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plenário. Ele prevê que, em quatro anos, metade das vagas das universidades federais ficará
reservada para quem cursou todo o ensino médio em colégio público. O projeto também estabelece
subcotas para negros e índios que cumpram o primeiro requisito. Representantes das universidades
pediram dez anos para se adaptar. O governo Lula fechou um acordo para que o prazo fosse de seis.
A aplicação de qualquer sistema de cotas é uma questão complexa que mexe com preconceito, visões
de mundo conflitantes e feridas seculares. Nos Estados Unidos, onde a idéia surgiu, as cotas foram
criadas nos anos 60 para reparar a injustiça histórica contra os negros - que, após a libertação dos
escravos, esperavam alguma indenização, mas nada receberam. Inicialmente, criou-se uma reserva de
vagas pela cor da pele. A Suprema Corte derrubou a medida, por ferir o princípio de igualdade diante
da lei. Em seu lugar, surgiu um intrincado sistema de pontos, que dá mais chances a determinados
grupos de candidatos, como negros, mulheres ou esportistas. Mesmo essa diferenciação foi
considerada discriminatória por alguns. Para evitar processos na Justiça, várias universidades
decidiram recentemente estender a homens e 'não-minorias' o acesso a bolsas originalmente criadas
para mulheres e minorias.
No Brasil, ninguém pode negar que há uma dívida histórica com os descendentes dos indígenas e dos
escravos africanos. Também é inegável que, em geral, o ensino público fundamental é fraco e oferece
chances menores de entrada no sistema de ensino superior. Mas será que as cotas nas universidades
são a melhor solução para esses problemas? 'O projeto dá a solução errada para o problema certo', diz
o economista Cláudio Moura e Castro, um dos maiores especialistas brasileiros em educação.
A intenção da criação das cotas é nobre e seu mérito não pode ser totalmente descartado. A favor das
cotas, diga-se que elas de fato levam mais gente pobre para a universidade e não baixam o
rendimento acadêmico, como temiam muitos. Nas universidades estaduais do Rio de Janeiro (Uerj) e
da Bahia (Uneb), onde o sistema já está em vigor, a nota média dos alunos cotistas e não-cotistas ao
longo do curso é praticamente a mesma.
As boas notas, porém, refletem apenas o desempenho
de quem consegue ficar na faculdade. Na Uerj, 40% dos
cotistas aprovados no vestibular abandonaram o curso
ainda no primeiro semestre, por não ter condições de
acompanhar as aulas - fruto de despreparo acadêmico
ou de dificuldades financeiras. Muitos não tinham nem
dinheiro para a passagem de ônibus. Para esses alunos,
estudar exige um esforço extra. É o caso de Allyne
Andrade, de 20 anos, do quinto período de Direito da
Uerj, que passa horas por dia na biblioteca do campus
porque não pode comprar os livros.
Mas o projeto brasileiro de cotas mistura vários
critérios e usa - para escolher quem terá direito a entrar
na universidade - uma noção de pouco valor científico,
a raça, supostamente determinada pela cor da pele. Nos
EUA, a sociedade separa nitidamente quem é negro de
quem é branco, com pouca nuance. No Brasil, a
distinção é bem mais difícil. De acordo com Sérgio Danilo Pena, geneticista da Universidade Federal
de Minas Gerais, 90% dos brasileiros têm ascendência ameríndia, européia e negra,
independentemente da cor da pele. Por isso, cor ou raça dos vestibulandos só pode ser determinada
por meio da autodeclaração. Isso implica que, se Xuxa ou Angélica afirmarem que são negras,
ninguém poderá questioná-las.
SEM DINHEIRO
Alynne Andrade, que cursa Direito
na Uerj, passa horas por dia
na biblioteca porque não tem como
comprar os livros do curso.
Será que as cotas resolvem?
No exterior, a eficácia das cotas vem sendo questionada. Autor do livro Ação Afirmativa ao Redor
do Mundo, o economista americano Thomas Sowell pesquisou o resultado das políticas do gênero da
Índia (com as castas inferiores) à Nova Zelândia (com as tribos maoris). Chegou, basicamente, à
conclusão de que as cotas não resolvem. Em três décadas, os indicadores sociais dos negros
americanos melhoraram pouco. A taxa de mortalidade das crianças negras aumentou e a expectativa
de vida dos homens negros diminuiu. Mas o desemprego continua duas vezes maior que entre os
brancos. É verdade que o número de negros juízes, advogados, físicos e engenheiros triplicou. 'Mas
as cotas garantem acesso somente a grupos que já estavam longe da miséria', diz Sowell. Ele é negro,
nascido no Harlem, tradicional bairro de afro-descendentes em Nova York.
Em seu estudo, Sowell chegou a uma conclusão espantosa pela simplicidade: 'Para garantir a
melhoria social, é infinitamente melhor providenciar um ensino básico sólido para todos'. Essa é
justamente a deficiência do sistema brasileiro e o projeto que tramita no Congresso em nada mexe
nessa
uestão. Como o ensino
úblico fundamental é ruim
ele condena os filhos dos
obres a