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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Sandra Miguel Abou Assali Bertelli
A importância da prova como garantia de efetividade do
processo do trabalho
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2009
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Sandra Miguel Abou Assali Bertelli
A importância da prova como garantia de efetividade do
processo do trabalho
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora, como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Direito (Direito
das Relações Sociais Direito do Trabalho)
pela Faculdade de Direito da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob a
orientação da Professora Doutora Carla Teresa
Martins Romar.
SÃO PAULO
2009
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3
Banca Examinadora
4
RESUMO
O presente trabalho tem por fim a análise dos aspectos gerais da prova
judiciária e da importância da atividade instrutória para o resultado útil do
processo.
Em todos os capítulos, o estudo objetiva sedimentar a idéia de que a
efetividade da prestação jurisdicional depende de uma instrução processual
plena, tendente a prestigiar o restabelecimento da verdade real dos fatos e, com
isso, conferir concretude à norma de direito substancial, bem como integridade ao
ordenamento jurídico.
Procuramos, neste contexto, valorizar a participação dinâmica do
magistrado em todos os momentos da atividade instrutória e na valoração dos
elementos de convicção coligidos ao processo, como fator essencial a possibilitar
que a prova cumpra sua finalidade instrumental na realização do direito material,
proporcionando o tão almejado bem-estar social.
Os esforços concentrados nestes debates convergem, acima de tudo,
à compreensão da função social da prova judiciária e de sua utilidade para a
solução justa e efetiva do litígio, assegurando que o processo seja o veículo
condutor da harmonia social, escopo maior da jurisdição.
E para lograr êxito em tais metas, realizamos ampla pesquisa
doutrinária e jurisprudencial, consultas a livros, a periódicos e a sítios de
Tribunais do Trabalho.
Palavras-chave: Prova, Atividade Instrutória, Instrumentalidade,
Efetividade, Utilidade, Justiça Social, Bem-Estar Social, Verdade Real, Iniciativa
Probatória Oficial, Ônus da Prova, Igualdade das Partes.
5
ABSTRACT
This paper aims at analyzing the general aspects of the legal evidence
and the importance of the discovery activity for a profitable result in the action.
In all its chapters, the study intends to sediment the Idea that the
effectiveness of the judgment depends upon full procedural discovery, tending to
prestige the reinstatement of the truth of facts and, therefore, grant substantiality
to the legal norms as well as integrity to the legal order.
In this context, we seek to value the dynamic participation of the judge
throughout the discovery activity and in the valuation of conviction elements
compiled in the lawsuit, as essential factors to enable the evidence to fulfill its
instrumental purposes in the performance of material law, allowing the much
sought-after social welfare.
The concentrated efforts in these debates converge, above all, to the
understanding of the social function of the legal evidence and its usage towards
fair and effective solution of the litigation, guaranteeing that the proceeding may
be the conductor of social harmony, higher scope of jurisdiction.
And to be successful in such goals, we have carried out extensive
jurisprudence research, consultations to books, journals and Labor Court sites.
Key-words: Evidence, Discovery Activity, Instrumentality, Effectiveness,
Usefulness, Social Justice, Social Welfare, Real Truth, Official Probative Initiative,
Burden of Proof, Equality of the Parties.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................9
1. NATUREZA JURÍDICA DA PROVA JUDICIÁRIA ..........................................13
2. CONCEITO DE PROVA ..................................................................................22
3. PRINCÍPIOS REGENTES DO INSTITUTO .....................................................25
3.1. Necessidade e Obrigatoriedade da prova ......................................29
3.2. Unidade ou comunhão da prova ....................................................35
3.3. Lealdade ou probidade da prova....................................................36
3.4. Licitude da prova............................................................................42
3.5. Igualdade de oportunidades e contraditório ...................................58
3.6. In dubio pro misero.........................................................................62
3.7. Iniciativa oficial na instrução e livre investigação da prova ............75
3.8. Imediatidade na colheita da prova..................................................78
3.9. Identidade física do juiz..................................................................81
3.10. Oralidade......................................................................................85
4. A IMPORTÂNCIA DA PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO .................92
4.1. Verdade real e verdade formal.......................................................92
4.2. Finalidade da prova........................................................................98
7
5. OBJETO DA PROVA ....................................................................................102
5.1. Fatos que dependem de prova.....................................................102
5.2. Fatos que dispensam prova .........................................................107
5.3. Direito...........................................................................................122
6. PRESUNÇÕES, INDÍCIOS E MÁXIMAS DE EXPERIÊNCIA........................126
6.1. Presunções e indícios ..............................................................126
6.2.1. Máximas de experiência...........................................................130
6.2.2. Máximas de experiência, fatos do conhecimento particular do
magistrado e fatos notórios .................................................................134
6.2.3. Importância das máximas de experiência para a efetividade da
prestação jurisdicional.........................................................................135
7. ÔNUS DA PROVA.........................................................................................141
7.1. Construção da teoria contemporânea do ônus da prova..............141
7.2. Ônus como “interesse” e “necessidade” de provar.......................145
7.3. Ônus objetivo e ônus subjetivo.....................................................146
7.4. Regras de distribuição do ônus da prova .....................................149
7.5. Visão contemporânea da teoria do ônus da prova e o princípio
inquisitivo ............................................................................................156
7.6. Inversão do ônus da prova...........................................................160
7.7. Convenção sobre ônus da prova..................................................165
7.8. O ônus da prova e o fato negativo ...............................................166
8. ATIVIDADE INSTRUTÓRIA DO JUIZ ...........................................................170
8.1. Princípios dispositivo e inquisitivo ................................................170
8.2. Princípio da imparcialidade do juiz...............................................175
8.3. A atividade do juiz frente aos referidos princípios ........................178
8
9. VALORAÇÃO DA PROVA............................................................................185
10. PROVA EMPRESTADA ...............................................................................194
10.1. Aspectos gerais..........................................................................194
10.2. Condições para o aproveitamento da prova emprestada...........195
10.3. Prova emprestada e Juízo Criminal ...........................................204
10.4. Dispensa da prova pericial e a questão da prova emprestada...208
CONCLUSÃO .....................................................................................................214
BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................218
9
INTRODUÇÃO
Considerando que o direito tem por objetivo regulamentar, disciplinar e
harmonizar a vida em sociedade (ubi societas ibi jus
1
), o processo e todos os
seus institutos devem ser analisados também em função da utilidade
demonstrada em benefício das relações sociais, coordenando os interesses
intersubjetivos e compondo, com equidade e justiça, os conflitos que possam
surgir.
2
Com base nestas premissas, o presente estudo pretende fomentar o
debate acerca da instrumentalidade da prova judiciária. Embora destinada à
formação do convencimento do julgador, se revela uma garantia de concreção do
direito material e de realização do escopo social do processo, qual seja, o
restabelecimento do bem-estar da sociedade.
A importância do tema discorrido neste trabalho justifica-se, destarte,
em razão do nexo existente entre a atividade probatória e a efetiva, justa e
tempestiva prestação jurisdicional.
Cada etapa percorrida nesta empreitada - aspectos conceituais,
natureza jurídica, importância, finalidade do instituto, princípios norteadores,
regras sobre distribuição do ônus da prova, participação ativa e responsável do
juiz na instrução do processo, desde a colheita da prova até a sua adequada
valoração – orienta-se com vistas ao alcance deste fim.
Na visão publicista contemporânea, para que o processo pacifique o
conflito com justiça, resgatando o ideal de paz social almejada, todos os seus
institutos devem estar voltados à atuação plena da norma substancial.
3
1 Onde há sociedade, há direito.
2 DINAMARCO, Cândido Rangel, A instrumentalidade do processo, p. 191.
3 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes Instrutórios do Juiz, p. 51.
10
Neste contexto, visando à adequada atuação da lei material ao caso
concreto, imprescindível que a relação processual seja permeada por uma
instrução processual apta a impedir que as desigualdades reais existentes entre
as partes não impliquem ameaça ao descobrimento da verdade e, por
conseguinte, frustração à ordem jurídica vigente.
Como asseverado inicialmente, o processo não se justifica como um
fim em si mesmo, mas sim em função da relação instrumental que possui com o
direito material, motivo pelo qual deve, em todos os seus aspectos, refletir as
especificidades do direito em benefício do qual atua. Para tanto, o sistema
jurídico dotou a atividade probatória de recursos capazes de assegurar que a
tutela jurisdicional pudesse atender às demandas e aos desígnios do direito
substancial.
Neste cenário, ganha destaque a figura do juiz mais atuante, que
dialogue com as partes e se empenhe de forma comprometida para assegurar
que a prestação jurisdicional reflita da forma mais fiel possível a realidade,
prestigiando os propósitos da norma substancial.
A atividade probatória, assim, deve ser exercida não somente pelas
partes, mas também tem que contar com a participação ativa do magistrado. Na
concepção mais moderna do direito, o juiz não pode mais quedar-se à postura de
mero espectador da relação processual. Pelo contrário, tem que assumir a
corresponsabilidade pelo resultado do processo, dinamizando sua conduta, tanto
no momento da colheita dos elementos de convicção, ao determinar de ofício a
produção de provas, a fim de eliminar as diferenças de oportunidades entre as
partes, quanto na fase final de valoração dos elementos probatórios voltados à
formação de sua cognição.
Cintra, Grinover e Dinamarco destacam que a efetividade do processo
e, por conseguinte, a eliminação do conflito com a adequada e útil distribuição da
justiça social dependem diretamente da superação de alguns “pontos sensíveis”,
sendo que dois deles despertam interesse em relação ao objeto do nosso estudo:
11
o modo-de-ser do processo” e a “justiça das decisões”. Segundo os autores, o
“modo-de-ser do processo” precisa estar voltado ao diálogo permanente entre as
partes e o juiz, devendo este participar ativamente na “busca de elementos para
sua própria instrução”, deixando a condição de mero interlocutor para assumir o
papel de figura central da relação processual. Quanto ao segundo ponto sensível
destacado pela tríade de juristas, a utilidade do provimento jurisdicional
pressupõe não somente o aumento dos poderes instrutórios do juiz, mas também
que a conduta do magistrado, no momento do julgamento, esteja pautada no
critério de justiça, ao valorar o conjunto probatório, ao proceder à subsunção dos
fatos à norma e ao interpretar a legislação.
4
A propósito, o processo não se restringe mais ao confronto de
interesses dos contendores, mas é movido pelo interesse público do Estado em
restabelecer a verdade dos fatos, conferir concretude ao direito substancial,
assegurar a integridade do ordenamento jurídico e, com isso, resgatar o bem-
estar social ameaçado pelo litígio.
Daí porque o sistema jurídico atual conferiu ao magistrado poderes e
responsabilidades para que fizesse valer, por meio de uma atuação mais
ostensiva durante a instrução, a finalidade social do processo.
Nas lições de Bedaque:
“se todos os integrantes da relação processual m interesse no
resultado do processo, não se deve deixar nas mãos das partes,
apenas, a iniciativa probatória. Ao contrário, tudo aconselha que
também o juiz desenvolva atividades no sentido de esclarecer os
fatos”.
5
4 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria Geral do
Processo, pp. 34-35
5 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes Instrutórios do Juiz, p. 55.
12
Na seara trabalhista estes poderes investigatórios do magistrado
ganham contorno especial, porquanto o processo do trabalho é movido por
inequívoca finalidade social, motivo pelo qual a conduta de todos os sujeitos deve
ser pautada pelo compromisso de conferir plena realização aos direitos humanos
e sociais envolvidos nas relações submetidas a juízo.
Com vistas a estes objetivos, as regras sobre distribuição do ônus da
prova, conforme refletido em capítulo próprio, devem ser compreendidas apenas
como meras normas de julgamento, não servindo de óbice à perseguição da
verdade real e, por conseguinte, à justa pacificação do litígio.
Em suma, o presente trabalho tem o intuito de ressaltar a importância
da atividade instrutória, em todos os seus momentos, como veículo a conduzir o
magistrado ao caminho da verdade dos fatos, assegurando, por conseguinte,
concretude ao direito e efetividade à prestação jurisdicional, restabelecendo a
paz social, escopo maior da jurisdição.
13
1. NATUREZA JURÍDICA DA PROVA JUDICIÁRIA
O exame acurado da natureza jurídica da prova justifica-se por fornecer
os fundamentos necessários à correta compreensão do instituto em pesquisa,
sobretudo no tocante à sua utilidade como instrumento hábil de realização e
atuação do direito substancial. Ao final deste capítulo esclarecemos que a
definição da natureza jurídica guarda relação direta com a função que a prova
judiciária exerce em prol da integridade do ordenamento jurídico, razão pela qual
nos dedicamos, nas linhas seguintes, à análise de cada uma das teorias
existentes acerca do tema.
Como verificamos ao longo deste capítulo, a pulverização da
disciplina entre as normas de direito material e de direito processual criou
verdadeira cizânia entre os doutrinadores a respeito da natureza jurídica da prova
judiciária.
A lei civil vigente, tal qual o Código Civil de 1916, destinou alguns
dispositivos genéricos às espécies de provas, valor, limites de validade,
admissibilidade em determinados casos e conseqüências, consoante leitura dos
artigos 212 a 232 do Código Civil de 2002.
o direito processual civil ocupou-se, de forma mais criteriosa, com
as regras de produção da prova, momento e lugar da produção, distribuição do
ônus da prova, poderes instrutórios do juiz, valoração da prova e meios em
espécie, consoante dispõem os artigos 332 a 443 do CPC.
A Consolidação das Leis do Trabalho destinou a Seção IX à análise
das provas (artigos 818 a 830), bem como nos dissídios submetidos ao rito
sumaríssimo, reservou os artigos 852-D e 852-H, buscando tratar dos
procedimentos gerais sobre colheita das provas, dos meios, da valoração e das
regras sobre ônus da prova.
14
Ante o amplo tratamento legal da disciplina, abarcado por normas de
direito material ainda que de forma sintética -, como por normas de caráter
processual, a definição da natureza jurídica da prova não encontrou consenso
entre os estudiosos.
Com o objetivo de demonstrar, de forma panorâmica, a divergência
doutrinária acerca do tema em debate, entendemos oportuno trazer à colação a
investigação realizada por Amauri Mascaro Nascimento
6
das cinco correntes a
interpretar a natureza jurídica da prova: a) a primeira, advogada por Salvatore
Satta, considera que a prova tem natureza jurídica de direito material; b) outra
entende como de natureza mista, informada por regras de direito substancial,
bem como de direito processual; c) a terceira corrente preconiza a natureza
processual do instituto, que a prova tem por escopo a revelação da verdade
dos fatos que fundamentam o litígio e destina-se exclusivamente ao
convencimento do juiz; d) há ainda a teoria que defende que há normas de direito
substancial e normas de direito processual que regulamentam a matéria, não
havendo prevalência de umas sobre as outras; e) por fim, a quinta teoria
esclarece que a prova tem natureza de direito judicial, este destinado a reger
relação jurídica exclusiva entre a justiça estatal e o indivíduo.
Francesco Carnelluti, dedicando-se ao tema, aduzia:
“Assim se explica que a instituição das provas se apresente como
pertencente ao direito material e ao direito processual, porque algumas,
e até as mais importantes, das normas referentes a provas estão
contidas no Código Civil (art. 1.312 e segs.) e no Código de Comércio
(art. 44 e segs.) em lugar de estar no Código de Procedimento Civil. A
verdade é que tais normas têm caráter processual enquanto
determinam o valor ou a eficácia de certas provas no processo; (...)
exatamente por que uma prova tem ou não tem uma eficácia
processual, a mesma é idônea para determinar mesmo fora do
6 NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de Direito Processual do Trabalho, pp. 419-420.
15
processo a atitude das partes, e por isso tal eficácia é difundida, de
uma maneira reflexa, no campo do direito material”.
7
Segundo o magistério de Pontes de Miranda, a prova não se resume
exclusivamente ao direito material ou ao direito processual, embora este tenha se
ocupado de regular a atividade instrutória. Assim pensava o jurista:
“Compreende-se que o direito processual, que se dedica à aplicação
da lei, através da justiça, tenha regular a atividade probativa, porém
com isso não se pode esquecer o que o direito material preestabelece
para que faça prova de algum fato, ato-fato jurídico, ato jurídico ou
negócio jurídico. Daí termos escrito no Tratado de Direito Privado,
Tomo III, 404: ‘Dizer-se que prova é o ato judicial ou processual, pelo
qual o juiz se faz certo a respeito do fato controverso ou do assento
duvidoso que os litigantes trazem a juízo (...) é processualizar-se,
gritantemente, a prova. (...) Pensar-se em prova judicial quando se fala
em prova é apenas devido à importância espetacular do litígio, nas
relações jurídicas entre os homens’”.
8
De forma bastante conclusiva, Chiovenda reputava que a disciplina da
prova pertencia ao ramo do direito processual, em que pese o fato de muitos
códigos de direito substancial contemplarem normas sobre a admissibilidade e a
eficácia dos meios de prova, fato este que não se mostraria suficiente a
descaracterizar a natureza publicista da matéria. Asseverava o mestre italiano:
“(...) a matéria das prova pertence por inteiro ao direito processual.
Especialmente não deve a localização das normas sobre as provas nos
7 CARNELUTTI, Francesco, Sistema de direito processual civil, pp. 496-497.
8 MIRANDA, Pontes de, Tratado de direito privado, tomo III, parágrafo 345, pág. 404.
16
códigos de direito substancial induzir a acreditar-se que elas tenham
caráter dispositivo”.
9
Na mesma esteira, o jurista uruguaio Eduardo Couture, fazendo
referência às várias tendências existentes acerca da matéria, também perfilhou
seu entendimento pela natureza processual das normas que regem a prova:
“O caráter processual das normas relativas à eficácia e à apreciação da
prova torna-se cada vez mais evidente à medida que se reflete a
respeito. Somente são de direito substancial as formalidades instituídas
para a validade de certos atos. Mas essa circunstância não autoriza a
supor que o juiz possa permanecer indefinidamente ligado a institutos
impróprios, sob o pretexto de que estes eram vigentes ao tempo em
que foram celebradas as convenções, ou ocorreram os fatos ou
jurídicos que deram origem ao conflito”.
10
Por outro lado, Clóvis Beviláqua, referido na obra de Fábio Guidi
Tabosa Pessoa, adotando posição intermediária, prelecionava que cada ramo do
direito se dedicava à disciplina de um determinado aspecto da prova, incumbindo
ao direito material a determinação das provas, seu valor jurídico e sua
admissibilidade, enquanto que o direito processual destinava-se à constituição da
prova e a sua produção em juízo, consoante se confere nas lições transcritas:
“(...) entra na esfera do direito civil a determinação das provas, e a
indicação tanto do seu valor jurídico quando das condições de sua
admissibilidade. Ao direito processual cabe estabelecer o modo de
constituir a prova e de produzi-la em juízo”.
11
9 CHIOVENDA, Giuseppe, Instituições de direito processual civil, pp. 118-119; 1053.
10 COUTURE, Eduardo Juan, Fundamentos de direito processual civil, pp. 127-128.
11 BEVILÁQUA, Código Civil Comentado, vol. I, pp. 64-65, apud PESSOA, Fabio Guidi Tabosa, Código de processo civil
interpretado, p. 991, comentários ao artigo 332.
17
Norteando-se pela mesma diretriz de Beviláqua, o processualista
Tabosa Pessoa aduz que incumbe ao direito substancial a regulamentação sobre
a natureza, os requisitos e as consequência jurídicas da prova, integrando-se o
instituto na teoria geral dos atos e fatos jurídicos, “e abrange nesse contexto tudo
o quanto intrínseco à respectiva demonstração, estejam sendo analisadas em
juízo ou fora dele”.
12
E ao direito processual, dado seu caráter instrumental em
relação ao direito material, ainda segundo Tabosa Pessoa, fica reservada a
matéria relativa à atividade judicial da produção da prova, observados os critérios
gerais e parâmetros pré-estabelecidos pela lei civil.
Na seara dos juslaboralistas, Eduardo Gabriel Saad também adotou
posição mais moderada e eclética, no mesmo compasso de Clóvis Beviláqua: o
instituto da prova interessa, a um tempo, ao Direito Material e ao Direito
Processual”.
13
Tostes Malta, traçando panorama das diversas teorias existentes sobre
a natureza jurídica do instituto, acabou por concluir que a prova não pertence ao
ramo do direito material, sendo que este apenas dispõe sobre algumas normas
que regem a sua formação, que podem ou não ser utilizadas numa dada relação
processual:
“Também descabe dizer que a prova é de direito material. Pode-se
dizer com mais propriedade, que a prova pode ser regida pelo direito
material, quanto à sua formação”.
14
E adiante ponderou na mesma
obra dedicada ao assunto: “O momento em que as provas podem ser
produzidas, as formas de que podem revestir-se, as regras
concernentes à apreciação da prova, à formação do convencimento do
juiz a propósito do que ficou esclarecido etc. são atividade
inequivocamente regidas pelo direito processual”.
15
12 PESSOA, Fabio Guidi Tabosa, Código de processo civil interpretado, p. 991.
13 SAAD, Eduardo Gabriel, José Eduardo Duarte Saad e Ana Maria Saad Castelo Branco, Curso de direito processual do
trabalho, p. 563.
14 MALTA, Christovão Piragibe Tostes, A prova no processo trabalhista, p. 26.
15 Ob. cit., p. 27.
18
Teixeira Filho, sem qualquer hesitação, se posicionou pela natureza de
direito processual da prova, fundamentando sua teoria nos seguintes
argumentos:
“Concluímos, por esta razão, com Pestana Aguiar (ob. cit., pág. 3), no
sentido de que embora o direito, sob o ponto de vista ontológico, deva
ser sempre concebido como uma unidade, onde se fundem o material e
o processual, na verdade é a ciência do processo ‘a única que se
dedica ao estudo sistematizado e completo do instituto da prova,
perquirindo sob todos os ângulos seus fins, suas causas e efeitos’ ”.
16
Como verificamos nos parágrafos anteriores, nunca houve
unanimidade entre os estudiosos no que diz respeito à natureza jurídica da prova
judiciária.
Importante registrar, todavia, nossa simpatia em relação à tendência
mais contemporânea da doutrina, despontada a partir da releitura do Código de
Processo Civil vigente, categorizando a prova como matéria pertencente ao ramo
do direito processual, em razão não somente da inegável natureza jurídica
processual das normas legais que a disciplinam, como também da primordial
função que a prova exerce no processo, atuando diretamente no convencimento
do magistrado acerca da verdade dos fatos litigiosos.
A propósito, a lei processual em vigor, diversamente do Código de
Processo Civil de 1939
17
, passou a regulamentar inteiramente o instituto da
prova, superando a taxação e a especificação das provas contempladas na lei
civil a partir do momento em que ampliou o seu espectro, admitindo como hábeis
16 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 31.
17 O CPC de 1939 fazia remissão expressa às provas apenas reconhecidas nas leis civis e comerciais.
19
à demonstração dos fatos controvertidos “todos os meios legais, ou moralmente
legítimos” (CPC, art. 332), consoante leciona TEIXEIRA FILHO
18
:
“Nunca é inútil rememorar que o CPC de 1939 estatuía, em seu art.
208, serem admissíveis em Juízo ‘todas as espécies de prova
reconhecidas nas leis civis e comerciais’ (sublinhamos), ao passo que
o estatuto processual vigente estabelece, por seu art. 332, litteris:
‘Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que
não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos
fatos, em que se funda a ação e a defesa’. Constata-se, assim, que o
CPC de 1973 abandonou a referência às leis materiais, feito pelo de
1939, tendo dedicado todo o Capítulo VI, Título VIII, do Livro I, ao
instituto da prova (arts. 332 a 443), procurando, com isso, minudenciar
o disciplinamento da matéria que atraiu para si”.
Análise dos dispositivos da lei processual civil vigente, bem como dos
artigos celetistas de índole processual que trataram de matéria probatória, revela
que as normas de caráter processual dedicaram-se de forma mais sistemática e
cuidadosa à matéria, estudando minuciosamente o procedimento relativo à
colheita das provas, ao momento e ao lugar de sua produção, as regras sobre
distribuição do ônus probatório, a participação dos sujeitos do processo na
atividade instrutória, as espécies e o valor das provas.
Em contrapartida, como destacamos no prelúdio deste capítulo, a lei
civil conferiu tratamento genérico ao instituto. Neste sentido, o disciplinamento do
instituto pelo direito material, relativamente às espécies de provas de
determinados fatos, revela apenas que cada uma das áreas do direito substancial
atribui à matéria uma peculiaridade que lhe é própria.
19
18 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A Prova no Processo do Trabalho, p. 31.
19 Por exemplo, a lei civil trata de algumas formas de prova, sendo o casamento provado por certidão (CC, art. 543), o
pagamento por instrumento de quitação (CC, art. 319), o contrato de seguro pela apólice ou bilhete de seguro (CC, art.
758); da mesma forma, a lei trabalhista, na parte que destinada ao direito material, determina que a insalubridade e a
periculosidade sejam provadas por perícia (CLT, art. 195).
20
Por isso não resta comprometida a conclusão no sentido de que a
prova, uma vez destinada ao resgate e à revelação da verdade dos fatos
controvertidos trazidos para a relação processual e, por conseguinte, apta a
formar o convencimento do julgador, tem natureza jurídica de direito processual.
A propósito, merecem destaque as preleções de Dinamarco:
“Admite-se que, sendo as fontes de prova elementos externos ao
processo, cada uma delas traz consigo conotações da área do direito a
que pertençam (uma escritura pública, um registro administrativo). Mas,
encaradas todas elas em sua capacidade instrutória, daí assoma sua
destinação a convencer quanto a alguma proposição de fato relevante
para um julgamento pretendido: a prova é invariavelmente preordenada
a alguma decisão, ato de poder que sempre terá lugar no processo.
Daí a natureza processual de toda sua disciplina, que foi
energicamente afirmada pelo vigente Código de Processo Civil
brasileiro, mediante integral regulação da matéria: derrogou, com isso,
o que a respeito constava em capítulo específico do Código Civil”
20
.
Acrescenta o mestre que o tema em questão, da forma como tratado
pela lei material, trouxe uma aproximação relevante entre os dois ramos do
direito, sendo que muitos dispositivos de caráter processual que regem a prova,
dada a sua aparência de direito substancial, passaram a ser vistos por muitos
doutrinadores equivocadamente como se tivessem natureza de direito material.
Dinamarco esclarece, ainda, que o retorno metodológico do Código
Civil em vigor ao critério adotado pelo Código de 1916, voltando a tratar da
matéria relativa à própria – o que para muitos se trata de um erro -, acaba por vir
de encontro com a teoria da instrumentalidade do processo”, permitindo que o
20 DINAMARCO, Cândido Rangel, A instrumentalidade do processo, pp. 218-219.
21
direito substancial e o direito processual convivam em perfeito equilíbrio, servindo
este como meio para a completa realização daquele
21
.
O processo, com isso, passa a atender de forma plena os desígnios e
as aspirações do direito material, de acordo com as peculiaridades da situação
substancial na qual se funda o litígio.
Na visão do processualista em comento, o instituto da prova deve ser
entendido como um dos “pontos de estrangulamento” do direito que permitem a
aproximação entre o direito substancial e o direito processual, dada a função que
a prova judiciária exerce para a plena realização do direito material.
Concluímos, com base em todo o exposto, que o instituto da prova,
embora regido parcialmente por algumas normas de direito substancial, nem por
isso deixa de ter natureza jurídica processual, eis que sempre dotado de
capacidade instrutória, haja vista a sua finalidade maior de demonstrar a verdade
de um fato controvertido no processo, fazendo valer a vontade concreta do direito
material numa verdadeira relação de instrumentalidade entre os dois ramos do
Direito.
21 DINAMARCO, ob. cit.
22
2. CONCEITO DE PROVA
O vocábulo “prova” tem origem no latim da expressão probatio, esta
derivada do verbo probare, que representa, de forma geral, tornar evidente,
demonstrar, revelar, persuadir, mostrar, fazer conhecer um determinado fato.
22
Na acepção jurídica do termo, prova é a revelação da verdade dos
fatos jurídicos controvertidos, relevantes e pertinentes, dos quais emanam a
pretensão e a exceção arguidas em juízo.
É a partir dela que se forma a convicção do julgador, garantindo
efetividade ao provimento jurisdicional e, com isso, possibilitando que o processo
atinja seu escopo maior, qual seja, a justa composição do conflito.
Ao examinarmos o conceito de “prova”, temos que concentrar todos os
esforços em torno dos elementos que o informam, cuidando para evitar a erronia
técnica de identificá-lo com os “meios de prova” utilizados para evidenciar a
veracidade dos fatos.
Neste compasso, importante esclarecer que “prova” é a demonstração
da realidade dos fatos relevantes e controvertidos (e, excepcionalmente, da
existência e da vigência da norma municipal, estadual e alienígena evocada, art.
337, CPC), enquanto que o “meio” utilizado para elucidar tais fatos, tendentes a
formar a convicção do magistrado, é apenas o instrumento a viabilizar tal
revelação da realidade factual.
Nesta seara, Manoel Antonio Teixeira Filho
23
tece considerações
importantes a respeito da distinção conceitual entre “prova” e “meios de prova”,
esclarecendo que a primeira traduz-se no próprio resultado objetivado no
processo, ou seja, a demonstração em si da verdade dos fatos, enquanto que o
22 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, 3ª edição. Curitiba: Ed. Positivo,
2004, p. 1649.
23 A Prova no Processo do Trabalho, capítulo II.
23
segundo refere-se aos recursos utilizados para viabilizar o descortinamento da
realidade perquirida durante a relação processual.
As partes podem lançar mão de inúmeros meios, legais e moralmente
legítimos, desde documentos, testemunhas, perícias etc, para trazer à luz a
realidade dos fatos controvertidos que servem de substrato ao litígio.
Tais meios de prova são, portanto, as vias utilizadas durante a
instrução processual com a finalidade de conduzir a inteligência do juiz à
descoberta da verdade. E tal resultado é obtido, considerando-se provado o fato
litigioso e, por conseguinte, convencido o magistrado, desde que sejam eficientes
os referidos meios.
Com efeito, superada esta distinção essencial à compreensão da
matéria, passemos à análise das considerações da doutrina sobre o tema.
Segundo Carnelutti, “provar significa uma atividade do espírito dirigida
à verificação de um juízo”.
24
Para Moacyr Amaral Santos, que muito se dedicou ao estudo do
instituto em questão, a prova “é a soma dos fatos produtores da convicção,
apuradas no processo”.
25
Ainda para referido jurista, a prova destina-se a
convencer o julgador da verdade dos fatos nos quais se lastreia o litígio.
Amauri Mascaro Nascimento assim definiu: “a prova judicial é a
confrontação da versão de cada parte, com os meios produzidos para aboná-la.
O juiz procura reconstituir os fatos valendo-se dos dados que lhe são oferecidos
e dos que pode procurar por si mesmo nos casos em que está autorizado a
proceder de ofício”.
26
24 Francesco Carnelutti, Sistema de Direito Processual Civil, vol. II, p. 495.
25 Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 2º vol., p. 329.
26 Curso de Direito Processual do Trabalho, p. 419.
24
No entendimento de Isis de Almeida, o conceito de prova encontrado
pelo jurista uruguaio Eduardo Couture é lapidar, consoante reproduzido in litteris:
“provar é demonstrar de algum modo a certeza de um fato ou verdade de uma
afirmação”.
27
Trazidas à colação as definições da prova judiciária elaboradas pelos
estudiosos, alinhavamos o nosso conceito do instituto em comento: Prova
judiciária é a revelação em juízo da verdade dos fatos controvertidos, relevantes
e pertinentes à questão essencial da lide, apta ao desenvolvimento de um
raciocínio lógico tendente à formação de uma convicção.
28
A pretensão deduzida em juízo se consubstancia em uma determinada
suposição de fato, sendo que a instrução probatória tem por finalidade
transformar a alegação de fato trazida pelas partes em certeza, em realidade
tendente ao convencimento do magistrado.
A utilidade e a efetividade da tutela jurisdicional guardam relação de
dependência com a certeza da verdade dos fatos que fundamentam as
pretensões, daí a importância da prova judiciária para a justa e adequada solução
do litígio.
27 Couture, apud Isis de Almeida, Manual de direito processual do trabalho, 2º vol., p. 110.
28
Probatio est rei dubiae per argumentum ostentio
(Prova é a demonstração de coisa duvidosa por argumento).
25
3. PRINCÍPIOS REGENTES DO INSTITUTO
Para correta compreensão de uma dada disciplina jurídica, essencial o
conhecimento acurado dos princípios que a norteiam, eis que constituem linhas
matrizes das normas jurídicas, servindo-lhes de fonte criadora e, ao mesmo
tempo, delas derivando para auxiliar na interpretação do direito positivado e na
integração do ordenamento jurídico.
Neste sentido, como prelecionava Francesco Carnelutti, os princípios
“são o espírito ou a essência da lei”
29
.
Os princípios são as vigas mestras, os preceitos, os postulados gerais
que fundamentam e inspiram a elaboração das normas, conferindo coerência e
integridade ao ordenamento jurídico. Regulamentam as relações jurídicas,
consistem em hábil instrumento para o preenchimento de lacunas normativas e
para correta interpretação das normas jurídicas, razão pela qual são entendidos
pela doutrina como idéias fundantes da organização jurídica.
Ademais, os princípios, dentre outras condições, garantem autonomia à
disciplina jurídica, por representarem as diretrizes de um determinado ramo do
direito.
30
Dada a importância dos princípios para a correta compreensão do
instituto da prova, destacamos alguns estudos doutrinários a respeito do tema:
O jusfilósofo Norberto Bobbio, em seu trabalho inovador sobre o
complexo de normas que compõem o sistema jurídico, destacou a missão de
auto-integração dos princípios, preenchendo lacunas das normas e, com isso,
garantindo completude ao ordenamento jurídico. Afirmou o jurista italiano que os
princípios são “normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas
29 Sistema di Diritto Processuale Civile, I, Funzione e Composizione Del Processo, 1936, p. 120, apud RODRIGUEZ,
Américo Plá, Princípios do Direito do Trabalho, p.20.
30 RODRIGUEZ, Américo Plá, in Princípios do Direito do Trabalho, p. 9, sustenta que a autonomia do Direito do Trabalho
justifica-se pela especificidade de seus princípios.
26
mais gerais”. Complementou, ponderando: “são princípios, ou normas
generalíssimas, formuladas pelo intérprete, que busca colher, comparando
normas aparentemente diversas entre si, aquilo a que comumente se chama o
espírito do sistema”
31
.
Nos estudos que consagraram a Teoria Tridimensional do Direito,
Miguel Reale, ao tratar da estrutura do conhecimento científico do Direito,
dedicou-se aos princípios, esclarecendo que são os pressupostos de toda e
qualquer ciência. Assim definiu princípios:
“Princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de
alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados
em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade”.
32
E, com o objetivo de transmitir a real importância e grandeza dos
princípios, enquanto premissas fundamentais do direito, concluiu o jurista:
“Podemos, aqui, fazer uma comparação que, até certo ponto,
esclarecerá o problema. Um edifício tem sempre suas vigas mestras,
suas colunas primeiras, que são o ponto de referência e, ao mesmo
tempo, elementos que dão unidade ao todo. Uma ciência é como um
grande edifício que possui também colunas mestras. A tais elementos
básicos, que servem de apoio lógico ao edifício científico, é que
chamamos de princípios, havendo entre eles diferenças de destinação
e de índices, na estrutura geral do conhecimento humano”.
33
A civilista Maria Helena Diniz, ao debruçar-se sobre o tema, destacou
que os princípios estão contidos no ordenamento jurídico, definindo-os como
31 BOBBIO, Norberto, Teoria do ordenamento jurídico, pp. 158-159.
32 REALE, Miguel, Filosofia do direito, p. 60
33 Idem.
27
“normas de valor genérico que orientam a compreensão do sistema jurídico, em
sua aplicação e integração, estejam ou não positivadas”.
34
O jurista uruguaio Américo Plá Rodriguez conceituou os princípios
como sendo:
“linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou
indiretamente uma série de soluções, pelo que, podem servir para
promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a
interpretação das existentes e resolver os casos não previstos”.
35
Partindo das diversas pesquisas doutrinárias a respeito do tema, é de
se concluir que os princípios, sejam gerais, sejam especiais de cada disciplina
jurídica, tem tripla função:
(1) informativa, quando servem de fonte de inspiração para a criação
do direito positivado; tal função objetiva atualizar o ordenamento jurídico,
harmonizando as regras que serão positivadas aos novos valores e aspirações
da sociedade destinatária do sistema normativo;
(2) normativa, integrativa ou supletiva, ao se prestarem à missão de
integração do ordenamento jurídico, conferindo-lhe completude nos casos de
lacuna normativa (art. 128 do CPC);
(3) interpretativa, ao auxiliarem os operadores do direito na
interpretação das normas, aferindo-lhe o real sentido e proporcionando dimensão
valorativa ao direito; dotados de conteúdo axiológico, os princípios podem
amenizar o rigor excessivo, e por vezes injusto, da norma positivada, como bem
34 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro, 1º vol., Teoria geral do direito, p. 79.
35 PLÁ RODRIGUEZ, Princípios do direito do trabalho, p. 16.
28
ponderou Willis Santiago Guerra Filho, em seu estudo filosófico acerca da
importância valorativa dos princípios para a correta aplicação da regra legal.
36
Em nosso ordenamento jurídico há várias referências diretas e indiretas
aos princípios gerais, bem como aos específicos de cada um dos ramos do
direito, sendo que cada uma das normas se ocupou de uma determinada função
dos princípios (art. 5º, incisos XXXV, LIII, LIV, LV, LXXVIII e parágrafo da
CF/88; artigo da LICC; artigos 2º, 16, 17, 126, 132, 262 do CPC; artigos 8º,
840 parágrafo 2º, 852-D, 852-I, 893 parágrafo da CLT, dentre outros
dispositivos legais).
Não nos olvidemos, todavia, daqueles princípios do direito que, embora
nem sempre expressos no ordenamento jurídico positivado, exercem não menor
importância para o aperfeiçoamento da ciência jurídica, justamente por
constituírem premissas fundamentais para toda e qualquer relação jurídica, tanto
no campo do direito substancial, quanto processual
37
.
E para a adequada compreensão da relevância do instituto, como fonte
norteadora da atividade instrutória, examinemos, de forma individualizada, cada
um dos princípios informadores do direito processual do trabalho em matéria de
prova.
36 Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim
Wambier, “Notas para destacar a importância do princípio constitucional da proporcionalidade no delineamento dos
poderes do juiz”, p. 114.
37 Lembramos do princípio da “proporcionalidade ou razoabilidade”, conhecido na doutrina por “princípio dos princípios”,
por contemplar as idéias
da “igualdade proporcional” e da justiça distributiva”, como destaca Willis Santiago Guerra Filho,
consistindo, ainda segundo o autor, “mandamento de otimização do respeito máximo a todo direito fundamental, em
situação de conflito com outro(s)...”
.
Observe-se que tal princípio exerce função interpretativa, sendo instrumento de
ponderação de princípios que conflitam entre si, bem como equilibrando as relações entre normas e princípios. Também
exerce função informadora, no sentido de auxiliar na elaboração racional da norma, que deve estar sempre jungida aos
direitos fundamentais (GUERRA FILHO, in Notas para destacar a importância do princípio constitucional da
proporcionalidade no delineamento dos podres do juiz, apud MEDINA, José Miguel Garcia (coordenação), Os poderes do
juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier, p. 118).
29
3.1. Necessidade e Obrigatoriedade da prova
:
Por questões metodológicas, resolvemos reunir os dois princípios num
mesmo tópico
38
, eis que a prova, destinada à revelação da verdade dos fatos
litigiosos e ao convencimento do magistrado, não é apenas de interesse das
partes, como também do Estado, para a justa composição do conflito.
Os fatos relevantes e controvertidos demandam atividade probatória,
não bastando para a formação da cognição do julgador as meras alegações dos
contendores (necessidade da prova); a partir do momento em que os fatos
integram o processo, a busca da verdade real e o efetivo deslinde do conflito não
ficam adstritos à esfera de atuação dos litigantes, mas passam a contar com a
intervenção oportuna do juiz (artigos 130 do CPC e 765 da CLT)
obrigatoriedade da prova.
Se num primeiro momento a prova é necessária para que as partes
demonstrem em juízo as alegações de fato que servem de fundamento à
pretensão e à defesa oposta, após instaurada a lide torna-se obrigatória,
porquanto a perquirição da verdade e, por conseguinte, a solução justa do litígio,
passam a ser interesse do Estado, como forma de restabelecimento da paz
social.
O primeiro princípio, da necessidade da prova, está diretamente
vinculado às regras de distribuição do ônus da prova, incumbindo o encargo
probatório à parte a quem o fato aproveite (“secundum allegata et probata índex
iudicare debit”) artigos 818 da CLT e 333 do CPC, este último de aplicação
subsidiária ao processo do trabalho, por força do art. 769 da CLT.
Isto porque o juiz não decide a favor de uma das partes por se
impressionar com seus argumentos, mas sim por se convencer das provas
38 NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de Direito Processual do Trabalho, pp. 420-421, analisa os dois princípios de
forma segmentada .
30
produzidas ao longo da instrução. Esta é a garantia do devido processo legal,
bem como da imparcialidade do julgamento.
Da mesma forma, como decorrência do binômio necessidade-interesse
da parte na produção da prova, não pode o juiz julgar por seus conhecimentos
pessoais a respeito dos fatos controvertidos, devendo fundamentar seu
convencimento a partir dos fatos demonstrados e provados durante o processo.
Quanto à obrigatoriedade da prova, este princípio decorre do interesse
do Estado-juiz e, por conseguinte, da sociedade, no esclarecimento da verdade
dos fatos trazidos a julgamento, a fim de que o processo atenda a seus escopos
maiores, quais sejam, a justa solução do litígio e a efetividade do provimento
jurisdicional.
Assim, trasladados os fatos da esfera de conhecimento particular das
partes para a relação processual, a prova, tendente ao descobrimento da
verdade, se revela como hábil instrumento a assegurar utilidade à tutela
jurisdicional, permitindo o resgate do estado de bem-estar social ameaçado pelo
litígio.
Nas lições de Amauri Mascaro Nascimento: “sendo a prova de
interesse não das partes mas também do Estado que quer o esclarecimento
da verdade, as partes podem ser compelidas pelo juiz a apresentar no processo
determinada prova, sofrendo sanções no caso de omissão, especialmente as
presunções que passam a militar contra aquele que se omitiu e a favor de quem
solicitou”
39
.
Na mesma toada, o jurista Eduardo Gabriel Saad aduz: “Não é as
partes que têm interesse na produção de prova nos processo, mas também o
Estado, por intermédio do Juiz, pois a ele cumpre preservar a paz social”
40
.
39 Ob. cit., p. 421.
40 SAAD, Eduardo Gabriel, José Eduardo Duarte Saad e Ana Maria Saad Castelo Branco, Curso de direito processual do
trabalho, p. 565.
31
O princípio da obrigatoriedade da prova guarda íntima ligação com a
participação ativa do julgador na instrução processual, amplamente valorizada
pelo ordenamento jurídico em vigor, sobretudo no processo do trabalho (CPC,
art. 130 e CLT, art. 765).
Extrai-se daí que, ante a inércia dos contendores quanto à produção da
prova dos fatos controvertidos e relevantes, nos casos em que houver início de
prova, bem como naqueles em que a ineficiência dos meios de prova utilizados
comprometer a efetividade da prestação jurisdicional, pode o magistrado, que
tem direto interesse no restabelecimento da verdade, manejando adequadamente
os poderes instrutórios que lhe são conferidos por lei, determinar ex officio a
produção de outras provas, realizando inspeções judiciais e ordenando todas as
diligências úteis à solução do conflito, sem macular sua imparcialidade.
A propósito, muito se questiona na doutrina mais tradicional acerca do
procedimento de ofício do juiz na colheita da prova, se não estaria orientando seu
julgamento em favor de uma das teses advogada por qualquer das partes e, com
isso, não estaria comprometendo a sua atuação imparcial.
Todavia, não são estas as conclusões que se extraem da postura mais
ativa do magistrado, por três simples razões: (1) primeiro porque a decisão que
determina a produção de ofício de uma dada prova deve ser sempre justificada e
fundamentada; (2) ademais, o juiz está necessariamente vinculado, ao decidir
(princípio do livre convencimento motivado a ser estudado adiante), ao resultado
da prova produzida, independentemente de quem teve a iniciativa de fazê-lo, ou
seja, se foi trazida ao processo por provocação das partes ou de ofício; e ao
determinar a prova de ofício o juiz não conhece o resultado, razão pela qual não
que se cogitar no comprometimento da parcialidade do julgador; (3) por fim,
não se deve confundir imparcialidade com neutralidade.
41
41 Na visão contemporânea do processo, a dinamização da postura do magistrado não condiz mais com a concepção
doutrinária tradicional de neutralidade. Consultar AMENDOEIRA JR., Sidnei, Poderes do juiz e tutela jurisdicional: a
utilização dos poderes do juiz como forma de obtenção da tutela jurisdicional efetiva, justa e tempestiva, p. 111.
32
Ademais, não se pode olvidar que as regras sobre o ônus da prova são
apenas meras regras de julgamento, não vinculando a atividade jurisdicional de
ofício (art. 130, CPC e art. 765, CLT), que deve ser exercida de forma
fundamentada, limitada aos meios existentes e disponíveis, em busca da
verdade
42
e da garantia da entrega da prestação jurisdicional efetiva, cujo
conceito também abarca a idéia da tempestividade, sob pena de
comprometimento da harmonia social.
A propósito, quando o juiz determina a juntada aos autos de
documento que se encontra em poder da parte ou de terceiro, cominando-lhe
sanção processual (CPC, artigos 14, 341, 359 a 362), a oitiva de testemunha
referida (CPC, art. 418, I), ou ainda, ante a insuficiência dos meios de prova
utilizados durante a instrução, realiza a inspeção judicial de pessoas e coisas
(CPC, art. 440), não somente está exercendo a atividade instrutória porque não
se convenceu com as provas produzidas no interesse das partes, como também
o faz porque a demonstração da verdade dos fatos litigiosos é aspiração coletiva
da sociedade (obrigatoriedade da prova), como ideal de realização de justiça
43
.
Enaltecendo a jurisprudência trabalhista por ter compreendido a atual
dimensão publicista do processo, Alexandre de Paula assim analisa o alcance do
art. 765 da CLT e da atividade instrutória do magistrado do trabalho:
“A atuação do juiz no processo tem seus parâmetros nas atribuições
que lhe são delegadas pelo Estado e na obrigação da distribuição da
Justiça. Todo conflito individual é, em sua exata medida, turbação da
42 “Vê-se daí que não qualquer razão para continuar sublinhando a distinção entre ‘verdade reale verdade formal’,
entendendo a primeira própria do processo penal e a segunda típica do processo civil. O conceito de verdade, como já dito,
não é ontológico ou absoluto. No processo, penal ou civil que seja, o juiz pode buscar uma verdade processual, que
nada mais é do que o estágio mais próximo possível da certeza. E para que chegue a esse estágio, deverá ser dotado de
iniciativa instrutória”. GRINOVER, Ada Pellegrini,
”A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório”, p. 8 (artigo
não publicado), apud AMENDOEIRA, Poderes do juiz e tutela jurisdicional: a utilização dos poderes do juiz como forma de
obtenção da tutela jurisdicional efetiva, justa e tempestiva, p. 113.
43 Exemplo muito comum na esfera trabalhista é a inspeção judicial realizada em empresa, para verificação do
procedimento de anotação de jornada de trabalho em cartão de ponto, do horário de intervalo para refeição e descanso
dos empregados, das normas de segurança adotadas etc.
33
integridade coletiva e do bem-estar geral, cabendo ao juiz valer-se dos
meios ao seu alcance e em nome do interesse de todos, para alcançar
o ideal de justiça perseguido pela norma legal. Assim, não está o
julgador adstrito às provas produzidas pelas partes, cabendo-lhe, em
decorrência do art. 765 da CLT, determinar qualquer diligência que
julgar necessária ao esclarecimento da causa”
44
.
Neste contexto, a iniciativa instrutória do magistrado, ao agir com o
propósito da adequada administração da justiça, pode ir além das situações
expostas anteriormente. A exemplo disso, excepcionalmente, em casos
envolvendo confissão ficta
45
, é recomendado ao juiz, ao se deparar com
argumentos de fato que fogem à razoabilidade e evidentemente atritam com a
realidade do que ordinariamente acontece, proceder à dilação probatória, sem se
restringir aos elementos pré-existentes nos autos, mesmo em se tratando de
direitos disponíveis.
46
Neste sentido, transcrevemos adiante ementas que ilustram
adequadamente os ideais que consubstanciam os princípios ora estudados:
“Confissão ficta. A ausência da reclamada à audiência em que deveria
ser interrogada importa confissão ficta quanto aos fatos alegados pelo
autor (Súmula 74 I, TST). Todavia, o julgador não é obrigado a
contentar-se com os parcos elementos que a confissão ficta lhe oferece
44 PAULA, Alexandre de, CPC anotado, vol. I, p. 398, n. 5, apud BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes
instrutórios do juiz, p. 101, nota de rodapé 236.
45 Em que pese o entendimento jurisprudencial sedimentado na mula 74, II do Tribunal Superior do Trabalho (CPC, art.
400, I), casos em que, excepcionalmente, tendo em vista o estado de perplexidade diante dos elementos dos autos,
incumbe ao magistrado, com seu poder de condução do processo, determinar novas provas, justificando e fundamentando
sua decisão.
46 A “ativização da conduta do magistrado”, expressão cunhada por Bedaque, ob. cit., p. 101, segundo o jurista, independe
da natureza jurídica do direito substantivo, sendo tal entendimento
também amplamente defendido por AMENDOEIRA JR.,
Sérgio, in Poderes do juiz e tutela jurisdicional a utilização dos poderes do juiz como forma de obtenção da tutela
jurisdicional efetiva, justa e tempestiva, p. 117, inclusive nos casos de revelia envolvendo direitos disponíveis. Por outro
lado, a doutrina tradicional não comunga do mesmo entendimento, vinculando a iniciativa probatória do juiz, em
determinados casos, à natureza do direito substancial, a exemplo de Arruda Alvim e João Batista Lopes, mencionados na
obra de
José Roberto Bedaque.
34
para decidir, notadamente quando as questões postas em juízo
requeiram indagação mais ampla e aprofundada, como ocorre com a
justa causa e com o dano moral, que envolvem diretamente a dignidade
da pessoa humana do empregado. Assim, a ficta confessio não implica
vedação ao juiz de realizar instrução processual, mormente porque o
art. 765 da CLT lhe concede amplo poder na direção do processo,
podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento
da demanda”. Acórdão 20080727551. Recurso Ordinário. Data de
julgamento: 21/08/2008. Data de publicação: 05/09/2008. Juiz Relator:
Adalberto Martins. Processo nº: 02255-2005-015-02-00-8. Ano: 2007.
Turma: 12ª. TRT/SP.
Rito Sumaríssimo. Recurso Ordinário. Horas Suplementares. Encargo
da prova. As regras sobre o encargo da prova destinam-se a orientar o
juiz no momento de julgar a lide, quando toda a instrução foi concluída.
Significa que o disposto no artigo 818 da CLT não estabelece regra
pertinente a iniciativa da prova, inclusive porque norma expressa
que assegura ao juiz, na direção do processo, "determinar qualquer
diligência ao esclarecimento das causas". RO. Data de julgamento:
19/06/2007. Data de publicação: 10/07/2007. Relator: Carlos Francisco
Berardo. Acórdão nº: 20070504444. Processo nº: 01566-2006-303-02-
00-5. Ano: 2007. Turma: 11ª. TRT/SP.
Não se pode imputar ao julgador, ao conduzir o processo por tais
caminhos, a prática de arbitrariedade, eis que qualquer decisão neste sentido
deve ser amplamente justificada e fundamentada, em respeito ao devido
processo legal e ao contraditório.
Da mesma forma, no nosso entender, a dinamização da conduta do
magistrado também não implica vulneração do princípio da celeridade
processual, alçado ao status constitucional (razoável duração do processo - art.
5º, inciso LXXVIII da Constituição da República, introduzido por força da Emenda
35
45, de 08-12-2004), princípio este que se consubstancia no dever do juiz de
“velar pela rápida solução do litígio”, previsto no art. 125 do CPC. A propósito, a
almejada paz social depende de uma prestação jurisdicional não apenas
tempestiva, mas que seja também justa e efetiva, sendo que estes dois últimos
predicados dependem da forma de atuação do magistrado ao longo do processo,
norteada pelo interesse público maior na correta administração da justiça.
Portanto, independentemente da natureza jurídica do direito
substancial envolvido na relação jurídica, após ser provocado, o juiz tem o poder-
dever de cuidar para que sua decisão esteja lastreada em ampla e completa
atividade instrutória, que privilegie a perseguição da verdade, a fim de conferir
credibilidade e segurança à prestação jurisdicional e propiciar a justa definição da
controvérsia.
3.2. Unidade ou comunhão da prova
:
Uma vez produzida em juízo, a prova passa a integrar o processo,
incumbindo ao julgador apreciá-la em seu conjunto, independentemente dos
meios utilizados e de quem tenha partido a iniciativa probatória necessária à
demonstração dos fatos.
Nas abalizadas lições do paranaense Manoel Antonio Teixeira Filho, “o
princípio em exame está a indicar que as provas devem ser apreciadas em seu
conjunto”
47
.
O depoimento pessoal, o interrogatório das partes, o testemunho
colhido em audiência, o documento trazido aos autos, a perícia realizada, enfim,
qualquer prova acerca de um determinado fato controvertido deve ser analisada
em sua unidade, não havendo possibilidade de cisão quanto ao mesmo fato
sobre o qual recai a cizânia.
47 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A Prova no Processo do Trabalho, p. 69.
36
A título ilustrativo, citamos o exemplo da prova da jornada de trabalho
exercida pelo empregado; embora sejam produzidos diversos meios de prova
acerca deste fato controvertido, dentre eles documentos (cartões de ponto),
testemunhas, inspeção judicial etc, todos estes meios deverão ser analisados de
forma global e conjunta pelo julgador.
Por conseguinte, da ponderação e da valoração destes diversos
elementos de prova colhidos deverá ser extraído o convencimento do magistrado
acerca da questão, julgando-a de maneira uniforme, acolhendo ou rejeitando a
pretensão posta em juízo.
3.3. Lealdade ou probidade da prova
Primeiramente, antes do exame acerca da aplicação do princípio em
epígrafe à matéria de prova judiciária, importante salientar que a relação
processual como um todo é regida por fundamentos de lealdade e de ética.
São destinatários deste princípio todos aqueles que participam do
processo, sendo-lhes impostos os deveres de moralidade, probidade e
compromisso com a verdade, rechaçando-se, por outro lado, condutas
processuais que visem à utilização do processo com fins escusos, simulados e
fraudulentos.
O Código de Processo Civil criou mecanismos para que o
comportamento desleal e o ilícito processual fossem reprimidos, munindo o juiz
de poderes inquisitoriais, por meio de imposição de multas, indenizações, além
de outras sanções civis, penais e processuais, tais como a proibição de falar nos
autos até a purgação do atentado e prolação de sentença extinguindo o processo
para obstar ato simulado ou fraudulento das partes (arts. 14 a 18, 129, 600, 601e
881 do CPC).
37
Neste contexto, o comportamento das partes e de terceiros que
participam da relação processual tem que ser norteado pelos deveres de
lealdade, probidade e ética, sendo punidas condutas tendentes a imiscuir e
alterar a verdade dos fatos controvertidos.
Considerando que a lealdade e a boa-fé são imperativos de todas as
relações jurídicas e das relações processuais, em especial, não poderiam deixar
de sê-los no que pertine à matéria de prova judiciária.
Todos os sujeitos que participam do processo devem ter interesse na
demonstração da verdade dos fatos
48
, sem máculas ou desvios, eis que a
distribuição de justiça é interesse do Estado. Somente assim resta garantida a
efetividade do provimento jurisdicional, a harmonia social e, por conseguinte, a
credibilidade no Poder Judiciário.
É dever das partes, bem como dos terceiros em poder de quem
eventualmente esteja determinada prova, apresentá-la em juízo, ao serem
instados a fazê-lo, evitando a utilização de qualquer expediente com intenção de
simular uma verdade formal que não corresponda à realidade dos fatos.
Neste diapasão, merecem destaque as assertivas de Manoel Antônio
Teixeira Filho:
“Logo, o objetivo de apreender a verdade, de materializá-la nos autos
por intermédio de elementos palpáveis e apropriados, nem sempre
preside o comportamento dos litigantes, a quem, ao contrário, em
determinadas circunstâncias a verdade real não convém, razão por que
se interessam em construir, nos autos, uma verdade formal que não
coincida com aquela. Tais atitudes escusas, de que por vezes se valem
as partes, não eliminam nem comprometem o caráter ético do
48 COSTA, Coqueijo, Direito judiciário do trabalho, p. 296.
38
processo, embora seja forçoso reconhecer que possam pôr em risco a
sua respeitabilidade, aos olhos dos jurisdicionados”
49
.
Ao magistrado incumbe, portanto, ante as inúmeras investidas
praticadas pelos sujeitos que participam da relação processual contra a boa-fé e
a lealdade processual, o dever de restabelecer a respeitabilidade da sociedade
no Estado, manejando, para tanto, os instrumentos punitivos conferidos pela
própria lei para inibir e punir os referidos atos que configuram litigância de má-fé
(art. 17, CPC, de aplicação subsidiária ao processo do trabalho), notadamente
em matéria de provas judiciais.
A propósito, a jurisprudência trabalhista, dinâmica e atenta a eventuais
expedientes utilizados com o intuito de fraudar direitos e dissimular a realidade,
criou mecanismos e soluções hábeis a fazer frente às condutas desleais e de má-
fé de qualquer das partes, com a finalidade de preservar a credibilidade e eficácia
das decisões judiciais, conforme se observa a exemplo das hipóteses retratadas
na Súmula 338 do C. TST.
Situação semelhante encontramos na situação fática retratada na
ementa abaixo transcrita, incumbindo ao magistrado o dever de inibir a conduta
maliciosa e desleal da parte que tenta imiscuir a verdade:
“Horas extras. Ausência de controle de jornada. A verdadeira defesa da
consistia precisamente na juntada dos controles de jornada. Dessa
exibição procurou se furtar, certamente porque não teriam os
documentos conteúdo de real "defesa" no proveito de seus interesses.
Essa atitude furtiva não pode ser premiada com a condescendência
judicial, incentivando a malícia. O único propósito da foi o de
sobrecarregar o ônus da prova da parte contrária, sem nenhum apego
ao dever de lealdade e boa-fé processual (art. 14 do CPC). Confirmo a
condenação”. Relator: Des. Rafael E. Pugliese Ribeiro. Revisor: Des.
49 Ob. cit., p. 70.
39
Valdir Florindo. Acórdão nº: 20030298967. Processo nº: 09210-2003-
902-02-00-0. Ano: 2003. Turma: 6ª. Data de Publicação: 04/07/2003.
TRT/SP.
Ademais, e sem embargo de todo o exposto anteriormente, no que se
refere à lealdade da conduta processual das partes, importante acrescentar que o
princípio em análise tem especial relevância no processo do trabalho, por guardar
íntima relação com um dos princípios basilares que regem o direito material do
trabalho, qual seja, o princípio da “primazia da realidade”.
Este princípio, consagrado na expressão “contrato-realidade” cunhada
por Mario de La Cueva, norteia o direito do trabalho, assegurando a plena
realização da finalidade social da norma trabalhista. Segundo o jurista, o contrato
de trabalho “existe não no acordo abstrato de vontades, mas na realidade da
prestação de serviços, e que é esta e não aquele acordo o que determina sua
existência”.
50
Disso decorre a conclusão de que, em matéria trabalhista,
notadamente no âmbito do processo, devem ser valorizados os fatos que
efetivamente ocorreram na relação de emprego, em detrimento da verdade
formal simulada em documentos e falsos acordos de vontade. A verdade
imprescindível para a justa composição do litígio deve ser perquirida sob as luzes
da realidade da prestação de serviços, independentemente do recurso utilizado
pela parte com o propósito de ocultá-la.
O cotidiano forense demonstra que os expedientes fraudulentos e
simulados encontram nas relações de trabalho ambiente fértil. Na intenção de
burlar a legislação trabalhista, as partes edificam uma relação jurídica inexistente,
calcada, em muitos casos, em falsas premissas de autonomia ou de
50 LA CUEVA, Mario de, Derecho Mexicano Del Trabajo, citado por Plá Rodriguez, apud Princípios de Direito do Trabalho,
p. 218.
40
eventualidade do trabalhador, com o objetivo único de dissimular o verdadeiro
contrato-realidade, conforme se verifica da jurisprudência abaixo:
“RELAÇÃO DE EMPREGO. POLICIAL MILITAR. No campo do Direito
do Trabalho sempre deve prevalecer o contrato-realidade, cumprindo
observar que o fato da obreira - face a insuficiência da remuneração
que aufere como policial militar - ser quase que obrigada a prestar
serviços a empresas privadas, pode configurar, apenas, infração
disciplinar, o que, em hipótese alguma, se presta a lhe retirar o direito
de ver reconhecida a relação de emprego havida entre as partes”. RO.
Data de julgamento: 12/04/2007. Data da publicação: 27/04/2007.
Relatora: Des. VANIA PARANHOS. Acórdão 20070264419.
Processo nº 01028-2005-077-02-00-1. Ano: 2006. 12ª Turma. TRT/SP.
“COOPERATIVISMO. FRAUDE. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO
DE EMPREGO. DEVIDO. A prestação de serviços mediante
subordinação, traduzida na obrigatoriedade de registrar o horário de
trabalho em cartões de ponto e retribuição pecuniária de cunho
verdadeiramente salarial, amolda-se perfeitamente aos institutos
celetistas e é incompatível com o cooperativismo apto a garantir relativa
autonomia que singulariza o verdadeiro associado e lhe garante
condições de ganhos significativamente superiores aquele que
alcançaria caso atuasse isoladamente, como mero empregado.
Alicerça, ainda, a conclusão de utilização fraudulenta do sistema
cooperado, outros aspectos relevantes como a fixação do trabalhador
junto a um único tomador. Ademais, a prevalência do princípio do
contrato-realidade repudia manobras destinadas a desvirtuar direitos
trabalhistas assegurados ao trabalhador (art. 9º da CLT) e impõe o
reconhecimento do vínculo de emprego”. RO. Data de julgamento:
22/04/2008. Data da publicação: 02/05/2008. Relator: Des. PAULO
AUGUSTO CAMARA. Acórdão: 20080337737. Processo 02147-
2004-066-02-00-7. Ano: 2007. 4ª Turma. TRT/SP.
41
Em contrapartida, importante também destacar que, se da instrução
probatória resultar evidente a autonomia ou eventualidade do trabalho, em
desfavor, portanto, da tese advogada pelo trabalhador que vindica o
reconhecimento do contrato de emprego, os princípios da lealdade da prova e da
primazia da realidade também devem nortear o julgamento, decidindo o
magistrado de acordo com a verdade real, consoante situação fática contemplada
nos julgados transcritos:
“RECURSO ORDINÁRIO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. A prova oral
produzida nos autos não favorece o reclamante no que concerne à
existência de trabalho subordinado, vez que existem elementos de
convicção que firmam o convencimento de o trabalho era prestado de
forma eventual. Ressalta-se que prevalecendo nesta justiça
especializada o princípio da primazia da realidade, razoável admitir-se o
desapego a aspectos formais das provas em favor das situações fáticas
estabelecidas. Isto porque o conjunto probatório dos autos não está a
serviço das partes, mas sim do Juiz, isto é, para a formação de seu livre
convencimento, que encarregado de proferir a sentença, devendo
para tanto perseguir a verdade real”. Acórdão: 20080831804. Turma:
12. Data Julg.: 18/09/2008. Data Pub.: 03/10/2008. Processo:
20070773046. Relator: MARCELO FREIRE GONÇALVES. TRT/SP.
“Representante Comercial. A presunção relativa de existência do
vínculo de emprego gerada pela ausência de formalidade - registro em
órgão competente - pode ser afastada através de prova de trabalho
autônomo, isso porque deve ser observado o contrato-realidade”. RO.
Data de julgamento: 14/03/2006. Data de publicação: 24/03/2006.
Relator: Des. RAFAEL E. PUGLIESE RIBEIRO. Acórdão
nº 20060153363. Processo 00001-2005-482-02-00-0. Ano: 2005.
Turma. TRT/SP.
42
Considerando que o direito do trabalho é orientado pelo princípio da
primazia da realidade, concluímos, em função da relação de instrumentalidade
havida entre o direito material e o direito processual, que o princípio da “lealdade
da prova” encontra seara fértil no processo do trabalho, porquanto este é pautado
no compromisso com a persecução da verdade real, assegurando a plena
realização da finalidade social da norma substancial.
3.4. Licitude da prova
(art. 5º, inciso LVI, CF/88)
Inicialmente, importante esclarecer que a Constituição Federal, art. 5º,
inciso LVI, ao marginalizar as provas ilícitas, pretendeu referir-se especificamente
à conduta do interessado para obtenção da prova, e não aos instrumentos de
prova previstos na lei processual.
A propósito, o termo “meios ilícitos” utilizado pelo constituinte não
primou pela técnica, eis que o dispositivo constitucional não diz respeito à ilicitude
formal (processual) da prova, nem à irregularidade de sua produção em juízo,
mas sim à maneira como foi, anteriormente à sua apresentação no processo,
obtida pela parte interessada.
A prova ilícita vedada pela Carta Constitucional é aquela que, em
função da forma como foi colhida pelo interessado, tornou-se viciada e
imprestável para o fim a que se destinava no processo.
A legislação em vigor
51
não estabeleceu parâmetros esclarecedores a
respeito do que seriam os meios imorais e ilegais de obtenção da prova e que lhe
trariam mácula insanável a ponto de inviabilizar seu aproveitamento na instrução
processual. Tais critérios decorrem de construção doutrinária e jurisprudencial.
51 Diversamente da legislação brasileira, que não especificou os meios ilícitos de prova, delegando os esclarecimentos à
construção doutrinária, o Código de Processo Penal português, art. 126, como registrado por Artur César de Souza, em
sua obra A Parcialidade Positiva do Juiz (p. 117, nota de rodapé 248), ocupou-se de forma expressa da questão:
considerou nula a prova obtida em desrespeito aos direitos individuais fundamentais (dignidade humana, privacidade,
intimidade, moralidade, vida, integridade física etc).
43
Consoante magistério de Nelson Nery Júnior, “será ilícita a prova
quando sua proibição for de natureza material, vale dizer, quando for obtida
ilicitamente”
52
.
Ao comentar o art. 332 do CPC, pontuou Fábio Tabosa:
“Na verdade, a palavra meios não se confunde com os próprios
instrumentos ou modalidades de prova; trata de possíveis
irregularidades situadas em momento anterior ao da produção
probatória, aludindo destarte aos expedientes na prática utilizados pela
parte interessada para a obtenção de uma determinada prova. A
preocupação diz respeito, portanto, à conduta do agente, no sentido de
ofensa a direitos e garantias individuais, garantidas pela lei material, e
não à licitude formal da prova em si considerada, ou à regularidade de
sua produção em juízo (não obstante, é frequente nesses casos o
emprego da terminologia simplificada prova ilícita).”
53
Teixeira Filho considera imorais “os meios que atentem contra os
direitos de personalidade, particularmente quanto à liberdade de pensamento e à
privacidade, que foram alcandorados à categoria de direitos constitucionais (art.
5º, IV, X, XI, XII)”
54
.
Para o jurista Eduardo G. Saad, são dois os meios ilícitos de obtenção
de prova: 1) o primeiro refere-se à utilização de procedimento não autorizado por
lei, como ocorre com a gravação clandestina, sem autorização legal, de conversa
telefônica, em processo não penal, método este que denomina “ilicitude
intrínseca”; 2) o segundo, embora sem vedação legal, ocorre com violação a
52 NERY JUNIOR, Nelson e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado, p. 605, nota 1 ao art. 332.
53 PESSOA, Fabio Guidi Tabosa, Código de Processo Civil intepretado, coordenação de Antonio Carlos Marcato, nota 4
ao art. 332, p. 994.
54 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 95.
44
direito individual e garantia fundamental, tratando-se este, conforme se refere o
autor, de “ilicitude extrínseca”
55
.
Podemos asseverar, com base nestes ensinamentos, que prova ilícita é
aquela obtida por métodos ilícitos, em detrimento de preceitos albergados pelo
ordenamento jurídico a resguardar direitos e garantias individuais. É o que se
denomina “ilicitude material”.
A prova obtida de forma ilícita, com transgressão dos direitos referidos,
acaba por contaminar todos os fatos a ela pertinentes, bem como outras provas
produzidas por meio daquela que contém cio. Esta é a teoria dos “frutos da
árvore envenenada” que, segundo jurisprudência do STF
56
, considera inviável o
aproveitamento na instrução processual das provas colhidas de maneira ilícita, ou
seja, impregnadas de ilicitude material, ainda que produzidas no processo
validamente, eis que contaminadas em sua origem (“frutos da árvore
envenenada”) – “ilicitude por derivação”.
Para ilustrar tal situação, citamos um exemplo extraído do cotidiano
forense trabalhista: um empregado, para fazer prova de que teve sua imagem
profissional violada pelo empregador, procede à interceptação de conversa
telefônica mantida apenas entre este e um terceiro (sem participação direta do
trabalhador), pretendendo carrear a gravação aos autos; segundo a teoria
estudada, o aproveitamento da referida prova pode ser rechaçado pelo juiz, eis
que obtida de forma clandestina e, portanto, ilícita, contaminando todos os fatos e
demais provas dela derivadas.
A propósito da interceptação telefônica por terceiro não participante da
conversa, a legislação a autorizou em se tratando de processo penal ou de
procedimento de investigação criminal, conforme preceitua o art. 5º, XII da CF/88,
regulamentado pela Lei 9.296/96. A Constituição Federal e a lei mencionada
55 SAAD, Eduardo Gabriel, Curso de direito processual do trabalho, pp. 575-576.
56 HC 93050/RJ RIO DE JANEIRO. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 10/06/2008.
Órgão Julgador: Segunda Turma. DJe 142. DIVULG 31-07-2008. PUBLIC 01-08-2008. EMENT VOL-02326-04 PP-00700.
45
estabeleceram a licitude da interceptação telefônica por terceiro somente quando
autorizada pelo juiz, para fins de aproveitamento em procedimento de
investigação criminal ou em processo penal, devendo ser fundamentada neste
sentido (para apuração de infração penal art. 4º). Desta feita, com o objetivo de
restringir o seu uso, porquanto implica violação da privacidade, da intimidade e do
sigilo das comunicações, a Lei 9296/96, em seu artigo 10, criminalizou a
interceptação quando realizada sem autorização judicial e com objetivo não
autorizado nos termos desta lei.
Ademais, examinando a questão sob o ponto de vista da possibilidade
de aproveitamento da prova obtida licitamente, por meio de interceptação
telefônica, em outro processo não criminal prova emprestada -, a determinação
expressa do artigo 10 da lei em referência nos conduziria a duas soluções
diversas. Por um lado, poderíamos entender que, em razão da restrição do artigo
10, limitando o uso da prova obtida com o sacrifício de um direito individual
exclusivamente ao processo penal e à investigação criminal, o referido elemento
de convicção não estaria apto a ser trasladado como prova emprestada a outro
processo não criminal. Segundo este entendimento, seria inviável o empréstimo
do resultado da interceptação telefônica, ainda que colhida inicialmente na forma
da lei, a um processo civil ou trabalhista, que estes não teriam finalidade
criminal, restando, portanto, violado um dos pressupostos de licitude da referida
prova, qual seja, a destinação exclusiva para fins penais. Em sentido contrário,
conforme entendimento mais atual do Supremo Tribunal Federal, seria viável o
aproveitamento da prova obtida por meio de interceptação telefônica, porquanto
produzida de forma lícita na origem em sede de processo penal ou de
investigação criminal (art. 5o, inciso XII e Lei 9296/96) -, ocasião em que o
Tribunal já havia determinado legalmente o rompimento do direito à intimidade.
57
57 Consultar decisão do STF em julgado recente, conforme ementa transcrita in litteris: “PROVA EMPRESTADA. Penal.
Interceptação telefônica. Escuta ambiental. Autorização judicial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita de
delitos cometidos por autoridades e agentes públicos. Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento
administrativo disciplinar, contra os mesmos servidores. Admissibilidade. Resposta afirmativa a questão de ordem.
Inteligência do art. 5º, inc. XII, da CF, e do art. 1º da Lei federal nº 9.296/96. Voto vencido. Dados obtidos em interceptação
de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação
criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma
46
Por outro lado, não constitui prova ilícita a gravação telefônica ou
ambiental de conversa quando realizada por um dos interlocutores, ainda que
sem o conhecimento e consentimento do outro, eis que neste caso, diversamente
do anterior, a prova não foi colhida em desconformidade com norma de caráter
material, em detrimento de direitos e garantias individuais.
Tratam-se, desta feita, de situações diversas, razão pela qual merecem
tratamentos jurídicos também distintos, conforme o magistério de Humberto
Theodoro Júnior:
“Urge, porém, distinguir entre as gravações lícitas e as ilícitas.
Conforme já se acentuou na jurisprudência, o contrato consensual pode
provar-se por qualquer meio, inclusive as gravações magnéticas (...)
Assim, como o destinatário da prova pode usar como prova as cartas e
telegramas que lhe tenham enviado o co-contratante, sem que isto
represente ofensa ao sigilo de correspondência, também o destinatário
da mensagem telefônica pode usá-la para provar a negociação ultimada
entre os interlocutores. O que não se tolera e que realmente ofende o
sigilo das telecomunicações é a interceptação da conversa telefônica
alheia. É essa violação de sigilo, praticada clandestinamente por
terceiro, que atenta contra a garantia constitucional da intimidade. Não
ilicitude, portanto, quando o destinatário da ligação telefônica usa,
por exemplo, o registro captado pela secretária eletrônica.
Pode-se, enfim, ter como assente na jurisprudência atual a vedação às
provas obtidas por meio de interceptações telefônicas (prova ilícitas) e a
admissão das gravações feitas por um dos interlocutores da mensagem
telefônica (provas lícitas).”
58
ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos” (Inq-QO-QO 2424 / RJ RIO DE JANEIRO. SEG. QUEST.
ORDE. EM INQUÉRITO. Relator: Min. CEZAR PELUS. Julgamento: 20/06/2007. Órgão Julgador: Tribunal Pleno - STF.
DJe-087. DIVULG 23-08-2007. PUBLIC 24-08-2007. DJ 24-08-2007 PP-00055. EMENT VOL-02286-01 PP-00152).
58 Comentários ao Novo Código Civil, vol. III, tomo II, p. 401, art. 212, nota 423.1.
47
Nesta direção a jurisprudência trabalhista tem acenado, em
conformidade com entendimento sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal,
como se lê nas ementas transcritas adiante:
“Gravação telefônica Interceptação da conversa por terceiro Prova
ilícita Art. 5º, XIII, da Constituição Federal de 1988 É prova ilícita,
nos termos do art. 5º, XIII, da Constituição Federal de 1988, a gravação
de conversa telefônica entre o reclamado e o terceiro, interceptada pelo
reclamante, sem o conhecimento de ambos os interlocutores, para o fim
de comprovação de suposto dano moral. A jurisprudência, tanto do
excelso STF, quando a do colendo STJ, pacificou-se no sentido de que
é lícita a gravação de conversa telefônica somente quando feita por um
dos interlocutores, mesmo que sem o conhecimento do outro, mas não
se pode admitir que uma exceção ao princípio da inviolabilidade das
comunicações telefônicas venha a ser interpretada extensivamente, sob
pena de afronta à hermenêutica jurídica e à mens legis da Constituição
Federal de 1988. Recurso de revista não conhecido”. TST-RR-
761.175/01.6 (Ac. 4ª T.) – 12ª Reg. Rel. Min. Milton de Moura
França. DJU 26.3.04, p. 686.
“RECURSO ORDINÁRIO. PROVA. GRAVAÇÃO EM FITA CASSETE
DE CONVERSA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM O
CONHECIMENTO DO OUTRO. LICITUDE. Uníssona a jurisprudência
do STF, seguindo, o TST na mesma diretriz, no sentido de ser lícita a
gravação de conversa entre interlocutores, feita por um deles, sem o
conhecimento do outro, com a finalidade de servir de elemento
probatório em legítimo exercício de defesa. (Precedentes Inq. 657 - RTJ
155/75 - Ministro Carlos Veloso; RE-AGR 402035/SP; Min. Ellen Gracie;
TST-E-RR 88517/2003-900-04-00-5, Min. Corrêa da Veiga). Recurso a
que se nega provimento”. Acórdão: 20080651105. Turma: 3ª. TRT/SP.
Data Julg.: 10/06/2008. Data Pub.: 12/08/2008. Processo:
20060230538. Relator: Des. MARIA DORALICE NOVAES
48
“PROVA ILÍCITA E DANOS MORAIS. A gravação ambiental de diálogo
por um dos interlocutores, sem conhecimento e autorização dos
demais, não constitui prova ilícita, mormente quando a ação versa
sobre danos morais, muitas vezes de difícil comprovação. A gravação
realizada, no caso em tela, configurou legítima defesa da reclamante
em face das ofensas por ela apontadas, o que afasta a argüição de
ilicitude da prova”. Recurso Ordinário. Julg.: 03/04/2008. Relator(A):
Adalberto Martins. Acórdão 20080267615. Processo 00624-2004-062-
02-00-4. 2007. Turma: 12ª. TRT/SP. Publicação: 11/04/2008.
Sem embargo de todo o exposto anteriormente, importante notar que o
estudo acerca do princípio em referência não se encerra apenas com os debates
sobre interceptações telefônicas e gravações de conversas por um dos
interlocutores.
Outras questões merecem reflexão neste particular, tais como aquelas
que envolvem sigilo de correspondência e revista íntima do empregado.
Quanto à primeira situação, entendemos que não pode ser utilizada
como prova pelo empregador, em determinada ação (por exemplo, envolvendo
imputação de justa causa), uma correspondência eletrônica obtida a partir de
consulta clandestina a arquivos contidos em computador de uso pessoal do
empregado, por desrespeitar duas garantias individuais fundamentais: a
inviolabilidade de correspondência e a intimidade do trabalhador (art. 5º, inciso
XII da CF/88). Neste caso a prova não deve ser aproveitada no processo por dois
motivos: primeiro porque obtida por meios ilícitos; segundo porque o bem da vida
violado pela prova ilícita (direito fundamental de primeira geração que é a
intimidade) suplanta o direito invocado pelo empregador (direito à propriedade).
Diferentemente, em se tratando o computador de mera ferramenta de
trabalho, fornecido pelo empregador para a finalidade exclusiva de utilização no
49
ambiente laboral e em função dele, e tendo o trabalhador inequívoca ciência
deste fato, a solução da problemática poderia nos conduzir a dois caminhos
diversos.
O primeiro deles, atendo-se de forma intransigente à preservação das
liberdades individuais, dos direitos fundamentais de primeira geração (no caso, a
privacidade), da dignidade da pessoa humana, nos levaria à conclusão de que
não poderia haver, sob qualquer que fosse a justificativa, a violação ao sigilo de
correspondência. Neste caso, ainda que o empregado tivesse praticado uma
justa causa, sendo esta materializada ou arquivada em computador de
propriedade do empregador, a falta grave não deixaria de fundamentar a
dispensa motivada do trabalhador; todavia, o empregador haveria de se valer de
outros meios legais para a obtenção da prova, sem romper o sigilo do correio
eletrônico.
59
O segundo caminho é seguido por aqueles que reputam conciliáveis os
dois direitos, notadamente porque o trabalhador, ao fazer uso de instrumento de
trabalho e tendo inequívoca e prévia ciência quanto à possibilidade de
monitoramento do correio eletrônico utilizado indevidamente para fins pessoais,
acabaria por abrir mão de sua privacidade. Segundo este posicionamento, por se
tratar o computador de patrimônio do empregador, este poderia obter, por
exemplo, a partir da violação do sigilo do correio eletrônico, a prova da falta grave
imputada ao empregado, sem que fossem vulnerados os direitos constitucionais
em comento, conforme jurisprudência:
“Correio eletrônico. Monitoramento. Legalidade. Não fere norma
constitucional a quebra de sigilo de e-mail corporativo, sobretudo
quando o empregador a seus empregados ciência prévia das
normas de utilização do sistema e da possibilidade de rastreamento e
monitoramento de seu correio eletrônico”. (TRT/SP. RO. Data de
59 Neste sentido, Alberto Emiliano de Oliveira Neto e Luciano Augusto de Toledo Coelho, in “E-mail do empregado
limites ao poder diretivo do empregador sob a óptica do Novo Código Civil”. Apud DALLEGRAVE NETO, José Affonso,
GUNTHER, Luiz Eduardo, O impacto do Novo Código Civil no direito do trabalho, p. 186-201.
50
julgamento: 09/11/2006. Relator(a): Des. WILSON FERNANDES.
Acórdão nº: 20060929744. Processo nº: 01130-2004-047-02-00-4. Ano:
2005. Turma: 1ª. Data de publicação: 28/11/2006)
.
"Não se constitui prova fraudulenta e violação de sigilo de
correspondência o monitoramento pelo empregador dos computadores
da empresa. E-mail enviado a empregado no computador do
empregador e relativo a interesses comerciais da empresa não pode
ser considerado correspondência pessoal. Entre o interesse privado e o
coletivo de se privilegiar o segundo. Limites razoáveis do entendimento
do direito ao sigilo. Apelo provido." Acórdão: 20050881099. Turma: 01
Data Julg.: 01/12/2005. Data Pub.: 10/01/2006. Processo:
20050311829. Relator: PLINIO BOLIVAR DE ALMEIDA.
No mesmo diapasão, considerar-se-iam, pelos mesmos fundamentos
invocados por esta segunda corrente de pensamento, lícitas as provas obtidas
mediante consulta a sítios de relacionamento na internet (por exemplo, orkut) e
blogs, pois aqueles que inserem informações nestes modernos instrumentos de
comunicação renunciam ao direito à privacidade e à intimidade, à medida que
conferem ampla publicidade aos dados neles veiculados, disponibilizando-as a
qualquer pessoa que os tenha acessado.
Por fim, no tocante à revista íntima do empregado, a questão deve ser
analisada à luz do art. 5º, inciso X da Constituição da República, bem como do
art. 373-A, inciso VI da CLT, este último que, em nosso entendimento, também se
estende ao trabalho do homem, como corolário do princípio da igualdade.
A propósito, não se pode admitir, sob pretexto de conferir proteção ao
patrimônio do empregador (direito de propriedade - art. 5º, caput, CF/88), sejam
transgredidos os direitos à intimidade e à dignidade do trabalhador.
51
Embora todos sejam garantias individuais, do sopesamento dos valores
que representam (princípio da proporcionalidade a ser analisado adiante) extrai-
se a conclusão de que a intimidade jamais poderia ser sacrificada em benefício
do direito à propriedade, eis que aquela toca diretamente à dignidade da pessoa,
direito humano fundamental e que, portanto, se sobrepõe aos demais direitos e
garantias positivadas no ordenamento jurídico.
A prova obtida por meio da revista íntima, portanto, deve ser
considerada ilícita, sendo banida da instrução probatória, conforme julgados:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
- REVISTA ÍNTIMA - CONSTRANGIMENTO - VIOLAÇÃO DA
INTIMIDADE, VIDA PRIVADA E IMAGEM DO RECLAMANTE -
OFENSA AO ART. 5º, X, DA CF. 1. O dano moral constitui lesão de
caráter não material ao denominado patrimônio moral do indivíduo,
integrado por direitos da personalidade. 2. Tanto em sede constitucional
(CF, art. 5º, -caput- e incisos V, VI, IX, X, XI e XII) quanto em sede
infraconstitucional (CC, arts. 11-21), os direitos da personalidade
albergam basicamente os direitos à vida, integridade física, liberdade,
igualdade, intimidade, vida privada, imagem, honra, segurança e
propriedade, que, pelo grau de importância de que se revestem, são
tidos como invioláveis. Assim, do rol positivado dos direitos da
personalidade, alguns têm caráter preponderantemente material (vida,
integridade física, liberdade, igualdade, segurança e propriedade),
ainda que não necessariamente mensurável economicamente, e outros
têm caráter preponderantemente não material (intimidade, vida privada,
imagem e honra). Estes últimos se encontram elencados
expressamente no art. 5º, X, da CF. 3. Assim, o patrimônio moral, ou
seja, não material do indivíduo, diz respeito aos bens de natureza
espiritual da pessoa. Interpretação mais ampla do que seja dano moral,
para albergar, por um lado, todo e qualquer sofrimento psicológico,
careceria de base jurídico-positiva (CF, art. 5º, X), e, por outro, para
incluir bens de natureza material, como a vida e a integridade física,
52
careceria de base lógica (conceito de patrimônio moral). 4. No caso, o
Regional entendeu ser ofensivo à intimidade, à honra, à imagem e à
dignidade do trabalhador sua submissão a revista em que era obrigado
a ficar em trajes íntimos ou nu, juntamente com outros colegas de
trabalho. Assentou que, embora seja compreensível a realização de
revista nos funcionários, mormente no ramo de atividade da
Reclamada, que comercializa produtos farmacêuticos, não pode o
empregador se exceder no seu poder diretivo. Assim, condenou a
Reclamada a pagar indenização no valor de R$ 20.000,00. 5. Neste
contexto fático e à luz do que estabelece o art. 5º, X, da CF, segundo o
qual são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação, revela-se acertada a conclusão a que
chegou o Regional, pois, independentemente dos motivos que
justificariam a realização da revista nos empregados, esta deve
observar critérios de razoabilidade, devendo o empregador adotar
medidas de fiscalização compatíveis com os direitos da personalidade
constitucionalmente protegidos. Agravo de instrumento desprovido”.
Processo: TST-AIRR - 1351/2006-012-06-40.3 Data de Julgamento:
17/09/2008, Relator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, Turma, Data
de Publicação: DJ 19/09/2008.
“RECURSO DE REVISTA - DANOS MORAIS - REALIZAÇÃO DE
REVISTA ÍNTIMA 1. O poder fiscalizatório do empregador de proceder
a revistas encontra limitação na garantia de preservação da honra e
intimidade da pessoa física do trabalhador, conforme preceitua o artigo
5º, inciso X, da Constituição da República. 2. A realização de revistas,
sem a observância dos limites impostos pela ordem jurídica acarreta ao
empregador a obrigação de reparar, pecuniariamente, os danos morais
causados. Precedentes do Eg. TST. (...) Recurso de Revista
parcialmente conhecido e provido”. Processo: TST - RR - 1482/2003-
016-03-00.5 Data de Julgamento: 20/08/2008, Relatora Ministra: Maria
53
Cristina Irigoyen Peduzzi, Turma, Data de Publicação: DJ
22/08/2008.
Não se trata de revista íntima abusiva, outrossim, aquela realizada com
absoluta moderação pelo empregador, sem exposição indevida da pessoa do
empregado, preservando a intimidade e a dignidade do trabalhador. Neste
sentido, a prova colhida a partir da revista feita pelo empregador em objetos de
uso do empregado, como bolsas e outros objetos que portar, desde que não seja
íntima, não implique desrespeito a direitos e garantias individuais e seja
divulgado no ambiente de trabalho o procedimento empresarial, pode ser
considerada lícita, consoante posicionamento da jurisprudência do Tribunal
Superior do Trabalho consubstanciado na ementa:
“RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.
REVISTA EM BOLSAS. INVIABILIDADE DA CONDENAÇÃO POR
PRESUNÇÃO DE CONSTRANGIMENTO. A revista de bolsas e sacolas
daqueles que adentram no recinto empresarial não constitui, por si só,
motivo a denotar constrangimento nem violação da intimidade da
pessoa. Retrata, na realidade, o exercício pela empresa de legítimo
exercício regular do direito à proteção de seu patrimônio, ausente
abuso desse direito quando procedida a revista moderadamente, como
no caso em exame, não havendo se falar em constrangimento ou em
revista íntima e vexatória, a atacar a imagem ou a dignidade do
empregado. Recurso de revista conhecido e provido”. Processo: TST.
RR - 3587/2006-016-09-00.9 Data de Julgamento: 25/06/2008, Relator
Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Turma, Data de Publicação: DJ
01/08/2008.
Por tudo que vimos, a aceitação da prova obtida por meios ilícitos
encontra na doutrina e na jurisprudência mais tradicionais acentuada resistência,
por resultar em infração a direitos fundamentais.
54
A rigidez do referido princípio, entretanto, tem sido mitigada pela visão
vanguardista de alguns juristas, que passaram a interpretá-lo com vistas à
efetividade do provimento jurisdicional, em situações em que a supremacia do
bem da vida tutelado e os valores envolvidos no litígio autorizam o sacrifício do
direito individual.
Segundo tal entendimento mais atual, o aproveitamento da prova
obtida ilicitamente depende da natureza dos direitos envolvidos no litígio, sem
perder de vista que a paz social tão almejada nas relações jurídicas e a
credibilidade das decisões judiciais pressupõem o comprometimento dos sujeitos
do processo na busca da verdade.
Trata-se, portanto, de uma ponderação de valores e direitos, sendo que
o magistrado não deve, a despeito de preservar o direito individual vulnerado pela
forma de obtenção da prova, julgar em detrimento da realidade que emergiu nos
autos por força de prova ilícita, notadamente quando o bem da vida tutelado se
mostrar superior à garantia individual transgredida.
A solução, em que pese a taxatividade da previsão constitucional (art.
5º, inciso LVI), demandaria a ponderação de dois princípios, quais sejam, o da a
licitude da prova e o da proporcionalidade ou razoabilidade, sopesando o
interesse individual violado pela prova e o interesse público maior da revelação
da verdade dos fatos e, por conseguinte, da justa composição do litígio
60
.
Recomenda-se que o julgador, ao se deparar com tal situação, proceda
a uma releitura do princípio em análise à luz da proporcionalidade e da
razoabilidade, com objetivo de adotar-se uma solução equilibrada, justa,
60 Willis Santiago Guerra Filho, “Notas para destacar a importância do principio constitucional da proporcionalidade no
delineamento dos poderes do juiz”, apud MEDINA, José Miguel Garcia, Os poderes do juiz e o controle das decisões
judiciais, estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier.
55
comprometida com a realidade dos fatos ocorridos e, sobretudo, garantidora de
efetividade da prestação jurisdicional.
61
O juiz, por conseguinte, conhecendo a realidade dos fatos por meio da
prova obtida de maneira ilícita, e sopesando os direitos envolvidos e a relevância
do bem da vida tutelado, não poderia proferir decisão em desconformidade com
tal verdade real, sob pena de comprometer a justa solução do litígio, consoante
magistério de José Roberto dos Santos Bedaque:
“A melhor solução, todavia, é tentar a conciliação dos dois valores
opostos. Da mesma forma que a orientação predominante visa à defesa
de princípios constitucionais e de direitos fundamentais da pessoa, a
efetividade do processo atende a um interesse público relevantíssimo.
E, com a rejeição de uma prova obtida irregularmente, poderá o
julgador ficar sem elementos suficientes para proferir uma decisão
justa. Tal decisão injusta, além de negar o fim da atividade jurisdicional,
certamente produzirá seus efeitos sobre a esfera jurídica de pessoas
que nada tiveram com a ilicitude cometida quando da obtenção da
prova. Essa conclusão não implica em desconhecer o caráter ilícito da
conduta daquele que obteve a prova. Apenas leva em consideração o
fato de que cabe ao julgador utilizar-se de todos os meios necessários à
descoberta da verdade. Inadmissível que irregularidade cometidas na
colheita da prova impeçam a sua apresentação e, possivelmente, uma
decisão justa”.
62
Com fundamento nestas premissas, leciona o jurista Fábio Tabosa:
“Em torno do tema, a doutrina anterior a 1988, na ausência de previsão
legal expressa, tendia a seguir a orientação do direito comparado e a
61 Aristóteles, Ética a Nicômaco, já defendia a aplicação da proporcionalidade e da razoabilidade em seus estudos sobre a
mediania, a prudência, a temperança e a moderação, vistas como virtudes morais para se atingir a justa razão como
modelo de conduta.
62 BEDAQUE, Poderes instrutórios do juiz, “Aspectos Fundamentais da Atividade Instrutória”, p. 105.
56
questionar a validade das provas obtidas ilicitamente, temperando esse
entendimento contudo pela observância de regra da proporcionalidade
e pela confrontação do direito violado na obtenção da prova com
possível direito dela dependente em termos de efetivação. A partir da
Constituição vigente, o quadro mudou de figura, com a introdução da
regra vedatória explícita do citado art. 5º, LVI, de redação
peremptória; em torno da mesma, e considerado o grau hierárquico da
norma, formaram-se diferentes correntes interpretativas, a mais radical
pugnando pela inadmissibilidade pura e simples de tais provas,
mediante aplicação literal do texto constitucional. Outros
posicionamentos defendem, em diferentes graus, a adoção ainda agora
de certo critério de proporcionalidade, em face, por exemplo da
natureza da norma violada no iter probatório, da relevância da matéria
em discussão do processo e da importância da prova para a decisão da
causa, seja admitindo o aproveitamento em casos absolutamente
extraordinários (como a hipótese extrema da prova potencialmente
capaz de absolver o réu em processo penal), seja tolerando-o se
cometida mera ilicitude civil ou administrativa (e não violada portanto
garantia fundamental do cidadão), seja, mais liberalmente, concordando
em certos limites com a utilização da prova mesmo nas hipóteses de
lesão a garantias fundamentais, tudo sem prejuízo da punição em
separado do responsável pela irregularidade cometida.”
63
Vicente Greco Filho também faz a ponderação de princípios, conforme
se observa da leitura dos ensinamentos ora transcritos:
“O inc. LVI do art. 5º da Constituição proíbe a utilização de prova obtida
por meio ilícito, mas tal regra não é absoluta, porque pode haver
necessidade de conciliar a norma com outros direitos constitucionais,
63 PESSOA, Fábio G. Tabosa Pessoa, Código de processo civil comentado, p. 994.
57
como sustentamos em nosso “Tutela constitucional das liberdades”
(Saraiva, 1989)”.
64
Na mesma toada a doutrina especializada, preconizando a mediação
dos referidos princípios, a tornar flexível a pertinência e a utilização de provas
colhidas em violação ao preceituado no direito material, como se verifica no
magistério de Bezerra Leite, ao comentar o princípio da proibição da prova ilícita:
“Este princípio tem sido mitigado por outro: o princípio da
proporcionalidade ou razoabilidade, segundo o qual não se deve
chegar ao extremo de negar validade a toda e qualquer prova obtida
por meios ilícitos, como, por exemplo, uma gravação sub-receptícia
utilizada por empregada que deseja fazer prova de que fora vítima de
assédio sexual pelo seu empregador ou superior hierárquico, sem o
consentimento deste”.
65
A solução que reputamos mais adequada, portanto, é aquela que
pugna pela conjugação dos princípios e pela ponderação dos valores e direitos
envolvidos no litígio, viabilizando, dependendo do caso concreto e do bem da
vida a ser preservado, o aproveitamento da prova obtida por meio ilícito.
Não podemos negar que, diante de questão tão complexa e
tormentosa, notadamente por se referir a garantias fundamentais, o princípio da
razoabilidade pode auxiliar na elucidação de conflitos que, num primeiro
momento, pareciam inconciliáveis.
Neste contexto, o princípio da proporcionalidade merece prestígio,
porquanto, ao possibilitar a conciliação de valores e direitos conflitantes, valoriza
a verdade real emergente por meio da prova coligida ao processo, assegurando,
64 GRECO FILHO, Vicente, Direito processual civil brasileiro, 2º vol., p. 186.
65 LEITE, Carlos Henrique Bezerra, Curso de direito processual do trabalho, “Princípios Probatórios”, p. 555.
58
com isso, a justa composição do conflito, a efetividade da tutela jurisdicional, a
harmonia social e rendendo, por conseguinte, credibilidade à decisão judicial e
respeitabilidade ao próprio Estado.
3.5. Igualdade de oportunidades e contraditório
:
“Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e
dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para
que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil,
trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza” (Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, Pacto de São José da Costa Rica,
ratificada pelo Brasil em 25.9.92, Decreto 878, de 6.11.92, art. 8.1)
É premissa maior do Estado de Direito a igualdade de todos perante a
lei, dela decorrendo a segurança de que todos tenham as mesmas oportunidades
de manifestação, de ouvir e de ser ouvido, fazendo uso de todos os meios
necessários e legítimos para tanto.
Diretamente vinculados ao princípio da ampla defesa (art. 5º, LV,
CF/88), os princípios da igualdade e do contraditório, encampados por
documentos internacionais e albergados diretamente pelo Texto Constitucional
de 1988, art. 5º, caput e LV, uma vez trazidos à seara do processo, velam para
que aos litigantes sejam resguardadas as mesmas possibilidades para fazer valer
suas razões em juízo, não somente pelas alegações e impugnações, como
também por meio da produção das provas e contraprovas.
De acordo com o preceituado no art. 125, I do CPC, fica assegurado às
partes, perante o juiz, tratamento igualitário, razão pela qual, no momento da
59
produção da prova, devem ser garantidas as mesmas oportunidades, como forma
de preservação do exercício da ampla defesa, sob pena de nulidade.
A igualdade processual referida é princípio e também garantia às
partes, dizendo respeito à oportunidade que lhes é franqueada por expressa
disposição legal para alegações e produção das provas pretendidas. Por tal
motivo, não vincula e nem obriga a parte a produzir qualquer prova, uma vez que
estamos aqui a falar de um ônus processual, e não de uma obrigação ou uma
responsabilidade; tanto é assim que aquele que deixar de exercer o ônus de
provar, poderá ter sua situação jurídica no processo agravada, experimentando
as consequências de eventual omissão.
Como garantia do devido processo legal, decorre o dever do Estado-
juiz, até mesmo em razão da imparcialidade que deve nortear toda sua conduta,
de assegurar à parte contra quem foi produzida determinada prova a
possibilidade de exercer o contraditório (art. 5º, LIV e LV, CF). A propósito, o
litigante terá reservada oportunidade para que apresente impugnação por todos
os meios legais e, se for o caso, colacione aos autos contraprovas hábeis a
infirmar aquelas coligidas pela parte contrária.
E assim deve ocorrer ao longo da instrução processual, ou seja, toda
vez que uma das partes juntar determinado documento, deve ser assegurada a
vista do referido à parte contrária (CPC, 372), permitindo-lhe, inclusive, a
produção de contraprova apta a elidir o conteúdo do documento carreado pelo ex
adverso, conforme hipótese prevista no art. 397 do CPC; quando for ouvida
determinada testemunha, ao outro contendor deve ser resguardada a
oportunidade de contraditar a testemunha, pelos motivos previstos em lei (CPC,
art. 414 e CLT, art. 829), assim como ouvir outras testemunhas com a finalidade
de contrapô-las às da parte adversa.
Sem embargo do até então exposto, ao tratarmos de igualdade formal
no processo, não podemos nos olvidar da questão relativa à desigualdade
60
material das partes no contrato de trabalho e sua relação com a aptidão para a
produção da melhor prova.
Por certo que igualdade jurídica não elimina as desigualdades
materiais, daí porque não se fala mais em igualdade absoluta, mas sim
proporcional, em que a lei destina o mesmo tratamento aos substancialmente
iguais e, por conseguinte, tratamentos desiguais aos que se encontram em
situações distintas, a fim de que seja atingida a “igualdade substancial”. É o que
ocorre, como bem lembrado por Cintra, Grinover e Dinamarco, com o direito
penal, em que há, por exemplo, absolvição do acusado por insuficiência de
provas (in dubio pro reo).
66
O princípio da igualdade pressupõe, portanto, que haja uma
proporcionalidade entre o tratamento normativo quando o princípio servir de
norte ao legislador - ou interpretativo da norma – destinado ao aplicador da lei – e
a finalidade perseguida pelo próprio direito. A norma positivada, bem como a
aplicação da lei existente devem procurar mitigar as desigualdades naturais, e
não, sob o pretexto de uma falsa igualdade, fomentar aquelas existentes entre
os destinatários do direito. Nas oportunas lições de Alexandre de Moraes:
“Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as
discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos
desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do
próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas
finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional
quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma
finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém, como
ressalvado por Fábio Konder Comparato, que as chamadas liberdades
materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser
66 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria geral do
processo, pp. 53-55.
61
alcançada, não por meio de leis, mas também pela aplicação de
políticas ou programas de ação estatal.”
67
Na seara do processo do trabalho, como examinaremos adiante de
forma mais acurada, a legislação, especificamente em matéria de prova, não
destinou qualquer tratamento diferenciado a qualquer das partes, pressupondo a
igualdade formal entre os litigantes.
Assim, visando ao abrandamento das desigualdades materiais
existentes entre as partes e sua repercussão diante da aptidão para a produção
da prova, alguns setores da doutrina e da jurisprudência, sensíveis a esta
problemática, passaram a invocar o princípio in dubio pro misero não somente no
processo do trabalho, como, sobretudo, em se tratando de instrução probatória.
Registre-se, por oportuno, que a questão é bastante polêmica, sendo
que considerável parte dos processualistas especializados o concordam com
tal interpretação diferenciada do princípio da igualdade no direito processual do
trabalho, apoiando-se unicamente nos ensinamentos e ditames do processo civil
tradicional.
68
Considerando que nos dedicamos longamente à referida matéria ao
tratarmos do princípio in dubio pro misero, para melhor compreensão do tema
remetemos o leitor ao próximo item do estudo.
67 MORAES, Alexandre de, Direito constitucional, p. 31.
68 Consoante será exaustivamente analisado no item que tratar do princípio in dubio pro misero, muita divergência a
respeito do tema, havendo aqueles que entendem que tal princípio é restrito ao direito material do trabalho, não sendo
aplicável em questões relativas à instrução probatória, nem a qualquer temática envolvendo relação processual.
62
3.6. In dubio pro misero
:
Dedicamo-nos, neste tópico, à análise de um princípio que tem origem
no direito material do trabalho, cujo enorme apelo se justifica em função da
natural desigualdade material existente entre as partes no contrato de trabalho.
O direito material do trabalho foi concebido com a finalidade social de
compensar, por meio de uma desigualdade jurídica criada por lei, a desigualdade
que permeia a realidade econômica das partes contratantes.
Assim, a desigualdade real entre empregado e empregador, haja vista
a distinção de patamar sócio-econômico em que cada um deles se encontra,
acaba por ser mitigada pelo tratamento jurídico desigual destinado pela
legislação, de modo a preservar o sentido teleológico do direito do trabalho e os
valores humanos que nele estão contemplados.
Do estudo do princípio da proteção, em seu desdobramento in dubio
pro operario, depreendemos que se trata de uma das expressões do princípio da
igualdade, tão caro pela Constituição Federal, art. 5º, inciso II.
O desequilíbrio sócio-econômico, o desemprego estrutural e o desnível
cultural entre empregado e empregador acabam por justificar o tratamento legal
diferenciado e protecionista ao trabalhador, sendo ideal de justiça a
compensação das desigualdades naturais das partes a quem a norma legal se
destina.
Neste contexto foi criado o direito do trabalho, com a finalidade de
atenuar a desigualdade econômica real existente entre as partes, estabelecendo
um arcabouço jurídico apto a minimizar tal desequilíbrio, razão pela qual as
normas que lhe informam são naturalmente mais favoráveis e protecionistas ao
empregado.
63
Por conseguinte, o intérprete da norma trabalhista, em caso de
perplexidade, dúvida quanto ao seu real alcance, também deve se socorrer de tal
princípio em sua aplicação, ou seja, a interpretação da regra jurídico-laboral deve
levar a uma solução mais favorável ao empregado, sobretudo porque a legislação
especializada toca diretamente a direitos humanos do trabalhador.
69
Trasladado tema para o campo do processo do trabalho e, mais
especificamente, para o ambiente da instrução probatória, verificamos que a
aplicabilidade do princípio não encontra solução uniforme entre os estudiosos da
matéria.
Oportuno destacar, preliminarmente, a conclusão do IV Congresso
Ibero-Americano de Direito do Trabalho e Previdência Social (1972): “O princípio
in dubio pro operario
incide nos processos trabalhistas, quando no espírito do
julgador não exista uma convicção derivada de análise das provas produzidas”
70
.
Em que pese a conclusão extraída no referido Congresso de Direito do
Trabalho, observamos que a doutrina tem se mostrado bastante dissonante.
Defendem sua extensão ao processo do trabalho, notadamente à
instrução probatória, dentre outros, os juristas Américo Plá Rodriguez, Santiago
Rubistein, Cesarino Júnior, Wagner Giglio, Carlos Alberto Reis de Paula e Carlos
Henrique Bezerra Leite.
71
Plá Rodriguez, ao se debruçar sobre a questão, demonstrou
comedimento; defendeu a aplicação do referido princípio em matéria de prova,
69 “Não se trata de corrigir a norma, nem sequer integrá-la: somente cabe utilizar esta regra quando existe uma norma e
unicamente para determinar-lhe o verdadeiro sentido, entre os vários possíveis”. Ob. cit., p. 47.
70 Apud TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 151.
71 RODRIGUEZ, Américo Plá, ob. cit., p. 47; RUBINSTEIN, Santiago, “Fundamientos para la vigência del principio in dubio
pro operário, na revista argentina “Derecho Laboral”, t. XIV, pág. 602, 1972, apud Plá Rodriguez, ob. cit., p. 47;
CESARINO JÚNIOR, Direito processual do trabalho, p. 38, apud TEIXEIRA FILHO, A prova no processo do trabalho, p.
151; GIGLIO, Wagner, Direito processual do trabalho, pp. 66-67; PAULA, Carlos Alberto Reis de, A especificidade do ônus
da prova no processo do trabalho, pp. 143-145; LEITE, Carlos Henrique Bezerra, Curso de direito processual do trabalho,
pp. 85-87.
64
todavia, apenas no que tange à interpretação e à valoração do alcance da prova
produzida no processo, e jamais no sentido de suprir deficiência probatória em
favor daquele que deixou de produzi-la, quando tinha o ônus de fazê-lo.
No magistério do mestre uruguaio:
“A nosso juízo, cabe aplicar a regra dentro desse âmbito em casos de
autêntica dúvida, para valorar o alcance ou o significado de uma prova.
Não para suprir omissões, mas para apreciar adequadamente o
conjunto dos elementos probatórios, tendo em conta as diversas
circunstâncias do caso”.
72
Coqueijo Costa também comungou do mesmo posicionamento,
defendendo a incidência do princípio à esfera processual, em razão da relação de
instrumentalidade que guarda com o direito material do trabalho:
“O processo não é um fim em si mesmo, mas o instrumento de
composição de lides, que garante a efetividade do direito material. E
como este pode ter natureza diversa, o direito processual, por seu
caráter instrumental, deve saber adaptar-se a essa natureza diversa”.
73
Segundo esta corrente de pensamento, tal qual na relação de direito
material (contrato de trabalho), evidente desigualdade entre as partes também
no processo do trabalho, desequilíbrio este que deve ser superado pelo
tratamento desigual entre os litigantes, bem como pela adequada interpretação
da prova produzida em instrução, em caso de fundada dúvida, em favor do
empregado.
72 Ob. cit., p. 48.
73 COSTA, Coqueijo, Direito processual do trabalho, p. 5.
65
Este entendimento está sedimentado, dentre outros fundamentos, na
“instrumentalidade do processo”
74
, quando então o direito processual acaba por
adaptar-se e amoldar-se às peculiaridades e às necessidades da relação de
direito material, visando a conferir efetividade ao direito substancial, ao atender à
sua finalidade social, como preleciona Bedaque:
“A natureza instrumental do direito processual impõe sejam seus
institutos concebidos em conformidade com as necessidades do direito
substancial. Isto é, a eficácia do sistema processual será medida em
função de sua utilidade para o ordenamento jurídico material e para a
pacificação social”.
75
Transportando a idéia de instrumentalidade para a seara do processo
do trabalho, destacam-se as ponderações de Francisco Rossal de Araújo:
“O processo deve se adaptar ao direito material sobre o qual opera. (...)
Se o Direito do Trabalho possui características e princípios próprios, por
decorrência o Processo do Trabalho também os terá, realizando a
adaptação teleológica mencionada no parágrafo anterior. Se no Direito
do Trabalho opera o princípio da proteção, também no Processo do
Trabalho ele operará, realizando-se as necessárias adaptações e
adequações aos outros princípios do processo. A boa regra de
prudência aconselha que não é a lide que deve adaptar-se ao processo,
mas a estrutura do processo que deve adaptar-se à natureza da lide. É
certo que não podem ser abandonadas no Processo do Trabalho as
conquistas fundamentais do processo, como o Juiz natural, o direito de
defesa, o contraditório, a simetria ou igualdade de oportunidades às
74 Título da obra com que Cândido Rangel Dinamarco adquiriu assento na cadeira de Direito Processual na FADUSP.
75 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Direito e processo, p. 17.
66
partes. Mas essas garantias deverão ter um novo enfoque, não mais
puramente individualista, mas sim de garantias sociais”.
76
Considerando que o processo não é um fim em si mesmo, mas um
mecanismo utilizado para a obtenção de um bem maior, que é a plena realização
do direito e, com isso, a justa composição do litígio, somente será atingida a sua
finalidade quando as partes na relação processual puderem “lutar com as
mesmas armas”.
As desigualdades naturais existentes entre os litigantes -
desigualdades estas que também se fazem sentir no processo, notadamente em
razão da dificuldade daquele que não detém os meios de obter a prova de seu
direito – somente restam mitigadas pela aplicação do princípio in dubio pro
operario à interpretação da prova produzida, nas hipóteses em que houver
perplexidade e dúvida razoável quanto ao material probatório colhido, ou seja, em
casos de prova efetivamente dividida ou empatada.
77
Não se trata de proteção injustificada a uma das partes, porquanto o
que se deve ter em mente é a idéia da justiça social, sendo esta atingida apenas
quando o processo demonstrar adequação aos propósitos e às demandas do
direito substancial a quem serve de instrumento de concretização.
Tendo em vista que o escopo social do processo é a pacificação do
conflito com justiça, a eficácia da prestação jurisdicional está diretamente
vinculada à utilidade da relação processual para a plena efetivação do direito
material e dos direitos e valores humanos por ele representados, sendo esta a
76 ARAÚJO, Franciso Rossal de, Princípios de processo do trabalho, Revista Síntese Jurídica, Porto Alegre, n. 108,
maio/1998, p. 130 et seq., apud BEZERRA LEITE, ob. cit., p. 557.
77 Exemplo desta situação é a hipótese em que o empregado alega que recebia apenas gorjetas de clientes, trazendo aos
autos prova documental do fato; o empregador, por sua vez, também carreia os recibos de pagamento, pretendendo provar
que o trabalhador recebia salário fixo apenas; na valoração dos documentos carreados, segundo a corrente de
pensamento que defende a aplicação do princípio in dubio pro misero à matéria de prova, o magistrado deveria decidir em
favor do empregado, conferindo valor suficiente à prova por ele produzida para a demonstração de suas alegações.
67
finalidade social do processo, sobretudo na seara trabalhista (Lei de Introdução
ao Código Civil, art. 5º).
Foi o que o Carlos Alberto Reis de Paula denominou de “princípio da
adequação”, associando-o à relação de instrumentalidade existente entre direito
material e processual, a justificar a aplicação do princípio in dubio pro operario
em matéria de valoração probatória, consoante ilações transcritas:
“A adequação significa uma comunhão entre o direito material e o
direito instrumental. Consagra esse princípio, de forma tácita, PAULO
EMÍLIO RIBEIRO VILHENA quando estabelece que ‘o princípio básico
que, no consenso dos autores, domina o Direito do Trabalho, é o
princípio pro operario. Daí vem a parêmia in dubio pro misero. Em caso
de dúvida, o juiz decide pelo trabalhador. Quer-se, com isto, salientar
que a ordem jurídica, ao organizar, em apartado, as relações entre
empregado e empregador, teve em vista, primordialmente, a tutela do
trabalhador.’ ”
78
Como o espírito da norma substancial trabalhista destina-se ao fim de
proteção ao empregado, que se encontra em situação real menos favorecida que
o empregador, natural que no processo seja conferido tratamento jurídico
compatível com a desigualdade real dos litigantes, transparecendo ser mais
favorável ao trabalhador, sendo esta a tônica a nortear a interpretação da lei
processual.
Neste sentido, merece destaque o estudo feito por Humberto Theodoro
Júnior, em que trata o princípio da “finalidade social” como um dos vetores do
direito processual do trabalho:
“o primeiro e mais importante princípio que informa o processo
trabalhista distinguindo-o do processo civil comum, é a finalidade social,
78 PAULA, Carlos Alberto Reis, A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho, pp. 120-121.
68
de cuja observância decorre uma quebra do princípio da isonomia entre
as partes, pelo menos em relação à sistemática tradicional do direito
formal”.
79
E mais adiante, na mesma obra, fiando-se nas lições do juslaboralista
mexicano Nestor de Buen, Theodoro Júnior reverencia a relação de
instrumentalidade entre o direito processual e o direito material do trabalho,
sempre com vistas à realização do escopo social da norma:
“Em primeiro lugar, é obvio que tanto o direito substantivo como o
processual intentam a realização da justiça social. Para esse efeito,
ambos estimam que existe uma evidente desigualdade entre as partes,
substancialmente derivada da diferença econômica e, como
conseqüência, cultural, em que se encontram. Em virtude disso a
procura da igualdade como meta. O direito substantivo, estabelecendo
de maneira impositiva, inclusive acima da vontade do trabalhador,
determinados direitos mínimos e certas obrigações máximas. O direito
processual, reconhecendo que o trabalhador deve ser auxiliado durante
o processo pela própria autoridade julgadora, de maneira que, no
momento de chegar o procedimento ao estado de solução, a aportação
processual das partes permita uma solução justa”
80
.
No mesmo diapasão, o jurista Cesarino Júnior, prestigiando a
finalidade social do direito do trabalho e defendendo a aplicação do princípio da
proteção ao processo do trabalho, notadamente em matéria de valoração da
prova, assim concluiu:
79 “Os princípios do processo civil e do processo do trabalho”, in BARROS, Alice Monteiro de (coordenadora), Compêndio
de direito processual do trabalho: obra em homenagem a Celso Agrícola Barbi, 2001, p. 62.
80 “Os princípios do processo civil e do processo do trabalho”, in BARROS, Alice Monteiro de (coordenadora), Compêndio
de direito processual do trabalho: obra em homenagem a Celso Agrícola Barbi, 2001, p. 62.
69
“Na dúvida, isto é, quando militam razões pró e contra, é razoável
decidir a favor do economicamente fraco, num litígio que visa, não
satisfazer ambições, mas a prover às necessidades imediatas da vida.
Isto é humano, isto atende ao interesse social, ao bem comum. Nada
tem de ousado, ou de classista. Classista seria sempre decidir a favor
do empregado, com dúvidas ou sem dúvidas, com a lei, sem a lei ou
contra a lei. (...) Assim, o elemento ético-social, concretizado na tutela
razoável do trabalhador, contribui para uma solução humana e justa.”
81
A própria jurisprudência trabalhista criou presunções em favor do
empregado, transferindo para o empregador o ônus da prova para rechaçá-las,
conforme verificamos, ilustrativamente, da leitura das Súmulas 212 e 338 do C.
TST.
82
Para considerável parcela da doutrina, portanto, o princípio não deve
apenas servir de referência ao legislador e ao intérprete da norma processual em
caráter geral. Deve também migrar para o campo específico da instrução
probatória, notadamente no que concerne à valoração da prova, nos casos de
dúvida razoável do julgador ante o material probatório produzido nos autos, não
servindo, porém, para suprir omissão da parte que, por negligência ou interesse,
deixou de demonstrar um determinado fato que abonava seu direito.
Por outro lado, aqueles que, invocando fundamentos jurídicos não
menos respeitáveis, se opõem diametralmente à incidência deste princípio à
81 CESARINO JÚNIOR, Direito processual do trabalho, p. 38, apud TEIXEIRA FILHO, ob. cit., p. 151.
82 S. 212: “O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviços e o
despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao
empregado”.
S. 338: “I - É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na
forma do art. 74, par. 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de freqüência gera presunção relativa da
veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário”; II (..); III Os cartões de ponto que
demonstram horários de entrada e saída uniformes o inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova,
relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada de inicial se dele não se desincumbir”.
70
instrução probatória, destacando-se, dentre eles, Manoel Antonio Teixeira Filho,
Francisco Antonio de Oliveira, Ari Possidônio Beltran e Júlio César Bebber
83
.
Para referidos juristas, o julgamento deve ser lastreado no “ônus da
prova” e na valoração dos elementos de convicção coligidos aos autos, tanto nos
casos de prova deficiente (falta ou insuficiência), como em se tratando de
hesitação do julgador ante a prova recíproca produzida (situação em que as duas
partes se desincumbem do ônus da prova).
Na hipótese de deficiência da prova, a solução parece mais simples,
eis que o julgamento será fundamentado, sem grande dificuldade, nas regras que
disciplinam a distribuição do encargo da prova. Quem deveria prová-lo e não o
fez, será sucumbente no objeto da demanda.
De outra banda, o julgamento deverá pender em favor daquele que
produziu a melhor prova, devendo o magistrado sopesar todos os elementos dos
autos em seu conjunto, pautando-se no princípio da persuasão racional, quando
se tratar de prova “dividida”.
É consenso, portanto, entre aqueles que repudiam a aplicação do
princípio em matéria de prova, o entendimento de que o princípio in dubio pro
misero não encontra ambiente fértil sequer em se tratando de prova dividida,
aquela que provoca dúvida na cognição do julgador ante a prova recíproca
produzida.
Isto porque, a referida perplexidade do juiz, ante a prova colhida, é
fator extremamente subjetivo e próprio de cada magistrado, não refletindo,
portanto, efetiva divisão da prova (no sentido objetivo), razão pela qual não se
justificaria a interpretação em favor do empregado, sob pena de sacrificar a
imparcialidade do julgador.
83 TEIXEIRA FILHO, ob. cit., pp. 151-153; OLIVEIRA, A prova no processo do trabalho, p. 72; BELTRAN, Dilemas do
trabalho e do emprego na atualidade, pp. 83-88; BEBBER, Processo do trabalho – temas atuais, pp. 47-55.
71
Ademais, ainda no entendimento desta segunda corrente doutrinária,
julgamento neste sentido careceria de tecnicidade, eis que refletiria atitude
subjetiva e tendenciosa do julgador em favor do empregado, sendo que o
princípio em voga deveria, segundo enfatizado por Teixeira Filho, restringir-se a
dois únicos fins: servir de fonte inspiradora para o legislador (função informativa
do princípio); ou auxiliar o julgador na interpretação das normas legais de direito
material e de direito processual que eventualmente gerem dúvida quanto ao seu
sentido e ao seu alcance (função interpretativa).
Júlio César Bebber considera que o princípio em debate somente
poderia servir de critério de hermenêutica, a fim de auxiliar o intérprete a alcançar
a finalidade social a que a norma se destina. Não se estenderia, todavia, ao
campo processual específico da valoração da prova pelo julgador, que deve se
pautar “rigorosamente pelo critério igualitário, onde não se estabelecem
quaisquer diferenças quanto ao nível econômico e social das partes, de modo
que tudo deva ser resolvido à luz do onus probandi (CLT, art. 818)”
84
.
No mesmo sentido, merece destaque a conclusão do jurista argentino
Benito Pérez que, a partir de análise da jurisprudência de seu país, defendeu que
o juiz não poderia suprir deficiência de prova por meio da aplicação do referido
princípio e, por conseguinte, decidir a favor do trabalhador: “Uma coisa é a
interpretação da norma para valorar seu alcance e outra muito diferente é a
apreciação de um meio de prova para decidir a litis”
85
.
Como visto, a aplicação do princípio in dubio pro operario na valoração
da prova encontra bastante resistência na doutrina, sendo também vacilante a
jurisprudência de nossos Tribunais a respeito do tema, conforme se observa do
cotejo entre as ementas abaixo transcritas, extraídas da obra de Bezerra Leite
86
:
84 BEBBER, Processo do trabalho – temas atuais, p. 53.
81 “O princípio in dubio, pro operario é inaplicável em matéria de prova”, revista Trabajo y Seguridad Social, Buenos Aires,
Nov/1973, t. 1, pp. 56 e segs., apud RODRIGUEZ, Américo Plá, Princípios de direito do Trabalho, p. 47.
82 LEITE, Carlos Henrique Bezerra, Curso de direito processual do trabalho, pp. 557-558.
72
“PROVA – CONVICÇÃO LIVRE DO JUIZ – PROVA EMPATADA
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO MISERO Luiz de Pinho
Pedreira da Silva anota na avaliação do princípio interpretativo do
Direito do Trabalho, que sua singularidade está em ‘que ele constitui a
inversão de seu congênere do direito comum, pois enquanto neste o
favor, em caso de dúvida, é pelo devedor e pelo réu’, no Direito especial
do trabalho, conclui, ‘se faz na mesma situação, em benefício do
empregado, que normalmente é credor e autor’. Havendo paridade de
provas, ou ‘prova empatada’, escreve Pinho Pedreira, pelas maiores
dificuldades com que arca o empregado para a produção de provas,
numa situação como esta, a dúvida gerada no espírito do julgador há de
ser dirimida pro operario
(Principiologia do Direito do Trabalho, LTr,
1999, págs. 42/58)” (TRT 2ª R. RO 19990472559 – (20000640624)
T. – Rel. Juiz Jose Carlos da Silva Arouca – DOESP 16.1.2001).
“RELAÇÃO DE EMPREGO BÓIAS-FRIAS EXISTÊNCIA
Presentes os pressupostos caracterizadores dos arts. e ,
consolidados, mister reconhecer existência de vínculo empregatício
entre as partes litigantes, já que, em se tratando de relação de trabalho,
o importante é pesquisar a realidade fática. que prevalecer a
essência em detrimento da forma, em virtude do princípio da primazia
da realidade. Havendo dúvida quanto as repercussões sociais da
decisão, impera a regra in dubio pro misero
(TRT 3ª R. – RO 7298/96 –
2ª T. – Rel. Juiz Michelangelo Liotti Raphael – DJMG 31.1.1997).
“DIFERENÇA SALARIAL ÔNUS DA PROVA INDEFERIMENTO
Alegando a reclamante que exercia outra função, negada pela
reclamada, o ônus da prova torna-se exclusivamente seu, não devendo
ser aplicado o princípio do in dubio pro misero
, em razão de não ser
mais tolerado no Direito moderno. Não trazendo a reclamante prova
documental ou testemunha amparando sua pretensão, exclui-se da
condenação o pleito de diferença salarial. Recurso provido
73
parcialmente”. (TRT 13ª R. RO 198/2001 – (62736) Rel. Juiz Aluisio
Rodrigues – DJPB 20.4.2001).
“APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO MISERO
Ao julgador
cabe aplicar o princípio in dubio pro misero
no momento da
interpretação da lei, e não da prova dos autos. Somente assim estará
fazendo justiça sem o risco de utilizar-se de casuísmos”. (TRT R.
RO 4.445/99 Ac. 23. 803/99 T. Rel. Juiz Arnor Lima Neto
DJPR 15.10.1999).
Após profunda reflexão acerca dos fundamentos das duas correntes,
tendo em vista que os escopos do processo são a revelação da verdade e a plena
realização dos ideais de justiça, razão pela qual a finalidade social deve ser uma
das premissas a nortear o julgador na entrega da prestação jurisdicional (CF,
artigos 1º, IV e 3º, I; LICC, artigo 5º), concluímos que não se pode negar que o
princípio in dubio pro operario, desde que corretamente ministrado, é medida
salutar e que, portanto, pode auxiliar o magistrado na valoração da prova
produzida nos autos, ante fundada dúvida que impeça a formação de sua
convicção.
Registre-se, por oportuno, que não se pretende aqui desconsiderar as
normas de distribuição do ônus da prova como regras de julgamento, mas apenas
esclarecer que o princípio em referência pode ser aplicado como hábil
instrumento a dirimir dúvida objetiva na interpretação da prova produzida pelas
partes, caso esta seja “hesitante” e “conflituosa”, auxiliando e coadjuvando na
formação da cognição do magistrado, ante o estado de perplexidade daí gerado.
Nesta toada, mais uma vez pertinentes as preleções de Coqueijo Costa:
“No processo do trabalho, dividida a prova, decide-se em favor do empregado, por
força do princípio in dubio pro operário (Ac. 5ª Região, 274/74, Pinho Pedreira)”.
87
87 COSTA, Coqueijo, Direito judiciário do trabalho, pp. 286-287.
74
Importante frisar, todavia, que o princípio não encontra acolhida, no
nosso sentir, com o propósito de suprir deficiência de prova (insuficiência ou falta
de prova), ocasião em que as regras sobre ônus da prova devem nortear o
julgamento, conforme bem ponderado por Carlos Alberto Reis de Paula na obra
mencionada:
“No campo da valoração da prova, sustentamos que o princípio tutelar
se aplica quando a prova é insuficiente ou se apresenta dividida. Não
se trata de um princípio que será aplicado simplesmente para suprir
deficiências probatórias no processo, área específica do ônus da
prova”
88
.
É cabível, destarte, apenas como último recurso de julgamento de que
deve lançar mão o magistrado, após esgotar todos os meios para bem valorar a
prova (máximas de experiência, indícios, presunções e ponderação de todas as
provas à luz das regras do ônus da prova), sob pena de restarem comprometidos
seus próprios fundamentos.
A regra in dubio pro misero, assim, encontra ambiente fértil em matéria
de prova, em razão da desigualdade material havida entre as partes a refletir na
relação processual, como também em função da instrumentalidade que deve
haver entre o processo e o direito substancial.
Salutar, portanto, a incidência do princípio nesta seara do direito
processual, observados os limites de aplicabilidade referidos, eis que ao assim
agir, o julgador orienta suas razões de decidir segundo a finalidade social do
direito, resgatando a igualdade ideal que deveria haver entre os litigantes e, por
conseguinte, garantindo efetividade à prestação jurisdicional como primado de
justiça.
88 PAULA, Carlos Alberto Reis, A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho, p. 145.
75
3.7. Iniciativa oficial na instrução e livre investigação da prova
:
Os dois princípios enunciados devem ser analisados em cotejo com os
princípios dispositivo e inquisitivo.
O princípio dispositivo, que em sua plenitude atribui às partes ampla
iniciativa para todos os atos do processo, não somente no que diz respeito à
postulação, como também ao desenvolvimento da relação processual -
delimitação da prova e sua produção em juízo -, paulatinamente foi cedendo
espaço a um modelo processual em que o princípio inquisitivo passou a ganhar
campo e, com ele, a atuação ex officio do julgador.
Não se pretende dizer com isso que o princípio dispositivo tenha sido
totalmente superado pelo modelo jurídico-processual vigente em nosso país. Pelo
contrário, apenas houve uma mitigação da regra que anteriormente vigorava no
sentido de restringir todos os atos processuais, inclusive no que tange à
produção de provas, ao interesse privado das partes.
A propósito, o processo civil atual acolheu o princípio dispositivo quanto
à iniciativa das partes de postular e alegar exceções, delimitar o objeto da
demanda para efeito de instrução probatória, como também ao vincular o
julgamento aos fatos alegados pelos litigantes (princípio da demanda).
Quanto à investigação e colheita de provas, porém, passou a conferir
ao juiz ampla liberdade na direção do processo e na investigação das provas
para a busca da verdade (art. 130, CPC, c/c art. 765, CLT), aproximando-o
sobremaneira do modelo inquisitório.
José Roberto dos Santos Bedaque, ao comentar o art. 130 do CPC,
assim ponderou:
“No que se refere à participação do juiz na formação do conjunto
probatório, o CPC brasileiro adotou, sem qualquer sombra de dúvida, o
76
modelo europeu-continental do ‘inquisitorial system’, repelindo o
‘adversarial system’ do sistema anglo-saxão”
89
.
O julgador, portanto, deixou de ser mero espectador da relação
processual, em que lhe era reservada atuação apenas ao final da demanda,
decidindo exclusivamente a partir dos elementos trazidos pelas partes ao longo
da contenda, sem qualquer preocupação com o interesse social maior do Estado
(e superior ao interesse individual das partes) da justa pacificação do conflito.
Sob forte influência de Chiovenda, a partir do final do século XIX, o
processo adotou tendência moderna de publicização, em que o interesse público
no restabelecimento da verdade passou a preponderar sobre o interesse privado
das partes.
Neste sentido, oportunas as lições de Cintra, Grinover e Dinamarco:
“Todavia, diante da colocação publicista do processo, não é mais
possível manter o juiz como mero espectador da batalha judicial.
Afirmada a autonomia do direito processual e enquadrado como ramo
do direito público, e verificada a sua finalidade preponderantemente
sócio-política, a função jurisdicional evidencia-se como um poder-dever
do Estado, em torno do qual reúnem os interesses dos particulares e
do próprio Estado”
90
.
Imbuído deste espírito inovador e voltando-se para as novas
tendências do processo publicista, o legislador procurou dotar o juiz de amplos
poderes instrutórios, não vinculando-o à mera atividade dos litigantes no sentido
89 Apud MARCATO, Antonio Carlos (coordenação), Código de processo civil interpretado.
90 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria Geral do
Processo, 64.
77
de coligir aos autos apenas as provas dos fatos controvertidos que melhor se
adequassem aos seus interesses.
Confiar a solução do processo somente aos interesses dos
contendores implica comprometer, muitas das vezes, o escopo da jurisdição e a
boa administração da justiça, o que se mostra incompatível com finalidade social
do processo contemporâneo.
O fato de o julgamento ter que se delimitar ao que restou provado não
significa, todavia, restringir a colheita das provas necessárias ao justo deslinde do
feito unicamente à iniciativa das partes.
Cabe notar que o direito processual atual, visando à plenitude do
devido processo legal e à administração adequada da justiça, tem superado
antigos dogmas que restringiam excessivamente a iniciativa oficial em matéria de
instrução probatória.
O juiz, portanto, segundo a ótica publicista hodierna, não deve
permanecer inerte na perquirição da verdade, sendo que as regras sobre
distribuição do ônus da prova devem atuar, conforme melhor será estudado no
capítulo próprio, na fase de julgamento, e não como instrumento inibitório da
iniciativa oficial durante a instrução, sem que, com isso, fique prejudicada a
imparcialidade do julgador.
O próprio ordenamento jurídico estabelece parâmetros que permitem
ao juiz determinar provas necessárias à elucidação dos fatos, complementar a
atividade das partes (inclusive por meio de acareação de testemunhas e partes,
realização de inspeção judicial, determinação de nova perícia, oitiva de
testemunhas referidas, requisição de documentos a órgãos oficiais
91
,
determinação de exibição de documentos pelas partes e por terceiros etc).
91 A propósito, a atividade instrutória do juiz no processo moderno tem sido bastante ostensiva. Demonstração disso é
convênio firmado entre o Judiciário e órgãos oficiais, como o Banco Central, a Receita Federal, os cartórios extrajudiciais,
possibilitando ao juiz, por meio eletrônico, ter acesso às informações necessárias da parte.
78
E no processo do trabalho a atuação oficial ocorre de forma ainda mais
acentuada, seara em que o princípio dispositivo, em matéria de provas, cede
passo à intervenção ostensiva do julgador, em busca da elucidação da verdade.
O modelo processual trabalhista, vanguardista, a propósito, sempre se
mostrou mais afinado à visão publicista do processo (tendência mais moderna
encampada pela lei processual civil atual), aproximando-se do modelo
inquisitório, notadamente em se tratando de instrução probatória.
Sem a intenção de esgotar o tema neste item, esclarecemos, por fim,
que a temática relativa à atividade instrutória do juiz e à dicotomia entre os
princípios dispositivo e inquisitório será retomada no capítulo “8”.
3.8. Imediatidade na colheita da prova
:
O referido princípio diz respeito à participação pessoal e direta do juiz
na instrução processual, dirigindo a atividade de colheita da prova.
No processo do trabalho a produção da prova se concentra, via de
regra, em audiência, ocasião em que são colhidos pessoalmente pelo julgador o
interrogatório das partes, os testemunhos e ouvidos os esclarecimentos do perito
(CPC, artigos 344, 410 e 446, inciso II; CLT, artigo 820).
O princípio da imediatidade ou imediação tem particular relevância no
processo do trabalho, por ser norteado pelos princípios da oralidade e da
concentração dos atos em audiência.
É por meio da oralidade e da imediatidade na colheita da prova que se
consagram a busca e o alcance da verdade, garantindo, destarte, efetividade à
prestação jurisdicional e harmonia social, escopo maior do processo.
79
O contato direto e imediato do magistrado com a produção da prova,
sem intermediários, sobretudo ao analisar a forma como as partes e as
testemunhas depõem, como se comportam frente às perguntas que lhe são
feitas
92
, são fatores que influenciam diretamente na justa composição do litígio e
na ideal administração da justiça.
Nas lições lapidares de Teixeira Filho, “Esse princípio, segundo informa
Pestana de Aguiar (ob. cit., pág. 45), está, muito, consagrado na doutrina
alemã (“Unmittelbarkeit”) e foi subdividido por Goldschmidt em dois outros: a) sob
o ângulo subjetivo ou formal, temos o que estabelece deva o Juiz manter
contacto pessoal e imediato com os meios de prova, sobretudo o oral; b) sob o
ângulo objetivo ou material, temos o que preconiza que os meios probantes
devem estar, o quanto possível, mais próximos da percepção sensorial do Juiz e
das partes”
93
.
A imediatidade, assim, poderia ser entendida também como um
controle de ordem moral dos atos praticados perante o julgador, que “filtraria” as
provas produzidas, como também, dirigindo de forma direta os demais atos
praticados ao longo da relação processual e evitando provas inúteis, garantiria a
justa, eficaz e célere composição do litígio.
Como bem ponderado por Souto Maior, “...pode-se dizer que a
imediatidade permite um maior controle moral dos atos praticados em juízo. Os
92 A prova oral e a imediatidade na produção da prova possibilitam que o magistrado colha, no momento em que inquire
diretamente as partes e as testemunhas, todas as impressões necessárias à busca da verdade. Exemplo disso, e que tem
se mostrado comum na praxe forense, é o comportamento de determinadas testemunhas que, antecipando respostas
acerca de fatos que sequer foram objeto de pergunta do juiz, demonstram evidente intenção de favorecimento de uma das
partes, o que fragiliza o valor de seu depoimento, considerado no contexto. Por outro lado, a imediatidade também
possibilita que o magistrado diferencie o comportamento de uma testemunha que, ante a solenidade do ato e por ser a
primeira vez que comparece a juízo, mostra-se naturalmente insegura, e, por outro lado, da conduta confusa, embaraçada,
precipitada e descompromissada de outra testemunha que, da forma como depõe e se comporta frente às perguntas que
lhe são feitas, demonstra faltar com a verdade.
93 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 75.
80
homens dizia Ossorio y Gallardo têm duas ordens morais, à semelhança dos
meninos: “uma para quando nos vêem, outra para quando não nos vêem”
94
.
No contexto contemporâneo do processo, ganha especial importância a
figura do juiz participativo, que não somente dirige pessoalmente a atividade
instrutória (CPC, artigos 130 e 336; CLT, art. 765), como também fiscaliza
diretamente os atos praticados pelas partes, coibindo abusos, protelações,
deferindo ou indeferindo produção de provas e determinando diligências
complementares para melhor elucidação da verdade, visando à entrega, com
eficácia, da prestação jurisdicional.
Questão relevante que deve ser também superada diz respeito à
sustentação do princípio em referência frente à prova produzida por carta
precatória, inclusive a prova oral.
Importante ponderar que a imediatidade não fica prejudicada quando a
prova, mesmo a oral, for colhida por outro juízo diverso daquele que dirige a
relação processual, por meio de carta precatória, rogatória ou de ordem (CPC,
artigos 202, 338, 410, II)
Isto porque o juiz deprecado passará a atuar, na colheita daquela
determinada prova cujo ato judicial foi deprecado, como o magistrado
responsável pela causa, naquele momento processual, assumindo a direção do
processo para a produção daquele ato a ele confiado.
Neste sentido leciona Isis de Almeida:
“Essa imediatidade continua existindo mesmo quando não é o próprio
juiz da causa quem está presente na audiência, ou seja, quando a
prova houver de produzir-se fora da jurisdição da demanda, casos e
quem ela é colhida pelo juiz da localidade em referência, por meio da
94 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz, Direito processual do trabalho, p. 70, citando Eduardo Couture, “Oralidade e regra moral no
processo civil”, in Processo oral, Rio de Janeiro, Forense, 1940.
81
carta precatória, rogatória ou de ordem (v. arts. 338, 410, II, 202, par. 1º
e 2º, e outros do CPC)”.
95
Por conseguinte, ao ouvir uma testemunha, o deprecado deverá, tal
como o seria com o juízo deprecante, agir de forma pessoal na produção desta
prova oral, colhendo do depoimento todas as impressões necessárias à busca da
verdade, fazendo constar no termo de audiência, da forma mais fidedigna
possível, não somente as respostas dadas pela testemunha ouvida, como
também eventual comportamento inadequado da mesma, desde que essencial à
valoração do testemunho prestado para auxiliar na formação da cognição do
julgador.
3.9. Identidade física do juiz
:
Este princípio guarda estreita relação com a imediatidade ou imediação
do juiz na instrução probatória, estando também diretamente relacionado com o
princípio da oralidade que rege o processo, sobretudo o processo do trabalho.
Segundo este princípio, o juiz que concluir a audiência de instrução
deve também proferir a sentença, a fim de garantir que o julgado resgate, de
forma fiel, a verdade dos fatos captada pela cognição do magistrado que presidiu
pessoalmente a instrução processual, tendo, portanto, participado diretamente da
produção das provas (art. 132 do CPC).
A vinculação do juiz ao processo em que dirigiu a colheita do material
probatório, notadamente a prova oral, pode render maior segurança e
fidedignidade à decisão judicial em relação à realidade dos fatos.
95 ALMEIDA, Isis de, Manual de direito processual do trabalho, p. 132.
82
Isto porque, ao ouvir as partes e as testemunhas em audiência, o juiz
não somente apura os fatos objetivos, como também capta, neste momento,
todos os elementos necessários à valoração das provas produzidas, analisando
detidamente a forma como se comportaram durante os depoimentos, os trejeitos,
as interjeições, a segurança e a certeza com que respondem às perguntas
formuladas pelo ex adverso e pelo próprio julgador.
Análise destes fatos, à luz do conjunto probatório, por outro juiz que
não presidiu a colheita da prova, principalmente a prova oral, poderia gerar
incerteza e insegurança à decisão judicial, eis que o julgador que não dirigiu a
instrução com pessoalidade não consegue, como aquele que dela participou
diretamente, resgatar todos os seus “sentidos”, consistentes nas impressões
obtidas durante a inquirição das partes e testemunhas e na avaliação psicológica
daqueles que depuseram.
Ademais, importante ressaltar que a prova oral, embora da maior
importância para o processo, sobretudo para o processo do trabalho, não deixa
de ser aquela que carrega em seu bojo a maior carga de subjetividade.
Isto porque, não como negar que os depoimentos colhidos deixam-
se “contaminar” por uma carga psicológica considerável, eis que os fatos que são
transmitidos por meio da prova oral passam pelo crivo do juízo sensorial
daqueles que são inquiridos em audiência.
Por mais fidedigna que seja uma testemunha, por maior que seja a
boa-fé da parte, depõem sobre fatos que passaram por sua percepção, sendo
que esta operação complexa, que se inicia com a captação dos fatos pelo sujeito,
submetendo-se a seu juízo sensorial e findando com o depoimento em audiência,
acaba por contagiar a prova pelas impressões pessoais e pela carga emocional
daquele que viu ou ouviu o fato controvertido.
Nesta toada, entendemos que o juiz que presidiu a audiência de
instrução, ouvindo partes e testemunhas, determinando diligências
83
complementares e encerrando a instrução processual, tem melhores condições
para proceder ao julgamento, uma vez que é durante a colheita pessoal da prova
oral que o magistrado percebe inúmeras situações relativas à conduta daqueles
que perante ele depõem, elementos estes que acabam por auxiliá-lo na formação
de seu convencimento.
Por todas estas razões, concluímos ser a identidade física do juiz de
suma importância para o processo, razão pela qual defendemos a sua aplicação
ao processo do trabalho após a extinção da representação classista na Justiça do
Trabalho e, por conseguinte, a instituição dos juízos monocráticos de primeira
instância (Emenda Constitucional 24).
Na situação pretérita que vigorava no modelo trabalhista, dos juízos
colegiados de primeiro grau, não havia qualquer sustentação jurídica para a
aplicação do referido princípio ao processo do trabalho, eis que o julgamento não
era ato monocrático.
No panorama atual, todavia, com o advento da Emenda Constitucional
24 que conferiu nova roupagem aos juízos de primeiro grau, não mais
porque se aplicar a Súmula 136 do Tribunal Superior do Trabalho
96
que, a nosso
ver, se mostra incompatível com a nova estrutura do Judiciário Trabalhista.
Neste sentido, embora de forma minoritária, a jurisprudência trabalhista
já tem acenado nesta direção. Senão, vejamos:
“Recurso ordinário. Prova testemunhal. Valoração. O julgador que
colhe a prova oral e prolata a sentença, em face de sua proximidade
com as partes e testemunhas quando dos depoimentos, encontra-se
em situação privilegiada no que tange à valoração da prova produzida.
Neste compasso, as impressões por ele recolhidas e que firmam seu
convencimento não podem ser menosprezadas. tal máxima ganha
96 Súmula 136 do TST: JUIZ. IDENTIDADE FÍSICA. “Não se aplica às Varas do Trabalho o princípio da identidade física
do juiz”.
84
relevância quando se reflete sobre o princípio da identidade física do
juiz para buscar a verdade real, sopesando os fatos para deles extrair
suas conclusões firmando seu convencimento”. 01656-2006-034-01-
00-5. Julgado em 27/11/2007, por unanimidade. Publicação DORJ de
23/01/2008, p. II, S. II, Federal. Relator designado: Desembargadora
Maria José Aguiar Teixeira Oliveira. 8ª Turma
97
.
A doutrina também é vacilante acerca do tema, razão pela qual merece
destaque o entendimento vanguardista de Jorge L. Souto Maior, ao encontrar na
oralidade a razão principal para a aplicação inequívoca da identidade física do
juiz. Segundo o jurista, o Tribunal Superior do Trabalho, relativamente à Súmula
136,
“...adotou como regra aquilo que somente por exceção poderia ser
concebido, desconsiderando, por inteiro, o fato de que o procedimento
trabalhista é oral, desmantelando toda a sistemática processual
trabalhista e causando-lhe imensos transtornos no que se refere à sua
celeridade e efetividade”
98
.
97 Prevalece, todavia, entendimento em sentido contrário, conforme se observa da leitura das seguintes ementas:
“PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. VARA DO TRABALHO. INAPLICABILIDADE. Nos termos da Súmula 136
do C. TST, não se aplica, no processo do trabalho, o princípio da identidade física do juiz, insculpido no art. 132 do diploma
adjetivo, tendo em vista que o processo trabalhista é informado também pelo princípio da celeridade. Recurso ordinário não
provido, no aspecto”. Recurso Ordinário. Data de julgamento: 29/05/2008. Relator(a): DAVI FURTADO MEIRELLES.
Acórdão nº: 20080463856. Processo nº: 01242-2005-201-02-00-5. Ano: 2007. Turma: 12.
“PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. INAPLICABILIDADE NA JUSTIÇA DO TRABALHO MESMO APÓS A
EXTINÇÃO DA REPRESENTAÇÃO CLASSISTA. A inobservância, no âmbito do Judiciário Trabalhista, do princípio da
identidade física do juiz que, aliás, tem sido paulatinamente mitigado, não fere os princípios de economia e de
concentração processual. Inolvidável a interpretação das regras de proteção ao trabalho, nas suas diretrizes basilares, em
que a informalidade, revestida de absoluta cautela, assume posição de relevância. A característica essencialmente
pragmática permite, por exemplo, que a constatação da inexistência de prejuízo às partes em decorrência da alteração da
presidência da Vara, inviabilize a decretação de nulidade da sentença, de conformidade com o artigo 794 da CLT, que
insculpe o princípio da transcendência norteador das lides trabalhistas”. TRT/SP - 20010262746 - RO - Ac. 2ªT
20030123164 - Rel. MARIANGELA DE CAMPOS ARGENTO MURARO - DOE 08/04/2003
98 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz, Direito processual do trabalho, p. 72.
85
Concluímos, portanto, que negar a aplicação princípio da identidade
física do juiz é o mesmo que afastar a finalidade e os efeitos da oralidade e da
imediatidade na colheita da prova.
3.10. Oralidade
:
Para melhor compreensão do princípio, iniciaremos o capítulo com
breve e sucinta análise histórica da oralidade na evolução do direito
99
.
O princípio teve berço no processo romano, circunstância em que o juiz
formava sua livre convicção a partir da observação pessoal e imediata dos fatos e
das provas que lhe eram submetidos, afastando-se de critérios formais e pré-
estabelecidos. O juiz romano julgava de acordo com sua consciência, extraindo a
conclusão dos elementos que lhe eram trazidos, não se prendendo a fórmulas,
nem a convenções preordenadas. Neste contexto, o princípio da oralidade teve
seu primado, possibilitando ao julgador melhor formar sua cognição daquilo que
apreciava diretamente.
Neste período a oralidade estava intimamente associada à
concentração dos atos, à imediatidade, à irrecorribilidade das decisões é à livre
convicção do juiz. Depois de ouvidas as partes, o juiz determinava diligências
para exame da coisa, ouvia testemunhas, procedia a inspeções pessoais,
ponderava os elementos e os indícios e proferia a sentença. As provas deveriam
ser colhidas pessoalmente pelo magistrado. Era defeso às partes interromper a
continuidade dos atos praticados ao longo do procedimento apelando das
decisões interlocutórias proferidas.
Na evolução histórica, sob acentuada influência germânica, formou-se
o processo romano-canônico, que tinha princípios muito diversos daquele modelo
que descrevemos no início. Neste período de profundas transformações, o
procedimento passou a ser caracterizado por uma série de normas formais,
99 CHIOVENDA, Instituições de direito processual civil, pp. 169-208.
86
prevalecendo o sistema da prova legal em substituição à livre convicção do
magistrado. A oralidade e todos os paradigmas a ela vinculados, como a
imediatidade, a concentração e a identidade física do juiz, foram suplantados pela
escrita e pela formalidade. Os fatos e as provas não eram mais dirigidos ao
convencimento do magistrado, mas à parte contrária, a natureza pública do
processo não encontrou mais espaço num ambiente em que a relação processual
passou a ser entendida exclusivamente como um conflito de interesses privados.
Durante toda a Idade Média, atingindo a Idade Moderna, prevaleceu o
apego às formalidades, sendo que a escrita predominou nas relações
processuais.
O rompimento deste modelo deu seus primeiros passos com a
renovação dos estudos científicos, a restauração e o fortalecimento da idéia de
Estado (publicistas do século XVIII, como Montesquieu) e, juntamente com tais
ideais, a vinculação do processo com o direito público. Neste contexto foi
restabelecido o princípio da livre convicção do julgador.
Com o objetivo de consagrar os ideais de justiça, celeridade e eficácia
do procedimento, foi resgatada, no período das reformas processuais
empreendidas no século XIX, a oralidade que vigorava no direito romano no
período dos formulários (entre 149 a.C. até o século II d.C.) e da cognitio extra
ordinem (ano 294 a 534 d.C).
Importante notar que nesse movimento evolucionista do processo, a
culminar na redescoberta da oralidade, o que se objetivava era possibilitar que a
entrega da prestação jurisdicional ocorresse em conformidade com a pretensão,
ou seja, a realização da boa e tempestiva justiça.
E para a efetivação de tais objetivos, nada mais adequado do que a
aproximação entre o julgador e a prova, sendo a oralidade o instrumento hábil a
tal fim.
87
A história, sobretudo o processo romano nos períodos em que
predominou a oralidade, permite-nos extrair a conclusão de que o processo oral é
o que melhor se adapta às demandas da vida cotidiana, eis que prestigia o
contato direto e imediato do juiz com os elementos necessários ao seu
convencimento.
A colheita da prova oral de forma pessoal pelo próprio juiz
(imediatidade) que irá julgar a causa (identidade física) facilita a aferição da
sinceridade da prova. Por conseguinte, assegura a excelência e a efetividade da
prestação jurisdicional, que podem restar comprometidas no processo
eminentemente escrito, em que a palavra falada e o contato imediato do julgador
com a prova são substituídos pela formalidade das petições e retratação dos
fatos por meio de documentos, tornando fria e distante a realidade ocorrida e que
se pretendia resgatar durante o processo.
Consoante ressaltamos nos itens anteriores, os sinais emitidos pelo
tom e firmeza da voz, a segurança na forma de apresentar e referir-se a certos
fatos, os trejeitos das partes e das testemunhas nos depoimentos são
transmitidos apenas por meio da oralidade, perdendo-se completamente ao
serem reproduzidos pela forma escrita.
100
Neste diapasão, Jeremias Bentham prelecionava:
“Não pode o juiz conhecer por suas próprias observações esses
caracteres de verdade tão relevantes e tão naturais que se manifestam
na fisionomia, no som da voz, na firmeza, na prontidão, nas emoções
de medo, na simplicidade da inocência, no embaraço da má-fé; pode-
se dizer que ele cerrou a si próprio o livro da natureza, e que ele se
100 Para o mestre italiano Chiovenda, a oralidade é um princípio “segundo o qual as deduções das partes devem
normalmente fazer-se a viva voz na audiência, isto é, no momento e lugar em que o juiz se assenta para ouvir as partes e
dirigir a marcha da causa”, ob. cit., p. 93.
88
tornou cego e surdo em casos nos quais é necessário tudo ver e tudo
ouvir”.
101
Assim, ao defendermos a vantagem da oralidade, notadamente na
instrução probatória, não estamos aqui fazendo mera apologia ao jogo de
palavras e aos debates entre os contendores, nem à eliminação de toda e
qualquer forma escrita de retratação dos atos. O que defendemos, na verdade, é
a prevalência da oralidade enquanto princípio a assegurar a entrega da prestação
jurisdicional eficaz, tempestiva e justa.
A importância do referido princípio, desta feita, além da correlação que
guarda com os princípios da imediatidade, da identidade física do juiz, da
concentração dos atos processuais em audiência e da irrecorribilidade das
decisões interlocutórias
102
, justifica-se por prestigiar de forma mais célebre,
eficiente e transparente o resgate da realidade dos fatos que se imiscui nas
formalidades do processo tradicionalmente escrito.
Em que pesem os benefícios rendidos pela oralidade ao resultado do
processo, todavia, podemos asseverar que não foi totalmente encampada pelo
direito processual civil brasileiro contemporâneo.
Embora tenha sido, por resultado da grande influência dos
ensinamentos de Chiovenda, acolhida de forma ampla pelo legislador no Código
de Processo Civil de 1939, seus ideais restaram mitigados no Código de
Processo Civil de 1973 (conforme exposição de motivos do Código
103
),
101 Apud CHIOVENDA, ob. cit., p. 999.
102 SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil, 2º vol., pp. 85-86.
103 Exposição de Motivos do CPC/73: Capítulo IV, “Do Plano de Reforma”, item II, 13: “O projeto manteve, quanto ao
processo oral, o sistema vigente, mitigando-lhe o rigor, a fim de atender a peculiaridades da extensão territorial do país. O
ideal seria atingir a oralidade em toda a sua pureza. Os elementos que a caracterizam são: a) a identidade da pessoa física
do juiz, de modo que dirija o processo desde o início até o julgamento; b) a concentração, isto é, que em uma ou em
poucas audiências próximas se realize a produção das provas; c) a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, evitando
cisão do processo ou a sua interrupção contínua, mediante recursos, que devolvem ao Tribunal o julgamento da decisão
impugnada. (...) Atendendo a estas ponderações, julgamos de bom aviso limitar o sistema de processo oral, não só no que
89
notadamente no que diz respeito à concentração dos atos e das provas em
audiência e à irrecorribilidade das decisões interlocutórias.
A propósito, o modelo processual do Código de 1973 resultou num
misto, em que a forma escrita passou a ter presença notável durante as várias
fases do procedimento.
Mesmo não tendo atingido sua plenitude na norma processual civil
positivada, a oralidade provocou, ao longo dos anos que sucederam à entrada
em vigor do CPC de 1973, reação entre os juristas, atentos para sua importância
em relação à efetividade e à celeridade da entrega da tutela jurisdicional. A
doutrina, por conseguinte, retomou os debates acerca da relevância do
procedimento oral, o que culminou em algumas reformas legislativas, sendo seu
maior exemplo a Lei nº 9.099/95, a disciplinar o procedimento dos Juizados
Especiais Cíveis e Criminais.
104
Em contraposição ao que ocorreu com o modelo original de processo
adotado pelo CPC de 1973, o direito processual do trabalho trouxe logo em sua
gênese o princípio da oralidade
105
, tendo a Consolidação das Leis do Trabalho
lhe reservado tratamento especial em matéria de instrução probatória.
Sempre na vanguarda do direito, o processo do trabalho, também no
que refere à oralidade, acabou por influenciar grande parte das reformas havidas
no processo comum, notadamente a Lei dos Juizados Especiais.
Em análise do princípio da oralidade no processo civil, penal e
trabalhista, concluíram Cintra, Grinover e Dinamarco que o último foi o único a
homenagear em sua inteireza o princípio em comento:
toca ao princípio da identidade da pessoa física do juiz, como também quanto à irrecorribilidade das decisões
interlocutórias (...)”.
104 Art. da lei 9099/95 O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia
processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.
105 Embora não tenha vingado, o Anteprojeto de Código de Processo do Trabalho elaborado e apresentado por Mozart
Victor Russomano, em seu artigo 4º, prestigiava a simplicidade do processo do trabalho, elegendo a oralidade como um
dos mais importantes princípios a reger o procedimento.
90
“Já as coisas se passam diversamente no processo trabalhista, que viu
romper com os esquemas clássicos, estruturados para acudir a um
processo de índole individualista e elitista. Correspondendo às
exigências específicas dos trabalhadores, o processo do trabalho
operou importantes modificações em direção a um processo simples,
acessível, rápido e econômico, permeado de verdadeira oralidade, de
publicização e democratização.”
106
A oralidade do processo trabalhista (CLT, artigos 848, 852 e 852-H),
com destaque na fase instrutória e na colheita das provas em audiência (princípio
da concentração), tem por fim garantir a plena realização da justiça social, à
medida que facilita a perquirição da verdade em decorrência da aproximação do
juiz em relação aos fatos e aos elementos necessários à sua cognição.
A predominância da oralidade no procedimento trabalhista justifica-se,
além da concentração dos atos em audiência, da imediatidade do juiz na colheita
da prova e da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, também em razão da
íntima relação que mantém com outros princípios que a informam. São eles:
1) princípio do impulso oficial, que na instrução revela-se na livre
investigação das provas e nos amplos poderes instrutórios do juiz;
2) princípio inquisitório, com traços marcantes no processo trabalhista,
notadamente em matéria de produção de provas
107
.
Neste sentido, merecem destaque as lições de Chiovenda:
“Um processo, portanto, pode diferenciar-se dos outros:
106 CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, ob. cit., p. 326.
107 A iniciativa do juiz em matéria de instrução não prejudica e nem exclui a necessidade das partes na produção das
provas necessárias à demonstração dos fatos que servem de fundamento a suas alegações.
91
a) Conforme aplica ou deixa de aplicar, ou aplica em diferente medida,
os princípios (entre si estritamente conexos): da oralidade (...).
(...)
d) Conforme sejam as atividades de simples impulso processual, a
saber, destinadas unicamente a fazer progredir a lide, confiadas às
partes (princípio do impulso processual da parte), ou ao juiz (princípio
do impulso processual de ofício), predominantemente, o segundo, nos
processos orais (adiante, nº 206).
e) Conforme se atribua a coleta do material de cognição (fatos e
provas) exclusivamente às partes (princípio de disposição ou da
iniciativa ou da responsabilidade das partes), ou se admita em maior ou
menor grau a ingerência do juiz nessa operação (princípio inquisitório
ou da iniciativa do juiz); ingerência que se concebe praticamente no
processo oral (adiante, nº 261).
Por estas razões, concluímos que a oralidade exerce importância
singular na instrução processual, conferindo-lhe utilidade no resgate da verdade
dos fatos e, por conseguinte, assegurando efetividade e credibilidade à decisão.
92
4. A IMPORTÂNCIA DA PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO
4.1. Verdade real e verdade formal
A análise sobre a importância da prova no processo remete-nos à
reflexão acerca da verdade.
A verdade sempre despertou interesse nas mais diversas áreas da
atuação humana, desde a religião até as artes e a filosofia, tendo alguns filósofos
questionado a sua existência e outros, em contrapartida, sido condenados à
morte por defendê-la e venerá-la, como ocorreu com Sócrates (Platão, Fédon).
Para a ciência jurídica, notadamente no campo processual, a busca da
verdade absoluta diz respeito a um problema de ordem política e social do direito,
e não a uma questão de ordem meramente lógica.
A propósito, embora a verdade retratada nos autos seja a formal
(processual), ou seja, aquela resultante das provas produzidas durante a
instrução e, portanto, regra condicionante do julgamento porque a lei assim o
estabelece (CPC, art. 131), o objetivo maior da instrução processual é a busca da
verdade real (material), isto é, aquilo que efetivamente ocorreu no mundo.
Nas palavras de Nicola Framarino dei Malatesta, “a finalidade suprema
e substancial da prova é a verificação da verdade”.
108
A verdade formal, traduzida pelo objeto provado nos autos, todavia,
nem sempre corresponde à verdade real, embora o processo moderno tenha
108 A lógica das provas em matéria criminal, trad. de Waleska Girotto, Conan, 1995, apud PAULA, Carlos Alberto Reis de,
A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho, p. 69.
93
munido o juiz de vários instrumentos hábeis a possibilitar a perseguição desta
verdade material
109
.
E a discrepância verificada na prática entre a verdade processual e a
verdade material deve-se, em muitas das vezes, à atuação das partes, que
negligenciam na demonstração da verdade, ou utilizam de expedientes aptos a
imiscuí-la, razão pela qual a atuação do juiz, na visão moderna publicista
hodierna do processo, passou da posição de mero espectador (princípio
dispositivo) para uma função ativa no resgate da realidade ocorrida (CPC, art.
130; CLT, art. 765)
110
.
Em que pese a verdade formal vincular as razões do convencimento do
juiz (CPC, art. 131) a sentença deve, por lei, obediência a esta “verdade” dos
autos -, como bem ponderou Teixeira Filho, “o processo somente atinge, com
plenitude, a sua verdadeira razão teleológica quando a verdade formal coincide
com a real”
111
.
Importante esclarecer aqui, até mesmo com a finalidade de servir de
contraponto ao raciocínio e à conclusão que defendemos neste particular, que a
doutrina mais tradicional entende que a convicção do julgador deve contentar-se
com as provas que produzidas nos autos, limitando de certa forma a iniciativa do
magistrado na busca da verdade real.
Para referida corrente de pensamento, o processo deve concluir com
um conhecimento “relativo” dos fatos, sendo que a instrução processual objetiva
apenas resgatar a “verdade histórica” e não a material -, ou seja, aquela que
encontra limite natural na demonstração dos fatos alegados pelos litigantes nos
autos, possibilitando assim a “tutela dos direitos subjetivos”, conforme
109 Na concepção publicista do processo, a instrução processual atribuiu ao juiz amplos poderes investigativos com a
finalidade maior de conferir credibilidade e respeitabilidade ao processo, enquanto método de efetivação concreta do
direito e de justiça social.
110 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz.
111 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 40.
94
prelecionava Chiovenda, ou, na lição de Carnelutti, a concreção da “vontade
abstrata da lei”.
112
Carlos Alberto Reis de Paula assim analisou a dicotomia entre a
“verdade real e a verdade formal”, correlacionando-as com a finalidade do
processo (pp. 78 e 80): “Na investigação judicial não se buscam verdades
absolutas, mas verdades históricas, limitada à comprovação das afirmações e
dos fatos alegados pelas partes”. E mais adiante arremata: “A verdade
processual é uma verdade histórica, alcançada por um juízo histórico sobre os
fatos ocorridos. O julgado ao dizer que um fato é verdadeiro está simplesmente
consagrando que a prova foi suficiente para lhe dar a certeza do evento”.
113
Humberto Theodoro, buscando solução intermediária, assevera que,
embora o objetivo do processo moderno seja a busca da verdade real, é na
verdade formal, ou seja, aquela advinda da prova dos autos, que o juiz deve
firmar sua convicção, atribuindo às partes o ônus de demonstrar os fatos:
“O processo moderno procura solucionar os litígios à luz da verdade
real e é, na prova dos autos, que o juiz busca localizar esta verdade.
Como, todavia, o processo não pode deixar de prestar a tutela
jurisdicional, isto é, não pode deixar de dar solução jurídica à lide,
muitas vezes esta solução, na prática, não corresponde exatamente à
verdade real. O juiz não pode eternizar a pesquisa da verdade, sob
pena de inutilizar o processo e de sonegar a justiça postulada pelas
partes. (...) Assim, se a parte não cuida de usar das faculdades
processuais e a verdade real não transparece no processo, culpa não
cabe ao juiz de não ter feito a justiça pura, que, sem dúvida, é a
aspiração das partes e do próprio Estado.”
114
112 CHIOVENDA, Princípios de derecho procesal civil, Madrid, Réus, I, p. 95; CARNELUTTI, La prueba civil, Depalma, p.
3; apud PAULA, Carlos Alberto Reis de, A especificidade do ônus da prova, p. 67.
113 PAULA, Carlos Alberto Reis de, A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho (pp. 78-80).
114 THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de direito processual civil, Vol. I, pp. 377-378.
95
Entendemos, todavia, conforme razões exaradas neste capítulo, que a
concepção hodierna do processo, cujo principal escopo é assegurar a harmonia
social, não mais se contenta com a verdade formal e histórica dos fatos, sem que
tenha havido uma comprometida investigação da realidade durante a instrução.
A efetividade da prestação jurisdicional não é assegurada pela mera
“versão processual” emergente nos autos, resultante da atuação, muitas vezes
deficiente e incompleta das partes, daí porque se mostra adequada e útil a
iniciativa instrutória do juiz.
Neste sentido, Nery assim preleciona em seus comentários ao CPC:
“Verdade real e verdade formal. O ideal do Direito é a busca e o
encontro da verdade real, material, principalmente se o direito sobre o
que versam os autos for indisponível. No direito processual civil
brasileiro vige o princípio do livre convencimento motivado do juiz
(CPC, art. 131), mas sempre com o objetivo de buscar a verdade
real”.
115
Na visão publicista contemporânea, para que o processo atinja sua
finalidade precípua de pacificar o conflito com justiça, necessária se faz uma
atuação mais ostensiva do magistrado na busca da verdade real, ou mais
próxima possível dela.
O que não se admite mais é a simples e cômoda adequação do
julgamento à verdade processual traduzida pela prova insuficiente produzida
pelos contendores, sem que tenha havido efetivo comprometimento do julgador
com o resgate da realidade dos fatos controvertidos, garantindo, com isso,
credibilidade e respeitabilidade ao poder-dever em que está investido pelo
Estado.
115 NERY, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade, Código de processo civil comentado, p. 606.
96
Não podemos nos olvidar, a propósito, que toda relação processual é
movida por um interesse público estatal superior ao interesse particular dos
litigantes, representado pela administração adequada da justiça e, por meio dela,
a garantia da paz social.
O sentido ético de que é dotada a relação processual, destarte, permite
que o juiz, quando reputar necessário, determine a produção complementar de
provas para a busca da verdade real, suprindo a deficiência ou impossibilidade
de produção de prova pelas partes.
E no processo do trabalho, cuja relação de instrumentalidade com o
direito substancial deve pautar-se, dentre outros princípios, sobretudo na
primazia da realidade, a busca da verdade real é o vetor a nortear o julgador,
justificando uma atuação mais ostensiva, permanente e, outras vezes,
complementar à das partes, na perseguição e no resgate da realidade dos fatos.
Para ilustrar tal conclusão, confira-se o exemplo: o trabalhador alega
recebimento de salário “por fora”, porém, não detém meios de prova, eis que o
pagamento era feito através depósito em conta não identificada, não sendo
fornecido ao trabalhador qualquer extrato bancário; neste caso, a verdade real
somente seria obtida se o juiz, verificando a impossibilidade da prova pela parte,
utilizando-se de seus poderes instrutórios (CPC, art. 130 e CLT, art. 765),
determinasse a expedição de ofícios ao banco, a fim de obter as informações
elucidadoras dos fatos controvertidos relevantes ao deslinde do feito.
Outro exemplo: em demanda em que se pretende o reconhecimento de
vínculo de emprego, o reclamante não tem testemunhas; a reclamada, embora
negue inclusive a prestação de serviços (razão pela qual o ônus da prova seria
do empregado), junta, por equívoco, em sua defesa uma declaração do diretor-
presidente da empresa dando ordens expressas de serviços ao reclamante; ante
o documento, inquirida, a alega que se tratava apenas de um serviço
específico e eventual contratado (embora não alegado em defesa); ante a
contradição entre o documento juntado pela e a defesa apresentada, visando
97
resgatar a verdade material dos fatos ocorridos, poderia o magistrado determinar
o comparecimento do emitente da declaração em juízo, como testemunha, para
esclarecer o conteúdo declarado no documento, a partir daí fazendo o elo entre
tal prova e o fato que serviu de fundamento ao pedido principal da demanda.
Da mesma forma, com o objetivo de prestigiar a prevalência da
verdade material sobre a processual, o julgador pode decidir em desfavor da tese
da petição inicial em caso de revelia
116
, se as alegações de fato do autor forem
abusivas, improváveis, inverossímeis ou contrárias aos elementos dos autos.
Vejamos: o empregado alega que trabalhava em jornada diária de 22 (vinte e
duas) horas, sem qualquer intervalo intrajornada, nem descanso semanal, em
contrato que perdurou por mais de cinco anos, sendo que todos os dias
demorava cerca de quatro horas para deslocar-se da residência para o trabalho e
vice-versa; o empregador é revel; em que pese o quanto preceituado no art. 319
do CPC, a ratio legis do presente dispositivo apenas dispensa a prova do quanto
alegado na inicial, todavia, não obriga o julgador a acolher como verdadeiros os
fatos alegados na inicial; no caso, ante a jornada absurda e inverossímil alegada
pelo trabalhador e a absoluta impossibilidade matemática de cumprimento de tal
horário, incompatível inclusive com o tempo de deslocamento residência-trabalho
e vice-versa, o julgamento será desfavorável ao empregado, em que pese a
revelia do empregador.
A busca da verdade real, assim, deve caminhar em harmonia com a
efetividade da prestação jurisdicional, sendo este o sentido a guiar a atividade
instrutória e justificar a produção de provas.
Por outro lado e sem prejuízo dos demais argumentos anteriormente
expostos, importante notar que a justa pacificação do conflito somente será
atingida se a tutela for entregue de forma tempestiva, em prazo razoável (art. 5º,
LXXVIII, CF/88), sob pena de comprometimento do ideal de efetividade.
116 AMENDOEIRA JR., Sidnei, Poderes do juiz e tutela jurisdicional: a utilização dos poderes do juiz como forma de
obtenção da tutela jurisdicional efetiva, justa e tempestiva, p. 116-117.
98
A propósito, a omissão absoluta da parte em produzir a prova do fato
que a favorece, embora tendo disponibilidade sobre ela, deixando de fazê-lo por
incúria, negligência ou por opção, não justificaria a perpetuação da relação
processual em busca da verdade real, eis que, neste caso estar-se-ia
postergando a prestação jurisdicional imotivadamente, e também causando
injustiça com os litigantes que tem direito à entrega célere e eficiente do
provimento judicial.
No referido caso, o magistrado deve decidir de acordo com os
elementos existentes nos autos, pautando-se nas regras do ônus da prova e, em
caso de alegações absurdas e inverossímeis das partes, nortear seu julgamento
pelas máximas de experiência comum e científicas, presunções e indícios, bem
como juízos de probabilidade, razoabilidade, plausibilidade e verossimilhança.
4.2. Finalidade da prova
A prova tem por finalidade, conforme preconiza a doutrina, o
convencimento do juiz relativamente à verdade de um fato que
117
, ao final do
processo, poderá ou não corresponder à realidade (verdade absoluta).
Quando a verdade processual não corresponder à verdade material,
diz-se que representa uma certeza relativa (certeza psicológica
118
), apenas
suficiente a limitar o convencimento do magistrado à prova dos autos.
A atividade probatória deve consistir no liame entre o pedido de
prestação jurisdicional e a entrega do provimento, eis que o material de prova
117 MIRANDA, Pontes de, Comentários ao código de processo civil, p. 260.
118 LIEBMAN, Manuale di diritto processuale civile, Milano, 1973, vol. 2, p. 68, apud Vicente Greco Filho, Direito
processual civil brasileiro, volume 2, pág. 182, nota de rodapé: “por maior que possa ser o escrúpulo colocado na procura
da verdade e copioso e relevante o material probatório disponível, o resultado ao qual o juiz poderá chegar conservará,
sempre, um valor essencialmente relativo: estamos no terreno da convicção subjetiva, da certeza meramente psicológica,
não da certeza lógica, daí tratar-se sempre de um juízo de probabilidade, ainda que muito alta, de verossimilhança (como é
próprio a todos os juízos históricos)”.
99
colhido ao longo da instrução destina-se ao convencimento do juiz acerca da
existência dos fatos alegados pelas partes.
Ao analisar a temática em estudo, Amaral Santos preconizava a
finalidade da prova como sendo:
“(...) a formação da convicção quanto à existência dos fatos da causa.
Visa, assim, em primeiro lugar, a verificar se os fatos afirmados são
certos, ou seja, a criar a certeza quanto à sua existência. A certeza
tornada inabalável, pela exclusão de todos os motivos contrários ou
divergentes, se faz convicção”.
119
Embora a doutrina tradicional preconize que a formação da cognição
do magistrado seja pautada em uma certeza relativa dos fatos, sendo esta a
finalidade prática da instrução processual, por outro lado, não nos olvidemos de
que o processo atingirá seu escopo social à medida que a verdade formal se
aproximar cada vez mais da verdade real.
Na visão processual contemporânea, notadamente na seara
trabalhista, em que o processo justifica-se por sua finalidade social, mostra-se
incompatível com as demandas da sociedade a idéia de acomodação do
magistrado com a “versão dos fatos” trazida apenas pelas partes, quando esta
“versão”, analisada à luz dos demais elementos dos autos, não corresponde à
verdade real.
Segundo Teixeira Filho:
“Ao juiz, inegavelmente, faz sobressaltar a mera possibilidade de saber
que terá, em determinado caso e sem culpa sua, de tomar a nuvem por
Juno (ou seja, a verdade formal pela real), que se é afligente para ele é
pior para o processo e desastroso para a credibilidade do próprio Poder
119 SANTOS, Moacyr Amaral, Comentários ao Código de Processo Civil, IV Vol., p. 9.
100
Judiciário, notadamente aos olhos do vencido, com quem a verdade
real igualmente sucumbiu”.
120
Independentemente da natureza jurídica da relação de direito material
trazida aos autos, é certo que todo processo tem um interesse público maior, que
não fica restrito às partes, mas diz respeito ao Estado-juiz e à sociedade, que
buscam a plena realização da justiça e harmonia social (interesse coletivo
suplantando o interesse individual das partes).
Assim, ao tratarmos da finalidade, devemos ter em mente que é
“através da prova que se alcança o escopo do processo”
121
.
A perseguição da verdade por meio de uma atividade instrutória
completa e exauriente, contando diretamente com uma participação ativa do
magistrado, segundo concepção mais atual da importância de sua atividade e
sua função para a melhor solução do litígio
122
, confere credibilidade e
respeitabilidade ao processo como instrumento de efetivação concreta do direito
e de justiça social.
Neste sentido, Russomano, ao analisar o alcance da atividade
instrutória oficial frente ao art. 765 da CLT, ponderou que juiz do século XX
deveria ser criativo, não se conformando mais em apenas refletir na decisão
aquilo que lhe era trazido pelas partes; portanto, para que fosse atendido o
interesse público maior de realização da justiça (bem coletivo), não poderia
continuar a ser passivo, aguardando necessariamente a provocação dos litigantes
para qualquer providência durante toda a relação processual.
120 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 41.
121 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, p. 110.
122 RUSSOMANO, Mozart Victor, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, p. 830 (art. 765).
101
Retomaremos o tema em referência, notadamente quanto à atuação do
juiz na instrução processual, no capítulo dedicado ao estudo da “atividade
instrutória do juiz do trabalho”.
102
5. OBJETO DA PROVA:
A atividade probatória destina-se a trazer a lume a existência e a
certeza de um determinado fato que seja controvertido, relevante e pertinente à
demanda.
Em regra, a prova não se refere ao direito, como decorrência natural do
princípio segundo o qual é presumido seu conhecimento pelo juiz (iura novit
curia), sendo defeso alegar seu desconhecimento para integral observância de
seu preceito. Como será visto adiante, excepcionalmente a atividade probatória
dirige-se a demonstrar a existência e a vigência da norma municipais, estaduais e
estrangeiras, quando controvertidas, bem como no que se refere ao costume
como fonte de direito.
5.1. Fatos que dependem de prova
:
A atividade probatória, conforme estudado anteriormente, tem por
finalidade a busca da verdade e a formação do convencimento do magistrado.
Neste contexto, o objeto de perquirição da prova são os fatos
controvertidos, relevantes e pertinentes ao litígio, sendo para a elucidação destes
fatos destinada a atividade instrutória.
Conforme preconiza o art. 332 do CPC, são objeto de prova os “fatos
em que se funda a ação ou a defesa”.
A atividade probatória deve girar em torno do esclarecimento dos fatos,
principais e secundários, sobre os quais se fundamenta o conflito de interesses
da lide, pois estes são os elementos desconhecidos pelo julgador. Somente a
partir do seu convencimento a respeito da existência destes fatos é que poderá
decidir-se em favor de uma parte ou de outra, entregando de forma eficaz a
prestação jurisdicional.
103
Fatos controvertidos são objeto de prova, porque, em princípio, apenas
aqueles que foram contestados pelo réu é que deverão ser demonstrados em
juízo, eis que a ausência de impugnação acerca de um determinado fato
afirmado por uma parte dispensa atividade probatória, eis que se torna
incontroverso.
Todavia, conforme bem ponderado por Amaral Santos
123
, importante
destacar que fatos que, a despeito de não terem sido contestados ou
impugnados de forma específica pela parte contrária, demandam dilação
probatória, consoante hipóteses a seguir referidas.
O primeiro caso trata-se de situação em que a lei determina que a
prova de um fato se faça por forma especial da prova, como ocorre com a
insalubridade e a periculosidade. Mesmo não havendo contestação acerca deste
fato, ou seja, o ambiente insalubre ou perigoso, em razão de previsão legal
taxativa (CLT, art. 195; CPC, art. 302), passa a ser imprescindível, sob pena de
nulidade, a produção da prova pericial.
Na mesma toada, outros fatos que, embora também não
impugnados pela parte contrária, quando confrontados com os demais elementos
dos autos, reclamam atividade probatória por não serem verossímeis, ou por
provocarem no espírito do julgador um estado de perplexidade, situação em que
a segurança da decisão demanda atividade instrutória.
A respeito do estado de dúvida gerado por certas circunstâncias da
instrução processual, assim ponderou Isis de Almeida:
123 SANTOS, Moacyr Amaral, Comentários ao código de processo civil, IV vol., p. 42: “Nada obsta, porém, a que, embora
não contestados, em dadas circunstâncias deva ser feita a prova dos fatos, o que se verifica: a) quando reclamada pelo
juiz, para o fim de formar com mais segurança o seu convencimento; b) ou quando a lide versar sobre direitos indisponíveis
como nas ações de anulação de casamento; ou c) quando a lei exija que a prova do ato jurídico se revista de forma
especial (prova da propriedade imobiliária, de direito real de garantia, do casamento, da separação etc)”.
104
“Finalmente, deve-se acrescentar que, se é certo que o fato
controverso tem de ser provado, pode-se dar o caso de um fato
incontroverso provocar uma dúvida no espírito do julgador, quando as
circunstâncias indiquem que interessa à Justiça constatar a verdade
real daquele fato, por serem possíveis prejuízos a terceiros, ao Estado
ou ao interesse público, originados na incontrovérsia, que, afinal de
contas, revela-se nos autos apenas por concordância das partes. É a
ocorrência da simulação do CC (art. 102) que, em face das
circunstâncias do disposto no art. 129 do CPC, cumpre ao juiz
esclarecer.”
124
A título ilustrativo das situações mencionadas no parágrafo anterior,
relativamente ao estado de dúvida provocado no espírito do julgador, ante as os
elementos dos autos, invocamos dois exemplos:
1º) Na petição inicial é alegada determinada jornada extraordinária,
porém, os documentos juntados pelo autor fazem crer que naquele horário
prestava serviços em outra empresa; a despeito da ausência de impugnação
específica da ré, o horário de trabalho demanda dilação probatória, eis que em
confronto com outros elementos carreados aos autos pelo próprio titular do direito
perseguido.
2º) O empregador, embora não tenha impugnado especificamente a
jornada de trabalho alegada pelo autor e, portanto, deixando de se desincumbir
do ônus da impugnação especificada dos fatos, todavia, junta à defesa os cartões
de ponto que registram horário de trabalho bastante variado, com apontamento
de muitas horas extras, todavia, pagas e diversas das alegadas pelo empregado;
se o autor impugnar os documentos carreados pela ré, atrairá para si o ônus da
prova, do qual deverá se desincumbir, ainda que os fatos relevantes relativos à
jornada de trabalho não tenham sido especificamente contestados, mas sim
contrariados pela prova documental verossímil; neste caso, também necessária a
124 ALMEIDA, Isis de, Manual de direito processual do trabalho, 2º volume, p. 115:
105
instrução probatória, eis que os elementos dos autos suscitam estado de
perplexidade no julgador.
Neste contexto, a confissão ficta de uma das partes, que resulta na
ausência de controvérsia acerca dos fatos, não conduz necessariamente à
dispensa de realização de provas, à medida que o abortamento da instrução
processual, em casos que demandariam melhor investigação da matéria fática,
dadas as circunstâncias dos autos, poderia comprometer a própria finalidade
social do processo e a adequada realização da justiça.
Daí porque, dependendo do quadro que se desenhar na relação
processual, deve o julgador, munido de poderes instrutórios assegurados por lei
(CPC, art. 130 e CLT, art. 765), investigar a verdade dos fatos, assegurando, com
tal iniciativa, credibilidade à decisão que proferirá.
125-126
Ademais, não basta que os fatos sejam controvertidos para justiçar a
dilação probatória. Demandam prova aqueles fatos que sejam necessariamente
relevantes ao deslinde do feito, bem como pertinentes ao litígio, eis que neles se
fundamenta o conflito intersubjetivo de interesses. Prescindem, por outro lado, de
instrução os fatos que, embora alegados por alguma das partes, sejam
irrelevantes e impertinentes à controvérsia e, por conseguinte, à solução do
litígio. A propósito, a atividade instrutória deve obedecer aos princípios da
economia processual, da necessidade e da utilidade da prova.
125 "MANDADO DE SEGURANÇA - CONFISSÃO FICTA APLICADA AO RECLAMANTE - PRODUÇÃO DE PROVA
DETERMINADA ÀS RECLAMADAS PELO JUIZ - VIOLAÇÃO DO ART. 343, parágrafo 1º, DO CPC - Inocorre violação a
direito líquido e certo da parte quando o Juiz,"ex officio"(CPC, art. 130), complementa a prova iniciada pela parte,
notadamente para evitar julgamento em estado de perplexidade ou incerteza de justiça. Segurança que se denega".
(Mandado de Segurança. Data de Julgamento: 29/04/2003. Relator: Plinio Bolivar De Almeida. Acórdão nº: 2003011844.
Processo nº: 12565-2002-000-02-00-9. Ano: 2002. Turma: SDI. TRT/SP. Data de Publicação: 10/06/2003).
126 Por outro lado, também em razão do poder-dever de bem conduzir a relação processual (CPC, art. 125), notando o
julgador que a parte desfavorecida pela confissão pretende apenas postergar o deslinde da controvérsia (S. 74, II, in fine,
TST), e não havendo qualquer elemento nos autos que provoque estado de perplexidade e justifique, por conseguinte,
dilação probatória, deve ceifar diligências inúteis e protelatórias, que comprometeriam os princípios da economia
processual e da celeridade na entrega da prestação jurisdicional.
106
A relevância e a pertinência dizem respeito a todos os fatos sobre os
quais versa o litígio, sejam principais ou secundários, desde que digam respeito
às questões suscitadas pelas partes e, portanto, exerçam influência no
julgamento do feito.
Com vistas à delimitação dos fatos controversos, relevante e
pertinentes que servem de substrato ao litígio, reputamos como medida salutar,
inclusive no processo do trabalho haja vista a compatibilidade do procedimento
e a utilidade da providência ao resultado da relação processual - o juiz fixar, ao
início da audiência, os pontos sobre os quais deverão recair as provas
necessárias ao deslinde do feito, a teor do que dispõe o artigo 451 do CPC
(aplicado subsidiariamente ao processo do trabalho por força do artigo 769 da
CLT).
Por conseguinte, a prestação jurisdicional deverá considerar os fatos
relevantes alegados e provados pelas partes, submetidos ao contraditório,
adequando-os à norma legal pertinente, ainda que por fundamentos jurídicos
diversos daqueles em que assentaram os litigantes as suas respectivas teses (da
mihi factum, dabo tibi ius).
Ademais, o juiz deve também conhecer dos fatos relevantes
supervenientes à propositura da ação e que exercerão influência no julgamento
do litígio, desde que também submetidos ao contraditório, (CPC, art. 462).
Todavia, os fatos supervenientes que devem ser considerados pelo
julgador no ato da sentença e, portanto, não sujeitos à preclusão, são aqueles
efetivamente ocorridos após a distribuição da ação ou da apresentação da
defesa, momento em que se estabiliza a relação processual.
A propósito, a jurisprudência trabalhista sedimentou entendimento no
sentido de que o juiz deve conhecer de ofício, em qualquer instância, o fato
107
superveniente de que trata o art. 462 da CLT, ou seja, independentemente da
provocação da parte, conforme se denota da leitura da Súmula 394 do C. TST.
127
5.2. Fatos que dispensam prova
:
Como visto acima, a atividade probatória recai sobre aquilo é duvidoso,
incerto, inverossímil, motivo pelo qual não é suficiente a mera alegação da parte
para demonstrar a existência ou inexistência do fato, bem como para formar o
convencimento do julgador.
Em contrapartida, dispensam atividade probatória os fatos notórios,
aqueles que são afirmados por uma parte e confessados pela outra, os admitidos
no processo como incontroversos e em cujo favor milita presunção legal de
existência ou veracidade (CPC, art. 334).
a) Fatos notórios:
Iniciemos o estudo pela análise pelos fatos notórios.
Piero Calamandrei definiu como notórios “aqueles fatos cujo
conhecimento faz parte da cultura normal própria de determinada esfera social no
tempo em que ocorre a decisão”.
128
Para Couture, “podem reputar notórios aqueles fatos que fazem
naturalmente parte do conhecimento, da cultura ou da informação normal dos
indivíduos, atendendo-se ao lugar ou ao círculo social e ao momento
determinado no qual ocorre a decisão”.
129
127 Súmula 394 do TST: “O art. 462 do CPC, que admite a invocação de fato constitutivo, modificativo ou extintivo do
direito, superveniente à propositura da ação, é aplicável de ofício aos processos em curso em qualquer instância
trabalhista”.
128 Apud AMARAL SANTOS, Moacyr, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 338.
129 COUTURE, Eduardo Juán,
Fundamentos do direito processual civil, p. 111. Em contraposição, BATALHA, Wilson de
Souza Campos, in Tratado de direito judiciário do trabalho, vol. II, pp. 95-96, limita o fato notório apenas ao de
108
Humberto Theodoro Júnior assim definiu fatos notórios: “São fatos
notórios os acontecimentos ou situações de conhecimento geral inconteste, com
as datas históricas, os fatos heróicos, as situações geográficas, os atos de
gestão política etc. O conceito de generalidade pode não se referir à unanimidade
de um povo, que a notoriedade pode ocorrer apenas num determinado círculo
social ou profissional”.
130
Do cotejo entre os conceitos traçados por abalizados doutrinadores,
arriscamos uma definição nossa para os fatos notórios: são os acontecimentos
não contestados, que fazem parte do conhecimento geral ou de um determinado
grupo social, tais como datas históricas, fatos políticos e econômicos, situações
geográficas etc, que tem relevância no tempo em que a decisão for proferida.
A partir do estudo dos elementos que informam o conceito de fato
notório, destacamos que a notoriedade de que trata o art. 334 do CPC, para
prescindir de atividade probatória, deve ser dotada das seguintes características:
a) ser de conhecimento geral ou de um determinado grupo social ou comunidade
(ex: encerramento da atividade econômica de uma empresa local, proibição de
utilização de outdoor e outras mídias visuais como meio publicitário em
determinada cidade, dentre outros); b) ser inconteste a sua existência ou
inexistência; c) a notoriedade pode dizer respeito também a fatos históricos
ocorridos em épocas pretéritas, mas de conhecimento geral da sociedade (ex: dia
da independência do país, Natal, dia de eleição nacional, invasão de Paris pelos
alemães durante a Segunda Guerra etc).
Observe-se que o fato notório deve fazer parte do conhecimento geral
ou ser aceito por um dado segmento social, para que seja desnecessária a
produção de prova.
conhecimento geral, certo e indubitável; para o jurista, que discorda expressamente do entendimento de Couture, se o fato
for conhecido apenas de um círculo de interessados, passará a demandar dilação probatória.
130 Curso de direito processual civil, Vol. I, p. 377.
109
Por trazer em seu bojo a generalidade do conhecimento, tal
característica já o distingue do fato de conhecimento pessoal do julgador.
A propósito, o princípio do livre convencimento motivado rechaça, de
plano, a utilização de conhecimentos pessoais do juiz para justificar as razões de
seu convencimento, eis que se assim o fizer não terá isenção necessária para
julgar, que passará a funcionar como se fosse testemunha, ceifando o
exercício do contraditório pelas partes acerca dos fatos
131
.
Neste sentido o magistério de Pontes de Miranda:
“Dizem-se notórios os fatos ‘conhecidos’, sem ser pela prova feita, não
porque estejam na ciência privada do juiz, porém como fato que ele
deva conhecer. Não há, pois, exceção ao princípio de que o juiz não
pode julgar, quanto ao tema probatório, pelo que conhece de ciência
própria;”
132
Na mesma esteira de entendimento, Campos Batalha faz clara
distinção entre os fatos notórios e aqueles que fazem parte do conhecimento
pessoal do julgador, fundamentando suas assertivas na ratio legis do art. 131 do
CPC:
“É preciso, nesta matéria, ter sempre em mente que os poderes
conferidos ao juiz, pelo art. 131 do CPC/73, não podem ir a ponto de
permitir que ele traga o seu próprio testemunho para a base do
julgamento, porque isto seria, como o haviam reconhecido os
antigos, transformar-se em testemunha ou patrono de um dos
litigantes: patrocinari enim prorsus hoc esse aiunt, non judicare
(Aulus
Gellius, ‘Noctes Atticae’, Liv. XIX, Cap. 2º)”.
133
131 SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 339.
132 Comentários ao código de processo civil, tomo IV, p. 274.
133 BATALHA, ob. cit., p. 97.
110
Desta feita, os fatos que são conhecidos pelo magistrado em razão de
terem sido por ele presenciados, e que, portanto, estejam restritos à sua esfera
pessoal e particular de conhecimento, colhidos fora de qualquer processo, não
podem ser aproveitados em instrução, sendo distintos dos fatos notórios
134
.
Ademais, o fato notório também se caracteriza, conforme destacamos
anteriormente, por ser inconteste, verdadeiro e certo, sendo incontroversa a sua
existência ou a sua inexistência, daí porque prescinde de atividade probatória.
Por outro lado, controvérsia na doutrina acerca da possibilidade da
prova da notoriedade do fato (e não da existência do fato em si, eis que se houve
impugnação neste aspecto, o fato deixará de ser “notório”, demandando prova),
na hipótese da parte a quem desfavorecer o fato impugnar a sua característica de
“notoriedade”, e o juiz o desconhecer.
135
Importante registrar que, em nosso entendimento, não perde a
característica de “notoriedade” por ser o fato ignorado pelo julgador. Neste
sentido, o que lhe garante tal feição é possibilidade da ciência do fato por simples
consulta aos comerciantes locais, aos agricultores da região, a qualquer
calendário especializado, a enciclopédias, a jornais e revistas que noticiaram o
fato à época, eis que pressupõem sejam de conhecimento geral daquela
determinada comunidade ou região (ex: acontecimentos geográficos, período de
colheita do café, época de seca ou enchente em determinadas regiões,
movimentos paredistas de grande impacto e repercussão).
134 Vale notar que os fatos de conhecimento pessoal e particular do juiz, além de serem diversos dos fatos notórios,
também não podem ser equiparados àqueles extraídos em função de experiência comum do que ordinariamente acontece
na vida (CPC, art. 335), nem aos que foram colhidos em outros autos que tramitaram perante aquele magistrado, e de cujo
contraditório participou a parte contra quem é trazida a prova. Exemplo desta última situação: as empresas que compõem o
pólo passivo da demanda, embora impugnem em defesa
a alegação de que fazem parte do mesmo grupo econômico, em
processo anterior sobre mesma matéria confessaram expressamente, perante o mesmo juiz, que integravam grupo
empresarial para fins trabalhistas na mesma época referida na segunda ação; o aproveitamento da prova colhida em outro
feito e que integra o conhecimento do magistrado é medida que se impõe, eis que não se trata de fato do conhecimento
pessoal e particular do juiz, que a parte contra quem é carreada a prova emprestada participou do contraditório daquele
outro feito, restando, por conseguinte, preservado o princípio da primazia da realidade e a busca da verdade real.
135 Se, inversamente, o juiz desconhecer o fato, mas o ex adverso não impugnar a sua notoriedade, perde a razão a
discussão.
111
Deste modo, pode a característica de “notoriedade”, se contestada,
demandar prova, a fim de que reste demonstrada a sua efetiva repercussão e o
conhecimento geral do fato por um dado segmento da sociedade, sendo que
apenas será reconhecido pelo julgador como tal se houver prova efetiva desta
“notoriedade”.
136
Frisemos, não se está aqui a colocar em dúvida a existência
pura e simples do fato, mas sim a sua notoriedade.
Novamente, nas oportunas lições de Pontes de Miranda,
“A notoriedade independe das partes e do juiz, tanto que o tribunal de
recurso pode reformar a sentença que teve o fato por fato notório, ou
lhe negou ser notório. O que a lei faz apenas consiste em dispensar a
prova se o fato é notório (Stein-Jonas, Kommentar, I, 840). Por isso
mesmo, as partes podem discutir essa notoriedade, e fazer dela da sua
existência, tema probatório (Leo Reosenberg, Lehrbuch, ed., 365;
diferente Jakob Weismann, Lehrbuch, I, 154)”.
137
Por derradeiro, outro aspecto da questão que merece esclarecimento
diz respeito à necessidade, para adquirir o status de “fato notório”, de alegação
da notoriedade pela parte a quem interessa.
quem entenda que o fato, quando é notório, motivo pelo qual deve
ser conhecido de forma genérica, prescinde de alegação desta característica pela
parte a quem aproveita.
136 Pode um fato ter sido objeto de divulgação na imprensa local, todavia, nem por isso se tornar notório, daí porque
necessária a prova da notoriedade. Neste sentido, destaque merece a nota inserta na obra de autoria de Nelson Nery
Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de processo civil comentado, p. 613: “A circunstância de o fato encontrar
certa publicidade na imprensa não basta para tê-lo como notório, de maneira a dispensar a prova. Necessário que seu
conhecimento integre o comumente sabido, ao menos em determinado estrato social por parcela da população que
interesse” (STJ, in Teixeira, CPCA, 334, p. 242).
137 Ob. cit., p. 276.
112
Entendemos que a notoriedade é característica objetiva, portanto,
ainda que não alegada por aquele a quem aproveita o fato, pode ser conhecida
de ofício pelo julgador.
b) Fatos confessados:
Considerada ainda hoje por muitos doutrinadores como a “rainha das
provas”, a confissão referida no art. 334, II do CPC consiste na admissão por um
dos litigantes da veracidade dos fatos alegados pela parte contrária, fatos estes
que se opõem ao seu interesse e, em contrapartida, favorecem à tese do ex
adverso (CPC, art. 348).
138
A confissão da parte passa a fazer prova plena contra ela, quanto aos
fatos confessados, à medida que os torna efetivamente incontroversos, razão
pela qual prescinde de produção de demais provas.
Todavia, importante registrar que a verificação desta consequência
processual tratada pelo art. 334 do CPC, qual seja, a dispensa de atividade
instrutória complementar, está vinculada à modalidade de confissão, ao objeto
confessado e, por fim, à capacidade do confitente, pressupostos de validade
estes que serão analisados a seguir.
De acordo com a lei processual civil, único diploma legal a descer a
detalhes sobre a matéria, a confissão pode ser feita em juízo, no processo em
curso, bem como extrajudicialmente (CPC, art. 348).
138 Importante esclarecer que a confissão refere-se única e exclusivamente a fatos, e não ao direito controvertido, razão
pela qual distingue-se do reconhecimento jurídico do pedido”. Este é causa de extinção do processo com julgamento de
mérito (CPC, art. 269, II), na medida em que supera toda e qualquer controvérsia em que se fundamente a ação. Por outro
lado, a confissão representa apenas um meio de prova que, dependendo da forma como é feita, se submete ao crivo do
livre convencimento do julgador a respeito dos fatos sobre os quais se refere, podendo ou não conduzir à procedência do
pedido. Assim, se o fato confessado não for suficiente, por si só, a fundamentar o acolhimento do pedido da parte
adversária, o pleito poderá ser julgado a favor do confitente.
113
Iniciemos o estudo pela confissão extrajudicial de que trata
especificamente o art. 353 do CPC.
Embora a norma processual tenha equiparado a eficácia probatória da
confissão extrajudicial, feita por escrito à parte ou a quem a represente, à da
confissão judicial, tal dispositivo legal mostra-se absolutamente incompatível com
o processo do trabalho. Entendemos, desta feita, que a confissão extrajudicial,
independentemente da forma como seja feita, tem valor relativo na seara
trabalhista, devendo ser livremente apreciada pelo julgador (CPC, art. 131) e se
submeter ao crivo do contraditório, como todos os demais meios de prova.
139
Isto porque a confissão extrajudicial, firmada no curso do contrato de
trabalho, enquanto o empregado estiver sujeito ao poder diretivo do empregador
e, portanto, não imune à influência e à vontade deste, carece do elemento
essencial a validá-la, qual seja, a voluntariedade do confitente.
Da mesma forma, a confissão extrajudicial feita pelo empregador, ainda
que contida em documento escrito, deve também ser analisada de forma relativa
e à luz das demais provas e elementos dos autos, eis que pode não refletir a
verdade real, tratando-se de mera simulação entre as partes para a obtenção de
um determinado fim ilícito.
Neste sentido, comungamos do mesmo entendimento do
processualista Teixeira Filho, ao afirmar que “Qualquer confissão real (e não
fictícia) do trabalhador ou do empregador somente deverá ser aceita se realizada
em Juízo, onde eles poderão manifestar sua vontade livre de pressões,
constrangimentos ou coações”.
140
A confissão extrajudicial deve ser submetida ao crivo do livre
convencimento motivado do julgador, não tendo o condão de dispensar a
139 ALMEIDA, Isis de, Manual de direito processual do trabalho, vol., p. 149 e ss.; BARROS, Alice Monteiro de
(coordenadora), Compêndio de direito processual do trabalho, pp. 409-410.
140 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 265.
114
atividade probatória, motivo pelo qual reputamos que não se insere na
modalidade tratada pelo art. 334, II do CPC.
Quanto à confissão judicial, ou melhor, aquela firmada perante o juízo,
pode ser real ou ficta.
A confissão real, seja aquela feita espontaneamente pela parte perante
o juiz da causa (confissão espontânea), ou ainda aquela extraída do depoimento
pessoal ou interrogatório (confissão provocada), uma vez que se refira a fato
passível de ser confessado, fato este que prescinda de forma especial e que seja
realizada por quem tem capacidade para confessar, tem plena validade para
gerar os efeitos tratados pelo art. 334, II do CPC, dispensando, a partir daí, a
produção de outras provas.
Como destacamos, para que a confissão real tenha validade e gere o
efeito de prescindir de produção de outras provas, deve obedecer a alguns
requisitos:
x Capacidade Plena do Confitente (capacidade processual ou capacidade
de estar em juízo): em se tratando de confissão provocada, ou seja,
aquela decorrente do depoimento pessoal ou interrogatório, não se admite
que seja feita pelos representantes legais dos incapazes, pois tanto o
depoimento, como a confissão, são atos pessoais. Neste particular, em se
tratando de menor trabalhador em juízo (menor de 18 anos), a doutrina
não é uníssona quanto aos efeitos da confissão por ele realizada; há quem
entenda que ele, embora não possa responder a crime de falso
testemunho, tendo capacidade para prestar depoimento nesta qualidade
(art. 406, CPC), também deve ser considerado capaz para confessar,
sobretudo em se tratando de fatos vivenciados por ele no seu cotidiano na
empresa; por outro lado, outros advogam a tese de que, se o menor em
juízo necessita da assistência das pessoas designadas no art. 793 da
CLT, por ser relativamente capaz, sob o ponto de vista processual, a
confissão extraída de seu depoimento somente teria validade se feita com
115
a assistência de seu representante, ou seja, em sua presença,
assegurando-lhe, inclusive, interferir no depoimento pessoal do menor,
quando reputar necessário para assegurar os direitos do assistido
141
.
Embora compactue parcialmente com este segundo entendimento, Carrion
mostra-se ainda mais cauteloso: “A confissão do menor, assim como a
renúncia, não pode ser acolhida com a plenitude que muitos defendem,
por motivos óbvios: a incapacidade, mas o depoimento prestado, nessas
condições, deve ser recebido e pesado, como uma notícia a mais vinda
aos autos, a ser analisado em conjunto com as demais provas. Deve ser
permitido ao genitor, ou a quem o assiste, que intervenha no depoimento
do assistido.(...)”.
142
x Disponibilidade do direito que se consubstancia no fato confessado (art.
351, CPC).
143
x Inexigibilidade de forma especial para a validade do ato jurídico que tiver
fundamento na confissão; neste caso, não terá qualquer conseqüência
processual, para fins de dispensa de dilação probatória, a confissão
141 Neste mesmo sentido MARTINS, Sérgio Pinto Martins, Direito Processual do Trabalho, pág. 299, e SAAD, Eduardo
Gabriel, CLT Comentada, pág. 525. Este último, ao comentar o art. 793, assim aduziu: “A confissão de tais menores, sem a
assistência legal, é nula. Depoimento prestado nas mesmas condições será, quando muito, uma informação a ser colocada
nos autos, para completar prova produzida de forma regular.” Em complemento, vale também citar as lições sempre
elucidativas do mestre Manoel Antonio Teixeira Filho, in A Prova no Processo do Trabalho, edição, Ed. LTr, g. 220,
que passamos a transcrever: “O menor de dezoito anos e maior de 14 deve submeter-se ao interrogatório, contanto que
esteja regularmente assistido (não se há de falar em representação, ainda que possua menos de 16 anos, pois a hipótese
não se rege pelo Código Civil, mas sim pelos arts. 7º, XXXIII da CF e 792 da CLT, com necessária adaptação do art. 793,
do texto consolidado, aos dispositivos precitados), por seu pai, mãe, tutor, curador, a fim de, igualmente, esclarecer ou
complementar fatos relacionados à ação, e se do interrogatório resultar a confissão, nada obsta que seja reconhecida e
que produza os efeitos que lhe são inerentes (CPC, art. 348). Sabendo-se que o trabalhador, com menos de 18 anos, pode
assinar recibos (CLT, art. 439), dando quitação do valor correspondente, não por que deixar de reconhecer-lhe a
capacidade para confessar, desde que: a) a confissão seja judicial; b) esteja assistido por pai, mãe, tutor, curador ou outro
responsável legal; ...”. Corroborando tais ensinamentos, vale destacar, por fim, a doutrina de Isis de Almeida, ob. cit., 10ª
edição, vol. 2, pág. 146: “É evidente que cabe ao juiz verificar até onde pode ir a inquirição quanto à natureza das
perguntas formuladas, devendo-se levar em conta o grau de amadurecimento mental do menor, sua instrução, status social
etc., condições especiais, enfim, que indiquem a sua aptidão para responder razoavelmente. É óbvio que a confissão
provocada, nesse caso, deve revestir-se das maiores cautelas, apesar da assistência”.
142 CARRION, Valentin, Comentários à consolidação das leis do trabalho, pág. 582.
143 Importante notar que a disponibilidade do direito objeto da confissão também é requisito para a validade da confissão
ficta, consoante preconiza o art. 320 do CPC.
116
acerca de atividade insalubre ou perigosa, eis que a CLT, art. 195, exige
forma especial para a prova desta condição de fato.
Firmada a confissão real nestes termos, com observância de todos os
requisitos que lhe conferem validade, passa a ter valor praticamente
inquestionável, vinculando o convencimento do juiz acerca daquele fato
confessado e dispensando quaisquer outras provas.
Outrossim, a confissão presumida ou ficta, aquela decorrente da revelia
(art. 319, CPC, c/c art. 844, CLT)
144
, da falta de impugnação especificada dos
fatos (art. 302, CPC), do não comparecimento da parte para depor ou sua recusa
em fazê-lo (art. 343, § 2º, CPC) ou, por fim, da recusa injustificada de
apresentação de documentos determinados pelo juiz (art. 359, CPC), embora
também torne os fatos incontroversos, pode ser elidida por outros meios de prova
anteriormente colacionados aos autos, considerados em seu conjunto (Súmula
74, II do C. TST, antiga OJ nº 184 da SDI-1), justamente por gerar apenas
presunção relativa quanto à verdade dos fatos nela contemplados.
A confissão ficta deve ser livremente valorada pelo magistrado, em
cotejo com todos os demais elementos do processo, podendo ser inclusive
rechaçada por conjunto das provas preexistentes nos autos.
Em que pese o teor da Súmula 74, II do Tribunal Superior do Trabalho,
divergência doutrinária a respeito da possibilidade de produção de provas
após a configuração da confissão. A propósito, discordam da jurisprudência
sedimentada pelo TST Isis de Almeida e Alice Monteiro de Barros, considerando
que o juiz poderá dar prosseguimento à instrução após caracterizada a confissão,
com vistas à busca da verdade real e desde que tal procedimento se em favor
144 Carlos Alberto Reis de Paula, em seu artigo intitulado “Revelia”, noticia a divergência doutrinária acerca do alcance da
presunção de veracidade decorrente da ficta confessio gerada pela revelia: de um lado, representada por Arruda Alvim, a
corrente mais ortodoxa, que sustenta que a confissão daí gerada é absoluta, não admitindo prova em contrário; de outra
banda, aqueles doutrinadores que, como Galeno Lacerda, Ada Pellegrini e Humberto Theodoro Jr, entendem que a
presunção de veracidade decorrente da confissão é relativa, a fim de que o escopo maior do processo não reste
sacrificado com iniqüidades e inverdades lançadas pelo litigante beneficiado pela confissão (in BARROS, Alice Monteiro
de, Compêndio de direito processual do trabalho, p. 323).
117
do empregado. Para os referidos autores, não que se falar em confissão do
reclamante decorrente de seu não comparecimento em audiência para depor.
145
Não nos parece razoável este entendimento dos juristas mineiros,
porquanto atenta contra o princípio da igualdade processual, não havendo, no
caso, justificativa jurídica plausível para tratamento desigual dos litigantes. A
confissão é situação jurídica decorrente de conduta processual adotada por
qualquer das partes, motivo pelo qual, não se pode afirmar que ao empregado
não se estendam os seus efeitos.
Portanto, a dilação probatória por iniciativa do julgador é recomendada
se, analisados os demais elementos dos autos, perceber o magistrado que os
fatos alegados pela parte favorecida pela confissão não são razoáveis e nem se
conformam com a realidade, independentemente de qual das partes seja
confessa (CPC, art. 130 e CLT, art. 765).
No tocante ao alcance da confissão judicial, esta restringe seus efeitos
ao confitente, não se estendendo aos litisconsortes. Disso decorre que havendo
pluralidade de réus na demanda e um deles contestar especificamente os
pedidos, a confissão de um dos litisconsortes não prejudicará aos demais, salvo
em se tratando de litisconsórcio unitário, em que a decisão será uniforme para
todos (art. 350, CPC).
Aqui devem ser lembradas as situações do litisconsórcio ativo (art. 842,
CLT) e passivo (arts. 2º, § 2º, 455, CLT e Súmula 331, TST) aplicáveis ao
processo do trabalho.
A independência do comportamento processual dos litigantes
preconizada no art. 48, CPC e corroborada pelo art. 350 do mesmo diploma legal,
é nitidamente sentida em relação ao litisconsórcio simples, já que neste a matéria
145 ALMEIDA, Isis de, Manual de direito processual do trabalho, p. 159; o referido autor, na p. 154, aduz que a confissão
ficta ocorre numa única hipótese: revelia; BARROS, Alice Monteiro de, Compêndio de direito processual do trabalho, pp.
412-413.
118
em debate não é comum aos litigantes, razão pela qual a conduta de um não
influenciará a situação processual dos outros, inclusive em matéria de prova.
em se tratando de litisconsórcio unitário ou se houver solidariedade
entre eles (grupo de empresas, por exemplo), embora a confissão, de uma forma
direta, fique adstrita ao confitente, pode vir, de forma indireta, a influenciar
negativamente na situação jurídica dos demais litigantes. Corrobora tal conclusão
o fato de que a prova produzida em juízo passa a pertencer ao processo, em
razão do princípio da unidade da prova, independentemente de quem a tenha
produzido, influenciando na formação do convencimento do julgador.
Por derradeiro, também não ocorrerá a hipótese contemplada no art.
334, II do CPC em caso de ausência de ambas as partes na audiência em que
deveriam prestar depoimento pessoal, uma vez que não se configura a “confissão
recíproca”.
Isto porque os fatos contrapostos alegados pelas partes não podem ser
considerados, a um tempo, verdadeiros, por serem excludentes entre si,
devendo, pois, o juiz valorar os elementos existentes nos autos, julgando de
acordo com as regras do ônus da prova
146
ou, dependendo da situação do
processo, em caso de perplexidade ante as provas preexistentes, determinar a
realização de prova complementar para busca da verdade real.
Neste sentido, oportuno o magistério de Tostes Malta:
“Não havendo motivo para que uma das confissões prevaleça sobre a
a outra, considera-se não ter havido prova quanto ao que poderia ser
objeto da confissão. A ausência de prova prejudica, então, a parte que
tinha o ônus da prova.”
147
146 Se o julgamento se der exclusivamente pelas regras do ônus da prova, quanto aos fatos constitutivos, serão julgados
em desfavor do reclamante, pois este não fez a prova necessária a eles. Por outro lado, em se tratando dos fatos
modificativos, impeditivos ou extintivos alegados pelo réu em sua defesa indireta, serão considerados como não provados,
justamente em razão da ausência do réu à audiência.
147 MALTA, Cristovão Piragibe Tostes, Prática do processo do trabalho, p. 432.
119
c) Fatos incontroversos:
Na hipótese em que as partes contra quem os fatos foram afirmados
não oferecer resistência ou impugnação específica, a matéria fática passa a ser
tida por incontroversa, razão pela qual, como no caso anterior, a produção de
prova se torna inútil (CPC, art. 334, III).
Aqui, para que o fato afirmado na inicial se torne efetivamente
controverso, necessário que o réu apresente contestação específica acerca da
matéria fática, não se admitindo, portanto, impugnação genérica (ônus da
impugnação específica, conforme art. 300 do CPC, aplicado subsidiariamente ao
processo do trabalho, por força do art. 769 da CLT).
Importante esclarecer que a impugnação específica acerca dos fatos
alegados na inicial deve ser interpretada à luz do conjunto da defesa apresentada
e dos documentos que a instruem, sobretudo quando esta é apresentada na
forma oral. Assim, se da análise do bojo da defesa apresentada, seja escrita ou
oral, emergir controvérsia acerca dos fatos afirmados na inicial, ainda que a
contestação não prime pela técnica processual, a matéria fática deve ser
considerada controvertida, não dispensando instrução probatória em homenagem
ao restabelecimento da verdade
148
.
Por outro lado, se o réu deixa de impugnar determinada alegação de
fato em que se fundamenta determinado pedido, simplesmente silenciando a
respeito da matéria, o referido fato será tido por incontroverso, dispensando
dilação probatória.
149
148 Ainda que a verdade real não seja atingida, eis que o processo não pode se eternizar e a prestação jurisdicional deve
ser entregue em tempo hábil a fazer valer a vontade concreta da lei, todos aqueles que participam da relação devem agir
com fim de resgatar a realidade havida, sendo que somente assim será atingido o ideal de justiça social.
149 Mesmo nestes casos, como corolário da iniciativa oficial do julgador em matéria de instrução, pode o juiz, diante de
circunstâncias dos autos que justifiquem a decisão, como analisamos capítulos anteriores, diligenciar para a apuração da
verdade.
120
O fato também poderá se tornar incontroverso caso a parte, tendo
plena disposição sobre o direito sobre o qual se fundamenta, e não sendo
qualquer hipótese legal que requeira prova específica, assim o reconheça
expressamente em defesa.
Por outro lado, desconfiando o magistrado, a partir da análise dos
elementos dos autos, que as partes se utilizam do processo para fim simulado,
deixando o réu de impugnar especificamente a matéria fática em que se lastreia o
litígio para beneficiar indevidamente o autor, causando prejuízo a terceiros, deve
determinar a realização de provas para tornar evidente a simulação e, uma vez
verificada, proferir sentença que obste a prática ilícita pelas partes (CPC, art.
129). Somente assim estaria preservando a finalidade social do processo e, ao
mesmo tempo, conferindo respeitabilidade ao Poder Judiciário.
Da mesma forma que ocorre no caso de confissão, em se tratando de
direitos indisponíveis, bem como nas situações em que houver expressa
disposição legal exigindo forma especial para a validade do ato jurídico, ou seja,
quando a lei for taxativa quanto ao meio de prova do fato, a ausência de
impugnação da parte contrária também não gerará qualquer efeito no sentido de
dispensar atividade probatória, como se verifica na situação tratada pelo art. 195
da CLT.
Por fim, insta acrescentar que a ausência de controvérsia também
pode advir da concordância do autor com a defesa apresentada pelo réu, quando
então será dispensada a dilação probatória.
150
150 MIRANDA, Pontes de, Comentários ao código de processo civil, p. 276: “Os fatos incontroversos são os fatos, a que se
alude na petição inicial, a contestação e qualquer outro ato processual em que houve comunicação de conhecimento, mas
para a qual nenhuma comunicação de conhecimento contrário foi feita, conforme a apreciação do juiz”.
121
d) Presunções legais:
Nas hipóteses em que, em favor do fato alegado pela parte, militar
presunção legal de existência ou veracidade, também restará desnecessária a
realização de prova, conforme previsto no art. 334, IV do CPC.
Presunção é um raciocínio lógico-dedutivo, por meio do qual se infere a
verdade ou a existência de determinado fato desconhecido e essencial para o
deslinde da controvérsia, a partir do conhecimento de outro fato secundário.
Diversamente dos meios de prova, que visam à demonstração do fato
litigioso, as presunções constituem método lógico do qual se utiliza o julgador
para, a partir da análise de fato conhecido e secundário ao litígio, obter-se, por
um raciocínio dedutivo, o fato desconhecido e principal à solução da controvérsia.
As presunções podem ser legais (de direito) ou simples (hominis). As
presunções legais podem ser absolutas (iuris et de iure), estabelecidas pelo
imperativamente pelo legislador de forma a não admitir prova em sentido
contrário (CPC, art. 334, IV), ou relativas (iuris tantum), quando então a
veracidade ou a existência do fato advindas da presunção poderão ser
rechaçadas por prova em sentido contrário.
A lei trabalhista estabeleceu alguns casos em que a presunção de
veracidade de um determinado fato dispensa a prova por quem o fato beneficia,
conforme se verifica nas situações contempladas nos artigos 447 e 456 da CLT.
São exemplos de presunções relativas, portanto, podem ser rechaçadas por
prova em sentido contrário.
Acrescente-se, ainda, o caso da revelia, a gerar efeitos que fazem
presumir verdadeiros os fatos afirmados pelo autor; esta presunção também é
122
relativa, portanto, permitindo prova em sentido contrário (CPC, art. 319; CLT, art.
844).
151
O julgamento por presunções e a influência destas na atividade
probatória serão enfrentados de forma mais específica no capítulo “6” deste
estudo.
5.3. Direito
:
Quanto ao “direito”, via de regra, deve ser conhecido pelo juiz, logo,
não é objeto de prova (iura novit curia).
Tal conhecimento da norma legal pelo juiz, que inclusive a todos
obriga, é conseqüência do quanto dispõe o art. 3º da Lei de Introdução ao Código
Civil.
As partes precisam provar, em princípio, apenas os fatos
controvertidos, conforme anteriormente estudamos, cabendo ao julgador fazer a
subsunção do fato trazidos pelas partes à norma legal, conforme máxima latina
mihi factum dabo tibi ius.
Cabe ao julgador, a partir dos fatos trazidos pelos litigantes, analisá-los
frente às leis em vigor, interpretando-as e, se for o caso, integrando-as,
recorrendo também à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito
para tanto (CPC, art. 126), entregando a prestação jurisdicional reclamada com a
máxima efetividade.
Esta regra, todavia, não é absoluta. Conforme advertimos
anteriormente, em se tratando de direito municipal, estadual, estrangeiro ou
151 Embora a confissão decorrente da revelia deva ser afastada por elementos pré-existentes nos autos, conforme
entendimento sedimentado na Súmula 74, II, TST, ponderamos ao longo da pesquisa algumas situações em que restaria
justificada a dilação probatória.
123
consuetudinário, será exigível, a critério do juiz, a prova do teor de da vigência
pelo interessado, consoante regra insculpida no art. 337 do CPC (aplicação
subsidiária ao processo do trabalho, pelos critérios de omissão e compatibilidade,
art. 769 da CLT).
Para Amaral Santos, todavia, o juiz deve conhecer lei estadual ou
municipal relativamente ao lugar onde exerça sua jurisdição, aplicando-se, no
caso, a regra geral do art. 3º da LICC. Assim leciona o processualista:
“Em tais condições, impõe-se a prova de lei estadual, ou municipal,
quando seja do Estado, ou Município, diversos daquele em que tenha
sede o juízo onde corre o feito. Tratando-se de lei do Estado, ou do
Município, onde o juiz exerça a jurisdição, sendo ela do seu obrigatório
conhecimento, independe de prova”.
152
A prova de que trata o art. 337 do CPC refere-se ao teor e à vigência
da norma, sendo assim demonstrados por meio de certidão firmada pela
repartição pública competente, jornal oficial que a publicou, repertório de leis ou
outros meios idôneos.
O direito estrangeiro pode ser provado por compêndio de legislação
atualizada, certidões diplomáticas, sendo também admitidas, ante a dificuldade
de outros meios, publicações particulares idôneas que façam expressa referência
à legislação estrangeira em vigor, como revistas jurídicas ou obras jurídicas de
jurisconsultos de renome (pareceres, livros etc).
Embora os tratados e as convenções internacionais não constituam
direito estrangeiro, a parte interessada na observância destas normas deverá
fazer prova de sua existência, seu conteúdo e sua vigência.
152 SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil, 2º vol., p. 341.
124
O direito consuetudinário ou costumeiro, que não deve ser confundido
com os “usos e costumes” de uma dada região
153
, se traduz no direito
fundamentado na repetição de atitudes humanas que, em razão da aceitação
social, passam a se incorporar ao sistema jurídico, ganhando status de norma
jurídica.
Conforme bem definido por Pontes de Miranda:
“Direito consuetudinário, ou direito costumeiro, é o direito que se irradia
de repetição de atitudes humanas que o meio social fez regras
jurídicas. Não se de confundir com os usos e costumes, que são
repetições de atos que não se inserem no sistema jurídico”
154
.
No mesmo sentido, Isis de Almeida: “direito consuetudinário ou
costumeiro é o conjunto de regras que se estabelece pelo costume ou pela
tradição”
155
.
Caracteriza-se, portanto, pela presença destes elementos definidores,
quais sejam, reiteração, generalidade e uniformidade de abrangência,
conhecimento público e obrigatoriedade que vincula os destinatários.
O direito consuetudinário tem origem no direito primitivo, eis que todo o
sistema jurídico era baseado praticamente em costumes, ou seja, práticas
reiteradas que regulamentavam as condutas e as relações sociais, normas estas
que, embora, não escritas, obrigavam a sociedade.
Os costumes, como regras jurídicas, não têm força para revogar a lei
em vigor, sendo considerados contra legem quando com ela incompatíveis.
153 Os usos e costumes, embora respeitados pela sociedade, não se tratam de normas jurídicas, não integrando um dado
sistema jurídico.
154 Comentários ao código de processo civil, pp. 286-291.
155 Manual de direito processual do trabalho, pp. 114 e 115.
125
Todavia, servem de fonte de direito, tendo função integrativa em caso
de omissão legal, como ocorreu, por exemplo, com a duplicata mercantil e o
seguro de vida, sendo ambas as práticas absorvidas pelo sistema legal
positivada, porém, com origem no direito costumeiro.
A prova do direito consuetudinário é das mais difíceis, eis que não se
trata de regra escrita e positivada, mas sim de uma prática reiterada, uniforme e
que vincula a sociedade com força de obrigatoriedade.
A respeito da prova do direito costumeiro, assim destaca Isis de
Almeida: “Já com o direito consuetudinário, a prova pode incluir presunções e até
mesmo exames periciais”.
156
Entendemos que o direito consuetudinário, justamente por obrigar com
caráter general e uniforme um dado segmento da sociedade, pode ser provado,
se assim o exigir o magistrado, por todos os meios legais e morais em direito
admitidos, desde que se mostrem suficientes à demonstração de que a reiteração
daquela conduta é prática aceita e integrada ao sistema jurídico que rege as
relações sociais.
Por derradeiro, importante acrescentar ainda, quanto à prova do direito
aplicável no âmbito especificamente do processo do trabalho, que devem
também ser provados o teor e a vigência das normas coletivas de trabalho
(acordo e convenções coletivas de trabalho – CLT, art. 611), bem como os
regulamentos de empresa.
156 Santiago Sentis Melendo, “El Juez y el Derecho”, 1957, pp. 172-185 e 229-252, in “Instituições de Direito Processual
Civil”, de José Frederico Marques, 1962, vol. III, págs. 372-3, apud Isis de Almeida, ob. cit., p. 116.
126
6. PRESUNÇÕES
6.1. Presunções e indícios
:
O Código de Processo Civil em vigor não trata a presunção como meio
de prova, mas como método de raciocínio para a obtenção do fato que se
pretende provar.
certos fatos que, embora constituam o fundamento do pedido, não
podem ser provados diretamente, mas cuja existência e veracidade pode ser
extraída a partir da prova de fatos circunstanciais, indiciários.
Prova-se, destarte, o indício, o fato secundário, circunstancial, não
consistente na causa da demanda. A partir da demonstração deste indício, o juiz
desenvolve um raciocínio lógico-dedutivo, dele inferindo a existência do fato
principal que constitui o fundamento do litígio.
O resultado deste exercício de raciocínio nada mais é do que a
presunção. Ou seja, a presunção é o elo que confere sentido ao fato secundário
dentro da relação processual, é o liame que vincula o indício, elemento este que,
isoladamente não despertaria qualquer interesse para o deslinde do feito, ao fato
principal, objeto do litígio.
Neste diapasão, importante acrescentar que o indício, quando
divorciado dos demais elementos dos autos, pode nada representar, incumbindo
à presunção estabelecer o vínculo de lógica que justifica a constatação do fato
controvertido a partir destes fatos circunstanciais.
157
157 TEIXEIRA FILHO, A prova no processo do trabalho, p. 428: “É indubitavelmente ponderável a observação doutrinária
de que o indício, em si mesmo, isto é, considerado de maneira isolada pouco representa para o processo; a sua eficácia,
ou importância, só existe quando ele é correlacionado com outras circunstâncias ou elementos dos autos”.
127
São exemplos de presunções no processo do trabalho: 1) presume-se
abusiva e nula a alteração contratual prejudicial ao trabalhador, ainda que conte
com sua expressa concordância (CLT, art. 468); 2) presume-se inválido o pedido
de demissão do empregado em contrato de trabalho com vigência igual ou
superior a um ano, se este não for firmado na forma legal (CLT, art. 477,
parágrafo 1º); 3) não há prova de que o empregado tenha vendido fórmula
secreta da empregadora à sua concorrente; todavia, resta provado que somente
este empregado conhecia a referida fórmula, bem como era o seu depositário;
desta prova indiciária, chega-se à presunção quanto à existência do fato principal
do litígio, qual seja, a venda da fórmula ao concorrente.
A presunção, desta forma, não é um meio de prova, uma vez que não
demonstra, de modo direto, o fato principal litigioso. O conhecimento do fato
principal para a solução do conflito é extraído de forma indireta, por meio do
raciocínio lógico-dedutivo a partir da análise dos fatos circunstanciais e indiretos
(indícios); já os meios de prova conduzem diretamente à conclusão sobre a
existência ou a veracidade do fato principal, sem necessidade de se socorrer a
quaisquer outros meios dedutivos (os documentos ou os testemunhos colhidos
durante o feito induzem diretamente ao fato principal controvertido, sem que seja
necessário o uso de qualquer raciocínio dedutivo).
Nas lições de João Monteiro, citado por Campos Batalha:
“O raciocínio chega à verdade por um de dois caminhos lógicos: ou
diretamente, induzindo do fato conhecido (prova objetiva, v.g., a
escritura, a confissão, o depoimento das testemunhas, a vistoria) a
prova (certeza, prova subjetiva) da existência positiva ou negativa do
fato litigioso, mas de modo imediato, isto é, de modo que a relação
lógica indutiva entre os dois fatos, o probante e o probando, se firme
sem mediação de outro qualquer instrumento de prova ou elemento de
raciocínio; ou então, indiretamente, induzindo, não do fato
conhecimento ou pretendidamente probante, pois que este é mudo
128
acerca do fato litigioso ou probando, mas de outro fato ideologicamente
preso ao primeiro fato, isto é, mediatamente, a verdade disputada.”
158
Ademais, esta operação lógico-dedutiva, por meio da qual se obtém a
presunção humana necessária ao julgamento, pode partir não somente da
análise de fatos secundários que tocam diretamente ao caso concreto, que
consistem nos indícios, como também pode ser extraída das máximas de
experiência.
Alerta a doutrina
159
que, embora os indícios e as máximas de
experiência atuem de forma semelhante, eis que constituem os “elementos
secundários” (conhecidos) a partir dos quais se obtém a presunção da existência
de determinados fatos essenciais (e desconhecidos) à solução das questões
controvertidas, são fundamentados em premissas diversas. Enquanto que os
indícios são baseados em prova de fatos secundários que envolvem o caso
concreto, as máximas de experiência se lastreiam na experiência vivencial, a
partir da observância pelo julgador do que ordinariamente acontece na vida
cotidiana, de forma genérica, e não especificamente no caso concreto.
Todavia, ambos podem ser considerados “instrumentos” pelos quais se
obtém o resultado pretendido, ou seja, a presunção da veracidade do fato
principal litigioso.
Superados estes esclarecimentos gerais acerca das máximas de
experiência (objeto do nosso estudo no próximo item), passemos à análise das
espécies de presunções: estas podem decorrer de previsão em norma legal ou
emanar simplesmente do raciocínio lógico do julgador a partir da análise de
elementos secundários contidos no processo. As primeiras são denominadas
158 O processo civil e comercial, parágrafo 172, apud BATALHA, Wilson de S. Campos, Tratado de direito judiciário do
trabalho, 2º volume, p. 136.
159 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 107. Nesta obra, referência a outros
doutrinadores que analisaram o tema, dentre eles Pontes de Miranda, Pedro B. Martins e Devis H. Echandía.
129
presunções legais e as segundas presunções humanas (“hominis”), também
conhecidas como judiciais, simples ou comuns.
As presunções legais são absolutas (juris et de jure), não admitindo
prova em contrário (CPC, art. 334, IV), ou relativas (juris tantum), passíveis que
serem rechaçadas por elemento dos autos (CPC, art. 319, CLT art. 844 e Súmula
74 do TST). As presunções humanas são sempre relativas.
Vários são os exemplos, na legislação trabalhista, de presunções
legais: arts. 447, 456, 468, 469 e 844 da CLT, dentre outros.
As presunções simples (hominis) resultam de um raciocínio lógico-
dedutivo, todavia, tal raciocínio não está sugerido e nem previsto em expressa
disposição legal, daí porque, para que o juiz fundamente o convencimento acerca
do fato na presunção humana, deve considerar o fato secundário em cotejo com
os demais elementos de provas existentes nos autos, tudo conforme o livre
convencimento motivado.
Com esse raciocínio por dedução, a presunção humana favorece
àquele litigante que teria o encargo de provar e, por conseguinte, os indícios
invertem o ônus da prova, na medida em que passa a incumbir à parte adversária
impugná-los.
Na seara do processo do trabalho, as presunções simples revelam-se
nas súmulas jurisprudenciais (Súmulas 12, 16, 43, 212, 338 do C. TST), sendo
assim consideradas porque, diversamente das presunções legais absolutas, não
vinculam a decisão judicial, podendo o julgador, à luz do princípio da persuasão
racional, afastar a presunção estabelecida no entendimento sumulado.
130
6.2.1. Máximas de experiência
:
O ato de julgar é realizado por um homem que não vive isolado do
mundo exterior, mas por um ser que está inserido no contexto social, razão pela
qual sofre influência deste mundo, vivência esta que lhe agrega experiência,
discernimento e sabedoria para bem decidir.
Em razão disso, ao interpretar a lei, subsumindo-a ao caso concreto, o
juiz não somente utiliza o raciocínio e a lógica, como também subministra as
experiências do que ordinariamente acontece em sua volta, nas mais diversas
áreas da atuação humana (comércio, indústria, artes etc), decidindo com
razoabilidade e bom senso.
E justamente por estar envolvido e em contato com o mundo que o
rodeio, ao avaliar a prova e os elementos que informam a instrução processual, o
magistrado acaba, por vezes, lançando mão de dados empíricos que acumulou
ao longo de sua vida, analisando-os e aplicando-os ao caso concreto, sempre
norteado por seu prudente arbítrio, como bem ponderou Eduardo J. Couture:
“O juiz, seja-nos permitido insistir, não é uma máquina de raciocinar,
mas, sim, essencialmente um homem que toma contato com o mundo
que o rodeia e que ele conhece por meio de seus processos sensoriais
e intelectuais. O prudente arbítrio é, portanto, a apreciação lógica de
certas conclusões empíricas do que todo o homem se serve para
movimentar-se na vida. ”
160
Consoante esclarecemos anteriormente, as máximas de experiência
consistem em juízos hipotéticos e empíricos constituídos a partir da análise do
que ordinariamente acontece na vida cotidiana (regras de experiência comum),
podendo também ser resultantes de conhecimentos técnicos, científicos ou de
um dado ramo profissional (regras de experiência técnica).
160 COUTURE, Eduardo J., Fundamentos do direito processual civil, p. 137.
131
Estas regras de experiência, que fazem parte do cabedal de cultura do
julgador, são extraídas dos acontecimentos gerais da vida ou de verdades
científicas, não sendo específicas ao caso individual concreto para o qual se
destinam, razão pela qual pode o juiz delas se valer como importante instrumento
para a solução de quaisquer litígios, bem como método auxiliar para a busca da
verdade.
Embora decorram da análise dos fatos cotidianos observados na vida e
nas ciências, se caracterizam como normas abstratas, aplicáveis, por
conseguinte, às mais diversas situações não contempladas pelas normas
jurídicas particulares, adaptando-se às especificidades de cada caso concreto.
As máximas de experiência, portanto, consistem no meio pelo qual se
presume a verdade do fato principal objeto do litígio.
Assim como os indícios, tais regras de experiência comum e técnica
são métodos dos quais se utiliza o julgador para o desenvolvimento do raciocínio
lógico-dedutivo necessário à demonstração da verdade de um fato litigioso; a
única diferença entre tais instrumentos auxiliares de julgamento é que as regras
de experiência são verdadeiras “normas hipotéticas”, de caráter geral, enquanto
aqueles se constituem a partir dos fatos circunstanciais, secundários e
individualizados do processo. Porém, como dito, ambos conduzem à formação
das presunções hominis.
Coqueijo Costa, cujas lições foram transcritas por Isis de Almeida,
assim definiu máxima de experiência, cotejando-a com os indícios:
“É uma presunção natural que tem por fonte uma norma de
experiência. Ao invés de se apoiar nas circunstâncias que rodeiam o
132
caso concreto, repousa exclusivamente na experiência da vida,
substituindo o fato básico pela máxima de experiência”.
161
Da redação do art. 335 do CPC
162
depreendemos que as regras de
experiência comuns e técnicas podem ser utilizadas pelo julgador na ausência
de norma particular ao caso ou presunção legal específica ao fato.
O que o legislador disse no referido dispositivo legal foi que as regras
de experiência comum somente podem ser invocadas caso não haja: 1)
presunção legal expressamente prevista para aquele fato (CLT, art. 477)
tornando inútil, por conseguinte, a utilização da presunção comum firmada a
partir das regras de experiência -; 2) norma legal estabelecendo taxativamente a
forma da prova do fato litigioso o caso de atos jurídicos cuja validade depende
de formalidade específica, a teor da situação contemplada no art. 366 do CPC).
Nada obsta, porém, que sejam utilizadas como hábeis instrumentos
coadjuvantes na interpretação da prova conflitante, como regras auxiliares de
julgamento, consoante lições de Tostes Malta: “As máximas têm sido apontadas
como capazes de sugerir uma justa solução dos conflitos de interesses quando a
interpretação da prova suscita dúvidas”.
163
O sistema de valoração probatória adotado por nosso ordenamento
jurídico, como será analisado oportunamente, primou pela livre apreciação da
prova com vistas à preservação da finalidade social do processo, sendo que as
máximas de experiência, dependendo do panorama que se configurar ante as
circunstâncias dos autos, exercem função de destaque na interpretação da prova
duvidosa.
161 Manual de direito processual do trabalho, p. 170.
162 “Em falta de normas jurídicas particulares, o Juiz aplicará as regras de experiência comum, subministradas pela
observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame
pericial”
.
163 MALTA, Cristóvão Piragibe Tostes, “Interpretação da prova no processo trabalhista”, in PAMPLONA FILHO, Rodolfo
(coordenador), Processo do trabalho, p. 177.
133
No magistério de Teixeira Filho:
“As máximas de experiência constituem, portanto, a expressão legal,
regras de que o Juiz poderá valer-se para atingir a verdade dos fatos e
cuja importância ainda mais se avulta nos sistemas que consagram o
princípio da livre apreciação da prova”.
164
Adequadamente subministradas ao caso concreto, portanto, as
máximas de experiência comum e técnicas são juízos empíricos de importante
valia para a decisão acerca de fatos que não restaram elucidados pelos
elementos concretos dos autos, hábil ferramenta a auxiliar o julgador na busca da
verdade e na humanização do processo, instrumento para a justa pacificação do
conflito, conforme bem retratado por Dinamarco:
“seja no processo das pequenas causas ou no comum, está
institucionalizado o valor das máximas de experiência, às quais é lícito
ao juiz recorrer para justificar sua convicção, sempre com a
preocupação de fazer justiça e evitar que a rigidez de métodos
preestabelecidos o conduza a soluções que contrariem a grande
premissa de que o processo é um instrumento sensivelmente ético e
não friamente técnico”.
165
Neste sentido, as regras de experiência comum, por refletirem aquilo
que iterativamente acontece no cotidiano, são flexíveis, mutáveis, uma vez que
as relações fáticas evoluem, razão pela qual nada obsta que sejam estabelecidos
novos parâmetros para tais juízos hipotéticos extraídos da experiência da vida.
Da mesma forma, as ciências não são estáticas, motivo pelo qual podem ser
criadas novas regras de experiência técnica a partir do estabelecimento de novos
padrões científicos.
164 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 105.
165 DINAMARCO, Cândido Rangel, A instrumentalidade do processo, p. 254.
134
Por todas estas razões as máximas de experiência exercem papel
fundamental não somente por atuarem como regras auxiliares de julgamento,
como também, por seu caráter dinâmico, por fomentarem a evolução do próprio
direito, enquanto ciência que visa a atender às demandas sociais.
6.2.2. Máximas de experiência, fatos do conhecimento particular do
magistrado e fatos notórios
Importante que se esclareça que as máximas de experiência referidas
no art. 335 do CPC, justamente por serem juízos hipotéticos e gerais, em nada se
relacionam com os fatos do “conhecimento pessoal” do julgador.
Caso o magistrado tenha ciência dos fatos específicos do litígio porque
os presenciou ou vivenciou a situação retratada nos autos, não tem a isenção
necessária para atuar no feito, que passa a agir como testemunha, não tendo
mais a imparcialidade necessária para o julgamento.
Neste sentido, oportuno o magistério de Fábio Tabosa:
“Note-se que o uso da experiência pessoal, aqui admitido, não conflita
com o pressuposto da imparcialidade do juiz e com o distanciamento
que dele se espera: o que não se tolera é que tenha o julgador contato
prévio com o próprio fato a ser apreciado no processo ou com
circunstâncias que o cercam, ao passo que em matéria de presunção
se vale o magistrado da experiência comum (da qual partilham os
demais integrantes do grupo social) para desenvolver raciocínio lógico
que lhe permita chegar a uma conclusão em torno de fato que é, a
rigor, por ele desconhecido.”
166
166 Comentários de Fábio Guidi Tabosa Pessoa ao art. 335 do CPC inseridos na obra coordenada por MARCATO,
Antonio Carlos, Código de Processo Civil interpretado, nota 1, p. 1015.
135
Cumpre salientar também que as máximas de experiência ora
estudadas não podem ser confundidas com fato notório.
Notório é o fato principal da demanda, dispensando prova por ser de
conhecimento geral e indubitável; os fatos notórios não dependem de um
raciocínio dedutivo do julgador para serem conhecidos.
as máximas induzem ao fato principal por meio de um raciocínio
lógico, resultam de uma atividade intelectual do julgador a partir da experiência
comum do que acontece na realidade ou de regras técnicas, não constituindo,
assim, o próprio objeto da demanda.
6.2.3. Importância das máximas de experiência para a efetividade da
prestação jurisdicional
Encampando o princípio da livre apreciação da prova, estabeleceu o
art. 131 do CPC, de aplicação subsidiária ao processo do trabalho, que “o juiz
apreciará livremente a prova”, observando com atenção os fatos e os elementos
dos autos, “ainda que não alegados pelas partes”.
Pretendeu, com isso, o legislador conferir liberdade ao magistrado na
apreciação das provas produzidas, atentando para todos os elementos
constantes nos autos, mesmo que as partes não os tenham alegado, a fim de
preservar o objetivo maior da atividade instrutória, qual seja, o resgate da
verdade dos fatos.
Como ponderamos ao longo deste estudo, a grandeza da justiça se
atinge quando um efetivo compromisso com a perquirição da verdade, motivo
pelo qual, a atividade judicial voltada para esta finalidade deve se valer de todos
os elementos e circunstâncias dos autos, sejam provas diretas, sejam métodos
136
indiretos - presunções extraídas de fatos indiciários ou de máximas de
experiência.
A propósito, a verdade real emerge, por vezes, não da prova direta do
fato principal em que se fundamenta o litígio, mas da prova de fatos
circunstanciais, secundários à questão controvertida, tudo corroborado pelas
regras de experiência do que comumente ocorre, conforme se observa de
reiteradas situações semelhantes ocorridas no cotidiano, bem como retratadas
em outros processos.
Não raro ocorre tal situação no processo do trabalho, que o contrato
laboral é consensual, não formal, caracterizando-se mais pela prestação de
serviços (animus contrahendi) do que pelo acordo formal, razão pela qual a
intenção e a vontade das partes externadas pelo labor por trato sucessivo
ganham especial importância.
No processo do trabalho as regras de experiência mostram-se de
grande valia na investigação da verdade e na solução justa dos conflitos, em
casos de inexistência de normas específicas aplicáveis às provas dos fatos
litigiosos.
Além de ser compatível com o processo laboral a regra do art. 335,
CLT, por força do quanto dispõem os artigos 765 e 769 da CLT, a própria
legislação consolidada prestigiou de forma expressa, na redação do art. 852-D, a
aplicação das regras de experiência comum e técnica, como poderosos
instrumentos a auxiliar o juiz na interpretação e na valoração dos elementos de
convicção dos autos, com vistas à justa pacificação do litígio.
A propósito, note-se que o juiz do trabalho, em razão da especialidade
da matéria de sua competência jurisdicional, acaba por acumular vasta
experiência a partir da análise dos fatos que ordinariamente acontecem nos
litígios ajuizados, extraindo daí regras de experiência comum que podem e
devem ser subministradas para a adequada distribuição da justiça. Por exemplo,
137
o magistrado trabalhista sabe que diante de uma intensa precipitação pluvial, a
provocar a interrupção da atividade na lavoura, o trabalhado é provisoriamente
interrompido no respectivo período; em contrapartida, em períodos de safra, a
produção rural é maior, sendo intensificado o trabalho nestes dias; da mesma
forma, durante os períodos festivos intensifica-se o movimento no comércio, o
que demanda a prorrogação da jornada de trabalho, bem como fomenta as
contratações temporárias; os bancários estendem sua jornada em períodos de
balanço; as jornadas de trabalho apontadas de forma “britânica” nos cartões de
ponto presumem a ausência de veracidade das anotações.
Nas preleções de Carlos Alberto Reis de Paula o processo do trabalho
é seara fértil para aplicação das máximas de experiência como juízos auxiliares
no julgamento, in litteris:
“Se observarmos que o contrato é o núcleo do Direito do Trabalho, qual
seja, o contrato de trabalho é tecido no dia a dia, com todas as
circunstâncias e contingências que lhe são próprias, parece-nos lógico
chegarmos à conclusão que as máximas de experiência ocupam papel
de relevo na fase probatória no processo do trabalho. Em um pedido,
por exemplo, de equiparação salarial, a presunção que decorre da
circunstância de dois empregados desempenharem a mesma função, e
a observância de que, pelas normas de experiência, o previsível é que
o façam de forma igual, leva o juiz a presumir que o trabalho seja de
igual valor (art. 461, parágrafo da CLT), cabendo ao empregador a
prova do contrário”
167
.
A importância da utilização das regras de experiência, em
circunstâncias em que os meios de prova convencionais e as normas particulares
não se mostram adequados à justa solução da lide, também é largamente
acolhida pela jurisprudência. Senão, vejamos:
167 PAULA, Carlos Alberto Reis de, A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho, p. 88.
138
“Com sabedoria, o art. 852-D, trazido à CLT pela Lei 9.957/2000
(procedimento sumaríssimo), preceitua que neste tipo de ritualística
processual deve o juiz apreciar o conjunto probatório com "especial
valor às regras de experiência comum". Em assim sendo, correto o
entendimento de que descabe vale-transporte quando o reclamante
admite que ia trabalhar a e almoçava em casa, mormente quando
dos autos ainda se que residia próximo da empresa em que
laborava”. (RO Rito Sumaríssimo. Data do julgamento: 20/01/2003.
Relator: Des. RICARDO VERTA LUDUVICE. Acórdão: 20030011714.
Processo nº 01295-2002-441-02-00-9. Ano: 2002. 7ª Turma do TRT/SP.
Data da Publicação: 07/02/2003)
“Estabilidade Acidentária - Art. 118 da Lei nº 8.213/91. Comprovado que
o trabalhador é portador de moléstia ocupacional adquirida no curso do
contrato de trabalho insta reconhecer a estabilidade preconizada no art.
118 da Lei 8.213/91, independentemente do afastamento mediante
percepção de auxílio-doença. Segundo as regras de experiência
subministradas pelo quê de ordinário ocorre, é razoável concluir que o
empregado somente não se afastou por temor às represálias patronais,
pois a doença de instalação lenta e insidiosa não ocorreu na última
semana da relação empregatícia. Reputa-se verificada a condição
quanto aos seus efeitos jurídicos na forma do artigo 120 do Código
Civil.” (RO. Data de julgamento: 23/04/2002. Relator: Des. PAULO
AUGUSTO CAMARA. Acórdão 20020261688. Processo nº:
20010168766. Ano: 2001. Turma do TRT/SP. Data de publicação:
07/05/2002).
“Jornadas "britânicas". A incidência do entendimento cristalizado na
Súmula no 338, III, do TST se justifica em face da hipossuficiência do
obreiro, segundo as regras ordinárias de experiência. Isto porque a
marcação de horário em moldes distintos do determinado pelo
139
empregador implicaria eventual dificuldade em conservação do posto
de trabalho”. RO. Data de julgamento: 11/09/2008. Relator: Des.
ADALBERTO MARTINS. Acórdão: 20080801395. Processo nº: 01723-
2005-020-02-00-2. Ano: 2007. 12ª Turma do TRT/SP. Data da
publicação: 19/09/2008.
VÍNCULO DE EMPREGO. FATOS ALEGADOS PELAS PARTES.
FATOS NOTÓRIOS, USOS E COSTUMES COMO SUPORTES Á
SOLUÇÃO DA LIDE DIANTE DA FALTA DE CLAREZA ACERCA DA
RELAÇÃO MATERIAL. “Quando não elementos nos autos que
evidenciem de maneira satisfatória qual a relação material efetivamente
havida entre as partes, diante da inafastabilidade da jurisdição e da fase
em que se encontra o feito, outra solução não que não o uso de
fatos notórios, costumes e razoabilidade para se resolver o litígio. Não é
controvertido o fato de que houve prestação de trabalho, mas sim a
quem esta prestação esteve subordinada. Diante de tantas
contradições, considerando a notoriedade em torno do benefício que a
promoção de "ducha grátis" traz ao negócio de venda de combustível e,
ainda, considerando o costume nacional de se dar gorjetas, afasta-se a
tese de que não houve onerosidade, pois esta foi estribada no costume,
ambos os contratantes nele se pautaram para fixar a remuneração;
então, não poderá ser a forma de retribuição dos serviços (paga de
gorjetas, apenas) utilizada em juízo para beneficiar o reclamado como
significado de falta de onerosidade. Nem se diga que o raciocínio até
aqui realizado padece de suporte legal, pois o art. da CLT prevê em
seu caput que se decida com base em usos e costumes e o art. 334 do
CPC, subsidiariamente aplicado ao Processo do Trabalho, prevê a
desnecessidade de se provarem fatos notórios, sendo que o art. 335 do
mesmo diploma processual autoriza o juiz a aplicar 'as regras de
experiência comum subministradas pela observação do que
ordinariamente acontece' para decidir o litígio”. RO. Data de julgamento:
04/11/2002. Relator: YONE FREDIANI. Acórdão: 20020726451.
140
Processo nº: 36505-2002-902-02-00-8. Ano: 2002. Turma do
TRT/SP. Data da publicação: 22/11/2002.
“SIMULAÇÃO. UTILIZAÇÃO DE PROVAS INDICIÁRIAS. CABIMENTO.
Por sua própria natureza, o ato simulado não é facilmente detectável
por meio de provas concretas e diretas, pois realizado com o objetivo
de “dar aparência de legalidade”, apresentando-se externamente
perfeito “aos olhos da lei”, mas escondendo elementos subjetivos que
olvidam a legalidade e até mesmo a moralidade. Daí o porquê de o ato
simulado ser, por excelência, constatado através de indícios e máximas
de experiência, de forma a trazer à baila cios ocultos em
contraposição ao aspecto exterior de legalidade” (Autos 0108/2004-
000-24-00-3-AR.0 Relator: Amaury Rodrigues Pinto Júnior.
Publicação: DO Nº 6371 de 23.11.2004 pág. 26). Processo TST-ROAR-
213-2005-0024-00.3.
Como pudemos verificar, as presunções, os indícios e as máximas de
experiência desempenham função de destaque para a correta valoração da
prova, devendo o julgador, com fundamento no princípio da persuasão racional,
lançar mão destes instrumentos sempre que entender necessário para o resgate
da verdade dos fatos que, muitas vezes, não se revela pelos elementos diretos,
mas sim por meio das circunstâncias secundárias dos autos e pelas regras de
experiência da vida.
Assim o fazendo, estará o juiz preservando o escopo social do
processo (justa pacificação do conflito) e garantindo efetividade à prestação
jurisdicional.
141
7. ÔNUS DA PROVA:
7.1. Construção da teoria contemporânea do ônus da prova
:
As regras sobre distribuição do ônus da prova entre os litigantes
sempre renderam inúmeros debates no mundo jurídico, que remontam a priscas
eras.
registros de que na antiguidade a decisão penderia, caso as provas
produzidas não convencessem, em favor de quem tivesse maior honorabilidade,
quem fosse mais probo, sendo que na hipótese de idêntica reputação entre os
litigantes, o julgamento seria favorável ao réu.
O Direito Romano conferiu caráter mais objetivo às regras sobre
distribuição da prova, atribuindo, ainda que de forma incorreta, o ônus apenas ao
autor, eis que era ele quem afirmava e, com base nisso, provocava a atuação
judicial; o réu, ao negar o fato, não atraía para si o encargo da prova. O equívoco
da conclusão, nesta fase do direito, residia no fato de que ao réu nunca era
transferido o encargo de produzir a prova, ainda que, além de negar, alegasse
fatos que se opusessem aos aduzidos pelo autor.
Posteriormente, o Direito Romano, reconhecendo que a resposta do
réu poderia conter também uma afirmação (extintiva, impeditiva ou modificativa),
e não apenas a negação do quanto dito pelo autor, ao ele foi atribuído o ônus da
prova quanto à exceção alegada em defesa (“reus in excipiendo fit actor”),
segundo a regra de Ulpiano (Digesto): “reus in exceptione actor est”.
Os glosadores, ao manusearam os textos romanos, acabaram por
imprimir um retrocesso nas regras sobre provas, concluindo que apenas os fatos
afirmativos eram objeto de prova, e nunca os negativos (“negativa non sunt
probanda”); incorreta tal interpretação, eis que uma alegação negativa pode
trazer em si uma verdadeira afirmação, razão pela qual incumbe à parte que a
alegar a prova do “fato negativo”, conforme será melhor estudado adiante.
142
Tal concepção acabou sendo encampada pelo direito medieval (em
razão do período da inquisição), passando pelo direito português antigo e
repercutiu no direito nacional, sendo incorporada pelo Código de Processo Civil
de 1939.
Entre este período romano e o estabelecimento das normas
contemporâneas que regem a distribuição do ônus da prova foram desenvolvidas
várias teorias a respeito do tema, tendo contribuído para a construção do que
conhecemos hoje na legislação processual vários doutrinadores, dentre eles
Lessona, Bentham, Webber, Bethmann-Hollweg, João Monteiro e outros,
conforme bem retratado por Moacyr Amaral Santos.
168
Os diversos estudos desenvolvidos acerca da questão relativa ao ônus
da prova tiveram grande valor na construção da teoria atual, eis que conferiram
nova interpretação aos textos romanos, distribuindo adequadamente o ônus da
prova, atribuindo ao autor o encargo da prova quanto aos fatos sobre os quais se
fundamentava a pretensão, bem como ao réu o ônus da prova quando, a
despeito de negar a situação alegada na inicial, opusesse um fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do adversário. Conferiu-se, portanto, adequada
interpretação à antiga regra de Ulpiano: “reus in exceptione actor est”.
Carnelutti, ao elaborar uma teoria sobre o ônus da prova, vinculava o
ônus ao interesse na própria afirmação, vejamos:
“O ônus em provar recai sobre quem tem o interesse em afirmar;
portanto, quem propuser a pretensão tem o ônus de provar os fatos
constitutivos, e quem propuser a pretensão, tem o ônus de provar os
fatos extintivos ou as condições impeditivas ou modificativas (supra,
23). Este é um critério coerente com o conteúdo do litígio, posto que se
funda na diferença entre defesa e exceção (supra, 126); é, além
disso, um critério sugerido por uma regra de exceção, posto que quase
168 Primeiras linhas de direito processual civil.
143
sempre aquele em cujo favor um fato constitui a base de uma
pretensão ou de uma exceção, proporciona-se a disponibilidade dos
meios necessários para demonstrá-lo”.
169
Da mesma forma, contribuiu de forma relevante para a construção do
modelo albergado por nosso ordenamento jurídico o processualista italiano
Chiovenda, ao desenvolver teoria segundo a qual a cada uma das partes seria
atribuído o ônus de provar os fatos em relação aos quais tivesse interesse em
demonstrar como verdadeiros, atrelando a distribuição do encargo probatório
segundo a natureza destes fatos.
170
Amaral Santos, perfilhando-se às lições de Chiovenda, assim
esclareceu acerca da teoria desenvolvida pelo consagrado jurista:
“Ao autor cabe dar a prova dos fatos constitutivos da relação jurídica
litigiosa. O réu, por seu lado, deve prover a prova de suas afirmações,
o que pode acontecer de dois modos: a) se alega fatos que atestam,
direta ou indiretamente, a inexistência dos fatos alegados pelo autor
(prova contrária, contraprova); b) se alega fatos impeditivos, extintivos
ou modificativos, ou que obstem efeitos ao fato constitutivo (prova da
exceção, no sentido amplo)”.
171
Sem embargo das diversas teorias desenvolvidas acerca das regras da
distribuição do encargo probatório, importante ressaltar que em nosso
entendimento a maior colaboração da doutrina contemporânea para a evolução
do tema foi concluir que as regras do ônus da prova são, na verdade, “regras de
julgamento”.
169 CARNELUTTI, Francesco, Sistema de direito processual civil, p. 133.
170 CHIOVENDA, Giuseppe, Instituições de direito processual civil, p. 935.
171 SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil, p. 347.
144
A propósito, embora a lei processual em vigor trace parâmetros,
segundo a natureza do fato (Chiovenda), a respeito de quem assume o risco da
prova, o juiz somente aplicará as regras do “ônus da prova” no momento da
prolação da sentença, proferindo decisão desfavorável à parte a quem incumbia
o encargo de provar o fato e não o fez.
Neste sentido, Pontes de Miranda assim ponderou:
“Em verdade, as regras sobre conseqüências da falta da prova
exaurem a teoria do ônus da prova. Se falta prova, é que se tem de
pensar em se determinar a quem se carga a prova. O problema da
carga ou ônus da prova é, portanto, o de determinar-se a quem vão as
conseqüência de se não haver provado; ao que afirmou a existência do
fato jurídico (e foi, na demanda, o autor), ou a quem contra-afirmou
(=negou ou afirmou algo que exclui a validade ou eficácia do fato
jurídico afirmado), seja o outro interessado, ou, na demanda, o réu”.
172
Neste sentido, o juiz socorrer-se-á destas regras se não restar provado,
por qualquer meio, ainda que adequada exaustivamente subministrados os
poderes instrutórios que lhe são conferidos por lei, o fato sobre o qual se baseia a
pretensão.
Por outro lado, se o fato for provado, a prova é incorporada ao
processo (princípio da comunhão da prova), não interessando ao julgador quem a
tenha produzido, razão pela qual, nesta situação ora delineada, as regras sobre
distribuição do ônus da prova passam a ser absolutamente irrelevantes.
Com isso, importante frisar que as regras sobre o risco da prova não
podem mais representar óbice à oportuna utilização dos poderes instrutórios do
juiz, sobretudo porque o momento crucial para a invocação destas regras é o da
prolação da sentença, e não durante a instrução processual. Não devem,
172 Comentários ao Código de Processo Civil, p. 271.
145
portanto, inibir a atividade oficial na investigação da verdade, não servindo como
limitador à boa administração da justiça.
7.2. Ônus como “interesse” e “necessidade” de provar
:
Ônus da prova consiste no interesse da parte em demonstrar os fatos
trazidos a juízo, em fazer valer a verdade dos fatos por alegados e sobre os quais
se fundamenta a pretensão ou a defesa, a fim de formar o convencimento do
julgador.
Vincula-se firmemente à idéia de encargo, de faculdade, de risco
processual, porquanto traz como consequência a potencial rejeição da pretensão
daquele que tinha o ônus de provar e não o fez.
Conforme sábias palavras de Ísis de Almeida:
“No ônus da prova uma incumbência, um encargo. (...) O que se
pretende com ‘onus probandi’ é definir responsabilidades processuais
na demonstração legal de fatos que precisam vir à luz e cuja
veracidade precisa ser evidenciada ou revelada ao juiz.”
173
Verifica-se, portanto, que o ônus da prova vincula-se diretamente à
idéia de interesse e de risco da prova, arcando a parte a quem incumbia a
faculdade de produzir a prova e não o fez com o risco da decisão desfavorável à
sua pretensão.
Não se deve confundir “ônus” com dever ou obrigação, eis que o ônus
vincula-se à idéia de interesse, sendo que a omissão da parte que tinha o
encargo da prova e dele não se desonerou não lhe renderá a aplicação de uma
sanção processual, mas apenas experimentará os prejuízos decorrentes de sua
173
ob. cit., 10ª edição, vol. II, pág. 123:
146
abstenção. Neste sentido, foi Carnelutti quem melhor distinguiu ônus de
obrigação.
7.3. Ônus subjetivo e ônus objetivo
:
Consoante esclarecido anteriormente, a idéia de ônus está vinculada à
de “risco” da atividade probatória, que será suportado pelo litigante que deixar de
se desincumbir de seu encargo na realização da prova do fato que lhe favorecia.
Consiste, portanto, o ônus subjetivo em saber-se quem dos
contendores suportará o “risco da prova frustrada”
174
.
Neste sentido, oportunas as lições de Carlos Alberto Reis de Paula:
“Sob o primeiro aspecto, o ônus da prova aparece como uma regra de conduta
para as partes, na medida em que assinala os fatos que a cada um interessa
provar, para que logre êxito em sua pretensão ou exceção”
175
.
O ônus subjetivo, portanto, diz respeito às regras de repartição do ônus
da prova, à distribuição entre as partes do encargo da produção da prova,
segundo os parâmetros estabelecidos nos artigos 333 do CPC e 818 da CLT.
Representa justamente a necessidade e a faculdade do litigante em
provar o fato sobre o qual se fundamenta sua pretensão, incumbindo ao autor a
prova do fato constitutivo do direito alegado e ao réu a prova do fato modificativo,
impeditivo ou extintivo do direito do ex adverso.
As partes, ao comparecerem em juízo, tem interesses antagônicos,
sendo que o êxito ao final da demanda depende da produção da prova da
veracidade do fato alegado e do convencimento do magistrado durante a
instrução do processo.
174 Neste passo, a doutrina de Manoel Antonio Teixeira Filho, A Prova no Processo do Trabalho, pág. 110.
175 A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho, p. 115.
147
o ônus objetivo, em que pese a impropriedade da denominação,
uma vez que ao juiz não incumbe qualquer ônus, reflete nada mais do que o
princípio da comunhão das provas.
Uma vez produzida a prova no processo, não interessa ao julgador, ao
formar o seu convencimento a partir dela, quem a produziu, mas sim o fato
demonstrado. Se, por exemplo, o reclamante pleiteia horas extras, que acabam
sendo provadas por meio das testemunhas da reclamada, a prova produzida
passa a pertencer ao juízo, sendo considerada como elemento de convicção do
julgador.
Tem, portanto, o condão de formar o convencimento do julgador,
independente de quem tenha produzido, razão pela qual o ônus objetivo é
considerado pela doutrina como regra de julgamento.
A partir do momento em que se produziu a prova, passa a pertencer ao
processo (destinatário da prova), tendo em vista o princípio da comunhão ou da
unidade da prova, sendo a finalidade primordial da atividade instrutória a
formação do convencimento do julgador.
176
Neste sentido, leciona Vicente Greco:
“À parte incumbe o ônus da prova de determinados fatos (ônus
subjetivo), mas ao apreciar a prova produzida não importa mais quem a
apresentou, devendo o juiz levá-la em consideração (ônus objetivo).”
177
Em complemento às lições do mestre civilista, trouxemos também o
magistério de Teixeira Filho:
176 NERY JUNIOR, Nelson, in Código de processo civil comentado, p. 606, assinala que o destinatário da prova é o
processo, embora afirme que a atividade probatória, após adquirida pelo processo, tem por fim “convencer o juiz da
existência do fato e do conteúdo da prova”.
177
ob. cit., pág. 190
148
“Adotando como critério os sujeitos do processo, o eminente Coqueijo
Costa (“Direito Judiciário do Trabalho”, Rio de Janeiro, Forense, 1978,
pág. 290), provavelmente com apoio em Cintra, Grinover e Dinamarco
(ob. cit., pág. 318), distingue entre ônus subjetivo e ônus objetivo,
consistindo o primeiro na indagação que se deve fazer acerca de qual
dos litigantes deve suportar o “risco da prova frustrada”, sendo que o
segundo se volta para o magistrado, porquanto, para este, quando da
elaboração da sentença, importará o demonstrado e não quem o
demonstrou.”
178
Analisemos a questão à luz de um exemplo extraído do cotidiano
forense: o autor reclama equiparação salarial; traz testemunhas que corroboram
a identidade de funções, bem como o trabalho com a mesma perfeição técnica e
a mesma produtividade; o réu, que em defesa admite a identidade funcional,
opondo-lhe, todavia, a diferença de qualidade de trabalho, produz prova
testemunhal que confirmam a tese ventilada na contestação; ante a prova
aparentemente conflituosa (testemunhos dissonantes sobre os mesmos fatos), o
juiz, esgotada a atividade instrutória da qual participou ativamente em busca da
verdade real acareando as testemunhas e até mesmo ouvindo testemunhas
referidas -, provavelmente julgará em favor do autor, uma vez que o réu, embora
tenha oposto fato impeditivo, não se desvencilhou do ônus que lhe incumbia.
179
Desta feita, sendo o juiz soberano na livre apreciação da prova colhida
durante a instrução processual, independentemente de ter sido produzida pelo
autor ou pelo réu, ou ainda provocada pela atividade instrutória complementar do
próprio julgador, deverá decidir segundo seu convencimento acerca dos
178 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, pág. 110
179 Segundo Humberto Theodoro, ob. cit., pág. 382: “Falta de prova ou prova incompleta equivalem-se, na sistemática
processual do ônus da prova”. Em nota de rodapé, cita os seguintes julgados: “No entrechoque de provas, quando a prova
testemunhal de ambas as partes for de igual força, prevalece a produzida pelo réu” (TJSC, Apel. 22.741, ac. de 30.03.78,
in RT, 515/204). “Havendo equivalência das provas apresentadas pelos contendores, que se entrechocam e se excluem,
não se pode ter como provada a pretensão deduzida em juízo.” (TAMG, Apel. 22.741, ac. de 06.05.83, in DJMG de
15.11.83).
149
elementos existentes nos autos, independentemente de quem o tenha trazido ao
processo.
7.4. Regras de distribuição do ônus da prova
:
Respeitável parcela da doutrina trabalhista tem considerado a dicção
do art. 818 da CLT suficiente para regulamentar a matéria relativa à distribuição
do ônus da prova.
Neste compasso, César Pereira da Silva Machado Júnior, em seu
estudo sobre ônus da prova, esclarece que o art. 818 da CLT estabelece os
mesmos parâmetros sobre a distribuição do encargo probatório às partes
daqueles referidos no art. 333 do CPC, razão pela qual não se justificaria a
aplicação supletiva deste ao processo do trabalho, ex vi do art. 769 da CLT.
Assim justifica seu entendimento:
“No nosso ponto de vista, os artigos 818 da CLT e 333 do CPC dizem
única e exclusivamente a mesma coisa, e a aplicação exclusiva do art.
818, com exclusão da aplicação subsidiária do art. 333 do CPC, em
nada altera a situação que enfrentamos na prática diária do foro”.
180
Na mesma toada, Manoel Antonio Teixeira Filho, cujo magistério
transcrevemos:
“Concluímos, portanto, que o art. 818 da CLT, desde que o intérprete
saiba captar, com fidelidade, o seu verdadeiro conteúdo ontológico,
deve ser o único dispositivo legal a ser invocado para resolver os
problemas relacionados ao ônus da prova no processo do trabalho,
vedando-se, desta forma, qualquer invocação supletiva do art. 333, do
180 MACHADO JR., César Pereira da Silva, O ônus da prova no processo do trabalho, p. 94.
150
CPC, seja porque a CLT não é omissa, no particular, seja porque
manifesta incompatibilidade com o processo do trabalho”.
181
Os argumentos invocados por estes estudiosos atuam em duas frentes:
a existência de norma trabalhista expressa a respeito da distribuição do ônus da
prova, não havendo, portanto, omissão a autorizar a migração supletiva de norma
do processo civil, sendo tautológica a aplicação subsidiária da norma processual;
a outra reputa incompatível a regra esculpida no art. 333 do CPC, esteada na
igualdade formal entre as partes, com a relação de desigualdade real entre os
litigantes verificada no âmbito do processo do trabalho. Ausentes, portanto, os
requisitos previstos no art. 769 da CLT para a aplicação subsidiária da lei
processual civil, neste particular.
Teixeira Filho, procurando justificar o seu posicionamento, ilustra com o
seguinte exemplo: o empregador, ao impugnar em defesa a jornada
extraordinária aduzida na inicial, tem o ônus de provar o horário de trabalho
ordinariamente cumprido pelo trabalhador, eis que a tese da defesa
fundamentou-se na afirmação de um fato positivo, razão pela qual tem o encargo
de provar tal fato, conforme preconiza a regra eficaz do art. 818 da CLT;
esclarece que não se trata de uma inversão do ônus da prova, como alguns
desavisadamente entendem, mas sim da correta exegese do art. 818 da CLT.
Caso fosse aplicado o art. 333 do CPC, o ônus da prova seria exclusivamente do
empregado, eis que o labor extraordinário é fato constitutivo do direito
perseguido, interpretação esta equivocada, no entender do jurista em comento.
E assim arremata o doutrinador:
“Isto nos leva a afirmar, por conseguinte, que a grande tarefa da
doutrina trabalhista brasileira, que tanto se tem empenhado em
cristalizar o princípio da inversão do ônus da prova, em benefício do
trabalhador cuja preocupação, aliás, tem unido pensadores de
181 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 126.
151
diversos países consistirá em encontrar, no próprio conteúdo do art.
818 da CLT, os fundamentos que até então vem procurando,
abstratamente, para dar concreção ao princípio da inversão do encargo
da prova em prol do trabalhador”.
182
Neste ponto, a construção doutrinária desenvolvida por aqueles que
rejeitam a aplicação supletiva do art. 333 do CPC também tem por fundamento,
além dos motivos referidos acima, a relação de instrumentalidade entre o direito
substancial e o direito processual do trabalho. Segundo tal corrente de
pensamento, a desigualdade real existente entre as partes envolvidas no contrato
de trabalho não se dissipa quando transportada para o processo, como bem
retratado por Giovanni Tesorierí, in litteris:
“Quando o dador de trabalho e o trabalhador assumem no processo as
vestes formais de partes, não cessam por isso de ser o que sempre
terão sido; a história das suas relações não se transforma num outra
história: é a mesma, que continua”.
183
Em que pesem os habilidosos argumentos utilizados por este primeiro
segmento doutrinário, entendemos ser aplicável a regra de repartição do ônus da
prova prevista no art. 333 do CPC supletivamente ao processo do trabalho, no
que comungamos do mesmo posicionamento de Ísis de Almeida
184
, Amador Paes
de Almeida
185
, Wilson de Souza Campos Batalha
186
, Carlos Alberto Reis de
182 Ob. cit., p. 124.
183 Lineamenti di Diritto Processuale dei Lavoro, Padova, Cedam, 1975, p. 4, apud TEIXEIRA FILHO, ob. cit., p. 125.
184 Manual de direito processual do trabalho, p. 123.
185 Curso prático de direito processual do trabalho, p. 160.
186 Tratado de direito judiciário do trabalho, p. 496.
152
Paula
187
, Francisco Antônio de Oliveira
188
, Jorge Luiz Souto Maior
189
, Carlos
Henrique Bezerra Leite
190
, dentre outros
191
.
No nosso sentir, a dicção do art. 818 da CLT é genérica e lacônica, não
contemplando com precisão a natureza do fato
192
, conforme lições de Chiovenda
ao dispor sobre repartição do encargo probatório.
Fiando-nos exclusivamente na regra do art. 818 da CLT,
encontraríamos grande dificuldade na repartição do ônus da prova, notadamente
no que pertine ao risco da prova frustrada, ou seja, a quem seria atribuído este
risco da prova desfavorável no momento do julgamento.
Ao enunciarmos que a prova incumbe a quem alega nada mais
preconizamos senão um princípio genérico, que requer uma explicitação
necessária, como o fez o art. 333 do Código de Processo Civil.
Em que pese não haver efetiva omissão na legislação trabalhista
acerca do tema, é certo que o art. 818 da CLT não é suficiente ao
estabelecimento das regras relativas à distribuição do ônus da prova. Já a norma
do art. 333 do CPC traz o detalhamento necessário das regras acerca da
distribuição do ônus da prova, tratadas de forma simplista pelo art. 818 da CLT.
187 Ob. cit., p. 130.
188 A prova no processo do trabalho, p. 58.
189 Direito processual do trabalho, p. 174.
190 Curso de direito processual do trabalho, pp. 560 e 561.
191 ainda quem entenda que nenhum dos dois artigos referidos se presta ao regramento da matéria de distribuição do
ônus da prova, que ambos se mostram incompatíveis com as particularidades do direito do trabalho, conforme ponto de
vista expresso por Guilherme Guimarães Feliciano, no artigo “Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova no Processo do
Trabalho – critérios e casuística”, Revista LTr de agosto/2008, p. 921, ora transcrito: “A regra do art. 818 da CLT é obsoleta
(...). Já as regras do art. 333 do CPC consubstanciam a teoria das normas jurídicas de Rosenberg, que pretendeu distribuir
o ônus da prova conforme a textura da norma jurídico-material a amparar as pretensões (meados do século XX). Ambas
são inaptas a regular, de modo absoluto, a dinâmica de um processo tão veloz, garantista e tuitivo como é o processo do
trabalho, que envolve, em via de regra, pretensões vinculadas à violação de direitos fundamentais”.
192 Abrindo parêntese, como será analisado no corpo do texto, a tese da “natureza do fato” e a igualdade formal entre as
partes, fundamentos em que se baseia a regra do art. 333 do CPC, devem sofrer adequações quando inseridas no
contexto do processo do trabalho, em razão de suas peculiaridades, todavia, nada a inviabilizar a aplicação subsidiária da
norma ao ramo especializado do direito.
153
No que pertine à segunda condição para aplicação subsidiária do
dispositivo processual civil, qual seja, a compatibilidade com o processo do
trabalho (CLT, art. 769), também não vislumbramos qualquer óbice neste
particular. Embora a regra do art. 333 do CPC esteja fundamentada na igualdade
formal das partes, situação esta que não se verifica da mesma forma no processo
do trabalho, quando é transportada para a relação processual trabalhista, a
norma passa a sofrer algumas adaptações para atender aos ditames deste ramo
especializado do direito, consoante critérios adiante esclarecidos.
Com efeito, uma vez transplantado o art. 333 do CPC ao processo do
trabalho, deve adequar-se às particularidades do direito e do processo do
trabalho, notadamente em função da inegável desigualdade real das partes e da
dificuldade natural que um dos litigantes tem para dispor da prova dos fatos que
alega em juízo.
Para que o processo possa conferir efetividade ao direito material,
compondo o litígio com justiça, deve contar com os meios necessários a garantir
que este objetivo seja atingido.
Neste compasso, as regras sobre ônus da prova tratadas no art. 333
do CPC, aplicadas supletivamente ao processo do trabalho, devem se amoldar
às demandas e às necessidades do direito material, a quem o processo serve de
instrumento para a plena concreção.
Cumpre, assim, distribuir-se o encargo probatório entre as partes de
modo a observar quem tem aptidão para a produção da prova (o ônus deve ser
cumprido por aquele que tiver maior facilidade e acesso à prova), permitindo-se,
destarte, que o magistrado não fique adstrito ao rigor excessivo das regras de
distribuição do ônus da prova impostas abstratamente pela legislação processual
civil.
193
193 PAULA, Carlos Alberto Reis de, A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho, p. 130.
154
A repartição do ônus da prova prevista no art. 333 do CPC, portanto,
para que tenha eficácia no processo laboral, merece ser feita de forma dinâmica,
com vistas sempre às especificidades deste ramo do direito, atendendo, em
última análise, aos fins sociais ao qual se destina.
Em abono à tese da aptidão para a prova como hábil meio a adequar
as regras de distribuição do ônus da prova com as peculiaridades do processo do
trabalho, oportuno o magistério de Jorge Luiz Souto Maior:
“De qualquer modo não se pode negar o texto da CLT é vago, e a
sua interpretação não está, obrigatoriamente, presa à sua gênese
histórica. Isto possibilita que se faça uma interpretação criativa de seu
conteúdo, para que se realize uma distribuição do ônus da prova no
processo do trabalho mais condizente com as características da
relação de direito material, utilizando-se da concepção de que a
realização da prova compete à parte que tiver maior aptidão para a sua
produção e do reconhecimento de que tal distribuição do onus probandi
pode, e deve, embasar-se em critérios determinados pela presunção
hominis (as máximas de experiência), que possibilitam adotar como
verdadeira, até prova em contrário, a alegação verossímil”.
194
Acrescente-se que a relação processual é regida também pelo princípio
da boa-fé dos litigantes, motivo pelo qual aquele que tiver maior acesso e,
portanto, mais aptidão para a produção da prova, deve fazê-lo, uma vez que na
visão publicística contemporânea, o processo não é movido em benefício das
partes, mas sim em prol do interesse público e coletivo maior da realização da
Justiça. Por esta razão, dos litigantes não pode ser exigida conduta processual
diversa, porquanto a existência da relação processual se justifica, no dias atuais,
por uma finalidade social superior à vontade e à autonomia privada.
194 Direito processual do trabalho, p. 174.
155
Neste contexto, a Constituição Federal de 1988, atenta a esta
concepção mais moderna do direito e das relações sociais, inseriu no título
destinado à ordem econômica a função social da propriedade (art. 170, III e VIII).
Esta idéia traz em seu bojo a responsabilidade social da empresa, em juízo e fora
dele. Decorre daí a conclusão de que o empresário deve apresentar durante o
processo, por boa-fé e em razão da responsabilidade social que tem, todas as
provas de que disponha, notadamente aquelas que, por expressa disposição
legal, tem o dever de manter em seus arquivos (CLT, artigos 41, 42, 74, 157,
dentre inúmeros outros).
Com fundamento nestas premissas foi construída a jurisprudência
trabalhista, como se observa, por exemplo, na Súmula 338 do C. TST
195
. O
Judiciário Trabalhista, cujo principal escopo é a distribuição da justiça social,
sempre esteve atento ao dinamismo das regras de repartição do ônus da prova,
subministrando-as à luz das especificidades deste ramo do direito, do princípio da
aptidão para a produção da prova, das máximas de experiências e presunções.
Concluímos, com isso, que o juiz, no momento de decidir, deve
subministrar as regras de distribuição do ônus da prova previstas no art. 333 do
CPC à luz das demandas e das particularidades do direito e do processo do
trabalho, sem se olvidar dos demais recursos coadjuvantes
196
a auxiliá-lo no
julgamento, tudo de modo a garantir que o escopo social do processo seja
atendido, eliminando os conflitos com o máximo de justiça.
195 Segundo a Súmula 338, embora o empregado esteja onerado com o risco da prova das horas extras (fato constitutivo
de seu direito ao pagamento), tendo em vista que o meio de prova está em poder da parte contrária (se, no caso, o
reclamante alegar que os cartões revelam a verdade dos fatos alegados na inicial) aptidão para a prova, deste passa a
ser o ônus processual. Isto porque, empregando o réu mais de dez trabalhadores, de acordo com a regra do art. 74 da
CLT, tem o dever (agora não se trata de ônus) legal de manter tais documentos em seu poder, bem como de apresentá-los
em juízo, se intimado pelo magistrado, sobretudo porque os cartões contêm informações comuns às partes (arts. 355, 358,
incisos I e III, CPC). Deixando de apresentar em juízo os referidos documentos, os fatos constitutivos do direito do autor
serão presumidos verdadeiros (desonerando-se o autor do encargo da prova).
196 Tais mecanismos de que se vale o magistrado no julgamento, consoante analisado, são as máximas de
experiências, as presunções e, em último caso, quando a prova conflituosa e dividida provocar estado de perplexidade, o
princípio in dubio pro misero, importante instrumento a auxiliá-lo na valoração dos elementos de convicção existentes nos
autos.
156
Somente assim estará garantindo efetividade ao direito, à prestação
jurisdicional e atendendo ao fim social do processo do trabalho.
Neste sentido, lapidares são as lições de Francesco Carnelutti,
destacando a importância da interpretação teleológica das regras do ônus da
prova:
“Somente assim o ônus da prova constituiria um instrumento para
alcançar a finalidade do processo, que não é a simples composição,
mas a composição justa do litígio: destarte, reage sobre a parte que
pode contribuir mais utilmente para convicção do juiz; e, por isso,
quando tal convicção tiver de se formar da falta de prova, ou seja,
quando o juiz tiver de desatender uma afirmação porque a parte não a
provou, oferece a probabilidade máxima da coincidência de tal
convicção com a realidade”.
197
7.5. Visão contemporânea da teoria do ônus da prova e o princípio
inquisitivo:
A instrução processual trabalhista é norteada eminentemente pelo
princípio inquisitivo
198
, incumbindo ao juiz ampla atividade oficial no sentido de
investigar a verdade dos fatos. Esta é a conclusão que se extrai da dicção do
artigo 765 da CLT.
Na concepção dos processualistas modernos, a instrução no processo
civil também conta com a ativização da conduta do julgador (CPC, art. 130), a fim
de que a decisão judicial se aproxime o máximo possível da realidade dos fatos,
decidindo o litígio de forma efetiva e justa.
197 CARNELLUTI, Sistema de direito processual civil, pp. 132 e 133.
198 Não se trata de exceção ao princípio dispositivo, uma vez que este se refere exclusivamente à impossibilidade do juiz
de conhecer de ofício questões que dependam da provocação das partes. O referido princípio não se estende, todavia, à
fase instrutória, eis que esta se desenvolve por impulso oficial, tendo sido a iniciativa probatória do juiz albergada pela
sistemática processual hodierna.
157
Para tanto, a regra contemplada no art. 333 do CPC deve ser
interpretada com vistas à concretização destes ideais, notadamente com a
finalidade de possibilitar a justa composição do litígio.
Ao analisarmos o art. 333 do CPC, à luz dos artigos 130 do mesmo
diploma legal e 765 da CLT, notamos que a regra nele contida somente ganha
sentido como parte integrante do sistema processual em que está inserida se for
compreendida como regra de julgamento.
Não se pode admitir que a teoria do ônus da prova esculpida no art.
333 do CPC (e equivalente 818 da CLT) tenha o condão de obstar a atividade
instrutória oficial na busca da verdade, sob pena de tornar letra morta as
disposições contempladas nos artigos 130 do CPC e 765 da CLT.
As regras de distribuição do ônus da prova devem servir de orientação
às partes durante a instrução processual, não inibindo de forma alguma a
iniciativa oficial, cumprindo ao juiz determinar a produção de quaisquer provas
que entender pertinentes e cabíveis para o resgate da realidade que não tenha
sido revelada pelas partes nos autos.
A propósito, a respeitabilidade e a credibilidade no Poder Judiciário,
nos dias atuais, estão diretamente vinculadas à entrega de um provimento judicial
que seja efetivo e justo. E, não raras vezes, um dos litigantes sequer detém
aptidão para a produção da prova necessária à demonstração de seu direito,
motivo pelo qual a aplicação das regras do ônus da prova durante a instrução
processual, como método limitador da atividade instrutória oficial, como pensam
alguns, representaria entregar à sociedade uma solução cômoda e injusta, o que
não se coaduna com as demandas sociais no mundo contemporâneo.
Embora a doutrina tradicional vincule o resultado do litígio meramente
ao ônus da prova, não concordamos com tal conclusão, porquanto a própria
158
legislação cuidou para dotar o juiz de amplos poderes investigatórios para que o
conflito fosse pacificado com justiça.
Neste sentido, ao analisar as “tendências modernas sobre o ônus da
prova”, Chiovenda, em sua visão vanguardista do processo, assim ponderou:
“Num sistema que admitisse a pesquisa de ofício da veracidade dos
fatos, não teria significação à repartição do ônus da prova. Ora,
acontece, justamente, que, a passo com a tendência contrária ao
princípio dispositivo na verificação dos fatos, se manifesta uma
tendência contrária a repartição legal do ônus da prova, do que
encontramos vestígios na doutrina e mesmo nas obras legislativas
mais recentes.
Assim que, por exemplo, KOHLER, Civilprozessrecht, parágrafo 55,
reputa toda a doutrina sobre o ônus da prova como própria de um
período ‘já sobrepassado’, como uma derivação do sistema da prova
legal.”
199
As regras de distribuição do ônus da prova, portanto, devem constituir
o último recurso de julgamento de que deve dispor o magistrado, a fim de evitar a
situação do non liquet expressamente vedada por lei (CPC, art. 126), após
esgotar todos os meios de que dispõem para a investigação da verdade real
(atividade instrutória ampla), conforme magistério do processualista Bedaque:
“As regras referentes à distribuição do ônus da prova devem ser
levadas em conta pelo juiz apenas e tão-somente no momento de
decidir. São regras de julgamento, ou seja, destinam-se a fornecer ao
julgador meios de proferir a decisão, quando os fatos não restaram
suficientemente provados. Antes disso, não tem ele de se preocupar
com as normas de distribuição do ônus da prova, podendo e devendo
esgotar os meios possíveis, a fim de proferir julgamento que retrate a
199 CHIOVENDA, Giuseppe, Instituições de direito processual civil, p. 945.
159
realidade fática e represente a atuação da norma a situação
apresentada em juízo.” (...) Em síntese, o poder instrutório do juiz,
previsto no art. 130, não se subordina às regras sobre o ônus da prova;
e não as afeta, visto que são problemas a serem resolvidos em
momentos diversos.”
200
No mesmo diapasão, o entendimento de Barbosa Moreira:
“Isso em nada afeta, e em nada se contrapõe à iniciativa oficial, porque
a aplicação das regras sobre o ônus da prova, o julgamento segundo o
ônus da prova, é uma tragédia psicológica para qualquer juiz de
sensibilidade apurada. Esse julgamento, segundo o ônus da prova,
deve sobrevir depois que se esgotarem todos os meios. E não está dito
em parte alguma que entre esses meios não possa figurar a iniciativa
oficial do juiz.”
201
Esclarecemos, por fim, que o fato do juiz ter o poder-dever de perquirir
a verdade durante da instrução processual, em razão do interesse público maior
na realização do direito, também não implica afirmar que as partes não tenham o
encargo de demonstrar os fatos em que fundamentam suas pretensões. O ônus
de provar persiste como orientação de conduta dos litigantes durante a instrução
processual, não obstando, porém, a iniciativa oficial no perquirição da verdade,
motivo pelo qual as regras que regem a distribuição deste encargo somente
podem ser invocadas pelo julgador no momento do julgamento.
202
200 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, p. 86.
201 BARBOSA MOREIRA, “O juiz e a prova”, in Repro 35/181-182, apud BEDAQUE, ob. cit., p. 87, nota de rodapé 200.
202 NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade, Código de Processo Civil comentado, p. 389, nota 2 ao art.
130 do CPC.
160
7.6. Inversão do ônus da prova
:
A regra da distribuição do ônus da prova erigida no art. 333 do CPC,
como vimos, parte da igualdade formal entre os litigantes, que teriam as mesmas
oportunidades e semelhante aptidão para a produção da prova dos fatos em que
lastreiam suas pretensões e exceções.
Cediço é, todavia, que no direito do trabalho, a quem o processo serve
de instrumento de concreção e efetividade, evidente desigualdade real entre
os contratantes. Por conseguinte, a relação processual também experimenta este
desnível entre as partes.
Transportando estas premissas para o campo da prova, as
desigualdades reais entre os litigantes se evidenciam, notadamente em razão da
aptidão maior do empregador para a prova dos fatos, porquanto detém, na maior
parte dos casos, os meios para trazer à luz os fatos realmente ocorridos.
Daí porque, conforme analisamos anteriormente, necessária a
adequação do rigor da regra esculpida norma processual civil às particularidades
do processo do trabalho, objetivando, com isso, resgatar o ideal de igualdade
entre os contendores.
Neste sentido, Carlos Alberto Reis de Paula assinalou:
“No âmbito específico das provas, temos as dificuldades probatórias
que podem ter o empregado e, em contrapartida, a maior facilidade
probatória do empregador, que normalmente é quem dispõe das
provas, principalmente a documental. Não se pode tratar igualmente os
dois, sendo que esse tratamento diferenciado é uma exigência do
próprio princípio da igualdade, tendo essa desigualdade de tratamento
uma justificativa objetiva e razoável. Sem se ofender o princípio do
161
contraditório, que será sempre assegurado, facultando-se à parte a
prova ou contraprova de seu direito ou interesse”.
203
Neste ponto, o juiz do trabalho exerce papel dinâmico fundamental,
utilizando-se dos poderes instrutórios que a lei lhe confere (CPC, art. 131 e CLT,
art. 765), na condução da atividade probatória, consoante abordagem do item
antecedente. Deve atentar, assim, para a situação de desigualdade entre os
litigantes e para que a dificuldade de uma das partes tem para a produção da
prova não represente óbice ao resgate da verdade real.
A atividade instrutória do magistrado trabalhista, longe de ser arbitrária,
deve se mostrar em perfeita sintonia com os valores humanos representados
pelo direito do trabalho e com a finalidade social do processo, assegurando
máxima concretude ao direito.
Não se pode conferir o mesmo tratamento àqueles que não lutam com
as mesmas armas, sob pena de malferir-se os ideais de justiça a quem deve
servir o processo.
É neste contexto que ganha relevo a questão relativa à inversão do
ônus da prova. Ao flexibilizar a rigidez da regra do art. 333 do CPC, com vistas a
atender às especificidades do ramo do direito processual para o qual é
transportada, a inversão do ônus da prova, se corretamente subministrada,
assegura que o processo do trabalho cumpra sua finalidade primordial: conferir a
máxima efetividade ao direito substancial, compondo o litígio com justiça.
Oportuna a citação do jurista mexicano Trueba Urbina, ao asseverar
que a não inversão do ônus da prova em situações necessárias seria o mesmo
que “desconocer que la elaboración del Derecho Procesal del Trabajo se debe a
203 A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho, p. 135.
162
la necesidad de evitar que el litigante mas poderoso, economicamente hablando,
pueda desviar y obstaculizar los fines de la justicia social”.
204
Importante ponderar, todavia, que a inversão do ônus da prova não
pode ser feita de forma aleatória e genericamente em todos os casos submetidos
à Justiça do Trabalho, mas deve ser adequadamente aplicada às situações em
que a dificuldade da prova, nas hipóteses em que não se pode exigir que o
empregado disponha dos meios para produzi-la, obste a realização da justiça
social.
Para melhor situarmos a problemática relativa à inversão do ônus da
prova, trazemos à colação três hipóteses casuísticas em que consideramos
oportuna a medida: a) ações que envolvem violação a direitos fundamentais
(intimidade, privacidade e dignidade da pessoa humana, como ocorre nos casos
em que é adotada pelo empregador a prática de revista íntima em detrimento dos
direitos de personalidade do empregado, mobbing); b) ações que denunciam
discriminação no ambiente laboral; c) ações relativas a atos de desrespeito às
normas de saúde, higiene e segurança do trabalho (tanto as ações de caráter
geral, como as de responsabilidade civil do empregador por acidente de
trabalho).
Nos casos referidos acima, a inversão do onus probandi se justifica em
função da aplicação direta do princípio da aptidão para a produção da prova.
Analisando o terceiro exemplo da responsabilidade civil por acidente de
trabalho, o quadro que se delineia é o seguinte: por expressa disposição legal
(CLT, art. 157), incumbe ao empregador observar as normas de segurança e
medicina do trabalho, adotando procedimentos preventivos de acidentes e
orientando os empregados no sentido de evitar tais eventos (uso de
equipamentos de proteção individual); ocorrendo acidente, e tendo em vista os
deveres legais do empregador, incumbe a ele, por ter mais aptidão para
produção da prova, já que detém o poder diretivo e a propriedade do ambiente de
204 Apud PAULA, Carlos Alberto Reis de, ob. cit., p. 138.
163
trabalho, demonstrar durante a instrução processual que observou todas as
normas legais para manutenção do ambiente saudável (inversão do ônus da
prova), conforme entendimento compartilhado por Dallegrave Neto
205
e
Raimundo Simão de Melo.
206
Não podemos nos olvidar, a propósito do tema, que o empregador, na
concepção contemporânea do direito, deve cumprimento aos ditames legais não
apenas por temor à sanção da norma, mas, sobretudo, por ter responsabilidade
social, conforme previsto no art. 170, III e VIII da CF/88. Daí porque tem que zelar
pelo correto cumprimento da lei e, quando instado em juízo, apresentar as provas
de que deve dispor em razão de expressa disposição legal, atendendo, assim, ao
fim social a que se destina a relação processual.
No que pertine ao momento da inversão do ônus da prova,
entendemos que esta ser invocada pelo julgador, em casos excepcionais e
atendidas as condições acima delineadas, apenas como regra de julgamento,
consoante magistério de Kazuo Watanabe:
“Quanto ao momento da aplicação da regra da inversão do ônus da
prova, mantemos o mesmo entendimento sustentado nas edições
anteriores: é o do julgamento da causa. E que as regras de distribuição
do ônus da prova são regras de juízo, e orientam o juiz, quando um
‘non liquet em matéria de fato, a respeito da solução a ser dada à
causa.
(...)
Efetivamente, somente após a instrução do feito, no momento da
valoração das provas, caberá ao juiz habilitado a afirmar se existe ou
não situação de ‘non liquet’, sendo caso ou não, consequentemente, de
inversão do ônus da prova. Dizê-lo em momento anterior será o mesmo
205 DALLEGRAVE NETO, José Affonso, Responsabilidade civil no direito do trabalho, p. 85.
206 MELO, Raimundo Simão de, “Responsabilidade objetiva e inversão da prova nos acidentes de trabalho”, Revista LTr,
Janeiro/2006, pp. 23-33.
164
que proceder ao prejulgamento da causa, o que é de todo
inadmissível”.
207
A propósito, assim como nos referimos à restrição de aplicabilidade das
regras de ônus prova exclusivamente ao momento julgamento, como último
recurso de que deve dispor o julgador, diferente não deve ser o tratamento
jurídico das normas sobre inversão do encargo probatório, eis que são duas
faces de uma mesma moeda.
Lembramos, por fim, que a teoria da inversão do ônus da prova
também foi encampada pelo direito do consumidor, todavia, de forma mais
explícita do que ocorreu no direito processual do trabalho.
Enquanto que a teoria da inversão do encargo probatório decorreu, na
seara trabalhista, de construção doutrinária e jurisprudencial, o direito do
consumidor a adotou de forma expressa, inserindo-a no art. 6º, inciso VIII da Lei
8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).
A norma legal em comento estabeleceu duas condições alternativas
para que fosse invertido, a critério do julgador, o ônus da prova: a) debilidade
econômica do consumidor, daí decorrendo a dificuldade para a produção da
prova; ou b) verossimilhança de suas alegações do beneficiário da inversão.
O dispositivo legal referido é de vanguarda e, embora erigido em um
ramo especializado do direito, pode ser invocado subsidiariamente ao direito
processual do trabalho, porquanto ambos partem das mesmas premissas para a
inversão do onus probandi: a desigualdade real dos litigantes; a verossimilhança
das alegações do beneficiário da inversão.
207 Kazuo Watanabe, in GRINOVER, BENJAMIN, FINK, FILOMENO, WATANABE, NERY JÚNIOR e DENARI, Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto, pp, 796-797.
165
Ademais, tanto o direito do consumidor, quanto o direito do trabalho
foram concebidos para atender à finalidade social das relações jurídicas que
regulamentam, motivo pelo qual recomendável a aplicação subsidiária do art. 6º,
VIII do CDC ao processo do trabalho, instrumento que objetiva conferir plenitude
aos propósitos do direito substancial.
7.7. Convenção sobre ônus da prova
:
Visando à preservação da igualdade das partes, um dos princípios
medulares da relação processual, o Código de Processo Civil considera nula a
convenção entre as partes que modifique as regras de distribuição do ônus da
prova, caso tal alteração crie dificuldade ao exercício do direito pela parte
prejudicada (art. 333, parágrafo único, II do CPC).
No mesmo diapasão, a hipótese de convenção extrajudicial sobre
distribuição do ônus da prova entre as partes, com mais razão ainda, também
não encontra guarida no processo do trabalho.
Primeiro porque, em se tratando de acordo extrajudicial firmado entre
empregado e empregador na vigência do contrato de trabalho, a manifestação de
vontade do empregado fica à mercê da interferência do empregador, motivo pelo
qual o consentimento daquele pode estar eivado de vícios que o tornem nulo.
No curso do contrato de trabalho não pode, destarte, ser admitida a
convenção extrajudicial entre as partes sobre a distribuição do ônus da prova.
Diferente não é a conclusão quando a convenção ocorre após o
término do contrato de trabalho. Embora a ingerência do empregador nos atos
praticados pelo empregado esteja, neste momento, mitigada, não podemos nos
olvidar que a transferência do encargo probatório para o trabalhador, em muitos
casos, torna a demonstração da verdade dos fatos inviável, eis que aquele ainda
detém maior aptidão para a realização da prova.
166
Ora, se no processo civil, que pressupõe a igualdade formal das partes,
é reputada nula a convenção sobre repartição do ônus da prova, nos casos em
que haja oneração excessiva de um dos litigantes, no processo do trabalho, em
função de todas as suas especificidades, notadamente da menor aptidão do
trabalhador para a produção da prova, com mais razão ainda deve ser repudiado
qualquer ajuste neste sentido, porquanto a transferência do encargo probatório
ao empregado implica, não raras vezes, impossibilitar a realização da prova.
Permitir a livre disposição de vontade dos litigantes sobre repartição do
encargo probatório, a propósito, pode tornar inviável a produção da prova pela
parte que não detém acesso aos meios necessários à demonstração da
realidade.
Ademais, tendo em vista o caráter inquisitivo da instrução processual
trabalhista, nenhum acordo entre as partes, a fim de atender a interesses
privados de uma delas, pode comprometer solução justa do conflito e a
efetividade da prestação jurisdicional.
A liberdade de convenção entre as partes sobre a repartição do ônus
da prova, portanto, se mostra incompatível não somente com a dinâmica do
processo do trabalho, cujo principal escopo é a concreção do direito material,
como também é conflitante com a postura ativa do magistrado trabalhista (art.
765 da CLT) na perquirição da verdade.
7.8. O ônus da prova e o fato negativo
:
Conforme analisamos anteriormente, as regras sobre distribuição do
ônus da prova, tratadas especificamente no art. 333 do CPC e genericamente no
art. 818 da CLT, estabelecem que ao autor incumbe a prova dos fatos
constitutivos de seu direito, cumprindo ao réu, se aduzir defesa indireta de mérito,
a prova dos fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do ex adverso.
167
Neste segundo caso, o encargo da prova se transfere ao réu, em função do
evento obstativo alegado na defesa.
Por outro lado, o réu pode adotar conduta diversa, simplesmente
negando a existência ou a ocorrência do fato constitutivo do direito do autor, não
opondo qualquer fato modificativo, extintivo ou impeditivo. Na hipótese, o risco da
prova permanece a cargo do autor, que será vencido na demanda, caso não se
desincumba de seu encargo; o réu terá êxito, ainda que fique inerte, eis que não
afirmou qualquer fato diverso daquele alegado na inicial, razão pela qual não
houve deslocamento do encargo da prova.
Referimo-nos, no caso supra, à típica situação de “negação de um
fato”, hipótese esta completamente diversa, tanto pelos fundamentos, quanto
pela consequência jurídica, da alegação de um “fato negativo”.
Diversamente do que acreditavam os glosadores, ao interpretarem os
antigos textos romanos sobre ônus da prova, o “fato negativo” demanda atividade
probatória, razão pela qual restou superada atualmente a máxima latina negativa
non sunt probanda.
Isto porque, se o “fato negativo” é previsto pela lei material como fato
constitutivo de um direito, obviamente reclama a prova respectiva.
A propósito, o “fato negativo” invocado por qualquer das partes traz em
si uma “aparente negativa”, que se revela, na realidade, como uma verdadeira
“afirmação” que visa a se opor àquela alegada na petição inicial.
A doutrina denomina o “fato negativo” que traz em si uma afirmação
como “negativa relativa”
208
.
Analisemos a temática à luz dos seguintes exemplos:
208 MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva, O ônus da prova no processo do trabalho, p. 135.
168
a) Súmula 338 do C. TST: empregador nega a jornada extraordinária
alegada na inicial, invocando na defesa horário diverso; o ônus de provar a
jornada ordinariamente cumprida pelo trabalhador é do empregador, não
somente porque a este incumbe a obrigação legal de manter os controles formais
de ponto, carreando-os aos autos para fazer prova do fato afirmado em sua
impugnação (art. 74 da CLT), como também porque opôs ao direito invocado pelo
reclamante (horas extras) um aparente “fato negativo” que, na realidade,
corresponde a uma “afirmação” contrária à articulada na inicial;
b) Orientação Jurisprudencial 301 da SDI-I do C. TST: delimitado o
período de não recolhimento de FGTS na inicial, desloca-se para o empregador o
encargo da prova, quanto à “afirmação” contida na defesa de regularidade dos
depósitos (inexistência de diferenças – “fato negativo”);
c) objetivando negar a dispensa imotivada, o empregador invoca a
justa causa por abandono de emprego; embora tenha sido alegado um aparente
“fato negativo”, consistente na não prestação de serviços durante determinado
período, o referido fato corresponde a uma verdadeira “afirmação” que serve de
fundamento à defesa, daí porque o ônus da prova é do empregador;
d) o empregado requer pagamento em dobro das férias, alegando que
não foram concedidas, tendo trabalhado no período respectivo; a defesa junta
aos autos o aviso de férias e o cartão de ponto correspondente; embora a
alegação da inicial constitua “fato negativo” (não houve descanso), ao trabalhador
incumbe o ônus da prova, eis que tal fato revela verdadeira afirmação de que
houve prestação de serviços no período das férias, sendo este o fundamento do
pedido alinhavado na inicial.
Por outro lado, a mera “negação de um fato” que tenha sido alegado
pela parte contrária prescinde de dilação probatória por quem simplesmente
negou, uma vez que a controvérsia continua girando em torno daquele fato
invocado inicialmente, sendo este o fundamento da demanda, porquanto não lhe
tenha sido oposta qualquer outra afirmação, razão pela qual o
169
deslocamento do encargo probatório. Esta situação é denominada por alguns
doutrinadores como “negativa absoluta” ou “indefinida”
209
, cuja prova não pode
ser exigida até mesmo por ser impossível, como nos referimos no exemplo citado
ao início do capítulo.
A questão relativa à prova de “negativas”, portanto, não é mais vista,
pela doutrina mais moderna, da forma singela como preceituavam os glosadores,
sendo a pedra de toque que define a quem incumbe o ônus da prova, nestes
casos, a inserção no litígio de novas afirmações opostas às anteriores e que se
dissimulem em meras “negativas”.
Por tudo isso, reputamos oportuna a conclusão de Couture: “A mais
importante entre as conseqüências do princípio enunciado é a diminuição do
valor do antigo preceito de que a prova incumbe a quem alega e não a quem
nega”.
210
209 SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil, 2º vol., p. 348.
210 COUTURE, Eduardo J., Fundamentos de direito processual civil, p. 119.
170
8. ATIVIDADE INSTRUTÓRIA DO JUIZ
8.1. Princípios dispositivo e inquisitivo
Antes mesmo da análise da amplitude da atividade instrutória do
julgador, reputamos oportunos alguns esclarecimentos acerca dos princípios em
referência, porquanto guardam nexo com a questão relativa à atuação oficial
durante a instrução probatória.
O princípio dispositivo, consagrado no Código de Processo Civil
vigente
211
(artigos 2º, 262 e 460), refere-se à limitação da atuação do juiz aos
fatos e às matérias alegadas pelas partes, não podendo conhecer de ofício
questões não suscitadas pelos litigantes e a cujo respeito a lei exigir iniciativa
destes.
A doutrina mais tradicional
212
, procurando restringir a atividade oficial
em matéria de provas, vinculou o exercício dos poderes instrutórios do julgador
ao princípio dispositivo, conferindo-lhe espectro maior do que deveria
213
. Com
isso, a atividade investigatória oficial estaria delimitada, segundo esta corrente de
pensamento, face ao princípio referido, sendo vedado ao julgador substituir a
iniciativa dos litigantes no que pertine à produção de provas, sob pena de
subversão do princípio da imparcialidade e das regras do ônus da prova. O
princípio dispositivo, segundo tal linha de raciocínio, balizaria não somente a
matéria a ser conhecida pelo juiz, como também atividade ex officio durante a
instrução processual.
Amaral Santos, sem adotar posição ortodoxa, procurou temperar os
dois princípios, esclarecendo que a legislação processual civil em vigor conciliou
o dispositivo com o inquisitivo, à medida que ampliou sobremaneira os poderes
investigatórios do julgador, mantendo, todavia, o ônus da prova pelas partes
211 Exposição de motivos do CPC/1973, item 18.
212 GRECO FILHO, Vicente, Direito processual civil brasileiro, 2º vol., p. 187.
213 PAULA, Carlos Alberto Reis de, A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho, p. 95.
171
acerca dos fatos aduzidos e que serviam a seus interesses. Assim definiu o
autor:
“Diga-se, pois, que no campo da indicação das provas, com o princípio
da iniciativa das partes, que predomina, convive o princípio da
iniciativa oficial.” E, adiante, concluiu: “Cumpre observar, porém, que o
poder de iniciativa oficial, nesse terreno, deverá ser entendido como
supletivo da iniciativa das partes, para que seja somente utilizado nos
casos em que houver necessidade de melhor esclarecimento da
verdade, sem o que não fosse possível ao juiz, de consciência
tranquila, proferir sentença.”
214
Na mesma esteira, Batista Lopes defende que o art. 130 do CPC, em
que pesem as tendências modernas, não poderia ser superestimado; segundo o
jurista, a lei não conferiu ao magistrado poderes investigatórios tão amplos a
ponto de substituir a iniciativa das partes na produção de provas, sendo a
atuação oficial balizada pelo princípio dispositivo
215
.
Por outro lado, fundamentada no caráter publicista do processo, a
doutrina mais moderna, que tem em Bedaque um de seus precursores, considera
que o princípio dispositivo diz respeito apenas à disponibilidade das questões
deduzidas em juízo, aos limites da demanda (CPC, art. 128 e 460), não se
estendendo à instrução processual. Segundo o magistério do processualista
referido:
“Conclui-se assim que a denominação ‘princípio dispositivo’ deve
expressar apenas as limitações impostas ao juiz, em virtude da
disponibilidade do direito; e que são poucas, pois se referem aos atos
processuais das partes voltados diretamente para o direito disponível.
As demais restrições, quer no tocante ao início do processo, quer
214 SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil, 2º vol., p. 350.
215 LOPES, João Batista, A prova no direito processual civil, p. 76.
172
referentes à instrução da causa, não têm qualquer nexo com a relação
material; não decorrem, portanto, do chamado ‘princípio dispositivo’.”
216
Compartilhando do mesmo pensamento, Nelson Nery desvincula o
princípio dispositivo do poder instrutório do juiz, reputando que este “não se
configura como exceção ao princípio dispositivo”.
217
A justificativa desta corrente de entendimento mais moderna, à qual
nos perfilhamos, vincula-se ao caráter publicista do processo, compreendendo
que a relação processual não pode mais ser encarada como mero cenário para o
duelo de forças entre as partes, em que o juiz é convocado apenas para proferir o
resultado de acordo com o espetáculo que os litigantes prepararam. Ao contrário,
um interesse público maior do Estado e coletivo da sociedade no
restabelecimento da realidade dos fatos, razão pela qual cabe ao juiz a
responsabilidade de colaborar e investigar imparcialmente, “para evitar que a
inexperiência, a negligência, por vezes mesmo a má-fé, das partes, quando não
dificuldades de ordem material e jurídica, possam deixar na penumbra certas
circunstâncias de possível importância”.
218
Daí porque o princípio dispositivo, em matéria de instrução, cedeu lugar
ao princípio inquisitivo, não podendo a atividade oficial ser obstada, ao
argumento de que haveria violação ao tratamento isonômico dos contendores. A
propósito, a participação efetiva do juiz durante a instrução é um dos meios de
que o processo dispõe para resguardar a igualdade dos litigantes, evitando que
possíveis desigualdades reais
219
possam refletir negativamente no deslinde da
controvérsia e no descobrimento da verdade.
216 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, p. 71.
217 NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade, Código de Processo Civil comentado, p. 389, nota 3, art.
130.
218 CHIOVENDA, Instituições de direito processual civil, p. 898.
219 Referimo-nos ao princípio da aptidão para a prova.
173
Na seara trabalhista, em função da concepção teleológica que sempre
orientou o processo do trabalho, haja vista sua finalidade social, o princípio
inquisitivo foi acolhido de forma marcante, notadamente no que pertine à
instrução processual (CLT, art. 765).
Embora a atuação do juiz do trabalho sofra restrições em razão da
presença do princípio dispositivo em vários momentos do processo, não
podendo, em regra, conhecer de ofício questões que não tenham sido suscitadas
pelas partes
220
, em contrapartida, em matéria de prova, dado o interesse público
maior do Estado na solução justa do conflito, predomina a iniciativa oficial.
A propósito do tema, Chiovenda chamou a atenção para a concepção
vanguardista encampada pela legislação trabalhista italiana, na valorização da
iniciativa instrutória oficial:
“Nossa lei sobre dissídios individuais do trabalho admite que o
magistrado ‘ordene, quando for o caso, mesmo de ofício, os meios de
instrução que julgue necessários, compreendida a produção de
documentos que as partes justifiquem não haver podido exibir
antes’(...)”
221
Imbuída o mesmo espírito, a legislação trabalhista brasileira também
conferiu significativos poderes instrutórios ao magistrado (CLT, art. 765), com o
objetivo de fazer valer, de forma concreta, a finalidade social do direito
substancial.
Ao interpretar o art. 765 da CLT, a doutrina nacional, com algumas
exceções
222
, preleciona que a instrução processual trabalhista é regida pelo
220 Observem-se as exceções ao princípio dispositivo previstas nos artigos 39, 496, 856, 878 da CLT.
221 CHIOVENDA, Instituições de direito processual civil, p. 903.
222 CARRION, Valentin, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, p. 579, art. 765, nota 1, preconiza que não se
trata de aplicar-se o princípio inquisitivo à instrução processual, sendo que a atuação ostensiva do juiz deve-se, na
verdade, à visão publicística do processo.
174
princípio inquisitivo, motivo pelo qual a perquirição da verdade dos fatos, a
assegurar a efetividade da prestação jurisdicional, não deve depender
exclusivamente do interesse e da vontade das partes, contando também com a
iniciativa oficial.
223
Neste sentido, as lições lapidares do jurista Isis de Almeida:
“...o juiz, como tanto já se tem apregoado, não é mero espectador de
uma luta, especialmente no processo trabalhista, em que o princípio
inquisitório é tão enfatizado e autoriza a intervenção dele, ampla e
profunda, na lide (cf. art. 765 da CLT).
Ele vai, até onde queira ir, na busca da verdade”.
Por todas estas razões, como vimos anteriormente, a rigidez das
regras de distribuição do ônus da prova, quando analisadas sob as luzes do
processo atual, caracterizado marcantemente pela ativização da conduta do
magistrado na investigação da realidade dos fatos, deixando a condição antiga
de mero espectador do litígio - princípio inquisitivo regente da instrução -, acaba
por sofrer mitigação, perdendo o sentido na fase de colheita de provas, razão
pela qual são as referidas regras relegadas, portanto, ao momento do
julgamento, como último recurso de que deve lançar mão o juiz para que possa
decidir o conflito.
224
223 V. TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 143; LEITE, Carlos Henrique B., Curso de
direito processual do trabalho, pp. 71-72; ALMEIDA, Isis de, Manual de direito processual do trabalho, p. 135.
224 COUTURE, J. Eduardo, Fundamentos do direito processual civil, p. 115; CHIOVENDA, Instituições de direito
processual civil, p. 945.
175
8.2. Princípio da imparcialidade do juiz
Um dos principais argumentos invocados por parte da doutrina que se
opõe à iniciativa oficial na instrução probatória é o de que a ativização da conduta
do juiz poderia comprometer sua imparcialidade.
225
Justificam, ainda, os defensores deste segmento que o magistrado, ao
determinar de ofício a colheita de provas, sem qualquer requerimento das partes,
estaria privilegiando uma delas, advogando em favor de um determinado direito
em que acreditou desde o início do processo e que passou a ser objeto de sua
investigação.
Em que pesem os argumentos utilizados por esta linha doutrinária mais
tradicional, entendemos, todavia, que não lhe assiste razão.
A imparcialidade da conduta do magistrado não deve ser confundida
com a sua atuação responsável no processo destinada ao restabelecimento da
verdade dos fatos e à correta administração da justiça.
O legislador, ao confiar ao magistrado dinamismo maior em sua
atuação durante a instrução processual, deixou evidente que a paz social tão
almejada no processo poderia restar prejudicada se dependesse apenas daquela
figura de mero observador e intermediário do duelo de interesses entre as partes.
A imparcialidade do juiz não se revela, de forma alguma, na
passividade de sua atuação no iter processual, mas sim na certeza de que
assegure aos litigantes iguais oportunidades para a produção de provas e para
as respectivas manifestações (princípio do contraditório pleno), recusando-se a
conferir benefícios injustificados a qualquer delas e, por fim, não cedendo a
quaisquer elementos de influência e interesses estranhos aos autos.
225 MARQUES, Jo Frederico, Manual de direito processual civil, vol. II, p. 248: “O que a registrar, portanto, é o
seguinte: o Código de Processo Civil, embora concedendo poderes instrutórios ao juiz para a descoberta da verdade,
preferiu afastá-lo ao máximo de intervenções nesse sentido, para resguardar-lhe a imparcialidade”.
176
Ao determinar de ofício as provas, o juiz não advoga em favor do
interesse ou da tese de qualquer dos contendores, mas sim age no escopo de
resgatar a realidade, conferindo máxima concretude ao direito material e, com
isso, efetividade à tutela jurisdicional.
A propósito, ao decidir pela realização de uma perícia, juntada de um
documento, oitiva de uma testemunha, o magistrado não sabe de antemão a que
resultado aquela prova colhida poderá levar, nem qual das teses defendidas
pelas partes será encampada por aquele determinado material probatório. Sendo
preservado o contraditório, tanto no que diz respeito à participação dos litigantes
na produção da prova, quanto na garantia de iguais oportunidades para
manifestação quanto às provas colhidas, não se pode dizer que a instrução
processual foi conduzida em benefício do interesse de uma das partes e, por
conseguinte, não que se alegar rompimento da imparcialidade do julgador,
conforme preleciona Dinamarco:
“O juiz moderno compreende que se lhe exige imparcialidade no
que diz respeito à oferta de iguais oportunidades às partes e recusa de
estabelecer distinções em razão das próprias pessoas ou reveladoras
de preferências personalíssimas. Não se lhe tolera, porém a
indiferença”.
226
Ademais, a determinação judicial para a produção de provas deve ser
fundamentada, colhendo às partes as mesmas possibilidades de impugnação da
decisão, inibindo, com isso, qualquer arbitrariedade por parte do magistrado.
A fundamentação das decisões e a preservação do regular exercício do
contraditório, destarte, são as condições que conferem imparcialidade à conduta
do magistrado ao determinar ex officio a realização de uma dada prova que
reputar pertinente ao deslinde da controvérsia.
226 DINAMARCO, Cândido Rangel, A instrumentalidade do processo, p. 231.
177
Vale notar, por outro lado, que a imparcialidade poderia restar
comprometida caso o juiz, ciente de que determinada prova traria à lume os fatos
que deixaram de ser esclarecidos no interesse de uma das partes a quem a
omissão beneficia, permanecesse na condição de mero espectador, passivo e
descompromissado com a pacificação justa do conflito.
Na concepção publicística do processo, não se pode admitir um juiz
indiferente à finalidade social do direito, à efetivação do direito substancial e à
perquirição da verdade, temeroso de que o pleno e regular exercício dos poderes
instrutórios que lhe foram conferidos expressamente por lei (CPC, art. 130, CLT
art. 765) venha a comprometer a sua imparcialidade enquanto julgador. Este
sentimento que ainda domina parte do Judiciário traz estagnação, retrocesso,
estancando-lhe o desenvolvimento.
227
Ora, se a própria legislação destinou amplos poderes investigatórios ao
magistrado, recusar-se à realização do poder-dever assegurado por lei seria o
mesmo que negar-lhe o sentido teleológico, qual seja, a busca da verdade real
não revelada por interesse de uma das partes.
O que o direito contemporâneo demanda é um juiz ativo, comprometido
e corresponsável pelo resgate da verdade, eis que o a relação processual não se
justifica mais como um palco onde se desenrola o duelo de interesses dos
particulares. Pelo contrário, atualmente o processo tem sua existência atrelada à
função social que exerce, porquanto movido pelo interesse público maior do
Estado que visa à manutenção da integridade da ordem jurídica e à realização do
ideal de Justiça.
227 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, p. 82.
178
8.3. A atividade do juiz frente aos referidos princípios
“Juízes mais conscientes de seu papel social e de sua
responsabilidade estão assumindo a liderança de um processo de
reformas, tendo por objetivo dar ao Judiciário a organização e a
postura necessárias para que ele cumpra a função de garantidor de
direitos e distribuidor de Justiça”
228
Em que pese a autonomia do direito processual em relação ao direito
substancial, não se pode negar que o processo é o instrumento para a atuação
do direito material e, por conseguinte, para a obtenção da harmonia social,
devendo a conduta de todos os sujeitos nele envolvidos perfilhar-se neste
sentido.
É finalidade social do processo a manutenção da ordem jurídica,
pacificando os conflitos com justiça e, assim, garantindo o bem-estar social,
objetivo primordial do Estado contemporâneo.
Para que as normas criadas pelo Estado possam assegurar a paz
social, devem ser administradas de forma correta, destinando-se a concretizar o
escopo da jurisdição.
Como a jurisdição se realiza por meio do processo, para que haja a
composição justa do conflito, a tutela jurisdicional deve conferir plenitude ao
direito material, conformando-se e adequando-se às suas especificidades, no
plano do processo. A efetividade do provimento jurisdicional, portanto, está
diretamente vinculada à plena concreção do direito substancial.
Neste cenário, deve a atividade judicial voltar-se, de forma dinâmica e
responsável, à perquirição da verdade real dos fatos que servem de substrato ao
litígio, sendo que o êxito no desfecho da relação processual, na concepção
228 DALLARI, Dalmo de Abreu, O poder dos juízes, p. 82.
179
hodierna, não se contenta mais com a mera verdade formal desvelada
exclusivamente por interesse e por iniciativa das partes.
O juiz, a pretexto dos princípios da demanda e do dispositivo
229
, não
pode formar sua cognição apenas a partir das provas trazidas pelos litigantes e
que, por vezes, se mostram insuficientes à elucidação da realidade, sob pena de
comprometer a efetividade do prestação jurisdicional.
A relação processual, na visão publicística que vigora na atualidade,
encontra-se em sua fase instrumentalista, segundo a qual o processo deve ser
compreendido como um meio pelo qual se atinge a realização do direito
substancial e, por conseguinte, a harmonização do conflito com justiça
230
.
A fim de que a relação litigiosa seja eficazmente solucionada e a paz
social seja atingida, o processo deve garantir a máxima elucidação dos fatos
controvertidos, aspirando de forma permanente ao resgate da verdade.
Para tanto, não se aceita mais a figura do juiz como mero espectador
da relação processual, dependente exclusivamente da iniciativa das partes; o
magistrado, na concepção atual do direito, deve ter participação ativa na
instrução probatória, envidando todos os esforços para a garantia da efetividade
da prestação jurisdicional e para o cumprimento da função social do processo.
A propósito, José R. Bedaque, encampando os ideais inovadores de
processualistas italianos como Cappelletti e Chiovenda, assim pondera:
“Tal resultado, que corresponde ao ideal de justiça, jamais será
atingido se o magistrado não participar ativamente da produção de
prova. Daí por que o art. 130 do Código de Processo Civil deve ser
interpretado da maneira mais ampla possível: o juiz pode, em qualquer
229 Princípios estes que, segundo Dinamarco, in Instrumentalidade do Processo, p. 229, não servem mais para afastar a
nova visão do direito processual moderno.
230 CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, Teoria geral do processo, p. 41.
180
caso, determinar a realização de provas. E as regras particulares (arts.
342, 382, 437) devem ser consideradas meramente explicitantes. No
âmbito trabalhista, idêntica conclusão se aplica ao art. 765 da
Consolidação das Leis do Trabalho.”
231
O exercício regular dos poderes instrutórios do juiz, que lhe foram
conferidos por lei (CPC, art. 130 e CLT, art. 765), como vimos, não compromete a
imparcialidade de sua atuação, nem o tratamento isonômico que deve ser
garantido às partes, eis que a atividade oficial deve surgir no contexto do
processo, sendo defeso ao julgador trazer aos autos conhecimentos pessoais
para suprir omissão da parte.
A dinamização da conduta do magistrado durante a instrução
processual, longe de comprometer sua atuação imparcial e de atentar contra a
igualdade de tratamento das partes, não encontra qualquer resistência no
ordenamento jurídico em vigor, pelo contrário, atende ao interesse público maior
da concretização da justiça.
Ademais, especificamente quanto à igualdade, relembramos que a
ativização da conduta do magistrado visa justamente a resguardar a isonomia
entre os litigantes, porquanto, não raras vezes, um deles tem maior aptidão para
a produção da prova, sendo que apenas a intervenção dinâmica do julgador,
determinando de ofício a realização da prova, poderá compensar a desigualdade
real existente entre os contendores
232
, garantindo efetividade ao processo. Neste
sentido leciona Bedaque:
“A maior participação do juiz na instrução da causa é uma das
manifestações da ‘postura instrumentalista’ que envolve a ciência
jurídica. Essa postura contribui, sem dúvida, para a ‘eliminação de
231 BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, p. 109.
232 AMENDOEIRA JR., Sidnei, Poderes do juiz e tutela jurisdicional: a utilização racional dos poderes do juiz como forma
de obtenção da tutela jurisdicional efetiva, justa e tempestiva, pp. 110-115.
181
diferenças de oportunidades em função da situação econômica dos
sujeitos. Contribui, enfim, para a ‘efetividade do processo’.”
233
O importante é que, ao determinar a prova de ofício, o juiz fundamente
sua decisão e garanta a igualdade de oportunidades para que as partes possam
se manifestar, zelando não somente pelo princípio da isonomia, como também
pelo princípio do contraditório.
Da mesma forma, também pudemos concluir que o princípio dispositivo
não pode ser entendido como um óbice ao exercício dos poderes instrutórios do
magistrado (art. 130, CPC e art. 765, CLT). No panorama publicista atual do
processo, o princípio dispositivo foi mitigado durante a fase instrutória, sendo
aumentados os poderes investigativos do magistrado, prestigiando, assim, a
busca da verdade e a plena realização do direito. O dispositivo cedeu passo, em
matéria de instrução processual, ao princípio inquisitivo e à iniciativa instrutória
oficial, demandando, por conseguinte, uma releitura das regras sobre distribuição
do ônus da prova, atualmente compreendidas apenas como recurso de
julgamento.
Na mesma esteira destacam-se os estudos de Humberto Theodoro:
“O Código, como se vê, não consagra o princípio dispositivo em sua
plenitude. Se a parte tem a disposição da ação, que só pode ser
ajuizada por ela, o impulso do processo, após o ajuizamento, é oficial.
Além do interesse da parte, em jogo na lide, o interesse estatal, em
que a lide seja composta de forma justa e segundo as regras do direito.
Eis porque o juiz, no processo moderno, deixou de ser simples árbitro
diante do duelo judiciário travado entre os litigantes e assumiu poderes
de iniciativa para pesquisar a verdade real e instruir a causa. Antiga
doutrina, prestigiada nas edições anteriores deste curso, encontrava no
ônus da prova um empecilho a que o juiz tomasse a iniciativa de
233 BEDAQUE, ob. cit., p. 110.
182
promover a prova não diligenciada oportunamente pela parte
interessada. Apenas nos estados de perplexidade entre elementos de
convicção conflitantes, existentes nos autos, é que se admitia o juiz,
de ofício, determinar a produção de outras provas. A evolução do
direito processual, rumo à plenitude do devido processo legal,
modernamente visto como o processo justo, conduziu à superação dos
velhos limites opostos à iniciativa judicial em matéria de instrução
probatória. Acima do ônus da prova cujas regras atuam na fase final
de julgamento da lide e não durante a coleta dos elementos de
instrução da causa – prevalece o compromisso com a verdade real.”
234
As demandas da sociedade contemporânea, a credibilidade e a
respeitabilidade do Poder Judiciário, enquanto meio a assegurar o bem-estar
social, não se contentam mais com a figura tradicional do magistrado passivo,
mero interlocutor do “jogo de interesses” particulares dos litigantes.
As relações sociais, na atualidade, são complexas, exigindo, para uma
solução justa, um juiz sensível e preparado, que não se mostre impermeável aos
influxos e às aspirações do mundo em que vive e indiferente ao contexto em que
está inserido. Nesta teia intrincada, para que o magistrado consiga atingir a
verdade, garantir a concreção do direito e, com isso, assegurar efetividade à
tutela, necessário não somente que esteja munido de amplos poderes
investigatórios, mas que se mostre disposto a romper antigos dogmas e
formalismos inaceitáveis e inadequados aos anseios da sociedade atual.
A integridade do ordenamento jurídico e a obtenção do estado de
bem-estar social dependem da assunção pelo magistrado de uma nova
mentalidade e de uma postura mais ativa, porquanto a solução justa do litígio é
interesse e finalidade do próprio Estado.
235
234 THEODORO JÚNIOR, HUMBERTO, Curso de direito processual civil, vol. I, p. 380.
235 Instrução. Provas. É dever do Juiz determinar a produção das provas necessárias ao esclarecimento dos fatos (CPC,
130). Ao encerrar a instrução o Juiz atesta que o processo está pronto para o julgamento. Dizer na sentença que falta
183
Prestigiando as razões teleológicas da atividade instrutória do juiz,
preleciona Isis de Almeida:
“Mas a busca sincera, imparcial e acurada é mesmo a procedida pelo
juiz, representando a sociedade, à qual interessa uma verdade que
vise à estabilidade das instituições, e, particularmente, no Direito do
Trabalho, que tenha como finalidade última a paz social, embora, na
oportunidade do processo, esteja servindo a uma pretensão
pessoal”.
236
A atividade instrutória do juiz, portanto, deve perseguir de forma
comprometida e responsável a verdade, uma vez que o processo se justifica pelo
interesse público maior no restabelecimento da paz social, ainda que o
julgamento acabe por se lastrear no juízo de probabilidade e na verossimilhança
resultado este que, em alguns casos, após o esgotamento de todos os meios
para o resgate da realidade, parece ser o único possível, embora não desejado
pelo Estado-juiz, nem pela sociedade.
Diante de hipóteses em que a dificuldade concreta de uma das partes
na realização de uma prova, em razão de sua menor aptidão para produzi-la
(prova em poder do outro litigante), puder comprometer o desvendamento da
verdade, bem como nas situações em que o magistrado se perplexo ante as
provas colhidas, eis que conflitantes não somente com os demais elementos dos
autos, mas também em descompasso com a razoabilidade e, por vezes, com as
regras que da experiência comum se extraem, tem o magistrado o poder-dever
de investigar, complementando a instrução processual.
de prova, sem que se tenha determinado a sua produção, é evidente contradição da intenção da busca da verdade real”.
(TRT/SP - 01966200206602005 - RO - Ac. 6ªT 20040141220 - Rel. RAFAEL E. PUGLIESE RIBEIRO - DOE 23/04/2004).
236 Manual de direito processual do trabalho, vol. II, pág. 135, item 35.
184
Por certo que não estamos aqui a defender a perpetuação das
demandas em investigações infindáveis e cruzadas desenfreadas na perquirição
da verdade real, mesmo porque decisão morosa não se coaduna com o
verdadeiro ideal de justiça.
237
Muito pelo contrário, pretendemos deixar indene de dúvidas que o juiz,
por ter o dever de entregar a prestação jurisdicional na medida certa da
pretensão, precisa fazê-lo de forma efetiva, justa e tempestiva, lançando mão,
para tanto, de todos os poderes instrutórios que lhe foram conferidos pelo
legislador, eis que é interesse do Estado o descobrimento da verdade.
Somente assim conferirá credibilidade e efetividade à prestação
jurisdicional ao Estado, assegurando que seja concretizada a finalidade social do
processo.
237 O princípio da duração razoável do processo foi encampado explicitamente pela Constituição da República, art. 5º,
inciso LXXVIII.
185
9. VALORAÇÃO DA PROVA
Valorar a prova produzida corresponde à operação intelectual
desenvolvida pelo julgador, a partir do material probatório coligido aos autos,
destinada à obtenção da verdade dos fatos controvertidos.
O magistrado, ao apreciar o conjunto probatório de que previamente
tomou conhecimento durante a sua produção, forma sua cognição, seu juízo de
valor, contemplando a prova colhida, fazendo a ponderação de todos os
elementos que informam a instrução processual, de maneira criteriosa, segundo
um determinado método.
Valorar, portanto, representa a atividade mental do juiz voltada ao fim
de conferir um sentido e um significado à prova reunida no processo.
Segundo lições lapidares de Amauri Mascaro Nascimento:
“Entende-se por avaliação ou apreciação da prova a operação mental
que tem por fim conhecer do mérito ou valor da convicção que possa
ser deduzida do seu conteúdo. A avaliação da prova comporta dois
momentos que se completam: o primeiro é o conhecimento, pelo qual
se opera a representação mental do objeto do mundo exterior da
subjetividade do intérprete, pelos meios de percepção do sujeito; o
segundo é o juízo de valor formulado a respeito desse objeto
representado na mente do sujeito. Esta última etapa nada mais é que
um juízo crítico do conjunto sobre o significado da prova”
238
.
A respeito dos métodos de valoração da prova, são conhecidos três
sistemas diferentes que podem orientar o julgador nesta atividade, concedendo-
lhe maior ou menor liberdade na formação deste juízo crítico: “livre
convencimento”, “prova legal” e, por fim, “persuasão racional”.
238 Curso de direito processual do trabalho, p. 421.
186
O sistema do “livre convencimento” ou “convicção íntima” (julgamento
secundum conscientiam), de origem romana e eleito como ideal pelos povos
germânicos, permite que juiz tenha ampla liberdade para julgar, formando seu
convencimento a partir de fatores decorrentes de sua convicção íntima.
Baseado apenas no conhecimento pessoal acerca do fato, a cognição
do juiz independe dos elementos que constam nos autos, material este que
inclusive pode ser desprezado na decisão.
O juiz, pela livre convicção, busca a verdade por meio de um exercício
de sua consciência, avaliando a prova da maneira como melhor entender,
inclusive podendo rechaçar todos os elementos dos autos e decidir de acordo
com suas impressões pessoais, ficando também livre de fundamentar e motivar
sua decisão.
Este primeiro sistema é marcado pela arbitrariedade, pois permite ao
magistrado julgar segundo sua consciência, comprometendo os ideais de justiça
e a segurança das partes, eis que a ausência de motivação do julgamento, bem
como a possibilidade de formação da convicção do julgador desvinculada das
provas dos autos impedem o exercício do contraditório em sua plenitude, e, por
conseguinte, coloca em dúvida a credibilidade da própria decisão judicial.
Amaral Santos destacou, nas ponderações abaixo, as falhas do
sistema referido:
“O sistema peca, a nosso ver, por ofender dois princípios fundamentais
de justiça: o de que ninguém pode ser condenado sem ser ouvido (ne
inauditus condemnetur) e o da sociabilidade do convencimento. Com
efeito, se, independentemente das provas colhidas, o juiz forma
convencimento decorrente do seu próprio testemunho, as partes ficam
inibidas de contrariar e debater um tal testemunho, até porque nem
mesmo teriam meios para conhecê-lo. Por essa forma, com o sacrifício
187
de um dos fatores vitais à eficácia da prova o contraditório entre as
parte – aquela que fosse condenada teria justa razão para clamar
contra a justiça que a condenou sem tê-la ouvido”
239
.
O segundo sistema de valoração é o da “prova legal” ou “tarifada”,
muito difundido entre os povos europeus, quando estiveram sob o domínio
germânico-barbárico (Idade Média), época em que havia larga utilização das
ordálias, segundo as quais Deus não deixaria o acusado sair com vida ou sem
qualquer sinal expressivo, caso faltasse com a verdade.
Na evolução dos tempos, com o advento do Direito Canônico e,
posteriormente, do Direito Romano, as ordálias cederam lugar para a prova
tarifada, cujo valor era predeterminado por lei, segundo critérios taxativos e
inflexíveis. Objetivava-se, como isso, neutralizar a convicção e o juízo crítico do
julgador, que passava à condição de mero espectador e aplicador autômato
daquilo que estivesse preestabelecido por norma legal.
De acordo com tal sistema, a prova recebia, por expressa disposição
legal, um valor fixo, hierarquizado e inalterável a critério do juiz, motivo pelo qual
foram adotadas, neste período, algumas máximas, algumas delas mencionadas a
título ilustrativo: testis unus, testis nullu (testemunha única é testemunha
nenhuma); testibus duobus fide dignis credendum (depoimento de duas
testemunhas fidedignas constituía prova plena).
Representando outro extremo, o sistema da prova legal também não se
coaduna com os ideais de justiça, eis que esvazia a função do julgador,
destituindo-o de qualquer liberdade na apreciação do valor da prova e mitigando-
lhe ao máximo a possibilidade de formação de um juízo crítico acerca das provas
dos autos, como bem concluiu Teixeira Filho
240
:
239 SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras linhas de direito processual civil, 2º vol, p. 379.
240 TEIXEIRA FILHO, Manoel, A prova no processo do trabalho, p. 148.
188
“Salta aos olhos do processualista moderno a irracionalidade desse
sistema, onde a avaliação da prova era feita segundo critérios
estereotipados por lei, dando-se, inclusive, prevalência ao aspecto
quantitativo (e não qualitativo) da prova testemunhal. Afinal, sabemos
que há uma série de fatores que devem ser sopesados pelo Juiz,
sempre que tiver de apreciar o teor dos depoimentos das testemunhas
(...).
241
Finalmente, o terceiro sistema, oriundo dos códigos napoleônicos e
adotado por nosso ordenamento jurídico atual, é o da persuasão racional” ou do
“livre convencimento motivado” (CPC, art. 131 e CLT, art. 765), resultou da
evolução dos dois sistemas anteriores, representando uma solução intermediária
e equilibrada
242
.
O mérito deste sistema da livre convicção motivada reside na adoção
de uma solução moderada, quanto aos critérios de valoração da prova pelo
julgador, evitando o radicalismo em que recaíram os outros dois sistemas
superados pelos regramentos jurídicos mais modernos.
Com efeito, no sistema da persuasão racional, embora o magistrado
tenha assegurada liberdade na valoração das provas produzidas nos autos,
que não há tarifação legal do valor de cada uma delas, a decisão judicial deve ser
241 Em contraposição, defendendo a superioridade do sistema da prova legal sobre os demais, Carnelutti, in Sistema de
direito processual civil, pp. 580-581: “A verdadeira e grande vantagem da prova legal radica em que a avaliação de certas
provas feita pela lei, no sentido de que com respeito a umas não se pode reconhecer e com respeito a outras não se pode
reconhecer a eficácia por parte do órgão judicial, por um lado incita às partes a se munir, no limite possível, de provas
eficazes e assim facilita o desenvolvimento do processo, e por outro lado as permite prever, até determinado ponto, o
resultado e por isso as estimula a abster-se da pretensão ou da resistência nos casos em que uma ou outra não estejam
apoiadas por provas legalmente eficazes ou, quando menos, as impulsionam à composição do litígio sem processo. Desse
modo, o que o sistema das provas perde em justiça recupera em certeza”.
Na mesma obra, analisando os sistemas de valoração da prova, acaba por esclarecer o jurista italiano que mesmo no
sistema da prova legal, a lei não contempla todas as normas sobre as provas, incumbindo à prudência do julgador a
valoração destas não abarcadas pela norma legal (p. 583): “Há provas cuja avaliação se deixa livremente ao juiz. Da
continuação do estudo resultará que as regras legais não contemplam todas as provas possíveis...”
242 Novamente se fazem aqui presentes os ideais de mediania, temperança, equilíbrio, ponderação e justa razão como
forma de conduta, tão caros pelo filósofo estagirita Aristóteles,
presentes na obra Ética a Nicômaco.
189
firmada em juízo crítico, constituído a partir dos elementos colhidos durante a
instrução (id quod non este in actis non este in mundus), não podendo decidir por
convicção íntima, guiando-se apenas por sua consciência e por meros
conhecimentos pessoais a respeito dos fatos .
243
A decisão precisa estar lastreada nos fatos e provas submetidas ao
crivo do contraditório das partes, sendo a avaliação destes elementos e a sua
utilização para o julgamento da lide realizadas segundo critérios racionais do
julgador.
Na livre apreciação da prova assegurada pelo sistema da persuasão
racional, o magistrado tem que pautar-se pela busca da verdade real, valorando
todos os elementos probatórios produzidos, ainda que não pretendidos pelas
partes em suas alegações. Nesta operação intelectual, o juiz considera as
consequência processuais advindas da recusa da parte em prestar alguma
informação ou apresentar determinada prova (lealdade na instrução), sopesa as
atitudes e o comportamento das testemunhas, a qualidade dos depoimentos
pessoais, enfim, extrai do conjunto probatório a melhor solução que se coadune
com o escopo do processo.
244
243 “CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE LIMPEZA E CONSERVAÇÃO: INEXISTÊNCIA DE PROVAS DA EFETIVA
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS: IMPOSSIBILIDADE DE DECISÃO COM BASE EM MEROS INDÍCIOS. PRINCÍPIO DA
PERSUAÇÃO RACIONAL. Ante a inexistência de provas da prestação de serviços pela reclamante à empresa que
contratou a primeira reclamada para execução de serviços de limpeza e conservação, não pode o Juiz decidir com base
em meros indícios, julgando de acordo apenas com a consciência, sob pena de proferir decisão nula, por ausência de
fundamentação, nos termos do que dispõe o inciso IX, do artigo 93, da Constituição Federal. E isso porque o legislador
pátrio adotou o princípio da persuasão racional do Juiz, ou do livre convencimento motivado, consoante dispõe o artigo 131
do Código de Processo Civil, segundo o qual o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias
constantes dos autos, mas deverá indicar na sentença os motivos que lhe formaram o convencimento”. Acórdão:
20080860545. Turma: 12. Data Julg.: 25/09/2008. Data Pub.: 10/10/2008. Processo 20080643714. Relator: VANIA
PARANHOS.
244 TESTEMUNHA - INFORMAÇÕES CONTRADITÓRIAS - DEPOIMENTO INVÁLIDO. “Constatando o juízo, na busca da
verdade real, contradição do depoimento da testemunha, que no processo como parte deu uma versão e, ao depor,
apresentou outra e sobre o mesmo fato, deve desprezar tal depoimento”. Acórdão: 20080746718. Turma: 03. TRT/SP.
Data Julg.: 26/08/2008. Data Pub.: 09/09/2008. Processo: 20070029509. Relator: JONAS SANTANA DE BRITO.
190
Ademais, ainda com fundamento nos critérios racionais que devem
informar a cognição do julgador, este pode também determinar a realização de
novas diligências para melhor esclarecimento da controvérsia (CPC, artigos 130
e 131, CLT art. 765), se entender que os elementos dos autos não são
suficientes à elucidação da verdade perseguida na relação processual.
Por outro lado, o sistema do livre convencimento motivado possibilita
também ao julgador, caso existam nos autos elementos suficientes à elucidação
da verdade real dos fatos controvertidos, encerrar a instrução processual,
dispensando outras provas requeridas ou desconsiderando alguma determinada
prova produzida, sempre indicando os fundamentos que o levaram à decisão
(CPC, artigos 130, 427 e 439; CLT, art. 765).
245
O sistema da persuasão racional confere liberdade ao magistrado na
apreciação dos fatos e das provas, porém, não lhe assegura puro arbítrio, à
medida que exige que as decisões sejam regularmente fundamentadas, visando
possibilitar à parte prejudicada o amplo exercício do contraditório em relação ao
quanto decidido.
Ao debruçar-se sobre o princípio e a limitação que impõe ao arbítrio
judicial, assim ponderou Pontes de Miranda:
“Tem o juiz de dar os fundamentos, que lhe assistiram, para a
apreciação das provas: porque desprezou umas e acolheu outras,
porque não atribuiu o valor, que fora de esperar-se, a alguma, ou
algumas, e porque chegou às conclusões que expende”.
246
245 “CERCEAMENTO DE DEFESA. PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL. FACULDADE DO MAGISTRADO.
INTELIGÊNCIA DO ART. 131 DO CPC. O magistrado detém a faculdade de dispensar as provas que julgar
desnecessárias ou inoportunas à formação do seu convencimento, consoante o disposto no art. 131 do CPC. Preliminar de
nulidade rejeitada”. (TRT/SP. Acórdão: 20080293268. Turma: 12. TRT/SP. Data Julg.: 10/04/2008. Data Pub.: 18/04/2008.
Processo: 20070080369. Relator: DAVI FURTADO MEIRELLES.
246 Miranda, Pontes de, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo IV, p. 253.
191
Assim, no referido sistema, os motivos que formaram o convencimento
do juiz devem ser expostos na decisão, a fim de garantir a isenção no julgamento
(imparcialidade do juiz e legalidade da decisão) e, por outro lado, possibilitar a
insurgência das partes quanto à decisão (CF/88, art. 93, IX; CPC, arts. 131, 165 e
458, II; CLT, art. 832)
247
.
Nas lições de Teixeira Filho:
“sob a óptica desse sistema, a convicção do Juiz fica adstrita a quatro
pressupostos legais: a) aos fatos deduzidos na ação; b) à prova desses
fatos, feito nos autos; c) às regras legais específicas e às máximas de
experiência; e d) à indicação do motivo que determinou a formação do
seu convencimento”.
248
Disso decorre que o juiz, na formação de sua convicção, deve
considerar os fatos trazidos aos autos, ainda que não digam diretamente às
alegações das partes, apreciando livremente as provas produzidas e submetidas
ao crivo do contraditório, norteando-se pelas regras legais e também pelas
máximas de experiência comum (CPC, art. 335)
249
, declinando em sua decisão
os fundamentos que justificam a decisão.
Neste particular, embora o sistema abraçado por nosso ordenamento
jurídico vigente não se lastreie na prova com valor tarifado, deve ser feito um
247 “Bem andou o constituinte pátrio ao explicitar a garantia da necessária motivação de todas as decisões judiciárias,
pondo assim cobro a situações em que o princípio não era observado (como, v.g., na hoje extinta argüição de relevância,
da antiga disciplina do recurso extraordinário).” (CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e
DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria geral do processo, p. 69.
248 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, A prova no processo do trabalho, p. 150.
249 Não se deve confundir conhecimento pessoal e particular do juiz a respeito de um determinado fato com as “regras de
experiência comum” previstas no art. 335 do CPC. Tais regras de experiência comum podem ser utilizadas pelo julgador na
ausência de normas jurídicas particulares, conforme preconiza o texto legal. Neste sentido, destaque merecem as palavras
de João Batista Lopes, em sua obra A prova no direito processual civil, p. 55: “Com efeito, posto não esteja o juiz adstrito a
critérios e valores prefixados pelo legislador exceções, como a disposição do art. 366 do CPC, apenas confirmam a
regra-, não pode ele, à evidência, desprezar as regras da lógica, os postulados das ciências positivas, os princípios básicos
da economia, as regras de experiência etc, porque, como foi dito, a livre convicção na tem caráter absoluto”.
192
parêntese: tanto na lei processual civil como na legislação trabalhista, verificam-
se algumas hipóteses isoladas em que a norma contemplou situações que devem
ser provadas por determinado meio, conforme se observa da leitura dos artigos
366 do CPC, 195
250
e 464 da CLT
251
.
Isto não significa, todavia, que o sistema de valoração da prova
acolhido pela legislação pátria em vigor tenha traços do sistema da prova
tarifada, que as hipóteses especificadas no parágrafo anterior são
condicionantes apenas dos meios predeterminados de prova, não dizendo
respeito à valoração atribuída pelo julgador .
252
Afinal, no sistema da livre convicção motivada o juiz também deve ser
pautar nas regras legais específicas aplicáveis, além dos elementos dos autos,
sem que tal orientação implique prejuízo à livre apreciação e valoração motivada
da prova.
Por tudo que analisamos, podemos asseverar que o sistema do livre
convencimento motivado foi encampado por nosso ordenamento jurídico por
melhor se harmonizar com os demais princípios orientadores do processo,
250 “A realização de perícia é obrigatória para a verificação de insalubridade. Quando não for possível sua realização
como em caso de fechamento da empresa, poderá o julgador utilizar-se de outros meios de prova” (TST, SDI-1, Orientação
Jurisprudencial 278).
251 “Apesar de ser documento ad probationem e não da substância do ato, o pagamento de salários somente se prova
documentalmente, mediante recibo solto ou em folha de pagamento da empresa; fora daí têm pleno valor a confissão do
credor e, excepcionalmente e se acompanhados de outros elementos de convicção, os créditos em conta corrente e
pagamentos em cheque, desde que inexista prejuízo para o empregado (...). A prova testemunhal não é aceitável (em
sentido contrário Catharino, Temas)”. CARRION, Valentim, Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, p. 333.
252 VÍNCULO EMPREGATÍCIO. PROVA. VALORAÇÃO: "Impera, no campo do direito processual, o princípio da livre
investigação das provas, constituindo, o poder jurisdicional de dirigir o processo, princípio inerente à figura do Juiz, a quem
incumbe preocupar-se pela busca a verdade, atuando de forma imparcial. O Magistrado não está adstrito a padrões fixos
para apreciação das provas, visto possuir liberdade para concluir, segundo seu livre convencimento, fazendo prevalecer os
meios probantes que entender melhor adequados à apreciação do litígio". Recurso Ordinário a que se nega provimento.
(TRT/SP. Acórdão: 20080122080. Turma: 11. Data Julg.: 19/02/2008. Data Pub.: 04/03/2008. Processo: 20060558274.
Relator: DORA VAZ TREVIÑO).
193
sobretudo os princípios do devido processo legal, do contraditório e da
imparcialidade do julgador.
A motivação e a vinculação das decisões aos elementos dos autos são
garantias de segurança, legalidade e justiça do julgamento, assegurando
confiabilidade e respeitabilidade ao provimento jurisdicional, eis que a persuasão
do julgador deverá estar sempre lastreada nos fatos e nas provas produzidas e
debatidas nos autos.
Considerando que a instrução processual deve ser destinada a fazer
valer a finalidade social processo, assegurando efetividade à tutela jurisdicional e
apaziguando o conflito com justiça, a conduta do magistrado, tanto durante a fase
de colheita de provas, quanto na fase final de valoração destas provas, tem que
se corresponder ao meio de realização destes objetivos.
Neste cenário, o princípio da livre convicção motivada é o que melhor
se coaduna com os escopos da relação processual, pois, ao assegurar ao juiz
liberdade crítica na apreciação dos elementos colhidos durante a instrução,
funciona como um desfecho que se harmoniza com a idéia de dinamização da
conduta do magistrado a marcar toda a instrução processual.
194
10. PROVA EMPRESTADA
10.1. Aspectos Gerais
:
O processo e todos os elementos a ele vinculados devem ser
analisados sob a ótica contemporânea da instrumentalidade, segundo a
perspectiva teleológica que devem representar para a sociedade. Assim, o
processo deve ser entendido como um instrumento não somente de concreção do
direito, como também e, sobretudo, de realização de justiça.
A fim de que o conflito seja eficazmente solucionado, a relação
processual deve ter principal objetivo o restabelecimento da verdade dos fatos,
que a ser revelada por meio da atividade instrutória ampla, com todos os recursos
a ela inerentes.
A prova, como tivemos oportunidade de estudar, nada mais é do que
o meio destinado à formação do convencimento do juiz acerca da verdade de
uma situação de fato controvertida.
Neste contexto, tal finalidade pode ser atingida tanto por meio da prova
produzida na relação processual sobre o qual se debruça o julgador, como
também pode ser extraída da prova emprestada, ou seja, aquela produzida
regular e licitamente em uma causa e trasladada para outro feito.
Esta modalidade de prova recebe tal denominação por ser produzida
em um determinado processo e aproveitada em outra demanda, evitando-se, com
isto, a reiteração da prática de atos processuais e produção de novas provas, em
homenagem aos princípios da economia e da celeridade processual.
Ao tratarmos da prova emprestada estamos nos referindo à prova oral,
à prova pericial e à inspeção judicial, que são provas casuais, ou seja, colhidas
durante a relação processual, o que as diferencia das provas documentais,
195
preconstituídas por natureza
253
, eis que produzidas intencionalmente antes da
existência do processo para o fim de servir de prova em juízo, razão pela qual
podem ser aproveitadas em qualquer processo e a qualquer tempo, sem que se
submetam às mesmas condições de validade da prova emprestada.
A prova emprestada oral, pericial e a inspeção judicial mantém eficácia
probatória plena apenas no processo em que tenham sido produzidas,
submetendo-se, dependendo das condições em que foram colhidas, conforme
analisaremos adiante, ao crivo de valoração do julgador do processo para o qual
são transportadas, não tendo necessariamente força vinculante em relação ao
seu convencimento.
254
10.2. Condições para o Aproveitamento da Prova Emprestada
:
Por não ser produzida convencionalmente como as demais provas, a
eficácia da prova emprestada no processo para o qual é trasladada tem gerado
cizânia tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, sendo dissonantes os
posicionamentos acerca de seu completo aproveitamento nos autos para o qual é
transportada.
Dentre os principais argumentos invocados por aqueles que são
contrários à possibilidade de aproveitamento da prova emprestada em outro
processo, destacam-se os seguintes: violação aos princípios da identidade física
do juiz, da imediatidade na coleta da prova, da oralidade e da concentração.
253 Fabio Tabosa, ao comentar o art. 336 do CPC, assim ponderou: “Além do mais, nem mesmo caberá falar,
rigorosamente, de empréstimo probatório, caso anexado aos autos de processo judicial documento de mesmo teor do que
se tenha sido levado a outro processo judicial, ou mesmo administrativo: diversamente do que se tem quanto ao
transplante do mero conteúdo de provas de natureza diversa, as diversas vias de um mesmo documento ou reproduções
que dele se façam têm valor probatório próprio (p. ex., CPC, arts. 365 e 384/385), e quando de sua juntada aos novos
autos constituirão, nele, prova documental originária”. Apud MARCATO, Antonio Carlos, Código de Processo Civil
Interpretado, p. 1021.
254 Assim, por exemplo, uma confissão realizada pela parte em processo submetido a juízo absolutamente incompetente,
tendo em vista que somente os atos decisórios são tidos por nulos, conforme dispõe o art. 113, § 2º, CPC, a prova deve
ser sopesada à luz dos outros elementos de convicção dos autos para os quais é trasladada, bem como do livre
convencimento motivado do julgador.
196
Estes fundamentos são de fácil impugnação, vez que tais princípios
também não tem aplicabilidade nos casos em que (1) a prova é produzida por
carta precatória, (2) antecipadamente perante outro juiz e, por fim, (3) nas
hipóteses de provas produzidas perante juízo absolutamente incompetente
255
,
havendo aproveitamento de todos os elementos probatórios colhidos pelo juízo
incompetente, porquanto a nulidade a ser declarada atinge apenas os atos
decisórios, conforme dispõe o art. 113, § 2º, CPC.
Por outro lado, aqueles que defendem o aproveitamento pleno da prova
emprestada fundamentam-se nos seguintes argumentos:
1º) princípio da economia processual, com aproveitamento dos atos
produzidos em outro juízo, em razão da impossibilidade de realização de nova
prova, por inexistência do próprio objeto a ser demonstrado;
2º) princípio da celeridade do procedimento, evitando produção de nova
prova sobre idênticos fatos já provados em outro feito;
3º) coerência nos julgamentos, evitando decisões conflitantes, à medida
que impedem que fatos idênticos sejam provados de forma distinta, produzindo
resultados diferentes.
Em abono a esta segunda linha de pensamento, acrescentamos que,
por se tratar de prova obtida por meios idôneos e moralmente legítimos, deve ser
prestigiada a sua plena utilização inclusive no processo para o qual é trasladada.
255 Importante esclarecer que Moacyr Amaral Santo, in Primeiras linhas de direito processual civil, p. 366-367, defendia
que se a prova tiver sido produzida em processo declarado nulo, somente poderá ser aproveitada e emprestada a outro
feito se o ato nulo ocorrer em momento processual posterior à produção da referida prova. Caso a prova que será
emprestada tenha sido produzida posteriormente ao ato declarado nulo, a prova restará invalidada, que é regra do
processo que todos os atos praticados após aquele que foi anulado serão considerados nulos. Parece-nos, todavia, que tal
entendimento não se aplicaria ao caso de incompetência absoluta, pois o CPC, art. 113, § 2º, dispõe expressamente sobre
o aproveitamento dos atos praticados, à exceção dos decisórios.
197
Uma vez que a prova emprestada tenha sido regularmente produzida
em determinado processo, com observância da legalidade, do contraditório e da
ampla defesa, não razão para que não tenha eficácia na relação processual
para a qual é transferida, cabendo ao julgador, da mesma forma como procederia
em relação a qualquer outra prova colhida no próprio feito, sopesá-la à luz de
todos os demais elementos de convicção existentes nos autos, conferindo-lhe o
valor devido.
Notamos, assim, que mesmo aqueles que defendem o aproveitamento
da prova emprestada em outro feito não negam que a sua eficácia deva ser
criteriosamente analisada pelo juiz da causa, em consonância com a realidade
dos autos para o qual é aproveitada, bem como subordinada a algumas regras
que lhe conferem legalidade. Vejamos cada uma delas:
a) Licitude da prova emprestada:
A colheita da prova emprestada deve observar os preceitos legais para
a produção de qualquer prova, somente sendo admissível quando produzida
pelos meios lícitos, moralmente legítimos e idôneos (art. 332 do CPC).
Neste particular, uma questão chama atenção especial no estudo do
tema, qual seja, a prova obtida por meio de interceptação telefônica.
Sabemos que a interceptação telefônica, como meio de utilizado para a
produção da prova, somente é permitida em processo penal ou procedimento de
investigação criminal, conforme preceitua o art. 5º, XII da CF/88, regulamentado
pela Lei nº 9.296/96.
A mencionada lei federal e a Constituição da República restringem a
licitude da interceptação telefônica somente para fins de aproveitamento em
procedimento ou juízo criminal, devendo ser justificada neste sentido (art. 4º).
198
Com o objetivo de limitar o seu uso, haja vista a violação da privacidade
e do sigilo das comunicações que representa a produção desta prova, a Lei nº
9.296/96, em seu artigo 10, criminalizou a prática de interceptação quando
realizada sem autorização judicial e com objetivo diverso daquele autorizado nos
termos da legislação.
Da exegese do artigo 10 da lei poderia decorrer conclusão, como vimos
no estudo do “princípio da licitude da prova”, de que a prova obtida por meio de
interceptação telefônica, ainda que produzida de forma lícita no processo a que se
destina, não deveria ser aproveitada em outro processo não criminal, já que
estaria sendo violado um dos pressupostos de licitude da referida prova, qual
seja, a destinação exclusiva para fins penais.
Registramos, todavia, entendimento em sentido contrário do Supremo
Tribunal Federal, conforme julgado cuja ementa foi transcrita no capítulo 3.4, para
onde reportamos o leitor.
b) Submissão ao Contraditório:
Esta é a segunda condição de eficácia da prova emprestada e, por
conseguinte, de seu aproveitamento em outra demanda.
A possibilidade de impugnação ampla da prova pelos contendores
confere transparência ao referido elemento de convicção, sendo que o exercício
do contraditório, como não poderia deixar de ser, funciona como um controle da
legalidade de sua utilização em outro processo.
O contraditório deve ser analisado tendo em vista a pessoa dos
litigantes.
Primeiramente, se for produzida a prova entre as mesmas partes que
litigam no feito para o qual é trasladada, sendo idêntico o objeto, guarda a eficácia
inicial, eis que espraia a verdade obtida por meio da prova para onde quer que os
199
contendores estejam litigando. Isto porque a produção da prova foi, no processo
anterior, submetida ao crivo do contraditório em sua inteireza, tendo sido
assegurada à parte contra a qual é aproveitada no processo destinatário a
possibilidade de impugnação em todos os aspectos formais e materiais. Neste
sentido, oportuno o magistério de Couture:
“As provas produzidas em outro juízo podem ser válidas, se nele a
parte teve oportunidade de empregar contra elas todos os meios de
controle e de impugnação que a lei conferia no juízo em que foram
produzidas. Tais provas, produzidas com todas as garantias, são
eficazes para demonstrar os fatos que tenham sido debatidos no
processo anterior e que voltem a repetir-se no segundo caso. Não
serão, por outro lado, eficazes, se não puderam ser devidamente
fiscalizadas em todas as fases da sua produção, ou se se referem a
tatos que não foram objeto de prova (‘objeto’, no sentido que foi
atribuído a esse conceito) no processo anterior.”
256
Por outro lado, caso tenha resultado de um litígio em que litigavam uma
das partes do processo atual e um terceiro, a prova emprestada somente
conservará sua eficácia inicial se: 1) no processo anterior tenha sido submetida
ao contraditório em relação ao litigante atual contra o qual é aproveitada; 2)
trasladada para o novo processo por quem não tenha sido parte no processo
anterior. Ex: José ajuizou reclamação trabalhista em face da Indústria “X”,
pleiteando indenização decorrente de acidente de trabalho, em que se produziu
prova pericial, com vistoria do local de trabalho; Antônio, empregado da mesma
reclamada e também vítima do mesmo acidente que vitimou vários empregados,
promoveu ação em face da empregadora, postulando o mesmo objeto perseguido
por José; caso Antônio peça o aproveitamento do laudo pericial produzido na lide
entre José e a empresa, apenas quanto ao objeto compatível com o caso
concreto de sua demanda, a prova emprestada poderá ser admitida, que a
256 COUTURE, Eduardo J., Fundamentos do direito processual civil, p. 125.
200
exerceu o contraditório na primeira ação sendo possível a Antônio o
requerimento, vez que abriu mão de interferir na produção daquela prova.
A contrario sensu, ainda nesta segunda hipótese tratada acima, ou seja,
prova produzida em processo em que litigavam uma das partes e um terceiro, não
terá a mesma eficácia a prova emprestada se tiver sido invocada no novo
processo apenas por quem participou do processo anterior e dela se beneficiou.
Neste caso, a prova não se submeteu ao contraditório em relação ao litigante do
processo atual em detrimento do qual se aproveita a prova emprestada, uma vez
que não participou do processo anterior. A hipótese aqui retratada nos reporta a
uma situação que tem sido recorrente na Justiça do Trabalho, face à nova
competência para ações acidentárias (art. 114 da CF/88, com a nova redação
promovida pela EC 45); a questão a ser ponderada diz respeito ao
aproveitamento ou não, na Justiça Especializada, do laudo pericial produzido em
ação acidentária promovida pelo trabalhador no Juízo Cível, em face do INSS;
não tendo o empregador participado do contraditório naquela demanda ajuizada
em face do órgão previdenciário, o laudo favorável ao trabalhador, uma vez
trasladado para a ação trabalhista, não teria a eficácia original, por todos os
motivos já expostos.
Por derradeiro, se a prova emprestada tiver sido produzida entre
terceiros, a eficácia probatória ficará absolutamente prejudicada, uma vez que a
produção da prova não foi submetida ao crivo do contraditório por nenhuma das
partes, vez que não participaram do processo anterior conforme bem delimitou
Nelson Nery:
“A condição mais importante para que se validade e eficácia à prova
emprestada é sua sujeição às pessoas dos litigantes, cuja
conseqüência primordial é a obediência ao contraditório. Vê-se,
portanto, que a prova emprestada do processo realizado entre terceiros
201
é res inter alios e não produz nenhum efeito senão para aquelas
partes.”
257
c) A eficácia e o aproveitamento da prova emprestada está na razão
inversa da possibilidade de nova produção no processo para a qual é
transportada: esta é a terceira condição para a sua utilização em outro processo.
Considerável parte da jurisprudência
258
entende que a prova
emprestada somente poderá ser aproveitada no novo feito se houver
impossibilidade de reiteração da produção da prova, como no caso de falecimento
da parte que depôs em juízo ou da testemunha, desativação do local de trabalho
onde seria realizada a perícia. Segundo esta linha de pensamento, esta seria uma
condição de validade para a utilização da prova emprestada, e não apenas um
argumento em defesa de seu aproveitamento em outro feito.
Entendemos que a questão não deva ser interpretada de forma tão
inflexível, condicionando o aproveitamento da prova emprestada apenas e tão
somente nas situações em que não for possível a realização de nova prova.
Limitação desta ordem, em nosso sentir, estaria ceifando duas garantias do
processo: a amplitude na utilização dos poderes instrutórios do juiz e a submissão
da prova ao livre convencimento do julgador. Assim, à vista das circunstâncias e
dos elementos existentes nos autos, o juiz poderá, fundamentando sua decisão,
aproveitar a prova emprestada, ponderando a relevância na formação de seu
convencimento, ainda que seja possível a realização de nova prova (art. 130,
CPC e art. 765 da CLT e art. 131, CPC); a prova emprestada, neste contexto,
será sopesada pelo julgador como mais um meio tendente a formar sua cognição.
A propósito, destaque merece julgado do C. TST no mesmo sentido,
extraído do sítio do TRT da 2ª Região, jurismail, de 05/08/2002:
257 Nery Junior, Nelson, Código de Processo Civil Comentado, p. 693.
258 Verificar o item “10.4”: Dispensa da Prova Pericial e a Questão da Prova Emprestada.
202
“Não existe qualquer dispositivo legal que proíba, numa determinada
causa, a utilização de uma prova produzida em outro processo judicial.
Sob este entendimento, a Quarta Turma do Tribunal Superior do
Trabalho confirmou, por unanimidade, a possibilidade de utilização da
chamada “prova emprestada” nos conflitos de âmbito trabalhista. No
caso concreto, a decisão foi tomada com base no voto do ministro
Milton de Moura França, proferido no julgamento de um agravo de
instrumento proposto ao TST por uma empresa paraense.
A firma Belágua Belém Águas LTDA. foi condenada pela primeira
instância trabalhista ao pagamento dos valores correspondentes ao
adicional de insalubridade devidos ao auxiliar de embalagem José
Marcelo Dax da Costa. Durante a tramitação do processo na Vara
Trabalhista, o juiz local tomou emprestada uma prova pericial oferecida
pelo próprio trabalhador e que tinha sido produzida anteriormente nas
dependências da empresa e no mesmo local em que o empregado
atuava.
Diante das circunstâncias processuais e da prova pré-existente, o juiz
de primeiro grau entendeu ser desnecessária a realização de um novo
laudo pericial destinado a confirmar ou não as condições insalubres do
galpão da empresa, onde trabalhava José Marcelo. Segundo a perícia
aceita pelo magistrado da capital paraense, o nível do barulho no local
de trabalho era elevado e em desacordo com a legislação, “originando-
se o ruído de três máquinas de estrusão e uma máquina trituradora de
matéria-prima reciclável, principalmente no setor de fabricação de
garrafas plásticas”.
Este posicionamento foi mantido pelo Tribunal Regional do Trabalho do
Pará (segunda instância), que negou o recurso ordinário apresentado
pela empresa, quando argumentou ser necessária a realização de uma
nova perícia em seu galpão. Inconformada, a defesa da firma propôs ao
TRT-PA um recurso de revista, a ser encaminhado por este órgão
judicial ao TST. A remessa do recurso, contudo, não foi deferida pela
segunda instância.
203
Para tentar submeter a análise da questão ao órgão de cúpula do
Judiciário trabalhista, a empresa propôs um agravo de instrumento,
distribuído ao presidente da Quarta Turma, ministro Moura França. A
alegação utilizada foi a de nulidade da decisão da Justiça do Trabalho
paraense, uma vez que o adicional de insalubridade teria sido
concedido ao trabalhador com base em prova emprestada de outro
processo e não por meio de um laudo pericial específico. Teria havido,
assim, infração ao art. 195 da CLT.
A argumentação, entretanto, não surtiu efeito. De acordo com o ministro
Moura França, “inexiste dispositivo legal vedando a utilização de prova
emprestada”. Além disso, o relator da questão de frisar que o TRT-PA
“em nenhum momento concluiu pela inexigibilidade da prova pericial
como comprovação de insalubridade, que poderia legitimar a pretensão
de ofensa ao art. 195 da CLT”. Ao contrário, o órgão de segunda
instância decidiu apenas que a prova emprestada possui eficácia. “Ante
referido contexto, que, inclusive, revela que outros empregados
recebem o adicional por força de perícia realizada, efetivamente é
desnecessária a realização de perícia, porque plenamente eficaz a
prova emprestada da mesma natureza”, acrescentou o ministro Moura
França antes de concluir o seu voto contrário à concessão do agravo.
(AIRR 722927/01)
A entender de forma contrária, estaríamos praticamente impondo
amarras incompatíveis com o processo contemporâneo, limitando
injustificadamente a condução da instrução pelo julgador, vendando os olhos para
a realidade que, não raras vezes, emerge da prova emprestada e, por fim,
sacrificando a utilidade que este poderoso elemento de convicção terá para a
pacificação do litígio.
Conforme ressaltamos ao longo de todo este estudo, a atividade
instrutória do magistrado deve ser dinâmica e sempre destinada ao cumprimento
do escopo maior do processo, qual seja, a entrega da prestação jurisdicional com
204
máxima efetividade e concreção do direito material, pois somente assim será
atendida a sua finalidade social.
Neste contexto, o juiz não somente deve acolher o pedido de um dos
litigantes para aproveitamento da prova emprestada, como também, com
fundamento nos artigos 765 da CLT e 130 do CPC, pode determinar ex officio que
a prova venha aos autos, sem que haja qualquer ofensa ao princípio da
imparcialidade, nem da isonomia.
10.3. Prova Emprestada e Juízo Criminal
:
A prova produzida em determinado juízo tem eficácia plena no processo
em que for originalmente colhida, não vinculando necessariamente o
convencimento do magistrado em relação ao processo para o qual será
trasladada.
Em se tratando especificamente de prova trasladada de processos
penais, o juiz do trabalho não é obrigado a acolhê-la com o mesmo valor e com a
mesma eficácia que guarda nos autos de origem. Embora a prova tenha por pano
de fundo os mesmos fatos, o procedimento para sua colheita é conduzido pelos
dois juízos a partir de premissas e objetivos diversos. Neste diapasão, reputamos
oportunas as preleções de Campos Batalha:
“O aproveitamento, no juízo trabalhista, de provas produzidas no juízo
criminal depende de bastante ponderação, porque, em regra, os
pressupostos da responsabilidade penal não se confundem com os
pressupostos da responsabilidade trabalhista”.
259
Isto não significa dizer que a prova oriunda de um processo criminal
seja absolutamente desprovida de valor e, portanto, não possa ser aproveitada na
259 BATALHA, Wilson de Souza Campos, Tratado de direito judiciário do trabalho, vol. II, p. 147.
205
ação trabalhista. Terá, sim, utilidade como mais um elemento de convicção a ser
agregado à instrução processual, submetendo-se ao crivo do livre convencimento
do magistrado.
A referida prova emprestada, todavia, não deve substituir e evitar a
realização da instrução nos autos da própria ação trabalhista, sob pena de
implicar verdadeiro menoscabo à fase probatória no processo do trabalho,
momento dos mais importantes e significativos para a garantia da composição
justa do litígio de natureza trabalhista.
A propósito, havendo coincidência dos fatos que fundamentam as
ações que tramitam perante o juízo criminal e o trabalhista e, por conseguinte,
prejudicialidade entre as ações, estando as demandas em momentos processuais
compatíveis, pode o juiz, segundo seu prudente arbítrio, determinar o
sobrestamento do dissídio trabalhista pelo prazo legal, com fulcro nos artigos 110
e 265 do CPC, até que a justiça criminal decida sobre determinado fato que é
comum às duas esferas. Adotando tal medida, o juiz do trabalho poderá evitar
decisões conflitantes sobre os mesmos fatos.
A trasladação desta prova, como ressaltamos, embora recomendável
em determinadas situações, deverá ser submetida ao crivo do livre
convencimento do julgador (CPC, artigos 130 e 131 e CLT, artigo 765), sendo
valorada com liberdade e aproveitada naquilo que for pertinente à demanda
trabalhista, procedimento este sempre tendente a possibilitar a perquirição da
verdade, consoante entendimento jurisprudencial abaixo:
“I - É da reclamada o "ônus probandi" (arts.818/CLT e 333/CPC) relativo
a regular comissão de conciliação prévia referente à categoria
profissional induvidosamente diferenciada do reclamante, consoante
alegado em defesa e desde a exordial peremptoriamente negado; II -
Não resta dúvida da integral não vinculação dos entendimentos judiciais
trabalhistas e criminais sobre um mesmo fato que estaria enquadrado
no art.482 do Código Social de 1943. No entanto, também milita em
206
favor do obreiro (sem prova robusta em contrário na reclamatória) o fato
de existir sentença criminal de absolvição com trânsito em julgado, e na
qual consta expressamente que a empresa realizava comumente
"transferência de mercadoria de uma loja para outra com prejuízo do
fisco", bem como que teria sido feita uma "cilada" ao trabalhador, que
levou às suas injusta prisão e conseqüente dispensa por ato de
improbidade”. (Recurso Ordinário em Rito Sumaríssimo. Data do
julgamento: 14/05/2002. Data de publicação: 28/05/2002. Relator Des.
RICARDO VERTA LUDUVICE. Acórdão nº: 20020322857. Processo nº:
13759-2002-902-02-00-8. ANO: 2002. TURMA: 10ª. TRT/SP).
Entendemos, destarte, que o aproveitamento da prova colhida perante
o juízo criminal como prova emprestada nas ações trabalhistas, desde que tenha
sido produzida naquele juízo com observância do devido processo legal
submetendo-se ao contraditório -, pode ser considerada medida salutar,
porquanto prestigia o princípio da economia processual e evita decisões
contraditórias.
Vale notar, entretanto, que havendo decisão do juízo criminal sobre a
existência do próprio fato (materialidade) e a autoria da conduta, nestes casos, a
sentença proferida no juízo criminal terá efeito reflexo para fins de
responsabilidade trabalhista, nos termos preceituados no art. 935 do Código Civil
em vigor. Embora não se questione aqui a independência das duas esferas o
que não é nossa intenção e nem mesmo poderia, em razão da expressa
disposição legal (art. 110, CPC) -, o juiz do trabalho, nestas hipóteses específicas,
deve sobrestar a ação trabalhista, afastando o risco de decisões colidentes, como
também de violação às questões decididas no juízo penal. No ponto, os
comentários de Fabrício Zamprona Matiello ao art. 935 do Código Civil são
concludentes:
“Em assim sendo, a apuração dos fatos em ambos os juízos pode
ocorrer em conjunto ou separadamente, mas a decisão definitiva da
207
esfera criminal, apontando a existência do fato e quem seja o seu autor,
fará coisa julgada no juízo cível. Exatamente por isso é que existe
norma de caráter processual (art. 110 do Código de Processo Civil)
facultando ao julgador o sobrestamento da tramitação do processo
enquanto estiverem sendo apurados os fatos em persecução
criminal.”
260
Neste diapasão, Bezerra Leite, utilizando como exemplo o caso de
empregado dispensado por justa causa, acusado de ato de improbidade, defende
a suspensão da demanda trabalhista, observado o prazo legal (CPC, art. 265)
para verificação da materialidade do fato e da sua autoria pelo juízo criminal,
como se verifica:
“Neste caso, o juiz poderá determinar a suspensão do processo e
aguardar o julgamento do processo criminal, na medida em que embora
responsabilidade civil (e trabalhista) seja independente da criminal, não
se poderá questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem
seja seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo
criminal (CC, art. 935).”
261
Situação diversa refere-se à prova oriunda de procedimento de
inquérito policial. Na fase investigatória extrajudicial não o exercício do
contraditório, sendo a prova produzida unilateralmente pela autoridade policial.
Daí o seu total desprestígio enquanto prova perante o juízo trabalhista, sendo que
as peças provenientes do inquérito valem apenas como elementos de informação,
quando trasladadas para os autos de uma ação trabalhista, não guardando a
mesma eficácia probatória daquela produzida perante o juízo criminal.
260 Código Civil comentado, nota 2 ao art. 935, p. 586.
261 LEITE, Carlos Henrique Bezerra, Curso de direito processual do trabalho, p. 597.
208
Pode-se afirmar que tais provas teriam, no máximo, o valor equivalente
a um indício, a coadjuvar com os demais elementos de convicção do processo
para a formação do convencimento do magistrado trabalhista.
262
Neste sentido, se o fato colhido pela prova oriunda de um inquérito
policial não encontrar eco na instrução processual trabalhista, não teria utilidade
para o deslinde do feito, conforme julgado adiante transcrito, a ilustrar a
fragilidade da prova produzida unilateralmente em inquérito policial:
“DANO MORAL - DOCUMENTOS DA ÁREA CRIMINAL: "Inservíveis
para amparar pleito de indenização por dano moral documentos da
esfera criminal, unilaterais, não corroborados por prova nesta Justiça
Especializada".". Recurso ordinário do obreiro a que se nega
provimento, no particular. Data de julgamento: 28/10/2008. Data de
publicação: 11/11/2008. Relatora: Des. DORA VAZ TREVIÑO. Acórdão:
20080962127. Processo nº: 02241-2003-442-02-00-8. Ano: 2007.
TURMA: 11ª. TRT/SP.
10.4. Dispensa da Prova Pericial e a Questão da Prova Emprestada
:
Da análise dos arts. 420 e 427 do CPC depreende-se que situações
em que a realização da perícia pode ser dispensada, conforme veremos abaixo.
Primeiramente, que se destacar que somente é realizada a perícia
quando a elucidação dos fatos demandar conhecimento técnico, sendo
despicienda, por outro lado, caso as provas documental e oral se mostrarem
pertinentes ao esclarecimento da questão controvertida.
Da mesma forma, ainda que se tratem de fatos cuja elucidação possa
depender de conhecimentos técnicos, em homenagem ao princípio da economia
262 Defendendo tal linha de entendimento, Wilson de Souza Campos Batalha, Tratado de direito judiciário do trabalho, vol.
II, pp. 148-149.
209
processual, o juiz poderá dispensar a realização da prova técnica, caso sejam
carreados aos autos pareceres ou outros documentos suficientes ao seu
convencimento.
Por certo que a solução sugerida anteriormente, embora prestigie a
economia e a celeridade processual, nem sempre é adequada ao caso concreto,
notadamente nas situações em que o próprio direito material estabelecer meio de
prova condicionante à demonstração do fato controvertido. É o que se observa da
leitura do art. 195, parágrafo da CLT, sendo imprescindível, quando possível a
realização da prova, a perícia para a apuração da insalubridade ou da
periculosidade no ambiente laboral.
A prova pericial também não será realizada, outrossim, caso as
condições de fato tornem a sua produção impraticável, em função do perecimento
do objeto a ser periciado, bem como na hipótese de não ter deixado quaisquer
vestígios, a partir dos quais o expert judicial poderia desenvolver o seu trabalho.
A hipótese referida acima (art. 420, III do CPC) novamente nos reporta
ao caso da insalubridade e da periculosidade; tendo sido desativado o local de
trabalho, emergem duas soluções possíveis:
A primeira que reputa aproveitável o laudo emprestado produzido em
outro processo, desde que o ambiente e as condições de trabalho periciadas no
outro litígio sejam exatamente idênticos aos do processo para o qual se transporta
a prova emprestada, uma vez impraticável a realização de nova perícia. Tal tese,
que encontra reforço também na exegese do art. 427 do CPC.
As ementas abaixo ilustram com clareza este posicionamento:
RECURSO DE REVISTA. LOCAL DESATIVADO. PROVA
EMPRESTADA. PERICULOSIDADE NÃO CARACTERIZADA. “Não se
falar em nulidade da decisão regional que, ante a impossibilidade de
realização de perícia técnica diante da desativação do setor, ou
210
modernização de seu campo fabril com outras instalações em local
distinto do primitivo, decidiu com base no exame da prova emprestada
trazida aos autos, concluindo pela inexistência de periculosidade. O
Regional decidiu à luz do princípio da persuasão racional insculpido no
art. 131 do CPC, sendo inviável nesta instância recursal a reapreciação
do conjunto fático-probatório para fins de dar novo enquadramento
jurídico aos fatos (Súmula 126/TST)”. (Recurso não conhecido.
Processo: RR - 716675/2000.1 – TST. Data de Julgamento: 05/11/2008.
Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Turma. Data de
Publicação: DJ 14/11/2008).
“Recurso de revista. Adicional de periculosidade. Admissibilidade da
prova emprestada desde que constatada a identidade de fatos entre o
trabalho do demandante e o consignado na perícia realizada em outro
processo. A revista não se viabiliza por dissenso pretoriano tendo em
vista que os arestos paradigmas não tratam da hipótese da utilização
de prova emprestada. A violação a dispositivo de lei federal não se
consubstancia na medida que esta Corte vem firmando entendimento
no sentido de admitir o instituto da prova emprestada desde que
configurada a identidade de contextos entre o labor do demandante e o
objeto da perícia realizada em processo diverso. Consignado, pois, no
acórdão a identidade de contextos entre as situações em apreço,
autorizada fica a utilização da prova emprestada, que vem, portanto,
atender a determinação constante no art. 195, § do texto
consolidado. Revista não conhecida”. (TST-RR-668.133/2000.0 – Ac.
T. 11ª Reg. Rel. Juiz Convocado João Carlos Ribeiro de Souza.
DJU 19.9.03, pág. 619. Suplemento de Jurisprudência LTr 49/2003,
pág. 382).
“Periculosidade e insalubridade. Prova emprestada. Admissibilidade. A
prova pericial é obrigatória quando é possível. Desativado ou
alterado o local de trabalho, admite-se a prova emprestada - que
também é prova técnica - desde que tenham sido avaliados o mesmo
211
local (ou local semelhante) e as mesmas condições de trabalho, de
forma a fornecer ao juiz os elementos técnicos necessários ao seu
esclarecimento e convencimento”. (TRT/SP. Acórdão: 20020723797.
Turma: 03. Data Julg.: 05/11/2002. Data Pub.: 19/11/2002. Processo:
20020315303. Relator: EDUARDO DE AZEVEDO SILVA)
“PROVA EMPRESTADA. ADMISSIBILIDADE. Embora sem previsão
expressa na lei, a chamada prova emprestada encontra respaldo no
direito constitucional à ampla defesa (art. 5º, LV, CF) e é de larga
aceitação e manifesta utilidade no processo trabalhista, notadamente
quando se trata de evidenciar condições de trabalho ou ambientais
nocivas ou sob risco existentes na vigência do contrato de trabalho, e
que tenham sido alteradas após o desligamento do empregado. A prova
emprestada submete-se aos princípios da idoneidade e adequação, e
às regras gerais da livre apreciação, consoante o sistema da persuasão
racional adotado pelo nosso direito processual, formando o julgador a
sua convicção com base nos elementos probatórios existentes nos
autos (art. 131, CPC)”. (TRT/SP. Acórdão: 20050401810. Turma: 04.
Data Julg.: 21/06/2005. Data Pub.: 01/07/2005. Processo: 20030829970
Relator: RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS)
Em contrapartida, uma segunda tendência na doutrina e na
jurisprudência que se mostra mais refratária ao aproveitamento da prova
emprestada, caso existam outros elementos nos quais o perito pode se
fundamentar para o desenvolvimento do laudo, ainda que o local não conserve as
mesmas condições em que se deu a prestação de serviços à época. Segundo
esta corrente, a perícia pode ser realizada com base em outros elementos, quais
sejam, oitiva de testemunhas (colegas de profissão que se ativavam nas mesmas
condições), obtenção de informações, solicitação de documentos etc, além da
própria experiência profissional do expert em relação à matéria técnica (art. 429,
CPC), como se constata das ponderações de Sérgio P. Martins, in litteris:
212
“Entretanto, no que diz respeito à insalubridade ou periculosidade,
necessidade de perícia, por expressa disposição do art. 195 da CLT.
Assim, a prova não poderá ser emprestada, por se tratar de situação
personalíssima, que tem de ser investigada pelo perito no local de
trabalho. Dessa forma, salvo se as partes assim concordarem, a prova
pericial emprestada de outro trabalhador não valerá no processo em se
discute insalubridade ou periculosidade quando a seção em que o
reclamante trabalhava, por exemplo, foi fechada ou transferida.”
263
No mesmo diapasão, a jurisprudência:
“Adicional de insalubridade. Perícia em local desativado. A realização
de perícia no local de trabalho do autor, ainda que desativado, é
possível através de informações de outros empregados que conheciam
as tarefas realizadas e em que condições eram executadas”. (TRT/SP.
Acórdão: 20030104518. Turma: 06. Data Julg.: 11/03/2003. Data Pub.:
28/03/2003. Processo : 20020387584 Relator: RAFAEL E. PUGLIESE
RIBEIRO)
“Perícia - Insalubridade ou periculosidade - Desativação do local de
trabalho - A desativação do local de trabalho não inviabiliza a produção
de prova pericial técnica quando os agentes agressivos derivam da
função exercida e não das condições do local de trabalho. O art. 429 do
CPC aos peritos e assistentes técnicos ampla liberdade na colheita
de informações necessárias à instrução do laudo. Na maioria das
vezes, o objeto da perícia refere-se a fato pretérito, o que obriga o
"expert" a "utilizar-se de todos os meios necessários, ouvindo
testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que
estejam em poder da parte ou repartições públicas, bem como
instruir o laudo com plantas, desenhos, fotografias e outras quaisquer
peças" (sic/art. 429 do CPC). (TRT/SP. Acórdão: 20030092749. Turma:
263 MARTINS, Sérgio Pinto, Direito processual do trabalho, p. 322.
213
08. Data Julg.: 10/03/2003. Data Pub.: 25/03/2003. Processo:
20020177261. Relator: MARIA LUÍZA FREITAS)
Independentemente do caminho que se adote para a solução da
questão, é certo que o Tribunal Superior do Trabalho sedimentou seu
entendimento, por meio da Orientação Jurisprudencial 278 da Seção de Dissídios
Individuais I
264
, tornando viável, na nossa concepção, o aproveitamento tanto da
prova emprestada, como também de outros meios de prova possíveis, se
inexistente outro laudo que tenha sido anteriormente produzido a partir dos
mesmos fatos e circunstâncias do processo para o qual seria trasladado.
E independentemente da tese que se acolha, importante que prevaleça
a idéia de que a prova emprestada deve ser mais um elemento de convicção
coligido à instrução processual, com o objetivo de desvendar a realidade dos fatos
controvertidos. A eficácia e o pleno aproveitamento, enquanto meio hábil de
prova, serão submetidos ao crivo do livre convencimento motivado, cabendo ao
julgador conferir-lhe o valor merecido (CPC, art. 131).
Não se pode perder de vista, porém, que todos os elementos de prova
lícitos e moralmente legítimos, tendentes à busca da verdade e à formação do
convencimento do juiz, devem ser considerados e valorados, em função da
utilidade que possam demonstrar para a composição justa e efetiva do conflito.
Estas são as considerações necessárias ao esclarecimento da utilidade
da prova emprestada no processo do trabalho.
264 Eis o texto da OJ 278, SDI-I do TST: “Adicional de insalubridade. Perícia. Local de trabalho desativado. A realização
da perícia é obrigatória para a verificação de insalubridade. Quando não for possível sua realização, como em caso de
fechamento da empresa, poderá o julgador utilizar-se de outros meios de prova”.
214
CONCLUSÃO
As demandas da sociedade contemporânea não se conformam mais
com um processo meramente técnico e dogmático, clamando por um instrumento
hábil e capaz de garantir concretude ao direito substancial e, com isso,
restabelecer a harmonia social ameaçada pelo conflito.
A relação processual, neste ponto, deve deixar de ser vista sob o
ângulo introspectivo, formalista e teórico, passando a ser analisada sob o aspecto
teleológico, voltada aos fins sociais para os quais se destina.
Neste sentido, a prova judiciária exerce papel fundamental, porquanto
destinada a solucionar o conflito com justiça, cumprindo, assim, o escopo social
do processo.
Para que bem desempenhe esta função, a atividade probatória, em
todos os seus desdobramentos, deve estar voltada à descoberta da realidade dos
fatos que servem de substrato ao litígio, possibilitando que a prestação
jurisdicional assegure máxima realização ao direito material e, com isso, tenha
efetividade no plano concreto.
Com vistas ao resultado útil do processo, de forma a garantir o bem-
estar da sociedade, o legislador conferiu ao juiz participação mais dinâmica e
ostensiva na instrução processual, franqueando-lhe contribuição decisiva na
produção da prova e na perquirição da verdade.
Ao magistrado foram confiados, destarte, legítimos e amplos poderes
investigatórios (CPC, art. 130 e CLT, art. 765), sobretudo na seara trabalhista, em
que as especificidades do direito substancial clamam por uma intervenção oficial
capaz de restaurar o equilíbrio entre os contendores, compensando a
desigualdade real existente, sentida tanto no plano da relação material, quanto
reflexamente no processo.
215
Neste contexto, não se justifica a redução da condição do julgador à
antiga e tradicional figura de mero espectador do duelo judicial travado entre as
partes, eis que a passividade e a inércia de sua conduta, durante a tramitação do
feito, mostram-se incompatíveis com a sistemática processual hodierna.
O magistrado, nos dias atuais, deve se mostrar sensível e permeável
às demandas da sociedade, dirigindo a instrução processual de forma atenta
para que o “jogo de vontades e de interesses particulares” dos litigantes não
acabe por “tomar a cena” em detrimento da verdade real.
Segundo a visão publicista que vigora hodiernamente, todo processo é
movido por um interesse público maior do Estado, destinado ao resgate da
verdade e, por conseguinte, à manutenção da integridade do ordenamento
jurídico. Tal interesse público a possibilitar, em última análise, a almejada
harmonia social, é superior ao ostentado pelas partes, tendo na figura do juiz seu
representante oficial.
E para a concretização deste desiderato, a sistemática processual
contemporânea dotou o magistrado de inúmeros instrumentos aptos a dinamizar
sua atuação durante a instrução processual, munindo-lhe de poderes e, ao
mesmo tempo, de responsabilidades tendentes à facilitação do efetivo acesso ao
Judiciário, eliminando as “diferenças de oportunidades em função da situação
econômica dos sujeitos”.
265
Como estudamos ao longo deste trabalho, militam em favor da
ativização da conduta do juiz - em prol da solução efetiva do conflito - vários
meios, a saber: a iniciativa oficial para a realização de provas, sobretudo nos
casos em que a “aptidão maior de um dos litigantes” inviabilizar a realização da
prova; a utilização das presunções legais e humanas, das máximas de
experiências e dos indícios colhidos durante o feito como elementos
coadjuvantes às demais provas colhidas; o aproveitamento da prova emprestada;
a possibilidade de inversão do ônus da prova em determinadas e específicas
265 DINAMARCO, Cândido R., A instrumentalidade do processo, p. 24.
216
situações; o adequado manejamento do principio in dubio pro misero na
valoração da prova; a invocação das normas sobre distribuição do ônus da prova
apenas como regras de julgamento; por fim, a subministração eficaz de todos
estes instrumentos na livre e fundamentada valoração do material probatório
266
.
Não podemos nos olvidar, todavia, que os poderes investigatórios do
magistrado, tendentes a restabelecer a verdade dos fatos e a assegurar
efetividade à prestação jurisdicional, devem ser administrados adequada e
tempestivamente, de modo a evitar que a instrução processual, em lugar de ser
útil à justa solução do conflito, eternize a demanda, tornando-se uma verdadeira
cruzada em perseguição da realidade em detrimento da celeridade na entrega da
provimento. Importante que se frise que todos estes conceitos devem ser
interpretados de forma sistemática, sendo que a efetividade e a justiça da tutela
e, por certo, da instrução processual, pressupõem a tempestividade de sua
realização.
De tudo que dissemos, uma idéia jamais pode ser esquecida: para que
a prova judiciária cumpra fielmente sua função social, como instrumento a
garantir efetividade à prestação jurisdicional, não basta que o legislador tenha
conferido ao juiz uma gama ampla de instrumentos aptos a tal fim, notadamente
dotando-lhe de poderes instrutórios.
Incumbe ao juiz moderno, sobretudo ao juiz do trabalho que sempre se
mostrou mais sensível aos diversos influxos do contexto social, assumir, sem
receio de violação da imparcialidade de sua conduta
267
, o poder-dever que lhe foi
atribuído pelo legislador, fazendo-o com responsabilidade e consciência de que
seus atos são decisivos para eficácia do resultado do processo.
266 Neste sentido, DINAMARCO, ob. cit., pp. 24-25, valoriza a “postura instrumentalista” do processo, defendendo o
“aumento da participação do juiz na instrução da causa e de sua liberdade na apreciação do resultado da instrução”.
267 Como pudemos verificar durante o estudo, a imparcialidade do julgador é medida pela preservação das garantias e
dos direitos constitucionais, notadamente a motivação das decisões, a ampla defesa, o contraditório e a igualdade das
partes, sendo que esta última, não raras vezes, depende diretamente da intervenção necessária do magistrado durante a
instrução processual, visando ao restabelecimento do equilíbrio entre os contendores.
217
Por todo o analisado, concluímos que a atividade probatória somente
poderá atingirá seu escopo, no sentido de possibilitar que o processo colha um
resultado útil, harmonizando o conflito social com justiça, se houver uma profunda
e comprometida mudança de postura e de mentalidade de todos os sujeitos
envolvidos na relação processual (juízes, advogados, procuradores). Neste
sentido, deve haver uma convergência da conduta de todos aqueles que operam
o processo, notadamente do magistrado, para que a instrução processual seja
destinada ao fim de promover a verdade e, em decorrência, realizar o ideal de
justiça.
Somente assim será assegurada efetividade à atividade instrutória,
tornando o processo um hábil instrumento a serviço do bem-estar social, objetivo
maior do Estado contemporâneo.
218
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x Pesquisas feitas na rede mundial de computadores, por meio de consultas a
sítios dos Tribunais:
1) Supremo Tribunal Federal: www.stf.jus.br.
2) Tribunal Superior do Trabalho: www.tst.jus.br.
3) Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região: www.trtsp.jus.br.
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