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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
RATIO STUDIORUM, EDUCAÇÃO E CIÊNCIA
NOS SÉCULOS XVI E XVII:
matemática nos colégios e na vida
IRIA APARECIDA STORER DI PIERO
P
IRACICABA
, SP
2008
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3
RATIO STUDIORUM, EDUCAÇÃO E CIÊNCIA
NOS SÉCULOS XVI E XVII:
matemática nos colégios e na vida
IRIA APARECIDA STORER DI PIERO
O
RIENTADOR
:
P
ROF
.
D
R
.
JOSÉ
MARIA
DE
PAIVA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora do Programa de Pós-
Graduação em Educação da
UNIMEP como exigência parcial
para obtenção do título de Mestre
em Educação.
P
IRACICABA
, SP
2008
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4
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
PROF. DR. JOSÉ MARIA DE PAIVA (orientador)
______________________________________________
PROF(a) DR(a) CRISTINA BROGLIA F. DE LACERDA
(UNIMEP)
______________________________________________
PROF. DR. RAIMUNDO DONATO DO P. RIBEIRO (UNIMEP)
____________________________________________
PROF(a). DR(a). MARISA BITTAR (UFSCAR)
5
Dedico esta dissertação às pessoas mais importantes da minha vida - minha família
Meus filhos Roberta e Adriano (com Danielle) e meus pais Roselis e Juliano
Sem me esquecer da Sil, do Meme, do Juca, do Mígue e da Laine
(por ordem de chegada)
E às duas flores mais novas Bibi e Duda
6
Agradeço a todas as pessoas que me auxiliaram direta e indiretamente.
Especialmente a duas pessoas maravilhosas que me acolheram em sua casa,
prontos a um mimo, um jantar, um passeio, um abraço durante a pesquisa que
resolvi realizar e a quem eu amo demais, meu filho Adriano e minha norinha querida
Danielle.
A minha lindinha Roberta, que sempre me ajudou e amparou estimulando e me
fazendo rir demais. Ai que saudade de minha filha italianinha.
Também um especial agradecimento ao Prof. Dr. José Maria de Paiva, meu
orientador, que acolheu essa professora de matemática que tentava trilhar novos
rumos (nunca dantes navegados). Muito obrigada pela paciência e auxílio.
Às minhas amigas de percurso profissional e acadêmico em especial a Leda Zinsly
que muito me incentivou e apoiou.
Às amigas da Secretaria do PPGE que sempre me orientaram, acolheram e
indicaram os melhores caminhos.
Às minhas muito queridas amigas da Biblioteca da UNIMEP com as quais sempre
pude contar no meu trilhar.
Aos professores que compuseram minha banca de defesa Profa. Dra. Cristina,
Profa. Dra. Marisa e Prof. Dr. Raimundo, um especial obrigada pela paciência e
disposição para lerem e participarem da construção desse trabalho.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de nível superior – CAPES – Brasil. Dessa forma, gostaria de efetuar um
agradecimento especial ao Programa da CAPES pela confiança e suporte financeiro,
pois sem esse auxílio me seria quase inviável a conclusão do Mestrado.
7
"No decurso do tempo, a humanidade teve de agüentar, das mãos da ciência, duas
grandes ofensas a seu ingênuo amor-próprio. A primeira foi quando percebeu que a
Terra não era o centro do universo, mas apenas um pontinho num sistema de magnitude
dificilmente compreensível... A segunda quando a pesquisa biológica roubou-lhe o
privilégio de ter sido criado especialmente, e relegou o homem a descendente do mundo
animal” (FREUD)
8
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo desvendar as possíveis conexões entre
o desenvolvimento da ciência e a educação preconizada pela Companhia de Jesus
nos séculos XVI e XVII através de revisão de literatura e leitura de documentos da
Companhia, em especial o Ratio Studiorum. O exercício da atividade científica nesse
recorte temporal foi, durante muito tempo, tratado como algo que não condizia com a
vida religiosa, nos sendo difícil imaginar um padre ou um mestre jesuíta realizando
experiências, produzindo livros científicos, lecionando disciplinas como astronomia,
física, matemática, geometria, etc. Entendemos que essa forma de pensar seria
olhar essa temática de forma anacrônica, emitindo juízos de valor a partir de uma
ótica contemporânea. Para a finalidade desse estudo, não nos esquivamos de
pensar que não incompatibilidade entre ser jesuíta, ser educador e ser cientista.
Porém, também não pensamos que os jesuítas se dedicaram ao estudo científico
prioritariamente. Descobrimos que os conhecimentos construídos, especialmente
dentro de instituições religiosas como a Companhia de Jesus e, consequentemente,
o plano de estudos adotado em seus colégios - o Ratio Atque Institutio Studiorum
Societatis Jesus nunca foi anti-científico, alcançando inúmeras nações e culturas,
servindo de embasamento e disseminação tanto de práticas educativas, como de
novos caminhos científicos (práticos e teóricos), espaço para o diálogo entre a
matemática e as outras disciplinas do currículo. Destacamos entre os jesuítas
cientistas e matemáticos: Clavius, Grienberger, Kricher e Ricci, considerados
fundadores de novas metodologias científicas, bem como introdutores do
aprendizado científico no ambiente escolar, com destaque para a Aula da Esfera do
Colégio de Santo Antão e o desenvolvimento de um currículo de matemáticas para
os colégios jesuítas. Demonstramos por meio dos autores, que se apresentaram
nessa dissertação, que os jesuítas frente às novas realidades eram flexíveis e
abertos às inovações, destacando que eles estavam, inclusive, perigosamente
próximos das mais inovadoras tendências cientificas e filosóficas.
Palavras-Chave: Educação Jesuítica; Ciência; Matemática; Ratio Studiorum.
9
ABSTRACT
This study has the objective of unraveling the possible connections between the
development of science and the Society of Jesus driven education on XVI and XVII
century. The scientific activity on this time frame was, during a long period, treated as
something dissociated of religious life, which makes difficult for us to imagine a priest
or a Jesuit master conducting experiments, writing scientific assays, teaching
disciplines such as astronomy, physics, mathematics, geometry etc., in a époque
where theology was the “Queen of Sciences”, and where philosophy was the most
important discipline taught on the Jesuit colleges. But, it’s understood that this was
thinking on this theme in an anachronistic manner, judging values from a
contemporary point of view. For this study, we didn’t ignore the idea of an
incompatibility between being a Jesuit, an educator and a scientist. Also, we didn’t
put up the idea of Jesuits having scientific study as top priority. We believe, however,
that a great majority of scientific knowledge were accumulated over the centuries
allowing what is known as “Scientific Revolution”. And that this knowledge was built
specially within religious institutions, since there were no more qualified institutions
on the period. The Jesuit Colleges and therefore the education plans adopted by
them the Ratio Atque Institutio Studiorum Societatis Jesus, which had reached the
four corners of the globe and were the basis and responsibles for the dissemination
of new practical and theoretical scientific knowledge. The Jesuit Colleges were
places
where the mathematics tried to dialogue with others you discipline of the
resume.
It’s clergy, among which are Clavius, Grienberger, Kricher, Ricci among
others, are considered the founders of new scientific methodologies, as well as the
introducers of the scientific learning on the school environment, with particular focus
to the Teaching of Sphere on Saint Anthony the Great College and the introduction of
a scientific curricula (mathematics) on the Orders colleges. Therefore, we intend to
clarify how the diffusion and production of scientific knowledge (specially the
mathematic) and technical (related with the need of transatlantic navigation) on the
Jesuits colleges of XVI and XVII century, hoping to demonstrate through the authors
that are shown in this study that the Jesuits when faced with novel realities were
flexible and open to innovation, dangerously close to the newest trends of science
and philosophy.
Key-words: Jesuitical Education; Science; Mathematics, Ratio Studiorum.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................... 11
CAPÍTULO I. A TELA DA TRAMA - Educação, Escolas e Ciência: Séculos
XVI e XVII...................................................................................... 18
1.1. Das ciências e da técnica no século XVI............................................... 25
CAPÍTULO II. A URDIDURA DA TRAMA - A Configuração de uma
Metodologia Educacional Jesuítica ...................................... 35
2.1. A parte IV das Constituições.................................................................. 50
2.2. Aspecos históricos e gerais do Ratio Studiorum................................. 55
CAPÍTULO III. O PONTO SEGREDO - Educação Jesuítica e a Ciência
nos Colégios ............................................................................. 67
3.1. As Matemáticas no Ratio Studiorum ..................................................... 97
3.2. As regras para os Provinciais e Professores de matemática.............. 103
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 106
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 111
ANEXOS .............................................................................................................. 119
11
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
1. Azulejos na sala da Aula da Sphaera no colégio de Santo Antão, Lisboa ............. 18
2.
LIBRO DE ALGEBRA EN ARITHMETICA Y GEOMETRIA.......................................................
29
3. SIDEREUS NUNCIUS MAGNA – Galileu Galillei................................................... 31
4. Santo Inácio e Paulo III na aprovação da Companhia de Jesus ............................ 35
5. Ratio studiorum ...................................................................................................... 55
6. Museu Kircheriano no Collegio Romano ................................................................ 67
7. Imagem de Clavius (1538–1612) ........................................................................... 69
8. Figura de Kircher.................................................................................................... 75
9. Correspondência de Kischer .................................................................................. 76
10. Relógio magnético................................................................................................ 77
11. Lagarto encasulado em âmbar............................................................................. 77
12. Lanterna mágica................................................................................................... 78
13. Capa da Ars Magnésia......................................................................................... 78
14. Reconstrução de Kircher da legendária esfera de Arquimedes ........................... 79
15. Tarantela .............................................................................................................. 80
16. Mundus Subterraneus .......................................................................................... 81
17. Portada de Ars magna lucis et umbrae ................................................................ 82
18. Aula da Esfera...................................................................................................... 84
19. Salacisis, de Crepusculis liber unus, nũc recs & natus et editus.......................................... 88
20. COSMOGRAPHIA FRANCISCI MAVROLYCI MESSANENSIS SICVLI
............................ 88
21. Proposição 40: A superfície da esfera está para a superfície total do cone
equilátero circunscrito assim como 4 está para 9 ...................................................... 89
22. Proposição 9: A superfície da pirâmide regular circunscrita a um cone recto é
igual [em área] ao triângulo cuja base é o perímetro da base da pirâmide FHLD e a
altura é o lado BG do cone ........................................................................................ 90
23. Proposição 20. As superfícies cónicas inscritas na esfera fenecem na esfera. ... 90
12
24. Proposição 14: Cilindros (AR e CI 1) colocados sobre bases iguais (MQ e GH)
estão entre si assim como as respectivas alturas. O mesmo acontece para os
cones.......................................................................................................................... 91
25. Livro XI, Proposições 29 e 30 Se os paralelepípedos FEAGKIMC e FEBHLOMI
tiverem a mesma base EFIM e a mesma altitude, estando, em consequência, entre
os planos paralelos EFIM e GAOL, serão iguais........................................................ 91
26. Livro VI, Proposição 3 Se a recta BF cortar pelo meio o ângulo B de qualquer
triângulo ABC, serão ossegmentos da base AF e FC na mesma proporção que os
lados aderentes AB e CB. E se os segmentos AF e FC da base forem na mesma
proporção que os ditos lados, cortará a recta BF o ângulo B pelo meio. ................... 92
27. Livro V (Comentário de Tacquet), Lema 2 Se duas quantidades A e B tiverem
uma medida comum C, será A tantas vezes somada quantas C cabe em B igual a
B tantas vezes somada quantas C cabe em A........................................................... 92
28. Livro III, Escólio de Tacquet à Proposição 17 Outro modo mais expedito de
tirar, de um ponto dado O, uma tangente a qualquer círculo se colhe da Prop. 31.
que é o seguinte: Tire-se do ponto dado ao centro do círculo a recta OA e
descreva sobre ela um semicírculo o qual corte a circunferência em B. Digo que a
recta BO é a tangente que se pede............................................................................ 93
29. Detalhe do frontispício ilustrativo da obra Uranophilus Caelestis Peregrinus de
Valentin Stansel ........................................................................................................ 94
13
Homem Vitruviano. Da Vinci (1490)
14
INTRODUÇÃO
“Para a Salvação das Almas, e [...] para o melhor serviço a Deus
(Constituições)
Essa dissertação buscou historiar uma educação que se configurou pelo
documento Ratio Atque Institutio Studiorum Societatis Jesus, método de ensino da
Companhia de Jesus, ordem religiosa fundada por Inácio de Loyola, e as possíveis
conexões entre a educação proposta pelo referido documento e a “ciência” que
emergia no século XVI.
Para quem estuda a história da educação pode ser até curioso tomar
consciência de que o ensino não estava nos projetos iniciais da Companhia.
Inclusive, Inácio de Loyola manifestava inicialmente reservas a esse respeito. Mas,
poucos anos após a fundação da Ordem jesuítica, a educação era um dos seus
principais ministérios e havia se transformado missão apostólica (O´MALLEY, 1993;
GIARD, 1995).
Esse direcionamento não deve ser estranhado, estamos diante de uma ordem
religiosa um tanto “sui generis” para o que se conhece das ordens religiosas daquela
época, como os dominicanos, beneditinos, etc. Desde o começo, os seguidores de
Inácio rejeitaram certos princípios orientadores da vida religiosa que eram comuns
no século XVI. Como ilustração dessa assertiva vamos mencionar apenas dois
pontos: a abolição da recitação em coro do Ofício Divino
1
, ao contrário do que
faziam outras ordens monásticas e conventuais. E, também a substituição de
mosteiros por casas ou residências, ou seja, a substituição de uma vida
contemplativa (monástica), por uma vida ativa, o homem agindo na busca de sua
salvação e a de seus irmãos (O´MALLEY, 1993, MARTINS, 1997)).
Para confirmar esse início não direcionado à educação, podemos mencionar
que segundo o Formula Instituti de 1539, estabelecia-se como missão da
Companhia, o Ministério da palavra (nominatim) por meio do ensino da doutrina
1
O Ofício Divino ou Liturgia da Horas é um conjunto de orações, salmos, antífonas, hinos, leituras bíblicas e
outras que a Igreja Católica recomenda serem efetivadas (rezadas, cantadas) em determinadas horas dos dias. Os
sacerdotes, religiosos e religiosas têm obrigação de rezar o Santo Oficio, porém Inácio pensava que a assistência
ao coro os impediria da atividade apostólica permanente, exigida pelo carisma de evangelizadores livres e
instáveis. Dessa forma aspectos cultuais e levíticos do ministério sacerdotal: coro, missas solenes, outros ofícios
cantados, que constituíam ocupação essencial de Monges, Cônegos Regrantes e membros de Ordens
Conventuais, nunca se enquadraram nos meios de evangelização, utilizados pela Companhia de Jesus.
15
cristã às crianças e ignorantes (pueri et rudes), os Exercícios espirituais, as Obras
de Caridade, mas nada falava sobre as escolas ou educação para formação de
alunos que não fossem se dedicar à vida clerical.
O que nos leva pensar que a educação não estava entre as atividades
ministeriais ou nos projetos apostólicos iniciais dos Jesuítas. Eles se identificavam
muito mais com os Apóstolos que com mestres. E, para suas vidas se identificavam
com os Evangelhos de Mateus e de Lucas
2
. Fazendo uma ponte, podemos
mencionar, por exemplo, que como os doze Apóstolos, os Jesuítas são enviados;
para pregar o Evangelho, isto é, comprometidos nos diversos ministérios da Palavra
de Deus; para curar os enfermos, aliviá-los dos males corporais e espirituais; sem
buscar qualquer recompensa econômica (O´MALLEY, 1993) [grifos nossos].
Também podemos, sob uma ótica contemporânea, aceitar de modo acrítico
algumas teses, como a de que os jesuítas exerceram o papel de adversários,
detratores e censores do ensino científico. No caso em estudo, acreditamos que ao
pensarmos dessa forma estaríamos incorrendo no equívoco de ignorar que a
necessidade de ordenamento e transmissão dos conhecimentos que afloraram nos
séculos XVI e XVII (quer ciência, quer técnica), iria ser respondida pela escola. E, a
maior rede educativa desse período foi a jesuítica.
Ou seja, a ciência perpassou as práticas as educativas desenvolvidas pela
Companhia de Jesus. Verificamos que a mesma ensinou, catalogou, pesquisou e
desenvolveu teses científicas, que não podem ser esquecidas. Se incorrêssemos
nesse equívoco tornar-se-ia muito mais difícil a compreensão da história da ciência
que se desenvolveu ao longo das centúrias mencionadas, e posteriores.
Nesse sentido, esperamos que nossa pesquisa contribua para elucidar melhor
a temática desenvolvimento da ciência e educação jesuítica, que ainda hoje suscita
debates contraditórios entre pesquisadores e estudiosos.
O recorte temporal culos XVI e XVII foi necessário porque apesar da
Companhia de Jesus e o Ratio surgirem no culo XVI, os reflexos da educação
jesuítica na difusão de conhecimentos científicos far-se-ão mais visíveis no culo
XVII devido a configuração definitiva do documento em 1599.
Iniciamos no século XVI para contar da fundação da Companhia, de seus
colégios, de sua vocação educativa, da ciência que surgia, e avançamos para o
2
Cf. O´Malley, nos Capítulos 10 e 9 dos referidos evangelistas respectivamente.
16
século seguinte, apresentando as disciplinas nos colégios e universidades jesuíticas
do século XVII, a fim de ilustrar de que forma a ciência era ensinada nos Colégios
Jesuítas.
Entre correntes opostas que tratam do tema jesuítas e ciência, uma acredita
que a educação jesuítica foi muito conservadora para estimular e/ou favorecer o
desenvolvimento científico. Outra, muito presente no mundo acadêmico atual,
principalmente na Europa e Estados Unidos, vem realizando pesquisas documentais
aprofundadas, traduzindo inúmeras fontes primárias (formada principalmente por um
grupo de estudiosos que se denominam Jesuits in Science), procurando demonstrar
que a educação jesuítica poderia ser considerada até inovadora, principalmente para
a sociedade que se apresentava no século XVI.
Nossa compreensão desse tema se alinha à segunda corrente, pois ao iniciar
esse projeto de pesquisa verificamos que nos Colégios Jesuítas desenvolveram-se
currículos que privilegiaram a matemática, as ciências naturais, a física, a geometria
espacial, o estudo dos ângulos, o estudo do movimento dos astros, bem como se
produziram inúmeras obras sobre medicina, astronomia, química, zoologia, botânica,
geografia, etc.
Pensamos que a primeira corrente pode estar a historiar a educação jesuítica
em função de critérios e preocupações que nos são contemporâneos, ou seja, com
os olhos de hoje, pois nossos estudos evidenciaram que o Ratio Atque Institutio
Studiorum Societatis Jesus propunha para seus colégios, além de uma estruturação
didático-metodológica, funcionando como espinha dorsal da educação jesuíta, uma
atuação prática que deixava bastante espaço de manobra para cada professor ou
cada colégio promover, da melhor forma, o desenvolvimento e a divulgação de
conhecimentos (científicos ou não).
Mesmo quando em alguns documentos da Companhia de Jesus, como as
Constituições e o Ratio Studiorum surgem passagens que incitam aos jesuítas que
não se afastem da filosofia Aristotélica, ou da Teologia dos Padres, encontramos
nessas mesmas passagens referências que explicitam que essa fidelidade deveria
ser mantida “quando possível”, ou seja, havia flexibilidade para o pensar autônomo e
para o diálogo entre e ciência, destacando que essa flexibilidade é coerente com
a sólida formação intelectual dos membros da ordem, bem como com os constantes
contatos dos mesmos com idéias inovadoras e novas culturas.
17
Como pensamos a ciência como uma construção humana de conhecimentos
para dar respostas às questões que lhe são postas pela realidade do seu tempo,
nossa hipótese de pesquisa sugere que a metodologia educacional jesuítica
caminhou e desenvolveu-se ao lado das necessidades de uma sociedade que
passava por inúmeras transformações, especialmente na esfera científica, e por isso
mesmo esteve aberta às necessidades de modificação na produção desse
conhecimento, que não confundimos com a ciência na sua acepção moderna.
A ciência, nos séculos estudados, foi mais uma junção do saber dos homens
da técnica (engenheiros, artífices) com o saber dos homens da ciência (filósofos).
Somente a posteriori é que se configurou um corpo estruturado de saberes
denominados de ciência.
Para elucidar a metodologia de estudo adotada para a construção dessa
dissertação, reportamos que a história da educação jesuítica descortinada nesse
trabalho foi analisada sob uma ótica que se embasa principalmente no religioso, não
porque as principais leituras realizadas advieram de religiosos ou teólogos mas,
principalmente, porque a principal tarefa da Companhia, descrita em todos os
documentos da Ordem, era a defesa e propagação da cristã e a iluminação das
almas, ou seja, precisamos elucidar que sua missão primeva não era científica, ou
mesmo educacional, era religiosa.
A escolha dos autores foi o resultado de uma tentativa de se contemplar
aspectos históricos, sociais, culturais, religiosos, políticos, intelectuais, etc., que
elucidassem como, e se realmente se processou, a produção e disseminação de um
conhecimento técnico/científico no interior dos colégios e por meio da educação
propugnada pelos jesuítas, pois pensamos como Paiva (2006, p.31), quando o
mesmo relata que
As artes (profissões e ofícios) foram desenvolvidas segundo as
necessidades vividas, e não como componentes da escola. É preciso tomar
conhecimento desse desenvolvimento, englobando Náutica, Astronomia,
Geografia, Cartografia, História, Matemática, Física, Ciências de modo
geral, e procurar entender como foram assimiladas pela instituição escolar,
feitas já prática social. Elas não nasceram escolares, mas sociais.
Realizamos uma revisão e uma compilação de literatura, ao mesmo tempo
em que investigamos dois documentos as Constituições da Companhia de Jesus e o
Ratio Studiorum (ambos já traduzidos). Sendo, as considerações aqui apresentadas,
reflexões sobre as informações já apuradas por outros pesquisadores.
18
Ao tratarmos do tema ciência nessa dissertação, vamos nos valer de relatos
sugerindo que a mesma é derivada de necessidades de uma sociedade que se
expande nos burgos e para além da Europa. Necessidades que vão surgindo muito
antes do recorte temporal proposto por essa pesquisa. Assim, em alguns momentos
podemos falar de engenhos e engenheiros do século XV, ou falar dos estudos de
astronomia, matemática, engenharia que se processaram antes do culo XVI, visto
que o que se quer demonstrar é que as técnicas, ciências ou tecnologias
3
que se
desenvolveram (ou foram criadas) desde a Idade Média
4
, transformaram o que
conheceremos por ciência, hoje. Não como separar, nesse trabalho, o que seja
técnica, ciência e conhecimento científico, pois não haveria essa divisão no século
XVI conforme o explicitado por Braga, Guerra e Reis (2003, v.1).
O que a literatura consultada sobre história da ciência sugere é que no século
XVI e XVII desenvolveram-se muitas técnicas de construção de máquinas,
mecanismos e estruturas arquitetônicas e plásticas, e esse desenvolvimento
oportunizou também o desabrochar do que se denominou de Revolução Científica.
Nesse período não temos, ainda, a ciência como corpo estruturado de
conhecimento, ou fragmentada em áreas do saber, como se faz
contemporaneamente, portanto esse enfoque de ciência não faz parte dessa
pesquisa.
Sob nosso ponto de vista, vamos falar de tecnologias principalmente as
relacionadas às navegações, bem como do desenvolvimento da matemática, da
geografia, da cartografia, de novas propostas de interpretar e explicar o mundo
natural como as de intelectuais como Copérnico, Galileu e Clavius, Grinberg, Kircher
(matemáticos, astrônomos, professores jesuítas, engenheiros, etc.).
O que trataremos por “ciência o será seu aspecto filosófico, ou a
construção de um método científico, mas sua representação concreta na vida das
pessoas daquele tempo para ilustrar como se dava o processo de criação e
transmissão desses conhecimentos. Justificando esse ponto de vista, buscamos
apoio em Charmot (apud INFANTES, 2004, p.589), que assegura que para tentar
compreender uma história da educação como a proposta pelos jesuítas, devemos
3
Nesse caso o sentido de tecnologia não é o moderno. A tecnologia aqui significa trabalho do artíficie, “arte
manual”.
4
Qualificação ou terminologia adotada por alguns autores pesquisados, e que adotamos a título de ilustração de
um período.
19
buscar “[...] uma ligação entre o pensamento dos jesuítas e as necessidades da
vida”.
Entendemos que o Ratio Studiorum foi uma resposta às necessidades de
unificação de uma metodologia educativa. A Companhia de Jesus ao se expandir
pelo mundo entrou em contato com uma diversidade de culturas, línguas e modos
de ser e, para Inácio essa diversidade poderia levar ao fracasso a missão
(educativa) da Ordem. Segundo Inácio de Loyola, sem uma boa estrutura a
educação não produziria os frutos desejados. Lendo relatos das cartas trocadas
entre Inácio e Nadal
5
verificamos essa inquietação, mesmo após a publicação das
Constituições da Companhia.
Era seu desejo configurar uma metodologia unificante para os seus colégios.
Assim, o Ratio Studiorum tornou-se o modus operandi da Companhia na área
educativa, sendo tanto modelo de formação intelectual, como instrumento de
formação integral do homem para uma vida cristã, conforme desejava Inácio (DEL
REY, 2007).
Estruturalmente essa dissertação está dividida em três capítulos, pois
acreditamos que a criação de cenários ou caminhos prévios embasam e orientam o
desenvolvimento de uma pesquisa. São eles que possibilitaram a compreensão do
tema e do objeto de estudo, bem como o amadurecimento para reflexões que não
estariam desarticuladas de contextos previamente explicitados.
De acordo com essa perspectiva, vamos traçar no primeiro capítulo um breve
panorama da educação, da sociedade no século XVI e do entendemos por ciência
nesse período para explicitar o contexto onde surgem e se desenvolvem as escolas
e práticas educativas da Companhia de Jesus, e como se dava a evolução técnica,
ou o desenvolvimento do conhecimento científico.
Como o título da dissertação enuncia, o documento analisado nesse trabalho
é o Ratio Studiorum. Para seu melhor entendimento relatamos seu desenvolvimento
histórico e, transcrevemos e analisamos, de forma breve e sintetizada, alguns
capítulos e parágrafos desse documento que pudessem elucidar de que forma se
configuraram os métodos de ensino-aprendizagem, as disciplinas que eram
ministradas nos colégios e universidades, como era a hierarquia, como deveriam se
5
Nadal foi um dos Reitores do Colégio de Messina e um dos configuradores das primeiras versões do Ratio
Studiorum
20
portar os professores, etc., para tentar elucidar se haveria flexibilidade (curricular,
metodológica) para que ocorresse o contato entre a fé e a ciência.
Iniciamos esse capítulo explicando como pensavam os inacianos à época da
constituição da Companhia, prosseguimos estudando as Constituições na sua Parte
IV, pois esse documento, anterior ao Ratio, serviu de base para o desenvolvimento
do modelo educativo dessa ordem religiosa.
Para tratar especificamente do cerne desse trabalho, traremos ao último
capítulo, pesquisadores (clássicos e contemporâneos) que debatem a temática
ciência, técnica e educação nos colégios da Companhia de Jesus, buscando
esclarecer de que forma a ciência convivia com o currículo no Ratio Studiorum.
Também de que forma esse documento, em suas várias fases de constituição,
abordou o tema ciência em sua configuração curricular, métodos de ensino, atuação
dos docentes e discentes.
Esse capítulo pretende esclarecer como, e se ocorreu, a difusão e a produção
de conhecimento científico (especialmente o matemático) e técnico (ligados às
necessidades das navegações transatlânticas) nos colégios jesuíticos do século XVI
e XVII.
Esperamos demonstrar por meio dos autores que se apresentaram nessa
dissertação que os jesuítas frente às novas realidades, eram flexíveis e abertos às
inovações, Dinis (2005, p.27), refere, inclusive, que eles estavam “perigosamente
próximos das mais inovadoras tendências cientificas e filosóficas”
6
. E, ao contrário
do que muitos estudiosos possam suscitar, o saber científico nunca esteve apartado
da educação jesuítica.
6
Tradução nossa
21
CAPÍTULO I
A TELA DA TRAMA
Educação, Escola e Ciência: séculos XVI e XVII
Só é verdadeira a ciência que abraçamos para agir. (Santo Agostinho)
Nesse capítulo trataremos de alguns aspectos que podem auxiliar na
compreensão do período histórico que oportunizou o desenvolvimento de uma nova
forma de educação escolar, que gestada na Europa, se espalhou pelo mundo levada
pelas mãos e práticas de uma ordem religiosa – a Companhia de Jesus.
1. Azulejos na sala da Aula da Sphaera no colégio de Santo Antão, Lisboa.
Fonte: Instituto Camões
22
Temos o intuito de demonstrar que, para a análise de nosso objeto de estudo
as conexões entre o Ratio Studiorum e a ciência, necessita-se antes explicitar em
que contexto, em que tela, desabrocharam novas técnicas e ciências, e qual seria a
educação/escola
7
que surgia.
Nossas leituras possuem um enfoque que poderíamos chamar de “religioso”,
pois, segundo Wernet (in PORTA, 2004), a educação e a sociedade que se
explicitavam no século XVI eram totalmente voltadas para a formação de uma
civilização moldada nos padrões cristãos. Além do mais, estamos a historiar a
educação de uma Ordem Religiosa.
Nesse sentido nos congraçamos com os ensinamentos de Paiva (2006, p.24),
ao nos relatar que no século XVI
A sociedade era entendida como um corpo social, assim querido por Deus,
em que a diversidade de membros significava diversidade de competências
ou funções, conjuntamente comprometidas com o bem comum.
A sociedade ocidental via-se como parte do universo moldado por Deus, ou
seja, entendia o mundo sob uma ótica religiosa (cristã), ao mesmo tempo em que
exposta ao inusitado as descobertas de novos continentes, a necessidade de
novas cnicas construção, novas cartas marítimas, mapas, conceitos matemáticos,
astronomia, geografia, medições do tempo, comércio transatlântico, expansão das
cidades, etc.
Nesse contexto, entendemos que a educação não se esgotou no escolar ou
no aprender letras. Ela deve ter se voltado para o atendimento das necessidades de
novos horizontes que se descortinavam - mercantis, culturais, sociais, religiosos, etc.
No recorte que se fez para esse estudo (séculos XVI a XVII), o século XVI vai
fornecer fontes que apontam a necessidade de uma mudança na escola em seus
objetivos, métodos, prática didática, currículo, enfim na educação. Pensamos que a
sociedade que desabrochava estava necessitando de novas formas de instrução
(GOMES, 1995).
7
Entendemos que escola tem sentido diverso de educação. A utilização dessas duas palavras é uma forma de
lembrar ao leitor que em muitas partes desse estudo fala-se de educação, mas também do surgimento da escola
(estrutura física e metodológica) enquanto meio de transmissão de conhecimentos.
23
Vemos em Delumeau (1984, p.72,73), que a expansão da sociedade
ocidental é anterior ao período que estudamos. O mesmo ressalta que Ocidente
“progredira de modo relativamente contínuo” desde o século XI.
[...] A população tinha aumentado; novas terras tinham sido ganhas para a
agricultura; as cidades e aldeias tinham se multiplicado e desenvolvido;
muitos camponeses tinham escapado à servidão.
Nesse cenário de desabrochar urbano, expansão do comércio e agricultura,
podemos esperar mudanças em algumas estruturas da sociedade e imaginar que a
educação/escola deverá se adaptar a novas mentalidades, onde coexistem,
inclusive, novas formas de expressão cristã, como a protestante.
Devemos novamente ressaltar que a sociedade européia no século XVI ainda
permanece estrutural e essencialmente cristã, ou seja, a Igreja ainda permanece
como principal estrutura da organização social, podendo, inclusive, ser “[...]
explicitamente concebida como fundadora da nova ordem social” (SCAGLIONE,
1986, p.51).
8
Corroborando com esse pensamento, e para ilustrarmos melhor aquilo que
acreditamos haver acontecido nesse período, buscamos a fala do pesquisador
Ferreira Jr. (2007, p.9), que propõe a seguinte síntese acerca da sociedade e da
cultura que se estrutura no século XVI,
O século 16
9
significou um ponto de inflexão na longa transição que se
operou entre a Idade Média e a sociedade urbano-industrial assentada nas
relações capitalistas de produção. Nessa centúria, a ação econômica
protagonizada pela burguesia mercantil engendrou uma série de
acontecimentos que desestruturou o mundo medieval, particularmente com
base em três significativos episódios que condicionaram historicamente os
séculos seguintes: a criação do mercado mundial de troca de mercadorias
resultante das grandes navegações, o processo de formação dos Estados
nacionais e a reforma protestante. Assim, a imbricação que ocorreu entre o
comércio em escala planetária, o primado das línguas vernáculas sobre o
latim e a cisão no seio da cristandade mergulhou a Igreja Católica,
autoridade supranacional da sociedade medieval, numa profunda crise
espiritual.
10
Para demonstrar o embricamento entre desenvolvimento científico,
religiosidade e necessidades de educação de uma sociedade que mudava sob
8
Cf. Tradução de Janine Figueirinhas Catarino [Catedrática da Universidade de Lisboa]. Disponível em:
http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/coljes.htm. Acessado em: 10 set. 2007.
9
Século 16 - Grafia original da citação referenciada.
10
Ao escolhermos nossos referenciais (autores, historiadores, educadores, cientistas, historiadores da educação)
buscamos a diversidade de opiniões, pois mesmo sob enfoques teóricos diferentes, os autores aqui estudados
elucidam a temática abordada.
24
alguns aspectos mas continuava unida pela , buscamos Delumeau (1984, p.194),
porque o mesmo sugere que a vida do espírito (cultura, religiosidade, mentalidades),
se beneficiou do avanço tecnológico, veja-se a citação a seguir,
Esses avanços da técnica elevaram o nível da civilização ocidental, dando-
lhes meios de renovação espiritual e de alargamento de horizontes. Deram-
lhe também maior conforto material e maior alegria de viver.
Nesse contexto, acreditamos que a técnica e a ciência que se desenvolviam
não estavam apartadas. Deveriam estar integradas às múltiplas dimensões da
realidade daquela época, principalmente, porque ambas se pensadas como
produtos humanos, possuem o mesmo estatuto cultural. A arte, a economia e a
religião, por exemplo, devem ter influído na consolidação de idéias que gestaram o
que entendemos por ciência (na atualidade).
E, se para alguns pesquisadores da história da ciência faz sentido mapear
ciência e técnica como tradições distintas, pensamos que pode ser um equívoco
separá-las. Não apenas porque ambas são construções do homem, mas porque é a
partir delas (não somente uma delas), que o homem vai compreender o mundo e a
si mesmo. O homem precisava de novas formas de medir o tempo, novas maneiras
de processar suas transações mercantis, novas formas matemáticas para explicar e
agir no mundo físico, novas técnicas de navegação, assim criava novas formas de
representações que davam conta de explicitar e teorizar essas novidades.
Supomos que o desenvolvimento de novas técnicas atendeu a demandas
práticas, como localizar uma caravela no oceano, lutar contra correntes marítimas e
ventos contrários, projetar e construir novas catedrais, e que os chamados
fundadores da ciência moderna como Copérnico, Kepler, Galileu, Descartes,
Newton, etc., não pensavam que estavam a fazer ciência como a entendemos hoje,
ou consideraram que suas idéias “inovadoras” se opusessem ao cristianismo, ou à
visão religiosa que impregnava os séculos estudados (DINIS, 2006).
Nesse cenário podemos pensar uma escola não mais voltada para a
formação de padres ou para instrução dos nobres, nem como um sistema fechado
de saberes. Ela vai ser chamada a auxiliar na difusão dos novos saberes que se
emergem práticos (a arte da navegação, o registro documental e contratual, as
novas formas de financiamento e de produção do comércio internacional, a nova
25
contabilidade, etc.) vão necessitar ser estruturados em forma de conhecimento para
que possam ser transmitidos.
Como o intuito desse trabalho não foi dar conta de todos os processos e
métodos educativos desse período, vamos tratar da educação que vai se processar
nos colégios jesuítas. Educação que permitiu o avanço do teórico sobre a prática
que influenciou o desabrochar da ciência. A expansão do saber ler e escrever e,
consequentemente, da escola se fez principalmente para atender às necessidades
de figuras partícipes da vida social dos burgos (engenheiros, artífices, mercadores,
banqueiros). Conforme nos adverte Delumeau (1984, p.154), “a partir do
Renascimento, a técnica não atraiu a atenção dos poderes públicos, como
passou a fazer parte integrante da cultura”, o que pode sugerir que a mesma deveria
se disseminar não somente de forma oral, mas por meios que a formalizassem,
como as escolas.
Essa necessidade de mudar o conhecimento que vinha do “pelo saber fazer” -
prático e transmitido oralmente, e de se criar um saber estruturado (escrito), nos faz
pensar na necessidade de criação de mais escolas para instrução da sociedade.
Identificando essa necessidade, contamos com a transcrição de Matos (1969,
p.13),
11
[...] como quer que esta arte ante geralmente em homens de todo ponto fora
de letras, de fraca imaginação e piquena memória, acontece às vezes
caírem em erros notáveis e de grande importância [...] já aconteçeo de
fazerem a conta às vessas [...] pelo que mal me pareceo que o somente
seria descanso aos mareantes, mas muita certeza na arte se, deixando as
regras prolixas e confusas que ora tiveram, podesse fazer regimento fácil.
12
A partir da leitura desse excerto do século XVI podemos pensar na
emergência de uma nova forma escolar que buscou a formação de mais letrados
para a sociedade. A crescente urbanização pressupunha novas relações que
valorizavam a escrituração como forma de registro, bem como a normalização tanto
das novas técnicas como das relações sociais e econômicas (BIOTO, 2006).
Para elucidar essa construção de pensamento buscou-se suporte em Paiva
(2004, p. 5). O autor refere que a educação vai ser a resposta da Igreja a uma
11
Esse texto deve ilustrar a necessidade de educação/escolas para aperfeiçoar e desenvolver os conhecimentos da
arte da navegação.
12
Cf. grafia original de Manuel Lindo, Regimento Náutico (1595), in MATOS, Luís. Um livro de marinharia
inédito, 1969, p.13.
26
sociedade que se transforma, mas que mantém sua vocação cristã. “O colégio foi
certamente outro caminho, não um caminho paralelo mas expressão instrumental da
pregação e conservação da fé. [...] O que estava alterado e a isto os estudos
vinham a atender – era a realidade social em que a fé se exercitava.”
Pode-se inferir que o desenvolvimento da educação no período que a maioria
dos autores pesquisados denomina de renascentista se estruturou frente às
necessidades de uma sociedade que mudava seu modo de ser. A tradição oral
estava dando lugar à escrita, (veja-se a expansão do livro impresso) e para mediar
esse processo deveriam expandir-se escolas que ensinassem as técnicas de ler e
escrever.
Nunes (1980), inclusive, verifica que a educação escolar emergente vai se
ocupar da preparação de homens que pudessem atuar na sociedade (nos burgos)
que demandava funcionários públicos, comerciantes, banqueiros, artesãos,
engenheiros, cartógrafos, construtores, etc. Ou seja, a educação tomou uma direção
mais prática, levando em conta uma formação que preparasse o homem para tratar
dos assuntos da cidade, voltada para a realização e à administração de negócios
públicos e particulares, uma educação que pressupunha a passagem do
conhecimento prático (de tradição oral), para o registrado em papel.
Isso também nos permite supor aumento da demanda por escolas de ler e
escrever.
Segundo Paiva (2004, p.2), as letras que transmitem as experiências e
vivências humanas, no Renascimento, passaram a ser, além de religiosas, também
a expressão de um novo mundo, o mercantil, que vai “sintetizar um novo modo de
ser” que precisava de letramento. Delumeau (1984, p.255), relata que “63% dos
artesãos” moradores dos burgos já “sabiam assinar bem” no século XVI.
Ainda é interessante lembrar que no culo XVI, apesar do trabalho didático
preservar algumas características da educação medieval, como a contratação de
preceptores para a educação dos nobres e as escolas religiosas para formação do
clero, alterava-se a educação em um dos aspectos que pode ser denominado de
“característico de uma nova época” - o magistério começa a ir em direção ao
laicismo, ou seja, abria-se para a formação do homem não somente no aspecto
religioso.
Antes, o ensino era feito em escolas que funcionavam nos conventos,
mosteiros e nas igrejas das vilas. Nestas escolas o ensino era voltado à vida
27
religiosa e se aprendia a ler, escrever, noções de cálculos e canto religioso, ou seja,
a educação era atribuição exclusiva do clero. Assim, o século XVI constitui-se em
um marco para a educação. A abertura de escolas para a atuação de mestres não
clérigos, o surgimento de salas de aula e da seriação, ou seja, a formação de turmas
de estudo conforme a idade, também é coisa de que não se tem notícia antes do
século XVI (NUNES, 1980, p.27).
Passando a falar de ciência e escola no século XVI, destacamos como
manifestações desse embricamento, a introdução de inovações matemáticas nos
currículos (sinais gráficos, formas, cálculos, etc.), que vão possibilitar o
desenvolvimento das formas contabilísticas dos câmbios, dos contratos mercantis,
dos seguros, que facilitarão as trocas comerciais e a confiabilidade nos contratos e,
o surgimento da escola para o ensino de jovens (ensino secundário), que se
expande pela Europa, primeiramente nos centros abertos por protestantes,
especialmente na Alemanha. E pelos católicos na maior parte da Europa continental,
pelas mãos da Companhia de Jesus (MANSO, 2005).
Acreditamos que os protestantes, na figura de Lutero, contribuíram
sobremaneira para o surgimento de uma nova escola, pois ao conclamar a ajuda
dos Magistrados - chefes políticos - para a abertura e manutenção de escolas em
suas Províncias, Lutero faz emergir a responsabilidade dos Poderes Públicos para
com a instrução do povo, ou seja, a transferência de uma responsabilidade antes
vinculada à Igreja para o poder civil (ZULUAGA, 1972).
Esse início da secularização do ensino pode ter aberto as portas, em certa
medida, para a difusão do conhecimento científico, hipótese com a qual Woortmann
(1997, p.11) o concorda se o conhecimento científico for pensado como ciência
de hoje. Para o autor “não havia como verificar experimentalmente as hipóteses e
provar suas verdades contra um ambiente geral ainda centrado numa explicação
aristotélico/tomista do mundo”.
Apesar do conteúdo “humanista” religioso dos currículos escolares do século
XVI, podemos observar que a ciência também se explicitava sob a denominação
de matemáticas”. Essa disciplina deveria dar conta de geometria, física,
movimentos celestes, etc. A escola que se delineava iria propiciar a difusão de
“novas formas que romperam com os sentidos e usos medievais do espaço e do
tempo”. Assumindo “uma posição ímpar na instauração de novas práticas cotidianas,
28
de novas distribuições de conhecimentos”, sem esquecer que seria ótimo
instrumento de difusão da fé cristã (VEIGA-NETO, 2002, p.1).
A Companhia de Jesus, ao criar seus Colégios, respondeu às necessidades
próprias de uma educação para a fé e, ao mesmo tempo, atendeu às demandas
sociais (externas). Além disso, inovou também na manutenção dessas escolas.
Conseguiram contar com protetores e benfeitores nos locais em que se instalaram,
que proveram os meios para a manutenção do colégio e para a educação dos
jovens membros da Companhia em troca da educação de seus filhos (O`MALLEY,
2004).
Além da administração eficiente, pensamos que a instituição escolar jesuítica
se consolidou ao redor do mundo porque construiu instrumentos que “padronizaram”
suas práticas, seu currículo, sua administração, dando estabilidade e continuidade
educativa.
Antes, porém, de tratarmos da história da educação jesuítica do século XVI e
XVII, sob a ótica do desenvolvimento histórico de seu documento ordenador o Ratio
Studiorum, traçando os possíveis pontos de contato deste com a ciência, nada mais
justo que tentar explicar o que se entende por ciência/técnica nesse período.
1.1. Das ciências e da técnica no século XVI
Não está na natureza das coisas que um só homem faça repentinamente uma descoberta tremenda.
A ciência avança passo a passo e todos dependem do trabalho dos seus predecessores.
(RUTHERFORD, 1918)
Em todas as civilizações e, em todos os tempos, houve homens que
pensaram sobre o mundo e as causas de seus fenômenos, porém é a concepção de
ciência como episteme grega, saber racional que buscava compreender a
complexa estrutura do real, quem vai melhor contribuir para a constituição da ciência
moderna. Mas isso não nos auxilia na determinação de um período histórico para o
desabrochar da ciência “moderna”, coisa que ainda hoje não é consenso (KNELLER,
1978; CONDÉ, 2002).
A ciência considerada moderna, parece partir do mesmo pressuposto da
episteme grega - haveria uma ordem no universo que poderia ser apreendida pelo
homem. Contudo, se para o filósofo grego a apreensão da realidade seria mediada
pela contemplação dessa realidade, para o ciêntista moderno além de contemplação
29
vai haver teorização, modelagem explicativa, experimentação e, mais que tudo, ação
e transformação da natureza.
Que si souvenat encore qu´au début du XVII siècle la philosophie structurait
le système des savoirs et avait à rendre compte rationnellement du monde
naturel dans sa totalité, de l´ordonancement des astres dans les cieux au
mouvement des projectiles à main nue ou par quelque autre artifice, de la
classification des êtres vivants au fonctionnemente de l´esprit humain, d´où
la nécessité pour toute philosophie d´inclure une logique, une méthode, une
psychologie rationnelle et une philosophia naturalis, à côte d´une
métaphysique, d´une éthique et d´une politique (GIARD, 1995, p. XXXVI).
Também Koyré (1961) creditava ao caráter abstrato da ciência grega, o
modelo para a construção de um saber especulativo distanciado da técnica, que
para ele seria o saber prático, aquele aplicado à vida mundana. Pensadores como
ele nos afirmam que no período conhecido como Renascimento
13
, ciência e cnica
eram práticas totalmente distanciadas, vinham de tradições distintas e os seus
praticantes, que possuíam formações e posições sociais diferentes, não tinham a
mesma visão de mundo. O homem da técnica provinha da tradição do “saber fazer”
prático e o da ciência provinha do pensar filosófico, abstrato e distanciado do
trabalho manual (KOYRÉ apud OLIVEIRA, 1997).
Saraiva (2000, v.1), também se posiciona no mesmo direcionamento quando
relata que no século XVI haveria um divórcio entre a especulação científica e a
técnica, e que os avanços técnicos não resultavam em avanço científico, porque a
tecnologia que se desenvolvia era o resultado de aperfeiçoamentos ou experiências
acumuladas pelas famílias de artífices. Para o autor não haveria inovações, mas
adaptações de velhos processos de fabrico, e isso não poderia ser chamado de
avanço científico, tal como o concebemos hoje. A única exceção que o autor faz
quanto à possibilidade da cnica ter suscitado o desabrochar científico diz respeito
às navegações transatlânticas, apontadas pelo autor como berço de novas
necessidades que, destarte, precisavam ser teorizadas e pensadas antes de serem
constituídas e construídas.
Contrários a esse pensamento, acreditamos que a ciência moderna foi
construída - tanto pela tradição do homem letrado, portador de uma ciência teórica
desvinculada do mundo do trabalho, quanto pela tradição do artesão e do artista. No
13
Usamos o termo Renascimento porque os autores estudados o mencionam como recorte temporal, mas sem o
compromisso histórico de sua configuração, que entendermos ser muito abrangente para esse estudo.
30
“Renascimento” os construtores de máquinas e prédios, chamados de engenheiros,
também eram conhecidos como “homens sem letras”. Em uma época em que os
estudos universitários estavam mais ligados à filosofia e à teologia, esses artífices
também estavam desenvolvendo um saber teórico que se explicitava por meio da
criação de projetos em papel (teoria antes da prática). Seus ateliês se
transformaram “em espaços de cruzamento de saberes” práticos e teóricos, onde os
registros em papel iniciam um processo irreversível para o desabrochar de novos
passos rumo a um novo conhecimento científico ou ciência (BRAGA, GUERRA e
REIS, 2004, v.2, p.36).
Nessa mesma linha, Oliveira (1997), nos diz que a ciência é uma junção de
saberes “do homem da técnica que faz do mundo material à sua volta o seu livro de
aprender, e do fazer experimental a sua arte e profissão”.
Garin (1988) relata, nesse sentido, que na sociedade feudal a erudição e o
conhecimento eram “privilégios” de poucos e a vida cotidiana encontrava-se muito
distante da ciência que conhecemos no século XXI. No mesmo espaço conviviam a
ciência e a magia sendo praticamente indissociáveis, envoltas em mistério, e muitas
vezes associadas às noções de diabólico e pecaminoso.
14
O autor sugere que somente no período do Renascimento, a ciência e a
erudição, a tecnologia e a arte começam a diferenciar-se. A erudição e as artes
liberais começaram a se transformar em profissão, ocasionando o desenvolvimento
de uma ciência, que apesar do distanciamento, emergia de necessidades da vida
cotidiana comum.
E, muito embora concordemos com a necessidade de desenvolvimento
intelectual e teórico para o surgimento da ciência como a concebemos hoje, não
pensamos como Koyré (1961) ou Saraiva (2001).
Acreditamos que a técnica ou prática teve grande importância para a
configuração do que se denomina conhecimento científico. Nem podemos falar em
ciência como conhecimento estruturado no período que estamos analisando
(BRAGA, GUERRA e REIS, 2003, v.1).
Pensamos que a técnica/tecnologia (engenharia, mineração, a relojoaria,
artilharia, farmacêutica) desenvolvida nos séculos estudados, vai chamar a atenção
14
Ver “Considerações sobre a magia”, In GARIN, E. Idade Média e Renascimento, Lisboa, Estampa, 1988.
31
de toda a sociedade e se incluem os intelectuais (católicos ou protestantes)
15
. E,
essas inovações, como bem menciona Soares (2001), vão estimular o desabrochar
da ciência.
Entendemos que a construção do conhecimento científico foi o resultado de
um processo histórico lento e gradativo de articulação e cruzamento de tradições,
concepções e práticas diversas de saber, surgidas ou retomadas nos séculos XVI e
XVII.
A indistinção que estamos postulando entre ciência e cnica na constituição
do conhecimento científico no século XVI, decorre de não encontrarmos no período
estudado um termo equivalente ao que se entende “hoje” por ciência. Além do mais,
a discussão sobre a relação entre a ciência e a técnica para o nascimento da ciência
moderna não é nova e ainda está longe de ter chegado a um consenso.
Braga, Guerra e Reis (2004) sugerem que a história da ciência constitui-se
em um processo integrado entre as múltiplas dimensões da realidade do período
denominado renascentista (técnica, arte, economia, religião). Essas dimensões
influenciaram à consolidação de idéias que geraram a ciência moderna. Ciência
essa que foi experimentar e observar metodicamente a natureza, e teorizar
matematicamente os novos conhecimentos.
Mas, não podemos nos esquecer do desenvolvimento do comércio. Se a
mercancia serviu para o surgimento de uma nova forma de ser na Europa do século
XVI, também deve ter impulsionado o desenvolvimento da ciência moderna.
Conforme Paiva (2004b, p.4), o mercantil promoveu uma transformação
pensamento, pois “quem trata quer lucro, tem que planejar, calcular, inventar
soluções”. E, nesse contexto, a matemática e o cálculo é que vão impor “novas
regras, apartando o sujeito do objeto, individualizando as pessoas, secularizando os
argumentos”
Nesse mesmo sentido, apostamos que a difusão da mercancia “resgatou um
velho hábito: camponeses e habitantes das vilas européias voltaram a usar o
dinheiro” para comercializar produtos e serviços. A utilização do dinheiro gerou a
“necessidade da aprendizagem do cálculo matemático”. Durante a Idade Média a
matemática que “havia permanecido como patrimônio de poucos intelectuais”, passa
a ser necessária para atuação cotidiana, demandando escolas de cálculo, ou seja,
15
Em muitas obras vemos a noção de católicos associados à Inquisição e a opositores do desenvolvimento
científico e protestantes como incentivadores do mesmo.
32
inicia-se a demanda por uma educação mais utilitarista, “os filhos dos comerciantes”
começaram a freqüentar escolas de lculo que se multiplicaram a partir do século
XV e se expandiram pelo século XVI. E, uma “nova linguagem tomou conta do
imaginário coletivo”, tornando inevitável que os meios acadêmicos e intelectuais
procurassem utilizar a “linguagem matemática na busca da verdade”, ou para
solucionar problemas, inclusive os de cunho filosófico (BRAGA, GUERRA e REIS,
2004, v.2, p.18-19).
D´Ambrósio (2000), também refere que as novas profissões urbanas, ligadas
ao comércio, praticavam uma aritmética que tinha a ver com operações mercantis,
bem como uma álgebra associada a problemas práticos de heranças e de comércio,
distinta da aritmética que investigava as propriedades dos números naturais. Ou
seja, a ciência matemática era prática, destacando a experiência dos portugueses
na aventura transatlântica e as experiências dos árabes nas matemáticas.
2. LIBRO DE ALGEBRA EN ARITHMETICA Y GEOMETRIA. Pedro Nunes (1567). Cathedratico
jubilado da Cathedra de Mathematicas da Universidade de Coimbra. Fonte: Biblioteca Nacional de
Portugal/ www.purl.pt/40/1/obras.p.nunes
33
Para ilustrar, contamos com Paiva (2004b, p.5)
O mercantil, por ser o que é, obrigou ao conhecimento das coisas como
são, o se satisfazendo com o que delas diziam. Impôs o exame rigoroso,
a observação, a descrição pormenorizada das rotas terrestres e marítimas,
dos astros, dos povos. A observação é resultado do primeiro tipo de
experiência, não como proposição epistemológica mas como atitude
metodológica. A observação se faz com intuito de dominação: conhecer o
comportamento do outro, para saber proceder bem. Por isto, a observação
deve ser meticulosamente organizada.
Podemos destacar que os todos matemáticos desenvolvidos por
intelectuais como Gerolamo Cardano (1501-1576) e François Viète (1540-1603),
com sua Ars analytique de 1591 é que deram origem a uma nova ciência, que
desabrochava através de trabalhos de pesquisadores como Copérnico (1473-1543) -
que afirmava o movimento da Terra em torno do Sol em seu Tratado das
Revoluções dos Corpos Celestes. Galileu Galilei (1564-1641), observava o
movimento dos astros e desenvolvia cálculos matemáticos que confirmavam a teoria
de Copérnico, além de descobrir as leis da queda dos corpos. Kepler (1571-1630)
expôs em 1609 as três leis do movimento dos planetas. Michel Servet (1509-1553)
foi o primeiro a conceber a idéia da circulação do sangue. Em 1543, o matemático
italiano, Tartaglia, resolve equações do grau. Viète, antes mesmo de Descartes e
Fermat, postula o princípio da aplicação da álgebra à geometria. A descoberta da
pólvora, a invenção das armas de fogo, das agulhas de marear (bússola), alteram o
cenário das guerras e conquistas e da navegação marítima (GARIN, 1996).
16
É importante explicitar, porém, alguns contrastes sobre o pensar científico
nesse recorte temporal. Segundo Ronan (1983, p. 11), o fazer ciência seria algo
“causado pelo desejo de usar a descoberta para criar uma figura do universo, [...]
coerente com a finalidade de descobrir” em tudo (toda ação humana como fazer
ciência), como se dava “o trabalho de Deus”. Ou seja, a ciência, a teorização do
mundo, a experimentação, era para descobrir/demonstrar onde estava a mão de
Deus.
Mas, conforme Paiva (2004b), meados do século XVI, inaugurava-se um
processo de dissociação entre conhecimento e religiosidade, onde o que se vai
buscar é um conhecimento que não é mais um desejo de entender a essência de
16
Ver “La rivoluzione copernicana e il mito solare” e “Alle origini della polemica anticopernicana”, In GARIN,
E. Rinascite e Rivoluzioni: Movimenti culturali dal XIV al XVIII secolo, Roma-Bari: 1992, p. 255/ 281 e
283/295, respectivamente.
34
Deus expressa na natureza. Bernardino Telésio (1509-1588), ao escrever De rerum
natura iuxta propria principia, explicitava o desejo de conhecer o funcionamento
das coisas, per se.
Para falar da ciência moderna, ainda vamos mencionar a obra de Galileu que
se inicia a partir de análises e demonstração de conhecimentos práticos, o que vem
de encontro ao que postulamos que a técnica foi fundamental para o
desenvolvimento do pensamento científico/filosófico. Ainda mais que as novas
teorias não emergiram de forma simples, mas por viéses que buscaram ajustar
visões antagônicas sobre o funcionamento do mundo. O pensamento de Galileu
evoluiu, e inspirado na metodologia de trabalho dos engenheiros, iniciou um
inovador processo para a construção do conhecimento - a experimentação.
17
3. Sidereus Nuncius Magna / Galileu Galillei (Venice 1610)
Fonte: Cultural Heritage Language Technologie – Science – Linda Hall Library
http://www.chlt.org/sandbox/lhl/GalileoSkel1610/page.5.a.php?
17
Em seu livro Discurso e demonstrações matemáticas sobre as duas novas ciências, Galileu analisa e
demonstra a importância do Arsenal de Veneza, que produzia navios, armas e máquinas. Em um cenário onde o
trabalho técnico era estimulado e, onde o que não nascia desse conhecimento prátido poderia ser questionado
não surpreende ser esse um de seus primeiros trabalhos.
35
Nesse sentido, contamos com os entendimentos de Braga, Guerra e Reis,
(2004, v.2), que apontam que Galileu deu uma nova compreensão ao conhecimento
que parte do “princípio epistemológico da experiência”
18
.
Essa novidade em termos de conhecimento propugnava o caminho da
“observação, experimentação, simbolização”. E, conforme Paiva (2004, p.6)
contrapondo “ao que vigia antes, o mundo humano se seculariza. O Homem se quer
liberto da visão teológica antes dominante e, embora crendo em Deus, dele se
distingue, afirmando-se capaz e autônomo (Humanismo).”
Mesmo antes do século XVI, as necessidades da sociedade, da vida urbana
que se expandia, possibilitaram o avanço da técnica e da ciência. As pessoas
precisavam de maneiras mais eficazes de se medir o tempo, não mais baseadas em
períodos desiguais do dia e da noite, para melhorar os ritmos de trabalho que se
impunham pelo desenvolvimento do comércio. Como também precisavam ser
solucionados diversos problemas de náutica e engenharia decorrentes da expansão
das viagens transatlânticas.
Braga, Guerra e Reis (2004, v.2, p.23), ainda mencionam que na Escola de
Sagres eram desenvolvidos “novos conhecimentos científicos e técnicos em
diversas áreas” promovendo a pesquisa científica teórica, ou seja, a produção do
saber teórico (cartógrafos e astrônomos) associado ao saber prático “trazido pelos
pilotos que navegavam pelo Atlântico”.
19
Desse contexto, não se exclui o artista/artífice renascentista. Persona muito
importante para a ciência moderna e para a concepção científica do universo.
Vejamos Leonardo da Vinci que repartiu a sua vida entre a escultura, a pintura, a
engenharia hidráulica e militar, a astronomia, a matemática, as ciências mecânicas,
18
PAIVA, José Maria de. A emergência da modernidade no século XVI. O problema da experiência na
constituição da ciência, p.6.
19
Cf. site oficial da Marinha Portuguesa, não havia uma escola própria, onde se ministrassem os conhecimentos
adequados e mesmo a mítica "Escola de Sagres". Terá sido mais uma idéia e uma política, do que uma realidade
física, tal como hoje a entendemos. É facto que no período mais activo dos descobrimentos henriquinos (a partir
de 1434 e até à morte de D. Henrique em 1460), muitos homens do mar circulavam por Lagos, sendo notório
que cartógrafos e astrónomos apoiaram o projecto do Infante; mas a formação do pessoal embarcado
permaneceu como uma transmissão de conhecimentos fechada e, sobretudo, efectuada no mar. Em 1559, sob os
auspícios de Pedro Nunes foi criada a "AULA DO COSMÓGRAFO MOR". As suas lições obedeciam a um
programa que constava de um "Regimento" próprio, mas a verdade é que a formação tradicional nunca viria a
ser abandonada e os pilotos apresentavam-se a exame mais com o seu curriculum de viagens do que com a
matemática e astronomia ensinadas pelo cosmógrafo. O sonho de Pedro Nunes - formar pilotos com profundados
conhecimentos científicos - só viria a realizar-se no século XVIII com a concretização do conceito de um Oficial
de Marinha formado e treinado numa escola específica, versado em matemática, física, astronomia, geografia e,
naturalmente, navegação.
36
as ciências biológicas. Também um homem sem letras, que teorizava e
experimentava, no sentido científico atual, sobre hidráulica; o movimento pelo estudo
de trajetórias de tiros de canhão; estudo de máquinas voadoras baseadas no
princípio da resistência do ar, quinas submarinas, etc. Como um cientista
moderno, Leonardo primeiro se propunha a estudar e depois praticar a ciência que
teorizava. Entre os fundamentos da ciência moderna que ele nos deixa, temos a
necessidade de submeter constantemente a teoria à experiência, e a necessidade
de exprimir matematicamente as relações entre os fatos. Ao longo do século XVI,
esses pressupostos se converteram, na passagem para o século seguinte, em corpo
organizado de doutrinas e em método geral de conhecimento que vai ser adotado
por uma “categoria” de intelectuais desconhecida na Idade Média - a dos cientistas.
Esses vão se encontrar em espaços destinados ao debate, à produção e difusão de
novos conhecimentos, as Academias Científicas, que serão comuns a partir do
século XVII (SARAIVA, 2001; BRAGA, GUERRA e REIS, 2004, v.2).
Como no culo XVI, a linguagem matemática foi a mais utilizada para tentar
explicar, demonstrar, teorizar, pressupomos que a mesma foi a base para a
constituição do que hoje consideramos conhecimento científico moderno. A
instituição da ciência como um corpo coletivo de saberes organizados, porém
separados, é algo recente (BERNAL, 1973).
Sintetizando outras importantes contribuições para a criação de uma nova
concepção do mundo através do desenvolvimento científico/prático, podemos
relacionar: os métodos desenvolvidos na observação dos astros que permitiram a
determinação da latitude; o desenvolvimento de processos para escoar água das
minas; invenção dos caracteres móveis metálicos; desenvolvimento de novos tipos
de tecido e técnicas de produção mais rápida (introdução da roda de pedal); o
aperfeiçoamento da produção do vidro; a criação dos relógios portáteis (SARAIVA,
2000, v.1).
Após essa breve descrição acerca do que pensamos ser o desenvolvimento
científico no período estudado, não podemos deixar de mencionar, à guisa de
fechamento do capítulo, que os colégios jesuíticos, desde seu início, podem ser
identificados como espaços para produção e difusão de conhecimentos científicos.
Espaços onde o diálogo entre fé e ciência começa a ser praticado, destacando como
primeiro ponto de referência para esse debate o Colégio Romano, onde se ensinava
e se discutia filosofia, ciência e teologia. Nesse espaço, segundo Dinis (2006, p.24),
37
se “discutiam as implicações teológicas do sistema heliocêntrico”. E, foi nesse
espaço que Clavius pensou, escreveu e lecionou uma matemática que irá ser
discutida no terceiro capítulo. Para Inácio essa instituição poderia recuperar a
presença católica nas letras e nas ciências, além de formar apóstolos decididos a
difundir a fé de Roma.
Nossa visão (de hoje século XXI), muitas vezes pode nos levar a fazer uma
análise anacrônica do passado e nos levar a pensar sem refletir que o cristianismo,
em geral, e a Companhia de Jesus, em particular, não contribuíram para o
surgimento da “ciência moderna”.
Pesquisadores que possuem essa visão relatam que os jesuítas defendiam
uma tradição filosófico-teológica herdada da Idade Média e lutavam contra questões
científicas que contrariassem essa tradição (como exemplo podemos mencionar a
censura de livros proposta em documentos da Companhia).
Braga, Guerra e Reis (2003, v.1, p.68), porém, explicam que os pensadores
da época, incluindo-se nesse caso os jesuítas, “não ficaram exclusivamente presos
à autoridade de Aristóteles, construíram um conhecimento próprio que correspondia
à visão do mundo naquele contexto.”
Manso (2005, p. 163), explica essa possibilidade de coexistência entre ciência
e fé quando nos fala que a Companhia de Jesus é fruto de seu tempo e, portanto,
participa da “construção da modernidade européia”, ao mesmo tempo em que se
mantém “paradoxalmente católica”. Como também nos fala Echeverría (1998, p. 57),
ao relatar que a Companhia de Jesus é um projeto de inspiração
“inconfundiblemente moderna; um proyecto sumamente ambicioso que pretende
efectivamente aggiornare la vida de la comunidad universal, ponerla em hamonia
com los tiempos”. Isso se vai verificar sobremaneira nas formas de se ensinar e de
se adaptar a metodologia jesuítica educativa aos novos continentes aonde a
Companhia vai se instalando.
Esses temas estão abordados de forma mais aprofundada nos próximos
capítulos.
38
CAPÍTULO II
A URDIDURA DA TRAMA
A Configuração de uma Metodologia Educacional Jesuítica
O jesuíta entendeu que havia dois caminhos concomitantes para trazer o índio à fé cristã: o colégio e
o braço secular. O colégio passaria as letras, a cultura. Com isto, integraria numa só comunidade
todos os habitantes da Colônia, resultando em paz e sossego da terra. (PAIVA, 2003)
A Companhia de Jesus foi criada em 1534 por Íñigo Lopes de Loyola,
conhecido como Inácio, juntamente com seis jovens companheiros, com o objetivo
de seguirem até Jerusalém.
20
Costa (2007, p.101), sugere que essa seria uma
“espécie de cruzada moderna, mas sem armas”.
4. Santo Inácio e Paulo III na aprovação da Companhia de Jesus.
Anônimo. Sacristia do Gesù, Roma. Fonte: Martins (2001)
20
Cf. site oficial do Colégio Santo Inácio no Rio de Janeiro, quando Inácio de Loyola falava de si, designava-se,
muitas vezes, como ‘Peregrino’. Sua Autobiografia tem como título ‘Diário do Peregrino’. Com isso não queria
dizer que gostasse de fazer peregrinações, ou que fosse alguém que vivesse dia e noite a céu aberto. Durante o
tempo de convalescença, quando recebe a revelação Divina só tinha um objetivo para a sua vida: tornar-se
peregrino: peregrino de Jerusalém. Peregrino num sentido especial: não apenas ir a Jerusalém: ele queria ficar lá;
queria viver onde Jesus tinha vivido. Ali queria ele seguir Jesus, caminhar com ele. Estava tão compenetrado
disso que não podia imaginar poder seguir a Jesus, senão onde ele próprio tinha vivido: na Terra Santa.
39
Segundo a Formula Instituti (1539-1540-1550), o perfil da pessoa que
pretendia ingressar como religioso na Companhia, seria definido como
Todo aquele que pretender combater por Deus sob a bandeira da Cruz, na
nossa Companhia, que desejamos se assinale com o nome de Jesus, e
servir somente ao Senhor e à sua Esposa, a Igreja, sob a direção do
Romano Pontífice,Vigário de Cristo na terra, depois dos votos solenes de
perpétua castidade, pobreza e obediência, persuada-se que é membro da
Companhia, instituída principalmente para a defesa e propagação da e o
aperfeiçoamento das almas... Foi também instituída para pacificar os
desavindos, piedosamente ajudar e servir os que se encontram presos nas
cadeias, os enfermos nos hospitais, e exercitar as outras obras de
caridade...E procure ter diante dos olhos, enquanto viver, principalmente a
Deus e depois a Regra deste Instituto, que é um caminho seguro para ir até
Ele. E este fim, que lhe foi proposto por Deus, procure alcançá-lo com todas
as forças.
21
Ao interpretarem estas palavras, muitos quiseram perscrutar se o termo
sugeriria um “caráter militar” à Ordem. Contudo, autores como O`Malley (1973),
mencionam que militare Deo, “alistar-se sob a bandeira da Cruz”, constituía a
fórmula para designar a vida religiosa na Idade dia, conforme se comprova pelas
palavras de São Bento, no prólogo da Regra aos Noviços: Vai guerrear por Cristo
Rei verdadeiro.
Criada oficialmente em 1540 pela bula papal Regimini Militantis Eclesiae, do
Papa Paulo III, a Companhia tinha como objetivo central, segundo seu fundador, a
defesa e a propagação da fé e progresso das almas na vida e doutrina cristã, porém
além dessa intenção inicial veremos que mais que um instrumento católico de
propagação da fé, a Ordem fundada por Inácio obteve grande sucesso como
instrumento de propagação cultural (MENDES, 2006).
Inácio de Loyola formulou as Constituições da Ordem durante um longo
caminhar e, em 21 de Julho de 1550, Júlio III confirma de novo a Companhia de
Jesus com a bula Exposcit debitum que aprova a Formula Instituti de Inácio,
conforme a tradução anterior.
Para entendermos a mentalidade que oportunizou o desenvolvimento dos
colégios jesuítas e de sua metodologia educativa, devemos nos aproximar de alguns
aspectos que julgamos relevantes para tal, como a expansão das cidades e a
conseqüente expansão do grupamento social dos comerciantes, artesãos livres e
funcionários públicos que deve ter estimulado ou criado uma demanda por escolas
21
Cf. Tradução da Bula de Confirmação do Instituto por Júlio III (1551)
40
nos séculos XVI e XVII. Porque nesse contexto, acreditamos que os colégios foram
a resposta à necessidade de instrumentalizar a produção e divulgação dos
conhecimentos adequados a um novo contexto social, cultural e científico que se
descortinava.
Assim, nessa pesquisa nos é impossível separar a instituição escola, a
educação e a missão dos jesuítas do contexto sócio/cultural em que as mesmas se
explicitam, assim, concordamos com Paiva (2003), quando afirma que a escola e a
mentalidade jesuítica operaram e direcionaram a educação para as necessidades da
sociedade do século XVI. O que queremos destacar com essas duas explicações é
que se os colégios foram instrumentos de conversão pessoal ou de aperfeiçoamento
espiritual, também foram poderosos instrumentos de divulgação científica.
Nesse cenário, a Companhia de Jesus se expandiu pela Europa e colônias
européias e levou a cabo por meio de seus colégios um projeto religioso que se
explicitou primordialmente pela educação. A obra iniciada por Inácio
22
teve reflexos
tão profundos na educação e na instituição escolar, que até hoje suas práticas e
métodos permeiam nossos sistemas escolares.
Nesse contexto, também podemos falar que a educação inaciana foi pensada
para ir ao encontro da necessidade católica de salvar as almas dos jovens,
principalmente dos perigos protestantes, porque como refere Bertrán-Quera (apud
MONTEIRO, 2007, p.2),
Sin tener en cuenta este magisterio divino, continuado y fundamental en la
vida de Ignacio, no es posible comprender la íntima y profunda convicción
teística de todas sus actividades y obras, singularmente la fundación de la
Compañía de Jesús y dentro de ella la de los colegios o formación de la
juventud.
Como para os jesuítas, bem como para a maioria da sociedade européia a
Igreja ainda era o corpo místico de Cristo, no qual cada homem encontraria seu
lugar como membro, caberia a cada membro do corpo social estar em condições
ideais para se colocar a serviço da Igreja Católica, de modo a manter sua unidade,
ou seja, os colégios jesuíticos que se disseminaram pela Europa foram, muitas
22
Inácio (1491-1556), ficou órfão de mãe muito cedo e de pai aos 16 anos. Para sua educação foi enviado a casa
do Contador Mayor do reis católicos de Espanha e depois à casa do Duque de Nájera. Inicia carreira militar que
termina no castelo de Pamplona, onde é ferido. Em recuperação e repouso sente forte chamado divino e decide
dedicar-se à vida religiosa. Estudou teologia en Alcalá e Salamanca e mais tarde concluiu seu estudos em Paris,
onde preparou seus companheiros e com eles fundou a Companhia de Jesus.
41
vezes, considerados como uma importante forma de se deter a “marcha da reforma
protestante” (BIOTO, 2006, p. 103).
Nesse sentido, os autores consultados sugerem que a Igreja Católica se
apercebeu que para atender às necessidades educativas da sociedade deveria, ao
modo dos protestantes, abrir centros de ensino também voltados aos jovens
(secundários) (NUNES, 1980, p.108; ZULUAGA, 1972).
Pode-se pensar que a Reforma Protestante foi a pièce de résistence que
estimulou a ordem jesuítica para “tratar” do ensino como ferramenta de defesa da
católica, mas veremos ao estudar a história da fundação da Companhia de Jesus,
que a escola jesuítica, antes de mais nada, objetivou a propagação da fé católica, e
nesse rastro esteve também a preparação de homens “cultos” que pudessem agir
em uma sociedade que se transformava, mas que desejava manter-se cristã.
Segundo Paiva (2003, p.36), a “[...] Reforma católica, de que os jesuítas são a
feliz síntese, mais do que reformulações institucionais e disciplinares, significou a
assimilação, no campo espiritual” de um entendimento do que ocorria na sociedade,
entendimento esse fulcrado no mercantil.
Pela experiência de Inácio, que se educa na fase adulta, apresenta-se como
melhor pedagogia a ser desenvolvida inicialmente em seus colégios o modus
parisiensis, tradição educativa da universidade de Paris. O modus parisiensis não
era propriamente um código. Era mais uma prática que cuidava da vida acadêmica
do estudante e de seu processo de instrução. Por exemplo, as turmas eram
agrupadas conforme os níveis de conhecimento dos alunos, havia o cuidado de
apresentar as matérias de forma gradual e progressiva, os livros eram escritos com
intuitos pedagógicos, havia graduação no estudo das matérias e fixação de prazos e
provas no término de cada curso, disciplina rígida, estímulo às disputas teóricas,
estudo das artes liberais com inspiração cristã, etc. (CODINA MIR, 1968).
Essas características do modus parisiensis agradavam a Inácio que não
concebia ideais sem métodos. Mas, o fundador da Ordem também foi influenciado
pela devotio moderna
23
, corrente espiritual que animava a Europa no século XVI e
que serviu de direcionamento para a atividade jesuítica – que se voltava para fora do
23
Cf. CÉSAR (2004), a devotio moderna foi fruto da prática espiritual dos irmãos da vida comum, inspirada na
vida de Santo Agostinho. Os Exercícios Espirituais de Santo Inácio (século XVI) muito se aproximam dessa
obra. O caráter da devotio moderna repousava o espírito da Igreja primitiva para se chegar de uma maneira mais
rápida e segura à fonte única da verdadeira santidade, Jesus Cristo, levando-se uma vida de extrema pobreza.
42
claustro. Os jesuítas entendiam que sua ação seria exercida em seus próprios
ministérios destacando-se o “aperfeiçoamento das almas na vida e na doutrina
cristãs” que pode ser traduzido pela formação (educação) de “homens competentes
em grande número” (PISNITICHENKO, 2004, p.25).
Pensamos que a educação que se propugnava nesse contexto buscava a
formação total do indivíduo religiosa, moral, social, cultural, espiritual, etc. E, para
tal, os jesuítas deveriam eles mesmos possuir uma formação intelectual sólida em
filosofia, teologia e ciência, não apenas para melhor desempenharem sua missão
apostólica, mas também porque para lecionarem nos colégios que começaram a ser
fundados deveriam estar aptos para debaterem os temas que emergiam
(principalmente com o crescimento do comércio e dos descobrimentos) (DINIS,
2006).
Acreditamos que essa formação sólida permitiu aos mesmos estarem abertos
às descobertas científicas, tanto na catalogação quanto na produção desse
conhecimento. O conhecer a obra de Deus, que aqui pode ser entendido como fazer
ciência, era visto como forma de estimular a “[...] disposição de trabalhar com Deus
em sua contínua criação” (KOLVENBACH, 1987, p. 16).
A Companhia de Jesus pode, então, ser entendida como um “corpo de
irmãos”, marcada “pela busca da santificação e da ciência”. Esses irmãos que
buscavam a “reforma da vida cristã”, deveriam “ter competência para atuar” junto
aos colégios, assim “não bastava mais a simples devoção: era necessário ciência”.
Essa ciência pode ser entendida como educação/cultura, que Inácio valorizava como
algo “louvável a Deus”, tanto que buscou sua própria instrução e também a
preconizou a seus seguidores (PAIVA, 2003, p.267, 279).
La convicción de san Ignacio de que el tiempo dedicado al estudio forma ya
parte del apostolado no se limita solamente al tiempo de la formación
primera, sino que hoy se extiende a todo lo que constituye la formación
continua y permanente (KOLVENBACH, 1987, p.27).
Célio Juvenal da Costa (2007), ao falar sobre a racionalidade jesuítica, nos
mostra que o pensamento desses missionários “ficou plasmado na forma de uma
filosofia aplicada e não especulativa em dois documentos que o considerados
como clássicos do pensamento ocidental” - as Constituições e o Ratio Studiorum.
43
[...] a defesa ortodoxa da metafísica cristã não se fez por meio de
compêndios theoreticus, mas na forma de códigos estruturados em artigos
positivos que, quando aplicados, viabilizariam a expressão material da
concepção cristã de mundo. Além disso, a racionalidade jesuítica também
se constituiu com base no Catecismo, no Breviário e no Missal resultantes
do Concílio de Trento (1545-1563) e nas obras de São Tomás de Aquino,
particularmente a Suma Teológica (FERREIRA Jr, 2007, p.22).
Encontramos, nesse mesmo viés, que a “dimensão mística da Acção”
jesuítica vai estar presente “não no livro dos Exercícios Espirituais, no Diário
Espiritual e nas Constituições da Companhia de Jesus”, mas também nas diversas
ordenações de estudos anteriores ao texto oficial e definitivo do Ratio Studiorum e
que a vocação docente dos inacianos surge “para que nas prensas das lettras se
lhes imprimam os bons costumes, e estudando as humanas aprendam a ser”
cristãos (MONTEIRO, 2007, p.2).
O ideal pedagógico dos jesuítas reflete o pensamento inaciano, cuja
religiosidade coloca Deus como figura central das todas as suas propostas,
mormente as educativas. O que se quer destacar é que a educação jesuítica, da
mesma forma como se estrutura e se explicita a vocação educativa da Companhia
de Jesus, vai se organizar de tal maneira que se pode imaginar culminar no Ratio
Studiorum.
Destacamos, ainda, três aspectos acerca do que pensamos poder sintetizar o
que seja a mentalidade jesuítica: a) uma formação que privilegia a construção
intelectual calcada na escolástica, aliada a uma obediência “inquestionável” “aos
cânones emanados da Apostólica”; b) o caráter secular “da ação missionária da
Companhia de Jesus”, que postula uma educação e uma missão aberta a todos os
homens, que fugia dos retiros e da vida monástica; e c) o que Costa (2007),
denomina como controle dessas práticas e ações, que seriam as formas de se
avaliar os sucessos e fracassos obtidos na missão evangelizadora dos jesuítas
espalhados pelo mundo. “As ações, as práticas, as estratégias e ticas que foram
se tornando gerais e passaram a guiar os passos dos missionários jesuíticos”
(FERREIRA JR, 2007, p.22).
Outro aspecto da racionalidade jesuítica que vamos frisar e que chama a
atenção de pesquisadores dessa temática, diz respeito à empreitada educativa estar
“como que a reboque da empresa comercial e, como sugere Costa (2005, p.3),
“respirou, por assim dizer, da racionalidade mercantil”.
44
Estamos a chamar a atenção para um dos aspectos que transformaram o
pensamento no século XVI e impregnou “a forma de ver o mundo, distinguindo fé de
razão, Igreja de Estado, privado de público”, que Paiva (2004) denomina de
pensamento mercantil.
Para ilustrarmos essa idéia, temos a própria denominação da Ordem:
Companhia de Jesus, que como anteriormente mencionado não se deve ao passado
de combatente de seu idealizador, mas segundo Costa (2005), seria uma alusão às
empresas privadas criadas para a exploração comércio e colonização
(Companhias das Índias Ocidentais, do Levante, Plymouth, etc.).
24
A difusão de novas idéias no século XVI elucida e “salienta o espírito da
época” que era o mercantil”. Nesse sentido a Companhia de Jesus também deveria
pensar e agir “mercantilmente.”
25
O mercantil, para Paiva (p.35), “qualifica a sociedade moderna, moldando a
ação humana nos seus mais diversos tipos”, e as “relações sociais” serão “pautadas
sobre compra e venda. [...] Até em termos de espiritualidade, usou-se com
frequência da expressão, traduzindo ela o entendimento que de seu ofício tinha o
pregador e tinha o seu ouvinte.” E, para destacar a assimilação dessa mentalidade
pelos jesuítas, referimos a uma carta de Nóbrega aos moradores de São Vicente
(1557), e uma de Antônio Blasquez (1564), onde se destacam terminologias
mercantis, que estão grifadas.
Quem vos detém que não dais fruto digno de se apresentar na mesa do Rei
Celestial? Estas são as fazendas principais que haveis de fazer no Brasil;
este é o trato que deveis de ter com os cidadãos da cidade de Jerusalém
celestial, [...] o trato bendito não é de açúcar corruptível mas de graça, mais
saborosa que favo de mel. [...] Quão poucos mercadores da vida eterna se
acham? Se os mercadores de pedras preciosas topassem contigo,
venderiam tudo por te mercar e em te tratar; trato sem perigo, porque o
piloto, que governa, não pode errar [...] trato de tanto ganho, no qual não
se ganha um por cento, e sobretudo vida eterna em contrapeso [...] trato
que neste mundo enriquece de graça, e no outro de glória [...] trato sem
desassossego, antes quanto mais se trata, quanto mais de quietação se
ganha [...] trato onde nunca se perdeu ninguém, e todos possuem suas
riquezas em paz [...] trato sem perigos, mas antes ele livra de perigos! trato
onde onzenar é merecer, e não pecar [...] trato,finalmente , com o qual se
afermosenta a cidade de Deus celestial de almas que louvam a seu Senhor,
e a terra dos desterrados filhos de Adão, recebe por retorno mercadorias
espirituais de graça, de virtudes, de consolações (NÓBREGA, 1980, p.
167)
24
O termo “Companhia” também servia no contexto do século XVI, para designar, de forma genérica, uma
associação piedosa que proliferava na Itália, como a “Companhia do Amor Divino”.
25
Cf. Paiva (s.d., p.34), em apontamentos sobre os vinte e cinco anos da publicação de sua obra “Colonização e
Catequese”. [material não impresso]
45
[...] as mercancias e tratos destes romeiros não eram para adquirir ouro ou
fazenda, senão para alcançar a graça de Deus e comprar o reino dos
céus (CARTAS AVULSAS, 1980, p. 449)
Acreditamos que a pedagogia da Companhia de Jesus se expressou por meio
de um projeto concreto, que pareceu-nos considerar como seu objetivo principal a
formação do homem livre, adaptável e perfectível, que acreditamos foram as
características da vida da sociedade do século XVI. Assim, Inácio deve ter sido
estimulado tanto pelas necessidades da Igreja quanto da sociedade a configurar
aquilo que praticamente não existia no seu tempo – colégios/escolas, enquanto
espaços que assegurassem as condições apropriadas tanto para a formação de
futuros mestres quanto de alunos externos.
26
Aos moldes dos inúmeros colégios existentes na Espanha e França do tempo
de Inácio, alguns colégios jesuítas nos primeiros anos de fundação eram simples
pensionatos para aqueles que queriam seguir a vida clerical. Crescendo o número
de candidatos aflorou o problema de subsistência desses colégios. Esse problema,
como mencionado anteriormente, vai ser sanado pela abertura dos mesmos aos
alunos externos e pela doação de benfeitores (STELLA MATUTINA, 1974;
LABRADOR, 1993).
Nesse momento cumpre recordar que apesar do voto de pobreza, os
inacianos estavam mergulhados numa sociedade que se via mercantil, dessa forma
os mesmos souberam também tratar de negócios e administrar as doações de seus
benfeitores, bem como as utilizaram para manutenção tanto de seus futuros padres,
quanto para a disseminação da fé cristã, principalmente no Novo Mundo.
Sob essa perspectiva, pode-se pensar o religioso, o moral, o mercantil, o
disciplinar e o acadêmico se integrando para configurar a educação através de uma
totalidade. Ou seja, além de imersos na religiosidade que plasmava a sociedade
ocidental do século XVI, os jesuítas também estavam imersos (vivenciaram) e
adotaram a racionalidade mercantil que desabrochava.
O que se busca explicar nesse momento é que o pensamento mercantil não
deveria estar dissociado da atividade de propagação da fé. A forma de ser da
sociedade seiscentista se explicitava também no mercantil e nesse sentido,
verificamos, conforme nos ilustra a citação a seguir, que os jesuítas não estavam
26
Inicialmente os colégios jesuíticos eram destinados a formação de mestres padres que iriam formar outros
padres.
46
apartados da mesma, como acreditamos que também não estiveram apartados das
novidades científicas do mesmo período.
Uma expressiva parcela dos inacianos tornou-se especializada na
administração dos bens terrenos. A Ordem contava em seus quadros com
especialistas em todas as áreas ligadas a esse fim, como os padres
“administradores”. Em muitos casos, esses padres com funções específicas
no que diz respeito à administração e a manutenção dos bens terrenos
eram oriundos de famílias tradicionais no ramo comercial e utilizavam-se
dessas práticas e competências em benefício da Ordem (MASSIMI, 2002,
p.67)
Observe-se que essa especialização de funções também se revela no Ratio
quando o mesmo refere à especialização de funções dos professores, prefeitos,
entre outros atores da academia jesuítica.
Isso pode nos revelar um indício importante, segundo o qual entendemos que
em diferentes espaços do viver da sociedade na época estudada desabrochava e
se explicitava uma nova mentalidade que pode ter servido de base, a posteriori, para
o que se denominou Revolução Científica e racionalização do saber.
Falando novamente que os Colégios em seus primórdios não eram centros de
ensino, mas locais que davam alojamento e alimentação a estudantes destinados a
seguir carreira religiosa, conforme a Carta Apostólica de 1540 (verificamos que a
mesma carta alude a externos somente quando menciona a catequese), porque as
missões a que se propuseram os jesuítas tinham muito mais a ver com uma
mobilidade e atividade missionária que às atividades ligadas a inatividade docente,
gostaríamos de destacar que sua missão educadora se descortina, apesar de certa
inquietação de seu fundador, como um sinal de Deus. Veja-se Bioto (2006, p.106),
que ao falar da missão educativa da Companhia refere que a mesma não foi
direcionada
[...] para encontrar um campo de ação para seus membros, nem para
assegurar rendas regulares. Ao assumir esta identidade, que a marcou
positivamente, eclipsou seus outros ministérios. Os jesuítas demonstravam,
nos primeiros relatórios, uma certa inquietação para com o rumo que a
Companhia vinha tomando. Mas, uma vez iniciado este ministério, não
vacilaram mais, entrevendo na empreitada um sinal vindo de Deus (BIOTO,
2006, p. 106).
Assim, mesmo que para Inácio a educação e as escolas servissem
inicialmente para a formação apenas dos companheiros que seriam o Corpo da
Ordem, com o passar do tempo o mesmo apercebeu-se que sua Companhia poderia
utilizar diferentes modos de atuação para a salvação das almas. Onde pudesse
47
existir alguma possibilidade de ampliar ou difundir o nome da Deus segundo os
preceitos da Igreja, deveriam seguir os jesuítas e ensinar.
O espaço dos colégios tornou-se, assim, espaço de todos (internos e
externos). Local onde se conheceria a palavra de Deus, onde os alunos se
preparariam para sua própria salvação e a dos outros, bem como se preparariam
para a vida na sociedade que se modificava. De uma escola para a formação dos
“seus”, abriram-se caminhos “para escolas para todos” (PAIVA, 2003, p.279-280).
Outro autor sugere que também que a Companhia de Jesus abriu colégios
porque esses espaços eram muito importantes “[...] para a renovação cristã da
Europa e para a extensão do reino de Deus nas terras de missão” (NUNES, 1980,
p.108).
Ou seja, a Companhia de Jesus, cujos membros se pensaram como
missionários, apóstolos com uma missão não contemplativa (mas ativa), acabou por
encontrar na educação um meio de regeneração e elevação da humanidade, e
reformar as idéias para melhorar os costumes.
O que se quer frisar com essas idéias é que o plano inicial de Inácio para sua
Companhia foi alterado, e a educação foi o melhor dos instrumentos para que a
mesma atingisse seus objetivos.
Afinal, no século XVI a educação deveria ser uma das “questões do dia”. O
mundo das escolas, das pedagogias, das práticas, da instrução estavam se
ampliando na mesma ordem em que se ampliavam as atividades derivadas da
expansão das cidades, do comércio, das técnicas e ciências (MADUREIRA, 1977).
Falando dos colégios jesuítico, devemos mencionar que os havia de dois
tipos. No de humanidades eram ensinados o trivium, o quadrivium
27
, latim e grego, a
língua vernácula, cultura literária e retórica. A classe superior de dialética era
destinada à transição ao nível universitário.
Havia também os colégios universitários, que asseguravam uma formação
equivalente ao ciclo universitário de artes. Seu programa de estudos contemplava
lógica, dialética, filosofia, filosofia natural, matemática e ciências, em alguns
colégios, eram acrescentados os cursos de moral e de casos de consciência. Em
27
Cf. Enciclopédia Itaú Cultural. Artes liberais é conceito aplicado às disciplinas chamadas trivium - gramática,
retórica e lógica - e quadrivium - aritmética, geometria, música e astronomia - introduzido por Marciano
Capella, no século V. São as sete disciplinas liberais dignas dos homens livres.
48
seus colégios leigos e escolásticos deviam participar das missas, ritos, orações e
sacramentos prescritos pela Igreja (GIARD, 1995).
Sobre a metodologia utilizada nos colégios podemos dizer que a mesma se
centrava no Ratio Studiorum, que estava baseado em três princípios: autoridade a
instrução se exerce em nome de Deus; adaptação o ensino deveria adaptar-se às
características dos alunos; e interatividade os estudos deveriam despertar o
interesse do aluno para lograr sua participação.
A organização dos alunos também chama a atenção. Os mesmos eram
divididos em brigadas, batalhões e esquadras, cada qual com seus cargos de
Decuriões, Magistrados, etc. e posteriormente Pretores e Edis
28
visando alcançar a
formação integral de corpo e espírito; sabedoria e virtude; razão e fé, segundo as
direções de Inácio (INFANTES, 2004).
Pode-se dizer que o ensino estabelecido e coordenado nos Colégios,
baseado em hierarquia, funções, ordens, premiações, recompensas, vigilância,
castigos, estava em sincronia com o panorama pedagógico da Europa dos séculos
XVI e XVII, uma vez que Inácio vivenciara essas práticas nos Colégios de Paris, que
conheceu e onde viveu. Foi em Paris que ele alcançou o grau de Magister Artium,
igual ao de Erasmo
29
, após anos de disciplina e pobreza.
Para Inácio, somente a ordem e um método rigoroso de discernimento e
reflexão é que poderiam levar o homem a conhecer-se e a reconhecer Deus em toda
a criação. Um de seus maiores méritos foi sua capacidade de colocar em ação os
elementos renovadores da educação sem desconsiderar uma firme e incondicional
fidelidade à Igreja Católica.
Os primeiros jesuítas a exercerem a docência acreditavam que os clássicos,
como as obras de Aristóteles, seriam os “melhores mestres da moral”. Nesse
sentido, a utilização de suas obras seria instrumento para a formação das jovens
almas. Silva (1999, p. 25), destaca que os jesuítas “cristianizavamos clássicos e
preenchiam o que consideravam como “lacunas” de suas obras com o pensamento
católico, a fim de reafirmarem-se e fortalecerem-se as bases morais e racionais dos
28
A tradução dos termos é nossa. Verificamos outras terminologias na tradução de Franca. Cf. Leonel Franca
(p.60), para a manutenção da ordem e da disciplina havia os decuriões e censores, que tinham como função
corrigir os deveres e tomar as lições. Além destes, existiam também senadores, tribunos, cônsules, imperadores.
Pretendia-se com esta “magistratura juvenil desenvolver-se o senso de responsabilidade, a solidariedade do
corpo, a consciência da autoridade, a disciplina da obediência e o respeito dalegalidade”.
29
Cf. a Revista Nova Escola (ago/2005), Erasmo de Roterdão (1469-1536), foi filósofo, clérigo e educador.
49
jovens. Mas, conforme frisa o autor, não haveria para os pensadores jesuítas uma
cisão entre razão e revelação. Para os educadores jesuítas a sabedoria antiga
“precede e anuncia a verdade cristã, ela é o prefácio do Evangelho”.
O que se deve destacar é uma interconexão entre o modus parisiensis e a
devotio que pode tê-lo despertado para o reconhecimento de que o esclarecimento
intelectual poderia conduzir “a uma adesão mais consciente aos valores do espírito”,
bem como demonstrar o alcance e os benefícios da educação, que ele mesmo
realizava ao pregar em missão (MONTEIRO, 2007, p.3).
Assim, os jesuítas assimilando o espírito da época, “nada fizeram que
estranhasse aos contemporâneos e que outras ordens religiosas, por isso mesmo,
não estivessem fazendo, objetivando com isso a realização de suas obras maiores,
como a missão e o colégio” (PAIVA, 2003, p.37).
Costa (2005, p.80) verifica que “nas primeiras décadas de sua existência” a
Companhia de Jesus firmou seus suportes identitários na “escolástica como o
elemento conservador”, e no “enfrentamento de inéditas experiências ligadas ao
processo de expansão da sociedade ocidental como o elemento novo”. No século
XVI o jesuíta era formado pela “tradição e pela novidade, pela capacitação
competente tanto no fundamento escolástico e místico quanto nas novas
necessidades técnico-intelectuais”. Em anuência com o autor, reportamos a
flexibilidade, e a aceitação do novo como marca da Companhia, que inovou também
na forma de organizar sua Ordem, conforme se pode observar na leitura da citação
a seguir.
Os futuros padres jesuítas eram forjados em casas específicas onde se
privilegiava a formação intelectual aliada ao aprimoramento da virtude: os
seminários e os colégios. Tão comuns a partir do século XVII os seminários
eram novidade nos anos quinhentos, pois não se tratava, no caso dos
jesuítas mais especificamente, da reunião de jovens segundo o modelo
monástico, não existiam mais as exigências de severos autocastigos ou
mesmo as orações entoadas em coro (COSTA, 2005, p. 80).
Destarte, o espírito da Companhia de Jesus que se tentou explicar e que
impregna os documentos que serão analisados no próximo item, está imbuído tanto
de ação (atitudes, comportamentos, posturas pró-ativas e trabalhos inusitados frente
ao novo) quanto de obediência (hierarquia, organização) que vão aproximar o
“antigo” do “moderno”, na educação, na cultura, nas formas de conhecer e explicar o
mundo - ciência.
50
O destino educativo da Companhia foi delineado por um encadeamento de
situações que fez da mesma, em menos de meio século, a primeira ordem religiosa
a se consagrar amplamente à escola/educação. Mesmo em seus primórdios, pode-
se creditar a essa Ordem influência decisiva nas mudanças pedagógicas da época,
em geral, e no ensino de matemática, em particular.
Acredita-se que por seu “caráter missionário”, bem como pela sua disposição
de se colocar a serviço da Igreja Católica, a Companhia de Jesus deva ter buscado
por meio da escola ser instrumento da difusão “de todo o conjunto de idéias de
Inácio de Loyola que foram desenvolvidas nos Exercícios Espirituais e nas
Constituições”. O que se quer dizer com isso é que os colégios jesuíticos foram
instrumentos necessários para a difusão de uma nova visão, como também de uma
retomada de valores que poderiam facilitar a pretendida reforma católica (MENDES,
2006, 25).
Os colégios e, consequentemente, os métodos educativos desenvolvidos nos
mesmos podem ter representado uma ligação entre o mundo medieval e o moderno
e, mesmo que o suspeitassem dessa possibilidade, acreditamos que esses
espaços, essencialmente organizados para a difusão do ser cristão, devem também
ter possibilitado o desenvolvimento de um novo “modo de ser” por meio de uma
educação que se abria para um novo mundo físico e humano, que se descortinou
com os Descobrimentos.
Nesse sentido, contamos com Mendes (2006, p. 32), que nos fala que
[...] o sonho dos jesuítas era que o ensino atingisse todos os adultos e
crianças do reino, para que recebessem a orientação do pensamento
filosófico que defendiam, ou seja, o aristotelismo. O objetivo dos
professores jesuítas era de fato se manterem fiéis à doutrina aristotélica
através de seus próprios comentários. Desse modo, foi importante a criação
de um conjunto de normas que estabelecesse um padrão de ensino e de
procedimentos administrativos uniformes dentro dos Colégios Jesuíticos. O
nome desse método pedagógico ficou conhecido com Studiorum.
Observa-se que o autor condiciona o desenvolvimento de uma filosofia
jesuítica totalmente inseparável do desenvolvimento dos colégios e de uma
metodologia educativa. Mas, sem levarmos em contra os caminhos percorridos por
Inácio para sua formação intelectual, que se iniciou quando o mesmo contava com
mais de trinta anos, não se pode compreender a orientação de suas ações
educativas. Ao longo de quatorze anos de estudante de latim, gramática, filosofia,
51
estudos gerais e universitários em Barcelona, Alcalá, Salamanca e
fundamentalmente em Paris, nos colégios de Monteagudo e Santa Bárbara,
construiu as bases para o desenvolvimento daqueles que seriam os métodos de
estudos adotados pela Companhia de Jesus.
Conforme Fajardo (1999), duas necessidades contribuíram paralelamente
para o êxito do modelo educativo colocado em marcha pelos jesuítas. Uma, de
cunho interno, foi o crescimento da Ordem e a conseqüente necessidade de
colégios que garantissem a formação de sacerdotes sábios, devotos e abnegados
aos moldes dos fundadores, e outra de origem externa que brotava das novas
realidades e necessidades que se descortinavam em um mundo que havia sofrido
mudanças inesperadas. Com efeito, a educação foi uma identidade adquirida pelos
jesuítas ao mesmo tempo em que se definiram o carisma e a missão da Companhia
nas primeiras Constituições.
Nesse cenário, caminhamos na mesma direção dos autores mencionados
anteriormente, acreditando que os estudos propiciados nos Colégios jesuíticos
formularam a base para uma educação calcada em um novo modo de ver e agir em
um mundo que se expandia em direção ao desconhecido, e que buscava se
explicitar em novas formas de ser.
Pode-se imaginar, como sugere Costa (2005, p.92), que “esses estudos
aguçavam a imaginação dos estudantes” seculares ou jesuítas, ou seja,
estimulavam o desenvolvimento de um espírito especulativo/científico, o que seria
determinante para o desenvolvimento da “Modernidade” e das ciências nos séculos
seguintes.
Desta forma destacamos que a criação do Ratio Studiorum vai estar
relacionada tanto às necessidades “físicas” de estruturação de uma metodologia
unificante de educação, servindo tanto para consubstanciar um “esqueleto” ou
sustentáculo da forma de educar, quanto uma ideologia ou pensamento jesuíta, que
vai ser colocado no mundo e precisar ser flexível para adaptar-se às novas
realidades que se lhe apresentarão.
30
Mas, para compreendermos o Ratio Studiorum o poderíamos circunscrever
seu conteúdo a sua última redação de 1599, posto que em seu interior existe uma
30
Cf. Paiva (2003, p.32), os jesuítas compreenderam, como ninguém, sua missão religiosa, buscando atingir o
desenvolvimento da espiritualidade de todos pelo “nosso modo de proceder”. A compreensão de sua missão
religiosa, tinha sua razão no que acontecia ao redor.
52
história de meio século de instituições, esforços, ensaios, experiências, erros e
revisões que o fizeram uma “PAIDÉIA” jesuítica utilizada em todo mundo. Todo este
esforço desembocou em um modelo pedagógico experimentado no mundo
conhecido e, como diz Giard (1995) adaptado às necessidades de seu tempo.
Esteve consignado, desde a publicação das Constituições da Companhia, que
os colégios deveriam possuir uma única maneira de trabalho pedagógico para
alcançar sucesso na missão evangelizadora. Deveria haver um reitor para cada
colégio, a quem deveriam se reportar os professores semanalmente sobre o que
estavam ensinando, as dificuldades, os fracassos e os progressos de seus alunos.
Deveria haver uma organização especial para os estudos, de tal forma que cada
partícipe (aluno, professor) soubesse exatamente o que se esperava em termos do
que ensinar, como fazê-lo, quais os recursos e, o mais importante, com quais
intenções se realizavam esses estudos.
Até a redação final do Ratio Studiorum, a Companhia de Jesus solicitou o
empenho de padres reconhecidamente qualificados pelos seus conhecimentos
pedagógicos e conforme será explicitado nesse capítulo, não foi nada fácil a redação
final desse documento. Bartolomé (1982 apud FAJARDO, 1999, p.25), inclusive
descreve que para um estudo do Ratio Studiorum
[...] se observa cómo bajo un planteamiento circular y concéntrico el
desarrollo de la enseñanza se repite y crece en auténtico espiral, se
proyecta integrador y uniforme perfeccionando potencias y habilidades.
Como instrumento de trabajo el método se presenta eficaz y preciso. Como
técnica factorial desarrolla los sectores lógico-simbólico, lingüístico, creativo,
mnemónico, intuitivo. Como proceso recorre la praelectio, praecepta,
compositio et eruditio. Como estrategia utiliza la concertatio, repetitio y
repraesentatio. Cultivadores en su metodologia los jesuitas del eclecticismo
habían ido acuñando con el tiempo realismo y progreso y sobre todo
uniformidad.
Nesse caminhar, iniciamos a história do documento conformador da
pedagogia jesuítica a partir de um documento anterior.
Esse capítulo é basicamente o contar a história da vocação educativa da
Companhia de Jesus por meio da descrição dos documentos que tratam da mesma,
sendo o Ratio Studiorum traduzido de uma versão comemorativa espanhola e a
tradução do Padre Leonel Franca para o português, que nos remeteu a outros
documentos, como as Constituições que trabalhamos a partir de material em
português das Edições Loyola. Ao final da descrição de cada documento busca-se
53
uma síntese que possa demonstrar o entendimento que obtivemos sobre a
educação que os jesuítas buscavam oferecer em seus colégios.
2.1. A Parte IV das Constituições
Ad Paedagogiam quod attinet, brevissimum foret dictu, Consule scholas Jesuitarum: nihil enin, quod
in usum venit, his melius (BACON)
31
As Constituições são a Carta Magna da Companhia de Jesus e equivalem às
regras das outras ordens e fundações, como a franciscana, a agostiniana, etc. E, se
configuram em um conjunto de princípios e normas espirituais, ascéticas e
apostólicas que vão configurar a essência e a natureza da Companhia. São
concebidas e estruturadas seguindo a imagem fundamental de um Corpo Apostólico,
que nesse caso é um conjunto de companheiros a serviço de Deus voltados para a
ajuda aos homens. Este corpo se conforma para ser dócil ao Espírito de Deus e
realizar uma missão sob Sua inspiração, ou seja também se configura como um
Corpo para a Missão. As partes desse corpo tratam do seguinte:
I Da Admissão dos candidatos ao Corpo da Companhia de Jesus para serem
provados em sua idoneidade;
II – Do afastamento daqueles que são inidôneos;
III Da conservação e formação espiritual (espírito e virtudes) daqueles que tenham
sido julgados idôneos para pertencer ao Corpo da Ordem;
IV Da formação intelectual (para juntar virtude e letras) daqueles que tenham sido
aprovados como membros da Ordem e prepará-los para a missão;
V – Da incorporação definitiva à Companhia, como membro "formado";
VI – Da maneira de se viver na Ordem;
VII Da Missão do Corpo, seus modos e campos de atuação e realização da
missão;
VIII Da unificação e da união no interior do Corpo e os modos de realizar-la e
fortalecê-la;
IX – Sobre a cabeça do corpo, ou seu governo;
X – Da conservação e aumento do Corpo.
31
Cf. Paiva, No que toca à pedagogia, se diria em poucas palavras: consulte as escolas dos jesuitas; do que se
pôs em prática, nada houve melhor que elas.
54
Dessas dez partes principais, nos centraremos na Parte IV, que é aquela
onde se explicitam os princípios de uma pedagogia voltada para a formação
intelectual, humana e religiosa dos jesuítas em Colégios e Universidades, ainda que
a mesma se refira à formação de não jesuítas, ou laicos, que eram admitidos nos
Colégios e Universidades da Companhia para compartilhar dessa formação.
O Corpo da Companhia que é a imagem estrutural das Constituições,
constitui-se no objetivo primordial das orientações e prescrições pedagógicas no que
toca a uma sólida formação intelectual de seus membros, formação essa que os
jesuítas sentiram-se levados a compartilhar com as pessoas com as quais conviviam
e trabalhavam, posto que a mesma poderia envolvê-las na missão apostólica que
buscavam desenvolver.
Essas pessoas seriam os estudantes externos, que se dividiam em duas
classes: os bolsistas (bursarii), estudantes pobres que não tinham como pagar seus
estudos; e os estudantes ricos (portionistae), que às vezes se podiam acolher com a
condição de que pudessem arcar com o custo de sua pensão e matrícula. As
Constituições optam preferencialmente pelos primeiros, pelos pobres, e os segundos
se admitem inicialmente de maneira excepcional [438].
32
O grupo dos estudantes para os quais se legisla nas Constituições está
configurado, pois, por membros aprovados da Companhia de Jesus e por
estudantes externos. Para esses segundos, permitia-se a mesma educação
direcionada àqueles que pertenciam à Ordem. Se bem que, prescrições que se
referem principal ou exclusivamente aos jesuítas, dada sua opção específica de
vida.
Do exposto, pode-se pensar que os Colégios e Universidades jesuíticos foram
concebidos como instrumentos apostólicos que “cultivavam” a pessoa que o
estudante iria se tornar.
É conveniente também reportar que o significados das palavras Colégios e
Universidades, nas Constituições, referem, primeiramente, aos estudos básicos e
propedêuticos no qual se ensinavam Gramática, tanto a latina como a grega e se
complementava com a Retórica, ou eloqüência oral e escrita. A idade conveniente
para os estudantes desse nível seria entre os 14 e 23 anos, se “não fossem pessoas
que tivessem princípio de letras [338]. Ensinar a ler e escrever também seria obra de
32
Nesse trabalho, as numerações entre chaves [ ] referem-se a parágrafos dos documentos analisados.
55
caridade, se houvesse tantas pessoas da Companhia que pudessem atender a
todos. Mas, na falta delas, não vai se ensinar isto ordinariamente [451]”.
As universidades, por sua parte, compreendiam somente três Faculdades: as
“inferiores”, de Gramática e Filosofia (ou Artes); e uma das três “superiores”, de
Teologia. As outras faculdades superiores eram as de Direito e Medicina, e estavam
excluídas explicitamente pelas Constituições [452] .
A parte IV é a maior e mais complexa das Constituições, composta por 17
capítulos, dos quais os três primeiros tratam de aspectos mais particulares da
Companhia, como o referente aos Benfeitores, da criação dos Colégios e os
aspectos materiais de sua manutenção. Também trata dos estudantes que deverão
ser enviados a estes.
O capítulo quarto trata dos estudantes do ponto de vista de sua saúde física,
sua sanidade mental e espiritual. Estabelece, por exemplo, que “não se estude em
momentos destinados a saúde corporal, e que durmam tempo suficiente, sejam
moderados nos trabalhos da mente, para que tenham mais disposição para estudar
e executar depois, aquilo que foi estudado [339]. Também se recomenda ter-se
cuidado para que no afã de estudar não se comprometam ou se esqueçam o amor
às verdadeiras virtudes e da vida religiosa [340]”.
O capítulo V trata dos estudos que devem desenvolver os estudantes da
Companhia e de que forma devem ser avaliados. Pois se houvesse algum aluno
com dificuldades em algumas disciplinas, deveria-se buscar “destacar-se em outras”
[354].
Uma análise mais acurada merece o capítulo VI, onde se propõe
propriamente um método pedagógico para ser aplicado nos estudos dos Colégios e
Universidades.
As primeiras disposições tratam da vontade e atitude dos estudantes que
deveriam possuir alma pura e uma intenção de estudar de forma proveitosa, “não
buscando nas letras senão a glória divina” e o bem dos próximos [360]. A esta
atitude deve corresponder a necessidade de que exista uma decisão de ser “um
verdadeiro estudante”, ou seja, entregar-se de todo aos estudos porque estes
“exigem o homem como um todo” [361].
Isso implicará, consequentemente, na necessidade de se descartarem todos
os impedimentos que distraiam o aluno dos estudos, como “as devoções e
mortificações demasiadas ou sem a devida ordem”, bem como “as ocupações
56
exteriores” [362]. Isso significa ser necessário suprimir tudo, incluindo-se o que se
pode chamar de piedade apostólica,
33
que pudesse desviar o tempo e o esforço
requerido para os estudos.
Os outros capítulos da Parte IV, vão se ocupar do conteúdo dessa educação.
E, a primeira recomendação é para que se guarde uma ordem para o ensino das
matérias, que se construa uma organização gradual das matérias de maneira que
não se passe de uma para outra, sem que o estudante esteja suficientemente
preparado, ou fundamentado nas disciplinas que serão requisitos para as ulteriores
[366].
Ao tratar dos professores, reporta que os mesmos devem ser “doutos e
diligentes e assíduos [369]. E, aos estudantes aconselha-se também muita
assiduidade, além dos deveres de estudar previamente as disciplinas, trazer os
materiais solicitados, e depois de ouvir as lições repetí-las e perguntar o que não
entendem, anotando o que convier para impulsionar a memória [374].
No parágrafo [375], está claro que a melhor forma de realizar os exercícios de
cada lição é a repetição e o ouvir aos outros, demonstrando as dificuldades que
ocorrerem e recorrendo ao mestre quando não souberem resolver as dúvidas entre
si.
As disputas ocupam um lugar importante na educação, os debates eram
realizados entre estudantes e professores, e entre os estudantes mesmo. Sendo
direcionados mais amiúde para as Artes e a Teologia. Conforme o parágrafo [378],
se recomenda aos estudantes que assistam às disputas (que deveriam ocorrer a
“cada domingo ou algum outro dia da semana, que alunos de filosofia e teologia
escolhidos pelo Reitor venham, depois de se alimentarem, venham a debater e a
ouvir o debate de um tema que seria colocado no dia anterior à tarde na porta das
escolas”). E que depois que os debatedores tivessem provado suas considerações e
conclusões sobre o tema, fossem argüidos por pessoas de fora ou de dentro de sua
Casa, compartilhando-se o tempo do debate a fim de que todos pudessem
participar.
33
O´MALLEY (1993), refere como piedade apostólica o coro, missas solenes, outros ofícios cantados, o
exercício de Confessor Ordinário de Religiosas e Capelanias de missas de fundações, aduzindo como motivo
explicativo o fato de constituírem um obstáculo ao caráter missionário e disponibilidade apostólica da
Companhia.
57
Além dessa forma mais aberta de debate, haveria também disputas de uma
hora ao dia nos Colégios sob a supervisão de um professor, “para que se exercitem
mais os engenhos e se aclarem as coisa difíceis” [379]. Para os que estudavam
humanidades haveria disputas, algumas vezes em composições em prosa ou verso
[380]. Estes exercícios se complementariam com discursos em latim ou em grego
[381]. Nas universidades o exercício frequente das disputas era prescrito, não
somente para os estudantes entre si, mas também para os professores uns com os
outros e sempre sob a moderação de alguém [456].
No parágrafo [372] verificamos que era importante que os estudantes
tivessem os instrumentos necessários para seus estudos, como uma biblioteca para
todos e que cada aluno possuísse livros e cadernos necessários. Havia também
recomendações acerca da forma de estudo, que deveria ser em local reservado e
silencioso. Também havia recomendações para estimular os estudos, e uma das
mais destacadas era a intervenção pessoal do Reitor junto aos estudantes, o qual
deveria estar bem informado do aproveitamento dos estudantes para incitar e animar
aqueles que não estivessem conseguindo alcançar bom rendimento [386].
De forma breve, podemos considerar como características fundamentais da
Parte IV, a formulação clara e precisa do objetivo ou finalidade dos estudos aliada à
coesão dos meios e fins dos estudos. A coordenação dos estudos, em
consequência, vai possuir uma ordenação ascendente, que apesar disso preconiza
a flexibilidade e a liberdade dos estudos segundo as circunstâncias “pessoas,
tempos e lugares”. Que se exige dos estudantes e professores um ativo empenho
com o processo de aprendizagem, e para que esse esforço seja estimulado e
desenvolvido se prescreve uma série de atitudes e exercícios pedagógicos. E, que
aliados aos exercícios pedagógicos está uma série de exercitações que preparam os
estudantes para o que se aprendeu seja praticado na vida.
Mas, como característica marcante do processo educativo destacamos a
integralidade, ou educação integral do homem (corpo, mente e espírito), que ao
passar pelos estabelecimentos de ensino jesuítico aprenderá que é preciso aprender
para a vida, associando virtude com letras, conhecimento com atitudes, teoria e
prática, ou seja, a formação de pessoas virtuosas e academicamente competentes.
Nesse sentido, a educação pode ser vista como um ministério indispensável
para que os fins da Companhia sejam alcançados e por este motivo, a tarefa
assumida pelos jesuítas foi alvo de normalização atenta e detalhada.
58
2.2. Aspectos históricos e gerais do Ratio Studiorum
O objetivo do Ratio Studiorum era a formação de um bom cristão (PISNITCHENKO, 2004)
5. Ratio Studiorum. Fonte: Biblioteca Nacional, Portugal.
A palavra Ratio em latim possui várias acepções, a mais conhecida é “razão”,
porém a acepção mais apropriada é a de “ordem”, no sentido de organização e
sistematização. O Ratio Studiorum é, pois a sistematização, organização e método
de estudos dos Colégios e Universidades da Companhia de Jesus.
Desde que se desvela a missão educadora da Companhia, iniciam-se
questionamentos sobre a forma de trabalho pedagógico, sobremaneira se discutiu a
necessidade de uma única maneira de trabalho em todos os colégios que se
espalhavam pelo mundo. Obra de autoria coletiva, o Ratio Studiorum foi elaborado
pressupondo que “[...] o conhecimento deve ser produto da prática coletiva dos
padres que repetem saberes autorizados como aplicação imediatamente útil”
(HANSEN, 2001, p. 15).
59
Quero começar explicando como entendo o porquê da Companhia de Jesus
empenhar-se de forma tão intensa no desenvolvimento de uma metodologia
educativa para seus Colégios e Universidades por meio da primeira Regra do Ratio
Studiorum, que trata do Superior Provincial,
Como um dos ministérios mais importantes da nossa Companhia é ensinar
ao próximo todas as disciplinas convenientes ao nosso Instituto, de modo a
levá-lo ao conhecimento e amor do Criador e Redentor nosso, tenha o
Provincial como dever seu zelar com todo empenho para que aos nossos
esforços tão multiformes no campo escolar corresponda plenamente o fruto
que exige a graça da nossa vocação (CONSTITUIÇÕES, CAPÍTULO I, 1).
Ou seja, a educação era, e é, a missão apostólica da Companhia de Jesus.
Mas, devemos deixar claro que entendemos que o Ratio Studiorum nunca teve a
pretensão de ser um tratado científico de pedagogia, no sentido que hoje temos do
que seja essa ciência.
Antes de mais nada, o Ratio Studiorum, quis ser, e é, um manual prático, um
regulamento interno de disciplina acadêmica, preparado principalmente para servir
de guia ou orientação para os professores. Se estudado sob uma ótica externa à
Companhia pode-se pensar que esse documento se reduz a um conjunto de regras
que determinam o que se deve fazer para alcançar o objetivo educativo que
pretendiam os jesuítas em seus colégios. Nesse cenário deve-se entender a palavra
Ratio como sinônimo de Ordo ou ordenação de regras para dar eficácia a um fazer
educativo que persegue um fim, ou como um sinônimo de didática. Os destinatários
do Ratio Studiorum eram todas as pessoas que tinham alguma responsabilidade
com esse processo, dede a mais alta hierarquia Provincial, Reitor chegando ao
último professor, incluindo-se também o próprio aluno que colabora com a sua
educação e de seus companheiros.
Este código material que é o Ratio Studiorum foi uma resposta metodológica
a uma série de princípios ou finalidades que constituíram o ideal educativo dos
primeiros jesuítas.
Sem que tenhamos presentes esses princípios e quais seriam os ideais dos
jesuítas, não podemos compreender os “para que” e os “por que” da regras do Ratio
Studiorum. Prescindindo desses, também fica sem sentido os “como” ou as práticas
prescritas para estas regras. Seria como estudar um corpo sem o espírito que lhe
deu vida.
60
O Ratio Studiorum desenvolveu-se por mais de cinquenta anos, ao longo de
experiências educativas iniciadas em 1542 com a fundação do Colégio de Goa, na
Índia, até 1599, quando o Ratio teve sua edição definitiva.
Desde 1547, a Companhia coletava informações sobre o andamento da
catequese e do ensino em todas as missões, para que por meio de comparações e
adaptações pudessem estabelecer uma regra universal para seus colégios de que
ao mesmo tempo contemplasse a diversidade e especificidades locais de seus
colégios. Essa regra possibilitaria uma unidade de ação educativa (HANSEN, 2001).
E Bertrán-Quera (1986), informa que Inácio sentia a necessidade de poder
contar com uma constituição mais extensa e precisa sobre os estudos nos Colégios,
antes mesmo da fundação do Colégio Romano. Assim, como acontecera com o
texto definitivo das Constituições, preferiu prudentemente dar tempo ao tempo, para
que o documento final estivesse mais maduro e fruto de tudo o que “se usava” e
“observava” em todos os colégios. Esta inquietação se refletia na correspondência
entre Polanco e Inácio
34
, que invitaram muito esforço trabalhando na ordenação de
notas e experiências muito variadas para a regulamentação universal dos estudos.
Porém, não lhes foi possível chegar a acertar-se com uma única fórmula definitiva.
Por isso, Polanco a pedido de Inácio escreve a Nadal e este para os demais pedindo
que tenham paciência para que se ordenem as regras dos estudos para todos.
Nesse período, as enfermidades repetidas de Inácio aumentavam, sem dúvida, a
dificuldade de terminar aquele trabalho.
Já em 1548, nota-se a influência do padre reitor Jerônimo de Nadal do
Colégio de Messina, na Sicília, no desenvolvimento das idéias e da metodologia
inaciana. Com efeito, nesse ano era colocado em funcionamento o primeiro plano de
um Ratio Studiorum em seu Colégio e sob as bênçãos de Inácio, que o autoriza a
“proceder como melhor lhe parecer”
35
.
Em 1549, abria-se o Colégio de Palermo e, em 1551 o Colégio Romano,
adotando-se em ambos o mesmo método pedagógico. Neste mesmo ano, a pedido
Inácio, o padre Nadal enviou uma redação de todo o plano pedagógico que se
adotava no Colégio de Messina, plano que se intitulava De Studiis Societatis Jesu et
34
Cf. BERTRÁN-QUERA, M. Correspondência retirada dos documentos Epistolae I, II, e Chronicon II, de
MHSI, Polanco. Nos Monumenta Historica Societatis Iesu, em Roma, estão arquivadas 6.813 cartas e
instruções de Inácio, em parte elaboradas por seu secretário padre João de Polanco. (1984)
35
Epistolae I, II.
61
Ordo Studiorum, e que mais tarde ficou conhecido como Mos et Ratio Collegii
Romani, que em seguida também neste colégio ele fora adotado. Este documento
foi o primeiro esboço do futuro Ratio Studiorum. E, o êxito do método desenvolvido
em Messina foi tão notório que, à exceção de uns poucos colégios, todos os outros
seguiram-no como modelo (BERTRÁN-QUERA, 1986).
Nadal viaja de 1552 a 1557, para levar e explicar as Constituições da
Companhia de Jesus a pedido de Inácio. Ele percorreu os países da Europa, e
conheceu de perto o funcionamento dos colégios jesuíticos de Portugal, Espanha,
França, Itália e Alemanha. De volta, fez algumas modificações e o novo plano
passou a chamar-se Ordo Studiorum (BERTRÁN-QUERA, 1986).
Podemos mencionar que outros colégios foram estimulados a proceder da
mesma forma, para que se pudesse escolher entre todos os métodos de ensino
quais seriam mais convenientes para todas as partes. Mas não vidas de que o
método que mais se sobressaiu foi o de Nadal, que utilizou em seu colégio um
método de ensino que também se baseava numa versão adaptada do modus
parisiensis. O documento desenvolvido por Nadal estava dividido em duas partes
uma que tratava da piedade e dos bons costumes que deveriam caracterizar o
Colégio, e outra que tratava do programa acadêmico e tinha vinte e seis pontos em
que se delineava o currículo.
No Ratio de Nadal se encontram alguns dos mais importantes elementos que
aparecem na versão final, como os três veis de formação: religiosa, pessoal e
filosófica. Também se prevê a organização das classes em inicial, média e superior
e o método de ensinar baseado na preleção, na repetição e na disputas, que devem
proceder primeiramente sob a intervenção do professor. Espera-se, ao final da
preleção, das repetições e das disputas que o aluno seja capaz de interiorizar o
escutado e debater os temas a posteriori. Ao formular as regras de suo Ratio, Nadal
cuidou em diferenciá-las para professores, estudantes (internos e externos), bem
como cuidou de efetivamente criar uma hierarquia cuja cabeça era a pessoa do
Reitor, e cujo objetivo educativo era a formação dos bons costumes (BERTRÁN-
QUERA, 1986).
Próximo de deixar o Colégio de Messina, Nadal confiou a Coudret a
continuidade da formulação do Ratio, que foi aplicada por Inácio no Colégio Romano
e desenvolvida e completada por Diego de Ledesma.
62
Esse segundo ensaio de um plano pedagógico foi do padre Aníbal Coudret,
terceiro reitor do Colégio de Messina, denominou-se De Ratione Studiorum.
Encontra-se esta breve Ratio em uma carta, escrita em italiano, enviada a Polanco
em julho de 1551. Esta em nada diferia do Ratio de seu predecessor, de que é
considerado fiel continuador, mas apresenta alguns pontos diferentes, porém não
divergentes. Destaca-se especialmente no Ratio de Coudret a divisão do colégio em
escolas ou classes: ínfima gramática, suprema gramática, humanidades y retórica y
cada clase subdividida en vários grados u ordenes” (BERTRÁN-QUERA, 1984,
p.36).
As disciplinas e conteúdos de cada classe se concretizavam com toda sorte
de pormenores, e como uma adição original, notamos a aplicação de um sistema de
monitores de graus superiores, dentro de um mesmo nível de classe, para dirigir as
repetições de outros alunos. Também especificava o que cada aluno deveria
aprender – os textos, livros, etc.
Quanto à terceira iniciativa de configuração de um programa único para os
colégios, a mesma coube ao padre espanhol Diego de Ledesma, professor do
Colégio Romano que após vários anos de trabalho publica o novo plano com o título
de De Ratione et Ordine Studiorum Collegii Romani em 1564, que fica inacabada
quando assume o cargo de Prefeito de Estudos do Colégio.
O terceiro Ratio, de Ledesma, que foi considerado “o mestre dos mestres”,
contribuiu para a construção de uma metodologia mais útil e eficaz para a
aprendizagem do aluno. Essa construção partiu de uma experimentação prática de
diferentes métodos de ensino no Colégio Romano. Sua importância para a
construção do Ratio definitiva não se resume a uma construção documental, mas
sobremaneira a sua pró-atividade na busca de opiniões diferentes e na insistência,
junto a seus superiores, sobre a necessidade e urgência de se ultimar um Ratio
comum, es preciso determinar, fijar exactamente todo lo que hay que hacer, si es
que realmente hay que educar a nuestros alumnos”
(BERTRÁN-QUERA, 1984,
p.36)
36
.
O Ratio de Ledesma traz de forma precisa o que deve ser ensinado, os livros
que devem ser lidos, a maneira de se explicar as matérias. Também se estabelecem
as funções que devem ser desempenhadas por aqueles que governam os Colégios,
36
Cf. BERTRÁN –QUERA, M. Op. Cit. citando a Monumenta Paedagogica, p. 384
63
destaca-se a importância dada às Humanidades, às Ciências (matemáticas, ciências
naturais, filosofia e teologia).
O que mais chama a atenção em sua proposta são duas indicações, muito
próximas do conhecimento que temos na atualidade acerca da pedagogia e da
psicologia. Na primeira destaca-se uma educação que deve respeitar e atender às
diferenças individuais, no todas las cosas convienen a todos, ni a todos por igual
37
,
o que implica na necessidade de que os professores conheçam muito bem seus
alunos para poderem ministrar as matérias de acordo com os interesses e
capacidades deles. A segunda indicação diz respeito à necessidade dos estudantes
possuírem bases prévias, para enfrentar uma nova aprendizagem, que é o que hoje
denominamos de pré-requisitos, porque sem os mesmos tudo o que se ofereça em
matéria de aprendizagem vai se tornar vazia.
Como vimos, Inácio havia posto em marcha uma verdadeira diáspora ao
deixar que cada colégio experimentasse uma versão particular de suo Ratio, e esta
via de constituição do documento final, deu como frutos antecipados as Ratio de
Nadal, Coudret e Ledesma que deveriam convergir para um único caminho, que
infortunadamente os três precursores não chegaram a conhecer.
Em 1581 é eleito o quinto superior geral da Ordem, o padre Cláudio
Acquaviva, que inicia um processo, no mesmo ano, na IV Congregação Geral, para
levar a termo a definição do plano pedagógico. Inicialmente foram designados doze
jesuítas de diferentes nacionalidades ad efficiendam formulam studiorum”, ou seja
para levar a cabo a construção do Ratio que pudesse unificar os estudos em um
sistema harmônico e universal. Esta comissão, porém, não conseguiu cumprir o
solicitado, nem mesmo o padre Acquaviva de fazê-lo, a despeito de se dedicar
durante dois anos a consultar frequentemente os professores do Colégio Romano.
Em 1584 designou outra comissão, agora com seis membros: Pedro de
Fonseca (Portugal), Francisco Coster (Bélgica), Nicolás Le Clerc (França), Sebastián
Morales (Portugal), Francisco Adorno (Itália), Francisco Ribera (Espanha) e Gil
Gonzáles (Espanha), que foram a Roma e, dedicando-se três horas por dia, durante
dois anos concluíram os trabalhos (BERTRÁN-QUERA, 1984, p.43).
Segundo as Atas desse grupo, houve dois tipos de trabalhos. Um que
consistiu na escolha das matérias, livros e conteúdos a serem tratados nos colégios,
37
BERTRÁN –QUERA, M. Op. Cit. Monumenta Paedagogica, p. 384.
64
buscando os que mais se ativessem à estrita obediência à doutrina de São Tomás
de Aquino. O outro trabalho tratou da forma de se organizar os estudos e exercícios
próprios para o desenvolvimento intelectual dos alunos bem como de seu
desenvolvimento espiritual (BERTRÁN-QUERA, 1984, p.43).
Impresso para uso interno, o padre Acquaviva enviou o documento em 1586 a
todos os superiores provinciais, espalhados pelo mundo. Acompanhando o
documento, seguia uma Carta Circular em que solicitava que em cada Província da
Ordem fosse designada uma comissão de cinco padres, para que, ouvidos os
colegas, dessem seu parecer por escrito e o enviassem ao superior geral. Esse
trabalho de revisão durou cinco anos. E, as respostas e propostas a tal documento
levaram o nome de Judicia et observationes, que eram reexaminadas e resumidas
por uma comissão de três padres. Feita a revisão, nova versão foi enviada em 1591,
com a recomendação de Acquaviva para que toda a Companhia colocasse em
prática em seus colégios essa novo Ratio por três anos. Findo o período de
experiência pedagógica, os resultados obtidos foram novamente comunicados.
Entre as objeções mais importantes que se recolheram nesse período, estava
uma de suma importância para a perspectiva inaciana que se cuidava de manter
presente em todo o documento, que era o desejo de Inácio, muitas vezes repetido
de adequação a “lugares, tiempos y personas” (BERTRÁN-QUERA, 1984, p.44).
Também contribuíram de forma concreta para a redação do Ratio 1999 as críticas e
sugestões dos padres alemães acerca de horários e números de classes de estudo,
também solicitaram que se passasse de meia para uma hora o tempo dedicado à
formação religiosa, principalmente por causa do avanço protestante em seu
território. Também clarearam quais seriam as matérias para classe, determinando
que para as letras houvesse três classes de gramática, uma de humanidades e uma
de retórica.
Em 1599, foi publicada a versão definitiva do Studiorum atque Institutio
Societatis Jesu.
O trabalho de sua redação prolongou-se por obra de 15 anos (1584-1599) e
obedeceu ao critério com que se preparam os currículos modernos mais
bem elaborados. Primeira redação aproveitando um imenso material
pedagógico acumulado em dezenas de anos; críticas dos melhores
pedagogos de todas as províncias européias da Ordem; segunda redação;
nova remessa às províncias para que a submetessem por um triênio à
prova da vida real dos colégios; aproveitamento das últimas sugestões
sugeridas à luz dos fatos; promulgação definitiva (FRANCA, 1952,p. 41).
65
Esse documento está dividido em três grandes temas, a saber: a
administração dos colégios, os currículos e a metodologia a ser desenvolvida nos
mesmos. Na área da administração divide as circunscrições em Províncias
supervisionadas por um Provincial, abrangendo casas e colégios da Ordem.
Configura sua hierarquia os Reitores de Colégios, os Prefeitos de estudos auxiliados
pelos Prefeitos de disciplina, com atribuições especificamente delineadas.
No que diz respeito aos estudos, o currículo está organizado em três frentes:
o Teológico, em quatro anos, abrangendo a Teologia escolástica e moral, a Sagrada
Escritura, Direito Canônico e História Eclesiástica; o Filosófico, em três anos,
baseando-se nas doutrinas de Aristóteles e Santo Tomás; e o Humanista, com
duração de seis ou sete anos, abrangendo cinco classes, com cinco horas diárias de
aula: Retórica, Humanidades, Gramática Superior, Média e Inferior.
E, de suas principais características destacamos que o Ratio prescreve como
ideal de educação a exercitação, a repetição, a memorização, os estudos, os
debates, que podem se dar em sala de aula, tambpem menciona a prática de
discursos, declamações, a formação de academias, pregações no refeitório,
premiações, teatros, que leva ao desabrochar de uma educação muito a frente de
seus similares contemporâneos. Franca (1952), deixa claro que a Companhia de
Jesus foi uma instituição de vanguarda no processo de ensino tradicional (para
conhecer todo o documento consulte os anexos desse trabalho).
Existe um detalhamento, à exaustão, do processo educativo a ser
desenvolvido nos Colégios que conta desde o processo de admissão;
acompanhamento do progresso e a promoção dos alunos; métodos de ensino-
aprendizagem; condutas e posturas respeitosas dos professores e alunos; os textos
que podem e/ou devem ser indicados para os estudos das disciplinas; a variedade
dos exercícios e atividades escolares, etc.
Ela está distribuída por trinta capítulos, nos quais se encontram: Regras do
Provincial; Regras do Reitor; Regras do Prefeito dos Estudos; Regras comuns a
todos os Professores das Faculdades Superiores; Regras do Professor de Sagrada
Escritura; Regras do Professor de Língua Hebraica; Regras do Professor de
Teologia (Escolástica); Regras do Professor de Casos de Consciência (de teologia
moral); Regras do Professor de Filosofia; Regras do Professor de Matemática;
Regras do Professor de Estudos Inferiores (ginasiais); Normas da Prova Escrita;
Normas para a distribuição de prêmios; Regras Comuns aos Professores das
66
Classes inferiores; Regras do Professor de Retórica; Regras do Professor de
Humanidades; Regras do Professor da Classe Superior de Gramática; Regras do
Professor da Classe Média de Gramática; Regras do Professor da Classe Inferior de
Gramática; Regras dos Escolásticos da Companhia; Diretivas para os que repetem
privadamente a Teologia em dois anos; Regras do Ajudante do Professor ou Bedel;
Regras dos Alunos Externos da Companhia; Regras da Academia; Regras do
Prefeito da Academia; Regras da Academia dos Teólogos e Filósofos; Regras do
Prefeito da Academia dos Teólogos e Filósofos; Regras da Academia dos Retóricos
e Humanistas, e Regras da Academia dos Gramáticos (BIOTO, 2006).
E, apesar dessa aparente fria sistematização, por todo o documento
encontramos explícita que a educação se constitui em um valioso meio de
evangelização dos jovens servindo para a salvação das almas. Está claro que a
educação nos colégios vai buscar a conjunção entre virtude e letras, fé e ciência, por
meio da formação da integralidade humana corpo, mente e alma, visto que a
inteligência sem o desenvolvimento das virtudes não possibilita a formação de um
ser humano capaz de compreender a essência da natureza de Deus.
Para comprovar isso, encontramos, por exemplo, em suas Regras Comuns a
todos os Professores das Faculdades Superiores [1]: O fim especial do Professor,
tanto nas aulas, quando se oferecer a ocasião, como fora delas, será mover os seus
ouvintes ao serviço e ao amor de Deus e ao exercício das virtudes que lhe são
agradáveis, e para este objetivo alcançar orientem todos os seus estudos. E, de
igual maneira nas Regras Comuns a todos os professores das Classes Inferiores [1],
aos jovens confiados à educação da Companhia forme o Professor de modo que
aprendam, com as letras, também os costumes dignos de um cristão. (Constituições,
Parte IV, capítulo 7, n. 2) Concentre de modo especial a sua intenção, tanto nas
aulas quando se oferecer o ensejo como fora delas, em moldar a alma plástica da
juventude no serviço e no amor de Deus, bem como nas virtudes com que lhe
devemos agradar. De modo particular observe o seguinte: (Constituições, Parte IV,
capítulo. 16, n. 4). E, finalmente, nas Regras dos Alunos Externos da Companhia,
[1], exorta-se para os que, com o fim de se instruir, freqüentam os colégios da
Companhia de Jesus, entendam que, com a graça de Deus, se empregará todo o
67
cuidado para que sejam formados o menos na piedade e nas outras virtudes do
que nas artes liberais.
*
38
Como mencionado anteriormente, a conexão entre virtude e letras sempre foi
condição necessária para qualquer aluno que quisesse estudar em um centro
educativo da Companhia de Jesus, sendo importante relembrar que a formulação do
Ratio, se em um contexto onde se consolidava o humanismo renascentista, onde
emergiam novas “formas de ser” na sociedade ocidental, e onde se desenvolvia
intensa busca de novas experiências vida, bem como se descortinavam novas
conquistas técnica/científicas. Para além desse panorama, também se esboçava a
necessidade de consolidação de uma nova visão do que seria uma vida cristã, que
poderia ser suportada pela educação, ou seja, desenvolve-se a búsqueda de una
educación personal con intereses profundamente religiosos” (LABRADOR, 1992).
Nessa metodologia se reconhecem três momentos especiais: um centrado no
professor, chamado de preleção, outro centrado no estudante, chamado de
repetição e um intercâmbio entre professor e aluno, que vai possibilitar apoio e
orientação ao estudante. Destacando-se como práticas didáticas comuns a todos os
colégios: a praelectio, segundo a qual o Mestre deveria explicar a temática, ampliar
a mesma por meio de sub-partes e expor suas observações para os exercícios
escritos. Também havia a concertatio, que eram batalhas dialéticas organizadas em
grupos que defendiam idéias ou argumentos opostos. As scriptiones afferendae,
onde aos exercícios escritos seguem-se as exposições e a repetitionis utilitas para
memorizar os conteúdos.
Princípios como os mencionados levam os professores a planejar suas
atividades de forma a permitir que os estudantes exercitem suas capacidades e
conhecimentos. Na Regra para os Professores da Classe Inferiores [24], podemos
verificar que o planejamento tinha seus objetivos, como evitar a monotonia que
desestimula o aprendizado. Enquanto corrige os trabalhos escritos, prescreva ora
um ora outro exercício, de acordo com o nível da aula. Pois nada arrefece tanto o
fervor dos alunos como o fastio.
39
38
Cf. FRANCA, Leonel. O Método pedagógico dos jesuítas – O “Ratio Studiorum”. Introdução e Tradução.
Rio de Janeiro: Livraria AGIR Editora, 1952.
* Os destaques em itálico estão colocados como forma de frisar que estamos retirando integralmente o texto
traduzido do Ratio Studiorum, e do documento do Padre Leonel Franca.
39
Cf. FRANCA, Leonel. Op. Cit.
68
Podemos também distinguir que o Ratio apresenta unidad, integración orden,
ciclicidad, gradación, actividad, interacción y expresión (LABRADOR, 1992), como
princípios básicos de construção. A unidade era urgente devido à expansão dos
colégios, e da diversidade que essa expansão proporcionava. As outras expressões
usadas pela autora falam por si, mas no que diz respeito à expressão, podemos
mencionar que existe nesse documento um claro reconhecimento de que cada aluno
tem suas próprias características e capacidades e que as mesmas devem ser
respeitadas para não haver alunos sentindo-se deslocados, principalmente aqueles
que não estiverem estudando conforme sua instrução prévia.
Lembremos de Ledesma quando expressa que nem tudo convém a todos,
nem a todos por igual. Assim, nas Regras do Provincial encontra-se Por onde se
deve começar o ensino. - Procure que os nossos irmãos comecem a ensinar em
aulas que lhe fiquem abaixo do nível científico para que assim, de ano para ano, se
possam elevar com boa parte de seus alunos, a um grau superior (FRANCA, 1952).
Exigia-se que os alunos elaborassem composições escritas, fizessem leituras
de clássicos greco-romanos, como Aristóteles, e a retórica propunha formar o
perfeito orador, que também se tornaria fluente em latim. Buscava-se a preparação
de um aluno que soubesse ler bem, escrever bem e se expressar bem,
características desejáveis para a atuação dos externos, que buscavam os Colégios
Jesuítas para se prepararem para além de uma vida cristã, para uma vida e um
papel na sociedade que se descortinava. Ou seja, o aluno externo, geralmente, o
filho do nobre, do mercador, do banqueiro, do funcionário público, teria que ser além
de bem instruído para a vida cristã, bem formado intelectualmente para atuar na
esfera social que lhe era pertinente.
No que diz respeito ao desenvolvimento e difusão da idéias científicas,
verificamos que as mesmas foram contempladas pelo Ratio Studiorum. Temos uma
seção de regras para o professor de matemática e também a inclusão de disciplinas
ou matérias como físicas, já no século XVI. No século XVII, iremos verificar a
inclusão de aulas de geografia, cartografia, entre outras.
A constante preparação exigida dos professores, conforme se observa da
Regra do Provincial [4]: Seleção dos Professores. – Com grande antecedência
proveja os professores de cada faculdade, observando os eu em cada disciplina
parecem mais competentes, os mais eruditos, aplicados e assíduos, os mais zelosos
pelo progresso dos alunos o nas aulas senão também nos outros exercícios
69
literários, em minha opinião, pode demonstrar uma atualização necessária, a fim de
os mestres ficassem a par dos novos conhecimentos que pudessem estar sendo
desenvolvidos e pudessem explicá-los sob a ótica que a Ordem pretendia.
Sobre o processo de ensino-aprendizagem, também se pode mencionar que
o mesmo se inicia na preleção, onde compete ao professor o preparo da aula, de
forma que a mesma possa ilustrar o conteúdo que se está estudando no momento.
Essas orientações se estendem também falando que as formas de preleção devem
ser diferenciadas, pois um historiador e um poeta hão de falar de forma diferente dos
professores que tratam de matemática ou métrica. Também se recomenda
abstenção de discussões de assuntos alheios à disciplina.
40
Outro aspecto que considerei interessante da leitura do documento diz
respeito aos castigos corporais. Os jesuítas não os suprimiram de todo, mas
segundo Franca (1952), apenas os permitiam se houvesse justificativa, e consistiam
em chicote ou palmatória, com golpes não ultrapassando a seis, evitando-se atingir
o rosto ou a cabeça.
Concordamos com o pensamento de Franca (1952), quando o mesmo
assegura que a pedagogia desenvolvida pelos jesuítas, por meio do Ratio, foi uma
pedagogia ativa, que contava com professores muito bem preparados, com regras
redigidas com estilo claro, que propiciou e propicia um entendimento integral e uma
leitura fluida, até os dias de hoje.
O que se pode dizer ao fechamento desse capítulo é que as diretrizes
emanadas do Ratio Studiorum exercem até hoje grande influência na didática e nas
práticas pedaógicas e que, a originalidade do plano de estudos dos jesuítas não
residiu nas diferenças entre escolas protestantes e católicas, mas sim na forma
(tempo, experimentações, debates) como foi construído e, principalmente, no seu
alcance que foi mundial.
40
RATIO STUDIORUM, (XV,27 e 29); (XVII, 5) e (IV, 7).
70
CAPÍTULO III
O PONTO SEGREDO
Educação Jesuítica e Ciências nos Colégios
A partir do Renascimento a técnica [...] passou a fazer parte integrante da cultura
(DELUMEAU, 1984).
6. Museu Kircheriano no Collegio Romano (Giorgio de Sepibus, Romani Collegii Musaeum
Celeberrimum, frontispiece) Fonte: Projeto Kircher da Universidade de Stanford
71
No século XVI, apesar da educação ser dedicada, principalmente, à “rainha
das ciências” (a teologia), verificamos que as matérias científicas, em especial a
matemática, estiveram presentes nos programas de estudo da Companhia de Jesus
desde os primeiros anos da fundação de seus colégios. Em seus centros de estudos
foram facilitados contatos com personalidades de destaque no mundo da ciência da
época (Galileu, Copérnico, Kepler, entre outros) bem como o desenvolvimento de
diferentes tipos de estudos, que poderíamos denominar como científicos (DINIS,
2006).
Giard (1995), nos recorda que apesar do ensino de temas clássicos ter sido
predominante nos colégios jesuítas, em muitas de suas instituições mestres eruditos
dedicavam atenção especial ao estudo de matérias científicas. Para o autor, a
Companhia de Jesus foi mais que a Royal Society (Inglaterra), verdadeiramente a
primeira sociedade científica da Europa.
Historiadores da ciência, como Rossi (1992), corroboram com esse
pensamento de Giard (1995), postulando o papel de protagonista ao Colégio
Romano dos jesuítas no contexto do desenvolvimento das ciências da Terra, da
astronomia, das matemáticas e da cosmologia. Os jesuítas tinham suas opiniões
respeitadas, sendo considerados grandes interlocutores por “cientistas” eminentes
de sua época, principalmente nos assuntos relacionados aos conhecimentos da
natureza.
Segundo Mota (2007), os jesuítas foram os melhores agentes de
desenvolvimento e transmissão das ciências nos séculos XVI e XVII, principalmente,
devido ao seu propósito educacional que esteve aliado à dimensão global da
Companhia. Isso quer dizedr que os colégios funcionaram como uma correita de
transmissão de conhecimentos.
Durante o período em que os jesuítas discutiram o Ratio Studiorum para seus
colégios, também definiram o lugar das matemáticas no contexto da educação
religiosa a que se propuseram. Mas, isso não ocorreu sem que houvesse intenso
debate interno. Havia profundas tensões, pois diferentes grupos de professores
(filósofos e matemáticos) tentavam ampliar sua própria influência dentro do sistema
educacional.
Na sociedade européia as ciências respeitavam uma ordem hierárquica de
dignidade e status, e no século XVI a maior das ciências era a física (filosofia
natural). Entre os defensores da necessidade da utilização da matemática nos
72
currículos dos colégios, e aquele que mais produziu documentos sobre o tema no
século XVI, estava o Padre Cristovão Clavius.
7. Clavius (1538–1612). Fonte: Proceedings of the Symposium on Christoph Clavius (2005).
University of Notre Dame
Nesse cenário, percebemos o início de uma luta para a implantação da
matemática teórica como campo separado dos estudos das “físicas” e, mais ainda,
entendemos que esse foi um primeiro passo para o desenvolvimento da ciência
moderna.
Entre as obras de Clavius podemos mencionar o Ordo seruandus in
addiscendis disciplinis mathematicis, Modus quo disciplinae mathematicae in scholis
Societatis possent promoueri, De re mathematica instructio, Oratio de modo
73
promouendi in Societate studia linguarum politioresque litteras ac mathematicas.
41
Documento que tentava organizar os estudos das matemáticas nos colégio da
Companhia de Jesus.
Nas primeiras décadas do século XVII, os esforços de Clavius em constituir
grupos de investigação astronômica e matemática nas escolas havia dado seus
primeiros frutos: a geração de matemáticos da Companhia de Jesus que lhe
sucedeu imediatamente (Christophorus Scheiner, Athanasius Kircher, Giovanni
Battista Riccioli, François Aguillon entre outros) demonstrava a solidez dos
conhecimentos matemáticos dos jesuítas. E, certamente, quando esses mestres
passaram a lecionar, os livros mais usados nos colégios jesuítas deveriam ser os
comentários de Clavius a Euclides e a Sacrobosco, o Progymnasta de Tycho Brahe
etc., todos escritos por jesuítas (CAMENIETZKI, 1999).
Pode-se inferir que a Academia das Matemáticas do Colégio Romano proveu
suporte institucional para a investigação e para o desenvolvimento de um currículo
das matemáticas no meio acadêmico e também supor que a Companhia de Jesus
propiciou a aquisição de status científico à matemática já no século XVI.
Mas, mesmo sabendo da exitência de evidências documentais, ainda hoje,
algumas tendências historiográficas em educação minimizam, ou parecem olvidar,
as importantes contribuições da tradição intelectual e educativa jesuítica para o
desenvolvimento da educação, das escolas e da ciência.
Pensamos que uma das hipóteses para esse “esquecimento” acerca da
importante contribuição jesuítica para o desenvolvimento das ciências estaria
relacionado à história da inserção mundial dos jesuítas na educação a partir de sua
atuação em Portugal.
Pensa-se que as obras e a contribuição dos jesuítas à ciência possam ter sido
relegadas a segundo plano, bem como suas outras obras no campo educacional
também o foram, devido à propaganda pombalina
42
. A intervenção do Marquês de
Pombal interrompe em 1759 a tradição do ensino jesuítico no país devido a um
conjunto complexo de razões políticas, econômicas e ideológicas que culminou com
a expulsão da Ordem de todo o território português e a uma intensa campanha anti-
41
Ver Monumenta Paedagogica Societatis Iesu, vol. 7, (Romae, Institutum Historicum Societatis Iesu, 1992), p.
119-122.
42
Para saber mais sobre esse conceito ler Helena Mateus Jerónimo, Ética e Religião na Sociedade Tecnológica. Os Jesuítas
Portugueses e a Revista Brotéria (1985-2000) Lisboa: Editorial Notícias, 2003.
74
jesuítica.
43
Poderíamos então, encontrar entre os “defensores” de Pombal, aqueles
que defendem a tese de que os jesuítas não contribuíram para o avanço da ciência,
muito ao contrário.
Nesse caso, os detratores de suas conquistas se esqueceram que foi graças
aos esforços de jesuítas como Cristóvão Clávio (Clavius) que a ciência desenvolveu-
se (via colégios e universidades jesuíticas), mesmo sendo essa ciência atividade
secundária para a maioria dos cientistas jesuítas do passado. Ou sendo realizada
para a Glória de Deus, para demonstrar a existência de como Deus em todas as
coisas.
Uma outra hipótese para essa problemática é levantada por Gorman (2003),
um especialista na obra de Grienberger e Kircher (ambos cientístas jesuítas), que
relata que um dos fatores que pode ter contribuído para que se pensasse que os
jesuítas nada ou pouco produziram em termos de conhecimento científico seria a
predominância, como diz Gorman (2003), da modéstia entre os cientistas jesuítas.
Essa modéstia se explicitaria através da falta de autoria intelectual. Muitos
jesuítas, como Christopher Grienberger, apagavam seus nomes de textos e
instrumentos por eles criados (ópticos e astronômicos), canetas, relógios, etc. para a
maior glória da Igreja, abdicando de qualquer glória pessoal e também de qualquer
possibilidade de associação de obras, textos, equipamentos com os jesuítas.
Leitão (2007), assegura, porém, que após importantes reavaliações sobre
esse tema, dificilmente algum historiador de ciência ou da educação, hoje, aceitaria
que os jesuítas “apenas” obstacularizaram o desenvolvimento científico.
Harris (in GIARD, 1995, p.239), assegura que as cátedras de matemática das
escolas jesuíticas constituem, certamente, um dos mais “poderosos” meios de
legitimar e difundir as matemáticas aplicadas no século XVII, ilustrando que mais de
um quarto dos pesquisadores envolvidos nos estudos sobre eletromagnetismo dos
séculos XVII e XVIII eram jesuítas.
E, para melhor explicitarmos as conexões entre a educação e a ciência nos
colégios da Companhia de Jesus, bem como as conexões entre a ciência e o Ratio
Studiorum vamos delinear nesse capítulo como se deu nosso caminhar na busca de
literatura, documentos ou evidências que pudessem suportar nossa hipótese de
pesquisa.
43
Nesse ano o Marquês do Pombal desfez a rede de ensino jesuíta, onde se incluía o ensino matemático.
75
Pelas trilhas das leituras de diferentes autores seria impossível não
mencionar a história da educação e do desenvolvimento da ciência na Companhia
de Jesus deixando de focar países como a Itália e Portugal, principalmente, mas
também vamos traçar em poucas linhas o papel desempenhado pelo ensino da
Companhia em relação ao desenvolvimento da ciência em países como a França e
a Espanha.
A maior parte dos materiais pesquisados reportam pesquisas, inclusive uma
pesquisa recentemente publicada em 2007, que comprova pictoricamente por meio
de azulejos que ficavam nas salas de aula dos colégios jesuítas portugueses que
explicitam a contribuição da Companhia de Jesus no ensino e desenvolvimento das
ciências. Especialmente, o desenvovimento da matemática se deu a partir desses
países.
Abrimos nosso capítulo falando das pessoas que contribuíram para o
desenvovimento científico dentro da Companhia e do que realizaram nos países em
as mesmas viveram e passamos ao estudo do Ratio propriamente dito.
Devemos explicar que o direcionamento dessa pesquisa, primeiramente o
enfoque da ciência sob o viés da matemática (disciplina e ciência), ocorreu porque
no culo XVI não havia nenhum outro corpo de conhecimento ordenado como
ciência, como eram as denominadas matemáticas”. Para pesquisadores
portugueses, essa disciplina pode ser considerada um dos sustentáculos para o
desenvolvimento da ciência moderna (LEITÃO, 2007). E, não porque, como quer
Koyré (1973 apud GIARD, 1995), que a ciência moderna surge da matematização
da natureza.
Outras disciplinas, ou contribuições científicas dos jesuítas serão tratadas no
contexto do século XVII, quando a Companhia de Jesus era responsável por
centenas de centros de ensino na Europa e outros continentes (colégios,
universidades, seminários).
Nesse caminhar torna-se muito importante situar e entrelaçar o
desenvolvimento do Ratio Studiorum na história da ciência. Mas, inicialmente,
devemos lembrar que a ciência (scientia) que se valorizava no século XVI tinha
sentido Aristotélico (filosófico). Assim, a matemática, nesse contexto, não era vista
sob esse mesmo status científico. Na maioria dos colégios a matemática era
apresentada via Quadrivium (aritmética, geometria, música e astronomia), e as
disciplinas mais valorizadas eram a filosofia e a teologia.
76
Apesar da valorização da teologia, como ciência máxima, os jesuítas sempre
estiveram atentos às necessidades da sociedade e é nesse sentido que verificamos
a existência de textos de jesuítas que clamavam pelo maior envolvimento da
Companhia de Jesus na ciência no culo XVI. Veja-se o tom da Congregação da
Província Romana de 1575, que demonstra essa urgência: Curandum videtur ut
maior adhibeatur diligentia circa disciplinas mathematicas, ne brevi contingat nullum
reperiri qui eas praelegat. Simul eacavendum ne philosophiae professores eas
publice coram auditoribus floci faciant.
Falando do envolvimento da Companhia no campo científico vamos
mencionar alguns dos jesuítas que tiveram maior destaque nesse setor, revelando
que os jesuítas do Colégio Romano mantiveram contato amiúde com Galileu,
inclusive oferecendo suporte empírico para a confirmação de alguns de seus
trabalhos. Cristóvão Clavius (1537-1612), matemático, astrônomo e professor nesse
colégio também pensava que o modelo Ptolomaico de representação do universo
necessitava de algumas modificações matemáticas. Assim, apesar do
posicionamento geocentrista da Igreja, isso nunca impediu o padre Clavius de enviar
a Galileu seus materiais de estudo e suas notas e cálculos confirmando em
dezembro de 1610, a existência dos satélites de Júpiter, conforme postulava Galileu.
Também é de Clavius a primeira notícia da utilização de ponto para separação de
decimais e inteiros, e parêntesis para agrupar operações (GORMAN, 2003).
Christoph Grienberger (1561-1636), sucessor de Clavius no Colégio Romano,
também ofereceu suporte matemático às descobertas astronômicas e mecânicas de
Galileu - até mais entusiasticamente que Clavius. Em 1610 Grienberger havia lido o
Sidereus nuncius
44
, e pessoalmente havia observado pelo telescópio a presença das
luas de Júpiter. Assim, quando Galileu visitou Roma em 1611 compararam notas e
descobriram que suas observações eram exatamente iguais (GABOR, 2006).
Muitas vezes na direção oposta de outros filófosos jesuítas, Grienberger
persistiu dando suporte a Galileu, apesar de forma pouco visível, explicando ao
heliocentrista que “não tinha a mesma liberdade que ele” para explicitar suas teorias.
Esse contato prosseguiu a que Galileu foi taxado de inimigo da Companhia de
Jesus (GORMAN, 2003).
44
Mensageiro das Estrelas
77
Clavius iniciou um livro, ou um currículo, sobre o ensino das disciplinas
matemáticas nos colégios, que se dividiria em nove capítulos. Os mesmos tratavam
de: 1. Do por que as disciplinas matemáticas assim se chamavam?; 2. Da divisão
das disciplinas matemáticas; 3. Dos inventores das disciplinas matemáticas; 4. Da
nobreza das ciências matemáticas; 5. Das várias utilidades das disciplinas
matemáticas; 6. Da excelência de Euclides e da geometria; 7. Da divisão da
geometria e dos Elementos de Euclides; 8. O que seria um problema, um teorema,
uma proposição e o lema para os matemáticos; 9. O que seriam os princípios entre
os matemáticos (MIR SABATÉ, 2007).
O padre jesuíta considerava a matemática como a primeira das ciências,
exercendo função mediadora entre a física e a metafísica. E, demonstrou em
diferentes documentos, as mesmas inquietudes de seus pares eruditos enquanto se
criava o sistema educativo jesuítico, principalmente no que concerne ao currículo
das matemáticas, em temas como a preeminência da geometria, a inclusão da
astronomia, o sentido utilitário da matemática, a necessidade de seu conhecimento
para outras disciplinas, principalmente nas ciências naturais, pois segundo Clavius
os elementos da geometria seriam as partes mais elementares que comporiam as
realidades físicas (MIR SABATÉ, 2007).
Mas, apesar de Clavius iniciar o desenvolvimento de um currículo especial
para a matemática no Colégio Romano, aprovado em 1594 pelo novo Reitor e futuro
Cardeal Roberto Bellarmino (os professores “jesuítas” deveriam ser formados
professores de matemática para lecionar nos colégios jesuítas), verificamos que
esse ideal de independência disciplinar não poderá ser realizado totalmente. Não
somente porque as novidades no campo da matemática aplicada (física) foram
censuradas por uma corrente filosófica da Companhia, mas principalmente porque
os líderes da Companhia temiam que a publicação “de algumas novidades” pudesse
colocar em risco a reputação da Ordem (GORMAN, 2003).
45
Outro jesuíta de destaque no campo científico, agora no século XVII, foi
Athanasius Kircher (1602-1680), sucessor de Grienberger no contexto do empenho
em pesquisas científicas e criação de instrumentos. Foi professor de matemáticas e
física no Colégio Romano e, talvez, mais conhecido como homem de erudição
45
Cf. Gorman (2003), tanto quanto Grienberger, outros jesuítas astrônomos e incentivadores de inovações na
área das matemáticas simpatizavam com o trabalho de Galileu, porém foram as universidades italianas que
contradisseram a confirmação dos jesuítas acerca da obra Sidereus nuncius de Galileu.
78
extraordinária, um verdadeiro repositórico enciclopédico, sobre quem Umberto Eco
escreveu que “é o mais contemporâneo de nossos antecessores, o notável entre
nós"
46
(SEQUEIROS, 2001).
8. Figura de Kircher, de autoria de Arcangelo Contuccio de Contucci. Fonte: Projeto Kircher da
Universidade de Stanford
Ao ingressar no Colégio Romano em 1633, iniciou a instalação de uma
imensa coleção de artefatos, obras de arte, das pesquisas e dos livros que
publicou.
47
A coleção de Kircher explorava um vasto universo que ia da mitologia, de
documentos de povos antigos e relatos dos recém descobertos, passando pelos
artefatos por ele criados e os mais de 40 livros em diversos campos do
conhecimento escritos por ele, como De Arte Magnetica (1643), Ars Magna Lucis et
Umbrae (1646), Musurgia Universalis (1650), Oedipus Aegyptiacus (1652), e
Mundus Subterraneus (1664-5). Impedido de viajar à China, fez com que seus
colegas jesuítas de remetessem muitas amostras, com as quais enriqueceu sua
coleção e publicou China Illustrata (1667) (SEQUEIROS, 2001).
46
Tradução do espanhol da obra de SEQUEIROS (2001).
47
Musaeum Kircherianum (ver em anexo)
79
Sua obra mais famosa, cujo título original é Athanasii Kircheri Mundus
Subterraneus, in XII Libros digestus; quo Divinum Subterrestris Mundi Opificium,
mira Ergasteriorum Naturae in eo distributio, verbo pantamorfon Protei Regnum,
Universae denique Naturae Majestas et divitiae summa rerum varietate exponuntur,
foi editada em Amsterdam, em 1665, em dois volumes de 346 e 487 páginas
respectivamente. Por essa obra o padre Kircher é considerado o criador da geologia
moderna (GORMAN, 2003).
A figura de Kircher como cientista foi muito investigada, veja-se que na obra
do padre Lazlo Polgár, contendo a bibliografia da história da Companhia de Jesus,
se resenham 80 trabalhos sobre o padre Kircher, publicados entre 1901 e 1980
(SEQUEIROS, 2001).
9. Correspondência de Kischer. Fonte: Projeto Kircher da Universidade de Stanford
80
10. Relógio magnético. Fonte: Projeto Kircher da Universidade de Stanford
11. Lagarto encasulado em âmbar, Mundus Subterraneus (1665 ed.), vol. 2, p. 76. Fonte: Projeto
Kircher da Universidade de Stanford
81
12. Lanterna mágica, Romani Collegii Musaeum Celeberrimum, p. 39. Fonte: Projeto Kircher da
Universidade de Stanford
13. Capa da obra Ars magnesia. Fonte: Projeto Kircher da Universidade de Stanford
82
Durante o século XVII se produziu uma renovação entre o quadro de
professores e cientistas do Colégio Romano. A antiga geração de fundadores das
cátedras das ciências (Clavius e Grienberger) e contra as ciências (Orazio Grassi,
opositor de Galileo) haviam falecido, o que deixou Kircher livre para explorar e
desenvolver suas idéias (GABOR, 2006).
No mesmo caminho de Clavius, que auxiliou na mudança da estrutura dos
calendários, Kircher preconizava uma reforma na geografia, que não poderia ocorrer
somente por conta de um único indivíduo. Dessa forma instava pesquisas que
pudessem revelar essa necessidade
48
, demonstrando que havia problemas com as
medições das longitudes. Nesse contexto, a distribuição global das missões jesuítas
foi essencial ao projeto de remodelagem da geografia terrestre. Fixando longitudes e
latitudes das missões e colégios jesuítas, reformaria-se a navegação a partir do
cálculo de longitudes até o mar (SEQUEIROS, 2001).
14. Reconstrução de Kircher da legendária esfera de Arquimedes, que imitava o movimento dos
planetas atraves da utilização de magnetos. Magnes, sive de Arte Magnetica (1643 ed.) p. 305.
Fonte: Projeto Kircher da Universidade de Stanford
48
"unanimous conspiracy of mathematicians".
83
15. A tarantela, pictografia do século XVI, Padre Kircher. Acreditava-se que a música e adança eram
antídotos ao veneno da aranha. Tarantula and the musical antidote to its poison, the tarantella, from
Magnes, sive de arte magnetica (1643 edn.), p. 763
Fonte: Projeto Kircher da Universidade de Stanford
84
Com uma obra publicada vastíssima para a época, tratando de temas
variados, que vão desde os hieróglifos egípicios ao magnetismo, a construção de
instrumentos como um precursor da máquina fotográfica e de uma filmadora, bem
como construtor de instrumentos de medição usados em agronomia e arquitetura,
seria impossível não reconhecer em seus livros, que possuem exposição clara e
ilustrações (litografias), os passos de um cientista e da pesquisa científica
(GORMAN, 2003).
49
16. Mundus Subterraneus. Fonte: Projeto Kircher da Universidade de Stanford
49
Ver CORRADINO, S. "Athanasius Kircher". En: AA.VV. Diccionario Histórico de la Compañía de Jesús.
Archivum Historicum S.I. y Universidad Comillas-Madrid, 2001. Tras estos, vinieron otros muchos libros de
temas variados, tocando los temas más diversos: desde la interpretación de los jeroglíficos egipcios (Obeliscus
Pamphilius, 1650), tratados de lenguas orientales, de cultura china (China Monumentis illustrata, Amsterdam,
1667), de música (Musurgia Universalis, Roma, 1650), de física (Primitiae gnomonicae catoptricae, Avignon,
1635) y geofísica (Ars Magna Lucis et Umbrae, Roma, 1646) y de magnetismo (Magnes sive de Arte Magnetica,
Roma, 1641; Ars magnesia, Würzburgo, 1631; Magneticum Naturale Regnum, Roma y Amsterdam, 1667), de
matemáticas, de medicina (Scrutinium physico medicum contagiosae luis, quae pestis dicitur, Roma, 1657), de
zoología (Arca Noe, Amsterdam, 1675; Turris Babel, Amsterdam, 1679), etc.
85
17. Portada de Ars magna lucis et umbrae, obra de Athanasius Kircher, publicada en 1646. Fonte:
Projeto Kircher da Universidade de Stanford
O trabalho de Kircher era considerado por muitos religiosos como uma janela
através da qual se poderiam ver as descobertas da nova ciência sem o perigo de
uma acusação de heresia.
Mas, em seus estudos e pesquisas, a noção básica da experimentação
nasceu não como algo estruturado em metodologia, mas a partir de uma atitude
“livre e irreverente”, que se descortina através de suas descrições dos fenômenos
naturais. Na obra de Kircher, em suas especulações e interpretações, Paz (1988,
p.177), observou que havia uma fronteira tênue entre empirismo científico e as
especulações, por vezes fantásticas (vide Anexo III sobre a tarantela). Percebe-se a
busca de um acordo” entre a nova física e a antiga. Mas, em questões que
demandavam posicionamento de acordo com a mentalidade da Igreja, como em
astronomia por exemplo, ele adotou o sistema de Tycho Brahe, também
expressando um compromisso entre Copérnico e Ptolomeu, sem se afastar do
geocentrismo.
E, falando ainda de professores e jesuítas de destaque no mundo científico
temos também Paul Guldin (1577-1643) professor em Viena, Christopher Scheiner
86
(1575-1650) que ensinou na Alemanha, e manteve um longo debate com Kepler
sobre Óptica. Juan Bautista Villalpando (1552-1608), mais conhecido como arquiteto
que aplicava esta arte à geometria. Jean André Tacquet (1612-1660), discípulo de
Guillaume Boelmans (1603-1638), que por sua vez tinha sido discípulo de São
Vicente Gregório, aluno de Clavius em Roma.
Lembrando que São Vicente, apesar de ser mais conhecido por suas obras
relacionadas ao cálculo, possui também uma grande obra dedicada à geometria. O
Opus Geometricum posthumum que, como o nome indica foi publicado após a morte
do autor em 1668 (MIR SABATÉ, 2007).
Este rol de professores foi estendendo o ensino das “matemáticas” (cálculo,
geometria, álgebra, astronomia, etc) por toda Europa como “uma mancha de azeite”
(MIR SABATÉ, 2007).
Em Portugal, a Companhia de Jesus esteve envolvida com o desenvolvimento
científico desde sua chegada. Devido ao apoio da Casa Real, a presença de jesuítas
em terras lusitanas foi constante desde 1542, quando Simão Rodrigues fundou o
Colégio de Jesus em Coimbra. Foi comum que jovens jesuítas e professores
passassem vários meses ou anos em Lisboa, em Évora ou em Coimbra, adquirindo
e ensinando conhecimentos matemáticos e astronômicos. A base das ciências
náuticas era a matemática e sem dúvida, o mais importante matemático da época foi
Pedro Nunes (1502-1572) (INSTITUTO CAMÕES, 2002).
D´Ambrósio (2000), nos lembra que Portugal estava aberto ao
desenvolvimento de novidades científicas muito antes do século XVI, principalmente
devido às grandes navegações. Pedro Nunes, inclusive, é chamado de o grande
navegador do século XVI, embora jamais tenha ido aos mares. Considerado o mais
importante cartógrafo e matemático do grupo de intelectuais reunidos pelo Infante
Dom Henrique no que simbolicamente se chamou a Escola de Sagres.
Para o sistema educacional português, os jesuítas foram muito importantes,
especialmente no contexto da matemática.
Mota (2007) investigou uma série de documentos e encontrou evidências de
que os professores de filosofia dos colégios portugueses usualmente incluíam um
capítulo sobre o status científico das matemáticas em suas lições de lógica, em uma
seção geralmente denominada De Scientia. Muitos professores portugueses, porém,
seguiram o conteúdo do Commentarii Collegii Conimbricensis e Societate Iesu In
Vniuersam Dialecticam Aristotelis Stagiritae, publicado em 1606. Nesse documento
87
existem duas teses que tentam definir o status científico da matemática, porém em
nenhum momento sustenta positivamente esse status. Até o século XVII, parece que
a matemática foi relegada a segundo plano no ensino de Portugal. E, isso somente
vai se modificar quando o Geral da Companhia Tyrso Gonzalez ordenou uma
reforma nos estudos e currículos de matemática, proibindo aos filósofos qualquer
ataque a essa disciplina.
Na Universidade de Évora, o Geral institui classes de Matemática a partir de
1692. Primeiro destinadas aos estudantes jesuítas internos, mas que se tornam
públicas a partir de 1705. Porém, a tradição do ensino de matemática existia na
Universidade de Coimbra. Nos Estatutos de 1559 observam-se referências de que a
disciplina está integrada aos cursos de Artes. Nos Estatutos de 1653 aparece
individualizada. "Haverá uma cadeira de Matemática, por ser ciência importante ao
bem comum do Reino, e navegação, e ordenamento da Universidade" (QUEIRÓ,
1993).
18. AULA DA ESFERA DO COLÉGIO DE SANTO ANTÃO
ASTRONOMICI INTRODVCTORII DE SPAERA EPITOME PER PETRVM NONIVM Salaciensem.
[S.l. : s.n., 1537-1541?]. Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal / www.purl.pt/40/1/obras.p.nunes
88
O primeiro ocupante da cadeira de Matemática da Universidade de Coimbra,
de 1544 a 1562, ano em que se jubilou, foi Pedro Nunes.
Mas além da Universidade de Coimbra, os jesuítas também lecionaram
matemática em Santo Antão, na Universidade de Évora, em vários colégios e
também ministraram aulas públicas. Em Portugal estiveram lecionando matemática
muitos professores estrangeiros, em particular italianos e alemães. Esses
professores também tinham trabalhos em outros campos, como astronomia, náutica
e cartografia. Entre eles destacamos Grienberger, Borri (que na primeira metade do
século XVII divulgou entre os portugueses as manchas solares e falou sobre as
pesquisas de Galileu), Stafford, Stansel, Capassi e Carbone. Os dois últimos estão
associados à criação do Observatório Astronômico do Colégio de Santo Antão. Com
a guerra da independência, em meados do século XVII, recebem impulso também
os estudos de Matemática aplicada às atividades militares. Data desta época a
criação da Aula de Fortificação e Arquitetura Militar (QUEIRÓ, 1993).
No Colégio de Santo Antão
50
, onde é hoje o Hospital de São José, era
lecionada a famosa Aula da Esfera, que revia as proposições de Sacrobosco
51
que
serviam de base para as navegações, e algumas das grandes polêmicas da época
tais como os movimentos e posições dos corpos celestes. Inclusive Christopher
Grienberger, entre outros professores do Colégio Romano, estiveram por algum
tempo no Colégio de Santo Antão (INSTUTO CAMÕES, 2002).
Existem muitos manuscritos na Torre do Tombo que testemunham as aulas e
as discussões sobre assuntos como a fluidez do céu, os satélites de Júpiter, a
origem dos cometas, a natureza da matéria celeste, o ordenamento dos orbes
celestes, etc., no Colégio de Santo Antão. Nesse espaço, até as observações de
Galileu foram discutidas e ensinadas nas aulas de Giovanni Paolo Lembo, por volta
de 1615. Destacamos, entre outras aulas, as explicações acerca das fases da Vênus
e da superfície da lua (com montes e vales), que aparece em diversos desses
manuscritos, o que evidencia que os mestre da "Aula da Esfera" estavam atentos às
novidades apresentadas no Sidereus nuncius de Galileu.
50
O colégio de Santo Antão foi o primeiro estabelecimento de educação e de ensino aberto pelos Padres Jesuítas
em Portugal e aberto a não clérigos sendo uma das mais marcantes instituições de ensino e de prática científica.
Era nesse local onde se lecionava A aula da Esfera.
51
A obra Sphera o livro de iniciação de estudos astronômicos. Foi idealizado por John de Holywood ou
Sacrobosco (1200-1256).
89
A visão geocêntrica, herdada de Ptolomeu (século II d.C.), aparece
representada numa gravura da Crónica de Nuremberga de 1493. Ao centro
aparece a Terra, cercada das sete esferas planetárias e do firmamento. No
século XVI, esta visão foi posta em causa. Tycho Brahe (1546-1601)
sugeriu um outro sistema, em que a Terra estava parada no centro do
Universo. O Sol e a Lua rodavam em torno da Terra, e os planetas em torno
do Sol. Galileu (1564-1642) defendeu o sistema heliocêntrico de Copérnico
(1473-1543), representado numa gravura retirada do seu Diálogo dos
Grandes Sistemas do Mundo (1632). Os matemáticos jesuítas perceberam
que as observações astronómicas de Galileu, nomeadamente das luas de
Júpiter e das fases de Vénus, tinham destruído o sistema de Ptolomeu. Mas
não quiseram abandonar a visão geocêntrica e aderiram ao sistema de
Tycho Brahe, que era também compatível com as novas observações
(INSTITUTO CAMÕES, 2002, p.2).
A importância de Santo Antão também se descortina quando verificamos que
seu primeiro professor de matemática, João Delgado, foi discípulo de Clavius. João
Delgado foi o primeiro português a contribuir para que a matemática fosse valorizada
no currículo do ensino jesuítico (QUEIRÓ, 1993).
Também podemos pensar que o ensino nos colégios jesuítas funcionava
como uma correia de transmissão de conhecimentos. E, mais ainda, segundo o
Instituto Camões (2002), a difusão de novidades científicas funcionava com tal
eficiência nesses espaços que em 1614, o padre Manuel Dias publicou na China o
“Tien wen lueh”, descrevendo as observações astronômicas que Galileu tinha feito
em 1609 e 1610.
Numa época em que as cartas de Pequim para Roma chegavam a demorar
oito anos a chegar ao destino, quatro anos bastaram, mesmo com os longos
meses da carreira da Índia, somados à paragem em Goa e aos meses da
viagem até Macau, para que a Companhia de Jesus tivesse feito chegar ao
Oriente as mais recentes e mais polémicas observações científicas da
época (INSTUTO CAMÕES, 2002, p.2).
Os programas de estudos dos jesuítas em Portugal estipulavam que o ensino
da matemática se iniciasse pela geometria, seguindo os primeiros livros dos
Elementos de Euclides. Esse conhecimento está explícito em documentos e azulejos
que decoram salas e claustros dedicados a diferentes matérias científicas
ministradas em seus estabelecimentos de ensino. Nos cursos da Aula da Esfera,
ensinava-se trigonometria plana e esférica, essencial em muitas aplicações - como
por exemplo a agrimensura e a fortificação, bem como em muitos cálculos de
astronomia e de navegação (LEITÃO, 2007).
Esse autor, que está a fazer uma revisão de documentos sobre a educação e
o desenvolvimento científico em Portugal nos séculos XVI e XVII, pensa que até
90
meados do culo XVII, a matemática ensinada no colégio de Santo Antão estava
relacionada muito mais com questões práticas (náutica e cosmografia) e, que
possivelmente fosse direcionada ao treino de quadros técnicos externos à
Companhia e não apenas para cumprir as exigências pedagógicas da própria
Ordem, e para comprovar sua hipótese descreve que,
De facto, a própria origem desses cursos de matemática parece estar
associada a um pedido feito por D. Sebastião (1557-1578), mais tarde
reiterado por Filipe I de Portugal, e não a uma decisão interna à Companhia.
O curso [...] era pois frequentado por muitos alunos externos [...]. Uma
confirmação da importância e do peso destes alunos o-jesuítas na
composição das classes de matemática do colégio de Santo Antão pode
obter-se constatando que as notas dessas aulas muitas das quais
sobreviveram até aos nossos dias estão redigidas em português, em
contraste com a prática habitual do ensino (LEITÃO, 2007, p.23).
Os jesuítas também desenvolveram na Aula da Esfera
52
temas e aulas sobre
engenharia de fortificação e guerra, óptica, estática, mecânica, etc, que estão
preservadas em manuscritos, como os de Ignace Stafford que deixou um tratado
sobre máquinas de guerra e ordenamento das tropas, e um tratado sobre
fortificação, nos anos trinta do século XVII. E, de Heinrich Uwens sobre estática que
é, possivelmente, o mais importante e completo texto sobre o assunto em português
até ao século XIX (INSTITUTO CAMÕES, 2008).
Vejam-se algumas das obras que demonstram os temas que foram
desenvolvidos no Colégio de Santo Antão e que compreendem uma exposição
denominada Catálogo Sphæra Mundi: a ciência na Aula da Esfera no Colégio de
Santo Antão.
52
Cf. Centro de História das Ciências de Lisboa a Aula da Esfera foi a mais importante instituição de ensino e
prática científica em Portugal no período entre 1590 e 1759. A Aula da Esfera distinguiu-se não apenas pelo
ensino de náutica e ciências afins, tendo sido sobretudo a porta de entrada em Portugal de alguns dos mais
significativos avanços científicos do tempo: as teorias astronômicas de Galileu e o debate cosmológico, o
telescópio e outra instrumentação óptica, o uso de logaritmos e outras técnicas matemáticas, o ensino da
cartografia científica, estudos de máquinas simples, o debate acerca do estatuto científico da matemática, etc. Os
manuscritos (quase todos notas de aulas), que agora se acham em catálogo denominadoSphæra Mundi cobrem
assuntos muito diversos: matemática, astronomia, astrologia, cosmografia, geografia, engenharia, estática,
náutica e navegação, arte militar, instrumentos científicos, máquinas e artefactos tecnológicos, óptica,
perspectiva, etc.
91
19. PETRI NONII Salacisis, de Crepusculis liber unus, nũc recs & natus et editus. Olyssipone,
Ludouicus Rodericus, 1542. Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal / www.purl.pt/40/1/obras.p.nunes
20. COSMOGRAPHIA FRANCISCI MAVROLYCI MESSANENSIS SICVLI, In tres dialogos distincta:
in quibus de forma, situ, numero´q3 tam coelorum quàm elementorum, aliísque rebus ad astronomica
rudimenta spectantibus satis disseritur. Apud Gulielmum Cauellat, in pingui Gallina ex aduerso
Collegij Cameracensis, [1558]. Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal /
www.purl.pt/40/1/obras.p.nunes
92
Na Universidade de Évora, que foi a universidade dos jesuítas em Portugal
entre 1559 e 1759, as salas ao redor do “Pátio das Escolas”, foram recobertas com
azulejos, ilustrando as disciplinas lecionadas. A sala da Matemática ainda hoje é
coberta de painéis onde se representam diagramas e resultados matemáticos,
instrumentos científicos, maquinaria, aplicações da matemática, etc., e a sala da
Física é recoberta com uma representação da célebre experiência dos hemisférios
de Magdeburgo e ilustrações de fenômenos magnéticos.
Leitão (2007) também verificou que os azulejos que cobrem as paredes do
salão nobre do Hospital de São José, em Lisboa, que era a Aula da Esfera do
Colégio de Santo Antão, ilustram os diferentes tópicos matemáticos, entre outros,
ensinados nessa aula: geometria, uso de instrumentos, teoremas de Arquimedes,
óptica, balística, navegação, etc.
21. Proposição 40: A superfície da esfera está para a superfície total do cone equilátero circunscrito
assim como 4 está para 9. Fonte: Leitão (2007)
93
22. Proposição 20. As superfícies cónicas inscritas na esfera fenecem na esfera.
23 Proposição 9: A superfície da pirâmide regular circunscrita a um cone recto é igual [em
área] ao triângulo cuja base é o perímetro da base da pirâmide FHLD e a altura é o lado
BG do cone. E a superfície da pirâmide regular inscrita num cone recto é igual [em área] ao
triângulo cuja base é o perímetro da base da pirâmide e a altura é a perpendicular BO tirada
do vértice a qualquer dos lados da base da pirâmide.
94
24. Proposição 14: Cilindros (AR e CI 1) colocados sobre bases iguais (MQ e GH) estão
entre si assim como as respectivas alturas. O mesmo acontece para os cones.
25. Livro XI, Proposições 29 e 30 Se os paralelepípedos FEAGKIMC e FEBHLOMI tiverem a mesma
base EFIM e a mesma altitude, estando, em consequência, entre os planos paralelos EFIM e GAOL,
serão iguais.
95
26. Livro VI, Proposição 3 Se a recta BF cortar pelo meio o ângulo B de qualquer triângulo ABC,
serão ossegmentos da base AF e FC na mesma proporção que os lados aderentes AB e CB. E se os
segmentos AF e FC da base forem na mesma proporção que os ditos lados,
cortará a recta BF o ângulo B pelo meio.
27 Livro V (Comentário de Tacquet), Lema 2 Se duas quantidades A e B tiverem uma medida comum
C, será A tantas vezes somada quantas C cabe em B igual a B tantas vezes somada quantas C cabe
em A
96
28. Livro III, Escólio de Tacquet à Proposição 17 Outro modo mais expedito de tirar, de um ponto
dado O, uma tangente a qualquer círculo se colhe da Prop. 31. que é o seguinte: Tire-se do ponto
dado ao centro do círculo a recta OA e descreva sobre ela um semicírculo o qual corte a
circunferência em B. Digo que a recta BO é a tangente que se pede.
Os professores jesuítas de Portugal, em contato constante com o Colégio
Romano e os centros científicos da época não podiam deixar de estar a par das
grandes polêmicas científicas da época, bem como muito interessados pelo ensino
da Astronomia e da Física. O interesse pela Astronomia era natural devido às suas
aplicações na utica, quanto à Física, o livro De occultis propietatibus, publicado
em 1540 por António Luiz, professor de Filosofia na Universidade de Coimbra,
demonstra o desejo do autor em compreender e explicar diversos fenômenos
naturais por meio do que ele denomina de atrações, inaugurando um dos caminhos
da atração universal postulada por Newton, também podemos mencionar que
apesar dessa tradição científica, as aulas de matemática e mesmo às relacionadas
às ciências práticas não contavam com bons professores portugueses. Inclusive
Leitão (2007, p.27), menciona que
[...] embora o ensino da matemática fosse, internamente à própria Ordem,
considerado como sendo de boa qualidade. [...] muitos elementos que
confirmam que o nível do ensino matemático na Província Portuguesa era
de qualidade inferior ao que usualmente se praticava noutras Províncias da
Companhia, e que vários jesuítas se insurgiram contra este facto.
97
Sobre esse contexto de desvalorização da ciência “matemática” ou “física”,
bem como sobre a pouca prática dos professores dessa disciplina, visto que sua
formação era geral, vamos encontrar inúmeras referências em documentos da
Ordem que serão tratados no próximo item.
Então, falemos do Brasil, onde professores jesuítas também desenvolveram
(ou tentaram desenvolver) o ensino das matemáticas.
Segundo estudo Camenietzki (1999), o jesuíta Valentin Stansel (1621-1705),
que desenvolveu diferentes experimentos científicos visando esclarecer os
movimentos dos fluídos, desejou, assim como Ricci, partir em missão para a China,
mas como Kircher foi enviado a outras plagas.
Stansel saiu de Lisboa para o Brasil em abril de 1663. E, logo chegando à
Bahia iniciou suas atividades de professor e pesquisador. Conforme carta a Kircher
de 21 de julho de 1664 ele teria acabado de escrever uma obra que estaria enviando
para publicação na Bélgica: Coelis Brasiliensis Oeconomia sive de benigno syderum
influxu & temperie, que tratava sobre a natureza do Brasil, das combinações dos
elementos, dos ventos e águas, dos viventes locais, animais e humanos, com uma
explanação sobre a influência dos astros na sua conformação
53
.
29. Detalhe do frontispício ilustrativo da obra Uranophilus Caelestis Peregrinus de Valentin Stansel
(1621-1705)
54
. Fonte: Logo do Programa de Mestrado em Ciência e Educação UFBa (2000).
53
Dessa obra só resta a página de rosto.
54
A figura retrata os três personagens da obra, Uranofilo, Urania e Geonisbe, em conversação na quinta dos
jesuítas, nos arredores da cidade de Salvador. Atualmente a edificação abriga o Arquivo Público da Bahia.
Pode-se ver a fonte que ocupa o centro do pátio interno do prédio.
98
Após a observação em janeiro de 1665, de um cometa Stansel escreveu uma
pequena obra narrando o fato, analisando e debatendo os principais problemas
referentes aos cometas discutidos na época: matéria do cometa, sua localização no
céu, natureza do seu brilho, trajetória etc. O manuscrito, composto no primeiro
semestre de 1665 circulou na Europa entre várias mãos. Entre outros textos sobre o
tema, Stansel teve uma obra de 1668 publicada pelo Giornale dei Letterati de
setembro de 1673, e no Philosophical Transactions do ano seguinte e, finalmente, o
essencial destas observações foi resumido na obra Principia Mathematica de Isaac
Newton, publicada em 1687. As observações e as análises de Stansel desses
corpos celestes, de 1665 a 1668 foram reunidas e publicadas no Legatus Uranicus
ex Orbe Novo in Veterem, em 1683 (CAMENIETZKI, 1999).
Em suas correspondências com Kircher, Stansel deu conta da observação de
eclipses lunares e solares, e da escrita da obra Typhys Lusitano ou Regimento
Nautico Novo (texto que nunca foi publicado e que se encontra na Biblioteca
Nacional de Lisboa), que é um manual de navegação escrito a partir de um
instrumento de observação inventado por ele. Mas, “em todas as cartas do final dos
anos sessenta e nas posteriores” a Kircher, ele reclamou “da falta de livros, [...] do
ensino de teologia moral que se ministra no Colégio da Bahia” (CAMENIETZKI,
1999, p.171).
Nesse contexto, o desenvolvimento e estudos das disciplinas matemáticas no
Brasil não deve ter sido nada viável, nem valorizado segundo a queixa supra
mencionada.
Como os reiterados pedidos para retornar a Europa, bem como a
correspondência com Kircher deixaram evidentes
55
, as pessoas a quem os colégios
jesuítas aqui ensinavam não deveriam estar entusiasmadas com saberes que não
fossem necessários à própria subsistência, ou seja, estudar movimentos planetários,
os elementos de Euclides, as paralelas de Tacquet ou quaisquer obras de Clavius
não deveria ser prioridade.
Também na França, Dainville (1978), observou esse mesmo quadro, ainda
que se ensinassem as matemáticas desde 1556 no Colégio de Tournon. E, apesar
de no Codex studiorum [3], posterior ao esboço do Ratio de 1586, aparecer uma
55
Ver Carlos Ziller Camenietzki . Esboço biográfico de Valentin Stansel (1621-1705), matemático jesuíta e
missionário na bahia. Ideação, n.3, p.159-182, jan./jun. 1999
99
declaração de padres franceses sobre a importância de um professor especializado
para ensinar as matemáticas nos colégios.
Dainville (1978), menciona que é somente a partir do século XVII que se inicia
a constituição das tedras de matemática na França. Destacando que o Cursus
mathematicus criado somente em 1674, cuidou mais especificamente dos novos
métodos de determinação das longitudes.
As cadeiras de matemática nos colégios da França possuíram mestres que
necessitavam dar conta de outras disciplinas. Assim, mesmo os matemáticos
lecionavam filosofia, lógica, física, metafísica, teologia, moral, etc. E, além do mais,
na correspondência entre o Geral ao Provincial de Paris existe clara referência que
na França o interesse pelas ciências não seria útil, ou seja, “[...] assez vain, toutes
ces connnaissances stérilis et infructueuses sont inutiles par elles-mêmes
(DAINVILLE, 1978, p. 332).
Talvez por esse motivo, nesse país, a matemática esteve tão ligada ao
desenvolvimento de tecnologias, como comprova a abertura em Marseille de uma
escola de hidrografia, em 1669, por autorização do Geral da Companhia, que
solicitou ao provincial de Lyon o envio de um professor bem preparado nas
matemáticas para tal.
Também na Espanha, os jesuítas podem ser relacionados com o
desenvolvimento do ensino das matemáticas e outras ciências. Com o Ratio
Stutiorum publicado e consolidado, fundou-se na Espanha, o Colégio imperial de
Madrid, considerado o mais importante centro de estudos dos jesuítas nesse país.
Nesse colégio também houve uma Academia de Matemáticas, denominada
Academia de Felipe II. A criação dessa academia suscitou debates e disputas com
outras universidades espanholas (Alcalá e Salamanca) que questionavam a
necessidade de tal Academia. Ao que o padre Poza, Reitor do Colégio respondeu
dizendo que os jesuítas ensinam além de matemáticas, outras ciências como a
hidrografia ou Re Nautica, e que isso era lícito pois tratava-se de assegurar à
Espanha o desenvolvimento da arte da navegação (CAPEL, 1980).
Segundo esse autor, as cátedras matemáticas do Colégio Imperial de Madrid
foram os principais focos de ensino dessa ciência na Espanha no século XVII.
Destacando que em seus estatutos encontravam-se duas aulas de matemática: a
primeira pela manhã com um professor que deveria ensinar a Esfera, Astronomia,
Astrolábio, Perspectiva e Prognósticos. E a segunda, à tarde onde outro professor
100
deveria ensinar Geometria, Geografia, Hidrografia. Conforme documentos de Poza,
a manutenção dessas cátedras não era nada fácil, pois era muito difícil encontrar
bons professores (CAPEL, 1980).
Veja-se que essa era a mesma queixa de Clavius, repetida mais de meio
século depois, ou seja, a falta de bons professores foi notória.
Para ocupar essa cátedra estiveram em Madrid o jesuíta Tacquet, e também
Hugo Sempilius cuja obra De Mathematicis disciplinis Libri duodecim de 1635, foi
difundida em boa parte da Europa. Em 1670, a cátedra foi ocupada por Jo
Zaragoza, uma das figuras científicas mais destacadas do século XVII, escrevendo
nesse centro diversas obras de matemáticas e astronomia, como a Esphera en
común, celeste y terráquea (1675), que foi qualidifcada por Cotarelo (1935 apud
CAPEL, 1980), como Un tratado original de Astronomía, único completo conocido
en la España del siglo XVII y sin semejante en ella hasta el XIX”.
Apesar da oposição dos professores de outras áreas, da oposição de outras
Academias e Universidades, podemos verificar que a produção científica dos
jesuítas, a divulgação das mesmas, bem como o desenvolvimento das cátedras
matemáticas dentro dos colégios da Companhia de Jesus foram insuperáveis. E, se
isso foi possível, pensamos que é devido ao suporte de seu documento ordenador o
Ratio Studiorum.
Acreditamos que o mesmo permitiu e facilitou a difusão do conhecimento
científico dentro das instituições educativas jesuíticas e a partir delas o mesmo
difundiu-se por onde seus apóstolos caminharam.
3.1. As Matemáticas no Ratio Studiorum
“[...] one cannot talk about mathematics in the 16th and 17th centuries without seeing a
Jesuit at every corner” (SARTON, 1949).
56
As Constituições da Companhia de Jesus, escritas por Inácio de Loyola entre
1541 e 1550 já previam que nas Universidades da Companhia se ensinassem
ciências naturais, lógica, física e matemática, o que significava uma inovação ao que
propunham as outras ordens religiosas.
57
56
Não se pode falar de matemática nos séculos XVI e XVII sem enxergar em cada canto dessa história um
jesuíta (tradução nossa)
57
Capítulo XII, ‘Matérias que se hão-de ensinar nas Universidades da Companhia’, da Quarta Parte das
Constituições.
101
O ensino da matemática surgiu muito cedo na prática educativa dos jesuítas.
Em 1548, Jerônimo Nadal, reitor do colégio de Messina, enviou para aprovação em
Roma o programa de estudos que pensava aplicar no colégio de Messina, onde
estava contemplada a disciplina matemática. Para tal, recomendava-se o estudo dos
Elementos de Euclides, da Aritmética e da Esfera de Orôncio Fineu, e do livro sobre
o astrolábio de Johann Stoeffler.
58
Após a publicação do Ratio Studiorum garantiu-se o ensino e a difusão dessa
disciplina em todos os colégios jesuítas, que deveriam ajustar seus curricula às
determinações do mesmo. Ao lado da construção temporal do Ratio, a Academia de
Matemática do Collegio Romano, fundado em 1551, proporcionava a formação
“avançada” de matérias científicas a alguns jesuítas selecionados pelo seu talento.
O chefe desta Academia, defensor da importância da matemática e da criação de
um escol de jesuítas com competências nestes assuntos, foi o alemão Cristóvão
Clávio (conhecido no mundo acadêmico como Clavius) (1537-1612) (GABOR, 2003).
Porém, autores como Simões (2007, p.13), perceberam também que nos
colégios jesuíticos havia um certo desprestígio das “matemáticas”, bem como a
preocupação com a falta de preparo dos mestres filósofos para o ensinamento
dessa disciplina. O autor relata que em 1692, conforme mencionado anteriormente,
que o Geral da Companhia de Jesus, Tirso González, enviou para os colégios
portugueses Ordenações para estimular e promover o estudo da Matemática na
Província Lusitana. Recomendando-se a utilização dos Elementos Geometriae de
Tacquet
59
e a utilização de figuras que deveriam estar expostas na sala de aula. A
esta ordenação segue-se outra de janeiro de 1693 sobre exames, onde também se
ordena que os exames sejam feitos perante figuras de Os Elementos de Euclides
com discussão das mesmas.
Pela regra número 44 do Ratio de 1591
60
, também comprovamos essa
preocupação. O próprio Clavius, mestre de matemática no Colégio Romano,
58
Na segunda parte, “Quae ad studia spectant”, das Constitutiones Collegii Messanensis (1548): “Praeleget extra
ordinem mathematicen, quo tempore commodissimum esse ab ipso Rectore censebitur. Primum aliquot libros
Euclidis, donec assuescant demonstrationibus. Deinde practicam arithmeticam Orontii et eiusdem spheram,
astrolabium Stoflerini et theoricas Purbachii”, Monumenta Paedagogica, vol. I
59
André Tacquet (1612-1660), jesuíta e matemático belga, publicou famosa versão dos Os Elementos de
Euclides, de pela primeira vez em 1654 com o título Elementa geometriae planae ac solidae quibus accedunt
selecta ex Archimede theoremata e que conheceu uma divulgação enorme, com inúmeras edições e traduções ao
longo dos séculos XVII e XVIII.
60
“fit enim sæpe, ut qui minus ista novit, his magis detrahat.” Ratio Studiorum, 1591, Regulæ Præpositi
Provincialis: de mathematicis, n. 44.
102
admoestava aos professores de filosofia dos colégios a tomarem cuidado para o
deturpar o ensino da matemática por falta de conhecimento ou preparo para
ministrar aulas desse conteúdo. E solicitava professores com erudição e autoridades
extraordinárias para essa cátedra, porque a experiência ensinou aos jesuítas que se
faltar uma dessas qualidades ao professor de matemática, os estudantes não serão
atraídos aos estudos dessa disciplina (SMOLARSKY, 2002).
Durante culos surgiram apelações nas Congregações da Companhia de
Jesus e antes das mesmas, também nos encontros e trabalhos para elaboração do
Ratio Studiorum, existem apelos e alertas sobre o número insuficiente de cientistas
na sociedade (ou na Igreja). O memorando de Clavius de 1582 demonstrava
preocupação sobre a presença de jesuítas e/ou a presença da igreja não somente
na Republic of letters, mas igualmente no mundo da ciência.
Pensava Clavius que as proposições ou problematas (problemas
matemáticos) e suas resoluções poderiam trazer grande distinção à Companhia. O
saber dos que estudavam em seus colégios deveria ser demonstrado em encontros
e colóquios com eruditos. Ao debaterem temas e problemas, os jesuítas deveriam
demonstrar que poderiam dizer algo sobre a ciência, mostrando que não eram
ignorantes em matemática. Se não fosse dessa forma, os jesuítas deveriam se
manter silêncio, mas não sem grandes rubores e desonra (CLAVIUS, 1901, p. 117
apud GORMAN, 2003).
61
Em contraste ao esboço de 1586 do Ratio Studiorum, que fala sobre a
necessidade de ciência para a cultura geral e para aplicações práticas, o Ratio
utilizado em 1966 não reportava a atividade científica como necessidade para o
apostolado da Companhia, apesar do tom da Congregação Geral 31, que emitiu
uma declaração sobre a investigação científica, reafirmando que os jesuítas “[...]
devem ter uma grande consideração para com o trabalho científico, especialmente a
investigação científica propriamente dita. [...] É um apostolado muito eficaz,
inteiramente de acordo com a tradição da Companhia, desde seus primeiros
tempos” (CONGREGAÇÃO GERAL 31, 1966, p. 958 apud GABOR, 2006).
A Igreja sob o papado de João Paulo II, também expressava uma
preocupação semelhante à de Clavius, ao dizer que “o problema é urgente. O
61
Magnum Societati afferant ornamentum, ut frequentissime in colloquiis et conventionibus principum virorum
de illis sermo habeatur, ubi intellegunt nostros mathematicarum rerum non esse ignoros. Unde fit ut necessário
nostri in eius modi conventibus obmutescant, non sine magno rubore et dedecore (tradução nossa)
103
desenvolvimento científico contemporâneo está desafiando a teologia mais
profundamente que a introdução de Aristóteles na Europa Ocidental no século XIII.
Claro que esse desenvolvimento científico também oferece à teologia um recurso
potencialmente importante, pois como a filosofia Aristotélica e a escolástica de
Tomás de Aquino eventualmente vieram influenciar e dar forma à doutrina teológica,
então nós o deveríamos nos assustar que as ciências de hoje, ao lado de todas
as outras formas de conhecimento humano, pudessem revigorar ou atualizar nossa
empreitada teológica que dá suporte às relações entre natureza, humanidade e
Deus” (JOÃO PAULO II, L´OSSERVATORE ROMANO, 1988, p. 1064).
Para além das matemáticas puras ou abstratas, os colégios jesuítas foram
reconhecidos como agentes ativos para a legitimação das matemáticas aplicadas”,
como a óptica, a estatística, a teoria das máquinas, a astronomia prática, a
construção naval, a engenharia civil e militar, enfim a concepçaõ de instrumentos de
medição (HARRIS, 1995).
O mesmo autor preleciona que nos primeiros anos de fundação de seus
colégios, os jesuítas defendiam a necessidade da construção de uma base racional
para o empirismo aristotélico, base essa que deveria ser mediada pelas
“matemáticas”. E, que jesuítas, como Nadal, participaram ativamente no debate
interno sobre a quæstio de certitudine mathematicarum”, iniciado com as obras de
Piccolomini (1547) e Barozzi (1560)
62
. Debate esse que se desenvolveu durante a
segunda metade do século XVI e todo o século XVII, tratando dos temas:
- As matemáticas completam a definição aristotélica de ciência?
- A não ser por sua estrutura lógica, existe alguma outra base que justifica a
exatidão das matemáticas?
O mais fervoroso opositor de Clavius e da matemática no Colégio Romano, foi
o padre Benito Pereira, professor de filosofia que propugnava que a matemática não
teria nenhum valor para as ciências, conforme a tese de Piccolomini. É conveniente
assinalar que não houve consenso entre os professores do Colégio Romano sobre
essa polêmica, mas a influência de Clavius foi superior a de Benito Pereira (MIR
SABATÉ, 2007).
Isso pode ser observado quando se estuda que o Colégio Romano, fundado
em 1551, desempenhou um papel muito importante no ensino da matemática. Nesse
62
Cf. De Pace (1993), Francesco Barozzi (1537-1604) foi professor na Universidade de Padua.
104
local formaram-se praticamente todos os professores dessa disciplina a trabalharem
nos colégios jesuítas ao redor do mundo (HARRIS, 1995).
em 1553 é nomeado o primeiro professor de matemáticas do colégio -
Baltasar Torres, que fica neste posto até sua morte em 1563. Nos anos anteriores,
Jerônimo Nadal, desde o Colégio de Messina, havia o designado o padre Benito
Pereyra (1535-1610) para o posto. Ele também foi professor de Filosofia Natural
(Física) durante os anos 1554 a 1566, e também de metafísica (1559 a 1567), de
Lógica (1561 a 1565), de Sagradas Escrituras (1576 a 1597) e de Teologia (1567 a
1587) (MIR SABATÉ, 2007).
O sucessor de Baltasar Torres, Clavius, apesar de não participar diretamente
do grupo de trabalho que inicia a construção do Ratio, vai participar na divulgação
de documentos em defesa do ensino da matemática. Os documentos de Clavius
foram impressos entre 1580 e princípios de 1590 (GABOR, 2006).
Desses documentos podemos observar três princípios básicos sobre a
matemática e que foram postulados por Clavius durante toda a elaboração do Ratio:
- A necessidade de estender os estudos de matemáticas a todos os alunos;
- A necessidade do uso da matemática para o ensino da filosofia natural;
- A necessidade de bons professores para esta disciplina.
O Ratio de 1586 contém uma verdadeira “apologia” às matemáticas.
Apoiando-se em uma menção à disciplina existente nas Constituições, inicia dizendo
que não se pode privar nenhuma escola jesuítica do ensino dessa disciplina, pois
nas mais célebres “academias”, as matemáticas têm sempre seu lugar, muitas vezes
o mais relevante. Principalmente porque as outras ciências necessitam muito da
ajuda das matemáticas.
Ilustrando essa proposição, Gabor (2006), menciona que os defensores das
matemáticas postulavam que as mesmas auxiliavam até aos poetas (tratando do
nascer e por do sol), aos historiadores (sobre a forma e distância dos lugares), aos
filósofos (com exemplos e demonstrações sólidas), aos políticos (sobre a forma de
administrar bem os assuntos civis e militares), aos físicos (sobre a forma e a
diversidade das revoluções celestes, da luz, das cores, do meio transparente e do
som), aos metafísicos (sobre o número de esferas e inteligências), aos teólogos
(sobre a obra divina), à lei e à liturgia (sobre a contagem do tempo).
Isso tudo sem considerar, ainda, os benefícios que elas poderiam trazer para
o estudo da cura de enfermidades, para as viagens marítimas, para a atividade
105
agrícola. Por causa disso tudo, demandava-se que a Companhia de Jesus
oferecesse as matemáticas em suas escolas, como se ofereciam as demais
disciplinas.
Continuando, o documento de 1586 reconhece a carência de professores
preparados, incluindo-se o Colégio Romano nesse contexto onde havia um, ou quiçá
dois professores, para ensinar matemáticas e com capacidade para instruir a Sede
Apostólica sobre o Calendário.
63
Após expormos essa situação, verificamos no segundo parágrafo que o
documento relata as propostas para melhorar a situação da disciplina. Dotando-se o
Colégio Romano de dois professores, um que expusesse a matéria baseando-se
fundamentalmente em Euclides e outro, que só pode ser o padre Clavius, que
unicamente teria 8 ou 10 alunos jesuítas de várias procedências, que conheçam
filosofia, para que se lhes ensinem as matemáticas com profundidade (dois anos e
depois três anos de teologia), para que depois voltem a seus lugares de procedência
para ali ensinarem essa disciplina (GABOR, 2006).
Em outra versão desse mesmo Ratio de 1586, verificou-se que se chega ao
detalhe de explicar como se farão as aulas dos sábados. Nesses dias os alunos
retomam o aprendido, debatendo sobre alguma proposição: Como se demonstra?
outras formas de demonstrações? Que utilidade essa proposição tem para as
artes ou para a vida em comum? Esta segunda versão também insiste na criação de
uma academia para a formação de professores (GABOR, 2006).
As recomendações contidas nos primeiros esboços do Ratio de 1586
pareceram muito radicais para algumas pessoas da época, tanto que esse
documento foi submetido ao padre jesuíta espanhol Enrique Enriquez, da Inquisição
espanhola (SMOLARSKY, 2002).
O segundo esboço do Ratio de 1591 e o documento aprovado por Acquaviva
em 1599 enfatizam menos a necessidade de uma “Academia” específica para a
matemática, e se reduzem os tempos de dedicação e o número de acadêmicos paar
o ensino da disciplina. Talvez, os revisores do Ratio sentissem que Clavius fora
muito otimista estimando que haveria um importante número de jesuítas
competentes e dispostos a estudar matemática avançada. O esboço do Ratio de
1591 ainda reduziu o estudo de matemática para um ano, sendo que um segundo
63
A referência a Clavius, sem mencioná-lo no documento é clara. Afinal o Papa havia encomendado ao jesuíta
a tarefa de reformar o calendário anual. De seus trabalhos surgiu o calendário gregoriano que usamos até hoje.
106
ano de estudos era recomendado somente para estudantes de metafísica. E, uma
especialização em matemática (Academia de Matemáticas), passaria de três anos a
seis meses.
No Ratio de 1599 nada se menciona acerca da criação de uma Academia de
Matemáticas no Colégio Romano. Smolarski (2002), acredita que essa Academia ao
tempo de Clavius e Kircher deveria ser desenvolvida nos aposentos dos mestres
dessa disciplina.
Além do mais, esse documento não faz menção direta sobre o tempo de
dedicação aos estudos da matemática. Apenas refere que a matemática pode ser
muito interessante para os estudantes de física do segundo ano de filosofia.
Também reduz a apresentação e o debate de problemas matemáticos a uma ou
duas vezes ao mês.
3.2. As Regras para os Provinciais e Professores de Matemática
O mais importante que a História pode nos oferecer é o
entusiasmo. (Goethe)
No Ratio Studiorum de 1591 estava prescrito aos mestres de “físicas” que
após o meio dia, e por volta de 45 minutos, os estudantes deveriam estudar os
Elementos de Euclides. Após dois meses de estudos e explicações, considera-se
que os alunos estivessem familiarizados com a geometria. Então permita-se que
os estudantes dividissem seu tempo de estudos entre Euclides, geografia ou esfera,
ou ainda, outra disciplina que desse prazer de estudar.
Também estava prescrito que uma ou duas vezes ao mês os alunos deveriam
explicar em detalhes algum problema matemático famoso ante uma grande
congregação de filósofos e teólogos. Isso deveria ocorrer quando os alunos
estiverem treinados metodicamente pelo professor, o quanto fosse necessário.
Além disso, um sábado por mês, deveria haver um debate público com os
estudantes se interpelando mutuamente (não somente uma recitação ininterrupta)
acerca dos principais pontos dos temas tratados durante o mês. Deveriam perguntar
após o aluno repetir a proposição: O que isso prova? Pode ser demonstrado de
outra maneira? Que uso esse tema pode ter para as outras disciplinas e práticas da
vida comum?
107
Essas questões também poderiam ser levantadas pelo professor enquanto
lecionava, e com isso tornar o estudo mais atrativo. E, onde essa prática fosse
possível e conveniente, o mesmo professor em diferentes horas, ou na mesma hora
dois professores diferentes, poderiam realizar explanações e leituras blicas onde
se explicassem o currículo de matemáticas escrito pelo Padre Clavius.
A
lém dessas explicações públicas dos professores, os alunos que
tivessem completado os estudos de filosofia e ética nos primeiros seis meses
do curso, deveriam também em outro período do mesmo semestre, estudar
tópicos de matemá
tica na Academia de sua Casa, no material compendiado pelo
padre Clavius.
Haveria leitura duas vezes por dia para que o progresso nos estudos fosse o
maior possível. Esses estudantes não deveriam se envolver com outros estudos,
deixando-os totalmente envolvidos com as audições, repetições e a discutir a
matemática.
As regras para o Provincial Superior sobre a o ensino da matemática, no
Ratio Studiorum de 1591, seguem a mesma linha do documento na parte
direcionada aos professores, no parágrafo [41], e menciona-se novamente que os
filósofos permitam que as Casas da Ordem, em determinado período do ano,
tornem-se Academias de estudo das Matemáticas para que se destaquem
professores hábeis e industriosos para ministrar essa disciplina duas vezes por dia.
Exortando-se que os mesmos devem ser poupados dos estudos de outras
disciplinas.
No parágrafo [42], apresenta-se a necessidade do estudo de matemática
também para os que se dedicam a estudar a filosofia. Durante o segundo ano os
filósofos devem escutar uma leitura dos Elementos de Euclides por pelo menos 45
minutos por dia, no peodo da tarde.
No parágrafo [44], solicita-se ao Provincial que alerte aqueles que não gostam
de matemática, especialmente os professores de filosofia, para não desacreditarem
a dignidade da matemática ao ensinar. Não rejeitando sentenças matemáticas ou
diminuindo o valor de sua utilização no contexto educativo.
No Ratio Studiorum de 1599, as regras para os professores de matemática
repetem as mesmas mencionadas no documento anterior. Segundo a transcrição
de Franca (1952) temos: 1. Autores, tempo, alunos de matemática. Aos alunos de
108
física explique na aula durante 3/4 de hora os elementos de Euclides; depois de dois
meses, quando os alunos estiverem um pouco familiares com estas explicações,
acrescente alguma cousa de Geografia, da Esfera ou de outros assuntos que eles
gostam de ouvir, e isto simultaneamente com Euclides, no mesmo dia ou em dias
alternados; 2. Problemata. Todos os meses, ou pelo menos de dois em dois meses,
na presença de um auditório de filósofos e teólogos, procure que um dos alunos
resolva algum problema célebre de matemática; e, em seguida, se parecer bem,
defenda a solução; 3. Repetição. Uma vez por mês, em geral num sábado, em vez
da preleção repita-se publicamente os pontos principais explicados no mês.
Nas regras do professor de filosofia [5], observamos: a fim de que o segundo
ano possa consagrar-se inteiramente à Física; é necessário que no fim do primeiro
ano desenvolva de modo mais completo o tratado da ciência, e nele incluam quase
toda a introdução à física como a divisão das ciências, abstração, o lado
especulativo e prático, subalternação, diferença de métodos da física e da
matemática, de que trata Aristóteles no livro dos Físicos, e por fim tudo acerca da
definição se encontra no 2º livro de Anima.
Regras do Provincial [14]. Matemáticas: Estudantes e tempo. No segundo ano
do curso todos os estudantes de filosofia deveriam assistir à aula de matemática por
três quartos de hora. Além disto, os que tiverem mais inclinação e capacidade para
semelhantes estudos exercitem-se neles em lições particulares depois do curso.
Ao final dessa breve síntese do Ratio, que diz respeito às matemáticas,
podemos perceber que após 409 anos de sua publicação, as diretrizes para o ensino
de matemática nos colégios do século XVI ainda podem ser consideradas atuais e
estimular nossos estudantes do século XXI a se envolverem mais nos seus estudos
de matemática, como nos casos de disputas para resolução de problemas e seções
interativas de revisão de conteúdeo.
Podemos também verificar que nos é praticamente impossível resumir aqui a
riqueza, a importância e o impacto que teve a tradição matemática cultivada pelos
jesuítas no período estudado e sua influência para o desenvolvimento das “ciências”
desse período.
109
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nenhum trabalho sobre a história da educação que envolvesse história da
matemática ou história da ciência poderia dispensar uma análise das atividades
acadêmicas, experimentais e educativas cultivadas pelos jesuítas. Caminhando ao
longo dos séculos, a história nos revela um quadro muitas vezes hostil à presença
dos jesuítas e ao seu ensino em diferentes partes do mundo, especialmente em
Portugal.
A propaganda anti-jesuítica que fez dos padres inacianos inimigos da ciência
e obstáculos ao progresso tecnológico assumiram ares quase míticos, que somente
agora (século XXI) começam a ser dissipados, conforme explicitado ao longo do
último capítulo. Para demonstrar o pendor jesuítico para o estudo científico,
podemos reportar o lançamento, em 1902, da Revista Brotéria, que segundo Franco
(2005, p.217),
[...] se atreve a publicar investigação científica original e de qualidade na
área das ciências naturais e que granjeia encómios internacionais e
afirmando-se progressivamente em Portugal ao longo do século XX. No
silêncio dos laboratórios e na paciência das pesquisas de campo, a revista
acaba por garantir um lugar de prestígio, primeiro entre os produtores
contemporâneos de ciência, como se pode ver pelo largo reconhecimento
que lhe é dado pelas sociedades científicas das suas especialidades,
depois entre as elites culturais e académicas, quando consolida o seu
público leitor em 1925 e se desdobra em revista científica e em revista
cultural.
Isso parece sugerir que em diferentes momentos de sua caminhada, a
educação jesuítica procurou produzir ciência, mesmo que vinculada à teologia, o que
não desmerece o conhecimento produzido. Assim, preconizamos que os jesuítas e
seus colaboradores contradizem a imagem da incapacidade dos mesmos de
produzirem ciência. Ao mesmo tempo refutamos as idéias de que a ciência era
incompatível com a religião do século XVI e XVII, e que a condição de religioso era
inadequada à produção científica mais avançada.
Os documentos e obras produzidas por esses apóstolos que trilharam tantos
mundos e auxiliaram a desenvolver diferentes saberes o fundamentais para quem
deseja compreender como se formaram e se desenvolveram as mentalidades
110
daqueles que serão chamados a posteriori de criadores da ciência moderna, ou da
Revolução Científica, como Descartes e Bacon.
O Ratio Studiorum proporcionou os fundamentos de um sistema educativo,
que apesar de rigoroso, possibilitou a transposição de um imenso degrau rumo ao
desenvolvimento científico ao incluir em seu texto as disciplinas matemáticas e ao
permitir que tanto os estudantes internos quanto os externos pudessem conhecer e
desenvolver novos saberes.
Acreditamos que o Ratio propiciou aos seus estudantes as ferramentas
necessárias para transformá-los em líderes em um mundo que sofria mudanças
rapidamente, líderes que sabiam dialogar, demonstrar, retorquir, problematizer,
debater os diferentes temas que assomavam de forma insistente esse período
denominado por alguns historiadores como Renascimento.
Destacamos que a matemática explicitada no método de estudos dos
jesuítas, “forçou” os alunos de seus colégios (estudantes internos e externos) a
utilizarem uma linguagem que acabaria por se tornar uma linguagem universal para
as ciências. Essa linguagem, a matemática, prossibilitou a comunicação de jesuítas
e intelectuais que pode-se pensar como propiciadores do que nós agora chamamos
de “Revolução Científica”.
64
Assim, acreditamos que a expansão da ciência e da educação para setores
mais amplos da sociedade deve muito a esses padres. Seus feitos falam por si - a
educação da maioria dos grandes nomes da ciência e a publicação de suas
inúmeras obras de caráter científico podem ser considerados os embriões da ciência
moderna.
E, se pensamos que a ciência e a técnica modernas advieram de um longo
caminhar que entrelaçou saber técnico e saber teórico, esse entrelaçamento e esse
caminhar poderiam ser estimulados dentro de instituições educativas, como os
colégios da Companhia de Jesus.
Descortinamos nesse estudo, e achamos essa informação muito relevante,
que a tendência de negar a contribuição dos jesuítas para o desenvolvimento da
ciência está mudando.
Conforme a literatura consultada, as pesquisas mais recentes sobre o tema,
principalmente as traduções de cartas e documentos do latim original, como a
64
Cf. Galileu – “A matemática é o alfabeto com o qual Deus escreveu o universo.”
111
Monumenta Paedagogica, reportam importantes contribuições dos matemáticos
jesuítas para ciência moderna. Isso pode ser suportado pelo desenvolvimento de
uma metodologia consistente para o ensino das matemáticas que serviram de base
para o desenvolvimento e a publicação de trabalhos científicos como os de Stansel,
Kircher entre outros.
Também descobrimos que os jesuítas não poderiam dialogar e debater com
Galileu, Kepler e outros eruditos do século XVI se não tivessem sólida formação
científica (especialmente nas matemáticas). Ou seja, se não tivessem uma
organização intelectual coerente com o que concebemos como um corpo de
conhecimentos científicos.
Conforme documento de Clavius, os jesuítas se envergonhariam se não
tivessem parâmetros ou a formação cultural, intelectual e científica necessária
(conhecimento) para dialogar com seus pares intelectuais.
Destacamos que a luta desse jesuíta para a inclusão das “matemáticas” como
disciplina obrigatória no currículo da companhia foi fundamental para o
desenvolvimento e difusão de um saber científico por meio do Ratio Studiorum.
Veja-se, contemporaneamente, que nenhum currículo educacional dispensa essa
disciplina. Grienberguer usava problematas matemáticas para comprovar a
legitimidade dessa ciência como chave para a investigação do mundo natural. A
resolução de problemas sempre foi uma excelente forma de se ampliar e fixar os
conhecimentos.
E, mesmo que seus documentos ordenadores Constituições e Ratio, possam
ser considerados muito estruturados (rígidos) para permitir a liberdade criativa,
podemos pensar que os jesuítas ao incluírem a matemática em seus colégios,
forneceram as ferramentas necessárias tanto à expansão do conhecimento científico
quanto à criação das escolas e de um currículo escolar que ainda hoje podemos
sentir presente em nossas escolas.
havia no século XVI colégios jesuítas de formação prática, onde as aulas
deveriam dar conta da formação de pessoal técnico leigo (ou seja a ciência prática)
por meio do estudo da hidráulica, das fortificações, das quinas, deveria haver
espaço para a produção de um saber teórico que, mesmo podendo estar
ultrapassado para os dias de hoje, propiciou uma cultura científica que começaria
a fazer sentir a sua influência na época de Newton.
112
Nesse contexto, gostaria de apontar, que como educadora da área de exatas,
ainda hoje, mais de quatrocentos anos após a promulgação do Ratio, verifico que as
práticas para o ensino e estudo da matemática preconizadas por esses antigos
documentos ainda fornecem insights que permitem a nós, professores de hoje,
entender que os alunos vão aprender e até gostar mais dessa temida disciplina
(matemática) se puderem explicar alguns conceitos uns aos outros, e se puderem
fazer revisão de temas através de perguntas e proposição de problemas. Essas
práticas ainda são ferramentas efetivas para auxiliar os estudantes a compreender e
apreender as maravilhas da matemática.
Conforme atestam os documentos de professores e os programas dos cursos
do século XVI, apesar da tradição filosófica aristotélica, os inacianos não
desconheciam os estudos científicos “modernos”, e os introduziam em certa medida
em suas aulas. No Ratio e nos colégios jesuítas as disciplinas científicas foram
encorajadas e honradas, mesmo aquelas das quais os filósofos não gostavam ou as
que não tinham utilidade para a vida prática.
Ao se colocarem “em dia” com as questões atuais, as novas redações do
Ratio Studiorum podem nos mostrar que a educação de hoje (século XXI),
comparada com a educação proposta no documento original mudou muito pouco,
mesmo que agora os planos de estudos sejam menos humanísticos e mais técnico-
científicos.
Enfatizamos que, apesar dos limites impostos pela religiosidade, cumpre
registrar que os jesuítas foram sui generis em seus colégios e em seu método de
estudos no século XVI, propondo uma (in)flexibilidade curricular e ao mesmo
tempo instando aos mestres que se preparassem para as aulas que demandavam
conhecimentos além dos filosóficos, ou seja, conhecimentos científicos.
Os membros dessa ordem religiosa, desde seus primórdios foram homens
cultos, que desempenharam um papel importante na difusão da ciência. A formação
de matemáticos, físicos, astrônomos, entre outros cientistas, permitiu a difusão
desses conhecimentos pelos colégios.
A título de finalização, destacamos que o Ratio ainda hoje explicita a
educação como um instrumento apostólico à serviço da Igreja e da sociedade, que
deve ser utilizado tanto pelos educadores jesuítas quanto pelos professores laicos
como meio, metodologia e estrutura interna em seus colégios. Nesses locais o
centro do processo educativo é a pessoa do aluno, sujeito de sua própria formação
113
intelectual e humana, que vai conseguir propugnar um diálogo entre ciência e a fé,
mesmo nesses tempos pós-modernos.
114
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124
ANEXOII – CATÁLOGO DE AZULEJOS DOS COLÉGIOS JESUÍTAS PORTUGUESES
(Proposições da geometria de Euclides)
Os Elementos de Euclides, de Taquet
125
Proposição 5. Fonte: Leitão (2007)
Proposição 29. Fonte: Leitão (2007)
126
Proposição 44. Fonte: Leitão (2007)
Proposição 1. Fonte: Leitão (2007)
127
Proposição 17. Fonte: Leitão (2007)
Proposição 3. Fonte: Leitão (2007)
128
Definição 5 . Fonte: Leitão (2007)
129
130
ANEXO III – ESBOÇOS, DESENHOS E OBRAS KIRCHER
(Projeto Kircher da Universidade de Stanford)
Fonte: Projeto Kircher da Universidade de Stanford
131
Demonstrações que comprovariam que a Torre de Babel não atingiria a Lua. Turris Babel, p. 38.
Fonte: Projeto Kircher da Universidade de Stanford
132
Lista das publicações de Kircher. from Giorgio de Sepibus, Romani Collegii Musaeum Celeberrimum, p. 61.
Fonte: Projeto Kircher da Universidade de Stanford
133
Sistema heliocêntrico de Kepler com as refutações de Kircher. Magnes, sive De Arte Magnetica (1643
ed.), p. 487. Fonte: Projeto Kircher da Universidade de Stanford
Diagramas dos diferentes sistemas celestes: Ptolemaico, Platônico, Egípcio, Copernicano, Tychonico
e semi-Tychonico. Iter Exstaticum (Kircher, 1671) p. 37. Fonte: Projeto Kircher da Universidade de
Stanford
134
Horóscopo universal da da Companhia de Jesus. Composto de um relógio de sol na forma de um
oliveira. Quando pendurada verticalmente, com pinos colocados nos nós da oliveira, que
permitem que o tempo (data) seja lido em cada Província jesuíta. A base da árvore representa
Roma. Adicionalmente, as sombras dos pinos alinham-se para formar IHS, o logo da Companhia
de Jesus. Ars Magna Lucis et Umbrae, 1646, p. 553. Fonte: Projeto Kircher da Universidade de
Stanford
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