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Naíme Mansur Marcial
COLONIZADORES, PURIS E BOTOCUDOS:
GUERRA JUSTA E ACULTURAÇÃO NA BACIA DO RIO DOCE.
1808-1831
Dissertação de Mestrado submetida a
aprovação da banca examinadora do
Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Severino Sombra Vassouras-
pelo mestrando Naime Mansur Marcial,
orientado pelo Prof. Dr. Cláudio Antônio
Santos Monteiro, como parte dos requisitos
necessárias à obtenção do titulo de Mestre
em História.
Universidade Severino Sombra
Vassouras – 2008
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Naime Mansur Marcial
COLONIZADORES, PURIS E BOTOCUDOS:
Guerra Justa e Aculturação na Bacia do Rio Doce. (1808-1831)
Dissertação apresentada à Banca de aprovação do Mestrado em História Social da
Universidade Severino Sombra.
Vassouras, 2008.
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Cláudio Antônio Santos Monteiro (Orientador) USS – Vassouras – RJ
_____________________________________________________________________
Profª. Drª. Ana Maria da Silva Moura – USS – Vassouras - RJ
____________________________________________________________________
Prof. Dr. Ivo Coser – PUC-RIO – Rio de Janeiro – RJ
2
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Para minha esposa Regina,
Minha filha Luciana,
Vida que da minha vida brotou.
Vida que da minha vida, razão se tornou!
3
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais incentivadores perpétuos,
ao meu Orientador Dr. Cláudio Monteiro
sem o quais não seria possível a
elaboração desta pesquisa.
4
Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias.
Deus mesmo, quando vier, que venha armado!
João Guimarães Rosa, Grande Sertão: veredas, 1967.
5
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo retratar parte da história da ocupação da
região do Sertão do Rio Doce, nas primeiras décadas do século XIX, na província de
Minas Gerais, a partir do enfoque da história do contato entre índios e colonizadores
recém chegados a região. Neste sentido, a narrativa foi construída de modo a incluir
variantes políticas/culturais na análise dos diferentes períodos de ocupação desta
região.
A partir de 1808, a Corte de Portugal se instala no Rio de Janeiro, uma série
de transformações atingiram todo o país, como a abertura dos portos ao comércio e
a chegada de inúmeros viajantes. A partir da análise dos relatos desses viajantes
estrangeiros, presentes no vale do rio Doce (Minas Gerais, Brasil) ou em seus
arredores, focalizam-se as representações imaginárias construídas acerca de uma
grande área de Mata Atlântica, praticamente intocada até meados do século XIX.
Naturalistas como Maximiliano, Saint-Hilaire, Debret, Martius, Spix e políticos como
José Bonifácio de Andrada discutiram intensamente temas referentes às populações
indígenas que habitavam o sertão do Rio Doce e, eram apresentadas como grande
obstáculo para a conquista e ocupação da região sobe tutela de cartas Régias
editadas pelo Príncipe Regente. Aos índios botocudos, atribuíam-se atitudes
violentas e hábitos antropofágicos. Nessa polêmica, avaliavam-se a possibilidade de
colonização e as condições efetivas de ocupação do território através da
“Civilização”, “Catequese” e do “Aldeamento” dos indígenas.
Palavras-chave: Botocudos, Sertão do Rio Doce, Civilização e aldeamento.
6
ABSTRACT
This research aims to portray a piece of the history of occupation of the
Hinterland see region of Rio Doce, in the first decades of the nineteenth century, in
the province of Minas Gerais, from the focus of the history of contact between
Indians and settlers newly arrived in the region. In this sense, the narrative was built
to include variants political / cultural in the analysis of the different periods of
occupation of this region.
From 1808, the royal family Portugal is installed in Rio de Janeiro, a series of
transformations achieved throughout the country, as the opening of ports to trade
and the arrival of many travelers. From the analysis of the reports of foreign travelers,
in the Vale do Rio Doce (Minas Gerais, Brazil) or in its outskirts, focusing on the
imaginary representations made about a large area of Atlantic forest, virtually
untouched until the middle of the nineteenth century. Naturalists as Maximilian, Saint-
Hilaire, Debret, Martius, Spix and politicians as Jose Bonifacio de Andrada
intensively discussed issues relating to indigenous peoples who inhabited the
backwoods of Rio Doce, and they were presented as a major obstacle to the
conquest and occupation of the region under the custody of letters edited by royal
regent prince. To Botocudo, the Indians, they gave violent attitudes and
Anthropophagic habits. In this controversy, assessed the possibility of colonization
and effective conditions of occupation of the territory by "civilization", "Catechism"
and the "Village" of Indians.
Keywords: Botocudo, Hinterland of Rio Doce, Civilization and village.
7
Sumário
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES------------------------------------------------------------------------09
ÍNDICE DE TABELAS-------------------------------------------------------------------------------11
ABREVIATURAS -------------------------------------------------------------------------------------12
INTRODUÇÃO. ---------------------------------------------------------------------------------------13
CAPÍTULO I
O Sertão de Minas e os Botocudos: quem são, seus usos e seus costumes.--18
CAPÍTULO II
Cartas Régias: a questão indígena no sertão mineiro. ---------------------------------41
CAPÍTULO III
Aldeamento: política no sertão mineiro e política para o Estado brasileiro.----64
CAPÍTULO IV
O olhar dos viajantes europeus sobre o povo Botocudo na construção do
Estado Brasileiro. -----------------------------------------------------------------------------------89
CONSIDERAÇÕES FINAIS. ---------------------------------------------------------------------126
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS------------------------------------------------------------130
Fontes-------------------------------------------------------------------------------------130
Referências on line. ------------------------------------------------------------------131
Referências Bibliográficas. --------------------------------------------------------
132
8
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração1: Minas Gerais: Vegetação e Localização do Sertão do Rio Doce.--20
Ilustração 2 : Leste de Minas Gerais: Área de localização dos Principais
Grupos Botocudos no Séc. XIX.----------------------------------------------------------------22
Ilustração 3: Viagem por um braço do Rio Doce. Ilustração de Príncipe
Maximiliano de Wied-Neuwied.------------------------------------------------------------------23
Ilustração 4: Bacia do Rio Doce Principais afluentes e subafluentes,
cachoeiras e locais que serviam de referencia, no inicio da Colonização. Séc.
XIX.--------------------------------------------------------------------------------------------------------24
Ilustração 5: Índios Puris na sua choça. Retratado por Maximiliano. -------------25
Ilustração 6: Os pintores da corte portuguesa esmeraram-se em retratar os
botocudos, encantados com a estranheza de suas figuras e de seus
costumes.-----------------------------------------------------------------------------------------------27
Ilustração 7: Coroado e Botocudo, in Viagem pelo Brasil, 1817 1820 de Spix e
Martius.--------------------------------------------------------------------------------------------------28
9
Ilustração 8: Índios Puris perambulando pelas matas do sertão do Rio Doce,
observamos as mulheres carregando os filhos e os cestos com seus
pertences. Ilustração do Príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied.------------------30
Ilustração 9: Família de Botocudos atravessando um rio.-----------------------------31
Ilustração 10: No Tomo na prancha 20 Debret, retrata a utilização de tropas
de soldados, constituídas de índios “civilizados” no combate e escravização
dos selvagens.----------------------------------------------------------------------------------------46
Ilustração 11: Minas Gerais: Áreas de ocupação das Divisões Militares do Rio
Doce e localização dos Quartéis. Fonte: ESPINDOLA. Haruf Salmen. Sertão do
Rio Doce. IBGE – 1996----------------------------------------------------------------------------- 54
Ilustração 12: Rugendas em sua pintura, confirma a presença de colonos e
indígenas convivendo no interior do sertão. --------------------------------------------- 61
Ilustração 13: Dança dos Puris. Representada por Freireyss, G. W. em Viagem
ao interior do Brasil---------------------------------------------------------------------------------94
Ilustração14: As jovens florestas brasileiras que encantavam e ao mesmo
tempo assustavam segundo Martius.--------------------------------------------------------99
Ilustração 15: Floresta Virgem no Sertão Mineiro. A gravura da Prancha 1 parte
final da obra de Debret observamos a floresta impenetrável muitas vezes
descrita pelos viajantes europeus.-----------------------------------------------------------100
Ilustração 16: Aldeia de Caboclos em Cantagalo --------------------------------------110
10
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela trazendo a Divisão Militar do Rio Doce que ficara estabelecida no
período de 1808 a 1839. -------------------------------------------------------------------------- 52
Tribos de Índios da Província de Minas Gerais seu local, Mapas fazendo
conhecer os aldeamentos das diferentes Populações, seu regimento, auge ou
decadência, e as causas. -------------------------------------------------------------------------76
11
ABREVIATURAS
AN – Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
APM – Arquivo Público Mineiro.
BN – Biblioteca Nacional.
CEDEFES – Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva, Belo Horizonte.
DMRD – Divisão Militar do Rio Doce
RIHGB – Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil.
RIHGMG – Revista do Instituto Histórico Geográfico de Minas Gerais.
12
INTRODUÇÃO
Iniciamos nossa pesquisa após termos contato com os Botocudos (Krenak),
que hoje vivem as margens do Rio Doce, próximo á cidade de Resplendor, no
Estado de Minas Gerais. Cerca de 80 famílias vivem na Reserva Indígena Krenak
sob a tutela da FUNAI.
Chegamos a aldeia krenak com os alunos da Escola Estadual Cel. Calhau.
Fomos recebidos pelos indígenas e logo começamos uma conversa informal com
eles. Grande foi a nossa surpresa ao encontrarmos a frente da tribo uma mulher, a
Cacique Laurita, por sinal, uma das ultimas representantes dos Botocudos. É ela
quem nos relata sobre a sua luta pessoal pela sobrevivência da sua língua materna,
e sobre os principais conflitos da comunidade local com o Estado e com homem
“branco” na atualidade.
É intenção nossa, através desta pesquisa, iluminar uma parte importante da
história a respeito do processo colonizador que levou ao progressivo
enfraquecimento e desaparecimento das sociedades indígenas, nesta parte do
sertão mineiro. Movimento que se relaciona de forma direta com as políticas da corte
portuguesa e do futuro Estado brasileiro no cruzar dos séculos XVIII/XIX.
No final do séc. XVIII e inicio do séc. XIX, a região passa a despertar a cobiça
da Coroa Portuguesa e dos colonos. Na Carta Régia de 13 de maio de 1808, o
Príncipe Regente D. João VI, propõe a colonização da área e declara guerra
ofensiva aos Índios Botocudos que habitavam a Região. A partir de então, esse
pedaço de Mata Atlântica se torna palco de conflitos intensos entre nativos e
colonizadores que acabavam de chegar à região com intuito de fixar moradia nessas
paragens, até então “Zona Proibida”.
13
Sabemos que o interesse dos governantes portugueses nesse processo esta
direcionado, para o incentivo à ocupação das terras das “Zonas Proibidas” no Sertão
do Rio Doce, um vale, até então, isolado da “civilização”.
Nesse sentido, nosso objeto de pesquisa compreende as diretrizes da política
do Estado, português, no uso da “guerra extermínio” e de “aldeamentos”, com
relação a essa nova frente pioneira do Sertão do Rio Doce, nas primeiras décadas
do século XIX. O Projeto colonizador iniciado pelo Príncipe Regente D. João VI se
estende ao reinado de Dom Pedro I e ao tempo das Regências intensificando o
controle e ocupação dessas terras por colonos leigos, com enorme impacto nas
populações indígenas que habitavam o Sertão do Rio Doce. A tentativa de integrar a
antiga “Zona Proibida” no domínio da burocracia ao Estado português faz-se em
uma época marcada pelas necessidades impostas pela instalação da Corte no
Brasil. Doravante, a zona do sertão mineiro, até então uma zona proibida, passa a
ser igualmente alvo das descrições e analises de inúmeros viajantes europeus, os
quais, informados pelos ideais do tempo de universalização das concepções liberais
de propriedade e de trabalho, procuram um lugar para as sociedades indígenas
brasileiras e para o próprio Brasil, no programa “civilizador” do ocidente. É nesse
ambiente que se processa a interiorização da metrópole.
Nesse sentido também, a presente pesquisa analisa as práticas políticas que
nortearam as ações do Estado, com relação às comunidades indígenas do Vale do
Rio Doce, analisando-as e confrontando-as, com as descrições e representações
criadas pelos relatos de viagens, em um período em que a política “civilizadora”
destinada ao sertão mineiro sofre profundas modificações.
Nossos objetivos visam contribuir com o resgate das representações da
identidade da população do Vale do Rio Doce, identidade que é apresentada pela
voz do colonizador. Objetivamos, também, a analise das representações feitas pelos
“civilizadores” em relação aos indígenas e sobre o conceito de “civilizado”, que
expressam e legitimam essa aproximação, bem como a analise sobre o debate
acerca das motivações e praticas que animaram a progressiva interiorização da
metrópole, nessa área. Por fim, refletimos sobre os resultados atuais desse
processo sobre uma população, que nos dias atuais, ressente e expressa os
conflitos entre indígenas e colonizadores no séc. XIX.
14
A região em estudo está localizada no Médio Vale Rio Doce, especificamente
às margens do baixo Rio Manhuaçu, que é grande parte do então chamado Sertão
do Leste Mineiro, nos século XVIII e XIX.
Trata-se de uma área enorme de Mata Atlântica, com vales férteis propícios à
agropecuária, cortada por uma rica rede hidrográfica, situada entre a faixa costeira
do atual Espírito Santo e a região de extração aurífera na capitania de Minas Gerais.
Nossas balizas cronológicas compreendem o período transcorrido entre 1808
e 1831. O primeiro corte se justifica pelo fato de ter sido á esse tempo que as leis
decretadas pelo Príncipe Regente de Portugal, D. João VI, através de Cartas
Régias, foram emitidas e mantidas como legislação para os indígenas, até o fim do
reinado. Somente através da Lei de 27 de outubro de 1831, o Império Brasileiro,
apresenta um outro tipo de orientação, em relação à política “civilizadora” para a
região. Dessa forma, foi somente no final do Primeiro Império e no começo do
período das Regências, que foram oficialmente revogadas as determinações das
Cartas Régias: a pratica da guerra de extermínio e de servidão impostas aos índios
Botocudos do Sertão do Rio Doce.
Nessa perspectiva, o presente estudo, a articulação entre o campo Cultural e
Político se impõe e se justifica na medida em que se analisa uma ação política
determinada - a do Estado, português e, posteriormente o nacional, sobre os
indígenas do Sertão do Rio Doce no início do século XIX - sem se perder de vista os
seus significados culturais na medida em que governantes e viajantes ainda eram
promotores dos princípios cristãos sobre “civilização”.
Por outro lado, da mesma forma, essa ação “civilizadora” permite-nos
identificar parte do processo de descaracterização das culturas nativas dessa
localidade, ao passo que se recria uma cultura local, visível até hoje na região.
Nossa pesquisa bibliográfica concentrou-se em alguns livros que abordam
diretamente a questão indígena no Século XIX. Nesse sentido, Sertão do Rio do
Doce, do Dr. Haruf Espindola, Pokrane: da Saga dos Botocudos ao Nascimento de
um Arraial, de Jonathas Durço, Indígenas de Minas Gerais: Aspectos Sociais,
Políticos e Etnológicos, de Oiliam José, Civilização e Revolta: os Botocudos e a
Catequese na Província de Minas Gerais Izabel Missagia de Matos e História dos
Índios no Brasil, organizada por Manuela Carneiro da Cunha, foram de fundamental
15
importância para o desenvolvimento inicial do presente trabalho. Foi a partir dessas
obras que pudemos definir e traçar os passos da pesquisa, sobretudo, no que está
se articula particularmente com a ação do Estado (Português e depois Nacional)
sobre o Sertão do Rio Doce.
A interiorização da metrópole trouxe com ela a idealização de possíveis
caminhos civilizadores. Esses estão presentes nos discursos oficiais e nos relatos
de viagens. O sertão brasileiro é o vazio, o distante e desconhecido, o selvagem, a
espera da civilização para uma população que, para os europeus, viviam ainda em
sua ‘menoridade’. A temática é recorrente na literatura de viagem e cientifica da
época, e como enfatizaremos, uma preocupação do Estado. Nesse sentido, é nossa
intenção apontar as fronteiras entre as opiniões e as imagens expressas pelos
viajantes, de um lado, e de outro, o discurso e a ação do Estado. Tratando-se de
produtos de uma mesma época, seja do pensamento europeu na Europa ou na
Corte no Brasil, é importante saber até que ponto a ação expressa pelas cartas
regias articulam-se aos discursos que circulavam nos livros de viagens. Afinal, a
temática sobre a natureza selvagem, a ameaça botocuda e, sobretudo, a riqueza
das terras também freqüenta a literatura de viagem e cientifica da época.
Analisamos os significados de civilização, selvagem, sertão, guerra justa,
aldeamento, bárbaro, termos vulgarmente utilizados pelo discurso oficial e pela
literatura de viagem. Um mapeamento desses significados pode nos possibilitar
indicar alguns caminhos para possíveis respostas quanto ao processo em estudo.
Assim, nosso estudo em grande parte é baseado nas leis vigentes da época:
em carta dos Governadores de Província, Cartas Régias e leis do Império do Brasil,
nos relatórios e correspondências dos representantes oficias em missão na região,
bem como, nos relatos de viajantes que foram, muitas vezes, testemunhas oculares
do processo que examinamos.
No que diz respeito ao nosso corpus documental oficial, ele é composto de
documentos oficiais como as 7 Cartas Régias editadas nesse período.
Com relação aos relatos de viagem citamos as seguintes obras: Jean Baptiste
Debret Viagem Histórica e Pitoresca ao Brasil. MARTIUS, SPIX, Viagem ao Brasil:
1817-1820, Príncipe Maximiliano, Viagem ao Brasil: nos anos de 1815-1817, August
de Sant-Hilaire. Segunda Viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo
16
1822. Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce. Viagem pelas províncias do Rio de
Janeiro e Minas Gerais.
No primeiro capítulo tratamos do espaço que se tornou conhecido como
Sertão mineiro e trabalhamos a questão dos povos que habitavam a “Zona Proibida”,
em especial, os Botocudos. A nova área de interesse da colonização inaugura nos
primeiros anos do século XIX os contatos entre colonizadores e os antigos
habitantes da terra. Desses contatos constrói-se um saber sobre os botocudos, o
qual analisaremos.
No segundo capítulo analisamos as diretrizes políticas, com o uso da “Guerra
extermínio” e “aldeamento”, em relação á frente pioneira do sertão do Rio Doce, nas
primeiras décadas do século XIX.
No terceiro momento trabalhamos no sentido de pensar a interiorização da
metrópole através das diretrizes da política indigenista do séc. XIX expressa através
da ação de aldeamentos como forma de “catequizar” e “civilizar” o nativo do sertão
mineiro.
No ultimo capítulo realizamos uma reflexão sobre os relatos de vigem de
alguns naturalistas que percorreram o Sertão Mineiro descrevendo o contato com a
natureza e os habitantes da região no momento do contato com o colonizador. Em
primeiro lugar estudamos a ação política sobre indígenas de uma determinada
região e em segundo lugar essa ação ser legitimada por valores como “Bárbaros”,
“Civilizados”, “aldeados”, ou seja, pela adjetivação extremamente polarizada de
valores logo uma visão cultural. Estamos nesse contexto analisando se ocorreram
ou não mudanças de pensamento em relação a pratica de incorporação do Índio a
população do Estado Nascente – o Império do Brasil.
17
CAPÍTULO – I
O SERTÃO DE MINAS E OS BOTOCUDOS: quem são, seus usos e seus
costumes.
“Algumas [sociedades] acalentam o sonho de permanecer tais como
imaginam ter sido criadas na origem dos tempos. É claro que elas se
enganam: tais sociedades não escapam mais da história do que aquelas
como a nossa a quem não repugna se saber históricas, encontrando na
idéia que tem da história o motor de seu desenvolvimento.”
1
Quando os portugueses chegaram à Região das Minas no interior da Colônia
(séc.XVII), encontraram um verdadeiro "caldeirão" de culturas indígenas, que
sobreviviam através de caça, pesca, coleta e pequena agricultura de subsistência.
Dentre as culturas existentes na região, a que ocupava mais territórios e mais
resistências ofereceu ao colonizador foi a dos Botocudos, em uma disputa que,
começada no século XVI, só se encerraria no século XX.
A questão da ocupação do Sertão do Rio Doce passa a ser discutida com
mais constância, no começo do século XIX, quando entra em declínio a extração
aurífera das ninas e o grande contingente populacional deslocado para a região
passa a representar um grande problema para administração real. Desenganada da
“riqueza fácil” proporcionada pelo ouro, diz Capistrano de Abreu, buscou a
população outros meios de subsistência: criação de gado, agricultura de cereais,
1
LÉVI-STRAUSS, Claude. De Volta ao Passado. São Paulo: Bossa Nova. 1998. p.108
18
plantação de cana, de fumo, algodão, etc. Disto resultara, a partir do início do século
XIX, um significativo crescimento demográfico da região do Sertão Mineiro o que
facilitou mais tarde a penetração na Zona do Vale do Rio Doce.
Assim, as terras ao leste da região das Minas surgem como a solução para a
questão do excedente populacional que passa a existir no período do auge da
mineração, mas como veremos a seguir, alguns obstáculos teriam de ser
transpostos e entre eles estão, as doenças tropicais, o medo do desconhecido e o
mais temido dos estorvos à colonização dessa região, as tribos indígenas, mais
especificamente, o temido Botocudo.
Esses habitantes, nos primórdios da ocupação, foram supostamente
empurrados no sentido litoral interior pelos seus inimigos Tupis, portugueses e
nativos aliados aos exploradores. Essas tribos passaram a habitar o interior
afastando-se do litoral, assim mantendo menor contato com o colonizador e sua
cultura, conservando-se arredio e dando sustento a toda uma rede de “mitos e
lendas”, que se formaria em torno da “agressividade” desses indivíduos. Assim, o
progressivo avanço da colonização correspondeu ao deslocamento indígena para os
sertões. Não sem traumas para as partes, conforme observa o historiador mineiro
Diogo Luis A. Vasconcelos (1948), que informa sobre o movimento territorial
indígena dos Aimorés nos primórdios da colonização:
“(...) Não devemos esquecer um ponto relativo aos aimoré, que ilucidaria
muito o problema dos índios. Eram eles emigrantes do ocidente, a principio
formaram uma nação temível, a que mais impedia a exploração(...). Depois
da ocupação portuguesa do litoral de Porto Seguro e dos ilhéus, desceram e
saquearam a colônia, destruíram o que puderam, ate que Mem de os
acometeu com dura guerra, os desbaratou e, os atirando contra o reino dos
tapajós, acabaram estes por fazer o necessários para os debandar e
destruir. Separados em hordas degradaram-se(...)”
2
No que diz respeito à movimentação territorial dos indígenas nos interessa a
dos Botocudos, então antigos Aymorés
3
. Esses, ao início da colonização, habitavam
a faixa litorânea do Espírito Santo e sul da Bahia, passariam a viver mais para o
2
VASCONCELLOS, Diogo de. História Antiga de Minas Gerais. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1948. p.137.
3
JOSÉ. Oilian. Os Indígenas de Minas Gerais: Aspectos Sociais Políticos e Etnológicos. Belo
Horizonte: Itatiaia, 1965. p.11. Nome dado aos Botocudos pelos Jesuítas e Cronistas da época.
19
interior da colônia. Mas, em torno dos séculos XVII e XVIII concentraram-se no leste
de Minas Gerais, ficando durante um longo período (entre 1600 a 1800),
encurralados e espremidos em uma faixa de terra, entre o litoral açucareiro e a
região aurífera.
Portanto, durante o século XVIII com a descoberta das Minas no interior da
colônia esses indígenas sofrem um outro impacto, com o novo movimento
populacional que ocorreria na colônia, causado pela descoberta do ouro.
Com a descoberta de ouro e pedras preciosas nesta região central de onde
posteriormente seria a capitania de Minas Gerais, houve um fluxo de povoamento e
a conseqüente formação de alguns núcleos de habitação e de comércio. Lugares
aonde os mineiros vinham nos fins de semana comprar mercadorias e assistir às
missas. Muitos desses núcleos estão na origem de importantes cidades mineiras.
Entretanto, ao leste de Minas Gerais, no entorno das minas, mais precisamente na
região do Sertão do Rio Doce, onde não se descobriu nenhum grande veio aurífero,
a localidade continuou intocável e “livre” das imposições da colonização.
4
4
ESPINDOLA. Haruf Salmen. Sertão do Rio Doce. São Paulo: Edusc. 2005.
20
Ilustração 1 : Minas Gerais – Vegetação – Localização do Sertão do Rio Doce.
5
Os habitantes do leste mineiro, os temidos Botocudos
6
, durante o auge dessa
produção aurífera eram considerados um obstáculo à colonização dessa área. Por
outro lado, havia por parte da Coroa Portuguesa um grande interesse em manter
fechado esse caminho para o litoral, evitando o contrabando do ouro, que saindo de
5
Idem. p. 66
6
PARAISO, Maria Hilda Baqueiro. Guido Pokrane, O Imperador do Rio Doce. Campinas: disponível
na internet <http://www.ifch.unicamp.br/ihb/Textos/MHParaiso.pdf, 2000.> p.03 acessado: 20/04/2007
Convém destacar que a denominação botocudo não deve ser considerada como um termo de cunho
etnográfico, mas de caráter político-administrativo. Após 1808 todos os grupos indígenas que
opunham resistência à conquista e dominação eram identificados como botocudos, pois garantia aos
seus conquistadores os privilégios concedidos pelas Cartas Régias de 1808.
21
Vila Rica facilmente alcançaria o Rio Doce, um caminho fácil para chegar ao oceano
e à Europa. Dessa forma, circunstancialmente, foi interesse do Estado Português a
crença, talvez exagerada, mas muito difundida, relativa à ferocidade dos habitantes
das margens do Rio Doce. Na realidade prestavam um grande serviço à Coroa
ajudando a manter fechadas as fronteiras dessa região. Uma das principais armas
da coroa no sentido de propagar entre a população local os requintes dos horrores,
caso caísse nas mãos de um Botocudo, foi a propagação de notícias relativas à
prática da antropofagia ou sobre a crueldade dos Botocudos.
Passa a ocorrer nesses séculos (XVIII e XIX), a interiorização da população
da Colônia, que influenciada pela promessa de enriquecimento rápido proporcionada
pelo ouro, se direciona para o interior da Capitania de Minas Gerais, realizando
dessa forma uma nova pressão nas tribos indígenas da região, que agora
empurradas no sentido oeste/leste, do interior para o litoral, são levadas e obrigadas
a viver em um corredor que se formou ao longo das cadeias de montanhas, que se
estendiam entre as divisas das Capitanias de Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia.
com a queda da produção de ouro no final do séc. XVIII e início do c.
XIX, a geografia da conquista e da ocupação é redesenhada, e junto com ela, mais
uma vez, a sorte dos Botocudos, que foi condicionada aos interesses e
necessidades da Coroa. Com efeito, passada à euforia do ouro, a região habitada
pelos Botocudos passa a ser vista pela Coroa como solução de um impasse
delicado para o Reino: o de gerar uma fonte de trabalho para aquela numerosa
população atraída para Minas, mas que, na adversidade econômica do tempo, se
transformava em uma massa perigosa de desocupados e um prejuízo para os cofres
reais. Nessas condições, um paliativo ao problema foi a utilização da terra como
argumento de convencimento e, objetivamente, de ocupação para as atividades da
agricultura e da pecuária, já então privilegiadas.
Foi assim que os mineiros depararam com o extenso vale do Rio Doce. Uma
região de solos férteis, ao longo de um rio encravado no meio de uma mata densa,
no grande Sertão Mineiro, último reduto dos temidos Botocudos.
Sertão Leste Mineiro
22
Ilustração 2 : Leste de Minas Gerais: Área de localização dos Principais Grupos Botocudos no
Séc. XIX.
7
7
Fonte: ESPINDOLA. Haruf Salmen. 2005. Op. Cit. p. 286.
23
Lembramos, ainda que, partir dos setecentos, período auge da mineração, a
Região ficaria conhecida como “Zona Proibida”, permanecendo fechada aos
colonizadores, pois sua vasta rede hidrográfica facilitaria a comunicação entre as
minas e o litoral da colônia, representando para a Coroa Portuguesa uma ameaça
constante como facilitador do contrabando do ouro, retirado das minas, como
apontamos.
Ilustração 3: Viagem por um braço do Rio Doce. Ilustração de Príncipe Maximiliano de Wied-
Neuwied.
8
8
MAXIMILIANO, Príncipe de Wied-Neuwied. Viagem ao Brasil: nos anos de 1815-1817. São Paulo:
ed. Itatiaia e ed. Da Universidade de São Paulo, 1989. p. 152
24
Mesmo levando-se em consideração os exageros oficiais sobre os indígenas
da região, é verdade que na Capitania de Minas Gerais, no decorrer dos séculos
XVIII e XIX, foram constantes os ataques realizados por índios Botocudos e Puris
aos colonos que se atreviam assentar no Sertão do Rio Doce. Extensa área com
83.400 Km², que cobria grande parte dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
Esta área banhada pelo Rio Doce e seus principais afluentes (os rios Piracicaba,
Santo Antônio, Suaçui Grande, Caratinga e Manhuaçu no território de Minas Gerais,
e os rios Guandu, Pancas, São José no território do Espírito Santo), recoberta por
densa floresta pluvial tropical, com predomínio de relevo acidentado, caracterizado
pelos “mares de morro”
9
, eram entremeados por estreitas planícies aluviais. Fora da
calha do Rio Doce o relevo apresenta diversas formações; pontões, áreas de relevos
acidentados e vales profundos, com os rios formando uma sucessão de
cachoeiras
10
. A altitude entre a foz e a cidade mineira de Aimorés é de 83 metros, e
dessa à Ipatinga, região do médio Rio Doce, a altitude é de 137 metros. Afastando-
se da calha do rio, a altitude sobe rapidamente chegando a mais de 700 metros
tornando-se muito oscilante. A extensão territorial, a diversidade de seus ambientes
físicos e biótipos ali existentes nos dão à idéia da complexidade da exploração
dessa área, que após algum tempo fechada à “civilização”, passa, a partir do século
XIX, a despertar a cobiça da Coroa e dos colonizadores. Uma região, entretanto,
originalmente habitada por índios “Bravios”
11
, termo usado para denominar os índios
Botocudos, habitantes da terra que não se submetiam aos colonizadores.
9
Região caracterizada pela presença de planaltos irregulares com topos convexos que dão a
impressão de formarem ondas daí a denominação mares de morro.
10
Adaptado de SIMIELLI, Maria Helena. Atlas Geográfico. São Paulo: Ática, 1994.
11
Designação que se dava aos nativos da região que não se submetiam aos portugueses.
25
Ilustração 4: Bacia do Rio Doce – Principais afluentes e subafluentes, cachoeiras e locais que
serviam de referencia, no inicio da Colonização. Séc. XIX.
12
Como e quem seriam esses índios denominados de Botocudo? Quanto à sua
caracterização seguimos os estudos de Oilian José
13
: as tribos que povoavam a
extensa região do Sertão do Rio Doce em sua maioria pertenciam ao grupo Gê,
denominação adotada por Martius
14
, ou Tapuias que na língua tupi significava o
Bárbaro. Botocudos era o nome genérico usado pelos portugueses para denominar
grande bloco de tribos e subtribos de origem Gê. Segundo Oilian José atribuiu
Marlière a denominação Botocudo à iniciativa de portugueses, que a acolheram
12
Fonte: ESPINDOLA. Haruf Salmen. 2005. Op. Cit. p.325
13
Oilian Jo foi um dos mais importantes estudiosos da questão indígena em Minas Gerais. Deu
importante contribuição para os vários estudos posteriores sobres os indígenas de Minas Gerais.
14
Naturalista alemão que visitou o Brasil nas primeiras décadas do século XIX, e classificou os
habitantes dando grande proeminência ao fator lingüístico.
26
porque esse gentio ornamentava os beiços e as orelhas com rodelas, os botoques,
preparados em madeira, substituindo os tembatás.
15
Ilustração 5: Índios Puris na sua choça. Retratado por Maximiliano.
16
15
Palavra de origem tupi. No Museu Nacional, do Rio de Janeiro, uma famosa coleção desses
enfeites, que foram estudados por Ladislao Neto, em “Archivos do Museu Nacional”, vol. II, 1877.
16
MAXIMILIANO, Príncipe de Wied-Neuwied.. 1989. Op. Cit. p. 72
27
Os Botocudos tinham características físicas muito peculiares, mostravam-se
geralmente altos, corpulentos, de cabelos pretos e lisos, de olhos pretos e nariz
grande, tinham pouca barba e pêlo no corpo. Traziam o lábio inferior perfurado para
conter o botoque e seu aspecto geral mostrava rudeza. Indígena do tronco Gê, o
Botocudo, caracterizado por sua aparência física considerada desagradável, com
deformações causadas pelo uso do botoque
17
, o qual com o passar dos anos de uso
contínuo, causava-lhe deformação no rosto, deixava o nativo com uma aparência
monstruosa. Tal aparência ajudava a caracterizar o “monstro” botocudo.
Tornava-se impossível, a partir das primeiras investidas sobre o Sertão do Rio
Doce, evitar o choque no encontro entre colonizadores exploradores e indígenas.
Após mais de um século de “propagandas” que davam conta da ferocidade e
crueldade do habitante das matas mineiras, criara-se uma situação favorável ao
conflito que os colonos esperariam grandes hostilidades. Às vezes, diante do
colonizador, ele surgia como elemento surpresa na destruição e no incêndio,
matando o invasor sem piedade. Pelas matas, irrompiam Botocudos e Puris quase
sempre resistindo às tentativas de aproximação. Infensos, reagiam de imediato á
presença de exploradores que tentavam penetrar no Sertão, descendo pelos vales
dos rios que cortavam o Leste Mineiro. Podemos constatar esse violento encontro
em relatos, notícias e observações sobre os índios Botocudos, que na época ainda
denominam Aymorés. Em dezembro de 1809 relatava José Pereira Freire de Moura,
um desses encontros conflituosos entre exploradores e indígenas:
“(...) Sobre a fereza lembra-me q’ no anno de 1755 veyo a Vila do Bom
Successo das Minas Novas o Mestre de Campo João da Silva Guimaraens
e ahi dice, q’ vindo em seguimento dos Ambarés q’ tinhão feito grandes
danos sobre os índios, e Povos da Conquista, os encontraram na barra da
Utinga, os atacara: q’ eles sendo no numero de cincoenta homens contra
duzentos, e quarenta que mandava o Mestre de Campo, pelejarão ate se
acabarem todas as frexas: morrerão todos os botocudos, menos hum, q’ se
atou ao tronco de hua arvore para se não matar, não quis receber alimento
algú por três dias, e por fim tanto bateo com a cabeça contra o tronco da
arvore, q’ espirou. (...)”
18
17
Peça de madeira usada pelos indígenas nos lábios inferiores proporcionando-os deformações
físicas na face o qual dava-lhe um aspecto assombroso particularmente característico do Botocudo.
18
Revista do Arquivo Público Mineiro Noticias e observações sobre os índios Botocudos que
freqüentam as margens do Jequitinhonha e se chamão de Âmbares ou Aymores. Dezembro de 1809
– Lorena dos Tocoyos – José Pereira Freire de Moura – Arquivo Público Mineiro, anno XI, p. 29.
28
A narrativa acima relata o encontro entre o Mestre de Campo João da Silva
Guimaraens e os índios Botocudos na região de Vila do Bom Sucesso das Minas
Novas. Tal relato confirma o clima tenso existente entre Colonizadores exploradores
e Botocudos no momento dos primeiros contatos. O colonizador tomado pelo
pavor da imagem monstruosa do índio Botocudo do Sertão Mineiro, criada e
propagada pela Coroa Portuguesa, atacava-os sem chances de um primeiro contato
amistoso, por sua vez, o índio Botocudo se defendia revidando a agressão com
muita violência, preferindo a morte ao domínio a ele imposto pelo colonizador.
Esses encontros conflituosos se tornaram freqüentes, como podemos
observar em vários relatos de época, onde o indígena por sua inferioridade
armamentista, perante o português, na maioria das vezes levou desvantagem. A
simples menção do seu nome e a conotação de que seus botoques "lhes
desfiguravam o rosto" sempre despertou no imaginário do colonizador, imagem de
fealdade, ou mais além, "de inimizade a todo o gênero humano".
29
Ilustração 6 Os pintores da corte portuguesa esmeraram-se em retratar os botocudos, encantados
com a estranheza de suas figuras e de seus costumes.
19
Diversos termos foram usados para referir-se a esse povo nômade da região
do Vale do Rio Doce que, até o final do século XVIII, se manteve intocada. Boruns,
Bugres ou Tapuias eram termos constantemente usados para alcunhar tais
indivíduos, mas como constam em rios registros de época, tinham verdadeira
ojeriza e aversão a que os chamassem de Botocudo, termo usado pelos
portugueses, derivado da palavra botoque (arruela de madeira utilizada pelos
indígenas para enfeitarem os lábios e os glóbulos das orelhas). Esses adereços
chamavam atenção do explorador e levaram viajantes e naturalistas a estudarem
tais particularidades. O príncipe Maximiliano, em seu contato com os Botocudos,
durante sua viagem pelo Brasil entre 1815 e 1817, mediu uma dessas placas de
madeira (botoque), que chegou a “quatro polegadas e quatro linhas de diâmetro,
feito em uma madeira mole conhecida como Barrigudo (Bombax ventricosa), árvore
muito abundante nas matas da região.”
20
O hábito entre os índios Botocudos de fazer um corte nos lábios e nos lóbulos
das orelhas e depois enfeitá-los com os botoques era um costume generalizado
entre os gentios do botoque, mas, também foi muito usado pelo português para
identificá-los e classificá-los como selvagens. Por muitos anos esse costume se
impõe como sendo uma característica da “nação” botocuda, hoje, porém, sabemos
que o uso de botoque não era uma exclusividade desses grupos que habitavam o
vale do Rio Doce, pois outras tribos, das localidades mais distantes do mundo fazem
uso desse artefato. Como exemplo, podemos citar os Gamelas do Maranhão,
sociedade mais próxima a nós e algumas tribos dispersas em ilhas do Pacífico,
praticamente do outro lado do globo terrestre. Na ilustração 7 podemos observar
nativos do vale do Rio Doce usando os botoques, retratados por Spix e Martius na
obra Viagem pelo Brasil nos anos de 1817 a 1820. Ao iniciar o século XIX essas
figuras despertaram interesses na população do velho mundo.
19
MAXIMILIANO, Príncipe de Wied-Neuwied. 1989. Op. Cit. p.236
20
MAXIMILIANO, Príncipe de Wied-Neuwied. 1989. Op. Cit. p.293
30
Ilustração 7: Coroado e Botocudo, in Viagem pelo Brasil, 1817 – 1820 de Spix e Martius.
21
O interesse despertado provavelmente pelo estranho aspecto físico e
costumes pouco conhecidos dos Botocudos, provocaram inúmeros estudos entre
pesquisadores alemães, russos, franceses, suíços e americanos durante o século
XIX. As imagens desses indivíduos, do seu modo de vida e seus costumes,
amplamente divulgadas no Velho Mundo, por esses naturalistas após suas viagens
ao Brasil, favoreceram, por um lado, o conhecimento dessa população, mas, por
outro lado, manteve a imagem de um índio “mau”. Essa imagem em muito favoreceu
a legitimação da política da Coroa em “civiliza-los”. Segundo depoimento da Índia
Krenak, Laurita
22
ao perguntarmos como viviam seus antepassados os temidos
Botocudos do Rio Doce, ela diz ter sido um povo que possuía poucos objetos, pois
viviam em constante movimento pelo território que habitavam, sendo inviável a
posse de muitos materiais. Essa memória social revela que a sobrevivência
21
MARTIUS, Carl Friedr. Phil. Von; SPIX, Jonh Bapt. Von. Viagem ao Brasil: 1817-1820. São Paulo,
Melhoramentos, 1938. p. 201.
22
Em visita a Tribo Krenak, em Resplendor MG, tivemos oportunidade de colher depoimento da índia
Laurita que se encontrava a frente doa remanescentes da tribo.
31
dependia ao máximo da sua adaptação ao meio e o aproveitamento dos recursos
oferecidos pela natureza.
A caça, a pesca e coleta eram atividades de subsistência desse povo. No
período da seca abandonavam seus acampamentos às margens dos rios e se
embrenhavam pelo interior das matas a procura de alimentos e material para
confecção de artesanato, sendo o jenipapo, o caratinga, o jatobá, o mamão, o imbu
e a pitomba os mais encontrados e utilizados pelos nativos. Essa atividade era
exercida por todos os membros da comunidade. A pesca e a caça também eram
abundantes na região e muito praticadas pelos Botocudos exercendo grande
importância na alimentação do indígena. Destacava-se na pesca o surubim,
cascudo, o bagre, a traíra, o lambari e a curvina que além de alimento também era
utilizado para fazer remédio. Na caça, prevalecia a busca pela capivara, o veado, o
caititu,o queixada, o tatu, o jabuti, o quati , além de aves como o pato selvagem, o
marreco, o jacu e o nhambu, e insetos como as tanajuras e as larvas de madeira e
taquara.
23
Os grupos Botocudos viviam caminhando pelas matas do Sertão levados pela
necessidade da procura de alimentos e em defesa de seu território procurando
sempre resguardá-lo da invasão por outros povos.
24
Segundo a índia Laurita, seus antepassados Botocudos subdividiam-se em
vários grupos. Essa fragmentação devia-se à maneira de como gostavam de viver,
com seus costumes particulares e específicos de cada grupo, mas segundo seu
depoimento os conflitos dentro dos grupos também foram grandes responsáveis por
essa subdivisão do povo Botocudo.
Na organização familiar a mulher Botocuda era obrigada a servir ao parceiro.
Eram sempre vítimas de maus tratos, por parte desses parceiros e era comum
trazerem pelo corpo marcas (cicatrizes), de castigos que serviam para que
recordassem sempre desses castigos sofridos por desobediência.
Cabiam às mulheres os mais variados afazeres, como a construção do
rancho, coleta de frutos, mudanças e transporte de cargas durante as viagens.
Assim, era relativamente comum, aos que se arriscassem pelo interior mineiro,
encontrar pelas matas caravanas de Botocudos em caminhada, aonde as mulheres
23
JOSÉ. Oiliam. 1965. Op. Cit.. p.p. 60, 61,62 e 63.
24
Índia Krenak Cacique Laurita.
32
vinham sempre carregando, além dos filhos, as bagagens necessárias à
sobrevivência do grupo. Aos homens cabiam os deveres da caça e da guerra por
isso iam como se fossem escoltas às caravanas.
Ilustração 8: Índios Puris perambulando pelas matas do sertão do Rio Doce, observamos as mulheres
carregando os filhos e os cestos com seus pertences. Ilustração do Príncipe Maximiliano de Wied-
Neuwied.
25
Na ilustração 8 e 9 observamos essas caravanas, na visão dos europeus,
Maximiliano de Wied-Neuwied e Jean Baptista Debret, que retrata essas famílias no
início do século XIX.
25
MAXIMILIANO, Príncipe de Wied-Neuwied. 1989. Op. Cit. p. 209.
33
Ilustração 9: Família de Botocudos atravessando um rio.
26
Segundo o pesquisador Jonathas Durço
27
, era comum entre os Botocudos
pegar as meninas para criar e depois fazer delas esposas. Não era costume de se
festejar casamento ou nascimento de filhos. Para o casamento acontecer, bastava
que o nativo manifestasse o desejo de se unir á uma mulher e, se essa aceitasse,
ele a tomava para si e ela se unia às demais esposas. Era comum ao chefe ter a
cinco esposas. Com relação aos filhos a mãe tinha pouco tempo para dedicar-se a
eles. Desde novos eles começavam a rastejar sozinhos pelo chão. Quase sempre
recebiam o nome de objetos, animais e coisas, como consta, nos vários relatos de
viagem feitos pelo Príncipe Maximiliano
28
que os visitou no século XIX. Os pais
tinham certo carinho com os filhos, mas nunca demais. Quando uma criança
começava a chorar era levada para bem longe, pois eles não suportavam choro de
criança, e se essa persistisse no choro era surrada com as mãos ou varas. O parto
das mulheres eram muito fácil e muito raro era o nascimento de deficientes entre
eles.
29
26
Viagem ao Brasil do príncipe Maximilian von Wied-Neuwied século XIX. disponível
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/24/Familia_botocudo.jpg.
27
DURÇO. Jonathas. Pokrane da saga dos botocudos ao nascimento de um arraial. Belo Horizonte:
Impressa Oficial, 1989.pp.43-44
28
No ano de 1817 esteve nas Matas do Sertão do Leste entre os nativos, o naturalista Príncipe
Maximiliano de Wied-Neuwied, autor de um dos mais completos relatos sobre os Botocudos. Hoje
esses relatos estão disponíveis e servem de fonte para as pesquisas das populações daquela época.
MAXIMILIANO, Príncipe de Wied-Neuwied. 1989. Op. Cit. pp. 307-308
29
MAXIMILIANO, Príncipe de Wied-Neuwied. 1989. Op. Cit. p. 308
34
Sobre a religião parece-nos unânime a opinião dos autores, (Maximiliano,
Saint-Hilaire, Martius, Freireyss, Oilian, etc.), ao afirmarem que os Botocudos não
possuíam tais manifestações religiosas.
Freireyss em sua Viagem ao Interior do Brasil 1814 faz a seguinte
observação sobre a religião dos índios do Sertão do Leste Mineiro:
“(...) Da religião não há vestígio entre eles, pelo menos no que diz respeito a
práticas externas. Não adoram Deus algum bom mas temem um gênio mau
que eles se figuram existir na trovoada, sem contudo importarem-se mais
com ele. Que, porem, entre eles existia uma vaga idéia a respeito da
imortalidade da alma, como todos os povos na sua infância, não duvida,
porque deixam aos mortos as armas no tumulo para, como dizem: usar
em cima. (...)”
30
O inspetor Antônio Estigarriba, que durante longos anos esteve no serviço de
proteção aos índios do Rio Doce, reproduziu em seu relatório
31
a opinião mais aceita
entre os estudiosos, sobre a religião entre os nativos do Sertão:
“(...) Quanto a crenças, eles têm o fetichismo mais elementar. Os do rio
Doce falam em Tupan, que dizem, apontando o céu, morar lá em cima. Mas
isso é claro: é uma idéia mal adquirida no seu contacto com os tolos
catequizadores. Por quanto disseram os próprios jesuítas, Tupan foi uma
inteligente transformação feita por eles para darem ao índio Tupi
(muitíssimo mais adiantado que o Aimoré) uma idéia de Deus, assim
transformando em vibrador do raio. (...)”
“(...) É palavra da língua tupi, e compreende-se e admira-se seu emprego
genial. Os pobres padres, que mais tarde surgiram, ignorantes e tolos,
achando que esta palavra tinha, por si só, o poder de fazer o índio acreditar
na existência, que ela passava a representar, foram-na impingindo ao pobre
Aimoré, de preferência a qualquer outra. Se estes índios tivessem, por si,
semelhantes crença, o que era cientificamente impossível, teriam também
uma palavra para designá-la. A não ser do Rio Doce, nenhum outro, fala ou
sabe o que é Tupan. (...)”
32
Relatos como esses nos revelam o total desconhecimento dos nativos, com
relação à existência de um ser superior, conforme a crença cristã, da época.
30
FREIREYSS, G.W. Viagem ao Interior do Brasil. São Paulo. Itatiaia e Da Universidade de São
Paulo, 1975. p.96
31
Revista do Arquivo Publico Mineiro. Relatório ao governador de Minas Gerais sobre a situação dos
Indígenas Mineiros, feito pelo inspetor Antônio Estagarriba em 1912. Arquivo Público Mineiro, anno
XI, p. 42.
32
Revista do instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. n.º 07. março de 1934.
35
A prática de canibalismo entre os Botocudos ainda é um assunto de muita
controversa; os antropólogos não aceitam essa hipótese. Haruf Salmen Espindola,
Izabel Missagia de Mattos são exemplos de autores que argumentam ser a
antropofagia uma justificativa para a coroa declarar e manter a guerra de extermínio
contra os “monstros comedores de carne humana” do vale do Rio Doce. Mas entre
os historiadores – Oilian José, Jonathas Durço entre vários outros - aceitam a prática
de canibalismo entre os nativos. Entre os relatos de época dos explorados é comum
opiniões como a de Guido Tomás Marlière, que viveu entre os Botocudos de 1813 a
1829, que assim os definia: “Os mais irrequietos e mais perigosos índios de Minas
são os antropófagos Botocudos, que dominam particularmente a margem do baixo
Rio Doce.”
33
Os relatos de autoridades locais, viajantes estrangeiros e pessoas que
viveram entre eles na época dão fomento a essa discussão. Citaremos agora alguns
desses relatos.
Vejamos a opinião, por exemplo, do já citado Príncipe Maximiliano,
pesquisador alemão que esteve entre os Botocudos e deixou o seguinte registro:
“(...) Como acima fiz ver, os índios parecem preferir os macacos à qualquer
outra caça, e, uma vez que o esqueleto destes animais tem tanta
semelhança com o de um homem, é possível que os europeus ao encontrar
restos das refeições dos Botocudos, cometessem o engano de acusá-los de
preferir a carne humana. Seja como for, como espero mostrar adiante ,
esses selvagens não podem ser isento da culpa de comer carne humana;
todavia, parece que não o fazem por achá-la mais saborosa, senão que
raramente se entregam a essa inqualificável abjeção, e com o fito de
satisfazer a sede de vingança. Tem-se dito que os Tupuias preferem a
qualquer outra carne dos negros: nada posso decidir a tal respeito, mas é
também de que os botocudos têm os negros como uma espécie de macaco
chamando-os por isso macacos do chão(...)”
“(...) Homens, mulheres e crianças são por eles mortos. A carne é devorada
por alguns, exceção feita à cabeça e ao ventre, que põem fora. (...)”
34
Da parte de Freyreiss, viajante e naturalista europeu que percorreu a
capitania de Minas Gerais no início do século XIX por volta de 1813, observa-se um
ritual de características antropofágicas entre os Coroados, uma prática bastante
peculiar que chamou a atenção de muitos viajantes:
33
RAPM
34
MAXIMILIANO, Príncipe de Wied-Neuwied. 1989. Op. Cit. p.301
36
“(...) Quando matam algum inimigo, de ordinário um Puri, levam consigo
para a cabana um braço do cadáver, como uma espécie de troféu da vitória.
Chegados (sic) em casa arranjam uma festa na qual se regalam com a
bebida
35
predileta que fabricam, (...) e que é servida em grandes potes de
barro (...) Nestes potes colocam o braço do inimigo morto e cada um; por
sua vez, tira-o do pote para chupar a extremidade cortada. (...)”
36
Entretanto, a acusação de antropofagia foi o grande argumento para justificar
as constantes decretações de Guerra Justa e convencer os grupos indígenas, com
os quais os Botocudos viviam em conflitos Tupi, Malalí, Makoní, Pataxó, Maxakalí,
Pañâme, Kopoxó e Kamakã – Mongoio – a se aldearem com promessas de proteção
e acesso aos bens da sociedade dominante, como arma de fogo, facas, anzóis etc.
Na categorização do indígena do Rio Doce, os Boruns se enquadraram no
abrangente grupo de índios denominados genericamente de Botocudos. Um grande
bloco de indivíduos de origem segundo a classificação de Martius. Aos
Botocudos vale lembrar, segundo os estudiosos, uniram-se povos de outras
ascendências, mas que falavam línguas ou dialetos de um mesmo tronco. Ainda
cabe ressaltar, que vários grupos indígenas foram enquadrados entre os Botocudos
apenas por habitarem os vales dos rios, Doce, Jequitinhonha e seus afluentes, pois
acabavam falando, com algumas modificações, a língua botocuda, o que levaram
muitos dos pesquisadores do gentio dos Botoques
37
á generalizações na
classificação desses indivíduos, mantendo os mesmos estereótipos que os usados
para os Botocudos: feios, ferozes, selvagens, sanguinários.
Em contraste com a “feiúra e fereza” do Botocudo, como propagada pelo
português, encontramos uma descrição feita pelo citado “civilizador“, o francês
Guido Thomas Marlière
38
, que viveu durante muitos anos entre eles, assim os
35
A bebida alucinogena indígena (veru) era originalmente consumida segundo um fim ritualístico. O
relato acima exposto serve como um bom exemplo para entendermos tal lógica.
36
FREYREISS, Georg Wilhelm. Viagem ao interior do Brasil. Trad. A. Löfgren, Belo Horizonte: Itatiaia;
São Paulo: Da Universidade de São Paulo, 1982. p. 92.
37
Termo utilizado pelo pesquisador Oiliam José para designar as nações botocudas. JOSÉ. Oiliam.
Os Indígenas de Minas Gerais: Aspectos Sociais Políticos e Etnológicos. Belo Horizonte. Itatiaia,
1965. p16
38
GONÇALVES, Ary. O Segredo revelado de Guido Marlière. Disponível na internet
<http://paginas.terra.com.br/turismo/guidoval/guidmarl.htm> Marlière era um experiente militar. Serviu
nos exércitos imperiais de Luiz XVI, da revolução francesa e, por fim, nas tropas de Napoleão
Bonaparte, quando pertenceu ao Regimento Conde. Aqui no Brasil ele foi promovido ao posto de
major, isto em 1821, para chegar, no ano de 1827, ao de coronel de Cavalaria e adido do Estado-
Maior do Exército. iniciou a sua tarefa de pacificar os botocudos pela criação de quartéis, em regiões
37
caracterizam fisicamente: “são imensos em números, de bonita estatura, fortes,
robustos, e valentes, muito próprios para a agricultura e serviços dos rios.”
39
Ainda sobre suas características físicas é interessante observarmos nas
fontes a comparação feita por Sant-Hilaire, do Botocudo com os povos mongóis,
vejamos o relato:
“(...) Enquanto me achava entregue à escrita deste diário na venda da
Aldeia de São Pedro, descobri mais uma relação entre as raças mongólica e
americana. Um chinês cantava ao meu lado e eu acreditei ouvir o canto dos
Botocudos, amenizado e aperfeiçoado. (...)”
40
Sant Hilaire compara os povos mongólicos e Botocudos pela semelhança dos
tons de seus cânticos. Observando o cantarolar de certo chinês, habitante do interior
da colônia e os cânticos ouvidos por ele nos seus encontros com os índios
Botocudos do interior do Brasil, afirma ter descoberto uma relação entre esses
povos. Sant Hilaire continua sua comparação entre esses povos, comparando
aspectos físicos semelhantes entre eles como os olhos igualmente divergentes, o
nariz achatado entre outras características observadas pelo naturalista, no intuito de
provar a tese de que a “raça” americana e, sobretudo a Botocuda seria uma
modificação da “raça” mongólica, que se processara devido às modificações no
clima e a mistura com alguns ramos menos nobres da raça caucasiana
41
, assunto
até os dias atuais, muito discutido no meio acadêmico cientifico.
Passando para a organização política entre os índios Botocudos, o
podemos afirmar que seria propriamente uma nação, mas sim uma mistura de povos
que habitavam a Mata Atlântica, concentrados principalmente na Zona da Mata e no
Vale dos Rios Doce e Jequitinhonha. Compartilhavam alguns hábitos como o uso do
botoque, o mais simbólico entre seus costumes. Assim era enquadrado como
estratégicas, ao longo das margens do rio Doce, em territórios capixaba e mineiro. Tomou para si a
missão de integrá-los à civilização (visto, por essa época, como a política mais adequada à salvação
dos indígenas brasileiros).
39
Revista do Arquivo Publico Mineiro, ano XI, p.83
40
SANT-HILAIRE, August de. Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. Rio de Janeiro:
Companhia Editora Nacional, 1941. p 295
41
SANT-HILAIRE, August de. Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. Op. Cit 1941..
p.p294-295
38
Botocudo qualquer grupo indígena que usavam botoques, isto é, aquele adorno nos
lábios e na orelha, uma questão de cultura de algumas tribos.
O “Grupo” indígena dos Botocudos pode ser dividido em diversas tribos, tendo
cada uma um chefe independente, possuía cerca de 50 indivíduos guerreiros sem
contar mulheres e crianças. Os chefes não possuíam sucessores pré estabelecidos
pela hereditariedade, sua forma de organização tribal seria muito precária se
comparada às organizações européias, como nos leva a pensar a descrição de
STEAINS:
“(...) Os Botocudos não se dispõem de nenhuma forma de governo, embora
cada tribo tenha seu chefe (capitão). O chefe, porém, o exerce nenhuma
autoridade real sobre a tribo. Geralmente é ele o melhor caçador e sendo
assim, cabe-lhe em grande parte a responsabilidade de obter caça em
períodos difíceis. (...)”
42
O futuro chefe não esperava que o indicassem como substituto, era obrigação
deste individuo se auto-proclamar capitão da tribo, muitas das vezes impondo-se
pela bravura, dado à veia guerreira desse povo.
As relações limitadas aos indivíduos o favoreciam a presença marcante de
um líder entre eles. Poucas eram as ocasiões onde os chefes exerciam sua
autoridade. Suas funções ficavam restritas quase sempre a conduzir seus homens à
guerra e a determinar as migrações constantes em busca de lugares com
alimentação mais abundante. Mas mesmo assim não deixara de existir a figura do
cacique entre esses indígenas, expressando a autoridade e coordenação de um
líder, necessária dentro de um grupo. Necessidade que Oiliam José exemplifica:
“(...) Entre os nacnenuques, o acerto dessa afirmação o privilegio do uso da
barba apenas pelo chefe, porque na barba viam sinal de força e
superioridade. Era o cacique geralmente o dotado de maior valentia e o
servido de melhor capacidade de domínio, tanto moral como físico. (...)”
43
42
STEAINS, W. J. 1888. O Vale do Rio Doce. Revista da sociedade Geográfica do Rio de Janeiro IV,
pp. 213-226.
43
JOSÉ. Oiliam. 1965. Op. Cit. pp. 103-104
39
As lutas entre os diferentes grupos de Botocudos eram constantes. Segundo
relatos de época as tribos do Rio Doce viviam em guerra declarada entre os
indivíduos que habitavam o Norte e o Sul.
A Guerra parece ter sido muito comum entre os grupos. Guerreavam entre si
por vários motivos, como disputa por território, comida e influências dos
portugueses. Oilian afirma que as guerras “mobilizavam toda a tribo, exigindo a
cooperação de cada componente dela”
44
. Segundo o autor, nas ocasiões de
conflitos, era prática dos Botocudos que as mulheres e crianças ficassem na
retaguarda ou nas aldeias, realizando trabalhos como o de abastecimento e o
preparo de setas e alimentos.
Movidos pela guerra e pela busca constante da sua liberdade, não passavam
muito tempo sem estarem envolvidos em um conflito. Desde os primeiros tempos
que se têm notícias, constata-se a fama de guerreiro desses povos. A prática
“antropofágica”, da qual eram acusados, deram á eles, certa vantagem sobre os
outros povos, pois os tornavam muito temidos.
As desavenças entre os grupos de nativos do Sertão Mineiro levaram, muitas
vezes, os grupos rivais dos Botocudos á se unirem aos exploradores e invasores de
suas terras. Tornou-se comum a aliança entre povos indígenas e os exploradores
portugueses. Temos notícias, por exemplo, que os Malalis teriam se unido com a
proteção do quartel de Peçanha, no alto Rio Doce. os Maconis resistiram por
mais tempo aos ataques Botocudos, levaram uma vida sedentária, procurando se
esconder dos inimigos, até que se viram obrigados a aceitar a presença dos padres
e a se catequizarem.
Muitas outras tribos uniram-se, não com o intuito de combater os Botocudos,
mas sim para fugirem dos seus constantes e horríveis ataques. Os Malalis se uniram
aos Penhames, aos Copoxós, aos Macunis e Monoxós, no início do século XIX, para
junto aos portugueses fundarem um povoamento denominado Santa Cruz, onde
pretendiam se proteger dos ataques do inimigo Botocudo.
O naturalista Sant-Hilaire em seus relatos de viagens ao interior do Brasil nos
conta da guerra sem fim travada entre Monoxós e demais tribos do Sertão com
os Botocudos. Temos notícias ainda de guerras travadas entre Botocudos e
44
Idem. p.54
40
Pataxos, Maxacaris, Panhames e Capuxos, os últimos, por serem mais fracos
acabaram por desaparecer rapidamente.
O espírito guerreiro dos Botocudos foi motivo de várias anotações em
diversos relatórios que dão notícias deles durante o século XIX como veremos nos
trechos a seguir:
“(...) Atacando-se sem cessar entre si por traição, andando sempre em
alerta, com o arco esticado, devorando suas vitimas, estes seres
repugnantes, cujos dois sexos ficam inteiramente nus e sempre cobertos de
lama, oferecem o aspecto mais horrendo do que pode apresentar a
humanidade. (...)”
“(...) A cada dia eles mudam de pouso e depois de suas frugais refeições de
raízes e de carne assada que rasgam com suas unhas, ou após seus
horríveis festins de antropófagos, eles se jogam de qualquer jeito sobre a
terra como um bando de javalis, um servindo de travesseiro para o outro
(...)”
45
Estas imagens selvagens dos Botocudos que vimos anteriormente, muitas
das vezes eram adquiridas durante as constantes lutas provocadas pela invasão de
uma tribo no território dominado por outras, em busca de alimentos, mas que, ao
nosso entender, dificilmente dizimariam os índios, pois faziam parte de sua
cultura.
Defendemos a opinião de que espalhados pela colônia esses relatos surtiram
de certa forma uma propaganda de violência e de crueldade da parte do indígena
para com o Português, e que foram na verdade os grandes responsáveis pela
violência nos futuros encontros entre indígena e colonizador durante o decorrer do
século XIX.
Mas a entrada de um novo elemento muda a história dessa guerra de
característica “cultural” entre os povos Botocudos do Rio Doce, elemento este que
invadia e roubava suas terras; os colonizadores, protegidos pela Coroa.
Vale lembrar que, para os Botocudos, não havia motivos para respeitar os
colonos que se instalaram em suas terras e se denominavam agora, senhores e
45
As Minas Gerais aos olhos de Victor Renault, carta encontrada na França, escrita pelo engenheiro
Victor Renault ao irmão Leon, 1877 narrando seu contato na década de 30 com a região e os
habitantes das Gerais. Disponível em www.virtualbooks.terra.com.br/doc_historicos_carta.htm
acessado em 07/2007.
41
proprietários de suas terras e de suas vidas, impondo-lhes novos hábitos e negando
seus costumes.
Os índios Botocudos de imediato resistiram e se transformaram em
agressores dos colonos. Por sua vez os desbravadores do Sertão do Rio Doce
passam a tratar o “gentil dos Botoques”, com barbárie, caçando-os, como se caçam
os animais mais ferozes.
Da mesma forma o índio acuado colocava em prática todos
os tipos de horrores despertados, quando se viam diante da privação de seus
recursos, contra a fome e a morte. Matavam famílias inteiras de colonos com seus
respectivos animais e escravos. Queimavam todas as casas e mantimentos que
encontravam pela frente, como podemos comprovar em relatos da época:
“(...) Estes aimorés sam mui alvos e de maior estatura que os demais índios
da terra, com língua das quaes nam tem a destes nenhuma semelhança
nem parentesco. Vivem todos entre os matos como brutos animaes, sem
terem povoações, nem casas em que se recolham. Sam mui compridos e
grossos conforme as suas forças, e as flechas da mesma maneira. Estes
alarves tem feito muito dammo nestas capitanias depois de descerem a
estas costas e morto alguns Portugueses e escravos, porque sam mui
bárbaros, e toda gente da terra lhes he odiosa: Nam pelejam em campo
nem tem animo para isso; poen-se entre o mato junto de um caminho; e
tanto que alguém passa atiram-lhes ao coraçam ou a parte onde o matem e
nan despedem flecha que nam na empreguem.”
“As mulheres trazem huns páos grossos, à maneira de maças, com que
ajudam a matar algumas pessoas quando se offerece occasião. (...)”
46
No que diz respeito aos colonizadores então denominados “civilizados” o
encontro não fora nada amistoso, ao contrário, muitas das vezes bem mais violento
e perverso:
“(...) O comandante da Divisão, Alferes Januário Vieira Braga, dominado
pelo espírito de fanatismo, este oficial, carregava-se de insígnias religiosas
e fazia rezar pelos soldados, antes do ataque longas ladainhas que eram a
senha da carnificina iminente. Em seguida, recolhidos inúmeros prisioneiros,
dentre os incautos aborígines, aquele oficial reunia-os, devotamente, e a
sangue frio cortava-lhes a cabeça com um grande facão que trazia a cinta.
(...)”
47
46
Ed. Do Anuário do Brasil, pp. 142 e 143.
47
Revista do Instituto Histórico Geográfico de Minas Gerais – RIHGMG – vol. XIV. p. 381.
42
Segundo Oilian, muito embora os Botocudos fossem numericamente
reduzidos, eles habitavam uma região bastante vasta. O fato da região desses
indígenas ser tão grande, provavelmente, aos olhos dos colonizadores, tornava os
Botocudos uma grande nação. Entretanto, sugere esse autor que, até o próprio
temor do colonizador, com relação a esses indígenas, tenha multiplicado o efetivo
indígena para além da realidade efetiva da tribo.
O discurso oficial e dos memorialistas fixaram a imagem de crueldade,
desumanidade e monstruosidade do Índio Botocudo. Em cada menção do nome
Botocudo, seguiam se qualificativos que reforçavam essas imagens de monstros,
carnívoros, ferozes, selvagens, antropófagos. Em todas as fontes que pesquisamos
se confirma tal opinião que corria frequentemente no século XIX.
Para combater um povo tão feroz e temido, que impediam o avanço dos
colonizadores sobre os vales férteis do Rio Doce, não havia alternativa além da
guerra de extermínio.
CAPÍTULO II
CARTAS RÉGIAS: a questão indígena no sertão mineiro.
“Nessa capitania se acha ainda terreno incomensurável ocupado pelo gentio
Botocudo, o mais bravo do Brasil, particularmente nas margens do Rio Doce
que é constantemente reputado por muito rico e muito fértil... Visto que seja
possível outro meio que não seja o da força para opor tais monstros,
engelados na fereza e sedentos de sangue humano.... O único meio que há
43
a seguir é fazê-los recuar com a força ao centro das matas virgens que
habitam.” (José Eloy Otoni – 1798)
48
A monarquia Portuguesa no final do século XVIII empregou uma política que
objetivava a inserção do indígena, de maneira subordinada, á sociedade colonial,
usando como diretriz o chamado Diretório dos Índios, decretado ao tempo de
Pombal, em 1759. No início do século XIX, no entanto, devido ao contexto específico
do sertão do leste de Minas, uma nova frente de guerra, aos indígenas da região, é
organizada. A nação botocuda
49
, objeto central deste estudo foi praticamente
dizimada e o remanescente perdeu por completo sua identidade passando a
condição de mendigo nas pequenas cidades (vilas) do Leste Mineiro.
O Processo se estabelece á chegada de D. João, quando o Rio de Janeiro
torna-se sede da Coroa Portuguesa: as Cartas Régias permitem e oficializam a
guerra aos índios Botocudos, da Capitania de Minas Gerais, visando à posse de
suas terras, para a colonização. Para tanto, o futuro D. João VI declara a Guerra
como sendo a única forma de “civilizar” o feroz índio Botocudo:
“(...) Pedro Maria Xavier de Ataide e Mello, do meu Conselho, Governador e
Capitão General da Capitania de Minas Geraes. Amigo. Eu o Principe
Regente vos envio muito saudar. Sendo-me presente as graves queixas que
da Capitania de Minas Geraes têm subido á minha real presença, sobre as
invasões que diariamente estão praticando os índios Botocudos,
antropophagos, em diversas e muito distantes partes da mesma Capitania,
particularmente sobre as margens do Rio Doce e rios que no mesmo
deságuam e onde não devastam todas as fazendas sitas naquellas
visinhanças e tem até forçado muitos proprietários a abandonal-as com
grave prejuizo seu e da minha Real Coroa, mas passam a praticar as mais
horriveis e atrozes scenas da mais barbara antropophagia, ora
assassinando os Portuguezes e os Indios mansos por meio de feridas, de
que sorvem depois o sangue, ora dilacerando os corpos e comendo os seus
tristes restos; tendo-se verificado na minha real presença a inutilidade de
todos os meios humanos, pelos quaes tenho mandado que se tente a sua
civilisação e o reduzil-os a aldear-se e a gozarem dos bens permanentes de
uma sociedade pacifica e doce, debaixo das justas e humanas Leis que
regem os meus povos; e até havendo-se demonstrado, quão pouco util era
o systema de guerra defensivo que contra elles tenho mandado seguir, visto
48
SOARES, Geralda Chaves. Os Borun do Watu: Os Índios do Rio Doce. Contagem: CEDEFES,
1992. p. 49.
49
JOSÈ. Oilian. 1965. Op. Cit.
44
que os pontos de defeza em uma tão grande e extensa linha não podiam
bastar a cobrir o paiz.(...)”
50
(grifos nossos).
Nessa introdução do documento Régio de 13 de maio de 1808, podemos
destacar: o contexto conflituoso local e a intervenção real como uma resposta aos
apelos dos colonos, assentados na região, conforme dever do governante para
com os seus súditos. Essa intervenção zelaria, também, sobre os direitos da Coroa,
na defesa de sua Real Fazenda (prejuízos ao erário). Observamos, também, a
manutenção do estereótipo sobre os botocudos: antropófagos, bebedores de
sangue, assassinos de portugueses e de seus aliados indígenas. Essa imagem de
profunda barbárie justifica por sua vez, o fracasso de inserção dessas populações á
uma “sociedade pacífica e doce”, porque possui leis e governo justos, isto é, á
civilização, aqui representada pelo governo joanino.
Ainda nessa introdução do documento Régio observamos o interesse
marcante da Coroa Portuguesa à presença dos colonos nas terras produtivas do
vale do Rio Doce. Esse interesse, legitimado pela Carta Régia, contribuirá para que
os portugueses dizimem os índios de suas terras. Essa mesma Carta é considerada
por alguns autores como, Jonathas Durço
51
, um paradoxo em relação ao Alvará de
1º de Abril de 1680:
“(...) Dom Pedro Príncipe de Portugal, e dos Algarves como Regente, e
successor destes Reinos &c. Faço saber aos que esta Lei virem, que sendo
informado ELRei Meu Senhor, e Pai que Deos tem, dos injustos cativeiros, a
que os moradores do Estado do Maranhão por meios illicitos reduzirão os
Índios delle, e dos graves damnos, excessos, e ofensas de Deos, que para
este fim se commettião, fez humana(...).”
52
O Alvará de de abril de 1680, confirmado pela Lei de junho de 1755,
firmava o princípio de que nas terras outorgadas a particulares seria sempre
preservado o direito dos índios, primários e naturais senhores delas
53
. Sendo,
50
Carta Régia de 13 de maio de 1808, In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org). Legislação indigenista
no século XIX: uma compilação: 1808-1889. São Paulo: Edusp: Comissão Pró-Índio de São Paulo,
1992.pp.57-60.
51
DURÇO. Jonathas. 1989. Op. Cit.
52
Alvará de de abril de 1680. Legislação Portuguesa Copilada e Annotada. José Fustino de
Andrade e Silva. Lisboa Imprensa de F X de Solza 187. disponível em: <http://www.
iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=102&id_obra=63>
53
Revista Arquivo Publico Mineiro. ano X. volume XIV.
45
portanto tal dispositivo a “gênese da velha e tradicional instituição jurídica luso-
brasileira do indigenato.”
54
D. João VI passava por cima do indigenato, que era uma velha e tradicional
instituição jurídica luso-brasileira que segundo o jurista José Afonso Silva:
“(...) Deita suas raízes nos primeiros tempos da colônia, quando o alvará
de de abril de 1680 confirmado pela lei de junho de 1755, firmará o
principio de que, nas terras outorgadas a particulares, seria sempre
reservado o direito dos índios, primários e naturais senhores dela(...).”
55
Portanto, a Carta Régia de 13 de maio de 1808 é considerada, por esses
autores, uma ruptura, se compararmos com toda a legislação anterior relativa à
questão indígena. Entretanto temos que relativizar esse enunciado, uma vez que, a
guerra justa manteve-se como pratica legal, até o Diretório dos Índios e, nas guerras
os indígenas sempre perdiam a liberdade e, também seu território.
Tendo em vista as dimensões continentais da terra descoberta, nos primeiros
séculos posteriores à chegada de Pedro Álvares Cabral, os governos coloniais
contavam com legislações especificas, concernentes aos indígenas e seus direitos
ou, não, sobre a terra, legitimados por Bulas Papais ou Decretos reais. Entretanto,
os avanços da colonização, com o aumento do contingente populacional, a
diversificação e elevação dos interesses econômicos, bem como seus
condicionantes agrários, alem das questões relacionadas à própria existência da
Coroa Portuguesa, em um contexto de profundas rivalidades no mundo europeu,
implicaram em posicionamentos políticos e legais mais severos em relação às terras
do Brasil e á própria sorte dos indígenas da colônia. São essas as primeiras páginas
do processo histórico relativo à questão da Terra no Brasil.
56
Posteriormente, com a chegada da expedição colonizadora (1530)
comandada por Martin Afonso de Souza
57
os índios foram utilizados para ajudar os
54
DURÇO. Jonathas Gerry de Oliveira & Durço. Cristiane de Freitas Pereira. Considerações Sobre a
Carta Régia de 1808 e a utilização de Normas Legais justificando o Genocídio dos Índios do Vale do
Rio Doce. Governador Valadares. FADIVALE. 2000 p.6
55
SILVA,José Afonso, Direito Constitucional Positivo. São Paulo. Malheiros, 2000
56
CUNHA, Manuela Carneiro da (Org). Legislação indigenista no século XIX: uma compilação: 1808-
1889. São Paulo: Edusp: Comissão Pró-Índio de São Paulo, 1992. p.p15-16
57
Nomeado capitão-mor da esquadra e das terras coloniais pelo rei de Portugal, tinha amplos
poderes para descobrir novas riquezas, combater estrangeiros, policiar, administrar e povoar as terras
brasileiras. VICENTINO, Cláudio. DORICO, Gianpaolo. História do Brasil. São Paulo: ed. Scipione,
46
portugueses a fixar-se na Terra brasileira. No combate aos índios ferozes, que
impediam a fixação, os donatários
58
usavam os índios aliados, conforme podemos
confirmar de Beatriz Perrone:
“(...) Uma das principais funções atribuídas aos índios aldeados é a de lutar
nas guerras movidas pelos portugueses contra os índios hostis e
estrangeiros (...)”
59
Na época das Capitanias Hereditárias verifica-se novamente uma tentativa de
utilizar a mão de obra indígena, dessa vez nos engenhos de açúcar, período
correspondente, também, às expedições de apresamento, para capturar os índios e
escravizá-los.
Para o início do século XIX, na realidade, a diretriz política da metrópole
portuguesa em relação ás populações nativas foi acompanhada de um conjunto de
dispositivos editados ao longo dos séculos de colonização. Inicialmente, como
reza a Carta Régia, foi proibida a escravização dos índios, a exceção daqueles
aprisionados em guerra justa.
60
, que era uma prática que remontava ao início da
colonização. Nesse sentido, com relação aos habitantes indígenas da região
estudada, ressalta John Manoel Monteiro, o trecho da Carta Régia:
“(...) Que sejam considerados como prisioneiros de guerra todos os Indios
Botocudos que se tomarem com as armas na mão em qualquer ataque; e
que sejam entregues para o serviço do respectivo Commandante por dez
annos, e todo o mais tempo em que durar sua ferocidade, podendo elle
empregal-os em seu serviço particular durante esse tempo e conserval-os
com a devida segurança, mesmo em ferros, emquanto não derem provas do
abandono de sua atrocidade e antropophagia(...).”
61
1997. p.70.
58
Também chamado de capitão”, “capitão-mor”, ou “governador”, tinha a prerrogativa de doar terras
para serem exploradas, num prazo de 5 anos, tinha o direito de escravizar índios, montar engenhos,
cobrar impostos e exercer a justiça em seus domínios. VICENTINO, Cláudio. DORICO, Gianpaolo.
História do Brasil. São Paulo: ed. Scipione, 1997. p. 74
59
PERRONE-MOISES, Beatriz. Índios livres e Índios escravos. In. CUNHA, Manuela Carneiro da
(Org). História dos índios no Brasil. São Paulo: ed. Companhia das Letras: edição, reimpressa.
2006.p.121
60
MONTEIRO, John Manoel. Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São
Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 59
61
CUNHA, Manuela Carneiro da (Org). 1992. Op. Cit.
47
Observa-se aqui que, a sorte desses indígenas estava condicionada a sua
docilidade ou não, á aproximação do homem branco. Mas, na realidade, os índios
eram enquadrados na categoria de “bravios” ou Botocudos, segundo o interesse dos
colonos por suas terras, ou, ainda, pela necessidade de mão de obra. Assim, nas
duas primeiras décadas do século XIX, passavam a fazer parte dos “Povos
Botocudos”, nações das mais variadas etnias como, por exemplo, Puris e Coroados
que, muitas das vezes, tiveram suas Terras invadidas e foram escravizados, como
um Botocudo bravio.
É nessa perspectiva, de ocupação de terras e conflitos com as varias etnias
da região, que o Sertão do Rio Doce começa a ser incorporado á política portuguesa
de colonização. Aos poucos caem por terra às restrições à colonização e exploração
desse Sertão e os rios grupos indígenas que á ela reagem, passam a ser
conhecidos como Botocudos.
Ilustração 10 : No Tomo na prancha 20 Debret, retrata a utilização de tropas de soldados, constituídas de
índios “civilizados” no combate e escravização dos selvagens.
62
62
DEBRET, Jean Baptiste. Todas as Pranchas originais de Viagem Histórica e Pitoresca ao Brasil.
Tomo I e II. Com legendas de MATHIAS. Herculano Gomes. São Paulo: Ediouro. 1980. p. 25.
48
Em 1800, quando Antonio Pires da Silva Pontes assume o cargo de
governador da Capitania do Espírito Santo, leva consigo ordens de promover à
abertura do Rio Doce à navegação e de proceder a demarcação das divisas entre as
Capitanias de Minas Gerais e Espírito Santo, como observamos na correspondência
trocada entre governadores da região:
“(...) OFÍCIO do Governador da Capitania do Espírito Santo, Antônio Pires
da Silva Pontes Pais Leme e Camargo, ao Governador da Capitania de
Minas Gerais, Bernardo Joda Silveira e Lorena, a informar da franquia e
abertura à navegação por águas até Minas Gerais, para assegurar o registro
de ouro na Cachoeira das Escadinhas, no rio Doce(...).”
63
(grifo nosso)
O oficio acima destaca que a incorporação do rio Doce passa a ser vista
como um potencial de riqueza. O Governador da Capitania do Espírito Santo,
Antonio Pires da Silva Pontes Pais Leme, recebe do Conde de Linhares, um dos
principais Ministros do Príncipe Regente D. João, a incumbência de estabelecer
comunicação terrestre entre Espírito Santo e Minas Gerais e de estudar e promover
a abertura e navegação do Rio Doce e a colonização das suas margens.
Observa-se que, ao enfraquecimento das atividades auríferas em outras
regiões da Capitania das Minas Gerais, foi conseqüente a liberação de parte da
população local, a partir de então, considerada ociosa e sem destino, pelas
autoridades coloniais. Para o Estado Português, uma massa perigosa, que poderia,
então, ser utilizada na colonização de uma nova área, até agora, restrita. (Zona
Proibida).
Nos anos que se seguem após 1800 interesse da Coroa Portuguesa na
penetração em áreas do Sertão Leste Mineiro, ainda não explorado e que
permanecia intocado, até então somente abrigando as tradicionais e seculares
atividades indígenas. Dessa forma, após a diligencia política do novo Governador da
região, comentada pouca acima, diversas expedições penetraram, aproveitando-
se do grande caminho aberto pelo Rio Doce, considerado como a melhor via de
acesso ao Sertão e caminho rumo ao sonho de terras e riqueza. Essas expedições
mostram-nos a mudança da política oficial, de “zona proibida” á frente pioneira.
63
CTA: AHU- Espírito Santo, cx. 06 doc 15 oficio 438. Espírito Santo 23, Abril de 1800, disponível
na internet no endereço http://www.ape.es.gov.br/catalogo/cat-i-451-500.htm acessado em 24/06.
49
Mudança essa que provocará os choques entre colonos e índios, ao longo dos anos,
e que resultará na Carta Régia de 1808.
Assim, na própria Carta o Príncipe Regente D.João deixa claro as suas
diretrizes políticas. Os incentivos da Coroa Portuguesa na nova empreitada territorial
traduzem-se assim no programa de consolidar a navegação do Rio Doce e a
colonização da sua bacia, o que significa a ocupação, por terra e água, garantindo,
assim, tanto a exploração econômica quanto a administração, de contingentes
populacionais desocupados. Nesse sentido, a carta regia de 13 de meio de 1808
enfatiza:
“(...) Propondo-me igualmente por motivo destas saudáveis providencias
contra os Indios Botocudos, preparar os meios convenientes para se
estabelecer para o futuro a navegação do Rio Doce, que faça a felicidade
dessa Capitania, e desejando igualmente procurar, com a maior economia
da minha Real Fazenda, meios para tão saudável empreza; assim como
favorecer os que quizerem ir povoar aquelles preciosos terrenos auriferos,
abandonados hoje pelo susto que causam os Indios Botocudos(...).”
64
(grifos
nossos).
Tais providências apresentadas no documento Régio em relação à
navegação do Rio Doce visavam favorecer a entrada dos futuros colonos nesta
região, supostamente, terrenos auríferos.
A partir desses avanços sobre o Sertão do Rio Doce, os conflitos entre
indígenas e portugueses pela posse da terra passaram a ser freqüentes, surgindo a
necessidade da intervenção lusitana no sentido de criar normas que promovessem
efetivamente a ordem.
Aventuramo-nos assim a adiantar como hipótese que esta situação resulta,
então, de um novo contexto, cuja solução será a da tradição: guerra e escravização
das populações nativas. Envolvem antigas questões territoriais, econômicas e
populacionais ainda presentes para a Coroa Portuguesa.
A administração portuguesa estava ciente da pressão que sofreria por parte
dos colonos, apoiando-os, porque também representavam interesses econômicos da
Coroa. Colonos e Coroa interessados em apossar-se das terras indígenas, e da
64
In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org). 1992. Op. Cit. p. 61
50
necessidade de meios drásticos para privá-los de um bem que encerra em si a sua
própria razão de existir. Daí porque, a nosso ver, um período tão curto separa a
chegada da Família Real Portuguesa (janeiro de 1808) e a edição de normas
jurídicas (maio de 1808), que culminariam com a destruição e/ou subordinação do
Botocudo no Vale do Rio Doce:
“(...) Que desde o momento, em que receberdes esta minha Carta Regia,
deveis considerar como principiada contra estes Indios antropophagos uma
guerra offensiva que continuareis sempre em todos os annos nas estações
seccas e que não terá fim, senão quando tiverdes a felicidade de vos
senhorear de suas habitações e de os capacitar da superioridade das
minhas reaes armas de maneira tal que movidos do justo terror em
sociedade, possam vir a ser vassallos uteis, como o são as immensas
variedades de Indios que nestes meus vastos Estados do Brazil se acham
aldeados e gozam da felicidade que é conseqüência necessária do estado
social(...).”
65
(grifos nossos).
Segundo orientações da fonte, a guerra ofensiva seria o caminho para que a
coroa portuguesa se assenhoreasse das terras ocupadas pelos Botocudos e os
transformassem em “vassalos úteis”.
O caráter ofensivo da política que seria adotada, a partir desse momento
contra os índios ”Bravios” do Sertão mineiro, proporciona a criação de um “Corpo de
Soldados Pedestres”
66
que também teria como objetivo, garantir segurança aos
colonos, para que pudessem fixar e expandir as fronteiras do Reino.
Ainda nesse contexto, cria-se a Junta de Civilização e Conquista dos Índios e
Navegação do Rio Doce, que ficaria com a função de fiscalizar e administrar a
exploração desse Sertão, assim como de estender na região, o que era feita em
outras: aldear e “civilizar” os índios. Essa medida previa a criação de áreas
administrativas, administradas por um Comandante. Com essa decisão ficava clara
a intenção da Coroa em se apropriar das terras indígenas da Zona “Proibida” e
distribuí-las a colonos que as tornassem produtivas. os índios tornar-se-iam
“administrados”. Formavam-se assim milícias armadas com objetivo de atacar e
combater os índios Botocudos.
65
Idem. p. 58
66
BRASIL. Leis etc. Colecção das Leis do Brazil de 1808. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891.
pp. 37-41.
51
“(...) Em segundo logar sou servido ordenar-vos que formeis logo um Corpo
de Soldados pedestres escolhidos e commandados pelos mesmos habeis
Commandados que s em parte propuzestes e que vão nomeados nesta
mesma Carta Régia, os quaes terão o mesmo soldo que o dos Soldados
Infantes;(...)”
67
Essas milícias seriam chefiadas por Comandantes, indicados pelo Príncipe
Regente D. João. Eram formadas, muitas vezes, por índios “mansos”, que teriam um
soldo menor. Deveriam ser providenciadas, também, medidas para que não
aumentassem as despenas da coroa com a Capitania mineira e a “civilização” dos
índios. “(...) e sendo Índios domésticos, poderá diminuir-se o soldo a 40 réis, como
se faz na guarnição dos Presídios dos Barretos e da Serra de S. João (...)”.
68
A estratégia de Guerra adotada pela Coroa Portuguesa e que será mantida no
Reinado, foi efetivada com a ocupação da região por destacamentos militares,
que também se estende por outras capitanias. Entre 1800 e 1814 foram construídos
sete quartéis no sul da Bahia, 27 no nordeste e leste de Minas (sendo vinte na
região do rio Doce) e 38 no Espírito Santo. Com a tônica voltada à violência, as
milícias eram formadas por todo tipo de gente: presos comuns, ex-garimpeiros, ou
convocados aleatoriamente. Cometiam as piores barbaridades, como aponta
Freireyss, um viajante europeu que esteve na região por volta de 1815:
“(...) O comandante [do quartel de Santana dos Ferros] nos contou que
tinha amansado quinhentos Puris e os domiciliados em lugares
determinados, fazendo-os acabar com toda hostilidade contra os
portugueses e seus amigos; mas acrescentou, com uma risada diabólica,
que se devia levar-lhes a varíola para acabar com eles de uma vez,
porque a varíola é a doença mais terrível para esta gente(...).
69
(grifos
nossos).
Assim como registra Freireyss, era comum o uso da violência por parte dos
comandantes dos quartéis em relação aos índios e, por vezes, chegavam a ser
irônicos ao desejarem acabar de uma vez com os Botocudos através da
disseminação de doenças, como no caso, a varíola.
67
In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org). 1992. Op. Cit. p. 61
68
Idem. p. 61
69
FREIREYSS, G.W. Viagens as várias Tribos de Selvagens na Capitania de Minas Gerais,
permanência entre alas, descrição de seus usos e costumes. RIHGSP. São Paulo: Diário Oficial,
1902.
52
Com a justificativa de tornar os Botocudos vassalos úteis, “como são as
imensas variedades de índios, que nestes meus Estados do Brasil se acham
aldeados, e gozam da felicidade que é conseqüência necessária do estado social”
70
,
define-se a estratégia de Guerra. No território do Sertão Leste de Minas Gerais
foram criadas seis divisões militares e para cada uma foi nomeado um comandante
com poderes militares, jurídicos, civis e policiais que formariam a tropa do
Regimento da Divisão Militar do Rio Doce (DMRD). Quanto aos poderes desse
comandante fica definido que:
“(...) A estes Commandantes ficará livre o poder em escolher os soldados
que julgarem proprios para essa qualidade de duro e aspero serviço, e em
numero sufficiente para formarem diversas Bandeiras, com que hajam
constantemente todos os annos na estação secca de entrar nos matos;
ajudando-se reciprocamente não as Bandeiras de cada Commandante,
mas todos os seis Commandantes com as suas respectivas forças, e
concertando entre si plano mais proficuo para a total redução de uma
semelhante e atroz raça antropophaga. Os mesmos Commandantes serão
responsáveis pelas funestas conseqüências das invasões à sua guarda,
logo que contra elles se prove omissão, ou descuido(...).”
71
(grifo nosso).
O trecho da carta Régia demonstra a intenção do Governo Português, em
erradicar da área do sertão qualquer obstáculo a sua conquista, dando aos
comandantes dos quartéis poderes para combater e eliminar a força do antropófago
gentio mineiro.
Um dos maiores problemas para a efetivação da ocupação da área do Sertão
sem duvida era o “índio Bravio”, o “antropófago” Botocudo, que enfrentou, enquanto
teve forças a invasão de suas terras. É comum em relatos da época as noticias de
barbárie cometida pelos índios, em resposta às invasões praticadas pelos colonos,
como nos mostra os relatos da época:
“(...) Tenho memória de haver mandado, em 1814 ou 15, duas Bandeiras ao
Matto, contra os Puris então bravos. A 1.
a
porq’ vierão matar á hum moço na
Freguezia d’S. João Baptista do Prezidio, composta de Portuguezes da
Esquadra do Matto, e de índios Coroados: a 2.
a
, inteiramente de Coroados,
por virem os mesmos matar á hum Índio desta Nação chamado Silvestre, e
70
In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org). Op. Cit .pp.57-60.
71
In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org). Op. Cit .p. 61
53
a dous filhos deste, que estavam trabalhando nas plantações da sua
respectiva Aldeã(...).”
72
As Divisões Militares, em quartéis, passaram a combater mais de perto e de
forma mais ostensiva e ofensiva os “Botocudos bravios”. Essas divisões também
tinham a finalidade de facilitar a atração dos índios “mansos”, por intermédio de
“línguas
73
e de quinquilharias que eram oferecidas. Esses índios considerados
mansos foram importantes para a efetivação da colonização, pois, passavam a fazer
parte das tropas para combater os “Bravios”.
Essa divisão ficara estabelecida no período de 1808 a 1839 da forma como
podemos observar na tabela a seguir:
DIVISÃO QUARTEL LOCALIZAÇÃO
1ª DMRD
Joanésia Margem do Rio Santo
Antonio
Cachoeira Escura Rio Doce, cachoeira Escura
Geral de Naknenuk Foz do Rio Santo Antônio
Baguari Rio Doce, cachoeira do
Baguari
Galho Belo Oriente
2ª DMRD
Presídio de S. João Batista Rio Pomba, cachoeira do
Chopotó
Guidoval Rio Pomba, Rio Chopotó
Meia Pataca ( Cataguases ) Rio Pomba
Vargem Grande( Manoelburgo
Muriaé)
Rio Muriaé divisa com o Rio
de Janeiro
Tapera Divisa RJ e abaixo Guidoval
72
Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano XII, 1907/1908, p. 526-7.
73
Línguas era como ficavam conhecidos os guias de expedições que aprendiam a língua do nativo e
era usado para intermediar o contato entre o colonizador e o gentio.
54
3ª DMRD
Abre Campo Entre os Rios Casca e
Matipó
Ponte Nova Margem do Rio Piranga
(Doce)
Casca Rio Casca
Matipó ou Cachoeira Torta Rio Matipó
Galho Ribeirão do Sacramento
Itapemirim Div Minas e Espírito Santo
Manhuaçu Cabeceira do Rio Manhuaçu
Ouro Cabeceira do Rio Manhuaçu
Rio Pardo Divisa com o Espírito Santo
Rio Preto Divisa com o Espírito Santo
Barra do Rio do Norte Em território do Espírito
Santo
São Lourenço Depois de Ponte Nova
Entre Folha Entre os Rios Doce e
Ribeirão do Sacramento
Quartel Localização
4º DMRD
Casca Barra do Rio Casca
Mombaça Barra do Rio Mombaça
Onça Rio Onça Pequena
Antônio Dias Arraial de Antônio Dias, Rio
Piracicaba.
São João do Madureira Próximo a Antônio Dias
Porto das Canoas Rio Piracicaba, abaixo de
Antônio Dias
Retiro Próximo a Antônio Dias
Abaixo
5º DMRD
Alto dos Bois Divisor de águas dos Rios
Doce e Mucuri
Arapuca ( Urupuca) Entre Rios Margens do Rio Urupuca
Peçanha Cabeceira do Rio Suaçui
Pequeno
Entre Barras Margens do Rio Suaçui
Grande
Ramalhete Rib Ramalhete, afl do R
Suaçui Grande
São João Margem sul do Rio Suaçui
Grande
Brejaúbas Ribeirão das Brejaúbas,
entre os Rios Corrente e
Suaçui Grande.
Setúbal Margem do Rio Setúbal
55
6ª DMRD
D. Manoel (Figueira) Mg do R Doce entre Suaçui
Grande e Pequeno
Cuieté Rio Cuieté, próximo ao Rio
Doce
Barra do Cuieté Na foz do Rio Cuieté
Lorena (Natividade Aimorés) Rio Doce cachoeira da
Escadinha
Bananal Grande Margem Sul do Rio Doce
7ª DMRD
São Miguel do Jequitinhonha Margem do Médio rio
Jequitinhonha
Rubim Rio Rubim do Sul afluente do
Rio Jequitinhonha
Fonte: Retirado na integra do Livro Sertão do Rio Doce.
74
A criação dessas divisões Militares, ao longo da Bacia do Rio Doce, contribuiu
muito para a dizimação dos Indígenas da região, tanto os considerados “bravios”,
como também os “mansos”. Esses índios serão atraídos pelas promessas dos
comandantes dessas áreas administrativas, sofrendo através dessa ação um forte
impacto cultural.
Sertão Mineiro: Localização das DMRD e principais Quartéis.
74
ESPINDOLA. Haruf Salmen. Op. Cit . pp. 427 a 429
56
Ilustração 11: Minas Gerais: Áreas de ocupação das Divisões Militares do Rio Doce e localização dos
Quartéis. Fonte: ESPINDOLA. Haruf Salmen. Sertão do Rio Doce. São Paulo: ed. Edusc 2005 IBGE –
1996
Podemos perceber, pelo mapa, a intensa militarização da área e seus pontos
estratégicos.
A partir do momento que o colonizador começa a penetrar no Sertão os povos
indígenas têm seu modo de vida gradativamente ameaçado. A disputa pelas áreas
férteis e o modo de vida indígena: “todas essas tribos são nômades no seu estado
livre e como nenhuma criação têm, nutrem-se de caça, de raízes e de frutas
silvestres”
75
, não raramente deu lugar as intricadas disputas entre as tribos rivais,
que ocorriam desde os primórdios, vem somar-se a disputa com o elemento
colonizador, que também entrara na luta pela posse e exploração da terra.
75
FREYREISS, Georg Wilhelm. 1982. Op. Cit. p.82.
57
Nessa perspectiva, a questão primeira das relações indígenas e homens
brancos, sem sombra de duvidas foi a da posse da terra, na medida em que,
segundo Haruf:
“(...) o objetivo central da declaração de guerra foi desocupar as margens do
Rio Doce da presença do Botocudo, para que pudesse liberar o território e
ali ser introduzida com segurança na atividades econômicas
mercantis(...)”.
76
A partir do início do século XIX, portanto, “e, sobretudo a partir da chegada de
D. João ao Brasil, em 1808, a política indigenista viu sua arena reduzida e sua
natureza modificada, não havendo mais vozes dissonantes quando se tratava de
escravizar índios e ocupar suas terras” (Carneiro da Cunha)
77
, se levarmos em conta
as ações dos Jesuítas, que acabaram expulsos do Brasil pelo Marques de Pombal.
Os novos projetos e necessidades da coroa portuguesa não tinham espaço
para os indígenas da região. A própria ação do ministro Conde de Linhares
78
, era
destinada basicamente a dinamização da navegação pelo Rio Doce, no sentido de
se atingir a melhor maneira para o escoamento da produção das terras de Minas,
paralelamente, representando essa, uma forma de assentamento dos colonos, que
iam se multiplicando com o declínio da mineração na região central da capitania.
Nesse sentido, a carta Regia expressa o interesse da Coroa para com a posse da
terra assim dividindo-a entre os comandantes das divisões:
“(...) ordeno-vos que façais distribuir em seis districtos, ou partes, todo o
terreno infestado pelos Indios Botocudos, nomeados seis Commandantes
destes terrenos, a quem ficará encarregada pela maneira que lhes parecer
mais profunda, a guerra offensiva que convém fazer aos Indios Botocudos
(...).”
79
(grifo nosso)
76
ESPINDOLA. Haruf Salmen. Op. Cit . p. 124
77
CUNHA, Manuela Carneiro da (Org). História dos índios no Brasil. São Paulo: ed. Companhia das
Letras: 2ª edição, 3ª reimpressa. 2006. p. 16
78
Titulo criado em 17 de dezembro de 1808, por D. Maria I a favor de D. Rodrigo de Souza Coutinho
de grande influencia na Corte Portuguesa.
79
In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org).1992 Op. Cit. .p.57-60.
58
Todo “terreno infestado pelos Índios Botocudos”, segundo o trecho da carta
Régia, sofreria a conseqüência da guerra a eles declarada.
Assim, no corpo da Carta Régia, o Príncipe Regente tem a preocupação de
incentivar a colonização, fazendo com que avancem sobre as terras indígenas. Para
isso dava isenção de dizimo aos colonos que se sujeitassem a enfrentar a
empreitada.
“(...) vos ordeno que em todos os terrenos do Rio Doce actualmente
infestados pelos Indios Botocudos, estabeleçais de accordo com a Junta da
Fazenda, que os terrenos novamente cultivados e infestados pelos Indios,
ficarão isentos por dez annos de pagarem dizimo a favor daquelles que os
forem por em cultura de modo que se possa reputar permanente: que
igualmente fique estabelecida por dez annos a livre exportação e
importação de todos os generos de commercio que se navegarem pelo
mesmo Rio Doce (...).”
80
(grifo nossos)
A orientação de D. João demonstra claramente sua intenção de tomar as
terras do indígena e incorporá-las ás terras produtivas do reino. Quem invadisse
mais terras ficaria 10 anos sem pagar o dizimo como vimos no trecho do documento
Régio acima. Também na mesma Carta de 1808, concedia moratória para os
grileiros das terras indígenas durante seis anos:
“(...) que finalmente fique decretado, que concedo a todos os devedores da
minha Real Fazenda que forem fazer semelhantes estabelecimentos de
cultura e de trabalhos auriferos, a especial graça, de uma moratoria, que
haja de durar seis annos da data desta minha Carta Régia, em cujo periodo
não poderão ser inquietados por dividas que tenham contrahido com a
minha Real Fazenda, (...).”
81
(Grifos nossos).
Através do documento citado, percebemos tamanha intenção do Governo
Português na exploração das riquezas destas terras, ao conceder a quem se
aventurasse a moratória de dividas, entre outros benefícios.
Assim, no período de vigência da Carta Régia de 13 de maio de 1808
82
,
poderemos verificar a intensificação do processo de ocupação das terras do Sertão
80
Idem. p. 61
81
Idem. p. 61
82
In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org).1992 Op. Cit. .p.57-60. p. 61
59
do Rio Doce pelos colonizadores, empurrando as populações nativas para as
margens da sociedade. Quando estas não foram dizimadas, foram obrigadas a
assimilar uma cultura totalmente diferente que, em médio prazo, destituirá o nativo
de sua cultura e identidade.
Dessa forma, como nos evidencia o documento citado, podemos dizer que na
política de ocupação do interior da colônia, toda sorte de privilégios foram
concedidos aos colonos, no sentido de deslocarem a colonização para a posse e
fixação no Sertão mineiro. Afastando de todos os modos as ameaças representadas
pelos temidos índios Botocudos, esperava a Coroa explorar as terras férteis, as
possíveis veias metalíferas e a navegação dos rios, sobretudo o Rio Doce.
Do que foi exposto até aqui podemos entrever o quanto a sorte dos indígenas
da região esteve associada diretamente aos problemas da Coroa. Nesse sentido,
em pouco mais de meio século, da segunda metade do XVIII ao inicio do XIX, a
política do governo português, que era de manter esta região isolada, se transforma
completamente. Em um primeiro momento, quando foi interesse da Coroa limitar o
acesso a essas regiões, incentivou-se a difusão do temor relativo aos índios da
região, assim evitava-se, sobretudo, o contrabando do ouro, que era, inclusive,
proibido de ser aí explorado. Com esse sentido, a representação e circulação de
notícias quanto ao caráter ameaçador do “bravio Botocudo” foi em uma primeira
etapa, uma estratégia de vigília barata para os cofres da Nação. Em outras palavras,
um empreendimento cômodo e barato, pois a simples presença dos Botocudos na
região era considerada suficiente para manter isolada esta parte do Sertão Mineiro,
sendo feito pelo governo para a divulgação, entre os garimpeiros e colonos, das
ameaças dos selvagens índios da região, especialmente dos “antropófagos”
Botocudos.
Sendo uma área proibida, os Sertões do Leste mineiro funcionara como uma
barreira natural contra o contrabando da produção de ouro. Nesse sentido, a noção
de habitantes naturais da terra ganha novo significado, no alvorecer do século XIX: a
presença dos Botocudos servindo como uma barreira natural aos interesses que
ameaçavam os cofres reais. Enquanto tal noção prevaleceu, os diversos grupos
indígenas ali situados estiveram praticamente livres do contato com os
colonizadores, muito embora alguns aventureiros desrespeitassem as
determinações da Coroa, infiltrando-se nas “áreas proibidas”, a fim de obter minérios
60
e a cobiçada poaia.
83
Mas sem que os indígenas soubessem, prestavam
“serviços” ao Estado
84
, como nos sugere Maria Leônia Chaves de Rezende:
“(...) A impossibilidade da autoridade colonial de controlar o extravio da
exploração aurífera fez com que a política do Estado mantivesse
populações indígenas afastadas do contato - como um cinturão de
resistência nos sertões, intimidando a penetração dos contrabandistas,
ávidos em explorar as jazidas minerais à revelia do controle metropolitano.
Por isso mesmo, o Estado nem sempre se preocupou de fato com a
“civilização” dos índios, que, muitas vezes, prestavam melhores serviços na
condição de bestas e selvagens (...)”
85
A partir do momento que é editada a Carta Régia em 1808, a questão agora
era expulsar ou subordinar os indígenas e distribuir títulos de posse de terra a quem
ajudasse nessa investida. Aconteceu, porém, que estes nativos não entregaram
facilmente o seu território e promoveram, na história do Brasil, umas de suas
páginas mais sangrentas. Cada palmo de terras custava a morte de muitos índios
que, depois, retornavam á terra conquistada pelos brancos e destruíam tudo o que
fora plantado e edificado, fazendo jus, assim, as representações de “Bravios
Botocudos” .
Para completar a Carta Régia editada em (1808) e traçar o destino dos índios
Botocudos do Sertão do Rio Doce, o então Príncipe Regente edita, em 2 de
dezembro de 1808, um outra carta Régia. Nele, tratava sobre a Civilização e a
educação religiosa dos Índios, ainda sobre a navegação dos rios e a cultura dos
terrenos.
86
Tal documento dispõe especificamente sobre a utilização do índio
prisioneiro, como mão de obra, pelos colonos. O documento dispunha:
83
Também conhecidas como ipeca ou ipecacuanha, estas raízes eram usadas como vomitório e
antifebril, tendo grandes volumes exportados da Capitania de Minas Gerais. O comercio dessas
raízes, que eram obtidas pelo branco por meio do escambo, no qual era oferecida aguardente aos
indígenas, ocasionou um grande impacto na região. Se por um lado, a introdução de aguardente
alterou as praticas indígenas herdadas do período pré-colonial, levando-os ao consumo
indiscriminado da referida bebida, por outro, o acesso dos brancos e seus associados às regiões do
Pomba e Alto Rio Doce foi facilitado por tal comercio. De acordo com o Grande Dicionário da Língua
Portuguesa, de Antonio Moraes Silva: Poaia s. f. Bot. Designação brasileira atribuída a varias
plantas, em grande parte também designadas pelo nome de ipecacuanha; são eméticas e rubiáceas.
84
OLIVEIRA Ricardo Batista de. Os antigos habitantes do Leste mineiro. Universidade Federal de
Ouro Preto.
85
RESENDE, Maria Leônia de. Gentios brasílicos: índios coloniais em Minas Gerais Setessentista.
Campinas, SP: [s.n.], 2003, p.76. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas.
86
In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org). 1992 Op. Cit. pp.66 a 69
61
“(...) Em primeiro logar: que no território novamente resgatado das incursões
dos índios Botocudos, ou ainda outros quaes quer, considereis como
devolutos todos os terrenos” (...) Em segundo logar: que daqui em diante
permittais a cada um dos Commandantes nas suas respectivas Divisões
que possam demarcar e assignalar terrenos proporcionaes ás fabricas dos
que forem entrando, ficando depois estes novos proprietarios que entrarem
de posse, obrigados a procurar o titulo legitimo das sesmarias, intervindo a
necessaria “informação dos mesmos.” (...) “Em terceiro logar ordeno-vos:
que escolhais, de accordo com o Bispo, algum ou se necessario for, alguns
Ecclesiasticos virtuosos, intelligentes e zelosos do serviço de Deus e meu, a
quem possam encarregar a educação religiosa e civil do gentio que existe
aldeiado, e do que for apparecendo, como aconteceu agora com mais de
500 Puris que se acham aldeiados, e que vieram buscar a protecção e
suave jugo das minhas leis(...).”
87
(grifos nossos).
Como forma de demarcação do território e de seus habitantes o Príncipe
Regente reforça a necessidade da presença dos Eclesiásticos na “civilização” do
gentio aldeado.
Os aldeamentos passavam a ter o tamanho de seu terreno, proporcional às
necessidades dos aldeados e dos interesses comerciais da área, objetivando assim,
que o trabalho indígena tivesse uma produção excedente que poderia ser
comercializada pelas autoridades locais. Tal e qual estava estabelecido, desde o
Diretório dos Índios, de Pombal. Mas, no dito documento D. João critica esse
sistema acusando-o de não haver alcançado lucros para a real fazenda:
“(...) havendo a experiencia mostrado que as Aldeias ou Povoações de
Indios não têm igualmente prosperado, antes vão em decadencia, pela
natural indolencia e pouco amor delles ao trabalho, pela ambição das
pessoas que com o titulo de Directores, têm em vista tirar partido de
gente grosseira, rustica e pouco civilisada (...)”
88
Assim, a fim de utilizar o próprio indígena a serviço da “civilização”, suprir a
escassez de mão de obra no Sertão e defender os cofres da real fazenda de gastos
dispendiosos, ordenou-se que deveria aldear-se os índios quando estes se
apresentassem em grandes números, caso contrário, os nativos deveriam ser
87
Idem.
88
In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org).1992 Op. Cit.. pp. 66 a 69.
62
distribuídos aos fazendeiros e colonos locais, que em troca da mão de obra se
encarregariam de educá-los, vesti-los e alimenta-los.
“(...) vos autorizo a que, sendo pequeno o numero de indios, que se vierem
offerecer, procureis que os fazendeiros se encarreguem de os instruir, e
possam tambem aproveitar-se do util do seu trabalho, como compensação
do ensino e educação que se encarregam de dar-lhes(...)”
89
Para que ocorresse com rapidez a domesticação dos indígenas, o regente
ordenava que casais de lusos brasileiros fossem inseridos nos aldeamentos pra que
vivessem e trabalhassem ao lado dos índios. Assim, seria possível que os costumes,
a língua, a religião fossem transmitidos o mais rápido e com a maior facilidade
possível:
“(...) que por sua diligencia e persuasão se achem misturados com os
mesmos, vivendo em paz, e dados ao trabalho 100 casaes de Portuguezes
ou Europeus (...)”
90
Ilustração 12: Rugendas em sua pintura confirma a presença de colonos e indígenas convivendo no
interior do sertão.
91
89
Idem. pp. 66 a 69.
90
Idem pp. 66 a 69.
91
RUGENDAS, João Mauricio de. Viagem Pitoresca Através do Brasil. IV edição. São Paulo: Livraria
Martins Editora, 1949.
63
Em nossa pesquisa pudemos averiguar que, na primeira década do século
XIX, nos dois primeiros anos após a chegada da corte portuguesa ao Brasil,
intensificou-se o numero de decretos Régios que redirecionavam os tratos com os
índios do Sertão do Rio Doce. Nessa cronologia de decretos gios destacam-se,
em 1808, as Cartas Régias de 13 de maio, a de 24 de agosto e a de 02 de
dezembro, sendo que as duas primeiras legislavam e legitimavam a Guerra Ofensiva
decretada aos Índios Botocudos de Minas Gerais, e a terceira, sobre a civilização
dos índios, sua educação religiosa, a navegação dos rios e a cultura dos terrenos.
Em 1809 damos destaque para as seguintes Cartas Régias: a de 13 de junho, que
marcava o prazo de dez anos para a distribuição, por sesmarias, dos terrenos
resgatados das incursões dos Botocudos. Deixa claro o interesse da Coroa em
relação à Terra e, ainda, dava as providências para que fosse efetivada a conquista
das terras do sertão. Como veremos no trecho abaixo da dita carta:
“(...) dos terrenos resgatados das incursões dos Botocudos, se fossem logo
distribuído sesmarias aos novos Colonos, que entrassem na tentativa de os
povoar, e cultivar, como o principal objecto de saudáveis providencias, que
ordenado, e continuaria a dar em benefícios dos Povos dessa capitania:
considerando agora as difficuldades que estes colonos terão na immediata
demarcação de suas sesmarias na diligencias de tirar a sua competente
Carta, e nas mais formalidades estabelecidas sobre esse objecto, e
querendo de todos os modos auxiliar os seus trabalhos e animar quando se
possa os seus estabelecimentos; sou servido declarar-vos que lhes fica
concedido o prazo de 10 anos, para aquelas mencionadas diligencias no fim
dos quais serão impreterivelmente obrigados a satisfazel-os, sob pena se
perdimento das mesmas sesmarias (...)”
92
(grifos nossos)
As providências tomadas para a efetiva conquista do sertão mineiro
passariam, no entanto, pela distribuição de sesmarias aos colonos, e estes teriam
auxilio para colocar em prática a efetiva fixação à terra.
A Carta Régia de 28 de julho de 1808, tratava sobre o aldeamento dos Puris
na Capitania de Minas Gerais. Neste documento régio o Príncipe Regente deixa
explicito que, custe o que custar, os aldeamentos deveriam sempre dar lucro à
Coroa, cumprindo e mantendo as disposições das Cartas Regias anteriores, que são
também estendidas aos Puris.
92
In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org). 1996 Op. Cit. p. 74
64
“(...) minha real aprovação as instruções, que provisionalmente se dispunha
dar aos Directores dos Aldeamentos, que se fossem formando dos Puris e
Xamexunas, e tendo eu encontrado nos differentes artigos, que elles
contem indicadas todas as providencias, que por ora aprecem necessárias
para que aquelles estabelecimentos se facão na boa ordem, que convem,
afim de que tenham os úteis e vantajosos resultados, que me produz obter
pelas disposições das Cartas régias de 13 de maio e de 2 de dezembro do
ano passado; sou servido a aprovar as ditas instruções, que esta vos envio,
e determino que ellas se cumpram literalmente em quanto eu não mandar o
contrario (...)”
93
(grifo nosso).
O documento acima confirma prerrogativa de sempre gerar lucro à Coroa
Portuguesa.
Sem duvida, foram os primeiros anos após a chegada da Corte Portuguesa
ao Brasil, o período de maior movimentação na corte no sentido de legislar, para
desocupar e “desinfetar” o Sertão do Rio Doce da presença do Botocudo. A política
dirigida aos índios do sertão mineiro estava explicitamente legitimada nas Cartas
Régias citadas, além do grande número de Decretos, Avisos, Portarias etc. que
complementam a legislação indígena nas primeiras décadas dos oitocentos.
Após esse período de intenso movimento, no qual se decreta a Guerra
ofensiva e tomam-se as medidas que garantiriam as condições necessárias para
sua manutenção, nota-se certo afrouxamento em relação a decretos de Cartas
Régias, pois, apenas 10 anos depois em 12 de dezembro de 1820 decreta-se, em
carta Régia, a criação de mais uma divisão de tropa paga, denominada a oitava do
Rio Doce, na província de Minas Gerais:
“(...) constando na minha real presença achar-se aberta a nova estrada de
Minas Nova para a Vila de S. Jose de Porto Alegre, e fazendo-se portanto
necessário a creação de mais uma divisão de tropa, paga, além das sete
que há, para conter as hostilidades dos Índios, e para guardar a
mencionada estrada; Hei por bem ordenar que se cree esta divisão,
denominada a oitava do Rio Doce (...) afim de que esta nova força seja
melhor disciplinada, como convém a bem do meu Real serviço na
segurança dos povos visinhos, as matas da mesma estrada, e dos
passageiros que por ella transitem.(...)”
94
(grifos nossos).
93
Idem. p. 74
94
In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org). 1996 Op. Cit. p. 101
65
O que nos mostra duas questões: de um lado a resistência de indígenas da
região, todos genericamente considerados botocudos. Outra questão é que a
colonização avança, mantendo as tensões entre colonos e índios, fazendo-se
necessário segundo a metrópole a criação de mais uma Divisão Militar para garantir
a segurança dos colonos.
CAPÍTULO III
ALDEAMENTO: política no sertão mineiro e política para o Estado brasileiro.
Quanto mais a civilização se estender sobre a terra, mais verse-ão
desaparecer a guerra e as conquistas, bem como a escravidão e a miséria.
Condorcet, 1787.
95
Até a primeira década do século XIX as ações tomadas contra os Botocudos
não surtiram os efeitos esperados. Conhecedores da região os índios se
embrenhavam na mata, fugindo do colonizador, e quando menos se esperava,
voltavam a atacar os colonos, destruindo suas habitações e plantações. Essa
95
CARITAT, Marie Jean Antoine Nicolas. Ensaio de um quadro histórico do espírito humano. Editora
Unicamp, Campinas. 1993
66
natureza ou prática de guerra dos indígenas pode ter sido responsável pela
desistência de muitos colonos em permanecer na região.
Após muitos ataques, muitas vitórias, mas também, marcantes derrotas, os
portugueses são levados a repensar a política violenta da guerra ofensiva, declarada
desde 1808 contra os povos Botocudos do Sertão. Não que as próximas ações
mudassem o destino desses povos oprimidos, mas uma trégua, por parte dos
colonizadores, durante a qual deixam-se presentes nas matas, procurando atraí-los.
No Aviso de 11 de dezembro de 1811, podemos averiguar as primeiras
reflexões a respeito da mudança de tática nas Divisões do Rio Doce principalmente
na Divisão: da guerra á atração e aldeamento. Apesar de, muito timidamente, o
Aviso alega que “atração” seria a melhor forma de combater o “bravio” Botocudo.
Essa atração seria feita por intermédio dos “Línguas”
96
e dos “Índios “Mansos”, mas
deveria ser seguida sempre por forte repressão aquele individuo que não aceitasse
a “subordinação”“:
“(...) Ordenou Sua Alteza Real que de tudo se fizesse um extracto, e se
publicasse juntamente com a gazeta, para que a todos os seus vassalos
constasse os esforços que S.A.R tem mandado fazer para refrear os
excessos dos índios Botocudos, e para igualmente acelerar a sua
civilização, sendo tudo dirigido por V.Ex. com o seu incansável zelo, se
fizesse deixado se agora ver o fructo das resoluções tomadas e a
esperança que pode haver de que se consiga com os meios fortes
acompanhados dos de brandura o efeitto o desejado de sua prompta
civilização. S.A.R. vio tão bem .... e muito recomenda o Augusto Senhor
que V.Ex. auxilie por todos os modos para captar a amizade e Aliança dos
Botocudos mansos, e para por seu modo principiar a fazer Aldeas, que
depois possam vir sucessivamente incorporar-se os Botocudos bravos,
continuando a fazer-se-lhes huma dura Guerra em quanto não quizerem
pacificar-se, e viver debaixo da proteção das leis de S.A.R (...)”
97
(grifos
nossos)
Nota-se uma atitude estratégica por parte da Coroa no processo de
“civilização” quando procura alternar guerra e brandura.
O mesmo Aviso de 11 de dezembro de 1811, deixava claro que aldeado, o
indígena poderia ser submetido aos ensinamentos da religião Cristã. A catequese é
96
Conhecia se como línguas os indivíduos brasileiros ou índios mansos que falavam a língua do povo
a ser contatando, seu conhecimento da língua facilitava a comunicação e a atração dos demais
indivíduos.
97
In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org). 1996 Op. Cit. p. 82
67
apresentada como a forma mais apropriada para civilizar os povos bárbaros do
Sertão:
“(...) propagação de nossa Santa Religião entre os Botocudos muito manda
recomendar o mesmo Augusto Senhor a V.Ex., sendo também o modo mais
conveniente para civilizar Povos Bárbaros que a Religião pode domar.
(...)”
98
(grifos nossos).
Os índios eram encarados como “ingênuas crianças”, que deveriam, para a
sua segurança e a dos colonos, ser dirigida à civilização. “Civilizar” era preciso, pois
este seria o caminho que enquadraria um conjunto de diferentes costumes,
contrapondo civilização/barbárie, religião/superstição. A prática de “civilização”,
como sinônimo de costumes cristãos, era utilizada desde a chegada dos Jesuítas
e foi mantida ao longo de todo o processo de colonização. Para a efetivação desse
processo, custosas guerras foram desencadeadas, tornando-se necessário
encontrar um menos dispendioso a coroa, o que foi feito através da ação dos
religiosos. Finalmente, é preciso considerar as idéias da época, influenciadas pela
Revolução Francesa e as idéias ilustradas sobre o índio como ser da natureza, o
que torna a escravidão indígena um atraso. Essas idéias foram respaldadas pela
formação ilustrada de Marlière e Saint-Hilaire.
Saint-Hilaire, naturalista francês que esteve entre os aimorés da região nas
primeiras décadas do século XIX, condenava veementemente a Guerra contra os
botocudos, relatando que: “... a guerra contra os Botocudos é um absurdo digno dos
tempos mais bárbaros”.
99
Após visitar as divisões militares do Rio Doce deixa-nos
sua opinião acerca da situação vivida naqueles confins:
“(...) As tropas que se enviam contra os botocudos não são sufficientes para
exterminal-os, e, por conseguinte, limitaram-se a matar de tempos em
tempos alguns, morrendo também alguns soldados(...)”
100
98
Idem. p. 82.
99
SANT-HILAIRE, August de. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Rio de
Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1938. p. 364
100
Idem. p..364
68
Propõe ainda o viajante que os índios “mansos” fossem usados para atraírem
e intermediarem a negociação de paz com os “bravios”. Esses, atraídos por
presentes e algumas promessas de uma vida “melhor”, como súditos da coroa de
baixo do justo julgo de El Rei, viessem a liberar vasta extensão de terras férteis que
muito interessavam aos portugueses.
Entretanto é bom ressaltar que não conhecemos nenhuma prova documental
que nos indique que durante esse período (1813 a 1831) de aparente afrouxamento,
ou re-direcionamento da política portuguesa em relação ao indígena, de forma
alguma tenha sido acompanhado de tréguas nos conflitos.
Destaca-se, a partir de 1813, como fonte para o contexto do sertão mineiro, a
chamada Obra Marlieriana (1813-1829).
Guido Thomas Marlière nasceu em Jarnage, Departamento de Creuse, antiga
Província de Marche, na França, a 03 de dezembro de 1.767. De uma família
monarquista, após estudar humanidade e filosofia, entrou para o exército francês,
aos 18 anos. Sobreviveu à Revolução Francesa e à era Napoleônica. Lutando contra
as forças revolucionárias, vencido, fugiu, com os militares, para a Alemanha,
integrando-se à legião realista do Visconde Mirabeau, formada de imigrantes.
Enviado pelos ingleses a Portugal, em 1.797, para defender as terras lusitanas de
possível invasão napoleônica. Em 1.802 ingressa no exercito Português, na recém
criada Guarda Real a e a Cavalo, em 1807 se torna Alferes e em 1808
acompanha a Família Real na fuga para o Brasil. Após uma curta e conturbada
permanência no Rio de Janeiro Marlière se entusiasmou com os sertões da
capitania de Minas Gerais transferindo-se para a tropa paga de Vila Rica em 1811.
Mais conturbada ainda foi sua estada na efervescente Vila Rica da época. Neste
mesmo ano foi preso sob suspeita de tratar-se de um espião de Napoleão
Bonaparte, mas essa acusação de espião, não procedia como nos informa um ofício
dirigido ao ministro d Conde de Linhares pelo Governador Conde de Palma:
“(...) Os papéis escritos na língua portuguesa e francesa, nada provam
contra si (...) devo dizer que o referido oficial até agora não me consta haver
soltado vozes contra o nosso Augusto Príncipe Regente e a nação
portuguesa. (...)”
101
101
Revista do Arquivo Publico Mineiro. Ano XI, p 15. disponível em CD-ROM
69
Após sua libertação, Marlière como idealista que era e impregnado pelo
filosofismo da época (séc. XVIII e XIX), solicitou ao príncipe Regente D. João que
lhe concedesse a oportunidade de trabalhar entre os índios selvagens do Sertão
Mineiro, distante dos meios “civilizados” de modo que todas as suspeitas e
desconfianças esquecidas e seus inimigos sossegados.
Marlière enviou ao Desembargador Lucas Antonio Monteiro de Barros, em
junho de 1811, uma carta em que pedia para ser enviado para um lugar fora da
“civilização”:
“(...) Queira V.Excia. fazer uma proposta que talvez seja agradável e
socegue os meus inimigos, que louvo, se sobrarem para o bem do estado, e
que perdo-o se o fazem por malícia.
Mande-me sem forma alguma de processo para um deserto da
capitania(Minas Gerais), que sua Altesa Real me deixe de esmola o meo
pequeno soldo, a fim de que eu possa com minhas mãos cultivar a terra e
sustentar a minha deplorável mulher e família(...)”
102
As autoridades portuguesas aceitaram o pedido de Marlière e logo após sua
libertação, deram-lhe uma missão, enviado-o em 1.813, para pacificar o Presídio de
São João Batista (Visconde do Rio Branco), e apaziguar as tribos Kropós, Croatas e
Puris, trazendo-as à civilização.
Apesar de muito novo Marlière tinha uma boa formação cultural e sofreu
fortes influências de enciclopedistas e filósofos iluministas. Tal formação se tornaria
a viga mestra de sua grande obra civilizadora junto aos índios, nas matas de Minas
Gerais.
Argumentava Marlière com seus ideais impregnados pela filosofia da época:
“(...) Não ouso esperar para mim felicidade, sou muito velho, mas estes
meninos terão na sua lembrança ao Capitão Nherame, a visão pagar o
tributo de alguma lagrima de sentimento onde descansarem os meus ossos,
porque sou amigo destes homens da natureza. (...) Não tenho escravos,
cultivo hua fazenda em Guidowald, em que os índios me fazem grandes
102
Códice S.G. 356 do Arquivo Público Mieiro.
70
plantações annuaes, pago-lhes o seu salário, e comemos juntos. (...)”
103
(grifos nossos)
A relação amistosa de Marlière com os índios expressa o desejo de realizar o
seu projeto de catequese e civilização dos habitantes das matas mineiras. Pregando
igualdade entre os homens, Marlière tentou colocar em prática, entre os índios, os
princípios nos quais acreditava. Dispunha-se a trabalhar de forma diversa dos meios
convencionais de civilização, de modo que as desconfianças reinantes entre os
nativos fossem esquecidas e eles sossegados. Desejava o francês realizar um
projeto de catequese e civilização baseado em ideais filosóficos das luzes, nos quais
todos os homens eram iguais em direitos e deveres, com direitos a liberdade,
igualdade e fraternidade.
Como já anunciamos a seu próprio pedido, Marlière foi enviado para junto dos
indígenas do Sertão do Rio Doce, sua missão era de averiguar atos de usurpação
de terras entre indígenas e colonizadores, praticados no distrito de São João Batista
do Presídio
104
.
Segundo Oilian José
105
seu primeiro trabalho foi dentro dos quartéis, junto aos
militares, trabalhando o efetivo para prepará-los para lidar com o índio e, na medida
do possível, conquistar sua confiança. Uma mudança importante de perspectiva e de
ação dos militares sob o seu comando, uma vez que estes, a então, eram
utilizados para a guerra contra os índios.
A ação de Marlière entre os indígenas se fez gradativamente e sem grandes
alardes, mas seu claro objetivo é o de civilizar. Sua trajetória nessa empreitada
deixa-nos entrever que além dos seus ideais iluministas, ele não possuía um plano
pré-estabelecido de ação. Seu trabalho junto aos Botocudos se realiza aos poucos,
na medida em que ele estabelece os primeiros contatos. Para Marlière sua missão
somente teria êxito se aprendesse a cultura e a língua desses indígenas, então
relata o francês:
103
Correspondências de Marlière – RAPM – in DURÇO. Jonathas. 1989.Op. Cit. p.64
104
Hoje município de Visconde do Rio Branco.
105
JOSÉ, Oilliam. Guido Marlière: O Civilizador. Belo Horizonte. Imprensa Oficial de Minas Gerais.
1971. p. 28
71
“(...) A primeira e mais essencial prenda, que o legislador deve exigir dos
empregados na civilização dos índios em geral, depois da pacificação, é o
conhecimento da língua delles, sem o qual elles fazem o efeito de hua
estátua em huma praça, que não ouve, e o povo admira, admira mas não
entende(...)”
106
(grifos nossos)
No depoimento de Marlière, o conhecimento da língua seria uma das partes
essenciais para o processo de “civilização”.
Cabe ainda destacar que o ponto comum entre as diretrizes políticas da coroa
e os ideais de Guido Marlière sem duvida se cruzavam em um ponto crucial,
segundo o modelo de “civilização”, empregado a partir de 1813: agrupar os índios
em aldeamentos e tira-los do nomadismo em que viviam.
Segundo o francês, para aldear esses indígenas, seriam necessárias algumas
estratégias, como por exemplo, a localização desses aldeamentos. Esses
agrupamentos deveriam ser realizados no interior das matas onde viviam os índios,
ou seja, em uma terra onde houvesse abundância de água, caça e pesca. Marlière
no ano de 1820 aponta os seguintes caminhos que deveriam ser seguidos:
“(...) Devem ser estabelecidos em Matas Virgens, pátria dos índios em
vizinhança de Rios navegáveis, sendo possível abundantes peixes, que
determinará a sua fixação pela abundância daquele sustento, e o deleite de
banhos, sem os quais não passam”.
107
(...) “Os selvagens não se devem
expatriar. No seu paiz natalício que se civilizão bem (...)”
108
(grifos
nossos)
Assim, aldear esses indígenas também significava garantir-lhes o sustento e a
satisfação de algumas necessidades que para eles eram básicas, como por
exemplo, fixar-se próximo aos rios o que possibilitaria deleitar-se nos seus banhos
diários.
Entretanto, muito embora os indígenas devessem permanecer em localidade
que assegurassem o seu habitar natural, a agricultura seria um dos sustentáculos da
obra de Marlière. Em seus depoimentos, registrados na RAPM
109
,fica explicito a
necessidade de se ensinar aos indígenas a prática da agricultura, ou seja, lê-se a
106
Idem. p. 28
107
Revista do Arquivo Publico Mineiro RAPM, ano XI . disponível em acervo digital.
108
Revista do Arquivo Publico Mineiro RAPM, ano X. disponível em acervo digital.
109
Revista do Arquivo Público Mineiro - RAPM –.
72
prática do trabalho sedentário. Somente a agricultura garantiria a sua subsistência,
sem que eles precisassem continuar na peregrinação pelo sertão, á procura de
alimentos pra saciar sua fome. Garantida a produção de alimentos se evitava que o
indígena se embrenhasse pelas matas e invadisse as propriedades dos colonos.
Acreditava ainda Marlière que a catequese era muito importante na civilização
do indígena. O próprio Marlière encontra maior facilidade em trabalhar com os
gentios moldados pela religião, e contribuía com envio de jovens indígenas para
estudos religiosos, na esperança que no futuro servissem de intermediários com os
índios ainda bravios.
Em nenhuma correspondência de Guido Thomaz Marlière, estudada para a
realização desse trabalho, foi encontrada uma citação dele em relação ao poder
espiritual do sacerdote, mas era comum tratar o sacerdote como uma força moral útil
nos aldeamentos e forte parceiro do Estado na “civilização” do gentio. Desta forma,
esse soldado ilustrado segue a sua tradição cultural.
Nessa nova fase da diretriz política do Estado português para civilizar os
Botocudos, vários serão os obstáculos enfrentados pelos idealizadores desse
processo.
A falta de princípios e de conhecimento de causa dos auxiliares do francês
comandante Guido Marlière, dos oficiais e dos soldados das divisões militares, que
em sua maioria eram recrutados entre a “escoria da colônia”
110
, dificultavam o
trabalho junto aos índios. A maioria desses homens, e a própria orientação geral do
Estado, não tinham a intenção de salvar os indígenas ou pacifica-los através da
civilização.
Segundo o pesquisador Jonatas Durço, a catequese, a civilização desses
indígenas, iria ocorrer de forma muito lenta e gradual. Marlière temuita dificuldade
e sua obra “civilizadora” esbarrara na burocracia do Estado, muitas das vezes
faltando recursos financeiros para que se possa continuar a aproximação com os
gentios. rios são os documentos encontrados no Arquivo blico Mineiro que nos
levam a crer na vontade e na dificuldade de comunicação entre a maquina
burocrática do Estado e o Comandante das Divisões Militares do Rio Doce, que
110
O corpo de soldados das Divisões Militares do Rio Doce eram formadas por todo tipo de pessoas
mas em sua maioria esmagadora eram de ex-garimpeiros, assassinos, ladrões e nativos recém
“civilizados” que buscavam tirar aproveito nas incursões no Sertão.
73
implorava ajuda para que pudesse dar continuidade à “Civilização” dos “Índios
bravios”:
“(...) Examinando proximadamente as minhas contas com o meu procurador
nessa tarde reparei que não recebia se não a gratificação antiga de 25$000
Rs mensaes em lugar dos 30$000 Rs que a ley de 25 de março de 1825, e
a tabela que acompanha me concede... nessas circustancias, e sem saber o
motivo em que a mesma Exma. Junta se funda em me negar a devida
gratificação a vista da ley tão explicita, qual a citada rogo a V.ª Ex.ª queira
elevar pelas escalas competentes, ao Throno esta minha humilde supplica
affim de que S.M.I. faça Justiça que costuma... addido eu, supplico que
alem do laborioso comando das Divizoens do Rio Doce, sou obrigado a
vultadas despezas como Diretor Geral dos Índios, cujo o cargo não recebo a
13 annos o menor emolumento. Quartel Central do Retiro 30 de março de
1826 – P.ª Exmo. Snr. Tª Governador das Armas Antonio José Dias Coelho
Guido Thomaz Marlière Ten. Cel. Comandante das Divisões Militares do
Rio Doce. (...)”
111
(grifos nossos)
Marlière apresenta suas dificuldades, principalmente financeiras, no comando
das Divisões do Rio Doce e suplica a ajuda Real, visto que sua obra seguia a linha
de presentear os indígenas e manter contato amistoso.
Mas com a determinação que lhe era peculiar, Marlière, e uma pequena
parcela de colaboradores fieis ao seu ideal de “humanidade” para com os
“selvagens”, fizeram alguns avanços no contato e aldeamento com os habitantes do
Sertão Leste de Minas. Avanços que são apenas locais, no restante das regiões do
sertão mineiro os conflitos ainda são permanentes.
se admitia o fracasso da recém criada Junta de Civilização e Conquista
dos Índios e Navegação do Rio Doce, que na verdade, ao longo de sua existência só
fizera dificultar o contato com os índios. Fortemente armadas e pessimamente
dirigidas, as forças regulares de “colonização” tinham como objetivo matar o
indígena, gerando, por sua vez, violentos conflitos entre as duas partes e geram
discursos como o expresso pelo governador da Capitania Pedro Maria Xavier de
Ataíde e Melo:
“(...) Das diferentes espécies de índios, o Botocudo, por experiência, he os
como faziam em outros tempos os que viviam em Cuieté; os Portugueses
111
Revista do Arquivo blico Mineiro. Ano XII Imprensa Oficial de Minas Gerais. Belo Horizonte.
1907. p. 412. disponível em arquivo digital CD n.º 002. imagem 0213.
74
não escapão igualmente à sua veracidade, e o único meio q’ a seguir he
faze-los recuar com força armada ao centro das Matas Virgens. (...)”
112
Após chegar a conclusão de que tudo que estava conseguindo no Vale do Rio
Doce era tornar cada vez mais grave e fora de controle o conflito gerado entre
Botocudos e Colonizadores, dificultando cada vez mais o objetivo de conquista e a
própria navegação do rio, o governo toma a medida de encaminhar Marlière para a
região. Uma alternativa que se apresentava no momento, em decorrência da
conhecida tática de aldeamento e pacificação dos indígenas, implementada pelo
militar francês em outros tempos, e que dera alguns resultados nos afluentes do Rio
Doce, a exemplo do aldeamento dos Puris e dos Coroados. Nesse sentido, nada
mais pertinente que colocar tal política em prática nessa região. No dia 09 de
setembro de 1818, o governo decide-se por enviar Merlière para inspecionar a 1º, 2º,
3ª, e Divisão do Rio Doce, o que segundo autores como Oilian José e Jonatas
Durço, significava averiguar o que, até então, fizeram as Divisões e, que propusesse
novas medidas que se tornassem úteis aos colonos e ao Reino.
No inicio do ano de 1819 Marlière chega às margens do Rio Doce e começa
um trabalho diferente daqueles realizados, até então, pelas forças governamentais,
no contato com os índios Botocudos. Logo de inicio parte para o contato “pacifico”
procurando alguns indivíduos que pudesse servir como elo, entre ele e os
“selvagens” do Rio Doce.
É nessa empreitada que Marlière se encontra com uma das figuras mais
importantes para que sua ação frutificasse entre os Botocudos, o índio Pocrane
113
,
que muito o ajudou. Segundo Afrânio de Mello e Franco,
114
Pocrane nunca mais
deixou a companhia do civilizador, o abandonando em 1829, após a retirada de
Marlière e o fim dos aldeamentos.
O método utilizado por Marlière apesar de apresentar alguns resultados
positivos era dispendioso para os cofres da coroa, pois necessitava de alimentos
para sustentar os gentios aldeados, até que esses se acostumassem com a
112
Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano XI Imprensa Oficial de Minas Gerais. Belo Horizonte.
1907. p. 314
113
Indígena que veio com os soldados de Guido Marlière, após a primeira investida pacifica as
margens do rio Doce e que segundo Afrânio de Mello e Franco nunca mais deixou a companhia do
civilizador.
114
FRANCO, Afrânio de Mello. Guido Thomas Marlière; o apóstolo das selvas mineiras. Belo
Horizonte: Imprensa Oficial, 1947.
75
presença do colonizador. Também era necessária a compra de ferramentas, anzóis
e demais objetos utilizados para conquistar a confiança e realizar a aproximação
com o Botocudo.
Utilizando-se de índios menos arredios como o índio Pocrane, o aventureiro
francês,
aos poucos, conquista os indígenas, os quais passam a vê-lo como um
aliado. As feras indomáveis do passado, agora eram agrupadas por Guido Marlière
como crianças. Em uma carta de Marlière á Saint-Hilaire observamos a confirmação
deste fato:
“(...) Continuamente cercado de Botocudos, não me é possível escrever; se
fecho a porta, entram pela janela; numa palavra, eles me põem as vezes
fora do assento; - havendo agentes para lhes ministrarem o necessário, não
querem receber senão das minhas mãos até o próprio sustento!(...)”
115
Outra prova da ação eficaz de Marlière junto aos Botocudos pode ser
constatada em carta de Guido Marlière, então Diretor das Divisões Militares do Rio
Doce, ao nosso novo Imperador, dom Pedro I. Escrevendo com o sentimento de
dever cumprido, escreve o francês ao chefe maior do Estado: “Agora creio que a
civilização dos Botocudos não será mais hum problema, para incrédulos”.
116
A
correspondência de Marlière destinada ao imperador comprova-nos o grau de
importância que atingira o processo em questão. No entanto, a ação “civilizadora” de
Marlière que perdurou durante a maior parte do primeiro Império nos comprova que
a política do recém criado Estado brasileiro para com os indígenas não sofreu
mudanças abruptas após a Independência.
A criação do Aldeamento, enquanto um espaço pensado para a catequização
e “domesticação” dos indígenas no Sertão de Minas Gerais, tinha como base
fundamental o discurso civilizador dos costumes através da instrução à fé católica.
Nos aldeamentos os índios eram “educados” para viver como cristãos. Essa
“educação” significava uma prescrição forçada de outra cultura, a cristã. No entanto,
Igreja e Estado perceberam que para o êxito de tal Missão catequética era preciso,
antes mesmo de fundar o Aldeamento, conhecer a região e, sobretudo a cultura dos
115
Revista do Arquivo Público Mineiro – anno XI p. 314
116
Correspondência de Marlière e D. Pedro I Revista do Arquivo Publico Mineiro. ( RAPM) Ano XI,
p.314
76
índios. A catequese era utilizada para o projeto de conversão e, consequentemente,
implantação dos ideais propostos pelo governo. Para uma efetiva assimilação dos
indígenas no Aldeamento aos preceitos do catolicismo e seu conseqüente ideal de
civilização, os padres valiam-se de aspectos da cultura indígena, especialmente, da
utilização de um forte elemento da identidade indígena, o dialeto nativo,
possibilitando assim uma identificação entre os índios e os ditos “brancos”, tornando
mais fácil ser compreendido e assim se aproximando mais dos indígenas. Este elo
de comunicação deu-se primeiro através de contato e utilização dos “línguas”. Esta
ação incrementava a destribalização e violentava aspectos fundamentais da vida e
da mentalidade dos indígenas, como o trabalho na lavoura, atividade que
consideravam, exclusivamente feminina, e que nos aldeamentos eram levados a
praticar.
Do ponto de vista dos padres, principalmente dos jesuítas, o
desmoronamento da cultura indígena simbolizava o sucesso dos aldeamentos e da
política de catequização/civilização guiada por eles. Os religiosos argumentavam
que as aldeias não protegiam os nativos da escravidão e facilitavam sua
conversão, mas também forneciam uma força militar auxiliar para ser usada contra
tribos hostis. Entretanto, os efeitos dessa política eram agressivos e aniquiladores
da identidade dos indígenas.
A legislação indígena em vigor a partir de 1808 com a edição da Carta Régia
de 13 de maio ampliaram o direito dos combatentes de reter ou oferecer os
aprisionados aos colonos ou autoridades que, sob o compromisso de educá-los,
poderiam usar seus serviços por quinze anos a contar da data em que fossem
batizados. Porém, o grosso dos índios conquistados eram localizados em
aldeamentos, onde deveriam ser transformados em combatentes dos grupos
arredios e em mão-de-obra a ser usada para viabilizar os empreendimentos de
conquista e colonização do Sertão Mineiro.
Em um documento encaminhado por Marlière ao vice Presidente da Província
de Minas Gerais; o comandante divide os indígenas em aldeamentos e fornece
dados estatísticos quanto ao número aproximado de seus habitantes:
77
“(...) Tribus de Índios da Província de Minas Geraes seu local, Mapas fazendo conhecer os aldeamentos das diferentes Populações,
seu augemento ou decadência, e as causas . Quartel Geral de Gerdorvald, em 20 de janeiro de 1828. (...)”
117
Localidades Naçoens Seu Sub-Director Em que se ocupam
Seu numero aproximativamente
Quando e por
quem aldeados
Distancia de Ouro Preto
Notas
Rio Pardo e
Paraíba
Puris José Antonio
Furtado
Agricultura e extrahir a
Poalha
500 Em Junho de 1814.
Pelo Director Geral
37
léguas
Tem por território o rio Pardo e suas
vertentes, em que se achão alguns
fazendeiros Brazileiros tolerados pelos
successivos governos. Os Índios deste
aldeamento andão dispersos nas
margens do Paraíba occupados a
trabalhar para os fazendeiros, e pelos
negociantes de poalha. Alguns ficão
permanentes.
Pomba Coropós Capitão Silvestre Agricultura e Pescaria 300 Dezembro de 1767. 26
São cultivadores todos, e de
grandíssima utilidade aos fazendeiros
disseminados no terreno q habitão,
que entrarão com poucos ou nenhuns
117
Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano XII, p. 491
78
Antonio Vieira. Pelo governador
Luiz Diogo Lobo da
Silva.
escravos, e não deixarão de promover
com ajuda dos índios o dregao
eminente de cultura e comercio em
que se acham hoje o Pomba.
Localidades Naçoens Seu Sub-
Director
Em que se ocupam
Seu numero
aproximativamente
Quando e por
quem aldeados
Distancia de Ouro Preto
Notas
Prezidio de S.
João Baptista.
Coroados Capitão
Gonçalo Gomes
Barreto
Agricultura e
pescaria
700
Dezembro de
1767. Pelo
governador Luiz
Diogo Lobo da
Silva.
24
Todos são cultivadores, mas divertidos da
própria cultura pelos negociantes de poalha
que os occupão a maior parte do anno. Mais
de hua terça parte dessa Nação se passou
para o território de Manuelburgo onde
formou novas aldeias e serve para industriar
os Puris alli aldeados em 1819, aos
trabalhos rústicos, fora o tempo de colher a
Poalha.
Meia pataca na
Estrada do
Presídio aos
Campos
Goytacazes
Puris Manoel Carlos
de Almeida
Agricultura e
Poalhas
400 20 de setembro
de 1822. Pelo
Comandante
Geral
36
Elles por ora não tem terras próprias para a
sua cultura. Trabalhão como jornaleiros para
os fazendeiros daquella Estrada e vendem
poalha e outras drogas do Sertão.
79
Manoel-burgo Puris Constantino
Joze Pinto
Comercio de poalha
e agricultura
1000 25 de maio de
1819, pelo
Director Geral
38
Este aldeamento he consideráveis. o
diretor com os indios comunicam com os
primeiros moradores dos campos
Goytacazes pelo Muriahe, e por caminho de
terra pelas suas margens. Tem capella e
caza para índios Puris. rios brasileiros
entrarão, e entrão á possar-se daquellas
terras de cultura e Auríferas. Falta hum
Missionário para aqueles índios e
Brazileiros.
Localidades Naçoens Seu Sub-
Director
Em que se ocupam
Seu numero
aproximativamente
Quando e por
quem aldeados
Distancia de Ouro Preto
Notas
Aldeia de São
Pedro do Rio
Preto. Estrada
de Minas e
Itapemirim
antiamente São
Mateus.
Puris Antonio
Joaquim Coelho
Poalha e algua
agricultura
600 24 de maio de
1824. pelo
Director Geral
45
Esta aldea estava formada no Ribeirão de S.
Matheus, e mudou-se p. o Rio Preto 4
léguas ao oriente de S. Matheus fronteira da
província do Espírito Santo em 1826 á
requerimento do seu director e com
permissão do Ex.mo S. Presidente em
conselho datado de 23 de fevereiro de 1826.
Santa Anna d”
Abre Campo, e
seu sertão até
o corr. do ouro.
Puris
Alferes
Reformado
Joze Caetano
da Fonseca
Poalha e agricultura 800 14 de maio de
1821. Pelo
Director Geral.
32 Occupão-se mais estes índios na extração
de poalha, e na qual tão bem são bem
industriados.
Ao sul do Rio
Doce
Petersdoft
Botocudo Capitão
Graduado
Lizardo Joze da
Agricultura, caça e
pesca
Sendo
ambulantes
Não se
pode contar
12 de março de
1823, pelo
Director Geral p
authoridade do
36
Vão se applicando bem ao trabalho e neste
anno passado coadjuvarão muito aos
soldados nas plantações de nossas
consideráveis, quo se fizerão para elles.
80
Fonseca governo
Bananal
Grande
Botocudo Alferes
Comandante da
6ª divisão
Agricultura, caça e
pesca
Sendo
ambulantes
Não se
pode contar
12 de março de
1823, pelo
Director Geral
pela
authoridade do
governo
45
Tem se feito plantações annuaes naquelle
sitio mui freqüentado dos índios da margem
meridional no seu tranzito de Cuyethé a
Petersdorfi mas não permanecem alli, e não
convem para não haver quem os discipline.
Lorena Botocudo Cabo Geral do
Mundifer
Agricultura, caça e
pesca.
Sendo
ambulantes
Não se
pode contar
12 de março de
1823, pelo
Director Geral
Antonio Dias Abaixo
Pelos rios 9 dias
Localidades Naçoens Seu Sub-
Director
Em que se ocupam
Seu numero
aproximativamente
Quando e por
quem aldeados
Distancia de Ouro Preto
Notas
Cuyethe
Barra do
Botocudos
Botocudos
Alferes
Comandantes
da 6ª divisão
Sargento
Agricultura, caça e
pesca
Agricultura, caça e
Sendo
ambulantes
Não se
pode
contar
Sendo
12 de março de
1823, pelo
Director Geral
pela authoridade
do governo.
12 de março de
Antonio
Dias
Abaixo
Pelos
rios 8
dias
Antonio
Este aldeamento he muito
freqüentado, os índios mais
industriozos, mais trabalhadores, e
muitos são jornaleiros de
particulares, e outros arranca e
vedem poalha.
A conducta ativa, firme e prudente
do alferes Comandante muito
contribue para este como pra os
mais Aldeamentos suffragandos da
Divizão como são os abaixo
designados de Barra do Cuyethé,
81
Cuyethe Joaquim Joze
do Amaral
pesca. ambulantes
Não se
pode
contar
1823, pelo
Director Geral
pela authoridade
do governo.
Dias
Abaixo
Pelos
rios 7
dias
Lorena, Laranjeiras e D. Manuel,
todos comandados por Sargentos, e
Cabos intelligentes, e que falo bem a
língu dos Índios, meio essencial este
de os entender, e de fazer obdecer
por via da razão qual naturalmente
se sujeitão.
Ao norte do Rio
Doce
Laranjeiras
vizinho a barra
do Sassuhy
Grande
Naknenuks Hum Sargento
da 6ª Divizão
Nada Incógnito Maio de 1825
pelo Director
Geral
Antonio Dias Abaixo
Pelos rios 6 dias e meio
Localidades Naçoens Seu Sub-
Director
Em que se ocupam
Seu numero
aproximativamente
Quando e por
quem aldeados
Distancia de Ouro Preto
Notas
Quartel D.
Manoel
Naknenuks O Comandante
da Guarda
Nada excepto
ajudarem aos sold.
na factura das rossas
Incógnito Em 1823 pelo
Director Geral
Antonio Dias Abaixo
Pelos rios 4 dias
Rio Santo
Antonio
Naknenuks
Naknenuks Alferes
Comandante
da 1ª Divizão
Exercitão-se ao
trabalho com os
soldados
Ignoro 1823 pelo Director
Geral
38
Foi habitado em 1826 2 1827 por muitos
índios do Norte bons e pacíficos. Os
Botocudos do Sul alli passarão debaixo
de pretexto de amizade, mas com o fim
de lhes furtar as mulheres o que fizerão,
sem combate. Os Naknenuks
disgostozos se ritirarão para o Centro à
exceção de poucos , mas, que voltarão
82
em breve.
Ribeirão do
Felix na
Freguezia de
Passanha
Malalis O Comandante
da 3ª Divizão
Agricultura Ignoro Ignoro 74
São Chistianizados, cultivadores e dão
soldados ás 5ª e 7ª Divisões não
receberão que me conste soccorro
algum do governo.
Minas Nova
Alto dos Bois
Macones Antonio Gomes
Leal
Agricultura Não sei 78
Foram numerozos, mas as emigraçoens
a Beira-mar, a Guerra q os Botocudos
lhes fazião, as Bexigas, o Sarampo os
tem reduzido ao pequeno numero em
que os achei em 1821 quando inspectei.
Nunca receberão soccorro outro do que
do seu bem fazejo e pobre Director.
Localidades Naçoens Seu Sub-
Director
Em que se ocupam
Seu numero
aproximativamente
Quando e por
quem aldeados
Distancia de Ouro Preto
Notas
Giquitinhonhas Naknenuks
e Malalis
Vigário José
Pereira Lidoro
Agricultura e
Navegação
Domicilia
dos
1631
Alli se acharão
quando se fundou
a colônia da 7ª
Divisão em 1810.
Menos os Malalis
que foram
mudados de
Tocayos para a
Aldea dos Prates.
De 134
a 150
léguas
Depois que estes Índios, divididos em 7
Aldeas, que se o augmentando
progressivamente receberão hum
Director iluminado e humano
mancomonado com o actual Alferes
Comandante da divizão que reúne os
seus esforços aos daquelles, os indios
trabalhão e comem, e recebem hua
educação civil, e religioza proporcionada
as faculdades intelectuaes que tem.
83
5ª Divisão
Aldeamento
Novo do
Ramalhete
Naknenuks O Comandante
da 5ª Divisão
Industriam-se nestes
princípios na
agricultura
Varia de
200 a
300
Em 1826 e 27
pelo Director
Geral
70 com
pouca
diferenç.
Quartel Geral
Entre Barras
Naknenuks O Comandante
da 5ª Divisão
Industriam-se nestes
princípios na
agricultura
Varia de
300 p
400 e
mais
Em 1826 e 27
pelo Director
Geral
80
Tem apparecido ao ano de 1826, e no
curso de 1827, hum numero
considerável de índios Naknenuks
chamados por vários interpretes que alli
mandei para os pacificar, e fizerão
avultada despeza ao Governo por fim o
principal interprete hum sargento, e
Brasileiro, desertou com elles para o
Matto, havendo, por authoridade sua
mandado degolar pelos Indios muitas
cabeças de Gado de toda a espécie em
11 ou 15 fazendas de Colonos. Ocupo-
me de remediar a esta não esperada
defcção: a qual acho tão extraordinária
que sem ouvir primeiro aquelle Sargento
não posso inteiramente acreditar.
84
Na tabela acima, podemos observar onde se localizavam os principais
aldeamentos quando e por quem foram fundados, quem os comandavam na época
e comprovar estatisticamente, que os aldeamentos conseguiram arrebanhar um
número significativo de indivíduos.
Entretanto, as atividades do francês junto ao povo Botocudo chegam ao fim
pela ação de exploradores inimigos de Marlière, que se viam contrariados em seus
interesses, à medida que o francês buscava pacificar a relação entre indígena e
colonizador. Guido Marlière considerava como seus inimigos aqueles que tinham
interesse em assaltar as terras e as culturas dos indígenas, roubarem as suas
mulheres e os seus filhos, ou seja, os covardes assassinos dos silvícolas.
Após um longo trabalho que consumiu mais de 20 anos de sua vida, Marlière
almejava um título de nobreza. Incessantes pedidos foram feitos por parte dele, mas
sem nenhum sucesso, descontente ele abandona o trabalho de catequese em 1829.
Conseguem seus inimigos, tirar Marlière para sempre da Direção Geral dos Índios e
do Comando das Divisões do Rio Doce, fato com conseqüências extremas para a
comunidade Botocuda, na medida em que a partir daí, inicia-se a fase mais difícil
para os nativos: tirando Marlière de cena fica mais fácil a destruição dos Botocudos.
Pois, os índios, após viverem nos aldeamentos não sabiam mais viver no mato,
eram dependentes do “civilizador”. De feras temidas passaram á presa fácil para os
exploradores e o governo, que por sua vez, tira de suas costas a responsabilidade
da guerra e entrega aos colonos as terras dos índios.
Fato que comprova a difícil situação dos Botocudos nesse período é que em
1833, pouco após a retirada de Marlière, não havia um aldeamento nas
margens do Rio Doce. E seja como for, Marlière, que se julgava lutar em defesa dos
índios, acabou por deixá-los como alvos fáceis aos exploradores.
Após a saída de Marlière os aldeamentos entram em franco declínio, e a
Coroa passa a distribuir lotes de terras pertencentes à área dos indígenas como
gratificação a serviços prestados por antigos soldados, chegando estes às margens
do rio Manhuaçu e seu afluente José Pedro
118
onde hoje existem algumas cidades,
como Manhuaçu, Ipanema, Pocrane, entre outras.
Justificavam o direito de entrar e demarcar as terras da seguinte forma:
118
Os Rios Manhuaçu e José Pedro são respectivamente afluente e subafluente do Rio Doce.
85
“(...) Dizemos nos abaixo assignado que somos senhores e possuidores de
uma terras de culturas nas vertentes do Rio Manhuassú adquiridas com
permição dos comandantes dos Quartéis de Divizóis como era de direito,
por serem as autoridades em combidos de diziguinar terras aos entrantes,
afim de evitar duvidas entre elles e manterem a paz e tranqüilidade; o que
nos foi concidido na qualidade de soldados das Divizóis, que ajudemos abrir
a primeira e única estrada da capitania, que avia neste tempo, assim como
à abertura do Aldiamento do Manhuassú, em cujos serviços estive eu e
outros por lago tempo sem que persebesse lucro algum além das
concisções de apussiarmos terrenos em recompensa de meos serviços: foi
nesta dacta dispensado e authorizado pelos os mesmos governantes apor
as minhas posses com condição de respeitar as posses de outros nas
mesmas condições, que foram dispençados da quelles serviços primeiro
que eu(...).”
119
Uma das coisas que nos chama atenção no documento são as justificativas e
obrigações para a posse da terra.
Os nativos não mais reagiam, foram deixados à parte como se nunca
tivessem sido donos destas terras. A cada entrada feita pelos posseiros, mais os
nativos se distanciavam deles fugindo para locais mais ermos. Não havia mais o
espírito de luta para defender a posse de suas terras, lhes restando apenas à fuga.
Os que ficavam eram deixados à margem da sociedade, mendigando e sendo
explorado pelos novos proprietários.
Os terrenos antes pertencentes aos nativos agora eram divididos entre os
exploradores, que muitas vezes vinham fixar residência nas novas terras, nos vales
destes rios impulsionando a colonização rio acima e assim expulsado os antigos
donos.
O nascer do novo Estado nacional na América
120
, o Brasil, não significava que
a questão indígena tinha sido resolvida. Surgem novas polêmicas em torno do índio,
da sua terra e a da velha necessidade de civilizá-lo e cristianiza-lo. Surgem
propostas dentre as quais destacam-se os “apontamentos para a civilização dos
índios Bravos do Império do Brasil”, de Jo Bonifácio de Andrada e Silva.
121
Nesse
projeto o autor, após evidenciar de forma contundente como se davam as relações
119
Autos da causa Souza & Souza contra o Estado de Minas Gerais, fls 162.
120
A 7 de setembro de 1822 nascia “oficialmente” o Império do Brasil. Cujo o Príncipe Herdeiro da
Coroa Portuguesa e intitulado D.Pedro I Imperador e Defensor Perpetuo do Brasil
121
SILVA, José Bonifácio de Andrada. Projetos para o Brasil. São Paulo: ed. Companhia das Letras:
Publifolha, 2000. pp.47 a 73
86
entre brancos e índios no início do império, sendo estas de grande dificuldade, pois
colocava frente a frente interesses e costumes diferentes, nascidos da natureza em
que se achavam os índios e do desejo de domesticá-los; do fato de não terem os
índios, para o colonizador, freio algum religioso e civil que pudesse dirigir suas
paixões e, do estado “bravio” desse índio. José Bonifácio expôs sua proposta de
como “civilizar” os índios do Brasil à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa.
Em 42 itens detalha os meios para se levar adiante a “civilização dos índios”:
passando pela brandura no seu trato, até a criação de um Tribunal Provincial
encarregado de governar as missões e aldeias dos índios da província.
Apresentava-se assim um programa de integração dos Botocudos à sociedade
nacional:
“(...) Vou tratar do modo de catequizar, e aldear os índios bravos do Brasil:
matéria esta de suma importância, mas ao mesmo tempo de grandes
dificuldades na sua execução. Nascem estas: Primeiro, da natureza e
estado em que se acham estes índios. Segundo, do modo com que
sucessivamente portugueses e brasileiros os temos tratado, e continuamos
a tratar, ainda quando desejamos domesticá-los e fazê-los felizes(...)”
122
José Bonifácio acreditava que o modo de catequizar e aldear os índios
“bravos” do Brasil, seria através da mestiçagem, que possibilitaria o surgimento de
uma nova raça, e a criação de uma cultura comum, na qual prevaleceria o elemento
branco e civilizador. Para isso nos propõe no 5º item dos seus apontamentos:
“(...) Favorecer por todos os meios possíveis os matrimônios entre índios,
brancos e mulatos, que então se deverão estabelecer nas aldeias, havendo
cuidado porém de evitar, pelo seu trato e maus costumes, não arruinarem
os mesmos índios; proibindo-se que não possam por ora comprar suas
terras de lavoura sem consentimento do pároco e maioral da aldeia, e
determinando-se que nos postos civis e militares da aldeia haja pelo menos
igualdade entre ambas as raças(...).”
123
(grifos nossos).
José Bonifácio ressalta um dos meios que se deve lançar mão para a pronta e
sucessiva “civilização” dos índios, que é através do incentivo do matrimonio entre
122
SILVA, José Bonifácio de Andrada. 2000. Op. Cit.
123
Idem.
87
índios, brancos e mulatos. Além disso, destaca a necessidade de proteger a
propriedade do indígena, ações estas, resultantes de suas experiências.
Entre as propostas de José Bonifácio e a pratica de Marlière analisamos
alguns pontos em comum que ilustram as diretrizes políticas do Império como a
necessidade de “Aldear” “Civilizar” e “Catequizar” como o propósito de facilitar a
integração do indígena “bravio” ao Estado Nacional. As semelhanças entre os
apontamentos propostos a Assembléia Constituinte de 1823 por Jo Bonifácio e o
aldeamento posto em pratica por Marlière pode caracterizar de forma clara o
pensamento do homem civilizado em relação a sua superioridade cultural e espiritual
sobre o nativo da terra. Onde “civilizar e catequizar” era alem de tudo um processo
de aculturação pelo qual o indígena deveria passar para se tornar um “dente” nas
engrenagens que moveriam o Novo Estado Império Brasileiro - que estava
nascendo.
Durante a década de vinte observamos nos decretos a permanência da
“Catequese” e do “Aldeamento” na legitimação da política indigenista do I Império do
Brasil. Era pratica recorrente do Estado a publicação de decretos e portarias que
tratavam da Catequese e do Aldeamento dos Indígenas do Sertão Mineiro. Em 28
de Janeiro de 1824, o Império do Brasil “da regulamento interino para o aldeamento
e civilização dos índios do Rio Doce, e ordena a concessão de sesmarias aos
indivíduos civilizados que as pedirem.” Fica claro que é interesse do Império misturar
Colonos e Indígenas pois ao seu entender essa mesclagem de cultura facilitaria a
integração do indígena na massa populacional do Império. Para efetivar esses
aldeamentos no Vale do Rio Doce o Império decretava em 28 de janeiro de 1824 um
regulamento que se refere a Ordem citada, o qual veremos os tópicos principais:
“(...) 1º Far-se-hão no Rio Doce três Aldeias de Índios Botocudos, nos
logares que escolher o Director dos mesmos Índios (...)”
“2º Haverá um Director para cuidar na civilização e aldeamento dos Índios
do Rio Doce, dirigir seus trabalhos, zelar seus interesses e applical-os à
Cultura das terras e a navegação do Rio Doce (...)”
“3º Haverá um Secretário encarregado de toda a escripturação e expediente
da Directoria (...)”
“4º Haverá um Cirurgião para o curativo dos enfermos (...)”
“5º Haverá um Patrão Mor para a Barra do Rio Doce (...)”
88
“6º Haverá no Rio Doce uma Guarda de 80 homens á disposição do Director
dos Índios (...)”
“10º Aos índios que se forem reunindo, e aplicando ao serviço das roças e
navegação do Rio Doce, dar-se-hão ferramentas, sustento e vestuário de
pano de algodão no primeiro ano, ou enquanto elles não obtiverem estes
gêneros do seu próprio trabalho (...)”
“12º O Director dará mensalmente parte ao Governo da Província de todas
as suas operações, do resultado de seus trabalhos (...)”
124
Por esse decreto, o Estado normatiza os aldeamentos do Rio Doce, através
dos quais os índios deveriam acostumar-se aos serviços das roças e navegação,
amparados pelo Estado, até que pudessem obter o sustento pelo seu próprio
trabalho.
Durante os próximos anos da cada de vinte o Governo Imperial segue
editando Decretos e portarias para que se cumpram a Catequese e o Aldeamento,
aqui incluído a dos Índios do Rio Doce.
Cabe analisar a lei de outubro de 1831, que constitui o marco cronológico final
da nossa pesquisa que oficialmente revoga as Cartas Régias de 13 de maio de 1808
e 02 de dezembro de 1808 que mandavam fazer Guerra e por em servidão os Índios
de Minas Gerais. Assim dispunha a lei de 31 de outubro de 1831:
“(...) A Regência, em nome do Imperador, o Senhor D.Pedro II. Faz saber a
todos os súditos do Império, que a Assembléia Geral Legislativa Decretou e
Ele sancionou a seguinte lei:
(...) Art.2º Ficam também revogadas as Cartas Régias de 13/05 e de
02/12/1808, na parte que autorizam, na Província de Minas Gerais, a
mesma Guerra [Guerra decretada aos Índios Botocudos de Minas Gerais] e
servidão dos índios prisioneiros.
(...) Art.4º Serão considerados como órfãos, e entregues aos respectivos
juízes [de Órfãos] para lhe aplicarem as providências da Ordenação. (...)”
125
(grifo nosso)
Assim oficialmente, a Regência coloca fim ao período marcado pelas Cartas
Régias, nas quais em um primeiro momento em 1808, D. João decreta Guerra de
Extermínio ao Índio Botocudo do Sertão Mineiro, D. Pedro I dá continuidade à
124
In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org). 1996 Op. Cit. p.p. 111,112,113
125
In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org). 1996 Op. Cit. p. 137
89
política ofensiva de seu pai, que termina com a revogação das Cartas Régias de
13/05 e de 02/12/1808, na parte que autorizava tal Guerra.
Os primeiros quatro anos da presença do Príncipe Regente no Brasil foram
marcados por intensa produção legal sobre a guerra e escravização dos índios.
Seguiu-se um período em que se acumularam criticas contra o método de guerra
ofensiva, o que contribuiu para que se firmasse uma outra abordagem da questão
indígena.
Nos anos que se seguiram a Independência a idéia de extermínio cedeu lugar
ao principio da atração e redução dos índios
126
. Assim, mudou-se o enfoque dado
em 1808, que premiava o extermínio e destruição dos indígenas e autorizava a
escravidão, entre outras violências. A nova orientação foi se estabelecendo
gradativamente, até chegar, em 1831 na revogação das cartas Régias de maio e
dezembro de 1808.
Os resultados estratégicos obtidos com a guerra ofensiva foram mínimos e
circunstanciais, impondo mudanças táticas significativas. Ao fim das hostilidades,
seguiu-se o método “pacífico”, que da mesma forma seria lucrativo aos portugueses,
pois moldar o índio poderia resultar em conquistas de mais terras férteis. Esse
método “pacífico” deve ser entendido no sentido de “aterrar os índios”, ou seja, fazer
com que eles deixassem à vida nômade de caçadores e coletores e fixassem em
aldeamentos. O índio passou a fazer parte da vila, inclusive freqüentando os
quartéis a procura de alimentos e ferro. Mas, na medida em que o interesse oficial
pela região diminuía, as forças militares foram sucateadas e, as ações dos índios
passaram a ser vistas como problema de ordem pública, atribuindo-lhes importância
secundária entre as preocupações do governo. Os índios aculturados foram
transformados em indigentes, vitimas da fome, das epidemias e do alcoolismo
crônico.
O confronto entre dois caminhos táticos acompanhou o processo de
ocupação da região. Podem-se distinguir duas fases diferentes: uma em que
prevaleceu a alternativa do extermínio, e a outra em que prevaleceu a idéia de
126
A civilização dos índios bravios foi objeto de reflexão de José Bonifácio de Andrada e Silva cujas
idéias se fundamentaram no direito que o Estado tinha de molda-los àquilo que conviesse a nós que
eles fossem. Ele recomendava bandeiras acompanhadas de padres para “persuadir” os índios a
morarem em aldeamentos fixos.
90
aldear o índio. Táticas diferentes para se chegar ao mesmo fim, o de “civilizar” o
atroz gentil do botoque.
91
CAPÍTULO IV
O olhar dos viajantes europeus sobre o povo Botocudo, na construção do
Estado Brasileiro.
“Que piores inimigos tem o Império do que os súditos dele, que matam ou
mandam matar os índios pacíficos sem manifesta ou prévia provocação?
Que lhes usurpam a terra? Que os excitam à rebelião e à desconfiança
espalhando entre eles insinuações de que os diretores os querem reunir
para os matar? (...) Que bons cidadãos são os que lhes dão camisas de
bexiguentos e dos que morreram de sarampo, para os exterminar? Que os
convidam para comer, e lhes dão tiros? (...) Que esforçam as suas mulheres
e filhas? Que os fazem trabalhar e lhes pagam com pancadas?”
127
Durante os primeiros séculos da dominação lusitana, o território da América
Portuguesa foi proibido aos estrangeiros. As possíveis potencialidades econômicas
eram consideradas segredo de Estado. Raras foram as expedições científicas
organizadas sob auspícios da Coroa.
Somente no início do século XIX, a partir de 1808, com a chegada da Família
Real Portuguesa, a colônia conhece um período de mudanças em sua vida política,
econômica, social e geográfica. Algumas medidas tomadas pela coroa portuguesa
vão transformar os hábitos coloniais. Dentre essas medidas destacamos a abertura
dos portos às Nações Amigas, que veio possibilitar a emissão de permissões, da
parte da coroa portuguesa, para que fossem realizadas incursões estrangeiras no
território brasileiro. A referida permissão possibilitou a vinda de inúmeros viajantes
europeus, que passam a organizar expedições, em sua maioria cientificas, para
desvendar o sertão, até então, desconhecido dos europeus. Para Sérgio Buarque de
Holanda, este momento pode ser visto como um “novo descobrimento do Brasil”:
“(...) A não ser no Quinhentos e, até certo ponto, no Seiscentos, nunca o
nosso país parecera tão atraente aos geógrafos, aos naturalistas, aos
economistas, aos simples viajantes, como naqueles anos que
imediatamente se seguem à instalação da Corte portuguesa no Rio de
Janeiro e à abertura dos portos ao comércio internacional. O fato acha em si
127
Naud, Leda Maria, (org.), Informações Relativas à Civilização dos Índios,Ordenadas por Sua
Magestade, o Imperador, no Ano de 1826. RJ: Revista de Informação Legislativa, nº 29, 1971, p.315.
92
mesmo sua explicação. A contar de 1808 ficam enfim suspensas as
barreiras, que ainda pouco antes, motivaram o célebre episódio daquela
ordem régia, mandando atalhar a entrada em terras da Coroa de Portugal
de certo Barão de Humboldt, natural de Berlim’, por parecer suspeita a sua
expedição e sumamente prejudicial aos interesses políticos do Reino. De
modo que a curiosidade tão longamente sofreada pode agora expandir-se
sem estorvo, e não poucas vezes, com o solícito amparo das
autoridades(...)”.
128
Expedições como a realizada pelo português Alexandre Rodrigues Ferreira,
129
ainda no século XVIII, logo, bem antes da abertura dos portos, inaugura uma
tradição científica que irá prosperar no século XIX, com a vinda de inúmeros
naturalistas e viajantes de outros países (alemães, russos, franceses, suíços,
americanos...), os quais são responsáveis pela produção de ampla documentação
relativa ao sertão mineiro.
A partir da popularização das gravuras e dos relatos extravagantes das
viagens realizadas pelo interior do Brasil, no século XIX, multiplicam-se as imagens
do sertão e dos “selvagens”, que iriam se contrapor à concepção de exaltação de
um índio genericamente Tupi, criado em parte pelo indianismo “tupiniquim”.
130
Assim, expedições científicas do início do século XIX, deram origem a
inúmeros relatos de viagens, que publicados na Europa, despertaram grande
interesse no público leitor do Velho Mundo, ávidos por notícias sobre as
“excentricidades” da Terra Brasil. O interesse em informar sobre a realidade da vida
do indígena ao público europeu tinha certo limite. Muitas vezes, o imaginário era
importante para despertar o interesse dos leitores. As práticas da poligamia, da
antropofagia ou das guerras eram assuntos retratados correntemente nos textos.
De nossa parte, os relatos se tornam importantes na medida em que os
viajantes passam a reproduzir, em seus livros, um importante quadro sociocultural e
128
HOLANDA, Sergio Buarque. A herança colonial, sua desagregação. In: HOLANDA, Sérgio
Buarque de (org.) História Geral da Civilização Brasileira, tomo II, volume. São Paulo: Difel, 1975.
p.12
129
Data do fim do século XVIII a primeira, única e valiosíssima expedição de um naturalista português
ao Brasil. Trata-se de Alexandre Rodrigues Ferreira, que inaugura uma tradição cientifica que
florescerá no século XIX, com a vinda de naturalistas e viajantes de outros países. CUNHA, Manuela
Carneiro da (Org). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras: edição, 2006.
p.15
130
Valendo pela ressalva de Manuela Carneiro para a existência de dois índios totalmente diferentes
no século XIX: de um lado, o bom índio Tupi Guarani, que a autora classifica convenientemente como
um índio morto, que seria símbolo da nacionalidade, e, de outro lado, um índio vivo que seria objeto
de uma ciência principiante. CUNHA, Manuela Carneiro da (Org). História dos índios no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras: 2ª edição, 2006.
93
geográfico dos lugares, até então não explorados, e das populações, que
permaneciam ainda não contatadas pelo “civilizador” europeu.
Ao longo do século XIX, os relatos de viagem em questão tornam-se um rico
material no programa de construção da identidade nacional brasileira. Os livros de
viagens das primeiras décadas do XIX detalham os hábitos e os costumes das
sociedades indígenas, e registram igualmente, a ação do Estado em sua política
direcionada aos nativos brasileiros.
Entre os vários viajantes europeus que passaram pelo Brasil no início do
século XIX, damos destaque, na nossa pesquisa, aos que visitaram o Sertão do Rio
Doce, e que entraram em contato com o botocudo. São eles, o príncipe renano
Maximiliano, Alexander Philipp zu Wied-Neuwied,
131
que esteve no Brasil no início do
século XIX, entre os anos de 1815 a 1817, usando o pseudônimo de Max von
Braunsberg. O príncipe alemão, estudou a flora, a fauna e as populações indígenas,
fazendo várias anotações que, posteriormente, foram transpostas para o livro
Viagem ao Brasil. Naturalista, etnólogo e explorador, o citado livro, foi publicado em
1820, com detalhadas descrições sobre tudo o que pôde observar o viajante. O
viajante em questão, contou com o apoio de auxiliares alemães, com experiência em
coleta de animais. Maximiliano coletou, entre outros objetos etnológicos, o
vocabulário, as plantas, os animais e os utensílios das tribos indígenas que visitou,
como a dos botocudos do sertão mineiro.
Outro viajante europeu foi o Naturalista
132
e botânico francês August de Saint-
Hilaire,
133
que viajou durante o inicio do século XIX pelo interior do Brasil. Saint-
Hilaire, veio para o Brasil em 1816 acompanhando a missão extraordinária do duque
de Luxemburgo, que tinha por objetivo resolver o conflito que opunha Portugal e
França quanto à posse da Guiana. Sant-Hilaire obteve e registrou informações sobre
a flora, a fauna e a sociedade por onde passou. Após deixar o Brasil, em 1820, o
131
MAXIMILIANO, Príncipe de Wied-Neuwied. Viagem ao Brasil: nos anos de 1815-1817. São Paulo:
ed. Itatiaia e ed. Da Universidade de São Paulo, 1989.
132
O termo naturalista é empregado para se referir a um indivíduo com interesse ou talento em
história natural ou ciência natural, também conhecida como naturalismo ou ciências da natureza,
entre as quais a botânica, a geografia, a geologia, a meteorologia, a mineralogia e a zoologia.
133
SANT-HILAIRE, August de. Segunda Viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo
1822. Belo Horizonte: Itatiaia: São Paulo: Edusp, 1974.
SANT-HILAIRE, August de. Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce. Belo Horizonte: Itatiaia: São Paulo:
Edusp, 1974.
SANT-HILAIRE, August de. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo
Horizonte: Itatiaia: São Paulo: Edusp, 1975.
94
francês passa a publicar importantes livros sobre os costumes e as paisagens
brasileiras do século XIX, dos quais damos destaque aos títulos: Viagem pelas
províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, publicado em 1830; Viagem ao Espírito
Santo e Rio Doce, publicado em Paris em 1833, e, Segunda viagem ao Rio de
Janeiro, a Minas Gerais e a São Paulo (1822), publicado 1887.
Outro viajante, por nós privilegiado, foi Carl Friedrich Philipp von Martius,
134
médico, botânico, antropólogo e um dos mais importantes pesquisadores alemães,
que estudaram o Brasil. Seus estudos sobre botânica se transformaram em um
grande legado, cultuado até os dias atuais. Contudo, sua produção não se restringiu
à botânica. MARTIUS chegou ao Brasil fazendo parte da comitiva da grã-duquesa
austríaca, Dona Leopoldina, que viajava para o Brasil para casar-se com Dom Pedro
I. Nessa mesma comitiva veio o cientista Johan Baptiste Von Spix, naturalista
alemão que, juntamente com Martius, realizaram expedição pelo país entre de 1817
a 1820. Juntos, MARTIUS e SPIX, receberam da Academia de Ciências da Baviera,
o encargo de pesquisar as províncias mais importantes do Brasil, a fim de
contribuírem com os estudos sobre botânica, zoologia e mineralogia. Com o
falecimento de SPIX, MARTIUS encarregou-se de publicar Viagem ao Brasil: 1817-
1820, livro que foi publicado na Europa no ano de 1835 com o título original Reise in
Brasilien.
Por ultimo, destacamos o renomado pintor e desenhista francês Jean Baptiste
Debret.
135
Debret integrou a Missão Artística Francesa de 1816, e foi um dos
responsáveis pela fundação, no Rio de Janeiro, da academia de Artes e Ofícios,
mais tarde, Academia Imperial de Belas Artes. Debret permaneceu no Brasil entre
1816 e 1831. De volta à França, em 1831, o pintor francês publicou, em 1834, o livro
intitulado Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, documentando aspectos da
natureza, do homem e da sociedade brasileira no início do século XIX.
Os cinco viajantes aqui citados foram muito lidos na Europa e no Brasil, sendo
suas obras incorporadas pela produção literária e intelectual brasileira, desde o
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro até as publicações e os estudos mais
134
MARTIUS, Carl Friedr. Phil. Von; SPIX, Jonh Bapt. Von. Viagem ao Brasil: 1817-1820. São Paulo,
Melhoramentos, 1938.
135
DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Histórica e Pitoresca ao Brasil. Tomo I e II. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1978.
95
recentes. No nosso caso particular, são eles os principais responsáveis pelas
primeiras descrições sobre o sertão mineiro e sua população nativa.
Verifica-se a importância dessas descrições, na construção posterior das
representações das próprias raízes do que definimos como brasileiros;
provavelmente, uma das noções mais multifacetadas e intrigantes das ciências
humanas.
As imagens constituem fonte de produção de significado para os próprios
sujeitos, por eles originadas e constituídas, por meio de um processo de
subjetivação, que hoje faz parte da literatura atual. Sendo importantes fontes
documentais, que possibilitam o aprofundamento do estudo sobre esses sujeitos
sociais, o índio Botocudo, teve o seu lugar, na construção da identidade do nascente
Estado Brasileiro.
136
Nessa perspectiva, as identidades também podem ser formadas
a partir de instituições dominantes, como por exemplo, a imagem depreciativa
alimentada pelo Estado em relação ao Botocudo do Sertão Mineiro.
Assim, são produzidos pelos viajantes europeus relatos que, no século XIX,
de certa forma, foram responsáveis pela formação de uma imagem de Brasil, e de
um imaginário nacional, no âmbito da construção do Estado emancipado. A partir do
momento que consideramos o lugar desses relatos de viagens nas origens do
próprio pensamento do povo em formação, estas descrições vêm, em parte, ratificar,
as diretrizes que nortearão a política do império, como é o caso das diretrizes
políticas para os indígenas do século XIX, sobre a qual nos debruçamos.
Interessam-nos ainda destacar que, os livros de viagem (com seus álbuns de
retratos pitorescos da paisagem e do nativo da região do sertão e do Novo Mundo),
foram consumidos avidamente pelo público leitor, do início do século XIX, como
bens culturais. Segundo Ana Luisa Fayet
137
, assim sendo, o que poderia ser
entendido como uma experiência particular e privada, deixa imediatamente de sê-lo,
ao ingressar no mercado simbólico de “bens culturais”. Essa relação entre o autor e
o leitor reafirma o caráter público da cultura, que longe de nos oferecer a verdade da
136
FAY, Ana Luisa. Imagens Etnográficas de Viajantes Alemães no Brasil do Século XIX. Disponível
na internet < www.antropologiavisual.cl/fayet_imprimir.htm> acessado em 20 de abril 2007.
137
FAYET Ana Luisa Profesora, Doctora. Departamento de Ciências Sociais Universidade Federal
do Paraná. Imagens Etnográficas De Viajantes Alemães No Brasil Do Século XIX. Disponível em
www.antropologiavisual.fayet.d/com.
96
representação, oferece as idéias que eram compartilhadas por determinado grupo
acerca da natureza, do homem e da civilização do Novo Mundo.
Portanto, não se pretende buscar, ao se analisar essas imagens, o que era o
verdadeiro Brasil no início do século XIX, mas sim, como os viajantes europeus viam
o Brasil no século XIX.
Dessa maneira, os relatos de viagem do século XIX, retratavam o modo de
vida dos índios Botocudos do Sertão do Rio Doce em seu habitat natural. Sua
organização familiar, a construção de suas moradias, a forma como caçavam, cenas
guerreiras, suas danças e cerimônias rituais, além de instrumentos guerreiros e
artefatos domésticos, foram retratados buscando representar o que observaram e o
que julgaram significativo nos hábitos dos índios. Vejamos as palavras de Freireyss
ao retratar um ritual de dança dos Puris:
(...) Ao luar perto da fazenda Guidoval. Os homens formam a primeira fila e
as mulheres, a segunda. As crianças, agarradas às coxas dos mais velhos,
dão os passos furtados da dança para frente. Um dançador dá, como
saudação, uma umbigada a cada um de nós observadores. (...)
138
Ilustração 13: Dança dos Puris. Freireyss, G. W. Viagem ao interior do Brasil
139
138
FREIREYSS, G.W. 1975. Op. Cit. p.133
139
Idem. p.133
97
Cada naturalista dava um sentido próprio às suas representações. Segundo
Ana Luisa Fayet, cada viajante utilizou-se de todos diferenciados para a
construção de suas imagens etnográficas. Os métodos utilizados procuram dar
conta da dimensão temporal presente na narrativa, e que deveria ser traduzida em
diferentes imagens pela gravura.
Como inúmeros outros exploradores europeus, os viajantes examinados
passaram a visitar cidades e vilas, fazendas e áreas rurais, mas também, chegavam
à lugares ainda sem ocupação: matas, até então intocadas pela “civilização”, rios de
curso não delimitado, grandes extensões ainda não mapeadas. Uma dessas regiões
foi o Vale do Rio Doce, região, que no início do século XIX, se torna alvo da cobiça
dos fazendeiros e exploradores das áreas circunvizinhas. Vale esse que se tornara
um enigma natural e etnográfico para os vários viajantes, que nas tentativas de
decifrá-lo, percorreram seus caminhos “infestados” de Botocudos “selvagens”. Da
mesma forma, os viajantes presenciaram a tomada de importância das terras do
sertão, e são testemunhos do “processo civilizador” em curso no cruzar dos culos
XVIII e XIX.
Ao nosso entender, existiu entre os viajantes, aqueles que contribuíram com o
discurso do Estado, por compartilhar da mesma opinião “oficial”; mas, por outro
lado, existe um grupo de viajantes que se opõe ao discurso oficial, mas que
igualmente têm suas imagens sobre os índios Botocudos usadas pelo discurso
violento do Estado.
Foi nas primeiras décadas do século XIX que se intensificou a entrada do
colonizador no Sertão do Rio Doce, mais precisamente, nas Capitanias de Minas
Gerais e Espírito Santo, quando então, temos notícias sobre o contato entre
“civilizadores" e Botocudos. Por essa época, os Botocudos viviam em grande
número de indivíduos espalhados pelas matas da região, podendo ser encontrado,
principalmente, nas margens dos rios Doce, do Mucury, do Jequitinhonha, do Pardo,
do Pomba, do Manhuaçu e dos vários afluentes espalhados pelo sertão.
O significado do termo “Sertão” para os viajantes e para o Estado português,
esta expresso na literatura de viagem do inicio do século XIX, na época o termo
sertão foi geralmente empregado para denominar uma região de paisagens
considerada bravia, desconhecida, inabitada, que estaria à espera do desbravador.
98
Para os viajantes, os sertões brasileiros representavam uma incógnita, uma vasta
área no interior do Brasil, onde a natureza continuava intocada, uma enorme fonte
de pesquisas naturais, que fascinavam os naturalistas de todo o Velho Mundo.
Vale aqui observarmos as anotações de SPIX e MARTIUS a respeito dos
comentários da época sobre o sertão:
“(...) como, porém, nos chegou a notícia, por um viajante mineiro, de que o
Príncipe Max Von Neuwied havia empreendido, com heróico sacrifício, a
tarefa de investigar esses interessantes antropófagos, julgamos inútil nosso
esforço nesse sentido, e volvemos, a 4 de julho, para o sertão, que,
segundo informação dessa gente do lugar, nos aguardava como terra
maravilhosa, ainda que igualmente cheia de perigos.(...)”
140
Para SPIX e MARTIUS o Sertão brasileiro era uma área que contrastava com
as outras partes conhecidas do Brasil, sobretudo, no que diz respeito aos habitantes:
“(...) O acolhimento, por toda parte nesse sertão, não era menos hospitaleiro
do que nas outras terras de Minas; porém quão diferentes nos parecem os
habitantes destas regiões solitárias, em conformidade com os sociáveis e
cultos cidadão de Vila Rica ... O sertanejo é criatura da natureza, sem
instrução, sem exigências, de costumes rudes.(...)”
141
Vários são os autores que analisam o conceito de sertão, José Vieira Couto,
conceitua sertão como sendo, “as terras que ficam pelo seu interior, desviadas das
povoações de Minas, e onde não existe mineração”.
142
Segundo Haruf Salmen
Espindola
143
, no inicio do século XIX, o Sertão do Rio Doce permanecia um lugar
estranho, habitado por índios, aventureiros em busca de ouro e pedras preciosas,
preadores de índios, caçadores e coletores, posseiros pobres, mestiços e negros
livres, e de quilombolas.
O Sertão Mineiro nas primeiras décadas do século XIX foi representado como
um enorme vazio a ser preenchido, segundo os interesses e valores do mundo
civilizado. Para MARTIUS, “(...) sertão, como denominam os mineiros, é a vastidão
140
SPIX, MARTIUS. 1972. Op. Cit. p.62
141
SPIX, MARTIUS. 1972. Op. Cit. p.66
142
Cf. COUTO, José Vieira. Memória sobre as Minas da Capitania de Minas Gerais. RAPM, Belo
Horizonte, v.10, 1904. p.p. 60-166, 111.
143
ESPINDOLA. Haruf Salmen. 2005. Op. Cit. p.75
99
deserta, na linguagem usual (...)”. Tratava-se também de um desafio para a
civilização, com seus animais e plantas fantásticos, com seus índios considerados
bárbaros e selvagens, lugar de caminhos inóspitos e dos grotões sombrios.
144
Entrar no sertão era enveredar-se por uma imensa região inóspita ao redor
das áreas de mineração da capitania de Minas:
“(...) Segundo as referências que até aqui nos haviam feito do sertão, para
onde nos íamos dirigir agora, precisávamos recorrer às vendas do arraial, a
fim de nos abastecer do necessário para uma longa viagem por zona quase
despovoada.(...)”
145
(grifo nosso)
Saint-Hilaire foi um dos primeiros europeus a descrever o sertão do Rio Doce,
uma região inóspita ao homem, com a presença de animais ferozes, mosquitos
insuportáveis, febres capazes de levar à morte e a presença constante do selvagem
Botocudo. Nas palavras de Saint-Hilaire, o sertão era uma ameaça aos que se
aventurassem enveredar-se pelos caminhos do Rio Doce. Segundo o viajante:
“(...) em Linhares, vi apenas o rio e inúmeras florestas que se
estendem em suas margens, durante toda a vigem, nenhuma
habitação se mostrou a meus olhos(...)
“(...) Essas florestas servem de refugio a grande numero de animais
selvagens... Nessa época eram também asilo de tribos errantes de
botocudos, dos quais os colonos só falavam com pavor (...)”
“(...) É incontestável que as terras da Província de Minas banhadas
pelo Rio Doce são insalubres, como disse; é incontestável,
também, que, chegando à embocadura do rio, os estrangeiros são
quase todos sempre atacados pelas febres (...)”
146
Como Saint-Hilaire, outro viajante, o príncipe maximiliano, ao esquadrinhar a
paisagem do sertão do Rio Doce, registra as dificuldades do acesso e o quanto a
natureza era rude e inóspita. Mas, como parte integrante dessa natureza, inclui o
viajante, a presença do “selvagem” habitante desse sertão:
144
SPIX, MARTIUS. 1972. Op. Cit. p.65
145
SPIX, MARTIUS. 1972. Op. Cit. p.61
146
SAINT-HILAIRE, Auguste. 1974. Op.Cit. p.p 88-89
100
“(...) Não obstante, os nomes Aimorés e Botocudos continuam a despertar
nos europeus sentimentos de horror, de repulsa, em virtude da crença de
serem antropófagos... Tanto em Minas Gerais como no Rio Doce vive-se em
guerra contra eles; em tempos passados, eram os paulistas (habitantes da
capitania de São Paulo) os seus piores inimigos. (...)”.
147
Além da crença da ameaça que representava aos europeus a população
nativa do sertão brasileiro, registra o viajante que muitos aventureiros teriam sido
surpreendidos pelas intempéries naturais do Sertão, quando grupos inteiros de
viajantes teriam sido surpreendidos pelos fenômenos naturais da região:
“(...) Consolávamos uns aos outros com a esperança de que essa
catastrófica chuva não tardaria a passar; mas não poderíamos deixar de
refletir que mal estaríamos se ela durasse rios dias, pois, em tais
circunstâncias, os homens, e, sobretudo os animais, caem logo doentes,
não suportando estes a umidade. Comitivas inteiras de viajantes têm em
pouco tempo perdido a vida nessas florestas espessas e úmidas (...).”
148
(grifo nosso)
Os viajantes SPIX E MARTIUS, descreveram a natureza do sertão das Gerais
comparado-a ao inferno de Dante, em seu aspecto mais sombrio. Serviu de cenário
para o relato desses viajantes a serra de São Geraldo, em Minas Gerais. Na
passagem por essas terras afirmam os viajantes:
“(...)escura como o inferno de Dante fechava-se a mata, e cada vez mais
estreita e íngreme, a vereda nos levou por labirínticos meandros, a
profundos abismos, por onde correm águas tumultuosas de riachos, e, ora
aqui, ora ali, jazem blocos de rocha solta. Ao horror, que esta solidão
agreste infundia na alma, acrescentava-se ainda a aflitiva perspectiva de um
ataque de animais ferozes ou de índios inimigos que a nossa imaginação
figurava em pavorosos quadros, com os mais lúgubres pressentimentos”.
149
147
MAXIMILIANO, Príncipe de Wied-Neuwied. 1989. Op. Cit. p. 284
148
Idem. p.371
149
SPIX & MARTIUS. 1981. Opi.cit. p.220.
101
Ilustração14: As jovens florestas brasileiras que encantavam e ao mesmo tempo assustavam
segundo Martius.
150
Autor de inúmeras pinturas e descrições de indígenas, Debret, também
registrou seu olhar sobre o sertão durante sua permanência no Brasil. Cabe aqui
lembrar que o pintor não manteve contato direto com as comunidades indígenas, o
que, no entanto, não o impediu de produzir escritos e pranchas sobre os índios
brasileiros. Ao nosso entender, ao contrário dos viajantes acima analisados por nós,
Debret, na sua idealização do sertão, preocupa-se em apresentar as florestas do
Brasil (então o Sertão) como o habitat dos primitivos habitantes, lugar onde a
150
MARTIUS. Carl.F . P von. Historia Naturalis Palmarum. 1823-53. vol.II. p.73
102
natureza lhes proporcionava um clima agradável e alimentos em abundância. Ao
descrever a natureza, Debret, mistura temor e admiração, por paisagens tão
exóticas e pitorescas como as do Sertão do Brasil. Segundo seus relatos, o sertão,
tinha clima agradável e abundancia de frutos saborosos. Em uma de suas anotações
afirma o francês:
“(...) É no centro das imensas florestas virgens do Brasil que o
observador [europeu] deve procurar as antigas famílias de indígenas
conservadas no estado primitivo, feliz de viver sob uma doce
temperatura e de confundir as estações que lhe oferecem sem
interrupção mil espécies de frutos saborosos. (...)”
151
(grifo nosso).
Ilustração 15: Floresta Virgem no Sertão Mineiro. A gravura da Prancha 1 parte final da obra
de Debret observamos a floresta impenetrável muitas vezes descrita pelos viajantes europeus.
151
DEBRET, Jean Baptista. 1975. Op. Cit. p.08
103
Da mesma forma que os viajantes, O Estado português também teve o seu
interesse em emitir seu conceito de sertão. Entretanto, as referencias do pintor
francês sobre o sertão e a sua população, destoam das imagens, até então,
produzidas pelo Estado, as quais o próprio francês se encarregou de retratar.
Assim, do ponto de vista do Estado, o sertão é descrito, sobretudo, como uma
área despovoada de civilização e ameaçada por índios antropófagos. Por esses
motivos, como vimos anteriormente, na carta Régia de 13 de maio de 1808, quando
declarou veementemente a guerra ofensiva contra os Botocudos, o sertão aparece
como área a ser controlada pelo Estado, em respeito aos impulsos da civilização:
“(...) Sendo-me presente as graves queixas que da Capitania de
Minas Geraes tèm subido á minha real presença, sobre as invasões
que diariamente estão praticando os indios Botocudos,
antropophagos, em diversas e muito distantes partes da mesma
Capitania, particularmente sobre as margens do Rio Doce e rios que
no mesmo desaguam e onde não devastam todas as fazendas
sitas naquellas visinhanças e tem até forçado muitos proprietarios a
abandonal-as com grave prejuizo seu e da minha Real Coroa (...)”
“(...)como principiada contra estes Indios antropophagos uma guerra
offensiva que continuareis sempre em todos os annos nas estações
seccas e que não terá fim, senão quando tiverdes a felicidade de vos
senhorear de suas habitações(...)”
152
(grifo nosso)
A Carta Regia não deixa dúvidas: a presença dos botocudos no sertão
mineiro é considerada uma invasão, um atraso, um limite. O índio sendo
compreendido como um inimigo comum à todas as forças civilizadoras. Nessa
perspectiva, a Carta Regia tem o interesse de submeter os botocudos aos avanços
da civilização. O botocudo, que é reconhecido como o foco do problema, como uma
barreira a ser vencida, o que tendia à diferenciar os botocudos dos outros selvagens
e, à classificá-los secundariamente.
Porém, os viajantes aqui por nós analisados, não se limitam, em suas
crônicas, a registrar os aspectos da natureza do sertão, mas igualmente, se
preocupam em “discutir” os caminhos da civilização e da conquista, registrando e
refletindo, para tanto, uma posição com relação à ação do Estado em expansão.
A partir dos contatos mais amiúde com os indígenas, e principalmente com as
entradas no Sertão pelos naturalistas citados, observa-se, nos diferentes relatos
152
Carta Regia 13 de maio 1808.
104
de viagens, a necessidade de se classificar os botocudos. Grupo, que na visão dos
viajantes, não se enquadravam na conhecida generalização do habitante Tupi.
Autores como Jonathas Durço e Oiliam José
153
questionam, com base nesses
relatos, algumas características atribuídas ao indígena Tupi. Segundo esses
autores, nas descrições dos viajantes, os Botocudos são geralmente apresentados
como um grupo inferior aos Tupis, isso ocorrendo, por exemplo, no que diz respeito
à organização tribal, ao uso de acessórios - como a tanga indígena e à existência
da figura de um pajé. Essas diferenças registradas tendem, no olhar do civilizador, a
classificar os botocudos em uma posição inferior no conjunto das sociedades
conhecidas da época.
Nessa perspectiva, vale assinalar, no estudo da história do indígena no Brasil,
a importância das observações dos cientistas MARTIUS & SPIX,
154
notáveis
naturalistas que, entre outros etnólogos, procuraram classificar etnograficamente os
Botocudos.
Para MARTIUS, os Botocudos eram uma ameaça a quem se aventurasse
pelos sertões:
“(...) a caminho de Bom Sucesso ou do Fanado, fomos subitamente
tomados de surpresa por um bando de índios, homens e mulheres que
vinham em completo silêncio pela estrada. Eram da tribo dos botocudos
antropófagos. (...) eram estes cor de canela clara, de altura mediana,
estrutura atarracada, pescoço curto, olhos pequenos, nariz curto achatado e
lábios grossos. O cabelo negro brilhante, escorrido, caia em melenas
revoltas; a maioria deles trazia-o raspado em volta da cabeça, até uma
polegada acima das orelhas. As suas feições tornavam aspecto feroz com
os botoques de algumas polegadas de diâmetro que eles metem no lábio
inferior e nos lóbulos furados das orelhas. Tanto nos haviam causado e
tristeza à fisionomia desconsolada dos coroados, puris e coropós, quanto
agora era de pavor a nossa impressão, à vista destes homens que, no seu
semblante assustador quase não tem traço de humanidade. Indolência,
estupidez e selvageria animal, estampam-se-lhes nos rostos
quadrangulares, achatados, nos pequenos olhos turvos; voracidade,
preguiça e grosseria, patenteiam-se-lhes nos lábios estufados, no ventre,
assim como em todo o torso atarrancado e no andar incerto. (...)”
155
(grifo
nosso).
153
DURÇO. Jonathas.1988 Op. Cit e JOSÈ. Oiliam. 1965. op. Cit.
154
MARTIUS, Carl Friedr. Phil. Von; SPIX, Jonh Bapt. Von. Viagem ao Brasil: 1817-1820. São Paulo,
Melhoramentos, 1938.
155
MARTIUS, Carl Friedr. Phil. Von; SPIX, Jonh Bapt. Von. A grande aventura de Spix e Martius. Por
PAIVA. Mario Garcia. Brasília. Instituto Nacional do Livro. 1972. p.86
105
Segundo seus estudos, esses indígenas pertencem ao Grupo Ge, por
comporem seus nomes tribais com a palavra (pai, chefe), assim os enquadrando
junto com os demais povos, que formavam o grupo Gê.
Ao nosso entender, um dos viajantes que, ao analisar os indígenas brasileiros
não contribui, ou mesmo, contrariou, a construção do mito do bom selvagem foi
Martius. Ele acreditava que os índios eram os remanescentes degenerados de
povos "superiores", que teriam construído cidades, monumentos, e teriam tido
códigos de conduta muito mais "evoluídos". Suas críticas à crença no “bom
selvagem” são explícitas:
”(...) Ainda não muito tempo era opinião geralmente adotada que os
indígenas da América foram homens diretamente emanados da mão do
Criador. (...) Enfeitado com as cores de uma filantropia e filosofia
enganadora, consideravam este estado como primitivo do homem:
procuravam explicá-lo, e dele derivavam os mais singulares princípios para
o Direito Público, a Religião e a História. Investigações mais aprofundadas,
porém, provaram ao homem desprevenido que aqui não se trata do estado
primitivo do homem, e que pelo contrário o triste e penível (sic) quadro que
nos oferece o atual indígena brasileiro, não é senão o residuum de uma
muito antiga, posto que perdida história(...)”.
156
.
A monografia de MARTIUS (1838), Como se deve escrever a história do
Brasil”,
157
aparece inserida numa preocupação com uma história que tomasse a idéia
de um passado nacional, comum a todos os “brasileiros” e que teve início com o
surgimento político do Brasil independente.
158
156
MARTIUS, C. F. von - Como se deve escrever a História do Brasil, publicado com O Estado de
Direito entre os autóctones do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/EDUSP, 1982. p. 75
157
MARTIUS, C. F. von - Como se deve escrever a História do Brasil, publicado com O Estado de
Direito entre os autóctones do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/EDUSP, 1982.
158
Desde o período colonial, é possível encontrar escritos que foram chamados de histórias do Brasil
´, tais como relatos de administradores, missionários e viajantes que registraram os fatos ocorridos e
observações sobre a vida e os costumes dos habitantes do Brasil entre os séculos XVI ao XVIII.
Todavia, a preocupação com uma história que tomasse a idéia de um passado nacional é
engendrada de maneira pontual com o surgimento político do Brasil independente. A partir da criação
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838), é que se percebe mais claramente a
preocupação por parte da elite letrada e política com o projeto de formular uma história do Brasil,
acentuando-se as questões referentes à formulação de uma história pátria. Em um momento que a
elite dirigente buscava consolidar o Estado imperial, todas as questões relativas à história do Brasil
seriam cruciais para traçar a forma de se contá-la e a forma como os brasileiros se veriam a si
próprios. Para buscar as respostas a essas inúmeras questões, que o referido Instituto, propôs uma
premiação para quem respondesse sobre qual o melhor sistema para escrever a História do Brasil. O
ganhador do concurso foi von Martius, em contato com a voga da disciplina histórica na Europa,
particularmente na Alemanha e propôs uma história do Brasil que fosse ao mesmo tempo “filosófica”
e “pragmática”, tendo como eixo a formação de seu povo, incluindo nesta formação a “mescla das
raças”.
106
Outro viajante que descreve com imensa riqueza de detalhes os Botocudos
do sertão mineiro é o Príncipe Maximiliano. Em sua obra Viagem ao Brasil
159
(1820),
o viajante dedica o capítulo intitulado Algumas Palavras sobre os Botocudos”,
160
a
descrição, entre outras coisas, de como era e como viviam os nativos do Sertão
mineiro, no momento do encontro com o colonizador brasileiro. Assim se expressa o
viajante:
"(...) o rude selvagem botocudo, habitante aborígene destas paragens, é
mais formidável que todas as feras e o terror destas matas impenetráveis".
De aspecto monstruoso e repugnante, entoando cantos descritos como
"uivos desarticulados", os botocudos estariam no limite do humano(...)”.
161
(grifo nosso).
Maximiliano inicia o capítulo destinado aos Botocudos afirmando, que na
região do sertão, entre “os paralelos 13º a 23º graus de latitude sul, ainda viviam
muitas hordas errantes de selvagens, sobre os quais, muito pouco se sabia”.
162
O
viajante destaca entre esses índios os Botocudos, os quais, ao seu olhar, teriam
características muito particulares. Assim, segundo Maximiliano:
(...) Até aqui nenhum viajante forneceu informações precisas sobre os
índios desse ramo. (...) Apenas eram conhecidos nos primeiros
tempos pelos nomes de “Aimorés”, “Aimborés” ou “Amburés (...)”.
163
Portanto, nas descrições feitas por Maximiliano, várias imagens se delineiam
na configuração de “um outro” da América, com a afirmação de um ser europeu, de
“cultura superior”. E nada deixaria mais intrigados à esses homens de letras que o
encontro com os Botocudos, habitantes de várias regiões da província de Minas
Gerais, das quais o Vale do Rio Doce se depara como um dos últimos redutos de
sua presença. Observemos as anotações do Príncipe Maximiliano quanto à
aparência desses indivíduos:
159
MAXIMILIANO, Príncipe de Wied-Neuwied. 1989. Op. Cit.
160
Idem. p. 283
161
MAXIMILIANO, Príncipe de Wied-Neuwied. 1989. Op. Cit. p.315
162
Idem. p.283.
163
Idem. p.283
107
“(...) A natureza dotou esses indivíduos de boa compleição, sendo eles mais
bem conformados e mais belos do que os das demais tribos. Apresentam,
em geral, estatura mediana, não obstante apresentarem alguns portes mais
avantajados. São fortes, em regra largos de peito e espadaúdos, mas
sempre bem proporcionados; mãos e pés delicados. Como nos outros
grupos, têm traços fisionômicos muito salientes(...)”.
164
A indistinção entre esses homens e a natureza é um traço marcante da
narrativa do príncipe Maximiliano. Em um dos trechos de sua narrativa Maximiliano
registra as dificuldades que, segundo ele, um soldado teria para perceber a
presença de um botocudo, sobretudo, quando este último se punha na condição de
observador. Para tanto, o viajante relata sua surpresa, na ocasião em que foi
surpreendido por um botocudo, quando preparava-se para partir em uma canoa:
“(...) Sua cor bruno-acinzentada tornava seu vulto indistinto entre as
rochas, sendo essa a razão por que esses selvagens se podem
aproximar facilmente sem serem percebidos, e por que os soldados,
em outras paragens, quando em guerra com eles, precisam de
extrema cautela(...)".
165
Denominando-os de “selvagens”, o Príncipe Maximiliano descreve algumas
características que, segundo ele, seriam próprias dos Botocudos:
“(...) Um dos traços mais característicos desses selvagens é a
preguiça. Indolentes por natureza, o botocudo descansa em sua
choça, sem nada fazer, até que surja a necessidade de alimentar-se.
Ainda aqui faz ele valer os seus direitos de mais forte, deixando para
as mulheres e filhos a maioria dos trabalhos.(...)”.
166
Qualificando os botocudos como seres apáticos, preguiçosos e que se
confundiam à natureza, Maximiliano ainda afirma, em vários trechos de sua
narrativa, a avidez por comida, nesses grupos de errantes do sertão mineiro. Muito
embora a riqueza da mata, afirma o autor que:
164
Idem
p. 285
165
MAXIMILIANO, Príncipe de Wied-Neuwied. 1989. Op. Cit. p.285
166
Idem.p. 293
108
“(...) Nessas imensas extensões ininterruptas de florestas virgens, o
reino animal fornece aos selvagens rica provisão de gêneros
alimentícios, não sendo menor a quantidade de saborosos petiscos
que o mundo vegetal põe à disposição de seu grosseiro paladar.
(...)”
167
“(...) Tudo quanto ficou dito mostra que os Botocudos, cujo paladar
alias nada tem de exigente, não sofrem facilmente fome, até porque
sabem acomodar a vida as circunstâncias de cada lugar. Não
obstante, as vezes se vêem a míngua, por força de seu apetite
descomedido; vão então pedir mantimentos aos estabelecimentos
portugueses, e, caso lhos neguem, saqueiam as plantações.(...)”
168
Conclui o viajante que a satisfação do "apetite insaciável é sempre a mais
urgente necessidade desses selvagens". Temos assim uma caracterização de seres
guiados pelo estômago, portanto pela necessidade.
“(...) a necessidade mais imperiosa dos selvagens é a alimentação; não
limite de seu apetite, pelo que comem com grande avidez e, enquanto
comem, são cegos e surdos para tudo quanto se passa a seu redor. Para
conseguir a sua amizade, basta que se lhe encha bem o estômago, e, se a
isso se acrescentar algum presente, ter-se-á como certa a sua
dedicação.(...)”
169
À exemplo de outros viajantes, a prática da antropofagia dos Botocudos foi
outra questão abordada pelo príncipe Maximiliano. Em seus escritos, Maximiliano
compartilha da opinião de outros viajantes, quanto à prática do consumo de carne
humana. Segundo o viajante, não se devia à fome nem à apreciação de seu sabor,
mas ocorria raramente, e apenas com a finalidade de satisfazer o desejo e o objetivo
de vingança, como podemos observar nesse seu relato:
“(...) Causam horror o simples pensamento de cair nas mãos desses
implacáveis bárbaros a quem uma justa e ilimitada sede de vingança tornam
ainda mais terríveis. Eles fazem em tiras a carne de seus inimigos,
cozinham-na em sua panela, ou assam-na; espetam-lhes depois, com
grande festa, as cabeças estacas, em torno das quais dançam, cantam e
gritam. Os ossos depois de chupados, seriam pendurados em suas
cabanas(...)”.
170
167
Idem p. 298
168
Idem. p.305
169
MAXIMILIANO,Príncipe de Wied-Neuwied. 1989. Op. Cit .p 296
170
Idem.. p313
109
É expressivo o destaque que Maximiliano às descrições sobre como esses
indígenas esfolavam animais e os assavam, comendo-os quentes, ou ainda crus.
Além disso, relata o viajante, o quanto os botocudos adoravam a carne dos
macacos, dos quais comiam até a cabeça e os intestinos. Segundo o príncipe, seria
isso a causa das freqüentes confusões entre as ossadas de macacos e as de
humanos:
“(...) Como acima fiz ver, os índios preferem os macacos a qualquer outra
caça, e, uma vez que o esqueleto desses animais tem tanta semelhança
com o homem, é possível que os europeus, ao encontrar restos das
refeições dos Botocudos, cometessem o engano de acusá-los de preferir
especialmente carne humana.(...)”.
171
Mesmo assim, Maximiliano decide, entretanto, pela afirmação em seus
estudos da provável prática do canibalismo entre esses índios. Para tanto,
Maximiliano se esforça em dar detalhes de um festim, descrito a partir de
informações de um jovem Botocudo, de nome Guack, acerca da evidência de um
episódio de morte, despedaçamento e cozimento de um inimigo pataxó. Ao defender
o caráter social do ritual antropofágico, o autor, decide-se pela atribuição de um
caráter definitivamente humano, dos índios que observa:
“(...) O que contou o jovem Botocudo Queck, tira qualquer dúvida a respeito.
Durante muito tempo receou ele falar-me a verdade sobre o assunto;
resolveu porém, finalmente, faze-lo, depois que lhe assegurei saber que
todos os da sua horda, no baixo Belmonte, haviam desde muito tempo
abandonado aquele hábito. Contou-me então a cena que vou narrar, e de
cuja a verdade devemos tanto menos duvidar, quanto mais difícil nos foi
conseguir dele sua descrição. Jonué Cudgi (...) aprisionara um patachó.
Todo o bando se reuniu, o prisioneiro foi trazido de mãos amarradas, sendo
morto por Jonué Cudgi, com uma flechada no peito. Fizeram então fogueira,
onde cortadas e depois assadas, as coxas, os braços e as outras partes
carnudas do corpo, que todos depois comeram, dançando e cantando. A
cabeça foi pendurada num poste, por meio de uma corda, que entrava pelos
ouvidos e saia pela boca, de modo a poder-se erguê-la e abaixá-la. Ali ficou
a secar, depois de lhe haverem arrancado os olhos e raspado os cabelos,
com exceção de um tufo na testa.(...)”.
172
171
MAXIMILIANO,Príncipe de Wied-Neuwied. 1989. Op. Cit. p. 301
172
Idem. p 315
110
Outro viajante que afirmou a sua imensa aversão aos botocudos foi o
naturalista Saint-Hilaire. O viajante descreve os botocudos como seres nus,
desfigurados, lambuzados de tintas, cílios arrancados, com o lábio inferior tal qual
uma pequena mesa de três polegadas de diâmetro, com orelhas horrendas e o rosto
deformado pelo uso dos botoques.
173
Relata então o viajante:
“(...) Pertenciam à tribo mais disforme da natureza encontrada durante
minha permanência no Brasil. Aos traços da raça Americana, tão diferente
da nossa, acresciam uma fealdade peculiar a sua nação: eram de estatura
pequena; sua cabeça achatada em cima e de tamanho enorme, mergulhava
em largas espáduas; uma nudez quase completa deixava a descoberto sua
repelente sujeira; longos cabelos negros caiam em desordem sobre os
ombros; a pele de um escuro baço, estava salpicada aqui e ali pelo urucu;
percebia-se através de sua fisionomia algo de ignóbil, que não observei
entre outros índios, e enfim, uma espécie de embaraço estúpido que traia a
idéia de eles mesmos tinham de sua inferioridade.(...)”
174
Saint-Hilaire ouvira dizer que, além de comerem quase crua a carne de
animais, os botocudos, devoravam também a de seus inimigos. Mostrando-se
aparentemente convencido da pratica do canibalismo entre os Botocudos, o viajante
tentou colocar à prova seus informantes, como por exemplo, o seu acompanhante, o
índio Firmino e alguns militares. Relata então o viajante:
“(...) Afirma-se, geralmente, na província das Minas, que os Botocudos são
anthropophagos, e as informações que colhi em Passanha tendem a
confirmar essa opinião. Quando esses índios matam algum inimigo
saboreiam, disseram-me sua carne como se fosse um manjar delicado e
não fazem o mesmo caso de todas as partes do corpo.(...)”
175
Quando um militar relata ao viajante a confissão que obteve de um botocudo,
sobre a prática do canibalismo, surgem em Saint-Hilaire as mais diversas
indagações. Será que "esse Botocudo, que mal sabia o Português"
176
queria
realmente dizer aquilo, ou se assim foram interpretadas suas palavras, dando-lhes
173
SAINT-HILAIRE, August de. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Trad.
Vivalde Moreira; Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1975
p.204
174
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Op. cit.p. 30.
175
Idem. p. 367
176
Idem p. 248
111
um sentido deturpado? Por outro lado, ao indagar ao índio Firmino, seu ajudante por
vários meses, se era ou não, o seu povo antropófago, recebeu a resposta negativa,
acompanhada da explicação de que, os portugueses teriam inventado tais
acusações de canibalismo, como pretextos para persegui-los. No momento em que
o mesmo informante admitiu o hábito de cortar os cadáveres dos inimigos em
pedaços, Saint-Hilaire tende a opinião predominante
177
, que afirma a prática
antropofágica entre eles.
Mesmo se o viajante não negou completamente a condição humana ao
botocudo, nem o caráter ritual de sua hipotética antropofagia, o distinto botânico,
caracterizou os Botocudos como raça absolutamente inferior, "condenados a uma
espécie de infância perpétua"
178
e à uma inexorável extinção. Segundo o viajante,
tratava-se de seres desgraçados, que eram dignos apenas de compaixão:
“(...) Devo aqui dizer que Firmiano, o Botocudo que me seguiu durante
vários annos, repellia a acusação de anthropophagia como uma mentira
inventada pelos Portuguezes aim de terem um pretexto para fazer mal a sua
nação; mas ao mesmo tempo accrescentava, que poderia ter dado ensejo a
essa calunia o habito que tinha seus compatriotas de cortar em pedaços o
corpo dos inimigos mortos.(...)”.
179
Por sua vez, o pintor francês, Debret, destoando dos outros viajantes, faz
representações dos índios totalmente idealizados: fortes, com traços bem definidos
e em cenas heróicas. São aspectos claros do neoclassicismo. Contudo, ao
analisarmos os textos que acompanham as imagens, o notados aspectos não
neoclássicos, mas românticos. Suas aquarelas pitorescas que possuem o caráter
típico das representações feitas por viajantes, em busca de paisagens e de
exotismo. Entretanto, a sua arte conserva o caráter solene do neoclassicismo,
próprio do grupo de artistas da França napoleônica.
177
Idem. pp. 204, 252, 248, 215-257.
178
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Op. cit. pp.215-257.
179
Idem. p.367
112
Ilustração 16: Aldeia de Caboclos em Cantagalo
180
.
A prancha 06 da obra de Debret , Aldeia de Caboclos em Cantagalo (Figura
15), por exemplo, mostra uma aldeia “tipicamente” indígena do Brasil. Situada em
local alto o que se supõe facilitar uma melhor visualização da chegada de
estranhos – no meio da floresta, com uma cabana comum – única para toda a aldeia
e várias fogueiras para a preparação dos alimentos. Observa-se ainda, que as
mulheres da tribo cuidam da preparação dos alimentos e das crianças da aldeia. O
chefe encontra-se sentado, parece-nos em posição de descanso, e cercado por
seus guerreiros. No alto da imagem -se mais alguns componentes da tribo,
homens com arcos e flechas e mulheres carregando madeira. Um indivíduo da
180
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Op. cit. p.36
113
aldeia aproxima-se com dois viajantes. Este índio traz na mão uma garrafa de
aguardente. Um cachorro, frutas típicas do Brasil e a floresta compõem o restante do
cenário.
181
No capitulo do seu livro intitulado Estatística
182
, Debret, preocupa-se em
passar aos leitores informações sobre as crianças indígenas, parecendo querer
mostrar, que não são esses “selvagens” feios e de aparência monstruosa por
natureza. Alega Debret que as crianças são bonitas ao nascerem, mas que seus
pais logo tratam de “deformar” sua aparência. O que nos parece ser um hábito
comum entre os botocudos, no ímpeto de torná-los com característica de um futuro
guerreiro, temido e caçador audaz, aparece, aos olhos dos viajantes, como uma
deformação do ser. Observa então Debret:
“(...) As crianças selvagens principalmente as dos Botocudos são, não
raro, bonitas ao nascerem; caracterizam-se em geral por olhos
miúdos, pele morena, cabelos negros, duros e lisos. Logo que os
cabelos do pequeno Botocudo aparecem, seus pais os raspam
deixando apenas um pequeno chumaço para formar uma espécie de
coroa. O pai escolhe e dá a criança um nome característico de planta,
animal ou qualidade física.(...)”
183
(grifo nosso)
Debret, como todos os viajantes por nós analisados, não deixa de citar os
rituais macabros de antropofagia, supostamente praticados pelos Botocudos.
Segundo o pintor, os selvagens viviam em constante guerra com seus visinhos, e,
aos seus prisioneiros de guerra, não havia outro destino a não ser servirem de
banquete em um de seus rituais. Isso os tornavam, perante os demais grupos
indígenas, os mais temidos habitantes do Brasil.
“(...) Belicosos e turbulentos os Botocudos mantêm-se em constante
luta com seus vizinhos. Reúnem-se em numerosos grupos, para
rechaçar, e o mais das vezes para atacar, as outras tribos selvagens;
e, temidos com razão, vivem unicamente, por assim dizer, da carne
de seus prisioneiros, que devoram com ódio, insultando os manes de
suas vítimas com danças em torno dos restos ensangüentados.(...)”
184
(grifo nosso).
181
DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Histórica e Pitoresca ao Brasil. Tomo I e II. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1978. p.p 35-36
182
O sentido da palavra estatística no início do séc. XIX era bem diferente do atual, era a época a
estatística a ciência de recolher, descrever as cousas da atualidade mais dignas de nota.
183
DEBRET, Jean Baptiste. 1978. Op. Cit. p.17
184
DEBRET, Jean Baptist. 1978. Op. Cit. p. 18
114
Através desses depoimentos, os viajantes foram contribuindo, em grande
parte, com a deformada imagem que a sociedade botocuda foi ganhando, com o
passar do tempo. Características como indolência, estupidez, selvageria animal,
voracidade, preguiça, grosseria, homens de semblante assustador que quase não
tem traço de humanidade. Características essas, que até então, eram produzidas e
divulgadas pelo discurso oficial do Estado, como podemos observar na Carta Régia
de 13 de maio de 1808. Nessa perspectiva, utilizando-se dessas imagens de horror,
criadas sobre a sociedade botocuda, o Estado português procura legitimar o
massacre prenunciado à esses povos. Tal serventia pode ser comprovada nesse
trecho do dito documento Régio:
“(...) Passam (os Botocudos) a praticar as mais horriveis e atrozes
scenas da mais barbara antropophagia, ora assassinando os
Portuguezes e os Indios mansos por meio de feridas, de que sorvem
depois o sangue, ora dilacerando os corpos e comendo os seus
tristes restos;(...)”
185
Cabe então discutirmos até que ponto o discurso do Estado com relação à
população mineiríndia
186
brasileira se pautou, ou se legitimou, através da visão que
os viajantes europeus produziram e divulgaram, sobre as necessidades de um
programa civilizador, implantado no interior do Sertão do Rio Doce. As práticas, as
justificativas, os métodos e as intenções civilizadoras de um lado, o do Estado, e de
outro lado, dos viajantes, são para nós, as fronteiras entre um e outro discurso.
Assim, esse confronto pode nos revelar perspectivas distintas, no que diz respeito, à
incorporação dessa região e de sua população nativa, ao programa civilizador
daquela época.
Através do exame e da comparação dos discursos oficial e de relatos de
viajantes torna-se possível analisarmos as condições objetivas de como se
processou esse contato e uma das mais importantes, foi a catequese.
185
Carta Régia de 13 de maio de 1808. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org). 1992.Op.Cit.p.57.
186
Expressão utilizada por Oilian José para designar os índios do Território das Minas Gerais. José,
Oilian. 1965. Op. Cit. p 11
115
Segundo Oilian José, na catequese, poucas e raras, foram as verdadeiras
conversões. Segundo o autor, a verdadeira conversão passaria por um longo e lento
caminho de preparação e substituição do “erro pela verdade”, o que muitas vezes
poderia durar por toda a vida do individuo. Converter-se significava aceitar a
substituição de seus hábitos e costumes, por estranhas realidades novas, as quais
deveriam passar a viver.
Aqueles que se propusessem a “converter” os indígenas teriam pela frente um
trabalho árduo e complexo. Muito mais intricado que o ato de civilizar, catequizar
consistia em uma revolução interna do individuo, e civilizar seria o ato de aceitar um
conjunto determinado de convenções e princípios.
Em Minas Gerais a partir do século XVIII, os missionários religiosos se
propuseram a catequizar o indígena, afim de que ele acolhesse a doutrina católica, o
que poderia não ser absorvido completamente, mas a viveriam na pratica do dia a
dia, quer nos aldeamentos, quer espalhados pelas matas mineiras. Na opinião do
historiador Oilian José os missionários:
“(...) sentiram que a catequese exigia em ultima analise para seu
êxito, que o silvícola aceitasse efetiva e formalmente a doutrina
Cristã. Ora, a conversão, meta final da catequese, se realiza por
um impulso interior e extra sensível de acolhimento da Fé.(...)”
187
Saint-Hilaire também discorre sobre quem estaria disposto a entrar no sertão
e ai fixar morada, sendo que mesmo sendo uma região de terras consideradas muito
férteis, apresentavam vários perigos a qual estariam expostos a partir do momento
que aceitassem essa empreitada:
“(...) Apezar da extrema fertilidade dessa região, seus habitantes são
pobres. Bastaria sua igreja para trahir-lhes a indigência; pois que em
vez de cobril-a com tecto de taboas, contentáram-se com uma
cobertura de esteiras. Não é gente rica a que se dispõe a penetrar no
âmago de densas florestas, habitadas por homens que se consideram
como antropophagos. Os colonos de Passanha estabeleceram-se
sem cabedaes; não possuem escravos, e, si conseguem manter-se, é
sem abastança.(...)”
188
(grifo nosso).
187
JOSÈ. Oilian. 1965. Op. Cit. p 139
188
SAINT HILAIRE. Augustin. Op. Cit. p 350
116
Nasceriam assim os primeiros planos de catequização dos indígenas do
Sertão Mineiro. Planos esses, que não poderiam esquecer que, “mesmo
convertidos”, os nativos não se desprendiam totalmente de suas crenças e
superstições antigas, as quais poderiam se aflorar e voltar átona a qualquer
momento no menor sinal de descuido do catequizador. Portanto, poderia ser comum
entre os Botocudos, aceitarem o ensino missionário aproveitando-se das benesses e
consolo proporcionados pela suposta conversão. Assim sendo,poucos os que
realmente chegariam “plena e ardorosamente aos tesouros da Fé”.
O naturalista Saint-Hilaire, em suas incursões pelo interior de Minas, junto aos
mais diversos aldeamentos, observou esse fenômeno “catequético”, usando-o
muitas vezes para diminuir o mérito dos missionários:
“(...) o trabalho dos missionários com os índios perde parte de seu
valor maravilhoso, quando consideramos a facilidade com que eles,
os selvagens, esposam as nossas idéias, a pretensão para nos
imitarem, o prazer que encontram nas cerimônias da igreja, o effeito
que deve produzir sobre espíritos, ainda sem a menor noção
religiosa, a evocação de um único Deus criador do Universo,
onipotente, remunerador das virtudes e implacável vingador de suas
leis conculcadas.(...)”
189
Mas na realidade, a atração do indígena para a Igreja, não seria uma tarefa
fácil. Os missionários passaram à buscar os indígenas no interior das matas onde
habitavam, fundando nesses locais novas Capelas, onde futuramente, viriam a surgir
muitas das cidades do sertão mineiro. Assim, ao invés de trazer o indígena para os
aldeamentos, passariam a levar a catequese, e conseqüentemente, a civilização, até
o indígena, sem privá-los da liberdade e da estabilidade residencial e dos seus
meios de subsistência. Nessas paragens, além de vencer os obstáculos impostos
pelos indígenas, a catequese teria a missão de moralizar os colonos que chegavam
com freqüência, provindos principalmente das zonas de mineração de Vila Rica,
Mariana etc. nas quais a mineração entrara em decadência.
189
SAINT HILAIRE. Augustin. Segunda Viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo
(1822). Trad. Affonso de E. Tunay. 2ª ed. Coleção Brasiiana. Companhia Editora Nacional. São
Paulo. 1938. p. 189.
117
Lembramos ainda que, entre os índios Botocudos a catequese foi iniciada
tardiamente no século XIX. A política adotada pela coroa Portuguesa, entre 1808 e
1831, foi a de Guerra de extermínio. Através de Cartas Régias e de decretos fazem
guerra ao indígena do Vale do Rio Doce. Substituíram sumariamente o diálogo que
haviam iniciado, pelo extermínio em massa, do qual é modelo a ação do truculento
comandante da 1ª e da 6ª Divisão do Rio Doce Januário, Vieira Braga:
“(...) cobria o peito de pequenos crucifixos e medalhas com efígies de
Santos e, antes do ataque aos indígenas resistentes a catequese e a
civilização, punha seus subordinados de joelhos e os fazia recitar
longas orações. No correr da luta, fanaticamente travada em nome de
Deus, como se nosso Senhor aprovasse as loucuras e os sandismos
dos homens, matavam-se quantos indígenas caíam sob a pontaria
dos componentes da Divisão e seus aliados. E os remanescentes
indígenas da luta, considerados prisioneiros, eram colocados na
presença de Januário que com perfeito domínio de possíveis
reclamos de consciência mal formada e exteriorizando crer na pratica
de devota ação, passava a degolar os infelizes nacnenuques.(...)”.
190
Saint-Hilaire, denuncia a guerra como sendo um absurdo, que segundo ele,
era digno dos tempos mais bárbaros. O viajante relata, com extrema fidelidade, a
paisagem da guerra levando seu leitor a concluir que os Botocudos não teriam
nenhuma chance, contra os portugueses:
“(...) Então começa o combate; os Portuguezes disparam tiros de
espingarda, e os Botocudos lançam flechas. Pouco a Pouco
diminuíam-se o circulo que se formara em torno destes últimos, e
quando certo número sucumbia, os restantes investiam sobre os
inimigos afim de abrir passagem e fugir. Finalmente, quando não
restavam mais no meio dos Portuguezes que mulheres e crianças,
capturavam-nas e levavam-nas a força. As mulheres a principio
soltavam grandes gritos, mas apenas caminhavam um pouco,
pareciam conformadas, e apegavam-se a seus condutores. Quanto
aos homens, se acontecia prenderem-se alguns, fechavam os olhos,
negavam-se a responder ás perguntas que se lhes dirigia em sua
própria língua, e deixavam-se matar. Os Botocudos temendo bastante
as armas de fogo não atacam os Portuguezes de frente; escondem-
se por traz das arvores, e lançam flechas aos que passam ao
alcance.
De qualquer forma a guerra contra os Botocudos é um absurdo digno
dos tempos mais bárbaros (...)”.
191
190
Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano XI. p. 198 in JOSÈ. Oilian. 1965. op.cit. p. 142
191
SAINT_HILAIRE. Op.Cit. p. 364
118
Da parte do príncipe Maximiliano, este estabelece um relato diferenciado
acerca dos Botocudos, aos quais dedica em sua obra Viagem ao Brasil um capítulo
especial. Ele os distingue duplamente, "pelo costume de antropofagia e pelo espírito
guerreiro":
“(...) Esses selvagens se distinguem pelo costume de comer carne
humana e pelo espírito guerreiro: têm oferecido, ate agora, obstinada
resistência aos portugueses. Se algumas vezes se mostram
amigáveis em certo lugar, cometeram excessos e hostilidades em
outro; daí nunca ter havido um entendimento duradouro com
eles.(...)”.
192
De acordo com o viajante, a guerra fora declarada aos Botocudos após
constantes ataques desses aos colonizadores, e às fracassadas tentativas de
contato entre os dois grupos amistosamente. Relata o viajante:
“(...) Depois desses fatos (dos ataques de Botocudos a colonizadores
e soldados), o último ministro do Estado, conde de Linhares,
declarou-lhes guerra formal, numa proclamação bem conhecida;
ordenou que os postos militares estabelecidos à margem do Rio
Doce fossem reforçados e que se instalassem outros, a fim de
proteger os estabelecimentos dos europeus e as comunicações com
Minas através do rio. Desde então, não se deu mais trégua aos
Botocudos, que passaram a ser exterminados onde quer que se
encontrassem, sem olhar sexo ou idade (...)”.
193
O pintor francês Debret, também noticia a guerra declarada aos índios
Botocudos após a chegada da família real em 1808. Declara o viajante, notar que,
uma preferência entre os colonos, em optar por índios “civilizados” no serviço de
soldados nos quartéis que se encontravam espalhados pelo interior do sertão
mineiro:
“(...) No Rio Doce encontra-se o Quartel de Aguiar, cercado pelas
habitações de algumas famílias indígenas. Compõe-se unicamente de
oito soldados, índios civilizados, preferíveis a qualquer outra espécie
de soldado para o combate aos seus companheiros ainda selvagens.
Estes os detestam, por isso, e visam-nos de preferência porque
consideram traidores (...)”.
194
192
MAXIMILIANO,Príncipe de Wied-Neuwied. 1989. Op. Cit. p. 153
193
Idem.p.153
194
DEBRET, Jean Baptiste. 1978. Op. Cit. p. 55
119
Da parte do botânico Martius, este salienta a exploração e a cobiça do
colonizador, que usava as tribos indígenas rivais para hostilizar e fazer a guerra,
sendo esse método também utilizado na guerra de extermínio contra o Botocudo:
“(...) O índio explorado pela cobiça e pelo interesse próprio dos
colonos, vive entre eles com medo, ódio e desconfiança. Também o
costume de servir-se de uma nação para hostilizar a outra, como
aconteceu com os Coroados contra os Puris, e a crueldade dos
postos militares, que estenderam também aos Puris a guerra de
extermínio legalmente autorizada contra os Botocudos, que ate agora
tem sido o estorvo para a civilização desses selvagens (...)”.
195
É nesse tumultuado período, mais exatamente por volta do ano de 1818, que
Marlière, cujo êxito civilizador em outras regiões, tem sua autoridade ampliada ás
Divisões do Rio Doce. Marlière retoma a catequese, promove a limpeza das
Divisões Militares do Rio Doce, com o afastamento de pseudos civilizadores, cujo
interesse econômico e a exploração sexual causa danos devastadores.
Podemos destacar, em seus relatos, que o colonizador ambicioso, explorador
e espoliador, seria o maior empecilho à catequização e à civilização dos indígenas.
Entrando em contato com o indígena, pensavam em escravizá-los, submetendo-
os aos tratamentos desumanos, o que criava no nativo uma generalização de
hostilidade em relação ao branco, que segundo Oilian José, eram na verdade:
“(...) devastadores das matas, improvisados em colonizadores, eram
péssimos modelos no terreno do comportamento social e das virtudes
cristãs. Afirmavam crer e, de verdade, criam na doutrina da Igreja,
mas não a viviam(...) rezavam implorando a indispensável
misericórdia divina e a intervenção dos Santos, mas tratavam o
indígena com ódio e nele viam um irracional(...)”.
196
Civilizar o indígena No início do século XIX significava criar um padrão de vida
civilizada, para o nômade Botocudo. Oilian José partilha da idéia de que civilizar o
indígena:
195
SPIX e MARTIUS. Op. Cit. p. 66.
196
JOSÉ. Oiliam. 1965. Op.cit. p 143.
120
“(...) significava aproveitar-lhes o máximo a herança cultural e, com
seus elementos positivos entrosados nos elementos brancos informar
a pretendida nova civilização porque a simples civilização do branco
jamais poderia adaptar-se plenamente aos usos e costumes do
selvagem, porque a verdadeira conquista do indígena se faria com
a generosa compreensão da alma e dos ideais desses pioneiros das
selvas mineiras e da inteligente solução dos problemas que adviriam
desse doloroso processo de integração do indígena nos padrões
sociais pretendidos pelo branco(...)”.
197
O processo de civilização praticamente dividia-se em duas etapas: a primeira
cabia ao “civilizador” destruir os mecanismos de uma cultura, existente, e a
segunda, mais difícil e mais penosa, se assim podemos dizer, seria a de implantar
os novos costumes, o que Oilian José diz ser “a milenária luta entre a tradição e o
progresso”.
Os catequistas, ou civilizadores, tentaram superar os conflitos, mas poucos
foram os que compreenderam os mecanismos e técnicas que poderiam utilizar para
superar as resistências indígenas. Em pleno inicio do século XIX eram constantes os
choques entre indígenas e colonos, e não se conheciam planejamentos demorados,
pois, fazia-se necessário, agir sem longas demoras, mesmo que essa ação
importasse perigosas conseqüências, tanto para o indígena, como para o civilizador.
Mas, mesmo com todos os esforços de alguns missionários e de comandantes como
Marlière, os aldeamentos não surtiram o efeito esperado, pois não foi dado o tempo,
nem os meios necessários, para que se realizassem a árdua tarefa de aculturar o
Botocudo, com os valores trazidos pelos civilizadores. Podemos notar que os
aldeamentos tiveram conseqüências desastrosas para a cultura indígena, que foi
praticamente destruída e ainda manteve o indígena como presa fácil da escravidão,
dos maus tratos e das doenças trazidas pelo branco.
Para Saint-Hilaire chamar os Botocudos à vida “civilizada”, fixando-os a terra,
no início do período Imperial, tornar-se-ia um apelo comum na política para os
índios do sertão mineiro, sob a diretoria dos índios:
“(...) é preciso tirar esses desgraçados do embrutecimento em que
estão mergulhados, e chama-los, na medida do possível, a uma vida
inteligente e moralizada. Mas de que servirá alguns homens
generosos derem-se o trabalho de instruí-los e arranca-los da
selvageria, se outros vêm em massa corrompe-los por maus
197
JOSÉ. Oiliam. 1965. Op.cit. p. 145
121
exemplos, e abusar da inferioridade dos selvagens para engana-los e
reduzi-los a uma espécie de escravidão?(...)”
198
O viajante francês Saint-Hilaire chama-nos a atenção para os métodos
agrícolas, destrutivos, propagados na América portuguesa:
“(...) Com exceção da Província do Rio Grande do Sul, da província
de Missões e da província Cisplatina, não se fez uso, no Brasil
meridional, nem do arado, nem de fertilizantes: todo o sistema de
agricultura brasileira é baseado na destruição de florestas, e onde
não há matas não existe lavouras(...)”
199
.
Saint-Hilaire, diversas vezes coloca em seus escritos, a necessidade de
melhor aproveitar a terra e os recursos naturais, disponíveis no território brasileiro.
Realizou um minucioso levantamento das plantas utilizadas pelos indígenas, para
fins medicinais e para a confecção de roupas e instrumentos, e afirma,
intensamente, haver uma riqueza desconhecida do governo português, que deveria
ser melhor explorada:
“(...) Poder-se-iam retirar do reino vegetal riquezas não menos
importantes que as fornecidas pelo reino inorgânico. Os lavradores
empregam em suas doenças uma multidão de plantas medicinais, e
várias delas, mais bem conhecidas, poderão, sem dúvida, tornar-se
de grande utilidade”. “[O governo português] despreza inteiramente
uma multidão de plantas indígenas cujas fibras flexíveis podem ser
tão utilmente empregadas no fabrico de cordoalhas e tecidos(...)”
200
Dessa forma Saint-Hilaire constrói um universo traçando um paralelo entre o
domínio do gentio dos Botoques e o domínio português na mata do Sertão do Rio
Doce. Para ele, tecer ali a vida humana, isto é, civilizada, dependia do aniquilamento
do Botocudo e da mata. Considerando a superioridade da agricultura e dos animais
domésticos, apresentava-os como formas de vida viçosa, que as tornaria possíveis,
após o desmate e o calor das queimadas. Afirma o viajante, que fatalmente
desapareceriam as plantas nativas, animais selvagens e homens nascidos na
198
SAINT-HILAIRE. August. 1936 Op.Cit p. 276
199
SAINT-HILAIRE, August. 2000 p.90
200
Idem. pp.61 e 91
122
escuridão do seio da Mata Atlântica. Nas luzes da civilização, as copas
esplendorosas de árvores altaneiras deveriam tombar junto com a obscura vida dos
seres que abrigavam.
O príncipe Maximiliano, que também deu sua opinião a respeito das etapas
do processo de civilização, deixou claro que eram os Botocudos difíceis de “civilizar”,
por se tratarem de seres arredios e turbulentos. Mas que, devido aos contatos com o
colonizador, e por conseqüência, com a “civilização”, começava a se aproximar,
dando sinais de entenderem o bem que essa civilização poderia lhes trazer, tirando-
os da vida selvagem na qual se encontravam:
“(...) Para acima de Belmonte no território de Minas Gerais; há outro
lugar em que os Botocudos fizeram plantações; daí também se
retiraram para as florestas(...) esses exemplos mostram que os
Botocudos se vão aproximando da civilização, mas provam,
igualmente, que lhes é muito difícil renunciar à vida natural de
caçadores errabundos, de vez que abandonam com tanta felicidade
as plantações feitas por eles mesmos.(...)”
201
Realmente, não seria possível a substituição instantânea de civilizações, pois
isso resulta de processos e ações humanas, e não por um simples acontecimento
natural. Para o príncipe viajante, o ato de civilizar: “nasce da inteligência e da
vontade humana, em si mesma, bem mais complexa que as forças da natureza”.
202
Para Maximiliano, somente com a chegada de mais europeus, com maior
exploração e ocupação da terra, a ponto de dificultarem a vida errante dos índios,
obrigariam o Botocudo a mudar seu modo de vida, pois, com a ocupação do sertão
pelos europeus, os indígenas seriam obrigados a fixarem-se na terra, cultivá-la e,
gradualmente, aceitarem a “civilização”:
“(...) Somente o aumento da população européia e a diminuição dos
territórios de caça, pesca e coleta podem induzi-los a uma mudança
gradual do modo de vida.(...)”
203
201
MAXIMILIANO,Príncipe de Wied-Neuwied. 1989. Op. Cit. p.251
202
JOSÈ. Oiliam. 1965. Op.cit.. p 145
203
MAXIMILIANO,Príncipe de Wied-Neuwied. 1989. Op. Cit. p.251
123
Portanto, na ótica do príncipe Maximiliano, a civilização do indígena consistia
em pendê-lo a terra, pois somente após abandonar o velho hábito de nomadismo,
passariam a entender a necessidade da prática agrícola. Confirma-se que a
“civilização” do Botocudo era de fato norteada pela idéia da necessidade de
“incorporação deles à sociedade de trabalhadores”, sendo que, para isso, o Estado
lhes resguardavam direitos e deveres, como a posse da terra e o dever de cultivá-la:
“(...) O principal trabalho para aldear os índios a eles subordinados é
de iniciá-los na arte da lavoura, a fim de cultivarem a terra cuja a
posse lhes é dada, e, sobretudo, aconselhá-los e dirigi-los nas novas
relações sociais. Para conseguir domesticar esses novos vassalos,
vencer igualmente o seu instinto nômade, e habituá-los à vida
sedentária, determinou o governo que os novos índios aldeados não
sejam dispensados de todos os impostos, mas também que nos
primeiros anos lhe seja fornecida pelo diretor certa provisão de fubá,
milho, instrumentos de lavoura, como faca, enxada, machado.(...)”
204
Para o botânico Martius, o sistema de civilização usado pelo Estado, era o de
manter os índios sobre a sua tutela, nos quartéis ou nas divisões do Rio Doce, onde
os diretores e soldados seriam os encarregados de civilizar os indígenas:
“(...) As regras, pelas quais esses diretores e os cabos e seus
subordinados devem transmitir a civilização aos índios, fazem honra
ao governo. Eram relações de tutelados para com os diretores, e
destes para com os índios aldeados.(...)”
205
Para o francês Debret, o indígena Botocudo, quando civilizado, poderia servir
ao colonizador, pois a civilização o tornaria, até certo ponto, fiel e dedicado ao
colonizador, desde que tratado com afabilidade:
“(...) Quando o selvagem atinge um determinado grau de civilização,
muitas vezes responde pela fidelidade e uma certa dedicação à
benevolência e à franqueza com que por ventura é tratado.
Entretanto, apesar desses traços favoráveis de seu caráter, é sempre
perigoso acharem os brancos em numero reduzido na floresta,
mesmo na companhia dos melhores dentre eles.(...)”
206
204
MAXIMILIANO,Príncipe de Wied-Neuwied. 1989. Op. Cit. p 54
205
MARTIUS, Carl Friedr. Phil. Von; SPIX, Jonh Bapt. Von. Por: Mario Garcia de Paiva. A Grande
Aventura de Spix e Martius. Brasília, Instituto Nacional do Livro, 1972. p.54.
206
DEBRET, Jean Baptiste. 1978. Op. Cit. p.19
124
Paralelamente à valorização do progresso e da civilização, ao longo da obra
de Debret, algumas imagens e trechos onde o autor parece lamentar a ação dos
colonos, sobre o modo de vida do nativo brasileiro, e que provocariam a
decomposição de seus hábitos, costumes e tradições. Assim relata Debret:
“(...) Seu apego a estas a estas fá-lo apreciar seus hábitos selvagens
e temer a civilização que o corrói. Com efeito, tirado das florestas que
lhe serviram de berços, amoldado à sociedade européia, ele se dobra
e se resigna, mas somente por algum tempo, sempre saudoso do
lugar de seu nascimento; e não demora em fugir, descontente com o
destino que lhe quiseram dar e que ele não considera um progresso
(...)”.
207
“(...) Um Rico habitante da cidade da Bahia criara um jovem índio,
naturalmente dotado de grande inteligência. Instruído com cuidado,
diversos êxitos havia obtido durante seus estudos quando, por
vocação, pediu para tomar um hábito; acenderam, mas no dia de sua
primeira missa ele se dirigiu para as florestas a que seu coração
aspirava em silêncio e desapareceu para nunca mais voltar.(...)”.
208
Assim, através da catequese ou da civilização, foi o Botocudo destituído de
sua cultura. Podemos dizer que não foi o Aldeamento a causa única da decadência
e morte do indígena. Mas o que o eliminou, sem sombra de dúvidas, foi a ação dos
civilizadores, que invadiam as aldeias, o destituía de suas terras, de sua saúde, de
sua honra, de suas mulheres, de seus filhos, e até mesmo da sua condição de ser
humano. Nessas condições, o aldeamento era apenas um dos cenários onde a
ação do Estado e da Igreja atuava sobre as comunidades indígenas.
Citando Flora Medeiros Lahuerta, quando compara SAINT-HILAIRE, a SPIX e
MARTIUS, afirma ter o primeiro uma visão muito mais positiva dos indígenas, mas
que mesmo assim, diversas vezes deixa transparecer que a falta de civilização seria
um embaraço ao progresso do país.
Em sua totalidade, as descrições de viajantes naturalistas remetiam, todos os
habitantes do Brasil à formulações negativas, seja desqualificando os costumes da
Corte, seja criticando a falta de iniciativa dos colonos, seja desclassificando os
“rituais bárbaros”, julgando como inferior indígena, ou a escravidão negra. “Mais
207
DEBRET, Jean Baptiste. 1978. Op. Cit . 27
208
Idem. p.27
125
propensos a adotar os defeitos do que as virtudes dos europeus, seus vizinhos, os
nativos da terra, preferem passar o dia inteiro caçando...”.
209
Ou ainda, citando o
naturalista francês
SANT-HILAIRE
, quando foi bastante crítico quanto ao reinado do
imperador D. Pedro I, e deixando registrada a sua opinião no apêndice de "Voyage
dans le district des diamants et sur le litoral du Brésil"
210
:
"(...) Desde os primeiros momentos da revolução ( independência ), um
bando de homens ignorantes, nutridos dos bitos do servilismo,
foram chamados bruscamente a participar do governo.(...)"
211
Para Flora Süssekind, na construção da literatura ficcional no Brasil do início
do século XIX, podemos destacar alguns elementos que torna possível identificar as
origens da identidade nacional, segundo a autora:
“(...)rascunhar origens étnicas e identidades nacionais mesmo onde se
vêem ruínas de aldeias e divisões políticas e sociais. Pautados não apenas
na ciência da observação, mas da exclusão. E exclusão não só de um modo
de olhar reflexivo, descartado em prol ora do encantamento, ora de
armadura naturalístico-paisagística, mas também, na figuração
territorializada do Império, de qualquer ênfase nas divisões provinciais(...)”
212
.
Os relatos dos mais diversos viajantes pelo novo mundo, do culo XVI,
muitas das vezes eram transportados, como criticas à violência presente, na própria
sociedade européia. Tal “superioridade” serviu de suporte para que, os viajantes do
século XIX, apresentem seu modelo de sociedade como o único, realmente possível
e humano. Modelo que seria o único capaz de trazer o gentio, o “bárbaro”, do Sertão
do Rio Doce, às luzes e as sinecuras da “Civilidade”, na dificuldade de vislumbrar
uma saída para a difícil equação da nação, em um país “sem passado”, imerso em
contradições tão fortes. A incorporação desses relatos se deu pelo caminho que
levava às exaltações da natureza.
209
MARTIUS, Carl Friedr. Phil. Von; SPIX, Jonh Bapt. Von. Op.cit. p.133
210
SANT-HILAIRE, August de. Voyage dans le district des diamants et sur le litoral du Brésil.
Paris.1833.disponível<http://books.google.com/books?id=Dby5zW4WLEAC&pg=PR3&dq=inauthor:au
guste+inauthor:saint-hilaire&as_brr=0#PPR3,M1> acessado em 20/10/2007
211
Idem. p.p V, VI.
212
SÜSSEKIND, F. O Brasil não é longe daqui. São Paulo: Cia das Letras, 1990. p.113
126
Na literatura houve uma tendência de privilegiar mais a natureza por sua
“excentricidade”. nos projetos políticos, para a formação do novo Estado
Nacional, procurou-se exaltar o caráter útil dessa natureza, levando-se em conta,
para a grandeza e indivisibilidade do território, suas potencialidades naturais, como
seus futuros recursos.
Com idéias que remetem a Debret, Saint-Hilaire, Maximiliano, Spix, Martius,
Marlière, José Bonifácio de Andrada e Silva entre outros, constrói-se projetos para
uma Nação independente, Brasil, sempre pautados na “catequização” e
domesticação dos povos indígenas, na revisão das práticas agrícolas, na melhor
exploração dos recursos naturais, na gida manutenção da unidade territorial e na
necessária (ainda que gradual), abolição da escravatura.
As questões sociais, que tiveram grande peso em todas as considerações,
seriam resolvidas, segundo José Bonifácio, por um “amálgama de raças” a ser
conseguido no futuro, através da miscigenação. Se as promessas da natureza
pródiga reservavam ao Brasil um futuro grandioso, a resolução de questões sociais
também passaria por um porvir, e pela condenação do passado colonial, relegando
a população a mero instrumento da construção territorial do país.
“(...) E que país é este, senhores, para uma nova civilização e para um novo
assento das ciências! Que terra para um vasto e grande império!”... “[Um
território] banhado pelas ondas do Atlântico, com um sem número de rios
caudais”, “riquíssimo nos três reinos da natureza. (...)”
213
Entretanto, para os botocudos, a catequese, “atração”, com caráter
“humanitário”, não sobreviveu por muito tempo. Com o visível fracasso da
catequese, por volta de 1829, com o afastamento de Marliere, e pela escassez de
missionários dispostos a continuá-la, bem como pela falta de bens materiais,
reduziram-se os contatos ás sedes das paróquias e as capelas. Com a interrupção
da catequese, os colonos também passaram a viver isolados em suas localidades,
fazendas e sítios, e os indígenas, no meio das matas, em estado de Guerra contra
os brancos.
213
SILVA, José Bonifácio de Andrade. Projetos para o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras:
Publifolha, 2000.
127
De qualquer forma, os viajantes foram responsáveis pela divulgação desse
povo no Velho Mundo, para onde foram transportados seus adereços, seus crânios,
desenhos que os representam e, por vezes, algum exemplar vivo, como o que
aconteceu com dois índios que chegaram a ser expostos no Museu de História
Natural em Paris, na década de 1880. Certamente que, com isso, os viajantes
visavam dar às suas obras um efeito de verdade. Sob a aparência de observadores
inocentes, prometem aos seus leitores conhecimentos exatos e saberes concretos,
sobre o novo mundo e os seres exóticos que este abrigava, sendo o mais esdrúxulo
dentre eles, o Botocudo antropófago. Mas também, é necessário mencionar, a
contribuição notável da cultura indígena no desenvolvimento da colonização e de
sua sociedade: os colonos recorreram muitas vezes aos seus "costumes
abomináveis" para sobreviverem, para povoar e mesmo legitimar a conquista.
Para finalizar nossas considerações sobre as perspectivas do “processo
civilizador” (métodos, ações, efeitos e possibilidades), podemos concluir que, não é
possível falar em uma mesma imagem do sertão, de sua população, e de um
mesmo sentido de civilização entre os viajantes, e entre estes e o discurso oficial do
Estado, salvo algumas situações, apresentadas em ao longo de nosso trabalho.
128
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao iniciarmos a nossa pesquisa tínhamos em mente uma hipótese geral sobre
a dominação através da catequese e da “civilização” dos povos indígenas do Vale
do Rio Doce, na Zona do Sertão Leste Mineiro, dominação essa centrada na História
Política e Econômica da região fazendo interfaces com outras especialidades, onde
se destaca a História Social dos Povos Indígenas que habitavam a região
principalmente os “Gentios do Botoque”.
Com esse propósito saímos a campo no intuito de buscar as fontes que
possibilitassem a nossa analise sobre o nosso objeto de pesquisa que compreende
as diretrizes da política do Estado com o uso da “guerra de extermínio” e
“aldeamentos” em relação à frente pioneira do Sertão do Rio Doce nas primeiras
décadas do século XIX. Tal propósito inicial gerou enorme volume de fontes na
primeira metade do século XIX contrastando com a quase inexistência de estudos
sobre o tema no período das três primeiras décadas dos oitocentos.
Esse aspecto quantitativo das fontes demonstrava-nos a importância do Vale
do Rio Doce para época e os caminhos percorridos para que se catequizassem seus
habitantes e colonizassem suas terras, tornando-as produtivas para o bem da nação
que nascia, isso veio despertar-nos a curiosidade por tal interesse e em saber qual a
razão por tamanho destaque dado a região na época.
Depois de debruçarmos sobre a procedência da documentação e checarmos
o foco dos assuntos tratados, chegamos a certeza de que à ênfase dada ao assunto
no período foi devido ao objetivo governamental de livrar o Sertão Mineiro da
presença da ameaça do Botocudo e disponibilizar suas terras à colonização
proporcionando a abertura de novas fontes de riqueza.
A nossa hipótese inicial se confirma a partir do momento que se verifica as
investidas na região por interesse econômico-político fazendo a interfase com o
social a partir do momento que se propõe a transformação do índio Botocudo no
129
principal e mais grave fator que impedia a colonização e o aproveitamento das
riquezas da Terra a serem exploradas, levantando a necessidade de estabelecer um
dialogo entre os aspectos políticos econômicos ligados as relações e
representações sociais.
A realização do projeto de ocupação do Vale do Rio Doce exigiu ações de
natureza política e social, como a de contatar e atrair os povos nativos e promover o
povoamento da região. Tornou-se assim indispensável legislar sobre os direitos e
deveres desses povos.
A natureza do nosso enfoque propiciou um dialogo com a História Política e a
História Cultural visto que foi o Estado quem promoveu e fez Guerra de extermínio
ao índio Botocudo e ocupou o território ao mesmo tempo era necessário tratar dos
mitos construídos com a necessidade de se justificar a investida violenta do Estado
sobre essas populações nativas.
Ao nosso entender o ideal da construção da nação e de identidade
culturalmente “civilizada”, buscada através da eliminação das diferenças, foi a base
norteadora das diretrizes políticas que nortearam os administradores dos índios nas
primeiras décadas do século XIX no Brasil e conseguintemente no Sertão Mineiro.
A construção de uma nacionalidade homogênea consistia na principal
exigência para o ingresso no mundo moderno alcançando o desenvolvimento social
desejado, sendo impossível fora do âmbito da nação. Assim sendo o ideal da
dissolução das diferenças era a base do sustentáculo para o sonhado e perseguido
“progresso”.
A nossa pesquisa desenvolveu-se enfocando as três primeiras décadas do
século XIX, período no qual população dos índios Botocudos do Sertão Mineiro
quase “desapareceu”. Devido a declaração de Guerra de extermínio em um primeiro
momento e em um segundo momento a política de aldeamento e a catequização
dos nativos como diretrizes da política do Império Nascente.
Tratamos em um primeiro momento dos mitos construídos para que se
pudessem legitimar as medidas tomadas pelo Estado. Entre esses mitos a acusação
de antropofagia dos botocudos, a que não encontrando fundamentos nos
documentos das divisões militares, e que muitas das vezes não passaram de
130
acusações falsas para justificar as investidas contra eles e seus territórios, dentro da
tradição portuguesa do conceito de “Guerra Justa”.
Através das divisões militares que serviram de instrumento de liberação de
terras do Vale do Rio Doce, atraíram-se os indígenas oferecendo lhes presentes e
agrados eram facilmente convencidos a viver em aldeamentos ao longo do extenso
Vale onde foram catequizados no intuito de serem “incorporados” a sociedade
nacional.
Em um primeiro momento os Botocudos do Rio Doce foram vistos como
inimigos terríveis e poderosos chegando a ser decretado contra eles guerra
ofensiva, em um segundo momento verificou-se a fragilidade dessas sociedades
que se desestruturavam facilmente nos primeiros contatos com o colonizador e sua
cultura de dominação.
A apropriação e a manipulação de uma imagem de “ferocidade”, vinculada ao
individuo Botocudo, contribuiu para a construção das estratégias de condução das
diretrizes políticas do Estado para com esse povo nas primeiras décadas do século
XIX. Mas também as pressões e as influencias de fatos exercidos pelos indígenas
sobre os colonizadores parecem ser propiciado pela relação de contato na qual o
reflexo da imagem do outro é prontamente correspondida com a mesma violência a
ele dispensada.
Nossas fontes indicam indícios na crença de que o Sertão do Rio Doce fosse
uma fantástica zona de reserva de riquezas minerais e vegetais próxima a uma das
regiões mais povoadas e desenvolvidas da época e que se mantêm escondidas pela
densa Mata Atlântica.
Através da criação das divisões Militares do Rio Doce pela Carta Regia de 13
de maio de 1808 abre-se o Sertão a exploração de seu potencial econômico. Para
abrir os caminhos do Sertão para o seu aproveitamento foi necessário livrar a região
da presença do Gentil do Botoque, fato que contribuiu muito no aumento do choque
entre os indígenas e os lusos brasileiros.
Essas divisões militares cumpriram seu papel apoiando aos colonizadores,
posseiros, aventureiros e exploradores do Sertão do Rio Doce ao mesmo tempo em
que procurou proteger os indígenas contra os ataques do homem “branco” através
131
de ações administrativas como as tomadas pelo comandante Guido Thomas
Marlière.
Essa região foi povoada por todo tipo de gente ambiciosa que vieram das
mais diversas regiões do Brasil a procura de riqueza fácil. Esses indivíduos não
possuía afeição a natureza a via como uma floresta tenebrosa que guardava
inimigos cruéis como a malaria, a febre amarela, e o índio bravio, que levavam a
morte os que atreviam penetra-la.
O Estado desempenhou o papel de mediador entre os nativos do Sertão e a
sociedade luso-brasileira, tendo seus próprios objetivos como os de apropriar-se dos
territórios, promover a catequização e a civilização dos índios do Sertão tornando a
região em produtora de novas fontes de renda aos seus cofres.
Mas podemos constatar que o Estado não foi capaz de sustentar as diretrizes
da legislação, pois faltava-lhe recursos, capacidade de controlar os interesses dos
exploradores e as dificuldades impostas pelo meio entre vários outros problemas
que surgiram na tentativa de dominação do Sertão.
Os ataques dos índios Botocudos famintos as plantações dos colonos, a
resistência dos indígenas a invasão de suas terras, as agressões de ambas as
partes foram retratadas pelos naturalistas europeus em suas viagens pelo Sertão.
Seus relatos foram usados para reforçar o clichê que exagerava o obstáculo real que
os Botocudos representavam para o processo de ocupação do Sertão do Rio Doce,
também foram usados para reforçar o ódio dos populares aos Botocudos
alimentando os imaginários através de suas narrativas de ferocidade e antropofagia.
Coube ao Estado dessa forma ordenar a invasão promovendo a valorização
da agricultura assim propiciando a integração do Sertão e sua população à
sociedade brasileira.
Para tanto as Cartas Régias e seus decretos de Guerra de extermínio no
inicio do século XIX estudadas nessa pesquisa estabeleceram as diretrizes política
indigenista para os Botocudos do Sertão servindo de modelo ao restante do país e
prevalecendo durante todo o primeiro Império até o inicio da Regência onde foi
revogada pela Lei de 27 de outubro de 1831. Colocando no papel oficialmente o fim
da Guerra de extermínio ao Botocudo, o que vimos não ter ocorrido na pratica
realmente.
132
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