirem pelo lado político, sobre as quais devemos fixar
nossa atenção [...] A tensão entre o mercado e a sociedade [...] é aspecto
fundamental da história do capitalismo. Pois o fenômeno do desenvolvimento
desigual é inerentemente político e para enfrentá-lo com eficácia são
necessários instrumentos políticos (DULCI, 1999, p. 239).
3.3- O carvão vegetal e a produção do ferro gusa: o processo siderúrgico
O uso do ferro para a humanidade é tão importante que a descoberta da
transformação de um minério em utensílios marcou uma das fases por que passou o
homem em seu processo de utilização dos recursos naturais: a Idade do Ferro. Após a
Revolução Industrial com a invenção dos fornos, o uso do ferro se intensificou pois, a
nova técnica permitiu corrigir as impurezas e adicionar-lhe novas propriedades, como
resistência ao desgaste e à corrosão. Por ser o minério de ferro farto na crosta terrestre e
o baixo custo de sua produção, esse material passou a ser amplamente utilizado pela
humanidade.
A produção do ferro inicia-se com a preparação do minério e do carvão para
serem levados ao alto-forno no processo de redução. Nesse processo o ferro se liquefaz
e é chamado de ferro gusa ou ferro de primeira fusão. É retirada a escória ou as
impurezas como calcário e sílica, que tornam-se matéria prima para a fabricação do
cimento. Após a produção do gusa é possível dar continuidade ao processo de refino
para ser transformado em aço, completando o ciclo com o refino e a laminação.
De acordo com o processo produtivo as indústrias que atuam nesse setor são
denominadas de integradas, ou aquelas que operam em todas as fases, e semi-
integradas, representando o grupo que operam apenas nas fases de refino e laminação. A
produção do gusa fica com as empresas denominadas de não integradas que operam
apenas com a redução do minério. Essas empresas são chamadas de guseiras e tem
como característica o uso do carvão vegetal nos alto-fornos.
Conforme divulgação da empresa Plantar S.A.
em uma sociedade cada vez mais preocupada com a sustentabilidade, o aço é
visto como matéria-prima ideal. Seu alto potencial de reciclagem conquista
arquitetos interessados em oferecer ao cliente o melhor custo/benefício na
hora da construção, associado à preocupação com o meio ambiente (Plantar,
2007)
23
.
Mas cabe ressaltar que o uso do aço por uma sociedade preocupada com a
sustentabilidade, inicia-se nas carvoarias, sendo que muitas delas não possuem nenhuma
característica que possa ser associada a esse motivo de preocupação, isto é, são
insustentável tanto pelos impactos ambientais quanto às questões sociais ali presentes.
Para Zhouri e Oliveira (2005) a realização de medidas mitigadoras e compensatórias
ancora-se no paradigma ambiental dominante, onde ações políticas, mas com lógica
econômica, atribui ao mercado a capacidade de resolver os problemas ambientais, num
modelo de “adequação ambiental”, onde a crise ambiental será superada pelas
instituições da modernidade, porém sem alterações nos padrões de modernização e de
produção capitalista.
Assim, o meio ambiente é percebido como uma paisagem que deve ser
modificada para adaptar-se aos objetivos de um projeto técnico e as medidas
mitigadoras comprem o papel da adequação. Manter o processo siderúrgico significou a
criação das chamadas florestas homogêneas, isto é, os plantios de eucalipto para a
produção do carvão. As siderúrgicas mineiras estão, dessa forma, com sua produção
diretamente relacionada ao reflorestamento.
A Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira foi a primeira experiência em integrar
a atividade siderúrgica com o plantio de eucalipto, visando suprir a matéria-prima para
o carvão. A partir dessa experiência, o estado de Minas Gerais expandiu sua economia
tendo como uma das bases a siderurgia, necessitando de constantes intervenções do
Estado, através de políticas públicas para a sustentação desse setor. Como lembra Brito
(1990), foi o carvão vegetal de origem nativa que permitiu o desenvolvimento da
siderurgia no Brasil, porém trouxe como conseqüência o desmatamento, seja por
incentivo do governo seja por iniciativa de produtores rurais no momento do desmate
para expansão da área agrícola. Até a década de 1990, 78% do carvão utilizado nas
indústrias brasileiras eram oriundos de florestas nativas, seja como fonte energética ou
como redutor.
Porém a retração expressiva da vegetação nativa e o conseqüente distanciamento
das fontes de fornecimento de matéria prima levaram o governo e iniciativa privada a
criarem programas de incentivo florestal, em áreas mais acessíveis e viáveis
economicamente para as indústrias siderúrgicas e demais usuárias de material lenhoso.
23
Disponível em: <http://www.plantar.com.br/>. Acesso em: 15 nov. 2007.
Entre essas políticas, destaca-se por envolver a área desta pesquisa, a portaria
43/76, de 16 de fevereiro de 1976, que criou o Programa Distritos Florestais em Minas
Gerais. Este programa visava a “promoção do desenvolvimento agrário, conjugando o
esforço estadual e do empresariado do setor florestal [...] aglutinando projetos de
reflorestamento e orientação e aplicação de investimentos” (FUNDAÇÃO RURAL
MINEIRA, 199?, p. 1).
Os chamados distritos florestais são áreas destinadas à produção florestal em
regiões definidas pelo Zoneamento Econômico Florestal do Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal, atual IBAMA. De acordo com o discurso da época esse
programa promoveria o desenvolvimento racional dos solos com o uso de áreas não
apropriadas às explorações agrícolas ou pastoris, envolvendo terras públicas e no
domínio do Estado, principalmente nas regiões Norte, Noroeste e Vale do
Jequitinhonha, além de uma produção florestal “com fins nobres”, este definido como a
produção industrial. Logo que foi lançado, empresas se interessaram, no total de 18,
porém pretendiam áreas que ultrapassavam a permitida pela legislação de terras do
Estado, isto é, superior à 750 hectares (Lei 550/49) ou de 3.000 hectares, definida
pela Constituição do Estado.
Diante desta demanda, foi necessária a prévia aprovação do Senado Federal,
exigência que foi cumprida, com as solicitações atendidas através de resoluções que
autorizavam ao governo do Estado de Minas Gerais alienar suas terras. Com isso
empresas introduziram o plantio de eucalipto e a produção de carvão, em áreas que
variavam de 8.000, a menor, até 143.200 hectares de terras públicas, sendo concedida
em diversos municípios e para empresas estabelecidas no mercado de
reflorestamento, siderurgia e produção de celulose. A atividade expandiu-se e, com a
reformulação do projeto na década de 1980, o cerrado cedeu mais lugar para as florestas
homogêneas de eucalipto.
Assim, a região do Norte de Minas Gerais é marcada pela produção de carvão
vegetal, fato expresso pela quantidade de caminhões transportando esse produto e que
trafegam pela BR 135, principal via de acesso que liga essa região a área siderúrgica de
Sete Lagoas. O carvão vegetal foi introduzido na região, em escala industrial, no
momento da preparação para receber os plantios de eucalipto. A necessidade de
expansão da produção do ferro-gusa, visando o desenvolvimento econômico e a
exportação, desencadeou a cadeia produtiva que se inicia com a extração do minério de
ferro e o carvão vegetal, oriundo do uso da vegetação nativa e dos plantios das florestas
de eucalipto (BETHONICO, 2002).
Mesmo com o discurso a respeito da “vocação florestal” de Minas Gerais, a
produção mineira de carvão vegetal tem atendido a apenas 60% da demanda, frente a
um atendimento de 80% no ano de 1997, segundo informações divulgadas pela
Associação Mineira de Silvicultura-AMS. Com isso, complementam que o
Estado vem perdendo receita tanto no recolhimento do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) quanto com as
taxas florestal e de reposição. O setor que fatura cerca de R$ 57 bilhões no
país tem Minas como responsável por um terço desse movimento, com a
cadeia girando anualmente pelo menos R$ 9,2 bilhões. Além disso, o setor
passa por pressão nos preços em função do déficit que está tirando a
competitividade das empresas mineiras. O preço do carvão de eucalipto está
oscilando entre R$ 150 e R$ 170 o metro cúbico (Diário do Comércio, 2008).
As empresas elaboraram uma proposta de ampliação da área plantada com
elevados investimentos e considerando as vantagens para a economia do estado, uma
vez que os produtos florestais contribuem com US$17,5bilhões anuais para o PIB
nacional; em Minas Gerais o negócio florestal representa 7% do PIB estadual,
agregando R$3,8 bilhões em exportações e com a geração de aproximadamente 731 mil
empregos, além da vantagem ambiental, considerando que cada hectare plantado com
floresta de rápido crescimento, como o eucalipto, preserva-se cerca de 10 hectares de
florestas nativas
24
.
Para compensar a escassez de matéria-prima, as siderúrgicas têm buscado em
outros estados que também são alvos de produção ilegal, como demonstra operação de
fiscalização realizada pelo IBAMA, com aplicação de multas não apenas nas
siderúrgicas de Minas Gerais e Mato Grosso, mas incluiu as carvoarias que atuam na
produção clandestina, dentro das ações da Operação Rastro Negro. Diante do problema,
o IBAMA espera que pelo menos 2,7 milhões de árvores sejam replantadas no país,
uma vez que o governo vai determinar o replantio de 11 mil hectares (GUERREIRO,
2008).
24
Informações divulgadas e disponíveis em:
<http://www.showsite.com.br/silviminas/html/index.asp?Metodo=ExibirDet&Grupo=2%20&SubGrupo=
14> . Acesso em: 22 jul 2008.
3.3.1- Vantagens e desvantagens do uso do carvão vegetal na siderurgia: os
conflitos no caso de Minas Gerais
O carvão vegetal é usado no processo siderúrgico como redutor do ferro presente
no minério para gerar o gusa. Esse processo pode, também, ser feito com o uso do
coque, que é um material originado da destilação do carvão mineral extraído de reservas
fósseis, portanto considerado um recurso finito. O uso do coque envolve outro problema
que é a localização das reservas no Brasil. A produção se concentra nos estados do sul
do país e são pouco expressivas para atendimento das demandas nacionais. Manter
siderúrgicas com coque implica numa dependência externa, com a importação do
material de países como a China e a Rússia, que possuem grandes reservas de carvão
mineral (ALMG, 2004). Algumas siderúrgicas brasileiras optaram por essa importação,
porém em Minas Gerais ocorre o predomínio da siderurgia a carvão vegetal.
O carvão vegetal apresenta a vantagem da não poluição por enxofre, existente no
uso do coque, além da produção siderúrgica possuir “um balanço de CO
2
negativo, ou
seja, as plantações absorvem mais carbono durante seu crescimento do que é liberado no
carvoejamento e no processo de produção de gusa” (ALMG, 2004, p. 13). Guerra
(1995) confirma que existe uma vantagem no uso do carvão vegetal em relação ao
carvão mineral, sendo considerada pelas empresas siderúrgica
a ausência de óxidos de enxofre nos gases liberados nas usinas siderúrgicas
pelos alto fornos a carvão vegetal se mostra como uma grande vantagem
sobre aqueles abastecidos a carvão mineral: não necessidade de processo
industrial de dessulfuração (redução do teor de enxofre do ferro gusa
produzido). Além disso, soma-se o fato de que o carvão vegetal produzido no
Brasil e em bases renováveis (florestas plantadas de eucalipto), enquanto o
carvão mineral, em sua maioria, devido a problemas de qualidade é
importado e tem como origem fontes não renováveis (minas subterrâneas ou
a céu aberto) (GUERRA, 1995, p. 46).
Segundo Coutinho e Ferraz (1998) pode-se acrescentar como vantagem para o
uso do carvão vegetal na siderurgia a grande extensão de terras existentes no Brasil,
reduzindo a necessidade de importação de carvão mineral com uso da tecnologia
nacional, e a geração de empregos diretos e indiretos na cadeia produtiva.
Essa relação gerou um novo negócio para as empresas siderúrgicas que possuem
seus próprios reflorestamentos, como é o caso da Plantar SA, proprietária de uma área
de reflorestamento na APA do rio Pandeiros, mas atualmente desativada.
Em 1997 a preocupação com as questões ambientais, especificamente quanto aos
efeitos climáticos da poluição das atividades humanas, se fez presente na Conferência
de Kyoto, com a elaboração de um protocolo que teve como finalidade apontar
diretrizes para conter e reverter o acúmulo de CO
2
na atmosfera, visando a redução do
efeito estufa. Um dos apontamentos foi a promoção de ações capazes de realizar o
seqüestro de carbono em forma de fixação no solo através da vegetação, num processo
natural de acúmulo de carbono nos vegetais na forma de matéria orgânica que é obtido
por meio da fotossíntese, sendo renováveis ao longo do ciclo da vida de cada espécie
vegetal.
Para tal consideram-se florestas nativas ou plantadas como forma de recuperação
de áreas degradadas. O artigo 12 do Protocolo de Kyoto define esse processo, sendo ali
denominado de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). O MDL tem como
objetivos a diminuição do custo global de redução de emissões de gases que produzem
o efeito estufa (GEE) lançados na atmosfera e o apoio a iniciativas que promovam o
desenvolvimento sustentável em países em desenvolvimento. O custo de implementação
de projetos que promovam o MDL é menor em países em desenvolvimento, assim o
princípio básico definido no Protocolo de Kyoto é a possibilidade de investimento que
países desenvolvidos possam realizar em países em desenvolvimento nos procedimentos
de redução de baixo custo e receber créditos por essa redução obtida nas emissões. Com
esse procedimento, os países desenvolvidos podem aplicar esses créditos nas metas
fixadas de redução da emissão em 5% para 2008-2012, com o mesmo efeito nos cortes
que teriam de ser feitos nas próprias economias. Segundo Motta,
se esse mecanismo de redução é mais barato para os países desenvolvidos, os
países em desenvolvimento também se beneficiam, não apenas com o
aumento do fluxo de investimentos, mas também com a exigência de que os
investimentos compensem as emissões de GEE ao mesmo tempo em que
promovam os objetivos de desenvolvimento sustentável. Assim, o MDL
permite o envolvimento dos países em desenvolvimento num período em que
outras prioridades limitam os recursos para atividades de redução de
emissões de GEE, e encoraja-os a fazê-lo ao sinalizar com a perspectiva de
que a prioridade ao desenvolvimento será incorporada como parte da solução.
Mais genericamente, o objetivo do MDL de promover iniciativas para o
desenvolvimento em países em desenvolvimento reconhece que apenas por
meio do desenvolvimento em longo prazo será possível a participação de
todos os países na proteção ao clima (MOTTA et a.l, 2000, p.1).
O Protocolo de Kyoto iniciou um novo produto no mercado o crédito de
carbono como uma expectativa futura de se tornar um negócio lucrativo, correndo o
risco dos certificados de carbono se transformarem apenas numa operação financeira
sem o benefício ao meio ambiente. Nessa perspectiva Laschefski (2005) expõe que o
mercado de carbono, juntamente com a demanda crescente por madeira, seja para
carvão seja para celulose, traz o risco da ampliação das áreas de reflorestamento,
acarretando conflitos entre os moradores e o tripé composto por instituições
governamentais, empresas e ONG’s ambientalistas.
Esses conflitos contrariam um dos princípios fundamentais do desenvolvimento
sustentável, que é o consenso entre as partes envolvidas nas relações de produção e
sociais. Por outro lado, discute o fato do Protocolo de Kyoto apresentar uma contradição
no que se refere à implantação de reflorestamentos, uma vez que este só considera como
sumidouros de carbono plantios em áreas anteriormente sem cobertura florestal.
Com isso as empresas estão expandindo seus espaços para novas áreas, ao invés
de reativar áreas abandonadas de antigos plantios de eucalipto. Nesse caso encontra-se a
área da Plantar S.A. na bacia do rio Pandeiros, onde esta empresa, após ser certificada
abandonou o reflorestamento, dirigindo-se a outras áreas, no município de Curvelo,
também no norte do estado. A problemática ambiental é agravada pelo fato de que esses
novos reflorestamentos, independente da eficácia do projeto e da intenção de
comercialização do carbono, continuam dependendo de agrotóxicos, causando impactos
no solo e nos recursos hídricos, além das questões sociais e trabalhistas que envolvem
as carvoarias existentes em regiões carentes.
Preocupados com essa situação, entidades, associações e outras organizações da
sociedade civil têm promovido encontros para discussões sobre os riscos para o cerrado
e seus povos, no que se refere à ampliação dos plantios de eucalipto. No ano de 2005
ocorreu o I Encontro Norte Mineiro de Agrobiodiversidade: valorizando seus guardiões,
na cidade de Porteirinha, que contou com a participação de entidades de Januária.
Discutiu-se além da pressão sobre as áreas de cerrado, a certificação florestal com
habilitação de projetos subsidiados pela proposta do Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo, de grupos empresariais como a Plantar, VM Florestal e Gerdau (REDE
CERRADO, 2006).
Assim, percebem-se novas relações políticas e econômicas que envolvem o
comércio de carbono e os plantios de eucalipto.
Através do MDL, países industrializados têm a possibilidade de determinar
que extensas áreas nos países em desenvolvimento sejam destinadas ao
contrabalanço de suas emissões. Na hipótese de que um país em
desenvolvimento venha a alcançar um maior grau de industrialização,
ocorreria um constrangimento relativo ao uso de tais áreas, para
contrabalançar a sua própria quota de gases de efeito estufa.
Conseqüentemente, como as áreas em questão estariam ‘ocupadas’ por
outros países, o MDL se tornaria um impedimento para o avanço industrial
dos países em desenvolvimento (LASCHEFSKI, 2005, p. 272).
As questões sociais tornam-se ainda mais complexas, numa luta pelo território.
Nesse contexto, a luta dos excluídos do ‘jogo’ não é somente contra a
degradação socioambiental do seu ‘ambiente’. Também não se restringe a
uma luta sobre os seus territórios. É uma luta por visibilidade, por
democracia e por seus direitos, os quais são cada vez mais deturpados pelas
novas políticas de participação e mediação [...] Assim, o discurso técnico-
científico torna-se uma ferramenta para manter a hegemonia de opinião do
‘campo dominante’ naquelas situações em que ele é ameaçado pelo saber
local, que se baseia nas observações e experiências vividas. Finalmente, esta
luta reflete também percepções e formas de regulação diferentes sobre a
ocupação do espaço vivenciados pelos protagonistas de sociedades urbano-
industriais e das populações rurais que ainda não perderam todas as suas
raízes tradicionais (LASCHEFSKI, 2005, p. 279).
Do outro lado das discussões encontram-se as empresas. Segundo informações
disponíveis no site da Empresa Plantar S.A.
25
, a sua siderúrgica utiliza apenas carvão
vegetal oriundo de áreas florestais de eucalipto autorizadas pelos órgãos
governamentais. Atualmente conta com o Projeto de Biomassa Cultivada como Fonte
de Energia Renovável para a Produção de Ferro Gusa, desenvolvido em parceria com o
Fundo Protótipo de Carbono do Banco Mundial (Prototype Carbon Fund PCF), sendo
o primeiro projeto brasileiro a se enquadrar no Art. 12 do Protocolo de Kyoto e com os
critérios do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL.
O objetivo desse projeto é gerar ferro gusa utilizando biomassa plantada e de
acordo com “rigorosos princípios sociais e ambientais”, além de gerar os créditos de
carbono a serem negociados nas bolsas de valores. Os plantios dentro dos padrões
exigidos estão sendo implementados desde o ano de 2001, com a mitigação das
emissões de metano na atividade de carbonização iniciando em 2004.
As externalidades ambientais, sociais e econômicas divulgadas pela empresa não
citam áreas próprias que foram exploradas e, por não adequarem à modalidade proposta
(plantios em áreas degradadas), são abandonadas, como é o caso da área na APA do rio
Pandeiros, ficando agora a cargo do Estado buscar uma solução por estar inserida em
uma área de proteção sob sua gestão.
As comunidades locais atingidas por esses reflorestamentos, sejam eles
adequados ou não às exigências do MDL, buscam solução para o conflito sobre o uso da
25
Empresa Plantar S.A. Ferro Gusa Verde. Disponível em: <http://www.plantar.com.br/>. Acesso em 15
nov. 2007.
terra, com mobilização e divulgação dessas questões (Rede Alerta contra o Deserto
Verde; Carta de Porteirinha, Movimento Contra o Deserto Verde). Nesses documentos a
Empresa Plantar S.A. é sempre citada no que se refere à ampliação das áreas de plantio,
fazendo crescer o “deserto verde”, além da não recuperação dos reflorestamentos
existentes e que foram abandonados pela baixa produtividade ou por outros motivos,
como estar em área de conservação, como é o caso dessa pesquisa.
Esses movimentos defendem que as áreas de reflorestamentos abandonadas
deveriam ser destinadas a reapropriação social pela população rural sem terra, com a
implantação de sistemas agroflorestais para a agricultura familiar. O reaproveitamento
dessas áreas contribuiria para a redução da pobreza e para a sustentabilidade sócio-
ambiental.
Os problemas que envolvem o carvão vegetal não são atuais e não estão
limitados aos problemas sociais e econômicos. De acordo com levantamentos de alguns
autores, relacionam-se com a forma como é produzido e não com o seu uso na
siderúrgica. As desvantagens referem-se aos impactos ambientais relacionados à
monocultura e aos impactos sociais relacionados às condições de trabalho nas
carvoarias que utilizam, muitas vezes do quadro de pobreza como forma de exploração
através de baixos salários, condições precárias de trabalho e desrespeito às leis
trabalhistas.
Nos reflorestamentos ocorridos nas décadas de 1970 e 80 são apontados diversos
impactos, tanto no que se refere ao empobrecimento biológico das áreas de cerrado,
com conseqüências para o solo e processos erosivos, quanto questões socioeconômicas
como a expulsão de populações tradicionais de suas terras, a dependência das
comunidades locais frente às empresas e carvoarias, incluindo também a ocupação de
terras antes utilizadas por comunidades para coleta de alimentos e remédios (ALMG,
2004; BETHONICO, 2002).
Para Shiva e Bandyopadhyay (1991) em ambiente nativo o eucalipto
desenvolveu a capacidade de sobreviver aos incêndios florestais que caracterizam os
ecossistemas australianos, adaptando-se a essas condições. Porém a implantação dessa
espécie em outros ecossistemas traz impactos na biodiversidade e na alteração do ciclo
hidrológico, pois
as espécies naturalmente ocorrentes num ecossistema têm taxas de
evapotranspiração que mantêm o ciclo hidrológico e o equilíbrio hídrico. Sua
fisiologia e morfologia são adaptadas à utilização mais eficaz da precipitação
disponível. Uma espécie introduzida muda o equilíbrio hídrico de uma série
de maneiras. Uma avaliação de um impacto de uma espécie no ciclo
hidrológico exige conhecimento da demanda de água da espécie e da dotação
de água do ecossistema no qual a mesma é introduzida (SHIVA e
BANDYPADHYAY, 1991, p.66).
Lima (1996) defende os plantios de eucalipto com manejo intensivo para o
suprimento de madeira para fins industriais e geração de energia, como é o caso dos
plantios para produção de carvão vegetal. Para o autor, o efeito dos plantios de eucalipto
sobre o balanço hídrico de bacias hidrográficas “não difere de outras espécies florestais,
apresentando aumento médio do deflúvio devido ao corte da floresta, e diminuição
média do deflúvio devido ao reflorestamento da bacia” (LIMA, 1996, p.137).
Guerra (1995) esclarece que ainda existem poucos estudos sobre os impactos
ambientais das culturas de eucalipto no Brasil, dificultando as avaliações das mudanças
ambientais e suas conseqüências. Porém destaca que em grandes áreas de
reflorestamento o início é com
a eliminação da vegetação existente e na preparação do terreno para o plantio
e sua manutenção (desbaste, preparação do solo, adubação, combate à
formiga, etc.), os quais envolvem o uso rotineiro do fogo, intensa
movimentação de trabalhadores, caminhões e máquinas como tratores e
carregadeiras. Até o ou ano, quando é realizado o primeiro corte raso
das árvores, vários efeitos ambientais negativos ocorrem no ecossistema
florestal renovável, principalmente no que se refere ao consumo de água,
consumo e ciclagem de nutrientes, propriedades dos solos, efeitos
alelopáticos
26
, consumo de fertilizantes e agrotóxicos, etc. Após o primeiro
corte raso da floresta plantada, ou seja, a primeira colheita, novos problemas
ambientais surgem (GUERRA, 1995, p. 85).
Os plantios de eucalipto são efetuados com previsão de três cortes, sendo o
primeiro com a árvore em idade de 7 anos e o último com 21 anos. Após o terceiro
corte, é necessário um novo plantio. Os reflorestamentos existentes no Norte de Minas
Gerais, incluindo a bacia hidrográfica do rio Pandeiros, destinam-se à produção de
carvão vegetal para suprir a demanda da siderurgia mineira, especialmente para usinas
instaladas na cidade de Sete Lagoas. O carvão vegetal chega pronto à siderurgia. Sua
produção ocorre em outros espaços, geralmente no interior dos reflorestamentos,
pertencentes ao mesmo grupo empresarial da siderúrgica, ou em áreas onde ocorrem os
desmates autorizados pelo órgão florestal responsável (IEF) ou de forma clandestina.
A produção inicia-se com o corte e secagem da madeira, que pode durar até 90
dias (GUERRA, 1995). A queima da madeira ocorre em fornos de alvenaria em fileiras,
26
Efeitos alelopáticos do eucalipto referem-se ao fato da planta criar no solo condições desfavoráveis ao
crescimento de outras plantas (LIMA, 1996, p.169).
formando as baterias de fornos, onde se consegue uma situação de atmosfera com baixa
presença de oxigênio. O tempo de produção chega a 9 dias, incluindo a carga e descarga
da madeira, sua organização dentro do forno, a carbonização e resfriamento (que pode
chegar a 4 dias). Cada forno tem capacidade de produzir entre 20 e 25 metros cúbicos
de carvão, por fornada.
O mesmo autor alerta para as condições de produção do carvão vegetal no
Brasil, envolvendo as condições de trabalho e aproveitamento da madeira. A cada
hectare (10.000 metros quadrados) de floresta cortada, aproximadamente 70% são
queimados inutilmente, com um desperdício de biomassa, como galhos finos. Por outro
lado, as condições ambientais nas baterias de fornos são nocivas à saúde dos
trabalhadores através do contato com as temperaturas elevadas, poeiras, esforço físico
excessivo, a inalação de fumaças e gases que “contém hidrocarbonetos
poliaromatizados, que, segundo o Instituto Nacional de Saúde Pública, de Bilthoven, na
Holanda, são substâncias cancerígenas” (STRINK
27
, 1990, citado por GUERRA, 1995,
p. 46).
Mesmo com os problemas ambientais e sociais existentes nos plantios de
eucalipto e nas carvoarias, o carvão vegetal tem destino certo. De acordo com dados da
Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIG (2007), a produção de carvão vegetal
apresentou queda nos últimos anos da década de 1990, com recuperação ao longo da
década atual. Essa produção é utilizada principalmente pelas siderúrgicas não-integradas
ou guseiras. As siderúrgicas integradas utilizam dessa matéria-prima, mas em menor
quantidade. Os dados demonstram que grande parte do carvão produzido no estado
destina-se à produção do ferro gusa, apesar do pequeno declínio nos últimos anos
(QUADRO 4 e FIG. 5).
QUADRO 4
Produção e consumo de carvão vegetal em Minas Gerais
Em mil tEP*
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Produção nas carvoarias 5923 5832 6245 5916 5411 4972 4552 4388 4910 4143 4484 4840 5168 5520 5739
Consumo siderúrgicas
integradas
974 1031 919 955 812 605 628 612 554 511 638 606 640 785 849
Consumo siderúrgicas
não-integradas
1790 1898 2190 2022 1610 1546 1489 1383 1769 1749 1721 2506 3160 2707 2507
27
STRIK, et al.li. Ecotoxicology – I.H.E. Delf – Holanda. 237p.
Fonte: CEMIG, 2007
*tonelada equivalente de petróleo
Nota: adaptação do autor
Produção e consumo de carvão vegetal em Minas Gerais - em mil tEP
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
7000
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Produção nas
carvoarias
Consumo
siderúrgicas
integradas
Consumo
siderúrgicas não-
integradas
FIGURA 5: Produção e consumo de carvão vegetal em Minas Gerais
Fonte: CEMIG, 2007
A produção e a comercialização do carvão vegetal possuem vários atores,
incluindo as usinas siderúrgicas, os intermediários, proprietários rurais, carvoeiros e
funcionários públicos.
No comércio de carvão vegetal, de um lado, se colocam as indústrias
siderúrgicas, suas empreiteiras e seus inúmeros “intermediários”; e, de outro,
os proprietários rurais, os carvoeiros profissionais e temporários. Entre estes
dois grupos de agentes econômicos se colocam os órgãos governamentais
como o IEF, IBAMA e a Polícia Florestal, os quais apresentam algumas
características comuns: infra-estrutura operacional precária, número reduzido
de fiscais, baixos salários e falta de motivação do seu pessoal técnico. [...] a
grande extensão territorial do Estado de Minas Gerais, que tem o mesmo
tamanho de um país como a França, e um volume razoável de carvão vegetal
importado dos Estados da Bahia e Goiás complicam bastante a estruturação
de um trabalho eficiente da fiscalização (GUERRA, 1995, p. 50).
De acordo com a avaliação de Medeiros (2005), dentre as vantagens dos
reflorestamentos está o fato da sua implantação ocorrer em áreas não propícias à
agricultura e que são carentes. Esse fato alia-se a elevada tecnologia desenvolvida pelo
setor da silvicultura brasileira que permite hoje uma seleção, manejo e plantio de
árvores com maior produtividade. Porém esse autor destaca que a expansão dos setores
siderúrgicos e de celulose foi modesta não aparece como principal fator limitante, mas
sim as condições econômicas, financeiras e patrimoniais desses setores. Dessa forma a
expansão florestal, que está sendo incentivada para a não ocorrência do “apagão
florestal”, merece um cuidadoso planejamento e articulação por parte dos órgãos
estatais, com objetivos a médio e longo prazos considerando as tendência e
potencialidades da atividade florestal brasileira. Essa expansão deve incluir não apenas
empresas do ramo, mas agricultores familiares através do extensionismo agrícola
promovido pelo governo como suporte e assistência técnica gerencial, como
financiamento, plantio, estocagem e comercialização.
Os problemas que envolvem a produção de carvão vegetal não estão apenas em
Minas Gerais; o estado do Pará possui grande número de siderúrgicas e enfrenta os
custos ambientais e sociais da cadeia produtiva do gusa. Segundo Bourschelit (2006) as
expectativas de aumento da exportação para atender aos mercados da China e dos
Estados Unidos, aliado ao fato do ferro gusa brasileiro ser considerado o melhor do
mundo por utilizar carvão vegetal e não o mineral, que contamina o gusa com enxofre
encarecendo seu aproveitamento para aços especiais, faz com que as empresas ampliem
suas atividades.
Essas perspectivas de ampliação do mercado terão conseqüência em toda a
cadeia produtiva, iniciando-se pelas carvoarias e pela pressão no uso dos resquícios de
vegetação nativa ainda presentes no norte de Minas. Esse fato traz consigo a
continuidade dos conflitos presentes em várias partes do estado, inclusive na APA do
rio Pandeiros.
CAPÍTULO IV
MOVIMENTO AMBIENTAL NO BRASIL E EM MINAS GERAIS
Nas últimas décadas a humanidade percebeu a necessidade de incluir nas
agendas políticas internacionais a questão ambiental. A degradação do meio ambiente
com suas conseqüências para a saúde humana e dos demais seres vivos, tem gerado
discussões para a busca de soluções sustentáveis que ainda aguardam respostas. Este
capítulo se propõe a realizar um levantamento das discussões mundiais e nacionais que
possuem o tema meio ambiente como centro, priorizando a constituição de Unidades de
Conservação, como APA’s e Refúgio de Vida Silvestre e a atuação do Estado nessa
preservação.
4.1- O Estado brasileiro e a questão ambiental
Até a década de 1970, quando foi criada a Secretaria Especial do Meio
Ambiente (SEMA) o Brasil tratava suas questões ambientais de forma isolada, com a
edição de códigos como o Florestal, das Águas e das Minas. A análise da questão de
forma mais integrada ocorreu posteriormente. Juntamente com parte do mundo, o Brasil
começou a se preocupar com as questões ambientais a partir da Conferência de
Estocolmo. A declaração de João Augusto de Araújo Castro, representante do Brasil nas
Nações Unidas nesse período vem expressar a necessidade de ações não apenas
nacionais, mas mundial uma vez que
uma política ecológica global requer um compromisso mundial sobre o
desenvolvimento, que tenha em conta a relação existente entre a preservação
do meio ambiente e a urgente necessidade de acelerar o progresso
socioeconômico dos países menos desenvolvidos para que, finalmente, se
consiga atender, em simultâneo, a todos os aspectos (FUNDAÇÃO
ESTADAL DO MEIO AMBIENTE, 1988, p.44).
Nesse período a grande preocupação do governo brasileiro era promover o
desenvolvimento econômico via reforço na industrialização, com efeitos sobre a área
urbana e a extração de recursos naturais em áreas não urbanas. O modelo adotado
pautava-se em um desenvolvimento desigual, onde se privilegiavam algumas regiões
brasileiras e um setor minoritário da população, sem uma consciência dos efeitos
ambientais de todo o processo. Mas as próprias periferias das grandes cidades, que
recebiam levas de excluídos do campo e de empobrecidos urbanos, eram reflexos dos
processos e dos custos sociais e ambientais do progresso.
A mobilização mundial em torno das questões ambientais exerceu influência na
delegação brasileira em Estocolmo, no sentido de propor a criação de um órgão de
proteção ambiental. Após pressões das organizações multilaterais de financiamento,
como o Banco Mundial, e o Fundo Monetário Internacional, o governo brasileiro cria a
Secretaria Especial de Meio Ambiente SEMA, através do Decreto 73.030 de 1973.
A medida foi mais para atender às pressões externas do que uma real preocupação com
os efeitos ambientais do desenvolvimento, pois a nova Secretaria era destituída de poder
político.
O motivo da criação da SEMA foi formar uma autoridade central orientada para
a preservação do meio ambiente, mas sem que isso implicasse em prejuízos na
utilização dos recursos naturais por parte das indústrias. Apesar das limitações, esse
órgão foi um avanço na proteção do meio ambiente, criando Unidades de Conservação,
com políticas que se baseavam em duas diretrizes, sendo a primeira com predomínio da
preservação no sentido da intocabilidade, restringindo qualquer atividade e a segunda,
no sentido da racionalidade do uso, com controle da exploração dos recursos de forma
não predatória. Além dessas ações, conseguiu editar algumas leis referentes ao controle
da poluição das indústrias, no sentido de implementar políticas preventivas. Mas uma de
suas maiores contribuições foi, certamente seu papel como propulsora do processo que
acabou gerando o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) em 1981, que tinha
como principal proposta a descentralização das responsabilidades pela defesa ambiental.
No momento anterior às pressões internacionais e à criação do SISNAMA,
existia no Brasil alguma regulamentação legal para determinados recursos naturais,
como as florestas, porém sempre com o intuito de monitorar a exploração e não de
preservação de áreas. Assim é o Código Florestal de 1934, mais antigo documento
brasileiro nesse sentido, cujo objetivo era a normatização da exploração dos recursos
florestais.
Este instrumento foi renovado em 1965, com a instituição do novo Código
Florestal (Lei 4.771), quando se elaborou o conceito de área de preservação
permanente, sendo estas as matas ciliares dos rios ou qualquer curso de água, matas ao
redor das lagoas, lagos ou reservatórios e nascentes, matas de topo de morros, montes e
serras, cobertura vegetal de encostas com declividade superior a 45º, as restingas
fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangue, a vegetação situada nas bordas dos
tabuleiros ou chapadas, sendo estas últimas incluídas somente no ano de 1983. Apesar
de relativo avanço no que se refere ao estabelecimento de áreas de preservação, o
Código Florestal permitia a substituição de florestas nativas por florestas homogêneas,
procedimento que era apoiado por incentivos fiscais concedidos pelo Governo Federal.
Esse artigo somente foi alterado através da Lei nº 7.803, de 18 de julho de 1989.
Durante esse período é criado, em 1967 o Instituto Brasileiro do
Desenvolvimento Florestal (IBDF), que tinha como objetivo promover o fomento
florestal. Instituiu no seu interior uma diretoria de parques nacionais, que ficou
responsável pela criação do Plano Nacional de Parques. Mas os interesses pelo
desenvolvimento industrial e garantia de fornecimento de matéria-prima para a indústria
de base e de celulose, não apenas por parte do governo, mas por interesses de
empresários, garantiu através de medidas legais –Decreto-lei nº1.134 de 1970, o
estímulo a empreendimentos florestais. Aprovados pelo IBDF, previam descontos de
50% no imposto de renda das empresas que investissem no reflorestamento. Com essa
medida, iniciou-se no Brasil um amplo processo de criação de florestas homogêneas,
principalmente pinus e eucalipto.
Contrário a todos os esforços de proteção ao meio ambiente, o Decreto
81.107, de 1977, definia as atividades consideradas de alto interesse para o
desenvolvimento e segurança nacional: indústria de material bélico, refinação de
petróleo, indústria química e petroquímica, indústria de cimento, siderurgia, indústria de
material de transporte, celulose, mecânica de grande porte, de fertilizantes e defensivos
agrícolas. Com isso, consolida-se a visão excludente entre o desenvolvimento
econômico e a proteção da natureza, através de apelos nacionais e com o uso do
imaginário popular de Brasil país do futuro, e país potência econômica e militar da
América Latina. O país adota, assim, uma política de rejeição às pressões externas sobre
o meio ambiente.
Com a abertura política iniciada na década de 1980, ampliam-se os
questionamentos à legitimidade dos governos militares e, com isso, as posições
governamentais ficam fragilizadas frente à opinião pública interna e externa, incluindo
os desequilíbrios ambientais decorrentes de um processo de industrialização que não se
preocupou com os impactos ambientais de suas ações. Um grande avanço foi a
implantação da Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981, a Lei Nacional do Meio
Ambiente, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, com o objetivo de
unificar os princípios gerais para ações de preservação, melhoria e recuperação da
qualidade ambiental, visando assegurar condições para o desenvolvimento
socioeconômico, os interesses da segurança nacional e a proteção da dignidade da vida
humana. Com ela foi criado o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) Art.
6º- e o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) Art. 7º- como órgão
superior. O Sistema Nacional do Meio Ambiente passou a englobar os órgãos e
entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, além das
fundações instituídas pelo poder público responsável pela proteção e melhoria da
qualidade ambiental.
A preocupação de alguns segmentos da sociedade e do governo com as questões
ambientais, a sustentabilidade e importância de controlar o uso e exploração dos
recursos naturais, originou a dedicação de um capítulo da Constituição de 1988 para o
meio ambiente, como forma de garantir a todos o direito a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado, considerando-o como essencial a uma qualidade de vida.
Com base na sustentabilidade, é o reconhecimento da importância do meio ambiente
para a sociedade e da necessidade de garantir sua preservação através de instrumentos
legais. O Estado fica, assim, responsável por promover a educação ambiental, proteger a
fauna e a flora, exigir a recomposição de áreas degradadas por exploração mineral e
aplicar sanções penais e administrativas aos que realizarem atividades consideradas
lesivas ao meio ambiente.
Em 1989 cria-se o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA), através da Lei 7.735, extinguindo-se a SEMA, o
IBDF, a Superintendência de Desenvolvimento da Pesca - SUDEPE. Em 1990 é criada
a Secretaria Nacional de Meio Ambiente, subordinada ao Presidente da República. Com
essa criação o SISNAMA é reformulado (Decreto 99.174), com sua estrutura
modificada. O órgão superior passa a ser o Conselho de Governo, ficando o CONAMA
como órgão consultivo e deliberativo.
Assim o órgão central passa a ser representado pela Secretaria do Meio
Ambiente da Presidência da República (SEMAN/PR). Poucos anos depois, em 1992, a
Secretaria Nacional de Meio Ambiente é elevada a Ministério do Meio Ambiente e,
logo em seguida, em Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal. Em 1995
recebe nova denominação, passando para Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos
Hídricos e da Amazônia Legal. Com essas modificações, o nível político-administrativo
fica a cargo desse Ministério, mas do ponto de vista jurídico, a autoridade ambiental é o
CONAMA, que é presidido pelo ministro do meio ambiente.
Segundo Fernandes “o problema ambiental no Brasil não é de ordem legal, e sim
produto de uma postura política que privilegia interesses econômicos. Observa-se,
ainda, que várias intervenções predatórias no meio ambientem sido promovidas pelo
próprio Estado” (In: FUNDAÇÃO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE, 1998, p.58).
Em 1987, com a divulgação do relatório Nosso Futuro Comum, também conhecido
como Relatório Brundtland, o conceito de desenvolvimento sustentável vem norteando
a elaboração das políticas ambientais. Discussões a respeito desse conceito, como a
inclusão de aspectos sociais, são constantes, mas
observa-se na última década, mesmo sob a hegemonia do paradigma do
‘desenvolvimento sustentável’, um movimento ascendente de crítica desse
paradigma e de construção de um enquadramento alternativo para a ‘questão
ambiental’[...] buscam aproximar e articular a reflexão teórica e a análise
crítica do capitalismo à experiência prática das lutas sociais que, nas atuais
condições de mundialização do sistema produtor de mercadorias, põem em
jogo a apropriação social das condições naturais e a distribuição dos riscos e
degradação ambientais. De maneira geral, os novos trabalhos compartilham,
de forma mais ou menos explícita, a crítica ao pressuposto, essencial ao
paradigma do ‘desenvolvimento sustentável’, de que a lógica estrutural da
acumulação capitalista seja compatível com a construção de uma sociedade
igualitária e ecologicamente sustentável, bastando, para tanto, que essa lógica
seja ‘domada’ por meio de inovações tecnológicas e de políticas que, além de
‘cientificamente corretas’, devem resultar de ‘consensos’ produzidos pela
operação de ‘tecnologias sociais’ e pelo ‘processamento institucional’ de
conflitos (CARNEIRO, 2005, p.66).
4.2 - Políticas públicas e meio ambiente
Uma das tarefas da Geografia é compreender o espaço, no que se refere a sua
produção, reprodução, organização e as diferenciações existentes entre as composições
da superfície terrestre. Segundo Castro (2005) isso representa uma tarefa que não é
simples, devido à complexidade do mundo e da multiplicidade de fatores. Decorrente
disto, um dos temas privilegiados pela geografia é o das relações entre política e
território enquanto componentes essenciais do processo histórico de formação das
sociedades.
A Geografia política fornece subsídios para pensar a gestão e propostas para o
território, na compreensão dos conflitos inseridos nas relações competitivas e de
cooperação, enquanto elementos da complexidade espacial. A atuação do Estado é
presente nessa relação, principalmente no que se refere à implementação de políticas
públicas em suas diversas áreas de atuação.
Segundo Amaral (2007) existe um grande distanciamento entre políticas
públicas de desenvolvimento econômico e as políticas ambientais, fato que pode ser
demonstrado pelo quadro de degradação ambiental em que se encontram os
ecossistemas brasileiros.
Por política pública entende-se, de forma genérica como tudo o que os governos
escolhem ou não fazer. As ações políticas podem ser realizadas por diversos atores,
porém o que irá defini-la como pública é a sua origem. Em um conceito mais amplo é
possível entender a política pública como
uma ação planejada do governo que visa, por meio de diversos processos,
atingir alguma finalidade. Esta definição, agregando diferentes ações
governamentais introduz a idéia de planejamento, de ações coordenadas.
Entretanto, as ações classificadas como políticas púbicas são realizadas por
diferentes organismos governamentais, nem sempre articulados entre si
(VIANNA JR., 1994, apud AMARAL, 2007).
Uma política pública tem como finalidade o alcance de determinados resultados
por parte do poder público, frente a uma determinada organização estatal, um processo
decisório entre os órgãos e gestores para questões das diversas áreas de atuação do
Estado, como a econômica, a social e, em momento mais recente a ambiental. Da
implantação de uma política pública espera-se eficiência na obtenção dos resultados dos
investimentos empregados. Guilhon e Pereira (2002) discutem que a noção de eficiência
tem variado através do processo histórico de desenvolvimento do sistema capitalista,
com forte vinculação das discussões entre o público e o privado.
A análise das Políticas Públicas, atualmente exige pensar como a questão da
eficiência se coloca no âmbito do capitalismo. Isto porque hoje esta noção
está fortemente vinculada ao debate sobre o público e o privado e à
incorporação da lógica destes às ações do primeiro. Faz-se necessário
também entender a forma de organização do processo decisório, vendo-o
como um conjunto estruturado de decisões com vistas a alcançar a
maximização que, do ponto de vista das empresas, significa maior
lucratividade e do ponto de vista do Estado, alcance de determinados
resultados (GUILHON e PEREIRA, 2002, p. 104).
O processo capitalista e o de adaptação mútua entre sociedade e mercado,
promoveram variações na noção de eficiência das políticas públicas , que foi tornando-
se mais complexa à medida que as organizações sociais se modificaram, tornando a
sociedade mais participativa e mais atuante, e no Brasil como um reflexo,
principalmente, da ampliação do acesso à informação e do desenvolvimento dos meios
de comunicação.
A relação entre políticas públicas e capitalismo foram mais explícitas após a
década de 1970, quando ocorre uma crise no sistema monetário internacional e a crise
do petróleo. Nesse contexto o capitalismo recria o modelo de desenvolvimento,
utilizando-se da política como forma de liberar o capital dos compromissos assumidos
nas negociações coletivas entre ele e o trabalho, que foram mediadas pelo Estado,
principalmente no pós-guerra. Essas novas políticas buscam a adoção de medidas que
possibilitem a flexibilização e a continuidade da apuração dos ganhos e lucros
esperados. O Estado, por seu lado privilegiador de um segmento específico da
sociedade uma classe dominante atua no sentido de adequar essa lógica capitalista
como forma de garantir a recomposição e valorização dos interesses privados. O espaço
privado é redimensionado em detrimento do macroeconômico de natureza pública,
predominante até então.
A dimensão social do Estado tende a ser configurada sob a lógica do setor
privado e, nesse sentido, passa a impor um novo direcionamento às políticas
públicas fazendo que estas adotem mecanismos de regulações específicas por
setores, refazendo, assim também, a noção de eficiência nestas políticas. Se,
no pós-guerra, a noção que se desenvolveu foi no sentido de gestar políticas
públicas que alcançassem objetivos globais/coletivos com vista a uma maior
distribuição dos resultados da riqueza socialmente produzida, isto não ocorre
neste novo contexto de crise (GUILHON e PEREIRA, 2002, p. 121).
Vallejo (2005) esclarece que existe uma diferença, algumas vezes não muito
clara, entre decisões e políticas. Em mesma discussão, Amaral (2007) aborda decisões
como ações cotidianas e volumosas, realizadas como reação a circunstâncias
específicas. Uma política pública encontra-se acima das decisões e são resultantes de
um planejamento; mas um acúmulo de decisões ao longo de um período pode
caracterizar-se como uma política.
As políticas públicas podem ser agrupadas em três grandes segmentos: políticas
econômicas, relacionada às políticas cambiais, financeira e tributária; políticas sociais,
envolvendo a educação, saúde, previdência; e as políticas territoriais, que compreendem
políticas de meio ambiente, urbanização, regionalização e transporte (MORAES, 1994,
apud VALLEJO, 2005). Com isso Vallejo (2005) define política pública como o que o
governo faz, mas também o que não realiza, e essa ausência de ação reflete um baixo
nível de importância agregada a temas específicos, normalmente os que constituem
polêmicas entre as esferas de atuação do Estado. Em casos específicos as políticas
públicas entram em conflitos. Este é o caso das políticas voltadas para o segmento
ambiental e as de âmbito econômico. Desse conflito decorreu uma grande degradação
dos geoambientes brasileiros, fato ampliado pela complexidade das questões que
envolvem o meio ambiente, visto que não são apenas os elementos bióticos e abióticos,
mas incluem o social.
Em período anterior a 1981, ano da implantação da Política Nacional do Meio
Ambiente no Brasil, predominava ou um tratamento geopolítico de administração dos
recursos naturais (fauna, flora, água e terras) ou um tratamento conservacionista e
preservacionista, na visão de áreas enquanto patrimônio natural das áreas protegidas,
numa relação pública desenvolvimentista.
A conservação da biodiversidade no Brasil está diretamente relacionada a
adoção de políticas públicas eficientes, capaz de reverter o quadro de inexistência de
articulação na sua elaboração e implementação. Destaca-se o papel das comunidades
locais (VALLEJO, 2005; AMARAL, 2007), em que a abordagem da questão ambiental
deve partir, também, da investigação do comportamento das unidades familiares
envolvidas com a agricultura, uma vez que essas pessoas participam da conservação
informal das áreas, haja vista dependerem delas para a sobrevivência. É importante
discutir a temática das Unidades de Conservação no Brasil, através do emprego das
múltiplas abordagens espaciais e territoriais, de forma integrada.
Nesse contexto, alguns progressos estão em curso, pois, segundo Vallejo
(2005) o ambientalismo está se expandindo e tornando-se mais concreto através da
formação de uma rede de informações que agrega novos membros das áreas acadêmicas
e do público em geral, num processo de democratização da implementação das políticas
públicas no Brasil.
4.3- Minas Gerais e as políticas ambientais – o preservar
As repercussões das diversas discussões sobre meio ambiente tiveram efeitos em
Minas Gerais no ano de 1975, quando a Fundação João Pinheiro, órgão estatal, criou a
Diretoria de Tecnologia e Meio Ambiente, ultrapassando uma barreira instalada pelo
setor industrial no que se refere à implantação de uma política ambiental por parte do
Estado.
Após dois anos as atribuições da Diretoria de Tecnologia e Meio Ambiente
passaram à Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais. E em 1976 cria-se a
Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia, iniciando a organização de uma estrutura
institucional para a gestão ambiental em Minas Gerais. Nessa mesma época surgem
grupos conservacionistas que se mobilizavam em prol das questões ambientais,
impulsionados pelo papel da imprensa, que representou um canal de divulgação das
idéias voltadas para a conservação do meio ambiente, além de elaborar denúncias e
contribuir nas campanhas de conscientização e publicação de manifestos ecológicos.
Outras instituições voltaram-se para o tema, como a Assembléia Legislativa de
Minas Gerais e a Universidade Federal de Minas Gerais, que promoveram um Ciclo de
Estudos sobre Problemas de Preservação e Melhoria do Meio Ambiente, em maio de
1975. Nesse momento o ponto central de discussão foi a economia mineira e seus ciclos
com suas conseqüências na extração dos recursos naturais. Cabe ressaltar que as
discussões voltavam-se para o planejamento regional (FUNDAÇÃO ESTADUAL DO
MEIO AMBIENTE, 1998), porém ainda eram discussões pontuais e não se questionava
o desenvolvimento industrial. O problema ambiental era visto como conseqüência da
opção tecnológica realizada pelo Estado e, por isso, expressa um impasse ainda presente
nos dias atuais, isto é, o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental.
Estudos começaram a ser desenvolvidos e, entre eles, o Programa de
Racionalização e Sustentação da Produção Siderúrgica a Carvão Vegetal, que definiram
como pontos essenciais para o desenvolvimento do melhoramento das sementes, as
técnicas de plantio do eucalipto, os reflorestamentos, o tratamento da madeira e sua
utilização siderúrgica do carvão. Os diagnósticos realizados nessa época, década de
1970, serviam, na realidade para avaliação dos investimentos realizados para o setor.
Mas o contraste entre questões ambientais e de desenvolvimento permanecem e o
contexto das discussões eram limitados, pois
os projetos desenvolviam-se em atendimento a solicitações específicas,
embora não se dispusesse de recursos financeiros suficientes, o que, desde
então, constituiu-se num dos mais significativos problemas para uma ação
efetiva nessa área. A maior parte dos programas teve que ser conduzida
apenas com recursos da FJP (Fundação João Pinheiro), limitando-se,
basicamente a estudos preliminares. Ressalta-se, entretanto, a amplitude dos
temas e problemas abordados pela equipe técnica da DTMA (Diretoria de
Tecnologia e Meio Ambiente da Fundação João Pinheiro), indicando,
naquela época, os principais tópicos de uma política ambiental no Estado e a
complexidade da questão e dos investimentos a serem realizados
(FUDAÇÃO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE, 1998, p. 80).
A política ambiental de Minas Gerais pode ser dividida em três fases:
Primeira fase 1977/1982 Criação do Conselho Estadual de Política Ambiental
(COPAM) e a estruturação da ação executiva. A formação do COPAM, na forma de
conselho com poderes normativos e deliberativos foi crucial para a afirmação da política
ambiental no Estado, pois a decisão colegiada constituía uma forma de proteção da
autonomia do órgão em relação à própria política governamental de desenvolvimento
industrial.
Segunda fase 1983/1988 – Estruturação da Superintendência do Meio Ambiente
(SEMA), criada através da Resolução do COPAM nº 01. Este órgão foi estruturado com
a finalidade de aplicar efetivamente a lei. Porém no início as ações ficaram centralizadas
na aplicação de penalidades, quando a multa passou a ser utilizada como instrumento
principal, com caráter educativo, e era apoiada por ambientalistas e cientistas. Nessa
fase aconteceu a primeira tentativa de planejamento da gestão ambiental no Estado, com
a elaboração das Diretrizes da Política Estadual de Meio Ambiente, que enfatizava a
interiorização da política de proteção, conservação e melhoria do meio ambiente.
Terceira fase 1989/1995 Criação e estruturação da Fundação Estadual de Meio
Ambiente (FEAM). Através do Decreto 28.163, de 1988, é criada a FEAM,
atendendo a uma demanda dos movimentos ambientais mineiros de formação de uma
entidade autônoma para tratamento da questão ambiental no Estado. O novo órgão foi
criado para ter como base a preservação dos ecossistemas, a realização de estudos e
projetos para a definição de parâmetros de qualidade ambiental e promoção da educação
ambiental.
Após essas fases de criação e estruturação da política ambiental, as modificações
e reorganização dos órgãos estatais ligados ao meio ambiente continuam. Em 1995 as
demandas e novas situações geraram uma reformulação do sistema de meio ambiente
com a instituição da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável (SEMAD), através da Lei º 285/95, incluindo a revisão das atribuições dos
órgãos executores da política ambiental, como a FEAM, o IEF (Instituto Estadual de
Florestas) e o DRH (Departamento de Recursos Hídricos de Minas Gerais).
As modificações visaram uma gestão ambiental integrada. Atualmente a política
ambiental de Minas Gerais tem como órgão principal a Secretaria de Estado de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD). Em seu discurso, esse órgão
declara como sua missão “formular e coordenar a política estadual de proteção e
conservação do meio ambiente e de gerenciamento dos recursos hídricos e articular as
políticas de gestão dos recursos ambientais, visando ao desenvolvimento sustentável no
Estado de Minas Gerais”
28
. A SEMAD compõe o sistema Estadual do Meio Ambiente
(SISEMA), juntamente com os conselhos estaduais de Política Ambiental (COPAM) e
de Recursos Hídricos (CERH), pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), o
Instituto Estadual de Florestas (IEF) e pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas
(IGAM).
4.3.1- O Instituto Estadual de Florestas
O Instituto Estadual de Florestas foi criado em 1962 e até o início da década de
1970 não tinha um papel muito definido, pois vinculava-se à Secretaria da Agricultura e
apresentava uma política voltada para o fomento da atividade reflorestadora e produção
de carvão para a indústria siderúrgica, ficando a função conservacionista relegada a
segundo plano. Após 1973, com os incentivos fiscais fornecidos às empresas de
reflorestamento, o IEF assume o papel de incentivar a recobertura florestal nas
propriedades agrícolas do Estado e passa a atuar junto a essas empresas, com diversas
políticas voltadas para os programas de celulose e siderurgia, fornecendo apoio técnico.
Toda essa política estava apoiada nas diretrizes do Governo Federal, que criou diversas
linhas de incentivos fiscais para o reflorestamento, principalmente a partir de 1974, com
a criação do Fundo de Investimentos Setoriais FISET/Reflorestamentos. Essa atuação
do IEF junto à política de reflorestamento foi de encontro ao processo de modernização
da indústria mineira.
Nas décadas de 1970/80 suas principais atividades estavam concentradas nas
áreas de produção e conservação, sendo a produção vinculada ao apoio à iniciativa
28
Disponível em: < http://www.feam.br/>. Consulta em: 30 out. 2007.
privada e as reflorestadoras, além de outras atividades de exploração dos recursos
naturais renováveis. Esse foi um dos momentos de implantação dos distritos florestais,
com o plantio de eucalipto para atender as siderúrgicas com carvão e para o Programa
Nacional de Papel e Celulose.
Na área de conservação a atuação do IEF concentrava-se, principalmente no
controle da exploração florestal, realizado através do Laudo de Vistoria Técnica,
documento emitido pelos seus técnicos pela vistoria e análise legal do desmatamento,
fiscalização e prestação de orientação técnica relativa à conservação dos recursos
naturais. Outra área minoritária de atuação era a responsabilidade pela criação,
implantação e manutenção dos Parques Florestais e Reservas Biológicas do Estado,
atuando na conservação e na educação florestal. Em 1986 ocorreu o cancelamento de
programas conjuntos entre o IEF e empresas reflorestadoras, decorrente dos problemas
de articulação do órgão com as demandas da indústria, além das pressões da sociedade
sobre conservação do ambiente e do término da política dos incentivos fiscais. O órgão
era, até então
vulnerável em função desta dependência com relação aos incentivos fiscais, o
setor (florestal) demonstrava, também, certo nível de desarticulação entre
produção e consumo, observando-se a existência de florestas ociosas e
subutilizadas, posto que o FISET havia sofrido várias distorções, causando
problemas para o próprio setor industrial, como a localização de maciços de
eucalipto a longa distância dos centros industriais, o que levou à
intensificação da pressão sobre as florestas nativas (FUNDAÇÃO
ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE, 1998, p.187).
As preocupações com os impactos ambientais decorrentes dos plantios de
eucalipto no estado faziam parte das discussões na sociedade, estabelecendo um
conflito entre as atividades de conservação da natureza e a promoção dos
reflorestamentos para atender as indústrias, discussões presentes até hoje.
Com a Lei Florestal 33.944, de 18 de setembro de 1992, novas atribuições
foram destinadas ao IEF. Nessa nova fase foram reorganizados escritórios regionais
com a mesma estrutura do IEF na capital. Foram criados 35 Núcleos de Conservação
das Florestas e Proteção da Biodiversidade, destinando profissionais e verbas para a
pesquisa da fauna e flora. Nesse período o Instituto era responsável pela manutenção de
oito parques estaduais, duas reservas biológicas e cinco estações ecológicas. O fomento
florestal foi transferido para a EMATER que, como não tinha estrutura para monitorar
todo o estado de Minas Gerais, acabou por firmar convênio com o IEF para execução da
tarefa. A partir da Lei Florestal, o IEF passou a ser responsável pelas florestas do
Estado, antes a cargo do IBDF e, posteriormente do IBAMA. Nesse contexto o IEF
não teve, durante grande parte de sua história, uma preocupação
eminentemente ambientalista, pois não havia um compromisso do órgão com
o meio ambiente (...). A Lei Florestal levou o IEF a enfatizar determinadas
questões que anteriormente recebiam menor atenção da entidade. Por
exemplo, com a lei, o Estado passou a agir com a Polícia Florestal, num
esquema rigoroso de fiscalização, com a modernização dos processos e o uso
de monitoramento via satélite. O IEF criou, a partir daí, uma nova imagem
política, uma imagem de órgão ambiental (FUNDAÇÃO ESTADUAL DO
MEIO AMBIENTE, 1998, p.190).
Atualmente o Instituto Estadual de Florestas é vinculado à Secretaria de Estado
de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e tem como finalidade
executar a política florestal do Estado e promover a preservação e a
conservação da fauna e da flora, o desenvolvimento sustentável dos recursos
naturais renováveis e da pesca, bem como a realização de pesquisa em
biomassa e biodiversidade, competindo- lhe:
I - coordenar, orientar, desenvolver, promover e supervisionar a
execução de pesquisas relativas à manutenção do equilíbrio ecológico, bem
como promover o mapeamento, inventário e monitoramento da cobertura
vegetal e da fauna silvestre e aquática, a elaboração da lista atualizada de
espécies ameaçadas de extinção no Estado, a recomposição da cobertura
florestal, a recuperação de áreas degradadas e o enriquecimento dos
ecossistemas florestais e aquáticos;
II - administrar Unidades de Conservação, de modo a assegurar a
consecução dos objetivos e a consolidação do Sistema Estadual de Unidades
de Conservação - SEUC;
III - promover, apoiar e incentivar, em articulação com órgãos afins,
o florestamento e o reflorestamento com finalidade múltipla, e desenvolver
ações que favoreçam o suprimento de matéria-prima de origem vegetal
susceptível de exploração, de transformação, de comercialização e de uso,
mediante assistência técnica, prestação de serviços, produção, distribuição e
alienação de mudas;
IV - promover o disciplinamento, a fiscalização, o licenciamento e o
controle da exploração, utilização e consumo de matérias-primas oriundas
das florestas, da pesca e da biodiversidade em geral, bem como coordenar e
promover ações de preservação e controle, inclusive combate a incêndios e
queimadas florestais e manejo sustentado dos recursos naturais (...) (Decreto
nº 44.372 de 09 de agosto de 2006, Art. 3º).
As ações do IEF devem estar de acordo com as deliberações do Conselho
Estadual de Política Ambiental (COPAM), do Conselho Estadual de Recursos Hídricos
(CERH) e as diretrizes da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável (SEMAD). Estabeleceu com missão “Assegurar o desenvolvimento
sustentável, através da execução das políticas florestal e de proteção da biodiversidade”
e como visão de futuro “Ser excelência em desenvolvimento sustentável e proteção da
biodiversidade”
29
.
Os problemas ambientais no Brasil não são decorrentes de uma legislação
inadequada ou incompleta, nem mesmo da estrutura organizacional das instituições
públicas, mas de um sistema político e de um jogo de interesses particulares que
colocam o interesse particular acima do interesse coletivo como fatos constantes em
nossa história. Assim “a desigualdade de oportunidades, a ausência de instituições do
Estado confiáveis e aberta aos cidadãos, a corrupção, o clientelismo são males
arraigados no Brasil” (FAUSTO, 2006, p. 290), gerando um preço social e ambiental
não apenas para a geração presente, mas para as futuras.
29
Disponível em: <http://www.ief.mg.gov.br>. Consulta em: 23 out. 2007.
CAPÍTULO V
A BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PANDEIROS: HISTÓRIA E PAISAGEM
“E seguimos o corgo que tira da Lagoa Sussuarana, e que recebe o do
Jenipapo e a Vereda-do-Vitorino, e que verte no Rio Pandeiros esse tem
cachoeiras que cantam, e é d’água tão tinto, que papagaio voa por cima e
gritam, sem acordo: - É verde! É azul! É verde! É verde!...E longe pedra
velha remelêja, vi. Santas águas, de vizinhas. E era bonito, no correr do baixo
campo, as flores do capitão-da-sala todas vermelhas e alaranjadas,
rebrilhando, estremecidas, de reflexo” (Rosa, 2001, p. 71).
A bacia hidrográfica do rio Pandeiros, em sua totalidade, foi transformada em
Área de Proteção Ambiental pela sua importância ecológica à manutenção do
geocossistema da região e para o rio São Francisco. A transformação trouxe consigo a
necessidade de formação de novas relações com a natureza, gerando conflitos. Esses
conflitos são reflexos de uma construção histórica, marcada pela ocupação e economia
de toda uma região mineira. Iniciar a produção de carvão na região foi uma decisão do
Estado, com o objetivo de atender a demanda por essa matéria-prima nas indústrias
siderúrgicas. O fato foi decisivo para a configuração da paisagem hoje existente,
marcada pela degradação ambiental decorrente da produção de carvão com a vegetação
nativa do Cerrado. O presente capítulo busca a compreensão dos contextos em que
foram formadas as bases material e humana da área de pesquisa e sua inserção na
Região Administrativa do Norte de Minas Gerais.
5.1- A APA Estadual do Rio Pandeiros
5.1.1- Criação e localização
A Área de Proteção Ambiental do rio Pandeiros foi criada através da Lei 11.901
de 01/09/1995, que abrange as áreas de interesse ecológico situadas na bacia
hidrográfica desse rio, que tem uma extensão aproximada de 145km (IEF, 2006). Está
localizada na região Norte de Minas Gerais, ocupando parte dos municípios de Januária,
Bonito de Minas e pequena parte de Cônego Marinho. Integra a bacia do rio São
Francisco e sua administração está sob responsabilidade do IEF-MG, que atua na
elaboração de projetos, como o Projeto Pandeiros, na gestão e fiscalização da área.
A legislação estadual considera uma Área de Proteção Ambiental APA, a “a
área assim declarada pelo Poder Público, para a proteção ambiental, a fim de assegurar
o bem-estar das populações humanas e conservar ou melhorar as condições ecológicas
locais” (Decreto nº 33.944/92 - Art. 5º, §3º).
De acordo com a lei de sua criação, a da APA Estadual do Rio Pandeiros tem
como objetivo a proteção da bacia considerada paisagem de beleza cênica e das áreas de
significativa importância da reprodução e desenvolvimento da ictiofauna (Art. 2º). Para
tal algumas atividades estão restritas, como:
I - a realização de atividades que possam colocar em risco os
mananciais e os campos alagadiços;
II - a execução de obras de terraplanagem e a abertura de canais,
quando essas iniciativas importarem sensível alteração das condições
ecológicas locais;
III - a realização de atividades capazes de provocar erosão de terras
ou assoreamento de coleções hídricas;
IV - a realização de atividades que ameacem extinguir, na área
protegida, espécies da biota regional;
V - a supressão total ou parcial de remanescentes de matas ciliares e
de outras formações de matas naturais (Decreto nº 33.944/92, Art. 5º).
A área da APA corresponde à bacia do rio Pandeiros (FIG. 6). Está localizada à
margem esquerda do rio São Francisco e possui uma área de 380.000 hectares, ou 2.900
km
2
. Limita-se com a Serra do Gibão (NW), com a Serra das Araras (SW), com o
divisor de águas do rio Peruaçu até o São Francisco (NE) e com o divisor de águas da
bacia do rio Pardo ao sul (S-SW).
Considerado o “berçário do Velho Chico”, o rio Pandeiros tornou-se uma Área
de Proteção Ambiental APA, com a inclusão da área do pântano, transformado em
Refúgio de Vida Silvestre através do Decreto nº43.910, de 05/11/2004, com uma área
de 6.102,75 ha. O objetivo da criação é proteger uma área de procriação de peixes. O
pântano está distante 48 quilômetros de Januária e o fenômeno da piracema ocorre em
suas águas, quando os peixes sobem o afluente em busca de um local em condições
favoráveis para desova. Além da beleza cênica do local, o rio Pandeiros é de
importância decisiva para o ecossistema da região, sendo responsável por 70% da
reprodução dos peixes que vivem no São Francisco entre as barragens de Três Maria-
MG e Sobradinho-BA.
125
5.1.2- Caracterização do ambiente
A APA Estadual do Rio Pandeiros está inserida nas formações geológicas de
origem metassedimentar do norte de Minas Gerais, destacando-se as formações do
Grupo Bambuí, Urucuia e Areado. O leito médio e baixo do rio Pandeiros compõe o
sistema de cascalhos, areias e argilas de depósitos alunivonários do Cenozóico
Quaternário. O alto Pandeiros está em região com domínio do Grupo Bambuí, atribuído
ao Pré-Cambriano e Proterozóico Superior.
A área encontra-se entre as cotas 500 e 700 metros de altitude. A maior parte do
relevo é composta por superfícies aplainadas da depressão periférica do São Francisco,
cuja evolução está relacionada aos processos de desnudação realizados pela drenagem
do rio São Francisco sobre ardósia, metassiltitos e calcários (FIG. 7) (IEF, 2006).
FIGURA 7: Aspecto geral do relevo e da vegetação.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
126
O rio Pandeiros nasce na vertente direita da Serra do Gibão, quando recebe
denominação de córrego Suçuarana (FIG. 8). Condensa-se ao ser alimentado pelas
águas dos córregos de sua margem direita. Ao longo dos seus 145 km de extensão
recebe os rios Pindaibal I, Pindaibal II, São Pedro, Alegre e Mandins como afluentes de
sua margem esquerda, e os rios Catolé, Borrachudo, Macaúbas e São Domingos como
os afluentes da margem direita (FIG. 9). Além desses tributários principais, apresenta
vários córregos que são intermitentes.
De acordo com informações do IEF (2006), nos últimos anos, 63 sub-afluentes
do rio Pandeiros secaram. Suas águas verdes e cristalinas vertem nas águas barrentas do
rio São Francisco, em um contraste de grande beleza, levando peixes e renovando a
vida. O rio Pandeiros possui várias cachoeiras e corredeiras. O som produzido pela água
faz lembrar o do instrumento musical pandeiro. Essa associação conferiu o nome ao rio.
FIGURA 8: Rio Pandeiros
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
127
FIGURA 9: Córrego Borrachudo – sede urbana de Bonito de Minas
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
Por estar situado em uma área com características de semi-árido, o rio
Pandeiros apresenta um volume hídrico considerado grande. No período de estiagem,
entre os meses de novembro e fevereiro, o volume médio é de 8m
3
/s; nos meses com
maior concentração de precipitações, dezembro e janeiro, apresenta o volume médio de
24m
3
/s. Essa característica perene possibilitou a implantação de uma usina hidrelétrica,
com capacidade de geração de 2MW. Criada em 1957 pela Companhia Energética de
Minas Gerais/CEMIG, possui uma capacidade instalada de 4.200MW, com três
unidades geradoras (FIG. 10), porém a construção da barragem afetou o regime hídrico
do rio Pandeiros, com conseqüências para os peixes e a vida que se reproduz à jusante.
FIGURA 10: Usina Hidrelétrica Pandeiros
Fonte: <www.cemig.gov.br>
128
O clima da região é predominantemente seco, com um pequeno período
chuvoso, nos meses de dezembro e janeiro. As temperaturas máximas ocorrem no mês
de novembro (24ºC e 26ºC) e as mínimas no mês de junho (18ºC e 22ºC). O índice
pluviométrico anual oscila entre 750mm e 1.250mm com uma distribuição irregular. As
precipitações aumentam a partir do rio São Francisco em direção a Serra das Araras
(SW).
Segundo informações do IEF (2006) os solos da bacia do rio Pandeiros são, em
sua maioria, com aptidão agrícola voltada para culturas de ciclo curto, sendo que em
algumas partes, inapto, considerando-se que na área existe um sistema de manejo pouco
desenvolvido ou um sistema de manejo desenvolvido sem irrigação (IEF, 2006, p.4).
Destaca ainda que a presença de matéria orgânica é baixa e restrita a áreas de veredas.
Os principais tipos de solos existentes na área estão associados ao relevo e a vegetação
(QUADRO 5), compondo um conjunto de elementos diretamente afetados pela ação
humana.
A vegetação original e predominante na bacia do rio Pandeiros é o cerrado,
conforme pode ser observado no mapa fornecido pelo órgão oficial que refere-se a
distribuição das classes da vegetação na área da pesquisa (FIG. 11). De acordo com
informações do IEF (2008) ocorrem variações desse domínio morfoclimático, em
Cerrado Denso (FIG. 12), Cerrado Típico (FIG. 13) e Ralo, Vereda (FIG. 14) e Floresta
Decídua e Semidecídua (Quadro 6).
129
QUADRO 5
Tipos de solos predominantes na bacia hidrográfica do rio Pandeiros
Área da
bacia
Tipos de solos Relevo e vegetação associados
Alto rio
Pandeiros
Latossolo Vermelho-Amarelo Relevo plano e suave ondulado
Cerrado Denso, Floresta
Semidecídua, Cerrado Típico.
Litólicos ou Neossolos Litólicos* Relevo suave ondulado e com forte
ondulação; camada de rocha sob o
solo superficial.
Cerrado Típico e Floresta
Semidecídua
Areias Quartzozas Hidromórficas ou Neossolos
Quartzarênicos (Órticos ou Hidromórficos)*
Relevo plano e suave ondulado.
Floresta Semidecídua.
Gley pouco Húmico e Gley Húmico Relevo plano.
Campo de várzea, Cerrado Típico e
Vereda.
Médio rio
Pandeiros
Gley Húmico, Gley pouco Húmico; Areias
Quartzozas Hidromórficas ou Neossolos
Quartzarênicos (Órticos ou Hidromórficos)*
Relevo plano.
Campo de várzea com Vereda,
Cerrado Típico e Cerrado Denso
Cambissolo Relevo suave ondulado e forte
ondulado.
Cerrado Típico.
Areias Quartzozas Neossolos Quartzarênicos
(Órticos ou Hidromórficos)*
Relevo plano e suave ondulação.
Cerrado Típico.
Latossolo Vermelho-Amarelo Relevo suave ondulado e ondulado.
Cerrado Típico.
Solos Aluviais ou Neossolos Flúvicos* Relevo plano.
Campo de várzea, Cerrado Denso e
Vereda.
Baixo rio
Pandeiros
Cambissolo Relevo suave ondulado e ondulado.
Cerrado Típico e Cerrado Ralo.
Latossolo Vermelho-Amarelo Relevo suave ondulado.
Cerrado Típico.
Areias Quartzozas ou Neossolos Quartzarênicos
(Órticos ou Hidromórficos)*
Relevo suave ondulado.
Cerrado Típico e Cerrado Ralo.
Solos Aluviais ou Neossolos Flúvicos* Relevo plano.
Campo de várzea e Floresta de
Decídua.
Fonte: IEF (2006)
* Provável denominação correspondente de acordo com a nova classificação dos solos. Disponível em:
<http://www.cnps.embrapa.br/sibcs/index.html>.Acesso em: 13 jun.2008.
130
QUADRO 6
Vegetação da bacia hidrográfica do Rio Pandeiros
Classe Localização Características gerais
Cerrado Denso Alto rio Pandeiros, próximo à
nascente; pequenas manchas nas
proximidades do córrego Catolé
Forma mais densa e alta de Cerrado sentido
restrito. Possui espécies arbóreas com altura
média entre 5 e 8 metros, com estratos
arbustivo e herbáceo mais ralos. A cobertura
arbórea chega a 70%.
Cerrado Ralo Baixo Pandeiros e ao longo do
riacho Borrachudo
Aspecto arbóreo-arbustiva, com cobertura entre
5% a 20%. A altura média das árvores é de 2 a
3 metros.
Cerrado Típico Alto Pandeiros e ao longo dos
córregos São Domingos e Catolé
Vegetação arbóreo-arbustivo predominante
com cobertura entre 20% e 50%. A altura
média das árvores é de 3 a 6 metros.
Floresta
Decídua
Pequenas manchas no Baixo
Pandeiros, com concentração
nas proximidades do rio São
Francisco
Na época chuvosa a cobertura arbórea é de
50% a 70%, com dossel normalmente
descontínuo. Ocupa áreas de origem calcária. É
conhecida, também, como caatinga arbórea.
Floresta
Semidecídua
Baixo Pandeiros e nas
proximidades do rio São
Francisco
Extrato arbóreo variando entre 15 e 25 metros.
Na época chuvosa as copas tocam-se
fornecendo uma cobertura arbórea de 70% a
95%.
Vereda Distribuição por toda a bacia Vegetação condicionada ao afloramento do
lençol freático. São circundadas por campo
limpo e o buriti, palmeira arbórea
característica, não forma dossel (o que
diferencia do buritizal).
A altura média dos buritis é de 12 a 15 metros,
com cobertura entre 5% e 10%.
Fonte: IEF, 2008.
Disponível em: <http://www.ief.mg.gov.br>. Acesso em: 15 maio 2008.
131
132
FIGURA 11: Vegetação da APA Estadual do Rio Pandeiros
Fonte: Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais
FIGURA 12: Cerrado Denso - Alto rio Pandeiros.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
FIGURA 13: Cerrado Típico - Médio rio Pandeiros.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
FIGURA 14: Vereda.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
133
Observa-se que no mapa fornecido pelo IEF grande parte da região está sem
classificação (em branco), concentrando-se no médio Pandeiros. Algumas partes estão
ocupadas por reflorestamentos com eucalipto, conforme mapa complementar (FIG. 15).
FIGURA 15 – Áreas com reflorestamento na APA Estadual do Rio Pandeiros
1- Empresa Plantar SA
2- Empresa Liasa
3- Reflorestadora RIMA SA
As informações sobre as empresas reflorestadoras foram coletadas em campo, uma vez
que não existe registro no Instituto Estadual de Floresta.
Fonte: Instituto Estadual de Florestas (2008). Disponível em:
<http://www.ief.mg.gov.br>. Acesso em: 15 maio 2008.
FIGURA 16: Reflorestamento inativo - Empresa Plantar S/A.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
134
Segundo Abrantes (2005), várias espécies de peixes procuram as águas do
Pandeiros para a reprodução, quando chegam a se deslocar até 2 mil km em busca das
condições adequadas para a reprodução. Nesse momento procuram água limpa,
transparente e sem poluição, com temperatura razoável, como as condições oferecidas
pelo pântano do rio Pandeiros. Uma das espécies encontradas no local é o curimatã, que
chega a produzir 2 milhões de ovas, mas somente 10% dos alevinos sobrevivem. Nos
primeiros 90 dias de vida permanecem no pântano e, em seguida procuram o leito do
São Francisco para seu desenvolvimento. Outras espécies de peixes, como dourado,
surubim, piau, traíra, matrichã, dependem dessa área para a reprodução. Nas margens do
rio é possível ver um cenário com uma variedade de cores e cantos de pássaros, como
cardeal, trincaferro, bico-branco, casaco-de-couro, sabiá, joão-de-barro e garças.
Possui uma diversidade biológica rara, com algumas espécies ameaçadas de
extinção, como tucano, arara, papagaio, ema, jacu, jacaré, sucuri, lobo guará, onça
pintada e preta, tamanduá bandeira, tamanduá mirim, tatus, veados, jaguatirica, pacas,
capivaras, entre centenas de outros animais menos raros, mas com importância para o
ecossistema da região (IEF, 2006).
5.1.3- Ocupação humana
A área da bacia do rio Pandeiros foi ocupada com mais intensidade em meados
do século XVIII, com a formação das grandes propriedades rurais destinadas à pecuária
de corte. A formação dos currais nesse período marca o início das ações humanas sobre
a região que se intensificaram nas décadas de 1960/70 e 1980, com a implantação de
grandes projetos de reflorestamento com eucalipto, visando à produção de carvão
vegetal.
A comunidade do Pandeiros iniciou-se com a construção da hidrelétrica em
1958. Segundo funcionário do IEF, a comunidade
ganhou forças em dois momentos: com o FISET (Fundo que financiou o
plantio de 1,5 milhões de hectares de eucalipto na região e que menos de 1%
sobreviveu e com o carvoejamento ilegal principalmente na última década
(Sr. Walter Viana Neves. Entrevista em: 10 jan. 2008).
.
135
Com a dinâmica populacional acompanhando os ciclos econômicos, atualmente
os três municípios que fazem parte da bacia do rio Pandeiros possuem uma população
total de 79.645 habitantes (IBGE, 2007), com a grande parte residente em Januária
(TAB. 1). De acordo com o Censo de 2000, a população total desses municípios era de
77.809 habitantes e a área da bacia do Pandeiros contribuiu com uma população de
6.032 habitantes (TAB. 2).
Existem algumas aglomerações de moradores, destacando-se a Vila Pandeiros e
Várzea Bonita, além da área urbana de Bonito de Minas (FIG. 17). Nas comunidades
rurais, os moradores desenvolvem a agricultura de subsistência, principalmente com o
cultivo do feijão, arroz, mandioca, milho e cana. Existem, também, algumas
propriedades que praticam a pecuária extensiva. A área rural concentra a maior parte da
população, principalmente nos municípios de Bonito de Minas e Cônego Marinho.
TABELA 1
População dos municípios que integram
a bacia hidrográfica do rio Pandeiros
Municípios
2000
Rural
Urbana
Total
2007
Bonito de Minas 6.443
1.420
7.863 8.544
Cônego Marinho 5.713
764
6.477 6.290
Januária 27.682
35.923
63.605 64.811
Total
39.838 38.107 77.945 79.645
Fonte: IBGE: Censo 2000/Contagem populacional 2007
136
TABELA 2
População residente na bacia hidrográfica do rio Pandeiros
Parte da bacia Comunidades e aglomerações rurais Distrito População
Alto do rio Pandeiros Várzea Bonita – Sede
Picos
Santo Antônio
Grotinha
Campo Grande I
Campo Grande II
Boi
Globo
Café do Ponto
Grupo Escolar de Cajueiro
Várzea Bonita 2874
Médio do rio Pandeiros Pandeiros Pandeiros 1642
Baixo do rio Pandeiros Campos
Remansinho
Casa Armada
Poções
Poçãozinho
Mucambinho
Poções
Taboquinha
Pandeiros 1516
TOTAL 6.032
Fonte: Sales,2003, In: GEO, 2006.
A ocupação humana da bacia acompanhou a história da região Norte de Minas
Gerais, iniciando-se ainda no período pré-histórico e posteriormente com comunidades
indígenas. Aspectos culturais sobreviveram ao longo dos séculos, como a prática da
queimada, o desmatamento da vegetação ciliar e o dreno das veredas para o plantio.
Essas práticas, associadas às características de relevo e solo acarretam o assoreamento, a
redução do volume hídrico, a erosão do solo, dentre outros, configurando como
problemas ambientais graves a serem superados.
A bacia apresenta características especiais que determinam a sua relevância
ambiental, turística e sócio-econômica. Entre os espaços com potencial turístico,
destacam-se os balneários do Pandeiros e do Catolé, além das veredas. De acordo com o
IEF (2006), a bacia do Pandeiros enfrenta vários problemas que persistem mesmo após
a implantação da APA e definição do Refúgio de Vida Silvestre, sendo eles a caça e a
pesca predatória, a ocupação desordenada das margens do rio por atividades
agropecuárias, a degradação das matas ciliares e de topo. Nesse mesmo material
fornecido pelo IEF, destaca-se a produção de carvão de eucalipto como “bastante
significante sendo a maior da região” (IEF, 2006, p.1), com referência à produção da
Plantar SA que está desativada desde 2007, sem a renovação do plantio.
137
138
5.2- Ocupação anterior à implantação da APA Estadual do Rio Pandeiros
5.2.1- As conexões no espaço geográfico
A superfície terrestre, campo de estudo por excelência da Geografia, é o local
onde ocorrem os fenômenos decorrentes do contato entre as massas sólidas, líquidas e
dos gases que formam o planeta. A forma como ocorre essa combinação no passado e
no presente, molda a paisagem e permite a ação dos seres vivos, inclusive do homem.
Conhecer essas relações e sua história torna o espaço inteligível, considerando uma
sucessão de fatos que pertencem a um espaço geográfico.
A Geografia possui um campo próprio, que permite interpretar os fatos e os
espaços sob sua ótica. Existem várias possibilidades de interpretar a APA Estadual do
Rio Pandeiros, mas para a presente pesquisa, optou-se por uma ótica que permite
compreender a realidade através da interação de objetos e ações, percebendo os
elementos que diferenciam os espaços e os homens dentro de cada espaço, sob a forma
de atores participantes do processo de construção desse mesmo espaço.
O espaço em que se insere o rio Pandeiros é passível de várias conexões
envolvendo o social, o político, o econômico e o ambiental, porém para a presente
pesquisa algumas foram priorizadas como a relação entre o homem e natureza enquanto
provedora das necessidades diversas, como alimento e renda, a relação entre o Estado
gestor e os moradores de uma Unidade de Conservação e a relação entre as políticas
públicas e a produção de carvão. Essas conexões consideram as relações enquanto
geradoras de conflito no interior de um espaço, traduzindo, dessa forma, sua construção.
Proteção do meio ambiente e produção econômica através do trabalho humano
estão unidas no espaço da APA Estadual do Rio Pandeiros. A necessidade de considerar
a unidade implica num rigor sobre as formulações que buscam compreender o
relacionamento entre seus integrantes, sendo intermediadas também pelas ordenações da
sociedade.
A construção do espaço ocorre ao longo de um tempo que apresenta diferentes
relações entre o homem e a natureza. Essa diferenciação apontou para a necessidade de
cortes temporais na análise dos conflitos existentes na APA Estadual do Rio Pandeiros,
apontando para a inseparabilidade das dimensões tempo e espaço. Para Moreira (2006,
p. 73), a natureza possui uma face múltipla onde participam o movimento físico, o
biológico e o humano, e “a natureza é antes de tudo história”. A abordagem geográfica
139
tem como ponto central a síntese dos movimentos que levam essa natureza a se unificar
e diversificar ao mesmo tempo. Dessa forma, os caminhos conduzem para algo além das
incompatibilidades e distinções entre as partes, mas leva as suas conexões. O que muda
são as conexões priorizadas nas análises, definidas de acordo com os objetivos da
pesquisa, buscando contribuir para as fundações em que se tenta edificar o
conhecimento.
Ao longo dos últimos séculos o espaço atual da APA Estadual do Rio Pandeiros
foi construído em seus aspectos sociais, políticos e econômicos. Nas últimas décadas
acrescentou-se a esse espaço a conservação ambiental, agregando novo item aos
conflitos ali presentes. De acordo com a FGV (1986), a disputa por poder e recursos
(naturais ou humanos) caracteriza o conflito, que implica na existência de interações
entre homens e, no caso específico desta pesquisa, essas interações são mediadas pelo
uso dos recursos naturais disponíveis na região, mas que, de acordo com a legislação
vigente, devem ser conservados.
5.2.2 – O contexto regional
A construção do espaço regional do norte de Minas Gerais é pensada, nessa
pesquisa, em dois momentos marcados pelo papel do Estado. O primeiro, denominado
Sertão Mineiro tem como principais características a relação do homem com uma
paisagem pouco modificada, de proximidade com o Cerrado e pela ausência do Estado
no cotidiano desses moradores. O segundo momento, considerado enquanto Região
Administrativa, é caracterizado por uma ação intensa do Estado no que se refere à
implementação de políticas públicas a partir das décadas de 1960/70.
A história do Norte de Minas Gerais está relacionada à do Nordeste açucareiro.
No início a região foi considerada parte das Dioceses de Pernambuco e da Bahia. A
região do Pandeiros, pertencia à de Pernambuco que abrangia toda a margem esquerda
do rio São Francisco. Porém a ocupação da terra ocorreu a partir da expansão da
pecuária, nos séculos XVI e XVII.
Januária é um dos municípios mais antigos da região, tendo sua ocupação ligada
aos caminhos de busca de riquezas minerais e mão-de-obra escrava, de origem indígena,
principalmente os Xakriabás. As condições de clima e solo propiciaram a implantação
140
da pecuária e da lavoura de subsistência por toda a região, servindo de suporte de
alimentos para a região mineradora. A agricultura praticada ocupava as áreas de veredas
ou buritizais, fornecendo alimentos para as cidades mineiras mais próximas, localizadas
na Serra do Espinhaço, como Grão Mogol, Salinas, Diamantina, Felisberto Caldeira,
Itamarandiba e Capelinha.
As fazendas de pecuária instaladas ao longo dos rios foram entremeadas com
pequenas aglomerações de pessoas, originando os povoamentos que sobrevivem ao
tempo.
A crise da mineração abalou a economia da região, mas o colapso não se
concretizou totalmente, pois já havia uma população residente (AUGUSTO, 1988).
As culturas daquele tempo (séculos XVI e XVII) também sobrevivem até hoje, como o
milho, feijão, mandioca e cana-de-açúcar, sendo esse último produto destinado
principalmente à produção de aguardente. Januária é uma das cidades com maior
produção de aguardente do estado de Minas Gerais, tradição que sobrevive até os dias
atuais.
As relações entre os moradores da região ampliaram-se a partir do momento em
que os povoamentos e os cercamentos para bois cresceram, reduzindo a disponibilidade
de terras novas e livres. A solução foi estabelecer laços de uso das terras. Restou, então,
tornar parceiro em “terras alheias”. Nascem, assim, as relações de dependência e
subordinação aos donos da terra. Dependência que vai transformar o parceiro e sua
família, antigos trabalhadores livres, em trabalhadores cativos. Cativos não por
dependência econômica àquele que é dono da terra e pode assim, cede-la ou não à meia,
mas também pela dependência afetiva e ideológica construída a partir de pequenos
favores que o ‘senhor’ pode prestar à sua condição cada vez mais miserável
transportar o filho doente; emprestar dinheiro para pagar uma dívida; arrumar uma bolsa
de estudos ou emprego para o filho, etc. O ‘senhor’ passa então, de patrão a padrinho do
filho e portanto “cumpadre”; de explorador e dominador a benfeitor (AUGUSTO, 1988,
p. 4).
Essas relações sobreviveram por séculos, definindo a política e a economia da
região Norte de Minas. Os senhores tornaram-se políticos com povoados inteiros sob
seu mando, em um fenômeno social conhecido como coronelismo. Essa herança ainda é
lembrada nos nomes das ruas e praças das cidades.
141
5.2.3- O Sertão Mineiro – a primeira herança
As modelagens e remodelagens que ocorreram na superfície terrestre através do
tempo formaram a paisagem que ficou como herança para os humanos (AB’SABER,
2003). Essa herança foi recebida pelos primeiro ocupantes do norte de Minas Gerais,
sendo, neste trabalho, denominada como paisagens do Sertão Mineiro, significando um
mosaico composto pela vegetação, hidrografia, relevo, elementos influenciados pelo
clima e pelas características do solo na região norte de Minas Gerais. Esse mosaico é
composto, também, por seres humanos, marcados por uma história construída através
dos séculos. A paisagem não é, dessa forma, algo estático, mas modificou-se com o
tempo: o tempo da natureza e o tempo do homem, isto é, a dinâmica da paisagem reage
ante a ação natural e à interferência antrópica.
O Cerrado foi formado ao longo de milhões de anos, compondo a base material
para o aparecimento do tempo do homem. Esse homem buscou adaptar-se às condições
naturais do cerrado, estabeleceu uma cultura e aprendeu a usar a natureza a seu favor. A
ausência do Estado e o isolamento em relação às áreas mais desenvolvidas de Minas
Gerais e do Brasil, imputaram uma situação específica de mando e relações entre os
habitantes, de construção de uma justiça e de leis próprias no uso do espaço e
apropriação dos recursos naturais.
O Sertão foi, assim, construído ao longo de séculos, mas é importante definir o
que é chamado de Sertão Mineiro nesta pesquisa. É o espaço construído e vivido em um
determinado momento da história de Minas Gerais. Muito do que se tem, hoje, sobre o
Sertão Mineiro foi resgatado através da história oral, enquanto pedaços integrantes de
um contexto, cenas colhidas em momentos, em instantes. Para Starling (1998), essa
história oral é objeto de construção que se faz a partir de um conjunto de imagens, de
fragmentos que são originários dos sonhos, dos devaneios, das fantasmagorias, são
partes dos desejos de seres humanos concretos e singulares, deixando com isso,
expressar a vida de uma época.
Um olhar lançado na direção do tempo, em permanente deslocamento, do
presente para o passado, da fugacidade do evento para sua transformação em
memória, do anonimato de uma vida privada para a redescoberta do brilho
antigo que vem do mundo dos homens. Algo assim como um esforço
deliberado no sentido de descamar a memória, recriando suas redes
significantes, uma espécie de ‘lembrar-se contra’ a literatura do passado e o
142
automatismo das concepções hegemônicas do tempo, identificadas com o
movimento contínuo, repetitivo e vazio do progresso ao contrário, são
recordações que deslizam, aos pedaços, feito pele esfolada, na direção
inversa à do calendário e ao revés da História (STARLING, 1998, p. 39-40).
A fala do Riobaldo, no romance Grande Sertão Veredas (ROSA, 2001, p.462),
contribui para a compreensão do que é o Sertão: “...era beleza e amor, com inteiro
respeito, e mais o realce de alguma coisa que o entender da gente por si não alcança”
(STARLING, 1998, p. 40). Essa imagem do Sertão foi construída em uma base
material, ou natural, e com a influência dos homens que ali habitaram.
Em uma pesquisa realizada na região do Cerrado Mineiro, Ribeiro (2006)
verificou que o conceito de Sertão formado pelos moradores é sempre indicativo de um
lugar distante, onde não é habitado, significando um outro lugar que não é o que os seus
entrevistados da pesquisa habitavam, pois se é um lugar deserto, não pode ser onde ele
habita e, resumindo, o Sertão é “onde a sociedade humana ainda não venceu o mundo
natural” (RIBEIRO, 2006, p.282).
Ao longo da história de ocupação do Cerrado, as atividades introduzidas
promoveram diferentes relações com o meio ambiente, alterando as paisagens de acordo
com os recursos explorados e suas finalidades, em momentos em que a população teve
papel essencial, expresso nas relações com o espaço de vivência e no acúmulo de
conhecimentos.
Se os moradores deste domínio morfoclimático contribuíram com a introdução
de atividades que marcaram a história de sua exploração, desde o século XVIII até a
atualidade, também se valeram de todo o patrimônio cultural acumulado pelos grupos
humanos que os antecederam na convivência com o Cerrado, introduzindo suas
próprias contribuições. Essa cultura e essa sociedade, formadas com a participação
indígena, européia e africana, se tornam particulares e diferentes das surgidas em outros
ambientes geográficos que tiveram as mesmas contribuições. Tal cultura e sociedade se
identificam sob a denominação de Sertão Mineiro (RIBEIRO, 2006, p.283), facultando-
lhe singularidade.
Os currais de gado na região norte ou nos Gerais como era conhecida nos
séculos XVII e XVIII, foram formados para fornecimento de alimentos para a região
aurífera das Minas. Esses currais marcaram um momento em que houve uma ligação
comercial entre as regiões do estado, mas que, com o fim do período da mineração, a
região Norte foi relegada ao esquecimento (NOU e COSTA, 1994), com poucos
143
investimentos tanto públicos quanto privados. Os investimentos foram retomados com
mais intensidade apenas dois séculos mais tarde, com os projetos de reflorestamento e
irrigação, como o Projeto Jaíba, por exemplo.
As mudanças na paisagem foram percebidas pela população, que expressam o
modo de vida anterior a esses projetos e os danos ambientais que ocorreram após a
implantação dos reflorestamentos e as carvoarias na região.
O primeiro a ter ações para acabar com a água foi o governo, com as grandes
empresas, grandes firmas. Desmataram, somente uma firma, 16.000 ha,
cortando a maior parte de pequizeiro. A área era usada pela comunidade para
coleta do pequi e para criar animais. No local existiam 7 lagoas que secaram.
As pessoas que vivem por tiram água de poço artesiano. Isso ocorreu em
1975. Hoje o desmate acaba com a natureza. Agora estamos nós pagando o
pato pelo que eles fizeram. (Oswaldino, líder comunitário da Larga,
entrevista realizada em 11.01.2008).
O espaço enquanto herança é formado, assim, por uma paisagem, que chegou até
as décadas de 1960/70, período intermediário da análise. De lugar deserto, de sertão,
transformou-se em espaço de possibilidade de desenvolvimento, de área a ser ocupada e
com possibilidade de altos rendimentos econômicos, através da expansão do capitalismo
agrícola, da pecuária, de grandes projetos e dos reflorestamentos.
5.2.4- A herança natural do Sertão
A formação das paisagens que compõem a região iniciou-se mais de 450
M.a., com constantes adaptações de plantas e animais. A movimentação dos
continentes, com a separação da África e da América do Sul, contribui para a paisagem,
com a formação do cráton do rio São Francisco.
Nas proximidades do rio São Francisco a área é formada por uma topografia
mais suave, aumentando em direção oeste, quando a formação calcária do Grupo
Bambuí cede lugar aos arenitos que formam as chapadas, onde se encontra parte
considerável da bacia hidrográfica do rio Pandeiros. Ocorre o predomínio da formação
sedimentar do Grupo Bambuí, com numerosas ocorrências de Pb, Zn, Ag e fluorita, do
tipo Mississipi Valley (MVT), distribuídas na margem esquerda do rio São Francisco,
na região de Januária-Itacarambi-Montalvânia (PEDROSA-SOARES et al.., 1994).
144
Integrante do Planalto Central, com chapadões revestidos por cerrados e
recortado por florestas de galerias (Ab Saber, 2003), grande parte da região encontra-se
na faixa de transição entre os domínios morfoclimáticos do Cerrado e da Caatinga.
Segundo a classificação de Ross (2006), a área é dominada por superfícies aplainadas,
vales rasos e morros residuais isolados que formam a Depressão sertaneja e do São
Francisco.
Esse espaço, atualmente, apresenta uma conformação resultante da combinação
dos fatores naturais e técnico-científicos, influenciados por questões políticas e
econômicas “que se associam aos diferentes momentos da história econômica brasileira,
em programas, projetos e planos dos governos federal e estaduais [...] que visa ao
desenvolvimento econômico, sem preocupação maior com o social e o ambiental”
(ROSS, 2006, p. 64). Porém, cabe ressaltar que a existência de áreas de conservação,
como a própria área desta pesquisa, demonstra que a preocupação com as questões
ambientais encontra-se presente.
Nessa combinação o solo integra enquanto um dos fatores ecológicos,
juntamente com o clima e a biota. Para Resende et al. (1999, p.4), “a disponibilidade de
água, nutrientes e ar nos solos varia bastante, condicionando uma produtividade
diferente das culturas, quando os outros fatores são considerados constantes”. A relação
solo/produtividade de culturas influencia nos aspectos sócio-econômicos de uma região,
ficando o solo como um dos elementos definidores da atividade agrícola a ser
implementada, seja por meio de políticas públicas ou pela iniciativa privada.
Na parte norte do estado de Minas Gerais, os solos, em sua maior parte, são
formados por textura arenosa, decorrente da Série Bambuí. São de baixa fertilidade e
recobertos, em partes por gramíneas e em outras por cerrados, onde se encontra maior
riqueza de elementos minerais. De acordo com o IBGE (2008), no Norte de Minas
predominam os solos: Neossolos Quartzarênicos, Cambissolos Háplicos, Neossolos
Flúvicos e Latossolos Vermelho-Amarelo.
Os solos, neste ambiente deixado como herança, contribuíram para a definição,
por grupos humanos, do uso e ocupação dos espaços, podendo ser um fator limitante,
em caso das atividades agropecuárias.
Nos locais onde se encontram rochas pobres em minerais ferromagnesianos,
como granitos, gnaisses, quartzitos, xistos, ardósias e arenitos, os solos apresentam
baixa fertilidade. Os solos originários de rochas areníticas e quartzíticas são, na maioria
das vezes, pobres em macro e micronutrientes e matéria orgânica, com porosidade e de
145
estrutura solta. Essas características finais lhes conferem suscetibilidade à erosão hídrica
e eólica. Essas áreas são, geralmente, destituídas de vegetação (REATTO, et al., 1998).
Outro tipo de solo com poucos nutrientes são os originários de crostas ferruginosas que,
quando misturadas com material quartzítico, formam solos areno-argilosos dominantes
em grande parte do Cerrado.
As rochas calcárias são pouco resistentes ao intemperismo, mas permitem que
elementos trocáveis, como cálcio e magnésio permaneçam no solo. Para Reatto et.al
(1998), outras características do ambiente devem ser observadas quando se determina a
fertilidade do solo, pois
a simples presença de calcário não significa que todos os solos que o
contenha são férteis. Os mais jovens, encontrados em relevos mais
acidentados, normalmente são muito ricos em bases (cálcio e magnésio). Os
solos mais antigos, que ocupam posições mais aplainadas da paisagem,
normalmente são de fertilidade baixa, pois são solos muito intemperizados,
profundos, e dessa forma o cálcio e o magnésio saíram do sistema. Neste
último caso a vegetação encontrada geralmente é de Cerrado (RATTO et al..,
1998, p. 49).
A diversidade dos solos e da vegetação representa igual diversidade de
ambientes. A maior parte do Cerrado é dominada por latossolos, mas que inclui vários
outros tipos que garantem uma diversidade de espécies vegetais, desde o estrato
graminoso até o arbóreo
A caatinga arbórea, existente em parte do Norte de Minas Gerais, predomina nas
áreas calcárias e, onde os solos apresentam maior fertilidade, desenvolve-se uma
caatinga com aspecto de mata. Os aspectos de caatinga ali encontrados representam um
espaço de transição entre a formação desta e do Cerrado. Nas áreas dos chapadões,
encontram-se formações de cerrado e cerradão.
A composição vegetacional predominante, o Cerrado, ocupava 57% da área total
do Estado. Essa vegetação, característica da porção central do Brasil, teve sua
configuração atual definida durante o Quaternário, que após as transformações dos
períodos anteriores, quando mesclava-se com a Caatinga, Mata de Araucária, Florestas
Temperadas Frias e de Altitude, espalhou-se por todo o estado, chegando ao domínio
atual (SALGADO-LABORIAU, 2004).
Na última glaciação, com final aproximadamente 12.000 anos, as florestas
secas, incluindo o Cerrado se retraíram cedendo lugar para as florestas úmidas. Essas
etapas de formação resultaram na configuração que existe hoje e que ficou como
146
herança para os futuros moradores humanos da região, como bem definiu Ab’Saber
(2003), sendo um espaço formado por processos antigos e remodelados recentemente
pelos processo exógenos.
Segundo dados do IEF (2008), em 2005, cerca de 33,8% do território do estado
mantinham cobertura vegetal nativa. Esse percentual está dividido entre os principais
biomas e suas principais tipologias (QUADRO 7).
QUADRO 7
Cobertura vegetal nativa em Minas Gerais – 2005
Bioma Tipologia Vegetação nativa (%)
Cerrado Campo 6,60
Campo Cerrado 2,56
Cerrado Stricto Sensu 9,48
Cerradão 0,61
Veredas 0,69
Mata Atlântica Campo Rupestre 1,05
Floresta Estacional Semidecidual 8,90
Floresta Ombrófila 0,38
Caatinga Floresta Estacional Decidual 3,48
Fonte: IEF, 2008
Segundo Drummond et al. (2005), as políticas de incentivos para o
reflorestamento, a partir da década de 1970, afetaram de forma expressiva a vegetação
nativa de Minas Gerais, que possui uma diversidade dividida em três grandes biomas
(FIG. 18). Mesmo com o aperfeiçoamento da legislação ambiental, a recuperação das
áreas é lenta, restando ilhas isoladas de vegetação nativa remanescente, que devem ser
preservadas.
As áreas residuais de cerrado em Minas Gerais correspondem a 19,94%, dos
57% originais. O processo de ocupação do Cerrado seja em momentos pré-coloniais ou
de ocupação pelos currais ou ainda, em momentos mais recentes, pelos programas e
projetos governamentais, já consumiu com 2/3 da vegetação nativa.
O Cerrado teve sua formação definida, além dos solos, pelo clima, uma vez que
sua localização geográfica condiciona esse bioma aos fatores climáticos como
temperatura, pluviosidade e umidade relativa. A existência de estações definidas, com
verões chuvosos e invernos secos, caracteriza a área do Cerrado, com precipitação
média de 1500 mm, variando entre 750 a 2000 mm, com temperatura média no mês
mais frio superior a 18° C (RIBEIRO e WALTER, 1998).
147
As características climáticas da região Norte de Minas, especificamente na área
da pesquisa, aproximam-se do semi-árido, pois se encontra na faixa de transição. A área
apresenta uma estação seca bem definida entre 4 e 7 meses ao ano e chuvas
concentradas nos meses do verão, outubro a março. Essas características apontam a
existência de limitações para algumas culturas agrícolas, que dependem de uma maior
quantidade de água para cultivo, fato que contribui para a definição dos cultivos pelos
produtores.
FIGURA 18: Biomas de Minas Gerais
Fonte: Drummond et al.., 2005.
O quadro ecológico que compõe o Cerrado em Minas completa-se com uma rede
hidrográfica composta por rios perenes e intermitentes, tendo como eixo principal o rio
São Francisco, que atravessa a região. Assim, como lembra Ab’Saber (2003, p.119)
“coexiste uma perenidade geral para drenagem dos cerrados, com um efeito descontínuo
de intermitência sazonal para os caminhos d’água nos canais de escoamento das
pequenas sub-bacias”.
A área em que está inserida a APA Estadual do Rio Pandeiros pertence ao semi-
árido mineiro, com características pedológicas, climáticas e hidrológicas que formam a
base material para a ação humana de ocupação do espaço. No que se refere à existência
148
de vários afluentes intermitentes na bacia do São Francisco, o rio Pandeiros tem
importante papel, uma vez que tem a perenidade como uma das suas características,
além de ser um dos berçários dessa importante bacia nacional.
5.2.5- O humano na formação do Sertão
Conhecer o ser humano que habita o sertão leva a algumas questões: Quem é o
habitante do sertão? Quem são essas pessoas que foram desconsideradas, muitas vezes,
na implantação de políticas públicas direcionadas para um mercado externo? Quem é o
sertanejo que viu sua vida mudar, passou de coletor e vida próxima ao Cerrado a um
produtor de carvão, preso a um sistema que compreendia apenas como uma única forma
de sobrevivência? Quem são essas pessoas que, agora, encontram-se limitadas pelas leis
ambientais em uma APA? A formação desse morador tem suas origens vários
séculos e foi marcada pela ocorrência de processos, que trouxeram e levaram homens
com os mais variados interesses.
A história da região em que está localizada a APA Estadual do Rio Pandeiros,
foi marcada pela ocupação de vaqueiros, fazendeiros, coronéis e outros que formaram o
povo do Sertão. Mas é importante considerar que ali sempre existiu a comunidade da
etnia Xakriabá, que sobreviveu a todas essas alterações paisagísticas e culturais,
encontrando-se atualmente, com descendentes distribuídos por toda a região.
Reconhecidos pela FUNAI nos anos 1970, os Xakriabás tiveram suas terras
demarcadas somente no final dos anos 80, após uma série de conflitos com fazendeiros
e políticos locais. Essa etnia constitui o maior grupo indígena de Minas Gerais, e tem a
reserva localizada no município de São João das Missões, na microrregião de Januária.
Segundo Campos (2006) definir dados históricos para a população Xakriabá é tarefa
difícil, pois muitos não se declaravam índios até poucas décadas atrás. Os dados oficiais
do IBGE apontam para um crescimento expressivo, em momento da aceitação enquanto
indígenas (QUADRO 8).
149
QUADRO 8
População declarada como indígena
na microrregião de Januária
ANO TOTAL DE DECLARANTES XAKRIABÁ
1991 173
2000 4.992
Fonte: Campos, 2006, p.4.
Correspondendo a 40,2% da população de São João das Missões, essa
comunidade vive em precárias condições de vida, principalmente sanitárias e
educacionais, ainda que tenha apresentado melhores indicadores nos últimos
levantamentos. O trabalho na roça, com o uso de técnicas tradicionais, é a principal
atividade, ocupando a maior parte dos homens e mulheres.
A pressão sobre essa comunidade nativa remonta aos primeiros séculos da
colonização do Brasil, quando da chegada dos colonizadores a Região do rio São
Francisco, especificamente no norte de Minas Gerais. O primeiro contato com os índios
da região ocorreu no século XVI, momento em que as primeiras expedições de
portugueses penetraram na região em busca de metais e mão-de-obra escrava indígena
(SANTOS, 1994).
Somente no século XVII aparecem as primeiras notícias específicas dos
Xakriabás, com a implantação da pecuária. O processo de combate e dominação desse
povo foi sob o comando do bandeirante paulista Matias Cardoso de Almeida, então
convocado pelo Governador da Província a debelar os índios refugiados ao longo do rio
São Francisco. Os dominados transformaram-se em mão-de-obra escrava na abertura de
fazendas e fundação do arraial de Nossa Senhora da Conceição de Morrinhos, atual
cidade de Matias Cardoso, ficando dispersos pela região.
Atualmente, com uma agricultura deficiente, com pouca produção de excedente,
muitos indígenas deixam a área, em busca de emprego e aumento da renda familiar,
dirigindo-se para regiões distantes, como Ribeirão Preto, em São Paulo, onde trabalham
nas usinas de açúcar e álcool (SANTOS, 1994).
Segundo Ribeiro (2006), as comunidades Xakriabás que sobreviveram são
semelhantes a outras do Norte de Minas. Tal fato é conseqüência de três séculos de
contato e convivência com os colonizadores e seus sucessores. Esse povo passou por
momentos de perseguições, humilhações e violências, mas ainda conservam uma
consciência de sua identidade étnica, em forma de uma “identidade secreta” que se
150
esconde sobre as aparências exteriores. Nos últimos tempos essa comunidade tem
assumido essa identidade como parte de sua cultura.
O índio, como o sertanejo, busca identidade e sobrevivência no Sertão. Outros
moradores não possuem origem indígena, mas ali chegaram através de ocupações, seja
pelo caminho do rio São Francisco, seja por outras vias. As características naturais, as
dificuldades de cultivo, o direcionamento das atividades para uma pecuária, com a
formação dos currais, contribuíram para a formação do sertanejo, denominação indicada
para os moradores da região. Cabe ressaltar que outra denominação para essas pessoas,
os geraizeiros, refere-se aos moradores dos Gerais (FIG. 19), isto é, da parte do estado
que não tinha sua economia voltada para a mineração, isto é a porção Minas.
FIGURA 19 – Moradores da área da pesquisa.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
Um dos mineiros que melhor conseguiu personificar o morador e a singularidade
do norte de Minas Gerais foi o escritor João Guimarães Rosa. Em suas obras é possível
perceber o cuidado em descrever a geografia local, os hábitos, a política e demais
elementos que vão caracterizar o Sertão Mineiro, principalmente o homem. Para ele, o
Sertão é algo com difícil localização: “O Sertão está em toda parte [...] Sertão está no
meio de nós”- pensamento expresso através das palavras de Riobaldo, personagem do
Grande Sertão Veredas /GSV.
O Sertão, com suas variadas paisagens (matas, rios, veredas, serras), mistura-se a
personagens, moradores constantes, que vão sendo desenhados e definidos em
Guimarães Rosa. Essas personagens movimentam-se junto com o universo do Sertão,
num dinamismo próprio e em relações próximas à natureza. Em suas discussões,
Starling (1998) fala das configurações da vida, referindo-se à importância das imagens
151
como traço definidor da historiografia e que servem como recurso de acesso a história
individual e coletiva de uma época.
O homem aparece como primordial na formação do imaginário rosiano, que
como outros autores da literatura brasileira, caminham dentro de uma vocação
ecológica, numa comunhão entre a literatura e a natureza, retratando uma das
características do Sertão: o seu povo. A proximidade com a natureza é expressa nos
nomes e apelidos recebidos por essas personagens, com os ligados a água e ao ar -“E,
daí, não sei bem, eu estava recebendo socorro de outros o Jacaré, Pacamã-de-Presas,
João Curiol e o Acauã - eles que molhavam minhas faces e minha boca, lambi a água”
(ROSA, 2001, p. 612). Para Starling (1998), essas personagens aparecem como
materiais de representação de uma época, que fazem parte de um cenário.
A vereda também se tornou elemento identificador de personagens. Diadorim foi
associada ao buriti por Riobaldo no romance GSV
pelas lágrimas fortes que esquentavam meu rosto e salgavam minha boca,
mas que frias rolavam. Diadorim, Diadorim, oh, ah, meus buritizais
levados de verdes...Buriti, do ouro da flor...E subiram as escadas com ele, em
cima da mesa foi posto. Diadorim, Diadorim será que a mereci por
metade? Com meus molhados olhos não olhei bem como que garças
voavam [...] (ROSA, 2001, p. 614).
O ouro, simbolizado pelo fruto do buriti, fazia parte da personagem e, na vida de
Riobaldo, a vereda representava o sagrado, o sossego, a paz e a alegria. Representações
tão intensas que Diadorim é enterrada numa vereda, sabendo que “na água reside a vida,
o vigor e a eternidade” (SOBRINHO, 2003, p. 134).
Para Guimarães Rosa a vereda é o oasis do Sertão; local onde encontra-se água,
fertilidade, animais, enfim, encontra-se beleza. O seu fascínio por essa paisagem ficou
expressa em uma de suas cartas
Mas, por entre as chapadas, separando-as (ou, às vezes, mesmo no algo, em
depressões no meio das chapadas) as veredas. São vales de chão argiloso
ou turfo-argiloso, onde aflora a água absorvida. Nas veredas sempre o
buriti. De longe a gente avista os buritis e sabe: se encontra água. A
vereda é um oásis. Em relação às chapadas, elas são, as veredas, de belo
verde-claro, aprazível, macio. O capim é verdinho-claro, bom. As veredas
são férteis. Cheias de animais, de pássaros [...] veredas grandes e
pequenas, compridas ou largas. Veredas com uma lagoa; com um brejo ou
pântano; com pântanos de onde se formam e vão escoando e crescendo as
nascentes dos rios; com brejo grande, sujo, emaranhado de matagal
(marimbu); com córrego, ribeirão ou riacho [...] Nas veredas às vezes
grandes matas, comuns. Mas, o centro, o íntimo vivinho e colorido da vereda,
152
é sempre ornado de buritis, buritiranas, sassafrás e pindaíbas, à beira da água.
As veredas são sempre belas (SOBRINHO, 2003, p. 24).
A paisagem do Sertão marca a vida do morador, que busca em seus elementos
uma identificação com seus sentimentos, sua vida, seu mundo. É assim com o rio São
Francisco, apontado como o eixo do Sertão e uma realidade travestida de magia e
significados. Mesmo “calado”, marca a vida das pessoas, “nossa casa, no tempo, ainda
era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande,
fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira” (ROSA,
2005, p.77). O rio, caminho e vida, também expressa o desejo de misturar-se à
eternidade, a um rio que não pára, que guia os moradores para outros lugares, numa
mescla entre o homem e natureza.
No conto “A terceira margem do rio”, as águas levam para a outra vida, de
forma harmoniosa e silenciosa, no momento em que a personagem faz a opção por esse
tipo de relação: “mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim e me
depositem também numa canoinha de nada, nessa água, que não pára, de longas beiras:
e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro o rio” (ROSA, 2005, p. 82). O rio é, também,
a ligação entre o homem do sertão e o desconhecido, com o que está além da vida.
A obra de Guimarães Rosa usa a natureza de forma bem ordenada, sem um
predomínio do homem sobre a natureza, quando este não tem a intenção de subjugá-la.
O que ocorre é um entrelaçamento entre as necessidades humanas e as necessidades da
natureza, numa rede em que o sujeito e o objeto, o homem e a natureza jamais se
separam (SOBRINHO, 2003). Assim a natureza aparece enquanto algo sem fronteira e,
como essa natureza, “o Sertão está em toda parte” nas palavras de Riobaldo. O Sertão
está dentro de cada morador, numa ligação do morador do Sertão com o grande rio, com
a vereda, com a fauna, de onde tudo vem e para onde tudo retorna (SOBRINHO, 2003).
Essa forte ligação com a natureza é fruto, em parte do isolamento presente nas
comunidades da região, quando o significado do termo Sertão é mais expressivo,
significando lugar desertado. Mas cabe ressaltar que essa característica imputou à região
a especificidade que a diferenciou das demais áreas do estado de Minas Gerais. Numa
paisagem marcada pela carência de recursos, os elementos da natureza são nomeados
com expressões que buscam, de certa forma, amenizar a realidade ou enfocar a
proximidade do homem com a natureza, numa relação afetiva, como Serra das
Maravilhas, Serra dos Alegres, como os locais de referência de Riobaldo, no
“sertãozinho de minha terra” (SOBRINHO, 2003, p. 69).
153
A literatura retratou-se não apenas os costumes e a vida, mas as ações de suas
personagens demonstram aspectos políticos do Sertão. O Sertão aparece como espaço
aberto, com fronteiras amplas e móveis, definidas e redefinidas de acordo com o
caminhar dos jagunços, nos momentos em que percorrem propriedades privadas e terras
devolutas, traduzidas como “terras de ninguém”, por Roncari (2004). Ali os interesses
públicos e privados se misturam nas lutas travadas pelos grupos, em momentos
históricos onde o tempo era marcado com pessoas “ocupadas muito mais com o amor
do que com a produção de mercadorias e o acúmulo de bens [...] um tempo heróico que
findava [...] se integraria também à corrente do tempo, deixando de ser ilha”
(RONCARI, 2004, p. 155), apontando esse autor para as mudanças por que passaria o
Sertão, em momento posterior ao descrito por Rosa.
Na obra literária de Rosa é possível perceber uma interação entre o universo do
Sertão com outro mais urbano. Este é o caso do julgamento da personagem Bebelo,
com a montagem de um tribunal; um acontecimento que fugia “ao campo da aventura e
se tornava uma realização da vontade humana, que contrariava o costume e a
determinação do espaço guerreiro, o sertão” (RONCARI, 2004, p. 262). Esse
acontecimento demonstra uma situação de Estado ausente, onde o Sertão constrói seus
próprios caminhos, mesmo que buscando referências nas características de instituições
tipicamente civis e urbanas, como forma de superar soluções violentas e agressivas da
vida dos jagunços.
Acontecimentos como estes retratados na literatura, demonstram um embate
entre a barbárie e a civilização, num Sertão onde, pela sua estrutura, visto como mundo
rústico, aponta para uma situação onde as instituições modernas têm dificuldades em ser
incorporadas. A visão sobre o Sertão como lugar da barbárie persiste até o momento dos
discursos oficiais do período militar, onde intencionava-se levar o progresso e o
desenvolvimento para o local do vazio demográfico e econômico.
O julgamento demonstra, dessa forma, um dos conflitos do Sertão, isto é, entre
as forças locais e as legais, entre o poder privado e o poder público, quando “tudo se
passa então como se os homens estivessem mais cumprindo do que escolhendo os seus
destinos” (RONCARI, 2004, p. 263). Essa situação pode ser associada a um Sertão que
não permite muita escolha, a não ser cumprir o destino, muitas vezes definido fora de
seus limites e por instituições que não o conhecem. Essa passagem do romance pode
demonstrar, na interpretação de Roncari (2004), uma situação em que uma instituição
moderna incorpora o costume enquanto “leis não escritas”, e vice-versa, em vez de
154
combatê-lo para erradicá-lo e substituí-lo por uma ordem artificial vinda de fora. Como
definiu Anastásia (1998), a história do Sertão foi construída em sua economia e
sociedade com um Estado ausente e um poder apenas nominal das autoridades.
Os primeiro moradores do Sertão são aqui representados pelos Xakriabás que
séculos vivem na região de Januária. A união matrimonial com moradores que não
pertencem a esta etnia processou a mescla destes com os demais moradores do Sertão.
Em sua maioria praticam uma agricultura sem técnicas apropriadas às condições
naturais da região e, por isso, com baixa produção não permitindo a venda do
excedente. Essa realidade tem levado esses moradores a buscar melhores de condições
em outras regiões do estado ou do país ou, em alguns casos, a se tornarem empregados
nas fazendas ou carvoarias da região.
As condições naturais não foram atraentes por vários séculos, sendo a região
descoberta como possibilidade econômica apenas nas últimas décadas do século XX.
Com isso o Estado se fez ausente, com baixos investimentos em infra-estrutura e
desenvolvimento regional. Segundo depoimento do morador mais antigo de Várzea
Bonita, comunidade localizada na bacia do rio Pandeiros, o isolamento da região foi
quebrado com os plantios de eucalipto.
Está para 40 anos que apareceu o primeiro carro aqui. Só depois. Começaram
a plantar o eucalipto em 1970. Antes precisava comprar o querosene e o
sal. Levavam a farinha, o feijão, o que fosse e comprava o querosene e o sal
(Sr. Erondino – 78 anos. Entrevista realizada em: 25 jul.2007).
Percebe-se, também, que o isolamento era agravado pela falta de energia
elétrica, pois precisavam comprar querosene, usado como energia para iluminação. O
Sertão iniciava uma nova fase, onde o interesse do capital se sobrepôs ao do morador.
Chegou o momento em que o Sertão conheceu o progresso e o desenvolvimento.
5.2.6 - A Região Administrativa do Norte de Minas – a segunda herança
Gonçalves (199?) refere-se à região do Norte de Minas como um espaço que foi
geográfica e historicamente formado no contexto colonial e ecológico. O clima semi-
árido e tropical, aliado a um relevo em que os contrafortes ocidentais da Chapada
Diamantina e da Serra do Espinhaço conferiram à região formas acidentadas. Essas
155
características ecológicas não tornaram a região atraente para o cultivo da cana, fazendo
com que o Norte de Minas passasse por um longo período em que o Estado se fez
ausente sem implementar políticas de desenvolvimento social e econômica capazes de
transformar o quadro ali presente. Tempo e espaço formaram a região em questão, com
uma complexidade de relações entre seus elementos e atores, que a tornaram singular
frente a outras regiões do estado.
Nessa perspectiva, Lefebvre (1999) aborda o complexo como um processo que
atinge o tempo e o espaço. A complexificação do espaço e dos objetos que o ocupam
não ocorre sem uma complexificação do tempo e das atividades desenvolvidas nesse
espaço. Presenciou-se na região a passagem de um modo de produção familiar e de
pequenas áreas agrícolas para o agronegócio, com a implantação da monocultura e
novas relações de produção, numa rede intrincada e de interações que se afirmaram,
interferindo na ocupação desse espaço. O modo de vida sertanejo, com sua organização
social construída nos séculos passados é desconsiderada. Vontades e estratégias alheias
a essa região são impostas pelo Estado e pela sociedade de consumo presente em outras
regiões, não apenas de Minas Gerais, mas do Brasil e do mundo. Esse processo leva a
definição de áreas periféricas não apenas nas escalas regionais, como nas globais.
Nesse sentido, a região Norte de Minas Gerais foi vista, ao longo de sua história
como a periferia em relação às demais regiões administrativas do estado e centros de
decisão de estratégias políticas e econômicas. As novas demandas criadas pelo
capitalismo para a reafirmação da sociedade de consumo, ocorrem em um centro de
poder que define as estratégias que irão atingir outras regiões e, para tal, utiliza de um
Estado organizado. A dominação entre regiões se fortalece através de um lugar
central, “de modo que sua dominação se exerce sobre o conjunto do território nacional,
que se transforma em simicolônia” (LEFEBVRE, 1999, p. 155). Porém, Lefebvre
destaca que a teoria da complexificação anuncia a mudança, com a valorização do
desenvolvimento frente ao crescimento, pois acredita que este último não pode
prosseguir indefinidamente.
A periferização do Norte de Minas estava presente no século XVIII, momento
em que o Sertão se transformou na periferia da região mineradora. Como região
produtora de alimentos, tornou-se a periferia pela dependência econômica da região
central, que tinha na extração do ouro sua principal atividade. No tempo das viagens dos
naturalistas luso-brasileiros e estrangeiros se percebia os potenciais do Sertão
Mineiro, porém sua exploração dependia de fixar a população e mudar as atividades por
156
ela desenvolvidas. Outra preocupação era fazer a ligação dessa região com o litoral,
através de estradas, ferrovias e pela navegação dos rios, estabelecendo o comércio com
o exterior. Essas ações iriam “civilizar” a periferia.
À medida que se integra, o Sertão se pretende menos sertanejo e, como os
recursos naturais do Cerrado se mostraram pouco atrativos, o melhor era ali implantar
os produtos consagrados no mercado. A vegetação tem que ser devastada para não
dar abrigo a criminosos e feras, servindo de combustível para abastecer as caldeiras e
carvoeiras do progresso, abrindo espaço para lavouras e pastagens, contribuindo para
alimentar as cidades que crescem dentro e fora da região.
Até a década de 1960/70 essa idéia de Sertão como periferia ainda persistiu, mas
mesmo como periferia, essa região possuía uma dinâmica própria. No passado, e ainda
hoje, os conflitos envolvendo os recursos naturais marcaram a história da ocupação do
Cerrado. Diferentes grupos humanos se concentraram sobre alguns deles e sobre os
ambientes nos quais eram encontrados, como é o caso da madeira para produção do
carvão.
Assim, ao longo do século XX as comunidades tradicionais tiveram redução nas
áreas de uso comum (caça e coleta de frutos), ocasionadas pela apropriação privada ou
pela imposição de novas condições de uso pelas políticas públicas. Os moradores locais
tiveram que limitar sua criação e área de coleta aos poucos espaços que sobraram. Essa
situação se agravou após 1970, com a implantação de projetos de desenvolvimento
baseados nas florestas homogêneas de eucalipto.
Falar da política de reflorestamento requer usar o conceito de região, enquanto
espaço delimitado pelo Estado para a implantação de suas políticas nesse momento
histórico.
De acordo com Corrêa (2001), o conceito de região para a Geografia, está
envolto num pluralismo conceitual desde os anos 1970, quando deixou de ser visto
apenas como região-paisagem. Nessa perspectiva, o termo região é usado para designar
um espaço da superfície terrestre que se diferencia dos demais por alguma
particularidade. A região vista pela sua particularidade é resultado de processos
universais que assumiram especificidades que foram herdadas, como no caso do Sertão
Mineiro, e ancoradas no espaço, com coesão regional da economia e concentrando
espacialmente elementos comuns.
Paralelamente a essa concentração, ocorre a difusão dos elementos dessa
diferenciação, que ultrapassam os limites espaciais impostos por barreiras naturais ou
157
sociais. No caso da região dessa pesquisa, significa a contribuição do Sertão Mineiro
para o processo global, com a exportação do carvão e da energia humana pelo trabalho
nas carvoarias.
A hegemonia do capital industrial, no período pós Guerra, promoveu
modificações nas paisagens da superfície terrestre, com papel imprescindível do Estado,
que foi o mediador entre o capital e a nova organização espacial. A crise que sucedeu,
após a década de 1970 precisou, ainda, de uma forte intervenção estatal na economia,
em um momento de reestruturação do sistema capitalista mundial, com novas ações e
definindo, no caso de Minas Gerais, a execução de políticas públicas direcionadas a
cada região. No momento foram consideradas as possíveis contribuições de cada uma
para o desenvolvimento e o progresso, dentro de uma idéia capitalista e de crescimento
econômico. A siderurgia e a agricultura são destacadas como atividades potenciais para
Minas Gerais, necessitando de programas que proporcionassem o crescimento dessas
duas vertentes econômicas.
O processo de globalização teve acentuado crescimento nesse período,
decorrente das inovações da ciência, da técnica e da informação (SANTOS, 2002),
marcando o espaço, com a mudança do nível do processo de acumulação do capital. A
expansão efetiva da demanda por produtos industriais, a busca de novos produtos, a
mobilidade geográfica e internacionalização dos processos econômicos são efeitos dessa
transformação. Corrêa (2001) lembra que nesse contexto histórico ocorre o debate sobre
a natureza da região, quando o capitalismo está, simultaneamente, unificado e
fragmentado dentro de uma economia mundial.
Cada região do globo que se configurou nesse processo não é mais autônoma,
mas depende, em menor ou maior grau, de processos gerais e universais. A
fragmentação do espaço em regiões exprime a divisão territorial do trabalho que se
caracteriza pela especialização produtiva das regiões, além das características culturais,
sociais e políticas.
A região Norte de Minas, que possui as características do Sertão, inseriu-se no
mercado internacional através da produção do carvão e da produção agrícola para
exportação (projetos de irrigação como o Jaíba e o Gurutuba). Articula-se com esse
mundo exterior através dos fluxos materiais (produtos) e imateriais (cultura e energia)
que percorrem a superfície terrestre. Integra-se aos diversos pontos, através da
exportação do ferro-gusa, um dos principais produtos de exportação de Minas e
essencial para a economia do estado.
158
Dados da Fundação João Pinheiro (2007) confirmam a importância do setor
siderúrgico para o estado, com a segunda maior receita, perdendo apenas para o
segmento dos minérios (TAB. 3). No período janeiro-julho de 2007 foi registrado um
superávit na balança comercial de Minas Gerais, influenciando a participação do estado
no saldo comercial brasileiro, que passou de 23,4% para 28%. Mesmo considerando que
ocorreu uma queda no superávit brasileiro no mesmo período, o estado de Minas Gerais
ampliou sua participação. O estudo destacou as dez maiores empresas exportadoras de
Minas e, entre elas, seis estão ligadas ao setor siderúrgico.
A região Norte de Minas contribui para esse montante com o carvão vegetal,
porém, sua participação na exportação é bastante inferior ao da região Central, destino
do carvão (TAB. 4).
Para atingir esse volume de exportação foram necessários investimentos e
direcionamentos de políticas no início dos anos 1960, marcando um novo momento
econômico, social e político em Minas Gerais e no Brasil.
O Cerrado não define mais esse período que se inicia, mas a ausência dele,
quando é apontado como vegetação que deve ser suprimida, cedendo espaço para o
desenvolvimento e o progresso. O modo de vida sertanejo foi se extinguindo ao poucos
diante da investida do capitalismo e do Estado brasileiro no Sertão Mineiro.
TABELA 3
Exportações segundo principais segmentos exportadores
Minas Gerais - Janeiro-Julho:2006-2007
Segmento
Volume exportado (Quantidade) Valor da receita (US$
mil)
2007
(Ton.)
2006
(Ton.)
Crescimento
(%)
Participação
(%)
2007 2006
2007
(US$ mil)
2006
(US$ mil)
Carnes 148.574 128.579 15,6 0,2 0,2 328.280 240.667
Café 630.722 534.859 17,9 0,7 0,7 1.413.075 1.090.619
Alimentar 140.209 144.129 -2,7 0,2 0,2 91.622 81.609
Achocolatados 677.683 640.485 5,8 0,8 0,8 194.961 209.842
Minérios e produtos
minerais 78.855.292 69.319.079 13,8 91,8 90,1 2.659.474 2.009.686
Pord. Químicos 173.614 191.939 -9,5 0,2 0,2 234.187 201.677
Papel-celulose 565.410 525.129 7,7 0,7 0,7 288.054 242.087
Obras de pedra e gesso 256.293 220.026 16,5 0,3 0,3 102.607 80.540
Siderúrgico 3.513.632 3.903.905 -10,0 4,1 5,1 2.575.235 2.178.335
Fonte: Fundação João Pinheiro – Centro de Estatística e Informações
Nota: Adaptação da tabela original, com seleção dos segmentos que exportaram acima de 100 mil
toneladas.
159
TABELA 4
Estimativas de exportação, segundo Regiões de Planejamento
Minas Gerais - 2006-2007
Região
US$
Participação (%)
2007 2006 2007 2006
Central 4.528.835.254 3.759.537.949 53,3 54,0
Centro-Oeste de Minas 342.831.731 325.830.388 4,0 4,7
Rio Doce 1.148.421.500 1.017.133.449 13,5 14,6
Alto Paranaíba 531.354.876 345.842.523 6,2 5,0
Triângulo Mineiro 478.289.990 420.387.476 5,6 6,0
Sul de Minas 827.920.174 542.922.095 9,7 7,8
Zona da Mata 336.603.684 311.129.255 4,0 4,5
Noroeste 83.009.175 84.178.540 1,0 1,2
Norte de Minas e Jequitinhonha 225.053.811 152.585.080 2,6 2,2
Fonte: Fundação João Pinheiro – Centro de Estatística e Informações
Nota: Estimativas elaboradas pela FJP com base nos dados das maiores empresas exportadoras do estado.
A formação florestal do Cerrado contribuiu para definir os olhares sobre a
paisagem. Para os moradores era vista como local de referência cultural e, para o Estado
era vista como espaço, um local com vegetação sem valor e um vazio demográfico. A
agricultura de subsistência, a pobreza e carência de toda espécie, permitiu a definição de
uma imagem por parte dos gestores públicos, que viria a complementar e justificar as
alterações expressivas que marcaram o segundo período: áreas improdutivas, um povo
ordeiro, que estava ansioso por uma nova fase de desenvolvimento econômico,
conforme os discursos oficiais, um “novo patamar do desenvolvimento [...] com o
aproveitamento racional de áreas outrora improdutivas, quando não de baixa renda [...]
um povo generoso, ordeiro, com aspirações e trabalhador” (IEF, 1975, p. 48).
Segundo Bethonico (2002) o discurso proferido pelo Estado estava envolto em
promessas de melhoria das condições de vida e da infra-estrutura, porém a realidade
demonstra impactos ambientais e sociais que prende cada vez mais a população à
produção do carvão vegetal.
As políticas implementadas nesse espaço refletem o fato dele não se “constituir
para o imaginário da sociedade mineira como partícipe de sua formação inicial e que
não tem poder simbólico neste mesmo imaginário” (UNIMONTES, 2006). O
esquecimento por parte dos administradores políticos, influenciou no parco
desenvolvimento regional, agora impulsionado pelas novas políticas.
Um novo olhar foi lançado sobre a área. As ações do Estado estavam
direcionadas para as regiões, algumas para as mesorregiões e outras, mais específicas,
para as microrregiões.
160
5.2.6.1- Organização político-administrativa e a ocupação do vazio em Minas
Gerais
O estado de Minas Gerais é muito amplo, ocupando uma área de 588.384 km,
dividida entre 853 municípios. Apresenta grande diversidade com elevado nível de
desigualdade social e econômica entre seus municípios, refletindo dinâmicas
diferenciadas na configuração do espaço.
O estado está dividido em 12 mesorregiões
30
(FIG. 20) que são subdivididas em
66 microrregiões. Essa divisão contemplou aspectos geográficos que conferem a cada
unidade uma identidade própria, considerando os limites municipais e condicionantes
naturais, como bacias hidrográficas, como é o caso do Vale do Mucuri ou Vale do Rio
Doce.
FIGURA 20 – Mesorregiões geográficas de Minas Gerais
Fonte: GEOMINAS. Disponível em: <http://www.geominas.mg.gov.br/>.
Acesso em: 01 jun. 2008.
A mesorregião do Norte de Minas Gerais é formada por 89 municípios,
distribuídos em 7 microrregiões: Bocaiúva, Grão Mogol, Janaúba, Januária, Pirapora,
Salinas e Montes Claros, sendo esta última composta pela cidade do mesmo nome e
30
As mesorregiões e as microrregiões foram estabelecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística/IBGE, através da Resolução PR-11, de de janeiro de 1990. As mesorregiões de Minas
Gerais são: Campo das Vertentes, Central Mineira, Jequitinhonha, Metropolitana de Belo Horizonte,
Noroeste de Minas, Norte de Minas, Oeste d Minas, Sul/Sudeste de Minas, Triângulo Mineiro/Alto
Paranaíba, Vale do Mucuri, Vale do Rio Doce e Zona da Mata (CARNEIRO e FONTES, 2005).
161
centro econômico regional. A bacia hidrográfica do rio Pandeiros está localizada na
microrregião Januária (FIG. 21).
FIGURA 21 – Microrregiões geográficas de Minas Gerais
Fonte: GEOMINAS. Disponível em: <http://www.geominas.mg.gov.br/>.
Acesso em: 01 jun. 2008.
De acordo com Drummond et al.. (2005), Minas Gerais representa a terceira
força econômica do Brasil, com um PIB de aproximadamente 108,5 bilhões (dados de
2000), divididos entre a agropecuária (8,6%), o setor de serviços (48,6%) e pela
indústria (42,8%). Destaca-se na exportação do café, do aço e do ferro gusa, dentre
outros produtos.
Toda importância no cenário econômico nacional iniciou sua construção nas
décadas de 1960 e 70, período marcado pela intervenção estatal. No início desse período
as imagens e paisagens da região Norte de Minas se misturam no espaço e no tempo.
Segundo Starling (1998), existe o tempo do Sertão, quando os jagunços
tornaram-se imagens associadas a essa paisagem, tempo esse que não foi observado
durante a implantação das políticas de crescimento econômico. Para a autora, a
sociedade que se formou ficou arraigada em um imobilismo com organizações
personalistas
capazes de agrupar e arregimentar a população rural, compondo uma
estrutura de ordem privada que absorve parte das funções do Estado e faz da
justiça simples instrumento de poder pessoal. É, também, o desenho de um
mundo arcaico, de solo cultural rico, de linguagem épica e de quadro de
valores fortemente entranhado no estereótipo de seus moradores vitalidade,
bravura, fraternidade, imaginação, por exemplo; um mundo onde o real e o
162
Januária
sobrenatural coexitem e onde são difusas as fronteiras que separam o santo
do bandido ou o louco do herói mas, do qual se acredita ser absolutamente
imprescindível escapar, caso se deseje compor a paisagem esplendida da
Nação moderna (STARLING, 1998, p.43-44).
Essa é a imagem política do Sertão que não combina com o ideal da
modernidade e do progresso, como enfatizava os discursos políticos com a visão do
Estado.
Ribeiro (2006) destaca na década de 70, a implantação dos chamados Programas
de Desenvolvimento Agrícola do Cerrado foram enfocados nas regiões do Triângulo e
Noroeste Mineiro, mas espalharam-se para outras regiões, inclusive a de Januária. Esses
programas são traduzidos como tentativas de crescimento econômico e
desenvolvimento, dentro do ideal do progresso. A abordagem desse ponto torna-se
relevante uma vez que influenciaram diretamente as populações locais, trazendo para a
região novas técnicas e modos de produção, além de relações trabalhistas e com
interferência expressiva no meio natural. Assim, o Cerrado, que antes era usado como
pastagem natural, passa a ter uso agrícola. O Sertão recebe um novo olhar e um novo
padrão de utilização.
A principal transformação ambiental trazida pelos Programas de
Desenvolvimento Agrícola do Cerrado é a introdução de um conjunto de
inovações tecnológicas capazes de permitir a substituição do cultivo em
ambientes florestais pelo plantio de lavouras em áreas de formação savânicas
[...] Nos últimos 30 anos, houve uma inversão de valores e os ambientes de
mata perderam a hegemonia como espaço agrícola por excelência,
inferiorizando-se frente ao que antes, muitas vezes, não era nem considerado
na negociação de terras [...] a possibilidade de mecanizar todo o preparo da
terra e as etapas posteriores de cultivo é apontada como uma das principais
razões para a troca da ‘terra de cultura’ pelo cerrado, permitindo, assim, a
substituição do arado de tração animal por aquele puxado por um trator
(RIBEIRO, 2006, p. 222).
A década de 1930 marca, no Brasil, o início da passagem da sociedade agrária
para a urbano-industrial. Três décadas mais tarde a renda do setor da agricultura é
superada pela industrial que se torna o novo foco do desenvolvimento. Surgem novas
forças sociais e a reformulação do aparelho estatal, que incluiu a regulamentação do
trabalho. O Estado passou a fazer o papel de mediador dos conflitos trabalhistas.
O urbano se industrializava, mas parte do Brasil permanecia pobre. As
desigualdades regionais afloravam. Andrade (2002) lembra que os governos militares
concentraram suas preocupações nas realizações materiais, sem a atenção necessária ao
social. O Brasil “grande potência” e “País do futuro”, como foi denominado na época,
163
precisava ser formado e a siderurgia mineira fez parte desse plano. O Estado teve papel
fundamental nesse processo como participante ativo e intencional, quando suas políticas
contribuíram para proporcionar a acumulação do capital nas mãos de uma determinada
classe social.
Plantar eucalipto, árvore de crescimento tão rápido quanto tinha que ser o
crescimento econômico e o progresso do Brasil, produziu carvão e fomentou a
siderurgia, como base para a indústria que crescia. Essas foram as contribuições de
Minas para esse “País do futuro”.
As mudanças se processaram em várias regiões do estado, que receberam os
reflorestamentos através do Programa Distritos Florestais. Novas técnicas de cultivo
foram implantadas, podendo ser expressas pelo uso de tratores, fato que facilitou a
preparação da terra e permitiu a derrubada mais rápida da vegetação e ampliação da área
cultivada (TAB. 5 e 6).
Essas facilidades ampliaram a apropriação do mundo natural, porém não resolvia
o problema da fertilidade do solo, que no caso da área do Cerrado, apresenta baixa
fertilidade. A ciência passou a ter um papel importante, com o desenvolvimento de
elementos para correção do solo e desenvolvimento de espécies mais adaptadas às
condições ambientais do Cerrado. A isso se chamou de Revolução Verde e, na região do
Norte de Minas
tinham possibilitado o uso de todo pacote tecnológico da chamada
‘Revolução Verde’, favorecendo também a integração da ‘nova’ agricultura
do Cerrado aos complexos agroindustriais, tanto em relação à demanda por
fertilizantes, agrotóxicos, máquinas e equipamentos, como no que se refere à
padronização e qualidade exigidas pelas indústrias processadoras de produtos
e matérias primas agrícolas (RIBEIRO, 2006, p. 224).
TABELA 5
Utilização das terras em Minas Gerais
1970/2006
Dados estruturais 1970 1975 1980 1985 1995 2006
Estabelecimentos 453.682 462.902 478.947 549.635 496.258 550.529
Lavouras (ha) 3.542.477 3.980.821 4.773.356 5.340.110 4.172.135 6.911.206
Pastagens (ha) 29.716.588 31.931.282 29.608.796 28.924.183 25.348.603 20.555.061
Pessoal ocupado 1.979.847 2.189.945 2.284.550 2.660.130 2.000.046 1.860.797
Tratores 10.187 22.685 49.428 60.421 89.667 89.789
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário
164
TABELA 6
Agricultura em Minas Gerais
1970/1995
Dados estruturais 1970 1975 1980 1985 1995
Menos de 10 ha 124.298 129.826 137.804 183.099 169.638
10 a menos de 100 ha 245.881 244.428 252.353 276.812 246.286
De 100 a menos de 1000 ha 78.666 83.196 83.357 84.497 75.805
1000 ha e mais 4.837 5.452 5.433 5.227 4.529
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário
A vegetação natural do Cerrado insistiu em reocupar os locais apropriados pela
agricultura mecanizada, principalmente a monocultura, através de insetos, como a
formiga, da rebrota de algumas espécies vegetais, que vieram mais tarde a contribuir
com a regeneração natural das áreas abandonadas. Nesse momento o uso de produtos
químicos foi intensificado, em nome da modernização. Ribeiro (2006) destaca que antes
desse momento, os moradores do Sertão Mineiro faziam uso de alguns produtos
químicos no combate de insetos, porém a grande mudança foi a intensificação do uso
desses produtos, incentivada pelos programas públicos.
Se entre as populações tradicionais tornou-se prática corrente o uso de
agrotóxicos, maior ainda foi o seu emprego entre os beneficiários dos
Programas de Desenvolvimento Agrícola do Cerrado. Esse fato não impediu
o surgimento de novas ‘pragas’, como o ‘besourinho’, que vem atacando as
lavouras de feijão das áreas investigadas nas regiões Noroeste e Triângulo
Mineiro. [...] relacionaram o seu aparecimento justamente à implantação de
grandes áreas de soja do PRODECER I, em municípios vizinhos [...] outros
relacionam o fato com a formação de grandes áreas de pastagem com
braquiária, ou todo um conjunto de impactos ambientais associados à
chamada modernização da agricultura no Cerrado (RIBEIRO, 2006, p. 227).
Nesse contexto o Estado tornou-se o ator forte, o coordenador das estratégias
políticas e econômicas, capazes de impor a alguns setores mais pobres da população um
tipo de modernização adotado por uma classe dominante. Minas tinha uma tradição
agrícola, na região específica era basicamente de subsistência, mas precisava
desenvolver sua indústria. Assim, concentrou esforços na siderurgia, dentre outros
segmentos industriais, mas não excluiu totalmente a agricultura. Projetos de
reflorestamentos para o carvão e celulose são implantados paralelamente aos programas
agrícolas.
Essas ações significaram não apenas as mudanças nos hábitos das populações
locais, mas a introdução de maquinário, produtos químicos e novos cultivos com novas
sementes. Os dados dos Censos Agropecuários de Minas Gerais apontam para as
transformações. Nas últimas três décadas Minas assistiu ao aumento do número de
165
estabelecimentos rurais com áreas abaixo de 1000 hectares (TAB. 6), juntamente com as
áreas destinadas à lavoura. Percebe-se que esse crescimento foi acompanhado pela
redução do pessoal ocupado e a elevação do total do uso de tratores (TAB. 5).
Em outra análise, Santos (2007) argumentou que a regulação do território
brasileiro, isto é, como será seu uso, não está mais nas mãos do Estado. Com a
entrada do capital estrangeiro, com as novas demandas do mercado interno e externo e
com a globalização, o território atende ao dinamismo das empresas, a lógicas
particulares, mas agora em escala global.
A área da APA Estadual do Rio Pandeiros acompanhou essas transformações
quando da implantação dos reflorestamentos. Os moradores do Sertão, que viviam de
uma agricultura de subsistência, se depararam com uma nova realidade. As áreas do
Sertão de onde retiravam frutos, remédios, criavam o gado, foram classificadas como
vazio econômico e demográfico e, portanto, deveriam ser ocupadas em nome da
indústria. Diante da nova realidade e da possibilidade de receber um salário (antes
usavam as trocas de produtos), vários moradores passaram da condição de produtor para
empregado.
Quando começou o eucalipto, muita gente aqui da comunidade trabalhou,
porque muita gente que ia mexer com a roça, não ia mexer com a roça e ia
trabalhar nas carvoarias e nas firmas plantando eucalipto, depois foram fazer
o carvão. O caso da RIMA, em 1994/95, quando trabalhei como motorista de
caminhão, na época de queimar o carvão. As empresas acabaram tudo.
tem uns restos mas ninguém trabalha (Sr. Mário Silveira Viana, comunidade
de Várzea Bonita. Entrevista em: 25 jul.2007).
O morador mais antigo da comunidade de Várzea Bonita, confirma as mudanças
Quando veio a plantação de eucalipto, tinha aquela questão de secar, de que o
eucalipto chupa então é o eucalipto. O eucalipto não valeu nada porque ele
não produziu, ou porque teve falta de trato ou porque ele não adaptou com a
terra; mas na certa é que houve aquele desmate, aquele destocamento e hoje
sinto muita falta dela (da mata) (Sr. Erondino, Comunidade de Várzea
Bonita. Entrevista em: 25 jul. 07).
No Distrito do Pandeiros, as observações caminham no mesmo sentido
Era bastante diferente. O rio tinha mais água, não dava passagem para as
pessoas atravessarem a pé. Hoje em alguns lugares as pessoas atravessam a
qualquer momento (Sra. Geralda, Presidente da Associação Comunitária
Amigos do Distrito do Pandeiros. Entrevista em 28 jul.07).
166
A modernidade chegou ao Sertão também através de programas introduzidos
pela EMATER/MG, que forneciam sementes envoltas com a ciência e a tecnologia.
Além das novas relações de trabalho o cerrado teve que ser suprimido para dar lugar aos
novos cultivos, como o milho, a soja e o eucalipto.
Processou-se, então uma outra conseqüência: a redução da biodiversidade
agrícola. Segundo Ribeiro (2006), um exemplo é o milho híbrido que predominou nas
culturas, criando dependência dos agricultores com as empresas produtoras das
sementes, isto é, criou-se a necessidade de compras periódicas de sementes, pois o
antigo hábito de guardar as sementes de uma safra para outra não traz resultados com
essa variedade, que tem, a cada ano, sua produtividade reduzida. A dependência se
traduz também na aquisição de todo um “pacote da Revolução Verde”, incluindo, além
das sementes, adubos químicos e agrotóxicos que são produzidos pela mesma indústria
fornecedoras das sementes. Ribeiro (2006) aponta outros fatores que levaram a essas
mudanças na região do Sertão Mineiro
A adoção de sementes ‘de fora’ foi impulsionada, por um lado, pelos anos de
forte seca, quando havia, muitas vezes, plantios e perdas totais sucessivas e,
por outro, motivada por essas perdas, quando ocorria a distribuição de
sementes adquiridas por prefeituras, por órgãos públicos estaduais e federais
de apoio à agricultura (RIBEIRO, 2006, p.233).
Assim, a adoção dessas novidades formou um caminho de difícil retorno, pois
contribuíram para mudar a agricultura tradicional. O novo modelo acabou por tornar
inviáveis os cultivos tradicionais, dentro da agricultura mecanizada e capitalista. O
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Januária expressa sua preocupação através da
fala de seu presidente que sempre morou em Januária
Para os pobres, tinha melhores condições, porque o agricultor familiar
produzia e vendia os seus produtos. Tinham prazer de ficar na roça; se
plantavam mandioca tinha mercado para toda a farinha. Era fazer e
entregar. A diferença de hoje é que não tem mercado. O povo hoje está
muito mais capcioso. Mas se você for pensar na realidade, eles têm razão. Eu
mesmo tenho 8 ha de mandioca plantada faz quatro anos; e não compensa
arrancar para vender. Vender para quem? Vou fazer farinha, pagar pessoas
para fazer a farinha, despesas e depois, não tem comércio para vender. A
diferença do passado com hoje é o mercado que fazia com que o homem do
campo tinha prazer em trabalhar. Outro problema é a técnica de hoje.
Antigamente o agricultor consorciava a cultura e nunca perdia sua lavoura.
Plantava mandioca, mamona, feijão, algodão, fava. Se ele perdesse uma, ele
ganhava outra. Hoje não. As novas práticas de trabalho falam que tem que
plantar mandioca; se perder a mandioca perde tudo; se a mandioca não tiver
preço, perde tudo. Se vou plantar milho, é milho. Antes tinha comércio
para tudo o que plantava e hoje não temos As lavouras hoje ficaram com os
grandes produtores que passa primeiro por um processo da agroindústria e,
167
quando chega aqui nos supermercados, chega muito cara. Há trinta anos atrás
o modo de vida do pequeno produtor era muito melhor. Eu estou falando para
viver. É claro que melhorou. Melhorou a escola. Meus filhos tiveram escola.
Formei todo mundo (Sr. Afonso; Januária. Entrevista em: 26 jul. 2007).
5.2.6.2 - Programas e projetos para o Sertão Mineiro
Políticas públicas, com elaboração de projetos de desenvolvimento foram
implementadas na região que, até então, era considerada um vazio demográfico e de
terras improdutivas, porém longe do ideal de progresso do governo militar. Para
Gonçalves (199?, p. 7)
Os latifúndios, considerados improdutivos, tal como prescreve o Estatuto da
Terra de 1964, deveriam se modernizar, ou seja, se transformar em Empresas
Rurais, não importando que sobre a mesma estrutura de propriedade
concentrada da terra. Os incentivos governamentais sob a forma de isenção
fiscal ou de concessão de terras públicas, gerais, foram colocados à
disposição de empresários que abraçaram essa ideologia modernizadora.
Assim, se a riqueza e o poder eram concentrados em poucas mãos,
necessariamente mais concentrados se tornaram com a modernização,
exatamente por se aumentar a produtividade. Os Gerais, ou seja, as terras
públicas das chapadas dos sertões do norte de Minas, se tornaram
particulares, seja pelas mãos do Estado, através de contratos de concessão de
uso para as grandes plantações de eucaliptos, seja pela apropriação à mão
grande, na ponta do fuzil. Tudo isso articulado ao polo siderúrgico do
Quadrilátero Ferrífero, fornecendo carvão de ótima qualidade, vegetal, para
queimar nos alto-fornos e/ou nas indústrias de ferro-ligas de Sete Lagoas,
Capitão Eneas, Várzea da Palma, Pirapora, Ipatinga, Bocaiúva, Betim.
Para essa pesquisa serão considerados apenas os projetos governamentais ou que
o Estado participa que estão relacionados à produção de carvão e plantio de eucalipto,
uma vez que a APA Estadual do Rio Pandeiros é responsabilidade do Estado, recebeu
reflorestamento e ainda possui o carvoejamento como uma de suas atividades
econômicas. Esses programas e projetos são oriundos de políticas públicas e, cabe nesse
momento, resgatar o conceito: por política pública entende-se ações que os governos
decidem realizar, de forma planejada e que visam atingir uma finalidade. A
implementação de uma política pública remete à idéia de planejamento e ações
coordenadas, executadas por organismos governamentais, dentro das responsabilidades
do Estado. Ocorre que nem sempre os organismos envolvidos conseguem uma
168
articulação, dificultando a obtenção do resultado, que deve ser eficiente e corresponder
aos investimentos a ele direcionados.
A união da herança cultural com a herança ecológica, que formou o Sertão
Mineiro foi interrompida nos anos de 1960 pela ação do Estado, com a incorporação da
região ao capitalismo nacional, configurando uma mudança vinda do alto e não da
população local. Para Augusto (1998), os marginalizados políticos continuaram alijados
da participação e, a partir desse momento, foram submetidos à exploração e imposição
de relações de mercado capitalista e do modelo empresarial coordenado pelo Estado.
Assim, um novo território foi formado. A primeira grande mudança foi a
incorporação da região ao Nordeste brasileiro, através da SUDENE, quando 42
municípios passam a fazer parte do Polígono das Secas, em 1965. A semelhança com o
Nordeste não é apenas climática, mas social, econômica e histórica. Ocorre uma
mudança na base da agricultura local, que deixa de ser de subsistência, com a
introdução do trabalho assalariado e novas relações sociais de produção, com a
desarticulação do comércio regional, assim “as pessoas despojadas de seus meios de
sobrevivência e obrigadas a vender sua força de trabalho, são reabsorvidas na economia
rural sob condições as mais desvantajosas (bóias-frias, trabalhadores temporários)”
(AUGUSTO, 1988, p.5). Surgiram, nesse contexto, as carvoarias e os reflorestamentos.
Cabe ressaltar que muitas dessas pessoas foram guiadas pela possibilidade de receber
um salário capaz de ser trocado por bens de consumo, como eletrodomésticos, roupas,
etc.
O processo pelo qual passou o Norte de Minas Gerais acarretou mudanças
também na destruição da memória, apagando imagens tradicionais como o próprio
Sertão, o boiadeiro e paisagens associadas a personagens, como os de Guimarães Rosa.
Porém essa incorporação do capital não conseguiu retirar essa região da marginalidade
econômica e social.
A ação do governo é mais ampla e pretendeu alterar a economia de uma forma
geral, numa trajetória lógica que estava determinada a alterar o quadro regional de
atraso e tradicionalismo, segundo o olhar do Estado. Implantou-se um novo modelo
agrícola, que mudou a paisagem da região, mas não sua estrutura social. No caso dos
reflorestamentos, as modificações expressaram-se na ocupação de grandes extensões de
terras, em sua maioria públicas, com alterações na paisagem e a implantação de novas
relações de produção, introduzindo o trabalho assalariado (BETHONICO, 2002).
169
A intervenção do Estado ocorreu em duas frentes: os Projetos de
Desenvolvimento, com objetivos puramente econômicos, e os Projetos Especiais ou
Sociais, com objetivos políticos. Os Projetos de Desenvolvimento, entre os quais está
inserido o dos Distritos Florestais, seguiram três eixos:
a) a política agrícola oficial, implantada pela EMATER, pautou-se na
modernização agrícola e na mudança do caráter das propriedades rurais para
empresas rurais. Para a implantação utilizou de créditos e do
cooperativismo. O alvo foi composto por proprietários rurais que
possuíam algum capital acumulado e alguma capacidade gerencial;
b) os planos de desenvolvimento regional, implantados pelos órgãos
SUDENE, CODEVASF e RURALMINAS, utilizou dos incentivos fiscais e
financeiros
31
, defendendo a integração da região ao cenário nacional e a
redução das desigualdades regionais;
c) a política de incentivo ao reflorestamento - a implantação dos
reflorestamentos foi favorecida por uma seqüência de incentivos fiscais por
parte do governo federal e estadual, a partir dos anos 60, permitindo que
parte dos impostos devidos fosse investida na formação de florestas
homogêneas. Como vantagens para o investidor, destacam-se: a localização
relativamente próxima do pólo guseiro de Sete Lagoas e das grandes
siderúrgicas da região central de Minas Gerais, a existência de ligações
rodoviárias e ferroviárias, o relevo com conformação plana, o baixo preço
da terra e a mão-de-obra abundante e de baixo custo.
Como vantagem para o morador local, pouco se fala nos discursos oficiais, além
de participar do progresso e da modernidade, sabendo-se que essa participação estava
limitada ao fornecimento de sua força de trabalho.
Os reflorestamentos com eucalipto foram originários dos projetos da política de
incentivos fiscais da SUDENE. Cabe destacar que os projetos, entre os de
reflorestamentos e agropecuários, não conseguiram gerar um número significativo de
empregos ocasionando a perda líquida da população. O município de Januária, que
31
Os incentivos eram: isenção total do imposto de renda para empreendimentos industriais ou agrícolas
que se instalarem ou ampliarem sua atuação na área da SUDENE; dedução de até 50% do imposto de
renda para pessoas jurídicas que aplicarem em projetos no Nordeste; reinvestimento de 50% do imposto
sobre a renda para empresas industriais, agrícolas, pecuárias e de serviços básicos instaladas na região;
redução do imposto devido sobre a renda das pessoas físicas, até um montante de 42% sobre quantias que
aplicarem em empresas industriais ou agrícolas.
170
nesse momento tinha toda a bacia do rio Pandeiros em sua área, teve um crescimento
expressivo da população. Em 1970 apresentava população total de 59.501 habitantes e,
em 1980, essa população passou para 68.255 habitantes.
As demais cidades que participam, atualmente, da área da bacia também tiveram
sua população oscilando de acordo com os projetos governamentais, com uma queda
entre os anos de 1991 e 1996, momento em que as atividades nas reflorestadoras
começavam a terminar e os problemas na área rural agravaram-se (TAB. 7).
TABELA 7
Evolução da população dos municípios
da bacia hidrográfica do rio Pandeiros
Municípios 1991 1996 2000 2007
Bonito de Minas 8.365 7.346 7.863 8.544
Cônego Marinho 6.885 6.496 6.477 6.290
Januária 79.173 63.896 63.605 64.811
Fonte: Censos 1991; 2000.
Contagem Populacional 1996; 2007.
Nesse momento é a Plantar S.A., a Rima S.A. e Liasa, empresas que atuaram na
área do Pandeiros chegaram ao Norte de Minas Gerais, com seus plantios de eucalipto,
atualmente todos abandonados. A ampliação dos plantios florestais foi expressiva no
período entre 1970 e 1980, realizado através desses programas, com contratos de 21
anos para uso de terras devolutas. Na década de 1990 esses contratos terminaram, em
sua maioria, levando ao abandono de extensas áreas, inclusive na área de estudo, sendo
retomado na década de 2000 (TAB.8).
TABELA 8
Plantios florestais anuais para energia – MG
Ano Área (ha)
1967 2.786
1970 32.753
1975 114.590
1980 125.214
1985 77.716
1990 109.151
1995 21.611
2000 26.617
2004 96.580
Fonte: Anuários ABRACAVE/MAS
Disponível em:
< www.showsite.com.br/silviminas/html/Anexocampo/evcons.pdf>
171
Consulta em: 12 jul. 2008.
Paralelamente à implementação dessa política, presencia-se a estagnação da
agricultura local frente ao crescimento dos reflorestamentos. Conforme dados apontados
por Augusto (1988), a expansão da área cultivada na região entre 1975 e 1979 (algodão,
cana, feijão, milho, arroz, mandioca, alho, mamona, tomate, abacaxi) foi de
aproximadamente 0,02%, enquanto a expansão da área de reflorestamento na região
entre 1975 e 1982 foi de, aproximadamente, 900%. Em 1975, ano de execução do
Projeto Distritos Florestais, o Norte de Minas Gerais contava com 70.898 ha de
reflorestamentos e, menos de uma década mais tarde, em 1982, esse montante passou
para 727.127 ha. Desse total, aproximadamente 85% dos reflorestamentos foram
implantados com recursos públicos e incentivos fiscais.
O problema não ficou restrito apenas as alterações da paisagem do Sertão
Mineiro, mas as novas relações de trabalho acarretaram um quadro degradante da vida
humana nas carvoarias, tendo como ponto central a situação em que vivem os
trabalhadores no interior dos reflorestamentos (BETHONICO, 2002).
Com o objetivo de reduzir o problema criado com os projetos direcionados aos
grandes empreendimentos (agropecuários e reflorestamentos), no que se refere a um
grande número de pequenos produtores expropriados de suas terras e de seus hábitos, o
governo lança um programa: os Projetos Especiais ou Sociais, para atender aos
‘necessitados’, na década de 1970.
Aos ‘necessitados’ são oferecidos paleativos para minorar as conseqüências
desastrosas da modernização do campo. Provocam a miséria e dão esmolas.
Desta forma são projetos de efeito ideológico e de controle social. Têm duplo
objetivo, de um lado, amortizar as ameaças de convulsão social urbana e rural
e de outro para efeito demagógico sobre as pressões desta mesma população
sobre o Estado, aparentando responder suas reivindicações organizadas ou
não (AUGUSTO, 1988, p. 23).
De acordo com esse autor, é comum ouvir que o objetivo final desses projetos é
criar uma classe média rural. Porém acredita que esses projetos possuem efeitos mais
políticos que econômicos, pois o valor investido é insuficiente para reverter o quadro de
miséria e empobrecimento produzido pela ação do capital no campo, pela concentração
da terra e da renda na região. Os projetos são apenas pontuais, sem apresentar melhorias
significativas. Além disso, destaca que grande parte das verbas foram destinada a
manter os órgãos públicos nas cidades e vilarejos (estrutura, burocracia, etc.).
São exemplos desses projetos: Planoroeste II (Plano Integrado de
Desenvolvimento da Região Noroeste), o MG II (Programa Estadual de Promoção de
172
Pequenos Produtores Rurais de Minas Gerais), o PDRI Gurutuba (Programa de
Desenvolvimento rural Integrado do Vale do Gurutuba), o PDRI Jequitaí e Verde
Grande, o Nordestão PAPP (Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural), o
Projeto São Vicente, o PAOPP (Programa de Apoio às Organizações dos Pequenos
Produtores Rurais), dentre outros. O Planoroeste foi o que mais atingiu a microrregião
de Januária (AUGUSTO, 1988).
Na década seguinte as discussões são retomadas e os problemas que persistem
nessa região mineira são colocados na pauta dos discursos políticos. Discute-se que,
após duas décadas do início da implantação dos programas de desenvolvimento, a
situação de pobreza permanece.
O legislativo do estado de Minas Gerais tem promovido, nos últimos anos,
algumas discussões sobre desenvolvimento agrícola e da silvicultura na região do
Cerrado, com o objetivo de fornecer informações que sirvam como subsídio para
discussões e possibilitem a ampliação do debate dentro da sociedade (MINAS GERAIS,
2004b.). Em sua palestra, Alysson Paulineli, que participou como membro do governo
de Minas Gerais da implantação dos projetos, definiu de forma sucinta a visão sobre o
norte do estado, designando-a como “região inóspita” (MINAS GERAIS, 2004a.).
Segundo ele, o cerrado mineiro foi ocupado, na década de 1970, por agricultores da
região do Triângulo que “aceitaram o desafio inovador de realizar as profundas
mudanças”.
Os recursos financeiros para essa mudança foram oriundos de projetos, como o
Polocentro, que objetivava transformar cerca de 3.200.000 ha de Cerrado em sistemas
produtivos de grãos, florestas plantadas e pastagens, constituindo-se numa “verdadeira
revolução de criar-se uma nova agricultura, com novos conceitos, com novos
parâmetros, com novas responsabilidades”.
As políticas públicas voltadas para o pequeno produtor tinham como objetivo a
sua modernização, mas o resultado não foi o esperado. De acordo com Augusto (1988)
a médio prazo a região sofreu transformações no mundo rural e criou-se uma nova
mentalidade, onde a produtividade era enfatizada, com apóio técnico da EMATER, mas
nem todos os moradores conseguiram assimilar essas mudanças. Assim, os expulsos do
campo vão morar nas vilas que acabam por servir de moradia para a mão-de-obra para
produtores maiores e para as carvoarias
173
com a penetração do reflorestamento na região, esses pequenos centros e as
demais localidades (vilas e povoados) vêm funcionando como locais de
moradia de mão-de-obra, tendo se evadido do campo em função da
estagnação ou modernização que ali se verifica, passa a residir nesses
aglomerados. Constitui-se, assim, a reserva de força de trabalho à disposição
dos ‘gatos’, intermediários na alocação de mão-de-obra para as empresas
agropecuárias, principalmente reflorestadoras (AUGUSTO, 1988, p. 22).
É o caso da Vila Pandeiros e de outras comunidades existentes na APA Estadual
do Rio Pandeiros. Atualmente dos “chapas” residem nessas vilas e são chamados para
trabalhar no empacotamento e carregamento do carvão.
Quando começaram os plantios de eucalipto aqui: não me lembro do início.
Lembro que as pessoas que tinham carro em Pandeiros transportavam as
pessoas para os locais onde estavam fazendo os plantios de eucalipto. Muitas
pessoas trabalharam, inclusive mulheres. (Sra. Geralda Presidente da
Presidente da Associação Comunitária Amigos do Distrito do Pandeiros.
Entrevista em: 28 jul.2007).
Ainda tem muita gente trabalhando com o carvão. Somente de turmas para
carregar existem 4, ou seja, 20 pessoas somente do Pandeiros. Nas outras
localidade próximas tem mais 2 grupos. As carvoeiras chamam para trabalhar
e tem serviço para todo mundo (Denis chapa que reside na Vila Pandeiros.
Entrevista em: 25 jul.2007).
Movimentações políticas ocorreram nos últimos anos, levantando propostas para
a superação das questões referentes a área semi-árida de Minas Gerais. De acordo com
relatório da Assembléia Legislativa de Minas Gerais (ALMG, 1999), foi montada uma
comissão especial para o estudo da situação em que passa a região em decorrência da
seca prolongada dos anos anteriores. Segundo esse documento, as providências tomadas
pelos órgãos federais e estaduais não apresentaram resultados no combate aos efeitos da
estiagem, “gerando grande expectativa nas autoridades e desespero nos produtores
rurais” (ALMG, 1999, p.2). As propostas apresentadas por essa comissão envolveram
vários órgãos, das diferentes esferas do governo, com o intuito de combater não apenas
os problemas da estiagem, mas da inércia do poder público que implementou medidas
não eficientes.
De acordo com o documento, os problemas da região Norte de Minas Gerais são
de origem natural, como regime hídrico e fatores climáticos, mas são agravados por
intervenção humana inadequada e descontrolada. No momento da implantação do
Planoroeste 2, do qual estava inserida a área da presente pesquisa, era de
conhecimento que
no Norte de Minas, a cada período de dez anos, as culturas agrícolas têm sete
safras frustradas. Não é preciso ser economista ou cientista social para
174
perceber que tal indicador é incompatível com qualquer atividade produtiva
economicamente rentável. Ainda mais no meio rural, onde a notória ausência
de uma política agrícola adequada, por si só, é fator de desestabilização da
produção. As conseqüências desse quadro para o Norte de Minas e o vale do
Jequitinhonha são de todos conhecidas: êxodo rural, abandono das atividades
produtivas e estagnação econômica, criando a cada dia um fosso ainda maior
entre essas regiões e as de maior desenvolvimento em nosso Estado (ALMG,
1999, p.4).
Percebe-se que o próprio Estado tem consciência da ineficácia de suas políticas
de desenvolvimento, quando propõe ações emergenciais, que visam combater os efeitos
da seca de forma imediata (no ano de 1999), e ações permanentes, com objetivo de
preparar a região para o “convívio harmônico” com suas características climáticas. De
acordo com o documento, as propostas de ações foram retiradas de reuniões com
representantes de entidades e órgãos públicos federais e estaduais, de sindicatos
patronais e de trabalhadores, de colonos, de produtores agrícolas, de sem-terras, de
técnicos e de moradores da região do semi-árido, dos vales do São Francisco, Pardo,
Jequitinhonha e Mucuri.
As propostas apresentadas envolvem a reativação do programa de construção de
pequenas barragens, a redução de impostos, a liberação de licenças ambientais, a
continuidade do programa de frentes de trabalho, inclusive com o pagamento dos
salários em atraso desde o ano anterior (1998). Deverá estender os benefícios de
prorrogação prazos de financiamentos para outros municípios do Programa de
Agricultura Familiar PRONAF, a titularização de terras das áreas irrigadas pelos
projetos implementados, como o Jaíba, implementar infra-estrutura básica na região,
como tratamento de água, escolas, energia elétrica, etc. No âmbito ambiental, destaca a
necessidade de recuperação e conservação dos geoambientes, envolvendo órgãos como
IEF, EMATER e as prefeituras. Mas alerta que
uma ação permanente de combate aos efeitos das secas requer, por parte do
Estado, uma estrutura institucional peculiar, para que se atue de forma
harmônica e coordenada, evitando desperdício de tempo, de recursos
humanos e financeiros e a duplicação de esforços. Nas audiências públicas
realizadas na área mineira da SUDENE e nas reuniões em Belo Horizonte,
esta Comissão pôde constatar que inúmeras ações de combate aos efeitos da
seca foram realizadas de forma descoordenada e com grande desperdício de
recursos públicos. Em uma das visitas, verificamos a existência de um poço
tubular perfurado em local onde deveria existir o lago de um barramento
recém-construído. O mais grave é que nem a barragem nem o poço estão
funcionando (ALMG, 1999, p. 9).
175
A forma de adequação institucional foi com a proposta de um anteprojeto de lei
para a criação do Conselho Estadual de Combate aos Efeitos das Secas, para
acompanhamento dos programas direcionados a esse problema em Minas Gerais.
Independente de sua implementação ou não, o documento da Assembléia Legislativa
aponta para o fato de que a região permanece em situação precária. Além disso,
percebe-se a dificuldade do Estado em implementar ações que atuem de forma efetiva
na melhoria das condições de vida dos agricultores e moradores rurais dessa região,
uma vez que muitas das propostas são, na verdade, a confirmação de ações que
deveriam estar implementadas. No caso da microrregião de Januária, os depoimentos
confirmam que a situação persiste, mesmo uma década depois, servindo de justificativa
para a produção do carvão vegetal de forma clandestina.
O objetivo do pessoal de fazer carvão é a sobrevivência. Mas ao mesmo
tempo que ajudava prejudicava o meio ambiente. Hoje praticamente 90% das
pessoas que faziam carvão desistiram (Sr. Oswaldino Comunidade da
Larga. Entrevista em: 11 jan.2008)
A maioria planta uma rocinha, arroz, feijão, mandioca, cria um gadinho;
consomem uma parte e vende outra para comprar um açúcar, um óleo que
não produzem aqui. Vão no comércio e trocam mercadoria (Sr. Mário
Silvério Viana Vereador e líder comunitário do Distrito de Várzea Bonita.
Entrevista em: 25 jul. 2007).
Desde o início da década de 2000 está se discutindo o “apagão florestal” (O
ESTADO DE SÃO PAULO, 2004), significando a falta de matéria-prima para as
indústrias que dependem da madeira em seu processo. Segundo a reportagem, o
principal responsável por essa situação é a política que encerrou os incentivos fiscais
para as empresas reflorestadoras, acarretando um decréscimo no plantio. Minas Gerais
está no centro dessa discussão por ser o estado com maior produção e consumo desse
produto, principalmente o carvão para a siderurgia.
A reação do governo foi a implementação de novos programas, além de outros
que ainda estão em andamento, visando atender tanto ao pequeno produtor e o setor
siderúrgico na forma de reflorestamentos.
Na década de 1990 o IEF implementou o Programa Fazendeiro Florestal, com o
objetivo de produzir eucalipto através de pequenos e médios produtores rurais, com o
uso de incentivos a produção. Foram implementadas três formas de incentivos (IEF,
1995):
176
a) Programa do IEF: nessa forma de reflorestamento, o IEF participa com a
doação de mudas, insumos e assistência técnica, a fundo perdido. Como
critério para a seleção dos produtores, foram definidos áreas menores com
produtores residentes na propriedade, uso de mão-de-obra familiar. Dentro
desse programa foi implementado o reflorestamento com nativas, visando a
formação de florestas de topo e de matas ciliares, com condições idênticas
ao reflorestamento com eucalipto.
b) Programa das Empresas com Inteveniência do IEF: o órgão público
participa do cadastro dos produtores interessados e da vistoria prévia das
áreas, mas o contrato é realizado diretamente entre a empresa e o produtor.
Em geral, as empresas fornecem mudas, insumos, assistência técnica e
financiamento (calculado em termos de equivalência do produto), em troca
de preferência para compra da produção. As empresas participantes
trabalham tanto com o ferro gusa quanto com a produção de celulose.
c) Programa das Empresas sem Inteveniência do IEF: é realizado
diretamente pelas empresas juntamente com os produtores, sem a
participação do órgão oficial, que é apenas informado. Os contratos são
realizados através da Associação de Produtores Independentes, que cadastra
os produtores fornecedores visando a taxa de reposição florestal, seguindo a
Portaria nº 007/janeiro/95 do IEF.
Em continuidade à política de fomento florestal, o governo implementa o
Programa Recomposição Florestal, como forma de complementar ao anterior. O
objetivo é prosseguir com o abastecimento de matéria-prima florestal para os segmentos
consumidores. O programa é desenvolvido preferencialmente no município do produtor,
com a obrigatoriedade da recomposição do volume explorado, mediante o plantio de
espécies florestais adequada ao consumo. Essas ações são regulamentadas pela
Resolução 002/92 e pela Portaria 31/96, com acompanhamento do IEF. Segundo a
legislação, a reposição florestal é obrigatória e cobrada no ato do cadastro para
efetivação do registro da atividade extrativa, seja por pessoa física ou jurídica e deve ser
equivalente ao produto consumido e com espécies adequadas às necessidades de
consumo. Em alguns casos o produtor é isento da reposição florestal, quando:
possuir plantio próprio;
possuir plano de manejo florestal;
177
o consumo/utilização ou comercialização de produtos florestais in natura e
essência exótica forem de áreas plantadas;
do uso de madeira serrada, aparas de madeira, de madeira, moinha de carvão
e produto final (acabados, manufaturados e prontos para uso final, tais como
papel, pequenos artefatos de madeira, móveis, carretéis, fósforos e outros
assemelhados), procedentes de fontes que tenham cumprido a Reposição
Florestal Obrigatória.
De acordo com informações disponibilizadas pelo IEF, programas estão sendo
implementados para evitar o “apagão florestal” que o estado pode sofrer. A intenção é
ampliar a base florestal e diminuir a pressão sobre as florestas nativas, atendendo à
demanda da indústria. Para isso, os plantios estão sendo direcionados para as áreas de
pastagens e degradadas, onde o produtor rural é o principal alvo. Este órgão promove a
distribuição de mudas, oferece assistência técnica, adubo e formicida para os produtores
cadastrados pelo Instituto. Além do produtor rural, o IEF conta com convênios com
empresas do ramo de celulose e siderurgia, além de entidades como a ASIFLOR, a
Cooperativa São João do Paraíso e o Programa de Proteção da Mata
Atlântica/PROMATA. O governo federal também possui mecanismos de financiamento
para o produtor que quer investir no reflorestamento, através do Programa Nacional de
Florestas-PRONAF (IEF, 2005).
Impactos ambientais gerados pelos grandes maciços florestais, conflitos entre
grandes empresas reflorestadoras e moradores rurais
32
, a exploração da mão de obra nas
carvoarias são pontos que se destacam nas discussões que envolvem o setor siderúrgico
no que se refere ao consumo do carvão vegetal. Os programas implementados e
apontados acima são alternativas para a continuidade da produção do carvão, quando
envolvem outros produtores em áreas menores, diluindo o problema, mas tentando
manter a produção do carvão, matéria prima essencial para a indústria, que tem
demanda ascendente na última década (TAB. 9). É importante destacar que essas ações
do governo, com participação dos órgãos ambientais, têm como principal objetivo
32
“No dia 26 de fevereiro de 2007, às 21 horas, no norte de Minas Gerais, um guarda armado da V&M
Florestal, empresa que vem plantando milhares de hectares de eucaliptos na área, assassinou
covardemente o agricultor e extrativista Antônio Joaquim dos Santos, de 32 anos, casado, pai de quatro
filhos. Joaquim e a filha Eudisleia voltavam para casa depois de coletar lenha com fins domésticos. Dois
guardas armados da V&M, conhecidos como Claudinei e Joãozinho de Carmina, prenderam Antônio
Joaquim, o amarraram, bateram nele e depois dispararam dois tiros na boca, na frente de sua filha [...]”
(MOVIMENTO MUNDIAL PELAS FLORESTAS TROPICAIS, 2007).
178
manter o nível de exportação dos produtos siderúrgicos, entre eles o ferro-gusa e a
balança comercial mineira.
De acordo com CEMIG (2007), a lenha e seus derivados, principalmente o
carvão, correspondem a 56,9% das fontes renováveis de energia do estado de Minas
Gerais. Desse montante, a indústria consome 77,1%, sendo o restante da produção
consumida pelas residências e outros setores. O estado não consegue produzir o
suficiente para atender a sua demanda. Além de consumir os 2.851 mil tEP (Tonelada
Equivalente de Petróleo), importou de outros estados o equivalente a 1.294 mil tEP.
Referindo-se ao carvão vegetal, a grande parte – 97,3% - destina-se ao setor industrial e,
desse montante, 62,1% são consumidos pela indústria não-integrada de ferro-gusa. Os
dados apresentados confirmam a importância econômica das carvoarias para o estado.
As florestas plantadas não conseguem atender à demanda industrial, fator que incentiva
a produção do carvão seja com novas autorizações para desmate e produção, seja de
forma clandestina.
A ampliação da fronteira agrícola no Cerrado, apontada como uma das
principais vias de degradação da biodiversidade, constitui-se numa importante
ferramenta para o aumento da produção de alimentos, outros derivados e para os
serviços em geral, criando divisas para os municípios e para a população. Porém
discutem-se os impactos na vegetação nativa e na cultura de comunidades tradicionais
ou para aqueles que construíram toda uma vida baseada na agricultura de subsistência,
na extração de alimentos e remédios da vegetação nativa. Políticas nacionais e
internacionais acabam influenciando no tamanho e na distribuição dos plantios, das
técnicas de irrigação, na aplicação de fertilizantes e pesticidas e na conservação dos
solos.
179
TABELA 9
Evolução do consumo de carvão vegetal no Brasil e em Minas Gerais - m
3
Ano MG Brasil
1976 - 15.000
1977 - 15.250
1978 13.029 15.150
1979 15.215 17.300
1980 17.982 19.644
1981 16.249 19.230
1982 15.134 18.660
1983 16.985 22.509
1984 21.737 29.607
1985 24.900 31.586
1986 27.498 35.114
1987 26.792 34.348
1988 28.713 36.619
1989 35.132 44.803
1990 28.103 36.902
1991 24.551 30.978
1992 23.301 29.177
1993 25.360 31.700
1994 26.513 33.000
1995 23.609 31.084
1996 19.500 26.000
1997 17.271 26.050
1998 16.800 23.600
1999 16.500 26.400
2000 15.880 26.900
2001 17.120 26.220
2002 17.214 26.820
2003 19.470 29.202
2004 24.420 36.920
2005 25.158 38.051
2006 21.017 35.125
Fonte: MAS/IEF/SINDIFER/ABRAVE
Disponível em:
<http://www.showsite.com.br/silviminas/html/Anexocampo/evcons.pdf>
O extrativismo ampliado, seja para lenha, carvão, produção de artesanatos, deve
ser limitado pois o bioma possui um limite, ou uma capacidade de suporte. Assim a
exploração, seja falando-se em fronteira agrícola ou de extrativismo deve caminhar no
sentido de uma sustentabilidade, de modo a garantir a capacidade produtiva do bioma e
a melhoria das condições de vida das comunidades. Esses itens deveriam ter sido
considerados no momento da implantação de projetos de desenvolvimento nacional e
regional, além da implantação de áreas de preservação ambiental, que marcaram o
próximo momento analisado por esta pesquisa.
180
CAPÍTULO VI
UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: APA E REFÚGIO DO RIO PANDEIROS
“Eles esquecem da vida e lembram da produção”
Sr. Afonso - Presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Januária
O crescimento da economia no momento denominado de “Era do Ouro”
(1949/1973) (HOBSBAWM, 1995) trouxe como conseqüência um desenvolvimento
tecnológico surpreendente, porém acompanhado de uma deteriorização ecológica
igualmente sem precedentes. O problema das questões ambientais emergentes é que elas
não eram explosivas no momento de crise que ocorre posteriormente à Era do Ouro. As
preocupações com a proteção ambiental limitavam-se a uma parcela da população, não
chegando aos recantos excluídos dos benefícios do desenvolvimento tecnológico e
muito menos da riqueza que este produziu.
O crescimento zero nas condições existentes plasmaria as atuais
desigualdades entre os países do mundo, uma situação mais tolerável para o
habitante médio da Suíça do que para o habitante médio da Índia. Não por
acaso o principal apoio para as políticas ecológicas vem dos países ricos e
das confortáveis classes rica e média em todos os países. Os pobres,
multiplicando-se e subempregados, queriam mais ‘desenvolvimento’, não
menos (HOBSBAWM, 1995, p. 548).
Esses pobres que almejam mais desenvolvimento, que seja suficiente, pelo
menos para suas necessidades básicas de sobrevivência e um pouco de conforto,
espalham-se pelo mundo e, no caso específico, pelo Norte de Minas, tornando-se mão-
de-obra farta para as carvoarias. Esse fato é explícito na região da bacia do rio Pandeiros
com conseqüências imediatas sobre o local que deveria estar destinado à proteção e a
um convívio mais harmonioso entre homem e natureza. Assim a herança recebida dos
momentos anteriores por que passou esse espaço encontra-se ameaçada por problemas
que estão muito além de seus limites geográficos.
Nas décadas que seguiram aos anos 70 e 80 do século passado, observa-se que o
tempo do homem fez dessa paisagem inicial e desse espaço um território. O município,
as micros ou mesorregiões não são mais o recorte espacial, mas os aspectos naturais
definem as novas divisões. Dentro dessa perspectiva, a criação da APA Estadual do Rio
Pandeiros em 1995, foi o divisor temporal final usado na análise e, considerando os
aspectos ecológicos, foi delimitada com base na bacia hidrográfica. A atuação do Estado
nas questões ambientais, com uma participação efetiva do Instituto Estadual de
181
Florestas IEF fez aflorar conflitos envolvendo atividades não apropriadas para uma
área de conservação, como carvoejamento com o uso da vegetação nativa, levando esse
espaço a ser visto como território, não apenas pelo poder do Estado enquanto
fiscalizador, mas pelas relações entre os produtores de carvão e a população.
A definição de uma APA deve considerar as duas faces da herança (ou essa
herança em sua totalidade). A delimitação é importante, mas considerar a idéia de
herança ecológica e cultural permite orientações para o plano de manejo, de forma que
se torne realmente sustentável. O que a sociedade irá fazer com essa herança é a marca e
o princípio da sustentabilidade social, econômica e ambiental.
A APA Estadual do Rio Pandeiros é um território com seu dinamismo definido
pelos conflitos ali presentes e relacionados a uma dependência dos recursos naturais,
seja para a manutenção de um espaço de conservação, seja como fonte para o carvão
vegetal. A interdependência entre materialidade e ação humana, expressa na relação
natureza-trabalho-política, torna o território vivo, principalmente considerando-se os
fluxos ali existentes. Para se compreender essa dinâmica é preciso considerar as
condições e as características do passado, pois a história tem uma lógica que se une à
lógica da história atual. Assim, a análise da APA enquanto espaço de conflito terá como
categoria de análise o território, um conceito englobador da história humana e das
relações entre os homens e entre estes e o meio, regulado pela política, incluindo-se
seus diversos atores, seus ideais e pelo mercado.
Como lembra Gonçalves (2006), a questão territorial é essencial para a
compreensão do mundo e das questões ambientais, pois nas relações sociedade/natureza
estão inseridas as relações sociais e de poder, características do território. O presente
capítulo tem como finalidade discutir os conflitos decorrentes da implantação da APA
Estadual do Rio Pandeiros, presentes não apenas em seu território, mas no interior da
própria instituição do Estado. Para tal será ressaltada a importância ecológica das áreas
de proteção presentes na bacia e a importância para o sistema do rio São Francisco.
6.1- Uma herança sob os cuidados do Estado
182
A ordem ambiental discutida pro Ribeiro (2005), pressupõe a existência de
medidas de regulação da ação humana, estabelecendo os limites para a intervenção na
natureza e nas culturas locais. Uma dessas medidas e um dos principais resultados dessa
ordem ambiental é a delimitação de áreas de proteção. Um dos problemas da adoção de
modelos prontos é que não considera a diversidade das áreas a serem demarcadas e que
possuem características sociais, econômicas, políticas e ambientais. A conseqüência é a
ocorrência de conflitos.
Nas áreas de Cerrado existem poucos espaços destinados à preservação,
considerando-se sua extensão no Brasil. Dessa forma, locais como a bacia do rio
Pandeiros tem sua importância expandida na relação com o domínio morfoclimático do
Cerrado. A associação da área destinada a APA com a bacia hidrográfica do rio
Pandeiros é resultado de uma visão mais recente que considera as questões ambientais a
partir de um posicionamento integrador por se constituir em um sistema. No caso da
área de pesquisa, considera-se como ponto de análise a saída de matéria e energia
humana na forma de carvão vegetal, fato gerador de um desequilíbrio no sistema, visto
que essa ação ultrapassa a sua capacidade de regeneração.
Outro fator facilitador da bacia hidrográfica enquanto Unidade de Conservação é
esta formar uma unidade físico-territorial permitindo um planejamento, pois seus
elementos possuem mútuas relações e sua configuração reflete a junção dos
comportamentos tanto das condições naturais como das atividades humanas ali
desenvolvidas, como é o caso da produção de carvão.
Considerando as observações acima, é importante lembrar que é
responsabilidade do Estado, além da criação de áreas de preservação e conservação da
fauna e flora, o estabelecimento de mecanismos de fomento à pesquisa que objetivem a
criação, implantação e manejo das Unidades de Conservação através de seus órgãos
competentes, conforme definido pelo Decreto Estadual 33.944, de 18 de setembro de
1992.
Em setembro de 1995 a bacia hidrográfica do rio Pandeiros foi declarada como
uma Área de Interesse Ecológico e, por isso de proteção ambiental (Lei nº11.901, de 1
set. 1995). O interesse na proteção da área implica na necessidade de manter o
equilíbrio ecológico e a diversidade biológica dos ecossistemas aquáticos e das terras
úmidas adjacentes ao rio, principalmente nas lagoas marginais, como forma de
183
preservar as áreas de importância para a reprodução e desenvolvimento da ictiofauna.
Paralelamente a essa tarefa, aliam-se a necessidade de criar condições favoráveis à
educação ambiental e áreas para recreação da comunidade, capazes de proporcionar um
contato direto com a natureza.
O relatório técnico para a caracterização da área como de interesse ecológico
que, segundo a mesma lei, compete ao Poder Executivo, incluiu:
I - as cachoeiras e as corredeiras e suas respectivas áreas de influência a jusante
da usina hidrelétrica da CEMIG;
II - a extensa planície de inundação e as terras úmidas a jusante das cachoeiras
do rio Pandeiros;
III - as matas ciliares ao longo do rio Pandeiros e de seus afluentes (MINAS
GERAIS, 1995; art. 3º).
A bacia hidrográfica do rio Pandeiros foi destinada a uma área de proteção
ambiental pela sua relevância ambiental, enquanto local de manutenção da ictiofauna do
rio São Francisco. Destaca-se, também, o seu potencial turístico, através dos balneários
do Pandeiros (FIG. 22) e de seu afluente, o ribeirão Catolé (FIG.23), amplamente
utilizados pela comunidade local e de cidades próximas, apesar das dificuldades de
acesso, devido às condições das estradas.
FIGURA 22: Balneário do rio Pandeiros.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
184
FIGURA 23: Balneário do Catulé – município de Bonito de Minas
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
Segundo levantamento realizado por Drummond et al. (2005), através da
Fundação Biodiversitas, a bacia hidrográfica do rio Pandeiros é apontada como área
prioritária para conservação em diversos aspectos (QUADRO 9), mesmo sendo
considerada como de baixa pressão humana dentro da situação geral do estado de Minas
Gerais, estudo que reforça a necessidade de proteção.
185
QUADRO 9
Áreas prioritárias para conservação da biodiversidade – região da bacia do rio Pandeiros
Motivo para
priorizar a
área
Denominação da
área
Classificação Situação ambiental
Indicações de
ações
Conservação
dos peixes
Várzeas do Médio rio
São Francisco,
incluindo o pântano
do rio Pandeiros e a
jusante até o limite
com o estado da
Bahia.
Especial em
importância
biológica
Toda a área sofre com
pressões humanas com
atividades agrícolas e
pecuária, mineração.
Nenhuma ação efetiva
foi tomada nas áreas
prioritárias para a
conservação dos
peixes; as ações estão
restritas à interdição
temporária da pesca
(defeso) e respectiva
fiscalização, com
multas por danos
ambientais à fauna de
peixes.
Educação
ambiental
Recuperação
Conservação
dos
mamíferos
Veredas de Januária;
abrangem a nascente
do rio Pandeiros
Área potencial de
importância
biológica
Pressão humana com a
pecuária e atividades
agrícolas.
Confecção de
inventários e
plano de
manejo
Conservação
de aves
Região do
Tejuco/Pandeiros
Foz do rio Pandeiros
Importância
biológica extrema
Potencial
Pressão humana com a
extração da madeira,
agricultura e pecuária
Confecção de
inventários
Unidades de
Conservação
Conservação
de répteis e
anfíbios
Rio Pandeiros até o
rio Peruaçu
Importância
biológica extrema
Expansão urbana,
turismo desordenado,
agropecuária,
queimadas
Confecção de
inventários
Promoção da
conectividade
Conservação
de
invertebrados
Bacia do rio
Pandeiros
Importância
biológica
potencial
Pressão humana,
agricultura, pecuária,
extração de madeira,
monocultura
Unidades de
Conservação
Conservação
da flora
Corredor Cerrado-
Noroeste, incluindo-
se toda a bacia do rio
Pandeiros
Importância
biológica
Áreas com Mata
Seca, Caatinga
Arbórea, Caatinga
sobre
afloramentos
calcários,
Florestas
Estacionais
Semidecíduas
Pressão humana com
agropecuária,
extrativismo, extração
de pedras,
carvoejamento
Confecção de
inventários
Unidades de
Conservação
Fonte: Drumond et al.. (2005)
Nota: Adaptado para formato de quadro pelo autor.
186
Pelo estudo, percebe-se que a educação ambiental é apontada como necessidade
de ação a ser desenvolvida. Para grande parte dos problemas recomenda-se a confecção
do plano de manejo e de inventários, visto que a pressão humana, através da
agropecuária, extrativismo e as carvoarias colocam em risco áreas de grande
importância biológica. De acordo com a legislação, o plano de manejo deve ser
concluído em cinco anos e deve contar com a participação da comunidade (Lei 9.985,
Arts. 27 e 28).
Não foi realizado o plano de manejo para a área da APA, bem como um estudo
de zoneamento ambiental. O plano de manejo é entendido como um documento escrito
que tem como objetivo direcionar a utilização de recursos dentro de uma Unidade de
Conservação, envolve os diversos usos da área. Com previsão, em geral, para cinco
anos, o plano de manejo é importante para minimizar os conflitos, pois conta com a
participação de diversos segmentos da sociedade, preocupados com o desenvolvimento
e a sustentabilidade ambiental da área. Segundo o IBAMA (1997) um plano de manejo
deve conter, entre suas características, o dinamismo e a adaptação às características da
Unidade de Conservação, apontando diretrizes para a área, considerando também as
características de ser gradativo, contínuo, flexível e participativo.
A situação da APA é marcada pela ausência das diretrizes de manejo, fatores
que têm dificultado o planejamento e execução de ações alternativas para a preservação
ou conservação dos recursos naturais da região. A elaboração desses estudos permitirão
a existência de um projeto específico para a bacia do Pandeiros, contribuindo
significativamente para a identificação dos potenciais geradores de desenvolvimento
econômico, além dos problemas ambientais que atingem a área. De acordo com o IEF
(2006, p.1), esses estudos deverão apontar para um “processo de construção e
viabilização de soluções compartilhadas pelos diversos segmentos sociais inseridos na
zona geográfica de abrangência”.
A APA juntamente com a área do Refúgio Estadual de Vida Silvestre do rio
Pandeiros, formou um complexo ambiental (IEF, 2005) de extrema importância para a
conservação da biodiversidade da área de drenagem e do próprio Cerrado. Tal
importância é fortalecida pela ocorrência de Mata Seca e das múltiplas veredas e
nascentes que fazem da bacia uma das principais fontes de água para a região do semi-
árido do Norte de Minas. Cabe destacar que, de acordo com o decreto 33.944/92 que
regulamenta a Lei Estadual 10.561/91, a vereda está inserida como área de
187
conservação permanente, ampliando a necessidade de proteção da área da bacia do
Pandeiros.
O IEF (2006, p.2) aponta como os principais problemas da bacia hidrográfica do
rio Pandeiros:
Erosões existentes próximas a nascente.
Assoreamento: decorrente dos bebedouros de animais que promovem a retirada
da vegetação ciliar, e das estradas municipais que atravessam veredas.
Desmatamento: associado ao momento dos incentivos fiscais para empresas de
reflorestamento, nas décadas de 1970 e 80, quando não foram respeitadas as
matas ciliares e ações de conservação do solo. Como conseqüência ocorreu o
assoreamento de várias nascentes que, antes perenes, agora são intermitentes.
Dreno de veredas: promovido por pequenos agricultores que praticam a
agricultura de subsistência, usando as veredas para plantio de arroz e feijão.
Essas práticas foram incentivadas, cerca de 15 anos, quando da implantação
do programa PROVARZEA, promovendo a redução da umidade do solo. Essas
ações aceleraram o escoamento da água das veredas, que funcionam como
reservatório natural para abastecimento das nascentes e córregos,
comprometendo a perenização dos rios.
Queimadas: ação associada à prática da pecuária extensiva para estimular a
brotação do capim. Porém, provoca a impermeabilização da camada superficial
do solo, reduzindo a infiltração da água da chuva, com conseqüência imediata na
recarga hídrica da bacia. De acordo como dados do IEF (2006), essas ações
levaram a redução expressiva do volume de água nos últimos 25 anos.
Pesca predatória: de acordo com o Decreto 38.744/97, é proibida qualquer
modalidade de pesca na área da bacia, mas principalmente na área do pântano
essa atividade ainda persiste em alta escala, apesar do controle ambiental
promovido pelo órgão competente. A fiscalização é dificultada pelas condições
das estradas de acesso, além da extensão da área a ser fiscalizada.
Outros levantamentos têm contribuído para melhor conhecer a realidade da área.
Um deles refere-se a um levantamento realizado durante oficinas de diagnóstico
realizadas por um grupo gestor o GEO responsável pela elaboração do plano diretor
do município de Januária. Buscou-se identificar os problemas ambientais existentes na
área da bacia hidrográfica do rio Pandeiros, sendo possível abstrair informações que
188
demonstram parte dos problemas ali presentes (QUADRO 10). Cabe ressaltar que o
grupo observou a dificuldade nas indicações sobre carvoarias existentes. O mesmo
confirma a existência dessas carvoarias, porém reconhece que a comunidade não
informa por conhecer as implicações legais dessa atividade, em sua maioria clandestina.
QUADRO 10
Levantamento de impactos provenientes da ação humana na bacia hidrográfica do rio
Pandeiros
ÁREAS IMPACTADAS NO ALTO CURSO DO RIO PANDEIROS
Nome da área Localização
DESMATAMENTOS/CARVOEJAMENTO
Fazenda Promotes Fazenda Promotes
Córrego Sussuarana Córrego Sussuarana
Vereda Comprida Início da Vereda Comprida
Vereda Taboca Confluência com a Vereda Peri-Peri
Fazenda Globo Fazenda Santo Antônio
REFLORESTAMENTOS
Várzea Bonita Imediações de Várzea Bonita
Vereda Comprida Margens da Vereda Comprida
ASSOREAMENTO
Ponte Sussuarana Início do Córrego Sussuarana
Vereda Comprida Meio da Vereda Comprida
Vereda Taboca Toda extensão
Ribeirão São Pedro Trecho acima de Várzea Bonita
Grotinha Próximo ao Córrego do Lavrado
EROSÕES
Larga Fazenda Larga e imediações
Vereda da Taboca Vereda da Taboca
ESTRADAS EM PROCESSO EROSIVO
Estrada V. Bonita/Larga Trecho Várzea Bonita/Larga
Estrada V. Bonita/MG 429 Trecho Várzea Bonita/MG 429
QUEIMADAS/INCÊNDIOS SEM CONTROLE
Fazenda Metalur Nascente Córrego Sussuarana
Fazenda Globo Santo Antônio
Assentamento do INCRA Margem estrada V. Bonita/MG 429
Pequenos produtores Córrego Vitória
Pequenos produtores Brejinho
Pequenos produtores Nascente córrego Pindaibal
ÁREAS IMPACTADAS NO MÉDIO CURSO DO RIO PANDEIROS
Nome da área Localização
DESMATAMENTOS/CARVOEJAMENTO
Poçãozinho Próximo ao povoado de Poçãozinho
Raizama Imediações do povoado de Raizama
REFLORESTAMENTO
Pandeiros Imediações de Pandeiros
Poçãozinho Imediações de Poçãozinho
Mandins Imediações de Mandins
Cabeceira do Alegre Imediações do Alegre
189
ASSOREAMENTO
Cabeceira do Mandins Faz. Sr. Francisco
Córrego Panelas Faz. Sr. Vicente/Artur
Riacho Alegre Vereda Alegre
Veredinha Faz. Sr. Paulo
Vereda dos Porcos Vereda dos Porcos
Pindaibal I Vereda Sussuarana
Pandeiros Grota do Cacete Armado
Vereda Santana Faz. João Borges
Barra do Rio Macaúbas Bonito de Minas
Buritizinho Bonito de Minas
Barra do Borrachudo Bonito de Minas
Capim Pubo Bonito de Minas
Maria Crioula Bonito de Minas
Tamanduá Bonito de Minas/Cônego Marinho
EROSÕES
Cabeceira do Mandins Faz. Sr. Francisco
Cabeceira do Alegre Carreadores da Plantar
Depósito de carvão Pandeiros
Horto N° 20 da Plantar Entrada do pântano
ESTRADAS EM PROCESSO EROSIVO
Acesso Pandeiros/Campos Toda extensão
Acesso Pandeiros/Mandins Toda extensão
QUEIMADAS/INCÊNDIOS SEM CONTROLE
Alegre Imediações da Vereda Alegre
Galho de Dentro Imediações do Galho de Dentro
Porcos Vereda dos Porcos
Barra da Mescla Imediações da Barra da Mescla
ÁREAS IMPACTADAS NO BAIXO CURSO DO RIO PANDEIROS
Nome da área Localização
DESMATAMENTOS/CARVOEJAMENTO
Campos Imediações de Campos
Cantinho Entorno de Cantinho
Remansinho Imediações do Remansinho
REFLORESTAMENTOS
Casa Armada Imediações de Casa Armada
Pântano do Pandeiros Imediações
ASSOREAMENTO
Casa Armada Imediações da estrada de acesso
Campos Proximidade de Campos
EROSÕES
Remansinho Proximidades do Pântano
Campos Proximidade de Campos
ESTRADAS EM PROCESSO EROSIVO
Acesso Campos/MG 429
Campos/Remansinho
Campos/Casa Armada
190
QUEIMADAS/INCÊNDIOS SEM CONTROLE
Campos Imediações de Campos.
Casa Armada Imediações de Casa Armada
Cantinho Imediações de Cantinho
Margem MG 429 Trecho Tejuco/Pandeiros
Fonte: GEO, 2006.
Nota: Adaptado pelo autor
A riqueza natural presente na área é proporcional aos problemas ambientais e
sociais existentes. Esse contraste mereceu destaque da imprensa que possui o papel de
alertar a sociedade para a necessidade de preservação. Utilizando-se do título “Tesouro
ameaçado”, o Jornal Estado de Minas, descreve a região da bacia hidrográfica do
Pandeiros como
um deserto de 380 mil hectares, equivalente a 12 vezes a superfície do
município de Belo Horizonte. Essa é a primeira impressão causada pela bacia
do rio Pandeiros, no Norte de Minas. Em terras de baixíssima fertilidade,
vive uma população paupérrima, de aproximadamente 5 mil pessoas, dispersa
em comunidades rurais, que não somam, na sua maioria, mais de 20 casas
cada. Estradas dignas de nome não há. Carros comuns não se atrevem nos
areiões e buracos do labirinto de trilhas. Inúmeros desvios e encruzilhadas
sem placas, obras dos compradores de carvão, põem a perder o sentido de
orientação do mais experiente dos motoristas (FURTADO E PINHEIRO,
2006, p. 25).
O espaço é marcado pela herança da década de 1970 com a implementação dos
plantios de eucalipto pelas empresas Rima, Plantar e Liasa. Atualmente ocorreu o
abandono dos maciços florestais, alguns pela baixa produtividade e outros pelo final dos
incentivos fiscais oriundos do FISET, o programa do Governo Federal de incentivo aos
reflorestamentos. Outro evento abordado pela imprensa, oriundo também de políticas
públicas, foi o Provárzea, com o dreno das veredas para a agricultura, visando as terras
ricas em matéria orgânica. Sob a coordenação da Ruralminas, várias veredas do
Pandeiros desapareceram
no Pandeiros, inúmeras veredas desapareceram sob o manto do Provárzeas. A
Metalur, por exemplo, contratou a Ruralminas para drenar mil hectares de
veredas, entre 1982 e 1986. A empresa construiu 10 mil metros quadrados de
galpões, silos e levou para a região máquinas de beneficiamento de arroz e
feijão. Hoje restam ruínas e uma grande área ressecada, conhecida como
Pindaibal (ESTADO DE MINAS, 2006, p. 25).
Os problemas que o Estado enfrenta não se referem apenas a uma gestão dos
recursos naturais ali presentes. Abarcam os impactos ambientais de atividades voltadas
191
para setores da economia que se aproveitam do quadro social ali existente, quando a
carência de recursos leva moradores a praticarem ações danosas ao meio ambiente.
Áreas protegidas são definidas para a conservação da flora e da fauna, além de
conservar a paisagem. Em algumas categorias permite-se a presença humana, onde se
compartilha o uso do espaço, compondo um mosaico no qual a diversidade ocorre
através das atribuições de novos significados a esses espaços, com justificativas para
sua alteração. Segundo Weeks e Mehta (2004) a classificação dessas áreas ocorre de
acordo com a gestão das atividades humanas ali presentes, atribuindo a idéia subjacente
de controle das pessoas e do território. Desse controle externo emana o conflito, que é
expresso na percepção das pessoas sobre os seus direitos e o controle dos recursos.
Busca-se um caminho para conciliar o direito dessas pessoas com a necessidade da
conservação com a participação das comunidades locais. Talvez o caso da APA não seja
diferente, no que se refere a um programa ou política pública não funcionar, muitas
vezes não somente por falta de recursos ou sua insuficiência, mas por não contar com o
apoio e participação da comunidade e preparação dos funcionários do órgão ambiental
responsável.
Outro fator que dificulta a adoção de modelos prontos é a burocracia existente
no Brasil. Os recursos ou materiais não chegam no tempo correto, acarretando
descrédito entre comunidade, como é o caso das sementes para o um projeto ainda em
execução pelo IEF junto à comunidade da Larga. De acordo com o depoimento de
agricultor envolvido, percebe-se esse descompasso
a assistência é por parte do IEF, que tem um projeto muito bom, que é o
Projeto Pandeiros. Mas atrasa muito e vem com as coisas fora de época;
quando chegam com o calcário, com o adubo, passou a chuva. Quando
chega não mais tempo de plantar e a chuva foi embora, o pessoal
não planta. Eles querem proibir de trabalhar no brejo, mas por enquanto o
pessoal não pode parar porque precisam comer e, se não plantar não vão
comer (Sr. Eduardo, morador da comunidade da Larga APA Estadual do
Rio Pandeiros. Entrevista em 27 jul.2007).
Como em grande parte das UC’s do Brasil, a APA Estadual do Rio Pandeiros
não possui o plano de manejo. Faltam também fiscalização e recursos humanos
suficientes para as ações necessárias, apontando como uma solução o envolvimento das
comunidades de forma de reverter esse quadro, numa dinâmica de inclusão. Pereira
(2005) destaca que outro encaminhamento importante seria a formação dos funcionários
dos órgãos ambientais no que se refere às estratégias para melhorar a relação com a
comunidade a fim de que esta seja incluída nas discussões e possam contribuir para a
192
melhoria das condições ambientais e sociais da UC, alcançando a sustentabilidade. Cabe
ressaltar que uma melhor formação desses funcionários contribuiria para a gestão e
utilização dos recursos destinados aos programas para a eficiência das ações, mesmo
considerando que a falta de vontade política e capacidade administrativa governamental
se faz presente nesse quadro. Essas ações contribuem para a confecção e para
implementar o plano de manejo que, como lembra Jones (2000), é fundamental para a
estabilidade da área e do seu monitoramento com ações para atingir os objetivos e os
constantes ajustes dessas ações.
Um dos entraves para essas ações é que nem sempre a comunidade tem
consciência do que seja uma APA e o papel que representa junto aos ecossistemas, e
menos ainda, a importância da participação da comunidade nessas ações
Não sabia que a área é uma APA. Quando o pessoal do IEF está indo para a
Larga (outra comunidade) eles passam por aqui. Só faz proibir que as pessoas
façam queimadas, façam roça nas margens do rio e assim vai (Sr. Erondino
Comunidade de Várzea Bonita. Entrevista em 27 jul. 2007)
Após a APA, de melhor continua a mesma coisa. Para nós não fez diferença
nenhuma. Por enquanto não tem diferença (Sr. Mário Silvério Comunidade
de Várzea Bonita. Entrevista em 27 jul. 2007)
Alguns têm consciência de que vivem em área de preservação ambiental.
Mas a maioria não (Sr. Afonso. Presidente do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Januária. Entrevista em 26 jul. 2007).
Quando existe a consciência da APA, falta perspectiva sobre uma melhora nas
condições de vida, levando vários moradores ao abandono das propriedades.
Depois da APA, mudou assim. Quando o pântano secava era hora do pessoal
plantar o feijão, aproveitava aquela lama e colhiam muito; caçavam muito e
agora é proibido. Se essas pessoas que antes plantavam, o que fazem agora,
não sabe falar. A maioria é aposentada e vão vivendo. Os que não são
aposentados vão vivendo devagar, com outras coisas, vão para fora para
trabalhar, para São Paulo. Mas aqui mesmo não tem como. Procuram outra
forma de sobreviver (Sr. José Francisco. Comunidade de Campos/ Refúgio
Estadual de Vida Silvestre do Rio Pandeiros. Entrevista em 25 jul. 2007).
.
Quando o IEF consegue desenvolver um trabalho junto à comunidade é possível
perceber que as perspectivas ampliam-se e os resultados se fazem presentes, como é o
caso da comunidade da Larga onde é desenvolvido o Projeto Pandeiros.
Mais ou menos eu sei o que é (uma APA). Depois de 1995 muita coisa
mudou. O negócio do desmatamento. Eu e os outros protegemos. Se um
desmata, o outro está reclamando. Eles falam de que como vão sobreviver
e os que reclamam respondem que pior é se faltar água. Sem água não tem
jeito. As próprias crianças da escola falam que sem água não tem jeito (Sr.
Eduardo. Comunidade da Larga. Entrevista em 27 jul. 2007) .
193
6.2- Refúgio Estadual de Vida Silvestre do Rio Pandeiros
Dentro da bacia hidrográfica do rio Pandeiros encontra-se a área do pântano, o
único de Minas Gerais que é formado por um complexo de lagoas que se interligam no
período chuvoso, época da piracema. As condições ecológicas da área e sua importância
para a região e para o rio São Francisco, apontaram a necessidade de inserí-la em uma
nova modalidade de Unidade de Conservação, como forma de garantir a preservação.
Dessa forma, em 2004 foi criado o Refúgio Estadual de Vida Silvestre do Rio
Pandeiros, ocupando uma área totalmente inserida no município de Januária/MG e na
APA. O refúgio tem como objetivo proteger e conservar a ictiofauna que repovoa
anualmente o médio São Francisco, em sua extensão entre as barragens de Três Marias
(MG) e a de Sobradinho (BA). Dentre as espécies existentes várias possuem valor
comercial, como dourado, surubim, curimatá-pacu, curimatá-pioa, matrinchã, piau-
verdadeiro, pacu, piau branco, piranha e pacamã. Algumas encontram-se na lista de
extinção na bacia do São Francisco: matrinchã, pacamã, suribim, piau-verdadeiro e
dourado (ESTADO DE MINAS, 2006, p. 28).
Seu destino como área de proteção, que não permite a exploração econômica,
justificou-se através da continuidade da pesca no rio São Francisco, sendo esta uma das
principais fontes de renda dos ribeirinhos, denominados localmente como
“barranqueiros do Velho Chico”. Cabe destacar que a área do Refúgio era anteriormente
utilizada pelas comunidades locais que praticavam a pesca em suas lagoas visando fonte
de renda e alimento. Após 2004 essas comunidades foram obrigadas a modificar seus
hábitos, constituídos ao longo de décadas, necessitando transferir a atividade pesqueira
para o rio São Francisco, fato gerador de conflitos entre estes e o órgão responsável pela
fiscalização e gestão da área – o IEF.
O plano de manejo para essa unidade ainda não foi elaborado. Dessa forma
durante o processo de confecção e implantação desse plano devem ser garantidas as
formas de sobrevivência da comunidade local, porém sem alterar a integridade dos
recursos à qual a unidade se destina, ou seja, a comunidade deve ter sua sobrevivência
garantida mas sem alterar as condições ambientais do pântano.
A área do pântano pertence à bacia hidrográfica do rio Pandeiros e dentro da
visão de sistema é receptora das alterações decorrentes das ações promovidas ao longo
da bacia. Dessa forma, à medida que a produção de carvão rompe com o equilíbrio do
194
sistema, a área do Refúgio de Vida Silvestre é afetada e, como conseqüência a parte do
curso médio do São Francisco. As alterações ambientais afetam comunidades que
vivem dentro e fora do sistema da bacia do Pandeiros.
6.2.1- Do rio São Francisco ao rio Pandeiros – a transformação do espaço
A primeira denominação para o rio São Francisco foi dada pelas populações
indígenas, que o chamaram de Opará, que significa rio-mar, expressando bem a
dimensão desse curso de água. A Agência Nacional de Águas – ANA dividiu a bacia do
São Francisco em unidades hidrográficas, sendo uma delas, a Pandeiros/Pardo/Manga,
espaço em que se insere a área de pesquisa. A extensão do São Francisco ocasiona uma
diversidade de paisagens pela bacia, sendo uma de suas principais marcas a presença de
diversas formas de uso dos seus recursos hídricos. O semi-árido é o clima
predominante, estando a área vulnerável e sujeita a períodos críticos de prolongadas
estiagens (FIG. 24). Essa área ocupa cerca de 57% da bacia, abrangendo 218
municípios, sendo sua maioria na Região Nordeste e alguns na região Norte de Minas
Gerais, sendo o município de Januária o primeiro nessa delimitação (CBHSF, 2004).
Esse rio tem sua importância destacada mais pela população que atende, pessoas
residentes no semi-árido brasileiro, do que pela sua extensão e área da bacia. A vida de
uma parcela de brasileiros depende da vida do São Francisco, explicando a preocupação
com a bacia do rio Pandeiros, enquanto responsável pela reprodução dos peixes de uma
grande área dessa parte do Brasil.
Como lembra Cunha (2007) e Fontes (2002), o rio São Francisco sofreu, ao
longo dos últimos séculos, acentuada intervenção seja no seu curso, como a construção
de várias hidrelétricas, seja com projetos de irrigação para desenvolvimento da
agricultura os distritos agroindustriais e outros como o de reflorestamento com
eucalipto. A enchente que atingiu a bacia nos anos de 1979/80 chamou a atenção para os
efeitos ambientais dessa forma de ocupação. Durante 65 Ma. a natureza formou o São
Francisco e que está sendo desfeito.
195
FIGURA 24 - Região semi-árida da bacia hidrográfica do rio São Francisco
Fonte: CBHSF, 2004, p. 39
Segundo Araújo (2003), o rio São Francisco poderia se chamar rio dos
Contrastes, rio das Contradições ou rio das Excludências. Tais denominações referem-
se à situação em que se encontra toda a bacia desse grande rio, marcada pela
desigualdade social e pelas dificuldades de implementação de um projeto capaz de gerar
desenvolvimento para todas as suas comunidades. A situação é agravada pelo fato de
que a degradação ambiental não se limita aos aspectos da fauna, da flora e do meio
abiótico, mas afeta as comunidades ali presentes, com a perda dos valores culturais,
ocasionando um impacto na economia regional e um obstáculo ao desenvolvimento
sustentável (NOU e COSTA, 1994).
A bacia do rio São Francisco vem merecendo um destaque nas discussões
ambientais e de políticas públicas pelo projeto de transposição de suas águas, ampliando
a área do semi-árido a ter seus problemas hídricos em parte solucionados por essa ação.
As propostas de revitalização surgiram posteriormente a da transposição, mas é
defendida enquanto medida que deve caminhar junto com a transposição e como
essencial para o projeto, principalmente nos discursos das estatais (CHESF, 2007;
MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO, 2007).
Atualmente as obras de transposição de suas águas estão em andamento e a
importância do rio Pandeiros é ampliada. O processo de ocupação da bacia do São
196
Januária
Francisco, iniciado com as comunidades indígenas e, séculos mais tarde, com os currais
de gado, teve sua parcela de participação no mito do desenvolvimento e do progresso
almejados pelas políticas do período militar, com projetos de irrigação e
reflorestamentos. Em momento em que os discursos apontam para a revitalização da
bacia do São Francisco, como requisito para a transposição, compreender os processos
existentes na APA Pandeiros torna-se importante, devido a contribuição desse afluente
para a manutenção da vida do rio e de vários de seus moradores ribeirinhos.
Contudo, a relação do rio Pandeiros com o rio São Francisco nem sempre é
percebida pela comunidade, como é possível observar em alguns depoimentos.
Alguns têm consciência da importância da área para o São Francisco, mas a
maioria não. Não sabem o que é uma bacia. Não acreditam. Como aqui é
tudo muito longe, eles acham que não é nada e que não virá nada. O que
aconteceu é isso aí: as áreas do Sertão estão largadas porque as pessoas não
acreditam mais, ninguém acredita mais em político, estão descrentes. Não
vejo ninguém comentar nada sobre isso (O Pandeiros e sua relação com o
São Francisco) (Sr. Mário Silvério. Comunidade de Várzea Bonita. Entrevista
em 27 jul. 2007)
O pessoal tem essa consciência pois se o rio não tiver água, diminuir, é ele
quem fornece para o São Francisco (Sr. Eduardo. Comunidade da Larga.
Entrevista em 27 jul. 2007).
.
FIGURA 25 – Encontro das águas do rio Pandeiros com o rio São Francisco. Registro em jan. 2008.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
197
FIGURA 26 – Pântano do rio Pandeiros – Refúgio Estadual de Vida Silvestre do rio Pandeiros.
Registro em jul. 2007 e jan. 2008.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
O reflexo das ações na APA para a vida dos pescadores do Rio são Francisco foi
expressa no depoimento do Presidente da Colônia de Pescadores de Januária
Em 1974, 75 houve um período de seca e que no rio não se pescava nada.
Todos foram para as lagoas para sobreviver. Hoje perdemos afluentes que
têm afetado o rio. Nos anos 80 quando plantaram bastante eucalipto,
atrapalhou a vida das veredas e das nascentes. Mas ainda existe bastante
peixe e para as pessoas viverem [...] Antes usavam no período chuvoso,
quando represavam o Pandeiros e entravam no pântano para pegar peixes
(curimatã...). Mas naquela época o rio era bastante fundo, depois dos
desmatamentos e com o assoreamento o rio ficou raso. Dentro do pântano
tem banco de areia dentro dos aguapés [...] a proibição, isso não afetou muito
os pescadores. usavam quando a pescaria no rio estava deficitária. A
punição, que é bastante severa, inibe os pescadores. A maioria da pesca no
pântano era feita por pessoas que não eram profissionais. As pessoas que
moravam na beira é que pescavam mais ali (Sr. Simião Reginaldo Ferreira.
Presidente da Colônia de Pescadores de Januária. Entrevista em 10 jan. 2008)
6.3- O gestor : o IEF
Nessa nova reestruturação da burocracia do Estado nas décadas de 80 e 90, e
com o declínio dos incentivos fiscais para os projetos de reflorestamento, o IEF recebeu
novas atribuições (Lei Florestal nº 33.944/92), com a criação de núcleos de
Conservação da Floresta e Proteção da Biodiversidade destinado a pesquisas sobre
fauna e flora do estado. O fomento florestal passou a ser responsabilidade de outros
órgãos ligados à produção agrícola e, nessa reconfiguração o IEF passou a possuir uma
imagem de “guardião” da natureza em Minas Gerais. Com essa nova configuração
estipulou como missão assegurar o desenvolvimento sustentável, através da execução
198
das políticas florestais e de proteção da biodiversidade”, e como visão ser excelência
em desenvolvimento sustentável e proteção da biodiversidade
33
, destacando sua função
de conservar a vida e um ambiente sustentável.
A legislação de Minas Gerais prevê a obrigação do Estado em oferecer um meio
ambiente saudável, sendo sua atribuição proteger a fauna e flora através de Unidades de
Conservação e garantir a manutenção desses espaços. Para essa função, o IEF ficou
como órgão responsável.
Atualmente, o IEF é dividido em regionais. A APA Estadual do Rio Pandeiros e
o Refúgio de Vida Silvestre fazem parte do escritório Regional Alto Médio São
Francisco, com sede no município de Januária. Ele foi criado através da Portaria IEF
038/96, quando ocorreu o desmembramento de parte do escritório Regional Norte, com
sede na cidade de Montes Claros. Atualmente é composto por 09 escritórios florestais,
atendendo a 28 municípios, contando com aproximadamente 100 funcionários.
A preocupação com os peixes do São Francisco foi expressa em projetos, entre
eles o Projeto Tanque-rede, que tem como finalidade a melhoria do pescado da região.
O projeto piloto foi executado em Januária e permitiu a maior produtividade na
piscicultura, reduzindo o problema da pesca indiscriminada. Para tal conta com ações de
confinamento de peixes que são alimentados com ração, gerando um pescado de melhor
qualidade e em maior quantidade. Segundo o órgão, o desenvolvimento de todas as
atividades tem como objetivo principal levar a toda a população melhoria na sua
qualidade de vida, construindo, dessa forma as bases de um desenvolvimento
sustentável em toda a região” (IEF, 2006b., p.2).
Falar de peixes no rio São Francisco é falar do Pandeiros. Enquanto responsável
pela gestão, o IEF (2006, p. 2) aponta como medidas que poderiam ser tomadas para a
proteção da APA Estadual do Rio Pandeiros, demonstrando que existe uma consciência
sobre sua importância e a dimensão dos problemas e conflitos ali presentes. Destaca a
necessidade de implantação de programas específicos voltados para a recuperação da
vegetação ciliar e das áreas degradadas. O pântano, por sua importância para a
ictiofauna deveria receber um ponto de apoio exclusivo, destinado à fiscalização e
monitoramento da caça e pesca predatória. O trabalho de educação ambiental deveria
permear todas essas ações, sendo necessário a aquisição pelo órgão de embarcação para
o desenvolvimento dessa atividade que não se limitaria ao rio Pandeiros, incluindo o rio
São Francisco. Mas destaca que, para tais ações é essencial a ampliação do quadro de
33
Disponível em: <www.ief.gov.br>. Acesso em: 26 nov. 2007.
199
funcionários, para desenvolvimento das atividades educativas e de fiscalização. Essas
indicações acabam por apontar a precariedade do órgão para atender a área.
Sustentabilidade ambiental, desenvolvimento social e crescimento econômico
não caminham juntos na maioria das vezes, apontando para a difícil tarefa de gestão de
uma área que tem como finalidade a sustentabilidade, mas tem em seu interior a face
mais agressiva da produção a ilegal, que aproveita-se da carência dos moradores
locais. Essa situação pode ser minimizada com o plano de manejo.
Entre as atribuições do IEF encontra-se a elaboração desse plano para a APA,
documento que ainda não foi concretizado. A elaboração desse documento e, mais que
isso, a sua implementação é essencial para a sustentabilidade da área. Uma Unidade de
Conservação representa uma “ilha” onde estão ausentes (no caso de preservação
permanente) ou são reduzidos (áreas de uso direto ou de uso sustentável) os efeitos do
processo de desenvolvimento e crescimento econômico.
Porém não está isolada e sofre com pressões e influências de suas adjacências,
ficando vulnerável a ações que ameaçam a biodiversidade e o equilíbrio de seu sistema.
Por causa desse fato, torna-se necessário um plano de gestão, uma vez que apenas a
institucionalização da área não garante a sua preservação ou conservação, nem mesmo
com a presença constante de funcionários do órgão gestor e responsável pela área. O
controle dessas ameaças é denominado manejo de áreas.
De acordo com Morsello (2001) os países em desenvolvimento enfrentam sérios
problemas na efetivação desses planos de manejo, fazendo com que essas Unidades de
Conservação sejam reconhecidas como “parques de papel”, isto é, são áreas instituídas
legalmente, mas que tem seus princípios comprometidos pela ausência de um programa
de manejo.
Mesmo enquanto áreas protegidas, as pressões são constantes e bastante
variadas, de acordo com as possibilidades de contribuição para um mercado
consumidor, como comércio ilegal de animais da fauna silvestre, introdução de espécies
exóticas ou, no caso desta pesquisa, a produção de carvão para atender a siderurgia.
Assim, o fato de estar oficialmente protegida, com todo o aparato legal, não garante o
estar adequadamente preservada ou não ser manejada da forma a garantir a manutenção
de seus ecossistemas.
É importante não apenas realizar levantamentos das ameaças a essas áreas, mas é
de fundamental importância conhecer as causas para que o plano de manejo seja
efetivamente praticado. Morsello (2001), em sua abordagem esclarece que existem
200
vários projetos de pesquisa em Unidades de Conservação, mas que muitos são
direcionados apenas para os aspectos biológicos, sendo de fundamental importância a
existência de pesquisas que abordem aspectos sociais constituindo, juntos, elementos
que subsidiam a elaboração dos planos de manejo, em ações conjuntas envolvendo
gerenciadores e cientistas. Dessa forma, torna-se importante conhecer o homem que está
em contato direto com a Unidade de Conservação para que seja envolvido nas ações de
conservação.
O controle sobre os recursos madeireiros é, também, responsabilidade do IEF. A
Lei Florestal de Minas Gerais foi regulamentada pelo Decreto 33.944/92, e dispõe
sobre o uso desses recursos no estado. Seu texto define que a exploração de produtos de
florestas nativas, seja feito por pessoa física ou jurídica. Somente poderá ocorrer
mediante autorização do IEF, apreciação e aprovação de um Plano de Manejo Florestas,
apresentado previamente pelo interessado (Art. 16). A atividade de carvoejamento em
florestas nativas, primárias ou em estágio de regeneração, somente será autorizada
mediante o plano de manejo, obedecendo todo um processo junto ao órgão responsável
(Art. 18).
Segundo a legislação, a exploração deve ocorrer seguindo os princípios da
sustentabilidade, com o uso racional e respeitando as áreas de reserva legal. O IEF fica,
assim, responsável pela autorização, monitoramento e fiscalização das atividades
relacionadas ao uso de matéria-prima vegetal, incluindo-se a produção de carvão
vegetal. Cabe ressaltar que a legislação deixa claro que não é permitido o carvoejamento
com a utilização de espécies nobres e protegidas por lei. (Art. 18, §2°) Para facilitar a
execução dessa tarefa, o órgão pode firmar convênio com a Polícia Militar do Estado de
Minas Gerais, na figura da Polícia Florestal, que atua na fiscalização não apenas das
atividades florestais, mas em assuntos relacionados à fauna (Art. 55).
Entre as suas atribuições, a atividade de fiscalização é uma das que mais gera
conflitos, pois pressupõe a aplicação de multas, em caso de danos à biodiversidade.
Nessa situação, os recursos provenientes das multas e emolumentos previstos pela
legislação serão destinados às atividades a que se destina o IEF (Decreto 43.710/04; Art.
88). Assim, cabe a IEF a responsabilidade de executar a política florestal e da
biodiversidade do Estado, excluindo-se as licenças ambientais, que ficam a cargo do
COPAM. Para essas ações, cabe ao poder público implantar infra-estrutura adequada
para que as medidas de proteção necessárias possam ser efetivadas (Decreto 43.710/4,
Art. 6º). Cabe resgatar que os conflitos originados por essa fiscalização decorrem do
201
fato de uma imposição legal, que caminhou no sentido de fora para dentro das áreas de
preservação, e principalmente da percepção das pessoas sobre o controle sobre os
recursos disponíveis.
Para atingir a finalidade indicada pela legislação, o IEF tem buscado alternativas
como um projeto desenvolvido pelo Sistema Estadual de Meio Ambiente (SISEMA) e
por ele coordenado. Trata-se do projeto Bosques Mineiros, utilizando-se do conceito de
“bosque modelo”, usado pela primeira vez no Canadá, em 1992. Significa um programa
voltado para o desenvolvimento de práticas de uso sustentável de áreas florestais, num
modelo que poderia ser reproduzido em outras áreas. Dessa forma foram criados alguns
bosques, sendo um deles o Bosque Modelo do Pandeiros, que inclui a áreas da APA
Estadual do Rio Pandeiros e a de Coxa e Gibão, também no município de Januária.
Segundo divulgação do órgão
O trabalho desenvolvido no Bosque Modelo do Pandeiros apresentou
resultados. A região, muito carente, apresentava altos índices de
desmatamento. ‘Desde o início do programa de desenvolvimento sustentável
do Pandeiros, que foi o embrião para sua transformação em bosque modelo,
foi possível erradicar o desmatamento ilegal na região’, afirma Humberto
Candeias. As áreas que integram o bosque somam aproximadamente 500 mil
hectares com remanescentes importantes de Cerrado e Mata Seca (IEF,
2008).
Tal projeto demonstra a preocupação com a produção de carvão no interior da
APA. Na tentativa de conter essa ação, as comunidades do entorno do Bosque Modelo
Pandeiros receberem subsídios, equipamentos, insumos e assistência técnica para o
desenvolvimento de atividades alternativas visando à redução das ações que degradam o
ambiente. O projeto envolveu inicialmente a distribuição de cestas básicas para as
famílias envolvidas até os resultados das ações de produção. Entre elas está o
desenvolvimento da agricultura e da pecuária de pequeno porte, compatível com a
finalidade de preservação da área, além da formação de florestas sociais de produção
como forma de reduzir a demanda por madeira para produção do carvão.
Na busca de soluções o IEF fez parceria com a Promotoria Especializada da
Bacia do Rio São Francisco, para implantação de estratégias visando a preservação de
áreas como as veredas. Para tal a promotoria encaminha recursos provenientes de
multas dos Termos de Ajustamento de Conduta, aplicas em empresas. O alvo do
programa são os pequenos agricultores que contribuem para a destruição das nascentes,
no momento do dreno das veredas e plantio. O IEF divulga o Projeto Pandeiros como
ação que já é desenvolvida na região, quando o órgão passou a pagar aos agricultores os
202
serviços de trator para o preparo do solo em áreas fora das veredas (RIBEIRO, 2007).
Como resultado da parceria com a Promotoria encontra-se o processo de ajustamento de
conduta para reparação dos danos ambientais ocorridos na área do pântano do
Pandeiros, onde a CEMIG poderá responder a uma ação civil pública caso seja
constatada sua culpa pela mortandade de aproximadamente 20 toneladas de peixes na
área da hidrelétrica em 2007.
Outro grande desafio do IEF é buscar uma solução para problemas como a
recuperação da área, pois como está definido no Decreto 43.710/04, Art. 5º, deverá criar
mecanismos de fomento destinados
I - ao florestamento e reflorestamento, com o objetivo de:
a) favorecer o suprimento e o consumo de madeira, produtos lenhosos e
subprodutos para uso industrial, comercial, doméstico e social;
b) minimizar o impacto da exploração e da utilização das formações
vegetais nativas;
c) complementar programas de conservação do solo e de regeneração ou
recomposição de áreas degradadas para incremento do potencial florestal do
Estado, bem como, de minimização da erosão do solo e do assoreamento de
cursos de água naturais ou artificiais;
d) desenvolver projetos de pesquisa, educação e desenvolvimento
tecnológico, visando à utilização de espécies nativas ou exóticas, em
programas de reflorestamento;
e) desenvolver programas de incentivo à transferência e à difusão de
tecnologia e de métodos de gerenciamento;
f) promover e estimular a elaboração e a implantação de projetos para a
recuperação de áreas em processo de desertificação;
g) promover e estimular a implantação de projetos para recuperação de
áreas de reserva legal;
II - às pesquisas direcionadas para:
a) preservação, conservação e recuperação de ecossistemas;
b) criação, implantação, manutenção e manejo das Unidades de
Conservação;
c) manejo e uso sustentado dos recursos vegetais (Decreto 43.710/4, Art.
5).
6.4 – Abandono dos reflorestamentos e a continuidade do carvoejamento
Quando Soja (1993) definiu as cidades como máquinas de consumo, referia-se à
constante renovação das necessidades e, mais que isso a criação de novas demandas.
Mas essas novas necessidades, entre elas o automóvel que impulsionou a siderurgia no
Brasil, acarretaram mudanças profundas na natureza. Além da degradação do meio
ambiente ampliaram-se as desigualdades entre as pessoas e as regiões. Assim, o
203
“milagre econômico” não foi para todos e o lema divulgado nessa época, de “Brasil
grande potência” foi, também, limitado a algumas regiões e para alguns brasileiros.
Outra conseqüência dessa demanda é a mobilidade do capital e do trabalho pelo
território, fenômeno expresso nas novas relações trabalhistas que foram inseridas na
região Norte de Minas com os plantios de eucalipto. Formou-se, nesse momento, uma
classe de trabalhadores informais que compõe a face do subdesenvolvimento necessário
ao capitalismo, como uma exceção necessária, uma mão-de-obra de reserva, com
ampliação de oferta e queda de salários. A informalidade tornou-se uma marca do
mundo atual e do capitalismo globalizado, onde o pagamento pelo trabalho é
proporcional à produção do trabalhador, como ocorre nas carvoarias implantadas na
década de 1970 e que persistem até hoje.
A formação do espaço é um fato histórico. O espaço se faz com elos constantes
entre o passado e o presente, onde o passado deixa suas marcas. A história da região da
bacia hidrográfica do rio Pandeiros tem suas marcas expressando a passagem de
momentos diferenciados, como a implantação de políticas de desenvolvimento se fez
presente, marcando uma herança recebida pela área de proteção ambiental, em um
espaço definido pela reprodução das relações sociais de produção.
Os plantios de eucalipto, enquanto objetos que formam o espaço foram
valorizados no contexto histórico de sua implantação, como representantes vivos do
progresso e de possibilidades de melhoria das condições de vida. Porém, esses mesmos
objetos são desvalorizados atualmente, sendo associados a uma degradação ambiental
expressa, principalmente no fato de que contribuíram para a redução do volume hídrico
dos cursos de água, e também por não terem trazido o progresso prometido. O resgate
da história desse objeto é essencial para compreender sua organização no espaço
atualmente e as conseqüências para a comunidade.
Lima (2004) propõe que as teorias sobre a modernização agrícola elaboradas na
década de 70 são interpretações dualistas desse processo, significando
interpretações que, tomando como núcleo teórico os princípios funcionalistas
e difusionistas da sociologia do desenvolvimento, tipificam os processos
transformativos da base econômica e social da agricultura como mudanças
evolutivas cuja realização decorre de uma necessidade funcional da ordem
capitalista [...] a modernização agrícola concorre, do ponto de vista da ordem
econômica, para a articulação sistêmica das funções estratégicas da
agricultura nas economias nacionais e, do ponto de vista da ordem social,
para a urbanização do campo, adaptando as instituições rurais da sociedade à
lógica produtiva urbano-industrial (LIMA, 2004, p. 2).
204
Com essa concepção de modernização o campo foi interpretado como uma
sociedade subdesenvolvida, caracterizada por um atraso permanente, com resultados de
anulação dos benefícios do progresso. Segundo Lima (2004), essas teorias com a visão
homogeneizadora e generalista do desenvolvimento capitalista, desconsideraram a
interpretação histórica gerando, dessa forma, análises limitadas e insuficientes para a
explicação do processo de modernização agrícola e de formação do espaço.
Essas teorias dualistas foram elaboradas no mesmo contexto histórico em que foi
implantado o programa Distritos Florestais em Minas Gerais e, assim apontam para a
mesma visão sobre o campo, visão esta associada ao atraso nos discursos oficiais. O
programa deveria, assim, levar o progresso e o desenvolvimento numa tentativa de
incluir atributos urbanos no campo, expressos nas relações trabalhistas.
Na defesa desse mesmo pensamento, Simon et al.. (2005), em trabalho sobre
extensão rural em Santa Catarina, destacam que as classes populares foram vistas como
empecilho ao desenvolvimento e o pequeno produtor rural, por não reconhecer o
capitalismo com seus valores, deveria ser legitimamente excluído. Para tal as políticas
públicas implementadas foram amplamente usadas. O Estado foi o instituidor das
políticas modernizadoras que romperam com esse dualismo de forma que
estaria próxima de todos a possibilidade de superar o atraso e o
subdesenvolvimento, a miséria e a ignorância, através da marcha inexorável
do progresso e do capital, tendo seu auge durante a ditadura militar. Deste
modo se intensifica o processo de mudança de hábitos e adoção de novas
tecnologias pelos agricultores catarinenses, legitimando os adotantes das
novas tecnologias e marginalizando os ‘resistentes’, como eram chamados
aqueles que preferiam (ou eram obrigados a) manter aspectos da tradição, em
contraposição à técnica, que seria neutra na velha representação extensionista
(SIMON et al.., 2005, p. 62).
Os plantios de eucalipto significaram a chegada do progresso e a idéia de
participação em algo maior, em um projeto de nação. O resultado dessa política no norte
do estado de Minas Gerais reforçou o capitalismo monopolista. A modernização
ocorreu de forma heterogênea e não gerou homogeneidade na distribuição dos frutos do
progresso, mas ampliou a concentração de renda e das forças de poder, reforçando a
sociedade de classes. Abriu-se para a territorialização do espaço, entendendo-se por esse
termo, a ampliação das relações de poder que passam a definir o uso dos recursos e do
próprio espaço.
No caso da APA Estadual do Rio Pandeiros os plantios de eucalipto trouxeram
novos atores que passam a desejar os mesmos recursos ali existentes. Assim, a
205
prometida chegada do progresso com os plantios de eucalipto dentro dessa lógica
capitalista gerou mais desigualdade entre as regiões mineiras e uma maior relação de
mando sobre as comunidades rurais. A partir daí, passaram a depender de outros para
sua sobrevivência, isto é, antes podiam sobreviver com as retiradas do Cerrado, agora,
já não existe mais o Cerrado. A dependência e o poder ampliaram-se.
O Estado foi, e ainda é, participante ativo e intencional em proporcionar a
acumulação de capital. Atualmente os interesses externos se mesclam aos interesses
internos no território. As demandas internacionais, expressas na exportação de aço e
ferro, definem objetos e ações no território, paralelamente a um interesse nacional em
manter a produção de carvão para a produção do ferro. Questões sociais e ambientais
em regiões como a bacia do rio Pandeiros tornam-se secundárias frente à força do
capital.
As novas relações capitalistas levadas pelos reflorestamentos na região de estudo
fez da estrutura do mercado de trabalho rural uma variável importante nesse processo de
produção capitalista agrícola. O empreendedor, na figura da empresa reflorestadora ou
dos donos das carvoarias utiliza um sistema de recrutamento, condicionamento e
controle da força de trabalho rural. No caso das carvoarias tal condicionamento agrava-
se pela baixa produtividade agrícola, as dificuldades de comercialização dos produtos.
Essa situação é confirmada através da entrevista com o presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Januária, referindo-se especificamente à região do rio
Pandeiros.
É uma região muito arenosa. Por exemplo, na região do Pandeiros é muito
arenosa e a região não produz muito, mandioca. O feijão no brejo
(veredas). Ali não produz milho, não produz o feijão de arranca (é o que é
arrancado do ). No passado nossa região era muito boa para algodão, para
mamona, a cana, mas hoje se acabou tudo (Sr. Afonso. Presidente do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Januária. Entrevista em:26 jul. 2007).
Na visão dos moradores, essa situação é agravada pelas normas ambientais da
APA, fator que contribui para a manutenção de carência da população, tornando-a um
alvo fácil para a exploração de sua força de trabalho nas carvoarias, não apenas em
momento atual, mas desde a implantação dos reflorestamentos na década de 1970.
Nós planta uma rocinha. Não pode desmatar mais. Então a gente planta uma
coisinha, para colher uma abobrinha [...] o feijão é comprado. Eu não planto
mais roça, depois que aposentei. Quando é muita coisa, como antigamente,
vendia em Januária. Hoje vendem por aqui mesmo. Tem pessoas que vem
206
e compram para vender (Sr. José Francisco. Comunidade de Campos.
Entrevista em 25 jul. 2007).
Até pouco tempo atrás, a atividade de produção de carvão de eucalipto era
destacada como bastante significativa e a maior da região de Januária, gerando emprego
e renda (IEF, 2006). Hoje a situação é outra. A paisagem da APA é marcada por
reflorestamentos abandonados, fruto de projetos que não renderam o esperado, nem em
termos financeiros nem em sociais, como regia a proposta inicial. São extensas áreas
que desconfiguram a paisagem natural. No caso dos reflorestamentos, a maior e a última
empresa a deixar a área, a Plantar S/A, transferiu suas atividades para outro município.
Na área da APA Estadual do Rio Pandeiros uma outra empresa está produzindo carvão
a partir do pouco material lenhoso e da destoca (uso das raízes) presentes ali.
No caso da Plantar S/A, sua retirada da área está ligada às questões ambientais,
porém em uma outra vertente: a comercialização de cotas de carbono. Observa-se o uso
do discurso e os financiamentos voltados para projetos de seqüestro de carbono e a
obtenção de certificação ambiental para seus produtos, o que denomina de “ferro gusa
verde”. Como lembra Gonçalves (2004, p. 134) “não podia ser maior a inversão de
papéis, e como, em nome da questão ambiental gravíssima em si mesma -, vêm se
criando novos campos de acumulação de capital, o problema é mais sério do que o
discurso aponta”.
De acordo com levantamentos preliminares realizado por Sales (200?) para
elaboração do Plano Diretor do Município de Januária, os plantios de eucalipto que
ocorreram nas décadas de 1970 e 1980 acarretaram diversos problemas do ponto de
vista ambiental e para a comunidade. O motivo foi a falta de estudos e da tecnologia
aplicada, que não foi apropriada para os tipos de solos da região, que são
predominantemente arenosos e não indicados para plantios de médio e longo prazos. Tal
fato agrava-se pela utilização de variedades que não se adaptaram às condições
ambientais da área. Assim o desmatamento e alterações na paisagem culminaram em
um desequilíbrio hídrico com a extinção de veredas, córregos e rios. No município de
Januária, Sales (200?) destaca a bacia do rio Pandeiros como uma das áreas mais
afetadas, principalmente na
área de recarga do rio Pandeiros: nas chapadas deste rio foram plantados
extensas áreas de eucalipto, que resultaram em sérios problemas de erosão e
redução da diversidade florestal do cerrado. Nesta região encontram-se as
comunidades de Larga, Sussuarana, Cabeceirinha, Grotinha [...] Área de
207
recarga do rio do Peixe: nesta área, localizada no baixo curso do rio
Pandeiros, ainda é possível observar remanescentes dos plantios de
eucaliptos. As comunidades de Quilombo, Poço Verde, Barra do Mingú e Rio
do Peixe enfrentam sérios problemas de falta de água, êxodo rural,
desemprego e baixa produtividade agrícola (SALES, 200?, p.2-4).
FIGURA 27 - Área com plantio eucalipto – nascente do rio Pandeiros
Fonte: Sales (200?)
FIGURA 28 – Processo erosivo na nascente do rio Pandeiros.
Imagem em julho 2007.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
As áreas do entorno da bacia também foram afetadas e apresentam processo de
degradação ambiental, como é o caso do
208
divisor de águas do rio Pardo e rio Pandeiros. As áreas localizadas entre estes
rios, onde encontram-se importantes povoados, como o distrito de São
Joaquim, Cabeceira do Tamboril e Poção apresentam extensas áreas com
processos de erosão, redução de diversidade florestal e queimadas, destinadas
à pecuária extensiva. Esta área, após o fim dos plantios de eucalipto passou a
sofrer a prática do carvoejamento de forma intensiva, sendo que muitas
famílias sobrevivem atualmente desta prática, realizada de forma clandestina
(SALES, 200?, p. 5).
Existe a consciência da comunidade sobre o projeto que rendeu seus frutos no
momento em que foi implantado, mas que acarretou alterações tão profundas que
deixou marcas até hoje, tanto na vida das pessoas como na paisagem (FIG. 29 e 30).
As pessoas saíam para trabalhar no eucalipto, mas atualmente não vão mais,
está tudo abandonado. A plantação fez o fracasso. Enquanto estava aquele
serviço, o pessoal movimentou dinheiro, mas amorteceu aquele serviço e
ficou (Sr. Erondino. Comunidade de Várzea Bonita. Entrevista em: 25 jul.
2007).
Falar do eucalipto é fácil, porque eu represento a classe e compreendo o
sofrimento deles. Nós pagamos por uma coisa que nós não devemos. Quando
vemos hoje o IEF colocando em cima do não trabalhar, não queimar, não
roçar, nós sabemos que a culpa do nosso município estar degradado não foi
dos pequenos produtores, mas das grandes empresas. Elas chegaram de forma
desordenada em nosso município e colocou máquinas em tudo quanto era
vereda, esbagaçou tudo. Depois que estava tudo acabado, elas foram embora
e deixaram nós presos dessa forma. Se fosse pela agricultura familiar da
nossa região, nós teríamos tudo. Quem incentivou o carvão foram os
carvoeiros. Antes eles viviam de outra forma. Mas com o carvão eles foram
incentivados pelas firmas . Hoje eles não sabem viver se não tiverem fazendo
um carvão. Na região do Pandeiros os eucaliptos estão todos abandonados e
as pessoas trabalhando com carvão, catando o resto do eucalipto (Sr. Afonso.
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Januária. Entrevista
em:26 jul. 2007).
.
FIGURA 29 – Área da empresa Plantar S/A. Atualmente abandonada.
209
Imagem em: Agos. 2006.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
FIGURA 30 – Carvoaria na área da Plantar S/A, explorada por outra
empresa/carvoeiro. Imagem em: jul. 2007.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
As áreas de reflorestamento abandonadas tornaram-se alvo de um novo conflito.
Alguns movimentos sociais são voltados para as questões dos reflorestamentos, e
reivindicam que as áreas abandonadas sejam destinadas a reapropriação social,
destinadas à população rural sem terra. Isso traria como conseqüência a redução da
pobreza através da implantação de um modelo de sustentabilidade ambiental. A
reocupação dessas áreas também é desejo de um grupo de moradores da comunidade da
Larga, local onde está localizada a nascente do rio Pandeiros. Segundo o líder
comunitário, Sr. Oswaldino, eles estão ocupando a área como forma de pressionar os
órgãos responsáveis pela reforma agrária. Cabe ressaltar que essa ocupação poderá
acarretar novos conflitos, pois a empresa proprietária, a Rima, tem a intenção de
retomar os reflorestamentos.
Falar de eucalipto é falar de carvão. O eucalipto foi abandonado, mas o carvão
não. Este, juntamente com a degradação ambiental, representa uma das heranças do
“Brasil país do futuro”. Questões envolvendo produção de carvão vegetal e
reflorestamentos são freqüentes desde momento anterior à criação da APA. Durante os
levantamentos de campo foi possível identificar a presença de carvoarias não apenas no
interior da APA, mas também no seu entorno, bem como a degradação ambiental
decorrente da atividade de carvoejamento (FIG. 31) As discussões envolveram
210
denúncias de trabalho escravo e constituição de esquemas fraudulentos para a produção
e comercialização do carvão, abrangendo toda a região Norte de Minas Gerais.
Em 1994 a Assembléia Legislativa de Minas Gerais divulgava seu Relatório
Final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que verificou a existência de
escravidão por dívidas de trabalho no desmatamento e produção de carvão vegetal no
estado de Minas Gerais. Apurou-se que siderúrgicas utilizavam carvão vegetal que foi
produzido através de trabalhadores em situação análoga à de escravo
34
, em regime de
servidão por dívidas. Em 1995, ano de criação da APA, o problema retorna à pauta das
discussões, com novo relatório apontando áreas mais críticas, no Norte do estado, além
de descrever como funcionava o esquema de contratação
a contratação de trabalhadores por empreiteiros, sem carteira assinada, com
salário irrisório, jornada de trabalho excessiva e indeterminada e sob
precárias condições sanitárias, é prática comum. As siderúrgicas contratam
empreiteiros para derrubada dos eucaliptos e fabricação do carvão. O
empreiteiro contrata subempreiteiros que contratam outros. O cipoal de
intermediários conduz, no final, ao trabalhador, que nem sabe quem é o seu
patrão. O trabalho é permanente e seu pagamento é feito por metragem
cúbica (MINAS GERAIS, 1996, p. 4).
34
“O trabalho escravo é aquele que afeta a liberdade individual (art. 149 do Código Penal), a liberdade de
trabalho (arts. 197 e 198 do Código Penal), a proteção da legislação trabalhista (art. 203 do Código
Penal). A Constituição Federal indica a proteção à dignidade humana como bem a ser tutelado (art. 5º)”
(MINAS GERAIS, 1996, p. 4).
211
212
A situação sócio-econômica da região é apontada como um dos fatores que
impulsiona essa realidade, como demonstra a conclusão da Comissão Parlamentar de
Inquérito destinada a apurar a existência de trabalho escravo nas carvoarias
ao se verificarem sem querer minimizá-las as causas que originaram essa
degradante situação, verifica-se a estrutura agrária que mantém condições
favoráveis às elites, relações de trabalho fundamentadas no lucro e na
propriedade dos meios de produção, insensibilidade em relação ao ser
humano e às suas reais necessidades. A realidade da questão da posse da terra
e a falta de política de assistência à população rural deixam o trabalhador sem
outra opção, a não ser entregar-se ao agenciador de mão-de-obra, o “gato”,
sem alternativa de outro trabalho (MINAS GERAIS, 1996, p. 4).
No mesmo ano, outra CPI
35
investigava a existência de um esquema de comércio
ilegal de carvão, com uso de selos falsos e roubos envolvendo vários segmentos, como
o setor guseiro, fazendeiros, transportadores de carvão (caminhoneiros) e funcionários
de órgãos públicos, sendo denominado de Máfia do Carvão. De acordo com o relatório,
desde o ano de 1993 a imprensa denunciava o comércio ilegal do carvão em Minas
Gerais, apontando para o dano ambiental e o prejuízo aos cofres públicos.
O esquema de fraudes ocorre principalmente no eixo Montes Claros Sete
Lagoas. As reportagens denunciam funcionários do IEF que foram
corrompidos, o frágil esquema de fiscalização da Polícia Florestal e o
reaproveitamento de guias e selos não inutilizados pela fiscalização.
Denunciam, também, que o poderoso esquema de corrupção é acobertado por
empresários do ramo do ferro-gusa [...] O esquema de fraude do selo florestal
funcionava de quatro maneiras:
1- eram distribuídos selos “virgens”, furtados do IEF;
2- selos utilizados eram furtados dentro do órgão e entregues aos
produtores novamente. Assim, o mesmo selo podia ser utilizado duas ou mais
vezes, Isso acontecia porque o IEF não inutilizava os selos após o seu uso;
3- o uso do mesmo selo por um caminhão de carvão por duas, três viagens ou
mais, porque a fiscalização da Polícia Florestal era muito deficiente. A saída
dos soldados florestais dos postos de policiamento era com hora marcada. Os
caminhoneiros estacionados nos postos Gauchão e Canecão aproveitavam
para passar pelo posto nesse momento sem serem fiscalizados;
4- uso do selo para acobertar desmatamentos ilegais.
Também é alvo de investigação no IEF a redução ou eliminação total de
grandes multas florestais. A Polícia Florestal aplica os autos de infração nos
desmates ilegais ou quaisquer outros tipos de irregularidades ligadas a
desmatamentos. Os autos de infração são encaminhados ao IEF, que é o
responsável pela administração das questões relativas às multas (MINAS
GERAIS, 1996, p. 16).
Como forma de acabar com o problema, o IEF criou estratégias de controle
florestal e de seus derivados, como o Selo Verde. Entre os depoimentos ocorridos na
35
Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito para, no prazo de 120 dias, apurar denúncias
contra a chamada “Máfia do Carvão”, que vem atuando principalmente no Norte de Minas. (MINAS
GERAIS, 1996).
213
CPI, o do Sr. Waldir Macedo Filho, ex-funcionário do IEF, demonstra a existência de
documentos com denúncias de desmates irregulares em fazendas e autorizados pelo IEF
em Januária, em 1993 (MINAS GERAIS, 1996, p. 17).
O lucrativo comércio do carvão retirado da mata nativa e de forma ilegal
propiciou a formação do que é conhecido como a “Máfia do carvão”, que age nas
regiões Norte, Noroeste de Minas e no Vale do Jequitinhonha. O problema que envolve
esse comércio e o desmate descontrolado do cerrado vem sendo denunciado vários
anos, apontando os responsáveis e setores envolvidos do carvoeiro à siderúrgica.
Somente durante esta década é possível percorrer os caminhos desse processo através
das denúncias (QUADRO 11).
QUADRO 11
Reportagens da imprensa escrita envolvendo a produção de carvão vegetal em Minas
Gerais
Ano Fonte
Título da
reportagem
Assunto
2003 Jornal
Ambiente
Hoje
(AMDA)
Siderúrgicas:
crime
ambiental e
sonegação de
impostos.
Resultados da Operação Cajueiro, do IEF, para apurar o
envolvimento de empresas do setor siderúrgico na
produção, comércio e transporte de carvão ilegal, retirado
das áreas de preservação ambiental na região Norte de
Minas Gerais (bacia do rio São Francisco).
2003 Jornal
Estado de
Minas
Tráfico de
Selo Verde –
golpe mortal
nas florestas
Operação conjunta do IEF com o Ministério Público para
apurar uso irregular do Selo Verde, em um esquema de
fraudes e falsificação de documentos. A reportagem aponta
dados que contribuem para a perceber a dimensão do
problema:
- no “Trevão de Curvelo” (local onde existe um posto de
combustível e encontro das BR 040 e BR 135, que liga as
regiões noroeste e norte/nordeste, respectivamente, à região
guseira de Sete Lagoas) são barrados diariamente 30
caminhões de carvão de mata nativa sem os documentos
exigidos;
- 300 caminhões deixam as regiões Norte e Nordeste de
Minas semanalmente carregados com carvão produzido de
mata nativa;
-já foram desmatados ilegalmente para a produção de
carvão 518,2 milhões de metros quadrados de mata nativa
nessas regiões do estado.
- todo o esquema acarreta um prejuízo aos cofres públicos
de R$117 milhões em sonegação de impostos, além de uma
evasão de recursos na produção do gusa de,
aproximadamente, R$2,3 bilhões anualmente.
2004 Jornal
Estado de
Minas
Máfia do
carvão –
carvoarias de
fachada
O esquema cria empresas-fantasmas com produção de notas
fiscais frias para a retirada da vegetação nativa. As
investigações realizadas pelo Ministério Público ocorrem
desde o ano de 2003.
214
2004 Jornal
Estado de
Minas
Difícil
caçada à
máfia
O esquema é favorecido por uma fiscalização incipiente e
por uma legislação branda (nas palavras dos promotores de
justiça envolvidos na investigação).
2004 Jornal
Estado de
Minas
Cerco à
máfia do
carvão
Ação do IEF para identificar os processos de solicitação do
Selo Verde. Dos processos existentes:
- 167 foram cancelados pelo órgão por terem confirmação
de irregularidades;
- 220 procedimentos foram suspensos por suspeitas de
fraudes;
- foram identificadas 447 áreas de desmatamento ilegal nas
regiões Norte e Nordeste em 60 dias de operação do IEF.
2006 Jornal
Manuelzão
Cerrado: o
que estamos
fazendo
Redução significativa das áreas de cerrado pelo
desmatamento ilegal e a degradação das áreas.
2006 Jornal O
Tempo
Quadrilha é
presa
acusada de
devastar
mata nativa
em MG
A Operação Diamante Negro (Ministério Público Estadual,
Polícia Militar de Minas Gerais, Secretaria de Estado da
Fazenda e IEF) apura o envolvimento de funcionários
públicos na emissão de documentação falsa para facilitar
esquema de liberação do carvão e sonegação fiscal.
2006 Jornal Hoje
em Dia
Máfia do
Carvão: 17
presos em
Minas
Operação Diamante Negro resultados e a existência de
outros grupos ainda a serem investigados. Somente a
quadrilha investigada lesou o fisco em R$70 milhões.
2007 Jornal
Estado de
Minas
Falso hábeas
corpus liberta
empresários
Sócios das siderúrgicas Usipar e SBL, de Sete Lagoas e
Bom Despacho, presos durante a Operação Diamante Negro
em dezembro/2006, falsificaram ordem judicial para
conseguirem liberdade. Assim que foi identificada a
falsificação, iniciou-se a busca pelos acusados.
Fonte: Elaboração pelo autor a partir de coleta de informações nos meios de comunicação.
A produção de carvão tem sua ponta inicial na pequena propriedade rural de
vários municípios do Norte de Minas, com relação direta às condições sócio-
econômicas das comunidades. Conforme indicou reportagem do Jornal Estado de Minas
(FURTADO e PINHEIRO, 2006, p. 29), moradores de comunidades do Pandeiros estão
nessa mesma realidade.
O trabalho duro do carvão rende alguns reais, que são muitas vezes a única fonte
de renda da família que não recebe benefícios dos programas assistenciais do Governo
Federal. Segundo a reportagem, um carvoeiro produz com uma fornada 2 metros
cúbicos de carvão em quatro dias de trabalho. A renda é de R$64,00, num somatório
mensal de aproximadamente R$300,00 (considerando a produção vendida). Porém o
grande beneficiário dessa produção é o comprador ilegal atravessador que
comercializa esse carvão a um valor de R$120,00 nas siderúrgicas da cidade de Sete
215
Lagoas (centro guseiro de Minas Gerais). Com esse valor, um caminhão de carvão
rende aproximadamente R$5.000,00 ao atravessador.
Segundo o Sr. Walter Viana, funcionário do IEF e que atuou na APA Estadual
do Rio Pandeiros, os preços do carvão comercializado em Januária são diferenciados: o
produtor clandestino recebe de R$40,00 a R$50,00 o mdc (metro de carvão); o produtor
legalizado, entre R$70,00 e R$80,00 o mdc; os produtos são comercializados na
siderúrgica nos valores entre R$110,00 e R$115,00 o mdc. A produção e
comercialização do carvão na região da APA ocorrem, principalmente,
através de liberação de desmate para formação de pastagens, sendo que é
autorizado o aproveitamento do rendimento lenhoso na forma de carvão. A
produção de carvão clandestina que é praticamente inexistente e acontece
através de sobras de saldos nos processos legalizados. A comercialização é
feita através de caminhoneiros que adquirem o carvão pronto e transporta até
a siderúrgica, acrescentando entre 40% a 60% (dependendo da distância e do
acesso) no valor de compra (Sr. Walter Viana Neves. Funcionário do IEF.
Entrevista realizada em: abr. 2008).
A dificuldade de acesso a algumas áreas da APA Estadual do Rio Pandeiros é
um facilitador da permanência do carvão clandestino. Segundo informações do Sr.
Walter Viana, existe uma pequena produção na região de São Domingos e do Lavrado.
São pequenos focos e unidades de fornos isolados em propriedades, onde agricultores
de subsistência preservam a cultura de manter um pequeno forno, praticando o
desmatamento pelo sistema de catação, isto é, o corte de árvores individuais em pontos
diferentes.
Para o funcionário a atividade ainda é cercada por medos, mas “o peso do medo
é equilibrado: o carvoeiro com medo da multa e o IEF com medo da reação dos
carvoeiros”. Esse medo associa-se a um fato ocorrido em maio de 2006 e relatado nos
meios de comunicação referente a um atentado sofrido por um fiscal do IEF. Na Vila do
Pandeiros ocorreu uma troca de tiros funcionário do IEF e um carvoeiro, ação iniciada
pelo carvoeiro. Não houve vítimas fatais mas o fato teve como conseqüência uma
reorganização do IEF no que se refere aos funcionários que atuam na área, como forma
de garantir a integridade física dos fiscais. Segundo informações do IEF a ação da
Polícia Militar foi uma constante na região, porém ao final do apoio, o medo volta a
fazer parte do cotidiano dos funcionários.
O receio dos funcionários do IEF em apontar carvoarias pode ser expresso no
fato de que, quando procurado para informar sobre as autuações em carvoarias, obteve-
se como resposta que esses dados não existem ou que ficaram com um outro
216
funcionário que não trabalha mais no órgão, portanto perderam-se. Em outro momento,
quando buscou-se informações sobre carvoarias autorizadas, foram apontadas duas que
pertencem à área do entorno, mas não no interior da APA (FIG. 31).
Durante as observações em campo verificou-se a existência de carvoarias que
não tinha autorização para funcionamento. As dificuldades de acesso foram
impedimentos para verificar algumas, mas foi possível observar duas. Nas proximidades
da área da Plantar S/A foram observadas duas carvoarias. Uma delas não foi possível ter
acesso, pois era uma área cercada. Outra localizada a sudoeste da APA, nas
proximidades da comunidade do Angico (FIG. 32 e 33), com três carvoeiros
trabalhando. É uma carvoaria pequena, com cinco fornos. A área pertence a um terceiro
que faz a contratação dos carvoeiros. No entorno da área existem vários pontos da
estrada com processo erosivo, indicando o trânsito de caminhões que fazem o
transporte. Essas duas carvoarias estão localizadas nas áreas das cabeceiras da vereda
Alegre, que abastece a comunidade com água.
FIGURA 32 – Carvoaria - Comunidade de Poções/Angico. Imagem em: jul. 2007.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
217
FIGURA 32 – Carvoeiros. Sr. Santino na carvoaria, juntamente com outro
carvoeiro e os filhos. Comunidade Poções/Angico. Imagem em: jul. 2007.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
A sub-bacia do Catolé, afluente da margem direita do Pandeiros, também está
sofrendo com as ações das carvoarias. Em uma primeira área visitada, na fazenda do Sr.
Domingos (o Dó, como é conhecido), foram observados fornos, mas não estavam em
atividade. Próximo a essa área, foi encontrada uma carvoaria ativa, onde o Sr. Argemiro
trabalhava sozinho, controlando cinco fornos (FIG. 34 e 35). A entrevista realizada com
esse trabalhador ficou prejudicada, pois foi acompanhada pelo proprietário das terras e
patrão.
218
FIGURA 34 – Carvoeiro – Localidade Quilombo: Sr. Argemiro em moradia na carvoaria.
Imagem em: jan. 2008.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
FIGURA 35 – Local da carvoaria. Chegada do carregamento da água; fornos em produção.
Imagem em: jan. 2008.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
O fator que destaca nas duas carvoarias observadas refere-se às condições de
trabalho e moradia. Os carvoeiros passam vários dias no local, pois precisam “vigiar” os
fornos. Fica clara a situação de pobreza desses trabalhadores e sua dependência da
produção de carvão. O esquema de comercialização do carvão é marcado por relações
de poder e fraudes junto aos órgãos públicos de fiscalização e controle ambiental. Esse
esquema, denominado de Máfia do Carvão, ocorrem também na APA Estadual do Rio
Pandeiros, conforme aponta um “chapa”, em relato sobre sua atividade em momento em
que serviu de guia até a carvoaria na área da Plantar S/A
219
O destino do carvão vai para Sete Lagoas e Pitangui. Quando chega na
balança da estrada: pesa e passa [...] Já existe o pessoal certo para comprar. A
nota do carvão vale do Tijuco para lá. Existe um ponto da estrada em que
esperam que exista a fiscalização. Com isso, montam o esquema para escapar
da fiscalização. Carregam o caminhão para eles saírem de madrugada e
escapar da fiscalização. Não existe uma rotina, de todo dia colocar a madeira
para queimar na mesma hora. Coloca a madeira e fogo. Espera sair uma
fumaça azul escura; depois que ela muda de cor, vai tampando os buracos de
cima para baixo. Os buracos mais baixos são para controlar. A madeira
queima por dois ou três dias; depois espera o forno esfriar.
No caso da carvoaria da área da Plantar eles jogam água para terminar o
carvão mais rápido. Tempo é dinheiro. Jogam água dentro do forno e o
carvão não fica bom. Não se incomodam com quem está comprando [...] As
carvoarias estão acabando, mas para as pessoas a situação fica difícil, pois
não tem outro meio. Eles (o IEF através dos projetos) tiram as pessoas dali e
tem outros projetos e as pessoas até o momento aceitam, como a polpa do
pequi que está dando serviço para muita gente. Essas pessoas não estão
voltando para o carvão. A aceitação é por parte dos trabalhadores das
carvoarias (carvoeiros), porém os donos das carvoarias não gostam nem de
ouvir falar em IEF. Depois do atentado contra o funcionário do IEF, não teve
mais nada de arma (Sr. Denis. Chapa em Januária. Entrevista em: 25 jul.
2007).
Entre os donos das carvoarias o discurso da pobreza justifica a produção do
carvão. A dificuldade de localizar essas pessoas é grande, mas segundo um proprietário
de terras e carvoaria a situação se justifica pela ausência de emprego na área do
Pandeiros, porém fica evidente a situação de conflito
na visão do IEF os carvoeiros são vistos como malfeitores. Mas eles não têm
a intenção de destruir, mas sobreviver. Os trabalhadores da cidade dependem
do carvão. Muitos estão em dificuldades, pois a produção da lavoura é
pequena, não existe emprego. Atualmente muitos sobrevivem das bolsas do
governo. O carvão é feito como complemento da renda. Após a liberação de
uma área para desmate aparecem os empregos (Sr. Domingos. Morador,
comerciante, fazendeiro e dono de carvoaria na cidade de Bonito de Minas.
Entrevista em: 08 jan. 2008).
A situação de envolvimento de funcionários do IEF na Máfia do Carvão ainda é
destaque na imprensa. Segundo o Jornal Estado de Minas (2006)
o Ministério Público Estadual está convencido de que a devastação da bacia
do Pandeiros é impulsionada por uma verdadeira máfia do carvão
estabelecida na região de Januária. O promotor Hugo Barros de Moura
acrescenta que esse grupo de comerciantes e transportadores não teriam tanto
sucesso sem a colaboração de funcionários locais do IEF. Recentemente,
Moura mandou instaurar um inquérito policial, ainda em curso, contra dois
servidores do instituto [...] investigados sobe a suspeita de superestimas
deliberadamente o potencial de produção de carvão em 15 processos de
autorização de desmatamento do cerrado (FURTADO e PINHEIRO, 2006, p.
21)
220
A atividade de carvoejamento é impulsionada por forças motrizes como a
pobreza em que se encontra a região, as condições de produção agrícola e
comercialização, a dificuldade de fiscalização e entraves burocráticos do poder público
nas carvoarias, e as limitações impostas pela legislação que rege a área da APA
Estadual do Rio Pandeiros. Essas condições exercem efeitos profundos nas relações de
trabalho no campo, ampliando o quadro de dominação política e de subordinação
econômica entre as classes que se confrontam nos conflitos ali presentes. As
contratações fora da legislação trabalhista é fato comum entre os carvoeiros. Para Lima
(2004) esse fato na área rural pode representar uma nova fase do capitalismo onde as
formas de terceirização e formação de cooperativas de trabalhadores se tornam comum,
formando um novo padrão produtivo e
a disseminação de relações informais de trabalho no campo nas regiões
agrícolas de monocultura extensivas capitalistas constitui uma antecipação
histórica do padrão de flexibilização dos contratos de trabalho que a
reestruturação produtiva impôs de modo generalizado na indústria nesta
última década (LIMA, 2004, p. 16).
O Decreto 43.710/04 define que a utilização de carvão vegetal, em volume
anual igual ou superior a 4.000 mdc (metros de carvão) é obrigada a consumir produtos
oriundos de florestas plantadas num percentual mínimo de 90%, sendo facultado o
consumo de até 10% de carvão de mata nativa, desde que proveniente de áreas
autorizadas pelo IEF. A opção pelo uso desse percentual de carvão de floresta nativa
deve ser acompanhada do plantio com capacidade para produzir um volume equivalente
ao produto consumido. Outra medida prevista na legislação é o uso de outros
mecanismos como
I - recolhimento à Conta Recursos Especiais a Aplicar;
II - formação de florestas próprias ou fomentadas, no próprio ano agrícola ou
no ano agrícola subseqüente, nas modalidades de floresta de produção ou de
proteção;
III - participação em associações de reflorestadores ou outros sistemas, de
acordo com as normas fixadas pelo IEF (Decreto nº 43.710/04, Art. 64, §3º).
O Estado tem a função de preservar a flora e, para isso, possui órgãos, como o
IEF e uma legislação pertinente. Porém, essa estrutura não é suficiente para a solução
do problema do carvão clandestino. A produção na área da APA está muito mais
relacionada a uma situação de pobreza e descrença no poder público, do que a uma
221
legislação. As questões que envolvem os plantios de eucalipto e a produção de carvão
vegetal estão relacionadas à forma como são produzidos, aos projetos implantados e aos
impactos ambientais deles decorrentes. Alguns autores defendem os plantios (LIMA,
1996; GUERRA, 1995) como forma de atender à demanda das siderúrgicas, porém
destacam que procedimentos de manejo devem ser adotados para a redução dos
impactos e dos conflitos. A produção de carvão é vinculada a um mercado que passa
por constantes oscilações, como demonstram os dados da CEMIG (CEMIG, 2007). Na
década de 1990 houve uma queda e, somente agora apresenta sinais de recuperação com
o aumento das exportações. Essas oscilações afetam os moradores do Pandeiros que
ainda produzem carvão. Alguns declaram que, muitas vezes fazem o carvão e ficam
esperando o comprador/atravessador, que não aparece.
A redução da vegetação nativa e da água é o principal problema associado ao
reflorestamento e o carvoejamento, como indica alguns depoimentos e verificação em
campo.
O Cerrado está acabando, mas não lembra de quanto tempo para (Sr.
Argemiro. Carvoeiro na região do Quilombo, proximidade da Comunidade
Vereda. Entrevista em: 10 jan. 2008).
Com a produção do carvão e o desmate das cabeceiras, tem diminuído a
água. Em lugares onde corria água, agora não tem mais. Deixa as árvores da
reserva em pé. No caso do pasto, deixam algumas árvores em pé, como a
pequizeiro, favela, sucupira branca e sucupira preta. A melhor árvore para
fazer carvão é o jatobá. Ele é mais duro e rende mais. Para comprarem eles
não olham muito isso. Somente olham o cerrado e falam que é muito bom
para carvão. É o carvão que está fazendo diminuir a mata. Destruir a natureza
é coisa brava. Após sete anos, é possível voltar e fazer o carvão de novo (Sr.
Santino. Carvoeiro na região de Poções e Angico. Entrevista em: 29 julh.
2007).
O IEF tem buscado a solução do problema da produção de carvão através da
implantação de projetos. Entre os funcionários que atuam diretamente na área do
Pandeiros, existe a consciência do trabalho pela frente, quando apontam as dificuldades
como a pobreza, a pressão dos donos das carvoarias e o fato de que, quando
surpreendidos, sempre voltam a produzir o carvão. Segundo a Gerente do Projeto
Pandeiros, Sra. Helen Duarte Faria (entrevista realizada em: 24 jul. 2007), o
carvoejamento tem dois lados: o lado dos grandes que formam a chamada máfia e é
composto inclusive pelas siderúrgicas, e o lado dos pequenos, que são os produtores
rurais (alvo do projeto) que, muitas vezes entregam o carvão em troca de comida
36
.
36
Segundo informações coletadas em campo, um dos carvoeiros que tem essa prática é o Sr. José Alcides,
dono de comércio na Vila Pandeiros, irmão do também carvoeiro e autor do atentado contra o funcionário
222
Segundo o Gerente do Refúgio Estadual de Vida Silvestre, Sr. Diego Martins
(entrevista realizada em: 24 jul. 2007), a região de Bonito de Minas se destaca pela
produção de carvão ilegal. Ali a dificuldade de fiscalização é aliada a uma facilidade de
escoamento da produção. Tal fato leva a refletir sobre a burocracia e a falta de uma
política ambiental eficiente, que acabam por facilitar a produção e comercialização do
carvão ilegal em UC’s, pois a organização do grupo envolvido nessa atividade, os donos
de carvoarias, caminhoneiros, carvoeiros e siderúrgicas são bem organizados e
conseguem desenvolver uma logística capaz de inserir no mercado um produto ilegal.
6.5 - A comunidade, suas relações e conflitos: Onde é que vamos viver?
A questão que complementa o nome acima, proferida por um morador do
Refúgio de Vida Silvestre, remete a reflexões sobre a situação da comunidade e sua
importância para a real proteção da bacia hidrográfica do rio Pandeiros. Também leva a
outras questões, como: Quais laços fazem a ligação da sociedade com seu território?
Para o morador da bacia do rio Pandeiros a importância do espaço está nos elos afetivos
e de sobrevivência que mantêm com o território? Diante dessas indagações é possível
considerar Steinberger (2006) no que se refere aos questionamentos sobre uma visão de
espaço enquanto palco onde as interações ocorrem. Muitas vezes na implantação de
políticas públicas ocorre a desconsideração do papel desse espaço para as comunidades
ali presentes, anulando sua importância.
O Estado tem um papel fundamental na estruturação dos territórios, mas, para o
autor, as atuais políticas públicas devem ter o cuidado de não serem centralizadoras,
efetuando um planejamento autoritário, quando as metas e recursos se destinavam a um
público alvo, mas que são atreladas ao planejamento imposto pelo Estado. Devem
reconhecer a existência de poderes plurais, sejam federativos ou de novos sujeitos
sociais expressos nos movimentos populares, de forma que o “Estado, gestor dos
conflitos e articulador de interesses dos vários segmentos da sociedade, comanda essas
políticas que, por serem públicas, envolvem os mais diversos interesses dos atores
sociais” (STEINERGER, 2006, p.12). Assim, aponta para a necessidade de repensar a
inserção do território e do ambiente na elaboração e implementação de políticas
do IEF, Sr. Adervaldo Alves Carneiro.
223
públicas atuais, visto que foram desconsideradas em políticas anteriores que
privilegiavam apenas programas e projetos pontuais com objetivos direcionados e
setoriais, ficando as questões sociais e das comunidades locais a margem dessas
políticas.
Mesmo em projetos mais amplos a comunidade, muitas vezes, não é considerada
em suas especificidades. Com isso projetos que apresentam boas propostas quando são
implementados não alcançam os objetivos junto à comunidade. Deixam, dessa forma,
de cumprir um de seus princípios que é a eficiência na obtenção de resultados.
Um espaço ocupado por uma comunidade possui uma história. O resgate dessa
história permite compreender a organização do espaço e as relações ali presentes. Essas
relações, por sua vez, conferem ao espaço um dinamismo próprio que nem sempre é
considerado. Ocorre, assim, a imprevisibilidade de uma ação que, mesmo tendo
autonomia por fazer parte de um projeto mais amplo, pode ter um resultado diverso do
esperado. A conseqüência disso é o descrédito da comunidade frente ao Estado e suas
propostas.
A APA Estadual do Rio Pandeiros, analisada aqui como território, tem sua
história marcada por momentos com ausência do Estado e outros com a implantação de
políticas que impuseram novos direcionamentos ao território, com novos atores, objetos,
interesses e ações, permeados por relações de poder. Nesse contexto, parcela expressiva
da população permaneceu excluída dos benefícios dessas políticas.
Essa parcela excluída é formada por pequenos produtores rurais e moradores da
APA e compõe peça fundamental para o êxito de projetos que visam a sustentabilidade.
Considerar esse grupo faz parte dos procedimentos para a análise do território,
juntamente com o caráter integrador do Estado no seu papel de gestor.
Esse grupo que constitui a comunidade local deve ser pensado em suas
interações com a natureza, a política, a economia, a cultura em suas múltiplas relações
de poder. As complexas interações vivenciadas por esses habitantes desenvolvem o
sentimento de pertencimento junto ao território. O elo entre o homem e o espaço ocorre
independente dessas interações serem voltadas para a sobrevivência ou em condições de
subordinação ao controle das leis ambientais ou à organizações presentes no local, como
a “máfia do carvão”.
Não é possível dissociar o território dos homens que o constitui. Na área de
pesquisa são esses homens que modificam o ambiente físico e as estruturas produtivas.
A tomada de decisão e o comportamento de cada indivíduo ou grupo têm a capacidade
224
de alterar o espaço definindo micropoderes simbólicos e vividos no cotidiano, como
considerou Haesbaert (2004).
A agricultura familiar e a pecuária sempre foram a base da economia local. Mas
a economia da região de Januária passou por profundas transformações decorrentes da
sua inserção em um mercado capitalista mais amplo, onde produtos antes
comercializados nas feiras locais passaram a chegar de regiões distantes e com preços
menores, pois são produzidos por grandes empresas, como é o caso do feijão e da
farinha de mandioca. Com isso o quadro de carência dos pequenos produtores rurais se
agravou, no momento em que perderam mercado e o que produziam não conseguia
competir em preço com os produtos importados de outras regiões do estado ou do país.
Essa realidade se expressa na fala dos entrevistados
as pessoas comercializam na feira. A maior dificuldade para as pessoas da
roça é vender o produto (Sr. Afonso. Presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Januária. Entrevista em: 26 jul. 2007).
As pessoas cultivam e vivem desse cultivo. Usam para sobrevivência e
vendem um pouco. Acham muito difícil, falta motivação. Eles vendem muito
cachaça e rapadura (Sr. Eduardo. Comunidade da Larga. Entrevista em: 26
jul. 2007).
Na área em que mora, produz mandioca, faz farinha, sobra um pouco para
vender, mas o preço é muito baixo - R$20,00 o saco de 50 quilos (Sr.
Santino. Carvoeiro em carvoaria na comunidade de Poções/Angico.
Entrevista em: 29 jul. 2007).
A dificuldade não está apenas na comercialização, mas inicia-se no plantio,
quando as condições do solo são desfavoráveis. Até o momento anterior à APA, muitos
produtores usavam as áreas de veredas para o cultivo, incentivado pelo PROVÁRZEA,
mas atualmente existe a proibição. Os impedimentos ligados à legislação ambiental,
fortalecidos pela presença do IEF, tornaram-se um ponto de insatisfação e conflito.
A primeira dificuldade é que a maioria dos terrenos são fracos para trabalhar.
As beiras dos rios e os brejos estão proibidos para plantar. Então dependemos
de um incentivo grande para produzir e plantar, como o caso do biodiesel que
vem aí, para plantar mamona. Se tiver um incentivo para essas pessoas,
acredito que melhora. A EMATER arruma as sementes, de feijão, de horta. O
pessoal é muito ignorante, querem fazer do jeito que faziam; precisa ter uma
pessoa para ensinar. Tudo aqui para nós é difícil. Se planta uma lavoura, não
acha quem compra; para vender melhor tem que ir para Chapada Gaúcha
(cidade vizinha), quando vai para Januária, às vezes não vende. O forte aqui é
a farinha de mandioca; com dois anos produz; vai vender um saco de farinha
por R$30,00 e não acha quem compra. Um comércio de Januária compra 5
sacos de farinha. O que mais se produz é a farinha, pois a mandioca onde
planta ela (Sr. Mário Silvério Viana. Líder comunitário de Várzea Bonita.
Entrevista em: 25 jul. 2007).
225
O problema é que não tem lugar de plantar, como o caso do feijão. O terreno
é fraco e não tem irrigação. Não falta água para uso, tem o rio Pandeiros que
traz água encanada. Essas pessoas que cultivam não recebem apoio (Sr. José
Francisco. Comunidade de Campos região do pântano. Entrevista em: 25
jul. 2007).
A falta de apoio técnico em algumas comunidades da APA é um agravante da
produção agrícola. Essa ausência gera a descrença da população nos órgãos do Estado.
Dentre as sete comunidades visitadas para entrevistas, os representantes de cinco
apontaram para essa ausência de assistência técnica para o cultivo. São elas: Vila
Pandeiros, Larga, Vereda, Poções/Angico e Campos. Em algumas o IEF se faz presente,
como na Larga, mas com o projeto específico e não com o apoio esperado para
alternativas de cultivo. Cabe aqui ressaltar que esse tipo de apoio deveria ser oferecido
por outros órgãos, como a EMATER. Os depoimentos apontam para essa realidade
Não recebem apoio de ninguém. Anteriormente conseguiam plantar nos
brejos, feijão, milho, arroz, e hoje não conseguem mais pois acabou tudo,
ficou tudo seco e a umidade é pouca. Eles comentam que cada ano que passa
vai ficando mais difícil. O motivo é atribuído ao tempo, redução das chuvas
(Sra. Geralda. Presidente da Associação Comunitária Amigos do Distrito do
Pandeiros. Comunidade de Vila Pandeiros. Entrevista em: 28 jul. 2007).
Não existe a assistência técnica e com isso as pessoas desistem. Precisavam
ganhar com a lavoura aquilo que ganhavam com o carvão (Sr. Oswaldino.
Líder comunitário da Larga. Entrevista em: 11 jan. 2008).
Não tem assistência. A esposa recebe bolsa escola (Sr. Argemiro. Carvoeiro
na localidade do Quilombo, próximo à comunidade da Vereda. Entrevista
em: 10 jan. 2008).
Existe o apoio da EMATER, com um técnico. Está tentando fazer o projeto,
mas depende das associações que estão endividadas e mal administradas e,
por isso, não conseguem financiamento (não prestam contas e a Receita
Federal barra tudo). Os sindicatos tentam ajudar. A principal fonte de renda
do pequeno produtor é feijão, mandioca. Mas sobra pouco para a venda (Sr.
Faustino Rodrigues da Silva. Ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Bonito de Minas. Entrevista em: 10 jan. 2008).
O quadro de carência não está mais grave em decorrência dos programas do
governo, que ofertam algum recurso para essa população, apesar das críticas de alguns
moradores a esse tipo de programa social.
A atividade foi importante para suprir a agricultura e muitas pessoas fizeram
carvão. Mas hoje estão sem o plantio e sem o carvão. Recebem ajuda do
governo, alguns tem emprego e outros arrumam bicos. Muitos jovens do
Pandeiros estão indo trabalhar em Patrocínio e para Brasília. A população
jovem está indo embora. A população mais velha, que conseguiu se garantir
na aposentadoria está ficando (Sra. Geralda. Presidente da Associação
226
Comunitária Amigos do Distrito do Pandeiros. Comunidade de Vila
Pandeiros. Entrevista em: 28 jul. 2007).
As pessoas daqui não estão preocupadas com isso, não ligam. estão
preocupadas se tem a Bolsa Renda, Bolsa Escola, se já chegou na idade de 55
e 60 anos para aposentar. Antes de ter esses assuntos do governo (referindo-
se aos programas sociais), o pessoal plantava mandioca, feijão, arroz, mas
depois desses incentivos do governo, tem aqui preguiçoso. As pessoas
deixaram de trabalhar (Sr. Erondino. Comunidade de Várzea Bonita.
Entrevista em: 25 jul. 2007).
.
Outra visão é apontada pelo Sr. João Batista, funcionário da Cáritas do Brasil em
Januária. Para ele existem problemas isolados, que de certa forma contribuem para as
pessoas não trabalharem, mas são casos isolados. Além de uma redução na situação da
fome, o trabalhador teve sua exploração reduzida
é preciso saber que ainda existem muitas pessoas passando fome. Essa é a
realidade. Por outro lado serviu para valorizar o trabalhador rural que era
explorado por fazendeiros, que pagavam R$5,00 por tarefa. Hoje eles chegam
para o fazendeiro e não aceitam. Tem dignidade. Dizem que o governo está
pagando R$15,00. Por isso é que alguns falam que isso está servindo para
deixar o pessoal preguiçoso (Sr. João Batista. Entrevista em 29 jul. 2007).
Os fatores apontados acima afetam diretamente a produção e comercialização
agrícola. Esse quadro traz como conseqüência a produção de carvão enquanto
alternativa de renda para essas pessoas. Mesmo conscientes dos impedimentos legais e
do medo da multa, a produção persiste. Tal fato foi verificado em campo, confirmando
os relatos das entrevistas.
Na área da APA existem pontos onde o carvão é depositado, aguardando
transporte (FIG. 36). Segundo informações coletadas, nesses pontos misturam-se o
carvão nativo com autorização ao clandestino.
227
FIGURA 36: Carvão aguardando carregamento. Comunidade da Vila Pandeiros
Imagem em: 24 jul. 2007.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
Algumas famílias estão buscando alternativas de renda na coleta do babaçu para
comercialização em Januária (FIG. 37). O material é acumulado na estrada e um veículo
faz o transporte até a olaria, onde é queimado no forno (FIG. 38). Porém o valor para
pelo produto é bastante reduzido. Um saco do fruto do babaçu, com peso de
aproximadamente 20 quilos é vendido por R$2,00. Como aponta alguns moradores da
comunidade, “não dá para viver de babaçu”.
FIGURA 37 - Palmeira do babaçu e fruto - região de Bonito de Minas. Imagem em: 08 jan. 2008.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
FIGURA 38 – Babaçu aguardando transporte. Imagem em: 08 jan. 2008.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
228
O uso do babaçu indica que a comunidade do Pandeiros ainda percebe na
natureza alguns elementos que tornam-se recurso para a sobrevivência. A extração dos
recursos naturais pela comunidade, sendo possível incluir o pequi que se destaca na
época da coleta por seu valor comercial e aceitação no mercado, está ameaçada pela
produção de carvão. A retirada da vegetação nativa para servir de matéria-prima aos
fornos das siderúrgicas provoca o rompimento dos sistemas naturais, deixando um
rastro de impactos no ambiente.
A comunidade demonstra a preocupação com a redução da água, com
esgotamento desse recurso em alguns lugares (FIG. 39). A redução da água em algumas
comunidades fez com que os córregos secassem totalmente, levando à comunidade a
furar poços para conseguir água. Segundo depoimentos, esse é o caso do córrego
Palmeira, na comunidade Vereda que teve sua cabeceira desmatada para a produção de
carvão (FIG. 40). Os processos erosivos estão distribuídos por toda a bacia decorrentes
não apenas da extração da vegetação, mas da passagem dos caminhões que fazem o
transporte. Algumas estradas estão intransitáveis, fato que causa transtornos para a
comunidade que depende das estradas que ligam as cidades. O isolamento de algumas
comunidades é agravado com a interrupção das vias de acesso (FIG. 41).
FIGURA 39 – Córrego Maria Crioula. Imagem em: 08 jan. 2008.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
229
FIGURA 40 – Córrego Palmeira. Imagem em: 08 jan. 2008.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
FIGURA 41 – Processos erosivos nas estradas. Imagem de: jul. 2007.
Autoria: BETHONICO, M. B. de M.
230
Mesmo com uma diversidade no que se refere à forma de ocupação do espaço e
o uso dos recursos naturais, os lugares estão interligados por redes e através dos fluxos
e, no caso da região Norte de Minas sua ligação é expressa, também pela produção de
carvão vegetal a ser enviado para as regiões guseiras do estado, compondo uma divisão
territorial do trabalho e definindo relações entre moradores e meio ambiente. Segundo
Santos e Silveira (2003)
a divisão territorial do trabalho cria uma hierarquia entre lugares e redefine, a
cada momento, a capacidade de agir das pessoas, das firmas e das
instituições. Nos dias atuais, um novo conjunto de técnicas torna-se
hegemônico e constitui a base material da vida da sociedade (SANTOS e
SILVEIRA, 2003, p. 21)
Nesse contexto de divisão territorial, a região em que está inserida a APA
Estadual do Rio Pandeiros tem como uma de suas características a pobreza e baixos
investimentos do poder público que possam melhorar essa situação. A população rural
serve como espelho desse quadro de carência e ausência de investimentos. Ela é, muitas
vezes, responsabilizada pela extração de madeira em áreas de proteção, trazendo a
instabilidade ambiental para a área, porém, como lembra Morsello (2001), elas não
podem ser as
únicas, nem muito menos as principais culpadas da extração de madeira em
UCs. Muitas vezes empresas madeireiras, valendo-se das dificuldades de
controle pelos órgãos de manejo, invadem áreas protegidas para realizar
atividades. Ainda pior, algumas vezes isso é feito com a conivência de
responsáveis por essas áreas, beneficiados de alguma forma por esses
empresários. Muitas vezes esse problema é agravado em nações em
desenvolvimento onde funcionários das UCs são extremamente mau
remunerados e, portanto, sujeitos a subornos (MORSELLO, 2001, p. 230).
Apesar da situação de envolvimento de funcionários ter sido denunciada e
apurada por órgãos competentes, cabe ressaltar que a baixa remuneração de
funcionários de UCs não pode ser associada a situações de suborno, de forma
generalizada, como afirma Morsello (2001) na citação acima, pois essa é uma situação
existente em vários segmentos da sociedade.
Outro fator essencial para a conservação da área e que é gerador de conflito é a
comunidade enquanto ator. Segundo depoimentos, a comunidade não participou da
definição da APA Estadual do Rio Pandeiros. Apesar da implantação ter ocorrido em
momento posterior à algumas discussões sobre a necessidade de participação das
231
comunidades, como ocorreu na Conferência realizada no Rio de Janeiro Rio 92,
optou-se ainda por manter uma visão de unidade de proteção limitada aos elementos
bióticos e abióticos, desconsiderando os seres humanos e suas relações econômicas e
com o meio ambiente.
Também não se considerou sua história e a do espaço que ocupam, formada
alguns séculos. Essa UC obedeceu a prática de decisões “de cima para baixo”, quando
novamente o Sertão foi considerado como um “vazio demográfico” e os moradores
mantiveram sua invisibilidade, repetindo a mesma situação de 1970. A diferença é que
se deixou o objetivo de crescimento econômico e, agora, está sob o discurso da proteção
ambiental. Com isso o espaço foi reorganizado e o homem local, atônito, não viu
alternativa a não ser adaptar-se ao novo gestor da área e de suas vidas – o Estado/IEF.
Que eu me lembre não fomos chamados para discutir a criação. No momento
somos chamados, quando vai a liderança ou algum representante (Sr. Mário
Silvério. Comunidade de Várzea Bonita. Entrevista em: 25 jul. 2007).
Antes de 1995 não chamaram para falar da APA. Criaram sem conversar. O
IEF tem buscado recolher as idéias dos moradores e buscar soluções e ver o
que precisam (Sr. Eduardo. Comunidade da Larga. Entrevista em: 26 jul.
2007).
Só falaram que iam fazer umas picadas, do Pandeiros para cá. As máquinas já
estão ai. Iam cercar as terras do pântano para o gado e as pessoas não
chegarem lá. Eu acho que esse povo está errado. Onde é que vamos viver?
Nós não tem um cavalo, não podemos criar um gado, uma vaca para tirar o
leite. Tudo isso nós falamos na reunião. Nós temos um pedacinho de cana
para dar alimento para o gado no período da seca. Na seca a valência dos
bichinhos é na beirada do rio, mas ai tapam e acabou (Sr. José Francisco.
Comunidade de Campos. Entrevista em: 25 jul. 2007).
O Sr. José Francisco levantou um questionamento que, talvez, seja expressão
comum (onde é que vamos viver?), demonstrando uma situação forte na área do
Refúgio Estadual de Vida Silvestre, onde a população foi excluída da proposta. Nas
falas do Sr. Mário e Sr. Eduardo percebe-se que atualmente as pessoas são chamadas a
participar das discussões, em uma situação de tentativa de reverter uma falha inicial.
Pereira (2005) alerta para outro problema é a não participação da comunidade ou
a sua participação limitada a uma pequena representação. Com a criação de uma UC
parte da decisão de esferas superiores, as reivindicações da população local não são
ouvidas ou consideradas. Algumas vezes as manifestações limitam-se a grupos locais
mais articulados politicamente e que possuem interesses específicos. Tal situação gera
um jogo de forças e poderes em diversas escalas. Para a autora, com a baixa
232
participação da população, os tecnocratas apropriam-se de discursos de segmentos
específicos, como latifundiários ou, no caso específico dessa pesquisa, as siderúrgicas e
a “máfia do carvão”, implementando procedimentos políticos disfarçados de soluções
técnicas.
A Lei 9.985/2000, que criou o SNUC, propõe a participação das comunidades
locais, além de um trabalho de educação ambiental. Porém apenas a lei não basta. É
preciso construir alternativas para a comunidade, como forma de compensar os recursos
adquiridos com a produção de carvão. Essas alternativas se concretizam em políticas
públicas eficientes. A conservação da biodiversidade no Brasil está diretamente
relacionada a essa eficiência, capaz de reverter o quadro de degradação deixado por
políticas passadas e pelas carvoarias. Os efeitos positivos serão concretizados somente
com a participação da comunidade. É importante uma investigação do comportamento
das unidades familiares envolvidas com a agricultura, pois são participantes diretas na
conservação. Com isso tem-se a democratização na implementação das políticas
ambientais no Brasil.
Um dos objetivos da criação da APA foi a importância dessa bacia para o rio
São Francisco. A relação vital entre o Pandeiros e o rio São Francisco remete à
necessidade de, ao se falar de revitalização e transposição das águas do São Francisco,
falar igualmente da conservação da bacia do Pandeiros. Porém essa conservação vai
além dos aspectos ambientais e alcançam as questões sociais e econômicas da área. Os
projetos com metas à sustentabilidade da área esbarram em questões administrativas,
burocráticas e de recursos, como citado anteriormente.
O carvão acabou com o rio, acabou com tudo. Eles não sabem viver se não
tiver o carvão. A preocupação hoje é que se acabar o carvão na região, eles
vão tudo para a cidade. E ir para a cidade para fazer o que? A atividade do
carvão é apenas uma complementação de renda. Eles dependem dele para
viver. Mas sabem que está acabando o caminho deles. A gente se preocupa
porque está terminando. Se continuar daquele jeito, daqui a 10 anos não se
tem mais nada. Muitos trazem a idéia de que a produção de carvão foi um
benefício. Muitos choram porque hoje não tem condições de fazer. Sabem
que o carvão acabou e a preocupação é como vão viver. Não é pela
proibição do IEF, mas por causa da matéria-prima que não existe mais a
madeira (Sr. Afonso. Presidente do Sindicado dos Trabalhadores Rurais de
Januária. Entrevista em: 26 jul. 2007).
Tinha uma pessoa, o José Eduardo, que trabalhava na Cáritas, que estudou e
conversa com a comunidade, dava uma aula junto com o IEF. Falava que isso
tinha que parar (carvão e desmatamento), tinha que ter a preservação e que se
o pessoal continuasse era pior, então ele morreu. Tinha gente que achava
ruim e não queria escutar, falava que “puxava saco” do pessoal do governo.
Depois que isso aconteceu (tem dois anos da morte) veio outro que
233
trabalhava no IEF, o Manuel Alcides que saiu do IEF e foi trabalhar na
Cáritas, porque gostaram muito do trabalho dele. Não tem mais ninguém que
produz carvão aqui. O pessoal foi conscientizando com as falas de que isso
não era bom...Hoje o pessoal está bastante entendido. Já teve muita gente que
fazia esse carvão por necessidade. Passava o caminhão e recolhia o que era
produzido. Mas quem ganhava dinheiro era o pessoal do caminhão. Vendiam
o metro de carvão. Pararam por causa da conscientização e porque já não tem
mais árvore, alguma coisinha por aí. Veio um pessoal do Rio de Janeiro
ensinar outras coisas, como criar abelha, peixe. Na época das reflorestadoras
foi de muito sofrimento, o trabalho nas carvoarias era pesado, pagavam
pouco e quem ganhava dinheiro era o caminhoneiro. Destruíram as matas e
agora ficaram sem nada. A idéia das pessoas na época é de que seria bom (Sr.
Eduardo. Comunidade da Larga. Entrevista em: 26 jul. 2007).
O IEF tem buscado a solução para esse problema através de projetos. Um deles é
o Projeto Pandeiros. As dificuldades da área têm chamado a atenção da imprensa que
destaca os recursos limitados para um dos afluentes do São Francisco.
De acordo com o Jornal Estado de Minas, os recursos do IEF são poucos e,
apesar de contar com a colaboração do Ministério Público Estadual no direcionamento
de recurso de termos de ajustamento de conduta, as dificuldades são grandes.
Uma dessas ações do Ministério Público Estadual foi proveniente de uma
autuação da CEMIG pela retenção de água e descargas de fundo de barragens com
sedimentos na hidrelétrica Pandeiros, localizada a 30 quilômetros da foz do rio.
Atualmente a hidrelétrica é usada para equilibrar a tensão na rede de transmissão de
eletricidade da região (FURTADO e PINHEIRO, 2006, p. 19). Recursos como estes são
destinados ao Projeto de Recomposição Florestal e Desenvolvimento Sustentável das
APA’s Pandeiros, Cocha e Gibão, que tem como meta promover alternativas de renda
para a população em troca da preservação das veredas e do cerrado, principalmente
através da não produção do carvão.
O IEF tem buscado, assim, implementar a sustentabilidade oferecendo outra
renda aos moradores que fazem carvão. Entre eles encontram-se a Casa de Farinha, de
apicultura, agricultura e pecuária de pequeno porte e manejo florestal sustentável em
pequenas propriedades. As atividades são desenvolvidas em algumas comunidades com
o objetivo de aumentar a renda das famílias.
Outra ação é a regularização fundiária, momento em que foi acompanhado
durante as observações de campo. Durante as observações, foi possível conversar com
alguns moradores ali presentes. Percebeu-se que para muitos a regularização de terras
significava conseguir autorizações para desmate e produção de carvão.
Essas falas apontam para o fato do carvão ainda ser uma fonte de recurso rápido,
porém o medo da multa faz com que busquem formas de regularização a atividade.
234
Alguns resultados foram apontados, como a ampliação dessa renda, de R$ 50,00 per
capita mensal para R$74,10 nas comunidades que estão trabalhando com a coleta e
beneficiamento do pequi. O projeto possui parcerias com entidades voltadas para a
siderurgia e produção florestal (ASIFLOR Associação das Siderúrgicas para Fomento
Florestas; APFLOR Associação dos Produtores Florestais do Sudoeste de Minas
Gerais). De acordo com a coordenadora do projeto, a bióloga Helen Duarte Faria,
algumas ações previstas, como a educação ambiental, não se concretizaram.
A grande dificuldade na implantação dos projetos coordenados pelo IEF é a sua
aceitação junto à comunidade. Ainda persiste a visão de um órgão voltado apenas para a
fiscalização e aplicação de multas. A Cáritas do Brasil iniciou esse projeto junto ao IEF,
mas a parceria não prosseguiu. Segundo o Sr. João Batista
o Cáritas não tem problema com o IEF. Mas a questão é que em algumas
áreas de atuação da Cáritas, as pessoas da comunidade não vêem o pessoal do
IEF muito bem. Uma coisa é você chegar sozinho, da Cáritas, outra coisa é
chegar junto com pessoas do IEF. A comunidade tem um olhar diferente. Em
algumas comunidades esse trabalho funciona bem, como é o caso da
Cabeceirinha (perto da Larga); tem outros que trabalham junto com o IEF e a
Emater e tudo vai bem. Mas as coisas estão melhorando, aos poucos está
ocorrendo uma aceitação (Sr. João Batista. Funcionário da Cáritas do Brasil
em Januária. Entrevista em: jul. 2007).
Porém o tempo de uma política pública não é o mesmo da necessidade dos
moradores que precisam do dinheiro para alimentação, vestuário, remédios, dentre
outras, levando-os a desanimarem e voltarem à produção do carvão.
Essa assistência, a ser promovida pelo IEF, segue o disposto no Decreto
43.710/04, que regulamenta a política florestal e de proteção à biodiversidade. Segundo
a legislação, em áreas de preservação permanente que contém ocupação antrópica
consolidada e que não existe uma alternativa para remoção dessa comunidade, devem
ser adotadas medidas mitigadoras e práticas culturais conservacionistas. Devem ser
seguidos os critérios técnicos definidos pelo órgão competente, porém com respeito às
peculiaridades locais. Em caso de alternativa de remoção, tal ação ocorrerá após o ciclo
produtivo da cultura anual, devendo ficar a área para a regeneração natural ou através de
plantio (Art. 11).
Alguns incentivos estão previstos para o caso de produtores que adotem medidas
de preservação ou conservação
Art. 40 - O produtor rural que, nos termos do regulamento do - IEF, preservar
ou conservar as tipologias florestal e campestre da propriedade, proteger a
235
fauna, solo e água, sofrer limitações ou restrições no uso de recursos naturais
da propriedade, mediante ato do órgão competente federal, estadual ou
municipal, para fins de proteção dos ecossistemas e de conservação do solo,
tem direito aos seguintes benefícios:
I - assistência técnica gratuita para os fins dispostos no caput deste artigo;
II - prioridade na assistência técnica e gratuita de projetos de ecoturismo,
artesanato, apicultura, aqüicultura e sistemas agroflorestais;
III - prioridade no atendimento pelos programas de infra-estrutura rural,
notadamente os de proteção e recuperação do solo, energização, irrigação,
armazenagem, telefonia e habitação;
IV - a preferência na prestação de serviços oficiais de assistência técnica e
de fomento, notadamente ao pequeno proprietário rural e ao agricultor
familiar;
V - o apoio técnico - educativo ao pequeno proprietário rural, em projetos
de reflorestamento, com a finalidade de suprir a demanda de produtos e
subprodutos florestais, minimizando o impacto sobre as formações nativas;
VI - direito ao uso do solo, para implantação de estruturas básicas de
moradia e para o desenvolvimento de atividades de ecoturismo, mediante
autorização do IEF, desde que não haja outra alternativa locacional.
As ações lesivas ao meio ambiente serão punidas com advertências e multas
37
,
de forma cumulativa ou não. Essa função destinada ao IEF é um dos problemas
enfrentados junto à comunidade, um gerador de conflitos.
Aos poucos o IEF tem buscado alterar sua posição frente às comunidades.
Segundo o Sr. Walter Viana, o trabalho deve ser permanente e em vários locais,
realizado por alguns funcionários mesmo com o baixo investimento e infra-estrutura
disponibilizada pelo Estado.
foram feitas centenas de palestras e visitas e até mesmo gincanas em
escolas públicas e associações comunitárias da região com esta finalidade,
realizadas por equipe técnica do IEF e Corpo de Bombeiro. A proposta para
modificar a situação é colocar as secretarias de agricultura e secretarias de
ação social (municipal, estadual e federal) para funcionarem junto aos
agricultores de subsistência. As secretarias acima citadas é que tem
competência e preparação para resolver os problemas dos agricultores de
subsistência. Os problemas ambientais são reflexos de uma utilização do solo
sem sustentabilidade (Sr. Walter Viana. Entrevista em: abr. 2008).
A relação com os pescadores é, também alvo do trabalho do IEF na região.
Segundo o depoimento do Sr. Simião, o relacionamento com o IEF
varia muito de região para região. Aqui não existe problema. Existe uma
parceria com a guarda florestal. Defendo a tese de que trabalhar em parceria é
melhor. temos uma relação legal com o engenheiro de pesca que ajuda no
37
Art. 75 - Observada a natureza ou grau da infração cometida, as infrações administrativas são punidas,
cumulativamente ou não, com as seguintes sanções:
I - advertência;
II - multa, que será calculada por unidade, hectare, metro cúbico, quilograma, metro de carvão ou
outra medida pertinente, de acordo com a natureza da infração cometida, lavrando-se o respectivo auto de
infração (Decreto 43.710/04).
236
que diz respeito à pesca. Existe lugar em que o presidente coloca que o IEF é
prejudicial; criticam que fecham a pesca e não existe uma contrapartida e o
pescador fica sem renda de uma hora para outra. Com a criação da APA e do
Refúgio melhorou o relacionamento do pescador com a polícia ambiental,
com bate-papo e respeito entre eles. Com isso os pescadores ficaram mais
conscientes. Antes os cardumes do pântano eram menores. Agora para
notar que aumentou bastante o volume de peixes, subindo o rio com dia de
sol claro para ver surubim no fundo. O dourado, que mais reproduz no
Pandeiros, aumentou bastante a quantidade no rio, mesmo com todo o
assoreamento. Mas não para dizer que a causa seja a criação da área de
proteção ambiental (Sr. Simião Reginaldo. Presidente da Colônia de
Pescadores de Januária. Entrevista em: 10 jan. 2008).
Diante das dificuldades e avanços, é importante considerar que a elaboração de
políticas públicas não deve ocorrer de forma autoritária, como lembra Steinberger
(2006, p.30), mas existe a expectativa que seja adotado um planejamento compartilhado
entre Estado e sociedade, com a “construção de pactos e compromissos enunciados em
políticas públicas nacionais, cuja finalidade última seja promover transformação social”.
Para tal torna-se importante considerar o espaço com suas variações no momento dessa
elaboração enquanto elemento que não é inerte e nem passivo
ao contrário, tem um poder de determinação sobre ações que ocorrem em
contextos historicamente configurados, razão por que os mencionados pactos
e compromissos possuem uma dimensão espacial. Nesse sentido, supõe-se
que a função precípua das políticas públicas nacionais de caráter espacial seja
a de propor ações que representem espacialmente os interesses coletivos
explícitos ou implícitos em pactos e compromissos (Steinberger, 2006, p.32).
As dificuldades não estão apenas as ações do IEF. Outras entidades encontram
barreiras políticas e culturais
é um desafio criar cooperativas para escoar os produtos, ainda mais agora que
os grupos de produtivos de economia solidária começaram a produzir,
nosso receio é que essa produção não tenha mercado e a pessoa desacreditar.
Nós enchemos eles de ânimo, mas esperamos que os produtos (orgânicos)
tenha aceitação no mercado. Temos muita resistência de algumas pessoas,
das famílias, mas principalmente, por conta de nossa instituição não ser bem
vista pelos políticos, pois fazemos um trabalho de formação e
conscientização, em todos os sentidos. Nós somos os facilitadores dessas
comunidades mas para eles serem agentes. Quase sempre tem essa
interferência política, que repercute muito mais que o fato de sermos pessoas
de fora, por que as pessoas estão acostumadas com as questões da política,
essa politicagem; as vezes tem um político que é vereador, irmão do prefeito,
etc., que não faz nada pela região; chega na época da política, faz uma festa,
mata um boi, um jogo de camisa para um time de futebol e ganha o povo
de novo. Nós chegamos mostrando para eles uma outra visão; mostrando o
que é o dever o que eles têm que realmente fazer diante disso tudo, diante
desse coronelismo que ainda impera aqui na região. Esse é um desafio. As
novas lideranças, mais jovens, já estão com uma nova visão (Sr. João Batista.
Funcionário da Cáritas do Brasil. Entrevista em: jul. 2007).
237
Muitos funcionários do IEF acreditam nos projetos e trabalham para sua
concretização. Porém problemas burocráticos, de recursos e de falta de segurança
contribuem para o prejuízo do trabalho e a descrença da comunidade.
6.6 - Produzir e preservar – um conflito do Estado?
O território é o espaço da prática, como lembra Becker (1988). Essa prática se
traduz em sistemas de objetos e ações que são regulados pela política e pelo mercado,
definindo a diferenciação entre os territórios. O Estado é um dos atores que atuam no
território como representante político, mas não mais como o único centro do poder. O
encontro de poderes no território é a fonte de conflito, quando grupos, indivíduos,
organizações e o próprio Estado buscam o acesso aos recursos não apenas não apenas
naturais, mas de poder, riqueza e prestígio.
A definição de uma UC traz implícita a limitação do uso de um recurso, através
de uma legislação. No Brasil cabe ao Estado fazer cumprir essa legislação, com a gestão
dessas áreas públicas e a solução dos conflitos ali presentes. Porém o cumprimento
dessa legislação de forma precisa é atravessado por outros interesses de segmentos com
poder suficiente para direcionar as ações do Estado, ou mesmo a sua “não ação” frente
aos conflitos. Essa “não ação” se faz presente na carência de recursos e infra-estrutura
destinados aos órgãos responsáveis pelas questões ambientais.
A sociedade atual tem como uma de suas marcas a contradição no que se refere
ao crescente consumo de bens e a consciência da importância de proteger o meio
ambiente, mesmo que este seja visto apenas como base material e fornecedor de
matéria-prima para seus produtos. Ribeiro (2005) percebe que esse movimento como
uma nova postura da sociedade de consumo, como parte de um sistema internacional
que está em construção. Essa contradição é expressa, no Estado.
Discutindo essas questões Drew (2002) destaca que na fase atual da sociedade, a
sensação de viver melhor está associada a um aumento do consumo, mas a degradação
dos ecossistemas tem gerado uma nova concepção da relação homem-natureza e a
formação de um novo paradigma, juntamente com a uma nova possibilidade para o
238
capital se organizar, com o uso das questões ambientais no processo de acumulação,
situação já citada no exemplo da empresa Plantar S/A.
Para o controle dos conflitos e contradições da sociedade, o Estado faz uso do
poder legitimado por uma legislação. Assim, o Estado tem o poder de intervir na
liberdade do indivíduo mediante provas de que pode fazê-lo, que são as leis. No caso da
APA e do Refúgio de Vida Silvestre isso se traduz na adequação da vida cotidiana dos
moradores às normas.
O uso desse poder pelo Estado se fez presente em outros momentos na história
da APA. Em Minas Gerais, desde o início do século XX, com a descoberta das reservas
de ferro, o Estado passou a adotar políticas voltadas para o desenvolvimento e
fortalecimento dos segmentos de mineração e siderurgia. A articulação dos atores
políticos controlou todo o processo de desenvolvimento industrial. A participação do
Estado foi forte e autoritária, condenando setores subalternos da população a toda sorte
de restrições e a ficarem na periferia dos benefícios do progresso.
O Estado é o responsável pela política ambiental, mas também pela econômica.
Um dos grandes desafios atuais é conciliar essas duas vertentes, sem desconsiderar os
aspectos sociais e culturais. O conflito do Estado está nessa conciliação, pois os
problemas ambientais são problemas políticos e, no Brasil, o político está diretamente
vinculado ao econômico. Ocorre, dessa forma, a implantação de políticas públicas
voltadas para o desenvolvimento econômico, com intervenções danosas ao meio
ambiente, como é o caso dos reflorestamentos com eucalipto para abastecer a siderurgia.
No caso das medidas de proteção, o Estado não adota de forma integral as medidas
previstas na legislação, como a infra-estrutura para as UC’s.
Com o predomínio da política econômica, na implantação de políticas públicas
mais eficientes, o Estado se torna o protagonista do ordenamento territorial, quando a
lógica da acumulação capitalista caminha junto com a lógica territorial, com o aval do
Estado.
Dessa forma, atender as necessidades naturais humanas requer ampliar o uso dos
recursos naturais. O crescimento populacional aliado à ampliação da expectativa de vida
no mundo e no Brasil levou a uma superexploração da natureza. A criação de novos
produtos, tornados essenciais ao homem moderno pelo sistema capitalista, o
esgotamento dos recursos naturais em curto prazo, fez surgir uma crise na sociedade.
Essa crise, porém, não é percebida por Leff (2006, p. 15) como uma “catástrofe
239
ecológica”, mas como uma crise da racionalidade moderna e da economia do mundo
globalizado.
Segundo Leff (2006) os primeiros questionamentos surgiram junto ao
pensamento filosófico e a sensibilidade poética. Mesmo com a ampliação para outros
segmentos da filosofia e da ciência, não foi suficiente para
nos mostrar a radicalidade da lei limite da natureza diante dos desvarios da
racionalidade econômica [...] a crise ambiental irrompe no momento em que
a racionalidade da modernidade se traduz em uma razão anti-natura. Não é
uma crise funcional ou operativa da racionalidade econômica imperante, mas
de seus fundamentos e das formas de conhecimento do mundo. A
racionalidade ambiental emerge assim do questionamento da
hipereconomização do mundo, do transbordamento da racionalidade
coisificadora da modernidade, dos excessos do pensamento objetivo e
utilitarista (LEFF, 2006, p. 16).
A sociedade moderna deu origem à racionalização econômica do mundo e, com
esse processo, a sociedade tem consumido as suas bases de sustentação, a natureza. Isso
por considerar a sua capacidade de renovação ou por julgar a ciência e a tecnologia
capazes de apontar caminhos no sentido da descoberta de novos materiais. Mas o
próprio conhecimento tem levado a uma desestruturação dos sistemas naturais,
causando degradação dos ambientes e a desnaturalização da natureza, nas palavras de
Leff (2006). Porém, a própria natureza expõe os seus limites levando à necessidade de
resignificação do mundo, com a defesa da vida, alimentando sentimentos e ações
solidárias em um convívio mais harmônico entre os homens e nas relações com o meio.
Essa resignificação nem sempre faz parte dos planos econômicos, acarretando conflitos.
Segundo Acselrad (2005) os conflitos relacionados às questões ambientais
apontam para a necessidade de um desenvolvimento diferente do que ocorreu nas
décadas de 1960/70 e 1980, imprimindo um novo questionamento onde os movimentos
sociais apontam para a necessidade de construção de um novo modelo. Assim, discute-
se o projeto de modernização ecológica no momento em que o mercado e o ambiente
são os protagonistas do desenvolvimento capitalista
a importância deste tipo de conflito decorre do fato deles exprimirem as
contradições internas aos modelos de desenvolvimento, isto é, à combinação
de atividades privilegiadas pelos países (em particular, pelos governos), sua
disposição espacial, a destinação social da produção e o modo pelo qual ela é
efetuada [...] Se um empreendimento monocultural gera divisas, mas ao custo
de expulsar a população local de suas terras, por inviabilizar a pesca nos rios,
eliminar a caça dos índios, degrada a biodiversidade que conta para a
pequena produção etc., a produtividade deste tipo de atividade é posta em
240
discussão. Os ganhos líquidos em emprego podem ser considerados
reduzidos ou nulos se levarmos em conta as ocupações destruídas pelo fato
dos rios secarem, ficarem contaminados pelos agrotóxicos aplicado na
plantação de eucalipto ou por pequenos produtores perderem suas terras. O
reduzido número de empregos criados estaria assim associado à condução de
mais gente para as cidades o que certamente agravaria a crise por que hoje
passam as metrópoles (ACSELRAD, 2005, p. 9).
Em Minas Gerais o conflito do Estado, como protagonista do território e
mediador dos conflitos, entre duas necessidades proteção ambiental e produção
siderúrgica tem a possibilidade de elaborar e implementar políticas públicas para
solucionar ou minimizar esses conflitos. Essas políticas são acompanhadas, muitas
vezes, de uma reorganização do território, quando na área da bacia hidrográfica do rio
Pandeiros passou a atuar um novo ator o Estado enquanto gestor de uma área
pública de UC.
As discussões sobre a configuração de um território fazem parte, também, das
discussões sobre o poder. De acordo com Lima (2007, p.110) o poder instaura normas
para o controle dos territórios oriundos de vários atores, seja do poder legal ou não,
como no caso do esquema das carvoarias, liderado pela “máfia do carvão”. Assim, o uso
do poder tem a capacidade de agir e produzir efeitos sobre um território. No caso da
área de estudo percebe-se que os dois atores atuam: os carvoeiros para garantir a
produção e, em outro extremo os inibidores dessa ação que degrada o meio ambiental e
social, os funcionários do IEF.
As responsabilidades do Estado na preservação e proteção ao meio ambiente
ficam claras no Decreto 43.710/04, que regulamenta a Lei 14.309/02 e dispõe
sobre as políticas florestais e de proteção à biodiversidade do estado. Essa proteção
implica em ações do poder público para o uso sustentável dos recursos naturais com o
fim de conservar um meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à qualidade
de vida, respeitando o Art. 214 da Constituição do Estado (Art.1)
São objetivos a serem alcançados por essas ações, conforme Art. desse
decreto:
I - assegurar a proteção e a conservação das formações vegetais nativas;
II - garantir a integridade da fauna migratória e das espécies vegetais e
animais endêmicas, raras ou ameaçadas de extinção, assegurando a
manutenção dos ecossistemas a que pertencem;
III - disciplinar o uso alternativo do solo e controlar a exploração, a
utilização, o transporte e o consumo de produtos e subprodutos da flora;
IV - prevenir alterações das características e atributos dos ecossistemas
nativos;
V - promover a recuperação de áreas degradadas;
VI - proteger a flora e a fauna;
241
VII - desenvolver ações com a finalidade de suprir a demanda de produtos
da flora suscetíveis de exploração e uso;
VIII - estimular programas de educação ambiental e de turismo ecológico;
IX - promover a compatibilização das ações de política florestal e de
proteção à biodiversidade, com as ações das demais políticas relacionadas
com os recursos naturais (Art. 4, Decreto nº 43.710/4).
A responsabilidade do Estado e do IEF, enquanto órgão responsável pela gestão
das UCs fica bem claro nesse mesmo decreto. Segundo a legislação estadual vigente,
compreende-se por Unidades de Conservação
espaços territoriais e seus componentes, inclusive os corpos d’água, com
características naturais relevantes, legalmente instituídas pelo Poder Público,
com limites definidos, sob regime especial de administração ou de restrição
de uso, às quais se aplicam as garantias adequadas de proteção de recursos
naturais e paisagísticos, bem como, de conservação ambiental (Decreto
43.710/04, Art. 24).
A preocupação com a gestão das áreas de proteção ambiental se fez presente no
momento em que o Estado institui o Sistema de Gestão Colegiada para as Áreas de
Proteção Ambiental APA’s, a serem administrados pelo Sistema de Meio Ambiente
do Estado de Minas Gerais (Decreto 38.182/96). O sistema de Gestão Colegiada tem
como objetivos garantir a proteção dos ecossistemas, promover o desenvolvimento
sustentável e permitir a participação dos setores interessados no gerenciamento dessas
áreas (Decreto 38.182/96, Art. 2º). A gestão da área deve contar com a participação
dos Conselhos Consultivos, como elemento para contribuir para a efetivação das
atividades desenvolvidas pelo Sistema Estadual de Meio Ambiente, no que se refere à
supervisão e fiscalização da área, colaboração no planejamento, apoio ao
desenvolvimento de pesquisas e participação na aprovação de pareceres que envolvem a
área, tudo dentro dos parâmetros da sustentabilidade (Art. 4º).
A proposta de sustentabilidade se faz presente não apenas na legislação, mas nos
discursos. Fernandes (2004) considera a expressão “desenvolvimento sustentável” uma
incoerência no que se refere a uma apropriação pelo capital e a uma ilusão presente nos
discursos ambientalistas frente a uma necessidade para preservação do futuro do planeta
nos últimos anos, a mais popular das fantasias econômicas tem sido o
‘desenvolvimento sustentável’ uma expressão que traz a promessa de
permitir conciliar o desenvolvimento econômico com a conservação da
natureza tudo isso comodamente, sem mexer no crescimento demográfico
[...] para alguns, tanto produtores como consumidores, ‘desenvolvimento
sustentável’ é uma expressão que serve maravilhosamente para aliviar suas
próprias consciências. Para outros, mais cínicos, serve como uma estratégia
comercial fabulosa, para permitir a inserção de seus produtos no mercado
242
cada vez mais preocupado com as questões ambientais (FERNANDES, 2004,
p. 191-192).
Roux (2004) confirma que o fator econômico se sobrepõe a todos os outros no
comando do território. Assim a construção de um território está submetida à lógica
econômica que excluem os projetos ambientais e dos habitantes locais. Para o autor “é
urgente rever nossos modos de pensar no planejamento do território rompendo com as
práticas políticas, geográficas e administrativas em uso” (ROUX, 2004, p. 58).
Repensar e planejar o território deve ser tarefa coordenada pelo Estado, com a
participação da sociedade. Ações nesse sentido certamente reduziriam o quadro de
injustiça ambiental. A justiça ambiental
38
é definida por Acselrad et al.. (2004) como
um conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas,
sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela
desproporcional de degradação do espaço coletivo. Complementarmente,
entende-se injustiça ambiental a condição de existência coletiva própria a
sociedades desiguais onde operam mecanismos sociopolíticos que destinam a
maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de
trabalhadores, populações de baixa renda, segmentos raciais discriminados,
parcelas marginalizadas e mais vulneráveis da cidadania (ACSELRAD et al..,
2004, p.10).
A temática se internacionalizou e achou campo fértil aqui no Brasil, por ser um
país caracterizado pela ocorrência de grandes injustiças sociais que, segundo esses
autores, “encobrem e naturalizam um conjunto de situações caracterizadas pela desigual
distribuição de poder sobre a base material da vida social e do desenvolvimento”
(ACSELRAD et al., 2004, p.10), caracterizando que o uso e acesso aos recursos
naturais ocorrem de forma elitista, com concentração dos benefícios do uso do meio
ambiente e exposição desigual da população à poluição e aos custos ambientais do
desenvolvimento.
No Brasil a formação da sociedade com base na concentração de riquezas e
poder político têm perpetuado a situação de injustiça, uma vez que uma parcela dessa
sociedade é insensível à situação social, defendendo seus interesses e lucros imediatos,
inclusive lançando mão da violência e da ilegalidade. Essa situação extrapola a simples
localização dos resíduos industriais. No caso da região do Norte de Minas, o período
por que passou sem a presença do Estado e com a predominância de interesses de
38
A idéia de justiça ambiental surgiu nos Estados Unidos na década de 1960, quando grupos de luta pelos
direitos civis levantaram questões sobre o fato dos depósitos de lixo industrial e radioativo estarem
localizados nas proximidades das áreas habitadas por grupos socialmente discriminados e pobres
(Acselrad et al.., 2004).
243
grupos políticos locais, acabou por favorecer essa situação. Os interesses do capital
foram incentivados e projetos que desconfiguram as paisagens e afetam diretamente o
morador local foram direcionados para esses espaços.
Acselrad (2004) defende que as políticas ambientais precisam ir além das
soluções técnicas para alcançar a justiça ambiental, buscando reduzir a desigualdade
ambiental com maior equidade geográfica, no sentido de que as intervenções
degradadoras e poluidoras no meio ambiente não ocorram em espaços geográficos
ocupados por comunidades que já são penalizadas com outras formas de desigualdades.
O fator de exposição dessas comunidades a esses espaços de degradação
ambiental associa-se a uma suposta fraqueza política dos grupos sociais. Tal fato
agrava-se em localidades como a bacia do rio Pandeiros, onde as associações estão
iniciando suas atividades e ainda buscam firmar-se junto as comunidades locais.
As políticas públicas acabam por favorecer a lógica perversa do mercado uma
vez que as comunidades desfavorecidas o são, também, na representação política, e
se, por um lado, sabe-se que os mecanismos de mercado trabalham no sentido
de produção da desigualdade ambiental – os mais baixos custos de
localização de instalações com resíduos tóxicos apontam para as áreas onde
os pobres moram o discurso dos movimentos não deixa de considerar, por
outro lado, o papel da omissão das políticas públicas favorecendo a ação
perversa do mercado (ACSELRAD, 2004, p. 28).
Os segmentos da sociedade que possuem os domínios políticos e econômicos se
articulam de forma a usar o aparelho do Estado para garantir seus interesses. Com isso,
o Estado atua na esfera econômica e cria condições para a acumulação de capital. As
pressões de outros segmentos da sociedade, como os movimentos sociais e ambientais
pressionam esse Estado para uma nova postura no ordenamento do território.
As forças são desiguais e a capacidade de adaptação do capitalismo se faz
novamente presente. Como lembra Zhouri e Oliveira (2005), está se definindo um novo
paradigma ambiental dominante, com um modelo de “adequação ambiental”, com ações
políticas, mas que mantém a lógica econômica, atribuindo ao mercado a solução para os
problemas ambientais. Mas paralelamente, esses novos movimentos e atores sociais
levam para a sociedade reflexões teóricas e críticas ao sistema capitalista, tentando
imprimir uma nova direção ao paradigma ainda em construção. O conflito do Estado,
mesmo que atualmente com o predomínio econômico, pode trazer uma solução mais
244
humana, melhorando as condições de vida de comunidades como as da APA Estadual
do Rio Pandeiros.
CONCLUSÃO
A Área de Proteção Ambiental do rio Pandeiros foi criada sem a participação da
comunidade nessa decisão. Considerou-se a importância da bacia hidrográfica para o rio
São Francisco e para o domínio morfoclimático do Cerrado. Não apenas a comunidade
foi excluída, mas sua história e as relações de poder ali presentes e que foram
consolidadas ao longo de décadas. Complementando o quadro, a área recebe influência
de movimentos nacionais e internacionais, como a ampliação do consumo de ferro e aço
pela sociedade e das questões ambientais.
O espaço tornou-se complexo em suas interrelações, com atores que possuem
diferentes visões sobre o uso dos recursos naturais, em relações conflituosas. Com a
implantação da APA um novo ator é adicionado. Com a inserção do Estado o espaço
recebe nova ordenação e, através do papel de gestor este impõe uma nova organização
245
baseado na legislação ambiental vigente, ampliando os conflitos. Forças de poder se
entrelaçam no espaço, transformando-o em território.
A situação da APA Estadual do Rio Pandeiros aponta para um dos conflitos do
Estado, pois este exerce dois papéis, um com responsabilidade sobre a conservação e
proteção ambiental, e outro com a necessidade de promoção do desenvolvimento
econômico através de incentivos fiscais ou da implantação de programas de fomento
florestal ou agrícola. O Estado também apresenta papel contraditório no momento da
não adoção de medidas sustentáveis indicadas pela legislação que ele próprio elabora,
como fornecimento de estrutura profissional e técnica para a preservação dos parques e
reservas ecológicas, além do controle e fiscalização da extração dos recursos naturais.
Os fenômenos que ocorreram na área de pesquisa até sua definição estavam
relacionados diretamente a uma atuação ou não do Estado. Até a implantação das
políticas econômicas para o crescimento da indústria nacional, o espaço convivia com
um isolamento. Desenvolveu relações próprias tanto com o meio natural quanto entre os
homens. O meio de vida ali existente não foi impedimento para a inserção da área no
projeto nacional, quando o reflorestamento com eucalipto e a produção de carvão
tornaram-se as principais atividades econômicas. A atuação do Estado se fez presente de
forma impositiva, imprimindo mudanças expressivas na paisagem e na vida da
comunidade. A definição da APA como a ação do Estado, gerou novos conflitos, agora
através de uma política ambiental.
O Norte de Minas Gerais, que corresponde a uma parte do Cerrado brasileiro,
apresenta biodiversidade e paisagem que foram reconhecidas pelos naturalistas que por
passaram. A biodiversidade e a paisagem ali existem levou milhões de anos para sua
formação. Mas a ação humana associada à aplicação de políticas públicas direcionadas
de forma incorreta tem levado a área a uma degradação constante, oriunda do uso
indiscriminado dos recursos naturais e, no caso da pesquisa, da produção de carvão.
Percebe-se que nas últimas décadas foi construído um discurso ecológico que
caminha paralelamente ao processo crescente de globalização nos moldes da economia
neoliberal. A sociedade de consumo tem demandado cada vez mais recursos naturais e
muitas vezes sem ter em suas ações a preocupação com a sua finitude. Os países
considerados desenvolvidos, segundo os moldes dessa economia, buscam formas de
manter a obtenção dos recursos que sua sociedade demanda, cabendo aos demais países
participarem do processo, mesmo que com o custo da exaustão dos recursos e da
exploração dos seus habitantes, subjugados em condições precárias de trabalho e de
246
vida. Os conflitos externos e internos relacionados ao uso dos recursos naturais têm
direcionado políticas públicas, mas contam com o princípio da eficiência sem ser
contemplado.
O Estado, que deveria promover a igualdade de oportunidades, efetua suas ações
muitas vezes em sentido contrário. Foi ele um dos principais atores no processo de
industrialização do Brasil, com políticas que privilegiavam as classes dominantes,
esquecendo-se de um Brasil formado por pessoas destituídas de educação, saúde,
cidadania, um país pobre e fraco que está submetido aos comandos do capital
internacional.
O movimento ambientalista trouxe a consciência de que um risco em escala
global que se sobrepõe às demais escalas como a regional e a local. É possível, assim,
pensar que a humanidade está diante de uma globalização do risco e que sem a
definição de limites para o modelo capitalista, a reabilitação de alguns valores como
solidariedade entre os povos, equidade, liberdade e democracia, além de novas relações
entre humanos e natureza, as gerações futuras terão a vida comprometida. Nesse
contexto surgem as Unidades de Conservação, entre elas a APA.
A APA Estadual do Rio Pandeiros é uma UC e repleta de interesses, não apenas
dos ambientalistas, mas do setor siderúrgico que utiliza o carvão produzido ao custo da
degradação ambiental e humana, com a exploração desse Brasil pobre e esquecido. Em
meio ao conservar e o produzir está o Estado, com todas as suas artimanhas e arranjos,
defendendo interesses diversos. Quando as políticas são voltadas para a comunidade
local, sempre esbarram na burocracia, demonstrando um descompasso entre as
necessidades reais da população e a área enquanto espaço de conservação ambiental.
A abrangência do discurso ambiental e da sustentabilidade está muito distante do
cotidiano dos moradores, principalmente quando é considerado o fato de que o
progresso prometido não chegou, frustrando as expectativas da comunidade. As
questões ambientais para os moradores são retomadas, não mais para a proteção do
meio ambiente, mas como forma de sobrevivência. Conservar ou mesmo recuperar as
condições ambientais da área, como a água e o solo tornaram-se fundamentais para a
permanência das pessoas na área da APA. Por outro lado as necessidades imediatas
trazem a produção de carvão como forma de sobrevivência, uma vez que as condições
de produção agrícola e comercialização estão comprometidas pelas condições naturais,
pela degradação e limitadas pela legislação ambiental.
247
Nesse quadro, o manter-se no lugar passou a gerar novos conflitos e o
território da APA se tornou um campo de lutas, com os grupos defendendo seus
interesses. As forças são, muitas vezes, desiguais. Conflitos entre gestores e possuidores
de poder na região do Pandeiros tem feito dos agricultores um segmento de invisíveis,
isto é, com invisibilidade política e de representação. Um novo desafio se configura no
que se refere a gestão de um território legal a APA frente a outros territórios não
legais associados a produção de carvão vegetal.
A hipótese formulada no início da pesquisa se confirma. A definição, a
delimitação e imposição de uma Área de Proteção Ambiental não foram suficientes para
suprimir as contradições da sociedade desigual ali existente, que foram estruturando-se
ao longo de séculos. Ocorreu, na realidade, a somatória de mais um aspecto no espaço,
sem que isso resolvesse os conflitos, sendo estes ligados à produção e a questões
sociais, como pobreza e carência de recursos e oportunidades. A adoção de políticas
públicas na região pesquisada gerou um crescimento, porém sem que se resolvessem os
conflitos e a desigualdade e o desenvolvimento. Assim o que se presenciou na região
norte de Minas Gerais com a ação do Estado foi um crescimento e não um
desenvolvimento que engloba a melhoria das condições sociais da população em geral.
A solução para o problema dos conflitos da APA Estadual do Rio Pandeiros está
além das esferas econômica e ambiental, mas aponta para a necessidade de um
planejamento estratégico, que tenha como objetivos a melhoria da qualidade de vida e
equidade social e ambiental, reduzindo o quadro de desigualdade e de injustiça
ambiental. Esse plano ultrapassa ao limite de acesso a bens e serviços, mas atinge o
exercício de cidadania, onde objetiva-se a participação dentro de uma visão
democrática. Essa é uma tarefa a ser efetivada pelo Estado. Mesmo que tenha como
pressuposto a participação da sociedade civil, ele deve assumir a responsabilidade da
redução dos impactos ambientais negativos e das desigualdades socioeconômicas em
que se encontra o estado de Minas Gerais.
A pesquisa apontou para a necessidade de identificar um novo tipo de
racionalidade com seus efeitos múltiplos, considerando, como lembra Santos (2002),
que o espaço é dinâmico e existe a imprevisibilidade do resultado da ação, isto é, as
ações sobre o espaço da APA são definidas, mas as conseqüências nem sempre seguem
a prevista no momento do planejamento. As mudanças necessárias e geradoras da
transformação devem basear-se no conhecimento das relações presentes seja dentro do
próprio espaço ou nas existentes através das redes e fluxos, isto é, os fatores externos
248
que afetam diretamente o território. Compreender essa complexidade é garantir que as
políticas públicas sejam eficientes, com propostas que cumpram seu papel e se tornem
sustentáveis.
Essa nova racionalidade deve considerar as evidências que se confirmaram com
a pesquisa:
a proteção da área é comprometida pela precariedade da infra-estrutura oferecida
pelo Estado;
a produção de carvão vegetal de forma clandestina é uma alternativa de renda
para parcela da população local. A retirada da vegetação nativa e dos resquícios
de cerrado tem comprometido os cursos de água e a degradação atinge não
apenas a rede hidrográfica superficial, mas também a água subterrânea;
a área tornou-se um espaço do medo quando o assunto é carvão. A presença de
grupos organizados na ilegalidade a “máfia do carvão” criou um sentimento
de medo onde o assunto carvão fica proibido e os moradores fazem a opção pela
omissão de informações. A produção de carvão pressiona a área também em seu
entorno;
projetos como o Pandeiros, apresentam uma proposta que fica comprometida
por essa deficiência do Estado, no que se refere à burocracia, causando
descrença entre os moradores;
além das dificuldades de produção agrícola, existem as dificuldades para o
escoamento dos produtos dos pequenos produtores, decorrente da situação das
vias de acesso e da presença de produtos de outras regiões nos mercados e
comércios locais, como é o caso da farinha de mandioca;
a comunidade ainda percebe o IEF como um órgão fiscalizador, distanciando-se
dos projetos propostos;
a legislação ambiental é rigorosa, principalmente junto à comunidade que mora
na área do Refúgio de Vida Silvestre, com o impedimento da pesca. Isso retirou
da população sua principal fonte de proteínas e renda, sem nenhuma
contrapartida, além da inclusão dessas famílias em programas sociais. Essas
pessoas tornaram-se diferenciadas no que se refere à legislação, mas iguais
frente aos programas;
249
além da exploração por parte de todo um sistema de acumulação capitalista, a
situação de pobreza faz com que os produtores se tornem alvos para os donos
das carvoarias, alimentando a “máfia do carvão”;
existe uma baixa participação da comunidade nas discussões sobre as propostas
sustentáveis para a área;
a legislação que implementa a área de proteção não garantiu a preservação
ambiental, mas ampliou o quadro de conflitos.
Os conflitos e problemas que envolvem a APA Estadual do Rio Pandeiros, incluindo
o Refúgio Estadual de Vida Silvestre do Rio Pandeiros são vários, mas em sua maioria
comuns às demais Unidades de Conservação de Minas Gerais e do Brasil. Porém
algumas medidas podem contribuir para a redução expressiva desses problemas e
conflitos, possibilitando uma melhoria das condições de vida da comunidade.
PROPOSIÇÕES
A responsabilidade do Estado na gestão dessas áreas é fato e a criação de
instrumentos de gestão pode garantir os objetivos de criação da APA, como equipar o
órgão gestor IEF-MG, com instrumentos e pessoal. Uma equipe bem montada
possibilita a elaboração de estratégias capazes de gerar uma maior aceitação das
propostas por parte da comunidade, através de reuniões com grupos menores de
moradores e com mais freqüência. Essas ações garantiriam a participação e a
democratização da gestão.
A elaboração de políticas ambientais mais eficientes, incluindo a educação
ambiental torna-se mecanismo de conscientização e participação de diversos segmentos
da sociedade ali presente. Projetos que visam a sustentabilidade devem incluir
250
programas capazes de garantir renda para as comunidades, como alternativa ao carvão,
com cursos para melhorar a qualidade dos produtos artesanais para que possam ter
aceitação em mercados mais amplos, como os regionais e nacionais. Isso pode se
concretizar através de cursos e parcerias com entidades específicas existentes no país
que incentivam o associativismo e cooperativas.
Uma das características da área é a pequena produção rural. Porém este é,
também um dos problemas enfrentados pelos agricultores no que se refere a ausência de
assistência técnica, dificuldades de adaptação à legislação ambiental, condições naturais
e das vias de acesso e escoamento da produção. É fundamental que as estratégias de
manejo da área contemplem essa parcela como forma de reduzir as dificuldades e a
produção de carvão.
A pesquisa detectou que existe uma baixa participação da comunidade,
principalmente pela forma como as decisões são tomadas, incluindo a demarcação da
área de proteção, além de resistências junto ao IEF, ainda visto como fiscalizador e não
parceiro. Eliminar essa visão sobre o Estado e passar a perceber o IEF como parceiro
pode ocorrer através da criação de um subcomitê de bacia hidrográfica, vinculado ao
Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, constituído. A formação de
comitês faz parte da Lei Nacional de Recursos Hídricos (nº 9.433 de 1997) que prevê a
bacia hidrográfica como unidade de planejamento e gestão dos recursos hídricos. Esses
comitês abrem os diálogos como forma de atrair a comunidade, pois a participação em
reuniões transforma-se em momentos em que podem expressar opiniões e contribuir
para decisões. Esse subcomitê buscará a solução dos conflitos e definirá regras de uso
dos recursos, contribuindo não apenas para a elaboração do plano de manejo, mas
principalmente para sua efetivação.
Nessa situação a mobilização da comunidade aparece como ferramenta essencial
no intuito de sensibilizar os habitantes da bacia hidrográfica do Pandeiros para sua
proteção, contribuindo de forma positiva para o rio São Francisco e participando para a
efetiva revitalização desse rio nacional. Para a concretização dessa ação é essencial a
participação dos diversos segmentos da sociedade e poder público, além de
pessoas/empresários interessados na gestão sustentável dos recursos ali presentes. A
coordenação da proposta deve partir do órgão gestor ou entidades públicas que possui
condições de captar e atrair indivíduos, grupos ou organizações com identidade ou
interesses comuns, com reconhecimento social e capacidade de mobilização e
modificação do contexto atual da bacia do rio Pandeiros. Deve incluir agricultores,
251
moradores, associações comunitárias e profissionais, gestores, empresários,
representantes dos governos estadual e municipal, além de empresas como a CEMIG,
que possui a hidrelétrica na região.
A participação dos atores sociais permitirá um olhar mais atento às necessidades,
demandas, percepções e perspectivas das pessoas que ali residem e formam o cotidiano
da APA. A união dos grupos e segmentos permite uma ação planejada capaz de
realmente reverter o quadro atual em uma situação mais promissora e sustentável para a
área, com a formação de um novo cenário, qualitativamente diferente compondo
imagens alternativas para o futuro possível.
Essas ações podem garantir a melhoria das condições de vida da comunidade
que mora na APA Estadual do Rio Pandeiros e, como conseqüência o quadro de
exploração da mão-de-obra e de retirada da vegetação para o carvão poderá ser
eliminado. Cabe considerar que, de acordo com os depoimentos, a opção pelo carvão é
decorrente da ausência de outra forma de suprir as necessidades imediatas da família.
Porém é importante destacar que sem uma atuação efetiva do Estado, de uma boa
vontade política, a situação não será superada.
O quadro de conflitos, os problemas sociais e ambientais presentes na APA
Estadual do Rio Pandeiros não apontam para um futuro muito promissor para a área,
mesmo considerando uma ação do órgão gestor na fiscalização da produção de carvão,
além da existência de uma legislação específica para as Unidades de Conservação. Os
resultados da pesquisa demonstram que os conflitos ali presentes não permitem um
olhar formado por melhorias para a bacia hidrográfica. A proposta de ampliação da
participação da comunidade através do subcomitê de bacia hidrográfica pretende abrir
para a possibilidade de um olhar diferente, mais otimista, com a gestão compartilhada
dos recursos naturais, visando a sustentabilidade pautada no respeito mútuo com a
natureza e os homens, além das gerações futuras.
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ANEXO 1
Roteiro da entrevista com representantes das comunidades
Parte
Questões Objetivos
268
I Sobrevivência e memória
1- Há quanto tempo mora na comunidade? Em caso de não
ter nascido:
2- De onde veio?
3- Como era a região há cerca de 30 anos?
4- Você se lembra quando os eucaliptos chegaram na
região? Como foi que aconteceu o desmatamento e qual
foi a reação das pessoas que aqui viviam?
5- Muitas pessoas foram trabalhar nos reflorestamentos e
nas carvoarias?
6- Continuam trabalhando?
7- A comunidade cultiva algum produto? Quais?
8- Essa produção ou parte dela é comercializada?
9- Para a produção agrícola, quais as maiores dificuldades?
10- Recebem apoio de algum órgão do Estado (EMATER,
IEF, Ruralminas, etc.)?
11- Além da agricultura, quais outras fontes de renda da
comunidade? (aposentadoria, funcionários de empresas,
funcionários públicos, etc.)
Questões 1, 2 e 3: identificar o líder
comunitário, sua vivência na comunidade,
além da migração que, porventura, tenha
ocorrido.
Questões 4 e 5: resgatar da memória e
identificação das alterações ocorridas em
função da implantação dos
reflorestamentos. Reação da comunidade e
adaptação às novas formas de trabalho
(carvoarias).
Questão 6: identificar se existe atualmente
alguma relação com as carvoarias.
Questão 7, 8, 9, 10 e 11: identificar as
formas de sobrevivência da comunidade,
dificuldades e alternativas formas de renda.
Com essas questões buscará identificar a
dependência financeira da atividade de
produção de carvão. A questão 10 apontará
se recebem apoio técnico ou se o Estado
encontra-se ausente na que se refere à ações
de extensão rural. Com essas questões é
possível uma visão parcial das necessidades
e perspectivas da comunidade para
apontamentos na finalização da pesquisa.
IIQuestões ambientais e produção de carvão
1- Você tem percebido a diminuição da vegetação nativa nos
últimos anos, ou escuta as pessoas falarem que as árvores
estão diminuindo?
2- De quanto tempo para cá estão observando essas
mudanças?
3- Você saberia apontar o ou os motivos para essa
diminuição?
4- A comunidade tem discutido sobre essa questão?
5- Produzir carvão vegetal é uma das atividades existentes
aqui?
6- As pessoas precisam muito dessa atividade ou realizam
apenas como complementação da renda?
7- Se não existem mais carvoarias na área, isso já
aconteceu há algum tempo? Porque acabou?
8- Você acha que o carvão traz benefício para a
comunidade?
9- Se não existisse a produção de carvão, como a
comunidade iria sobreviver?
Questões 1, 2 e 3: identificar a percepção
dos moradores sobre os impactos da
produção de carvão vegetal, o tempo em
que essas mudanças estão ocorrendo e o
demais motivos. Nessa questão (3)
reafirma-se a busca da informação sobre a
existência de carvoarias na comunidade ou
no seu entorno.
Questões 4, 8 e 9: identificar a relação da
comunidade com a produção de carvão e o
nível de discussão sobre as questões
ambientais ou ligadas à sobrevivência.
Questões 5, 6 e 7: referem-se diretamente
ao tema da pesquisa, identificando a
existência de carvoarias na região e a
dependência dessa produção. As respostas
indicando o conflito, uma vez que se trata
de atividade ilegal.
269
IIIComunidade e suas características - Organização política
1- Quando a comunidade se reúne, quem organiza essa
reunião? Vocês chamam pessoas de fora para participar?
Existe alguma instituição que ajuda vocês nessa
organização?
2- Outros assuntos são tratados nessas reuniões?
3- Quais órgãos ou instituições visitam vocês com
regularidade (EMATER, IEF, Ministério do Trabalho,
Igreja/ Pastorais, Polícia Florestal, Prefeitura ou
outros)?
4- Quando recebem essas visitas, eles ajudam na solução
dos problemas que vocês apontam?
5- Vocês gostam quando eles vêm até vocês?
6- Você sabe o que é uma APA?
7- Mudou alguma coisa na vida da comunidade após 1995
(ano de criação da APA)?
8- Vocês foram chamados para discutir sobre a criação da
área de proteção?
9- Atualmente são chamados para darem opinião ou
discutir sobre os problemas enfrentados pela APA?
10- Sabem da importância da região para o rio São
Francisco?
11- Como é a vida hoje dentro de uma área de proteção
ambiental?
12- Houve melhoria na qualidade de vida após uma maior
atuação do governo?
13- O que poderia ser feito para melhorar a vida da
comunidade?
Questões 1, 2: fornecer informações sobre
a organização política da comunidade e a
relação com outras instituições.
Questões 3, 4, 5: apontar para a
assistência recebida pela comunidade,
proveniente de entidades estatais ou
demais organizações. Identificar a
interação entre a comunidade e a
entidade assistente, bem como a
percepção da comunidade frente a essa
assistência.
Questões 6, 7, 8, 9: identificar o
conhecimento da comunidade no que se
refere a uma APA ou Refúgio. As
questões 8 e 9 concentram-se na ação do
governo em considerar ou não a
comunidade inserida na área e o contexto
social existente.
Questões 10 e 11: Apontar o
conhecimento da comunidade estar
inserida em um contexto maior (rio São
Francisco). A entrevista finaliza com o
apontamento de ações para melhoria da
qualidade de vida, considerando a
opinião da comunidade para indicar as
propostas no final da pesquisa.
OBS: após a segunda entrevista percebeu-se o medo das pessoas em falar das carvoarias e foram feitas adaptações de
acordo com o perfil do entrevistado. Inclui-se também uma questão direta sobre o atentado contra o funcionário do IEF,
com o objetivo de perceber a proporção do conflito
ANEXO 02
Definição de Unidades de Conservação - Categoria Proteção Integral
Categoria Definição
270
Reserva
Biológica
Tem como objetivo a preservação integral da biota e demais atributos naturais
existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou modificações
ambientais, executando-se as medidas de recuperação de seus ecossistemas
alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio
natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais; é de posse e
domínio público e a visitação pública é proibida e de acordo com o plano de
manejo ou regulamento específico. A pesquisa científica depende de autorização
prévia do órgão responsável pela unidade.
Estação
Ecológica
Tem como objetivo a preservação da natureza e a realização de pesquisas
científicas; é de posse e domínio públicos e a visitação pública é proibida exceto
quando com um objetivo educacional e de acordo com o plano de manejo ou
regulamento específico. A pesquisa científica depende de autorização prévia do
órgão responsável pela unidade e são permitidas alterações no ecossistema de
medidas que visem a restauração de ecossistema modificado, manejo de espécie
com o fim de preservar a diversidade biológica e pesquisas cujo impacto sobre o
ambiente seja maior do que aquele causado pela simples observação ou pela coleta
controlada de componentes do ecossistema em uma área correspondente a no
máximo três por cento da extensão total da unidade e até o limite de um mil e
quinhentos hectares.
Parque Nacional
Tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande
relevância ecológica e beleza cênica; possibilita a realização de pesquisas
científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação
ambiental, na recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico; é de
posse e domínio públicos e a visitação pública está sujeita às normas e restrições
estabelecidas no plano de manejo. A pesquisa científica depende de autorização
prévia do órgão responsável e as unidades dessa categoria criadas pelo estado ou
município serão denominadas respectivamente, Parque Estadual e Parque Natural
Municipal.
Monumento
Natural
Tem como objetivo básico preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande
beleza cênica. Pode ser constituído por áreas particulares desde que seja possível
compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recursos
naturais do local pelos proprietários. Havendo incompatibilidade entre os
objetivos da área e as atividades privadas ou não havendo aquiescência do
proprietário as condições propostas pelo órgão responsável pela administração da
unidade para a coexistência do Monumento Natural com o uso da propriedade, a
área deve ser desapropriada, de acordo com o que dispõe a lei. A visitação pública
está sujeita às normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade,
às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração, e aquelas
previstas em regulamento.
Refúgio de Vida
Silvestre
Tem como objetivo proteger ambientes naturais onde se asseguram condições para
a existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora local e da fauna
residente ou migratória; pode ser constituído por áreas particulares desde que seja
possível compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos
recursos naturais do local pelos proprietários. Havendo incompatibilidade entre os
objetivos da área e as atividades privadas ou não havendo aquiescência do
proprietário as condições propostas pelo órgão responsável pela administração da
unidade para a coexistência do Monumento Natural com o uso da propriedade, a
área deve ser desapropriada, de acordo com o que dispõe a lei. A visitação pública
está sujeita às normas e restrições estabelecidas no plano de manejo da unidade. A
pesquisa científica depende da autorização prévia do órgão responsável pela
administração da unidade.
Fonte: SNUC – Lei n. 9.985, de 18 de junho de 2000
ANEXO 03
Definição de Unidades de Conservação - Categoria Uso Sustentável
Categoria Definição
271
Área de
Relevante
Interesse
Ecológico
É uma área, em geral de pequena extensão, com pouco ou nenhuma ocupação
humana, com características naturais extraordinárias ou que abriga exemplares
raros da biota regional, e tem como objetivo manter os ecossistemas naturais de
importância regional ou local e regular uso admissível dessas áreas, de modo a
compatibilizá-la com os objetivos de conservação da natureza. É constituída
por terras públicas ou privadas e, respeitados os limites constitucionais, podem
ser estabelecidas normas e restrições para a utilização de uma propriedade
privada.
Floresta
Nacional
É uma área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e
tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a
pesquisa científica, com ênfase em métodos para a exploração sustentável de
florestas nativas. É de posse e domínio públicos; é admitida a permanência de
populações tradicionais que a habitam quando de sua criação, em
conformidade com o disposto em regulamento e no plano de manejo da
unidade. A visitação pública é permitida condicionada às normas estabelecidas
para o manejo da unidade pelo órgão responsável por sua administração; a
pesquisa é permitida e incentivada sujeitando-se a prévia autorização do órgão
responsável pela administração da unidade. A Floresta Nacional disporá de um
Conselho Consultivo, presidido pelo órgão responsável por sua administração e
constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da
sociedade civil e, quando for o caso, das populações tradicionais residentes. A
unidade desta categoria, quando criada pelo estado ou município, será
denominada, respectivamente, Floresta Estadual e Floresta Municipal.
Reserva de
Fauna
É uma área natural com populações animais de espécies nativas, terrestres ou
aquáticas, residentes ou migratórias adequadas para estudos técnico-científicos
sobre o manejo econômico sustentável de recursos faunísticos. É de posse e
domínio públicos, a visitação pública é permitida desde que compatível com o
manejo da unidade; é proibida a caça amadorística ou profissional. A
comercialização dos produtos e subprodutos resultantes da pesquisa obedecerá
ao disposto na lei sobre fauna e regulamentos.
Reserva
Extrativista
É uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência
baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência
e na criação de animais de pequeno porte. Tem como objetivos básicos
proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso
sustentável dos recursos naturais da unidade. É de domínio público, com uso
concedido as populações extrativistas tradicionais; as áreas particulares
incluídas em seu limite devem ser desapropriadas. A Reserva Extrativista será
gerida por um Conselho Deliberativo presidido pelo órgão responsável por sua
administração e constituído por representantes dos órgãos públicos, de
organização da sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área,
conforme dispuser em regulamento e no ato de criação da unidade. A visitação
pública é permitida, desde que compatível com os interesses locais e de acordo
com o disposto no plano de manejo da área. A pesquisa é permitida e
incentivada sujeitando-se a prévia autorização do órgão responsável pela
administração da unidade. O plano de manejo da unidade será aprovado pelo
seu Conselho Deliberativo; são proibidas a exploração de recursos minerais e a
caça amadorística ou profissional. A exploração comercial de recursos
madeireiros será admitida em bases sustentáveis e em situações especiais
complementares às demais atividades desenvolvidas na Reserva Extrativista.
Reserva de
Desenvolvimento
Sustentável
É uma área natural que abriga populações tradicionais cuja existência baseia-se
em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao
longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que
desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção
da diversidade biológica. Tem como objetivo básico preservar a natureza e, ao
mesmo tempo, assegurar as condições e os meios necessários para a
reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e exploração dos
recursos naturais das populações tradicionais, bem como valorizar, conservar e
aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente desenvolvido
por estas populações. É de posse e domínio públicos, gerida por um Conselho
Deliberativo presidido pelo órgão responsável por sua administração e
272
constituído por representantes dos órgãos públicos, de organizações da
sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área. A visitação
pública é permitida e incentivada desde que compatível com os interesses
locais e de acordo com o disposto no plano de manejo; a pesquisa científica
voltada à conservação da natureza é permitida e incentivada, à melhor relação
das populações residentes com seu meio e a educação ambiental, sujeitando-se
à prévia autorização do órgão responsável. Deve ser sempre considerado o
equilíbrio dinâmico entre o tamanho da população e a conservação e, é
admitida a exploração de componentes dos ecossistemas naturais em regime de
manejo sustentável e a substituição da cobertura vegetal por espécies
cultiváveis, desde que sujeitas ao zoneamento, as limitações legais e ao plano
de manejo da área. O plano de manejo da Reserva de Desenvolvimento
Sustentável definirá as zonas de proteção integral, de uso sustentável e de
amortecimento e corredores ecológicos, e será aprovado pelo Conselho
Deliberativo da unidade.
Reserva
Particular do
Patrimônio
Natural (RPPN)
É uma área privada, gravada com perpetuidade, com o objetivo de conservar a
diversidade biológica; o gravame constará de termo de compromisso assinado
perante o órgão ambiental, que verificará a existência de interesse público, e
será averbado à margem da inscrição no Registro de Imóveis. poderá ser
permitida a pesquisa científica e a visitação com objetivos turísticos,
recreativos e educacionais, conforme se dispuser em regulamento. Os órgãos
integrantes do SNUC, sempre que possível e oportuno, prestarão orientação
técnica e científica ao proprietário de RPPN para a elaboração de um plano de
manejo ou de proteção e de gestão da unidade.
Área de Proteção
Ambiental
É uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotadas
de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente
importantes para a qualidade de vida e o bem das populações humanas, e tem
como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo
de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. É
constituída de terras públicas ou privadas. Podem ser estabelecidas normas e
restrições para a utilização de uma propriedade privada localizada em uma
APA. As condições para realização de pesquisa científica e visitação pública
nas áreas sobre domínio público serão estabelecidas pelo órgão ambiental
responsável por sua gestão, nas áreas sob propriedade privada cabe ao
proprietário estabelecer as condições, observadas as exigências e restrições
legais. A Área de Proteção Ambiental disporá de um Conselho presidido pelo
órgão responsável por sua administração e constituído por representantes dos
órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população residente.
Fonte: SNUC – Lei n. 9.985, de 18 de junho de 2000
ANEXO 04
Unidades Nacionais de Conservação
273
Categoria Total %
Área de Proteção Ambiental - APA 30 4,12
Área de Relevante Interesse Ecológico 17 2,34
Estação Ecológica 32 4,4
Floresta Nacional 73 10,03
Parque Nacional 66 9,07
Refúgio de Vida Silvestre 3 0,41
Reserva Biológica 29 3,98
Reserva de Desenvolvimento Sustentável 1 0,14
Reserva Extrativista 48 6,59
Reserva Particular do Patrimônio Natural 429 58,92
Total 728 100
Fonte: IBAMA (2007).
Disponível em: <http://www.ibama.gov.br>.
274
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