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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Cilene Trindade Rohr
A paródia a serviço de um projeto de literatura nacional: Teoria do
Medalhão de M. de Assis
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS
EM LITERATURA E CRÍTICA LITERÁRIA
SÃO PAULO
2009
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2
CILENE TRINDADE ROHR
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de Mestre
em Literatura e Crítica Literária
sob a orientação da Profa. Dra.
Maria Duarte de Oliveira.
São Paulo
2009
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ERRATA
Folha Linha Onde se lê Leia-se
06 28 Asperti Nogueira
07 05 do excerto Asperti Nogueira
50 01 se de vincular de se vincular
75 07 dever servir deve servir
Na página 82, incluir a seguinte bibliografia:
CAMPOS, Haroldo. A escritura mefistofélica: paródia e carnavalização no Fausto
de Goethe. In: RODRIGUES, Selma Calasans (org.). Sobre a Paródia. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1980.
Na página 83, incluir a seguinte bibliografia:
HELENA, Lúcia. A contra-ideologia da seriedade: antropofagia e cultura brasileira.
In: RODRIGUES, Selma Calasans. Sobre a Paródia. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1980.
Na página 85, incluir as seguintes bibliografias:
SCHNAIDERMAN, Boris. Paródia e mundo do riso. In: RODRIGUES, Selma
Calasans. Sobre a Paródia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1980.
TEIXEIRA, Ivan (org). Papéis Avulsos Machado de Assis. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.
3
Banca Examinadora:
...............................................................................
...............................................................................
...............................................................................
4
Ao meu pai, Joachim August Rohr,
meu primeiro Pai/Mestre.
5
AGRADECIMENTOS
Aos professores do curso de Literatura e Crítica Literária (PUC) pelos valiosos
ensinamentos.
À minha orientadora, professora Maria Rosa Duarte de Oliveira, pelo carinho e
dedicação.
Às professoras Geruza Zelnys, Márcia Regina Ferreira e Maria Laura Pinheiro
pelo apoio fundamental na organização e correção dos textos.
Aos queridos amigos Ana Albertina, Márcia Regina, Waltecy Alves, Marilena
Reis, Celiane Mendes e Aline Lima pelos conselhos e amizade sincera.
Ao Kennedy pela paciência.
6
“É necessário ter o caos aqui dentro
para gerar uma estrela.”
(F. Nietzsche)
7
RESUMO
Nosso estudo centrou-se sobre o conto Teoria do Medalhão (1881), de Machado de
Assis, tendo por objeto de investigação o modo como o autor articula o recurso da paródia
entendida no seu duplo sentido de paralelismo e inversão à luz dos fundamentos
teóricos de Hutcheon (1995), para quem a paródia é “transcontextualização” irônica, isto
é, repetição com diferença crítica e Bakhtin (1993), que destaca a estrutura dialógica do
discurso paródico: um híbrido premeditado” entre o discurso parodiado e aquele que o
parodia, sem, contudo, destruí-lo. Embora haja na fortuna crítica desse conto alguns
estudos que caminham nessa direção, como os de: Almeida (2006) e Rego, (1989), aqui
trataremos da paródia sob uma outra perspectiva, isto é, no contexto da tradição do sério-
cômico, especialmente da sátira menipéia, cuja raiz dialógica é analisada rigorosamente
por Bakhtin como célula originária do discurso romanesco. É no âmbito dessa linhagem -
à qual Machado explicitamente se filia, conforme deixa registrado obliquamente num
lance metaficcional em Teoria do Medalhão: somente não deves empregar a ironia, esse
movimento ao canto da boca, cheio de mistérios, inventado por algum grego da
decadência, contraído por Luciano, transmitido a Swift e Voltaire, feição própria dos
céticos e desabusados.” que o subtítulo “Diálogo” se materializa enquanto paródia de
um gênero inscrito na tradição clássica dos diálogos platônicos. Por meio da análise do
discurso ambivalente do conto machadiano, pudemos apontar os momentos nos quais
havia sob ele um outro discurso o de A República de Platão do qual ora se
aproximava, ora se distanciava, num jogo alternado de ocultar-revelar, bem ao gosto de
um Machado leitor de Luciano de Samósata. Nosso objetivo, porém, não se limitou
apenas ao desvelamento da construção paródica no âmbito da estrutura narrativa.
Pretendemos, outrossim, por meio desse conto exemplar dentro da obra contística do
autor, refletir sobre o aspecto formativo que engendra, seja em nível de gênero
enquanto brido de, ao menos, três matrizes: o sério-cômico da menipéia, o diálogo
platônico e o ensaio ou conto-teoria (Bosi, 1999) , seja em nível do projeto machadiano
de literatura nacional cuja pedra de toque está na formação de um leitor capaz de
perceber, por meio de uma leitura dos avessos, a crítica oculta sob o pretenso elogio da
figura do medalhão, típico cidadão bem sucedido da sociedade brasileira do século XIX,
que se nutria, apenas, das aparências.
Palavras- chave: Machado de Assis; Teoria do Medalhão; sátira menipéia; paródia;
diálogo platônico; conto-teoria.
8
ABSTRACT
Our study focused on the short story Theory of Medallion (1881), of Machado de Assis,
with the aim of studying how the author articulates the use of parody understood in its
double sense of parallelism and reversal in light of the theoretical foundations of Hutcheon
(1995) for whom the parody is ironic "trans-contextualizing", that is, repetition with critical
difference and Bakhtin (1993), which highlights the dialogical structure of parody speech:
a "premeditated hybrid" between the parodied speech and the one which parodies it,
without, however, destroying it. Although there are some studies in the critical fortune of
this short story that go in that direction, such as: Almeida (2006) and Rego (1989), we
would deal with parody under another perspective, that is, in the context of the serious-
comic tradition, especially the Menippean satire, whose dialogical root is closely examined
by Bakhtin as the original cell of Romanesque speech. It is under such strain which
Machado was explicitly influenced by, as he has obliquely registered in a metafictional
passage on Theory of Medallion: "you must not only use the irony, this movement at the
corner of the mouth, full of mysteries, invented by a Greek of the decadence, contracted
by Lucian, transmitted to Swift and Voltaire, common feature of the skeptical and insolent "
that the subtitle "Dialogue" is materialized as a parody of a gender included in the
tradition of the classical Platonic dialogues. By means of discourse analysis of the
ambivalent Machadian short story, we point out the moments in which he was under a
different discourse - that of The Republic of Plato - which now approached, now pushed
away, in an alternate game of hiding-revealing in the manner of Machado, a reader of
Lucian of Samosata. Our goal, however, was not only to unveil the parody construction
within the narrative structure. We also intended, through this exemplary short story inside
the short stories of the author, to reflect on the formative aspect that engenders, either at
the level of gender as a hybrid of, at least, three matrices: the serious-comic of
Menippean, the Platonic dialogue and the essay or "story-theory" (Bosi, 1999) or at the
level of Machadian project of national literature whose cornerstone is the formation of a
skillful reader capable of understanding, through an inside out reading, the critical hidden
under the supposed praise of the picture of the medallion, typical successful citizen of the
Brazilian society of the nineteenth century, which is nourished only of appearances.
Keywords: Machado de Assis; Theory of Medallion; Menippean satire, parody, Platonic
dialogue, story-theory.
9
Sumário
Introdução........................................................................................................10
1. A Teoria do Medalhão à luz da fortuna crítica..........................................15
2. A Teoria do Medalhão e sua inserção na sátira menipéia.......................22
2.1 A paródia em dois tempos: paralelismos e inversões................28
2.2 O diálogo-medalhão: negatividade e afirmação do modelo
platônico de argumentação e efeito pedagógico...............................34
3. Teoria do Medalhão e seu caráter formativo:
3.1 Do gênero conto na fronteira com o ensaio................................57
3.2 Do leitor crítico...............................................................................64
3.3 Do projeto machadiano de Literatura Nacional...........................73
Considerações finais.......................................................................................81
Referências Bibliográficas..............................................................................85
Anexo................................................................................................................90
10
Introdução
O objetivo desta pesquisa é o de estudar a paródia enquanto formação
crítica do leitor e como concretização de um projeto de literatura nacional no
conto Teoria do Medalhão, de Machado de Assis. A escolha desse conto
justifica-se pela sua posição emblemática dentro da fortuna crítica do autor,
uma vez que, nessa narrativa, Machado resgata sua própria produção de
juventude e, vinte e dois anos depois, relê e reescreve em chave ficcional o
que antes fora crônica (Aquarelas, 1859) e crítica (Instinto de Nacionalidade,
1873). Teoria do Medalhão foi originalmente publicado no dia 18 de dezembro
de 1881, na seção “Folhetim”, do periódico Gazeta de Notícias, com destaque
na primeira página
1
. Em 1882, Machado publicou a coletânea Papéis Avulsos,
cuja composição agrega doze contos, dentre os quais se encontra Teoria do
Medalhão.
Antes de avançarmos, tracemos alguns pontos essenciais que justificam
a publicação do conto na Gazeta de Notícias. Precisamos considerar que esse
jornal ganhou fama e ficou marcado por seu empenho em apoiar a publicação
de obras literárias e, sobretudo, porque era vendido nas ruas e não somente
para assinantes, atingindo, desse modo, um público muito maior. É bem
provável que Teoria do Medalhão tenha alcançado uma recepção significativa
na sua primeira publicação e, por isso, tenha sido escolhido para compor o livro
Papéis Avulsos, uma vez que um dos critérios para a publicação dos contos
em livro era, segundo informa Gledson (2006), a recepção da obra pelo leitor.
Nesse caso, Machado era quem decidia qual conto havia sido mais apreciado
pelo público do jornal.
Na Gazeta de Notícias, Machado de Assis publicou cinqüenta e seis
contos, no período de 1881 a 1897; dentre esses, quarenta foram
reaproveitados para a publicação em livro. Dos doze contos publicados em
Papéis Avulsos, sete o do periódico mencionado. Segundo Clara Miguel
Asperti (2005),
1
Ver anexo: Teoria do Medalhão na sua versão no jornal carioca Gazeta de Notícias de
18/12/1881.
11
A grande revolução gerada pela inauguração da Gazeta
de Notícias foi fruto de seu estilo barato, popular, liberal
vendido a quarenta réis o exemplar, que se contrapunha
e concorria com o único jornal consolidado da época, o
Jornal do Corcio. [...] A iniciativa da Gazeta de
Notícias, ao mesmo tempo em que fez com que suas
vendas fossem expressivas, também lhe possibilitou a
fama de jornal popular ao alcance das massas. (p. 4,6)
O fato de Machado ter escolhido a maioria dos contos publicados na
Gazeta de Notícias, em detrimento daqueles provenientes do Jornal das
Famílias, para compor sua coletânea de contos, deve-se à popularidade do
primeiro e, mais ainda, à possibilidade de abordar temas que, nos jornais mais
conservadores, como o Jornal das Famílias, não lhe eram permitidos.
Diferentemente do propósito do Jornal das Famílias, que possuía um
caráter moralizante visando à formação familiar, a Gazeta de Notícias
ampliava a sua atuação comunicativa, prevendo um público mais diversificado,
conforme se pode observar em seu primeiro editorial de 1875:
Além d‟um folhetim romance, a Gazeta de Notícias todos
os dias dará um folhetim de atualidade. Artes, literatura,
teatro, modas, acontecimentos notáveis, de tudo a
Gazeta se propõe trazer ao corrente a seus leitores
(ASPERTI, 2005, p. 03)
Dessa forma, estrear com Teoria de Medalhão nesse espaço demonstra
a sensibilidade de Machado em relação a um periódico que, certamente,
encontraria um público mais apto para a recepção da crítica que ali se
propunha a fazer.
Acreditamos que essas considerações sobre Teoria do Medalhão
justifiquem a escolha desse conto como representativo do método machadiano
de invenção de estratégias narrativas que atuam, simultaneamente, não no
processo gradativo de formação de um leitor crítico, bem como na
reconfiguração do gênero conto, aqui na fronteira com o ensaio e com os
diálogos da tradição de Platão à sátira menipéia , fortalecendo, assim, as
bases para um projeto de literatura nacional, que invista na direção da
originalidade e da recusa à reprodução de modelos. Tudo isso bem ao gosto da
12
linhagem luciânica à qual Machado se filia e explicita, num lance metaficcional,
por meio do discurso do pai de Janjão, ambos personagens do conto:
Somente não deves empregar a ironia, esse movimento
ao canto da boca, cheio de mistérios, inventado por
algum grego da decadência, contraído por Luciano,
transmitido a Swift e Voltaire, feição ppria dos céticos e
desabusados. (ASSIS, 1987, p. 99).
2
No caso de Teoria do Medalhão, como muitos estudos críticos já o
demonstraram, é a paródia a estratégia de base do discurso narrativo, atuando
no seu duplo sentido de paralelismo e inversão. Pela referência etimológica, de
acordo com o dicionário de Shipley (1970), a paródia tem sentido paralelo
porque significa um canto que é entoado ao lado de outro. Também, entende-
se a palavra paródia como contracanto que, assumindo as características de
um outro discurso, contrapõe-se ao seu sentido.
Para fundamentarmos teoricamente nosso estudo crítico, utilizaremos o
conceito de paródia proposto por Bakhtin (1993), para quem o recurso
estilístico que expressa com maior ênfase a representação de um discurso
dentro de outro, é a paródia. O teórico russo constrói a história do discurso
romanesco, apontando a paródia como o recurso essencial para reavaliar a
construção do discurso literário, de modo a renová-lo.
Em um estudo mais contemporâneo, Hutcheon (1985) fundamenta que a
paródia é “uma confrontação estilística, uma recodificação moderna que
estabelece a diferença no coração da semelhança. Não integração num
novo contexto que possa evitar a alteração do sentido” (p. 19).
Tendo tais pressupostos teóricos em pauta, levantaremos a hipótese de
que o conto em questão se filia à tradição da sátira menipéia gênero flexível
que teve sua gênese na Antiguidade Clássica e que mistura gêneros díspares,
incluindo a paródia como elemento construtor da hibridez que está na sua raiz.
Desse modo, o conto advém da paródia do diálogo platônico, valendo-se do
2
Todas as citações do conto são feitas com base na coletânea Machado de Assis: seus 30
melhores contos. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1987. De agora em diante, as referências
ao conto adotarão a sigla TM, seguida do número da página.
13
mesmo tom discursivo de caráter pedagógico, mas distancia-se dele ao inverter
o seu sentido formativo por meio da negatividade. A aproximação permite
revelar que há um diálogo com “as formas do passado, mas um diálogo que faz
recircular, em vez de imortalizar. Não é nunca uma volta para trás para
despertar os mortos [...], pois toda paródia é abertamente híbrida de voz dupla”
(HUTCHEON, 1985, p. 41).
Atuando por meio de inversões e paralelismos com os diálogos
platônicos, a retomada paródica da forma clássica do diálogo se configura,
assim, como uma estratégia discursiva que visa à formação crítica do leitor,
apontando também para o projeto machadiano de literatura nacional, inscrito,
especialmente, no Instinto de Nacionalidade (1873). Esse texto foi escrito sob
encomenda para a publicação O Novo Mundo, de Nova York e nele Machado
tece declarações críticas sobre a literatura brasileira, muito embora tivesse
publicado o romance Ressurreição àquela altura.
Dentro do propósito de nossa pesquisa, refletiremos sobre essas
questões a partir do desenvolvimento de três capítulos: no primeiro, intitulado
“A Teoria do Medalhão à luz da fortuna crítica”, apresentaremos as várias
análises sobre o conto, destacando as interpretações mais relevantes à luz de
um critério cronológico, a partir das fontes catalogadas por Ubiratan Machado
(2003) e da consulta a teses e artigos em revistas literárias mais atuais.
No segundo capítulo, “A Teoria do Medalhão e sua inserção na sátira
menipéia, discorreremos acerca da filiação de TM à tradição da menipéia de
linhagem luciânica. Ainda no segundo capítulo, no item “A paródia em dois
tempos: paralelismos e inversões”, abordaremos o recurso paródico,
enfatizando sua construção por paralelismo e inversão do diálogo platônico,
sobretudo, os de A República.
No terceiro capítulo, “Teoria do Medalhão e seu caráter formativo”, por
sua vez, abordaremos o sentido formativo do conto em questão em três
direções específicas: na do gênero, na do leitor e na constituição do projeto de
literatura nacional.
Enquanto gênero conto, a formação estará em pauta por meio da
categorização conto/teoria (FISCHER, 2008), o que o aproximaria do ensaio,
que o foco está não na trama, mas na reflexão sobre o conceito de medalhão”
14
no contexto sócio-cultural e literário do Rio de Janeiro do séc XIX; conceito,
aliás, já perceptível desde as publicações em Aquarelas (1859), nas quais
Machado critica a produção do “fanqueiro literário”.
Como meta de formação do leitor para o exercício reflexivo, o foco
estará sobre o que Machado chama de “ruminação”, nas páginas de Esaú e
Jacó: “o leitor atento, verdadeiramente ruminante, tem quatro estômagos no
cérebro, e por eles faz passar e repassar os atos e os fatos, até que deduz a
verdade, que estava, ou parecia estar escondida”
3
.
Além disso, o método machadiano de uma leitura às avessas dialoga
com o ideal defendido em Instinto de Nacionalidade (1873), no qual expõe seu
propósito de uma literatura nacional, porém na direção contrária de qualquer
missão patriótica ou de reprodução de modelos de escolas literárias do culo
XIX.
Tendo em vista tais aspectos, nosso intuito será o de enriquecer a
fortuna crítica desse conto que se constitui num paradigma dentro da obra de
Machado de Assis.
3
Machado de Assis, Esaú e Jacó in: Obra Completa, 3 vols. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
1962, vol. I, p. 1017. De agora em diante, as referências à obra de Machado (excetuando
Teoria do Medalhão) serão feitas com base nessa edição, utilizando-se a sigla OC, seguida do
número da página.
15
1. TEORIA DO MEDALHÃO À LUZ DA FORTUNA CRÍTICA
16
A partir não das fontes fornecidas por Ubiratan Machado (2003), que
cobrem um período que vai de 1975 a 2003, bem como da consulta a teses e
artigos em livros e revistas literárias mais atuais, que vão de 2005 a 2008, a
nossa seleção de fortuna crítica se concentrou sobre aqueles títulos que se
referiam, diretamente, ao conto TM.
O primeiro ensaio crítico sobre o conto foi escrito por Mendonça (1975) e
intitula-se Teoria do Simbolismo (análise de Teoria do Medalhão: Machado de
Assis). Na visão do crítico, a tentativa de Machado de consolidação de um
projeto de identidade social se dá por meio da explicitação da ironia, que
contrapõe a magnitude da intenção do pai de capacitar o filho para o traquejo
social, à incapacidade nata deste em ser um sujeito pensante dentro desse
projeto.
Mendonça também ressalta que a inaptidão reflexiva de Janjão e a
aceitação natural da figura de medalhão não podem ser vistas como
desvirtuamento de seu caráter, mas, sim, como um reflexo do mecanismo
estruturante das relações sociais.
Outro trabalho significativo sobre o conto encontra-se em Rego (1989),
em cujo livro O calundu e a panacéia propõe um estudo do conto à luz da
tradição luciânica da sátira menipéia. Nesse sentido, o crítico ressalta alguns
pontos dignos de observação em TM: o subtítulo, que o classifica como um
diálogo, marcando, assim, sua relação com a tradição dos diálogos luciânicos;
evidencia-se, ainda, a citação do próprio nome de Luciano quando, no diálogo
do pai, afirma-se que não se deve empregar a ironia, esse movimento ao
canto da boca, inventado por algum grego da decadência, contraído por
Luciano, transmitido a Swift e Voltaire, feição própria dos céticos e
desabusados.” (TM, p. 99).
Finalmente, o crítico afirma que TM pode ser lido como uma paródia, no
sentido de “canto paralelo” ao ensaio de Luciano, O Professor de Retórica, no
qual se parodia a falsa eloqüência e o estilo pretensioso dos declamadores e
professores de retórica de seu tempo.
Contextualizando o período histórico-social em que o conto foi escrito,
Cury (1995), em Teoria do Medalhão: uma pedagogia do poder, explicita, de
forma sucinta, o panorama de transição entre Monarquia e República,
abordando as divergências entre teoria e prática na instauração dos ideais
17
liberais dentro de uma sociedade escravocrata, na qual a questão da
mobilidade social permanecia inalterada, independentemente do sistema de
governo vigente.
Cury formula sua análise sobre o conto a partir da raiz do termo
“medalhão”, concluindo que, no caso de TM, privilegiam-se características
relativas à exterioridade do indivíduo, em detrimento de aspectos referentes ao
caráter interno. Além disso, ressalta que tais acepções são incutidas no sujeito,
pedagogicamente, sob a forma do diálogo feito à imagem e semelhança do
discurso socrático.
Argumentando sobre a questão do self na modernidade, Esteves (2000),
em Machado de Assis e o self: os experimentos da modernidade tardia, conclui
que Machado, ao traçar o perfil do self brasileiro do século XIX, aponta o “ethos
do medalhão” como predominante na vida pública. Medalhão, afirma o crítico, é
o indivíduo que dirige sua conduta tendo em vista a aparência. Não importa a
profissão escolhida, desde que se cumpra o requisito básico que significa o
abandono de qualquer vestígio de reflexão. Desse modo, o diálogo,
pedagogicamente urdido por Machado, revela que, na sociedade brasileira, não
o exercício da auto-reflexividade porque o medalhão trabalha em favor de
interesses próprios, sobretudo quando se trata de agir publicamente.
Em artigo intitulado Notas sobre Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de
Holanda e Teoria do Medalhão, de Machado de Assis, Silveira (2000) se detém
na constituição da identidade de duas figuras o medalhão e o homem cordial
que caracterizam e representam o indivíduo concebido pela sociedade
brasileira do século XIX. O “homem cordial” é, com efeito, aquele que se
constitui como medalhão conceito elaborado por Sérgio Buarque de Holanda
em seu livro Raízes do Brasil.
Silveira destaca que, apesar da distância histórico-cronológica que
separa os autores, a leitura paralela de suas obras revela indícios que denotam
a perpetuação desse traço degenerativo nas relações sociais da sociedade
brasileira contemporânea.
Pautado pela abordagem teórico-crítica de Jameson, Gomes (2003), em
Medalhões e simulacros: a atualidade de Machado de Assis, discorre sobre as
implicações da paixão pelo status na vida social da contemporaneidade e como
elas são tematizadas por Machado no conto TM. O pesquisador ressalta a
18
atualidade do discurso machadiano, que diagnosticava a instauração de um
mundo no qual a identidade do indivíduo é determinada pela assimilação de
atributos exteriores.
Há, ainda, uma série de estudos mais recentes sobre o conto em
questão. Na reedição (2005) da coletânea de Papéis Avulsos, o crítico Ivan
Teixeira revela, em ensaio introdutório, como Machado se vale do uso da
retórica, a fim de criar um discurso que pode ser considerado autêntico,
fantástico, vibrante, natural e sedutor” (p. XX) e, mesmo assim, ainda ser
compreendido como arte, ou seja, uma produção que visa criar efeitos
específicos.
Tendo em vista a forma da paródia luciânica presente em Papéis
Avulsos, Teixeira aponta para o caráter irônico do discurso, aventando a
hipótese de ser a ironia a responsável pelo jogo paradoxal que estrutura a
narrativa de TM, que apresenta um discurso que se insurge por afirmações
negadas e negativas afirmadas.
Dentro ainda dessa perspectiva crítica do discurso, Pozzi (2006) afirma
em seu artigo O argumento de autoridade no conto Teoria do Medalhão
que tal argumento, sustentado pelo uso de “frases feitas”, acaba
fundamentando a ideologia do poder, tal qual faz a mídia contemporânea.
Um estudo relevante para a nossa dissertação é, ainda, o de Almeida
(2006), cujo trabalho propõe uma análise do “efeito parodístico” do conto,
segundo a concepção de Sant‟Anna, para quem a paródia revela-se como uma
contra-ideologia, isto é, um discurso que tem por objetivo deformar o texto
original sem atribuir-lhe nenhum reforço positivo.
Sant‟Anna (2006) propõe a idéia de paráfrase como oposição à paródia,
visto que esta é como uma espécie de “espelho invertido”. Já a paráfrase
revelaria a idéia do ”filho-texto olhando-se indiferenciadamente nos olhos da
mãe” (p. 32). Apoiado nessa interpretação, Almeida (2006) fundamenta sua
hipótese de que a paráfrase e a paródia se constituem como faces de uma
mesma moeda, propondo a partir daí, que, em TM,
A submissão do filho aos ditames do pai corresponderia a uma
paráfrase no vel da relação entre as personagens: o “filho-
texto”, Janjão, seria uma cópia do “texto-pai”; disto trataria a
19
camada semântica. no caso do nível semiótico,
detectaríamos a paródia: o “texto-pai” é a série de diálogos
platônicos socráticos; o “filho-texto”, a subversão da fonte de
origem, que representa o modus faciendi do Machado-leitor.
(p.05)
Assim sendo, Almeida conclui que o conto se constrói a partir de dois
planos: a paráfrase na relação pai/Sócrates e seu filho, e a paródia que revela
a oposição de Machado ao diálogo socrático, ou seja, nega o sentido do texto
de origem. Apoiado no pressuposto conceitual de Sant‟Ana, Almeida
compreende a paródia apenas como inversão, e a paráfrase é que revelaria a
relação de semelhança e, daí, a presença de ambos no conto em questão.
Em A sociedade brasileira e a “Teoria do Medalhão”: uma perspectiva
literária, Nascimento (2006) ressalta que duas acepções de medalhão: a
primeira representa um indivíduo importante, uma figura de projeção e
profissão de destaque; a segunda é pejorativa e revela um sujeito posto em
posição de destaque, mas sem mérito para tal. Das duas acepções, é a
pejorativa que se vincula ao conto, sintetizada em um conjunto de elementos: a
linguagem vazia, o discurso pronto, as citações inadequadas, o fortalecimento
dos vícios de uma sociedade calcada em modelos falhos ou, no mínimo,
equivocados. Nascimento conclui o ensaio sugerindo que o avesso da “teoria
do medalhão” é, justamente, a leitura crítica do conto.
Em O aspecto decorativo da Intelligentsia brasileira, Silva (2007) discute
a especificidade da cultura brasileira no tocante à formação intelectual, pondo
em relevo o aspecto decorativo que a inteligência assume no país. Para sua
análise, utiliza-se do conceito de “homem cordial”, retomando, mas sem fazer
referência, a mesma linha de trabalho do crítico Silveira (2000), já citado.
Janjão é o homem cordial que representa “os nossos homens de idéias que
eram, em geral, homens de palavras e livros; não saíam de si mesmos [...]”
(HOLANDA, 1975, p.163).
O homem cordial não faz distinção entre público e privado, pois as
relações aprendidas no convívio familiar ensinam a quebrar as regras de
formalidade para se alcançar os privilégios dentro da esfera pública. O que
predomina é a valorização do privado em detrimento do público, que marcou a
sociedade brasileira.
20
Segundo o estudo de Silva, o historiador Sérgio Miceli faz uma pesquisa
similar à de Holanda, traçando a ascensão do letrado de fins do século XIX.
Miceli observa que o acesso ao status social se a partir do capital financeiro
proveniente das famílias, juntamente com o apoio das relações sociais de
parentesco e amizade capazes de garantir um cargo público, um casamento ou
qualquer outro benefício que pudesse evitar o rebaixamento social.
Conclui Silva que a percepção desse caráter ornamental da elite
brasileira remete ao conto TM, visto que o pai instrui o filho a se tornar um
“medalhão”, ou seja, um homem cujo espírito conseguiu ser domado e
disciplinado a ponto de ter cuidado com idéias próprias e alheias. Cumpre
salientar que o medalhão” é um rótulo que representa a cultura do ornato.
Esse título é cabível ao sujeito que, evitando idéias novas, prefere a monotonia,
as idéias partilhadas e as fórmulas consagradas.
Cintra (2008) aborda, em ensaio intitulado O nariz metafísico ou a
retórica machadiana, o conjunto de manifestações discursivas utilizadas pelos
vários narradores do texto machadiano, especificamente nos contos da
coletânea Papéis Avulsos (1882), da qual faz parte TM.
Tendo em vista essas estratégias retóricas, o que ocorre em TM é,
conforme Cintra, uma espécie de monólogo disfarçado de diálogo, visto que “a
iniciativa da conversa é sempre do pai, que se apresenta como doador de uma
verdadeira lição de vida: a receita para o filho tornar-se grande e ilustre,
equiparada ironicamente a O Príncipe de Maquiavel” (2008, p. 124). O foco da
narrativa centra-se nas etapas de manipulação que revelam o ensinamento. A
comunicação humana é a principal estratégia retórica do discurso do pai para
atingir o convencimento.
Nesse breve percurso sobre TM, vimos como o discurso da crítica abre,
basicamente, dois caminhos de leitura a propósito da obra. Grande parte dos
trabalhos concentra-se na análise da formação da identidade e de crítica ao
poder: o autoritarismo paterno, a hipocrisia da vida baseada em aparências e
uma visão de mundo que propõe a acomodação, ao invés da luta pela
transformação das condições sociais.
Outro grupo de estudo se concentra em questões das estratégias
retóricas do discurso dialogal, muitos deles apontando, também, para a
paródia. No entanto, o que distinguirá nossa perspectiva analítica em relação à
21
paródia será a abordagem do sentido dúplice do termo e como esse
desdobramento aponta para a formação de um leitor crítico vinculado ao
propósito machadiano de uma literatura nacional.
22
2. TEORIA DO MEDALHÃO E SUA INSERÇÃO NA SÁTIRA MENIPÉIA
23
(...) êste livro e o meu estilo são como os
ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e
param, resmungam, urram, gargalham,
ameaçam o céu, escorregam e caem.
(Memórias Póstumas de Brás Cubas)
A ruptura que se observa no tocante ao gênero conto em TM é
proveniente da incorporação de elementos referentes aos gêneros da
Antiguidade Clássica, também chamados de sério-cômicos, intimamente
vinculados ao folclore carnavalesco, que atenua os aspectos referentes à
univocidade e aos dogmatismos do discurso.
Segundo Bakhtin (1997), os gêneros sério-cômicos se destacam pelo
tratamento dado às questões próprias da realidade contemporânea,
desprendendo-se, assim, da representação de mitos e lendas do passado.
Além disso, baseiam-se na experiência e na fantasia livre, buscando a
pluralidade de estilos e a variedade de vozes.
Caracterizam-se pela politonalidade da narração, pela fusão
do sublime e do vulgar, do sério e do cômico, empregam
amplamente os neros intercalados: cartas, manuscritos
encontrados, diálogos relatados, paródias dos gêneros
elevados, citações recriadas em paródia, etc. (BAKHTIN,
1997, p. 108)
Dentre os gêneros sério-cômicos, inscritos em TM, destacamos o
diálogo. Segundo Bakhtin (1997), o nero, que no início era quase
memorialístico, conservou na sua forma somente a concepção socrática cujo
objetivo era o de revelar a verdade por meio do diálogo, opondo-se ao
“monologismo oficial”, que se julgava detentor do saber:
A verdade não nasce nem se encontra na cabeça de um único
homem; ela nasce entre os homens, que juntos a procuram no
processo de sua comunicação dialógica. crates se
denominava “alcoviteiro”: reunia as pessoas, colocando-as
frente a frente em discussão, de onde resultava o nascimento da
verdade. Em relação a essa verdade nascente, Sócrates se
denominava “parteira”, pois contribuía para o seu nascimento.
Daí ele mesmo denominar seu método de maiêutica. (BAKHTIN,
1997, p. 110)
24
O discurso socrático é, portanto, de natureza dialógica e se estabelece
com o fim de buscar a verdade. Nesse sentido, pode-se inferir que um conto
que se funda sobre as bases do discurso socrático também caminha em
direção a uma verdade, ou a possíveis verdades, mesmo que se encontrem
camufladas como ocorre em TM.
nesse discurso “uma experimentação dialógica da idéia que é
simultaneamente uma experimentação do homem que a representa” (1997, p.
111). Ou seja, ressalta-se no discurso socrático o aparecimento do “herói-
ideólogo” que surge, segundo Bakhtin, pela primeira vez na história da
literatura européia. O papel desse herói é central e visa experimentar a
verdade, provocando o outro para a reflexão sobre seus conceitos. Isso foi
possível porque o discurso socrático teve sua origem na carnavalização da
cultura popular, na qual se debatiam temas antagônicos que induziam o
pensamento a refletir sobre os dois lados de uma mesma situação.
Todavia, o diálogo socrático perdeu sua relação com a perspectiva
carnavalesca, visto que adquiriu forma pedagógica, destoando do propósito
dialógico do início de sua formação. Conforme Bakhtin, essa “degeneração” da
proposta do discurso socrático ocorre devido a sua adoção pelas escolas
filosóficas que o utilizavam para incutir um saber. O discurso “se converte em
simples forma de exposição da verdade já descoberta, acabada e indiscutível,
resultando completamente numa forma de perguntas-respostas de
ensinamento de neófitos (catecismo)” (BAKHTIN, 1997, p. 110).
Os procedimentos fundamentais do diálogo socrático eram a síncrese e
a anácrise que consistiam, sucessivamente, na confrontação de pontos de vista
divergentes sobre um determinado objeto (síncrese) e incitação da palavra do
interlocutor para externar inteiramente sua idéia (anácrise). De acordo com
Bakhtin, Sócrates foi um grande mestre da anácrise, pois tinha a habilidade de
fazer as pessoas expressarem suas opiniões mais profundas. Pelo estímulo da
palavra, ele aclarava as idéias e derrubava os discursos inconsistentes,
trazendo à tona a verdade. Nesse jogo, Sócrates revelava seu discurso
ideológico de maneira camuflada, pois, ao admitir que nada sabia, incitava o
discípulo a conceber o conhecimento por si mesmo. Desse modo, o filosofo foi,
também, um ideólogo, assim como seus interlocutores: “os sofistas, os
25
discípulos e pessoas simples que ele agrega ao diálogo, transformando-os
involuntariamente em ideólogos” (BAKHTIN, 1997, p.111). Segundo Bakhtin, o
discurso socrático mostra-se mais doutrinador no último período da obra de
Platão, e o diálogo promove uma certa “passividade” reflexiva do interlocutor.
Com a desintegração do discurso socrático, o surgimento de um
gênero conhecido como sátira menipéia, espécie de contrapartida aos diálogos
platônicos por meio do sarcasmo e da ironia, cujas raízes se vinculam ainda
mais diretamente ao carnaval. Bakhtin nos diz que a sátira menipéia é um
gênero flexível e mutável que penetra facilmente em outros gêneros, como
ocorre neste conto machadiano.
Sabe-se que a origem do termo sátira está ligada aos Satyr plays,
atores que dizem e fazem coisas ridículas e vergonhosas. Contudo,
etimologicamente, a palavra sátira provém do latim e, de acordo com Shipley,
significa “recheio de um assado”, ou refere-se, ainda, hipoteticamente, ao
termo lanx prato” e, nesse sentido, significa um prato cheio, uma bandeja
com diferentes frutas oferecida a um deus rural. Essa definição pautada na
mistura de coisas diferentes ou aparente desordem perdura, desde então, no
sentido da palavra sátira”.
4
Relacionada à literatura, as idéias de mistura ou
fartura (satura lanx) apontam tanto para o hibridismo dos gêneros quanto para
o caráter de alimento físico e/ou espiritual.
Os aspectos subversivos da sátira menipéia refletem o momento
histórico e social em que o gênero se formou, isto é,
[...] na época da desintegração da tradição popular nacional,
da destruição daquelas normas éticas que constituíam o ideal
antigo do “agradável” (“beleza-dignidade”), numa época de luta
tensa entre inúmeras escolas e tendências religiosas e
filosóficas heterogêneas, quando as discussões em torno das
„últimas questões‟ da visão de mundo se converteram em fato
corriqueiro entre todas as camadas da população e se
tornaram uma constante em toda parte onde quer que se
reunisse gente. (BAKHTIN, 1997, p. 119)
4
Tradução nossa, baseada no original: satira < satura, the “stuffing” of a roast. The etymology
is traced to a hypothetical (lanx) satura, a full dish, a platter of mixed fruits as an offering to a
rural god. The root sense of mixture or medley, of farrago or apparent disorder, still helps
quicken the meaning of the Word today. […] In Renaissance Eng. Satire was held to derive
from the ancient satyr plays, with their rough language and pranks.(SHIPLEY, 1970, p. 286).
26
Essa conjuntura na qual prevalecem os contrastes, as misturas, as
tensões explicam por que os gêneros sério-cômicos estão estritamente ligados
ao folclore carnavalesco que os penetra, “determinando-lhes as
particularidades fundamentais que coloca a imagem e a palavra numa relação
especial com a realidade” (BAKHTIN, 1997 p. 107). É interessante sublinhar
que essa penetração da cosmovisão carnavalesca desfaz o dogmatismo e a
univocidade dos discursos.
Dentre as características formais da sátira menipéia está a presença do
elemento cômico que sofre variações e é, principalmente, nesse ponto, que TM
se filia a ela. Em alguns autores, a comicidade é mais evidente, enquanto em
outros é atenuada, mas não deixa de conter um “riso invisível ao mundo”
(GÓGOL apud BAKHTIN, 1997, p. 114). Nesse aspecto, TM concentra a
estratégia mais singular que Machado utilizou em seus livros: a ironia “esse
movimento ao canto da boca, cheio de mistérios” (TM, p. 99) no lugar do riso
aberto “a chalaça [...] que se mete pela cara dos outros, estala como uma
palmada, faz pular o sangue nas veias, e arrebentar de riso os suspensórios”
(TM, p. 99).
Esse riso irônico é o que também vincula TM à tradição luciânica. Rego
(1989) aproxima Teoria do medalhão de O professor de retórica, de Luciano de
Samosata, texto no qual cita um jovem que quer se tornar um bom orador e,
por isso, aconselha-se com seu professor. Este lhe mostra dois caminhos
possíveis: um árduo, de muitos esforços, e outro bem mais simples:
Traga consigo, e isso é essencial, uma grande bagagem de
ignorância, mas tamm uma postura, uma aparência de
segurança... e quinze ou vinte não mais expressões atiças.
(SAMOSATA apud REGO, 1989, p. 89)
Nota-se claramente o paralelismo paródico que Luciano faz ao
discurso socrático, efeito esse que ocorre também em TM. Ainda, segundo o
professor de retórica, as expressões eruditas devem ser abertamente
“pronunciadas e distribuídas pelo discurso, como para lhe dar sabor”. Quanto
27
às expressões estranhas, mais difíceis, devem ser evitadas, e a elas devem ser
preferidos os “lugares-comuns” (SAMOSATA, apud REGO, 1989, p. 89).
Como leitor de Luciano de Samosata, Machado tinha afinidade com
esse escritor, como o comprova a citação explícita em TM:
Somente não deves empregar a ironia, esse movimento ao
canto da boca, cheio de mistérios, inventado por algum grego
da decadência, contraído por Luciano, transmitido a Swift e
Voltaire, feição própria dos céticos e desabusados (p. 99; grifo
nosso)
Ademais, o constante emprego da paródia que, para Bakhtin, “é um
elemento inseparável da 'sátira menipéia' e de todos os gêneros
carnavalizados” (1997, p. 127), também o vincula à estrutura das narrativas
luciânicas.
Observando essas características, podemos traçar um caminho que leve
à compreensão de como Machado inscreve TM na tradição literária da sátira
menipéia, por meio de uma refinada paródia construída por paralelismo e
inversão do modelo do diálogo platônico.
28
2.1 A paródia em dois tempos: paralelismos e inversões.
Duas vozes é o mínimo para a vida, o mínimo
para a existência.
5
Antes de conceituarmos literariamente a paródia, ressaltaremos seu
sentido etimológico no intuito de esclarecer o significado do termo. De acordo
com o dicionário de Shipley (1970, p. 298), a palavra provém do grego e
significa canto paralelo "a song sung beside”. Tal concepção de paródia foi
abordada por Campos (1980) no prefácio a Memórias sentimentais de João
Miramar, de Oswald de Andrade. Entendida sob o viés da equivalência, a
paródia se apresenta não só como recurso estilístico estrutural relevante para a
compreensão de criações da literatura moderna, bem como de obras do
passado literário, sobretudo as que não se inserem em uma classificação
convencional. Desse modo, a paródia atua obliquamente, ou seja, em
movimento “não-linear de transformação dos textos ao longo da história”, ou,
ainda, segundo nomeia o crítico, como “tradução da tradição” (CAMPOS, 1980,
p. 131).
Ainda, segundo o dicionário de Shipley, Aristóteles, na Poética, atribui a
origem da paródia a Hegemon de Tarso, que utiliza o gênero épico para
representar homens comuns, na vida cotidiana, em oposição à convenção que
representa seres superiores. Hegemon teria sido o primeiro a realizar a
inversão do gênero épico, caracterizando assim a paródia como subversão de
um gênero estabelecido. Tal definição de paródia, ainda que adequada à
época, não se sustentou na prática, ou seja, nas próprias obras de arte dos
séculos posteriores. Assim, a paródia ganhou novas classificações que o a
limitavam apenas à distorção de um gênero.
É a partir de Bakhtin (1993, 1997) que a teoria sobre a paródia ganha
nova forma, agora vista como um discurso dentro de outro, no contexto do
dialogismo, que é também o cerne de sua concepção de linguagem, visto que o
diálogo representa a condição necessária de qualquer discurso. Para o teórico
5
Tradução nossa, baseada no original: Two voices is the minimum for life, the minimum for
existence.” (BAKHTIN, 1985, p.252).
29
russo, a linguagem existe quando dirigida para o outro e por isso os
discursos monofônicos (uma só voz) representam uma ilusão. Desse modo,
nenhum discurso é inédito ou independente; o indivíduo perde seu papel
central e único para se desdobrar em um sujeito histórico, cujo discurso
apresenta perspectivas de outras vozes. Dessa forma, todo discurso é um ato
de linguagem que se realiza a partir da interação com outros discursos e
essa relação dialógica se estabelece na interação verbal entre o enunciador e o
enunciatário:
[...] um autor pode usar o discurso de um outro para seus fins
pelo mesmo caminho que imprime nova orientação semântica ao
discurso que já tem sua própria orientação e a conserva. Neste
caso, esse discurso, conforme a tarefa, deve ser sentido como o
de um outro. Em um discurso ocorrem duas orientações
semânticas, duas vozes. Assim é o discurso parodístico, assim é
a estilização, assim é o skaz estilizado. (BAKHTIN, 1997, p. 189)
A paródia, nesse contexto, implica bivocalidade entre o discurso
parodiado e aquele que o parodia, inscrevendo-o no seu campo dialogal. Com
isso, pode-se dizer que, para Bakhtin, a paródia é um recurso estilístico que
expressa com maior ênfase a representação de um discurso dentro de outro,
ou seja,
[...] duas linguagens se cruzam na paródia, dois estilos, dois
pontos de vista, dois pensamentos lingüísticos e, em suma,
dois sujeitos do discurso. É verdade que uma destas
linguagens (parodiada) apresenta-se verdadeiramente, a
outra, de maneira invisível, como fundo ativo de criação e
percepção. A paródia é um híbrido premeditado. (BAKHTIN,
1993, p. 390)
A criação da paródia nos remete à antiguidade, quando não havia,
segundo o autor, nenhuma forma de discurso sério e direto sem seu duplo
cômico. Sabe-se que, muitas vezes, os duplos eram mais valorizados pela
tradição do que o próprio original. Além disso, ao que consta, não havia
nenhum tipo de preconceito em relação às formas paródicas. Os gregos não
consideravam a elaboração da paródia como profanação dos mitos, mas, sim,
como uma criação paródico-travestizante de caráter jocoso e crítico, em
30
relação à seriedade do discurso direto e elevado. Entendida sob esse ângulo
dinâmico, a paródia vem a ser uma forma de imitação caracterizada pela
inversão e pelo humor.
[...] a paródia [...] revira o texto parodiado e nos dá o farsesco, o
sexual, o coprológico, a grande gargalhada das ruas e das
praças, o carnavalesco, a irrupção do riso, a caçoada com os
grandes temas, a irreverência do espírito popular, sua esfuziante
alegria posta de lado durante séculos pela cultura oficial.
(SCHNAIDERMAN, 1980, p. 90)
Segundo Bakhtin, do ponto de vista literário, a paródia é um recurso que
permite a inversão de um texto que resulta em críticas e ironias veladas, isto
porque na paródia “o autor fala a linguagem do outro, porém, [...] reveste essa
linguagem de orientação semântica diametralmente oposta à orientação do
outro(1997, p. 194). Assim, a paródia serve à configuração de um enunciado
de construção híbrida cujos índices gramaticais e composicionais pertencem a
um único falante, porém, na realidade, “estão confundidos dois enunciados,
dois modos de falar, dois estilos, duas “linguagens”, duas perspectivas
semânticas e axiológicas.” (1993, p. 110).
A paródia contribui, portanto, para o surgimento da tradição de ruptura,
visto que uma renovação da arte literária pelo resgate do passado a fim de
recriá-lo. Essa ruptura geradora da renovação do discurso por meio da paródia
se constrói pela devoração da palavra oficial, objetivando
Devorar o pai (o colonizador), devorar o discurso do pai, devorar
a palavra que representa o estatuto do poder, ora através da
paródia, ora pela ironia, ora pelo jocoso, ora pelo intercâmbio e
diálogo com o texto do poder. (HELENA, 1980, p. 71)
Ainda hoje é consenso, conforme apontou Bakhtin, que a paródia
literária é um discurso no qual o autor emprega a fala do outro, mas introduz
nesta uma intenção diversa.
Hutcheon (1985) demonstra a presença da paródia em várias formas
de expressões artísticas que vão da música à literatura, da pintura ao cinema.
31
Para a autora, a paródia é o modo de se chegar a um acordo com os textos do
passado e colocá-los em funcionamento, conforme as novas necessidades. Os
artistas modernos parecem ter plena consciência de que toda mudança implica
continuidade e oferecem, por meio da paródia, um modo de reorganizar esse
passado.
Para além das implicações estéticas, Hutcheon, assim como Bakhtin,
observa na paródia implicações ideológicas e sociais. Ela representa um
reflexo da crise da noção de sujeito como fonte constante e coerente de
significação, pondo em questão a origem do texto e de seu autor.
Para Hutcheon, não existem definições “trans-históricas” de paródia, e
sim denominadores comuns a todas elas. O tipo de paródia executado no
nosso tempo é um processo de revisão e “reexecução”, ou ainda, inversão e
“transcontextualização” de obras anteriores. Nessas reflexões, o mais
importante é que a paródia não está necessariamente ligada ao caráter
ridicularizador e de riso, que se estabelece ao retomar um texto do passado.
Na realidade, a referência aos textos alheios é feita com olhar crítico que,
inevitavelmente, altera o seu sentido ao integrá-lo no novo contexto. Isto é o
que a autora chama
[...] repetição com diferença crítica. [...] A paródia invoca antes
uma distanciação crítica autoconsciente em relação ao outro
que pode ser usada como um dos mecanismos retóricos para
indicar ao leitor que procure padrões ideais imanentes, ainda
que indirectos, cujo desvio deve ser satiricamente condenado
na obra. (HUTCHEON, 1985, p. 17, 100)
Portanto, a paródia implica distância crítica, marcando as diferenças ao
invés das semelhanças. Essa definição, embora simples, necessita de alguns
esclarecimentos, e a autora propõe uma análise deste conceito em dois
campos: o formal e o pragmático. No aspecto formal, Hutcheon defende que a
paródia não é simplesmente um empréstimo textual. A utilização de um texto
por outro é um modo pelo qual uma obra pretende firmar-se como gênero com
raízes no tempo histórico. A paródia, desse modo, aproxima dois textos, mas
acentua e dramatiza a diferença entre ambos. A autora afirma, ainda, que a
ironia é o mecanismo retórico que permite marcar essa diferença, isto é,
32
funciona como uma estratégia formal que possibilita ao decodificador
interpretar e avaliar. A definição de paródia pode, então, ser complementada
como: “uma forma de imitação caracterizada por uma inversão irônica”
(HUTCHEON, 1985, p. 17).
Essa inversão irônica, contudo, não se faz sempre às custas do texto
parodiado. Ao contrário das teorias de intertextualidade de Genette, Hutcheon
não reconhece paródia como sinônimo de intertextualidade, nem como
transformação mínima do texto. A “transcontextualização” paródica pode tomar
a forma de uma “incorporação literal” ou de um “refazer” de elementos formais.
Porém, a simples “transcontextualização” não resultará em nada, caso o leitor
não seja capaz de decodificar as referências. Assim, o processo de
comunicação é fundamental para o funcionamento da paródia: para se atingir a
compreensão do texto é preciso que haja um acordo entre sujeitos textuais,
que Hutcheon denomina “codificador” e “decodificador”. Nessa ordem, autor e
leitor precisam assumir um pacto que caminhe na direção de uma leitura co-
criativa.
A posição, como sujeito, do produtor da paródia é a de um
agente controlador cujas ações tomam em consideração a
evidência textual: em certo sentido, trata-se de uma construção
hermenêutica hipotética, inferida ou “postulada” pelo leitor a
partir da inscrição do texto. (HUTCHEON, 1985, p. 112)
A paródia exige, portanto, a abertura para um contexto pragmático que
leve em conta a intenção do autor e o efeito sobre o leitor, no sentido de
identificar o paralelismo entre os textos e a sua decodificação. Essa posição se
justifica se retomarmos novamente o sentido etimológico do termo: o prefixo
para- (do grego) tem originalmente dois significados: o primeiro deles é de
oposição, o outro é ao longo dee sugere acordo, proximidade ou intimidade,
ao invés de contraste entre os textos. Esse segundo sentido permite alargar a
intenção pragmática desse termo e revela que a paródia é
normativa na sua identificação com o outro, mas é
contestatária na sua necessidade edipiana de distinguir-se do
outro. Esta ambivalência, estabelecida entre repetição
33
conservadora e diferença revolucionária, faz parte da própria
essência paradoxal da paródia. (HUTCHEON, 1985, p. 98-99)
Para pensarmos um novo âmbito para a paródia, é necessário
esclarecer que o seu alvo é sempre outra forma de discurso codificado, e a
inversão irônica é sua principal característica, embora não seja um recurso
meramente formal. Além de representar uma antífrase, uma oposição ou
contraste entre um sentido pretendido e um afirmado, a ironia tem papel
pragmático importante, visto que sua função é determinar uma avaliação
crítica. A paródia, desse modo, aproveita-se da ironia como recurso privilegiado
para marcar a diferença entre textos em um nível micro, por meio da inversão
semântica, e em um nível macro, por meio da avaliação pragmática
proporcionada pela ironia.
Desse modo, segundo Hutcheon, a definição de paródia não deve
vinculá-la, exclusivamente, à produção do ridículo. Em última análise, observa-
se que, referente ao nível formal, a paródia é sempre uma estrutura paradoxal
de sínteses contrastantes e, em nível pragmático, envolve uma avaliação
decodificada pelo leitor por meio de recursos estilísticos como a ironia.
À luz de Bakhtin e Hutcheon, podemos perceber então que a essência
paródica é dialógica, implicando repetição com diferença crítica, seja por
inversão, seja por proximidade e paralelismo, e essa é, também, a nossa
hipótese que sustenta o campo significativo de TM em relação aos diálogos
platônicos de A República. Porém, para entendermos por que Machado
estaria retomando a forma clássica, primeiramente precisamos saber que os
diálogos platônicos foram escritos na forma de um discurso socrático, gênero
por excelência dialógico, que, assim como a sátira menipéia, é parte integrante
do desenvolvimento do romance, segundo Bakhtin.
34
2.2 O diálogo-medalhão: negatividade e afirmação do modelo platônico de
argumentação e efeito pedagógico.
Somente em comunhão ou na interação com o
outro, pode o homem revelar-se para si e para os
outros.
6
Em TM, a paródia atua em duas direções em relação à forma clássica
do diálogo platônico: paralelismo e inversão. Paralelismo, visto que ambos se
assemelham pelo uso de um discurso didático e persuasivo no intuito de
educar o cidadão; inversão no sentido de subverter o ideal sustentado na
República de Platão, ao contrapor o seu aspecto positivo pela negatividade de
uma formação às avessas.
O que permite a aproximação de TM com A República
7
é, além da
forma dialogada encabeçada pelo subtítulo Diálogo, a inserção da paródia,
procedimento que marca o gênero sátira menipéia, cuja aparição se deu com a
desintegração do gênero diálogo socrático a partir do momento em que nele se
“aumenta globalmente o peso do elemento cômico” (BAKHTIN, 1997, p. 114).
Lembremos que o conto de Machado é uma conversa entre um pai e seu filho
prestes a entrar na maioridade. Este escuta atenciosamente os conselhos do
pai, que enseja vê-lo tornar-se importante na sociedade, ou seja, tornar-se
medalhão: alguém notável não importa o que seja ou faça. Para isso, é
fundamental conhecer como deve se portar um medalhão, ou melhor, o que e
quais atitudes o levariam a alcançar o status de medalhão.
É aqui que se começa a notar o ruído entre os textos uma vez que se
instala o conflito temático entre a busca pela essência (diálogo platônico) e
aparência (Teoria do Medalhão). Em linhas gerais, os diálogos de A República
fazem parte da fase dita madura da obra de Platão e ocupam uma posição
privilegiada dentro dela. Seu argumento-chave é que uma cidade será justa
6
Tradução nossa, baseada no original: (...) Only in communion, in the interaction of one
person with another, can the „man in man‟ be revealed, for others as well as for oneself.”
(BAKHTIN, 1985, p. 252).
7
Para esse estudo aproximativo, selecionamos os fragmentos XI e XV do livro II; III, VIII e XX
do livro III, e XXII do livro V de A República para dialogarem com o conto. A partir de agora,
todas as citações dessa obra serão designada pela sigla R e feitas com base na edição:
PLATÃO. A República. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
35
se for verdadeira, apresentando-se como expressão da realidade. Conhecer
essa realidade é o ponto de partida para se entender como deve funcionar a
cidade que será governada pelo filósofo, único detentor do conhecimento da
verdade. Assim, em A República, a exposição das idéias surge como uma
invocação à reflexão e daí o tom professoral que acompanha o diálogo que, de
certa forma, visava à transmissão de um saber construído no próprio discurso.
De imediato, observa-se que TM segue na mesma direção no que diz
respeito ao caráter argumentativo e ao fundo pedagógico que acompanha a
exposição das idéias. O argumento está calcado nas relações sociais e é o pai
quem o transmite à sua geração como um conhecimento nascido da realidade
observada:
Pai _ Estás com sono?
Filho _ Não, senhor.
Pai _ Nem eu; conversemos um pouco. Abra a janela. Que horas
são?
Filho _ Onze.
Pai _ Saiu o último conviva do nosso modesto jantar. [...] estás
homem, longos bigodes, alguns namoros...
Filho _ Papai...
Pai _ Não te ponhas com denguices, e falemos como dous
amigos sérios. Fecha aquela porta; vou dizer-te cousas
importantes. Senta-te e conversemos. [...] Venhamos ao
principal. Uma vez entrado na carreira, deves r todo o cuidado
nas idéias que houveres de nutrir para uso alheio e próprio. (TM,
p. 91, grifos nossos)
A primeira observação que se faz sobre esta tipologia discursiva é a não
presença de um narrador e a inclusão direta do interlocutor. Para Bakhtin
(1997), essa proximidade entre o real e sua representação somente foi possível
com o aparecimento dos gêneros sério-cômicos e essa é certamente uma
chave de entrada para se ler TM.
Nota-se que a proximidade é estabelecida já no início do texto: pai e filho
se portam como “dous amigos” que conversam na intimidade do quarto. E,
apesar do uso de verbos no imperativo (sobretudo, o verbo dever que aparece
sete vezes no conto), isso não deve ser lido como marca de autoritarismo, mas
sim como tentativa de aproximação entre os interlocutores. A aparente
36
sobriedade no discurso aponta para o caráter e a importância do conselho a
ser transmitido.
Ocorre aqui que o pai de Janjão está imbuído de um discurso social que
direcionao caminho a ser tomado pelo filho. O pedido para abrir a janela
contém o princípio modelador que ordena ao filho que se abra para receber os
conselhos do pai. Porém, para isso, é preciso “fechar” a porta, índice
extremamente importante se pensarmos na possibilidade de leituras que ele
apresenta.
O “fechar a porta” indica que o pai não deseja ser ouvido por outros,
além do seu filho, pois tem consciência de que o modelo que dita não está de
acordo com uma moral publicamente aceita. Todavia, tanto pai quanto filho (e
leitor) sabem que embora ninguém admita, todos os medalhões agem desse
modo. É nesse sentido que o discurso se torna irônico: é preciso lê-lo intra e
extratextualmente, pois, uma vez lido sob o viés da sátira menipéia, o discurso
se abre para uma “excepcional liberdade de invenção e de enredo” (BAKHTIN,
1997, p. 114).
Nos diálogos socráticos, a apresentação da cidade ideal é feita por um
discurso demasiadamente utópico, contudo um propósito inscrito no real e
na verdade
8
, que é propor reformas para a melhoria da sociedade. Assim, o
diálogo de Sócrates começa a se distanciar do diálogo entre pai e filho no
conto machadiano, na medida em que este propõe a conservação de um
estado de coisas. Entretanto, essa proposta machadiana precisa ser lida ao
avesso, como crítica e não como afirmação:
Pai _ [...] Mas qualquer que seja a profissão da tua escolha, o
meu desejo é que te faças grande e ilustre, ou pelo menos
notável, que te levantes acima da obscuridade comum. [...] Isto é
a vida, não planger, nem imprecar, mas aceitar as cousas
integralmente, com seus ônus e percalços, glórias e desdouros e
ir por diante. (TM, p.91, grifos nossos)
8
Sócrates _ Mas também se deve dar muita importância à verdade. É que, se tínhamos razão
no que dizíamos há pouco e se realmente para os deuses a mentira é inútil, enquanto aos
homens é útil à guisa de remédio, evidentemente tal remédio deve ser entregue a médicos e
ficar fora do alcance de quem não é da profissão. (R, livro III: III, p. 92, grifos nossos).
37
A princípio, o discurso do pai soa contraditório, visto que anseia pelo
sucesso do filho a qualquer custo, mas, na seqüência, assume uma postura
reacionária e conformista, ao dizer que a vida é assim mesmo e temos que
aceitá-la. No centro dessa tensão, pode-se inferir que o discurso segue por
dois caminhos: um que leva à afirmação do medalhão, outro que avalia a
condição dos medalhões e, conseqüentemente, das relações em sociedade.
Ainda quanto à imagem do “abrir a janela”, uma “brecha” para se
questionar o leitor, pois se representa um espaço que sugere algo similar a
ouvir uma conversa alheia cujo conteúdo está muito próximo de quem ouve,
mas, supostamente, não lhe diz respeito. Isso explicaria o estranhamento e até
a negligência com que esse conto é recebido pelo leitor desavisado: lê-se e
não se sabe o que leu.
Quanto a “fechar a porta”, tal conselho pode significar que o pai esteja
mesmo consciente de que é preciso sair da sociedade para pensá-la como
estrutura. Nesse índice, vemos uma atitude reflexiva que se esconde sob a
comicidade explícita do texto: a “filosofia” do medalhão é camuflada pela
“prática” de medalhão.
Nesse sair da sociedade, vemos, talvez, a duplicidade do pai que se
revela pela exposição daquilo que ele gostaria de ter sido (o medalhão).
Entretanto, o que não podemos esquecer é que esse pai não é medalhão:
sonhou ser, mas não teve um pai (como ele) que o aconselhasse:
Pai: _ nenhum me parece mais útil e cabido que o de
medalhão. Ser medalhão foi o sonho da minha mocidade;
faltaram-me, porém, as instruções de um pai, e acabo como
vês, sem outra consolação e relevo moral, além das
esperanças que deposito em ti. (TM, p. 92)
Então, o que ou quem ele é? Um projeto falido de medalhão ou um
sujeito crítico reflexivo que pensa para além do pensado? Afinal, diz Bakhtin
que na sátira menipéia
[...] a representação de inusitados estados psicológico-morais
do homem. [...] A destruição de sua integridade e perfeição
são facilitadas pela atitude dialógica (impregnada de
38
desdobramentos da personalidade) face a si mesmo. (1997, p.
116-117)
De acordo com o teórico, mesmo no discurso socrático “uma
experimentação dialógica da idéia que é simultaneamente uma experimentação
do homem que a representa” (BAKHTIN, 1997, p. 111). Em outras palavras, a
idéia exposta representa a imagem do homem que a defende, ou seja,
Sócrates seria um composto das idéias proferidas em seu discurso:
Sócrates _ Pois bem! Como dizia pouco, nós devemos
procurar saber quais são os melhores guardiões daquilo que
entre eles é um lema, a saber, que cada vez devem fazer o que
julgam melhor para a cidade. [...] Ou não é isso que devemos
fazer? (R, livro III: XX, p. 127, grifos nossos)
Já em TM, vê-se o deslocamento dessa característica, uma vez que não
necessidade de se buscar uma materialização positiva da verdade, mas
experimentá-la infinitamente, no sentido de provocar o leitor a refletir. Ou ainda,
não se pode dizer que os ideologemas contidos no discurso do pai
representem o homem-pai e/ou homem-Machado. Nesse sentido, afirma
Bakhtin, “podemos dizer que o conteúdo da menipéia é constituído pelas
aventuras da idéia e da verdade no mundo [...].” (1997, p. 115).
Desse modo, a menipéia alinha-se com a idéia de condição humana
estabelecida pelos homens e não pelo plano de uma verdade transcendente.
Diríamos que a menipéia alinha-se com os sofistas e não com Platão. Portanto,
ela não questiona a essência do humano, mas as máscaras sociais que veste.
No fragmento machadiano, o pai projeta no filho o que desejou ser, mas
não foi. Essa projeção se estende, também, para a própria figura do autor, que
se apodera da máscara da personagem para se posicionar criticamente sobre
um medalhão que ele, contrariamente ao pai de Janjão, não ambiciona ser:
Pai - Venhamos ao principal. Uma vez entrado na carreira, deves
pôr todo o cuidado nas idéias que houveres de nutrir para uso
alheio e próprio. O melhor será não as ter absolutamente; coisa
que entenderás bem, imaginando, por exemplo, um ator
defraudado do uso de um braço. Ele pode, por um milagre de
artifício, dissimular o defeito aos olhos da platéia; mas era muito
melhor dispor dos dois. O mesmo se com as idéias; pode-se,
39
com violência, abafá-las, escondê-las até à morte; mas nem
essa habilidade é comum, nem tão constante esforço conviria ao
exercício da vida. (TM, p. 92 93)
É evidente que se está ensaiando uma idéia sobre a postura filosófica
de Machado a respeito do medalhão e isso se reflete no discurso ficcional à
medida que a personagem mantém uma postura de pensador. Ou melhor,
deduz-se que, para validar os conselhos sobre o “não pensar” ou “pensar
somente o pensado”, esse pai (máscara autoral) precisou refletir sobre a
prática do medalhão para produzir um discurso original sobre ela:
Pai _ Podes; podes empregar umas quantas figuras expressivas,
a hidra de Lerna, por exemplo, a cabeça de Medusa, o tonel das
Danaides, as asas de Ícaro, e outras que românticos, clássicos e
realistas empregam sem desar, quando precisam delas.
Sentenças latinas, ditos históricos, versos célebres, brocados
jurídicos, máximas, é de bom aviso tra-los contigo para os
discursos de sobremesa, de felicitação, ou de agradecimento.
Caveant, consules é um excelente fecho de artigo político; o
mesmo direi do Si vis pacem para bellum. [...] Quanto à matéria
dos discursos, tens à escolha: _ ou os negócios miúdos, ou a
metafísica política, mas prefere a metafísica. Os negocio miúdos,
força é confessá-lo, não desdizem daquela chateza do bom-tom,
própria de um medalhão acabado; mas, se puderes, adota a
metafísica; _ é mais fácil e mais atraente. [...] Um discurso de
metafísica política apaixona naturalmente os partidos e o
público, chama os apartes e as respostas. E depois não obriga a
pensar e descobrir. Nesse ramo dos conhecimentos humanos
tudo está achado, formulado, rotulado, encaixotado; é prover
os alforjes da memória. Em todo caso, não transcendas nunca
os limites de uma invejável vulgaridade. (TM, p. 94, 98)
O trecho grifado pode ser confrontado com o próprio conto, afinal aqui o
autor nos faz olhar para a forma selecionada, no caso o diálogo platônico
nascido do discurso socrático. Num lance de extrema criatividade, Machado
revela que a forma não tolhe a matéria, ou ainda, que não matéria que não
possa ser tratada por determinada forma, bastando para isso talento. Mas, ao
mesmo tempo, o autor denuncia não apenas no discurso proferido pelo pai,
mas, sobretudo, materializado na própria construção que a forma pode muito
bem disfarçar o conteúdo, atribuindo-lhe maior ou menor importância.
40
Observa-se ainda nesse fragmento que o conselho do pai é o oposto da
filosofia socrática que prega a liberdade espiritual e intelectual.
9
Para ele, o
discurso do medalhão deve ser esvaziado de sentido, e o uso de termos e
expressões tem apenas um propósito: promover respeitabilidade e admiração
por quem os usa. A recomendação do pai é, portanto, que o filho fuja de
qualquer originalidade e reflexão, visto que o caminho do conhecimento e o
exercício do pensamento fazem aumentar as suspeitas e as dúvidas sobre a
verdade das coisas.
Somente a certeza pode ser limitadora o suficiente para se tornar um
medalhão: daí a importância de se ater apenas às superficialidades da
linguagem, aos seus elementos figurativos e, sobretudo, não “[...] aguçar as
curiosidades vadias” (TM, p. 95), nem “dar ensejo a um inquérito pedantesco, a
uma coleta fastidiosa de documentos e observações.” (TM, p. 95). O medalhão
deve poupar aos seus semelhantes todo esse “imenso aranzel”, e dizer
simplesmente: “Antes das leis, reformemos os costumes! _ E esta frase
sintética, transparente, mpida, tirada ao pecúlio comum, resolve mais
depressa o problema, entra pelos espíritos com um jorro súbito de sol. (TM, p.
95). Como se vê, nada no discurso do pai indica a procura da essência e tudo
gira na superfície das coisas, mas, apesar disso, tal discurso, associado ao
contexto da obra e do autor, verticaliza-se e entra “pelos espíritos” com uma tal
criticidade que é impossível ficar imune a ele.
O interessante aqui é a potencialização do procedimento paródico que
ocorre tanto no nível da personagem como no nível autoral. O discurso autoral
transmite a palavra do outro (personagem) com intenção diversa: ele fala da
palavra vazia, mas esta vem cheia de significação e proposta reflexiva. Já a
personagem pode também estar parodiando o discurso alheio o discurso dos
poetas, por exemplo, o dos políticos e outros discursos da sociedade , ou
9
Sócrates _ Ah! Se mantivermos o que dissemos no início, a saber, que nossos guardiões,
deixando de lado todos seus trabalhos, devem ser escrupulosos artífices da liberdade da
cidade, sem se ocuparem com nada que não contribua para isso, sem fazer ou imitar outra
coisa. Mas, se imitam, que imitem desde a infância aqueles a quem lhes convêm imitar, isto
é, os corajosos, os moderados, os piedosos, os que têm a nobreza do homem livre e tudo que
tem essas qualidades. (R, livro III: VIII, p. 101, grifos nossos).
41
seja, tomando a palavra oficializada do outro e a esvaziando de significação
para dar-lhe direção diversa.
Isso porque, em TM, para se alcançar o prestígio social, é preciso não
pensar, posto que significaria o fim da arte de ser medalhão, que deve ser
entendida, segundo as palavras do pai, como uma “arte difícil de pensar o
pensado” (p. 95):
Filho _ Farei o que puder. Nenhuma imaginação?
Pai _ Nenhuma; antes faze correr o boato de que um tal dom é
ínfimo.
Filho _ Nenhuma filosofia?
Pai _ Entendamo-nos: no papel e na língua alguma, na realidade
nada. Filosofia da história”, por exemplo, é uma locução que
deves empregar com freqüência, mas proíbo-te que chegues a
outras conclusões que não sejam as já achadas por outros. Foge
a tudo que possa cheirar a reflexão, originalidade, etc., etc. (TM,
p. 98, 99)
O pai acrescenta que se trata de uma manobra ainda mais refinada:
deve-se utilizar filosofia apenas de fachada, ou seja, o que se tem aqui é o
desnudamento de uma máscara dupla. Isso porque estamos diante de uma
scara sobre a máscara: a máscara da “sabedoria filosófica” que se projeta
sobre a máscara de medalhão (entendendo-se aqui que medalhão é uma
scara social). Ser medalhão, portanto, é a arte do não pensar, do não refletir
e do não saber. Um método de esvaziamento e redução para provocar o seu
oposto: a visibilidade e a fama:
Filho _ Digo-lhe que o que vosmecê me ensina não é nada
fácil.
Pai _ Nem eu te digo outra cousa. É difícil, come tempo, muito
tempo, leva anos, paciência, trabalho e felizes os que chegam
a entrar na terra prometida! Os que não penetram, engole-
os a obscuridade. Mas os que triunfam! E tu triunfarás, crê-me
[...]. (TM, p. 97)
Para ser medalhão é preciso ter astúcia para ludibriar o fracasso e
exercer bem essa arte, porque medalhão não é sinônimo de estupidez. Assim
sendo, é necessário também ter um pai/mestre capaz de conduzir o filho ao
exercício perfeito da profissão.
42
É interessante destacar que no diálogo de Sócrates ser um guardião da
cidade ideal também não é tarefa fácil, pois requer arte, máximo cuidado e,
sobretudo, um mestre qualificado para escolher o melhor:
Sócrates _ Então, disse eu, quanto mais importante for a
tarefa dos guardiões, tanto mais lazer que as outras ela exigirá
e ainda arte e máximo cuidado. [...]
Sócrates _ Seria tarefa nossa, parece, se é que somos
capazes, escolher quem tem qualidades naturais para a
guarda da cidade e quais são essas qualidades.
Gláucon _ Tarefa nossa, sim.
Sócrates _ Por Zeus! disse. Não é uma tarefa qualquer a que
assumimos... Apesar disso, não devemos ser covardes, na
medida em que nossas forças permitirem. (R, livro II: XV, p.70)
No discurso de Sócrates ouve-se o ruído de uma leitura atenta realizada
por Machado de Assis, que não o toma diretamente, mas que certamente
bebeu nessa fonte para construir um discurso marcado pelo tom de uma
“utopia social” que é, na verdade, o seu inverso, uma “destopia”, que está
presente na própria realidade social, desnudada cruamente no conto, isso
porque Machado transforma o medalhão em posição máxima a ser alcançada,
mesmo que em detrimento de todas as outras. Ou seja, em TM, o pai quer que
o filho se diferencie como medalhão, não importa em qual profissão atue ou
qual “ideal” persiga:
Pai _ Vinte e um anos, algumas apólices, um diploma, podes
entrar no parlamento, na magistratura, na imprensa, na lavoura,
na indústria, no comércio, nas letras ou nas artes. infinitas
carreiras diante de ti. Vinte e um anos, meu rapaz, formam
apenas a primeira sílaba do nosso destino. [...] Mas qualquer
que seja a profissão da tua escolha, o meu desejo é que te faças
grande e ilustre, ou pelo menos notável, que te levantes acima
da obscuridade comum.
Filho _ Sim, senhor.
Pai _ [...] Toda questão é não infringir as regras e obrigações
capitais. Podes pertencer a qualquer partido, liberal ou
conservador, republicano ou ultramontano, com a cláusula única
de não ligar nenhuma idéia especial a esses vocábulos (...). (TM,
p. 91, 98)
De modo oposto se a questão das diferenças entre sujeitos e
respectivas profissões no diálogo socrático:
43
Sócrates _ Por Zeus! disse eu, nada de estranho... Ao ouvi-
lo, até fico pensando que, primeiro, cada um de nós não é
semelhante a cada um dos outros, mas, por natureza, é
diferente, sendo um feito para realizar um trabalho e outro, para
um outro. Ou não pensas assim?
Adimanto _ Penso, sim.
Sócrates _ E então? Quem agiria melhor? Quem, apesar de ser
um só, exercesse vários ofícios ou quem, que é um só,
exercesse um só?
Adimanto _ Quem exercesse um só, disse ele. [...]
Sócrates _ A obra não costuma ficar à espera de que tenha um
tempo livre quem a está fazendo... Ao contrário, é necessário
que aquele que está realizando um trabalho o acompanhe passo
a passo, sem que o tenha como algo que propriamente não seja
do seu ofício. (R, livro II: XI, p. 63-64)
-se aí, mais uma vez, o efeito de inversão de sentido entre os dois
textos. O conselho do pai é para que o filho busque elevar a própria figura
diante de todos e, para esse propósito, qualquer profissão serve, o que não
ocorre em A República, onde uma profissão será desempenhada conforme
a capacidade do sujeito para exercê-la da maneira correta e obedecendo,
acima de tudo, ao princípio da unidade, do tempo e da dedicação. Essa
aproximação acaba por revelar, a partir de uma lente invertida, a crítica de
Machado ao expor os elementos característicos dos homens públicos de seu
tempo, o que é, ainda hoje, uma prática comum.
Em vista disto, pode-se supor que Machado, ao sair de sua posição de
medalhão (porque afinal ele o era)
10
, cria um ponto de vista distanciado muito
parecido com a modalidade do “fantástico experimental” da menipéia
(BAKHTIN, 1997, p. 116), o que lhe permite, a partir desse ângulo de visão
inusitado, redimensionar a estrutura social de sua época. Contudo, isso é feito
por meio da fusão de vozes dialógicas que escondem/revelam a sua própria
voz, que organiza essas dissonâncias:
10
Essa afirmação será retomada mais adiante quando discutirmos a postura ambígua que
Machado deixava transparecer, muitas vezes, no seu comportamento dentro da sociedade,
pois, segundo Sevcenko, parte do grupo de “escritores cidadãos”, que o dispunham de
condições materiais que lhes garantissem a sobrevivência, oscilavam entre conseguir o
patrocínio da elite burguesa e exercer seus direitos de reivindicar melhorias junto ao processo
de mudança política e social do país.
44
Pai _ [...] E ser isso é o principal, porque o adjetivo é a alma do
idioma, a sua porção idealista e metafísica. O substantivo é a
realidade nua e crua, é o naturalismo do vocabulário.
Filho _ E parece-lhe que todo esse ofício é apenas um
sobressalente para os deficits da vida?
Pai _ Decerto; não fica excluída nenhuma outra atividade.
Filho _ Nem política?
Pai _ Nem potica. Toda a questão é não infringir as regras e
obrigações capitais. ( TM, p. 98)
No mesmo centro de fala ressoam a voz do pai (substrato social),
imitando o tom pedagógico inerente ao diálogo platônico, e a voz autoral que
experimenta o ideologema medalhão no interior dessas vozes. Nelas, ressoa
ainda a figura de Sócrates que, como um pedagogo, inclui o discípulo (neste
caso Janjão) no diálogo e este, involuntariamente, é conduzido a um caminho
traçado por seu mestre. Entretanto, a orientação semântica do discurso é
oposta à orientação do discurso do outro, seja ele o Pai ou Sócrates.
semelhanças, também, não entre a postura didática do pai e a de
Sócrates, bem como entre a “atitude passiva” de Janjão e a dos seus
interlocutores no diálogo platônico:
Pai _ [...] Isto é a vida, não há planger, nem imprecar, mas
aceitar as cousas integralmente, com seus ônus e percalços,
glórias e desdouros e ir por diante.
Filho _ Sim, senhor. (TM, p.91)
Sócrates _ Será que cometeremos um engano chamando-os de
amigos da opinião de preferência a amigos da sabedoria? Se
que vão ficar zangados conosco se dissermos isso?
Gláucon _ Não se eu conseguir persuadi-los, disse. o é lícito
zangar-se com a verdade.
Sócrates _ Ah! Aos que acolhem o próprio ser devemos chamar
filósofos e não amigos da opinião?
Gláucon _ É bem assim. (R, livro V: XXII, p. 221 222)
Constatamos, ainda, que ambos os textos se aproximam ao revelarem,
até graficamente, o contraste entre os longos parágrafos que os discursos do
Pai e de Sócrates ocupam no texto e as falas “monossilábicas” de seus
interlocutores. Por esse caminho, tanto Sócrates quanto o Pai conduzem o
pensamento de seus discípulos, reduzindo a forma dialogal. Quando
questionamentos por parte dos interlocutores, nota-se que não chegam a
45
confrontar o mestre, mas acabam concordando com ele, estimulando a
continuidade da argumentação.
Observamos, ainda, uma atitude persuasiva no conto machadiano que
também está presente nos diálogos platônicos. Nesses momentos, TM
emprega uma espécie de jogo com a palavra, a fim de modelar o outro-
interlocutor.
Pai _ então poderás dizer que estás fixado. Começa nesse
dia a tua fase de ornamento indispensável, de figura obrigada,
de rótulo. Acabou-se a necessidade de farejar ocasiões,
comissões, irmandades; elas virão ter contigo, com o seu ar
pesadão e cru de substantivos desadjetivados, e tu serás o
adjetivo dessas orações opacas, o odorífero das flores, o
anilado dos céus, o prestimoso dos cidadãos, o noticioso e
suculento dos relatórios. E ser isso é o principal, porque o
adjetivo é a alma do idioma, a sua porção idealista e
metafísica. O substantivo é a realidade nua e crua, é o
naturalismo do vocabulário. (TM, p. 97 98)
É curioso observar que essas considerações concernentes ao adjetivo e
ao substantivo expostas em TM apontam, ainda, para o próprio estilo
machadiano que, por sua vez, se encontra refratado num outro conto do autor
“O cônego ou a metafísica do estilo
11
. se narra a teoria do adjetivo e do
substantivo como sendo partes reciprocamente dependentes para formarem
um todo.
Dessa forma, em TM, há elementos de semelhança tanto quanto à
finalidade educativa presente nos diálogos socráticos quanto à forma de
linguagem adotada: as estratégias discursivas são parecidas a no uso de
alguns verbos como dever e perceber:
11 Vale destacar o fragmento: “Sabem quem é que suspira? É o substantivo de pouco, o tal
que o cônego escreveu no papel, quando suspendeu a pena. Chama por certo adjetivo que
não lhe aparece. (...) Portanto, vamos por essas circunvoluções do cérebro eclesiástico,
atrás do substantivo que procura o adjetivo. (...) Caminho difícil e intrincado que é este de um
cérebro tão cheio de cousas velhas e novas! (...) Ouve-se cada vez mais perto. Eis chegam
eles às profundas camadas de teologia, de filosofia, de liturgia, de geografia e de histórias,
lições antigas, noções modernas, tudo à mistura, dogma e sintaxe. E eles vão rasgando,
elevados de uma força íntima, afinidade secreta, através de todos os obstáculos e por cima de
todos os abismos. (...) Enfim, Sílvio achou Sílvia. (...) Unem-se, entrelaçam os braços, e
regressam palpitando da inconsciência para a consciência. (...) Completa o substantivo com o
adjetivo. Sílvia caminhará agora ao de Sílvio, no sermão que o nego vai pregar um dia
destes (OC, p. 571 573).
46
Pai _ Não te falei ainda dos benefícios da publicidade. A
publicidade é uma dona loureira e senhoril, que tu deves
requestar à força de pequenos mimos, confeitos, almofadinhas,
cousas miúdas, que antes exprimem a constância do afeto do
que o atrevimento e a ambição. Que D. Quixote solicite os
favores dela mediante ações heróicas ou custosas é um sestro
próprio desse ilustre lunático. O verdadeiro medalhão tem outra
política. Longe de inventar um Tratado Científico da Criação dos
Carneiros, compra um carneiro e dá-o aos amigos sob forma de
um jantar, cuja notícia não pode ser indiferente aos seus
concidadãos. Uma notícia traz outra; cinco, dez, vinte vezes põe
o teu nome ante os olhos do mundo. Comissões ou deputações
para felicitar um agraciado, um benemérito, um forasteiro, têm
singulares merecimentos, e assim as irmandades e associações
diversas, sejam mitológicas, cinegéticas ou coreográficas. Os
sucessos de certa ordem, embora de pouca monta, podem ser
trazidos a lume, contanto que ponham em relevo a tua pessoa.
Explico-me. Se caíres de um carro, sem outro dano, além do
susto, é útil mandá-lo dizer aos quatro ventos, o pelo fato em
si, que é insignificante, mas pelo efeito de recordar um nome
caro às afeiçoes gerais. Percebeste?
Janjão: _ Percebi. (TM, p. 96, grifos nossos)
A personagem pai atua sobre o interlocutor Janjão como o faz Sócrates
com seus discípulos, utilizando uma forma de diálogo que Bakhtin chama de
discurso de “neófitos”, isto é, uma forma de “perguntas-respostas” (1997,
p.110) que direcionam a argumentação, de modo que não há como o outro não
concordar:
Sócrates _ Então, disse eu, quanto mais importante for a
tarefa dos guardiões, tanto mais lazer que as outras ela exigirá
e ainda arte e máximo cuidado.
Gláucon _ é o que penso, disse ele.
Sócrates _ Será que também não exige uma natureza
propícia ao próprio ofício?
Gláucon _ Como não?
Sócrates _ Seria tarefa nossa, parece, se é que somos
capazes, escolher quem tem qualidades naturais para a
guarda da cidade e quais são essas qualidades.
Gláucon _ Tarefa nossa sim.
Sócrates _ Por Zeus! disse. Não é uma tarefa qualquer a que
assumimos... Apesar disso, não devemos ser covardes, na
medida em que nossas forças permitirem. (R, livro II: XV, p.70)
47
Nesse formato argumentativo, a resposta é, portanto, esperada, visto
que planejada. O tom também é o mesmo: eloqüente e desprendido, sem
querer parecer doutrinador. O êxito dessa iniciativa requer uma pedagogia que
vise convencer o interlocutor de que a verdade está exposta na argumentação
do mestre.
Entretanto, no nível do conteúdo, o Pai apresenta uma argumentação
contrária àquela existente no discurso socrático. A teoria, ou seja, toda a
complexidade do pensamento é substituída pela praticidade dos atos simples e
prazerosos do medalhão, cuja postura é contrária “às ações heróicas e
custosas de um certo ilustre lunático D. Quixote” (TM, p. 96) que, inspirado
nos inúmeros livros que leu, enlouqueceu e passou a viver como cavaleiro
andante.
É nesse sentido que se evidencia uma das mais importantes
características da sátira menipéia também presente em TM: o jogo de
contrastes marcado pelos cortes bruscos. Segundo Bakhtin,
A menipéia é plena de contrastes agudos e jogos de
oximoros: a hetera virtuosa, a autêntica liberdade do sábio e
sua posição de escravo, o imperador convertido em escravo,
a decadência moral e a purificação, o luxo e a miséria, o
bandido nobre, etc. A menipéia gosta de jogar com
passagens e mudanças bruscas, o alto e o baixo, ascensões
e decadências, aproximações inesperadas do distante e
separado, com toda sorte de casamentos desiguais.
(BAKHTIN, 1997, p. 118)
Esse procedimento da menipéia materializa-se no excerto sobre D.
Quixote à medida que se contrapõem às ações heróicas aquelas pautadas pela
mediocridade e pelo senso-comum, pois “o verdadeiro medalhão tem outra
política”.
Ainda sobre o trecho do conto, observamos o efeito de contraste surgido
da convivência entre o alto e o baixo: o alto está no tratado científico”
imediatamente rebaixado pelo objeto desse tratado: a criação de carneiros,
cuja pragmática torna inútil qualquer teorização a respeito. É, portanto, aqui
que se inscreve claramente a filiação à sátira menipéia, uma vez que o grau de
48
comicidade se instaura pela junção dos extremos, pelo jogo feito por meio de
mudanças bruscas, que violam as regras do discurso sério.
Não seria inoportuno mencionar aqui que o tratado, que possui sentido
elevado e nobre, é substituído pelo jantar/banquete, cujo significado remete às
raízes da carnavalização e que aqui é um índice paródico. É importante
destacar que, para Bakhtin, a comida é um dos principais temas
carnavalizantes e responsável pela mistura de gêneros sérios e populares.
Segundo ele, “o banquete é uma peça necessária a todo regozijo popular.
Nenhum ato mico essencial pode dispensá-lo”, e suas imagens “estão
ligadas às festas, aos atos micos, à imagem grotesca do corpo” porque nele
ocorre uma total desobediência às regras sociais: o que interessa é
banquetear-se. “O banquete celebra sempre a vitória” e “o triunfo do banquete
é o triunfo da vida sobre a morte” (2008, p. 243-247).
De acordo com o assunto da matéria tratada e com o caráter de
hipocrisia e pequenez existente nas relações sociais, é bem possível
redimensionar o valor do espaço “quarto” em que se passa o diálogo entre pai
e filho. Bakhtin fala acerca da presença do submundo na sátira menipéia, e o
quarto, se não tem aqui a configuração do covil ou da taberna, retém
seguramente a idéia de ambiente circunscrito a “quatro paredes”, propício para
a “baixeza e a vulgaridade” (1997, p. 115).
Assim, em TM, desnuda-se um pai que aconselha ao filho a
preocupação com interesses próprios, ressaltando, com isso, o individualismo,
pois “a vida é uma enorme loteria; os prêmios são poucos, os malogrados
inúmeros, e com os suspiros de uma geração é que se amassam as
esperanças de outra” (TM, p. 91). No mundo dos medalhões, onde a aparência
é o que conta, a autopromoção se sobrepõe a todo o resto.
Em oposição a isso, os diálogos de A República preocupam-se com a
essência e com o coletivo:
Sócrates _ Ah! Se mantivermos o que dissemos no início, a
saber, que nossos guardiões, deixando de lado todos seus
trabalhos, devem ser escrupulosos artífices da liberdade da
cidade, sem se ocuparem com nada que não contribua para
isso, sem fazer ou imitar outra coisa. (R, livro III: VIII, p. 101,
grifos nossos)
49
Sendo assim, em TM uma representação formalmente semelhante,
porém divergente em sentido na relação com o diálogo platônico. O que se vê,
portanto, é a inversão de direção do discurso: enquanto em Sócrates ele se
dirige ao bem público, aqui em TM ele caminha rumo ao bem pessoal:
Pai _ Os sucessos de certa ordem, embora de pouca monta,
podem ser trazidos a lume, contanto que ponham em relevo a
tua pessoa. Explico-me. Se caíres de um carro, sem outro dano,
além do susto, é útil mandá-lo dizer aos quatro ventos, não pelo
fato em si, que é insignificante, mas pelo efeito de recordar um
nome caro às afeiçoes gerais. Percebeste? (TM, p. 96, grifos
nossos)
Convém destacar, ainda, a marcação temporal que se inscreve em TM:
Pai: _Saiu o último conviva do nosso modesto jantar. Com que,
meu peralta, chegaste aos teus vinte e um anos. vinte e um
anos, no dia 5 de agosto de 1854, vinhas tu à luz, um pirralho de
nada, e estás homem, longos bigodes, alguns namoros... (TM,
p. 91)
Essa questão nos interessa, pois suscita outro elemento próprio da
sátira menipéia, que Bakhtin chama “diálogo do limiar” (1997, p. 116), cujo
significado consiste no deslocamento de ações e confrontos dialógicos do céu
para o inferno. Mas no caso de TM, o deslocamento está no limiar entre dois
tempos: o da juventude e o da maioridade, pois o pai alude ao tempo-espaço
lacunar que marca o que o filho foi e o que ele é:
Pai _ [..] Que é isto?
Filho _ Meia-noite.
Pai _ Meia-noite? Entras nos teus vinte e dois anos,
meu peralta; estás definitivamente maior. (TM, p. 99)
Retomando a concepção de Hutcheon sobre a paródia como
“diferenciação revolucionária” estabelecida com o texto base, observamos que
no conto uma inversão dos valores do texto original, porém sem a
destruição deste. Como se disse, o contraste é obtido por meio do sentido do
discurso negativo tecido por Machado, distanciando-se do propósito positivo
dos diálogos de Platão. Desse modo, a paródia não desperta o riso, pelo
50
menos não com relação ao discurso socrático. A paródia desperta o riso com
relação a si mesma, revelando a máscara social ao mascarar-se de diálogo
nobre.
O refinamento da paródia machadiana desperta um certo prazer ao
diferenciarmos o discurso do parodiador daquele proveniente do texto
parodiado: “o prazer da ironia da paródia não provém do humor em particular,
mas do grau de empenhamento do leitor no “vai-vém” intertextual”
(HUTCHEON, 1985, p. 48).
Pai _ [...] É isto que te aconselho hoje, dia da tua maioridade.
[...] qualquer que seja a teoria das artes, é fora de dúvida que o
sentimento da família, a amizade pessoal e a estima pública
instigam à reprodução das feições de um homem amado ou
benemérito. Nada obsta a que sejas objeto de uma tal distinção,
principalmente se a sagacidade dos amigos não achar em ti
repugnância. Em semelhante caso, não as regras da mais
vulgar polidez mandam aceitar o retrato ou o busto, como seria
desazado impedir que os amigos o expusessem em qualquer
casa pública. Dessa maneira o nome fica ligado à pessoa; os
que houverem lido o teu recente discurso (suponhamos) na
sessão inaugural da União dos Cabeleireiros, reconhecerão na
compostura das feições o autor dessa obra grave, em que a
“alavanca do progresso” e “o suor do trabalho” vencem as
“fauces hiantes” da miséria. No caso de que uma comissão te
leve à casa o retrato, deves agradecer-lhe o obséquio com um
discurso, cheio de gratidão e um copo d‟água: é uso antigo,
razoável e honesto. Convidarás então os melhores amigos, os
parentes, e, se for possível, uma ou duas pessoas de
representação. Mais, se esse dia é um dia de glória ou regozijo,
não vejo que possas, decentemente, recusar um lugar à mesa
aos reporters dos jornais. Em todo o caso, se as obrigações
desses cidadãos os retiverem noutra parte, podes ajudá-los de
certa maneira, redigindo tu mesmo a nocia da festa; e dado que
por um ou qual escrúpulo, aliás, desculpável, não queiras com a
própria mão anexar ao teu nome os qualificativos dignos dele,
incumbe a notícia a algum amigo ou parente.
Filho _ Digo-lhe que o que vosmecê me ensina não é nada fácil.
(TM, p. 92, 97, grifos nossos)
A imagem que se constrói no trecho está associada à construção da
“pequena” mentira
12
baseada na comicidade que une o elemento nobre
12
É importante destacar que a mentira para Sócrates tinha outra conotação: Sócrates _ Mas
tamm se deve dar muita importância à verdade. É que, se tínhamos razão no que dizíamos
pouco e se realmente para os deuses a mentira é inútil, enquanto aos homens é útil à guisa
de remédio, evidentemente tal remédio deve ser entregue a médicos e ficar fora do alcance de
quem não é da profissão.
51
(discurso) ao baixo/fútil (União dos Cabeleireiros). É a scara social que
oferece o status e a verdade da existência humana, por isso o pai aconselha o
filho a beneficiar-se da proteção de familiares e amigos influentes, utilizando a
mentira como artifício para o bem próprio, invertendo a visão socrática de
mentira, que se justificaria por uma verdade: o bem comum.
[...] a polêmica aberta e velada com diversas escolas
ideológicas, filosóficas, religiosas e científicas, com
tendências e correntes da atualidade, são plenas de imagens
de figuras atuais ou recém-desaparecidas, dos senhores das
idéias” em todos os campos da vida social e ideológica
(citados nominalmente ou codificados), são plenas de alusões
a grandes e pequenos acontecimentos da época, perscrutam
as novas tendências da evolução do cotidiano, mostram os
tipos sociais em surgimento em todas as camadas da
sociedade etc. Trata-se de uma espécie de “Diário de
escritor”, que procura vaticinar e avaliar o espírito geral e a
tendência da atualidade em formação. (BAKHTIN, 1997, p.
118 119)
A menipéia, portanto, serve ao escritor como caminho para inscrever a
sua intenção crítica não só às convenções sociais, mas também aos gêneros e
convenções literárias vigentes em sua época. É possível desenhar essa
atualidade no texto machadiano por meio do detalhamento realista com que
apresenta alguns aspectos determinantes de seu tempo, como ocorre no
fragmento abaixo:
Pai _ Não é; um meio; é lançar mão de um regímen
debilitante, ler compêndios de retórica, ouvir certos discursos,
etc. O voltarete, o dominó e o whist são remédios aprovados. O
whist tem até a rara vantagem de acostumar ao silêncio, que é a
forma mais acentuada da circunspecção. Não digo o mesmo da
natação, da equitação e da ginástica, embora elas façam
Adimanto _ Evidentemente, disse.
Sócrates _ Aos que governam a cidade, mais que a outros, convém mentir ou para beneficiar
a cidade, ou por causa de inimigos ou de cidadãos, mas tal recurso não deve ficar ao alcance
dos demais. Ao contrário, afirmamos que, se um indivíduo comum mente para os governantes,
comete erro igual ou maior que um doente que não diz ao médico ou um aprendiz que o diz
ao mestre de ginástica a verdade sobre o que se passa em seu corpo, ou quem ao piloto não
comunica, a respeito do navio e da tripulação, os dados reais sobre a maneira com que ele
próprio ou um dos camaradas realiza sua tarefa. (R, livro III: III, p. 92, grifos nossos).
52
repousar o rebro; mas por isso mesmo que o fazem repousar,
restituem-lhe as forças e a atividade perdidas. O bilhar é
excelente.
Filho _ Como assim se também é um exercício corporal?
Pai _ Não digo que não, mas cousas em que a observação
desmente a teoria. Se te aconselho excepcionalmente o bilhar é
porque as estatísticas mais escrupulosas mostram que três
quartas partes dos habituados do taco partilham as opiniões do
mesmo taco. O passeio nas ruas, mormente nas de recreio e
parada, é utilíssimo, com a condição de não andares
desacompanhado, porque a solidão é oficina de idéias, e o
espírito deixado a si mesmo, embora no meio da multidão, pode
adquirir uma tal ou qual atividade.
Filho _ Mas se eu não tiver à mão um amigo apto e disposto a ir
comigo?
Pai _ o faz mal; tens o valente recurso de mesclar-te aos
pasmatórios, em que toda a poeira da solidão se dissipa. [...]
(TM, p. 93 94; grifos nossos)
A descrição minuciosa revela imagens importantes que compõem o
cenário social. Nele, o que se tem é a construção de um palco teatral no qual
se apresenta através das performances de pai e filho a caracterização de
um substrato social. Trata-se de quem é o medalhão e de como se constrói
essa imagem no diálogo machadiano, por meio da encenação de um discurso
que se mascara de um outro (elevado), na aparência,mas é, em essência, o
seu inverso.
Em TM, o nculo com a sátira menipéia marca-se, sobretudo, no trecho
que se verá a seguir, e que é, talvez, o mais importante do conto, visto que se
tornou, se lido ao avesso, uma espécie de “profissão de fé” da escritura
machadiana.
Pai _ Somente não deves empregar a ironia, esse movimento ao
canto da boca, inventado por algum grego da decadência,
contraído por Luciano, transmitido a Swift e Voltaire, feição
própria dosticos e desabusados. Não. Usa a chalaça, a nossa
boa chalaça amiga, gorducha, redonda, franca, sem biocos, nem
véus, que se mete pela cara dos outros, estala como uma
palmada, faz pular o sangue nas veias, e arrebentar de riso os
suspensórios. Usa a chalaça. (TM, p. 99)
No repertório de leitura do pai, duplo autoral de Machado, estão os
escritores que o antecederam na trajetória de uma tradição luciânica que se
valeu da ironia, da paródia e do riso oblíquo. A enumeração desses autores
53
revela a filiação de ambos (pai e Machado) à tradição da menipéia, marcando
nela os seus próprios lugares. Além disso, esse índice mostra como e a partir
de quais “modelos” o Pai foi construindo o seu manual de medalhão graças ao
seu distanciamento crítico de leitor “dos avessos”, isto é, daquilo que está
oculto e subentendido. Uma vez filiado à sátira menipéia, esse discurso se
constrói pelo viés da crítica e do rebaixamento dos modelos oficiais, colocando-
se a serviço da criação de situações extravagantes, a partir das quais se
instaura um híbrido intencional: o sério-cômico.
A seriedade, portanto, se apresenta na menipéia com efeito cômico,
produzindo uma indagação irreverente sobre os modelos de conduta social.
Isto significa dizer que a menipéia produz exageros e contínuas caricaturas que
m na paródia seu principal elemento de distorção das formas consagradas
pela cultura.
Segundo Bakhtin, no século XVII e seguintes, a atitude em relação ao
riso se caracterizava do seguinte modo: “o riso pode referir-se apenas a certos
fenômenos parciais e típicos da vida social, a fenômenos de caráter negativo; o
que é essencial e importante não pode ser mico” (2008, p. 57). Os homens
que representam cargos de alta hierarquia (reis, chefes de exército, heróis) não
devem ser micos, pois este é um terreno restrito aos vícios dos homens e da
sociedade. Ao homem de alto escalão social somente o tom sério é apropriado
porque homens superiores não riem. O riso, portanto, é característico dos
gêneros considerados menores, como a comédia, que descrevem a vida dos
indivíduos e das camadas mais baixas da sociedade
13
.
Assim, no contraste com a chalaça, o riso que emerge do texto é
reduzido, ou seja, aquele que “carece de expressão direta, por assim dizer, não
„soa‟, mas deixa sua marca na estrutura da imagem e da palavra, é percebido
nela(BAKHTIN, 1997, p. 114, grifo do autor). Esse é, de fato, o riso próprio da
ironia, que divide espaço com a paródia neste conto machadiano.
13
Corroboram com essas considerações bakhtinianas as palavras de Sócrates no diálogo
platônico:
Sócrates _ Ah! Também não devem gostar de rir. É que, quando alguém se entrega ao riso
intenso, quase sempre está buscando também uma mudança intensa.
Adimanto _ É o que me parece, disse.
Sócrates _ Ah! Não se deve admitir que apresentem em seus poemas, dominados pelo riso,
homens que merecem nosso apreço e, muito menos, os deuses.
Adimanto _ Muito menos, disse ele. (R, livro III: III, p. 91).
54
É digno de nota, ainda, o fato se de vincular o riso amplificado da
chalaça, adequado para um medalhão, à imagem de Sancho Pança, cuja
figura, de acordo com Bakhtin, representa os antigos demônios pançudos da
fecundidade, que se vê nos vasos coríntios:
Sancho, seu ventre, seu apetite, suas abundantes
necessidades naturais constituem o “inferior absoluto” do
realismo grotesco, o alegre mulo corporal aberto para
acolher o idealismo de Dom Quixote. [...] Sancho representa
também o riso como corretivo popular da gravidade unilateral
dessas pretensões espirituais (o baixo absoluto ri sem cessar,
é a morte risonha que engendra a vida). (BAKHTIN, 2008, p.
20)
Pai_ [...] Usa a chalaça, a nossa boa chalaça amiga,
gorducha, redonda, franca, sem biocos, nem véus, que se
mete pela cara dos outros, estala como uma palmada, faz
pular o sangue nas veias, e arrebentar de riso os
suspensórios. Usa a chalaça. (TM, p. 99, grifos nossos)
A descida ao corpo físico tem caráter ambivalente, pois, segundo
Bakhtin, “degradar significa entrar em comunhão com a vida, da parte inferior
do corpo, a do ventre e dos órgãos genitais, a gravidez, o parto, a absorção de
alimentos e a satisfação das necessidades naturais” (2008, p. 19). Portanto, o
riso leva ao rebaixamento, o que significa a transferência ao plano material e
corporal (...) de tudo que é elevado, espiritual, ideal e abstrato” (2008, p.17).
Revela-se aqui o lado “farsesco” da paródia, da “grande gargalhada das
ruas e das praças” de que fala Schnaiderman (1980, p. 90). O que vemos e
ouvimos é o riso irreverente e o destronamento da cultura oficial. Ao fazer isso,
Machado não deixa nem a si próprio de fora, pois provoca uma reflexão sobre
a marca de seu próprio estilo, que tem na ironia uma de suas chaves mestras.
Contudo, a questão é bem mais complexa no caso de TM. Segundo o
crítico Ivan Teixeira, no excerto sobre a ironia (p. 48), Machado estaria sendo
irônico ao falar da própria ironia, isto é, uma inversão dentro de outra, em uma
atitude de extremado dialogismo, conforme Bakhtin.
Se se admitir a ironia como espécie de sugestão pelo avesso, a
passagem possui dupla ambigüidade: recomenda a chalaça
55
como meio de negá-la; nega a ironia como meio de recomendá-
la. Irônico ao falar da própria ironia, contém a doutrina e a prática
do próprio riso. (TEIXEIRA, 2005, p. XXIV)
De fato, Machado afirma a ironia pela negativa e nega a chalaça pela
afirmação; porém, não se pode negar que o texto suscita o riso e, entre os
leitores mais experientes, faz arrebentar os suspensórios. É, portanto, um riso
que vai além do simples deboche, um riso crítico e reflexivo, porém altamente
divertido e engraçado para quem conhece as artimanhas machadianas e
persegue os procedimentos paródicos que impulsionam o texto.
É, portanto, no efeito invertido, realizado nesse conto, que se ressalta a
crítica machadiana, seja em relação à sociedade de seu tempo, seja em
relação à postura do leitor. A última recomendação no conto é que o filho
atenda aos conselhos do pai, adotando como modelo O Príncipe de
Maquiavel:
Pai _ Meia noite? Entras nos teus vinte e dois anos, meu
peralta; estás definitivamente maior. Vamos dormir, que é
tarde. Rumina bem o que te disse, meu filho. Guardadas as
proporções, a conversa desta noite vale o Príncipe de
Machiavelli. Vamos dormir. (TM, p. 99; grifos nossos)
Novamente, aí, a paródia surge por meio do paralelismo. Com efeito, ao
analisar esse tratado político, Rousseau diz que seu autor, “ao fingir dar lições
aos reis, deu grandes lições aos povos. O Príncipe, de Maquiavel, é o livro dos
republicanos” (2008, p. 86). No intuito de ensinar ao príncipe como agir para
conquistar e conservar o Estado, Maquiavel terminou por revelar ao povo o
todo de ação dos governantes e, desse modo, lançou as estratégias para se
combater um governo injusto e tirano. Paralela a essa estratégia é a atitude de
Machado que faz o mesmo ao expor a faceta do medalhão, dando ao leitor as
armas para desmascarar criticamente a cultura oficial.
Temos então um texto em camadas: Teoria do Medalhão, O professor
de Retórica, A República e O Pncipe. Quando o pai diz que Janjão não
precisa ler O Príncipe, o que ele faz é reforçar aquilo que aconselha: pensar
56
apenas o pensado. Como se vê, em nenhum momento, Machado deixa de ser
fiel ao seu projeto de provocar o leitor.
TM filia-se, portanto, à sátira menipéia pelo uso sistemático das
características desse gênero. Nota-se, de modo geral e no decurso de todo o
conto, o uso da “palavra inoportuna que é inoportuna por sua franqueza cínica
ou pelo desmascaramento profanador do sagrado ou pela veemente violação
da etiqueta” (BAKHTIN, 1997, p. 118). Poderíamos supor, inclusive, que todo o
conto de Machado converge para a palavra medalhão, transformando-a numa
“palavra inoportuna” numa sociedade que, hipocritamente, a esconde, mas a
realiza na prática das relações sociais.
Desse modo, ao lado da crítica às regras sociais, Machado simula a
violação de seu próprio estilo ao dizer que a “arte de ser medalhão” baseia-se
na “renovação do sabor de uma citação intercalando-a numa frase nova,
original e bela” (TM, p. 94). Tal artifício parodístico expõe o campo do ficcional,
visto que o uso de citações corrompidas e truncadas constitui uma das marcas
do estilo machadiano. Para Machado, citação é sinônimo de renovação e não
de cópia ou plágio, porém o excerto acima, dito na voz do “pai”, toma outro
rumo e passa a ser estratégia do medalhão e, portanto, um jogo de aparência e
de “imitação” do discurso alheio para se fazer passar pelo outro. O conto serve,
por conseguinte, de “espelho” de refração autoral para discutir sua própria
ficção.
Assim, usando a metáfora da degustação que propicia o sabor da sua
arte metáfora que, inclusive, liga-se ao sentido etimológico da palavra “sátira
satura lanx prato cheio, recheio” Machado revela-nos seu método de
apropriação criadora, afirmando e negando o modelo platônico por meio da
paródia que vai “buscar a especiaria alheia, mas trata de temperá-la com o
molho de sua fábrica” (OC, p. 731).
57
3. TEORIA DO MEDALHÃO E SEU CARÁTER FORMATIVO
58
3.1 Do gênero conto na fronteira com o ensaio.
Penso em fazer uma cousa inteiramente
nova; um concerto para violoncelo e machete.
(M. de Assis, O machete, 1878)
Segundo Gledson (2006), Papéis Avulsos marca uma “nítida linha
divisória” com relaçao aos livros de contos escritos anteriormente. Machado
parece experimentar as potencialidades do gênero narrativo: “é como se ele
tivesse que criar uma forma própria para cada conto: diálogo, pastiche, sátira,
contos longos, médios, curtos (p. 47).
no “Prefácio” do livro em questão, Machado chama a atenção para a
diversidade dos contos ali reunidos e para certa semelhança que os aproxima:
“São pessoas de uma família que a obrigação do pai fez sentar à mesa
(OC, p. 252). Observa Gledson que não há, propriamente, unidade temática ou
formal no volume e a relação de parentesco entre eles estaria no fato de se
alimentarem das mesmas fontes, embora com diferenças próprias.
No que tange à relação de TM com o ensaio, primeiramente tomamos
por base o termo “conto-teoria”, definido por Bosi e retomado por Fischer, em
ensaio intitulado A invenção de distâncias Traços estruturais dos contos de
Machado de Assis
14
. Nesse texto, Fischer (2008) diz que Machado passou a
inventar novas técnicas narrativas no intuito de superar os padrões romântico e
realista, porque tinha consciência de não haver todo claro de composição
que fosse satisfatório, muito menos quanto à seleção de temas.
Desse modo, pressupõe Fischer, Machado tinha consciência de haver
uma “crise da representação” e, em razão disso, aceitou o risco de inovar,
construindo narradores cuja posição foi sempre uma tentativa de postular um
eu, isto é, uma voz, um colocar-se de onde narrar, a partir do qual comporia
relatos. Buscando inovar o modelo, Machado empenhou-se numa espécie de
14
Essa publicação é, segundo diz Fischer, uma retomada de um texto anterior escrito em 1997
e publicado em 1998 com o título “Contos de Machado: da ética à estética”. Utilizamos aqui a
versão mais recente, de 2008, na qual o crítico revê a sua análise anterior, pautado por uma
reflexão mais recente sobre a questão.
59
laboratório da escrita e ousou novas estratégias com o intuito de legitimar a voz
narrativa no andamento da própria narração.
Foi Bosi (1999) quem estabeleceu a distinção entre os primeiros contos
e os que apareceram a partir de 1870. Por um lado, os primeiros seriam mais
conservadores quanto à forma e neles Machado manteve-se fiel aos padrões
das escolas literárias. Por outro lado, os contos que surgiram depois
apresentaram um grau maior de complexidade na construção formal.
Nomeados de “contos-teorias”, Bosi nos diz que essas narrativas exprimem a
amargura de quem observa a força de uma necessidade objetiva que une a
alma mutável e débil de cada homem ao corpo, uno, sólido e ostensivo, da
Instituição” (BOSI apud FISCHER, 1997, p. 140). Desse modo, segundo
Fischer, esses contos estariam alinhados no campo da indagação filosófica.
Essas considerações apontam para a irrupção da forma ensaística, uma
vez que o ensaio é um gênero que está no limiar entre a reflexão filosófica e a
invenção literária. Pinto (1998) considera que se trata de uma “variante do
pensamento filosófico que deseja „ressensualizar‟ a razão por meio da
proximidade em relação ao universo estético” (p. 36), ou seja, de sua
configuração como um espaço híbrido entre o poético e o referencial” (p. 37).
Sendo assim, tais contos são nutridos por uma constante atividade intelectiva
interpretativa.
Em sua análise, Fischer designou de BAII (baixa atividade interpretativa
inscrita) os contos em que não há, na fala do narrador ou das personagens,
interpretações ou intervenções relevantes para o enredo. aqueles contos
nos quais predomina uma atividade interpretativa significativa para a história ,o
crítico nomeou de AAII (alta atividade interpretativa inscrita).
Além disso, Fischer constatou que a atividade interpretativa não atua
sozinha na configuração da estrutura do conto. Desse modo, ele destaca “cinco
vetores de pressão” que contribuem para essa conformação e que são os
elementos que revelam a “invenção de distâncias” produzidas por Machado
nos contos. Esses vetores, quando aparecem juntos em um único conto, dão à
narrativa alta atividade interpretativa, ou, na definição de Bosi, teremos um
conto-teoria que assume um caráter ensaístico.
60
E é a partir desses “vetores de pressão” que pretendemos focar a faceta
ensaística de TM, esse conto-teoria de alta densidade interpretativa, que está
na própria fala das personagens do diálogo, visto que seus discursos chegam
ao leitor sem a mediação da voz de um narrador.
Já de início, o leitor ingênuo se depara com um texto que se auto-intitula
conto, porém sem as clássicas categorias “protagonista/antagonista”, sem a
intensidade de um clímax e sem a identificação de um desfecho, ou mesmo
sem as ações nítidas de enredos classificados nas tradicionais divisões
estruturais.
Após a introdução, o pai se põe a relatar os conselhos e neles
encontramos uma atividade interpretativa que revela o alto teor ensaístico do
conto, pois a personagem faz reflexões crítico-irônicas acerca da cultura oficial
dos medalhões. Isso, de certa forma, exemplifica o que Gómez-Martínez (1992)
comenta a propósito do ensaio que “não é o de proporcionar soluções para
problemas concretos, mas o de sugeri-las, ou de modo mais simples ainda, o
de refletir sobre novos possíveis ângulos de um mesmo problema”
15
(p. 102).
Para Coutinho (2004), por sua vez, o ensaio
(…) significa “tentativa”, “inacabamento”, “experiência” (…) é
um breve discurso, compacto, um compêndio de pensamento,
experiência e observação. É uma composição em prosa,
breve, que tenta (ensaia) ou experimenta, interpretar a
realidade à custa de uma exposição das reações pessoais do
artista. Pode recorrer à narração, descrição, exposição,
argumentação; e usa como apresentação a carta, o sermão, o
monólogo, o diálogo, a “crônica” jornalística. É um gênero
elástico, flexível, livre, permite a maior liberdade no estilo, no
assunto, no método, na exposição. (p. 118)
Esse caráter de experimentação sustenta a forma dialogada de TM que,
a todo o momento, se move criticamente entre o que deve e o que não deve
estar presente na postura do medalhão. Entretanto, o ir e vir do pensamento
não ocorre de forma linear, mas na mobilidade do discurso que, ao se construir
como um conselho, guarda em si um conhecimento calcado na experiência.
15
Tradução nossa, baseada no original: no es el de proporcionar soluciones a problemas
concretos, sino el de sugerirlas; o de manera más simple todavía, el de reflexionar sobre
nuevos posibles ángulos del mismo problema”.
61
Por isso, sempre que o pai expõe o conselho, em seguida faz um
julgamento crítico acerca do real representado.
16
Ele inicia pela idade:
“Geralmente, o verdadeiro medalhão começa a manifestar-se entre os quarenta
e cinco e cinqüenta anos” (TM, p. 92). A seguir, destaca a aparência: “o gesto
correto e perfilado, o corte de um colete, as dimensões do chapéu, o ranger ou
calar das botas novas” (TM, p. 93). E, na seqüência, aconselha sobre as
atividades físicas e o comportamento esperado em público: o medalhão deve
jogar bilhar, “fazer passeios nas ruas [...] com a condição de não andares
desacompanhado, porque a solidão é oficina de idéias, e o espírito deixado a si
mesmo, embora no meio da multidão, pode adquirir uma tal ou qual atividade
(TM, p. 94, grifos nossos). Nota-se no trecho assinalado que já não são mais
conselhos, e, sim, reflexões com teor crítico da personagem/pai (e num
segundo nível do próprio Machado) sobre o comportamento do cidadão da
época.
Bense, citado por Adorno (2003), enfatiza que o ensaísta precisa,
necessariamente, ter experimentado a situação objeto de crítica, ou seja,
precisa criar condições sob as quais um objeto pode tornar-se novamente
visível, de um modo diferente”, pois assim pode “pôr à prova e experimentar os
pontos fracos do objeto” (p. 38).
17
Em seu conto, o comportamento desses
medalhões, com os quais Machado era obrigado a conviver na época, sofre
“sutis variações”, possíveis, graças, ao discurso ficcional porque,
indiscutivelmente, “a poeticidade (no que ela tem de ficcional) é o ponto de
chegada de um discurso que se quer referencial” (PINTO, 1998, p. 80; grifos do
autor).
ainda em TM excertos que elucidam melhor a presença de uma alta
atividade interpretativa inscrita na fala do pai. Vejamos, por exemplo, o discurso
que o filho terá de adotar: “ler compêndios de retórica, ouvir certos discursos
16
Segundo Pinto, o ensaio “conserva sempre a memória do seu desejo de contemplar o real, o
mundo empírico” (1998, p. 89).
17
“Escreve ensaisticamente quem compõe experimentando; quem vira e revira o seu objeto,
quem o questiona e o apalpa, quem o prova e o submete à reflexão; quem o ataca de diversos
lados e reúne no olhar de seu espírito aquilo que vê, pondo em palavras o que o objeto permite
vislumbrar sob as condições geradas pelo ato de escrever” (BENSE apud ADORNO, 2003, p.
35-36).
62
[...] empregar umas quantas figuras expressivas [...] que românticos e realistas
usam sem desar, quando precisam delas (TM, p. 93-94). Nessas
recomendações se nota a crítica a escritores românticos e realistas, porém
realizada de forma fragmentária, o que exigirá a interpretação do leitor, que é
convidado a participar ativamente da construção do sentido.
Ressalta-se o “veneno” da personagem/pai ao longo dos comentários
que faz sobre os conselhos: a visita às livrarias deve ser “às escâncaras” para
falar do “boato do dia, da anedota da semana, de um contrabando, de uma
calúnia, de um cometa, de qualquer cousa” (TM, p. 94) desde que não seja
consultar o conhecimento nos livros. Janjão também deve interrogar “os
leitores habituais das belas crônicas de Mazade; 75 por cento desses
estimáveis cavalheiros repetir-te-ão as mesmas opiniões, e uma tal monotonia
é grandemente saudável” (TM, p. 94). Agindo assim, o rapaz reduzirá “o
intelecto, por mais pródigo que seja, à sobriedade, à disciplina, ao equilíbrio
comum(TM, p. 94). O que se vê nos excertos é um elogio à superficialidade
construída ao modo de um ensaio à medida que “devora as teorias que lhe são
próximas” e “liquida[r] a opinião, incluindo aquela que ele toma como ponto de
partida” (ADORNO, 2003, p. 38).
É nesse sentido que se pode endereçar esses aspectos aos objetivados
no ensaio que pretende abalar a pretensão da cultura, levando-a a meditar
sobre sua própria inverdade”, por meio de uma “aparência ideológica na qual a
cultura se manifesta como natureza decaída” (ADORNO, 2003, p. 41). É assim
que TM convida a refletir sobre a cultura e as bases nas quais ela se alicerça
futilidade, superficialidade e mediocridade a partir de uma representação que
se configura como “heresia”, uma vez que a “infração à ortodoxia do
pensamento torna visível, na coisa, aquilo que a finalidade objetiva da
ortodoxia procurava, secretamente, manter invisível” (ADORNO, 2003, p. 45).
Daí que, mesmo se apresentando como um elogio ao medalhão, o texto
nega qualquer acabamento, e suas considerações se abrem a novas
significações nascidas do entrecruzamento entre o que se diz e o que não é
dito. Essa abertura, portanto, convive com o caráter fechado da exposição de
63
idéias, pois “a consciência da não-identidade entre o modo de exposição e a
coisa impõe à exposição um esforço sem limites” (ADORNO, 2003, p. 37).
18
No caso de TM, o elemento metanarrativo que surge quando a
reflexão atinge o próprio literário, seja na crítica aos modelos românticos e
realistas, seja na reprodução de frases de efeito retórico caminha na mesma
direção das referências à ironia e a Luciano de Samosata.
Tal aspecto revela, ainda, o caráter híbrido de TM, lembrando, portanto,
uma característica da sátira menipéia, que é a mistura de gêneros. O
aproveitamento desse elemento metanarrativo implica a atitude de ensaísta
que Machado adotou, possivelmente para questionar os valores morais da
sociedade, a atitude passiva do leitor e a própria literatura enfadonha,
confirmando as palavras de Coutinho (2004) de que “os ensaístas sentam-se e
observam o espetáculo da vida e do mundo, às vezes se divertem com ele ou
dele motejam” (p. 119).
Assim, os vetores de pressão apontados por Fischer ajudam a distinguir
a criatividade da forma de TM que tende mais ao pólo estético pela alta
atividade interpretativa inscrita no diálogo ou, conforme nomeou Bosi, se insere
na categoria de “conto-teoria” porque possui caráter investigativo, confirmando
que,
se o ensaio é um gênero ou uma forma de pensar, ressalta-se
que é uma forma artística de expor o pensamento, fazendo
uso de recursos estéticos que assinalam a preocupação com a
criação literária. Ademais, se não uma forma definitiva para
o ensaio é porque sua especificidade é o movimento garantido
por essa “liberdade” estética. Isso faz desse gênero, sempre
em gestação, não uma mecânica regida por um conjunto de
regras, mas um organismo vivo, no qual todos os elementos
18
Vale a pena ler a reflexão de Adorno na íntegra: “o ensaio é, ao mesmo tempo, mais aberto e
mais fechado do que agradaria ao pensamento tradicional. Mais aberto na medida em que, por
sua disposição, ele nega qualquer sistemática, satisfazendo a si mesmo quanto mais
rigorosamente sustenta essa negação; os resíduos sistemáticos nos ensaios, como por
exemplo a infiltração, nos estudos literários, de filosofemas já acabados e de uso disseminado,
que deveriam conferir respeitabilidade aos textos, valem tão pouco quanto as trivialidades
psicológicas. Mas o ensaio é também mais fechado, porque trabalha enfaticamente na forma
de exposição. A consciência da não-identidade entre o modo de exposição e a coisa impõe à
exposição um esforço sem limites. Apenas nisso o ensaio é semelhante à arte; no resto, ele
necessariamente se aproxima da teoria, em razão dos conceitos que nele aparecem, trazendo
de fora não seus significados, mas também seus referenciais teóricos” (ADORNO, 2003, p.
37).
64
estão em correlação com os demais que o compõem
(ALMEIDA, 2005, p. 92)
Por isso, apesar de ser possível resumir o enredo, o conseguimos
explicitar o que, na realidade, foi a experiência da leitura e a pergunta que se
faz é: isso é um conto?; se é, Onde está a trama?; O que há além da exposição
teatral do diálogo forjado? Uma resposta possível é que TM realiza uma
verdadeira dramatização de idéias no campo ficcional de um gênero como o
conto, afeito às mutações e flexibilidade de sua própria forma.
O fato de não haver enredo nos moldes tradicionais faz de TM uma
espécie de texto no limiar, que expõe, de forma antidogmática, a
experimentação de idéias, e esse aspecto dá ao conto uma singularidade
dentro da obra do autor, pois
O ensaio sempre fala de algo formado ou, na melhor das
hipóteses, de algo que tenha existido; é parte de sua
essência que ele não destaque coisas novas a partir de um
nada vazio, mas se limite a ordenar de uma nova maneira as
coisas que em algum momento foram vivas. E como ele
apenas as ordena novamente, sem dar forma a algo novo a
partir do que não tem forma, encontra-se vinculado às coisas,
tem de sempre dizer a verdade” sobre elas, encontrar
expressão para sua essência. (LUKÁCS apud ADORNO,
2003, p. 16)
Assim, as denúncias expostas na fala do pai revelam a consciência que,
segundo Fischer, Machado tinha em relação à “ruína da interpretação” em
razão da perda da autoridade do narrador. As fórmulas pré-estabelecidas já
não faziam o público pensar, e Machado investe nessa direção de forma a, o
somente inovar o gênero conto, dando-lhe nuances de ensaio, como também
atuar na formação crítica do seu leitor.
65
3.2 Do leitor crítico.
Ruminando, a idéia fica íntegra e livre.
(M. de Assis crônica de 21/01/1889)
No âmbito da formação do público leitor crítico, TM instaura um diálogo
que busca validar essa voz no quadro da narrativa e, por meio dela,
problematizar a posição do leitor real no quadro social. Tal afirmação se
sustenta, pois “os leitores figurados não estão completamente dissociados do
leitor empírico, que afinal constitui a finalidade de todo e qualquer texto”
(GUIMARÃES, 2004, p. 31).
Desse modo, valendo-se de uma nova forma de tratar o leitor, Machado
o inclui no contexto do conto para “testá-lo, incomodá-lo e lisonjeá-lo, contínua
ou alternadamente” (FISCHER, 2008, p. 159). E, assim, no percurso que traça
rumo à consolidação de seu público, o autor exercita seu pensamento
gradativamente, construindo uma metodologia de escrita que demanda a
atitude “ruminativa” da leitura.
Não se pode esquecer, porém, de que na época de Machado, o público
de leitores era escasso, visto a alta taxa de analfabetismo. Contudo, sua
postura como escritor atinge, sobretudo aqui em TM, um tom crítico e irônico
que exige um posicionamento reflexivo do leitor, sem o qual a inversão
paródica não se realizaria.
Machado mostra em TM como funciona o mecanismo dinâmico da
sociedade brasileira e já que não podia consertá-la, ele a destrói sutilmente,
como se dissesse aos leitores: “Decifra-me ou devoro-te”. E quase sempre os
leitores eram devorados, pois o público machadiano era constituído
basicamente por membros da elite que não estavam atinados para a
complexidade do texto:
Essas considerações mostram por que quase não há no Brasil
literatura verdadeiramente requintada no sentido favorável da
palavra, inacessível aos públicos disponíveis. (...) Quase
sempre se produziu literatura como a produziram leigos
66
inteligentes, pois quase sempre a sua atividade se elaborou à
margem de outras, com as quais a sociedade o retribuía. Papel
social reconhecido ao escritor, mas pouca remuneração para o
exercício específico; público receptivo, mas restrito e pouco
refinado. (CANDIDO, 2000, p. 78)
De fato, o gosto do público restrito não se afinava com o talento de
escritores como Machado e, em razão disso, era necessário repensar o papel
da literatura e prover um público leitor capaz de pensar. A década de 70 foi
bastante movimentada em torno da consciência e reflexão, por parte dos
intelectuais, acerca das reais condições de circulação da literatura e,
conseqüentemente, da escassez de leitores. Segundo Guimarães (2004), em
1872, “vieram à luz meros sobre o nível de instrução e analfabetismo no
Brasil, despertando a indignação de jornalistas e escritores, entre eles
Machado de Assis” (p. 32).
Candido (2000) esclarece que o escritor havia se habituado a
produzir para públicos simpáticos, mas restritos, e a contar com
a aprovação dos grupos dirigentes, igualmente reduzidos. Ora,
esta circunstância, ligada à esmagadora maioria de iletrados
que ainda hoje caracteriza o país, nunca lhe permitiu diálogo
efetivo com a massa, ou com um público de leitores
suficientemente vasto para substituir o apoio e o estímulo das
pequenas elites. Ao mesmo tempo, a pobreza cultural desta
nunca permitiu a formação de uma literatura complexa, de
qualidade rara, salvo as devidas exceções. (p. 77)
Dentre as exceções, encontramos Machado, cuja obra busca satisfazer
diferentes blicos, sobretudo em TM, quando se apresentam dois planos de
leitura: um primeiro, que poderia implicar a exaltação de um quadro realista
sobre a educação pautada nos princípios de uma sociedade patriarcal; e um
plano de leitura, que visa problematizar e fazer refletir acerca dessa estrutura
social a partir do preenchimento, por parte do leitor empírico, de lacunas
deixadas intencionalmente pelo autor.
Diante disso, espera-se do leitor uma postura atenta, pois a fronteira
entre esses dois planos é bastante tênue, visto que a complexidade da
67
narrativa produz uma ambigüidade que, muitas vezes, confunde a capacidade
de discernimento do leitor sobre o foco central desse conto.
Nesse sentido, a paródia que, segundo Hutcheon (1985), “é
abertamente híbrida e de voz dupla” (p. 41) é útil para entendermos a razão
pela qual Machado escreve um conto em que “não há” trama narrativa e no
qual o foco são as idéias expostas na fala da personagem/pai e endereçadas
não apenas a Janjão, mas ao próprio leitor: “Fecha aquela porta; vou dizer-te
cousas importantes” (TM, p. 91). Tais coisas importantes não diriam respeito ao
propósito de educar por meio de uma leitura escondida (como nessa fala
acima), dando ao leitor as armas para pensar a cultura, a sociedade e a
literatura de seu país?
Se assim for, o subtítulo do conto –“Diálogo” pode ser a indicação ao
leitor para que esteja atento a essa teatralização dada pelo diálogo e aí, a
importância do índice “fecha a porta”, que contém, implicitamente, para não
sermos ouvidos”. Afinal, Machado sabe que de fato a maioria dos leitores não o
ouvirá, mesmo de ouvidos atentos. Fecha a porta é a mensagem de
Machado: “afaste-se” da sociedade para ver como ela funciona. Esse recolher-
se dramatizado pelas personagens pai e Janjão é muito parecido com o ato do
leitor que também precisa distanciar-se dos ruídos de fora no momento mesmo
em que se põe a ler o texto, inserindo-se como sujeito num contexto de ficção
para “ver melhor” a própria realidade. Neste sentido, Machado propõe que é
por meio da leitura ato solitário que se começa a formação do homem.
Para o leitor menos crítico ou interessado apenas na história, o teatro
armado que expõe os ensinamentos para a educação de um jovem entrado na
maioridade, pode soar, simplesmente, como uma descrição exaltada da figura
do medalhão. Para o leitor mais exigente e atento, no entanto, o diálogo
apresenta uma leitura invertida que se esconde na própria fala do pai: felizes
os que chegam a entrar na terra prometida! Os que lá não penetram, engole-os
a obscuridade. Mas os que triunfam! E tu triunfarás, crê-me” (TM, p. 97).
Ou seja, por trás desse relato, se outro que fala da construção do
texto e do espaço de significação, como a terra prometida acessível para
poucos. Assim, também os que não souberem ler o conto serão engolidos pela
68
obscuridade que pode ser sinônimo de ignorância, característica inerente ao
público da época de Machado.
Desse modo, é fundamental a leitura do conto pela chave paródica
porque ela contém o que Hutcheon (1985) chama de “prazer da ironia provindo
do grau de empenhamento do leitor no “vai-vem” intertextual” (p. 48). No
movimento paródico, o pensamento do leitor não pode mais operar numa única
direção, pois “a visão única produz mais ilusões que a visão dupla” (HARAWAY
apud HUTCHEON, 2000, p. 56).
Nessa leitura, as vozes “em contraponto chamam a atenção para a
presença das posições quer do autor quer do leitor dentro do texto e para o
poder manipulador de uma certa espécie de autoridade.” (HUTCHEON, 1985,
p. 112). Tal autoridade, que assume o poder controlador, revela-se
textualmente como construção hipotética, inferida pelo leitor por meio da
organização textual. O leitor, portanto, é convocado, no ato da leitura, para ler
os elementos mínimos, que apontam para além do que é linear no discurso do
pai.
Quanto ao aproveitamento do aspecto metanarrativo em TM, ele está
diretamente ligado ao propósito educacional que visa prender o leitor pela
leitura às avessas. Tal aspecto é percebido no conselho do pai dado ao final do
diálogo, quando diz: Rumina bem o que te disse, meu filho (TM, p. 99). Essa
frase de “chamada” ao ato de leitura como “ruminação” vincula-se ao papel
fundamental do leitor e de sua leitura para que a paródia ganhe significado por
meio do paralelismo proposto entre o visível e o invisível, o parodiador e o
parodiado.
É necessário, portanto, que haja um pacto entre os indivíduos que
Hutcheon nomeia “codificador” e “decodificador” para que a paródia se realize.
Para isso, é chamada a co-criação ativa do leitor previsto no texto “(de modo
mais explícito), e, possivelmente, mais complexo” (HUTCHEON, 1985, p. 118).
Entretanto, para se chegar a esses sentidos depreendidos no texto, é
preciso absorver o método de leitura machadiano que se configura por toda
sua obra e se explicita no ato de roedura do verme-leitor de Memórias
Póstumas. Segundo Oliveira (2008), é imprescindível
69
roer (como se lê) e ler (como se rói) = método antropofágico de
mastigação e leitura que retorna, avança, salta, recorta, cola,
inverte, substitui e desloca a matéria lida para outro tempo-
espaço: o da releitura e o da reescritura. (p. 22)
Essa roedura ativa surge ainda no conto, por meio de citações truncadas
de outros textos machadianos, como é o caso desta passagem: “como a
costureira _ esperta e afreguesada, _ que, segundo um poeta clássico, quanto
mais pano tem, mais poupa o corte, menos monte alardeia de retalhos(TM, p.
96). Há, nesse fragmento, uma releitura que transporta a memória do leitor
para um outro conto machadiano Um apólogo (1885) que narra o diálogo
entre uma agulha e uma linha que estão a discutir quem é mais importante no
processo da costura.
-se aí uma ação de leitura/escritura, seja do próprio autor que ree
reescreve outros textos seus num novo contexto, seja de uma especie de
“leitor-editor” cúmplice da escrita e atento ao ato da leitura, cuja lição é
aprender a “roer tal qual o seu autor” e “até suplantá-lo, na medida em que
exercite sua capacidade de realizar apropriações e deslocamentos não
previstos, inventando novas conexões...” (OLIVEIRA, 2008, p. 41).
Ainda no excerto, Machado não somente omite o nome, mas também
deturpa a citação do tal poeta clássico que foi, na verdade, Filinto Elísio, cujo
nome real era Francisco Manuel do Nascimento, poeta e tradutor português do
período neoclássico, que foi denunciado à Inquisição por suas idéias liberais. O
trecho citado por Machado encontra-se originalmente assim:
Quanto mais ferramenta tem o Mestre / Mais fáceis, mais sutis
perfaz as obras: / Quanto mais pano tem, mais poupa o corte,
/ Menos monte alardeia de retalhos / A afreguesada, esperta
costureira.
19
Lendo a citação na forma original em que foi escrita, observamos a
sutileza da ironia machadiana que oculta e deforma a citação, mas deixa o
19
Trecho retirado do site: www.machadodeassis.net
70
caminho para o leitor chegar ao original, refazendo a leitura por outro viés
interpretativo. Nessas pistas, Machado deixa aberta a possibilidade de o leitor
questioná-lo, que ele (Machado) também corrompe os textos alheios,
imprimindo uma visão dupla sobre o que escreve. Na citação original, a palavra
“Mestre” está destacada em letra maiúscula o que leva o leitor a inferir que
esse mestre-costureiro é o próprio Machado que, tendo em mãos as
ferramentas, costurou com muita astúcia suas obras.
Assumindo a postura de “leitor-editor” ou leitor co-criador, é possível
observar o lance metaficcional do conto que incita à reconstrução do diálogo
por meio da interconexão com outros textos, mesmo do próprio Machado.
Desse modo, TM também se utiliza de estratégias de leitura previstas
em Memórias Póstumas, cujo estudo proposto por Oliveira (2008) revela uma
poética da leitura pautada pelos “empréstimos textuais que se realizam e fazem
do livro uma condensação da memória de outros livros que nele se
inscrevem...” (p. 25).
Não se pode esquecer ainda da frase final e altamente sugestiva do
conto: vamos dormir” que, aliás, é dita duas vezes pelo pai. Essa referência
pode ser entendida em vários sentidos: de dormir e sonhar, de apaziguar o
espírito, de não pensar em nada ou, ainda, de pensar, refletindo sobre a leitura
de um texto interessante e instigante. É justamente a hesitação entre um
sentido e outro que faz do texto um todo incompleto e, por isso, rejuvenescido
a cada leitura. A infinitude pode ser preenchida pelo que Iser nomeia “Good
continuation”
20
, pois o leitor tem a oportunidade de estabelecer relações entre
aquilo que está explícito e o apenas sugerido.
Assim sendo, o processo de ruminação textual é o caminho para a
libertação da verdade que se esconde no diálogo de TM. A comunhão do
homem com o mundo, de que fala Bakhtin, se opera pelo ato de moer, cortar e
mastigar o outro para ser parte dele. Machado sempre deixou visível, em suas
obras, o seu método de ruminação e, numa de suas crônicas, se auto-intitula
ruminante: “sou mais profundo ruminando; e mais elevado também” (OC, p.
510).
20
O termo refere-se à construção da estrutura textual, que tanto pode permitir o andamento da
leitura, quanto impedir esse processo natural.
71
Convém sublinhar que o método da ruminação se realiza à semelhança
de um banquete, cujo “triunfo é universal, é o triunfo da vida sobre a morte.
Nesse aspecto, é o equivalente da concepção e do nascimento. O corpo
vitorioso absorve o corpo vencido e se renova” (BAKHTIN, 2008, p. 247). Essa
é uma questão interessante que emana do conto, visto que, afinal, ela se funda
no princípio paródico da junção entre o baixo e o alto: o ato físico de ruminar
liga, indissoluvelmente, corpo e mente, concretude e abstração.
A obra de Machado se renova, portanto, e se perpetua por meio da
mastigação vitoriosa sobre o outro, tornando-se parte da tradição da sátira
menipéia. Por isso, o pai de Janjão afirma que: “o sábio que disse: „a gravidade
é um mistério do corpo‟, definiu a compostura do medalhão” (TM, p. 92).
Tal frase tem sua gênese no conto machadiano, As bodas de Luís
Duarte (1873), no qual se lê: “a gravidade não é nem o peso da reflexão, nem a
seriedade do espírito, mas unicamente certo mistério do corpo, como lhe
chama La Rochefoucauld(OC, p. 195, grifos do autor). Nota-se que Machado
utilizou a mesma citação em TM, porém de forma sintética e, trabalhando, mais
uma vez com a memória do leitor, ele ocultou o nome do autor, nomeando-o
apenas como “sábio”. O sentido da citação é bastante esclarecedor da filiação
de TM com a sátira menipéia, visto que a gravidade é, antes de tudo, um
mistério que não está na seriedade, mas sim no corpo como morada do
conhecimento, pois, segundo o pai: Medalhão não quer dizer melancólico. Um
grave pode ter seus momentos de expansão alegre” (TM, p. 99).
Isso define, portanto, o método machadiano cujo processo mastigativo é
de enfrentamento corpo a corpo com o papel/texto e com as referências
textuais deixadas em suspenso as quais dirigem o pensamento do leitor para
um caminho reflexivo.
Contudo, ressalta-se a proximidade entre Machado e Bakhtin. Para este,
no estudo da obra popular, a morte não serve jamais de coroamento: vem
sempre acompanhada de uma “refeição funerária” que suas imagens o
ambivalentes. Isso significa que o fim é necessariamente revestido de um novo
começo, do mesmo modo que à morte segue-se um novo nascimento, ou
ainda, que o fim de um texto não significa em absoluto o seu ponto final.
72
Essa ordem de idéias nos permite dizer que, em Machado, a ruminação
é prenhe de significado positivo porque não pressupõe a anulação dos seus
antecessores; ao contrário, “na verdade, é a leitura de Machado de Assis que
os redescobre e os inventa como seus precursores, fazendo dessas „fontes‟ um
produto de ficção” (OLIVEIRA, 2008, p. 25). Ou ainda, é a leitura de Machado
que os re-anima.
Portanto, por meio de um discurso mordaz, que refina e modela seu
estilo, Machado empenhou-se na construção de invenções narrativas a fim de
conquistar um público leitor, se não mais amplo, pelo menos mais crítico,
persuadindo-o a ler seus textos por um caminho inverso ao do automatismo
dos clichês e dos modismos da época.
Desse modo, o leitor redimensiona o pensamento que não opera mais
em uma única direção, visto que assume uma atitude mais crítica em relação à
vida literária, política, econômica e social de seu país. Machado de Assis,
atuando por meio de sua obra, exerce seu direito de reivindicar a formação de
um novo perfil de leitor crítico: aquele que “rói o dito”, captando-o pelo avesso,
ou, ainda, ler como se êsse discreto silêncio sôbre os textos roídos fôsse
ainda um modo de roer o roído(OC, p. 825).
73
3.3 Do projeto machadiano de Literatura Nacional.
Esta outra independência não tem Sete de
Setembro nem campo do Ipiranga, não se fará
num dia, mas pausadamente, para sair mais
duradoura, não será obra de uma geração nem
duas; muitas trabalharão para ela até fazê-la de
todo. (Instinto de Nacionalidade, 24/03/1873)
Dentro do projeto machadiano de formação de uma literatura nacional,
TM ocupa posição privilegiada, na medida em que problematiza o lugar e a
função da literatura brasileira, travando um diálogo com a crítica literária que
até, então, não existia tal como desejava Machado. A carência de uma crítica
especializada leva o autor a formulá-la nos desvãos de seus próprios textos.
De acordo com Guimarães (2004), Machado segue
[...] em direção a uma crescente autonomização do leitor, cada
vez mais convocado a participar, questionar e completar a obra
literária. Segundo esse estudo, as Memórias Póstumas de Brás
Cubas marcariam o início, na literatura brasileira, da produção
de “metatextos ficcionais”, ou seja, textos em que o leitor é
explicitamente chamado a participar do processo de
composição da obra. (p. 52)
Assim sendo, o conto TM também estabelece diálogo com outros textos
machadianos, como por exemplo, algumas das crônicas de Aquarelas (1859)
e, especialmente, com os ensaios críticos como O Instinto de Nacionalidade
(1873), no qual Machado já antecipa um lugar para a literatura brasileira,
independente da “cor local”.
Em O Instinto de Nacionalidade, Machado se volta contra a ausência de
crítica efetiva e denuncia a existência de uma literatura calcada na “missão
patriótica”, de base romântica, que unificava as diretrizes que os escritores
deveriam adotar. Segundo Candido (1975), constituem temas centrais da
crítica romântica:
74
1) o Brasil precisa ter uma literatura independente; 2) esta
literatura recebe suas características do meio, das raças e do
costumes próprios do país; 3) os índios são os brasileiros mais
lídimos, devendo-se investigar as suas características poéticas
e tomá-las como tema; 4) além do índio, são critérios de
identificação nacional a descrição da natureza e dos costumes;
5) a religião não é característica nacional, mas é elemento
indispensável da nova literatura; 6) é preciso reconhecer a
existência de uma literatura brasileira no passado e determinar
quais os escritores que anunciam as correntes atuais. (p. 329
330)
Privilegiava-se, portanto, a “cor local” como artifício para delinear a
feição do país que se dirigia em busca da legitimidade por meio de uma
literatura entendida como reflexo da realidade social: ou se refletia a nação ou
não haveria literatura. Desse modo, não seria um erro aderir,
incondicionalmente, ao modelo estrangeiro como processo disciplinador da
literatura do jovem país, bem como seria inaceitável a recusa do elemento
externo. Como, então, resolver o problema da “literatura que não existe ainda,
que mal poderá ir alvorecendo agora”, conforme afirma Machado em O Instinto
de Nacionalidade? (OC, p. 802).
Segundo Candido (1975), o pensamento nacional se constitui a partir
de um sistema cultural autônomo em que um projeto de nação seja,
conscientemente, construído pelos diferentes sujeitos envolvidos. Desse modo,
ao nos concentrarmos na figura de Machado, entendemos o processo que se
desenrola no Brasil do século XIX. Ou melhor, ao analisarmos o chamado
"pensamento brasileiro" desse período em que ocorre o amadurecimento da
intelectualidade nacional, vemos que nossos pensadores foram, antes de tudo,
obrigados a assumir uma grande quantidade de funções e tarefas.
Para Sevcenko (1999), os intelectuais da geração modernista de 1870
da qual, aliás, Machado fazia parte empenharam-se no processo de
transformação político-social e, sobretudo cultural que atravessou o Brasil na
sua trajetória do Império à República. Orgulhosos da autodefinição de
“mosqueteiros intelectuais”, esses escritores cidadãos possuíam o ideal de
modernização da nação, melhorando o nível cultural e intelectual do povo.
Conforme ressalta Guimarães (2004), havia
75
[...] pouco contato da produção literária com o público,
atribuindo essa situação à ausência de uma “sociedade” e
também às enormes distâncias e dificuldades de comunicação
no país. Constata-se ainda o número insignificante de leitores
que havia no país àquela época. (p. 47)
Esse número reduzido correspondia, segundo Candido (2000), a “[...]
uma sociedade de iletrados, analfabetos ou pouco afeitos à leitura. Deste
modo, formou-se [...] um público de auditores [...] requerendo no escritor certas
características de facilidade e ênfase [...]” (p. 73-74), pois muitos viam a
literatura como um meio de alcançar destaque na sociedade, através da
reprodução do chavão e do lugar-comum. A literatura, portanto, era vista como
um caminho para se obter prestígio e poder na sociedade e, segundo
Sevcenko, contribuiu para essa inversão o jornalismo por meio da reprodução
de modas e novos hábitos que não condiziam com a realidade brasileira.
Machado, ao contrário de muitos, o via o novo meio de comunicação
como algo negativo e, por isso, soube aproveitar-se dele para criar novas
estratégias que atingissem o leitor. O jornal servia à suas intenções, como um
espaço privilegiado para a formação do leitor porque tinha, de certa forma,
acesso a um público mais amplo do que aquele previsto pelo livro.
É importante destacar que a crônica O parasita publicada no jornal é
uma espécie de gênese de TM, uma vez que nela Machado já delineava alguns
aspectos da figura do medalhão que seriam aprofundados em TM:
Sabem de uma erva que desdenha a terra para enroscar-se,
identificar-se com as altas árvores? É a parasita. [...] O parasita
(literário) ramifica-se e enrosca-se ainda por todas as vértebras
da sociedade. (OC, p. 951, 955)
No fragmento fica evidente a atitude de denúncia a um tipo característico
de sua sociedade: o escritor desprovido de talento que se vale da literatura
para se sobressair socialmente. Essa crítica é retomada em TM, porém, como
a denúncia está invertida, a leitura que se faz na superfície do discurso é de
exaltação da figura do medalhão.
Dentro do jornal, portanto, Machado lançava sua crítica mais incisiva,
sobretudo contra os chamados “fanqueiros literários”, ou seja, tipos que se
76
valiam da literatura como via de acesso ao reconhecimento social, porém, sem
possuir talento algum para exercê-la. E, em TM, especificamente, retoma a
figura de medalhão presente em textos do início da sua carreira. Nas
crônicas de Aquarelas (1859), o escritor expõe sua censura a esse tipo que,
diferente do jornalista, se define pela
[...] individualidade social e marca uma das aberrações dos
tempos modernos. [...] Fazer do talento uma máquina, [...]
movida pelas probabilidades financeiras do resultado, é perder
a dignidade do talento, e o pudor da consciência. (OC, p. 951)
Machado condena o fanqueiro literário, o qual se intitula escritor e leva
ao público uma literatura sem qualidade. Mas, de fato, esse foi o modelo de
escritor que, segundo Sevcenko (1999), mais se adequou à nova situação
social do país:
Filhos diletos da Regeneração, suas características são
bastante evidentes. Ressalta sobretudo a sua atuação de
polígrafos da imprensa. O jornal e o magazine luxuoso eram a
sua sala de audiências, dali se pronunciavam para o seu público
consumidor através de crônicas, reportagens, folhetins, poesias,
sueltos, comentários, críticas, “conferências”, orientações
didáticas múltiplas, desde as vernaculares até as relativas à
culinária, moda ou política. Sufocavam assim o público com sua
produção volumosa e indiscriminada, [...] um público cativo para
os seus livros editados com uma regularidade metódica, de
acordo com a disposição e a receptividade da clientela. (p. 104)
Conforme Sevcenko, em oposição a esse perfil, formou-se um grupo de
escritores chamados de “derrotados”, os quais se dividiram em dois. Os
escritores do primeiro grupo estavam decididos a não compactuar com o modo
de agir dos medalhões” e, muitos deles, firmes na sua integridade, criaram
uma carreira paralela, porém, sem grande alcance social. Isso resultou num
impulso autodestrutivo, condenando à morte alguns homens de grande talento
como Cruz e Sousa. Portanto, o primeiro grupo se rendeu e decidiu assistir
com “horror e náusea à vitória do materialismo e do individualismo” (1999, p.
105).
77
o segundo grupo, apesar da experiência trautica, se empenhou
em “fazer de suas obras um instrumento de ação pública e de mudança
histórica (SEVCENKO, 1999, p. 106). Nomeados de “escritores-cidadãos”,
eles desempenharam suas funções em favor da sociedade, adotando uma
atitude de “nacionalismo intelectual”.
Incluído nesse segundo grupo, Machado pôs em prática seu próprio
projeto literário que embora divergisse daquele pautado pela missão
patriótica”, compartilhava com ele “o geral desejo de criar uma literatura mais
independente” (OC, p. 802). Ao se posicionar sobre o “instinto de
nacionalidadeque qualificava a literatura brasileira, Machado deixa claro seu
posicionamento de vincular o nacional ao universal.
Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura
nascente, deve principalmente alimentar-se dos assuntos que
lhe oferece a sua região; mas não estabeleçamos doutrinas tão
absolutas que a empobreçam. O que se deve exigir do escritor
antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem
de seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos
remotos no tempo e no espaço. (OC, p. 804)
O projeto de Machado visava à dialética entre o universal e o local, mas
não o local confundido com o pitoresco e o universal assimilado da tradição
européia. Isso porque, o autor não via a literatura apenas como expressão da
realidade, mas como elemento de transformação do real à medida que o
introduzia no campo literário. De certa maneira, com Machado, a literatura
ganha supremacia e autonomia ao convocar a realidade para exercer um papel
no “teatro de idéias” que são seus textos.
Assim sendo, a concepção machadiana de “nacional” em literatura se
distancia do apego à cor local, cujo caráter artificial forja um ser nacional que
existe na ficção e converte-se, portanto, num simulacro que muito limita o
trabalho do escritor. Sobre isso, Machado assim expressa sua discordância:
Devo acrescentar que neste ponto manifesta-se às vezes uma
opinião, que tenho por errônea: é a que reconhece espírito
nacional nas obras que tratam de assunto local, doutrina que, a
ser exata, limitaria muito os cabedais da nossa literatura. (OC,
p. 803).
78
Machado passa, então, a reivindicar o direito de escrever livremente,
sem ficar preso aos estereótipos impostos como representantes da identidade
nacional. Ele busca o direito de ser universal a partir do que nomeia
“sentimento íntimo”, sem com isso deixar de pertencer à sua nação e à sua
literatura. Desse modo, ele cita Shakespeare como símbolo da dialética entre o
nacional e o universal:
(...) e perguntarei mais se o Hamlet, o Otelo, o Julio Cesar, a
Julieta e Romeu têm alguma coisa com a história inglesa nem
com o território britânico, e se, entretanto, Shakespeare não é,
além de um gênio universal, um poeta essencialmente inglês.
(OC, p. 804)
Machado incorpora essa dialética em suas narrativas, utilizando-se de
recursos como a paródia, que atua como ferramenta crítica da sociedade e da
própria literatura, como ocorre em TM.
A partir do recurso paródico é possível perceber como, em TM, Machado
elabora seu projeto, exigindo do leitor criticidade e competência para
“descodificar” o texto invertido, que constitui uma anatomia do comportamento
do medalhão à medida que tece argumentos críticos, determinando, assim, a
função da literatura. Função essa que deve superar as posições antagônicas
que marcavam a fragilidade do sistema literário vigente.
Houve depois uma espécie de reação. Entrou a prevalecer a
opinião de que não estava tôda a poesia nos costumes
semibárbaros anteriores à nossa civilização, o que era
verdade, e não tardou o conceito de que nada tinha a poesia
com a existência da raça extinta, tão diferente da raça
triunfante, o que parece um êrro. É certo que a civilização
brasileira o está ligada ao elemento indiano, nem dêle
recebeu influxo algum; e isto basta para não ir buscar entre as
tribos vencidas os títulos da nossa personalidade literária. Mas
se isto é verdade, é menos certo que tudo é matéria de poesia,
uma vez que traga as condições do belo ou os elementos de
que êle se compõe. (OC, p. 802).
Não só a fuga das reproduções de modelos estrangeiros, bem como de
clichês de nacional, são os sintomas de “certo instinto de nacionalidade”. Para
79
Machado, o que legitima a literatura nacional como universal é o “sentimento
íntimoque visa captar o que é literário na literatura e isso é possível se o
escritor for além das fronteiras do seu país, tornando-se homem de seu tempo,
sem necessariamente prender-se a aspectos puramente locais: “Compreendo
que não está na vida indiana todo o patrimônio da literatura brasileira, mas
apenas um legado, tão brasileiro como universal (...)” (OC, p. 803).
Assim, o tal “instinto de nacionalidade” dever servir de estímulo ou
condição inicial para que se desenvolva uma literatura nacional independente.
Machado, porém, via essa independência como resultado do trabalho de várias
gerações, pois, “muitos trabalharão para ela até perfazê-la de todo” (OC, p.
801).
Renunciando ao nacionalismo que reproduz apenas a fachada,
Machado contempla, sobretudo, a urgência da formação do leitor crítico como
meio de criar as bases para uma literatura nacional/universal. Mas, é
importante destacar que, ao falar de leitor, Machado tem em mente os próprios
críticos e não apenas o leitor comum, muito reduzido frente ao alto índice de
analfabetismo. Machado aponta com firmeza que os críticos não estavam aptos
a cumprirem seu papel:
Estes e outros pontos cumpria à crítica estabelecê-los, se
tivéssemos uma crítica doutrinária, ampla, elevada,
correspondente ao que ela é em outros países. Não a temos.
e tem havido escritos que tal nome merecem, mas raros, a
espaços, sem a influência quotidiana e profunda que deveriam
exercer. A falta de uma crítica assim é um dos maiores males
de que padece a nossa literatura; é mister que a análise corrija
ou anime a invenção, que os pontos de doutrina e de história
se investiguem, que as belezas se estudem, que os senões se
apontem, que o gosto se apure e eduque, e se desenvolva e
caminhe aos altos destinos que a esperam. (OC, p. 804)
Como se vê, Machado não concorda com a crítica que se refugia na
“manifestação da opinião”, cujo papel principal é contemplar as obras que
apresentam os “toques nacionais”. No intuito de mudar o quadro estático, o
escritor se propôs à tarefa de formar um novo perfil de leitor e, principalmente,
de crítico literário.
80
O crítico deve ser independente independente em tudo e de
todos, - independente da vaidade dos autores e da vaidade
própria. Não deve curar de inviolabilidades literárias, nem de
cegas adorações; mas também deve ser independente das
sugestões do orgulho, e das imposições do amor-próprio. (OC,
p. 799)
Para que a literatura se constituísse independentemente da “cor local”
era necessária uma crítica “fecunda”, pautada pela análise reflexiva e não pelo
“favor” como costumava ser: “Nem todos os livros deixam de se prestar a uma
crítica minuciosa e severa, e se a houvéssemos em condições regulares, creio
que os defeitos se corrigiriam, e as boas qualidades adquiririam maior realce”
(OC, p. 806).
Assim sendo, Machado se opõe, na própria produção literária, à baixa
qualidade da crítica (pautada na lisonja e no compadrismo) e propõe um novo
modelo oficial do que, de fato, se espera de uma literatura nacional. É aí,
portanto, que se amarram as duas pontas do projeto machadiano: a formação
do leitor crítico e a produção de uma literatura alimentada pela dialética entre
nacional e universal.
Seu projeto está claramente exposto em O Instinto de Nacionalidade e
na inversão que está na raiz de TM, compondo uma espécie de manifesto-
ensaio de crítica literária que deve ser erigida por meio de um movimento de
leitura que opere na direção contrária do esperado, recriando pelo avesso o
dito. Com ele, Machado faz ver que investir nesse perfil de leitor é, não
somente construir as bases para a produção de outro tipo de literatura, mas,
sobretudo, começar a edificar um novo conceito de nação.
81
Considerações Finais.
Rumina bem o que te disse, meu filho.
Guardadas as proporções, a conversa desta
noite vale o Príncipe de Machiavelli. Vamos
dormir. (Teoria do Medalhão, 18/12/1881)
A presente pesquisa objetivou investigar o recurso da paródia que, por
ser ambivalente, serviu de base para a construção textual do conto TM, cujo
teor crítico encontra-se camuflado sob a forma de um diálogo à semelhança do
platônico. Nosso olhar centrou-se nos efeitos parodísticos que atuam não só na
construção de um modelo de leitor bem como no desnudamento de um Projeto
de Literatura Nacional, intentados por Machado de Assis.
Essa hipótese começou a ser respondida já no primeiro capítulo “A
Teoria do Medalhão à luz da fortuna crítica” no qual grande parte dos textos
selecionados apontava para a presença de um discurso fortemente crítico
em relação à formação da identidade social. Desse modo, foi fundamental a
contribuição daquela crítica que centrou seus estudos sobre as estratégias
retóricas do discurso dialogal, apontando, também, para a paródia.
Contudo, o que distinguiu nossa pesquisa foi a abordagem do duplo
sentido do termo paródia que, etimologicamente, contém a noção de
paralelismo e de inversão que acentua o efeito irônico buscado por Machado.
Muito embora, o que se vê em TM, a princípio, é uma teoria da opinião comum,
da subserviência às normas sociais sem qualquer reflexão sobre sua verdade,
mas no seu avesso se constrói um poderoso argumento crítico acerca de tal
teoria.
Para chegarmos a essa consideração, no capítulo 2. “A Teoria do
Medalhão e sua inserção na sátira menipéia”, traçamos o percurso que
demonstrou a filiação do conto machadiano na linhagem da sátira menipéia, na
qual a construção paródica é a peça chave. Assim, a insistência nesse
procedimento construtivo mostrou-se fundamentalmente responsável pela
hibridez do conto que se reveste de diálogo nobre para expor e ridicularizar o
82
modelo social e, principalmente, para inovar o gênero conto, desestabilizando a
atitude passiva do leitor diante de um texto curioso e instigante.
Nesse sentido, o estudo da paródia foi fundamental para desvendarmos
em TM a retomada do diálogo platônico pelo avesso. O “paralelismo” paródico
aproxima os dois textos, pois ambos se valem de estratégias persuasivas no
intuito de incutir um saber, não obstante, operando em direções diferentes.
Mas, é nas idas e vindas de uma leitura em constante movimento que se
percebe a inovação proposta por Machado: a desestabilização de um sistema
ideológico por meio da recriação do sistema estético. Dentro dessa
perspectiva, percebe-se a crítica ao modelo social imanente à crítica da
tradição literária que é resgatada e transformada por Machado a partir da
necessidade imposta pelo “seu tempo e seu país”.
Essas conclusões preliminares apontam que a inserção de TM na
linhagem do sério-cômico, advinda da sátira menipéia, revela-se como método
para a realização do projeto estético machadiano apresentado no capítulo 3
“A Teoria do Medalhão e seu caráter formativo” por meio das ressonâncias
do conto na direção do gênero, do público e do posicionamento crítico do autor
em O Instinto de Nacionalidade.
Primeiramente, o caráter dialógico, investigativo e auto-reflexivo da
produção machadiana ao conto TM uma conformação ensaística e
antidogmática propícia à experimentação de idéias. Assim, tomando a tradição
menipéia, os cânones literários e sua própria produção literária dos contos às
crônicas como material a ensaiar, Machado problematiza a literatura no
âmbito da produção, mas, sobretudo, no da recepção. Isso porque, as
considerações levantadas de diversos textos de Machado demonstraram que é
muito mais a leitura crítica que determina a produção literária do que o seu
inverso.
Dessa forma, investindo num perfil de leitor crítico, Machado começa a
construir, não as bases para a produção de outro tipo de literatura, bem
como de um novo conceito de nação. Num momento em que a literatura
brasileira lançava-se rumo à sua autonomia, Machado, com muita lucidez e
coragem, ousou ao fazer observações críticas sobre a literatura de sua época:
83
“Sente-se aquele instinto” diz ele, “até nas manifestações da opinião, aliás, mal
formada ainda, restrita em extremo, pouco solícita e ainda menos apaixonada
nestas questões de poesia e literatura” (OC, p. 801).
Em vista disso, valendo-se do “sentimento íntimo” que perpassa suas
obras, Machado disseca o homem e torna blica sua intimidade por meio da
voz das personagens. Ao fazer isso, põe à mostra sua preferência pelo outro
lado do ser humano, aquele que está além da imagem, o lado que o homem
tenta disfarçar ou esconder. Nesse desnudamento, se a abertura ao
universal que é pautado na impossibilidade de uma última palavra sobre o ser.
Nossa pesquisa, portanto, contribuiu para o enriquecimento da fortuna
crítica de TM porque apontou o modo como Machado utiliza a paródia,
subvertendo os papéis: se no conto é negado ao filho o direito de partejar
idéias” diferentemente dos discípulos de Sócrates ao leitor é dada essa
oportunidade, contudo, pelo caminho invertido. Desse caminho, ainda nos falta
muito a perseguir, pois nele vemos a possibilidade de expandir essa pesquisa,
buscando a constante paródica e aprofundando sua ação em outros textos do
autor.
Desse modo, TM é um conto paradigmático dentro do universo literário
machadiano, pois demonstra uma função formadora de leitores e de críticos
literários responsáveis pela produção de uma literatura nacional com força
universal, pois nas passagens aparentemente inocentes esconde-se uma outra
possibilidade de leitura, um outro lado da história que permanece subjacente
ao discurso imediato e à espera de um “leitor-roedor”.
Essa era a atitude de Machado enquanto leitor e a que ele nos ensina,
alertando-nos para não sermos ludibriados; sermos, sim, ruminantes, isto é,
críticos diante daquilo que lemos e, a partir disso, reconstrutores da verdade
que se encontra sob o véu, neste caso, do medalhão.
Assim, a sondagem sutil de Machado serviu e serve, ainda hoje, de
fundamento para interrogarmos a função da literatura e o nosso papel
enquanto cidadãos, pensando sempre que a literatura e a identidade de uma
nação não se baseiam numa solução ideal ou auto-suficiente. Elas são uma
espécie de “desequilíbrio” ou “caos” que torna possível o avanço. A identidade
84
que se busca está sempre alicerçada em uma situação que é passado
portanto, diferente do que é agora tentando alcançar ou construir um futuro
que, sem dúvida, será diferente do que pretendemos fazer dele. Assim, para se
construir uma identidade verdadeiramente nacional é preciso universalizá-la, ou
seja, retirar-lhe suas molduras, mostrá-la inacabada, ensaiada, constantemente
provisória, pois a visão que temos do presente será, certamente, abandonada
pelas pessoas que nos observarão no futuro.
85
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