geralmente um indivíduo forte, de maus instintos, petulante,
sanguinário, muito diferente do mulato por lhe faltarem as maneiras e
inteligência deste. É tão conhecida a índole perversa do cabra que o
povo diz ‘não há doce ruim nem cabra bom’”. Isso é confirmado em
ofício de José Félix de Azevedo Sá ao ministro do Império, em 23 de
abril de 1825, no qual expunha as providências tomadas para manter a
ordem no Ceará: “Resta agora, o Ex.mo Sr., conter o furor dos cabras,
e índios que tanto ocuparam o cuidado dos antigos governadores, o
quais ainda não há forças que o tenham podido, refrear” ... Ao cabra
não raro se chama também de pardo, fula, ou fulo, bode e cabrito,
todos, em suma, mestiços nos quais a dosagem dos “sangues
inferiores” é maior. De modo figurado essa palavra significa homem
valente, audacioso, atrevido, sinônimo de cangaceiro e bandoleiro,
ocorrendo neste sentido os termos: cabra-macho, cabra-feio, cabra-
onça, cabra-seco, cabra-topetudo, cabra-de-chifre, cabra-arranca-toco,
surunganga, guampudo, curruscuba, capuaba, negro sujo, bambambã,
corado, bala, cumba, etc. Na época das lutas pela Independência e
ainda no Primeiro Reinado, quando se trocavam veementemente
epítetos injuriosos entre brasileiros e portugueses, os brasileiros foram
alcunhados de moleques, crioulos, bodes, cabrito e cabras, (...) Enfim,
de acordo com Bernardino José de Souza, (1961), é certo que o termo
“cabra” surgiu, em última instância, de uma tática de divisionismo
étnico dos dominadores para fragmentar a população negra conforme
as diferenças cromática e sociais. Um dos resultados dessa política foi
que os mulatos livres se afastaram da luta dos negros, e criaram, no
Rio de Janeiro, uma imprensa mulata, que reivindicava nas suas
páginas apenas os interesses daquela minoria mulata não escrava.”
176
Concluímos que a definição pela cor cabra foi mais um dos itens que levaram
à divisão da população negra, tanto livres quanto libertos, criando uma separação
entre a etnia, fortalecendo o preconceito e a discriminação.
Em Muriaé, apenas 4,6% dos alforriados eram cabras. A porcentagem de
cabras alforriados do sexo masculino foi superior a do sexo feminino. Ambos
receberam alforria condicionada à prestação de serviço. Não sabemos se a
porcentagem pequena era devido ao grupo ser pequeno entre os cativos, ou se o
fazendeiro não tinha interesse em alforriar o cabra, visto que havia muitas lendas
sobre o seu caráter e o mesmo poderia gerar revoltas e outros atos de rebeldia no
plantel e entre os forros.
Além das definições já citadas para identificar cor, ainda poderiam surgir
outras definições como fula e mulato.
176
MOURA, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo : USP, 2004. p. 75