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Maria Terezinha Bretas Vilarino
Entre lagoas e florestas
Atuação do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP)
no saneamento do Médio Rio Doce: 1942-1960
Belo Horizonte - MG
2008
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Maria Terezinha Bretas Vilarino
Entre lagoas e florestas:
atuação do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP)
no saneamento do Médio Rio Doce entre 1942 e 1960
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História da Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas
Gerais como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em História.
Orientadora: Profa. Dra. Betânia Gonçalves
Figueiredo
Co-orientador: Prof. Dr. André Luiz Vieira de
Campos
Belo Horizonte - MG
2008
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Maria Terezinha Bretas Vilarino
Entre lagoas e florestas: atuação do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) no
saneamento do Médio Rio Doce entre 1942 e1960
Dissertação defendida e aprovada pela Banca Examinadora, constituída pelos professores:
Profa.. Dra.. Betânia Gonçalves Figueiredo
Orientadora - UFMG
Prof. Dr. André Luiz Vieira de Campos
UFF
Profa. Dra. Cristina Maria Oliveira Fonseca
Casa de Oswaldo Cruz
Profa. Dra. Rita de Cássia Marques
UFMG
Belo Horizonte, 30 de setembro de 2008.
Para João Domingos Fassarella (in memorian)
Por seu compromisso e solidariedade
com o homem de seu tempo.
Para Lucília e Leicy, afeto expandido.
Silvestre e Manoel, presentes na ausência.
AGRADECIMENTOS
Necessários pela gratidão e amizade: à Betânia e André, pela orientação e co-
orientação deste trabalho e pela generosidade de sua presença; ao Ciro, amigo especial, pela
paciência da escuta, pela intimidade compartilhada; aos amigos do Curso de História da
Univale, Patrícia, Jean, Eliazar, Ciro, Guilherme, Alexandre, Haruf, Juno, Margarida, pelo
companheirismo e pela partilha. Especial agradecimento à Patrícia que levou este projeto para
as suas redes; ao Alexandre pela presença amiga e discreta na UFMG; à Casa de Oswaldo
Cruz, pela disponibilidade no atendimento.
Agradecimento à Cristiana e Edileila, pelo incentivo; à Celinha e Bráulio, apoio
afetivo e logístico na UFMG; à Lena e Pedro Tengrouse, que me abrigaram em Colatina e no
Rio. Aos ex-funcionários do SESP, que me receberam e dividiram comigo suas lembranças.
Em especial agradecimento ao Sr. Petronilho Alcântara Costa e sua Odalice, pela confiança.
Também agradeço ao Zé Raimundo pelas idas ao Chonin de Cima e ao Coelho pelas dicas.
Meus agradecimentos aos meus alunos da Univale, por me desafiarem, na teoria e na
prática; especial à Marisa Augusta, Bruno Gotardello, Jardel e Ricardo Conrado, que me
ajudaram nos contatos com os entrevistados para este trabalho.
Agradecimentos ao Colégio Ibituruna, por uma vida inteira; ao Wellington, pela
confiança; à Nádia, pela solidariedade; à Ivana, pelas manhãs ao sol; aos meus irmãos
“Vilarinos” e agregados, frutos do amor de Lucília e Silvestre; aos meus irmãos “Espindolas”
e agregados, frutos do amor de Leicy e Manoel; aos sobrinhos, de cá e de lá, pela
oportunidade de ser a “Tia Tê”. Como diz Amanda, “dão sentido à palavra família”. Aos
meus afilhados Ana Luíza, André, Daniel, Nina e Lara (in memorian), sempre presentes; aos
amigos Ana, Elizete, Léo, Lílian, Márcia e Paula, pelas inesquecíveis risadas, pela cantoria e
pelo afeto, pelas noites de lua e sem lua.
Especial agradecimento à Lulu, irmã e confidente, leitora ‘divertida’ desta dissertação;
ao Hugo e Lucilinha por alguns ‘galhos quebrados’.
Amanda, Manoel e Pedro, fios (filhos) terra - fogo, água e ar. Amor sem fim ;ao
Haruf, por me fazer rir e por nos querermos bem.
RESUMO
Essa dissertação tem como tema a atuação do Serviço Especial de Saúde Pública
(SESP) no vale do Rio Doce, Estado de Minas Gerais, entre 1942 e 1960. Nesse sentido, a
partir da bibliografia disponível sobre o SESP e a região, de relatórios de atividades do
Serviço e de entrevistas a antigos funcionários e moradores de Governador Valadares, a
investigação baseou-se nos seguintes pontos: (a) a precária situação de saneamento regional, a
incidência de endemias e a epidemia de malária; (b) os interesses americanos nos recursos
naturais estratégicos da região; (c) a articulação de interesses nacionais e internacionais na
constituição do SESP; (d) a chegada do SESP ao vale do Rio Doce e sua intervenção na área
de saneamento e de saúde. A partir do levantamento sanitário da região, identificou-se a
dinâmica sociocultural e econômica em que atuavam diversos atores sociais, agregada aos
processos de ocupação e exploração do território do vale do Rio Doce na primeira metade do
século XX, e na qual a ação do SESP é relacionada como um dos fatores que impulsionaram o
desenvolvimento entre as décadas de 1940 e 1950. Várias localidades da região,
especialmente Governador Valadares, Aimorés, Baixo Guandu e Colatina receberam a
atenção do SESP e constituíram campo de experimentação de técnicas e metodologias de
intervenção, de medicamentos e inseticidas. Além disso, as ações do SESP das cadas de
1940 e 1950 propiciaram o ordenamento dos territórios urbanos, o saneamento rural, a
erradicação da malária, a contenção de outras endemias e a imposição das práticas dicas
científicas. As metodologias de intervenção que acompanharam a execução dos projetos de
saneamento e de assistência médica do SESP se relacionaram com a concepção do “círculo
vicioso da doença e da pobreza” e com uma pedagogia sanitária em que a responsabilidade
individual sobrepujava a responsabilidade política.
Palavras-chave: Saúde pública. SESP. Rio Doce.
ABSTRACT
This thesis is addressing the performance of the Special Service of Public Health
(SESP) in the valley of the Rio Doce, Minas Gerais State, between 1942 and 1960. In this
sense, a research was conducted based on the literature available about the SESP and the
region, the activities of the Service and interviews with former officials and residents of
Governador Valadares, and the following points: (a) the precarious situation of the regional
sanitation, the incidence of endemic diseases and the epidemic of malaria, (b) the American
interests in the region's strategic natural resources, (c) the articulation of national and
international interests in the constitution of the SESP (d) the arrival of the SESP in the valley
of the Rio Doce and its intervention in the sanitation and health area. After a health survey of
the region some facts were identified, such as the sociocultural and economic dynamics in
which various social actors worked along with the processes of occupation and exploitation of
the territory of the valley the Rio Doce in the first half of the twentieth century, and in which
the action of SESP is listed as one of the factors that boosted the development of the decades
between 1940 and 1950. Several towns in the region, especially Governador Valadares,
Aimorés, Baixo Guandu and Colatina received the attention of the SESP and constituted a
field of experimentation with techniques and methods of intervention, medicines and
insecticides. Moreover, the actions of the SESP in the decades of 1940 and 1950 enabled the
development of urban areas, rural sanitation, the eradication of malaria, containment of other
endemic diseases and the imposition of scientific medical practices. The methods of
intervention that accompanied the implementation of projects of sanitation and medical care
of the SESP were related to the conception of the "vicious circle of disease and poverty" and
health education in which individual responsibility surpassed political responsibility.
Key words: Public Health. SESP. Rio Doce.
LISTA DE ABREVIAÇÕES
ACAR Associação de Crédito e Assistência Rural
AIA American International Association for Economic and Social Development
CBAI Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial
CEDAC Centro de Documentação e Arquivos de Custódia
CEDEPLAR Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CFS Conferências Nacionais de Saúde
COC Casa de Oswaldo Cruz
DDT Dicloro-difenil-tricloroetano
DFS Delegacias Federais de Saúde
DNS Departamento Nacional da Saúde
DNSP Departamento Nacional de Saúde Pública
DOS Divisão de Organização Sanitária
EFVM Estrada de Ferro Vitória a Minas
ES Espírito Santo
EUA Estados Unidos da América
FAPEMIG Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Minas Gerais
FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz
FSESP Fundo Fundação Serviço Especial de Saúde Pública
IAIA
Institute of Inter-American Affairs Instituto para Assuntos Inter-
Americanos
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IOC Instituto Oswaldo Cruz
MES Ministério da Educação e Saúde
MESP Ministério da Educação e Saúde Pública
MG Minas Gerias
MTIC Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio
NEHT Núcleo de Estudos Históricos e Territoriais
OCIAA
Office of the Coordinator of Inter-American Affair - Escritório para a
Coordenação das Relações Comerciais e Culturais
OEA Organização dos Estados Americanos
OIT Organização Internacional do Trabalho
OPAS Organização Pan-Americana de Saúde
PMS Programa de Memória Social.
SAAE Serviço Autônomo de Água e Esgoto
SESP Serviço Especial de Saúde Pública
SNS Serviços Nacionais de Saúde
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNIVALE Universidade Vale do Rio Doce
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 -
Carta de Povoamento da Região do Rio Doce 22
FIGURA 2 -
Situação Geral do Rio Doce 25
FIGURA 3 -
Organograma SESP - 1943 182
FIGURA 4 -
Organograma SESP - 1946 183
FIGURA 5 -
Organograma SESP – 1952 184
FIGURA 6 -
Organograma SESP - 1957 185
FIGURA 7 -
Casa dos Pobres, em Governador Valadares, na década de 1950. 186
FIGURA 8 -
Escola em Chonin de Cima, ano 1945. 186
FIGURA 9 -
Acampamento de trabalhadores da CVRD. 187
FIGURA 10 -
Getúlio Vargas em Governador Valadares. 187
FIGURA 11 -
Primeiro corpo de funcionários do SESP em Governador Valadares –
1943
188
FIGURA 12 -
O costume de lavar roupa no Rio Doce. 188
FIGURA 13 -
Guardas sanitários e suas “bombas” de aspersão de DDT (Governador
Valadares). 189
FIGURA 14 -
Curso para Guarda sanitário – Colatina, 1950 ou 1951. 189
FIGURA 15 -
Estação de tratamento de água em Governador Valadares – década de
1950. 190
FIGURA 16 -
Fila de espera para atendimento na Unidade de saúde de Governador
Valadares – década de 1950. 190
FIGURA 17 -
Curso - Visitadoras Sanitárias, em Governador Valadares – 1950. 191
FIGURA 18 -
Fossa sanitária e experimento de chuveiro de cartola. Governador
Valadares. 191
FIGURA 19 -
Unidade sanitária de Governador Valadares – final da década de 1940. 192
FIGURA 20 -
Homenagem a auxiliares de saneamento – Curso 1956 – Governador
Valadares. 192
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 11
1 ENTRE LAGOAS E FLORESTAS ................................................................................................................ 19
1.1
A
PRESENTANDO O
V
ALE DO
R
IO
D
OCE
:
OS TRILHOS VENCERAM AS SELVAS
............................................... 19
1.2
U
M PANORAMA SANITÁRIO
:
PRIMEIRAS IMPRESSÕES
................................................................................... 28
1.3
O
PANORAMA SANITÁRIO
:
AMPLIANDO OS HORIZONTES DE VISIBILIDADE REGIONAL
.................................. 35
1.4
A
RTICULAÇÃO ENTRE DISCURSOS E PRÁTICAS DE SAÚDE PÚBLICA
:
DA PRIMEIRA REPÚBLICA AO GOVERNO
V
ARGAS
............................................................................................................................................................ 51
1.5
A
RTICULAÇÃO ENTRE O CAMPO DA SAÚDE PÚBLICA E A HISTÓRIA
.............................................................. 61
2 O SERVIÇO ESPECIAL DE SAÚDE PÚBLICA (SESP) EM REDES, OFÍCIOS E MÉTODOS........... 64
2.1
C
ONSTITUIÇÃO
:
O CONTEXTO DA CRIAÇÃO DO
SESP .................................................................................. 64
2.2
A
S FASES E ÁREAS DE ATUAÇÃO DO
SESP:
OFÍCIOS
..................................................................................... 80
3
A
METODOLOGIA
SESPIANA
’:
OFÍCIOS E MÉTODOS
........................................................................................ 86
2.4
P
ROGRAMAS
R
IO
D
OCE
,
M
ICA E
M
INAS
G
ERAIS
:
O
SESP
EM AÇÃO
............................................................ 99
3 A ATUAÇÃO DO SESP NO MÉDIO RIO DOCE - CAMPO DE EXPERIMENTAÇÃO E VITRINE 106
3.1
A
INTERVENÇÃO SANITÁRIA DO
SESP
NO
M
ÉDIO
R
IO
D
OCE
..................................................................... 106
3.2
A
CAMPANHA ANTIMALÁRICA
................................................................................................................... 107
3.3
I
DENTIFICAÇÃO E TRATAMENTO DE VERMINOSES
...................................................................................... 115
3.4
I
NSTALAÇÃO DO SERVIÇO DE TRATAMENTO DE ÁGUA E ESGOTO E CRIAÇÃO DO
SAAE............................. 118
3.5
O
S CENTROS E
/
OU UNIDADES DE SAÚDE
..................................................................................................... 129
3.5.1. Guardas e visitadoras: emissários da Educação sanitária.............................................................. 134
3.5.2 As parteiras....................................................................................................................................... 140
3.6
U
MA INVESTIGAÇÃO SOBRE AS CONDIÇÕES E A NATUREZA DAS RELAÇÕES ENTRE UMA
U
NIDADE DE
S
AÚDE
DO
SESP
E A POPULAÇÃO
................................................................................................................................ 142
3.7
P
ROJETOS DE
C
OMUNIDADE
:
C
HONIN DE
C
IMA
,
S
ÃO
R
AIMUNDO
,
V
ILA
L
ENIRA
....................................... 151
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................................................ 161
FONTES............................................................................................................................................................. 166
F
ONTES IMPRESSAS
......................................................................................................................................... 166
1. Livros ..................................................................................................................................................... 166
2. Periódicos .............................................................................................................................................. 166
3. Relatórios............................................................................................................................................... 167
F
ONTES DOCUMENTAIS
.................................................................................................................................... 167
Subsérie documentos diversos ................................................................................................................... 167
Subsérie Cursos, Treinamentos e Publicações .......................................................................................... 167
Série Assistência Médico-Sanitária ........................................................................................................... 167
Série Engenharia Sanitária/Saneamento Básico ....................................................................................... 168
Série Engenharia Sanitária/Subsérie Saneamento Ambiental ................................................................... 169
Série Engenharia Sanitária/Construções Civis.......................................................................................... 169
F
ONTES
O
RAIS
................................................................................................................................................. 170
1. Depoimentos disponibilizados pelo NEHT/Univale............................................................................... 170
2. Entrevistados (acervo pessoal) .............................................................................................................. 170
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................................. 171
ANEXO A – ORGANOGRAMAS DO SESP.................................................................................................. 180
ANEXO B – FOTOS ......................................................................................................................................... 184
Introdução
O processo histórico, do qual o vale do Rio Doce é o centro, tem características que
fazem dele um objeto privilegiado para o estudo da relação entre o homem e o ambiente, no
contexto de intensa mobilidade humana (migração interna, imigração/emigração) e no
enfrentamento de doenças endêmicas. Nesse processo está presente uma temporalidade
delimitada, definida pelo período de 1903-1960, e uma espacialidade demarcada pela
presença do Rio Doce, da Estrada de Ferro Vitória-Minas e da floresta tropical. O ano de
1903 marca o início da construção da ferrovia, e o de 1960, além de marcar o fim do convênio
entre os governos brasileiro e norte-americano, que sustentava a atuação do Serviço Especial
de Saúde Pública (SESP), assinala o último Censo do IBGE, no qual os indicadores sociais e
econômicos apresentavam elevação em relação ao decênio anterior. A década de 1960
apresentou os primeiros sinais de inflexão da curva dos indicadores socioeconômicos,
especialmente os demográficos (ESPINDOLA, 2000, p. 67-75).
Até a década de 1930, embora a Região Sudeste fosse a porção do território brasileiro
mais largamente ocupada, havia espaços que se mantinham isolados e cobertos pela floresta
tropical. Esse era o caso da maior parte do vale do Rio Doce, onde a presença da malária e
outras endemias constituía entrave para a efetiva ocupação demográfica e econômica
(BRITO; OLIVEIRA; JUNQUEIRA, 1997, p. 59-60).
Nas duas décadas seguintes ocorreria o boom da ocupação demográfica e econômica
da Região do Rio Doce.
1
Os vários municípios da região tiveram crescimento populacional
entre 100 e 600%, beneficiados pela crescente exploração dos recursos naturais,
particularmente as florestas, os minérios e os solos. A nova dinâmica econômica fez com que
a paisagem urbana e a paisagem rural se modificassem rapidamente. A cidade de Governador
Valadares ocupou a posição polo, favorecida pelo crescimento da economia e pela expansão
demográfica regional, porém as condições sanitárias não acompanharam esse processo.
Outros municípios localizados ao longo da Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM) passavam
por situação semelhante. (ESPINDOLA, 1998). Em 1940 a população da região de
Governador Valadares (o dio Rio Doce propriamente dito) atingiu 389.800 habitantes; em
1950 saltou para 530.600 (3,3% a.a.) e em 1960, para 681.000 habitantes (2,3% a.a.). No
1 Região do Rio Doce é uma das macrorregiões do Estado de Minas Gerais, compreendida pelos municípios das
microrregiões de Governador Valadares, Ipatinga, Aimorés, Caratinga, Mantena, Guanhães e Peçanha. Essa divisão regional
corresponde à mesma delimitação da Mesorregião do Rio Doce, estabelecida pelo IBGE.
12
Espírito Santo destacou-se o município de Colatina que, de 58.572 habitantes em 1940,
passou a 100.437 em 1950 (STRAUCH, 1958). Nas cadas de 1940 e 1950, o crescimento
da população urbana foi mais acelerado, com taxas de 8,8% e 8,3% a.a., respectivamente.
2
As dificuldades de abastecimento interno e a demanda dos países aliados durante a
Segunda Guerra Mundial impulsionaram a economia regional. A produção de carvão para a
siderurgia de aço e derivados cresceu para compensar as dificuldades de importação; a
exploração da mica ou malacacheta
3
ampliou-se e passou a representar um mercado lucrativo
e, principalmente, foi preciso reformar a ferrovia para transportar o minério de ferro
explorado em grande escala pela recém-criada Companhia Vale do Rio Doce (ESPINDOLA,
1998).
O interesse dos Estados Unidos se fez presente diretamente na região, motivado pela
presença desses dois minérios estratégicos. Em 1943, para executar o saneamento do Vale do
Rio Doce e resolver os problemas das endemias, foi estendido à região o Serviço Especial de
Saúde Pública (SESP), criado um ano antes, para atuar nas regiões Norte e Nordeste. Naquele
ano tiveram início o Programa do Rio Doce e Programa da Mica, com o objetivo de criar as
condições sanitárias necessárias para a exploração do minério de ferro e da mica (CAMPOS,
2006, p. 173-189).
A continuidade da expansão econômica e demográfica da região depois de encerrada a
Segunda Guerra até o final da década de 1950, em certa medida, foi favorecida pela decisão
governamental de manter os programas de saneamento. A atuação do SESP na criação dos
serviços de água e esgoto, na erradicação das endemias e na modificação das práticas de
saúde, alterando costumes, valores culturais e organização do espaço teve influência decisiva
na configuração territorial da região
4
. Pesquisadores sobre a emigração de moradores da
cidade de Governador Valadares e da circunvizinhança para os Estados Unidos consideram a
presença de americanos na região, nesse período, como um dos seus fatores determinantes.
5
2 A população urbana do Médio Rio Doce salta de 37.200 para 191.700 habitantes entre 1940 e 1960, e Governador
Valadares concentrou 37% dessa população. Cf. COMPANHIA VALE DO RIO DOCE. v. II, Anexos 4, 5, 6. 7 e 8, nov.
1963, p. 13-18.
3 Minério bastante utilizado na indústria elétrica e eletrônica dos países desenvolvidos, a mica ou malacacheta é a designação
comum dos minerais do grupo dos silicatos de alumínio e de metais alcalinos aos quais frequentemente se associam magnésio
e ferro. Cf. ESPÍNDOLA, 1998, p. 157.
4 Cf. Bastos (1993, p. 329) “Em 1942, a lado e um pouco à margem dos serviços federais de saúde de rotina, iniciou-se um
profundo trabalho de modificação da mentalidade brasileira que iria refletir-se nas atividades de Educação para a Saúde. Esse
processo começou com a criação do SESP”.
5 Cf. SOARES, Weber: “A absoluta liderança exercida pelos Estados Unidos da América na preferência dos emigrantes
“valadarenses” remete a intensas ligações mantidas pelo município de Governador Valadares com esse país: durante a
Segunda Grande Guerra, a economia valadarense foi impulsionada pelo comércio da mica, que, sendo importante para a
indústria bélica, trouxe firmas americanas para a cidade [...]. Nesse mesmo período, as modificações no traçado da Estrada de
Ferro Vitória-Minas [...] eram realizadas também por intermédio de uma companhia americana. A presença dos Estados
Unidos em Valadares manifesta-se ainda na construção do Serviço Especial de Saúde Pública SESP [...]. Esses três fatos
colocaram os valadarenses em contato com os americanos e sua cultura. Portanto, foram os vínculos estabelecidos
13
É significativa a opinião de Siva Monteiro de Castro, advogado que vivia em
Governador Valadares na década de 1950, referindo-se ao trabalho do SESP:
Graças ao admirável programa de Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), o
saneamento desta região ora se processa a luz de recentes preceitos de medicina e
engenharia sanitária, o que vai garantindo a fixação do homem em zonas onde
outrora a malária estiolava a força construtiva do braço humano (CASTRO, 1951, p.
36).
O SESP foi uma agência de saúde pública criada por meio de um acordo bilateral entre
os governos do Brasil e dos Estados Unidos em 1942, a partir dos chamados “Acordos de
Washington”.
6
O objetivo de “implementar políticas sanitárias em áreas econômica e
militarmente estratégicas” atenderia, de um lado, interesses americanos imediatos,
relacionados às necessidades de guerra, e de aproximação econômica com o Brasil, e de outro,
respondia aos interesses do governo Vargas de expandir no território brasileiro a presença e
autoridade do Estado” (CAMPOS, 2006, 173-185).
No vale do Rio Doce esses dois interesses se fariam presentes entre 1942 e 1960. O
SESP atuou na assistência médica, na educação sanitária, no saneamento e no controle de
doenças transmissíveis, bem como cuidou de formar profissionais da saúde, implantando e
desenvolvendo, em vários estados, escolas técnicas e de graduação em enfermagem. No vale
do Rio Doce os municípios existentes ao longo da EFVM foram assistidos pela implantação
de serviço de água e esgoto, ões de saneamento, como a construção de latrinas,
identificação dos vetores e combate à malária e a outras endemias, cursos para parteiras e
cuidados infantis, treinamento para atendentes de centros de saúde e para guardas sanitários,
treinamento para visitadoras que faziam trabalho de educação sanitária, entre outras
atividades. Nesse sentido, é instigante o depoimento de Hermírio Gomes da Silva, cirurgião-
dentista aposentado do SESP, e prefeito da cidade de Governador Valadares por duas vezes
7
(de 21/01/1967 a 31/01/1971 e 31/01/1973 a 31/01/1977):
historicamente com os EUA que permitiram a construção, em Valadares, de laços sociais norteadores da opção migratória”.
In: Da metáfora à substância: redes sociais, redes migratórias e migração nacional e internacional em Valadares e Ipatinga.
Tese de doutorado em Demografia. Belo-Horizonte: Cedeplar/UFMG, 2002. p. 110.
6 Os Acordos de Washington selaram a aproximação entre os governos do Brasil e dos EUA, bem como a adesão brasileira
ao “esforço de guerra” dos aliados contra os países do Eixo, durante a Segunda Guerra Mundial. Cf. CAMPOS, 2006, p. 35.
7
É relevante considerar que, tanto em Governador Valadares como em outras cidades atendidas pelo SESP, muitos de seus
quadros técnicos, inclusive vindos de outras regiões, tornaram-se lideranças locais com destaque social, cultural e político,
chegando a assumir cargos legislativos e/ou executivos (SOARES, 1993; PAULA, 1983).
14
A guerra trouxe o combate ao anofelino, acabou com a leishmaniose, com o calazar,
com o ‘diabo’. Tudo através do programa do SESP de saneamento básico e também
de assistência médica, porque ele incorporou o Centro de Saúde, depois construiu
um centro de saúde modelar... Naquela época nhamos poucos médicos em
Governador Valadares, quase todos passaram a prestar serviço no SESP, dentro da
sua especialização (Citado por ESPINDOLA, 1999, p. 26).
A fim de compreender a atuação do SESP no vale do Rio Doce, propomos este
projeto. Assim, o objetivo desta dissertação é investigar a atuação do SESP e seus
procedimentos sanitários nesse período. O SESP constituiu um discurso sobre a saúde e a
doença e uma série de procedimentos institucionais de intervenção na sociedade. Qual é esse
“discurso”, como ele se constrói e como se articula com as questões da sociedade na qual
procura atuar são questões que movem esta pesquisa. O que priorizamos não é uma discussão
epistemológica da ciência, mas em que medida a ideia que se faz da doença e da saúde
envolve certos métodos de intervenção sanitária e médica. Trataremos, portanto, da atuação
médico-sanitária do SESP no vale do Rio Doce, desde sua chegada à região, no início de
1943, até o encerramento do acordo entre EUA e Brasil (1960). Desse modo, duas discussões
serão cruzadas: o contexto regional na primeira metade do século XX e o debate sobre a saúde
pública no Brasil na época.
Para contextualizar a criação do Serviço Especial de Saúde Pública, será necessário
colocar em pauta acontecimentos, interesses e acordos no plano internacional e nacional
relacionados à discussão sobre a saúde pública e encaminhamentos afins.
Para tanto, recorremos aos estudos de Hochman, Lima e Santos no caso da discussão a
respeito da interdependência social-sanitária e da constituição de uma agenda sanitária no
Brasil. Tendo como pano de fundo o contexto da Primeira República no Brasil, esses autores
analisam os aspectos simbólicos referentes à construção da identidade da nação brasileira e do
seu povo a partir do propósito do saneamento dos sertões e das áreas urbanas periféricas
(HOCHMAN, 1998; LIMA, 1999, 2003; SANTOS, 1985 e 1993; SANTOS e FARIA, 2003).
Nesse particular, na era Vargas, a implantação de políticas de saúde pública facilitadoras do
fortalecimento do Estado e da consolidação de sua presença e autoridade em todo o território
brasileiro será considerada a partir de Fonseca (2007). É possível aproximar as duas teses
confiando no diálogo simbólico/prática política como mediador de um projeto nacional de
configuração do Estado-Nação.
A caracterização do vale do Rio Doce, que acompanhará a contextualização espaço-
temporal desta investigação uma medida de como ali se articulavam questões políticas,
socioeconômicas e culturais, que afetaram a incorporação da região ao projeto de
15
desenvolvimento nacional. As fontes utilizadas para essa contextualização sócio-histórica
colocam em diálogo memórias e relatos de técnicos envolvidos com o trabalho na EFVM
(ALMEIDA, 1949), impressões de observadores locais (MIRANDA, 1949; FONSECA, s.d.;
PAULA, 1993; TEIXEIRA, 1974), lembranças de antigos moradores da cidade de
Governador Valadares (SOARES, 1983; SIMAN, 1988), relatório da Companhia Vale do Rio
Doce (1963) e estudo recomendado pela empresa a pesquisadores do IBGE na década de 1950
(STRAUCH, 1955; 1958), relatórios dos Presidentes dos estados de Minas Gerais e do
Espírito Santo para as primeiras décadas do século XX e dois estudos realizados sob os
auspícios do SESP em áreas por ele atendidas (FONTENELE, 1959; OBERG, 1956). Essas
fontes, considerados seus limites subjetivos e/ou ideológicos, mais se completaram do que
divergiram no tocante às condições naturais ou históricas da região do Rio Doce. Os discursos
presentes nas obras em questão também se combinam com os debates mais amplos que se
divulgavam acerca da constituição da identidade nacional até a década de 1930 ou com a
proposta modernizante mediada por um Estado forte, entre 1930 e 1950.
A fim de contextualizar a constituição e a organização burocrática do SESP e
apresentar as fases e as áreas de sua atuação, tomaremos como referência os trabalhos de
Campos (1999; 2000; 2001; 2006), que tem se dedicado a essa abordagem de forma inovadora
a partir da contextualização e da problematização históricas, que levam em conta a conexão
entre os campos da saúde pública, do fortalecimento do Estado brasileiro e das relações
internacionais correlatas. No caso do fortalecimento do Estado brasileiro pela
instrumentalização dos serviços de saúde, a discussão de Fonseca (2007) possibilitará fazer a
ponte entre o SESP e as estratégias de saúde pública empreendidas no governo Vargas. É
importante como fonte o aporte do relato de Bastos (1993), antigo funcionário do SESP e seu
auxiliar de superintendência, além de trechos de palestras proferidas por Mário Magalhães,
médico funcionário do Ministério da Saúde, que mantinha posição crítica à organização e às
concepções do SESP, compiladas por Silva e Morell (2005). A documentação do Fundo
FSESP
8
fornecerá material significativo para este propósito. Também serão referenciados
alguns artigos publicados na revista do SESP,
9
que ajudarão a acompanhar a concepção de
8 A documentação referente às atividades do SESP está sob a guarda da Casa de Oswaldo Cruz (COC) na FIOCRUZ (RJ),
organizada na Fundação Serviço Especial de Saúde Pública (FSESP). O período coberto pela documentação estende-se de
1942 a 1982, com concentração para as décadas de 1940, 1950 e 1960. A investigação proposta se concentrou na
documentação das duas primeiras décadas de atuação do SESP, tendo em vista que em 1960 ocorreram mudanças
significativas na organização e nos objetivos do órgão.
9 O SESP iniciou a publicação da Revista em 1947, mantendo-a até 1984 (Fundação SESP). Tornando-se intérprete das ações
do Serviço junto aos interessados no campo da saúde pública, a finalidade da publicação era divulgar os trabalhos inéditos ou
já publicados no Brasil ou fora dele. Cf. Bastos (1993, op. cit, p. 446). No primeiro número, a Revista anuncia a pretensão de
ser divulgadora de trabalhos inéditos ou já publicados no Brasil ou fora dele”, referentes às atividades do Serviço, além de
16
saúde pública implícita na ação do Serviço, bem como seus alinhamentos socioeconômicos.
Outras contribuições valiosas foram aportadas no trabalho de Siman (1988) e nas entrevistas
de um médico de Governador Valadares, cedidas pelo Núcleo de Estudos Históricos e
Territoriais da Universidade Vale do Rio Doce. A obra de José Arthur Rios (1987) sobre a
educação dos grupos também será apresentada por sua relevância na organização de
atividades do SESP na década de 1950.
Enfim, o objetivo principal foi identificar as ações do SESP no vale do Rio Doce, suas
estratégias, os resultados atingidos, as concepções que sustentavam a ação, as práticas sociais
existentes modificadas ou não, as presumíveis tensões advindas das mudanças higiênico-
sanitárias advogadas e/ou implementadas pelo Serviço. A exploração dessa temática foi
desenvolvida a partir dos relatórios do SESP sobre as atividades realizadas pelos dois
programas pioneiros — Rio Doce e Mica —, substituídos e continuados pelo Programa Minas
Gerais a partir de 1951 e de artigos sobre atividades dos programas publicados por técnicos na
Revista do Serviço Especial de Saúde Pública, nos quais se apresentam e se divulgam as
formas e os resultados da intervenção sanitária. Os trabalhos de Fontenele (1959) e Oberg
(1956) foram importantes para a discussão proposta, porque permitem perceber as tensões e a
dicotomia tradição/modernidade, ciência/saber popular, que acompanharam a introdução de
novas práticas de cura e atendimento à saúde pública, o saneamento e uma nova configuração
espacial nas localidades atendidas pelo SESP. Como fonte local foi utilizada o semanário
Voz
do Rio Doce
,
que circulou na cidade de Governador Valadares entre 1945 e 1947,
10
além de
depoimentos de antigos funcionários do SESP e moradores de Governador Valadares, por
meio de metodologia própria da História Oral.
11
Mediante o cruzamento e a combinação das
informações obtidas na documentação produzida pelo órgão ou sobre ele, bem como dos
depoimentos
12
de antigos funcionários e moradores de Governador Valadares, tentamos
intérprete da obra do SESP junto aos interessados pelos assuntos cogitados (Revista do Serviço Especial de Saúde Pública,
ano I, n. 1, Rio de Janeiro, 1947, p. 1-2).
10 O semanário Voz do Rio Doce começou a circular em 14 out. 1945, fundado pelo Padre Geraldo Guabiroba, como um
jornal católico e anticomunista, como se percebe pelos editoriais e matérias publicadas. Entretanto, no n. 29, de 5 de maio de
1945, é noticiado que o Padre Geraldo deixara a cidade. Hermírio Gomes da Silva aparece no lugar do Padre Geraldo como
diretor do semanário. Em 16 jun. 1946 (n. 35) aparece como Diretor José Cabral Pires, e são acrescentadas as figuras do
redator e do diretor-gerente, respectivamente ocupados por Justino Carlos da Conceição Jr., fundador da UDN na cidade de
Governador Valadares, e por Hermírio Gomes da Silva, filiado ao mesmo partido. O editorial traz como manchete Nova Fase
e afirma que "não mais seremos uma simples voz isolada e sim uma multidão". No n. 58, de 24 nov. 1946, houve outra
mudança com a saída de José Cabral Pires e a entrada de Justino da Conceição na função de Diretor-Redator. O editorial não
deixa mais dúvida da tendência política assumida pelo semanário Grande Concentração Democrática, referindo-se à
manifestação da UDN. O semanário era francamente pró-SESP, e qualquer crítica era respondida veementemente por seu
articulista Hermírio Gomes da Silva.
11 A história oral é aqui tomada como metodologia, de acordo com a orientação de ALBERTI, Verena. Manual de história
oral. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getulio Vargas, 2004.
12 A partir da coleta desses depoimentos, dois projetos foram articulados como subprojetos do Programa de Memória Social
do Núcleo de Estudos Históricos e Territoriais (PMS do NEHT/Univale), ambos com financiamento da FAPEMIG: o projeto
A memória social do SESP: testemunhos da saúde em Governador Valadares (1942-1960) e o projeto Territorialização e
17
responder aos objetivos da investigação proposta. Cada qual exigiu uma leitura específica em
conformidade com sua natureza e com o contexto de sua produção e divulgação, bem como
foi necessária a atenção aos seus limites.
Em nosso favor, adiantamos a importância desta discussão em vista da pouca
investigação sobre o SESP no vale do Rio Doce e justificamos a ênfase na documentação
oficial produzida pelo SESP para por em evidência a estratégia desenvolvida e
especialmente o discurso/concepção que o SESP trazia sobre a saúde e a doença. As fontes
secundárias contribuíram para contextualizar as fontes primárias e a fundamentação teórica
também se articulou com o escopo geral da discussão. Nesse sentido, esta dissertação divide-
se em três capítulos.
A elaboração do primeiro capítulo — Entre lagoas e florestas atende a necessidade
de delimitação dos marcos cronológicos e espaciais que ancoram a definição do objeto de
pesquisa. Desse modo, o desenho do contexto espaçotemporal se fará pela intersecção de duas
temáticas aparentemente desconectadas, mas que guardam mais afinidades do que poderíamos
supor à primeira vista. Inicialmente apresentaremos o território do Médio Rio Doce
considerando sua localização, um histórico sumário do povoamento e exploração, a
caracterização socioeconômica e cultural e os interesses econômicos nacionais, que marcaram
a região na primeira metade do século XX. Em seguida, discutiremos os rumos tomados pelo
debate acerca da saúde pública no Brasil, na mesma época considerada para o primeiro tema.
O título Entre lagoas e florestas relaciona-se com a apresentação do território do Médio Rio
Doce. As descrições referentes à paisagem regional costumeiramente apontam o domínio da
floresta tropical, a presença do rio com características de planície e a existência de inúmeras
lagoas (ESPINDOLA, 2005, p. 67). Essas peculiaridades definiram condições de povoamento
e de desenvolvimento socioeconômico e se relacionaram com o capítulo referente à atuação
de SESP na região, pois a presença de certas endemias e o seu combate liga-se à questão
sociocultural e a particularidades ambientais.
No segundo capítulo — O Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) em redes, ofícios
e métodos evidenciamos o contexto de sua constituição e atuação, os interesses
sociopolíticos e econômicos correlacionados, os atores, as práticas sociais que lhe são
correspondentes. Em função da necessidade metodológica de recorte espacial e temporal,
delimitamos a atuação do Serviço no território do Médio Rio Doce entre 1942 e 1960, ou seja,
memória social da saúde e do saneamento no Médio Rio Doce; o primeiro conta com um bolsista do Curso de
História/Univale. Recentemente foi aprovado pelo CNPq o terceiro projeto Território Endêmico: relações de poder e práticas
culturais no saneamento no Médio Rio Doce -1940/1960 em parceria com a COC/FIOCRUZ. A coleta de entrevistas foi
encaminhada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Univale.
18
entre a sua criação como agência autônoma e a sua incorporação à estrutura do Ministério da
Saúde, depois da extinção do convênio com os EUA.
Como anuncia Calvino (1990, p. 47), “a partir do momento em que um objeto
comparece numa descrição, podemos dizer que ele se carrega de uma força especial, torna-se
como o polo de um campo magnético, o de uma rede de correlações invisíveis”. Uma rede
consiste num conjunto de atores (pessoas, objetos ou eventos) ligados por relações específicas
e pode ser composta de atores de naturezas distintas. A forma e o conteúdo das relações entre
os atores de uma rede dependem, respectivamente, da intensidade do laço entre os atores e o
modo como se manifesta, e da natureza dos laços estabelecidos (SOARES, 2004, p. 108-109).
Pensar a constituição e a atuação do SESP, na perspectiva de redes, ultrapassa o propósito
dessa discussão e não será aprofundada, porém essa possibilidade anunciada se vale da
observação das intrincadas relações políticas, econômicas, culturais entre os diversos
atores sociais envolvidos direta ou indiretamente com o SESP.
Enfim, estabelecemos uma discussão em que a atuação do SESP foi entendida a partir
de uma rede em que se articulam questões políticas, socioeconômicas, do pensamento social e
do cotidiano da população brasileira envolvida.
Finalmente, no terceiro capítulo — A atuação do SESP no Médio Rio Doce - campo de
experimentação e vitrine tratamos da intervenção sanitária do SESP no vale do Rio Doce,
evidenciando as práticas e as metodologias utilizadas. O ponto de partida é a periodização da
atuação da agência até 1960 em duas fases distintas. A primeira, de 1942 a 1945, atendeu o
acordo de “esforço de guerra”, e a segunda, entre 1945 a 1960, por interesse do governo
brasileiro, mas ainda com o apoio de setores do governo americano. Desse modo, o SESP
passou a atuar de forma que a área definida fosse atendida, em duas frentes: prioritariamente
no combate à malária e a outras doenças que afetavam os trabalhadores envolvidos na reforma
da EFVM e, concomitantemente, o investimento num programa de saúde pública permanente
a ser organizado nas vilas e nas cidades, característica da segunda fase da presença do SESP
na região. Tais ações provocaram alterações nas práticas de saúde, costumes e valores
culturais e uma (re)organização do espaço contribuindo para a intensificação do processo de
adensamento populacional e exploração econômica da região do rio Doce, nas décadas de
1940 e 1950.
O sucesso dos empreendimentos no dio Rio Doce na primeira fase estimulou a
continuidade e a expansão do projeto no vale, e em outras regiões do País, convergindo com o
projeto de state building de Vargas e os programas desenvolvimentistas que se seguiram a ele.
O título Campo de experimentação e vitrine relaciona-se com essa perspectiva.
19
1 ENTRE LAGOAS E FLORESTAS
1.1 Apresentando o Vale do Rio Doce: os trilhos venceram as selvas
13
A Bacia Hidrográfica do Rio Doce tem 83.400 km
2
, dos quais 86% estão em Minas
Gerais, na região Leste, e os restantes 14% no Espírito Santo. Ela compreende três regiões
distintas: o Alto Rio Doce, o Médio Rio Doce e o Baixo Rio Doce.
14
Cada uma dessas regiões
apresenta características diferentes seja nos aspectos físicos (relevo, vegetação, clima,
geologia), ou no que se refere a ocupação histórica, potencialidades e misteres econômicos
(STRAUCH, 1955).
São diversas as referências à região formada pelo Médio Rio Doce, que denotam sua
importância na história de Minas Gerais. No século XVIII essa região foi mantida pelas
autoridades como obstáculo natural estratégico para impedir o tráfico do ouro e diamantes da
zona mineradora. No auge da exploração dessas riquezas prevaleceram as proibições à
passagem ou à colonização por medida da Coroa Portuguesa, tirando proveito das barreiras
naturais, da dificuldade de navegação no rio e da imensa floresta insalubre e povoada por
tribos indígenas (ESPÍNDOLA, 2005).
Com o declínio da mineração, a região passa a ser
vista como terra potencial de riquezas que poderiam devolver a prosperidade a Minas Gerais;
entretanto, aparece nos relatos e nos documentos como inferno de doenças e febres (SAINT-
HILAIRE, 1974).
A colonização da bacia pode ser dividida em três fases: a primeira, no século XVIII,
quando a área dos afluentes Suaçuí, Piracicaba, Ribeirão do Carmo e Piranga (atuais
microrregiões de Ouro Preto, Itabira, Conceição do Mato Dentro, Conselheiro Lafaiete), além
de alguns outros municípios atuais, como Antônio Dias e Peçanha, é ocupada com a
mineração do ouro. A segunda fase, no século XIX, é marcada pelo esforço oficial de
13 Na opinião do Engenheiro Celiliano Abel de Almeida os trilhos venceram as selvas” do Rio Doce, referindo-se à
construção da EFVM, iniciada em 1903 (ALMEIDA, 1959, p. 251). Ceciliano Abel de Almeida foi engenheiro da Estrada de
Ferro Vitória-Minas e trabalhou nos primórdios de sua construção. Primeiro prefeito de Vitória (ES), foi responsável por
importantes obras de infraestrutura no estado, professor de ensino secundário no Ginásio Espírito Santo e primeiro reitor da
Universidade do Espírito Santo, quando de sua fundação como instituição estadual em 1954.
14 O Alto Rio Doce compreende a nascente na Fazenda Morro Queimado, na Serra da Trapizonga, no Município de
Ressaquinha, até a foz do Rio Piracicaba, em Ipatinga (MG). O Médio Rio Doce situa-se entre o Rio Piracicaba e a foz do
Rio Manhuaçu, no município de Aimorés (MG). O Médio Rio Doce recebe os maiores afluentes: Piracicaba, Santo Antônio,
Corrente, Suaçuí Pequeno, Suaçuí Grande, Santa Helena, Caratinga, Eme e Manhuaçu. O Baixo Rio Doce compreende o
trecho do Espírito Santo, no qual deságuam os rios Guandu, Santa Joana, Pancas e São José. Cf. STRAUCH, Ney. A bacia do
rio doce: estudo geográfico. Rio de Janeiro: IBGE, 1955, p. 2-3.
20
colonização pelo Império e pelas Províncias de Minas Gerais e do Espírito Santo, que sem
progredir e apresentar resultados é abandonado pelos respectivos governos. A partir de 1854 a
questão da pacificação dos índios via aldeamentos e catequese é entregue aos religiosos
capuchinhos (MATTOS, 2004). A terceira fase caracteriza-se pela efetiva ocupação da região
do Médio Rio Doce, que se inicia com a construção da Estrada de Ferro Vitória-Minas
(EFVM) em 1903
15
e se estende até 1960, ano do último recenseamento a apresentar
indicadores positivos para o crescimento da população regional. A década de 1960 marca o
início da fase atual, na qual prevalece o declínio econômico e demográfico, além de graves
problemas ambientais e sanitários (SOARES, 2002).
A Bacia do Rio Doce teve um povoamento atípico em relação a outras bacias
hidrográficas brasileiras, pois o vale propriamente dito permaneceu despovoado, enquanto se
povoavam as zonas dos altos afluentes (COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, 1963). Em
1956, o guia para excursão programada para a Zona Metalúrgica de Minas Gerais e para o
Vale do Rio Doce, como parte do XVIII Congresso Internacional de Geografia, realizado no
Rio de Janeiro, revela que:
...as terras mais elevadas foram sendo paulatinamente ocupadas; ora a mineração ou
atividades que a ela substituíram, ora a lavoura do caou a pecuária extensiva ou
mesmo as duas atividades relacionadas, mas o vale propriamente dito,
particularmente nos seus trechos médio e inferior, permanecem até época muito
recente como misteriosa e desconhecida região de florestas (STRAUCH, 1958, p.
108).
15 A construção da EFVM avançou lentamente de 1903 a 1942. Em 1942, com a criação da Companhia Vale do Rio Doce, a
estrada foi reformada para o transporte de minério de ferro em grande escala. Projetada inicialmente para chegar a
Diamantina, a estrada passou a ligar Itabira, sede da exploração de minério de ferro da Companhia Vale do Rio Doce, ao
porto de Vitória, seguindo, na maior parte de seu percurso, o vale do Rio Doce, via natural de acesso para o oceano. O
comprimento da estrada é de 570 km. (Relatório da Companhia Vale do Rio Doce. Perspectivas do desenvolvimento
industrial da região do Rio Doce. Rio de Janeiro, RJ: Serete, 1963. 3 v.).
21
FIGURA 1 - Carta de Povoamento da Região do Rio Doce
Fonte: Companhia Vale do Rio Doce, 1963. FIG. 3.
22
A floresta tropical que cobria a região do Médio Rio Doce aparece com destaque nos
textos de cronistas e desbravadores, entre os séculos XVI e XVIII, bem como nas memórias,
nas notícias, nos relatos de viajantes naturalistas e nos documentos oficiais do século XIX e
XX. Com efeito, durante muito tempo a floresta maravilhou e amedrontou aventureiros e
colonizadores. O texto que se segue, de autoria do britânico William John Steains,
16
noticia a
imponência da impenetrável floresta tropical do Médio Rio Doce.
O grande encanto dessa região do Brasil está nas imensas florestas virgens que
cobrem, com grandiosidade sem par, quase a totalidade da área banhada pelo rio
Doce e seus numerosos afluentes. Em ambas as margens do rio, e durante a maior
parte do seu curso, essas belas florestas, abundantes em uma centena de espécies da
melhor madeira, chegam até à beira d'água, formando uma muralha quase
impenetrável da vegetação tropical mais esplendidamente natural que possa ser
imaginada. [...] Não resta dúvida de que a futura riqueza dessa região do Brasil está
na imensa reserva de valiosas madeiras que suas matas virgens contêm (STEAINS,
1984, p. 103-27).
Em 1956 (sessenta e oito anos depois) Câmara Cascudo, ao prefaciar as memórias do
engenheiro da EFVM Ceciliano Abel de Almeida, refere-se ao Rio Doce como “lugar para
explorar, locar e construir na mata margeante do Rio Doce, onde árvores contemporâneas
do Gênesis” (ALMEIDA, 1959, p. XII).
No século XIX, o naturalista Saint-Hilaire, o geólogo alemão Wilhelm Ludwig von
Eschwege e o engenheiro francês Jean Antoine Félix Dissande de Monlevade, deslumbraram-
se com a floresta (BRITO; OLIVEIRA, 1997). Ao lado da variedade da flora e da fauna, os
relatos destacam a disponibilidade de riquezas à espera de ser descobertas e exploradas.
A opulência da floresta e de suas riquezas é contrastada com os empecilhos
representados pelos índios botocudos, sempre lembrados como atemorizantes, e as terríveis
febres e enfermidades que acometiam os viajantes e povoadores recém-chegados, em busca de
riqueza ou incentivados pelo governo. Esse contraste aparece explicitamente em Diogo de
Vasconcelos:
O rio Doce era em verdade magnífico e populoso, mas intratável, assim por efeito
das febres terríveis, que assaltavam a todo e qualquer ádvena; como dos canibais,
acaso mais intolerantes, botocudos ferocíssimos, última expressão dos aimorés
(VASCONCELOS, 1974, p. 234).
16 William John Steains desde criança manifestou vivo interesse pela exploração geográfica e pelos estudos etnológicos.
Veio para o Brasil (1881) aos 18 anos, a fim de trabalhar como desenhista na construção de uma ferrovia em Alagoas. Em
1885, aos 22 anos, concebeu e realizou uma expedição ao Rio Doce. O texto foi lido em sessão da Royal Geographical
Society, de Londres, no dia 16 de janeiro de 1888 e publicado no boletim de fevereiro do mesmo ano.
23
Interessa-nos particularmente a terceira fase de ocupação da região do Rio Doce, que
pode ser dividida em duas etapas: a primeira vai do começo da construção da EFVM em 1903
até a sua encampação pela recém-criada Companhia Vale do Rio Doce e início da sua reforma
e ampliação para transporte de minério de ferro em grande escala (1942); a segunda, entre
décadas de 1940 e 1950, é marcada pelo auge da ocupação e exploração do vale propriamente
dito. Nesse período, exceto aos índios, crescem não apenas referências à floresta e às riquezas
potenciais, mas também às doenças endêmicas, particularmente a malária, tanto nos relatórios
oficiais quanto nas memórias de técnicos da ferrovia, nos estudos de especialistas, nos textos
de cronistas locais e nos depoimentos de antigos moradores.
17
Para se compreender o processo de povoamento e exploração econômica da região
formada pelo Médio Rio Doce nessa fase, é preciso esclarecer os interesses e os motivos
propulsores.
Em 1908, com o anúncio da existência de grandes reservas de hematita no quadrilátero
ferrífero de Minas Gerais durante o IX Congresso Geológico Internacional de Estocolmo,
delinearam-se os rumos que tomaria o processo de ocupação. A estrada de ferro, que em 1906
chegou à cidade de Colatina (ES)
18
e em 1907 penetrou em Minas com destino a Diamantina,
como estava projetado, teve seu destino mudado por causa das jazidas de minério de ferro na
área de Itabira (MG). Um consórcio inglês comprou as terras onde se localizavam as jazidas e
assumiu o controle da ferrovia. Em 1910 é inaugurada a estação ferroviária de Figueira, atual
Governador Valadares
19
(MG) e em 1912 ela chega até Mesquita, a 300 km de Colatina
(COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, 1963).
17 As referências podem ser encontradas em: SOARES, Ruth. Memórias de uma cidade. Governador Valadares: S/A Tribuna
Fiel, 1983. PAULA, Antônio Tavares de. História de Aimorés. Belo Horizonte: Usina de Livros, 1993. FONTENELE, L. F.
Raposo. Aymorés: análise antropológica de um programa de saúde. Rio de Janeiro, DASP: Serviço de Documentação, 1959.
TEIXEIRA, Fausto. Colatina, ontem e hoje. Obra premiada em concurso de monografias, promovido pela Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Colatina. Edição da Prefeitura Municipal de Colatina, 1974. FONSECA, Raymundo J.
Figueira do Rio Doce: notas nativas. Governador Valadares: s.n., s.d.. Fundação João Pinheiro. MIRANDA, Salm de. Rio
Doce: impressões de uma época. Biblioteca do Exército. Rio de Janeiro, 1949.
18 Colatina (ES) torna-se polo regional do Baixo Rio Doce, posição antes ocupada por Linhares (ES).
19
Em 31 de dezembro de 1937 foi criado o município de Figueira, desmembrado de Peçanha, por ato do então
governador do estado de Minas Gerais, Benedito Valadares. O decreto-lei n.º 148, de 17 de dezembro de 1938,
mudou o nome para Governador Valadares. Segundo a tradição, na cidade, a mudança do nome de Figueira para
Governador Valadares foi sugerida por políticos locais que esperavam alguma benesse do governador mineiro,
em função da homenagem.
24
FIGURA 2 - Situação Geral do Rio Doce.
A região do Médio Rio Doce está delimitada, as principais cidades e o traçado
viário estão assinalados, mostrando que a BR-4 (Rio-Bahia) cruza com a
EFVM na cidade de Governador Valadares. A ferrovia sai de Vitória (ES),
atinge o Rio Doce na altura de Colatina e segue o curso do rio a partir de então
até quando ele sofre inflexão para o Sul. Daí em diante a estrada segue o curso
do Piracicaba, buscando Itabira do Mato Dentro ou a conexão com a Estrada
de Ferro Central do Brasil, rumo a Belo Horizonte.
Fonte: Companhia Vale do Rio Doce, 1963. FIG. 1.
A construção da ferrovia favoreceu a ocupação ao abrir clareiras na floresta: ao longo
dos trilhos surgiram pequenos povoados e atividades agropastoris, além da extração da
madeira. Para o engenheiro responsável por grande parte do trajeto da linha férrea, Ceciliano
Abel de Almeida, ao modificar os meios de transporte, a ferrovia estimularia o
desenvolvimento cultural e traria o progresso para as aldeias apáticas (ALMEIDA, 1959). Em
suas memórias Almeida adianta:
25
...a ponta dos trilhos avizinha-se de Colatina. Breve, o estardalhaço das locomotivas
[...] anunciando a penetração, Rio Doce acima, nas florestas virgens paludosas.
20
Profundas alterações sofrerá a região [...] foram dominadas as matas desconhecidas.
Na área por elas ocupada, apareceram os agricultores, tiradores de madeira,
exploradores de pedras coradas, pecuaristas e negociantes (ALMEIDA, 1959, p. 6).
O engenheiro enaltece a obra realizada como meritória e promotora do desbravamento,
da colonização, do desenvolvimento cultural e da facilidade de circulação das riquezas.
Anuncia a abertura da região do Médio Rio Doce à exploração econômica, não apenas como
consequência imediata da inauguração do tráfego da EFVM, mas também pelo saneamento de
sítios como Lajão (atual Conselheiro Pena), Barra do Cuieté, Baguari, Pedra Corrida, Naque,
Cachoeira Escura, entre outros. Num rasgo ufanista defende o devassamento da floresta, o
saneamento, a abertura de fazendas, escolas e estradas, ou seja, a introdução da civilização
onde antes existiam matas paludosas, atestando assim “a inteligência, a pujança do brasileiro
que provocarão admiração e registros elogiosos, assim de brasileiros como de estrangeiros”
(ALMEIDA, 1959, p. 19).
Durante a Primeira Guerra Mundial a construção da ferrovia foi interrompida por
causa das dificuldades financeiras enfrentadas pela Companhia. Quando a construção foi
reiniciada, a EFVM seguiu lentamente: chegou a Ipatinga em 1922, a Nova Era em 1932 e a
Itabira em 1943 (COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, 1963, p.24). Isso porque “o
impaludismo atacava as turmas de trabalhadores, dizimando-as impiedosamente,
afugentando-as dos locais de trabalho, e o pior, dando uma imagem aterradora das condições
sanitárias” (ROSA, 1976, p. 157).
Na década de 1920 a política siderúrgica mineira definiu o interesse oficial em relação
à região do Rio Doce, impulsionando o povoamento e a exploração das riquezas naturais. A
combinação minério de ferro-reserva florestal foi estratégica para a definição da política
siderúrgica do governo de Minas Gerais e, ao mesmo tempo, atenderia as necessidades da
economia brasileira.
21
A opção mineira abriu para o capital estrangeiro as ricas reservas de
minério, se aproximando das tendências internacionais de divisão do trabalho, pela qual
20 O paludismo ou malária é uma doença parasitária potencialmente mortal transmitida por mosquitos. Pensava-se
antigamente que a doença provinha de terrenos pantanosos fétidos, donde o nome 'mala aria' (mau ar). Em 1880, cientistas
descobriram a verdadeira causa do paludismo — um parasita unicelular denominado plasmódio. Mais tarde descobriram que
tal parasita é transmitido de uma pessoa a outra através da picadela do mosquito fêmea do gênero Anopheles, que necessita de
sangue para os seus ovos.” Cf. Roll Back Malaria - 2001-2010 - Década das Nações Unidas para Fazer Recuar o Paludismo.
Disponível em <http://www.rbm.who.int/cmc_upload/0/000/015/372/infosheet1_p.pdf>. Acesso em 28 abr. 2007.
21 A definição dessa política demandou décadas de debates e controvérsias sobre o papel do Estado e do capital privado e
sobre tecnologias mais adequadas, revelando diferentes interesses e concepções republicanas. Cf. BRITO, F. R. A.,
OLIVEIRA, A. M. H. C. A ocupação do território e a devastação da Mata Atlântica. In: Paula, J. A. (Coord.). Biodiversidade,
população e economia: uma região de mata atlântica. Belo Horizonte: UFMG/CEDEPLAR; ECMVC; PADCT/CIAMB,
1997.
26
Minas Gerais e o Brasil se colocavam como produtores e fornecedores de matérias-primas e
importadores de produtos acabados. Entretanto, os mineiros também buscaram caminhos
próprios, incentivando a instalação de companhias siderúrgicas e bricas de ferro-gusa que
utilizassem o carvão vegetal.
Segundo Strauch (1958), a estrada de ferro favoreceu a penetração nas terras do vale
propriamente dito e abriu um novo tempo para o Médio Rio Doce. Essa opinião é confirmada
pelo testemunho de Raimundo Fonseca, que cresceu na vila de Figueira: “Deveu-se, pois, à
construção primitiva da ferrovia, a eclosão do núcleo populacional da Figueira, como de resto,
àquela se creditavam a sua colonização em massa e o progresso do vale” (FONSECA, s.d., p.
39).
22
Ao ser inaugurada a estação da EFVM, a localidade hospedeira aumentava sua área de
influência, tornava-se entreposto comercial, atraía atividades econômicas diversas e via sua
população aumentar rapidamente. Na parte capixaba destacam-se Colatina (município criado
em 1921) e Baixo Guandu (antigo distrito de Colatina, emancipado em 1935); ao penetrar em
Minas Gerais, a primeira estação inaugurada foi a de Aimorés (elevada à categoria de cidade
em 1925). À medida que a construção avançava, de 1906 a 1910, iam sendo inauguradas as
estações de Resplendor, Conselheiro Pena (Estação de Lajão) e Figueira, municípios
emancipados em 1938. Nessas localidades, a chegada da indústria madeireira, atraída pela
estrada de ferro, deu impulso à fixação humana, na medida em que abriu estradas próximas
para o escoamento das toras de madeira.
Destoando do ufanismo de Ceciliano Abel de Almeida e Raimundo Fonseca, as
memórias do General Salm de Miranda, publicadas em 1949, esboçam outro cenário para o
Baixo Rio Doce e o Médio Rio Doce. E em tom de denúncia ao capitalismo nacional e
internacional, ele expõe sua crítica à forma de colonização empreendida:
duas atividades foram ali planejadas: primeiro a estrada de ferro Vitória-Minas;
depois a extração do minério. Nenhuma delas beneficiou ainda a terra, ou o homem
da bacia; e, para elas, está certo, porque no seu planejamento o houve mesmo a
cogitação da terra ou do homem da bacia (MIRANDA, 1949, p. 32).
22 Na década de 1930, Raymundo Fonseca foi funcionário do Banco Comércio e Indústria de Minas Gerais na Vila de
Figueira, onde começou a carreira como contínuo em 1931; no ano seguinte foi transferido para Aimorés.
27
O autor segue criticando a ausência do poder público, o abandono da população, a
terra sem lei, os privilégios para poucos, o devassamento indiscriminado da floresta, o
despojamento da região de suas riquezas naturais (MIRANDA, 1949).
23
Assim, foram divergentes as posições políticas e ideológicas que acompanharam a
ocupação do vale do Rio Doce e as expectativas quanto ao papel da EFVM. Poderíamos
associar essas posições ao debate acerca da identidade nacional que se desenrolava nos
centros urbanizados, que a incorporação e o saneamento de regiões do interior do Brasil
interessavam a um determinado projeto de construção nacional. A incorporação da região do
Rio Doce, via estrada de ferro, atenderia a esse movimento e corresponderia a interesses
políticos e econômicos de particulares e dos governos de Minas Gerais e do Espírito Santo,
especialmente, os interesses do Estado brasileiro, estivessem articulados entre si ou não.
Outra discussão pode ser empreendida ao considerarmos os contextos particulares
relacionados à terceira fase de povoamento e exploração econômica da região do Rio Doce.
Na década de 1930 essa região se abre como fronteira agrícola subsidiária ao processo de
industrialização e urbanização do Brasil, que demandava por produção de alimentos a preços
baixos e matéria-prima: minérios e madeira. Para essa condição de fronteira concorrem três
fatores: a política siderúrgica do governo de Minas Gerais
24
(mais de trinta altos-fornos
construídos até meados da década de 1950 (RACHE, s/d), utilizando carvão vegetal, com
destaque para a Companhia Belgo-Mineira, 1936; Acesita, 1948); a decisão do Governo
Federal de incrementar a exploração do minério de ferro de Itabira para exportação e a
abertura da rodovia Rio-Bahia (1943/1944). O relatório da Companhia Vale do Rio Doce, de
1963, confirma:
Estes três fatores explicam o aparecimento ou incremento de novas atividades
econômicas na região: exploração de minerais não metálicos (mica e pedras coradas)
na zona de Governador Valadares; a indústria madeireira, desenvolvendo-se a partir
das derrubadas para a produção de carvão vegetal e descentralizando-se com o
afastamento das matas; o aparecimento e incremento da pecuária de corte nas zonas
desflorestadas; o reflorestamento das zonas mais antigas que se puderam beneficiar
de melhores vias de comunicação com os mercados do Rio e São Paulo
(COMPANHIA VALE DO RIO DOCE. 1963, p. 59).
23 Salm de Miranda foi efetivo do exército brasileiro e parece ter prestado serviços no Vale do rio Doce a considerar sua
epígrafe (“os monólogos e diálogos foram ouvidos e anotados no tempo e no local; os versos e os termos regionais foram
colhidos na região”).
24 A siderurgia a carvão vegetal é uma atividade muito importante para a economia mineira e brasileira, gerando um
faturamento anual da ordem de US$ 4 bilhões. A história do carvão vegetal no Brasil teve início em meados do século XIX,
no leste de Minas Gerais, quando as primeiras sementes da Revolução Industrial influenciaram o surgimento da indústria
siderúrgica naquela região. Nela encontravam-se dois ingredientes fundamentais para o desenvolvimento da tecnologia de
produção de ferro-gusa a carvão vegetal: a presença da Mata Atlântica e de grandes jazidas de minério de ferro. Cf.
GUERRA, Cláudio. Mata Atlântica e carvão vegetal.
Disponível em http://www.crest.org/discussion/bioenergia-espanol/200001/msg00018.html.
Acesso em: 30 abril 2007.
28
As novas atividades econômicas potencializaram o desenvolvimento urbano-regional,
com destaque para Governador Valadares, João Monlevade e Itabira em Minas Gerais e
Colatina no Espírito Santo.
25
Nas décadas de 1930 e 1940, ao longo do Médio Rio Doce, não
foram incomuns os fenômenos de crescimento acelerado da população, o aparecimento
repentino de núcleos urbanos, a ocupação de terras devolutas e a instabilidade social
características das zonas de fronteira agrícola. Eliza Borges (2004) afirma:
...a partir da década de 1930 e sobretudo da de 40, o casamento entre latifúndio e
indústria (siderurgia) garantiria aos proprietários rurais uma sobeja vantagem no
conflito com os posseiros da região. Não por acaso, os antigos da região costumam
dizer que os indivíduos que a febre amarela não exterminou, a terra fértil e valiosa
abrigou, desde que os interesses dos coronéis locais e de seus grileiros fossem
respeitados. Até os anos 40, aproximadamente, a região do Vale do Rio Doce
produziu café, cana-de-açúcar, fumo e algodão, além de plantar mandioca, batata,
arroz, milho e feijão, oriundos quase sempre da economia de subsistência a cargo
dos posseiros locais. Daí em diante, a região foi se tornando uma das principais áreas
da pecuária bovina de corte, além de sediar a instalação de empresas de capital
nacional e estrangeiro como as siderúrgicas Belgo-Mineira, Acesita, Companhia
Vale do Rio Doce e outras destinadas à extração e à exploração da mica e do berilo
(BORGES, 2004, p. 307).
O aumento populacional das cidades mencionadas e de outras, em parte foi
substanciado pela expulsão de milhares de agricultores e posseiros para que suas terras
dessem lugar à criação de gado bovino. Entretanto, o êxodo rural se intensificou com a busca
de trabalho nas cidades e com as oportunidades de salários, em atividades como serrarias,
oficinas artesanais diversas, indústria, comércio, beneficiamento de mica e pedras coradas,
exploração mineral nos arredores, entre outros.
26
1.2 Um panorama sanitário: primeiras impressões
As condições sanitárias do Médio Rio Doce, que acompanharam o surgimento e o
crescimento dos vilarejos e das cidades estão presentes no relato deixado por Ceciliano Abel
de Almeida, referente às primeiras décadas do século XX, relacionadas à construção da
EFVM. Também encontramos menção nos cronistas locais e no estudo elaborado por Ney
25 As zonas de povoamento mais antigo como Ponte Nova e Guanhães, não sendo atendidas pela EFVM nem pela Rio-Bahia
e não dispondo de riquezas minerais economicamente exploráveis, não progrediram ou tenderam a um processo de regressão.
Cf. Companhia Vale do Rio Doce, 1963.
26 Em Governador Valadares, na década de 1950, os salários médios e os preços das mercadorias não se diferenciavam dos
que ocorriam nas grandes cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Cf. STRAUCH, Ney. Zona
Metalúrgica... Op. ct. p. 120-121.
29
Strauch em 1955, sob encomenda da Companhia Vale do Rio Doce, que apresenta avaliação
referente às décadas de 1940 e 1950.
O relato deixado pelo engenheiro Ceciliano Abel de Almeida, ressalvada a
subjetividade das informações, é rico em descrições sobre a região alcançada pela ferrovia.
Recorremos às suas impressões para delinear circunstâncias marcantes relacionadas a
aspectos sociais e sanitários dessa fase de ocupação do dio Rio Doce. Ele revela a peleja
para execução da obra sob sua responsabilidade, destacando entre as dificuldades enfrentadas
a insalubridade do ambiente e a presença da malária que atingia os trabalhadores.
Muitas referências o feitas sobre a enfermidade, pois é um dos motivos de pedidos
de contas e retirada de trabalhadores ‘atormentados pelo padecimento’. Para atenuar a
situação, recorria-se ao dico da ferrovia, que aconselhava vinte e cinco centigramas de
sulfato de quinina, pela manhã, e aumentasse a dose fosse necessário; que se almoçasse antes
de encetar o serviço; e, finalmente, que se usasse mosquiteiro” (ALMEIDA, 1959, p. 237).
27
A advertência do médico nem sempre era observada, e “dia a dia se multiplicavam os
acessos de sezões que avassalam aqueles infelizes da turma renovada” (ALMEIDA, 1959, p.
236-237). Muitos trabalhadores não tomavam o quinina, e quando questionados desculpavam-
se com saídas engenhosas como a de um deles que admitia escondê-lo debaixo da língua e
atirar fora, para longe “por mode eu o ficar surdo”, e outro que dizia que, por sentir muito
calor, “tirava o mosquiteiro e deixava as muruçocas picarem meus pés”. Muitos admitiam a
transmissão pelo mosquito somente em atenção ao doutor e outras explicações eram dadas
pelos trabalhadores para explicar a causa da infecção: o banho no rio, a água do brejo ou da
lagoa, a fruta silvestre comida sem estar sazonada” (ALMEIDA, 1959, p. 236-237).
Como medida saneadora e para combater a multiplicação dos casos de infecção, eram
feitas constantes derrubadas e queimadas como consta na justificativa da diretoria da
Companhia Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM) para a Assembleia Geral Ordinária de 12
de setembro de 1908. Diz o presidente da companhia, Dr. Teixeira Soares:
27 Cf. Recomendação citada pelo engenheiro é do clínico da estrada Dr. João dos Santos Neves.
30
O elemento que constitue (sic) a principal riqueza da zona onde se desenvolviam os
trabalhos, isto é, a extensa matta (sic) virgem que a cobre transformou-se em
obstaculo (sic) grave a permanência dos operários em efecctivo (sic) serviço.
A camada enorme de húmus, que garante uma fertilidade quasi (sic) que inexgotável
(sic) as margens do rio Doce (sic), encerra o gérmen de febres de máo (sic) caracter,
(sic) que desaparecem quando se vão descortinando os terrenos por meio das
derribadas em larga escala. [...] as derribadas que têm sido feitas para passagem da
estrada e o descortinamento gradual dos terrenos estão produzindo seus benéficos
effeitos (sic) sobre as condições sanitárias (Relatório da Diretoria da EFVM apud.
ROSA, 1976, p. 119-120).
Aqui observamos a permanência de uma concepção telúrica
28
da origem das doenças,
com a afirmação de que o terreno “encerra o germe de febres de mau caráter”. A derrubada da
mata era uma medida saneadora que produziria o efeito higienizador.
29
Como dito
anteriormente, nas primeiras fases da ocupação do Médio Rio Doce, o paludismo funcionou
como obstáculo ao povoamento e à exploração. Afastar a doença se transforma em luta contra
a floresta.
Sobre os trabalhadores e os habitantes dos povoados alcançados, as impressões do
engenheiro merecem destaque, pois ele faz distinção entre os brasileiros e os descendentes de
europeus italianos e alemães, apresentados como mais saudáveis e ativos do que os nacionais.
Os colonos italianos ou ítalo-brasileiros são apresentados “com saúde, corados e sorridentes”,
suas casas “bem edificadas, e cobertas com madeira” (ALMEIDA, 1959).
30
Os nacionais o descritos como esforçados trabalhadores, porém sem rudimentos de
alguma cultura letrada ou especializada. Seus costumes alimentares e de moradia guardam a
rusticidade dos ermos: as casas são de taipa, ‘moradia de gente simples’ (‘mocambos,
choupanas, cabanas’) e sem condições higiênicas por descuido ou desconhecimento, a dieta
28 De acordo com a 'doutrina telúrica', as doenças eram produzidas por emanações malignas provenientes do solo. A terra era
a produtora do mal, da doença.
29 “Campanhas contra endemias rurais, e contra a malária em particular, são elementos constitutivos da saúde pública no
Brasil. Desde o início do século XX, inúmeras ações que incluíam investigação, tratamento e profilaxia do impaludismo
foram executadas pelo governo federal e por alguns estados da federação. Uma tradição de pesquisa sobre a malária e demais
endemias se constituiu no eixo Rio-São Paulo, em especial no IOC, a partir dos trabalhos de cientistas como Carlos Chagas,
Adolfo Lutz e Arthur Neiva. Entre meados da década de 1910 e meados da de 1920, no rastro do movimento político pelo
saneamento rural, a malária juntamente com a ancilostomíase e a doença de Chagas adquiriram status de "trindade maldita",
entrave à civilização, ou dos principais males que tornavam o Brasil, nas palavras do médico e professor Miguel Pereira em
1916, "um imenso hospital". Cf. HOCHMAN, Gilberto; MELLO, Maria Teresa Bandeira de; SANTOS, Paulo Roberto Elian
dos. A malária em foto: imagens de campanhas e ações no Brasil da primeira metade do século XX. Rio de Janeiro, 2008.
Hist. ciec. saude-Manguinhos, Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702002000400011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 12
dez. 2007.
30 No século XIX, os estrangeiros’ chegaram à serra capixaba por incentivo do governo brasileiro à imigração e ocuparam
terras agricultáveis desenvolvendo cultivos de subsistência e investindo na lavoura de café. No final do século penetram no
Rio Doce, iniciando por Colatina. Cf: WAGEMANN, Ernst. A colonização alemã no Espírito Santo. [Do original alemão Die
deutschen kolonisten im brasilianischen staate Espírito Santo, Verlag von Duncker & Humblot Munchen und Leipzig,
1915. Tradução de Reginaldo Sant'Ana publicada em Separata dos nºs 68-70 do Boletim Geográfico, IBGE, correspondentes
aos meses de novembro e dezembro de 1948 e janeiro de 1949, Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do IBGE, 1949.] E Cf.
STRAUCH, Ney. A Bacia do Rio Doce. Estudo Geográfico. Rio de Janeiro: IBGE, 1955.
31
alimentar é à base de feijão, arroz e mandioca; preservam-se práticas de cura populares
guardadas pelo conhecimento tradicional: benzeduras, uso de emplastos, chás de ervas,
31
recorrendo a farmacêuticos e médicos (quando existiam) nos casos em que a solução caseira
não trazia resultados satisfatórios.
32
Carentes de tudo, os povoados eram poucos e espalhados desordenadamente na
imensidão da mata e a beira-rio. O serviço médico da ferrovia atendia os trabalhadores
acometidos pelas febres e outras enfermidades e a população a ele recorria quando da sua
passagem itinerante pelas localidades em que se levantavam os acampamentos (ALMEIDA,
1959).
Sobre a presença de serviços dicos e farmacêuticos na região, nas três primeiras
décadas do século XX, as informações do engenheiro são reafirmadas por outros textos de
expressão local. Com base neles é possível traçar um perfil sanitário adverso: a ocorrência de
enfermidades variadas atingia a população dos povoados e das cidades mais prósperas:
“verminose de toda espécie, tuberculose, febre tifóide, sarampo, leishmaniose; [...] o
saneamento era o maior problema” (PAULA, 1993, p. 558); da saúde em geral tratavam os
farmacêuticos práticos que se fixavam na região promissora, em vista da ferrovia; dentistas,
também práticos, e médicos formados chegavam aos poucos e as dificuldades de assistência
em relação à medicina científica eram grandes.
33
No início da década de 1930 a presença de médicos na cidade de Colatina, beneficiada
pela cafeicultura e pela ferrovia, se destacava em comparação à vila de Figueira, no centro do
Médio Rio Doce, pois contava com nove médicos contra um único consultório na segunda.
Entretanto nenhuma das duas localidades possuía hospital (ROQUE, 1933, apud TEIXEIRA,
1974, p. 68). Em Aimorés foi inaugurado o primeiro hospital no ano de 1936 (PAULA, 1993),
mas as práticas populares de cura que se valiam de ervas medicinais e/ou elementos
sobrenaturais permaneceram dominantes (FONTENELE, 1959).
O estudo encomendado
34
em 1951 pela Companhia Vale do Rio Doce sob orientação
do ggrafo Ney Strauch e publicado em 1955 pelo serviço gráfico do Instituto Brasileiro de
31 Para Câmara Cascudo (1971, p. 81) “os vegetais dominam a esperança do povo que sofre” ao se referir à Botânica
Supersticiosa no Brasil, no livro Tradição: ciência do povo, cujo título remete ao conhecimento popular ‘tradicionalmente’
acumulado.
32 Os nacionais o migrantes internos, dedicados também à lavoura de subsistência e exploração de mata: extração de
madeiras para lenha e comércio, caça canoagem e trabalho assalariado nas fazendas recém-abertas ou na construção da
estrada de ferro. Cf. ALMEIDA, 1959.
33 Isso está presente em diversas páginas dos autores SOARES, 1983, p. 7, 13 e 35; PAULA, 1993, p. 540, 728, 837, 898 e
963; FONSECA, s.d., p. 65, 244, 247 e 301.
34 Conforme o geógrafo na ‘Apresentação preliminar’ de seu trabalho, “o objetivo visado foi o de proporcionar um
reconhecimento geográfico amplo, de caráter informativo, e que refletisse o estado atual dos conhecimentos sobre aquela
extensa área do país” (STRAUCH, 1955, p. IX).
32
Geografia e Estatística (IBGE) apresenta, entre outros assuntos, a caracterização da população
do Vale do Rio Doce, cujos dados consideramos importantes para nosso trabalho.
35
A questão
sanitária não é mencionada diretamente, porém os dados levantados podem se relacionar a ela.
Strauch afirma que o habitante da Bacia do Rio Doce é um homem rural possuindo
características próprias do meio em que vive”, fato comprovado por dados estatísticos que
indicam, em meados da década de 1950, 76,3% da população vivendo em áreas rurais. Sob o
ponto de vista étnico, aponta a predominância dos elementos brancos e mestiços, a escassez
do elemento indígena, e a população negra ou descendente encontrava-se mais generalizada
nas antigas áreas de mineração e Alto Rio Doce. Ainda anota acentuada influência nordestina
nas imediações de Governador Valadares. O pesquisador avalia que aproximadamente dois
terços desses habitantes se dedicavam à atividade agrícola, todavia apenas uma insignificante
minoria tinha posse legal da terra, onde predominavam lavradores posseiros, meeiros e
assalariados. Segundo a análise do geógrafo, do ponto de vista cultural e social, “trata-se, na
grande maioria, de uma população analfabeta, excluindo-se naturalmente as elites rurais e os
habitantes das classes mais favorecidas nas grandes cidades” (STRAUCH, 1955, p. 70).
Esse estudo/relatório faz um levantamento das condições da alimentação da
população, especialmente dos habitantes da zona rural e relaciona os problemas existentes a
fatores de ordem econômica e cultural. Strauch enfatiza na dieta básica composta por feijão,
arroz e milho, a ausência de vários elementos necessários ao “perfeito funcionamento do
organismo”, tais como a carne e ‘elementos protetores’ (leite, ovos, legumes e verduras).
Apresentando algumas pequenas diferenças entre as áreas pertencentes à Bacia, o estudo
conclui que quase toda a população possui dieta deficitária em vitaminas e em proteína
animal. O baixo rendimento agropecuário em algumas zonas explicaria essa situação; porém,
de acordo com o perfil regional levantado, além do meio, aspectos econômicos (muitos
agricultores se privam de certos produtos para negociá-los por preços compensadores) e
aspectos culturais (“falta de discernimento das populações para escolher seus alimentos”)
acentuam a carência. O pouco consumo de leite, verduras, legumes e frutas se explica porque
o colono considera humilhante consumir leite
36
e porque não compreende as vantagens de
consumir verduras, legumes e frutas. Por exemplo, os excedentes das safras de bananas não
35 O estudo apresenta especialmente uma análise sobre as condições econômicas da bacia do Rio Doce.
36 O autor o explica o preconceito em relação ao leite, nem a origem dessa rejeição. Florestan Fernandes (1979, p. 130-
131) sugere, sobre situação semelhante apresentada por Júlio Paternostro, em Viagem ao Tocantins (1945, p. 221) que “o
motivo deve ser outro, pois a análise de situações similares prova que a utilização do leite como alimento está subordinada à
existência de um complexo cultural. É preciso dispensar um tratamento especial ao gado, estabulá-lo, manter pastagens etc. e
ter também os conhecimentos relativos à preparação dos produtos derivados (manteiga, queijo etc.) e conhecer sua
utilização”. Por sua vez Josué de Castro (2004, p. 250) defende que o pouco consumo de leite na área Centro-Oeste relaciona-
se ao fato de que ali ele é um produto de comércio, e não de subsistência.
33
exportadas (às vezes 50%) são utilizados para alimentação dos porcos (STRAUCH, 1955).
Finalmente, a conclusão do estudo é enfática:
O homem do campo precisa aprender a comer. [...] Uma campanha educativa deverá
ser feita no sentido de destruir no homem rural o preconceito contra o uso do leite e
das verduras, assim como acostumá-lo a consumir frutas com mais frequência.
Talvez que assim o índice de mortalidade fosse menos alarmante, além de dar ao
homem melhores condições de vida (STRAUCH, 1955, p. 76).
Essas considerações de Strauch aproximam-se da discussão proposta por Jos de
Castro (2004) sobre a “geografia da fome” no Brasil, cuja primeira edição, em 1946, causou
repercussão. Na célebre obra, Castro apresenta o quadro desolador sobre as condições de
alimentação do povo brasileiro, em geral de precária qualidade nutritiva, com “padrões
dietéticos mais ou menos incompletos e desarmônicos” nas diferentes regiões do País.
Segundo ele, no Brasil se identificavam pelo menos cinco áreas alimentares diferentes, cada
uma com diferentes recursos e uma dieta habitual baseada em alguns produtos regionais e,
refletindo sobre ela, os valores e os costumes socioculturais de suas populações. Das cinco
áreas distinguidas, três são consideradas áreas de fome, ou seja, “em que pelo menos a metade
da população apresenta nítidas manifestações carenciais no seu estado de nutrição” (Área
Amazônica, da Mata e do Sertão Nordestino), e as outras duas (Centro-Oeste e Extremo Sul)
são áreas de subnutrição, onde as deficiências alimentares, embora graves, não atingem a
maioria da coletividade (CASTRO, 2004, p. 34-37). Pela divisão territorial proposta por
Castro, o vale do Rio Doce, como boa parte do estado de Minas Gerais, inclui-se na Área
Centro-Oeste, portanto apresenta quadro alimentar de subnutrição.
Na Região Centro-Oeste, o milho é o produto básico da dieta alimentar, e a produção
de café, arroz, feijão e cana-de-açúcar é complementar. A criação de gado bovino também
tem destaque, entretanto o consumo do leite não se associa ao do milho, como no Nordeste do
País, mas ao feijão e à gordura de porco, fartamente usada, compondo um cardápio altamente
calórico e de baixo valor nutritivo (CASTRO, 2004, p. 250). Os levantamentos de Strauch, de
certa forma, corroboram as referências de Castro, especialmente quanto aos hábitos
alimentares e as influências socioculturais que pesam sobre eles.
Embora não seja avaliada explicitamente pelo estudo regional, a questão sanitária
aparece evidenciada. Na conclusão sobre os aportes econômicos advindos da presença da
EFVM, recém-reformada para atender a exportação de minérios, essa questão aparece
resolvida:
34
Fator importante, coroando os incalculáveis benefícios prodigalizados pelo vale do
rio Doce no setor da economia, foi o saneamento da região, empreendido pelo
Serviço Especial de Saúde Pública - SESP, a cargo de uma comissão mista de
sanitaristas brasileiros e norte-americanos, com a extinção da malária e outras
endemias, instalação de água potável, esgotos, assistência médica e distribuição de
medicamentos às populações da vasta zona do vale do rio Doce (STRAUCH, 1955,
p. 188).
Ao contrário do que a informação sugere, longe de resolução, o problema sanitário
ainda se constituía à época do estudo (1951) um entrave à ocupação de certas áreas da bacia,
como o vale do Rio Suaçuí, não atingido diretamente pela EFVM nem atendido pelo SESP,
onde a falta de saneamento e os altos índices de malária, esquistossomose e amebiana eram
dominantes (STRAUCH, 1955, p. 39). O relatório da Companhia Vale do Rio Doce de 1963
reconhece que o rápido crescimento das cidades não foi acompanhado pela oferta de serviços
públicos aos particulares nem para as indústrias, prevalecendo “enormes atrasos em relação às
necessidades atuais” (COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, 1963, p. 12). Na verdade, o
processo de crescimento das cidades era muito mais acelerado do que as políticas públicas
podiam dar conta.
Os cronistas locais citados também indicam para essas décadas a existência de uma
gama de problemas relacionados às condições de atendimento à saúde e à urbanização
desordenada: em geral, os povoados, as vilas e as cidades não possuíam tratamento de água e
esgoto satisfatório ou eram incipientes; as ruas não eram calçadas e a poeira ou a lama na
época das chuvas eram transtornos para os moradores e para o comércio; a falta de estradas
radiais dificultava a comunicação e isolava as zonas periféricas; a gente pobre se ressentia da
falta de condições de acesso a medicamentos e assistência e contava somente com a caridade
de particulares ou de obras religiosas, pois os serviços médicos e farmacêuticos eram poucos
ou particulares e caros; a incidência de endemias era constante (SOARES, 1983; PAULA,
1993).
Em Governador Valadares, é reconhecida a atuação humanitária de uma antiga
moradora, dona de pensão para viajantes e trabalhadores na obra da ferrovia, cuja casa se
transformou em abrigo para doentes pobres que o tinham como se tratar. Essa senhora,
Dona Zulmira Pereira da Silva, com recursos próprios e doações de terceiros, além de cuidar
dos doentes, comprava-lhes medicamentos, alimentava-os e até providenciava os
sepultamentos dos que não resistiam às enfermidades
37
(COSTA, 1997(?)). Em decorrência
37 A casa de dona Zulmira ficou conhecida como “casa dos pobres” desde o final da década de 1930 até meados de 1960,
quando dona Zulmira manteve-a aberta; sua ação de caridade mereceu muitas homenagens, inclusive uma reportagem na
Revista O Cruzeiro, em 9 de dezembro de 1961. Cf. COSTA, Edmar Campelo. Epopéia de pioneiros: a história de
Governador Valadares. Belo Horizonte: JM, [1977?]. p. 104-105.
35
das histórias contadas por antigos moradores ou seus descendentes, é fato conhecido na
cidade a compra de água de carroceiros que a buscavam diretamente no rio Doce e a vendiam
em cartolas.
38
Até mesmo as condições dos cemitérios eram precárias. Um fato curioso e ao
mesmo tempo impactante é relatado por um morador da cidade em relação aos indigentes
falecidos:
tinha o cemitério Santo Antônio. Eles eram enterrados como no tempo da guerra.
O caixão era conduzido por uma carrocinha, que era própria para isso. O caixão
era pregado na carroça, não saía dali. Os carregadores eram Alípio e o Agostinho
perna de pau. Tinha dia que eles iam duas, três vezes no cemitério. Quando chegava
lá, iam encostando e jogavam o corpo dentro e voltavam com o caixão pra trás.
(Esmeraldo, pedreiro, 68 anos, citado por SIMAN, 1988, p. 97).
Esse fato é confirmado por Ladislau Sales, médico e ex-prefeito de Governador
Valadares, que conta que uma das suas primeiras medidas foi acabar com esse serviço lúgubre
— “o-vai-e-volta”.
39
1.3 O panorama sanitário: ampliando os horizontes de visibilidade regional
A fim de situar a atuação do SESP no Médio Rio Doce nas décadas de 1940 e 1950,
vale considerar que o estado sanitário desse território não se diferenciava da situação sanitária
nacional e dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, especialmente considerando as
localidades do interior. Como apresentado, no Médio Rio Doce a condição médico-sanitária
demandava atenção: epidemias, ausência de serviços médicos, quadro lastimável de
saneamento, dieta alimentar deficitária, população sem recursos para adequados suprimentos
médicos e farmacêuticos, entre outras dificuldades.
Tal desalento torna-se ainda mais instigante se tomarmos os relatórios dos
governadores dos estados
40
de Minas Gerais
41
e Espírito Santo
42
para as primeiras décadas do
século XX: o panorama sanitário é oficialmente avaliado como satisfatório em quase todo o
38 Era esse nome que os moradores davam aos tonéis de ferro em que se carregava ou estocava a água comprada.
39 O médico Ladislau Sales chegou à cidade em 1940 e foi prefeito entre 1957-1959. Entrevista com Ladislau Sales (2001),
concedida ao Prof. Haruf Salmen Espindola. Cedida pelo Núcleo de Estudos Históricos e Territoriais - NEHT/Univale.
40
O site consultado (de universidade americana) utiliza equivocadamente a terminologia Província para designar os estados
brasileiros. Entretanto, essa denominação já havia sido alterada pela Constituição Brasileira de 1891, que transformou as
antigas províncias em estados. Mantivemos, entretanto, a nominação do site, nas notas seguintes, em que os Relatórios são
citados.
41 Relatórios da Província de Minas Gerais, 1900 a 1930. Disponível em: <http://www.crl.edu/content/brazil/mina.htm>.
Acesso em: 12 abr. 2008.
42 Relatórios da província do Espírito Santo, 1900 a 1930. Disponível em: <http://www.crl.edu/content/brazil/esp.htm>.
Acesso em: 12 abr. 2008.
36
período compreendido entre os anos 1910 e 1930; o identificados alguns momentos de
intranquilidade, como o ano de 1918, quando se alastra a gripe espanhola nos dois estados.
No Espírito Santo o reaparecimento da febre amarela na capital e do paludismo no
interior foi apresentado como anormalidade no estado sanitário para o ano de 1917.
43
O
relatório de 1922 destaca efeitos positivos no combate a verminoses com a continuidade da
cooperação com a Fundação Rockefeller.
44
Percebe-se o anúncio de abertura de Postos de
Higiene e Profilaxia Rural a partir de 1919, coincidindo com a determinação federal para
instituição dessa medida. As referências à capital, Vitória, são muito mais frequentes do que
ao interior, contemplando-se as regiões de maior densidade populacional ou dinamismo
econômico; nesse caso a área capixaba do vale do Rio Doce merece poucas menções,
excetuando a cidade de Colatina, centro irradiador de atividade comercial e de produção
agrícola. Entretanto, tais referências indicam a presença de doenças como varíola (alastrim),
tuberculose, verminoses em geral com o “ankilostomiase em caráter mais ou menos
generalizado”, malária (paludismo), refletindo um quadro sanitário diferente daquele
pretensamente considerado satisfatório em muitas ocasiões pelos relatórios oficiais.
O vale do Rio Doce é mencionado no relatório capixaba de 1922, no item “Serviços
Policiaes”, em situação que certamente se refletirá, um pouco mais tarde, na questão sanitária:
O prurido de progresso que vae (sic) por todo o Estado, as construções de estradas de
ferro e de rodagem, a penetração da colonisação (sic) nas mattas (sic) do Rio Doce, o
estado lisonjeiro da lavoura, a febre de actividade (sic) nos municípios, tudo isso tem
contribuído para attrahir (sic) habitantes de outros estados, resultando, dahi, um
considerável augmento (sic) de população... (Relatório da Província do Espírito
Santo, 1922, p. 22-23).
Em relação a Minas Gerais a situação não é diferente: as referências oficiais a saúde
pública, saneamento, assistência hospitalar, assistência a alienados, distinguem em sua maior
parte a capital Belo Horizonte e cidades e regiões mais em evidência, por motivos
econômicos, políticos ou históricos, a exemplo de Juiz de Fora, Barbacena, S. João d’El-Rey,
ou Zona da Mata Mineira e Sul de Minas. São indicados problemas sanitários, de
abastecimento de água, de endemias, especialmente verminoses variadas, em diversas
localidades do interior do estado. No entanto, é possível perceber que medidas mais efetivas
para atendimento dessas necessidades não vêm a contento. O estado se ressente de falta de
recursos humanos e materiais para tal empreendimento.
43 Idem.
44 O convênio entre a Fundação Rockfeller e o estado do Espírito Santo foi assinado em 1921, conforme Relatório da
Província de 1921. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u165/000016.html>. Acesso em: 12 abr. 2008.
37
A avaliação alvissareira do órgão público é posta em questão em 1918, quando
Belisário Penna traça um perfil de abandono, pobreza e doença para o estado de Minas Gerais,
comparando-o com o estado do Rio Grande do Sul, considerado um exemplo a ser seguido. O
título
45
da obra é sugestivo de seu teor: Minas e Rio Grande do Sul - estado da doença e
estado da saúde, coincidindo com os índices desfavoráveis apresentados sobre Minas Gerais,
identificado pelo autor como “território rico e saudável, povo doente e pobre” (PENNA, 1918,
p. 5-11),
...população degenerada de papudos, de cretinos, de aleijados, victimas (sic) do
‘barbeiro’, ou de cacheticos (sic) e estafados, victimas (sic) do impaludismo e da
ankilostomiase (sic), não sendo raro encontrarem-se os cordões de moradas de
leprosos; se encontram legiões de doentes e de incapazes, vegetando
miseravelmente sem nada produzir [...] depositários inconscientes de germens
destruidores a serem transmitidos pelos barbeiros aos forasteiros não contaminados...
(PENNA, 1918, p. 5-10).
Sem apontar nomes e de forma bastante sutil, o relatório provincial de 1918 rebate as
críticas feitas pelo médico sanitarista, considerando exagerada a afirmação de que o estado
seria um ‘vasto hospital’ ou um ‘enfermo condenado’. Reconhece a existência de endemias de
sério caráter em certas zonas, mas afirma que os cuidados de higiene e de engenharia sanitária
haveriam de extinguir a ancilostomíase e seus efeitos na população rural, por meio de
medidas, como a organização do Código Sanitário Rural, e de um plano completo de
profilaxia em acordo com a Fundação Rockefeller (Relatório 1918, p. 37).
Também em Minas Gerais, a partir da publicação do decreto federal (1919), que
reorganizava o serviço de profilaxia rural, um movimento do governo mineiro em acordo
com a União, para a execução de medidas atinentes ao combate das endemias que assolavam
o seu território. Entretanto, não foi todo o estado que pôde contar com essas medidas. O
relatório de 1922 deixa claro que, no desenvolvimento de seu programa de saneamento rural,
Minas Gerais adotou como regra a fundação de postos e subpostos em várias regiões afastadas
e de índice endêmico elevado, de maior densidade populacional e riqueza econômica
(Relatório de 1922). No ano de 1927 havia cinco municípios atendidos por esses postos, mas
nenhum no Médio Rio Doce (Relatório de 1927); em 1928, 15 municípios tinham
instalados postos municipais de higiene (Relatório 1928), mas o Médio Rio Doce ainda não
havia sido contemplado; finalmente em 1930 a Vila de Figueira do Rio Doce aparece na lista
de localidades em que os postos de higiene estavam instalados. Nas proximidades,
45 PENA, Belisário. Minas e Rio Grande do Sul: estado da doença e estado de saúde. Revista dos Tribunais. Rio de Janeiro;
1918.
38
considerando as vias de acesso atuais que favorecem o contato, as cidades de Caratinga (ao
sul de Governador Valadares) e Teófilo Otoni (ao norte) eram atendidas por postos desde
algum tempo, e na última cidade em 1928 já funcionava um centro de saúde.
O Médio Rio Doce, na sua parte mineira, poucas vezes recebe menção nos relatórios, a
não ser por algumas referências pontuais a algumas cidades que pedem o socorro do Estado
por situações de calamidade sanitária, como Peçanha e Aimorés. Em 1920 essas cidades
solicitaram a intervenção da Diretoria de Higiene por causa de epidemias, especialmente o
paludismo (Relatório de 1920). O relatório de 1925 defendia que medidas profiláticas para o
caso da malária fossem reforçadas nos vales dos rios Doce e Jequitinhonha, que, assolados
“pelo mal, não têm podido fixar o colono” (Relatório de 1925, p. 171); porém, não há
indicativos de medidas mais eficazes. O vale do Rio Doce também não aparece no estudo de
Belisário Pena. Na década de 1920, o vale do Rio Doce não representava área de importância
administrava e/ou econômica para o estado de Minas Gerais. O vale do rio Doce ainda era
zona de floresta a desbravar.
Merece atenção o silêncio oficial sobre o vale do Rio Doce nos relatórios presidenciais
de Minas: de um lado, o relator reclama que maiores informações não foram enviadas pelos
representantes locais que também não solicitaram a presença do Estado; de outro, o grave
quadro nosológico descrito por particulares e cronistas locais e evidenciado en passant pelos
relatórios, demonstra que investimentos na região não eram prioritários oficialmente. Além
disso, a região não se enquadrava nos critérios mencionados no relatório de 1922 para o
recebimento dos serviços de saneamento rural: índice endêmico elevado, maior densidade
populacional e riqueza econômica. Entretanto, a não ser pelo segundo item, o vale do Rio
Doce se conformava com aquelas exigências.
Com efeito, o vale do Rio Doce se tornará referenciado pelos documentos e pelas
intervenções assistenciais dos governos estadual e/ou federal por volta de 1940, sob influência
da necessidade política e econômica, conforme discutido anteriormente, ou seja, quando se
reconhece o potencial de riqueza/desenvolvimento do lugar. Intervenções infraestruturais e
sanitárias de vulto somente se estabelecerão a partir de meados da década de 1930,
especialmente nas décadas de 1940 e 1950.
É significativo o discurso proferido em Belo Horizonte pelo Ministro da Fazenda, Dr.
Artur de Souza Costa, em 04 de junho de 1942, quando anunciava a encampação da EFVM
pelo governo federal, bem como a aprovação dos estatutos da recém-criada Companhia do
Vale do Rio Doce. Embora longa, a citação de trechos do discurso se justifica pelo zelo com
que trata o vale do Rio Doce, anteriormente pouco evidenciado:
39
O caminho do Rio Doce que o Brasil vê surgir apresenta-se como uma era nova para
a Humanidade [...]. Não será apenas o ferro de Itabira que descerá o Vale do Rio
Doce, mas todo o resultado dessa civilização que se formou no coração do Brasil e
que cristaliza o trabalho dos fluminenses, a iniciativa arrojada dos paulistas, a sábia
sedimentação da tradicional vida mineira. [...]
Ao vale do Rio Doce, que ora se abre à exportação, o ter todos os caminhos do
Brasil Central para o Oceano Atlântico. [...]
A estrada de rodagem que liga Belo Horizonte ao triângulo, obra gigantesca que
corta o planalto em mais de seiscentos quilômetros. A estrada de rodagem que liga a
Teófilo Otoni o Município de Governador Valadares, criado pela evolução milagrosa
de quatro anos do antigo logarejo de Figueira, são as grandes artérias que levam ao
vale do Rio Doce os frutos da vossa inteligência e do vosso trabalho. Duzentos
quilômetros em matas virgens penetram em regiões desconhecidas e unem o Brasil
ao Brasil, integrando nosso território na comunhão dos grandes centros. [...]
O Vale do Rio Doce não representa apenas o caminho do minério, nem tão pouco
somente o do ferro. Ele se afirma como um importante fenômeno histórico e a nossa
geração teve a ventura de ligar a ele a sua vida (Discurso proferido em Belo
Horizonte pelo Ministro da Fazenda, Dr. Artur de Souza Costa, em 04 de junho de
1942; apud PIMENTA, 1981, p. 98-99).
De fato, tornou-se grande a expectativa criada pelos inéditos investimentos
governamentais na região, que ensejaram também a mudança do nome da cidade de
Presidente Vargas, anteriormente São José da Lagoa, para Nova Era conforme relato de
Dermeval Pimenta, segundo Diretor da Companhia Vale do Rio Doce (1946-1951). Para ele o
governador do estado vislumbrara uma ‘nova erapara o desenvolvimento do Vale do Rio
Doce, portanto para Minas Gerais (PIMENTA, 1981).
Essas considerações são importantes para se compreender como e por que o vale do
Rio Doce ganha visibilidade nas também novas conjunturas mineira e nacional.
Concomitantemente a instalação do SESP em localidades do Médio Rio Doce e sua
consolidação perpassam por essas questões levantadas. Essa abordagem também será
importante para contextualizar as descrições e as concepções sobre o Médio Rio Doce,
presentes na documentação produzida pela agência bilateral.
Embora guardasse riquezas virtuais, esse território foi de tardio povoamento e recebeu
pouca atenção do poder público nas três primeiras décadas do século XX; todavia, a demanda
pelas riquezas e as possibilidades produtivas ali identificadas aceleraram sistematicamente o
processo de sua exploração.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a economia regional é impulsionada pelas
dificuldades de abastecimento interno e a demanda dos países aliados. Cresce a produção de
carvão para a siderurgia de o e derivados para compensar as dificuldades de importação.
Amplia-se e passa a representar um mercado lucrativo a exploração de um minério bastante
40
utilizado na indústria elétrica e eletrônica em países desenvolvidos, a mica
46
ou malacacheta;
principalmente, era preciso reformar a ferrovia para transportar o minério de ferro explorado
pela recém-criada Companhia Vale do Rio Doce.
O interesse dos Estados Unidos se fez presente diretamente na região, motivado pela
presença destes dois minérios estratégicos. Em 1943, para executar o saneamento do Vale do
Rio Doce e resolver os problemas das endemias, o trabalho do SESP, criado um ano antes,
para atuar nas regiões Norte e Nordeste, foi estendido à região. Naquele ano, tiveram início o
Programa do Rio Doce e o Programa da Mica, atendendo áreas do dio e do Baixo Rio
Doce, respectivamente nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
As descrições sobre a área de trabalho, sua população e as possibilidades de
desenvolvimento apresentadas nos relatórios de atividades e em artigos da Revista do SESP
não deixam dúvidas quanto à sua proximidade com o discurso que então se articulava sobre o
interior do Brasil e sua população; ademais, faziam eco às concepções em voga, de que
situações como pobreza, ignorância, apatia, superstição e abandono pelo poder público,
explicavam as mazelas que dominavam o interior brasileiro. A expressão “apatia, ignorância e
superstição contribuem para o aumento das doenças”, e comentários semelhantes são
recorrentes nos relatórios apresentados pelos técnicos à Superintendência da agência.
47
A descrição das cidades, dos vilarejos e dos acampamentos dos trabalhadores da
EFVM traça um quadro de carências variadas: em geral não havia serviço de tratamento de
água e de escoamento de esgotos; se existiam, eram precários. Além disso, as construções de
casas e comércios não suportariam uma inspeção rigorosa. Ruas sem calçamento traziam
percalços tanto no tempo da seca (poeira) quanto no tempo das águas (lama). Faltavam
estradas para comunicação eficiente entre centros urbanos e áreas rurais. A proteção à saúde
pública era deficitária, e a maior parte da população não tinha recursos para assistência
particular, que também era difícil. Somando-se a essa infraestrutura, as dificuldades
acentuavam-se por causa da ocorrência de verminoses e da presença da malária, endêmica em
várias localidades da região.
48
Apesar da situação calamitosa apresentada, os relatórios são unânimes em apresentar a
região como promissora, o que também é acentuado em artigos publicados na Revista do
SESP:
46 Mica ou malacacheta é a designação comum dos minerais do grupo dos silicatos de alumínio e de metais alcalinos aos
quais frequentemente se associam magnésio e ferro.
47 Pode-se encontrar, por exemplo, nos documentos: Fundo FSESP/ Divisão de Engenharia Sanitária, caixa 33, documentos
33/36/37; e Caixa 34, documento 43/Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz.
48 Cf os documentos: FSESP, Cx 21, doc. 29 e 30 e Cx 24, doc. 54 e 60 (Série Assistência Médico-Sanitária); Cx 30, doc.
12, 13 e 17; Cx 39, doc. 82; e Cx 48, doc. 40, 41 e 42 (Série Engenharia Sanitária).
41
A região é imensamente rica em florestas e minerais, incluindo-se um dos maiores
depósitos de minério de ferro e mica do mundo, mas sua exploração tem sido
retardada por falta de estradas de ferro e rodagem, meios precários de comunicação,
e ausência de higiene e saneamento que o problemas característicos do interior.
[...] O aproveitamento e desenvolvimento do vale do rio Doce vem sendo muito
considerado como grande auxílio potencial à economia do país (BOVÉE, 1947, p.
469-470).
49
A descrição da população local nos relatórios de atividades e nos artigos da Revista
não se estende em aprofundamentos. Entretanto, dois estudos realizados sob os auspícios do
SESP permitem compreender aspectos apenas sugeridos naqueles. O primeiro, realizado pelo
sociólogo Luis Fernando Raposo Fontenelle
50
(1959), resulta de “pesquisa antropológica
empreendida em setembro de 1955 e janeiro de 1956, na sede do município de Aimorés,
estado de Minas Gerais”,
51
com a finalidade de verificar o emprego da Medicina popular pela
população local, as concepções acerca da saúde e da doença e a relação entre a Unidade
Sanitária,
52
mantida pelo SESP, e a população. O segundo trabalho,
53
feito por Kalervo Oberg
(1956),
54
sobre o distrito de Chonin de Cima, pertencente ao município de Governador
Valadares, assim como Fontenelle, faz uma radiografia do distrito de Chonin e avalia um
programa de desenvolvimento de comunidade realizado pelo SESP naquele distrito.
Vale ressaltar que os dois trabalhos integram os chamados ‘estudos de comunidade’,
especialmente realizados nas décadas de 1940 e 1950, e de acordo com Julio Cezar Melatti
(1983) “fundamentados na observação direta de pequenas cidades ou vilas com as técnicas
desenvolvidas pela Etnologia no estudo das sociedades tribais”.
55
A orientação geral desses
49 Clifton Bovée foi engenheiro do SESP, responsável por atividades relacionadas a projetos de abastecimento e tratamento
de água em cidades do Médio Rio Doce.
50 O sociólogo, vinculado ao SESP entre as décadas de 1950 e 1960, foi diretor do Instituto de Antropologia da Universidade
Federal do Ceará (1965), prestou serviços no Museu Nacional (1968), integrou-se ao quadro docente da Universidade do
Ceará (1970), onde se aposentou em 1991; de 1980 a 1987 esteve formalmente à disposição do MEC, lotado na Secretaria de
Assuntos Culturais do Rio de Janeiro.
51 FONTENELLE, L. F. Raposo. Aimorés - Análise Antropológica de um Programa de Saúde. DASP: Serviço de
Documentação, 1959.
52 A Unidade de Saúde fora aberta, logo que o SESP iniciou os trabalhos na região; no ano de 1944, com a reforma do
Hospital São José. Cf FSESP, Cx 24, doc. 55 (Operação do Centro de Saúde de Aimorés, MG. Projeto; RD-LCE-4).
53 OBERG, Kalervo. Chonin de Cima - A Rural Community in Minas Gerais, Brazil. Rio de Janeiro: USOM, 1956.
54 Kalervo Oberg ensinou na Escola Livre de Sociologia e Ciências Políticas de São Paulo, fazendo parte do grupo de
trabalho de Donald Pierson. Em 1946, juntou-se a este grupo como professor visitante, enviado pelo Smithsonian Institution,
oferecendo aulas, na Divio de Estudos Pós-Graduados sobre “Sistemas Econômicos de Povos o letrados” e Seminário
sobre “Problemas de Trabalho de Campo em Antropologia Social” (Cf. PIERSON, Donald. Algumas atividades no Brasil em
prol da Antropologia e outras ciências. In: CORRÊA, Mariza. (Org.). História da antropologia no Brasil (1930-1960).
Testemunhos: Donald Pierson e Emilio Willems, Campinas/São Paulo: Ed. Unicamp/Vértice, 1987.
55 Além dos trabalhos de L.F.R. Fontenelle e Kalervo Oberg, são citados pelo autor outros estudos, como por exemplo: “o de
Emílio Willems sobre Cunha (Uma vila brasileira, 2. ed., São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1961); o de Oracy Nogueira,
com o tema Família e comunidade, estudo sociológico de Itapetininga (Rio de Janeiro, CBPE, 1962), uma cidade do interior
de São Paulo; o de Antonio Candido (Os parceiros do Rio Bonito, 2. ed., São Paulo; Duas Cidades, 1971); o de Donald
Pierson, também sobre uma vila no interior de São Paulo, e um dos primeiros a ser realizados, com finalidade de treinamento
de estudantes (Cruz das Almas, Rio de Janeiro, José Olympio, 1966); o de Marvin Harris sobre uma comunidade na antiga
região de mineração da Bahia; o de Alfonso Trujillo Ferrari sobre Potengi: encruzilhada do Vale do São Francisco (São
42
estudos previa a obtenção de informações sobre a origem e o desenvolvimento de cada
localidade, sua base ecológica,
56
sua sociedade e sua cultura.
57
Os dois pesquisadores, tanto
quanto possível, esmiuçaram a organização socioeconômica e cultural das comunidades que
estudaram. A metodologia utilizada coincide com a orientação de Donald Pierson, que, entre
outros pontos, sugere que o estudo ‘da vida em comum de qualquer povo’ deve levar em
conta a ecologia e as raízes do passado; as características da população local, a alimentação e
os hábitos alimentares; a habitação e o mobiliário; o vestuário, a higiene e outros hábitos
corporais; as doenças e seu tratamento; a divisão do trabalho e os meios de sustento; as
posições e atitudes sociais, os rituais, cerimônias, e crenças; o comportamento político e o
comportamento coletivo; o ciclo vital do indivíduo, desde seu nascimento e infância, seu
trabalho para ganhar a vida, sua mobilidade social, seu namoro, casamento e paternidade, sua
morte, funeral e luto (PIERSON, 1987, p. 87 apud CORRÊA, 1987).
Em Aimorés - análise antropológica de um programa de saúde Fontenelle traça o
perfil ecológico, econômico e social da cidade e se detém conforme seu objetivo em estudar a
questão da saúde, das doenças e seu tratamento. A sucinta apresentação ecológica da cidade
trata de sua localização na zona de fronteira entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo
e suas características geográficas em geral. Apresenta um breve histórico da ocupação e da
utilização das terras, que seguem o padrão comum do vale do Rio Doce: exploração da
madeira, agricultura itinerante, esgotamento dos solos, introdução e incremento da pecuária;
tanto a atividade agrícola como a pecuária com caráter exploratório, determinando
modalidades diversas de relações entre proprietários e trabalhadores, como trabalho
assalariado (comum na pecuária) e meação (comum na agricultura). A sede do município,
parada obrigatória dos trens da EFVM, cresceu e expandiu-se; um sem-número de
comerciantes e especuladores somou-se aos fazendeiros e criadores residentes, abriram-se
oportunidades para diversos ramos de atividades urbanas menos ou mais especializadas;
definiu-se a posição social dos habitantes em função da economia e dos recursos financeiros
Paulo, Ed. Sociologia e Política, 1960); o de Charles Wagley sobre Uma comunidade amazônica (Coleção Brasiliana, v. 290,
2. ed., São Paulo, Nacional, 1977)”. Cf: MELATTI, Júlio Cezar. A antropologia no Brasil: um roteiro. Disponível em:
http://www.unb.br/ics/dan/Serie38empdf.pdf.Acesso em 10 jun. 2007. Publicado no Boletim Informativo e Bibliográfico de
Ciências Sociais (BIB), n. 17, p. 1-92, Rio de Janeiro, ANPOCS, 1984. Republicado em O que se deve ler em ciências sociais
no Brasil, v. 3, p. 123-211, São Paulo: Cortez e ANPOCS, 1990.
56 Os estudos ecológicos de comunidade em questão relacionam-se com o conceito divulgado, à época, por Donald Pierson e
seus discípulos na Escola Livre de Sociologia e Ciências Políticas de São Paulo, a exemplo, Pierson (1970, p. 12): “A
ecologia humana, porém, estuda as relações que existem, não diretamente entre o meio físico e o homem, seja a influência
deste sobre aquele, ou daquele sobre este, e sim as relações entre os próprios homens, na medida em que estas relações são
por sua vez influenciadas pelo habitat”.
57 Verificamos que o mesmo modelo de pesquisa e apresentação, além de características comuns relacionadas às
comunidades estudadas, está presente nas obras citadas, entre as quais duas relacionadas a comunidades no vale do Rio São
Francisco, no estado de Minas Gerais: de Donald Pierson, O homem do vale do São Francisco (1972); de Alfonso Trujillo
Ferrari: Potengi: encruzilhada do vale do São Francisco (1960).
43
individuais, e era possível reconhecer nos extremos a classe dominante (representada pelos
fazendeiros, proprietários de imóveis, negociantes, funcionários públicos graduados) e a
classe pobre (trabalhadores braçais, empregados sem qualificação, biscateiros); entre as duas
situam-se funcionários públicos de menor status, pequenos comerciantes e trabalhadores
especializados, constituindo um arremedo de classe média, se aproximando ora de um
extremo ora de outro (FONTENELLE, 1959, p. 13-17).
Fontenelle investe a maior parte de seu estudo sobre Aimorés (MG) em levantar o
emprego da medicina popular pela população local, constatando diferentes entendimentos,
condutas e procedimentos entre os segmentos daquela sociedade, entretanto aproximados pela
reação idêntica ao aparecimento da doença: o que interessa na população é parar a dor”
(FONTENELLE, 1959, p. 17).
Segundo o autor, as atitudes e os bitos sanitários das camadas econômica e
socialmente superiores eram semelhantes aos modelos dos grandes centros urbanos. Concorria
para essa situação o acesso às informações divulgadas pelos meios de comunicação ao alcance
de seus recursos financeiros (rádio, imprensa, cinema) e a instrução dos jovens, que abria seus
horizontes para o mundo “que se estende para além de Aimorés”, aos poucos distanciando-os
do patrimônio cultural tradicional transmitido pelas gerações mais velhas. Entretanto, apesar
da divulgação de um conjunto de conhecimentos modernos, que facilitavam a criação de uma
mentalidade inclinada à acolhida de ideias renovadoras ou de mudança, observava-se entre os
mais velhos desse segmento social a permanência de vestígios do uso da medicina popular
para a cura de certos males ou o seu uso complementar às prescrições médicas. Nesses casos,
os chás eram reconhecidos como remédios para doenças que se imaginavam sem gravidade
(resfriado, gripe, infecção de garganta, tosse, dor de barriga, verminose), e os ingredientes de
sua preparação estavam ao alcance do usuário na horta ou na vizinhança. Também
permaneciam certos tabus alimentares e de comportamento como a classificação
58
de certos
alimentos e o cuidado com a ingestão de ‘misturas’.
59
Outros traços de distinção desse grupo
social referem-se à busca por médicos em caso de doenças na família (especialmente médicos
particulares, a fim de evitar as filas de espera entre os pobres e indigentes na unidade sanitária
local) e as melhores condições das residências e da higiene. Enfim, caracteriza a atitude desse
segmento social frente à saúde e à doença o abandono dos preceitos de teor mágico, e a lenta
mas progressiva renúncia aos valores medicinais dos chás e a certos tabus alimentares,
58 A classificação dos alimentos como quentes e frios, fortes e reimosos, definiriam a qualidade e a propriedade dos
alimentos e da comida e os seus efeitos sobre o corpo. Conforme Minayo (1998, p. 367) essa classificação relaciona-se à
representação popular sobre “causação natural da doença”.
59 Algumas misturas eram consideradas fatais, por exemplo, manga com leite, ovo com laranja, leite com abacaxi.
44
mediados por um processo de contato cultural em que novos elementos e conceitos vão sendo
incorporados, num movimento de deliberada aceitação do moderno e do progresso que vem
dos grandes centros urbanos (FONTENELLE, 1959).
De outro modo, a caracterização das atitudes e dos hábitos sanitários da população
pobre diverge da anterior em muitos e importantes quesitos. A começar pela condição
higiênica e sanitária das moradias, que se situavam nos limites da cidade, na vizinhança do rio
ou nas encostas dos morros, alguns já ocupados. O tipo de material utilizado e a construção
das casas desse grupo relacionavam-se com a sua parca condição financeira e indicavam mais
pobreza do que simplicidade: eram comuns as casas de barro socado entre a armação de
bambu, embora existissem muitas casas de alvenaria de reduzido tamanho, variando entre um
ou dois quartos e cozinha, às vezes uma sala e pequeno quintal onde estava a fossa sanitária.
O excesso de trabalho para a subsistência era comum, e as possibilidades de acesso à
informação, fontes de notícias e divulgação de conhecimentos eram raras: limitavam-se à
transmissão verbal de acordo com as concepções e as interpretações locais, o que diminuía as
chances de um movimento de mudança cultural e aceitação de novas ideias, à semelhança do
que acontecia entre a gente ‘rica’. Ao que parece predominava um processo de adoção de
conhecimentos dispersos, pois a população apresentava-se heterogênea e com grande
mobilidade, apesar de amoldar-se a um fundo cultural comum. Mesmo a escolarização das
crianças era limitada, pois a maioria não dispunha do tempo e da condição econômica
necessária para alcançar um grau de educação mais elevado do que as primeiras séries do
ginásio.
60
No caso da concepção sobre a saúde e a doença destacavam-se os conhecimentos e
os usos da medicina popular, que independente de variações e particularidades regionais,
guardava um núcleo permanente e conhecido por todos, especialmente quanto à sua
constituição por elementos sobrenaturais e naturais (FONTENELLE, 1995, p. 22-25).
60 Corresponde atualmente às séries intermediárias (5ªe 6ª) do Ensino Fundamental.
45
À proporção que se desce na escala social, torna-se mais intenso o emprego da
Medicina popular. Nas chamadas classes pobres, a consulta ao médico é menos
frequente, pequena mesmo em relação ao número de habitantes. Usam-se, em grande
escala, os ‘chás’, as ‘simpatias’, a consulta aos ‘tratadores’, e existe considerável
massa de formas essencialmente mágicas, ignoradas, ou pelo menos definidas como
‘superstição’ pela ‘gente rica’ (FONTENELLE, 1959, p. 22).
O estudo feito por Fontenelle sobre a medicina popular em Aimorés mostra a
existência de um conjunto de ideias e conceitos sobre saúde e doença, que gravitam em torno
de princípios constitutivos comuns: o sangue é tido como elemento vital que se contaminado
motiva diversas enfermidades; a doença é encarada por suas manifestações evidentes; a
expectativa de cura em breve tempo é acentuada; faz-se vinculação das doenças a hábitos
alimentares e atitudes comportamentais; aceita-se a feitiçaria como fator de persistência de
feridas ou enfermidades; a crença na motivação sobrenatural para certos males é respeitada; a
crença nas benzeções e nas fórmulas mágicas para cura de doenças “que não são pra
médico”.
61
A centralidade desses princípios não impedia modos distintos de intervenção ou
busca pela cura, embora com a mesma finalidade: existia uma variedade de chás receitados
para os mesmos achaques, e benzeções diferentes, conforme o ‘rezador’ ou curandeiro, para o
mesmo incômodo, seja “mau olhado”,
62
“izipra”
63
ou outros (FONTENELLE, 1959).
De acordo com o autor, o sentido da vida e os valores e as crenças das pessoas da
classe mais pobre aproximam-se daqueles presentes no mundo rural, e prevalece o sistema
antigo de crenças, trabalho e sociabilidades. Nesse sentido, o estudo realizado por Kalervo
Oberg (1956) em Chonin de Cima, distrito na zona rural de Governador Valadares é
revelador. O trabalho
64
segue a orientação distinguida anteriormente e faz uma radiografia da
comunidade, privilegiando aspectos ecológicos, origem e formação da comunidade,
características agrárias e das relações de trabalho existentes; detém-se na descrição do
cotidiano dos habitantes e apresenta o projeto de organização de comunidade desenvolvido
pelo SESP. Diferentemente do trabalho de Fontenelle, o de Kalervo Oberg detalha aspectos
ecológicos, demográficos, socioeconômicos e culturais que considera significativos para a
descrição da comunidade em estudo. Embora sua discussão acerca do projeto desenvolvido
pelo SESP seja mais sucinta e breve, oferece subsídios importantes para compreensão dos
61 Essa expressão resume a concepção de que existem doenças motivadas por causas naturais e doenças de cunho
sobrenatural, ou seja, aquelas que os médicos não podem curar.
62 O mau olhado ou quebrante’ seria doença causada pela inveja ou ódio de alguém dotado de ‘olhos maus’, que atinge
amigos ou inimigos.
63 Seria doença de pele, caracterizada por vermelhidão e coceira, acompanhadas às vezes de prurido.
64 O estudo de Kalervo Oberg foi publicado em inglês, e não há versão traduzida para o português. A obra não foi
encontrada em bibliotecas brasileiras, mas foi obtida na Biblioteca do Senado dos EUA, via COMUT pela Biblioteca da
Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE). A tradução livre é de minha responsabilidade.
46
encaminhamentos locais no que diz respeito ao andamento e à conclusão do projeto, e será
retomada mais à frente.
Chonin de Cima é descrita por Oberg como uma comunidade rural com limites
definidos, com uma organização social própria, com história e tradição cultural particular.
65
Em 1895, não existia. Em 1952, tinha concluído um ciclo do crescimento e experimentava
uma etapa da estagnação.
66
A comunidade, compunha-se de duas partes: (a) a área das
fazendas
67
e (b) a vila,
68
que servia de centro religioso, educacional, comercial e recreativo.
Em 1952, a população era de 1.995 habitantes, 635 na vila e 1360 na área circundante. A
posição social desses moradores é dada em função da natureza de seus rendimentos,
relacionada com a propriedade ou não da terra. Desse modo, tanto na vila quanto na área das
fazendas a condição da moradia e especialmente da alimentação, além do acesso à educação
escolar e a equipamentos facilitadores do trabalho e de produção acompanham a condição
econômica. No geral, a população é marcada pela existência de um grupo rico”, que é
minoria e branco, e por um grupo “pobre” composto em sua maior parte por mulatos; o
número de analfabetos acompanha a distribuição da renda (OBERG, 1956).
O estudo de Oberg apresenta riqueza de detalhes sobre a estrutura legal e funcional da
propriedade agrária local e das relações de trabalho marcadas por lealdades,
69
e sobre os
processos de constituição e características demográficas da comunidade. Descreve o cotidiano
da vida rural, como o costume de se dar nome aos animais de criação; a dieta básica e a
maneira de se cozinhar os alimentos; os utensílios domésticos, os equipamentos de trabalho e
seu uso; o fabrico da farinha, do queijo, da rapadura, da cachaça; o tipo e o material de
construção das moradias e seu mobiliário; as festas religiosas, as diversas sociabilidades; as
atividades domésticas desempenhadas pelas mulheres, a educação das crianças; e
especialmente o ciclo da vida dos indivíduos pertencentes àquela comunidade, desde os
preparativos para o nascimento da criança, os cuidados familiares em geral, o cerimonial do
65 O sentido de comunidade trabalhado por Oberg está de acordo com a concepção apresentada por José Arthur Rios (1987,
p. 53-73), que ressalta que seu estudo deve levar em consideração certos elementos, tais como: “1)um grupo humano vivendo
em 2)área geográfica contígua, 3) caracterizado por uma trama de relações e contatos íntimos, 4) possuindo a mesma tradição
e os mesmos interesses, mais 5) a consciência da participação em ideias e valores comuns” (p. 59). O estudo sobre Chonin foi
citado por Rios como um dos que foram realizados pelos discípulos de Donald Pierson (Op. cit, p. 64).
66 A região passou pelo mesmo processo de exploração das terras, comum no vale do rio Doce, apresentado por Fontenelle
no caso de Aimorés.
67 Na área das fazendas contavam-se os proprietários de terras (entre grandes e pequenos; 27, 88%); os parentes dos
proprietários (9,90%); os meeiros (45,80%), que cultivavam em terços ou metades; trabalhadores de fazenda (16, 33%) como
vaqueiros e plantadores de café. Cf levantamento do autor (Op. cit. p. 6).
68 Na vila 50,40% dos moradores eram assalariados, 14,40% pequenos comerciantes, 12% eram artesãos, 8,8% proprietários
de terra que ali viviam, 8,00% eram dependentes destes anteriores 2,40% caixeiros, 2,40 % outros profissionais 1,60 %,
prostitutas 2,40 %. Cf levantamento do autor (Op. cit., p. 6).
69 O autor refere-se ao fato de patrões/fazendeiros se tornarem compadres de seus agregados pelo batismo dos filhos destes
últimos ou pelo apadrinhamento de casamentos, o que aproxima e cria vínculos e gratidão dos apadrinhados em relação a
seus padrinhos. Também se refere à desconfiança em relação aos estranhos, até que esses se tornem (re)conhecidos (p. 9).
47
casamento e do funeral, marcados pelos ritos do catolicismo, orientação religiosa
predominante na comunidade.
Entretanto, para o fugir à temática em relevo nesta dissertação, evidenciam-se os
aspectos sanitários levantados pelo pesquisador. Conforme sua observação, as condições de
higiene e saúde eram inadequadas e deficitárias.
O levantamento dietético revela que o padrão alimentício era condicionado pela
situação econômica: a dieta dos mais abastados era mais rica em valores calóricos do que a
dos ‘pobres’; o trabalhador da roça comia um pouco melhor que o trabalhador da vila, porém
a deficiência alimentar era um dos motivos de dentes estragados, fraqueza muscular, falta de
energia e apatia, especialmente entre a população da vila (OBERG, 1956).
A descrição das moradias destaca sua rusticidade tanto na vila quanto na área rural,
exceto as casas dos fazendeiros, que apresentavam melhores condições. O chão de barro
batido e as paredes de adobe eram os traços comuns das construções. Nas casas da vila
70
não
havia fornecimento de água tratada (76,2% das casas da vila utilizavam cacimbas, 10,6%
poço com bomba, 12,04% buscavam água no ribeirão, 0,8% utilizavam a água de minas); não
existiam privadas em 90% das casas, e os moradores usavam os matos das imediações para
suas necessidades de excreção; somente uma casa apresentava um bom quintal, e 96% não
tinham horta nem jardim.
Na zona rural a situação não se diferenciava: 94% das 236 casas não possuíam
privadas; para o banho, oito casas tinham chuveiro, moradores de 162 casas usavam bacias,
moradores de 57 casas usavam cochos,
71
moradores de 32 casas usavam o rio; moradores de
52 casas banhavam-se em poços, e seis casas tinham tanques cuja água jorrava de uma bica.
Para água de beber, moradores de 227 casas ou 96 % usavam a água natural, moradores de
oito casas usavam filtro, e os ocupantes de uma casa ferviam a sua água de consumo.
A descrição de Oberg (1956) sobre aspectos da higiene pessoal e sanitária da
população da comunidade de Chonin apresenta indicativos de precariedade socioeconômica
e/ou de caráter cultural. Destacam-se em sua apreciação, entre outros, detalhes comuns aos
habitantes da vila e da área das fazendas: o hábito de andar descalço (o uso de calçados
relacionava-se a ocasiões especiais, especialmente religiosas); o banho de bacia; o uso
limitado de sabonete, produto caro para as possibilidades locais; a raridade das escovas de
dentes e o uso de talos moles de certas plantas para escovação; a utilização de um pente
70 Levantamento feito pelo SESP entre 29 de março e 11 de abril de 1951. Cf OBERG (1956 p. 37-38).
71 Espécie de vasilha ou caixa, em geral feita com um tronco de madeira escavada, para a água ou a comida do gado, para se
lavar mandioca, etc.
48
comum por homens e crianças (as mulheres geralmente tinham o seu); o costume de lavar as
roupas
72
no rio ou poços e o uso do ferro de brasa
73
para passá-las. A falta de privadas nas
casas é enfatizada. Antes da chegada do SESP, algumas poucas moradias as possuíam na área
externa, mas a maioria da população na vila e a área de fazendas usavam os matos próximos
para depósito das necessidades fisiológicas. As fezes eram deixadas descobertas, e logo eram
dispersas por galinhas, porcos e es. A maior parte das pessoas usava sabugos de milho ou
sua casca ou folhas de arbustos como função higiênica. Os jornais velhos era outro recurso
valioso. Os meninos urinavam em qualquer lugar, os homens escolhiam um lugar discreto. As
mulheres e as meninas retiram-se para essa finalidade. Os ‘penicos’(urinóis) eram usados à
noite e esvaziados pela manhã, diretamente em córregos, valas ou sarjetas próximas das
moradias.
O conceito moderno da saúde como um estado de bem-estar social e individual não
existia entre a população. Medidas curativas eram tomadas somente quando a doença e o
infortúnio se manifestavam. Acreditava-se que existiam causas físicas e espirituais, boas e
más, que traziam a saúde ou a doença. Buscava-se o recurso da magia, da oração e remédios
‘do mato’, recorrendo-se aos peritos nesses campos: os benzedeiros e os curandeiros; não era
incomum acreditar-se em bruxarias e contra perigos sobrenaturais muitos moradores usavam
amuletos protetores. Nessa perspectiva, o autor identificou algumas doenças que somente
seriam curadas por fórmulas mágicas, segundo o costume local: quebranto, cobreiro,
hemorróidas, espinhela caída, fogo selvagem, vento virado, tirar o sol da cabeça, íngua,
berugo
74
(OBERG, 1956). O autor observa que algumas dessas doenças não ocorriam na lista
de nenhum médico moderno, portanto reforça-se a concepção popular da existência de
“doenças que não são pra médico”.
Embora se buscasse a cura sobrenatural através de magia e orações, eram de uso
comum os chás de ervas e outros remédios, além de recursos de fabricação caseira, como
cataplasmas.
75
Um levantamento do pesquisador lista cento e cinquenta plantas medicinais,
76
72 O autor comenta que as pessoas eram pessoalmente limpas assim como suas roupas; porém acrescenta a descrição da
pobreza do vestuário: roupas remendadas até que o se podia mais usá-las. Diz que as roupas são usadas tantas vezes e
remendadas que as calças de trabalho dos homens pobres têm tantos buracos que não se deixa nada à imaginação. Conforme
o autor, Among the very poor some of the clothing seems to have lost its original material and ends up being a series of
patches. However, some of the people did not patch the clothing as it wore out but literally wore them to strips of rags,
undershirts were seen that appeared to be only arm and neck bindings, work pants had so many holes nothing was left to the
imagination” (p. 87).
73 Como o carvão vegetal era caro, usava-se o carvão da fornalha.
74 Essas doenças aparecem citadas em vários estudos sobre a questão da medicina popular, como em MAYNARD, Alceu
Araújo. Medicina rústica. São Paulo: Nacional, 1961.
75 O conhecimento das propriedades curativas das ervas, na avaliação de Oberg, provinha dos costumes aprendidos
historicamente da cultura do colonizador europeu, do índio e das práticas africanas.
76 Em 1988, a então Fundação SESP (agência de saúde originada da reorganização do SESP a partir de 1960) realizou um
levantamento da flora medicinal utilizada em áreas de sua atuação (CARVALHO, J. H. A. Utilização de plantas medicinais
49
sua indicação terapêutica e a forma de utilização entre a população de Chonin de Cima.
Consultas aos poucos médicos existentes na sede do município, Governador Valadares, eram
raras: geralmente possível para os fazendeiros e/ou seus familiares, ou em casos muito graves
que a “medicina” caseira o resolvia, os moradores menos abastados eram encaminhados à
cidade. Merecem atenção as observações sobre o fato de que as famílias somente recorriam
aos médicos em casos difíceis (OBERG, 1956). Corrobora essa situação o depoimento de um
antigo morador de Chonin de Cima, segundo o qual a distância era grande e as estradas ruins,
o que dificultava a vinda mais amiúde ao médico da cidade.
77
Assim como em outras localidades do interior do Brasil,
78
o recurso ao trabalho das
parteiras era comum na comunidade de Chonin de Cima. Os procedimentos realizados pelas
parteiras locais envolviam banhos de água fervida com folhas de mentrasto, massagem no
abdômen da mulher com uma mistura de óleo e alho (o óleo de pinhão era o preferido);
algumas parturientes também bebiam chá de folha de laranja ou chá de canela; para induzir a
“entrega” e aliviar a dor, as parteiras usavam orações e ‘simpatias’: a parturiente era
incentivada a socar o milho no pilão para fazer força ou podia assoprar em uma garrafa vazia;
a parteira às vezes atava as calças do marido em volta da cintura de mulher ou punha o chapéu
dele na cabeça da mulher para acelerar o parto. Após o nascimento o cordão umbilical era
cortado com tesoura (depois de seco era enterrado no quintal) e o beera banhado em água
com álcool. Para ‘curar’ o umbigo as parteiras usavam de fumo e enrolavam o bebê com
uma cinta cujo uso poderia se estender por vários meses. O “mal de sete dias” era temido; a
mãe e a criança ficavam esse tempo ao abrigo da casa, pois se acreditava que a luz forte seria
prejudicial à cura do umbigo. A mãe ficava em ‘resguardo’ alimentar e evitava certas
atividades por cerca de quarenta dias se tivesse um menino, e um tempo menor (quinze a
trinta dias) se nascesse uma menina. Apesar dos cuidados dedicados aos recém-nascidos,
muitos morriam durante o primeiro mês de vida. Nos meses seguintes ao nascimento o be
ficava aos cuidados das mães até que uma criança maior pudesse tomar conta dele (tarefa
especialmente para meninas). A alimentação nem sempre era adequada; a amamentação e o
hábito da chupeta se prolongavam desde o nascimento até por volta dos seis anos (a chupeta
muitas vezes caía no chão e era lambida pelos cachorros da casa); enfim, na primeira infância
não se ensinavam às crianças hábitos de higiene adequados (OBERG, 1956).
pela população das áreas de unidades elementares da Fundação SESP. São Paulo, SP: Fundação Serviços de Saúde Pública,
1988.) e, no caso da Região Sudeste, a maioria das plantas citadas estão presentes no levantamento de Oberg, que também
registrou um importante levantamento local da flora (árvores, cipós e outras plantas) e da fauna (mamíferos e roedores,
cobras, pássaros).
77 Entrevista Sr. Sady da Silva, 77 anos (antigo morador de Chonin de Cima; miqueiro). (31 maio 2008, acervo pessoal).
78 MAYNARD, Alceu Araújo. Medicina rústica. São Paulo: Nacional, 1961.
50
A partir da caracterização levantada, o autor considera que o isolamento (embora não
fosse completo), a pobreza e a ignorância restringiam o desenvolvimento local e a ampliação
dos horizontes individuais, porque limitavam a introdução de equipamentos modernos e
novos conceitos sobre o uso da terra ou sobre a Medicina (OBERG, 1956).
Concomitantemente à não existência de medidas governamentais que quebrassem essas
barreiras, adiava-se a modernização, e o homem rural permanecia desconfiado das mudanças
e desinteressado delas
79
(OBERG, 1956). A posição do autor sobre a comunidade de Chonin
de Cima revela seu pensamento
80
sobre o interior do Brasil, em geral:
Chonin de Cima representa, em miniatura, a sociedade e a cultura populares
brasileiras — uma sociedade ainda não inteiramente integrada na vida nacional,
centrada nas cidades; uma cultura ligada ao estágio pré-industrial da história
brasileira
81
(OBERG, 1956, p. 9).
Os estudos de Fontenelle (1959) e Oberg (1956) indicam semelhanças entre a
população pobre da zona urbana (Aimorés) e da zona rural (Chonin de Cima), seus fazeres,
saberes e perspectivas, além de aproximar a população mais abastada nas duas localidades.
Considerando os mesmos aspectos, a população de renda mais alta estaria mais propensa e
aberta às mudanças técnicas e culturais. Tomando-se essas localidades como referência
sociodemográfica no Médio Rio Doce, nas décadas de 1940 e 1950, é possível delinear o
cenário regional encontrado pelo SESP e o contexto de sua atuação.
79 Em outro texto, Oberg afirma que o trabalhador rural no Brasil, à margem da economia, embora fosse depositário de um
rico folclore era depositário de ignorância, pobreza e doença. Cf o autor: “He is the economic zero of Brazil, for he sells little
and he buys little. Although the repository of a rich folk music and folklore, he is also the repositor of ignorance, poverty, and
disease” (OBERG, 1965, p. 1418).
80 Embora não conste da bibliografia citada por Oberg, as características levantadas por ele coincidem com as que foram
atribuídas ao mundo rural brasileiro por SMITH, T. Lynn no livro: Brasil, povo e instituições. A primeira edição da obra, em
inglês, é de 1946 (Louisiana State Universty Press); a primeira edição em português, tradução por José Arthur Rios, é de
1967 (tradução e publicação patrocinada cooperativamente pela Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento
Internacional ( USAID) e por Bloch Editores S.A.).
81 Cf o original: “Chonin de Cima in miniature represents Brazilian folk society and culture -- a society not yet fully
integrated into the national life centered in the cities, a tradition belonging to a pre-industrial stage of Brazilian history”
(OBERG, 1956, p. 16).
51
1.4 Articulação entre discursos e práticas de saúde pública: da primeira
república ao governo Vargas
Os campos da história da saúde pública e da Medicina têm ganhado espaço e
importância para diferentes segmentos das ciências humanas no Brasil e no mundo. Numa
dinâmica histórica sociocultural, mais recentemente, colocam-se em evidência,
...os processos de profissionalização e burocratização; as relações entre medicina,
conhecimento e poder; as dimensões culturais e sociais da doença, em sentido
amplo, suas representações e metáforas sociais; as condições de vida e seus efeitos
na morbidade e na mortalidade; as respostas estatais e sociais às epidemias; o
higienismo como ciência e a higiene como cultura, as práticas e os praticantes de
curas e outras medicinas’; as instituições e os instrumentos de controle social; as
influências externas e os intercâmbios internacionais no desenvolvimento médico-
sanitário nacional e local; as políticas de saúde, as ideologias e os processos mais
amplos de construção dos Estados nacionais (HOCHMAN; SANTOS, PIRES-
ALVES, 2004, p. 43).
No Brasil, a partir de 1990, observa-se uma tendência de análise que ultrapassa duas
concepções tradicionais entre pesquisadores de diferentes filiações conceituais nesse campo:
os estudos de Rosen (EUA, 1950) e os de Michel Foucault (1986). Rosen defende que o
processo de industrialização leva à adoção de políticas de saúde coletiva e que o
desenvolvimento da ciência médica está necessariamente a serviço do combate à doença e da
ampliação do direito à saúde. Os argumentos de Foucault (1986) estão focados na ideia da
existência de um poder disciplinador do Estado sobre a sociedade, caso em que a Medicina
exerceria um papel fundamental: a medicina moderna é uma medicina social, que tem por
background certa tecnologia do corpo social; a medicina é uma prática social que somente
em um de seus aspectos é individualista e valoriza as relações médico-doente(FOUCAULT,
1986, p. 79).
82
Poderíamos inscrever numa ou noutra a história da saúde pública no Brasil; porém, ao
considerar nesse campo interdisciplinar a contribuição da Antropologia, da Sociologia ou das
Ciências Políticas, novas possibilidades de análise e múltiplas variáveis podem ser
consideradas. Vale destacar a discussão proposta por Gilberto Hochman, que com base no
conceito de interdependência
83
social analisa a transformação da saúde em bem público e a
82 Nessa linha destacamos os trabalhos de Roberto Machado (1978) e Mabel Luz (1982) como expoentes dessa linha de
pensamento no Brasil. Cf. CAMPOS, 2000, p. 196-197.
83 O conceito de interdependência utilizado por HOCHMAN apoia-se nas análises de De Swaan e Norbert Elias sobre a
sociogênese do Estado e o surgimento dos Estados de Bem-Estar, respectivamente. (HOCHMAN, 1998, p.23-29).
52
criação de arranjos coletivos e amplos para produzi-lo”, interagindo “fortemente com a
constituição de uma comunidade nacional e com a formação do Estado no Brasil”
(HOCHMAN, 1998, p. 23).
De certa forma essa tese completa a discussão proposta por Santos (1985), que analisa
o conteúdo ideológico e simbólico do movimento brasileiro pelo saneamento nas décadas de
1910-1920 como expressão significativa na construção da nacionalidade brasileira. Em
trabalho mais recente em parceria com Lina Rodrigues de Faria, esse pesquisador atesta a
formulação concreta de programas e serviços de saúde que contribuíram para a “construção
do Estado-Nação brasileiro” e o crescimento dos aparelhos administrativos em âmbito
nacional (SANTOS; FARIA, 2003, p. 150-154).
A questão de incorporação das políticas de saúde pública por um projeto político mais
amplo de constituição do Estado brasileiro, capitaneado no primeiro governo Vargas e
consolidado no Estado Novo foi recentemente abordada por Fonseca (2007). De acordo com
sua perspectiva, a proposta varguista de construção do Estado passava pela criação de
serviços que se estendessem a todo o território nacional e pela expansão da autoridade federal
no interior do País. Divergindo da posição original de Santos (1985 apud FONSECA, 2007, p.
29) de que teria havido “uma retração nas ações públicas de saúde que vinham sendo
implementadas”, a autora demonstra que a política pública de saúde levada à prática no
transcorrer do governo Vargas constituiu um instrumento do processo de construção do
Estado e de sua presença no interior do País, com a incorporação e a reelaboração da bandeira
do saneamento. Dedicando-se a pesquisar o processo de constituição de saúde pública no
Brasil, durante as décadas de 1930 e 1940, aponta para o reconhecimento do primeiro período
do governo Vargas como um marco para incorporação das políticas sociais no Brasil como
atribuição do Estado. No caso das políticas de saúde, a autora evidencia, no contexto fundador
da política social brasileira, diferentes orientações entre as políticas estabelecidas via
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC) relacionadas a interesses corporativos e
via Ministério da Educação e Saúde (MESP), mais próximas de parâmetros universalistas
(FONSECA, 2007).
Nesse caso, a população urbana e rural à margem do mundo do trabalho formalizado
seria a clientela das políticas sociais de saúde implementadas pelo Ministério da Educação e
Saúde Pública (MESP), recém-criado, ficando o atendimento médico individual
previdenciário definido pelas políticas gerenciadas pelo Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio (FONSECA, 2007).
53
Diante disso, é a partir desses pontos de vista que pensamos a constituição de uma
agenda brasileira para a saúde publica no período considerado neste trabalho.
No Brasil, do final do século XIX às primeiras décadas do século XX, a questão da
saúde pública relaciona-se com as preocupações sanitárias que emergem ligadas ao
crescimento demográfico, especialmente considerando as cidades do Rio de Janeiro e de São
Paulo, e ao processo de urbanização crescente. Ações preventivas contra a ocorrência de
pestes, erradicação de epidemias e saneamento apoiaram-se tanto em objetivos médicos e
curativos ligados a interesses políticos e socioeconômicos quanto em projetos de grupos da
intelectualidade, à época, comprometidos com diferentes ideias de nacionalidade e discussões
sobre um estatuto para a república brasileira. Santos e Faria (2003) sugerem que a história da
agenda sanitária brasileira
...ao menos em seu período de formação, é tema típico de conquistas ‘pelo alto’, em
que estão em jogo percepções e valores de médicos, intelectuais, camadas médias e
altas e a participação direta do Estado Nacional (SANTOS; FARIA 2003, p. 7).
As primeiras décadas do século XX apontam para transformação da saúde pública em
um “problema nacional”, e seu entendimento como fator de progresso e de identidade se
consolida num movimento apoiado por parcelas da elite intelectual e política, sensibilizadas
por tais questões. Hochman (2001) avalia que esse movimento se projetou em duas fases. A
primeira, entre 1903 e 1909, com ênfase no saneamento urbano da capital federal (Rio de
Janeiro), especialmente da área portuária, e no combate à febre amarela, peste e varíola,
visando garantir ao País condições de manutenção, sem prejuízos causados por desordem
sanitária, do comércio exterior marítimo; ação saneadora semelhante já havia sido
empreendida pelo estado de São Paulo, na cidade portuária de Santos e na capital, na mesma
lógica econômica. A segunda fase, nas cadas de 1910 e 1920, teve como marca principal a
preocupação com o saneamento rural a partir do combate às endemias que grassavam no
interior (malária, ancilostomíase, esquistossomose), numa perspectiva de integração das
populações, com saúde restabelecida, à comunidade nacional. Neste sentido, a segunda fase se
diferencia da primeira pelo seu caráter mais político que econômico, apresentando-se como
“caminho para a construção da nação”, tendo a higiene como instrumento central para a
reforma do Brasil porque viabilizava a remoção do atributo que o identificava e o
desqualificava: a doença” (HOCHMAN, 2001, p. 129-130).
O debate que preocupava as elites intelectuais desde o final do século XIX, “como
transformar o Brasil em uma nação” (LIMA; BRITTO, 1996, p. 135), encontrou na campanha
54
pelo saneamento rural uma resposta particular imbricada na consideração, por parte de seus
divulgadores, de que a construção da nacionalidade e a superação do atraso social estariam na
melhoria das condições da saúde da população. Nesse sentido, Santos (1985) considera:
...a campanha do saneamento rural como uma ideologia afinada com o nacionalismo
da época, dividido em duas correntes principais: a primeira identificava-se com os
valores urbanos e industriais, considerados a base do projeto de modernização; a
outra pregava o sertanismo como o caminho de construção nacional a partir da
recuperação do homem do interior, considerado como o depositário dos verdadeiros
valores da nacionalidade, tendo em Euclides da Cunha o precursor dessa vertente, e
entre seus defensores encontravam-se intelectuais como Alberto Torres, Vicente
Licínio Cardoso e Monteiro Lobato (SANTOS, 1985, p. 4 apud BRITO, 1995, p.
20).
84
Destaca-se nesse debate a posição da Liga Pró-Saneamento criada em 1918, pelo
médico higienista Belizário Pena e apoiado por importantes personalidades do mundo político
e intelectual, advogados, médicos, engenheiros, militares. Os signatários da Liga, envolvidos
com a discussão em pauta a defesa do saneamento dos sertões divulgaram
especialmente pela Revista Saúde
85
seu pensamento sobre a questão e sobre a ausência do
Estado em áreas fora do circuito urbano dito civilizado e civilizador. A campanha pelo
saneamento mobilizou a opinião pública e provocou na área institucional a constituição de
políticas governamentais afins e agências implementadoras como o Departamento Nacional
de Saúde Pública, criado e aprovado pelo Legislativo em fins de 1919 e regulamentado em
1920 (HOCHMAN, 2001).
Nesse contexto, pode-se vincular a proposta de saneamento do território brasileiro a
um projeto para a nação, que compreenderia o saneamento rural, a tradição nacional, a base
agrícola e/ou industrialista e o progresso, em consonância com as ciências e as políticas
públicas afins. A perspectiva sanitária que servia de fio condutor a esse projeto nacional
aproximava duas correntes culturais que marcaram a intelectualidade brasileira no início do
século XX: o cientificismo e o pensamento nacionalista (LIMA; BRITTO, 1996, p. 157).
De acordo com Hochman (1998),
84 Foi no início do período republicano, sob o impacto da obra de Euclides da Cunha, que os sertões assumem lugar central
na reflexão dos círculos intelectuais urbanos brasileiros. Cf. SANTOS, 1985, p. 4.
85 A Liga Pró-Saneamento publicou a Revista Saúde entre 1918-1919. Os oito números da Revista fornecem um painel das
ideias que a Liga sustentava sobre o saneamento rural. A Revista veiculou textos doutrinários, especialmente no ano de 1919,
e artigos de caráter científico sobre as endemias rurais e temas de higiene. Cf. LIMA; BRITO 1996, p. 140.
55
...o movimento sanitarista difundiu sua interpretação sobre as bases da comunidade
nacional e ofereceu soluções políticas e institucionais para transformar uma
comunidade fundada nos efeitos negativos da transmissibilidade da doença em uma
sociabilidade sustentada na saúde e na higiene de sua população (HOCHMAN, 1998,
p. 49).
Vale considerar ainda que o debate acerca da identidade nacional era influenciado e
exercia influência sobre outras questões que atingiam a sociedade: o tema do sanitarismo
urbano e o apelo ao saneamento dos sertões,
86
a pressão internacional para controle de
endemias e epidemias que se alastravam de região para região e entre países.
A década de 1920 consagrou uma série de alterações em diferentes setores da vida do
País: (a) no econômico, crise do setor agrícola voltado para a exportação, aceleração dos
processos de industrialização e urbanização, o Estado mais intervencionista; (b) no social, o
surgimento de novos atores; (c) no político, agitações militares, declínio político da elite
agrária, abertura de novas agremiações partidárias, expansão dos aparelhos do Estado; (d) no
cultural, a criação de novos cursos superiores, expansão da rede de instituições culturais
públicas (MICELI, 1979). Concomitantemente a esses processos, na década de 1920
expandiu-se a capacidade reguladora do Estado sobre o campo da saúde” a partir do então
criado Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP). Foram instalados serviços de
profilaxia e combate às endemias rurais em 16 dos 21 estados da Federação àquela época. A
criação do DNSP representa, por si, uma ampliação da presença do Estado no campo da saúde
pública. A estrutura subjacente à criação e funcionamento desse serviço foi base e herança
para a instalação do Departamento Nacional de Saúde (DNS) do Ministério da Educação e
Saúde Pública (HOCHMAN, 1993). Na década de 1920 é importante considerar a presença e
a influência da Fundação Rockefeller no desempenho das ações políticas governamentais
concernentes à saúde e ao saneamento.
87
Celebrada por muitos e criticada por outros tantos,
entre 1923 e 1929, “a Fundação Rockefeller colaborou com o Departamento Nacional de
Saúde Pública na investigação e controle da febre amarela, responsabilizando-se também
pelos custos totais das campanhas” (SANTOS; FARIA, 2003, p. 97).
86 A esse respeito ver LIMA, Nísia Trindade. Um Sertão Chamado Brasil: intelectuais e representação geográfica da
identidade nacional. Rio de Janeiro: Ed. Revan /Iuperj/Ucam, 1999. A autora, mais que inventariar, problematiza a imagem
de sertão presente no pensamento social brasileiro da primeira república: se depara, por um lado com a imagem do “território
do vazio, o domínio do desconhecido, o espaço ainda não preenchido pela colonização [...] o mundo da desordem, domínio
da barbárie, da selvageria, do diabo; e por outro, com a concepção de que se conhecido, o sertão “pode ser ordenado através
da ocupação e da colonização, deixando de ser sertão para constituir-se em região colonial (p. 57-58)”. Ao transformar-se em
divisão geográfica pela colonização o sertão vira, também, sinônimo de fronteira. Para Nísia Trindade essas representações
tornam-se paradigmáticas para se pensar a natureza das sociedades e o tema da identidade nacional” (Lima, 1998:44). No
enredo percorrido ficam explícitas as dualidades constitutivas do pensamento social acerca de temáticas tais como
natureza/barbárie, sertão/litoral, atraso/modernidade.
87 A Fundação Rockefeller despachou sua primeira comissão para o Brasil em 1915. Cf. FARIA, 1999, nota 3. Em 1916
foram estabelecidos os primeiros contatos com a Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Cf. MARINHO, 2001, p.
54.
56
Ao comparar o Brasil a um “grande hospital e a um vasto sertão’, os reconhecidos
sanitaristas Miguel Pereira (em discurso de outubro de 1916), Belizário Pena e Artur Neiva
(no relatório de viagem divulgado também em 1916) chamaram a atenção para o abandono
por parte do governo federal de uma população empobrecida e apática, o que justificaria, de
acordo com os mesmos, a “ausência de qualquer sentimento de identidade nacional” (LIMA;
HOCHMAN, 2000, p. 320). A denúncia do abandono das áreas rurais à sorte das endemias e
ignorância animou o debate de cunho nacionalista, que vislumbrava “diversos caminhos para
a recuperação e/ou fundação da nacionalidade: saúde, educação, civismo, e valores nacionais,
serviço militar obrigatório” (SANTOS; FARIA, 2003, p. 63).
A proposta de saneamento do interior do País alerta as elites políticas e intelectuais
sobre a precariedade das condições sanitárias de muitas áreas do território brasileiro os
sertões que para a “campanha pelo saneamento era mais uma categoria social e política do
que geográfica” (LIMA; HOCHMAN, 2000, p. 317) caracterizado pelo binômio abandono-
doença. Todavia nesse caso sobrepõe-se outra discussão emblemática num contexto de ‘busca
pela nação’: o (re)conhecimento dos sertões e do sertanejo como partes do corpo nacional,
portanto de sua incorporação a um projeto de nação. Os ‘sertões de Euclides da Cunha
marcam, na Primeira República, o espanto nacional diante do desconhecimento de um Brasil
‘esquecido’, enquanto o Jeca Tatu revisitado de Lobato, “o Jeca não é assim, ele está assim”
(LOBATO, 1968, p. 331), tentava reconhecer-se num espelho que modificava a imagem
original.
As políticas de saúde pública, na Primeira República, favoreceram a ampliação da
capacidade do Estado brasileiro de integrar todo o território nacional, e intervir sobre ele,
independentemente de que as ações desenvolvidas inicialmente não alcançassem o sucesso
esperado. De qualquer modo, apesar de não provocar mudanças estruturais de grande
importância, são evidentes os impactos ideológicos e políticos advindos do fortalecimento do
poder público sobre o território, as elites e toda a população, via políticas de assistência à
saúde e de saneamento (HOCHMAN, 1993).
A partir de 1930 a agenda sanitária e de saúde pública acompanhou as oscilações e a
instabilidade políticas do período do governo provisório de Vargas; todavia, ganhou espaço
no cenário político nacional sobretudo, segundo Fonseca, “com a posse de Gustavo
Capanema
88
como ministro da educação e saúde, [pois] terá início o processo de elaboração e
aprovação de um projeto de reforma para a área” (FONSECA, 2000, p. 394). O governo
88 Gustavo Capanema foi Ministro da Educação e Saúde por 11 anos, de 1934 a 1945.
57
procurou responder à instabilidade política com medidas de alcance social que o fortaleceriam
diante dos conflitos. Na área do MTIC medidas de caráter corporativo, incluindo atendimento
médico individual, passariam pela negociação entre governo, trabalhadores e burguesia
industrial, “que garantiam benefícios aos trabalhadores, mas que permitiam também o
controle do Estado sobre o movimento sindical, atendendo igualmente aos interesses dos
industriais” (FONSECA, 2007, p. 41-42). Na área do MESP se implementariam medidas que
dissessem respeito à saúde pública, ou seja, da população não atendida pela medicina
previdenciária: pobres, desempregados, trabalhadores informais.
Tal projeto se inscrevia na consolidação de uma rede institucional que apontava para a
formação do Estado forte, vigoroso e centralizado que se idealizava política e
administrativamente. Fonseca (2007) afirma:
Se nas décadas anteriores as ões de saúde haviam demonstrado sua adequação
ao projeto de construção nacional, a partir de 1930 elas passaram a contar com o
arcabouço institucional de um ministério que, não obstante ter sido criado em
conjunto com a pasta da educação, pretendia ter amplitude nacional, com claras
diretrizes normatizadoras e centralizadoras (FONSECA, 2007, p. 52).
Com efeito, a criação do Ministério da Educação e da Saúde Pública em novembro de
1930 era um indício dessa perspectiva, ainda que nos primeiros anos, sua atuação não tivesse
passado de atos formais nem definido uma linha clara de ação até o final do Governo
Provisório.
O MESP surgiu como um instrumento burocrático cujo propósito era consolidar uma
estrutura de serviços em todas as regiões do país, atendendo inclusive à área rural,
excluída do raio de ação dos organismos previdenciários. Prestar assistência a toda a
população brasileira demandava uma estrutura que garantisse a presença do governo
central nas regiões mais remotas do país. Para o desenvolvimento de ações efetivas e
bem-sucedidas, era necessária a presença de representantes do governo federal nos
estados e parcerias com os governos locais (FONSECA, 2007, p. 52).
A nova dimensão institucional representada pelo MESP caracterizou-se por três
aspectos: (a) o perfil de sua clientela, composta pela população excluída do atendimento
previdenciário; (b) ênfase às ações preventivas, incluindo combate às doenças endêmicas; e
(c) caráter nacional. Para essa formatação não faltaram atropelos políticos, inevitáveis
negociações entre os interesses dos representantes do governo central e aqueles dos grupos
locais de poder, dificuldade de identificação das necessidades e das reivindicações da clientela
a ser atendida (dispersa pelo País, com interesses e necessidades diversas, sem canais formais
58
de agrupamento) e certa indefinição dos papéis de cada esfera do Executivo (FONSECA,
2007, p. 48-53).
Em 1937, com Gustavo Capanema, uma reforma mudava o nome do Ministério da
Educação e da Saúde Pública para Ministério da Educação e Saúde (MES) e conformava uma
estrutura administrativa adequada aos princípios da política social do Estado Novo. Nesse
momento os marcos da institucionalização da saúde pública foram a criação das Delegacias
Federais de Saúde (DFS, oito no País), com o objetivo de incrementar e gerenciar a
“colaboração da União com os serviços locais de saúde pública e assistência social”, e a
organização das Conferências Nacionais de Saúde (CFS), cujo propósito era facilitar à União
a coordenação de planos nacionais de saúde a ser estabelecidos com a concessão de auxílios e
subvenções federais e a orientação aos serviços estaduais e locais (HOCHMAN, 2001, p.
1370).
Uma segunda reforma, em 1941, criou os Serviços Nacionais de Saúde (SNS)
89
para
dar combate às grandes endemias e a doenças específicas, como “mais uma estratégia do
governo federal para intensificar sua intervenção sobre as ações de saúde em todo o país”
(FONSECA, 2007, p. 233). Aos poucos se compunha uma máquina administrativa e
funcional, traduzida em medidas práticas como a instituição de distritos sanitários nos
estados, abertura de centros de saúde e postos de higiene, especialização profissional e de
certos serviços de sanitários e assistência dica, que criariam um vínculo direto entre a
União, os estados e os municípios, fazendo com que a presença do Estado chegasse ao remoto
interior do País, na expectativa de fixar-se um sentido de pertencimento político à
comunidade nacional, respondendo-se, então, ao projeto de state building, ambicionado pelo
governo Vargas (FONSECA, 2007). A criação do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP)
em 1942 articulou-se com as políticas e as estratégias desenvolvidas pelo Ministério
Capanema, além de atender os objetivos de consolidação de um projeto de saúde blica que
oferecesse à população atendida, especialmente em áreas rurais e/ou urbanas desfavorecidas, a
atenção do Estado.
As duas reformas no ministério a primeira mais geral e relacionada à estrutura do
órgão; a segunda mais específica e direcionada para a saúde deram origem ao arcabouço
administrativo da saúde pública, que se manteve com poucas alterações até a criação do
Ministério da Saúde em 1953, e nos anos seguintes até 1960 (HOCHMAN, 2001).
89 Foram doze os serviços criados: Serviço Nacional da Peste, Serviço Nacional da Tuberculose, Serviço Nacional de Febre
Amarela, Serviço Nacional de Câncer, Serviço Nacional de Lepra, Serviço Nacional de Malária, Serviço Nacional de
Doenças Mentais, Serviço Nacional de Educação Sanitária, Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina, Serviço Nacional
da Saúde dos Portos, Serviço Federal de Bioestatística e Serviço Federal de Águas e Esgotos. Cf. Fonseca (2007).
59
Nas décadas de 1930 e 1940, o debate sobre a formação em saúde pública e sobre as
políticas públicas de saúde aproxima-se das proposições que eram tratadas em fóruns
internacionais, como os congressos e as conferências organizadas pela Oficina Sanitária Pan-
Americana (a atual Organização Pan-Americana de Saúde ou OPAS) e é influenciado
especialmente pelas propostas aplicadas nos Estados Unidos da América (LIMA; FONSECA;
SANTOS, 2004). Em meados da cada de 1930, as principais diretrizes que norteavam os
serviços de saúde no Brasil ajustavam-se às orientações da III Conferência Pan-Americana de
Diretores Nacionais de Saúde, realizada no México, em 1936: a unificação das ações em todo
o território nacional, a coordenação central das atividades e a adoção de tempo integral de
trabalho para os profissionais envolvidos com serviços de saúde pública. Essas afinidades
certamente contribuíram para a consolidação das mudanças estabelecidas pouco a pouco pelo
Ministério Capanema (FONSECA, 2007).
As reformas realizadas refletiam a política varguista de centralização e verticalização
das ações estatais. Por meio da interiorização da agenda de saneamento e saúde pública sob
seu controle, do combate a doenças infectocontagiosas que atingiam a coletividade
especialmente as comunidades rurais, da instalação de serviços e conferências nacionais, o
Estado, alentado por um forte ‘apelo ideológico’ de construção nacional, buscava firmar sua
presença em todo o País. Hochman (2001) refere-se a balanço da saúde pública, realizado em
1942, que apontava que um número significativo de estados se organizaram ou reformularam
seus departamentos de saúde conforme as novas diretrizes federais. Isso significava, de certa
forma, a consolidação do ideal de construção nacional como meta política. Fonseca (2007, p.
88) argumenta que “convinha ao governo ampliar ao máximo seu poder de atuação por meio
de órgãos públicos, atingindo a maior parcela possível da população”. O fortalecimento da
esfera pública, afinal, coincidiria com o fortalecimento do poder do governo central nos
estados e municípios.
Hochman (2001) e Fonseca (2007) destacam continuidades e rupturas na abordagem
política da saúde pública no governo Vargas. As alterações na esfera institucional (com a
criação do MESP), na esfera política (com o aguçamento das diferenças intra-oligárquicas e o
redesenho dos poderes federativos e seu papel na dinâmica da política nacional), na esfera
ideológica (com o gradativo fortalecimento e implementação de um projeto político-
ideológico de construção nacional) seriam resultado da “correlação de forças políticas que
modelaram os serviços de saúde como instrumento de poder” (FONSECA, 2007, p. 41).
60
A separação
90
entre assistência médica associada à previdência social (para
trabalhadores urbanos no mercado de trabalho formalizado) e a saúde pública especialmente
voltada para a população rural representa uma importante mudança no sentido da ação política
para a área da saúde, o que permitiria atingir as populações e as porções do território
brasileiro a então isoladas pelo abandono do Estado, ou seja, garantir o saneamento dos
sertões era forma de estabelecer a presença do Estado no interior do País (HOCHAMAN;
FONSECA, 2000). Coerentes com outras ações governamentais nas demais esferas da vida
nacional (economia, política, educação, cultura, ciência), as políticas de saúde elaboradas no
governo Vargas correspondiam à gica do processo de fortalecimento do Estado definido
para o País, além de contemplar o ideal varguista de formação de um novo homem e de uma
nova nação consolidando a unidade nacional (CAMPOS, 2006). Nessa perspectiva, a saúde
pública mereceu tratamento cuidadoso por parte dos atores políticos e dos profissionais do
setor envolvidos com o projeto de mudanças para o País, que envidaram esforços para que a
expansão das ações federais ocorresse de forma coordenada e normatizada, fortalecendo deste
modo, o projeto de construção nacional (FONSECA, 2007).
Quando foi criado o Ministério da Saúde em 1953, toda a experiência acumulada por
técnicos (médicos, enfermeiros e agentes, entre outros) e a estrutura funcional do antigo
Departamento Nacional de Saúde foram incorporadas na composição da nova pasta e na
orientação dada à política sanitária então implantada. Foram priorizadas ações da saúde
coletiva e a assistência individual e curativa ficou a cargo de instituições particulares e
filantrópicas vinculadas à área da Previdência Social (LIMA, 2003). O próprio Capanema
anuncia que
...à saúde pública o interessa o caso individual, seja um caso de doença, seja
qualquer outra situação especial relativa à saúde ou ao corpo. O caso individual
interessa à saúde pública se puder afetar a coletividade, se for capaz de pôr a
coletividade em perigo. Fora disso, dele não se ocupará a saúde pública.
91
Diante disso, entendemos que o governo Vargas, especialmente com a gestão
Capanema no Ministério de Educação e Saúde, avigorou a organização, a centralização e a
profissionalização da saúde pública, integrando-a ao ideário de edificação de nacionalidade
90 Essa questão não será aqui considerada, apesar de sua importância para o entendimento da concepção de cidadania que a
perpassa. Fonseca (2007, p. 36-38) considera, a partir do conceito de ‘cidadania regulada’ discutido por Santos (1987, p. 68),
que “o reconhecimento da cidadania operou-se, na área urbana e industrial, via mercado de trabalho, voltada para os
trabalhadores aí inseridos” e que as políticas sociais de saúde implementadas pelo MESP se destinariam “à população urbana
e rural à margem do mundo do trabalho formalizado”.
91 Arquivo Capanema, FGV/CPDOC, GC. 34.06.2.F Pasta VI.
61
através de um ‘Estado forte e centralizado’. Foram traços marcantes na época a crença no
progresso, o ardor patriótico e a defesa do modelo nacionalista de modernização.
O movimento sanitarista da Primeira República definiu o País a partir de dois eixos
complementares: a doença e o abandono dos sertões; as epidemias e a ausência da autoridade
pública. Essa revelação, se não provocou mudanças estruturais, contribuiu para a discussão
sobre o caráter nacional e identitário do Brasil a partir de diferentes perspectivas. Novos
marcos interpretativos foram estabelecidos: a ignorância, o isolamento e as doenças,
precisavam ser superados para que se pudesse ter um homem/brasileiro sadio e uma
nação/Estado (re)estabelecida. Na década de 1920 e por todo o período Vargas, as políticas
ligadas à saúde pública fazem ‘ecos à Primeira República’. Entretanto, afirmaram-se novos
postulados para além da valorização do homem brasileiro por meio da educação e da saúde,
pois se buscou a arquitetura da nacionalidade e o fortalecimento de Estado-Nação, como parte
do processo de modernização e industrialização brasileira.
1.5 Articulação entre o campo da saúde pública e a história
O diálogo entre o campo da saúde pública e a história procura refletir sobre a relação
entre a produção de um determinado conhecimento científico e a sociedade. Dessa forma, a
investigação da agenda sanitária nacional na primeira metade do século XX e seus reflexos
nas décadas de 1940 e 1950 contribui o apenas para a compreensão da relação entre ela e o
fortalecimento do Estado no Brasil, mas também para a percepção do entrelaçamento dessa
relação com as concepções intelectuais e socioculturais sobre o País e seu povo em diferentes
espaços e épocas. Assim, as interpretações sobre o Brasil e os brasileiros foram influenciadas
pelo debate científico que eram contemporâneos a elas e influenciaram posições e políticas
coerentes com seu tempo.
Lima e Hochman (
2000
) destacam que
...o deslocamento da ênfase do que seriam as mazelas do Brasil herança colonial,
composição étnica, ausência do poder público nas áreas de educação e saúde, entre
outros diagnósticos que se sucederam ao longo deste período — revela a persistência
do tema das bases sobre as quais construir uma nação (LIMA; HOCHMAN, 2000, p.
314).
62
As diferentes posições políticas e ideológicas que marcaram o debate nacional também
estiveram presentes nos discursos e nas perspectivas sobre a região do Rio Doce, que
acompanharam os contextos sócio-históricos e econômicos característicos de cada época e de
acordo com as concepções dos atores sociais envolvidos em cada processo. Se para o século
XIX, a região do Rio Doce era “terra de promissão”, de riqueza a descobrir e explorar,
vencendo-se a floresta e abrasileirando-se os habitantes indígenas, para o século XX a
viabilidade da exploração econômica dos recursos naturais nela identificados carecia do
saneamento, da abertura de vias de comunicação e acesso, da integração daquele território à
nação brasileira.
Podemos associar as posições sobre a ocupação, a industrialização e o saneamento do
Vale do Rio Doce aos debates acerca da modernização e da identidade nacional que
circulavam mais ou menos intensamente, no ‘litoral e no interior’ do Brasil. O ideário da
incorporação e do saneamento dos sertões, a identificação de um caráter nacional mestiço
para o povo brasileiro, a defesa da modernização civilizadora perpassam as memórias dos
cronistas locais, os relatórios técnicos e as projeções sobre o Médio Rio Doce.
O engenheiro Ceciliano Abel de Almeida, por exemplo, compara o barqueiro do Rio
Doce ao sertanejo de Euclides da Cunha diante de seus esforços no ‘estafante e árduo
trabalho’ de vencer as correntezas (“o caboclo, o barqueiro do Rio Doce é, antes de tudo, um
forte”) e reconhece como ardorosos e resolutos os trabalhadores da ferrovia “nordestino
sóbrio, mineiro ou baiano de cacaio” cujo ânimo não se abate pelo desconforto, pois
“acostumados ao relento, retemperam-se nos cansaços dos trabalhos de construção e avançam,
sonhando no rmino da tarefa, apenas iniciada” (ALMEIDA, 1959, p. 35, 195). Em Salm de
Miranda, a população brasileira é pobre e laboriosa, e apesar de quase ignorada, “tem dado o
melhor de sua vida em resistência física e moral [...] e que poderá engrandecer a civilização
brasileira no futuro” (MIRANDA, 1949, p. 35-36). Os cronistas locais descrevem os
“desbravadores e pioneiros” desprendidos e ousados, que enfrentaram com êxito as
dificuldades e os obstáculos e fizeram emergir cidades e riquezas, mesmo sem assistência de
serviços públicos básicos. Nesses discursos pode-se perceber uma aproximação
simultaneamente a um distanciamento em relação ao “relatório Pena-Neiva” de 1916,
respectivamente pela repetição do tema do abandono e pelo reconhecimento da existência de
expressivos valores e cultura local.
Tais discursos coincidem com certas proposições intelectuais divulgadas nas três
primeiras décadas do século XX, e é possível perceber neles a dicotomia sertão-litoral ou a
63
aproximação de ideias como atraso e doença. Também está presente o ideário
desbravamento/civilização/progresso como pano de fundo político e ideológico.
A década de 1930 marcou o aumento da presença do Estado e seu fortalecimento
frente à sociedade brasileira. Na Era Vargas a dinâmica da economia nacional transferiu-se do
setor agroexportador para o mercado interno centrada no setor urbano-industrial. Nesse
período, o saneamento do sertão tornou-se parte do processo de construção do Estado e da
construção das bases sanitárias para a industrialização. Permanece em foco o discurso do
atraso e da doença como obstáculo para o desenvolvimento do País. Os relatos de Fontenelle
(1959) e de Oberg (1956) trazem à baila o cotidiano daqueles potenciais clientes do projeto de
saúde pública que se pretendia modernizador e conformador de um novo homem brasileiro.
A partir da década de 1930 o devassamento das matas ainda abundantes na região do
Médio Rio Doce marcou a subordinação delas ao projeto de crescimento econômico nacional.
Nesse sentido, são reveladores os dois trabalhos realizados por Strauch, de que nos valemos
nesta discussão, uma vez que podem ser considerados uma síntese da relação da sociedade
nacional com a natureza e se considera a devastação do ambiente justificável apesar do fim
das matas. O geógrafo, ao legendar uma fotografia de 1952 das instalações da Belgo-Mineira
em João Monlevade (MG), informa que a foto representa o antigo ciclo da siderurgia nacional
feito à base de carvão vegetal e avalia que, apesar das consequências que advieram da
destruição das matas, não dúvida de que se tratou de um grande valor para a economia
nacional (STRAUCH, 1955). As propostas de intervenção e os discursos sobre a saúde, a
higiene e o saneamento, que acompanham o projeto de modernização e desenvolvimento,
conformam-se também localmente, nos veículos de comunicação como no jornal Voz do Rio
Doce, em Governador Valadares, ou em artigos de número especial da Revista mineira
Acaiaca (1951) sobre a região do Rio Doce.
Finalmente, essas considerações nos permitem concluir que a ocupação e a exploração
econômica da região do Médio Rio Doce se articularam com os projetos e as concepções
socioeconômicas e políticas presentes na História do Brasil naqueles contextos, isto é, as
circunstâncias históricas que mediaram aquelas atividades foram também facilitadoras do
processo de modernização e industrialização e de seu resultado.
2 O SERVIÇO ESPECIAL DE SAÚDE PÚBLICA (SESP) EM REDES,
OFÍCIOS E MÉTODOS
2.1 Constituição: o contexto da criação do SESP
O Brasil passou por muitas mudanças desde o início do século XX, porém foi a partir
de 1930 que se intensificou a transição de uma sociedade de base agroexportadora para uma
sociedade urbano-industrial. O contexto global era de ampliação das relações internacionais e
de crescente interdependência das diversas economias nacionais. Nesse contexto, a questão
sanitária se fez presente desde o início do século; no primeiro momento, envolveu o
saneamento dos portos e o controle sanitário dos navios que trafegavam entre os diversos
países.
92
Na América Latina tanto o estímulo à formação de organismos quanto o
estabelecimento de acordos internacionais dedicados à questão da saúde pública
acompanharam esse processo comercial e a expansão dos EUA pelo continente
93
(CUETO,
2007). A instalação da Segunda Conferência Internacional dos Estados Americanos em 1902
resultou na criação da Oficina Sanitária Pan-Americana/Organização Pan-Americana de
Saúde, o “mais antigo organismo de cooperação na área de saúde e uma das primeiras
instituições de cooperação internacional”, dedicada ao apoio a programas de saúde e ao
intercâmbio de informações e saberes científicos (LIMA, 2002, p. 25).
Por meio da Fundação Rockefeller, a iniciativa privada americana também se fez
presente no estabelecimento de programas de combate às endemias e da colaboração com
governos e comunidades científicas das nações latino-americanas. No decorrer da primeira
metade do século XX, foi crescente a ação sanitarista da Fundação Rockefeller na América
Latina.
94
92 De acordo com Cueto (2007), a expansão do comércio internacional e as consequentes relações econômicas e político-
diplomáticas entre as nações do continente americano, bem como os avanços da Medicina foram o pano fundo para o
desenvolvimento de um novo conceito de saúde, que extrapolava o objetivo de eliminar os males físicos e seus
constrangimentos, numa concepção individual. O novo conceito levava em consideração a circularidade dos estados de saúde
e doença e suas implicações socioeconômicas e geográficas. Desse modo, os Estados e seus dirigentes foram instados a tomar
medidas sanitárias eficazes que não só garantissem os interesses comerciais com a higienização dos portos, por exemplo, mas
também levassem em consideração as condições de saúde das cidades e de seus habitantes.
93 Essa preocupação estava presente no final século XIX, como comprova o acordo assinado em 1887 pelo Brasil, pela
Argentina e pelo Uruguai para uniformizar as regras de desinfecção de navios. Cf. CUETO, 2007, p. 30-31.
94 Entre outras atividades da Fundação Rockfeller na América Latina, citamos a campanha contra a ancilostomíase no Brasil
(entre 1916 e 1923); eliminação de focos de febre amarela em Guayaquil (Equador) e em outros países Guatemala, Peru,
65
As contingências ligadas às duas guerras mundiais influenciaram a cooperação desses
organismos, fosse limitando, fosse acentuando sua presença. A criação do SESP ligou-se a
esse contexto de interdependência internacional, levando-se em conta questões do comércio,
da diplomacia política, da aproximação militar e da cooperação sanitária. Especificamente a
instituição é fruto dos chamados acordos de Washington, assinados em 1942 entre os EUA e o
Brasil no cenário da Segunda Guerra Mundial (CAMPOS, 2006). Entretanto, a atuação
médico-sanitária do SESP propriamente liga-se ao contexto nacional de constituição do
aparato de institucionalização da saúde pública (FONSECA, 2007), pois as áreas sob sua
responsabilidade correspondiam àquelas definidas pelo Ministério da Educação e Saúde
(MÊS) para expansão dos serviços de saúde pública em todo o território nacional.
Os acordos de Washington afiançavam-se em negociações diplomáticas conduzidas
desde meados da década de 1930 (no ano 1936 ocorreu a Conferência dos Ministros das
Relações Exteriores), com o objetivo de firmar o apoio dos países da América Latina aos
EUA e seus aliados num período de pré-guerra contra a Alemanha. Entretanto, historicamente
a busca pela hegemonia dos Estados Unidos sobre a América Latina precede os anos 1940 e
1950, apoiada na formulação de políticas dirigidas para o subcontinente, tais como a Doutrina
Monroe no século XIX e a Política da Boa Vizinhança nos anos 1930.
95
Através de programas
de caráter militar, projetos político-econômicos e culturais, os Estados Unidos garantiam o
espaço de influência entre seus vizinhos ao Sul. De acordo com Pedro Tota, a divulgação
massiva de produtos culturais e do estilo de vida americano no Brasil criava um ambiente
favorável à aproximação e ao estreitamento de relações com os EUA (TOTA, 2000).
A implementação da chamada política da boa vizinhança pelos EUA no governo de
Franklin Delano Roosevelt (1933-1945) caracterizou-se por abandonar a posição
intervencionista da Doutrina Monroe e por adotar a negociação diplomática e a colaboração
econômica e militar. Pretendia-se afastar a influência europeia, especialmente da Alemanha, e
garantir a presença americana na América Latina. O avanço alemão após sua recuperação
depois da derrota na I Guerra Mundial preocupava setores políticos e econômicos nos EUA;
além disso, era imperativo fazer frente à nova competição internacional. Os efeitos da crise de
1929 sobre a economia americana demandavam a segurança de mercados importadores e
exportadores e esperava-se que os países latino-americanos respondessem a esse pleito.
Brasil, Honduras, El Salvador e México, Colômbia —, entre 1918 e 1922; a criação do Instituto de Higiene de o Paulo
(1918); duas grandes campanhas contra a febre amarela no Brasil, nas décadas de 1920 e 1930 (LOWY, 2007, 123-180).
95 A ideia de uma Política de Boa Vizinhança, que incluía a cultura na agenda internacional, foi pensada na gestão do
republicano Herbert Hoover que usou a expressão good neighbor, adotada por Roosevelt em 1933.” Cf. TOTA, 2000, p. 28.
66
Somavam-se questões estratégicas políticas e ideológicas em relação à disputa com o poder
alemão por áreas de influência e parcerias comerciais (CAMPOS, 2006).
Por sua vez, o Brasil, também afetado pela crise econômica de 1929, viu o preço do
café (principal item da pauta de exportação) despencar e sofrer escassez de divisas; a
aproximação e em 1934 a assinatura com o governo alemão de um primeiro acordo
compensatório trariam vantagens comerciais para os dois países. De acordo com as
“estimativas norte-americanas, no período imediatamente anterior à Segunda Guerra, 70% dos
produtos químicos e farmacêuticos que o Brasil importava provinham da Alemanha”, o que
reforçava o significativo consumo pelos brasileiros de produtos como “os analgésicos à
base de ácido acetil salicílico (AAS) fabricados pela Bayer, e a Atebrina, medicamento da
mesma empresa usado no combate à malária” (QUNTANEIRO, 2002, p. 1). Como o Brasil
esperava ampliar suas exportações e receber investimentos, era tática a posição de
neutralidade em relação ao conflito que se anunciava. Dentro do governo Vargas as posições
se dividiam, e setores da direita e militares eram francamente pró-Alemanha, tornando
“difíceis as relações nas altas esferas governamentais” (CARONE, 1977, p. 275-277).
O avanço comercial alemão na América Latina colocava em risco a estabilidade e a
hegemonia econômica pretendidas pelos EUA, cujo governo estabeleceu medidas mais
efetivas para alcançar seus propósitos comerciais e monetários. Em 1939, na Conferência de
Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, criou-se o Comitê de
Assessoria Econômica Interamericano, cuja função era estimular os contatos comerciais e
diplomáticos entre os EUA e os vizinhos latino-americanos. Em 1940, quando a França
sucumbiu ao domínio nazista, tornou-se mais concreta a ameaça à segurança militar
americana.
Certo de que uma eventual conquista de bases no Nordeste brasileiro abriria caminho
para os alemães chegarem ao Caribe e ao Canal do Panamá, o governo norte-americano
privilegiou a defesa e a cooperação com o restante dos países das Américas. Investiu-se em
medidas emergenciais, como a compra de produção agrícola e mineral, a fim de aumentar o
fluxo de comércio entre os Estados Unidos e o resto do continente. Ainda em 1940 foi criado
nos EUA o Escritório para a Coordenação das Relações Comerciais e Culturais (OCIAA)
entre as Repúblicas Americanas, e sua direção foi entregue a seu inspirador, o empresário
Nelson Rockefeller. As ações desse Escritório (Office of the Coordinator of Inter-American
Affairs) inicialmente se voltaram para três áreas: propaganda, relações culturais e
educacionais, assuntos econômicos e financeiros, com ênfase inicial para este último ponto
(CAMPOS, 2006).
67
A experiência e o conhecimento do coordenador Rockefeller, cuja família desde a
década de 1910 possuía investimentos financeiros e filantrópicos em países latino-americanos,
inclusive no Brasil, foi decisiva para o sucesso do empreendimento. Em 1941, informado da
instalação de bases militares norte-americanas no Nordeste brasileiro e conhecedor das
precárias condições sanitárias na região, Rockefeller sugeriu ao governo Roosevelt que o
Escritório se ocupasse delas e instalasse um sistema de abastecimento de água e esgotos, além
de hospitais; porém, o plano reduziu-se inicialmente ao saneamento e ao abastecimento
alimentar (CAMPOS, 2006).
O ataque japonês a Pearl Harbor, em dezembro de 1941, precipitou a entrada dos EUA
na guerra e definiu a urgência de se assegurar o fornecimento de matérias-primas estratégicas
para o esforço de guerra contra o eixo. Os japoneses haviam dominado na Ásia importantes
áreas produtoras, especialmente de borracha, e os aliados viram suas importações
comprometidas. Garantir na América Latina a oferta de produtos estratégicos foi a solução
negociada em janeiro do ano 1942 no antecipado Terceiro Encontro de Ministros das
Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, realizado no Rio de Janeiro. Nesse encontro,
que foi convocado pelos EUA, “diante da injustificada agressão de que foram vítimas...” e
que teve como agenda a proteção do Hemisfério Ocidental e a sua solidariedade econômica,
tratou-se da ruptura das relações diplomáticas com o Japão, a Alemanha e a Itália, bem como
de questões relativas à produção e ao comércio (CARONE, 1977, p. 282-283). Recomendou-
se, entre outras decisões, que as repúblicas americanas se mobilizassem para o esforço de
guerra, contribuindo com seus recursos agrícolas e minerais, e que se estabelecessem
acordos bilaterais para a promoção da saúde pública e melhoria das condições sanitárias dos
povos” (CARONE, 1977, p. 44). Tal recomendação articulava-se com a recente preocupação
estratégica dos EUA de cuidar de seus soldados, que fora de seu território eram acometidos
por doenças típicas de zonas tropicais. Além disso, era necessário garantir condições de saúde
também para aqueles que trabalhavam no fornecimento de matérias-primas indispensáveis.
Com a pressão de setores da esquerda e a fragilidade econômica, o governo brasileiro,
que até 1939 tentava manter-se neutro e garantir parcerias comerciais, rendeu-se aos atrativos
e às propostas dos EUA, que ofereciam cooperação em áreas estratégicas para o
fortalecimento da economia brasileira e para a solução de problemas de saúde e saneamento
urbano e rural (CAMPOS, 2000, p. 196-197).
68
Em fevereiro de 1941, o ministro da Guerra do Brasil propôs oficialmente um acordo
militar com os Estados Unidos: este envolvia o uso, por parte dos americanos, de
‘bases navais e aéreas brasileiras’; a aquisição, pelo Brasil, de material bélico
americano; e o fornecimento, pelo Brasil, de matérias-primas para a indústria bélica
norte-americana (CAMPOS, 2006, p. 43).
Como desdobramento da III Conferência dos Ministros das Relações Exteriores, o
presidente brasileiro enviou a Washington o Ministro da Fazenda Sousa Costa, a fim de fechar
acordos de auxílio com os Estados Unidos para a recuperação e a exploração das minas de
ferro de Itabira (MG),
96
para a produção de borracha na Amazônia e de outros materiais
básicos e estratégicos. Era também objetivo, porém menos explícito, obter armamento
necessário para equipar o Exército brasileiro. Afora alguma dificuldade no quesito
relacionado aos armamentos, a missão de Sousa Costa foi exitosa e, em 3 de março de 1942,
assinaram-se os acordos de Washington entre os governos dos Estados Unidos e do Brasil.
Como consequência, o Brasil recebeu a maior parte dos recursos para assistência financeira
desembolsados para a América Latina nos anos de guerra, garantiu as vendas da produção de
cacau e café, além de receber dos EUA produtos químicos, implementos agrícolas e produtos
siderúrgicos (DULLES, 1967). Da pauta dos acordos (uma série de trinta tratados),
destacamos a liberação de fundos para a produção da borracha e a exploração de minérios, o
tratado militar e o relacionado à cooperação para promoção de saúde e saneamento, como
veremos, circunstancialmente inter-relacionados.
A partir da assinatura dos acordos de Washington, Getúlio Vargas autorizou o
“estacionamento de algumas centenas de homens do serviço de manutenção do exército
americano” em bases do Nordeste brasileiro, com o propósito de melhorar as condições dos
aeroportos e construir estradas e instalações militares. Entretanto, manteve-se a posição de
que a responsabilidade pela defesa do Nordeste deveria caber às Forças Armadas Brasileiras,
reiterando o ponto de vista da diplomacia Vargas (DULLES, 1967). Simultaneamente
iniciaram-se as providências para a mobilização dos recursos naturais brasileiros para o
esforço de guerra.
97
Diante dessas resoluções advindas dos acordos, duas preocupações demandavam ações
imediatas: os soldados americanos que ocuparam bases no Norte/Nordeste brasileiro careciam
96 Na época as minas de minério de ferro de Itabira (MG) estavam sob controle do capital inglês, por meio da Itabira Iron
Company, representada no Brasil pelo empresário americano Percival Farquhar. Pelos acordos a Iron seria expropriada pela
Inglaterra (usando os poderes especiais que dispunha em tempo de guerra), e as minas seriam transferidas para o governo
brasileiro. Este, por sua vez, tomaria para si o controle da EFVM e a repassaria à recém-criada Companhia Vale do Rio Doce.
Cf. PIMENTA, 1981, p. 34-35,44, 55, 59, 112-113).
97 Entre os itens acordados para exportação aos EUA constam os seguintes produtos: “venda de todo saldo de aniagem
brasileira, até o limite de 150 milhões de jardas; 290 mil toneladas de óleo de babaçu; 1.300.000 sacas de cacau; café; 10.500
toneladas de castanhas da safra de 1942; linters de algodão; todo o saldo exportável de bagas e óleo de mamona, até 200.000
toneladas inglesas; minério de ferro, timbó, borracha bruta e manufaturada” (CARONE, 1977, p. 101).
69
de proteção contra a malária e outras doenças infecciosas, assim como os seringueiros do vale
amazônico e os trabalhadores envolvidos com a exploração de minérios estratégicos. A
assinatura do acordo de saúde e saneamento entre os representantes dos governos do Brasil e
dos EUA em 14 de março de 1942 designava a criação de um programa de saúde para
atendimento emergencial à bacia Amazônica em decorrência da produção da borracha. A esse
programa atribuiu-se a denominação Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), que teve
nominação semelhante a outros ‘serviços’ estabelecidos em outros países latino-americanos
(Equador, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, El Salvador,
Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela) que
também assinaram acordos de cooperação em saneamento com os EUA (CAMPOS, 2006).
A implementação de serviços de saneamento e saúde em regiões ainda não atendidas
pelo governo central estava em consonância com o projeto de Vargas de estender a presença
do Estado àquelas áreas e, assim, consolidar um programa de desenvolvimento em que o
fortalecimento do Estado-Nacional torna-se meio e fim (CAMPOS, 2006; FONSECA, 2007).
De acordo com Fonseca (2007, p. 216) “instituiu-se com o SESP, mais um órgão de atuação
nacional nas áreas da saúde pública a privilegiar o interior do país, dessa vez considerando a
posição estratégica das regiões para o desenvolvimento social e econômico do Brasil”.
As ações do Ministro Capanema contribuíram para que alguns obstáculos ao acordo
fossem superados, e o Estado Novo se aproveitasse da oferta dos americanos que, segundo o
ministro, “apenas chegava no momento certo” (CAPANEMA apud CAMPOS, 2000, p. 203).
A opinião do ministro permite dimensionar a inserção do novo órgão a um projeto mais amplo
do que ao interesse bélico imediato. Fonseca (2007) considera que, para o governo brasileiro,
o convênio permitiu somarem-se esforços na expansão dos serviços de saúde no vales do
Amazonas e do Rio Doce, com o novo órgão agregando-se aos objetivos de constituição de
um sistema nacional de saúde.
O contrato bilateral,
98
que criou o SESP e foi firmado entre o governo do Brasil e o
governo dos EUA, atendia à recomendação da Reunião dos Ministros das Relações Exteriores
98 O Acordo Básico, que garantia a organização do SESP, ligava-se aos seis principais pontos dos chamados Acordos de
Washington, assinados em 1942 entre o Brasil e os EUA, a saber: (a) Acordo para a melhoria da EFVM e vendas de minério
de ferro, entre o Brasil, Estados Unidos e Grã-Bretanha; (b) Acordo para cessão gratuita por parte da Grã-Bretanha ao Brasil
das propriedades da companhia possuidora das minas de Itabira (MG); (c) Acordo entre o Brasil e os Estados Unidos sobre
saúde e saneamento do vale do Amazonas; (d) Acordo para fornecimento recíproco de defesa entre o Brasil e os Estados
Unidos; (e) Acordo para expansão da produção e compra de borracha brasileira e produtos manufaturados de borracha entre o
Brasil e os Estados Unidos; (f) Acordo para o desenvolvimento da produção e outros recursos naturais brasileiros entre o
Brasil e os Estados Unidos. O principal acordo o Acordo Básico dizia respeito às questões relacionadas às minas de
Itabira e à EFVM. Cf. PIMENTA, Dermeval José. A Vale do Rio Doce e sua história. Belo Horizonte: Vega, 1981. p. 79-80.
70
de Repúblicas Latino-Americanas, realizada no Rio de Janeiro, de 15 a 28 de janeiro de 1942,
para que:
Individualmente ou mediante acordos bilaterais ou multinacionais, adotassem
medidas capazes de melhorar as condições de saúde dentro de suas fronteiras [...] e
que os programas cooperativos de saúde e saneamento que fossem formulados
também atendessem as necessidades da guerra e visassem a mobilização dos
variados recursos do Hemisfério (BASTOS, 1993, p. 27-28).
Isso significa afirmar que as condições para a instituição de um programa de saúde e
saneamento foram anteriormente criadas pelas negociações diplomáticas, que na ocasião
aproximavam o governo brasileiro e o americano, e o último garantia em contrapartida a
cooperação com fundos e assistência técnica. Ambos os governos tinham pressa, cada qual
com interesses particulares, em dar andamento ao acordo sobre saúde e saneamento: os EUA,
preocupados com as condições de permanência de seus soldados estacionados entre Recife
(PE) e Belém (PA) e em garantir fornecimento de recursos para suas necessidades bélicas
(CAMPOS, 2006); o Brasil antevia uma interiorização de políticas do Estado. Desse modo,
em 17 de abril de 1942, o Presidente da República Getúlio Vargas, mediante o Decreto-Lei n.º
4.275, autorizou o Ministro da Educação e Saúde a entrar em entendimento com o
Institute of
Inter-American Affairs (
IAIA)
99
para a organização de um serviço de cooperação em matéria de
saúde pública. Acertadas as pendências políticas,
100
burocráticas e legais,
101
criou-se o Serviço
Especial de Saúde Pública (SESP), “uma unidade administrativa mantida pelo IAIA e
subordinada diretamente ao Ministro da Educação e Saúde” (BASTOS, 1993, p. 29-30).
A atribuição primeira do recém-criado serviço relacionava-se simultaneamente com os
objetivos dos dois governos ao determinar o saneamento do Vale do Amazonas,
especialmente a profilaxia e os estudos da malária no Vale e a assistência médico-sanitária
aos trabalhadores ligados ao desenvolvimento econômico da referida região”.
102
Com efeito,
de um lado, o propósito responderia em teoria ao célebre pronunciamento chamado “Discurso
do Rio Amazonas”, feito por Vargas em Manaus, em 1940, em que o Presidente assumia
como desafio para o Estado brasileiro a incorporação do Amazonas e do amazonense ao
“corpo da nação”, para o que seria “necessário adensar o povoamento, incrementar o
rendimento agrícola, aparelhar os transportes” (SECRETO, 2007, p. 23); e, de outro lado, o
99 Entre as corporações que fizeram parte do Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA), criado em 1940,
estava o Institute of Inter-American Affairs (IAIA), que foi organizado em 1942 e teve como objetivo promover “a melhoria
das condições de saúde e bem-estar dos povos do Hemisfério, em colaboração com seus governos”. Essa corporação se
encarregou da administração do SESP em nome dos EUA (CAMPOS, 2006, p. 49-50).
100 Negociações necessárias ao ajustamento dos interesses e das responsabilidades.
101 Adequação do contrato à legislação brasileira e ajustamentos dos acordos assinados.
102 Item 1 da Cláusula Primeira do Contrato sobre saúde e saneamento. Cf apresentado por Bastos, 1993, p. 498.
71
anseio dos Aliados pela borracha e o compromisso de fornecimento assumido pelo Brasil.
Bastos (1993) assim resume a criação do SESP:
Nasceu em um ano de guerra, das necessidades cruéis da Guerra Mundial, nos
instantes em que as forças totalitárias tentavam esmagar as forças democráticas do
mundo. Em sua infância teve justamente a tarefa de defender a saúde dos homens
que precisavam de saúde para poder produzir, de homens que necessitavam de saúde
para se tornarem capazes de fornecer aos arsenais da democracia, o material
necessário para a luta em defesa do bem-estar dos povos (BASTOS, 1993, p. 30-31).
Os trabalhos desenvolvidos pelo SESP no vale amazônico foram estendidos ao vale do
Rio Doce (MG) em novembro de 1942. Em atendimento aos acordos de Washington, o
governo Vargas criou a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) para a exploração de minério
de ferro nas minas de Itabira e a ela entregou a reforma da EFVM, para garantir os meios de
transporte em grande escala daquele produto (CAMPOS, 2006). Um segundo acordo,
assinado em 10 de fevereiro de 1943 e respaldado no item 3 da cláusula primeira do contrato
formado para o vale amazônico,
103
determinava que o SESP assumisse a responsabilidade de
executar medidas gerais de saúde e saneamento e, mais especialmente, a profilaxia e o
estudo da malária, a instalação de serviços de água e esgotos em algumas principais cidades
do Vale do Rio Doce e o estabelecimento de um Centro de Saúde modelo em uma dessas
localidades”.
104
Esses contratos sustentam os primeiros programas assumidos pelo SESP no Brasil e
nomeados, respectivamente, de Programa do Amazonas e Programa Rio Doce, parte do objeto
desta investigação.
Concomitantemente, a tese da interdependência social defendida por Hochman (1998,
p. 28-29) corrobora a oportunidade de tais acordos ao apresentar a ideia de quea saúde, ou a
doença, é um dos melhores exemplos dos problemas da interdependência humana e de suas
possíveis soluções”. Ressalte-se que a interdependência envolve questões mais amplas, como
as condições para o estabelecimento de comércio internacional e delimitação de mercados,
trocas culturais, disputas políticas, divulgação e circulação de concepções e descobertas
científicas, que, associadamente ou particularmente, influenciam políticas e práticas sociais,
dependendo de contextos espaciais e temporais determinados.
O implemento das atribuições delegadas ao SESP demandava uma estrutura
organizacional e funcional adequada tanto às exigências diplomáticas que garantiram sua
103 Item 3 da cláusula primeira do contrato de saúde e saneamento: “Deverão incluir-se nas atividades do Serviço outros
problemas de saúde pública, mediante novos e prévios entendimentos e contratos entre as partes”. Cf citado por Bastos, 1993,
p. 498.
104 Cláusula 3ª do contrato relativo ao saneamento do vale do Rio Doce; cf apresentado em Bastos, 1993, p. 502.
72
criação quanto às exigências de ordem prática para a efetivação das medidas de saúde e
saneamento definidas como necessárias e/ou prioritárias. Para tanto, o SESP foi estabelecido
como um órgão distinto, de emergência, subordinado diretamente ao MES, porém
independente da estrutura habitual do ministério (BASTOS, 1993). O adjetivo ‘especial’, que
compõe sua denominação, indica posição atípica na estrutura funcional do Ministro da
Educação e Saúde: diferentemente de outros órgãos, a ele se atribuiu orçamento próprio e
gestão autônoma. Isso significava que o dependeria da disputa política por recursos
disponibilizados pelo Estado, que também lhe facilitou independência administrativa e
operacional. Na verdade, na fase inicial das atividades do SESP, a maior parte dos recursos
(cerca de 90%) era disponibilizada pelo IAIA/EUA, o que de certa forma justificava a sua
isenção da burocracia oficial. Bastos (1993) justifica a autonomia investida no SESP tendo em
vista o que se esperava resultar de sua atuação, que englobava atividades em vários campos
(medicina, saúde pública, engenharia, enfermagem, educação, pesquisa) e a complexidade
inerente a esses campos:
Impossível seria o Serviço cumprir o vasto programa estabelecido no Convênio,
dentro das normas burocráticas e muitas vezes bastante gidas do Ministério às
quais os seus órgãos tinham que obedecer. [...] Era preciso, portanto, que o Serviço
tivesse a necessária flexibilidade e independência administrativa para poder enfrentar
os obstáculos que surgissem (BASTOS, 1993, p. 469).
A cláusula segunda do Acordo Básico resolvia que o Serviço seria “superintendido por
um médico do Institute of Inter-American Affairs (IAIA) aceito pelo Ministro da Educação e
Saúde” (MES); outrossim, o Superintendente teria como assistente administrativo um
médico do serviço público federal, indicado pelo referido Ministro e aceito pelo
Superintendente do mesmo Serviço”.
105
Constituiu-se, portanto, uma coordenação bipartite
com abono da autoridade e autonomia administrativa do superintendente em relação à
admissão de pessoal e à alocação dos recursos destinados ao SESP.
106
Os recursos destinados
às atividades do SESP também foram definidos por cláusula nona do Acordo numa proporção
bastante superior para a contribuição dos EUA/IAIA em relação à contrapartida do governo
brasileiro. Para os anos de 1942 e 1943, o IAIA financiou cerca de 95% do programa no
Brasil; para os anos subsequentes a contribuição brasileira aumentou paulatinamente, e a
participação dos EUA diminuiu (BASTOS, 1993; CAMPOS, 2006), enquanto durou o
convênio até o ano de 1960. O aumento do aporte de recursos do governo brasileiro é um
105 Cláusula segunda do Acordo Básico; cf. apresentada em Bastos, op. cit, p. 498.
106 Cláusula quarta do Acordo Básico. Cf. Bastos, 1993, p. 498.
73
indício de que a existência e a atuação do Serviço alinhavam-se com os interesses nacionais
de expansão dos serviços de saúde pública articulada pelo Estado. A partir de 1950, ao
governo brasileiro correspondiam 95% dos custos totais dos serviços oferecidos pelo SESP
(FONSECA, 2007, p. 216).
Diante desses dados, cabe considerar a responsabilidade de cada uma das partes
acordantes, representadas pelo MES (Brasil) e pelo IAIA (EUA): ao MES correspondiam o
suporte legal ao acordo e a assistência política necessária à manutenção das atividades
propostas, a abertura dos canais de comunicação e parcerias locais, além da sustentação das
condições burocráticas de sua atuação (a cláusula oitava do Acordo sico, que facilitava a
importação dos recursos materiais necessários, como medicamentos e equipamentos);
107
ao
IAIA correspondiam mais diretamente a coordenação operacional do Serviço, o preparo de
técnicos, os estudos de meio e definição de programas e atuação.
Para a sustentação administrativa e operacional do SESP, criou-se uma estrutura
funcional que abrangia órgãos centrais de orientação (superintendência e divisões técnicas) e
órgãos locais de execução (programas). À Superintendência cabia a direção e a orientação das
atividades que eram executadas de acordo com um planejamento que se seguia a
levantamento e estudo das condições socioeconômicas, sanitárias e nosológicas locais. Junto à
Superintendência o IAIA mantinha uma Missão Técnica, cujo chefe participava das decisões
finais relativas ao programa de trabalho, à orientação técnica e ao orçamento. Os órgãos de
execução, os programas, eram por sua vez organizados de tal forma que, se fossem mantidos
o padrão e as normas do Serviço, teriam flexibilidade para responder a maioria dos problemas
da localidade atendida (BASTOS; SILVA, 1953). Tais programas compreendiam a
delimitação de uma área, subdividida em outras, menores, que constituíam setores de nível
local; estes se constituíram de distritos sanitários (com um número variável de municípios) e
sediavam os postos de higiene ou hospitais (BASTOS, 1993).
Uma análise dos organogramas funcionais do SESP permite examinar seu mecanismo
burocrático, os órgãos constituintes, as relações laborais e políticas entre eles. Considerando
que o SESP é uma organização orientada por finalidades e permeada por questões de
caracteres diversos (políticos, diplomáticos, socioculturais, sanitários, econômicos), é natural
que sua estrutura funcional acompanhasse os contextos circundantes.
Se tomarmos como exemplo os organogramas referentes aos anos de 1943, 1946, 1952
e 1957 (ANEXO), identificaremos a permanência do órgão central de orientação
107 Cláusula oitava do Acordo Básico. Cf. Bastos, 1993, p. 499.
74
(Superintendência) e da Missão Técnica Americana, alguma alteração nas Divisões Técnicas
(subordinadas diretamente à Superintendência) e mudanças significativas em relação aos
órgãos de execução. O organograma de 1943 apresenta quatro Programas (Amazônia,
Migração, Rio Doce, Mica), enquanto o organograma de 1946 apresenta somente dois
Programas (Amazônia e Rio Doce), porque os Programas Migração e Mica haviam sido
extintos; eram projetos pontuais e com vigência definida por circunstâncias de sua criação e
funcionamento. Entretanto, os organogramas dos anos de 1952 e 1957 apresentam
modificações mais abrangentes com a inclusão de sete e nove novos Programas,
respectivamente. Tais modificações estruturais, mais do que a visualização de alinhamentos e
a hierarquia pertinentes ao Serviço, permitem dimensionar sua dinâmica e sua organicidade,
especialmente no que diz respeito à orientação política, ao aumento da área de abrangência e
serviços prestados. A permanência da Missão Técnica em todos os organogramas (de 1942 a
1957) evidencia a continuidade de parceria com o IAIA, portanto do Acordo Básico, mesmo
que tenha sofrido alterações de fundo nesse ínterim. É possível também perceber que as
Divisões Técnicas organizaram-se como função-meio à implementação dos Programas, e
estes últimos podem ser lidos a partir das duas posições: fins e meios; a primeira no que tange
aos resultados práticos da atuação e a segunda no que se refere aos objetivos bilaterais do
SESP.
Os organogramas do SESP permitem igualmente observar a expansão da área atendida
entre os anos iniciais de sua atuação a 1960, quando finda o convênio Brasil/IAIA, que
sustentava a cooperação. Das áreas pioneiras (os vales do Amazonas e do Rio Doce) o SESP é
chamado aos poucos a atender novas regiões. Evidentemente à organização funcional
correspondeu a necessidade de quadro técnico que operacionalizasse os Programas
desenvolvidos.
O arranjo estrutural (infraestrutura e burocracia) que serviu de modelo para o Serviço
havia sido experimentado, pelo menos em parte, no ordenamento de atividades similares,
como na campanha pela erradicação do Anopheles gambiae, vetor da malária, no Nordeste
brasileiro (1939-1942). Naquela ocasião a campanha antigambiae fez-se a partir de parceria
entre o Serviço de Malária do Nordeste, órgão recém-criado no Ministério da Educação e
Saúde
108
pelo governo federal, e a Fundação Rockefeller, que disponibilizaram recursos
109
para
custear a operação de investigação e combate ao vetor da malária nas localidades infestadas e
108 Decreto-Lei n.º 1.042, de 11 de janeiro de 1939 apud SOPER; WILSON, Campanha contra o Anopheles Gambiaeno
Brasil - 1939-1942. Rio de Janeiro; Brasil. Ministério da Educação e Saúde. Serviço de Documentação. 1945. p. 136-137.
109 Em 1939 o governo brasileiro disponibilizou 10.000 contos e a Rockefeller 2.000 contos; Cf SOPER;, WILSON, 1945,
Introdução, p. IX.
75
adjacentes (SOPER; WILSON, 1945). Pelo acordo entre as partes seria possível o intercâmbio
de pessoal e material entre o Serviço de Malária do Nordeste e o Serviço Nacional de Febre
Amarela
110
(que em 1939 também era um serviço cooperativo governo brasileiro/Fundação
Rockefeller) e, com efeito, “o contingente inicial da campanha antimalárica proveio do
Serviço da Febre Amarela: cerca de cinquenta pessoas, entre dicos, guardas e funcionários
administrativos” (BENCHIMOL, 2001, p. 170). Ao novo Serviço, assim como ao da Febre
Amarela, garantiam-se isenções burocráticas, recurso adequado, pessoal treinado e
qualificado (PAULA et al., 1990 apud BENCHIMOL, 2001). O termo de contrato entre o
Ministério da Educação e Saúde e a Divisão Sanitária Internacional da Fundação Rockefeller,
facultava a esta “a inteira responsabilidade” no combate e estudo relativos ao Anopheles
gambiae no Nordeste brasileiro e em outras áreas em todo o território nacional, no período
entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 1939, com a revalidação do contrato nos anos
subsequentes até 1942. Ainda ficava a cargo da Fundação a direção-geral do Serviço de
Malária, a seleção do pessoal e a estipulação das condições de trabalho.
111
A referência a essas condições remete à semelhança na organização do Serviço
Especial de Saúde Pública que também se apoiou num contrato de cooperação internacional,
teve autonomia de recursos e de burocracias em relação ao MES e do mesmo modo que o
Serviço da Malária do Nordeste recebeu pessoal técnico migrado de outros órgãos, inclusive
deste. O depoimento de Marcolino Candau
112
é exemplar:
110 Décima quinta cláusula do contrato: “O Serviço de Malária do Nordeste e o Serviço de Febre amarela, trabalharão em
mútua cooperação no que diz respeito a pessoal, material e transporte”. In: SOPER; WILSON, 1945, p. 140.
111 Cláusula segunda do contrato: “O representante da Divisão Sanitária Internacional da Fundação Rockefeller será o
diretor do serviço de Malária do Nordeste, sendo a sua atribuição a escolha do pessoal e a estipulação das condições a que o
mesmo ficará sujeito, com aprovão do Ministério da Educação e saúde”. In: SOPER; WILSON; 1945, p. 138.
112 O médico sanitarista Marcolino Candau ingressou no SESP em 1943 e assumiu a Superintendência do Serviço em 1947.
Após ter atuado na Campanha Antigambiae no Nordeste, foi recomendado pelo diretor da Fundação Rockefeller no Brasil,
Dr. Fred Soper, a uma bolsa de estudos na Escola de Saúde Pública da Universidade de John Hopkins, nos Estados Unidos,
onde concluiu o Mestrado em Saúde Pública, em 1941.
76
Fiz parte do pequeno elenco de profissionais de saúde pública que, em 1943, cedidos
por diversos órgãos (no meu caso, pela Secretaria de Saúde do Estado do Rio de
Janeiro) vieram compor, com o grupo que havia participado do combate ao a.
gambiae, o núcleo inicial do SESP. Anos mais tarde, ao ser investido daquela plena
autoridade tão necessária à execução dos planos de ão que vinham sendo
desenvolvidos, inicialmente na Região Amazônica e no Vale do Rio Doce, e que
consistiam de projetos aprovados pelas partes contratantes (CANDAU apud
BRAGA, 1984, p. 105).
Na fase inicial da atuação do SESP evidenciava-se a presença mais intensa de técnicos
norte-americanos em relação ao número de brasileiros dedicados ao Serviço. Entretanto, esse
número cresceria à medida que as atividades se expandissem, e o SESP se consolidava como
agência modelar de saúde pública em território brasileiro.
Todavia, a influência americana se mantém e, através de aditivos ao Convênio Básico,
várias vezes firmados até 1960, a cooperação americana é referenciada (BASTOS, 1993).
Para as atividades de campo, implementadas em cada programa, o SESP foi compelido a
preparar seu pessoal técnico, dada a carência de pessoal especializado e a dificuldade de
requisitá-lo em outros órgãos. Coube, então, à Divisão de Educação Sanitária executar essa
tarefa preparando cursos para as diversas categorias de pessoal: médicos, engenheiros,
enfermeiras, visitadoras, auxiliares hospitalares e de laboratório, guardas (sanitários,
antimaláricos, medicadores), agentes de nutrição, topógrafos (SILVA; MORAES, 1948).
113
Se
inicialmente a capacitação de pessoal atendeu à urgência de mão de obra, o Serviço também
reconhecia a necessidade de habilitação de seu pessoal para a implementação das tarefas mais
pragmáticas até a assimilação dos novos conceitos sobre saúde e saneamento e sua posterior
divulgação, e isso valia tanto para os técnicos superiores (médicos, enfermeiras, engenheiros)
quanto para os auxiliares (BASTOS, 1993). O preparo de pessoal acompanhou a expansão das
áreas profissionais e geográficas de atuação do SESP, tornando-se uma de suas preocupações.
De acordo com um servidor (agente sanitário) admitido no Serviço em 1959 e aposentado 35
anos depois, antes de entrar no SESP não sabia nada de saneamento, era carpinteiro, em
Almenara (MG) e aprendi tudo no curso dado para os que passaram no concurso para entrar
no Serviço”.
114
Esse entrevistado lembrou que “ninguém entrava no SESP sem concurso”, e de
fato fazia-se uma seleção entre os interessados e candidatos aos postos de trabalho, constando
de testes sobre conhecimento básico de escrita e matemática (como o que fez o entrevistado)
ou específico conforme a função profissional pleiteada.
113 Trabalho apresentado ao VI Congresso Brasileiro de Higiene, reunido no Rio de Janeiro, de 19 a 25 de outubro de 1947.
114 Entrevista Sr. Atanael, agente sanitário admitido no Programa Minas Gerais /1959 (dez. 2007, acervo pessoal).
77
Antes da instituição do SESP muitos profissionais brasileiros já se especializavam nos
EUA através de bolsas de estudo e convênios, como registrado no relatório
115
do Ministério
das Relações Exteriores do Brasil em 1942:
O intercâmbio universitário, e de técnicos e profissionais, assumiu em 1942 uma
importância sem precedentes. A mocidade brasileira, os nossos mestres e
profissionais desejosos de aperfeiçoamento nas suas especialidades encontraram nos
Estados Unidos uma acolhida cordial, prosseguindo e ampliando o movimento
iniciado em anos anteriores. Os principais centros educacionais norte-americanos
abriram a sua matrícula a bolsistas brasileiros, que frequentam hoje, em número
considerável, as grandes Universidades daquele país. Além disso, médicos,
engenheiros, técnicos dos mais variados matizes foram convidados para cursos de
aperfeiçoamento em organizações do Estado e em estabelecimentos privados.
(Relatório Ministério das Relações Exteriores, 1942, p. 73).
O SESP deu continuidade a essa política de capacitação no exterior através do IAIA,
que, conforme definido no Acordo sico, era responsável pelo preparo de profissionais para
trabalhos de saúde pública (SILVA; MORAES, 1948). As bolsas de estudo contemplaram
particularmente os campos de saúde pública, clínica médica, administração de escolas de
enfermagem, operação de serviços de água e esgotos, serviços de odontologia, higiene
industrial (BASTOS, 1993). Silva e Moraes (1948, p. 823) registram que “até 1947, 140
médicos e 36 engenheiros terão feito cursos de especialização ou treinamento nos Estados
Unidos e Brasil, e 36 moças terão sido contempladas com bolsas de estudo de enfermagem
nos Estados Unidos”.
Diante de problemas relativos à manutenção de profissionais no exterior, como
dificuldades com a língua inglesa e adaptação, a partir de 1944, o SESP passou a encaminhar
seu pessoal para cursos oferecidos por instituições brasileiras, entre os quais se destaca o
Curso de Saúde Pública promovido pelo Departamento Nacional de Saúde, do MES. Entre
1945 e 1950 a Faculdade de Higiene da Universidade do Estado de São Paulo e a Escola de
Enfermagem
116
no mesmo estado também receberam profissionais para treinamento As
possibilidades de especialização ampliaram-se com a abertura de novos cursos oferecidos
pelas universidades brasileiras, como o Curso de Engenharia Sanitária da Faculdade de
Higiene, em 1954 (BASTOS, 1993), e diversos cursos de enfermagem em Minas Gerais
(1945), na Bahia 1949), em Pernambuco (1952) e outros estados (BASTOS, 1993). Além
115 Relatório do Ministério das Relações Exteriores, (COOPERAÇÃO INTELECTUAL) 1942, p. 73. Disponível em:
<http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1809/000086.html>. O portal Brazilian Government Document Digitization Project
<http://www.crl.edu/content.asp?l1=4&l2=18&l3=33> oferece interessante acervo sobre diversos aspectos e acontecimentos
políticos no Brasil, entre os séculos XIX e XX. Acesso em: 10 fev. 2008.
116 A Escola de Enfermagem do Estado de São Paulo foi fundada (1947) com a colaboração técnica e financeira (65% do
custo total da obra) do SESP. Cf. BASTOS, 1993, p. 451.
78
disso, o SESP realizou por sua conta ou em parcerias com outros órgãos, cursos pidos e
treinamento variado para o pessoal em atividade: enfermagem ortopédica (entre 1945 e 1946),
curso de lepra (1951), curso de educação sanitária para professoras primárias (1944), curso de
higiene para professores de higiene das escolas Normais do estado de Minas Gerais (1950),
seminário de trabalho para professores de Engenharia (1952), curso de revisão de técnica
operatória (1955), entre outros (BASTOS, 1993).
Quanto ao pessoal auxiliar, sua capacitação foi providenciada pela Divisão de
Educação Sanitária,
117
que preparou e aplicou cursos para agentes sanitários, auxiliares de
enfermagem e auxiliares hospitalares, práticos de laboratório, fiscais sanitários, visitadoras,
‘curiosas’, auxiliar de dentista, agentes sanitários (BASTOS, 1993). Conforme depoimento já
citado, muitas dessas pessoas tinham pouca ou nenhuma noção sobre as funções que
desempenhariam no SESP. Podemos inferir, por conseguinte, que tanto para os quadros
técnicos profissionais quanto para os quadros auxiliares era prioritária a capacitação teórica e
prática, que visava acompanhar os serviços implantados nas áreas de atuação do SESP. De
mais a mais, era notória a escassez de pessoal dedicado a trabalhos em saúde pública no
Brasil, e isso se acentuava em áreas do interior. Rios (1998) em texto retrospectivo sobre a
atuação do SESP apresenta como “pobres os recursos humanos em saúde, precária a
distribuição de médicos e enfermeiras”, contribuindo para o panorama de precariedade
sanitária no Brasil na década de 1940:
Mais de 80% da população viviam em centros acanhados de dez mil pessoas,
destituídos de qualquer assistência médico-sanitária. Nem se fale na população de
baixa renda, no campo e na cidade, que não tinha acesso a tais recursos. A água era
de qualidade, a poluição dos centros de abastecimento generalizada, sua
distribuição imperfeita, como a da rede de esgotos que não acompanhava o perfil de
crescimento das cidades. (RIOS, 1998, p. 4-5).
A necessidade de preparar pessoal qualificado e/ou especializado levou o SESP a
investir nessa área e no estabelecimento de um modelo de prestação de serviços de saúde que
se adequasse às condições locais, ganhando destaque nos anos seguintes à sua instituição. O
aparato “sespiano”, de acordo com Fonseca (2007, p. 216) assemelhava-se em certos aspectos
com “os padrões definidos pelo DNS na reforma de 1941”, ao direcionar suas atividades “para
117 A demanda por pessoal auxiliar exigiu do SESP a implementação de cursos emergenciais para formação dos quadros,
como o curso de educação sanitária realizado no primeiro semestre de 1953, cujo formato foi apresentado no XI Congresso
Brasileiro de Higiene, realizado em Curitiba, de 15 a 21 de novembro do mesmo ano, com o título “Preparação de técnicos e
auxiliares de Educação Sanitária”; texto também publicado na Revista do SESP, tomo VI, junho de 1954, n. 2, assinado por
Orlando José da Silva, N. C. de Brito Bastos, José Arthur Rios, Simone F. Rivera, Howard W. Lundy. Cf. Silva et al. (1954,
p. 97-507).
79
o treinamento e a qualificação profissional, a educação sanitária e a criação de uma rede
integrada de serviços de saúde”.
A criação do SESP não ocorreu sem que houvesse certa tensão dentro do Ministério da
Educação e Saúde, por divergência de perspectivas e forma de intervenção sanitária. Isso era
agravado pelo fato de o SESP constituir um espaço privilegiado pela autonomia que gozava e
pelos recursos disponibilizados, desagradando outros setores e órgãos públicos, especialmente
o Departamento Nacional de Saúde (DNS), dirigido por Barros Barreto. Passados quase dez
anos da constituição do Serviço, Mário Magalhães da Silveira,
118
médico sanitarista dos
quadros do Ministério da Saúde, afirmava em artigo publicado no periódico Desenvolvimento
& Conjuntura, da Confederação Nacional da Indústria:
Não sofre o SESP as restrições no que se refere à entrega no tempo próprio de suas
dotações orçamentárias. Como contrapartida a todas estas facilidades, é lógico deva
caber aos seus dirigentes total responsabilidade pelos erros cometidos. Os órgãos
integrantes do Ministério da Saúde, além de todas as dificuldades impostas pelas
restrições orçamentárias, têm liberdade muito mais limitada na formulação dos seus
programas e não podem, efetivamente, dispor do seu pessoal qualificado em virtude
das limitações salariais impostas pela legislação vigente, sem contar que muitas
vezes os chefes são escolhidos por injunções políticas e o técnicas
(MAGALHÃES apud SILVA; DE MORELL, 2005, p. 122-123).
Apesar da autonomia do SESP em relação ao MES, seu aparelhamento certamente
teve que levar em consideração as circunstâncias gerais e, especificamente nas áreas
trabalhadas, as condições locais. Dessa forma, a organização burocrática e a atuação do SESP
transformaram-se conforme contextos geográficos, políticos e históricos; entretanto, sem estar
isolado em projeto próprio ou auto-suficiente, atendia uma orientação mais geral, em que os
objetivos de fortalecimento do Estado, através da expansão de rede de saúde pública nacional
perpassavam a sua estruturação e atuação. Para Fonseca (2007, p. 182) “as diretrizes adotadas
pelo SESP e pelo DNS eram semelhantes em muitos aspectos, exatamente porque partilhavam
princípios e ideias que vinham se fortalecendo em âmbito internacional”, em particular
América Latina e Estados Unidos e, cabe dizer, também em âmbito nacional.
118
Para acompanhar a trajetória e os posicionamentos do sanitarista, ver ESCOREL, Sarah. Saúde pública: uma utopia de
Brasil. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2000.
80
2.2 As fases e áreas de atuação do SESP: ofícios
A atuação da agência pode ser apresentada em duas fases distintas. A primeira, de
1942 a 1945, atendeu o acordo de “esforço de guerra” para sanear áreas de interesse
estratégico-militar. Servidores pioneiros e dirigentes do SESP identificam essa fase como
‘emergencial’, e à época a perspectiva de vida do Serviço era curta, não se prevendo sua
vigência além do fim da Segunda Guerra (RIOS, 1998). Nessa primeira fase a atuação da
agência privilegiou o vale do Amazonas e o vale do Rio Doce, regiões que guardavam
recursos naturais e minerais estratégicos para atendimento de necessidades bélicas. Os dois
primeiros Programas instalados — Programa do Amazonas e Programa do Rio Doce —
visavam efetivamente garantir as condições de exploração daqueles recursos, implementando
para isso medidas de socorro à saúde dos trabalhadores e da população envolvida. Outros dois
programas foram organizados nessas áreas: o Programa da Migração, complementar ao
Programa do Amazonas e o Programa da Mica, de caráter pontual, no vale do Rio Doce, para
atendimento sanitário da área produtora.
O Programa da Migração, de dezembro de 1942, delegou ao SESP a seleção e o
atendimento de trabalhadores incentivados à migração das áreas de seca (Nordeste) para os
seringais da Amazônia,
119
porém dificuldades de operacionalização e tensões circunstanciais
marcaram sua vigência e determinaram seu encerramento em dezembro de 1944. O Programa
da Mica, criado em outubro de 1943, também teve vigência breve, com orientação para
atendimento aos “miqueiros”
120
garantindo-se a produção. Administrado pelo SESP mas como
um projeto distinto do IAIA com financiamento também em separado pelo Federal Economic
Administration, órgão do governo americano (CAMPOS, 2006), esse programa foi extinto ao
fim da Segunda Guerra, quando a demanda pela mica declinou.
Mais duradouros, o Programa do Amazonas e o Programa do Rio Doce tiveram
projetos semelhantes quanto aos objetivos de saneamento, tratamento de água e esgotos,
combate à malária, endêmica nas duas regiões, e atendimento suplementar às necessidades
médico-sanitárias dessas áreas. Aproximando assistência preventiva e curativa, preservava-se
o modelo norte-americano fundamentado na ideia de medicina preventiva, embora o SESP
119 A recente publicação de Maria Verônica Secreto, Soldados da borracha: trabalhadores entre o sertão e a Amazônia no
governo Vargas (São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2007) apresenta interessante discussão sobre o tema,
considerando o cotidiano e as condições de trabalho dos seringueiros.
120 Miqueiro era como se identificavam os trabalhadores da exploração e limpeza da mica na região do vale do Rio Doce.
81
tenha tido que fazer adaptações e/ou concessões localmente (LIMA, 2002). Os resultados
desses programas foram distintos do ponto de vista sanitário e econômico: contrastando com o
Programa do Amazonas, o Programa do Vale do Rio Doce teve resultado meritório, e sua
continuidade acabou definindo estratégias sanitárias que se disseminaram para outras regiões
do País. Saliente-se que no campo científico, nessa fase, o SESP “realizou importantes
pesquisas e promoveu inovadoras experiências de administração sanitária” (CAMPOS, 2001,
p. 175).
Encontram-se publicados na Revista do SESP diversos artigos, assinados por técnicos,
pesquisadores e colaboradores do Serviço, que discorrem sobre conceitos e metodologias
relacionados à gênese, à natureza e à atuação da agência. A publicação intercala relatos de
experimentos e projetos e seus resultados com diagnósticos e análises sobre a questão de
fundo, que é sempre a tese sanitária. Estudos sobre a malária, seus vetores e profilaxia,
estudos sobre variadas verminoses e outras doenças encontradas nas áreas atendidas e
profilaxias experimentais, estudos sobre saneamento, educação sanitária, entre outros temas,
são objeto de divulgação e discussão, e muitos destes trabalhos foram apresentados em
congressos, conferências ou outros espaços correlacionados.
121
Uma avaliação das metas definidas para a primeira fase de atuação do SESP, no que
tange ao atendimento da saúde dos trabalhadores, remete à tese de Ângela de Castro Gomes
que, ao inventariar o ‘trabalhismo’ varguista nele identifica a implementação de medidas que
visavam “resguardar, recuperar e aumentar a capacidade de produzir do trabalhador”. Tais
medidas, traduzidas pela atuação da previdência e da assistência social, vinculavam-se ao
objetivo de preparar trabalhadores fortes, os e produtivos, que pudessem contribuir com o
desenvolvimento nacional (GOMES, 2005, p. 242-243). No Estado-Novo uma das
prerrogativas para o reconhecimento do ser cidadão era o pertencimento ao mundo do
trabalho/produção de riquezas. “Trabalhar não era simplesmente um meio de ganhar a vida,
mas sobretudo um meio de servir à Pátria (Paulo Augusto de Figueiredo apud GOMES,
2005, p. 239). O trabalho do SESP para garantir condições sanitárias de trabalho aos
seringueiros da Amazônia, aos trabalhadores da EFVM, aos miqueiros do Médio Rio Doce,
de certa forma, igualmente permite essa assertiva, embora o investimento do Governo Vargas
nessa área mais atendesse ao propósito de fortalecimento da presença e do controle do Estado
em regiões do interior do Brasil. Simultaneamente a nação brasileira se fazia construir como
Estado forte e centralizado, entre outras políticas, pela inclusão de territórios até então à
121 A Revista do SESP, de junho de 1961 (Tomo XI, n. 2), apresenta um índice geral dos trabalhos publicados até então,
podendo-se conferir a variedade de temas e sua relevância.
82
margem dos projetos nacionais. Os vales do Amazonas e do Rio Doce incluíam-se nessas
perspectivas.
A segunda fase, entre 1945 e 1960, ou, como Bastos e Silva (1953) preferem, entre
1949 e 1960, decorre do empenho do governo brasileiro e do apoio de setores do governo dos
EUA. Havia interesses ligados ao estabelecimento de medidas sanitárias de cunho preventivo,
ao crescimento do mercado de produtos farmacêuticos, bem como à defesa de medidas para
prevenir o avanço do comunismo no contexto da Guerra Fria. A continuidade do SESP no
pós-guerra é definida para atuar na prestação de serviços de saúde pública e agenda sanitária
nas áreas alçadas à condição de fronteira agrícola subsidiária ao processo de industrialização
brasileira. A orientação seguida nos vários programas estabelecidos no Médio Rio Doce
alinhava-se ao formato de atuação no campo da saúde pública definido pela reforma do MES
em 1941, que privilegiava as ações preventivas e combate às endemias, os necessários
combate e controle de doenças com perfil epidêmico e a assistência médica e suas
particularidades (FONSECA, 2007, p. 49).
O sucesso da atuação do SESP no Vale do Rio Doce na primeira fase garantiria a
continuidade dos projetos, porém com paulatino aumento do controle pelo governo brasileiro
sobre a atuação do Serviço, porque se tornava uma agência de saúde pública de caráter
nacional (CAMPOS, 2000, p. 212). A avaliação de Ernani Braga
122
esclarece certa tensão
entre os quadros nacionais e estrangeiros do Serviço nessa fase de transição:
No início houve uma certa resistência ao SESP, por parte de nosso pessoal, porque
seus dirigentes eram quase todos ligados ao Instituto de Assuntos Interamericanos e
tinham muito menos preparo, experiência e qualificação em saúde pública do que
nós. Eram pessoas arrebanhadas nos estados Unidos, sem competência e experiência
suficientes. E chegou o momento em que o houve alternativa senão entregar a
administração do SESP a brasileiros. Houve, então, uma grande mudança. Marcolino
Candau assumiu, junto com Sérvulo Lima, no Rio de Janeiro; Paulo Antunes, deo
Paulo, foi para a Amazônia; e eu, que estava no Pará, fui convidado a ir para a região
do Vale do Rio Doce. E então começou a fase nacionalizante do SESP (BRAGA
apud LIMA; FONSECA; SANTOS, 2004, p. 135).
Quando em 1946 a nova Constituição estabeleceu que caberia à União firmar “acordos
com os estados e municípios e proporcionar assistência técnica e financeira para a provisão de
infraestrutura sanitária”, o SESP se adequou a essa política. Ao fazer convênio com os estados
brasileiros, o SESP reproduzia o modelo de cooperação IAIA/SESP, dividindo as
122 Ernani Paiva Ferreira Braga cursou Medicina na antiga Universidade do Brasil e se formou em 1935. Recebeu o titulo de
Sanitarista pela conclusão do Curso de Saúde Pública em 1941. Foi colaborador do Departamento Nacional de Saúde, da
Delegacia de Saúde do Ceará e da Secretaria de Saúde do Pará. No SESP permaneceu de 1944-1959. Foi consultor de
inúmeras organizações, participou da Diretoria de Associações como a American Public Health Association, a Sociedade
Brasileira de Higiene, além de ter desempenhado relevantes funções nas Assembleias Mundiais de Saúde da OMS.
83
responsabilidades de construção e manutenção das unidades sanitárias, que ficariam por um
tempo sob a administração do SESP, encarregado também da assistência técnica e da
formação de pessoal. Feitos os ajustes necessários, a administração seria dividida entre o
SESP e os governos estaduais. Por fim, no momento devido, se a administração local tivesse
condições favoráveis, as Unidades ficariam sob seu controle (CAMPOS, 2006). Nesses casos,
referendando-se as estratégias políticas delineadas pelo MESP a partir de 1937, em que a
“definição de um formato de ação pública de saúde [...] levaria necessariamente a uma inter-
relação entre os representantes do poder público federal e os detentores do poder local,
regional, vinculados aos estados” (FONSECA, 2007, p. 39), porém sob a supervisão direta do
governo federal. As parcerias e os contratos efetuados entre os estados e/ou municípios e o
SESP ampliaram a sua área de abrangência com instalação de unidades sanitárias, sob sua
coordenação, em diversas novas localidades, além do que simultaneamente o Serviço efetuava
“a qualificação de pessoal, o fomento de infraestrutura e padronização de normas técnicas e
administrativas no campo da saúde”; atividades que, de acordo com Campos (2006, p. 240-
245), se afinavam com os procedimentos e os interesses relacionados ao fortalecimento do
Estado nacional na era Vargas.
De acordo com Bastos e Silva (1953, p. 224-225), dos quadros técnicos da agência, a
data de 31 de dezembro de 1948 marca efetivamente “o término da fase de emergência do
SESP”, durante a qual os trabalhos se concentraram nos vales do Amazonas e do Rio Doce.
Também consideram que, a partir de janeiro de 1949, teve início uma nova fase caracterizada
pela ampliação do raio de ação das atividades. Atendendo convites de estados da Federação,
surgiram o Programa da Bahia e o Programa do Nordeste (atendimento a Paraíba e
Pernambuco). Em 1950, o SESP assinou convênio com o estado de Minas Gerais para atender
o vale do Rio São Francisco (inclusive municípios dele margeantes nos estados de Alagoas e
Sergipe). Com a assinatura desse convênio, em 1951 extinguiu-se o Programa Rio Doce e
criou-se o Programa de Minas Gerais, mantendo-se as atividades daquele, e a área do Espírito
Santo foi transformada em Distrito Sanitário subordinado diretamente à Superintendência do
SESP (BASTOS; SILVA, 1953). Pela avaliação de Bastos e Silva (1953) as regiões
abrangidas pelos três vales (Amazônia, Doce e São Francisco), embora pouco desenvolvidas e
com grandes problemas socioeconômicos, tinham grandes possibilidades de desenvolvimento,
o que justificava a atuação do SESP.
A partir dessa expansão inicial e durante a década de 1950, o SESP alargou sua área de
atuação atingindo praticamente todo o território nacional antes do término do convênio
Brasil/EUA, que o mantinha: em 1952 chegou ao Rio Grande do Sul para cooperar com o
84
Departamento Estadual de Saúde na melhoria dos serviços de saúde e saneamento da fronteira
oeste do estado, bem como incluiu vários municípios dos estados do Maranhão, Goiás e Mato
Grosso. Em 1954, o Serviço passaria a atender o estado do Cea num programa de
construção de sistema de abastecimento de água. Em 1955, nos estados de Sergipe (todo o
interior) e do Paraná (os municípios da fronteira oeste) foram organizados serviços de saúde e
saneamento, do mesmo modo que no ano seguinte foram atendidos vários municípios dos
estados do Rio Grande do Norte e Piauí além da expansão para o norte do estado do Espírito
Santo (antes atendido somente na área do Vale do Rio Doce). Em 1957 e 1958, o SESP passa
a atuar, respectivamente no estado de São Paulo (desenvolvimento de atividades de higiene
industrial em conjunto com o Serviço Social da Indústria) e na cidade do Rio de Janeiro
(participação no planejamento do sistema de esgotos da cidade). Em 1958 também passou a
atender alguns municípios no estado de Santa Catarina; finalmente, em 1959, foi chamado
pelo Ministério do Exército a colaborar na instalação de Unidades Sanitárias indispensáveis
para consolidação de núcleos populacionais ao longo da Rodovia Belém-Brasília, no trecho de
450 quilômetros entre Guamá (PA) e Imperatriz (MA) (BASTOS, 1993).
Deste modo, quando em 1960, o SESP foi transformado na Fundação Serviço Especial
de Saúde Pública, vinculada ao Ministério da Saúde através de lei sancionada pelo então
presidente Juscelino Kubitschek (também responsável pelo envio do projeto ao Congresso
Nacional em dezembro de 1958), se encontrava consolidado e cumprira os objetivos que
sustentaram sua criação 18 anos antes. Enfim, o SESP se alinhava aos fins
desenvolvimentistas do governo Vargas e do que lhe sucedeu, Juscelino Kubitschek, que não
promoveu mudanças substanciais na área da saúde e do saneamento. Na opinião de Almiro
Barreto, “o programa de Juscelino somente reproduzia o SESP”.
123
Para Juscelino Kubitschek (1955-1961) a responsabilidade sobre a Saúde Pública
cabia ao Ministério da Saúde, que deveria impedir o aparecimento de doenças e em estender a
vida. Para o Presidente JK à população da zona rural faltava maior atenção por ter tido menor
acesso aos avanços da medicina. Segundo Vieira (1995) os seguintes parâmetros definiam a
política de saúde no governo de Juscelino Kubitschek: (a) a ação decisiva na luta contra as
endemias rurais; (b) a continuação, sem esmorecimento, da Campanha contra a Malária; (c) o
apoio à Campanha Nacional contra a tuberculose; (d) o estudo da situação da assistência
médico hospitalar, principalmente das comunidades menos favorecidas, para organização de
um plano orgânico geral; (e) a execução de uma política de alimentação; (f) a continuidade
123 Entrevista com o Dr. Almiro Barreto, que trabalhou em Aimorés e Conselheiro Pena, e foi Diretor da Unidade de Saúde
em Governador Valadares no final da década de 1950. (Em 30 de maio de 2008; Acervo pessoal).
85
dos planos de saneamento dos núcleos de população mais densos. Portanto, a Saúde Pública
não teve exatamente um melhoramento no período de Juscelino, mas prevaleceram os
indicativos anteriormente apresentados. Ernani Braga declara em depoimento:
No período de Juscelino Kubitschek, o SESP teve bastante apoio, talvez tivesse
havido uma influência pessoal da ligação do Penido e dos Penido com Juscelino. O
Osvaldo Penido era chefe da Casa Civil. Mas Juscelino era um homem muito
simpático, receptivo e acompanhou de perto a criação do SESP no Vale do Rio Doce
(ERNANI BRAGA apud LIMA, FONSECA; SANTOS, 2004, p. 146-147).
A expansão da área atendida pelo SESP foi acompanhada pela ampliação dos serviços
prestados. Se nos primeiros anos de atuação o SESP atendeu preferencialmente a pleito
curativo,
124
com menor investimento em prevenção sanitária, na fase seguinte, abrindo-se a
década de 1950, a inversão da prioridade se efetivaria. O sociólogo José Arthur Rios, que
trabalhou no SESP, na cada de 1950, desenvolvendo atividades relacionadas à educação
comunitária e à formação de lideranças, relaciona a mudança de orientação e estratégias ao
novo panorama internacional e nacional:
Mudara o cenário demo-sanitário do mundo e do país. Curadas as feridas da guerra
ingressaram as nações do Primeiro Mundo numa era de prosperidade. A Organização
Mundial de Saúde introduzia um conceito dinâmico de higidez, não mais a simples
ausência de doença, mas ‘um estado de completo bem estar físico, mental e social’.
[...] Eram cada vez mais visíveis os elos entre o estado de higidez e os níveis e
padrões de vida. (RIOS, 1998, p. 10).
A consolidação da atuação preventiva do SESP acompanha a metamorfose do
pensamento social acerca do Brasil e dos brasileiros, especialmente acerca do homem rural,
entendendo-se, então, a saúde e a doença como componentes socioculturais de sua identidade.
De acordo com Rios (1998), os estudos de brasileiros como Gilberto Freyre, Carneiro Leão,
Araujo Lima, Djacir Menezes, Emilio Willems, Manuel Diegues Jr., e de estrangeiros, como
Pierre Monbeig, Deffontaines, T. Lynn Smith, Donald Pierson, Charles Wagley, e muitos
outros, vinham preparando o terreno para essa visão diferente do homem brasileiro.
125
Ainda segundo Rios, a esses intelectuais se juntariam os sanitaristas, agregados ou não ao
124 Medidas preventivas acompanharam a fase emergencial tanto no vale do Amazonas quanto no vale do Rio Doce, porém
manteve-se o foco de atendimento nos trabalhadores envolvidos com a demanda de guerra. Cf. Bastos, 1993, p. 36.
125 Neste pormenor o autor não esclarece a filiação científica dos autores citados, porém reconhecidamente ligados a Escola
Livre de Sociologia da USP, onde professores-pesquisadores estrangeiros como Donald Pierson além de se dedicarem à
organização acadêmica, empenharam-se em estudos sobre comunidades rurais brasileiras, a partir de metodologias próprias
da Sociologia e a Antropologia.
86
SESP. Encontramos em Freyre (1983)
126
uma aproximação esclarecedora dessa simbiose
médico-sociológica preconizada na década de 1950. Referenciando a conhecida generalização
de Ortega y Gasset,
127
o sociólogo defende queé raro o doente e é rara a doença que existam
independentes de suas circunstâncias. E estas são socioculturais. São ecológicas” (FREYRE,
1983, p. 85).
A atuação do SESP nas áreas pioneiras e incorporadas não se deu, portanto, apartada
de um determinado pensamento sanitário correspondente, isto é, o Serviço não se justificava
por si mesmo, mas por um conjunto de concepções que conectavam política, economia,
sociedade, saúde e cultura. As atividades do SESP na primeira fase de sua atuação foram
ampliadas na segunda fase, a1960, de acordo com os novos objetivos que se constituíam
pari passu com os resultados alcançados e com as necessidades modernizadoras advindas dos
projetos de desenvolvimento nacional implementados nas décadas de 1940 e 1950.
3 A metodologia ‘sespiana’:
128
ofícios e métodos
Na atuação do SESP é possível identificar um modelo e uma forma determinada de
pensar a saúde e as epidemias. Considerando que os pressupostos teóricos sobre qualquer
campo ou ofício, bem como os contextos nos quais se produzem, implicam ações práticas
(HABERMANS, 1982; apud SACRISTÁN, 2000), é possível buscar em ambos as referências
para a definição dos tipos de intervenção necessários (métodos e estratégias) para o alcance
dos objetivos correlacionados. No caso do SESP, a dinâmica política, econômica e
sociocultural adjacente às áreas de atuação, implicou estratégias e metodologias adaptadas às
condições locais. O conceito de saúde explícito nos posicionamentos de dirigentes e técnicos
do SESP dá uma medida dessas interlocuções.
126 A obra em questão (Médicos, doentes e contextos sociais: uma abordagem sociológica: nova apresentação, em língua
portuguesa, de uma sociologia da Medicina vista sob perspectiva principalmente eurotropical ou brasileira. Rio de Janeiro:
Globo, 1983) é apresentada pelo autor (prefácio, p. 17) como sistematização sobre “assunto complexo que é, do ponto de
vista sociológico, o relacionamento médico-paciente, Medicina-sociedade, Medicina-complexo cultural, Medicina-ecologia”.
FREYRE (1983).
127 José Ortega y Gasset (Madrid, 9 de maio de 1883 - Madrid, 18 de outubro de 1955) filósofo espanhol, atuou como
ativista político e como jornalista. Sua obra influenciou o pensamento de intelectuais que editavam a revista Cultura Política,
divulgada pelo DIP durante o Estado Novo. Cf. Resenha de OLIVEIRA, Lúcia Lippi (2003, p. 1) sobre o livro Intelectuais:
sociedade e política, organizado por Elide Rugai Bastos, Marcelo Ridenti e Denis Rolland: São Paulo: Cortez, 2003.
Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/361.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2008.
128 O adjetivo sespiano” aparece como identificação da agência e de suas atividades ou métodos em textos e/ou
testemunhos de antigos servidores, bem como em textos científicos que mencionam o SESP, como o de LIMA, Nísia
Trindade. O Brasil e a Organização Pan-Americana da Saúde: uma história em três dimensões. In: FINKELMAN, Jacobo.
Caminhos da Saúde Pública no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. FIOCRUZ, 2002. Em que pese uma dose de vaidade no
posicionamento dos mencionados servidores, o adjetivo serve como parâmetro de distinção entre o modelo de atuação do
Serviço e outros congêneres.
87
Duas tendências podem ser destacadas: nos relatórios das atividades realizadas nos
programas pioneiros da primeira fase (Amazonas e Rio Doce) e em artigos da Revista do
SESP (já relativos à segunda fase de atuação do Serviço), respectivamente, o tripé ignorância-
pobreza-apatia como causas do agravamento do quadro nosológico em muitas localidades, e o
entendimento da “saúde como fator de desenvolvimento econômico para o país”.
129
A concepção de saúde e doença focada no indivíduo, considerado responsável pelo
bem/saúde ou mal/doença que o atinge por sua ignorância ou descuido/apatia, valoriza a
necessidade do ensino de novas práticas de higiene e saúde, concomitantemente com novas
maneiras de uso dos recursos cnicos, humanos e ambientais disponíveis. Um documento do
Fundo FSESP (Divisão de Engenharia Sanitária, 1949-1951)
130
traça quadro de apatia,
ignorância e superstição no agravamento no quadro de doenças na cidade de Governador
Valadares (no vale do Rio Doce). Nesse sentido, para a primeira fase de atuação do SESP,
percebe-se uma descrição das condições de vida e saúde no Vale do Rio Doce (MG) em
conformidade com os relatórios de viagem
131
de Belizário Penna e Arthur Neiva, que
indicavam o abandono e isolamento como causas das mazelas da população das áreas
visitadas, além de traçar um cenário sociocultural em que apatia, analfabetismo e ignorância,
acentuavam a precariedade.
Ao final da década de 1940, configuravam-se novas perspectivas de análise da
situação sanitária no Brasil, e o SESP se consolidava como agência de saúde pública. Artigos
divulgados na Revista do SESP podem ser arrolados como divulgadores do pensamento
sanitário que moveria a agência a partir daí. A seleção apresentada a seguir, feita a partir da
proximidade temática, permite acompanhar a convergência de concepções e propostas de
intervenção.
O artigo Novos Rumos para a Saúde Pública Rural,
132
assinado por Marcolino Candau
e Ernani Braga (1948), apresenta uma reveladora discussão sobre a saúde pública,
129 A assertiva é o título de artigo de Eugene P. Campbell (Chefe da Missão Técnica, Divisão de Saúde, Bem-estar e
Habitação, IAIA, Brasil) e Mildred A. Morehead Epidemiologista do IAIA e do SESP, Brasil) publicado na Revista do SESP,
Tomo V, n. 2, 1952.
130 Fundo FSESP/ Seção Divisão de Engenharia Sanitária, caixa 33 documento 36/Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz.
131 Relatório da viagem científica realizada por Belizário Penna e Arthur Neiva em 1912 ao Norte da Bahia, sudoeste de
Pernambuco, sul do Piae Goiás de Norte a Sul; promovida pelo Instituto Oswaldo Cruz, por requisição da Inspetoria de
Obras Contra as Secas. A publicação do relatório ocorreu em 1916, na Revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, criada
por Oswaldo Cruz em 1909. Os relatos e imagens que esses sanitaristas divulgaram sobre as populações do interior do Brasil
(de isolamento, doença, uso da terapêutica popular, apatia e ignorância) foram reapropriadas por diversos intelectuais em suas
interpretações do Brasil. Cf. LIMA, Nísia Trindade. Missões civilizatórias da República e interpretação do Brasil. Hist.
Cienc. Saúude-Manguinhos, Rio de Janeiro, 2008.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010459701998000400010&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em: 11 jun. 2008.
132 Trabalho apresentado ao VII Congresso Brasileiro de Higiene, reunido em São Paulo, entre 12 e 19 de dezembro de
1948.
88
considerando o conceito geral, então aceito, e sobre as tendências e as condições de expansão
dos serviços de saúde para zonas rurais. O conceito de Saúde Pública é o oferecido por
Winslow,
133
que a define como:
A ciência e arte de evitar a doença, prolongar a vida e promover a eficiência ‘física e
mental através do esforço da comunidade organizada pelo saneamento do meio
ambiente, o controle das doenças evitáveis, a educação do indivíduo quanto aos
princípios de higiene pessoal, a organização de serviços médicos e de enfermagem
para o diagnóstico precoce e o tratamento preventivo das doenças e o
desenvolvimento da máquina social que assegurará a cada indivíduo um padrão de
vida adequado à manutenção da saúde; criando esses benefícios de modo a permitir
que cada cidadão realize seu direito inato à saúde e à longevidade (WINSLOW apud
CANDAU; BRAGA, 1948, p. 570).
Igualmente os dois técnicos do SESP apóiam a tese de que a saúde e o bem-estar
individual e coletivo de uma comunidade são responsabilidade inerente dessa comunidade, e
sua segurança econômica estará sempre dependente e diretamente ligada àqueles dois fatores.
Eles entendem que para uma sociedade se desenvolver e progredir é preciso que seus
membros sejam saudáveis; desse modo, não haveria alternativa além de uma medicina social
que aproximasse medidas curativas e preventivas, de acordo com as necessidades e condições
locais. Por fim, distinguindo a maioria da população do Brasil como eminentemente rural e
carente de serviços de saúde pública, apresentam sugestão de organização e funcionamento de
unidades sanitárias municipais e distritais (CANDAU; BRAGA, 1948).
Campbell e Morehead (1952)
134
discutem razões que explicam o “pequeno ou
retardado progresso no desenvolvimento do Brasil”. De acordo com sua perspectiva, dois
tipos de fatores devem ser considerados para qualquer avaliação ou adoção de medidas
técnicas em saúde pública: (a) fatores primários (distribuição etária, fertilidade e expectativa
de vida); e (b) fatores que se relacionam com costumes e preceitos sociais da comunidade (no
campo da saúde a mortalidade infantil, coeficientes de mortalidade, razão entre óbitos e
agentes infecciosos, epidemias, etc.). Os autores demonstram como esses fatores se
relacionam com prejuízos presentes e futuros para as famílias, individualmente, e para a
133 A publicação de Winslow em 1951, “O custo da doença e o preço da saúde”, realizada através da Organização Mundial
da Saúde, chamou a atenção, em âmbito internacional, para as implicações econômicas do binômio saúde-doença. Seu
argumento pretendia demonstrar que os programas para melhoria do nível de saúde das populações resultaram em melhora da
sua produtividade econômica, traduzida em: aumento da produtividade do trabalhador; extensão das áreas abertas ao
povoamento e à agricultura, ou a outra atividade econômica, como resultado dos programas de saneamento básico e do
controle de enfermidades como a malária; redução dos custos diretos e indiretos da morbidade e da mortalidade. Cf.
ARAÚJO, José Duarte de. O custo da doença: revisão de literatura. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 9, n. 2, 1975.
Disponível em:
<http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89101975000200013&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em: 11 jun. 2008.
134 Os médicos americanos CAMPBELL, P. E.; MOREHEAD, M. colaboraram com o SESP através do IAIA. O primeiro
foi chefe da Comissão técnica do IAIA. Cf. Bastos (1993, p. 33, 515 e 516).
89
economia brasileira;
135
além disso, propõem que programas de comunidade ampliados e
integrados sejam implementados para o desenvolvimento de áreas menos desenvolvidas.
Conforme sua avaliação, a falta de braços no Brasil não se relacionava à falta de crianças, mas
à de adultos capazes de trabalhar e produzir para si e suas famílias e para o País, e que a
verdadeira riqueza de um país é uma população saudável, inteligente e confiante em si
(CAMPBELL; MOREHEAD, 1952).
Penido, Pantoja e Simões (1953)
136
fazem “considerações sobre o problema de
organização sanitária no Brasil”,
137
apontando problemas urbanos e rurais para os quais
defendem intervenções diferenciadas. Para os primeiros sugerem que a prática da medicina
preventiva e curativa ficasse a cargo de serviços médico-assistenciais existentes,
reservando-se ao Governo o controle dos setores de bioestatística, epidemiologia, saneamento
do meio e educação sanitária; para a área rural, onde são agudas as carências de pessoal e de
meios, caberia ao governo assumir a responsabilidade executiva das medidas de medicina
preventiva e curativa, ou promover o seu desenvolvimento. Em função disso distinguem
atividades sanitárias básicas e especiais e sugerem planos de trabalho que fossem exequíveis,
pois um programa total de saúde pública seria impraticável, dadas as condições econômicas,
técnicas, sociais e educacionais do País.
Parte do artigo Programas educativos nas unidades sanitárias do Serviço Especial de
Saúde Pública, de Bastos e Silva (1953) dedica-se a traçar o perfil sanitário do Brasil;
considera-o entre as ‘nações menos desenvolvidas’ com panorama correspondente, apesar de
os autores afirmarem um “enorme progresso ocorrido a partir de medidas e facilidades
proporcionadas pelo governo nos últimos anos”. O artigo também faz um apanhado das
atividades educativas que podem ser desenvolvidas nas unidades sanitárias em áreas atendidas
pelo SESP.
Penido (1955) aprofunda a discussão sobre o panorama sanitário brasileiro tomando
como referência o conceito da Organização Mundial de Saúde à época: “Saúde é um estado de
completo bem-estar físico, mental e social, e o apenas ausência de doenças”. Enfatiza
características da população como os altos índices de mortalidade e suas causas, a influência
das doenças na vida econômica da Nação e a importância de fatores educativos, econômico-
135 Os autores também apontam a monografia O custo da doença e o preço da saúde, de Winslow, C.E.A. (1951),
Organização Mundial de Saúde, como importante referência para esta discussão.
136 Dr. Woodrow Pimentel Pantoja dirigiu o Serviço Especial de Saúde Pública, depois Fundação SESP, ainda no Ministério
da Saúde; Dr. Henrique Maia Penido foi superintendente da Fundação Serviço Especial de Saúde Pública do Ministério da
Saúde, foi diretor regional da Organização Mundial de Saúde (OMS), representou o Brasil em várias assembleias
internacionais da OMS entre 1954 e 1961, foi eleito vice-presidente executivo da OMS em 1959.
137 Título do artigo em questão.
90
sociais e ambientais na conferência de casos de doenças. A partir disso, defende a formação
de pessoal especializado (médicos, engenheiros sanitários, enfermeiros, educadores e agentes
sanitários) para trabalhar no campo da saúde pública e do saneamento.
Podemos identificar nesses artigos selecionados as seguintes perspectivas em comum:
(a) urgência da superação da precariedade médico-sanitária como um fator de
desenvolvimento; (b) necessidade de investimentos em medidas saneadoras; (c) conceito de
saúde, que leva em conta aspectos físicos, mentais e sociais; (d) responsabilidade individual e
da sociedade pelo estado da saúde/doença; e (e) valorização da atuação coordenada de
técnicos (médicos, engenheiros, enfermeiros, educadores e agentes sanitários). Portanto, as
estratégias concebidas pelo SESP e os métodos de intervenção experimentados e/ou
consolidados relacionaram-se com as questões aqui levantadas.
Ao defender medidas sanitárias básicas (assistência médica, educação sanitária,
saneamento do meio, controle de doenças transmissíveis), a proposta ‘sespiana’ aponta para
as condições socioeconômicas ligadas às questões da saúde, porém sem aprofundar a
discussão. Questões políticas de tal natureza caberiam a foro específico e fugiam aos
propósitos e objetivos da agência. A fórmula do “circulo vicioso da doença e da pobreza”
(ROSEN, 1994) perpassa a proposta de instituição e funcionamento da agência, porém o
visa constituir tema gerador de discussões sobre a sua política de atuação. É emblemática a
citação feita por Bastos e Silva (1953) no referido artigo:
As enfermidades endêmicas, sobretudo nas zonas tropicais, podem minar a
vitalidade de todo o povo e privá-lo de espírito de iniciativa e de energia para
produzir alimentos. Deste modo, pela alimentação, a doença leva à miséria e a
miséria à ignorância, a qual, por sua vez, é um dos fatores que contribuem para
perpetuar as enfermidades (BASTOS; SILVA, 1953, p. 242).
138
Para os autores e certamente em concordância com a concepção do Serviço, o ponto
mais fraco dessa cadeia, o mais fácil de ser rompido é o que se refere às enfermidades. Se, de
um lado, essa concepção fundamenta e justifica a atuação do SESP, de outro, abre espaço para
as críticas daqueles que lhe mantiveram posição mais desconfiada ou mesmo hostil.
A posição crítica de Mário Magalhães da Silveira, sanitarista dos quadros do
Ministério da Saúde, desde a década de 1930, é destacada por Celso Arcoverde de Freitas
(1998):
Com a lucidez que Deus lhe deu, Mário Magalhães na década de 40 se insurgia
contra certas ideias dos novos turcos’, aqueles sanitaristas brasileiros formados na
Universidade John Hopkins, que “de volta ao Brasil, procuravam aqui adotar o
138 Os autores não indicam a autoria do comentário, que, todavia, é pertinente à sua argumentação.
91
mesmo sistema de Saúde pública americano, pensando que assim resolveriam todos
nossos problemas, sem considerar as variáveis do meio socioeconômico do Brasil”
(FREITAS, 1998, p. 117).
De fato, o médico sanitarista não perdia ocasião de se insurgir contra o SESP e sua
concepção de saúde pública
139
. Na década de 1950 e início da década de 1960, em artigos
publicados nas revistas Conjuntura Econômica, da Fundação Getúlio Vargas, e
Desenvolvimento e Conjuntura, editada pela Confederação Nacional da Indústria, fez duras
críticas à organização dos serviços públicos de saúde, em geral, e ao SESP, em particular, que
acreditava resumir muitos dos dilemas e má programação que para ele caracterizavam o
panorama médico-sanitário nacional. Magalhães defendia fundamentalmente que a saúde do
homem, no seu conjunto, era um problema de superestrutura, portanto o planejamento de sua
organização deveria se basear na estrutura econômica da Nação. No texto Aspectos
econômicos da luta contra a tuberculose,
140
datado provavelmente de agosto de 1946,
Magalhães enfatizava que, além dessa enfermidade, as verminoses e a malária provocavam
mortes no Brasil, mas também se morria por falta de assistência médica, por ignorância,
principalmente “de miséria e fome em consequência do grande atraso da economia nacional”.
Concluindo o artigo, o médico reclama que a medicina preventiva e as técnicas de saúde
pública o podem se sobrepor às condições econômicas e sociais dominantes, chamando a
atenção para o fato de que medidas dico-sanitárias sem uma correspondente e adequada
política de desenvolvimento seriam infrutíferas ao fim e ao cabo (MAGALHÃES apud
SILVA; DE MORELL, 2005, p. 61).
Dizia Mário Magalhães:
139 O médico sanitarista Dr. Mário Magalhães da Silveira, destaca-se por questionar as perspectivas campanhistas e a
influência americana nos projetos para saúde pública brasileira das décadas de 1940 e 1950. Circunstanciava a sua posição o
entendimento de que a saúde pública não poderia ser pensada fora do contexto socioeconômico e das realidades locais,
aplicando-se indiscriminadamente soluções técnicas definidas a priori. Sua concepção está pautada no acolhimento de
distinto projeto para a saúde pública brasileira, fundado numa concepção nacional-desenvolvimentista que considera a
melhoria das condições sanitárias como consequência do desenvolvimento econômico do país. Para Merhy (1997, p.210)
Mário Magalhães introduziu a discussão do desenvolvimentismo, da integração das ações de saúde, numa perspectiva de
superação das bases capitalistas de organização da sociedade brasileira, enquanto uma “sociedade atrasada” no rumo da
modernização”. O sanitarista, na 3ª Conferência Nacional de Saúde - CNS (Governo Goulart, em 1963), apesar de
reconhecer avanços importantes das políticas de saúde pública no Brasil, mantém-se firme em sua posição e declara que:
“determinada orientação e metodologia aplicadas no encaminhamento dos problemas sanitários brasileiros, embora tenham
dado resultados satisfatórios e algumas vezes notáveis, não se ajustam à moderna conceituação técnica e social. A
erradicação do Aedes aegypti e do Anopheles gambiae é o resultado indiscutível da técnica e da organização sanitária
brasileiras. Evidencia-se que a existência de uma estrutura adequada foi e continua sendo essencial a melhoria das
condições sanitárias, possibilitando a utilização dos recursos colocados à sua disposição, como os inseticidas de ação
residual e os antibióticos, que reduziram a níveis insignificantes a malária, a bouba e as doenças venéreas. O ressurgimento
da malária e o aumento da prevalência das doenças venéreas mostram que a mera existência dos recursos não é suficiente
para manter sob controle a situação sanitária. Urge aplicá-los criteriosa e oportunamente” (ANAIS 3ªCNS 1992, p. 181).
140 Um dos textos do sanitarista agrupados no livro de SILVA; DE MORELL (Orgs.). Política nacional de saúde pública - a
trindade desvelada: economia, saúde, população. 2005. p. 45-61.
92
Nossa problemática de saúde depende da elevação de renda que possibilita a
melhoria da alimentação, da moradia, do vestuário e do acesso a todos os bens e
serviços necessários à vida, inclusive os serviços específicos de saúde [...] O
problema da saúde nos seus aspectos gerais, tão estreitamente condicionado ao
complexo homem-meio, não pode ser encarado como tem sido, como problema
isolado, e capaz de ser resolvido por medidas puramente sanitárias, visto que estas, a
não ser em casos específicos e limitados, não agem sobre as verdadeiras causas de
deteriorização da saúde: subalimentação, precárias condições de saneamento,
inadequado regime de trabalho, baixo nível de educação e ausência dos mais
primários elementos de conforto (MAGALHÃES apud FREITAS, 1998, p. 118).
Em texto de 1961, Programação de Saúde Pública, a crítica de Magalhães atribui ao
SESP o fracasso na tentativa de resolver problemas para os quais as soluções estariam fora do
alcance das técnicas médico-sanitárias propriamente ditas. De acordo com Magalhães, apesar
da autonomia administrativa e de recursos, a agenda do SESP não teria sido cumprida: dos
três objetivos originais da agência (1. saneamento do Vale do Amazonas; 2. preparo de
profissionais para trabalho em saúde pública; 3. colaboração com o Serviço Nacional de
Lepra) somente no segundo algum resultado mais efetivo foi obtido, pois o “Vale ainda está
para ser saneado” e “o problema da lepra continua a desafiar os especialistas”. Ainda de
acordo com sua avaliação, não se justificando os gastos até 1952, o SESP passou a instalar
serviços de saúde em numerosos municípios de várias regiões do País; todavia, a instalação
desses serviços não trouxe modificações significativas ao quadro da saúde da população
brasileira. Com base nos dados divulgados pelo SESP em boletins informativos da década de
1950, Magalhães avalia que a diminuição da mortalidade infantil em áreas trabalhadas pelo
Serviço não significou uma transformação efetiva das condições de saúde da população
atendida, mas uma demonstração de que medidas excepcionais de atendimento “na época dos
inseticidas de ação residual e dos antibióticos” poderiam amenizar situações de precariedade
sanitária. O reconhecimento por parte do SESP de erros de percurso na primeira fase de
atuação, em vista da não-adequação de um projeto com viés norte-americano à realidade
brasileira,
141
não suavizou a oposição de Magalhães; pelo contrário, acentuou sua resistência
142
(MAGALHÃES apud SILVA; DE MORELL, 2005, p. 122-133). Segundo Magalhães (julho
de 1961), a força do hábito e o apego à rotina impediram que o SESP tivesse agilidade para
141 Avaliação do setor de administração do SESP, divulgada em 1956. Cf. Magalhães apud SILVA; DE MORELL, 2005;
op. cit, p. 125-126.
142 A oposição ao SESP aparece também em discurso político mais radical do Partido Comunista, que vê ali uma ingerência
dos EUA em problemas internos do Brasil, além de uma clara manifestação de interesses imperialistas. Cf. PERALVA,
Osvaldo. O imperialismo ianque domina o aparelho estatal do Brasil. In: Problemas - Revista Mensal de Cultura Política, n.
13, ago./set. 1948. Disponível em: <http://www.marxists.org/portugues/tematica/rev_prob/13/aparelho.htm>. Acesso em: 15
abr. 2008.
93
providenciar a adequação de seus planos de ação, pois somente em 1956 foram efetivadas
algumas mudanças que haviam sido anunciadas dez anos antes.
143
Por fim, a oposição de Magalhães ao Serviço, indicava a existência de concepções
diferentes sobre a questão da saúde e do desenvolvimento entre médicos, sanitaristas e outros
técnicos brasileiros, além dos representantes do mundo político: ao lado de Magalhães,
aqueles que pensavam que a saúde pública estava ligada umbilicalmente ao desenvolvimento
e que a melhora da saúde dependeria de melhoria da condição econômica e social;
144
do outro
lado, o SESP e aqueles que viam no atendimento médico-sanitário uma saída para o
desenvolvimento. Relatórios de atividades do SESP no Vale do Rio Doce fornecem
indicativos dessa segunda concepção; por exemplo, os relatórios
145
referentes ao projeto de
instalação de tratamento de água na cidade mineira de Conselheiro Pena (1945), ao projeto de
abertura de redes de esgotos em Governador Valadares (1943-1944) e projeto de construção
de sistema de abastecimento público de água da cidade de Mutum (MG, 1958) defendem a
possibilidade de desenvolvimento econômico das localidades a partir das investidas médico-
sanitárias, considerando que outros investimentos seriam agregados naturalmente à nova
situação higiênica. É exatamente essa naturalização do processo de desenvolvimento que
Mário Magalhães tanto recriminava:
A situação sanitária pode melhorar sem nenhuma alteração da situação social das
pessoas [...] melhora-se o estado sanitário, mas a saúde das pessoas continua a
mesma, porque elas continuam sem ter o que comer, dormindo mal, etc. Então não é
a mesma coisa (MAGALHÃES apud SILVA; DE MORELL, 2005, p. 89).
A metodologia de educação e intervenção sanitária desenvolvida pelo SESP, embora
criticada como yankee ou alienígena, teve importância norteadora para a implementação de
políticas públicas referentes à saúde coletiva encampadas pelo Ministério da Saúde. A
influência do modelo americano para saúde coletiva se faz notar no estilo de atuação e na
intervenção pontual em casos de epidemias/endemias e na prevenção e na profilaxia em áreas
de interesse econômico, mas carentes de assistência médica. Para as duas situações foram
organizados programas de educação sanitária por causa do “baixo nível de instrução das
populações das áreas rurais”, a fim de que os “indivíduos fossem levados não somente a
compreender os diversos princípios de higiene, mas também a pô-los em prática” (CANDAU;
143 Discussão apresentada no texto Saúde pública: setor sanitário. In: SILVA; DE MORELL, 2005. p. 112-113.
144 Ver: Política de Saúde Pública no Brasil nos últimos 50 anos”. Conferência pronunciada por Mário Magalhães da
Silveira no Simpósio sobre Política Nacional de Saúde, da Comissão de Saúde da Câmara Federal, Brasília, 1979. In: SILVA;
DE MORELL, 2005. p. 79-98.
145 FSESP, Caixa 33, doc 35 (sobre Conselheiro Pena); FSESP, Caixa 33, doc. 33 (sobre Governador Valadares); FSESP,
Caixa 39, doc. 82 (sobre Mutum).
94
BRAGA, 1948, p. 584), ou seja, pretendia-se como resultado que esses indivíduos
desenvolvessem uma “consciência sanitária” que despertasse neles o conceito da saúde como
norma de bem-estar e de solidariedade social (BASTOS; SILVA, 1953, p. 244). Para tanto, o
SESP
Reconheceu a educação sanitária como atividade básica dos seus planos de trabalho,
atribuindo aos vários profissionais, técnicos e auxiliares de saúde, principalmente
aos médicos, pessoal de enfermagem e de saneamento, a responsabilidade das tarefas
educativas, quer junto aos indivíduos, quer nos grupos de gestantes, mães,
adolescentes, etc., e na comunidade em geral. Nesse trabalho era utilizado material
visual, folhetos, cartazes, etc., e exibidos filmes educativos, muitos deles preparados
pelo próprio Serviço (BASTOS, 1970, p. 73).
Embora desde o início de suas atividades o SESP tivesse a preocupação educativa
como apoio às medidas sanitárias emergenciais, a Divisão de Educação Sanitária foi criada
somente em 1944. Assim, nos primeiros anos o trabalho desenvolvido se limitou ao preparo e
ao aperfeiçoamento de pessoal, e à distribuição do reduzido material de propaganda sanitária
nas áreas de atendimento, ainda assim, de modo disperso e sem orientação sistematizada
(BASTOS; SILVA, 1953, p. 247). À medida que os projetos de saúde e saneamento se
consolidavam também seu “propósito educativo fixado em cada atuação e em cada serviço, no
momento oportuno” (BASTOS; SILVA, 1953, p. 258) merecia maiores cuidados e atenção. A
orientação geral dessa pedagogia sanitária apoiava-se na concepção de que ela representava
uma poderosa arma para a solução de problemas variados, como a questão da qualidade da
água utilizada, do destino dos dejetos, da higiene, do combate às doenças transmissíveis, etc.,
entretanto considerando esses problemas de foro individual, para cuja solução esse indivíduo
“tem de assumir sua própria responsabilidade” (BASTOS; SILVA, 1953, p. 258). Todavia, o
programa de educação sanitária proposto pelo SESP articulava-se, com as propostas
estabelecidas pelo Serviço Nacional de Educação Sanitária, regulamentado em julho de 1942,
cuja principal função era “vulgarizar preceitos de higiene e saúde pública” com o intuito de
“infundir, formar, e desenvolver a consciência sanitária do povo” (Brasil, Decreto-Lei n.º
10.013, 17 de julho de 1942 apud FONSECA, 2007, p. 238).
Na segunda fase de atuação do Serviço os projetos para educação sanitária, baseavam-
se na ideologia do “desenvolvimento da comunidade” defendida por sociólogos americanos
146
e aqui apoiada e divulgada por José Arthur Rios, que, a partir de 1953, chefiou uma seção de
146 Segundo José Arthur Rios deve-se a Donald Pierson e a seus discípulos da Escola Livre de Sociologia e Política de São
Paulo o primeiro impulso para os estudos de comunidade no Brasil (RIOS, 1987, p. 64). A referência a Pierson subentende a
influência da reconhecida Escola de Chicago na formação de muitos sociólogos brasileiros que seguiram sua orientação.
95
estudos e treinamento dentro da Divisão de Organização Sanitária do SESP (BASTOS, 1993,
p. 330). No livro,
147
que resultou de suas experiências vividas na década de 1950, o sociólogo
discute “uma rie de iniciativas pedagógicas que se afastaram dos todos convencionais”
em educação sanitária, no extensionismo agrícola, no serviço social e na economia doméstica,
além de oferecer subsídios para entendimento dessa questão (RIOS, 1987).
O sociólogo José Arthur Rios apresenta em sua discussão os pressupostos teóricos que
sustentam a concepção e a metodologia de educação dos grupos, bem como de organização de
comunidades que defende. Refere-se à Escola de Sociologia de Chicago como divulgadora da
sinonímia entre desenvolvimento da comunidade, engenharia social e organização de
território, concepção que por sua vez assume caráter de planejamento social;
148
concomitantemente, alude ao Pe. L. J. Lebret, “fundador do Movimento de Economia e
Humanismo”,
149
como inspirador de uma noção de planificação que leva em conta a
humanização das estruturas sociais e econômicas pelo “aproveitamento dos recursos da área
geográfica ordenados às necessidades das populações” (RIOS, 1987, p. 6-8). Acrescente-se a
preocupação francamente manifesta pelo autor em defender a democracia dos totalitarismos
de qualquer envergadura - referindo-se tanto à nefasta lembrança da história mundial recente
quanto ao paternalismo que, segundo ele, marca a formação da sociedade brasileira e, se não
superado, somente contribuirá para “uma democracia de fachada e uma república de
superfície” (RIOS, 1987, p. 1-2).
De acordo com o autor, nos anos 1950, o Brasil incorporou a ideia de desenvolvimento
de comunidade e educação dos grupos, especialmente nos campos da educação e da saúde, e
foram muitas as experiências desse tipo, citando-se, entre outros, os trabalhos de educação
sanitária introduzidos pelo SESP na linha da medicina preventiva (RIOS, 1987, p. 10-11). Na
primeira edição
150
do livro, Rios avalia:
No caso de serviços de Saúde Pública como o SESP (Serviço Especial de Saúde
Pública) o inúmeras as oportunidades que se oferecem a seus funcionários para
147 O título do livro é Educação dos grupos. Na apresentação da primeira edição, de 1957 e publicada pelo Serviço Nacional
de Educação Sanitária do Ministério da Saúde, o autor agradece a Ernani Braga (então diretor do Serviço Nacional de
Educação Sanitária) e Orlando José da Silva (da Divisão de Educação sanitária do SESP) a oportunidade que lhe ofereceram
de transformar em livro suas apostilas de aula e dedica a seus companheiros do SESP, alunos e educadores o melhor do
livro’. Na 5ª edição, revista e ampliada, de 1987, o autor dedica o livro ‘especialmente’ aos sanitaristas Ernani Braga,
Orlando José da Silva, Woodrow Pantoja, Lincoln de Freitas Filho e Nilo Chaves de Brito Bastos, que também trabalharam
no SESP.
148 Para esta discussão cita texto Âmbito e problemas de comunidade, de Louis Wirth. In: PIERSON, Donald (Org.). Estudos
de ecologia humana. São Paulo, 1970, tomo I, p. 112 e seguintes.
149 Louis Joseph Lebret (1897-1966), conhecido no Brasil como Padre Lebret, foi religioso dominicano francês, economista,
criador do centro de pesquisas e ação econômica Economia e Humanismo, em 1942, e de um grande número de associações
para o desenvolvimento social, em vários países do mundo.
150 A primeira edição foi modificada, não no conteúdo básico, mas na forma de sua apresentação. Alguns tópicos que nela
aparecem no corpo do texto, na edição verificada, de 1987, aparecem em notas.
96
iniciar trabalhos de organização de grupos. [...] A Divisão de Educação Sanitária do
SESP, por exemplo, faz da organização de comunidade parte integrante da sua
filosofia de trabalho. Além disso, nas atribuições específicas de cada componente de
suas equipes distritais em matéria de educação sanitária, constantes referências ao
trabalho de comunidade (RIOS, 1957, p. 20-21).
A metodologia de educação dos grupos divulgada por Rios e experimentada em
trabalhos de comunidade desenvolvidos pelo SESP parte de dois pressupostos: (a) a
participação da população na melhoria do próprio vel de vida; (b) a prestação de serviços
técnicos de forma tal que se estimule a ajuda mútua, tornando-a eficaz. Ou seja, aspira-se a
um movimento que promova a melhoria das condições de vida da comunidade, em que a
iniciativa e a participação da coletividade sejam determinantes, em que os ‘educadores de
comunidade’ calcados na autoridade técnica e no preparo adequado, sejam instigadores dessa
participação e colaboração (RIOS, 1987, p. 8-9; 173).
No manual de educação dos grupos José Arthur Rios tece considerações sobre o
método, fundamenta sua concepção e orienta interessados e técnicos sobre a forma de
intervenção nas comunidades, demonstra a necessidade da formação de um novo profissional,
o educador de comunidade, e trata dos resultados esperados quanto à formação de lideranças,
envolvimento comunitário, resolução de problemas locais, alcance do bem comum.
Resultará imediatamente do desejo de aperfeiçoamento individual, não como soma
mecânica de vontades, mas como irradiação natural na comunidade, da presença, em
número cada vez maior, de pessoas livres da doença, da ignorância e do medo
(RIOS, 1987, p. 233).
A tese de organização de grupos e desenvolvimento de comunidade como alternativa e
estratégia para o planejamento democrático do desenvolvimento local foi objeto de avaliação
e crítica por Safira Bezerra Ammann (1987). A autora considera seus princípios acríticos e
aclassistas por desobrigar o trabalho social de qualquer implicação ou compromisso político,
por não questionar as estruturas responsáveis pelas desigualdades sociais e por encobrir a
divisão social do trabalho (AMMANN, 1987). Para a autora, que se fundamenta em
categorias gramscianas de análise, o desenvolvimento de comunidade concebido na década de
1950 “atrela-se a um movimento de âmbito internacional, deflagrado oficialmente pelas
Nações Unidas e referendado por inúmeros organismos
151
interessados na expansão da
ideologia e do modo de produção capitalista” (AMMANN, 1987, p. 33). Sobre a obra de Rios,
Ammann é categórica:
151 Cf. nota da autora: UNESCO, OIT, OEA, CEPAL e outros (AMMANN, 1987, p. 33). A primeira edição do livro
Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil é de 1980.
97
O trabalho de Rios [...] posto que consignando uma visão da realidade brasileira,
sugere modelos que, ao invés de engajarem os grupos e as comunidades e com
maior propriedade, as classes subalternas — nos processos decisórios da nação,
fragmentam-nos e isolam-nos em ões e decisões de âmbito estritamente local [...].
Em que pese a validade de sua obra naquele momento histórico pois descortina
novas perspectivas ao trabalho comunitário e estimula uma postura mais democrática
dos técnicos — o autor não chega a instrumentalizar a participação popular no
planejamento nacional (AMMANN, 1987, p. 39).
A autora ainda na obra de Rios, Educação dos grupos, traços positivistas ainda que
amenizados, inspiração no pensamento sistêmico de Parsons
152
ao definir uma comunidade
integrada,
153
e aproximação com a política desenvolvimentista de modernização e de paz
social expressa por Juscelino Kubitschek (AMMANN, 1987, p. 42-43), no que é
veementemente rebatida pelo autor em questão, em nota de pé de página na 5ª edição revista e
atualizada de seu livro em 1987, em que cita nominalmente Safira Ammann e suas
considerações:
A integração a que nos referimos é critério operacional e pragmático de
classificação, utilizado, com as devidas cautelas, no trabalho de campo. Não pode ser
promovido a posição ideológica, muito menos de procedência parsoniana ou
positivista. Muito mais fantástica seria a vinculação dessas ideias à ideologia
desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek expressa em sua Mensagem, de
1960. A edição deste livro é de 1954. O norte filosófico do livro foi dado pelas
ideias do Pe. L. J. Lebret, abundantemente citado, que não pode ser classificado
como positivista ou parsoniano (RIOS, 1987, p. 118).
Não obstante as críticas, o próprio José Arthur Rios avalia (RIOS, 1998, p. 13-15) que
as atividades de Educação Sanitária desenvolvidas pelo SESP, apoiadas nas técnicas de
educação de grupos e comunidades, foram um dos fatores de sucesso do Serviço, pelo menos
até o início de seu declínio, a partir de 1960. Outros fatores seriam a eficácia de atuação e a
estrutura flexível, os princípios preventivos que nortearam sua ação, a disciplina e a
supervisão constante do trabalho, o treinamento e a preocupação com o aperfeiçoamento.
Em relação aos todos e às práticas sanitárias, um texto mais recente (ROCHA,
2003) sobre orientações acerca da saúde e higienização no âmbito escolar, em São Paulo,
entre os anos 1918 e 1925, divulgadas pelo Instituto de Higyene,
154
por sua vez influenciado
152 Apesar de não estar citado na bibliografia da obra de José Arthur Rios (Educação dos Grupos, 1987)
153 Talcott Parsons (1902-1979), sociólogo americano, foi um estudioso da estratificação social e defensor do funcionalismo
estrutural. Seu trabalho foi particularmente influente nas décadas de 1950- 1960.
154 “A criação do Instituto de Hygiene resultou de um acordo estabelecido entre o governo de São Paulo e a Junta
Internacional de Saúde da Fundação Rockefeller, em 1918, tendo em vista o provimento da cadeira de Higiene da Faculdade
de Medicina e Cirurgia de o Paulo” (ROCHA, 2005, p. 44). Posteriormente, em 1938, o Instituto foi incorporado à
Universidade de São Paulo; em 1945 foi transformado em Faculdade de Higiene e Saúde Pública, que em 1969 passou a ser
98
pela metodologia da Fundação Rockefeller,
155
merece atenção, pois encontramos na atuação
do SESP expressivas semelhanças. A organização do Instituto de Higiene, um ano depois da
criação da Escola de Higiene e Saúde Pública na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore
(EUA), orientou-se pelo apostolado da higiene, compatível com o progresso e com a vida
urbana. Focado nos seus aspectos científicos e na preocupação em formar pessoal qualificado
para atuação prática, além da clara demonstração de sua viabilidade econômica, esse princípio
entusiasmou e conquistou adeptos entre os sanitaristas brasileiros, mantendo-se durante
décadas no cenário da saúde pública brasileira (VASCONCELLOS, 1995).
O texto de Heloisa Helena Pimenta Rocha (2003), A higienização dos costumes,
oferece um panorama bastante esclarecedor sobre a atuação do Instituto de Higiene na cidade
de São Paulo e dos princípios geradores que o sustentavam: (a) referência do modelo de saúde
pública norte-americano; (b) afirmação da importância da medicina preventiva, da prevenção
e da profilaxia de verminoses, febre amarela e malária; (c) preocupação com o sistema de
abastecimento e tratamento de água e escoamento de esgotos; (d) investimento em educação
sanitária e formação de pessoal para o trabalho em saúde pública. De acordo com a
pesquisadora, não faltaram obstáculos e críticas à importação de valores e metodologias, tanto
que um diretor do Instituto chegou a defender a necessidade de adaptação dos métodos
americanos à mentalidade brasileira.
156
Não é mera coincidência que a atuação do Instituto de Higiene analisada por Rocha e a
experiência de cooperação protagonizada serviram como modelo e abriram caminho para
novos acordos e parcerias. Na década de 1940, a despeito de outro cenário sociopolítico
nacional e internacional, e novas perspectivas de análise da realidade sanitária e nosológica do
Brasil e dos brasileiros, a questão da saúde pública no País continuava precária, especialmente
quanto à assistência às áreas rurais e/ou distantes dos centros urbanos mais equipados. Desse
modo, a aproximação e a semelhança entre as concepções e as metodologias do Instituto de
Higiene e do Serviço Especial de Saúde Pública não provocam estranheza, se forem
consideradas a influência da Fundação Rockefeller, a experiência acumulada, os parâmetros
denominada Faculdade de Saúde Pública. Foi a primeira instituição dedicada ao ensino de higiene e saúde pública em São
Paulo.
155 A presença da Fundação Rockefeller no Brasil tem sido mencionada por pesquisadores envolvidos com a discussão sobre
os caminhos que aqui as questões da ciência e da saúde pública tomaram na primeira metade do século XX, levando-se em
conta a necessidade e a oportunidade da cooperação internacional para o controle de epidemias e/ou de doenças
transmissíveis que se tornavam ameaças continentais no caso das Américas (MARINHO, 2001; CASTRO SANTOS; 1989;
FARIA 1995; LIMA, 2002; BENCHIMOL, 2001).
156 Situação vivida pelo Dr. Geraldo Horácio de Paula Souza em 1920. Quando diretor interino do Instituto, criticou e
eliminou pôsteres e material de propaganda sanitária feito por um técnico americano que não levava em consideração valores
comuns aos brasileiros, o que dificultava a divulgação do material e principalmente de sua mensagem. Cf ROCHA (2003, p.
200-201).
99
médico-científicos e sanitários consolidados, a oportunidade da cooperação internacional.
A semelhança de perspectivas pedagógicas de educação e intervenção sanitária, de formação
de pessoal especializado e de divulgação e pretensão de assentamento de novos hábitos e
padrões de saúde capazes de redimir a população das doenças, da pobreza, do atraso e da
ignorância, sugere mais continuidades do que rupturas processuais.
2.4 Programas Rio Doce, Mica e Minas Gerais: o SESP em ação
Anteriormente comentamos as fases e as áreas de atuação do SESP, de forma geral,
considerando duas fases distintas, mas complementares, pois não quebra das atividades ao
fim da Segunda Guerra Mundial, quando, em tese, finalizaria o acordo IAIA/MES. A
continuidade das intervenções sanitárias do Serviço atendia interesses nacionais e
internacionais, por vezes interdependentes, outras vezes considerando mais sobejamente o
projeto nacional de fortalecimento de Estado pela sua presença em regiões ainda desatendidas
no interior do território brasileiro.
O vale do Rio Doce, em Minas Gerais, recebeu atenção do SESP nas duas fases aqui
apresentadas, durante e após a Segunda Guerra Mundial. Na primeira fase, o ‘esforço de
guerra’, os objetivos bélicos de certa forma sombrearam os de interesse propriamente
nacionais, entretanto abriram caminho para investimentos sociopolíticos significativos na
segunda cada da presença do serviço na região (década de 1950), logicamente não
diminuindo a importância que teve na fase pioneira. Nesta, dois Programas foram instituídos
pelo Serviço: o Programa Rio Doce e o Programa Mica, que serão apresentados a seguir; na
segunda fase, a partir de 1951, se institui o Programa Minas Gerais, que abarcou o Programa
Rio Doce, considerando que o Programa Mica já havia sido extinto.
O Programa Rio Doce, concebido em setembro de 1942, foi oficializado em fevereiro
de 1943, embora já em novembro de 1942 um Escritório Central tenha sido instalado em
Vitória, capital do estado do Espírito Santo. O contrato que alocava atividades do SESP no
vale do Rio Doce previa a execução de medidas de saúde e saneamento nas principais cidades
localizadas ao longo do percurso da EFVM, então encampada pela Companhia Vale do Rio
Doce, também criada em 1942 pelo governo Vargas, como contrapartida dos Acordos de
Washington. O atendimento de todo o vale seria um trabalho gigantesco e naquele momento
fora dos propósitos do Programa que deveria se dedicar a salvaguardar as condições de saúde
e, consequentemente, de trabalho dos envolvidos com a reforma da EFVM, condição para o
100
escoamento do minério de ferro extraído das minas de Itabira (MG) para o porto de Vitória
(ES).
A cláusula terceira
157
do contrato relativo ao saneamento do vale do Rio Doce indica as
atividades que deveriam ser executadas nas cidades e vilas principais e nos acampamentos dos
trabalhadores empregados na reconstrução da linha da estrada de ferro: (a) profilaxia e estudo
da malária; (b) instalação de serviços de água e esgotos em algumas das principais cidades
beira-linha (Governador Valadares, Aimorés e Colatina/ES); (c) estabelecimento de um centro
de saúde modelo em uma das localidades (Governador Valadares). Para os acampamentos de
trabalhadores seria facultado ao SESP o acompanhamento da sua construção, que deveria
seguir certas exigências sanitárias (padrão de habitação, profilaxia da malária, abastecimento
de água potável, tratamento de excretos e remoção do lixo), além da verificação das condições
de vida de tais trabalhadores. O início das atividades foi marcado por dificuldades logísticas:
falta de pessoal especializado, montagem da estrutura física e burocrática, constrangimentos
entre o SESP, a Companhia Vale do Rio Doce e os empreiteiros, que não aceitaram de
imediato a ingerência do SESP na questão de organização dos acampamentos de
trabalhadores (BASTOS, 1993; CAMPOS, 2006), além da adaptação dos estrangeiros
chegados à região, conforme recorda o Dr. Ladislau Sales, médico que chegou a Governador
Valadares em 1940:
O SESP chegou, chegaram aqueles homens com aqueles chapéus de cortiça, como se
vê na África, não é isso? Um chapéu branco, de cortiça, calcinha branca, etc. Quando
viram aquela poeira, passava uma bicicleta levantava poeira, carroça e febre malária,
malária, malária, eles não estavam preparados pra isso. Então, eles pediram socorro
“mande pra aqui um epidemiologista e mande uma pessoa especializada em doenças
tropicais, de países tropicais, porque nós sabemos por alto, mas isso aí a quantidade é
muito grande”. Era malária, leishmaniose, que come nariz, esquistossomose,
horrível, e o havia tratamento muito eficaz. Então eles comunicaram a
superintendência e a superintendência começou como se deve começar em país
civilizado, mas aqui, Figueira do Rio Doce, era diferente, era preciso tratar do sujeito
pra ele não morrer (Dr. Ladislau Sales; Entrevista concedida ao Prof. Haruf Salmen
Espindola, do Núcleo de Estudo Históricos e Territoriais, da UNIVALE, em
14/12/2001).
De todo modo, o Programa Rio Doce logrou sucesso em sua empreitada. De início o
investimento pautou-se no estudo e na profilaxia da malária na região delimitada para sua
atuação
158
e atendimento aos acampamentos da ferrovia. Concomitantemente, numa ação mais
157 Cf Anexo III : Contrato relativo ao saneamento do vale do Rio Doce. (BASTOS, 1993, p. 501).
158 A região estipulada foi dividida em duas áreas: Linha Acima, entre Governador Valadares e Nova Era (antiga São José
da Lagoa) e Linha Abaixo, entre Governador Valadares e Colatina (ES). Cf documentos do FSESP: Cx. 21, doc. 29 e 30,
respectivamente: Tratamento e profilaxia da malária pela Metoquina (Atebrina), na área da denominada Linha Abaixo” -
101
permanente, investiu-se na instalação de serviços de tratamento de água e esgotos nas cidades
escolhidas por sua posição de referência regional e posição geográfica estratégica para os
trabalhos de reforma da EFVM, foram iniciadas as atividades de formação de pessoal,
educação sanitária e instalação de unidades de saúde (CAMPOS, 2006, p. 174).
As condições sanitárias e de saúde encontradas pelo SESP na região não eram das
melhores. Na área Linha Acima, onde havia dezoito pequenas cidades e quatro campos de
trabalhadores, a malária era endêmica, e parasitoses variadas acometiam a população;
159
na
área de Linha Abaixo, com 12 cidades e aproximadamente 32 acampamentos a situação não
era diferente;
160
a malária também foi diagnosticada em Colatina, e seus vetores foram
identificados;
161
em Governador Valadares, um surto da doença se alastrava.
162
Em todas as
localidades inspecionadas eram deficitárias as condições de higiene e de saúde pública.
Nos acampamentos de trabalhadores a situação se agravava. O levantamento feito pelo
médico americano James Knott (apud CAMPOS, 2006), diretor da primeira etapa do
Programa, revelava a precariedade: em cada acampamento, organizados de forma temporária,
viviam entre 100 e 300 pessoas em geral analfabetas; construíam-se barracões para solteiros
(de 12 a 20 pessoas) ou compartimentos em outros barracões para aqueles que estavam com a
família; a água era obtida em riachos ou pântanos próximos, inclusive neles as mulheres
lavavam as roupas; não havia banheiros; não se cultivavam hortas e o alimento básico era
comprado na venda do empreiteiro; os barracões de sapê (paredes de barro e teto de folhas de
palmeira) eram mal divididos, o que facilitava a presença de insetos. A propagação de
doenças (disenterias, infecções intestinais, malária) seria inevitável nessa situação.
Diferentemente do Programa Rio Doce, que se estendeu através de termos aditivos ao
Convênio Básico até o ano de 1951 (quando foi incorporado pelo Programa Minas Gerais,
então constituído) o Programa da Mica teve duração mais limitada, porquanto a exploração
desse mineral não se sustentou com o mesmo interesse após a Segunda Guerra
163
. A
concepção desse programa atendeu a demanda específica: garantir condições de trabalho para
a exploração emergencial da mica solicitada pelo esforço de guerra (CAMPOS, 2006). A mica
ou malacacheta, mineral dielétrico (isolante de eletricidade), era utilizado na fabricação de
Programa do Rio Doce. Projeto: RD-LAB-23 e Inspeção sanitária na área Linha Abaixo - Programa do Rio Doce. Projeto:
RD-LAB-22
159 Cf. FSESP, Cx. 48, doc. 42 - Drenagem para controle de malária - Área Linha Acima - EFVM. Projeto: RD-LAC-10)
160 Cf. FSESP, Cx. 21, doc. 29 - Tratamento e profilaxia da malária pela Metoquina (Atobrina), na área da denominada
“Linha Abaixo” - Programa do Rio Doce. Projeto: RD-LAB-23)
161 FSESP, Cx. 52, pasta 84 - Inspeção sanitária na Área Linha Central da EFVM nos Estados do Espírito Santo e Minas
Gerais, entre Colatina e Governador Valadares. Projeto: RD-LCE-22.
162 Cf. FSESP, Cx. 48, doc. 42 - Drenagem para controle de malária - Área Linha Acima - EFVM. Projeto: RD-LAC-10).
163 De fato, esse novo Programa iniciou-se em outubro de 1943 e foi encerrado com o término do conflito internacional.
102
fitas isolantes, chapas para aquecedores, placas para motores e geradores, dial de bússolas de
navegação, filtros óticos, reguladores térmicos, rádios e radares, entre outros usos. Durante a
Segunda Guerra a carência por esse mineral acentuou-se, e interessavam aos aliados as minas
brasileiras, na região leste de Minas Gerais.
Desde a década de 1930, a mica era explorada na região e exportada para a Alemanha
e o Japão, porém em função dos acordos de Washington o comércio foi totalmente
direcionado para os americanos, que estimulavam a produção e importavam praticamente
tudo. As minerações estavam distribuídas entre Governador Valadares e municípios vizinhos.
Dessa cidade, duas firmas a Cosmopolitana e a Santos Nogueira controlavam quase
toda a extração e o beneficiamento, havia também outras pequenas oficinas de beneficiamento
(SIMAN, 1988).
A Cosmopolitana, em operação desde a década de 1930, ganhou destaque no período e
somente em julho de 1944, entregou à Comissão Americana de Compras, nada menos que 15
toneladas de mica de excelente qualidade. Essa empresa estendeu sua rede de produção por
vários municípios (Espera Feliz, Caiana, Raul Soares, Santa Maria do Suassuí), mantendo dez
lavras em plena atividade, com 1.500 operários dedicados à extração e preparo da mica
(Revista Acaiaca, nov. 1951, p. 113-116). O contato com os americanos era constante:
A Cosmopolitana tinha a lavra de Sexta-feira, que mandava 10, 20 carros para o Rio
de Janeiro diariamente. [...] O americano ficava sempre na frente. Eles ficavam mais
aqui em Governador Valadares. Eles sempre visitavam a lavra de teco-teco. Aqui,
eles ficavam apreciando a mica de boa qualidade, os bons produtos. Formado o
estoque, o lote ia logo para os Estados Unidos. A procura era grande. os operários
é que o levavam muitas vantagens, mas os poderosos levavam muita. Porque eles,
os americanos, emprestavam até o dinheiro para eles, para pagar em mica (Sr.
Raimundo, ex-trabalhador da mica, 68 anos; apud SIMAN, 1988, p. 114).
Tanto a Cosmopolitana quanto a Santos Nogueira, além de manutenção de
trabalhadores assalariados, estimulavam o trabalho de preparo da mica por conta própria”,
em fundos de quintal. Forneciam o refugo das minas para seus próprios operários ou para
pessoas que se interessavam em separar as placas e pagavam pela produção, conforme o
depoimento de ex-trabalhadora da mica:
Eu trabalhei na Santos Nogueira, trabalhei na firma do Sr. Viriato, trabalhei numa
firma de uns americanos que tinha assim desse lado, era uma casa grande no
fundo, na esquina. [...] Depois, no quebra-galho, trabalhei muito tempo lá no bairro
Santa Terezinha. [...] Depois ele me deu a mica e eu trabalhei muito tempo em casa
com a mica que eles me davam. Era um trabalhão. Mais era fome que eu passava.
Trabalhando por minha conta, enquanto não entregava não tinha dinheiro (Dona
Sebastiana, 74 anos apud SIMAN, 1988, p. 119).
103
O comércio de mica tornou-se um marco na história da cidade, e são muitas as
referências ao dinamismo proporcionado por essa atividade. Muitos trabalhadores rurais
abandonaram o campo para buscar trabalho nas minas ou oficinas. Boa parte da mão de obra
das oficinas era composta por moças e mulheres. Pela manhã, à hora do almoço e à tardinha, a
cidade “parecia um formigueiro humano. Eram as miqueiras”, conforme relato de antiga
moradora de Governador Valadares, que também reclamava de uma “crise de domésticas”
(Evelina Savelli Gomes apud SOARES, 1983, p. 114).
Nas lavras, o trabalho era pesado, e as condições, difíceis. O relato de ex-trabalhadora
da mica, na firma Cosmopolitana, revela o cotidiano daquele ofício:
nós fomos para um lugar que se chamava Lavra do Mineiro. Fomos para lá
trabalhar. Entramos para trabalhar em 1946. Eu trabalhei nesta companhia 6 anos, eu
com a minha irmã. Eu sei contar até como tira mica dentro do túnel. A gente entrava
dentro do túnel também, batia com a picareta grande no barranco e tirava o bloco de
mica, coisa grande, de 20 arrobas [...]. Ih, a gente era turma grande. Até de 50
pessoas. Eram homens, mulheres, rapazes, crianças, todo mundo. E aquilo, a gente
trabalhava no maior sofrimento. Quando eu fui trabalhar, a gente entrava num saco
de estopa. Ali a gente molhava e pegava tanta friagem... A gente entrava dentro do
saco, molhava o saco e trabalhava até 11 horas da manhã. Às 11 horas, a gente ia
para o almoço, voltava, trabalhava. Ali a gente largava 5 horas da tarde. Às vezes
tinha serão e a gente ficava das 5 horas às 9 horas da noite. [...] essa companhia era a
Cosmopolitana [...] e dessa companhia nós resolvemos sair, porque o ordenado o
dava mesmo. Passava muito mal da boca, o tinha alimento nenhum. Foi indo, a
gente não aguentou. Ali a gente viveu 6 anos. (Rosa, 56 anos apud SIMAN, L. M. de
C., 1988, p. 118).
O Programa da Mica foi projetado para atender à área de exploração, entretanto o
dispêndio de investimentos acabava também por se inter-relacionar com as atividades
previstas para o Programa Rio Doce, no que se referia aos trabalhos de saneamento da própria
cidade, onde as empresas e as oficinas se concentravam.
Os primeiros inquéritos sanitários
164
realizados na área delimitada, em 1943, indicavam
a existência de uma série de doenças (sífilis, tifo, úlcera tropical, ancilostomíase, bouba,
malária e doenças nutricionais); a malária seria a que mais debilitava os trabalhadores, por
isso mereceu atenção especial do Programa com distribuição de atebrina
165
em larga escala; a
vacinação de todos os trabalhadores contra a varíola e a febre tifóide e a assistência médica
164 Inquéritos realizados pelos médicos Henrique Penido e Eugene Payne, responsáveis pelo Programa. Cf. CAMPOS (2006,
p.182).
165 “A atebrina é uma droga química que substitui o quinino na prevenção dos sintomas da malária. A droga já era
produzida, desde a década de 1920, pela Bayer alemã. Quando, em 1942, os japoneses invadiram as colônias holandesas
produtoras de quinino na atual Indonésia, os Aliados tiveram o fornecimento de quinino interrompido. Os norte-americanos,
então, aperfeiçoaram e produziram maciçamente atebrina”.Cf. CAMPOS, André Luiz Vieira de. Fighting nazis and
mosquitoes: US military men in Northeastern Brazil (1941-1945). Hist. cienc. saude-Manguinhos [online]. 1999, v. 5, n. 3
[cited 2008-03-15], p. 603-620. Available from:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59701999000100004&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0104-5970.
doi: 10.1590/S0104-59701999000100004. Acesso em: 14 mar. 2008.
104
emergencial foram realizadas pelo SESP. A assistência médica para os trabalhadores
‘miqueiros’ condicionava-se ao volume de produção de cada mina, mesmo porque a produção
das lavras tinha duração limitada para um mineral de qualidade satisfatória, o que justificava
os baixos investimentos dos donos das minas e financiadores do Programa; ademais a mão de
obra era sempre provisória pela debandada de trabalhadores que buscavam melhores
condições de vida e trabalho ou fugiam das epidemias (CAMPOS, 2006).
Se consideramos apenas os objetivos econômicos, podemos considerar o Programa
da Mica um sucesso. Houve crescimento de 50% da força de trabalho empregada nas
minas e registrou-se uma diminuição do absenteísmo que, em seis meses, caiu e 30%
para 13%. O melhor exemplo do Programa foi a mina de Perdido, localizada numa
área muito malárica e com uma alta taxa de absenteísmo. Em 1942, apenas oito
pessoas trabalhavam; em junho de 1944, o quantitativo era de 200 operários e a
produção só fazia crescer (CAMPOS, 2006, p. 184).
O quadro sanitário, econômico e sociocultural encontrado na ocasião de instalação do
Programa da Mica, portanto, deve ser relacionado ao contexto singular que envolvia o
somente a exploração e beneficiamento da mica na região do Médio Rio Doce mas também os
trabalhos de reforma e expansão da EFVM, que justificavam o Programa Rio Doce. Apesar da
autonomia de um Programa em relação ao outro, a presença dos americanos e de sua
parafernália na cidade de Governador Valadares marcou época, tanto em relação aos aspectos
econômicos quanto às novidades técnicas e sanitárias introduzidas pelos dois Programas na
região.
O Dr. Ladislau Sales também se recorda de que:
Então, a comissão americana dispunha de uma quantidade de máquinas! Foi a
primeira vez que Valadares conheceu uma patrola. Patrola é aquela máquina que
aplaina, nas ruas de Valadares, foi um sucesso total, quando aquela patrola passou
pelas ruas de Valadares, deixando aquele rastro liso... [...] Então, o indivíduo
chegava e dizia: Eu quero construir uma estrada.” Eles diziam: “Perfeitamente;
manda o trator abrir a estrada.Antes de saber se tinha mica, pra mostrar serviço
perante os superiores. Então, eu me queixei com eles, porque eu não podia fazer
raio-X, o havia eletricidade na cidade. [...] Eu disse a eles: Eu não tenho condição
de atender a quantidade de fraturas que os senhores me encaminham. Porque em
primeiro lugar a fratura exige uma radiografia. Eu o tenho raio-x e eu não tenho
energia elétrica. [...] Eles disseram: Pois o Sr. pode comprar. Eu disse: Pois não. Daí
a dois dias eles mandaram instalar na minha casa de saúde um conjunto Carterpilar,
com um motor de 60 HP, com um gerador de 45 HP... (Dr. Ladislau Sales;
Entrevista concedida ao Prof. Haruf Salmen Espindola, do Núcleo de Estudo
Históricos e Territoriais, da UNIVALE, em 14/12/2001).
O crescimento da cidade impressionava. Uma referência emblemática desse
crescimento para os antigos moradores é o excepcional movimento que tinha o aeroporto
105
local: em 1951, de acordo com dados sobre o município apresentados na revista Acaiaca
(1951, p. 5 e 40) no campo de pouso, que tinha área de 1000 por 120 metros, aterravam
diariamente, em média, seis aeronaves de grande porte (das empresas aéreas Nacional, Panair
do Brasil S.A., Navegação Aérea Brasileira S.A.) com escala para o Rio de Janeiro, Montes
Claros (MG), S. Paulo, Belo Horizonte e as capitais do Norte do País.
Embora paralelos e pioneiros no vale do rio Doce, os dois Programas atenderam a fins
convergentes, e o Programa da Mica contribuiu com a identificação de quadro sanitário em
área fora da beira-linha, onde o Programa Rio Doce centrava sua ação. Coincidem nas duas
áreas uma situação sanitária e nosológica calamitosa, que demandava atenção, entretanto
somente continuada incontinente na área do Programa Rio Doce. Este, por sua vez, além de
atingir o objetivo primordial de atendimento à expansão da EFVM e à consolidação da
Companhia Vale do Rio Doce, fixou bases infraestruturais e conceituais que influenciaram
sobremaneira os rumos que, a partir de então, tomaram as políticas de saúde pública
implementadas pelo Estado brasileiro. A ampliação da presença do serviço público de saúde
no Médio Rio Doce através do SESP coincidiu e legitimou os interesses políticos varguistas
de consolidação de um modelo de intervenção política e de fortalecimento do Estado no
interior do Brasil. A orientação geral do Ministério da Educação e Saúde do tempo Capanema
é referendada no aparato funcional do SESP, composto de estabelecimento de distritos
sanitários, centros de saúde e postos de higiene, programas de educação sanitária e formação
de pessoal, programas de combate a endemias rurais e assistência médica curativa e
preventiva, que foram estratégias de implementação de uma estrutura institucional de saúde
pública de abrangência nacional, conforme Fonseca (2003).
A cidade de Governador Valadares, aqui colocada em foco, e as demais cidades que
acompanhavam a EFVM em seu percurso no Médio Rio Doce tiveram seu desenvolvimento e
seu cotidiano influenciados pela interseção de todos esses fatores. O prosseguimento desse
projeto político-sanitário se expressa pelo alargamento da área de atuação do SESP,
especialmente na década de 1950, quando o Serviço é chamado a fornecer atendimento em
várias regiões do País. No caso do Médio Rio Doce, as atividades do Programa foram
encampadas pelo Programa Minas Gerais, assinado entre o SESP e o governo mineiro em
1952. Por esse novo programa tiveram continuidade as ões sanitárias iniciadas pelo
Programa Rio Doce, como a instalação de serviços de água e esgotos em várias localidades
mineiras, trabalhos de educação sanitária e medicina preventiva, trabalhos de estudo e
organização de comunidade.
3 A atuação do SESP no Médio Rio Doce - campo de
experimentação e vitrine
3.1 A intervenção sanitária do SESP no Médio Rio Doce
A área de atuação do Serviço Especial de Saúde Pública no Médio Rio Doce,
166
conforme o Acordo Básico, abrangia o curso e as imediações da EFVM, especialmente as três
maiores cidades da região (Governador Valadares, Aimorés e Colatina) “com foco nos
acampamentos de trabalhadores e nas pequenas vilas espalhadas ao longo dos 600
quilômetros da estrada de ferro” (CAMPOS, 2006, p. 174). Com efeito, na primeira fase de
atuação do SESP essas localidades foram priorizadas, porém estendendo-se o raio de atuação
com o atendimento a necessidades sanitárias de outros municípios, como foi o caso de Baixo
Guandu (ES). Ao chegar à região, o SESP providenciou o estudo das condições sanitárias e
nosológicas locais para, então, definir as ações a serem desenvolvidas dentro do Programa Rio
Doce e do Programa Mica sem, contudo perder- de vista a orientação geral dos princípios que
fundamentavam a organização do Serviço.
Nessa época a área apresentava problemas comuns às regiões de fronteira: deficiências
no fornecimento de água potável, de energia elétrica e saneamento básico. Essas condições
eram recorrentes em toda a área. A malária era a ponta de um problema mais amplo,
característico das regiões de floresta em processo de ocupação. Havia também forte incidência
de febre amarela, leishmaniose e esquistossomose, completando o quadro preocupante de
infestação de doenças. As palavras de Hermírio Gomes da Silva, ex-funcionário do SESP, ex-
prefeito e antigo morador da cidade, são emblemáticas:
Isso aqui era uma reserva ecológica, vamos dizer assim; foi a mais recente fronteira
de 50 anos para cá, que foi aberta em Minas Gerais. O anofelino, mosquito
transmissor da malária, guardou isso aqui para novas gerações. O mosquito manteve
aqui resguardado como um patrimônio natural formidável
.
(Hermírio Gomes, apud
ESPINDOLA, 1999, p. 26).
166 Para efeito de esclarecimento o Relatório do SESP, 3º trimestre/1947, p. 124 (FSESP, cx.. 9, doc. 89), considera “vale do
Rio Doce” aregião atravessada pela Estrada de Ferro Vitória a Minas que, partindo de Vitória, no Espírito Santo, dirige-se
para o norte acompanhando os contrafortes da serra do Mar atingindo o Rio Doce após cerca de 150 quilômetros. Daí segue o
trajeto do rio até a localidade de Ipatinga (quilômetro 458), ponto em que deixa para acompanhar o curso do rio Piracicaba
até Desembargador Drummond, de onde, pelo vale do Rio Peixe, atinge a cidade de Itabira do Mato dentro, depois de um
percurso de aproximadamente 600 quilômetros”.
107
Os diagnósticos realizados pelos técnicos do SESP revelaram a situação mencionada.
Desse modo, pelo Programa Rio Doce, o Serviço passou a atuar de forma que a área definida
fosse atendida em duas frentes: prioritariamente no combate à malária e outras doenças que
afetavam os trabalhadores envolvidos na reforma da EFVM; concomitantemente, o
investimento num programa de saúde pública permanente a ser organizado nas vilas e nas
cidades do vale, característica da segunda fase da presença do SESP na região. Esse programa
resultou na implantação de serviço de água e esgotos, construção de latrinas, criação ou
reforma de centros de saúde e no empreendimento de um projeto de educação sanitária, que
envolvia cursos para parteiras e cuidados infantis, treinamento para atendentes de centros de
saúde e guardas sanitários, treinamento para visitadoras sanitárias (CAMPOS, 2006, p. 174).
O Programa da Mica, instituído em outubro de 1943, partiu da mesma emergência de
atendimento a trabalhadores de áreas estratégicas e incumbiu-se exclusivamente dessa tarefa,
e nos dois programas coincidiram o combate à malária e o atendimento a urgências curativas.
As estratégias de intervenção utilizadas e as ações empreendidas nas duas fases são
convergentes com as metas de formatação do campo da saúde pública definidas pelas
reformas do Ministro Capanema no MESP/MES e do conseqüente fortalecimento do poder
público do governo central nos estados e municípios (FONSECA, 2007, p. 39 e 49).
3.2 A campanha antimalárica
O combate à malária foi o ponto de partida da atuação do SESP no Médio Rio Doce. A
chegada do SESP à região relaciona-se à criação da Companhia Vale do Rio Doce, que
incorporou a EFVM, único meio de transporte entre as minas de Itabira (MG) e o porto de
Vitória (ES) disponível naquele momento. A reconstrução da linha, que atravessava o vale do
Rio Doce, envolveu cerca de seis mil trabalhadores contratados pela companhia norte-
americana Raymond Morrison Kudsen do Brasil S.A. O SESP, que atuava no Amazonas,
foi incumbido do saneamento da área, em situação precária, o que dificultava os trabalhos
(CAMPOS, 2006, p. 173).
Quando o SESP chegou à região, em fins de 1942 e princípios de 1943, uma forte
epidemia da doença atingia a cidade de Governador Valadares (MG), ponto central da EFVM
e local escolhido como uma base de operações. Uma rápida e preliminar investigação revelou
a existência de inúmeras coleções de água, buracos e áreas pantanosas, que eram criadouros
do mosquito anofelino (BASTOS, 1993). A população da cidade se virava conforme a
108
condição econômica: os que podiam comprar o medicamento recorriam às poucas farmácias
locais, e os mais pobres, ao socorro alternativo, como “queimar bosta de boi ou serragem para
espantar os mosquitos”.
167
Tornava-se urgente a busca de solução para o problema, pois o interesse bélico
demandava pressa; além disso, esse mote para a presença do SESP na região conjugava-se
com os projetos governamentais de desenvolvimento econômico (materializados na criação da
Vale do Rio Doce e na reforma da EFVM), bem como com o objetivo de ampliação da
presença do poder público central em áreas do interior do País (CAMPOS, 2006).
A campanha antimalárica foi coordenada pelos médicos Dr. Henrique Maia Penido e
Dr. A. Dacio F. Amaral,
168
convidados a colaborar na empreitada do saneamento iniciado pelo
SESP no vale do Rio Doce. No artigo publicado no primeiro número da Revista do SESP, em
1947,
169
os dois médicos descrevem o início dos trabalhos. Até essa época não havia estudos
conclusivos quanto aos vetores da doença na região. Um trabalho de 1922, realizado por
Peryassu
170
(1922, apud AMARAL; PENIDO, 1947, p. 163), indicava a presença de alguns
espécimes transmissores desde o baixo Rio Doce (ES) até Cachoeira Escura (no Médio Rio
Doce/MG; ponto terminal da linha de ferro naquele ano). Outro estudo, de 1942 (PINTO;
CLAUSELL, apud AMARAL; PENIDO, 1947), indicava seis espécimes de anofelinos no
vale, duas das quais com probabilidade de serem transmissores da malária, o Anofeles darlingi
e o Anofeles tarsimaculatus. A situação exigia, portanto, que se fizesse um rigoroso
levantamento anofélico
171
em todas as cidades e vilas ao longo da EFVM, o que foi feito entre
janeiro e maio de 1943, a fim de orientar a Direção do Programa no combate à endemia
palustre.
167 Cf depoimento das senhoras Geralda Alves da Silva e Dalila de Assis Pereira, miqueiras em Governador Valadares na
época (13 de maio de 2008, acervo pessoal).
168 Assistente do Departamento de Parasitologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, comissionado
junto ao SESP como chefe do Laboratório de Malária de Governador Valadares.
169 AMARAL, A. Dacio F.; PENIDO, Henrique M. Distribuição dos anofelinos no vale do Rio Doce (Percurso da EFVM) -
espécies transmissoras da Malária. Revista do SESP, ano I, n. 1, Rio de Janeiro, 1947. p. 163-167.
170 Higienista, Antonio G. Peryassu participou da Comissão de Combate à Febre Amarela sob o patrocínio da Fundação
Rockefeller.
171 Outro artigo assinado por Henrique Maia Penido detalha os estudos e os levantamentos preliminares acerca da presença
da malária ao longo da EFVM (Alguns aspectos da epidemiologia e controle da malária na área do Rio Doce. In: Revista do
SESP, ano I, n. 1, Rio de Janeiro, 1947, p. 61-76).
Cópia no arquivo: FSESP, cx. 52, doc. 80 (Controle de mosquitos na área Linha Acima do Programa do Rio Doce. Projeto:
RD-LAC-11 - RD-CVA-11). Artigo também citado por PESSOA, Samuel Barnsley. Problemas Brasileiros de Higiene
Rural, São Paulo, s/e, 1949, p.164.
109
O levantamento anofélico foi feito, primeiro, no trecho Governador Valadares
Desembargador Drummond, por ser aquele em que se encontravam as localidades
mais castigadas pela malária; em seguida, no trecho Vitória Barbados, em que a
endemia, embora importante, não atingia a magnitude do trecho anterior; depois no
trecho Colatina Derribadinha, e finalmente, no ramal da estrada de ferro entre D.
Drummond e Presidente Vargas (antiga Itabira), estes dois últimos trechos
conhecidos como zonas sem malária ou, melhor, zonas com casos esporádicos de
malária” (AMARAL; PENIDO, 1947, p. 166-168).
A investigação apresentada baseou-se no estudo de 544.938 larvas do espécime
anofelino, 10.937 adultos capturados em domicílio e 1.022 adultos colhidos em capturas
extradomiciliares, e o Anopheles darlingi foi identificado como o principal vetor na região,
embora existissem outros espécimes. Simultaneamente ao levantamento anofélico, fez-se o
estudo do índice hemoscópico da população das diferentes localidades (cidades, vilarejos e
acampamentos de trabalhadores da ferrovia), constatando-se que o índice malarígeno na área
denominada Linha Acima
172
era bastante superior à área de Linha Abaixo
173
(AMARAL;
PENIDO).
À medida que as coleções quidas (rios, córregos, remansos, lagoas e pântanos) eram
identificadas, numeradas e estudadas, definia-se a melhor alternativa para a eliminação dos
focos de malária: aterro, drenagem ou uso de larvicida. O serviço se desenvolvia em quatro
etapas: (a) zonagem
174
e numeração dos depósitos; (b) pesquisa para descoberta dos criadouros
do vetor; (c) eliminação dos criadouros positivos ou aplicação de larvicida; (d) serviço de
vigilância (PENIDO et al., 1948).
Conforme artigo de Penido et al. (1948a),
175
duas áreas exigiram esforço concentrado
para eliminar os criadouros dos anofelinos: a zona de Naque e a cidade de Governador
Valadares. Na primeira o período excepcional de chuvas fez perder-se todo o trabalho
anteriormente realizado, e o darlingi refugiado em dois ou três depósitos reinfestou toda a
área; na segunda havia vinte criadouros de A. darlingi, e o principal era uma represa situada
no Córrego Figueirinha, que cortava a cidade. A represa foi destruída, e os outros criadouros,
tratados com verde-paris.
176
No caso de Governador Valadares, o SESP teve atuação decisiva
172 Na área de Linha Acima havia 18 cidades e 4 acampamentos de trabalhadores na reforma da EFVM. Descrição do
subprojeto Controle da malária - área Linha Acima: FSESP, cx. 48, doc. 4.
173 Na área de Linha Abaixo havia 12 cidades e aproximadamente 32 acampamentos de trabalhadores na reforma da EFVM,
em 1944. Descrição do subprojeto: Tratamento e profilaxia da malária - Linha Abaixo – FSESP, cx. 21, doc. 29.
174 Segundo texto de Henrique Maia Penido, cada zona teria aproximadamente 36 km2 (FSESP, cx. 52, doc. 80 - Controle
de mosquitos na Área Linha Acima do Programa do Rio Doce. Projeto: RD-LAC-11 - RD-CVA-11).
175 PENIDO, H. M. et al. Malária no Vale do Rio Doce. In: Revista do Serviço Especial de Saúde Pública, ano I, n. 3, Rio
de Janeiro, jan. 1948a. (Texto transcrito da Revista de Higiene e Saúde Pública, ano V, n. 2, jul./set. 1947).
176 O verde-paris é um sal duplo de arsênico e acetato de cobre [...]. Ainda que seu peso específico seja maior que o da
água, as partículas flutuam na superfície durante algumas horas, dependendo o tempo da composição da água. Como se sabe,
as larvas de anófeles se alimentam na superfície, ingerindo indiferentemente quantas partículas flutuantes encontram, assim o
verde-paris, a poeira de estradas, carvão vegetal e algas. A fim de se facilitar sua difusão mistura-se o verde-paris com
alguma sustância inerte em [...] o objetivo é conseguir uma difusão mais uniforme e mais econômica [...]. Outro processo
110
na erradicação da malária e na reorganização do espaço urbano através de Projeto
177
para
drenagem de poços e lagoas entre 1943 e 1944.
Durante os três primeiros meses do ano 1943, aproximadamente 400 buracos foram
aterrados e aproximadamente 5.000 metros de pântanos e canais foram limpos ou drenados.
178
Como resultado a maioria das lagoas da cidade foram eliminadas ou convertidas em poços
facilmente limpos, mantidos e tratados. Um exemplo dessa investida é o caso das lagoas do
Bairro do Sapo,
179
que serviam de bebedouro para as boiadas
180
que embarcavam na estação
local. Até o final da cada de 1940, esse foi um dos maiores focos do mosquito transmissor
na cidade. Através de um estratégico planejamento de intervenção sanitária as lagoas do Sapo
seriam eliminadas.
A campanha antimalárica no vale do Rio Doce teve duas fases: a primeira, até 1945,
baseada no controle antilarvário, no tratamento curativo e supressivo pela metoquina e na
drenagem incidental; na segunda, em 1946, o antilarvário foi reduzido, a drenagem e o
tratamento supressivo foram suprimidos, e iniciou-se um plano de erradicação à base de DDT.
Ao final desse ano deu-se início à experimentação de novas drogas antimaláricas postas à
disposição do SESP.
A Divisão de Malária do Programa Rio Doce foi chefiada em 1945 pelo Dr. Nizomar
Pinheiro de Azevedo e em 1946 pelo Dr. Durval Bustorff Pinto. A área trabalhada foi dividida
em dois setores: o setor Espírito Santo e setor Minas Gerais; a área mineira tinha como único
anofelino transmissor o A. darlingi e na área espírito-santense foram identificados, além do A.
darlingi, dois potenciais transmissores, uma variedade do A. albitarsis e o A. tarsimaculatus,
este em localidades mais próximas do litoral. Nessa área visaram-se especialmente os
acampamentos de trabalhadores da EFVM, embora se atendesse gratuitamente qualquer
indivíduo que procurasse os subpostos para tratamento. No setor mineiro a campanha foi mais
rigorosa por causa da incidência maior do paludismo, e a orientação adotada havia sido
traçada em 1943 pelos médicos Oswaldo Filho, Maia Penido e Franco do Amaral. O
tratamento antilarvário dos criadouros com verde-paris e a terapêutica supressiva deram bons
resultados nas áreas de população mais densa (Governador Valadares, Coronel Fabriciano,
de usar-se o verde-paris é em suspensão no querosene [...] aplicação por meio de bombas de aspersão”. Cf. PESSOA. 1949,
p. 224-225.
177 Fundo FSESP/ Seção Divisão de Engenharia, cx. 48, doc. 42. Drenagem para controle de malária - área Linha Acima -
EFVM. Projeto RD-LAC-10, Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz.
178 FSESP, cx. 48, doc. 42.
179 Atualmente o Bairro Nossa Senhora das Graças, parte de uma das áreas mais densamente povoadas de Governador
Valadares.
180 Constam dos relatórios do FSESP o esgotamento e construção de cercas (FSESP, cx. 48, doc. 42) em determinadas
lagoas que serviam de bebedouros para o gado.
111
Antônio Dias, etc.). Porém, seria muito dispendioso fazer o mesmo nas extremidades do curso
da linha férrea, área central do Setor Minas Gerais, trecho relativamente pouco povoado e
praticamente sem desenvolvimento econômico. Contudo, sabendo-se que nas áreas rurais a
proliferação de anofelinos era intensa e por necessidade de prevenir epidemias, o SESP
decidiu iniciar a aplicação domiciliar do DDT,
181
embora fosse ainda pequeno o conhecimento
que se dispunha sobre o inseticida
182
(Relatório do SESP, 3º trimestre 1947, p. 125-128;
FSESP, cx. 9, doc. 89).
Desse modo, iniciou-se em agosto de 1945 a experimentação de aplicação de DDT nas
habitações rurais de Alfredo Maia,
183
no Baixo Rio Doce (ES) e em setembro de 1946 em uma
área
184
do Setor Minas Gerais ainda não coberta regularmente com o antilarvário. O trabalho
experimental visava determinar a concentração adequada do inseticida (em suspensão aquosa,
emulsão, ou em solução de DDT), bem como a correta utilização de equipamentos, forma de
transporte e mão-de-obra.
185
O caráter experimental da utilização do DDT é evidenciado pelo
Relatório de atividades:
Com o recebimento, de parte da Superintendência do SESP e da Chefia da Missão
Técnica do Instituto de Assuntos Interamericanos, de publicações referentes ao
material e equipamento necessário, e de trabalhos concernentes à aplicação do DDT,
nossas experiências passaram a ser feitas com o sentido de ser estudado o processo
mais prático para expurgo das habitações da região, em sua maioria construídas de
taipa e cobertas de palha (Relatório do SESP, trimestre 1947, p. 130; FSESP, cx.
9, doc. 89).
Penido et al. (1948) apresentam três fatores que justificavam a aplicação do DDT na
área rural da região: eficiência, facilidade de emprego e economia. Com o expurgo domiciliar
esperava-se conseguir um desequilíbrio biológico para as espécies de bitos domiciliares e o
seu conseqüente desaparecimento. Nessa perspectiva, a área situada no meio da zona
malarígena, entre as localidades de Governador Valadares e Nova Era, abrangendo cerca de
181 “O DDT, cientificamente denominado dicloro-difenil-tricloroetano [...] apresenta-se como um branco, fino e quase
insolúvel na água [....]; age como veneno do sistema nervoso. A droga é evidentemente absorvida pelas patas dos artrópodes
quando passeiam ou pousam nas superfícies pulverizadas [...]; em malária o DDT pode ser usado, não contra a fase
larvária, como vimos, como contra a fase alada dos mosquitos”. Cf. PESSOA, Samuel Barnsley. Problemas Brasileiros de
Higiene Rural, São Paulo, s/e, 1949, p. 230-231.
182 Em 1945 o SESP havia realizado uma experiência pioneira na Vila de Breves, a sudoeste a Ilha de Marajó (AM), local de
maior endemicidade no Amazonas. O bom resultado da experiência em Breves (AM) estimulou a experimentação em maior
escala. Cf. CAMPOS (2006, p. 131).
183 Experimentação relatada por: COSTA, A. Maciel da; BASSÉRES, Maurício S. A ação do DDT sobre o A. darlingi, A.
albitarsis e outros culicídios. Revista do SESP, jul. de 1948, tomo II, n. 1, p. 997-1008.
184 Experimentação relatada por: PENIDO et al. Plano para a realização de expurgo domiciliar com DDT em zonas rurais.
Revista do SESP, jul. 1948b, tomo II, n. 1, p. 3-15; e:
PENIDO, Henrique Maia; PINTO, D. Bustorff; SOUZA, E. Furtado. Considerações sobre o emprego de DDT como anti-
alado e anti-larvário no combate à malária. Revista do SESP, dez. 1948, tomo II, n. 2, p. 561-565.
185 Cf. Relatório do SESP, 3º trimestre 1947, p.126-128; FSESP, Cx. 9, doc. 89.
112
140 km
2
em redor
da vila de Naque,
186
recebeu seis expurgos domiciliares entre outubro de
1946 e outubro de 1948, com resultado positivo. Sobre essa localidade o depoimento do Dr.
Ladislau Sales, de Governador Valadares, é significativo:
Fizemos um levantamento na zona rural de Naque. O índice de sangue positivo em
crianças acima de três anos foi 91% positivo. Por sorte era “terçã benigna” um tipo
de malária que não mata, mas de dez em dez dias, um dia sim, um dia não, pode
deixar que tem quarenta graus de febre. E o baço vai crescendo, crescendo,
crescendo, até atravessar o abdome (Dr. Ladislau Sales; Entrevista concedida ao
Prof. Haruf Salmen Espindola, do Núcleo de Estudo Históricos e Territoriais, da
UNIVALE, em 14/12/2001).
Penido et al. (1948b) relatam dificuldades para a execução do plano de expurgo: no
setor mineiro, por causa da falta de estradas entre muitas localidades, boa parte do serviço era
feita a pé; na área de Linhares (ES), a comunicação entre as casas foi possível através de
picadas na mata ou do uso de canoas nas áreas situadas à beira das grandes lagoas; e a pouca
cooperação de particulares em obras de saúde pública, “mormente no interior, onde a
mentalidade do povo não está ainda suficientemente esclarecida nesse sentido” (PENIDO et
al., 1948b, p. 3-15).
Em outro artigo, Estudo sobre a ão de novas drogas antimaláricas no vale do Rio
Doce, Penido et al. (1948, p. 23-36) descrevem
187
a experimentação de novos medicamentos
supressivos entre a população de áreas previamente escolhidas concomitantemente com os
expurgos domiciliares (suspensão aquosa para os mocambos e barracos feitos de barro batido;
emulsão ou solução de DDT para moradias melhores, feitas de alvenaria). A experiência de
campo consistia na distribuição de novos medicamentos para a supressão da malária, em dose
única, sob a observação do guarda sanitário local, que fazia semanalmente boletins de
conferência de resultados. Essa alternativa visava resolver as dificuldades de aplicação
prolongada de medicamentos (quinina, plasmoquina, atebrina) em doentes de zona rural,
“pois na maioria das vezes, contentam-se em tomar o medicamento até a obtenção de uma
melhora clínica, abandonando o tratamento”. No setor Minas Gerais, as localidades escolhidas
e os respectivos medicamentos experimentados foram os seguintes: Baguari e Rio Corrente,
para administração de camoquim; Pedra Corrida e Periquito para administração de cloroquina;
em Naque e Cachoeira Escura foi distribuída a paludrina; e em Ipaba e Ipatinga, utilizou-se
oxi-cloroquina.
188
Como essas primeiras áreas haviam recebido o segundo expurgo
186 A localidade de Naque, na confluência dos rios Doce e Santo Antônio, era uma das mais infestadas da região.
187 Apresentado ao VI Congresso Brasileiro de Higiene, reunido no Rio de Janeiro, de 19 a 25 de outubro de 1947.
188 Segundo os autores (PENIDO, Henrique Maia; SOUZA, E. Furtado; BEZERRA FILHO, F. P. G. 1948, p. 24) três
medicamentos foram fornecidos pelo Instituto de Assuntos Interamericanos e preparados por laboratórios comerciais
113
domiciliar por DDT (fevereiro de 1947), fez-se outra experimentação somente com camoquim
em Bananal (ES) e arredores, área do Baixo Rio Doce não-dedetizada. Foram promissores os
resultados com o uso do camoquim, e a paludrina foi a menos eficiente. Também se verificou
o efeito positivo do DDT, pois o número de doentes após a aspersão do inseticida havia
diminuído sensivelmente, fato que, segundo Campos (2006), contribuiu para fortalecer a
posição daqueles que defendiam seu uso em áreas menos povoadas.
A partir de janeiro de 1950, por decisão do governo brasileiro, a responsabilidade pelo
controle da malária ficaria a cargo do Serviço Nacional de Malária (BASTOS, 1993, p. 317).
Entretanto, no vale do Rio Doce, ela estava praticamente erradicada na ocasião. Em sua estada
em Chonin de Cima, próximo à área miqueira, Kalervo Oberg (1956, p. 41), registra que
moradores entrevistados relataram um surto que matou muitas pessoas entre 1944 e 1945, mas
o saneamento da área havia controlado a situação.
O relato de um funcionário aposentado do SESP (1943-1990), que exerceu diversas
atividades de servente no laboratório de Governador Valadares a fiscal de agente
sanitário
189
permite acompanhar os procedimentos realizados no o combate ao vetor da
malária e no atendimento de pessoas doentes. Habilitando-se como guarda sanitário para o
combate á malária, então instituído sob a supervisão do Dr. Henrique Maia Penido, passou
pelos três postos de trabalho: guarda pesquisador, guarda antilarvário e guarda chefe. O
guarda pesquisador era o responsável pela coleta de larvas de mosquito nas coleções de água
identificadas e numeradas (água parada e remansos) para exame no laboratório de Governador
Valadares;
190
o guarda antilarvário fazia o trabalho de aplicação do agente larvicida, o ‘verde
paris’ para eliminação dos criatórios do mosquito, o darlingi, nas coleções identificadas como
criadouros; o guarda chefe fiscalizava a atuação do guarda antilarvário e verificava se os
focos haviam sido eliminados ou não; e a vistoria era feita por algumas semanas até que não
houvesse mais perigo de reinfestação. No caso desse funcionário, a zona trabalhada ia de
Derribadinha a Naque, ou seja, na área denominada Linha Acima, e ele permanecia pelo
menos uma semana fora de sua residência em Governador Valadares. Nessa cidade, segundo
o depoimento, inúmeros criadouros foram tratados com ‘verde paris’, especialmente no Bairro
(cloroquina, pelo Parke, Davies e Company; oxi-cloroquina pelo Winthrop Chemical Company Inc; paludrina, pelo Imperial
Chemical Ltd.) e o camoquim foi fornecido pelo Dr. Eugene H. Payne, do Departamento de Investigações Clínicas da Park,
Davis e Company.
189 Entrevista Sr. Petronilho Alcântara Costa, 82 anos (funcionário aposentado do SESP). 10 jun. 2008, acervo pessoal.
190 Cf. Bastos (1993, p. 109) o Laboratório de Governador Valadares, posteriormente à sua instalação chamado de
Laboratório de Estudos de Malária, mantinha além desse setor, uma seção para realizar exames clínicos atendendo a médicos
do SESP e médicos particulares de cidade e cidades vizinhas. O primeiro diretor foi o brasileiro Dr. Dácio Amaral, tendo
como consultor o Dr. K.B. Kerr, parasitologista norte-americano.
114
do Sapo. O tratamento era definido conforme a melhor alternativa: aterro, esgotamento ou uso
do larvicida.
Havia sempre um risco de se contrair a malária, e preventivamente os guardas
tomavam a atebrina, mas não possuíam mosquiteiros para a hora do sono. Confeccionados por
costureiras em Governador Valadares, os mosquiteiros eram para os médicos; isso era uma
questão de status, segundo o Sr. Petronilho, e ele mesmo nunca teve malária (a febre
‘tremedeira’), mas lembrou-se de companheiros que a tiveram.
Além da atividade de combate aos criadouros do mosquito transmissor, os guardas
participavam da coleta de sangue da população das localidades cujas coleções de água eram
investigadas. Para a realização do exame, coletava-se o sangue das pessoas (adultos e
crianças), uma gota espessa esfregada na lâmina, que era identificada e encaminhada para o
laboratório. Embora não entendesse o processo, o guarda “fazia o serviço de coleta
direitinho”, conforme lhe havia sido ensinado. O resultado era encaminhado para o escritório
central e retornava com as orientações. As pessoas doentes recebiam os comprimidos de
atebrina, cloroquina (ou outros medicamentos antimaláricos), no posto de atendimento
instalado nas localidades, em dose única, e os tomavam à frente do guarda que,
supervisionado pelo médico, anotava cada situação. Para o Sr. Petronilho, em alguns casos
nem precisava fazer os exames, pois a pessoa chegava tão amarela que já se sabia o resultado.
Quando o SESP começou a utilizar o DDT na região, o inseticida era aspergido
diretamente nas paredes das casas, fossem de tijolo, fossem de barro batido, com o uso de
uma bomba própria. O Sr. Petronilho lembrou que se andava muito a pé e que a bomba cheia
pesava cerca de dez quilos e era carregada pelo guarda sanitário, alguns tinham alergia ao
produto e ficavam com os braços irritados. Quando o SESP iniciou o Programa do São
Francisco, essa alternativa também foi utilizada e para foi o depoente, por volta de 1951,
contribuir com sua experiência; então deu o nome de “Mariquinha”
191
à sua bomba de
dedetização, segundo ele por “coisa de rapaziada, e o porque conhecesse alguma moça
interessante com este nome”.
191 O depoente doou, na oportunidade, a sua Marquinha” para o Projeto “A memória social do SESP: Testemunhos da
saúde em Governador Valadares (1942-1960)” ora desenvolvido pelo Programa de Memória Social do Núcleo de Estudos
Históricos e Territoriais (PMS do NEHT-Univale).
115
3.3 Identificação e tratamento de verminoses
Os diagnósticos realizados nos acampamentos ao longo da EFVM, no início das
atividades do SESP na região (Programa Rio Doce), apontaram que, além da malária, a
presença de verminoses variadas debilitava a saúde dos trabalhadores e da população em
geral
192
. De acordo com BASSÉRES e PANTOJA (1947a),
193
a região do Rio Doce era “área
virgem” de qualquer observação sobre verminoses; desse modo, do final do ano de 1943 até
1945, o SESP realizou inquéritos para a identificação dos parasitas prevalecentes na região,
através do laboratório instalado em Vitória, para atender a área próxima ao litoral, e do
laboratório de Governador Valadares, que atenderia ao interior,.
Nas três zonas de observação definidas: zona I (entre Vitória e Cavalinhos/ES), zona II
(entre Colatina e Governador Valadares) e zona III (entre Governador Valadares e Nova Era),
a realização dos inquéritos fez-se acompanhar de tratamento anti-verminótico em massa para
redução da intensidade helmíntica entre a população
194
. Verificou-se a existência semelhante
de diversos helmintos (A. lumbricóides, S. stercoralis, N. americanus) nos acampamentos e
localidades, com exceção de Strongyloides, que se mostrou expressivamente mais elevado
nestas. Na localidade de Conselheiro Pena (zona II) o índice de infestação pelo Schistosoma
mansoni era elevado (BASSÉRES; PANTOJA 1947ª, p. 238-242)
195
.
Entre 1944 e 1945 foi realizado o tratamento de caráter experimental anti-verminótico
em massa pelo hexyl-resorcinol
196
em onze localidades (Alfredo Maia, Ibiraçú, Timbuí,
Fundão, Pendanga, João Neiva, Cavalinho, no setor capixaba; Itueta, Crenaque, Tumiritinga,
Cuité, no setor Minas Gerais), sete acampamentos de trabalhadores ao longo da ferrovia e
duas instituições, localizados nas zonas I e II (de Alfredo Maia/ES a Cuité/MG), sendo
tratadas cerca de 7.400 pessoas
197
. A preparação de cada localidade iniciava-se com a
divulgação por carta ou contato com as autoridades e professoras públicas do local; três dias
antes do procedimento dois auxiliares levavam o material de propaganda (folhetos e cartazes
192 Descrição do sub-projeto que acompanha os diagnósticos: FSESP, Caixa 24, doc. 54 (Auxílios Especiais na Área de
“Linha Acima” - Posto de Assistência Médica em Governador Valadares - Programa Rondônia. Projeto: BB-LA-20) e doc.
56 (Auxílios Especiais na Área de “Linha Central” - Programa Rio Doce. Projeto: RD-LCE-20)
193Trabalho apresentado no I Congresso Interamericano de Medicina, reunido no Rio de Janeiro, em setembro de 1946.
194 O método consistia na administração do medicamento ao maior mero possível de pessoas de uma população, cujo
exame coprológico de amostra representativa tivesse sido significativo para infestação de ancilostomídeos.
195 Trabalho citado por PESSOA, Samuel Barnsley. Problemas Brasileiros de Higiene Rural, São Paulo, s/e, 1949, p.371.
196 A droga, introduzida na medicina como anticéptico das vias urinárias (1924), foi mais tarde empregada no tratamento de
verminoses humanas (1931), obtendo-se êxito contra o Áscaris, Necator e Tricocéfalo. Cf. BASSÉRES, Maurício S.;
PANTOJA, Woodrow P. (1947b).
197 Outra experiência foi realizada entre 607 escolares internados em vários educandários em Vitória (ES) e em 70 pessoas
residentes no povoado de Pedra Furada (onde não havia uma única fossa higiênica), no município de Era Nova (MG). Cf.
observações relatadas por PEREIRA, Olivier. Observações sobre a ação do Hexil-resorcinol e Tetracloretileno nas
infestações pelos Ancilostomídeos, Ascaris lombricóides, Tricocephalus trichiura e sua aplicabilidade no meio rural. Revista
do SESP, jul. 1948, n. 1. p. 47-57.
116
inicialmente; máquina cinematográfica e projetor de slides a partir de 1945) e realizavam a
sensibilização da comunidade além de chamar atenção sobre outros problemas sanitários do
meio rural; orientavam-se as pessoas quanto ao cuidado prévio (jejum) e ao local da
distribuição do medicamento (escola da localidade ou moradia do encarregado do
acampamento); a equipe formada por médico e auxiliares procedia à medicação, sendo que
cada pessoa ingeria as pílulas ali mesmo sob a vigilância do médico, que também
recomendava que o purgante fosse tomado à noite (BASSÉRES e PANTOJA, 1947b, p. 251-
257). Estes dois autores, que acompanharam esta experimentação declaram em seu artigo na
revista do SESP:
A situação ancilostomática na área trabalhada, de acordo com os exames realizados
por ocasião dos tratamentos em massa, mostrou uma incidência de 80% nos
acampamentos e 71,4% nas localidades. Quanto ao Ascaris, concorreu com 64,8%
nos acampamentos e 61,3% nas localidades”. [...] Nos acampamentos em que os
empreiteiros mostravam boa vontade para com o nosso serviço o comparecimento
atingia a 85%; nas localidades, era bastante variável, em geral de 40 a 60% da
população total, apresentando os pré-escolares, escolares e adolescentes, percentuais
bem maiores de comparecimento (BASSÉRES; PANTOJA, 1947b, p. 253-254).
No mesmo artigo, os autores tecem considerações sobre o início da construção de
fossas sépticas nos acampamentos e localidades, e em algumas destas, a instalação de serviço
de tratamento de água e rede de esgotos, que se combinaria com o tratamento antiverminótico
e sua prevenção. Também se referem ao aumento da confiança no medicamento e na equipe
pela população de localidades submetidas a tratamento anterior a um retorno, ressaltando que
aos poucos cedia terreno a crendice popular da necessidade de ‘resguardo’ após a ingestão de
medicamento e especialmente a questão da “lua apropriada” na qual o vermífugo teria seu
efeito aumentado ou anulado; ou seja, “o tratamento e seus resultados evidentes, em pouco
tempo, colocam a importância da ‘lua’ em seus devidos termos” (BASSÉRES e PANTOJA,
1947b, p. 255). Embora o tratamento em massa tivesse a objeção de alguns
autores/pesquisadores, os técnicos do SESP apostaram nesta alternativa e consideraram
positiva a experimentação do hexyl-resorcinol contra verminoses no meio rural. Os
autores/experimentadores minimizam alguma reação adversa e apostam no novo
medicamento como uma “arma de primeira linha” para combater as verminoses no meio rural:
117
Nunca tivemos notícia de nenhum acidente de maior gravidade. Em raras
circunstancias algumas pessoas queixaram-se de náuseas e cólicas abdominais. Pelo
que nos foi dado observar, estas manifestações mais se assemelhavam a crises
espasmódicas vesiculares. Observamos também, em cerca de meia dúzia de crianças,
manifestações do tipo alérgico (prurido, vaso-dilatação periférica, etc.) observadas
poucas horas após a ingestão do medicamento, sendo atribuídas a absorção do líquido
celomático de áscaris mortos. Em todos os casos citados as perturbações cederam
prontamente com a administração do sulfato de magnésio (BASSÉRES e PANTOJA,
1947b, p. 257).
(...) A par dos benefícios trazidos pelo próprio medicamento teremos, também, numa
campanha bem planejada, os benefícios inestimáveis da educação sanitária ativa [...].
A saúde pública tem no hesy-resorcinol uma arma de primeira linha de ataque às
verminoses no meio rural (BASSÉRES; PANTOJA, 1947b, p. 258).
Conforme já evidenciado o índice de infestação pelo S. mansoni era elevado na zona II
onde se realizaram os inquéritos para identificação de verminoses, constituindo a
esquistossomose um problema de importância considerável
198
. Basséres e Pantoja (1947c,
apud PESSOA, 1949:424) publicaram o resultado de investigação realizada ao longo dos
quase 600 km da EFVM, com 5.314 exames realizados abrangendo cerca de15% da
população de 26 localidades. A incidência positiva mostrou-se variada e parecia relacionar-se
à bacia hidrográfica do Rio Doce, pois no trecho de Vitória a Colatina, cujos rios não são
tributários do Rio Doce, os índices foram baixos nas nove localidades estudadas; no entanto, o
trecho entre Colatina e Governador Valadares (13 localidades estudadas) apresentou índices
entre 2,5% e 46,1% de infestação
199
, e entre Governador Valadares e Nova Era (quatro
localidades) o percentual variou (maior índice em Antônio Dias, de 6,6%).
Trabalhos experimentais para destruição dos moluscos hospedeiros intermediários dos
esquistossomos, parasitas do homem, através de substâncias tóxicas planorbicidas, foram
realizados, pelo SESP, na cidade de Aimorés/MG e arredores, numa área de aproximadamente
250 km
2
, fartamente banhada por tributários do Rio Doce e bastante povoada. Entre março de
1948 e junho de 1950, evitando-se a época chuvosa, todas as coleções quidas da área foram
submetidas a pesquisas regulares, em ciclo mensal, e os Planorbídeos encontrados eram
enviados ao laboratório montado em Aimorés. Em seguida experimentaram-se diversas
substâncias tóxicas (cal, sulfato de cobre, sulfato de amônio, Rhodiatox, Deteroz, entre
outras), no campo e em laboratório com o objetivo de se avaliar a melhor alternativa para
combate aos caramujos hospedeiros; duas destas substâncias (concentração de penta-cloro-
fenolato de sódio e concentração de sulfato de cobre) apresentaram êxito na destruição de
198Cf. FSESP, cx. 25, doc. 69: Controle de esquistossomose na área da “Linha Central” às margens da EF.M - Estado do
Espírito Santo e Minas Gerais. Projeto: MG-LCE-26.
199 O principal foco foi identificado em Conselheiro Pena/MG, onde as margens dos riachos e áreas pantanosas eram
altamente infestadas por planorbídeos hospedeiros. Pessoas que tinha contato com as águas infestadas, especialmente
lavadeiras, estavam expostas à contaminação (Cf. FSESP, Cx33, doc. 34 – Abastecimento d’água para Conselheiro Pena).
118
100% dos caramujos, no entanto, a experiência não teve resultados conclusivos (PINTO, D.
Bustorff; ROBERT, Clovis; PENIDO, Henrique M., 1951, p. 357-369).
Outra experimentação,
200
também não conclusiva, foi realizada nas imediações de
Governador Valadares, entre agosto de 1952 e março de 1953, para se avaliar a distância que
o tóxico utilizado seria capaz de atingir nos cursos de água corrente; os tratamentos foram
realizados nos córregos Bambu e Cardoso,
201
respectivamente afluente esquerdo e direito do
Rio Doce, observando-se que a principal dificuldade de aplicação deste método era a retenção
do sal pela terra, diminuindo sua dispersão (PEREIRA e MENDONÇA, 1954, p. 425-431).
Hermírio Gomes da Silva, já citado, conta que ele e outros funcionários, nesta época, enchiam
as mãos de caramujos, que eram esmagados para os exames de infestação
202
.
Entretanto, na década de 1950 não se dispunha de drogas eficazes para o tratamento da
população parasitada e os planorbicidas químicos tinham ação limitada; o objetivo principal
naquele momento era o controle da transmissão com a redução das populações dos moluscos.
Desse modo a atuação do SESP, resguardando-se sua importância, contribuiu com as
pesquisas para o controle da esquistossomose no Brasil, com identificação de espécimes de
caramujos hospedeiros e experimentação de moluscocidas
203
. Importa ressaltar que ainda hoje
são expressivos os índices de infestação por esquistossomose
204
no vale do Rio Doce
205
.
3.4 Instalação do serviço de tratamento de água e esgoto e criação do SAAE
Os relatórios de atividades da seção de engenharia sanitária do SESP, que tratam da
instalação de serviços de tratamento de água e esgotos, são unânimes em relacionar as más
condições de higiene e saneamento com a incidência de disenterias, verminoses, febre tifóide,
e outras enfermidades nos acampamentos e localidades atendidas
206
.
200 Trabalho do Programa de Minas Gerais, do SESP, apresentado ao XI Congresso Brasileiro de Higiene, realizado em
Curitiba, de 15 a 21 de novembro de 1953.
201 Atualmente parte do bairro Vila Isa (Governador Valadares) é cortado por esse córrego.
202 Entrevista com o Dr. Hermírio Gomes da Silva, em 29 de maio de 2008; Acervo pessoal.
203 Encontram-se publicados na Revista do SESP, entre 1947 e 1957, dezessete artigos referentes a estudos sobre a
esquistossomose em áreas de atuação do SESP, especialmente Minas Gerais. Cf. Índice geral dos trabalhos publicados na
Revista até Junho de 1961(Revista do SESP, junho de 1961, Tomo XI, n. 02)
204 Cf. SOUZA, Cecília P. de, et al.. Distribution of Biomphalaria in Minas Gerais . Mem Inst Oswaldo Cruz, Rio de
Janeiro, Vol. 96(3), Abril 2001p. 293
205 A Universidade Vale do Rio Doce oferece o Mestrado em Ciências Biológicas em que uma das linhas de pesquisa é a
Imunopatologia da
Esquistossomes (e
studo dos aspectos imunológicos, epidemiológicos, clínicos, diagnósticos e terapêuticos
de algumas doenças parasitárias, de maior impacto na região do Vale do Rio Doce), além das linhas Imunologia da
Leishmaniose, Imunopatologia das Doenças Infecciosas e Imunopatologia na Amebíase Intestinal e Hepática.
206 Vários relatórios de atividades do FSESP descrevem projetos de saneamento em localidades do vale do Rio Doce, entre
1943 e 1960. Ver: Série Engenharia Sanitária/ Saneamento Básico, caixas 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 39, 40; e Sub-série
Saneamento Ambiental, caixas 45, 47, 48.
119
Os levantamentos preliminares realizados na área pelo SESP confirmam os relatos dos
cronistas locais, apresentados no primeiro capítulo, quanto ao precário abastecimento de água
existente nas cidades consideradas. O engenheiro Clifton Bovée
207
(1947) descreve a situação
encontrada:
Ao longo do vale, a água para uso doméstico era habitualmente obtida do próprio rio
e seus afluentes e também de poços pouco profundos, em caráter privado ou semi-
público. Algumas das cidades maiores possuíam abastecimentos municipais, que, na
melhor hipótese, consistiam somente no bombeamento de água bruta do Rio Doce a
redes distribuidoras, limitadas estas ao centro da localidade, sem prévio tratamento.
Fora disso, o transporte da água bruta para uso doméstico se fazia por meio de
animais de carga, ou então por carregamento dos próprios habitantes, em latas de 20
litros. Os entregadores de água a domicílio trabalhavam à razão de Cr$100,00 a
Cr$150,00 por mês, sendo de 1 a 2 barris de 100 litros o consumo diário de uma
família média (BOVÉE, 1947, p. 470-471).
De um modo geral, as fontes utilizadas forneciam água barrenta e poluída, fossem
águas de superfície ou de poços escavados, freqüentemente desprotegidos contra escoamento
e contaminação, em vista dos tradicionalmente anti-higiênicos meios de disposição de
detritos. Desta forma, doenças transmitidas por via hídrica (disenteria amebiana e bacilar, e
febre tifóide com elevada incidência) eram causas de mortalidade na região; a
esquistossomose propagava-se devido ao costume de lavagem de roupa e banhos nos rios e
córregos infestados pelo caramujo transmissor (BOVÉE, 1947, p. 471). Parece que não havia
maiores preocupações por parte dos moradores em dar tratamento à água para uso doméstico,
como filtragem ou fervura, conforme o depoimento, referente à situação em Governador
Valadares:
A água era horrível, a gente comprava água na cartola do Rio Doce. Uma água
barrenta, tinha um, esqueci o nome dele agora, um carroceiro que abastecia a cidade.
Uns dois carroceiros, com esses barris né! Grande com saco de aniagem por cima
para a água não transbordar. A gente chegava em casa e pegava uma pedra alume,
botava nos filtros pra decantar um pouco a água e filtrar, mas saia assim amarela.
Algumas pessoas com mais precaução, ferviam a água (Dr. Hermírio Gomes da
Silva; Entrevista concedida ao Prof. Haruf Salmen Espindola, do Núcleo de Estudo
Históricos e Territoriais, da UNIVALE, em 04/12/1997).
Na área do Espírito Santo a situação o era diferente, a julgar pelo relato de
observadores (GIEMSA e NAUCK, 1939), em área de penetração de colonos italianos, nas
imediações de Colatina; segundo seu levantamento muitas doenças (infecção de Necator,
207 O artigo deste engenheiro (Abastecimento d’água no Vale do Rio Doce), publicado na Revista do SESP (1947, ano I, n.
1), aqui servide base para apresentação dos projetos para as três cidades que primeiro receberam o abastecimento de água
tratada (Aimorés, Colatina, Governador Valadares), no Médio Rio Doce.
120
Ascaris, Trichocephalus, Amoeba histolytica, Schistossoma mansoni, tifo) advinham do
consumo de água sem fervura e do bito de banho nos rios; do mesmo modo consideram
ruim o abastecimento de água na região, sem aproveitamento conveniente da água de poços e
mananciais; observam também que o baixo nível de educação dos colonos torna precário o
conhecimento para cuidados dessa natureza.
Nos acampamentos de trabalhadores da EFVM a situação se complicava, pois o
havia qualquer preocupação com a higiene e hábitos de defecação ou com a qualidade da água
utilizada para banho e uso doméstico. Desse modo, os primeiros inquéritos realizados pelo
SESP acompanharam-se por medidas supressivas da malária e verminoses identificadas, e
concomitantemente com o suprimento de água em condições de uso (abertura de poços e
tratamento de nascentes) e construção de fossas higiênicas
208
. A condição transitória destes
acampamentos acentuava o descuido com a questão sanitária, em vista da transferência de
trabalhadores para novos trechos de recuperação da EFVM. A situação demandava que se
fizesse uma campanha de educação sanitária, mesmo que rudimentar, a fim de persuadir os
trabalhadores a utilizarem as privadas e a servir-se da água dos poços abertos ao invés da água
contaminada dos rios ou córregos; agentes sanitários treinados emergencialmente também
incentivavam as pessoas a buscarem orientação médica se necessário e a não negligenciarem
o uso da metoquina.
209
Em conformidade com o Acordo Básico, o SESP iniciou em 1944, projetos piloto para
tratamento de água e instalação de redes de escoamento de dejetos nas principais cidades da
sua área de abrangência: Governador Valadares, Aimorés e Colatina, sendo que os projetos
pioneiros desenvolveram-se entre os anos 1944 e 1946, custeados inteiramente pela agência,
através de recursos disponibilizados pelo IAIA. Em cada um destes municípios foram
assinados acordos de cooperação e responsabilidade pela manutenção das instalações pelas
prefeituras locais, porém a experiência mostrou que nem sempre puderam ser honrados,
especialmente pela falta de planejamento de aporte de recursos públicos em obras desta
natureza.
208 FSESP, cx. 30, doc. 17: Abastecimento temporário d’água em acampamento de trabalhadores ao longo da “Linha
Abaixo” (Vit. Minas). Projeto: RD-LAB-7 (1944/46); cx. 34, doc. 46: Suprimento de água para trabalho de construção do
acampamento de Cia. Vale do Rio Doce, na área denominada “Linha Acima” do Programa do Rio Doce. Projeto: RD-LAC-7
(1945); cx. 45, doc. 23: Construção de fossas e privadas no acampamento de trabalhadores em “Linhas Abaixo” (área do
Programa do Rio Doce). Projeto: RD-LAB-9 (1943-1946); cx. 48, doc. 41: Construção de sentinas - Área Linha Acima” -
Estrada de Ferro Vitória - Minas Gerais. Projeto: RD-LAC-9 (1943/45); cx. 52, doc. 83: Inspeção sanitária na Área Linha
Acima” da EFVM, entre Governador Valadares e Itabira (MG). Projeto: RD-LAC-22 (1944-1947) e doc. 84: Inspeção
sanitária na Área “Linha Central” da E.F.V.M., nos Estados do Espírito Santo e Minas Gerais, entre Colatina e Governador
Valadares. Projeto: RD-LCE-22 (1944-1947)
209 FSESP, cx. 21, doc. 30, Inspeção sanitária Linha Abaixo.
121
Estendem-se a estas cidades o mesmo diagnóstico sobre a prevalência de doenças e
sua relação com a questão sanitária, especialmente tratando-se da ausência de água tratada
convenientemente e da falta de esgotamento sanitário adequado, conforme descrição nos
planos para instalação destes serviços
210
. Para as três cidades foram realizadas investigações
preliminares afim de elaboração dos projetos de acordo com as normas e especificações
aceitas e indicadas para cada caso, pela seção de Engenharia do SESP: levantamento da área,
definição da forma de escavação de galerias e reservatório, definição de método de
tratamento, definição de metragens de canos e manilhas e outros. De acordo com Bovée
(1947, p. 471) os serviços de abastecimento de água, definidos pelo SESP, deveriam atender
as “modernas práticas da engenharia sanitária e serem de molde a estimular a adoção de
preceitos e princípios desta ciência”.
Feitos os arrolamentos de possíveis fontes de suprimento, definiu-se nas três áreas pelo
aproveitamento das águas do Rio Doce, para fazer face às necessidades dos habitantes de
Governador Valadares (em 1943: 7.000, estimando-se 12.000 em 20 anos/1963), e cerca de
4.500 habitantes tanto em Aimorés como em Colatina, em 1944 (estimando-se 7.500, em
vinte anos/1964). Nestas duas últimas seguiu-se a execução dos projetos que consistiram
basicamente de uma casa de bombas, estação de tratamento, rede distribuidora de canos de
ferro fundido (em Colatina, 5.500 m; em Aimorés, 1.200 m). Em Governador Valadares o
sistema de abastecimento necessitou, além destes equipamentos, da construção de galeria de
infiltração ao longo do rio e medidas de tratamento para remoção do elevado teor de ferro da
água bruta; nesta cidade, existia uma (precária) rede de distribuição de 5.000 m, em ferro
fundido, à qual se acrescentaram 12.000 m (BOVÉE, 1947, p. 471-498). Os trabalhos para
fornecimento e tratamento da água, nas três cidades, completaram-se com a instalação de rede
sanitária para captação e escoamento de esgotos doméstico e de instalações comerciais e
públicas, conforme indicam os relatórios de atividades do Fundo FSESP.
211
Ressalte-se, que a rede de distribuição de água e de escoamento de esgotos prevista
para a área central das cidades, atendia moradores que tinham condição financeira de fazer as
ligações necessárias diretamente para suas moradias e/ou prédios comerciais. Bovée (1947, p.
489 e 498) registra que para atendimento dos que não poderiam fazer despesas com ligações
210 Entre outros relatórios, ver: Sobre Governador Valadares: FSESP, cx. 33, doc. 36 (Sistema de abastecimento d’água em
Governador Valadares, MG. Projeto: RD-GVA-7-A ) ecx. 48, doc. 40 ( Construção de sentinas - Governador Valadares,
Minas Gerais. Projeto: RD-GVA-9A) ; sobre Aimorés, cx. 33, doc. 38 (Abastecimento de água para Aimorés, MG. Projeto:
MG-AIM-7-A) ecx. 47, doc. 36 (Construção de privadas sanitárias - Aimorés, Estado de Minas Gerais. Projeto: RD-AIM-
9A) ; sobre Colatina:cx. 30, doc. 18 (Instalação de rede de esgotos em Colatina, Espírito Santo. Projeto: RD-GOI-8 ) ecx. 31,
doc. 19 (Sistema de distribuição de água para Colatina, Espírito Santo. Projeto: RD-GOI-7-B).
211 Instalação de rede de esgotos em Colatina, caixa 30. doc. 18; Sistema de esgotos - Governador Valadares, Caixa 33, doc.
33; Sistema de esgotos - Aimorés, caixa 34, doc. 33.
122
de água e instalações internas, o SESP construiu chafarizes (40 em Governador Valares, 26
em Aimorés, 10 em Colatina) nos bairros pobres e instalou lavanderias públicas (12 em
Governador Valadares, 02 em Colatina, 13 em Aimorés) de modo a impedir a lavagem de
roupa no rio.
212
Moradora antiga do Bairro de Sapo e Morro do Carapina, em Governador
Valadares, relata que para pegar água no chafariz era preciso enfrentar a fila e que as brigas
eram constantes: algumas mulheres queriam entrar na frente de outras e demorava-se muito
para encher as latas, favorecendo a confusão.
213
Torneiras quebradas e o desperdício da água
tratada eram outros problemas corriqueiros.
Do mesmo modo, como a instalação do serviço de escoamento de esgotos em áreas
suburbanas seria dispendioso e estruturalmente inviável, um acordo entre o SESP e os
municípios citados definiu a construção de fossas sanitárias (identificadas por latrinas ou
sentinas) nos bairros afastados, cujos moradores não tinham condições econômicas de
colocarem instalações sanitárias em suas casas. Em Governador Valadares, por exemplo, foi
assinado o Projeto (dezembro de 1947) para construção de privadas sanitárias, depois que um
levantamento feito pelo Serviço, constatou 960 construções entre 3.000 construídas, sem
instalação sanitária.
As necessidades fisiológicas o satisfeitas nas imediações das habitações muitas
vezes próximo ao poço que fornece toda água usada na casa. Daí, provavelmente, a
origem dos casos de febre tifóide que surgem. No mês de setembro deste ano foram
confirmados 8 casos completando assim 42 em todo o ano de 1947.
214
Até mesmo nas escolas da cidade a situação era precária: a que melhor se apresentava
era o “Grupo Escolar” com 694 alunos e 13 privadas, numa proporção de uma privada para 54
alunos. A Escola Padre Anchieta com 154 alunos possuía duas privadas e a Escola Bela Vista
com 41 alunos não tinha nenhuma. O projeto se justificava pela urgência destas instalações. A
proposta tinha como objetivos principais: prover com latrinas 500 casas localizadas em áreas
sem rede de esgotos, fornecer 250 lajes para moradores com condições de instalar privadas
por conta própria, fazer mais 500 privadas em cooperação com os proprietários dividindo os
custos entre estes e o SESP. A execução deste projeto demandaria sete meses, a partir de 1º de
dezembro de 1947, concluindo-se em 31 de junho de 1948.
215
212 CF. Bovée (1947, p. 501) as lavanderias e chafarizes foram construídos de alvenaria de tijolos e revestidos de argamassa
de cimento e providos de torneiras de fechamento automático.
213 Depoimento de dona Ambrózia Francisca, 92 anos. Miqueira e parteira. 21 de maio de 2008; Acervo pessoal.
214 FSESP, cx. 48, doc. 40. Privadas sanitárias para a cidade de Governador Valadares.
215 FSESP, cx. 48, doc. 40 – Privadas sanitárias para a cidade de Governador Valadares.
123
Além de Governador Valadares, Aimorés e Colatina, outras localidade ao longo da
EFVM receberam projetos semelhantes. Pelo projeto “Fossas secas e tubulares para cidades e
lugarejos no estado de Minas Gerais”, a partir de 1947, foram construídas 1.807 sentinas,
atendendo cerca de 9.000 habitantes.
216
Na área capixaba também foram atendidas várias
localidades e acampamentos de trabalhadores da ferrovia.
217
Os relatórios
218
de atividades do Serviço registram que para dar andamento aos
trabalhos a seção de Engenharia do SESP constituiu, para o vale do Rio Doce, uma equipe
composta por engenheiros (americanos e brasileiros), topógrafos, desenhistas, cronometrista,
contadores, mecânicos, intérprete
219
e outros operários indispensáveis à execução das obras. A
reconstrução da EFVM absorvia boa parte da mão-de-obra disponível nas localidades, e
excetuando-se pedreiros, carpinteiros ou pintores, os demais profissionais, como armadores de
ferro, rebatedores, mecânicos e feitores tiveram que ser preparados e treinados no serviço, de
tal modo, que passavam de uma obra para outra conforme a necessidade. Na avaliação de
Bovée (1947: 498) práticas e preconceitos arraigados do local” prejudicavam o andamento
das construções:
Em todas as três construções, a mão de obra local era ineficiente, executando
os trabalhos respectivos de acordo com a velha crença de que tudo pode muito bem ser
feito no dia seguinte, nada sendo possível para remover tal costume. Os trabalhos que
requeriam esforço continuado eram prejudicados, não só pela ação do clima como pela
situação geral de nutrição dos operários. As faltas ao serviço eram freqüentes,
nenhuma medida tendo sido capaz de impedi-las [...]. O aumento de salário não
produziu os efeitos esperados, porque, no interior, um trabalhador, que tem a sua vida
regulada por uma determinada quantia, trabalha apenas os dias necessários para obtê-
la, significando isto que, si recebe mais por dia, reduz, conseqüentemente, o tempo de
serviço (BOVÉE, 1947, p. 499-500).
Em relação ao decurso dos trabalhos, também se evidenciam problemas para aquisição
dos materiais necessários, sendo necessário interromper atividades temporariamente pela falta
de tubos, vergalhões de aço, cimento, registros, ferragens, que somente eram obtidos no Rio
de Janeiro, São Paulo ou Belo Horizonte, e ainda dependendo de rede de transporte precária,
pois nem sempre era possível o transporte pela via férrea. Levava-se três meses para a
216 FSESP, cx. 48, doc. 45- Construção de sentinas, em pequenas cidades do Estado de Minas Gerais. Projeto: RD-MGE-9
217 FSESP, cx. 45, doc. 24: Construção de sentinas em várias localidades do Estado do Espírito Santo e FSESP, cx. 45, doc.
Construção de fossas e privadas no acampamento de trabalhadores em “Linhas Abaixo”.
218 FSESP, cx. 33, doc. 33; FESP, FSESP, cx. 34, doc. 43 (Instalação de rede sanitária em Governador Valadares e Aimorés,
respectivamente).
219 Cf. Bastos (1993, p. 60) este profissional era necessário devido à presença de técnicos americanos na concepção e
execução dos projetos. Segundo depoimentos do Dr. Hermírio Gomes da Silva e do Sr. Petronilho Alcântara Costa também
havia intérpretes na Divisão médica em função de profissionais americanos que se comunicavam num ‘portunhol’ arranhado.
Para o comércio da mica este profissional também era requisitado, de acordo com depoimento das miqueiras Geralda Alves
da Silva e Dalila de Assis Pereira, que contaram achar engraçado o jeito enrolado dos americanos conversarem”.
Depoimentos de acervo pessoal.
124
chegada de determinados produtos e estrategicamente o equipamento de origem norte-
americana (controladores, cloradores, bombas, alimentados de produtos químicos e material
de laboratório) era encomendado com antecedência para que estivesse à mão no tempo
previsto. Outra dificuldade era a manutenção do equipamento mecânico (betoneiras,
caminhões, bombas, britadores) pela falta de peças ou operadores qualificados (BOVÉE,
1947, p. 499-500). Também merece registro a ausência de fornecimento de energia elétrica
adequado nas três cidades, o que ocasionava complicações de operacionalização dos trabalhos
de bombeamento e manutenção das estações de tratamento (PHILIPOVSKI e
MONTANARO, 1948ª, p.206).
Essas e outras dificuldades apresentadas ora se ligavam aos contextos regionais ora se
relacionavam com a forma de articulação do próprio Serviço, especialmente no que dizia
respeito aos recursos para aquisição de material para obras
220
e profilaxia;
221
o descompasso
entre interesses do SESP e das municipalidades,
222
a desarticulação entre os próprios projetos
desenvolvidos,
223
a insegurança quanto à continuidade do Acordo Bilateral que sustentava o
Programa, a ausência de garantia de que as prefeituras e os moradores cumpririam sua parte
na manutenção e ampliação dos serviços de água
224
e esgotamento sanitário, eram tensões que
precisavam ser administradas.
As considerações feitas pelos técnicos responsáveis de certa forma vêm justificar as
dificuldades de assentamento dos programas previstos, no que diz respeito à cooperação tanto
dos presumidos beneficiários como da autoridade pública local. O semanário Voz do Rio
Doce” advertia que, em Governador Valadares, a recusa de particulares em ligar suas
instalações sanitárias às redes públicas, a demora da prefeitura em despachar requerimentos e
de faltar com a limpeza pública, a adulteração de plantas de construções aprovadas, a não
observância das orientações da saúde pública pela população, poderiam colocar a perder todos
os esforços realizados pelo SESP (Voz do Rio Doce, 6 out. 1946, p. 1).
Em Governador Valadares, a inauguração do serviço de abastecimento de água foi
motivo de entusiasmo entre lideranças, apesar de que, em certo momento, parece que o
220 O engenheiro Clifton Bovée (BOVÉE, 1947, p. 499) apresenta dificuldades quanto a esta questão.
221 Nem sempre os medicamentos e anti-larvários estiveram à mão. Cf PENIDO et al., 1948c, p. 1166; e PENIDO; SOUZA
e BEZERRA, 1948, p. 27.
222 Henrique Maia Penido (1950, p. 585-587) discute esta situação em artigo publicado na Revista do SESP. Penido foi
Superintendentedo SESP, de 1954 a 1963.
223 Marcolino Candou sugeriu, em 1948, que os projetos fossem agregados para que os recursos disponíveis pelo Programa
Rio Doce não se fragmentassem; cf. FSESP, cx. 03, doc. 24. Administração da Divisão de Endemias Rurais. Espírito Santo e
Minas Gerais. Por sua vez, Penido e Simões (1954) apresentam discussão sobre administração sanitária em que defendem
uma melhor organização deste tipo de serviço.
224 Relatório do sub-projeto Privadas sanitárias para Governador Valadares(FSESP, cx. 48, doc. 40) alerta para a falta de
garantias de cumprimento de acordos feitos e apela por seu cumprimento em nome de obrigações morais envolvidas.
125
prefeito municipal não facilitou a empreitada. Um relatório de atividade registra atitude hostil,
indiferença e falta de cooperação daquela autoridade, porém considera que mais importante
foi a aprovação do projeto pela população que construiu espontaneamente mais de 300
conexões à rede de esgotos até 30 de junho de 1945.
225
Coincidentemente um artigo do Jornal
“Voz do Rio Doce” aplaude a substituição
226
deste mesmo prefeito no ano de 1947. Dois
artigos do mesmo jornal enaltecem a atuação do SESP; o primeiro, com o título “Água”,
lamenta que as gestões passadas não tenham entendido a “finalidade e a grandeza da obra do
SESP” e louvam o apoio do novo prefeito aos esforços do Diretor do Programa Rio Doce, Dr.
Ernani Braga, que negociou com o governo mineiro o financiamento de dois geradores de
energia para a estação de tratamento de água (Voz do Rio Doce, 02 mar. 1947, p. 3); o
segundo artigo, “Afinal, Água” anuncia a inauguração da obra e novamente tece comentários
ácidos sobre a governança municipal anterior (Voz do Rio Doce, 30 mar. 1947, p. 1). Desse
modo, é possível perceber a existência de disputas e diferenças políticas locais, que de alguma
forma afetavam os programas de saneamento previstos.
Diferentemente, entretanto, do que ocorreu em Governador Valadares o relatório sobre
Aimorés elogia a inteligência e cultura do prefeito da cidade que “se mostrava líder sensível e
preocupado com as questões do saneamento e medicina preventiva”.
227
A inauguração do
serviço de água e esgotos em Aimorés, foi anunciada no semanário valadarense “Voz do Rio
Doce” com exaltação à obra realizada e à contribuição do SESP para o desenvolvimento do
vale do Rio Doce; sob o título “Água e Esgoto em Aimorés” a matéria apresenta as
autoridades presentes como, por exemplo, os Drs. Sérvulo Lima (Superintendente do SESP),
Eugene Campbell (Chefe da Missão Técnica do IAIA), Ernani Braga (Diretor do Programa
Rio Doce), Clifton Bovée (engenheiro chefe do Programa), Marcolino Candau (assistentedo
Dr. Sérvulo Lima), Alencar Araripe (Diretor da EFVM), entre outros representantes de
Secretarias do governo federal e do estado do Espírito Santo; também estiveram presentes
prefeitos de municípios vizinhos e autoridades locais. O programa de inauguração em
Aimorés constou de bênção das instalações da Estação de tratamento de água, discursos de
praxe, um banquete oferecido aos convidados e um animado baile “que prolongou-se aalta
madrugada”, marcado por um brinde simbólico “com a pura e cristalina água, proveniente dos
225 FSESP, cx. 33, doc. 33 - Sistema de esgotos - Governador Valadares, MG. Projeto: RD-GVA-8
226 Com a chamada “Novo Prefeitoo jornal Voz do Rio Doce, no dia 13 abr. 1947, anuncia como notícia alvissareira a
nomeação do novo prefeito. In “Voz do Rio Doce”, 13 abr. 1947, n. 75, p. 1.
227 Fundo FSESP/ Seção Divisão de Engenharia Sanitária, cx. 34, doc. 43 (Sistema de esgotos - Aimorés, MG, Projeto: MC-
AIM-8).
126
serviços que naquele dia se inauguravam” que saudou a amizade que unia brasileiros e
americanos (Voz do Rio Doce, 17 de novembro de 1947, nº 57).
Em Colatina não foi menos importante a instalação de serviço de abastecimento e
tratamento de água. Em 22 de agosto de 1949 foi inaugurado, com a presença do então
Presidente da república, Marechal Eurico Gaspar Dutra, e outras autoridades, a primeira
estação de tratamento de água, ao sul do Rio Doce, obra do Serviço Especial de Saúde Pública
(TEIXEIRA, 1974, p. 87). O registro na crônica Rio Acima” de Rubem Braga
228
(1984, p.
140) reforça o reconhecimento destas obras: “O SESP, que pôs água limpa e esgoto em
Colatina, atacou com enorme êxito o impaludismo e em muitas zonas o tifo, a disenteria, as
verminoses de toda espécie”.
À medida que a instalação da estrutura física para o abastecimento de água ficava
concluída, o SESP passava a mesma para as prefeituras locais, mantendo sob controle a
operação da estação de tratamento por um período experimental de cerca de seis meses, nos
quais se preparavam operadores com condição de garantir a distribuição da água como
também de sua potabilidade. Como as prefeituras não possuíam códigos que regulamentassem
o fornecimento da água, tampouco experiência ou organização neste sentido, ficou patente a
necessidade desse investimento. Situações como desperdício de água, torneiras dos chafarizes
quebradas, animais sendo banhados e lavados junto às lavanderias, mal-entendidos entre os
moradores provocados pelo custo dos ramais domiciliários, estragos provocados às
canalizações pelos bombeiros locais que usavam ferramentas inadequadas, são exemplos
claros de que o mau uso do serviço implantado poderia comprometer os resultados esperados
(BOVÉE, 1947, p.504).
A análise dos engenheiros C. L. Philipovsky e F. W. Montanari (do Programa Rio
Doce, assistente e chefe, respectivamente) referindo-se ao fato de que os municípios o
haviam feito dispêndios para instalação e manutenção do serviço de tratamento de água,
ficando seu financiamento a cargo do Programa Rio Doce/SESP, conclui que as
municipalidades, algum dia, teriam que enfrentar o problema de prover o custo de obras dessa
natureza. Portanto, seria preciso o estabelecimento de fundos destinados à operação,
manutenção e expansão de utilidades públicas tais como abastecimento d’água, que teriam ao
fim, a extensão e tipo relacionados com a capacidade da municipalidade obter recursos,
antevendo que “o aspecto financeiro se tornará crescentemente mais importante, e pesará mais
228 Rubem Braga, jornalista e escritor capixaba, fez parte da Divisão de Educação Sanitária do SESP, quando foi organizada
em meados da década de 1940, contribuindo no campo de desenvolvimento de meios audiovisuais de divulgação (BASTOS,
1993, p. 343).
127
na decisão do que a necessidade de saúde pública” (PHILIPOVSKI e MONTANARO, 1948ª,
p. 205-206).
229
Os cnicos acima citados, em viagem de inspeção à cidade de Aimorés, no ano de
1948, apontaram dificuldades operacionais e administrativo-financeiras, e consideraram que
as primeiras poderiam ser resolvidas com preparo e treinamento de pessoal, porém a segunda
demandaria maior eficiência por parte da prefeitura, que além de acumular um ficit
230
anual
não demonstrava movimentar-se para resolver o problema. A solução proposta pelos
engenheiros passava pela organização de uma unidade administrativa em separado, numa base
contratual com a prefeitura, estabelecendo-se uma taxa mínima de consumo e uma tabela de
custos para consumo adicional. Exemplificam a oportunidade da proposta com situação
congênere nos EUA, onde se observou que o estabelecimento de taxas de cobrança de
fornecimento garantia a sua manutenção (PHILIPOVSKI e MONTANARI, 1948b).
231
A busca de uma solução adequada para a questão mobilizou a equipe do SESP. Em
texto de janeiro de 1950, Henrique Maia Penido defende a combinação e amplo envolvimento
dos Serviços de Saúde Federais e Estaduais, e um entendimento prévio com as prefeituras
para a adoção de taxas necessárias para cobrir os gastos com operação e manutenção dos
serviços. Em vista de insucessos anteriores de estabelecimento de acordos com as prefeituras
atendidas pelo Acordo Básico e que não fizeram provisão de recursos para despesas
realizadas, Penido recomenda que para o futuro os serviços de saúde que tomassem para si a
tarefa de abastecimento de água e esgotos fossem indenizados em suas despesas pelas
municipalidades. A defesa dessa proposta é justificada e ampliada pelo médico, que sugere a
criação de uma autarquia para exploração dos serviços de água e esgotos em cada
municipalidade com assistência técnica dos Serviços de Saúde (PENIDO, 1950).
Outras discussões se seguiram e finalmente chegou-se à proposta definitiva de criação
da autarquia municipal
232
que se responsabilizaria pela organização e manutenção de serviços
de água e esgotos.
233
Desse modo foi criado em cada municipalidade os SAAEs (Serviços
Autônomos de Água e Esgotos), o primeiro implantado em Governador Valadares, e logo
expandidos para as cidades de Baixo Guandu/ES e Conselheiro Pena/MG (que havia recebido
229 Trabalho apresentado ao 1º Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária, reunido em Santiago, Chile, de 8 a 15 de
abril de 1948.
230 A única renda proveniente do abastecimento de água era a cobrança das ligações domiciliares; desse modo não havia
recursos locais para a operação e manutenção do abastecimento.
231 Trabalho apresentado ao VII Congresso Brasileiro de Higiene, reunido em São Paulo, entre 12 e 19 de dezembro de
1948. .
232 Órgão municipal com autonomia financeira e administrativa, controlados pelos municípios.
233 Um trabalho da Divisão de Engenharia Sanitária do SESP, assinado por Walther Ribeiro Sanches (1952) apresenta um
apanhado sobre fontes de financiamento utilizadas, principalmente nos EUA e propõe minuta para contrato entre cada
Serviço Autônomo de Água e Esgoto - SAAE e municipalidades.
128
cobertura de abastecimento de água pelo SESP a partir de 1948);
234
as prefeituras de Aimorés
e Colatina não se interessaram pelo tipo de organização proposto e mantiveram sob seu
controle direto a supervisão do abastecimento de água.
Em 1951, numa tentativa de dar cobro as más administrações e influências da
politicagem e empreguismo, a FSESP
235
escolheu como ponto de experiência
Governador Valadares, onde contava com um sistema de água e esgotos, facilidades
técnicas e administrativas, e fez passar na mara Municipal de Governador
Valadares uma lei que criava a autarquia municipal de água e esgotos - SAAE - com
autonomia administrativa, financeira e técnica e dando ao município condição de
firmar acordos e convênios com entidades técnicas especializadas (CYNAMON,
Szachna Eliasz, 1986).
Os resultados positivos, pela avaliação do SESP, o demoraram (nas três cidades foi
possível estabelecer-se um equilíbrio entre a receita e a despesa) e a proposta de organização
de Serviços Autônomos de Água e Esgotos, até então inédita no Brasil, tornou-se exemplar
para todo o território nacional na reorientação da gestão dos serviços nas cadas de 1950 e
1960
236
(ROEDEL, 1955). No vale do Rio Doce e circunvizinhanças, além do atendimento a
estas cidades priorizadas, outras localidades foram beneficiadas pelos serviços de
abastecimento de água e instalação de redes de esgotos, especialmente entre 1950 e 1960,
quando a experiência e a autoridade do SESP nesta área são reconhecidas.
237
De acordo com
Rezende e Heller (2002, p. 205) “chegaram a ser criados mais de 1.500 sistemas de
abastecimento de água no Brasil”, a partir deste modelo.
Enfim, tanto os artigos da Revista do SESP como os relatórios prenunciavam
importantes benefícios que poderiam ser auferidos pelas localidades e população, a partir das
obras de saneamento e atendimento a saúde, especialmente em se tratando da instalação de
serviços de abastecimento de água e tratamento de esgotos sanitários. Nesse sentido, em dois
relatórios, um para a cidade de Aimorés (1944-1945) e outro para a cidade de Governador
Valadares (1943-1944), encontra-se a (igual) consideração: que a população de Aimorés (e
de Governador Valadares) recebe múltiplos benefícios com a realização do Projeto”,
238
a
saber: (a) a criação de um sistema de água moderno, e sem peso financeiro, e o uso de
instalações sanitárias; (b) se poderiam pavimentar as ruas servidas pelo novo sistema; (c)
234 Conforme Projeto – Abastecimento d’água para Conselheiro Pena (MG), FSESP, cx. 33, doc. 35.
235 Aqui o engenheiro, que esteve no vale do Rio Doce, se refere ao SESP já transformado em Fundação Serviço Especial de
Saúde Pública, o que ocorreu em 1960, quando se encerrou o convênio com os EUA/IAIA.
236 Sobre a questão da busca de autonomia no setor de saneamento no Brasil, ver REZENDE e HELLER, O saneamento no
Brasil: políticas e interfaces. Belo Horizonte: Editora UFMG; Escola de Engenharia da UFMG, 2002.
237 Cf. documentos do FSESP; no estado do Espírito Santo: Fundão, Baixo Guandu, Barra do Itapemirim, Santa Tereza,
Itapemirim, Marataízes, Mutum, João Neiva, Domingos Martins; em Minas Gerais: Conselheiro Pena, Itabira, Ibiraçu, São
João Evangelista, Espinosa, Fronteira, Bom Despacho, Campos Altos, Felixlândia, Guia Lopes. Ver Caixas 30, 31, 35, 37, da
Série Engenharia Sanitária.
238 FSESP, cx. 34 doc. 43 Instalação de Sistema de água e esgotos em Aimorés, 1944-1945 e FSESP, cx. 33 doc. 33,
Instalação de Sistema de água e esgotos em Governador Valadares, 1943-1944.
129
melhoria sanitária secundária que resultaria de uma combinação de dois primeiros: com o
advento de ruas pavimentadas haveria uma grande redução da poeira contribuindo no combate
a doenças respiratórias; (d) benefícios econômicos consideráveis recairiam sobre a cidade: o
valor das propriedades aumentaria como também a arrecadação fiscal do município, o
comércio seria impulsionado pela existência de ruas pavimentadas.
239
A documentação indica que nas diversas localidades, apesar dos contratempos, para
resolver os problemas das endemias, implantaram-se medidas de ordenamento e regulação do
território, por meio da criação dos sistemas de tratamento de água e escoamento do esgoto,
abertura de ruas com condição de pavimentação, esgotamento de lagoas e áreas pantanosas,
difusão de instalações sanitárias mais adequadas, entre outras. Estas novas condições
agregaram valor às construções existentes e às suas adjacências fazendo crescer também as
taxas municipais correspondentes. Necessariamente considerando o contexto político-
econômico (nacional e regional) e as condições técnicas e científicas da época, se pode
afirmar que a atuação do SESP contribuiu para a organização do espaço urbano das cidades
atendidas, conformando uma nova territorialidade urbana pari passu a mudanças sócio-
culturais e econômicas. Novamente é importante ressaltar que tais investimentos num
equipamento urbano mais eficiente, em áreas do interior do Brasil, independente de diferenças
políticas existentes, consolidavam aí a presença do Estado.
3.5 Os centros e/ou unidades de saúde
A situação sanitária e nosológica das localidades atendidas pelo SESP no Médio Rio
Doce careciam de atendimento médico para além daqueles de caráter emergencial como fora
pensado no início dos programas Rio Doce e Mica; assim como para o vale do Amazonas
também para o vale do Rio Doce definiu-se uma política de instalação de postos de saúde que
além da prática curativa investisse em medidas preventivas de saúde (BASTOS, 1993: 163-
164); política essa em consonância com a lógica do DNS, que via nos centros e postos de
saúde um mecanismo de modernização para a saúde pública no Brasil (FONSECA, 2007:
190). Esta posição, no SESP, consolidou-se, especialmente a partir da realização da
Conferência de Organização Sanitária, em 1948, que entre outras medidas recomendava que a
assistência médica fosse incluída entre as funções de saúde blica, passando essa função a
integrar os programas no Amazonas e Rio Doce, inclusive com a construção de pequenos
239 FSESP, cx. 34 doc. 43 e FSESP, cx. 33 doc. 33.
130
hospitais (Conferência de Organização Sanitária, Revista do SESP, 1948, p. 1097). De acordo
com Campos (2006)
Os centros de saúde, as unidades mais importantes da rede sanitária do SESP,
cumpriram um importante papel na consolidação do espaço público no Brasil, ao
colocar, muitas vezes pela primeira vez, as populações rurais em contato com os
representantes da autoridade estatal. Assim, constituíram-se em mais um instrumento
de fortificação do Estado nacional, dentro do projeto do governo Vargas de expansão
da autoridade pública. (CAMPOS, 2006, p. 238)
Todas as Unidades de Saúde, postos, centros ou hospitais, considerando as diferenças
de sua abrangência e organização, ficariam responsabilizados pela assistência médica e
sanitária da população de cada localidade, enfatizando-se o saneamento, a higiene materna e
infantil, a educação sanitária, o controle de doenças transmissíveis e assistência médica; esta
última considerada “atrativo imediato para a população que, recebendo esse benefício, de
melhor maneira se prestará a aceitar as medidas da medicina preventiva” (Conferência de
Organização Sanitária, Revista do SESP, 1948, p. 1095-1096).
Entretanto, na prática, e por necessidade, a ação preventiva acompanhava as
medidas sanitárias iniciadas no início de 1943. Em Governador Valadares, o Centro de Saúde
do SESP estava em atividade no final do ano de 1945, prestando assistência de educação
sanitária, higiene pré-natal, higiene escolar, serviço dentário, atendimento a casos de doenças
venéreas e tuberculose, endemias rurais, exames de saúde (Voz do Rio Doce, 09/12/1945: 02).
Dados do Serviço, publicados no citado semanário, para o ano de 1946, apresentam matrícula
de 3831 pessoas; 1350 pessoas atendidas no serviço de endemias rurais; 1063 no serviço de
higiene escolar; 1358 no serviço de higiene dentária; 205 gestantes; 300 crianças atendidas
com o consumo de 13.176 litros de leite; 3347 vacinas contra febre tifóide; 2663 para varíola
e 1346 contra difteria; fora do município 368 vacinas contra varíola e 2242 contra febre
tifóide (Voz do Rio Doce, 24/08/1947: 04).
A cidade de Colatina, segundo Campbell, Miller e Franca (1954) dispunha, até 1945,
de um Centro de Saúde mantido pelo Departamento Estadual de Saúde e o possuía hospital
até 1949
240
. Neste ano, em setembro, foi inaugurado o Hospital e Maternidade “Dr. Sílvio
Ávidos” (com recursos cedidos pelo governo do Espírito Santo, Departamento Nacional da
Criança e Legião Brasileira de Assistência) e entregue à administração do SESP (TEIXEIRA,
1974, p. 68), que também equipou o hospital e o centro de saúde, conforme convênio assinado
com o governo do Espírito Santo. A partir da coordenação do SESP o hospital e o centro de
240 Este dado é contraposto por Teixeira (1994, p. 68) que afirma que em Colatina, em 1944, havia duas casas de saúde
(São Sebastião e São Francisco) pertencentes a médicos particulares.
131
saúde, embora em prédios separados, funcionavam como uma unidade (Centro Médico de
Colatina) oferecendo serviços de higiene materna e infantil, atendimento a pré-escolares,
assistência médica e educação sanitária (CAMPBELL, MILLER e FRANCA, 1954, p. 523-
524). Em 1954 o SESP dividiu com a ordem religiosa “Irmãs do Cristo Rei” a administração
do hospital e em 1957 foi inaugurado, ao lado do Hospital, o Dispensário de Tuberculose,
construído em cooperação, pela Campanha Nacional de Tuberculose e o governo estadual. O
Serviço também construiu um dispensário para tratamento de lepra, em meados da década de
1940.
O antropólogo Kalervo Oberg visitou Colatina e assim descreve o edifício do Centro
de Saúde coordenado pelo SESP:
O Centro de Saúde compõe-se de três alas que se unem por um pátio. É uma
estrutura funcionalmente projetada, em forma de “Z”, com duas alas de serviço
paralelas, unidas ao fundo por uma terceira unidade. Em uma ala são localizadas as
salas do diretor, das enfermeiras, de inspetores sanitários, de atendimento e
banheiros. As duas outras alas compõem-se dos gabinetes dos médicos, duas salas de
enfermagem, para exames ou tratamento, gabinete de dentista, laboratório, lactário, e
banheiros. As paredes do edifício são de pedra, e as colunas internas e externas são
de tijolo. As paredes têm acabamento de cimento liso. Uma característica
arquitetônica é a grande área aberta que ocupa o espaço entre as alas. O Centro tem
uma horta e as verduras cultivadas e sementes são distribuídas a quem solicita
(OBERG, apud FOSTER, 1951, p. 19)
A Unidade de Saúde de Colatina funcionava durante a semana, entre oito e dezessete
horas; a manhã de sábado era reservada para atividades internas e no domingo não havia
expediente. O atendimento dico era precedido pelo preenchimento de formulário pelos
auxiliares de serviço, e o paciente era chamado, em ordem de sua chegada ao Centro. Após a
consulta e exames, se necessário, o paciente era imediatamente medicado e/ou recebia os
medicamentos para o tratamento em sua casa; no caso de não disponibilidade da droga
indicada, o paciente deveria comprá-la nas farmácias locais; as emergências eram tratadas
diretamente no Hospital, que funcionava todos os dias da semana. Em geral, o paciente era
instado a um retorno para revisão médica ou era visitado em sua casa pelas enfermeiras ou
mesmo pelo médico. O saguão de espera ficava constantemente cheio e eram atendidas
diariamente cerca de 200 pessoas. A crescente procura pelo Centro de Saúde (607 cadastros
familiares em 1946 contra 2455 em 1950) indicava que a população apreciava e recorria ao
atendimento médico, o que justificava a reforma do hospital e a abertura de sub-postos no
município (OBERG apud FOSTER, 1951, p. 20-21).
Em Aimorés, havia o Hospital São José, inaugurado em 1936, num esforço da
comunidade e apoio da prefeitura local, cuja manutenção era dificultada pela falta de recursos
132
(PAULA, 1993, p. 430). O SESP assumiu a operacionalização deste hospital, reformando-o,
entre 1944 e 1945, e estabelecendo a mesma diretriz que em outros centros de saúde sob sua
responsabilidade, como Governador Valadares e Colatina
241
; uma ampliação do Centro de
Saúde foi realizada posteriormente, entre 1949 e 1951
242
.
Do mesmo modo o SESP assumiu pequenos Postos de Saúde em outras localidades do
Médio Rio Doce (Resplendor, Conselheiro Pena e Baixo Guandu), reorganizando-os
conforme seus objetivos e todos,
243
como a partir deles formar e/ou oferecer treinamento
para médicos, enfermeiras, engenheiros sanitários, agentes sanitários, parteiras e outros
técnicos. A prioridade para orientações e atendimento à Higiene (Pré-Natal, Infantil, Pré-
escolar e Escolar) bem como o atendimento às gestantes era um predicado do SESP
(BASTOS, 1993, p. 173-180). O comentário de Hermírio Gomes da Silva sobre a Unidade de
Governador Valadares, permite perceber três características do funcionamento: diferentes
especialidades médicas atendidas, rigor do Serviço e atendimento infantil:
Como naquela época tinham poucos médicos em Governador Valadares, quase todos
os médicos passaram a prestar serviços no SESP, dentro da sua especialização. O
Ladislau Sales tinha especializado na área de tuberculose, tanto que tomou conta. O
Arnóbio era médico geral, Dr. Edmundo era médico geral e os outros, que eram
contratados de fora. Os daqui eram esses, tem mais talvez. Eu é que tava no meio
deles, meu consultório era no meio, de um lado o do Ladislau, na tuberculose, e do
outro lado do Edmundo, Edmundo era boêmio, chegava atrasado, eu tinha que
mandar ir atrás dele. O SESP era muito rigoroso, ele chegava atrasado. Ele atendia
crianças de 1 a 4 meses, então, ele chegava perto da atendente e falava assim: ô
minha filha faz uma triagem pra mim aí. Você manda essa turma do piriri pra e a
do espirro pra . Porque 90%, 80% das doenças infantis o vinculados ao intestino
ou respiratória (Dr. Hermírio Gomes da Silva; Entrevista concedida ao Prof. Haruf
Salmen Espindola, do Núcleo de Estudo Históricos e Territoriais, da UNIVALE, em
04/12/1997).
Em relação ao Centro de Saúde de Baixo Guandu é relevante registrar uma
experiência, inédita no Brasil, de Fluoração das águas como medida mais eficaz para
prevenção parcial da cárie dentária
244
. Na mesma ocasião, em Aimorés, outra experiência na
mesma área de saúde bucal foi desenvolvida. Mário Magalhães Chaves, responsabilizado pela
saúde bucal na Divisão de Organização Sanitária (DOS) do SESP, em 1952 explica como
começou o projeto:
241 FSESP, cx. 24, doc. 55 - Operação do Centro de Saúde de Aimorés, MG. Projeto; RD-LCE-4
242 FSESP, cx. 64, doc. 81 - Ampliação de Centro de Saúde - Aimorés, Minas Gerais. Projeto: MG-AIM-6D
243 FSESP, Caixas 60; 62 e 70; respectivamente documentos 103 (Construção de edifício para sede do Centro de Saúde -
Baixo Guandu, Espírito Santo. Projeto: EM-BGU-6.B ); 67 (Construção de Unidade de Sanitária de Conselheiro Pena, Minas
Gerais. Projeto: MG-CEP-6D) e 124 (Construção de edifício na sede da Unidade Sanitária - Resplendor, Minas Gerais.
Projeto: MG-RES-6B )
244 CHAVES, Mário M; FRANKEL, John M.; MELLO, Cláudio. Fluoração da águas de abastecimento público para
prevenção parcial da cárie dentária. Revista do Serviço Especial de Saúde Pública, Tomo VI, n. 2, Rio de Janeiro, Junho de
1954.
133
Na DOS estavam situados rios consultores americanos, contrapartes dos técnicos
brasileiros do Escritório Central do SESP. Meu contraparte era John M. Frankel,
dentista americano que havia chegado ao Brasil poucos meses antes. Havia uma
decisão do SESP de desenvolver a área de odontologia. Por isso John viera para o
Brasil e depois da sua chegada seu contraparte nacional estava sendo recrutado
[...]. Como John chegara antes, já tinha conversado com colegas da DOS sobre
possíveis projetos de demonstração da fluoretação da água de abastecimento e de
aplicações tópicas de flúor, que poderiam ser desenvolvidas pelo SESP. havia
inclusive uma idéia de desenvolvê-los com base em centros de saúde do SESP em
cidades do Vale do Rio Doce. As melhores opções eram Aimorés, em Minas Gerais,
e Baixo Guandu no Espírito Santo, distantes poucos quilômetros uma da outra [...]
Baixo Guandu tinha inaugurado recentemente sua estação de tratamento de água, “e
seria a sede de um dos quatro primeiros projetos de fluoretação da água na América
Latina.Os outros três, que tiveram início na mesma época, foram em Guanares, na
Venezela; em Girardot, na Colômbia, e em Curicó, no Chile (CHAVES, 2003, p. 97-
98, apud EMMERICH e FREIRE, 2003).
245
Em julho de 1952 iniciou-se em Aimorés o primeiro projeto de aplicação pica de
flúor, como parte de um sistema de tratamento incremental em escolas públicas, coordenado
pelo dentista Paulo da Silva Freire. O segundo projeto foi o de fluoretação da água em Baixo
Guandu, coordenado pelo dentista Aprígio da Silva Freire. (CHAVES, 2003, p. 98, apud
EMMERICH e FREIRE: 2003). Os dois projetos foram precedidos de inquéritos de saúde
bucal em escolares (07 a 14 anos) nas duas cidades; após três e cinco anos, em Aimorés, e
sete anos em Baixo Guandu, novos inquéritos foram realizados e constatou-se, em Aimorés,
uma acentuada redução na incidência de cáries entre os escolares examinados, e em Baixo
Guandu, uma baixa considerável de incidência nos grupos de 06 a 09 anos de idade, composto
por crianças que mais usavam a água fluoretada por maior espaço de tempo durante o período
de formação dos dentes permanentes (BASTOS, 1993, p. 207-208).
Os projetos de Aimorés e Baixo Guandu serviram de campo de estudo para dentistas
do Brasil e países da América Latina, e seus bons resultados incentivaram o SESP a instalar
projetos semelhantes em diversas regiões onde atuava; no Médio Rio Doce, Governador
Valadares foi incluída no projeto de aplicação tópica de flúor (FREIRE, Aprígio da S., 2003,
p. 86 apud EMMERICH e FREIRE, 2003).
Em 19 de julho de 1964 a então Fundação FESP, publicou no Jornal de Brasil um
encarte intitulado “Água para dente são” em que divulga os resultados destas experiências. A
reportagem assinada por Rubem Braga, que esteve em Baixo Guandu, na época do
lançamento do programa de fluoretação da água é entusiasta dos resultados.
245 Livro composto e publicado em comemoração dos “50 anos de fluoretação da água no Brasil”, apresenta textos de
dentistas que participaram destes projetos.
134
Antes de começar o serviço,em 1953, o SESP examinou a boca dos escolares de seis
a quatorze anos, nascidos em Baixo Guandu. No ano passado voltou a fazer o
mesmo, isto é, examinou os escolares daquela idade nascidos na cidade e, portanto,
criados já a beber a água fluoretada. Conclusão: 62,3% menos de dentes atingidos
pela cárie. A meninada de hoje tem dentes muito melhores. [...] Em resumo: a
fluoretação da água certo, baixando de maneira impressionante a incidência da
cárie na população infantil. E não tem contra-indicação nenhuma. Por que então não
fazer isso em todas as cidades? Se em muitos outros países, principalmente os
estados Unidos, isso deu certo, e temos uma experiência positiva no Brasil, por
que não instalar o mesmo serviço em todas as cidades? (BRAGA, 1964; apud
EMMERICH e FREIRE, 2003, p. 139-140)
3.5.1. Guardas e visitadoras: emissários da Educação sanitária
Atividades para educação sanitária, treinamento de atendentes e agentes de saúde,
formação de guardas e visitadores sanitários
246
acompanharam a instalação de centros de saúde
e de pequenos hospitais
247
na região do Rio Doce entre as décadas de 1940 e 1950. A
justificativa para o investimento em cada um desses pontos não se afasta da orientação geral
do DNS em relação a outros órgãos de saúde pública sob sua jurisdição, ou seja, mesmo o
SESP mantendo-se autônomo, não se isentava do projeto de âmbito nacional. O dentista
Hermírio Gomes da Silva compara
248
a Unidade do SESP em Governador Valadares com uma
pequena universidade a “Universidade do SESP” pois segundo ele, muitos cursos foram
realizados na cidade, com pessoas do lugar e vindas de fora, inclusive estrangeiros.
Os documentos já citados, referentes à instalação dos serviços de abastecimento de
água, rede de escoamento de dejetos e construção de latrinas, insistem na necessidade de uma
ampla campanha de educação sanitária que sensibilizasse os moradores quanto aos benefícios
que proporcionariam aqueles equipamentos, tanto nos acampamentos de trabalhadores quanto
nas cidades onde as intervenções se realizavam. Um relatório sobre atividades em Aimorés,
em 1946, registra que estes projetos se vinculavam e considerava que o grau da melhoria
dependeria da posição econômica e cultural dos usuários; neste sentido argumenta-se que um
programa de educação sanitária seria adequado para obter-se o engajamento da população e
isto poderia ser a contribuição mais duradoura do SESP ao vale do Rio Doce, pois “a saúde
não pode ser dada como um presente’ e “as pessoas devem andar com as próprias pernas”
249
.
Pode-se afirmar que esta observação acompanha as discussões internacionais divulgadas
246 BASTOS, N.C.Brito; SILVA, Orlando José da. Programas educativos nas unidades sanitárias do Serviço Especial de
saúde Pública.Revista do Serviço Especial de Saúde Pública., Tomo VI, nº 1, Rio de Janeiro, Junho de 1953.
247 CAMPBELL, Eugene; SHELDON, A. Miller; FRANÇA, Mário. A coordenação de pequenos hospitais com os centros
de saúde da comunidade. Revista do Serviço Especial de Saúde Pública., Tomo VI, nº 2, Rio de Janeiro, Junho de 1954.
248 Entrevista em 29 de maio de 2008; Acervo pessoal.
249FSESP -cx. 34 doc. 43 - Sistema de esgotos sanitários em Aimorés.
135
naquela época, favoráveis à participação do próprio indivíduo na melhoria do seu nível de
vida, tendo o slogan “ajudar os homens a se ajudarem a si mesmos” como gerador desse
objetivo (RIOS, 1957, p. 8-9).
Desta forma a execução de obras de saneamento acompanhou-se de campanhas de
educação sanitária “à vista do baixo nível cultural da população dessas áreas e da necessidade
de levar ao seu conhecimento questões básicas de saúde pública, nela despertando interesse
pelo solucionamento dos problemas sanitários da coletividade”
250
. Este ponto de vista é
compartilhado pelo articulista do jornal Voz do Rio Doce”, franco defensor do SESP na
região:
O nosso povo ainda crê muito pouco em higiene e no perigo que a sua ausência
acarreta para a segurança de sua família. Temos muita gente que o acredita em
micróbios e seu poder de transmitir doenças, e jamais se convenceu que micróbios
tão pequenos possam fazer tantas ‘misérias’. Não quer dizer isto, que apenas o nosso
pobretão assim pensa. Não, muita gente de colarinho engomado, o gosta de alterar
seus hábitos e julga inútil assim proceder, apenas porque esteja sob o risco de se
contaminar (Voz do Rio Doce, 31 ago. 1947, p. 1).
Nesse sentido, um fato elucidativo é a resistência e/ou dificuldade para uso das
latrinas, instaladas pelo SESP em áreas de periferia e especialmente em áreas rurais. GIEMSA
e NAUCK (1939) evidenciavam esta questão ao relatarem a situação de colono, em área
capixaba nas proximidades de Colatina, que ao ser questionado porque o construíra uma
latrina em seu sítio, “respondeu que o teria feito, muito tempo, se não receasse a mofa
dos vizinhos, em virtude da inovação”.
O depoimento de um agente sanitário aposentado do SESP é também
sugestivo. Segundo ele “muitas pessoas, principalmente nas roças, continuavam usando o
mato, e faziam das fossas lugar de guardar entulhos e tralhas, para vaqueiros guardarem
arreios ou como ninho de galinhas”
251
. O mau cheiro incomodava e igualmente causava
repulsa conforme relato de antigo morador
252
do distrito valadarense Chonin de Cima. O
desconhecimento dos processos de absorção também surpreendia, como se pode perceber no
comentário de moradora do Bairro do Sapo, em Governador Valadares: “era mocinha e ficava
admirada com as fossas e ficava imaginado para onde ia aquela sujeira toda quando a fossa
enchia”
253
. Uma situação que merece registro é o caso de incidentes com o uso das fossas;
250 Cf. texto da Conferência de Organização Sanitária, realizada no Serviço Especial de Saúde Pública entre 12 e 17 de abril
de 1948, publicado na Revista do SESP, 1948, Tomo IV, n. 1, p. 1094.
251 Entrevista com Sr. Atanael Batista Santana, 81 anos; 14 de dezembro de 2007. Acervo pessoal.
252 Entrevista com Sr. Sady da Silva, miqueiro, 77 anos; 31 de maio de 2008; Acervo pessoal.
253 Entrevista com dona Geralda Alves da Silva. 13 de maio de 2007, Acervo pessoal.
136
uma moradora
254
do Morro do Carapina, na mesma cidade citada, relatou que seu filho caiu
dentro da fossa e foi socorrido por um vizinho, o que permite se indagar sobre a ocorrência de
outros casos não abordados oficialmente.
Outro exemplo ilustrativo é o relato de Bastos (1993) sobre a medicação dos doentes
de malária ao longo da EFVM, a partir de 1944:
Foram várias as causas que dificultaram a distribuição regular de comprimidos de
Metoquina, destacando-se as seguintes: 1. ignorância dos operários que, na sua
maioria, procuravam furtar-se à ingestão dos comprimidos; 2. instabilidade da massa
operária; 3. falta de compreensão das vantagens da profilaxia química de alguns
empreiteiros que não insistiam junto aos seus operários para que tomassem o
medicamento; 4. dias feriados ou chuvosos em que os operários abandonavam os
acampamentos e deixavam de tomar a dose do medicamento. (BASTOS, 1993, p.
315)
Entende-se, portanto, a insistência dos relatórios para que a instalação de novos
equipamentos sanitários, ou a distribuição de medicamentos ou qualquer outra medida que
envolvesse ou atingisse a população fosse pensada também de uma forma pedagógica.
Inicialmente, a chegada do SESP nos acampamentos e localidades definidas para
qualquer operação era precedida pela vinda de auxiliares de campo que anunciavam o
tratamento ou obra, aproveitando este momento para também se iniciar a divulgação de
conselhos higiênicos e práticos para o uso dos novos equipamentos a serem instalados, se este
fosse o caso (PANTOJA e BASSÉRES, 1947a, p. 255). Ao que parece quando se iniciaram os
trabalhos no vale do Rio Doce aproveitou-se a experiência de técnicos mais e menos
profissionalizados de outros programas, pois conforme Bastos (1993, p. 108) o primeiro ano
do Programa Rio Doce foi muito difícil: faltava pessoal qualificado para as funções
administrativas e técnicas, sejam nos escritórios, laboratórios e campo propriamente dito. O
antigo funcionário Petronilho Alcântara Costa, citado, relatou que ‘aprendeu fazendo’ as
funções que desempenhava,
255
quando entrou no SESP, e somente mais tarde (em 1951) é que
fez o curso para guarda sanitário, em Colatina.
256
Em março de 1946 uma estrutura mais complexa foi estabelecida para o Programa Rio
Doce que passou a contar com uma Seção Técnica, responsável pelo controle das unidades
sanitárias estabelecidas, pela educação para a saúde, estatística e enfermagem de saúde
pública. Assim, à medida da necessidade e disponibilidade do SESP, foram realizados cursos
254 Depoimento de dona Ambrózia Francisca; 21 de maio de 2008; Acervo pessoal.
255 De acordo com Bastos (1993: 401) a opção pelo método de “treinamento em serviço” foi experimentada.
256 O nome do Sr. Petronilho Alcântara Costa consta da relação de guardas sanitário admitidos após Curso em Colatina,
entre maio e junho de 1951. FSESP, cx. 12, doc. 20 Curso para Visitadores Sanitários.
137
para o preparo de pessoal
257
:
auxiliares de enfermagem (Vitória/ES, 1943); visitadores
sanitários (Colatina/ES, 1946/1947 e 1950/1951; Governador Valadares, 1947/1950);
orientação para enfermeiros (Aimorés/MG 1949); auxiliares hospitalares (Colatina,
1950/1951). Desse modo foram formados os guardas sanitários e as visitadoras, que tiveram
papel preponderante no projeto de saneamento e de saúde pública desenvolvido.
Os guardas sanitários inicialmente foram treinados para tarefas relacionadas com o
controle da malária e posteriormente, com a ampliação da atuação do SESP, para atividades
ligadas ao saneamento: coleta de dados sanitários, difusão de instruções sobre saneamento,
visitas periódicas as instalações construídas pelo SESP, para verificação e orientação de uso,
servindo, enfim, de elo entre o Posto de Higiene e o domiciliado (BASTOS, 1993, p. 397).
Esses auxiliares de saneamento acompanhavam a construção de fossas sanitária, sugeriam e
aproveitamento de material e sucatas (madeira, cartolas, telhas e outros) para melhoria de
casas na periferia, construção de chuveiros e tanques; segundo o Sr. Petronilho
258
, muitos
desses experimentos foram somente pontuais, como por exemplo, a reforma de casas, pois
acabaram verificando que a construção em alvenaria ficaria mais em conta que a busca, nem
sempre produtiva, por areia, argamassa e excremento de bois para se fazer massa. Os guardas
também foram preparados para orientação sobre o destino correto a ser dado ao lixo que era
um problema em todos os lugares
259
.
Para estimar o alcance de algumas dessas tarefas vale o registro de um guarda que
trabalhou tanto no vale do Rio Doce quanto no vale do São Francisco/MG, Sr. Atanael Batista
Santana
260
: seu trabalho era fazer inquérito de higiene nas moradias e ao mesmo tempo fazer
divulgação de bitos de higiene e saneamento, como utilização das fossas, limpeza das áreas
ocupadas, tratamento do lixo; segundo seu depoimento alguns moradores ficavam receosos ou
mesmo não gostavam de receber os agentes sanitários, por vergonha ou desconforto da
presença dos mesmos nas moradias; nestes casos eram instruídos para falar com autoridade a
fim de convencer o morador, o que dava resultado na maioria das vezes; para o Sr. Atanael
uma situação muito incômoda era a falta de higiene com os alimentos, ele viu muita gente
lavar as verduras na mesma bacia do banho ou regar a horta com a água utilizada para
higiene; uma situação vexatória era quando alguma pessoa atendia o apelo do guarda para
procurar o Centro de saúde e não era atendido conforme esperava, no horário ou na forma de
257 Ver FSESP, caixas 12 e 14, documentos diversos. A partir de 1951, quando o Programa Rio Doce foi absorvido pelo
Programa Minas Gerais os cursos passaram a ser realizados na cidade de Pirapora, no vale do São Francisco.
258 Entrevista citada.
259
O engenheiro Szachna Eliasz Cynamon, do SESP, esteve em Governador Valadares, nos anos finais da década de 1950,
dirigindo um curso para os agentes sanitários sobre o tratamento adequado do lixo.
260 Entrevista com Sr. Atanael Batista Santana, 81 anos; 14 de dezembro de 2007. Acervo pessoal.
138
tratamento; então reclamava com o guarda que havia insistido nessa necessidade, culpando-o
pela perda de tempo ou confiança. Para este agente sanitário um trabalho muito importante era
acompanhar as enfermeiras ou atendentes nas escolas para atividades de educação sanitária,
porque as crianças aceitavam muito mais facilmente os ensinamentos e novos bitos
divulgados, inclusive reforçando-os em suas casas.
Outro agente sanitário, Sr. Olmário Francisco Vieira
261
, que também fazia inquéritos
sobre as condições sanitárias e acompanhou a construção de latrinas em várias moradias em
Governador Valadares, contou que neste caso, ensinavam as pessoas a fazerem os buracos,
instalarem as lajes (doadas pelo SESP), fazerem as paredes e a cobertura; este funcionário
aprendeu ‘no serviço’ o trabalho de atendente e acompanhava a equipe técnica em campanhas
de vacinação, inclusive em áreas rurais e segundo ele em alguns lugares as mães, avisadas
com antecedência, já deixavam as crianças limpas e preparadas, mas que em outros era
preciso fazer a higienização; lembrou que muitas crianças tinham medo dos vacinadores e que
fugiam para o mato quando estes chegavam e era preciso um trabalho de convencimento.
Os relatos dos dois funcionários acima mencionados coincidem na avaliação sobre o
controle do Serviço, que segundo eles era muito organizado. O trabalho dos guardas ou
agentes sanitários era supervisionado e cada um tinha um itinerário determinado, fichas
próprias para preenchimento; andavam a ou de bicicleta e cobriam toda a cidade, indo
também à zona rural. Havia muito rigor por parte dos diretores e qualquer desvio era punido
com “balão” (suspensão do serviço).
A partir destes relatos pode-se perceber que a atuação desses agentes era estratégica
para a consolidação não só do SESP, como também das novidades sanitárias que em seu
nome divulgavam; também se pode intuir que para o êxito de uma intervenção alguns
requisitos deveriam ser atendidos: uma boa orientação para os guardas sanitários e o seu
próprio convencimento sobre o valor do saneamento e da higiene, pois muitos destes
funcionários provinham da própria comunidade que receberia sua orientação. Bastos e Silva
(1953, p. 272) explicam que o papel dos guardas ligava-se aos “problemas de saneamento
domiciliário e de estabelecimentos públicos”, e que, portanto, sua preparação deveria ser de
tal modo que se tornassem conselheiros dos membros de sua comunidade.
O trabalho dos guardas sanitários, focado no meio físico, não atingia a intimidade
familiar dos domiciliados, entretanto perscrutada pela presença das visitadoras sanitárias, que
preparadas em cursos específicos, atuavam sob a orientação de enfermeiras diplomadas das
261 Entrevista com Sr. Olmário Francisco Vieira, 78 anos; 30 de maio de 2008. Acervo pessoal.
139
Unidades de saúde. No vale do Rio Doce estas visitadoras também tiveram atuação na
divulgação de noções de higiene e saúde, especialmente no acompanhamento de mães e
crianças, alvo preferencial do trabalho de educação sanitária e cuidados dicos nos Centros
de Saúde. Um curso para visitadoras sanitárias realizado em Governador Valadares, com a
orientação da enfermeira Flora Mesentier
262
noticiado no jornal “Voz do Rio Doce”, com o
título “Escola de Visitadoras”, reitera a preocupação com o dito grupo:
Consoante com os modernos métodos de Saúde Pública, o SESP, afim de preparar
elementos que levem até a profundidade de cada lar, os princípios de higiene,
consubstanciados numa eficiente educação sanitária, criou, a exemplo do que fez
antes, em nossa cidade uma escola de enfermeiras visitadoras. Assim é que, as
candidatas à árdua e nobre missão, se munem dos vários conhecimentos, capazes de
credenciá-las a levar aos nossos lares os bons preceitos higiênicos para salvaguarda da
saúde, na luta constante contra a morte (Voz do Rio Doce, 27 jul. 1947, p. 1-4).
A notícia do jornal segue anunciando que estas profissionais seriam recompensadas
com os “sorrisos sadios que fariam renascer em faces macilentas e cadavéricas, nos vagidos
famintos dos recenascidos cheios de saúde e nas faces orgulhosas das mães felizes”
(Voz do
Rio Doce, 27 de julho de 1947, p. 04).
De acordo com Maria da Glória Carvalho
263
, admitida como visitadora sanitária em
1947, aos 16 anos (depois se formou em Curso Superior de Enfermagem) o trabalho de visitar
as famílias tinha como finalidade verificar a condição de saúde dos membros das famílias
cadastradas, encaminhar os casos mais sérios para o atendimento no Centro de Saúde, orientar
as donas de casa para os cuidados com higiene corporal, e outras questões como cuidados
com alimentação, com a água a ser consumida, e com a limpeza doméstica; se alguma criança
deixava de comparecer para vacinação ou outros cuidados as mães eram questionadas ou se
uma parturiente cadastrada deixava de passar pelo controle do médico as visitadoras faziam
uma visita para saber o motivo; também faziam reuniões de orientação no Centro de Saúde,
onde através de palestras e filmes desenvolviam atividades de educação sanitária; ainda,
atendiam no lactário
264
que distribuía leite preparado para as crianças menores
265
. Uma
observação significativa feita pela entrevistada quanto ao uso do uniforme pelas visitadoras
262 Flora Mesentier, enfermeira da Escola "Carlos Chagas" de Belo Horizonte, que recebeu ajuda técnica e financeira do
SESP a partir de 1945. Cf. BASTOS, 1993, p. 455.
263 Entrevista com Maria da Glória Carvalho, 77 anos; 29 de maio de 2008; acervo pessoal.
264 Trabalho de experimentação do SESP previa a distribuição de leite preparado para atendimento infantil (BASTOS,
1993:, p. 179-180).
265 Segundo depoimento de Hermírio Gomes da Silva, muitas mulheres vendiam o leite recebido para suas crianças,
deixando-as desprovidas do suplemento alimentar oferecido pelo SESP. (Entrevista em 29 de maio de 2008; Acervo pessoal).
140
demonstra a repercussão de sua presença; segundo ela quando as moças saíam às ruas, todas
uniformizadas, causavam rebuliço e comentários de admiração e curiosidade.
3.5.2 As parteiras
Os coeficientes de mortalidade materna e infantil, no início da década de 1950, para as
áreas de intervenção do SESP, ainda eram altas. Em Aimorés o coeficiente de mortalidade
infantil foi de 146.9, em Colatina, 70.5; em Governador Valadares, 151,2. Os coeficientes de
mortalidade materna para as mesmas áreas foram, respectivamente, 4,4; 7,8 e 8,1 (BASTOS e
SILVA, 1953, p. 239 e 281). Desse modo, a preocupação do SESP com a saúde da mulher e
crianças se relaciona com a necessidade de resultados melhores em seus programas. Todavia,
conforme Fonseca (2007: 49) essa preocupação também se conformava com a política mais
ampla de saúde pública engendrada pelo governo Vargas, na qual mulheres e crianças se
destacavam como foco privilegiado para elaboração de serviços de saúde pública
266
.
As observações do cirurgião-dentista do SESP em Governador Valadares, Hermírio
Gomes da Silva, apresentam um quadro preocupante entre o grupo de gestantes e crianças:
As gestantes no geral apresentam, mormente na classe pobre, estado deplorável na
dentição e se confirma a sentença, de cada filho corresponde a perda de um dente. As
noções de higiene são quase sempre ausentes, e a existência de escova e pasta é
ignorada. Os pré-escolares geralmente trazem consigo as marcas da existência
paterna, portadora de lues, e maus hábitos que os filhos conservam. A sub-
alimentação é responsável pela maioria dos males bucais de nossas crianças, onde a
avitaminose (falta de vitamina C) está testemunhada nas escoriações que dão tão mal
aspecto as gengivas. Nos escolares, a pedra de toque é o molar dos 06 anos, o
primeiro pilão, na linguagem vulgar. As mães, inclusive pessoas mais ou menos
cultas, alimentam o engano de que ele também muda, e deixam que a cárie se
aprofunde até a perda total do dente [...]. O estado de nossas gestantes sub-
alimentadas, quase sempre portadoras de sífilis e desconhecedoras dos preceitos de
higiene, transmitem para as crianças suas doenças e seus hábitos (Voz do Rio Doce,
26/01/1947, p. 3).
Nesta perspectiva, também considerando o relato de Kalervo Oberg sobre o trabalho
das parteiras
267
e a condição de saúde e higiene infantil no Distrito de Chonin de Cima, é
266 Cf. Fonseca (2007, p. 48) a assistência à mulher e à criança se destacava nos serviços de saúde pública pelo fato de que
este grupo, como a população civil, principal alvo das ações públicas, o era reconhecido como ator político; portanto,
ficava a critério dos agentes públicos a definição de metas e estratégias.
267No estado do Espírito Santo a atuação das parteiras também era reconhecida, conforme observação na área de
colonização alemã, adjacências do vale do Rio Doce: parteiras entre as mulheres dos colonos, mas as idéias, reinantes,
até hoje, sobre parto e resguardo são medievais. Poderíamos citar diversos casos entre os que nos foram relatados pelos
pastores e médicos: admira que a febre puerperal não conste no registro de óbitos, com muito mais freqüência, como causa
mortis. Casos têm havido, como os seguintes: as mulheres, por ocasião do parto, ficam em ou de cócoras, ou por receio
supersticioso, todas as janelas e portas o hermeticamente fechadas, ficando as parturientes, vários dias, após o nascimento
da criança, sem asseio corporal, ou se estimulam as contrações do parto, mantendo-se as pacientes sobre fogo produzido por
achas”. Cf. GIEMSA, Gustav e NAUCK, Ernst G. Medicina e Salubridade. In: Uma viagem de estudos ao Espírito Santo.
141
esclarecedora a priorização deste público nos centros de saúde do SESP. O cotidiano materno-
infantil da maior parte da população do Médio Rio Doce aproxima-se daquelas práticas
observadas.
Uma tarefa importante das visitadoras em Governador Valadares foi a identificação de
parteiras ou curiosas e convidá-las para participarem de cursos na Unidade de saúde. Como
enfermeira formada
268
, a citada Sra. Maria da Glória Carvalho, acompanhou encontros com
as parteiras cadastradas em Governador Valadares; em seu depoimento contou que usava uma
boneca para ensinar as parteiras o modo correto de se fazer o parto e os cuidados com as mães
e os bebês. Era preocupante a utilização de métodos não convencionais de acordo com a
Medicina Científica, para a realização dos partos e para a “cura” do umbigo dos recém-
nascidos.
Um documento do Fundo SESP, de 1951, é taxativo:
Há a necessidade de incrementar ainda mais a instrução das curiosas, quer em
controle domiciliar, quer nas reuniões no Centro, para abolir de vez as práticas
absurdas, como: pó de fumo, de folhas, querosene, óleos diversos, falta de
cuidados com os olhos dos recém-nascidos. O melhor controle poderá ser feito com
fornecimento de maleta com material apropriado, pois, além dessa possibilidade,
servirá de estímulo para a freqüência às aulas que serão mantidas semanalmente com
regularidade, permitindo punir as faltosas, inaptas e desinteressadas (FSESP, cx. 02,
doc. 15).
O relato de uma parteira
269
que participou de curso do SESP, em 1957, esclarece as
preocupações dos médicos e enfermeiras. Dona Paulina Aires de Souza, 75 anos, aprendeu a
partejar com sua avó, quando ainda era bem moça. Quando chamada para acompanhar um
parto, tomava conta da mãe antes e um tempo depois do nascimento da criança, até a cura do
umbigo. O parto era feito em casa (da mãe) e seguia o seguinte procedimento: primeiramente
se banhava a mulher com um preparado de folhas de “esperta”
270
ou outras folhagens para
apressar o nascimento; também se massageava a barriga da mulher com o mesmo objetivo,
tudo isto acompanhado de orações para pedir a proteção de santos
271
. Assim que o bebê nascia
Anais Geográficos (continuação dos Anais do Instituto Colonial de Hamburgo, vol. 48), série D, Medicina e Veterinária, vol.
IV, Hamburgo, Friederichsen, De Gruyter & Co., 1939.
Disponível em: http://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/giemsa_nauck/capitulo_7.html (Acessado em 20 de
março de 2008).
268 Dona Maria da Glória Carvalho fez Curso Superior de Enfermagem com bolsa de estudos do SESP, conforme seu
depoimento.
269 Entrevista com dona Paulina Aires de Souza; 14 de maio de 2008; Acervo pessoal.
270 Planta citada também por dona Lili (Entrevista com dona Lili; 04 de julho de 2008; Acervo pessoal.) e dona Ambrósia
(Entrevista em 21 de maio de 2008; Acervo pessoal). O relato destas parteiras coincide em muitos aspectos com a observação
de Kalervo Oberg no distrito de Chonin de Cima, já citado.
271 Outra parteira, dona Lili – Maria Auxiliadora – ensinou uma oração feita na ocasião de parto: “Ó de casa, ó de fora. Aqui
vem chegando a Virgem Maria que vem trazendo esta criança, com a força do Sr. Jesus”. Entrevista com dona Lili; 04 de
julho de 2008; Acervo pessoal.
142
o cordão umbilical era cortado com tesoura bem limpa e o umbigo do bebê era coberto por
uma faixa. Dona Paulina afirma que costumava usar de fumo para curar o umbigo do
recém-nascido, mas que deixou de usar depois que fez o curso do SESP, mas sabia de outras
parteiras que continuavam valendo-se daquele artifício.
Para conhecer, acompanhar e controlar o trabalho das parteiras as visitadoras do SESP
fizeram o cadastramento das mesmas e organizaram cursos e reuniões para orientá-las quanto
à higiene e cuidados necessários ao acompanhamento dos partos; nestas reuniões dirigidas
pelas enfermeiras e visitadoras as parteiras recebiam material e medicamentos, como colírio
para limpeza dos olhos dos recém-nascidos, e costumava-se premiar as ‘alunas’ que se
destacavam com uma bolsa contendo o material necessário para seu trabalho; quinzenalmente
ou quando preciso as parteiras poderiam refazer seu estoque de medicamentos (BASTOS,
1993, p. 403-404). Uma das parteiras entrevistadas, dona Paulina, relatou que as visitadoras
tinham um caderno de registro dos partos feitos e que verificavam as condições de saúde das
mães e dos bebês e da própria parteira. Apesar do esforço do Serviço nem todas as parteiras
participaram destes cursos, inclusive somente uma das três entrevistadas havia participado
deles; do mesmo modo a orientação para que as gestantes procurassem os médicos da unidade
de Saúde o impediu que muitas mulheres continuassem preferindo o acompanhamento das
parteiras. Dona Paulina explicou que talvez por “medo do hospital ou por vergonha mesmo”,
e que ela própria fez um ou outro parto até a década de 1980.
3.6 Uma investigação sobre as condições e a natureza das relações entre uma
Unidade de Saúde do SESP e a população
Em meados da década de 1950, o SESP constituiu uma comissão com o objetivo de
efetuar estudos necessários à melhoria das normas de trabalho de suas unidades locais de
saúde. Esta preocupação já fora evidenciada na Conferência da Organização Sanitária,
realizada pelo Serviço, em 1948, que reconhecia que a assistência médica representava um
instrumento de sensibilização das comunidades para aceitação das medidas da medicina
preventiva (BASTOS, 1993, p. 165-166).
Deste modo, os investimentos do SESP nos estudos de comunidade, que marcaram
presença no Brasil nas décadas de 1950, se caracterizam como projeto de levantamento e
análise de informações sobre as comunidades, visando futuras intervenções. É esta a
orientação que fundamenta o trabalho do antropólogo Luis Fernando Raposo Fontenelle, ao
realizar sua “análise antropológica de um programa de saúde” na cidade de Aimorés, no
143
Médio Rio Doce: “Tornando conhecidas as linhas gerais que caracterizam a Medicina Popular
em uma região brasileira, facilita-se uma ação altamente proveitosa que poderá advir
futuramente das atividades dos Serviços de Saúde Pública” (FONTENELLE, 1959, p.9). O
autor apresenta a questão na introdução de sua obra, ao mesmo tempo em que elogia o SESP
pelo envio de um antropólogo social a uma área-problema para investigar e divulgar a própria
experiência e erros.
Outro texto de Fontenelle, de 1971
272
, em que comenta os estudos de comunidade
realizados na década de 1950, o seu inclusive, sugere que estes estudos, “tanto quanto
possíveis globais”, a partir de amostras de populações de norte a sul do Brasil, conservam um
sistema de estratificação, com duas camadas básicas, - e um grupo intermediário -, que
apresentam traços socioculturais próprios, podendo ser situados em “dois conjuntos de
categorias ou subculturas: um substrato “caboclo”, entendido por seu significado cultural, e
um outro tradicionalmente cosmopolita e metropolitano” (FONTENELLE, 1971, p. 9-11).
Neste texto, o autor, referindo-se a subcultura cabocla compartilha com a descrição feita por
Oberg (1956) sobre a população rural de Chonin de Cima, e afirma que ela “parece fornecer-
nos uma imagem – ainda que excessivamente ortodoxa e independente de interferências
regionais e de mudanças culturais que conservamos como um compêndio do portador dessa
subcultura” (1971, p. 11). O seguinte trecho, de Oberg, é utilizado por Fontenelle (1951) para
ilustrar sua discussão, e parte dele merece registro, pois a descrição que o autor faz do
morador de Chonin de Cima o aproxima do morador pobre de Aimorés, “área-problema” para
o Serviço:
...A simplicidade do ambiente cultural define a personalidade do morador de Chonin
de Cima e seus contatos com o mundo exterior tiveram pouco efeito na sua maneira
de vida e na forma de exploração da terra [...]. O analfabetismo restringe seu
horizonte, limita sua compreensão das possibilidades abertas para ele. [...]. Nada em
sua vida é marcado pelas horas do relógio. [...] Suas rústicas ferramentas, mobília, e
equipamentos são utilizados, sem manutenção, até que tenham que ser substituídos.
[...]. Esta negligência e indiferença com a manutenção, transformam-se num
problema grave quando transferidas ao uso de equipamento mais sofisticado, um
caminhão, por exemplo. Só se pensa em reparos depois do estrago, como se pensa na
saúde somente depois que a doença apareceu. [...] A consciência vica e
comunitária são pobremente desenvolvidas. [...] A concepção religiosa fatalista
superestima as forças da natureza, Deus, os santos, e outras forças sobrenaturais e
mágicas. [...] A sua atitude diante do mundo exterior é de apatia (OBERG, 1956, p.
9-10, apud FONTENELLE, 1971, p. 11-12).
272 FONTENELLE, L.F. Raposo. A comunidade no Brasil: um estudo tentativo para sua configuração. In Revista de
Ciências Sociais, vol. 2, nº 2, Fortaleza, UFC, p. 5-14.
144
Em Aimorés, o SESP havia organizado uma Unidade Sanitária
273
cujo propósito inicial
“era o emprego de uma medicina de caráter puramente preventivo, originando um Centro de
Saúde em zona urbana com populações de fisionomia tipicamente rurais”. A Unidade atendia
prioritariamente a gestantes e crianças até a idade de 15 anos, com serviços de laboratório,
vacinação, serviços dentários, lactário, distribuição de medicamentos, orientações às parteiras
e gestantes; a Unidade contribuía mensalmente com um hospital local para que nele fossem
realizados os partos e as intervenções cirúrgicas por ventura necessárias. Na época da
pesquisa de Fontenelle a Unidade contava com três dicos, uma enfermeira, um auxiliar de
educação sanitária, um grupo de visitadoras, atendentes, auxiliares de saneamento, um
laboratorista seu auxiliar, e o pessoal de administração e da conservação do prédio
(FONTENELLE, 1959, p. 75-76).
São relevantes as anotações do pesquisador sobre a formação do pessoal especializado
da Unidade de Saúde e sobre a construção e localização do prédio da Unidade em Aimorés.
Quanto à primeira questão, guardadas as devidas especificidades, os médicos, enfermeira,
laboratorista e educador sanitário possuíam formação adquirida em capitais, o que já os
distinguia. As visitadoras e os auxiliares (guardas) sanitários foram preparados em cursos
orientados pelos médicos que lhes ministravam ensinamentos de acordo com sua concepção e
formação acadêmica; os atendentes receberam uma dose menor de preparação, porém dentro
dos mesmos modelos fornecidos pelos seus superiores na Unidade de Saúde. Sobre o prédio
em que funcionavam os serviços prestados, destaca-se a sua localização afastada do centro
comercial e residencial da cidade; apesar de ficar numa das duas ruas principais distanciava-se
de alguns dos bairros pobres em quilômetros; sua arquitetura funcional (entrada ajardinada;
gabinetes médicos e de imunização, sala de enfermagem, laboratório e sala de palestras dando
para um pátio central com bancos)
274
diferenciava-o de outros prédios públicos ou residências
da região (FONTENELLE, 1959, p. 76).
Ambas as observações servem de balizas para a avaliação do programa de saúde
desenvolvido na Unidade de Aimorés, e quiçá, estendê-la a outras localidades. Tomando a
informação sobre a construção e distância do prédio que abriga a Unidade de Saúde, o
observador permite perceber que estas se constituem limitação à freqüência da população à
273 De acordo com Bastos (1993:168) as Unidades sanitárias seriam unidades de ação mais ampla, situadas nas sedes dos
municípios e que proviam assistência médica permanente à criança, à gestante e ao adulto e desenvolviam ainda as seguintes
atividades: controle das doenças transmissíveis, enfermagem e educação para a saúde, saneamento básico, coleta de dados de
estatística vital. Em áreas selecionadas, acrescentavam-se a essas atividades a odontologia sanitária e operação de
Dispensário Regional de Tuberculose”.
274 Coincide com descrição de Kalervo Oberg sobre o centro de saúde de Colatina; aliás, o SESP mantém o mesmo padrão
arquitetônico para os prédios de suas Unidades em praticamente todas as localidades em que foram construídas.
145
Unidade, mesmo que não fosse o principal entrave. As pessoas que precisavam comparecer ao
prédio do SESP, especialmente, os moradores de bairros pobres mais distantes, na falta de
qualquer condução automotiva, teriam que fazer o trajeto à moda de pé, exigindo-se
disponibilidade de tempo para o percurso de ida e volta, além do tempo de espera pelo
atendimento. Para as mulheres, especialmente mães e gestantes, isto significaria um esforço
maior, fosse para o cuidado consigo ou para levar suas crianças, pois deixar as atividades
domésticas ou ter alguém para cuidar da casa e dos filhos que ficavam, nem sempre era
possível (FONTENELLE, 1959, p. 86). Além disso, o próprio aspecto asséptico da Unidade
pode-se avaliar, provocava algum constrangimento; no tio de espera todos se expunham à
vista de conhecidos e desconhecidos, antes e depois do atendimento; o uso dos banheiros
devia ser motivo de desconforto numa comunidade que bem pouco tempo começara a
utilizar as privadas higiênicas também construídas sob a orientação do SESP.
No caso da formação e concepções de saúde dos médicos e outros especialistas da
Unidade de Saúde são bastante procedentes as observações do grupo de pesquisadores, entre
eles Kalervo Oberg, do Smithsonian Instituto de Antropologia Social, com a colaboração da
Divisão de Saúde e Saneamento, do IAIA e dos Ministérios e Serviços de saúde do Brasil,
Colômbia, México e Peru. A partir de trabalho de campo
275
os pesquisadores identificaram
traços comuns de utilização da Medicina Popular e concepções sobrenaturais, empíricas e
psicológicas sobre saúde e doença entre populações atendidas pelos Serviços de Saúde locais
em parceria com o IAIA/EUA. Segundo a análise há um estranhamento mútuo entre os
possíveis pacientes e os médicos; de um lado os pacientes desconfiam da parafernália e das
explicações racionais dos médicos, bem como têm dificuldade diante de sua atitude formal no
atendimento; de outro os médicos desconhecem, quando não ridicularizam, as concepções e
terapêuticas da Medicina Popular, comumente reconhecidas e utilizadas. Nesse sentido, uma
das dificuldades dos programas de saúde em consolidar as práticas da Medicina Científica em
substituição aos antigos e populares hábitos da população é o choque entre as duas posições,
cada qual certa de sua correção (FOSTER, 1951, p. 45 -60). O estudo em questão admite que
Fundamentalmente o problema é persuadir as pessoas a substituir velhos bitos e idéias por
outros que não fazem parte do seu mundo conceitual. O especialista de saúde pública não opera
no vácuo; ele trabalha em uma área na qual os sujeitos têm crenças definidas e difíceis de
mudar. [...] o problema, por isso, tem dois aspectos: a expulsão ou subordinação do velho, e a
introdução do novo (FOSTER, 1951, p.60).
275 Resultou do trabalho de análise antropológica sobre programa de auxílio técnico em programa de saúde, a publicação de
FOSTER, George M. eti alli. A Cross- cultural Anthropological Analysis of a Technical Aid Program (mimeographed;
Washington, D. C.: Smithsonian Institution. 1951.
146
Por sua vez, em concordância com a necessidade de se buscar alternativas que
facilitassem a resolução deste dilema, Fontenelle (1959, p.8) procura invocar a atenção dos
profissionais da saúde pública para a existência “de um sistema de Medicina Popular muito
diferente da suposição geral que julga os processos de cura das nossas populações rurais”
como manifestações de ignorância e superstição, ao contrário vinculadas a um sistema de
crenças singularmente estruturado.
Segundo a observação de Fontenelle sobre Aimorés (1959, p. 81), os mais abastados
preferiam o atendimento médico particular e evitavam recorrer à Unidade de Saúde, a não ser
em busca de vacinação para suas crianças. O pesquisador anota que as mulheres “ricas” não
permaneciam junto às outras à espera do atendimento, mas passeavam pelo jardim ou pelo
pátio da Unidade ou de conversavam com as atendentes, indicando o incômodo que a
espera entre “gente pobre e mal cheirosa” representava. Ao mesmo tempo o autor ressalta que
nas “classes superiores” se verificava a tendência de se adotar os padrões de
comportamento tidos como comuns nos grandes centros, entre eles a incredulidade e o
desapego em relação às práticas da Medicina Popular e o interesse por uma nova educação
para as gerações mais jovens (Fontenelle, 1959, p. 76-77).
A dificuldade principal, portanto, de operacionalização da Unidade de saúde de
Aimorés, relacionava-se ao antagonismo entre a concepção de saúde e formas de terapêutica
popular da maioria da população local atendida - pobre, notadamente, e os princípios da
Medicina Científica, representados pela concepção e atuação do pessoal especializado do
SESP.
Fontenelle (1959, p. 77-81) levanta uma série de fatores que ilustram esta
incompatibilidade, a começar pela projeção profissional e social que acompanha o médico em
pequenas localidades; mesmo sendo reconhecido como pertencente à elite do lugar, e portador
de certa notoriedade, o realce de sua pessoa está condicionado à sua capacidade curativa, por
sua vez medida com base nos conceitos dominantes nas camadas pobres: rapidez da cura,
simplicidade do tratamento, emprego de remédios acertadamente eficazes. É conseqüente
também sua consideração sobre a diferença de valores que orientam o médico e o paciente
pobre, cada um, depositário de uma determinada expectativa e conhecimentos. Estas
divergências inibem, por parte do paciente, a busca espontânea pelo atendimento médico mais
amiúde e com a urgência necessária (recorre-se ao médico em última instância), e acentuam a
desconfiança no efeito da medicação indicada, portanto, diminuindo as chances de se atender
às prescrições; por parte dos médicos, na presunção de que pertence a ele o juízo sobre a
conduta do doente, verifica-se postura de intolerância e atitude acusativa e agressiva diante do
147
paciente que recorreu à Medicina Popular, retardou a consulta ou não atendeu à sua
orientação. De acordo com a avaliação de Fontenelle (1959, p. 80) “a discordância agrava-se
com a insistência de um e com a resistência do outro. As conseqüências naturais dessas
divergências cristalizam-se, nas atitudes antagônicas assumidas por ambos os lados”.
No caso de Aimorés, estas considerações são cabíveis e evidenciam contradições e
choques existentes consideradas as características prevalentes do acatamento das práticas da
Medicina Popular pela população pobre atendida. Levando-se em conta, neste caso, as noções
correntes sobre saúde e doença, é possível compreender a busca por medicação visando
apenas a extinção da dor ou do incômodo, desconsiderando-se os cuidados preventivos. Este
posicionamento influía na freqüência à Unidade de Saúde e também no seu funcionamento. O
afluxo de doentes extemporâneos, com quadros de saúde agravados pela procura tardia do
socorro médico, sobrecarregava o setor de Assistência Médica, que acabava penalizando os
setores de Higiene Infantil e Higiene Materna, confundindo-se os espaços e provocando
embaraços no atendimento (FONTENELLE, 1959, p. 82).
Os depoimentos de antigo agente sanitário e de auxiliares de limpeza, em Governador
Valadares e Colatina, respectivamente, reforçam a situação apresentada para Aimorés. No
primeiro caso o agente relatou a reação intempestiva de um médico diante de um paciente que
não tomou o remédio conforme sua orientação; rechaçou-o aos gritos de que não se
responsabilizava acaso o paciente morresse e que ele fosse fazer isso longe dele
276
. Em
Colatina,
277
as auxiliares de limpeza lembraram a situação constrangedora de mulheres que
precisavam de higienização antes do exame pelo dico, que chegava a tapar o nariz, e de
crianças que eram levadas para atendimento, de tal modo sujas, que as auxiliares de limpeza
precisavam banhá-las antes da consulta.
Outra situação tencionada era a forma de relação estabelecida entre a Unidade de
Saúde e a população da localidade. Duas orientações conflitavam-se e certamente confundiam
os que precisavam de atendimento. A presença das visitadoras sanitárias pautava-se pela idéia
de que os contatos fossem realizados com base na confiança e na familiaridade adquirida nas
constantes visitas; esperava-se que a cordialidade estabelecida e simpatia das visitadoras
garantiriam bons resultados nos inquéritos e encaminhamento das gestantes e crianças para o
atendimento médico; entretanto, em muitos casos essa intimidade conseguida pela visitadora
era confrontada pela impessoalidade ou demora do atendimento na Unidade, onde o/a
276 Entrevista com Sr. Olmário Francisco Vieira; 30 de maio de 2008. Acervo pessoal.
277 Entrevista com as Sras. Eleonora Menezes dos Santos e Corina Teixeira Dias, serventes aposentadas do SESP, em
Colatina. Acervo pessoal, 16/02/2008.
148
paciente ficava no pátio esperando a “sua vez”, independente da sua disponibilidade. Além
destes fatos a eficiência das visitadoras era diminuída por sua própria pressa em preencher as
fichas de visitação omitindo detalhes de importância; por sua vez, havia médicos que não liam
as anotações das visitadoras, o que tornava a ligação com a comunidade prejudicada. O
distanciamento era reforçado pela conduta de algumas atendentes que sobrecarregadas de
trabalho reprimiam impacientes algumas queixas e pedidos de atenção (FONTENELLE,
1959, p. 83-87).
Ainda no caso das visitadoras, algumas falhas na organização do trabalho
prejudicaram os resultados esperados. Não era fácil vencer o estranhamento causado por sua
presença na intimidade das moradias; mesmo que algumas das visitadoras fossem de Aimorés,
seu círculo de relações era restrito e o alcance de sua penetração social era reduzido; além
disso, o freqüente rodízio das visitadoras, para “quebrar a rotina”, não criava vínculos e as
visitas rápidas davam idéia de “fiscalização”; o choque entre as recomendações e os hábitos
comuns gerava desconfiança, má vontade e apatia (Fontenelle, 1959, p. 83-85).
Na maioria das vezes, repete-se maquinalmente um “sim sinhô” ou “não senhora”,
“pois é”, “é sim” para evitar discussões e aborrecimentos. Entretanto, continua-se a
praticar os mesmos bitos escondendo-os, porém, da visitadora. Os conselhos
produzirão resultados diminutos porque vêm de pessoas com quem não se tem
convivência e se chocam com as crenças já consagradas (FONTENELLE, 1959, p.
85).
Outras duas situações conflitantes entre a Unidade e a população atendida, segundo a
observação de Fontenelle (1959, p. 88-89) seriam a inexistência de expediente emergencial e
a forma de distribuição de medicamentos cuja quantidade ou qualidade desapontava os
freqüentadores da Unidade, que por sua vez não via fundamento nas reclamações feitas. Esta
questão é relevante porque comporta diferentes entendimentos sobre os processos e
mecanismos de cura, por parte dos dicos que confiavam na terapêutica que indicavam, e
por parte da população que desconfiava de algumas, como era o caso da prescrição de
comprimidos, considerados pouco eficazes.
As diferenças entre as concepções e práticas da Unidade Sanitária e da população
ficam evidentes pela observação da atividade das parteiras “curiosas”. Em Aimorés, sua
atividade não se distinguia muito das práticas de partejamento existentes em Chonin de Cima,
como descrito por Kalervo Oberg ou em Governador Valadares, conforme o relato de
parteiras ainda residentes na cidade.
149
Do mesmo modo como em outras localidades o SESP tratou de identificar as parteiras
e de tentar colocá-las sob sua supervisão através e cursos e distribuição de material e
medicamentos. Entretanto, a participação das “curiosas” era limitada por muitos fatores; de
um lado a Unidade teve dificuldade de localizar todas as parteiras atuantes, porém de outro a
sua freqüência não era tão simples; para participar do curso ou reunião às vezes percorriam
grandes distâncias, sob sol ou chuva, deixavam outras ocupações domésticas, preocupavam-se
com uma roupa adequada para o comparecimento ao local determinado, nenhuma vantagem
do ponto de vista financeiro estava garantida e mesmo poderiam ter prejuízo se perdessem um
trabalho por estarem fora de casa. Além do mais, não havia punição ou recompensa que
merecessem maiores preocupações Recorrer ao apelo moral não resultava grandes mudanças
de posicionamento, pois as parteiras, de certa forma, entendiam sua prática como uma missão,
e se sentiam preparadas para o ofício que aprenderam com as mães ou avós, todavia
abominado pelos médicos. Nesse sentido compreende-se a pequena freqüência e assiduidade
das “curiosas” às reuniões programadas; das 22 que foram registradas na Unidade Sanitária na
época da pesquisa, somente quatro compareceram às três aulas realizadas no mês de fevereiro
de 1956, e sete não assistiram a nenhuma (FONTENELLE, 1959, p. 96-99).
A aproximação entre o SESP e as parteiras pode ser entendida a partir de duas
premissas. A primeira relacionada com a preocupação com a saúde materno-infantil, a
incumbência principal das Unidades de Saúde; a segunda com a possibilidade de, através
delas, atingir-se um público arredio e resistente às mudanças de costumes e certos hábitos
higiênicos cuja confiança nas parteiras envolvia conhecimento pessoal, convivência e laços de
amizade.
Os cursos oferecidos pelo SESP às parteiras “curiosas” insistiam no abandono de
práticas consolidadas como a cura do umbigo dos recém-nascidos utilizando-se de fumo e
outros recursos, com a higiene do local do parto e das envolvidas, com orientações sobre o
pós-parto que se diferenciam do entendimento tradicional sobre o ‘resguardo’.
Lentamente algumas parteiras eram convencidas a encaminharem as gestantes para a
Unidade de Saúde, onde teriam acompanhamento médico. Entretanto, no caso de Aimorés,
chegada a hora do parto, o SESP encaminhava a parturiente para o Hospital local que recebia
apoio financeiro e técnico do SESP, mas ficava fora da sua jurisdição e muitas mulheres
reclamavam do tratamento impessoal e do distanciamento entre o médico e a parturiente (o
médico não era o mesmo da Unidade), da comida oferecida, dos cuidados dispensados. Desta
forma, muitas gestantes preferiam a assistência das “curiosas” e o parto feito em casa, o que
não as separava do ambiente doméstico e familiar (FONTENELLE, 1959, p. 92-99); o
150
nascimento de uma criança não tinha outro significado senão aquele da continuidade da vida
comum, e a mãe rapidamente estava de volta às suas obrigações.
As observações do autor levam-no a concluir que faltava à metodologia utilizada pelo
SESP um mecanismo que favorecesse o interesse e a motivação para a mudança de “hábitos e
noções profundamente arraigados na mentalidade de uma população”; tanto a forma, como a
concepção, desconsideravam o ponto de vista das parteiras e o universo sócio-cultural daquela
comunidade. A constatação de que pelo menos sete das 22 parteiras contatadas, a despeito da
orientação do SESP, continuavam a usar as velhas e condenadas práticas de partejar e o fato
de que, independente disso, continuavam sendo solicitadas, são dados reveladores da tensão
existente entre os métodos da Medicina Popular e aqueles defendidos pela Medicina
Científica (FONTENELLE, 1959, p. 97 e 99).
Acrescente-se a ressalva de Fontenelle (195, p.101-102) de que esta tensão é também
perpassada pela dinâmica econômica da cidade de Aimorés. Em sua avaliação, a reduzida e
“relativamente esclarecida classe dominante” partilha idéias importadas dos grandes centros e
é desfavorável aos hábitos sanitários das classes pobres; e essa, por sua vez, “reage segundo
as suas imagens e representações do que é certo e positivo”, mantendo a popularidade dos
benzedeiros e curandeiros, e o emprego generalizado de chás, sumos e garrafadas.
Diante das condições levantadas Fontenelle recomenda um longo programa de
reabilitação econômica e social da população pobre de Aimorés como “via para a
transformação do comportamento sanitário da população”. O pesquisador defende um
programa paralelo de ação educativa que leve em consideração o “conhecimento da estrutura
social, da mitologia, do conjunto de crenças por onde o morador “pobre” orienta o seu
comportamento” (FONTENELLE, 1959, p. 102).
A publicação no semanário “Voz do Rio Doce”, de uma carta
278
de um pretenso
paciente do Dr. Arnóbio Pitanga, em Governador Valadares, na coluna - Sociais - cujo título:
“Não é fácil a missão de médico do interior” uma medida do que foi o encontro desses
dois mundos – o da tradição e o da ciência – mediado pelo SESP, na região. A citação da nota
e da carta é oportuna pelo alcance:
278 Voz do Rio Doce, Ano I – 02 de junho de 1946 – n. 33, p. 4.
151
A nota:
“A título de curiosidade vamos transcrever a interessante carta que um matuto de
Alfredo Chaves endereçou a um médico do Serviço Especial de Saúde Pública, Dr.
Arnóbio Guimarães Pitanga, do Programa do Vale do Rio Doce. É também uma
demonstração da popularidade e do prestígio que desfrutam os que trabalham no
SESP. Vai respeitada em ‘totum’ a ortografia, bem como a redação da carta”.
A carta:
“Senhor Dr. Arnóbi.
Deus vos salve.
Vou com esta a sua presença - isto é, não vou, mando, dando os signais duma
moléstia que me atacou, cuja suponho que é ramo estupor. Digo porque estou com o
corpo todo incalombado, sinto dor nas cruz e nos peito, dor nas cadeiras, no osso dos
braços e dor no intrior.
Quando me deito sahe dor nas cantareira, dor na cabeça, no caroço dos oios e um
furmigamento no corpo. Quando estou dormindo aparece um resfriamento nas mãos
e os pés e um arrocho nos peito com um acocho no coração que fica todo sufocado.
Tem um trimido nas costella mindin e de outro lado o sangue corre solto trez vez.
Mando esta para o Doutor me izaminar e me iscutar para ver se é mesmo ramo
estupor oa sifre ou mal de nervozo.
Meu indereço é:
J.F.
Alfredo Chaves
Fazenda da Canela
Oh! Quitito, de saudosa memória! Eis um caso que você poderia dar um um
geitinho com as suas mágicas “garrafadas” e as diabruras do “bode preto”.”
3.7 Projetos de Comunidade: Chonin de Cima, São Raimundo, Vila Lenira
Na década de 1950, a Divisão de Educação Sanitária do SESP fez da organização de
comunidade parte integrante da sua filosofia de trabalho” (RIOS, 1957, p. 21). No Médio Rio
Doce três projetos experimentais serviram de parâmetro para futuros investimentos e
avaliação da metodologia.
O projeto Núcleo Experimental de Cooperação Rural em Chonin de Cima”, instalado
no distrito de Governador Valadares, em 1951, surgiu da premissa de que certas comunidades
marcadas pelo tripé - doenças, analfabetismo e pobreza - poderiam alcançar maior e mais
rápido progresso se as agências públicas envolvidas atuassem conjuntamente. A filosofia
subjacente ao projeto pressupunha que o trabalho em equipe, cooperação e suplementação de
atividades poderiam surtir mais efeito do que a atuação isolada atingindo simultaneamente o
indivíduo, a família, e a comunidade. Para demonstrar o alcance desta idéia o IAIA em
parceria com órgãos públicos locais, estaduais e federais, concebeu o projeto piloto em
evidência, visando demonstrar: a viabilidade de trabalho conjunto, poupando recursos
econômicos e humanos; a importância da aproximação cooperativa entre campos diversos
152
agricultura, educação, saúde e transporte; o valor da prática de métodos cujo fim é “ajudar as
pessoas a se bastarem a si mesmas”; a combinação possível de diferentes projetos num centro
de comunidade em área rural (OBERG, 1956, p.137-138).
As instituições seguintes, participantes do Projeto em Chonin, teriam cada uma,
atribuição conforme sua natureza (OBERG, 1956, p. 140-144; BASTOS, 1993, p. 334-335):
1. SESP
2. Associação de Crédito e Assistência Rural (ACAR)
279
3. Departamento Nacional de Educação, do Ministério de Educação e Saúde
4. Secretarias do estado de Minas Gerais
a. Secretaria de Saúde e Assistência
b. Secretaria da Agricultura, Indústria, Comércio e Trabalho
c. Secretaria da Educação
d. Secretaria de Viação e Obras Públicas
5. Prefeitura do Município de Governador Valadares
Para iniciar os trabalhos o SESP realizou um diagnóstico
280
da localidade e foram três
os programas priorizados – agricultura, educação e saúde. O primeiro destinava-se a melhorar
e modernizar os todos utilizados, fornecendo sementes selecionadas, ferramentas, adubo,
inseticidas e vacinas, a preços baixos e com orientação e assistência técnica aos fazendeiros.
O programa de educação visava melhorar a condição física das escolas (fornecendo carteiras,
material escolar e bombas para abastecer os prédios de água) e melhorar os métodos e o
currículo de ensino. O programa de saúde seguiu a programação do SESP – assistência
médica, saneamento ambiental e educação sanitária
281
(BASTOS, 1993, p.335-336). O plano
criou uma Comissão Consultiva formada pelos diretores de todas as agências implicadas para
decidir a política, o programa, o orçamento, e o pessoal; um Comitê Executivo com
representantes das mesmas instituições para orientar e supervisionar o projeto, e um Conselho
de Comunidade, composto por representantes da comunidade: dois trabalhadores, duas
senhoras e duas crianças (BASTOS, 1993, p.335). Este Conselho de Comunidade teria caráter
279 ACAR – A Associação de Crédito e Assistência Rural (ACAR), foi criada no Estado de Minas Gerais, em 6 de dezembro
de 1948, através do convênio entre o governo mineiro e a American International Association for Economic and Social
Development (AIA), instituição fundada por Nelson Rockefeller depois que o Congresso americano votou pela extinção do
IAIA. O convênio propunha estabelecer um programa de assistência técnica e financeira que possibilitasse a intensificação da
produção agropecuária e a melhoria das condições econômicas e sociais da vida rural. Cf: BORGES, Maria Eliza L. A.
Utopias e Contra-Utopia: Movimentos Sociais Rurais em Minas Gerais (1950-1964) Belo Horizonte, UFMG, 1988. p. 59
(Dissertação de Mestrado).
280 A presença e trabalho de Kalervo Oberg em Chonin de Cima relaciona-se com este projeto, através da participação do
Instituto Smithsoniam, dos Estados Unidos; o antropólogo contou com a colaboração de 02 estudantes da Escola de
Sociologia e Política do estado de São Paulo.
281 FSESP, cx. 23, doc. 45 - “Núcleo Experimental de Cooperação Rural Chonin de Cima” - Governador Valadares, MG.
Projeto: MG-GVA-4.A
153
puramente consultivo e nenhuma função executiva ou administrativa, sendo apolítico por
natureza.
282
Para coordenar a execução do projeto inicialmente foi escolhido o agrônomo da
ACAR que, entretanto não permaneceu na função, sendo substituído por um ex-professor da
escola local. Este coordenador não conseguiu levar adiante o projeto e seis meses depois
também foi substituído por um técnico agrícola; ambos careciam de qualificação e habilidades
para a função, o que inviabilizou a continuidade dos programas. De acordo com Oberg nem o
ex-professor nem o cnico agrícola tinham formação universitária, que, no Brasil, era um
símbolo de status; isso resultou de um lado a depreciação do coordenador local pelos técnicos
das agências, e de outro, certa agressividade do coordenador para compensar a sua sensação
de inferioridade (OBERG, 1956, p.143).
No final do ano de 1952, os órgãos que definiram a organização do projeto de
cooperação optaram por seu encerramento, considerando-o fracassado. Bastos (1993, p. 336)
e Rios (1957, p. 201-203) apontam a inabilidade do coordenador local, e especialmente sua
tendência personalista como fator principal do malogro, pois ele tomava decisões unilaterais
que irritavam alguns dos líderes locais:
Como era de se esperar, surgiram diferenças de opinião no conselho. Estas
divergências foram acentuadas por dissensões políticas. Em vez de frisar a natureza
apolítica e puramente educacional da organização, o coordenador tomou parte nas
disputas (RIOS, 1987, p. 202).
Entretanto, Oberg indica outros motivos significativos para o insucesso do Projeto e o
seu cancelamento pela Comissão Consultiva:
(a) Dificuldades físicas: em meio século, os métodos impróprios de uso da terra
tinham esgotado o solo; recuperá-lo pelo uso de fertilizantes e rotação de culturas levaria anos
e teria um alto custo financeiro. A ausência de estradas limitava a entrada de tratores nas áreas
cultiváveis;
(b) Dificuldades das agências cooperadas: o programa de educação rural não foi
cumprido, pois a Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial (CBAI)
283
que ficou
de introduzir métodos educativos modernos na área não efetivou sua participação. A
incapacidade da ACAR em estabelecer um programa de empréstimo agrícola reduziu sua
282 FSESP, cx. 23, doc. 45 - “Núcleo Experimental de Cooperação Rural Chonin de Cima” - Governador Valadares, MG.
Projeto: MG-GVA-4.A.
283 Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial (CBAI), um programa de cooperação educacional para a
formação de docentes para o ensino industrial, firmado entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos, assinado em 1946,
sendo renovado anualmente, até 1963.
154
atividade. A Secretaria Estadual de Agricultura não realizou sua contrapartida. Do mesmo
modo que a CBAI a Secretaria Estadual de Educação teve participação limitada. As
dificuldades de comunicação continuaram devido ao fracasso da Prefeitura e da Secretaria
Estadual de Viação e Obras Públicas em reparar estradas e pontes. Somente o SESP executou
os seus compromissos com o plano;
(c) Informação básica inadequada: conhecimento incompleto sobre o Distrito de
Chonin (comunicações, condições do solo, situação de trabalhadores e meeiros itinerantes);
(d) Dificuldades de Comunicação: Em todas as fases do projeto em demonstração
houve dificuldade considerável em articular o programa com a organização da comunidade
local e em obter resposta da população. As comunidades rurais brasileiras, em geral, têm
organização paternalista e autoritária, e sua liderança está nas mãos de chefes de família,
sacerdotes, proprietários de terras, e chefes políticos. A liderança informal tendeu a seguir
este modelo (OBERG, 1956, p. 144-145).
Apesar das dificuldades Kalervo Oberg, que visitou a comunidade um ano
depois de encerrado o projeto (BASTOS, 1993, p. 336) avalia que ele foi capaz de influenciar
positivamente a comunidade, especialmente no aspecto sanitário e da saúde. Os habitantes do
distrito continuaram a utilizar os novos medicamentos para o tratamento da malária, da
disenteria, e de outras doenças. O programa de educação sanitária surtiu efeito e algumas
pessoas continuaram a ferver e filtrar a água para uso doméstico; o mobiliário de algumas
casas havia melhorado, o uso de escovas de dente expandiu-se; hortas foram plantadas; a
conservação e construção de novas privadas indicavam que as pessoas tinham absorvido
algumas das modernas idéias sobre a saúde divulgadas pelo SESP; na vila, a principal rua foi
alargada e valas foram drenadas. Duas pontes que conduziam à aldeia foram reparadas. Outro
benefício se refere à escola; de acordo com o antropólogo, quando o projeto foi instalado a
escola precisava de reparos na parte física e não havia suficientes bancos, livros, mapas e
outros materiais; também não havia fornecimento de água adequado. Estas dificuldades foram
resolvidas, construíram-se quatro privadas, o passeio da frente da escola foi cimentado, além
de se ter plantado um jardim e uma horta sob os cuidados dos alunos (OBERG, 1956, p.145).
Para o pesquisador o mais importante efeito do projeto foi o de levar as pessoas a acreditarem
que uma vida melhor era possível e a percepção de que a condição prévia para a melhoria da
saúde, da educação e do nível de vida é a vontade (OBERG, 1956, p.146).
155
É importante considerar que o projeto encerrado em Chonin de Cima foi transferido,
em 1953, para o município de Pedro Leopoldo, também no estado de Minas Gerais, sob a
mesma orientação e objetivos
284
. De acordo com Bastos (1993, p. 337):
Vários aspectos do projeto de Pedro Leopoldo foram uma resposta direta às lições
retiradas do Projeto Chonin. A principal delas foi a função decisiva de envolvimento
político e organização local. Não existiram nem o coordenador local nem conselho
comunitário. A coordenação foi efetuada por um funcionário em nível central,
localizado na capital, distanciado do envolvimento direto das intrigas da política
local. Em lugar de um conselho comunitário, as agências de serviço trabalharam
diretamente através das autoridades locais estabelecidas e outros líderes locais, aos
quais coube a responsabilidade de persuadir as pessoas e obter sua participação no
projeto, sem a presença de coordenadores especialmente designados ou a formação
de conselhos.
A despeito da experiência adquirida em Chonin de Cima, o novo projeto foi
igualmente encerrado, três anos depois, sem cumprirem-se os objetivos propostos, “por
motivo de fragrante desinteresse da maior parte das entidades oficiais que participavam do
trabalho. Praticamente, apenas o SESP e a ACAR cumpriram os seus programas de trabalho
de acordo com o plano geral”
285
. Não indicativo de problemas com a coordenação local
como em Chonin de Cima, o que permite indagar-se sobre a supervalorização da
incompetência do líder local em Chonin como fator de fracasso do projeto. A dita inoperância
do conselho local também pode ser questionada, pois a julgar pela composição mencionada
por Bastos (duas mulheres, duas crianças e dois trabalhadores) distancia-se do modelo
patriarcal de organização da comunidade.
O resultado negativo dos projetos em Chonin de Cima e Pedro Leopoldo não
representou o abandono da idéia de envolvimento das comunidades na solução de seus
problemas (BASTOS, 19933, p. 338). Considerando que no Brasil não havia cursos
formadores de profissionais especializados em educação para a saúde, o SESP resolveu adotar
medida emergencial de preparar técnicos com formação universitária para trabalho em nível
regional e auxiliares secundaristas para a equipe técnica dos distritos sanitários. Nesse sentido
foi realizado o primeiro curso de Educação Sanitária, entre fevereiro e agosto de 1953. O
curso recrutou moças e rapazes em diversas áreas de trabalho do SESP e os candidatos
selecionados participaram de três módulos de formação
286
; no primeiro módulo (um mês)
284 FSESP, Cx. 25, doc. 68 - Núcleo de Cooperação Rural em Pedro Leopoldo, Minas Gerais. Projeto: MB-PLE-20
285 FSESP, Cx. 25, doc. 68 - Núcleo de Cooperação Rural em Pedro Leopoldo, Minas Gerais. Projeto: MB-PLE-20
286 O curso teve a participação de 05 alunos da Amazônia, 02 da Bahia, 01 de Minas Gerais, 03 do Rio Grande do Sul, 02 do
Serviço Nacional de Malária e 01 da Secretaria de Saúde pública do Pará; cf. SILVA et al., (1954, p. 498), no artigo
“Preparação de Técnicos e Auxiliares de Educação Sanitária”, apresentado ao XI Congresso Brasileiro de Higiene, realizado
em Curitiba, de 15 a 21 de novembro de 1953.
156
foram distribuídos em várias unidades sanitárias para observação dos problemas de saúde de
comunidades rurais; no segundo módulo foram reunidos no Rio de Janeiro (entre março e
julho, 19 semanas) para preparo teórico e vistas técnicas; finalmente no último módulo (entre
03 e 28 de agosto) os capacitandos foram encaminhados para Baixo Guandu e Governador
Valadares, em duas turmas, para realização de trabalho prático de tentativa de organização de
comunidade, como forma de estágio (BASTOS, 1993, p. 378-380).
A turma de Governador Valadares escolheu o Bairro São Raimundo, que dista cerca
de sete quilômetros do centro da cidade, para sua experiência. Um dos coordenadores do
trabalho dos grupos, José Arthur Rios assim descreveu o lugar:
Bairro proletário da cidade de Governador Valadares, Minas Gerais. Possuía 230
moradias, de taipa ou madeira, habitadas por cerca de 1.180 pessoas, na maioria
operários, e dependia de Valadares na sua vida econômica e social. As condições
sanitárias do Bairro eram extremamente deficientes. As ruas não tinha calçamento,
nem as casas água ou esgoto. Em algumas a luz era fornecida por um particular. As
cacimbas, de onde se tirava a água para consumo, achavam-se em péssimas
condições de manutenção. A assistência médica do bairro estava a cargo de um
curandeiro e duas comadres. Grassavam disenterias e verminose, havendo muitos
casos de tuberculose (RIOS, 1987, p. 226).
O grupo de técnicos em formação espalhou-se pelo bairro, acompanhando a visitadora
sanitária da área, estabelecendo os primeiros contatos e identificando suas lideranças.
Informalmente identificaram como principal problema a questão da água e da escola; através
de reuniões com as lideranças e posteriormente ampliando o número de convidados, os
treinandos estimularam a fala e o debate entre os presentes, ficando aqueles dois problemas
oficializados como prioridades para busca de soluções (SILVA et alli, 1954, p. 503). Logo
que se iniciaram os primeiros contatos a equipe foi questionada se haveria distribuição de
alguma benesse, respondendo-se prontamente que não se tratava de qualquer ajuda naquele
sentido, mas visavam apenas conhecer o bairro e seus problemas para uma ajuda futura”
(RIOS, 1987, p. 226). Na primeira reunião ficou também esclarecido que a proposta não tinha
caráter partidário, mas se tratava de discutir o bem-estar da coletividade de São Raimundo. Na
primeira reunião o problema da água foi colocado como primeira necessidade. Entretanto, o
grupo de estagiários teve que recorrer à solução mais simplificada devido ao vulto do
problema, que demandaria posicionamento e investimento do poder público municipal,
insistindo-se nas vantagens práticas da fervura como recurso imediato. Não sendo possível
resolver-se de pronto a questão, um dos líderes presentes, que conhecia a atuação do SESP,
sugeriu a construção de privadas para alguma resposta pelo menos ao problema do destino
dos dejetos. Na reunião seguinte, o problema tomou corpo pela insistência dos moradores
157
presentes e os cnicos sugeriram que se requisitasse da Unidade de Saúde um auxiliar de
saneamento para que ele orientasse a construção. A designação foi conseguida através do
médico chefe da Unidade, e entusiasmou as lideranças a participarem de outras reuniões
(RIOS, 1987, p. 227-228). Novas visitas e reuniões foram realizadas e investiu-se na
discussão do problema da escola que merecia reparos.
A escola municipal não recebia quase nenhuma assistência, suas condições sanitárias
eram deficientes, o possuía área para recreio, os alunos não eram sadios e seus
pais, embora conhecessem e lamentassem essas lacunas, não sabiam como preenchê-
las, nem sequer como entrar em contato com a direção. A fim de atender à
necessidade de maior aproximação entre os pais e as professoras, as educadoras
deram a idéia de um Círculo de Pais e Mestres. Essa idéia foi “soprada” às
professoras depois de longa entrevista em que estas relataram seus problemas e as
dificuldades que estavam enfrentando (RIOS, 1987, p. 229).
Aproveitando a data comemorativa do “Dia dos Pais” a comissão organizada para
discutir o problema de melhoramentos da escola fez uma festa que contou com a presença de
representantes das autoridades da cidade e muitos pais de alunos. A idéia do Círculo de Pais e
Mestres foi lançada e no dia seguinte o mesmo foi instituído (RIOS, 1987, p. 230). De acordo
com Silva eti alli (1954, p. 504) a despeito das condições pouco favoráveis e do tempo
limitado de três semanas a equipe conseguiu fazer o encaminhamento de algumas propostas:
discutir a qualidade do ensino de higiene na escola, organizar a festa do dia dos Pais e fundar
o Círculo de Pais e Mestres, organizar uma Comissão de Melhoramento do Bairro, além de
promover uma série de palestras educativas com projeção de filmes. Um ponto alto dessa
experiência foi a organização de um curso de Corte e Costura (com a colaboração de uma
professora e de uma parteira influente no bairro); durante os encontros realizados duas vezes
por semana, as educadoras procuravam conhecer tabus e crendices existentes na localidade e
tentavam levar ao grupo noções de puericultura, higiene e nutrição, dentro dos padrões da
Medicina Científica (RIOS, 1987, p. 230).
Uma deficiência deste tipo de projeto experimental que contava com o envolvimento
de várias pessoas era a garantia de sua continuidade após o período de estágio; os treinados
iniciais seriam substituídos por somente um técnico que certamente teria dificuldades para
cumprir um programa de tantas frentes. No caso de São Raimundo, o coordenador registra
que “a Comissão continuou funcionando e que um médico foi solicitado para visitar o
158
bairro
287
, em dias certos, evitando que as pessoas doentes tivessem que caminhar até
Valadares” (RIOS, 1987, p. 230).
Em 1954, uma nova experiência desenvolveu-se em Vila Lenira, bairro popular na
cidade de Colatina. Na ocasião o SESP investia na instalação de um sistema de abastecimento
de água para atendimento aos moradores. Então, sob a coordenação do sociólogo José Arthur
Rios e com a participação de um grupo de seis alunos do Curso de Educação para a Saúde, em
andamento, desenvolveu-se um projeto de organização de comunidade que pretendia envolver
a população local na discussão e execução da obra de saneamento, que envolvia a Prefeitura e
a Unidade de Saúde. O grupo de estagiários fez o diagnóstico do Bairro, constatando uma
população de 955 moradores (6,2% da cidade de Colatina) com baixo nível cultural, a
utilização de práticas da Medicina Popular, e precárias condições de saúde e saneamento. O
coordenador e os estagiários procuraram, através de reuniões, envolverem a população em
todas as fases do projeto de abastecimento de água da elaboração (levantamento do
problema e necessidade de solução) até a execução (participação dos moradores na construção
e manutenção dos equipamentos); durante o processo a identificação das lideranças locais foi
de grande importância, pois convencidos do valor do projeto, seu prestígio facilitaria a
sensibilização da comunidade (BASTOS et alli, 1956, p. 599-610). Embora o período de
estágio tenha sido exíguo, de 22 de novembro a 18 de dezembro de 1954 (27 dias) a avaliação
de Bastos et alli (1956, p. 606) é bastante positiva: “A Vila Lenira se transformou
completamente de um dia para o outro, com a sua população contribuindo de maneira variada,
de acordo com as suas possibilidades, para a solução de tão importante problema. Logo
inicialmente foram feitas 71 ligações domiciliares”.
A defesa de programa de educação sanitária é um ponto significativo nestes projetos
citados como “chave do sucesso” para a mudança de hábitos de higiene ligados a vida
cotidiana do indivíduo. De acordo com Bastos et alli: “A mudança do comportamento do
indivíduo é, então, a chave do sucesso e essa mudança somente é possível de ser conseguida
com bases sólidas, conscientes, pela educação e para haver educação é preciso haver
participação” (BASTOS et alli, 1956, p. 608). Rios (1987, p. 231) acrescenta que no Brasil, a
tradição administrativa oficial, a pobreza econômica e o baixo nível educacional alimentam a
apatia da população. Neste caso, segundo este sociólogo, a indução do desenvolvimento de
comunidade (e/ou educação dos grupos) tem seus fundamentos na natureza humana, e o
287 O SESP instalou, em fins da década de 1950, um Posto de atendimento no Bairro São Raimundo, onde ainda hoje
funciona o Posto de Saúde do bairro, administrado pela Secretaria de Saúde Municipal. Cf. depoimento do Dr. Almiro
Barreto de Almeida; Entrevista em 26 de junho de 2008. Acervo pessoal.
159
educador sanitário é um seu indispensável animador. A mesma avaliação é feita por
Fontenelle (1959, p. 102), no seu estudo sobre Aimorés, ao referir-se ao abismo existente
entre a mentalidade rural e a mentalidade urbana:
Enquanto as populações do campo permanecem no atual estágio de desenvolvimento
tecnológico, presas a um conjunto mitológico de símbolos inteiramente divorciado
do contexto urbano, ligadas a formas sociais em que predomina o contato pessoal, a
amizade, a proteção, será o educador sanitário o elo de união entre a Medicina
Científica e a Medicina Popular. Sobre ele recairá a tarefa importantíssima de
observar, interpretar e modificar os hábitos sanitários das populações rurais.
Nesse sentido, é apropriada a avaliação de Fonseca (1989, p. 57) de que a metodologia
de desenvolvimento de comunidade apoiada pelo SESP não inovou a concepção sobre saúde e
doença, aceita desde o início de século XX, de que “a saúde é uma questão de hábitos
individuais de higiene ou, na melhor das hipóteses, de pequenos grupos”; a pesquisadora
também chama a atenção para o fato de a proposta de desenvolvimento de comunidade
identificar a saúde e a doença com questões socioeconômicas, porém sem entrar no mérito dos
conflitos que tal relação pudesse significar.
A inovação na forma de abordagem dos problemas da comunidade, com o estímulo à
participação das lideranças locais, não deixa de ser autoritária, pois os educadores sanitários
“sopram” para esses lideres sugestões e encaminhamentos que acabam sendo acatados como
foi o caso da organização do Círculo de Pais e Mestres e o Clube de Corte e Costura
288
em São
Raimundo/Governador Valadares, conforme relatado por Rios (1987, p. 229-230) ou no caso
de Vila Lenira/Colatina em que “discretamente, os alunos discutiram com esses líderes e com
outras pessoas interessadas na vida do bairro” antes de se fazer uma reunião mais aberta
(BASTOS et alli, 1956, p. 604); ou seja, a autoridade do técnico determina prioridades e/ou
interesses. De acordo com Rios (1987, p. 76) “o primeiro dever do cnico é impor-se ao
grupo, captar-lhe a confiança. Daí a vantagem em começar por um problema que está se
fazendo sentir e cuja solução lhe dará prestígio para suscitar questões de maior importância”.
Desta forma a participação da comunidade é restringida, e conforme Safira Ammann (1987, p.
32), apolítica. Em São Raimundo /Governador Valadares, fez-se questão de afastar-se
qualquer caráter político da intervenção realizada, e mesmo este interesse dos moradores é
considerado de forma lúdica: a verdadeira recreação era a política que ocupava quase todo o
tempo de lazer dos moradores e constituía o principal assunto das palestras” (RIOS, 1987, p.
226).
288 De acordo com Rios (1987, p. 195) “o corte e costura é um problema cotidiano das famílias pobres do interior. O
educador de grupo usa-o na motivação de associações ou clubes de donas-de-casa”.
160
Finalmente, as diferenças culturais inerentes à população rural e/ou urbana pobre são
freqüentemente tomadas como obstáculos, opostas à mentalidade moderna “voltada para o
cosmopolitismo das metrópoles” enunciada por Fontenelle (1959, p.103). No caso da saúde, a
pedagogia sanitária do SESP sistematizada a partir do discurso científico se opunha às
estratégias que as comunidades utilizavam para lidar com seu cotidiano e era mister substituí-
las pelo convencimento dos milagres do saneamento, da higiene e da prevenção. Nos
discursos levantados por este trabalho estão presentes, implícita e explicitamente, as propostas
para um determinado projeto de futuro para o Brasil, cujo remate passava pela modificação de
hábitos e costumes tradicionais das populações pobres, rurais e urbanas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta inicial desta dissertação era identificar a presença, os objetivos e a forma
de atuação do SESP no Médio Rio Doce. As hipóteses ou intenções iniciais apontavam para
um levantamento programático que respondesse objetivamente às observações feitas com
base nas referências locais ao Serviço, que é lembrado pela população de Governador
Valadares (especialmente os moradores de 50 anos em diante) como o lugar da “vacinação” e
do atendimento médico básico. Entre os mais velhos, a lembrança da malária corresponde à
sua erradicação pelo SESP, que também trouxe água potável e saneamento. A presença dos
americanos na cidade na época de Segunda Guerra, por via do SESP e por causa do
interesse na mica e no minério de ferro de Itabira — povoa o imaginário popular e é
referência para os pesquisadores sobre a emigração de moradores da cidade de Governador
Valadares e da região para os Estados Unidos, desde a década de 1960.
Nesse sentido, a partir da bibliografia disponível sobre o SESP e a região, a
investigação seguiu um inventário de suposições, que podem ser resumidas em quatro pontos:
A chegada do SESP à região articulava-se com os interesses americanos nos
recursos naturais estratégicos;
Quando o SESP chegou à região em 1942, encontrou um quadro adverso: ausência
de saneamento, incidência de endemias e um grave surto de malária;
A intervenção do SESP na área de saneamento e de saúde foi providencial para a
cidade de Governador Valadares e região, no sentido de facilitar e concorrer para o
incremento demográfico e o crescimento econômico;
A permanência do SESP na região depois do fim da Segunda Grande Guerra e seu
destaque na área de saúde pública e saneamento certamente se vinculavam a um
projeto nacional mais amplo do que aqueles assumidos durante o confronto lico
mundial.
Pareceu-me, então, que conferir esses pontos e situá-los no tempo e no espaço devidos
seria tarefa simplificada pela dimensão pontual e desprovida de outros significados além
aqueles conhecidos e indicados localmente, em especial a presença dos americanos, tidos
como benfeitores, e o advento dos ‘milagres do saneamento’. Entretanto, a problematização e
a contextualização de cada uma das observações iniciais e das fontes levantadas para
esclarecê-las conduziram-me a uma abordagem que foi além do que eu imaginara ao conceber
162
o projeto “Entre lagoas e florestas: a atuação do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) no
Médio Rio Doce (1942- 1960)”.
O levantamento sanitário da região, prévio para o entendimento da atuação do SESP e
de suas práticas e intervenções, foi o ponto de partida para o re(conhecimento) de uma
dinâmica sociocultural e econômica, em que atuavam diversos atores sociais, agregada aos
processos de ocupação e exploração do território do Médio Rio Doce na primeira metade do
século XX. Nesse sentido, as descrições dos memorialistas locais e os documentos e relatórios
oficiais, convergiam para uma situação comum, em que o domínio da floresta tropical e a
presença do Rio Doce definiriam as condições de povoamento e de desenvolvimento
socioeconômico, além de se relacionar com as condições sanitárias da região.
O caráter administrativo e/ou político-econômico das notas oficiais, no entanto,
sugeriam uma abordagem, em que outros atores sociais comparecessem, ou seja, as
populações somente indicadas e seu modus vivendi. Nesse caso, as crônicas locais e as
impressões de quem esteve na região a trabalho (Ceciliano Abel de Almeida, Salm de
Miranda, entre outros) ou por outras motivações, ofereceram riqueza de informações, mesmo
que sua leitura exigisse filtragem. A descrição de precariedade material, no entanto, ocultava
diferentes concepções de mundo e do sentido de viver dessa população.
O destaque nessas notas referentes às quatro primeiras décadas do século XX é a
distinção entre dois grupos de ‘povoadores do vale do Rio Doce’: (a) um grupo que se
assenhora das terras e da riqueza, inclusive com amparo legal, os autodenominados
“pioneiros”; e (b) outro grupo maior, de trabalhadores de várias especialidades
agricultores, oleiros, canoeiros, carpinteiros, braçais, cortadores de madeira, etc., e suas
famílias, que ao fim seriam os brasileiros que careciam da assistência médica, do provimento
de equipamentos e de educação sanitária.
A partir da década de 1930, a região ganha novo referencial, pois é alçada à condição
de fronteira agrícola, subsidiária ao processo de industrialização nacional e crescem os
interesses econômicos relacionados à exploração da madeira e especialmente à exploração da
mica e do minério de ferro (Itabira), além da introdução da agropecuária. A nova dinâmica
econômica modificou rapidamente tanto a paisagem urbana quanto a rural. A cidade de
Governador Valadares foi favorecida pelo crescimento da economia regional e pelo
expressivo incremento demográfico.
Novas perspectivas econômicas marcam esse período, porém a descrição do habitante
regional ainda corresponde ao referencial das primeiras décadas em que ao diagnóstico de
precariedade material se junta a precariedade sociocultural. Os estudos realizados na década
163
de 1950, por Strauch (1953), Oberg (1956) e Fontenelle (1959) identificam a população como
iminentemente rural, cujas características principais denotam carências variadas: desnutrição,
ignorância, doenças, apatia, isolamento, anonimato. A descrição que esses autores fazem da
população do Rio Doce pautava-se pela meta da modernização; porém, limitava-se nos seus
valores o que era antigo, popular, precisava ser modificado em nome do progresso. Pode-
se perceber que as descrições não distorciam a realidade encontrada, porém eram mediadas
por impressões, notas oficializadas ou leigas, e conhecimento a priori sobre o mundo rural
brasileiro, onde a falta de recursos sanitários básicos o era nada propícia a algum
desenvolvimento e ainda escasseavam outros equipamentos modernos.
É essa moldura regional que o SESP também oficializa em seus relatórios e nas
observações de seus técnicos, divulgadas pela Revista do SESP. A descrição do homem rural
o descaracteriza como cidadão produtivo; no entanto, é preciso inseri-lo no mundo do
trabalho, conforme a perspectiva da saúde como fator de desenvolvimento admitido nas
concepções divulgadas.
As referências ao SESP nos textos de memorialistas locais e no depoimento dos
antigos funcionários entrevistados tratam-no com a deferência dirigida à autoridade ou
benfeitor, e são comuns os elogios à sua atuação e à proposta ‘moderna’ para a saúde e o
saneamento de áreas urbanas e rurais. Tais menções são afirmativas da capacidade e da
competência do Serviço e de seus técnicos, dos benefícios realizados para as cidades e as
população atendidas, tais como a erradicação da malária, tratamento de outras enfermidades e
implantação de serviços para o tratamento de água e esgotos. Nesses discursos a ação de
SESP é digna dos melhores louvores, e são raros os questionamentos críticos como o
publicado no jornal valadarense Voz Rio Doce, em 1947, dizendo que o SESP era pura
fachada de “macaquitos” metidos a “yankee”. Em trabalhos acadêmicos mais recentes sobre o
Médio Rio Doce, a ação do SESP é reconhecida como um dos fatores que impulsionaram o
desenvolvimento regional entre as décadas de 1940/1950 e relacionada a ele, porém de forma
pontual, sem aprofundamentos sobre as atividades realizadas ou métodos utilizados.
Nesse sentido, verificar o contexto de constituição do SESP e a concepção de saúde e
de desenvolvimento subjacentes às suas práticas, bem como as condições de sua manutenção,
através do acordo bilateral até 1960 tornou-se fundamental para avaliar sua atuação no Médio
Rio Doce. Conforme abordado no capítulo 2, a criação do SESP aproximava o interesse
imediato dos EUA em garantir apoio militar e materialmente ao “esforço de guerra” dos
Aliados contra os países do Eixo, e os interesses do governo varguista em ampliar a presença
e a autoridade do Estado brasileiro em todo o território. Para tal fim, utilizou-se, entre outras
164
medidas, a atuação de serviços públicos, como os programas de saneamento e atendimento à
saúde. Desse modo, a atuação do SESP no Médio Rio Doce acompanhou as circunstâncias de
sua criação e manutenção: atendeu o “esforço de guerra” e o interesse do Estado brasileiro em
salvaguardar sua presença em regiões do interior do Brasil, garantindo condições de
desenvolvimento de áreas economicamente estratégicas.
Várias localidades da região, especialmente Governador Valadares, Aimorés, Baixo
Guandu e Colatina, receberam a atenção do SESP e constituíram campo de experimentação de
técnicas e metodologias de intervenção, de medicamentos e inseticidas, em que, entre outros,
se destacam: (a) experimentação do DDT residual para combate ao vetor da malária, entre
1945-1946 em Governador Valadares e localidades de Linha Acima, e experimentação de
novas drogas antimaláricas; (b) construção de serviços de abastecimento e tratamento de água
e sistema de escoamento sanitário entre 1940-1950; (c) implantação dos Serviços Autônomos
de Água e Esgotos (SAAE) a partir de 1952, o primeiro em Governador Valadares em 1952;
(d) experiência de fluoretação da água de abastecimento público em Baixo Guandu e
tratamento dentário para escolares com aplicação tópica de flúor, em Aimorés; (e) projetos
experimentais de organização de comunidade em Chonin de Cima/ Governador Valadares e
em Vila Lenira/Colatina; (f) experimentação de funcionamento de normas de serviço em
Governador Valadares, 1956.
As metodologias de intervenção que acompanharam a execução dos projetos de
saneamento e de assistência médica se relacionaram com a concepção do “círculo vicioso da
doença e da pobreza” e com uma pedagogia sanitária em que a responsabilidade individual
sobrepuja a responsabilidade política. As duas tendências observadas nos relatórios e nas
publicações do SESP — o tripé ignorância-pobreza-apatia — como causas do agravamento do
quadro nosológico, e o entendimento da saúde como fator de desenvolvimento econômico,
anunciam, mas não esclarecem as interferências das condições sociais sobre a propagação de
doenças; além disso, associam a ocorrência da doença e da saúde à responsabilidade
individual, antecipando a culpabilidade da população, como se, a priori, ela fosse incapaz de
qualquer movimento sanitário.
Em todo caso, as intervenções e metodologias utilizadas no Médio Rio Doce, como os
vários cursos para formação de pessoal, os serviços de abastecimento e tratamento da água, a
expansão do atendimento médico em áreas rurais, deram ao SESP a autoridade necessária
para se tornar referência para outros projetos de saúde pública no Brasil.
Para o Médio Rio Doce, as ações do SESP entre as décadas de 1940 e 1950
propiciaram o ordenamento dos territórios urbanos, o saneamento rural, a erradicação da
165
malária, a contenção de outras endemias e a imposição das práticas médicas científicas. Dessa
forma, foram criadas as condições territoriais para a região receber e expandir os grandes
investimentos de capital (mineração, siderurgia, indústria madeireira) e, ao mesmo tempo,
confirmar como fronteira agrícola (expansão da pecuária de corte e produção agrícola),
confirmando-se o papel do Serviço, na consolidação e no fortalecimento da presença do
Estado (state building) nessa região.
Também para a população atendida, tais ações provocaram alterações nas práticas
de saúde, nos costumes e nos valores culturais e uma (re)organização do espaço. O discurso
de ciência em que o SESP se apoiava procurava sistematizar uma pedagogia sanitária de
intervenção na comunidade e tal pedagogia se opunha às estratégias que a comunidade
utilizava para lidar com as doenças. Portanto, a atuação deixa claro o objetivo de preparar as
gerações mais novas segundo os padrões científicos e simultaneamente combater as práticas
da medicina popular. Nessa dinâmica, as visitadoras e os guardas sanitários se apropriaram do
discurso técnico-científico e eles mesmos foram agentes de mudança “por dentro”, pois eram
membros das comunidades atendidas ou que tinham o mesmo perfil, como em geral ficou
implícito nos depoimentos apresentados ao longo deste texto. Do mesmo modo, a atração das
parteiras “curiosas” para os cursos e utilização dos métodos da medicina científica fez delas
divulgadoras da mudança de costumes tradicionais, considerados atrasados.
Finalmente, diante das considerações expostas, esta dissertação não esgota o tema
proposto e muitas perguntas ficaram por ser respondidas. Além disso, novas questões surgem
sobre os pontos abordados. Aqui tratamos de um objeto o SESP a partir de olhares
oficiais, mesmo aqueles relacionados com as lembranças dos antigos funcionários, carregadas
de lealdades e subjetividades.
Para os entrevistados em função deste trabalho, o SESP foi uma benesse do poder
público, confirmando a tese de que a disponibilização de bens públicos de saúde não foi
usufruída como conquista social. A população atendida pelo SESP ainda está por ser ouvida,
auscultada. De mais a mais, ainda não se cumpriu no Médio Rio Doce, tampouco no Brasil, a
meta estampada no selo comemorativo de 1960, por ocasião da transformação do SESP em
Fundação SESP, de responsabilidade de Dom Basílio Penido, médico e monge beneditino:
Salubritas ubique curanda, ou seja “seja a saúde promovida por toda a parte”.
FONTES
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167
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MENSAGEM DOS PRESIDENTES DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. 1910 a 1930. In: Provincial
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Subsérie documentos diversos
Doc. 15 Cx. 2 - Administração da Divisão Médico-Sanitária - Vitória - Espírito Santo. Projeto: RD-VIT-1B
1951.
Doc. 89 – Cx. 9 – Relatório do Serviço Especial de Saúde Pública, 3º Trimestre/1947.
Subsérie Cursos, Treinamentos e Publicações
Doc. 20 – Cx 12 - Curso para Visitadores Sanitários - Colatina, ES. Projeto: RD-COL-12. B-1950/1951
Série Assistência Médico-Sanitária
Doc. 29 – Cx 21 - Tratamento e profilaxia da malária pela Metoquina (Atobrina), na área da denominada “Linha
Abaixo” - Programa do Rio Doce. Projeto: RD-LAB-23 – 1943/1948.
Doc. 30 Cx 21 - Inspeção sanitária na área Linha Abaixo” - Programa do Rio Doce. Projeto: RD-LAB-22
1944/1947.
Doc. 45 Cx 23 - Núcleo Experimental de Cooperação Rural Chonin de Cima” - Governador Valadares, MG.
Projeto: MG-GVA-4.A – 1951/1953.
Doc. 54 Cx. 24 - Auxílios Especiais na Área de “Linha Acima” - Posto de Assistência Médica em Governador
Valadares - Programa Rondônia. Projeto: BB-LA-20 – 1944/1950.
168
Doc. 55 – Cx 24 - Operação do Centro de Saúde de Aimorés, MG. Projeto; RD-LCE-4 – 1944/1952.
Doc. 56 – Cx. 24 – Auxílios Especiais na Área de “Linha Central” – Programa Rio Doce. Projeto: RD-LCE-20
1944/1950.
Doc. 60 – Cx 24 – Atividades anti-maláricas na área do Programa Rio Doce. Projeto: RD-RDO – 1948.
Doc. 68 Cx. 25 Núcleo de Cooperação Rural em Pedro Leopoldo, Minas Gerais. Projeto: MB-PLE-20
1953/1960
Doc. 69 – Cx. 25 – Controle de esquistossomose na área da “Linha Central” às margens da E.F.V.M. – Estado do
Espírito Santo e Minas Gerais. Projeto: MG-LCE-26 – 1945/1960.
Série Engenharia Sanitária/Saneamento Básico
Doc. 12 Cx 30 Construção de sistema de abastecimento de água para Fundão ES. 4 Projeto: RD-FUN-7
1947/1951.
Doc. 13 Cx 30 Construção de sistema de abastecimento de água para B. Guandu, ES. Projeto: RD-BGU-7
1949/1955.
Doc. 17 Cx. 30 Abastecimento temporário d’água em acampamento de trabalhadores ao longo da “Linha
Abaixo” (Vitória a Minas). Projeto: RD-LAB-7 – 1944/1946.
Doc. 18 – Cx. 30 – Instalação de rede de esgotos em Colatina, Espírito Santo. Projeto: RD-GOI-8 – 1944/1946.
Doc. 19 Cx. 31 Sistema de distribuição de água para Colatina, Espírito Santo. Projeto: RD-GOI-7-B
1944/1946.
Doc. 20 Cx. 31 Melhoramento de rede de abastecimento de água em Colatina, ES. Projeto: RD-GOI-7-A
1944/1951.
Doc. 21 Cx. 31 Modificação e extensão de sistema de esgotos sanitários de Colatina, ES. Projeto: RD-COL-
8-1 – 1949/1952
Doc. 22 Cx. 31 Construção de rede de abastecimento d’água em Barra do Itapemirim, no ES. Projeto: RD-
BIT-7 – 1947/1951.
Doc. 33 – Cx. 33 - Sistema de esgotos - Governador Valadares, MG. Projeto: RD-GVA-8 – 1943.
Doc. 34 Cx. 33 - Modificação do sistema de esgotos sanitários - Governador Valadares, MG. Projeto: RD-
GVA-8-1 – 1949.
Doc. 35 – Cx. 33 - Abastecimento d’água para Conselheiro Pena, MG. Projeto: RD-CPE-7 – 1948/1950.
Doc. 36 Cx. 33 - Sistema de abastecimento d’água em Governador Valadares, MG. Projeto: RD-GVA-7-A
1949/1951.
Doc. 37 Cx. 33 - Abastecimento de água para Governador Valadares, MG. Projeto: RD-GVA-7-B
1945/1941.
Doc. 38 – Cx. 33 - Abastecimento de água para Aimorés, MG. Projeto: MG-AIM-7-A – 1945/1948.
Doc. 43 – Cx. 34 – Sistema de esgotos – Aimorés, MG. Projeto: MC-AIM-8 – 1942/1946.
Doc. 46 Cx. 34 - Suprimento de água para trabalho de construção do acampamento de Cia. Vale do Rio Doce,
na área denominada “Linha Acima” do Programa do Rio Doce. Projeto: RD-LAC-7 – 1945.
169
Doc. 51 Cx. 35 - Sistema de abastecimento de água - Itabira, Estado de Minas Gerais. Projeto: MG-IRA-7
1955/1960.
Doc. 52 Cx. 35 - Sistema de abastecimento de água - Ibiraçu, Estado do Espírito Santo. Projeto: EM-IBI-7
1954/1960.
Doc. 63 Cx. 37 - Sistema de abastecimento de água para a cidade de João Neiva, ES. Projeto: MG-JNE-7
1955/1960.
Doc. 82 Cx. 39 - Sistema de abastecimento de água para a cidade de Mutum, MG. Projeto: MG-MUT-7
1958/1963.
Série Engenharia Sanitária/Subsérie Saneamento Ambiental
Doc. 23 Cx. 45 - Construção de fossas e privadas no acampamento de trabalhadores em “Linhas Abaixo” (área
do Programa do Rio Doce). Projeto: RD-LAB-9 – 1943/1946.
Doc. 24 Cx. 45 - Construção de sentinas em várias localidades do Estado do Espírito Santo. Projeto: RD-RSA-
9 – 1944/1945.
Doc. 36 Cx. 47 - Construção de privadas sanitárias - Aimorés, Estado de Minas Gerais. Projeto: RD-AIM-9ª
1947.
Doc. 40 Cx. 48 - Construção de sentinas - Governador Valadares, Minas Gerais. Projeto: RD-GVA-9ª –
1947/1948.
Doc. 41 Cx. 48 - Construção de sentinas - Área “Linha Acima” - Estrada de Ferro Vitória - Minas Gerais.
Projeto: RD-LAC-9 – 1943/1945.
Doc. 42 Cx. 48 - Drenagem para controle de malária - Área Linha Acima” - Estrada de Ferro Vitória - Minas
Gerais. Projeto: RD-LAC-10 – 1944/1948.
Doc. 45 Cx. 48 - Construção de sentinas, em pequenas cidades do Estado de Minas Gerais. Projeto: RD-MGE-
9 – 1945/1947.
Doc. 80 – Cx. 52 - Controle de mosquitos na Área “Linha Acima” do Programa do Rio Doce. Projeto: RD-LAC-
11 - RD-CVA-11 – 1944/1948.
Doc. 83 Cx. 52 - Inspeção sanitária na Área Linha Acima” da E.F.V.M., entre Governador Valadares e
Itabira, no Est. de Minas Gerais. Projeto: RD-LAC-22 – 1944/1941.
Doc. 84 Cx. 52 - Inspeção sanitária na Área Linha Central” da E.F.V.M., nos Estados do Espírito Santo e
Minas Gerais, entre Colatina e Governador Valadares. Projeto: RD-LCE-22 – 1944/1947.
Série Engenharia Sanitária/Construções Civis
Doc. 67 Cx. 62 - Construção de Unidade de Sanitária de Conselheiro Pena, Minas Gerais. Projeto: MG-CEP-
6D – 1955/1957.
Doc. 80 – Cx. 64 - Construção de Posto de Saúde - Aimorés, Minas Gerais. Projeto: MG-AIM-6B – 1944/1946.
Doc. 103 Cx. 60 - Construção de edifício para sede do Centro de Saúde - Baixo Guandu, Espírito Santo.
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170
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1. Depoimentos disponibilizados pelo NEHT/Univale
- Hermírio Gomes da Silva
- Ladislau Sales
2. Entrevistados (acervo pessoal)
- Hermírio Gomes da Silva
- Almiro Barreto
- Petronilho Alcântara Costa
- Olmário Francisco Vieira
- Maria da Glória Carvalho
- Atanael Batista Santana
- Leonor Menezes Santos
- Corina Teixeira Dias
- Geralda Alves da Silva
- Dalila de Assis Pereira
- Ambrózia Francisca
- Paulina Aires de Sousa
- Sady da Silva
- Maria Auxiliadora (dona Lili)
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179
SILVA, R. S.; DE MORELL, M. G. G. (Orgs). Política Nacional de Saúde blica - a trindade desvelada:
economia-saúde-população. Rio de Janeiro: Revan, 2005.
SILVEIRA, A. A. Memorias chorographicas. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1921. v. 2.
SIMAN, L. M. C. A história na memória: uma contribuição para o ensino da História de cidades. Dissertação
(Mestrado) - Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1988.
SMITH, T. L. Brasil: Povo e Instituições. Rio de Janeiro: USAID, 1967.
SOPER F. L.; WILSON D. B. Campanha contra o “Anopheles Gambiae” no Brasil 1939-1942. Rio de
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SIQUEIRA, S. Migrantes e empreendedorismos na microrregião de Governador Valadares: sonhos e
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Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
SOARES, W. Da metáfora à substância: redes sociais, redes migratórias e migração nacional e internacional em
Valadares e Ipatinga. Tese (Doutorado) - CEDAPLAR /UFMG, Belo Horizonte, 2002.
SOARES, W. Análise de redes sociais e os fundamentos teóricos da migração internacional. R. bras. Est. Pop.,
Campinas, v. 21, n. 1, p. 101-116, jan./jun. 2004
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96(3), p. 293-302, abril 2001.
STEAINS, W. J. A exploração do rio Doce e seus afluentes da margem esquerda. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico do Espírito Santo, n. 35, p. 103-27, 1984. Disponível em:
http://www.estacaocapixaba.com.br/textos/geografia/steains/rio_doce_1.html. Acesso fev. 2007.
TOBAR, F.; YALOUR, M. R. Como fazer teses em saúde pública. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001.
TOTA, A. P. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. São
Paulo:Companhia das Letras, 2000.
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VASCONCELLOS, M. P. C. (Org.). Memórias da Saúde Pública a fotografia como testemunha. o Paulo;
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VIEIRA, Evaldo. Estado e miséria social no Brasil: de Getúlio a Geisel. 4. ed. São Paulo: Cortez, 1995.
VIEIRA, T R. Uma clareira no sertão? saúde, nação e região na construção de Brasília (1956-1960).
Dissertação (Mestrado). Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, 2007.
WAGEMANN, E. A colonização alemã no Espírito Santo. Disponível em:
http://www.estacaocapixaba.com.br/textos/imigracao/wagemann/capitulo_2.html. Acesso em: 15 jun. 2007.
WAGLEY, C. Uma comunidade amazônica. 2. ed. São Paulo: Nacional, 1977. (Coleção Brasiliana, 290).
WILLEMS, E. Uma vila brasileira, tradição e transição. 2. ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1961.
ANEXO A – Organogramas do SESP
Figura 3: Organograma SESP – 1943.
Fonte: BASTOS, N. C. Brito. SESP/FSESP: 1942 – Evolução Histórica – 1991. Recife, Comunicarte, 1993, p. 47.
SERVIÇO ESPECIAL DE SAÚDE PÚBLICA - SESP
MISSÃO TÉCNICA
SERVIÇO ESP
ECIAL DE SAÚDE PÚBLICA
ESTRUTURA ADMINISTRATIVA
1943
BRASIL
M E S
MINISTRO
E.E.U.U. DA AMÉRICA
U S A
CH
.
MISSÃO TÉCNICA
SUPERINTENDENTE
ASSISTENTE
DIVISÃO DE
EMERGÊNCIA
DIVISÃO DE
ADMINISTRAÇÃO
DIVISÃO DE
LEPRA
DIVISÃO DE
EDUCAÇÃO MÉDICA
DIVISÃO DE
ENFERMAGEM
PROGRAMA DA
AMAZÔNIA
PROGRAMA DO
RIO DOCE
( MG e ES)
PROGRAMA DA
MIGRAÇÃO
PROGRAMA DA
MICA
SETOR AMAZONAS
SETOR PARÁ
SETOR MANAUS
SETOR BELÉM
SETOR FORTALEZA
181
Figura 4: Organograma SESP – 1946
Fonte: BASTOS, N .C. Brito. SESP/FSESP: 1942 – Evolução Histórica – 1991. Recife, Comunicarte, 1993, p. 50.
SERVIÇO ESPECIAL DE SAÚDE PÚBLICA
ESTRUTURA ADMINISTRATIVA
1946
DIVISÃO DE
EMERGÊNCIA
DIVISÃO DE
ENFERMAGEM
DIVISÃO MÉDICA
SANTITARIA
DIVISÃO DE
ADMINISTRAÇÃO
DIVISÃO DE
EDUC. SANITÁRIA
SERVIÇO ESPECIAL DE SAÚDE PÚBLICA - SESP
MISSÃO TÉCNICA
BRASIL
MES
MINISTRO
EEUU DA AMÉRICA
U S A
CH. MISSÃO TÉCNICA
SUPERINTENDENTE
ASSISTENTE DO
SUPERINTENDENTE
PROGRAMA DO
RIO DOCE
PROGRAMA DA
AMAZÔNIA
182
Figura 5: Organograma SESP – 1952
Fonte: BASTOS, N. C. Brito. SESP/FSESP: 1942 – Evolução Histórica – 1991. Recife, Comunicarte, 1993, p. 51.
PROGRAMA DA
AMAZONIA
DISTRITO SANITÁRIO DE
COLATINA
SERVIÇO DE
ENGENHARIA E OBRAS
DA AMAZONIA
SERVIÇO DE
ENGENHARIA E OBRAS
DO NORDESTE
PROGRAMA DA
BAHIA
PROGRAMA DE
MINAS GERAIS (MG e ES)
PROGRAMA DO
NORDESTE (PE e PB)
SETOR
AMAZONAS
SETOR PARÁ
SERVIÇO ESPECIAL DE SAÚDE PÚBLICA
ESTRUTURA ADMINISTRATIVA
1952
SEÇÃO DE
MATERIAL
SEÇÃO DE
PESSOAL
SEÇÃO DE
ARQUIVO E CORRESP.
SEÇÃO DE
CONTABILIDADE
ASSIS
TENTE
MISSÃO TÉCNICA
SERVIÇO ESPECIAL DE SAÚDE PÚBLICA - SESP
BRASIL
MES
MINISTRO
EEUU DA AMÉRICA
U S A
CH DA MISSÃO TÉCNICA
SUPERINTENDENTE
DIV. DE ORGANIZAÇÃO SANIRIA
SEÇÃO
DE
UNIDADE
SANITÁRIA
SEÇÃO
DE
UNIDADE
HOSPITALA
R
SEÇÃO DE
TREINA-
MENTO
DIRETOR
DIV. ENGENHARIA
SEÇÃO
DE
SANEA-
MENTO
SEÇÃO
DE
ARQUI-
TETURA
SEÇÃO
DE
OBRAS
DIRETOR
DIV. ENFERMAGEM
SEÇÃO
DE
UNIDADE
SANITÁRIA
SEÇÃO
DE
UNIDADE
HOSPITALA
R
SEÇÃO DE
TREINA-
MENTO
DIRETOR
DIV. EDUCÃO SANITÁRIA
SEÇÃO DE
APERFEIÇO
AMENTO E
BOLSA
ESTUD.
SEÇÃO DE
PRODU.
DE
MATERIAL
EDUCATIV
DIRETOR
DIV. ESTASTICA SANIRIA
SEÇÃO DE
BIO-
ESTATÍSTICA
SEÇÃO DE
ESTUDOS
DIRETOR
183
SERVIÇO ESPECIAL DE SAÚDE PÚBLICA
ESTRUTURA ADMINISTRATIVA
1957
DIV. DE ORIENTÃO TÉCNICA
DIRETOR
SEÇÕES:
MÉDICO-SANI TÁRIA
SANEAMEN TO
EDUCAÇÃO SANITÁRIA
ENFERMAGEM
BIO-ESTA TÍS TICA E EPIDEMIL .
DENTÁRIA
MECANOGRAFIA
DIV. ENGENHARIA
DIRETOR
SEÇÕES:
ÁGUA
ES GOTO
ARQUITETU RA
ES TRU TURA
DIV. ENFERMAGEM
DIRETOR
SEÇÃO:
COOPERAÇÃO
DIV. EDUCAÇÃO E TREINAMENTO
DIRETOR
SEÇÃO:
TREINAMENTO
SEÇÃO DE
PESSOAL
SEÇÃO DE ARQ. E
CORRESPONDÊNCIA
SEÇÃO DE
CONTABILIDADE
SEÇÃO DE
MATERIAL
ASSESSORIA TÉCNICA
ASSESSORIA ADMI. E
JURÍDICA
SEÇÃO DE ESTUDOS
E PESQUISA
SEÇÃO DE
PESQUISAS SOCIAIS
PROG. DA
BAHIA
PROG. DO
PARÁ
PROG. DO
MARANHÃO
PROG. DO
PIAUÍ
PROG. DO
NORDESTE
PROG. DO
AMAZONAS
PROG. DO
R. G. DO SUL
PROG. DE MINAS
GERAIS
PROG. DO MATO
GROSSO
PROG. DO
PARANÁ
PROG. DE
GOIÁS
PROG. DO
RIO DE JANEIRO
DIR. DE ENG. DA
BAHIA
DIR. ENG. DO
AMAZONAS
DIR. ENG. DO
PARÁ
DIR. DE ENG. DO
MARANHÃO
DIR. DE ENG. DO
NORDESTE
DIR. DE ENG. DE
MINAS GERAIS
DIR. DE ENG. DO
MATO GROSSO
DIR. DE ENG. DE
GOIÁS
SERV. ESP. DE ENG.
SAN
.
DO CEARÁ
SERV. COOP. DE
SAUDE DO
CEARÁ
SER
V
. CO
OP. DE
SAÚDE DE
SERGIPE
SERV. COOP. DE
SAUDE DO R. G.
DO NORTE
SERV. COOP. DE
SAÚDE DO PIAUÍ
SERV. COOP. DE
SAÚDE DO
ESPÍRITO SANTO
ASSISTENTE
MISSÃO TÉCNICA
SERVIÇO ESPECIAL DE SAÚDE PÚBLICA - SESP
BRASIL
M.S
MINISTRO
EEUU DA AMÉRICA
U S A
CH MISSÃO TÉCNICA
SUPERINTENDENTE
Figura 6: Organograma SESP - 1957
Fonte: BASTOS, N. C. Brito. SESP/FSESP: 1942 – Evolução Histórica – 1991. Recife, Comunicarte, 1993, p. 53.
ANEXO B – FOTOS
FIGURA 7– Casa dos Pobres, em Governador Valadares, na década de 1950. Esta casa
originalmente foi uma pensão, mas a proprietária terminou por transformá-la em asilo para
doentes, particularmente de malária. Mais tarde recebeu o nome de Casa Dona Zulmira,
homenagem a sua proprietária. A fotografia impressiona pela precariedade do local, pela rua
sem calçamento, pelo espelho d’água, pela disposição dos funcionários e abrigados a pousarem
para a foto e, especialmente, pela presença de um urubu no telhado.
Fonte: Foto cedida pelo CEDAC Centro de Documentação e Arquivos de Custódia,
vinculado ao Núcleo de Estudos Históricos e territoriais da UNIVALE.
FIGURA 8 Escola em Chonin de Cima, ano 1945. Podem-se observar os alunos de “pés
descalços”, por costume e/ou pobreza. De pé, próximos ao quadro negro, o padre e a professora
local.
Fonte: Foto gentilmente cedida Acervo da família do Sr. Manoel Pinto, um dos exploradores
de mica, na lavra da Golconda, próxima ao distrito de Chonin de Cima.
185
FIGURA 9 – Acampamento de trabalhadores da CVRD, podendo-se observar ‘casas’ de sapê e
outras com telhas; também se vê, em primeiro plano, uma fossa sanitária.
Fonte: As Minas Gerais. EFVM. Disponível em:
http://www.tratosculturais.com.br/rio_doce/tecer/efvm/grande008.htm. Acessado em 28 de
agosto de 2008.
FIGURA 10 Getúlio Vargas em Governador Valadares; ao fundo composição da EFVM/CVRD,
que passava no centro da cidade.
Fonte: Foto cedida ao CEDAC/Univale pelo Museu da cidade de Governador Valadares
186
FIGURA 11 Primeiro corpo de funcionários do SESP em Governador Valadares 1943. De
pé, na parte mais alta, da esquerda para direita: Luis Augusto (Almoxarife), José Pedro
(Datilógrafo), Dr. Durval Bustorff, Dr. Bezerra Filho, Rubem Correia (Secretário). Na parte
baixa, da esquerda para direita: Nilo (Servente), Levi (Servente), Lenita e Terezinha
(Secretárias), Petronilho* (Servente).
Fonte: Acervo Sr. Petronilho Alcântara Costa.
FIGURA 12 – O costume de lavar roupa no Rio Doce era comum na década de 1940. Beira do
Rio Doce, nas imediações do atual Bairro São Tarcisio/Governador Valadares. Mulheres
lavando roupas e vasilhas, à esquerda carrocinha dos vendedores que entregavam água a
domicílio.
Fonte: Acervo Sr. Petronilho Alcântara Costa.
187
FIGURA 13 Guardas sanitários e suas “bombas” de aspersão de DDT (Governador
Valadares). Em pé, da esquerda para a direita: Ramiro, Euclides, Celso, Geraldo. Agachados:
ajudantes. A “Mariquinha” é a primeira bomba à esquerda.
Fonte: Acervo Sr. Petronilho Alcântara Costa.
FIGURA 14 Curso para Guarda sanitário Colatina, 1950 ou 1951, de acordo Com
Petronilho Alcântara Costa.
Fonte: Acervo Sr. Petronilho Alcântara Costa.
188
FIGURA 15 – Estação de tratamento de água em Governador Valadares – década de 1950.
Fonte: Acervo Sr. Petronilho Alcântara Costa.
FIGURA 16 Fila de espera para atendimento na Unidade de saúde de Governador Valadares
– década de 1950.
Fonte: Acervo Sr. Petronilho Alcântara Costa.
189
FIGURA 17 – Curso - Visitadoras Sanitárias, em Governador Valadares – 1950.
Fonte: Acervo Sr. Petronilho Alcântara Costa.
FIGURA 18 Fossa sanitária e experimento de chuveiro de cartola. Governador
Valadares.
Fonte: Acervo Sr. Petronilho Alcântara Costa.
190
FIGURA 19 – Unidade sanitária de Governador Valadares – final da década de 1940.
Fonte: Acervo Sr. Petronilho Alcântara Costa.
FIGURA 20 – Homenagem a auxiliares de saneamento – Curso 1956 – Governador Valadares.
O primeiro, acima à esquerda é o Dr. Bustorff; o terceiro é o engenheiro Dr. Cynamon;
Do lado direito, na primeira coluna, o terceiro à direita é o cirurgião-dentista Hermírio Gomes
da Silva; na última coluna, no meio, está o sr. Petronilho Alcântara Costa.
Fonte: Acervo Sr. Petronilho Alcântara Costa.
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