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decorrente da compreensão de que a “alocação ótima de recursos raros para finalidades
alternativas” (FOUCAULT, 2008b, p. 367) – uma conduta econômica – é cabível a toda
conduta racional, ou tão somente sensível às modificações das variáveis do meio e que
respondem a elas a partir de certa previsibilidade, sistematicidade, economicidade. O
resultado disso é uma tentativa de aplicar uma análise economista ao não-econômico – a
relação mãe-filho,
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pai e mãe, homem e mulher – e a integração a economia de toda uma
série de técnicas de aplicação de estímulos, de ações sobre o meio, visando o alcance de
comportamentos determinados. O homo oeconomicus passa a ser compreendido como
manipulável, ele “aparece agora como o correlativo de uma governamentalidade que vai agir
sobre o meio e modificar sistematicamente as variáveis do meio” (FOUCAULT, 2008b, p.
369). Uma concepção que serve como via para o gerenciamento da sociedade, seu
comportamento
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em termos de consistência e inconsistências ao nível econômico, assim
como concomitantemente serve de âncora e justificativa para o exercício de uma crítica
política permanente da ação política e governamental em que as ações do poder público são
igualmente aferidas em termos de custo e benefício.
Nesse tribunal econômico a sociedade formula suas lutas políticas através de
afirmações de direito.
O ‘direito’ à vida, ao corpo, à saúde, à felicidade, à satisfação das
necessidades, o ‘direito’, acima de todas as opressões ou ‘alienações’, de
encontrar o que se é e tudo o que se pode ser, esse ‘direito’ tão
incompreensível para o sistema jurídico clássico, foi a réplica política a
todos esses novos procedimentos de poder que, por sua vez, também não
fazem parte do direito tradicional da soberania (FOUCAULT, 1988, p. 158).
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Como salienta Foucault (2008b), “os neoliberais procuravam explicar (...) como a relação mãe-filho,
caracterizada concretamente pelo tempo que a mãe passa com o filho, pela qualidade dos cuidados que ela lhe
dedica, pelo afeto de que ela dá prova, pela vigilância com que acompanha seu desenvolvimento, sua educação,
seus progressos, não apenas escolares mas físicos, pela maneira como não só ela o alimenta, mas como ela
estiliza a alimentação e a relação alimentar que tem com ele – tudo isso constitui, para os neoliberais, um
investimento” (FOUCAULT, 2008b, 334).
49
Apesar de já ser comum relacionar o pensamento de Foucault e Hannah Arendt (2004), – entre outros, ver
Agamben (2002) e Ortega (2004) –, não deixa de impressionar a similaridade do diagnóstico da modernidade –
ou da “condição humana”, de acordo com Arendt (2004) – feita pelos autores, notável, por exemplo, nos
seguintes dizeres na autora: “Se a economia é a ciência da sociedade em suas primeiras fases, quando suas regras
de comportamento podiam ser impostas somente a determinados setores da população e a determinada parcela de
suas atividades, o surgimento das ‘ciências do comportamento’ indica claramente o estágio final dessa evolução,
quando a sociedade de massas já devorou todas as camadas da nação e a ‘conduta social’ foi promovida a
modelo de todas as áreas da vida” (ARENDT, 2004, p. 55). Por “social” Arendt (2004) compreende a ascensão
da administração caseira, os processos inerentes a vida, as necessidades, a sobrevivência, em uma palavra a
oikonomia, em detrimento ao achatamento da esfera pública. Uma “conduta social” é portanto uma conduta
“econômica” (no sentido grego) e que segue normas, por não compartilhar do princípio, próprio do espaço
público, da diferenciação. Chama assim atenção Arendt (2004), para o fato de que as ciências sociais, assim
como as “‘ciências do comportamento’, visam reduzir o homem como um todo, em todas as suas atividades, ao
nível de um animal que se comporta de maneira condicionada” (ARENDT, 2004, p. 55) – ou econômica.