Na base de um despojamento, mas também no pé com o referencial, a crônica se
evidencia como uma espécie de comentário aguçado da realidade factual, enredada por
searas de expressividades intensas. Assim, o cronista se estabelece como um agente
hibridizador (entre poeticidade e referencialidade), pois enxerga, ou radiografa, a realidade
sobre outros prismas, outras visões. A justaposição evidenciada por Dimas entre a
poeticidade e o referencial parece se conluiar com a declaração do jornalista Marcelo
Coelho, em um ensaio de título sugestivo, “Notícias sobre a crônica”
157
:
O que se pode dizer, de uma forma bem genérica, é que a crônica se apresenta
como um texto literário dentro do jornal, e que sua função é a de ser uma espécie
de avesso, de negativo da notícia. Cada notícia procura a todo custo convencer o
leitor de que determinado fato é importante, é crucial. A crônica vai sempre
insistir na desimportância de tudo. Em cada notícia o assunto é o principal, isto
é, o jornalista está mais preocupado em transmitir a informação, em servir o seu
assunto, do que em fazer literatura. Na crônica, o assunto é o de menos, e muitas
vezes a melhor crônica é a que justamente aponta para o fato de não ter assunto
nenhum. Penso em algumas crônicas de Rubem Braga, onde nada acontece.
158
Pode-se identificar o cronista João Antônio desenredando possíveis causas
“desimportantes”. Ao se vestir com os olhos aguçados sobre a atualidade cotidiana, em
assuntos que se repetem na coluna
159
, o jornalista-escritor se envereda pelo ato cronístico,
no sentido de que sua propositura em relação às “notícias quentes” adquire outra faceta que
não a simples “notícia jornalística”. Além disso, há textos que remontam a temas em torno
da metalinguagem
160
. Têm-se, portanto, intromissões cronísticas em Corpo-a-corpo em que
157
In: CASTRO, Gustavo de; GALENO, Alex. Jornalismo e Literatura: a sedução da palavra. São Paulo,
Escrituras, 2005.
158
Coelho, In: Castro; Galeno, 2005, p.156
159
“Moleque e filho bastardo” (10/03/1976), “Cabeçadas do Crioulo doido” (17/03/1976), “Ciro”
(18/03/1976), “Tesouras e engarfadas” (05/04/1976), “A Lapa acordada para morrer” (14/04/1979), “Os
tempos eram outros” (26/04/1976), “Matar a morte” (27/04/1976), “Ficou na saudade” (12/05/1976),
“Certidão de nascimento perdida” (20/05/1976), “A evitada das gentes” (21/05/1976), “Carnaval lá fora”
(22/05/1976), “Nosso tempo” (24/05/1976), “Pôquer, dama e buraco no sindicato dos mendigos”
(25/05/1976), “Crônica do valente torcedor” (03 a 14/06/1976), “Quindim das mulheres” (24/06/1976), “Bola
Preta” (12/07/1976), “Um cordão resistente” (14/07/1976), “A passeata do primeiro grito” (26/07/1976),
“Gente de respeito” (02/08/1976), “Moçada da gafieira” (03/08/1976), “A magra é certa” (05/08/1976),
“Nasce a rainha Moma” (09/08/1976), “Um código boêmio” (26/08/1976), “O botequim, essa universidade e
o dia que o pau comeu na ONU” (03 e 04/09/1976), “Jogatina no sindicato dos mendigos” (06/09/1976),
“Virgens” (10/09/1976), “Ética da gafieira” (15/09/1976), “Homens que não bebiam água” (16/09/1976).
160
“Eu mesmo” (09/03/1976), “Carnaval de sangue” (16/03/1976), “Uma carta de Minas” (26 e 27/03/1976),
“Escritor, estivador?” (18/05/1976), “Um drama de escritor” (26/05/1976), “Lima Barreto, agora”
(15/06/1976), “Conversa franca com Aguinaldo Silva” (16 a 18/06/1976), “Carta aberta sobre Lima Barreto”
(19/06/1976), “Maralto” (21 e 22/06/1976), “Centenas de tampinhas” (25 e 26/06/1976), “Cerveja” (29/06 a
01/07/1976), “Com um autor de livro de bolso” (05 a 07/07/1976), “Uma história do Arrudas” (09 e