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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
CENTRO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ESTRATÉGIA E ORGANIZAÇÕES
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
A INFLUÊNCIA DA ÉTICA NOS RELACIONAMENTOS
INTERORGANIZACIONAIS: UM ESTUDO DE CASO NO ARRANJO PRODUTIVO
LOCAL DA CONFECÇÃO DE BONÉS EM APUCARANA – PR.
MARCOS ROBERTO BUENOS DOS SANTOS
CURITIBA
2009
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A INFLUÊNCIA DA ÉTICA NOS RELACIONAMENTOS
INTERORGANIZACIONAIS: UM ESTUDO DE CASO NO ARRANJO PRODUTIVO
LOCAL DA CONFECÇÃO DE BONÉS EM APUCARANA – PR.
ESTA DISSERTAÇÃO FOI JULGADA ADEQUADA PARA A OBTENÇÃO DO
TÍTULO DE MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO (ÁREA DE CONCENTRAÇÃO:
ESTRATÉGIA E ORGANIZAÇÕES), E APROVADA EM SUA FORMA FINAL PELO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO PARANÁ.
PROF. DR. PEDRO JOSÉ STEINER NETO
COORDENADOR DO MESTRADO
APRESENTADO À COMISSÃO EXAMINADORA INTEGRADA PELOS
PROFESSORES:
PROF. DR. CLEVERSON RENAN DA CUNHA
PRESIDENTE
PROFª.DRª. ADRIANA ROSELI WUNSCH TAKAHASHI
MEMBRO
PROF. DR. EDSON RONALDO GUARIDO FILHO
MEMBRO
27 de março de 2009
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MARCOS ROBERTO BUENOS DOS SANTOS
A INFLUÊNCIA DA ÉTICA NOS RELACIONAMENTOS
INTERORGANIZACIONAIS: UM ESTUDO DE CASO NO ARRANJO PRODUTIVO
LOCAL DA CONFECÇÃO DE BONÉS EM APUCARANA – PR.
Dissertação apresentada como requisito parcial
à obtenção do grau. Curso de Mestrado em
Administração do Setor de Ciências Sociais
Aplicadas da Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Profº Dr. Cleverson Renan da
Cunha
CURITIBA
2009
AGRADECIMENTOS
A Deus, Uno e Trino, autor da vida, pela sua inefável providência.
A minha família, meu doce lar.
A minha namorada Luciane pelo seu carinho.
Ao professor e orientador Dr. Cleverson Renan da Cunha, pela sua
dedicação, competência e honestidade.
A todos os professores da Universidade Federal do Paraná, que muito
contribuíram para nossa qualificação.
A direção da Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana
pelo apoio.
A Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Paraná que empreendeu
esforços para a realização do curso de mestrado.
Aos meus pais, Geraldo e Celina.
RESUMO
Sob o pressuposto de que a solidez e a qualidade das relações entre as
organizações estão sujeitas à ética compartilhada entre os atores, o presente
trabalho teve por objetivo verificar qual a influência da ética nos
relacionamentos interorganizacionais, no arranjo produtivo local da confecção
de bonés em Apucarana, estado do Paraná. Através de uma abordagem
qualitativa, a estratégia de pesquisa utilizada foi um estudo de caso, de
característica descritiva, realizado com questões semi-estruturadas nas
entrevistas com os dirigentes das organizações. A coleta de dados foi
direcionada tanto para a governança do APL como para os três grupos de
organizações, que entre si representam os três tipos de relacionamentos
interorganizacionais deste estudo: fábricas de bonés, subcontratadas e
fornecedores. Foi constatado que, nas atividades que envolvem a cooperação
entre as organizações, se estabelecem acordos de confiança, cujo grau varia
conforme as situações e tipos de parcerias. Foi também constatado o fator de
dependência entre organizações. As parcerias em geral têm como objetivo a
redução de custos operacionais e a ampliação de mercado. Dependendo do
tipo de ética que é compartilhada pelos atores e como estes correspondem e
reagem, confirmou-se que a ética influencia tanto a qualidade quanto a
durabilidade das relações interorganizacionais.
Palavras-chave: Ética. Relacionamentos interorganizacionais. Arranjo
produtivo local (APL).
ABSTRACT
Under the presupposition of which the solidity and the quality of the relations
between the organizations are subject to the ethics shared between the actors,
the present work had as objective to check the influence of the ethics inside
interorganizational relationships, in the productive local arrangement of the caps
production in Apucarana, a city from Paraná State. Through a qualitative
approach, the research strategy used was a study case, it had an descriptive
feature, and it was carried out with semi-structured questions in the interviews
with the leaders of the organizations. The collection of data was directed both
for the government of the PLA and for three groups of organizations, which
represent among themselves the three types of interorganizational relationships
which this study focused: factories of caps, subcontracted and suppliers. In the
activities that involved the cooperation among the organizations it was noted
that it was established agreements of confidence, whose degree varies
according to the situations and types of partnerships. The study also verified the
factor of dependence among the organizations. In general the partnerships take
as an objective the reduction of operational costs and the enlargement of
market. Depending on the type of ethics which is shared by the actors and on
how they correspond and react, it was confirmed in this research that the ethics
influence the quality as well as the durability of interorganizational relations.
Key words: Ethics. Interorganizational Relationships. Productive local
arrangement (PLA).
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Relação das teorias da ética ..........................................................36
Figura 2 – Mapa dos APLs do Paraná ............................................................81
Figura 3 – Tipos de relações interorganizacionais na pesquisa.......................86
Figura 4 – Cooperação entre concorrentes no APL.......................................106
Figura 5 - Relações de confiança no APL......................................................159
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Os tipos de relações que envolvem ética.......................................19
Quadro 2 - As abordagens éticas de Srour...................................................... 31
Quadro 3 – Modelo do Interesse Próprio .........................................................34
Quadro 4 – A Ética Empresarial Convencionada ............................................. 35
Quadro 5 – Características dos tipos de ética..................................................38
Quadro 6 – Premissas dos tipos de ética......................................................... 38
Quadro 7 - Tipos de Alianças Estratégicas do Domínio Técnico / Produção ...53
Quadro 8 - Limites éticos em contatos com a concorrência............................. 72
Quadro 9 - Modelo de Algoritmo de Reflexão ética de Srour........................... 74
Quadro 10 – Formato da Análise de Conteúdo................................................93
Quadro 11 - Atitudes típicas da moral da oportunidade ................................. 128
Quadro 12 - Ações de cooperação influenciadas pelos tipos de éticas ......... 157
Quadro 13 - Atitudes antiéticas nas relações entre concorrentes.................. 160
Quadro 14 – A influência da ética nas relações interorganizacionais ........... 164
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..............................................................................................11
1.1 Problema....................................................................................................12
1.2 Objetivos .................................................................................................... 12
1.2.1 Objetivo geral..........................................................................................12
1.2.2 Objetivos específicos ..............................................................................12
1.3 Justificativa.................................................................................................13
2 REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................16
2.1 Conceitos de ética...................................................................................... 16
2.1.1 A visão filosófica sobre a ética...............................................................16
2.1.2 Ética como ciência e teoria..................................................................... 18
2.1.3 Ética empresarial.................................................................................... 22
2.1.4 Ética e Responsabilidade Social ............................................................ 23
2.1.5 Existe ética para empresas?..................................................................25
2.1.6 Ética deontológica e a ética teleológica ................................................. 30
2.1.7 Da abstração à prática ........................................................................... 42
2.1.8 A ética empresarial no Brasil................................................................... 45
2.2 Relações interorganizacionais.................................................................... 49
2.2.1 Dependência e interdependência entre organizações ...........................57
2.2.2 Confiança................................................................................................64
2.3 Ética nas relações interorganizacionais .................................................... 66
2.3.1 Ética com os stakeholders....................................................................... 68
2.3.2 Mecanismos de controle.......................................................................... 72
2.4 Arranjo Produtivo Local............................................................................. 74
2.4.1 Conceitos e características ..................................................................... 75
3 METODOLOGIA DE PESQUISA.................................................................. 82
3.1 Especificação do problema ........................................................................83
3.1.1 Perguntas de pesquisa............................................................................ 83
3.2 Delineamento da pesquisa......................................................................... 84
3.2.1 Estratégia de pesquisa............................................................................84
3.2.2 Método de pesquisa................................................................................ 85
3.2.3 Classificação da pesquisa....................................................................... 86
3.2.4 Nível de análise....................................................................................... 86
3.2.5 Unidades de análise................................................................................87
3.2.6 Estratégia de análise...............................................................................87
3.3 Definições Constitutivas (D.C.) e Operac
ionais (D.O.)...............................88
a. Procedimentos de coleta de dados............................................................. 90
b. Procedimentos no tratamento e análise dos dados .................................... 93
4 ANÁLISE DE DADOS...................................................................................96
4.1 O Arranjo Produtivo Local da confecção de bonés em Apucarana............96
4.1.2 As relações interorganizacionais no APL.............................................. 103
4.2 O papel estratégico dos relacionamentos na consecução
dos objetivos organizacionais......................................................................... 116
4.2.1 Entre fábricas concorrentes................................................................... 117
4.2.2 Entre fábricas e subcontratadas............................................................ 118
4.2.3 Entre fábricas e fornecedores ............................................................... 119
4.3 A influência da ética na formação e desenvolvimento dos relacionamentos
interorganizacionais .......................................................................................121
4.3.1 Relações entre fábricas concorrentes...................................................121
4.3.2 Relações entre fábricas e subcontratadas ............................................ 132
4.3.3 Relações entre fábricas e fornecedores................................................ 139
4.4 Ambiguidades e discrepâncias entre o discurso referente à
ética e a prática nos negócios........................................................................ 144
4.4.1 Da coordenação da governança ...........................................................144
4.4.2 Dos dirigentes das fábricas concorrentes.............................................. 146
4.4.3 Dos dirigentes das empresas subcontratadas.......................................150
4.4.4 Dos dirigentes das empresas fornecedoras.......................................... 152
4.5 Análise integrada do caso........................................................................ 155
4.5.1 A influência da ética na cooperação interorganizacional....................... 156
4.5.2 A influência da ética nas relações de confiança.................................... 158
4.5.3 A influência da ética nas relações de concorrência............................... 159
4.5.4 A influência da ética nas relações de dependências............................. 160
4.5.5 A influência da ética nos rompimentos de parcerias ............................. 161
5 CONCLUSÃO ............................................................................................ 166
5.1 Contribuições da pesquisa para prática ................................................... 171
5.2 Limitações da pesquisa............................................................................ 171
5.3 Sugestões para novas pesquisas............................................................. 172
5.4 Considerações finais................................................................................ 173
REFERÊNCIAS.............................................................................................. 174
ANEXOS........................................................................................................ 181
11
1 INTRODUÇÃO
O tema da ética pode parecer novo para ocupar o posto como uma
disciplina de administração. Porém, é um tema inquietante e urgente. O que se
observa, no entanto, é um clima generalizado de exigências da sociedade
mundial para com as organizações, tendo em vista a crescente preocupação
com a responsabilidade socioambiental, direitos do consumidor, competição
global, enfim, questões inerentes à ética.
É possível que seja esse um dos motivos para que os estudos sobre a
ética nas organizações, até agora, tenham predominado com o foco nas
questões trabalhistas, ética profissional, responsabilidade social e a ética com
os consumidores. Diante deste quadro, encontramos uma lacuna na literatura e
no estado da arte, ou, pelo menos, um tema pouco explorado, que é a ética
nas relações interorganizacionais.
A realidade das organizações, vistas como sistemas abertos, é que
são dependentes umas das outras nas mais diversas circunstâncias e
situações. Relacionam-se formando parcerias de negócios, fornecendo ou
adquirindo matérias-primas ou serviços, compartilhando informações, entre
outras formas de relações, inclusive entre empresas concorrentes.
Embora a importância dos relacionamentos nos negócios seja óbvia,
a falta do raciocínio de relacionamento em tantas declarações de
propósito estratégico ou em avaliações de problemas, incluindo ou
não os componentes éticos, é forte indicador de que muitos
administradores devem ficar mais atentos à relevância dos bons
relacionamentos. (NASH, 2001, p.97).
Na perspectiva dos relacionamentos, partindo do pressuposto de que
geralmente há interesses entre as partes, espera-se o sucesso e durabilidade
nas parcerias. Neste contexto, pressupõe-se que a questão ética se situa no
centro dos relacionamentos interorganizacionais, como condição básica para a
sustentação desses relacionamentos.
Na primeira parte do projeto encontra-se a definição da questão de
pesquisa, os objetivos e a justificativa do estudo.
Na segunda parte é apresentada a revisão da literatura, numa
abordagem teórica dos conceitos da ética, ética empresarial, os
12
relacionamentos entre organizações e a ética nas relações
interorganizacionais. Nesta parte encontram-se também uma abordagem sobre
Arranjo Produtivo Local (APL) e uma contextualização do APL do setor da
confecção de bonés de Apucarana – PR, local escolhido para a pesquisa
empírica.
Na terceira parte encontram-se detalhados os procedimentos
metodológicos que foram aplicados na pesquisa de campo.
Na quarta parte são apresentados a coleta e a análise dos dados, os
achados, as categorizações, de acordo com cada objetivo específico e com o
objetivo geral.
Na quinta seção, por fim, na conclusão, o resultado explícito da
pesquisa, com as interpretações dos achados, implicações do estudo,
contribuições para a prática, limitações da pesquisa, sugestões para novas
pesquisas e as considerações finais.
1.1 PROBLEMA
Qual a influência da ética nos relacionamentos interorganizacionais no
Arranjo Produtivo Local da confecção de bonés em Apucarana?
1.2 OBJETIVOS
1.2.1 OBJETIVO GERAL
Analisar a influência da ética nos relacionamentos interorganizacionais
no Arranjo Produtivo Local da confecção de bonés em Apucarana.
1.2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
Descrever os relacionamentos interorganizacionais do Arranjo Produtivo
Local da confecção de bonés em Apucarana;
Identificar o papel estratégico dos relacionamentos na consecução dos
objetivos organizacionais;
13
Identificar a influência da ética na formação e desenvolvimento dos
relacionamentos interorganizacionais;
Analisar as ambiguidades e discrepâncias entre o discurso referente à ética
e a prática nos negócios.
1.3 JUSTIFICATIVA
O presente trabalho se propõe a investigar a questão ética na gestão de
relacionamentos entre as organizações. Será necessário, para tanto, analisar
os conceitos de ética, qual seu significado em gestão de empresas,
concernente aos objetivos organizacionais e decisões estratégicas, voltadas
para parcerias e alianças entre as organizações.
Em se tratando de parcerias empresariais, é fundamental não excluir a
questão ética, pois, ao dissociar a base de valores e normas inerentes à ética,
tais parcerias tornam-se frágeis, e os resultados desejados podem não ser
alcançados. Neste contexto, Passos (2004, p. 68) afirma que em “situações em
que a ética é negligenciada, em que passa a vigorar a desconfiança entre
empresas, [...] colocam em jogo o destino das organizações, motivam o
desmoronamento de muitas e ameaçam outras tantas”. É oportuno que a
abordagem sobre ética entre organizações passe por uma profunda revisão.
No âmbito das parcerias, podem-se esperar desafios para se praticar a
ética, em face da complexidade do contexto em que se encontram os gestores,
por força da exigência pela competitividade.
A natureza dos negócios exige que um administrador atenda a
relacionamentos múltiplos, a responsabilidades múltiplas e, quando
as coisas dão erradas, há múltiplas vítimas. Estabelecer uma
preocupação justa e equilibrada com todos os relacionamentos
relevantes é um processo constante. (NASH, 2001, p.101).
A linha de pesquisa deste trabalho está orientada para o
desenvolvimento econômico regional. Um dos fatores de desenvolvimento
econômico regional está relacionado ao fortalecimento das cadeias produtivas,
dos Sistemas Produtivos Locais, dos Arranjos Produtivos Locais, dos clusters e
à prosperidade das empresas locais. A pesquisa pretende também destacar
qual a importância dos relacionamentos entre as organizações que integram
14
determinado Arranjo Produtivo Local, para que se tornem mais fortalecidos e
competitivos. As parcerias entre organizações podem ser vistas como uma das
estratégias para sobrevivência ou de competitividade, tanto para as micro e
pequenas empresas como também para as empresas de maior porte. Para
Lacombe e Heilborn (2003, p. 522), “as organizações que serão bem-sucedidas
provavelmente vão formar redes estratégicas de alianças, em vez de buscar a
autossuficiência, da mesma forma que já ocorre no âmbito das nações”.
Parceria pode ser considerada uma forma de relacionamento entre as
organizações que procuram agregar valores e forças, a fim de atingir metas
que satisfazem todos os participantes. Relacionamentos interorganizacionais
compreendem as parcerias de uma organização com seus fornecedores,
distribuidores, empresas compradoras, subcontratadas, associações entre
concorrentes, inseridos ou não em Arranjos Produtivos Locais.
O interesse deste trabalho é entender como num ambiente onde existe
a competição e a cooperação ao mesmo tempo, a influência da ética interfere
nos relacionamentos. Para isso, será necessário investigar através de uma
pesquisa empírica, qual a conduta ética que é praticada pelos gestores. Por
certo ângulo, podemos notar um paradoxo, quando, por exemplo, entre
concorrentes surgem parcerias estratégicas somando forças para atingirem
objetivos individuais e coletivos ao mesmo tempo.
Numa relação dessa natureza, encontra-se um desafio, pois o que
separa o que é ético do que é antiético é abrir mão de interesses unilaterais em
favor de interesses multilaterais. Ressalta-se que: “os principais constituintes
do comportamento antiético são a cobiça e a ambição individuais, ou o desejo
de maximizar o ganho pessoal à custa dos demais”. (DUBRIN, 2001, p. 33).
No entanto, Passos (2004) enfatiza a reflexão ética por tornar-se uma
orientação segura para se enfrentarem erros morais. Na concepção de Srour
(2003, p.14),
o conhecimento ético oferece um quadro de referência para as
decisões corporativas, na medida em que exige uma análise de
conjunto, induz a mapear os diferentes interesses das partes
envolvidas nas empresas e faz com que estes sejam levados em
consideração.
15
A gestão de relacionamentos deve se ocupar em administrar
interesses e objetivos multilaterais e deve ter a ética como referencial para
tomadas de decisões sejam de caráter rotineiro ou estratégico. “Uma das
muitas razões pelas quais a ética é importante é a de que os clientes e
fornecedores preferem lidar com empresas éticas”. (DUBRIN, 2001, p. 32).
Com este trabalho, pretende-se primeiramente instigar os acadêmicos
para posteriores investigações sobre este assunto, em vista da sua
importância. Também oferecer aos gestores um quadro referencial para
refletirem sobre suas condutas, de forma a orientar as suas decisões e os
relacionamentos interorganizacionais.
16
2 REVISÃO DA LITERATURA
Nesta seção do trabalho serão abordados, primeiramente, os
conceitos de ética, para que se tenha uma compreensão de seu significado; na
sequência, ética empresarial e um quadro referencial sobre relações
interorganizacionais, como base para o conteúdo teórico de ética nas relações
interorganizacionais; em seguida, o conceito de Arranjo Produtivo Local, campo
escolhido para a pesquisa empírica, em que os relacionamentos entre as
organizações apresentam determinadas características particulares, como a
proximidade geográfica, atividades de um mesmo setor, o compartilhamento de
informações e parcerias.
2.1 CONCEITOS DE ÉTICA
O quadro de referências conceituais sobre ética terá que lidar com
definições, algumas convergentes, outras antagônicas, isso porque nosso
estudo está direcionado para o campo das organizações com fins lucrativos,
em que se percebem conflitos motivados pela competição e luta pela
sobrevivência entre as empresas, nas quais, ainda que pareça paradoxal, ao
mesmo tempo se fala e se exige que a questão ética esteja presente.
Considera-se o ambiente das organizações um terreno fértil de
exploração do tema ética, pois estão elas constituídas por pessoas, trabalha-se
com pessoas e destinam-se a satisfazer expectativas das pessoas. Nesse
sentido, Camargo (2006) afirma que a ética está com as pessoas, pois, são
estas que cultivam os valores e agem de acordo com seus princípios. “Não é a
empresa que faz a pessoa ética, mas é esta que, possuindo energias éticas
internamente, cristaliza-as em comportamentos favorecendo a criação de um
ambiente ético”. (CAMARGO, 2006, p. 43).
2.1.1 A visão filosófica sobre a ética
A abordagem tem como foco inicial o ser humano como ator e
destinatário da ética. Neste sentido, a ética, segundo Camargo (2006, p.9), é
uma ciência essencialmente filosófica, pois “existe uma tendência muito
17
imediatista, pragmática e até mercantilista reduzindo a ética a receitas de
comportamento com objetivos do positivismo utilitarista para satisfazer o
mercado”. Com suas afirmações, o autor confronta com a maioria das
perspectivas de diversos autores, que abordam ética como exigência global e
condição para sobrevivência (SROUR, 2003; DUBRIN, 2001; LEISINGER e
SCHMITT, 2001; KOTLER, 2000). Na sua concepção, o ser humano deve ser
considerado o centro e a razão da ética. Por isso, se faz necessário um
percurso pelas vias filosóficas. “A ética, como parte da filosofia, é para ir além
das ciências, iluminando-as com um enfoque transcendente, dando-lhes uma
unidade dinâmica de valores, questionando suas práticas em relação ao ser
humano”. (CAMARGO, 2006, p. 10).
Ética é a parte da filosofia que estuda a moralidade dos atos
humanos, enquanto livres e ordenados a seu fim último. [...] Voltada
para a retidão moral dos atos humanos, a Ética é uma ciência
prática, de caráter filosófico. Consideram estes autores que ética
como uma ciência prática, que se aplica na conduta livre do homem,
fornecendo-lhes normas necessárias para o reto agir, portanto, uma
ciência normativa. Sendo a realidade humana é a fonte principal da
ética, esta, como ciência teórica-prática, segue o método empírico
especulativo, que toma por ponto de partida a experiência moral.
(ARRUDA, WHITAKER e RAMOS, 2003 p.42).
Cortella (2007, p.106) explica que a palavra “ética vem do grego ethos,
que até o século VI a.C. significava morada do humano. [...] Ethos é o lugar
onde habitamos, é a nossa casa”. Percebe-se que nestes conceitos, a ética
surgiu com o homem, pela sua noção de espaço, imposição de limites
comportamentais e pela necessidade de relacionamento saudável. Leva-nos a
entender que a ética só pode ter sentido ou ser considerada, quando há
relacionamento, havendo pelo menos duas pessoas se relacionando direta ou
indiretamente, envolvendo interesses, seja qual for sua natureza. Temos então
o contexto de coletividade, de sociedade e de relacionamentos, para a ética ter
sua finalidade. Para Arruda, Whitaker e Ramos (2003, p.22), a “ética não é
somente uma questão de conveniência, mas também uma condição necessária
para a sobrevivência da sociedade”.
A ética é o que marca a fronteira da nossa convivência. [...] Ética é o
que faz a fronteira entre o que a natureza manda e o que nós
decidimos. [...] Ética pressupõe a capacidade de decidir, julgar,
18
avaliar com autonomia. Portanto, pressupõe liberdade. (CORTELLA,
2007, p. 106 e 105).
O pressuposto de liberdade que Cortella ressalta na sua conceituação
remete à visão do homem como ser inteligente, capaz de decidir e escolher. Na
sua visão, um indivíduo só pode agir com ética quando amparado pela
liberdade de decisão, em condições lúcidas, sem qualquer coação ou
constrangimento.
Por essa visão filosófica, Cortella (2007, p.106) define ética como “um
conjunto de princípios e valores que você usa para responder às três grandes
perguntas da vida humana: Quero? Devo? Posso?” Esta definição trata dos
limites que se impõem nos relacionamentos. O querer às vezes pode não
corresponder ao dever ou ao poder fazer. O dever às vezes pode não
corresponder ao querer (vontade).
Cortella (2007, p.110) explica através de uma abordagem filosófica
que há uma distinção entre um ato antiético de um ato aético. Para ele, alguém
que suborna ou pratica corrupção age de acordo com sua ética. Segundo ele,
não existe falta de ética neste caso. O que é antiético para um, pode ser ético
para outro. Considera como antiético algo contrário a uma ética que
determinado grupo compartilha e aceita. Por esse prisma, os princípios e
valores aceitos e compartilhados por um indivíduo ou por um grupo formam um
quadro de referência para decidir, avaliar e julgar.
2.1.2 Ética como ciência e teoria
Srour (2003) recorre ao estudo da ética tendo como base a filosofia,
com premissa altruísta, mais abrangente, de que as morais fazem parte. Define
ética como ciência da moral.
A ética estuda os fenômenos morais e, mais especificamente, as
morais históricas, os códigos de normas que regulam as relações e
as condutas dos agentes sociais, os discursos normativos que
identificam, em cada coletividade, o que é certo ou errado fazer.
(SROUR, 2003, p. 15).
Os tipos de relações que envolvem ética estão resumidas no quadro
n.º 1.
19
Relação moral Relação amoral Relação imoral
Quando afeta os outros,
de acordo com padrões
socialmente prescritos.
Exemplo: guiar o carro
com cuidado.
Quando não afeta os outros e
não está regrada (não é falta
de senso moral). Exemplo: ler
jornal.
Quando contraria regra moral
oficialmente reconhecida.
Exemplo: manipular a
contabilidade.
QUADRO 1 - OS TIPOS DE RELAÇÕES QUE ENVOLVEM ÉTICA
FONTE: Srour (2003, p. 30)
Na abordagem, Srour, num pensamento bem próximo do que afirma
Cortella, relaciona a ética com reflexão que delineia o comportamento do ser
humano inserido na coletividade.
Ética diz respeito à disciplina teórica, ao estudo sistemático, as
morais correspondem às representações imaginárias que dizem aos
agentes sociais o que se espera deles, quais os comportamentos
são bem-vindos e quais não. [...] A ética opera no plano da reflexão
ou das indagações; tem, portanto, um caráter abstrato-formal. [...]
Estuda os costumes das coletividades e as morais que procuram
conferir consistência a esses modos recorrentes de agir. (SROUR,
2003, p. 31).
Srour (2003) também se utiliza do pensamento filosófico para distinguir
a ética em duas categorias. A Ética Filosófica, para ele também chamada de
filosofia da moral, e a Ética Científica, chamada também de ciência da moral.
A Ética Filosófica tende a ter um caráter normativo e de prescrição,
ansiosa por estabelecer uma moral universal, cujos princípios
eternos deveriam inspirar os homens, malgrado as contingências de
lugar e de tempo. A Ética Cientifica tende a ter um caráter descritivo
e explicativo porque centra sua atenção no conhecimento das
regularidades que os fenômenos morais apresentam, malgrado sua
diversidade cultural e apesar da variedade de seus pressupostos
normativos. (SROUR, 2003, p. 39).
Numa visão mais pragmática, Dubrin (2001, p.32) defende que a “ética
é o estudo da obrigação moral, ou a separação do certo e do errado”.
Numa linha tênue do que afirmam Cortella (2007), Camargo (2006) e
Srour (2003), Passos (2004, p.22 e 23) evita definir a ética sob a crítica
estritamente utilitarista. Com uma abordagem filosófica e mais abrangente,
interpreta Ética como “costume e modo de agir. A ética destituída do papel
normatizador, ao menos no que diz respeito aos atos isolados, torna-se
20
examinadora da moral. Exame que consiste em reflexão, em investigação, em
teorização. [...] A ética teoriza as condutas, estudando as concepções que dão
suportes à moral” (PASSOS, 2004, p.23). “A ética é a ciência que estuda o
comportamento moral dos homens na sociedade”. (VÁSQUEZ, 1975, p.12
apud PASSOS, 2004, p.23).
Para Sanchez Vásquez (2002), a ética contribui para fundamentar ou
justificar certa forma de comportamento moral. Sua abordagem inicial se
orienta para o campo em que a ética é aplicada. “A ética é teoria, investigação
ou explicação de um tipo de experiência humana ou forma de comportamento
dos homens, o da moral, considerado, porém, na sua totalidade, diversidade e
variedade” (SANCHEZ VÁSQUEZ, 2002, p.21). Assim, o autor defende que a
ética não pode ser reduzida a uma disciplina normativa e pragmática, comum
em muitas abordagens sobre ética empresariais. A ética deve fundamentar a
natureza das normas morais, no sentido amplo de seu significado, de
abstração e caráter filosófico.
O valor da ética como teoria está naquilo que explica, e não no fato
de prescrever ou recomendar com vistas à ação em situações
concretas. [...] como qualquer teoria, a ética é explicação daquilo que
foi ou é, e não simples descrição. Não lhes cabe formular juízos de
valor sobre a prática moral de outras sociedades, ou de outras
épocas, em nome de uma moral absoluta e universal, mas deve,
antes, explicar a razão de ser desta pluralidade e das mudanças de
moral, isto é, deve esclarecer o fato de os homens terem recorrido a
práticas morais diferentes e até opostas. (SANCHEZ VÁSQUEZ,
2002, p.22).
Na explicação de Sanchez Vásquez (2002), a ética como teoria não se
identifica com nenhuma moral nem com princípios em particular, cabendo-lhe,
além de explicar as diferenças das morais, investigar o princípio que permita
compreendê-las. Dessa forma, a ética, de caráter científico, não fica atrelada a
nenhuma doutrina. Explica também o autor que sua função é estudar os atos
conscientes e voluntários dos indivíduos que têm repercussão social e que de
alguma forma afetam outros indivíduos.
A ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens
em sociedade. [...] Enquanto conhecimento científico, a ética deve
aspirar à racionalidade e objetividade mais completas e, ao mesmo
tempo, deve proporcionar conhecimentos sistemáticos, metódicos e,
no limite do possível, comprováveis. [...] Ao ser definida como um
21
conjunto sistemático de conhecimentos racionais e objetivos a
respeito do comportamento humano moral, a ética se nos apresenta
como um objeto específico que se pretende estudar cientificamente.
(SANCHEZ VÁSQUEZ, 2002, p.23-25).
As concepções de Sanches Vásquez (2002) divergem de algumas
concepções de outros autores sobre a ética: de concepções pragmáticas,
utilitaristas e até mesmo como um capítulo da filosofia, como ele mesmo
afirma, especulativa (Dubrin, 2001; Leisinger e Schmitt, 2001; Srour, 1994,
2006; Karkotli, 2006; Ashley, 2003; Drucker, 1998; Kotler, 2000; Serpa, 2006).
“Uma ética pressupõe necessariamente uma concepção filosófica imanentista e
racionalista do mundo e do homem”. (SANCHEZ VÁSQUEZ, 2002, p.27).
Para Trasferetti (2006), a ética ocupa-se de maneira descritiva e
comparativa, mas também como uma avaliação crítica da moral. De origem
grega, ethos, relaciona-se a hábitos, costumes e instituições produzidos pela
sociedade. Na mesma linha de Cortella (2007), o autor encontra na gênese da
ética o significado de morada, organização de um povo ou da sociedade.
Define que “ethos é espaço de liberdade, de diferença”. (2006, p.49).
Sá (1998) esclarece sobre dois aspectos de análise da ética dos
pensadores clássicos. No primeiro aspecto, a ciência tem o homem como
centro da observação, a sua conduta, e está orientada sempre em favor do
próprio homem. No segundo aspecto de análise, a ética é vista “como a ciência
que busca os modelos da conduta conveniente, objetiva, dos seres humanos. A
correlação, nesse aspecto, é objetiva, entre o homem e seu ambiente. Os
modelos, como valores, passam a guiar a estrutura normativa”. (SÁ, 1998,
p.16).
Moreira (1999) faz uma compilação de vários conceitos de ética a
partir de dois significados principais, segundo sua abordagem: como disciplina
integrante da ciência da filosofia e como conjunto de regras. Como disciplina
integrante da filosofia, para o autor, ética é considerada como ciência que
estuda as condutas humanas. Como conjunto de regras, a ética rege as ações
de acordo com a moral e o bem.
Constata Moreira (1999, p.21-23) que há pelo menos cinco teorias que
dão origem à formação dos conceitos de ética:
22
Teoria Fundamentalista: quando os conceitos éticos provem de
fonte externa, através de uma doutrina, o qual o homem a adquiri
e aceita como verdade, que será o referencial no seu modo de
pensar e de conduta, como o caso das doutrinas religiosas;
Teoria Utilitarista: baseada nas ideias de Jeremy Bentham (1748-
1832) e John Stuart Mill (1806-1873). A proposta é que o maior
bem para a sociedade como um todo, deve ser o critério de
escolha da conduta. Moreira explica que a “ideia do maior bem
para a sociedade, não leva em conta o número de pessoas
beneficiadas, mas sim o tamanho do bem, ou seja, em uma
circunstância na qual o maior bem beneficie poucos, em
contraposição ao bem menor que possa ser feito a muitos, a
primeira atitude deverá ser a escolhida”.
Teoria Kantiana: também chamada de dever ético, proposta por
Emanuel Kant (1724-1804), em que o “dever ético a partir de
conceitos universais aplicáveis a todos, sem exceções, desde
que se exija do próximo o mesmo que exigimos de nós. Duas
regras que Kant propôs para que os conceitos éticos sejam
alcançados: a primeira, qualquer conduta aceita como padrão
ético deve valer para todos os que se encontrem na mesma
situação, sem exceções. A segunda regra, só se deve exigir dos
outros o que exigimos de nós mesmos”.
Teoria do Contratualismo: baseada nas ideias de John Locke
(1632-1704) e Jean Jacques Rousseau (1712-1778). Tem como
pressuposto que o ser humano assume uma obrigação como
outras pessoas, de se comportar de acordo com as regras
morais, para poder conviver em sociedade.
Teoria do Relativismo: fundamenta na liberdade de pensamento
de cada indivíduo, que pode escolher e decidir sobre sua própria
conduta, com base nas suas próprias convicções e concepções
sobre o bem o mal. “Assim sendo, o que ético para um pode não
ser ético para o outro”. Prevalece nessa teoria que não há uma
verdade absoluta. Mas, segundo Moreira, essa teoria recebe
críticas pelo fato de poder ser usada para justificar ações não
aceitas com concepção coletiva da moral.
Essas teorias apresentadas por Moreira (1999) assim como as outras
de outros autores até aqui abordadas, a princípio, não tratam específica ou
particularmente dos relacionamentos interorganizacionais nem mesmo das
realidades empresariais, até por razão de sua interdisciplinaridade e por
pertencerem aos campos da sociologia, filosofia e antropologia. No entanto,
das teorias sobre a ética, tem-se uma base aplicável às realidades
contemporâneas do mundo das organizações que será abordado no próximo
tópico.
2.1.3 Ética Empresarial
A revisão da literatura presente neste trabalho que aborda o tema
específico de ética empresarial tem como foco principal o comportamento dos
23
dirigentes e dos colaboradores, as relações trabalhistas, o clima
organizacional, o relacionamento com o cliente consumidor e a
responsabilidade social e ambiental. Em algumas abordagens, o conceito de
ética se confunde com responsabilidade social. Como afirma Karkotli (2006, p.
128, 131) sobre o assunto:
A ética e a responsabilidade social caminham lado a lado. Na
verdade, a ética é o cerne do comportamento socialmente
responsável. É a partir da moral e dos valores éticos daqueles que
conduzem uma empresa que parte a prática da responsabilidade
social corporativa. [...] Questões éticas e de responsabilidade social
se entrelaçam, umas não podem ser concebidas sem a existência
das outras, havendo mesmo uma relação de interdependência.
No entanto, a questão da presença da ética nos relacionamentos
interorganizacionais encontra-se ainda de maneira periférica, ou nas
entrelinhas, nas abordagens dos livros e trabalhos acadêmicos.
Segundo Trasferetti (2006), o tema ética empresarial ainda está por
ganhar melhor espaço nos estudos da administração. São, portanto, escassos
os trabalhos realizados sobre o tema, nas produções acadêmicas. A limitação
ainda é maior quando se trata da ética interorganizacional, pois os trabalhos
realizados são na maioria voltados para questões de relações trabalhistas,
responsabilidade social e ambiental.
2.1.4 Ética e Responsabilidade Social
De acordo com Trasferetti (2006, p.54), numa abordagem que
contempla a responsabilidade social, o foco nas suas pesquisas tem sido o da
ética empresarial:
É preciso refletir sobre a responsabilidade social das empresas;
aprofundar a ética enquanto formadora de empresas cidadãs;
descobrir o papel da ética do mundo das empresas e dos negócios;
analisar as relações entre a ética e a prática comercial-lucrativa; o
papel das empresas com futuro do planeta; aprofundar as relações
entre a ética individual e postura ética; aprofundar as relações entre
ética individual e coletiva.
Para Machado Filho e Zylbersztajn (2004), ética e responsabilidade
social relacionam-se com a reputação, considerada como um ativo intangível.
24
Nas conclusões desses autores, os ativos tangíveis são facilmente imitados, ao
contrário dos intangíveis, pois estes constituem, ao lado dos ativos tangíveis,
na mente do público, incluindo os fornecedores, uma rede interligada de
percepções sobre a imagem e reputação da empresa. O autores vêem a
reputação, no entanto, como fator de diferenciação e competitividade.
Afirma Trasferetti (2006, p.127):
Podemos afirmar ainda que uma Ética Empresarial se pauta pela
busca da verdade nos negócios, que seja fonte inspiradora de justiça
social não pode estar ausente das nossas discussões. [...] Com a
globalização a preocupação com a ética empresarial aumentou.
Empresas de todas as partes do mundo buscam uma atitude mais
ética em seus comportamentos em sociedade
.
Em se confirmando tal tendência pela exigência ética em virtude da
globalização e de um pensamento mundial cada vez mais exigente, as
empresas que terão espaço no mercado serão aquelas que se distinguirem
pela postura ética.
Mattar Neto (2004), para abordar a responsabilidade social das
empresas, faz a distinção entre stokeholders e stakeholders. Para ele,
stokeholders (aqueles que possuem stocks, ou seja, ações da empresa) são os
destinatários da responsabilidade fiduciária da empresa junto aos seus
acionistas, no sentido de dever promover o retorno para os investidores,
enquanto que stakeholders (aqueles que possuem stake, ou seja, risco,
interesse ou participação nas empresas) são os destinatários quanto às
atividades das organizações. Para o autor, as empresas teriam
responsabilidades com a sociedade, incluindo na sua concepção seus
distribuidores, fornecedores e até concorrentes. “A noção de responsabilidade
corporativa é claramente expandida, as organizações não são responsáveis
por proteger apenas seus acionistas, mas também os interesses de todos
aqueles que com ela interagem e que são por ela afetados”. (MATTAR NETO,
2004, p.317).
Responsabilidade social é a ideia de que as empresas possuem
obrigações para com a sociedade, além de suas obrigações
econômicas junto aos acionistas e daquelas prescritas em lei ou
contrato. Tanto a ética quanto a responsabilidade social se
relacionam à bondade ou moralidade das organizações. No entanto,
25
ética nos negócios é um conceito mais estreito que se aplica à
moralidade das decisões e comportamentos de um indivíduo. A
responsabilidade social é um conceito mais amplo que se relaciona
ao impacto de uma organização sobre a sociedade e que vai além
de fazer o que é ético. Para comportar-se de um modo socialmente
responsável, os administradores precisam ter consciência de como
suas ações influenciam o ambiente. (DUBRIN, 2001, p.34).
Em termos conceituais Serpa (2006) relaciona Ética com
Responsabilidade Social corporativa, como dois conceitos entrelaçados.
O estudo de Serpa (2006) teve como objetivo investigar a diferença
entre a valorização que os atuais e futuros gestores (estudantes de
administração) de empresas conferem ao papel da ética e da responsabilidade
social na eficácia organizacional. Procurou saber de que forma eles se
posicionam quanto à importância da ética e da responsabilidade social
empresarial. Os resultados apontaram, segundo a autora, para a necessidade
de uma maior valorização do papel da ética e da responsabilidade social por
parte dos gestores. Já no grupo de estudantes, os resultados mostraram uma
tendência de diminuição da valorização da ética e da responsabilidade social,
considerando que esses estudantes são potenciais gestores. A autora sugere
que nos cursos de administração se ofereçam o ensino da ética, relacionando-
o às questões do dia-a-dia das empresas.
2.1.5 Existe ética para empresas?
No tópico anterior foram tratadas as definições de ética, citando a
concepção de Camargo (2006) que advoga que a ética não está com a
empresa e sim com as pessoas, o que, por sua vez, favorece um ambiente
ético nas organizações. Esse argumento leva-nos a formular a seguinte
questão: existe ética para empresas? Ou então, existem empresas éticas e
empresas não éticas? Drucker (1998) afirma que não existe ética para
empresas. Tal declaração de início colocaria abaixo toda e qualquer pretensão
de continuar a investigação sobre este tema, já que para o autor “não há uma
ética à parte para as empresas, nem precisa haver”. (DRUCKER, 1998, p.367).
No entanto, Drucker (1998), na análise do contexto em que faz tal
afirmação, coloca em evidência as pressões e múltiplas cobranças da
sociedade, haja vista que empresas não são entidades isoladas do mundo,
26
pelo contrário como afirmam, por exemplo, Maximiano (2000), Lacombe e
Heilborn (2003) e Robbins (2000). Empresas são sistemas abertos que
interagem com o ambiente, seja direta ou indiretamente, com a sociedade de
modo geral, com públicos específicos de mercado, e com outras empresas,
com que constituem redes de relacionamento interorganizacionais. Assim, por
diversas razões, afetam o ambiente, de uma maneira ou de outra.
Na abordagem sistêmica, a empresa pode ser vista como órgão que
faz parte de um organismo. Para Morgan (2006), a abordagem dos sistemas
abertos é baseada no princípio de que as organizações, assim como os
organismos, são abertas para o seu ambiente e precisam atingir uma relação
apropriada com esse ambiente para poder sobreviver. Neste contexto é que
Drucker (1998) constata que as organizações não escapam das cobranças do
ambiente. Tal situação é por ele ilustrada com a tradição da voluntariedade, a
exemplo dos Estados Unidos, “onde os dirigentes de empresas devem
realmente ser incentivados a participar das questões e das entidades
comunitárias, bem como a assumir uma liderança responsável nessa área.
Contudo, eles nunca deverão ser forçados a tais atividades”. (DRUCKER,
1998, p. 368).
A situação é que os administradores exercem uma função pública.
Podem desincumbir-se dela por meio de um intenso trabalho fora da
empresa e dentro da comunidade, desde Encargos Reais até a
direção dos Escoteiros Locais. Ou poderão exercê-la dentro da
própria empresa através de liderança e exemplos. [...] Não há nada
que um administrador faça que seja privativo. [...] Os administradores
estão na berlinda, com a atenção de todos sobre eles. (DRUCKER,
1992, p.22).
Para Drucker (1998), a ética para uma empresa se resume em: aquilo
que não deve ser feito por um indivíduo, também não o deve fazer uma
empresa. Explica isto recorrendo a uma frase que indica a primeira
responsabilidade de um profissional há 2.500 anos, pelo juramento de
Hipócrates, “primum non nocere – acima de tudo, não causar mal
conscientemente. [...] É a regra básica da ética profissional”. (DRUCKER, 1998,
p. 369).
27
Pessoalmente, o administrador de empresa, mesmo quando
executivo-chefe de uma gigantesca corporação, tornou-se singelo e
anônimo neste século, apenas um empregado a mais. Em seu
conjunto, porem, os administradores de nossas entidades,
empresas, universidades, organizações escolares, hospitais e
órgãos governamentais, compõem os grupos de liderança da
moderna sociedade das organizações. [...] Nessa qualidade, eles
precisam ter uma ética, um compromisso e um código. O código
correto é aquele instituído há mais de dois mil anos para o primeiro
grupo de liderança profissional, o dos médicos: Acima de tudo, não
causar mal conscientemente. (DRUCKER, 1998, p.376-377).
Nesse sentido, não causar mal conscientemente (primum non nocere)
é para Drucker o único mandamento moral para uma empresa, o qual deve
orientar todo comportamento e ações. Defende, no entanto, que o executivo
não pode perder sua autonomia, cerceado pelas pressões da
Responsabilidade Social. O profissional precisa operar com autonomia, na
medida em que as suas decisões devem ser confiadas aos seus
conhecimentos e discernimento.
Os profissionais são privados, no sentido de gozarem de autonomia
e não estarem sujeitos a qualquer controle político ou ideológico. Por
outro lado, eles são públicos, no sentido de que o bem estar e a
prosperidade dos seus clientes fixam limites ao que ele faz ou diz.
(DRUCKER, 1998, p. 369).
Sob este olhar, Drucker (1998) não prescreve nenhuma conduta ética
para gestores nem propõe a ética como uma ciência que julga e avalia a moral
que se pratica, muito menos recorre às abstrações filosóficas. Apenas adverte
para certos cuidados que o administrador deve ter quando se depara com
questões polêmicas, como o lucro e as políticas de remuneração dos
executivos.
Os empresários de hoje parecem sempre prontos a pedir desculpas
pelo lucro que auferem. [...] O lucro não precisa pedir desculpas,
como necessidade da economia e da sociedade. Pelo contrário, o
que deve fazer o empresário sentir culpa é a falta de produzir o lucro
apropriado às funções sociais e econômicas que o lucro, e só ele,
pode desempenhar. (DRUCKER, 1998, p.38).
Sobre as políticas de remuneração dos executivos, o perigo está na
interpretação popular e, em certas circunstâncias, também nos stakeholders,
que julgam que o lucro esteja favorecendo a remuneração dos executivos, em
28
detrimento aos investimentos na própria organização e fins sociais. Os
administradores convivem com a hostilidade do público em relação ao lucro, e
o argumento que utilizam ao falar ao público é que o lucro não tem justificação
satisfatória, nem explicação para sua existência, nem função a desempenhar.
O lucro, para a sociedade de modo geral, existe como motivação, como o
desejo de alguns capitalistas anônimos, e não uma necessidade imprescindível
para a economia (DRUCKER, 1998).
A impressão que o povo tem, contudo, é a de uma desigualdade que
cresce a olhos vistos. É uma ilusão perigosa, porque corrói. Destrói a
confiança recíproca que deve existir entre os grupos que precisam
viver e trabalhar juntos. E só pode desencadear medidas políticas
capazes de infligir sérios danos à sociedade, à economia e também
ao próprio administrador de empresas. (DRUCKER, 1998, p. 372).
Fica bem claro que para Drucker a empresa deve se preocupar em
cumprir seu papel em relação aos clientes, satisfazendo-os.
A autonomia que os administradores precisam, defendida por Drucker
(1998), pressupõe liberdade para decidir e remete à concepção filosófica de
Cortella (2007), segundo a qual, para agir com ética, se presume agir com
liberdade, pois, enquanto os administradores se sentirem obrigados a dar uma
resposta para a sociedade, estarão na verdade sendo por ela vigiados. Nesta
circunstância, os administradores estão se defendendo apenas de desgastes e
não necessariamente agindo por questão ética.
Já Dubrin (2001, p.32) pondera que o administrador deve analisar o
contexto de valores do ambiente onde atua. Sugere pensar no grau de impacto
que pode causar uma decisão:
Quando se defronta com uma decisão ética complexa, um
administrador poderia ser mais bem aconselhado a incorporar todas
as três abordagens filosóficas. O administrador pensaria nas
consequências da decisão, analisaria suas responsabilidades,
obrigações e princípios e as intenções.
No entanto, Srour (2003, p.13) aborda situações de risco moral nas
quais a empresa está inserida. “Às vezes, a reflexão ética se cinge a satisfazer
o imaginário das empresas: elaboram-se códigos de conduta ou cartas de
intenções que nem sempre coincidem com o modo de operar dessas mesmas
empresas”. Nesta linha, o autor defende que tal reflexão ética constitui um
29
ponto de partida para as tomadas de decisões, quando as partes interessadas
direta ou indiretamente serão atingidas.
A reflexão ética torna-se um instrumento de trabalho simbólico:
intervém de maneira útil no modus operandi das empresas e
contribui para moldar sua identidade corporativa. [...] O
conhecimento ético oferece um quadro de referência para as
decisões corporativas, na medida em que exige uma análise de
conjunto, induz a mapear os diferentes interesses das partes
envolvidas nas empresas e faz com que estes sejam levados em
consideração. (SROUR, 2003, p. 14).
Para Srour (2003, p. 52), a ética corporativa é uma exigência na
atualidade, pois existe um esforço das empresas em passar para seus clientes
uma imagem ética. “Em ambiente competitivo, as empresas têm uma imagem a
resguardar, uma reputação, uma marca [...]. A cidadania organizacional pode
levar os dirigentes empresariais a agir de forma responsável, em detrimento,
até, de suas convicções íntimas”.
Ao contrário do que Drucker (1998) advoga, Srour (2003) vê amplo
horizonte para uma conduta ética das empresas, distinguindo as empresas
éticas. Para ele, o comportamento ético não se resume em apenas não causar
o mal conscientemente (primum non nocere), em termos de Drucker. Srour
(2003, p.72) vai mais além, discordando da visão puramente econômica. “No
cerne da ideologia econômica neoliberal encontra-se a crença de que o
egoísmo é ético. [...] De que os vícios privados geram benefícios públicos”.
Srour, no entanto, não vê nessa ideia coerência, já que, por si só, se contradiz,
quando afirma que, afinal, “o egoísmo é antípoda das posturas éticas na
medida em que estas, por definição, são altruístas”.
Empresas éticas seriam aquelas que subordinam suas atividades e
estratégias a uma prévia reflexão ética e que agem de forma
socialmente responsável; em outras palavras, que são altruístas ao
respeitar e promover os interesses dos stakeholders. Ocorre que
nem sempre as empresas se dedicam a esse tipo de reflexão e nem
sempre adotam decisões que levam em consideração os interesses
maiores que estão em jogo. (SROUR, 2003, p. 15).
Dessa forma, Srour leva em consideração a condição sistêmica da
organização que é afetada pelos fatores externos, mas que também afeta o
30
ambiente de uma maneira ou de outra. Por isso, exige uma postura além de
responsável, altruísta.
As decisões não são inócuas, anódinas ou isentas de
consequências: carregam um enorme poder de irradiação pelos
efeitos que provocam. Em termos práticos afetam os stakeholders,
os agentes que mantém vínculos com dada organização, isto é, os
partícipes interessados: [...] na externa, temos os clientes,
fornecedores, prestadores de serviços, autoridades governamentais,
bancos, credores, concorrentes, mídia, comunidade local e entidades
da sociedade civil etc. (SROUR, 2003, p.50).
As decisões têm sua gênese na consciência de seu ator. Os padrões
éticos subjacentes são os que inspiram as ações. Na próxima seção, são
abordados os tipos de ética e suas correntes, que podem ser aplicadas nas
análises do contexto das relações interorganizacionais.
2.1.6. A Ética Deontológica e a Ética Teleológica
Srour (1994, p.4) identificou duas vertentes sobre ética empresarial,
opostas, que entre si se configuram no contexto das organizações: uma, a
descritiva, de cunho científico, voltada para o conhecimento antropológico ou
sociológico da diversidade cultural e que resgata as inúmeras moralidades que
a humanidade conheceu e conhece.
A outra, a prescritiva, de cunho filosófico ou teológico, empenhada em
convencionar uma moral universal, cujos valores eternos deveriam inspirar os
homens malgrado as contingências de lugar e tempo.
Srour (1994) distingue três abordagens sobre ética, conforme mostra o
quadro 2. “A abordagem de princípio privilegia os valores que suportam as
ações; a abordagem de finalidade os fins para os quais as ações são dirigidas;
e a abordagem de consequência privilegia as consequências provocadas pelas
ações”. (SROUR, 1994, p.14).
31
Abordagem Chave
Fundamentação
Finalidade
(teleologia)
Propósito do agente Realiza a finalidade
(o fim justifica o meio)
Princípio
(deontologia)
Princípio implícito no curso da ação Realiza um princípio de
escopo – universal
(o princípio justifica a ação)
Consequências
(utilitarismo)
Resultados prováveis da ação
proposta
Provoca mais felicidade para
o maior número (as
consequências justificam a
ação)
QUADRO 2 - AS ABORDAGENS ÉTICAS DE SROUR
FONTE: Srour, 1994
A abordagem da Finalidade está relacionada à moral do oportunismo,
que permeia a realidade brasileira; a do Princípio relaciona-se com a moral da
integridade; já a ética da responsabilidade (Srour, 2003) procura equacionar as
consequências possíveis, buscando o bem ou resultados positivos para a
maioria (SROUR, 1994).
Mais tarde, Srour (2003) tece uma abordagem sobre duas teorias
sobre ética que dão origem à ética deontológica e à ética Teleológica,
baseando-se na obra de Max Weber: A ética da convicção e a ética da
responsabilidade.
Escreve Weber: [...] toda atividade orientada pela ética pode ser
subordinar-se a duas máximas totalmente diferentes e
irredutivelmente opostas. Ela pode orientar-se pela ética da
responsabilidade ou pela ética da convicção. Isso não quer dizer que
a ética da convicção seja idêntica à ausência de responsabilidade e
a ética da responsabilidade à ausência de convicção. Não se trata
evidentemente disso. Todavia, há uma oposição abissal entre a
atitude de quem age segundo as máximas da ética da convicção, em
linguagem religiosa diremos: ‘o cristão faz seu dever e no que diz
respeito ao resultado da ação remete-se a Deus’, e a atitude de
quem age segundo a ética da responsabilidade, que diz: ‘devemos
responder pelas consequências previsíveis de nossos atos.
(WEBER, 1959, p. 172 apud Srour, 2003, p.107).
A Ética da Convicção é uma teoria proposta por Max Weber,
interpretada por Srour (2003) como deontologia, ou seja, um tratado dos
deveres. Essa categoria de ética diz: cumpra suas obrigações ou siga as
prescrições. Não aceita os meios-tons nem incertezas. É uma teoria pautada
em valores e normas previamente estabelecidas.
32
Explica Passos (2004, p. 107) que a raiz Etimológica do termo
deontólogo, vem do grego – deon, que quer dizer o obrigatório, o justo, o
adequado, ou de dontos, também do grego, que significa necessidade.
No que se refere às tomadas de decisões, na prática, têm caráter
dedutivo, por decorrerem da aplicação de princípios ou ideais. Decidir significa
obedecer aos valores que foram construídos na consciência; respeitar
preceitos, prescrições e normas. “A ética da convicção move os agentes pelo
senso do dever e exacerba o cumprimento das prescrições. Exemplo: como
empregado, tenho de vestir a camisa da empresa. Os imperativos de
consciência guiam estritamente os comportamentos”. (SROUR, 2003, p. 121).
De acordo com Srour (2003, p.140), a Ética da Convicção é uma ética
que se preocupa em honrar os deveres, cumprir as obrigações formuladas na
consciência. Repousa nas certezas, nos princípios universais, nos imperativos
categóricos, nas ordenações incondicionais. Seus adeptos buscam respostas
acabadas e das verdades absolutas. É a ética do dever, das virtudes e da
tradição.
A segunda teoria proposta por Max Weber, interpretada por Srour
(2003), é a Ética da Responsabilidade, também conhecida como teleologia, o
estudo dos fins humanos. Caracteriza-se por uma ética pragmática e calculista.
Ao contrário da Ética da Convicção que se baseia nos princípios e em dogmas,
a Ética da Responsabilidade se concentra nos resultados desejados. Visa o
que é concreto.
A ética kantiana tem alguns aspectos próximos da ética deontológica,
mas não em todo seu escopo. De acordo com Arruda, Whitaker e Ramos
(2003, p. 32), a ética Kantiana, de Immanuel Kant (1724-1804), é
fundamentada na ética do dever. Kant ensinava que aspirar ao bem é egoísmo,
e o egoísmo não pode fundamentar os valores morais, e que a única atitude
não egoísta é a boa vontade, isto é, agir por obrigação. Para Kant, na
explicação dos autores, o dever corresponde à lei que provém da razão e se
impõe a todo ser racional. Na sua concepção a moralidade não deve depender
do bem, mas da intenção.
Kant (1724-1804) formulou três máximas:
33
1- Age sempre como se a máxima da tua ação tivesse que ser
erigida em lei universal da natureza;
2- Age sempre de tal maneira que trates o humano, em ti ou em
outro, como um fim e nunca como um meio. A ideia de fim aqui é
expressão do dever, não de seu fundamento. A pessoa deve
submeter sua ação à razão, pois é a razão que torna humano o
homem;
3- Age sempre como se fosses ao mesmo tempo legislador e súdito
na república das vontades livres e racionais. Os homens que vivem
moralmente formam uma sociedade perfeita em que o principio é a
razão, da qual todos participam. (ARRUDA, WHITAKER e RAMOS
2003, p.33).
Segundo a argumentação de Arruda, Whitaker e Ramos (2003), a
doutrina kantiana se mostrou frágil, pelo fato de que tal rigorismo formal, como
também é chamado, ou seja, a pura ética do dever pelo dever, iria se
acomodar a uma espécie de subjetivismo sociológico, em que o homem
considera dever as coisas que mudam, em função das circunstâncias e dos
tempos.
Já a Ética da Responsabilidade apresenta duas vertentes, a da
finalidade e a utilitarista, na explicação de Srour (2003, p.113-114):
A utilitarista exige que as ações produzam o máximo de bem para o
maior número possível (critério da qualidade ou da eficácia) com a
maior abrangência populacional (critério da quantidade ou da
equidade). Sua máxima recomenda: faça o maior bem para mais
gente. A da Finalidade determina que a bondade dos fins justifica as
ações empreendidas, desde que coincida com o interesse coletivo, e
supõe que todas as medidas necessárias sejam tomadas; sua
máxima ordena: alcance objetivos altruístas, custe o que custar
.
A ética utilitarista é relativista, pois nela não há norma superior nem
critério para saber o que deve ser considerado ético, como na deontológica. “O
utilitarismo ou princípio da maior felicidade afirma que as ações são justas, se
promovem a felicidade, e injustas, enquanto produzem o contrário da
felicidade”. (ARRUDA, WHITAKER e RAMOS, 2003 p.36).
Srour (2003, p.140) explica que a natureza das tomadas de decisões
são indutivas, decorrem de uma análise das circunstâncias, sob o cálculo de
custos e benefícios. “É uma ética dos propósitos, da razão, dos resultados
previsíveis, dos prognósticos, das análises de circunstâncias, dos fatores
condicionantes. Enfrenta a vertigem das perguntas e o desafio das soluções
relativistas”.
34
As teorias da Ética do Interesse Próprio e da Ética Convencionada por
Nash (2001), em vários pontos, convergem com as teorias da ética da
responsabilidade e da convicção e, ao mesmo tempo, com a Ética Teleológica
e a Deontológica (Mattar Neto, 2004; Srour, 2003; Arruda, et al., 2003). O
modelo básico da Ética do interesse Próprio, segundo Nash (2001, p.57), se
coaduna com as características da ética teleológica, conforme mostra o quadro
3.
Propósito: maximizar o retorno
Contrato: atuar dentro das leis e costumes da terra
Premissa básica: o interesse empresarial próprio é aquele que fornece o maior
retorno para o maior número de pessoas
Meios primários: medidas tangíveis de eficiência
QUADRO 3 - MODELO DO INTERESSE PRÓPRIO
FONTE:
Nash (2001,p.57).
Uma ética empresarial do interesse próprio não motiva,
pragmaticamente, os valores orientados para os outros, essenciais
ao comportamento razoável e ao sucesso dos negócios, ou, então,
tenta motiva-los através de uma lógica tortuosa que nada mais é do
que disfuncional. Uma ética de sobrevivência não é uma ética do
sucesso. Ele pára na autopreservação em vez de avançar para a
criação de valor. No seu extremo máximo, ela cultiva uma ética da
ganância do poder. Mais frequentemente e menos radicalmente,
tende a construir barreiras entre a equipe que dirige uma empresa e
o mundo exterior. [...] Como a Ética do Interesse Próprio evolui
historicamente a partir de uma percepção de competitividade
universal, os administradores assumem erradamente que esse
padrão pode, automaticamente, ser equiparado à competitividade do
mercado de hoje. Nada pode estar mais longe da verdade. Como
indica o sucesso da globalização, o mercado de hoje exige novas
parcerias em vez de inimizades ultrapassadas. (NASH, 2001, p.72).
Por outro lado, a Ética Convencionada (Nash, 2001), conforme o
mostra o quadro 4, tem como pontos principais, primeiramente, o Propósito,
que consiste em criar e transmitir um valor e atitudes, pois estes não se
apresentam explícitos nos contratos formais ou legais; em segundo, o Contrato,
que consiste em receber em troca um benefício; em terceiro, como Premissa
Motivadora, a criação de relacionamentos mutuamente capacitantes; e, no
último ponto, tem como Meio Primário o serviço aos outros.
35
Propósito: Criar e transmitir um valor
Contrato: receber em troca um beneficio
Premissa motivadora: a criação de relacionamentos mutuamente capacitantes
Meio primário: serviço aos outros
QUADRO 4 - A ÉTICA EMPRESARIAL CONVENCIONADA
FONTE:
Nash (2001, p.85)
A ética convencionada tem suas raízes na deontologia, mas avança
em alguns pontos para se tornar possível sua aplicação no campo das
organizações, já que a ética deontológica é em princípio utópica.
A Ética Convencionada fornece uma combinação coerente de
motivação do lucro e valores altruístas que ajudam a confiança e a
cooperação entre as pessoas. Ela tem três aspectos essenciais: 1)
percebe como objetivo primário, a criação de valor em suas muitas
formas; 2) percebe o lucro e outros retornos sociais não como
objetivos dominantes, mas como resultado de outras metas; 3)
aborda os problemas empresariais mais em termos de
relacionamentos do que de produtos tangíveis. [...] Uma Ética
Convencionada enfatiza o serviço aos outros. [...] Difere das
abordagens tradicionais não apenas em seu enfoque, mas também
nos instrumentos que fazem da conduta moral uma parte ativa da
administração. [...] Afasta-se radicalmente das teorias do “engolir ou
ser engolido”, “suar ou ser derrotado” para motivação do trabalho
duro e da inovação, que servem com tanta frequência em seminários
executivos e das análises
. [...] Uma Ética Convencionada não
apenas promete uma moralidade mais comunitária no pensamento
empresarial, como também cria a perspectiva de aumentar o senso
de valor próprio do administrador (NASH,2001, p.20 - 21).
Por essa ótica, o propósito é criar e transmitir um valor, de modo que
seja perceptível para os outros. Na sua essência contempla as obrigações
mútuas, preocupa-se com o bem-estar da outra parte, quando o lucro fica
numa condição contratual secundária.
Através da lente da Ética Convencionada:
O retorno é reconhecido como um componente essencial nos
negócios, mas o recebimento de um retorno legítimo é
absolutamente condicionado à criação e à entrega de valor em
relação a outras pessoas. O retorno para si mesmo passa de
primeiro propósito para resultado secundário (NASH, 2001, p.72).
A Ética Convencionada a vê como o resultado assumido, e os
relacionamentos de prestação de serviço como o veículo primário para solução
de problemas. Assim, o administrador começa a ver os negócios não apenas
36
como um conjunto de medidas da eficiência. Tem como foco a solução de
problemas pela lente do relacionamento, visando à manutenção do processo
pelo qual as atitudes de serviço traduzem-se em criação de valor, sem deixar
de levar em conta produtos e controles.
Pela lente do relacionamento o administrador compreende os
problemas e muitos tipos de atividades de negócios, baseando-se na qualidade
desses relacionamentos, o que Nash (2001) chama de relacionamento
capacitante. O sucesso é medido em termos de relacionamentos.
Comenta a autora que a falta de raciocínio de relacionamento nos
negócios é um forte indicador de que muitos administradores devem ficar mais
atentos à relevância dos bons relacionamentos.
Nash (2001, p.96) esclarece qual o sentido da Ética Convencionada:
O raciocínio da Ética Convencionada pode fornecer uma visão
imediata desses valores, assim como a capacidade de dar respostas
ao mercado. [...] O relacionamento com os intermediários que
entregam e vendem o produto deve ser justo, ou seja,
financeiramente capacitante. O processo de produção deve
desenvolver-se dentro de uma estratégia ambiental que permita a
viabilidade da comunidade. E assim por diante. Todos esses
resultados de relacionamento dependem da confiança, da
honestidade e do benefício mútuo. Se esses relacionamentos são
capacitantes, ou seja, resultam em um aperfeiçoamento da
qualidade de vida do receptor, então, o valor terá sido criado e o
retorno será legitimamente recebido. A convenção terá sido
cumprida
.
Embora a ética convencionada tenha suas características intrínsecas
com a ética deontológica (figura 1), é apresentada de forma prescritiva e
pragmática, contrariando as perspectivas da deontologia.
FIGURA 1: RELAÇÃO DAS TEORIAS DA ÉTICA
FONTE: o autor (2009)
Tratado dos deveres
Ética da Convicção
Ética Convencionada
ÉTICA
DEONTOLÓGICA
ÉTICA
TELEOLÓGICA
Utilitarismo
Ética da Responsabilidade
Modelo do Interesse Próprio
37
A maioria das empresas que produzem ou comercializam bens
fornecem associado ao produto algum(s) tipo(s) de serviço(s), em menor ou
maior grau, dependendo de cada caso, além das prestadoras exclusivamente
de serviços. Nesse contexto, Nash (2001) afirma que quanto mais o negócio
tende a ser prestador de serviço, mais peso tem o raciocínio do
relacionamento. Comenta que o serviço deve ser ou já é a primeira distinção
competitiva para a maioria das empresas.
Nash (2001, p.81-95) também sugere três condições da solução ética
dos problemas, ou, conforme a expressão da autora, as três facetas da tomada
de decisão gerencial ética, que envolve um conjunto complexo de premissas
éticas e cognitivas sobre o propósito da empresa e os meios para executar o
propósito mais produtivamente:
Condição 1. Integrar as normas éticas à busca do sucesso
econômico. Representa as promessas e as garantias que uma
comunidade capitalista faz a seus agentes no campo empresarial, e
vice-versa. Em seu cerne, ela trata das obrigações mútuas. [...]
Destina-se a ser benéfica tanto para os indivíduos como para a
comunidade. [...] O retorno é reconhecido como um componente
essencial dos negócios, mas o recebimento de um retorno legítimo é
absolutamente condicionado à criação e à entrega de valor em
relação a outras pessoas.
Condição 2. Uma atitude orientada para os outros.
Não apenas respeita as necessidades de outras pessoas, mas
considera-as como o primeiro propósito do pensamento empresarial.
[...] Essa orientação não é sinônimo de filantropia. A convenção
sugerida apoia-se em uma condição de benefício mútuo. [...] Ela
exige que as necessidades do eu seja equilibradas por uma atitude
de serviço aos outros. [...] ela enseja os benefícios mútuos através
de um conjunto de premissas e orientações psicológicas.
Condição 3. Uma ética de negócios deve ser capaz de motivar o
comportamento pragmático e competitivo.
A atitude de preocupação universal com os outros pode até superar
as inimizades mais arraigadas nos relacionamentos empresariais,
tais como a atitude de soterrar o concorrente. O administrador que
se concentre não na maneira como os concorrentes tiram o lucro da
empresa, mas em como eles servem ao cliente, pode ganhar uma
grande vantagem competitiva. Tal atitude é alimentada pelo respeito,
não pela difamação.
A Ética Convencionada, segundo Nash (2001, p.105), é pragmática de
diversas formas. “Descreve aquilo que geralmente se concorda ser a boa
prática dos negócios”. A premissa fundamental da Teoria da Ética
38
Convencionada proposta por Nash é de que a atividade empresarial é uma
atividade social que envolve relacionamentos múltiplos.
Nos quadros 5 e 6, podem ser visualizados os antagonismos dos tipos
de ética, segundo suas premissas e características.
TIPO DE ÉTICA DEONTOLÓGICA TELEOLÓGICA
CARACTERÍSTICAS
Fundamentalista
Baseada em princípios
universais
Dogmática
Deveres universais
Imperativos categóricos
Absolutismos dedutivos
Tradicionalista
Utópico
Pragmática
Calculista: analisa
custo x benefícios
Critérios da eficácia e
da qualidade
Relativista
QUADRO 5: CARACTERÍSTICAS DOS TIPOS DE ÉTICA
FONTE: o autor (2009)
TIPO DE ÉTICA DEONTOLÓGICA TELEOLÓGICA
PREMISSAS
Fazer o bem em qualquer
situação
A intenção vale mais que o
resultado em si.
Relações capacitantes
Máximo de bem para o
maior número de
pessoas
As consequências
justificam as ações
O fim justifica os meios
Concentra nos
resultados
QUADRO 6: PREMISSAS DOS TIPOS DE ÉTICA
FONTE: o autor (2009)
Passos (2004) analisa o contexto das organizações inseridas no
mundo dos negócios, onde constantemente se deparam com situações
conflitantes. Ao mesmo tempo em que a empresa busca sua sobrevivência,
necessita, portanto, da lucratividade e do ganhar espaço no mercado, devendo
trabalhar concomitantemente, esforçando-se, além de passar uma imagem
ética para ser de fato ética. “Como tal, a ética empresarial transforma-se em
mais um elemento da administração do dia-a-dia, juntamente com as
operações e estratégia competitiva”. (AGUILAR, 1996, p.25 apud PASSOS,
2004, p.70).
Sempre houve uma tendência de se acreditar que ética e negócios
não combinam. Isso porque este é um mundo tido como regido pela
ganância, lucratividade ilimitada e pela desonestidade. Entretanto, a
vida nas organizações, assim como na sociedade em geral, repousa
em valores, pois são eles que vão definir as regras de conduta e as
ações a serem ou não realizadas. [...] O descrédito na possibilidade
39
de as empresas agirem de forma ética decorre do fato de elas virem
historicamente seguindo orientações inspiradas em valores
econômicos, que as tem feito agir sem escrúpulos na ânsia pelo
lucro desmedido e a qualquer preço, diante do que os seres
humanos e a realidade social são preteridos. (PASSOS, 2004, p. 65).
Salienta Passos (2004, p.67) que atualmente muitas empresas
enfrentam demandas judiciais, litígios, “que têm levado muitas empresas
consideradas sólidas à derrocada. Por isso, a ética começa a ser apresentada
como a questão número um para muitas empresas de porte e outras menores
que se preocupam com sua estabilidade e crescimento”.
A definição de ética nas organizações, segundo Passos (2004, p.66),
“significa forma de ser e modo de agir, não de maneira mecânica, mas fruto da
reflexão em consonância com a cultura e a filosofia da organização”. Esta
definição corresponde ao pensamento de que a ética está nas pessoas que
constituem a organização, sejam elas líderes, tomadores de decisões,
colaboradores (CAMARGO, 2006), no que se refere à cultura organizacional e
a valores legitimados.
Nesse sentido, Leisinger e Schmitt (2001, p.22) corroboram explicando
que “a ética empresarial reflete sobre normas e valores efetivamente
dominantes em uma empresa, interroga-se pelos fatores qualitativos que fazem
com que determinado agir seja um agir bom”.
São, portanto, as pessoas, qualquer que seja o contexto institucional,
que têm que ser responsabilizadas como atores morais. Mesmo que
dentro de uma instituição, toda decisão esteja acompanhada de um
importante elemento de determinação estranha, resultante de uma
dada moldura institucional, como, por exemplo, da filosofia da firma,
ou do comportamento dos superiores, a decisão não deixa de ser
uma decisão ética individual. Nas sociedades não é possível se
imaginar nenhuma situação em que coletividades possam ser
tratadas como sujeitos da ação. Pelo contrario, os efetivos sujeitos
das ações sempre são pessoas individuais. (LEISINGER e
SCHMITT, 2001, p. 61).
Leisinger e Schmitt (2001, p.153) acreditam que o perfil ético das
pessoas numa organização é que fará se concretizar a conduta ética da
organização, com a seguinte conclusão:
Todos os esforços para elevar a qualidade ética do agir empresarial
com auxílio de normas empresariais e todas as boas intenções
associadas à instituição terão que falhar na prática, quando os
colaboradores, sobretudo aqueles que ocupam posições de liderança,
apresentam falhas em sua ética individual.
40
Chanlat (1992, p.69) em seu artigo faz uma abordagem crítica da ética
nas relações nas organizações e propõe uma renovação fundamentada sobre
o desenvolvimento do que ele denomina ética individual articuladamente com a
ética coletiva. Na sua análise, existe o que ele chama de economização das
relações humanas, submetida a uma ética utilitária, que não faz justiça à
complexidade do comportamento humano. “As relações humanas põem em
jogo regras que não são todas da ordem do econômica”. Neste sentido, o autor
defende que o “novo ethos deve fundamentar-se, ao mesmo tempo, na
individualização e na solidariedade e inspirar as estruturas morais e nossos
atos individuais e coletivos”.
Na mesma direção, Nash (2001, p.6) define ética nos negócios como:
O estudo da forma pela qual normas morais pessoais se aplicam às
atividades e aos objetivos da empresa comercial. Não se trata de um
padrão moral separado, mas do estudo de como o contexto dos
negócios cria seus problemas próprios e exclusivos à pessoa moral
que atua como um gerente desse sistema.
Num estudo realizado por Chanlat (1992), foi identificado que o que
predomina entre os jovens administradores e mesmo entre executivos mais
velhos, particularmente nos Estados Unidos, são atitudes dominadas pela
frieza, desligamento e instrumentalidade. O autor cita um trecho de um artigo
escrito por Etzioni expressando sua perplexidade por não ter conseguido
convencer uma classe de estudantes em administração de que a vida é mais
do que uma questão de dinheiro:
O ethos que os habita transforma os princípios em diretrizes, a
ética em etiqueta, os valores em preferências gustativas, a
responsabilidade pessoal em uma aptidão em relações
públicas, e a verdade em credibilidade. [...] Uma sociedade
onde a moral se confunde com a busca da sobrevivência e da
vantagem pessoal. (ETZIONI, apud CHANLAT, 1992, p.71).
Mattar Neto (2004) apresenta a distinção entre a ética teleológica e
deontológica. Relaciona o utilitarismo ou consequencialismo com a ética
teleológica, citando Jeremy Benthan e John Stuart Mill, que defendem que o
prazer e a dor deveriam servir de guias éticos. “A utilidade e o valor ético de
uma ação deveriam ser medidos em função de sua capacidade de gerar ou
41
evitar a dor”. (MATTAR NETO, 2004, p.312). Na abordagem deontológica, cita
como destaque o filósofo alemão Immanuel Kant, onde as ações teriam valores
morais intrínsecos, partindo de princípios.
Entre uma e outra abordagem, conceitos e pensamentos, verifica-se
que esta distinção entre a ética teleológica e a deontológica se faz presente, e,
é o que dá a tônica na reflexão de ética empresarial. Numa linha teleológica,
encontram-se as abordagens pragmáticas, com ênfase nos resultados
pretendidos, como, por exemplo, as abordagens de Dubrin (2001).
Uma perspectiva útil na compreensão da ética nos negócios enfatiza
a intensidade moral, ou a magnitude de um ato não-ético. Quando
um ato não-ético não possui grandes consequências, uma pessoa
poderia comportar-se de modo não-ético sem pensar muito. No
entanto, se o ato é de grande alcance, a pessoa precisaria abster-se
de condutas antiéticas ou ilegais. (DUBRIN, 2001, p. 32).
De acordo com Dubrin (2001, p.32): “a ética é apresentada como guias
de ação para auxiliar os administradores a tomar decisões éticas e a conduzir
seus atos de modo socialmente responsável”. O autor argumenta que um dos
motivos mais importantes de uma conduta ética empresarial é a de que os
clientes e fornecedores preferem lidar com empresas éticas. Define que a ética
“é o estudo da obrigação moral, ou a separação do certo e do errado”.
Outra abordagem, baseada em exemplos dados por Dubrin (2001,
p.32), é a de que antiético se assemelha com ação ilegal, corroborada por
Moreira (1999, p.39) que diz que “há um dever ético de cumprir a lei”. Assim
como o que é ético tem semelhança ao que é legal.
Tal conceito não se apoia nas abordagens filosóficas nem
deontológicas, que consideram a ética a ciência que examina a moral (Sanchez
Vásquez, 2002; Camargo, 2006; Srour, 2003); é o ético legalista. Como no
caso de dar suborno a um funcionário de governo para obter um contrato para
uma determinada empresa, seria, segundo Dubrin, um exemplo antiético. Já
um exemplo de uma prática legal, ainda que não-ética para alguns, “é contratar
um empregado de um concorrente, sugar-lhe o sangue para ideias
competitivas e depois eliminar sua função”. (DUBRIN, 2001, p.32).
Assim como Nash (2001), Srour (1994) e Dubrin (2001) enfatizam a
necessidade de a ética ser colocada em prática. Passar do campo filosófico
para a mesa das decisões, conforme trata a abordagem subsequente.
42
2.1.7 Da abstração à prática
Srour (1994) propõe em seu artigo um despojamento da preocupação
voltada para ética abstrata, dos princípios universais, embora seja
contextualizada nas suas abordagens. Procura, portanto, clarificar a relação
entre ética e negócios, visando elaborar um instrumento de reflexão ética,
capaz de orientar os gestores e pessoas envolvidas com negócios. Essa linha
caracteriza-se de certa forma como utilitarista, tratando a ética como uma
necessidade ou estratégia. “Trata-se, pois, não de dizer o que deve ser feito,
mas de indicar como fazer seleções informadas e qual abordagem ética
justifica determinado curso de ação”. (SROUR, 1994, p.5).
Também o perfil das abordagens de Nash (2001) caracteriza-se, por
um lado, de base teórica com rigor científico, e, por outro lado, como um livro
prescritivo, voltado para a prática do cotidiano, numa tentativa de desmistificar
o assunto da ética e torná-lo acessível e prático.
Criticando, Srour (1994, p.6) chama a atenção que na maioria das
vezes a literatura da administração aborda a questão ética com apelos e
exortações. No seu entendimento, este tipo de discurso “mais constrange do
que mobiliza, visto que não lida, pragmaticamente, com as questões ambíguas
do dia-a-dia do administrador”.
Mas essas propostas de levar a ética à prática recebem críticas de
alguns autores (Camargo, 2006; Sanchez Vásquez, 2002; Passos, 2004), que
defendem que a ética jamais pode ser instrumentalizada, sob o risco de se
transformar em receitas prontas, de acordo com a conveniência do mercado.
Sugere Srour (1994) sobre a necessidade de controles e até de
sanções pertinentes, para se estabelecer uma conduta moral no ambiente das
organizações. Parte do ponto de vista de que as pessoas não são totalmente
boas ou totalmente más, e que não basta impor normas de condutas morais,
pois as pessoas estão sujeitas a cair no jogo das tentações. Também nisto ele
justifica a necessidade de propor um algoritmo, ou seja, um tipo de instrumento
que define procedimentos, de reflexão ética para gestores, a fim de evitar
ambiguidades.
Srour vê que os administradores se deparam por muitas vezes com
dilemas, “situações nas quais o agente não sabe o que é certo fazer e que
43
constituem problemas de incerteza ética, pois nem a intuição, nem as normas
vigentes assegurar-lhe-ão com absoluta tranquilidade o que fazer”. (SROUR,
1994, p.6).
A função administrativa de tomar decisão, seja em qualquer área da
organização, convive frente a frente com o dilema das escolhas, portanto, das
questões éticas. Decisões que envolvem ações mercadológicas, negócios com
fornecedores ou com concorrentes, novas estratégias, causas trabalhistas,
formação de parcerias empresariais, de alianças etc. O desafio da decisão es
na escolha do que é melhor para a empresa, porém, respeitando os princípios
éticos.
Para esse tipo de situação, Dubrin propõe um modo padrão, que serve
de orientação para tomadas de decisões, compreendendo-as, através da base
filosófica da ética. Pretendendo decidir entre o certo e o errado, os
administradores devem focar: (1) consequências; (2) responsabilidades,
obrigações e princípios, ou (3) integridade (TREVINO, Linda K. and NELSON,
Katharine A, 1995, p. 66–70; LARUE TONE, Hosmer, 1995, p. 396–397 apud
DUBRIN, 2001, p.32).
(1) Focalizando as consequências: Quando pretendem decidir o que
é certo ou errado, as pessoas podem às vezes pensar nas
consequências de suas decisões ou ações. De acordo com esse
critério, se ninguém é prejudicado, a decisão é ética. Focalizar as
consequências é frequentemente conhecido como utilitarismo. O
tomador de decisão está preocupado com a utilidade da decisão. O
que realmente conta é o balanço líquido das boas consequências
sobre as ruins. Exemplo: um gerente de uma oficina de automóveis
pode decidir que o uso de pára-lamas de baixa qualidade é
eticamente errado porque a peça irá enferrujar rapidamente.
(2) Focalizando as responsabilidades, obrigações e princípios: é
examinar as próprias responsabilidades na tomada de decisões. As
teorias subjacentes a essa abordagem são chamadas de
deontológicas, do grego, deon, ou responsabilidade. Baseia-se em
princípios universais como honestidade, equidade, justiça e
responsabilidade para com as pessoas e a propriedade. [...] os
princípios são mais importantes que as consequências.
(3) Focalizando a integridade (virtudes éticas): focaliza o caráter da
pessoa envolvida na decisão ou ação. Se a pessoa em questão tem
bom caráter, motivação e intenções genuínas, ela está se
comportando eticamente. [...] O ambiente do tomador de decisão, ou
a comunidade, ajuda a definir o que significa integridade. Você
poderia ter critérios éticos mais frouxos para com um vendedor que o
aborda para um investimento especulativo do que para com o vice-
presidente de um banco que aceitou seu depósito em dinheiro. As
virtudes éticas de administradores e profissionais que pertencem a
44
associações profissionais podem ser julgadas prontamente.
Profissões relacionadas com negócios possuem códigos de ética,
incluindo contadores, administradores de compras e planejadores
financeiros gabaritados. À medida que a pessoa adere aos princípios
do código estabelecido, está se comportando eticamente.
Na análise de Srour (1994, p.7), as dificuldades-chaves para os
problemas éticos contemporâneos são:
Como equacionar interesses individuais e responsabilidade social;
como perseguir a maximização do lucro para a empresa sem ferir os
interesses das contrapartes que participam dos ambientes externo e
interno dessa empresa; como agir eticamente quando a
generalização da mercadoria permeia todos os poros da sociedade e
todas as atividades acabam sendo mercantilizadas.
Essas são situações de dilemas que os administradores se deparam, e
se veem numa armadilha.
SROUR (1994, p.8) defende a necessidade de haver um referencial
ético no mundo dos negócios, haja vista que as empresas participam de um
ambiente hostil, onde há pressões advindas dos diversos grupos de interesses:
“as decisões empresariais não são neutras, elas afetam as contrapartes do
ambiente externo, assim como o interno, por uma razão crucial: todos os
agentes coletivos são vulneráveis aos produtos da empresa, sejam eles bens
materiais, decisões ou mensagens”.
Para Srour (1994), a necessidade da ética se justifica por se tratar de
relação social; “a ética representa uma tomada de posição ideológico-filosófica
e remete, em última instância, aos interesses dos agentes sociais envolvidos”.
(SROUR, 1994, p11).
Assim, no âmbito empresarial, toda reflexão ética, ao fazer escolhas
entre diferentes cursos de ação, é uma forma de legitimação das
decisões organizacionais, mas é também uma forma de antecipar as
consequências que poderiam ser danosas aos próprios negócios,
devido à capacidade de retaliação que a sociedade civil tem
desenvolvido cada vez mais. (SROUR, 1994, p.12).
A preocupação de Srour de haver um referencial ético disponível para
os gestores é pertinente, porém, desafiador. O autor advoga a ética como uma
ciência que emite juízo, podendo correr o risco de ser reduzida a um código de
conduta e aos poucos perder a legitimidade, já que, segundo Sanches Vásquez
(2002), a ética como ciência não se atrela às doutrinas nem às morais. Como
45
no Brasil onde, devido a uma cultura pluralista, diversas morais se fazem
presentes.
2.1.8 A ética empresarial no Brasil
Abordando o contexto da ética no Brasil, Srour (1994) aponta que os
brasileiros confundem ética com legalidade, restringindo-se ao respeito à lei.
Sugere que se deve levar em conta que as pressões operadas pela sociedade
civil e interesses empresariais precisam ser vinculadas umas às outras. Assim,
da visão de legalidade que os empresários brasileiros têm deve evoluir para
uma visão de responsabilidade social.
Todas as contrapartes da empresa têm condições de se mobilizar e
de retaliar, caso não venha a respeitar suas expectativas ou a
satisfazer suas demanda. As empresas agem eticamente em
conformidade com a moral socialmente predominante, porque as
relações travadas entre empresa e contrapartes são relações de
força, relações de poder. [...] Ao lado da função econômica, as
empresas desempenham função ética. Os empresários terão que
admiti-lo, não por altruísmo nem por repentino insight democrático,
mas pela imposição das relações de poder presentes. Agir
eticamente, então, converte-se em questão de bom senso e em
estratégia de sobrevivência. (SROUR, 1994, p.10).
Srour (1994) identifica no Brasil uma dupla moral social: uma, a moral
da integridade; outra, a moral do oportunismo. Segundo o autor, a moral da
integridade se apoia em valores baseados nas virtudes sagradas, difundida nas
escolas e igrejas. É a moral de princípios. Tem sua gênese na ética
deontológica, com as particularidades da cultura brasileira.
A moral da integridade exalta as virtudes da honestidade, lealdade e
da bondade. Não aparenta uma orientação para a soberba nem muito para a
ambição.
Já a moral do oportunismo se pauta em procedimentos tidos como
esperteza, vale-tudo, o jeitinho, o calote. É a ética da finalidade, em que os
meios justificam os fins. “A moral do oportunismo aparenta ser uma falta de
ética, mas constitui uma deformação peculiar da ética da realização pessoal
derivada da contribuição protestante”. (SROUR, 1994, p.12).
A moral do oportunismo tem suas premissas explicadas pela ética
teleológica. As vertentes da finalidade e o utilitarismo são levados ao extremo,
46
não em vista da responsabilidade, mas pela falta de escrúpulo, para se atingir
um fim a qualquer custo.
Moreira (1999) cita duas correntes de pensamento ético. A corrente
dos realistas, que se situa num plano de satisfação intelectual, em que a ética
só pode ser praticada por pessoas que já satisfizeram plenamente suas
necessidades biológicas primárias; neste caso, os fins justificam os meios. A
outra corrente de pensamento ético é a dos idealistas, que defendem que o
ideal ético deve estar acima das necessidades primárias, ou seja, os princípios
devem ser seguidos em qualquer circunstância econômica ou social. O autor
deixa claro que sua linha de pensamento em particular é a idealista.
Para Moreira (1999, p.28) “ética empresarial é o comportamento da
empresa – entidade lucrativa, quando ela age em conformidade com os
princípios morais e as regras do bem proceder aceitas pela coletividade”.
Argumentando Moreira (1999, p.31) sobre as razões para as
organizações seguirem uma conduta ética, em sua opinião, o comportamento
ético é a única forma de obtenção de lucro com respaldo da moral. “Esta impõe
que a empresa aja com ética em todos os seus relacionamentos,
especialmente com clientes, fornecedores, competidores e seu mercado,
empregados, governo e público em geral”.
Uma empresa ética incorre em custos menores do que uma
antiética. A empresa ética não faz pagamentos irregulares ou
imorais, como subornos, compensações indevidas e outros.
Exatamente por não fazê-los, ela consegue colocar em prática uma
avaliação de desempenho de suas áreas operacionais, mais precisa
do que uma empresa antiética. (MOREIRA, 1999, p.31).
Ao observar as tendências do comportamento do consumidor, o clamor
da população por transparência na política, respeito à dignidade humana,
preservação do meio ambiente, Moreira (1999) acredita que a partir da década
de noventa, iniciou-se uma nova Era da Ética, também chamada de Era dos
Direitos, que vai ganhando força cada vez mais.
Essa consciência ética cresce a cada dia que passa, como se pode
perceber pela grande quantidade de causas submetidas à justiça.
Essas causas revelam que em todos os relacionamentos da empresa
a sociedade deseja a ética. [...] A Era da Ética será um período nos
quais os princípios éticos serão mais amplamente praticados do que
hoje (MOREIRA, 1999, p.240-241).
47
Com semelhança, assim começa o prefácio do livro escrito por Arruda,
Whitaker e Ramos (2003): “As empresas precisam de ética. A economia
precisa da ética. A sociedade precisa da ética. Espera-se que o século XXI seja
o século da ética”.
Trasferetti (2006) relata o resultado de sua pesquisa em algumas das
principais bibliotecas no Brasil, sobre o estado da arte em ética empresarial,
afirmando que em termos de produção científica, em formato de livro, nesta
área há ainda fragilidade do assunto, enquanto verifica-se o desenvolvimento
do assunto. Constata como pesquisador em filosofia, procurando o viés da
ética empresarial para uma perspectiva sociológica, que o tema “ética
empresarial ainda não é considerado, em termos editoriais o mais importante
por parte da indústria do livro” (TRASFERETTI, 2006, p.60).
No entanto, o autor admite que nos centros de excelência de pesquisa
na área de Economia e Administração, nas grandes universidades das capitais,
a ética tem sido abordada para compor uma perspectiva para as empresas.
“Neste momento, em que o mundo busca relações mais fraternas com menor
desequilíbrio social, a ética empresarial precisa ocupar o seu espaço. [...] Seria
altamente produtivo que a ética empresarial entrasse para valer nas reflexões e
trabalhos dos estudantes e professores de filosofia”. (TRASFERETTI, 2006,
p.64).
Arruda e Navran (2000) apresentam em seu artigo os estudos
desenvolvidos desde 1998 pelo Centro de Estudos de Ética nas Organizações
(CENE/EAESP/FGV) em parceria com o Ethics Resource Center, em
Washington, EUA. Conforme os autores, esses indicadores são abordados
quanto à sua construção e aplicação no setor industrial. São os indicadores de
clima ético a partir do modelo de Navran, orientados a avaliar o grau de
eticidade ou nível ético das organizações.
No modelo de Navran, todavia, nenhum indicador contempla as
relações interorganizacionais, particularmente com fornecedores e
concorrentes. Todos os indicadores estão orientados para o clima
organizacional internamente, as relações entre cooperadores, serviço ao
cliente, etc. Sua contribuição pode ser considerada alta para dentro de uma
48
determinada linha de pesquisa, conforme Arruda (2003), mas fica a lacuna na
questão ética interorganizacional.
No Brasil existe desde 1998 o Instituto Ethos de Empresas e
Responsabilidade Social, organização sem fins lucrativos, que tem como
associados centenas de empresas em operação no Brasil, de diferentes portes
e setores de atividade. Tal realidade evidencia uma preocupação e esforço das
organizações de atuar de maneira ética, seja internamente entre dirigentes e
colaboradores, em termos de responsabilidade social, e nos relacionamentos
entre organizações no mundo dos negócios. Sua função é totalmente voltada
para promover o comportamento ético das empresas, como explícita na
missão:
A entidade tem como missão mobilizar, sensibilizar e ajudar as
empresas a gerirem seus negócios de forma socialmente
responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade
mais próspera e justa. O Instituto Ethos dissemina a prática da
responsabilidade social por intermédio de atividades de intercâmbio
de experiências, publicações, programas e eventos voltados para
seus associados e para a comunidade de negócios em geral.
O Instituto Ethos é parceiro de várias entidades internacionais, entre
as quais o Prince of Wales Business Leadership Forum, do Reino
Unido, e o Business for Social Responsibility, organização
empresarial sediada nos Estados Unidos que conduz projetos e
programas em nível global, buscando incentivar empresas a
alcançarem sucesso em seus negócios implementando práticas que
respeitem pessoas, comunidades e o meio ambiente.
Também no Brasil, de acordo com Arruda, Whitaker e Ramos (2003), o
CENE-FGV-EAESP tem sido um polo de irradiação da ética empresarial, pelas
realizações no ensino, pesquisas, publicações e eventos.
Passos (2004, p.77) analisa, no entanto, que atualmente “no Brasil se
mantém um modelo organizacional que se pauta na competitividade, no
individualismo, na lógica em que o mais importante é vencer, sob qualquer tipo
de condição”.
Numa abordagem baseada no humanismo, visão que coloca o ser
humano e sua realização em primeiro plano, PASSOS (2004, p.91) prescreve
que “diferente do que vem sendo posto em prática, as empresas éticas devem
estimular e oportunizar o advento da consciência crítica de seus trabalhadores,
clientes e parceiros, e não impor o que lhes é apresentado”. Na sua
concepção, Passos (2004) discorda com o modo que a ética é disseminada,
49
como verdades prontas, sem passar antes para consciência crítica das
pessoas envolvidas, as quais devem decidir em que acreditar.
Esse pensamento se coaduna com a ética proposta por Jürgem
Habermas, ou seja, a ética do discurso, mencionada pela autora na linha da
Escola de Frankfurt. “A consciência crítica é uma ferramenta poderosa contra a
racionalização da irracionalidade efetuada pela sociedade industrial, capaz de
apresentar o resíduo como necessidade e a destruição como construção”.
(PASSOS, 2004, p. 92).
Passos apresenta fundamentos filosóficos de uma empresa ética,
centrados na consciência crítica e na emancipação do ser humano. Sua linha
se aproxima a uma vertente de democracia e humanismo. Defende que a ética
é reflexiva, consciente e comprometida com o bem-estar do ser humano.
Porém, apresenta certa fragilidade, pois nem sempre a verdade ou a melhor
escolha pode estar com a maioria. “As organizações éticas buscam, na prática,
serem honestas, justas, verdadeiras e democráticas, por uma questão de
principio e não de conveniências”. (PASSOS, 2004, p. 92).
No tópico a seguir é tratado o tema das relações interorganizacionais, no qual é
possível visualizar quão complexo é tentar pôr em prática a reflexão ética que
Passos (2004) argumenta, num terreno minado por múltiplos interesses, mas
em que se fala de parcerias e também de cooperação.
2.2 RELAÇÕES INTERORGANIZACIONAIS
Relações interorganizacionais compreendem transações comerciais,
parcerias de negócios, fornecimento ou aquisição de serviços, concorrência,
entre outras situações. Na análise metafórica de Morgan (2006), as
organizações não vivem em isolamento nem são autossuficientes. Ao contrário,
elas existem como elementos de um ecossistema complexo. Segundo Cordeiro
(2008) entre os fatores que caracterizam uma relação interorganizacional estão
os números de atores envolvidos, a frequência e a extensão das relações e o
objetivo de determinado relacionamento.
Cordeiro (2008, p.7), fundamentada na teoria de Hall (2004), cita pelo
menos três razões básicas para o estabelecimento das relações
interorganizacionais:
50
A primeira razão é a necessidade de recursos materiais, produtos,
receitas, informações, pessoal, maquinário, entre outros. A segunda
é necessidade de apoios institucionais para obtenção de vantagens
políticas. E a terceira é a necessidade de aprovação pública para
consolidação da legitimidade e credibilidade da organização
.
Em razão da delimitação deste trabalho, a abordagem das Relações
Interorganizacionais contempla especificamente as relações de empresas
industriais com seus fornecedores, subcontratadas e concorrentes, numa
classificação de Thiry-Cherques (2003), que denomina responsabilidades
contratuais em relacionamento empresa versus empresa, incluindo parceiros,
fornecedores e concorrentes.
Neste tópico, a ênfase também é dada para outros grupos de
interesses que têm algum tipo de relação com a empresa. No enfoque desta
distinção, Mattar Neto (2004, p.318) reconhece que os interesses dos
acionistas (stokeholders) podem divergir dos interesses dos stakeholders
(incluindo fornecedores, subcontratadas e concorrentes). No entanto, segundo
o autor os administradores têm obrigações morais também com os
stakeholders.
A empresa não é uma entidade autônoma que confronta um
ambiente externo, mas antes uma rede de relações entre
stakeholders. Os stakeholders não podem ser pensados como sendo
afetados pela empresa sem que sejam, entretanto, essenciais para a
identidade básica da organização. A identidade básica da
organização não é definida independentemente dos stakeholders.
[...] Poderíamos dizer que a empresa é a empresa e seus
stakeholders. Assim o paradoxo dos stakeholders aponta para um
conflito de interesses que, segundo a perspectiva ética, deve ser
resolvido sem privilégios para nenhuma parte. (MATTAR NETO,
2004, p.318).
Já Leisinger e Schmitt (2001) comentam que o conceito de
Stakeholders evoluiu a partir de uma complementação ao conceito de
shareholders (acionista); com isso os grupos de interesses foram ampliados
para o conceito de Stakeholders.
Também Zylbersztajn (2002) considera os stakeholders como não-
acionistas, incluindo os fornecedores entre outros, que estão envolvidos direta
ou indiretamente com a operação da organização.
51
Na abordagem de Karkotli (2006) sobre o conceito de stakeholders, o
autor cita várias referências e procura mostrar que a teoria dos stakeholders
surge como um paradigma mais utilizado. Na evolução dos conceitos, os
stakeholders não se limitam aos proprietários e acionistas, mas a todos que
possuem algum interesse, relacionamento ou expectativa com a organização.
“Stakeholders são qualquer grupo ou indivíduo que é afetado ou que afeta o
alcance dos objetivos das organizações”. (KARKOTLI, 2006, p.16). Assim,
nessa categoria são incluídos todos os grupos de interesse da organização,
inclusive fornecedores.
Ao transformarem em parceiros os demais stakeholders, os
acionistas legitimam o negócio e lhe conferem longa vida porque,
desde que haja lucidez na montagem da equação, há muitos
benefícios a colher. Na economia do conhecimento e no capitalismo
social, a inteligência das relações sociais aponta indubitavelmente
para a sabedoria ética, ou melhor, para decisões que se orientem
pelo respeito aos outros e pela contribuição ao bem-estar coletivo.
(SROUR, 2003, p. 411).
Karkotli (2006, p.17) cita definições encontradas nos artigos
publicados, que possuem semelhanças entre si. Por exemplo: “Hill e Jones
(1998), os stakeholders são representados por atores individuais ou por
categorias de atores, que possuem interesses e expectativas na existência da
organização; Thompson et al. (1991) stakeholders é qualquer ator (pessoa,
grupo ou entidade) que tenha uma relação ou interesses (diretos ou indiretos)
com ou sobre a organização”.
Almeida et al. (2000) citado por Karkotli (2006), afirmam que os
stakeholders seriam todos os indivíduos ou grupos que interagem no ambiente,
interno e externo à organização, e têm interesse ou uma aposta, ou são
afetados, ou ainda têm uma relação direta ou indireta, com ou sobre a
organização.
Existe uma inter-relação entre os objetivos específicos dos
diferentes stakeholders de uma organização. Desta forma, para
que estes sejam atingidos será necessário que exista uma
reciprocidade entre os interesses da empresa e dos
stakeholders. Para tal as organizações devem desenvolver
estratégias que estimulem o diálogo e a participação de todos
os stakeholders no processo. (ZADEK et al., 1997 apud
KARKOTLI, 2006, p.17)
.
52
Freeman et al. (2002, apud Karkotli, 2006, p. 19) descrevem as
características da teoria dos stakeholders, entre elas, “o estímulo ao
compartilhamento de um conjunto de valores, elementos-chave no processo
estratégico da organização, entre todos os stakeholders”.
A característica de compartilhar os valores com os parceiros de
negócios cria condições para os relacionamentos perdurarem. O
compartilhamento de valores entre parceiros, uma vez legitimados por esses,
dá origem aos princípios éticos que nortearão seus relacionamentos. Estes
autores afirmam, segundo Karkotli (2006, p.19), “que a empresa deve gerenciar
e avaliar seus stakeholders pelo seu poder político e econômico, e que as
estratégias da organização devem priorizar determinadas parcerias em
detrimento de outras”.
Buscando descobrir quais os fatores que influenciam as empresas a
aderirem ao processo de cooperação e como se estruturam os
relacionamentos horizontais, Pedroso e Pereira (2006) observam que essas
relações são caracterizadas por empresas, cujo objetivo “é alcançar por meio
de ações utilitaristas, de cálculo meio e fins, portanto, estratégicas”. Assim, os
autores discutem as razões que levam as empresas buscarem coletivamente
seus objetivos.
Pedroso e Pereira (2006) identificaram que num ambiente onde todos
competiam isoladamente, com a formação de uma associação, obtiveram
vantagens para essas empresas. Concluíram que, nas redes estudadas, alguns
benefícios que as empresas associadas tiveram dificilmente os teriam
individualmente. Outra situação encontrada em seus achados é o fato de a
competição passar do foco individual, empresa versus empresa, para um
confronto entre redes. “Como a realização de ações em conjunto envolve um
elevado grau de interdependência entre os agentes, as organizações passam a
ter novos direitos e deveres”. (PEDROSO E PEREIRA, 2006, p.5).
Eiriz (2001) propôs uma tipologia de alianças estratégicas, baseada
em três domínios de cooperação. Considera, portanto, relações de cooperação
e alianças estratégicas sinônimos de uma mesma realidade. O critério definido
no artigo de Eiriz foi, em primeiro lugar, considerar as atividades das empresas,
embora tenham sido considerados aspectos financeiros e o grau de
envolvimento de capital.
53
Aliança pode ser definida como uma associação, de curta ou longa
duração, entre duas ou mais empresas com interesses comuns. Em
uma aliança, as empresas cooperam em função de uma
necessidade mútua e compartilham habilidades e riscos para atingir
um fim comum. [...] Já a Aliança Estratégica é uma associação com
uma estratégia de negócios, que dá forma e estrutura à aliança.
Possui uma visão que orienta sua gestão e evolução e conta com
uma infra-estrutura interna que a sustenta. (LACOMBE e
HEILBORN, 2003, p. 507).
Na tipologia de Eiriz (2001), destacamos as alianças estratégicas do
domínio técnico / produção, que reúnem algumas ações condizentes com a
realidade dos relacionamentos das empresas com seus fornecedores,
subcontratadas e concorrentes, conforme mostra o quadro 7:
Consórcio. Esta modalidade estabelece-se entre duas ou mais empresas que possuem
capacidades e competências susceptíveis de poderem ser complementadas no
desenvolvimento de um projeto técnico de grande envergadura e duração de tempo.
Formação e/ou assistência técnica. Ocorrem com maior frequência em setores em que a
base tecnológica é importante. Neste caso, estabelece-se um acordo entre duas ou mais
empresas através do qual poderão ser ultrapassadas determinadas lacunas tecnológicas.
Subcontratação. É um tipo de aliança estratégica através do qual uma empresa
(contratante) subcontrata a outra (subcontratada) uma parte do seu processo de produção.
Deste modo, as operações desenvolvidas por cada um dos parceiros são diferentes.
Acordo de produção conjunta. Quando duas ou mais empresas produzem
conjuntamente os mesmos produtos para satisfazer necessidades de mercado às quais
não conseguiriam responder individualmente por falta de capacidade.
Acordo de investigação e desenvolvimento. Verifica-se particularmente em setores onde
a atividade de investigação e desenvolvimento de novos produtos e processos assume um
peso muito importante.
Licenciamento de patentes. Aliança estratégica através da qual uma empresa
(concessionária) concede a outra (licenciada) os direitos de exploração de uma patente,
produto ou processo de fabricação mediante uma compensação geralmente de caráter
financeiro.
QUADRO 7 - TIPOS DE ALIANÇAS ESTRATÉGICAS DO DOMÍNIO TÉCNICO /
PRODUÇÃO
FONTE: Eiriz (2001, p.73)
Em outra tipologia de alianças estratégicas, a de domínio comercial
proposta por Eiriz (2001), encontram-se os chamados grupos de exportadores,
acordo de distribuição, central de compras, entre outros tipos, em que as ações
são desenvolvidas entre empresas concorrentes. Na sua pesquisa, Eiriz (2001,
p.87) observou que “a intensidade de alianças estratégicas está associada à
dimensão das empresas; a intensidade global de alianças estratégicas varia
54
consoante com o setor de atividade; a importância de cada tipo de aliança
estratégica é também variável por setor de atividade; e a importância de cada
tipo de aliança estratégica é variável”.
Outro conceito de relacionamento interorganizacional encontra-se no
ambiente da produção industrial, abordado por Pinto e Loiola (2007) como
redes de produção. Neste caso, conforme os autores, não bastam as empresas
estarem relacionadas para caracterizar a existência da rede, é necessário,
portanto, haver objetivo comum. Assim, “rede de produção é toda rede
interfirmas onde o objetivo é a produção de bens ou serviços a serem
disponibilizados para um mesmo cliente final. [...] Redes produtivas de
subcontratação são estruturas verticais, onde uma firma contrata outras para
executarem determinadas partes da produção”.
Para Lastres e Cassiolato (2005) rede de empresas é definida a partir
de um conjunto de articulações entre empresas, que envolvem a realização de
transações e/ou o intercâmbio de informações e conhecimentos entre os
atores, e podem estar presentes em Arranjos ou Sistemas Produtivos.
Conforme Pinto e Loiola (2007), o comportamento das organizações
em rede formam um espectro que varia da competição até a cooperação.
Cooperação significa para esses autores: “A tentativa de agregar valor para
ambos os lados e a crença no alto comprometimento, em detrimento da
desconfiança e da competição, buscando lucros justos para as partes
envolvidas. Contribui para a minimização de rivalidades e de comportamentos
oportunistas entre as firmas da rede”.
Na mesma linha, Balestrin e Vargas (2004) fazem uma abordagem de
redes interorganizacionais com a tipologia de Marcone e Moinet. Antes,
reconhece que em função da diversidade de tipologias de rede, constata-se
certa ambiguidade ao termo rede.
Marcon e Moinet (2000, apud BALESTRIN e VARGAS, 2004)
classificam as redes interorganizacionais de PMEs em: (1) Redes Verticais: a
dimensão da hierarquia; (2) Redes Horizontais: a dimensão da cooperação; (3)
Redes Formais: a dimensão contratual; (4) Redes Informais: a dimensão da
conivência.
De acordo com os conceitos de Balestrin e Vargas (2004) é possível
relacionar certas características dos Arranjos Produtivos Locais (APLs) com os
55
formatos de redes horizontais, as formais e as informais, em detrimento, ao
menos em algum aspecto bem específico, às redes verticais. Em redes
horizontais, caracterizadas pela dimensão da cooperação, encontram-se
algumas ações conjuntas, tais como criação de novos mercados, defesa de
interesses, consórcios de compra etc.
Em redes formais, os consórcios de exportação são um exemplo de
prática em alguns APLs. Em redes informais, distinguem-se pelos interesses
mútuos, baseados na cooperação e na confiança entre os atores. “O
significado genérico de cooperação é o de trabalhar em comum, envolvendo
relações de confiança mútua e coordenação, em níveis diferenciados, entre os
atores”. (LASTRES E CASSIOLATO, 2005).
Balestrin e Vargas (2004) definiram um construto teórico
sistematizado, que demonstra alguns benefícios que as empresas integrantes
de redes conquistam, particularmente as PMEs, evidenciados na pesquisa
empírica: aprendizagem coletiva; economias de escala; poder de barganha;
ampliação de mercado; economias de escopo e de especialização; redução
dos custos de transação; facilitação do processo de inovação.
Nas observações de Borges (2005), uma rede é compreendida a partir
de seus elos ou nós. Os nós fortes, segundo o autor, representam os contatos
com parceiros, fornecedores, alguns clientes etc. Esses nós ou elos têm como
característica a interação frequente, história de relacionamento e relação de
intimidade ou de confiança.
Lacombe e Heilborn (2003, p.520) aplicam o termo rede de
organizações para exprimir como uma categoria de relações presentes nas
associações, parcerias, alianças, alianças estratégicas, subcontratações e
contratos com fornecedores. Também consideram a realidade dos
aglomerados, clusters ou Arranjos Produtivos Locais, por atuarem em conjunto.
“As redes tendem as organizações mais econômicas, mais flexíveis e, portanto,
mais competitivas, mas também mais vulneráveis em alguns casos”.
Na argumentação de Chang (2003), a capacidade de uma empresa se
relacionar com os fornecedores e com outras organizações, se torna cada vez
mais imperativa a fim de avançar no processo de inovação de maneira
decisiva. Para tanto, as empresas precisam estabelecer uma rede de
56
relacionamento eficaz com fornecedores, concorrentes, universidades e
instituições de pesquisa.
Na abordagem de Anand e Manz (2002) sobre o relacionamento entre
empresas clientes e fornecedores, os autores analisam a transferência de
conhecimento e informações, e o impacto que o capital social gera sobre o
conhecimento externo da empresa, e consequentemente sobre o conhecimento
interno. Exemplificam o caso da Toyota, que “tratam os fornecedores como
parceiros, e investem dinheiro na melhoria das instalações dos fornecedores ou
no treinamento de seus funcionários. Tais ações motivam os parceiros e
investidores a compartilharem informações de modo proativo com a empresa,
dando a ela, desse modo, vantagem competitiva no mercado”.
Chang (2003) propõe que as colaborações interorganizacionais sejam
elaboradas em quatro espécies: (1) com a empresa compradora; (2) com a
empresa fornecedora; (3) com a empresa concorrente; e (4) outras empresas.
Esse processo de cooperação constrói em longo prazo a base da confiança
com terceiros. Sugere o autor que as firmas urgentemente precisam aprender
como conduzir a cooperação interorganizacional e isto inclui a aprendizagem
sobre a escolha de seus parceiros, a construção de confiança mútua e a
materialização de benefícios resultantes. Em certas situações a concorrência
pode se tornar um aliado estratégico, quando há uma união de forças para
superar algumas dificuldades (MAXIMIANO, 2000).
Em outra direção, Blomqvist e Seppanen (2006) propõem a união da
teoria da capacidade dinâmica de uma empresa com a teoria da confiança. O
aspecto de união central está na capacidade de colaborar, permitido pela
confiança, e resultando na utilização de capacidades dinâmicas, tendo em vista
a vantagem competitiva da organização. Na visão dos autores, a capacidade
da empresa de construir a confiança e conduzir suas redes internas e externas
pode ser um fator crítico na vantagem competitiva sustentável.
Para Blomqvist e Seppanen (2006), o desafio da administração de
como estabelecer, conquistar e dissolver as relações, e simultaneamente
manter uma boa reputação junto ao parceiro potencial, surge hoje nos
mercados. A confiança e a capacidade de colaborar permitem a firmas
desenvolver, renovar e explorar os seus recursos específicos e combiná-los
para ser os seus ativos estratégicos.
57
Um fator interveniente, a dependência nos relacionamentos
interorganizacionais, será tratada a seguir. Este assunto nos dará
compreensão de que as organizações podem ter vínculos com outras, onde o
poder e a pressão surgem como instrumentos de manipulação.
2.2.1 Dependência e interdependência entre organizações
A dependência de uma organização com outra pode ser visualizada
quando a atividade e a sobrevivência de uma empresa dependem diretamente
de outra(s) para atuar em seu ramo de negócios. É uma situação possível nos
casos das subcontratações ou terceirizações, quando tais empresas
desenvolvem atividades específicas, direcionadas a processar alguma etapa da
produção para outra(s) empresa(s).
A dependência também se estende nas relações com fornecedores. “A
abordagem de sistemas abertos reconhece que as organizações não são
autossuficientes. Elas dependem de seu ambiente para os insumos
necessários à sua sobrevivência e como escoadouros para absorver seus
produtos.” (ROBBINS, 2000, p.499).
Ocorre que geralmente as empresas de subcontratação ou
terceirização são iniciadas em função de outras empresas, e às vezes, para
uma só. A exemplo do Arranjo Produtivo Local (APL) de bonés em Apucarana,
é comum surgirem empresas de subcontratação para trabalhar exclusivamente
para outras (CENSO industrial, 2006). Para Brandli et al. (1997), “a
terceirização é identificada como os processos através do qual as empresas
transferem para terceiros suas atividades meio, isto é, atividades de apoio,
enquanto a subcontratação refere-se à transferência de atividades fins,
caracterizadas pelas etapas do processo produtivo”. Essa diferenciação entre
terceirização e subcontratação não se coadunam com os conceitos de Eiriz
(2001) e de Pinto e Loiola (2007).
Quando as empresas entre si dependem uma da outra, trata-se na
prática de interdependência (Robbins, 2000; Morgan, 2006). Mas quando,
unilateralmente, uma (empresa A) depende totalmente da outra (empresa B),
pode-se inferir uma dependência (Midlin,1976; Pugh, Hickson et al., 1963;
Machado-da-Silva e Coser, 2006). Mas pode também uma empresa (empresa
58
A) depender de várias, mais de uma e menos de outras, a exemplo das
empresas de subcontratação.
Para SROUR (2003, p. 246) consistem as relações de dependência:
1. Tem caráter assimétrico e hierárquico, além de formar parelhas em
que se irmanam prepotência e subserviência, imposição e
conformismo;
2. Expressam laços que unem e, a um só tempo, sujeitam tutores e
tutelados;
3. Assenta-se em vínculos de lealdade e de fidelidade;
4. Alimentam-se de paternalismo, com o patriarca ou pai-patrão
protegendo seus agregados;
5. Reduzem os dependentes à menoridade;
6. Condenam as clientelas a viver reféns do velho mecanismo da
troca de favores.
O termo dependência nas relações interorganizacionais não é muito
comum na literatura nem no estado da arte. Porém, em vista do estudo
exploratório no APL de Apucarana, a que se propõe este trabalho, faz-se
necessário observar se nas relações interorganizacionais o fator dependência
tem sua relevância, principalmente entre fabricantes e subcontratadas.
Se a empresa contratante ficar muito dependente dos produtos ou
serviços do terceirizado, deve tomar providencias para diminuir essa
dependência. Algumas empresas terceirizam determinados produtos,
peças ou serviços, mas contratam mais de uma empresa ou pessoa
para fornecê-los, para diminuir a dependência. Outras mantêm
pequena parte dos serviços internamente, diminuindo a dependência
e aumentando o poder de barganha (LACOMBE e HEILBORN, 2003,
p. 514).
No artigo de Midlin (1976) a abordagem de dependência está
relacionada à necessidade de recursos de fornecimento de uma empresa para
outra. Cita as quatro condições definidas por Blau (1964) que poderiam
promover a independência ou evitar a dependência: (1) a disponibilidade e o
controle dos recursos estratégicos; (2) a existência de fontes alternativas dos
recursos necessários; (3) a capacidade de usar o poder coercitivo, inclusive
com base na lei; (4) não necessitar de recursos oferecidos por uma
determinada empresa. Mas essas considerações são insuficientes para
analisar quando a dependência for inevitável, em vista das várias condições
ambientais.
59
Midlin (1976) baseia seu trabalho nos estudos de Pugh, Hickson et al.
(1963) em 52 organizações em Birmingham, na Inglaterra, que tratam da
dependência de uma organização em relação às outras organizações,
elaborada com cinco escalas chamadas de integração vertical.
Variavelmente nas relações interorganizacionais em que há
dependência ou interdependência, pode estar presente o exercício de poder de
uma sobre outra e de pressões unilaterais ou bilaterais, que dão origem aos
conflitos, problemas éticos e até rupturas de contratos.
Machado-da-Silva e Coser (2006) explicam que quando há a condição
de dependência, uma organização exerce pressões formais ou informais sobre
a outra. As pressões dão origem ao fenômeno do isomorfismo, um dos
conceitos que compõem o conteúdo das relações, em que os autores,
baseando-se nas contribuições de DiMaggio e Powell (1983) e nos achados de
Machado-da-Silva e Fonseca (1996), classificam três tipos: (1) isomorfismo
coercitivo; (2) isomorfismo mimético; e (3) isomorfismo normativo.
O isomorfismo coercitivo é resultante de pressões formais e
informais exercidas por uma organização sobre outra que se
encontra em condição de dependência. Quanto ao isomorfismo
mimético, constitui na adoção por parte de determinada organização,
de procedimentos e arranjos estruturais implementados por outras
organizações, com a finalidade de reduzir a incerteza ocasionada por
problemas tecnológicos, objetivos conflitantes e exigências
institucionais. [...] Isomorfismo normativo [...] o grau de
profissionalização é o fator mais importante como mecanismo
normativo a ser considerado para o entendimento das pressões
normativas do ambiente. A profissionalização envolve o
compartilhamento de um conjunto de normas e rotinas de trabalho
pelos membros de uma determinada ocupação (MACHADO-DA-
SILVA e COSER, 2006, p.6).
Na existência da dependência de organizações para com outras, o uso
do poder pode ser visto como um meio de domínio das situações. Machado-da-
Silva e Coser (2006) abordam a relação entre dependência e relações de
poder, explicando que a relação de dependência entre os atores é o que mais
provoca a incerteza de sobrevivência, no caso de não aderência de conceitos e
práticas de outra organização.
Considerando a desigualdade econômica entre os atores dentro de um
Arranjo Produtivo Local, onde há ao mesmo tempo concorrência e cooperação,
o uso do poder pode ser um fator crítico em relação ao comportamento ético,
60
dependendo do grau de dependência existente nessas relações. De acordo
com FARIA, 2004, p.33:
Poder é a capacidade que tem uma classe social (ou uma sua fração
ou segmento), uma categoria social ou um grupo (social ou
politicamente organizado) de definir e realizar seus interesses
objetivos e intersubjetivos específicos. [...] Trata-se de um jogo de
troca que não descarta a chantagem como arma, mas que enfatiza
as estratégias defensivas e ofensivas, utilizadas, no primeiro caso,
para diminuir a previsibilidade e alargar a autonomia do participante
e, no segundo caso, para aumentar a previsibilidade do outro
reduzindo sua margem de manobra
.
Em outro enfoque abordado por Faria (2004, p.12), o organizacional,
encontra-se o estudo de Thompson (1976) sobre o fenômeno do poder, quanto
ao relacionamento da empresa com o seu ambiente. Para Thompson: “uma
empresa tem poder em relação a um elemento de seu ambiente operacional na
medida em que a empresa tem capacidade de satisfazer necessidades desse
elemento e na medida em que essa organização monopoliza tal capacidade”.
Farias interpreta esta definição como uma ligação direta entre dependência e
monopólio.
Kotler (2000, p.521 - 522), com base nas contribuições de Robert
Fisher, Elliot Maltz, Bernard Jaworski (1997) e Benson P. Shapiro (1977),
aborda poder nas relações dos fabricantes com intermediários. Os fabricantes
podem exercer os seguintes tipos de poder para conseguir cooperação:
O poder coercitivo ocorre quando um fabricante ameaça reduzir
os investimentos ou encerrar um relacionamento se os
intermediários não cooperarem. Esse poder pode ser bastante
eficaz se os intermediários forem altamente dependentes do
fabricante.
O poder de recompensa ocorre quando o fabricante oferece aos
intermediários um beneficio adicional para realizarem ações
funções específicas.
O poder legitimado é empregado quando o fabricante exige um
comportamento que seja garantido por contrato.
O poder de especialista pode ser aplicado quando o fabricante
tem um conhecimento especial que seja valorizado pelos
intermediários. Essa é uma forma eficaz de poder, caso os
intermediários necessitem dessa ajuda.
O poder de referência ocorre quando o fabricante é tão respeitado
que os intermediários se sentem orgulhosos por estarem
associados a ele.
Já no caso dos intermediários, segundo Kotler (2000, p.522):
61
Os intermediários podem visar um relacionamento baseado em
cooperação, parceria ou programação de distribuição. A maioria dos
fabricantes vê como seu principal desafio conseguir a cooperação
dos intermediários. Eles geralmente utilizam táticas de motivação
positivas, como margens de lucro mais elevadas, condições
especiais, prêmios, verbas para propaganda cooperativa, verbas de
exposição e concursos de vendas. Às vezes, aplicam sansões
negativas, como ameaçar reduzir margens, aumentar o tempo de
entrega ou encerrar o relacionamento. O ponto fraco dessa
abordagem é a aplicação grosseira da filosofia de estímulo-resposta.
Brito et al. (2008) consideram que o poder ganha força com a
formação de coalizões ou redes de influência. Considera-se também que o
controle do processo de comunicação e de informações privilegiadas e da
estrutura formal, emprego de técnicas de persuasão dos cooperados, distorção
de intenções e manipulação do processo decisório, são manifestações de
poder. Deutsch (1966, apud Faria, 2004, p.4) define poder como:
A capacidade que possui um indivíduo ou uma organização de impor
extrapolações ou projeções de sua estrutura interna em seu meio
ambiente. O poder não se configura, assim, como centro ou essência
da política, mas como um dos seus componentes, um de seus
mecanismos importantes que irão acelerar ou conter os danos nos
casos em que a influência, o hábito ou a coordenação voluntária
tenham falhado ou não tenham logrado servir adequadamente à
função de realização dos fins propostos
.
Nas circunstâncias das relações entre empresas, a definição citada por
Farias considera dois pontos fundamentais quanto ao uso do poder. Um é o
fato de uma organização impor extrapolações de sua estrutura interna em seu
meio ambiente. Neste caso, a empresa, usufruindo do domínio da tecnologia,
conhecimento, capacidade financeira etc., pode usar o poder de barganha nas
negociações, quando se percebe alguma dependência ou fragilidade da outra
parte, como pode também, de acordo com as definições de Kotler (2000), usar
o poder do tipo de recompensa, de especialista, de referência e até o
coercitivo. “A dependência de recursos também aparece como vetor para as
relações de poder”. (MACHADO-DA-SILVA e COSER, 2006, p.29).
Outro ponto fundamental citado por Faria (2004) se refere como um
mecanismo que acelera ou contém os danos, quando existe falha na influência,
no hábito ou na coordenação voluntária. Assim, pode-se exemplificar um caso
hipotético de uma governança constituída em um Arranjo Produtivo Local, que,
62
quando se mostra frágil, os atores mais fortes entre os demais participantes
fazem uso do poder sobre os mais fracos para realizar seus objetivos.
A definição de poder por Brito et al. (2008, p.9) explica esse fenômeno:
“o poder não é entendido como resultado de soma zero e sim como fenômeno
relacional recíproco que, em determinada contingências, poderá estar
temporariamente em desequilíbrio a favor de uma das partes”.
Também Lacombe e Heilborn (2003, p.513) apontam para um fator
crítico nas relações quando envolvem subcontratações, pois, se a empresa que
terceiriza não tiver alto poder de barganha, ela poderá ter maior dificuldade
quando outras empresas contratantes têm maior poder de barganha sobre a
subcontratada. “Com o aumento da competição, sempre será possível contratar
outro terceirizado sobre o qual se tenha maior poder de barganha”.
O poder é tratado, então, como um trunfo em um jogo no qual o
mesmo tem uma conotação semelhante ao dinheiro ou a posse de
uma vantagem tática ou estratégica. A imposição de extrapolações
ou projeções da estrutura interna das organizações ou dos
indivíduos no ambiente sugere que estes possuem algo, atávico ou
genético, capaz de dar direção impositiva às relações externas, seja
por meio de autoridade ou de coerção (FARIA, 2004, p.4).
No artigo de Unikowsky e Nique (2001), embora sua pesquisa
buscasse estudar as implicações de poder das empresas dentro de um bloco
econômico internacional, mesmo assim, os autores retratam o fenômeno na
perspectiva das relações interorganizacionais em outras situações, afirmando
que a ênfase no papel do poder na determinação das relações supera a ideia
de que as organizações funcionam como sistemas integrados e reconhece as
tensões existentes entre interesses específicos e organizacionais.
No caso de negociação de preços com fornecedores, podem estar
envolvidos certos tipos de pressões, principalmente a influência de poder,
necessidade financeira da parte da empresa fornecedora, ou outras situações
que podem influenciar o preço do produto ou serviço oferecido. A empresa
compradora pode tirar proveito de uma situação desfavorável ou frágil do
fornecedor.
O justo valor é o princípio ético aplicável ao preço, como reflexo da
máxima integrante do ideal de justiça: atribuir a cada um o que lhe é
devido. [...] Não é correto afirmar que o preço acordado com o
63
fornecedor será ético e justo simplesmente pelo fato de ele aceitá-lo.
A aceitação de um preço muitas vezes revela apenas a influencia do
poder econômico da empresa maior sobre a menor. [...] A empresa
ética preocupa-se em remunerar o seu fornecedor com justiça,
buscando sempre o justo valor do fornecimento (MOREIRA, 1999,
p.119).
Nos achados da pesquisa empírica de Machado-da-Silva e Coser
(2006, p.28), confirma-se a dependência, em termos de sobrevivência, de
várias organizações com uma determinada organização, que exerce influência
de poder:
As relações de poder consistem, para o referido estudo, nas relações
de controle e dependência entre os atores, dos canais de
comunicação, informações e recursos materiais e imateriais que são
importantes dentro de um campo organizacional. Estas relações
seriam reforçadas, mantidas ou reproduzidas a partir do esforço dos
atores em determinar valores, crenças, regras e conceitos a serem
compartilhados e legitimados no campo organizacional e que
reforcem um modus operandi que dê continuidade ao poder
conquistado. [...] É reconhecida a capacidade dos atores de
manipular, reinterpretar e contestar estes símbolos e práticas das
instituições. A natureza institucional do poder no campo fornece
oportunidades tanto para a sua reprodução quanto para a
transformação.
Com esse embasamento teórico, pode-se sugerir que quanto maior o
grau de dependência de uma organização para com outra, maior é a
possibilidade do uso do poder e do exercício de pressões formais ou informais
da outra parte.
Dependência e monopólio, tendo em vista as necessidades,
constituem a essência do poder. O poder, nesta perspectiva, é a
condição de monopolizar os meios de satisfação das necessidades,
criando uma relação de dependência entre a empresa A e elementos
E de seu ambiente operacional, de forma que sempre que A for
detentor desta condição, E estará sujeito a seu poder (FARIA, 2004,
p.12).
Enquanto que dependência sinaliza para uma condição de suposta
fragilidade de atores ou organizações, o uso do poder e de pressões reflete a
conduta de quem possui o controle de situações. No próximo tópico é
apresentado um dos fatores intervenientes nas relações interorganizacionais, a
confiança, que dependendo de seu grau, pode limitar ou ampliar a relação
interorganizacional.
64
2.2.2 Confiança
Em relacionamentos interorganizacionais a confiança se faz presente
como a consequência de uma relação saudável entre duas ou mais empresas,
em que acordos cumpridos são reconhecidos pelas partes, havendo, portanto,
satisfação entre ambos. “Sem o mínimo de confiança é quase impossível o
estabelecimento e a manutenção de relações organizacionais bem-sucedidas
por um longo período”. (BECHMANN et al., 2001 apud CUNHA e MELO, 2006,
p.8).
A confiança se situa no contexto das relações interorganizacionais
éticas, pois quando os valores éticos são compartilhados entre os atores, as
relações interorganizacionais tendem a ser mais duradouras, propiciando
evoluções nas parcerias (MUSKIN, 2000).
Sato (2003, p.2) define confiança como “um conjunto de expectativas
compartilhadas por todos aqueles envolvidos em uma troca”. Embora na
pesquisa empírica do artigo de Sato (2003, p.8) tenha sido utilizado o método
de estudo de um único caso, que restringe generalizações, na sua análise
observa-se que:
Já não é mais correta a crença de que o fornecedor deve fazer todas
as concessões e o comprador só faz exigências. Pelo contrário, cada
vez mais, torna-se muito importante estabelecer uma relação
duradoura, de parceria para que exista uma colaboração mútua,
principalmente nos momentos de urgência. [...] E percebe-se que a
relação de confiança com os fornecedores também se estabelece
com o passar do tempo, após um período de convivência. [...] A
confiança pode ser observada através da existência de um contrato
informal entre as partes. [...] A confiança surge justamente quando a
partir do confronto entre as expectativas e a prática nota-se que há
uma concordância.
Richardson e Evangelista (2002) observam a necessidade de
ajustamento de objetivos estratégicos e das metas corporativas nas alianças,
como um dos fatores de sucesso. Identificam que mais de um terço de alianças
é cancelado ou negociado de novo antes do fim do seu termo projetado.
Afirmam os autores que cada contrato deve guiar os acordos e pagamentos,
fatores dos riscos, controle do produto e marcos de projetos, e que as relações
prósperas são baseadas em respeito, compreensão e comunicação aberta.
65
Para Berg (2003), a confiança pode ser vista como um determinante-
chave da prosperidade econômica, principalmente devido à sua capacidade
para restringir o oportunismo, conter o risco, reduzir preços de transação nas
relações interorganizacionais, governança de rede, e assim por diante. A
confiança pode ser tão forte, em razão da crença e da experiência dos
relacionamentos, que pode até existir sem garantias formais, e os contratos
podem ser informais, não por escrito a exemplo das relações de negócios entre
empresas japonesas, baseadas na confiança e menos em contratos escritos.
De acordo com as conclusões de Berg (2003), a confiança é um
elemento importante na regulamentação das relações entre os agentes e em
novas formas de princípios reguladores formais e funções de controle. O autor,
com base nas contribuições de Luhmann (1999), afirma que o controle e as
regulamentações são processos criativos de confiança: os contratos e os
sistemas compensarão a falta de confiança ou tentarão criar a confiança pela
fé em controle e planos legais.
Black et al. (2002) acreditam que em um cenário interorganizacional a
confiança pode ser o principal mecanismo de gestão ou governança.
Propuseram um modelo que investiga as interações entre colaboração,
confiança, compartilhamento de conhecimentos. Tal esquema identifica três
formas de confiança: (1) confiança à base de cálculo (dependendo da
capacidade do credor de avaliar a probidade); (2) confiança à base de
identidade (baseada em aspecto emocional ou pela proximidade pessoal
formado por interação recíproca de longo prazo); e (3) confiança à base de
instituição (baseada em fatores institucionais, como cultura organizacional,
normas sociais, e sistemas legais que mitigam o risco e apoiam a confiança).
Afirmam esses autores que a confiança sem incerteza e risco não é
significativa. Desta maneira ela pode ser vista como a expectativa de que o
administrador não se comporte de maneira oportunista, mesmo se há estímulos
para atuar desta forma.
Para Pinto e Loiola (2007, p.26), transparência, honestidade e
relacionamento interpessoal são componentes da confiança:
A transparência é a clareza com que os aspectos relacionados com
o funcionamento da rede são divulgados entre as empresas
participantes, ao longo do relacionamento. [...] A transparência reduz
66
a complexidade do sistema de interações entre as firmas, porque
cada uma pode conhecer de antemão as condições que regerão as
relações e, portanto, melhorar suas expectativas em relação ao
futuro, aumentando a confiança recíproca. A Honestidade pode ser
um componente porque parece que, quanto mais os acordos forem
cumpridos e mais justas forem as resoluções dos conflitos, maior
será a confiança depositada nas partes envolvidas
. Relacionamento
interpessoal corresponde aos tipos de relações que ocorrem entre as
pessoas que, representando uma firma, tratam com os
representantes das outras firmas.
Pinto e Loiola (2007) constataram que na literatura, a categoria
flexibilidade é outra variável importante no comportamento das firmas, por
estarem sujeitas a variações da demanda, requerendo capacidade para
cooperar produtivamente nestas circunstâncias. Consideram, entretanto, que a
flexibilidade é a dimensão complementar da confiança.
Neste contexto, tais situações que se encontram no campo das
organizações remetem para a análise no campo da ética dos relacionamentos
interorganizacionais, que na próxima parte será abordada.
2.3 ÉTICA NAS RELAÇÕES INTERORGANIZACIONAIS
O Instituto Ethos defende de maneira enfática a prática das relações
entre empresas baseada em princípios éticos, buscando e obtendo a qualidade
nessas relações.
Numa época em que os negócios não podem mais se dar em
segredo absoluto, a transparência passou ser a alma do negócio:
tornou-se um fator de legitimidade social e um importante atributo
positivo para a imagem pública e reputação das empresas. [...]
Relações de qualidade constroem-se a partir de valores e condutas
capazes de satisfazer necessidades e interesses dos parceiros,
gerando valor para todos. Empresas socialmente responsáveis estão
mais bem preparadas para assegurar a sustentabilidade em longo
prazo dos negócios, por estarem sincronizadas com as novas
dinâmicas que afetam a sociedade e o mundo empresarial. O
necessário envolvimento de toda a organização na prática da
responsabilidade social gera sinergias, precisamente com os
públicos dos quais ela tanto depende, que fortalecem seu
desempenho global. [...] A adoção de uma postura clara e
transparente no que diz respeito aos objetivos e compromissos
éticos da empresa fortalece a legitimidade social de suas atividades,
refletindo-se positivamente no conjunto de suas relações.
(INSTITUTO ETHOS, 2008).
67
Em relacionamentos entre empresas, sempre há um pacto,
formalizado ou não, em maior ou menor grau, em que as condutas devem estar
sob o crivo de uma ética, seja qual for seu modelo, legitimada entre os atores,
ou seja, aceita e compartilhada entre eles. Portanto, o relacionamento se
sustenta enquanto houver o cumprimento do pacto, em termos de
reciprocidade. Entretanto, em termos éticos e do ponto de vista moral, o pacto
de um relacionamento deve ser vantajoso para todas as partes envolvidas.
Os procedimentos éticos facilitam e solidificam os laços de parcerias
empresariais, quer com clientes, quer com fornecedores, quer, ainda,
com sócios efetivos ou potenciais. Isso ocorre em função do respeito
que um agente ético gera em seus parceiros. (MOREIRA, 1999,
p.31-32).
No tópico anterior sobre conceitos de ética, foi possível verificar que a
abordagem de ética empresarial tem como enfoque principal a
Responsabilidade Social, as questões internas das organizações em relação
aos trabalhadores, como também a conduta dos dirigentes junto aos acionistas
ou sócios das empresas.
Karkotli (2006, p.125) tem uma visão de responsabilidade social que
abrange os benefícios também aos fornecedores:
A responsabilidade social assim considerada supera alguns
paradigmas que a confundiram com assistencialismo e filantropia e,
de certa forma, limitavam sua atuação, repercussão e
acompanhamento pela sociedade, seja ela representada pelos
clientes, fornecedores, colaboradores, governos, acionistas etc.
Já o Instituto Ethos (2008), referindo-se à responsabilidade social,
recomenda tais atitudes das empresas com seus fornecedores:
A empresa socialmente responsável envolve-se com seus
fornecedores e parceiros, cumprindo os contratos estabelecidos e
trabalhando pelo aprimoramento de suas relações de parceria. Cabe
à empresa transmitir os valores de seu código de conduta a todos os
participantes de sua cadeia de fornecedores, tomando-o como
orientador em casos de conflitos de interesse. A empresa deve
conscientizar-se de seu papel no fortalecimento da cadeia de
fornecedores, atuando no desenvolvimento dos elos mais fracos e na
valorização da livre concorrência.
68
Assim, o conceito de responsabilidade social toma um sentido mais
amplo, saindo da visão assistencialista que expõe ao risco de empobrecer o
conceito, ou ainda pior mascarar atitudes antiéticas de certas empresas com
participação em programas de assistencialismo social. As afirmativas de
Karkotli (2006), Passos (2004) e defendidas pelo Instituto Ethos, são de que a
responsabilidade social emerge de uma reflexão ética mais madura.
Responsabilidades éticas correspondem a atividades, práticas,
políticas e comportamentos esperados ou proibidos por membros da
sociedade, apesar de não codificados em leis. Elas desenvolvem uma
serie de normas, padrões ou expectativas de comportamento para
atender o que os diversos públicos (stakeholders) com as quais a
empresa se relaciona consideram legítimo, correto, justo ou de
acordo com seus direitos morais ou expectativas. (ASHLEY, 2003, p.
50).
Na concepção de Passos (2004, p.168), a Responsabilidade Social
das Empresas “se refere às ações de apoio aos fornecedores, oportunizando
seu crescimento e qualificação técnica e ética, através, por exemplo, da
disponibilização de informações, promoção de atividades conjuntas, ou
exigindo que eles respeitem os direitos trabalhistas, entre outras”. Assim, o
conceito de Responsabilidade social abrange outros relacionamentos.
Empresa ética é aquela que conquistou o respeito e a confiança dos
seus empregados, clientes, fornecedores, investidores e outros,
estabelecendo um equilíbrio aceitável entre seus interesses
econômicos e os interesses de todas as partes afetadas, quando
toma decisões ou empreende ações. (AGUILAR, 1996, p.26 apud
PASSOS, 2004, p.93).
Paradoxalmente, no mundo dos negócios que envolvem interesses
multilaterais, em que é praticada por tantos a concorrência predatória, vem à
tona o tema emergente da ética, da responsabilidade social com fornecedores
e com clientes, de empresas concorrentes fazendo parcerias.
2.3.1 Ética com os stakeholders
Srour (1994) comenta o que está em voga nos Estados Unidos:
69
Ao invés de beneficiar os shareholders (acionistas), cumpre ponderar
os interesses díspares dos stakeholders (partes envolvidas e
contrapartes). O primeiro paradigma justifica as escolhas entre vários
cursos de ação em função do lucro que propiciam. O segundo
paradigma justifica as ações eleitas na medida em que elas
maximizam a satisfação das contrapartes. (SROUR, 1994, p.10).
Na mesma direção, conforme exposto na página da internet, os
dirigentes do Instituto Ethos (2008) defendem uma visão mais ampla dos
grupos de interesse:
A gestão empresarial que tenha como referência apenas os
interesses dos acionistas (shareholders) revela-se insuficiente no
novo contexto. Ele requer uma gestão balizada pelos interesses e
contribuições de um conjunto maior de partes interessadas
(stakeholders). A busca de excelência pelas empresas passa a ter
como objetivos a qualidade nas relações e a sustentabilidade
econômica, social e ambiental.
Nas circunstâncias dos interesses das partes envolvidas e
contrapartes, “emerge a necessidade de equacionar questões das mais
variadas complexidades, entre as quais: como compatibilizar lucratividade e
respeito às contrapartes? Como deixar de garantir qualidade de bens e
serviços?” (SROUR, 1994, p.10).
Leisinger e Schmitt (2001, p.195), após uma ampla reflexão sobre a
ética empresarial, prescrevem algumas atitudes éticas nas relações entre
fornecedores, bem como entre empresas concorrentes:
As relações de uma empresa com seus fornecedores deve basear-
se no respeito e na confiança mútua. Por isso a empresa tem a
responsabilidade moral de:
Na escolha de seus fornecedores, cuidar que eles assumam
responsabilidades do ponto de vista social e ecológico, e que
suas condições de emprego respeite a dignidade humana;
Cultivar relações constantes com os fornecedores cujos produtos
e serviços sejam competitivos no tocante a valor, qualidade e
segurança, e também quanto à confiabilidade;
Em todas as relações comerciais com fornecedores e parceiros
agir com lisura, confiabilidade e fidelidade;
Evitar pressão e desnecessárias questões jurídicas, ou resolve-
las pacificamente;
Prestar aos fornecedores e parceiros informações relevantes e
incluí-los em processos de planejamento;
Pagar pontualmente aos fornecedores, como foi acertado.
Quanto à concorrência, Mattar Neto (2004, p.318), referindo-se ao
grupo dos stakeholders, numa abordagem de microeconomia, cita para sua
70
fundamentação a convenção de Paris para Proteção da Propriedade Industrial,
de 1883, que, em seu artigo 10bis, formalizou a regra geral de que “constitui
um ato de concorrência desleal todo ato de concorrência contrário às práticas
honestas em matéria industrial ou comercial”. Mattar Neto (2004, p.318) dá sua
interpretação:
Sem dúvida, a expressão práticas honestas tem um significado muito
subjetivo e amplo, mas as legislações que a disciplinaram não
conseguiram utilizar termos mais precisos: princípios de boa-fé
(Espanha e Suíça), correção profissional (Itália), boa moral
(Alemanha, Grécia e Polônia), princípios da honestidade e
transações justas ou moral do mercado da região (Estados Unidos).
[...] O artigo 10bis indica como atos de concorrência desleal: os que
criem confusão entre concorrentes, os de falsa alegação contra
concorrentes e os de indicação ou alegação que induza ao erro o
público quanto ao produto, marca ou característica. Passaram
também a ser considerados atos de concorrência desleal os de
desvio de funcionários e de segredos industriais e comerciais. O
desvio fraudulento de clientelas e a atribuição, por meio de
propaganda, de recompensa ou distinção falsas, são também
considerados atos de concorrência desleal. Uma interessante
espécie de concorrência desleal é a concorrência parasitária, em que
ocorre imitação continua e sistemática de um concorrente.
De acordo com Mattar Neto (2004), pode-se pensar também em
concorrência desleal envolvendo fornecedores e distribuidores, quando uma
das partes age deslealmente. Diante dessa realidade, a filósofa Jacqueline
Russ, citada por TRASFERETTI (2006, p.43), duvida da possibilidade da ética
prevalecer nos negócios, quando afirma em seu livro Pensamento Ético
Contemporâneo: “na esfera dos business todos os golpes parecem permitidos,
dado que a preocupação fundamental de uma firma é, por definição, sua
sobrevivência”.
Trasferetti aborda a ética como uma exigência global, uma base de
competência empresarial. “Neste mundo marcado pela competição, busca do
lucro, fortalecimento do mercado, a ética empresarial precisa ocupar o seu
espaço como instância crítica de um ambiente normalmente hostil, mas, ao
mesmo tempo, fascinante”. (TRASFERETTI, 2006, p.45).
Moreira (1999, p.92) numa abordagem particularmente legalista se
refere às relações com a concorrência, o que consiste em atos, atitudes e
contatos. Para tanto, a autor resume quais os deveres éticos relativos à
concorrência, nos quais são todos eles refletidos em princípios legais: lutar a
71
favor e não criar obstáculos para a materialização da concorrência perfeita; não
incorrer em prática anticoncorrencial; e não abusar do poder econômico. “Em
matéria de concorrência, ferir a ética significa violar a lei e sujeitar-se a
penalidades severas”. A lei n.º 8.884, de 11/06/94, que dispõe sobre as
relações com a concorrência, conforme o anexo 01, é citada por Moreira.
Os concorrentes fazem contatos entre si, geralmente visando
parcerias. Junto a esses contatos entre concorrentes, Moreira (1999, p.107-
108) inclui o relacionamento entre as pessoas, em feiras de exposições e em
associações de classe. Por conseguinte, indica os princípios para estabelecer
limites éticos para esses contatos, conforme é demonstrado com mais detalhes
no quadro 8: “não revelar, não obter e não se utilizar, no caso de conhecimento
involuntário, dos dados concorrenciais”.
Em feiras de exposições, o autor orienta que a obtenção do
conhecimento espontâneo demonstrado pelo concorrente ao público geral não
é considerado antiético, porém, nas exposições fechadas, deve haver o
respeito dos concorrentes. No ambiente das associações de classe, segundo o
autor, não se podem ensejar acordos ilegítimos entre concorrentes e nem troca
de informações sobre dados da concorrência.
72
Contato Princípio Ético
Entre pessoas Não revelar, não obter e não se utilizar, no caso de
conhecimento involuntário, dos dados concorrenciais.
Não deve haver qualquer referência, por qualquer das partes,
a qualquer dado concorrencial, seja essa referência expressa
ou tácita, direta ou indireta.
Nenhum meio que contenha um dado concorrencial deve ser
tornado disponível para outras pessoas de outras
organizações.
Nenhum empregado deve tentar ter acesso aos dados e
meios físicos que contenham informações dos concorrentes.
Em Feiras e Exposições Nas exposições fechadas, deve haver o respeito dos
concorrentes, e obter o conhecimento da tecnologia
quando permitido pelo concorrente.
Nas associações de
classe
Não se podem ensejar acordos ilegítimos entre concorrentes
e nem troca de informações sobre dados da concorrência.
Não permitir, exigir, pedir ou influenciar para que a entidade
se desvie dos seus reais objetivos.
Não revelar e nem obter, nos contatos com os concorrentes
ou a entidade, quaisquer dados da concorrência, exceto
quando tais informações se destinarem a compor
demonstrações consolidadas sobre o setor a todos os
membros da entidade.
Não permitir nem concordar que os contatos na entidade se
transformem em qualquer tipo de acordo proibido entre
concorrentes.
Zelar para que todas as atividades e reuniões da entidade
sejam adequadamente registradas.
QUADRO 8 - LIMITES ÉTICOS EM CONTATOS COM A CONCORRÊNCIA
FONTE: O autor. Adaptado à abordagem de Moreira (1999)
Diante do exposto, surge uma indagação: para que haja uma conduta
ética entre os atores, deveria haver um mecanismo de controle, articulado por
um conselho ou pela governança? No próximo tópico, alguns autores
defendem essa proposição.
2.3.2 Mecanismos de controle
Srour (1994) defende que a prevenção contra atitudes não éticas se dá
somente por mecanismos de controle das condições operativas, mediante
sanções, visando coibir abusos e práticas oportunistas. “Para tanto é
aconselhável haver prévio consenso em torno de um código de ética que possa
autenticar as opções axiológicas da empresa e seja expressão da cultura
organizacional praticada.” (SROUR, 1994, p.18).
73
A empresa ética não se furta, todavia, a rever o teor de um
compromisso com ela assumido por um fornecedor, em caso de
alteração das circunstâncias originalmente contratadas [...], por
exemplo, quando, por circunstâncias alheias à vontade do
fornecedor, o cumprimento de um contrato se torna excessivamente
oneroso, rompendo o equilíbrio financeiro e econômico do
relacionamento. [...] A empresa ética procura resolver as
controvérsias com seus fornecedores através de negociação
baseada na boa-fé. Quando estas se revelam infrutíferas, a empresa
ética busca um mecanismo alternativo de resolução de disputas,
como a arbitragem ou a mediação. Em nenhuma hipótese tira
vantagem da morosidade da justiça. (MOREIRA, 1999. p.123).
O termo boa-fé no texto acima destacado de Moreira (1999), em si, é
subjetivo. Mas podemos interpretá-lo como um ato que normalmente é visto
como honesto, sem intenção de dolo ao parceiro.
Os mecanismos de controle defendidos por Srour (1994) devem estar
orientados para constituir um sistema que compreende: leis e normas
dissuasórias, com instância arbitral; auditorias preventivas; comissões
multipartes que reúnam representantes dos interesses contraditórios; absoluta
transparência e publicidade dos processos de tomada de decisão; educação e
treino a fim de que os participantes interajam com aquilo que tenha sido
legitimado através de um consenso.
Contudo, Srour ressalta que é difícil prescrever um algoritmo como um
instrumento que seja capaz de orientação com profundidade à reflexão ética,
tendo em vista que no âmbito das organizações pode predominar a abordagem
ética de Princípio, ou a de Finalidade ou a de Consequência, dependendo dos
interesses presentes e da cultura organizacional.
O algoritmo da reflexão ética defendido por Srour (1994), conforme
demonstrado no quadro 9, em que o autor sugere sete passos, “preciosos, em
si mesmos, para assegurar a coesão da cultura organizacional e dar
consistência de decisão empresarial”. (SROUR, 1994, p.20).
74
Passo Do que trata
Critério
Levantar todas as informações sobre a situação a ser
analisada.
Identificar o que é
verdadeiro ou falso.
Alinhar os cursos de ação alternativos e os meios que
serão usados, os métodos factíveis (como fazer?).
Caracterizar o que é lícito e
o que é ilícito.
Identificar os juízos de valor (ideais imperativos) que
embasam os vários cursos de ação que se
apresentam. (Por que fazer isso e não outra coisa?).
Remete ao reputado pelos
agentes como sendo justo
ou injusto.
Descobrir as crenças, os pressupostos ou os atos de fé
que sustentam os valores enunciados.
O que os agentes
consideram como válido ou
inválido.
Imaginar e clarificar as consequências prováveis do
curso de ação que se pretende adotar.
Avaliar o que é positivo ou
negativo para tais e quais
agentes.
Rastrear os interesses em disputa e identificar quais
agentes poderão ser beneficiados e quais poderão ser
prejudicados.
Indica quem se beneficia ou
sai prejudicado.
Escolher um determinado curso de ação. (O que deve
ser feito?).
Remete ao que parece
certo ou errado para os
agentes da reflexão.
Quadro 9 - MODELO DE ALGORITMO DE REFLEXÃO ÉTICA DE SROUR
FONTE: O autor. Adaptado ao modelo de Srour (1994).
Srour (1994) afirma que é imperativo que a ética seja politizada, isto é,
seja legitimada por um processo democrático, participativo, de modo que seja
possível ser entendido e incorporado pelos agentes.
Sem mecanismos democráticos de contracontrole, manejados por
organizações voluntárias, não se terá a prevalência de uma moral da
responsabilidade social ou de uma moral da integridade, pois, mais
do que uma opção da consciência individual, essas morais são
resultado da mobilização política da cidadania. (SROUR, 1994,
p.21).
Muskin (2000) apresenta alguns exemplos de problemas e/ou
violações éticas, dentro de um padrão proposto no contexto: conflito de
interesse, suborno, informações falsas, apropriação de bens intangíveis, não
execução de acordos, exploração de poder, de modo coercitivo ou abusivo.
2.4 ARRANJO PRODUTIVO LOCAL
O Arranjo Produtivo Local (APL) é um campo privilegiado para estudos
sobre relacionamentos interorganizacionais, em vista da proximidade
geográfica das empresas, ramos de atividades interligados e fatores culturais
75
próprios. Surgem daí, vários fenômenos sociais, como cooperação ao lado da
competição, entre outros.
2.4.1 Conceitos e características
O surgimento de concentrações de empresas industriais de uma mesma
especialização setorial produtiva, com proximidade geográfica, pode ser visto
como um formato de relacionamentos interorganizacionais pelo aspecto de
cooperação entre seus participantes (MARTINI, 2006). O termo Arranjo
Produtivo Local – APL é designado para definir um tipo de aglomerado de
firmas industriais, que se forma em diversas regiões.
Arranjos Produtivos Locais são aglomerações territoriais de agentes
econômicos, políticos e sociais - com foco em um conjunto
específico de atividades econômicas - que apresentam vínculos
mesmo que incipientes. Geralmente envolvem a participação e a
interação de empresas - que podem ser desde produtoras de bens e
serviços finais até fornecedoras de insumos e equipamentos,
prestadoras de consultoria e serviços, comercializadoras, clientes,
entre outros, e suas variadas formas de representação e associação.
Incluem também diversas outras instituições públicas e privadas
voltadas para: formação e capacitação de recursos humanos, como
escolas técnicas e universidades; pesquisa, desenvolvimento e
engenharia; política, promoção e financiamento. (CASSIOLATO e
LASTRES, 2003).
Percebe-se que a formação de um APL não surge de maneira
intencional ou planejada. A formação de um APL é uma consequência, ao
longo do tempo, de empreendedores de uma mesma região geográfica, que
percebem a oportunidade de negócio, geralmente por se basearem em outro(s)
empreendedor(s) que descobriram a vocação da localidade para exploração de
um setor industrial (NEGRÃO, 2006). “Uma ideia torna-se fonte de outras ideias
novas” (CAMPOS, 2006, p.11). A cooperação e a confiança entre os agentes
se desenvolvem aos poucos, proporcionando um ambiente favorável dentro de
um APL (ALBAGLI e BRITO, 2003).
Para a direção da Fiep (2008):
Arranjo Produtivo Local - APL é o termo que se usa para definir
uma aglomeração de empresas com a mesma especialização
produtiva e que se localiza em um mesmo espaço
geográfico. Os APLs mantêm vínculos de articulação,
76
interação, cooperação e aprendizagem entre si, contando
também com apoio de instituições locais como Governo,
associações empresariais, instituições de crédito, ensino e
pesquisa.
De acordo com o trabalho publicado pelo Ipardes (Arranjos Produtivos
Locais, 2006), entre as características importantes observadas nas
aglomerações, incluindo APLs, estão:
Especialização produtiva;
Micro, pequenas e médias empresas presentes na aglomeração;
Emprego gerado pela atividade – em quantidade e (ou) qualidade;
Divisão de trabalho entre as empresas, indicando certa cooperação e
(ou) interação produtiva;
Potencial inovativo da atividade;
Formas de aprendizado e grau de disseminação de conhecimentos
especializados;
Densidade da cadeia produtiva local ou regional, expressa pelo
número de classes de atividades afins;
Nível de compra local como indicativo de encadeamentos produtivos
e renda internalizada no Estado ou região;
Destino da produção, com inserção no mercado nacional ou externo,
indicando capacidade competitiva das empresas locais;
Organização institucional (instituições de apoio, associações de
classe, serviços especializados, formação de mão-de-obra);
Estrutura de governança presente no sistema, mesmo que informal;
Protagonismo local;
Existência de liderança local (pessoa ou instituição) que mobilize os
empresários locais.
Segundo a abordagem de Campos (2006, p.23):
A aproximação geográfica possibilita o surgimento de outras
atividades subsidiárias. A presença de fornecedores de bens e
serviços, portanto, constitui-se em importante fonte de
economias, especialmente quanto ao processo de
conhecimento gerado mediante as relações entre firmas e seus
fornecedores.
77
Nos APLs existe um estímulo que parte da própria dinâmica do setor
produtivo local, para que os empreendedores percebam as oportunidades, e
aos poucos empresas fornecedoras surjam já como parceiras de outras. De
acordo com os estudos do Censo industrial do APL de confecção de bonés de
Apucarana, os Arranjos Produtivos Locais são uma ampliação do conceito
tradicional de cadeia produtiva para o conjunto das atividades correlatas ou de
apoio, produzido em geral em uma determinada região. A pesquisa define os
elementos-chaves que resumem as consequências dos relacionamentos em
um APL:
1. Aglomeração produtiva local, que gera economias externas,
complementaridade e vantagens locacionais;
2. Eficiência coletiva, advinda da atuação cooperativa entre os
agentes;
3. Conhecimento tácito local acumulado, conhecimento não
codificável, gerado e acumulado por meios das várias formas de
aprendizagem dos trabalhadores e empresários;
4. Localidade, identidade cultural e do protagonismo dos atores na
formação do capital social e na governança, bem como a
articulação global-local.
Schmitt et al. (2003) sugerem no seu artigo a distinção dos tipos de
aglomerados, muitas vezes tidos como sinônimos. Considerando a realidade
brasileira, procuram esses os autores as definições para Clusters, Sistemas
Locais de Produção e Arranjos Produtivos Locais. A particularidade dos
Arranjos Produtivos Locais – APLs, além da concentração geográfica, é que
contam com fornecedores especializados, instituições de ensino, associações
de classe, instituições governamentais, além de realçar a presença em alto
grau de cooperação, vínculos, interação e confiança.
Arranjo Produtivo Local é um aglomerado de empresas de um
determinado segmento de atividade que concentra também um
conjunto de organizações e instituições provedoras de insumos e
serviços que aumentam a eficiência coletiva e a integração entre os
agentes. (SCHMITT et al., 2003).
78
No caso dos Sistemas Locais de Produção (SLPs), segundo Schmitt et
al. (2003), a articulação e os vínculos são mais consistentes, há fortes
relacionamentos entre os participantes, com potencial de capacidade inovativa
endógena. Apontam os autores para a possibilidade de transição de um
sistema (APL) para outro (SLP), afirmação que se coaduna com os conceitos
de Barros e Moreira (2006).
Já Negrão (2006), citando Noronha e Turchi (2005), usa a
denominação de APL para designar de forma generalizada, particularmente no
Brasil, qualquer aglomerado produtivo, não considerando o grau de articulação
entre os atores nem outros fatores pertinentes.
Também Cassiolato e Lastres (2003) investigam os formatos de
aglomerados, num estudo sobre as tipologias, em que distinguem os Sistemas
Produtivos dos Arranjos Produtivos. Os autores destacam, entretanto, as
interações entre atores dentro de um APL, sendo que as relações técnicas,
formais ou informais, geralmente visam adquirir, gerar e difundir
conhecimentos. Tais arranjos comumente apresentam fortes vínculos
envolvendo agentes localizados no mesmo território. É por esta perspectiva
nos relacionamentos que se dá a ênfase nas pesquisas de Cassiolato e Lastres
(2003), nas quais, tais relações privilegiam “os fluxos de conhecimentos, em
particular na sua dimensão tácita; os processos de aprendizado para as
capacitações produtivas, organizacionais e inovativa; a importância da
proximidade geográfica e identidade histórica, institucional, social e cultural
como fontes de diversidade e vantagens competitivas”.
Para Scheffer et al. (2008), a proximidade geográfica favorece
relacionamentos de maior profundidade entre os agentes. Observam os
autores que o compartilhamento dos fluxos de informação, normas e valores
sociais locais entre a vizinhança, reduz os custos de transmissão e de
transação do conhecimento, e isto se dá pelo fato de existir grau elevado de
confiança nas relações entre os participantes de um APL, o que favorece o
desenvolvimento de um ambiente inovativo.
Cunha e Pereira (2006) dão um particular enfoque nas relações de
complementaridade e interdependência entre as empresas participantes do
APL. Na mesma visão de Scheffer et al. (2008), as relações ganham força na
79
medida em que os custos percebidos forem minimizados. Nesse sentido,
Cunha e Pereira (2006) identificam nos APLs elementos de competitividade, a
especialização voltada para a inovação, divisão de tarefas entre as empresas e
espaço para a ação conjunta das empresas.
Na abordagem de Negrão (2006), a cooperação multilateral e outras
formas de cooperação, complementaridade e interdependência, são fatores
que explicam o sucesso de um APL. Neste aspecto, corrobora a abordagem de
Lastres e Cassiolato (2005), em que os Arranjos Produtivos são mais propícios
a desenvolverem-se em ambientes favoráveis à interação, cooperação e
confiança entre os atores.
Para Lastres e Cassiolato (2005, p.11), a cooperação nos Arranjos
Produtivos Locais pode ocorrer por meio de:
Intercâmbio sistemático de informações produtivas, tecnológicas e
mercadológicas (com clientes, fornecedores, concorrentes e outros);
Interação de vários tipos, envolvendo empresas e outras
organizações, por meio de programas comuns de treinamento,
realização de eventos/feiras, cursos e seminários, entre outros;
Integração de competências, por meio da realização de projetos
conjuntos, incluindo desde melhoria de produtos e processos até
pesquisa e desenvolvimento propriamente dita, entre empresas e
destas com outras organizações.
Nos APLs a governança se faz presente e se constitui em função de
coordenar, intervir e promover a participação dos agentes direta e/ou
indiretamente ligados ao processo produtivo e estratégico, articular e
possibilitar a participação e atuação conjunta do capital social, entre outras
ações, conjuntamente elaboradas com a participação dos atores (CENSO
industrial do APL de confecção de bonés de Apucarana, 2006).
Presume-se que os fatores liderança e confiança são essenciais na
constituição da governança em um APL. “Apesar de não ser fácil criar e
organizar atividades cooperativas entre empresas concorrentes, o papel do
APL, mais precisamente de sua governança, elemento nuclear agregador das
ações no APL e com função de harmonizar interesses”. (NEGRÃO, 2006).
Barbosa e Medeiros (2005) pesquisaram os mecanismos presentes na
coordenação das redes de relações interorganizacionais. Apresentam o
esquema analítico com três níveis de estruturas de coordenação, que definem
três tipos de relações. As meso-estruturas abrangem um sistema particular de
80
arranjo e se referem às formas assumidas pelo arranjo interorganizacional
(APL, por exemplo), sendo relativas ao nível da implementação. Os exemplos
propostos para formas de composição das redes solidárias são as tribos, clãs e
comunas coletivas; para as redes baseadas em relações de mercado são
citadas as alianças, joint ventures e, nas redes baseadas em comando,
encontram-se os programas e projetos.
Barbosa e Medeiros (2005) afirmam que nos mecanismos de
coordenação das redes de relações interorganizacionais, quando há a
ausência de comunicação e de troca de informações entre os
implementadores, existe uma forte centralização com atividades verticalizadas,
por não haver indícios de interdependência entre as demais organizações.
No contexto das abordagens conceituais de APL, identificam-se
algumas palavras-chaves capturadas: relacionamentos interorganizacionais,
confiança, parcerias, cooperação, sinergia, especialização produtiva,
conhecimento tácito e capacidade inovativa endógena.
Os APLs têm um papel fundamental no desenvolvimento
econômico, social e tecnológico de uma região, beneficiando todas
as empresas e engajando comunidades locais, centros de tecnologia
e pesquisa, instituições de ensino e entidades públicas ou privadas.
Tudo isso possibilita a geração de maior competência às empresas,
maior competitividade e inserção em novos mercados, inclusive
externos. As empresas instaladas em APLs exercem o aprendizado
coletivo, a troca de informações, a eficiência coletiva e o aumento da
competitividade. (FIEP, 2008).
No estado do Paraná são vinte APLs consolidados, de acordo com a
Fiep, como mostra a figura 2: Confecções (Cianorte, Maringá, Sudoeste e
Londrina); Bonés (Apucarana), Móveis (Arapongas e Sudoeste), Derivados da
Mandioca (Paranavaí), Madeira e Esquadrias (União da Vitória), Malhas
(Imbituva), Metais Sanitários (Loanda), Moda Bebê (Terra Roxa), Cal e Calcário
(Região Metropolitana de Curitiba), Equipamentos e Implementos Agrícolas
(Cascavel e região), Tecnologia de Informação (Londrina), Instrumentos
Médicos – Odontológicos (Campo Mourão), Software (Curitiba, Maringá e
Sudoeste) e Alumínio (Sudoeste). Estão em fase de prospecção e
planejamento outros APLs: Instrumentos Médico-odontológicos (Curitiba),
Louças e Porcelanas (Campo Largo), Sistemas de Armazenagem e Logística
(Ponta Grossa) e Móveis (Umuarama) (FIEP, 2008).
81
FIGURA 2 – MAPA DOS APLs DO PARANÁ.
FONTE: Fiep
De acordo com Negrão (2006), os APLs no Brasil surgem como uma
alternativa para o desenvolvimento econômico, sobretudo por sua
característica de cooperação e organização entre empresas, gerando o
desenvolvimento de soluções próprias e locais. Assim, a atenção dispensada
tanto pelo Ipardes como pela Federação das Indústrias do Estado do Paraná
(Fiep) pelos Arranjos Produtivos Locais demonstra sua importância no contexto
do desenvolvimento regional.
82
3 METODOLOGIA DE PESQUISA
Neste capítulo são apresentados: a metodologia utilizada na pesquisa
empírica, a estratégia de pesquisa, o método utilizado, a classificação da
pesquisa, o nível de análise, a unidade de análise, as definições constitutivas e
operacionais, os procedimentos de coleta de dados e análise dos dados
coletados.
A investigação ocorreu em empresas integrantes de um Arranjo
Produtivo Local (APL) do setor de confecções de bonés em Apucarana – PR,
tendo como matéria principal a ética nos relacionamentos entre essas
empresas.
A análise de dados obtidos pelas entrevistas com os atores
diretamente envolvidos nas relações interorganizacionais teve como apoio as
contribuições de Miles e Huberman (2007). Sugerem esses autores uma
análise prévia dos dados, que acontece entre uma e outra coleta, o que
possibilita identificar novas hipóteses que surgem durante a pesquisa. Godoi et
al. (2006, p.134, 137) também sugerem esta forma para se conduzir a coleta de
dados durante a pesquisa qualitativa:
À medida que as entrevistas vão sendo realizadas, o roteiro pode ser
aperfeiçoado ou modificado em função da necessidade de se obter
outros tipos de dados. [...] A análise não é a última fase do processo
de pesquisa; ela é concomitante com a coleta de dados e torna-se,
além de paralela à coleta, integrada aos próprios dados.
Por isso, a coleta de dados e a análise prévia foram simultâneas, até
alcançar um nível satisfatório de base de dados para a análise final. Quando
numa coleta de dados foi identificada alguma tendência ou até mesmo um
possível achado, na opinião de um entrevistado, isso serviu como ponto a ser
explorado nas entrevistas subsequentes.
Conforme a recomendação de Miles e Huberman (2007), todas as
anotações feitas durante as entrevistas, reconstruções de diálogos, foram
convertidas em anotações sucintas, de forma mais clarificada e compreensível.
As várias abreviações e sinalizações feitas rapidamente durante as entrevistas
em blocos de anotações foram a partir desse processo todas esboçadas.
83
Com as orientações metodológicas de Miles e Huberman (2007), as
reconstruções dos diálogos das entrevistas foram bem sucedidas, sem desvio
de significados nem a perda de elementos importantes. Ao descrevê-las, foi-se
identificando códigos, que na sequência deram lugar às categorias de análise.
Durante as entrevistas foi importante observar e tentar compreender o
mundo dos entrevistados, onde eles se apoiam para elaborar seus conceitos,
opiniões e crenças. E, principalmente pelo fato de o assunto ser complexo,
confidencial e delicado (GODOI, 2006).
3.1 ESPECIFICAÇÃO DO PROBLEMA
Qual a influência da ética nos relacionamentos interorganizacionais no
Arranjo Produtivo Local da confecção de bonés em Apucarana?
3.1.1 Perguntas de Pesquisa
Com base nos objetivos específicos definidos, são as seguintes as
questões de pesquisa que orientaram o estudo.
Como se caracterizam os relacionamentos interorganizacionais do
Arranjo Produtivo Local da confecção de bonés em Apucarana?
Qual é o papel estratégico dos relacionamentos na consecução dos
objetivos organizacionais?
Qual é a influência da ética na formação e desenvolvimento dos
relacionamentos interorganizacionais?
Quais são as ambiguidades e discrepâncias entre o discurso referente à
ética e a prática nos negócios?
84
3.2 DELINEAMENTO DA PESQUISA
3.2.1 Estratégia de pesquisa
Estudo de Caso
Considerando Estudo de Caso como uma estratégia de pesquisa em
administração, pode-se entender como um meio de investigar um fenômeno a
partir de uma organização ou de um grupo de organizações (APL), uma
situação em si, tratando-a como um caso de natureza bem específica.
Segundo Merriam (1988 apud Godoi et al., 2006, pg. 119), “os
pesquisadores geralmente utilizam o estudo de caso quando desejam
compreender uma situação em profundidade, enfatizando seu significado para
os vários envolvidos”. Tendo em vista que o próprio tema sugere maior
profundidade possível, em virtude da necessidade de investigar a ética nas
relações interorganizacionais, estreitamente relacionada com as relações
interpessoais, em seus aspectos subjetivos, propôs-se então um estudo de
caso no Arranjo Produtivo Local (APL) do setor de confecções de bonés em
Apucarana – PR.
Stake (2000 apud Godoi et al., 2006, pg. 139) afirma que: “um caso é
relevante e importante por si mesmo, não havendo necessidade de o
pesquisador indagar-se acerca da sua possibilidade de generalização para
outros casos”. Embora o estudo de caso reserve a perspectiva da não
generalização para outros casos, o tema questão ética nas relações
interorganizacionais é pertinente para um amplo contexto das organizações, e,
a partir dessa pesquisa, uma novos elementos teóricos poderão ser propícios
para outros estudos. Trata-se, entretanto, conforme a concepção de Yin (2001),
de uma generalização analítica, referente aos aspectos do modelo teórico
encontrado, e não de um elemento de amostra estatística.
O APL é um campo onde se encontram, em função de suas
características, diversas facetas de comportamento interorganizacional,
portanto, privilegiado para vários estudos, fator que influenciou na escolha
deste local para a pesquisa empírica. De acordo com Godoi et al. (2006, pg.
139), o fenômeno estudado compartilha do mesmo ambiente e da mesma
85
experiência, muitas vezes em situações de uma mesma natureza, sendo
possível presumir que cada organização reage de modo e grau diferente.
A pesquisa com estudo de caso dá-se pela natureza do tema em
estudo. De acordo com Yin (2001, p.32), o estudo de caso é “uma investigação
empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto
de vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto
não estão claramente definidos”. O fenômeno estudado, a conduta ética nas
relações interorganizacionais, intenta abordar um aspecto particular da ética.
Para se alcançar tal pretensão de pesquisa, as organizações e os atores
(dirigentes) dentro do APL foram o foco das investigações.
Godoi (2006, p.121) destaca a heurística como uma característica do
estudo de caso, pois propicia ao pesquisador a compreensão e descoberta de
novos significados para aquilo que está sendo estudado. Tal característica
sugere ao pesquisador se utilizar de certo grau de sensibilidade, para que
possa identificar o surgimento de novos significados, ou insigths, como explica
Godoi.
3.2.2 Método de Pesquisa
Abordagem Qualitativa
A abordagem qualitativa permite explorar através de vários ângulos o
fenômeno social. Tem como foco as peculiaridades e as relações entre os
elementos (VERGARA, 2005). Entre as características da pesquisa qualitativa,
apresentadas por Godoi (2006), destaca-se o pesquisador como um
instrumento primário para a coleta e análise de dados.
Sendo de natureza qualitativa, cada pesquisador tem uma estratégia
particular a ser posta em prática, e naturalmente o ponto de exploração passa
a ser divergente de um para outro pesquisador. Esse fator, por si mesmo, não
diminui o potencial de investigação do estudo de caso, mas coloca a
competência e a sensibilidade do pesquisador como um quesito essencial para
esta modalidade de pesquisa. A habilidade do pesquisador deve ser verificada
especialmente nas entrevistas e nas descrições das entrevistas, bem como em
outras observações e análise da situação.
86
3.2.3 Classificação da Pesquisa
A característica da pesquisa é definida como descritiva. O fenômeno
social que envolve ética nos relacionamentos interorganizacionais é relatado
com detalhes. Por ser um fenômeno pouco estudado, pretende-se, como
sugere GODOI et al. (2006, p.124): “formar uma base de dados para futuros
trabalhos comparativos e de formulação de teoria”.
O fenômeno social em questão é explorado mediante a análise de
conteúdo dos discursos, decisões e condutas dos dirigentes, pertinentes aos
relacionamentos interorganizacionais.
3.2.4. Nível de Análise
O nível de análise tem como corte as relações interorganizacionais,
delimitado nos seguintes tipos de relacionamentos: (1) entre empresas
fabricantes concorrentes; (2) empresas fabricantes com as empresas
subcontratadas; e (3) empresas fabricantes com seus fornecedores. No centro
dessas relações estão as empresas fabricantes, conforme ilustra a figura 3.
FIGURA 3: Tipos de relações interorganizacionais para pesquisa
FONTE: o autor (2009).
Fornecedores
Concorrentes Subcontratadas
Fábricas
de
Bonés
87
3.2.5 Unidades de Análise
As unidades de análise escolhidas foram as organizações integrantes
do APL, tendo seus respectivos dirigentes como principais atores a serem
pesquisados. As entrevistas foram realizadas somente com um único dirigente
de cada empresa, que tem como atribuição a definição das políticas e a gestão
dos relacionamentos interorganizacionais. Foi considerado que na maioria das
empresas as principais atividades administrativas são centralizadas, sendo em
geral os proprietários os principais dirigentes.
As entrevistas foram feitas junto à governança e a algumas empresas
de cada grupo, que representam os três tipos de relacionamentos, até se
alcançar a saturação ou satisfação do que se pretendia investigar. A escolha
da governança se deu pelo fato de se situar como um observatório dos fatos do
cotidiano das empresas do APL.
Foram oito fábricas de bonés, três fornecedores e oito empresas
subcontratadas que foram pesquisadas. A coleta de dados e a análise
ocorreram concomitantemente, e, então, foi possível chegar ao nível de
satisfação. “A análise só termina quando novos dados nada mais acrescentam.
Neste ponto diz-se que o processo analítico exauriu dos dados”. (GODOI et al.,
2006, p.137).
3.2.6 Estratégia de Análise
Análise de Conteúdo
A estratégia utilizada foi a Análise de Conteúdo, com corte transversal.
Vergara (2005, p.15) considera essa técnica apropriada “para o tratamento de
dados que visa identificar o que está sendo dito a respeito de determinado
tema”. Inclui-se nesta técnica a transcrição de entrevistas semiestruturadas, já
que foram o único instrumento de coleta de dados.
Para isso, foi elaborada uma série de perguntas semiestruturadas para
o estudo de caso, descritas no anexo nº. 2, derivadas do problema de
pesquisa, em consonância com o objetivo geral e os objetivos específicos.
88
3.3 Definições Constitutivas (D.C.) e Operacionais (D.O.)
São as seguintes as categorias de análise que foram aplicadas às
Definições Constitutivas:
2. Relacionamentos Interorganizacionais
a. Teoria das Relações interorganizacionais
b. O fator Confiança
c. O fator dependência
3. A Ética nas Relações Interorganizacionais
a. A influência da ética nas relações interorganizacionais
b. A Ética Deontológica e a Ética Teleológica
c. A dupla moral brasileira
Com estas Categorias de análises, o trabalho explora as Definições
Constitutivas e Operacionais, como seguem:
Relacionamentos interorganizacionais
D.C: São as empresas que interagem no ambiente e têm interesse, ou uma
aposta, ou são afetados, ou ainda têm uma relação direta ou indireta com ou
sobre a organização. E, para que estes sejam atingidos é necessário que
exista uma reciprocidade entre os interesses da empresa com seus parceiros
(KARKOTLI, 2006; EIRIZ, 2001; BALESTRIN e VARGAS, 2004).
D.O: Foi descrito como as empresas fazem acordos de parcerias entre si,
considerando os interesses multilaterais e a reciprocidade desses acordos.
O fator Confiança
D.C: O fator confiança, com perspectivas duradouras, em que as expectativas
são satisfeitas, propiciando evoluções nas parcerias (SATO, 2003).
89
D.O: Foi analisada através das entrevistas se o fator confiança nas parcerias
se sobrepõe às formalidades contratuais.
O fator dependência
D.C: A constatação de dependência de uma organização à outra fica sujeita a
pressões e ao uso do poder (MACHADO-DA-SILVA e COSER, 2006). O poder
nas relações de dependência pode ser usado de forma coercitiva, para
pressionar fornecedores, compradores e terceirizadas ou subcontratadas, a fim
de privilegiar uma única parte interessada (FARIA, 2001; KOTLER, 2000).
D.O: Foram entrevistadas todas as partes envolvidas, e, após, se fez um
cruzamento dos dados, de modo que foi possível identificar se há situações de
dependência, e se o uso de pressões e do poder são fatores que interferem
nas relações.
A Ética nas Relações Interorganizacionais
A influência da ética nas relações interorganizacionais
D.C: Seja qual for a vertente ou tipo de ética subjacente nas relações
interorganizacionais, ela tem sua influência nas decisões e práticas do
cotidiano das organizações, justamente porque as decisões empresariais
sempre afetam pessoas ou organizações. Conforme (MOREIRA, 1999): ”a
solidez dos laços ou elos nas relações entre empresas estão sujeitos à conduta
ética entre os atores“.
D.O: Foi investigada a partir de entrevistas, de qual a importância percebida
pelos dirigentes, e se a ética é ou não um fator influente nas relações
interorganizacionais, por meio da análise nas relações de concorrência,
cooperação, confiança, dependência e nos rompimentos.
A Ética Deontológica e a Ética Teleológica
D.C: A Ética Deontológica é baseada em princípios universais, nos imperativos
categóricos e nas ordenações incondicionais. E a Ética Teleológica tem relação
com a ética utilitarista. A ideia central é de que a moralidade das ações não
90
está nas intenções, mas nos fins. No seu extremo máximo, cultiva a ganância
pelo poder (SROUR, 2003; MATAR NETO, 2004; NASH, 2001).
D.O: As entrevistas foram realizadas com a governança e com os dirigentes
das empresas, com a tarefa de identificar qual a inclinação para uma dessas
correntes éticas.
A dupla moral brasileira
D.C: A moral da integridade é baseada nas virtudes sagradas, nos princípios
universais. É uma moral que tem origem na Ética Deontológica, com
particularidades da cultura brasileira. A moral do oportunismo se apoia em
procedimentos como esperteza, o jeitinho, vale-tudo, o calote (SROUR, 1994).
D.O.: As entrevistas foram realizadas com a governança e com os dirigentes
das empresas, com a tarefa de verificar se há inclinação para uma dessas
correntes da dupla moral brasileira.
3.4 Procedimentos de coleta de dados
Os dados coletados num estudo de caso têm como fontes a
observação, entrevistas, documentos, registros em arquivos, observação
direta, observação participante e artefatos físicos, que podem ser reunidos em
três grupos: observação, entrevistas e documentos (GODOI et al., 2006). O
procedimento dessa pesquisa foi unicamente a entrevista semiestruturada.
Descartaram-se os procedimentos de observação, como documentos, por
exemplo. Primeiro, se existirem, certamente são confidenciais e inacessíveis,
por se tratarem de questões delicadas inerentes à ética. Segundo, o interesse
maior é a opinião e os relatos dos próprios atores.
Os dados primários foram coletados por meio de entrevistas
semiestruturadas, utilizando-se de um roteiro com questões (anexo 2)
abrangendo os objetivos que foram definidos, como também a observação do
pesquisador quanto aos sinais e expressões emitidos durante as entrevistas
pelos entrevistados.
91
As entrevistas semiestruturadas têm sido a fonte de informação mais
utilizada (GODOI et al., 2006), principalmente quando o assunto é complexo,
pouco explorado e confidencial. Para que a obtenção de dados seja
satisfatória, não se pode esperar a boa vontade do entrevistado tão somente.
Cabe ao pesquisador ter o bom senso de escolher a hora apropriada, a pessoa
mais indicada para ser entrevistada, o que perguntar e como perguntar, de
modo que nada possa causar barreiras e eventual constrangimento durante a
entrevista, ainda mais se tratando de questões delicadas.
O pesquisador precisa ter o discernimento para perceber a sinceridade
das respostas do entrevistado. Uma entrevista semiestruturada sugere
questões e perguntas não muito rígidas, que possam em determinado
momento da entrevista, se desdobrar para alcançar novas informações.
Pode-se proceder à coleta de dados por meio de entrevistas com
anotações simultâneas ou notas manuscritas durante o diálogo entre o
pesquisador e o entrevistado, ou então por meio de gravações que serão
transcritas depois (MILES e HUBERMAN, 2007). Para essa pesquisa, foi
decidido não utilizar gravações nas entrevistas, considerando que assuntos
relacionados à ética são em geral delicados, quando o entrevistado fará
alusões às situações, às vezes indesejáveis, que tenham ocorrido, sempre
envolvendo outras pessoas, por estar se tratando de relacionamentos
interorganizacionais, em geral, com questões de foro íntimo.
O registro da entrevista pode ser feito por meio de gravações direta
ou de anotações realizadas pelo entrevistador durante o processo.
Embora o uso da gravação seja recomendado, uma vez que registra
todas as expressões orais, ele só deverá ocorrer se houver a
autorização do entrevistado. Complementarmente, é importante
realizar anotações (durante a entrevista e depois dela) de aspectos
relativos à forma de emissão das respostas pelos sujeitos e ao
próprio andamento da entrevista. (GODOI et al., 2006, p. 135).
A escolha por coletar dados das entrevistas através de notas
manuscritas durante a entrevista também tem o respaldo de Creswell (2007,
pg. 194), o qual orienta a reconstrução dos diálogos após as entrevistas, o que
é feito neste trabalho.
Nas observações como fonte de dados, orienta Creswell (200, p.190-
191):
92
O pesquisador toma notas de campo sobre comportamento e
atividades das pessoas no local da pesquisa. Nestas notas, o
pesquisador registra, de uma maneira não-estruturada, as atividades
no local de pesquisa. [...] Útil para explorar tópicos que podem ser
desconfortáveis para os participantes discutirem.
Nesta tarefa, procura-se descrever o perfil dos atores, as reconstruções
de diálogo, se for necessário, eventos ou situações que possam ocorrer
enquanto a entrevista estiver ocorrendo e registro das impressões percebidas.
De acordo com Godoi et al. (2006), na observação, a rigor da pesquisa
qualitativa, o papel do observador não segue uma norma rígida. O “olho clínico”
do pesquisador que deve procurar sinais, comportamentos, eventos, situações,
artefatos, que, por si, tenham significado para sua pesquisa. Seja qual for o
caráter de observação, todos os dados passarão pela interpretação unicamente
do observador, por isso, a isenção de qualquer motivo influenciador é
fundamental.
A pesquisa foi realizada com a governança e com os três grupos de
organizações, que constituem, entre si, os três tipos de relacionamentos, cujo
formato da análise de conteúdo está representado no quadro 10:
1º grupo: A entrevista foi dirigida ao coordenador da governança do
APL. Foram aplicadas questões com o propósito de saber quais as suas
percepções e observações sobre a conduta ética nesses relacionamentos
interorganizacionais dentro do APL.
2º grupo: As entrevistas ocorreram nas empresas fabricantes de bonés
com seus respectivos dirigentes. Nestas, foram aplicadas as questões sobre:
(a) qual a conduta ética no relacionamento com as subcontratadas e qual a
percepção que esses têm da conduta ética das subcontratadas em relação às
suas empresas; (b) qual a conduta ética no relacionamento com os
fornecedores e qual a percepção que esses têm da conduta ética dos
fornecedores em relação às suas empresas; (c) qual a conduta ética no
relacionamento com os concorrentes e qual a percepção que esses têm da
conduta ética dos concorrentes em relação às suas empresas.
3º grupo: As entrevistas ocorreram nas empresas subcontratadas com
seus respectivos dirigentes. Nestas, foram aplicadas as questões sobre qual a
conduta ética no relacionamento com as empresas (fábricas de bonés)
93
contratantes e qual a percepção que esses têm da conduta ética das
contratantes em relação às suas empresas.
4º grupo: As entrevistas ocorreram nas empresas fornecedoras para
as empresas fabricantes, com seus respectivos dirigentes. Nestas, foram
aplicadas as questões sobre qual a conduta ética no relacionamento com as
empresas (fábricas de bonés) compradoras e qual a percepção que esses têm
da conduta ética dessas empresas compradoras em relação às suas
empresas.
Entrevistas com Corte Transversal
Nível de Análise
Unidade de Análise
Relação entre fábricas
de bonés concorrentes
Dirigentes das fábricas de bonés Governança
Relação entre fábricas e
subcontratadas
Dirigentes das
fábricas de bonés
Governança
Dirigentes
das
empresas
subcontrata
das
Relação entre fábricas e
fornecedores
Dirigentes das
fábricas de bonés
Governança
Dirigentes
das
empresas
fornecedoras
QUADRO 10 - FORMATO DA ANÁLISE DE CONTEÚDO
FONTE: Autor
O roteiro de entrevistas foi formado por quatro partes:
A primeira parte procurou descrever como se caracterizam os
relacionamentos interorganizacionais do Arranjo Produtivo Local da
indústria de bonés em Apucarana;
A segunda parte buscou identificar qual é o papel estratégico dos
relacionamentos na consecução dos objetivos organizacionais;
A terceira parte buscou identificar qual é a influência da ética na
formação e desenvolvimento dos relacionamentos interorganizacionais;
A quarta parte procurou identificar quais são as ambiguidades e
discrepâncias entre o discurso referente à ética e a prática nos negócios.
94
3.5 Procedimentos no tratamento e Análise dos dados
Dos passos propostos por Creswell (2007, p.195-196), três foram
considerados no tratamento dos dados:
Organização e preparação dos dados para análise. Envolve a
transcrição das entrevistas, das notas das observações de campo;
Leitura dos dados a fim de obter um sentido geral das informações
e refletir sobre seu sentido global;
Processo de codificação, quando se procederá à segmentação de
partes de textos em categorias, à rotulação de termos usados em
linguagem real dos entrevistados.
A análise dos dados foi feita em duas fases:
Na primeira fase, foi feita uma análise dos dados empíricos,
confrontando as percepções dos atores entrevistados, com relação aos
significados, e a percepção que cada dirigente tem de seus parceiros. Dessa
forma, foi possível identificar os conceitos e as vertentes da ética presente nas
empresas escolhidas para a pesquisa.
Na segunda fase, os dados foram analisados utilizando-se da
estratégia de Análise de Conteúdo, cruzando-se os dados empíricos, obtidos
das entrevistas, com as categorias de análise pré-definidas na base teórica.
A análise dos dados coletados consistiu em extrair sentido dos dados
(CRESWELL, 2007), com procedimentos interpretativos, e dos dados obtidos
das entrevistas, confrontados com a base teórica.
Na análise, levou-se em conta o recurso da interação linguística, na
intenção de captar maiores revelações das entrevistas. De acordo com Godoi
et al. (2006), a interação linguística favorece a análise dos dados, devendo o
entrevistador observar as reações do entrevistado diante das perguntas e as
considerar como revelações úteis, além de incentivar o entrevistado com
gestos e expressões faciais, criando certa empatia. Ainda conforme os autores,
no momento decisivo da interpretação, o entrevistador entra em cena. Nesse
momento ele tem que incluir uma dimensão reflexiva. A interpretação começa
já durante a própria entrevista, espontaneamente. É preciso estar advertido
95
para o fato e guardar-se para o momento da análise. A interpretação, então, é
um processo de recriação.
Em favor da validação dos resultados, estes procedimentos foram
adotados, baseando-se nas sugestões de Creswell (2007): as informações
discrepantes entre as teorias e os achados reais que surgiram, foram
considerados na análise; e a permanência de um tempo mais prolongado nos
locais onde foi possível, favoreceu uma observação mais acurada.
96
4 ANÁLISE DE DADOS
Nesta seção, procurou-se apresentar uma caracterização do APL de
boné em Apucarana, dando particular destaque nas relações entre os grupos
de empresas, tendo as fábricas de bonés no centro dessas relações, que entre
si, cooperam, interagem e competem. Na análise, foram encontrados diversos
aspectos e situações que evidenciam a influencia da ética nos relacionamentos
interorganizacionais.
4.1 O Arranjo Produtivo Local da confecção de bonés em Apucarana.
O Município de Apucarana – PR, conhecido popularmente como
Capital Nacional do Boné, está localizado a 369 km de Curitiba, situado no eixo
Londrina-Maringá, com 558 km² de extensão territorial e uma população de
115.323 habitantes (IBGE, 2006). O APL de confecções de bonés de
Apucarana é reconhecido e apoiado pelo Governo Federal e Estadual,
com governança e Planejamento Estratégico (Fiep, 2008). As fábricas de
bonés instaladas em Apucarana respondem por cerca de 50% da produção do
país. Este setor gera na cidade 17,6% dos empregos industriais (anexo 2) do
município (CENSO INDUSTRIAL, 2006). O número estimado de empregos
diretos e indiretos na totalidade deste território é de 10.000, entre informais e
formais. (Rede APL, 2008).
Entre 1973 e 1974, duas empresas do ramo de brindes, Caps e a
Cotton’s, foram as pioneiras na confecção de bonés. Aqueles empresários
pioneiros pesquisaram e desenvolveram vários moldes de bonés até se
definirem pelo que consideraram melhor para a época. A aba ainda era feita
com papelão. Com o fechamento das três empresas precursoras, vários
empreendedores, muitos deles ex-funcionários da Cotton's, abriram suas
próprias fábricas. A primeira a se registrar na Prefeitura de Apucarana foi a
Indústria e Comércio de Roupas Faroli Ltda., no dia 31 de janeiro de 1984.
Mas, o grande crescimento do setor foi entre 1997 e 1998 (PORTAL DO
BONÉ, 2008).
97
Dos 623 estabelecimentos industriais do município, 42% estavam
vinculados ao ramo de confecções do APL. [...] Em 2004, dos 317
estabelecimentos do ramo de confecções, instalados na
microrregião, 262 (83%) estavam no arranjo. Segundo dados da
RAIS, no período de 2000 e 2004, houve aumento de 74% do
emprego formal no segmento de confecções no APL, superior ao
registrado pelo setor no Estado, que, no mesmo período, apresentou
um acréscimo de 67% no número de empregos formais. [...] O APL
de bonés de Apucarana apresenta 6.749 trabalhadores envolvidos
nas atividades do APL. Desses, 4.449 trabalhadores são formais,
absorvidos e distribuídos entre as 141 empresas confeccionistas, e
outros 2.300 trabalhadores informais, os quais trabalham nas
faccionistas. (ARRANJO PRODUTIVO LOCAL DE BONÉS DE
APUCARANA: NOTA TÉCNICA, 2006).
Através do estudo realizado por Arranjo Produtivo Local: nota técnica
(2006), foi possível identificar a composição das empresas no APL, de acordo
com o porte (somente com as formais). São 10 empresas de grande porte, 24
de médio, 40 de pequeno e 59 empresas de micro porte. “Ressalte-se que,
independentemente do tamanho, em geral, essas empresas são de
administração familiar, em muitos casos, administradas por casais, ou por
apenas um empresário, sendo a grande maioria delas gerida por jovens
empresários, com pouca ou nenhuma experiência em gestão empresarial”.
O trabalho determinou a seguinte tipologia: empresas de micro porte
(produção até 250 mil peças/ano), pequeno porte (produção maior
que 250 mil e menor que 500 mil peças/ano), médio porte (produção
maior ou igual a 500 mil e menor que 1 milhão de peças/ano) e
grande porte (produção maior que 1 milhão de peças/ano).
Destaque-se que 8 empresas não declaram a sua produção anual. .
(ARRANJO PRODUTIVO LOCAL: NOTA TÉCNICA, 2006).
Quanto às linhas dos produtos, os bonés são assim categorizados:
promocionais, institucionais, lojas de departamento, marcas próprias e grifes.
Além do boné, outros produtos correlatos são produzidos, os quais atendem ao
mesmo nicho de mercado e utilizam a mesma estrutura para produção de
bonés. As mesmas máquinas e operadores que produzem bonés também
fabricam vários outros produtos, o que torna o setor bastante versátil. Isto é, as
empresas podem continuar produzindo os bonés e, ao mesmo tempo, atender
demandas de chapéus, bandanas, tiaras, camisetas, aventais, uniformes,
mochilas, bolsas e porta CDs.
Das 53.266 milhões de peças/ano produzidas no APL, os bonés
representam 83% desse total, o que confirma a forte especialização do setor
98
neste tipo de produto. (Portal do boné, 2008; Arranjo Produtivo Local de Bonés
de Apucarana: Nota Técnica, 2006).
O mercado de distribuição e comercialização de bonés concentra-se
em 80% em âmbito nacional, 9% regional e 1% local. A comercialização
internacional corresponde a 10% da produção. Os canais de comercialização
das indústrias baseiam-se em telemarketing e representação comercial.
Em 2004, Apucarana recebeu do governo federal a denominação de
Arranjo Produtivo Local (APL). Com isso, Apucarana iniciou uma nova etapa
para a evolução do setor e para o desenvolvimento econômico e social do
município. Segundo Negrão (2006), as articulações do APL de bonés de
Apucarana começaram no final de 2003, com apoio do SEBRAE–PR e
entidades locais. Em 2004, um grupo de empresários representantes de
entidades parceiras formou um comitê gestor, dando início aos trabalhos da
governança.
O município reúne as condições que a legitimam como autêntico
APL. Tem entidades representativas de classe, instituições públicas
e privadas de treinamento, promoção e consultoria, escolas técnicas
e universidade, instituições de pesquisa, desenvolvimento e
engenharia, entidades de classe e instituições de apoio empresarial
e de financiamento. (PORTAL DO BONÉ, 2008).
De acordo com a FIEP (2008), seguem alguns exemplos de ações a
serem desenvolvidas pelo APL neste ano:
Inovação e tecnologia: resíduos gerados pelo setor; programa de
gestão ambiental; treinamento em modelagem de bonés;
treinamento em cronometragem; Programa de Qualidade e
Produtividade; Programa “5 menos que são mais”; Clínicas
tecnológicas; Banco de Projetos.
Educação e Capacitação: Treinamentos empresariais; Feira Expo-
boné.
Imagem e mercado: Café e boné, Dia do boné, consolidação e
promoção do APL, gestão de marca territorial, projeto institucional,
participação em feiras nacionais.
Grupo Gestor: Articulação e negociação. Avaliação de resultados,
capacitação da governança, interação e integração de grupos de
trabalho.
O APL de Apucarana angariou o título de “Capital do Boné”, e no dia
31 de janeiro passou a comemorar o dia do boné, entre outras iniciativas.
99
Fornecedores Locais
Em Apucarana encontram-se instaladas duas grandes empresas
fornecedoras à confecção do boné, que atuam no ramo de fiação, tecelagem e
acabamento de tecidos. Uma delas é reconhecida como um grande grupo do
segmento têxtil, cuja produção de fios é exclusiva, especialmente para a
produção do índigo de marcas famosas. Vinculados ao segmento do vestuário,
destacam-se, ainda, dois outros setores: o de confecção de bonés e o de
confecção de uniformes e vestuário de segurança, cuja maior empresa, líder
nacional no mercado de calçados de segurança, está instalada em Apucarana
(ARRANJO PRODUTIVO LOCAL DE BONÉS DE APUCARANA: NOTA
TÉCNICA, 2006).
Apucarana também conta com a presença de outras importantes
empresas na cadeia têxtil, confecções situadas na cidade, tais como: empresa
de tecelagem de algodão (sarja), indústria de tecelagem de malha, lavanderias,
tinturarias, empresas de fiação de algodão, além de confecções de
componentes têxteis, como carneiras, viés e etiquetas.
Quanto ao fornecimento, 30% da matéria prima é local (tecidos, abas,
linhas, botões, etiquetas e viés) e 70% nacional (tecidos). No processo
produtivo, 55% das máquinas e acessórios são nacionais, 30% regionais e
10% locais. Apenas 5% das máquinas ou processos são importados. (Rede
APL, 2008).
A maioria dos insumos utilizados na produção de bonés são fornecidos
por empresas da cidade e da região, por exemplo, abas, botões, pingentes,
fivelas, máquinas de pregar botões, de dublagem de tecidos e passadeiras de
bonés, além de lojas e representantes de tecidos e aviamentos. (Portal do
Boné, 2008).
A mão-de-obra especializada é outra importante característica do APL.
A infraestrutura de aprendizagem local conta com uma unidade do SENAI, uma
unidade do SESC, quatro centros de ensino superior (Administração,
economia, contabilidade) e o Centro Moda, que se transformou na
Universidade Tecnológica Federal. O município conta ainda com a Escola da
Oportunidade, ligada à prefeitura de Apucarana, e que oferece curso
introdutório para confecções.
100
Processo produtivo e subcontratação
O APL de confecções de bonés de Apucarana reúne 141 empresas
formais vinculadas à atividade do ramo e 397 microempresas informais ou
faccionistas, prestadoras de diversos tipos de serviços (a maioria são corte de
tecidos, costura, serigrafia e acabamento) às fábricas (Censo industrial, 2006).
Através desse processo, as empresas confeccionistas em geral terceirizam
parte de suas etapas produtivas, enquanto algumas subcontratam totalmente
alguns de seus itens. Das empresas formais, 12% delas declararam não utilizar
subcontratações nem terceirização. (ARRANJO PRODUTIVO LOCAL: NOTA
TÉCNICA, 2006).
A terceirização é identificada como o processo através do qual as
empresas transferem para terceiros suas atividades meio, isto é,
atividades de apoio, enquanto a subcontratação refere-se à
transferência de atividades fins, caracterizadas pelas etapas do
processo produtivo. (BRANDLI et al. 1997).
Para o caso específico do APL, é usado o termo subcontratação em
todas as situações, pois se refere às atividades fins, mesmo sendo parte do
processo de produção, com base nas contribuições de Eiriz (2001) e de Pinto e
Loiola (2007).
De acordo com os dados do Arranjo Produtivo Local de Bonés de
Apucarana: Nota Técnica (2006), no APL desenvolvem-se, também, atividades
de venda e assistência técnica de máquinas e equipamentos; serviços de
bordados e serigrafia; serviços de aviamentos; embalagem e logística, dentre
outros. Outras atividades que são realizadas por algumas empresas do setor
incluem desenvolvimento de malhas, cores, insumos diversos, modelagem,
prototipagem, técnicas de estamparia, lavagens e tingimentos, apliques
diversos, transfers, artes gráficas e outros.
Concorrência e a Cooperação
No APL de Apucarana existem duas associações de empresários
fabricantes de bonés: Associação Brasileira dos Fabricantes de Bonés de
101
Qualidade (Abrafab’Q), constituída em 1997, por meio da qual elaborou-se e
viabilizou-se um projeto de exportação com o apoio da APEX. Obtiveram-se
certificações ISO 9000, e instituiu-se uma central de compras conjuntas e a
manutenção de estoque de segurança.
Em 2000, um grupo de empresários fundou a Associação das
Indústrias de Bonés e Brindes de Apucarana (ASSIBBRA). Essas associações,
entre outras ações mercadológicas, realizam em conjunto compras de
matérias-primas e vendas em grandes volumes, cuja produção às vezes é
dividida entre os associados, quando no caso de uma só empresa tiver
dificuldades para o atendimento.
Em 1990, foi criado o Sindicato das Indústrias do Vestuário do Vale do
Ivaí (SIVALE) que representa as indústrias de Confecções de Apucarana e
mais vinte municípios.
Em 2005, nasceu a Associação Nacional das Indústrias de Bonés,
Brindes e Similares (Anibb) que conta com 136 associados em todo o Brasil. A
sede está em Apucarana.
Uma das formas de cooperação diz respeito às atividades de
bordado e lavanderia. Nesses segmentos, a cooperação se restringe
basicamente à subcontratação e se estende, de forma muito
incipiente, à pesquisa de mercado e à prospecção tecnológica.
Como exemplos citam-se as inovações nos desenhos das peças e
no processo de lavagem do tecido. [...] Outra ação cooperativa
empresarial refere-se à criação de uma importante empresa local,
fornecedora de tecidos, componentes e aviamentos para bonés, a
qual foi fruto de uma joint venture, composta de oito empresas
fornecedoras do setor de confecções do município. Contudo,
conforme destacado pelas lideranças locais, a realização do Censo
Industrial do APL constitui-se numa das principais ações
cooperativas desenvolvidas no arranjo, na medida em que agregou o
esforço de várias instituições locais e externas em torno desse
importante projeto (ARRANJO PRODUTIVO LOCAL: NOTA
TÉCNICA, 2006).
O design de cooperação do APL de Apucarana inicialmente se baseia
em articulações entre associados, com ações planejadas. No entanto, outras
formas de cooperação que se fazem presentes, geralmente informais, não
planejadas e espontâneas, merecem particular consideração, pois, nessas,
decorrem o compartilhamento de conhecimentos, tecnologia, informações de
mercados (LASTRES e CASSIOLATO, 2005).
102
Com relação à interação entre os atores, verifica-se que existe uma
relação de confiança e um espírito de cooperação e interação entre
as empresas do APL, o que facilita o processo de articulação no
âmbito da governança local. A despeito da grande diversidade e forte
presença de instituições no APL, os mecanismos de governança têm
se desenvolvido rapidamente a partir do reconhecimento do APL de
Bonés, e todas essas instituições se fazem representar nas ações
desenvolvidas no Arranjo. Diretamente, estão intimamente
relacionadas ao APL as instituições de pesquisa e desenvolvimento
e aquelas de suporte e alavancagem do setor, tais como: SEBRAE;
SENAI; Centro Moda; Sindicato da Indústria do Vestuário de
Apucarana e Vale do Ivaí (SIVALE); associações de fabricantes de
bonés de Apucarana - ABRAFAB’Q e ASSIBBRA; Prefeitura de
Apucarana; Associação Comercial, Industrial e de Serviços de
Apucarana (ACIA), Governo do Estado, FIEP/IEL, entre outras.
(ARRANJO PRODUTIVO LOCAL: NOTA TÉCNICA, 2006).
Pode-se presumir que a confiança, a interação e o espírito de
cooperação, além de facilitar os objetivos da governança, se apresentam tão
importantes ou ainda mais que a própria governança, pelo fato de que para
qualquer ação conjunta, a legitimidade e a decisão estão diretamente
submetidas à vontade de cada um dos atores (NEGRÃO, 2006).
Governança do APL
A coordenação do APL é feita através de uma governança constituída
por empresários voluntários cujo objetivo é conseguir resultados através do
esforço coletivo, principalmente em ações mercadológicas. Fazem parte da
governança do APL de bonés de Apucarana, através do Comitê Gestor, as
seguintes instituições: SEBRAE/PR; FIEP/SENAI; ASSIBBRA; ABRAFAB'Q;
SIVALE; ACIA (Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Apucarana);
Centro Tecnológico de Desenvolvimento Profissional Norte do Paraná (Centro
Moda); Governo do Estado – Secretaria do Estado da Indústria, Comércio e
Assuntos do Mercosul, representando a Rede paranaense de Apoio aos
Arranjos Produtivos Locais; Prefeitura do Município de Apucarana; Caixa
Econômica Federal; Banco do Brasil; FAP – Faculdade de Apucarana; FECEA
– Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana e algumas
empresas.
De acordo com o PLANO DE DESENVOLVIMENTO DE ARRANJOS
(2005), a Governança está organizada em quatro grupos temáticos: mercado,
gestão, tecnologia e cooperação, com o objetivo de realizar ações
103
compartilhadas e de representação coletiva com todos os empresários,
cooperando em prol do desenvolvimento do APL.
O papel da Governança do APL no processo de cooperação e
interação do Arranjo tem sido fundamental, principalmente no que diz
respeito às economias externas obtidas mediante ações deliberadas
pelos agentes locais, como, por exemplo, a elaboração do
Planejamento Estratégico do Setor; a inclusão do projeto APL de
bonés de Apucarana no Sistema de Gestão Estratégica Orientada
para Resultados (SIGEOR), coordenado pelo SEBRAE; a criação de
uma linha de crédito junto à Caixa Econômica Federal voltada
especialmente para o setor de confecções e o recente processo de
incorporação do Centro Moda pela Universidade Tecnológica
Federal do Paraná (UTFPR) (ARRANJO PRODUTIVO LOCAL:
NOTA TÉCNICA, 2006).
As responsabilidades da Governança do APL de bonés de Apucarana,
segundo o Plano de Desenvolvimento de Arranjos (Arranjos Produtivos
Locais do Estado do Paraná – Ipardes, 2006), são:
A representação do setor empresarial do ponto de vista político,
econômico e social;
A elaboração do Plano estratégico de Desenvolvimento do Setor de
Bonés de Apucarana com as respectivas ações;
A articulação e negociação no âmbito empresarial, estrutura e
sistêmico para a realização das ações;
O acompanhamento e avaliação das ações implementadas através
dos indicadores de resultados propostos no Plano de
Desenvolvimento e;
A representação do setor junto a organismos públicos e privados
nacionais e internacionais, criando condições para a inserção do
setor na economia mundial.
Contudo, na revisão bibliográfica e nas fontes institucionais sobre o
APL de bonés, não foi possível identificar relevantes diagnósticos, que
pudessem constatar possíveis desafios em termos de conflitos internos,
desarticulações e problemas éticos entre os participantes do APL. Somente na
pesquisa empírica no APL, conseguimos identificar esses fatores nas relações
interorganizacionais.
4.1.2 As relações interorganizacionais no APL
A descrição dos relacionamentos interorganizacionais no APL tem
como corte os três tipos de relacionamentos, fundamentada na classificação de
Chang (2003), que propõe que as cooperações entre as organizações se
104
apresentam em quatro tipos de atividades organizacionais: (1) com a empresa
compradora; (2) com a empresa fornecedora; (3) com a empresa concorrente;
e (4) outras empresas.
Nas análises subsequentes, as fábricas de bonés que concorrem entre
si, estão no centro das relações com os demais grupos de interesse: empresas
subcontratadas, fornecedores e a governança do APL. São esses grupos os
principais stakeholders (Mattar Neto, 2004; Leisinger e Schmitt, 2001;
Zylbersztajn, 2002; Karkotli, 2006), por terem interesses e relações diretas com
as fábricas de bonés.
Foram identificados no estudo de caso mais dois fatores nos
relacionamentos, além dos fatores concorrência e cooperação, que influenciam
fortemente as relações entre os atores: a dependência e a confiança. Estes
dois fatores também se mostram relevantes para a questão ética.
A dependência foi constatada nas relações entre fábricas e
subcontratadas e entre fábricas e fornecedores do estudo de caso do APL. O
fato é que as empresas subcontratadas e fornecedores existem em razão das
fábricas exclusivamente do APL de Apucarana. Por outro lado, a maioria das
fábricas iniciou suas atividades contando com a ampla disponibilidade da
prestação de serviços especializados e do fornecimento de matérias-primas em
grande oferta dentro do APL. Dessa interdependência foram observadas
situações particulares nos relacionamentos, relevantes para serem analisadas
dentro da questão da conduta ética.
Outro fator, a confiança, encontra-se no centro das relações de
parcerias, sobretudo quando os contratos formais dão lugar aos acordos
informais, situação predominante no APL de Apucarana. Havendo esta
cumplicidade entre os envolvidos, com base na confiança, a conduta ética
torna-se mais influente.
Relações entre fábricas concorrentes
Através dos depoimentos dos empresários das fábricas de bonés do
APL, que são os principais dirigentes, foi possível identificar que a visão de
concorrência entre eles tem evoluído em comparação de alguns anos atrás.
105
Em razão de o mercado ser muito amplo para o setor, havendo espaço
para todos, na opinião de alguns dirigentes e considerando a concorrência
ameaçadora de outras regiões, foram ao longo do tempo tomando consciência
de que deveriam evitar a concorrência desleal entre eles e investir em conjunto
para construir uma imagem de destaque do APL junto ao mercado interno e
externo.
Para o coordenador da governança, há uma consciência entre a
maioria da necessidade de ajuda mútua: “Não existe mais aquele ranço entre
os concorrentes. Não existe mais aquele negócio de um querendo derrubar o
outro. Nós entendemos que um precisa do outro, aí cresceu a lealdade”.
Constatou-se um comportamento que varia da competição até a
cooperação dentro do APL, confirmando a definição de Pinto e Loiola (2007) de
cooperação para esses casos, que, segundo os autores, minimiza as
rivalidades entre as empresas.
Duas associações, ABRAFA’Q e ASSIBRA, destacam-se dentro do
APL por reunirem empresas, com objetivo de adquirirem matérias-primas em
conjunto, em grande quantidade, com preço menor, principalmente de grandes
fornecedores de tecido, de manterem estoque regulador, entre outras ações de
mercado. A ABRAFA’Q conta com 08 associados e a ASSIBRA com 12
associados. Tanto na ABRAFA’Q como na ASSIBRA, toda e qualquer ação em
conjunto é determinada por contratos amparados por lei.
A ABRAFA’Q e a ASSIBRA representam um tipo de associação citada
por Pedroso e Pereira (2006), formada dentro de um ambiente onde as
empresas deixam de competir isoladamente, empresa versus empresa, e se
unem para competirem contra outras redes ou APLs.
Dentre as empresas consultadas, duas são associadas à ABRAFA’Q,
uma delas é associada à ASSIBRA, outra já fez parte da ABRAFA’Q e
desligou-se por vontade própria, e outra empresa participava da ASSIBRA e
também se desligou por vontade própria.
Também foi observado o fato de o coordenador da governança
entrevistado fazer parte da ABRAFAB’Q pela sua empresa. Dessa forma, ele
podia se basear mais na realidade dos associados. Quanto às demais
empresas que não são associadas, sua postura era de estar a serviço para
orientá-las, evitando emitir julgamentos. Entretanto, foi possível perceber, que
106
as maiores empresas que fazem parte da ABRAFAB’Q, na visão do
entrevistado, inspiram mais confiança e status de competência.
Outra empresa que não participa de associações, de acordo com seu
dirigente, não manifesta afinidade em relação a essas associações, preferindo
trabalhar isolada dos concorrentes. Através das observações, nota-se que os
micro e pequenos empresários do setor estão muito distantes das ações
conjuntas praticadas pelas empresas de maior porte. Não participam das feiras
e exposições, caravanas para eventos em outras localidades, programas
promovidos pela governança. Limitam-se na cooperação entre si, na
disseminação de conhecimentos técnicos e em outras formas de ajudas
esporádicas, ilustradas na figura 4.
É também comum no APL um concorrente fornecer para o outro, como
empréstimo, materiais para produção, na intenção de cooperar. No entanto,
existem aqueles que procuram caminhar isoladamente, embora, vez ou outra,
recorram aos concorrentes a fim de obter informações ou ajuda nas questões
técnicas.
FIGURA 4: COOPERAÇÃO ENTRE CONCORRENTES NO APL
FONTE: o autor (2009)
Compras de
matérias-
primas em
conjunto
Troca de
informações
Empréstimo de
materiais
Disseminação
de
aprendizagem
Fábricas Fábricas
107
A dimensão de cooperação, inerente às redes horizontais
interorganizacionais, segundo Balestrin e Vargas (2004) citando a tipologia de
Marcone e Moinet (2000), tem aspectos estreitos com as características do
APL de Apucarana. As ações conjuntas, como criação de novos mercados,
defesa de interesses, consórcios de compra, entre outras ações, foram
constatadas na pesquisa de campo.
A governança exerce a função de articulação para determinadas ações
conjuntas, a exemplo do projeto de extensão universitária que orienta os
empresários para destinação dos resíduos industriais. Através da governança,
existem parcerias com o CETEC (Central de Tratamento de Resíduos
Industriais), UTFPR, SEBRAE, Prefeitura Municipal, FECEA (Faculdade
Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana) e Associação Comercial e
Industrial.
Segundo o coordenador da governança, muitas empresas exigem de
seus fornecedores procedimentos industriais ecologicamente corretos, livre de
trabalho desumano como o trabalho infantil, entre outras exigências. Neste
sentido, a governança em parceria com SEBRAE, órgãos públicos e
Instituições de Ensino Superior tem feito um trabalho intenso. A feira do boné
realizada em Apucarana é de iniciativa da governança, como também faz um
trabalho de articulação para empresas participarem de grandes eventos no
Brasil e em outros países.
O conjunto de articulações seja por iniciativa da governança ou das
empresas no APL, para Lastres e Cassiolato (2005), se caracteriza como um
tipo de redes de empresas, pela prática de intercâmbio de informações e
disseminação de conhecimentos entre os atores.
Confiança
O trabalho em comum ou cooperação entre as fábricas presente no
APL não revela necessariamente relações de confiança mútua em alto nível, na
perspectiva de Lastres e Cassiolato (2005) e de Borges (2005). Borges (2005)
fala de elos ou nós que se constroem numa história de relacionamento e
relação de intimidade e confiança.
108
O que se verifica, no entanto, entre os concorrentes, é um nível de
confiança de moderado ao mínimo necessário para se conseguir certos
objetivos. Nas associações, o que é feito é regido estritamente por contratos
que de certa forma compensam a falta de confiança (BERG, 2003).
Nas diversas ocasiões de cooperação, esporadicamente, leva-se em
conta a amizade entre os atores, o que motiva os favores mútuos.
Relações entre fábricas e subcontratadas
No APL de bonés, as fábricas, na maioria, desenvolvem parcerias de
terceirização, subcontratando serviços de costura, estamparia em serigrafias e
transfers, dublagens de tecidos, bordados, entre outros serviços, tanto para a
produção de bonés, como também camisetas e outros produtos correlatos, na
linha promocional. Pinto e Loiola (2007) definem esse tipo de relacionamento
como redes produtivas de subcontratação de estruturas verticais, “onde uma
firma contrata outras para executarem determinadas partes da produção”.
Utiliza-se também o termo facção para as empresas subcontratadas. A
maioria se enquadra como microempresas, sendo que a maioria opera na
informalidade. Outras, porém, apresentam estrutura física e organizacional que
se equipara às fábricas de bonés de pequeno porte, como o caso dos
prestadores de serviço de bordados computadorizados. A governança, por sua
vez, tem oferecido apoio às subcontratadas em matéria de qualificação e
desenvolvimento de tecnologias.
A maioria das relações entre fábricas e subcontratadas no APL em
Apucarana tem por base acordos informais, pois os dirigentes das fábricas não
demonstram interesse em contratos formalizados e documentados. Existem
alguns casos de acordos formais, mas só em caso de prestação de serviços
com exclusividade. No entanto, os dirigentes das subcontratadas,
principalmente do serviço de bordados computadorizados, assinalam para o
risco de prestar serviço com exclusividade e preferem atender diversas fábricas
simultaneamente.
Os dirigentes das subcontratadas afirmam que em geral as fábricas
preferem manter parcerias por longo prazo, mas isso quando as
subcontratadas oferecem serviço de alta qualidade. Algumas parcerias
109
perduram por vários anos. Porém, são muitos os casos em que a parceria
fracassa em menos de um ano.
Foram constatados os principais motivos para a formação e
desenvolvimento das parcerias com as subcontratadas: a) nos períodos de alta
demanda, a subcontratação ajuda a garantir o atendimento aos clientes,
quando a produção interna for insuficiente; b) nos períodos de baixa demanda,
haveria um alto custo em manter um elevado número de funcionários e
equipamentos; sendo assim, as parcerias com as subcontratadas reduzem o
custo da mão-de-obra e de investimentos em máquinas e equipamentos; c)
para os modelos de bonés e camisetas mais simples, da linha promocional ou
institucional, os dirigentes apontam como vantagem a redução do custo
operacional, no tocante a encargos trabalhistas; d) a comodidade.
Diante desses motivos, percebe-se, entretanto, uma relação
oportunista por parte das fábricas, que é criticada por Contador (1996) e
Lacombe e Heilborn (2003), quando as empresas terceirizam suas atividades
fins. Foi observado que a subcontratação também é de interesse para as
fábricas, no sentido de transferir para as subcontratadas os riscos das
ameaças e custos indesejados.
Mas esses fatores não chegam a inibir a iniciativa dos
empreendedores de subcontratadas, pois, na cidade, a indústria do boné é
ainda a maior chance de empregos. Ser dono de uma facção é, antes de uma
oportunidade de negócios, um meio de sobrevivência e sustento da família.
A maioria dos empreendedores de facção de costura e serigrafia é de
baixo nível de formação escolar. Por isso, constata-se grande esforço dos
microempreendedores em meio às dificuldades para a manutenção de suas
atividades. A margem de lucro das facções de costura e de estamparias é
considerada baixa. O lucro passa a ser para os donos de facção o próprio
salário, em detrimento às reservas de caixa e investimentos.
Algumas fábricas brasileiras de confecção e de calçados estão
retornando ao antigo sistema de facção. Entregam máquinas,
ferramentas e matéria-prima para pessoas que trabalham em sua
própria residência, remunerando-as por peça produzida. Essa
terceirização de atividades operacionais, nem sempre recomendável,
está sendo motivada pela necessidade de reduzir custos para
enfrentar a concorrência dos países do sudeste asiático,
principalmente a China. O faccionista emprega menores (às vezes
110
da própria família), não recolhe encargos previdenciários e nem paga
impostos, meios que a empresa legalmente constituída não pode
utilizar, e, portanto, produz o menor custo do que a empresa.
Infelizmente esse é um desvirtuamento da competição acirrada que
avilta as condições de trabalho. (CONTADOR, 1996, p.304)
.
Tem sido alta a incidência de falência das microempresas de
subcontratação no APL, embora não haja números oficiais pelo fato de muitas
facções trabalharem na informalidade. A propósito, a questão da informalidade
está ligada à ideia equivocada de reduzir ou escapar das despesas
trabalhistas, numa tentativa de se conseguir continuar operando e atendendo
às fábricas. Com isso, muitos pequenos empreendedores acabam sendo alvo
de ações trabalhistas.
Os fatores mais comuns que causam atritos nas parcerias entre as
fábricas e as subcontratadas apontam: a) a dificuldade de controle de
qualidade dos produtos; b) alta incidência de atraso no atendimento; c)
vulnerabilidade do sigilo dos produtos enquanto estão em mãos da terceirizada;
d) os dirigentes das fábricas se mostram preocupados com a possibilidade de
ações trabalhistas, já que algumas fábricas responderam por tais ações, por
caracterizar, na interpretação da Justiça do Trabalho, subordinação e
exclusividade na prestação de serviço.
Dependência e interdependência
Constata-se uma forte interdependência entre fábricas e empresas
subcontratadas. As fábricas dependem mais das subcontratadas quando essas
oferecem serviço de maior qualidade e nos períodos de alta demanda, ou
quando não contam com algum serviço específico internamente. Como
medidas preventivas, as fábricas procuram fazer acordos de longo prazo e
duradouros, a fim de garantir o atendimento por parte das facções. As facções
também preferem esse tipo de parceria.
Embora as fábricas geralmente terceirizem parte da produção, para os
dirigentes é de vital importância a manutenção da produção própria, o que
reduz a dependência com as subcontratadas e garante o controle da qualidade.
Há poucos casos dentro do APL, em que a fábrica subcontrata toda a sua
produção.
111
Verificou-se que algumas empresas firmam acordos de exclusividade
com as subcontratadas para alguns serviços, especialmente de costura. O
motivo é exercer o controle efetivo de qualidade no processo produtivo e obter
a garantia no atendimento, livre dos encargos trabalhistas e outros custos,
além de manter certa privacidade de seus produtos em fase de fabricação,
evitando que outros concorrentes tenham acesso.
Para contratos de exclusividade, algumas fábricas contratantes
oferecem máquinas, equipamentos e qualificação de mão-de-obra para as
subcontratadas. Nesse caso, os acordos são formalizados em contrato, e a
dependência da subcontratada com a fábrica passa a ser total, invertendo a
situação.
A dependência das fábricas com as subcontratadas é relativa, pois, na
falta de uma, os fabricantes sempre recorrem às outras opções. Em geral, a
maior parte da produção é processada internamente na maioria das fábricas,
considerando que as fábricas mais bem estruturadas são autossuficientes. A
opção por subcontratar é mais uma estratégia de redução de custo do que uma
necessidade absoluta.
Pelo lado das subcontratadas, a situação de dependência das fábricas
é total, pois foram criadas com o único fim de prestar serviços para as fábricas
de bonés. Essa relação de dependência tem seu momento crítico mais
acentuado nos períodos do ano quando a demanda é baixa. As facções não
contam com estrutura econômica suficiente para cumprir os encargos
trabalhistas em períodos de ociosidade.
Na situação de dependência encontrada no APL, observam-se certas
características que são explicadas por Machado-da-Silva e Coser (2006), na
comparação do estudo de caso desses autores, em que afirmam que a
dependência é posta em termos de sobrevivência, já que as empresas
dependentes aceitam as regras impostas pela organização focal.
Confiança
Nos acordos informais entre fábricas e subcontratadas, procura-se
estabelecer uma relação de confiança que vai se construindo ao longo dos
112
relacionamentos. Esse grau de confiança entre fábricas e subcontratada é
maior do que entre as fábricas concorrentes.
Segundo os dirigentes das subcontratadas, para as primeiras
operações de prestação de serviços, são raros os que exigem parte do
pagamento antecipado, pois a confiança é vista como um antecedente
necessário da cooperação (Blomqvist e Stahle, 2000). Procuram pedir
informações sobre a idoneidade e a conduta do fabricante. Observa-se que as
informações circulam com muita fluidez no ambiente do APL, pois qualquer fato
novo se espalha rapidamente.
Nas parcerias entre fábricas e subcontratadas, que se formaram ao
longo do tempo uma história de relacionamento (Borges, 2005), identificou-se
que as relações mais duradouras são aquelas em que as expectativas vêm
sendo satisfeitas (Sato, 2003), e, por consequência, a mútua confiança é mais
acentuada.
Porém, um fator particular se acha presente no APL: a confiança pela
pré-concepção, obtida quando se tem a percepção de boa fama da outra parte,
em decorrência das informações disseminadas sobre os fabricantes dentro do
APL. Assim, a confiança pré-concebida tem sido uma condição para o início
das parcerias entre fábricas e subcontratadas.
Por outro ângulo, a relação de confiança é uma necessidade entre
fábricas e subcontratadas, haja vista a dependência entre ambas e a aversão
por contratos formais. Assim, a confiança torna-se uma condição criada para se
estabelecer parcerias, mesmo assumindo riscos futuros.
O que se leva conta por parte dos dirigentes de fábricas numa relação
de confiança é o senso de responsabilidade das subcontratadas, pois a maior
crítica nesse sentido se refere às subcontratadas que atrasam os serviços,
principalmente quando colocam um pedido de um cliente na frente do outro.
Outros fatores estão relacionados à qualidade do serviço prestado e da
confidencialidade dos produtos em fase de fabricação em mãos da
subcontratada.
A maior preocupação e atenção dos gestores ainda estão
direcionadas à qualidade do serviço prestado e à compensação
econômico-financeira. Constatou-se que, para isso, são necessárias
algumas medidas, como o estabelecimento de verdadeira parceria,
uma relação de confiança e investimento no desenvolvimento e na
113
capacitação do terceiro para que ele preste serviço adequado e
conforme ao que é desejado pela empresa tomadora (VALENÇA e
BARBOSA, 2002, p.181).
Ao longo do relacionamento, a confiança vai sendo colocada à prova
por ambas as partes. Foram relatados diversos casos de pouca durabilidade
nas parcerias, em geral motivada quando a honestidade de uma das partes foi
colocada em dúvida e o relacionamento interpessoal foi abalado, pois, para
Pinto e Loiola (2007), honestidade, relacionamento interpessoal e
transparência são componentes da confiança.
No entanto, aquelas parcerias entre fábricas e subcontratadas que
perduram por longo tempo são as que apresentam maior grau de confiança,
situação confirmada por BECHMANN et al. (2001 apud CUNHA e MELO,
2006): “sem o mínimo de confiança é quase impossível o estabelecimento e a
manutenção de relações organizacionais bem-sucedidas por um longo
período”.
Relações entre fábricas e fornecedores
As empresas fornecedoras em geral iniciaram suas atividades em
função da demanda existente no APL, ou seja, foram criadas a partir da
existência das fábricas de bonés. Segundo seus dirigentes, os produtos foram
projetados para atender especificamente essas fábricas, cujas características
foram desenvolvidas com a participação direta dos fabricantes, como o caso
dos três maiores fornecedores no APL: um fornecedor de tecido para o boné;
outra empresa de médio porte que produz a malha que é destinada para
fabricação de camisetas; e outro, fornecedor de grande variedade de itens
componentes para bonés.
Todos os itens de matéria-prima, material secundário e de manutenção
necessários para a produção de bonés são produzidos em Apucarana. Existem
alto grau de praticidade e agilidade no fornecimento das matérias-primas.
Além disso, o APL conta também com fornecedores de máquinas e diversos
equipamentos próprios para a indústria do setor.
Para a governança, os fornecedores estabelecidos dentro do APL
dispõem de uma política de facilitação de fornecimento para as fábricas, com
114
atendimento adequado às necessidades dos fabricantes. As fábricas de maior
porte, em geral, compram o tecido e a malha (principais itens de matéria-
prima), parte dos aviamentos de empresas, fora de Apucarana.
Dependência e interdependência
As relações das fábricas com as empresas fornecedoras locais
demonstram certa dependência, pelo fato de que as empresas fornecedoras
produzem grande variedade de itens de acordo com as necessidades
específicas das fábricas. A maioria dos fabricantes procura trabalhar mais com
fornecedores do próprio APL, para evitar riscos, caso haja interrupção ou falha
no atendimento.
Verifica-se que as empresas de menor porte são as que adquirem com
maior frequência e mais dependem dos fornecedores locais, enquanto que
algumas empresas que são as maiores adquirem a maior parte das matérias-
primas direto das grandes fábricas, todas fora da região. A relação entre
fornecedores e fabricantes é facilitada pelos fornecedores com a concessão de
crédito, fornecimento em pequenas e grandes quantidades, em alta frequência
e pronta entrega, o que ajuda a maioria das microempresas que têm maior
dificuldade para manter estoques elevados.
Os dirigentes de empresas fornecedoras entrevistados concordam que
há dependência por parte das fábricas de bonés em relação às empresas
fornecedoras, principalmente por parte das empresas fabricantes de menor
porte.
Há dependência sim. Fora, só os grandes compram. E mesmos os
grandes, muitas vezes são atendidos emergencialmente quando
apresentam falhas de estoque (DIRIGENTE 1); Sim, dependem pelo
fato delas terem mais dificuldade de adquirir de grandes
fornecedores de outras regiões, pois tais fornecedores exigem
compras em grandes volumes, pagamento antecipado se caso a
empresa não tenha crédito. E é muito difícil a liberação de crédito
para as pequenas empresas. Por isso, as micro e pequenas
empresas dependem muito do nosso fornecimento (DIRIGENTE 2).
Neste contexto, os dirigentes das empresas fornecedores também
afirmam que as empresas de menor porte dão mais resultados, sendo,
portanto, o segmento alvo. Verifica-se neste ponto a interdependência entre
115
organizações (Robbins, 2000; Morgan, 2006). Mas a situação de dependência
das fábricas com os fornecedores é maior e mais crítica. A hipótese de
eventual corte de fornecimento para uma micro ou pequena empresa pode
colocá-las em situação de dificuldade ou até chegar a inviabilizar suas
atividades devido a poucas opções de fornecimento.
Confiança
A relação de confiança entre fábricas de boné e fornecedores no APL
encontra explicação no modelo proposto por Black et al (2002), que apresenta
um esquema que identifica três formas de confiança, as quais se encontram
presentes nos relacionamentos entre dirigentes de empresas e fornecedoras e
dirigentes das fábricas.
A primeira forma de confiança é à base de cálculo, ou seja,
dependendo da capacidade do credor de avaliar a probidade. Esta é fase inicial
para concessão de crédito aos fabricantes do APL.
A segunda forma de confiança é à base de identidade, quando há o
aspecto emocional ou proximidade pessoal formados pela interação recíproca
de longo prazo. Observa-se uma relação de confiança que influencia nas
operações de aquisição de matérias-primas, evitando a burocracia e
aumentando a praticidade. É comum o fornecimento para as fábricas, à base
de comprovante de entrega, com um simples visto de algum encarregado.
Também são comuns os chamados fornecimentos em condicional, ou vendas
em aberto, como se costumam dizer no APL, com fechamento da conta no final
do mês.
Esse tipo de transação comercial é toda à base da confiança. Pois, a
partir de certo tempo de relação comercial, o cadastro passa a ser secundário
para a concessão de crédito. O que vale mesmo para os fornecedores é a
conduta dos dirigentes das fábricas que inspira a confiança, ao longo do tempo.
“Sem o mínimo de confiança é quase impossível o estabelecimento e a
manutenção de relações organizacionais bem-sucedidas por um longo período”
(BECHMANN et al., 2001 apud CUNHA e MELO, 2006, p.8).
A terceira forma de confiança também se acha presente nesta espécie
de relacionamento. É a confiança à base de instituição, quando fatores
116
institucionais, como a cultura organizacional, são vistos como símbolos de
confiança, quando percebidos de maneira positiva. É o caso das empresas que
participam das associações ASSIBRA e ABRAFA’Q, que transmitem uma
imagem de idoneidade.
Esses achados se confirmam com as considerações de Sato (2003,
p.8):
Já não é mais correta a crença de que o fornecedor deve fazer todas
as concessões e o comprador só faz exigências. Pelo contrário, cada
vez mais, torna-se muito importante estabelecer uma relação
duradoura, de parceria para que exista uma colaboração mútua,
principalmente nos momentos de urgência. [...] E percebe-se que a
relação de confiança com os fornecedores também se estabelece
com o passar do tempo, após um período de convivência. [...] A
confiança pode ser observada através da existência de um contrato
informal entre as partes. [...] A confiança surge justamente quando a
partir do confronto entre as expectativas e a prática nota-se que há
uma concordância.
Constata-se que o fator confiança tem importância nas relações entre
fornecedores e fabricantes de bonés, chegando a se sobrepor às formalidades
de contratos e garantias comerciais.
4.2 O papel estratégico dos relacionamentos na consecução dos
objetivos organizacionais
A identificação do papel estratégico dos relacionamentos na consecução
dos objetivos organizacionais procura mostrar também a importância para os
dirigentes das fábricas de bonés em formar parcerias, promover a cooperação
e desenvolver ações em conjunto.
Se identificado tal papel estratégico, haverá mais elementos de
relevância para as análises subsequentes das questões éticas. Pois, quanto
mais forem evidenciadas ações de cooperação ou conjuntas com objetivos
afins, pressupõe uma maior intensidade nos relacionamentos
interorganizacionais.
117
4.2.1 Entre fábricas concorrentes
Para a governança, Apucarana tornou-se referência no mercado, devido
ao trabalho conjunto desenvolvido pelos fabricantes de bonés. Cerca de quinze
anos atrás, as fábricas iniciaram o processo de implementação de programas
de qualidade, ISO 9000, internacionalização, desenvolvimento de novas
tecnologias e prospecção de novos segmentos de mercados. Tudo isso fizeram
numa mesma época, evidenciando uma sinergia entre os empresários.
A governança considera que as parcerias formalizadas e mais
duradouras encontram-se nas empresas que fazem parte das associações
ABRAFA’Q e ASSIBRA. Dos dirigentes de fábricas entrevistados, somente os
que estão integrados às associações veem vantagens estratégicas nas
parcerias entre fábricas concorrentes.
Para eles, as compras de matérias-primas em conjunto e a formação de
estoque regulador estão relacionadas à estratégia de redução de custo, pois
uma das principais ameaças é a concorrência de preços por parte de fábricas
da região Nordeste do país. Eiriz (2001) denomina esse tipo de parceria entre
concorrentes de aliança estratégica de domínio comercial, pois considera
relações de cooperação e alianças estratégicas sinônimos de uma mesma
realidade. Também Pedroso e Pereira (2006) consideram essa forma de
cooperação estratégica, quando os objetivos são alcançados por meio de
ações utilitaristas, de cálculo, meio e fins.
Entre as demais empresas, as ações em conjunto são casuais, mas não
fazem parte de um planejamento estratégico. Existe a cooperação na
disseminação de conhecimentos e informações. Lastres e Cassiolato (2005)
definem essas ações conjuntas como redes de empresas, por envolver
intercâmbio de informações e conhecimentos entre atores, presentes nos
Arranjos Produtivos.
Mesmo a maioria das empresas não sendo associadas, eventos,
articulação política junto aos governos do estado e federal, matérias exibidas
pela televisão e revistas, são consequências de ações conjuntas entre as
empresas, articuladas pela governança e outras entidades, confirmando as
afirmações de Maximiliano (2000) de que a concorrência se torna uma aliada
estratégica, quando há união de forças para superar algumas dificuldades.
118
Com isso, o APL se destaca no mercado nacional e internacional, visto como
referência na produção de bonés e produtos correlatos.
Em relação às empresas de micro e pequeno porte, a coordenação da
governança entende que necessitam de maior qualificação para competir no
mercado. Para isso, a governança incentiva o trabalho de união entre os
pequenos empresários, a fim promover cursos e eventos para que possam
avançar nos seus objetivos.
Apucarana poderá receber em breve o título oficial, através de projeto de
lei federal, de “A Capital do Boné”. A Expobonés é um grande evento anual que
tem recebido cerca de três mil visitantes de vários estados brasileiros e de
outros países. Para alguns empresários, o evento serviu para conquistar novos
clientes, como também fortalecer o relacionamento com os clientes atuais.
4.2.2 Entre fábricas e subcontratadas
Na tipologia de Eiriz (2001, p.73), a subcontratação é um tipo de
aliança estratégica do domínio técnico / produção ”através do qual uma
empresa (contratante) subcontrata a outra (subcontratada) uma parte do seu
processo de produção. Deste modo, as operações desenvolvidas por cada um
dos parceiros são diferentes”.
Os motivos para a subcontratação variam em cada setor. De acordo
com Contador (1996, p.302), embora o autor critique algumas práticas de
subcontratações, as três razões básicas para uma empresa contratar serviço
de outra são: (1) por ser mais econômico; (2) por não dispor de recursos
tecnológicos; e (3) por beneficiar seu negócio principal.
No caso do APL de Apucarana, a parceria com as empresas de
terceirização ou subcontratação garante o atendimento à demanda nos
períodos de alta demanda e por gerar mais economias com a redução de
funcionários e investimentos em máquinas, sobretudo nos períodos de baixa
demanda.
Em se tratando de economia, as empresas recorrem à estratégia de
redução de custo, pelo fato de que a competição no ramo do boné promocional
é muito alta e a margem de lucro é baixa. Alguns entendem que, com as
119
terceirizações ou subcontratações, o custo do produto promocional em certas
circunstâncias reduz.
Existem casos de micro e pequenas fábricas que chegam a
subcontratar todo o processo de fabricação. Fornecem a matéria-prima para as
subcontratadas e recebem o produto pronto para expedição, na embalagem.
Dessa forma, se ocupam somente das atividades comerciais. Os que optam
por esse tipo de operacionalização enxergam como vantagens o fato da
comodidade, a ausência dos riscos de ações trabalhistas e dos investimentos
em equipamentos, embora nem sempre consigam competir com melhores
preços. Porém, veem nisso apenas uma estratégia de sobrevivência.
As organizações concentram-se prioritariamente nas atividades
estratégicas, nas atividades-fins, e nas que dão à organização suas
vantagens competitivas, terceirizando as demais. As organizações
não poderão terceirizar as atividades nucleares (core competencies)
que lhes dão as vantagens competitivas sobre os concorrentes. As
que o fizerem estarão se condenando ao fracasso. No entanto, as
demais atividades tendem a ser cada vez mais terceirizadas. Uma
das decisões estratégicas de qualquer organização será identificar
as atividades que lhe proporcionam vantagens competitivas: que não
devem ser atribuídas a terceiros (LACOMBE e HEILBORN, 2003, p.
522)
.
As vantagens da subcontratação que podem ser usadas como
estratégias das fábricas se resumem em garantir o atendimento à demanda e
reduzir relativamente os custos. Porém, corroborando com as considerações
de Lacombe e Heilborn (2003), foi confirmado pelos próprios entrevistados que,
para exercerem um eficaz controle de qualidade nos produtos e produzirem
itens diferenciados, a subcontratação não é considerada a melhor opção para
competirem no mercado.
4.2.3 Entre fábricas e fornecedores
O APL de Apucarana é um grande produtor de itens de matérias-
primas utilizados na fabricação do boné, como aviamentos, abas, etc., além
dos materiais de manutenção e também de equipamentos. Isto favorece
logisticamente as fábricas locais, facilitando e reduzindo custos no processo
120
produtivo, colocando as fábricas de Apucarana em vantagem em relação aos
concorrentes de outras regiões.
Quanto ao tecido e à malha, a maioria das micro e pequenas
empresas adquirem de fornecedores locais, o que reduz o custo de aquisição e
contam com a condição de comprarem em quantidades menores. Já as
maiores fábricas compram mais dos fornecedores de outras regiões em razão
da qualidade do produto.
No quesito da qualidade das matérias-primas, verifica-se um esforço
contínuo em se adequar às exigências do mercado explorado pelos fabricantes
de bonés. Os maiores fornecedores dentro do APL também contam com a
certificação ISO 9000 e apontam que, através de pesquisas, têm obtido alto
índice de satisfação de seus clientes. Essas pesquisas têm procurado
diagnosticar o grau de satisfação dos compradores das fábricas de bonés,
entre os quais, de grandes empresas compradoras de produtos institucionais,
que, segundo os dirigentes das duas maiores empresas fornecedoras do APL,
tem sido alto o grau de satisfação.
Quanto ao pronto atendimento, entende-se por entrega imediata dos
itens de matérias-primas, em quantidades pequenas ou grandes,
principalmente às micro e pequenas empresas, o que reduz custo de
estocagem e ao mesmo tempo garante o necessário para a produção e
atendimento à demanda.
A ampla diversidade de itens fornecidos dentro do APL necessários na
confecção do boné facilita ao acesso das empresas fabricantes, dando ligeira
vantagem competitiva sobre a concorrência de outras regiões.
Pode-se observar que os fornecedores colaboram com as estratégias
das empresas fabricantes de bonés, por acompanhar as exigências de
mercado. Mas não há ações estratégicas planejadas entre fábricas e
fornecedores.
121
4.3 A influência da ética na formação e desenvolvimento dos
relacionamentos interorganizacionais.
Nesta parte, procuramos subdividir a análise de cada tipo de relação
interorganizacional por percepções dos atores que representam as unidades de
análises envolvidas.
De acordo com o que foi proposto na metodologia, na análise de
dados se faz também um confronto entre as percepções dos atores
entrevistados, já que nas entrevistas os atores que representam suas
respectivas unidades de análises depõem sobre a conduta ética da(s) outra(s)
parte(s) envolvida(s), também investigadas na pesquisa. Isso pode ajudar a
identificar possíveis incoerências nos depoimentos, o que melhor evidencia os
problemas de natureza ética.
Como mostra o quadro 10, para a relação entre concorrentes, é feita a
análise de acordo com a percepção da coordenação da governança e dos
dirigentes das fábricas; para a relação entre fábricas e subcontratadas, faz-se a
análise de acordo com a percepção da coordenação da governança, dos
dirigentes das fábricas e dos dirigentes das subcontratadas; para a relação
entre fábricas e fornecedores, de acordo com a percepção da coordenação da
governança, dos dirigentes das fábricas e dos dirigentes das empresas
fornecedoras.
4.3.1 Relações entre fábricas concorrentes
Nesta seção são apresentadas as análises dos depoimentos do
coordenador da governança e dos dirigentes das fábricas. Em primeiro lugar,
procurou-se identificar as tendências de correntes éticas pelas quais se
orientam os atores, e como essas tendências influem nas relações
interorganizacionais. Depois, analisam-se casos de rompimentos de parcerias
por motivos éticos.
122
Na percepção da coordenação da governança
O pensamento sobre ética dominante na visão da governança do APL
mostra-se atrelada ao pensamento dos empresários mais envolvidos com a
coordenação, em particular, e dos que fazem parte de alguma associação,
ABRAFA’Q e ASSIBRA. No entanto, não foi possível até o momento saber até
que ponto esse pensamento por parte da governança tem sido aceito e
legitimado pela maioria dos empresários do APL, incluindo fornecedores e
subcontratadas, como condição de servir de ponto de referência.
As reuniões promovidas pela governança têm servido como fórum de
discussões sobre as questões éticas: “O ambiente da governança tem
proporcionado condições para se discutir francamente eventuais deslizes
dessa natureza” (COORDENADOR DA GOVERNANÇA). Não há, no entanto,
um código de ética definido, legitimado pelos participantes do APL, através de
um processo amplo de reflexão e de politização defendido por Srour (1994).
Para essa questão, Srour (1994) sugere o algoritmo de reflexão ética.
Não trata de prescrever condutas, mas de orientar discussões reflexivas entre
os participantes para solucionar problemas de natureza ética, assegurando a
coesão. O algoritmo não se mostra atrelado a nenhuma moral, mas se constitui
num método a serviço de algum tipo de ética, seja qual for sua linha filosófica.
Rompimentos de parcerias por razões éticas
Para a coordenação da governança, o fator ético é muito importante na
formação e no desenvolvimento de parcerias entre concorrentes, com as
subcontratadas e com os fornecedores.
Relatou o coordenador que houve caso de expulsão de um associado
da ABRAFA’Q, pois teria agido de forma desleal. Portanto, antiética para o
entrevistado, e hoje esse ex-associado ficou isolado dos demais. Nem dos
eventos do APL essa empresa mais participa. Não mencionou os outros casos
que aparecem nos depoimentos dos fabricantes.
O caso da expulsão de um associado da ABRAFA’Q, embora o
entrevistado preferisse não detalhar, refere-se ao mesmo caso citado na
entrevista de um dos dirigentes de fábrica (na seção adiante), quando é mais
123
bem explicado. Nesta questão, o coordenador da governança falou como um
membro da ABRAFA’Q que vivenciou a situação, e não como coordenador.
Sabe-se que o motivo da expulsão foi que o ex-associado atravessou na
negociação de um grande volume de bonés. O fato é que entre os associados
havia um acordo informal e sigiloso de combinação de preço, e, se fosse
fechada tal venda, todos participariam da produção e do faturamento.
Independente de em qual corrente ética ou moral se apoia a opinião do
entrevistado para o caso da expulsão, considera-se como relevante o fato de
que num grupo, quando um membro age contra a ética predominante e
compartilhada entre seus parceiros, o mesmo tende a ser excluído voluntária
ou involuntariamente. Isso não significa que um rompimento só pode acontecer
quando for motivado por uma falta grave ou por um ato explicitamente ilegal.
Suponhamos um grupo em que todos queiram executar um ato ilícito,
uma sonegação de impostos, por exemplo. Se alguns dos integrantes não
concordarem, possivelmente ficarão isolados e até rejeitados pelos demais, por
não compartilharem do mesmo pensamento ético. A propósito, o que pode ser
ético para um, pode não ser para o outro (Cortella, 2007).
As primeiras evidências da pesquisa mostram que a influência da ética
nas relações interorganizacionais, como condicionante na sustentação dos
relacionamentos, está na legitimação e no compartilhamento da mesma
corrente ética entre a maioria dos atores.
A Ética Teleológica e a Ética Deontológica em uma tênue relação
O coordenador do APL afirma que existe entre os fabricantes, inclusive
para ele mesmo, uma distinção de empresas éticas e as antiéticas. Foi, no
entanto, observado que, pelo fato de o coordenador ser um empresário
associado à ABRAFA’Q, este demonstrou tendência em apontar as empresas
associadas, no quesito da idoneidade em relação às demais. O aspecto
profissionalismo é um atributo inerente à ética, e as empresas consideradas
antiéticas são aquelas que agem do modo sorrateiro, aliciando funcionários dos
concorrentes e praticando preços abaixo da realidade, afirmou o coordenador.
Verificou-se então que idoneidade, honestidade e profissionalismo são
atributos que distinguem algumas empresas das demais, as quais são vistas
124
como amadoras e desorganizadas ou mal planejadas. Estes atributos também
são os que distinguem as empresas éticas das antiéticas, na visão da
coordenação da governança, coincidindo com o pensamento de alguns
dirigentes de fábricas, em particular das empresas de maior porte. Assim,
entendem que idoneidade, honestidade e profissionalismo, constituem um perfil
de organização alinhada com a exigência de mercado.
Mas essa linha de pensamento é contestada por Camargo (2006) pela
sua tendência positivista utilitarista, voltada para satisfazer o mercado, e que
não se orienta pelos valores transcendentes, em que o ser humano, suas
realizações, suas necessidades e sua dignidade devem estar no centro do
pensamento ético.
Neste caso, o ser humano em questão são os próprios atores do APL.
Ao contemplar o ser humano, Camargo (2006) preconiza a igualdade de
oportunidades entre os atores, e os valores imateriais devem se sobrepor aos
valores materiais. A honestidade ganha, no entanto, um significado
transcendente, indo além do rigoroso cumprimento de um contrato, por
exemplo, visando um relacionamento em que se dividem as oportunidades,
longe de manipulações e da dominação de uma elite privilegiada pelo porte da
organização, tecnologia e eficiência. Em certos aspectos, Camargo (2006)
defende que as relações sejam mutuamente capacitante em termos de Nash
(2001).
De outro lado, essa visão da governança tem o respaldo de Drucker
(1998), que defende que a única regra básica da ética se resume naquilo que
não deve ser feito por um indivíduo, por exemplo: não roubar, não dar calote,
não sonegar impostos, etc., sem, contudo, assumir qualquer obrigação moral
de ajuda mútua, a não ser que seja de finalidade lucrativa.
A honestidade, idoneidade e profissionalismo, como qualidades
essenciais que definem o perfil ético de uma organização, para a governança,
servem de base para ostentação de uma imagem ou status bem vistos pelo
mercado, como explica Srour (2003): “em ambiente competitivo, as empresas
têm uma imagem a resguardar, uma reputação, uma marca”.
O pensamento e a conduta ética predominante da governança têm
aspectos que se identificam em parte com a Ética da Convicção ou
Deontológica e também com a Ética da Responsabilidade ou Teleológica
125
(Srour, 2003). Max Weber, de acordo com Srour (2003), justifica que, embora
essas duas correntes sejam entre si antagônicas, “não quer dizer que a Ética
da Convicção seja idêntica à ausência da Responsabilidade e a Ética da
Responsabilidade à ausência de Convicção”. Isso explica a tênue relação de
duas correntes éticas num mesmo ambiente e com os mesmos atores.
A Ética Deontológica ou da Convicção orienta as decisões de forma
dedutiva, em decorrência da aplicação de princípios e ideal pré-concebidos na
consciência. O comportamento austero que a governança defende nos
negócios e pelas empresas dentro do APL revela um apego às rígidas
tradições, não aceitando meios-tons, como disse o próprio entrevistado ao
definir ética: “É o principio e o fim. É fazer para o outro o que faria para si
próprio. Ou é ou não é. Não tem meio termo” (COORDENADOR DA
GOVERNANÇA). Por essa ótica, os atributos honestidade e idoneidade
emergem do senso de dever e dos imperativos da consciência (Srour, 2003).
Já os aspectos que se identificam com a Ética Teleológica ou da
Responsabilidade revelam características pragmáticas e calculistas, cujo
pensamento é o de que a bondade dos fins justifica as ações, quando coincide
com o interesse coletivo, na perspectiva da sua segunda vertente, a da
finalidade. A discriminação que faz a coordenação da governança entre
empresas éticas das antiéticas, não só pelos aspectos morais, mas também
pelos aspectos da eficiência e do profissionalismo, revela que os atributos
eleitos (honestidade, idoneidade e profissionalismo) para o perfil ético, visam
pragmaticamente resultados concretos de negócio. Esses atributos, embora,
inerentes à Ética Deontológica, mostram neste caso estar a serviço das
intenções da Ética Teleológica.
Como explica Srour (2003, p.113), a vertente da finalidade da Ética
Teleológica procura empreender esforços para alcançar objetivos altruístas, a
qualquer preço. Na sua essência, o pensamento da governança aliado com o
pensamento de parte dos empresários do APL sustenta a crença de que os
resultados sob o cálculo de custos e benefícios, frios e previsíveis, colocam as
organizações na condição de satisfazer às exigências do mercado.
126
Na percepção dos dirigentes das fábricas
Em geral, os dirigentes responderam que a conduta ética é essencial
na formação e desenvolvimento dos relacionamentos interorganizacionais. Esta
afirmação embora possa refletir as convicções sobre ética dos dirigentes, pode,
porém, também estar sujeita a um tipo de resposta de conveniência no
momento da entrevista. É difícil esperar alguém respondendo o contrário. Mas
essa observação por si só não invalida a questão, já que as respostas
subsequentes inerentes à ética irão formando o quadro a ser analisado.
Considerando que há certo grau de intenção de sinceridade dos
entrevistados, a influência da conduta ética nos relacionamentos
interorganizacionais tem o respaldo de Moreira (1999, p.31-32), o qual afirma
que “os procedimentos éticos facilitam e solidificam os laços de parcerias”.
Também observa Srour (1994) que um novo paradigma que cumpre
ponderar os interesses díspares dos stakeholders contempla a satisfação das
contrapartes, observando o que também Serpa (2006), Karkotli (2006),
Trasferetti (2006) e Ashley (2003) definem stakeholders incluindo todos os
parceiros de negócios.
Mattar Neto (2004, p. 318) diz “que a empresa é a empresa e seus
stakeholders”, e nesse sentido aponta para os conflitos de interesses numa
perspectiva ética. As respostas afirmativas dos dirigentes sinalizam para a real
influência da ética nos relacionamentos interorganizacionais, seja qual for a
vertente.
A Ética Teleológica e a Moral da Oportunidade Brasileira
Honestidade surgiu como palavra-chave para definir comportamento
ético nos relacionamentos interorganizacionais, em particular sobre o que os
dirigentes acreditam que deveria orientar seus concorrentes. Por outro lado,
ganância, amadorismo, deslealdade, foram palavras-chaves mais citadas para
definir comportamentos antiéticos.
A teoria do Contratualismo apresentada por Moreira (1999) tem como
premissa comportar-se de acordo com as regras morais pré-estabelecidas.
Honestidade como palavra-chave nos relacionamentos interorganizacionais, na
127
percepção dos dirigentes das fábricas não é o suficiente para definir de
imediato em qual vertente ou linha filosófica eles se baseiam. Ficou evidente
que ao responderem, as expressões faciais dos entrevistados revelaram uma
posição de quem teme por prejuízos e trapaças. Por essa ótica, a honestidade
ganha tão somente o significado de “não causar mal conscientemente” na linha
de Drucker (1998).
Já Amadorismo remete a uma visão dos dirigentes quando fazem
distinção das empresas mais sólidas, das mais organizadas e das menos
organizadas, ou que aparentam ser mal planejadas. Ficou evidente que a visão
de ética para os dirigentes tem relação muito próxima com profissionalismo,
organização, planejamento e solidez. Esse conjunto de atributos, para os
entrevistados, representa também idoneidade, um sinônimo de conduta ética
para eles. É pertinente observar que os dirigentes que mais se utilizaram da
palavra amadorismo para atitudes antiéticas fazem parte de uma elite das
empresas locais, as mais avançadas em tecnologia, com maior capacidade
econômica e solidez no mercado.
As três atitudes citadas: ganância, amadorismo e deslealdade têm
entre si relações conexas para os dirigentes. Entendem que a ganância e a
deslealdade são consequências do amadorismo, ou então, são atitudes dos
que agem mais pelos impulsos do que pelo planejamento, conforme uma das
argumentações de dirigentes sobre ganância: “ganância é dar passo maior que
a capacidade” (DIRIGENTE 1).
A expressão amadorismo revela a visão pragmática dos empresários
sob a vertente utilitarista (Srour, 2003; Mattar Neto, 2004; Moreira, 1999),
derivada da corrente ética Teleológica, a que Srour (2003) interpretou com
base na teoria da Ética da Responsabilidade de Max Weber.
De acordo com Srour (1994), o utilitarismo tem como premissa a
felicidade para o maior número de pessoas ou de parceiros, mas não
necessariamente a todos. Não se pauta em princípios de escopo universal.
Tem aspectos imediatistas e mercantilistas (Camargo, 2006), em vista de
resultados de interesses corporativos. O pensamento voltado ao
profissionalismo, que tem como meios primários a utilização de medidas
tangíveis de eficiência, leva a discriminar os outros de seu ambiente, pois não
128
visa criação de relacionamentos mutuamente capacitantes (Nash, 2001). É
excludente por definição.
As organizações, geralmente, vêm sendo orientadas por valores
econômicos [...] estão baseadas no calculo, orientado para o alcance
de metas e técnicas ou finalidades ligadas a interesses econômicos
ou de poder social, através da maximização dos recursos
disponíveis. (SERVA, 1996, p.342 apud PASSOS, 2004, p.75).
Por outro ângulo, ganância, amadorismo e deslealdade podem revelar
uma faceta da moral do oportunismo brasileira (Srour, 1994), quando tais
atitudes extrapolam os limites e o respeito com os concorrentes, da maneira
consciente e intencional. Alguns exemplos, conforme o quadro 11, dados pelos
entrevistados, correspondem aos aspectos da ganância, amadorismo e
deslealdade.
1. Atravessamento nas negociações de vendas que seria em parceria;
2. Acordos tácitos e legalmente duvidosos nas vendas em conjunto;
3. Negociação às escondidas com o fornecedor de uma associação para
comprar à parte com preço menor, colocando os demais parceiros associados
em desvantagem;
4. Calote aos fornecedores e às subcontratadas;
5. Falsificação (pirataria) de marcas licenciadas;
6. Plágio de produtos institucionais do concorrente;
7. Oferecer propinas nas negociações
QUADRO 11: ATITUDES TÍPICAS DA MORAL DA OPORTUNIDADE
FONTE: o autor (2009)
Os dirigentes fazem explícita discriminação das empresas de conduta
ética das empresas de conduta antiética, dentro do APL, sem a mínima
reserva, porém, evitando apontar nomes de empresas ou de dirigentes, embora
acabasse ocorrendo acidentalmente durante a entrevista, citando nomes de
concorrentes desleais e de atitudes de ex-parceiros de associações etc.
Ficou explícito que o julgamento que os dirigentes fazem das
organizações são dirigidas às pessoas individualmente, ou seja, aos dirigentes
ou empresários. Este aspecto reforça a ideia de que a conduta ética está nas
pessoas que constituem a organização (Passos, 2004; Camargo, 2006).
Também Leisinger e Schmitt (2001) concordam que a ética no plano individual
é a que representa a conduta ética de uma organização.
129
Fazendo a discriminação entre empresas ou dirigentes éticos e
antiéticos, os dirigentes colocam uma barreira ou limites acentuados nas
relações entre empresas.
Houve depoimentos em tom de desabafo. “Não existe ética nesse
ramo”, expressou um dos dirigentes. Referia-se à maioria das empresas cuja
conduta é antiética e uma minoria de conduta ética. Explica Cortella (2007) que
não existe falta de ética. O que existe são vertentes de ética diferentes. A
propósito, foi observado durante a pesquisa, que no APL existem
comportamentos de dirigentes e culturas organizacionais díspares, que
poderiam num estudo mais específico ser classificados por tipologias, para
melhor compreender os relacionamentos e as vertentes de ética.
Em outro depoimento, declarou o dirigente (2): “ética uma questão de
conveniência para muitos”. Sobre isso, Arruda et al. (2003, p.22) advogam que
“a ética não é somente uma questão de conveniência, mas também uma
condição necessária para a sobrevivência da sociedade”.
Foi citado um caso de concorrente, dentro da ABRAFA’Q, de plagiar
uma amostra do produto para interceptar o cliente de seu parceiro; também o
caso de um parceiro dentro da ABRAFA’Q que assediou e ofereceu vantagens
a uma subcontratada que presta serviço à sua empresa com exclusividade.
Observou também um dos entrevistados o fator a que ele mesmo denominou
de amadorismo de certos empresários, quando acabam fazendo concorrência
predatória por falta de maior conhecimento sobre os custos. Foi citado também
por um entrevistado o caso de um desenhista que teve um processo de
aprendizado na sua empresa e depois foi “tirado” pelo concorrente.
Tais condutas mencionadas refletem uma conduta antiética para uns e
ética para outros. São situações características da dupla moral social
identificada no Brasil por Srour (1994): a moral da integridade e a moral do
oportunismo. Enquanto que a moral da integridade se baseia nas virtudes
sagradas, valores tradicionais e religiosos, permeadas no povo brasileiro, a
moral do oportunismo se pauta nas atitudes de esperteza, vale-tudo, o jeitinho
e o calote. A moral do oportunismo às vezes se justifica em cima do argumento
da legalidade, com a máxima “o que não é proibido é permitido”.
130
Rompimento de parcerias por razões éticas
Houve no APL casos de rompimento de parcerias em razão de
problemas éticos. Nas associações ASSIBRA e ABRAFA’Q, houve
desligamentos voluntários. Um caso, quando um associado foi convidado a
sair, por agir de maneira desleal com os parceiros, quando fechou uma grande
venda com um cliente. Dos que saíram voluntariamente, um deles declarou que
não concordava com a pressão que faziam com os fornecedores para reduzir
preços, pois ele tinha com esses fornecedores uma relação de muita amizade e
lealdade. Argumentou também não concordar com o estatuto e demonstrou
certa frustração com a maneira de pensar dos ex-parceiros.
Outro caso de empresa que se desligou voluntariamente de uma das
associações, a ABRAFA’Q, o dirigente entrevistado foi um dos fundadores. O
motivo foi por questão ética, segundo ele. Relatou que nas compras de
matérias-primas em conjunto era acertado um determinado preço com os
fornecedores, quando, mais tarde, descobriram que um dos integrantes havia
feito um acordo “por fora” com o principal fornecedor por um preço menor.
O mesmo entrevistado também citou dois casos de vendas em grande
quantidade que seriam em conjunto, que haviam acertado com o comprador
por um determinado preço, quando um dos integrantes atravessou o acordo e
negociou por um preço menor. Mas um detalhe merece ser observado. O
próprio entrevistado confessou que vendas em conjunto são apenas um acordo
informal, sem qualquer respaldo legal, pois a associação não possui fins
comerciais. No caso, uma só empresa fatura, quando a produção e a receita
operacional são divididas entre os associados. Tudo isso sem o conhecimento
dos compradores.
Esse tipo de acordo de preços para venda, no varejo, seria
considerado cartel, portanto, crime econômico. Então, temos duas situações,
entre si, conflitantes, a serem analisadas: uma, em que um participante rompe
um acordo, não necessariamente por ser ilegal, mas por atitude sorrateira;
outra situação, em que tal acordo é por si obscuro em termos legais. Nessas
duas situações verificam-se atitudes de trapaças, vale-tudo e espertezas, na
linha da ética oportunista brasileira (Srour, 1994).
131
O caso de exclusão (convidado a sair) de um dos participantes de uma
das associações é uma explícita situação em que o fim de um relacionamento
interorganizacional foi decorrente por não compartilhar do mesmo pensamento
ético do grupo a que pertencia. Porém, não se sabe se o ex-associado agiu a
favor ou contra a própria consciência, a favor ou contra o seu padrão ético, já
que não foi possível entrevistá-lo, pois o seu nome não foi revelado nas
entrevistas.
Outra situação relatada pelo ex-associado, ainda em relação às
compras em conjunto pelos associados, era que todos deveriam comprar a
mesma quantidade de matéria-prima, independente do porte e do volume
mensal de produção, fator que sobrecarregava em custos de estocagem para
os que tinham menor capacidade. No entanto, quando foi proposta compra de
malha para camisetas, ocorreu uma situação inversa. Uma das empresas
associadas, que era a menor, mas que produzia mais camisetas que os demais
da ABRAFA’Q, ocorreu que os demais parceiros não aceitaram a compra em
igual quantidade para todos, quando o empresário então associado viu-se
desfavorecido. Neste caso, encontra-se uma medida calculista se sobrepondo
à qualidade do relacionamento, na perspectiva da teoria de Nash (2001).
Segundo Nash (2001), o modelo da Ética do Interesse Próprio tem
como premissa básica fornecer o maior retorno para o maior número de
pessoas, como meio primário medidas tangíveis de eficiência, na perspectiva
da Ética Teleológica (Srour, 2003). Ao satisfazer o maior número de pessoas,
acaba às vezes por excluir uma minoria, como ocorreu, conforme o depoimento
acima do ex-associado. Analogamente, Nash (2001) explica que o modelo
oposto, a Ética Convencionada, procura a solução de problemas através da
lente do relacionamento, caracteristicamente, capacitante.
Os entrevistados foram questionados se hipoteticamente surgisse uma
oportunidade de parcerias de negócios, e, ao mesmo tempo, sabendo-se que a
outra empresa não compartilhasse da mesma ética. Todos os entrevistados
afirmaram que o problema ético afetaria as relações interorganizacionais e
poderiam ser até inviabilizadas as parcerias.
A qualidade nas relações interorganizacionais mostra-se condicionada
ao comportamento ético das partes envolvidas, nas respostas dos
entrevistados, quando as expectativas são satisfeitas. Nash (2001) considera
132
que o sucesso é medido em termos de relacionamentos, na perspectiva da
Ética Convencionada. A autora defende o que ela chama de criação de valor
como resultado nos relacionamentos mutuamente capacitantes.
Mas, o que defende Nash (2001) não representa totalmente as
respostas dos entrevistados sobre as restrições em caso hipotético de
parcerias com empresas que não compartilham da mesma conduta ética. Ficou
evidente, sobretudo, o receio de serem prejudicados com atitudes desonestas,
pragmaticamente em termos utilitarista.
Os entrevistados se limitaram a uma posição defensiva, de fugir dos
riscos de parcerias que não inspiram confiança. Outros aspectos da ética
contemplados pela Ética Convencionada (Nash, 2001), da Integridade (Srour,
1994), Idealista (Moreira, 1999) e a Deontológica (Matar Neto, 2004; Srour,
2003), que inspiram valores baseados em princípios, não ganharam destaque
nas respostas.
4.3.2 Relações entre fábricas e subcontratadas
Nesta parte são apresentadas as análises dos depoimentos do
coordenador da governança, dos dirigentes das fábricas e dos dirigentes das
subcontratadas. Em primeiro lugar, procurou-se identificar as tendências de
correntes éticas pelas quais se orientam os atores, e como isso influi nas
relações interorganizacionais. Depois analisam-se casos de rompimentos de
parcerias por motivos éticos entre fábricas e subcontratadas.
Na percepção da coordenação da governança
No depoimento do coordenador da governança, a ênfase é o fator de
dependência das subcontratadas e seus motivos. Como coordenador, o
entrevistado tem uma visão mais ampla da situação de todo o APL.
A Ética Teleológica nas relações de dependências
De acordo com a coordenação, as fábricas, principalmente as maiores,
exercem poder de barganha sobre as subcontratadas, em razão do grau de
133
dependência, haja vista que essas são em geral, micro e pequenas empresas,
e várias atuam na informalidade. Não raro, ocorre que as fábricas pressionam
as subcontratadas a praticarem preços menores: “às vezes, eles (os
fabricantes) deixam as facções (subcontratadas) com a língua roxa, mas não
chega matá-las, porque senão fica sem o prestador de serviço. [...] Os
empresários precisam concorrer com preços menores” (COORDENADOR DA
GOVERNANÇA). Não obstante, a coordenação reconhece um problema ético
que é relevado nas relações entre fábricas e subcontratadas, devido ao
conformismo e à necessidade das subcontratadas de sobrevivência, ou seja, a
dependência.
O depoimento do coordenador da governança retrata o extremo da
Ética Teleológica de sua primeira vertente, a Utilitarista, quando as
consequências justificam as ações (Srour, 2003; Mattar Neto, 2004). As
consequências em questão estão fundadas na crença de se produzir o maior
bem para o maior número de pessoas, sob os critérios da qualidade e da
eficácia. O maior número de pessoas destinatárias do maior bem pode ser
entendido sob o argumento de que a atividade econômica das empresas do
APL gera emprego e renda, com grande alcance social. Em síntese, mesmo as
fábricas pagando às subcontratadas um preço injusto, com o discurso do tipo:
“melhor ganhar pouco, mas ganhar sempre; ou então, ainda bem que existe
uma atividade econômica gerando empregos e impostos na cidade”, se obtém
a resignação dos dirigentes das subcontratadas, enquanto que as fábricas
concorrem com preços mais baixos, atingindo seus objetivos.
A Ética Utilitarista identificada na visão da coordenação e na conduta
de parte dos dirigentes das fábricas se coaduna com a Ética do Interesse
Próprio de Nash (2001), pelos seus propósitos, premissas e meios primários.
Com efeito, o propósito do maior bem para o maior número de pessoas,
atuando dentro das leis, com medidas tangíveis de eficiência, Nash trata como
a “ética da sobrevivência [...], pois pára na autopreservação [...]. No seu
extremo máximo, ela cultiva a ganância e o poder”. Esta corrente ética,
segundo a crítica de Nash, faz com que os administradores assumam tal
conduta, ao pensar equivocadamente que esse comportamento reflete uma
condição para competitividade.
134
O justo valor é o princípio ético aplicável ao preço, como reflexo da
máxima integrante do ideal de justiça: atribuir a cada um o que lhe é
devido. [...] Não é correto afirmar que o preço acordado com o
fornecedor será ético e justo simplesmente pelo fato de ele aceita-lo.
A aceitação de um preço muitas vezes revela apenas a influencia do
poder econômico da empresa maior sobre a menor. [...] A empresa
ética preocupa-se em remunerar o seu fornecedor com justiça,
buscando sempre o justo valor do fornecimento. (MOREIRA, 1999,
p.119).
Cabe interpretar que fornecedor nas palavras de Moreira (1999) pode
ser considerado também como prestador de serviços, inclusive.
A conduta ética revelada pela coordenação da governança remete à
análise de Passos (2004), que citando o trabalho de Aguilar (1996), dá uma
compreensão sobre o conceito de Responsabilidade Social nos
relacionamentos interorganizacionais. Defendem esses autores que a ética
deve estabelecer o equilíbrio dos interesses das partes envolvidas na produção
e nos negócios empresariais. Na mesma linha, Srour (1994, p.10) aborda a
ética com os stakeholders, como um novo paradigma, quando se “justificam as
ações eleitas na medida em que elas maximizam a satisfação das
contrapartes”.
Na percepção dos dirigentes das fábricas concorrentes
Nesta subseção, os depoimentos dos dirigentes enfatizam suas
exigências de conduta ética em relação às subcontratadas. Com isso, podem-
se entender as razões de rompimentos de parcerias, quando as expectativas
não são satisfeitas.
As exigências nas relações, segundo a Ética Teleológica
Os dirigentes das fábricas entendem que a ética nas relações por
parte das subcontratadas está associada, principalmente, à responsabilidade
no atendimento e ao comprometimento com a empresa que contrata o serviço.
A maioria das empresas subcontratadas presta serviços para várias empresas.
Tal situação cria muitas vezes atritos entre fábricas e subcontratadas, em razão
dos atrasos no atendimento.
135
Na opinião dos dirigentes, algumas fábricas exercem maior poder junto
às subcontratadas do que as demais, enquanto essas se tornam mais
dependentes, pelo fato de garantir certo volume de produção e constância, o
que não significa, necessariamente, pagamento com melhor preço.
A empresa contratada trabalha para várias empresas. Um dos
pontos importantes, portanto, é qual dos contratantes tem maior
poder de barganha sobre o contratado. Se uma empresa com
pequeno poder de barganha quiser um produto ou serviço num
determinado prazo, ela pode ter de esperar a prioridade do
terceirizado. (LACOMBE e HEILBORN, 2003, p.513)
.
Em geral, os dirigentes entrevistados salientam que para se manterem
parcerias com as subcontratadas, as exigências éticas basicamente são: (1)
responsabilidade no atendimento, que significa cumprir o prazo de entrega dos
produtos em fabricação; (2) comprometimento, que significa a garantia em que
todas as vezes que for preciso, a fábrica não deixará de ser atendida pela
subcontratada, e garantia da qualidade nos serviços prestados; e (3) sigilo. As
fábricas exigem que as amostras de seus produtos não sejam expostas à vista
dos concorrentes, que geralmente têm acesso ao interior das facções
subcontratadas.
Rompimento de parcerias por razões éticas
De acordo com os depoimentos, foram muitos os casos de rompimento
de contrato entre fábricas e subcontratadas. Os motivos são os não
cumprimentos das exigências éticas: (1) priorizar o atendimento para outros
concorrentes, às vezes porque o concorrente oferecia um pagamento melhor;
(2) descaso no atendimento; e (3) violação de sigilo, a exemplo do caso de um
desenhista prestador de serviço, que forneceu cópia de arte final para
concorrentes plagiarem, entre outros casos semelhantes.
As exigências éticas apresentadas pelos dirigentes de fábricas se
mostram influenciadas pela instabilidade e insegurança no atendimento, pelo
fato de que cada empresa prestadora de serviços atende várias empresas. As
duas primeiras exigências, responsabilidade no atendimento e
comprometimento, têm aspectos intrínsecos com a vertente utilitária da Ética
136
Teleológica (Srour, 2003; Mattar Neto, 2004). Em si, essas exigências são
pragmáticas e calculistas, visando resultados desejados, sob os critérios da
qualidade e da eficácia.
A terceira exigência ética, o sigilo, exemplificada num dos motivos de
rompimento, tem relação com as várias correntes teóricas da ética. Com a
Ética Deontológica (Srour, 2003), por obedecer a valores morais formados na
consciência; com a Teleológica (Srour, 2003), em razão de que o sigilo pode
ser uma condição para se atingir resultados; com a Contratualista (Moreira,
1999), em que a obrigação assumida deve ser cumprida; com a Kantiana
(Moreira, 1999), em que o dever ético tem aplicações universais, válidos para
todos; com a Ética Convencionada (Nash, 2001), em que a cooperação entre
as pessoas, deve ser pautada em valores altruístas que promovem a
confiança.
Embora haja certa dependência das fábricas com as subcontratadas,
os dirigentes afirmam que não hesitam em romper parcerias com as
subcontratadas, quando essas agem de modo antiético.
Na percepção dos dirigentes das subcontratadas
Nesta subseção a tônica está nos conflitos gerados por razões éticas.
De um lado, a crítica dos dirigentes das subcontratadas quanto às atitudes
antiéticas dos fabricantes. Por outro ângulo, as subcontratadas são vistas nas
relações de dependência, onde o poder e a pressão são instrumentos postos
em prática.
Rompimento de parcerias por razões éticas
Os dirigentes das subcontratadas quando tomam iniciativa de romper
parcerias ou recusar a prestação de serviços para fábricas, por motivos
antiéticos, apontam como causas a inadimplência, às vezes intencional
(calote), e conflitos de ordem operacional, ou seja, por falha na organização por
parte das fábricas, não superadas com o bom senso. Nos depoimentos,
também foi revelado que ocorreram vários casos de recusar a prestação de
serviço também por envolver produtos piratas (falsificados).
137
A Ética Teleológica e a Moral da Oportunidade Brasileira
Da parte dos dirigentes de subcontratadas, todos concordam que
dentro do APL existem fábricas de bonés consideradas éticas e as antiéticas.
Afirmam que se recusam a fazer parcerias com as empresas por eles
consideradas antiéticas. Em um dos depoimentos, um dirigente narrou a
seguinte situação:
Existem sim aqui as empresas éticas e as empresas antiéticas, as
que dão problemas. [...] Uma vez, quando estive em São Paulo, na
(rua) 25 de março, fazendo compras [...] Quando fui fazer o meu
cadastro, o gerente logo me perguntou se eu era bonezeiro
(fabricante de bonés) de Apucarana, [...] Ele disse que tem pilhas de
cheques frios do pessoal de Apucarana, e que de jeito nenhum faz
negócio com os bonezeiros de Apucarana. (DIRIGENTE DE
SUBCONTRATADA 1).
Esse depoimento merece um discernimento. Às vezes, vendedores de
bonés de Apucarana (geralmente de produtos piratas) são confundidos com
fabricantes de bonés pelos comerciantes de outras regiões. Pois, dificilmente
os fabricantes compram matérias-primas em pontos de vendas de varejo.
Embora não se possa generalizar, há, no entanto, vários casos de calote contra
fornecedores de fora.
A inadimplência, o calote e a falsificação (pirataria) de produtos, que
inclusive é crime previsto por lei, Srour (1994) aponta como elementos da
moral do oportunismo, derivada da ética da finalidade, como parte da dupla
moral social brasileira.
Para os dirigentes, numa hipótese de haver a oportunidade de uma
parceria de negócios, e supondo que fosse promissora, porém, sabendo que a
outra empresa não compartilha da mesma conduta ética da sua empresa, os
dirigentes responderam baseando-se no quesito da honestidade ou
pontualidade nos pagamentos. Limite de crédito é uma condição para clientes
novatos e duvidosos.
138
A Ética Teleológica nas relações de dependências
Procurou-se saber se as fábricas exercem alguma pressão ou
imposição de preços para as subcontratadas, segundo a percepção dos
dirigentes das terceirizadas. Um dos fatores está intimamente ligado à
dependência, seja por parte da fábrica ou da subcontratada. Quando as
subcontratadas são vistas pelos fabricantes como empresas mais bem
estruturadas, com serviço de qualidade superior às outras e de capacidade
elevada de produção, esses fatores acabam sendo usados como poder de
barganha em favor das subcontratadas. Mas é o caso da minoria, a exemplo
dos serviços de bordados computadorizados.
As fábricas de grande porte acabam aceitando essas condições, já
que conseguem vender seus produtos por preços melhores, em virtude da
marca consolidada no mercado. Mas as fábricas de pequeno porte que têm
mais dificuldade de competir no mercado são as que mais reclamam dos
preços de algumas subcontratadas e tentam impor os preços, na maioria das
vezes sem sucesso. Entretanto, existe sempre um teto de preços para as
subcontratações.
Em relação aos casos das subcontratadas de pequeno porte, que são
a maioria no APL, estas que não possuem o status de empresas bem
estruturadas, com serviço de alta qualidade. E, por essas razões, com pouco
poder de barganha, as fábricas, em geral, impõem os preços, geralmente
contrariando a expectativa de lucro das subcontratadas, quando às vezes, nem
chegam
a cobrir seus custos.
A opção que muitas empresas vem fazendo, baseada numa
concepção positivista, em que os fins justificam os meios, e
individualista, em que cada grupo, cada organização preocupa-se
apenas com seu bem-estar em detrimento dos outros, vem
demonstrando que não satisfaz nem aos indivíduos, nem à
sociedade, nem ao próprio mercado (PASSOS, 2004, p. 83).
Confirmando com o depoimento da governança, a pressão em razão
do poder de barganha exercida pelas fábricas sobre as subcontratadas, tem de
fato, criado dificuldades para elas, haja vista que muitas facções chegaram à
falência, conforme revelaram alguns entrevistados. Confirma-se então, a
139
prática utilitarista, uma vertente da Ética Teleológica, quando as consequências
justificam os meios (Srour, 2003; Matar Neto, 2004).
4.3.3 Relações entre fábricas e fornecedores
Nesta subseção são apresentadas as análises dos depoimentos do
coordenador da governança, dos dirigentes das fábricas e dos dirigentes das
empresas fornecedoras. Em primeiro lugar, procurou-se identificar as
tendências de correntes éticas que se orientam os atores, e como isso influi
nas relações interorganizacionais. Depois analisamos casos de rompimentos
de parcerias por motivos éticos entre fabricantes e fornecedores.
Na percepção da coordenação da governança
Para a coordenação da governança, as empresas que transmitem uma
imagem de idoneidade, aspecto inerente à conduta ética para o coordenador,
acabam tendo um atendimento preferencial por parte de seus fornecedores
locais. Os fatores capacidade e pontualidade de pagamentos aos fornecedores
são considerados de grande peso nas relações.
Com essa avaliação da governança, ficou evidenciado que os
movimentos de defesa dos fornecedores contra os riscos de calotes e
inadimplências, se sobrepõem às outras exigências éticas que contemplam o
desenvolvimento de relações mutuamente capacitantes (Nash, 2001).
Na percepção dos dirigentes das fábricas
Já em relação às fábricas com seus fornecedores, os dirigentes veem
na pontualidade de pagamento uma atitude ética, que favorece a manutenção
das parcerias. Em relação aos fornecedores estabelecidos no APL, a exigência
ética por parte das fábricas, está na garantia do atendimento. O descaso no
atendimento por quem depende do fornecimento é considerado um problema
ético.
Enquanto os fornecedores exigem a pontualidade nos pagamentos, os
dirigentes das fábricas exigem qualidade no atendimento. Essas exigências
140
refletem basicamente as características utilitaristas e da finalidade da ética
Teleológica (Srour, 2003) e a do contratualismo (Moreira, 1999).
Na percepção dos dirigentes das empresas fornecedoras
Nesta subseção, os dirigentes de empresas fornecedoras além de
discorrerem sobre suas relações com as fábricas de bonés, em seus aspectos
éticos, fazem uma abordagem espontânea, do que eles percebem sobre o
comportamento dos fabricantes. Algumas expressões fortes a respeito das
atitudes características da moral da oportunidade foram colocadas sem
reserva.
Rompimento de parcerias por razões éticas
Todos os dirigentes das empresas fornecedoras no APL entrevistados
afirmam que a conduta ética é um fator de importância na formação e
desenvolvimento dos relacionamentos interorganizacionais. “É muito difícil
fazer negócios com quem não cumpre com suas responsabilidades”
(FORNECEDOR 1). Segundo os dirigentes, a exigência ética por parte das
fábricas está na garantia do atendimento. A falha no atendimento por quem
depende do fornecimento é considerada um problema ético.
No caso dos fornecedores, o rompimento nas relações
interorganizacionais tem sido motivado somente pela falta de pagamento ou
calotes. Os diretores entrevistados afirmaram que foram inúmeras as situações
de corte de crédito, devido às inadimplências.
Perguntado aos dirigentes das empresas fornecedoras se numa
hipótese de haver a oportunidade de uma parceria de negócios, e supondo que
essa parceria fosse promissora, porém, sabendo que a outra empresa não
compartilha da mesma ética da sua empresa, o dirigente mesmo assim
aceitaria ou não tal parceria, as respostas foram todas associadas ao fator da
desonestidade em relação a pagamento. Nenhum, no entanto, fez alusões a
outras situações que envolvessem a questão ética, nas perspectivas de outras
correntes éticas.
141
Para os dirigentes entrevistados haveria nesse caso limites na relação
comercial:
Faria negócio só com restrição ao crédito (FORNECEDOR 1);
venderia com pagamento antecipado (FORNECEDOR 2); é uma
situação real e que acontece às vezes. Em se tratando de empresas
mal pagadoras conhecidas, que desejam o nosso atendimento, nós
pedimos garantias reais, como penhora de bens e registro em
cartório. (FORNECEDOR 3).
Aspectos da Moral do Oportunismo Brasileira e os limites nas relações
interorganizacionais
Pela ótica dos dirigentes das empresas fornecedoras, há explícita
distinção de empresas éticas das antiéticas dentro do APL. Todos afirmam que
há muitas empresas no APL que se pode chamá-las de antiéticas. Para
designar as empresas éticas, os dirigentes usam termos como: empresas
idôneas, responsáveis, profissionalismo. Para as empresas antiéticas, usam às
vezes o termo “nó-cego” (expressão comum no APL para designar os
empresários desonestos ou irresponsáveis).
No máximo 10% das fábricas de bonés eu posso considerar que são
éticas, mas não posso dizer até que ponto, pois é muito relativo. [...]
Existe muita malandragem nesse meio. [...] Os pais ensinam seus
filhos (sucessores na empresa) a malandragem, a serem espertos.
Eu não gostaria que meu filho trabalhasse nesse ramo. [...] Tem
empresário que chega a brigar feio com seus filhos, justamente para
obrigá-los a fazer coisas que sabemos que não é certo [...] Ninguém
quer ser sério nesse ramo. São poucos os que são sérios, éticos no
ramo do boné. [...] O pessoal só pensa em tirar proveito do outro. É
um problema de cultura do nosso país (FORNECEDOR 1);
empresas que são aparentemente idôneas, sem restrição de crédito,
mas, no entanto, depois se mostraram espertalhões. Fazem coisas
premeditadas, não só porque passam por dificuldades financeiras
(FORNECEDOR 2).
Sobre a pirataria (falsificação de marcas) de bonés e camisetas:
Quando saiu a noticia na TV (Rede SBT) sobre a pirataria em
Apucarana, no outro dia, a cidade ficou calada, muitos clientes
demoravam a aparecer, não atendiam nem telefone, trancava os
portões, com medo da polícia [...] Lógico que isso não foi com todas
as fábricas (FORNECEDOR 1).
142
Essas considerações feitas pelos fornecedores revelam uma face de
um ambiente dentro do APL marcado por conflitos éticos, embora nos
depoimentos dos dirigentes das fábricas e da governança essa realidade tenha
sido minimizada. Os dirigentes de empresas fornecedoras no APL usaram de
expressões que dizem respeito às condutas éticas abordadas por Srour (1944)
acerca da dupla moral brasileira. Neste caso, evidencia a prática da moral do
oportunismo que aponta para atitudes de espertezas, vale-tudo e trapaças.
Como em outros grupos entrevistados, se a conduta ética de uma
empresa for percebida como antiética por outra parte, limita ou inviabiliza as
relações interorganizacionais.
A questão sobre o que mais se leva em conta na formação de uma
parceria de negócios: um contrato com suficiente suporte legal, com as
respectivas garantias ou a conduta ética da empresa compradora? Foi
confirmado pelos dirigentes, que os contratos para compra de matérias-primas
são em geral simplificados, levando-se muito em consideração para a abertura
de crédito e para o fornecimento as informações sobre as fábricas
compradoras.
Para o fornecimento às fabricas, a garantia são as informações de
como agem na praça (FORNECEDOR 1); no início, na abertura de
crédito se verifica as condições e a capacidade para liberação de
crédito. Mas no decorrer, a conduta ética é que faz a diferença. Em
se tratando de empresas mal pagadoras conhecidas, que desejam o
nosso atendimento, nós pedimos garantias reais, como penhora de
bens e registro em cartório (FORNECEDOR 2).
Constata-se no APL a influência da conduta ética na manutenção dos
relacionamentos interorganizacionais, que chega a se sobrepor às
formalidades contratuais. O fato dos fornecedores procurarem informações na
praça sobre seus clientes indica
que a conduta ética de cada empresa é notada
e divulgada dentro do APL. Isso explica as razões porque em todos os grupos
entrevistados se faz a explícita distinção de empresas éticas e antiéticas.
A Ética Teleológica nas relações de dependências
Conforme têm afirmado os dirigentes entrevistados das empresas
fornecedoras, existe o fator de dependência do fornecimento por parte das
143
fábricas. Tal dependência, segundo os dirigentes, gera maior poder de
negociação, o que pode influenciar a conduta ética numa relação.
Dificilmente as empresas procuram comprar fora. Nós temos tudo o
que precisa para a confecção do boné. Esse é um fator de poder
(DIRIGENTE 1); sim, porque se estabelece um preço, mesmo sendo
um pouco acima da concorrência, os clientes preferem comprar
conosco (DIRIGENTE 2).
O uso do poder de barganha em razão do grau de dependência da
outra parte, remete às perspectivas da Ética Teleológica (Srour, 2003; Matar
Neto, 2004), tanto na vertente do utilitarismo quanto na vertente da finalidade.
Na mesma linha, Nash (2001) observa que o cultivo da ganância e o uso do
poder correspondem também com a Ética do Interesse Próprio.
O tratamento diferenciado ou atendimento preferencial dado para
certos clientes em detrimento a outrem, na percepção dos diretores de
empresas fornecedoras não constitui uma ameaça no campo da ética nos
relacionamentos interorganizacionais. O atendimento preferencial coloca de
certa forma, um cliente na frente do outro, seja no fornecimento de
determinados itens e principalmente em vantagem na política de preços.
Existe sim essa preferência. [...] Na política de preços: de acordo
com o volume de compras e frequência os preços abaixam. Leva-se
em consideração o tempo de atividade da empresa. No mais, há
tratamento de igualdade (DIRIGENTE 1); Existe sim. Conforme o
histórico, o porte e a capacidade de pagamento, há atendimento
diferenciado e preferencial para esses clientes (DIRIGENTE 2).
Se o comprador para conquistar um atendimento preferencial precisa
ter um tempo maior de atividade, ter volume de compras alto e chegar ao porte
econômico de grande empresa, então, todo esse percurso o empresário
fabricante terá que fazer sozinho até chegar à condição desejada para fazer
parte do grupo de clientes preferenciais, para comprar com melhores preços e
melhores prazos. Então, a cooperação das empresas fornecedoras no APL de
Apucarana é relativa. A cooperação se restringe em disponibilizar os itens de
matérias-primas a serem adquiridos, em condições desiguais.
Ne
ssas políticas adotadas no atendimento aos clientes, analisadas sob
a ótica dos modelos da Ética do Interesse Próprio e da Ética Convencionada de
144
Nash (2001), identificam-se a presença de aspectos do primeiro modelo e a
ausência dos aspectos característicos do segundo modelo, ao da Ética
Convencionada.
O atendimento preferencial tem como fim o retorno financeiro de modo
mais seguro, com a retenção do cliente. Sua abrangência em termos de
relacionamentos mutuamente capacitantes se restringe a um grupo seleto. Na
perspectiva da Ética Convencionada, os menos poderosos também são
destinatários dos benefícios dos relacionamentos mutuamente capacitantes.
Nash (2001) explica que o retorno financeiro não é o objetivo primário, e sim a
criação de valores altruístas que prevê o desenvolvimento do parceiro.
4.4 Ambiguidades e discrepâncias entre o discurso referente à ética e a
prática nos negócios
Neste tópico são analisadas as ambiguidades e discrepâncias entre o
discurso e a prática nos negócios de cada grupo, com base nos dados e nas
análises dos tópicos anteriores, confrontando os respectivos depoimentos.
4.4.1 Da coordenação da governança
Para o coordenador da governança o conceito de ética no
relacionamento interorganizacional foi assim definido: “é o princípio e o fim.
Fazer para o outro o que faria para si próprio. Ou é ou não é. Não tem meio
termo”.
De acordo com a sua opinião, atitudes antiéticas entre concorrentes
são: (1) oferecer um preço mais baixo ao cliente do concorrente; (2) oferecer
melhor preço ou mais vantagens para as subcontratadas, a fim de obter o
serviço, mesmo sabendo que as máquinas usadas pela subcontratada
pertencem ao concorrente; (3) espionagem industrial; (4) aliciar funcionários do
concorrente; (5) calote; e (6) mentir nas negociações.
Já as atitudes éticas são: (1) não interferir numa negociação que está
sendo conduzida pela concorrência; (2) respeitar as subcontratadas quando
tiverem contratos firmados com outras fábricas; (3) não fazer espionagem
145
industrial; (4) não aliciar funcionários do concorrente nem contrata-los; e (5)
cumprir o combinado.
No conceito de ética, em que o coordenador da governança acentua o
dever e a autenticidade, correspondendo às máximas da teoria Kantiana, citada
por Moreira (1999, p.23), em que “o dever ético a partir dos conceitos
universais aplicáveis a todos, sem exceções, desde que se exija do próximo o
mesmo que exigimos de nós”. Matar Neto (2004) destaca a teoria kantiana
como parte da teoria deontológica, por se orientar por princípios de escopo
universais.
O exemplo de atitudes éticas e antiéticas ditas pelo entrevistado, se
faz necessário colocá-las ao lado do seu conceito de ética, para se entender
qual a corrente teórica em que se orienta a governança. As atitudes éticas são
apresentadas no imperativo, em forma de mandamentos ou prescrições,
enquanto que as atitudes antiéticas são apresentadas como erros capitais que
não se devem cometer. É a Ética da Convicção ou Deontológica, a do tratado
dos deveres, dos valores morais partindo dos princípios (Srour, 2003; Matar
Neto, 2004), em que o conceito do coordenador da governança tem seu
fundamento.
Em outros pontos da entrevista, foi identificada que a corrente da Ética
Teleológica predomina no discurso do coordenador da governança, quando se
trata de sua perspectiva de retorno nos negócios empresariais. Não há,
portanto, discrepâncias entre o discurso e a prática, pois o conceito de ética
para o coordenador tem suas raízes na Ética Deontológica. Porém, permanece
em tênue relação com as premissas da Ética Teleológica, fenômeno que é
explicado por Srour (2003) e que se baseia na teoria de Max Weber. Neste
caso, a Ética Deontológica está a serviço das perspectivas da Ética
Teleológica.
Não foi constatada motivação para a moral da oportunidade nem para
a moral da integridade brasileira nas orientações para conduta da governança.
Pelo contrário, em geral, os aspetos da dupla moral brasileira são rejeitados
pela coordenação.
146
4.4.2 Dos dirigentes das fábricas concorrentes
Quanto ao significado de ética nos relacionamentos
interorganizacionais, de acordo com dirigentes, foi definida com palavras-
chaves e expressões afirmativas como: respeito; profissionalismo;
compromisso; responsabilidade; cumprir o que se assumi; honestidade; coisa
de berço; não ter intenção de prejudicar o semelhante; lealdade nos negócios;
cooperação nas dificuldades.
Foi observado que a tendência dos dirigentes de empresas de maior
porte, mais avançadas nos seus processos de produção e em tecnologia, o
conceito de ética está fortemente relacionado com profissionalismo, na
perspectiva da Ética Teleológica (Srour, 2003). Já na tendência dos dirigentes
de empresas menores, o conceito de ética recebe expressões orientadas por
sensibilidade humana e pela moral da integridade brasileira (Srour, 1994).
Nos dirigentes que tendem para a linha da ética teleológica, observa-
se que o critério predominante de suas condutas está baseado na eficácia e na
qualidade. Quanto mais eficácia e qualidade, maior o nível de profissionalismo
e responsabilidade, e preferem as parcerias que compartilham do mesmo
pensamento. De fato, a Ética Teleológica tem sua origem na Ética da
Responsabilidade de Max Weber (Srour, 2003).
Os dirigentes que demonstram tendência para a Ética baseada na
moral da integridade brasileira se apoiam em valores das virtudes sagradas,
como a bondade com o próximo, a tolerância (Srour, 1994). Comprazem em
cooperar com os outros se esperar retorno e se conformam mais facilmente
com as situações adversas. Essa moral tem sua origem na Ética da Convicção
ou Deontológica (Srour, 2003), com particularidades mais profundas da cultura
brasileira.
No que se refere à moral do oportunismo brasileira, se consegue
identificá-la no APL, não quando os entrevistados falam a respeito de si
mesmos, mas quando os atores depõem sobre a conduta dos outros atores. A
razão disso é que a moral do oportunismo se caracteriza pelas atitudes de
esperteza, o jeitinho, o vale-tudo, o calote, o que certamente constrange o
entrevistado.
Acerca das morais brasileiras, Srour (2003, p.243) afirma que:
147
Trata-se do formalismo, uma clara dissociação entre o discurso e a
pratica; o enunciado e o vivido; o país legal e o país real; os códigos
formalizados de conduta e os expedientes espertos do dia-a-dia; as
declarações de boas intenções e o cinismo dos arranjos de
conveniência
.
Todos os entrevistados consideram que a relação das suas empresas
com outras é uma relação ética. As atitudes que delineiam a conduta ética por
parte de suas empresas, foram citadas: (1) cumprir o combinado; (2)
responsabilidade; (3) pagamento correto; e (4) respeito ao concorrente. Por
outro lado, quanto à relação dos concorrentes, fornecedores e subcontratadas
com suas fábricas, algumas queixas sobre o comportamento ético foram
apresentadas pelos dirigentes.
As atitudes antiéticas por parte da concorrência, consideradas pelos
dirigentes são: (1) concorrência predatória, quando se pratica preços muito
baixos; (2) ganância; (3) cobiça pelos clientes; (4) plagiar modelos de seus
produtos; e (5) assediar funcionários e subcontratadas. A concorrência
predatória de preços foi argumentada por alguns, como consequência de falha
no planejamento, má interpretação de custos e amadorismo.
Um problema observado entre os concorrentes é o assédio por parte
de algumas empresas por funcionários que possuem informações confidenciais
sobre clientes e desenvolvimento de produtos. Dentre os entrevistados,
constatou-se que aqueles que foram vítimas de tal situação, reprovam
veementemente esse tipo de atitude e revelam que haja muitos casos no APL.
Um dos entrevistado que vê nisso um grande problema confessou que
já agiu dessa forma. Citou um exemplo recente de uma empresa que “tirou”
uma profissional do concorrente, por ser excepcionalmente habilidosa,
oferecendo um valor maior do que ganhava. Logo depois, um outro concorrente
ofereceu mais ainda e a contratou. Outros, porém, que não se sentiram ainda
prejudicados, veem isso com mais neutralidade:
Não seria tão errado, se no caso o funcionário estivesse querendo
sair de lá (DIRIGENTE DE FÁBRICA 1); não vejo problema nisso.
Cada um é livre para trabalhar onde quiser. É uma questão de
sobrevivência, faz parte do negócio (DIRIGENTE DE FÁBRICA 2).
148
Dubrin (2001, p.32) critica essa atitude como uma prática legal, porém
antiética: “contratar um empregado de um concorrente, sugar-lhe o sangue
para ideias competitivas e depois eliminar sua função”.
Quanto à questão se o dirigente admite se em certas situações, por
conveniência, age com seus parceiros de tal maneira, enquanto no íntimo sabe
que tal atitude é antiética, as respostas na maioria foram negativas, ou seja,
disseram nunca agir contra a consciência. No entanto, houve argumentos de
que uma conduta profissional com regras claras permite sempre agir de
maneira correta sem contrariar a consciência. Apenas um entrevistado admitiu
agir várias vezes contra sua consciência, mas nada que lesasse um parceiro
de negócios: “nem sempre se consegue fazer tudo certinho. A gente erra
mesmo não querendo errar”.
Procurou-se saber da opinião dos dirigentes, quando, por exemplo, se
pretende reduzir custos de fabricação, se tenta impor às subcontratadas um
valor abaixo da média, aproveitando do grau de dependência da parte delas,
mesmo sabendo que o parceiro terá um lucro ínfimo. Todos concordaram que
isso é uma prática comum no APL, porém, os entrevistados consideram
antiético. Essa situação, segundo os dirigentes, tem relação com o
comportamento de concorrência desleal, quando tentam vender por um preço
muito baixo, tendo que depois, repassar o custo ou prejuízo aos parceiros.
A esse respeito, seguem alguns argumentos foram os seguinte:
Isso acontece quando a demanda está baixa. Para se ganhar a
concorrência, precisa-se oferecer um preço mais baixo, e, então, é
comum pressionar as subcontratadas a reduzirem seus preços de
serviços (DIRINGENTE 1); acho sim antiético. Não é justo. As
empresas que fazem isto, quando querem vender por um preço
muito baixo, e acabam pressionando as subcontratadas. Não
concordo com essa atitude (DIRIGENTE 2); considero antiético. Em
muitos casos, o fabricante faz uma venda por um preço baixo e
depois procura reduzir seu custo, com o sacrifício do parceiro
(DIRIGENTE 3).
A prática de pressionar os preços das subcontratações para baixo, sob
o argumento da competição, mesmo tendo a consciência da possibilidade de
prejudicar a empresa subcontratada, tem relação direta com a vertente da
finalidade da Ética Teleológica, em que o fim justifica o meio.
149
Quanto às atitudes das fábricas com os fornecedores, segundo os
dirigentes, especificamente em relação a pagamento e negociação de dívidas,
houve relatos de casos de outros fabricantes que deram calotes em
fornecedores, e, por essa razão, tais empresários são mal vistos dentro do
APL. Já em relação aos entrevistados, todos foram unânimes quanto à
prioridade no pagamento aos fornecedores, considerando grave a atitude de
não cumprir as obrigações de pagamento:
Só se eu não tiver mesmo condições de pagar. Procuraria negociar a
divida, porém, jamais deixaria de pagar. Venderia até sua casa, se
fosse preciso (DIRIGENTE 1); se for preciso, pego dinheiro no
banco, corro atrás, mas pago a quem eu devo. Já vendi bens
particulares para cumprir compromissos (DIRIGENTE 2); a
prioridade é o pagamento, mas se for preciso eu negocio
(DIRIGENTE 3).
Em síntese, defendem o cumprimento dos deveres. Enquanto querem
o atendimento de qualidade, em contrapartida assumem as obrigações. Neste
aspecto, o senso dos deveres da ética kantiana basta nas relações para eles.
Em termos de ambiguidades e discrepâncias entre o discurso e a
prática nos relacionamentos interorganizacionais dos dirigentes entrevistados,
tem-se a seguinte consideração. O que pode ser considerado antiético para
uns, pode ser ético para outros.
Constata-se que entre os dirigentes das fábricas, que representam as
empresas de elite (maiores em porte econômico, tecnologia mais avançada e a
maioria delas associadas), predomina a ética teleológica. Também se encontra
a ética deontológica, mas a serviço das intenções da ética teleológica, assim
como foi verificado com a governança. A ética deontológica com características
da moral da integridade brasileira também se faz presente, com pouca
acentuação entre os empresários de pequeno porte.
A identificação dessas correntes éticas presentes no discurso dos
entrevistados, por si, não afastam as discrepâncias entre o discurso e a prática
nos relacionamentos interorganizacionais. Qualquer das correntes éticas,
se for
levada ao extremo de suas premissas, acaba acentuando os conflitos, o que
geralmente é percebido como condutas antiéticas. O extremo da ética
teleológica leva a justificar qualquer ação empreendida. O extremo da ética
deontológica pode levar a uma rigidez de comportamento baseado em
150
princípios sagrados e universais, que acaba se conflitando com o ambiente do
mundo empresarial.
Em face das queixas e relatos sobre atitudes antiéticas da
concorrência, evidencia que a moral da oportunidade brasileira tem forte
presença no APL, o que não significa uma generalização para todos os atores.
Tanto entre os maiores fabricantes como entre os menores, tais atitudes,
típicas da moral da oportunidade, de fato acontecem, mesmo por aqueles que
defendem atitudes éticas, segundo as correntes deontológica ou teleológicas.
4.4.3 Dos dirigentes das empresas subcontratadas
O conceito de ética para os dirigentes das subcontratadas está
fortemente associado com profissionalismo e confiança. Os dirigentes
empresários das subcontratadas de maior porte, por terem maior poder de
barganha, seguem a mesma linha de pensamento dos dirigentes das fábricas
de maior porte, na perspectiva da Ética Teleológica (Srour, 2003). Já os
dirigentes das subcontratadas de pequeno porte, algumas chamadas de
facções de fundo de quintal, em que o fator confiança tem mais importância
nos relacionamentos, tendem a se orientar pela moral da integridade brasileira,
na linha da Ética Deontológica (Srour, 1994).
Procurou-se saber o que caracteriza uma conduta ética e uma conduta
antiética do grupo dos fabricantes. As respostas foram em geral direcionadas
para as condutas antiéticas, de acordo com a percepção dos entrevistados das
subcontratadas.
São consideradas atitudes antiéticas a especulação de preços por
parte de algumas fábricas, e, às vezes se utilizando de blefes; calote ou
inadimplência; e casos de uso de esperteza ao contratar um serviço:
Quando ligam pra gente dizendo que vai nos mandar um serviço,
digamos, básico, com certa urgência de entrega, e depois, quando
chegam as peças com a (respectiva) ordem de serviço, vemos que é
outra coisa, ou seja, um pedido mais complexo, impossível de
atender em curto prazo
, com custo maior [...] De fato, ele empurrou
um serviço a base de mentiras (DIRIGENTE).
151
Confirmam-se as práticas baseadas na moral do oportunismo
brasileira. Mas, a prática de pressionar os preços para baixo através de blefes
são atitudes isoladas, segundo os entrevistados. O que ocorre é que as
fábricas maiores acabam ditando preços de forma sistemática, como um meio
calculista da Ética Teleológica.
Os dirigentes das subcontratadas consideram que o relacionamento
com as fábricas é uma relação ética na maioria das vezes.
Pelo fato de os entrevistados relacionarem conduta ética com
honestidade e pontualidade nos pagamentos, foi questionado se eles têm tido
problemas de inadimplências ou de calotes. Em suas respostas, os dirigentes
das subcontratadas disseram que se empenham em selecionar seus clientes,
excluindo os maus pagadores, pois tiveram ao longo do tempo, muitos
prejuízos. A exclusão de maus pagadores é uma constatação de que atitudes
antiéticas podem pôr fim ou limitar as relações interorganizacionais.
Também foi questionado se há atendimento diferenciado em favor de
algumas fábricas em detrimento às outras. Todos afirmaram que sim. Há
atendimento, tratamento e até preços diferenciados para clientes preferenciais.
O cumprimento do combinado numa prestação de
serviços é para os
fabricantes uma atitude ética, não admitindo qualquer deslize nesse sentido. Já
para os dirigentes das subcontratadas, essa é uma situação corriqueira, que se
deve relevar. Revelaram que em certas circunstâncias existe um tratamento
preferencial na prestação do serviço, colocando um cliente (fábrica) na frente
de outro, mesmo burlando o que tenha sido combinado. Levam em
consideração as circunstâ
ncias do momento, tempo de parceria e o volume de
requisição de serviços. “Isso sempre acontece em favor dos clientes
preferenciais.” (DIRIGENTE).
Tal situação ocorre com frequência tanto nas facções maiores quanto
nas menores. É o jeitinho, típico da moral do oportunismo brasileira (Srour,
1994), quando se tenta acomodar os interesses dos parceiros em vista da
manutenção das parcerias. Neste ponto surge uma discrepância entre o
discurso e a prática. O discurso de profissionalismo de alguns entre em
contradição com a prática.
Outro ponto investigado é o fato de que geralmente, as áreas de
produção e de recepção de ordens de serviços das empresas subcontratadas
152
são de fácil acesso de funcionários das fábricas. Essa situação chama a
atenção para o problema da privacidade e até mesmo do sigilo dos produtos
em fase de fabricação, já que as subcontratadas prestam serviços para
diversas empresas ao mesmo tempo. Algumas empresas de subcontratação se
previnem desse risco.
Revelaram que notam em alguns de seus clientes ou em seus
encarregados certa curiosidade ou movimentos para bisbilhotar produtos
alheios, na suposta intenção de plagiar produtos institucionais que são
comercializados por seus concorrentes. Consideram essas atitudes antiéticas,
como também fornecer informações de produtos ou de amostras em fabricação
de um cliente para outro.
Mesmo sendo por eles consideradas graves tais atitudes, houve,
segundo os entrevistados, muitas situações semelhantes ao longo da história
do boné no APL.
Certa vez um cliente, que entrava no setor de produção, ficava
olhando as logomarcas e as etiquetas para saber de quem eram
aqueles clientes [...] Precisei interpelá-lo para que não fizesse isso;
[...] outro caso, do qual não tivemos culpa, foi de um concorrente que
mandava serviço com a logomarca institucional de seu cliente e por
algum tempo ele parou de mandar tais peças com aquela logomarca.
[...] tempo depois, seu concorrente mandou o serviço com as
referidas logomarcas, quando logo foi descoberto pelo primeiro
concorrente [...] houve um mal estar entre nós, até que tive que
explicar como isso veio acorrer. Foi desagradável (DIRIGENTE).
Esses depoimentos confirmam com os dos dirigentes das fábricas e da
governança, a respeito dessas condutas, na prática da moral do oportunismo
brasileira, presente no APL.
4.4.4 Dos dirigentes das empresas fornecedoras
Para os dirigentes das empresas fornecedoras o significado de ética
nos relacionamentos entre empresas e nos negócios foi definido com as
seguintes palavras-chaves ou expressões: caráter; profissionalismo; não querer
levar vantagens em tudo; hombridade nos negócios; honestidade e senso de
compromisso.
153
Um dos entrevistados, dirigente de microempresa, argumentou que a
caridade deve se sobressair nos momentos em que um parceiro de negócio,
passa por dificuldade, sugerindo ajudar-lhe, quando esse não tiver condições
de honrar seu compromisso: “cumprir o que se assume, mas também ajudar o
próximo quando estiver em dificuldade”; demonstrando uma motivação
religiosa (moral da integridade brasileira) e uma ética baseada em princípios,
em termos da Ética Deontológica (Srour, 1994; 2003).
Com os mesmos achados das entrevistas com outros grupos, os
dirigentes das empresas fornecedoras se distinguem em termos de corrente
ética, em virtude do porte da empresa. Os maiores empresários tendem a
corresponder com a Ética Teleológica, e, em alguns aspectos com a Ética
Deontológica, enquanto os pequenos tendem a corresponder mais com a Ética
Deontológica, através da moral da integridade brasileira.
Foi apontada pelos dirigentes de empresas fornecedoras como uma
das atitudes antiéticas por parte de seus clientes (fábricas de bonés) a quebra
de sigilo de negociação:
Muitas vezes, quando se oferece ao cliente condições especiais, de
modo confidencial ou sigiloso, por ser um cliente preferencial, o
próprio cliente acaba informando outros concorrentes, o que
prejudica as futuras negociações. Ele acaba se prejudicando
(FORNECEDOR).
Neste caso, há duas situações a serem consideradas na análise. Uma,
em que quebrar o sigilo de negociação, um acordo confidencial, representa a
quebra de uma ética profissional, específica numa área profissional, uma
espécie de etiqueta, como por exemplo, a ética profissional dos médicos ou
dos advogados. Outra situação é a negociação sigilosa, sob o crivo da ética.
Nesta questão, verifica-se tratamento preferencial em que se excluem outros
clientes. Esse tipo de conduta recebe críticas de Matar Neto (2004, p.318):
“quando há conflitos de interesses que, segundo a perspectiva ética, deve ser
resolvido sem privilégios para nenhuma parte”. Também Passos (2004)
defende a equidade das oportunidades aos stakeholders na perspectiva da
Responsabilidade Social.
Outras atitudes antiéticas foram apontadas: blefes em falsa cotação de
preços, irresponsabilidade e calotes.
154
A atitude antiética é mentir, dizendo que outro fornecedor tem preços
mais baixos (cotação falsa). [...] O calote [...] Muitos casos de
inadimplência tem como causa a má gestão, nem sempre é
intencional (DIRIGENTE 1); nem sempre são éticos comigo. Já levei
calote de clientes. [...] Deram contra-ordem nos cheques, para evitar
o registro no SERASA (DIRIGENTE 2).
São fatos característicos da moral da oportunidade brasileira (Srour,
1994). Em caso de inadimplência de seus clientes, os dirigentes de empresas
fornecedoras fazem distinção daqueles que intencionalmente dão calote, dos
que passam por dificuldade financeira, mas procuram a renegociação das
dívidas. Foram relatados vários casos pelo fornecedor, de ter tomado bens,
como máquinas e itens de estoque, como pagamento de dívida. Em geral,
dizem existir flexibilidade e negociação de dívida.
Foram também apontadas pelos fornecedores atitudes antiéticas entre
os concorrentes fabricantes, como: assediar funcionários do concorrente;
infiltrar-se nas vendas do concorrente; enganar os clientes deles, como por
exemplo, enviar uma amostra de seu produto com determinadas
características, e depois fornecer o produto final com matéria-prima inferior;
oferecer propina os gerentes das empresas clientes (no APL, esse tipo de
propina é chamado de bola); e a pirataria ou falsificação de produtos de marcas
registradas. São revelações que depõem contra parte dos fabricantes, de modo
mais explícito e contundente do que os próprios fabricantes revelaram,
reforçando a constatação da presença no APL da moral do oportunismo
brasileiro, de modo mais acentuado.
Acerca das atitudes éticas por parte das empresas compradoras
(fábricas de bonés) foram apontadas: honrar os compromissos; pontualidade
nos pagamentos; sinceridade; e honestidade.
Todos os dirigentes afirmaram que o relacionamento entre sua
empresa com as fábricas de bonés é uma relação ética. Na prática, as atitudes
consideradas por eles como éticas com seus clientes são em síntese: agir com
muita clareza e atender da melhor maneira possível.
Mas, houve incoerências nas afirmações durante as entrevistas,
revelando ambiguidades e discrepâncias entre o discurso e a prática.
Questionando aos dirigentes de empresas fornecedoras se eles admitem que
em certas situações, por conveniência, agem com seus parceiros de tal
155
maneira, enquanto no íntimo sabem que não é ético, obtiveram-se os seguintes
depoimentos:
Não. Há uma conduta de regras claras (DIRIGENTE 1); Já
aconteceu sim. Mas foi para resolver problemas momentâneos, por
exemplo: empurrar um produto para o cliente quando não tem o que
ele precisa (DIRIGENTE 2); agi algumas vezes contra minha
consciência. [...] Já disse alguma mentirinha para justificar uma
situação, por exemplo, mentir para o cliente o motivo de atraso nas
entregas (DIRIGENTE 3).
Entretanto, atitudes contraditórias isoladas não podem absolutamente
generalizar nem ser interpretadas para invalidar o discurso dos entrevistados.
Considera-se que os fornecedores têm uma posição privilegiada de
observar a conduta ética de um grande número de fabricantes, por lidarem
diretamente com eles. Com isso, eles se posicionam em modo de defesa
contra as armadilhas da moral do oportunismo brasileira.
Na análise, procurou-se categorizar os achados sobre ética nas
relações interorganizacionais e identificar os fatores decorrentes do
comportamento ético. Na próxima seção, numa análise integrada do caso, a
explicação se concentra sobre a influência das correntes éticas nos
relacionamentos presentes no APL.
4.5 ANÁLISE INTEGRADA DO CASO
Nesta seção, com base nos achados no estudo de caso, os elementos
de maior relevância são tratados com o objetivo de responder à principal
questão de pesquisa: qual a influência da ética nos relacionamentos
interorganizacionais no Arranjo Produtivo Local da confecção de bonés em
Apucarana?
Os tipos de ética presente no APL que representam as principais
categorias de análise são postos diante dos principais fenômenos sociais no
campo das organizações identificados na pesquisa de campo: (1) cooperação,
(2) confiança, (3) concorrência, (4) dependência e (5) rompimentos de
parcerias. Este conjunto de fenômenos constitui o design dos relacionamentos
interorganizacionais do APL em estudo, importantes para a questão ética, por
156
representar situações explícitas, que evidenciam a interação entre os atores, os
conflitos, as expectativas etc.
A análise está orientada para explicar como cada tipo de ética influi
nas relações entre as organizações e na atuação dos atores. As categorias de
análise em questão são a Ética Deontológica, a Ética Teleológica (Srour, 2003;
Matar Neto, 2004; Nash, 2001) e a dupla moral brasileira (Srour, 1994) que tem
origem nas duas correntes éticas. Não faz parte fazer apologias sobre uma ou
outra categoria ética, nem mesmo fazer qualquer juízo de valor sobre aspectos
morais encontrados no caso.
Nas próximas subseções, é explorada a influência da ética em cada
fenômeno social identificado. Para isso, são identificados sob qual tipo de ética
as atitudes são orientadas, e qual tipo de ética que exerce o predomínio no
fenômeno social como um todo.
4.5.1 A influência da ética na cooperação interorganizacional
O fenômeno social cooperação identificado no APL é analisado sob as
perspectivas e premissas de cada corrente ou tipo de ética, como foi
constatado nas análises das seções anteriores.
Entre as fábricas concorrentes, a cooperação de forma planejada tem
em vista a consecução dos objetivos empresariais, em termos de estratégica
de redução de custo. As associações constituídas visam compras em conjunto,
com a finalidade de aquisições de matérias-primas com preços menores e de
eventuais vendas de grande volume com acordos tácitos. Quanto às vendas
em conjunto com acordos tácitos, por ser uma prática duvidosa diante da
legalidade, é vista como jeitinho, típica da moral do oportunismo brasileira
(Srour, 1994).
Foi observado que entre as empresas associadas, que fazem parte de
um grupo de elite, predomina a ética teleológica. As características de
cooperação entre os concorrentes são por definição utilitaristas. A cooperação
é um meio e não fim em si mesmo. Não visa ajuda mútua nem relações
capacitantes (Nash, 2001).
Sob as perspectivas da ética teleológica, os dirigentes das fábricas são
orientados a satisfazer as necessidades do mercado e perseguir o retorno dos
157
investimentos, conforme mostra o quadro 12. O lucro é visto como o objetivo
principal. “A empresa privada tem duas funções básicas a cumprir: o marketing
e a inovação, pois os dois produzem resultados; todo resto são custos”
(DRUCKER, 1998, p. 58).
Nas relações de cooperação das fábricas com as subcontratadas, a
exigência principal são atitudes de profissionalismo, como a eficiência no
atendimento, cumprimento de prazos e o sigilo. São critérios da qualidade e da
eficácia, da ética teleológica. Não hesitam em transferir os custos indesejados
e os riscos para as subcontratadas, em vista do fim lucrativo. “Os principais
constituintes do comportamento antiético são a cobiça e ambição individuais,
ou o desejo de maximizar o ganho pessoal à custa dos demais” (DUBRIN,
2001, p.33).
Ética Teleológica
1. Compras de matérias-primas em conjunto
2. Satisfazer as necessidades do mercado
3. Exigência da qualidade na prestação de serviços
4. Transferir custos indesejados e os riscos para o parceiro
5. Vendas em conjunto com acordos tácitos
6. Fornecimento para segmento que dá maior retorno
Ética Deontológica Ajudas sem visar o retorno, por amizade entre os atores
QUADRO 12: AÇÕES DE COOPERAÇÃO INFLUENCIADAS PELOS TIPOS DE ÉTICAS
FONTE: o autor (2009)
A imposição de preços baixos mediante a pressão e o poder de
barganha junto às subcontratadas revela o extremo da vertente da finalidade
da ética teleológica. A relação capacitante só é verificada razoavelmente nos
casos de contratos de exclusividade nas subcontratações, devido aos
investimentos que são feitos.
Nas relações entre fábricas e fornecedores, a cooperação se verifica
com as empresas de menor porte no APL, em termos de logística, pelas
facilitações no fornecimento e acesso ao crédito. Sendo essas empresas
menores o segmento alvo, as que dão mais resultados, segundo os próprios
fornecedores, a cooperação visa o retorno financeiro.
A ética deontológica apresenta uma tênue relação com a ética
teleológica, quando os conceitos são postos em evidência na distinção das
empresas éticas das antiéticas, na visão dos entrevistados. A ética
deontológica inspira a conduta de idoneidade e honestidade, enquanto a ética
158
teleológica inspira a conduta de profissionalismo (SROUR, 2003). Mas está
evidente que a presença da ética deontológica nos conceitos formulados pelos
dirigentes está a serviço da ética teleológica, a fim de que suas empresas se
portem bem diante do mercado, com uma imagem de que possam ser aceitos.
A ética deontológica não tem influência significante nas relações de
cooperação entre os fabricantes concorrentes, nem entre fabricantes e
subcontratadas, nem entre fabricantes e fornecedores, principalmente por parte
das empresas maiores.
Porém, entre as empresas que não são associadas e de porte menor,
a cooperação ocorre informalmente, de maneira não planejada e esporádica.
Salvo uma investigação mais acurada e mais específica, observa-se que entre
os micro e pequenos empresários existe certa influência da ética deontológica,
pelo fato de que algumas ações de cooperação não visam retorno, por serem
motivadas pela relação de amizade entre os atores.
4.5.2 A influência da ética nas relações de confiança
Com o predomínio da ética teleológica nas relações de cooperação
entre os concorrentes, a confiança se encontra no mínimo necessária para se
alcançarem objetivos em conjunto, principalmente entre os maiores fabricantes
que são associados. Os que se orientam por esse tipo de ética estabelecem
acordos de confiança de maneira pragmática, com parâmetros de validade,
condicionada por acordos formais.
O que se leva em conta por parte dos dirigentes de fábricas numa
relação de confiança com as subcontratadas é o senso de responsabilidade,
com base nos critérios da qualidade, da ética teleológica. Sem contratos
formais, os dirigentes fabricantes adquirem confiança nas subcontratadas na
medida em que veem resultados satisfatórios.
Pelo lado das subcontratadas, a confiança que se estabelece entre
fabricantes e dirigentes de subcontratadas é pré-concebida a partir das
informações de boa-fama do outro parceiro. Qualquer informação sobre um
fabricante que tenha atitudes típicas da moral do oportunismo brasileira (calote,
esperteza) impede o início de uma relação de confiança.
159
A relação de confiança constatada entre fornecedores e fabricantes
tem sua orientação na ética teleológica. É à base de cálculo, segundo o modelo
de Black et al (2002), ou seja, dependendo da capacidade do credor de avaliar
a probidade. Na fase inicial para concessão de crédito dos fornecedores aos
fabricantes do APL, leva-se em conta o histórico de idoneidade, conforme
consta na figura 5.
Entre concorrentes mínimo necessário
Entre fábricas e subcontratadas
substitui acordos formais
Entre fábricas e fornecedores
depende do histórico de idoneidade
FIGURA 5: RELAÇÕES DE CONFIANÇA NO APL
FONTE: o autor (2009)
A ética deontológica poderia exercer influência nas práticas de
relações de confiança, em razão de esse tipo de ética se basear nos princípios
universais e nos deveres com o próximo, na perspectiva kantiana, o que
poderíamos resumir compondo a seguinte máxima: “se dois parceiros tiverem
dentro de si o mesmo senso de dever com o próximo, guiados por um sagrado
princípio de justiça, a confiança entre os dois seria incondicional, até se provar
o contrário pelas suas ações”. A sua premissa básica é que “o princípio justifica
a ação.” (SROUR, 1994, p.14).
Mas, havendo a predominância da ética teleológica nas relações, a
confiança fica condicionada às ações e às circunstâncias, ou seja, as ações
são vigiadas pelos parceiros de negócio. A influência da ética deontológica nas
relações de confiança pode ser encontrada apenas em casos isolados no APL,
descartando generalizações.
4.5.3 A influência da ética nas relações de concorrência
A ética teleológica influencia com predomínio as relações de
concorrência no APL. A moral da oportunidade brasileira (Srour, 1994), que
tem aspectos da ética teleológica, está fortemente permeada nessas relações
de concorrência.
160
A palavra-chave profissionalismo, sob a premissa utilitarista da ética
teleológica (Matar Neto, 2004; Srour, 2003; Nash, 2001; Arruda et al. 2003),
revela uma forma de competir com a frieza do cálculo e da eficiência. A
palavra-chave honestidade revela qual o comportamento que os dirigentes
espera dos seus concorrentes, com base em experiências passadas que
presenciaram ou de fatos que ficaram sabendo.
As atitudes de ganância, amadorismo, deslealdade, malandragem
(Fornecedor 1), aliciamento a funcionários de concorrentes, falsificação
(pirataria) de produtos, constatadas na pesquisa de campo, se identificam com
a moral do oportunismo brasileira, quando tais atitudes extrapolam o limite e o
respeito com os concorrentes, da maneira consciente e intencional. Alguns
exemplos dados pelos entrevistados, que correspondem às atitudes antiéticas,
são mostrados no quadro 13.
Desfavorecimento unilateral nas compras conjuntas de matérias-primas entre
associados;
Aliciamento de concorrentes às subcontratadas que tem contratos de exclusividade;
Aliciamento a funcionários de concorrentes de função estratégica;
Atravessamento nas negociações de vendas que seria em parceria;
Negociação às escondidas com o fornecedor de uma associação para comprar à
parte com preço menor, colocando os demais parceiros associados em desvantagem;
Falsificação (pirataria) de marcas licenciadas;
Plágio de produtos institucionais.
QUADRO 13: ATITUDES ANTIÉTICAS NAS RELAÇÕES ENTRE CONCORRENTES
FONTE: o autor (2009)
A presença da ética deontológica se acha de maneira discreta em um
ou outro entrevistado, que revelaram menos ambição nos negócios e
conformismo com sua atuação no mercado. É a influência da moral da
integridade brasileira, que tem aspectos da ética deontológica. No mais, a ética
deontológica tem fraca influência nas relações de concorrência no APL.
4.5.4 A influência da ética nas relações de dependências
O fator dependência nas relações entre fábricas e subcontratadas
apresenta aspectos intrínsecos da ética teleológica. Conforme foi identificada
nas seções anteriores da análise de dados, a vertente da finalidade é a via que
percorre a prática dessas relações: “às vezes, eles (os fabricantes) deixam as
facções (subcontratadas) com a língua roxa, mas não chegam a matá-las,
161
porque senão ficam sem o prestador de serviço. [...] Os empresários precisam
concorrer com preços menores.” (COORDENADOR DA GOVERNANÇA).
É levado em conta o fato de que as subcontratadas dependem total e
exclusivamente das fábricas de bonés, enquanto que a dependência das
fábricas é menor ou relativa. Com a influência da ética teleológica, usam-se o
poder de barganha e pressões para conseguir a resignação dos dirigentes das
subcontratadas, especialmente daquelas que são denominadas de facções,
com pouca estrutura econômica e tecnológica.
Quanto à dependência nas relações entre fábricas e fornecedores, foi
constatado que as empresas de menor porte no APL são as que adquirem com
maior frequência e mais dependem dos fornecedores locais. No entanto, existe
tratamento diferenciado ou preferencial dado a determinados clientes. Essa
política de atendimento reflete as premissas da ética teleológica, em que as
consequências justificam a ação.
Não se confirma a influência da ética deontológica que mereça
destaque nas relações de dependência, a não ser que haja em casos isolados,
o que não pode ser generalizado para todo o APL.
4.5.5 A influência da ética nos rompimentos de parcerias
Os rompimentos de parcerias por razões éticas apresentadas nas
subseções anteriores revelam que, por um lado, os motivos dos rompimentos
foram devidos às atitudes típicas da moral da oportunidade brasileira (Srour,
1994). Por outro lado, alguns rompimentos foram por consequência das
atitudes típicas utilitaristas da ética teleológica (Srour, 2003; Matar Neto, 2004;
Nash, 2001), por ter gerado conflitos entre parceiros.
Os motivos de rompimentos de parcerias devido às atitudes típicas da
moral do oportunismo brasileira, que podemos denominá-las de oportunistas,
foram os seguintes: (1) casos de atravessamento nas negociações de vendas
em grande quantidade que seria em conjunto, de acordo tácito entre
concorrentes; (2) negociação às escondidas com o fornecedor de uma
associação para comprar à parte com preço menor, colocando os demais
parceiros associados em desvantagem; (3) calote aos fornecedores e às
subcontratadas; e (4) falsificação (pirataria) de marcas licenciadas.
162
Vários pontos das entrevistas em que tais motivos foram mencionados
mostram a intolerância dos dirigentes quanto às atitudes típicas da moral da
oportunidade brasileira. Essa moral está permeada em todo o APL, o que não
significa uma generalização. Quando alguma atitude dessa natureza é
descoberta, as relações de parcerias podem chegar ao fim. Quando não chega
ao definitivo rompimento, as relações ficam abaladas e mais limitadas.
Conforme explica SROUR (1994, p.11), os valores da moral do
oportunismo brasileira são: “a ânsia pelo enriquecimento rápido, a legitimidade
do máximo proveito pessoal, o egoísmo e a consagração da esperteza”. Tem
conexão intrínseca com a vertente da finalidade (teleológica). Nas parcerias em
que se fazem presentes tais valores que se põem em prática, a duração
desses relacionamentos ficam constantemente ameaçada. Foi percebido na
pesquisa que, mesmo aquele ator que eventualmente age com esperteza
(moral do oportunismo), ao mesmo tempo não tolera uma atitude dessa
categoria, quando ele se torna a vítima do outro. Sem citar nomes, já que na
pesquisa houve um trato de sigilo entre o pesquisador e os entrevistados, foi
possível detectar no confronto dos depoimentos uma situação de incoerência
dessa natureza. Constata-se, então, um forte indício de que a presença de
atitudes da moral da oportunidade inviabiliza as relações.
Quanto aos motivos de rompimentos devido às atitudes típicas
utilitaristas ou da finalidade da ética teleológica, foram os seguintes: (1) por não
concordar com a pressão que os parceiros associados faziam com os
fornecedores para reduzir preços; (2) desfavorecimento unilateral nas compras
conjuntas de matérias-primas pela associação; (3) priorização no atendimento
em favor de outros concorrentes, por oferecerem um preço melhor à
subcontratada; (4) atrasos no atendimento pela subcontratada.
Esses motivos de rompimentos têm a corroboração de Nash (2001),
que vê no modelo da ética do interesse próprio, ou seja, na ética teleológica,
segundo seus propósitos, premissas e meios primários, uma orientação que
não favorece os relacionamentos.
Outras atitudes citadas, derivadas da vertente utilitarista da ética
teleológica, que não foram confirmadas de terem sido causa de rompimento,
embora causassem constrangimentos entre parceiros, foram: (1) assédio de
concorrentes às subcontratadas que têm contratos de exclusividade e (2)
163
assédio a funcionários de concorrentes de função estratégica. Já em relação à
atitude derivada da moral da oportunidade foi o plágio de produtos
institucionais. Pode-se inferir que qualquer dessas atitudes feita de maneira
acintosa, de constrangimento, pode chegar ao rompimento das relações de
parceria ou mesmo o impedimento de novas parcerias.
Não foi constatado rompimento voluntário por parte das
subcontratadas por motivo de pressão por preços baixos. A explicação mais
plausível é devida ao alto grau de dependência das subcontratadas em relação
às fábricas. Não obstante, as falências de muitas facções ao longo da história
do APL podem ser vistas, salvo melhor investigação, como uma outra versão
de rompimento de parcerias: a separação por morte. Embora as causas de
mortes ou falências das facções possam ser as mais variadas, cumpre resgatar
nos achados da pesquisa de campo que muitas facções encerraram suas
atividades por não suportarem os custos operacionais, por conta da ínfima
margem de lucro e as frequentes ações trabalhistas.
Não foi identificado caso de rompimento motivado por atitudes de
cunho deontológica. Entretanto, um dos dirigentes que depôs sobre seu caso
de rompimento de parceria (discordar com a pressão que os parceiros
associados faziam com os fornecedores para reduzir preços), revela tendência
de se orientar pela ética deontológica, o que lhe fez mostrar aversões por
atitudes típicas utilitaristas e da moral da oportunidade brasileira de seus ex-
parceiros.
Uma exposição resumida da influência da ética nos rompimentos dos
relacionamentos interorganizacionais, como em outros fenômenos sociais
abordados é mostrada no quadro 14.
164
Fenômenos
Sociais
Tipos de
Relacionamentos
Influência da Ética
Teleológica
Influência da Ética
Deontológica
Entre fábricas
concorrentes
Cooperação utilitarista;
orientação para satisfazer as
necessidades do mercado.
Não há influência nas
relações; o discurso
deontológico está a
serviço da ética
teleológica.
Entre fábricas e
subcontratadas
Exigência da eficiência no
atendimento; transferência de
custos e riscos indesejados para
o parceiro; imposição de preços
baixos.
Não há influência
Cooperação
Entre fábricas e
fornecedores
Fornecimento para o segmento
que mais dá retorno.
Não há influência
Entre fábricas
concorrentes
Mínimo necessária para
consecução dos objetivos em
conjunto; pragmática, com
parâmetros de validade.
Não há influência
Entre fábricas e
subcontratadas
Atitudes típicas da moral da
oportunidade brasileira (vertente
teleológica) impede o inicio de
uma relação.
Não há influência
Confiança
Entre fábricas e
fornecedores
À base de cálculo: avaliação da
probidade
Não há influência
Concorrência
Entre fábricas
concorrentes
Competição com frieza de
cálculo e da eficiência;
Discreta e em casos
isolados.
Entre fábricas e
subcontratadas
Uso do poder de barganha e
pressões para impor preços
baixos às subcontratadas.
Não há influência
Dependência
Entre fábricas e
fornecedores
Tratamento diferenciado dado à
determinados clientes pelos
fornecedores
Não há influência
Entre fábricas
concorrentes
Não favorece os
relacionamentos; a presença da
moral da oportunidade brasileira
(vertente teleológica) é uma
ameaça acentuada.
Os atores que se
orientam pela ética
deontológica têm
dificuldades de
compartilhar das ações
em conjunto.
Entre fábricas e
subcontratadas
Falência de facções por não
suportarem preços muito baixos.
Não há influência
Rompimentos
Entre fábricas e
fornecedores
Através das atitudes típicas da
moral da oportunidade brasileira
(vertente teleológica), como o
calote.
Não há influência
QUADRO 14: A INFLUÊNCIA DA ÉTICA NAS RELAÇÕES INTERORGANIZACIONAIS
FONTE: o autor (2009)
Todos os entrevistados atribuíram à ética grande importância nas
relações interorganizacionais. A propósito, foram questionados se
hipoteticamente surgisse uma oportunidade de parcerias de negócios, e, ao
mesmo tempo, sabendo que a outra empresa não compartilhasse da mesma
ética, todos os entrevistados afirmaram que o problema ético afetaria as
relações interorganizacionais e poderiam ser até inviabilizadas as parcerias.
165
Esses achados confirmam que, quando em um grupo, todos os atores
compartilham da mesma ética, as relações interorganizacionais tendem a se
sustentar por mais tempo. Porém, como foi diagnosticado, há o predomínio da
ética teleológica, que, se levada ao extremo de suas premissas nas atitudes
dos atores, gera conflitos que afetam as relações. E, se os conflitos forem mal
resolvidos, a ponto de sucumbir a confiança entre parceiros, pode culminar no
rompimento de parcerias.
Com relação à ética deontológica, por ser antagônica à ética
teleológica, não significa que deva ser vista como um antídoto para prevenir ou
remediar os conflitos de interesses multilaterais, quando se identifica a
presença da ética teleológica. A heterogeneidade de tipos de ética num mesmo
ambiente no campo das organizações pode gerar ainda mais conflitos e
ameaças de rompimento, em função dos díspares comportamentos e conceitos
dos atores.
166
5 CONCLUSÃO
As organizações, vistas como sistemas abertos, estão constantemente
relacionando e dependendo umas das outras, para atingir seus objetivos
empresariais. Os relacionamentos interorganizacionais se comportam sob
influência da ética, a qual determina a qualidade e a durabilidade das relações.
Sendo os relacionamentos importantes no contexto atual, para consecução dos
objetivos, quanto melhor a qualidade e maior a durabilidade, presumem-se
melhores condições para as organizações competirem.
A análise dos dados procedeu-se de forma exaustiva dentro das
delimitações da pesquisa, explorando as entrevistas dos atores que
representam cada grupo inserido nas relações interorganizacionais. A
conclusão resgata os achados dos objetivos específicos que foram propostos
para se atingir o objetivo geral.
Na descrição dos relacionamentos interorganizacionais do Arranjo
Produtivo Local da confecção de bonés em Apucarana, constatou-se que existe
a cooperação entre fábricas concorrentes, entre fábricas e subcontratadas e
dos fornecedores com as fábricas, além das instituições de apoio, que num
trabalho conjunto com a governança, trabalham pela integração das empresas.
Este formato de cooperação corresponde à tipologia citada por Balestrin e
Vargas (2004). A cooperação entre competidores confirma as afirmativas de
Pinto e Loiola (2007).
Nos acordos informais entre fábricas e subcontratadas, procura-se
estabelecer uma relação de confiança, que se solidifica ao longo dos
relacionamentos (Lastres e Cassiolato, 2005; Borges 2005). O grau de
confiança entre fábricas e subcontratada é maior do que entre as fábricas
concorrentes, em razão de que a confiança é uma necessidade nas
subcontratações, pois substitui os contratos formais (Berg, 2003). Assim, a
confiança torna-se uma condição criada para se estabelecer parcerias, mesmo
assumindo riscos futuros.
A confiança entre os dirigentes de fábricas e das subcontratadas
começa pela pré-concepção, obtida quando se tem o conhecimento de boa
fama da outra parte, em decorrência da disseminação das informações sobre
os fabricantes dentro do APL de maneira rápida. Assim, a confiança pré-
167
concebida se tornou uma condição para o início das parcerias entre fábricas e
subcontratadas.
Outro fator identificado nas relações interorganizacionais é a
dependência de uma organização para com outra. Constata-se uma forte
dependência entre fábricas e empresas subcontratadas. As fábricas só
dependem mais das subcontratadas, quando essas oferecem serviço de maior
qualidade e nos períodos de alta demanda, ou quando não contam com algum
serviço específico internamente.
Pelo lado das subcontratadas a situação de dependência das fábricas
é total, pois foram criadas com o único fim de prestar serviços para as fábricas
de bonés. Machado-da-Silva e Coser (2006), explicam que o fenômeno da
dependência tem relações de sobrevivência, e as empresas dependentes
acabam aceitando as regras ou condições impostas pela contraparte. Essa
relação de dependência tem seu momento crítico mais acentuado nos períodos
do ano quando a demanda é baixa. As pequenas empresas de subcontratação,
também denominadas de facções, não contam com estrutura econômica
suficiente para cobrir os custos fixos nos períodos de ociosidade.
A dependência das fábricas de pequeno porte com os fornecedores é
elevada. Uma eventual interrupção de fornecimento para uma pequena
empresa pode até chegar a inviabilizar suas atividades devido às dificuldades
de aquisição de matérias-primas fora do APL.
Constatou-se que os relacionamentos entre as empresas têm seu
papel de importância para a consecução dos objetivos organizacionais. Os
fabricantes que são associados adquirem matérias-primas em conjunto para
formação de estoque regulador. Essa ação está relacionada à estratégia de
redução de custo, pois uma das principais ameaças é a concorrência de
preços. Eiriz (2001) denomina esse tipo de parceria entre concorrentes de
aliança estratégica de domínio comercial.
Outras ações conjuntas com fins estratégicos visam a criação de
novos mercados e colocam a cidade de Apucarana como referência nacional
da confecção de bonés.
A subcontratação é o tipo de aliança estratégica do domínio técnico /
produção (Eiriz, 2001), quando uma empresa (contratante) subcontrata a outra.
As vantagens da subcontratação que podem ser usadas como estratégias das
168
fábricas são a garantia do volume de produção para o atendimento à demanda
e redução relativa dos custos.
A logística e a facilitação oferecida pelos fornecedores reduzem custos
operacionais que colocam as fábricas de Apucarana em vantagem em relação
aos concorrentes de outras regiões.
Quanto à influência da ética na formação e desenvolvimento dos
relacionamentos interorganizacionais, conclui-se que o predomínio da ética
teleológica (Srour, 2003; Matar Neto, 2004) no APL não favorece os
relacionamentos interorganizacionais, pois gera conflitos de interesses, em
razão de que as parcerias ou cooperações são formadas pragmaticamente
como meios de se atingirem objetivos individuais. Esse achado não é
confirmado por Srour (2003) nem por Matar Neto (2004). No entanto, nas
abordagens de Nash (2001), as características e a premissa da ética
teleológica são relacionadas com o modelo do interesse próprio, o qual a
autora afirma ser um modelo que desfavorece a qualidade das relações.
Por visar resultados concretos, o profissionalismo como a palavra-
chave mais evidenciada pelos atores, para conceituar ética nos
relacionamentos interorganizacionais, se torna uma exigência básica, com fins
calculistas. Os relacionamentos terminam quando as vantagens de negócio
não correspondem às expectativas dos atores.
Nas relações de dependência, o poder e a pressão são instrumentos
utilizados para se tirar proveito e obter lucro, mesmo em vista dos prejuízos e
das dificuldades dos parceiros, em termos utilitaristas da ética teleológica.
Foi verificado que a moral da oportunidade está fortemente permeada
no APL. Representa a vertente da finalidade (fim justifica o meio) da ética
teleológica levada ao extremo de sua premissa, com as peculiaridades da
cultura brasileira, que diz respeito a uma deformação da ética da realização
pessoal, elitista, excludente e individualista (Srour, 1994). A moral da
oportunidade se constitui numa ameaça acentuada aos relacionamentos,
devido à intolerância dos que são atingidos pelos atos dessa categoria. Gera
desconfiança, decepção dos atores e culmina no rompimento das relações.
De outro lado, a ética deontológica, que se baseia em princípios e
deveres, encontra-se em alguns conceitos e crenças de alguns atores, mas
com a ínfima influência nos negócios e nos relacionamentos. Esse tipo de ética
169
tem pouca chance de ser aceita nos mundo dos negócios, mesmo que os
atores a tragam em seu íntimo, devido às suas convicções religiosas,
doutrinárias e tradições culturais. E quando tentam impor atitudes inspiradas
nessa ética se veem em desvantagem aos demais.
Verificou-se a existência da moral da integridade brasileira (Srour,
1994) de raiz deontológica no APL, em casos isolados, o que se presume ser
baixíssima sua influência. Essa moral inspira bondade, condescendência, ajuda
ao próximo. Não se coaduna com a ambição, por isso é rechaçada pela
maioria.
Conclui-se também que a heterogeneidade de tipos de ética num
mesmo ambiente no campo das organizações gera conflitos e ameaças de
rompimento, em função dos díspares comportamentos e conceitos dos atores.
O compartilhamento de um mesmo padrão ético num grupo pode favorecer no
ajuste dos objetivos dos atores, por seguirem as mesmas perspectivas. Mas
isso somente não isenta o grupo da ameaça de rompimento.
A influência da ética para a sustentação e fortalecimento dos
relacionamentos interorganizacionais só é possível quando a ética
compartilhada pelos atores num mesmo ambiente visa criação de valores e
mútua capacitação, enquanto os objetivos individuais de lucro dão lugar à
cooperação e aos objetivos coletivos, segundo as afirmações de Nash (2001).
Esse tipo ou categoria de ética é apresentado na próxima subseção, como uma
proposta prática para as relações e parcerias.
Na análise das ambiguidades e discrepâncias entre o discurso
referente à ética e a prática nos negócios tem-se a seguinte consideração: o
que pode ser considerado antiético para uns, pode ser ético para outros.
Qualquer tipo de ética se for levada ao extremo na prática, acentua os
conflitos, o que geralmente é percebido como condutas antiéticas pela
contraparte. O extremo da ética teleológica leva a justificar qualquer ação
empreendida. O extremo da ética deontológica pode levar a uma rigidez de
comportamento baseado em princípios sagrados e universais, que acabam se
conflitando com o ambiente do mundo empresarial.
Nos cruzamentos dos depoimentos dos atores foi possível identificar
algumas discrepâncias ou incoerências entre o discurso e a prática. Atitudes
típicas da moral do oportunismo foram evidenciadas pelos atores quando se
170
colocavam na condição de contraparte, ou seja, os entrevistados apontaram
para os outros a autoria das práticas oportunistas, mas não para si mesmos.
Entre os fabricantes e dirigentes de subcontratadas, tais atitudes típicas da
moral da oportunidade de fato acontecem, mesmo por aqueles que defendem
atitudes éticas, inspiradas nas correntes deontológica ou teleológicas.
Esses achados contribuíram para responder à questão de pesquisa,
em que a ética influencia nos relacionamentos interorganizacionais. Porém,
não se trata de uma resposta simplista de que atitudes antiéticas afetam as
relações, pois, o que é ético e o que é antiético são interpretações relativas dos
atores, sujeitas aos significados da ética predominante no ambiente.
A ética predominante em um ambiente influencia substancialmente
tanto a qualidade quanto a durabilidade das relações interorganizacionais. A
qualidade e a durabilidade das relações dependem do tipo ou da corrente de
ética que é compartilhada pelos atores e como esses correspondem e reagem.
A mudança de predomínio de um tipo de ética para o outro tipo pode surgir
como uma alternativa para criar intencionalmente relações que perduram por
mais tempo e com melhor qualidade. Porém, pode-se esperar um processo
difícil, de colisão de crenças e valores subjacentes para se tornar coalizão
entre atores.
A ética não é a finalidade nas relações ou parcerias, mas, através da
sua influência, cumpre o seu papel de orientar as ações e as finalidades dos
relacionamentos interorganizacionais.
A validade desse estudo é justificada pelos próprios achados da
pesquisa. Em se tratando de relacionamentos interorganizacionais, já é de
domínio do conhecimento acadêmico a sua importância no contexto das
indústrias e do mercado. A influência da ética neste campo, até então, parecia
não ter destaque no estado da arte nem nas disciplinas de administração. No
entanto, quanto mais cresce a necessidade das empresas de cooperarem,
quanto mais aumentam as inter-relações devido à dinâmica acelerada e
complexa do mundo empresarial, mais a ética deve ganhar destaque nos
estudos, até um dia, talvez, chegar ao posto de disciplina.
171
5.1 Contribuição da pesquisa para a prática
Paradoxalmente, a ética convencionada (Nash, 2001) é uma versão
pragmática e adaptada da ética deontológica para o mundo dos negócios. Ela
visa relacionamentos mutuamente capacitantes, sem perder de vista os
objetivos individuais das organizações. A utopia deontológica é apresentada de
forma prática e atualizada por Nash (2001). A ética convencionada cria valores,
fortalece as relações, e é defendida pela autora como possível de se aplicar.
Mas para isso, seria necessário um intenso trabalho de politização
(Passos, 2004) dessa ética, na tentativa de disseminá-la entre os atores
individual e coletivamente. Mecanismos de controle, assim como os códigos
de ética, por si mesmos, não criam valores nem relações capacitantes. Apenas
previnem erros de maneira prática, mas não transformam as consciências nem
a conduta dos atores. Os chamados códigos de ética, que poderiam ser
simplesmente considerados como códigos de regras ou de prescrições, são
incapazes de inspirar intuitivamente comportamentos e condutas, portanto,
insuficientes para sustentar as relações.
5.2 Limitações da pesquisa
Foram dois fatores que limitaram a pesquisa:
1) Sendo um estudo qualitativo, as observações de documentos, entre
outros elementos, serviriam para uma análise de triangulação de dados junto
aos depoimentos dos entrevistados. Porém, como não foi possível o acesso
aos documentos, como atas de reuniões de associações e da governança, não
houve triangulação de dados nas análises.
2) O uso de gravações em áudio poderia facilitar as transcrições das
entrevistas e ainda garantir o total aproveitamento dos depoimentos. Mas,
como logo nas primeiras entrevistas os atores mostraram certa preocupação
com o uso desse recurso, provavelmente por estar se tratando de um assunto
delicado, precisou ser descartado.
172
5.3 Sugestões para novas pesquisas
Outras estratégias de pesquisa podem revelar outros fenômenos
sociais relacionados com a ética. A estratégia da história oral em pesquisa
organizacional (Godoi et al., 2006), por exemplo, contribuiria para aprofundar o
assunto, criando condições para os pesquisadores relacionarem os fatos
presentes com suas origens e verificarem possíveis mudanças de
comportamento ético ao longo da história dos atores.
A pesquisa sobre ética nas relações interorganizacionais se for
realizada em outros ambientes, onde se encontram realidades distintas da
presente pesquisa, proporcionaria a identificação de mais fenômenos sociais
correlacionados. Empresas de grande porte, multinacionais ou empresas
pequenas, que se relacionam dentro ou fora de suas áreas geográficas, num
estudo multicaso, seriam um meio de novas descobertas sobre ética.
Um referencial teórico com uma abordagem mais específica e
aprofundada da filosofia clássica pode dar uma maior condição de descobrir
novas teorias sobre ética a serem aplicadas no campo da administração.
Conforme foi exposto como proposta prática (subseção 5.1), o modelo
da ética convencionada, como uma possível solução (Nash, 2001) para
aumentar a qualidade e a durabilidade das relações interorganizacionais,
poderia ser aplicada em uma pesquisa-ação (Godoi et al., 2006). Essa
estratégia, que prevê a participação efetiva entre pesquisador e atores
envolvidos, em vista de um problema ou situação destinada a uma intervenção
planejada, poderá esclarecer os desafios da sua implementação, e, conforme
forem as comprovações, pode vir a ser útil para os gestores.
Pelo fato do tema da ética pertencer ao campo da filosofia e da
sociologia e por lidar com subjetividades, não dispensa um esforço para uma
pesquisa com métodos mistos, qualitativa e quantitativa. Com isso se teria a
condição de expandir a investigação, e se possível, intentar uma generalização
dos resultados.
173
5.4 Considerações finais
Como toda pesquisa, os resultados são válidos até que se prove o
contrário. A falibilidade dos métodos é uma realidade que caminha lado a lado
dos pesquisadores. Mas isso não pode ser motivo para desacreditar os
achados de uma pesquisa.
A coerência da pesquisa realizada se apoiou sobre duas condições
metodológicas: a primeira, referente à qualidade dos procedimentos de coleta
de dados. Sendo as entrevistas a única fonte de dados empíricos, o
pesquisador, nessa situação, se coloca diante de diversos fatores que
constituem ameaças para a qualidade dos dados coletados. As motivações
emocionais e o humor do entrevistado, as circunstâncias no momento da
entrevista, a empatia ou antipatia do entrevistado com o pesquisador, podem
interferir na qualidade dos dados.
Sobre esse aspecto, a autoria do trabalho expressa a satisfação pela
qualidade dos dados coletados. O assentimento e o grau de empatia entre o
pesquisador e os entrevistados foram fatores privilegiados que propiciaram a
profundidade nos depoimentos e a qualidade dos dados.
Quanto à segunda condição metodológica, referente à análise dos
dados, o pesquisador precisou em determinados momentos entrar no mundo
dos atores, no processo de análise. Certa dose de sensibilidade permitiu ver as
coisas com os olhos dos atores e depois analisar sob o olhar crítico da ciência.
O maior achado do estudo para a autoria do trabalho foi encontrar
aquilo que não era o esperado. Isso criou uma sensação de que o processo de
análise foi isento de qualquer suposta interpretação tendenciosa ou ter sido o
pesquisador influenciado pela base teórica. O rigor científico norteou todo o
trabalho.
174
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ZYLBERSZTAJN, Décio. Organização Ética: um ensaio sobre o
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2002.
181
ANEXOS
ANEXO 01: LEI QUE DISPÕE SOBRE OS RELACIONAMENTOS COM FORNECEDORES E
CONCORRENTES
.
Lei n.º 8.884 de 11/06/94
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8884.htm
Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob
qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos,
ainda que não sejam alcançados:
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III - aumentar arbitrariamente os lucros;
IV - exercer de forma abusiva posição dominante.
§ 1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência
de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no
inciso II.
§ 2º Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla
parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou
financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa.
§ 3º A posição dominante a que se refere o parágrafo anterior é presumida quando a
empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) de mercado relevante, podendo
este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia. (Redação dada
pela Lei nº 9.069, de 29.6.95)
Art. 21. As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese
prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica;
I - fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições
de venda de bens ou de prestação de serviços;
II - obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre
concorrentes;
III - dividir os mercados de serviços ou produtos, acabados ou semi-acabados, ou as
fontes de abastecimento de matérias-primas ou produtos intermediários;
IV - limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;
V - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa
concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços;
VI - impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos
ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição;
VII - exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de
comunicação de massa;
182
VIII - combinar previamente preços ou ajustar vantagens na concorrência pública ou
administrativa;
IX - utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros;
X - regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para limitar ou controlar
a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a produção de bens ou prestação de serviços, ou
para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição;
XI - impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e representantes,
preços de revenda, descontos, condições de pagamento, quantidades mínimas ou máximas,
margem de lucro ou quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios
destes com terceiros;
XII - discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação
diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços;
XIII - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das condições de
pagamento normais aos usos e costumes comerciais;
XIV - dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações comerciais de
prazo indeterminado em razão de recusa da outra parte em submeter-se a cláusulas e
condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais;
XV - destruir, inutilizar ou açambarcar matérias-primas, produtos intermediários ou
acabados, assim como destruir, inutilizar ou dificultar a operação de equipamentos destinados
a produzi-los, distribuí-los ou transportá-los;
XVI - açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou
intelectual ou de tecnologia;
XVII - abandonar, fazer abandonar ou destruir lavouras ou plantações, sem justa causa
comprovada;
XVIII - vender injustificadamente mercadoria abaixo do preço de custo;
XIX - importar quaisquer bens abaixo do custo no país exportador, que não seja signatário
dos códigos Antidumping e de subsídios do Gatt;
XX - interromper ou reduzir em grande escala a produção, sem justa causa comprovada;
XXI - cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada;
XXII - reter bens de produção ou de consumo, exceto para garantir a cobertura dos custos
de produção;
XXIII - subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço,
ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem;
XXIV - impor preços excessivos, ou aumentar sem justa causa o preço de bem ou serviço.
Parágrafo único. Na caracterização da imposição de preços excessivos ou do aumento
injustificado de preços, além de outras circunstâncias econômicas e mercadológicas
relevantes, considerar-se-á:
183
I - o preço do produto ou serviço, ou sua elevação, não justificados pelo comportamento
do custo dos respectivos insumos, ou pela introdução de melhorias de qualidade;
II - o preço de produto anteriormente produzido, quando se tratar de sucedâneo resultante
de alterações não substanciais;
III - o preço de produtos e serviços similares, ou sua evolução, em mercados competitivos
comparáveis;
IV - a existência de ajuste ou acordo, sob qualquer forma, que resulte em majoração do
preço de bem ou serviço ou dos respectivos custos.
Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma
prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou
serviços, deverão ser submetidos à apreciação do Cade.
§ 1º O Cade poderá autorizar os atos a que se refere o caput, desde que atendam as
seguintes condições:
I - tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente:
a) aumentar a produtividade;
b) melhorar a qualidade de bens ou serviço; ou
c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico;
II - os benefícios decorrentes sejam distribuídos eqüitativamente entre os seus
participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro;
III - não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de mercado relevante
de bens e serviços;
IV - sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os objetivos
visados.
184
ANEXO 02: ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM PERGUNTAS SEMI-ESTRUTURADAS
UNIDADE DE ANÁLISE: GOVERNANÇA
1º Objetivo Específico: Descrever os relacionamentos interorganizacionais do Arranjo
Produtivo Local da indústria de bonés em Apucarana.
1. Quais são os principais motivos para uma empresa formar e desenvolver parcerias de
serviços e negócios com empresas dentro do APL?
2. Que tipo de parcerias existem no APL?
3. Como são feitos os acordos nessas parcerias? São na maioria formais ou informais?
Envolvem também acordos de confiança?
4. É possível ser observado certo grau de sinergia entre os fabricantes quando promovem
ações em conjunto, sendo concorrentes?
5. Qual o papel da governança frente aos relacionamentos entre as empresas?
6. É possível ser observado algum grau de dependência entre as empresas (fábrica de
bonés) com as subcontratadas e com os fornecedores, ou vice-versa, em função da
demanda e da necessidade de produção?
7. Quais os eventos, ocasiões ou situações em que entre as empresas (fábricas de bonés)
buscam fazer parcerias?
2º Objetivo Específico: Identificar o papel estratégico dos relacionamentos na consecução
dos objetivos organizacionais
1. Quais as vantagens estratégicas que as empresas obtêm com os relacionamentos
interorganizacionais, em termos de parcerias, avaliadas pela governança?
2. Percebe-se interesse dos empresários em formar e manter parcerias duradouras ou
apenas para certas ocasiões?
3. Tais parcerias surgem em função das necessidades operacionais ou tem em vista
vantagens competitivas?
3º Objetivo Específico: Identificar a influência da ética na formação e desenvolvimento dos
relacionamentos interorganizacionais.
1. Para a governança, a ética é um fator de importância na formação e desenvolvimento dos
relacionamentos interorganizacionais?
2. A governança tem recebido informações sobre rompimento de parcerias entre as
empresas em razão de problemas éticos entre as partes?
3. Através dos contatos, nas reuniões, conversas formais e informais ou por outros meios de
informações, os dirigentes das empresas tem feito distinção das empresas de conduta
ética das que eles julgam de empresas antiéticas?
4. A condição financeira, o porte, e outros atributos das empresas se constituem em fator de
poder que possa ser usado como barganha ou coercitivamente (pressão) nas parcerias?
185
5. A governança tem arbitrado ou tem servido como fórum de discussão em casos de
conflitos de natureza ética?
4º Objetivo Específico: - Analisar as ambigüidades e discrepâncias entre o discurso referente
à ética e a prática nos negócios.
1. Para a governança o quê significa ética nos relacionamentos entre empresas e nos
negócios?
2. Na visão da governança, quais seriam as atitudes éticas e as antiéticas comuns nos
relacionamentos interorganizacionais dentro do APL?
3. Os dirigentes comentam com a governança, que em certas situações, por conveniência,
eles agem com seus parceiros de tal maneira, enquanto que no íntimo, eles sabem que
não é ético ou correto? Ou mesmo que tais comentários não chegam, o coordenador da
governança percebe que há essas situações?
UNIDADE DE ANÁLISE: FÁBRICAS DE BONÉS / CONCORRENTES
1º Objetivo Específico: Descrever os relacionamentos interorganizacionais do Arranjo
Produtivo Local da indústria de bonés em Apucarana.
1. Quais são os principais motivos para uma empresa formar e desenvolver parcerias de
serviços e negócios dentro do APL?
2. Como são feitos os acordos nessas parcerias? São na maioria formais ou informais?
Envolvem também acordos de confiança?
3. Que tipo de parcerias os fabricantes fazem?
4. Percebe-se certo grau de sinergia entre os fabricantes quando promovem ações em
conjunto, sendo concorrentes?
5. Existe o fator de dependência entre a empresa com as subcontratadas e com os
fornecedores, ou vice-versa, em função da demanda e da necessidade de produção?
6. Quais os eventos, ocasiões ou situações em que entre as empresas concorrentes
(fábricas de bonés) procuram formar parcerias?
2º Objetivo Específico: Identificar o papel estratégico dos relacionamentos na consecução
dos objetivos organizacionais
1. Quais as vantagens estratégicas que as empresas obtêm com as parcerias com as
subcontratadas?
2. Quais as vantagens estratégicas que as empresas obtêm com as parcerias com os
fornecedores?
3. Quais as vantagens estratégicas que as empresas obtêm com as parcerias com as
concorrentes?
186
4. Há interesse dos empresários em formar e manter parcerias duradouras ou apenas
para certas ocasiões momentâneas?
5. Tais parcerias surgem em função das necessidades operacionais ou tem em vista
vantagens competitivas?
3º Objetivo Específico: Identificar a influência da ética na formação e desenvolvimento dos
relacionamentos interorganizacionais.
1. Na opinião do dirigente, a ética é um fator de importância na formação e
desenvolvimento dos relacionamentos interorganizacionais?
2. Já houve rompimento de parcerias em razão de condutas antiéticas de uma das
partes? Por quais motivos?
3. Na opinião do dirigente, julga existir dentro do APL empresas de conduta ética e
empresas de conduta não ética?
4. Para o dirigente, numa hipótese de haver a oportunidade de uma parceria de
negócios, e supondo que fosse promissora, porém, sabendo que a outra empresa não
compartilha da mesma ética da sua empresa, o dirigente mesmo assim aceitaria
formar tal parceria? Haveria mais limites nessa relação?
5. A condição financeira, o porte e outros atributos das empresas se constituem em
fatores de poder que possa ser usado como barganha ou pressão nas parcerias?
6. Se houver dependência da empresa com as subcontratadas ou com os fornecedores,
isso faz com que a sua empresa se sujeite a uma relação em que é preciso tolerar
algumas atitudes antiéticas para continuar sendo atendida? E se a dependência for
da contraparte?
7. Na opinião do dirigente, o que mais se leva em conta na formação de uma parceria de
negócios, um contrato com suficiente suporte legal, com as respectivas garantias; a
capacidade técnica para o atendimento; ou a ética da outra empresa?
4º Objetivo Específico: - Analisar as ambigüidades e discrepâncias entre o discurso referente
à ética e a prática nos negócios.
1. Para o dirigente o quê significa ética nos relacionamentos entre empresas e nos
negócios?
2. Na visão do dirigente, quais seriam as atitudes éticas e as atitudes antiéticas comuns
nos relacionamentos interorganizacionais dentro do APL?
3. O dirigente considera que o relacionamento de sua empresa com as subcontratadas,
com os fornecedores e com os concorrentes é uma relação ética? Por quê? O que se
observa em termos de elementos que delineiam o comportamento ético por parte da
sua empresa nesses relacionamentos?
4. O dirigente considera que o relacionamento das empresas subcontratadas, dos
fornecedores e dos concorrentes com a sua empresa é ético? Por quê? O que se
187
observa em termos de elementos que delineiam a conduta ética por parte dessas
empresas nesses relacionamentos?
5. O dirigente admite que em certas situações, por conveniência, age com seus
parceiros de tal maneira, enquanto no íntimo sabe que não é ético?
6. Qual a opinião do dirigente, quando, por exemplo, se pretende reduzir o custo de
fabricação, oferece às empresas subcontratadas um valor abaixo da média, mesmo
sabendo que o parceiro não terá lucro?
7. Em caso hipotético de desequilíbrio financeiro da empresa, e por essa razão, não
podendo cumprir momentaneamente seus compromissos de pagamentos junto aos
seus fornecedores e com suas subcontratadas, o dirigente concorda que diante de tal
situação se justifica o não pagamento aos credores, ou seja, “pago se puder”, sob o
pretexto de estar salvando o emprego de seus funcionários?
8. Supondo que um ex-funcionário de uma empresa venha a ser contratada pela outra
empresa concorrente no APL, e sabendo que ele possui informações confidenciais e
valiosas sobre clientes e desenvolvimento de produtos do concorrente, o dirigente vê
algum problema em obter essas informações desse funcionário ou contratá-lo por
esse motivo?
UNIDADE DE ANÁLISE: SUBCONTRATADAS
1º Objetivo Específico: Descrever os relacionamentos interorganizacionais do Arranjo
Produtivo Local da indústria de bonés em Apucarana.
1. A sua empresa (facção) foi criada exclusivamente para atender as fábricas no APL ou
para atender também outras empresas de outros locais?
2. Sua empresa (facção) presta serviço com exclusividade para alguma fábrica ou
atende a várias fábricas?
3. Como são feitos os acordos nessas parcerias de prestação de serviços? São na
maioria formais ou informais? Envolvem também acordos de confiança?
4. Sua empresa dá prioridade para atender algumas empresas? Por quais motivos?
5. Sua facção depende muito de alguma empresa, ou seja, aquela que garante um
volume de serviço constante, ou depende de todas que são parceiras?
6. Quais as exigências que os empresários fazem e quais as reclamações mais
constantes sobre o serviço prestado pela facção?
2º Objetivo Específico: Identificar o papel estratégico dos relacionamentos na consecução
dos objetivos organizacionais
1. Há interesse dos empresários em formar e manter parcerias duradouras ou apenas para
188
certas ocasiões momentâneas?
2. Para o dirigente, sua facção tem um papel de importância para as fábricas para
competirem no mercado?
3º Objetivo Específico: Identificar a influência da ética na formação e desenvolvimento dos
relacionamentos interorganizacionais.
1. Já houve rompimento de parcerias por problemas éticos de uma das partes?
2. Na opinião do dirigente, ele julga existir dentro do APL empresas éticas e empresas
antiéticas?
3. Para o dirigente, numa hipótese de haver a oportunidade de uma parceria de negócios, e
supondo que fosse promissora, porém, sabendo que a outra empresa não compartilha da
mesma ética da sua empresa, o dirigente mesmo assim aceitaria formar tal parceria
(prestaria serviço para ele)? Ou haveria mais limites nessa relação?
4. As fábricas de bonés impõem os preços que elas aceitam pagar para as subcontratadas?
4º Objetivo Específico: - Analisar as ambigüidades e discrepâncias entre o discurso referente
à ética e a prática nos negócios.
1. Para o dirigente o quê significa ética nos relacionamentos entre empresas e nos
negócios?
2. Na visão do dirigente, quais seriam as atitudes éticas e as atitudes antiéticas comuns nos
relacionamentos entre fábricas e facções dentro do APL?
3. O dirigente considera que o relacionamento de sua facção com as fábricas é uma relação
ética?
4. O dirigente considera que o relacionamento das fábricas com a sua empresa é ético?
5. As fábricas são pontuais nos pagamentos aos serviços prestados?
6. Acontece às vezes colocar um serviço de um cliente (fábrica de bonés) na frente do outro
quando lhe pede pra fazer isso?
7. Tem acontecido de algum dirigente de uma fábrica de boné, lhe pedir alguma informação
de outra fábrica que é atendida pela sua facção, sobre seus produtos, na tentativa de
plagiá-los? Vê algum problema nisso?
8. O dirigente admite que em certas situações, por conveniência, age com seus parceiros de
tal maneira, enquanto no íntimo sabe que não é ético ou o mais correto?
UNIDADE DE ANÁLISE: FORNECEDORES
1º Objetivo Específico: Descrever os relacionamentos interorganizacionais do Arranjo
Produtivo Local da indústria de bonés em Apucarana.
1. Seus produtos quando foram desenvolvidos, teve como principal foco as fábricas do
APL ou também as empresas de fora?
189
2. As características dos itens de matéria-prima foram desenvolvidas de acordo com as
necessidades das fábricas do APL?
3. Existe facilidade para as empresas em adquirir seus produtos e obter crédito?
2º Objetivo Específico: Identificar o papel estratégico dos relacionamentos na consecução
dos objetivos organizacionais
1. Seus clientes (fábricas de bonés) tem tido sucesso de vendas de seu produto, cujo
componente é a matéria-prima fornecida pela sua empresa?
2. Quanto à qualidade de seu produto, ele atende às exigências do mercado de seus clientes
do APL, dando a eles certa vantagem competitiva?
3. Para o dirigente, sua empresa fornecedora tem um papel de importância para as fábricas
para competirem no mercado?
3º Objetivo Específico: Identificar a influência da ética na formação e desenvolvimento dos
relacionamentos interorganizacionais.
1. Na opinião do dirigente, a ética é um fator de importância na formação e
desenvolvimento dos relacionamentos interorganizacionais?
2. Já houve corte de fornecimento ou de crédito às empresas que agiram de forma
antiética?
3. Reconhece que existe dentro do APL fábricas de bonés consideradas éticas e as
antiéticas?
4. Para o dirigente, numa hipótese de haver a oportunidade de uma parceria de
negócios, e supondo que fosse promissora, porém, sabendo que a outra empresa não
compartilha da mesma conduta ética da sua empresa, o dirigente mesmo assim
aceitaria formar tal parceria? Ou haveria mais limites nessa relação?
5. Existe um tratamento diferenciado para certas empresas, em termos de limites de
crédito, política de preços, garantia de fornecimento...?
6. As fábricas de bonés do APL dependem muito da matéria-prima fornecido pela sua
empresa?
7. Com essa dependência das fabricas de bonés, te dá maior poder de negociação?
8. Na opinião do dirigente, o que mais se leva em conta na formação de uma parceria de
negócios, um contrato com suficiente suporte legal, com as respectivas garantias ou a
ética da outra empresa?
4º Objetivo Específico: - Analisar as ambigüidades e discrepâncias entre o discurso referente
à ética e a prática nos negócios.
1. Para o dirigente o quê significa ética nos relacionamentos entre empresas e nos
negócios?
190
2. Quais são as atitudes éticas por parte de um cliente (empresa compradora)?
3. Quais são as atitudes antiéticas por parte de um cliente (empresa compradora)?
4. O dirigente considera que o relacionamento da sua empresa com as fábricas de bonés
é uma relação ética?
5. O dirigente admite que em certas situações, por conveniência, age com seus
parceiros de tal maneira, enquanto no íntimo sabe que não é ético?
6. Em caso hipotético de desequilíbrio financeiro de seu cliente, e por essa razão, ele
não podendo cumprir momentaneamente seus compromissos de pagamentos, qual a
atitude ética que o dirigente (fornecedor) espera da parte dele?
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