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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
INÁCIO DE SOUZA E OS FALSÁRIOS
DO PARAOPEBA:
MINAS GERAIS NAS REDES MUNDIALIZADAS DO SÉCULO
XVIII
ANDRÉ REZENDE GUIMARÃES
Belo Horizonte
2008
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André Rezende Guimarães
INÁCIO DE SOUZA E OS FALSÁRIOS
DO PARAOPEBA:
MINAS GERAIS NAS REDES MUNDIALIZADAS DO SÉCULO
XVIII
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
da Faculdade de Filosofia e Ciência Humanas
da Universidade Federal de Minas Gerais,
como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em História.
Linha de Pesquisa: História Social da Cultura.
Orientador: Eduardo França Paiva.
Belo Horizonte
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em História
Dissertação intitulada: Inácio de Souza e os Falsários do Paraopeba: Minas Gerais nas Redes
Mundializadas do Século XVIII, de autoria do mestrando André Rezende Guimarães,
aprovado pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:
____________________________________________________________
Prof. Eduardo França Paiva – FAFICH/UFMG – Orientador
____________________________________________________________
Prof. Marcos Antonio Gomes de Mattos de Albuquerque – Laboratório de Arqueologia,
CFCH/UFPB
____________________________________________________________
Prof. Friedrich Renger – IGC/UFMG
____________________________________________________________
Prof. José Newton Coelho Meneses – EV/UFMG
____________________________________________________________
Profa. Adriana Romeiro – FAFICH/UFMG
__________________________________________________________
Prof. Eduardo França Paiva
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em História da FAFICH/UFMG
Belo Horizonte, _____ de _______________ de 2007.
Para o meu pai, que me mostrou o mundo e me ensinou que lugar
nenhum ou coisa alguma é longe demais que não possa ser parte de
nossas vidas.
E à minha mãe, que sempre me mostrou que, apesar disso, é sempre
bom voltar pra casa…
AGRADECIMENTOS
Este trabalho não seria possível sem o auxílio e boa vontade de várias pessoas e
instituições. Durante esses últimos dois anos e meio deparei com diversas dificuldades,
contratempos e empecilhos que não poderiam ter sido resolvidos sem a ajuda e compreensão
de muitos daqueles com quem esbarrei durante a trajetória de produção deste texto, ou que
estiveram comigo desde o início.
Antes de qualquer outro, preciso agradecer ao meu orientador, Eduardo França Paiva,
que, apesar de todos os problemas do primeiro ano e meio do meu curso de mestrado,
depositou em mim confiança e soube me dar os empurrões certos nas horas certas. Sem seu
incentivo não teria conseguido alcançar o que alcancei, às vezes em intervalos de tempo
curtíssimos. Foi ele quem me trouxe da Arqueologia para dentro do mundo da História, que é
um universo tão fascinante. Considero-o, hoje, um amigo e não apenas um orientador.”
Ao meu pai, minha gratidão, por sempre me incentivar a perseguir uma carreira
acadêmica e me possibilitar todos os meios para fazer isso da melhor forma possível. Foi ele
quem me mostrou o mundo, alimentando o meu gosto pelo passado, e quem, também, me
disse um dia, pela primeira vez, que na serra da Moeda havia umas ruínas de uma velha
fábrica de moedas falsas. O tempo passado na fazenda São Jorge, na grota do Urubu, em
Moeda, foi a maior inspiração que tive para retornar ao Brasil e perseguir o estudo do passado
das Gerais.
Ao professor José Newton Coelho Meneses sou grato por me acompanhar desde o
início, inclusive durante os esboços iniciais do projeto, com suas sempre valiosas críticas e
sugestões. A ele também agradeço pela confiança que depositou em mim durante minha
qualificação e pelas “dicas” e referências para minhas pesquisas em Portugal. Foi alguém que
também me proporcionou inúmeras e instigadoras conversas e discussões sobre a vida
material das Minas setecentistas e sobre os estudos da cultura material dentro da História.
À professora Adriana Romeiro agradeço pela confiança depositada e pela ajuda dada
tanto para as pesquisas em arquivos portugueses quanto para que eu pudesse conhecer melhor
Inácio de Souza Ferreira. Os seus importantes trabalhos sobre esta personagem foram algumas
das inspirações para que eu decidisse investigar as pistas deixadas por esse falsário e
contrabandista do século XVIII.
Ao professor Friedrich Renger, por oferecer de bom grado inestimáveis documentos,
mapas e resultados de levantamentos arquivísticos, especialmente do Arquivo Histórico
Ultramarino, e pelas várias discussões sobre cartografia e a geologia local da serra da Moeda.
Aos professores Douglas Cole Libby, José Carlos Reis, Júnia Ferreira Furtado e
Regina Helena Alves da Silva pelas discussões em sala de aula e por me ajudarem a
mergulhar no universo da História. Agradeço, também, à professora Eliana Dutra, por me
receber como ouvinte em seu curso.
Minha gratidão ao professor João Carlos Garcia e, especialmente, a André Ferrand,
pela grande ajuda durante minha estadia em Portugal e pelos produtivos cafés nas cantinas da
Biblioteca Nacional e do Arquivo Histórico da Torre do Tombo. Nossas conversas abriram-
me muitas searas no campo de estudos da cartografia histórica, que, infelizmente, não tive
tempo de explorar como gostaria neste trabalho, mas que são caminhos que estou ansioso por
percorrer. A eles sou grato, também, pelas dicas sobre livros e por aqueles com os quais
generosamente me presentearam.
Agradeço àqueles que me receberam na Escuela de Estudios Hispano-Americanos de
Sevilla/CSIC, Berta Ares Queija, Jesus Raul Navarro Garcia e Salvador Bernabéu Albert, pela
ajuda acadêmica e pelos momentos de descontração durante meu tempo ali.
Agradeço a Bárbara Sampaio Costa, Bruno Flávio Lontra e Helenice Cunha, pelas
revisões de várias versões deste texto e pela ajuda para colocá-lo de acordo com as
impiedosas regras da língua portuguesa e frustrantes normas da ABNT. Quaisquer erros ou
equívocos, no entanto, são de minha inteira responsabilidade.
A Rafael Lima, sou grato pela ajuda com todas as figuras e imagens desse trabalho.
Sem ele, um trabalho de alguns dias poderia ter levado meses.
A Flávia Reis, agradeço por ter generosamente cedido tantas ferramentas de trabalho,
referências e, não menos importante, pelas várias conversas e apoio durante os últimos meses
de trabalho.
Agradeço, também, a Paula Albertini Túlio, pela boa vontade e por ter gentilmente
cedido uma cópia de seu trabalho.
Não posso deixar de mencionar, também, todos os funcionários de todos os arquivos e
instituições visitados durante as pesquisas para esta dissertação, especialmente aqueles do
Arquivo Público Mineiro, do Arquivo Histórico Ultramarino, do Arquivo da Biblioteca
Nacional de Lisboa e da Escuela de Estudios Hispano-Americanos de Sevilla (CSIC), que,
com muito boa vontade e paciência, ajudaram nas confusões causadas por um arqueólogo
tentando aprender a ser historiador. Agradeço, também, a todos os funcionários do
Departamento de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG.
Durante essa trajetória fui acompanhado por vários colegas, mas três em especial
sempre estiveram do meu lado, desde os primeiros créditos do curso, ajudando-me com
conversas, debates, livros emprestados e referências para pesquisa: Marco Aurélio, Carla e
Fernanda. A eles meus agradecimentos e a esperança de que possamos continuar trabalhando
juntos.
A Graciele, pela ajuda constante em Portugal, tornando minha estadia lá o mais
confortável e agradável possível, os meus sinceros agradecimentos.
Não poderia deixar de agradecer a minha família, especialmente a minha mãe, pela
compreensão por tantas ausências, pelas faltas aos almoços e por suportar meu freqüente mau-
humor; e a Odin e Oliver, que, apesar de não saberem muito bem o que estava acontecendo e
sentirem falta dos passeios nesses últimos meses, estavam sempre dispostos a levantar o meu
ânimo. Espero que a partir de agora possa estar mais presente.
RESUMO
Este trabalho busca abordar a logística de funcionamento de uma instalação
clandestina para o fabrico de barras e moedas de ouro “falsas”, nos anos de 1720, em Minas
Gerais, Brasil, e como sua operação se insere no universo cultural, social, político e
econômico do mundo colonial daquela época. A fábrica ilícita foi montada no sítio de Boa
Vista do Paraopeba, aos pés da atual serra da Moeda, município de Moeda (MG), encabeçada
por Inácio de Souza Ferreira, mas contou com a participação, direta ou indireta, de dezenas de
outros homens. O leque de envolvidos abrangeu escravos, índios, oficiais mecânicos, homens
que trabalhavam ou que haviam trabalhado para o poder oficial – incluindo o próprio
governador da região –, religiosos e vários outros habitantes das Minas, do Brasil e do globo.
Para funcionar, o estabelecimento ilegal apoiou-se em experiências diversas que
potencializaram ou influenciaram a operação técnica, o cotidiano social e as práticas culturais
daquele locus, e, ao mesmo tempo, conectavam-no a um universo bem mais amplo temporal e
espacialmente. Os homens envolvidos transitavam pela colônia e pelo oceano Atlântico e por
esferas oficiais e não-oficiais, operando o trânsito e circulação de saberes, experiências e
objetos por aqueles espaços. Balizaram-se pelo seu mundo material, pela geografia física e
política local e pelas medidas régias que tentavam controlar a circulação e taxação do ouro
das Minas, como foi a instalação das casas de fundições e cunhagens oficiais naquela região.
Com o estabelecimento das fundições e cunhagens ilícitas, suas redes de operações,
colaboradores e beneficiários, foi criado um verdadeiro espaço do ilícito, mas que não se
desligou de seu contexto histórico. Ou seja, entender como esse empreendimento ilegal se
relacionou a múltiplas variáveis e a múltiplos pólos de ação nos permite compreender melhor
como pode ter se constituído e funcionado o universo colonial das Minas, inclusive em seu
âmbito não-oficial.
Palavras-chave: Inácio de Souza; Moeda falsa; Minas Gerais.
ABSTRACT
This work aims to analyse the logistics of a clandestine installation for the production
of “counterfeit” gold bars and coins, during the years of the 1720’s, in Minas Gerais, Brazil,
and how its operations were part of the cultural, social, political and economic scenarios of
the colonial world of that time. The illicit mint was set up at the small farm of Boa Vista do
Paraopeba, in the foothills of the Moeda range, in the Moeda municipality (MG), master
minded by Inácio de Souza Ferreira, but relying on the direct or indirect involvement of
dozens of other men. The range of participants included slaves, Indians, master craftsmen,
past and present government officials – including the local governor himself –, religious
church men and many other inhabitants of the Mines, Brazil and the world. In order to
operate, the illegal mint supported itself through a varied range of expertise, which allowed or
influenced the technical works, the social daily life and the cultural practices of that locus,
and, at the same time, integrated it into a wider context both in space and time. The men
involved moved throughout the colony and the Atlantic Ocean, and between official and non-
official milieus, orchestrating the movement and circulation of knowledges, experiences and
objects in those spaces. They operated in function of their material context, the political and
physical local geographies and the actions of the Portuguese Crown that sought to control the
circulation and taxation of the gold from the Mines, like, for example, the establishment of the
official mint house in that region. Through the establishing of the illegal mint and its
associated network of operatives, collaborators and benefactors, there was created a real
environment of the illegal, but which was not separate from its historical context. Therefore,
to comprehend how this illicit enterprise was related to multiple variables and milieus can
help us to better understand how the colonial scenario of the Mines could have functioned and
constituted itself, including its non-official spheres.
Key-words: Inácio de Souza; couterfeit coins; Minas Gerais.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: Vista atual a partir do antigo sítio de Boa Vista do Paraopeba com a trilha de descida
pela serra salientada na fotografia..............................................................................................................
48
FIGURA 2: Carta moderna indicando o local das ruínas do sítio de Boa Vista do Paraopeba............
49
FIGURA 3: Vestígios de pequenos muros construídos como parapeitos no caminho que levava à
antiga fábrica de moedas e barras falsas liderada por Inácio de Souza Ferreira...................................
51
FIGURA 4: Vestígios da estrada por onde passou James Wells em 1873, quando seguia para Belo
Vale.................................................................................................................................................................
52
FIGURA 5: Desenho feito por James Wells ou encomendado por ele, ilustrando sua descida pela
atual serra da Moeda....................................................................................................................................
53
FIGURA 6: Voçoroca utilizada como caminho para a antiga fábrica de moedas e barras falsas........
55
FIGURA 7: Seteiras da casa de pedras de Inácio de Souza Ferreira. ....................................................
56
FIGURA 8: Cartas modernas com o local da antiga fábrica clandestina e as cidades de Ouro Preto
e Sabará marcados. ......................................................................................................................................
103
FIGURA 9: Detalhe de um mapa anônimo do início do século XVIII que mostra o pico de “Itatia
asu” como ponto de referência para se transitar pelo vale do Paraopeba. ............................................
105
FIGURA 10: Mapa anônimo do início do século XVIII mostrando os mesmos elementos da
FIGURA 9, como mais um exemplo, mas enfatizando a condição do planalto ao sul da atual serra
do Curral como “Rodiadouro”....................................................................................................................
106
FIGURA 11: Detalhe de uma carta atual mostrando as possibilidades de caminhos ligando o vale
do Paraopeba às cidades de Ouro Preto e Sabará.....................................................................................
107
FIGURA 12: Detalhe de um dos mapas dos padres matemáticos, de 1734/1735, mostrando as
mesmas possibilidades de rotas ilustradas na FIGURA 11, mas, agora, em relação à percepção
coeva do espaço.............................................................................................................................................
108
FIGURA 13: Vista a partir do alto da serra da Moeda no ponto da travessia da serra utilizada nos
anos de 1720 e 1730 pelos homens liderados por Inácio de Souza, quando seguiam para o leste,
mostrando o pico do Itabirito......................................................................................................................
110
FIGURA 14: Vista a partir da BR-040, km 555, logo ao pé da serra da Moeda, no seu lado leste,
mostrando o pico da serra da Piedade, marcante na paisagem, ao centro..............................................
111
FIGURA 15: Vista a partir do alto da serra da Moeda no ponto da travessia da serra utilizada nos
anos de 1720 e 1730 pelos homens liderados por Inácio de Souza, quando seguiam para o leste,
mostrando o pico do Itatiauçu.....................................................................................................................
114
FIGURA 16: Detalhe de uma carta atual mostrando a rota aproximada do Caminho Novo que
segue pelo lado leste do planalto o sul da serra do Curral, evitando essa formação e, também, o vale
do Paraopeba.................................................................................................................................................
117
FIGURA 17: Detalhe de um dos mapas dos padres matemáticos, de 1734/1735, mostrando a rota
aproximada do Caminho Novo, em relação à percepção coeva do espaço, e alguns dos picos que os
cartógrafos decidiram representar salientados..........................................................................................
118
FIGURA 18: Detalhe do “Mapa do Termo da Real Villa de Queluz segundo as observacoens de
Capaci e, Demos Correctas, e emendadas as Alturas Variantes para conhecimento da verdade”. .....
120
FIGURA 19: Detalhe de um dos mapas dos padres matemáticos, de 1734/1735, com as rotas, a
partir de “Cachoeyra”, para Vila Rica, ao leste, para a Vila Real de Nossa Senhora da Conceição
do Sabará, ao norte, e para a Vila de São João del Rey e de São José, ao sul. .......................................
122
FIGURA 20: Detalhe de um dos mapas dos padres matemáticos, de 1734/1735, com as
possibilidades de rotas, a partir do vale do Paraopeba, para Pitangui....................................................
127
FIGURA 21: Vestígios do forno encontrado nos arredores das ruínas da antiga fábrica ilícita de
Inácio de Souza Ferreira..............................................................................................................................
145
FIGURA 22: Ilustração de um forno romano para queima de cerâmica sob altas temperaturas,
encontrado na Inglaterra.............................................................................................................................
145
FIGURA 23: Fotografia de um caco de cadinho encontrado nas escavações do pátio anexo ao
Museu do Ouro, em Sabará, Minas Gerais, em 2004................................................................................
147
FIGURA 24: Planta do sítio de Boa Vista do Paraopeba encomendada por Diogo Cotrim de Souza..
159
FIGURA 25: Detalhes da Carta Geographica da Capitania de Minas Geraes. Anno de 1804. Por
Caetano Luis de Miranda..............................................................................................................................
162
FIGURA 26: Dois mapas de Jozé Joaquim da Rocha que datam de 1778. São o Mappa da Comarca
de Villa Rica e o Mappa da Comarca do Sabara..........................................................................................
163
FIGURA 27: Carta Geografica do Termo de Villa Rica, em q se mostra que os Arrayaes das Catas
A
ltas da Noroe
g
a, Itaberava, e Cari
j
ós lhe
f
icão mais perto, q ao da Villa de S. José a q pertencem, e
igualmente o de S. Antonio do rio das Pedras, q toca ao do Sabará, o q se mostra, pela Escala, ou
P
e
t
ipe de leguas..............................................................................................................................................
165
FIGURA 28: Mapa de parte do Termo de Vila Rica.................................................................................
166
FIGURA 29: Detalhe de um dos mapas dos padres matemáticos, demonstrando como uma linha
entre os arredores do arraial de Santo Antônio do Rio Acima e um ponto a jusante da foz do rio
das Congonhas no rio Paraopeba não se
g
ue nenhuma serra ou via fluvial e passa muito próxima ao
sítio de Inácio de Souza, também ilustrado neste mapa............................................................................
167
FIGURA 30: Croqui do Quilombo do Ambrósio, mostrando o “morro redondo que servia de
gorita”............................................................................................................................................................
183
FIGURA 31: Croqui do Quilombo chamado do Rio da Perdiaço, mostrando o “morro do Tigre”.....
183
FIGURA 32: Engenho de cunho manual com sistema de ‘parafuso’. Peça do acervo do Museu do
Ouro, Sabará, Minas Gerais........................................................................................................................
196
FIGURA 33: Embarque de cavalos durante o período colonial com mecanismo estivador..................
198
FIGURA 34: Forte do Bugio, Oeiras, Portugal..........................................................................................
198
FIGURA 35: Ilustração do engenho de bugio da fábrica de moedas falsas de Inácio de Souza,
retirada da planta do sítio de Boa Vista do Paraopeba.............................................................................
198
FIGURA 36: Planta da casa de barras e moedas de Inácio de Souza. Detalhe retirado da planta do
sítio de Boa Vista do Paraopeba..................................................................................................................
206
FIGURA 37: Forjas ilustradas na fábrica de moedas falsas de Inácio de Souza. Detalhe da planta
do sítio de Boa Vista do Paraopeba.............................................................................................................
208
FIGURA 38: Planta do forno de adobe encontrado nas escavações arqueológicas do pátio anexo ao
Museu do Ouro, Sabará, Minas Gerais......................................................................................................
209
FIGURA 39: Fornos africanos para a fundição de ferro ilustrados na obra do Capitão André
Álvares d‘Almada.........................................................................................................................................
210
FIGURA 40: Fieiras de dobras e de rodas ilustradas na fábrica de moedas falsas de Inácio de
Souza. Detalhe da planta do sítio de Boa Vista do Paraopeba..................................................................
217
FIGURA 41: Dobras de 12$800 cunhada nas Minas.................................................................................
218
FIGURA 42: Cofre das casas de fundições e moedas oficiais com seu sistema de segurança de
várias chaves para sua abertura. Peça do acervo do Museu do Ouro, Sabará, Minas Gerais..............
222
FIGURA 43: Sarrilho europeu ilustrado por Georgius Agricola e utilizado na mineração..................
222
FIGURA 44: Local provável onde foi instalada abrica de barras e moedas ilícitas de Inácio de
Souza Ferreira nos anos de 1720.................................................................................................................
225
FIGURA 45: Prédio onde funcionou a casa de fundição e intendência de Sabará nos séculos XVIII
e XIX e que abriga, hoje, o Museu do Ouro...............................................................................................
228
FIGURA 46: Planta de cobertura atual do prédio onde funciona o Museu do Ouro, Sabará, Minas
Gerais.............................................................................................................................................................
229
FIGURA 47: Detalhe das janelas do prédio onde funciona o Museu do Ouro, Sabará, Minas
Gerais.............................................................................................................................................................
230
FIGURA 48: Detalhe da planta do sítio de Boa Vista do Paraopeba onde foram salientados os três
grupos de prédios definidos neste trabalho: a ferraria e a casa de José de Faria Coimbra, as casas
de vivenda e as outras estruturas associadas a ela e as estruturas aglomeradas na beira do córrego.
233
FIGURA 49: Representação do terreno em uma carta atual com a posição aproximada dos três
grupos de estruturas descritos na FIGURA 49 e, ainda, o provável local da estrebaria.......................
234
FIGURA 50: Detalhe da planta do sítio de Boa Vista do Paraopeba mostrando a ferraria e a casa
de José de Faria Coimbra.............................................................................................................................
235
FIGURA 51: Local provável onde foi instalada a ferraria e casa de José de Faria Coimbra nos anos
de 1720............................................................................................................................................................
236
FIGURA 52: Detalhe da planta do sítio de Boa Vista do Paraopeba, mostrando a estrebaria, e uma
fotografia do brejo existente, hoje, no local...............................................................................................
237
FIGURA 53: Detalhe da planta do sítio de Boa Vista do Paraopeba mostrando o conjunto de
estruturas às margens do córrego...............................................................................................................
237
FIGURA 54: Detalhe da planta do sítio de Boa Vista do Paraopeba mostrando o “engenho de
pilões” com o canal que o alimentava, referido na planta como “escama do asude”.............................
241
FIGURA 55: Canal que alimenta um moinho moderno às mar
g
ens de um córre
g
o próximo ao local
onde esteve instalado o moinho do antigo sítio de Boa Vista do Paraopeba, a alguns metros das
ruínas, mas em local diferente daquele do moinho original utilizado pelos falsários.............................
242
FIGURA 56: Moinho no local onde pode ter funcionado o moinho do antigo sítio de Boa Vista do
Paraopeba e talvez tenha aproveitado o mesmo alicerce de pedras que sustentou a instalação de
300 anos atrás.........................................................................................................................
243
FIGURA 57: Engenho de pilões europeu ilustrado por Georgius Agricola e utilizado na mineração.
243
FIGURA 58: Engenho de pilões montado no Museu do Ouro, Sabará, Minas Gerais..........................
244
FIGURA 59: Detalhe da planta do sítio de Boa Vista do Paraopeba mostrando o grupo de
estruturas que compunham as vivendas do sítio, quase todas organizadas ao redor de um pátio
central.............................................................................................................................................................
247
FIGURA 60: Pequeno pátio diante da capela do atual distrito de São Caetano da Moeda,
município de Moeda, Minas Gerais, construída exatamente sobre o local da antiga ermida do sítio
de Boa Vista do Paraopeba, cujas fundações, de formato retangular, ainda podem ser vistas no
solo..................................................................................................................................................................
249
FIGURA 61: Ruínas das casas de vivenda do antigo sítio de Boa Vista do Paraopeba, ainda in situ
no atual distrito de São Caetano da Moeda................................................................................................
252
FIGURA 62: Possíveis locais de encaixe dos frechais nas antigas casas de vivenda do antigo sítio de
Boa Vista do Paraopeba, que ainda podem ser vistos nas ruínas.............................................................
253
FIGURA 63: Relação arquitetônica entre o muro de arrimo e as ruínas das antigas casas de
vivenda do sítio de Boa Vista do Paraopeba...............................................................................................
254
FIGURA 64: Grande pátio em frente à capela do atual distrito de São Caetano da Moeda.................
255
LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS
GRÁFICO 1: Quintos do ouro de Minas Gerais : 1697-1820...................................................................
91
TABELA 1: Le
g
enda da FIGURA 24.........................................................................................................
160
LISTA DE ABREVIATURAS
AHU - Arquivo Histórico Ultramarino
ANTT - Arquivo Nacional da Torre do Tombo
APM - Arquivo Público Mineiro
BNL - Biblioteca Nacional de Lisboa
RAPM - Revista do Arquivo Público Mineiro
SUMÁRIO
1 REDES DE CONTATOS E INFLUÊNCIAS E DOMÍNIO DO MEIO MATERIAL
NO UNIVERSO COLONIAL ........................................................................................... 23
1.1 A Formação de Redes de Contatos e de Influências no Universo Colonial ................. 25
1.2 A Esfera Local, a Esfera Global e as Casas de Fundições e Cunhagens Coloniais .... 35
1.3 O Local da Fábrica: Escolha e Preparo .......................................................................... 44
1.4 Espaço Local e Cultura Material .................................................................................... 65
2 AS REDES NAS QUAIS SE INSERIA A FÁBRICA CLANDESTINA: CRIME,
CONTRABANDO E RIQUEZA ...................................................................................... 75
2.1 O Ouro e seus Significados no Mundo Português Setecentista .................................... 77
2.2 Crimes e Conflitos Associados às Casas de Fundições e Moedas ................................. 81
2.3 Os Falsários, os Agentes da Ordem e o Espaço das Minas ........................................... 89
2.3.1 Geografia, Política e os Falsários ................................................................................ 100
2.3.2 Dom Lourenço de Almeida e seus Negócios Ilícitos ................................................... 129
2.3.3 A Fábrica Clandestina do Paraopeba e o Extravio de Materiais ............................... 140
2.3.4 A Prisão de Inácio de Souza e a Crise na Arrecadação dos Reais Quintos ............... 148
2.4 O Rio de Janeiro e o Negócio das Barras Falsas .......................................................... 152
3 A FÁBRICA CLANDESRTINA DO VALE DO PARAOPEBA .................................. 157
3.1 O Lugar da Fábrica ........................................................................................................ 161
3.1.1 A presença de aliados de Inácio de Souza Ferreira em Vila Rica .............................. 170
3.1.2 O Envolvimento de Religiosos nos Negócios Ilícitos................................................... 174
3.1.3 O Uso das Condições Naturais Locais ......................................................................... 177
3.2 O Trabalho no Sítio de Boa Vista do Paraopeba ......................................................... 184
3.2.1 Os Equipamentos, Técnicas e Trabalhos Dentro da Casa de Fundições e Moedas .. 194
3.2.2 A Ferraria, as Casas de Vivenda e Outros Prédios e Estruturas ................................ 231
3.3 A Organização do Sítio e o seu Regimento ................................................................... 257
CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 272
REFERÊNCIAS E DOCUMENTAÇÃO ........................................................................... 277
11
INTRODUÇÃO
O contexto das Minas da primeira metade do século XVIII foi marcado pelo trânsito
de pessoas, experiências e objetos, que inseriam e conectavam aquela região ao globo e,
também, sustentavam uma integração interna própria. Balizados pelas condições naturais ou
antrópicas daquele espaço, esse trânsito e outras formas de integração eram usados por
agentes históricos em busca de seus objetivos. Um desses agentes foi Inácio de Souza
Ferreira, homem de negócios, poderoso em Vila Rica, “astuto” e viajado, que se utilizou
dessas possibilidades para vários empreendimentos lícitos e ilícitos. Instalou no sítio de Boa
Vista do Paraopeba, no atual município de Moeda, Minas Gerais, uma fábrica de barras e
moedas falsas para burlar a arrecadação dos quintos reais e obter lucros de várias outras
maneiras. Seus empreendimentos teriam grandes repercussões na época e seriam lembrados
até os dias de hoje. Na atual serra da Moeda, as lendas e histórias do célebre falsário fazem
parte do cotidiano local.
Este trabalho de dissertação foi inspirado pelo contato próximo com as ruínas do velho
sítio onde funcionava a fábrica clandestina e, originalmente, buscava compreender melhor a
vida material daqueles homens no seu negócio ilícito. No entanto, à medida que análises mais
detidas sobre o caso de Inácio de Souza eram conduzidas, ficou claro como aquele pequeno
espaço não podia ser dissociado de um contexto bem mais amplo no tempo e no espaço. O
negócio ilícito daqueles homens não teria existido – pelo menos não da forma como existiu –
sem as conexões que tinham com vários outros agentes históricos em diferentes pontos da
capitania, da colônia e do globo. Portanto, entender como funcionou a fábrica clandestina
implica entender como se operaram suas conexões a outros negócios ilícitos, às esferas
oficiais de poder, a correspondentes locais e internacionais, a técnicas e saberes da colônia e
do além-mar.
O caso de Inácio de Souza Ferreira demonstra um grande nível de integração no
mundo do Setecentos, que incluía até mesmo esferas, à primeira vista, marginais. O negócio
clandestino demonstrou como a criação de um espaço do ilícito, na verdade, não se dissociava
de tendências gerais de sua época, que incluíam conexões locais e globais. Fica clara a
importância de se analisar um empreendimento ilegal específico, quando reconhecemos que é
impossível identificar limites entre o geral e o particular. Tais limites variam no tempo e no
espaço e são mais produto dos observadores do que dos próprios fenômenos, já que nenhum
dos dois – observador e fenômeno – escapa do fato de serem produtos de seu tempo e de
12
inúmeras influências. Como já observou Laura de Mello e Souza (2006), a riqueza do
particular é acrescentada e melhor observada no seu pertencimento ao geral. Os falsários do
vale do Paraopeba, na sua empresa clandestina, tinham disponível, naquela época, um
repertório de possibilidades globais, das quais se utilizaram. Não apenas isso, mas o fizeram
de tal maneira que não podem, de forma alguma, ser considerados como um grupo de homens
isolados, externo ao funcionamento da colônia e do mundo português setecentista, apesar de
serem foras-da-lei. A ‘criminalidade’ pode se inserir no universo de ‘redes’ característico
daquele mundo, tanto quanto outras atividades oficiais e legais. Na verdade, em muitos
aspectos e situações, não chega a se desentrelaçar dessas práticas legalizadas. As fronteiras
entre uma e outra mostram-se borradas e incertas, da mesma forma que as fronteiras entre
esferas locais ou globais.
O negócio ilícito dos falsários do Paraopeba acompanhou de perto a casa de fundições
e moedas oficiais, não distinguindo claramente as esferas oficiais e não-oficiais das Minas
setecentistas. Foi com a instalação da casa oficial que o negócio ilegal foi potencializado
logística e materialmente. Conseguiram desviar materiais e funcionários da instituição oficial
e se utilizaram de técnicas e formas organizacionais desta. A trajetória paralela desses dois
estabelecimentos é um dos pontos-chave da análise que será feita neste trabalho, reforçando
as idéias de falta de fronteiras claras e da incapacidade de se delimitarem unidades no
universo cultural, social e político do mundo colonial português.
Além dessa íntima associação com a instalação das fundições e cunhagens oficiais em
Vila Rica, em 1724, ao nos debruçarmos sobre as fontes coevas sobre o crime das barras e
moedas falsas do vale do Paraopeba, percebemos que essas associações incluíam, também,
outros negócios ilícitos, lícitos e a geografia física e política das Minas, que eram produtos do
meio natural, da ocupação informal e da administração oficial da região. Contaram, ainda,
com o apoio de muitos homens das esferas oficiais de poder e integraram um meio
sociocultural com ramificações nas culturas e experiências indígenas, africanas e européias.
Com isso em mente, foi necessário expandir a pesquisa para além dos limites do sítio e da
fábrica de barras e moedas falsas.
O ponto de partida foram três documentos, que também acabaram sendo alguns dos
mais explorados neste trabalho: o traslado da delação que fez Francisco Borges de Carvalho,
em Sabará, em 1731, o croqui da fábrica, produzido após a prisão do bando de falsários, como
parte da diligência que o ouvidor-geral Diogo Cotrim de Souza conduziu e o traslado de um
papel que se achou na casa de Inácio de Souza, quando de sua prisão, que continha o
regulamento detalhado para a organização do sítio e da fábrica clandestina. Esses documentos
13
dão detalhes específicos sobre a vida material daqueles homens em sua empresa ilícita, tais
como a organização do seu espaço físico, a divisão do trabalho dentro do sítio e os
preparativos para a defesa do lugar. No entanto, foi-se vendo que tudo isso só fazia sentido
dentro de um universo muito mais amplo e que a operação do negócio ilícito dependia das
redes de contatos e influências daqueles homens e de suas bagagens culturais. Na verdade, o
negócio só pôde ser erigido em diálogo íntimo com esses fatores. A partir daí, foi necessário
buscar documentos no Arquivo Público Mineiro sobre a forma como se organizavam as vilas
da região, especialmente no que diz respeito ao uso do espaço e organização do trabalho, dois
elementos que os documentos mencionados acima descreviam em detalhes. Foi necessário, no
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Portugal, analisar a documentação relativa à
instalação das casas de fundições e moedas em Vila Rica e as vicissitudes do sistema de
arrecadação dos reais quintos durante a primeira metade do século XVIII. Para isso, o códice
volume 26 dos Manuscritos do Brasil foi extremamente útil, pois contém uma série de
traslados de cartas e ordens régias e as respectivas respostas e contas dos governadores das
Minas sobre o assunto. É nesse arquivo que estão, também, os papéis do desembargador
Joaquim Rodrigues Santa Marta Soares, responsável pelo cárcere de Inácio de Souza e pelas
investigações dos seus negócios internacionais de contrabando de diamantes. Concentrados no
Arquivo Histórico Ultramarino e no Arquivo da Biblioteca Nacional de Lisboa, estavam os
documentos relativos à prisão do réu e às diligências para a investigação de seus vários
negócios nas Minas, especialmente o das barras e moedas falsas. Nesse último arquivo e no
Arquivo Nacional da Torre do Tombo foram encontrados, também, diversos documentos
isolados, como cartas pessoais ou pareceres que mencionavam o crime que ocorrera no vale
do Paraopeba ou detalhes sobre a instalação de casas de fundições e moedas e o fabrico desses
objetos na colônia. Não foi um levantamento quantitativo, mas, à medida que as pistas foram
aparecendo e a necessidade de entender melhor o contexto da instalação das fundições e
cunhagens oficiais na colônia foi se evidenciando, novos códices foram abertos, novos
catálogos pesquisados e novas fontes analisadas. A linha mestra desse percurso foi a tentativa
de entender o negócio das barras e moedas falsas operado por Inácio de Souza e seus
cúmplices e sua associação indelével à instalação oficial das casas de fundições e moedas em
Vila Rica, em 1724, e ao universo cultural da colônia.
Outro tipo de fonte que se mostrou de enorme valia foram os vestígios materiais do
sítio de Boa Vista do Paraopeba e alguns outros relativos às casas de fundições e moedas das
Minas do século XVIII. As ruínas do sítio hoje se encontram na sede do distrito de São
Caetano da Moeda, município de Moeda, Minas Gerais, e fornecem informações que não
14
poderiam ser obtidas em outros tipos de fontes. Aos vestígios materiais do caso de Inácio de
Souza, associaram-se observações e análises, às vezes com o auxílio de mapas coevos ou
cartas modernas, do meio natural e da geografia física e política nos espaços relevantes às
hipóteses levantadas durante a pesquisa. As questões e conclusões que resultaram do estudo
desse tipo de fonte em associação às fontes textuais demonstraram a riqueza desse campo de
análise; um campo fértil que, infelizmente, ainda não conseguiu muita visibilidade na
historiografia.
Ora, para trabalhar essa variedade de fontes foi necessário explorar, no trabalho, o
conceito de cultura material, como ele é aplicado na historiografia, mas buscando algum
diálogo com teóricos e técnicas da Arqueologia. Nessa linha de pesquisa, trabalhos e idéias
como as de Daniel Roche, Jean-Marie Pesez e Matthew Johnson se mostraram de grande
importância, assim como as bases fornecidas por teóricos clássicos na historiografia e na
Sociologia, como Fernand Braudel e Pierre Bourdieu.
1
Os textos de um dos ‘seguidores’ de
Boudieu, Anthony Giddens, também influenciaram este trabalho.
2
Roche e Johnson, em suas
análises do vestuário em Paris, no século XVIII, e das casas inglesas no século XVI,
respectivamente, fornecem bases sólidas para a análise do mundo material de uma sociedade e
a sua associação a um universo cultural histórica e espacialmente construído. Em outro
trabalho, A História das Coisas Banais, Roche oferece uma análise mais geral da importância
do mundo material para os processos históricos, questão também levantada por Pesez (2005).
Esse último também faz um levantamento sobre o desenvolvimento do conceito de cultura
material dentro da historiografia e aponta a falta de consenso em sua definição e seu papel
ainda incipiente dentro da disciplina. Embora não tenha sido o foco desta dissertação, espera-
se que ela possa contribuir com novas abordagens das fontes materiais pela historiografia ou
que, pelo menos, evidencie sua importância. Ficará claro, no decorrer dos três capítulos que se
seguem, como análises do mundo material podem contribuir com o entendimento do contexto
das Minas setecentistas. Fernand Braudel já defendia a importância de tais estudos vários anos
atrás, mas só recentemente eles têm recebido mais atenção por parte dos historiadores. As
idéias de Pierre Bourdieu (1977) sobre arenas sociais e locales foram desenvolvidas
posteriormente por Anthony Giddens (1984), de tal forma que podem ser aplicadas hoje ao
1
Os principais trabalhos desses estudiosos que serviram de base para esta dissertação foram BOURDIEU,
Outline of a theory of practice, 1977; BRAUDEL, Civilização material, economia e capitalismo, 1995;
BRAUDEL, O Mediterrâneo e o mundo Mediterrânico na época de Felipe II, 1983.; JOHNSON, Concepts of
agency in archaeological interpretation, 1989; JOHNSON, Housing culture, 1993; PESEZ, História da
cultura material, 2005; ROCHE, História das coisas banais, 2000; ROCHE, O povo de Paris, 2004.
2
GIDDENS, The constitution of society, 1984. Sobre a conexão do trabalho e das idéias de Anthony Giddens e
Pierre Bourdieu, ver CASSELL, The Giddens reader, 1993.
15
mundo material de forma geral e servem de ótimos pontos de partida para esse campo de
estudo. Matthew Johnson, por exemplo, é um estudioso que faz bastante uso dessas idéias em
suas análises arqueológicas.
Toda essa bagagem serviu de guia para este trabalho, mas a análise do mundo material
apontou a necessidade de abordar um outro fenômeno setecentista já bastante discutido pela
historiografia: a integração global possibilitada e motivada pelo trânsito de pessoas,
experiências e objetos. Sobre esse tema, os estudiosos considerados neste trabalho foram
vários.
3
Já há bastante tempo, Fernand Braudel, chamava a atenção para essas tendências do
mundo moderno quando escreveu Civilização Material, Economia e Capitalismo e O
Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Felipe II. No entanto, ele ainda não
abordava a escala global dessas conexões e trânsitos. Quem tratou disso mais detidamente foi
Immanuel Wallerstein (1974), argumentando sobre a existência de articulações globais na era
moderna e de um sistema econômico totalmente integrado. Com isso, apontava para a
possibilidade de repercussões na sociedade que vão além da economia. Um viés mais cultural
foi discutido, então, por Serge Gruzinski em vários trabalhos: inicialmente em seu livro O
Pensamento Mestiço e, posteriormente, em Les Quatre Parties du Monde: historie d’une
mondialisation. Estes três teóricos têm abordagens globais mais gerais, mas apontam
tendências que podem ser facilmente observadas no contexto do mundo português durante o
período colonial e, mais especificamente, em relação ao Brasil.
Tratar o caso de Inácio de Souza sob essa ótica, nas Minas setecentistas, segue o
caminho – obviamente, de forma muito mais modesta – de autores clássicos pioneiros na
aplicação dessas idéias para a realidade do império colonial português e, conseqüentemente,
para elementos da realidade do Brasil daqueles tempos. O primeiro deles foi Charles Boxer,
com seu livro O Império Marítimo Português – 1415-1825, que, embora tenha sido escrito
décadas atrás, ainda é de enorme relevância para se entender aquele universo. Seguindo uma
abordagem de integração e se aproximando ainda mais da colônia do Brasil, há Luiz Felipe de
Alencastro, que escreveu O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos
XVI e XVII. Nesse trabalho, demonstrou como o Brasil colonial não pode ser compreendido
sem considerar que estava inserido no contexto do Atlântico Sul e em todas as formas de
trânsitos que perpassavam por aquele oceano e que acabavam por atingir escalas globais.
3
BOXER, O império marítimo Português, 2002; BRAUDEL, Civilização material, economia e capitalismo,
1995; BRAUDEL, O Mediterrâneo e o mundo Mediterrânico na época de Felipe II, 1983; WALLERSTEIN,
Repasso Teórico, 1999; WALLERSTEIN, The modern world system, 1974. Ver ainda ALENCASTRO, O
trato dos viventes, 2000, e GRUZINSKI, Les quatre parties du monde, 2004. Outros trabalhos são, ainda,
GODINHO, Os descobrimentos e a economia mundial, 1985, e MAURO, Portugal, o Brasil e o Atlântico,
1997.
16
Esse contexto de integração do local com o global é fundamental para o entendimento
de agentes históricos na colônia e, mais especificamente, nas Minas setecentistas. Nesse
espaço, Júnia Ferreira Furtado e Laura de Mello e Souza já apontaram para o trânsito
constante de agentes históricos, operando a inserção das Minas no restante do cenário mundial
e vice-versa. Ambas tratam da vida de personagens específicos em Homens de Negócio: a
interiorização da Metrópole e do comércio nas Minas setecentistas e O Sol e a Sombra:
política e administração na América Portuguesa do século XVIII, respectivamente,
associando a trajetória daqueles homens a tendências de trânsito global da época. Inácio de
Souza Ferreira é mais um desses personagens, mas traz consigo a novidade da atuar na esfera
do ilícito. O campo do ilegal já foi bastante discutido na historiografia mineira, especialmente
por Carla Anastasia em Vassalos Rebeldes: violência coletiva nas Minas Gerais na segunda
metade do século XVIII e A Geografia do Crime: violência nas Minas setecentistas. No
entanto, essa autora não trata do tema dentro dessa lógica de conexões e trânsitos.
A associação das idéias de integrações locais e globais com o espaço do ilícito de
produção de moedas e barras falsas criado pelo bando do vale do Paraopeba é a linha mestra
desta dissertação, sem esquecer, é claro, que a idéia de trânsito e espaço implica,
necessariamente, abordagens da geografia local, tanto física quanto política, além análises
sobre o mundo material daqueles homens.
Analisar o negócio clandestino sob a lente teórica dos trabalhos mencionados acima
nos permitiu aplicar suas idéias de integrações globais ao espaço do ilícito. Contemplar tal
espaço como algo isolado, marginal ou fora da ordem não faz sentido frente ao exemplo
tratado aqui, que demonstra algo bem diferente. O espaço do ilícito podia ser integrado,
influente e muito bem-ordenado.
Inácio de Souza Ferreira era um personagem importante em Vila Rica nos anos de
1720 e é, também, um personagem que nos ajuda a pensar aspectos específicos das Minas do
início do século XVIII e outros do mundo colonial daquela época, de forma geral. Homem de
distinção, tido como autoritário e astuto, o líder dos falsários conhecia sua posição. Quando
idealizou o regimento para o funcionamento dos negócios ilícitos do sítio de Boa Vista do
Paraopeba, reiterou seu papel em relação aos seus cúmplices e, indiretamente, em relação ao
contexto do mundo português, observando que
[...] Não pode ser, que matéria tão grave deixe de se governar pela disposição de um,
que sabe a altura das cousas, e não este pela de vários, que além de não terem razão
de saberem, não lhes importa a todos esta matéria, como a mim só, porque perco
mais, do que alguns, em bens, e na reputação mais, do que muitos // muitos que se
não conhecem, o que não posso eu ter, pois em toda a parte me sabem o nome, são
17
isto explicações, que a matéria faz precisas para o discurso do presente ponto,
finalmente na vida, e na infâmia, que com ele por este caso se vai, perco, como o
que mais perde [...].
4
A sua posição de destaque nas Minas não o impediu de agir ilicitamente. Na verdade,
serviu como mais uma ferramenta para seus empreendimentos ilegais. Ainda, no regimento,
reclamava da falta de oportunidades que tinha nas esferas oficiais, que, segundo ele, foi o que
o forçou a buscar alternativas criminosas para obter “maiores cômodos, que por outros meios
se não encontram”.
5
No entanto, como veremos, oportunidades dentro das esferas oficiais não
faltaram para que ele pudesse conduzir seus negócios clandestinos. O líder dos falsários
argumentava que esse era um meio perfeitamente aceitável para se buscar fortuna e, se fosse
bem-sucedido, era mais significativo do que a própria lei. Dizia ele:
[...] Ensinado estou do tempo, que a infâmia, que redunda na pena da Lei, se verte
em fidalguia, havendo dinheiro: a fazer este muitos Príncipes nas Itálias, e no nosso
Reino pessoas de maior exceção, sem privilégio se animarão, que só conservarão a
sua nobreza, pelo risco, em que entrarão de a perderem, sendo depreendidos na
desgracia (sic) do crime, não tendo ganhado para o expurgarem [...].
6
Apesar do que Inácio de Souza acreditava, seu sucesso ou não no crime de falsificar
barras e moedas não é tão relevante para este trabalho. Seu insucesso nos diz tanto a respeito
do caso e do período em questão quanto poderia dizer seu sucesso. O que importa, de fato,
foram os processos que levaram à idealização do crime, à instalação da infra-estrutura e
logística necessárias e ao estabelecimento de redes de contatos e influências para operar o
empreendimento ilegal. As opções escolhidas e aquelas que foram descartadas para
potencializar a fábrica de barras e moedas falsas, e as ações conseguintes disso, são mais
diagnósticas do que a demonstração da culpa ou inocência em um ato específico.
Sabemos que, por algum tempo, o negócio das barras falsas do bando do Paraopeba foi
muito bem-sucedido e conseguiu desviar grandes somas de dinheiro que eram devidas aos
reais quintos, além de ter oferecido outras searas de lucros. Já quanto ao negócio das moedas
falsas, não temos certeza, e nem o trabalho desenvolvido para esta dissertação pôde esclarecer
este ponto. Sabemos que a fábrica foi montada, que a mão-de-obra especializada foi reunida,
que um regimento foi escrito e que a matéria-prima estava em mãos. Se o cunho chegou ou
não a prensar sequer um único disco numismático de ouro, fosse com o engenho do cunho,
fosse com o martelo, torna-se, apenas, uma questão de iniciativa – ou falta dela –, mais do que
4
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
5
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
6
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
18
de possibilidade. Ou seja, era apenas uma questão de tempo, e isto esteve, mesmo, muito
próximo de acontecer. A falta do simples gesto de prensar o cunho para a produção de moedas
foi o que permitiu àqueles homens escaparem do crime de lesa-majestade, como veremos,
mas, para o estudioso contemporâneo, pode ser considerado apenas um detalhe diante dos
níveis que o desvio aurífero alcançou com as barras falsas e da grandeza da infra-estrutura e
organização logística levantada para a operação daquela empresa clandestina. Estava tudo
pronto e, se não cunharam uma única moeda, o que não podemos provar, é irrelevante diante
dos preparativos que fizeram. O que se pode fazer é sugerir as possibilidades que tiveram para
fazê-lo em conjunturas específicas, mas que continuam sendo apenas especulações. Fazendo
alusão à velha piada matemática, provar que existe uma solução para o problema coloca o ato
de solucioná-lo, em si, em segundo plano. Contentemo-nos em analisar a fábrica, seus
prédios, suas ferramentas e seus homens, tenham sido eles oficiais mecânicos, negociantes,
religiosos ou escravos. Estes, na formação e participação de um espaço ilícito, têm muito a
nos dizer.
Os preparativos para uma ação criminosa – no caso, fabricar barras e moedas falsas –,
são o foco aqui. No caso das barras, no entanto, por ser claro que as falsificações chegaram,
de fato, a funcionar por alguns anos, o crime em si também receberá a devida atenção.
Todavia, é preciso esclarecer um ponto específico sobre a natureza desses crimes: falsificar
moedas ou barras não significava, naquela época, produzir peças com qualidade aurífera ou
valor inferiores ao da peça oficial. Significava, sim, realizar essa produção por conta própria,
pois se tratava de um monopólio régio que deveria ser submetido à cobrança do direito do
quinto. De acordo com as ordenações e leis do Código Filipino, livro 5, título XII, Dos que
fazem moeda falsa, ou a despendem, e dos que cerceam a verdadeira, ou a desfazem,
Moeda falsa he toda aquella, que não he feita per mandado do Rey, em qualquer
maneira que se faça, ainda que seja feita daquella materia e fórma, de que se faz a
verdadeira moeda, que o Rey manda fazer; porque conforme a Direito ao Rey
sómente pertence fazel-a, e a outro algum não, de qualquer dignidade que seja.
7
Durante este trabalho foi mantido o uso do termo “moeda falsa” e utilizou-se, também,
o termo “barra falsa”, sob a mesma lógica, já que o termo “falso”, no Código Filipino, diz
respeito à falsificação de selos ou sinais oficiais, daí sua forma de aplicação específica às
moedas. Optou-se, também, pelo uso dos termos “clandestino” ou “ilícito” que, acredita-se,
têm a mesma conotação para o leitor de hoje, para o caso da produção de uma peça de ouro. É
7
CODIGO Philippino ou Ordenações e leis do Reino de Portugal recopiladas por mandado d'El-Rey D.
Philippe I, 2004.
19
importante notar que, no título XII do Código Filipino, a moeda falsa é diferente da cerceada.
8
A peça verdadeira, mesmo diminuta ou corrompida, aparentemente não se torna a mesma
coisa que a peça falsa. Nesse caso, a idéia de “falso” tem um conceito diverso daquele que
temos hoje.
O título XII é longo, fala sobre cerceio, destruição de moedas, comércio com moedas
falsas, penas para o crime, perda de privilégios dos acusados, recompensas por denúncias,
punições a cúmplices e, até mesmo, sobre o tratamento do espaço onde tais práticas podiam
ocorrer. Todo o parágrafo 2º do Código tratava do espaço do crime e estipulava que “se a
caza, ou qualquer outra propriedade, onde a moeda falsa fôr feita, não fôr do culpado, em o
dito maleficio, será outrosi confiscada”, a não ser que, no tempo do crime, o proprietário
estivesse distante da casa ou caso fosse ele o denunciante. Inácio de Souza instalou sua
fábrica de barras e moedas falsas no sítio de Boa Vista do Paraopeba, que, em 1731, ano da
denúncia, podia pertencer ao denunciante Francisco Borges de Carvalho ou ao seu sobrinho
João José Borges de Carvalho, por via de herança, já que o proprietário original, Caetano
Borges de Carvalho, era parente dos dois e morrera nos anos de funcionamento da instalação
clandestina. O Conselho Ultramarino discutiu por algum tempo sobre confiscar ou não a casa,
mas não foi encontrada, hoje, documentação alguma sobre o que foi feito. O que vale
destacar, aqui, é a importância atribuída pela lei ao espaço da ação ilícita. O lugar tornava-se
parte do crime e merecia menção especial sobre a forma do seu tratamento legal. A
importância do lugar do crime será reforçada, também, nos capítulos deste trabalho.
Mesmo a fábrica dos falsários comandados por Inácio de Souza tendo estado dentro do
sítio de Boa Vista do Paraopeba e fazendo, portanto, parte dele, a distinção entre esses dois
locais será mantida neste trabalho. O sítio era composto por vários outros prédios e estruturas
e concentrava outras atividades que, mesmo sendo voltadas para o sustento da fábrica
clandestina e seus trabalhadores, eram diferentes, e muitas delas estariam presentes em várias
casas, roças ou sítios daquela época.
Essas relações espaciais são de grande importância. Durante as pesquisas e tentativas
de tentar compreender o negócio ilícito conduzido no sítio, foram detectados inúmeros
padrões espaciais e de circulação relativos a prédios específicos daquele espaço, ao complexo
do sítio de Boa Vista do Paraopeba de forma geral, à capitania das Minas, à colônia do Brasil
e ao globo. Embora a definição legal da época fosse outra, o espaço do ilícito era amplo. Para
o caso das redes de contatos e de influências que foram detectadas nesta pesquisa, nas quais o
8
A prática do cerceio consiste em retirar quantidades de metal da moeda cortando-a pelas beiradas, e será tratada
em mais detalhes no decorrer deste trabalho.
20
negócio das barras e moedas falsas se inseria, noções espaciais são imprescindíveis, tanto para
tratar das múltiplas conexões entre diversos pólos como para abordar um pólo específico,
como era a fábrica do vale do Paraopeba. No século XVIII, aparentemente, nos trâmites legais
sobre moedas falsas, o pólo que concentrava as ações materiais relevantes era o único
considerado, mesmo que o crime tivesse ramificações. Nesta dissertação, apesar de
reconhecer tais ramificações e tê-las como um dos objetos de estudo, tal pólo também será
tratado em detalhes, como lugar que concentrava as ações materiais para as falsificações
clandestinas que serão discutidas.
Embora Inácio de Souza Ferreira e outros de seus cúmplices estivessem envolvidos em
outros negócios ilícitos – alguns, inclusive, entrelaçados ao negócio das barras e moedas
falsas –, concluiu-se que a falsificação em si alcançou tal grandeza, em termos do número de
homens envolvidos, quantias dos lucros e montagem logística e infra-estrutural, além de uma
forma de funcionamento idiossincrática, que merecia ser trabalhada individualmente. Outros
negócios ilegais de Inácio de Souza podem ter assumido proporções comparáveis ou, talvez,
até maiores, nos termos referidos, como foi o caso do contrabando de diamantes, outro célebre
crime seu, mas não diminui o que os falsários alcançaram com sua fábrica clandestina. Ora,
esses outros empreendimentos só serão tratados neste trabalho na medida em que forem
relevantes para a compreensão do negócio das barras e moedas falsas. Não é o objetivo aqui
falar de contrabando de diamantes ou outras mercadorias, de assassinatos ou roubos.
Considerando a amplitude que os negócios daqueles homens alcançaram, aventurar-se em
suas outras ações ilegais resultaria em trabalhos longos e específicos e nos afastaria do tema
principal desta dissertação. Com isso em mente, é possível delimitar o espaço do ilícito que se
deseja abordar: o negócio de falsificar barras e moedas sediado na fábrica do sítio de Boa
Vista do Paraopeba.
No Capítulo 1, serão estabelecidas as bases conceituais para esta dissertação. As idéias
de redes de contatos e de influências, a de trânsito e a de cultura material precisam ser
devidamente apresentada para o que se propõe neste trabalho. Esse exercício será feito em
diálogo com historiografia relevante, especialmente para o século XVIII, e com as fontes
coevas, no caso, aquelas que evidenciam a participação de Inácio de Souza em tais
fenômenos. Associando esses dois tipos de padrões, detalhes sobre a logística do
funcionamento do negócio das barras e moedas falsas começarão a despontar. Inserindo o
caso dos falsários do Paraopeba no contexto das redes de contatos e de influências do século
XVIII e no contexto de relações com o mundo material, ficará claro que tais articulações são
21
fundamentais para o entendimento do negócio ilícito. Noções de conexões, multiplicidade de
agentes e pólos de ação, trânsito e mundo material precisam ser enfatizadas.
No Capítulo 2, ingressaremos no contexto das redes de contatos e influências
específicas das Minas para a operação do negócio clandestino. Ficará claro como as fronteiras
entre o oficial e o não-oficial e entre o lícito e o ilícito não podiam ser claramente definidas,
inclusive para outros crimes de falsificação – como o de Antonio Pereira de Souza, a partir do
Rio de Janeiro. O trânsito entre uma e outra esfera era constante no que dizia respeito ao ouro.
Vários crimes de descaminho seguiam tendências semelhantes. Os negócios clandestinos de
Inácio de Souza, quanto a isso, acompanharam de perto os trâmites oficiais para o controle e
taxação do metal, como o estabelecimento das fundições e cunhagens régias e o seu posterior
abandono a favor da capitação, como método de arrecadação dos quintos. Aliás, só foi
possível cometer o crime a partir da instalação das casas de fundições e moedas da coroa, nas
Minas. Essa medida oficial disponibilizou, além do motivo para o crime, mão-de-obra
especializada, materiais e saberes para o espaço ilícito. As relações dos falsários dentro
daquela capitania incluíram homens de distinção de várias vilas e, até mesmo, o governador
D. Lourenço de Almeida, e se balizaram pela geografia física e política da região. Todas essas
relações inseriam o grupo de falsários em redes de contatos e de influências amplas e em
padrões de trânsito e de circulação específicos. O funcionamento do negócio dependia, ainda,
de uma forte conexão com o Rio de Janeiro, como porto de mar e sede de uma casa da moeda
oficial.
Finalmente, no Capítulo 3, trataremos de maneira mais específica do sítio de Boa
Vista do Paraopeba e sua fábrica ilícita dentro dessas redes e desse mundo material. Ficará
claro como o funcionamento daquele lugar não pode ser dissociado das suas conexões com
outras regiões do Brasil e com o universo colonial português. Técnicas, saberes e experiências
européias, africanas e indígenas estabeleceram as bases para a construção daquele locus.
Contribuíram com as formas organizacionais e com a infra-estrutura para defesa, para a
produção de ferramentas e para o fabrico das barras e moedas falsas. A organização do
trabalho e do cotidiano seguia padrões familiares para aqueles homens e os aproximava do
universo sociocultural das Minas, com todas as suas ramificações para outros pontos da
colônia e do além-mar. Dentro da fábrica, a mistura das esferas oficiais e não-oficiais durante
aquele período ficava ainda mais óbvia. A fábrica clandestina se organizou seguindo os
modelos das casas de fundições e moedas oficiais, utilizando, inclusive, ex-funcionários
régios como mão-de-obra. As relações daqueles homens com seu espaço físico e mundo
material era repleta de bagagens culturais amplas no espaço e no tempo, levadas até ali por
22
brancos e negros, cativos ou não, com vivências e experiências diversas, de vários pontos do
império português e de muito além dele.
23
1 REDES DE CONTATOS E INFLUÊNCIAS E DOMÍNIO DO MEIO MATERIAL
NO UNIVERSO COLONIAL
No dia 8 de março de 1731, o ouvidor-geral da comarca do rio das Velhas, Diogo
Cotrim de Souza, investiu contra uma fábrica clandestina de barras e moedas falsas no vale do
rio Paraopeba, em Minas Gerais. Após três dias de marcha, os capitães do mato, negros e
outros homens, recrutados sob falsos pretextos pelo magistrado régio para que se conservasse
o segredo da diligência, alcançaram, logo com os primeiros raios de sol, a sede de um
complexo de estruturas que sustentava a fábrica e abrigava seus organizadores e escravos.
Realizaram então a prisão do líder Inácio de Souza Ferreira e de vários de seus sócios, em
meio às correrias e fugas de um bando desbaratado. Não houve maiores resistências, apesar de
todo o preparo com a defesa e proteção do lugar.
Um traidor, Francisco Borges de Carvalho, com o seu sobrinho João José Borges de
Carvalho, havia passado ao ouvidor todos os detalhes sobre a defesa do lugar, assim como
sobre os caminhos e rotas para a investida. O delator estava descontente na época com o
comportamento despótico do líder do grupo e com o assassinato de outro sobrinho seu,
Caetano Borges de Carvalho, também morador na fábrica de moedas e barras falsas. Ele
atribuía a culpa pelo homicídio ao próprio Inácio de Souza Ferreira, que
[...] por saber que o dito meu sobrinho queria sair da roça, arrumou umas razões
fictícias de que se originou a causa de lhe tirarem a vida no mesmo sítio tendo tal
indústria de enganar a todos, e ainda, a ele denunciante ser outro o matador
imputando a culpa a um negro que morreu no conflito [...].
9
Os dois delatores prepararam as condições para a chegada das tropas, providenciando
a retirada dos guardas e vigias da serra no dia da invasão. Sem essa ajuda, a investida poderia
ter sido um fracasso total, já que o tal complexo se transformara, àquela altura, numa
verdadeira “fortaleza”
10
cercada por estacadas, guaridas, açudes com apenas pequenas pontes
de passagem e casas de pedra ainda por terminar, mas que já contavam com janelas em forma
de seteiras para sua defesa. Tudo havia sido muito bem preparado e organizado durante pelo
menos três anos com o intuito de acoitar um largo grupo de homens, brancos e negros,
nascidos em diferentes partes do império português, que se instalaram ali, naqueles matos
9
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
10
Este termo foi utilizado por Augusto de Lima Júnior em LIMA JÚNIOR, Notícias históricas de Norte a Sul do
país, 1954, mas não foi encontrado na documentação coeva consultada.
24
ermos e fechados, servindo-lhes a serra do Paraopeba (atual serra da Moeda) de imensa
muralha natural.
Seu objetivo era burlar a taxação régia sobre o ouro na região. Mais especificamente,
esse grupo montara uma infra-estrutura para fundições e cunhagens clandestinas e, ao redor
dela, construíra todo um aparato de sonegação dos quintos devidos à coroa e que se prestava,
ainda, a outros negócios ilegais. No momento da invasão do ouvidor-geral, as instalações
passavam por reformas que a transformariam numa verdadeira fábrica de moedas. Nessa
época, o valor do quinto era 20% do ouro já fundido, quantia nada desprezível, que seria
reduzida a 12% em 1730, ano em que a fábrica ainda funcionava, e restabelecida a 20% em
1732.
11
A forma de cobrança dependia de instrumentos de fundição e cunhagem como aqueles
em poder dos falsários, para quem a chance de sonegação estava dada. Ainda assim, apenas
ferramentas não eram suficientes para o sucesso da empresa ilícita. Eram necessários, por
exemplo, contatos no mundo oficial e no dos negócios coloniais que facilitassem a produção
clandestina, seu escoamento e sua circulação. Esses negócios podem ter ocorrido
simultaneamente a vários outros investimentos ilegais, como o contrabando de diamantes e
mercadorias. Burlavam-se, portanto, as várias esferas do controle régio sobre o ouro e sobre
as possibilidades que esse metal oferecia.
O Regimento das Minas já mostrava, quando foi elaborado em 1603, a intenção de
controle rígido da coroa sobre o ouro. Seu texto seria modificado várias vezes, tentando se
adaptar às novas realidades. Foi o que ocorreu em 1702 diante da intensa atividade aurífera
nas Minas, quando foi redigida a versão do regimento que serviria de base por todo o século
XVIII.
12
O bando de Inácio de Souza burlou muitas dessas medidas.
Fundir o ouro ilegalmente e transformá-lo em barras e moedas implicava adquiri-lo,
ainda em pó, transportá-lo e garantir a proteção de todas as etapas do negócio, tanto com
relação a autoridades régias, quanto a qualquer outro que viesse a cobiçá-lo. Portanto, os
falsários precisaram se apropriar daqueles sertões, conectá-los ao restante da capitania e a
áreas até muito mais distantes. Na medida do possível, tratava-se de dominar o espaço físico,
defendê-lo e, consequentemente, estabelecer um cotidiano previsível e controlável no sítio em
que viviam, estabelecendo uma ordem específica para a empresa ilegal. Foram erigidas casas,
moinhos, estacadas e até mesmo uma capela naqueles matos. Aquele espaço chegou a ser
11
A forma para a cobrança dos quintos na casa de fundição de Vila Rica fica evidenciada em algumas cartas
trocadas entre o governador e a câmara municipal de Ouro Preto e seus povos. APM, CMOP 006, fl.51v; 54-
56; 98v-99v; 131v-132v.
12
A aplicação das várias versões do Regimento das Minas, suas formas e detalhes foram discutidas em REIS,
Entre faisqueiras, catas e galerias, 2007 e RENGER, O quinto do ouro no regime tributário nas Minas
Gerais, 2006. Algumas informações também são dadas em TÚLIO, Falsários D’El Rei, 2005.
25
dotado de regulamento escrito que facilitava o funcionamento do complexo. É interessante
notar que, em grande medida, se reproduziam no lugar do crime regras operadas pelos
senados das câmaras e por outros órgãos oficiais voltadas à regulamentação do cotidiano.
1.1 A Formação de Redes de Contatos e de Influências no Universo Colonial
Àquele pequeno mundo de Inácio de Souza, isto é, àquele locus, se conectavam
inúmeros outros pólos de ação de uma enorme rede que se espalhava, inclusive, por outros
continentes. Seu funcionamento se apoiava em contatos que envolviam o mundo oficial, o
mundo do comércio e as relações cotidianas, o que garantia o fornecimento de materiais,
apoio espiritual e intervenções administrativas conduzidas por autoridades duplamente
envolvidas – ou seja, homens que transitavam por esferas tanto oficiais quanto ilícitas. Entre
os benefícios auferidos, podem-se citar, por exemplo, o fornecimento de solimão – um
composto indispensável à redução do ouro, à separação de suas impurezas, processo realizado
durante a produção das barras de ouro – e o benefício da falta de ações repressivas, ainda que
se soubesse dessas atividades ilegais. Prova disso foram os infrutíferos alertas do governador
do Rio de Janeiro sobre a existência desses descaminhos, quando “descobriu nos princípios de
maio de 1730 a meada das barras falsas; fazendo apreensão em bastantes barras que averiguou
se serem falsas pela certidão que mandou pedir a D. Lourenço e lhe foi dessa casa da moeda
[de Vila Rica]”.
13
A inoperância das autoridades nas Minas para reprimir a rede de
descaminhos fica clara, por exemplo, em carta de 1732 escrita em Vila Rica, endereçada ao
rei e assinada por um certo A.P.C.
14
Assim, esse informante caracterizava a situação:
[...] porque como os moradores distantes não alcançaram aquele dia, entendo que se
deixam ficar com o ouro, e que tomará outro caminho; pois chegando aqui os dias
passados João Ferreira dos Santos do Rio das Mortes com duas arrobas ou mais de
ouro, a maior parte comprada naquela comarca; por ordem que para isso tinha de D.
Lourenço em virtude da qual tinha trazido bastantes arrobas de ouro a estas Casas da
Moeda, a maior parte comprado, e outro tirado nas suas lavras |por se averiguar tem
mais de 500 V #os. de seu, lhe não deferia o Conde, e lho pôs por despacho que
requeresse a S. Majestade no que pertencia a mandar-lhe receber o ouro para pagar
12 por Cento, que é o que ele pretendia e não teve remédio mais que entrar com ele
13
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.104-109.
14
Esta inoperância, em relação específica ao caso de Inácio de Souza Ferreira, é atribuída por alguns autores a
um envolvimento de Dom Lourenço de Almeida, governador e capitão-general das Minas naquela época, nos
lucros e dividendos que rendiam a fábrica de moedas e barras falsas. Para isto, ver LIMA JÚNIOR, Notícias
históricas de Norte a Sul do país, 1954.; ROMEIRO, Confissões de um falsário, 1999; TÚLIO, Falsários D’El
Rei, 2005. Trataremos deste ponto no Capítulo II desta dissertação.
26
para se lhe tirar o quinto; e a mim me disse que já que nesta ocasião perdia mais de
dois mil cruzados, não havia de comprar mais ouro; e o que tirasse das suas lavras o
guardaria até ver se na frota vindoura vinha alguma novidade de 10, ou 12 por
Cento; e não há dúvida que estes Povos viviam na esperança de que o Conde trazia o
quinto mais favorável para eles de que os 12 por cento; por se escrever do Rio de
Janeiro a esta Vila, que ele vinha dar um alegrão (sic.) aos mineiros; e muitos com
esta notícia chegaram a guardar o seu ouro, e outros a comprá-lo, e o não metiam na
Casa da Moeda, e não sei quando as Coisas destas(?) Minas hão de tomar forma
verdadeira, e durável porque o dinheiro delas ainda que serve para alguns fazerem o
seu negócio em comprar Ouro, e trazerem-no à Casa da Moeda também me parece
que serve para haver muito descaminho de ouro em pó; porque se se não fabricasse
Moeda não haviam os interessados das barras falsas, nem Inácio de Souza entrar em
semelhante absurdo; por ela lhes facilitar várias remessas no ano que faziam para o
Rio de Janeiro e Bahia a meter nas Casas da Moeda [...].
15
Ora, o ouro em pó mantido pelos mineradores em suas casas à espera de melhores
taxas do imposto favorecia, também, os descaminhos, o uso dele por falsários, como no caso
de Inácio de Souza, e o fomento das redes de contrabando e de circulação ilegal do metal e de
outras mercadorias. Eram muito claras para aquelas pessoas as formas como funcionavam as
tentativas de regulamentação das Minas pela coroa, e as medidas que podiam adotar frente a
elas. Essas circunstâncias favoreciam transações com ouro em pó, que podia ser comprado
com barras falsas ou mesmo fundido e reduzido ilicitamente. Tal esquema permitia um lucro
em dois fronts. Por um lado, o quinto do ouro era sonegado, economizando ao fundidor 20%
(ou 12%, em alguns momentos da cobrança nas casas de fundição) e, por outro, como os
preços da oitava de ouro em pó e fundido eram, respectivamente, de 10 e 14 tostões, de
acordo com a lei de 1719, lucrava-se também nessa transação. Depois disso, podiam-se
produzir mais barras com esse ouro, dando-se continuidade ao circuito. Não apenas isto, mas
as moedas e barras falsas podiam ser investidas, ainda, em diamantes e outras mercadorias, ou
seja, no contrabando ou outros negócios, legais ou ilegais.
No momento da prisão do bando, as instalações da fábrica ainda não estavam
terminadas e isto se tornaria a defesa dos réus, quando de seu julgamento, em Lisboa, em
1732, para argumentar que jamais haviam cunhado moedas e que haviam falsificado, apenas,
barras. No entanto, como veremos, as instalações inacabadas eram apenas aquelas que dariam
à fábrica a capacidade de uma produção quase industrial, conduzida com máquinas
especializadas, equivalente à da casa de fundição e moedas oficial, e o grupo já contava com a
infra-estrutura necessária para o fabrico de barras e para cunhagens manuais. Veremos
também que utilizavam a casa da moeda oficial no Rio de Janeiro para a “lavagem” de suas
barras ilícitas, transformando-as em moedas, o que sustenta a defesa dos falsários. Ainda
assim, a ausência de uma produção em grande escala não exclui a possibilidade de uma
15
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.104-109.
27
pequena produção manual, já que todo o aparato para isto estava instalado, e algumas
evidências, de fato, apontam para essa possibilidade. A diferença seria apenas que o principal
negócio daqueles homens continuava sendo o das barras e não o das moedas, mas era algo que
estava prestes a mudar.
Tratava-se de um empreendimento de produção e comércio, e fica claro como era
constituído por várias etapas. Cada uma delas era diferente da outra e tinha as próprias
demandas para funcionar. A produção das barras, por exemplo, precisava de materiais, ao
passo que o comércio do produto final necessitava de meios de transporte e contatos com
“clientes”. Inácio de Souza Ferreira e seus comparsas conseguiram suprir essas demandas
graças a amplas redes de contatos e influências. O documento citado acima demonstra como a
comunicação com a metrópole e com representantes régios eram parte dos negócios
realizados com o ouro nas Minas. No caso do bando do Paraopeba, essas redes eram ainda
mais complexas. Elas sustentavam não um indivíduo com alguma produção aurífera ou
negócio comercial, mas um bando numeroso que, apenas para proteger a fábrica de barras e
moedas falsas, contava com algo em torno de 100 homens, entre brancos e negros, incluindo
escravos, além de vários outros participantes que transitavam desde as vilas das Minas, até as
grandes cidades européias.
Tais redes não eram novidade naquele período e já foram muito discutidas na
historiografia.
16
Contribuíram para a formação do universo colonial e das Minas e eram parte
de seu cotidiano.
Em âmbito mais geral e com um forte viés econômico, Luiz Felipe de Alencastro, em
O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul. Séculos XVI e XVII, demonstra
como a formação do mundo do Atlântico Sul e do Brasil durante o período colonial não pode
ser entendida sem o reconhecimento das inúmeras conexões globais que fomentam aquele
processo (ALENCASTRO, 2000). Os portugueses estavam, afinal, presentes em quatro
continentes, e Inácio de Souza participava de redes de contatos surgidas dessas experiências.
Em um universo tão amplo, constituído de portos e cidades espalhados por todo o mundo, que
se conectavam a partir do movimento contínuo de homens, idéias e objetos, tornou-se
impossível estabelecer limites e fronteiras, assim como definir todos os trajetos percorridos.
Conhecê-los, hoje, em toda sua complexidade, é tarefa difícil. A produção de redes tão
16
Sobre o papel de agentes comercias no âmbito social, econômico e político, ver FURTADO, Homens de
negócio, 1999. Para outros tipos de redes de contatos e trânsito que conectavam vários pontos do espaço
colonial, entre si e com o além-mar, ver BICALHO, Elites coloniais, 2005a; FRAGOSO, Potentados coloniais
e circuitos imperiais, 2005; FURTADO, Diálogos oceânicos, 2001; ROMEIRO, Confissões de um falsário,
1999; ROMEIRO, Um visionário na Corte de D. João V, 2001.
28
estendidas, como a que Inácio de Souza integrou, só foi possível diante do incremento de
trânsitos – novas rotas e aplicação de novos conhecimentos ao transporte de gente, suas
culturas e artefatos – e da mobilidade em escala global, vivenciados àquela época.
17
Tais redes podem ser definidas como a possibilidade de trânsito pessoal por vários
lugares ou a capacidade de transferir, movimentar ou acionar recursos à distância de forma
contínua e entre múltiplos pontos. Esses recursos podem tomar a forma de pessoas, objetos ou
informações. Logo, um indivíduo ou grupo pode transitar ou fazer transitar. Em ambos os
casos, cria-se a circulação de seus interesses e idéias, de forma direta, e a circulação de outros,
de forma indireta. No segundo caso, referimo-nos a todas as “bagagens” indissociáveis
daquilo que circula (pessoas, objetos e informações) ou a outros recursos que as fazem
circular (outras pessoas, objetos e informações). Vale enfatizar que, para a criação de uma
rede, essa circulação precisa se operar continuamente entre vários pólos e por vias de mão-
dupla para que não fiquem limitadas a trânsitos bipolares ou transferências eventuais ou
unilaterais. É necessário existir conexão e integração, e não apenas comunicação e
deslocamento. Reconhecer essas redes é um exercício historiográfico que já vem sendo
realizado há bastante tempo, como demonstram os trabalhos de autores como Charles Boxer e
Fernand Braudel. No entanto, é uma tendência que ganhou força na historiografia
contemporânea e com a qual este trabalho almeja contribuir.
Com essa definição de rede e com a forma como o conceito foi tratado na literatura
historiográfica dos últimos anos, fica clara a associação desse fenômeno a dois fatores
naturais: tempo e espaço. Ambos influenciam os elementos principais mencionados acima
para a criação de uma rede. Ou seja: circulação envolve movimento, portanto, tempo e
espaço; continuidade é, em si, um conceito temporal; e a multiplicidade de pólos de uma teia
de trânsitos implica, necessariamente, algum tipo de distribuição espacial. As redes dependem
desses elementos. Veremos como Inácio de Souza e os falsários do Paraopeba interagiram
com e sobre esses fatores naturais para a criação e manutenção das próprias redes.
Notemos também que, de forma geral, tais redes podiam se estruturar como redes
políticas, econômicas, de influências ou outras mais, dependendo das esferas que as
coordenavam ou sobre as quais elas agiam. No caso de Inácio de Souza, destacaram-se suas
17
Entre os autores pioneiros que buscaram demonstrar as conexões em escala mundial envolvendo comércio,
saberes, objetos, poderes, etc. intensificados a partir do século XV, podem ser citados BOXER, O império
marítimo Português, 2002; BRAUDEL, Civilização material, economia e capitalismo, 1995; BRAUDEL, O
Mediterrâneo e o mundo Mediterrânico na época de Felipe II, 1983; GODINHO, Os descobrimentos e a
economia mundial, 1985. MAURO, Portugal, o Brasil e o Atlântico, 1997; WALLERSTEIN, Repasso
Teórico, 1999; WALLERSTEIN, The modern world system, 1974. Ver ainda ALENCASTRO, O trato dos
viventes, 2000 e GRUZINSKI, Les quatre parties du monde, 2004.
29
capacidades de acionar ou influenciar intermediários que pudessem, com os próprios recursos
ou com recursos disponibilizados por ele, defender os interesses dos negócios ilícitos sediados
no vale do Paraopeba ou fornecer recursos necessários a ele, como informações e materiais.
Considerando as vias de mão-dupla que operam essas relações, o próprio falsário pôde,
também, ter sido acionado ou influenciado como recurso por outros agentes históricos. Dessa
forma, estabeleceu contatos e capacidades de influência que, ao se integrarem através de
padrões de trânsito e circulação de pessoas, objetos e informações, tomaram a forma de uma
rede.
No entanto, voltando a um dos pontos-chave dessa definição, é importante notar que
nem todo trânsito está inserido em uma rede. O movimento de indivíduos de um ponto
específico para outro não necessariamente estimula a manutenção de um diálogo entre as
diferentes partes ou uma conexão. A própria instituição no Brasil da casa da moeda nos
moldes da de Lisboa, por exemplo, trouxe consigo uma série de saberes técnicos e
organizacionais relativos a ela que se tornaram um modelo a ser seguido tanto nas cunhagens
oficiais, quanto nas clandestinas, inclusive na de Inácio de Souza. Nesse caso, seguir um
modelo não significa copiar, mas utilizar bases que serão submetidas a adaptações e
influências locais. Nesse processo, vários oficiais foram transferidos de Portugal para o Brasil,
especialmente na virada do século XVII para o XVIII. No entanto, o caminho inverso não
parece ter sido percorrido, e a casa da moeda em Lisboa manteve sua forma independente até
o século XIX,
18
mesmo que nas Minas essa instituição fosse se adaptando e recebendo outras
influências. Não foi estabelecida uma relação de duas mãos entre as regiões, tampouco
participaram dela mais do que esses dois pólos.
As noções organizacionais dos outros ofícios mecânicos parecem ter seguido padrão
semelhante. José Newton Coelho Meneses (2003) argumenta como no caso específico das
Minas, a organização de Lisboa serviu de base para uma estruturação local. As Minas se
organizaram com base em Lisboa, absorvendo influências portuguesas sem se tornarem
Portugal.
19
Fatores locais e de além-mar, como a presença de escravos, deram às Minas
características distintas. No entanto, essas manifestações locais não parecem ter conseguido se
fazer sentir na capital do império de forma significativa. Embora talvez não possamos afirmar
a mesma coisa com relação às técnicas específicas de cada ofício, suas formas de se organizar
não parecem ter estabelecido uma relação de influências mútuas e constantes, mantendo um
caráter mais eventual e limitado àqueles dois pólos. Os oficiais de Lisboa se mostrariam,
18
Para a organização das casas da moeda em Lisboa ver TÚLIO, Falsários D’El Rei, 2005.
19
MENESES, Artes fabris e serviços banais, 2003.
30
inclusive, muito resistentes às possíveis inovações organizacionais incitadas pela presença
estrangeira na cidade e pelas reformas pombalinas na segunda metade do Setecentos, tentando
restringir a multiplicidade de pólos influentes naquelas questões.
Com relação à ocupação e utilização do espaço, um outro exemplo foi a transferência
de saberes arquitetônicos de Portugal para a colônia brasileira, mais especificamente para as
Minas Gerais, como foi tratada por André Guilherme Dornelles Dangelo. Embora tenha sido
correspondida por transferências de idéias no sentido oposto, estas transferências não
conseguiram inserir Portugal em redes de circulação de idéias arquitetônicas (DANGELO,
2006). A própria capela que compunha o complexo da fábrica ilegal parece ter seguido
moldes tipicamente portugueses. Se seus construtores seguiram técnicas e inovações que a
diferenciavam dos modelos do reino, dificilmente estabeleceram um intercâmbio multipolar
que influenciaria as construções reinóis de forma significativa, especialmente na primeira
metade do século XVIII. Embora as Minas tenham sido influenciadas por outros saberes
arquitetônicos (por exemplo, os italianos), a relação específica com Portugal parece ter se
mantido bipolar.
Para inserir todas essas relações em conjuntos maiores que pudessem ser chamados de
redes, seriam necessários sistemas de comunicação e trocas que incluíssem vários pólos
conectados entre si. Nos exemplos acima, cada um dos aspectos mencionados recebeu a
influência de elementos que iam além da relação entre Brasil e Lisboa – como os estrangeiros,
em Lisboa, e os escravos e manuais de arquitetura italiana, nas Minas. No entanto, os vários
pólos associados a um lado não conseguiram se conectar aos vários pólos associados ao outro
lado, mesmo quando as Minas e Lisboa eram ligadas por relações que envolviam diversos
tipos de trânsito. Ou seja, com relação a fatores específicos mencionados acima, as redes que
compuseram as influências de cada umo se conectaram uma a outra, permanecendo
relativamente independentes, apesar do trânsito entre os dois locais. Portanto, nem todo
trânsito é capaz de formar redes de contatos e influência e pode permanecer no nível bipolar.
Os vários pólos precisam estar integrados, e não apenas possuir interseções em comum, e a
multiplicação desses pólos permite a expansão em escala exponencial das possibilidades de
trânsito entre eles – com todas as influências associadas. Ou seja: mesmo que de forma
indireta, permite a integração através das mediações e contatos de pontos múltiplos que se
conectam.
Logo, alguns trânsitos podem se limitar a um contato direto entre alguns poucos
pontos sem estabelecer integrações mais abrangentes e com mais pólos e, dessa forma, não
formam redes. Isso não significa que o universo português do século XVIII tenha sido carente
31
de redes multipolares abrangentes. Circularam governadores, magistrados e outros ministros
régios oficialmente em nome de Portugal, assim como incontáveis agentes não-oficiais, como
homens de negócios, religiosos, militares e escravos. Todos eles acabavam movimentando
experiências e saberes. Agiam como mediadores culturais e agentes de integração. Ao
contrário de trânsitos que não constituíam redes, como se exemplificou acima, tais agentes
utilizavam experiências e contatos adquiridos em um ou mais pontos do globo para agirem em
outros, ao mesmo tempo em que podiam estar sediados em um outro local ou representando
outros interessados. Transportavam as culturas em suas várias formas, mesmo que submetidos
às próprias interpretações delas. Às vezes, essas ações eram deliberadas, às vezes acidentais,
acontecendo de forma orgânica, sem um ‘plano’ ou ‘projeto’ definido a priori. As culturas
transportadas, então, eram inseridas em novos contextos e logo sujeitas a novos diálogos.
Consequentemente se transformavam à medida que passavam de um pólo a outro. No caso
dos ministros, por exemplo, transformavam o poder da coroa que representavam em um
recurso que conectava o império e o globo em todos os seus níveis (culturais, sociais, políticos
e econômicos), na medida em que eram transferidos de um local a outro, representando,
ainda, um terceiro pólo – além de agirem simultaneamente a inúmeros outros agentes.
20
As ações concomitantes de esferas oficiais e não-oficiais não implicaram harmonia,
tampouco conflitos constantes. As relações entre as duas esferas variavam no tempo e no
espaço, de acordo com as possibilidades, limitações e conveniências, sem excluir as amplas
conexões que iam além de contextos específicos. De fato, essas conexões eram
imprescindíveis, e os diálogos locais-globais estavam por toda parte, inclusive nas Minas da
primeira metade do século XVIII. Ali estava Inácio de Souza Ferreira, homem de negócios
ilícitos capaz de formar, nos matos ermos do vale do Paraopeba, uma milícia armada de
negros e brancos vindos do Brasil, Europa e África, e manter colaboradores em Londres e na
Holanda. Um criminoso com conexões junto às esferas oficiais de poder nas Minas, mas que
foi preso por agentes das mesmas esferas. Depois disso, se livraria da condenação à morte do
outro lado do Atlântico, mas, em seguida, seria esquecido nos cárceres da Torre do Bugio, em
Portugal, até definhar e morrer. O exemplo de Inácio de Souza mostra como essas relações
20
Sobre o trânsito de oficiais régios e saberes administrativos ver BICALHO, Pacto colonial, autoridades
negociadas e o império ultramarino português, 2005b e GOUVÊA, Poder político e administração na
formação do complexo atlântico português, 2001. Sobre o trânsito de indivíduos e mentalidades e sobre
mediadores culturais ver FURTADO, Homens de negócio, 1999; FURTADO, Diálogos oceânicos, 2001;
GRUZINSKI, Les quatre parties du monde, 2004; PAIVA, Brasil-Portugal, 2006a; PAIVA, Escravidão e
universo cultural na Colônia: Minas Gerais, 2001; PAIVA; ANASTASIA, O trabalho mestiço, 2002;
PAIVA, Histórias comparadas, histórias conectadas, 2008a; PAIVA, Trânsito e mobilidade entre mundos,
2008b; ROMEIRO, Um visionário na Corte de D. João V, 2001 e SOUZA, O sol e a sombra, 2006. Sobre o
trânsito de técnicas de mineração em Minas Gerais ver REIS, Entre faisqueiras, catas e galerias, 2007.
32
não eram claras nem precisas, mas aconteciam e misturavam esferas oficiais e não-oficiais. O
líder do bando do Paraopeba participava de redes que integravam muitos pólos
simultaneamente.
Mesmo havendo esse exemplo, não se pode achar que o diálogo entre esferas oficiais e
não-oficiais implicava sempre uma ação criminosa. As interseções dos interesses públicos e
privados eram algo comum no período,
21
e poderiam aparecer tanto de forma lícita como
ilícita. Homens de negócios utilizavam suas influências para adquirir privilégios e mercês e
alimentar redes clientelares com base em seus contatos oficiais.
22
Dessa forma, não só
reforçavam seu status oficial, como estimulavam seus negócios privados. Desde que as
normas fossem respeitadas, não havia vergonha nisso e, de fato, a prática era comum.
23
O caso de Inácio de Souza demonstra, no entanto, como as relações entre o público e o
privado podiam, às vezes, incluir práticas ilícitas e como o mesmo indivíduo podia agir tanto
lícita quanto ilicitamente. A distância do centro de poder em Lisboa, apesar das conexões,
favorecia um grau de autonomia local que era explorado constantemente por ministros régios
e poderosos locais, intensificando esse tipo de relação entre o público e o privado.
24
A
delegação do poder do rei a um oficialato durante a era moderna permitiu uma “administração
ativa”,
25
até certo ponto distanciada do monarca e com alguma autonomia, complicando ainda
mais as relações do público e do privado naquele contexto.
26
O distanciamento e a autonomia
facilitavam a mistura dessas esferas nas mãos desses funcionários, fazendo com que o
21
Um trabalho importante que chama a atenção para a atuação de poderes periféricos e questiona algumas das
inovações políticas supostas pela historiografia na Idade Moderna, em Portugal, como a centralização
absoluta do Estado, é HESPANHA, Introdução, 1994.
22
O termo “redes clientelares” foi utilizado, aqui, da forma como foi desenvolvido em HESPANHA; XAVIER,
As redes clientelares, 1993.
23
Para uma análise das relações entre interesses públicos e privados e como estes influenciavam as esferas
sociais e políticas durante o período colonial no Brasil de forma mais ampla, ver FRAGOSO, Potentados
coloniais e circuitos imperiais, 2005. Uma ênfase social e econômica – embora não exclusivamente – pode
ser vista em FURTADO, Homens de negócio, 1999.
24
Para uma abordagem mais aprofundada dessa noção de distância, assim como sua relativização, ver FAORO,
Os donos do poder, 1998 e SOUZA, O sol e a sombra, 2006.
25
Embora com a forte noção de uma condição de “desordem” nas Minas durante o período colonial – visão não
partilhada nesta dissertação, a favor de uma ordem própria, da qual o crime de Inácio de Souza é um exemplo
– essa idéia de “administração ativa” é apresentada em ANASTASIA, Vassalos rebeldes, 1998. A autora
explora como essas autonomias geravam, também, conflitos internos dentro da administração oficial em
ANASTASIA, A geografia do crime, 2005.
26
HESPANHA, Porque é que existe e em que é que consiste um direito colonial brasileiro, 2006. Para o caso
específico das Minas, no Distrito Diamantino, ver FURTADO, Terra de estrelas, 2005. Uma visão que
defende a possibilidade de se utilizar essa distância para negociações entre súditos e o monarca, que, às vezes,
podia tomar a forma de revoltas e rebeliões, é apresentada em ANASTASIA, A lei da boa razão e o novo
repertório de ação coletiva nas Minas setecentistas, 2002; FIGUEIREDO, O império em apuros, 2001. No
entanto, essa distância não era absoluta e precisa ser relativizada. A possibilidade de conexões e redes globais
existia, como o demonstra o próprio exemplo do caso da fábrica de barras e moedas falsas do Paraopeba.
33
governo colonial funcionasse em torno da interação de dois sistemas: um burocrático formal e
outro de relações pessoais.
27
Tais relações compuseram o contexto em que agiram os falsários do vale do
Paraopeba. Agentes históricos atuaram dentro de esferas oficiais e se utilizaram de suas
influências para encobrir ou fomentar ações ilícitas. D. Lourenço de Almeida, governador e
capitão-general das Minas entre 1721 e 1732, talvez seja o exemplo mais significativo para o
período e lugar de atuação do grupo de falsários abordado nesta dissertação.
Em 1724, o governador deu conta a El-Rei sobre seu sucesso em ter conseguido a
aprovação local para a instalação das casas de fundição. No documento não explicou, todavia,
como realizou essa negociação, apesar de, dois anos antes – após a consideração de várias
questões e das opiniões dos moradores das Minas e do parecer do superintendente das casas
de fundição e moeda Eugênio Freire de Andrada – o governador ter declarado ao monarca que
[...] Por todas as razões que dá a V. Majestade o Superintendente Eugênio Freire me
parece sumamente conveniente que V. Majestade não ponha estas Minas as casas de
fundição e Moeda, senão que no Rio do Janeiro Bahia e Pernambuco seguinte (sic.)
todo o ouro, porque faz V. Majestade menos despesa, ou tão pouca que não entra em
consideração por haver em o Rio Bahia casas de Moeda estabelecidas, porque desta
forma tira V. Majestade os seus quintos sem despesa, e não se arriscam estes povos a
caírem no abuso de fazerem levantamentos, porque ainda que presentemente os vejo
sossegados, são tão odiosas para eles as casas de fundição que justamente se deve
recear que por algumas indicações de homens mal intencionados, tornem a fazer
motins.[...].
28
Os pareceres redigidos por D. Lourenço de Almeida e Eugênio Freire de Andrada
apresentavam várias desvantagens que se seguiriam com a instalação das casas de fundição e
moeda, tanto para os moradores locais como para a Real Fazenda. Com base nelas, em 1722
foi estabelecido como alternativa o acréscimo de 12 arrobas de ouro à finta de 25 arrobas que
os moradores das Minas já pagavam anualmente à coroa. D. Lourenço julgou essa manobra,
na época, como um grande sucesso. No entanto, menos de dois anos depois, em 1724,
declarou que
[...] como sempre entendi que V. Majestade poderia não se servir de aceitar este
donativo, se não o que justamente lhe devem pagar estes Povos que é o quinto de
todo o ouro que se extrair destas Minas: logo depois que dei conta a V. Majestade da
dita junta não houve diligência que em todo o discurso de tempo não aplicasse para
estes Povos conhecessem a justíssima razão que tinham para não duvidarem pagar a
real fazenda de V. Majestade o seu quinto, porque sempre esperei que V. Majestade
me ordenasse que sem embargo do Donativo das doze arrobas de ouro que
27
SCHWARTZ, Magistratura e sociedade no Brasil colonial, 2003.
28
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.153v-155 e 155v-158.
34
acrescentaram os Povos estabelecesse eu as casas da fundição e moeda e como V.
Majestade pelo seu secretário de Estado foi servido mandar-me esta ordem, que me
chegou por um Navio de aviso que veio ao Rio de Janeiro, novamente comecei a
dispor os ânimos de todos estes Povos, os quais já pelas minhas persuasões
antecedentes, tinham conhecido a sua obrigação, e não tem dúvida que nestas Minas
tem Vossa Majestade Vassalos honrados, e que desejam servir com zelo se o
Governador os sabe mandar com modo [...].
29
Não fica claro o que o governador quis dizer com “saber mandar com modo”, mas os
dois documentos demonstram uma guinada radical na atitude do ministro e das “câmaras
todas destas Minas, e homens bons delas”,
30
e uma conveniente relativização das opiniões
negativas dadas em 1722 sobre as casas de fundição e moeda. Entre aqueles homens bons em
31 de janeiro de 1724, estava Inácio de Souza Ferreira, que assinou a oficialização dessa
decisão. Foi um dos homens a quem D. Lourenço de Almeida “soube mandar com modo”. O
envolvimento do governador com os negócios do líder do bando do Paraopeba já foi discutido
por Adriana Romeiro, colocando o ministro régio como um dos aliados da fábrica de
falsificação de barras e moedas e, também, do contrabando de diamantes, um outro negócio
ilegal conduzido por Inácio de Souza (ROMEIRO, 1999). Com base nos documentos já
apresentados até aqui, é possível fazer inferências que reforçam essa sugestão e exemplificar
as interseções entre as esferas oficiais e não-oficiais. De qualquer maneira, a simples presença
de Inácio de Souza na junta de 1724 deixa claro seu trânsito entre os dois universos,
independentemente de qualquer envolvimento que possa ser sugerido da parte de D.
Lourenço.
Foi fundamental para os falsários do vale do Paraopeba a utilização das redes de
contatos e influências que possuíam para viabilizar e manter funcionando sua fábrica ilegal.
Não só isso, pois os negócios daqueles homens incluíam o contrabando de diamantes. As
redes de contatos ofereciam diversas oportunidades que eram exploradas tanto quanto
possível. Em meio aos papéis do desembargador Joaquim Rodrigues Santa Marta Soares,
responsável pelo cárcere de Inácio de Souza em Portugal e pela investigação de seus negócios
internacionais, podem ser encontradas as contas redigidas por Manoel Lopes Ribeiro, sócio
que agia em Londres repassando e vendendo diamantes.
31
Ainda, na delação que fez
Francisco Borges de Carvalho, este declara que seu sócio, Inácio de Souza, “[...] por ser
despótico administrador de tudo, como é público nestas Minas e tanto assim que ainda para o
29
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.158-162v.
30
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.158-162v.
31
ANTT, Conselho de Guerra, maço 251 bis, caixa 933.
35
negócio ilícito, como o das carregações dos diamantes, o remeteu só em seu nome, sendo ele
Francisco Borges também interessado [...]”.
32
As contas redigidas por Manuel Lopes Ribeiro datam de junho de 1730 pelo menos.
33
Considerando que foram feitas após todas as transações com os diamantes, além dos tempos
de viagem que um pacote levaria das Minas até Londres, pode-se concluir que o envio das
pedras para Londres já estaria acontecendo pelo menos desde 1729, época em que pelo menos
a fábrica de barras estava atuando. Ou seja: havia uma integração de atividades simultâneas
que podiam se sustentar mutuamente. Aqueles homens utilizavam suas esferas de ação e seus
recursos para mais de um negócio ilícito, com lógicas e áreas de funcionamento até certo
ponto distintas.
É difícil saber qual dessas atividades foi a primeira a se estabelecer: a fábrica de barras
e moedas falsas ou o contrabando de diamantes. Ou se essas atividades ilícitas foram
anteriores ao estabelecimento das redes de contatos e influências que as sustentavam.
Entretanto, há razões para acreditar que Inácio de Souza já se interessava pelo negócio das
barras falsas, pelo menos, desde janeiro de 1724, quando assinou o termo da junta que
determinou a instalação das casas de fundição como meio para a cobrança dos reais quintos.
Tanto o contrabando quanto a falsificação de moedas já eram práticas conhecidas no universo
da colônia, como veremos. De qualquer maneira, não é objetivo deste trabalho buscar as
origens desses negócios, mesmo porque, como argumentado acima, identificar um ponto de
origem específico para as atividades discutidas nesta dissertação pode ocultar a complexidade
do tema. O que nos interessa aqui é analisar a integração dos elementos que potencializaram a
fábrica de barras e moedas falsas no vale do Paraopeba, e, portanto, o contrabando de
diamantes será tratado como um desses elementos, e não como foco deste estudo. Logo, para
este trabalho, é necessário inserir o grupo de falsários no contexto da taxação do ouro para se
entenderem suas motivações.
1.2 A Esfera Local, a Esfera Global e as Casas de Fundições e Cunhagens Coloniais
É possível que as fábricas ilegais de fundição de ouro e cunhagem de moedas já
existissem antes da que foi instalada por Inácio de Souza e do funcionamento das primeiras
32
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
33
ANTT, Conselho de Guerra, maço 251 bis, caixa 933.
36
casas de fundição oficiais nas Minas, a partir de 1725. Assim como o contrabando, é possível
que essas práticas fossem mais antigas. Isto foi sugerido por Antonil em 1711:
[...] e continuando ao presente o rendimento com igual ou maior abundância por
razão do maior número dos que se empregam a catar [ouro], só os quintos devidos a
Sua Majestade foram notavelmente diminuindo, ou por se divertir para outras partes
o ouro em pó, ou por não ir à Casa dos Quintos, ou por usarem alguns de cunhos
falsos, com engano mais detestável [...].
34
Desde o século XVII, já havia explorações auríferas em outros locais, tais como a
capitania de São Vicente. Na época, a cobrança dos quintos era feita através das casas de
fundição, apesar de, na região das Minas, só terem sido instaladas muito tempo depois. Havia
uma em Taubaté, por exemplo, que, de todas, era a mais próxima de onde seriam feitos,
depois, os maiores descobertos auríferos da colônia. Esses mesmos descobertos provocariam a
extinção da casa de Taubaté em 1704, quando outras duas casas de fundição seriam instaladas
em Parati e Santos a fim de controlar o escoamento do ouro pelo Caminho Velho. Esse
sistema funcionaria até a criação da capitania de São Paulo e Minas do Ouro em 1710, onde
seria instalado o sistema de cobrança dos quintos por bateias em 1713 – embora tenha se
tentado instalar, sem sucesso, casas de fundição já em 1710, quando da criação da capitania.
Já em relação às casas da moeda, a primeira delas seria instalada na Bahia em 1694.
35
No império português, tais casas transformavam o ouro em pó em barras ou moedas – tais
casas eram dotadas de fundições específicas para a produção de barras, distintas daquelas
necessárias na produção de moedas –, cobrando o real quinto quando se fizesse necessário.
Havia uma distinção entre moedas “nacionais”, que podiam circular por todo o reino, e as
chamadas moedas “provinciais”, restritas a determinadas áreas, como eram aquelas feitas na
colônia nesse primeiro momento. A casa da moeda da Bahia assumiu, em 1699, uma condição
“ambulante” por motivos logísticos.
36
Naquele ano a casa da moeda fora transferida para o
Rio de Janeiro, mas já com instruções para funcionar por um ano apenas e, após esse período,
se mudar para Pernambuco, onde também teria a mesma duração. O objetivo dessa casa
“ambulante” era cunhar o ouro que circulava ao redor dos maiores centros da colônia e
transformá-lo em dinheiro, estimulando o comércio local e, no processo, cobrando o quinto e
a senhoriagem sobre as moedas. Com a intensificação das atividades mineradoras no centro
34
ANTONIL, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e Minas, 2008, 3ª Parte, Capítulo IV.
35
Sobre a trajetória das casas de fundição e moeda no Brasil durante o final do século XVII e início do século
XVIII, ver BOXER, The golden age of Brazil 1695-1750, 1964; REIS, Entre faisqueiras, catas e galerias,
2007; TÚLIO, Falsários D’El Rei, 2005. Para um panorama mais amplo em termos temporais ver RENGER,
O quinto do ouro no regime tributário nas Minas Gerais, 2006.
36
O termo “ambulante” é utilizado em TÚLIO, Falsários D’El Rei, 2005.
37
do que viria a ser a capitania de Minas Gerais, a casa da moeda foi estabelecida
definitivamente no Rio de Janeiro em 1702. Seu período “ambulante” durou pouco.
Vale notar que, no mesmo ano em que a casa da moeda se instalou fixamente no Rio
de Janeiro, foi proibido o caminho pelo sertão do rio São Francisco – que levava às Minas –, e
interrompida a construção de um outro que ligaria a região à capitania do Espírito Santo.
37
Foi
também em 1702 que se estabeleceu o novo Regimento das Minas. Na cidade do Rio de
Janeiro estava a única casa da moeda do Brasil, e tentava-se forçar a passagem de todo o ouro
das Minas por aquele porto. Apenas anos depois, em 1714, seria instalada uma nova casa da
moeda na Bahia. Foi naquela época (1704), também, que as fundições de Santos e Parati
iniciaram suas atividades. Estes eram os portos por onde passava o ouro que vinha das Minas
pelo Caminho Velho e o ouro da capitania de São Vicente. Para seguir para a Europa ou para
a África, saindo dos portos de Santos e Parati, a navegação precisava passar pelo Rio de
Janeiro.
Nota-se, portanto, a confluência num curto período de tempo de várias tentativas de
controle sobre as extrações auríferas das Minas Gerais, que mostravam uma preocupação, por
parte do poder central, com a forma como o ouro circulava pelo espaço físico da colônia. O
Regimento das Minas trataria de regularizar a crescente expansão dos descobertos auríferos e
a ocupação das lavras. A proibição do caminho pelo rio São Francisco e a ausência de outras
rotas forçaria o escoamento do ouro na direção sul, principalmente pelo Rio de Janeiro, maior
porto em atividade naquela rota. Naquela cidade, colocava-se o instrumento principal de
taxação do metal. Fechava-se o cerco, então, com as casas de fundição de Santos e Parati, em
1704, para que o ouro não deixasse a colônia sem que se pagasse o que se devia à Fazenda
Real. Tudo isto acontecia em teoria, pois a prática se mostraria diferente.
Tentar controlar o ouro nos portos era mais simples do que tentar controlá-lo no
interior da colônia, dadas as condições e proporções do espaço geográfico. Os portos eram os
pontos de intensificação do comércio e trânsito intercontinentais, portanto, pólo de circulação
do metal. Dentro do território do Brasil, o trânsito de ouro em pó era livre e a costa se
apresentava como um limite fronteiriço óbvio. O litoral era a única via pela qual o metal
poderia sair dos domínios portugueses, já que o trânsito partindo daquela região em direção ao
oceano Pacífico ainda se encontrava barrado por grandes extensões de terras inexploradas e
desconhecidas pelos portugueses ou espanhóis, e pela cadeia andina. Com a lei de 1719 para a
instalação das fundições nas Minas, se alteraria a forma de tratar o ouro em pó. A partir
37
BOXER, The golden age of Brazil 1695-1750, 1964.
38
daquela ordem, a circulação de ouro que não fosse fundido ou cunhado oficialmente deveria
limitar-se ao distrito das Minas. No entanto, a delimitação de fronteiras no interior da colônia
naquela época era incerta para servir de referência para o controle do metal, como apontaria o
Conde de Assumar, governador de São Paulo e Minas do Ouro em 1719.
38
O parecer do
conde levaria, em 1720, à proibição da circulação de ouro em pó também dentro das Minas,
exatamente pela dificuldade de se lidar com o território geográfico, e o comércio deveria ser
todo feito com dinheiro. Essas medidas intensificariam o controle régio sobre o maior centro
de produção aurífera da colônia, ao mesmo tempo em que se estabeleceria uma produção
monetária local.
39
Vários pareceres produzidos em Portugal atacaram a instalação de casas de moeda nas
conquistas, no Brasil e nas Minas.
40
Embora a maioria dos pareceres esteja sem data ou
assinatura, os assuntos tratados nos textos indicam que são da primeira metade do século
XVIII. Entre aqueles que foram consultados nesta pesquisa, os que estavam datados e
assinados eram o do Conde de Ericeira, de 1717, e o de um tal João Antônio de Vasconcelos,
de 1719. Esses pareceres defendem os privilégios que o reino deve ter sobre o comércio das
conquistas e denunciam o imenso prejuízo que teriam os comerciantes do reino se fosse dada
àquelas regiões a capacidade de cunhar o próprio dinheiro.
A produção de moedas na colônia representava, desde o início, um trunfo para os
moradores daquela região. As repercussões que uma casa da moeda oficial poderia ter nas
conquistas já era motivo de debate entre homens do reino, e uma instalação semelhante,
porém ilícita, poderia ser problema ainda maior. O dinheiro trazia vantagens comerciais,
poder e status frente ao cenário internacional. Como observou um autor anônimo daquela
época, em seu relatório sobre o assunto,
[...] a correnteza de dinheiro moedado nas Conquistas, longe de facilitar e adiantar o
Negócio, é o atraso dele, porque enquanto o ouro se não fabrica, se reputa por
gênero, e se lhe não dá tanta estimação ou valor, como ao depois de moedado, em
que existe como se criou o seu Dono tem ânsia em o vender por mais alguma
reputação, é liberal em trocá-lo a Gêneros, e franco em o fiar e emprestar, logo que
se mudou da sua Natureza, adquire novo Amor e diferente Estimação, a Franqueza
se converteu em Misquinez (sic), e Liberalidade em cobiça enquanto ouro o
comprador promete Oitavas, reduzido a Moeda, regatea(?) por(?) Reais e meio. No
primeiro Estado se pode dizer que é viandante e a todos patente, no segundo caseiro
e entesourado, esta asserção se confirma com os clamores de todos os comerciantes
para as Conquistas e dos seus Moradores com a alteração que encontram depois de
38
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.65v-66.
39
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.65v-66.
40
ANTT, Manuscritos da Livraria, Livro 1096, fl.13v-22; ANTT, Manuscritos da Livraria, Livro 1096, fl.61v-
63v; BNL, Coleção Pombalina, Códice 642, fl.581-584; BNL, Coleção Pombalina, Códice 738, fl.263-265;
BNL, Coleção Pombalina, Códice 738, fl.282-283.
39
se estabelecerem as Casas das Moedas, ao largo e franco comércio que de antes
havia, e as conseqüências do negócio parado e empatado causam Ruína ao
Traficante, e diminuição do Rendimento de todos os direitos Reais [...].
41
Obviamente, trata-se de uma opinião parcial, mas as vantagens e poderes auferidos
pela produção de dinheiro são evidentes. Embora se referisse à produção oficial, o problema
de facto era gerado pela posse de moedas, o que implica que ocorreria com as moedas falsas
também.
O parecer do Conde de Ericeira também defendia os interesses dos negociantes reinóis
no que diz respeito ao comércio com o Brasil.
42
Dizia que a fabricação das moedas
estabeleceria um preço fixo para o ouro, impossibilitando os mercadores de além-mar de
negociarem seus lucros. Os possuidores de moedas achavam-se “sossegados em ter nas suas
mãos um valor imutável, sem risco de descer, somente as largam pelo seguro infalível de o
aumentar”.
No parecer mais específico do tal José Antônio de Vasconcelos, também foi observado
o quanto sofreriam os negociantes estrangeiros caso fossem instaladas fundições de barras
oficiais nas Minas. As observações mencionavam a fraude, também, do ouro em pó, que
poderia ser “falsificado” misturando-o com limalha, problema que perturbaria o pagamento
das matrículas da capitação anos depois, a partir de 1735.
43
Apesar do alarde que Vasconcelos
faz sobre isto, havia formas simples de lidar com o ouro em pó fraudado que seriam utilizadas
pelos oficiais régios em 1736.
44
Um dos dados mais interessantes desse parecer, entretanto,
era o reconhecimento da possibilidade de produção de barras falsas, exatamente pelas
facilidades que o distrito das Minas oferecia para isso, e a tentação das vantagens que isso
poderia trazer aos possíveis contraventores. Fica clara a tentativa dos reinóis de defenderem
seus interesses internacionais nas suas relações com as Minas e nas transações comerciais,
que
[...] se for com o de pó poderá ter o risco de ser falsificado, e se for com o de barra,
fica o preço muito subido para tirar dele o seu interesse, e de qualquer sorte que seja
sempre é prejuízo grave para o negócio, e talvez poderá ser este o motivo, de que
uma tão grande conveniência desperte, a que se imitem as marcas, e com elas se
marquem as barras, porque nada é difícil à indústria em o que pode caber em o
possível, quanto mais, que como o distrito das Minas é dilatado, serão necessárias
muitas casas de fundição, e por conseqüência haver nelas muitos oficiais para
receberem o dito 5º, que pode acontecer, que levados dos seus interesses particulares
se esqueçam da sua obrigação, e possam fazer às partes o favor, e abatimento, que
lhe parecer, sem embargo de que haja livros de registro [...].
45
41
BNL, Coleção Pombalina, Códice 738, fl.263-265.
42
ANTT, Manuscritos da Livraria, Livro 1096, fl.13v-22.
43
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.236-236v.
44
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.236-236v.
45
ANTT, Manuscritos da Livraria, Livro 1096, fl.61v-63v. Grifos nosso.
40
Embora parcial também, a argúcia de José Antônio de Vasconcelos já previra um
cenário muito semelhante àquele que se desenvolveu no vale do Paraopeba, tanto no que diz
respeito à falsificação quanto ao envolvimento de oficiais régios. A presença de casas de
fundição e moedas na colônia não era irrelevante frente ao cenário internacional. Apesar dos
protestos, as referidas casas foram instaladas, demonstrando a capacidade que possuíam os
moradores locais de negociação, influência e habilidade em fazer valer seus interesses,
inclusive no estrangeiro. Entre esses moradores, pelo menos um deles iria além e fundiria as
próprias barras e moedas. Um ato audaz e que poderia gerar grandes retornos diretos, além de
vantagens para outros negócios lícitos e ilícitos.
De forma geral, com moedas em mãos, os moradores dessas áreas poderiam entesourar
suas riquezas e comprar as mercadorias que vinham do reino com moedas de valor fixo, que,
por sua vez, não poderiam ser revendidas em Portugal por um preço maior, como se fazia com
os gêneros naturais. Assim, os habitantes das conquistas teriam duas formas de comercializar:
gêneros naturais e dinheiro. Ao contrário, os comerciantes do reino teriam apenas uma:
vender suas mercadorias de qualquer maneira para não terem prejuízo com a viagem. Tendo
duas formas, os moradores das conquistas poderiam sempre se utilizar da que fosse mais
conveniente num dado momento e obter maiores vantagens sobre os mercadores que vinham
de Portugal.
Outras razões, além das referidas acima, também eram dadas, mas quase todas giram
em torno dos interesses dos comerciantes do reino, que atacavam as possibilidades de
autonomia que viriam da cunhagem de moedas nas conquistas. Alguns deles sugerem que as
moedas provinciais poderiam ser uma solução, no entanto, desde que tivessem menor valor do
que as do reino. Ou, então, que o quinto deveria ser arrecadado apenas por casas de fundição e
não se cunhasse moeda alguma. Um tipo específico de interesse desponta desses pareceres
relativos a uma classe específica atuante em Portugal.
A primeira casa de moedas foi instalada no Brasil em 1694, e outras apareceriam
posteriormente. A administração régia cedia aos interesses da colônia. Os moradores daquela
região ou aqueles que tinham negócios ali conseguiam atuar em Lisboa, obtendo vantagens, e
a integração das duas áreas não se limitava a um “exclusivo” metropolitano ou um pacto.
46
As
redes de influência na colônia eram amplas e fortes. Deve-se notar, também, que os pareceres
indicam como alguns homens em Portugal tinham pleno conhecimento de como as coisas
46
As idéias de um “‘exclusivo’ metropolitano” ou “pacto” entre a colônia e a metrópole foram desenvolvidas por
NOVAIS, Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808), 1983. Embora tenham sido de
grande influência na década de 1970, tais idéias não se sustentam frente a novos documentos e abordagens
desenvolvidos nos últimos anos.
41
funcionavam no além-mar. Logo, o que acontecia nas conquistas tinha repercussões em várias
partes. A integração era inegável e incluía homens dos dois lados do Atlântico e em outras
regiões, que eram capazes de atuar internacionalmente. Apesar da forte vigilância sobre o
ouro para defender os interesses régios, interesses privados interagiam com os interesses
públicos constantemente. No Brasil não era diferente, e esses interesses privados podiam ser
fortes.
Cunhar moedas falsas, portanto, não só permitiria retirar ouro do Brasil sem pagar taxa
alguma à coroa portuguesa, como significaria o fortalecimento econômico de um indivíduo ou
grupo. O contrabando não era o único interesse em jogo. Com esse contexto em mente, fica
claro por que as falsificações de barras ou moedas poderiam ter começado a surgir no Brasil
logo quando foram estabelecidas as fundições e cunhagens oficiais naquela área.
Por ora, as ações desses contraventores nos ajudam a pensar outras questões que não
as origens dessas práticas. Por exemplo, as expressões locais de uma rede de contatos e
influências que ia muito além dos limites da região mineradora. Em outras palavras, a
integração do local com o global. Os homens envolvidos no crime de barras e moedas falsas,
para conduzir seu negócio, atuaram tanto no meio internacional, ao qual tinham acesso, como
no local e participavam da integração desses dois pólos.
Embora integrados, o contexto global e o ambiente local podiam se compor por fatores
físicos, sociais e políticos próprios. Além de negociantes no além-mar, que representavam o
reino, e administradores oficiais, que representavam a coroa portuguesa, existiam ainda outras
relações dentro de um espaço geográfico mais imediato. Estas podiam envolver negras de
tabuleiro que transitavam pelos morros mineiros, índios conhecedores dos caminhos pelos
matos, pequenos comerciantes que trocavam ouro em pó por barras fundidas e os próprios
mineradores locais, ricos e pobres. Após a prisão de parte do bando, o governador Dom
Lourenço publicou um bando que exigia a entrega de todos os bens de Inácio de Souza, os
quais haviam sido confiscados. Nesse bando, se reconhece a forma e abrangência da atuação
do acusado no âmbito local, “porque necessário se entende que o dito Inácio de Souza
Ferreira tem espalhado diversos [bens] por estas Minas todas para com ele se comprar ouro
para reduzir a moeda”.
47
Reconhecendo essa lógica de integração, torna-se difícil estabelecer fronteiras precisas
onde termina o local e começa o global. Já que uma esfera não se desliga da outra e, de fato,
uma compõe a outra, deve ficar claro que ambos os conceitos são, nesse caso, relativos. Não
47
APM, CMOP 006, fl.109-110.
42
podem ser confundidas com uma oposição binária, já que, além de tudo, tanto o local quanto o
global representam, cada um, conjuntos de pólos e não um pólo em si. Escolher as áreas que
compõem cada um desses conjuntos é um exercício analítico feito no presente e não deve
almejar incluir, de forma definitiva, todas as relações existentes entre ambas as dimensões. As
áreas de interseção entre os dois e, ainda, com outras que podem ter sido excluídas de uma
determinada análise histórica são incontáveis. Ou seja: se a perspectiva for alterada e outro
objeto de estudo for selecionado por outro pesquisador do presente, as abrangências do que se
chama de local e global seriam outras. O que nos importa, aqui, é a relação do microcosmo
com o macrocosmo do contexto colonial, mas sem ignorar que o grau de ampliação da lente
utilizada para focar esses dois conjuntos – utilizando uma metáfora – pode ser alterada.
Respeitando as delimitações políticas da época que definiam onde a casa de fundições e
moedas das Minas deveria atuar – e se moldavam em torno de onde eram extraídos os
diamantes e de onde se concentrava a maior parte das extrações auríferas do Brasil – nesta
dissertação define-se como local a capitania das Minas do Ouro. A escala global, neste
trabalho, compõe o mundo conhecido direta ou indiretamente pelos moradores do império
português naquela época.
Era natural a intensificação das relações entre pontos dentro do âmbito definido como
local quando comparadas ao que se chama de global, qualquer que seja a escala adotada. O
primeiro implica redução, e, com a proximidade dos pontos, o trânsito de pessoas e
informações acontecia mais rapidamente. Levava-se menos tempo para se cruzarem as
distâncias geográficas, o que acelerava o ritmo de comunicação. Isto podia funcionar tanto a
favor quanto contra o grupo de falsários tratado aqui e alterava os tipos de relações que se
operavam nas diferentes escalas.
Na construção daquele complexo ao pé da atual serra da Moeda, o bando de falsários
tomou inúmeras medidas de segurança que demonstram o alto grau de preocupação com a
proteção de seu negócio diante de ameaças mais imediatas. Com aquela infra-estrutura de
defesa, tinham em mente invasões de autoridades locais ou ataques de outros grupos privados
que podiam agir mais rapidamente e pegá-los de surpresa, como aconteceu. Por exemplo, pelo
regulamento do sítio era proibido o livre trânsito de seus moradores e o envio de cartas, coisas
que podiam denunciar a comunidade ilícita. Enquanto isso, em Londres, Manuel Lopes
Ribeiro, sócio de Inácio de Souza Ferreira no negócio de contrabando de diamantes e receptor
das pedras naquelas ilhas, vivia mais tranqüilamente. Agia em outro contexto e, sem as
mesmas preocupações, transitava livremente, mantendo livros de contas detalhados das
transações ilícitas da sociedade. A rede atuava internacionalmente, mas, naquele espaço local,
43
ela possuía mais possibilidades de expressão e, por isso, necessidade de se proteger. As
expressões locais e globais eram conectadas, mas precisavam se adaptar às respectivas
realidades.
48
Para chegarem à fábrica de Inácio de Souza e seu bando, as notícias de além-mar
passavam, primeiro, pelos arredores dela. Era a capacidade de se manter informado do que se
passava nas vilas e morros mineiros que garantia o abastecimento de informações necessárias
aos negócios e à defesa da fábrica. O documento citado acima, quando descreve a situação de
João Ferreira dos Santos em Vila Rica, fala das novidades de frotas vindouras, cartas do Rio
de Janeiro que incitam os moradores das Minas a guardarem, em casa, seu ouro, e de como o
novo governador, o Conde das Galveas, “vinha dar um alegrão (sic) aos mineiros”. Em
seguida, as notícias passavam aos ouvidos dos homens sob o comando de Inácio de Souza,
pois, como descreve Francisco Borges de Carvalho em sua delação ao ouvidor-geral Diogo
Cotrim,
[...] a mesma atividade e zelo com que o dito Senhor [o governador D. Lourenço de
Almeida] se havia empregar essas mesmas havia servir de despertador para sua [de
Inácio de Souza] defensa porque de qualquer operação que o dito senhor faz tem ele
dito meu sócio muitos e repetidos avisos pelos seus confidentes quanto mais nessa
diligencia que pela suas graves circunstancias senão pode fazer sem algumas
demonstrações públicas [...].
49
O que acabou causando o desbaratamento do bando foi, por fim, exatamente a troca
escamoteada de informações por parte de dois traidores e oficiais régios. Esse evento, além de
indicar a importância de conseguir se manter informado, demonstra a diversidade das redes
locais. Por mais que os contatos de Inácio de Souza Ferreira fossem amplos, não alcançavam
todas as partes, dando brecha para a ação de outras redes contrárias a seu empreendimento.
Quaisquer que fossem os interesses envolvidos, tais redes, contra ou a favor, ligavam a
fábrica de moedas e barras falsas a um universo bem mais amplo. Conectavam-na aos
acontecimentos locais e globais, mesmo se tratando de um ponto escondido no vale do
Paraopeba. É importante notar, aqui, que o sítio era um lugar protegido, mas de forma alguma
isolado. As mesmas redes acima corroboram essa idéia. Posicionava-se estrategicamente em
48
Sobre ações locais de redes amplas, onde a interseção dos universos lícito e ilícito é discutida como forças de
influências que moldam a realidade local, mesmo indo muito além dela, ver THOMPSON, Senhores e
caçadores, 1997. Para o caso do Brasil no período colonial, ver FRAGOSO, Potentados coloniais e circuitos
imperiais, 2005; FURTADO, Homens de negócio, 1999; FURTADO, Diálogos oceânicos, 2001;
GRUZINSKI, Les quatre parties du monde, 2004; LISANTI FILHO, Negócios coloniais, 1973; PAIVA,
Escravidão e universo cultural na Colônia: Minas Gerais, 2001; PAIVA, Brasil-Portugal, 2006a. Sobre
atuações de redes locais no universo brasileiro do século XIX, ver IVO, O anjo da morte contra o santo
lenho, 2004.
49 BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
44
relação aos caminhos e rotas das Minas, cercado com estacadas e sentinelas armadas, mas o
trânsito de pessoas e informações não era deficiente, mesmo que controlado. A influência
daquele estabelecimento criminoso ia longe, mesmo que suas instalações físicas fossem fixas
no espaço.
1.3 O Local da Fábrica: Escolha e Preparo
O grupo liderado por Inácio de Souza Ferreira erigiu no vale do Paraopeba a infra-
estrutura física para suas ações de falsificação. Erigiram casas, oficinas, moinhos e pontes,
colocaram portões e fossos e estabeleceram, ali dentro, uma rotina de trabalho que girava em
torno de uma regulamentação redigida para a proteção do lugar. Era um empreendimento de
grandes proporções. Aquele sítio acomodava, no mínimo, algo em torno de cem homens.
Estes se encontravam por perto boa parte do tempo, já que tinham seu trânsito limitado pelo
regimento. A infra-estrutura física levantada foi tão significativa que as ruínas sobreviveram
até os dias de hoje com o nome de São Caetano da Moeda, que é um dos distritos do atual
município de Moeda. Ainda há uma capela no mesmo local daquela que servia ao sítio de Boa
Vista do Paraopeba há pelo menos 280 anos. Não é mais a mesma, mas as fundações da antiga
construção ainda podem ser vistas sob o novo prédio. Os vestígios físicos permaneceram, e
foi grande a influência que aqueles homens tiveram na região.
A serra do Paraopeba adquiriu novo nome, serra da Moeda, dando ao crime
denunciado em 1731 mais projeção do que o importante rio navegável que cruza o vale do
lado oeste daquela formação. O antigo sítio, chamado de Boa Vista do Paraopeba, passou a se
chamar São Caetano da Moeda, nome que permanece até hoje, e, coincidência ou não, o nome
do sobrinho assassinado de Francisco Borges era Caetano. Antes que na década de 1950
50
tratores abrissem a estrada de asfalto que liga a BR-040 ao vale, um dos caminhos utilizados
para se chegar à sede do município, vindo de Belo Horizonte, era o mesmo estabelecido pelo
bando de falsários mais de 200 anos antes.
Depois do episódio, o vale do Paraopeba continuou seu ritmo de vida. Quando, em
1873, James Wells passou por Belo Vale, a poucos quilômetros ao sul de onde estivera a
50
Esta data para a abertura da estrada de asfalto é a que corre na tradição oral local e não foi comprovada por
documentos. É uma data perfeitamente crível, pois foi em 1953 que o município se desmembrou do de Belo
Vale, tornando-se autônomo, e tomou a sua conformação atual. BARBOSA, Dicionário histórico-geográfico
de Minas Gerais, 1971, p.293.
45
fábrica, ele não dedicou muitas palavras à região, mas caracterizou-a como “miserável” e
repleta de “papudos” (pessoas que sofriam de bócio). Ao descer a serra das Boas Mortes,
nome conservado ainda hoje e que se refere a um trecho da serra da Moeda, o viajante
descreve a paisagem do vale do Paraopeba da seguinte maneira:
[...] Lá, as distantes terras baixas, muito abaixo de nós, parecem ser uma vasta
floresta cobrindo uma região ondulada. [...] bem longe, pequenas colunas de fumaça
cinza-azulada levantam-se de alguma roça ou capinzal que queima os únicos sinais
de vida humana na vasta área [...].
51
Apesar dos pontos negativos, ainda assim Wells reconhece a possibilidade de alguma
prosperidade no passado da região, baseando-se na estrada que tomou para descer a serra, que,
[...] deve evidentemente ter tido considerável importância no passado, a julgar, pelo
menos, pelo esforço tão generosamente despendido em sua construção, mas agora
ela está comparativamente abandonada; as pedras estão escorregadias de limo e
liquens, indicando quão raramente passa um viajante [...].
52
Quando fala das casas do primeiro arraial por onde passa, que “estão espalhadas
irregularmente em grupos separados, algumas, as relíquias de tempos idos de prosperidade,
têm bom tamanho e são bem construídas, mas agora estão em ruínas”
53
Wells mostra
reconhecer na região um passado próspero. Entretanto, de forma geral, o viajante passa uma
impressão bastante negativa do vale ao pé da serra.
Já Richard Burton, em sua viagem na década de 1860, sequer falou da região e
mencionou apenas “a Grande Serra”, quando fez uma breve menção ao caso de Inácio de
Souza Ferreira, ao falar dos problemas enfrentados pelas casas de fundição nos anos de 1720,
logo após sua primeira instalação nas Minas.
54
Parece que o nome “Moeda” para denominar a
serra ainda não era utilizado. É claro que esses viajantes tinham outros interesses ao cruzar a
região no século XIX e o que viam eram filtrado por suas visões de mundo – européias – e,
talvez por isso, o vale do Paraopeba não tenha chamado muito a atenção. Além disso, em
1797, de acordo com Carla Anastasia (2005), o lugar parece ter sido esconderijo de um
pequeno grupo de criminosos, um dado que poderia ser tomado, em uma leitura descuidada,
como sinal de isolamento da área e que poderia comprometer o entendimento das ações do
próprio bando de Inácio de Souza.
51
WELLS, Explorando e viajando três mil milhas através do Brasil, 1995.
52
WELLS, Explorando e viajando três mil milhas através do Brasil, 1995.
53
WELLS, Explorando e viajando três mil milhas através do Brasil, 1995.
54
BURTON, Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho, 1976.
46
No entanto, um levantamento arqueológico daquela área
55
vem demonstrando uma
ocupação mais significativa, com algumas fazendas médias de economia diversificada, talvez
corroborando algumas das suposições levantadas por James Wells em 1873.
56
Ainda podem
ser vistas as ruínas desses complexos, com suas casas cercadas por muros, moinhos, currais e
lavras minerais. Paula Regina Albertini Túlio (2005) faz uma análise do vale utilizando cartas
de sesmarias, datas minerais, testamentos e inventários, e revela um dinamismo da região que
os viajantes estrangeiros no século XIX falharam em reconhecer. Embora não tenha sido um
espaço de mineração intensa, já que os depósitos auríferos na região são escassos, nem um
grande fornecedor de víveres para áreas onde o ouro era mais abundante, ainda assim se
encontrava na rota do Caminho Velho, servindo o rio Paraopeba de ponto de referência para
se alcançar a atual serra do Curral – possivelmente seguindo o pico do Itatiaiuçu – e, de lá, a
Vila de Sabará, a Vila do Pitangui, a Vila do Príncipe ou o rio São Francisco. Tropeiros e
comerciantes ambulantes eram ubíquos na região. Era uma região de trânsito, apesar de não
ser a rota principal das Minas naquela época. Sua posição era convenientemente estratégica
para o bando de falsários, algo de que souberam se utilizar muito bem.
57
Pouco depois de ter feito a delação em Sabará, Francisco Borges de Carvalho enviou
àquela vila seu sobrinho, João José Borges de Carvalho, com uma carta contendo todos os
detalhes sobre a defesa dos arredores do sítio de Boa Vista do Paraopeba. Francisco Borges
explicou na carta as estratégias das sentinelas, a distribuição de armas entre os moradores, o
uso de escravos armados e a presença de cães de vigia, além das estruturas físicas para a
defesa do empreendimento, como as estacadas. Para a invasão, João José Borges agiria como
guia da diligência, e Francisco Borges, de dentro do complexo, sabotaria algumas das
estratégias defensivas. Ambos eram fundamentais para a investida de Diogo Cotrim, pois a
infra-estrutura para a defesa havia sido muito bem preparada.
Os preparativos defensivos começavam pelos caminhos. O guia da diligência precisou
conduzir tropas de ordenanças, homens do mato e alguns soldados Dragões por cima da serra
durante a noite, ainda na estação das chuvas, para não serem vistos. A rota de descida era
facilmente observável das casas de vivenda do sítio, e, antes de adentrar a mata, cruzava-se
55
Trabalho que ainda se encontra em andamento, organizado e financiado pelo Instituto Libertas de Educação e
Cultura e pela Prefeitura de Moeda.
56
Este tema também foi tratado em RESENDE, Itinerários e interditos na territorialização das Geraes, 2007.
Ver também MORAES, De arraiais, vilas e caminhos: a rede urbana das Minas coloniais, 2007.
57
Para uma descrição mais detalhada do perfil sócio-econômico do vale do Paraopeba durante o século XVIII, e
uma outra abordagem do seu uso estratégico pelo bando de Inácio de Souza Ferreira, ver TÚLIO, Falsários
D’El Rei, 2005.
47
uma vegetação de campo de altitude
58
que não oferecia nenhum tipo de cobertura. Portanto,
qualquer investida durante o dia, ou com tochas ou lanternas durante a noite, seria facilmente
vista pelos homens da fábrica clandestina, dando-lhes pelo menos uma hora de vantagem
(FIGURA 1). A formação geológica da serra da Moeda naquele pedaço que se desce para
chegar ao sítio da fábrica possui longos trechos de filito, solo facilmente arrastado pela água
das chuvas, formando lamaçais muito escorregadios. O restante possui uma formação de
canga, solo sobre o qual é difícil se caminhar em terreno inclinado, devido à grande
quantidade de cascalho e pedras soltas. Mesmo hoje, não há muitas rotas de descida além da
estreita estrada municipal aberta com a ajuda de maquinário pesado. Além dessa estrada
moderna, o trecho da serra que protege o pequeno distrito de São Caetano da Moeda possui
apenas uma única rota direta (FIGURA 2), indicando as conveniências defensivas do lugar.
58
A vegetação de campo de altitude é composta por gramíneas, poucos arbustos e pequenas árvores isoladas.
48
FIGURA 1: Vista atual a partir das ruínas das casas de vivendas do antigo sítio de Boa Vista do
Paraopeba com a trilha de descida pela serra salientada na fotografia. O fim da marcação em vermelho
indica o ponto onde a trilha entra na mata fechada e onde começa a voçoroca que serve de caminho até o
sítio.
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008
49
FIGURA 2 Detalhe de uma carta moderna indicando o local das ruínas do antigo sítio de Boa Vista do
Paraopeba (ponto roxo) e a via de acesso a ele pela serra da Moeda, que era o caminho utilizado no início
do século XVIII (marcado por um traço pontilhado na descida da serra enfatizado em roxo). O fim da
marcação em roxo indica o ponto onde a trilha entra na mata fechada e onde começa a voçoroca que serve
de caminho até o sítio.
FONTE: DSG (Diretoria de Serviços Geográficos, Min. do Exército) (1981) Folha SF-23-X-A-III-3-NO,
MI-2573/3-NO, Barra do Gentio, 1:25.000.
50
De forma geral, a serra da Moeda se apresenta como um formidável obstáculo natural
que seria respeitado no final do século XVII, durante o estabelecimento do Caminho Velho;
no início do século XVIII, quando se instalou o Caminho Novo; e no século XX, na
construção da BR-040. Onde foi possível, através dos anos, construíram-se caminhos para
facilitar o trânsito em diferentes partes daquela formação, derrubando árvores, planando
pedaços de encosta, calçando alguns trechos e até mesmo instalando muros de arrimo ou
parapeitos. Ainda é possível encontrar os vestígios desses trabalhos por toda a serra, incluindo
pelo caminho que os falsários utilizavam (FIGURA 3). No trajeto que fez em 1873 de
Congonhas do Campo a Belo Vale, James Wells utilizou uma dessas vias – ilustrada em seu
trabalho –, que também é observável ainda hoje, demonstrando a permanência dessas
estruturas (FIGURAS 4 e 5). O desenho feito pelo viajante, mesmo que posterior, é bem
simples e esquemático. No entanto, exatamente por isso, foram valorizadas as características
que permitiriam um reconhecimento rápido da região pelo observador do desenho, através dos
elementos que chamavam mais a atenção do viajante estrangeiro. Além da dificuldade da
descida, podemos notar um pequeno pico ainda hoje utilizado como ponto de referência, e as
voçorocas que, do lado esquerdo da ilustração, cortam a colina – elementos que também
foram notados e utilizados por Inácio de Souza Ferreira. O viajante descreve o trajeto da
seguinte maneira:
[...] nossa atenção precisa se conservar na preservação de nossos pescoços durante a
descida da serra, pois a estrada se torna uma rampa espantosamente abrupta. Por
longo tempo, ela se espreme entre os lados íngremes das montanhas, altas encostas
de capim entremeado de pedras de um lado, do outro fundas ravinas cavernosas. A
estrada é grosseiramente pavimentada com imensos blocos e lajes irregulares de
pedra, que devem ter sido coletadas nos morros vizinhos com extraordinário esforço
e dificuldade. Um parapeito baixo, de dois ou três pés de altura, fornece uma
proteção oportuna aos viajantes contra a queda nos precipícios adjacentes. A rampa
é tão inclinada, e o calçamento de pedra tão irregular, que é realmente como descer
uma escada repleta de caixotes; continuar montado está fora de questão, pois as
mulas escorregam nas superfícies lisas, seus cascos se prendem nos interstícios das
lajes, elas cambaleiam, lutam, escorregam, crispam e tremem cada músculo: mas nós
vamos descendo aos poucos, de escorregão em escorregão; é uma estrada própria só
para um cabrito. [...] e em algumas das pedras nós não levávamos vantagem sobre as
mulas; ficávamos com as pernas presas entre as rochas, escorregávamos no limo e
esfolávamos canelas e cotovelos [...].
59
59
WELLS, Explorando e viajando três mil milhas através do Brasil, 1995.
51
FIGURA 3: Vestígios de pequenos muros construídos como parapeitos no caminho que levava à antiga
fábrica de moedas e barras falsas liderada por Inácio de Souza Ferreira.
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008.
52
FIGURA 4: Vestígios da estrada por onde passou James Wells em 1873, quando seguia para Belo Vale.
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008.
53
FIGURA 5: Desenho feito por James Wells ou encomendado por ele, ilustrando sua descida pela atual
serra da Moeda. É possível notar os parapeitos de pedras cercando a estrada e algumas características
marcantes da paisagem natural como as voçorocas, do lado esquerdo da ilustração, e um pico, ao fundo,
que ainda hoje é ponto de referência para aqueles que caminham na crista da serra.
FONTE: WELLS, Explorando e viajando três mil milhas através do Brasil, 1995, p.102.
Esse tipo de investimento na construção dos caminhos é, portanto, prática bem antiga,
mas dificilmente estava presente na época do crime das barras falsas. Logo, a descida de
Diogo Cotrim e suas tropas, um século e meio antes de Wells, deve ter sido ainda mais
traiçoeira. A preocupação de Francisco Borges de Carvalho em enviar seu sobrinho como
guia não era somente para que este checasse a presença de vigias pela rota, mas também para
indicar o local exato para a descida e as trilhas que conduziam aos postos de sentinela, “pois o
dito meu sobrinho sabe a picada que conduz para o rancho” (nesse caso, “rancho” se refere a
uma guarida à beira do caminho de onde se defendia a rota, de onde se poderia atirar com
segurança contra os invasores e era citada como a “primeira casa do sítio”).
60
Além das dificuldades naturais, os homens da fábrica clandestina instalaram, pelo
menos, dois portões pelo caminho e posicionaram sentinelas em várias partes desse trecho de
descida. Estas estavam armadas e protegidas em pontos estratégicos, prontas para fazer
60
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
54
[...] logo sinal dando dois tiros para que logo da casa da vivenda onde assiste o
maior saírem a defender a vida onde estão feitas ciladas entre rochedos por ser o
caminho incapaz de descerem por ele senão uma pessoa atrás da outra e com muito
trabalho [...].
61
Como qualquer membro do bando, as sentinelas podiam facilmente defender essa rota
de descida se fossem avisados. O caminho todo, após adentrar a mata que cobre aquele trecho
da encosta (FIGURAS 1 e 2), corre dentro de uma profunda voçoroca (um valo estreito
formado por erosão pluvial ou por veios d’água sazonais). A voçoroca que leva a São Caetano
da Moeda tem hoje mais de cinco metros de profundidade em boa parte de seu trecho e não se
pode caminhar dentro dela a não ser em fila indiana. Uma vez ali dentro, é muito difícil
escapar por qualquer um dos paredões laterais (FIGURA 6). Sem estudos geológicos
detalhados, não podemos saber qual era a profundidade dessa voçoroca na época da diligência
de Diogo Cotrim de Souza, mas, pela descrição de Francisco Borges de Carvalho, não parece
ter sido muito diferente. O lugar poderia se transformar num verdadeiro abatedouro e, caso as
sentinelas
[...] façam aviso ou sinal requeiro a Vossa Mercê da parte de Deus outra vez de
nenhuma sorte imprenda a decida porque bastam seis armas de fogo para que não
escapem ninguém com vida e não tenha efeito nenhum a diligência [...].
62
Os falsários dispunham de muito mais do que apenas seis armas de fogo. Após todas
as dificuldades da descida, chegava-se ao complexo principal das instalações do grupo
liderado por Inácio de Souza. Logo na entrada havia um açude, cuja travessia só era possível
por uma longa ponte. Sobre essa ponte os falsários estavam a construir
[...] uma portaria no meio que ainda não está pronta, mas trabalha-se nela com força,
e posta que seja tem muito dificultosa entrada porque se há de fechar com corrente
de ferro, e três sentinelas a vista toda a noite e ninguém pode invadir a dita passagem
sem ser morto por estar a peito descoberto [...]
63
61
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
62
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
63
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
55
FIGURA 6: Voçoroca utilizada como caminho para a antiga fábrica de moedas e barras falsas liderada
por Inácio de Souza Ferreira.
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008.
Logo depois, chegava-se a algumas oficinas. Mais adiante, ao redor de um “terreiro
grande”, estavam as casas de vivenda, as senzalas e a capela, todas bem protegidas. Embora
algumas das casas de pedra ainda estivessem por terminar, as seteiras já estavam instaladas e
ainda podem ser observadas, hoje, em suas ruínas (FIGURA 7).
56
FIGURA 7: Seteiras da casa de pedras de Inácio de Souza Ferreira. É possível notar na fotografia direita
superior o formato afunilado da abertura e a sua maior largura do lado interno da casa em comparação
com o lado externo. Na fotografia direita inferior é possível notar o campo de visão destes elementos
estruturais de defesa.
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008.
57
Outras casas já estavam prontas. Nelas dormiam armados quatro dos sócios. Na
cozinha, por detrás das vivendas, dormia o “cozinheiro e mais alguns pretos, e estes têm
também armas de fogo”.
64
Enquanto a principal casa de pedra não estava acabada, Inácio de
Souza Ferreira morava na sacristia da capela, também armado. No entanto, parece que a
principal ameaça por ali eram
[...] as senzalas dos negros que tem três portas para o terreiro a cento e quarenta
passos de comprido assistem nas mesmas senzalas perto de cincoenta escravos, e
tem a casa, outras tantas armas de fogo, e muitas delas a dois tiros em que as não são
tem suas baunetas para as bocas das armas; partes destas ditas armas tem os escravos
nas senzalas, e os que não são escopitros(sic) tem chuxos de ferro e astes de pau
comprido. Há preparos de cunhetes de valas de chumbo grosso, barris de pólvora,
cartuxeiras com cartuchos feitos preparados e tudo com muito cuidado este deve
Vossa Mercê ter muito grande cuidado em tomar logo as ditas sentinelas, digo
senzalas, por que do contrário se podem seguir grandes ruínas se os negros
chegarem a pegar nas armas [...].
65
Talvez tenha sido um erro inocente da parte do delator quando fazia suas declarações
ao escrivão da ouvidoria, ou um erro da parte do escrivão, mas é interessante notar como há
uma pequena confusão na passagem que se refere às senzalas, na qual elas são chamadas de
“sentinelas”. O uso de negros armados foi uma prática comum para os poderes não-oficiais e
potentados nas Minas setecentistas.
66
Suas relações de proteção com seus senhores, além do
poder que davam aos cabeças dessas milícias, podiam estimular vários tipos de influências e
intercâmbios culturais e sociais, os quais teriam sido parte do universo de Inácio de Souza.
Um exemplo dos tipos de relações que poderiam se estabelecer é o de Manuel Nunes Viana,
homem poderoso durante aquela época, que possuía escravos armados temidos pelas
autoridades, dado o poderio de fogo que representavam.
67
Diogo Cotrim de Souza, como
ouvidor-geral, portanto, não devia estar sendo exposto a esse fenômeno pela primeira vez e
deveria saber bem dos riscos que aquele tipo de organização representava. Ele mesmo
recrutara alguns negros para ajudar na diligência.
68
64
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
65
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
66
ANASTASIA, Vassalos rebeldes, 1998. Sobre a presença desse elemento em outros locais e épocas do
período colonial brasileiro, ver FRAGOSO, Potentados coloniais e circuitos imperiais, 2005.
67
PAIVA, De corpo fechado, 2006b. Neste artigo, o autor também aborda como, além de representarem um
grande poderio de fogo, é possível que tais práticas de participação em milícias privadas não fossem
novidades para os próprios escravos, que poderiam estar recriando, nas Minas, tradições vindas da África.
Com estas, poderia vir, também, um repertório de crenças sobre poderes mágicos e outras superstições
relativas a práticas bélicas.
68
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
58
Mesmo que pudessem ser utilizados, também, pelo poder oficial
69
, os ministros régios
ainda tentaram, constantemente, controlar esse fenômeno de milícias de negros organizadas
em esferas privadas, mas sem sucesso. Em 1717, um bando proibia qualquer negro de portar
qualquer tipo de arma branca ou de fogo, já que
[...] tem chegado a notícia o abuso mal introduzido por pessoas revoltosas [ileg.]
vontade se sujeitam às leis de Majestade, à razão e às luzes querendo defender os
seus direitos e o dos seus sequazes [ileg.] com a força da violência de suas armas,
violando nesta [ileg.] respeito das justiças que para semelhantes casos foram
instituídos ficasse ao arbítrio dos particulares preverter (sic) [ileg.] as perturbações
que se originam de semelhantes ordens [...].
70
Em 1719, a proibição sobre as armas seria repetida, impedindo seu trânsito nas mãos
dos negros “quer seja pelas vilas, quer pelas estradas”, pois constava que alguns homens as
“consentem ou permitem para inspirar respeito com a insolência dos ditos negros”.
71
O
mesmo bando, no entanto, permitia seu porte aos negros nos momentos em que
acompanhavam seus senhores, ou quando iam cortar lenha ou capim, quando podiam levar
machados ou facas sem ponta.
72
Pelo menos no papel, havia, ainda, a ordem de que nenhum
desses objetos poderia ser vendido a negros ou mulatos, com graves penas para o vendedor.
Apesar disso, a colônia manteria uma ordem própria, da qual negros armados faziam parte.
Essa ordem local dificultava a imposição de algumas medidas régias contra tal fenômeno, e
essas proibições acabariam tendo que ser repetidas em 1722, 1724, 1725, 1730 e 1731.
73
No
bando de 1717, D. Pedro de Almeida declarava que essas medidas precisavam alcançar as
áreas mais afastadas e, em 1719, reclamava do problema da distância e isolamento de algumas
partes. Como dizia o governador, “os ânimos das gentes se fosse afrouxando a sua
observância, particularmente nas partes distantes”, e que era preciso recomendar da mesma
forma àqueles que governavam distante das vilas. À medida que a ordem era repetida, no
entanto, não havia escolha para a administração local a não ser amenizar cada vez mais as
exigências e penas, tentando chegar a um consenso com a realidade local. O bando de 1725 já
se mostra mais condescendente do que aquele de 1719, e o de 1731 ainda menos específico
69
Em 1717, apesar de outras medidas contra o porte de armas por negros, o conde de Assumar, governador das
Minas na época, libera a particulares o uso de qualquer força armada de que disponham para atacar quilombos
na capitania, sem o risco de incorrerem em pena alguma. APM, CMOP 006, fl.10-10v. Outros exemplos sobre
o uso de negros pelo poder oficial, em tropas regulares ou de outras formas, podem ser vistos em COTTA, No
Rastro dos dragões, 2004 e MELLO, A guerra e o pacto, 2004.
70
APM, CMOP 006, fl.2-2v.
71
APM, CMOP 006, fl.12v-14.
72
APM, CMOP 006, fl.2-2v; 12v-14.
73
APM, CMOP 006, fl.35-35v; 50-50v; 53v-54; 94v; 108-108v.
59
que os outros.
74
Nesse processo evidenciam-se as negociações entre o poder central e a ordem
local, relação que se mostra mais complexa do que a simples dicotomia dominante X
dominado ou autoridades X rebeldes.
Essas milícias particulares não se limitavam ao uso de escravos e negros para sua
composição. Era comum homens poderosos colocarem tropas de ordenanças ou auxiliares,
que eles mesmos formavam, à disposição do poder oficial, equipando-as com armas e, às
vezes, até mesmo cavalos, em troca de patentes militares. Tais tropas não eram constituídas
apenas por brancos necessariamente e, mesmo “oficializadas” e representando um fenômeno
bem diferente daquele dos falsários do Paraopeba, demonstravam a capacidade que alguns
homens das Minas tinham de agregar esses recursos humanos e materiais e, em seguida,
utilizá-los para os fins que desejassem. Além dos bandos do conde de Assumar, outros relatos
coevos, como o de Antonil, em 1711 sugerem a ubiqüidade dessas práticas e fazem referência
aos problemas que elas causavam. Antonil diza que
[...] aos de cabedal, que tiraram muita quantidade dele [do ouro] nas catas, foi causa
de se haverem com altivez e arrogância, de andarem sempre acompanhados de
tropas de espingardeiros, de ânimo pronto para executarem qualquer violência, e de
tomar sem temor algum da justiça grandes e estrondosas vinganças [...].
75
A milícia armada que Inácio de Souza Ferreira conseguiu reunir consistia numa prática
conhecida e, provavelmente, exigia conexões com outros homens para se conseguirem
“voluntários” ou se comprarem negros com os quais se pudesse contar para esse tipo
específico de ação. Este era mais um obstáculo que a diligência de Diogo Cotrim de Souza
precisaria enfrentar, além da difícil descida pela serra do Paraopeba. Todos esses preparativos
estavam dispostos antes mesmo de se avistar a casa da moeda estabelecida pelos falsários.
Cercada por condições naturais favoráveis, aproveitando a geografia local com seu
posicionamento estratégico e demonstrando grande capacidade de utilizar o meio natural a seu
favor, uma milícia bem armada e protegida foi instalada, acoitada de tal forma que “de todas
partes se pode fazer fogo a peito coberto com muito dano dos de fora”.
Os temas mencionados acima, quais sejam, o aproveitamento da geografia e das
condições naturais, assim como a formação de milícias privadas que incluíam brancos, negros
e mulatos, livres e cativos já foram discutidos na historiografia sobre o período. Em A
Geografia do Crime: Violência nas Minas setecentistas, Carla Anastasia (2005) trata das
74
Estas formas de controle parecem ter significado muito pouco para as pessoas daquela época e, muitas vezes,
negros e mulatos, cativos, livres e libertos, encontravam formas de ingressar na sociedade colonial pelo uso
das armas. Sobre isto ver COTTA, No Rastro dos dragões, 2004.
75
ANTONIL, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e Minas, 2008, 3ª Parte, Capítulo XVII.
60
formas como diferentes circunstâncias geográficas, tanto físicas como políticas, eram usadas a
favor de bandos de criminosos e outros contraventores nas Minas Gerais durante o século
XVIII. A autora, no entanto, insere essas circunstâncias em disputas de poder balizadas em
torno das tentativas de imposição do controle régio. O poder privado é colocado como
antagônico ao poder da coroa, e seriam necessárias constantes negociações para que se
mantenha um grau de equilíbrio aceitável. A autora chama isso de “formas acomodativas”
que, por si só, já não representam a ordenação ideal, política ou social, daquela comunidade.
Para Anastasia, tais formas eram, freqüentemente, bastante delicadas e, por isso,
constantemente rompidas, especialmente nos locais afastados dos pólos de representação do
poder metropolitano. Embora demonstre como a geografia poderia viabilizar a defesa de
interesses privados e como essa defesa podia ser operada, essa base teórica sugere, ainda, uma
idéia de desordem nos espaços distantes dos centros oficiais de poder político. É preciso
relativizar esse último ponto e considerar formas de ordenação locais, adaptadas a
circunstâncias distintas daquelas de onde emanavam os poderes políticos oficiais. O exemplo
de Inácio de Souza Ferreira se presta bem a isto e é muito semelhante a vários outros casos
citados naquele mesmo trabalho.
Há, por exemplo, o caso do “Mão de Luva”, contrabandista do final do século XVIII
que se estabeleceu nos sertões do Macacu, construiu ranchos e casas e formou ao seu redor
um grande séqüito de brancos, negros, índios e mestiços. Esse criminoso também estabeleceu
regras para seu complexo e mantinha contato com comerciantes e com a população indígena
local. Em uma carta ao governador das Minas daquela época, o vice-rei descreve o bando do
“Mão de Luva” como “congregados com muita gente armada e pronta a defender-se naqueles
lugares proibidos, se [faziam] absolutos e cada vez mais temerários na continuação de seus
públicos procedimentos”.
76
As semelhanças com Inácio de Souza são inegáveis. Seu delator,
Francisco Borges de Carvalho, aproximadamente meio século antes, o descrevera também
como “tão absoluto com o poder de negros e brancos que tem adquirido que por qualquer leve
motivo manda espancar”.
77
Ainda no mesmo trabalho, Anastasia descreve a situação da serra do Itacambiruçu, no
Distrito Diamantino. Naquele lugar, na segunda metade do século XVIII, estabeleceu-se uma
enorme infra-estrutura clandestina para a extração ilícita de diamantes. Levantaram-se muitas
casas e roças, fazendas com mantimentos, picadas, caminhos e até mesmo vendas, por onde
transitaram grandes bandos organizados compostos por brancos, mestiços e negros. Esses
76
ANASTASIA, A geografia do crime, 2005.
77
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
61
exemplos demonstram como a situação de Inácio de Souza Ferreira não foi única no cenário
das Minas coloniais.
Ainda fontes coevas mencionam outros fenômenos semelhantes, e as autoridades
oficiais não ignoravam os perigos que isso poderia representar. Os matos cerrados, as serras e
rios caudalosos eram vistos com ressalva, não apenas pelos representantes do poder régio,
mas por outros observadores também. As informações sobre as condições naturais e os
caminhos que formavam os sertões da região mineradora circulavam bastante e eram
interpretadas e utilizadas de várias formas.
78
Em 1711, foi publicada em Lisboa a obra de André João Antonil – já mencionada
neste trabalho diversas vezes –, intitulada Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e
Minas, na qual, entre outros assuntos, o autor descreve vários pontos sobre a vida nas Minas,
na primeira década do Setecentos, embora ele nunca tenha visitado aquelas terras.
79
É preciso
estar atento a esse último ponto, mas ele também é um exemplo de como poderiam se
constituir as redes de informações naquela época e como estas, por sua vez, podiam ser
mescladas a redes de contatos. As informações de Antonil sugerem as possibilidades
disponíveis nas Minas no início do século XVIII que poderiam estar inspirando exploradores
e colonos, oficiais e não-oficiais.
Prova de que se acreditava que a obra poderia estimular interesses contrários aos da
coroa – fazendo com que “a sede insaciável do ouro [estimulasse] a tantos a deixarem suas
terras e a meterem-se por caminhos tão ásperos como são os das Minas”
80
– foi a supressão da
edição e proibição da obra poucos dias depois de sua publicação. Talvez os homens
responsáveis por essa censura estivessem ainda mais distanciados da realidade mineira do que
Antonil e seus possíveis leitores, mas fica clara a preocupação com a circulação de
informações sobre as condições geográficas das Minas.
Cultura e Opulência do Brasil não pode ser considerado um guia perfeito, mas
equívocos de sua parte demonstram como a circulação de informações também estava
suscetível a falhas. Vale lembrar que Inácio de Souza, apesar de sua rede de contatos, não foi
informado da diligência que Diogo Cotrim de Souza organizara contra ele; e João Ferreira dos
Santos, aparentemente, não sabia que os quintos estavam sendo cobrados, novamente, a 20%,
e não mais a 12%, quando chegou a Vila Rica em 1732.
78
SAFIER; FURTADO, O Sertão das Minas Como espaço vivido, 2006.
79
ANTONIL, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, 2001.
80
ANTONIL, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, 2008, 3ª Parte, Capítulo V.
62
Acredita-se que André João Antonil seja o pseudônimo de um padre italiano ordenado,
chamado Andreoni. É preciso considerar que, como estrangeiro e religioso pertencente a uma
ordem, as opiniões expressas em seu texto perpassariam por filtros específicos – problemática
semelhante àquela que precisa ser considerada em relação aos viajantes do século XIX – e
produziriam, portanto, uma visão construída sobre interesses que podiam estar alienados da
realidade sobre a qual se escrevia. Não apenas isso, mas a forma como defende os senhores de
engenho em outras partes de seu livro sugere uma parcialidade ainda mais acirrada na sua
construção de uma imagem das Minas, que são representadas como repletas de problemas.
Afinal, foi em meio aos engenhos que o autor escolheu se estabelecer, e estes ainda eram o
principal motor da economia da colônia naquela época, mesmo que já em vias de decadência.
As descrições dos caminhos que levavam à região mineradora feitas por Antonil, além
de serem detalhadas – mesmo que com equívocos –, insinuam algumas possibilidades
disponíveis às pessoas daquela região para burlarem as diferentes esferas do controle régio
que ainda tentava penetrar na área. Como afirma Eduardo França Paiva (2006), aquelas terras
sem “lei, rei ou fé”, com “organização social incipiente, de controle público ainda frágil
diante do poderio privado dos potentados”, poderiam ser vantajosas para exploradores astutos
ou poderosos.
81
Já Antonil não apenas descreve a região como não tendo governo, “ministros
nem justiças que tratem ou possam tratar dos castigos dos crimes” e onde homicídios e furtos
são muitos
82
, como fala da facilidade de se agir no anonimato. Observa que, além das lavras
conhecidas, havia “outras, que secretamente se acham e se não publicam, para se
aproveitarem os descobridores delas totalmente, e não as sujeitarem à repartição”.
83
A
mineração clandestina parece ter sido comum. Os oficiais régios muitas vezes tentavam conter
essas práticas regulamentando as áreas ermas, tentando submetê-las ao regimento de 1702, e
as insinuações de Antonil se refletiam, também, em ordens e bandos da administração oficial
da região. A 3 de março de 1726, o governador Dom Lourenço de Almeida publicou um
bando em Vila Rica tentando regular a ocupação de alguns descobertos auríferos em
Itaberaba. As lavras estavam sendo exploradas em segredo por seus descobridores, que se
aproveitavam do anonimato naqueles matos. Como declarou D. Lourenço:
[...] me consta com toda a certeza que nos matos de Itaberaba se acham muitos
moradores com grandes conveniências de ouro por terem descoberto uma grande
faisqueira, que dão certamente bons jornais, e com esperanças de se descobrirem
lavras de maior grandeza [...] e por terem em segredo estas grandes conveniências
81
PAIVA, Trânsito de culturas e circulação de objetos no mundo português, 2006c.
82
ANTONIL, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, 2008, 3ª Parte, Capítulo V.
83
ANTONIL, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, 2008, 3ª Parte, Capítulo III.
63
não querem admitir naquele distrito pessoas que vão de novas, porque [ilegível] os
que hoje se acham na Itaberaba é que as querem ter, como também as abundâncias
de ouro da celebrada Casa da Casca, que já hoje se acha com mineiros vivendo
ocultamente e tirando grandezas [...].
84
Essa declaração de D. Lourenço reitera a importância do ambiente físico das Minas
para a ação de homens que agiam contra as vontades da coroa e buscavam objetivos
particulares. Nesse bando, o governador das Minas não só libera o acesso àquelas lavras de
forma oficial, publicando-o ao som de caixas e fixando-o no pelourinho de Vila Rica, como
providencia o acesso físico às catas, “onde mandei já facilitar o caminho pelo capitão mor das
Congonhas”. Declara, ainda, que seja punido qualquer um que tentar impedir o acesso de
pessoas ao lugar. Embora menos espetacular, o caso de Itaberaba tem semelhanças com o que
ocorreu na serra do Paraopeba, onde Inácio de Souza e seu bando se acoitaram e, com a força
das armas, impediram o acesso ao lugar e o trânsito livre por ele.
Em 1715, o governador das Minas, Dom Brás Baltasar da Silveira, já estaria
enfrentando as dificuldades que essas condições geográficas causavam para o poder oficial.
Tais condições eram utilizadas para ações não-oficiais com as quais os ministros régios
precisavam lidar o tempo inteiro, de uma forma ou de outra. Como dizia o governador
[...] me precisa a pedir a Vossa Majestade me faça a honra de me mandar sucessor,
por não ser razão que, tendo eu toda minha vida servido a Vossa Majestade e em
toda parte que estive executando suas ordens, o não posso fazer neste Governo pela
liberdade que vivem estes moradores, mui diferentemente do que lá se imagina,
sendo tal a desgraça deste País que ainda havendo nele tropas não serviriam mais
que de aumentar a despesa de Vossa Majestade, e com elas se não poderia sujeitar a
uns homens que vivem por entre matos tão cerrados que estando muito junto das
vilas se não sabe onde assistem, por ser tal a sua indústria que nem caminho querem
fazer para as ditas vilas, por se livrarem de alguma diligência que lá se lhe queira
fazer [...].
85
Várias medidas oficiais foram tomadas para tentar lidar com as condições geográficas
naquela região. Como já foi observado, desde 1700 já se tentava restringir os caminhos e
definir áreas proibidas. Em 1701, Dom João de Lencastre sugeriu uma espécie de sistema de
passaportes, mas sua introdução se mostraria impraticável.
86
A tentativa de proibir a rota do
rio São Francisco para qualquer forma de trânsito que não o transporte de gado tampouco
obteve sucesso. Essa via continuaria aberta e é um dos melhores exemplos dos vários dilemas
84
APM, CMOP 006, fl.59.
85
CARTA de D. Brás Baltasar da Silveira ao Rei de Portugal de 28 de março de 1715. APM. Seção Colonial.
Códice SG 04 fl.396v. Retirado de ANASTASIA, A geografia do crime, 2005, p.13.
86
BOXER, The golden age of Brazil 1695-1750, 1964, p.43-44.
64
envolvidos naquelas restrições oficiais.
87
Algumas vezes, essas regiões ermas chegavam
mesmo a ser totalmente proibidas oficialmente. Isto aconteceu com o Alto da Mantiqueira,
por um bando de 1736, o que levaria a região a ser tomada por bandoleiros e outros grupos
marginais.
88
Um dos únicos três caminhos permitidos para se entrar nas Minas
89
passava por
essa área, que inspirava medo nos viajantes. No final do século XVIII, em 1782 e 1783, a
região seria assolada por um bando de salteadores que, não diferentemente do bando de Inácio
de Souza Ferreira, mesmo que numa atividade totalmente distinta, se aproveitou de condições
naturais locais para uma ação criminosa.
Logo, tentava-se constantemente lidar com a “natureza” na colônia, que poderia ser
usada para defender interesses diferentes dos da coroa.
90
Inácio de Souza Ferreira, como os
vários outros homens mencionados, tinha acesso a conhecimentos locais que lhe permitiam
utilizar as condições naturais como aliadas.
[...] por imaginar que pelos lados e matos virgens poderá ser invadido cuidou em
principiar desde o pé da serra por baixo das porteiras que nela ficam fazer um rasgão
de derrubadas de matos virgens da largura pouco mais ou menos de quatro braças e
faz tenção de continuar até o rio chamado Paraopeba e do lado esquerdo ia o dito
rasgão em distância de legoa e meia, e o dito rio dista três legoas da casa da vivenda,
e da parte direita faz tensão principiar outro rasgão pelo pé da mesma serra a diante
do sítio velho, e é esta fortificação de tal sorte que nem há poder a romperá sem
muito trabalho principalmente passados uns anos em os quais principiara a crescer
os matos novos por entre o derribado; além de tudo isto quem não sabe o caminho
das ditas casas e vivenda até o dito rio Paraupeba capas de se andar a cavalo todo
entre matos, virgens [...].
91
Quando desmatada, o tipo de vegetação daquela área reinicia seu crescimento com
arbustos espinhosos que podem chegar a mais de dois metros de altura. Essa nova vegetação
pode ser extremamente densa, constituindo-se num verdadeiro muro para qualquer um que
tente atravessá-la. Na região, hoje, pode-se observar esse fenômeno ocorrendo em áreas
desmatadas para a formação de pastos para animais e posteriormente abandonadas e deixadas
à mercê da vegetação natural. Tornam-se barreiras formidáveis, principalmente se as toras e
troncos da mata original forem largados no local deixando que novos arbustos cresçam entre
eles – como fez o grupo de falsários do Paraopeba. Fica claro que Inácio de Souza Ferreira e
seu grupo dominavam conhecimentos sobre a natureza local.
87
BOXER, The golden age of Brazil 1695-1750, 1964, p.43-44.
88
ANASTASIA, A geografia do crime, 2005, p.24.
89
Eram eles o Caminho Velho, o Caminho Novo e o caminho dos sertões do Rio São Francisco. Lembremos que
este último, apesar de restrito, ainda era permitido para certos tipos de trânsito.
90
Sobre como o conceito de “natureza” pode ser utilizado na historiografia, ver HORTA, História e natureza,
2005.
91
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
65
1.4 Espaço Local e Cultura Material
A região das Minas possuía, portanto, uma lógica própria que considerava suas
condições naturais, além de seu contexto cultural, social, político e econômico. Talvez
Antonil, pelos motivos acima, tenha falhado em compreender as condições específicas das
Minas e produziu análises que tinham como referência os direitos reais, tal como eram vistos
e aplicados em Portugal. Ora, pode-se dizer que as Minas eram uma região que funcionava,
naquela época, dentro de uma ordem estranha para Antonil. Em sua visão, as Minas do Ouro
eram o lugar da “desordem” e, entre suas críticas, aparece a forma como se comerciava com o
ouro em pó e o “engano mais detestável” dos “cunhos falsos”, presentes na região já desde o
início do Setecentos.
Naquela época, a taxação do quinto ainda era incipiente e realizada com pouca
eficiência nas casas de fundição de Santos e Parati e na casa da moeda do Rio de Janeiro. No
entanto, por mais que a prática de falsificar cunhos possa ter ocorrido antes de 1725 – o
“detestável engano” –, isso não era tarefa simples de se realizar. Necessitava da conciliação
de duas esferas de ação: as redes de contatos e influências e o meio físico. As possibilidades
oferecidas ou conquistadas em uma dessas esferas alimentavam ou possibilitavam
oportunidades dentro da outra. Inácio de Souza Ferreira tentou o melhor que pôde se
aproveitar dessas duas coisas. Além das possibilidades naturais oferecidas pelo vale no qual
escolheu se instalar e das oferecidas pelas Minas de forma geral, os homens sob o mando de
Inácio de Souza construíram parte de seu espaço e, a seu modo, também criaram
possibilidades. Trabalhando o meio natural de acordo com seus interesses e bagagens
culturais, o bando do Paraopeba estabeleceu a infra-estrutura física necessária aos seus
empreendimentos.
As regras escritas por Inácio de Souza visavam coordenar a fundição do metal sem o
consentimento do rei, controlando um processo de produção e o trânsito associado a ele,
ambos ilícitos. O lugar estava sob seu domínio, ocupado, controlado e defendido, permitindo
o movimento do metal sob suas regras. O processo de transformação do ouro também estava
sob suas ordens, o que possibilitava decidir sobre a forma que o metal deveria tomar e
permitia inseri-lo facilmente no circuito econômico oficial. Às margens do poder
metropolitano, Inácio de Souza trabalhava para não ser submetido a ele, ao mesmo tempo em
que não podia, e nem desejava, se afastar e se isolar totalmente dele. Seu empreendimento
precisava de contato com as vilas, suas regras precisavam ser semelhantes e familiares e seu
66
ouro precisava circular entre os outros moradores da colônia e, até, no exterior. Não era uma
instalação isolada, mas marginal, voltada para burlar o real quinto, estabelecendo um poder
privado e uma ordem própria nos matos da serra do Paraopeba.
Na historiografia e em outras disciplinas, tratar desse meio físico implica tratar de
cultura material.
92
“A relação do indivíduo com o social passa pela objetificação” (ROCHE,
2000, p.19), e faz do mundo exterior dos objetos o meio de um processo criativo, mesmo que
esse processo aconteça dentro de constrições físicas. Não se trata de determinismo material,
mas de uma relação dinâmica onde a materialidade da cultura, em muitos de seus aspectos,
não pode ser esquecida.
93
Todos os objetos e estruturas físicas ocupam um lugar no espaço.
Os movimentos de nossos corpos são condicionados por ele. Um objeto ganha sentido não
apenas na sua relação com a esfera cognitiva que os enche de significados, mas também na
sua relação com outros objetos e com outros corpos. Essas relações acontecem no meio físico,
num espaço, e nessa lógica a dimensão espacial da cultura material é inegável. Ela se forma
no nível local, mas é importante reconhecer que esse nível está dependente de um contexto
bem mais amplo. Voltamos à noção de integração. Por exemplo: o monarca e seus
conselheiros no centro decisório em Lisboa, com toda sua bagagem, também internacional,
influenciavam as vilas e arraiais, as serras e matas, os caminhos e rios do outro lado do
Atlântico, levando idéias e vontades através da administração oficial e de imigrantes
autônomos. É preciso ressaltar que este era um processo de influências, mais do que de
imposições, apesar de tentativas para o contrário, já que nem sempre eram bem-sucedidas.
Logo, quando tais idéias tiveram que se adaptar às condições locais, formaram um novo
contexto, único, mas ainda conectado ao território que se expandia globo afora. Tais
92
Para o desenvolvimento do conceito de “cultura material” dentro da historiografia durante os séculos XIX e
XX, ver PESEZ, História da cultura material, 2005. Referência clássica para este tema é BRAUDEL,
Civilização material, economia e capitalismo, 1995. Entre trabalhos mais recentes que expandem as propostas
iniciais de Fernand Braudel, levando o conceito de cultura material para além de uma definição de infra-
estrutura material, podem ser citados: ROCHE, História das coisas banais, 2000; ROCHE, O povo de Paris,
2004. Para abordagens e usos mais recentes do mesmo conceito na historiografia brasileira, assim como uma
breve discussão sobre a falta de consenso dentro da historiografia quanto à terminologia, metodologia e
definição do conceito, ver MARTINEZ, Riqueza e cultura material no Vale do Paraopeba, 2006. Uma breve
e simplificada introdução sobre o uso de fontes materiais arqueológicas na historiografia pode ser vista em
FUNARI, Fontes arqueológicas, 2005.
93
O determinismo material caracterizou os primeiros trabalhos, no século XIX, que abordaram os aspectos
materiais de processos históricos, como aponta PESEZ, História da cultura material, 2005. Estas abordagens
tiveram suas origens no pensamento marxista daquela época e grande aceitação no contexto da União
Soviética. No entanto, a forma de se trabalhar a materialidade dentro da historiografia, como atestam os
trabalhos citados na nota acima, se desenvolveu bastante no último século e, hoje, inclui a articulação de
idéias e práticas sócio-culturais com o mundo material – apesar da persistência de uma falta de consenso
teórico-metodológico pra se trabalhar com este tema.
67
condições locais, embora construções humanas, não prescindiam do meio material natural ou
artificial, fossem elas resultado de medidas oficiais ou ações clandestinas.
O espaço físico, assim, sofre alterações que vêm acompanhadas de diversas
“bagagens”, como redes de associações práticas e cognitivas, simbolismos e objetivos sociais,
políticos e econômicos. Como qualquer esfera de atuação da cultura, o espaço físico responde
aos fenômenos causados por essas atuações. No caso das Minas do Ouro, o espaço físico foi
transformado e, nessas transformações, é possível detectar diversos embates sociais e políticos
manifestados no fazer e no como fazer essas transformações. A terra, como “grande recurso
dos homens” (PESEZ, 2005, p.249), é simultaneamente palco de ações e alvo de ações, sendo
constantemente modificada nos dois casos. Dentro desse sistema, recursos naturais se
transformam em objetos e lugares – por exemplo, as moedas de ouro e a capitania das Minas
do Ouro, respectivamente.
Nessa lógica, a materialidade de um lugar passa a agir como elemento de interlocução
com agentes históricos e utilizado por eles, que se engajam em ações culturais, sociais,
políticas e econômicas. O espaço e seus objetos são maleáveis, mas não totalmente, e na sua
dureza restringem possibilidades. Ao mesmo tempo em que estimulam respostas variadas
entre os indivíduos e grupos, o fazem dentro de limites materiais, ajudando a moldar rotinas e
cotidianos em conluio com um contexto cultural.
Ora, é preciso utilizar espaço e objetos dentro dos estudos historiográficos,
“rematerializar os princípios do nosso conhecimento” (ROCHE, 2000, p.11) e, nessa lógica,
estabelecer o papel ativo que o uso desse meio material tem no desenrolar das transformações
materiais e não-materiais de uma sociedade. O caso dos falsários do Paraopeba e sua fábrica
clandestina de moedas e barras se presta bem a isso, e o entendimento da sua dinâmica interna
depende dessas considerações. Falando sobre as idéias de Fernand Braudel, Pesez observa
que, para aquele autor,
[...] a vida majoritária é constituída pelos objetos, as ferramentas, os gestos do
homem comum; só essa vida lhes diz respeito na cotidianidade; ela absorve seus
pensamentos e seus atos. Por outro lado, ela estabelece as condições da vida
econômica, ‘o possível e o impossível’ (PESEZ, 2005, p.247).
Talvez seja uma visão um pouco radical, mas a vida na fábrica dos falsários do
Paraopeba era uma vida de produção e de manutenção da infra-estrutura para essa produção.
Ferrarias forneciam ferramentas para as casas de fundição e moedas falsas, e estas fabricavam
as barras e moedas de ouro. Roças e capoeiras forneciam o alimento, e um curral e estrebaria
68
mantinham os animais.
94
Tudo isso precisava ser conduzido por mãos humanas. Algumas
coisas vinham de além-mar, às vezes por falta de condições locais – disponibilidade de
materiais ou saberes, como foi o caso do solimão – ou porque não poderiam ser adquiridas nas
vilas e arraiais sem levantar suspeitas do que se fazia no sítio de Boa Vista do Paraopeba.
Aparentemente, os ofícios praticados ali eram aqueles que diziam respeito diretamente à
subsistência e manutenção da fábrica e, por isso, não podiam ser terceirizados. Por exemplo,
encomendar de um ferreiro ferramentas específicas poderia denunciar o grupo. Além da
defesa do lugar, era em torno desses ofícios, e sob forte regulamentação, que girava a vida
cotidiana do sítio.
A percepção de Inácio de Souza Ferreira era a de que, de fato, existia um contexto
local com possibilidades específicas que poderiam ser aproveitadas para os fins que ele
desejava, em associação com seus recursos internacionais. Aquele contexto era um de
integração e de trânsito de informações, objetos e pessoas.
A vastidão dos espaços da colônia, naquela época, não impedia esse movimento
contínuo, mas era um elemento que precisava ser considerado. Influía diretamente nas formas
de se locomover e na relação que seus moradores e visitantes estabeleciam com a
temporalidade daquela vida. Conseqüentemente, afetava todo o cotidiano. As próprias redes
estabelecidas por Inácio de Souza parecem ter dependido das formas de trânsito possíveis
naquele espaço.
É importante tratar dessas questões, pois elas influenciavam diretamente a produção e
escoamento das barras falsas, como também afetaram manobras monetárias oficiais. As
tentativas de controle do ouro no império português e, portanto, nas Minas recriavam aquele
espaço constantemente, mesmo que não exatamente como previam os administradores
oficiais. Influenciavam as atividades econômicas possíveis na área, as pessoas que poderiam
transitar por ela e o que poderiam carregar, modificando as experiências daquele lugar para
todos os participantes; afetavam o que estes faziam e o que observavam ao seu redor. Em
1724, El-Rei enviou uma ordem às Minas expulsando todos os ourives daquela região. Aquele
94
A interdependência de ofícios mecânicos no cenário das Minas setecentistas foi um ponto levantado em
MENESES, José Newton Coelho. Artes Fabris e Serviços Banais… op. cit. O autor também aborda as formas
de organização dos ofícios mecânicos nas Minas naquele período. Estas últimas, apesar da sua flexibilidade
frente às corporações de ofícios mecânicos em Lisboa, nos permitem inferir que as regras de trabalho
impostas por Inácio de Souza Ferreira no regulamento da fábrica clandestina (que será discutido no Capítulo
III desta dissertação), não fossem grande novidade para os oficiais que ali trabalhavam. As regulamentações
do ofício de moedeiro, mais especificamente, permitem inferir a mesma coisa. Sobre estas últimas, ver
TÚLIO, Falsários D’El Rei, 2005.
69
saber e atividade não eram mais permitidos sobre aquele solo.
95
Em 1730 tentou-se restringir
o trânsito do ouro em pó, tolerado até então por causa das idiossincrasias do cotidiano
mineiro, e injetaram-se moedas de outros metais no território.
96
Sua circulação ficaria
circunscrita aos postos de registros oficiais. Pouco depois desse bando, no mesmo ano,
proibiu-se completamente a circulação de ouro não-quintado – em pó ou em barras não
marcadas – fora das vilas ou arraiais, porque se acreditava que o metal estaria a caminho de
São Paulo, do Rio de Janeiro ou dos Currais, fugindo do quinto.
97
As estradas precisavam ser
vigiadas, o espaço controlado, para assegurar os direitos de El-Rei sobre aquele metal. Esses
bandos, além de restringirem as formas de uso e acesso ao ouro, também moldavam a
paisagem e o cotidiano local, condicionando o que podia e o que não podia estar presente
naquele espaço. Numa ordem régia de dois anos depois, proibiu-se a circulação de certos tipos
de moedas que podiam ser mais facilmente falsificadas ou cerceadas, e ordenava-se o
recolhimento de várias outras para modificações na serrilha.
98
A ordem valeria tanto para o
Brasil como para Portugal, mas, no primeiro caso, o monarca deixou a cargo dos
governadores definirem “o tempo que julgarem conveniente havendo respeito às distâncias”
para o recolhimento das moedas e efetivação da proibição. O governador André de Mello e
Castro, Conde das Galveas, declarou, então, que
[...] atendendo às grandes distâncias deste governo e para que não experimentem
vexação alguma os vassalos de sua Majestade, ordeno seis meses de licença para que
dentro deles se traga a Casa da Moeda destas Minas toda a moeda que na presente
lei se proíbe correr [...].
99
O prazo dado inicialmente nas Minas é três vezes maior do que aquele dado em
Portugal, reconhecendo e satisfazendo a geografia local. Seria, ainda, prorrogado por mais
três meses em outro bando posterior, porque:
95
APM, CMOP 006, fl.47v-48v. Ainda assim, várias concessões seriam abertas e, em 1746, foram relatados 18
ourives autorizados no termo de Vila Rica. Para uma discussão censitária dos ofícios mecânicos em Minas
Gerais naquele período, ver MENESES, Artes fabris e serviços banais, 2003. Demonstrando, também, a falta
de rigidez de algumas ordens régias. Outros artigos que contêm informações importantes sobre este tema são
TRINDADE, Ourives de Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX, 1955 e VASCONCELLOS, Ofícios
mecânicos em Vila Rica durante o século XVIII, 1940.
96
APM, CMOP 006, fl.97-98v.
97
APM, CMOP 006, fl.92-93v.
98
APM, CMOP 006, fl.157v-161. A ordem régia refere-se aos dobrões de 12.800 réis, 6.400 réis e 3.200 réis, e à
moeda de 4.800 réis, sendo que a primeira não seria mais fabricada definitivamente. A moeda de 12.800 réis,
como veremos, parece ter sido a mais popular entre falsários durante as primeiras décadas do Setecentos. A
serrilha é o anel da circunferência da moeda, sua “moldura”. O cerceio é a prática de arrancar pequenos
pedaços da moeda ao redor de sua borda, de forma imperceptível a olho nu, mas que permitia, quando feito
em grande quantidade, acumular boas quantidades do metal precioso do qual a moeda era feita. A função da
serrilha era evidenciar o cerceio.
99 APM, CMOP 006, fl.157v-161.
70
[...] pelas grandes distâncias deste governo e vastidão dele sucederá não haver
chegado a notícia de todos seus habitantes o que sua Majestade é servido ordenar na
sobredita lei e não desejando que por falta desta notícia ou pelo embaraço das
grandes distâncias em que talvez se achem os que tiverem o dito dinheiro por
serrilhar incorram nas penas culminadas na dita lei [...].
100
São medidas que vão além das vilas e arraiais e tratam as Minas como um todo, apesar
do seu tamanho. Este seria um dos problemas da administração régia, pois, num território
imenso, repleto de matos virgens e serras inexploradas, eram incontáveis as possibilidades de
anonimato, de ocupação autônoma do sertão, independentemente das leis e ordenações régias.
Isto não era raro na colônia. Inácio de Souza Ferreira foi um, mas também são exemplos o
caso de Itaberaba descrito acima, os contrabandistas de “Mão de Luva”, na Mantiqueira, e
aqueles da serra do Itacambiruçu, no Distrito Diamantino – os dois últimos discutidos por
Carla Anastasia (2005). Essas regiões ermas se abriam à clandestinidade, e vários outros
grupos ilícitos vingaram voltados a outras atividades que não a mineração ou fundição ilegal.
Bandoleiros, assaltantes e atravessadores estavam presentes nos arredores das vilas e arraiais e
além. Alguns inspiravam terror nos viajantes, apropriando-se dos matos e serras desabitados.
Exerciam seu domínio nos locais distantes dos centros administrativos, onde o poder da coroa
tinha dificuldades para chegar.
101
Mesmo quando não alcançava essas áreas, a coroa não desistia das tentativas de
controlá-las de uma forma ou de outra. Algumas vezes, por exemplo, podia determinar áreas
proibidas, como aconteceu com o Alto da Mantiqueira em 1736. Embora essas zonas se
tornassem propensas ao alastramento de grupos marginais, o princípio de uma ação como essa
ainda era, de alguma forma, a tentativa de controle dessas áreas. Nesse caso, limitando o
trânsito dos vassalos. Mais de 50 anos após as primeiras ações de controle das Minas, em
1766, Dom José I proibiria a presença de indivíduos dispersos naquela região, determinando
que todos se estabelecessem em povoações civis com mais de 50 fogos.
102
Proibia, também,
habitações volantes ou sem estabelecimento permanente e sólido. Ordem semelhante parece
ter sido emitida anos antes, em 1734, e as duas parecem enfatizar a idéia de que viver em um
arraial ou vila com domicílio fixo era quase uma prova de que se respeitava a ordem local
oficial.
103
No cenário colonial das Minas, como se observa acima, a coroa não era a única ativa
na formação do espaço. As pessoas agiam e tinham poder para negociar e firmar várias de
100
APM, CMOP 006, fl.179-180.
101
ANASTASIA, A geografia do crime, 2005.
102
ANASTASIA, A geografia do crime, 2005.
103
ANASTASIA, A geografia do crime, 2005.
71
suas vontades através da ação pontual ou pelo hábito, relacionando corpos e espaços.
104
Inácio
de Souza Ferreira precisava inserir nisso tudo seus negócios de contrabando, fundições e
cunhagens ilícitas. Essas relações estavam em constante processo de mutação. Referindo-se
ao meio físico de uma cultura, Daniel Roche utiliza termos como “produção” e “consumo”,
argumentando que ambos são reflexos da mesma cultura, perpetuando-a e servindo de arena
para questionamentos. É possível transferir essa lógica de utilização desses dois termos para
as relações entre a produção das barras e moedas falsas pelos criminosos do Paraopeba e suas
redes de contato e influência. Ou seja: eram relações culturais, sociais e materiais mutuamente
dependentes e integradas, tão amplas que transcenderam simples relações dualísticas ou
unidades de análise claramente definidas.
A crítica à noção de que é possível traçar linhas divisórias nos estudos de fenômenos
humanos, determinando suas origens e fronteiras, é hoje trabalhada em diversas linhas de
estudos culturais,
105
e dentro do campo da cultura material essa crítica também deve ser
aplicada. Isso inclui a forma como se estabeleceu a fábrica de barras e moedas falsas no vale
do Paraopeba. Qualquer objeto físico é resultado de escolhas que ocorrem dentro de um
universo cultural de fronteiras borradas e origens difíceis de se estabelecer; saberes e
significados estão ligados a todos os objetos, e vice-versa.
106
Além das distâncias, um outro fator que precisa ser lembrado nas considerações sobre
o mundo físico de qualquer período histórico é a temporalidade das ações. É fundamental a
associação dos processos discutidos até agora com uma noção de tempo. Produzir e circular
no meio físico, como fez Inácio de Souza, implica considerar essa questão. O tempo regula a
produção, o escoamento e a circulação de informações. “O tempo das frotas”, por exemplo,
104
A importância das relações sociais para a construção de um espaço, assim como as possibilidades oferecidas
por este mesmo espaço, a partir do momento em que se torna uma arena social, são discutidas em
BOURDIEU, Outline of a theory of practice, 1977. O autor explora a idéia de como esses espaços podem ser
criados no habitus social, idéia que foi expandida por outros autores, que deram mais atenção à ação de
indivíduos que podiam construir arenas sociais tanto pelo habitus quanto pela negação deliberada dele. Destes
autores, talvez o exemplo mais significativo seja GIDDENS, Anthony. The Constitution of Society: outline of
a theory of structuration. Berkeley: University of California Press, 1984. Uma discussão sobre as conexões
entre as idéias de Anthony Giddens e Pierre Bourdieu é feita em CASSELL, The Giddens reader, 1993.
105
A atenção que o fenômeno da globalização e suas conseqüências tem recebido nos estudos da modernidade é
um ótimo exemplo dessa linha de pensamento. Abordando períodos recentes, George Yúdice apresenta um
estudo interessantíssimo sobre práticas culturais no contexto de globalização do final do século XX, em
YÚDICE, A conveniência da cultura, 2004. Tratando das conseqüências de um mundo globalizado num nível
local, e considerando a diversidade dentro de um universo contínuo sem linhas fronteiriças rígidas, de
influências globais e interpretações locais, Serge Gruzinski trabalha o conceito de mestiçagem em
GRUZINSKI, O pensamento mestiço, 2001. No contexto específico das colônias portugueses na América do
Sul, o tratamento holístico do império português e mesmo do globo é uma noção que vem se sedimentando na
historiografia desde o final do século XX. Para isto ver ALENCASTRO, O trato dos viventes, 2000 e
RUSSEL-WOOD, O antigo regime nos trópicos, 2001.
106
ROCHE, História das coisas banais, 2000. Ver também JOHNSON, Housing culture, 1993 e ROCHE, O
povo de Paris, 2004.
72
como bem nos lembra Júnia Ferreira Furtado, é fundamental para qualquer empreendimento
ou negócio na colônia (FURTADO, 1999). Tal tempo tentou ser controlado por D. João V em
várias ocasiões. Em 30 de dezembro de 1724, ele ordenava “q’ em todos os annos
regularmente partão daqui [de Portugal] os comboyos p.ª o porto do Ryo de Janeiro em o 1º
de Janeiro e partão delle p.ª estes portos em o 1º de Junho”.
107
O governador das Minas na
época, D. Lourenço de Almeida, publicaria a ordem em 8 de fevereiro de 1725 e reiteraria-a
em 19 de julho de 1725, completando com datas, também, para as frotas da Bahia e de
Pernambuco, e dizendo que Sua Majestade “ha de mandar proçeder com o castigo q’ for
servido, contra toda aquella pessoa, q’ for cauza de se demorar qualquer dia a sahida das
frottas deste Brazil”.
108
A mesma ordem régia ainda seria reiterada, mais uma vez, pelo
governador, em 1726.
109
Posteriormente, em 1729, o monarca seria obrigado a mudar essas
datas por causa das condições naturais do clima, adequando o trânsito das frotas ao inverno
em Portugal.
110
É preciso romper a relação estéril com uma geografia puramente descritiva e substituí-
la por uma noção de espaço dinâmico, constantemente modificado pelo homem, gerando
instabilidades, mas também sedimentações e restrições, e adotar uma idéia de dinamismo
antrópico e natural, que insere a paisagem numa temporalidade contínua de ações e mudanças.
Portanto, um cenário físico não se compõe apenas por sua paisagem natural e artificial, seus
atores e seus objetos, mas também por aquilo que as pessoas estão fazendo sobre ele. As
ações de negros, índios, mestiços e brancos, ministros régios, comerciantes, oficiais
mecânicos e criminosos, entre outros, compõem o espaço colonial setecentista. Tim Ingold
usa a noção de tempo e duração para inserir nessas paisagens os movimentos e ações como
manifestações físicas e concretas tanto quanto a materialidade daquilo que as executa – como
o próprio corpo, um objeto ou um fenômeno natural (INGOLD, 1993). Muitas coisas são
medidas em termos de duração, da mesma forma como outras são medidas em termos
diversos. Por exemplo, normalmente trabalho se associa diretamente com tempo, enquanto
paisagem se associa com área, ou valor monetário com uma quantidade específica de um
recurso, como ouro. Logo, a noção de tempo como recurso natural constituinte da vida
material e, portanto, da cultura material, e sujeito a ser controlado não é diferente da noção de
107
APM, CMOP 006, fl.53.
108
A partida da frota de Potugal para a Bahia deveria ser em 1º de fevereiro, com o retorno em 1º de julho, e a da
frota de Portugal para Pernambuca em 1º de março, com o retorno em 1º de agosto. APM, CMOP 006, fl.58-
58v.
109
APM, CMOP 006, fl.58v-59.
110
APM, CMOP 006, fl.82v-83. As mudanças seriam reiteradas, novamente, em 1732. APM, CMOP 006,
fl.123-123v.
73
controle sobre outros aspectos da materialidade. As seqüências específicas de ações e suas
durações contribuem de forma específica na formação de um espaço, tanto quanto as escolhas
sobre os recursos naturais a serem aproveitados e como eles serão aproveitados. Em outras
palavras, processos e ações não são separados das formas físicas que tomam e sobre as quais
agem, na formação de um espaço. E nisto devem-se incluir quaisquer redes de contatos e
influências nas suas relações com os diversos espaços geográficos intrínsecos a elas. Ação,
tempo e espaço físico são esferas que constituem umas às outras e não podem ser separadas,
pois existem somente em relação umas às outras. No contexto colonial, as ações de todos os
envolvidos são importantes na construção daquele cenário. Tudo isso influenciou o
empreendimento ilícito de Inácio de Souza e seu bando, condicionou a circulação e a
produção conduzidas pelo grupo e afetou as formas como se estabeleceram e se mantiveram
as redes que sustentariam aquelas ações ilegais.
A fábrica de moedas e barras falsas não se limitaria à integração com o restante da
América portuguesa e do globo simplesmente através do trânsito e circulação, mas
reproduziria parte do mundo português no vale do Paraopeba, recriando uma ordenação física,
social e cultural familiar a seus moradores. Entre as regras e práticas haveria cultos religiosos,
danças e chocolate, além de toques de recolher, restrições de circulação por aquele espaço e
uma divisão de trabalho específica, com multas e punições para contraventores da
regulamentação estabelecida. Tudo isso semelhantemente a outros lugares conhecidos por
aqueles homens.
111
Essa recriação de um mundo familiar, apesar das várias adaptações e
transigências que foram necessárias, era fundamental para o funcionamento do lugar, e a
infra-estrutura levantada para isto foi tão fenomenal que alteraria o nome da serra do
Paraopeba para Moeda e seria lembrada e recontada quase três séculos depois.
Todo esse aparato se apoiou em experiências locais e globais, concentrando indivíduos
e saberes de várias partes do mundo. Naquele ponto do vale do Paraopeba adaptaram seus
conhecimentos de acordo com as circunstâncias locais, que envolviam tanto o espaço físico
quanto os meios sociais, políticos e econômicos influenciados pelo poder oficial, mas,
também, por diversos outros indivíduos e grupos agindo fora das esferas oficiais.
Negociantes, mineradores, ministros régios e muitos outros eram parte daquele cenário, assim
como todas as normas e leis que tentavam regê-lo. A coleta dos quintos através das casas de
111
A transferência e adaptação de experiências relativas às regras e formas de organização do trabalho mecânico
de Lisboa para o cenário das Minas, na segunda metade do século XVIII, foram discutidas em MENESES,
Artes fabris e serviços banais, 2003 e demonstram a importância tanto das mudanças como das permanências
das formas de se organizar, para a produção mecânica local. Estes fatores influenciaram, também, a
instalação dos falsários no vale do Paraopeba e serão discutidos em mais detalhes no Capítulo III desta
dissertação.
74
fundição é um exemplo dessas regulamentações e, em função dela, atuou Inácio de Souza
Ferreira e o seu bando, e todos os seus correspondentes, no negócio das barras e moedas
falsas.
75
2 AS REDES NAS QUAIS SE INSERIA A FÁBRICA CLANDESTINA: CRIME,
CONTRABANDO E RIQUEZA
Como já foi visto, os agentes envolvidos nas disputas pelo ouro eram vários e se
integravam de diferentes formas. O bando do Paraopeba participou desse circuito num
momento específico da história das Minas, qual seja, o da instalação das primeiras casas de
fundição e moedas daquela capitania.
Inácio de Souza contava com aliados no além-mar, nas esferas oficiais de poder e no
meio religioso, e, sem o apoio deles, o empreendimento criminoso não teria vingado. Com
base na configuração da relação entre Inácio de Souza e seus aliados apresentada até agora, é
possível associar redes de contatos e de influências a trânsito multipolar e continuidade.
Ambos implicam tempo e espaço. O tempo das ações dos falsários do Paraopeba diz respeito
tanto ao momento histórico no qual ocorreram, isto é, o tempo do funcionamento das casas de
fundição e moedas do Brasil – mais especificamente a de Vila Rica – e à seqüência de
medidas oficiais criadas para isso, quanto às relações cotidianas com esse fator, como os
tempos de viagem pelo espaço local e global e os tempos das produções e trabalhos dos
ofícios mecânicos que sustentavam a fábrica clandestina. As relações espaciais são criadas em
função do posicionamento dos pólos das redes e das condições físicas naturais e antrópicas de
um determinado espaço.
A instalação das casas de fundição e moedas nas Minas revela como as várias medidas
oficiais envolvidas nesse processo influenciaram e foram influenciadas pelas formas como os
moradores daquela área utilizavam o ouro e o faziam circular, inclusive em ações ilícitas. Tais
moradores incluíam comboieiros, oficiais mecânicos, ministros régios, pequenos e grandes
mineradores, negros e mestiços, escravos, libertos e nascidos livres. Todos eles participavam
do trânsito do ouro sobre uma geografia específica local e outra internacional. Nessas
circulações e utilizações do metal despontavam várias conexões entre agentes, objetos e
saberes associados ao ouro. Observando o que aconteceu entre 1724, o ano em que se decidiu
estabelecer as fundições como método de arrecadação dos quintos, e 1736, primeiro ano da
capitação após dez anos de funcionamento das fundições, é possível notar entre os homens
envolvidos nesse processo padrões de interesses, contatos e influências que sugerem sua
inserção em relações multipolares em escala local e global. A instalação da fábrica
clandestina ocorreu dentro desse contexto, se aproveitando de tendências já existentes e
gerando outras. O crime de Inácio de Souza fez parte de um cenário dinâmico, no qual outros
76
crimes e contravenções já haviam ocorrido ou ainda ocorriam. Essas outras ações ilegais eram
possibilidades que podiam ser aproveitadas e inseridas em suas próprias redes de contatos e
influências: sabemos que a falsificação não era o único crime dos homens sob o mando de
Inácio de Souza Ferreira. Dentro das esferas oficiais também havia opções. Muitos homens
transitavam entre o lícito e o ilícito e podiam contribuir com a instalação da fábrica
clandestina enquanto atuavam dentro das esferas oficiais. As vicissitudes da instalação das
fundições e cunhagens oficiais em Vila Rica sugerem esse tipo de atuação por parte de vários
“homens de distinção”, inclusive do próprio governador Dom Lourenço de Almeida. Elas
sugerem, ainda, uma ampla atuação de outros agentes, embora não uma atuação
necessariamente ilícita.
Portanto, acompanhar o processo de instalação das casas de fundição e moedas, e seu
posterior abandono, inserindo-as num contexto sociocultural e geográfico mais amplo,
permite-nos entender como se deu a instalação da fábrica dos falsários do vale do Paraopeba.
As fundições e cunhagens oficiais foram medidas instituídas para o controle de um recurso
material, mas tiveram que considerar um espaço físico também. Logo, influenciavam as
formas de trânsito do ouro e, conseqüentemente, a construção e manutenção de redes de
contatos e influências que visavam a ações ilícitas com aquele metal. Obviamente, as fábricas
oficiais não foram as únicas condicionantes, mas foram os catalisadores do crime de Inácio de
Souza. Como veremos, as redes de contatos e influências desse falsário estiveram ligadas ao
destino das casas de fundição e moedas oficiais direta e indiretamente e funcionaram em
conluio tanto com a geografia como com outros fatores socioculturais das Minas setecentistas.
A ocorrência de vários crimes de descaminhos e o funcionamento de redes na
sustentação e fomento destes aconteceu num contexto histórico em que o ouro e as relações
sociais hierarquizadas já estavam sistematizadas em significados e regras escritas e não-
escritas. Redes de contatos e influências eram operadas em função de recursos materiais –
nesse caso, o ouro e o espaço físico – de maneiras culturalmente informadas por um momento
histórico. Falsificar moedas e barras de ouro tinha, na época, um significado diferente daquele
que tem hoje. Outros valores e bagagens estavam envolvidos, especialmente em um período e
em uma região, como foram as Minas do início do Setecentos, em que o ouro se constituía em
um dos principais pivôs para as relações humanas que se desenvolviam ali. Os métodos de
taxação, controle e transformação do metal não podem ser dissociados de uma longa cadeia
espacial e temporal de idéias sobre aquele recurso.
Trata-se de um crime inserido em um contexto histórico no qual o ouro e as formas de
lidar com ele são específicos àquele momento, mesmo tendo suas raízes em épocas anteriores
77
e mantendo muitos elementos que já tinham séculos de tradição. Os falsários do vale do
Paraopeba burlaram um direito régio de uma forma que só foi possível naquele momento
histórico. As casas de fundição e moedas nas Minas funcionaram apenas de 1725 a 1735. As
redes de influências que sustentaram a ação criminosa funcionavam dentro da lógica daquele
período, e as técnicas utilizadas para processamento do ouro teriam sido diferentes em outros
tempos. Todos esses fatores condicionaram a empresa ilícita. Foi um crime para burlar
normas específicas sobre um recurso natural também específico, que se utilizou das
ferramentas – no sentido literal e literário – disponíveis naquele momento e lugar. Daí a
importância de nos aprofundarmos na instalação das casas de fundição e moedas e nos
significados que tinha a posse do ouro.
2.1 O Ouro e seus Significados no Mundo Português Setecentista
A busca pelo ouro foi o grande motivador da ocupação das Minas na virada do século
XVII para o XVIII. Com essa busca, homens e mulheres tentavam se apropriar dos recursos
que permitiriam o acesso ao metal. Essas tentativas de apropriação buscavam tanto o ouro in
situ como aquele que já circulava pela sociedade, e foram tentativas perseguidas tanto por
parte da administração oficial como por poderes privados, às vezes lícita, às vezes
ilicitamente. Essas ações moldaram o contexto das Minas nas primeiras décadas do Setecentos
– assim como fizeram em vários outros tempos e lugares de formas distintas –, o que gerou
inúmeros tipos de relações que abrangiam não apenas aquela região, mas iam além da serra do
Mar, dos sertões do rio São Francisco e do oceano Atlântico. A instalação das fundições e
cunhagens oficiais e o crime de Inácio de Souza estavam imersos nessas relações.
Em seu estado natural, o ouro se apresenta apenas como matéria-prima, e o que lhe
atribui qualquer valor é um processo cultural que se inicia antes mesmo de ele ser encontrado.
De fato, é exatamente esse processo que leva ao desejo de procurá-lo! Não está nos objetivos
deste trabalho discutir as vicissitudes históricas que atribuíram ao ouro o valor que ele possuía
no período e lugar em questão, mas é necessária uma breve abordagem de como esse recurso
material era apropriado pela cultura do Setecentos, que o via como metal precioso e recurso
monetário.
No início do século XVIII, o embate entre diversos grupos para o controle do ouro
definiu as formas como o metal era retirado do solo e, então, transformado, utilizado e
78
inserido no cotidiano. No contexto das Minas, esses embates fizeram com que a coroa, entre
outras formas de regulamentação, lançasse muitos bandos e editais que acabavam tendo
repercussão na vida das pessoas na colônia. A Guerra dos Emboabas, a Revolta de 1720 e os
motins do sertão do São Francisco, por exemplo, são eventos integrados às relações que se
construíram ali, naquela época, e mostram como, às vezes, a taxação do ouro possibilitava
formas de expressão política, social e cultural. Hoje, concorda-se que essas “revoltas” e
“motins” tiveram muitas outras motivações e interesses além dos direitos sobre o metal, mas,
ainda assim, esse recurso atuou nelas como elemento importante.
112
O ouro afetou a
administração régia e o cotidiano local. No caso de Inácio de Souza, é possível observar
outras manifestações das disputas pelo acesso e acúmulo do metal naquele período, que, a seu
modo, também tiveram repercussões nas ações do poder régio. A fábrica do Paraopeba foi, até
certo ponto, uma reação às casas de fundição e moedas oficiais das Minas. No entanto,
também foi capaz de influenciar o funcionamento do sistema de arrecadação dos quintos. A
instalação clandestina teve repercussões que, em 1734 e 1735, contribuíram para a abolição
das fundições e cunhagens oficiais. O crime daqueles homens sob o mando de Inácio de
Souza ajudou a engatilhar uma crise a respeito daquele método de coleta dos direitos reais que
levaria o poder central a reavaliar e modificar, várias vezes, as regras impostas para o controle
do ouro e arrecadação das taxas.
Muito tempo antes das descobertas das Minas, oficializadas numa carta do governador
Artur de Sá à coroa, em junho de 1697,
113
as Ordenações Filipinas já continham leis a respeito
das minerações e direitos régios sobre os metais.
114
Durante as primeiras décadas da
exploração aurífera naquela região recém-conquistada, o poder central, muitas vezes
adaptando as velhas leis das Ordenações Filipinas, fez muitos esforços a fim de controlar a
extração do ouro e os direitos sobre o metal. Às vezes com sucesso, às vezes não, esses
esforços, assim como o próprio crime de Inácio de Souza Ferreira, inseriam o espaço local em
um contexto temporal e espacial muito mais amplo, mesmo que ele tenha sido condicionado
112
O clássico BOXER, The golden age of Brazil 1695-1750, 1964, por exemplo, reitera a associação da sedição
de Vila Rica, em 1720, com a instalação das casas de fundição, mas Carla Anastasia faz referência a outros
pontos de vista quanto às suas motivações, expressos nas exigências que fizeram ao governador. Ver
ANASTASIA, Vassalos rebeldes, 1998.
113
Para uma descrição da “corrida do ouro” nas Minas, as bandeiras pela região e os primeiros descobertos
auríferos, ver BOXER, The golden age of Brazil 1695-1750, 1964. e REIS, Entre faisqueiras, catas e
galerias, 2007. Esta última discute com mais detalhes as tentativas de se encontrar ouro na América
Portuguesa durante o século XVII que culminariam com os descobertos auríferos na região que viria a ser
Minas Gerais. Ver também RENGER, O quinto do ouro no regime tributário nas Minas Gerais, 2006.
114
CODIGO Philippino ou Ordenações e leis do Reino de Portugal recopiladas por mandado d'El-Rey D.
Philippe I, 2004. Uma breve referência coeva a essa legislação é apresentada por André João ANTONIL em
seu Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas, 3ª Parte, Capítulo IX. Ver também RENGER,
O quinto do ouro no regime tributário nas Minas Gerais, 2006.
79
por aquele momento e geografia específicos. Mais especificamente, o estabelecimento das
casas de fundição e moedas e suas conseqüências são exemplos de como decisões régias
tomadas em Portugal podiam ter repercussões tanto no reino quanto na colônia, cujo grau de
complexidade ia muito além das medidas administrativas em si. Lembremo-nos dos vários
pareceres produzidos em Portugal, possivelmente por negociantes do reino, sobre a instalação
dessas casas oficiais nos territórios das conquistas e mencionados no Capítulo 1 desta
dissertação. A instalação de fundições oficiais foi uma decisão que, entre outros efeitos,
potencializou uma organização criminosa voltada para o descaminho do ouro e outros ramos
de atividades ilícitas que se estendiam a vários países. Nessa lógica, as casas de fundição e
moedas representavam conexões materiais, culturais, sociais, políticas e econômicas entre os
dois lados do Atlântico e outras regiões.
Independentemente da forma que tomasse, o descaminho do ouro contrariava direitos
reais de longa tradição. O metal já pertencia ao monarca, com base nas leis portuguesas, antes
mesmo de ser descoberto. Uma longa argumentação com base nessa legislação e outros
aspectos morais defendendo esse ponto foi levantada por Antonil, em 1711. É uma fonte
coeva que denuncia diversos elementos jurídicos e culturais sobre esse tema.
115
Muito dessa
legislação pode ser encontrado tanto nas Ordenações Filipinas, quanto nas várias versões do
Regimento das Minas durante os séculos XVII e XVIII, mas foquemos na argumentação
desse religioso por um instante, como um breve exemplo.
Mesmo que se doassem terras, as minas e seus veeiros continuariam sendo de
propriedade do monarca, a não ser que fosse expressamente dito de outra forma na doação. De
acordo com a argumentação de Antonil, a cobrança do quinto era, na verdade, uma boa ação
do monarca, que, para motivar seus vassalos a minerar com os próprios recursos, cobrava
apenas uma pequena parte do que lhe deveria pertencer na totalidade. Além disso,
apresentando os argumentos de muitos juristas e teólogos, Antonil defende que as minas e os
metais devem ser de direito real, dados os muitos gastos que o monarca tem com a república e
com a conservação e aumento da fé. O autor argumenta ainda que pagar esses tributos a El-
Rei não era apenas uma obrigação decorrente de uma lei, mas era uma obrigação em
consciência, visto que era um acordo entre o monarca e seus súditos, e por isso devia ser
cumprido. Pagar representava fidelidade à coroa e respeito a regras de conduta referentes à
relação súdito-monarca existentes na mentalidade da época.
116
Essa idéia de contrato era
115
ANTONIL, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, 2008, 3ª Parte, Capítulo IX.
116
A idéia de um “contrato” entre o monarca e seus súditos parece ter sido parte marcante dessa relação e se
estendido a várias esferas diferentes nas quais estes pólos interagiam, como, por exemplo, a distribuição de
80
importante naquela relação. Antonil expressou isso bem, ao dizer que ela “se faz como um
contrato entre El-Rei e os vassalos para que El-Rei os governe e os súditos os sustentem com
os tributos e pensões”.
117
Portanto, assim deveria ser, não apenas por causa da lei, mas ainda
por valores coevos que deveriam ser preservados; os vassalos deviam ao monarca sustento e
estipêndio, e a lei existia simplesmente para facilitar a cobrança. Antonil também reiterava
que esse quinto deveria estar livre de todos os gastos e que são esses os costumes de todos os
povos, sugerindo a abrangência das regras, costumes e práticas ligados à taxação do ouro.
Apesar dessa abrangência poder ter sido apenas imaginada ou idealizada pelo religioso, é
possível sugeri-la também com base em outra documentação, como, por exemplo, a
correspondência trocada entre Dom Lourenço de Almeida e os oficiais da câmara, em 1725,
na qual os últimos reclamam da forma de cobrança dos quintos e das taxas pagas nas casas de
fundição. Nela, o governador declara que “todos os ditos reiniculas (sic) que falam em quintos
como Portugal [...] dizem que os quintos só se devem pagar livres de todos os gastos e
custos”; e os oficiais fazem comparações relativamente pormenorizadas com as formas de se
cobrar aquele imposto e as senhoriagens nas casas de fundição e moedas do Rio de Janeiro, da
Bahia e das “Índias de Espanha”, demonstrando um conhecimento de regiões às vezes bem
distantes.
118
As Minas se incluíam num amplo contexto de circulação de informações, e seus
agentes históricos sabiam se utilizar disto para as suas reivindicações.
Tentava-se reproduzir regulamentações e normas de grande abrangência espacial e
temporal, que deveriam valer tanto em Portugal como nas conquistas. Afinal, essas últimas
eram de direito real, como comprovavam todos os títulos de El-Rei, que o colocavam como
senhor de várias regiões situadas em diferentes partes do globo.
119
De forma geral, é posto em
razão que o Príncipe tivesse direito a mais partes, já que tinha mais gastos.
120
Entra nessa
mesma lógica o direito régio sobre os bens dos defuntos e dos criminosos e, de fato, quando
mercês e privilégios por parte de El-Rei. Alguns autores atribuem a sedimentação dessa noção ao contexto da
Restauração, em 1640, momento frágil da Coroa Portuguesa, em que ela precisou angariar tanto apoio quanto
fosse possível. Para uma discussão sobre esses aspectos da relação súdito-monarca, ver BICALHO, Elites
coloniais, 2005a; FIGUEIREDO, O império em apuros, 2001; HESPANHA; XAVIER, As redes clientelares,
1993; HESPANHA, Introdução, 1994; HESPANHA, A constituição do império português, 2001;
HESPANHA, Porque é que existe e em que é que consiste um direito colonial brasileiro, 2006;
MONTEIRO, O rei no espelho, 2003; VILLALTA, El Rei, os vassalos e os impostos, 1999. Para uma
aplicação dessas noções à distribuição dos títulos de vila ou cidade a aglomerados urbanos, ver FONSECA,
Funções, hierarquias e privilégios urbanos, 2003.
117
ANTONIL, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, 2008, 3ª Parte, Capítulo IX.
118
APM, CMOP 06, fl.54-56 e 56-57v.
119
Dom João V, assim como outros monarcas de outros períodos, normalmente se apresentava em suas alvarás,
cartas e ordens como “Dom João por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves, d’quém e d’além mar em
África Senhor de Guiné etc.”. Transcrição da 2ª parte do códice 23 seção colonial. Registro de alvarás, cartas,
ordens régias e cartas do governo ao rei 1721-1731. RAPM, volume 31, 1980, p.181-182.
120
ANTONIL, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, 2008, 3ª Parte, Capítulo IX.
81
Inácio de Souza foi preso, a coroa não tomou apenas o seu ouro, mas buscou reaver todos os
seus bens espalhados pela colônia e por outras partes do globo.
121
Custou-lhe caro sua
tentativa de usurpação daquilo que deveria pertencer, pelo menos na visão oficial, ao
monarca, tanto na legislação quanto na consciência dos súditos. Falsificar moedas e barras era
mais do que uma contravenção penal; no caso específico das moedas, era crime de lesa-
majestade. Nessas circunstâncias, todo cuidado era pouco. Para Inácio de Souza, foi
necessário erigir uma infra-estrutura de defesa e fomentar redes de apoio em esferas públicas
e privadas.
Apesar da prisão de Inácio de Souza, o processo de arrecadação do quinto não pode
ser considerado prova do domínio efetivo e implacável da coroa sobre a colônia ou uma
prática que assegurou os direitos reais tradicionais. Tampouco era uma forma de taxação
independente da influência de outros interesses além da vontade régia. Ao mesmo tempo,
deve-se tomar cuidado com as conclusões opostas que tomam essas negociações entre coroa e
vassalos como provas da ineficiência da administração e descontrole dentro da colônia. Não
era esse o caso. As Minas possuíam um ritmo próprio, com particularidades locais, ao mesmo
tempo em que eram interligadas ao reino, com seus valores e legislações. Demonstrava uma
ordem específica, que era exatamente o resultado dessas relações.
2.2 Crimes e Conflitos Associados às Casas de Fundições e Moedas
Durante a primeira metade do século XVIII, nas Minas, tentando se acomodar a
realidades em constantes mudanças, a forma de se arrecadar o quinto para a Real Fazenda foi
modificada várias vezes. Foi estabelecida sob a forma de arrecadação por bateias, em 1713.
Em 1715, foi modificada para uma finta fixa de arrobas de ouro, que teria seu valor alterado
algumas vezes através dos anos. Essa forma de arrecadação duraria até a instalação das casas
de fundição, em 1725, quando a capitania se encontrava sob governo de D. Lourenço de
Almeida. Isto ocorreu após quase seis anos de conflitos e negociações ao redor desse sistema,
ou seja, desde 1719, quando esta instalação havia sido ordenada ao governador D. Pedro de
121
APM, CMOP 006, fl.109-110. O desembargador Joaquim Rodrigues Santa Marta Soares conseguiu localizar
alguns dos diamantes descaminhados por Inácio de Souza e os lucros destes, em Londres, nas mãos de
Manuel Lopes Ribeiro. O oficial régio conseguiu reaver parte dos bens do criminoso que estavam em outros
países. Ver ANTT, Conselho de Guerra, maço 251 bis, caixa 933 e ANTT, Conselho de Guerra, maço 260, 1ª
caixa.
82
Almeida pelo monarca. O sistema duraria por dez anos, e depois disso seria estabelecido o
sistema de capitação, em 1735, que duraria até 1750. A arrecadação por via das casas de
fundição retornaria em 1751.
Não é objetivo desta dissertação discutir todas as eventualidades e reveses da coleta do
real quinto, mas discutir o processo que foi a base para o crime de Inácio de Souza Ferreira e
seu bando, qual seja, a instalação da primeira casa de fundição e moedas em Vila Rica. O
crime e a instalação das tais casas foram processos que influenciaram um ao outro, mesmo
que tenham se mantido separados. A substituição do sistema das casas de fundição pelo
sistema da capitação não seria uma medida alheia às ações dos falsários do Paraopeba, assim
como o crime também só foi possível a partir da instalação daquelas casas. Estabeleceram-se
relações semelhantes entre as circunstâncias da coleta dos reais quintos e várias outras ações
ilícitas.
Com a casa de fundição e moedas, foram estabelecidas regras para o uso e valor do
ouro, assim como para sua transformação e molde, por meios de que, em teoria, o governo
português detinha o monopólio. A ordem para a instalação das casas de fundição nas Minas
foi redigida a 11 de fevereiro de 1719. Nela se continha a explicação detalhada sobre seu
funcionamento e como se deveria proceder na sua instalação. El-Rei estipulava que a ordem
só deveria ser publicada quando a fábrica oficial estivesse pronta para começar a funcionar.
Seria dado, então, um prazo para que as pessoas pudessem consumir seu ouro ou levá-lo à
fundição ou cunhagem. O metal seria reduzido e transformado em barras ou moedas sem que
se cobrasse o quinto. Essa última medida visava não sobretaxar aqueles que já tivessem
contribuído com as arrobas das fintas, do sistema anterior, e o prazo dado reconhecia as
dificuldades impostas tanto pelas grandes extensões territoriais quanto pela ampla circulação
do ouro por aquele espaço. Esses fatores geográficos da região e o trânsito do metal seriam
uma grande vantagem para as ações dos falsários do Paraopeba. Eles aprenderiam a usá-los
em seu favor nas transações com o ouro em pó que supria a produção das barras, que
circulavam plenamente antes de se instalarem as cunhagens ilícitas. As moedas, se circularam,
se aproveitaram das mesmas conveniências. As formas de se relacionar com o espaço
estabelecidas pelos homens sob o mando de Inácio de Souza estavam, por sua vez, conectadas
à sua inserção em redes de contatos e influências. Como já foi apresentado, tais redes
relacionavam-se diretamente com o espaço físico, tanto quanto a esferas mais intangíveis de
atuação.
83
A nova forma de cobrança também veio acompanhada de outras medidas. Proibia-se a
saída das Minas do ouro em pó ou folheta,
122
e estipulava-se o valor fixo de 10 tostões por
oitava para sua circulação antes da fundição, e 14 tostões depois de ser fundido, sendo o metal
de 22 quilates. Inicialmente não havia intenção de se instalar, nas Minas, uma casa da moeda,
e o ouro em pó deveria continuar a ser utilizado para o comércio local, “e com ele poderão os
ditos moradores entre si comerciar livremente e celebrarem as suas compras e vendas como
lhes convier”.
123
Não diferente de várias outras medidas relativas ao ouro em Minas Gerais,
esta tentava garantir os interesses régios, mas dava às Minas algum nível de liberdade.
124
Seguia os moldes das relações de negociação entre a coroa e seus vassalos naquela época. No
entanto, o governador D. Pedro de Almeida escreveu a El-Rei reclamando das dificuldades
dessa permissão, visto que as fronteiras do distrito das Minas eram incertas e que, por isso,
seria difícil evitar o descaminho caso o ouro em pó tivesse algum tipo de liberdade de
circulação. No ano seguinte, a 19 de março, o monarca respondeu não só a ele, mas aos
“oficiais da câmara da Vila de nossa Senhora do Carmo e ao ouvidor-geral do Rio das Velhas
[que] nas cartas que me escreveram sobre este particular me representaram a mesma
dificuldade”, agradecendo o empenho desses oficiais para a defesa dos interesses da coroa e
concordando com aqueles argumentos. El-Rei estabeleceu, então, a instalação de uma casa da
moeda no território das Minas, apesar dos vários pareceres reinóis contra esse tipo de medida,
como já foi demonstrado. Ele ordenava que
[...] para bem do comércio, e usos desses vassalos, sou servido que em todo o
distrito das Minas corra somente o ouro em barra que for marcado nas casas da
fundição e o dinheiro, e para este efeito ordeno que nas Minas naquela parte que vos
parecer mais conveniente mandeis logo estabelecer // Uma Casa em que se
fabriquem moedas de ouro, meias moedas e quartos com o mesmo valor e quilates e
forma que têm as que se fabricam neste Reino Bahia e Rio de Janeiro as quais serão
todas marcadas com a letra M no mesmo lugar em que se põe o R nas que são
fabricadas no Rio de Janeiro [...].
125
122
O ouro em folheta é quase o mesmo que o ouro em pó, mas de grãos maiores, mais grossos e de aparência
laminada. Para uma descrição dos tipos de reservas auferas disponíveis em Minas Gerais aos mineradores
dos séculos XVIII e XIX, ver FERRAND, O ouro em Minas Gerais, 1998.
123
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.5-6.
124
REIS, Entre faisqueiras, catas e galerias, 2007. discute essa flexibilidade das atividades mineradoras nas
Minas, frente às ordens régias, observando que, mesmo com a publicação do regimento de 1702, e as várias
emendas posteriores, não se tentava regular as formas de minerar ou qualquer aspecto dessa atividade que
não interferisse na arrecadação dos reais quintos. Desde que o maior número possível de pessoas estivesse
ocupada em retirar o ouro da terra, pagando o que se devia a El-Rei, podiam conduzir seus afazeres nesse
ofício como lhes conviesse. Portanto, o regulamente focava em matérias como, por exemplo, a distribuição
de terras e águas, mas não estipulava nada sobre os métodos de extração. Permitir a circulação do ouro em
seguia a mesma lógica, e transações com o metal no seu estado bruto só seriam proibidas uma vez que se
reconhecesse que eram prejudiciais às arrecadações dos reais quintos.
125
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.65v-66.
84
As casas de fundição e moeda deveriam colocar, sob o monopólio régio, os meios de
redução e fundição do ouro e, portanto, de validação do metal, naquela sociedade e naquele
espaço – ou, pelo menos, a validação oficial. Os problemas de se comerciar com o ouro em pó
não eram novidade no reino português e foram várias as formas de se lidar com isso. Além
das opiniões expressas nos pareceres reinóis, já mencionados, Antonil se referira ao ato de
comerciar com ouro em pó como um crime, dez anos antes, em outro contexto. Embora fosse
uma perspectiva tão parcial quanto a dos negociantes, os argumentos teológicos e jurídicos de
Antonil apontam uma bagagem cultural mais ampla do que apenas suas opiniões, o que torna
relevante sua argumentação sobre o assunto. No caso, o religioso fala de tal prática como um
crime penal, e não uma ofensa aos valores morais da época, já que o ato apenas atrasava a
cobrança do quinto e transferia essa responsabilidade para outro, não necessariamente levando
ao descaminho.
126
O autor parecia supor que em algum momento o ouro seria quintado.
Entretanto, essa suposição partia da premissa de que o ouro permaneceria na área de controle
da coroa, onde o quinto poderia ser cobrado, e não considerava que o ouro em pó poderia
chegar, por causa desse comércio ou mesmo por contrabando direto, a locais onde sua
tributação seria impossível: em alguma região erma ou em alguma outra nação.
127
A visão de
Antonil talvez fosse um pouco ingênua e equivocada. Ainda assim, D. Pedro de Almeida foi
arguto o suficiente para perceber que o metal facilmente deixava a área das Minas. Seus
pareceres e as respostas de El-Rei demonstram como o controle sobre o ouro extrapolava o
material em si e se tornava, além disso, um controle sobre um espaço físico. Isto pode ser
observado, também, em várias outras ordens régias e regulamentações oficiais já mencionadas
neste trabalho.
A tentativa de imposição do sistema das casas de fundição não seria bem aceita pelos
moradores das Minas e foi uma das questões levantadas pelos revoltosos de Vila Rica em
1720. Embora houvesse outras motivações e interesses para a revolta, a forte conexão entre os
dois eventos é inegável. A primeira condição estabelecida pelos revoltosos, de acordo com o
“Termo que se fez sobre a proposta do povo de Vila Rica na ocasião em que veio amotinado a
Vila do Carmo”, foi “que não consentem em casa de fundição, cunhos e moeda”.
128
A impopularidade de implementação de casas de fundição e moedas nas Minas ia além
daquela região, especialmente no caso das casas de moedas, como atestam os vários pareceres
126
ANTONIL, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, 2008,. 3ª Parte, Capítulo IX.
127
O que ele parece não enxergar neste trecho de sua obra, ele observa num capítulo posterior, sem, entretanto,
corrigir a primeira suposição. Mas devemos lembrar que as diferentes partes da obra de Antonil foram
escritas em momentos distintos, baseando-se em fontes com maior ou menor grau de confiabilidade.
128
ANASTASIA, A geografia do crime, 2005.
85
portugueses contra elas. Embora fosse a oposição por motivos completamente diferentes,
esses documentos demonstram a extensão e a variedade das redes de interesse envolvidas e
preocupadas com o que acontecia nas Minas.
A proibição da circulação do ouro em pó tampouco seria eficaz. Um bando do
governador Dom Lourenço de Almeida, em 1730, tentava restabelecê-la, depois de ter
tolerado por vários anos a circulação do metal no seu estado bruto, com o aval do monarca.
129
No entanto, o poder oficial parecia incapaz de fazer valer aquela medida. Naquele mesmo
ano, o cerco ao redor do metal se fecharia ainda mais com um segundo bando, que ordenava o
confisco de todo o ouro encontrado em pó ou em barra não-quintada fora das vilas ou arraiais.
Encontrar o metal nessas condições já era motivo suficiente
[...] que mostrasse que ia descaminhá-lo aos quintos buscando as estradas do Rio de
Janeiro, São Paulo ou Currais ainda que não tivesse passado os Registros porque
logo que se mostrava apartando-se da Casa de Fundição não era para outro fim
senão descaminhar os reais quintos [...].
130
Esse edital deveria impedir que o ouro saísse das áreas de controle da coroa antes de
ser quintado. Apesar dos esforços, os descaminhos persistiriam de várias formas. A
falsificação foi uma delas, mas houve várias outras.
A possibilidade de que o ouro pudesse acabar em objetos frívolos e adornos foi
mencionada por Antonil e seria confirmada por vários bandos oficiais, anos depois de seu
relato. Os ourives seriam expulsos das Minas por uma ordem régia de 1719, reiterada em
1724 e 1730.
131
Essa ordem também seria difícil de se impor.
132
Na segunda reiteração, o
problema do descaminho na forma de jóias fabricadas por aqueles oficiais seria explicitado e,
em 1728, D. Lourenço ainda reclamava dessa situação.
133
Entende-se que era um problema
comum, potencializado pela presença de ourives e fundidores. Estes, abusando da tolerância
que “corresse o dito ouro em pó e folheta, o reduzem a peças(?) lavradas com tão pouca arte
que notoriamente mostram serem fabricadas com o de divertirem o dito ouro da Casa de
Fundição e fraudar o quinto”. Um dos maiores problemas dos ourives talvez não fosse a sua
129
APM, CMOP 006, fl.97-98v e ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.158-162v.
130
APM, CMOP 006, fl.92-93v.
131
APM, CMOP 006, fl.47v-48v e 95v-96v.
132
APM, CMOP 006, fl.47v-48v. Ainda assim, várias concessões seriam abertas e, em 1746, foram relatados 18
ourives autorizados no termo de Vila Rica. Para uma discussão censitária dos ofícios mecânicos em Minas
Gerais naquele período, ver MENESES, Artes fabris e serviços banais, 2003. Tais concessões demonstram a
falta de rigidez de algumas ordens régias. Outros artigos que contêm informações importantes sobre este
tema são TRINDADE, Ourives de Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX, 1955 e VASCONCELLOS,
Ofícios mecânicos em Vila Rica durante o século XVIII, 1940.
133
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.7-7v.
86
participação na confecção de jóias que pudessem negar à coroa seus direitos, mas que esses
oficiais eram, também, conhecedores da arte de fundição do ouro e abertura de cunhos.
134
Quando foi instalada a casa da moeda na Bahia, seus principais oficiais foram
enviados de Portugal: o provedor, o juiz da moeda, o ensaiador e o abridor de cunhos.
135
No
entanto, o último oficial, José Berlique, enviado do reino como sendo exímio praticante dessa
arte, mostrou-se incapaz de realizar o ofício de forma satisfatória. Foi, então, substituído por
um ourives baiano chamado Domingos Ferreira Zambuja.
136
As casas de fundição e moedas
no Brasil continuariam utilizando oficiais locais que trabalhariam ao lado dos reinóis, apesar
dos vários conflitos a respeito desse assunto.
137
Em 1695, um ourives local, Amaro de Barros,
seria chamado como assistente de Domingos Ferreira e, posteriormente, seria transferido
como “primeiro abridor de cunhos” para a casa da moeda do Rio de Janeiro. Trabalharia ali
até 1739, terminando seus serviços já com 77 anos de idade.
Isso deve ter estimulado a construção de diversas redes de contatos, influências e
saberes entre esses oficiais. Um dos membros do bando de falsários era Miguel Torres, que
havia sido juiz da balança na casa de fundição e moeda de Vila Rica. Antonio Pereira de
Souza, o abridor de cunhos que havia trabalhado na casa da moeda do Rio de Janeiro, também
pode ter estado em contato com Inácio de Souza. Aparentemente, o mesmo abridor tentaria
instalar outra casa de moedas e barras falsas em Itaberaba, na capitania das Minas, fato
descoberto em uma devassa conduzida pelo governador do Rio de Janeiro, Luís Vahia
Monteiro.
138
Em 1732, ao escrever ao Conde das Galvêas, então governador e capitão-general
das Minas, El-Rei se refere a esses contraventores em Itaberaba como sendo um grupo de
134
“Abrir cunhos” significa moldar numa peça de ferro o molde para a cunhagem de moedas, ou seja, fabricar o
próprio cunho.
135
Inácio de Souza Ferreira copiaria muito da organização das casas da moeda oficiais na sua fábrica
clandestina. A divisão do trabalho instituída por ele se assemelharia bastante à exemplificada aqui e será
discutida em mais detalhes no Capítulo 3. Para uma discussão sobre a organização interna e divisão do
trabalho das casas de fundição oficiais, tanto no Brasil, quanto em Lisboa, ver TÚLIO, Falsários D’El Rei,
2005.
136
TÚLIO, Falsários D’El Rei, 2005.
137
TÚLIO, Falsários D’El Rei, 2005.
138
É possível que a descoberta desta segunda fábrica possa ter sido feita, na verdade, pelo desembargador
Joaquim Rodrigues Santa Marta Soares. Anos depois, o filho do desembargador faz uma solicitação a El-Rei
em nome dos serviços prestados por seu falecido pai, descrevendo vários deles. O suplicante descrevia como
“também descobriu o Pai do Suplicante uma casa de moeda nas Minas (19) a qual se ignorava totalmente;
por exame, e averiguação do Pai do Suplicante |dadas pelo mesmo as instruções à vários Governadores da
América| vieram presos muitos Réus, que operavam nesta Fábrica no Sítio de Itaberaba; trazendo com os
processos quarenta e quatro dobras de 128oo, quinze em chapa, e vinte nove cunhadas (20) e sendo
sentenciados à morte, V. Majestade foi servido perdoar-lhe”. Ver ANTT, Conselho de Guerra, maço 260, 1ª
caixa.
87
ourives e mineiros.
139
Além disso, um tal Antonio Pereira, possivelmente o mesmo Antonio
Pereira de Souza, ex-abridor de cunhos da casa da moeda do Rio de Janeiro, era ourives em
Vila Rica e, aparentemente, estava envolvido no negócio de barras falsas já havia bastante
tempo.
140
Numa carta escrita a D. Lourenço de Almeida pelo capitão-mor Nicolau Carvalho
de Azevedo, em 1732, o informante diz a respeito de Manoel Correa, um grande aliado do
então ex-governador nas Minas,
[...] Que Manoel Correa foi o primeiro, q' no arayal de An
to.
Dias nesta villa
persuadio, a hum orives chamado Antonio Pereira a fazer, e marcar barras falças,
com a marca real, como se fossem da casa da moeda, e q' V. Ex
a.
tambem era
intereçado no mesmo negocio, porq' destas mandou m
tas.
para o Rio de Janeiro por
varias peçoas; como o tempo ao depois descubrio [...].
141
Os ourives, portanto, podiam ser um problema para o poder central. No entanto, era
impossível controlar o trânsito desses saberes e experiências. Em 1724, D. Lourenço informa
que “estas Minas estão cheias de ourives”
142
e que a ordem de 1719 não havia sido obedecida.
Esses artífices ganhariam espaço tanto oficialmente – em 1746 havia 18 ourives no termo de
Vila Rica com concessões especiais
143
– como difundiriam seus conhecimentos a falsários e a
outros que na colônia realizavam práticas ilícitas com o ouro. Aqueles homens, com suas
bagagem de saberes e contatos, eram parte fundamental do universo da fábrica clandestina no
Paraopeba.
Outros casos de funcionários oficiais que fizeram uso ilícito das conveniências
técnicas e burocráticas de suas ocupações também são conhecidos. Em 1724, antes das
fundições ilegais de Inácio de Souza Ferreira, o provedor dos quintos da casa de fundição de
São Paulo se utilizava da infra-estrutura oficial à qual tinha acesso para falsificar barras de
ouro. Assim como Inácio de Souza, o criminoso atuou com a conivência dos governadores
locais, tendo-os como aliados e beneficiários. Tanto é assim que, mesmo depois de se
descobrir a respeito daqueles descaminhos, a devassa que o levaria a prisão foi sendo
constantemente adiada até 1732. Naquele ano, logo após a prisão de Inácio de Souza Ferreira,
139
SOUTHEY, História do Brasil, 1981. Esta obra, em três volumes, foi escrita entre os anos de 1810 e 1819.
Ver TÚLIO, Falsários D’El Rei, 2005.
140
Não há certeza quanto a identidade deste ourives, já que, trabalhando para Inácio de Souza havia também um
ferreiro chamado Antonio Pereira, e, na documentação, o sobrinho do líder dos falsários, Antonio Ferreira de
Souza, às vezes é confundido com Antônio Pereira.
141
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.123-147v.
142
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.158-162v.
143
MENESES, Artes fabris e serviços banais, 2003. Ver também TRINDADE, Ourives de Minas Gerais nos
séculos XVIII e XIX, 1955 e VASCONCELLOS, Ofícios mecânicos em Vila Rica durante o século XVIII,
1940.
88
o sistema de arrecadação dos quintos pelas casas de fundição e moedas aparentemente entrou
em crise, como veremos adiante, e apertou-se o cerco em torno dos descaminhos. A partir de
então, não seria mais possível poupar o provedor Sebastião Fernandes do Rego, que
terminaria na prisão do Limoeiro, em Portugal.
144
O provedor seria então substituído por um
oficial enviado de Vila Rica,
145
o que estimulou o intercâmbio desse ofício e seus saberes pela
colônia e a construção de redes de contatos.
Muitas manobras que negavam ordenações régias podiam contar, às vezes, com o
apoio dos próprios ministros e funcionários de El-Rei. Tais homens podiam possibilitar ou
mesmo conduzir essas ações, apoiando-se em sua autoridade, clandestina ou abertamente,
dependendo das possibilidades de condescendência e justificativa frente ao centro decisório
em Lisboa. Ainda assim, gozando ou não do apoio de ministros oficiais, muitos dos que se
envolveram em tais atividades ilícitas precisaram fazê-lo, mesmo que sob o medo da punição.
Foi esse medo que levou os criminosos sob o mando de Inácio de Souza a construírem um
aparato tão detalhado para sua proteção, mesmo quando contavam com o apoio do governador
e de oficiais de várias câmaras das Minas. Essas ações de ministros régios, punindo ou
condescendendo, combatendo ou participando, e suas relações com outros homens nos
bastidores – relações de aliança ou conflito – podiam ser utilizadas de várias formas pelos
agentes coevos envolvidos. Embora fossem ações políticas, econômicas e sociais, todas elas
aconteciam dentro do campo cultural específico da colônia, com todos os ganchos e teias que
ligavam as Minas ao restante do império português e a outras partes. Algumas ações foram
associadas a recursos materiais, como no caso do crime do Paraopeba. Fizeram uso da
circulação de artífices mecânicos, saberes e materiais que se encontravam dentro de um
espaço, em princípio, legislado e influenciado pela presença das casas de fundição e moeda.
Também fizeram uso dos contatos em esferas oficiais de poder, responsáveis pela aplicação
das leis. Ajudaram, portanto, a construir o cotidiano material das Minas como parte de uma
teia de condicionantes e influências locais, mas também globais, tais como a demanda
internacional por diamantes ou os debates entre o reino e as conquistas portuguesas sobre a
possibilidade de instalação de casas de moeda fora do território do reino. Desse modo,
enquanto agiam dentro de uma dimensão do locus também ajudavam a estruturá-la em relação
à dimensão do orbis. Essas relações eram fundamentais para a empresa ilícita.
144
TÚLIO, Falsários D’El Rei, 2005.
145
MENESES, Artes fabris e serviços banais, 2003.
89
2.3 Os Falsários, os Agentes da Ordem e o Espaço das Minas
Como já foi dito, quando D. Lourenço de Almeida soube “mandar com modo” os
povos das Minas, na Igreja de Santa Quitéria, em Vila Rica, a 15 de Janeiro de 1724, e
convencê-los da instalação das casas de fundição e moedas, um dos “homens de distinção”
que assinaram o termo da junta que decidiu pela instalação das referidas casas era Inácio de
Souza Ferreira. Até aquele momento, não se sabe precisamente a trajetória do líder dos
falsários do Paraopeba e o que lhe permitiu chegar a um lugar de “distinção” na região. Além
de inferências fugidias e sugestões de alguns historiadores modernos de que Inácio de Souza
teria sido padre egresso, membro da Congregação do Oratório, capitão de nau das Índias e
advogado, há poucas evidências documentais de sua presença no Brasil antes de 1724. Uma
delas é a menção do seu nome como um dos sertanistas baianos que chegou ao vale do
Jequitinhonha e rio Pardo em 1703. Outra evidência é um processo de apreensão e leilão de
bens de três contrabandistas no caminho proibido da Bahia, em 1707: um deles, Inácio de
Souza Ferreira, conseguira escapar, diferentemente dos outros dois, Paschoal de Almeida e
Antonio Alvarez.
146
A apreensão havia sido feita já no vale do Paraopeba – num capão “retirado da estrada
cousa de uma légua para o Paraopeba” – pelo capitão João Freire Farto e por ninguém menos
que o tenente Manoel de Borba Gato Araújo, que possuía terras na região. Os bens incluíam
dez cavalos “carregados de negros”, além de “dois barris de sal da terra, dois pacotes de
sabão, cinco meias de sola, cinco couros de veado curtido, mais um pacote de sabão, um
pacote de cevada em forma de pão, pertencentes a Antonio Alvarez e Inácio de Souza Ferreira
ausente”. Se for, de fato, o mesmo Inácio de Souza Ferreira de 17 anos depois, é possível
deduzir de onde veio a base de seu conhecimento da região e sua intimidade com os caminhos
– escondidos ou oficiais – e com a logística do contrabando. Desde aquela época Inácio de
Souza já poderia estar construindo redes de contatos que potencializariam suas ações
criminosas futuras. Por outro lado, pode ser que se trate apenas de um homônimo. As
evidências de que dispomos no momento não nos permitem nenhuma confirmação, mas é
preciso estar atento quanto à possibilidade de se tratar do mesmo homem.
É bem possível que, ao apoiar a instalação das casas de fundição e moedas nas Minas,
o contrabandista do Paraopeba já tivesse um plano em mente e soubesse muito bem o que
146
BNRJ fundo Casa dos Contos “Auto da tomada que fez a Paschoal de Almeida, Antônio Alvarez e Inácio de
Souza, realizado pela superintendência, nos bens que os réus trouxeram pela estrada proibida da Bahia a
Minas 06/07/1707. Retirado de TÚLIO, Falsários D’El Rei, 2005.
90
estava fazendo. Seu negócio se baseava exatamente em tirar proveito daquelas fábricas
oficiais e não teria sido possível com o método de arrecadação dos quintos por fintas fixas,
vigente antes. Diferentemente do simples contrabando de ouro em pó, a instalação das casas
de fundição e moedas permitia a fraude de forma mais discreta. O ouro descaminhado
terminava nas mãos dos interessados, em forma de barras ou moedas e, portanto, livre de
suspeita e com pleno direito de circulação pelo mundo.
A eficiência do método seria tão grande que, nos anos de atuação da fábrica, de 1728 a
1731, as arrecadações régias do quinto cairiam muito, chagando à metade em 1729 e 1730, e o
que deveria pertencer a Real Fazenda na verdade estava engordando cabedais privados de
incontáveis envolvidos. Produzido por Friedrich Renger e publicado na Revista do Arquivo
Público Mineiro (2006), um gráfico sobre as quantidades de ouro das arrecadações oficiais
dos quintos durante sua vigência nas Minas, compilado de dados obtidos de Teixeira Coelho,
Eschwege, Vasconcellos e Calógeras, demonstra uma significativa queda exatamente entre os
anos de 1728 a 1730 (GRÁFICO 1). As contabilizações dos quintos ocorriam no meio do ano,
portanto, o ano de 1729 representa uma queda na arrecadação que durou de meados de 1728
até meados de 1729. É bem provável que esse desfalque seja resultado da ação dos falsários
do Paraopeba.
Pode-se ver pelo Gráfico 1 que a queda se iniciou, de fato, no princípio de 1728, ano
que já apresenta uma pequena redução em relação aos anteriores. Essa ligeira queda nos
rendimentos, reclamada por El-Rei
147
, é justificada por D. Lourenço como falta de solimão
nas fundições oficiais, mas poderia já ser resultado de descaminhos. Como se verá a seguir, a
própria falta de solimão pode ter sido resultado de desvios ilícitos desse material para
sustentar as fundições ilegais. Como essa falta ocorreu no final de 1727, pode ter sido este o
ano do início da instalação da fábrica clandestina, mais de dois anos depois do
estabelecimento da casa de fundição e moeda oficial em Vila Rica. A demora se justificaria
pela natureza da infra-estrutura, que precisaria ser ampla e discreta, o que levaria tempo para
se estabelecer. Esse padrão condiz muito bem com os dados apresentados no Gráfico 1, que
ajuda a reforçar essa sugestão.
147
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.151v.
91
GRÁFICO 1: Quintos do ouro de Minas Gerais : 1697-1820
FONTE: RENGER, Friedrich E. O quinto do ouro no regime tributário nas Minas Gerais. 2006.
92
É importante notar que no Gráfico 1 não há distinção dos métodos de arrecadação e
este apenas apresenta as quantidades obtidas em cada ano. O autor explica que “o máximo de
arrecadação, com 145,8 arrobas, corresponde ao ano de 1735; em 1751 foi considerada a
capitação do primeiro semestre (55,5 arr.); para o pico de 1809 (47,6 arr.) não há explicação.
Os quintos dos anos da capitação (1735 a 1750) apresentam um decréscimo de 22%, valor
indicativo da diminuição da população escrava em Minas Gerais, o que sinaliza a exaustão
das lavras a partir de 1750”.
148
Como foi explicitado anteriormente, o negócio também permitia o lucro à custa dos
outros habitantes das Minas, visto que as transações comerciais para a obtenção do ouro em
pó, quando realizadas com barras ou moedas falsas que não pagavam direitos ou
senhoriagens, eram feitas com lucros, dadas as diferenças no valor do ouro nesses dois
estados. Como o quinto representava 20%, o preço de uma oitava de ouro não fundido deveria
ser o equivalente a 80% do ouro já fundido, já que esta seria a redução de valor que sofreria o
comprador. No entanto, 10 tostões são, na verdade, algo em torno de 71% ou 72% de 14
tostões, dando ao comprador uma vantagem de 8% ou 9% – quase um tostão e meio.
Devemos lembrar que nas fundições e cunhagens régias ainda se pagavam os custos do
trabalho aos oficiais das fábricas; portanto, essa vantagem que o comprador levava na
transação deveria representar a cobertura desses custos. No entanto, Inácio de Souza também
estava livre desses gastos.
As transações com o ouro em seu estado bruto eram fundamentais para o negócio dos
falsários, assim como a existência das casas de fundição e moedas oficiais. Associando os
dois, ele conseguia aumentar seus lucros. A importância que o comércio com o ouro em
natural tinha para os contrabandistas e descaminhadores foi notada por várias pessoas na
época. Além dos já mencionados relatos do religioso André João Antonil, de alguns anos
antes, no caso específico de Inácio de Souza, D. Lourenço de Almeida observou como o
criminoso comprava ouro por toda a colônia para reduzi-lo a moeda. O problema também é
observado pelo anônimo A.P.C., na carta que escreveu de Vila Rica após os eventos de março
de 1731.
149
Além de uma referência direta ao problema, pode-se inferi-lo, ainda, das
declarações de João Ferreira dos Santos, dadas na mesma carta, sobre o comprar ouro. Em
148
RENGER, O quinto do ouro no regime tributário nas Minas Gerais, 2006. Infelizmente, o Gráfico 1 não
pôde ser reproduzido com uma qualidade aceitável neste trabalho devido à sua formatação inicial. O
problema gerado foi a dificuldade de se lerem os anos na base da imagem, mas os picos que ele apresenta são
abordados no texto e podem ser usados como pontos de referência.
149
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.104-109.
93
1734, o Conde das Galvêas, André de Melo e Castro, reuniu várias “pessoas inteligentes” que,
com seus pareceres, deduziram a mesma coisa,
[...] pelo que a todos os referidos parecia que era muito dificultoso evitar os
descaminhos, enquanto nas Minas corresse no comércio ao mesmo tempo ouro em
pó e moeda com que se possa comprar, porque os roubos e descaminhos se facilitam
com esta ocasião, além da que dá a situação e natural disposição do país e o
atrevimento, interesse aderência (?) dos passadores, e de alguns habitantes, e que a
todos parecia que tinha mostrado a experiência, ser moralmente impossível evitar-se
e proibir-se todo o comércio e uso do ouro em pó, porque, além de outros grandes
inconvenientes, ficariam sem meio algum para poderem subsistir e comprar o
necessário para o sustento, os negros e habitantes que vivem tirando ouro em Lavras
remotas, e assim lhe parecia que o mais eficaz remédio e proveitoso para evitar os
descaminhos é cessar logo neste Governo a fábrica da moeda, e quando se achar
extraída, a que hoje corre para o que lhe pareceu conveniente o termo de seis meses
que começaram a correr do dia da publicação do bando, proibir-se todo o uso dela,
reduzindo-se na casa da fundição o ouro das partes a barras com guias que para os
anos futuros se devem mandar de Lisboa impressas, com armas Reais e ornatos que
não possam falsificar-se dando-se parte desta resolução aos Governos vizinhos, para
que lá também se publique, de sorte que se não introduzam neste novas quantias de
moeda como sucedeu nos anos de 1729, 1730, dando-se com isso ocasião aos
grandes descaminhos // que então se experimentaram, e os comboieiros por cuja
intervenção se fazem a maior parte dos descaminhos não poderão tão facilmente
comprar com as barras o ouro em pó, nem os Mineiros vender-lhe, e quando o
intentem fazer, as mesmas (?) barras e guias descobrirão o descaminhador, se este
não mostrar juridicamente o motivo necessário por que as deixou ou tornou a
introduzir neste país, além deste motivo atende principalmente aos que foram
presentes a S. Majestade para extinguir a fábrica da moeda, estabelecendo a
capitação tirando das Minas toda a ocasião de se poder intentar, ou cometer o delito
de moeda falsa evitando uma grande despesa inútil à Fazenda Real [...].
150
As opiniões sugerem a forma como se faziam as transações que eram tão importantes
para bando do Paraopeba, assim como a abrangência da circulação e a variedade das pessoas
envolvidas. O documento deixa transparecer o envolvimento de pequenos mineradores,
comerciantes, comboieiros, negros e habitantes de áreas remotas nas transações com ouro em
pó, homens que teriam sido fornecedores formidáveis daquela matéria-prima para o bando do
Paraopeba, dada a discrição da origem do seu ouro. Reitera, também, o quanto era
incontrolável o trânsito desse material. Além dos ministros régios e homens poderosos, havia
outros tipos e classes de envolvidos, que variavam de oficiais mecânicos que já haviam
servido à coroa até, possivelmente, negros faiscadores. Um dos principais pontos, no entanto,
era o de que as moedas apresentavam maior ameaça do que as barras, mesmo que por motivos
diferentes daqueles que levaram tantos homens do reino a condená-las em seus pareceres,
como se viu no Capítulo 1. O dinheiro, sendo instrumento de uso cotidiano, não possuía
marcas individuais e não podia contar com guias como as que se emitiam para as barras.
Rastrear sua origem era virtualmente impossível.
150
BNL, Coleção Pombalina, Códice 738, fl.297-298v
94
A declaração dada pelo Conde das Galvêas também reforça a validade dos dados
apresentados no Gráfico 1 sobre os anos de 1729 e 1730 e sugere a forte influência que podem
ter tido as ações de falsários. É importante notar a referência específica à introdução de
moedas na região durante esses anos. Quando de sua prisão, os falsários do Vale do
Paraopeba não contavam com um engenho de cunho nem com um ensaiador, e, por isso,
argumentaram em seu julgamento que nunca chegaram a fabricar moedas. No entanto,
veremos que a infra-estrutura de que dispunham e o fato de já fiarem barras, mesmo sem
terem engenho, permitia perfeitamente uma produção manual, a martelo. Por outro lado,
ficará claro neste trabalho que antes de 1730 a ênfase do negócio daqueles homens pode ter
sido apenas a produção de barras falsas para serem trocadas por moedas na casa da moeda
oficial do Rio de Janeiro, sendo, dessa forma, “lavadas”. É bem mais provável que fosse a
essas moedas que o Conde se referia, e não a uma suposta produção de moedas falsas no Vale
do Paraopeba. Mesmo que dispusesse da infra-estrutura para sua fabricação, Inácio de Souza
não podia – e, aparentemente, nem mesmo queria –, até 1730, alcançar um nível de produção
numismática com a grandeza indicada no Gráfico 1 e sugerida na citação acima. Até aquele
ano, o principal negócio ainda seria o das barras falsas.
Embora seja possível inferir a forma como se dava e a proporção dos lucros do
negócio, assim como as partes prejudicadas (nesse caso, especialmente a Real Fazenda), não
sabemos os pormenores de como era feito o beneficiamento dos interessados – porções e
dividendos, por exemplo – ou mesmo quem eram. Também não sabemos o grau de
envolvimento dos outros “homens de distinção” presentes na reunião de janeiro de 1724, mas
é possível sugerir o envolvimento de pelo menos alguns deles.
Diferentemente dos membros da rede local do bando do Paraopeba que viviam nos
morros e lavras, nas tendas e vendas e nos currais e pequenos arraiais, tais “homens de
distinção” deixaram para trás assinaturas e declarações registradas em documentos oficiais
que nos permitem ‘segui-los’ mais de perto. Todos aqueles homens apoiaram a mudança na
forma de se arrecadarem os direitos reais e a instalação das casas de fundição e moeda. Várias
devem ter sido suas motivações para isto. No entanto, onze anos depois, em 1735, alguns
deles condenariam o mesmo sistema de arrecadação e apoiariam o estabelecimento da
capitação.
151
O novo sistema da capitação realizaria a cobrança na forma de um valor fixo por
escravo possuído, os forros pagariam por si próprios e os lojistas e vendeiros por seus
151
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.71v-72.
95
estabelecimentos. As casas de fundição seriam abandonadas como sistema de arrecadação.
152
A condenação das casas de fundição e o apoio ao novo método por aqueles homens ocorreria
exatamente após o desbaratamento do bando do Paraopeba e aperto do cerco em torno dos
descaminhos por falsificação, fatos e processos que ocorreram entre 1731 e 1735.
As duas juntas que resolveram sobre a melhor forma de arrecadação dos direitos
régios ocorreram de forma bem distinta. A primeira, em 1724, responsável pelo
estabelecimento das casas de fundição e moedas, ocorreu na igreja de Santa Quitéria e tinha a
assinatura de mais de 110 homens presentes à reunião. Podemos supor que se tratou de um
evento de grandes proporções. Isso, pelo menos, quando comparado à junta de onze anos
depois, em 1735, que decidiu sobre a capitação.
153
Esta se reuniu na casa do governador
Gomes Freire de Andrade, a 30 de junho, com representantes das oito vilas da capitania das
Minas e o representante régio, Martinho de Mendonça Pina e Proença. O documento não
contém a lista dos procuradores de Vila Rica, mas lista os representantes das demais vilas.
Foram eles: o coronel Caetano Alvez Rodriguez, o capitão-mor Domingos da Rocha Ferreira
e Manoel Matheos Tinoco, pela Vila de Ribeirão do Carmo; o coronel Jozé Correa de
Miranda e Antonio Velho Cabral, como procuradores do Sabará; Andre Alvez Raynho e o
capitão-mor Manoel da Costa de Gouvea foram pela Vila de São João del Rei; João Nunes
Ferreyra representou a Vila Nova da Rainha; o capitão-mor Joao Frz.º Ferreira e o capitão
Francisco Moreira Carneiro foram pela Vila do Príncipe; os doutores Paulo da Matta e
Antonio Coelho de Barros representaram a Vila de São José e, por fim, como procurador da
Vila do Pitangui, compareceu o mestre-de-campo Pedro da Fonceca Nevez. Entre esses,
Caetano Alvez Rodriguez, Domingos da Rocha Ferreira, Pedro da Fonceca Nevez, Andre
Alvez Raynho e Antonio Coelho de Barros estavam presentes na junta que estabeleceu as
casas de fundição e moedas em 1724.
É possível que em 1724 alguns deles estivessem envolvidos com Inácio de Souza
Ferreira e fossem se beneficiar com a fábrica de barras falsas. Consideremos, então, algumas
circunstâncias interessantes que ajudam a esclarecer o jogo de interesses que fizeram parte das
duas juntas, e como alguns homens podem ter apoiado ou não as propostas e resoluções régias
de acordo com motivações privadas.
152
Não sabemos se as casas de fundição continuariam ativas para fundir o ouro arrecadado pela capitação e
facilitar o seu transporte e checar sua pureza. Para tanto, seria necessário um estudo mais detalhado, que
analisasse, talvez, a volta das casas de fundição e moeda em Minas, como sistema de arrecadação dos direitos
régios, em 1750. Tal objetivo está além da proposta desta dissertação.
153
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.71v-72.
96
O estabelecimento ou não da capitação, em 1735, foi decidido por voto, cada vila
tendo direito a um. Vila Rica, a Vila do Ribeirão do Carmo, a Vila de São João del Rei, a Vila
de São José e a Vila do Pitangui foram as que votaram a favor da capitação e pelo fim das
casas de fundição como método de arrecadação dos quintos.
154
A casa da moeda já havia sido
identificada como a maior aliada dos descaminhos e abolida pouco mais de um ano antes, no
governo do Conde das Galvêas. Restavam apenas as fundições. Quanto a isto, a Vila do
Sabará, a Vila Nova da Rainha e a Vila do Príncipe votaram a favor de sua continuidade e
contra o estabelecimento da capitação. Nenhum dos representantes dessas últimas vilas estava
presente na junta de 1724, enquanto pelo menos um dos representantes de cada uma das
outras vilas que condenaram as casas de fundição havia estado presente nessa ocasião.
Caetano Alvez Rodriguez não só participou das duas juntas, mas, ainda, esteve
presente na reunião de 1734 presidida pelo Conde das Galvêas e que determinou o fim da casa
da moeda sem, no entanto, apoiar a capitação.
155
Alguns dos outros membros presentes em
1734 também estiveram na junta de 1724. Além de Caetano Alvez, haviam estado Mathias
Barboza da Silva, Maximiano de Oliveira Leyte e Rafael da Silva e Souza. Ou seja: alguns
dos homens que apoiaram as casas de fundição e moedas em 1724 – mesmo depois de todos
os protestos e conflitos que tal medida gerara entre 1719 e aquele ano – estavam tentando
extingui-las em 1734 e 1735. Já as câmaras cujos oficiais haviam mudado, nos onze anos
decorridos, contaram, naquela data, apenas com novos representantes que não haviam
participado da reunião com D. Lourenço de Almeida. Esses homens insistiram na manutenção
das casas de fundição, do mesmo modo como insistira o governador André de Melo e Castro
em 1734, que também estivera ausente em 1724.
É preciso lembrar que Inácio Ferreira de Souza estava presente e levantar a
possibilidade da presença de outros membros do seu grupo de falsários e contrabandistas na
igreja de Santa Quitéria, em 1724, junto com aqueles homens. Embora não seja possível
afirmar com certeza a presença de outros membros do futuro bando do Paraopeba naquela
primeira junta, em função da ubiqüidade de alguns nomes naquela época, é interessante notar
que estavam presentes nela Francisco Tinoco Braga, João Gonçalvez Baptista, Luiz Teixr.ª de
Figueredo e o padre Jozé da Sylva. Entre os comparsas de Inácio havia um Francisco Tinoco,
um João Gonçalves, ferreiro, e um José Gomes da Silva. Além destes, Antonio Pereira de
Souza, ao escapar do Rio de Janeiro e tentar estabelecer uma segunda casa de moedas falsas,
escolheu para a empresa o sítio de um tal Luís Teixeira, guarda-mor em Itaberaba. Em relação
154
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.71v-72.
155
BNL, Coleção Pombalina, Códice 738, fl.297-298v.
97
a esses nomes, há apenas desconfiança, mas talvez Inácio de Souza não fosse o único falsário
ou contrabandista presente na junta de 1724.
Na reunião de 1734, é possível que tenha sido exatamente a força do governador
André de Melo o que manteve o funcionamento das casas de fundição, mesmo quando a casa
da moeda foi abolida. Nessa junta, havia dez homens, quatro dos quais participaram das
negociações com D. Lourenço de Almeida em 1724. Os outros seis eram o governador André
de Mello, o representante régio Martinho de Mendonça Pina e Proença, o escrivão Mathias do
Amaral e Veyga, o superintendente das casas de fundição Eugenio Freyre de Andrada, além
de Domingos Antônio Borquó del Rio e um tal Fernando Leyte Lobo. Com exceção desses
dois últimos e do escrivão, todos eram homens de grande poder e detentores de cargos
importantes e parecem ter defendido a continuidade das casas de fundição. É possível supor
isto através das várias medidas do governador André de Mello e Castro que se seguiram a
essa junta. Aparentemente, o governador se empenhou na instalação de casas de fundição nas
comarcas de Sabará e Rio das Mortes com a nomeação de ensaiadores e a intensificação do
controle sobre os caminhos e sobre a circulação do ouro em pó.
156
Enquanto isso, Martinho de
Mendonça, numa carta a Belchior do Rego Andrade, datada de 11 de abril de 1734, sugere
que o verdadeiro problema era a casa da moeda e que as fundições funcionam muito bem
quando bem administradas, desde que impedindo
[...] que nas minas não haja fora da casa da fundição cadinhos, relheiras, solimão,
água forte, junções(?) [ilegível] nem coisa de que se possa usar para falsificar barras
e que as guias venham impressas todos os anos com diferentes armas reais e que nas
casas de moeda se enfiem, guardem e registrem para evitar toda a falsidade [...].
157
Talvez o apoio que esses homens deram à continuação do método de arrecadação dos
quintos pelas casas de fundição tenha impedido que os outros quatro membros conseguissem
abolir o método. Caetano Alvez Rodriguez mostrou sua verdadeira vontade um ano depois,
quando votou a favor da capitação. Foi o único homem que teve a oportunidade de retornar a
esse dilema, em 1735. Naquele ano, o governador André de Melo e Castro foi substituído por
Gomes Freire de Andrade e Martinho de Mendonça já havia partido. Sem esses obstáculos e,
como vimos, com o apoio de outros interessados – que também participaram da decisão de
156
ANTT, Manuscritos do Brasil, Vol.26, fl.25-25v; 45v; 50v; 52-53; 243v-244v.
157
BNL, Coleção Pombalina, Códice 738, fl.249-250.
98
1724 – prevaleceu a capitação, que parecia já ser uma preferência do monarca havia algum
tempo.
158
Após a prisão de parte do bando do Paraopeba, uma série de documentos, incluindo as
medidas do Conde das Galvêas e outras ordens dadas por El-Rei, mostra o aumento da
preocupação de S. Majestade com o descaminho por falsificação. Em 1736, o monarca exige a
continuidade das devassas sobre esse assunto e estipula explicitamente que os vice-reis,
governadores e outros ministros devessem ser vigiados e investigados.
159
Essa exigência do
monarca nos traz a outro elemento importante sobre o desenrolar das três juntas que
determinaram o destino das casas de fundição e moeda nas Minas.
Para completar a trama sobre o envolvimento dos “homens de distinção” nas
vicissitudes dos métodos de arrecadação dos quintos, a carta régia que continha a ordem sobre
a continuidade das devassas dos descaminhos e moedas falsas parece ter sido escrita em
resposta a uma solicitação desses mesmos homens, na qual
Aos trinta dias do mês de junho de mil e setecentos e trinta e cinco foi pedido ao
mesmo Sr. General [o governador Gomes Freire de Andrade] pelos procuradores
todos que se achavam na junta em que se estabelecia a capitação em que tinham
votado que quisesse o mesmo Excelentíssimo Sr. General interceder à Sua
Majestade para que quisesse perdoar aos moradores das comarcas destas Minas os
crimes de extrair ouro em pó, e fundir barras falsas proibidos pela lei de 1719
mandando suspender as devassas e dando por absoltos os que até o presente tinham
nos ditos crimes incorrido, no que o dito Excelentíssimo Sr. Governador conveio
prometendo representa-lo, e suplica-lo assim a Sua Majestade de que se fizeste
termo e eu Mathias do Amaral e Veiga Secretário do Governo o escrevi = Gomes
Freire de Andrade = a Martinho de M’ça de Pinna e Proença = e seguiam-se os
sinais dos Procuradores referidos.
160
Anos depois de aprovarem a instalação das fundições e cunhagens oficiais em 1724,
ao lado de Inácio de Souza Ferreira, e de negociarem com o governador D. Lourenço de
Almeida – que, aparentemente, soube muito bem como “mandar com modo” –, todos os
homens que continuaram envolvidos naquelas decisões tentaram extingui-las.
158
BNL, Coleção Pombalina, Códice 738, fl.297-298v. Apesar da decisão da junta de 1734, a ordem régia que
levou à sua convocação era para “que se propusesse, aos procuradores das vilas, o projeto da capitação”. O
monarca, inclusive, já havia enviado um superintendente para cuidar da capitação, mas André de Melo e
Castro defendeu o método das casas de fundição juntamente com Martinho de Mendonça Pina e Proença e
enviou a El-Rei um longo parecer dando os motivos para isso.
159
ANTT, Manuscritos do Brasil, Vol.26, 237-237v.
160
ANTT, Manuscritos do Brasil, Vol.26, fl.73-73v. O documento foi transcrito na íntegra, com exceção do
cabeçalho, no qual se lia: “Termo que se fez no Palácio do Excelentíssimo Sr. Gomes Freire de Andrade
Governador e Capitão Geral do Rio e Minas sobre pedirem os Procuradores das Câmaras das Vilas das
mesmas Minas que as pessoas que estiverem culpadas por passar ouro em pó e fundir barras falsas fiquem
perdoadas dos ditos crimes até o presente cometidos estabelecida a capitação em que tinham votado, o que
esperavam da Real Clemência”.
99
Convenientemente, tomaram essa atitude logo depois que o bando do Paraopeba foi
desbaratado, e ainda no tempo em que se apertou o cerco aos descaminhos por falsificação.
Não só isso, mas tentaram defender todos aqueles que se envolveram em tais crimes,
incluindo Inácio de Souza Ferreira e Antonio Pereira de Souza, o ex-abridor da casa da moeda
do Rio de Janeiro – que se envolveria em uma outra tentativa de fabricar moedas falsas, em
Itaberaba por volta de 1731. Não podemos saber se esse pedido se deu por alguma solicitação
dos criminosos, por pressão de outros homens que pudessem estar envolvidos, por interesse
próprio ou mesmo por arrependimento ou benevolência. No entanto, uma vez que associamos
esse último evento a toda a trama que já se havia desenrolado, é possível supor o
funcionamento de uma rede de interesses e contatos entre homens poderosos com capacidade
e disposição para atuar na esfera oficial, a fim de defenderem interesses privados aos quais
podiam estar associadas ações ilícitas. Inácio de Souza Ferreira parece ter tido papel
importante nessas relações.
É interessante notar que o pedido de perdão se fez apenas para os crimes de barras
falsas, e não de moedas. Dificilmente os falsários do vale do Paraopeba não teriam cunhado
dinheiro falso, mesmo tendo sido esta a defesa dos réus em seu julgamento em Lisboa, em
1732.
161
Alegando que fundiram apenas barras, conseguiram escapar do crime de lesa-
majestade, no qual incorreriam se tivessem cometido crime com moedas falsas. Entretanto,
em sua investida que levou à prisão do bando, Diogo Cotrim de Souza encontrara uma infra-
estrutura completa para cunhagem, e o regulamento da fábrica já incluía normas para seu
funcionamento. Inclusive, no momento da prisão dos sócios, foram encontradas barras já
transformadas em fios. Embora os réus tenham declarado que buscavam apenas adiantar o
trabalho para quando o engenho do cunho estivesse pronto, isso pode indicar que a fábrica
estava ativa – não em todo o seu potencial, mas, talvez, com cunhagens a martelo. O que
faltava eram apenas alguns poucos apetrechos para uma produção em larga escala. No
entanto, ainda assim os réus não foram condenados por esse crime, o que
[...] Nestas Minas cauzou grande... [adm]iração escapar Ignacio de Souza da morte;
e ... [os] compan.ros quazi todos; porq’ so Jose Gomes da S… [ilva] q’ sahiu Solto e
Livre consideravam quazi... [i]nnocente e não creia V.M. q’ a sua Caza da Moeda...
fosse publica nessa Corte havia mais de hú... ano, como V.M. me diz [...].
162
Com isto em mente, os procuradores da junta de 1735 que fizeram o pedido de perdão
sustentaram aquela sentença, mencionando apenas o crime de barras falsas. Naquela época,
161
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.121-122.
162
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.104-109.
100
por esse crime, alguns acusados ainda estavam sendo autuados em devassas, degredados em
diferentes locais do império ou presos. Inácio de Souza Ferreira estava encarcerado na Torre
do Bugio, em Portugal. Ainda assim, nas Minas, do outro lado do Atlântico, havia alguns que
falavam por seus interesses.
O pedido foi negado. O poder dessas redes não era absoluto, mesmo que possuíssem
amplas ramificações fortes no nível local e que ainda alcançassem outras capitanias e o além-
mar. Outros interesses disputavam com elas. Por exemplo, em 1724, a instalação da casa da
moeda, que obedecia a uma determinação régia de 1720, ia contra interesses reinóis privados.
Em 1734, não conseguiram a abolição do método de arrecadação dos quintos através das
casas de fundição, embora tenham conseguido o fim da casa da moeda. Em 1735, não
conseguiram fazer valer seu pedido de perdão pelos crimes de barras falsas frente a El-Rei.
Além disso, durante o funcionamento do sistema de coleta dos quintos pelas fundições
oficiais, e durante a atuação dos falsários do Paraopeba, o governador do Rio de Janeiro, Luís
Vahia Monteiro, fazia o que podia para descobrir a “meada das barras falsas”. Já em 1724, D.
Lourenço declarava que algumas pessoas “no Rio de Janeiro não levem a bem estabelecerem-
se essas casas nas Minas”.
163
Por fim, encontraram oposição, em 1735, para o fim das casas
de fundição quando os procuradores do Sabará, da Vila Nova da Rainha e da Vila do Príncipe
votaram a favor da continuidade daquele método de arrecadação.
2.3.1 Geografia, Política e os Falsários
Com relação a esse último evento, ocorreu uma oposição clara entre as vilas, o que
colocou, de um lado, aquelas que possuíam membros que participaram da junta de 1724, e, de
outro, aquelas que não possuíam. Quanto a essa divergência de opiniões, é possível notar,
também, um padrão geográfico que sustenta ainda mais o argumento proposto acima.
Primeiro, lembremos que Francisco Borges de Carvalho fez sua delação em Sabará, e não em
Vila Rica. De acordo com o delator, a escolha do lugar se deveu às influências e contatos que
Inácio de Souza possuía na sede do governo das Minas. Esses mesmos contatos e influências
aparentemente não alcançavam, ou não eram tão fortes, na Vila Real de Nossa Senhora da
Conceição do Sabará. Lembremos, também, que era na casa da moeda do Rio de Janeiro que
o bando de Inácio de Souza realizava a “lavagem” de suas barras falsas, transformando-as em
163
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.158-162v
101
dinheiro, antes de decidir se envolver com a cunhagem ilícita em larga escala. Os contatos da
fábrica no Rio de Janeiro serão tratados mais detidamente a seguir, mas a carta do tal A.P.C.,
escrita em Vila Rica logo após o julgamento do bando do Paraopeba, já insinua alguns
detalhes sobre o desenrolar das produções dos falsários e suas conexões naquele porto, além
da abrangência de suas conexões nas esferas do poder oficial. O escritor anônimo diz o
seguinte:
[...] porq’ em o que la se po... dia falar desde a frota de 1730 pa.ª cá era em oficinas
de fabricar barras falsas, q’ o dito Ignacio de Souza tambem teve; mas a Caza da
Moeda segundo se diz, a intentou depois q’ o Governador do Rio de Janeiro
descobriu nos principios de Mayo de 1730 a meada das barras falsas; fazendo
aprehensão em bastante barras q’ averiguou serem falsas pela Certidam q’ mandou
pedir a D. Lourenço e lhe foi desta Caza da Moeda, porem os Ministros do
Conselho, não acreditarão a conta do Gov.or do Rio; e ordenaram na frota passada
q’ todas as barras ou dinheiro em q’ se tivesse feita aprehensão se entregasse a seus
donos e se não fizesse mais exame p.ª ver se tinham as marcas q’ se costumão ter
nesta Caza da Moeda; e assim se executou; porq’ destas Minas foram alguás pessoas
ao Rio a fazer fabricar as suas barras em dinheiro, e o receberam [...].
164
Analisemos mais essa geografia. Vila Rica e a Vila de Ribeirão do Carmo são bastante
próximas, e o trajeto entre as duas podia ser percorrido rapidamente. Quando da Revolta de
1720, os amotinados saíram de Vila Rica e foram fazer seus protestos e exigências na Vila do
Carmo, demonstrando a facilidade daquele itinerário.
165
Saindo daquela área, no percurso de
Vila Rica ao Rio de Janeiro, passava-se pelas vilas de São João del Rei e de São José. Não
surpreenderia se, após as idas ao Rio de Janeiro, levando barras falsas, membros do bando
pudessem aproveitar a viagem e comprar ouro em pó pelo caminho. Poderiam fazê-lo com as
moedas recém-adquiridas no Rio de Janeiro, verdadeiras, mas que pelas quais não pagaram o
quinto. Dessa forma, podiam obter bons lucros e fabricar novas barras com o ouro em pó
adquirido nessas transações quando chegassem ao Vale do Paraopeba. Esse seria um suposto
trajeto comercial para seus negócios e não alcançaria as vilas localizadas aos pés da atual
serra do Curral – ambas vertentes – e ao norte dela.
Embora existam indícios da atuação de Inácio de Souza no Vale do Paraopeba, desde
1707, contrabandeando mercadorias e, possivelmente, em 1703, explorando terras pelo
caminho do Rio São Francisco, não sabemos se ele construiu redes de contatos na comarca do
Rio das Velhas, além de Pitangui. Se construiu, parece que não conseguiu mantê-las até o ano
164
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.104-109.
165
É importante ficar atento às descrições coevas dos caminhos e tempos de viagem, não se limitar a distâncias
medidas em mapas ou caminhos atuais, pois o relevo, os matos e as condições das trilhas influenciavam
muito o trânsito e eram condições específicas que muitas vezes não aparecem em representações
cartográficas da época, muito menos nas modernas.
102
de 1735, mesmo com o Vale do Paraopeba se situando na rota do Caminho Velho, uma das
que conectavam São Paulo a Sabará, e sendo, a princípio, conectado ao rio das Velhas e ao rio
São Francisco, como observou o próprio Francisco Borges de Carvalho.
166
Ou talvez
participasse, nessa região, de redes de contatos e influências de uma natureza distinta daquelas
da comarca de Vila Rica e do Rio das Mortes, e que podem não ter deixado marcas nos
registros oficiais. Com relação a essas vias de contato com os arredores da Vila de Sabará e
outros pontos da capitania é preciso considerar alguns fatores para esclarecer esta questão.
Primeiramente, a distância entre a fábrica e Vila Rica, ou entre a fábrica e a Vila de
Sabará, era praticamente a mesma. Em linha reta, sobre uma carta topográfica, a distância até
Vila Rica é de apenas 2 ou 3km a mais do que a distância até Sabará (FIGURA 8). Diogo
Cotrim, em uma carta que escreveu logo após a diligência que levou à prisão dos falsários do
vale do Paraopeba, declarou que
[...] suposto o dito Inácio de Souza tivesse a dita casa na // minha comarca; todo o
seu trato e negócio era em V.ª Rica, aonde teve Loja de fazendas e continuava as
suas correspondências ficando-lhe em igual distâncias esta nova habitação e fábrica
[...].
167
Considerando a inexatidão das fronteiras entre comarcas na época, e o fato de a carta
se referir aos problemas que o ouvidor-geral estava tendo, por estar em Sabará, para descobrir
sobre os negócios do preso, podemos deduzir que ele comparava a distância da fábrica até
Vila Rica com a distância até a Vila de Sabará, e não até a comarca do rio das Velhas. A
posição do sítio de Boa Vista do Paraopeba na rota do Caminho Velho condiz com esses
dados logísticos. Na verdade, só fazem sentido em relação a esse Caminho, pois o vale do
Paraopeba era parte do seu trecho, o que não acontecia em relação ao Caminho Novo. Ou
seja, Inácio de Souza escolhera um local situado na encruzilhada onde o Caminho Velho se
dividia em três, seguindo um para Vila Rica, um para a Vila de Sabará e outro para Pitangui.
166
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
167
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 24.
103
FIGURA 8: Cartas modernas com o local da antiga fábrica clandestina e as cidades de Ouro Preto e
Sabará marcados. É possível notar a distância quase idêntica dos dois núcleos urbanos até o sítio de Inácio
de Souza.
FONTE: IBGE (1979). Folha SE-23-Z-C, Belo Horizonte, 1:250.000; e IBGE (1979). Folha SF-23-X-A,
Divinópolis, 1:250.000
104
O Caminho Velho se estabeleceu sobre as primeiras rotas abertas pelos bandeirantes.
Muitas delas, tal qual a bandeira de Fernão Dias Paes Leme, uma expedição de grande
importância para exploração daquele território pelos paulistas, seguia o vale do rio
Paraopeba.
168
Esse trecho podia usar o pico do Itatiaiuçu como ponto de referência. Dois
mapas anônimos datados do primeiro quartel do século XVIII representam esse pico com
destaque no vale do rio Paraopeba e um caminho que segue para Pitangui partindo exatamente
dele (FIGURAS 9 e 10). No mapa dos “padres matemáticos”, mais tarde, o mesmo caminho
para Pitangui também seria representado, o que reforça a idéia desse vale como uma rota de
trânsito. Ainda, em um dos mapas anônimos (FIGURA 9), um ponto do lado leste do planalto
ao sul da atual serra do Curral é chamado de “Rodeadoro”, denominação comum na época
para vários trechos de caminho que significavam algum tipo transposição sobre uma formação
geológica. No outro mapa anônimo, é o próprio planalto que recebe essa denominação, sendo
referido, também, como “Rodiadouro” (FIGURA 10). Pelo Caminho Velho era possível,
então, cruzar a atual serra da Moeda a qualquer momento e ingressar no planalto ao sul do
Curral del Rey, cruzá-lo, e então seguir tanto para Vila Rica, quanto para a Vila de Sabará
(FIGURAS 11 e 12).
168
Essas expedições tiveram grande influência na forma de ocupação das Minas e sua territorialização. Sobre
isso ver RESENDE, Itinerários e interditos na territorialização das Geraes, 2007. Inclusive é possível
sugerir, também, que um dos braços da bandeira de Bartolomeu Bueno da Siqueira, mencionada por essa
autora, possa ter seguido o Vale do Rio Paraopeba.
105
FIGURA 9: Detalhe de um mapa anônimo do início do século XVIII que mostra o pico de “Itatia asu”, do
lado esquerdo do mapa, como ponto de referência para se transitar pelo vale do Paraopeba. É possível ver
o caminho que segue desse pico para Pitangui e a referência a um ponto do lado leste do planalto ao sul da
atual serra do Curral como “Rodeadoro”.
FONTE: COSTA, Cartografia da conquista do território das Minas, 2004.
106
FIGURA 10: Mapa anônimo do início do século XVIII mostrando os mesmos elementos da FIGURA 9,
como mais um exemplo, mas enfatizando a condição do planalto ao sul da atual serra do Curral como
“Rodiadouro”.
FONTE: RENGER, A origem histórica das estradas reais nas Minas Setecentistas. 2007.
107
FIGURA 11: Detalhe de uma carta atual mostrando as possibilidades de caminhos ligando o vale do
Paraopeba às cidades de Ouro Preto e Sabará. Essas rotas podiam ser as usadas pelos falsários liderados
por Inácio de Souza. Os picos do Itatiauçu e Itabirito também podem ser vistos marcados em azul.
FONTE: IBGE (1979). Folha SE-23-Z-C, Belo Horizonte, 1:250.000; e IBGE (1979). Folha SF-23-X-A,
Divinópolis, 1:250.000.
108
FIGURA 12: Detalhe de um dos mapas dos padres matemáticos, de 1734/1735, mostrando as mesmas
possibilidades de rotas ilustradas na FIGURA 11, mas, agora, em relação à percepção coeva do espaço.
Fica claro que mesmo em representações cartográficas da época essas rotas podiam ser percebidas. Essa
afirmação é reforçada pela denominação do planalto ao sul da atual serra do Curral como “rodeadouro”
(FIGURAS 9 e 10) e pela representação de destaque do pico de Itaubira, atual Itabirito, marcado em
verde, com um caminho saindo dele e seguindo para “Cachoeyra”, ponto de passagem de quem viajava de
Vila Rica para Sabará e parte do Caminho Novo, que é representado no mapa por uma linha pontilhada.
FONTE: COSTA, Cartografia da conquista do território das Minas, 2004.
109
A partir daquele ponto de encruzilhada, Antonil dá o tempo de seis dias de viagem
para qualquer um dos dois destinos
169
, da mesma forma que Diogo Cotrim dá o mesmo tempo
de viagem da fábrica ilícita até as duas vilas. De fato, o caminho representado nos mapas dos
“padres matemáticos”, datados de 1734 e 1735, que liga as duas vilas entre si, passava
exatamente por ali – do lado leste do pico de Itaubira, atual pico do Itabirito (FIGURA 12).
Inclusive, esse pico podia servir de ponto de referência para se cruzar o planalto, pois, uma
vez na crista da atual serra da Moeda, quando se sai do vale do rio Paraopeba, ele é a
referência natural mais óbvia na paisagem (FIGURA 13). É verdade que, nos limites mais ao
norte da dessa serra, o pico desaparece do campo de visão, mas nesse ponto é possível
observar o pico da atual serra da Piedade (FIGURA 14), que serve para a navegação até
Sabará ou Caeté, exatamente as vilas para onde poderia seguir um viajante que seguiu tão
para o norte pelo vale do Paraopeba, ao invés de tomar a rota para o leste para seguir para
Vila Rica ou Vila do Ribeirão do Carmo.
O Caminho Novo, que era a rota que conectava a região central das Minas ao Rio de
Janeiro, em relação aos falsários do vale do Paraopeba, ficava na direção de Vila Rica, mais
ou menos no meio do caminho. Esse porto de mar, com sua casa da moeda, era de suma
importância para o negócio das barras falsas. Mesmo que, saindo da fábrica, um viajante não
precisasse chegar a Vila Rica para ingressar no Caminho Novo, precisaria seguir, de qualquer
maneira, na mesma direção, até Itaubira e depois Caxoeira, ou na direção sul até Congonhas
do Campo – esta última podia ser alcançada por uma trilha que segue, por um trecho, pela
crista da atual serra da Moeda, ao pé da qual o sítio estava instalado. O caminho que
conectava Itaubira a Caxoeira, e que colocaria o viajante no Caminho Novo, inclusive,
aparece nos mapas dos “padres matemáticos” que representaram a região (FIGURA 12). Ou
seja, Inácio de Souza estava tão perto da Vila de Sabará quanto de Vila Rica, mas ao seguir
para o Rio de Janeiro se aproximava muito de Vila Rica. Mesmo que a vila ainda estivesse um
pouco fora do caminho, era um desvio muito curto e conveniente, já que se tratava de um
grande centro onde o líder dos falsários possuía contatos e negócios. Caxoeira era exatamente
a encruzilhada entre Vila Rica e a Vila de Sabará, no Caminho Novo, depois do “rodeio da
Itatiaiá”. Foi exatamente até esse arraial que Diogo Cotrim de Souza acompanhou os
169
O tempo de viagem dado por Antonil está de acordo com os hábitos de viagem dos paulistas, como ele
mesmo diz. Isso quer dizer que não se viajava do nascer ao pôr do sol, mas apenas até o jantar, ou seja, a
refeição feita no meio do dia que, para nós, hoje, seria o almoço. Os paulistas viajavam com pouco peso e
poucos mantimentos e, normalmente, em missões de exploração, fosse em busca de novas minas ou fosse
para o aprisionamento de índios. Portanto, a segunda metade do dia era dedicada à coleta de alimentos,
construção de abrigos temporários e exploração dos arredores – talvez a faiscação de algum rio, por exemplo.
110
prisioneiros que iam para o Rio de Janeiro, e, dali, seguiu para Vila Rica, para continuar a
diligência e acompanhar os escravos apreendidos dos falsários.
170
FIGURA 13: Vista a partir do alto da Serra da Moeda (nome atual) exatamente no ponto da travessia da
serra utilizada nos anos de 1720 e 1730 pelos homens liderados por Inácio de Souza Ferreira quando
seguiam para o leste. Foi o ponto por onde atravessou Diogo Cotrim de Souza, em 1731, para a investida
contra a fábrica clandestina. No centro da fotografia se destaca o pico de Itabirito (nome atual).
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008.
170
AHU, Avulsos, cx.19, doc.34. Segundo o ouvidor-geral, esses cativos podiam ser sustentados mais facilmente
em Vila Rica, enquanto não eram vendidos em nome da Fazenda Real.
111
FIGURA 14: Vista a partir da BR-040, km 555, logo ao pé da serra da Moeda, no seu lado leste,
mostrando o pico da serra da Piedade, marcante na paisagem, ao centro.
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008.
Quando se cruzam grandes distâncias, especialmente quando não há caminhos
claramente demarcados, os grandes picos são os pontos de referência mais óbvios na
paisagem. O pico do Itabirito é um desses marcos, mas, além dele, há vários outros pelas
Minas.
Um deles seria o pico do Itatiaia – ou a serra de mesmo nome –, que, como menciona
Antonil, era usado na navegação do Caminho Velho e do Caminho Novo.
171
Na verdade, é
possível que, ao fazer essa referência, o religioso se confundira em meio às várias
informações de segunda ou terceira mão das quais se utilizara para escrever sobre as Minas, o
que levou alguns autores a crerem que o Caminho Velho se juntasse ao Caminho Novo em
algum lugar pelos arredores de Congonhas do Campo ou no próprio arraial.
172
Tal confusão
171
A importância desse pico na rota do Caminho Novo é atestada por vários outros documentos apontados por
Andrée Mansuy Diniz Silva, em seu comentário crítico sobre a obra do religioso. Ver ANTONIL, Cultura e
opulência do Brasil por suas drogas e minas, 2001.
172
Este foi o caso de Andrée Mansuy, em seus comentários críticos sobre o trabalho do religioso e de Maria
Efigênia Lage de Resende. Ver ANTONIL, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, 2001 e
RESENDE, Itinerários e interditos na territorialização das Geraes, 2007.
112
foi gerada, provavelmente, por um possível erro do religioso quanto ao nome e posição do
pico ou serra do Itatiaia. Essa encruzilhada em Congonhas do Campo não condiz com a
geografia local nem mesmo com as informações dadas na descrição de Antonil, que, no
roteiro do Caminho Novo, coloca-a depois do “rodeio da Itatiaia” e já dentro do “Campo do
Ouro Preto”.
173
É possível que na obra setecentista o autor tenha confundido Itatiaiuçu com
Itatiaia. O sufixo tupi açu ou assu (grande) pode ser encontrado na documentação coeva
separado da palavra principal, como ocorre com os nomes de alguns lugares mencionados em
pelo menos um dos documentos utilizados pela própria Andrée Mansuy para interpretar o
trabalho de Antonil, e denominado por ela Descripçam do mapa geographico…, por exemplo,
o nome Cavarû assû, mencionado no roteiro do Caminho Novo dado nesse documento.
Ainda, nos mapas anônimos citados acima (FIGURAS 9 e 10), o Pico do Itatiaiuçu aparece
como Itutia asú ou Itatia asu.
174
É possível que um termo semelhante a Itatiaia asú, ponto de
referência do Caminho Velho, tenha sido confundido ou simplesmente referenciado como
Itatiaia, que é uma outra formação, ponto de referência do Caminho Novo.
Reforçando essa sugestão quanto aos Caminhos Velho e Novo, lembremos que a
distância dada por Antonil até Vila Rica ou Vila de Sabará, a partir da encruzilhada do
Caminho Velho, era a mesma, algo impossível partindo-se do rodeio do Itatiaia, mas apenas
do vale do Paraopeba. Sua descrição do Caminho Novo, inclusive, dá uma informação bem
diferente, partindo do mesmo rodeio do Itatiaia, e informa que Vila Rica é alcançada em uma
jornada pequena e a Vila de Sabará em cinco. O mesmo autor fala, também, que no Caminho
Velho havia as roças de Garcia Rodrigues, possivelmente o filho de Fernão Dias, que cruzou
o vale do Paraopeba, que podiam facilmente estar localizadas naquele vale, já que aquele
homem mal havia iniciado a abertura do Caminho Novo. Tais roças não são mencionadas na
sua descrição do Caminho Novo, nem na Descripçam do mapa geographico…, que data
aproximadamente da mesma época. Esse último documento diz respeito, também, ao
Caminho Novo, e dá um tempo de viagem mais curto do que o de Antonil, pelo Caminho
Velho, do rio das Mortes até as vilas referidas aqui. Embora os tempos de viagem dados por
Antonil contenham vários erros, é possível que a referência à viagem do rio das Mortes não
indicasse um equívoco, mas uma rota um pouco mais longa que passasse pelo vale do
Paraopeba e seguisse até a serra do Itatiaiuçu, em vez do rodeio do Itatiaia. Até a diferença no
173
ANTONIL, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, 2008, 3ª Parte, Capítulo XII.
174
Ver COSTA, Cartografia da conquista do território das Minas, 2004, p. 170; e RENGER, A origem histórica
das estradas reais nas Minas Setecentistas. 2007, p. 128.
113
uso das duas referências, uma como um rodeio e a outra como uma serra, pode ser uma pista
de que se tratava de formações topográficas distintas.
O Itatiaiuçu, destacando-se na silhueta da serra Negra, podia facilmente ser utilizado
na navegação pelo vale do Paraopeba (FIGURA 15). No vale de um grande rio, como é esse,
a flora tropical se recompõe muito rapidamente, e de um ano para outro uma trilha pouco
usada pode desaparecer completamente. Nas primeiras décadas do Setecentos, aquela região,
de terreno bastante acidentado, apresentava poucos núcleos de povoação e pouco
desmatamento. Esses fatores faziam com que fosse natural se ater a referências seguras na
paisagem, como os grandes picos, ou o próprio rio Paraopeba, em vez de arriscar uma jornada
em outra direção, tentando encurtar a viagem e terminar num ponto sem marcas naturais ou
trilhas abertas que permitissem a navegação.
Embora não possamos subestimar a capacidade humana de conhecer intimamente uma
região, suas trilhas e azimutes, isto seria difícil para o caso de regiões que eram atravessadas
em ritmo de jornada, passando por áreas pouco conhecidas, as quais seriam vistas poucas
vezes. Além disso, viajar utilizando essas referências naturais, ao longe, significa que nem
sempre a mesma rota passará pela mesma trilha ou caminho. O destino sendo o mesmo, as
rotas podem variar vários metros ou quilômetros a cada vez que forem percorridas,
dependendo das circunstâncias da estação ou mesmo do ritmo do viajante. Entretanto, com
pontos de referência tão distantes, essas variações não fazem diferença para se alcançar o
destino final, mas significam que um viajante pode passar pela mesma rota várias vezes e o
espaço imediato a ele sempre se apresentar como algo totalmente novo. Tais variações podem
significar, também, a diferença entre uma viagem fácil e rápida e outra difícil e demorada,
pois poucos metros já são o suficiente para se evitarem barrancos, vegetações, brejos ou
outros obstáculos mais imediatos difíceis de serem cruzados. Talvez por isto os índios fossem
tão valorizados como carregadores de carga pelos caminhos das Minas – até mesmo mais do
que bestas de carga. D. Lourenço, em 1727, insiste que os materiais frágeis destinados às
fundições de Vila Rica fossem transportados nas “costas dos índios”.
175
Qualquer viajante
podia seguir um pico ou um grande rio, mas a arte de facilitar esse percurso não era domínio
de todos.
175
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.102v-103v.
114
FIGURA 15: Vista a partir do alto da Serra da Moeda (nome atual) exatamente no ponto da travessia da
serra utilizada nos anos de 1720 e 1730 pelos homens liderados por Inácio de Souza Ferreira quando
seguiam para o leste. Foi o ponto por onde atravessou Diogo Cotrim de Souza, em 1731, para a investida
contra a fábrica clandestina. No centro da fotografia se destaca o pico de Itatiaiuçu (nome atual), com sua
característica forma de pódio.
FONTE: Acervo pessoal do autor.
As chances de se perder eram muitas naquela época, e exploradores enfrentam essas
dificuldades até mesmo nos dias de hoje, apesar de cartas detalhadas e bússolas. Esta era a
realidade da navegação, e a administração régia, assim como os habitantes daqueles locais,
sabia bem disto. Quando fez sua delação, Francisco Borges de Carvalho, apesar de reconhecer
as facilidades da conexão da fábrica com o rio Paraopeba, também reitera que “quem não sabe
o caminho das ditas casas e vivenda até o dito rio Paraupeba [é] capaz de se andar a cavalo
todo entre matos virgens”.
176
Reiteram essas dificuldades as constantes menções, na
documentação coeva, sobre a aspereza dos caminhos e a dificuldade de se localizar quem não
quisesse ser encontrado naqueles matos ermos. Em 1726, quando D. Lourenço recebe notícias
de lavras clandestinas em Itaberaba, ordena ao capitão-mor das Congonhas “facilitar o
caminho” até o lugar.
177
Anos antes, em 1715, D.Brás Balthazar da Silveira reclamava que era
difícil o governo de
176
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
177
APM, CMOP 006, fl.59.
115
[...] homens que vivem por entre matos tão cerrados que estando muito junto das
vilas se não sabe onde assistem, por ser tal a sua indústria que nem caminho querem
fazer para as ditas vilas, por se livrarem de alguma diligência que lá se lhe queira
fazer [...].
178
Esses relatos sugerem a dificuldade de trânsito por aquela paisagem e o quanto as
chances de se perder eram grandes. Este não era o desejo de nenhum viajante, especialmente
em uma área inóspita, vasta e desconhecida. Um relatório sobre a província das Minas,
redigido por um autor anônimo e sem data, e que, pelo conteúdo, parece ser dos anos de 1730
ou 1740,
179
diz que “o Caminho Novo do Ryo de Janeiro, e da mesma Sorte o velho de São
Paullo, hé hum contínuo desfilladeiro entre bosques, e com passages de Ryos”. A situação
piora ainda com as
[...] mallinas (sic), de q’ poucos escapão, e menos os Estrangeiros e em todo o anno
o achaque de corrução chamado bicho, q’ não sendo conhecido, e remediado a
tempo se fas mortal em poucos dias. As piranhas, e giboyas fazem q’ se não possão
vadear sem perigo os Ryos, as cobras Surucucus, e outros infestos venenozos,
infestão os campos aos passageiros [...].
180
Rotas conhecidas eram sinônimo de segurança, e como Inácio de Souza e seu bando
eram falsários, diferentemente de outros descaminhadores, podiam utilizar os itinerários
oficiais e cruzar facilmente os Registros. Não precisavam temer as restrições sobre o ouro em
pó, pois não intentavam retirá-lo da região das Minas. O que intentavam levar pra fora já eram
barras ou moedas fundidas.
181
Quando atuaram, no final dos anos de 1720, o Caminho Novo
já estava consolidado, e os arredores de Vila Rica, pelo menos até Congonhas do Campo, era
salpicado de arraiais e pequenos núcleos urbanos.
182
Já se reconhecia a possibilidade de cruzar
a atual serra da Moeda e seus prolongamentos, avistar o grande pico de Itabirito e encurtar a
viagem até Vila Rica. No entanto, essa manobra já não era necessária, já que o Caminho Novo
tomava o lado leste do planalto ao sul do Curral del Rey, bem mais ao sul, evitando
178
CARTA de D. Brás Baltasar da Silveira a El-Rei, de 28 de março de 1715. APM. Seção Colonial. Códice SG
04 fl.396 v. Retirado de ANASTASIA, Vassalos rebeldes, 1998, p.13.
179
BNL, Coleção Pombalina, Códice 738, fl.251-257v. O autor deste relatório o escreveu depois da instalação
dos registros e num período onde a produção aurífera estava no auge. Ele menciona, apenas entre os
“mineiros”, uma arrecadação dos direitos reais de mais de 250 arrobas, excluindo taxações indiretas como
taxas das alfândegas nos portos de mar, que pagam nas compras dos negros e mercadorias para levarem para
as Minas.
180
BNL, Coleção Pombalina, Códice 738, fl.251-257v.
181
Devemos lembrar que a lógica do contrabando de diamantes, outro negócio de Inácio de Souza e alguns de
seus sócios, teria sido diferente e precisaria de mais discrição por parte dos descaminhadores. Embora não
seja o foco desta dissertação, trataremos um pouco mais deste ponto adiante.
182
Para uma discussão sobre o papel do poder oficial e de agentes provados na formação e controle desses
caminhos ver RESENDE, Itinerários e interditos na territorialização das Geraes, 2007; MORAES, De
arraiais, vilas e caminhos: a rede urbana das Minas coloniais, 2007 e RENGER, A origem histórica das
estradas reais nas Minas Setecentistas, 2007.
116
completamente essa formação topográfica (FIGURAS 16 e 17). O caminho para Sabará
seguia, então, do arraial de Cachoeyra (Caxoeira ou Cachoeira), pelos afluentes do rio das
Velhas, até a referida vila, colocando-a, em termos de tempo de viagem, mais distante do Rio
de Janeiro do que Vila Rica, que, então, “se aproximou” do litoral. Mudaram-se os pontos de
referência e as formas de se transitar pelo espaço. Os núcleos urbanos permitiam outros
arranjos no trânsito de comboieiros e passageiros. Picadas e estradas abertas tornavam-se
referências ao invés dos grandes picos, que permaneciam apenas como auxiliares ou como
ferramentas daqueles que desejavam sair das rotas oficiais. Esses dados reiteram como o
trânsito dos falsários do vale do Paraopeba incluía, facilmente, Vila Rica, e não a Vila de
Sabará, mesmo estando sua fábrica à mesma distância das duas.
117
FIGURA 16: Detalhe de uma carta atual mostrando a rota aproximada do Caminho Novo que segue pelo
lado leste do planalto ao sul da serra do Curral, evitando essa formação e, também, o vale do Paraopeba.
O planalto foi marcado em azul entre o pico do Itabirito (ponto azul) e a antiga fábrica clandestina (ponto
vermelho do lado direito da carta).
FONTE: IBGE (1979). Folha SE-23-Z-C, Belo Horizonte, 1:250.000
118
FIGURA 17: Detalhe de um dos mapas dos padres matemáticos, de 1734/1735, mostrando a rota
aproximada do Caminho Novo, em relação à percepção coeva do espaço. O caminho evita completamente
o planalto ao sul da atual serra do curral e o vale do Paraopeba. O planalto foi marcado em verde entre o
pico do Itabirito (ponto verde) e a antiga fábrica clandestina (ponto azul do lado direito do mapa). O
outro ponto verde a nordeste é o pico da serra da Piedade (nome atual) que, embora não tenha recebido
nome no mapa, pela sua posição e desenho de destaque é possível deduzir que se trata dessa formação.
FONTE: COSTA, Cartografia da conquista do território das Minas, 2004.
119
Utilizando os mapas confeccionados pelos “padres matemáticos” em 1734/1735 como
fontes históricas sobre a utilização do espaço físico, é possível inferir as mudanças no trânsito
de viajantes ocorridas nos anos de 1720.
183
Reconhecer que essas obras são o resultado de
escolhas epistemológicas e funcionais historicamente construídas, e que nos remetem, de fato,
“a modelos de organização do espaço social saídos do interior de paradigmas previamente
estabelecidos”, como afirma Maria Eliza Linhares Borges (2001), talvez comprometa a sua
utilização para o que pretendemos aqui; todavia, apenas à primeira vista. Como representantes
de uma missão oficial, a produção daqueles religiosos tenderia a refletir justamente as rotas
oficiais e produzir um mapa com funções administrativas, para que os olhos do centro
decisório do outro lado do Atlântico pudessem observar aquela região e definir suas
estratégias. O foco dos mapas foram exatamente os centros administrativos locais da região
mineradora, o centro econômico da colônia na época. Não há razão, a princípio, para crer que
a representação dos “padres matemáticos” ilustre as regiões e rotas mais utilizadas pelos
moradores das Minas fora das esferas oficiais. No entanto, é exatamente isto que nos
interessa: demonstrar padrões de trânsito distintos entre as esferas oficiais e não oficiais, e
como tal diferença podia ser utilizada pelo bando do Paraopeba. Ao associar os mapas com
outras fontes históricas e com observações do próprio espaço físico, a origem oficial dessa
cartografia funciona, na verdade, como um argumento extra para distinguir padrões de
circulação oficiais e não oficiais. Como já foi observado, trânsito e circulação são
fundamentais para se entender o estabelecimento e funcionamento de uma rede de contatos e
influências. Observemos, então, a geografia local com suas rotas e caminhos.
O pico do Itatiaiuçu, aparentemente um ponto de referência anos antes, sequer aparece
nas representações feitas pelos religiosos em 1734, apesar dessas representaram alguns
centros urbanos ao seu redor. Tal pico perdera sua importância, pelo menos nas rotas oficiais,
pois já não pertencia mais a elas. Os picos que ganham destaque são exatamente aqueles do
lado leste da formação da atual Serra da Moeda, como o pico de Itaubira e o pico da atual
serra da Piedade (FIGURA 17). Um mapa produzido em 1790 para o termo da Vila de Queluz
com base nas notações dos mesmos padres – portanto, com os pontos de referência relevantes
para o ano de 1734 – apresenta o mesmo padrão. Destaca o Itacolomi e, novamente, o Itaubira
(FIGURA 18).
183
Apesar desta observação, a autora falha em reconhecer a cartografia como uma fonte sobre um espaço
concreto, atribuindo a ela um valor simbólico e associado ao imaginário, tratando apenas dos processos de
produção dos mapas e seus usos, e não do objeto principal que estimulou a sua produção, qual seja, o espaço.
Ver BORGES, Cartografia, poder e imaginário, 2001. Sem o reconhecimento da dimensão espacial e
material da cartografia, qualquer discussão sobre este tema permanece limitada, tratando os mapas apenas
como construções imagéticas.
120
FIGURA 18: Detalhe do “Mapa do Termo da Real Villa de Queluz segundo as observacoens de Capaci e,
Demos Correctas, e emendadas as Alturas Variantes para conhecimento da verdade”. Embora o mapa
seja de 1790 foi feito com informações dos anos de 1730. É possível notar o pico do Itacolomi e o de
Itaubira, ambos destacados na ilustração.
FONTE: COSTA, Cartografia da conquista do território das Minas, 2004.
Os falsários se situavam bem ao pé da atual serra da Moeda e, de acordo com
Francisco Borges, a três léguas (cerca de 18km) do rio Paraopeba. Naquela época, já havia
121
caminhos para transpor essa serra, como haveria mais de um século depois, nos tempos do
viajante James Wells, e como há nos dias de hoje. Um desses caminhos, especificamente, já
era bastante usado pelos próprios criminosos, se é que não foram eles os responsáveis por sua
abertura, e foi exatamente a trilha que Diogo Cotrim de Souza utilizou para a invasão. Vindo
de Sabará, o ouvidor passou pelos caminhos mais fáceis, e não por uma suposta rota fluvial ou
pela atual Serra Negra, onde fica o Pico do Itatiaiuçu, como fizeram algumas bandeiras
paulistas seiscentistas no seu caminho para o norte. Saindo das vivendas de Inácio de Souza, a
pé, levava-se cerca de duas horas para se alcançar o topo da serra, trajeto bem mais ágil do
que as três léguas até o rio Paraopeba. De lá, já se avista imediatamente o pico do Itabirito,
referência para a navegação (FIGURA 13). Uma vez no arraial de Itaubira, a algumas horas
de viagem, podia-se tomar o caminho para o arraial de Cachoeyra, encruzilhada para Vila
Rica e Vila do Carmo (ao leste), Sabará (ao norte), e São João e São José (ao sul), em ordem
respectiva de distância (FIGURA 19). No entanto, São João del Rei e São José, mesmo sendo
mais longe, ainda se encontravam na rota para o Rio de Janeiro, onde se fazia a troca de
barras falsas por moedas verdadeiras e se tinha acesso a um porto de mar. Portanto, entravam
nas rotas de circulação dos falsários de forma semelhante a Vila Rica.
Com base nessas informações, reconhece-se que, apesar de o vale do Paraopeba ter
sido uma rota alternativa para o grupo – e, inclusive, é possível que tenha sido uma rota
preferível para outros contrabandistas –, talvez não tenha sido tão atraente para os falsários
liderados por Inácio de Souza. Paula Regina Albertini Túlio (2005), em sua dissertação de
mestrado, defende que a escolha daquele local pelo bando devia-se, em grande parte, à
utilização da rota do Caminho Velho como alternativa para o contrabando. No entanto, as
evidências não parecem apontar para um uso freqüente daquele caminho pelos criminosos.
Pelo menos não no que se refere ao trânsito de barras e moedas falsas. Talvez utilizassem
aquela rota para seu negócio de contrabando de diamantes. Sabemos que o grupo visitava a
comarca do Serro do Frio, pois, quando fez a delação, era para o Serro que, em companhia do
caixeiro João da Silva Neves, Francisco Borges se dirigia com o intuito de comprar ouro para
a fábrica clandestina. Não sabemos se a rota que Francisco Borges tomara para isto foi a do
Caminho Novo ou a do Caminho Velho. Para se dirigir ao norte, saindo do sítio de Boa Vista
do Paraopeba, qualquer uma das duas rotas parecia possível. Lembremos, no entanto, que
naquela época o Caminho Novo era mais facilmente transitável, mas, talvez, o Caminho
Velho tenha sido mais atraente para o transporte de diamantes ou ouro em pó – no caso do
ouro, pelo menos depois de 1730, quando foi proibida sua circulação. É possível que os
caminhos de ida e volta tenham sido diferentes.
122
FIGURA 19: Detalhe de um dos mapas dos padres matemáticos, de 1734/1735, com as rotas da fábrica
clandestina até “Cachoeyra” e, dali, para Vila Rica, ao leste, para a Vila Real de Nossa Senhora da
Conceição do Sabará, ao norte, e para a Vila de São João del Rey e de São José, ao sul. O pico do Itabirito
foi marcado em verde.
FONTE: COSTA, Cartografia da conquista do território das Minas, 2004.
123
Caso fosse a região diamantífera do Serro do Frio o lugar onde obtinham tanto os
diamantes, como o ouro em pó, comprando ambos com barras ou moedas falsas – ou moedas
“lavadas” no Rio de Janeiro –, seu trânsito naquela área precisaria ser mais discreto, pois se
tratava de contrabando puro e simples. Embora a lavra de diamantes tenha permanecido livre
até 1734, uma vez que, até então, apenas a retirada das pedras do império português era
proibida, é preciso lembrar que era exatamente este o objetivo dos contrabandistas envolvidos
na compra dos diamantes. As pedras seriam remetidas a Londres e Amsterdam. Portanto,
discrição já a partir das transações de compra poderia evitar, posteriormente, suspeita sobre o
paradeiro final das pedras, que era ilegal. Comprar ouro em pó no Serro do Frio e não na rota
para o Rio de Janeiro, como já foi sugerido em outros pontos desse trabalho, pode ter
começado a fazer sentido a partir de meados de 1730, quando a circulação do metal em seu
estado bruto foi proibida. Dessa forma, os criminosos podem ter separado as áreas de compra
do ouro em pó e diamantes daquelas onde ocorria a falsificação e “lavagem” e, assim,
evitavam levantar suspeita. Como disse Nicolau Carvalho de Azevedo, em carta a D.
Lourenço de Almeida, em 1732, o ex-governador se gabou “mtas. vezes de q’ se não fazia
couza nesta vª de noute, que de manham não soubeçe mto. bem, podia [portanto] saber da
caza de moeda falça de Ignacio de Souza”.
184
Além desse, outros relatos parecem sugerir que
no trajeto entre os arredores de Vila Rica e o Rio de Janeiro era notória a presença da fábrica
clandestina no Paraopeba. A partir dos arredores da formação da atual serra do Curral e
seguindo para o norte, as coisas parecem ter sido diferentes e, aparentemente, nem o próprio
Diogo Cotrim de Souza, em 1731, estava ciente daquela empresa.
Tendo isso em mente, podemos supor que a circulação dos falsários nos arredores da
atual serra do Curral, compreendendo as áreas aos pés das suas vertentes norte e sul, seguindo
para o norte, e leste do rio Paraopeba, onde ficavam a Vila de Sabará, Vila de Caeté e Vila do
Príncipe, tenha tido uma lógica diferente daquela que ocorria no eixo Vila Rica-Rio de
Janeiro. Alterando-se o tipo de circulação e seus objetivos, alteraram-se, também, os tipos de
redes de contato e influência. Em uma região atuavam como contrabandistas, em outra como
falsários. Embora os diamantes precisassem ser transportados na direção sul para alcançarem
o Rio de Janeiro, de onde seriam embarcados para o exterior, o transporte clandestino dessas
pedras podia ser realizado sem testemunhas e de forma bem mais discreta do que seu
comércio ilícito, que acontecia no Serro do Frio. Isso não implica uma atuação mais fraca,
mas uma atuação que se mantinha mais afastada de esferas oficiais, diferentemente das
184
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.123-147v.
124
atividades de falsificação. Afastamento, no entanto, não significa isolamento, e homens das
esferas oficiais ainda podiam estar envolvidos, inclusive o próprio governador D. Lourenço de
Almeida.
Portanto, houve uma etapa do negócio que exigia mais discrição, pois envolvia
contrabando real de diamantes, e, depois de 1730, de ouro em pó. As pedras fazem parte da
mesma lógica setecentista dos direitos régios, à qual estava submetido o ouro também.
Entretanto, diferentemente do metal, o cristal não podia ser validado para o trânsito,
alterando-se sua forma. O Caminho Velho teria sido, então, uma alternativa. Este, além disso,
passaria mais próximo de Pitangui, onde o grupo aparentemente também possuía aliados. O
oficial representante daquela vila, o mestre-de-campo Pedro da Fonceca Neves, apoiou a
instalação da casa de fundição e moedas em 1724, votou pelo seu fim, em 1735, e foi um dos
homens que solicitou o perdão para os culpados de falsificar barras. A Vila de Pitangui pode
dar apoio à idéia de que o bando de falsários transitava pelo rio Paraopeba, tanto quanto pelas
rotas que ligavam Vila Rica e Vila do Carmo ao Rio de Janeiro. O próprio Francisco Borges
de Carvalho fala sobre como
[...] nas beiras do dito sítio [Inácio de Souza] mandou botar roças, plantar
mantimentos, fazer casas e canoas no rio para que não podendo de nenhuma sorte
rezeitir (sic) retirar-se pelo dito rio, e rodar por ele, abaixo até o rio de São Francisco
sem de ninguém ser impedido [...].
185
Isto reforça a suposição de que utilizavam o Caminho Velho ao viajarem para o norte.
Entretanto, a idéia de que poderiam chegar ao rio São Francisco – o que colocaria o caminho
dos sertões em sua esfera de ação – pode ter sido um exagero de Francisco Borges.
Sabemos que o vale do Paraopeba possuía uma ocupação populacional razoável
naquela época. Após o desbaratamento do bando, em 1731, houve um enorme fluxo de
pedidos de cartas de sesmarias para a região sobre terras que já se encontravam em uso,
possivelmente por causa da atenção que o crime atraiu para aquela área, impedindo seus
moradores de continuarem sem registrar suas terras oficialmente. Muitas daquela pessoas
também podem ter participado das congregações religiosas que aconteciam no sítio de Boa
Vista do Paraopeba, e assistido a missas e batizados ao lado dos falsários e contrabandistas.
Isto sugere algum trânsito de pessoas pelo Caminho Velho, do qual os homens de Inácio de
Souza podiam participar. Entretanto não sabemos até que ponto esse trânsito ocorria por via
fluvial. O rio Paraopeba, apesar do que disse Francisco Borges, não era navegável por toda
185
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
125
sua extensão, especialmente no que diz respeito aos pontos que cruzam as duas serras que
separam o rio em três segmentos. Pimentel Godoy, ao escrever Expressão Econômica do vale
do Paraopeba (1957), dividia o curso do rio em três partes: superior, médio e inferior, sendo a
última a que deságua no rio São Francisco. Os elementos geográficos que definem essas
divisões são uma cachoeira, que separa o curso superior do médio, e uma estreita passagem
que forma corredeiras muito difíceis de transpor e que separa o curso médio do inferior. O
primeiro elemento é chamado de Salto do Paraopeba, na serra da Boa Vista, e o segundo
Fecho do Funil, na serra do Rola Moça (nome atual).
O segundo nome dá uma idéia do tipo de formação que se tem ali. A fábrica dos
falsários estava situada entre esses dois acidentes geográficos. Atravessar o Fecho do Funil
pelo rio poderia não ser uma opção viável, devido à falta de equipamentos ou à ausência de
habilidades específicas – que ainda hoje são um problema para essa travessia – ou, ainda,
durante algumas épocas do ano, por causa das chuvas. Quando observamos os mapas
confeccionados em 1734 e 1735 pelos “padres matemáticos”, vemos que, bem naquele ponto
antes do acidente, erigiu-se o arraial de Vera Cruz, de onde parte um caminho que leva por
Brumado, contornando aquela serra, passando pelo pico de Matheos Leme, arraial do Borba e
seguindo, enfim, para Pitangui. Se o Fecho do Funil não fosse um obstáculo, essa rota por
terra – que evita aquele ponto e contorna a acidentada serra do Rola Moça – não teria se
desenvolvido, e seria possível seguir o curso fluvial até bem mais próximo da Vila de Pitangui
(FIGURA 20). A importância da rota terrestre é atestada pelo registro do pico de “Matheos
Leme” como ponto de referência. Como já foi dito, pontos como estes eram fundamentais
para esse tipo de viagem terrestre.
Talvez possamos supor que o arraial do Borba fosse um registro da presença de Borba
Gato naquela região, já que, depois da Guerra dos Emboabas, ele fora enviado para apaziguar
os paulistas de Pitangui e do Paraopeba.
186
Isto reforçaria a idéia da presença de Inácio de
Souza Ferreira nas proximidades de Pitangui desde 1707, ano do “quase encontro” entre
criminoso e o ex-bandeirante. O fato pode demonstrar ainda o trânsito do falsário por aquela
região, mas ao mesmo tempo demonstra a dificuldade de se utilizarem as vias fluviais que
poderiam conectá-lo ao rio São Francisco. Saindo do Fecho do Funil, o caminho por terra para
Pitangui seguia para oeste e, em seguida, noroeste, afastando o viajante do Paraopeba, e mais
ainda de Sabará e Caeté. Apesar de estar situada na comarca do Rio das Velhas e fora da rota
para o Rio de Janeiro, Pitangui ainda era facilmente acessível por uma via fluvial e terrestre,
186
ROMEIRO, Um visionário na Corte de D. João V, 2001. Ver, especialmente, nota 77, p.254.
126
situava-se numa possível rota dos falsários em direção ao Serro e pode ter feito parte dos
negócios do bando de Inácio de Souza, mesmo que de forma menos intensa e sem implicar,
necessariamente, uma conexão com Sabará.
127
FIGURA 20: Detalhe de um dos mapas dos padres matemáticos, de 1734/1735, com as possibilidades de
rotas, a partir do vale do Paraopeba, para Pitangui. O pico de “Matheos Leme” foi marcado em verde. É
possível ver, também, o local do “fecho do funil”, marcado em amarelo, e a suposta rota pelo rio
Paraopeba, marcada em vermelho.
FONTE: COSTA, Cartografia da conquista do território das Minas, 2004.
128
Temos, então, um possível padrão geográfico para a circulação dos falsários do
Paraopeba, que segue imposições naturais e tendências de desenvolvimento dos núcleos
urbanos. Alguns desses padrões da geografia física e circulação humana foram responsáveis
pelas delimitações políticas daquela região e pelo seu povoamento.
187
Por exemplo, na
segunda metade do Setecentos, o rio Paraopeba dividia as comarcas do Rio das Mortes e de
Vila Rica; já a divisa entre a comarca de Vila Rica e a do Rio das Velhas seguia num eixo
leste-oeste sem respeitar marcos naturais, mas ondulando entre os arraiais de uma área de
ocupação urbana relativamente densa, para a época e a região, obedecendo, possivelmente, a
conjunturas políticas coevas. O padrão de circulação dos criminosos que se relacionavam com
os elementos físicos da paisagem acabou afetando a forma como conseguiram estabelecer e
manter suas redes de influência. Restringiram-se mais pelos elementos físicos geográficos e
pelas possibilidades de trânsito, de acordo com seus interesses, do que pelas delimitações
políticas, o que possibilitou aos falsários terem oficiais de Pitangui como aliados, mesmo
quando aquela vila fazia parte da comarca do Rio das Velhas, onde, aparentemente, atuavam
de forma mais discreta.
Sabemos que o Rio de Janeiro e as vilas mineiras não eram os únicos pólos de trânsito
dos falsários. Francisco Borges de Carvalho, quando fez a delação, embora declarasse que
esteve estabelecido no Rio de Janeiro por algum tempo, buscou barras de ouro e pagamentos
tanto em Parati, quanto em São Paulo. No entanto, nesta pesquisa não se encontraram
evidências para a atuação do grupo de criminosos nesses dois locais, além dessa breve
referência.
188
É importante notar, ainda, que o delator poderia estar tentando afastar as
atenções do ouvidor-geral, Diogo Cotrim de Souza, do Rio de Janeiro, onde ele mesmo
morara e onde poderia, talvez, ser incriminado.
A circulação do bando, portanto, foi condicionada por elementos naturais como o
tempo, flora, hidrografia e formações geológicas que levantaram serras e formaram diamantes
no subsolo, além dos elementos antrópicos como picadas, caminhos e núcleos urbanos, que
balizavam a circulação local. Em associação a esses elementos se estabeleceram redes de
contato que incluíam os “homens de distinção” de, pelo menos, cinco das oito vilas mineiras
e, também, do Rio de Janeiro – e fica, ainda, a suposição de sua abrangência a outros locais da
colônia. Apesar dos elementos geográficos, sem as articulações com esses centros de poder
187
MORAES, De arraiais, vilas e caminhos: a rede urbana das Minas coloniais, 2007; RENGER, Primórdios
da cartografia das Minas Gerais (1585-1735), 2007 e RESENDE, Itinerários e interditos na
territorialização das Geraes, 2007.
188
É importante notar aqui, no entanto, que a pesquisa realizada para essa dissertação seguiu majoritariamente a
documentação das Minas, não cabendo no tempo de sua realização pesquisas mais profundas em outras
regiões que provavelmente gerariam frutos pequenos pelo tempo que demandariam.
129
oficial não seria possível o funcionamento da fábrica de moedas e barras falsas. Entre as cinco
vilas no circuito de trânsito dos falsários, estava a sede do governo da capitania das Minas e,
nela, o governador D. Lourenço de Almeida.
2.3.2 Dom Lourenço de Almeida e seus Negócios Ilícitos
O envolvimento do governador das Minas, D. Lourenço de Almeida, com os negócios
de moedas e barras falsas de Inácio de Souza Ferreira, assim como no contrabando de
diamantes organizado pelo criminoso, não é novidade para os historiadores. Augusto de Lima
Júnior (1954) e Charles Boxer (1964) já haviam apontado essa possibilidade há meio século,
embora só o primeiro discuta o tema com algum detalhe. No entanto, as evidências
consideradas são fugidias e, no caso de Augusto de Lima Júnior, freqüentemente, não se
explicitam as fontes para essas conclusões. De forma geral, apesar de conhecido, Inácio de
Souza foi tratado de forma superficial pela historiografia até recentemente, e seu
envolvimento com D. Lourenço acompanha essa tendência.
Adriana Romeiro (1999) foi a primeira historiadora a abordar, de forma mais
profunda, as relações desses dois homens e as interseções das suas redes de contato e
influência.
189
A autora observa como o contato entre os dois é insinuado pelo próprio Inácio
de Souza nas cartas que escreve da prisão, em Portugal, tentando obter o perdão régio. Vários
boatos a esse respeito foram absorvidos nas tradições orais sobre a fábrica e sobrevivem até os
dias de hoje. O líder do bando do Paraopeba estaria conectado a círculos internacionais que
incluíam judeus, cristãos-novos e religiosos cristãos, que o auxiliavam no contrabando de
diamantes, no qual D. Lourenço também seria interessado. Os negócios iam longe e passavam
por homens poderosos. Analisando essa relação, e fazendo referência às idéias de Carla
Anastasia (1998) sobre “soberanias fragmentadas” e cooptação de potentados por parte do
poder oficial, Romeiro sugere como Inácio de Souza percorreu o caminho inverso,
conseguindo cooptar o apoio de funcionários régios. Prevaleceram, ali, os interesses privados.
O governador das Minas, de fato, foi peça-chave para o funcionamento dos negócios ilícitos
que aconteciam no vale do Paraopeba. Negociou como pôde, dentro da esfera oficial, para
189
Inácio de Souza Ferreira também é mencionado brevemente em ROMEIRO, Um visionário na Corte de D.
João V, 2001.
130
defender interesses privados, incluindo encobrir possíveis ações ilícitas. D. Lourenço de
Almeida, após sua partida, seria relembrado e satirizado nas Minas por essas práticas.
190
A atuação dos criminosos e as áreas de influência construídas em seu trânsito, antes ou
durante seus negócios, impediram que Francisco Borges de Carvalho fizesse sua delação em
Vila Rica, “onde com mais segurança o podia fazer”, levando-o a procurar o ouvidor-geral da
comarca do Rio das Velhas, em Sabará. Francisco Borges conhecia
[...] a boa vontade que [D. Lourenço de Almeida] sempre teve a este regulo [Inácio
de Souza Ferreira] e o desvelo e cuidado com que se aplica ao serviço de El Rey, a
mesma atividade e zelo com que o dito Senhor se havia empregar essas mesma havia
servir de despertador para sua defensa porque de qualquer // operação que o dito
senhor faz tem ele dito meu sócio muitos e repetidos avisos pelos seus confidentes
quanto mais nessa diligencia que pela suas graves circunstancias senão pode fazer
sem algumas demonstrações públicas [...].
191
Na verdade, o delator não é específico na sua declaração. Ao mesmo tempo em que
enfatiza a simpatia que o governador nutria por Inácio de Souza, explicita sua devoção a El-
Rei. Acrescenta, também, que a notícia chegaria a seu sócio no Paraopeba por outros
informantes. No entanto, parece insinuar que a devoção de D. Lourenço, nesse caso, poderia
ser mera conveniência, pois fazendo um grande alarde sobre a diligência para a invasão da
fábrica, facilitava a defesa desta, como demonstraria também a conta do ouvidor-geral Diogo
Cotrim de Souza, na qual descreveu a importância de se manter a diligência em segredo.
192
O que Francisco Borges não diz abertamente, o capitão-mor Nicolau Carvalho de
Azevedo não mede palavras para declarar. Em uma carta muito comprometedora que escreveu
ao próprio D. Lourenço, a 25 de setembro de 1732, denuncia diversos abusos por parte do
governador durante seu tempo na Minas. Aparentemente, a correspondência caiu em mãos
erradas e terminou copiada em um códice oficial do governo. O capitão-mor não parece ter
sido das pessoas mais nobres das Minas. Na carta, Nicolau Carvalho confessa assassinatos e
estupros, crimes que foram abafados por D. Lourenço e pelos quais pagaria depois que seu
protetor deixasse a região. Em tom de submissão e fidelidade inabalável, Nicolau Carvalho
lista todas as acusações e sátiras das quais teve notícias de que o povo fazia ao ex-governador.
Entre estas, aparece a fábrica de moedas e barras falsas, com os pormenores do envolvimento
de D. Lourenço. O capitão-mor declarava
190
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.123-147v.
191
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
192
AHU, Avulsos, cx.19, doc.34.
131
[...] Que V. Ex
a.
gavandoçe (sic) m
tas.
vezes de q' se não fazia couza nesta v
a.
de
noute, que de manham não soubeçe m
to.
bem, podia saber da caza de moeda falça
de Ignacio de Souza, mas fazia, que o não sabia; porq' asim lhe convinha e alem de
ser nella intereçado e mais o Xavier, dizem huns, q' aquella lhe dava dezoito mil
cruzados por mes, outros q' douze = salvo milhor juditio, por lha consentir, e aqui
para nos, pondo de parte a nossa amizade, asim se deve perzumir porq' Ignacio de
Souza sendo hum homem tão astuto não havia de andar paçeando nesta v
a.
com
similhante crime se não tivera o consentim
to.
de V. Ex
a.
e se se retirou desta villa
pouco antes da sua prizão foi so por respeito da segurança, q' lhe pedio o Cordeiro e
não por outro motivo.
Que tanto se prova o saber V. Ex
a.
da d
ta.
Caza, q' delatando a Fr
co.
Borges, socio
do d
to.
Ignacio de Souza ao D
or.
ouvidor do Sabarâ Diogo Cotrim de Souza, este
havia de dar parte a V. Ex
a.
para fazer a d
ta.
delegencia mas como o d
to.
Borges
sabia muito bem dos interessados na d
ta.
caza inferese q' este lhe diria não desse
parte a V. Ex
a.
por ser nella interessado; como tambem se infere de huns papeis, q'
hoje parão na mão de Nicolao Antunes Ferreira, os quais constão de varias contas e
partidas de ouro q' tinhão entrada na casa, as quais mandava o d
to.
Ignacio de Souza
a esta villa, onde se fas menção de hum monte gr
de.
q' entrou com trinta mil
outavas, os quais papeis se perderão; e por este caminho vierão parar a mão do dito
Antunes.
Que V. Ex
a.
por carta sua mandou ao Cabo d' esquadra, João Roiz' Bordallo, q'
trazia prezo do Serro do frio para esta v
a.
, a João da S
a.
Neves, cacheiro do d
to.
Ignacio de Souza, lhe desse meios p
a.
fugir no caminho, como com efeito fugio, por
q' esse como rapas poderia confeçar o q' sabia [...].
193
A referência que faz Francisco Borges de Carvalho de forma indireta é feita
explicitamente nesse documento. Nicolau Carvalho ainda estabelece os lucros auferidos pelo
ex-governador, aparentemente baseando-se em papéis verdadeiros, que infelizmente parecem
não ter sobrevivido até os nossos dias, das partidas e contas da fábrica ilícita.
Outro elemento importante dessa correspondência é a menção ao trânsito livre de
Inácio de Souza por Vila Rica. Já foi sugerido acima que havia um padrão geográfico na
circulação dos falsários pela capitania. Esse dado ajuda a corroborar essa sugestão. Na carta,
Nicolau Carvalho menciona, também, outros homens que atuavam no descaminho do ouro
por diversos métodos. Entre estes, estava o ouvidor-geral da comarca do Rio das Mortes,
Antonio da Cunha, que mandava grandes partidas de ouro em pó para o Rio de Janeiro. Havia,
também, o ourives Antonio Pereira, que provavelmente é o mesmo homem que, mais tarde,
tentaria estabelecer uma fábrica própria de barras e moedas falsas. Esse último já fabricava
barras falsas que iam para o Rio de Janeiro, antes de qualquer outra participação em negócios
de falsificação. O correspondente acrescenta, ainda, “que todos os passadores de ouro em pó e
barras marcadas fora da Caza da moeda tinhão grande amizade com V. Exa., Xavier e Correa
193
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.123-147v.
132
por serem todos interessados”
194
, e reforça os vários problemas enfrentados pelo governador
do Rio de Janeiro, Luís Vahia Monteiro, nas várias devassas que conduziu sobre o assunto.
Esse governador realizou
[...] varias, e exactas deligencias contra os dtos. dezemcaminhadores (sic) dos reais
quintos; e querendo os prender, estes vinhão fugidos para estas Minas buscar
amparo, e asyllo em V. Exa. q’ por piadizo (sic) lhe concedia, tratandosse com elles,
e sendo estes os q’ tinhão maior entrada no palacio [...].
195
Nicolau menciona outros homens nesses descaminhos, mas não os associa a nenhuma
ação específica. No entanto, nas atividades descritas em mais detalhes, vemos novamente o
padrão geográfico Vila Rica-Rio das Mortes-Rio de Janeiro.
As informações dadas por esse correspondente não podem ser tomadas sem
questionamento. A carta fala do que se dizia nas Minas, e não necessariamente do que
aconteceu de fato. No entanto, quando associamos essas informações com outras inferências,
algumas delas já apresentadas acima, o envolvimento desse governador fica claro.
Desde o início de seu governo, as casas de fundição e moeda já eram questão a ser
considerada por D. Lourenço. Nos primeiros anos mostrou-se contra aquela medida, mudando
radicalmente de posição, repentinamente, em 1723, o que o levou a organizar a junta de 15 de
janeiro de 1724. Convenceu, então, inexplicavelmente, homens que por vários anos se
opuseram às referidas casas. Como já foi dito, muitos dos presentes naquela reunião pareciam
ter outros interesses e, pelo menos em relação a um deles, Inácio de Souza Ferreira, podemos
ter certeza. Essa conjuntura aponta como o governador já se relacionava, naquele momento,
com vários dos homens que se envolveriam nos descaminhos do ouro através das barras e
moedas falsas.
Em duas contas enviadas a El-Rei, datadas de 31 de outubro e 10 de setembro de 1722,
pouco mais de um ano antes da junta que estabeleceria a instalação das fundições oficiais nas
Minas, o quadro apresentado por D. Lourenço sobre aquele método de arrecadação dos
quintos não era nada otimista. Declarava o governador a Sua Majestade que,
Pela representação que me fez o Superintendente Eugênio Freire de Andrada que
remeto inclusa será presente a V. Majestade o gravíssimo prejuízo que teria a real
fazenda de V. Majestade em se fabricarem casa de moeda e Fundição nestas Minas
porque a despesa que se necessita fazer com o material das casas é tão excessiva que
importa muitas arrobas de ouro como mostra o orçamento, e da mesma forma é
também excessiva a despesa que é preciso para os materiais das fundições, e salários
dos oficiais das casas, o que tudo junto faz uma considerável soma, e como pelo
194
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.123-147v.
195
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.123-147v.
133
dilatado destes sertões se havia de extrair todo o ouro, ou a maior parte dele, sem
que se quintasse não é possível que a fazenda real de V. Majestade tire dos seus
quintos o mesmos Lucros que hoje tem, sem fazer despesa nenhuma [...].
196
Além disso, o governador declara que seriam necessárias pelo menos três casas de
fundição para conseguir atender uma região tão grande. Isto aumentaria ainda mais os gastos
e, ainda assim, as três casas seriam pouco. Menciona também os gastos que se teria de fazer
com a maior vigília dos caminhos, com o que, também pela vastidão daqueles sertões, teriam
poucos resultados. O governador sugere que permanecessem então as cobranças dos direitos
de entradas, tentando-se obter o máximo possível dessa arrecadação, e se instalassem casas de
fundição apenas nos portos do mar onde já havia casas de moeda e, portanto, não seriam
necessários muitos outros gastos.
197
De forma geral, era um investimento dispendioso, e os
custos com os materiais representavam um dos grandes problemas.
Além das despesas da Real Fazenda, o governador não hesita em defender os
interesses locais, que, em seu parecer, seriam muito prejudicados com o estabelecimento das
referidas casas. Apresentava-se, naquele ano, uma visão totalmente diferente daquela que
seria descrita em 1724, em que “grandes foram os clamores e os vivas a V. Majestade”,
198
após a confirmação da decisão sobre a instalação das fundições oficiais. Em 1722, a conta que
deu declarava como “estes povos todos têm conhecido grande horror a estas casas porque lhe
servem do maior prejuízo”.
199
Menciona como aquela forma de se cobrarem os quintos
arruinaria o sistema de créditos prevalecente no comércio local. Argumenta como ela
desmotivaria a abertura de novas lavras que, àquela altura, eram, em sua maioria, de
“oiteiros” – lavras no alto dos morros – e não mais de aluvião, o que demandava grandes
investimentos iniciais com aquedutos e escavações. E aborda, também, como a medida teria
repercussões negativas no investimento em escravos, bens mais preciosos para os homens
daquela região, por serem indispensáveis nos trabalhos de mineração. O governador chega
mesmo a reunir uma junta, também na igreja de Santa Quitéria, a 25 de outubro de 1722, na
qual “as câmaras todas destas Minas ou seus procuradores e homens bons delas”,
[...] se reduziram todos a dizerem-me as grandes desconveniências que tinham os
povos com o estabelecimento das tais casas, e que também a real fazenda de V.
majestade tinha uma grande perda com elas, supostos os grandes gastos que havia
fazer com o material delas, e com o pagamento dos ordenados exorbitantes dos
oficiais e mais necessário para as ditas casas, porém que todos estes povos como
Leais e obedientes aos mandatos de V. Majestade queriam dar um equivalente todos
196
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.155v-158.
197
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.153v-155 e fl.155v-158.
198
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.158-162v.
199
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.155v-158.
134
os anos, de forma que ficasse a real fazenda de V. Majestade com muito maiores
interesses do que podiam render as casas, fazendo V. Majestade a mercê a estes
povos de as não mandar estabelecer pelo irreparável prejuízo que tinham com elas, e
que esta súplica faziam para que eu a pusesse na real presença de V. Majestade
[...].
200
Fica claro, nessa documentação, o pessimismo em relação às casas de fundição e
moedas, tanto por parte dos povos das Minas, quanto por parte do governador D. Lourenço de
Almeida e do superintendente Eugenio Freire de Andrada. Em 1724, pouco mais de um ano
depois, repentinamente, o quadro apresentado era bem diferente, mesmo sendo as
circunstâncias as mesmas que haviam criado todos os problemas até então.
Apesar de ainda reconhecer a dificuldade de se controlarem os caminhos, na conta que
manda a El-Rei, naquele ano de 1724, dizia o governador que
[...] logo mando pôr todas as cautelas nestas estradas que saem para fora destas
Minas, para se dar busca aos viandantes, e prender todo aquele que levar o ouro em
pó depois de findos os quatro meses livres que V. Majestade foi servido conceder-
lhes; porém é-me preciso pôr na real notícia de V. Majestade que estas Minas têm
tantas e tão diversas estradas para se sair delas, que parece impossível o poder se
apanhar ninguém com ouro furtado, mas hei de perdoar diligência nenhuma para
evitar todo o descaminho [...].
201
Em relação ao número de casas de fundição, problema considerado em 1722,
declarava D. Lourenço que
[...] Por hora não me pareceu estabelecer mais do que uma casa de fundição, porque
posta como se põe nesta Vila está no meio de todas as Minas, aonde, com pequeno
trabalho, se vêm de toda a parte a ela, e para se estabelecer segunda casa de fundição
em alguma das outras comarcas, todas as mais comarcas quererão cada uma sua casa
e seria formidável a despesa da fazenda de V. Majestade e nunca se findariam tantas
obras juntas [...].
202
O governador recomendava, também, que não se proibisse, naquele momento, a
circulação do ouro em pó. Seria melhor aguardar alguns anos para que os moradores das
Minas se habituassem ao novo sistema, e que se pudesse inserir nas Minas moedas provinciais
de prata e de cobre, as quais teriam de ser fabricadas em outros locais do império. O que
importa observar é a radical mudança de atitude. D. Lourenço assume nova postura frente às
casas de fundição e moedas e se apropria das obras dos quartéis dos Dragões para estabelecer,
ali, as novas instalações. No que diz respeito à sua opinião pessoal sobre o assunto e à sua
200
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.155v-158.
201
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.158-162v.
202
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.158-162v.
135
relação com os povos que haviam se mostrado tão intolerantes anteriormente, lembremos-nos
da citação reproduzida no Capítulo 1 desta dissertação, na qual o governador declara que
[...] como sempre entendi que V. Majestade poderia não se servir de aceitar este
donativo, se não o que justamente lhe devem pagar estes Povos que é o quinto de
todo o ouro que se extrair destas Minas: logo depois que dei conta a V. Majestade da
dita junta não houve // não houve diligência que em todo o discurso de tempo não
aplicasse para estes Povos conhecessem a justíssima razão que tinham para não
duvidarem pagar a real fazenda de V. Majestade o seu quinto, porque sempre esperei
que V. Majestade me ordenasse que sem embargo do Donativo
das doze arrobas de
ouro, que acrescentaram os Povos estabelecesse eu as casas da fundição e moeda
e
como V. Majestade pelo seu secretário de Estado foi servido mandar-me esta ordem,
que me chegou por um Navio de aviso que veio ao Rio de Janeiro novamente
comecei a dispor os ânimos de todos estes Povos, os quais já pelas minhas
persuasões antecedentes, tinham conhecido a sua obrigação, e não tem dúvida que
nestas Minas tem Vossa Majestade Vassalos honrados, e que desejam servir com
zelo, se o Governador os sabe mandar com modo [...].
203
O monarca concordou com quase tudo, retificando apenas o valor das moedas
sugerido por D. Lourenço. O governador responde, confirmando a execução das ordens e
sugerindo, na mesma carta, que sejam abolidas as casas de moeda do Rio de Janeiro. Mais
uma vez, D. Lourenço assume uma posição diametralmente oposta à de 1722, quando sugere
que apenas nos portos de mar deveria haver tais casas oficiais. Além disto, foi uma proposta
curiosa, especialmente quando associada aos problemas que o governador do Rio de Janeiro
causaria aos negócios ilícitos de barras e moedas falsas e à instalação da casa da moeda oficial
das Minas. Toda a documentação sugere que Luís Vahia Monteiro nunca esteve de acordo
com os arranjos de D. Lourenço de Almeida. Além disto, os funcionários da casa da moeda do
Rio de Janeiro parecem ter composto o círculo de alianças de Inácio de Souza Ferreira. Se
fosse abolida a cunhagem oficial naquele porto, é possível que os oficiais pudessem ser
transferidos para as Minas ou, se ficassem sem seus ofícios, poderiam trabalhar diretamente
em fábricas clandestinas, sendo muito mais úteis ao negócio das barras e moedas falsas, como
foi o caso de Antônio Pereira de Souza. No entanto, El-Rei responde a essa sugestão dizendo
que iria ponderar sobre o assunto. A casa da moeda do Rio de Janeiro, por fim, continuaria
instalada.
Em 1729, os descaminhos do quinto tornaram-se um enorme problema. Na verdade, a
intensificação dos descaminhos se iniciara ainda no início de 1728, mas foi com a frota de
meados de 1729 que chegaram aos ouvidos de El-Rei. A arrecadação dos reais quintos,
contabilizadas em meados de 1729, para os doze meses que se haviam passado, foi algo em
torno da metade daquela dos anos anteriores. Apesar de declarar a El-Rei, em agosto de 1729,
203
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.158-162v.
136
que faria de tudo para combater esses descaminhos,
204
eles persistiriam até 1730. Nesse
segundo ano, Luís Vahia Monteiro descobriria a “meada” das barras falsas que estavam
entrando, constantemente, no Rio de Janeiro e, por vários anos, faria de tudo para prender os
culpados. Quando é feita essa descoberta, Antonio Pereira de Souza, o abridor de cunhos da
casa da moeda do Rio de Janeiro, foge daquela capitania e, talvez, tenha passado pela fábrica
do Paraopeba. Os criminosos, naquela época, sob o mando de Inácio de Souza expandiam o
negócio de barras falsas para também fabricar moedas em um ritmo e qualidade comparáveis
às casas de moedas oficiais, com a ajuda de maquinário. O correspondente de El-Rei, o
anônimo A.P.C., menciona que Inácio de Souza intentou a fábrica de moedas falsas apenas
depois que o governador do Rio de Janeiro, em maio daquele ano, identificou as barras falsas
que estavam sendo fundidas na casa da moeda daquele porto.
205
Felizmente, para os círculos
criminosos, essa descoberta disponibilizou para a ilegalidade um abridor de cunhos
experiente.
Antes de os falsários iniciarem a cunhagem de moedas, o ouro em pó circulava
livremente pelas Minas, assim como as barras de ouro. D. Lourenço, em 1724, declarou a El-
Rei que seria melhor aguardar momento mais conveniente para instituir a proibição sobre a
circulação do ouro em pó e folheta. Convenientemente, a publicação dessa ordem, que
permitiria que circulassem apenas moedas e barras no território das Minas, veio exatamente
quando os criminosos do vale do Paraopeba teriam estabelecido, de forma definitiva, sua
empresa de cunhagem ilegal. Foi o momento escolhido pelo governador das Minas para
aplicar a medida que privilegiaria o ouro cunhado. A ordem foi rígida, pois foi dada a 8 de
fevereiro de 1730 e reiterada e expandida logo no dia 21 do mesmo mês. Na segunda
publicação, a circulação do ouro em pó, que até então podia ocorrer dentro do limite dos
registros dos caminhos, ficou limitada apenas às vilas e arraiais. Qualquer ouro em pó
encontrado nos caminhos, em qualquer ponto, podia ser apreendido. D. Lourenço menciona,
também na mesma publicação, que os homens de negócio deveriam “se emendar”, e que seus
livros e registros, contendo seus lucros e gastos, deveriam bater com a contabilidade do ouro
das casas de fundição e moedas. A vigília sobre os caminhos e livros de registros, assim como
sobre as guias das barras oficiais, fechava o cerco em torno do ouro em pó e das barras falsas.
O grupo comandado por Inácio de Souza, no entanto, não precisava mais se preocupar com
isto, pois podiam produzir moedas que não tinham restrições de circulação, nem registros nos
livros. De fato, todas essas restrições poderiam funcionar como um auxílio ao negócio dos
204
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.6.
205
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.104-109.
137
falsários, que teriam mais facilidade em negociar o ouro em pó com os moradores locais, que
estariam mais interessados em se livrar do metal no seu estado bruto.
Essas ordens do governador das Minas foram dadas em fevereiro e, de acordo com o
correspondente A.P.C., Luís Vahia Monteiro descobriu a meada das barras falsas apenas em
maio. No entanto, o governador do Rio de Janeiro já desconfiava desse negócio desde 1729, e
havia meses já perseguia os culpados e chegou a prender Antonio Pereira de Souza, o abridor
de cunhos. O oficial mecânico, porém, conseguiu escapar do cárcere, possivelmente com
auxílio local. Maio foi apenas o mês em que Vahia Monteiro conseguiu a confirmação de que
as barras vinham das Minas, fazendo a comparação dos registros das guias das casas de
fundição e moedas do Rio de Janeiro com os de Vila Rica
206
– ou, pelo menos, o mês em que
o correspondente A.P.C. ouviu dizer daquele evento. Os registros enviados das Minas
deveriam ter sido remetidos por D. Lourenço alguns meses antes, para dar tempo de chegarem
ao Rio de Janeiro e para o governador Luís Vahia poder conduzir a sua análise. Portanto,
desde fevereiro o governador das Minas já sabia dos motivos que causariam as diligências de
seu rival, levando-o a emitir as ordens contra o ouro em pó.
Além dos conflitos com o governador do Rio de Janeiro, D. Lourenço de Almeida
tentava contornar os problemas que havia também nas Minas. Desde o início dos dilemas
sobre a instalação das fundições oficiais, em 1722, Eugenio Freire de Andrada,
superintendente das casas de fundição e moedas das Minas, parece ter sido um oficial
preocupado em zelar pelos interesses régios, apesar de ser uma figura com pouca expressão na
documentação pesquisada. O oficial se mostrou continuamente preocupado com os gastos da
Real Fazenda na manutenção das referidas casas, fazendo orçamentos e dando seus pareceres
a El-Rei. Fez questão de que as casas de fundição e moedas de Vila Rica fossem instaladas
em local seguro, em casas de pedra e cal, e não de pau-a-pique, e apoiou a tomada dos
quartéis dos Dragões, ainda em construção, para esse fim. Discordando de D. Lourenço,
defendeu que os custos das fundições e cunhagens deveriam ser feitos por conta das partes e
não incidissem sobre a Real Fazenda.
Quando os descaminhos se intensificaram, em 1729 e 1730, Eugenio Freire tentou
instituir a arrematação da cobrança dos quintos nas casas de fundição a particulares, como
forma de solucionar o problema, com o provedor da fazenda real, Manoel da Costa Reys, o
procurador da coroa e Fazenda Real das Minas, Antonio Berquô del Rio e os ouvidores-
gerais, incluindo Diogo Cotrim de Souza, que aparece nessa trama pela primeira vez. Os
206
PEIXOTO, A devassa do governador Luiz Vaia Monteiro por descaminho do ouro, 1910.
138
oficiais agiam por conta de uma ordem régia escrita a 8 de fevereiro de 1730 como tentativa
de conter os descaminhos.
207
Reuniu-se, então, uma junta, a 21 de maio do mesmo ano, na
qual se decidiu a favor da arrematação. O encontro não contou com a presença dos oficiais
das câmaras ou dos “homens de distinção”.
208
Nela estavam presentes nove homens, dos quais
apenas quatro compareceram à junta de 1724, sendo que um desses era Eugenio Freire de
Andrada. Os outros três eram o próprio D. Lourenço, o provedor da fazenda real, Manoel da
Costa Reys e um tal Lourenço Pereyra da Sylva. Nenhum dos ouvidores-gerais presentes em
1730 havia participado do encontro de seis anos antes. Talvez por isso, quando a arrematação
foi colocada em praça pública, houve protestos e debates que duraram três dias. Parece ter
sido um evento bastante conturbado, e a natureza restrita da junta que decidiu sobre esse
assunto sugere os problemas que podiam existir. Os próprios pretendentes a arrematantes que
eram, também, os “homens de distinção” das Minas, parecem ter boicotado a ação. Os lances
foram baixos e as condições desfavoráveis à coroa. Entre elas, queria-se o monopólio da
compra do ouro em pó, o abatimento do quinto para 12% e o fornecimento dos materiais
necessários para a fundição. O maior lance para o arremate foi de 62 arrobas. Pelo menos, é o
que declara o governador das Minas, utilizando esses argumentos para justificar sua decisão
de revogar o que a junta havia determinado. A arrematação, então, não ocorreu.
A presença de magistrados na administração régia da colônia, que responderiam
diretamente a El-Rei, era uma tentativa de balancear o poder dos governadores-gerais e a
relativa autonomia das câmaras. Sua atuação, no entanto, impossibilitava uma seqüência
hierárquica clara na administração. Conflitos entre o ouvidores-gerais e os governadores eram
comuns na época, estimulados pela excessiva autonomia dos primeiros, de quem até mesmo a
participação em motins não é desconhecida.
209
Essa confusão era acentuada pela
multiplicação desenfreada de cargos menores, freqüentemente dados a indivíduos
incapacitados e exercidos com ineficiência.
210
Isto era algo que contrastava com os burocratas
magistrados, que costumavam ser profissionais estudados, precisando ser examinados pelo
Desembargo do Paço e que buscavam construir uma carreira naquele campo.
211
Mesmo
quebrando a hierarquia administrativa e unindo-se a redes pessoais locais – o que não é de se
admirar, pois estas faziam parte da mentalidade da época –, era um corpo de funcionários
fundamental para o funcionamento do aparato administrativo. No caso apresentado aqui, esses
207
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.65v-66.
208
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.212v-213 e 213v.-215.
209
ANASTASIA, A geografia do crime, 2005.
210
SCHWARTZ, Magistratura e sociedade no Brasil colonial, 2003.
211
SCHWARTZ, Magistratura e sociedade no Brasil colonial, 2003.
139
homens reuniram-se em torno do superintendente para tentar defender os interesses régios e
entraram em conflito com o próprio governador. A atuação de pelo menos um deles, Diogo
Cotrim de Souza, levaria ao fim da fábrica clandestina do Paraopeba. Nicolau Carvalho de
Azevedo sugere que o governador possuía o apoio dos ouvidores do Serro do Frio, de Vila
Rica e do Rio das Mortes, e sabemos que dois deles, Joao de Azevedo Barros e Antonio da
Cunha e Sylveira participaram da junta sobre a arrematação dos quintos. No entanto, não
podemos saber se as alianças sugeridas pelo correspondente de D. Lourenço já se haviam
estabelecido naquela época, ou mesmo se eram apenas boatos. O mesmo correspondente
também diz que um outro membro da junta, Antonio das Nevez Cardoso, seria um dos
inimigos do ex-governador.
Como exemplo da complexidade das relações que se estabeleciam dentro das esferas
oficiais, Nicolau Carvalho ainda reforça o zelo por parte de Eugenio Freire de Andrada, na
condução de suas funções, e o conflito entre o superintendente e D. Lourenço de Almeida.
Quando da devassa que conduziu Luís Vahia Monteiro,
[...] fora o d
to.
Eugenio Freyre aprezentala a V. Ex
a.
[D. Lourenço] p
a.
mandar fazer
as ditas prizoîs, as quais nunca fes, por lhe ter conta o q' tinha feito a Eugenio Freire,
crear cabelos brancos se se não vallera de sua prudencia e paciencia, valendosse do
q' dis o Ecl. 2.4.5. In dolore sustine, et inhumilitate tua pacientiam habe: quoniam
inigne probatur aurum et argentum, homines vero receptibiles in camino
humiliationis [...].
212
Nessa passagem, Nicolau Carvalho também dá uma idéia do tipo de atitude que
tomava o discreto superintendente. Talvez tenha sido seu zelo que tenha obrigado a condução
das barras falsas à casa da moeda do Rio de Janeiro e não à de Vila Rica – além, é claro, do
fato de que na casa da moeda do Rio de Janeiro o nome de Inácio de Souza e seu negócio de
barras falsas não deveriam ser tão conhecidos, evitando suspeitas. Entretanto, apesar disso, D.
Lourenço ainda conseguiria fazer valer seus interesses e se aproveitar das casas de fundição e
moedas das Minas.
212
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.123-147v.
140
2.3.3 A Fábrica Clandestina do Paraopeba e o Extravio de Materiais
Aparentemente, não foi apenas influência e cobertura junto às esferas oficiais o que o
governador pôde oferecer. Tampouco os criminosos se aproveitaram apenas dos saberes e
experiências de funcionários e ex-funcionários. É possível sugerir que vários materiais usados
nas casas de fundição e moedas oficiais eram divertidos para ações ilícitas, como já se
observou em relação à casa de fundição de São Paulo. O anônimo correspondente régio,
A.P.C., dizia
[...] que dela [das casas de fundição e moedas oficiais] para fora saíram os ferros;
porque para tudo há oficiais, e poderá ser que saísse também muita coisa para a Casa
da Moeda de [Inác]io de Souza; na qual dizem que se chegou a fa[ileg.] [fabricar?]
[d]inheiro com a mesma perfeição com que se [ileg.] [faz?] [n]esta [...].
213
Após a abolição das casas da moeda em 1734 – as casas de fundição continuaram
existindo –, Martinho de Mendonça Pina e Proença observou o perigo que havia no trânsito
desses materiais. Lembremos-nos da citação reproduzida acima, na qual ao ministro régio
declarava que:
[...] parece conveniente que nas minas não haja fora da casa da fundição cadinhos,
relheiras, solimão, água forte, junções(?) [ilegível] nem coisa de que se possa usar
para falsificar barras e que as guias venham impressas todos os anos com diferentes
armas reais e que nas casas de moeda se enfiem, guardem e registrem para evitar
toda a falsidade [...].
214
Como veremos no Capítulo 3, o bando do Paraopeba podia se aproveitar muito bem de
todos esses materiais, que, segundo os pareceres de D. Lourenço de Almeida e Eugenio Freire
de Andrada, compunham altos custos para a instalação de uma casa de fundição e moedas.
Esta era a realidade a que Inácio de Souza e seu bando seriam expostos. Como disse o próprio
líder dos criminosos no regulamento que redigiu, os cabedais investidos ali por ele eram
grandes e ele, mais do que seus comparsas, tinha muito a perder.
215
Ainda assim, partes da
infra-estrutura necessária não estavam disponíveis facilmente ou mesmo não existiam nos
arredores. Quanto a estas, as redes de contato e circulação providenciavam para que fossem
adquiridas. Às vezes, traziam-nas de além-mar.
213
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.104-109.
214
BNL, Coleção Pombalina, Códice 738, fl.249-250.
215
AHU, Avulsos, cx.18, doc.47.
141
Sabemos que a fábrica contava com uma ferraria e dois ferreiros, e que possuía suas
próprias forjas. Também trabalhava na fábrica um ex-juiz da balança da casa da moeda de
Vila Rica, e é possível que o ex-abridor de cunhos da casa da moeda do Rio de Janeiro tenha
passado por lá levando saberes e experiências. No caso das fundições ilícitas do Paraopeba, os
oficiais mecânicos que moravam na colônia faziam circular e disponibilizavam técnicas que
dispensavam o roubo ou o desvio de alguns materiais das casas de fundição e cunhagens
oficiais.
216
No entanto, algumas outras coisas não eram tão acessíveis.
Um elemento indispensável às fundições de barras e moedas era o solimão. Este, por
exemplo, não era produzido na colônia e só poderia vir de outros locais. O solimão é um
sublimado de mercúrio, salitre e ácido sulfúrico ou, na definição coeva de Rafael Bluteau,
azougue, salitre e vitríolo – esse último é um sal mineral de várias qualidades. Com essa
mistura, forma-se o cloreto de mercúrio, um composto líquido cuja notação química é HgCl².
O solimão é utilizado no processo de fundição do ouro bruto, no qual é misturado ao metal
fundido dentro do cadinho para reagir com as impurezas e formar a borra, que flutua na
superfície e pode ser retirada manualmente. Repete-se o processo até que reste no cadinho
apenas o ouro puro – normalmente com alguma quantidade de mercúrio do próprio solimão,
mas que é retirada posteriormente, passando o objeto final já fundido sobre o fogo. Embora a
purificação do ouro possa ser feita de outras formas, apenas o solimão permite o grau de
purificação e a agilidade do processo necessários às fundições de barras. Outros métodos,
geralmente mecânicos, podiam ser ineficientes ou lentos – mesmo que fossem métodos
conhecidos e empregados para a produção de outros objetos.
O solimão era material delicado enviado de Portugal em frascos ou garrafas de vidro.
Não era material de fácil acesso, mas era essencial à fábrica. Naquela época, esse material
pode ter sido novidade, o que explicaria sua pouca difusão. Essa sugestão vem do fato de que,
em 1609, o Diccionario y maneras de hablar que se usan en las minas y sus labores en los
ingenios y beneficios de los metales, de Garcia de Llanos, ainda não fazia menção ao
composto químico – mesmo se tratando de um dicionário específico ao tema da mineração e
processamento de metais
217
–, sendo que o termo já aparece nas primeiras décadas do século
XVIII no dicionário de Rafael Bluteau. É possível que, nas primeiras décadas do Setecentos,
ainda não fosse algo totalmente difundido.
216
Este assunto será abordado no Capítulo 3 deste trabalho.
217
LLANOS, Diccionario y maneras de hablar que se usan en las Minas y sus labores en los ingenios y
beneficios de los metales, 1983.
142
No final de 1727, alguns meses antes da intensificação dos descaminhos, esse material
começou a faltar na casa de fundição e moeda oficial de Vila Rica. A falta ocorreu apesar dos
vários pedidos de D. Lourenço para que se enviassem quantidades de sobra, a fim de que as
atividades não se interrompessem.
218
O governador disse que a falta do solimão fizera com
que os trabalhos nas fundições e cunhagens parassem por três meses. A resposta de El-Rei a
essa notícia, a 3 de março de 1728, não fez muito alarde sobre o assunto. No entanto, o
problema se repete e, a 8 de fevereiro de 1729, El-Rei retornou ao assunto, dizendo que
[...] como vos faltara solimão para se continuar o lavor da dita Casa, se vos fizera
preciso mandá-lo pedir ao Governador de São Paulo Antônio da Sª Caldeira
Pimentel o qual vos remetera dez arrobas dele, e o Governador do Rio de Janeiro a
quem // Fizéreis a mesma súplica, este vos enviara sete arrobas do que estava para
servir na Casa da Moeda daquela Cidade, porém que sem embargo desta remessa, e
vos não irem desta Corte mais que dez arrobas com pouca diferença vos insinuara
Eugênio Freire de Andrada e todos os mais oficiais da Casa da fundição que não
havia solimão bastante para o dito ano por cuja razão haviam as Casas de deixar de
trabalhar, e como afirmaram os desta Corte que os que aí servem não sabem
trabalhar, e por esta causa desperdiçam muito solimão que bom que seria que fosse
deste Reino um fundidor mui perito e por este meio se veria os que são imperitos
nessa oficina e que pela certidão que remetíeis constaria os muitos cadinhos que
chegam aí quebrados por irem do Rio de Janeiro para essas Minas em cavalos
devendo ir as costas dos Índios que os PP (sic) da Compª devem dar porque se eles
se estão utilizando do seu serviço, não é razão que faltem para o meu, porque este
será o meio para se evitar o grande prejzo e quebra que se experimentam em não
irem desta forma [...].
219
A culpa é colocada na incompetência dos oficiais mecânicos da casa da fundição e
moeda de Vila Rica, rendendo um comentário áspero de Sua Majestade. A seguir, foram
trocadas várias cartas entre a colônia e a metrópole sobre o envio de solimão
220
, que
permaneceria em falta nas Minas, pelo menos nos trabalhos oficiais.
221
As barras falsas, no
entanto, aumentariam em número.
De fato, um fundidor seria enviado para as Minas na primeira frota saída da Corte
depois disso. António de Carvalho chegou a Vila Rica em meados de 1729, mas, em 28 de
setembro daquele ano, D. Lourenço de Almeida escreve a El-Rei informando sobre a péssima
saúde do oficial, que acabou sendo declarado “doido”.
222
António de Carvalho permaneceria,
então, sob cuidados médicos, não podendo fazer nada a respeito da falta de materiais que
experimentavam as fundições oficiais de Vila Rica. Entretanto, o próprio Inácio de Souza,
depois de preso, comentou a respeito desse problema que ocorreu durante o governo de D.
218
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.68v-70v; 151v; 158-162v; 210-212v.
219
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.102v-103v.
220
MENESES, Artes fabris e serviços banais, 2003.
221
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.102v-103v.
222
MENESES, Artes fabris e serviços banais, 2003, p.289-291.
143
Lourenço, insinuando que talvez o motivo da escassez do solimão fosse outro que não o
simples desperdício. O falsário não poupou sarcasmo e disse que a declaração do governador
era “tão excusada que provocava riso [...] e não há em Portugal quem tenha razão de saber
melhor da dita ocupação que os fundidores das Minas [...] [que] são tão destros que ninguém
os imita”.
223
Outro dado interessante da carta de El-Rei citada acima é a insistência nas “costas dos
índios” em vez dos cavalos. Obviamente há razões práticas para isto, pois as bestas podem ser
bastante indelicadas com suas cargas. No entanto, utilizar índios nos faz questionar o motivo
dessa escolha quando negros poderiam ser utilizados. Àquela altura, as atividades
mineradoras das Minas eram executadas majoritariamente por negros. Talvez fosse
considerado desnecessário ocupá-los com um serviço que outros poderiam fazer, retirando das
minas mãos hábeis no trabalho de minerar. Os índios parecem ter sido uma escolha constante
por parte da coroa para tarefas eventuais e temporárias.
224
O que importa dizer, no entanto, é
que, ao colocar os transportes por conta de índios e não de cavalos, alguns pontos de mais
difícil acesso podiam ser alcançados, dados os conhecimentos do terreno específicos dos
índios e a destreza humana em relação à dos eqüinos. Os índios conheciam os caminhos,
podiam evitar obstáculos mais imediatos e de menor porte, como se viu acima, acelerando e
facilitando a viagem. Além disso, podiam percorrer trilhas que os animais teriam dificuldades,
como, talvez, aquela trilha que levava ao sítio de Boa Vista do Paraopeba, trajeto que não era
simples para uma besta, especialmente com carga frágil. Quanto a essa fragilidade, as
preocupações não se limitavam ao solimão.
223
ANTT, Conselho de Guerra, maço 251 bis, caixa 933. Retirado de ROMEIRO, Confissões de um falsário,
1999.
224
Na documentação consultada foram encontrados diversos exemplos de casos onde índios eram contratados
exatamente para tarefas de natureza temporária e eventual, como espécies de “diaristas”, especialmente em
funções que exigiam conhecimentos específicos sobre os matos e sertões, dando pistas sobre a posição social
desses trabalhadores naquela sociedade. Vários documentos coletados por Andrée Mansuy e transcritos nos
apêndices dos seus comentários críticos sobre o trabalho de Antonil sugerem isso. Ver ANTONIL, Cultura e
opulência do Brasil por suas drogas e minas, 2001, Apêndice Documental. Em 1635, na Descrição dos Bens
e Rendimentos do Colégio de Santo Antão de Lisboa no Brasil, pelo P.e Estevão Pereira (Documento III,
p.348), índios são recrutados para limpar os desvios d’água, quando estes se entupiam, para o Engenho de
Ceregipe, tarefa temporária e que exigia excursões pelos matos e morros. No Regimento das Minas de 1702
(Documento XIX, p. 394), fora determinado que as datas minerais régias, enquanto não fossem arrematadas,
deveriam ser exploradas por índios contratados. Em 1705, Baltasar de Godoy Moreira sugere a contratação
de índios para remarem canoas para o transporte de tropas e para servirem de sentinelas nos matos numa
possível incursão contra os Castelhanos pelo sertão de São Paulo (Documento XXVII, p.424). Era, também,
o caso dos índios empregados por Garcia Rodrigues Paes Leme na abertura do Caminho Novo (Documento
XXVIII, p.427). Neste último documento, Garcia Rodrigues reclama que seus carijós fugiam para as aldeias
dos Padres da Companhia de Jesus, dificultando o término dos trabalhos, “pois estes, como exercitados e
naturaes daquele sertão, são os milhores para as taes deligencias, o que nao tem os Indios das aldeas, por cuio
respeito nunca delles me vali, tendo ordem de V. Mag.de para o fazer”. Tal suposição se beneficiaria muito
de pesquisas mais específicas sobre isso, mas está além da proposta desta dissertação.
144
As reclamações sobre a falta de materiais se estenderam também aos cadinhos. O
croqui da fábrica do Paraopeba, produzido após a prisão do bando,
225
representa uma olaria e
um forno de telhas, que são as duas estruturas necessárias para a produção dos instrumentos
de cerâmica. A queima dos cadinhos necessita de um forno capaz de alcançar temperaturas
bastante altas. Portanto, não seria qualquer forno capaz desse tipo de produção. Nos arredores
das ruínas da fábrica, ainda hoje podem ser vistos os remanescentes de um forno com
características para alcançar as temperaturas necessárias (FIGURA 21). A estrutura é quase
idêntica à de fornos europeus utilizados durante o Império Romano para a queima de
utensílios de alta resistência e durabilidade, como deveriam ser os cadinhos (FIGURA 22).
Não há data certa para o forno, cujos vestígios sobreviveram nos arredores das ruínas das
antigas vivendas de Inácio de Souza, mas é válida a sugestão de que pode ser daquela época.
Tampouco, a localização desses vestígios coincide, exatamente, com aquela do croqui.
Entretanto, é necessário lembrar que a planta da fábrica é um trabalho amador, sem escalas ou
proporções realistas. Trata-se, apenas, de um esquema da infra-estrutura encontrada no sítio
de Boa Vista do Paraopeba quando da investida de Diogo Cotrim, a 8 de março de 1731.
225
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699. O referido desenho não poderia ter sido produzido antes da prisão de
Inácio como um “mapa” entregue a Diogo Cotrim para a investida contra a fábrica, como atestam alguns
historiadores, pois sua legenda se refere à capela como o local “em q’ foi prezo Ignacio de Souza”. Além
disso, a delação de Francisco Borges de Carvalho não menciona o tal “mapa”, e o croqui não foi enviado à
Corte com a delação e com a conta da diligência que se fez contra os criminosos, mas, apenas, meses depois.
145
FIGURA 21: Vestígios do forno encontrado nos arredores das ruínas da antiga fábrica ilícita de Inácio de
Souza Ferreira. São claras as semelhanças com o forno romano da FIGURA 23.
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008.
FIGURA 22: Ilustração de um forno romano para queima de cerâmica sob altas temperaturas,
encontrado na Inglaterra, “tipo New Forest, forrado de argila, com câmara profunda para a fornalha,
pilares integrais, piso de argila sólida com orifícios de ventilação e chaminé curta”. Este forno seria capaz
de alcançar temperaturas de até 1.100cº e sua medidas eram aproximadamente 1,70m de diâmetro e
0,65m de profundidade a partir de seu piso.
226
FONTE: SWAN, The pottery kilns of roman Britain, 1984, Fig. XV.
226
Infelizmente a escala do desenho foi dada em algarismos no trabalho original e na reprodução acima teve seu
tamanho alterado, ficando, portanto, sem uma escala numérica exata.
146
Embora o único exemplo que temos para comparação seja um forno europeu, não
podemos afirmar que isto seja evidência da transferência direta de saberes daquele continente.
Com um intervalo de cerca de 1500 anos, aquela técnica de construção de fornos pode ter
viajado o globo, desaparecido na Europa e terminado nas Minas setecentistas por uma via
completamente diferente. Não cabe a este trabalho discutir esse trânsito, mas é importante
mencionar sua possibilidade como ilustração da complexidade das influências globais que
permitiram o arranjo da fábrica clandestina do Paraopeba. Fica, porém, a forte sugestão de
que a princípio se tratava de um conhecimento europeu.
Durante a segunda fase das casas de fundição e moeda nas Minas a partir de 1751, a
coroa continuaria insistindo em enviar cadinhos da Corte, mesmo com as declarações dos
oficiais locais de que era perfeitamente possível produzi-los independentemente e, inclusive,
com melhor qualidade. Na segunda metade do Setecentos, o problema da quebra dos cadinhos
foi o mesmo. Cacos desses recipientes encontrados nas escavações da antiga casa de
intendência e fundição de Sabará, que funcionou a partir de 1751, indicam algum grau de
reciclagem desse material (FIGURA 23). A quebra não significava uma perda total, pois os
cacos poderiam ser reutilizados na fabricação de novos cadinhos. Em 1754, o superintendente
da casa de fundição de Sabará dizia
[...] que aqui [naquela casa de fundições] se fazem cadinhos da barro da terra,
calcinado com o barro dos cadinhos estrangeiros, e aquelles mais duraveis no fogo,
aturando cada hú, dez a doze fundições, mais baratos // e mais convenientes, do que
os cadinhos de fora, que q.do chegão ás Minas, a maior parte delles se achão
quebrados, e a não haver a providencia de se fabricarem na terra, se experimentaria
continua falta deste material tão precizo; e assim se pode pouparem p.la parte a
despeza delle, bastando viram de Lx.ª ou do R.º de Jan.ro pedaços dos cadinhos
quebrados, que cá se aproveitão, calcinados em pó com o barro da terra [...].
227
227
AHU, Caixa 66, Documento 2. Ver, também, AHU, Caixa 64, Documento 56.
147
FIGURA 23: Fotografia de um caco de cadinho encontrado nas escavações do pátio anexo ao Museu do
Ouro, em Sabará, Minas Gerais, em 2004. É possível notar grande quantidade de inclusões em sua
estrutura, e algumas delas com características de grog (os cacos de outros potes cerâmicos).
228
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008.
Não há por que duvidar de que os oficiais das fundições estivessem fazendo o mesmo
em 1729, ou até repassando cacos para que fossem reaproveitados por terceiros. O grupo de
criminosos contava com uma olaria e um forno, e é possível que possam ter utilizado os cacos
da Corte, além de manufaturas totalmente independentes.
229
O desvio de materiais não pode ser comprovado categoricamente. Contudo, é preciso
considerar a dificuldade de se obterem alguns materiais, como o solimão, as conveniências de
se aproveitarem os cacos da fundição oficial e os altos custos dos investimentos da fábrica.
Todos esses fatores poderiam ter estimulado ou mesmo demandado tais desvios.
228
Projeto PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS NO PÁTIO ANEXO AO MUSEU DO OURO, Sabará, Minas
Gerais, abril de 2004. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em parceria com
Banco BMG e Instituto Libertas de Educação e Cultura. Os trabalhos ainda não foram finalizados e, portanto,
ainda não foram publicados.
229
Sobre a utilização de cacos de cerâmica na manufatura de novas peças e as vantagens e desvantagens disso,
ver ORTON; TYERS; VINCE, A. Pottery in archaeology, 1993; e RICE, Pottery analysis, 1987..
148
2.3.4 A Prisão de Inácio de Souza e a Crise na Arrecadação dos Reais Quintos
Após essa crise de materiais na casa de fundição e moedas de Vila Rica, o bando de
Inácio de Souza foi desbaratado. A partir de então, não há mais menção a esse problema.
Entretanto, as atenções se voltaram para os descaminhos, muito mais sérios, que tanto haviam
defasado a Real Fazenda até aquele momento. Os anos de 1731 a 1736 foram tensos na
capitania das Minas e seus arredores. Quatro homens diferentes passaram pelo seu governo,
mudou-se o sistema de arrecadação dos quintos, e as devassas dos descaminhos causaram
muitas prisões. Foram presos o provedor Sebastião Fernandes do Rego, em São Paulo, parte
do bando do vale do Paraopeba e falsários que trabalharam na casa da moeda do Rio de
Janeiro que se encontravam nas Minas naquela época. No Serro do Frio, um anônimo
correspondente régio menciona que
[...] perto das Minas Novas ... [ileg.]enderam em Novembro, ou Dezembro do ano pa
... [ileg.] dois homens que estavam retirados com um ofi ... [ileg.]zar dobrões os
quais se mandavam ao Ser … [ro?] [ileg.] comprar Diamantes, e indo a esta
diligência o Juiz ordinário da Vila do Príncipe, foi também sucedido que os apanhou
trabalhando; e de lá os mandaram para a Bahia; e não sei se fugiram, ou se estão ali
presos; e aqui veio a mão do Superintendente um dobrão daqueles que se averiguou
tinha 18. quilates, sendo a Lei da Moeda de 22. Estava muito // muito bem vazada, e
podia passar entre o mais dinheiro sem se conhecer, mas reparando-se com sentido
se via que era sarabulhento e que não tinha o liso que tem as que Levam a pancada
do Cunho [...].
230
A citação acima não só reitera a abrangência das ações de falsificação como demonstra
outras possibilidades abertas aos criminosos do Paraopeba: o uso de suas barras e moedas
falsas para financiar o tráfico de diamantes e a cunhagem com ouro de menos quilates.
Mostra, também, os problemas que o fabrico com o martelo trazia para a moeda. As moedas
produzidas eram de uma aspereza que só poderia ser evitada com a utilização de um cunho –
o gênio minucioso de Inácio de Souza não deixaria escapar esse detalhe e era exatamente a
máquina que faltava para o estabelecimento definitivo de sua fábrica de moedas.
Após 1731, no vale do Paraopeba, as pessoas tiveram que começar a registrar suas
terras, e se intensificaram muito os pedidos de cartas de sesmaria. Foram erigidas, também,
algumas grandes igrejas, como a de Piedade do Paraopeba, que sobrevive até os dias de hoje.
Essas construções podem significar tentativas de disciplinar a área, como mencionam os
oficiais da câmara de Vila Rica em 1730, quando das obras da igreja de Nossa Senhora do
230
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.104-109.
149
Pilar, sobre a “conservação e extensão da conquista e interesses régios e do público e
particular a que os templos servem de mais firme e fixo fundamento como colunas que são
das repúblicas pias e cristãs”.
231
Após a saída de D. Lourenço, o Conde das Galvêas, André de Mello e Castro, assumiu
o governo e defendeu a permanência das casas de fundição, mas aboliu a casa da moeda. Foi
substituído então por Gomes Freire de Andrade, em cujo governo a capitação foi instituída, o
que marcou o fim das casas de fundição. O governador seria substituído, mais uma vez em
1736 por Martinho de Mendonça Pina e Proença. As várias mudanças de governadores
sugerem alguma instabilidade nas formas como El-Rei desejava que o lugar fosse governado.
Em 1736, a desconfiança do monarca é explícita numa carta régia em que ordena que todas as
devassas dos descaminhos permaneçam abertas e se incluam nelas a investigação dos vice-
reis, governadores e outros ministros. Como resposta ao pedido de perdão aos crimes de
barras falsas remetido à Corte em 1735, El-Rei é categórico e dá idéia da extensão das
contravenções e das redes que as sustentavam. Mandava
[...] devassar no Estado do Brasil dos crimes de moeda falsa, cerceio, ou diminuição
da verdadeira, levantamento da casa da moeda, marcas falsas em barras de ouro,
barras de ouro de qualquer modo falsas, descaminhos dos quintos dele, e todos os
mais proibidos na ordenação do Reino, Leis extravagantes, Decretos, ordens e
resoluções. E hei por bem que as devassas continuem com a mesma execução das
pessoas em quaisquer dos ditos crimes compreendidas, e se tomem todos os
depoimentos e denunciações de todos, ou de qualquer dos ditos crimes, e que
achando-se nas tais devassas, ou pelos depoimentos, ou denunciações
compreendidas, ainda somente pelo descaminho dos quintos do ouro, os Vice-Reis,
Governadores, Ministros, e oficiais de justiça, ou fazenda, serventuários, ou
proprietários, ainda que não sirvam os ofícios, Cabos e oficiais de guerra parentes
que vivam, ou tenham grande comunicação com todos, ou com algum dos referidos,
criados, ou de qualquer modo adictos, ou com especialidade favorecidos dos ditos
Vice-Reis, Governadores Ministros // Ministros, e mais pessoas acima declaradas,
como também quem por qualquer modo fosse sócio ou cooperasse para os
descaminhos dos quintos do ouro a favor das pessoas acima expressadas, ou de
alguma delas, e os soldados, e mais militares assim pagos como das ordenanças, ou
auxiliares, e além de todos os sobreditos qualquer outra pessoa que por ofício,
ocupação ou cargo for obrigada a cuidar (?) na arrecadação da minha fazenda, ou
impedir os descaminhos dela como também todas as referidas pessoas, e quaisquer
outras pelos crimes acima expressados de moeda falsa, cerceio e diminuição da
verdadeira, levantamento de casa da moeda, marcos falsos em barras de ouro, ou
barras de ouro de qualquer modo falsas, sendo pronunciadas, e presas sejam
remetidas as cadeias desta corte, e as devassas depoimentos, e denunciações à
secretaria de Estado para serem sentenciadas aonde eu ordenar [...].
232
Tais ações ilícitas com o ouro, e que o monarca tanto desejava evitar, se sustentavam
em redes de contatos e influências cuja dimensão espacial não pode ser ignorada. El-Rei, em
231
APM, CMOP 006, fl.113v-114.
232
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.237-237v.
150
1733, reiterou o velho problema da abertura indiscriminada de caminhos para as Minas e
proibiu qualquer ação desse tipo.
233
As manobras para controlar mais eficientemente o trânsito
do ouro também incluíram uma ordem do monarca, em 1735, para a criação de um distrito do
ouro em pó. O distrito foi delimitado em detalhes, logo após a abolição da casa da moeda de
Vila Rica, para evitar qualquer confusão. Havia sido exatamente essa medida – sob os
conselhos de D. Pedro de Almeida, em 1720 e de D. Lourenço, em 1724 – que o monarca
evitara até aquele momento. A mudança de postura é clara, e também é proibida a circulação
de moedas “miúdas”, que são as mais fáceis de serem falsificadas.
O reconhecimento por parte do poder central da extensão que alcançaram os crimes de
falsificação é demonstrado nas ordens emitidas para que se recebam nas casas da moeda
quaisquer barras ou moedas, falsas ou não, para serem refundidas ou serrilhadas. A primeira
ordem é dada em relação às barras em 1731, logo antes do desbaratamento do bando do
Paraopeba, mas pouco depois que Luís Vahia tornou claro o problema das barras falsas que
iam parar no Rio de Janeiro. Declara-se que os constantes exames desencorajavam as pessoas
a levaram suas barras para serem refundidas em dinheiro, pois temiam que as que estivessem
em seu poder pudessem ser apreendidas. Dessa forma “não só deixarão de ir às ditas casas as
barras com cunhos falsos, mas ainda as verdadeiras, porque não querendo os donos destas
levá-las pelo temor do juízo que se poderá delas fazer”.
234
As medidas sugerem a ubiqüidade
das barras falsamente cunhadas e das moedas. Quando se instituiu a capitação, em 1735, as
primeiras matrículas poderiam ser pagas com qualquer moeda, falsas ou não, e poucos anos
antes, quando se implantou a serrilha, a tolerância não fora diferente.
As serrilhas foram adotadas em 1732, marcando tentativas de controlar o sistema
monetário de forma mais eficiente.
235
Como já vimos, a ordem valeria tanto para o Brasil
como para Portugal, mas “havendo respeito às distâncias” dentro dos territórios de cada um,
para o recolhimento das moedas e efetivação da medida. As moedas de 12.800 réis –
populares entre falsários – não seriam mais lavradas, nem as de 4.800, pela confusão que
causavam, e deveriam ser tiradas de circulação e trocadas nas casas da moeda pelo valor que
tivessem. As de 6.400 réis e 3.200 réis deveriam receber novo sarrilhamento, estando ou não
cerceadas. Todas as moedas cerceadas seriam trocadas pelo seu valor intrínseco em ouro, já
que uma moeda cerceada tem seu peso reduzido. Depois do prazo dado ao recolhimento,
aqueles homens flagrados com qualquer uma das moedas adulteradas, além das penas
233
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.25-25v.
234
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.27v.
235
APM, CMOP 006, fl.157v-161.
151
dispostas naquela ordem e na lei de 1685, seriam acusados também do crime de moeda falsa.
No entanto, a tolerância continuaria, e em 1733 outra ordem régia reconhece a presença de
moedas falsas “diminutas” que poderiam ser aceitas nas casas da moeda para serem
regularizadas pelo seu valor intrínseco.
236
Em 1734 e 1735, o monarca também transfere os custos das fundições para as partes
interessadas, estabelece tetos para os salários dos oficiais e se recusa a reduzir o quinto de
20% para 12%.
237
Essa medida havia sido adotada por D. Lourenço em 1730 – sem
autorização de El-Rei, sob a justificativa de tentar conter os descaminhos, estimulando os
moradores das Minas a quintarem o seu ouro –, mas fora revogada em 1732 com a saída do
governador. O monarca estabeleceu, também, que saíssem das Minas todas as pessoas que já
tivessem trabalhado nas casas de fundição e moeda, permanecendo apenas aqueles
oficialmente contratados.
238
Também em 1735, ano em que se define o distrito do ouro em pó,
adotou-se a capitação, que liberou o trânsito do ouro em pó até os portos de mar, como era
antes de 1725, invalidando o referido distrito.
Todas essas medidas demonstram o grau de preocupação do poder central em relação
aos descaminhos do ouro, especialmente por falsificação. Demonstram, também, certa
confusão e instabilidade sobre o que se deveria fazer quanto ao problema. Várias decisões, às
vezes contraditórias, foram tomadas num intervalo de tempo bastante curto.
Nas Minas, por fim, as casas de fundição e moedas seriam abolidas, retirando daquela
região um privilégio que podia dar status e força comercial a uma área, como defenderam os
pareceres dos vários homens do reino que se opuseram à instalação dessas casas na
conquistas. O crime de Inácio de Souza Ferreira não só descaminhava o ouro de direito régio,
mas gerava lucros comerciais nas transações com o ouro em pó e colocava em suas mãos, ao
final de tudo, o dinheiro, uma poderosa ferramenta comercial e de entesouramento. Este
poderia ser, subseqüentemente, investido em mercadorias e outros contrabandos, como o dos
diamantes. Com o estabelecimento da capitação, em 1735, El-Rei expressava seus
sentimentos quanto às circunstâncias dos últimos anos, pedindo a “Deus que a experiência
comprove o acerto dela [a adoção da capitação], por não havermos de tornar à cobrança dos
quintos em espécie, que foi ocasião de tantos roubos, crimes e inquietações”.
239
As fundições
e cunhagens só retornariam às Minas com D. José I.
236
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.71.
237
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.50v; 52-53; 243v-244v.
238
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.243v-244v.
239
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.234v-236.
152
2.4 O Rio de Janeiro e o Negócio das Barras Falsas
Como já foi discutido, um dos pólos na rede de trânsito dos falsários do Paraopeba era
o Rio de Janeiro. Ali morou o sócio e futuro delator Francisco Borges de Carvalho. No início,
era na casa da moeda daquela cidade que os criminosos transformavam suas barras falsas em
moedas verdadeiras, e foi da mesma casa que saiu Antonio Pereira de Souza, o abridor de
cunhos que talvez tenha tido contato com a fábrica clandestina de Inácio de Souza. Ora, com a
presença constante do grupo naquela urbe, deve ter sido, também, o porto de mar utilizado
para as conexões internacionais.
As associações da casa da moeda do Rio de Janeiro com atividades de falsificação
foram discutidas por Eduardo Marques Peixoto (1910) e, embora muitas de suas fontes não
sejam explicitadas, é possível associar as informações do autor com as fontes pesquisadas
nesta dissertação, o que torna plausível inferir uma trajetória para as relações daquela casa
oficial com os falsários do Paraopeba. Além das insinuações do anônimo A.P.C. e daquelas de
Nicolau Carvalho de Azevedo, o governador do Rio de Janeiro deixou alguns registros sob a
forma das constantes devassas que abria para perseguir os descaminhos.
Em algum momento anterior a maio de 1730, Luís Vahia Monteiro percebeu a
presença de barras falsas na casa da moeda da sede do seu governo. Tal descoberta não foi
mera coincidência, pois aparentemente as barras falsas que chegavam ali eram tão bem
lavradas que nem os próprios oficiais notavam a diferença. A questão foi que já havia tempo
que a entrada de ouro em pó nas casas de fundição das Minas e do Rio de Janeiro haviam
diminuído bastante. Para sermos mais precisos, desde o início de 1728. Em compensação, a
casa da moeda continuava a lavrar dinheiro com intensidade. Esse padrão não poderia passar
despercebido, incitando a desconfiança do governador Vahia Monteiro. Eduardo Peixoto
apresenta os seguintes números: entre a última frota de 1729 e julho de 1730, a casa da moeda
daquele porto lavrou 228 arrobas e 28 libras de ouro, enquanto pela fundição não passaram
mais que 91 arrobas. Com isso, o governador do Rio de Janeiro não se mostraria mais
disposto a aceitar as justificativas de D. Lourenço de Almeida, que atribuíam a culpa pelo
problema à falta de solimão nas fundições oficiais e à deserção dos mineiros para buscarem
diamantes nas Minas Novas.
153
A ordem régia de 1730, que tentava proibir definitivamente a circulação do ouro em
240
, pode ter sido uma reação a essa desconfiança, pois vinha com um prazo para que as
pessoas regularizassem seu ouro nas fundições e cunhagens oficiais, o que incluía o metal na
forma de barras ou moedas falsas. Pela mesma frota, foi mandada uma carta exigindo que D.
Lourenço fosse rígido com o tempo dado para que as pessoas regularizassem seu ouro em pó
e em barras “sem as devidas marcas”, e que as penas da lei de 11 de fevereiro de 1719 fossem
cumpridas.
241
O governador das Minas publicaria essa segunda ordem em junho de 1730,
quando já não podia mais adiar, pois em maio o governador do Rio de Janeiro declarara,
oficialmente, a descoberta das barras falsas. Àquela altura, Vahia Monteiro já tinha dado
início às suas investigações e causado a fuga de Antonio Pereira de Souza daquela cidade, e,
como vimos, as ordens do governador D. Lourenço podem ter significado uma melhora para
os negócios dos falsários do Paraopeba.
De acordo com Peixoto, vários oficiais da casa de fundição e moedas daquele porto
estavam envolvidos, sabiam perfeitamente da ilegalidade das barras que lá entravam e
dificultaram muito as diligências que Luís Vahia tentou conduzir para capturar os culpados. O
autor sugere que havia homens poderosos envolvidos, além dos oficiais mecânicos. Uma carta
régia de 1732,
242
anos depois do ocorrido, faz uma pequena retrospectiva do que aconteceu.
Naquele ano, o monarca ainda perseguia o ex-abridor de cunhos oficiais, que tinha planos de
estabelecer novas fundições e cunhagens ilícitas em Itaberaba, idéia que surgiu logo que fugiu
do governador Vahia Monteiro.
Ao sair do Rio de Janeiro, o oficial mecânico transitou bastante e formou um grupo de
homens interessados no negócio de barras e moedas falsas. As redes que ele formou nesse
processo, ou mesmo aquelas nas quais se baseou para reunir seu bando, devem ter sido
amplas.
Antonio Pereira de Souza se acoitou na chácara do padre Manoel Carvalho, que se
mudaria para Goiás. Conseguiu ouro para investir de um tal Francisco da Costa Nogueira e
um tal Domingos Rodrigues Moreira. Tinha a possibilidade de se instalar no Rio de Janeiro,
no sítio de Custódio Cordeiro, ou em Itaberaba, no sítio do guarda-mor Luiz Teixeira – optou
pelo segundo por motivo de segurança. Contava com a ajuda de outros oficiais mecânicos,
como o serralheiro – ou ferreiro – Manoel Martins, que seria responsável pelos ferros da
fábrica, o ourives Francisco Bravo, morador do Rio das Mortes, e Carlos de Mattos Quental,
240
APM, CMOP 006, fl.97-98v.
241
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.106-106v.
242
RAPM, volume 04, 1899, p.803-806.
154
abridor de cunhos que trabalhara na casa da moeda de Vila Rica. Tinha ainda o apoio do
andante dos caminhos e conhecedor das trilhas Antonio da Costa, “o farçola”, que seria
responsável pelo transporte de materiais, o que precisava ser feito de forma discreta e por
alguém que conhecesse o terreno – princípio semelhante àquele que levou os administradores
oficiais a insistirem nos índios para o transporte dos materiais da casa de fundição e moedas
de Vila Rica. Esse último levaria tudo até Itaberaba por rotas alternativas. Havia, também,
inúmeros ‘investidores’, como Francisco da Costa Nogueira, morador do Rio de Janeiro;
Domingos Roiz Moreira, morador das Minas; José Fernandes Braziella, morador das Minas e
que escondera solimão em sua casa; Manoel da Albuquerque, homem de negócios das Minas
que ordenara a seu caixeiro, Manoel de Matos, que fornecesse ao novo negócio ilícito uma
arroba de ouro e Manoel da Silva Soares, que tomaria conta dos ferros. Eram altos os
investimentos necessários. É possível, também, que Antonio Pereira de Souza tivesse, nas
Minas, dois irmãos ourives, o que reforçaria a idéia de que tivesse, ali, vários contatos, e,
também, que poderia ser ele o mesmo Antonio Pereira, ourives mencionado por Nicolau
Carvalho e envolvido com barras falsas em Vila Rica – no caso, antes de se tornar abridor de
cunhos no Rio de Janeiro.
Fica clara, nessa descrição, uma logística e trajetória semelhantes à de Inácio de Souza
Ferreira. A escolha da forma de transitar, as redes de contato, a reunião de saberes e
experiências e a escolha do lugar para sede da fábrica que, como se declara na carta régia de
1732, seria numa roça “ocultíssima entre fragosas e quase invencíveis serras na Itaverava”.
243
Peixoto também deixa claro como as redes de contatos e influências, das quais Antonio
Pereira de Souza pode ter feito parte, abrangiam religiosos e alcançavam altos escalões
oficiais e eclesiásticos. São mencionados o padre Cristovam de Magalhães, promotor da
justiça eclesiástica, e o padre Marcos Gomes Ribeiro, sócio do primeiro, comerciante e
minerador nas Minas, além do Dr. Sebastião Dias da Silva, procurador da coroa e da Fazenda
Real, amigo do Dr. Ignácio José da Costa Leite, ambos responsáveis pela proteção da amante
do fugitivo, no Rio de Janeiro, Brites Furtado de Mendonça, mulher bem-relacionada e de
influência.
Uma passagem de Antonio Pereira de Souza pela fábrica do Paraopeba pode ter
ocorrido enquanto ele tentava instalar seu negócio ilícito. As evidências documentais sugerem
que o caminho que ele fazia com Antonio da Costa e Manoel Menezes para o transporte dos
materiais passaria bem próximo à fábrica ilícita de Inácio de Souza. Aliás, o plano inicial era
243
RAPM, volume 04, 1899, p.803-806.
155
se estabelecer exatamente no Vale do Paraopeba, e chegaram mesmo a uma roça por aquelas
paragens. No entanto, alguns dos sócios locais, Carlos de Mattos Quental e seu cunhado
Alexandre da Cunha,
[...] por saberem q’ a fabrica de Ignacio de Souza Ferr.ª estava nas vizinhanças da
Paraupeba donde a nova fabrica podia ter algum intervallo, ou contra tempo, despos
mudalla o dito Alexandre da Cunha p.ª o q’ falara ao Guarda mor Luiz Teyx.rª q’
tem hua roça ocultissima entre fragozas, e quazi inaccessiveis serras no Itabraba p.ª
cujos matos ajustara com elle paçasse a dita fabrica p.ª se armar a caza da moeda
[...].
244
Os falsários recém-chegados também buscaram a velha rota dos bandeirantes pelo
Caminho Velho e tiveram possibilidades de trânsito muito semelhantes às dos homens sob o
mando de Inácio de Souza. No entanto, arriscavam conflitos com estes, que já estavam
instalados e bem protegidos nas vizinhanças, e, por isso, decidiram se mudar. A
documentação também insinua que o processo de transporte dos materiais e instalação da
fábrica era lento e trabalhoso. Durante sua estadia naquelas paragens, enquanto aguardavam
que “o farçola” passasse com todos os materiais por caminhos alternativos pelo “rodeyo da
Ititiaia”, podem ter tido contato com Inácio de Souza e seu bando, podendo ter trocado
experiências e negociado suas ações para que não entrassem em conflito. A chegada dos
novos falsários e sua escolha por uma mudança de lugar demonstra como o bem-preparado e
defendido sítio de Boa Vista do Paraopeba podia servir contra outros inimigos que não o
poder oficial, como já foi sugerido.
Não sabemos se, de fato, Antonio Pereira chegou a ter com o grupo do Paraopeba, ou
se suas relações foram hostis ou amigáveis. No entanto, fica explicitado, uma vez mais, os
altos custos – em termos de trabalho e cabedais – que os falsários do Paraopeba podem ter
tido no estabelecimento de suas instalações. Não só isso, mas é possível ter uma idéia do
tempo que poderia levar a reunião da infra-estrutura. Se tomarmos o início da falta de
materiais nas fundições oficiais do final de 1727 como a primeira evidência das ações dos
falsários – antes mesmo da queda dos rendimentos dos quintos em 1728-1729 – podemos
observar uma demora semelhante para o início das ações ilícitas no Paraopeba, já que a casa
de fundição de Vila Rica se estabelecera no final de 1724.
Os detalhes a respeito de Antonio Pereira de Souza são bem mais conhecidos dadas as
devassas do governador do Rio de Janeiro, que coletou e registrou inúmeras informações. O
caso de Inácio de Souza foi diferente, tendo sido desbaratado por uma denúncia, e não contou
244
RAPM, vol.04, 1899, p.803-806.
156
com maiores perseguições em nível local.
245
Entretanto, a partir da comparação dos dois, que
podem mesmo ter se encontrado, e de todas as inferências sobre Inácio de Souza propostas
acima, podemos supor que o funcionamento da fábrica do Paraopeba tenha se dado de forma
bastante semelhante. Não só isso, mas talvez a escassez de evidências a respeito do caso,
diferente daquele de Antonio Pereira de Souza, seja exatamente por causa das maiores
influências de Inácio de Souza. Lembremos que aquele grupo estava envolvido em outros
negócios ilícitos muito lucrativos que poderiam ser financiados com as moedas e barras
falsas, como o contrabando de diamantes, e não concebia seus empreendimentos como
limitados apenas às fronteiras coloniais.
Apesar de tudo, não se pode saber ao certo se Inácio de Souza precisava ir ao Rio de
Janeiro, nem mesmo confirmar categoricamente se ele ia. Sabemos que cunhar moedas
verdadeiras na casa da moeda do Rio de Janeiro não era o único objetivo de suas barras falsas
no início do negócio. Elas se espalharam entre os moradores da colônia, comerciantes e
credores, como atesta a documentação pesquisada, sugerindo que eram utilizadas para outros
fins. Sabemos, ainda, que Inácio de Souza transitava por Vila Rica livremente e que tinha ali
vários contatos poderosos, além de negócios. Por que, então, iria ao Rio de Janeiro utilizar a
casa da moeda litorânea? As inferências feitas acima sugerem uma explicação. Lembremos
que as redes das quais fazia parte não eram absolutas, nem infalíveis. Nas Minas, nem todos o
apoiavam. Além disso, o superintendente das casas de fundição e moedas daquela vila parece
ter sido um oficial zeloso e desligado das redes de Inácio de Souza. Embora cunhar moedas
não fosse o único propósito de suas barras, a necessidade ou vontade de obter esse produto
deveria levá-lo, então, ao Rio de Janeiro, onde as práticas de aceitar e cunhar barras ilícitas
estavam estabelecidas e contavam com o apoio de oficiais e ministros.
246
O próprio Vahia
Monteiro fez a conexão das barras encontradas ali com a capitania das Minas, examinado as
guias dessa última. Embora, provavelmente, tivesse condições de realizar cunhagens mais
simples em sua fábrica, talvez essa forma de fabrico não alcançasse os níveis de produção
requeridos ou desejados. Outros motivos que podiam conectar o bando de Inácio de Souza ao
Rio de Janeiro eram o recebimento de solimão do reino (necessário à fundição) por aquele
porto, além de ser a via de acesso mais próxima para o além-mar, para onde os falsários e
contrabandistas estendiam suas relações.
245
As perseguições continuariam a nível internacional pelo desembargador Joaquim Rodrigues Santa Marta
Soares. No entanto, o foco de sua investigação seria o contrabando de diamantes e não a falsificação de
barras e moedas. Ver ANTT, Conselho de Guerra, maço 251 bis, caixa 933.
246
PEIXOTO, A devassa do governador Luiz Vaia Monteiro por descaminho do ouro, 1910.
157
3 A FÁBRICA CLANDESRTINA DO VALE DO PARAOPEBA
As conexões globais, as redes de contatos e influências e a constante comunicação
entre diversos pólos não apenas foram fundamentais para o sustento das fundições e
cunhagens clandestinas de Inácio de Souza Ferreira, como também impuseram limitações
para o estabelecimento dessas atividades. Indivíduos como Inácio de Souza e seu bando de
falsários atuaram dentro dessas limitações, que também afetaram a construção da infra-
estrutura necessária para a fabricação de barras e moedas falsas. Era um negócio clandestino
que se articulava a vários outros, lícitos e ilícitos, dentro da ampla rede de contatos e
influências discutida até aqui. A fábrica era parte dela, inseria-se nela, balizava-se por ela e a
influenciava.
O mundo material da fábrica, sua infra-estrutura física, assim como a sua organização
e, conseqüentemente, seu cotidiano, fizeram parte desse processo. Foram erigidos com o
objetivo de atender a interesses que iam além daquele espaço, mas precisavam realizar uma
função específica: produzir barras e moedas falsas e proteger os falsários. Portanto, mesmo
sendo parte de algo maior, aquele espaço assumiu feições próprias, acomodando um objetivo
a especificidades locais. Isto incluiu o aproveitamento do meio natural, o recrutamento e a
organização de mão-de-obra, a obtenção de ferramentas e o provimento das necessidades
físicas, materiais, espirituais e lúdicas dos membros do bando. É possível notar como suas
conexões locais e globais afetaram a construção de um espaço único, mas com bagagens que
iam muito além dele.
As principais fontes disponíveis para conhecer melhor o espaço da fábrica são os
relatos do ouvidor-geral Diogo Cotrim de Souza, feitos após sua investida contra o complexo,
que incluíam uma planta do lugar, encomendada por ele (FIGURA 24); o relato do delator
Francisco Borges de Carvalho; o regulamento escrito pelo próprio Inácio de Souza Ferreira e
as ruínas do sítio de Boa Vista do Paraopeba, que sobrevivem ainda hoje no local. São no total
três tipos distintos de fontes: manuscritas, iconográficas e materiais, sendo que as primeiras
representam o ponto de vista de três homens diferentes, com experiências distintas do lugar.
Conseqüentemente, atribuíram a ele significados próprios.
247
Matthew Johnson (1993), no seu
trabalho Housing Culture: Traditional architecture in an english landscape, desenvolve a
idéia de que a construção de qualquer espaço material humano e o seu conseguinte uso é feita
247
Para um discussão sobre a atribuição de significado a uma experiência, espaço ou objeto, de acordo com
bagagens culturais prévias de um grupo ou de um indivíduo ver DARNTON, O grande massacre de gatos,
1986.
158
através de uma espécie de “gramática” cultural, na qual elementos arquitetônicos e espaciais
já conhecidos são combinados de formas específicas para atender às necessidades de um novo
contexto histórico ou material. Tais elementos são, assim, perpetuados e inovados
simultaneamente e influenciam a vivência material das pessoas que ocupam aquele espaço.
No caso de Inácio de Souza Ferreira e seu bando, pode-se notar a ocupação de um novo
espaço natural – que, obviamente, também é material – e os motivos para tal ocupação, que
foram gerados em contexto histórico específico, qual seja, as Minas setecentistas. Dessa
forma, trabalhando com suas experiências prévias, aplicando-as e adaptando-as onde era
possível ou inovando ou fazendo uso de outras quando novas necessidades o demandassem,
Inácio de Souza e seus homens construíram o espaço do sítio de Boa Vista do Paraopeba e sua
fábrica ilícita. Tudo aconteceu sob a sua supervisão, mas com a influência de muitos outros
agentes históricos presentes ali, ou outros que foram capazes de transmitir suas experiências
de longe, sob a forma de idéias ou objetos.
Uma vez estabelecido, o espaço passou a representar novas limitações e imposições
àqueles agentes históricos, mas, também, novas possibilidades. O bando de falsários utilizou o
meio material ao seu redor, e isso corrobora as palavras de Daniel Roche (2001: 40), sobre
esse aspecto: “é através do jogo dos recursos disponíveis que as atitudes e as apropriações
devem ser compreendidas”. Como afirmou Fernand Braudel (1995), o mundo material
estabelece os limites do possível e do impossível, mesmo não tendo a capacidade de agir, seja
este meio natural ou construído pelo próprio homem. Cidades, arraiais, caminhos, casas, roças
e tendas são criações humanas presentes no século XVIII. São, também, o universo no qual
seres humanos crescem e se formam, vivem e trabalham e, portanto, o espaço do qual tiram
recursos para atuar como agentes sociais e culturais. É o locale de suas ações, como destacou
Pierre Bourdieu (1977). Conhecer o cotidiano daqueles homens estabelecidos
clandestinamente no vale do Paraopeba significa conhecer as relações que articulam suas
ações individuais, suas bagagens culturais e um espaço material específico que também é
repleto de outras influências.
159
FIGURA 24: Planta do sítio de Boa Vista do Paraopeba encomendada por Diogo Cotrim de Souza.
248
FONTE: BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
248
Todos os argumentos apresentados neste capítulo que fazem referência à planta do sítio de Boa Vista do
Paraopeba dizem respeito a esta figura.
160
TABELA 1: Legenda da FIGURA 24 (acima):
1. Emtrada p.lo matto serra abaixo, q’ tem meia legoa tê a caza de Ignacio de Souza
2. Cancellas, q’ feixão a servidam
3. Aspereza, q’ tem a servidão naquella serra
4. P.ra Caza do Citio
5. Paiol de polvora
6. Curral de gado
7. Ribeiro
8. Ponte entre Cansellas
9. Posto em q’ se queria fazer fort.a e se chamava pombal
10. Caza da fundição do cunho, q’ dista a de Ignacio de Souza 1810 paços
11. Caza de olaria p.ª os moldes de Cunho grande
12. Forno de telha
13. Caza da p.ra fundição das barras
14. Asude de 40 tê 50 passos de agoa
15. Escama do Asude
16. Engenho dos pilois
17. Cazas de Ignacio de Souza Frr.ª por acabar
18. Varanda descoberta das Cazas, q’ descobria o tr.º e s[ileg.]llas
19. Irmida, e sacrestia, em q’ foi prezo Ignacio de Souza debaixo do altar
20. Sanzallas, ou Cazas de negros
21. Cazas por acabar
22. Cazas de Jozeph de Faria M.e de todas as obras. q’ dista da de Ignacio de Souza 1810 paços
23. Ferraria, e mais Cazas do d.º M.e
24. Estrebaria
25. Caza de Comodo, e despenca
26. Caza da moeda, q’ dista da Ignacio de Souza 2861 passos
27. Ribeiro
28. Caza da moeda mostrada Em plano
29. Estacadas
30. Capoeira
31. Cravoeiras (sic.)
32. Quarteis
33. Forjas
34. Bigornas
35. Fieiras de Rodas, e de dobras
36. Cunho de dobras
37. Mezas de gavetas
38. Cadilhas
39. Sepo de cunho
40. Saca bocados
41. Cofre
42. Balanças
43. Sarrilha
161
3.1 O Lugar da Fábrica
Um dos fatores-chave para o estabelecimento da fábrica era a sua posição na geografia
das Minas. Como já foi discutido, o padrão de trânsito dos falsários e seus sócios interagia
diretamente com a geografia local, tanto física quanto política. A posição da fábrica também
se submeteu aos mesmos fatores e, dentro das opções disponíveis, as instalações clandestinas
foram erigidas em um ponto muito bem escolhido, que se situava na confluência de três
comarcas. Mapas do final do século XVIII e início do século XIX, que representam as
divisões das comarcas, estabelecem o rio Paraopeba como o limite entre a comarca do rio das
Mortes e a comarca de Vila Rica. Já a divisão entre a comarca de Vila Rica e a do rio das
Velhas já chamada, na época, de comarca do Sabará, mesmo que não obedecesse a marcos
naturais seguia conjunturas políticas intrincadas que acabavam por fomentar conflitos de
jurisdição – situação da qual se aproveitavam os falsários (FIGURAS 25 e 26).
Sabemos que o sítio de Boa Vista do Paraopeba – lugar de instalação da fábrica
distava duas ou três léguas do rio de mesmo nome que dividia as duas comarcas. Francisco
Borges de Carvalho dá, em sua delação, a distância de três léguas
249
e o ouvidor-geral Diogo
Cotrim de Souza, nas contas que deu a El-Rei sobre a diligência que levou à prisão de
membros do bando de falsários, dá a distância de duas léguas.
250
Isto corresponde a algo entre
12 e 18km, distância que poderia ser percorrida a pé num tempo de três a cinco horas, sem
pressa. No caso de uma fuga ou percorrendo-se o mesmo trecho a cavalo, este tempo
diminuiria consideravelmente. Numa carta topográfica atual, a distância em linha reta é de
12km, mas o terreno é muito acidentado, o que aumenta bem a distância e faz com que a
informação dada por Francisco Borges seja mais precisa.
249
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
250
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
162
FIGURA 25: Detalhes da Carta Geographica da Capitania de Minas Geraes. Anno de 1804. Por Caetano
Luis de Miranda. A linha amarela representa os limites da comarca de Vila Rica, a linha rosa os limites da
do Rio das Mortes e a azul da do Sabará. É possível notar como os limites passam exatamente sobre o rio
Paraopeba, um marco natural, no eixo norte-sul, mas, no eixo leste-oeste, seguem sem referência natural,
respeitando, possivelmente, às conjunturas políticas.
FONTE: COSTA, Cartografia da conquista do território das Minas, 2004.
163
FIGURA 26: Dois mapas de Jozé Joaquim da Rocha que datam de 1778. São o Mappa da Comarca de Villa
Rica (acima) e o Mappa da Comarca do Sabara (abaixo). É possível notar no primeiro mapa como a
comarca de Vila Rica termina no rio Paraopeba, a oeste. As divisas entre a comarca do Sabará e as do Rio
das Mortes e de Vila Rica, ambas ao sul da do Sabará e limítrofes entre si, no entanto, respeitavam apenas
às conjunturas políticas, padrão que pode ser visto nos dois mapas.
FONTE: COSTA, Cartografia da conquista do território das Minas, 2004.
164
No caso da divisa entre as comarcas do rio das Velhas e Vila Rica, a situação se
tornava ainda mais confortável para o estabelecimento clandestino. Os mapas acima
demonstram como era a divisa entre as duas comarcas no último quartel do século XVIII ou
início do século XIX. Era uma linha sinuosa e incerta que buscava apenas incluir os arraiais
mais significativos de um lado ou de outro, mas com pouca clareza quanto à sua posição
exata. A situação nos anos de 1720 e 1730, que nos interessa aqui, não era diferente e,
possivelmente, era mesmo ainda mais confusa. Nessa época, os marcos urbanos eram menos
presentes ou, pelo menos, menos significativos. Um mapa de 1766 colocava-a como uma
linha que cortava o planalto ao sul da atual serra do Curral e alcançava o rio Paraopeba, perto
de sua confluência com o rio das Congonhas (FIGURA 27). Outro mapa, que representa o
antigo termo de Vila Rica, colocava de forma semelhante a mesma divisa (FIGURA 28).
Embora este último não tenha data, deve ter sido produzido no terceiro quartel do século
XVIII ou poucos anos antes, pois, em sua representação, Mariana já havia ascendido à
condição de cidade, o que ocorreu em 1745, e a divisão entre as duas comarcas ainda não
assumira sua conformação sinuosa, o que também não acontece no mapa de 1766. Tal
conformação do limite entre as duas divisões políticas só começaria a aparecer em mapas a
partir de 1778 (FIGURA 26). A divisão mais ‘reta’ e com menos referências, que perduraria
até o último quartel do século XVIII, coloca a fábrica de Inácio muito próxima da linha
divisória, senão exatamente sobre ela, dando margem a discussões legais sobre a jurisdição a
que pertencia o sítio.
Tal posição fica clara quando comparamos os dados desses mapas com aqueles
produzidos pelos padres matemáticos, em 1734 e 1735 (FIGURA 29). O próprio Diogo
Cotrim de Souza, em julho de 1731, nas contas que deu a El-Rei sobre a diligência que
conduziu, declarou que:
[...] o sítio e vida deste Régulo para a minha co[ilegível] ainda eram mais ocultos,
ele porque a sua comunicação, negócio e amizades tudo tratava em V.ª Rica aonde
foi Letrado sem ir a Coimbra, e homem de negócio com Loja aberta, e só à minha
comarca veio pretendendo com ela fazer moeda falsa; o sítio porque estava tanto em
dúvida o pertencer me, que sempre se reputou de V.ª Rica aonde ainda se paga o
donativo e só no ano passado pela [ilegível] da morte de um Caetano Borges
sobrinho do dito Francisco Borges o que a seria no mesmo sítio se tirou por cá a
devassa a [ilegível] do mesmo Régulo [...].
251
251
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
165
FIGURA 27: Carta Geografica do Termo de Villa Rica, em q se mostra que os Arrayaes das Catas Altas da
Noroega, Itaberava, e Carijós lhe ficão mais perto, q ao da Villa de S. José a q pertencem, e igualmente o de
S. Antonio do rio das Pedras, q toca ao do Sabará, o q se mostra, pela Escala, ou Petipe de leguas. Este mapa
é de ca. 1766 e não foi possível identificar sua autoria. As linhas amarela e azul claro (não confundir com a
linha azul escuro), que representam os limites da comarca de Vila Rica e da do Sabará, respectivamente,
vão das proximidades do arraial de Santo Antônio do Rio Acima até pouco a jusante da foz do rio das
Congonhas no rio Paraopeba – este último marcando a divisa das duas comarcas com a da do rio das
Mortes –, mas em ponto indeterminado. A forma como esse traçado não respeita nenhum tipo de marca
natural fica clara quando comparamos os dados da carta com os de outros mapas que ilustram o mesmo
arraial e a mesma foz, como é o caso do da FIGURA 28.
FONTE: COSTA, Cartografia da conquista do território das Minas, 2004.
166
FIGURA 28: Mapa de parte do Termo de Vila Rica. Trata-se de uma produção anônima e sem data. É
possível notar como a “diviza da comarca com o Sabará”, corta, quase perpendicularmente, vários rios e a
atual serra da moeda e não coincide com nenhum elemento natural ilustrado. A divisa também termina no
rio Paraopeba, um pouco a jusante da foz do rio das Congonhas, mas, também, em ponto indeterminado.
FONTE: COSTA, Cartografia da conquista do território das Minas, 2004.
167
FIGURA 29: Detalhe de um dos mapas dos padres matemáticos, demonstrando como uma linha entre os
arredores do arraial de Santo Antônio do Rio Acima e um ponto a jusante da foz do rio das Congonhas no
rio Paraopeba não segue nenhuma serra ou via fluvial e passa muito próxima ao sítio de Inácio de Souza,
também ilustrado neste mapa.
FONTE: COSTA, Cartografia da conquista do território das Minas, 2004.
168
O assassinato de Caetano Borges de Carvalho, a mando de Inácio de Souza, foi,
ironicamente, o estopim tanto para a delação que fez Francisco Borges, quanto para o
direcionamento das atenções do ouvidor-geral para aquela região fronteiriça, apesar de
continuar a incerteza sobre os limites das duas comarcas.
252
De onde estava, Inácio de Souza e
seus companheiros podiam alcançar diferentes comarcas confortavelmente, além de poderem
fazer uso, a seu favor, dos conflitos de jurisdição existentes na capitania das Minas naquela
época.
253
Além da citação acima, no mesmo documento, Diogo Cotrim fez outros comentários
sobre as dificuldades que enfrentava, declarando que “assim como pela devassa se não pode
averiguar culpa mais do que para os assistentes, e da obrigação das [ilegível] casas também
por papéis se me fez dificultosa, porque a maior parte deles tinha em V.ª Rica”.
254
O problema
perseguia o ouvidor-geral desde o início. Em correspondência a El-Rei, datada de 21 de
março de 1731, termina a carta dizendo:
Fico continuando a devassa e juntamente a diligência do confisco que não envolve
poucos embaraços pelas clarezas que são necessárias e andam ocultas, sendo para
mim mais difíceis, porque suposto o dito Inácio de Souza tivesse a dita casa na //
minha comarca; todo o seu trato e negócio era em V.ª Rica, aonde teve Loja de
fazendas e continuava as suas correspondências ficando-lhe em igual distâncias esta
nova habitação e fábrica, que por algumas testemunhas que tenho perguntado, e dos
mais vizinhos ainda dela dão poucas notícias.
255
Os significados políticos do espaço no qual agiu Inácio de Souza não são intrínsecos a
ele. Foram fatores construídos através dos tempos pelos seus ocupantes. No entanto, passaram
a fazer parte do próprio espaço, transformando-o em uma construção humana repleta de
bagagens políticas, sociais e culturais e condicionando as ações de agentes históricos. Os
252
Mesmo que, em meio a esta incerteza, se quisesse considerar a serra do Curral como a divisa entre a comarca
do rio das Velhas e a comarca de Ouro Preto, os falsários do vale do Paraopeba não teriam muitos problemas.
Também numa carta atual, a distância do sítio até a serra do Curral é de 23km, quase o dobro da distância até
o rio Paraopeba, mas que ainda pode ser percorrida em, no máximo, um dia de viagem a pé e sem pressa.
Novamente, esta distância em linha reta menospreza a distância de viagem real e é preciso tomá-la com
cuidado. Considerando que Francisco Borges de Carvalho forneceu uma distância até o rio Paraopeba que era
50% mais longa que aquela dada por Diogo Cotrim de Souza, que, por sua vez, é a mesma distância em linha
reta na carta atual, é possível fazer uma aproximação aplicando a mesma proporção na distância até a serra
do Curral, o que nos dá a medida de 35km como distância aproximada. Esta não poderia ser percorrida em
apenas um dia, a não ser com muito esforço ou a cavalo. No entanto, é preciso lembrar que o sítio estava a
menos de duas horas de caminhada da crista da atual serra da Moeda (antiga serra do Paraopeba), e,
caminhando pela crista dessa serra até a serra do Curral ou mesmo pelo planalto que se encontra do outro
lado, é possível fazer a jornada por terrenos bem menos acidentados e, portanto, mais curtos e percorridos
mais facilmente e rapidamente. Incertezas fronteiriças durante o século XVIII são tratadas em ANASTASIA,
A geografia do crime, 2005 e COSTA, Cartografia da conquista do território das Minas, 2004.
253
Conflitos de jurisdição são tratados em ANASTASIA, A geografia do crime, 2005 e, de forma mais indireta,
em SCHWARTZ, Magistratura e sociedade no Brasil colonial, 2003.
254
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
255
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 24.
169
falsários do vale do Paraopeba não se afastaram disso e planejaram suas ações dentro de um
espaço construído tanto fisicamente – alterado em sua concretude com o desmatamento de
algumas áreas e plantio de outras, ereção de prédios, abertura de caminhos, etc. –, como
composto por diversos outros significados. Embora todos os cuidados de Inácio de Souza
tenham sido em vão, ainda assim haviam sido muito bem elaborados, considerando essas duas
esferas do espaço. Além de se aproveitar das possibilidades geradas pelas incertezas da
geografia política daquela região, aproveitou-se da geografia física do lugar e escolheu como
o centro do complexo infra-estrutural que sustentava a fábrica ilícita um pequeno morro,
cercado por córregos e matos fechados, ao pé da atual serra da Moeda, que protegia o sítio
como uma grande muralha natural.
A passagem pela serra não era fácil. Mesmo hoje há poucos pontos de travessia, e o
local escolhido por Inácio de Souza era particularmente complicado. Para se chegar à fábrica
descia-se um trecho da vertente oeste da serra forrado por uma mata densa, a qual se
atravessava por uma trilha bastante inclinada que corria dentro de uma voçoroca que podia
chegar a seis metros de profundidade (FIGURA 6). Como já foi observado, tais condições
naturais funcionavam como ótimos mecanismos de defesa para o bando de falsários, que,
além dessas conveniências naturais, prepararam guaridas, cães de fila, portões e um açude
com apenas uma pequena ponte de passagem, dificultando ainda mais qualquer investida
hostil ao seu negócio clandestino.
256
Todos esses elementos foram descritos por Francisco
Borges de Carvalho em sua delação, e alguns deles puderam ser observados em primeira mão
por Diogo Cotrim de Souza quando fez sua diligência. O ouvidor-geral explicaria
posteriormente tais condições a El-Rei, dizendo:
Expor-me o risco que corria eu e a diligência, eu se a fizesse sem armas, e a
diligência se me preparasse com muitas, porque no maior rumor relaxava-se o
segredo, e despertava-se o Inimigo, que não vivia descuidado nas muitas cautelas,
prevenções e vigias, e não menos na força de armas como tudo se manifesta do auto
da delação, que vai junto à devassa. Individuou-me o sítio e as diversas casas em que
devia efetuar a empresa tão árdua, como de investir e prender muitos [ilegível] em
diversas casas metidas em matos, por ásperos caminhos e para dentro de uma
eminente serra sem mais entrada que uma boca que lhe servia de barra e a que
bastavam meia dúzia de armas para fortaleza, como também insinua o mapa que
com verdade mandei tirar, e remeto a V Majestade.
257
A citação do magistrado evidencia outro poderoso mecanismo de defesa utilizado por
Inácio de Souza: as redes de contatos e informações de que dispunha. Francisco Borges já
256
Ver Capítulo 1 para a introdução a alguns desses pontos.
257
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
170
havia chamado a atenção para este ponto e a diligência de Diogo Cotrim apenas o confirmou.
O magistrado não podia, obviamente, fazer grande alarde sobre sua investida.
3.1.1 A presença de aliados de Inácio de Souza Ferreira em Vila Rica
Inácio de Souza possuía, em Vila Rica, “loja de fazendas” e casas de vivenda “das de
maior grandeza”, onde habitavam José Gomes da Silva e o caixeiro João da Silva Neves com
seu irmão Manuel da Silva Neves.
258
Tais descobertas demonstram a amplitude dos negócios
de Inácio de Souza, que abrangiam investimentos tanto lícitos quanto ilícitos, assunto que já
foi discutido neste trabalho, mas que tem ainda mais repercussões para a fábrica de barras e
moedas falsas, como se verá a seguir. No momento, é importante atentar para a presença
constante em Vila Rica de homens sob o mando de Inácio de Souza. Tinham disponível uma
casa de vivendas, o que sugere alguma permanência na Vila, mas sabemos, também, que
transitavam amplamente e podiam fazer chegar ao vale do Paraopeba informações de diversos
lugares. Manuel da Silva Neves, por exemplo, mesmo morando em Vila Rica, é mencionado
no regimento escrito para o funcionamento da fábrica como sendo responsável por conferir as
contas de João Barbosa Mayo sobre “as entradas de ouro, saída dele, quebras, e mais clarezas
conducentes”.
259
Manuel da Silva também era responsável, com José Francisco,
[...] pela boa arrecadação de tudo, que for ouro, ou dinheiro, guardando cada um em
cofre com sua chave, assinando as clarezas, por donde o recebem, e dando se lhes do
mesmo modo por donde o entregam, para que se evite confusões, e assistirão assim
ambos aos atos de casa fechada no serviço, da qual os ajudarão os companheiros
para o que for útil, porque a todos igualmente julgo capazes [...].
260
Além disso, o mesmo homem estava isento das responsabilidades sobre as cancelas da
fábrica e casas de vivenda no sítio de Boa Vista do Paraopeba, cuidados estes que foram
impostos a todos. Inácio de Souza mandava
[...] Que todas as vezes que a cancela de dia, ou de noite, a qualquer hora se não
acharem fechada com suas correntes e cadeados me pagará cada um dos que estiver
dentro da casa duzentos mil réis pela culpa, de omissão tão grande, suposto que dela
se não siga perda alguma por não haver entrado ninguém, pois ao sair algum será
este obrigado a chamar, porque a feche, e o tal que sair se não avisar a muitos
258
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34 e AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 24.
259
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
260
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
171
perderá duzentos mil réis para mim, e andará além disto quatro semanas ao carvão,
carregando para casa, como qualquer dos escravos, e esta mesma pena terá aquele,
que admitir seja, quem for, não sendo dos que pertencem a este número, seja preto,
ou branco dentro de casa, ou ao pé dela; porém ficarão isentos do cuidado das
cancelas o senhor José Francisco, João Barbosa, e Manoel da Silva Neves, estando
legitimamente impedidos [...].
261
Manuel da Silva era responsável pela entrada e saída de ouro e dinheiro na fábrica.
Isto, mais a sua condição especial frente aos cuidados com as cancelas, a residência em Vila
Rica, e a presença relativamente constante na fábrica, que é indicada pelo regimento,
implicava trânsito constante entre os dois pontos. Podia levar e trazer informações, além de
ouro e dinheiro. Manuel da Silva também estava presente no juramento que Inácio de Souza
exigiu dos envolvidos no início do empreendimento ilícito. Era um dos homens-chave naquele
negócio, envolvido desde o começo. Em Vila Rica, ocupava as casas de vivenda com seu
irmão, aparentemente mais novo, o caixeiro João da Silva Neves, e com José Gomes da Silva,
ambos também envolvidos nos negócios de Inácio de Souza.
José Gomes não recebe muitas menções nas contas de Diogo Cotrim, a não ser como
interessado na última carregação de diamantes enviada ao exterior por Inácio de Souza, com
uma parte de 18 oitavas de pedras.
262
Nas contas dessa carregação, o pacote de José Gomes é
mantido e contabilizado separadamente do de Inácio de Souza, que fazia o envio em seu nome
e de outros sócios. É possível, portanto, que José Gomes tivesse um tipo de envolvimento
distinto nos negócios. Ainda assim, por habitar em Vila Rica, em casas pertencentes ao líder
dos falsários e por participar da carregação de diamantes é possível supor alguma associação
ou amizade com Inácio de Souza e com seu bando, como também algum interesse nos
negócios internacionais destes, embora sua participação fosse bem menor.
263
Não sabemos de
outros envolvimentos que ele eventualmente tivesse, mas era um homem imerso nos trâmites
internacionais coordenados do vale do Paraopeba. Seria preso com o bando e remetido a
Lisboa. No entanto, não seria condenado, por não se provar o seu envolvimento no negócio
das barras e moedas falsas.
Já João da Silva Neves tinha outras funções. Enquanto seu irmão Manuel da Silva
Neves transitava entre a fábrica e Vila Rica, transportando ouro e dinheiro, João da Silva fazia
viagens ao Serro do Frio e ao sertão da Bahia para comprar diamantes, além de coordenar os
outros bens e negócios de Inácio de Souza estabelecidos em Vila Rica, incluindo as casas de
261
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
262
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
263
O envio de diamantes por Inácio de Souza Ferreira, na mesma carregação, era de 203 oitavas, 3 quilates e 3/4
de quilates. Mesmo não sendo o único interessado neste envio, a quantidade é ainda pelo menos 11 vezes
maior do que o pacote de José Gomes da Silva. AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
172
vivenda e a loja de fazendas. Às vezes, viajava com Manuel da Silva e um tal Manuel de
Albuquerque, homem que conseguiu fugir e, de acordo com Diogo Cotrim, planejara a fuga
de Inácio de Souza antes que ele fosse transferido para o Rio de Janeiro. Manuel de
Albuquerque já havia sido citado na devassa das barras falsas conduzida pelo governador do
Rio de Janeiro, estando envolvido nesse negócio havia algum tempo. Ao que tudo indica, ele
contava com sócios em diferentes capitanias. Diogo Cotrim dizia que Manuel de Albuquerque
[...] saía pelo sertão da B.ª acompanhado dos ditos João da Silva Neves e seu irmão
Manuel da Silva Neves com ordens para passarem a Holanda a receber as ditas
pedras ou o seu produto, e que até iam justificadas por Índia, e Mina em V.ª Rica
[...].
264
O ouvidor-geral da comarca do rio das Velhas deixou Manuel de Albuquerque aos
cuidados do vice-rei na Bahia e do governador do Rio, que já o perseguia desde o ano
anterior, quando descobrira o escândalo das barras falsas naquela capitania. De Vila Rica ao
Serro do Frio, ao sertão da Bahia ou a Holanda, indo e voltando, o jovem caixeiro ou seus
companheiros conduziam o trânsito de investimentos e informações para os negócios lícitos e
ilícitos. Sua função indica algum envolvimento com a loja, mas também participara do
negócio das barras falsas e dos diamantes. Como relata Diogo Cotrim, quando efetuou a
prisão dos que se encontravam em Vila Rica, na casa de vivendas,
[...] não assistia um João da Silva Neves por estar no Serro do Frio à compras de
diamantes que o dito Régulo mandava fazer por ele, mas era seu caixeiro e tanto dos
seus idôneos(?) negócios como quem no amor o tratava por Fé(?) segura a tal o
excesso que vindo aqui o dito Régulo o perguntei e falando lhe na excessiva e
[ilegível] despesas das ditas casas dio (sic.) por desculpa as fazia só para satisfazer o
bom serviço que devia ao dito caixeiro e a outro seu irmão Manuel da Silva, que
estava nas tais casas e por serem notórios estes afetos e ser informado que o dito
João da Silva intendia em todos os negócios do mesmo Régulo e tinha intendido ao
das barras, e recear me fugisse divulgada a prisão, escrevi, antes de sair, para esta,
carta de aviso ao Ouvidor do Serro, que com efeito o prendeu e vindo em caminho
remetido o deixou fugir o cabo de escoadra (sic.) João Goiz’ Bordalo, a quem vinha
encarregado mostrando se com esta fugida mais cúmplice no crime de que o foram
as testemunhas porque assistia no Serro [...].
265
A dedicação do jovem caixeiro pode ter nascido tanto de seu afeto pessoal pelo líder
do bando de falsários, como por motivação ou exemplo do seu irmão, que, aparentemente, era
mais velho e se unira ao negócio ilícito antes dele. Seu esforço lhe rendeu mimos, permitindo-
lhe viver com despesas excessivas em uma casa “das de maior grandeza” de Vila Rica, onde,
264
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
265
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
173
durante a confiscação dos bens de Inácio de Souza, foram tomados vários móveis.
266
Apesar
dos esforços do ouvidor-geral, João da Silva Neves não seria punido por seus crimes.
Conseguiu fugir da prisão enquanto era trazido do Serro. Houve quem dissesse que tal fuga
fora arranjada por D. Lourenço de Almeida, governador das Minas na época, que articulara,
de Vila Rica, seus contatos e influências para permitir a escapada, pois temia que pudesse ser
incriminado. De acordo com o Capitão-mor Nicolau Carvalho de Azevedo, em carta na qual
expunha a D. Lourenço todas as acusações que se faziam contra ele nas Minas, uma vez que
deixara o cargo de governador, em 1732, dizia-se
[...] Que V. Ex
a.
por carta sua mandou ao Cabo d' esquadra, João Roiz' Bordallo, q'
trazia prezo do Serro do Frio para esta v
a.
, a João da S
a.
Neves, cacheiro do d
to.
Ignacio de Souza, lhe desse meios p
a.
fugir no caminho, como com efeito fugio, por
q' esse como rapas poderia confeçar o q' sabia [...].
267
Ordens, pedidos e carregações de dinheiro, ouro e diamantes viajavam sem maiores
problemas pelos caminhos das Minas, fosse em nome do poder oficial, fosse em nome de
interesses privados. O trânsito de informações era denso e podia ser usado tanto a favor
quanto contra os falsários do vale do Paraopeba. Embora Inácio tenha sido preso, vítima da
forma desfavorável como funcionou esse mesmo trânsito – informações que chegaram aonde
não deveriam chegar, e outras que falharam em alcançar a fábrica ao pé da serra –, tais tipos
de trânsito ainda causavam complicações para o ouvidor-geral Diogo Cotrim. Quando
prendeu José Gomes da Silva e Manuel da Silva Neves nas casas de vivenda em Vila Rica,
confiscou, ali, diversos papéis, acreditando que pudessem ser úteis na diligência. No entanto,
enganou-se. Conseguira colocar as mãos apenas em papéis de menor importância sobre os
negócios de Inácio de Souza, pois os de verdadeira relevância se encontravam espalhados
pelas Minas, assim como muitos dos bens do preso.
268
Apenas mais de uma semana depois da
prisão e com a ajuda do próprio réu, que acabou decidindo cooperar – ou não teve escolha –,
conseguiu recuperar os livros e papéis relevantes àquele caso.
Fica claro o trânsito do líder dos falsários e seus emissários pelo centro das Minas e
arredores de sua fábrica. O mesmo trânsito serviria também para prover a fábrica de suas
matérias-primas, ferramentas e mão-de-obra, como se verá a seguir, e como já se viu para o
caso de dinheiro e de ouro em pó para suas fundições. Pelo momento, basta notar que todos os
266
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 24.
267
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.123-147v.
268
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 24; AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34; APM, CMOP 006,
fl.109-110.
174
problemas apresentados por Francisco Borges em sua delação – os preparativos de defesa
mais próximos da fábrica e seu complexo e as redes de informação de que dispunha Inácio de
Souza em Vila Rica – não eram exagero. Um lugar bem escolhido permitia a circulação de
informações e recursos materiais, assim como fornecia boas condições naturais de defesa,
permitindo, ao mesmo tempo, proteção e inserção nas redes e malhas de caminhos e trânsito.
Certamente não se pode aplicar o adjetivo de ‘isolados’ àqueles homens, mesmo que, em seus
movimentos pelo território e no envio de cartas, fossem rigidamente controlados por seu líder,
pois a proteção ainda era uma necessidade que não podia ser ignorada.
3.1.2 O Envolvimento de Religiosos nos Negócios Ilícitos
No momento da prisão do bando, também foram presos dois religiosos. Diogo Cotrim
de Souza informava que eram
[...] um Dominico (sic.) chamado Frei Fernando de Jesus Maria e outro do Carmo
por nome Frei Pedro de Jesus Larros (sic.), e suposto me informaram estavam ali
para pregar a Semana Santa em boa freqüência em que se prova o dito Francisco
Borges sempre os prender em custodia sem ferros, nem alguma violência e os tive
em casas particulares bem assistidos até ver o que resultasse da devassa [...].
269
Todavia, a aparente inocência dos freis era apenas uma primeira impressão. As
testemunhas ouvidas na devassa declararam que era exatamente o frei Fernando quem
providenciara para o grupo de falsários as pontas de tocar e as levara à loja de Inácio de
Souza. O mesmo religioso tentaria arranjar a fuga do líder do grupo enquanto este ainda
estava nas Minas, fazendo
[...] toda a diligência por tirar o dito Régulo corrompendo-me Guardas e contacando
(sic.) dos interessados de fora que parece andavam alguns nestas vizinhanças
daqueles que fugiram e um Manuel de Albuquerque de quem o Governador do Rio
pôde descobrir melhor a vida do que eu, porque me dizem o tem culpado na devassa
que tirou das barras, e chegou a diligência do dito frade a [ilegível] que teve na sua
mão o molde para a chave do tronco furtado e impresso em um brocado de
ungüento(?) [...].
270
A amizade dos dois se tornaria ainda mais patente, sendo mencionada pelo próprio frei
em algumas declarações, assim como por outras testemunhas da devassa. A sua participação
269
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
270
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
175
também ficaria clara, e o ouvidor-geral sugeriu que seu empenho em ajudar o preso Inácio de
Souza era, na verdade, para salvar a própria pele, descrevendo o envolvimento do religioso da
seguinte maneira:
[...] Bem me persuadia que tantas finezas não seriam feitas do amor, mas da
conveniência e assim o veio mais a descobrir a devassa pela qual sobre a ciência que
esses frades tinham desses segredos, há testemunhas posto que se(?) ouvidas que diz
o Dominico levava a lojas pontas de tocar de ouro e nesse pouco discursso ou
relação que o dito Régulo fazia de sua vida quando aqui vinha a algumas diligências,
ainda sem ser perguntado sempre se lembrava do dito Frei Fernando, e como nestes
casos ocultos qualquer providência de matéria(?) faz escrúpulo, em tantas
circunstâncias venho a alcançar que o dito frade era interessado nestes negócios e os
favorecia, e assim escrevi ao Governador do Rio para que remetesse preso em
custódia [...].
271
A participação de frei Fernando nas redes de contatos do bando fica clara nessas
passagens. Além de participar da circulação de informações, antes e depois da prisão do
bando, fazendo uso de sua posição de religioso, também providenciava materiais necessários
à fábrica. Inácio de Souza sempre perguntava por ele, e o frei, utilizando-se da desculpa de
rezar missas, transitava pelos morros do atual quadrilátero ferrífero. Não só conseguiu acesso
aos guardas, carcereiros e outros homens de posição oficial, a quem tentou corromper e de
quem conseguiu os moldes da chave do tronco, como também sabia o que acontecia no
submundo da vila ou da comarca, nos matos, fazendas e arraiais reclusos onde podiam estar
os sócios fugitivos e outros interessados que poderiam auxiliar os membros do bando que
haviam sido presos. Sua bagagem de trânsito e de contatos transformou-se em um recurso
para o bando de Inácio e Souza na transmissão de informações e de objetos.
Para o outro religioso, frei Pedro de Jesus Larros, não foi atribuída maior culpa do que
apenas saber do negócio clandestino. Diogo Cotrim providenciou, então, para que ele fosse
entregue a seu prelado e por ele julgado.
A participação de religiosos no negócio das barras e moedas falsas do vale do
Paraopeba, assim como nas outras ramificações ilícitas de seus sócios, como, por exemplo, no
contrabando de diamantes, era bem mais abrangente do que o envolvimento dos dois freis.
Representantes da igreja se envolviam nas redes de contatos do bando tanto no nível local
quanto global. A carregação de diamantes enviada por Inácio de Souza para o estrangeiro, em
1730, sob os cuidados de João da Costa Silva, parece ter sido dividida em duas partes.
272
Tudo
271
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
272
AHU, Avulsos, Caixa 17, Documento 43. O documento, neste ponto, estava praticamente ilegível, daí a
dificuldade em se ter certeza da exatidão das instruções dadas a João da Costa Silva quanto à divisão da
carregação em mais de uma parte.
176
seguiria para as “Ilhas” em um único pacote.
273
De lá, uma parte iria para Londres ou para a
Holanda, com o próprio emissário. A outra parte seria entregue naquela escala da viagem aos
padres da Companhia de Jesus, que a levariam para Portugal e a entregariam ao sobrinho de
Inácio, Antônio Ferreira de Souza, ou ao Capitão Manoel Gonçalves Neves. Na carta, Inácio
de Souza falava da dificuldade em se entrar com as pedras tanto nas “Ilhas” quanto em
Lisboa, esta última sendo a alternativa que deveria ser adotada por João da Costa caso não
encontrasse navio pronto para o norte. Dizia:
[...] Deixo de lembrar a VM que deve saltar(?) nas Ilhas com toda a precaução
necessária para salvados os Diamantes atendendo (sic.) e que pode haver represália
neles na forma que sucedeu já em Lisboa nos que foram na frota antecedente a esta,
e isto mesmo se deve considerar das Ilhas para Lisboa porque a todo o risco quero
em nome dos interessados que os Diamantes se levem por [ilegível] entrando se
necessário for em quaisquer // despesas para que isto se consiga [...].
274
Ou seja, parar nas “Ilhas” talvez permitisse aos diamantes chegar a Lisboa numa
embarcação um pouco menos suspeita, pois não viria do Brasil, mas também permitiria que
estes seguissem para Portugal nas mãos dos religiosos, diminuindo ainda mais os riscos. Não
entregar as pedras aos padres da Companhia e seguir sozinho para Lisboa era a última
alternativa de João da Costa. A carta incluía, ainda, instruções para o caso de
[...] que por ausência de VM no mar para as Ilhas o que Deus não permita se faça da
carregação entrega aos R.R. P.P. da companhia // de Jesus das mesmas Ilhas para
remeter aos Senhores Antônio Ferreira de Souza [ou aos outros receptores] [...].
275
Depois de preso na Torre do Bugio, em Portugal, Inácio de Souza também apelaria
para a ajuda de religiosos para se comunicar com o mundo externo ou mesmo para planejar
uma fuga. Segundo o carcereiro Manuel de Caminha, um frade paulista, que havia estado nas
Minas com o condenado, se fez passar por capelão da mesma torre para levar para fora cartas
e pedidos do preso.
276
As redes de contatos do líder dos falsários do vale do Paraopeba
abrangiam um largo número de homens da igreja.
273
Não foi possível identificar a quais “Ilhas” Inácio de Souza se referia.
274
AHU, Avulsos, Caixa 17, Documento 43.
275
AHU, Avulsos, Caixa 17, Documento 43.
276
ANTT, Conselho de Guerra, maço 251 bis, caixa 933. Correspondência.
177
3.1.3 O Uso das Condições Naturais Locais
Além da geografia política, o conhecimento e domínio das condições naturais daquele
terreno podem ser observados em várias das ações dos falsários. Em sua posição ao pé da
serra, estavam cercados por matos de difícil orientação, mas que dominavam. Como apontou
Francisco Borges, sua rota de fuga era em direção ao rio Paraopeba, que, mesmo que não
pudesse ser navegado até o rio São Francisco, como disse o delator, ainda possibilitaria uma
fuga mais ligeira em direção à atual serra do Curral e a Pitangui, onde possivelmente Inácio
de Souza tinha aliados.
277
Às margens do mesmo rio mantinha roças plantadas, prontas para
abastecer sua fuga. O delator dizia que
[...] nas beiras do dito sítio mandou botar roças plantar mantimentos, fazer casas e
canoas no rio para que não podendo de nenhuma sorte rezeitir (sic) retirar-se pelo
dito rio, e rodar por ele, abaixo até o rio de São Francisco sem de ninguém ser
impedido [...].
278
O trunfo para a fuga, no entanto, eram as duas ou três léguas que separavam as casas
de vivenda do rio Paraopeba. Como já foi observado, a orientação em tais matos podia ser
impossível para quem não conhecia o terreno, possibilitando – como possibilitou – aos
membros do bando fugirem por aquela rota sem serem perseguidos. Além dessas dificuldades,
os falsários prepararam as trilhas de fuga com cuidado, dotando-as de um interessante
mecanismo de defesa. Os paus e árvores às margens das trilhas eram mantidos semi-cortados,
de tal forma que, no caso de uma perseguição, à medida que fugiam, com poucos golpes
aqueles homens podiam derrubar atrás de si a vegetação da trilha, barrando o caminho para o
perseguidor. Diogo Cotrim relatou em suas contas que Inácio de Souza,
[...] além das mais prevenções também cuidava em por picadas prontas para o
sertão(?) confinante; ou caminhos estreitos, por onde se pudesse retirar mandando
fazer cortes nos paus que na sua retirada levando dois negros consigo caíssem aos
primeiros golpes do machado para impedirem o passo aos que o seguissem, e no Rio
da Parupeba distante do sítio duas léguas [ilegível] tinha já uma canoa pronta, e
dizem mandava fazer outra, e retirar pelo de S Francisco para em porto de Mar, a
desconhecido fugir para Holanda onde punha todo o seu cabedal e alheio [...].
279
277
Sobre a possibilidade de aliados em Pitangui e a navegação pelo rio Paraopeba ver o capítulo II deste
trabalho.
278
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
279
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
178
Princípio semelhante a este era utilizado nos “rasgões” de matos feitos por Antônio
Ferreira de Souza, sobrinho de Inácio de Souza, nos arredores da fábrica. Tais medidas
atestam o domínio das condições naturais locais. Como já foi observado no Capítulo 1, tais
rasgões formariam uma espécie de muro ao redor do sítio. Foram mencionados por Francisco
Borges em sua delação e não escapariam das observações do ouvidor-geral depois de sua
diligência. Diogo Cotrim dizia que
[...] Antônio Ferreira de Souza sobrinho do dito Régulo feitorizava os ditos negros, e
entre outros serviços de próximo por ordem do mesmo Régulo tinh[a] feito um corte
de matos de duas léguas e meia e continuava por redondo no tal sítio com largura o
dito corte de quarenta palmos sendo assim para que este mato velho com o novo que
fosse crescer fizesse um impenetrável muro que se não pudesse romper, e só ter
entrada pela dita boca da serra a que suas armas serviam ou bastavam para servir
[de] fortaleza [...].
280
O pensamento estratégico do bando de falsários fica claro e os preparativos obrigariam
qualquer invasor a se aproximar exatamente pelo lado mais difícil e mais bem guardado do
sítio. Estratégias semelhantes eram utilizadas por outras comunidades clandestinas nas Minas
setecentistas e haviam sido utilizadas em outros lugares e momentos da história da colônia
que, apesar de configurarem contextos distintos do da fábrica ilícita no vale do Paraopeba,
indicam uma tendência de adaptação de práticas militares, antiga no Brasil. Emboscadas
organizadas por pequenos grupos armados que se utilizavam da cobertura dos matos e outras
condições naturais eram práticas indígenas conhecidas pelos portugueses e também utilizadas
por estes. Pedro Puntoni (2004) aponta o uso de tais conhecimentos desde a guerra contra os
holandeses na primeira metade do século XVII. O autor comenta sobre a consciência de uma
“guerra brasílica”, termo coevo que é também mencionado em outros trabalhos e que faz
alusão à “percepção de uma arte ou estilo militar peculiar do Brasil e melhor adaptado às
condições ecológicas e sociais”. Saberes e técnicas européias se misturavam aos nativos e
permitiam aos colonos e a seus aliados fazerem frente às tropas holandesas convencionais,
mesmo estando em número inferior. Durante esses conflitos ficou clara a superioridade de tais
táticas mestiças contra as tradicionais técnicas de guerra em voga na Europa, inadequadas
para aquele novo contexto.
281
Entre os paulistas estariam, talvez, os melhores exemplos de mesclas entre técnicas
militares européias e indígenas. Durante as entradas e bandeiras tais mesclas se consolidaram
280
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
281
Para mais informações sobre adaptações locais no Brasil de táticas de combate e a utilização de
conhecimentos e saberes de negros e indígenas ver também COTTA, No Rastro dos dragões, 2004.
179
nos territórios onde adentravam como uma nova forma de expressão militar, e outras
surgiram. Tais conhecimentos adentraram as Minas junto com essas expedições
282
, e o próprio
caso do bando de Inácio de Souza Ferreira é um exemplo de seu alastramento e permanência.
Saberes indígenas, conhecimentos europeus ou inovações locais com certeza não
foram os únicos fatores a influenciar a defesa da fábrica ilícita. Sabemos do grande número de
escravos envolvidos naquele negócio, e seria um erro ignorar a influência exercida por eles.
Além disso, outros negros espalhados pelas Minas estabeleciam quilombos em condições
semelhantes, que não eram ignorados pelos habitantes locais e, de fato, espalhavam terror
entre eles.
283
Tais comunidades, freqüentemente se apropriavam de elementos culturais,
sociais ou políticos de origem africana, obviamente reinventando-os em um novo contexto
repleto de novas possibilidades e ocupado, também, por brancos e indígenas.
284
A interseção
das estratégias de negros e brancos mostra como tendências bélicas clandestinas podiam
facilmente se misturar no espaço das Minas. Tal possibilidade foi observada pelo governador
D. Pedro de Almeida, o Conde de Assumar, em 1720, quando tentava decidir o que fazer
quanto à polêmica ocupação do morro de Vila Rica. Não podia proibir a ocupação total do
morro, por medo de que, vazio, ele fosse tomado por negros, mas a sua ocupação por brancos
também podia ser um problema. O governador dizia em uma carta de 23 de julho daquele ano:
[...] não quero com tudo que pella busca com o remedio venha a redundar em mayor
danno; por que se bem considero que formando se no morro quilombo de negros
podem estes ser dannosos a esta villa: a experiencia me mostrou bem a meu pezar
que o quilombo dos brancos ameaçava ruina muito maior desta villa que foy tentro
(sic.) de tam abominavel espetaculo [...].
285
É claro que a citação acima não indica a presença de uma instituição de brancos que
fosse um quilombo de facto, mas a apropriação de número suficiente de elementos
organizacionais ou estratégicos por parte dos brancos, para permitir ao conde tal comparação.
No caso do sítio de Boa Vista do Paraopeba, também havia vários elementos em comum com
quilombos das Minas. Por exemplo, a estratégia de tentar se manter escondido e protegido,
sem se isolar da malha urbana, era uma tendência comum entre os quilombos da região, que
282
MELLO, A guerra e o pacto, 2004.
283
APM, CMOP 006, fl.10-10v; 26-27; 115v-116; 164-165. Ver também GOMES, A hidra e os pântanos, 2005.
284
É preciso tomar cuidado para não confundir este ponto com a presença de “africanismos” puros naquele
contexto, mas sim de mestiçagens locais que têm a África como um dos seus vários pontos de referência.
Sobre este assunto ver GOMES, A hidra e os pântanos, 2005; PAIVA, Escravidão e universo cultural na
Colônia: Minas Gerais, 2001; PAIVA, Brasil-Portugal, 2006a; PAIVA, De corpo fechado, 2006b; PAIVA,
Trânsito de culturas e circulação de objetos no mundo português, 2006c; PAIVA, Histórias comparadas,
histórias conectadas, 2008a; PAIVA, Trânsito de culturas e circulação de objetos no mundo português,
2006c; PAIVA; ANASTASIA, O trabalho mestiço, 2002; REIS, Entre faisqueiras, catas e galerias, 2007;
RUSSEL-WOOD, Escravos e libertos no Brasil Colonial, 2005.
285
APM, CMOP 006, fl.26-27.
180
mantinham contatos com vilas e arraiais ou mesmo com outras comunidades clandestinas.
Freqüentemente, vendas e tavernas tinham papel-chave nesses contatos. Dessa forma,
obtinham informações, comercializavam mantimentos, armas, ferramentas e outros
recursos.
286
Produções de subsistência eram comuns e o excedente podia servir para esse
comércio. Podiam também participar de saques ou mesmo conduzir as próprias explorações
minerais.
287
A capacidade de tais comunidades de se inserir em uma rede de comércio e trocas
de informações, envolvendo ou não outros pólos clandestinos, era fundamental para que
pudessem continuar existindo. Podiam incluir contatos com indígenas e brancos ou mesmo
permitir sua participação no grupo.
288
Pesquisas arqueológicas, especialmente no antigo
Quilombo dos Palmares, vêm confirmando cada vez mais essa tendência.
289
É óbvia a inserção de Inácio de Souza e seus homens em redes de contatos e trânsito
num âmbito mais local, especialmente em sua conexão com Vila Rica, mas não sabemos se
mantinham contatos com outras comunidades semelhantes à deles ou mesmo com quilombos.
Mesmo não se tendo essa certeza, são claros alguns elementos em comum com tais
assentamentos negros clandestinos. Como os quilombos, o sítio de Boa Vista do Paraopeba,
com todos os seus contatos e influências, tornou-se um espaço multiétnico composto por
experiências múltiplas, locais ou de além-mar, assimiladas, re-elaboradas ou adaptadas.
Destaca-se, também, o papel das vendas e tavernas, que podiam servir de pontes de contato
dessas comunidades com outros pólos. Foram várias as tentativas de controlar tais
estabelecimentos por esta e outras razões que, na visão do poder oficial, conduziam a
desordens nas Minas. Ainda assim, pouco afetavam os ‘respeitáveis’ homens brancos
proprietários de lojas nos maiores centros de ocupação ou as vendas pertencentes aos mais
poderosos. Por exemplo, em janeiro de 1718 foram proibidas vendas nas lavras do Ouro Fino,
do Ouro Podre e do Ouro Branco, mas, ao final do ano, aparentemente os vendeiros mais
pobres foram os únicos a acatar tal ordem, e as vendas dos mais poderosos continuaram
funcionando às margens dos rios.
290
Depois de várias queixas sobre o assunto, a Câmara
decidiu suspender o bando e liberar a abertura de vendas naquelas áreas sob licença, dada a
286
GOMES, A hidra e os pântanos, 2005.
287
Sobre a capacidade de se auto-sustentar de comunidades clandestinas e de se envolver em várias formas de
produção ou obtenção de recursos ver ANASTASIA, A geografia do crime, 2005. Para o caso específico dos
quilombos, ver GOMES, A hidra e os pântanos, 2005.
288
GOMES, A hidra e os pântanos, 2005.
289
FUNARI, Fontes arqueológicas, 2005; GOMES, A hidra e os pântanos, 2005.
290
APM, CMOP 006, fl.08-08v. Outros exemplos incluem o dilema do Conde de Assumar sobre a ocupação do
morro de Vila Rica, referido acima e referenciados na nota 285, e a solicitação à Câmara de Vila Rica em
1733, dos moradores da freguesia de Nossa Senhora de Nazaré na qual pedem que não sejam permitidas
vendas nas proximidades de uma nova capela construída por eles numa localidade identificada como Santo
Antônio do Monte, encontrada em APM, CMOP 006, fl.176v-178.
181
incapacidade de controlar os poderosos e os problemas que isso poderia causar com as
reclamações do restante da população. O líder dos falsários devia estar bem ciente dessas
dificuldades de controle das vendas por parte do poder oficial. Como sabemos, possuía loja
aberta em Vila Rica, onde obtinha informações e materiais necessários aos seus negócios no
vale do Paraopeba. Segundo o relato de Diogo Cotrim, era nessa loja que várias pessoas
deixavam notícias e objetos do interesse de Inácio de Souza, que os ia buscar quando podia. O
ouvidor-geral dizia que
[...] há testemunhas posto(?) que ouvidas que diz o Dominico levava a lojas(?)
pontas de tocar de ouro e nesse pouco discursso ou relação(?) que o dito Régulo
fazia de sua vida quando aqui vinha a algumas diligências [...]
291
.
As pontas de tocar eram utilizadas para a determinação da pureza do ouro e teriam
sido fundamentais em qualquer negócio que envolvesse sua fundição ou trabalho. São objetos
feitos também de ouro e que exigem conhecimentos de ourivesaria. Esses instrumentos
permitem os testes de pureza pela comparação de sua dureza e maleabilidade com o ouro
testado. Durante a investida, o alcaide Manuel Antunes descobriu sete pontas de tocar junto
com os ferros e barras de ouro escondidas de última hora nos matos ao redor da fábrica, por
causa da fuga dos falsários. Possivelmente algumas destas, senão todas, foram fornecidas pelo
mesmo “Dominico”.
Inácio de Souza fazia uso das lojas para ‘finalizar’ os seus negócios. Como já
observamos nos capítulos anteriores, depois de vender no estrangeiro os diamantes
contrabandeados, os lucros revertiam em mercadorias que eram trazidas, muito
provavelmente, à sua loja. Algumas dessas mercadorias podiam ou não ser aproveitadas na
fábrica ilícita e no seu sustento. Há certeza quanto a algumas, como era o caso das três dúzias
de espingardas de dois tiros e dos doze pares de pistolas também de dois tiros, fundamentais
para a defesa da empresa ilegal e que precisavam vir de fora. Um mapa da população de Vila
Rica em 1804, compilado em 1969 por Herculano Gomes Mathias e publicado pelo Arquivo
Nacional, menciona um único armeiro entre os oficiais mecânicos presentes no termo.
292
No
entanto, não se sabe qual teria sido a situação quase um século antes. Provavelmente tais
oficiais teriam sido ainda mais raros. O fato de Inácio de Souza encomendar as armas da
Europa indica a indisponibilidade de tais produtos na colônia ou uma incapacidade local de
suprir um pedido tão grande (60 armas). Embora fosse possível a produção local de armas
291
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
292
Informação retirada de MENESES, Artes fabris e serviços banais, 2003.
182
rústicas, estas não teriam serventia maior do que a caça, não possuindo a precisão e
confiabilidade necessárias ao combate.
293
Outros materiais necessários à casa de fundições e
moedas falsas também podiam ser adquiridos dessa forma.
Outra estratégia adotada pelos falsários e muito semelhante às utilizadas nos
quilombos eram os cuidadosos preparativos para a fuga, tão valorizada quanto a própria
defesa do lugar. Alguns desses já foram descritos acima. Nos quilombos das Minas, eram
comuns picadas falsas, armadilhas, suprimentos sempre prontos e vigias para soar o alarme e
garantir a escapada
294
. Tudo isso foi também utilizado pelos homens de Inácio de Souza.
Os croquis de alguns quilombos também sugerem a ocupação de morros vizinhos para
melhor se vigiarem os arredores e a aproximação de estranhos, semelhantemente à forma em
que a antiga serra do Paraopeba foi utilizada quando do estabelecimento da fábrica
clandestina. Durante sua jornada pelo sertão das Minas, em 1769, que tinha como um dos
objetivos a destruição de quilombos, o mestre-de-campo Inácio Corrêa Pamplona foi
responsável pela produção de seis plantas desse tipo de assentamento.
295
Os croquis do
Quilombo do Ambrósio e do Quilombo chamado do Rio da Perdição demonstram o papel dos
morros dos arredores na constituição dos respectivos sítios, muito provavelmente para
servirem na sua proteção (FIGURAS 30 e 31).
Outro ponto significativo e que se repete nas outras quatro plantas é a referência aos
matos circunvizinhos que, como já vimos, podiam ter papel decisivo na defesa do lugar ou na
fuga de seus ocupantes. Os morros não só eram pontos que facilitavam a observação do
terreno, mas podiam também ser facilmente observados. No caso do sítio de Boa Vista do
Paraopeba, já foi notado como os falsários prepararam os arredores de tal forma a forçar quem
se aproximasse do sítio a passar sempre pela serra ao pé da qual estavam instaladas as
fundições e cunhagens. Das casas de vivenda podia-se observar claramente a trilha que descia
a serra, permitindo a vigília constante (FIGURA 1), além das várias guaridas e vigias de que
era dotado o caminho.
293
Para uma discussão censitária dos ofícios mecânicos em Minas Gerais naquele período e comentários sobre o
mapa populacional levantado por Herculano Gomes Mathias, ver MENESES, Artes fabris e serviços banais,
2003.
294
Sobre sistemas de defesa utilizados em quilombos ver COTTA, No Rastro dos dragões, 2004 e GOMES, A
hidra e os pântanos, 2005.
295
GOMES, A hidra e os pântanos, 2005, p.371-376.
183
FIGURA 30: .Croqui do Quilombo do
Ambrósio, mostrando o “morro redondo
que servia de gorita”, no canto esquerdo
superior da figura (número de legenda 2).
FONTE: GOMES, A hidra e os pântanos,
2005, p.372.
FIGURA 31: Croqui do Quilombo
chamado do Rio da Perdiaço, mostrando o
“morro do Tigre”, no canto esquerdo
superior da figura (número de legenda 3).
FONTE: GOMES, A hidra e os pântanos,
2005, p.376.
Tendo isto em mente, Diogo Cotrim foi obrigado a conduzir sua investida durante a
noite e sem tochas ou lanternas, para evitar que sua enorme comitiva de quase 100 homens
fosse vista enquanto descia a trilha. Tais condições, embora garantissem o ataque surpresa,
quase foram a sua ruína, pois, por pouco, o magistrado não foi vencido pelas difíceis
condições naturais do terreno. Ao atacar à noite para surpreender os falsários e tentar inverter
184
o balanço das condições naturais, jogando-as a seu favor, Diogo Cotrim complicou as coisas
ainda mais. O magistrado régio, depois do ataque, descreveu a situação da seguinte maneira:
[...] entendia que o escuro da noite me facilitava aos passos para não ser sentido e
conseguir a [ilegível]… serviu ou de embaraço o mesmo escuro porque me errou o
guia o caminho e a muita [ilegível] trabalho entrei a serra e da parte de dentro
metidos em um mato [ilegível], e a pé // Como caminhamos distância de meia légua
da dita serra ao sítio por se não poder andar a cavalo o caminho àquela hora, sendo
ainda de dia arriscado pelos despenhadeiros e barrancos que em segunda vez o errou
o dito prático com mais desculpa mas para mim e os mais que me acompanhavam
com grande sentimento porque nos deu o último(?) desengano de ser de todo
perdido, e mais nos afligia vir rompendo a manhã e sentir la para se perder a
diligência e muitas que fizeram os Capitães do mato vistigadores (sic.) de trilhas se a
[ilegível] correr uma picada ou pela estreita que apenas cabiam em desfilada (sic.),
mas pudemos vencer chegar ao pé ponte do açude antes de tudo romper a manhã, e
não dando mais lugar estes intervalos, que para se cometer a casa principal do dito
Inácio de Souza se investiu a toda a pressa não tanto a tempo, que um sobrinho do
dito Inácio de Souza que também vai preso chamado Antônio de Souza, não
estivesse levantado, que [ilegível] vozes e altos gritos a chamar pelos negros se ia(?)
pondo a diligência em alguma perturbação e ainda se dispararam alguns tiros sem
mais perigo porém que a morte de um cão de fila da mesma casa a qual se cercou e
foi preso o dito Inácio de Souza e os mais que com ele se achavam [...].
296
Se as redes de informações, tanto na capitania quanto nos matos da antiga serra do
Paraopeba, falharam em anunciar a investida de Diogo Cotrim, pelo menos as condições do
terreno causaram confusões suficientes para possibilitar a fuga de alguns membros que
estavam na ferraria e de quase todos que dormiam na casa da moeda, afastada quase 2km
(2.861 passos) das vivendas.
297
Entre esses fugitivos estavam vários oficiais mecânicos,
incluindo José de Faria Coimbra, descrito na planta do sítio como o “mestre de todas as
obras”, e pelo ouvidor-geral como “o principal artífice de tudo”.
298
3.2 O Trabalho no Sítio de Boa Vista do Paraopeba
José de Faria Coimbra não era o único oficial mecânico envolvido na empresa de
falsificar barras e moedas. As redes de contatos em Vila Rica e em outros locais, inclusive no
além-mar, possibilitaram o recrutamento de uma ampla mão-de-obra de oficiais mecânicos e
296
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34. O mesmo problema foi apontado pelo ouvidor-geral em carta que
escreveria em 4 de maio daquele ano, AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 24.
297
Estas estimativas em passos são bastante grosseiras e, aparentemente, um pouco exageradas quando
observamos o terreno diretamente ou quando tomamos a medida aproximada, utilizada hoje, de 0.60 ou 0.65
metros para cada passo. Ainda assim, tomando o córrego como referência, que ainda corre no local, é
possível ver que eram alguns minutos de caminhada até qualquer um dos dois locais.
298
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
185
outros trabalhadores não só para a fábrica, mas também para atender às várias necessidades do
sítio. Existem muitas menções à capacidade do sítio de Boa Vista do Paraopeba de se auto-
sustentar. Francisco Borges disse que “a fazenda tem mantimentos para se poder sustentar
toda gente por muito mais de um ano, e de milho porcos e gado por muito mais isto”.
299
Diogo Cotrim de Souza prendeu 68 escravos em sua investida contra o sítio e mencionou que
pelo menos outros sete fugiram, o que nos dá o total de 75 cativos. Além deles, havia homens
responsáveis pela contabilidade, como o era João Barbosa Mayo, um dos membros que
conseguiu fugir, mas que teve algumas casas suas confiscadas pelo ouvidor-geral, mesmo que
já estivessem à beira da ruína “por ficarem ao pé de um morro em que se minera”.
300
Isto
talvez indique que esse homem, responsável pelas partidas e quebras do ouro, tivesse vivido,
antes de se associar ao bando do vale do Paraopeba, em lavras minerais, onde possivelmente
adquiriu os conhecimentos necessários à função que exercia no grupo clandestino. Não
detinha as chaves do cofre, mas “pela sua ocupação se lhe deve abrir o cofre, quantas vezes
ele quiser e pedir”.
301
Manuel da Silva Neves e um dos fundidores, José Francisco, eram
responsáveis
[...] pela boa arrecadação de tudo, que for ouro, ou dinheiro, guardando cada um em
cofre com sua chave, assinando as clarezas, por donde o recebem, e dando-se lhes do
mesmo modo por donde o entregam, para que se evite confusões, e assistirão assim
ambos aos atos de casa fechada no serviço, da qual os ajudarão os companheiros
para o que for útil, porque a todos igualmente julgo capazes [...].
302
Relacionavam-se diretamente com João Barbosa, para quem entregavam tudo e de
quem Manuel da Silva conferia a contabilidade. Os três estavam isentos dos cuidados com as
cancelas, como atesta a citação acima, “estando legitimamente impedidos”
303
. As vidas do
possível ex-minerador e do fundidor aparentemente se resumiam aos arredores da fábrica. Já
Manuel da Silva, que aparentemente não detinha os conhecimentos necessários para trabalhos
semelhantes, era homem de trânsito e circulação.
As funções eram atribuídas de acordo com as capacidades de cada um. Manuel
Mourão Teixeira e João Gonçalves tomavam conta dos estoques de armas e mantimentos,
cuidando para que não faltasse nada, mas também para que não houvesse desperdício. O
descumprimento de qualquer uma dessas duas diretrizes era pago com multas, assim como os
299
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
300
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
301
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
302
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
303
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
186
erros em outras funções. Todos os dias, ao sol posto, examinavam as armas, suas patronas,
pólvora, balas e pederneiras, participando, dessa forma, do cuidado obsessivo com a defesa
instigado por Inácio de Souza. João Gonçalves, além disso, era ferreiro, e, na delação que fez
Francisco Borges, Manuel Mourão também aparece com outra função: antes do início do
fabrico de moedas falsas era o responsável por levar barras de ouro e ouro em pó para o Rio
de Janeiro e para Parati. Nesse segundo porto eram entregues a José de Souza Salgado, que
também trabalharia, tempos depois, na fábrica clandestina do vale do Paraopeba e seria preso
por Diogo Cotrim. Antônio Pereira era outro ferreiro e Francisco Luiz Tinouco era cirurgião,
curava os negros e os sócios.
304
Além desses havia o carapinha João Moreira, um tal João
Ribeiro e João José Borges de Carvalho. As funções específicas desses dois últimos nos são
desconhecidas, mas deviam assistir em afazeres gerais, pois se revezavam com Antônio
Pereira, João Moreira e Francisco Tinouco na abominável função de fazer carvão. Essa função
era também utilizada como forma de punição de contraventores das regras estabelecidas. Não
sabemos se o termo “carapinha” atribuído a João Moreira significava uma característica de
seu tipo físico ou se era sua função no sítio. A palavra pode se referir a cabelo de negro, que é
a definição dada por Raphael Bluteau, mas pode, também, querer dizer “carapina”, que é o
ofício mecânico responsável pelo trabalho mais grosseiro na madeira bruta que vem dos
matos, plainando-a e produzindo as toras e tábuas que serão utilizadas por outros oficiais
mecânicos que trabalham com esse material.
305
Esta segunda definição era comum nas Minas,
como era o próprio ofício mecânico que ela descreve, e faz mais sentido no contexto do
documento analisado aqui, visto que nele todos os homens são definidos por funções ou
ofícios e nenhum por características físicas.
306
Por fim, os dois fundidores da fábrica eram
José Francisco, que usava o nome falso de João Pacheco, e João Lourenço, que usava o nome
falso de André Grandeo.
304
Paula Regina Albertini Túlio (2005) atribui a função de cirurgião a Antônio de Souza, sobrinho de Inácio de
Souza. No entanto a interpretação dada ao documento no qual ela possivelmente se baseou para esta
conclusão, já que foi o único documento encontrado que menciona os dois homens de forma confusa, não
parece apontá-lo como tal, e a conclusão da autora pode ter sido devido a uma leitura equivocada da fonte.
Quando da delação, Francisco Borges de Carvalho diz “que mais pessoas assistiam no dito sitio e sabiam das
ditas casas, e trabalhavam nelas declarou além dos acima nomeados estavam nelas [...] um sobrinho do dito
Ignácio de Souza por nome Antônio de Souza Ferreira e um dito cirurgião que assistia na sobredita roça, para
curar os escravos, ainda que este nunca viu ele denunciante fosse a tal casa [de fundição e moedas], nem
admitido ao segredo deste negócio”. Tal passagem demonstra que o tal cirurgião era uma outra pessoa a
quem o segredo não fora revelado. BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699. Além disto, na sentença que foi
dada em 1732 aos réus julgados em Lisboa, o ofício de cirurgião é atribuído a Francisco Tinouco claramente.
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.121-122. Em sua condenação ele é culpado de estar ciente do
segredo da fábrica e não a delatar, contradizendo o que pensava Francisco Borges quando fez sua delação.
305
Esta segunda definição foi dada por MENESES, Artes fabris e serviços banais, 2003, Glossário.
306
O documento referido é a delação de Francisco Borges de Carvalho, BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
187
Outros sócios, aparentemente de maior importância, participaram do juramento com
Inácio de Souza no início do negócio e habitavam as casas de vivenda com seu líder. Eram
eles Miguel de Torres, ex-juiz da balança na casa da moeda de Minas Gerais, nomeado em
1724
307
, Damião Gomes do Vale e o delator Francisco Borges de Carvalho. As funções
específicas desses dois últimos também são desconhecidas, mas possivelmente não envolviam
trabalhos manuais. Quando fez sua delação, Francisco Borges estava em missão de comprar
ouro. No entanto, suas reclamações sobre a dificuldade de se deixar o sítio e a demora em sua
delação indicam que essa ocupação fosse esporádica. No juramento estavam também Manuel
Mourão Teixeira, Manuel da Silva Neves, João Barbosa Mayo e José de Faria Coimbra, que
já foram apresentados. Além dos homens com funções fixas no negócio clandestino, dois
religiosos freqüentavam o sítio: o “Dominico”, Frei Fernando de Jesus Maria e o religioso do
Carmo, Frei Pedro de Jesus Larros.
Parte fundamental desse conjunto eram os 75 escravos. Nas Minas daquele período,
um plantel desse tamanho não era o mais comum e, por vezes, não pertencia a um único
proprietário.
308
Quando do seu confisco, Diogo Cotrim observou que a maioria pertencia à
sociedade. Esses homens escravizados faziam parte do cotidiano do sítio, com toda a bagagem
cultural que traziam. Podemos supor que alguns deles não eram nascidos na colônia e eram
trazidos de outras partes ou, pelo menos, conviviam com heranças culturais bastante fortes de
outros lugares, pois, como colocou Inácio de Souza em seu regulamento, para o dia das
missas
[...] Que todos armados geralmente virão à missa, a saber metade por sorte assim de
escravos, como brancos, vindo no meio os escravos, não consentindo venham atrás,
ou adiante, ou falem a pessoa alguma, e menos pela língua a pretos, e todos se
meterão na tribuna, e logo se voltarão ouvida que seja a missa, sem tratarem negócio
com pessoa alguma aqui em cima, nem se me farão perguntas em qualquer matéria
que seja, de que se siga mora na ida para baixo, e relapsia (sic) para o desamparo
dela, pela primeira vez perderá para os mais o cômodo de uma semana, e para mim
três, e da segunda arbitrarei a pena que me parecer; pois não ficam proibidos os de
casa lá irem fazer suas romarias para maior calor da mesma casa, advertindo que
nunca se me deixará a roça só em poder dos escravos [...].
309
307
RAPM, volume 31, 1980, p.181-2.
308
É possível encontrar números para tamanhos de plantéis entre mineradores nas Minas durante os séculos
XVIII e XIX em BOTELHO, Famílias e escravarias, 1994; COSTA, Populações mineiras, 1981;
FURTADO, Chica da Silva e o contratador de diamantes, 2003; LIBBY, Trabalho escravo e capital
estrangeiro no Brasil, 1984; LUNA, Minas Gerais: escravos e senhores, 1981; PAIVA, Escravidão e
universo cultural na Colônia: Minas Gerais, 2001; REIS, Entre faisqueiras, catas e galerias, 2007.
309
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
188
Mesmo que se abrissem as portas do sítio para os vizinhos durante as congregações
religiosas, a preocupação em manter o segredo da fábrica era tamanha que era necessário
controlar tudo o que fosse dito aos forasteiros. O que fica claro, no entanto, é que alguns
negros já levavam saberes e experiências de outros lugares e nações. Idiomas específicos dos
“pretos” estavam presentes naquele espaço e indicam alguma forma de vinculação entre eles
e, também, nascimento em áreas distantes, não necessariamente na África, com algum trânsito
multi-regional, intercontinental e multicultural.
Esses homens eram a maioria no complexo da fábrica. A variedade das origens que se
podia encontrar num grupo de escravos dessas proporções era grande. Seria simplista e
equivocado separá-los apenas entre africanos e crioulos, pois tal classificação não acomoda
unidades culturais coerentes. A diversidade nesses dois grupos era grande e teria sido sentida
na fábrica do Paraopeba, que contava com um substancial contingente de cativos. O sítio era
um ambiente propício a sociabilidades e a intercâmbios, dinamizado pelos diversos universos
culturais trazidos por seus moradores.
Parte dos escravos devia ser responsável pela manutenção de roças e cuidados com os
porcos, o gado e os cães de fila que defendiam o complexo. Realizavam muito do trabalho
manual que alguns dos brancos provavelmente se recusavam a fazer, como o de carregar
carvão. Também participavam dos cortes e rasgões de matos nos arredores do sítio para sua
defesa. Apesar de sua entrada na fábrica de barras e moedas ser proibida, ainda assim parte
deles compôs a milícia do lugar. Vários negros andavam armados e, dessa forma, dividiam os
interesses de segurança e proteção do sítio. Aqueles que não atuavam diretamente nessa
função, no caso de um ataque podiam ter acesso a armas de fogo, chuchos de ferro ou hastes
de pau comprido, que eram mantidos constantemente preparados para tais eventualidades,
como descreveu Francisco Borges.
310
O delator de fato punha as senzalas dos negros como a
maior ameaça a qualquer diligência que viesse a alcançar as casas de vivenda do sítio. Isto
não era novidade nas Minas nem na colônia, de forma geral, como já foi observado. A
historiografia contém diversos exemplos de tal fato.
311
É possível que a escolha de escravos
estrangeiros tenha sido deliberada. Talvez homens sem laços entre si ou com a terra, com
alguma bagagem guerreira e ainda não inseridos em redes locais fossem mais facilmente
integrados no contexto de milícias privadas, mesmo sendo escravos. A participação menos
intensa nessas redes dificultava àqueles homens denunciarem seus senhores ou abusarem da
310
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
311
ANASTASIA, Vassalos rebeldes, 1998; FRAGOSO, Potentados coloniais e circuitos imperiais, 2005;
PAIVA, De corpo fechado, 2006b. Para a utilização de negros em práticas militares oficiais ver MELLO, A
guerra e o pacto, 2004.
189
condição de escravos armados, associando-se a quilombos ou outros grupos. Obviamente, a
integração aconteceria gradualmente, mas o escravo poderia já estar afeito à sua condição de
“guarda-costas”, posto que, muito possivelmente, rendia algumas vantagens frente a outros
escravos. É importante observar, ainda, que podiam existir homens não-brancos que não
fossem cativos, tornando ainda mais complexas as relações que se construíam dentro da
fábrica clandestina.
Apesar de não serem admitidos nas cunhagens ou fundições e de ainda terem um
estatuto muito diferente daquele dos brancos – por exemplo, na divisão do trabalho e nas
punições impostas pelo regimento da fábrica – negros, crioulos e mestiços, cativos ou não,
tinham acesso a armas de fogo, e, inclusive, alguns deles tinham trânsito relativamente livre
pelos arredores para servirem de vigias.
312
Também carregavam a própria arma quando saíam
em par com um branco para fazer carvão. Nessas relações com os homens brancos da fábrica,
que demandavam de cativos e não cativos uma cumplicidade necessária à segurança, as
influências mútuas eram inevitáveis. O regimento do sítio redigido por Inácio de Souza
demonstra as preocupações do líder em integrar o bando com música e guloseimas, além de
proibir o porte de armas no trânsito cotidiano por parte de todos. Era um cenário que, pelo
menos em teoria, buscava a integração, estimulando, assim, mediações culturais que podiam
trazer para o sítio influências de além-mar.
Ora, influências de além do Atlântico não se manifestavam apenas pelas experiências
de Inácio de Souza Ferreira. No entanto, não eram os negros os outros únicos capazes disso.
Vários outros oficiais mecânicos também possuíam experiências de trânsito e contatos
espalhados pela colônia e no estrangeiro. Alguns já foram mencionados e vale lembrar o
nome de João Barbosa Mayo, possível ex-minerador e responsável pela contabilidade e
controle do ouro. Inácio de Souza, quando enviou sua última carregação de diamantes antes
de ser preso sob os cuidados do comissário João da Costa Silva, enviou, também, uma série de
recomendações e encomendas. Na carta anexa à contabilização dos diamantes, o líder dos
falsários ordenava a João da Costa que
[...] Quando puder ser se pagarão ao Letrado(?) Manoel Gonçalves Mayo M.rs(?) em
Ponte de Lima o qual esteve nestas Minas quatrocentos mil réis por ordem de seu
sobrinho João Barbosa Mayo, e se me remeterão legítima quitação ou do procurador
bastante pela qual fique fazendo-se certo não dever o dito João Barbosa a sobredita
quantia; e também não há outro modo de se pedir [...].
313
312
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
313
AHU, Avulsos, Caixa 17, Documento 43.
190
Também o sobrinho de Inácio de Souza, Antônio Ferreira de Souza, era recém-
chegado de Portugal. Aparentemente chegara de forma inesperada, já que seu tio, na mesma
carta enviada com a carregação de diamantes, fez várias menções a ele como um dos
responsáveis por receber as pedras ou o seu produto, e, apenas alguns meses depois, Antônio
Ferreira foi mencionado na delação de Francisco Borges. Também foi ele o responsável por
avistar a aproximação de Diogo Cotrim e disparar alguns tiros para alertar seus companheiros.
Foi preso com vários sócios. Seu nome é um tanto problemático na documentação consultada,
pois às vezes aparece como Antônio de Souza Ferreira, outras como Antônio Ferreira de
Souza, mas sempre com a denominação de sobrinho de Inácio de Souza, daí sabermos que se
tratava da mesma pessoa.
314
Na carta que foi com a carregação de diamantes, embora Inácio
de Souza nunca se refira a ele como seu sobrinho, uma passagem sugere o parentesco.
[...] Também se assistira para os meus p.ares[parentes?] com o dinheiro que pedir o
amigo o Senhor Antônio Ferreira de Souza ou sua ausência o Senhor Capitão
Manoel Glz. Neves que serão seis ou sete mil cruzados e a tal importância se tirará
da minha parte dos Diamantes que agora remeto, ou houver de remeter [...].
315
A possibilidade de trânsito desse homem para além dos limites de Lisboa é atestada
por seu tio na mesma carta citada acima. O líder dos falsários faz várias referências ao
sobrinho, mas sempre deixa claro um substituto no caso de este não estar presente.
316
Já no
sítio de Boa Vista do Paraopeba, Antônio de Souza transitava pelos matos coordenando os
negros na função de abrir os rasgões de matos ou agindo como feitor em outros trabalhos, o
que sugere que não era um homem confinado aos ambientes urbanos europeus, sendo capaz
de coordenar ou, pelo menos, de supervisionar tarefas agrestes. Era, também, primeiro em
comando depois de seu tio.
Mais uma vez é possível detectar o trânsito por ambientes diversos. Além das tarefas
de manutenção das roças e animais, provavelmente conduzidas pelos escravos, e aquelas de
defesa, na qual os cativos com certeza se envolviam, havia as atividades associadas
diretamente com as fundições e cunhagens. Quanto a estas, os negros só se envolviam
fazendo o carvão necessário ou participando da produção de ferramentas como assistentes ou
talvez até mesmo como oficiais mecânicos. Sua entrada na casa da moeda clandestina era
proibida, mas vários deles habitavam a casa e ferraria de José de Faria Coimbra, “o principal
314
Em todas as referências deste trabalho o nome foi mantido como aparece na documentação relevante naquele
ponto.
315
AHU, Avulsos, Caixa 17, Documento 43.
316
AHU, Avulsos, Caixa 17, Documento 43. A possibilidade de ausência de Antônio Ferreira de Souza é
mencionada pelo menos quatro vezes neste documento.
191
artífice de tudo”.
317
Tais estruturas também se encontravam devidamente protegidas.
Francisco Borges as descreve da seguinte forma:
[...] [pelo caminho] da mão direita vai ter a outra ferraria donde assiste Joseph De
Faria Coimbra, E Joseph de Souza Salgado, e três ou seis negros seus também com
suas armas de fogo a qual casa se passa para ela por uma ponte pequena sobre um
córrego a qual casa está toda cercada de estacadas de pau a pique e tem seus
cachorros de fila como, também ha na casa da vivenda, e necessário tomar esta casa
sem ser sentido pelo dano que pode fazer [...].
318
Uma outra ferraria mencionada pelo delator era a “ferraria velha”, situada em um
rancho que, aparentemente, já estava abandonado naquela época, o que demonstra a fase de
modificações pela qual passava o sítio na virada de 1730 para 1731, pouco depois de se
decidir ingressar no negócio de falsificar moedas, além de barras. José de Souza Salgado
devia ser o principal assistente de José de Faria e, com seus escravos, produziam todos os
ferros necessários às fundições e cunhagens. A importância do papel do ferreiro para aquele
negócio é imensurável, como demonstram a alcunha de “principal artífice de tudo” atribuída a
José de Faria pelo próprio ouvidor-geral e a referência como “mestre de todas as obras” na
planta do sítio. Os ferros das fundições e cunhagens foram citados pelo magistrado como
alguns dos mais importantes itens confiscados na diligência. Entre esses ferros estavam as
ferramentas – incluindo as fieiras e saca bocados – que os falsários tentaram a todo custo
esconder, antes de fugirem, nos matos ao redor da fábrica, além das sete pontas de tocar e
onze barras de ouro.
319
Os ferreiros devem ter sido responsáveis pelos cunhos, fieiras, tanto de
rodas como de dobras, saca bocados, sarrilhas e também pelas ferramentas menores mais
gerais, como pinças para as forjas, atiçadores, serras, martelos, etc.
O cuidado especial com a ferraria, numa casa separada, afastada e com sistema próprio
de defesa denuncia sua importância. Ainda, a infra-estrutura encontrada na fábrica em março
de 1731 sugere que dificilmente seria necessário sair do sítio em busca de ferramentas. Isto
ajudava a manter a discrição do negócio, pois algumas ferramentas podiam levantar suspeitas
se compradas em quantidades ou freqüência incomuns para atividades lícitas. Além disso, é
possível que as máquinas especializadas presentes na fábrica não pudessem ser compradas e
devem ter sido construídas no local. Isto inclui as duas fieiras, a sarrilha e o cunho. A
grandeza dessas instalações e, especialmente, do cunho impressionou tanto o ouvidor-geral,
quando este tomou a casa de barras e moedas ilícitas, que ele descreveu tudo como sendo de
317
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
318
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
319
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
192
[...] tal grandeza que havia de lavrar três arrobas de ouro por dia e não era errado,
porque o braço do engenho grande do cunho serve para a casa Real para onde o
mandei e começando a laborar tal engenho e pela perpetuidade que prometia o
negócio ficava Vossa Majestade sem ouro e sem moeda e assim me consta chegou a
dizer o dito Régulo que havia por em sítio a casa Real. Para que não só tinha
expedição na fábrica mas melhores meios para cobrar os seus quintos, porque a uns
tentando-os com o entrar(?) no negócio, a outros comprando-lhes por mais um(?) ou
dois vinténs logo por(?) ninguém havia ter a fidelidade para levar a casa Real da
fundição com menos conseqüências [...].
320
Os conhecimentos para essas atividades eram especializados e, embora a coroa
proibisse a presença de ourives nas Minas, que eram os artífices que maior capacidade
possuíam para realizar tais atividades, e exigisse que todos os funcionários para trabalhar nas
fundições e cunhagens oficiais fossem mandados da Europa, tais ordenações acabavam
sempre se mostrando impraticáveis, como já foi discutido anteriormente. Ourives locais foram
empregados tanto na casa da moeda da Bahia quanto na do Rio de Janeiro e a circulação
desses homens e de seus saberes era comum na colônia, fossem eles apenas ourives
independentes ou ex-funcionários das casas oficiais.
321
As técnicas e saberes necessários ao
negócio de fabricar moedas e barras de ouro estavam disponíveis Brasil afora, e, na ferraria da
fábrica do vale do Paraopeba, José de Faria e José de Souza eram dois de seus detentores.
Além deles, é necessário apontar o fundidor José Francisco, o fundidor João Lourenço e João
Barbosa Mayo, este último já mencionado. Enquanto José de Faria era o principal ferreiro,
sabemos que os outros três podiam possuir alguma bagagem sobre como trabalhar o precioso
metal.
José de Souza Salgado morava com José de Faria na ferraria e possivelmente
trabalhava apenas com os ferros e não com o ouro diretamente. Na sentença que se proferiu
um ano depois em Lisboa contra os réus presos, a condenação de José de Souza foi “por se
prova-lo operou também para esse delito, e ajudou a fabricar alguns instrumentos para a
oficina, tendo grande amizade com o principal artífice”.
322
Foi sugerido por Paulo de Oliveira
Cavalcante Júnior (2002), que José de Souza participara de fundições ilícitas em Parati. Com
isto, Paula Regina Albertini Túlio (2005) deduziu que Manuel Mourão Teixeira, quando
levava ouro para ele em Parati, era para que este o beneficiasse em fundições clandestinas. Tal
fato é improvável, pois Manuel Mourão levava a Parati, de acordo com Francisco Borges,
ouro em pó, mas também em barras de fundição duvidosa. Mesmo que a fábrica de barras
320
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
321
Sobre esta circulação ver a discussão apresentada nos capítulos anteriores deste trabalho.
322
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.121-122.
193
falsas do sítio de Boa Vista do Paraopeba ainda não tivesse sido instalada, já foi observado
neste trabalho como tais fundições clandestinas já proliferavam pela colônia desde o início do
século XVIII e Manuel Mourão, ao que parece, já se envolvera em tais atividades antes de ir a
Parati.
Um ourives chamado Antônio Pereira, aparentemente, já fabricava barras falsas antes
do estabelecimento do negócio de Inácio de Souza, como sugere a correspondência entre o
capitão-mor Nicolau Carvalho de Azevedo e D. Lourenço de Almeida, em 1732. Na carta, o
capitão-mor dizia
[...] Que Manoel Correa foi o primeiro, q' no arayal de An
to.
Dias nesta villa
persuadio, a hum orives chamado Antonio Pereira a fazer, e marcar barras falças,
com a marca real, como se fossem da casa da moeda, e q' V. Ex
a.
tambem era
intereçado no mesmo negocio, porq' destas mandou m
tas.
para o Rio de Janeiro por
varias peçoas; como o tempo ao depois descubrio [...].
323
Não sabemos se esse tal Antônio Pereira é o mesmo que iria trabalhar na casa da
moeda do Rio de Janeiro e se envolveria em mais crimes de falsificação ou se é o oficial de
ferreiro que trabalhava na fábrica do vale do Paraopeba e foi preso com Inácio de Souza. É
mais provável que se trate, nesse caso, do primeiro, já que o segundo foi preso e sua
condenação não incluía os crimes pelos quais o outro Antônio Pereira, que fugiu, seria
acusado na devassa conduzida no Rio de Janeiro. As diferenças nos ofícios também sustentam
essa hipótese, pois o Antônio Pereira de Souza que trabalhou no Rio de Janeiro precisaria ter
sido um oficial mais especializado para trabalhar com o ouro. Mesmo que um ferreiro
habilidoso pudesse exercer a função de abridor de cunhos, dificilmente deteria todos os
conhecimentos para a produção de barras, como se alega na citação. Além disso, tal hipótese
sugere que, se D. Lourenço estivesse de fato envolvido naquele primeiro negócio ilícito,
talvez tenha sido este mesmo contato no meio oficial que permitiu ao ourives a posição de
abridor de cunhos na casa da moeda do Rio. Envolvido ou não com a fábrica de Inácio de
Souza posteriormente, é significativa a presença desse ourives nas Minas antes do
estabelecimento do negócio clandestino no vale do Paraopeba, não só porque demonstra, mais
uma vez, a circulação desses homens e a disponibilidade de seus conhecimentos nas Minas
setecentistas, mas porque, também, mostra que era possível transformar o ouro em pó em
barras sem ter que levá-lo a Parati. Se o ouro fosse levado na forma de barras não faria sentido
que passasse por maiores trabalhos naquela cidade, pois a sua casa de fundição oficial não
323
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.123-147v.
194
cunhava moedas e é improvável o estabelecimento de cunhagens clandestinas num lugar onde
elas não poderiam ter sido produzidas de outra forma. Lembremos que Inácio de Souza
apoiara o estabelecimento da casa da moeda oficial em Vila Rica antes de intentar seu negócio
ilícito e, ainda assim, só partiu para a fabricação de moedas falsas quando o negócio das
barras, que precisavam ser transformadas em moedas no Rio de Janeiro para a conclusão do
ciclo do empreendimento, se mostrara ameaçado. Francisco Borges disse que se levava ouro a
esse oficial mecânico para que o metal fosse beneficiado, mas isso pode querer dizer
transformá-lo em dinheiro de alguma outra forma – venda, por exemplo –, ou mesmo em
outros objetos. Por fim, embora seja uma possibilidade, conhecimentos de ourivesaria por
parte de José de Souza são improváveis, mas fica a certeza de sua atuação como ferreiro na
produção dos instrumentos necessários aos trabalhos desta arte, mesmo que supervisionado
por José de Faria.
3.2.1 Os Equipamentos, Técnicas e Trabalhos Dentro da Casa de Fundições e Moedas
Na época em que Diogo Cotrim de Souza chegou à fábrica clandestina, os dois
ferreiros principais preparavam o engenho do cunho grande. A máquina de cunhar não era
fundamental para a produção de moedas, pois estas podiam ser batidas a martelo, mas
permitia certo grau de ‘industrialização’ do processo que aumentava bastante a produção.
Essa mecanização talvez tenha sido fundamental para que o negócio das moedas ilícitas fosse
lucrativo e pudesse substituir o das barras, que até aquele momento era a principal atividade
dos falsários. Ainda assim, com a infra-estrutura disponível no sítio, cunhagem a martelo era
uma possibilidade que podia ser perfeitamente aproveitada pelo grupo.
A referida máquina possuía dois elementos – ou grupos de elementos – principais e
distintos, que são separados aqui tal qual sua referência em algumas fontes coevas, assim
como pelas diferenças técnicas em sua fabricação: o ferro utilizado de molde para a moeda e o
“engenho do cunho”. Todavia, um problema encontrado nas fontes é que o termo “cunho” é
utilizado para se referir a ambos. Ainda assim, freqüentemente recebem termos próprios ou é
possível distingui-los pelo contexto no qual aparecem.
O primeiro deles, isto é, o ferro utilizado de molde para a moeda ou o sinal com que se
pretende marcar o ouro, é uma peça pequena, mais um trabalho de arte do que de engenharia:
um artífice o entalha com um martelo e buril, com o auxílio de água-forte (ácido nítrico) e
195
cera. Cobre-se uma peça metálica com uma fina camada de cera, desenha-se sobre ela o que
se deseja gravar e derrama-se a água-forte, que corrói o metal nos traços onde a cera foi
retirada ao se fazer o desenho. Em seguida prossegue-se ao entalhe com o buril e mais água-
forte. Trata-se de um trabalho bastante delicado e especializado. Como já foi visto no
Capítulo 2, o ofício de abridor de cunhos era fundamental para o funcionamento de qualquer
casa da moeda, lícita ou não, especialmente porque esses ferros se gastavam, tendo uma vida
útil aparentemente curta. O regimento para a casa da moeda em Portugal, elaborado em 1687
pelo Conde de Óbidos, estipulava que os abridores de cunhos deveriam trabalhar
continuamente para evitar que essas peças faltassem. Estipulava-se também que os cunhos
que não mais servissem deveriam ser destruídos pelo serralheiro sob os olhos e testemunho de
outros oficiais da casa da moeda.
324
Tal peça era utilizada tanto nas máquinas de cunhar
quanto nas fabricações a martelo.
O segundo elemento, o “engenho do cunho”, é a máquina, propriamente dita, que
permite o esmagamento de outra peça metálica mais maleável pelos ferros entalhados do
cunho, mais duros, marcando a peça alvo com um desenho ou sinal. Muitas vezes tais
máquinas são referidas como “cunho grande”. Foram dois os exemplares, encontrados durante
este trabalho, de engenhos de cunhos dos séculos XVII e XVIII que sobreviveram inteiros até
os nossos dias: um no Museu do Ouro, em Sabará (FIGURA 32), com data de fabricação de
1680 (anterior à própria instalação de casas da moeda na colônia!)
325
, e outro no Arquivo
Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa.
326
Ambos funcionam por um parafuso central
operado por pesados braços de torção movidos por mãos humanas. Tal máquina foi
introduzida no Brasil em 1694, quando se estabeleceu a primeira casa da moeda na Bahia.
Seria utilizada até 1726, quando foi substituída por outra máquina automática, que funcionava
pela inércia de pesos em movimentos que aplicavam o golpe do cunho, como em uma
guilhotina.
327
324
O regimento foi reproduzido em GONÇALVES, Casa da Moeda do Brasil, 1989.
325
Não se descobriu se tal engenho foi trazido para o Brasil durante o primeiro período de funcionamento das
casas da moeda, durante o qual só foi instalada a de Vila Rica, entre 1724 e 1734, ou se foi trazido durante o
segundo período, a partir de 1751, quando foram instaladas também em outras comarcas. Sabemos apenas
que seu modelo já era antigo, mas ainda assim permaneceu em uso até muito mais tarde, com base em suas
condições de preservação, que indicam que não era um instrumento abandonado, mas cuidado.
326
Infelizmente não foi possível obter uma fotografia do engenho do cunho do Arquivo Nacional da Torre do
Tombo.
327
TÚLIO, Falsários D’El Rei, 2005.
196
FIGURA 32: Engenho de cunho manual com sistema de ‘parafuso’.
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008. Peça do Acervo do Museu do Ouro, Sabará, Minas Gerais.
O desenho apresentado na planta da casa da moeda de Inácio de Souza revela um
engenho de cunho diferente do modelo de parafuso. Não sabemos se é o mesmo tipo de
engenho que substituiu os antigos modelos, mas apenas que o ouvidor-geral Diogo Cotrim o
chamou de “engenho de bugio”.
328
Segundo o dicionário de Raphael Bluteau, do início do
século XVIII, engenho de bugio foi uma máquina utilizada na construção de um forte no
Terreiro do Paço, em Lisboa, no tempo de Felipe II. A construção deveria ser sobre estacas,
por causa do terreno alagadiço, e o engenho permitiria fincar as pedras no solo, com a força
necessária. Diz-se que tomou esse nome porque só podia ser operado por pessoas baixas e
exigia muito trabalho, daí a associação com o primata de mesmo nome. O mesmo dicionário
associa o nome bugio a um engenho como uma “forquinha, em que de um barco se atrai”.
Pela associação da forca e da função estivadora que exerce, podemos supor que se trata de
uma máquina que lembre um guincho, utilizada para erguer ou abaixar coisas. Uma ilustração
do século XVIII mostra como o embarque ou desembarque de grandes animais em navios se
utilizava de mecanismos de suspensão para facilitar o trabalho e evitar acidentes (FIGURA
328
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
197
33). Podemos supor que outra versão desse mecanismo pode ter sido o tal “engenho de bugio”
referido em Bluteau, ou algo semelhante a ele. Tais princípios de funcionamento se
encaixariam bem com o segundo modelo de engenho de cunho descrito acima. A idéia de
peso, força e impacto também pode ser associada facilmente ao engenho de bugio utilizado
em obras de construção que exigissem a fixação de estacas no solo. Tanto os princípios de
construção, quanto a função estivadora, podem ter sido responsáveis pelo nome do Forte do
Bugio, em Portugal, onde ironicamente Inácio de Souza seria mantido preso até sua morte. O
forte é construído sobre terreno alagado, o que pode ter demandado o uso do engenho, ao
mesmo tempo em que é cercado por água de todos os lados, justificando o uso de um
mecanismo estivador para abastecer ou esvaziar a pequena ilha (FIGURA 34). Não sabemos
qual das duas seria a associação correta, mas o engenho de bugio parece ter permitido
operações distintas baseadas em princípios físicos semelhantes. Ora, o desenho esquemático
do engenho do cunho utilizado nas cunhagens clandestinas de Inácio de Souza e apresentado
na planta encomendada pelo ouvidor-geral (FIGURA 35) aparentemente representa objetos
dependurados ou suspensos por cabos, sugerindo que se pudessem aplicar pesados golpes de
impacto, como ocorreria com um engenho de cunhos. Os outros engenhos mais antigos
ilustrados acima não apresentam parte alguma realmente pesada, pois funcionam por pressão
e não por golpes de impacto como os modelos posteriores.
198
FIGURA 33: Embarque de cavalos
durante o período colonial. O
mecanismo estivador depende de um
sistema de cordas e roldanas para
suspender e baixar o animal.
FONTE: Ilustração de Crosby Alfred
(2000) retirada de HORTA, Regina
Duarte. História e Natureza. Belo
Horizonte: Autêntica, 2005, p. 98.
FIGURA 34: Forte do Bugio, Oeiras,
Portugal.
FONTE: OEIRASPARQUE, Fortes
e torres a visitar, 2008.
FIGURA 35: Ilustração do engenho de bugio da fábrica de
moedas falsas de Inácio de Souza, retirada da planta do sítio de
Boa Vista do Paraopeba encomendada por Diogo Cotrim de
Souza em 1731. A legenda da planta referencia este objeto como
“cunho de dobras”.
FONTE: BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
199
O projeto da máquina que tentava se produzir no vale do Paraopeba podia ser uma
cópia daquela que era usada em Vila Rica,que o ex-juiz da balança daquela casa oficial,
Miguel de Torres, era um dos sócios de Inácio de Souza. Sabemos que era uma máquina
robusta. Em uma das tentativas de produzi-la, da qual saiu apenas um pedaço do engenho,
sem contar os braços da máquina que já estavam prontos, o modelo tinha aproximadamente
20 arrobas de peso (300kg).
329
Os dois engenhos ilustrados acima, de modelo diferente, são
claramente bem menores, pois funcionavam por força humana, o que sugere que o engenho da
fábrica de Inácio de Souza era um modelo automático que devia funcionar por inércia,
utilizando o peso do cunho grande para esmagar as peças de ouro, ao invés de força manual.
O ouvidor-geral, em suas contas, descreveu da seguinte forma o que encontrou em termos de
preparativos para esse engenho do cunho e outras funções da fábrica.
[...] A sua louca ousadia [de Inácio de Souza] se evitou tanto a tempo no que respeita
a moeda, que pelas diligências que fiz acho não chegou a consegui-la, porque até
faltava o engenho grande do cunho, de que houve primeira fundição em área no
frasco de moldar que se achou na Olaria e não dava ofício. O mesmo sucedeu com a
segunda em forma de de pâo (sic.) [pau], que se queimou com o metal derretido, e
saiu só um pedaço, que se achou na casa de fundição do dito engenho e mostra pela
estimativa vinte arrobas de peso. Preparavam a terceira em forma de barro [ilegível]
e com mistura de [ilegível]…/ [ilegível]… de pâo (sic.) [pau] dentro que se achou
[ilegível]…/ [ilegível]… e se estava secando.
Para remédio [ilegível]…/ [ilegível] a dita forma [ilegível]…// Coimbra um engenho
de bugio, que se mostra na casa de fundição riscado no mapa, e no meio da dita casa
mas evitou a prisão o [ilegível] remate das obras para poder trabalhar, que se
supunha tão instantaneamente acabada, que já se fundia o ouro em barra e se tinham
passado cinco por fieira, essas estavam com liga aproximando se em tudo ao ato e
exercício de fazer moeda, e para que lhe não [fal]tasse coisa alguma tinham método
em Língua espanhola para os toques, ensaio, e pontas de tocar, que vai por traslado
por apenso à devassa não com erros na Língua por quem o trasladou, mas pelos com
que estava escrito, que se havia tirar o traslado como se tirou com a mesma
formalidade e também lhe achei mais em o saquinho em que estava o ferro aberto
com as armas para o cunho e umas peças de sua Letra, que vão por traslado na
mesma devassa, e pelo exame feito na casa da moeda são para bur[ilegível]cer e
reluzer (sic.) a moeda [...].
330
Dois pontos, deduzidos a partir da citação de Diogo Cotrim, precisam ser enfatizados.
Primeiro, que algumas das práticas necessárias às tarefas da fábrica ainda estavam sendo
testadas. A produção do engenho, por exemplo, máquina que vinha do reino para as casas de
moeda oficiais, mostrou-se mais complicada do que o esperado. O primeiro molde, em forma
de barro, não ficou satisfatório, pois provavelmente não apresentara a força esperada,
corrompendo ou deformando a peça final do engenho. O segundo acabou por queimar a forma
de pau na qual foi feito, quando derramaram nela o ferro derretido, causando vazamento do
329
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
330
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
200
metal e moldando apenas um pedaço do engenho. O terceiro seria feito em forma de barro
misturado com outros materiais, como cinza e cabelos, reforçada com cintas de ferro e um
molde de pau interno. Em outra carta, de alguns meses antes, quando o ouvidor-geral ainda
conduzia as investigações, ele esclarecera esses pontos, ilegíveis na citação acima. Nela, dizia
que
[...] Buscou este Régulo sítio acomodado para a empresa em uns matos para dentro
de uma serra chamada da Parupeba fortificando le(sic.) como quem mostrava querer
ter uma tal casa pública pois assim o denota a sua grandeza e disposição de fábrica,
da que para melhor conhecimento tenho mandado pedir ao Governador desta
capitania e ao Superintendente oficial da casa Real da moeda que a // Conheça para
fazer dela relação por Inventário e por hora o que a inteligência de todos se faz
patente são quantidades e variedades de ferros, uma casa de fundição com várias
forjas assentadas, mesas de fieiras, outra casa para o cunho com saca bocados
cravado em seu cepo sarrilha(sic.) preparada e mesa para ela, mesa ou tabuleiro com
gancho pendurado que mostra ser para pesar moeda, cepo grande cravado para o
cunho, e outras casas mais de ferreiro e de trabalho para as disposições daquela
fábrica, casa, ou forno para fundição do cunho, e se achou uma forma de pâo (sic.)
[pau] em que já se tinha feito fundição, e não saiu mais do que um pedaço que
mostra ter re ozado(sic.) de peso, e se preparava segunda moldada em uma massa de
cinza, barro, e cabelos ligada com cintas de ferro, e dentro um molde de pâo de 5
palmos de cumprido, e se achou mais um frasco de vazar em que dizem se fundiu
primeiro cunho, e não teve efeito [...].
331
A segunda dedução que se pode fazer, baseando-se nos dois escritos, é sobre a
complexidade da infra-estrutura física e dos conhecimentos disponíveis àqueles homens,
apesar das suas dificuldades em produzir o engenho do cunho. Mesmo com as primeiras
tentativas de fundição do engenho tendo falhado, os trabalhadores da fábrica buscavam
formas diferentes para realizar a mesma tarefa, trabalhando com os saberes disponíveis para
aprimorar suas tentativas. Notemos que as três fundições utilizaram técnicas de molde
totalmente distintas. É interessante notar, também, que o acesso aos conhecimentos
necessários à empresa de produzir moedas e barras ia além dos limites do império português.
Os falsários possuíam um manual espanhol para testar a pureza do ouro, função exercida por
um ensaiador. As pontas de tocar que Inácio de Souza recebia do religioso dominicano em sua
loja em Vila Rica eram utilizadas na fábrica ilícita segundo técnicas estrangeiras. O método
em língua espanhola não indica técnicas espanholas necessariamente, pois podia ser uma
tradução, mas sugere conhecimentos que não estavam publicados no império português. No
regimento da casa da moeda desenvolvido em Portugal, em 1687, exatamente o ensaiador
tinha permissão para comprar livros mais modernos e atualizados, tanto em Castela quanto no
restante da Europa, sobre sua função. Fica claro que tais manuais circulavam e eram
331
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 24.
201
utilizados pelo poder oficial e que um deles caiu nas mãos dos falsários que remedaram
práticas da casa da moeda régia.
O trânsito de informações vindas de Castela sobre a arte de mineração e fundição foi
comum no Brasil nos três primeiros séculos da presença portuguesa. Já foi dito no Capítulo 2
que os membros da câmara de Vila Rica, numa carta ao governador D. Lourenço de Almeida,
em 1725, reclamaram das formas de cobrança dos quintos nas recém-instaladas casas de
fundição e moeda da capitania e fizeram comparações com os métodos de cobrança dos
mesmos direitos no Rio de Janeiro, na Bahia e nas “Índias de Espanha”. Além disso,
lembremos que André João Antonil, quando escreveu sua obra na virada do século XVII para
o XVIII, incluiu na parte referente às Minas dois capítulos inteiramente dedicados à
localização e mineração de depósitos argentinos, que são informações traduzidas de um texto
espanhol. O autor manteve todos os termos na língua original do documento.
332
Também, em
1705, um documento escrito por Manuel de Sousa sobre o estado da mineração do ouro nas
minas de São Paulo menciona um tal “Licenciado Barba, mineiro mor que foi dos serros do
Potosy e outros, [e] se está experimentando nas minas de Sam Paullo”.
333
Andrée Mansuy
Diniz Silva, comentarista crítica de Antonil, sugere que talvez tenha sido esse homem que
forneceu as informações sobre prata ao autor de Cultura e Opulência…
334
Tal trânsito entre os
dois reinos era ainda mais antigo, pois já durante as primeiras tentativas de mineração e
fundição de ouro em São Paulo, antes da descoberta oficial dos depósitos auríferos na futura
Minas Gerais, já se traziam de outros reinos especialistas nessas duas artes, numa tentativa de
estabelecer uma produção de qualidade.
335
Tais trânsitos não se limitavam apenas aos metais
preciosos e incluíam o ferro, que pode ter sido um grande trunfo para os falsários do vale do
Paraopeba, como veremos adiante.
336
Além desse manual, também foram encontradas na fábrica ilícita notas a respeito de
bruniduras para reluzir as moedas. Uma tarefa de puro e simples acabamento que indica
cuidado com detalhes e capricho na produção de suas peças ou que os falsários estariam
332
O argumento sobre essa tradução foi apresentado de forma pormenorizada por Andrée Mansuy Diniz Silva
em seus comentários críticos sobre a obra de Antonil. O texto específico em castelhano, no entanto,
permanece desconhecido e são apresentadas apenas semelhanças a alguns textos posteriores sobre as minas
argentinas de Espanha, como o M. Frézier, Relation du voyage de la Mer du Sud aux côtes du Chily et du
Pérou, fait pendant las années 1712, 1713 et 1714… Ver ANTONIL, Cultura e opulência do Brasil por suas
drogas e minas, 2001, 3ª Parte, Capítulos XV e XVI.
333
Documento do AHU retirado de ANTONIL, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, 2001,
Apêndice Documental, Documento XXI, p.412-416.
334
ANTONIL, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, 2001, p.303.
335
Para uma breve trajetória da mineração na colônia ver REIS, Entre faisqueiras, catas e galerias, 2007.
336
Sobre a exploração do ferro no Brasil nos séculos XVI, XVII e XVIII, ver REIS, Entre faisqueiras, catas e
galerias, 2007.
202
produzindo moedas com teor ou qualidade de ouro inferior ao da moeda oficial e precisavam,
de alguma forma, melhorar sua aparência para que elas se misturassem às peças legítimas. O
cuidado por parte de Inácio de Souza em anotar tais informações de acabamento indica que
tais saberes vieram de outras partes e não eram dominados confortavelmente por nenhum de
seus sócios, pelo menos não da forma como estavam escritos.
O mesmo problema encontrado para o engenho parece não ter afetado a abertura dos
cunhos, que já se encontravam abertos no mesmo saquinho onde se encontraram as notas para
o acabamento das moedas. A função de abridor de cunhos era fundamental para a empresa
ilícita. Afinal, era este o responsável por entalhar os moldes das moedas. Nas casas de
fundições e moedas oficiais, a casa de cunhos e dos outros ferros era mantida separada das
fundições e das cunhagens, assim como seus oficiais não se misturavam, para evitar
contravenções. De acordo com a planta que se fez da casa de fundições e moedas ilícitas do
sítio de Boa Vista do Paraopeba, não parece que ela possuísse as instalações necessárias para
o fabrico de tais peças. No entanto, é bem possível que fossem feitas na ferraria. O papel de
destaque dado a José de Faria Coimbra em toda a documentação consultada sugere a
importância de sua oficina para o negócio. Caso tenha sido ele o abridor de cunhos ou o
responsável tenha trabalhado em sua ferraria, temos, mais uma vez, uma separação de funções
refletida na organização do espaço da fábrica e que imita exatamente a organização das
fundições e cunhagens oficiais, pois a ferraria era mantida em prédio separado.
No Capítulo 2, vimos, com o exemplo de Antônio Pereira de Souza, como em tal
ocupação um indivíduo era capaz de acumular saberes e experiências para tentar seu próprio
negócio clandestino de fabricar moedas. No entanto, em meio à documentação consultada,
apesar das suspeitas em relação a José de Faria, não foi possível identificar o artífice
responsável pelo fundamental ofício de abridor de cunhos na fábrica ilícita de Inácio de
Souza.
Outros homens com possibilidades de deter conhecimentos específicos para as
fundições e cunhagens eram Miguel de Torres, que trabalhara como juiz da balança na casa da
moeda de Vila Rica
337
, e os fundidores José Francisco e João Lourenço, de alcunhas João
Pacheco e André Grandeu, respectivamente. Esses dois homens adotavam nomes falsos na
fábrica ilícita e, até onde se sabe, eram os dois únicos a fazê-lo. É interessante que os dois
oficiais de mesma função tenham tomado essa precaução, da mesma forma que Antônio
Pereira de Souza, ex-abridor de cunhos da casa da moeda do Rio de Janeiro, que adotou o
337
RAPM, volume 31, 1980, p.181-2.
203
nome de Francisco José quando tentava montar sua fábrica clandestina em Itaberaba.
338
No
caso dos dois fundidores que trabalharam para Inácio de Souza, embora isto não tenha sido
afirmado pelo traidor Francisco Borges de Carvalho, nem por outros oficiais régios que
sabiam de seus nomes verdadeiros devido à delação, talvez aqueles trabalhadores tivessem
mais a esconder por virem de ciclos oficiais de trabalho, já que as fundições e cunhagens nas
Minas eram monopólio régio. Isto, no entanto, não explica por que Miguel de Torres, outro
membro dos circuitos oficiais, não se preocupou em esconder seu verdadeiro nome, mas vale
atentar para as diferenças de funções entre ele e os dois fundidores, que eram homens bem
mais importantes, em termos práticos, ao negócio ilícito. Talvez porque tenham conseguido
fugir, não constam maiores informações sobre eles nas contas do ouvidor-geral, mas sua
opção por nomes falsos sugere um passado comprometido por outros crimes ou pelo trabalho
oficial. Adriana Romeiro (1999: 328) também sugere que os fundidores da fábrica ilícita do
vale do Paraopeba pudessem ser ex-funcionários régios, mas não foram encontradas
evidências que confirmassem essa hipótese.
Nas casas da moeda oficiais, o ofício de fundidor era um dos mais vigiados. Ele era
responsável por recozer as barras para que fossem transformadas em moedas. Ao fazê-lo,
tinham o poder e a oportunidade de deturpar o processo e desviar quantidades de ouro, daí a
preocupação excessiva do regulamento com esses homens.
339
O fundidor José Francisco também cuidava das entradas e partidas de ouro e tinha
responsabilidades sobre o cofre, com João Barbosa Mayo, responsável pela contabilidade, e
Manuel da Silva Neves. Sabemos que este último também transitava fora do sítio e
transportava as partidas de ouro e dinheiro. Podemos deduzir, portanto, que Manuel da Silva
entrava com o ouro nos cofres, trazendo-o de fora, e saía com o dinheiro ou barras, levando-os
para outras transações, e que José Francisco retirava o ouro dos cofres para a fundição e
entrava com barras ou moedas nos cofres novamente. Tudo isso era registrado e contabilizado
por João Barbosa.
A esta altura já é possível notar a grande variedade de conhecimentos e experiências
daqueles homens – ou disponíveis a eles de outras formas, como em manuais ou notas
escritas, por exemplo. Eram designados nas funções mais apropriadas a eles, mas quase todos
acabavam sendo úteis em outras funções e faziam o que podiam. Um ferreiro tomava conta
dos mantimentos e das armas, um ex-minerador fazia a contabilidade com um dos fundidores,
outro ferreiro e um cirurgião participavam da produção de carvão. Já antes da instalação da
338
RAPM, volume 04, 1899, p.803-806.
339
GONÇALVES, Casa da Moeda do Brasil, 1989.
204
fábrica ilícita, o ferreiro José de Souza Salgado recebia partidas de ouro, em Parati, e o outro
responsável pelos mantimentos e armas, Manuel Mourão Teixeira, transportava o metal,
função que na fábrica fora transferida para Manuel da Silva Neves e seu irmão João da Silva
Neves. Também era vasta a infra-estrutura de que já dispunham quando foram presos. Já
fundiam o ouro em barras e já as passavam pelas fieiras – o que também mostra a capacidade
do estabelecimento para cunhagens a martelo. Faltava pouco para que aquele processo de
produção clandestino fosse finalizado em sua forma mecanizada definitiva.
Além das possibilidades técnicas, as formas organizacionais também são claras. José
Newton Coelho Meneses (2007), num estudo sobre a organização dos oficiais mecânicos em
vilas das Minas, durante o Setecentos, observou como organizar o trabalho em um
determinado lugar preenche uma função na construção daquele espaço e seu cotidiano. Vão
além de simples funções práticas de fornecimento de serviços e produtos. Citando o autor:
A visão da atividade mecânica, assim, não pode, no caso de minha reflexão, derivar
estritamente da visão econômica de mercado, mas, sim, de uma proposição na qual o
trabalho que produz algo que se requisita basicamente seja considerado como
estrutural na construção sóciocultural.
340
A demanda por produções e serviços é intrínseca ao estabelecimento de qualquer
comunidade não externa ou ancilar a ela. Esta estrutura é facilmente observável no caso do
bando que se instalou no vale do Paraopeba e ficará ainda mais clara no decorrer deste
Capítulo. Ainda assim, não eram independentes de uma infra-estrutura física que articulava
sua organização para a operação da fábrica.
Aqueles homens eram acomodados em funções específicas, como se julgava
conveniente, freqüentemente em pares. Essa forma de trabalho com um responsável principal
e um assistente – quase uma divisão do trabalho em duplas – parece ter sido uma constante
em todo o complexo e deve ter definido certa hierarquia. Na ferraria, por exemplo,
trabalhavam juntos José de Faria Coimbra e José de Souza Salgado, com o primeiro como
“principal artífice”. Na manutenção dos estoques de suprimentos, armamentos e outros
recursos eram responsáveis Manuel Mourão Teixeira, homem que também transitava para
fora levando ouro e participara do juramento com Inácio de Souza, sendo, portanto, de maior
responsabilidade, e o ferreiro João Gonçalves. O próprio líder Inácio de Souza aparentemente
tinha seu sobrinho como segundo em comando. Também é possível que Manuel da Silva
Neves coordenasse seu irmão mais novo, o jovem caixeiro João da Silva Neves, em Vila Rica,
340
MENESES, Homens que não mineram, 2007.
205
levando a ele as ordens necessárias, já que o primeiro não só transitava entre a fábrica e a
Vila, mas também participara do juramento com Inácio de Souza. Na casa de produção de
barras e moedas ilícitas é bem possível que acontecesse o mesmo, com João Lourenço e,
provavelmente, Antônio Pereira formando o par de um fundidor e um ferreiro,
respectivamente, para as barras, e com José Francisco e João Gonçalves nas cunhagens, outro
par com as mesmas especialidades. Um esquema organizacional interessante, mas que
também não era novidade, sendo muito semelhante às formas de se organizar dos oficiais
mecânicos, tanto no reino, onde a divisão era entre mestres e aprendizes, como nas Minas,
onde comumente os oficias possuíam um escravo mais qualificado para atuar como principal
assistente dos trabalhos.
341
Tal sistema também garantia que nenhuma função ficasse sem
responsável, pois havia sempre um substituto.
Na planta da casa da moeda clandestina do vale do Paraopeba é possível observar
todas as ferramentas especializadas e várias outras (FIGURA 36). Com ela é possível ter uma
noção do processo de fundição e cunhagem do ouro e associá-lo à organização dos homens
descritos acima, embora seja preciso estar atento para o estilo esquemático da planta. No
entanto, um desenho esquemático pode ter suas vantagens sobre outro que seja minucioso,
pois, naquele, o responsável, para que sua ilustração seja reconhecida como o que realmente
é, enfatizará os elementos que reconhece como sendo diagnósticos do mesmo objeto. Nos
desenhos individuais das máquinas no interior da fábrica, por exemplo, embora esquemáticos,
o desenhista se deu ao trabalho de desenhá-las todas diferentes e com traços e características
bem específicas. Ora, sabemos que essas associações são culturalmente construídas. Dessa
forma, um desenho esquemático pode nos dizer muito sobre como o observador via o objeto
ilustrado, os elementos que considerava prioritários e os outros que eram ignorados. Nesse
caso, portanto, a planta da casa da moeda do sítio de Boa Vista do Paraopeba priorizou os
elementos principais para o seu objetivo final, qual seja, incriminar os falsários e reportar o
crime de moedas e barras falsas. Temos nela, então, os elementos que um observador coevo
considerava fundamentais para a operação de uma instalação como aquela, incluindo alguns
objetos que, para um observador do século XXI, provavelmente passariam despercebidos,
como, por exemplo, as mesas de gavetas colocadas na planta.
342
341
MENESES, Artes fabris e serviços banais, 2003.
342
Para uma discussão de como observadores registram seu mundo dentro de um objetivo e de um filtro cultural
específico e contextualizado historicamente, e para a problematização de fontes dessa natureza para estudos
históricos, ver DARNTON, O grande massacre de gatos, 1986.
206
FIGURA 36: Planta da casa de barras e moedas de Inácio de Souza. Detalhe retirado da planta do sítio de
Boa Vista do Paraopeba. A legenda que aparece no detalhe é a seguinte: 27. Ribeiro; 28. Caza da moeda
mostrada Em plano; 29. Estacadas; 31. Cravoeiras (sic.); 32. Quarteis; 33. Forjas; 34. Bigornas; 35.
Fieiras de Rodas, e de dobras; 36. Cunho de dobras; 37. Mezas de gavetas; 38. Cadilhas; 39. Sepo de
cunho; 40. Saca bocados; 41. Cofre; 42. Balanças; 43. Sarrilha.
FONTE: BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699
É possível observar as “cravoeiras”, interpretadas aqui como carvoeiras, e que teriam
armazenado o combustível da fábrica. A importância de se ter carvão estocado é ressaltada
por Inácio de Souza no seu regimento, pois o líder do bando reconhece que chuvas periódicas
podiam facilmente comprometer a sua produção e, com isso, atrasar os trabalhos na fábrica.
No papel que escreveu disse que “não se suspenderá na fábrica do carvão por ser, ou não
necessário, porque há de ser serviço atual irremediavelmente, salvo excesso de chuva”.
343
Mais uma vez o falsário demonstrava cuidado com a natureza ao seu redor e tentava se
adaptar a ela como podia.
Podemos ver também as forjas, que fundiam o ouro para que este fosse reduzido e
transformado em barras. Havia duas delas na sala principal da fábrica, uma num pequeno
cômodo interno e uma quarta num cômodo anexo. Esta última tinha sua própria carvoaria e
343
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
207
bigorna e apresentava um desenho distinto das outras três. O cômodo onde está tem uma porta
que dá diretamente para o pátio e não para a sala principal. Numa casa da moeda oficial era
proibida a fundição total do ouro. Tal processo era permitido apenas para a produção de
barras. Portanto, para ser transformado em moeda, o metal tinha, primeiro, que ser
transformado em barra, em outro local, etapa na qual seria totalmente fundido e reduzido, ou
seja, limpo de suas impurezas. O processo de fundição exigia temperaturas maiores do que o
simples recozimento conduzido na produção de moedas. O Barão Wilhelm Ludwig von
Eschwege deixou registrado em seu livro Pluto Brasiliensis, inicialmente publicado em 1833,
uma descrição do processo de fundição do ouro para sua transformação em barras. Como ele
descreveu,
O ouro é colocado em cadinhos, e cobertos completamente de carvão feito de
madeira muito compacta. Feito isso, manda assoprar, primeiro lentamente, até que o
cadinho coberto por uma tampa se torne incandescente, e depois com mais força até
que o ouro se torne líquido. Tira-se então a tampa e ajunta-se um pouco de
sublimado de mercúrio, o qual faz aparecer uma chama na superfície do ouro
liquido, volatilizando-se e oxidando então o ferro, o cobre, o antimônio e outros
corpos estranhos, que são removidos por meio de uma pinça. Ajunta-se o sublimado
até que na superfície do ouro desapareçam as impurezas ou uma película. Si o ouro
depois se apresenta completamente puro, de um brilho lustroso e de cor verdacenta e
como transparente, considera-se como afinado. O fundidor tira-o então do fogo,
deita-o em um molde de ferro, coberto por uma camada leve de banha e deixando-o
esfriar nesse molde atira-o em seguida dentro dagua. Daí a barra é tirada depois
batida em uma de suas pontas com um martelo até que se torne um pouco achatada.
Si, batido assim, o ouro não apresenta fendas nos cantos das barras, considera-se a
fundição perfeita; no caso contrário, ela se repete de novo, ajuntando-se uma
quantidade maior de sublimado, até que o ouro se torne completamente flexível.
Finalmente, como na sua superfície as barras apresentam ainda um aspecto de
chumbo, devido ao mercúrio adesivo, o fundidor as expõe de novo a um fogo
intenso, a fim de lhes dar uma cor completamente áurea. O processo de fundição
inteiro não dura mais do que 15 a 25 minutos.
344
Mesmo que as casas de fundição e moedas costumassem ficar no mesmo lugar ou
prédio, as funções eram devidamente separadas. Inácio de Souza copiou esse esquema.
Podemos observar quatro forjas: uma maior, robusta, externa e com aparelhagem separada, e
três forjas menores, com forma de gaiolas, na sala de cunhagens. Um forno de função
semelhante à dessas três forjas menores foi recentemente encontrado em uma escavação
arqueológica na antiga casa de fundição e intendência de Sabará, onde se fabricaram moedas a
partir da segunda metade do século XVIII e onde foi preservado o engenho de cunho ilustrado
acima.
345
Embora seja impossível fazer comparações precisas entre o forno de Sabará e os três
344
ESCHWEGE, Pluto Brasilienssis, 1922, p.32. A mesma descrição é apresentada em FERRAND, O ouro em
Minas Gerais, 1998, p.139.
345
Projeto PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS NO PÁTIO ANEXO AO MUSEU DO OURO, Sabará, Minas
Gerais, abril de 2004. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em parceria com
208
ilustrados na planta da fábrica, suas proporções menores e seu modelo fechado com apenas
uma ‘boca’ como acesso ao seu interior são características que coincidem (FIGURAS 37 e
38).
O forno de Sabará apresenta características africanas e é quase idêntico a outros fornos
daquele continente descritos e ilustrados pelo capitão André de Almada, no século XVI, mas
que eram utilizados para a fundição de ferro (FIGURA 39).
346
O forno de Sabará, embora bem
menor, apresenta exatamente o mesmo desenho em plano e possui as mesmas proporções dos
fornos africanos, mas, por ser instalado em uma casa de moedas e fundição de ouro, foi
construído em escala bem reduzida, já que precisava de temperaturas bem mais baixas.
Todavia, não há motivos para acreditar que a mesma apropriação de técnicas africanas
ocorrera na fábrica clandestina de Inácio de Souza, já que todas as evidências apontam para a
participação exclusiva de artífices brancos. Os negros eram proibidos nas casas e os desenhos
esquemáticos das forjas, embora se assemelhem ao forno de Sabará no seu princípio básico,
mostram que seu corpo é bem diferente dos fornos africanos ilustrados. No entanto, talvez
haja uma exceção: a forja ilustrada dentro de um dos cômodos pequenos da casa. Esta,
separada das outras duas, pode ter tido um projeto semelhante ao do forno encontrado em
Sabará, mas tal suposição é carente de evidências e não condiz com as tendências observadas
na organização do lugar. Resta considerar apenas que os brancos envolvidos no processo de
produção pudessem carregar consigo saberes africanos e reproduzi-los mesmo sem o
envolvimento dos negros, mas esta também é uma idéia sem meios de ser comprovada no
momento.
FIGURA 37: Forjas ilustradas na fábrica de moedas falsas de
Inácio de Souza. Detalhe da planta do sítio de Boa Vista do
Paraopeba.
FONTE: BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699
Banco BMG e Instituto Libertas de Educação e Cultura. Os trabalhos ainda não foram finalizados e, portanto,
ainda não foram publicados.
346
TRATADO breve dos rios de Guiné do Cabo-Verde feito pelo Capitão André Álvares d’Almada, ano de 1594,
1994.
209
FIGURA 38: Planta do forno de adobe encontrado nas escavações arqueológicas do pátio anexo ao Museu
do Ouro, Sabará, Minas Gerais.
FONTE: PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS NO PÁTIO ANEXO AO MUSEU DO OURO, Sabará, Minas
Gerais, abril de 2004
210
FIGURA 39: Forno africano para a fundição de ferro ilustrados na obra do Capitão André Álvares
d‘Almada. É possível notar na ilustração do corte horizontal as semelhanças com o forno de Sabará da
FIGURA 38. Por exemplo, as medidas do duto interior do último são 1/3 da largura total do forno, e as
proporções do forno ilustrado acima são as mesmas.
FONTE: TRATADO breve dos rios de Guiné do Cabo-Verde feito pelo Capitão André Álvares d’Almada, ano
de 1594, 1994
A separação dos dois tipos de ‘fundição’ – sendo que um deles é apenas,
tecnicamente, um re-cozimento – é sugerida pela falta de ligação entre os dois cômodos,
permitindo que os atos de cunhagem ocorressem “de casa fechada”, como exigia o líder do
bando em seu regimento. Logo, temos nos trabalhos realizados na casa de barras e moedas
ilícitas do vale do Paraopeba um arremedo das instituições oficiais. Dos dois fundidores
presentes na casa clandestina, José Francisco e João Lourenço, sabemos que o primeiro
participava das entradas de partidas de ouro e da contabilidade, função exercida por João
Barbosa Mayo num outro cômoda anexo à casa principal, mas, diferentemente das fundições
211
externas, interligado a ela diretamente. Podemos concluir, portanto, que José Francisco era o
fundidor da casa da moeda, responsável pelo re-cozimento das barras, e que João Lourenço
produzia as mesmas barras, no cômodo em anexo, reduzindo o ouro em pó. É bem possível
que esses homens tivessem dois ferreiros de menor importância – em comparação a José de
Faria e José de Souza – como seus assistentes, sendo eles Antônio Pereira e João Gonçalves,
como foi sugerido acima, já que o ofício de ferreiro deveria ser bastante útil no manejo das
forjas, ferros e ferramentas dos processos de fundição e cunhagem. Não se pode saber com
certeza em qual posição os dois atuavam, mas é possível uma dedução. João Gonçalves
trabalhava na supervisão das armas e mantimentos com Manuel Mourão, função conduzida
sempre no fim do dia, e Antônio Pereira trabalhava na produção de carvão, função que o
tirava da fábrica por um dia inteiro com certa freqüência. Talvez por isso o primeiro passasse
mais tempo na casa de fundições e moedas e, portanto, pudesse auxiliar José Francisco nas
cunhagens, trabalho bem mais demorado do que as fundições de barras. Na produção destas
últimas, provavelmente era Antônio Pereira quem assistia. A organização por pares em quase
todas as outras funções reforça a idéia de que o mesmo acontecia nesses trabalhos.
Nas casas de fundições e moedas oficiais seguia-se o mesmo esquema, de acordo com
o regimento de 1687.
347
O fundidor específico da casa da moeda era também responsável
pelas entradas de partidas de ouro e pelas afinações dos “tornos”. Tais instrumentos deviam se
referir às fieiras que também ficavam na sala de cunhagens. A necessidade de um fundidor
para operá-las sugere que as barras de ouro deviam mesmo ser esquentadas para serem
submetidas a essa etapa da produção. Essa tarefa deve ter exigido um alto grau de
especialidade, pois a consistência que deveriam ter as barras para serem passadas pelas fieiras
devia ser algo específico que exigia experiência e conhecimento da função, para não refundir
o ouro ou não deixar as barras duras demais.
Também havia negros na casa de fundições e moedas de Inácio de Souza. Além de
participarem na defesa do lugar, a separação da fundição das barras permitia que eles
auxiliassem nesses trabalhos, mesmo não sendo admitidos nas cunhagens, de acordo com o
regimento do sítio. Quando fez sua investida contra a fábrica, Diogo Cotrim descreveu:
[...] um negro cozinheiro que assistia na cozinha por detrás da casa da vivenda pode
escapar e logo se pos em caminho a avisar os que assistiam na casa chamada da
fundição e da moeda o qual já no caminho encontrou os quatro negros que nela
assistiam com suas armas que viam a reconhecer o que aquilo era por terem ouvido
347
Uma análise sobre o regimento de 1687 foi feita em TÚLIO, Falsários D’El Rei, 2005.
212
os tiros, e com eles tornou para dita a casa avisando os brancos que nela assistiam
que tudo já estava tomado, que tratassem de se por em salvo [...].
348
Provavelmente tais homens trabalhavam nas fundições de barras, exatamente como
acontecia nas casas oficiais, mas sem equivalência nas cunhagens. Numa carta dos oficiais da
Câmara de Vila Rica ao governador D. Lourenço de Almeida, em 1725, reclamou-se da forma
de cobrança dos quintos no ato da fundição de barras nas casas oficiais, observando que a taxa
[...] se tira depois de fundido [o ouro], fazendo a quebra toda por conta das pessoas
como o gasto do solymão, carvão, aluguel dos negros, que puxão os folles, e mais
gastos como também lhe acresçe dous mil reis que se paga ao ensayador de cada
ensayo [...].
349
O ensaio e o toque, para testar a qualidade do ouro (quilates), eram feitos depois que a
barra estava pronta ou o ouro reduzido e antes do fabrico das moedas. No caso de uma
fundição e cunhagem oficial, o teste era feito logo antes de se fazer a moeda, salvo quando o
cliente desejasse receber seu ouro em barras, que precisariam ter seus quilates marcados,
exigindo, portanto, um dos dois testes. Aparentemente, na fábrica clandestina, novamente se
imitou o procedimento, já que as instalações da forja externa eram bastante simples e as da
casa da moeda bem mais completas. Não conhecemos as técnicas de trabalhar o ouro para o
fabrico de moedas daquela época em detalhes, mas talvez as diferenças das forjas internas da
casa da moeda sejam exatamente isto, diferentes funções: uma forja isolada para o ensaio,
trabalho mais minucioso e especializado e outras duas para o simples cozimento do ouro para
os trabalhos de cunhagem. Na definição de Raphael Bluteu do que era o ensaio, o autor
descreve-o como utilizando um fornilho (pequeno forno especializado). Espaços distintos
sugerem a separação das funções, e, muito provavelmente, o posto de ensaiador seria ocupado
por uma pessoa específica, que poderia trabalhar ao mesmo tempo em que o restante da
fábrica estivesse em funcionamento.
O ensaio era feito da seguinte forma. Primeiramente pesava-se uma quantidade de
ouro – normalmente seis grãos (0,3g) – e colocava-se essa quantidade misturada com outras
duas partes de prata e um pouco de chumbo, provavelmente uma medida indefinida
estabelecida ‘no olho’, pela experiência do ensaiador. Levava-se a mistura ao fogo fazendo
com que evaporasse o chumbo, que carregava consigo vestígios de impurezas. Restava, então,
um grão de ouro e prata misturados, o qual se afinava em uma chapa com um martelo.
348
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
349
APM, CMOP 006, fl.54-56.
213
Mergulhava-se a mesma chapa, bem fina, em água-forte. O ácido reage com a prata e não com
o ouro, deixando o metal puro no fundo do líquido. Nesse processo, o ouro sofre perdas e a
diferença que o seu peso final apresentar em relação ao peso inicial, colocada em proporção,
deve ser a mesma diferença para um grau de pureza ideal de 24 quilates. O cálculo podia ser
feito com uma simples “regra-de-três”, a não ser que houvesse pormenores que hoje nos
escapam.
350
Já o toque consistia em simplesmente tocar na pedra de toque com as pontas de tocar e
com o ouro a ser examinado e determinar a qual das pontas, das quais já se sabiam os quilates,
o metal mais se aproximava.
351
Era uma questão de testar a maleabilidade e força do ouro. Tal
método estava sujeito a erros de interpretação e demandava alguma experiência, salvo para
reconhecer ouro misturado, cuja diferença na pedra de toque seria óbvia.
352
Um dos
pormenores do toque é que o método não funcionava com ouro em pó e demandava que o
ouro estivesse, pelo menos, no tamanho de “granitos” para que se pudesse “pegar-lhe com um
Alicate chato | que estes se podem mandar | e tocar o dito grão rossando-o na dita pedra de
toque”.
353
O ensaio era considerado o melhor método para testar a qualidade do ouro, sendo o
toque considerado uma alternativa inferior. Várias fontes coevas relatam essa hierarquização
de técnicas. Em uma carta a Gomes Freire de Andrade, de 1733, Diogo de Mendonça Corte
Real explica como se deveria proceder para reconhecer ouro falso ou misturado com outros
materiais, já que muito do ouro que era remetido do Brasil estava chegando a Portugal
bastante corrompido. No documento são apresentados vários testes simples para se reconhecer
ouro misturado, utilizando apenas água-forte, um alicate chato e uma pedra de tocar, para
serem conduzidos por “qualquer ourives inteligente” na falta de um ensaiador.
354
Em uma
carta de D. Lourenço de Almeida, de 1725, respondendo à carta do oficiais da câmara citada
acima, o governador dizia:
[...] não costumão fazer os pagamentos nestas Minas se não muito nas vesperas dos
embarques a mayor parte das barras que se fundirem nestas cazas hão de ir somente
tocadas, por não caber no tempo o ensayar se; e como pello toque, se paga muito
350
Informações sobre a realização do ensaio podem ser encontradas em BLUTEAU, Vocabulário portuguez e
latino, 1712-1728.
351
Informações sobre o toque podem ser encontradas em BLUTEAU, Vocabulário portuguez e latino, 1712-
1728.
352
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.236-236v.
353
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.236-236v.
354
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.236-236v.
214
pouco, ficão os homens poupando os 2000 reis do ensayo [pago como emolumento
pela certidão do ensaiador] [...].
355
Em outra carta, esta de 1705, enviada do Rio de Janeiro a D. Pedro II, João Pereira do
Vale descreve a importância do ensaiador para as fundições e os problemas que sua falta
poderia causar. Naquela época, os trabalhos na casa de fundição e moedas do Rio de Janeiro
estavam ameaçados, pois
[...] Há hum só ensayador, mandando o Regimento que sejão dous, e nesta
Conquista, pella grande distancia, assim se devia praticar pello perigo que há de que,
faltando o que existe, esteja o lavor da Caza parado por todo o tempo que se aviza a
V. Mag.de para prover de remedio, sendo este officio de tanta importancia que não
he rezão se admita a elle para o aprender alguns daquelles a quem a fortuna traz por
estas partes, e os filhos da terra não se querem sogeitar a estes officios, e
deficultozamente se achará alguein de quem se espere capacidade [...].
356
Vinte e cinco anos depois Inácio de Souza teria as mesmas dificuldades. O ofício de
ensaiador era caro e raro. O ensaio demandava tempo e materiais como cadinhos, água-forte,
prata e chumbo de alta qualidade. O governador D. Lourenço, na mesma correspondência
citada acima, argumentava com os oficiais da câmara de Vila Rica que o ensaio bem feito
quando da fundição das barras diminuía os custos para a posterior redução destas a moedas.
Caso contrário, outro ensaio precisaria ser feito, já que a pureza do ouro a ser transformado
em moedas precisava ser padronizada. Por isso, os moradores das Minas não estavam em tão
grande prejuízo frente àqueles de outras comarcas e reinos, como acreditavam. O que o
governador não considerava é que talvez nem todos os moradores das Minas quisessem seu
ouro transformado em
dinheiro. Tal padronização era indispensável para as moedas, mas não
para as barras, que teriam seus quilates indicados em seu corpo e eram, na verdade, apenas um
modo de taxar e dar uma forma mais prática ao metal e não uma forma de fazer dinheiro.
Em
1719, quando da sua primeira ordem para a instalação das casas de fundição, uma declaração
de El-Rei mandada às Minas estabelecia que os quilates do ouro fundido em tais casas oficiais
deveriam ser determinados pelo toque e não por ensaio. Mesmo o segundo método sendo mais
preciso, era ele muito demorado e só seria usado a pedido expresso do proprietário do ouro,
“cabendo o tempo”, de forma a não atrasar os trabalhos da casa.
357
Além do custo do ensaio, é
possível observar que o tempo era um fator a se considerar.
355
APM, CMOP 006, fl. 56-57v.
356
Documento do AHU retirado de ANTONIL, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, 2001.
Apêndice Documental, Documento XX, p.406-412.
357
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.65.
215
No caso de fabricação de moedas falsas, o momento em que o ensaio era feito – se
quando da fabricação das barras ou das moedas – era irrelevante, já que, para fabricar moedas
idênticas às peças oficiais, precisariam desse artífice de qualquer maneira. A preocupação
com o ensaio do ouro, um dos fatores que atrasavam o início das atividades clandestinas de
forma mecanizada e definitiva, enfraquece a idéia de que se pudesse estar planejando fabricar
moedas com um teor ou qualidade de ouro inferior ao das moedas oficiais. Por outro lado, as
notas de que dispunha Inácio de Souza para dar melhor acabamento às moedas, melhorando
sua aparência com bruniduras e fazendo-as reluzir, e o acesso a pontas de tocar pode indicar
que o falsário desistira desse cuidado e já pretendia improvisar outras soluções diante da falta
desse artífice. Além disso, caso já estivesse produzindo moedas com o martelo anteriormente,
estas estariam sendo feitas sem ensaio e poderiam não ter o grau de pureza das originais.
As fundições, ensaios e toques demandavam equipamentos especiais. A loja de
fazendas de Inácio de Souza era um ótimo lugar para obtenção de alguns desses objetos, pois
não só já contava com a infra-estrutura necessária para o comércio, incluindo um caixeiro,
como servia de fachada para encomendas suspeitas, como a grande quantidade de armas
pedida pelo líder dos falsários quando este enviou sua última carregação de diamantes para a
Europa, antes de ser preso. Sabemos também que foi ali que coletaram suas pontas de tocar.
Embora conseguissem produzir muitas das ferramentas ou maquinário que poderiam não estar
à venda na colônia, como cadinhos, sarrilhas, saca bocados, engenho de cunhos e fieiras, estes
eram equipamentos de certa forma mais grosseiros. Outros materiais e objetos necessários
tinham um grau de sofisticação muito maior, e não era possível que os membros do grupo os
produzissem por conta própria, pois eram demasiadamente dispendiosos, como as armas de
defesa encomendadas e, também, do solimão, tão necessário nas fundições. Na
correspondência de Diogo de Mendonça Corte Real, mencionada acima, sobre como se
reconhecer ouro falso ou misturado no momento de se receberem pagamentos com ouro em
pó ou granitos, sugeriu-se que os alicates necessários ao toque pudessem ser mandados de
Portugal.
358
Não sabemos da real necessidade de se enviar tal equipamento do estrangeiro,
mas sabemos que esses alicates seriam necessários na fábrica ilícita do vale do Paraopeba, que
tinha as próprias pontas de tocar.
As balanças e o cofre que havia na fábrica clandestina eram instrumentos que podiam
tanto ter sido comprados em Vila Rica ou outros locais da colônia quanto podiam ter sido
358
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.236-236v.
216
produzidos no próprio sítio. Ambos faziam parte do repertório dos objetos feitos nas tendas
dos ferreiros em Minas e não precisavam ser importados.
No caso do solimão, os falsários o divertiam das casas de fundições e moedas da
coroa. A operação era feita em tal volume que comprometia os trabalhos oficiais. Esse
sublimado era indispensável na fundição das barras. Os detalhes do desvio de solimão dos
ciclos régios e a sua obtenção para a fábrica ilícita já foram discutidos no Capítulo 2 e estão
entre os melhores exemplos das conexões de Inácio de Souza em redes de contatos e
influências que se misturavam às esferas oficiais de poder e das quais o falsário se aproveitava
em ampla escala.
Outros objetos necessários às fundições eram os cadinhos. A possibilidade de sua
produção no sítio de Boa Vista do Paraopeba já foi atestada. No entanto, não deve ter ocorrido
na casa de fundições e moedas propriamente dita, mas, sim, em outros prédios do complexo,
tema que será discutido à frente.
Na planta podemos ver também as bigornas, que seriam utilizadas para diversas
funções, entre as quais vale notar: martelar as formas para soltar as barras, martelar as pontas
das mesmas barras para ver se foram devidamente reduzidas – se racharem, o processo se
inicia novamente, como demonstra a descrição de Eschwege, dada acima – e martelar as
pequenas chapas de liga de ouro e prata formadas para o ensaio do metal aurífero.
Havia também as fieiras de rodas e de dobras. Não sabemos qual a diferença entre as
duas. Podemos sugerir que deviam funcionar sob dois princípios distintos: um que contava
com a ajuda de rodas ou engrenagens e o outro que devia funcionar apenas com a força
humana (FIGURA 40). Princípios diferentes podiam ser uma questão de precisão, talvez com
a fieira de dobras realizando o trabalho inicial mais grosseiro e a fieira de rodas continuando o
trabalho para além do que a força e destreza humanas podem conseguir sem a ajuda das rodas.
Outra possibilidade é a de que a fieira de dobras se referisse àquele tipo específico de moeda,
sendo uma máquina construída para prover fios unicamente para sua produção.
217
FIGURA 40: Fieiras de dobras e de rodas ilustradas na fábrica de moedas falsas de Inácio de Souza.
Detalhe da planta do sítio de Boa Vista do Paraopeba. A legenda da planta não deixa claro qual era qual,
mas podemos supor que a de rodas é aquela ilustrada à esquerda, com suas engrenagens, e a de dobras
aquela ilustra a direita, com seu formato em “V” preso a um cepo, tendo uma das extremidades,
aparentemente, como cabo.
FONTE: BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699
No entanto, a sugestão considerada aqui como mais provável é que a fieira de rodas
produzia o fio, e a fieira de dobras o ajeitava na forma de caracol para a formação dos discos
numismáticos, especificamente para a produção de dobras, um tipo de moeda comumente
escolhida para ser falsificada naquela época, fosse pela facilidade do molde ou do entalhe das
armas reais, fosse pela sua ubiqüidade ou pelo seu valor (FIGURA 41). Nesse caso, a fieira de
dobras teria este nome não por produzir fios, mas por colocá-los num molde padrão para a
produção dessa peça específica. Em uma carta ao conde das Galvêas, de 1733, El-Rei
expressa sua preocupação sobre se lhe
[...] ter representado que nessas Minas há certas dobras de doze mil e oitocentos réis
a que chamam tapadas as quais provavelmente se terão espalhado por outras dessas
Minas, [que] há presunção que sejam diminutas, e fabricadas foras das Casas de
moeda [...].
359
Eram exatamente as dobras de 12$800 um dos dois tipos de moeda produzidos na casa
da moeda de Vila Rica. Como outro exemplo há também a diligência do desembargador
Joaquim Rodrigues Santa Marta Soares a respeito de moedas falsas, que levou vários réus
para Lisboa, com “quarenta e quatro dobras de 128oo (sic.), quinze em chapa, e vinte nove
cunhadas”.
360
Seria improvável a existência de duas máquinas diferentes para a mesma função
e o desenho completamente diferente das duas pode indicar que faziam coisas diferentes, em
vez de realizarem diferentes etapas da mesma função. A citação acima esclarece que em
alguma etapa da produção se produziam chapas de dobras, que deviam ser os discos
numismáticos ainda não cunhados – ou seja, em branco – que precisariam ter sido produzidos
359
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.71.
360
ANTT, Conselho de Guerra, maço 260, 1ª caixa.
218
de alguma maneira, de forma padronizada para aquele tipo de moeda. Esta interpretação é
reforçada ainda pela existência, na interpretação do desenhista da planta da casa da moeda
clandestina, de um “cunho de dobras”, que na verdade é o engenho do cunho, mas que devia
ser específico para as referidas “tapadas”. Além disso, a “fieira de rodas” seria mencionada
desta forma em documentos posteriores ao desenho da planta, que não fizeram menção a uma
“fieira de dobras”, sugerindo, mais uma vez, uma pequena confusão por parte do desenhista
ao interpretar os instrumentos da fábrica.
361
FIGURA 41: Dobras de 12$800 cunhada nas Minas. É possível notar a letra “M” logo acima da data na
face com o perfil de D. João V. Era uma moeda diferente do dobrão de 24$000 que, apesar do valor, vinha
apenas com número 20.000 gravado nela.
FONTE: Fotografia, internet, website desconhecido
A fieira transformava as barras em longos fios que podiam ser moldados mais
facilmente nos discos que seriam as moedas. Com um fio muito fino fica fácil separar o peso
exato e, em seguida, arranjá-lo em qualquer forma. Os discos numismáticos seriam facilmente
obtidos colocando os fios em caracol e recozendo-os para fundi-los em sua nova forma. Tal
técnica é muito comum também para trabalhar argila, tendo o fio como a forma básica mais
fácil de se moldar qualquer objeto, e não seria surpresa o trânsito de técnicas entre diferentes
tipos de materiais maleáveis. Esquentar as barras nas forjas também facilitaria o trabalho de
361
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.121-122.
219
fiá-las e o fato de ser um fundidor o responsável pela calibragem dessas máquinas reforça esta
idéia. Não foi encontrada qualquer informação sobre as formas de trabalhar os fios depois que
as barras passavam pelas fieiras, embora este fosse um estágio fundamental para a produção.
O ouvidor-geral Diogo Cotrim, na contas de sua diligência, comentou sobre o estágio
avançado do negócio das moedas falsas no sítio de Boa Vista do Paraopeba, onde “já se
fundia o ouro em barra e se tinham passado cinco por fieira, essas estavam com liga
aproximando se em tudo ao ato e exercício de fazer moeda”.
362
Essas máquinas eram comuns
no exercício de ourivesaria e deviam estar disponíveis na colônia. Embora esse ofício fosse
proibido nas Minas, como já foi observado no Capítulo 2, tais proibições não foram eficientes
e os seus saberes e técnicas continuaram sendo uma ameaça para a arrecadação dos quintos. A
presença dessas ferramentas na fábrica de Inácio de Souza Ferreira reforça a importância
delas para aquele negócio ilícito e outros semelhantes.
O cunho de dobras representado no desenho se refere, na verdade, ao engenho do
cunho. A referência às “dobras” talvez signifique o tipo de moeda para o qual foi construído,
já que os mecanismos descritos para o seu funcionamento em fontes coevas ou em outros
trabalhos
363
não fazem menção a um princípio mecânico de “dobra” para esta ou qualquer
outra máquina, mas mencionam outros como o balancim e as rodas. Esse engenho já foi
discutido acima, falta apenas salientar seu papel no processo de fabrico das moedas. Após
passarem pelas fieiras, as barras eram, de alguma forma, moldadas em discos que seriam
batidos pelo cunho aberto com as armas reais que estava colocado no engenho. Tomariam,
então, a forma final de moeda.
O desenhista se deu ao trabalho de ilustrar as mesas de gavetas da casa da moeda, mas
o significado preciso dessa preocupação nos escapa. Podia apenas denotar um alto nível de
organização dos materiais, ferramentas e notas da fábrica ilícita. Havia uma dessas mesas no
salão principal dos trabalhos e uma no pequeno cômodo anexo, onde era feita a contabilidade.
As cadilhas são interpretadas, aqui, como cabides ou locais onde se dependura
qualquer coisa. Podem ser também vasos dependurados para guardar objetos ou, possibilidade
mais provável, materiais que precisassem ser contidos em recipientes, como o solimão, o
chumbo, a prata em pó para os ensaios ou a água-forte. A definição de Raphael Bluteau é de
fios que pendem da extremidade de um pano ou tecido e a definição contemporânea se refere
aos recipientes dependurados nas seringueiras para receber a seiva. A idéia de algo que pende
362
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
363
TÚLIO, Falsários D’El Rei, 2005.
220
é o ponto de interseção das duas definições, mas não podemos ter certeza quanto ao que
significavam precisamente na planta da casa da moeda de Inácio de Souza.
A posição do cepo de cunhos no cômodo anexo é interessante e nos leva a algumas
considerações. Na mesma sala anexa se encontrava o saca-bocados, ferramenta cravada num
cepo
364
e que servia para arrancar pedaços da moeda com a precisão necessária para não
danificar sua forma ou as armas reais gravadas nela e alterar seu peso em gramas. Podia ser
utilizado, também, para cortar os fios que seriam transformados em moedas. O objetivo era
calibrar o peso das peças da maneira mais precisa possível. Também havia nesse cômodo um
cofre, balanças e a sarrilha. As funções do cofre e da balança são óbvias. O que importa notar
aqui, no entanto, é que essa sala contém toda a infra-estrutura para receber os materiais da
fábrica, incluindo o ouro, e realizar o acabamento das moedas prontas. Era ali onde tudo
entrava e de onde tudo saía e, portanto, onde trabalhava João Barbosa Mayo, numa função
idêntica à do fiel do ouro nas casas de fundições e moedas oficiais. Considerando que o cepo
do cunho, peça onde o engenho batia para esmagar os discos numismáticos para fazer as
moedas, também era guardado nesse cômodo, observa-se novamente uma imitação das formas
organizacionais das casas da moeda oficiais, onde o cunho era guardado em local separado do
engenho, pelo guarda do cunho, cuja função também incluía posicioná-lo corretamente no
engenho do cunho. Desconhecemos se João Barbosa realizava também essa última tarefa, mas
ainda assim o cunho era guardado nos aposentos destinados a sua função de fiel do ouro e
responsável pela contabilidade. Nessa segunda função podemos compará-lo também ao
escrivão da receita e ao escrivão da conferência e, talvez, até ao guarda-livros, existentes nas
casas oficiais e estipulados pelo regimento de 1687. É interessante notar também que, por
motivos de segurança, João Barbosa vigiava o cofre, mas não detinha uma chave deste, da
mesma forma que os escrivães nas casas oficiais. As duas chaves do cofre eram mantidas
pelos dois responsáveis pelas entradas das partidas de ouro e dinheiro: o senhor Manuel da
Silva Neves, que estava sempre transitando, e o fundidor José Francisco. Este último tinha
permissão para abrir o cofre, mas, talvez por morar na própria casa da moeda, diferentemente
de Manuel da Silva, precisava sempre entregar sua chave a José de Faria Coimbra, na ferraria.
Ou seja, nenhuma das duas chaves ficava na casa de barras e moedas falsas e o cofre só podia
ser aberto com o consenso de alguns de seus trabalhadores residentes e outros itinerantes. As
casas de fundições e moedas oficiais possuíam uma forma muito semelhante de cuidar das
chaves, apresentando um complexo sistema de guarda e combinações para se abrir o cofre ou
364
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 24.
221
ter acesso ao cunho e evitar, assim, contravenções (FIGURA 42).
365
Nas casas oficiais
também era o fundidor um dos detentores de uma das chaves e também o responsável pelas
partidas de ouro que entravam na casa. Já a preocupação com o cunho na fábrica de Inácio de
Souza era mais relaxada, mas ainda assim existia.
Os cepos onde se prendiam todas essas ferramentas, mencionados constantemente na
documentação, eram troncos de madeira ou peças deste material, em forma de coluna, que
serviam de base para se prender alguma coisa. Tais peças costumavam ser bastante rústicas e
freqüentemente precisavam ser bem robustas. Tal era o caso do cepo do cunho, por exemplo.
Talvez a função do “carapinha” João Moreira fosse arranjá-las para receberem as ferramentas
da casa da moeda ilícita, mais uma evidência de que o termo “carapinha” realmente se
referisse ao seu ofício mecânico e não a sua aparência, como já foi discutido acima.
É possível que o cepo de cunhos fosse utilizado para a produção manual das moedas,
ou seja, cunhagem a martelo. Tal instrumento podia ser usado tanto para isso quanto para o
engenho do cunho e indica a possibilidade de fabrico de moedas sem o engenho, no sítio de
Boa Vista do Paraopeba. Como já foi observado, as barras já estavam em processo de passar
pelas fieiras mesmo sem o engenho. Embora isso possa indicar alguma pressa por parte dos
falsários, pode indicar, também, a produção de moedas sem aquela máquina. Produzir fios,
calibrá-los com o saca bocados, moldá-los e esquentá-los para a cunhagem também fazia
parte do processo manual, que não pode ser excluído pela falta de um engenho do cunho ou
de um ensaiador.
Outra máquina ou ferramenta da planta que precisa ser considerada é a sarrilha.
Segundo Rapahel Bluteau e dicionários modernos, a palavra deveria significar sarilho, que é
um mecanismo utilizado para enrolar fios, como uma espécie de carretel ou rolo, fosse para o
armazenamento ou para a movimentação de alguma máquina que funcionasse por cabos. Na
mineração, o nome “sarilho” era empregado para designar rolos de corda girados por uma
manivela para levantar ou abaixar pesos, geralmente para dentro de cavidades e buracos das
minas (FIGURA 43).
366
Era um instrumento comum aos mineradores e sua existência nas
Minas setecentistas já foi atestada por Flávia Maria da Mata Reis (2007, p.154-156).
365
TÚLIO, Falsários D’El Rei, 2005.
366
Para uma discussão sobre os instrumentos de mineração utilizados nas Minas durante o Setecentos ver REIS,
Entre faisqueiras, catas e galerias, 2007.
222
FIGURA 42: Cofre das casas de fundições e moedas
oficiais com seu sistema de segurança de várias chaves
para sua abertura.
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008. Peça do acervo
do Museu do Ouro, Sabará, Minas Gerais.
FIGURA 43: Sarrilho europeu
ilustrado por Georgius Agricola e
utilizado na mineração.
FONTE: AGRICOLA, De Re
Metallica, 1950, p.161. Retirado de
REIS, Entre faisqueiras, catas e
galerias, 2007, p. 156.
Ora, sabemos que as barras de ouro passavam por fieiras para se transformarem em
moedas, já que o fio é a forma mais simples de se trabalharem materiais maleáveis. Tais fios
precisavam ser guardados de forma organizada em algum lugar e o sarilho se apresenta como
223
uma ótima solução. Permitia o manuseio confortável dos fios já que, dada a maleabilidade do
ouro e dependendo da espessura dos fios, uma barra podia ser estendida por muitos metros e
precisaria, portanto, ser guardada adequadamente. A posição da sarrilha no cômodo anexo da
casa da moeda clandestina, bem ao lado da balança e do saca-bocados, indica que era ali que
os fios podiam ser cortados, com precisão milimétrica, nas quantidades necessárias para se
fazerem novas moedas ou talvez até calibrar o peso de outras prontas. As quantidades precisas
eram alcançadas pesando os cortes de fios na balança. Não era possível unir às moedas
prontas pequenos grãos de ouro para retificar o seu peso. Uma moeda abaixo do peso tinha
que ser destruída e re-cunhada
367
, o que sugere que, por segurança, as moedas deveriam ser
feitas com uma margem de excesso para depois serem acabadas no saca bocados. Tal
processo aponta para a necessidade de um oficial experiente e honesto para cuidar e operar a
sarrilha, a balança e o saca-bocados.
Outra interpretação para a sarrilha é que esta fosse uma máquina usada não só para
armazenar os fios de ouro, mas para enrolá-los na forma dos discos numismáticos. Neste caso,
realizaria a função que foi atribuída acima à “fieira de dobras”, que também é uma máquina
cujo uso exato nos é desconhecida, apesar da suposição discutida acima. A sarrilha poderia
ser um mecanismo que, ao mesmo tempo em que desenrolava os fios armazenados, já os
enrolava nos discos numismáticos, tendo, de fato, dois carretéis. Essa é outra possibilidade.
Por fim, podemos ver também os quartéis, onde dormiam aqueles que viviam na casa
de barras e moedas, responsáveis pela produção e pela defesa do estabelecimento. Francisco
Borges disse em sua delação que sempre havia sete ou oito brancos na referida casa. Podemos
supor que entre eles estavam os dois fundidores, José Francisco e João Lourenço, que
andavam com nomes falsos e que conseguiram fugir; João Barbosa Mayo, responsável pelas
contas; Damião Gomes do Vale; o oficial de ferreiro, Antônio Pereira; o “carapinha” João
Moreira; Manuel Mourão Teixeira; João Gonçalves e João Ribeiro. Os homens de Diogo
Cotrim prenderam dois brancos naquelas casas. Ora, há exatamente dois brancos
pronunciados na sentença de 1732, que não aparecem como moradores das casas de vivenda
na delação que fez Francisco Borges. Eram eles Damião Gomes do Vale e Antônio Pereira.
Com exceção dos negros da cozinha, um pouco mais afastada, todos os moradores das casas
de vivenda foram presos, o que nos leva a supor que Antônio Pereira e Damião Gomes
trabalhavam na casa de fundições e moedas. Não sabemos a função deste último, mas
sabemos que era um dos poucos sócios juramentados e, portanto, devia ser um próximo do
367
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol. 26, fl.71 e APM, CMOP 006, fl.157v-161.
224
líder dos falsários. Essa soma nos leva ao número de nove homens nas referidas casas, um ou
dois a mais do que o número dado por Francisco Borges. Logo, podemos supor que um ou
dois desses homens habitavam outro lugar do complexo, estavam fora do sítio ou que o
delator deu um número apenas a título de aproximação. Manuel da Silva Neves era um dos
sócios que não foi preso. Como já foi dito, esse homem vivia em trânsito entre a fábrica e Vila
Rica – mesmo que tivesse funções definidas na primeira – e muito provavelmente não se
encontrava no sítio de Boa Vista do Paraopeba. Nas casas de vivenda habitavam, além do
delator Francisco Borges, Inácio de Souza, Miguel de Torres, Antônio de Souza e Francisco
Tinouco, todos presos. Na ferraria viviam José de Faria Coimbra e José de Souza Salgado,
que, a princípio, conseguiram fugir, mas os homens de Diogo Cotrim os perseguiram pelos
matos e conseguiram prender José de Souza.
A casa da moeda ficava afastada das casas de vivenda mais de um quilômetro e meio,
de acordo com a medida dada na planta, num local onde hoje há uma área pasto de braquiara
(FIGURA 44). Seus vestígios não sobreviveram na superfície e o seu local exato permanece
desconhecido. Tal distância era mais uma medida de segurança adotada pelo bando de
falsários. Além desta, se deram ao trabalho de dotar a referida casa com vários sistemas de
defesa. Possuía, dentro dela, um contingente de homens bem armados e só era alcançada por
uma ponte que, segundo Francisco Borges,
[...] tem oitenta palmos de comprido, com uma porteira no principio fechada de dia e
de noite com uma corrente de ferro, e sua fechadura e toda a dita casa fortificada
com uma grande estacada // De pau a pique que senão pode entrar para ela senão
pela dita porta nesta se deve vossa mercê haver com muita cautela por ser muita
arriscada a entrada porque de dentro da dita casa se defende toda a ponte e cuida
muito o dito meu sócio na sua defesa [...].
368
Tanto a estacada quanto a ponte foram ilustradas na planta
369
e dão à casa um aspecto
parecido com o de uma fortaleza. Além desses elementos, na sentença que se proferiu contra
os sócios presos, há a descrição de um fosso ao redor do prédio, “feito pela natureza e corrido
de água entupido de ramos e paus cortados do mesmo Mato, e cavado o fosso com estacada à
roda e na entrada uma ponte de Madeira fechada com cadeado”.
370
Na planta que se desenhou
não foi ilustrado tal fosso, e é possível que tenha sido uma má interpretação, por parte dos
magistrados em Lisboa, das contas de Diogo Cotrim e se referissem, na verdade, ao pequeno
ribeiro que corre ali. No entanto, hoje, o que corre nesse ponto é apenas um filete d’água
368
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
369
Conferir FIGURA 36, acima. É possível ver a estacada ao redor do prédio e a ponte sobre o ribeiro.
370
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.121-122.
225
praticamente sazonal, ao fundo de um valo. Se fosse essa a situação de 300 anos atrás, isto
poderia justificar a interpretação dos magistrados em Portugal. Ainda assim, é possível sugerir
que o obstáculo natural – fosse ele um córrego ou valo com filete d’água sazonal – estava
entupido de estrepes para impedir a travessia e forçar qualquer investida contra a casa a ter
que atravessar a bem protegida ponte.
FIGURA 44: Local provável onde foi instalada a fábrica de barras e moedas ilícitas de Inácio de Souza
Ferreira nos anos de 1720. Hoje é um pasto, mas na época o local estaria coberto por matas. A densa
vegetação no fundo do vale escondem o curso d’água presente no local e que foi ilustrado na planta
encomendada pelo ouvidor-geral Diogo Cotrim.
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008.
A idéia de uma casa de fundições e moedas protegida tampouco foi uma inovação do
grupo liderado por Inácio de Souza. As versões oficiais também eram construídas com
especial atenção dada à proteção. Pouco depois de assumir o governo das Minas, em 1722, D.
Lourenço de Almeida apresentou ao monarca diversos impedimentos para o estabelecimento
das fundições oficiais e concluiu com um parecer negativo quanto à possibilidade da sua
226
instalação.
371
Um dos impedimentos apresentados pelo governador foi a falta de um prédio
apropriado para a função. Como afirmou o governador,
[...] em nenhuma destas Vilas há casa feita de novo para fundição nem casa da
Moeda e sem embargo que houve pessoa que prometeu ao Conde de Assumar a
fazê-la como foi Francisco do Amaral Coutinho, este entendeu satisfaria a sua
promessa em fazer uma só casa de paus a piques, e não uma oficina composta de
várias casas, feitas de pedra e cal, como diz Eugênio Freire que são necessárias, as
quais importam tanto cabedal como ele diz na sua conta, que dá a V. Majestade e
por esta causa não se deu princípio a esta Casa que prometeu ao Conde de Assumar
fazer o dito Francisco do Amaral Coutinho e assim até o presente não há nenhum //
nenhum princípio do material das Casas, que se necessitam para fundições e moeda
[...].
372
Dois anos depois, a solução encontrada pelo governador foi a apropriação das obras
dos quartéis que estavam sendo construídos para a companhia de dragões das Minas. Um
conjunto de prédios militares, aparelhados para serem defendidos e “fabricados no sítio que
entendemos eu [D. Lourenço de Almeida], Eugênio Freire e o Dr. Provedor da fazenda real,
que é mais proporcionado para as casas da fundição e moeda”.
373
Outro fato que determinou
essa escolha em boa parte foi a pressa com que se precisava finalizar tais casas, mas a
preocupação com a proteção do sítio seria reafirmada quando se escolheu erigir o novo prédio
para os dragões bem ao lado do antigo sítio onde já funcionavam, então, as recém-
estabelecidas casas de fundições e moedas, para “que fiquem estes quartéis junto da casa da
Moeda, para lhe servirem de guarda, por que é razão que a tenha, e que heis de cuidar
muito”.
374
Uma vez prontas as casas de fundições e cunhagens, esses quartéis parecem ter
sido erigidos um pouco às pressas e de improviso, para garantir a defesa do ouro. Não se
esperou angariarem-se os recursos necessários, decidindo-se que
[...] como a casa da Moeda está acabada, e de uma obra grande, sempre há sobejos
determináveis, aproveitar as madeiras que sobejaram, e fazer um quartel com as
paredes de taipa de pilão, que é de pouco preço e forte, e as casas térreas, para
acomodar esses soldados [...].
375
Embora feito dessa forma, não se descuidou nos preparos para a defesa, erigindo-se
paredes que se pensava fossem fortes para o objetivo em questão. A mesma atenção seria
dada às casas de fundições e cunhagens de Sabará, estabelecidas em 1751, e cujo prédio
371
Estas ações de D. Lourenço de Almeida quanto ao estabelecimento das casas de fundição e moedas oficiais
nas Minas e uma interpretação de suas atitudes já foram discutidas no capítulo II.
372
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.153v-155.
373
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.158-162v.
374
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.121-122.
375
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.121-122.
227
sobrevive até os dias de hoje.
376
Estas, estabelecidas em casas originalmente de vivenda em
forma de “U” com um pátio ao centro, receberam grossas grades de madeira no andar térreo e
um novo prédio em anexo, que fechava o pátio e dava um novo desenho à construção,
assemelhando-a a um pequeno forte (FIGURAS 45, 46 e 47).
O prédio em Sabará era construído com grossas paredes de adobe que, embora não
fossem tão fortes quanto as de taipa-de-pilão, eram superiores às de pau-a-pique que foram
criticadas por D. Lourenço em 1722. De acordo com as histórias que se contam, hoje, no
museu do Ouro, tal descuido custaria caro à casa de fundição de Sabará, que acabou sendo
roubada por um negro que se escondeu debaixo da escada e, durante a noite, literalmente
cavou a parede de adobe e fugiu com uma partida de ouro que estava fora do cofre. Talvez as
paredes de taipa-de-pilão dos quartéis dos dragões encomendados em 1725 por El-Rei
também não fossem satisfatórias, mas a questão não é esta, e sim que o monarca acreditava
que eram, demonstrando, portanto, preocupação com a proteção do lugar, da mesma forma.
Toda a discussão acima aponta várias tendências no estabelecimento da casa de
fundições e moedas clandestinas no vale do Paraopeba. Vale chamar a atenção para a
preocupação com a defesa e para uma organização do trabalho manifesta, inclusive, na
arquitetura do lugar. O negócio ilícito de falsificação era conduzido em três áreas de trabalhos
mantidas separadas, da mesma forma que nas produções oficiais
377
: uma oficina para os ferros
e cunhos, outra para as fundições e uma terceira para as cunhagens. Quando de sua investida,
o próprio ouvidor-geral apontou essas duas tendências nas características do estabelecimento
clandestino em todas as suas contas, cartas e descrições feitas sobre o assunto, enfatizando,
inclusive, a separação do cômodo em anexo onde se guardava o cunho e se realizavam as
contas das entradas e saídas das partidas de ouro e dinheiro.
378
376
A construção em questão é o prédio onde funciona o atual Museu do Ouro de Sabará.
377
Para uma descrição da organização interna das casas da moeda oficiais ver TÚLIO, Falsários D’El Rei, 2005.
378
Várias citações de Diogo Cotrim de Souza reproduzidas até aqui demonstram isto. Ver especialmente a
citação relativa à nota 331 deste capítulo.
228
FIGURA 45: Prédio onde funcionou a casa de fundição e intendência de Sabará nos séculos XVIII e XIX e
que abriga, hoje, o Museu do Ouro.
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008.
229
FIGURA 46: Planta da cobertura atual do prédio onde funciona o Museu do Ouro, Sabará, Minas Gerais.
Inicialmente tratava-se de uma casa de vivenda composta, apenas, pelas estruturas em branco, tendo
recebido o anexo marcado em vermelho, do seu lado nordeste (NE), para abrigar a instituição régia em
1751. O desenho final do prédio dá a ele as características de um pequeno forte, com um pátio central,
interno, cercado de todos os lados.
FONTE: LIMA, Revitalização do Museu do Ouro, 2004.
230
FIGURA 47: Detalhe das janelas do prédio onde funciona o Museu do Ouro, Sabará, Minas Gerais.
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008.
A multiplicidade das áreas de trabalho é mencionada também para as casas oficiais,
por Eugênio Freire de Andrada, superintendente das casas de fundições e moedas de Vila
Rica, em outra citação já reproduzida acima, onde ele reclama da falta de “uma oficina
composta de várias casas” para a instalação das fundições e cunhagens régias.
379
Para estas
havia também um provedor, que não habitava o lugar, mas visitava-o com freqüência para
supervisionar o trabalho e garantir o bom andamento de tudo. Realizava a função de uma
espécie de administrador-geral, muito semelhante a Inácio de Souza em sua fábrica
clandestina.
Um último elemento a ser observado sobre a casa clandestina de barras e moedas é o
alto custo de seu estabelecimento. Prédios e cômodos separados por funções, casas de pedra,
estacadas, pontes, estrepes, solimão, água-forte, máquinas, bigornas, ferros, ferramentas,
cofre, balanças, móveis, armas, pólvora e tudo o mais necessário ao empreendimento ilegal
379
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.153v-155.
231
demandava enormes gastos. Tais custos já haviam sido observados em 1722 por Eugênio
Freire de Andrada e por D. Lourenço de Almeida. Como observava o governador,
[...] Pela representação que me fez o Superintendente Eugênio Freire de Andrada
que remeto inclusa será presente a V. Majestade o gravíssimo prejuízo que teria a
real fazenda de V. Majestade em se fabricarem casa de moeda e Fundição nestas
Minas porque a despesa que se necessita fazer com o material das casas é tão
excessiva que importa muitas arrobas de ouro como mostra o orçamento, e da
mesmo forma é também excessiva a despesa que é precisa para os materiais das
fundições, e salários dos oficiais das casa o que tudo junto faz uma considerável
soma [...].
380
Além disso, o governador e o superintendente apontavam os gastos com os
transportes, já que muito dos materiais, como sabemos, vinha de outras comarcas ou de além-
mar. D. Lourenço, convenientemente, superaria tais problemas em 1724, quando conseguiu
convencer os povos das Minas da instalação das casas, mas, em momento algum, alterou sua
posição quanto ao tamanho desses gastos, que de fato deviam ser grandes.
3.2.2 A Ferraria, as Casas de Vivenda e Outros Prédios e Estruturas
O restante do complexo do sítio pode ser dividido em três grupos principais de prédios
e estruturas (FIGURAS 48 e 49). Afastada tanto da casa de fundições e moedas ilícitas quanto
das casas de vivendas havia a ferraria e a casa de José de Faria. No alto do morro que dividia
os dois córregos estavam as casas de vivenda e outras construções associadas.
381
O restante
dos prédios e estruturas do complexo está aglomerado à beira do córrego, dos dois lados, mas
não foi citado como lugar defendido. Havia também o caminho de chegada ao sítio e a
estrebaria, solitária, onde os dois córregos se aproximam. Diogo Cotrim tomou precauções
especiais baseando-se nessa divisão. Recebera muitas recomendações de Francisco Borges
determinando os locais defendidos do complexo. Quando de sua investida, o ouvidor-geral
separou seus homens em três grupos ou “troços”. Como ele mesmo afirmou,
380
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.155v-158. O mesmo orçamento, assim como as reclamações sobre as
despesas, são mencionados em ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.153v-155.
381
Esta característica topográfica do estabelecimento das casas de vivenda também pode ser observada hoje, in
situ.
232
[...] um dos três troços para a casa de vivenda ou assistência do dito Inácio de Souza,
que tomei a minha [ilegível], outro para a casa da moeda a que pus por cabo um meu
Primo Raimundo da Silva Furtado, que tinha vindo a ver-me do Serro, e o terceiro
para a casa de um José de Faria Coimbra, principal artífice daquela fábrica, que
mandei governasse um escrivão dos órfãos Antônio C[ilegível] [...].
382
Tal divisão se provaria inútil, pois, dadas as características geográficas do lugar, para
se chegar à casa da moeda ou à ferraria era necessário primeiro passar pelas casas de vivenda,
por onde os três troços devem ter atravessado. O resultado foi a fuga dos membros e a captura
de apenas dois brancos na casa da moeda e de José de Souza nos matos circunvizinhos.
A separação da ferraria da casa de fundições e moedas ilícitas permitia que ela
operasse como casa de cunhos, e provavelmente era ali que esses objetos eram produzidos –
uma forma de organizar as atividades em seus devidos espaços, como nas casas de barras e
moedas oficiais.
383
A ferraria também era defendida de forma muito semelhante às casas das
fundições e cunhagens, com uma ponte própria e uma estacada, o que atestava sua
importância em todo o complexo e permitia, como veremos, proteger melhor as casas de
vivenda. José de Faria Coimbra, “mestre de todas as obras”, não morava no prédio da ferraria,
mas em uma casa ao lado dela, que ficava também dentro das estacadas (FIGURA 50). Suas
funções e as de seus assistentes, José de Souza Salgado e três ou seis negros, já foram
discutidas acima. Todos os homens, inclusive os negros, estavam sempre armados, e as casas
contavam, também, com cães de fila.
382
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
383
Para uma descrição da organização interna das casas da moeda oficiais ver TÚLIO, Falsários D’El Rei, 2005.
233
FIGURA 48: Detalhe da planta do sítio de Boa Vista do Paraopeba onde foram salientados os três grupos
de prédios definidos neste trabalho. A ferraria e a casa de José de Faria Coimbra podem ser vistas
marcadas em vermelho. As casas de vivenda e as outras estruturas associadas a ela foram marcadas em
amarelo. Por fim, as estruturas aglomeradas na beira do córrego receberam uma marcação em azul.
FONTE: BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699
234
FIGURA 49: Representação do terreno em uma carta atual com a posição aproximada dos três grupos de
estruturas descritos na FIGURA 51, marcados com as mesmas cores, e, ainda, o provável local da
estrebaria, marcado em roxo, e o local aproximado da fábrica de barras e moedas falsas, marcado em
marrom.
FONTE: DSG (Diretoria de Serviços Geográficos, Min. do Exército) (1981) Folha SF-23-X-A-III-3-NO,
MI-2573/3-NO, Barra do Gentio, 1:25.000
235
FIGURA 50: Detalhe da planta do sítio de
Boa Vista do Paraopeba mostrando a
ferraria e a casa de José de Faria Coimbra
(22. Cazas de Jozeph de Faria M.e de todas
as obras. q’ dista da de Ignacio de Souza
1810 paços; e 23. Ferraria, e mais Cazas do
d.º M.e), ambas dentro de uma estacada
(29. Estacadas) e a beira de um curso
d’água (7. Ribeiro) que precisa ser
atravessado por uma pequena ponte para
se chegar ao pequeno complexo.
FONTE: BNL, Coleção Pombalina, Códice
6699
Não se sabe a distância desse pequeno complexo até o grupo de prédios na beira do
córrego. No desenho da planta encomendada por Diogo Cotrim, os dois grupos parecem bem
próximos (FIGURA 48). No entanto, as escalas e proporções do desenho são obviamente
bastante distorcidas e não podem ser interpretadas literalmente. Já a distância até as casas de
vivenda foi anotada na planta como sendo de pouco mais de 1.810 passos (ca. 1km). Também
não sabemos até que ponto são confiáveis tais estimativas, pois foram feitas em passos,
medida imprecisa – mesmo que respeitem os relevos do terreno. No caso dessa planta, tendem
um pouco ao exagero, mas é possível tomar como referência o córrego que ainda existe no
local. Dessa forma, nota-se que a ferraria era mesmo um pouco afastada, já que o outro lado
desse córrego, a partir das casas de vivenda, só se torna plano o suficiente para qualquer
construção na sua margem direita a vários metros de distância a jusante, onde faz uma curva,
exatamente como mostra o desenho. Também não se sabe o ponto preciso desse antigo
complexo. O local, hoje, é coberto por um pasto de braquiaras (FIGURA 51).
Aparentemente isolada, estava a estrebaria (FIGURA 52). O local onde ela foi
desenhada na planta é exatamente onde os dois córregos se aproximam mais e, depois de
passarem perto dela, se afastam novamente. No entanto, é bem possível que o desenhista
tenha ido apenas até a estrutura e deduzido o restante do percurso dos ribeiros, porque na
verdade eles se juntam numa área baixa formando um grande brejo que se estende por metros,
antes de voltar a correr, como um único córrego. A antiga estrebaria devia ficar bem às
margens desse brejo que, limpo de matas, devia ter pasto apropriado para os cavalos e espaço
236
para eles. Mais uma vez o grupo de falsários buscou se acomodar às possibilidades naturais. A
estrebaria não é um curral, que foi ilustrado em outro ponto do complexo, mas um ponto onde
se recolhem os animais, normalmente cavalos, quando não estão pastando no campo aberto.
Não sabemos se alguém habitava esse prédio, mas esta é uma possibilidade.
O conjunto de prédios às margens do córrego incluía a “primeira casa do sítio”, o paiol
de pólvora, o curral, a casa da fundição do cunho, a olaria, o forno de telha, a casa das
primeiras fundições de barras e um engenho dos pilões com a respectiva “escama do asude”
(FIGURA 53). Há também uma capoeira próxima ao curral e separada desse grupo de
estruturas pelo caminho que dava no sítio. Capoeira é um local de mato denso e rasteiro, e a
representada na planta devia ser o pasto dos animais mantidos no curral logo do outro lado do
caminho. Nesse curral deviam ser mantidos os gados e porcos mencionados por Francisco
Borges, que serviam de mantimentos ao sítio, muito provavelmente atendidos pelos escravos.
FIGURA 51: Local provável onde foi instalada a ferraria e casa de José de Faria Coimbra nos anos de
1720. Hoje é um pasto, mas na época o local estaria coberto por matas. O brejo visto na fotografia é onde
está o curso d’água marcado na planta encomendada pelo ouvidor-geral Diogo Cotrim. É possível ver,
também, no canto direito, o local das ruínas do antigo sítio de Boa Vista do Paraopeba, onde fica, hoje, a
igreja do distrito de São Caetano da Moeda.
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008.
237
FIGURA 52: Detalhe da planta
do sítio de Boa Vista do
Paraopeba, mostrando a
estrebaria (24. Estrebaria),
marcada em roxo, e uma
fotografia do brejo existente,
hoje, no local. Associando sua
posição na planta com o terreno
atual sua posição afastada dos
outros prédios fica ainda mais
clara, como mostra a FIGURA
52.
FONTE: BNL, Coleção
Pombalina, Códice 6699
FIGURA 53: Detalhe da planta do sítio de Boa Vista do Paraopeba mostrando o conjunto de estruturas às
margens do córrego (4. P.ra Caza do Citio; 5. Paiol de polvora; 6. Curral de gado; 10. Caza da fundição
do cunho, q’ dista a de Ignacio de Souza 1810 paços; 11. Caza de olaria p.ª os moldes de Cunho grande;
12. Forno de telha; 13. Caza da p.ra fundição das barras; 15. Escama do Asude; e 16. Engenho dos pilois).
O detalhe mostra, também, o caminho que chega ao sítio, ao centro, a capoeira, ao lado sul do caminho
(30. Capoeira) e a ponte de passagem sobre o córrego (8. Ponte entre Cansellas). Foi marcado, também, no
curso d’água, o açude que servia o sítio (14. Asude de 40 tê 50 passos de agoa) e a estacada ao redor de
tudo (29. Estacada).
FONTE: BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699
238
O paiol de pólvora ficava convenientemente próximo ao caminho que descia a serra e
logo na entrada do complexo. No dia da investida do ouvidor-geral, as casas de pedra ainda
não estavam terminadas e a voçoroca que descia a serra era o ponto de defesa mais importante
do sítio. Com o paiol naquele ponto, os homens podiam se armar rapidamente e subir a serra
nas laterais da voçoroca para se posicionar no que facilmente se transformava num verdadeiro
abatedouro. Podiam em seguida descer e facilmente se reabastecer de pólvora, caso fosse
necessário, e sem ter que atravessar o córrego, o que podia causar bastante confusão numa
escaramuça, especialmente sobre uma ponte própria para a defesa e guarnecida de cancelas.
As armas de todas as outras casas e prédios já eram mantidas preparadas, portanto, além de
simples armazenagem, a defesa do valo devia ser o principal motivo para essa localização do
paiol.
A primeira casa do sítio deve ser a casa de palha às margens do caminho que desce a
serra e que ficava logo abaixo da segunda porteira, um pouco removida do caminho. A casa
foi erigida em posição estratégica para a vigília, e, como descreveu o delator Francisco
Borges, era
[...] feita e coberta de palha entre um rochedo onde por uma abertura secreta vendo a
dita portaria e na dita cabana assiste de noite dois ou três negros e muitas vezes com
um branco, e todos com armas de dois tiros, e cachorros para darem-se se de noite
vem gente envestir (sic) a porteira [...].
384
O delator conseguiu providenciar que tal casa estivesse vazia no dia do ataque, da
mesma forma que conseguira remover ou enganar as outras vigílias da serra. Essa casa
também ficava dentro de uma estacada que fechava a descida da serra por qualquer ponto que
não fosse a voçoroca. A mesma estacada continuava do outro lado do caminho,
circunscrevendo a capoeira e realizando a mesma função de proteger o morro e forçar a
descida pelo valo (FIGURA 53)
385
, transformando-o num sistema de defesa muito mais
minucioso do que a descrição de Francisco Borges levava a crer.
Todas as outras estruturas desse conjunto serviam a ofícios mecânicos. Aglomeravam-
se num canto afastado das casas de vivenda, demonstrando uma clara separação de funções no
uso do espaço do sítio. É interessante notar que organizar as funções mecânicas no espaço era
384
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
385
É possível notar, na FIGURA 53, como a estacada fecha a passagem leste do sítio, cercando o grupo de
estruturas à margem do córrego e a capoeira e força a descida pelo valo, que era o caminho de chegada ao
sítio e está marcado na planta com o número de legenda 3 e suas cancelas representadas com o número de
legenda 2.
239
uma tendência comum da época, especialmente em Portugal, lugar de origem de muitos
daqueles homens, podendo ser observada nas vilas.
386
A casa da fundição do cunho é onde se tentava produzir o cunho grande do engenho, o
ferro principal da máquina onde seriam posicionadas as peças gravadas com as armas reais e
que esmagariam, com o peso, os discos de ouro. O engenho grande também já foi discutido
neste capítulo, portanto, resta comentar sobre sua produção em local tão afastado dos
trabalhos de cunhagem ou da própria ferraria. Como disse Diogo Cotrim, havia uma “casa, ou
forno para fundição do cunho”.
387
A explicação parece ser simples: tratava-se de uma peça
muito robusta (mais de 300kg, com um metro de comprimento). É possível que as instalações
das forjas das casas de barras e moedas do sítio ou mesmo da ferraria não estivessem
equipadas para preparar tal peça ou não pudessem parar seus trabalhos para se dedicar a uma
tarefa dessa proporção. Daí a separação da produção do cunho grande em outra fundição. A
escolha do local talvez fosse simplesmente porque à beira do córrego já estavam instalados o
prédio da olaria, onde seria feito o molde da peça, e outras estruturas que certamente podiam
ser aproveitadas. Como sabemos, era em meio a esses prédios que se realizava o negócio de
produzir barras falsas antes da decisão do grupo de falsários da falsificar moedas também, o
que levou à ereção de uma casa separada e escondida nos matos. Como indica a planta, um
dos prédios daquele conjunto era a “casa da primeira fundição das barras” – que era um
prédio específico (número de legenda 13), bem afastado da casa de barras e moedas –, o que
indica que já havia, ali, alguns preparos infra-estruturais. Essas evidências também reforçam o
dinamismo dos empreendimentos dos falsários.
A olaria era um prédio que permitia não só a produção de itens mais cotidianos como
potes, panelas e telhas, mas podia ser usado também para a produção do molde do cunho
grande – como o foi – e para a produção de cadinhos. A oficina permitia, em alguns aspectos,
a auto-suficiência do sítio e potencializava negócios ilícitos. Ao lado da olaria, no mesmo
conjunto de prédios, está marcado um forno de telha. Tal forno pode ser o mesmo cujos
vestígios ainda são vistos hoje nos arredores das ruínas das casas de vivenda (FIGURA 21).
Seus vestígios encontram-se próximos ao córrego, quando se desce da casa de vivendas pelo
lado direito, da mesma forma que descreve Francisco Borges em sua delação. Segundo ele,
havia
386
Para uma discussão dessas formas de organização em Portugal, ver MENESES, Artes fabris e serviços
banais, 2003.
387
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 24.
240
[...] a mão direita da casa da vivenda um caminho que vai ter a uma olaria, e por
detrás dela desce um caminho que condus a passagem de um córrego donde está um
rancho chamado a Ferraria Velha, passado o dito córrego em uma ponte que tem
contígua uma passada por entre matos virgens em distância de 300 passos pouco
mais, ou menos, divide-se em dois [um para a ferraria de José de Faria e outro para a
casa de barras e moedas falsas] [...].
388
A produção de cadinhos podia ser feita tanto de forma totalmente independente, como
podia aproveitar restos dos cadinhos oficiais – ou mesmo cadinhos inteiros – que poderiam
estar sendo desviados para a fábrica clandestina. No caso de se aproveitarem os restos,
misturavam-nos como “tempero” ao barro ou argila dos novos cadinhos, permitindo a
obtenção de peças extremamente resistentes ao fogo e ao calor, característica muito necessária
nesses objetos de cerâmica. Na segunda metade do século XVIII, quando foi instalada uma
casa de fundições em Sabará, o superintendente desta escreveu ao reino comentando sobre a
falta de cuidados que havia em se transportarem os cadinhos, que chegavam todos quebrados
na vila. No entanto, utilizando-se desses cadinhos quebrados para produzir outros, obtinham-
se peças bastante superiores às peças originais, as quais eram preferencialmente utilizadas
naquela casa de fundições.
389
O último prédio, o “engenho dos pilões”, possuía associada a ele uma “escama do
asude”, que é o delgado canal que o alimentava. O uso da palavra “escama” nesse caso
mantém alguma relação com a palavra “bicama”, utilizada para se referir a canaletas
suspensas de madeira ou pedra para divertir água para outros pontos, ou refere-se à forma ou
ângulo em que o veio d’água é divertido do rio principal, quase rente ao curso d’água original,
como a escama na pele de um animal (FIGURA 54). O pequeno canal parece ter sido cavado
no solo, como muitos ainda o são hoje. O engenho em si foi ilustrado com uma proeminente
roda d’água que, nesses tipos de engenhos, era posicionada na vertical para mover os braços
dos pilões (FIGURAS 55 e 56). Tais engenhos de socar pedras eram utilizados nas atividades
de mineração e serviam para reduzir pedra e pedregulhos a cascalho fino ou, como se vê na
documentação coeva, “a fubá”.
390
A presença dessa máquina no sítio de Boa Vista do
Paraopeba levanta várias questões que precisam ser consideradas em mais detalhes.
388
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
389
No fabrico de peças de cerâmica, “tempero”, ou anti-plástico, é o termo dado a qualquer material não plástico
misturado à argila ou barro para aumentar sua resistência e atribuir à peça final características específicas de
dilatação, resistência a choque, impermeabilidade, etc. A utilização de cacos de outras peças de cerâmica
trituradas para a produção de novas é uma técnica antiga e o termo utilizado para este tipo de tempero na
literatura arqueológica anglo-saxã é grog. Sobre análise de cerâmica em contextos arqueológicos ver
ORTON; TYERS; VINCE, A. Pottery in archaeology, 1993; e RICE, Pottery analysis, 1987.
390
Vicissitudes da indústria mineira (1810). RAPM, 1898, volume 03, p.79-80.
241
FIGURA 54: Detalhe da planta do sítio de Boa Vista do Paraopeba mostrando o “engenho de pilões” com
o canal que o alimentava, referido na planta como “escama do asude”, marcados em azul. É possível notar
o ângulo no qual a escama foi construída em relação ao córrego. O açude também é representado na
planta, descrito como tendo “de 40 tê 50 passos de agoa”.
FONTE: BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699
242
FIGURA 55: Canal que alimenta um moinho moderno às margens de um córrego próximo ao local onde
esteve instalado o moinho do antigo sítio de Boa Vista do Paraopeba, a alguns metros das ruínas, mas em
local diferente daquele do moinho original utilizado pelos falsários.
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008.
243
FIGURA 56: Moinho (não mais um engenho de pilões) no local onde pode ter funcionado o moinho do
antigo sítio de Boa Vista do Paraopeba e que talvez tenha aproveitado o mesmo alicerce de pedras que
sustentou a instalação de 300 anos atrás. É possível notar o canal que o alimenta descendo pela encosta
logo atrás dele.
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008.
FIGURA 57: Engenho de pilões
europeu ilustrado por Georgius
Agricola e utilizado na mineração.
FONTE: AGRICOLA, De Re
Metallica, 1950, p.284. Retirado de
REIS, Entre faisqueiras, catas e
galerias, 2007, p. 164.
244
FIGURA 58: Engenho de pilões montado no Museu do Ouro, Sabará, Minas Gerais.
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008. Peça do acervo do Museu do Ouro, Sabará, Minas Gerais.
A primeira delas é a possibilidade de que Inácio de Souza e seus companheiros
pudessem estar envolvidos em atividades de mineração nas proximidades para abastecer de
ouro a sua fábrica. Tal suposição precisa ser descartada, uma vez que se considerem alguns
fatores. O primeiro deles é que sabemos que os falsários estavam envolvidos em diversas
atividades de comércio com o ouro em pó. Vários membros do grupo clandestino circulavam
pelas Minas obtendo a valiosa matéria-prima, e tais transações eram situações em que o bando
de Inácio de Souza podia lucrar. Ainda assim, lucrando ou não, várias outras pistas, já
indicadas, demonstravam o envolvimento do grupo de falsários na comercialização do ouro
em pó para abastecer sua fábrica ilícita. É claro que tais atividades não impediriam o grupo de
também possuir suas lavras e minerar algum ouro com os próprios recursos. No entanto, isto
teria que ser feito em outros locais, pois a geologia do médio vale do Paraopeba não possui
depósitos auríferos significativos. O próprio topônimo brumado, comum na região, significa
“lavra aurífera de pouco interesse por dar mais despesa do que lucro”.
391
Mesmo que alguns
391
HOUAISS, Dicionário Houaiss da língua portuguesa, 2004, verb. “brumado”. Observação sobre este
topônimo feita em TÚLIO, Falsários D’El Rei, 2005.
245
levantamentos arqueológicos na região tenham encontrado vestígios de tentativas de
explorações auríferas na região, estes são sempre muito simples, pequenos e de aparência
efêmera. Os engenhos de pilões eram máquinas custosas e demandavam enormes quantidades
de ferro, metal caro nas Minas, dada a proibição de sua produção. Num levantamento de
inventários entre mineradores setecentistas nas Minas, Flávia Maria da Mata Reis (2007)
constatou que menos de 10% deles parecem ter tido acesso a esse equipamento. Além disto, o
engenho de pilões caracteriza as dispendiosas explorações de rocha matriz e não do ouro de
aluvião, mais comumente explorado naquela época e que demandava menos investimentos.
Era, portanto, o domínio de mineradores mais abastados e com mais recursos. Ora, não se
justificaria um investimento desse porte em uma região com depósitos auríferos escassos e
incertos.
A presença do engenho de pilões no sítio de Boa Vista do Paraopeba tinha outra
aplicação que não a moenda de minério aurífero. Se o médio vale do Paraopeba é pobre em
ouro, a atual serra da Moeda e o planalto ao sul da atual serra do Curral são riquíssimos em
minério de ferro. Na segunda metade do século XIX, o inglês James Wells, quando passou
por ali, comentou sobre a abundância desse metal na forma de canga e como os moradores
locais eram capazes de produzir toscas ferraduras para seus animais simplesmente trabalhando
diretamente pedras jogadas ao fogo.
392
É claro que há bastante exagero na observação desse
viajante, mas a abundância do ferro na região não pode ser negada. Embora a produção de
ferro fosse proibida nas Minas, encarecendo muito os preços das ferramentas e máquinas, a
realidade da produção desse metal parece não ter seguido as proibições régias, como outras
tantas atividades proibidas naquela região durante o século XVIII. Lembremos que o bando
de falsários sob o mando de Inácio de Souza estava realizando as fundições do seu próprio
engenho do cunho grande, que possuía mais de 300 kg de ferro, além de produzirem todos os
outros ferros necessários à fábrica de barras e moedas ilícitas na ferraria de José de Faria.
Havia também a fundição à beira do córrego, que, como já foi sugerido neste trabalho, podia
ser uma casa aparelhada especialmente para trabalhos mais grosseiros, como a fundição do
cunho grande ou talvez a produção de ferro. O próprio engenho de pilões utilizava
quantidades enormes desse metal em sua construção – um dos motivos do seu alto preço
393
e a natureza ao redor do sítio estava repleta dele. Talvez fosse esta a verdadeira função do
engenho de pilões ilustrado na planta do sítio, algo que faria muito sentido.
392
WELLS, Explorando e viajando três mil milhas através do Brasil, 1995.
393
REIS, Entre faisqueiras, catas e galerias, 2007.
246
Essa constatação comprova que os habitantes das Minas estiveram envolvidos na
produção de ferro muito precocemente, e as evidências talvez sejam as mais antigas relativas
à presença de tal máquina nas Minas. O conhecimento para a produção de ferro não era
novidade na colônia e já vinha sendo utilizado na capitania de São Paulo, desde o final século
XVI. Além disso, os negros da África ocidental, os mesmo que podiam compor o grupo de
cativos do sítio, detinham uma longa tradição metalúrgica.
394
Associando essas duas tradições
à abundância do metal na região das Minas, não seria demais supor que seus habitantes
pudessem se envolver em sua produção.
395
Os engenhos de pilões já eram conhecidos na Europa pelo menos desde o século XVI.
Não sabemos da existência de equipamentos parecidos na África ocidental durante a mesma
época. Quanto à data para a sua introdução nas Minas, Eschwege afirma que os antigos
mineiros não a conheciam e que era uma inovação recente no século XIX. Já Sérgio Buarque
de Holanda faz menção a essa máquina nas terras do Padre Manuel Gomes Neto, no
Taquaraçu, em 1733.
396
Flávia Maria da Mata Reis (2007) encontrou a referência mais antiga
para esse equipamento nos inventários que consultou, entre os bens de Manoel das Neves
Ribeiro, documento de 1744, no qual há menção à tal máquina ao pé do arraial das
Congonhas do Sabará, para trituração de minério aurífero. Ora, o engenho de pilões de Inácio
de Souza já estava ativo em 1730. Essas suposições abrem o leque das atividades nas quais os
habitantes das Minas, de forma geral, podiam se envolver lícita ou ilicitamente naquele
território, durante as primeiras décadas do Setecentos, e reforçam idéias sobre suas conexões
globais.
No último grupo de estruturas que compunham as vivendas do sítio viviam alguns
brancos e a maioria dos escravos. Compunham esse conjunto de construções as senzalas, as
casas de pedra que estavam por acabar, uma ermida e a “casa de cômodo e despensa”. Com
exceção desta última, que ficava atrás da ermida e das casas de vivenda, os outros três prédios
ficavam ao redor de um terreiro central, todos com suas fachadas voltadas para ele, em um
arranjo muito semelhante ao de uma praça (FIGURA 59).
As “sanzallas ou cazas de negros” abrigavam cerca de 50 escravos de um total de 75.
Os outros eram divididos entre a cozinha, a ferraria e a casa de fundições e moedas do sítio.
Todos na senzala possuíam armas, como já foi observado. O tamanho da estrutura, segundo
394
TRATADO breve dos rios de Guiné do Cabo-Verde feito pelo Capitão André Álvares d’Almada, ano de 1594,
1994.
395
A mesma sugestão é feita em REIS, Entre faisqueiras, catas e galerias, 2007.
396
HOLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira, retirado de REIS, Entre faisqueiras,
catas e galerias, 2007, p.275.
247
Francisco Borges, era de 140 passos de comprido, o que daria algo em torno de 80 ou 90
metros. O delator deve ter feito várias de suas descrições “de cabeça”, não tendo feito
medições precisas para vários elementos e distâncias do sítio. Todos os números que ele
fornece são dados em dezenas exatas, o que sugere aproximações. No caso da planta do lugar,
há as distâncias das casas de vivenda até a ferraria, de 1.810 passos, e até a casa da moeda
clandestina, de 2.861 passos, que parecem bastante precisas, mas, de forma geral, tanto as
suas estimativas quanto as de Francisco Borges são exageradas, se considerarmos os passos
como tendo cerca de 0,60 ou 0,65 metros, como se considera hoje. Se supusermos que ele
quis dizer 140 palmos, e não passos, teríamos a medida bem mais crível de quase 30 metros
de comprido. De qualquer forma, as senzalas não podiam ser tão grandes – com 80 ou 90
metros – porque o relevo do terreno não suportaria um único prédio dessas proporções. A
construção possuía três portas para o terreiro central e podia ser constantemente vigiada pelos
senhores nas vivendas, em frente. O prédio não sobreviveu até os nossos dias, como as casas
de vivenda, que eram de pedras. Portanto, a construção deve ter sido feita de pau-a-pique ou
outros materiais mais frágeis. No local onde deveria estar o prédio, hoje se vê um alicerce ou
arrimo de pedras, já bastante deteriorado. Bases como essa eram comuns mesmo para prédios
que não seriam inteiramente de pedras e pesquisas arqueológicas detalhadas talvez
esclarecessem melhor as condições de vida daqueles cativos. Não é possível saber mais sobre
os detalhes da construção, mas, quando da invasão de Diogo Cotrim, estava sendo expandida,
como pode ser observado na planta, onde se vê um prédio anexo, colado à senzala, ainda sem
telhado e descrito como “casas por acabar”. Se os sócios da fábrica ilícita queriam aumentar
seu plantel ou simplesmente acomodar melhor os escravos que já possuíam, isso não é
possível saber com certeza.
FIGURA 59: Detalhe da planta do sítio de
Boa Vista do Paraopeba mostrando o
grupo de estruturas que compunham as
vivendas do sítio, quase todas organizadas
ao redor de um pátio central (17. Cazas de
Ignacio de Souza Frr.ª por acabar; 18.
Varanda descoberta das Cazas, q’
descobria o tr.º e s[ileg.]llas; 19. Irmida, e
sacrestia, em q’ foi prezo Ignacio de Souza
debaixo do altar; 20. Sanzallas, ou Cazas
de negros; 21. Cazas por acabar; e 25.
Caza de Comodo, e despença).
FONTE: BNL, Coleção Pombalina, Códice
6699
248
A quatro metros de distância das senzalas estava a ermida, com duas casinhas anexas,
que serviam de tribuna e de sacristia. Esses dois anexos podiam se comunicar por dentro da
capela, e, no momento da investida do ouvidor-geral, eram ocupados por Inácio de Souza e
Miguel de Torres respectivamente, enquanto as casas de pedras não eram terminadas. O
desenho da planta, pelas cantarias, sugere que a construção da ermida era de pedras. O prédio
original não sobreviveu. Foi substituído por um prédio mais moderno, provavelmente na
virada do século XIX para o XX. No entanto, as fundações da antiga construção ainda podem
ser vistas in situ (FIGURA 60) e, mais uma vez, pesquisas arqueológicas seriam bastante
informativas. O prédio é descrito na planta como “Irmida e sacrestia, em q’ foi prezo Ignacio
de Souza debaixo do altar”. Tal declaração não só mostra que a planta foi produzida depois da
diligência do ouvidor-geral
397
, como também indica que o líder dos falsários, numa última
tentativa de se livrar do cárcere, tentou se esconder. Isto fornece um terminus post quem para
a planta, que foi enviada pelo conde de Sabugosa da Bahia a El-Rei, em 27 de julho de 1731,
acompanhada de uma curta carta onde declarava que
Depois de nesta occazião haver posto na prezença de V Majestade a copia da conta
que me deu Diogo Cotrim de Souza, Ouvidor geral da comarca do Sabará, da dilligencia que
fes na caza de fundição, e Moeda falça, me chegou a planta della, que me pareceo remeter a V
Majestade incluza.
398
A construção de uma capela no sítio ajudava muito aqueles homens a manterem
alguns de seus laços culturais com o universo cultural e o império portugueses. As igrejas
foram veículos para expansão e enraizamento de muitos dos valores culturais e mentalidades
portuguesas na ocupação das Minas durante século XVIII. Esse papel era atestado tanto por
religiosos como pela população de forma geral. Antonil, como religioso que era, foi um dos
autores que sugeriu o papel dessa instituição e das suas manifestações arquitetônicas, que
eram a sua materialização e firmamento cotidiano. Como disse esse autor, nas Minas, durante
as primeiras décadas do Setecentos, crescia
[...] tão copioso o número de moradores, naturais de Portugal, que cada vez mais
povoam as partes que antes eram desertas, ficando muito distantes das igrejas, é
justo que estas se multipliquem, para que todos tenham mais perto o necessário
remédio de suas almas [...].
399
397
Agradeço o Professor Friedrich E. Renger, do departamento de Geologia do Instituto de Geociências (IGC) da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), quanto às suas observações sobre esses dados.
398
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 27.
399
ANTONIL, Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, 2008, 4ª Parte, Capítulo Último.
249
FIGURA 60: Pequeno pátio diante da capela do atual distrito de São Caetano da Moeda, município de
Moeda, Minas Gerais, construída exatamente sobre o local da antiga ermida do sítio de Boa Vista do
Paraopeba, cujas fundações, de formato retangular, ainda podem ser vistas no solo.
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008.
É possível que as visões de Antonil não condissessem exatamente com a realidade da
colônia, mas pode-se notar em sua lógica religiosa a importância atribuída aos templos e o
reflexo de uma mentalidade. Havia, também, demandas populares. O povo de Vila Rica, em
1730, solicitou um donativo da fazenda real para que pudessem terminar a construção da nova
igreja matriz de Nossa Senhora do Pilar. Além de argumentar sobre os altos custos e
investimentos da obra, declaravam a importância do prédio religioso para
[...] esta vila como cabeça [das Minas] na qual de dia em dia se estabelecem e vão
multiplicando as famílias com casas que edificam e fazem novamente sendo tudo em
conservação e extensão da conquista e interesses régios e do público e particular a
que os templos servem de mais firme e fixo fundamento como colunas que são das
repúblicas pias e cristãs [...].
400
400
APM, CMOP 006, fl.113v-114.
250
Em outra solicitação, dessa vez à câmara de Vila Rica, em 1733, os moradores da
freguesia de Nossa Senhora de Nazaré pediam que não fossem permitidas vendas nas
proximidades de uma capela construída por eles numa localidade identificada como Santo
Antônio do Monte. A capela fora construída naquela localidade para que os fiéis pudessem ter
acesso mais fácil aos cultos e rituais católicos, uma vez que o povoado ficava distante da sede
da freguesia.
401
A importância de tais símbolos e práticas para os homens daquela época não
podia ser ignorada pelo líder dos falsários e, provavelmente, ele compartilhava delas. No seu
regulamento foram definidas regras para se atender aos cultos sem ameaçar o segredo do
negócio ilícito, nas quais se incluíam o controle rígido dos escravos e suas conversas. Estes
não poderiam falar nem tratar de qualquer negócio com pessoa alguma, o que sugere que a
capela era aberta a fiéis de fora do sítio.
As redes de contatos do bando de falsários incluíam membros poderosos em altos
cargos dos governos nas vilas que ficavam ao sul da região que compreende os arredores da
atual serra do Curral – ambas vertentes – e em Pitangui, mas não podiam ignorar os
transeuntes dos morros, pequenos mineradores, faiscadores, negras de tabuleiro ou roceiros e
outros habitantes do vale do Paraopeba, que, segundo estudo de Paula Regina Albertini Túlio
(2005), eram numerosos. Alguns podiam não saber do negócio clandestino ou podiam ser
cúmplices e ajudar na manutenção do segredo. Apesar das pistas que temos hoje de que
muitos transitavam por ali, Diogo Cotrim, em 1731, reclamou que “dos mais vizinhos ainda
dela [da fábrica] dão poucas notícias”.
402
Esses homens podiam fornecer informações e
pequenos serviços necessários ao sustento do estabelecimento. Podiam também fornecer
pequenas quantias de ouro em pó vindas de lavras desconhecidas pelo poder oficial e,
portanto, não corriam o risco de levantar suspeitas, como no caso de se trazer ouro de grandes
lavras de homens conhecidos. A quantidade de ouro minerado no anonimato e circulando
pelas Minas naquela época não pode ser subestimada. Negras de tabuleiro e negros
faiscadores também eram famosos por desviarem o ouro das lavras, e homens como Inácio de
Souza podiam ser ótimos receptores desse metal descaminhado. O poder central
constantemente tentava controlar o trânsito dessas pessoas, exatamente pelo risco de
descaminho e outras atividades ilegais, como a ajuda a quilombolas, criminosos ou negros
fugidos e, talvez, o sítio de Boa Vista do Paraopeba fosse um dos pontos de paragem desses
itinerantes. Por exemplo, em 1717, proibiu-se, por um bando do governador D. Pedro de
401
APM, CMOP 006, fl.176v-178.
402
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 24.
251
Almeida, que qualquer negra, escrava ou livre vendesse comestíveis nas áreas de onde se
tirava ouro. Restringia-se, ainda, o trânsito dos negros pelos matos.
403
É preciso relembrar que
o médio vale do Paraopeba fazia parte do caminho velho de São Paulo para o rio São
Francisco. Logo, várias pessoas deviam passar por ali e outras tantas o habitavam. As missas
e os momentos anteriores e posteriores às celebrações devem, nesse sentido, ter sido
importantes para as sociabilidades desenvolvidas entre os moradores do sítio, os vizinhos e os
viajantes.
Ao lado da ermida do sítio de Boa Vista do Paraopeba estavam as casas de vivenda
ainda por acabar. Essa obra estava sendo realizada em pedras e a construção era dotada de
seteiras para defesa e uma “varanda descoberta [...] que descobria o terreiro e as senzallas”.
As ruínas delas ainda podem ser vistas hoje, in situ (FIGURAS 61 e 7). Os motivos das
seteiras são óbvios. Já o motivo das varandas descobertas não é tanto, à primeira vista, mas a
forma como são descritas, tanto na planta quanto nas contas do ouvidor-geral, demonstram a
sua função defensiva. Diogo Cotrim dizia que a planta do sítio mostrava que
[...] na casa de vivenda do que segundo frexal (sic.) para cima campo aberto, que
não tinha outra causa senão para servir como de praça que defendia o terr.º [terreiro]
sobre que caía pois ninguém faz uma varanda aberta sobre umas casas sem ser para
recreio(?) que se não só com vontade(?) de matar [...].
404
403
APM, CMOP 006, fl.16-18. Vários trabalhos recentes também discutem o problema do trânsito desses negros
pelas Minas e as percepções do governo central quanto a isto. Ver ANASTASIA, A geografia do crime,
2005; ANDRADE, Viver à gandaia, 2008; GOMES, A hidra e os pântanos, 2005.; PAIVA, Escravidão e
universo cultural na Colônia: Minas Gerais, 2001.; PAIVA; ANASTASIA, O trabalho mestiço, 2002.;
REIS, Mulheres de ouro, 1989 e SILVA, Práticas comerciais e abastecimento alimentar em Vila Rica na
primeira metade do século XVIII, 2007.
404
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
252
FIGURA 61: Ruínas das casas de vivenda do antigo sítio de Boa Vista do Paraopeba, ainda in situ no atual
distrito de São Caetano da Moeda.
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008.
Os frechais eram as longas peças de madeira que se colocavam no topo das paredes
para segurar os telhados. A menção de um segundo frechal sugere uma casa de dois andares,
com uma varanda como terceiro piso por cima de tudo. No entanto, não é possível ver esse
arremate de madeira nas ruínas das casas. É possível que o termo frechal pudesse ser usado
para as toras que apoiavam, também, os diferentes pisos, já que sua função estrutural é muito
semelhante. No caso das casas de vivenda de Inácio de Souza, tais peças seriam internas, e
evidências de sua existência ainda estão presentes nas ruínas hoje (FIGURA 62).
253
FIGURA 62: Possíveis locais de
encaixe dos frechais nas antigas casas
de vivenda do antigo sítio de Boa
Vista do Paraopeba, que ainda
podem ser vistos nas ruínas. É
possível notar como a parede do
primeiro piso é mais larga, dando
espaço para a colocação de uma peça
de madeira na proeminência que
forma em relação à base da parede
do segundo piso.
FONTE: Acervo pessoal do autor,
2008.
Havia no local, portanto, um prédio alto e bem robusto, com uma varanda no topo,
quase como um posto de sentinela, complementando a defesa do lugar. Podia funcionar como
uma casa-mata ou último refúgio para uma resistência armada. O prédio servia, também,
como uma forma de vigiar e se proteger de um grupo tão grande de escravos armados.
Embora esses fossem úteis, é preciso lembrar que havia nas Minas, durante o século XVIII,
um geral desconforto por parte dos homens mais poderosos da colônia, geralmente brancos,
quanto ao grande número deles e à situação dessa população de ascendência africana. A
própria legenda da varanda reforça essa idéia: um lugar que “descobria o terreiro e as
senzallas”.
O peso de uma construção de pedras como essa impunha respeito e aprimorava a
defesa, numa época em que mesmo os maiores de Vila Rica viviam em casas simples de taipa,
adobe ou pau-a-pique.
405
A aparência de forte do lugar era completada pela presença do
terreiro central, semelhante a uma praça militar. Hoje, esse terreiro é cercado por um muro de
arrimo para o seu nivelamento e que forma ao seu redor um parapeito. Do lado externo, a
405
Décadas depois este argumento seria utilizado para apresentar oposição à polêmica construção do prédio da
casa de câmara e cadeia, que seria de cantaria.
254
altura desse arrimo pode chegar a quatro metros de altura e este teria funcionado como um
outro ótimo mecanismo de defesa. No entanto, tal estrutura não existia nos anos em que o
grupo de falsários habitou o sítio. Não há menção a ela em qualquer documento consultado,
mesmo quando o ouvidor-geral mencionou os planos para a construção de novos elementos
defensivos, como a pequena “fortaleza” – que podia significar qualquer estrutura defensiva,
de uma casa-mata a um muro – junto à ponte, no local denominado na planta como “pombal”,
o que dificultaria ainda mais a passagem sobre o açude. Pode-se notar, também, que sua
estrutura arquitetônica é posterior à construção das casas de vivenda, que nem mesmo
estavam prontas naquela época. O muro de arrimo ‘apoia-se’ na vedação das casas de
vivenda, o que demonstra uma data posterior a elas (FIGURA 63). É bem possível que esses
arrimos e parapeitos tenham sido construídos posteriormente apenas para nivelar o terreiro e
permitir a congregação dos fiéis da capela de São Caetano em suas festas e missas, como
acontece ainda hoje (FIGURA 64).
FIGURA 63: Relação arquitetônica entre o muro de arrimo descrito acima e as ruínas das antigas casas
de vivenda do sítio de Boa Vista do Paraopeba. As duas estruturas não dividem elementos arquitetônicos e
o muro não demonstra nenhum tipo de evidências de ter sido adaptado naquele ponto para receber a
robusta estrutura de cantaria das casas. A precisão da cantaria e do muro, naquele ponto, mostra que o
muro foi construído posteriormente às casas, ‘apoiando-se’ nelas.
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008.
255
FIGURA 64: Grande pátio em frente à capela do atual distrito de São Caetano da Moeda. Trata-se de
uma estrutura mais recente ao restante das ruínas, não tendo sido parte do complexo do sítio de Boa Vista
do Paraopeba. O pátio é utilizado, hoje, para as festas e celebrações religiosas do distrito. Do lado direito
da fotografia é possível ver o incisivo palanque construído para essas ocasiões.
FONTE: Acervo pessoal do autor, 2008.
As casas de vivenda ficavam posicionadas bem no centro do sítio. Não contavam com
as vantagens de uma posição escondida nos matos, como a casa de barras e moedas
clandestina ou a ferraria. Ali podia ser construída uma ‘fachada’ de legalidade para o negócio,
abrigando uma senzala de negros envolvidos em outras atividades, uma capela que abria suas
portas para pessoas de fora e vivendas que hospedavam visitantes que não eram inteirados de
tudo que ocorria ali. Por exemplo, o cirurgião Francisco Tinouco, segundo Francisco Borges,
“assistia na sobredita roça, para curar os escravos, ainda que este nunca viu ele denunciante
fosse a tal casa, nem admitido ao segredo deste negócio”.
406
Um outro homem preso no sítio
foi um Felipe de tal
407
, homem que possuía lavras de diamantes no Serro e fora ali tratar de
algum assunto relacionado às pedras, mas a quem o ouvidor-geral não atribuiu maiores culpas
406
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
407
Infelizmente o documento se encontrava em péssimas condições e não foi possível ler o nome completo.
256
e pediu permissão a Sua Majestade para soltá-lo.
408
Nem a lavra nem o trânsito de diamantes
dentro das Minas ainda haviam sido proibidos, e o crime de Inácio de Souza fora na verdade
contrabandeá-los para fora. É possível que o tal Felipe fosse mais um de seus clientes, mas
não havia ainda se envolvido no contrabando ou, talvez, nem viesse a fazê-lo. O cirurgião não
teria a mesma sorte. Seria remetido para Lisboa e julgado com os outros réus em 1732. Foi
condenado a cinco anos de degredo para Mazagão e a pagar 150$000 para a fazenda real e
50$000 para as despesas da relação. Apesar do que disse Francisco Borges, no julgamento de
1732, fora provado que Francisco Tinouco estava bem ciente dos negócios clandestinos que
aconteciam no sítio.
A posição central das casas de vivenda, no alto de um pequeno morro, não favorecia
apenas a condição de fachada. A leste estava protegida pela serra do Paraopeba e, nas outras
direções, pelos matos fechados nos quais se providenciavam os rasgões que serviriam de
obstáculos. Não só isso, mas estava protegida, pelo lado do rio Paraopeba, por dois ‘postos
avançados’ preparados para defesa, com ponte de entrada e estacada ao redor, que eram a casa
de fundições e moedas falsas e a ferraria. Para o lado da serra pretendia-se construir mais uma
“fortaleza” logo em um dos lados da ponte de chegada e havia também as estacadas e a
primeira casa do sítio servindo de obstáculos para se alcançarem as casas de vivenda. A sua
posição de casa-mata ou último refúgio fica ainda mais clara em sua relação com essas outras
estruturas.
Todos os arranjos defensivos do sítio, inclusive as posições dos prédios, indicam
alguma sofisticação estratégica por parte de seus idealizadores. As inovações nas fortificações
e na arte da guerra européias tiveram grande força nos séculos XVII e XVIII com a circulação
de panfletos e informações que podiam ter alcançado a colônia. Em Portugal, desde o século
XVI, eram institucionalizadas aulas de matemática e engenharia que tinham como
conseqüência o desenvolvimento arquitetônico e estratégico para a defesa de fortificações.
Apesar de os arranjos do sítio serem em escala bem menor e de não terem que se preocupar
com artilharia, é possível que seus habitantes tivessem tido algum contato com lições
estratégicas formalizadas, ou que, pelo menos, tais informações já circulassem e tivessem sido
absorvidas de outras formas em esferas mais populares, misturando-se, inclusive, com
inovações locais, exatamente como pode ser observado nesse caso.
409
Como já vimos, havia
muitos paralelos entre os mecanismos defensivos do sítio de Boa Vista do Paraopeba e
408
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
409
Para uma discussão sobre as inovações militares ocorridas em Portugal entre os séculos XVI e XVIII ver
COTTA, No Rastro dos dragões, 2004. Para uma discussão sobre as adaptações locais e mestiçagens de tais
técnicas no Brasil ver PUNTONI, A arte da guerra no Brasil, 2004.
257
práticas locais de quilombos ou comunidades indígenas. Além disso, experiência prática local
era, também, elemento muito tradicional na cultura arquitetônica portuguesa, fosse militar,
religiosa ou civil.
410
Portanto, a adaptação local de práticas arquitetônicas com objetivos
definidos e com base em experiências anteriores podia ser um campo em que aqueles homens
estavam bem confortáveis.
Atrás das casas de vivenda havia a casa de cômodo e despensa, à qual Francisco
Borges se refere como “cozinha” em sua delação. Hoje, podem ser vistas as fundações de um
par de estruturas circulares de pedras, que podiam ser os locais de lareiras ou chaminés, bem
atrás das casas de vivenda e da capela, que permitiriam o preparo de alimentos para um
contingente de aproximadamente cem homens.
411
Talvez sejam esses os vestígios da referida cozinha, embora apenas investigações
arqueológicas possam revelar com mais precisão. Ali habitava o cozinheiro com mais alguns
homens, todos negros, armados e com funções muito bem definidas. Não sabemos se o tal
cozinheiro era livre, liberto ou escravo, mas é sempre referido como “cozinheiro”, habitava o
próprio prédio e tinha os próprios assistentes, o que sugere alguma especialização e distinção
em meio aos habitantes do sítio que tinham ascendência africana. Fora esse homem o
responsável por avisar na ferraria e casa de barras e moedas “que tudo já estava tomado, [e]
que tratassem de se por em salvo”.
412
3.3 A Organização do Sítio e o seu Regimento
Para regular esse espaço e todos os homens que o habitavam, o regulamento imposto
por seu líder era rígido. Como já deve ter ficado claro, muito da organização adotada na
fábrica clandestina de barras e moedas de ouro era plagiada da das casas oficiais. A
organização do trabalho, a divisão do espaço e os procedimentos de segurança eram quase os
mesmos, adaptando-se apenas ao menor contingente de trabalhadores da fábrica clandestina.
É óbvio, também, que algumas das preocupações com segurança da casa de moedas oficial
410
DANGELO, A formação da cultura arquitetônica em Portugal durante os séculos XVII e XVIII e seus
agentes de transposição para o Brasil e as terras mineiras, 2006. A forte bagagem prática da arquitetura
portuguesa é mencionada brevemente mas com relação específica à arquitetura militar em COTTA, No
Rastro dos dragões, 2004.
411
Infelizmente, com as condições da vegetação do local nos últimos meses, não foi possível localizar as
estruturas e fotografá-las.
412
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
258
não cabiam na casa da moeda ilícita de Inácio de Souza, já que o próprio “provedor” era o
maior interessado nos lucros, ao passo que as casas de fundições e moedas oficiais tinham
como maior interessada a fazenda real.
413
Na fábrica do vale do Paraopeba os falsários
contavam, por exemplo, com apenas duas chaves para o cofre, em vez de três, e algumas
funções burocráticas, talvez dada a natureza ilícita do negócio, foram excluídas, como
porteiros e meirinhos, ou acumuladas nas mãos de um mesmo homem, como eram as
atribuições de guarda-livros, escrivão e tesoureiro, de responsabilidade de João Barbosa, e as
ocupações de fiadores, cunhadores e fundidores, que eram exercidas pelo “fundidor” José
Francisco e pelo “ferreiro” João Gonçalves, seu assistente.
As regras e normas de organização iam além da produção de barras e moedas falsas. A
proteção e sustento do negócio ilícito eram preocupações constantes do líder dos falsários e
afetavam todo o cotidiano do sítio e não só o prédio onde funcionava a fábrica, afinal,
atividades produtivas faziam parte da vida local e quaisquer regras impostas sobre elas tinham
repercussões amplas.
414
O primeiro preceito do regimento do líder Inácio de Souza era a
proibição de vinho e aguardente nas dependências do sítio. Em meio a argumentos teológicos,
nos quais cita Salomão e São Pedro Crisologo, apontou no regimento o problema das
desordens que o álcool pode causar, ao mesmo tempo em que “de nada aproveita”.
415
Mesmo
reconhecendo que alguns não sucumbem ao mal da bebida, declara que nunca há garantias e
que há outros que com muito pouco já são afetados. Pela necessidade de se evitarem
quaisquer riscos, a bebida foi totalmente proibida. Inácio de Souza chega a observar as
vantagens que tal medida traria também à saúde dos membros do grupo, já que o álcool,
[...] como causa de males tão grandes, de que temos tão presentes advertências nas
referidas autoridades, que se confirmam com a infinidade de Doutores da medicina,
que assentam terá melhor saúde aquele que for mais isento das tais bebidas [...].
416
A proibição do álcool e a consciência do seu potencial para gerar desordens não eram
uma invenção daqueles homens. Vários bandos e ordens oficiais nas vilas das Minas tentaram
controlar esse problema durante as primeiras décadas do Setecentos. O Conde de Assumar,
em 1718, atendeu a requerimentos de algumas câmaras para que fossem destruídos os
413
O regimento das casas oficiais de fundições e moedas, redigido em 1687, foi reproduzido em GONÇALVES,
Casa da Moeda do Brasil, 1989 e uma discussão sobre o mesmo pode ser vista em TÚLIO, Falsários D’El
Rei, 2005.
414
Sobre a idéia de não se separarem atividades produtivas da estruturação sociocultural de uma comunidade, e
de não tratá-las simplesmente sob uma ótica de “mercado”, ver MENESES, Homens que não mineram, 2007.
415
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
416
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
259
engenhos de aguardente, como fora feito no Maranhão, por ordem de 18 de novembro de
1715. D. Pedro de Almeida, no entanto, declarou em uma carta ao monarca que seriam
demolidos apenas aqueles erigidos depois de uma ordem enviada a D. Braz Balthazar da
Silveira, alguns anos antes, para que se não permitisse a ereção de novos engenhos,
[...] em que se não tomava resolução sobre serem prejudiciais os ditos engenhos por
se seguir da multiplicação deles um dano irreparável ao seu serviço e a sua real
fazenda, e ao sossego dos moradores das Minas pelas inquietações que ocasiona nos
Negros esta bebida [...].
417
Por justiça a algumas pessoas, aqueles erigidos antes da referida ordem a D. Braz
Balthazar permaneceriam funcionando. Haveria seis meses para a ordem ser cumprida e,
depois disso, haveria uma multa de mil oitavas além de outras penas. Qualquer licença
expedida no passado não valeria mais e qualquer engenho que fosse destruído naturalmente
não poderia ser re-erguido. As proibições de vendas ou do trânsito de negras de tabuleiro
pelos morros com lavras auríferas levavam em consideração o mesmo motivo.
418
As
experiências de Inácio de Souza nas vilas das Minas devem ter contribuído muito com suas
idéias regimentais.
Em meio às suas observações sobre os males sociais do álcool e os riscos que
poderiam trazer à segurança, Inácio de Souza faz uma breve comparação com as bebidas de
chocolate, que não seriam negadas
[...] por serem sem perigo substanciais, e porque se não diga lembra o meu cômodo
estas conveniências, suposto reconheço não devo satisfazer a mordazes línguas, e só
governar-me por aquilo que for razão, e conducente para a salvação de todos [...].
419
Tal comparação levanta três pontos que precisam ser comentados. O primeiro deles é a
sugestão de que o chocolate pudesse ser comum mesmo a certa distância das principais vilas
das Minas, já nas primeiras décadas do Setecentos. É possível que um estudo dos inventários
do período levantasse dados interessantes e desse uma idéia mais precisa sobre a presença de
recipientes e outros instrumentos para o consumo dessa bebida, o que ultrapassa os objetivos
deste trabalho. Todavia, é interessante notar a necessidade do líder dos falsários de esclarecer
um ponto tão específico, como é o consumo de chocolate, sugerindo uma possível ubiqüidade
do produto e também nos trazendo ao segundo ponto: uma possível associação com bebidas
alcoólicas. Não seria uma associação de consumo, isto é, os dois tipos de bebidas seriam
417
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.197v-198v.
418
APM, CMOP 006, fl.02-02v e 08-08v.
419
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
260
consumidos em conjunto – embora isto seja uma possibilidade –, mas provavelmente uma
associação de valores culturais entre as duas. Ambas podiam facilmente representar prazer,
lazer e descontração, criando paralelos que fariam sentido num contexto onde o chocolate
ainda era considerado como uma especiaria de algum exotismo. Aprofundar neste tema seria
um trabalho independente por si só, mas vale apontar algumas das conotações que o chocolate
tinha, por exemplo, no meio religioso, já no século XVII. Em 1636, foi publicado em Madri
um livro intitulado Qvestion Moral Si el Chocolate quebranta el ayuno Eclesiastico, escrito
por Antonio de León Pinelo.
420
Nessa obra citavam-se, também, outras bebidas, e era de fato
um tratado sobre a abstinência de substâncias que, embora não causassem conseqüências
desastrosas, como era o caso do álcool, ainda carregavam conotações de prazer e tentação,
além de uma dose de exotismo que podia fazer com que fossem, até certo ponto, mal
compreendidas. A obra escolhera o chocolate como principal exemplo, nesse contexto. Talvez
tenham sido a idéias e conotações como essas que o líder dos falsários do vale do Paraopeba
reagiu quase um século depois. Pelo menos no contexto do império espanhol do século XVII,
o chocolate era discriminado no meio eclesiástico, sendo às vezes restrito ou proibido.
Algumas freiras tinham como quinto voto para sua ordenação não beber chocolate ou incitar
outras a bebê-lo. Uma preocupação aparentemente exagerada para uma bebida vista, hoje,
como inocente e inofensiva, mas que suscitava grande desconfiança há 300 ou 400 anos e que
teria levado Inácio de Souza a se dar ao trabalho de explicitar seu posicionamento quanto a
ela.
O terceiro e último ponto não diz respeito ao chocolate diretamente, mas à
preocupação do líder do bando de falsários em ser racional, o que transparece na declaração
citada. Sua permissão ao chocolate nega uma atitude dogmática de forma explícita e se torna
um argumento a favor da validade do regimento, que busca apenas se governar “por aquilo
que for razão”. Fica implícita uma sugestão de que proibir o chocolate seria uma atitude sem
justificativa ‘lógica’ e que não seria condizente com sua pessoa ou com o que se pretendia
conduzir no sítio de Boa Vista do Paraopeba. Talvez fosse até uma crítica a dogmatismos de
tempos anteriores.
Inácio de Souza buscava sempre ser um homem prático e direto. Pelo menos dentro do
que sua mentalidade, produto de sua época, considerava como tal. O início do regimento é
marcado por uma longa argumentação dos motivos pelos quais ele havia sido redigido e por
que todos ali se envolviam em crime tão condenável pela coroa portuguesa. O discurso era
420
A publicação moderna com prólogo comentado é PINELO, Qvestion moral si el chocolate quebranta el
ayuno eclesiastico, 1994.
261
longo e redigido em estilo muito semelhante ao que André João Antonil, no capítulo IX, da 3ª
parte de sua obra, utilizara para tentar convencer seus leitores da importância de se pagar o
direito dos quintos, argumentando que o ato deveria ser uma “obrigação em consciência”. Era
muito semelhante, também, ao estilo de Antonio de León Pinelo, em sua obra sobre o
chocolate. Outro exemplo desse estilo, ainda mais próximo aos falsários do vale do
Paraopeba, é o Discurso Histórico e Político do Conde de Assumar, produzido em 1720.
421
A
busca de argumentos vistos como lógicos parece ter sido uma tendência coeva e o gênio
sistemático de Inácio de Souza não podia conceber a questão de outra forma. No início do
regimento, justificou aos seus sócios o motivo do crime, de cujas implicações estavam todos
muito cientes.
É finalmente este negócio dos mais graves que viu o mundo, porque é crime de Lesa
Majestade, e da primeira cabeça, e por isso castigado com duras digo com duras, e
severas penas, como são perder a vida em fogueira, perder para a Coroa todos os
bens, e ficar por sentença infame a geração: Por nenhum princípio se modera a pena
da Lei dita, pois se faz indispensável para conservação do cômodo, e autoridade da
mesma Majestade = Procede-se a prisão sem culpa formada, para em oito dias se
mostrar. Condenam-se os réus por indícios e veementes conjecturas por ser sabido,
que os casos de difícil prova não seriam castigados, se se carecera de testemunhas,
pois o direito maduramente preveniu que os delinqüentes em casos atrozes haviam
buscar todo o rebuço, por não serem incursos neles, e por conseqüência fugirem de
testemunhas para os executarem = Incorre neste crime quem ajudou, conselhou (sic),
ou deu favor; pelo que os presentes já estamos compreendidos na terribilidade do
referido caso, em o qual entramos obrigados, uns da necessidade, outros de maiores
cômodos, que por outros meios se não encontram [...].
422
Essa citação demonstra algum conhecimento jurídico e, se tiver realmente sido uma
contribuição de Inácio de Souza ao regimento, indica a vasta bagagem de experiências que
esse homem levava consigo. Em seguida, Inácio de Souza justificou sua liderança e
argumentou que a obediência de todos seria a atitude mais correta. Tais tendências de estilo
de argumentação, além da já mencionada preocupação obsessiva com a proteção e a defesa do
negócio, podem ser observadas na seguinte passagem:
[...] Armas, vigílias, e gravíssima união, obediência a minha vontade, que quero, e
Deus testemunha para nosso cômodo, há de ser a salvação de todos em tanto risco,
em tanto temor, que sempre deve andar diante dos olhos com prudência para
prevenir o futuro, e não para chorar como meninos.
Pela parte de vossas mercês está muito pouca cousa, ou nada, que é obediência, pela
minha parte está quase tudo, que são considerações indizíveis, desembolsos
perpétuos = Não pode ser, que matéria tão grave deixe de se governar pela
disposição de um, que sabe a altura das cousas, e não este pela de vários, que além
421
Uma discussão sobre o significado deste documento tão interessante para a historiografia mineira e o seu tom
de argumentação e defesa de idéias a favor das ações de D. Pedro de Almeida para lidar com a chamada
Revolta de 1720, foi feita em SOUZA, O sol e a sombra, 2006.
422
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
262
de não terem razão de saberem, não lhes importa a todos esta matéria, como a mim
só, porque perco mais, do que alguns, em bens, e na reputação mais, do que muitos //
muitos que se não conhecem, o que não posso eu ter, pois em toda a parte me sabem
o nome, são isto explicações, que a matéria faz precisas para o discurso do presente
ponto, finalmente na vida, e na infâmia, que com ele por este caso se vai, perco,
como o que mais perde.
Para vossas mercês me obedecerem basta perguntarem a si próprio cada um para que
fiz eu isto, será a resposta para ganhar, e desta resposta se seguirão outras perguntas,
e respostas, e como posso ganhar, se não conservando-se todos, e isto como pode
ser, se não governando um, e como pode fazer um tal governo, se não obedecendo
todos; assentando em tão precisa necessidade, como a da obediência [...].
423
Aspectos do gênio e personalidade de Inácio de Souza Ferreira transparecem nesta
passagem, assim como suas percepções sobre o crime que cometia. Transparecem, também,
tendências discursivas da época e alguns padrões de mentalidades comuns dos dois lados do
Atlântico e em pelo menos dois impérios distintos, mas indiscutivelmente conectados.
Algumas idéias com certeza foram mais filtradas por suas experiências pessoais do que
outras, que podiam simplesmente ser repetidas de outros “doutores”. Era um indivíduo
reagindo a muitos outros e a muitas outras coisas, imerso num contexto histórico. O discurso
de Inácio de Souza se apresenta como uma manifestação local, mas contém bagagens globais,
da mesma forma como se apresentou a sua administração da casa de fundições e moedas
clandestina.
A idéia de que esse discurso do regimento se apoiava em idéias mais gerais ou de
outras pessoas se torna ainda mais crível pela observação de Diogo Cotrim de que o
documento não fora escrito com a letra de Inácio de Souza. O ouvidor-geral argumentava que,
como
[...] melhor prova de seu [de Inácio de Souza] ânimo, espírito de Levantado remeto
esse papel em forma de Lei que se lhe achou na casa em que dormia, o qual suposto
não seja da sua Letra, nem até aqui puder eu averiguar quem o escreveu, nem ele mo
querer declarar, tem várias emendas, e cotas suas, que vão reconhecidas, e não me
pareceu cá justo manda-lo ajuntar à devassa porque se ele teve o atrevimento de
querer dar Leis, eu não me achei com ânimo de as fazer públicas sem que V
Majestade o determine [...].
424
Embora pareça, pela citação, não ter sido Inácio de Souza o redator do texto, é preciso
notar que o regimento estava escrito em primeira pessoa e possuía diversas notas e emendas
suas. Podemos, portanto, considerá-lo como um dos seus principais cabeças e idealizadores.
425
423
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
424
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
425
Polêmica semelhante rondou a redação do Discurso Histórico e Político, interpretado por Laura de Mello e
Souza como sendo de autoria de D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar, pelo menos como um de vários
autores, mesmo que este não tenha empunhado a pena propriamente dita. Lógica semelhante pode ser
263
Sua capacidade para tanto fica clara nos vários papéis que escreveu da prisão até o ano de sua
morte, em 1740.
426
Diogo Cotrim também observava como conseguira se educar “em V.ª Rica
aonde foi Letrado sem ir a Coimbra”
427
, além de ser possível que detivesse conhecimentos
jurídicos, como se viu acima. Na citação, também fica claro como o peso e “atrevimento”
desse discurso, que era lido pelo líder dos falsários em pessoa todas as semanas, não passara
despercebido pelo magistrado régio. A mesma ousadia e ânimo seriam motivo de queixa, anos
depois, de Manuel de Caminha, um dos carcereiros e administradores da Torre do Bugio,
onde ficou preso Inácio de Souza.
428
Esse oficial diria “que lhe seguro que estando nessa
fortaleza à vinte sete anos e entrando nela os mais facinorosos presos nenhum me tem dado o
dízimo do trabalho em que este me tem posto e desinquietado o meu cuidado”.
429
Lembremos
também que Inácio de Souza revisou e fez diversas emendas e anotações no documento.
Embora não tenha empunhado a pena propriamente dita, havia muito daquele homem de
negócios lícitos e ilícitos naquelas “leis”, podendo o papel ter sido realmente todo ditado por
ele.
Após falar do álcool e do chocolate, o regimento prossegue para falar de jogos. Estes
foram proibidos por se supor que causavam desunião entre os companheiros. Ao mesmo
tempo se permitia, uma vez terminadas as tarefas diárias, o cantar e tocar “porque desse
divertimento se segue o negócio de se congraçarem cada vez mais os ânimos dos
companheiros; maior emprego este do meu cuidado”.
430
Mais uma vez o líder contrapõe uma
proibição a uma permissão. Nesse caso, trata-se até mesmo de um estímulo aos membros do
grupo clandestino. A necessidade de esclarecer sobre a música talvez sugira uma associação
dessas práticas com os jogos, ou talvez que o líder dos falsários já quisesse apresentar uma
alternativa à lacuna no lazer dos companheiros que a proibição do jogo causaria. Como no
caso do chocolate e do álcool, talvez Inácio de Souza possa ter pensado que alternativas às
práticas proibidas eram necessárias para acalmar os ânimos daqueles homens.
Se, por um lado, várias das disposições do regimento aproximavam o sítio de Boa
Vista do Paraopeba de um universo muito mais amplo, outras eram bem específicas e diferiam
bastante de práticas e noções culturais predominantes naquela época. Por exemplo, era
proibido aos membros do grupo se tratarem por qualquer outra expressão que não vossa
aplicada a este papel que se achou em posse de Inácio de Souza Ferreira e que continha tal regimento. Para a
argumentação de Laura de Mello e Souza ver SOUZA, O sol e a sombra, 2006.
426
ANTT, Conselho de Guerra, maço 251 bis, caixa 933. Correspondência.
427
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34.
428
ANTT, Conselho de Guerra, maço 251 bis, caixa 933. Correspondência.
429
ANTT, Conselho de Guerra, maço 251 bis, caixa 933. Correspondência.
430
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
264
mercê, “sem liberdade de graças por evitar a presunção, de que nenhum é mais agora, e por
isso as diz, e quem as ouve as deve sofrer, por menor; porque do contrário se segue a falta da
conservação, em que tanto hei de trabalhar”.
431
A imposição indica que reconhecimentos de
afetos, submissão ou hierarquia podiam gerar ciúmes e conflitos que poderiam comprometer a
segurança do negócio clandestino. Essa era uma realidade bem distinta daquela que se
articulava nos meios oficiais, onde uma economia de dons e mercês enfatizava o
reconhecimento de amizades e submissões.
432
Embora os escravos continuem sendo reconhecidos claramente como tais, como
demonstram os termos utilizados no regimento e as punições que serão discutidas em breve,
os outros membros do grupo eram colocados em igualdade de tratamento. Apesar dessa
distinção social ter sido observada, ainda assim haveria outras imposições em relação ao
tratamento dos cativos, pois
[...] neles nenhuma pessoa dará nenhuma bofetada, porque sou vivo eu, a quem toca
ação de castigar, e o mais é destruir a obedncia, [e também] aos quais ninguém terá
ação de dar nada, nem da mesa prato, porque do comum dela se se sustentarão
[...].
433
Também para evitar conflitos internos era proibido aos moradores do sítio carregar
facas na algibeira, já que era supérflua e
[...] arriscada nela, todos porão a faca em uma mesma paragem, assentando cada um
consigo não há de aproveitar de nada para os domésticos, e companheiros, e para os
de fora, havendo cuidado, se elegerá tempo para se usarem de outras armas
ofensivas ao longe [...].
434
É possível notar que o medo do inimigo interno era um problema tanto quanto o do
inimigo externo. Daí a necessidade de se organizar e de se proteger e de criar uma ordem
interna. Tal ordenação tinha motivos específicos, mas também reagia às antigas experiências e
formações culturais de seus habitantes. Dessa forma, se erigia uma ordem local que conectava
aquele locus a outros pontos do globo, não apenas na logística de seus negócios lícitos e
431
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
432
Existe uma vasta literatura na historiografia do império português do século XVIII que trata ou menciona este
tipo de mentalidade e comportamento. Ver ANASTASIA, Vassalos rebeldes, 1998; ANASTASIA, A lei da
boa razão e o novo repertório de ação coletiva nas Minas setecentistas, 2002; FIGUEIREDO, O império em
apuros, 2001; HESPANHA; XAVIER, As redes clientelares, 1993; HESPANHA, Porque é que existe e em
que é que consiste um direito colonial brasileiro, 2006; MONTEIRO, O rei no espelho, 2003. Para uma
visão sobre a manifestação deste tipo de mentalidade em esferas privadas ver FURTADO, Homens de
negócio, 1999.
433
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
434
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
265
ilícitos ou nas necessidades pragmáticas que um empreendimento de produção como aquele
criava, mas, também, culturalmente.
Falava-se ainda sobre a forma como seriam distribuídos os mantimentos, que
[...] sempre será o mesmo pouco mais, ou menos, que até aqui se tem visto, não se
perdoando // almoço, jantar, merenda, e ceia, de que se acha feito provisão,
comendo, e fartamente, e com desperdício de nenhuma sorte [...].
435
Havendo desperdício ou descaminho de provisões, os responsáveis seriam multados
com o salário de uma semana. Esse controle era responsabilidade de Manuel Mourão e João
Gonçalves.
Outra preocupação que demonstra o cuidado com a união do grupo e o medo do
inimigo interno – a desunião – era a imposição de que não houvesse segredos no sítio.
Ordenava-se que todas
[...] as conversas sejam para todos, e de nenhum modo em segredo, que sempre
desafiou este a reparos daqueles, que ficaram de fora da comunicação, e envolve a
grosseria, pois é expressamente injuriar aos que o não ouve, considerando-os ou
menos amigos, e incapazes de participarem dos tais segredos [...].
436
Além da palavra dita, também “não haverá escritas, que se não mostrem a todos e a
mim que devo livrar-me de escrúpulos, e aos companheiros de // sustos, de que é matéria que
se lhes esconde e por isso prejudicial a qualquer”.
437
Além do inimigo interno, essas medidas
também resguardavam o sítio contra o inimigo externo. As facilidades de comunicação com
Vila Rica e até mesmo com a Europa pareciam ironicamente compensadas por uma forte
censura interna no sítio. A integração em redes de contatos e influências amplas não
significava total liberdade dos membros do grupo. Por segurança, tal integração precisava ser
feita sob regras específicas bastante rígidas, seguindo ordem e lógica próprias. Não eram
infalíveis, já que Francisco Borges conseguiu burlá-las e realizar sua delação.
O controle dos relacionamentos internos e externos dos membros do grupo se
completava com humilhações e multas às faltas e desaforados. No regimento, estipulava-se
[...] Que todo aquele, que prometer, tirar ou dar com alguma cousa a outro qualquer
companheiro, ou o descompuser de palavra, ou ameaçar, andará três meses em um
grilhão no pé, e se com efeito der, trabalhará seis meses com uma corrente ao
435
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
436
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
437
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
266
pescoço, e perderá para o sofrido quatrocentos mil réis, e assim mais duzentos para
os companheiros [...].
438
Outras regras de segurança eram o cuidado especial com os horários e com a
circulação pelo espaço do sítio. Algumas dessas já foram apontadas, como, por exemplo, as
jornadas às missas e a proibição de negros na casa de fundições e moedas clandestina. Havia
outras, como era o cuidado especial com a cancela ou porteira
[...] que todas as vezes que a cancela de dia, ou de noite, a qualquer hora se não
acharem fechada com suas correntes e cadeados me pagará cada um dos que estiver
dentro da casa duzentos mil réis pela culpa, de omissão tão grande [...].
439
Outra medida associada aos horários era a proibição aos trabalhadores da casa de
fundições e cunhagens ilícitas de dormirem fora dela. Era estipulado que “guardar-se-ão as
chaves da porta da rua, e da cancela de noite em cofre, advertindo que a todos obriga
dormirem dentro, e da banda de fora só os cachorros”.
440
Essa ordem funcionava como um
toque de recolher e restringia o trânsito pelo sítio durante a noite. Mais uma vez, era por
motivo de segurança, impedindo que transeuntes invasores fossem confundidos com simples
transeuntes noturnos. Em outras funções, como a de fazer carvão, Inácio de Souza dizia:
[...] Lembro aos deste serviço, que não ficam de noite isentos de outro que seja
necessário ao compasso, que o não serão os mais companheiros, que trabalharem no
mesmo tempo de dia, e algumas horas da noite; advirto também, que os de tal
exercício devem jantar em casa, e sair dela almoçados, levando o almoço, porque de
nenhum modo se lhe há de levar comer, // nem beber, nem mandarão pedir nada à
casa por senão destruir de nenhum modo a companhia dos dois a tal operação [...].
441
Tal ordem controla os horários de trânsito pelos matos, restringindo-os à hora de saída
e volta para casa e apenas aos dos trabalhadores responsáveis pela produção de carvão.
Coordena, também, os horários e tipos das refeições – a refeição levada podia ser bem
diferente daquela consumida em casa, por exemplo.
O controle de horários e sua associação com o cotidiano e trânsito por um espaço
definido acontecia naquela época, também, nas vilas das Minas. Em 1729, em Vila Rica, a
câmara mandou publicar um edital “para que nenhuma pessoa podece andar pellas ruas
despois das nove horas da noute”.
442
O mesmo edital proibia ainda que qualquer loja ou venda
438
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
439
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
440
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
441
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
442
APM, CMOP 006, fl.78v-79.
267
permanecesse aberta depois desse horário. A ordem visava organizar o espaço da vila e evitar
“os asaltos roubos e pendencias que de noute sucedião feitos não so por negros mas tambem
por alghuns homens brancos estravagantes”. Independentemente desse toque de recolher, as
câmaras sempre tentariam, durante o século XVIII, controlar os horários de funcionamento
das tendas e oficinas de certos ofícios mecânicos, estipulando-os, às vezes, individualmente,
após negociações com os oficiais.
443
A busca do controle do espaço e a temporalidade que
isso pode implicar eram aspirações, também, do regimento de Inácio de Souza.
Além dessas estipulações sobre comportamento e cotidiano dentro do sítio, o
regimento tratava de questões mais específicas às funções de cada um e ao sustento do
negócio clandestino. Organizava o trabalho daqueles homens. Tais estipulações já foram
bastante observadas no decorrer deste capítulo, mas são necessárias algumas últimas
considerações.
Era necessário que alguns homens se alternassem na função de produzir carvão, que
também era uma função punitiva para transgressores, assim como a humilhação de carregar o
seu produto com os negros – normalmente o homem branco ocupado dessa tarefa não
carregava o produto final. Humilhações também eram aplicadas àqueles que fizessem ameaça
ou realizassem algum ato de “tirar ou dar com alguma cousa a outro qualquer companheiro”,
como se observa na citação já citada acima.
444
Nessa ofensa, o culpado arriscava receber
grilhões no pé caso tivesse feito apenas a ameaça ou corrente no pescoço, além de uma alta
multa, se a concretizasse. Mais uma vez, como no caso do carvão, humilhar os contraventores
significava aproximá-los de cativos, colocando-os em grilhões e correntes. Ainda,
[...] serão todos obrigados a só prendê-lo a minha [de Inácio de Souza] revelia por
ser cúmplice em tal caso deste delito, e aquele que o não fizer, ou entrar com tal
omissão, que parece o não faz terá a mesma pena, que no caso vai expressada
incorre o delinqüente [...].
445
Já as multas se assemelhavam às punições aplicadas pelo próprio poder oficial no caso
de contravenções. No sítio de Boa Vista do Paraopeba algumas multas tinham valores
específicos, normalmente quando aplicadas a desleixos com relação à segurança ou
desrespeito às regras gerais do sítio. Por exemplo, no caso de se esquecer a cancela aberta,
pagava-se 200$000. Podia-se também perder o salário ou o “que lhe toca” de um dia, uma
semana ou um mês, dependendo da transgressão, no caso de um erro de trabalho na função
443
MENESES, Homens que não mineram, 2007.
444
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
445
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
268
pela qual o culpado fosse responsável. Os salários que se perdiam eram divididos entre os
companheiros ou dados ao próprio Inácio de Souza. No caso dos erros de trabalho ocorridos
dentro da casa de fundições e moedas clandestinas, apenas os companheiros dali de dentro
recebiam tais dividendos. Também seria multado em 200$000 aquele que não informasse ao
líder qualquer contravenção cometida no sítio.
O valor das multas era alto. Por pequenos deslizes os membros do grupo de Inácio de
Souza podiam perder somas equivalentes àquelas que alguns deles pagariam posteriormente à
fazenda real quando foram julgados e sentenciados em Lisboa, em 1732, pelo crime de
falsificar barras de ouro. Na ocasião da sentença, Inácio de Souza, como principal responsável
pelo crime, fora degredado e perdera todos os seus bens, mas seus companheiros foram
degredados e multados. Miguel de Torres e Damião Gomes do Vale foram multados em
300$000 cada um para a fazenda real e 100$000 para as despesas da relação; José de Souza
Salgado teve que pagar 200$000 para a fazenda real e 50$000 para as despesas da relação; e
os réus Francisco Tinouco, Antônio Pereira e Antônio de Souza Ferreira receberam a multa de
150$000 cada um, para a fazenda real, e mais 50$000 para a relação.
446
A maior das multas
era ainda apenas 2/3 do valor daquela aplicada por Inácio de Souza no caso de se esquecer a
cancela aberta.
É possível, também, que as multas aplicadas no reino sofressem alguma disparidade
frente àquelas aplicadas nas Minas, dada a grande desvalorização do ouro nessas últimas.
Lembremos da multa de mil oitavas imposta por D. Pedro de Almeida, mencionada acima,
para engenhos de aguardente de cana que fossem encontrados sem licença.
447
Talvez esse
exemplo represente melhor o que significava uma multa oficial no espaço das Minas, naquela
época. Em 1718, tal multa equivaleria a algo em torno de 1:000$000 ou mais, quase três vezes
o valor da maior multa na sentença contra os réus, em 1732, e quase duas vezes o valor da
maior multa imposta no regimento de Inácio de Souza. Ainda assim, levando em consideração
os motivos que levavam a cada punição pecuniária e as disparidades entre reino e colônia, é
possível notar certo padrão nos valores atribuídos a essas penas no meio oficial e no espaço
ilícito do sítio de Boa Vista do Paraopeba.
O alto valor das multas nos permite supor que os membros do grupo de falsários
fossem homens de algum cabedal. Sabemos que Inácio de Souza possuía em Vila Rica loja de
fazendas e casas das de “maior grandeza”. O bando incluía, também, um ex-juiz da balança da
casa de fundições e moedas oficial e possivelmente um ex-minerador, que possuía lavras em
446
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.121-122.
447
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.197v-198v.
269
morros que, como sabemos, exigiam maiores investimentos. Os valores médios dessas multas
equivaliam a preços médios de escravos e podiam, inclusive, ir muito além. Os preços dos
escravos, naquela época, podiam variar, em média, de pouco menos de 100$000 até
300$000.
448
Isto significa que o desrespeito às leis do sítio poderia custar até dois escravos de
altíssimo valor ou até dez de baixo valor, numa época em que os plantéis médios não
passavam de dez cativos e representavam os maiores bens de um indivíduo, já que eram bens
que produziam. Por outro lado, sabemos que a maioria dos habitantes das Minas vivia
endividada, muitas vezes em quantias exorbitantes, e talvez as multas aplicadas no sítio
também apresentassem flexibilidade de pagamento a longo prazo.
449
O próprio líder do grupo
devia mais de quatro contos de réis quando foi preso. Em 20 de junho de 1733, um tal Marçal
Cazado Rotier, morador do rio das Mortes, exigiu o pagamento de 3:476$525 que Inácio de
Souza e Francisco Borges deviam a ele.
450
José Lopes Ribeiro, um morador de Vila Rica,
solicitou do procurador da fazenda, em 29 de julho do mesmo ano, o pagamento de 625$800
que Inácio lhe devia de um dinheiro emprestado.
451
Maria Cordeira, que morava em Portugal,
exigia que lhe pagassem uma dívida que o réu tinha com seu falecido filho, que morara em
Vila Rica, e Manuel José Martins solicitava o pagamento de uma quantia não definida por
“carregação de vários effeytos” entregue a Inácio de Souza.
452
O que importa notar é que o
sistema econômico de multas e possíveis dívidas que se desenvolvera entre os sócios da
fábrica clandestina se inseria no sistema corrente observado nas Minas e no reino.
No entanto, não se pode descartar a possibilidade de que alguns dos membros do
grupo não pudessem arcar com essas punições pecuniárias. Lembremos que Francisco Borges
de Carvalho fez sua delação sob as justificativas de lealdade à Sua Majestade, do assassinato
de seu sobrinho Caetano Borges de Carvalho e do comportamento tirano e despótico de Inácio
de Souza. É possível que essas multas impostas pelo líder fossem totalmente incabíveis para
aqueles homens, ou pelo menos para alguns deles, gerando descontentamentos como o que foi
expresso pelo delator.
Todo esse aparato punitivo também nos permite associar a organização do sítio de Boa
Vista do Paraopeba a modelos militares. Em tais ciclos, essas punições podiam envolver
448
Este preço é uma média do que se observa em inventários daquela época ou em outros tipos de listas ou
descrições que incluíssem valores e preços para escravos adultos, mas sem habilidades especiais
significativas. Em alguns casos de dotes, habilidades ou conhecimentos especiais, o preço podia ir bem além
daqueles mencionados aqui.
449
SANTOS, Devo que pagarei, 2005 e SILVEIRA, O universo do indistinto, 1988.
450
AHU, Avulsos, Caixa 24, Documento 21.
451
AHU, Avulsos, Caixa 24, Documento 42.
452
AHU, Avulsos, Caixa 28, Documento 51 e AHU, Avulsos, Caixa 20, Documento 62.
270
humilhações, multas ou prisões, elementos dos quais o complexo da fábrica clandestina não
ficou isento.
453
O esquema rígido do sítio, na visão de seu líder, era totalmente necessário, mas não
quer dizer que seus sócios e companheiros concordassem. A organização imposta por Inácio
de Souza inovava em relação a várias noções culturais, mas também reproduzia muitas outras.
Em muitos aspectos, o esquema organizacional do sítio se assemelhava bastante a um sistema
militar, mesmo que reproduzido no espaço do ilícito e de homens “levantados”. Como ele
mesmo diz no regimento
[...] assentando que não tem, de quem desconfiar, nem brigar com companheiros, ou
já considerando que somos levantados, que dependemos de nós mesmos para nos
conservarmos, ou que somos soldados, ou passageiros de nau de guerra com
obediência ao capitão dela, que castiga com severidade, a quem dentro da nau faz
movimentos opostos à razão, obediência, e conservação [...].
454
O uso de modelos militares era comum entre potentados coloniais que agiam tanto no
campo do lícito quanto do ilícito – às vezes concomitantemente. A historiografia sobre essa
prática é vasta, e a comparação de Inácio de Souza com outros homens poderosos das Minas,
que possuíam séquitos de homens armados e organizados, brancos, mestiços ou negros,
cativos ou não, já foi feita antes.
455
Lembremos, aqui, apenas que o líder dos falsários tinha
mesmo algo como uma tropa sob seu comando, de forma muito semelhante a outros
potentados locais coevos, muitos deles, inclusive, detentores de patentes militares. Logo,
reproduções ou adaptações de modelos organizacionais ou regimentais militares não eram
surpresa nesse meio.
O funcionamento militar tem como um de seus mais fortes princípios a disciplina e tal
idéia já era manifesta no século XVIII.
456
O cotidiano militar possuía e possui um caráter
disciplinador dentro de um ambiente rígido. Tais tendências podem ser notadas no regimento
imposto sobre o grupo de falsários e nas conseguintes formas de relações com seu espaço e
mundo material. Como afirma Francis Albert Cotta (2004: 87), “a disciplina define cada uma
das relações que o corpo deve manter com o objeto que manipula, ela estabelece cuidadosa
453
Sobre o papel das punições no meio militar ver COTTA, No rastro dos dragões, 2004; FONSECA, A
presiganga e as punições da Marinha (1808-31), 2004 e MELLO, A guerra e o pacto, 2004.
454
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47.
455
Como exemplos específicos sobre homens como esses nas Minas, ver especialmente os trabalhos de Carla M.
J. Anastasia. ANASTASIA, Vassalos rebeldes, 1998; ANASTASIA, A lei da boa razão e o novo repertório
de ação coletiva nas Minas setecentistas, 2002; ANASTASIA, A geografia do crime, 2005. Ver também
FRAGOSO, Potentados coloniais e circuitos imperiais, 2005 e PAIVA, De corpo fechado, 2006b.
456
Várias obras coevas atestam para esta tendência do universo militar. Para uma discussão sobre essas idéias no
mundo português do século XVIII e exemplos dessas obras ver COTTA, No rastro dos dragões, 2004.
271
engrenagem entre um e outro”. Nessa lógica disciplinar destaca-se o papel dos regulamentos,
que não deixa de ser um exercício de ordenação do espaço, do tempo e do corpo.
457
Uma
mentalidade militar impunha também um sistema hierárquico, ao mesmo tempo em que
permitia igualar indivíduos no mesmo nível, exatamente como se pode observar no regimento
imposto por Inácio de Souza. Ele era o líder absoluto e todos os seus sequazes deveriam agir
como iguais, com as diferenças permanecendo apenas entre os grupos de escravos e não-
escravos.
Todo o esquema descrito acima para o complexo da fábrica clandestina introduziu
vários elementos no cotidiano daqueles homens. Ao modelo organizacional aplicado no sítio
de Boa Vista do Paraopeba, podem ser notados paralelos nas vilas, no meio militar e na vida
privada das Minas daquela época. O regulamento era uma tentativa informada culturalmente
de ordenar um mundo específico: o da fábrica clandestina e seu complexo infra-estrutural.
Isto gerava a reprodução de muitos elementos do universo colonial de forma geral e do
universo das Minas mais especificamente, conectando aquele espaço e seus habitantes a um
mundo bem mais amplo, que chegava a proporções globais. Ao mesmo tempo, oferecia
oportunidades de inovações locais e misturas originais, gerando mestiçagens e outras
manifestações de caráter bem específico àquele locus. Fatores naturais, culturais, políticos,
sociais e econômicos, materiais ou não, geravam possibilidades que eram orquestradas por
Inácio de Souza Ferreira para a gerência de vários negócios lícitos e ilícitos, inclusive a
produção de barras e moedas falsas.
457
FOUCAULT, Vigiar e punir, 1998.
272
CONCLUSÃO
Apesar das armas, do cabedal reunido como comerciante, das experiências trocadas
com interlocutores locais e internacionais, das preces e devoção religiosa e dos vigias e
guardas ao seu redor, Inácio de Souza Ferreira foi preso no dia 8 de março de 1731. Incluindo
o líder dos falsários, oito membros do bando seriam enviados a Lisboa para julgamento. Sete
deles seriam condenados, mas, nenhum, por crime de lesa-majestade. Declararam que nunca
chegaram a fundir moedas, apenas barras, apesar da infra-estrutura disponível. Os criminosos
receberam como penas somente multas e degredos. Todavia, não sabemos quais deles foram
realmente submetidos às penas e, de fato, degredados. Inácio de Souza, por exemplo,
permaneceu encarcerado em Portugal e morreria na Torre do Bugio em 1740.
458
Aparentemente, mesmo ali, as influências do falsário se sustentavam, embora não
fossem infalíveis, da mesma forma como não o eram nas Minas. Após um julgamento brando,
o réu ainda permaneceria preso até a morte. Durante a prisão, tentou de várias formas
conquistar a simpatia régia a fim de ser libertado. O Conde de Ericeira menciona em seu
diário que, ao chegar a Portugal, em dezembro de 1731, Inácio de Souza ofereceu a El-Rei
grandes somas de dinheiro, para que “lhe dê a vida e perdão”.
459
De dentro do cárcere
escreveu cartas e pareceres sobre a situação das Minas e a melhor forma de governá-las,
clamando que saberia das curas e soluções para os problemas da região melhor do que os
conselheiros de El-Rei, por ter morado naquela capitania por muitos anos. Inácio de Souza
esperava ser ouvido. Para isso, precisava imaginar que alguém intercederia a seu favor e,
assim, não poderia estar sozinho em Portugal, da mesma forma como não estava nas Minas.
Na prisão do Limoeiro recebia assistência e diversos favores de “apaixonados”, como diria
um de seus carcereiros.
460
Depois que foi transferido para a Torre do Bugio, em 1733, o
padrão seria o mesmo. O carcereiro Manuel de Caminha chegou a mencionar a visita de um
padre paulista, que havia estado com ele nas Minas e que pretendia ajudá-lo a fugir.
461
Entre
os papéis do desembargador Joaquim Rodrigues Santa Marta Soares, responsável pelo falsário
458
ANTT, Conselho de Guerra, maço 251 bis, caixa 933.
459
“Diário do Conde de Ericeira, D. Francisco Xavier de Menezes (1731-1733), apresentado e anotado por
Eduardo Brazão”. Biblos. Revista da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Coimbra, 1941, vol.
XVII, p.93. A quantidade especificada pelo conde era 300, mas o símbolo ao lado não pôde ser reconhecido.
Portanto não sabemos se se tratava de 300 oitavas, réis, tostões ou cruzados. A transcrição de Eduardo
Brazão colocou o valor e símbolo como 300 V ttº.
460
ANTT, Conselho de Guerra, maço 251 bis, caixa 933.
461
ANTT, Conselho de Guerra, maço 251 bis, caixa 933.
273
depois que este foi condenado, estão várias contas dos gastos feitos com o preso naquele
cárcere, incluindo, principalmente, vestuário e comida.
462
Mesmo preso, Inácio de Souza ainda era um agente histórico capaz de articular essas
relações e estimular o trânsito de experiências pelo mundo português, deliberada ou
acidentalmente. Levaria consigo suas experiências e contatos e tentaria se manter, da prisão,
informado e exercendo a mesma forma de controle que tivera sobre o sítio de Boa Vista do
Paraopeba e seus arredores. Manuel de Caminha reclamaria constantemente. Dizia ao
desembargador Santa Marta, seu superior, que “este prezo sabe m.ta coiza pretençente o seu
particullar q’ se obrar nessa sidade”, e ainda:
[...] q’ pro esta terra corre vos q’ o sobrinho do tal prezo tem feito húa pitição a El
Rey contra a pessoa de Vm.ce e contra a minha os fundam.tos não os sei, tambem
andão varios treslados feitos pello prezo, o pro alguns dos seus prasiais (sic.) da
carta, q’ foy iunta com a procuração a mão de Vm.ce pro esta ação se justifica, q’
não importa a recomendação da hordem p.ª q’ se lhe ivite a comonicação proq’ elle
ten na tam publica como nos treslados da sua carta se ve, proq’ ha pessoas q’
faselitam aquilo, q’ tem obrigação de guardar [...].
463
O preso e o carcereiro viveriam em constantes conflitos, demonstrando a continuada
confusão e mistura entre esferas privadas e públicas, de certa forma representadas nas figuras
dos dois. As obrigações oficiais batiam de frente com interesses privados que se achavam no
direito de se sobrepor a elas, e, às vezes, realmente o conseguiam.
Com os anos, o desespero de Inácio de Souza foi aumentando e os gastos diminuindo,
mas nunca desapareceram. O criminoso parecia estar sendo esquecido. Quando faleceu, já
dava sinais de desespero e loucura.
464
Ainda assim, o desembargador providenciou pelo menos 215 missas para a encomenda
de sua alma. Embora estas tenham sido cobradas dele, é possível que tenham sido solicitadas
e pagas por contatos de Inácio de Souza em Portugal ou em outros locais. Era um número
pequeno: menos de 1/3 da média de 750 missas rezadas pelos defuntos, em Lisboa, em torno
dos anos de 1730.
465
Ainda assim, representaram um custo de 25$800.
466
Enfim, mesmo depois de preso e transferido para o outro lado do Atlântico, o falsário
e contrabandista ainda tinha quem olhasse por ele. A atenção que recebera, no entanto, não foi
a que esperava ou desejava. Era um homem que se acostumara a reger outros homens e a ser
ouvido, como testemunhou seu delator Francisco Borges de Carvalho. Em seu último ano na
462
ANTT, Conselho de Guerra, maço 251 bis, caixa 933.
463
ANTT, Conselho de Guerra, maço 251 bis, caixa 933.
464
ANTT, Conselho de Guerra, maço 251 bis, caixa 933.
465
Média dada em SOUZA, O sol e a sombra, 2006, p.310.
466
ANTT, Conselho de Guerra, maço 251 bis, caixa 933.
274
Torre do Bugio, pedia por cobertores, uma realidade bem diferente daquela dos tempos áureos
de seus negócios. No sítio de Boa Vista do Paraopeba, podia se dar ao luxo de ser “absoluto
com o poder de negros e brancos que tem adquirido que por qualquer leve motivo manda
espancar”.
467
As experiências das Minas foram carregadas em forma de frustração para o
cárcere do outro lado do oceano, mas também na forma de esperança, em seus desejos,
maquinações e tentativas para ser libertado. Falava com um de seus companheiros de cárcere
de lugares distantes onde preferiria viver; que “o mais a q’ se pode extender o receyo de Vm’,
segundo me dis, hê India, q’ eu em liberd.e antes escolhera do q’ andar, por Lx.ª vivendo
como os mais(?), q’ não vivem peyor.”.
468
Inácio de Souza conhecia o globo e as possibilidades de se transitar por ele. As
experiências de redes de contatos e de influências construídas por ele foram mantidas e
continuavam sendo usadas. A bagagem que adquirira anteriormente viajou oceanos e, assim,
ele transferia informações, saberes e experiências das Minas para Portugal. Este era um
fenômeno do Setecentos, e não apenas um produto dos negócios ilícitos de falsificação e
contrabando. Servira de ferramenta a eles, mas também estava disponível a vários outros
projetos. Era uma tendência cultural, social, econômica e política, e não resultado de um caso
específico. O episódio tratado neste trabalho apenas demonstra uma das várias formas como
esse padrão podia ser usado por agentes históricos em situações específicas, nas quais se
manifestava de forma mais individualizada, mas sem perder sua historicidade.
No contexto colonial do mundo português do Setecentos, essas redes estimulavam e
eram estimuladas pelo trânsito de idéias, pessoas e objetos, conectando o local ao global de
tal forma que impediam o reconhecimento de fronteiras ou limites entre esses dois níveis. No
caso de Inácio de Souza, não era possível dizer onde terminava sua esfera de ação local e se
iniciavam seus trâmites globais. A capitania das Minas foi definida como seu espaço de ação
local apenas para os propósitos deste trabalho, pois era a unidade política atendida pela casa
de fundições e moedas de Vila Rica, a instituição que potencializou o negócio de barras e
moedas falsas do bando do Paraopeba. No entanto, as influências e contatos daqueles homens
foram muito além e chegaram ao Rio de Janeiro e à Europa. Além disso, no seu
funcionamento cotidiano contou com saberes de descendentes de africanos, quilombolas,
indígenas, oficiais mecânicos do reino e da Espanha, para citar apenas algumas influências.
Não sabemos com certeza a origem de todos os membros envolvidos, mas eram dezenas. As
chances de os oficiais que trabalharam no negócio ilícito serem homens locais eram grandes,
467
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699.
468
ANTT, Conselho de Guerra, maço 251 bis, caixa 933.
275
pois a própria casa de fundições e moedas da coroa se utilizava de oficiais da terra para os
seus trabalhos. O próprio Inácio de Souza, da cadeia, elogiaria o trabalho destes. Isso apenas
reitera as relações do global com o local e como estas eram balizadas por múltiplos filtros
culturais e escolhas coletivas e individuais. Outro ponto a ser notado foi como a própria
administração oficial e as casas de fundições e moedas do mundo português seiscentista e
setecentista foram de grande influência para aqueles homens. As redes de contatos e de
influências dos falsários estiveram ligadas ao destino das casas de fundição e moedas oficiais
de Vila Rica e de outros lugares, direta e indiretamente.
As formas e possibilidades de misturas, influências, apropriações ou reproduções eram
incontáveis e a colônia e Portugal ou, mesmo, a colônia e o globo não podiam ser dissociados.
O trânsito era amplo e os pólos eram muitos. Levavam à fábrica clandestina do vale do
Paraopeba e aos seus habitantes influências culturais, saberes e experiências diversas que se
misturavam no âmbito local, às vezes simplesmente reproduzidas, às vezes adaptadas e
modificadas, formando uma ordem própria, específica àquele contexto, mesmo tendo
múltiplas origens. Alguns desses fatores eram recentes, como o regimento das casas de
fundições e moedas de Portugal e o uso do solimão, e outros possuíam tradições centenárias
ou milenares, como as idéias sobre os direitos régios sobre o ouro ou a tecnologia de fornos
de alta temperatura. Outros elementos, ainda, eram criados localmente ou eram
conhecimentos locais de que se apropriavam os falsários, como os conhecimentos dos matos e
caminhos. Tudo isso conectava a fábrica de Inácio de Souza a um universo antrópico e natural
vasto no tempo e no espaço. Estes são apenas alguns dos exemplos que foram tratados aqui. O
que importa dizer é que trabalhar o ouro exigiu do grupo de falsários uma organização própria
– que chegou a tomar a forma de um regimento! – e que nas circulações e trabalhos com o
metal despontavam conexões entre agentes históricos, objetos e experiências, das quais o
negócio ilícito podia se aproveitar ou contra as quais precisava se proteger. Tais conexões
implicavam relações geográficas. Noções de tempo e espaço eram fundamentais para aqueles
homens e ditaram muito de suas escolhas e logística. Seu negócio clandestino funcionou em
conluio tanto com a geografia física como com a política e, conseqüentemente, com outros
fatores socioculturais das Minas setecentistas que dialogavam com esses elementos.
Inácio de Souza e seus homens, em uma de suas áreas de circulação pelas Minas, se
misturavam às esferas oficiais e transitavam abertamente com objetos falsos. Em outra, se
mantinham reclusos e realizavam contrabando puro e simples. Moldavam uma espécie de
espaço do ilícito que, embora não tivesse fronteiras claras, funcionava de acordo com a lógica
cultural de um momento histórico específico e de acordo com um mundo material que
276
precisava respeitar imposições naturais. À primeira vista, talvez contemplado como algo
isolado, marginal ou fora da ordem, o exemplo tratado aqui demonstra algo bem diferente. Tal
espaço podia ser integrado, influente e muito bem ordenado. Nesse contexto, o espaço do
ilícito de Inácio de Souza se formou num diálogo com esferas oficiais lícitas e com outras
esferas ilícitas, tanto local quanto globalmente, e se constituiu como mais uma manifestação
do complexo e fabuloso universo das Minas setecentistas.
277
REFERÊNCIAS E DOCUMENTAÇÃO
DOCUMENTAÇÃO MANUSCRITA
Arquivo Histórico Ultramarino (AHU):
AHU, Avulsos, Caixa 17, Documento 43. 14/11/1730.
Carregação que Deus leve em paz feita por nos Ignacio de Souza Ferreira por conta e risco de
VM. Vai, e dos mais interessados as Ilhas e delas para o Norte ou Lisboa e do mesmo modo
que melhor se diz na ordem junto a que serve de governo para tudo.
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 24. 21/03/1731.
Carta de Diogo Cotrim de Souza, ouvidor-geral da Comarca do Rio das Velhas, dando conta
das inquirições que tem vindo a fazer no sentido de apurar da existência de mais Casas de
Fundição na referida Comarca.
AHU, Avulsos, Caixa 18, Documento 47. 16/06/1731.
Certidão dando conta da prisão de Ignacio de Sousa Ferreira, assistente em Paraopeba de cima
com o Treslado de um papel que se achou em sua casa.
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 27. 27/07/1731.
Carta do Conde de Sabugosa a D. João V a respeito da diligência de Diogo Cotrim de Souza
(remetendo planta do sítio da casa de fundição e moeda falsa).
AHU, Avulsos, Caixa 19, Documento 34. 30/07/1731.
Carta de Diogo Cotrim de Souza, ouvidor-geral da Comarca do Rio das Velhas, dirigida a D.
João V, informando-o acerca das diligências sobre a Casa da Moeda falsa.
AHU, Avulsos, Caixa 20, Documento 62. 20/02/1733.
Requerimento de Manuel José Martins referente a uma causa civil contra Inácio de Souza.
AHU, Avulsos, Caixa 24, Documento 21. 20/07/1733.
Requerimento de Marçal Casado Rotier para citar Inácio de Souza Ferreira.
AHU, Avulsos, Caixa 24, Documento 42. 20/07/1733.
Requerimento de José Lopes Ribeiro para citar Inácio de Souza Ferreira.
AHU, Avulsos, Caixa 28, Documento 51. 11/12/1734.
Requerimento de Maria Cordeira referente a uma dívida de Inácio de Souza Ferreira.
AHU, Avulsos, Caixa 64, Documento 56. 16/05/1754.
Carta de José António Freire de Andrade, governador de Minas, informando a Diogo de
Mendonça Corte-Real ter mandado fazer cadinhos para a Casa de Fundição da referida
Capitania.
278
AHU, Avulsos, Caixa 66, Documento 2. 03/11/1754.
Carta de Domingos Nunes Vieira, desembargador e intendente da Casa de Fundição do
Sabará, informando Diogo de Mendonça Corte-Real acerca do envio da relação das despesas
que são feitas anualmente na referida Casa.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT)
469
:
ANTT, Conselho de Guerra, maço 251 bis, caixa 933. Correspondência.
Papeis pertencentes ao desembargador Joaquim Rodrigues Santa Marta Soares.
ANTT, Conselho de Guerra, maço 260, 1ª caixa. Correspondência.
ANTT, Manuscritos da Livraria, Livro 1096, fl.13v-22. 18/09/1717.
“As Cazas da Moeda no Brasil sam o assumpto deste papel, que por serviço de S.Mag.de q’
Ds g.de nos mandou fazer o Exm.º S.or Marques da Fronteira pª saber de nós o que sentimos
dellas, se devem existir, ou tirarse”.
ANTT, Manuscritos da Livraria, Livro 1096, fl.61v-63v. 1719. Sem data precisa.
“Representação feita ao S. Rey Dom Joao o 5º sobre as Cazas da fundiçam das Minas”.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.5-6. Registrada nos livros da Ouvidoria em 1729.
“Ley sobre o quinto do ouro na caza da fundição 1719”.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.6. 14/08/1729.
Portaria sobre os descaminhos do ouro.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.7-7v. 15/11/1728.
“Bando sobre as peças de ouro 1728”.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.25-25v. 27/10/1733.
“Ley contra as picadas e caminhos 1733”.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.27v. 27/02/1731.
“Sobre exames de barras falsas”.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.45v. 25/03/1734 e 13/06/1734.
Sobre os oficiais e os materiais das novas casas de fundição de Vila Real de Sabará e Rio das
Mortes.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.50v. 25/02/1735.
“Portaria do dito [Eugenio Freire de Andrada] sobre os ensayos”.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.52-53. 09/02/1735.
“Bando sobre o distrito do ouro em pó”.
469
Alguns dos documentos dos Manuscritos do Brasil, volume 26, não apresentam um cabeçalho, tendo seus
conteúdos intitulados em notas marginais posteriores. Nestes casos, foram estas notas tomadas como título para o
documento, pois são as mesmas que aparecem no índice redigido para o volume.
279
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.65. 17/02/1719.
“Sobre se por o valor das barras por toque”.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.65v-66. 19/03/1720.
“Sobre caza de fundição”.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.68v-70v. 01/05/1725.
“Sobre caza de moeda conta a El-Rey”.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.71. 29/10/1733.
“Dobras falsas”.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.71v-72. 30/06/1735.
Termo da Junta que decidiu sobre a capitação.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.73-73v. 30/06/1735.
“Termo que se fez no Palácio do Excelentíssimo Sr. Gomes Freire de Andrade Governador e
Capitão Geral do Rio e Minas sobre pedirem os Procuradores das Câmaras das Vilas das
mesmas Minas que as pessoas que estiverem culpadas por passar ouro em pó e fundir barras
falsas fiquem perdoadas dos ditos crimes até o presente cometidos estabelecida a capitação
em que tinham votado, o que esperavam da Real Clemência”.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.102v-103v. 08/02/1729.
“Caza da moeda e remessa de materiais”.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.106-106v. 08/02/1730.
“Sobre diligencias de quintos”.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.121-122. 20/07/1725.
“Sobre se construir os quartéis dos soldados de Dragões”.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.151v. 03/03/1728.
Carta de D. João V a D. Lourenço de Almeida sobre a remessa dos quintos e falta de solimão
em 1727.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.153v-155. 10/09/1722.
Primeira conta de D. Lourenço de Almeida a El-Rei sobre a impossibilidade de se instalarem
casas de fundição nas Minas.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.155v-158. 31/10/1722.
Segunda conta de D. Lourenço de Almeida a El-Rei sobre a impossibilidade de se instalarem
casas de fundição nas Minas.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.158-162v. 31/01/1724.
Conta de D. Lourenço de Almeida a El-Rei sobre o “Termo de Declaração da Lei de Sua
Majestade que Deus guarde sobre o estabelecimento das casas de fundição e moeda nestas
Minas do Ouro” que ocorreu ao dia 15 de janeiro daquele ano.
280
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.197v-198v. 03/06/1718.
Bando do Conde de Assumar da atendendo a alguns requerimentos de algumas câmaras para
que sejam destruídos os engenhos de aguardente como foi feito no Maranhão por ordem de
18/11/1715.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.210-212v. 15/01/1724.
“Termo de Declaração da Lei de Sua Majestade que Deus guarde sobre o estabelecimento das
casas de fundição e moeda nestas Minas do Ouro”.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.212v-213. 21/05/1730.
“Termo sobre a arremataçam dos Quintos Reaes”.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.213v-215. 24/05/1730.
“Termo”. Sobre as negociações e revogação da arrematação do quintos reais.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.234v-236. 13/03/1736.
Resposta régia sobre algumas dúvidas a respeito da capitação. Regras gerais para o
funcionamento deste sistema de arrecadação dos quintos.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.236-236v. 24/04/1736.
“S. Majestade é servido que V.S. recomende da sua parte aos Intendentes que fazem a
cobrança das seus Reais direitos em ouro observe o que se contém no papel incluso para que
não suceda receberem ouro falsificado, e neste particular fará V.S. as recomendações de que
necessita matéria tão importante ao Real serviço. [ileg.] a V.S. Lisboa Ocidental (?) 24 de
Abril de 1736. Diogo de Mend.ª Corte Real = Sr. Gomes Freire de Andrade =”.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.237-237v. 05/05/1736.
“Remeto a V.S. essa carta firmada da Real máo de S. Mg.e q’ vay por primeyra, e segunda via
para q’ V.S. execute com o seu costumado zelo e actividade o q’ o mesmo Senhor nella lhe
ordena. [ilegível] a V.S. Lx.ª occ.al a 5 de Mayo de 1736 = Diogo de Mend.ª Corte Real = Sr.
Gomes Fr.e de Andrade =”.
ANTT, Manuscritos do Brasil, vol.26, fl.243v-244v. 18/07/1734.
Carta de El-Rei ao governador das Minas, André de Melo e Castro, Conde das Galveas, sobre
a regularização dos oficiais nas casas de fundição, uma vez que foi abolida a casa da moeda.
Arquivo Público Mineiro (APM):
APM, CMOP 006, fl.2-2v. 06/07/1718.
“Registro de hum Bando que o Excelentissimo Senhor Governador Conde de Assumar
mandou lançar para que desvaneçesse o mal introduzido abuso para ajuntar armas os
moradores destas Minas huns contra os outros”.
APM, CMOP 006, fl.8-8v. 07/09/1718.
“A respeito de poderem abrir publicamente vendas e uzar dellas as pessoas que sobre as ditas
lavras se achão”.
281
APM, CMOP 006, fl.10-10v. 20/12/1717.
“Registro de hum Bando que o Governador, o Conde de Assumar mandou lançar para que
qualquer pessoa possa uzar das armas que lhe pareçer afim de atacar os quilombos dos
negros”.
APM, CMOP 006, fl.12v-14. 24/05/1719.
“Registro de hum Bando que mandou publicar o Governador Dom Pedro de Almeyda para
que os negros ou molatos cativos ou forros não possão trazer armas de nenhuã qualidade”.
APM, CMOP 006, fl.16-18. 21/11/1719.
“Registro de hum Bando que o governador Dom Pedro de Almeyda mandou publicar a som
de caixas em que manda morra de morte natural todo negro que for achado no matto fora da
obediencia de seu senhor e que nenhum negro ou negra forra possa ter escravos e os que os
tiver os venda dentro de dous mezes”.
APM, CMOP 006, fl.26-27. 23/07/1720.
“Registro de hua Carta do Governador destas Minas Dom Pedro de Almeyda [sobre não poder
haver morador no morro de Vila Rica]”.
APM, CMOP 006, fl.35-35v. 27/08/1722.
“Bando que o Governador destas Minas Dom Lourenço de Almeyda mandou botar
prohibindo aos negros facas e porretes”.
APM, CMOP 006, fl.47v-48v. 16/03/1724.
“Registro de hum Bando que o Governador destas Minas Dom Lourenço de Almeyda a
respeito dos ourives”.
APM, CMOP 006, fl.50-50v. 21/07/1725.
“Registro do Bando porque o Governador Dom Lourenço de Almeyda he servido prohibir
negros, molatos cativos ou forros trazerem nestas Minas, armas de fogo e facas de ponta”.
APM, CMOP 006, fl.51v. 30/10/1724.
“Registro de huã Carta que que o Governador destas Minas Dom Lourenço de Almeyda
escreveu ao Senado desta Villa”.
APM, CMOP 006. fl.53. 08/02/1725.
“Registro de hum Bando do Governador destas Minas Dom Lourenço de Almeida mandou
Lançar sobre a partida da Frota”.
APM, CMOP 006, fl.53v-54. 29/04/1724.
“Registro de hum Bando do Governador destas Minas Dom Lourenço de Almeyda porque
prohibe os escravos trazerem armas”.
APM, CMOP 006, fl.54-56. 28/03/1725.
“Registro de hua Proposta que os Oficiais da Camara fizerão ao Governador destas Minas
Dom Lourenço de Almeyda”.
APM, CMOP 006, fl.56-57v. 17/04/1725.
“Resposta do Governador Dom Lourenço de Almeyda a proposta asima”.
282
APM, CMOP 006. fl.58-58v. 19/07/1725.
“Registro de hum Bando do Governador destas Minas Dom Lourenço de Almeida mandou
Lançar em 20 de Julho de 1725 [sobre a partida das frotas]”.
APM, CMOP 006. fl.58v-59. 03/01/1726.
“Registro de hum Bando que mandou Lançar o Governador destas Minas Dom Lourenço de
Almeida [sobre a partida das frotas]”.
APM, CMOP 006, fl.59. 03/03/1726.
“Registro de hum Bando sobre as Minas da Itaberaba e Casa da Casca”.
APM, CMOP 006, fl.78v-79. 04/05/1729.
“Registro de hu Edital que oz officiai da camara desta villa mandarão publicar para que
nenhua pessoa podece andar pellas ruas despois das nove horas da noute”.
APM, CMOP 006. fl.82v.83. 29/10/1729.
“Registro de hum Bando que mandou Lançar o Governador destas Minas Dom Lourenço de
Almeida [sobre a partida das frotas]”.
APM, CMOP 006, fl.92-93v. 20/02/1730.
“Registro de hu Edital que o Governador destas Minas o exelentissimo Senhor Dom
Lourenço de Almeyda mandou publicar em que declara confiscar todo o ouro que for achado
fora destas villas cem os preteixtos delle declarado”.
APM, CMOP 006, fl.94v. 31/03/1730.
“Registro de hu Bando que mandou publicar o Governador destas Minas em primeiro de abril
em que prohibe as armas, e bordoens aos negros captivos”.
APM, CMOP 006, fl.95v-96v. 25/04/1730.
“Registro de hum Bando que o Governador e Capitão General destas Minas mandou publicar
aos vinte e seis de abril de 1730 sobre se destreminarem todos os ourives para fora destas
Minas”.
APM, CMOP 006, fl.97-98v. 25/04/1730.
“Registro de hum Bando que mandou publicar nestas Minas o Governador e Capitão General
dellas em 28 de abril de 1730, sobre não correr ouro em todas estas Minas”.
APM, CMOP 006, fl.98v-99v. 25/05/1730.
“Registro de hum Bando que mandou publicar nesta villa o Governador a Capitam Geral
destas Minas aos vinte e sinco de mayo de mil sette centos, e trinta sobre se pagar somente
doze por cento do ouro que se levar a caza da fundição e moeda”.
APM, CMOP 006. fl.100-101v. 23/06/1730.
“Registro de hum Bando que o Governador destas Minas Dom Lourenço de Almeyda mandou
publicar para que toda a pessoa que tivesse barras de ouro marcadas as remetesse na caza da
moeda sem receyo nenhu”.
APM, CMOP 006, fl.108-108v. 09/02/1731.
“Registro de hu Bando que o Governador destas Minas Dom Lourenço de Almeyda manda
publicar”.
283
APM, CMOP 006, fl.109-110. 17/03/1731.
“Registro de hum Bando que o exelentissimo Sr. D. Lourenço de Almeyda mandou publicar
para que toda a pessoa que tiver bens de Ignacio de Souza os venha denunciar”.
APM, CMOP 006, fl.113v-114. Sobre um despacho emitido em 30/05/1730.
“Registro de hua Promessa feita pellos officiais da Camara desta Villa para a factura da nova
igreja matriz de Nossa Senhora do Pillar desta Villa”.
APM, CMOP 006, fl.115v-116. 17/10/1731.
“Registro de hua Portaria de Vossa Excelencia [sobre providências contra quilombolas]”.
APM, CMOP 006, fl.123-123v. 11/03/1732.
“Registro de hum Bando que mandou deitar o Governador destas Minas em q’ declara ha de
sahir a frota de Lx.ª por todo Janr.º”.
APM, CMOP 006, fl.131v-132v. 04/09/1732.
“Registro de hum Bando que mandou publicar o Governador e Capitão General destas Minas
para o ouro valer na caza da moeda ou pagar a Magestade cinte persento”.
APM, CMOP 006, fl.157v-161. 02/05/1733.
“Registro de hum Bando que mandou publicar o Governador destas Minas para se recolher
todas as moedas ou dobroins de seis mil”.
APM, CMOP 006, fl.164-165. 26/06/1733.
“Edital que o Senado da Camara mandou publicar a respeito do Cappitam mor das entradas
Andre Velozo”.
APM, CMOP 006, fl.176v-178. 16/09/1733.
“Registro de uma Provisão do Senado [sobre uma capela e uma venda na Freguesia de Nossa
Senhora de Nazaré da Cachoeira]”.
APM, CMOP 006, fl.179-180.
“Registro de hum Bando que mandou publicar o exelentissimo Senhor Conde das Galveas,
Governador e Capitão General destas Minas sobre perrogar mais tempo a moeda sem ser
sarrilhada se sarrilhar”.
Arquivo da Biblioteca Nacional de Lisboa (BNL):
BNL, Coleção Pombalina, Códice 642, fl.581-584. Sem data ou assinatura.
“Plano mais regular, e de interesse para a Fazenda Real, sem que hajam os Povos de concorrer
mais, do que com a fiel entrega do ouro extraído da Terra para pagar o Real Quinto, é o que
sigo a propor segundo o conhecimento do estado da Capitania”.
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.104-109. 15/10/1732.
“Cópia de uma carta escrita de Vila Rica em 15 de outubro do ano 1732”.
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.121-122. 13/05/1732.
“Sentença que se proferiu afinal pelo Desembargador Belchior do Rego de Andrada nos autos
Crimes em que eram Réus Ignacio de Souza, e outros do crime da casa da moeda das Minas”.
284
BNL, Coleção Pombalina, Códice 672, fl.123-147v. 25/09/1732.
“Carta que o Capitão-mor Nicolao Carvalho de Azevedo mandou ao Rio de Janeiro a D.
Lourenço de Almeida, governador que foi nestas Minas, que por grande seu amigo, lhe da
parte de alguâs satiras, que se lhe tem feito, e as remete incluzas fazendo lhe patente as mâs
auzenzias que o Povo lhe fas. Composto a instancias do dito Capitão Mor pelo Pe. Francisco
da Neve, vigario da Freguezia do Ouro Branco”.
BNL, Coleção Pombalina, Códice 738, fl.249-250. 11/04/1734.
Carta original de Martinho de Mendonça Pina e Proença dirigida a Belchior do Rego Andrade
sobre a administração dos quintos do ouro de Minas Gerais.
BNL, Coleção Pombalina, Códice 738, fl.251-257v. Sem data ou assinatura.
Relatório sobre a ‘Província das Minas’: “A provincia das Minas não Só He a mais prizioza
pedra da coroa de Portugal porem entendo que nenhum Princepe do Mundo tem Estado tão
seguro e que produza tanta riqueza”.
BNL, Coleção Pombalina, Códice 738, fl.263-265. Sem data ou assinatura.
Parecer acerca das casas da moeda e fundição no Brasil, do preço da oitava do ouro e do
transporte do ouro para as Casas da Moeda.
BNL, Coleção Pombalina, Códice 738, fl.282-283. Sem data ou assinatura.
Conclusões apontadas sobre vários pareceres sobre os descaminhos do ouro.
BNL, Coleção Pombalina, Códice 738, fl.297-298v. 04/05/1734.
“Cópia do termo da junta que se fez, para se escolher o meio mais conveniente, para a
cobrança dos quintos, e se evitarem os descaminhos deles”.
BNL, Coleção Pombalina, Códice 6699. 15/01/1731.
“Treslado da delação que fez Francisco Borges de Carvalho de seu sócio Ignácio de Souza
Ferreira de ter casas de fundição e de cunhar moedas”.
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NO, MI-2573/3-NO, Barra do Gentio, 1:25.000.
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PROJETOS ARQUEOLÓGICOS
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em parceria com Banco BMG e Instituto Libertas de Educação e Cultura. Os trabalhos ainda
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