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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DE TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
ANÁLISE DA APLICAÇÃO DE FERRAMENTA COMPUTACIONAL DE
MODELAGEM E SIMULAÇÃO HUMANA NO PROJETO DE SITUAÇÕES
PRODUTIVAS
Daniel Braatz Antunes de Almeida Moura
SÃO CARLOS
2009
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ANÁLISE DA APLICAÇÃO DE FERRAMENTA COMPUTACIONAL DE
MODELAGEM E SIMULAÇÃO HUMANA NO PROJETO DE SITUAÇÕES
PRODUTIVAS
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DE TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
ANÁLISE DA APLICAÇÃO DE FERRAMENTA COMPUTACIONAL DE
MODELAGEM E SIMULAÇÃO HUMANA NO PROJETO DE SITUAÇÕES
PRODUTIVAS
Daniel Braatz Antunes de Almeida Moura
Dissertação de mestrado apresentada no
Programa de Pós-Graduação em Engenharia de
Produção da Universidade Federal de São
Carlos, como parte do requisito para obtenção
do título de mestre em Engenharia de Produção.
Orientador: Dr. Nilton Luiz Menegon
SÃO CARLOS
2009
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
M929aa
Moura, Daniel Braatz Antunes de Almeida.
Análise da aplicação de ferramenta computacional de
modelagem e simulação humana no projeto de situações
produtivas / Daniel Braatz Antunes de Almeida Moura. --
São Carlos : UFSCar, 2009.
162 f.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São
Carlos, 2009.
1. Ergonomia. 2. Simulação por computador. 3. Projeto de
sistema de manufatura. 4. Computação gráfica. 5. Projeto
auxiliado por computador. 6. Trabalho - análise ergonômica.
I. Título.
CDD: 658.542 (20
a
)
v
Com carinho,
aos meus pais, que
sabiamente me
ensinaram e me
conduziram até aqui e,
a toda minha família,
pelo apoio e amor
demonstrado,
especialmente, à Luciana
e Maria Luiza.
vi
AGRADECIMENTOS
A seguir, as poucas linhas que algumas das pessoas mais importantes da minha vida lerão de
todo o meu trabalho. A elas, o meu profundo e eterno agradecimento.
Aos meus professores de Itapeva, Campinas e São Carlos, responsáveis, cada um, na sua
individualidade, por este trabalho. Em especial, à Mariléa de Araújo Ferreira e Dona Ivete
Camargo, as quais, por me amarem, foram rigorosas, exigindo-me o máximo.
Aos grandes amigos de Itapeva, minha cidade natal. Em especial, Carlinhos, Netto,
Henrique, Cravo, Raquel Vasconcelos, entre outros, que me fazem lembrar dos
momentos maravilhosos que vivenciei e imaginar os que vivenciarei.
À Igreja Presbiteriana Central de Itapeva, em especial ao presbítero, mestre e tio Zé Carlos
Moura, pelos valiosos ensinamentos e pelas oportunidades de desenvolvimento, os quais hoje
considero diferenciais em minha vida profissional e espiritual.
Aos grandes companheiros de república, Alemão e Thiago (e agregados...).
Aos amigos da ABU, são tantos, que serão representados aqui por uma das pessoas mais
especiais que conheci em minha vida, a Maria Alice.
Aos amigos do SimuCAD/Ergo&Ação de antigamente. Entre eles, Daniel Fontolan,
Dernival, Mariza, Rafael Costa, Roma,Túlio e Vanessa. E, aos atuais.
A uma seleção especial de amigos que me auxiliaram na elaboração e revisão deste trabalho:
Adriano Braatz, Ana Bruno, Andréa (Déa & Bia), Mariléa, Raquel Arouca, Silvana
Salomão, Tonin e Xan. Espero que saibam o quanto reconheço e sou grato pelos auxílios e
incentivos que recebi.
Aos professores presentes em minha banca. Primeiramente ao Prof. Dr. Daniel Capaldo
Amaral, ao qual tive o imenso prazer de conhecer e admirar, não somente pela significativa
contribuição para o meu trabalho, mas pelo exemplo de humildade e respeito com que sempre
me tratou. Agradeço, também, ao amigo, mestre, profeta e doutor Isaías Torres pela
paciência em me ensinar, desde quando eu ainda era aluno de primeiro ano de graduação - no
século passado.
vii
Aos mestres e amigos Menegon (meu eterno orientador “compulsório”), Camarotto e
Mian, que abriram as portas do SimuCAD/Ergo&Ação, para que um “bixo” desenvolvesse
suas potencialidades e hoje tivesse prazer em sua área de atuação profissional.
Aos meus irmãos, Adriano e Luciana, pelo carinho com que me tratam, assim como meus
avós, tias e tios, primos, sobrinho. Enfim, a todos aqueles a quem eu amo e estimo.
Aos meus pais, Maria da Glória e Hugo Mário, pelos erros e acertos, pelas vitórias e
derrotas, pelas alegrias e tristezas, por tudo o que vivenciamos em família e me tornou o
homem que sou, sem nunca me deixarem esquecer o caminho que devo trilhar.
À minha família, pelo amor e paciência durante os anos em que me dediquei a essa pesquisa,
em especial nos últimos meses. À minha esposa, Luciana, que sempre acreditou em meu
potencial. E, à minha filha, Maria Luiza, pela alegria que me proporciona sempre e por ser
um dos principais motivos da minha existência.
Enfim, a Deus, a quem graças dou por minha vida, pelo passado e pelo futuro.
viii
“Morro adorando a Deus,
gostando dos meus amigos,
não odiando meus inimigos e
detestando superstições.”
(Voltaire)
ix
RESUMO
Esta pesquisa apresenta como a ferramenta computacional de Modelagem e Simulação
Humana contextualizada pela Análise Ergonômica do Trabalho (AET) e pela análise da
Atividade Futura Provável pode auxiliar nos processos de projeto de postos de trabalho. São
analisados dois estudos de caso nos quais a Simulação Humana foi empregada com auxílio do
software Jack (UGS Siemens). O primeiro estudo aborda a concepção de um balcão de
atendimento em uma empresa pública de serviços postais. O segundo apresenta o
desenvolvimento de uma estação de trabalho de abastecimento de agulhas cirúrgicas em uma
empresa de manufatura de produtos relacionados as áreas de saúde e higiene. A partir dos
resultados dos estudos de caso são explicitadas as contribuições e desafios da utilização dessa
tecnologia em projetos de concepção, visando equacionar as questões do bem-estar humano e
da produtividade. O uso da simulação, integrada ao processo de intervenção da AET, permitiu
melhorar a antecipação das futuras atividades prováveis das novas situações de trabalho e
auxiliou a integração e comunicação dos atores envolvidos nesses processos sociais.
Palavras-chave: simulação humana, ergonomia, computação gráfica, projeto de postos de
trabalho.
x
ABSTRACT
This research aims at presenting the human modeling and simulation contextualized
by Ergonomic Work Analysis (EWA) and Probable Future Activities to assist in the design of
new workstations. Two case studies in which human simulation was applied using the
software Jack were analyzed. The first case study concerns the design of a new attendance
counter in a Governmental Postal Company. The second concerns the design of a workstation
in the production line of surgical needles in an industry of hygiene and medical products. The
results indicate the contributions and challenges of using such technology in projects aiming
envisaging issues of health and productivity. The use of simulation together with the
Ergonomic Work Analysis (EWA) enabled predicting probable future activities and the
participation and integration of actors involved in these social process.
Keywords: digital human simulation, workplace design, ergonomics.
xi
LISTA DE FIGURAS
Figura 1-1: Esquema representativo da estrutura do trabalho. ........................................27
Figura 2-1: Conceito de trabalho derivado do conceito da técnica. Adaptado de Dejours
(2002)...................................................................................................................32
Figura 2-2: Ilustração das áreas de especialização da ergonomia e seus temas relevantes,
conforme a IEA (2008). .....................................................................................33
Figura 2-3: Lista significativa das componentes humanas estudadas pela perspectiva dos
Fatores Humanos (DUL e WEERDMEESTER, 1993; apud
MONTMOLLIN, 2005).....................................................................................36
Figura 2-4: Da tarefa à atividade. Adaptado de Falzon (2007)..........................................40
Figura 2-5: Relação entre a atividade de regulação e os modos operatórios. Adaptado de
Guérin et al. (2001).............................................................................................42
Figura 2-6: Modelo integrador da atividade de trabalho. Adaptado de Guérin et al.
(2001)...................................................................................................................43
Figura 2-7: Etapas da Análise Ergonômica do Trabalho. Adaptado de Guérin et al.
(2001) e de Ergo&Ação (2003a)........................................................................45
Figura 2-8: Design como elemento integrador de Arte e Ciência. Adaptado de Pahl e
Beitz (1996).........................................................................................................47
Figura 2-9: Articulação de abordagens para intervenção da ergonomia em projetos de
concepção. Adaptado de Garrigou et al. (2001)..............................................51
Figura 2-10: Principais variáveis antropométricas (MENEGON et al., 2002)..................55
Figura 2-11: Exemplo de aplicação de modelo bidimensional (GM, 2008).......................57
Figura 2-12: Teste de colisão automobilística frontal (crash test) utilizando dummies
(FORD, 2008). ....................................................................................................58
Figura 2-13: Modelagem humana matemática (IIDA, 2000). ............................................59
Figura 2-14: Exemplo de estrutura hierárquica em modelo humano digital realístico...61
xii
Figura 2-15: Representação de esqueleto através de juntas e segmentos. Adaptado de
FARREL (2005). ................................................................................................62
Figura 2-16: Avaliação da influência da aparência dos MHDs nas análises ergonômicas
(LÄMKULL, HANSON e ÖRTENGREN, 2007). ..........................................63
Figura 2-17: MDH interagindo com interior de veículo automotivo no SAMMIE
(SAMMIE, 2008)................................................................................................67
Figura 2-18: Ambiente digital com manequins desenvolvido com software Safework
PRO (SAFEWORK, 2008)................................................................................68
Figura 2-19: Análise de campo de visão com software HumanCAD (HUMANCAD,
2008)....................................................................................................................69
Figura 2-20: Análise de tarefa com software 3DSSPP 5.0. (CENTER FOR
ERGONOMICS, 2008)......................................................................................70
Figura 2-21: Análise automotiva com o software RAMSIS (RAMSIS, 2008)...................71
Figura 2-22: Imagem de aplicação do software CATIA Human Buider 2 (DASSAULT,
2008)....................................................................................................................72
Figura 2-23: Simulação de Estação Espacial Internacional (ISS) com o software Jack
(UGS, 2008). .......................................................................................................73
Figura 2-24: Estrutura do esqueleto do modelo humano digital Santos mostrando a
localização e tipo das diversas juntas (VSR, 2004).........................................74
Figura 2-25: Postura definida com base em otimização (FARREL, 2005, p.60)..............75
Figura 2-26: Similaridade entre a situação real e a simulação em ambiente digital
(SANTOS et al., 2007). ......................................................................................79
Figura 2-27: Cenários com diferentes localizações da tela (em amarelo) em uma sala de
cirurgia (MARCOS et al., 2006). ......................................................................82
Figura 2-28: Assento utilizado para entrar nos veículos (STEPHENS, CHIANG e
JOSEPH, 2006). .................................................................................................86
Figura 3-1: Contextualização das aplicações desenvolvidas...............................................93
Figura 3-2: Dois conceitos avaliados em ambiente digital (FONTES et al., 2006)............99
xiii
Figura 3-3: Prototipagem digital simulando atendimento com modelo feminino de
atendente (percentil 5) e modelo masculino de cliente (percentil 95). ........103
Figura 3-4: Fotos da etapa de testes e validação da prototipagem física de balcão de
atendimento......................................................................................................105
Figura 3-5: Ilustração com subsistemas definidos como recorte para desenvolvimento do
projeto...............................................................................................................109
Figura 3-6: Prototipagem física de subsistemas fundamentais........................................110
Figura 3-7: Simulações realizadas para desenvolvimento de proposta projetual..........112
Figura 3-8: Fluxograma das principais etapas dos processos de projeto, com destaque
para as etapas de simulação humana e prototipagens físicas......................116
Figura 4-1: Ângulos de acuidade visual máxima e mínima. Adaptado de Farrel (2005).
...........................................................................................................................127
Figura 5-1: Contextualização da contribuição da simulação humana em um processo de
intervenção ergonômica. .................................................................................130
Figura 5-2: Articulação metodológica e conceitual visando a condução de processos de
projeto...............................................................................................................134
Figura 7-1: Interface gráfica do software Jack 4.1............................................................145
Figura 7-2: Janela de criação de objetos geométricos simples no Jack...........................146
Figura 7-3: Inserção de objetos através da biblioteca disponível. ...................................147
Figura 7-4: Passos para importação de modelo gerado em software CAD.....................148
Figura 7-5: Evolução do manequim digital do Jack ao longo de suas versões. ..............149
Figura 7-6: Variáveis antropométricas aceitas pelo Jack.................................................151
Figura 7-7: Janela “Build Human” para “Basic Scaling” com modelos humanos no Jack.
...........................................................................................................................152
Figura 7-8: Janela “Build Human- Advanced Scaling” no Jack 4.1................................153
Figura 7-9: Principais posturas pré-definidas no Jack.....................................................154
Figura 7-10: Ajuste fino das juntas conforme os graus de liberdade do manequim......155
xiv
Figura 7-11: Janela para controle humano com painéis de comportamento (esquerda) e
manipulação (direita). .....................................................................................156
Figura 7-12: Algumas opções de shape hand. ....................................................................157
Figura 7-13: Ilustração de campo visual de manequim....................................................158
Figura 7-14: Exibição do cone de visão e campo visual no detalhe..................................159
Figura 7-15: Análises a partir de envelopes de alcance. ...................................................162
xv
LISTA DE QUADROS
Quadro 2-1: Quadro comparativo de três ferramentas computacionais de modelagem e
simulação humana. Adaptado de Hanson (2000). Tradução própria...........88
Quadro 3-1: Ano do desenvolvimento das aplicações do software Jack............................93
Quadro 3-2: Objetivos dos projetos desenvolvidos com aplicações do software Jack......94
Quadro 3-3: Principais contribuições da simulação humana obtidas na concepção do
balcão de atendimento.....................................................................................106
Quadro 3-4: Principais contribuições da simulação humana obtidas no desenvolvimento
do posto de trabalho. .......................................................................................114
xvi
LISTA DE ABREVIATURAS
3DS 3D Studio file – extensão de arquivo do 3D Studio MAX
3DSSPP Three-Dimensional Static Strength Prediction Program
AET Análise Ergonômica do Trabalho
ANNIE Application of Neural Networks to Integrated Ergonomic
CAD Computer Aided Design
CAM Computer Aided Manufacturing
DEP Departamento de Engenharia de Produção
DOF Degrees of Freedom
DR Diretoria Regional
DRT Delegacia Regional do Trabalho
DWG Drawing file – extensão de arquivo do AutoCAD
EAI Engineering Animation Inc.
EDS Electronic Data Systems
EJA Ergo Job Analyser
ENV Environment file – extensão de arquivo do Jack
FAI Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
FIG Figure file – extensão de arquivo do Jack
FMC Ford Motor Company
HMD Head-Mounted Displays
IEA International Ergonomics Association
IGES Initial Graphics Exchange Standard file – extensão de arquivo
IGP Deneb IGRIP file – extensão de arquivo
INT Instituto Nacional de Tecnologia
xvii
ISS International Space Station - Estação Espacial Internacional
IV Inventor file – extensão de arquivo
KVM Keyboard Video Mouse
MHD Modelos Humanos Digitais
NASA National Aeronautics and Space Administration
NIOSH National Institute for Occupational Safety and Health - EUA
NR17 Norma Regulamentadora 17
OWAS Ovako Working Posture Analysing System
PC Personal Computer
PLM Product Lifecycle Management
RULA Rapid Upper Limb Assessment
SAE Society of Automotive Engineer
SDARS Satellite Digital Antenna Radio System
STL Stereolithography file – extensão de arquivo
UFSCar Universidade Federal de São Carlos
VRML Virtual Reality Modelling Language
WRL Virtual Reality Modelling Language file – extensão de arquivo
xviii
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................21
1.1 Caracterização do Problema ...............................................................................22
1.2 Justificativas e Objetivos da Pesquisa ................................................................23
1.3 Metodologia...........................................................................................................25
1.4 Estrutura do Trabalho.........................................................................................27
1.5 Delimitações da Pesquisa .....................................................................................28
2 REFERÊNCIAS CONCEITUAIS PARA PROJETO DE SITUAÇÕES
PRODUTIVAS......................................................................................................30
2.1 Ergonomia.............................................................................................................31
2.1.1 Ergonomia dos fatores humanos.........................................................................34
2.1.2 Ergonomia da atividade.......................................................................................37
2.2 Metodologia da Análise Ergonômica do Trabalho............................................44
2.3 Ergonomia e Projeto.............................................................................................46
2.3.1 Processo de projeto...............................................................................................46
2.3.2 Ergonomia nos processos de projeto de postos de trabalho .............................49
2.4 Antropometria e Modelagem Humana...............................................................52
2.4.1 Antropometria e dimensões antropométricas....................................................53
2.4.2 Modelagem humana bidimensional física..........................................................56
2.4.3 Modelagem humana tridimensional física .........................................................57
2.4.4 Modelagem humana matemática computacional..............................................58
2.4.5 Modelagem humana tridimensional computacional.........................................59
2.5 Simulação Humana Computacional em Ergonomia.........................................64
2.5.1 Evolução das ferramentas de simulação humana..............................................65
2.5.2 Software SAMMIE V8 (Sammie CAD)...............................................................66
2.5.3 Software SAFEWORK PRO (Dassault Systèmes).............................................67
2.5.4 Software HUMANCAD (NexGen Ergonomics) .................................................68
2.5.5 Software 3DSSPP 5.0 (University of Michigan).................................................69
2.5.6 Software RAMSIS (Human Solutions)................................................................70
2.5.7 Suíte HUMAN BUILDER 2 (Dassault Systèmes)..............................................71
2.5.8 Software JACK 4.1 (UGS Siemens).....................................................................72
2.5.9 Software SANTOS (University of Iowa).............................................................73
xix
2.6 Levantamento das aplicações de programas computacionais de modelagem e
simulação humana................................................................................................76
2.6.1 Síntese de publicação com aplicação do software eM-WORKPLACE...........78
2.6.2 Síntese de publicação com aplicação do software RAMSIS.............................80
2.6.3 Síntese de publicação com aplicação do software JACK..................................84
2.6.4 Considerações sobre programas computacionais de simulação humana........87
2.7 Conclusão a partir dos Referenciais Conceituais ..............................................89
3 METODOLOGIA E ESTUDOS DE CASO.......................................................91
3.1 Aplicações Desenvolvidas com o Software Jack.................................................92
3.1.1 Contexto das aplicações........................................................................................92
3.1.2 Objetivos Gerais e Específicos das Aplicações...................................................94
3.2 Estudo de Caso 1: Projeto de Balcão de Atendimento......................................95
3.2.1 Apresentação.........................................................................................................96
3.2.2 Fase de análise ergonômica do trabalho (AET).................................................96
3.2.3 Fase de projeto......................................................................................................98
3.2.3.1 Prototipagem digital.............................................................................................99
3.2.3.2 Prototipagem física.............................................................................................104
3.2.4 Análise dos resultados para o caso 1.................................................................106
3.3 Estudo de Caso 2: Projeto de Posto de Trabalho de Abastecimento de Agulhas
Cirúrgicas............................................................................................................107
3.3.1 Apresentação.......................................................................................................107
3.3.2 Fase de análise ergonômica................................................................................108
3.3.3 Fase de projeto....................................................................................................109
3.3.3.1 Prototipagem digital...........................................................................................110
3.3.4 Análise dos resultados para o caso 2.................................................................113
3.4 Considerações sobre os estudos de caso............................................................114
4 ANÁLISE DA APLICAÇÃO DA FERRAMENTA COMPUTACIONAL ..118
4.1 Dados Antropométricos .....................................................................................119
4.2 Modelagem Humana no Software JACK..........................................................120
4.3 Modelagem Tridimensional de Ambientes Digitais.........................................124
4.4 Usabilidade e o Processo de Simulação Humana no JACK............................124
4.5 Considerações sobre as Ferramentas de Análise disponíveis.........................125
xx
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................129
5.1 Contribuições da simulação humana computacional no projeto de situações
produtivas............................................................................................................129
5.2 Limitações da ferramenta e dificuldades operacionais...................................132
5.3 Limitações e continuidade da pesquisa.............................................................133
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................136
7 APÊNDICE A – Descrição do software de modelagem e simulação humana
JACK ...................................................................................................................143
21
1 INTRODUÇÃO
O estudo das relações entre a tecnologia e as condições ambientais de trabalho
é, segundo Camarotto (1998, p.1), uma preocupação que possui registro desde o século 16,
com a publicação dos estudos de George Bauer em 1556. Tais estudos abordavam doenças e
acidentes relacionados ao trabalho de mineiros e fundidores de ouro e prata. Entretanto, foi a
partir da publicação, em 1700, do livro De Morbis Artificum Diatriba, do médico italiano
Bernardino Ramazzini, que os estudos sobre o conforto do ser humano nos ambientes de
trabalho foram sistematizados (BISSO, 1990 apud CAMAROTTO, 1998).
A ergonomia surge como ciência do trabalho e difunde-se a partir da revolução
industrial, especialmente na II Guerra Mundial, quando os equipamentos bélicos tornam-se
mais complexos e aumenta a necessidade do uso racional e estratégico dos recursos humano e
bélico. Para tratar dessas questões foram formadas equipes multidisciplinares nos Estados
Unidos e na Inglaterra com o objetivo de elevar a eficácia combativa, a segurança e o conforto
dos militares (MÁSCULO, 2008).
A adoção de novas tecnologias nas últimas duas décadas, convivendo com as
tecnologias passadas, dentro de um contexto de busca incessante pelo aumento da
produtividade, tem caracterizado os atuais sistemas produtivos. No entanto, essas alterações
não foram acompanhadas por melhorias efetivas nas condições de trabalho que, até o presente
momento, tiveram suas necessidades parcialmente supridas pela busca do aumento da
segurança ocupacional através de comitês para prevenção e investigação de acidentes e
serviços de saúde e higiene ocupacionais.
Tais abordagens são importantes e possuem parcelas de responsabilidade na
diminuição da exposição dos trabalhadores aos riscos ocupacionais, porém não são
suficientes, principalmente no que se refere ao desafio de buscar soluções que melhorem os
processos produtivos, garantindo um resultado equilibrado entre desempenho do sistema
produtivo e bem-estar humano da força-de-trabalho.
Em um contexto atual, a ergonomia atua como disciplina que busca
conhecimentos de diferentes áreas para analisar, diagnosticar e apoiar o projeto de situações
produtivas. Dentre os métodos, técnicas e ferramentas que a ergonomia vêm aplicando nos
últimos anos, existe um conjunto de programas computacionais de modelagem e simulação
22
humana que busca aliar as técnicas de computação gráfica, entre elas, a realidade virtual, no
projeto de produtos e postos de trabalho.
O crescimento do uso de ferramentas computacionais, além da maior
acessibilidade e desempenho de hardware e software, está associado à necessidade dos
processos de projeto serem cada vez mais rápidos, com maior qualidade, complexidade e
menor consumo de recursos.
1.1 Caracterização do Problema
O processo de projeto de situações produtivas traz em si um confronto de duas
perspectivas antagônicas: uma perspectiva descendente, relacionada com o projeto de
engenharia e com a lógica do funcionamento das unidades produtivas – cuja articulação se dá
em torno da eficácia produtiva; e uma perspectiva ascendente, relacionada com as disciplinas
antropocêntricas, voltadas para as questões do bem estar humano (MENEGON, 2003).
Dessas perspectivas, a primeira destaca-se com uma presença muito mais
significativa que a segunda, isto é, a preocupação com os sistemas produtivos, com as
máquinas e equipamentos e por fim, com a produção, possui maior influência durante o
processo de projeto do que questões como segurança, conforto, confiabilidade humana, enfim,
a atividade dos trabalhadores no local de trabalho sob projeto.
Esse confronto de lógicas motiva pesquisadores com a necessidade de
responder como a ergonomia pode atuar como elemento confrontador da racionalidade
técnica (produção) com uma visão antropocêntrica (atividade humana) na produção de novas
situações de trabalho.
Menegon (2003) relaciona as seguintes questões que circunstanciam a
introdução do ponto de vista da atividade dos trabalhadores (isto é, aquilo que eles realmente
realizam em seus cotidianos para obterem o resultado esperado pela empresa) na concepção
de situações produtivas:
a) os determinantes advindos dos aspectos estratégicos do negócio, em
conjunto com o escopo do projeto, isto é, a abrangência dos elementos
de especificação, sobre controle da equipe de projeto, constitui fortes
restrições para a introdução de mudanças positivas em situações de
trabalho;
b) dentro do espaço de projeto, determinado pelas questões anteriores, as
interações entre os trabalhadores que atuarão sobre o dispositivo
23
projetado, e os projetistas, representam uma questão central do projeto
de processos de trabalho;
c) os métodos e técnicas, sejam do campo da ergonomia ou de projeto,
devem orientar-se no sentido de possibilitar a construção de consensos
negociados, auxiliando o processo de tomada de decisão (MENEGON,
2003, p. 15).
A partir da compreensão da ergonomia como elemento confrontador e do uso
de um programa computacional como ferramenta de auxílio para construção de consensos,
auxiliando o processo de tomada de decisão por meio da representação digital do ambiente de
trabalho e sua interação com “diferentes pessoas” (manequins digitais humanos), é importante
estabelecer as condições nas quais o uso dessa tecnologia pode ser positivo e identificar quais
são as dificuldades e problemas que podem ocorrer na sua aplicação.
O objeto de processo de projeto “situações produtivas” pode ser interpretado,
nesta pesquisa e na maior parte do estudo, como sinônimo de “postos de trabalho”, porém
preferiu-se manter o primeiro, tanto no título quanto nas incursões ao longo do texto, devido à
maior abrangência que este possui, seja em escala física ou nas áreas de atuação.
1.2 Justificativas e Objetivos da Pesquisa
Ao longo desta pesquisa verificou-se que, internacionalmente, há falta de
trabalhos relevantes sobre o tema e um desconhecimento sobre a tecnologia em âmbito
nacional, exceto por algumas empresas de grande porte, como Petrobras e Embraer e poucas
instituições de ensino e pesquisa.
Dessa forma, a pesquisa sobre uma tecnologia específica, voltada para o
projeto de condições de trabalho mais satisfatórias, dentro de um contexto de análise da
atividade, pode ser útil para o conhecimento: i) das relações da ergonomia desde as etapas de
análise até as etapas de intervenção, através de projetos de engenharia; ii) das possibilidades
de aplicação de programas computacionais de modelagem e simulação humana
contextualizada pela Análise Ergonômica do Trabalho (AET); iii) das limitações do uso das
tecnologias computacionais em processos de projeto de engenharia; e iv) de forma mais
ampla, difundir, a partir de uma análise crítica, uma tecnologia em fase de expansão no
cenário industrial brasileiro.
24
Com base nesses conhecimentos define-se o objetivo deste trabalho: de forma
geral, o de investigar e avaliar o uso da ferramenta computacional Jack, da UGS Siemens,
aplicada no contexto da ergonomia situada, a partir de bases teóricas e de aplicações
práticas, visando construir uma análise crítica de sua potencialidade de contribuição em
processos de projeto de postos de trabalho. Os seguintes objetivos específicos são
orientadores do trabalho:
a) disponibilizar conhecimentos sobre uma tecnologia relativamente nova no contexto
mundial e pouco conhecida no Brasil;
b) propor, por meio de embasamento teórico em ergonomia e processos de projeto, uma
melhoria na confrontação e auxílio da comunicação entre os diferentes atores envolvidos
nos processos de projeto;
c) demonstrar formas de considerar situações de referência de ambientes de trabalho para o
projeto de situações produtivas;
d) investigar as contribuições de um ferramental da corrente ergonômica clássica (de
característica quantitativa e objetiva) dentro de um contexto da ergonomia centrada na
atividade (a qual possui um abordagem mais qualitativa e subjetiva).
A aplicação prática da tecnologia de modelagem e simulação humana em
projetos contextualizados pela análise ergonômica do trabalho suscita a investigação das
seguintes questões:
a) falta de dados antropométricos adequados para a aplicação do software, considerando a
fisiologia do trabalhador brasileiro;
b) problemas na importação de projetos realizados em software CAD (computer aided design
- projeto orientado por computador) para o software Jack;
c) dificuldade de operação do software de simulação humana, devido à diferença de
usabilidade entre este e outros programas computacionais de uso comum do dia-a-dia;
d) dificuldades na utilização dos módulos de modelagem, animação e análise presentes no
software.
Por fim, esta pesquisa contribui para a redução das dificuldades de
interpretação dos resultados apresentados pela simulação e para indicar como orientar e
auxiliar no desenvolvimento de dispositivos técnicos.
25
1.3 Metodologia
Considerando a busca por meios que conduzissem ao alcance dos objetivos
propostos, define-se, na sequência, o foco de estudo e a questão principal para a pesquisa.
O foco da análise é o processo de projeto de engenharia, aplicando-se a
tecnologia de modelagem e simulação humana (através do uso do software Jack) na
concepção de sistemas produtivos. A questão básica da pesquisa e tema central desta
dissertação é:
“Quais as contribuições da ferramenta computacional de modelagem e
simulação humana Jack em processos de projeto contextualizados pela análise ergonômica
do trabalho, nos quais se visa melhorar os ambientes de trabalho e dispositivos técnicos?”.
Para responder a essa pergunta vários temas foram investigados: as
características dos processos de projeto, os conceitos da ergonomia, a modelagem humana e
antropometria, as ferramentas computacionais e, por fim, a própria simulação humana digital.
De acordo com o apresentado e conforme as classificações metodológicas, a
presente pesquisa se caracteriza, do ponto de vista da sua natureza, como aplicada, por gerar
conhecimentos para aplicação prática. Do ponto de vista da forma de abordagem do problema,
ela é qualitativa devido ao estudo das relações subjetivas, presentes tanto na análise
ergonômica do trabalho quanto nos processos de projeto. Finalmente, do ponto de vista de
seus objetivos, é do tipo exploratória, envolvendo levantamento bibliográfico, verificações
em diversos casos práticos e concluindo com o desenvolvimento de uma análise crítica sobre
as questões levantadas.
Buscou-se avaliar a tecnologia computacional através do estudo de casos
ocorridos entre os anos de 1998 (ano de aquisição do software) e 2008, em projetos de
pesquisa e extensão do grupo Ergo&Ação, do Departamento de Engenharia de Produção da
UFSCar, com aplicações do software Jack e a participação direta do autor dessa dissertação
nos processos de projeto.
A aplicação da simulação humana nos projetos estudados ocorreu na presença
de diferentes atores sociais, determinando-se a necessidade de realizar não somente uma
construção técnica dos artefatos, mas também a construção social desses.
O primeiro caso detalhado teve como metodologia própria a estratégia da
pesquisa-ação. Para Thiollent (1996) esse tipo de pesquisa ocorre de forma participativa, com
a presença dos diferentes atores sociais, sejam pesquisadores, membros de instituições e
26
grupos e os próprios trabalhadores afetados direta ou indiretamente pelos resultados da
pesquisa. Todo o processo foi estabelecido a partir de um contrato inicial em que as
responsabilidades de cada parte foram explicitadas e a demanda original apresentada. A partir
desta última, foi realizada uma análise detalhada da demanda efetiva, na perspectiva dos
pesquisadores e, em seguida, a análise do trabalho. Após a etapa de análise, seguiu-se a
síntese. As hipóteses levantadas nas etapas anteriores foram verificadas e confirmadas ou
refutadas total ou parcialmente. Ainda nessa fase foi confeccionado um diagnóstico das
condições de trabalho sob os aspectos físicos, cognitivos e organizacionais. Com base no
diagnóstico, evoluiu-se para o desenvolvimento de dispositivos técnicos que atendessem os
aspectos do bem-estar humano e da produtividade na etapa de projeto. Durante as etapas, as
principais decisões e desenvolvimentos ocorreram de forma participativa em seminários, onde
as diversas partes interessadas, com suas competências específicas, puderam apresentar
observações e considerações. Os seminários podem ser considerados espaços de confrontação
dos diversos atores e suas representações.
A metodologia do segundo caso foi determinada, inicialmente, pelo programa
corporativo adotado nas unidades em diferentes países da empresa. O programa previa a
análise ergonômica de todos os postos de trabalho de forma quantitativa (de acordo com
questões de repetitividade, produtividade e biomecânica) e mapeamento de riscos desses
locais. Os resultados dessas análises apontaram a necessidade de intervenção prioritária em
um determinado local de trabalho. A primeira etapa de projeto desse posto de trabalho foi
desenvolvida internamente ao grupo, com diversas competências envolvidas e interações
periódicas com a gerência responsável. Em um segundo momento, o projeto contou com a
participação de outras gerências da empresa, dentre as quais, pessoas ligadas ao setor de
engenharia e manutenção. O desenvolvimento do projeto contou, primeiramente, com a
validação através de prototipagem física e, posteriormente, a prototipagem digital para
definições de detalhes, validação com a mesma ferramenta de análise ergonômica e
construção das especificações finais.
Apesar de ser apresentada como uma etapa que ocorre após as análises e
diagnóstico, na prática é impossível proibir que o projeto e projetistas não iniciem esse
processo – mesmo que de forma tímida – ainda nas primeiras fases de análise. Tal antecipação
não é indesejável, pois auxilia na construção do processo de projeto, permitindo que este seja
discutido e validado ao longo das etapas e amadureça em um menor espaço de tempo.
27
De forma geral, os projetos podem ser caracterizados como um processo não
linear, com decisões fundamentadas de forma técnica e social, a partir de negociações de
necessidades, desejos e restrições.
Considerar as dimensões subjetivas e objetivas desse processo, a partir de
referenciais teóricos, eleva a discussão para as relações entre diferentes racionalidades
presentes, técnicas e não técnicas, das competências distintas e dos diversos níveis
hierárquicos, demonstrando a não linearidade e subjetividade que muitos pesquisadores
ignoram, total ou parcialmente, ao tratar desse tema.
1.4 Estrutura do Trabalho
Esta dissertação está estruturada em 5 capítulos. Excetuando este capítulo e o
quinto, os demais foram divididos em duas etapas: a primeira, relativa à fundamentação
teórica; a segunda, à apresentação de aplicações práticas e ao desenvolvimento de análises em
torno dessas aplicações. A Figura 1-1 ilustra a estrutura do trabalho.
Figura 1-1: Esquema representativo da estrutura do trabalho.
28
No Capítulo 2, serão tratados conceitos relativos ao trabalho, saúde,
ergonomia, projeto, modelagem e simulação humana. Busca-se, nesse capítulo, um
referencial teórico para a pesquisa que possibilite compreender as atividades de trabalho e a
complexidade existente na projetação de situações produtivas. Para a apresentação e análise
da parte prática da pesquisa, é necessário compreender a aplicação de ferramentas
computacionais de simulação humana. Com tal objetivo, ainda no Capítulo 2, é realizada uma
revisão bibliográfica com diversas publicações sobre o tema, sendo três aplicações
apresentadas através de sínteses de seus trabalhos.
O Capítulo 3 explicita o contexto e os objetivos de todos os projetos
desenvolvidos com uso do software Jack desde sua aquisição para, em seguida, apresentar
dois casos de aplicação. Os resultados específicos de cada estudo de caso são apresentados e,
posteriormente, considerações finais sobre as aplicações.
No Capítulo 4 é apresentada uma reflexão sobre o projeto de pesquisa
conduzido, buscando a sistematização do conhecimento gerado. O capítulo objetiva responder
às questões postas para a pesquisa e busca, conforme a lógica de uso do software, analisar sua
aplicabilidade nos processos de projeto.
O Capítulo 5 conclui o trabalho. Apresenta uma síntese relativa aos objetivos
da pesquisa e estabelece as contribuições advindas da consideração do ponto de vista da
atividade, na aplicação de uma ferramenta computacional específica para o processo de
concepção de situações produtivas. Foram analisadas as limitações da ferramenta e da
pesquisa desenvolvida, propondo-se uma continuidade para a mesma.
No Apêndice A apresenta-se detalhadamente o software Jack, sendo
explicitados os fundamentos que orientam o uso desse tipo de ferramenta.
1.5 Delimitações da Pesquisa
Esta pesquisa aborda os referenciais conceituais para o projeto de situações
produtivas. Na sequência, o aprofundamento dos estudos relacionados às aplicações da
tecnologia computacional, assim como a descrição detalhada da ferramenta utilizada, serão
limitados a um software específico.
Isto se deve à disponibilidade do software, ocorrida por meio de negociação e
contrato, no ano de 1998, entre a empresa brasileira representante do software na época e o
29
grupo de pesquisa. Desde então o Ergo&Ação utiliza a ferramenta em seus projetos de
pesquisa, além das atividades de extensão e ensino, envolvendo graduação e pós-graduação. É
importante salientar que atualmente os custos de licenças de programas computacionais do
gênero do Jack – para uso em apenas um computador – são proibitivos para aquisição por
instituições de ensino e pesquisa e pequenas e médias empresas. Disso resulta a importância
de se valorizar as parcerias entre as empresas que representam ou detém os direitos dos
programas computacionais e tais instituições.
As aplicações, apresentadas de maneira detalhada, possuem características
muito específicas, tanto no que diz respeito às empresas, quanto ao modo que o processo de
projeto ocorreu. Apesar disso, acredita-se que os resultados obtidos poderão ser úteis, por
analogia, a outros programas computacionais e ferramentas de projeto (que possuam algum
nível de similaridade), assim como auxílio à compreensão e concepção de outras situações e
ambientes produtivos.
30
2 REFERÊNCIAS CONCEITUAIS PARA PROJETO DE SITUAÇÕES
PRODUTIVAS
Diferentes ciências, disciplinas e teorias desenvolveram-se a partir da busca
pela melhoria e adequação das situações produtivas. Tais intervenções buscam atender a
diferentes objetivos e necessidades, de acordo com o momento histórico, geográfico e
econômico. Por exemplo, pode-se citar dois extremos: primeiramente na pré-história, onde a
criação de ferramentas para auxílio à caça teve como objetivo a sobrevivência dos caçadores;
e, no presente, a automação e informatização dos sistemas produtivos em busca de
flexibilidade e produção em escala.
Neste capítulo são apresentadas revisões de diferentes conceitos, ligados ao
projeto de situações produtivas. Inicialmente o conceito abordado é a ergonomia, com uma
introdução sobre a definição do termo “trabalho”, visto que, citando Guérin et al. (2001),
transformar o trabalho é a finalidade primeira da ação ergonômica. Para tal conceituação
serão apresentadas as duas principais correntes da ergonomia na atualidade: a ergonomia
clássica, de origem anglo-saxônica e centrada na componente humana dos sistemas homem-
máquina; e a corrente da ergonomia da atividade, enraizada nos países francófonos. Para
Montmollin tais correntes não estão em oposição, mas complementam-se (MONTMOLLIN,
2005).
Após a conceituação da ergonomia apresenta-se os conceitos de antropometria
e modelagem humana, ambos integrantes de áreas de conhecimento que fornecem dados para
a ação ergonômica. A antropometria é uma ciência de natureza empírica que lida com as
medidas de tamanho, massa, forma e propriedades de inércia do corpo humano. É através dos
dados antropométricos que são determinadas áreas de alcance, força e espaços necessários
para acomodar o corpo humano (CHAFFIN, ANDERSON e MARTIN, 2001).
A modelagem humana parte de dados antropométricos e de outras propriedades
biomecânicas para representar o sistema humano biomecânico, o qual apresenta uma alta
complexidade. O propósito desta modelagem é a simplificação e suposição da situação real,
visando aumentar o conhecimento sobre tal situação, além da compreensão de como
funcionam os seus componentes (CHAFFIN, ANDERSON e MARTIN, op. cit.).
O último conceito revisado aborda o tema central do trabalho, isto é, a
tecnologia computacional de simulação humana. É importante afirmar que o termo simulação
31
humana é abrangente. No entanto, aqui, refere-se ao uso de um ferramental computacional,
como por exemplo, os programas computacionais apresentados neste capítulo (Jack e o
Human, da Dassault Systèmes).
Conclui-se o capítulo com uma análise detalhada da ferramenta computacional
utilizada nos estudos de caso, com objetivo de fundamentar tais aplicações práticas por meio
do conhecimento dos recursos apresentados pelo software.
2.1 Ergonomia
Castillo e Villena (2005) afirmam, no prólogo do livro “Ergonomia: Conceitos
e Métodos”, que trabalhar pode ser benéfico, gerador de bem-estar e progresso individual,
fator de integração social e um prazer. Do mesmo modo, trabalhar pode ser uma fonte de
doença e de insatisfação. O frágil equilíbrio que permite trabalhar sem que tal suponha uma
agressão para a saúde é, sem dúvida, o motor do trabalho do ergonomista. A relação entre
trabalho e saúde é um campo vasto que tem sido estudado de maneira multidisciplinar pela
medicina do trabalho, epidemiologia, toxicologia e psicodinâmica, entre outras. Doppler
(2007) apresenta a evolução dessas relações, contextualizadas pelas evoluções da população
de trabalhadores, da organização do trabalho, do conteúdo do trabalho, concluindo na
apresentação dos diferentes pontos de vista da toxicologia, da medicina do trabalho, da
psicodinâmica e da ergonomia, quanto ao confronto entre trabalho e saúde. “A ergonomia é
uma das contribuições mais significativas no que diz respeito à saúde” (p. 56) e conclui:
A ergonomia, através de seus objetivos, suas ferramentas e métodos, permite
estabelecer um vínculo forte entre trabalho e saúde. A ação do ergonomista,
ao transformar o trabalho, age nas causas do risco, ou seja, situa-se no nível
da prevenção primária e não no da prevenção secundária (minimizar os riscos)
ou terciária (os administrar). A ergonomia visa sem dúvida melhorar a
eficácia do sistema de trabalho, mas longe de se contentar com evitar o risco
de patologias, ela procura favorecer a saúde vista como um processo de
desenvolvimento (DOPLER, 2007, p. 57).
32
Dejours (2002) analisa os pressupostos que considera o ponto fraco dos
procedimentos científicos daqueles que se interessam pelo fator humano no trabalho. Para ele
os pressupostos teóricos identificados são o homem, a tecnologia e o trabalho.
Examinando as relações de diferenciação e de sobreposição entre técnica (da
ciência tecnologia) e trabalho (Figura 2-1), Dejours conceitua o primeiro destes como sendo
um ato que o indivíduo (ego) materializa sobre o real, iniciado a partir de uma tradição e
sancionado pelo julgamento do outro com relação à eficácia deste ato. A conceituação de
trabalho deriva desse conceito de técnica, no qual, teoricamente, está incluído. O trabalho é
caracterizado pelo enquadramento social de obrigações e de exigências que o precede
(atividade coordenada), o que é diferente de um ato referido a uma criação qualquer. O autor
ainda situa o trabalho como contextualizado economicamente e pela obrigatoriedade desse ser
útil (DEJOURS, 2002, p. 39). O conceito desenvolvido por Dejours apresenta o trabalho
como uma atividade contextualizada, abordagem esta compartilhada com a corrente da
ergonomia que busca compreender e transformar o trabalho através da confrontação da tarefa
prescrita com a atividade real.
Figura 2-1: Conceito de trabalho derivado do conceito da técnica. Adaptado de Dejours (2002).
A ergonomia tem sido definida de forma diversificada ao longo das últimas
décadas. No ano de 2000, a IEA (2008) adotou, após dois anos de discussão internacional,
uma definição que trata de duas facetas que a ergonomia possui. Primeiramente, de disciplina,
em busca de conhecimentos e da compreensão das interações do elemento humano com
outros componentes do sistema. A outra face remete à profissão, isto é, aos profissionais que
33
praticam a ergonomia, aplicam princípios teóricos, dados e métodos com o objetivo de
otimizar o bem-estar das pessoas e o desempenho global do sistema.
Falzon (2007, p. 8) afirma que a ergonomia encontra-se em uma tensão entre
dois objetivos; de um lado, centrado nas organizações, e consequentemente, sobre sua
produtividade, qualidade, eficiência, confiabilidade etc. Por outro lado, o autor cita o objetivo
centrado nas pessoas, o qual se desdobra sobre a segurança, saúde, conforto, facilidade de uso,
satisfação, interesse do trabalho, prazer etc. Falzon afirma ainda que nenhuma outra disciplina
declara, de forma tão explícita, esse duplo objetivo; os ergonomistas podem tender para um
ou para outro, mas, obrigatoriamente, deverão considerar sempre ambos.
Ainda na definição da IEA (2008) são apresentadas as áreas de especialização,
as quais remetem às competências do ergonomista, adquiridas por formação e/ou por prática.
Tais áreas são a ergonomia física, ergonomia cognitiva e a ergonomia organizacional.
A ergonomia física trata das características anatômicas, antropométricas,
fisiológicas e biomecânicas do ser humano relacionado ao sistema onde está inserido.
A ergonomia cognitiva refere-se aos processos mentais. Tais processos
compreendem a percepção, a memória, o raciocínio, as respostas motoras e interações entre
pessoas e outros elementos.
A última área, a ergonomia organizacional, compreende os sistemas
sociotécnicos, incluindo sua estrutura organizacional, regras e processos. Na Figura 2-2 são
ilustradas tais áreas e seus temas mais relevantes, conforme a IEA (op. cit.).
Figura 2-2: Ilustração das áreas de especialização da ergonomia e seus temas relevantes, conforme a IEA (2008).
34
Falzon (2007, p. 4) destaca que tais áreas não são estanques e os ergonomistas
podem considerar que suas práticas pessoais atuam em duas das três áreas, ou mesmo nas três.
O autor afirma, no entanto, que devido à prática exercida e à formação (principalmente a
graduação original) do ergonomista, este se sente atraído ou melhor preparado para certos
tipos de questões ou problemas e tende a atuar, preferencialmente, em certas áreas de
especialização.
Tal atração por determinadas áreas de atuação pode ser verificada no que se
refere às duas principais abordagens que a ergonomia possui atualmente. Montmollin (2005),
ao discutir os “dois grandes modelos ou quadros teóricos gerais”, tanto na história como nos
conceitos e nas práticas, adota o termo em plural: ergonomias. A primeira abordagem
corresponde à ergonomia clássica, originada nos países anglo-saxônicos, os quais adotaram a
denominação de Human Factors, ou Fatores Humanos. A outra abordagem está enraizada nos
países francófonos e centraliza suas análises sobre a atividade de forma contextualizada. Por
causa dessa centralização ficou conhecida como ergonomia da atividade ou ergonomia
situada.
Nas aplicações desenvolvidas e apresentadas nesta pesquisa, a abordagem
utilizada baseia-se na ergonomia da atividade, por meio da análise ergonômica do trabalho. A
ferramenta computacional Jack de modelagem e simulação humana, no entanto, possui
características típicas da corrente de fatores humanos. Tal divergência aparente é uma das
questões postas para a pesquisa e sua análise objetiva trazer contribuições para pesquisadores
e práticos das duas correntes. A seguir tais abordagens são apresentadas.
2.1.1 Ergonomia dos fatores humanos
A ergonomia dos fatores humanos (ou Human Factors, como é conhecida nos
Estados Unidos), apresenta uma visão tecnicista do elemento humano no trabalho. Ela
preocupa-se com as componentes humanas dos sistemas industriais. Isto é, o foco não está no
homem e sim em algumas das suas funções e características. Dessa forma, busca-se a
compreensão de “funções isoladas por um processo analítico voluntário que permitem
respeitar as duas maiores exigências de todo o procedimento científico: a generalização e a
medida quantitativa” (MONTMOLLIN, 2005, p. 104).
35
Másculo (2008) assinala que a ergonomia surge da união de pesquisadores, na
Inglaterra e nos Estados Unidos, a fim de resolver problemas ligados à falta de
compatibilidade entre o projeto de máquinas (em especial os aviões, durante a II Guerra
Mundial) e o operador humano. Após a guerra, os grupos interdisciplinares foram
desmobilizados, porém permaneceu a certeza de que, de forma isolada, nenhuma das
especialidades envolvidas no grupo poderia ter alcançado os mesmos resultados. Alguns anos
após, pesquisadores se unem e estruturam a primeira sociedade para estudo da ergonomia. Na
perspectiva dos Fatores Humanos, a ergonomia é definida como sendo um “movimento
científico que visa exprimir, em termos compreensíveis aos engenheiros, arquitetos e demais
projetistas, os conhecimentos sobre o homem, com vista ao projeto de tarefas, equipamentos e
ambientes de trabalho” (MÁSCULO, 2008, p. 111).
Murrel relata que a “ergonomia tem sido definida como o estudo científico do
relacionamento entre o homem e seu ambiente de trabalho”. O autor explica que o termo
ambiente é utilizado para cobrir não somente as questões do entorno ambiental, mas também
“suas ferramentas e materiais, seus métodos de trabalho e a organização do seu trabalho, seja
ele individual ou trabalho em grupo” (MURREL, 1965, apud MENEGON, 2003, p. 39).
Montmollin (2005), ao apresentar algumas características dessa corrente,
constata que “todo o ser humano está frequentemente limitado aos adultos jovens e de boa
saúde”, fazendo-se distinção apenas entre os dois sexos, e que “a generalização obtém-se
desde o início pela eliminação de todas as variáveis alheias às funções consideradas”. A
Figura 2-3 exibe uma lista significativa das componentes humanas tradicionalmente estudadas
e que foi apresentada no índice da obra de Dul e Weerdmeester (1993, apud MONTMOLLIN,
2005, p. 105).
Menegon (2003) pontua o que considera serem os limitantes da abordagem
anglo-saxônica:
a) Ao reproduzir para a ação da ergonomia o paradigma das ciências
aplicadas, ela imputa ao dispositivo técnico uma certa neutralidade que
decorre da pretensa objetividade com que trata o processo de concepção. Os
conhecimentos derivados das ciências do homem que se debruçam sobre o
estudo da técnica são ignorados. Considerar os conhecimentos derivados
desse campo implica reconhecer que o processo de concepção envolve um
contínuo de construção dos problemas de projeto e de busca de soluções
que passam necessariamente por um processo de negociação entre os
diferentes atores envolvidos; b) No campo da pesquisa, o foco do human
factors é a produção de conhecimentos sobre o homem, em sua dimensão
biocognitiva, cujas variáveis são separadamente estudadas. (MENEGON,
2003, p.41)
36
Figura 2-3: Lista de características humanas estudadas pela perspectiva dos fatores humanos (DUL e
WEERDMEESTER, 1993; apud MONTMOLLIN, 2005)
Menegon (2003) apesar de reconhecer a importância das contribuições da
Human Factors, ressalta a dificuldade de inter-relacionamento das variáveis levantadas em
laboratório com as variáveis reais (devido ao ambiente controlado de um laboratório). Destaca
também a não explicitação do processo de passagem dos dados levantados em limites e
recomendações, como limitação do método experimental desta abordagem.
A ergonomia dos fatores humanos está mais presente no Brasil do que a
ergonomia da atividade. Lima e Jackson (2004, p. XII) atestam, no prefácio à edição brasileira
de “A ergonomia em busca de seus princípios”, que “atualmente assiste-se (...) a uma
‘tecnicização’ da Ergonomia, solicitada e praticada por profissionais da área de projeto
(designers, arquitetos, engenheiros de produto e de produção) e da área de saúde (terapeutas
ocupacionais, médicos do trabalho, engenheiros de segurança)”. Wisner (2005, p. 370) afirma
que “a vantagem desta abordagem está no fato dela corresponder à procura da indústria, a
qual deseja fatos, conselhos precisos, resultados claramente demonstráveis em curto prazo,
sem perturbar o trabalho industrial”. O autor ainda assinala:
De fato, vários ergonomistas em todo o mundo prestam muitos serviços
com tais formas de proceder. A razão desse sucesso deve-se ao fato de ser
tal a ignorância sobre o funcionamento do homem pela maior parte dos
projetistas, que as contribuições ergonômicas, ainda que sejam modestas ou
desajustadas, têm um efeito muito positivo. Basta assinalar os grandes erros
dimensionais na concepção de máquinas e produtos, ainda que o simples
37
conhecimento das normas antropométricas fosse suficiente para evitar a
maior parte.
A ignorância sobre o funcionamento do homem é profunda (...). Há, pois,
sempre um fosso conceitual entre o ergonomista e seus interlocutores. Para
o ergonomista é cômodo, mas pouco honesto, fazer esquecer este fosso,
dando, sem restrições ao projetista, as certezas simples que ele espera.
(WISNER, 2005, p. 370)
2.1.2 Ergonomia da atividade
Montmollin (2005, p. 106), ao tratar dessa abordagem, explica que “atividade
significa que já não consideram as funções de modo isolado, mas sim os comportamentos (os
gestos, olhares, palavras) e os raciocínios..., tal como eles se apresentam nas situações reais de
trabalho, atuais ou futuras”. Afirma que dessa forma pode-se atender à situação na
globalidade e não apenas no posto de trabalho e dispositivos técnicos. A análise da atividade é
temporal e contextualizada e por isso é importante que as análises sejam realizadas, na medida
do possível, no próprio local de trabalho.
Tersac e Maggi (2004, p. 90) apresentam os fundamentos que caracterizam a
ergonomia francofônica e que se relacionam diretamente com a organização do trabalho. São
eles: a variabilidade dos contextos e dos indivíduos; a diferenciação entre tarefa e atividade;
e a atividade de regulação (representação e competência). Esses fundamentos são a base que
diferencia essa abordagem com relação à ergonomia clássica e podem ser caracterizados da
seguinte forma:
Variabilidade dos contextos e dos indivíduos – constitui a primeira inversão de
perspectiva para a qual contribui a ergonomia, mostrando, por meio de análises em situações
reais, a dupla variabilidade dos contextos e das pessoas que trabalham: de fato, a ergonomia
postula a variabilidade das condições externas e/ou internas de cada atividade (TERSAC e
MAGGI, 2004, p. 91).
Guérin et al. (2001, p. 48) distinguem duas formas de variabilidade do contexto
(chamada de variabilidade da empresa). A primeira seria a variabilidade normal, a qual
decorre do próprio trabalho e é previsível, podendo ser parcialmente controlada (por exemplo,
a variação de produção de chocolate ao longo do ano devido ao consumo maior nos meses
frios). A outra forma é denominada variabilidade incidental, sendo caracterizada por
38
ocorrências imprevistas e aleatórias (por exemplo, pane ou desajuste numa máquina, matéria-
prima com problemas, meteorologia etc.). O autor observa que a razão do estudo da
variabilidade da produção não deve ser a supressão da mesma e sim “compreender como os
operadores enfrentam a diversidade e as variações de situações, e quais as consequências para
sua saúde e para a produção”. A partir dessa análise “torna-se possível delinear a parte da
variabilidade aleatória redutível, a parte da variabilidade controlada a ser considerada na
organização do trabalho e os meios a fornecer aos operadores para enfrentar a variabilidade
incontornável”.
No que tange à variabilidade humana, Guérin et al. (2001) também a divide
em duas categorias: a interindividual e a intra-individual. A diversidade interindividual
refere-se às características próprias que cada indivíduo possui: mais alto, mais baixo, usando
óculos, com maior ou menor experiência, a história de vida etc. “Por isso, o ‘mesmo posto de
trabalho’, ocupado por pessoas diferentes, apresentará duas situações de trabalho específicas
(...). Os esforços, os raciocínios e a fadiga resultante não serão equivalentes, mesmo que o
resultado produzido pareça idêntico” - Guérin et al. (op. cit., p. 51). Já as variações intra-
individuais referem-se às mudanças de estado de cada indivíduo, as quais ocorrem a curto,
médio e longo prazo. Em curto prazo, pode-se citar a variação de desempenho, atenção e
ânimo que os trabalhadores sentem ao longo do dia, durante as vinte e quatro horas. Em
médio prazo, o cansaço e o estresse no intervalo de um período de férias para outro. As
variações de longo prazo são resultantes, principalmente, dos efeitos do envelhecimento e da
aquisição de experiência.
Diferenciação entre tarefa e atividade – A tarefa indica o que se deve fazer,
isto é, o que é prescrito pela organização e passado para o operador. A atividade é aquilo que
o indivíduo faz para cumprir suas obrigações.
Leplat e Hoc (2005, p. 200) apontam que a tarefa antecede à atividade e tem
por finalidade orientá-la e determiná-la. Afirmam, ainda, que para uma mesma tarefa é
possível existir várias descrições. Tal multiplicidade apresenta consequências:
a) as diferentes descrições não são equivalentes para um determinado indivíduo. Algumas
irão orientá-lo na execução de forma direta; outras irão apenas auxiliar de forma parcial e
outras serão ineficazes ou até mesmo perturbadoras;
b) em qualquer descrição de tarefa existirá sempre algo de implícito. Não são dadas todas as
condições, isto é, condições explícitas são dadas pela descrição e condições implícitas são
passadas em silêncio, mas devem ser seguidas;
39
c) algumas vezes a tarefa não possui prescrições explícitas, ou então a prescrição é dada a
um nível muito geral, ficando a cargo do operador definir a tarefa adequada;
d) em uma tarefa, a parte explícita corresponde ao que se supõe não ser conhecido pelo
operador; o que está implícito corresponde ao que julga ser desnecessário dizer, porque já
é conhecido dele;
e) a descrição de uma tarefa está completa para um determinado indivíduo quando lhe
permite a execução imediata da tarefa sem novas aquisições prévias (LEPLAT e HOC,
2005, p. 200).
Tersac e Maggi, ao apresentarem esse fundamento da ergonomia, afirmam:
A segunda proposição fundamental da ergonomia, formulada por
Ombredane e Faverge (1955), realiza uma inversão de perspectiva ao
diferenciar o que os indivíduos devem fazer daquilo que eles realmente
fazem: “duas perspectivas podem ser evidenciadas desde o início na análise
do trabalho: a perspectiva do quê e a do como. O que deve ser feito e como
os trabalhadores o fazem? De um lado a perspectiva das exigências da tarefa
e, de outro, a das atitudes, das sequenciais operacionais pelas quais os
indivíduos observados respondem realmente à tarefa”. Esta separação é um
marco em relação às práticas anteriores: primeiro porque considera que o
objeto de análise é a atividade, a partir da qual se busca compreender a
organização em função de suas condições de execução (internas e próprias
aos sujeitos ou externas e ligadas à tarefa) e seus efeitos tanto sobre o
indivíduo quanto sobre o desempenho do sistema visto em sua totalidade
(Leplat e Cuny, 1984). Além disso, esta separação consagra os limites do
caráter estruturado do contexto, mas também os limites de seu caráter
estruturante; ao contrário, a interpretação destes limites varia: trata-se de
uma falha de prescrição ou de uma impossibilidade estrutural de os
estabelecer? (TERSAC e MAGGI, 2004, p. 92).
Para Falzon (2007) “a atividade é finalizada pelo objetivo que o sujeito fixa
para si, a partir do objetivo da tarefa” (p. 9). O autor ainda assinala que “a atividade não se
reduz ao comportamento. O comportamento é a parte observável, manifesta da atividade. A
atividade inclui o observável e o inobservável (a atividade intelectual ou mental). A atividade
gera o comportamento” (p. 9). Falzon resume as diversas distinções relativas à tarefa, até que
esta se torne em atividade na Figura 2-4. Para ele o operador possui uma compreensão a
respeito da prescrição, tanto implícita quanto explícita, isto é, o que o operador pensa que foi
pedido para ele fazer. Com base nesta compreensão, define a tarefa que julga ser mais
apropriada que a tarefa compreendida, a partir de suas próprias prioridades, seu sistema de
valores etc. Por fim, para realizar a atividade, ele é orientado pela tarefa efetiva, que “é
constituída pelos objetivos e restrições que o sujeito coloca para si mesmo. É o resultado de
uma aprendizagem” (FALZON, 2007, p.10).
40
Figura 2-4: Da tarefa à atividade. Adaptado de Falzon (2007).
Atividade de regulação: representação e competência – esta terceira
proposição consagra uma inversão de perspectiva a respeito da eficiência dos sistemas
produtivos. Tal eficiência “não se origina nem da definição dos procedimentos e dos métodos,
nem simplesmente do estrito respeito às instruções”. Os autores afirmam que “os resultados
só podem ser obtidos graças à capacidade de regulação da atividade desenvolvida pelos
indivíduos, agindo, de um lado, para gerenciar as variações das condições externas e internas
da atividade e, por outro lado, para levar em conta os efeitos da atividade” (LEPLAT e HOC,
2005, p. 200).
Falzon (2007) define regulação como um “mecanismo de controle que compara
os resultados de um processo com uma produção desejada e ajusta esse processo em relação à
diferença constatada”. Menegon (2003) relaciona o reconhecimento da regulação que ocorre
ao longo da execução de uma tarefa baseado em três conceitos: representação mental,
competência e modo operatório.
Com relação ao primeiro conceito “representação mental”, Guérin et al. (2001)
coloca que a representação do indivíduo ocorre em função de sua formação e experiência,
estabelecendo ligações preferenciais entre certas configurações da realidade e ações a realizar.
A realização de uma representação por parte de um operador significa que ele reteve
elementos da situação considerados como característicos e que, em função disso, seu
comportamento é orientado (p. 57).
41
A competência deriva não somente da formação do sujeito e de sua preparação,
mas também de suas habilidades tácitas, isto é, aqueles conhecimentos que não podem ser
ensinados e são inerentes a uma profissão (MENEGON, 2003). Tersac e Maggi (2004)
afirmam que o conceito de competência surgiu no vocabulário da ergonomia para designar
“tudo que está engajado na ação ‘o que faz a diferença’ (...) é o conjunto de conhecimentos,
de saber-fazer, de heurísticas, de modelos (esquemas-tipo), ou seja, tudo que permite atingir o
resultado sem nova aprendizagem”. Os autores ainda citam outra definição: “em ergonomia as
competências correspondem às estruturas hipotéticas (...) que permitem ao operador dar um
significado para a ação em situações de trabalho (e em particular para as informações) que
elas propõem” (MONTMOLLIN, 1995, apud TERSAC e MAGGI, 2004).
O conceito de modo operatório, para Guérin et al. (2001), está ligado à
margem de manobra de que o operador dispõe para atingir os objetivos de produção. O modo
operatório é resultado do compromisso entre os objetivos exigidos pela empresa, os meios de
trabalho disponíveis ao operador, os resultados produzidos – ou ao menos a informação de
que dispõe o trabalhador sobre eles – e o próprio estado interno do indivíduo (p. 63). Na
Figura 2-5 são apresentadas as relações entre a atividade de regulação, os modos operatórios e
os compromissos considerados em diferentes situações.
Conclui-se que “os efeitos da variabilidade sobre a carga de trabalho implicam
na sua elevação ou diminuição e determina a necessidade de uma re-elaboração constante
pelos trabalhadores do seu modo operatório” (ERGO&AÇÃO, 2003a, p. 16).
Daniellou (2005, p. 242) acredita que a noção de carga de trabalho pode ser
interpretada a partir da “compreensão da margem de manobra de que o operador dispõe, num
dado momento, para elaborar modos operatórios que permitam alcançar os objetivos
definidos”.
42
Figura 2-5: Relação entre a atividade de regulação e os modos operatórios. Adaptado de Guérin et al. (2001).
O conhecido modelo integrador da atividade de trabalho (ABRAÃO, 1993,
apud MENEGON, 2003; ERGO&AÇÃO, 2003a; GUÉRIN et al., 2001; LAVILLE, TEIGER
e DESSORS, apud DANIELLOU, 2005) apresentado na Figura 2-6, demonstra as relações
entre condicionantes e o resultado da carga de trabalho.
43
Figura 2-6: Modelo integrador da atividade de trabalho. Adaptado de Guérin et al. (2001).
Nesse modelo a atividade é posta como elemento central que determina a
estrutura da situação produtiva. É possível acompanhar a interação entre o trabalhador e a
empresa, sendo definido, em um primeiro momento, o contrato que deverá reger as relações
entre os mesmos. Desta interação resulta, inicialmente, a tarefa prescrita, baseada nas
características da empresa (organização do trabalho, exigências cognitivas da tarefa,
ferramentas, máquinas, treinamento oferecido, horários, entre outros componentes). A partir
dessa prescrição, o trabalhador constrói uma compreensão da tarefa, “o que o operador pensa
que se pediu a ele para fazer” (FALZON, 2007, p. 11), define em seguida a tarefa apropriada,
o que julga mais apropriado conforme suas prioridades e competências, para enfim concluir
com a tarefa efetiva. Esta é resultado da representação construída pelo trabalhador que deverá
ser atendida através da realização da atividade. A atividade de trabalho também é resultado,
além da tarefa, das características do trabalhador: sexo, idade, formação, habilidades tácitas,
vida fora do trabalho, ritmo biológico, entre outras. Ao realizar a atividade, o trabalhador
investe uma determinada carga de trabalho, tanto em termos físicos como mentais.
Assim, a carga de trabalho constitui-se na síntese que resulta da confrontação
de dois níveis de condicionantes: de um lado a empresa com a tarefa e suas características
44
intrínsecas, de outro, o trabalhador com a atividade, sujeita também às suas características. O
resultado da carga de trabalho realizada retorna sobre ambos. Retorna sobre o trabalhador, o
que se manifesta sobre seu estado de saúde, retorna sobre a empresa, o que se manifesta em
termos de produção e produtividade (ERGO&AÇÃO, 2003a).
Os conceitos apresentados são fundamentais para a compreensão da análise da
atividade e irão constituir a base da linguagem a ser adotada no decorrer da Análise
Ergonômica do Trabalho das situações em estudo, método esse apresentado a seguir.
Considerando tais conceitos, pode-se estabelecer o que significa o sucesso de uma intervenção
de ergonomia. São dois os critérios: a ampliação dos espaços de regulação e a redução da
carga de trabalho (ERGO&AÇÃO, 2003a, p. 22).
2.2 Metodologia da Análise Ergonômica do Trabalho
A metodologia da análise ergonômica do trabalho varia de um autor para outro,
sobretudo em função das circunstâncias da intervenção (WISNER, 2005, p. 375). No entanto,
esse autor apresenta uma metodologia que considera coerente e constituída progressivamente
por diversos autores, entre os quais cita Theureau (1992, apud WISNER, op. cit.), cuja
eficácia se afirmou em centenas de estudos. A metodologia comporta cinco etapas de
importância e dificuldades diferentes:
a) análise da demanda e proposta de contrato – que tem por objetivo compreender a
natureza e o alcance da demanda. Wisner coloca a importância de se estabelecer o
contrato entre quem solicitou a demanda e o ergonomista, de forma a precisar a questão,
prazos de resposta, os meios disponíveis e os critérios de êxito;
b) análise do ambiente técnico, econômico e social – trata-se de conhecer as estruturas que
são determinantes do trabalho e estão fora do alcance do ergonomista;
c) análise das atividades e da situação de trabalho – análise através de observação de
comportamentos e da explicitação dos seus determinantes, de forma que registrem as
atividades humanas no trabalho, indiquem as principais inter-relações entre essas
atividades e, por fim, descrevam o trabalho na sua globalidade. Wisner afirma que,
independente da modalidade de análise do trabalho, é indispensável validar o trabalho, a
fim de restituir a informação a quem a forneceu e corrigir e completar o trabalho do
ergonomista (p. 377);
45
d) recomendações ergonômicas – transformação do conhecimento adquirido nas análises
anteriores no auxílio à concepção dos dispositivos de produção;
e) validação da intervenção e eficácia das recomendações – a validação evita que as
recomendações sejam negligenciadas, mal interpretadas ou esquecidas. No entanto,
Wisner afirma que isso exige persistência por parte do ergonomista e que tal prática não
agrada o meio industrial (WISNER, 2005, p. 375).
A metodologia da análise ergonômica do trabalho pode ser estruturada
(ERGO&AÇÃO, 2003a) em dois grandes blocos:
O primeiro representa a Fase de Análise subdividida em três etapas: análise
da demanda, análise da tarefa e análise da atividade. O segundo, a Fase de
Síntese, subdividida nas etapas de diagnóstico e de implementação. Em
cada uma destas etapas, o ergonomista colhe dados da situação sob
investigação e confronta com os conhecimentos acerca do homem no
trabalho. Desta confrontação, surgem hipóteses que irão direcionar o
prosseguimento do estudo. O resultado de uma ação ergonômica
desemboca, em primeira instância, na proposição de mudanças na situação
em estudo, em segunda instância, novos conhecimentos sobre o homem no
trabalho (ERGO&AÇÃO, 2003a, p. 22).
A estrutura proposta, resumida na Figura 2-7, é baseada em Guérin et al.
(2001) e atende às facetas que a ergonomia possui e que estão presentes na definição da IEA
(2008): primeiramente, de disciplina, em busca de conhecimentos e da compreensão das
interações do elemento humano com outros componentes do sistema; e a outra, que remete à
profissão, isto é, aos profissionais que praticam a ergonomia.
Figura 2-7: Etapas da Análise Ergonômica do Trabalho. Adaptado de Guérin et al. (2001) e de Ergo&Ação
(2003a).
MacLeod (2003), em seu artigo sobre a eficácia dos métodos ergonômicos no
mundo real, afirma que um dos focos da ergonomia deveria ser a melhora de sua participação
dentro dos processos de projetos multidisciplinares. Argumenta, ainda, que com essa
46
participação a ergonomia poderá mostrar uma consistente e valiosa contribuição para a
qualidade do projeto e seu desenvolvimento. Em paralelo com tal contribuição estarão a
aceitação e compreensão dos engenheiros, diretores e consumidores de que a aplicação da
ergonomia é um custo efetivo. Para MacLeod, uma das possíveis formas de confirmar a
efetividade desse custo ergonômico está na presença constante da ergonomia atuando na
correção e adequação dos postos de trabalho e situações existentes, sendo que seria mais
eficiente e econômico se esses constrangimentos fossem detectados e sanados ainda na fase de
concepção.
2.3 Ergonomia e Projeto
Garrigou (1994, apud ERGO&AÇÃO, 2003b) discute o posicionamento da
ergonomia, afirmando que “o papel do ergonomista está em plena transformação; deste modo
ele não é mais somente um fornecedor de dados ergonômicos ou conhecimentos sobre o
funcionamento do homem”. Desta forma, pode-se colocar que tal profissional também deve
ser um ator do processo de concepção, cujo objetivo é melhorar as futuras situações de
trabalho do ponto de vista do bem-estar humano e da eficácia. Para atingir esse objetivo, o
ergonomista vai buscar transformar as representações dos projetistas atuantes sobre “o ser
humano em situações de trabalho”. Portanto, compreender a natureza do processo de projeto
constitui pré-requisito para posicionar e introduzir as questões ergonômicas, na busca por
melhorias significativas nas situações de trabalho.
2.3.1 Processo de projeto
Na literatura de engenharia existe uma ampla revisão sobre projeto; ainda que
convergentes no foco, os autores apresentam distintas abordagens para o processo de projeto,
conforme apresenta ERGO&AÇÃO (2003b):
Clausing (1994), num guia de implementação de engenharia concorrente
alinha-se à escola de “Relações Humanas” focando as relações
interdepartamentais (“multifuncional product development team”); Pugh
(1990), com a teoria do “Total Design Activity”, busca uma aproximação
47
com a psicologia social dos grupos (Pugh & Morley, 1988); e, Pahl & Beitz,
1995, em “Engineering design: A systematic approach” concentram-se na
teoria de sistemas e na resolução de problemas (ERGO&AÇÃO, 2003b).
Para Pahl e Beitz (1996) o design é o elemento integrador entre arte e ciência e
separá-los não traz contribuições. A Figura 2-8 ilustra o ato de projetar (design) integrando
ciência e arte, não sendo uma terceira cultura, como explica os autores.
Figura 2-8: Design como elemento integrador de Arte e Ciência. Adaptado de Pahl e Beitz (1996).
A tarefa de projetar pode ser definida como o pensar à frente e descrever uma
estrutura que, aparentemente, contém as características desejáveis. Ou ainda, projetar é a
transformação da informação com condições de necessidades, demandas, requisições e
restrições dentro de uma descrição de estrutura que é capaz de preencher essas demandas
(HUBKA e EDER, 1996).
Essas definições sobre projeto possuem uma abordagem da engenharia clássica
e tradicional, colocando o ato de projetar como algo altamente racional. No entanto, a
diversidade de informações e conhecimentos condicionantes apontam para o processo de
48
projeto, não apenas como um processo estruturado de determinação de variáveis, mas sim
uma construção que ocorre a partir de processos de negociação e tomada de decisão no campo
dos problemas não estruturados.
Tais construções são próprias e naturais dos processos de projeto e aparecem
nas aplicações práticas desta pesquisa de forma nítida. Considera-se que é fundamental
reconhecer a importância delas e de estruturar os processos de intervenção em função também
dessas construções.
Bucciarelli (1996) argumenta que equipes multidisciplinares de projeto têm
sido adotadas, tanto para projetos complexos, como para projetos de domínios menos
técnicos. Em todas essas formas de planejamento, os processos de projeto dependem de
comunicação social entre usuários e seus representativos para o progresso satisfatório de
resultados de projeto. Para o autor, os integrantes possuem percepções individuais sobre o que
estão projetando e o desafio é achar a intercessão entre essas percepções para gerar o melhor
resultado possível. O projeto deve ser fruto da interseção das percepções individuais dos
membros que compõem a equipe do projeto, considerando a combinação ímpar da
especialização com a experiência pessoal.
O objeto de um projeto não possui uma representação única para todos. Cada
perspectiva e interesse de uma pessoa estão atrelados à sua especialidade. Design é um
processo de trazer coerência a essas perspectivas e interesses, fixando-os no artefato, o qual
pode ser um produto tangível ou algo intangível, como a produção de serviços. A qualidade
do design e do artefato final dependerá do processo social engajado pelos participantes, e isso
transcende o processo racional e instrumental. Helin et al. (2007) afirmam ter certeza de que o
processo de projeto beneficia-se das informações e da transferência de conhecimentos entre
todas as pessoas envolvidas, tais como designers, programadores da produção, planejadores
de tarefas, gestão, trabalhadores e os profissionais da ergonomia, segurança e saúde
ocupacional.
Conclui-se que projetar não é simplesmente um processo de mediação de
alternativas e opções contra algumas condições e restrições. As limitações não são
completamente um produto da imaginação social, mas também não são tão definitivas quanto
parecem (BUCCIARELLI, 1996).
49
2.3.2 Ergonomia nos processos de projeto de postos de trabalho
Wilson (2000) entende como papel da ergonomia a compreensão das interações
entre as pessoas e os artefatos e a contribuição para o projeto dos sistemas de interação.
Wisner (2004, p. 44) ao comparar os objetos de cada corrente de ergonomia afirma:
O objeto da ergonomia britânica – e americana – é, em primeiro lugar, o
equipamento: o da ergonomia francófona é muito mais enigmático, é o
trabalho. A constatação fundadora da ergonomia francófona está ligada ao
fato que um equipamento pode ter incorporado os melhores conhecimentos
oriundos da Human Factors Science e não permitir um trabalho satisfatório
à população de trabalhadores que o utilizam. É fato que o trabalho real é,
para eles, diferente do trabalho prescrito ou suposto pelos conceptores. O
conjunto da situação de trabalho e dos trabalhadores pode obrigar estes
últimos a se comportarem de maneira diferente da prevista. Para conceber
um bom dispositivo técnico, seria, então, necessário analisar o trabalho.
(WISNER, 2004, p.44)
Para Daniellou (2002), a ergonomia deve não somente descrever os processos
de concepção, mas os influenciar, por favorecer uma concepção de situações de trabalho
eficazes e compatíveis com a saúde dos trabalhadores. O fornecimento de dados técnicos
sobre o funcionamento do homem aos projetistas, durante a fase de estudos, tem a sua
importância, mas parece secundário em relação a uma ação precoce da ergonomia, no que diz
respeito a interação com os diferentes atores durante a concepção, por permitir uma discussão
do conjunto dos objetivos do projeto.
A importância dos ergonomistas, nas fases iniciais do projeto, deve-se à
dimensão temporal do mesmo, pois à medida que o tempo passa aumenta-se o conhecimento
sobre o que se está estudando, entretanto diminui-se o tempo de possibilidade de ação, tanto
pelo tempo restante, como pelas escolhas já feitas em relação aos sistemas (JACKSON, 2000;
DUARTE, 2002).
Mattila (1996) afirma que existe uma necessidade urgente de implementação
de conhecimentos ergonômicos no processo de projeto e no processo de tomada de decisão,
tanto quanto no uso de máquinas, equipamentos e sistemas de produção.
Helin et al. (2007) afirmam que os modernos projetos de sistemas de produção
que consideram também o trabalho efetivo do “chão-de-fábrica” são processos complexos. No
entanto, atualmente, os projetos ainda baseiam-se considerando apenas as questões de
eficiência técnica e limitações de custo. É comum que a prioridade do elemento humano
apareça depois da concepção técnica da solução do problema. Segurança, ergonomia e
50
usabilidade são partes importantes do projeto e que deveriam ser reconhecidas no processo de
planejamento concomitantemente com outros aspectos. Para o autor não há dúvidas de que o
processo de projeto se beneficia das informações e transferência de conhecimentos entre todas
as pessoas envolvidas, como designers, programadores da produção, planejadores de trabalho,
gestores, trabalhadores, ergonomistas, profissionais da segurança e da saúde ocupacional.
Garrigou et al. (2001) sugerem um modelo de análise que integra três
abordagens articuladas em uma intervenção ergonômica: a descendente, a ascendente e por
simulação. A abordagem descendente está ligada à concepção clássica, ou seja, a ergonomia
irá interagir por meio dos conhecimentos do homem em situação de trabalho, no intuito de
levar a um enriquecimento da definição dos objetivos do projeto, bem como, à reflexão sobre
as escolhas técnicas e organizacionais.
A abordagem ascendente tem como objetivo instruir um retorno da experiência
das situações de referência, identificando possíveis variabilidades. Essas identificações
permitem caracterizar diferentes situações de uso e de gestão das variabilidades e serão
estruturadas sob forma de cenários de atividades futuras.
Por fim, os autores articulam as abordagens anteriores com a abordagem por
simulação (Figura 2-9). Esta tem como objetivo produzir prognósticos sobre possíveis
dificuldades que os operadores possam vir a encontrar em sua atividade futura. Essas
dificuldades podem impactar a eficácia do funcionamento das instalações e a saúde dos
operadores.
O processo de projeto objetiva transformar as recomendações derivadas da
AET em soluções que integrem os diferentes aspectos que envolvem as situações de trabalho.
A integração entre métodos próprios da ergonomia e os métodos de projeto propriamente
ditos, permite que se alcance efetivamente as soluções a serem implantadas (MENEGON,
2003).
Para Fontes et al. (2005) o processo de design no contexto da AET inicia-se
desde a demanda até a etapa de validação do projeto, não havendo uma linha separadora de
tempo entre essas disciplinas. Para esses autores o design é norteado pelo andamento da AET,
mas se une a ela desde a compreensão do trabalho até a elaboração dos conceitos projetuais.
Essa parceria proporciona o entendimento mútuo de suas ferramentas e evita a proposição de
soluções pontuais.
51
Figura 2-9: Articulação de abordagens para intervenção da ergonomia em projetos de concepção. Adaptado de
Garrigou et al. (2001).
A integração da teoria de projeto e ergonomia aponta para as seguintes
conclusões:
a) os determinantes advindos dos aspectos estratégicos do negócio em conjunto com o
escopo do projeto, isto é, a abrangência dos elementos de especificação sobre controle da
equipe de projeto constituem fortes restrições para a introdução de mudanças positivas
em situações de trabalho;
b) dentro do espaço de projeto determinado pelas questões anteriores, as interações entre os
trabalhadores que atuarão sobre o dispositivo projetado e os projetistas representam uma
questão central do processo de projeto em ergonomia;
c) os métodos e técnicas, sejam do campo da ergonomia ou de projeto, devem orientar-se no
sentido de possibilitar a construção de consensos negociados, auxiliando o processo de
tomada de decisão (ERGO&AÇÃO, 2003b, p. 32).
Por fim, o trabalho do ergonomista, dentro da equipe de projeto responsável
pela concepção da situação produtiva, não se encerra na Análise Ergonômica do Trabalho e
52
nem mesmo na implantação das mudanças positivas nas situações de trabalho, pois “(...) é
fácil constatar que a nova situação revelará novos reveses, os quais colocarão em ação a
inteligência inovadora, tanto daqueles que operam o dispositivo técnico, como daqueles que
se encarregam da sua concepção” (ERGO&AÇÃO, 2003b), configurando assim a necessidade
de uma atuação cíclica e contínua da ergonomia dentro das organizações.
2.4 Antropometria e Modelagem Humana
Métodos que utilizam dados antropométricos estão entre as ferramentas básicas
de trabalho para a análise e o atendimento de requisitos de projeto, nos quais são consideradas
as variações nos tamanhos, nas proporções, na mobilidade, nas forças e em quaisquer outros
fatores utilizados para definir fisicamente o ser humano. A sensibilidade e a capacidade de
desempenho humano estão, em parte, relacionadas a essas características físicas. As questões
antropométricas influenciam aspectos relacionados à fisiologia e à psicologia do conforto e da
percepção. Dimensões antropométricas, as quais tratam de medidas físicas do corpo humano,
são dados de base essenciais para a concepção e dimensionamento dos produtos, ambientes e
postos de trabalho, propiciando segurança e conforto aos usuários.
A maior parte das primeiras e bem sucedidas aplicações da antropometria no
campo do design ocorreu durante a II Guerra Mundial e foi baseada em estudos preparados
pela Força Aérea dos EUA, Força Aérea e Marinha britânicas (PANERO e ZELNIK, 2002,
p.25). Os autores assinalam também que, desde a época da II Grande Guerra até a atualidade,
a maior parte da pesquisa nessa área é relativa ao setor militar e apontam as seguintes razões:
necessidade intensa dos dados, disponibilidade numerosa de sujeitos de reserva nacional e por
fim, existência de recursos empenhados e disponibilizados pelos respectivos governos para
realização de tais pesquisas.
Compreender o impacto das diferenças entre populações no projeto de
ambientes e artefatos é de fundamental importância para justificar não somente o uso de uma
ferramenta computacional de forma apropriada, como para justificar a aplicação de recursos
na criação de modelos humanos digitais representativos à população sob estudo.
53
2.4.1 Antropometria e dimensões antropométricas
Panero e Zelnik (2002), afirmam ser totalmente errônea a visão da
antropometria como um exercício simples de medições e de dados sendo reunidos sem
dificuldades. Para os autores existe uma série de obstáculos e complicadores envolvidos. Um
desses fatores é que a dimensão corporal varia com a idade, sexo, raça e mesmo com o grupo
ocupacional.
Diversos estudos antropométricos, realizados durante várias décadas,
comprovaram a influência do sexo, idade, clima e etnia nas variações das dimensões
antropométricas. Um exemplo de inadequação de produtos exportados para outro país, sem se
preocupar com as adaptações aos usuários, foram as máquinas bélicas norte-americanas
fornecidas para os vietnamitas. A primeira população serviu de base para o projeto e tinha
como estatura média de 1,74 metros A população vietnamita, que teve dificuldade em operar
tais equipamentos, apresentava como estatura média 1,60 metros. Uma máquina projetada
para atender 90% da população americana acomoda também 90% da população alemã. No
entanto, atenderia apenas 80% dos franceses, 65% dos italianos, 45% dos japoneses, 25% dos
tailandeses e apenas 10% dos vietnamitas (CHAFFIN, ANDERSON e MARTIN, 2001).
Geralmente, a coleta de dados antropométricos é uma atividade cara, demorada
e relativamente árdua, exigindo observadores habilitados (PANERO e ZELNIK, 2002, p.25).
O levantamento de dados antropométricos é dificultado pela existência de diferentes tipos de
indivíduos na mesma população (IIDA, 2000). Além desse fator, o autor também cita que “as
condições em que essas medidas são realizadas (com roupa ou sem roupa, com ou sem
calçado, ereto ou na postura relaxada) influem consideravelmente nos resultados”.
Na realização de levantamento de dimensões antropométricas é necessário
(IIDA, op. cit.) definir os objetivos que a pesquisa deverá suprir, definir as dimensões a serem
levantadas, a escolha dos métodos de medição (ferramentas e equipamentos), a seleção da
amostra das pessoas participantes, as medições propriamente ditas e as análises estatísticas
posteriores. No final da década de 70, mais de 300 formas e dimensões diferentes foram
tabuladas e tratadas estatisticamente para a população americana, européia e asiática (WEBB
ASSOCIATES, 1978, apud CHAFFIN, ANDERSON e MARTIN, 2001).
De acordo com o objetivo da pesquisa a utilização da antropometria é definida
como estática, dinâmica ou funcional, conforme Iida (2000).
54
A antropometria estática, também conhecida por antropometria estrutural,
inclui medidas da cabeça, tronco e membros em posições padronizadas. Essa tipologia de
antropometria é base para a maioria das tabelas existentes com dimensões de diferentes
populações. Na Figura 2-10 são apresentadas as principais variáveis (MENEGON et al., 2002)
usadas em dimensões antropométricas estáticas do corpo.
A antropometria dinâmica é responsável pela medição dos alcances dos
movimentos de cada parte do corpo humano, estando o restante do corpo parado. Essa
tipologia é interessante para o projeto de situações produtivas que exigem muitos movimentos
corporais ou manipulações (IIDA, 2000).
Na antropometria funcional as medidas estão relacionadas com a execução de
determinadas tarefas e são levantadas em posições de trabalho ou durante o movimento
associado à tarefa específica.
Devido às variações significativas nas dimensões corporais individuais, as
médias são obviamente pouco usadas em projetos, visto a necessidade de contemplar esta
gama de indivíduos com diferentes dimensões. Estatisticamente, demonstrou-se que, em
qualquer grupo populacional dado, as dimensões do corpo humano apresentam uma
distribuição próxima à normal, isto é, distribuída em uma faixa média, com poucos dados nas
extremidades.
Usualmente, os dados antropométricos são expressos em percentis. Para fins de
estudo, a população é dividida numa escala de 1 a 100, sendo categorias percentuais para cada
dimensão corporal. O percentil 1 de estatura, por exemplo, indica que 99% da população teria
estatura maior que esse indivíduo. Da mesma forma, o percentil 95 indica que apenas 5% da
população possui determinada dimensão maior, sendo 95% menor (PANERO e ZELNIK,
2002, p. 34).
55
Figura 2-10: Principais variáveis antropométricas (MENEGON et al., 2002).
56
Ao se trabalhar com percentis é necessário tomar cuidado com dois fatores
(PANERO e ZELNIK, 2002): primeiro, que percentis antropométricos se referem a apenas
uma dimensão corporal; segundo, não existem indivíduos de determinado percentil. Isto é, um
indivíduo com percentil 50 de estatura pode apresentar percentis 30 e 70 em outras
dimensões. Dessa forma, o percentil 50 deve ser compreendido como o valor médio de uma
dimensão para determinada população, mas, sob nenhuma hipótese, sugerir que esta
componha o “homem mediano ou médio”. Panero e Zelnik ao tratarem da falsa idéia de
“homem médio” relatam:
“O renomado pesquisador, Dr. H. T. E. Hertzberg, ao discutir o chamado
homem médio ou mediano, afirmava que ‘na verdade, não existe ninguém
mediano. Há homens que são medianos em termos de peso, estatura, ou
altura quando sentados, mas os homens ‘medianos’ em duas dimensões de
medida constituem apenas cerca de 7% da população; aqueles considerados
‘medianos’ em três dimensões, apenas 3% e, por aqueles considerados
medianos em quatro dimensões, a percentagem cai para menos de 2%. Não
há média humana em dez dimensões. Portanto, o conceito do homem
‘mediano’ está fundamentalmente incorreto, porque não existe tal criatura.
Para serem eficientes, os locais de trabalho devem ser projetados de acordo
com a gama de medidas do corpo humano” (PANERO e ZELNIK, 2002,
p.37).
A partir das dimensões antropométricas é possível construir modelos humanos,
também chamados de manequins, para representar a figura humana. Tais modelos são úteis no
projeto e avaliação de produtos e postos de trabalho. Iida (2000) classifica os modelos
humanos nas categorias: modelos bidimensionais, tridimensionais, matemáticos e
computacionais.
2.4.2 Modelagem humana bidimensional física
Os modelos bidimensionais mais simples são usualmente construídos em
papelão, plástico ou madeira. Eles representam homens e mulheres com percentis 5, 50 e 95
em diferentes escalas, porém com destaque para o uso da escala reduzida 1:50, construídos
em madeira ou plástico.
Atualmente o Instituto Nacional de Tecnologia (INT) do Ministério da Ciência
e Tecnologia do Brasil comercializa um kit com dados antropométricos tabelados (software)
57
contendo quatro manequins articulados na escala 1:5 e placas com manequins
antropométricos nas escalas 1:10 e 1:20, denominado de Ergokit (BRASIL, 1995).
Esses modelos são usados por projetistas de produtos e de situações produtivas
e são úteis para conceber e avaliar certos aspectos críticos, como no exemplo do projeto
automobilístico (GM, 2008) da Figura 2-11. A vantagem desse tipo de modelagem é o baixo
custo e a facilidade de transporte, manuseio e armazenamento, principalmente para as escalas
reduzidas. As desvantagens estão relacionadas à falta de precisão e pela representação
planificada (IIDA, 2000).
Figura 2-11: Exemplo de aplicação de modelo bidimensional (GM, 2008).
2.4.3 Modelagem humana tridimensional física
Para análises complexas pode-se adotar a construção e aplicação de modelos
tridimensionais, também chamados de manequins que, além de possibilitarem a validação de
características de dimensionamento de espaços, são úteis para medir outros parâmetros, como
distribuição de pesos, momentos de inércia e resistência ao impacto (IIDA, 2000).
O exemplo mais conhecido do uso de manequins humanos tridimensionais é o
teste automobilístico simulando colisões, o crash test. A simulação conta com a presença de
dummies (termo típico também utilizado para denominar esse tipo de modelo humano
tridimensional) para representar as consequências dos impactos sobre o corpo humano e
coletar dados do evento. A Figura 2-12 ilustra a aplicação de dummies na Ford (FORD, 2008).
58
Figura 2-12: Teste de colisão automobilística frontal (crash test) utilizando dummies (FORD, 2008).
2.4.4 Modelagem humana matemática computacional
Devido, principalmente, às dificuldades encontradas para a realização de
levantamentos antropométricos, muitos pesquisadores se dedicaram à parametrização do
corpo humano. Dessa forma, seria possível, a partir de poucas dimensões, deduzir dezenas de
outras dimensões. No entanto, os segmentos corporais não são proporcionais entre si e
apresentam um baixo coeficiente de correlação.
Assim, algumas dimensões apresentam coeficientes aceitáveis de correlação,
como por exemplo, a estatura que tem uma correlação de 0,786 com a altura sentada e 0,841
com a altura poplítea (KROEMER, 1994 apud IIDA, 2000). Esse coeficiente apresenta como
valor máximo 1,0 – que corresponderia a 100% de correlação.
59
Contini e Drillis (1966, apud IIDA, op. cit.) apresentam fórmulas para calcular,
a partir da medida da estatura, 21 outras dimensões lineares do corpo humano, conforme pode
ser visualizado na Figura 2-13.
Figura 2-13: Modelagem humana matemática (IIDA, 2000).
É importante observar que tais modelos apresentam uma elevada escala de
simplificação, podendo ser utilizados para estimativas iniciais ou para concepção de produtos
com menor complexidade. Para estudos mais complexos, recomenda-se a aplicação dos
modelos tridimensionais ou de modelo humanos computacionais apresentados a seguir.
2.4.5 Modelagem humana tridimensional computacional
Com o avanço das tecnologias relacionadas à computação, permitindo o acesso
das empresas e de um número crescente de usuários à software e hardware de alto
desempenho, diversos modelos humanos computacionais foram desenvolvidos nas últimas
60
décadas e tiveram seu uso difundido. Tais modelos podem ser facilmente inseridos em
projetos de dispositivos, ambientes e postos de trabalho, permitindo aos projetistas simular
uma grande variedade de tarefas e avaliar os impactos sobre a capacidade humana em uma
série de quesitos (CHAFFIN, ANDERSON e MARTIN, 2001).
Os primeiros modelos humanos digitais (ou MHDs, como são conhecidos)
datam da década de 1960. Seu uso tradicional era em projetos extremamente especializados
(indústrias aeroespacial e automobilística) e limitado por sistemas CAD específicos. Devido à
alta complexidade dos modelos esses sistemas CAD rodavam em mainframes com alto poder
de processamento para a época. Tais restrições dificultavam o acesso a esse tipo de tecnologia
(ERIKSSON, 2008).
No entanto, com o decréscimo dos custos de programas computacionais com
modelos humanos, as aplicações têm sido estendidas para outras áreas. Moore e Wells (1992,
apud MATTILA, 1996) categorizaram diferentes aplicações para modelagem humana
computacional, entre elas:
a) avaliação de ocupação, alcances máximos, campo de visão;
b) avaliação da força demandada para predição de força e carregamento requeridos nas
costas; e
c) gravação de posturas.
Existem, no mercado, diversos programas computacionais que tratam a
Modelagem Humana Digital, com maior ou menor grau de realismo dos manequins, presença
de ferramentas de análises e possibilidade de gerar animações. A maioria desses programas
computacionais possui compilações para equipamentos de baixo custo e de alta abrangência
de usuários (desktops com sistemas operacionais Microsoft Windows). O aumento
considerável no poder de processamento desses equipamentos fez com que os programas
computacionais que tratam a modelagem humana digital incorporassem uma série de detalhes
fundamentais que tornam o resultado cada vez mais próximo de uma situação real. A
integração com outras ferramentas tais como CAD e CAM (Computer Aided Manufacturing
ou, Manufatura Auxiliada por Computador), planilhas de cálculos, banco de dados e
linguagens de programação são outras características fundamentais incorporadas aos atuais
programas computacionais, possibilitando customizações no produto (ZANONI, 2008).
Existe uma diferença entre modelos digitais usados para ilustração de humanos
em ambientes digitais e modelos digitais humanos que têm como objetivo análises
ergonômicas da interação desses com o ambiente (ZIOLEK e KRUITHOF, 2000). A principal
61
diferença é que para ilustrações busca-se uma representação “idealista” da forma humana.
Para propósitos de simulação humana visando análises ergonômicas, o objetivo é a
representação “realista”. Ambos podem ser utilizados em ambientes virtuais, porém, uma
representação “idealista”, a princípio, não deve ser utilizada para análises ou validações que
demandem algum nível de precisão dos segmentos humanos. Os manequins “realistas” são
compostos por um conjunto de segmentos rígidos, interligados por uma estrutura hierárquica.
Um exemplo dessa estrutura é apresentado pela Figura 2-14.
Figura 2-14: Exemplo de estrutura hierárquica em modelo humano digital realístico.
Segundo Farrel (2005, p. 3), para representar os movimentos humanos em uma
simulação digital é necessário desenvolver um modelo de esqueleto articulado que represente
com fidelidade um esqueleto real e, assim, demonstrar exatamente a cinemática dos
movimentos do organismo humano. Em termos de predição de postura, uma série de
segmentos (links) e juntas (joints) com rotação e translação podem ser usados para aperfeiçoar
o realismo dos movimentos, conforme é ilustrado na Figura 2-15.
62
Figura 2-15: Representação de esqueleto através de juntas e segmentos. Adaptado de FARREL (2005).
Hanson (2000) afirma, em uma publicação do ano 2000, que nenhum dos
manequins disponíveis até aquele momento era uma réplica perfeita do ser humano, tanto no
quesito aparência externa, quanto no quesito “simulação dos movimentos” (biomecânica).
Afirma ainda que, quanto maior o realismo, isto é, quanto mais parecido o modelo for na
aparência e na biomecânica, maior será a confiabilidade dos resultados das avaliações
realizadas.
Neste sentido, Lämkull, Hanson e Örtengren (2007) pesquisaram a influência
da aparência dos MHDs nas avaliações ergonômicas visuais de postura, conforme ilustra a
Figura 2-16, a partir de três hipóteses. A pesquisa confirma a primeira hipótese, que aponta a
influência da aparência exterior dos manequins, e a segunda, que coloca a experiência do
ergonomista como diferencial na capacidade de realizar avaliações visuais de posturas com
precisão. A terceira hipótese, que se referia à influência do sexo dos manequins nas avaliações
dos observadores, foi refutada pelos efeitos insignificantes observados. Na pesquisa foram
utilizadas três versões diferentes de um modelo humano biomecânico (abordagem realista) e
um modelo humano ilustrativo (abordagem idealista). O modelo da Figura 2-16a representa a
visualização no modo aramado do RAMSIS. Na Figura 2-16b o manequim está no modo
simplificado. A versão de apresentação do MHD do RAMSIS pode ser observada na Figura 2-
63
16c. E, finalmente, na Figura 2-16d o modelo criado através do software de renderização
POSER (Smith Micro Software).
Figura 2-16: Avaliação da influência da aparência dos MHDs nas análises ergonômicas (LÄMKULL, HANSON
e ÖRTENGREN, 2007).
Diversos autores, nas duas últimas décadas, têm estudado e comparado os
modelos humanos digitais e software de simulação humana (FEYEN et al., 2000; HANSON,
2000; LARING, FALK e ÖRTENGREN, 1996; MATTILA, 1996). Assim, além das
funcionalidades e usabilidade que cada software apresenta, um dos principais diferenciais
abordados pelos estudiosos são os manequins digitais, pelo nível de realismo biomecânico,
possibilidades de representação de diferentes populações (dados antropométricos) e o
preenchimento de tais dados de forma personalizada e individual.
De forma limitada e simplista, as razões de utilizar modelos humanos
computacionais – ou manequins digitais – são apresentadas por Eriksson (2008):
64
a) possibilitar a imersão em ambientes virtuais;
b) possibilitar que os ambientes virtuais representem os ambientes reais com um nível de
realismo aceitável;
c) para avaliar situações futuras de conforto, acessibilidade, satisfação do usuário etc.;
d) prever possíveis acidentes;
e) melhorar a produtividade e eficiência;
f) reduzir custos com protótipos e mock-ups;
g) visualizar e avaliar diferentes soluções em fases anteriores aos protótipos.
Ainda conforme a bibliografia levantada, as dificuldades encontradas na
utilização dessa técnica são: custo elevado de aquisição de software e hardware, necessidade
de modelagem computacional do ambiente e existência e personalização com dados
antropométricos da população sob estudo. Tais dificuldades estão restritas ao campo técnico
da utilização da ferramenta, sem considerar o contexto das aplicações e outras características
dos processos de projeto de situações produtivas. No Capítulo 5 são discutidas as vantagens e
desvantagens da modelagem humana em maior profundidade, trazendo como contribuição o
diferencial de que as aplicações são analisadas dentro do contexto da análise ergonômica que
gera a demanda pelo projeto, através da explicitação do desenvolvimento dos processos de
intervenção e dos encaminhamentos ocorridos.
Na próxima seção são apresentados alguns programas computacionais de
simulação humana, voltados para análises e validações ergonômicas, destacando-se as
principais características das modelagens dos MHDs.
2.5 Simulação Humana Computacional em Ergonomia
A utilização de humanos digitais em ambientes de realidade virtual e de
manufatura digital é crescente nos processos de projeto da indústria automotiva, aeronáutica e
aeroespacial. No entanto, pequenas aplicações fora desses ramos também começam a surgir,
mesmo que de forma tímida. Em princípio, a utilização de programas computacionais de
simulação humana, também conhecidos pelo termo computer aided ergonomics (ergonomia
auxiliada por computador), associa-se particularmente às avaliações das exigências
biomecânicas, vinculadas às tarefas futuras, validações de zonas e envelopes de alcance e
65
acessibilidade. Atualmente, com a importância cada vez maior da participação de diversas
competências e especialidades nos processos de projeto, destaca-se a utilização da simulação
como elemento dinamizador das comunicações em processos de revisão de projetos, também
chamados como etapa de design review.
Como resultado da aplicação dessa abordagem, envolvendo sistemas CAD para
avaliar o desempenho humano, as questões ergonômicas podem ser consideradas desde as
primeiras etapas do projeto e atuem, portanto, de forma “pró-ativa” ao invés de uma
abordagem “reativa” (FEYEN et al., 2000).
A modelagem e simulação humana, atualmente, está disponível em duas
formas distintas: como programas computacionais independentes e como ferramentas
computacionais complementares para sistemas CAD conhecidos e difundidos na indústria. As
ferramentas computacionais isoladas apresentam terminologias próprias, assim como
estruturas de comando e técnicas de modelagem distintas daquelas presentes nos sistemas
CAD disponíveis.
2.5.1 Evolução das ferramentas de simulação humana
As aplicações computacionais dedicadas ao estudo ergonômico são numerosas
e estão presentes desde programas numéricos básicos até aqueles baseados em realidade
virtual. Durante a década de 90, diversos pesquisadores desenvolveram modelos virtuais com
sistemas CAD. Alguns desses programas computacionais (CYBERMAN, COMBIMAN,
CREW CHIEF, JACK, SAMMIE e MANNEQUIN) foram analisados a fim de auxiliar os
usuários a escolher a melhor ferramenta conforme suas necessidades (SANTOS et al., 2007).
Os primeiros modelos humanos representavam, principalmente, questões
antropométricas (por exemplo, a geometria) das proporções humanas. Segundo Iida (2000) o
pesquisador Kroemer no início da década de 70, elaborou um estudo comparativo de diversos
programas computacionais com modelos humanos e suas principais características. Destaca-
se, como resultado do estudo, o baixo número de segmentos e juntas dos modelos,
demonstrando o alto grau de simplificação da biomecânica do ser humano.
Atualmente é possível encontrar manequins que se movem e interagem com o
ambiente de forma mais realística, porém ainda com limitações com relação aos movimentos,
posturas e questões físicas, como atuação da gravidade, centro de massa e transposição de
66
sólidos. Tais modelos humanos são úteis ao projeto de produto e de situações produtivas,
sendo capazes de representar dados médios de um grupo especial da população, assim como
dados de um indivíduo específico. Consequentemente, podem ser usados como manequins em
situações perigosas, como por exemplo, nos crash tests de carros, ou ainda, em emergências
tanto nos locais de trabalho, quanto no uso de um produto.
Entretanto, Feyen questiona a real capacidade dessas ferramentas de avaliar
algo tão subjetivo como o conforto postural e aponta para a frequente contradição existente
para a interpretação do projetista sobre posturas aceitáveis ou não e a avaliação que o software
realiza para essas posturas (FEYEN et al., 2000). O autor ainda afirma que, para um amplo e
pró-ativo uso dessa tecnologia são necessárias algumas modificações, principalmente pelo
fato de que tais sistemas: a) foram construídos para aplicações muito específicas (aviação
militar ou aplicações automobilísticas, por exemplo); b) ainda possuírem custos proibitivos e;
c) a maioria deles não “roda” em computadores pessoais. Os dois últimos fatores limitam o
acesso da maioria dos projetistas e analistas.
A seguir são apresentados alguns dos principais programas computacionais
disponíveis comercialmente e citados por diversos autores.
2.5.2 Software SAMMIE V8 (Sammie CAD)
A SAMMIE CAD está situada no Departamento de Design e Tecnologia no
campus da Universidade de Loughborough na Inglaterra. O modelo humano digital possui 18
juntas e 21 segmentos hierarquicamente estruturados. Para a construção do manequim o
modelo possui 23 entradas de dados antropométricos, possibilitando a criação de qualquer
modelo humano de forma explícita, ou ainda, a partir de um conjunto de dados armazenados
com dimensões médias e respectivos desvios padrão. A Figura 2-17 ilustra o modelo digital
no interior de um veículo (SAMMIE, 2008).
67
Figura 2-17: MDH interagindo com interior de veículo automotivo no SAMMIE (SAMMIE, 2008).
2.5.3 Software SAFEWORK PRO (Dassault Systèmes)
A empresa Safework Inc. foi fundada em 1984, no Canadá, e em 1999, foi
adquirida pela Dassault Systèmes. A partir de 2000, o SAFEWORK PRO passou a integrar as
ferramentas DELMIA e CATIA V5R6, ambas também adquiridas pela empresa francesa
Dassault. O modelo digital do SAFEWORK PRO possui 104 variáreis antropométricas, 148
graus de liberdade (também conhecido pela sigla DOF – degrees of freedom – que levam em
conta os limites de mobilidade das juntas e seus movimentos conjugados) e 100 segmentos
independentes. Considerado um dos programas computacionais com maior difusão no
mercado norte-americano, seus clientes incluem: Boeing, Lockheed, Chrysler,
Bombardier/Canadair, General Motors, Samsung, Hyunday, Westland Helicopters, Raytheon,
68
United Defence, FMC, Forças Armadas e Marinha do Canadá (SAFEWORK, 2008). A Figura
2-18 apresenta um ambiente digital com diferentes manequins no software.
Figura 2-18: Ambiente digital com manequins desenvolvido com software Safework PRO (SAFEWORK, 2008).
2.5.4 Software HUMANCAD (NexGen Ergonomics)
O software HumanCAD é uma marca registrada da NexGen Ergonomics Inc. e
trata da evolução do software Mannequin que teve a primeira versão criada em 1990.
HumanCAD possui uma arquitetura modular que permite aos clientes comprarem os módulos
desejados. São incluídas, em todas as configurações, a cinemática inversa, a criação de
humanos digitais usando bibliotecas e bases de dados, a análise da visão e do alcance e outras
funções (HUMANCAD, 2008).
As bases de dados antropométricas incluem homens, mulheres e crianças, além
de compreender a base do exército dos EUA (base gerada em 1988) e o padrão da agência
espacial norte-americana NASA-STD-3000. Na Figura 2-19 é possível visualizar a interface
do software.
69
Figura 2-19: Análise de campo de visão com software HumanCAD (HUMANCAD, 2008).
2.5.5 Software 3DSSPP 5.0 (University of Michigan)
O Centro de Ergonomia, na Faculdade de Engenharia da Universidade de
Michigan, desenvolveu programas para analisar tarefas manuais de manuseio de materiais. O
software 3DSSPP (“Three-Dimensional Static Strength Prediction Program”) prevê
exigências da força estática para tarefas tais como de elevar, pressionar, empurrar e puxar
materiais. O programa fornece uma simulação aproximada do trabalho que inclui dados da
postura, parâmetros da força e a antropometria feminina e masculina. Os resultados da análise
incluem a porcentagem dos homens e das mulheres que têm a força para executar o trabalho
descrito, as forças de compressão espinais e as comparações dos dados às diretrizes do
instituto NIOSH. O usuário pode analisar torções e curvaturas do torso, conforme Figura 2-
20, e fazer análise de movimentos complexos das mãos. As análises são auxiliadas pela
geração automática de posturas e por ilustrações gráficas com humanos tridimensionais
(CENTER FOR ERGONOMICS, 2008).
70
Dados extremos de antropometria não são acomodados pelo modelo. Os
valores da introdução de dados aceitáveis para a altura são 50-76 polegadas (1,27-1,93 m) e
para o peso são 100-244 libras (45,4-110 quilogramas).
Figura 2-20: Análise de tarefa com software 3DSSPP 5.0. (CENTER FOR ERGONOMICS, 2008).
2.5.6 Software RAMSIS (Human Solutions)
Desenvolvido pela empresa alemã Human Solutions, o software é focado na
indústria automotiva, especificamente para análise ergonômica de interiores de carros. O
modelo humano representa fisicamente o ser humano através de 53 juntas, 104 graus de
liberdade e 90 diferentes manequins para cada base de dados antropométricos
(estatisticamente validados). Atualmente existem versões para a indústria aeronáutica e
aplicações generalizadas, incluindo uma específica para interação com realidade virtual
(RAMSIS, 2008). Na Figura 2-21 é possível observar uma simulação em automóvel.
71
Figura 2-21: Análise automotiva com o software RAMSIS (RAMSIS, 2008).
2.5.7 Suíte HUMAN BUILDER 2 (Dassault Systèmes)
Human Builder 2 é uma ferramenta básica que atua conjuntamente com Human
Measurements Editor, Human Posture Analysis 2 e Human Activity Analysis 2, entre outros
módulos, visando a criação e análise de detalhados manequins digitais. Essas ferramentas
possuem integração direta com as soluções de PLM (gestão do ciclo de vida do produto),
modelagem e design review das famílias DELMIA, CATIA e ENOVIA (DASSAULT, 2008).
O modelo digital humano é caracterizado por 99 juntas independentes e 7
controles de cinemática inversa para realizar os movimentos da manequim e que predizem sua
postura natural. Outra característica biomecânica é a presença de 148 graus de liberdade. Uma
aplicação da ferramenta DELMIA Human Builder 2 pode ser visualizada na Figura 2-22.
72
Figura 2-22: Imagem de aplicação do software CATIA Human Buider 2 (DASSAULT, 2008).
2.5.8 Software JACK 4.1 (UGS Siemens)
O software Jack surgiu a partir de um doutorado, desenvolvido no Centro de
Modelagem e Simulação Humana da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. O
financiamento para o desenvolvimento veio de várias fontes, incluindo a sustentação
significativa da NASA e do exército dos EUA. A ferramenta foi aplicada a uma larga escala
de projetos, incluindo o reprojeto do helicóptero Comanche e o desenvolvimento de uma
estação espacial internacional (ISS). A Figura 2-23 mostra um manequim feminino percentil
05 (com base na população japonesa) interagindo na ISS (SUNDIN, CHRISTMANSSON e
ÖRTEGREN, 2000).
O modelo humano do Jack é composto de 71 segmentos individuais e 5182
polígonos. Os segmentos são ligados por 69 juntas, com 135 graus de liberdade. O manequim
73
tem um modelo complexo da espinha e dos ombros, baseados nos algoritmos de cinemática
inversa, assegurando que o corpo se mova de forma próxima a real.
Figura 2-23: Simulação de Estação Espacial Internacional (ISS) com o software Jack (UGS, 2008).
O software Jack, desde sua criação pela Universidade da Pennsylvania,
pertenceu a diversas empresas. Algumas delas foram a Transom Technologies (motivo pelo
qual o software ficou conhecido no início por Transom Jack), EDS (Electronic Data Systems),
EAI (Engineering Animation Inc.), UGS (inicialmente chamada de Unigraphics Solutions), a
qual, recentemente, foi adquirida pela Siemens, divisão Siemens Automation and Drives.
2.5.9 Software SANTOS (University of Iowa)
O software Santos pode ser caracterizado como o estado da arte em modelos
humanos digitais, recebendo, nos últimos anos, fortes investimentos das Forças Armadas dos
EUA e da empresa Caterpillar (VSR, 2004). Farrel (2005) apresenta-o como resultado de uma
necessidade mercadológica de manequins realísticos que possam ser operados mais
facilmente pelos usuários, sem que esses tenham a necessidade, por exemplo, de configurar
diversas juntas para definir uma postura. Uma das características relevantes do manequim,
74
além do alto grau de detalhamento biomecânico, é o avanço no que diz respeito à deformação
da pele durante a realização dos movimentos e conforme a personalização das medidas
antropométricas. O modelo digital humano e sua estrutura interna biomecânica estão
ilustrados na Figura 2-24.
Figura 2-24: Estrutura do esqueleto do modelo humano digital Santos mostrando a localização e tipo das
diversas juntas (VSR, 2004).
Para Torres (2007, p.55), o software Santos incorpora uma série de recursos
computacionais que tornam o seu uso mais fácil em relação aos seus concorrentes. O autor
cita um exemplo da evolução em relação ao Jack na facilidade para fazer o manequim pegar
um objeto. Enquanto nesse último é necessário ajustar diversas juntas e por meio de
cinemática inversa calcular as posições das outras partes do corpo do manequim, no Santos
75
basta especificar o objeto a ser atingido, que os recursos de inteligência artificial e a
cinemática inversa farão com que o manequim pegue o objeto, ainda que em movimento,
conforme ilustrado na Figura 2-25 (TORRES, 2007). Farrel (2005, p. 62) explica que essa
dinâmica é relacionada a um método de otimização para predição de posturas, com base em
capturas de movimentos reais, realizados por pessoas em laboratório e com cálculos
matemáticos.
Figura 2-25: Postura definida com base em otimização (FARREL, 2005, p.60).
Abdel-Malek et al. (2006, p.36) afirmam que as pesquisas e desenvolvimentos
em torno do manequim Santos continuarão e considera que este é o primeiro de uma nova
geração de modelos humanos digitais, ou, como também denominam em suas pesquisas,
avatares (em informática e especialmente na internet, avatar é a representação gráfica de um
ser humano em realidade virtual; de acordo com a tecnologia, pode variar desde um
sofisticado modelo 3D até uma simples imagem). O objetivo, segundo os mesmos, é conceber
um manequim que olhe, mova-se, aja e reaja como um humano real faria, não somente em sua
aparência externa, mas também em suas funções fisiológicas. Os autores concluem o artigo no
qual apresentam o software, afirmando que pretendem entender e modelar como e por que os
humanos agem da forma como agem (ABDEL-MALEK et al., op. cit.).
76
2.6 Levantamento das aplicações de programas computacionais de
modelagem e simulação humana
O uso de um software de modelagem e simulação humana em processos de
projeto de produtos ou de situações de trabalho deve ter como objetivo a melhoria das
considerações ergonômicas durante o processo, porém sem desconsiderar as demais técnicas e
ferramentas que a ergonomia aplica e os métodos que abrange. A aplicação de ferramentas
computacionais auxilia os agentes envolvidos no processo de tomada de decisão.
Segundo Santos et al. (2007) qualquer tomada de decisão beneficia-se do uso
de sistemas de informação. Com o avanço da ciência da computação, uma série de aplicações
foi desenvolvida para a ergonomia, tornando-se mais acessível, a um menor custo e rodando
em computadores pessoais (PC), ao invés dos grandes computadores conhecidos como
workstations gráficas, muito comuns nesse meio até a década de 90. No entanto, segundo os
autores, muitas empresas não têm aproveitado todo o potencial dessas aplicações,
subestimando a importância da simulação em ergonomia e, consequentemente, essa
tecnologia não tem sido amplamente implementada.
Outro fator que influencia na adesão dessa tecnologia pelas empresas é o fato
de que a maior parte dos programas computacionais disponíveis no mercado foi desenvolvida
para aplicações bem específicas, com destaque para as grandes indústrias automobilísticas,
aeronáuticas e agências aeroespaciais. Diversas pesquisas, durante a década de 90,
descreveram o desenvolvimento e aplicações da modelagem e simulação humana digital
naqueles setores (WILSON, 1999; GOMES DE SÁ e ZACHMANN, 1999; LARING, FALK
e ÖRTENGREN, 1996; MATTILA, 1996; DAS e SENGUPTA, 1996; PHILIPS e BADLER,
1991).
Independente da área de aplicação, segundo levantamentos de Mattila (1996),
em três pesquisas ocorridas até o ano de publicação de seu trabalho, 32 diferentes programas
computacionais foram apresentados. Nesse sentido, a partir do ano 2000, é possível observar
uma concentração das pesquisas em uma quantidade menor de programas computacionais.
Nos anais do congresso internacional da IEA, no ano 2000, foram publicados
trabalhos com o JACK (SUNDIN, CHRISTMANSSON e ÖRTEGREN, 2000; HANSON,
2000), VirtualANTHROPOS (SEIDL, 2000), RAMSIS (LINNER, ROSSGODERER e
WUNSCH, 2000; ASSMANN e RANEZANI, 2000; LOCZI, 2000; TRIEB et al., 2000;
77
HAPPEE, VERVER e LANGE, 2000; HARTUNG, BALZULAT e BUBB, 2000; BUBB,
2000) e SAFEWORK (COUTU, MARGARITIS e HACHEZ, 2000). Os trabalhos foram
apresentados dentro de um simpósio específico sobre modelagem e simulação humana que
contou com 18 apresentações, divididas em quatro seções: “Human models – state of the art”;
Human modeling: vehicle design”; “Data acquisition and management” e “Advances in
Modeling Research”. No mesmo ano, Feyen et al. (2000) abordou a incorporação de análises
ergonômicas no projeto de postos de trabalho, por meio da ferramenta computacional (ou
computer-aided ergonomics”, conforme os autores) 3DSSPP, apresentada por dois estudos
de caso com grande interação com o software AutoCAD.
Em 2006 o congresso da IEA não apresentou nenhum evento específico para a
área, tendo publicado, em seus anais alguns artigos sobre modelagem e simulação humana.
Desses artigos, dois apresentaram a aplicação de programas computacionais: foram utilizados
o software JACK (STEPHENS, CHIANG e JOSEPH, 2006) e o software RAMSIS
(CHEREDNICHENKO, ASSMANN e BUBB, 2006).
Para confirmar essa tendência de concentração, entre os anos de 2006 e 2008,
em publicações nas principais revistas internacionais das áreas que abordam o tema
(International Journal of Industrial Ergonomics; Applied Ergonomics; Computers in
Industry; e Computers and Graphics), foram encontrados artigos com aplicações dos
programas eM-WORKPLACE (SANTOS et al., 2007), RAMSIS (LÄMKULL, HANSON e
ÖRTENGREN, 2007, MARCOS et al., 2006) CATIA V5R13 (CHOI et al., 2008) e JACK
(GODWIN et al., 2008; GODWIN e EGER, 2008; JAYARAM, 2006; GIRONIMO,
LANZOTTI e VANACORE, 2006).
Como referencial para os estudos de caso apresentados no Capítulo 3, que
contam com aplicações desenvolvidas com a participação deste autor, a seguir são
apresentadas sínteses de três publicações internacionais recentes, citadas anteriormente, com
aplicações de diferentes programas computacionais. Para a seleção desses artigos, além dos
critérios de ano e local de publicação, a forma de abordagem e a tipologia do estudo também
influenciaram, principalmente pela necessidade de propiciar melhores referenciais de
comparação entre essas aplicações e os casos do presente trabalho.
78
2.6.1 Síntese de publicação com aplicação do software eM-WORKPLACE
Santos et al. (2007) desenvolvem um estudo de caso, em uma empresa de
manufatura, com características de baixa repetitividade e alta variedade. Um dos objetivos do
estudo é demonstrar a aplicação de um “software ergonômico”, no setor de Pequenas e
Médias Empresas, visto que a utilização de ferramentas computacionais e a aplicação da
ergonomia nessas empresas são consideradas de baixa importância ou de alto custo. No
entanto, segundo os autores, os riscos de problemas ergonômicos nessas empresas são os
mesmos que o de grandes companhias.
A opção por usar o software eM-WORKPLACE foi baseada no fato de que a
Universidade de Navarra possui uma licença de pesquisa. Esse software pertence à mesma
empresa e ao mesmo pacote de ferramentas que o JACK (UGS Siemens – pacote
Tecnomatix).
A simulação foi baseada nos tradicionais estudos de tempos e métodos, na
aplicação do método de análise qualitativa de posturas OWAS (The Ovako Working Posture
Analysing System) e na análise de carregamento (Lift Analysis) conforme padrão da NIOSH.
O processo de aplicação da ferramenta ocorreu em uma empresa fabricante de
mobiliário, caracterizada pela produção de pequenos lotes com grande variedade de tipos e
tamanhos de peças. O espaço de trabalho analisado incluiu uma máquina de polimento que era
continuamente operada por um trabalhador.
A equipe de projeto visitou a fábrica três vezes para levantar informações e
medidas da máquina e do espaço de trabalho. Esses dados permitiram à equipe construir e
projetar um ambiente digital, usando o módulo CAD do eM-WORKPLACE.
O modelo digital humano utilizado foi o manequim padrão do software, sendo
ajustado à real morfologia do trabalhador.
Através de um diagrama homem-máquina foi possível determinar a alta
porcentagem de tempo ocioso da máquina (o tempo foi obtido a partir de leituras com
cronômetros no local) e serviu como validação da simulação da situação em ambiente digital.
O estudo segue com a descrição das tarefas realizadas pelo trabalhador, as
dificuldades encontradas na modelagem e simulação e as similaridades encontradas entre a
situação real e a situação digital, ilustrada pela Figura 2-26.
79
Figura 2-26: Similaridade entre a situação real e a simulação em ambiente digital (SANTOS et al., 2007).
A etapa seguinte foi a realização de experimentos a partir de estudos de tempos
e métodos, resultando em gráficos e relatórios, com o objetivo principal de validar a
modelagem e simulação digital. As análises ergonômicas, por intermédio do método OWAS,
apontaram para as posturas críticas que o trabalhador estava exposto. E, por último, as
análises de carregamento, baseadas nos parâmetros do NIOSH, concluíram que nenhum dos
carregamentos realizados são críticos ou estão na “zona de perigo”. Os autores finalizam os
experimentos com o estudo de diferentes cenários, afirmando que o uso dessas ferramentas
permitiu a redução dos movimentos que pudessem causar danos ao trabalhador e por outro
lado, a obtenção de ganho de produtividade.
Santos et al. (2007) afirmam que o uso de ferramentas de simulação humana
em pequenas e médias empresas e em processos de produção não repetitivos (com alta
variedade) pode ser benéfico. No entanto, consideram que o uso de ferramentas sofisticadas
não é necessário, pois ferramentas CAD tradicionais e a consideração de modelagem digital
humana podem ser utilizadas com bons resultados.
Os autores concluem o trabalho afirmando que a tecnologia de modelagem e
simulação humana se diferencia das ferramentas tradicionais por permitir o teste de diversos
cenários antes da implementação, bem como uma representação digital sofisticada da futura
estação de trabalho.
80
2.6.2 Síntese de publicação com aplicação do software RAMSIS
Apesar da vasta aplicação do software RAMSIS no setor automotivo, uma das
mais recentes publicações que o abordam é dos autores Marcos et al. (2006) que apresentam
um estudo da aplicação dessa ferramenta para melhorias ergonômicas durante cirurgias
laparoscópicas. Os autores introduzem o assunto afirmando que esse método de cirurgia evita
grandes incisões no abdômen: bastam três ou mais pequenas incisões e o uso de equipamentos
específicos, como um laparoscópio que transmite em tempo real para os monitores o interior
do corpo humano e a movimentação dos instrumentos cirúrgicos. Em comparação com as
cirurgias convencionais, essa abordagem requer uma gama de dispositivos sofisticados e um
elevado grau de suporte técnico.
A equipe que realiza uma cirurgia normalmente é composta por três ou quatro
pessoas: um cirurgião, uma enfermeira e um ou dois assistentes. Um assistente tem a tarefa de
alinhar o laparoscópio para o cirurgião visualizar o local da operação. A enfermeira é
encarregada de entregar os instrumentos requeridos nas diferentes etapas da intervenção e dar
suporte às atividades do cirurgião, com alto grau de atenção e presteza.
Uma das principais condições para um bom desempenho das cirurgias, com
segurança e eficiência, é a visualização intra-abdominal em tempo real e de forma confiável
por parte da equipe médica. No entanto, na maior parte das salas de operação, as telas ficam
acima dos trolleys de laparoscopia, com todos os equipamentos necessários para a cirurgia.
Por essa razão as telas ficam em uma posição não orientada ao usuário, mas por restrições
técnicas ou facilidade de montagem dos equipamentos. Tal arranjo obriga a esses
profissionais adotarem posturas desconfortáveis, por longos períodos de tempo, objetivando
uma melhor visibilidade. Esse fator, aliado a manutenção de posturas estáticas e uma
variedade de fatores de stress mental e físico, aumentam os esforços realizados pelos
integrantes da equipe e podem, potencialmente, permitir uma redução do grau de segurança
do procedimento. Baseado nisso, os autores afirmam que, se o problema de posicionamento
das telas puder ser resolvido, isso deverá não somente melhorar as condições de trabalho da
equipe médica, como também aumentará a eficiência e segurança do processo cirúrgico.
Grandes fabricantes de equipamentos para salas de operação estão, atualmente,
oferecendo novos conceitos de monitores que podem ser movidos de forma independente dos
outros equipamentos. Isso permite o ajuste para uma visualização ótima por parte da equipe.
81
No entanto, segundo Marcos et al. (2006), pouco se sabe sobre a altura e distância ideal da
tela para um observador específico. Dessa forma, o objetivo do estudo foi identificar o
posicionamento ótimo das telas usando um sistema de simulação computacional.
Outra questão, também apontada pelos autores, que influencia na adequação
ergonômica na mesa de operação é o ajuste das telas com relação à mesa que suporta os
instrumentos (Mayo stand). A diferença de altura entre os membros da equipe torna ainda
mais difícil encontrar uma posição ideal compatível para todos na sala. Por isso, a simulação
humana foi usada para identificar um posicionamento que buscasse atender, da melhor forma
possível, as alturas desses objetos.
Na definição dos métodos utilizados pelos autores para realização do estudo, é
expresso que as variações das condições de trabalho em um centro cirúrgico podem variar de
forma significativa, incluindo as variáveis: objetivo da cirurgia e composição da equipe. Dada
a impossibilidade de simular toda a gama de variações presentes, os autores confinaram o tipo
de cirurgia laparoscópica de abdômen superior, com uma equipe cirúrgica consistida de um
médico cirurgião e um assistente do sexo masculino e uma enfermeira do sexo feminino.
A simulação foi composta por dois sistemas computacionais: o software
CATIA, utilizado como ferramenta CAD para modelagem do ambiente digital e o software
RAMSIS para criação dos manequins humanos digitais e simulação desses em torno da mesa
de operação. Para se obter as condições reais de trabalho em uma sala de operação, utilizou-se
um sistema de vídeo que extrai modelos humanos tridimensionais a partir de duas imagens
sincronizadas em pontos de vista ortogonais, obtidas com filmadoras digitais. O software que
realizou a tradução das imagens em modelos humanos tridimensionais digitais foi o PCMAN,
para, posteriormente, serem enviados ao software RAMSIS.
Segundo os autores, a pesquisa, antes de simular as diversas variáveis
encontradas no mundo real, optou por simular e definir uma situação ideal. Para isso foram
consultados dois cirurgiões com ampla experiência e questionados sobre as posturas ideais
para cada momento da cirurgia. Essa etapa serviu como aprendizagem e padrão de
comparação para avaliar as posturas do cirurgião, enfermeiro e assistentes.
Com base nessas análises e nas sugestões dos cirurgiões foram sugeridas três
diferentes posições para a tela da videolaparoscopia: tela próxima a cabeça do paciente, tela
em posição exatamente oposta ao cirurgião e tela em diagonal próxima à cabeça do paciente.
Esses cenários foram simulados e estão ilustrados na Figura 2-27 (monitor representado em
amarelo, cirurgião em azul e branco, enfermeiro em vermelho, assistente em azul e bandejas
de instrumentos em verde - próximas aos pés do paciente).
82
Figura 2-27: Cenários com diferentes localizações da tela (em amarelo) em uma sala de cirurgia (MARCOS et
al., 2006).
Além da posição da tela, outros fatores que influenciam na postura de trabalho
são a altura individual de cada membro da equipe, a altura da mesa de operação e a posição e
altura das bandejas de instrumentos. Desses, as duas últimas variáveis são ajustáveis, porém a
primeira, que se refere à altura dos membros da equipe é fixa. Em consequência disso, a
simulação ocorreu com manequins de diferentes alturas, baseadas em tabelas padronizadas
(SEITZ et al., 2000, apud MARCOS et al., 2006) e com o uso dos percentis 5, 50 e 95
masculino e feminino.
Os resultados obtidos, com relação primeiramente ao posicionamento da tela,
apontam para o terceiro cenário (Figura 2-27c) como sendo o mais favorável para uma melhor
postura por parte do cirurgião. Essa opção não permite, no entanto, uma boa visualização por
parte do restante da equipe. Segundo esse critério a melhor opção seria o cenário 1 (Figura 2-
27a), porém sem a obtenção de “posturas confortáveis” para todos os membros da equipe.
Segundo os autores, para resolver essa questão da forma ideal com relação aos
aspectos ergonômicos, deve-se adicionar um monitor na sala de operação, do lado oposto ao
83
assistente e ao enfermeiro, sem interferir no posicionamento e posturas do cirurgião. Esse
novo cenário ideal e outros propostos também foram simulados e avaliados em ambiente
digital (Figura 2-27d).
Com relação à distância entre a tela e os observadores, foi calculada, com base
em um monitor de 350 x 290 mm, uma distância ótima de 1750 mm, independente do
tamanho de cada membro da equipe. Para determinar a altura dos monitores foram utilizados
dados antropométricos da população da Europa ocidental. A tela referente ao cirurgião foi
considerada em uma altura ótima em 1570 mm com relação ao solo. Essa medida apresenta
um desvio padrão com relação à média de 120 mm, conforme análises no RAMSIS. Para
determinação da altura do monitor do enfermeiro e do assistente foram considerados os
extremos (um com percentil 05 feminino e outro com percentil 95 masculino). A altura ótima
compreende uma faixa que varia entre 1399 mm e 1556 mm, com um desvio padrão máximo,
nas condições extremas, de 124 mm.
A altura da mesa de operação foi considera a mais crítica, pois deve contemplar
toda a equipe envolvida. A princípio, a altura da mesa deve ser próxima à altura da cintura do
profissional que está trabalhando. Como nesse caso pode-se ter três, quatro ou mais membros
na equipe, essa definição torna-se complexa. Os autores optam por trabalhar com cenários
extremos (percentil 05 feminino e percentil 95 masculino) e um cenário ideal (percentil 95
feminino e percentil 50 masculino). Marcos et al. (2006) apresentam uma série de tabelas
cruzando informações antropométricas com alturas e distâncias dos equipamentos analisados.
Para definição da altura da bandeja de instrumentos (Mayo stand) considerou-
se a altura do cotovelo do profissional de enfermagem. A dimensão definida tomou também
como base a altura da mesa de operação, tendo, a partir dessa, 320 mm de altura.
Os autores concluem o artigo afirmando que a altura e posicionamento das
telas dos monitores são determinantes para as condições de trabalho de uma equipe médica
durante uma cirurgia laparoscópica. Atualmente as considerações ergonômicas não possuem
força para determinar esse posicionamento, o qual normalmente é definido com relação ao
restante dos equipamentos existentes e do layout da sala de operação.
Esse posicionamento, no entanto, não é a única variável que influencia as
posturas dos membros da equipe médica. Dois fatores principais, entre outros de menor
impacto, são a altura da mesa de operação e da bandeja de equipamentos.
Marcos et al. (2006) afirmam que definir um ambiente ideal é difícil dada a
variedade de posicionamento da equipe e dos equipamentos frente à variabilidade dos tipos de
84
operação. Entretanto, consideram um avanço o esforço realizado pela abordagem integrada
para identificar um ambiente ótimo através da simulação humana computacional.
Outra conclusão apontada é que, apesar do software utilizado ter sido
desenvolvido para a indústria automobilística, foi possível a “adaptação” para simulação de
uma sala de cirurgia e que, apesar dos problemas apontados serem conhecidos, pela primeira
vez foram quantificados de forma clara.
Os autores finalizam o artigo descrevendo os fatos mais importantes:
a) a equipe médica necessita de dois monitores separados para realizar a cirurgia, com o
objetivo de minimizar os esforços e o cansaço dos membros dessa equipe;
b) a simulação computacional tornou evidente a necessidade de adequar ferramentas e o
espaço de trabalho para contemplar as diferenças antropométricas possíveis. Uma das
soluções apontadas foi o uso de degraus para elevar pessoas de baixa estatura. Apesar de
esse recurso ser muito comum atualmente, a simulação forneceu dados precisos para a
altura a ser compensada;
c) o uso de degraus não é a solução ideal do ponto-de-vista da ergonomia, pelo risco
existente em seu uso. Entretanto, os autores acreditam que, no futuro, plataformas
eleváveis serão integradas ao piso e elevadas conforme a necessidade individual de cada
pessoa;
d) além do mais, ferramentas de simulação, específicas para salas cirúrgicas, facilitarão o
projeto e a construção de novos dispositivos e ambientes para realização de operações
laparoscópicas.
Os autores admitem que esse estudo ainda é preliminar e trata-se de apenas
uma primeira tentativa de avaliar ergonomicamente uma situação dentro de uma sala de
cirurgia. No entanto, segundo os mesmos, foi possível demonstrar que o software de
simulação pôde ser aplicado com sucesso na avaliação desse ambiente e que estudos futuros
devem ser realizados.
2.6.3 Síntese de publicação com aplicação do software JACK
Stephens, Chiang e Joseph (2006) apresentam a simulação humana e a captura
de movimentos no desenvolvimento de uma “estratégia ergonômica”. Segundo os autores, as
avaliações ergonômicas são frequentemente conduzidas com a presença dos operadores nas
85
estações de trabalho. Nessa situação é possível realizar medições de forças, alcances,
entrevistas e outras avaliações quantitativas. Para novos produtos e processos de trabalho, as
avaliações são mais difíceis de serem realizadas, porém com maior chance de influenciarem
positivamente o projeto.
O estudo apresentado tem como foco a instalação de um novo componente nos
carros fabricados pela Ford Motor Company: um sistema de antena de satélite digital (ou
SDARS – Satellite Digital Antenna Radio System). A proposta era instalar a antena no centro
do teto dos veículos com o objetivo de minimizar a interferência com os sinais de rádio.
Os ergonomistas, engenheiros e operadores da planta utilizaram a tecnologia de
captura de movimentos para revisar os processos de montagem. Uma estratégia que orientou a
definição de parâmetros de projeto foi criada utilizando-se um ambiente digital. Os autores
destacam a participação dos operadores na simulação da montagem da antena e as valiosas
contribuições durante o processo.
A fim de avaliar a montagem da SDAR foram utilizados dados de diferentes
veículos com o objetivo de verificar os alcances em cada situação, visto que a distância da
borda do carro até o centro do teto varia drasticamente. Marcações foram feitas para refletir
essa variação e levantar as inclinações realizadas pelos trabalhadores com a finalidade de se
alcançar os locais de montagem. Durante o levantamento de posturas, os operadores
utilizaram um headmounted displays (equipamento para imersão em ambiente virtual) e
quatro sujeitos com diferentes dimensões antropométricas foram selecionados
(aproximadamente, percentis 5 feminino, 5 masculino, 95 masculino e 95 feminino). O
sistema de captura de movimentos contou com um sistema de reflexão com dez câmeras.
Os movimentos eram enviados para o manequim digital do software JACK o
qual retorna o campo de visão do manequim para o operador por meio do headmounted
displays em um ambiente virtual imersivo.
Nesse contexto de captura de movimentos e visualização por parte do operador
do ambiente digital foram testadas diversas localizações para a instalação de antenas, assim
como as diversas posturas necessárias para os diferentes percentis. A partir desses dados
construiu-se uma matriz com as localizações da antena, esforços aceitáveis de inserção e
dispositivos necessários. Para determinação do esforço foi utilizada a ferramenta de Análise
de Força e Torque, sendo consideradas inaceitáveis posturas com juntas que apresentassem
torque acima de 75% da capacidade humana.
Os resultados apresentados por Stephens, Chiang e Joseph (2006)
demonstraram ser possível para os percentis 95 masculino e feminino o alcance ao meio do
86
teto de todos os veículos. No entanto, nos veículos maiores, o alcance nas pontas dos dedos
para o percentil 05 feminino e o do centro da palma da mão para o percentil 05 masculino
ficou distante. O alcance com as duas mãos, no ponto central do teto, não foi possível para a
maior parte da população em todas as avaliações realizadas. Outra avaliação feita foi a tarefa
de conexão elétrica no interior do veículo. Se fosse permitida a entrada no veículo, pelos
operadores, essa atividade seria facilmente realizada. As análises consideraram o acesso por
fora do veículo com um manequim feminino percentil 05. Nos veículos menores o alcance foi
possível, porém, nos maiores, somente na ponta dos dedos alcançava-se o ponto central, o que
não seria suficiente para realizar a junção do conector elétrico.
Como resultado do trabalho, ficou concordado entre todas as partes
(engenheiros de projeto, de manufatura, ergonomistas e trabalhadores da planta, incluindo o
pessoal do comitê local de ergonomia) uma estratégia ergonômica para a instalação da antena
de satélite. Tal estratégia determinava que o alcance ao centro dos veículos era possível em
todos os veículos menores, e poderia ser realizado com plataformas em carros de tamanho
intermediário. Para veículos maiores, no entanto, o alcance era impossível e o projeto do
produto, nesses casos, deveria ser repensado. Para a realização da conexão elétrica interna,
como não era permitida a entrada dos trabalhadores no interior do veículo, a solução apontada
foi a utilização de assentos (happy seat) a fim de minimizar os esforços e posturas
inadequadas. Essa solução é ilustrada pela Figura 2-28.
Figura 2-28: Assento utilizado para entrar nos veículos (STEPHENS, CHIANG e JOSEPH, 2006).
87
Ao concluir, os autores afirmam que a ergonomia não é considerada no
momento correto para avaliar os processos de instalação em tempo de influenciar o projeto.
Com a utilização do estado da arte da tecnologia de captura de movimentos e
simulação humana foi possível trazer às etapas de revisão de projeto a discussão dos impactos
futuros para a saúde e segurança dos trabalhadores de um processo ainda não implementado.
Os dados gerados pela simulação humana forneceram aos ergonomistas informações críticas
capazes de determinar parâmetros para instalação da antena. Outro ponto destacado foi a
garantia e validação do processo, obtidas pela participação ativa dos trabalhadores e
engenheiros durante o processo.
2.6.4 Considerações sobre programas computacionais de simulação humana
Durante o levantamento de informações realizado para esse trabalho, mais de
30 artigos relacionados com simulação humana e publicados em importantes periódicos
internacionais (citados anteriormente) e nos anais da IEA, dos anos de 2000 e 2006, foram
utilizados, podendo-se concluir que os programas computacionais mais usados, segundo esse
critério, foram o JACK e o RAMSIS.
Para comparar esses programas utilizou-se como referencial o estudo realizado
por Hanson (2000) que apresentou as características de um novo software de modelagem e
simulação humana em desenvolvimento, o ANNIE-Ergoman, comparando-o com o JACK e o
RAMSIS. A escolha destes programas, segundo o autor, foi que os mesmos estão bem
estabelecidos com relação ao uso na indústria automotiva. O ANNIE-Ergoman é um
desenvolvimento realizado dentro do ANNIE-project (Application of Neural Networks to
Integrated Ergonomic) suportado pela União Européia (EU Grant no. BE96-3433). O Quadro
2-1 apresenta uma sumarização das características dos três programas estudados por Hanson
(2000).
Hanson (2000) conclui que a comparação apresentada na tabela citada deve ser
utilizada como ponto de partida para a seleção da melhor ferramenta conforme a necessidade
do usuário. Segundo o autor, todas as ferramentas apresentam um bom potencial de aplicação,
com destaques individuais para o JACK e RAMSIS: o software JACK apresentou boa
capacidade de animação e bom desempenho como ferramenta de projeto de postos de
trabalho; RAMSIS destacou-se pelas avaliações das tarefas de motoristas em automóveis e
88
das posturas na posição sentada. Hanson, no entanto, afirma que as ferramentas não são
perfeitas e necessitam de melhorias especialmente no que se refere à pele (representação da
superfície do corpo humano) e aos movimentos do manequim.
Quadro 2-1: Quadro comparativo de três ferramentas computacionais de modelagem e simulação humana.
Adaptado de Hanson (2000). Tradução própria.
ANNIE-Ergoman JACK RAMSIS
Número de Segmentos 10 68 56
Número de Juntas 11 69 57
Número de Graus de
Liberdade (DOF)
30 135 107
Controle dos Movimentos
Redes Neurais Fuzzi
Cinemática Inversa.
Complexo sistema de
juntas para ombros,
clavícula e costelas.
Predição de Posturas.
Cinemática inversa
somada com
probabilidade de
posturas.
Características do Modelo
Humano Digital
Representação da
superfície (pele)
838 polígonos
2245 polígonos em baixa
resolução e 8606
polígonos em modelo de
alta resolução.
1100 pontos de pele ou
aproximadamente 4000
faces (planares).
Conforto
Base de dados com
sensações de motoristas
sobre posturas.
Seis bases de dados de
conforto. Ângulos de
juntas e inclinações de
segmentos corpóreos
representados em tempo
real. Manequins
específicos podem ser
utilizados para otimizar a
posição de controles e
posturas.
Função para avaliar a
sensação do motorista
com relação ao conforto
postural (baseada em
banco de dados derivado
de experimentos).
Avaliação de Espaço Livre
ou Possibilidade de
Acesso
Possibilidade de medir
distâncias entre
humanos e objetos.
Avaliações para cabeça
e mãos.
Definição da mínima
distância entre dois
segmentos de objetos ou
manequins.
Cálculo de distâncias do
manequim até um objeto
específico.
Campo de Visão
Campo de visão de um
olho central (ciclope).
Foco e região máxima
são visualizáveis.
Padrão SAE-J para
elipsóides dos olhos.
Visualização dos cones
de visão e telas (janelas)
com visão do olho
esquerdo, direito e entre
– olhos (ciclope).
Campo de visão dos
olhos esquerdo, direito e
ciclope.
Visualização dos cones
das regiões de exatidão,
ótima e máxima.
Métodos de Avaliação Ergonômica
Alcance
Definição de alcance
ideal com: 90% do
comprimento do braço,
com 100% do
comprimento do braço e
com o alcance máximo
com auxílio do corpo.
Máximo e mínimo,
conforme padrão SAE J
para 95 e 99 por cento
da população.
Avaliação de alcance
máximo para qualquer
ponto do corpo,
ferramenta ou geometria
associada a qualquer
junta com ou sem
restrições pelo corpo ou
objeto associado.
Definição dos limites de
alcance (isto é, máximo)
para qualquer sequência
de elementos do corpo.
É importante observar que no ano de confecção de tal tabela comparativa o
foco de análise do autor foram os recursos computacionais, e atualmente, outros aspectos
poderiam ser adicionados a um novo estudo. Entre outros crivos, poder-se-ia contemplar, por
exemplo, facilidade de manuseio (usabilidade) do programa computacional, atuação como
89
ferramenta de projeto e, auxílio na comunicação entre os diversos atores envolvidos em um
projeto.
Apesar dos avanços obtidos com o modelo digital SANTOS (VSR, 2004) é
importante observar que o mesmo encontra-se em plena fase de desenvolvimento, sendo
aparentemente aplicado apenas em simulações internas relacionadas aos seus financiadores.
De todos os programas computacionais apresentados, o software Jack foi o
único a ser aplicado nessa pesquisa, e por essa razão as características do software são
apresentadas no Apêndice A. Também são explicitados os fundamentos que orientam o uso
dessa ferramenta de forma didática, a fim de permitir que usuários iniciantes e interessados
em geral possam ter esta pesquisa como referencial, não apenas teórico, mas também prático.
2.7 Conclusão a partir dos Referenciais Conceituais
O objetivo do presente capítulo foi pontuar os referenciais conceituais que
delimitam o uso da modelagem e simulação humana digital em projetos de situações
produtivas.
A distinção entre as diferentes correntes da ergonomia e a interação destas com
os processos de projeto são úteis para compreender e contextualizar a aplicação de uma
ferramenta computacional que pode integrar diferentes perspectivas e abordagens.
Complementa-se a revisão apresentando como a antropometria e a modelagem humana são
aspectos chaves, podendo influenciar positiva e negativamente o uso de ferramentas do
gênero.
Apesar da pesquisa de campo concentrar-se em apenas um software, achou-se
necessário o levantamento e apresentação de programas computacionais concorrentes para
contextualizar a ferramenta adotada dentro de seu mercado específico. Dentro dos diversos
estudos levantados em periódicos, livros e anais, optou-se por apresentar três diferentes
pesquisas que contemplaram a utilização de programas computacionais de modelagem e
simulação humana.
As sínteses de tais publicações refletem as aplicações realizadas em grande
parte dos trabalhos levantados, principalmente, no que se refere aos seguintes aspectos:
a) simplificação do ambiente onde ocorrem tais atividades na modelagem digital;
b) baixa participação e consideração efetiva dos trabalhadores durante o processo de projeto;
90
c) fragmentação entre o grupo de ergonomia, responsável pela concepção, e os
trabalhadores, supervisores e chefias dos setores envolvidos;
d) uso constante de análises biomecânicas para validar e/ou justificar alterações;
e) baixa preocupação com antropometria e validação da modelagem humana;
f) simulação como ferramenta interna da ergonomia, sem a utilização da potencialidade
como meio de comunicação e interação com os demais interessados no projeto.
Em contraposição, os casos abordados no próximo capítulo, buscam a
integração da ferramenta em questão com as etapas de análise e síntese, isto é, considerando a
atividade projetual, articulada com a AET, e servindo como espaço de confrontação entre os
diversos atores do processo de projeto e stakeholders, objetivando a consideração das futuras
atividades prováveis e possíveis condicionantes presentes.
No próximo capítulo, são apresentadas a metodologia e as aplicações do
software Jack, em diferentes situações de projeto, ao longo dos últimos anos.
91
3 METODOLOGIA E ESTUDOS DE CASO
Para introduzir a parte prática deste trabalho e apresentar a metodologia
adotada nesta pesquisa, este capítulo define o contexto das aplicações abordadas, assim como
os objetivos de cada aplicação. Por fim, são apresentados os estudos de caso, detalhando-se as
etapas de desenvolvimento dos projetos ocorridos.
É importante, para a compreensão da metodologia, apresentar os antecedentes e
contextualizar os grupos de pesquisa, nos quais ocorreram as diversas aplicações que
permitiram a coleta e análise de dados. Menegon (2003) descreve a criação e atuação desses
grupos:
O SimuCAD surge de um grupo de discussão em torno da utilização de
métodos e técnicas de simulação e computação gráfica aplicados no projeto de
unidades industriais, envolvendo professores e estudantes do DEP/UFSCar.
Nas reuniões semanais do grupo, discutia-se como integrar as ferramentas de
simulação animada como Arena, Automod, Promodel, na época recentes no
mercado, com software tradicionais do campo da computação gráfica como o
Autocad e 3Ds, dentre outros. A concepção inicial era de construir um
Sistema de Apoio à Decisão integrando tais programas computacionais com
banco de dados, planilhas e editores. A partir desta concepção inicial, são
redirecionados os esforços para melhor explorar as capacidades de
comunicação derivadas do uso das representações icônicas tridimensionais. O
Grupo Ergo&Ação surge a partir de demandas da iniciativa privada no campo
da ação ergonômica. No grupo articularam-se professores e estudantes dos
departamentos de Engenharia de Produção e de Fisioterapia da UFSCar, com
atuação em ergonomia e projeto do trabalho. Do ponto de vista conceitual, a
atuação do grupo buscava referências que mesclavam a ergonomia anglo-
saxônica (humans factors) e a ergonomia de origem francofônica, associadas
à análise ergonômica do trabalho, bem como nos métodos participativos
derivados do design de engenharia (MENEGON, 2003, p. 57).
Dessa forma, os grupos de pesquisa e extensão são estabelecidos e mantidos
desde suas origens, por iniciativas de interação, inicialmente com empresas privadas e
posteriormente, com empresas públicas. Tais atividades se desenvolvem na forma de projetos
de extensão, sendo negociadas e acordadas via Fundação de Apoio Institucional ao
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FAI) da UFSCar. É importante salientar que as
92
atividades extensionistas refletem diretamente nas atividades de ensino, seja no
enriquecimento do conteúdo das disciplinas ministradas, seja pela participação direta de
alunos de graduação e pós-graduação de diferentes cursos e instituições. Para comprovar tais
afirmações, pode-se citar o visível acréscimo da produção e participação de dissertações de
mestrados e teses de doutorado no Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção
do DEP-UFSCar, que tem como campo de pesquisa tais atividades.
O auxílio da modelagem e simulação em processos de projeto de postos de
trabalho é relatado aqui em situações distintas. Após a apresentação dos estudos de caso e
discussão dos resultados obtidos, considera-se que esta pesquisa estará apta a construir e
agregar contribuições em seus capítulos finais, conforme os objetivos definidos.
3.1 Aplicações Desenvolvidas com o Software Jack
As aplicações das técnicas de simulação humana, utilizando o software Jack
para o projeto de situações produtivas, estão, na maioria das vezes, relacionadas a projetos de
extensão em empresas públicas e privadas. No entanto, o software também é utilizado em
disciplinas de Engenharia do Trabalho, Projeto de Instalações Industriais, Projeto do Produto,
Ergonomia, entre outras, como uma das possíveis ferramentas de computação gráfica e
avaliação ergonômica disponíveis no mercado.
Uma importante contribuição dos estudos de caso apresentados deve-se à
escassez dessas informações na literatura, principalmente no que se refere a aplicações em
outros setores produtivos diferentes das indústrias automobilística, aeronáutica e aeroespacial,
de forma contextualizada com a realização da AET.
3.1.1 Contexto das aplicações
Ao todo foram consideradas 13 aplicações, em 7 diferentes organizações,
ocorridas durante os anos de 1998 a 2007 (Quadro 3-1). Dessas, sete ocorreram em empresas
privadas e seis em empresas e instituições públicas. No total, estão envolvidas quatro
empresas privadas de grande porte, com perfil exportador e líderes nos segmentos atuantes.
As organizações públicas são duas empresas diferentes (uma delas com cerca de 50 mil
93
funcionários, distribuídos em algumas cidades do país e outra com cerca de 100 mil
funcionários, presentes em todos os municípios brasileiros), além da própria universidade.
Quadro 3-1: Ano do desenvolvimento das aplicações do software Jack
Ano Empresa Legenda
1998 Empresa pública de serviços postais.
A
2001 Empresa do setor aeronáutico.
B
2002 Empresa do setor aeronáutico.
C
2003 Empresa do setor de linha branca.
D
2004 UFSCar. Equipe Mini-Baja.
E
2003/2004 Empresa pública de serviços postais.
F
2003/2004 Empresa pública de serviços postais.
G
2004
Empresa fabricante de produtos cosméticos, de higiene pessoal,
farmacêuticos e médico-hospitalares.
H
2004
Empresa fabricante de produtos cosméticos, de higiene pessoal,
farmacêuticos e médico-hospitalares.
I
2004/2005
Empresa fabricante de produtos cosméticos, de higiene pessoal,
farmacêuticos e cirúrgico-hospitalares.
J
2006 UFSCar. Departamento de Engenharia de Produção.
K
2006 Empresa fabricante de material escolar e de escritório.
L
2007/2008 Empresa pública de extração, refino e distribuição de petróleo e derivados.
M
Outra característica evidenciada é a natureza das operações. Nove das
aplicações ocorreram em ambientes de manufatura e quatro em ambientes de produção de
serviços (incluindo a atividade de ensino superior). A Figura 3-1 ilustra o contexto
apresentado, sendo que as letras representam cada uma das aplicações e remetem à legenda do
Quadro 3-1 e os retângulos delimitando aplicações apontam que essas ocorreram na mesma
empresa ou instituição.
Figura 3-1: Contextualização das aplicações desenvolvidas.
94
Os objetivos e resultados esperados de cada projeto desenvolvido são
apresentados a seguir, destacando-se as principais características de cada aplicação.
3.1.2 Objetivos Gerais e Específicos das Aplicações
Em um aspecto global, o principal objetivo das aplicações desenvolvidas foi o
de melhorar as condições de trabalho e usabilidade de processos e produtos, visando
condições mais seguras, confortáveis e produtivas. Em todas as situações, o uso da ferramenta
de simulação humana permitiu que tais melhorias pudessem ser incorporadas na fase de
projeto, em suas etapas iniciais, facilitando, inclusive, a comunicação entre os diversos
envolvidos no processo.
Os objetivos específicos de cada aplicação são apresentados no Quadro 3-2. As
duas aplicações em negrito são apresentadas como estudos de caso, por melhor representarem
o desenvolvimento de processos de projeto e a aplicação da ferramenta computacional de
modelagem e simulação humana.
Quadro 3-2: Objetivos dos projetos desenvolvidos com aplicações do software Jack.
Empresa Objetivos
Empresa pública de serviços postais.
Projeto conceitual de um posto de trabalho
informatizado.
Empresa do setor aeronáutico.
Atualização e melhorias das normas para
Projetistas de Gabarito.
Empresa do setor aeronáutico.
Desenvolvimento de projeto acadêmico visando a
melhoria do ensino de engenharia (REENGE III).
Empresa do setor de linha branca.
Avaliar projeto conceitual de posto de trabalho da
Linha de montagem.
UFSCar. Equipe Mini-Baja.
Avaliar as posturas dos pilotos em diferentes
cockpits (atual com relação ao modelo do ano
anterior).
Empresa pública de serviços postais. Desenvolvimento de Agência Conceitual.
Empresa pública de serviços postais.
Desenvolvimento de um Balcão de
Atendimento para unidades postais.
Empresa fabricante de produtos cosméticos, de higiene
pessoal, farmacêuticos e médico-hospitalares.
Apresentar à referida empresa os benefícios e
limitações do uso da tecnologia de simulação
humana.
Empresa fabricante de produtos cosméticos, de higiene
pessoal, farmacêuticos e médico-hospitalares.
Desenvolver dispositivos para melhoria do posto
de trabalho.
Empresa fabricante de produtos cosméticos, de
higiene pessoal, farmacêuticos e cirúrgico-
hospitalares.
Desenvolver, avaliar e validar projeto
conceitual de uma mesa de abastecimento de
agulhas cirúrgicas.
UFSCar. Departamento de Engenharia de Produção.
Avaliar projeto conceitual de um laboratório
acadêmico.
Empresa fabricante de material escolar e de escritório.
Desenvolver e avaliar projeto conceitual de uma
mesa de embalamento manual e de seu respectivo
setor.
Empresa pública de extração, refino e distribuição de
petróleo e derivados.
Avaliar projeto conceitual de um posto de trabalho.
95
Em todas as aplicações os ambientes digitais foram modelados em software
CAD e importados para o Jack, proporcionando a interação dos manequins com objetos
complexos e detalhados. Os dados antropométricos utilizados foram levantados, no ano de
2001, em uma empresa aeronáutica do Estado de São Paulo (MENEGON et al., 2002;
BRASIL, 2001). Tais dados, apesar de não refletirem diretamente a população sob estudo, nas
aplicações apresentadas a seguir, representam com maior confiabilidade do que dados
brasileiros desatualizados ou de outros países.
Ao término da apresentação dos estudos de caso é desenvolvida uma síntese
com as considerações gerais, destacando-se aspectos de similaridades e diferenças do uso do
software Jack nas aplicações.
3.2 Estudo de Caso 1: Projeto de Balcão de Atendimento
A primeira aplicação escolhida para ser detalhada como estudo de caso, neste
trabalho, desenvolveu-se em uma empresa pública de serviços postais. O contrato foi
estabelecido após processo de licitação, tendo como foco de atuação as agências de
atendimento, localizadas em todo o território nacional.
A demanda pela análise decorre, em primeira instância, de notificações
emitidas pelas Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs), nas Diretorias Regionais do Rio
Grande do Sul, Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo/Metropolitana e Rio de Janeiro. As
notificações, em sua totalidade, estavam centradas no trabalho dos atendentes comerciais.
Como preconizado pela NR17 (BRASIL, 1990) e pelo Manual de Aplicação da
NR17 (BRASIL, 2002), aplicou-se a AET, buscando-se desta maneira, aprofundar os
conhecimentos sobre o objeto de estudo numa primeira fase e, em um segundo momento,
recompor tais análises em sínteses globais e no desenvolvimento de soluções para as situações
produtivas.
96
3.2.1 Apresentação
Nas notificações emitidas pelas DRTs, entre outros fatores considerados como
infrações, foi citado o mobiliário disponibilizado para o atendimento comercial, além de
enumerarem recomendações de adequação antropométrica à população de atendentes,
considerando aspectos de postura e zonas de alcance, no entanto, sem elucidar como tais
recomendações poderiam ser atendidas no contexto específico do trabalho do atendente
comercial.
Dentro desse contexto surge a hipótese de reformulação ou construção de um
novo balcão de atendimento, a qual pode ser comprovada através de queixas de funcionários e
questionários de percepção respondidos pelos usuários.
Todo o processo de projeto durou cerca de quinze meses e teve as seguintes
fases:
a) análise da demanda, entendimento do contexto e explicitação por parte dos demandantes
dos problemas a serem solucionados;
b) hierarquização das soluções, restrições de adaptabilidade e interação com os usuários do
posto de trabalho;
c) projeto do móvel;
d) simulações digitais;
e) especificações técnicas;
f) construção do protótipo físico e implantação na empresa;
g) testes, avaliações, aplicação de questionários de percepção com os usuários e
modificações.
3.2.2 Fase de análise ergonômica do trabalho (AET)
Como visto no capítulo de revisão bibliográfica, a AET é composta por três
etapas de análise: Análise da Demanda, Análise da Tarefa e Análise da Atividade, as quais
consistem na busca pela compreensão das lógicas da empresa, do cliente e do atendente e
foram acessadas por intermédio de um conjunto de procedimentos de investigação, a saber:
97
a) consulta em documentos diversos da empresa, coletados e encaminhados pelo grupo de
acompanhamento da própria empresa à UFSCar;
b) consulta nacional às Diretorias Regionais (DRs) acerca de ações ergonômicas realizadas e
notificações trabalhistas;
c) levantamento detalhado de prontuários médicos;
d) visitas exploratórias e observação detalhada do trabalho em unidades de atendimento de
Araraquara, Bauru, São Carlos, São Paulo e Brasília pelo grupo da UFSCar e unidades de
atendimento diversas nas DRs do RS, SP, DF, MG e PB pelo grupo de acompanhamento;
e) caracterização do trabalho futuro provável em unidades de atendimento;
f) análise cinesiológica e biomecânica comparada do trabalho do atendente para diversos
processos;
g) questionário de percepção respondido por 174 clientes e 539 operadores lotados nas
diversas funções das unidades de atendimento;
h) revisão bibliográfica acerca do trabalho em sistemas informatizados;
i) interações diversas entre o grupo de acompanhamento e o grupo da UFSCar por meio de
seminários e reuniões intermediárias.
As análises da demanda e da tarefa resultaram na formulação de uma questão
geral: “Quão flexível deve ser o Atendente Comercial para responder simultaneamente às
exigências da organização e dos clientes e compatibilizá-las com suas limitações e
perspectivas?”. Para melhor compreensão, as exigências foram desdobradas em termos
físicos, organizacionais e cognitivos.
A Análise da Atividade visou à compreensão das relações que se estabelecem
entre os dados da Análise da Demanda da população de trabalhadores das unidades de
atendimento e suas atividades de trabalho. Foi possível evidenciar, nas análises precedentes,
que os elementos presentes nas atividades de trabalho do atendente comercial eram suficientes
para gerar hipóteses sobre as queixas dos trabalhadores nas atividades de atendimento, seja no
campo físico seja no campo mental.
Com vista à conclusão das etapas de análise da AET, foi formulado um
diagnóstico para a situação, voltado para o equacionamento dos critérios de bem-estar
humano e de produtividade, considerando os determinantes para as atividades de atendimento.
A partir das análises e do diagnóstico foram formuladas recomendações para
orientar a fase de projeto. No entanto, estas fases ocorreram de forma concorrente e não
linear. Desde as primeiras análises, os projetistas observaram as estruturas físicas e
98
organizacionais com o objetivo de compreender, junto aos usuários e durante discussões nos
seminários, os constrangimentos existentes. A partir desta primeira compreensão o projetista
inicia naturalmente o processo de projeto. No entanto, tal processo torna-se evidente e foco de
atenção de todos ao término das análises e concentração das atividades na fase projetual, a
qual é apresentada a seguir.
3.2.3 Fase de projeto
A proposta conceitual de um novo balcão nasceu da análise da atividade dos
usuários, do diagnóstico e dos resultados das análises biomecânicas para cada modelo de
balcão existente atualmente. O projeto passou por algumas discussões e refinamentos até a
confecção de protótipos. Os requisitos de projeto para o desenho do novo balcão foram
discutidos a partir das características desejáveis e contiveram as seguintes categorias de
análise (FONTES et al., 2006):
a) forma da superfície de trabalho;
b) cadeira;
c) altura do tampo do balcão, visando trabalho em pé e sentado;
d) apoio para membros superiores;
e) apoio para membros inferiores;
f) mobiliário Auxiliar (gaveteiro e guarda de objetos e produtos);
g) movimentação de objetos (fluxo de materiais);
h) relação cliente/atendente e entre atendentes;
i) segurança de produtos, numerário e pessoal da atendente.
A partir das características desejáveis foram elaboradas propostas projetuais
(Figura 3-2) e somente após discussão e desenvolvimento de simulações humanas foi
proposto um conceito para a confecção do protótipo digital.
99
Figura 3-2: Dois conceitos avaliados em ambiente digital (FONTES et al., 2006).
O móvel concebido para prototipagem explorou os seguintes conceitos:
simetria (para a utilização do balcão por destros e canhotos); liberação da parte inferior do
balcão (possibilidade de giro para as pernas); determinação de altura da superfície de trabalho
para a alternância de posturas em pé e sentada; proximidade dos equipamentos e produtos de
uso frequente; área para fluxo de encomendas (facilitando a recepção, processamento e
disposição de embalagens tipo caixa); aumento de área livre sobre o balcão; planos
diferenciados para atendente e cliente; gaveta de numerário com abertura vertical
(melhorando a segurança e facilitando a utilização do dispositivo sem a necessidade de
recuo).
A partir das características desejáveis, traduzidas nos conceitos, o processo de
projeto do balcão de atendimento pôde especificar e construir um modelo digital em CAD.
Este modelo foi importado para o software de simulação humana para validações em
prototipagem digital.
3.2.3.1 Prototipagem digital
Realizaram-se simulações e análises com o software Jack, apontando a
geometria favorável para contemplar os requisitos desejados em concordância com aspectos
de bem-estar do trabalhador. Em todas as simulações e análises foram utilizados o manequim
masculino percentil 95, como indivíduo extremo do limite superior, e o manequim feminino
percentil 05, visando o limite inferior. Com essa definição busca-se projetar um posto de
trabalho apto para atender a, no mínimo, 90 por cento da população. A seguir apresenta-se
100
como a tecnologia de modelagem e simulação humana contribuiu para cada categoria de
análise:
A forma da superfície de trabalho é determinante para a atividade desenvolvida
nos balcões de atendimento. Um dos principais aspectos influenciados é o espaço de trabalho
disponível para os equipamentos e objetos manuseados, sendo que a falta de espaço pode
obrigar ao atendente a adoção de posturas inadequadas ou que ponha em risco a integridade
de objetos ou equipamentos. A adoção da forma em “U” para o tampo do balcão buscou
atender a essa demanda de espaço que, em consonância com a liberação da parte inferior do
tampo, retirando o gaveteiro existente nos balcões atuais, permitiu ao atendente o giro de 180
graus com diversas possibilidades de regulação para escolha do modo operatório pretendido.
Por meio de simulações das futuras atividades prováveis foi possível observar e avaliar
questões como a relação de profundidade do tampo com o alcance do atendente,
principalmente no que tange ao manequim digital feminino percentil 05 e sua interação com
os clientes e objetos. Outra importante contribuição da simulação humana nessa categoria de
análise foi a verificação da disposição do grande número de equipamentos utilizados e o
impacto no espaço disponível. Com o auxílio de ex-atendentes comerciais e outros
funcionários que conhecem o cotidiano dessa função, foi possível estabelecer uma sugestão de
como o posto de trabalho poderia ser organizado. Faz-se necessário, no entanto, reforçar a
importância de se permitir aos trabalhadores que organizem, conforme seus próprios modos
operatórios, o seu posto de trabalho, aumentando, dessa forma, o espaço de regulação. Por
fim, a forma da superfície adotada influencia diretamente a cadeira que, necessariamente,
deve ser giratória para permitir o giro ao longo do “U”.
Nesse sentido, compondo o posto de trabalho, juntamente com o balcão em
projeto, a cadeira foi um item bastante avaliado, pois também impacta diretamente em uma
série de outros aspectos, como a percepção do conforto de seu usuário, altura da superfície de
trabalho, apoio para membros superiores e inferiores, relação cliente/atendente, segurança
pessoal do atendente, entre outros. Como se trata de um objeto bem estabelecido no mercado,
optou-se por buscar dentre as opções disponíveis no mercado nacional, as características
desejáveis de uma cadeira apta para compor com o balcão um novo posto de trabalho. Dessa
forma, a especificação criada e utilizada nas simulações foi para uma cadeira alta (tipo caixa),
com o maior percurso de ajuste de altura de assento disponível, apoios ajustáveis de costas e
braços, rodízios fabricados com materiais de alta performance e outras características
desejáveis.
101
Para a definição da altura do tampo do balcão os manequins foram
posicionados nas posturas em pé e sentados. Buscou-se, como alvo primário, a altura do
cotovelo do manequim feminino, evitando-se dessa forma, que a altura da superfície de
trabalho exigisse movimentos extremos dos membros superiores desses trabalhadores. Em
seguida, verificou-se, através de simulações, se a altura estabelecida não poderia ser
considerada desconfortável para pessoas com percentis de altura acima de 90, tanto nas
posturas em pé, quanto sentadas.
Na concepção e avaliação do apoio para os membros superiores antecipou-se a
futura atividade provável do trabalhador, simulando os equipamentos a serem incorporados,
as rotinas realizadas e outras demandas. Dessa forma, o objetivo era avaliar o espaço
necessário para o apoio de braços, punhos e mãos sem restringir ou dificultar as atividades
realizadas. Uma consideração simples, porém frequentemente negligenciada por motivos de
facilidade de fabricação e que muitas vezes fica “invisível” na simulação digital, é o uso do
acabamento das bordas do tampo arredondadas, isto é, boleadas, o que evita a pressão em
alguns pontos dos membros superiores.
Com o objetivo de melhorar o apoio dos membros inferiores, desenvolveu-se
uma superfície denominada de “tablado” para o apoio planar dos pés. Tal estrutura possui
ajuste de altura e acompanha a forma em “U” da superfície de trabalho, propiciando o giro em
180 graus com o apoio dos membros inferiores, além de conforto postural. A simulação com
os manequins de percentis extremos pôde verificar e validar a faixa necessária de ajuste de
altura do tablado e sua relação com o ajuste de altura do assento, evitando dessa forma que as
pernas fiquem em balanço. Tal postura ocasiona um aumento da pressão exercida pelo corpo
do atendente sobre a cadeira e, consequentemente, um aumento do desconforto.
Com a liberação da parte inferior do tampo – superfície de trabalho – mediante
a retirada do gaveteiro criou-se a necessidade de desenvolver mobiliários auxiliares que
permitissem o armazenamento de objetos e produtos de forma segura em termos de
patrimônio e de postura necessária para acessar e interagir com o mesmo. Diversas propostas
para esses mobiliários foram simuladas, buscando-se compreender as características físicas
necessárias para obter o resultado pretendido. As simulações auxiliaram na compreensão das
relações desse artefato com o balcão em concepção, os equipamentos presentes e,
principalmente, com a figura humana.
O estudo do fluxo e movimentação dos materiais foi de extrema importância
para a concepção de um posto de trabalho que facilitasse e minimizasse esforços físicos por
parte do atendente. O principal objetivo foi definir e simular uma linha principal de fluxo que,
102
nos casos de objetos pesados, pudessem ser apenas arrastados, sem a necessidade de levantar
ou manuseá-los, o que levaria a um maior desgaste físico com riscos de lesões. Para permitir a
linha contínua de fluxo e a movimentação facilitada foi necessária a liberação de um dos lados
do balcão, isto é, sem a presença de equipamentos ou objetos fixos, com exceção da balança,
equipamento utilizado na grande parte dos materiais manuseados. As principais análises dessa
categoria tiveram como foco a presença do percentil feminino 05, simulando situações
extremas de alcance e manuseio de materiais de grandes dimensões.
Para antecipar e avaliar as condições de interação entre cliente e atendente
foram simulados diversos cenários, com variação dos percentis 05 feminino e 95 masculino
nas duas funções. No que se refere à interação física (entrega de objetos ou dinheiro, por
exemplo), a situação mais crítica encontrada foi no cenário onde o percentil 05 feminino fazia
a função de atendente e cliente. Considerando o contato visual e sentimento de inferioridade e
submissão (comumente encontrada na literatura sobre interação consumidor/fornecedor), o
cenário mais crítico foi o atendente percentil 05 feminino na postura sentada e o cliente
manequim masculino percentil 95 em pé. A relação entre atendentes, com enfoque para a
facilidade de comunicação, pode ser constatada pelo campo visual e distância entre os
manequins.
Para finalizar as categorias de análise, um dos aspectos evidente nas entrevistas
e questionários de percepção realizados com funcionários das unidades foi a questão da
segurança de produtos, de numerário e segurança pessoal. O principal foco desse aspecto foi a
gaveta de numerário que, apesar de sempre existir, sofreu um agravamento com a recente
função de correspondente bancária, incorporada pela empresa nos últimos anos. Tal fato
aumentou o montante de dinheiro em circulação dentro das unidades e o receio, por parte dos
funcionários, de furtos. Tal constrangimento somente se revela para o ergonomista quando
este compreende a atividade dos trabalhadores e não apenas a prescrição definida pela
organização. As atuais gavetas feitas de madeira são pesadas, grandes e necessitam que o
atendente se afaste do balcão para poder abrir, além de expor diretamente o conteúdo às
pessoas que estão do outro lado do balcão.
Apesar de a prescrição solicitar que, ao afastar-se do balcão, o atendente deve
fechar e trancar a gaveta, levando a chave, a atividade mostrou que isso não era praticado,
principalmente pelas constantes movimentações de curto deslocamento que os mesmos
realizam ao longo do dia. Para melhorar essa situação o novo balcão foi especificado com
uma gaveta de numerário metálica, embutida e com abertura para cima via acionamento pelo
sistema. Dessa forma, ela somente é aberta através de comando do sistema em situações
103
específicas (momento de receber numerário e entregar troco), e para trancá-la basta empurrá-
la para baixo (sem esforço físico devido ao baixo peso da tampa de metal). As simulações
confirmaram a eliminação da necessidade de se afastar para realizar a abertura e, quando está
fechada, sua superfície pode ser usada para outros trabalhos. Outra vantagem é que, quando se
encontra aberta, sua tampa serve como obstáculo ao campo de visão e alcance de quem está
do lado de fora do balcão, propiciando maior segurança para os funcionários. Tais vantagens
foram confirmadas em simulações de rotinas focando o campo visual do cliente e envelopes
de alcance. Algumas das simulações e análises apresentadas estão ilustradas na Figura 3-3.
Figura 3-3: Prototipagem digital simulando atendimento com modelo feminino de atendente (percentil 5) e
modelo masculino de cliente (percentil 95).
Como apresentado anteriormente, um dos conceitos seguidos foi a liberação de
espaço na parte inferior do balcão. Tal diretiva assumiu grande importância após diversas
observações de choque físico e constrangimento postural, principalmente dos membros
inferiores, devido à presença de gaveteiros, cestos de lixo, caixas de papelão desmontadas,
104
gabinetes de computador e outros objetos “estranhos”. Desta forma, tais elementos foram
retirados deste local, permitindo possibilidade de giro para as pernas, diminuindo o risco de
colisões e proporcionando posturas adequadas ao longo da execução das atividades. O único
objeto que não pôde ser extraído totalmente foi o CPU (gabinete) dos computadores. Apesar
de existir tecnologias como KVM (keyboard video mouse – cabo que permite a alocação dos
CPUs em um local diferente e distante) e dispositivos wireless (sem fio) foi necessário
considerar que, mesmo que houvesse a opção pela substituição da tecnologia atual, tal fato
ocorreria de forma lenta e gradual nas unidades de atendimento. Portanto, foi necessário
analisar a disposição dos gabinetes de computadores (tanto de orientação horizontal quanto
vertical – tipo “torre”) para prever o melhor posicionamento possível e diminuir riscos de
colisão. Para a simulação, buscaram-se em diversas fontes os tamanhos padrões de gabinetes,
sendo considerado apto para compor a modelagem o maior CPU encontrado. Essa opção,
juntamente com o modelo digital humano, masculino, percentil 95, possibilitou analisar a
situação extrema, garantindo que, com a obtenção de um resultado aceitável nesses termos, o
projeto estaria adequado em uma faixa maior que 95% da população.
A partir da prototipagem digital foi construída a primeira versão física do novo
balcão de atendimento. Dessa forma, o móvel concebido para prototipagem física confirmou
diversos conceitos, com maior confiabilidade para as especificações técnicas, como simetria,
liberação da parte inferior do balcão, proximidade dos equipamentos de uso frequente,
segurança proporcionada pela gaveta de numerário, entre outros.
3.2.3.2 Prototipagem física
A prototipagem pode ser entendida como um processo de desenvolvimento de
projeto que recebe modificações em sua estrutura física até a forma final. Essas alterações são
testadas e analisadas levando em consideração o bem-estar do trabalhador e a eficácia do
trabalho.
O processo de prototipagem contou com a construção do protótipo e
implantação na unidade de atendimento e, posteriormente, testes e modificações, conforme
apresentados na Figura 3-4.
Ao todo foram implantadas cinco versões diferentes de protótipos, com
alterações e variações para: altura da superfície de trabalho (0,90 metro, 0,93 metro e 0,98
105
metro); posicionamento dos módulos de apoio; diferentes gavetas de numerário; uso de
módulo aramado; inversão dos equipamentos (monitor e periféricos, para teste no lado
esquerdo e balança no lado direito) e arredondamento das bordas.
Figura 3-4: Fotos da etapa de testes e validação da prototipagem física de balcão de atendimento.
106
3.2.4 Análise dos resultados para o caso 1
Os resultados da utilização da simulação são compatíveis com os benefícios
destacados ao longo desse trabalho: diminuição do tempo de desenvolvimento, auxílio na
comunicação e, principalmente, a consideração de fatores ergonômicos de forma antecipada.
No entanto é importante observar que poucas empresas estão dispostas ou podem aguardar um
processo de desenvolvimento dessa natureza (cerca de dezoito meses e com alto grau de
participação de funcionários da empresa dos mais diversos níveis e cargos) para geração de
propostas conceituais.
Especificamente, podem-se citar alguns pontos que denotam os resultados
obtidos. A utilização da prototipagem virtual como facilitadora da comunicação entre os
profissionais envolvidos no projeto (grupo de trabalho formado por trabalhadores da empresa
e por pesquisadores). No Quadro 3-3 estão sintetizadas as principais contribuições da
simulação humana nesse caso específico.
Quadro 3-3: Principais contribuições da simulação humana obtidas na concepção do balcão de atendimento.
Categoria de
Análise
Contribuições da Aplicação da
Simulação Humana
Forma da superfície
de trabalho
A simulação permitiu testar as formas do balcão, simulando individualmente o guic
e diferentes arranjos com vários guichês; Os testes virtuais permitiram definir as
dimensões e a forma para comportar os equipamentos e acessórios existentes no
posto, bem como fatores de alcance e alternância entre usuários destros e sinistros.
Altura do tampo do
Balcão
As simulações realizadas definiram a altura do tampo para a construção do protótipo
físico. Foram testadas, principalmente, a alternância postural em pé e sentada e as
diferenças antropométricas da população, considerando as situações de referência.
Apoio para os
membros superiores
As simulações anteciparam a atividade futura provável, avaliando os espaços livres
para apoio de braços, punhos e mãos sobre a superfície de trabalho, auxiliando na
apresentação e discussão entre os grupos de projeto.
Apoio para os
membros inferiores
As simulações possibilitaram verificar a posição das pernas e o giro livre da cadeira
sob a superfície de trabalho a ser prototipada fisicamente. Foram utilizados diferentes
manequins, sendo possível estabelecer a faixa de altura que o tablado regulável para
apoio dos pés deveria ter para execução da prototipagem física.
Móveis auxiliares
A modelagem virtual possibilitou o teste de diferentes formas e dimensões para os
móveis auxiliares, simulando a movimentação de entrada e saída de materiais,
facilitando a comunicação entre projetistas.
Fluxo e movimento
de materiais
As simulações permitiram avaliar diferentes desenhos para a entrada e saída de
materiais, testando os prós e contras da adoção de cada lógica.
Interação entre
atendente e cliente
Através das simulações foi possível equacionar a distância necessária entre
atendentes e clientes, garantindo o maior espaço de trabalho possível para o
atendente e mantendo um alcance confortável para troca de objetos entre eles.
Facilidade de
comunicação
A simulação com o arranjo de vários balcões em uma unidade de atendimento
permitiu avaliar possíveis relacionamentos entre atendentes. Esses testes
determinaram o tamanho e a forma do anteparo entre guichês.
Segurança de
produtos, numerário
e segurança pessoal
Os testes virtuais para essa categoria proporcionaram, principalmente, validar as
vantagens da gaveta com abertura tipo “tampa” via sistema informatizado. Tal
abordagem possuiu um caráter mais subjetivo de análise.
107
Apesar das contribuições apontadas, algumas dificuldades também foram
evidenciadas ao longo do processo. Dentre essas, podemos destacar a dificuldade da
realização de cada animação; tempo necessário para construção e análise para cada alteração
sugerida; e, separação entre os desenvolvedores da simulação (software) e o grupo de projeto.
3.3 Estudo de Caso 2: Projeto de Posto de Trabalho de Abastecimento de
Agulhas Cirúrgicas
O segundo caso ocorreu em uma empresa multinacional de grande porte que
atua na fabricação de produtos cirúrgico-hospitalares de primeiros socorros, para higiene de
crianças, produtos de higiene oral, farmacêuticos, de higiene feminina e outros produtos
destinados à saúde dos consumidores. Com a matriz localizada nos Estados Unidos,
atualmente essa empresa possui unidades produtivas em 51 países, estando no Brasil desde
1933. A atual planta industrial está instalada no interior do estado de São Paulo com cerca de
4.500 funcionários.
A demanda para o projeto abordado nesse trabalho surge a partir de uma
parceria entre a empresa e o grupo Ergo&Ação no que se refere a aplicar, tratar e melhorar
um instrumento de análise ergonômica, o Ergo Job Analyser (EJA) e, posteriormente,
desenvolver propostas conceituais para as situações críticas.
As principais distinções desse estudo para o apresentado anteriormente são: a
abordagem clássica e quantitativa da ergonomia, especialmente devido ao EJA; e, a ordem
cronológica das etapas de prototipagem física e digital.
3.3.1 Apresentação
O programa corporativo, adotado nas unidades de diferentes países, previa a
análise ergonômica de todos os postos de trabalho, de forma contínua e atualizada em
períodos de tempo pré-determinados. Um dos objetivos foi mapear as demandas e “atacar”
aquelas que apresentassem maior risco.
108
Desta forma, o projeto que será detalhado a seguir é resultado de uma demanda
gerada pelo alto risco observado através da análise de um posto de trabalho existente. Este
posto de manufatura consiste numa estação de trabalho de abastecimento de pentes com
agulhas cirúrgicas, visando posterior processamento químico.
Todo o processo de projeto durou cerca de dois anos e teve as seguintes fases:
a) confecção da análise ergonômica com um instrumento específico para alta repetitividade;
b) interpretação da análise com resultados de ações de risco alto;
c) decomposição do posto de trabalho em vários sub-sistemas;
d) início do processo de projeto do posto considerando as restrições de projeto e “atacando”
os sub-sistemas separadamente;
e) confecção de mock-ups (modelo em escala natural – 1:1) para experimentação e validação
dos pressupostos conceituais referentes aos sub-sistemas;
f) modelagem 3D e simulação humana do sistema global;
g) análise ergonômica do novo posto de trabalho em ambiente digital, com a aplicação do
mesmo instrumento da fase “a”
h) construção das especificações técnicas.
3.3.2 Fase de análise ergonômica
A ferramenta de análise utilizada que gerou a demanda pelo projeto, segundo
Bertoncello et al. (2004), foi desenvolvida para avaliar estações de trabalho a partir da análise
de posturas corporais, frequência de movimentos em atividades similares ou distintas, carga
despendida, entre outros fatores. Este instrumento considera não apenas o movimento de cada
articulação corporal durante cada atividade, mas solicita que se numere os movimentos em
uma espécie de contagem total por dia. Ele indica amplitudes diferenciadas de movimentos.
Assim, os movimentos de cada segmento corporal são somados de acordo com a amplitude
específica dos mesmos, em cada turno de trabalho, respeitando também a questão biarticular
(ombro direito e ombro esquerdo somados separados, por exemplo), quando há. O resultado
dado por essa ferramenta é a quantificação de risco associado aos posto de trabalho. Esta
quantificação auxilia na definição de prioridades para execução de melhorias ergonômicas.
109
A tarefa específica do posto consistia em retirar um pente da máquina, à direita
do trabalhador, posicioná-lo à frente, colocar todas as agulhas no mesmo e posicionar o pente
novamente na máquina, agora à sua esquerda.
Enquanto a máquina realiza todos os banhos nas agulhas, o trabalhador
abastece um pente. Com a mão direita ele retira o pente da máquina, posiciona o mesmo à sua
frente e prende-o em um suporte específico para isso. A seguir, com as agulhas espalhadas
sobre a mesa, pega uma de cada vez e coloca no pente. Com o pente completo, o trabalhador
retira o pente do suporte e, com a mão esquerda, coloca-o na máquina novamente. Para a
análise do posto de trabalho foram considerados os seguintes dados:
a) manuseio de 9.450 agulhas ou 160 pentes, por turno;
b) capacidade para 63 agulhas por pente;
c) cada caixa contém 400 agulhas;
d) tempo total do ciclo é de aproximadamente 120 segundos.
É importante salientar que o mesmo instrumento que gerou a demanda foi
utilizado para validar a proposta final do projeto em ambiente digital.
3.3.3 Fase de projeto
O projeto foi caracterizado pela evolução conceitual dos subsistemas que, para
um melhor desenvolvimento do sistema global, foi dividido em recortes em função da
atividade desenvolvida pelos operadores, conforme ilustrado na Figura 3-5:
Figura 3-5: Ilustração com subsistemas definidos como recorte para desenvolvimento do projeto em função da
atividade dos operadores.
110
Esses recortes foram necessários para que questões fundamentais e prioritárias
pudessem ser analisadas e avaliadas separadamente em diferentes locais e espaço de tempo.
Assim, questões envolvendo eletrônica e automação dos subsistemas “canal e esteira” e
“pinça e pente”, que eram a base fundamental da solução, puderam ser desenvolvidos e
prototipados nos primeiros meses de projeto, para que, sendo validados, fornecessem
estabilidade para a continuidade do mesmo. Na Figura 3-6 são apresentados dois protótipos
desenvolvidos e validados. A Figura 3-6a exibe um dos protótipos realizados a partir de
bricolagem (utilizando materiais e componentes com funções pré-definidas diferentes das
quais foi aplicada no protótipo). E, a Figura 3-6b mostra o processo de validação do protótipo
físico com um funcionário da empresa, alocado no posto equivalente atual.
Figura 3-6: Prototipagem física de subsistemas fundamentais.
Os requisitos de projeto para o projeto de um conceito global foram discutidos
a partir das características necessárias e possuíram como categorias de análise os movimentos
e posturas do trabalhador e a produtividade do sistema.
3.3.3.1 Prototipagem digital
Por meio da modelagem digital e simulação, o projeto passou por algumas
discussões e refinamentos até a confecção do protótipo final. Foram realizadas simulações
digitais, apontando as características construtivas que contemplassem os requisitos desejados,
em concordância com os indicadores da análise ergonômica e dados de produção.
A prototipagem digital possibilitou a análise do posto futuro provável com a
aplicação da ferramenta corporativa da empresa. Isso foi possível mediante as animações
realizadas, considerando os ângulos e a frequência que o manequim assumia para realizar a
111
tarefa ou a atividade futura provável do operador (DANIELLOU, 2002) viabilizando a
participação efetiva dos diversos interessados no projeto. O resultado da análise apontou para
a diminuição significativa dos riscos no posto de trabalho.
Com base nas análises resultantes dos desenvolvimentos iniciais dos
subsistemas foi possível iniciar a construção de um conceito global com o auxílio de
ferramentas de computação gráfica, em especial a simulação humana. Os requisitos de projeto
para o desenho da solução global foram construídos socialmente a partir das características
necessárias e possuíram como categorias de análise os movimentos e posturas do trabalhador
e a produtividade do sistema.
Na concepção e avaliação do subsistema mesa, a principal contribuição da
modelagem e simulação humana digital foi a concepção de uma geometria capaz de acomodar
os diferentes percentis (05 e 95), garantindo o espaço necessário à execução da atividade. Para
esse subsistema, a principal restrição existente foi o pequeno espaço delimitado para o
módulo de abastecimento de agulhas. Buscando melhorar a situação de trabalho em
conformidade com os fatores de risco estabelecidos pelo instrumento EJA, foi projetada uma
região de apoio aos antebraços do operador. Durante a etapa de simulação digital também foi
definida a necessidade de bordas arredondadas ao longo da superfície da mesa, não só devido
aos aspectos de conforto, como citado no exemplo anterior, mas também para facilitar o
manuseio das agulhas.
A definição da altura e de toda estrutura da mesa também foram desenvolvidas
em ambiente digital. Buscou-se determinar uma altura adequada aos extremos populacionais
que fosse compatível com o adequado funcionamento do conjunto, principalmente para evitar
colisões com o subsistema canal e esteira. Tal subsistema definiu um limite mínimo de altura
ao apresentar risco de colisão com os membros inferiores do manequim percentil 95 (análise
ilustrada na Figura 3-7b) e, ao mesmo tempo, impôs um limite máximo devido à necessidade
de alcance do percentil 05.
Na concepção do subsistema canal e esteira, muitos conceitos puderam ser
testados durante a etapa de simulação, com destaque para a contribuição sobre o
posicionamento do canal. Em um primeiro momento o canal foi projetado paralelo ao plano
longitudinal do operador (conforme visualizado anteriormente na Figura 3-6b), porém, após a
avaliação em ambiente digital, e com a aplicação do EJA, observou-se a necessidade da
inclinação do mesmo em 30 graus no sentido anti-horário, com referência ao plano citado,
como mostra a Figura 3-7a. Tal alteração reduziu a amplitude do movimento e o risco
associado às lesões repetitivas. Essa mudança resultou em um grande conjunto de alterações
112
no modelo conceitual, contribuindo positivamente para o projeto do sistema global e
diminuindo o grau de incerteza sobre a eficiência do mesmo. Com relação à esteira a
simulação permitiu identificar a necessidade de uma redução dimensional, devido,
principalmente, à falta de espaço disponível.
Figura 3-7: Simulações realizadas para desenvolvimento de proposta projetual.
Na etapa de simulação do subsistema pinça e pente foi possível avaliar
aspectos de segurança, definindo o posicionamento da pinça em uma região que oferecesse os
menores riscos ao operador sem comprometer o sistema produtivo (ver Figura 3-7d).
No desenvolvimento do subsistema carro de movimentação, significativas
contribuições foram decorrentes da aplicação das técnicas de modelagem e simulação humana
digital, sendo a principal delas, a concepção do sistema giratório acoplado à base do carro de
movimentação. A princípio, o carro projetado possuía um sistema fixo e a posição final do
pente estava fora da zona de alcance determinada pelos requisitos do projeto, e isso só pôde
ser observado através da simulação com o percentil 05. Porém, com as alterações que foram
agregadas ao longo do projeto e a necessidade de atender às exigências do EJA, o projeto foi
alterado com a adição de um sistema giratório que permitiu a aproximação do pente ao
operador e um melhor posicionamento da pega. Tais modificações viabilizaram o alcance de
toda a população determinada e, considerável diminuição de movimentos de flexão de coluna
e de punho, impactando positivamente a avaliação realizada com o EJA.
113
Na concepção do subsistema suporte para os pentes a simulação humana
contribuiu diretamente para estabelecer características do suporte e dos sistemas de ajustes
necessários visando o alcance dos operadores, conforme ilustrado na Figura 3-7c. A
possibilidade de ajuste contribui diretamente para o aumento do espaço de regulação de modo
a permitir as variabilidades individuais, inclusive para o modo operatório.
A concepção do subsistema descarte de agulhas foi resultado de
desenvolvimentos ocorridos durante as etapas de simulação. A necessidade desse subsistema
surgiu devido aos rigorosos sistemas de segurança, marcados, principalmente, pela existência
de um grande número de dispositivos sensoriais óticos. Dessa forma, quando ocorresse uma
falha no sistema de pinça ou do canal (por exemplo, a inserção de duas agulhas ao mesmo
tempo), seria necessária a intervenção do operador. Com a concepção desse subsistema, as
agulhas que fossem detectadas pelos sensores como fora do padrão eram automaticamente
descartadas. O subsistema foi projetado quando quase todos os elementos já estavam em fase
avançada de concepção, o que acarretou em uma dificuldade adicional na alocação física
desse no sistema global. A simulação humana digital contribui de forma significativa na
compreensão da complexa restrição espacial existente no local por meio da análise detalhada
dos equipamentos e as possibilidades de choque físico com os membros inferiores do
manequim percentil 95.
A partir da prototipagem digital foi possível construir as especificações
técnicas do novo posto de trabalho, consorciando diversos fatores e equacionando questões de
bem-estar e produtividade.
As análises permitiram obter com precisão o ângulo de cada articulação do
manequim ao realizar a operação, que possuía como característica principal a repetitividade.
Detalhes como o ângulo em que o canal foi recortado na mesa, a localização do suporte e a
rotação do carro de transporte foram projetados com o intuito de minimizar a realização de
movimentos de braços, tronco, punhos e dedos.
3.3.4 Análise dos resultados para o caso 2
A utilização da simulação em ambiente digital na comunicação entre os
projetistas e os engenheiros da empresa contratante, visando à validação das soluções
propostas, em consonância com a política da empresa e as tecnologias disponíveis, atesta uma
114
das vantagens desta ferramenta: o auxílio na compreensão e comunicação entre os diversos
agentes participantes do projeto.
Outros benefícios do uso desta tecnologia, neste caso específico, puderam ser
visualizados nas análises realizadasao permitir que restrições e conflitos das características
geométricas do posto de trabalho fossem equacionados durante a simulação (Quadro 3-4).
Quadro 3-4: Principais contribuições da simulação humana obtidas no desenvolvimento do posto de trabalho.
CATEGORIA DE
ANÁLISE
CONTRIBUIÇÕES DA APLICAÇÃO DA
SIMULAÇÃO HUMANA
Canal de
alimentação
A simulação permitiu definir uma angulação do canal com relação ao trabalhador que
eliminou a necessidade de movimentos de flexão do punho para cada agulha,
impactando consideravelmente a análise pelo instrumento EJA.
Geometria da mesa
Utilizando manequins com percentis 05 e 95 foi possível conceber uma mesa que
atendesse a mais de 90% da população sob estudo, considerando todos os
dispositivos previstos. O estudo concentrou-se nas características dimensionais da
mesa, forma geométrica, principalmente, do recorte existente para aproximação do
operador e o risco de colisão entre os membros inferiores do operador e a esteira que
situa-se sob a mesa.
Suporte para pentes
A simulação humana foi determinante como ferramenta projetual do suporte para os
pentes. Dimensões, geometria, encaixe, localização e, principalmente, os sistemas
desejáveis de ajuste foram projetados com base nas avaliações e antecipações
possíveis com o software.
Esteira de transporte
de agulhas
Por meio de simulações com um manequim masculino percentil 95 foi possível
projetar a esteira de transporte de agulhas com características geométricas e
posicionamento com relação aos membros inferiores do operador de forma que não
houvesse a possibilidade de colisão.
Conjunto estrutural
da mesa
Com o apoio da modelagem digital e simulações humanas, os travamentos de
sustentação da mesa foram posicionados de forma que o operador não utilizasse tal
estrutura como apoio para os pés ou pernas. Devido sua forma geométrica não
possibilitar um apoio estável e planar, seu uso poderia ocasionar danos à saúde do
operador devido ao aumento da pressão pela força exercida em uma pequena área
do corpo humano.
3.4 Considerações sobre os estudos de caso
Este capítulo cobriu o trabalho de campo realizado e teve como elemento
central a aplicação da ferramenta computacional de modelagem e simulação humana em
processos de projeto de postos de trabalho. Desta, resultou uma compreensão sobre as
interações entre análise e projeto e, dentro da etapa de projeto, projetar e validar.
Dessa forma, aplicar uma ferramenta de projeto é um ato contextualizado,
devendo seguir orientações de um método e possuir bases teóricas. A contextualização
também obriga que tal aplicação esteja coerente com as demais etapas, a montante e jusante,
do processo de intervenção. Assim, os resultados das análises devem fornecer conhecimentos
e orientar as atividades de projeto, sendo altamente recomendado que as mesmas pessoas que
115
participaram da primeira etapa atuem de forma ativa no segundo momento, durante o
processo projetual.
Uma abordagem participativa justifica-se, posto que se articulem objetivos de
busca de ação sobre a realidade, implicando em confrontações de diferentes mundos-objeto
(BUCCIARELLI, 1996), os quais necessitam de um espaço de discussão e de construção de
consensos, acordos e deliberações no decurso do projeto. Tal compreensão demanda
mecanismos que permitam a integração do grupo na construção coletiva do problema de
projeto e do campo de soluções possíveis, partindo da realidade da situação e considerando as
diferentes interpretações dos envolvidos (operadores dos postos de trabalho, chefias,
gerências, pesquisadores, entre outros), criando espaços para tomadas de decisões e
validações (MENEGON, 2003).
Outra importante observação a ser realizada com relação aos casos e que
acredita-se ser própria de qualquer processo de projeto é que, apesar da importância que a
prototipagem digital possa ganhar (ou transparecer) e os benefícios gerados com a utilização
dessa tecnologia, verifica-se a indispensabilidade da etapa de validação com protótipos
físicos. Isto é, por mais completa que pareça a validação junto aos modelos virtuais, esses não
substituem completamente modelos físicos, sejam eles em escala natural, reduzida ou
ampliada, totalmente funcionais ou apenas de aparência, por possibilitarem um nível de
compreensão superior e interações “mais ricas” com projetistas e usuários.
Nesse sentido, uma primeira distinção existente entre os estudos de caso foi a
ordem cronológica dos acontecimentos da prototipagem física e da prototipagem digital
durante o processo de projeto. Para o balcão de atendimento, a prototipagem física ocorreu
após as etapas de modelagem e simulação. No posto de manufatura, a prototipagem física se
antecipou à simulação e não ocorreu nas etapas finais do processo. Primeiramente, essa
constatação confirma a visão dos autores desse estudo de que os processos de projeto não são
lineares e nem seguem padrões definidos, apresentando especificidades e alto grau de
variabilidade.
Neste trabalho, a validação conceitual para o segundo estudo de caso das
propostas iniciais mediante a prototipagem física de alguns dos subsistemas pode ser
considerada a principal razão dessa diferenciação. A partir dessa validação e com os
benefícios da simulação digital, a finalização e especificação do conceito global foram
possíveis, porém o custo de uma prototipagem física do sistema global tornou-se inviável
devido à relação custo/benefício de um protótipo para aquele momento do projeto. Na Figura
116
3-8 é possível ver a distinção dos processos de projeto em suas etapas e nas retro-
alimentações presentes.
Figura 3-8: Fluxograma das principais etapas dos processos de projeto, com destaque para as etapas de
simulação humana e prototipagens físicas.
Outro diferencial explícito entre os casos apresentados foi a interação entre o
ato de projetar e as análises a partir das simulações. No desenvolvimento do posto de
manufatura, as modificações no projeto, resultantes das simulações, foram frequentes e
conduziram o processo de projeto durante a etapa de detalhamento do conceito global. No
entanto, apesar das influências da simulação humana no projeto conceitual do balcão de
117
atendimento, ela atuou com maior ênfase validando e intermediando o processo social
existente do que uma ferramenta técnica de desenvolvimento de projeto.
Pretende-se, com esses estudos, demonstrar as possibilidades e vantagens da
utilização de um ferramental técnico e quantitativo dentro da perspectiva da análise
ergonômica do trabalho e considerando o processo social presente durante o ato de projetar.
Em complemento a essa contribuição, pretende-se evidenciar, da mesma forma, que a
abordagem estritamente técnica da ergonomia física deve abrir espaço para os aspectos
cognitivos e organizacionais do trabalho, principalmente pela análise da atividade e
consideração dos processos sociais envolvidos.
No capítulo que segue serão tratadas as questões relativas ao uso da simulação
humana, construindo considerações entre a teoria abordada e a prática analisada.
118
4 ANÁLISE DA APLICAÇÃO DA FERRAMENTA COMPUTACIONAL
O ponto de partida desta pesquisa foi a consideração de que a tecnologia de
modelagem e simulação humana pode contribuir para os processos de projeto de postos de
trabalho, favorecendo ou possibilitando a introdução de perspectivas ascendentes na
concepção de situações produtivas.
Como foi abordado no capítulo introdutório deste trabalho, a aplicação prática
desse ferramental, em projetos contextualizados pela análise ergonômica do trabalho, suscita a
investigação das seguintes questões que se pretende discutir no presente capítulo:
a) a falta de dados antropométricos adequados para a aplicação do software, considerando a
fisiologia do trabalhador brasileiro;
b) os problemas na importação de modelos realizados em software CAD para o software
Jack;
c) dificuldade de operação do software de simulação humana, devido à diferença de
usabilidade entre este e outros programas computacionais de uso comum do dia-a-dia da
prática de projeto;
d) dificuldades na utilização dos módulos de modelagem, animação e análise presentes no
software.
Considera-se que a introdução desta ferramenta, no interior das intervenções
ergonômicas, proporciona um apoio ao espaço de confrontação com a perspectiva
descendente, associada a uma lógica de racionalidade produtiva. Considerou-se também que a
confrontação entre uma perspectiva descendente (abordagem clássica de projetos) e outra
ascendente (ergonomia da atividade) se dá “em torno dos conceitos de técnica, de trabalho e
de homem e que o locus desta confrontação é um processo de projeto onde atores com
diferentes representações constroem uma nova representação acerca de tais conceitos”
(MENEGON, 2003). Os estudos de caso demonstram a capacidade da simulação humana
digital atuar como um dos meios de comunicação entre tais atores. Em especial, pode-se citar
o estudo de caso do balcão de atendimento, onde essa ferramenta computacional serviu como
apoio à discussão entre diferentes profissionais (engenheiros, médicos, arquitetos, gestores,
atendentes, entre outros) responsáveis por representar e buscar os interesses das mais diversas
gerências e departamentos, entre elas, as áreas de saúde, comercial, tecnologia da informação
e engenharia.
119
A seguir são apresentadas considerações sobre diferentes recortes da tecnologia
abordada: dados de antropometria; processo de modelagem humana internamente aos
programas computacionais; modelagem dos ambientes tridimensionais (internamente e
externamente ao software com o uso de ferramentas CAD); construção da simulação humana;
e, concluindo, considerações sobre as ferramentas de análise disponíveis.
4.1 Dados Antropométricos
Para Menegon et al. (2002) as questões antropométricas influenciam aspectos
relacionados à fisiologia e à psicologia do conforto e da percepção. Dimensões
antropométricas são dados de base, essenciais para a concepção e dimensionamento dos
produtos, ambientes e postos de trabalho, propiciando segurança e conforto aos usuários.
É de fundamental importância que os dados antropométricos utilizados sejam
aderentes às características morfológicas dos usuários dos postos de trabalho sob análise e
projeto. Nesse sentido o Brasil enfrenta a mesma dificuldade encontrada na grande maioria
dos países que atuam com modelagem humana, isto é, a falta de levantamentos
antropométricos criteriosos e atualizados, exceção para os Estados Unidos (pioneiro nessas
pesquisas), alguns países da Europa e o Japão.
No entanto, destaca-se que, para os estudos de caso apresentados, foram
utilizados dados provenientes de uma pesquisa antropométrica, realizada no ano de 2001, em
uma empresa aeronáutica do estado de São Paulo (Menegon et al., 2002). Tal pesquisa
possuiu um grande diferencial na definição das variáveis, visto que os segmentos e
proporções foram definidos com base na interface de entrada de dados do software utilizado.
Normalmente, os dados precisam ser adaptados para conceber a modelagem
humana, comprometendo, dessa maneira, a confecção de modelos digitais humanos aptos para
análises (JONES, 1997). Tal situação se deve, principalmente, ao fato de que levantamentos
antropométricos têm como principais objetivos atender as necessidades das indústrias de
vestuário e mobiliário, ou ainda, a confecção de tabelas antropométricas para uso genérico de
projetistas. Nas bibliografias consultadas até o presente momento, pelo autor deste trabalho,
não foram encontradas referências de pesquisas antropométricas realizadas com base nas
variáveis de entrada de algum software de modelagem e simulação humana.
120
Nas aplicações apresentadas neste trabalho, a utilização dos dados
antropométricos, para a criação de modelos humanos digitais, seguiu os seguintes princípios:
a) o projeto e simulação digital de dispositivos de produção deve considerar os limites
extremos da população, equacionando as variáveis de projeto para atender pelo menos
90% dos sujeitos, situados entre o mínimo (percentil 5) e máximo (percentil 95); e,
b) o projeto de dispositivos cujas variáveis não possam ser equacionadas pela aplicação do
primeiro princípio, deverão possuir regulagens definidas a partir da simulação em
ambiente digital que possibilitem o ajuste e a acomodação de 90% da população.
Para atender aos princípios citados é fundamental que a modelagem reflita,
com fidelidade, os dados disponíveis.
4.2 Modelagem Humana no Software JACK
Um dos principais fatores a serem considerados na simulação e modelagem
humana é a aplicabilidade das dimensões antropométricas no software. Devido à suas origens
(América do Norte e Europa, principalmente) os bancos de dados antropométricos padrões
contêm as informações das populações de seus países de origem. No entanto, a maioria dos
programas possibilita a “customização” dos manequins, em diferentes graus de recursos e
possibilidades (PORTER et al., 1995).
Para Farrel (2005, p. 12), como existe um aumento da aplicação de ferramentas
computacionais na concepção de postos de trabalho, há uma evolução da demanda da
indústria para avaliar os aspectos humanos dos projetos dentro de um ambiente digital. No
entanto, segundo o autor, isso exige modelos humanos digitais precisos e com capacidade de
retornar respostas confiáveis.
A validação da modelagem humana, utilizada nos estudos de caso abordados,
foi apresentada por Braatz et al. (2002) em um estudo comparativo entre as dimensões do
manequim digital e as dimensões referentes ao levantamento antropométrico (BRASIL,
2001), explicando inclusive as razões das divergências encontradas e as dificuldades em
aplicar dados bidimensionais em modelos humanos tridimensionais.
Aparentemente sem dificuldades, esta etapa parece ser um simples
preenchimento de variáveis. No entanto, esta atividade apresenta uma complexidade
intrínseca, devido à uma lógica de construção automática ou semi-automática de manequins
121
digitais, existente em todos os programas computacionais de modelagem humana. Tal lógica é
aparente na forma de construção “Basic Scaling” do Jack, onde são inseridas apenas duas
dimensões antropométricas e especificado o sexo, e o restante é calculado pelo software. Na
forma “Advanced Scaling” a lógica é a mesma. Isto quer dizer que, por exemplo, quando um
valor para a estatura (estature) é definido, o software calcula automaticamente outras
dimensões, como a altura do ombro em pé (acromion height) e altura do nível dos olhos,
sentado (sitting eye). É importante salientar que existe no Jack uma opção (checkbox) para
“travar” a dimensão, isto é, o valor definido não deve ser alterado. Esta opção é fundamental
para a construção do modelo, no entanto, quando se trata de dimensões interdependentes, o
dispositivo de travamento não atua, devido à existência de uma lógica programada que
relaciona e recalcula tais dimensões.
Para trabalhar com essa situação (não travamento) nas aplicações
desenvolvidas foi estabelecida uma forma de tratar as dimensões, buscando obter valores
próximos daqueles levantados na pesquisa antropométrica.
Inicialmente foi necessário identificar quais variáveis eram interdependentes.
As principais variáveis consideradas “amarradas” entre si são: Estatura (Stature); Altura do
maléolo lateral (Ankle Hgt.); Altura do ombro, em pé (Acromion Height); Profundidade
nádegas joelho, sentado (Buttock – Knee); Comprimento vertex-gnation (Head Height);
Altura do ombro – assento (Sitting Acromial); Altura do nível dos olhos-assento (Sitting Eye);
Altura da cabeça-assento (Sitting Hgt.) e Altura do joelho, sentado (Sitting Knee).
Após essa verificação foi possível compreender a lógica da interdependência
entre as dimensões e concluir que a fórmula que atua nestas não é linear.
O método presente no trabalho de Braatz et al. (2002) consistiu numa forma
iterativa de refinamento. O início da modelagem ocorre através de ordem de importância das
dimensões, sendo inseridas no início aquelas consideradas de maior relevância. Ao terminar a
primeira definição de valores é necessário que todas as dimensões sejam revisadas.
Automaticamente algumas medidas são alteradas pelo software. Neste momento, iniciam-se
as iterações, seguindo a mesma lógica anteriormente citada, até que os valores encontrados
sejam aceitos. Mediante esse método foi possível a construção de manequins digitais com
dimensões muito próximas às encontradas na base utilizada como referência.
Os resultados obtidos podem ser visualizados nas Tabelas 4-1 e 4-2.
122
Quadro 4-1: Diferença obtida entre o Jack e a base de dados usada do INT para MHDs masculinos (em cm)
(BRAATZ et al., 2002).
HOMENS
5% 50% 95%
MEDIDAS ANTROPOMÉTRICAS
dif INT dif INT dif INT
Estatura
Stature
-0,1 161.2 0,0 172.3 0,0 182.2
Altura do ombro, em pé
Acromion Height
0,1 132.7 2,0 143.2 1,8 152.6
Comprimento do membro superior
Arm Length
0,0 72.4 0,0 79.2 0,0 85.5
Largura bideltóide, sentado
Bideltoid Br.
0,0 42.0 0,0 46.4 0,0 51.5
Profundidade nádegas-joelho, sentado
Buttock - Knee
-1,2 53.8 -3,3 59.5 -1,8 64.6
Comprimento antebraço-mão, sentado
Elbow - Fingertip
-0,2 42.9 -0,1 47.3 -0,2 50.6
Largura máxima do pé descalço
Foot Breadth
0,0 9.1 0,0 10.0 0,1 11.1
Comprimento máximo do pé descalço
Foot Length
-0,1 23.8 0,0 25.8 0,0 28.0
Largura da mão, no polegar
Hand Breadth
0,0 9.3 0,0 10.1 0,1 11.1
Comprimento máximo da mão
Hand Length
0,0 17.1 0,0 18.7 0,1 20.1
Largura bieurion
Head Breadth
0,0 14.3 -0,1 15.4 0,0 16.6
Profundidade glabella-opisthokranion
Head Length
0,0 18.1 0,0 19.2 0,0 20.3
Largura do quadril, em pé
Hip Breadth
-0,1 30.5 0,0 33.0 0,0 37.0
Distância entre pupilas
Interpupil
0,8 5.7 1,0 6.3 1,2 6.9
Comprimento do braço
Shoulder - Elbow
-0,2 34.7 -0,2 38.3 0,0 42.7
Altura do ombro, sentado
Sitting Acromial
0,0 53.7 -1,1 57.2 -0,5 61.5
Altura do nível dos olhos, sentado
Sitting Eye
0,0 71.2 0,0 76.7 0,0 82.5
Altura da cabeça, sentado
Sitting Hgt.
0,8 83.3 -0,6 88.9 1,3 94.8
Altura do joelho, sentado
Sitting Knee
0,0 50.8 0,0 54.9 0,0 59.8
Quadro 4-2: Diferença obtida entre o Jack e a base de dados usada do INT para MHDs femininos (em cm)
(BRAATZ et al., 2002).
MULHERES
5% 50% 95%
DIMENSÕES ANTROPOMÉTRICAS
dif INT dif INT dif INT
Estatura
Stature
0,0 152.2 0,0 161.2 0,0 171.9
Altura do ombro, em pé
Acromion Height
-1,2 125.1 -2,6 133.4 -0,4 143.0
Comprimento do membro superior
Arm Length
0,0 66.6 0,0 71.8 -0,2 78.6
Largura bideltóide, sentado
Bideltoid Br.
0,0 38.2 0,0 41.5 0,0 45.6
Profundidade nádegas-joelho, sentado
Buttock - Knee
-5,7 51.5 -1,3 56.3 -0,4 61.0
Comprimento antebraço-mão, sentado
Elbow - Fingertip
-0,1 40.0 -0,2 42.7 0,0 46.7
Largura máxima do pé descalço
Foot Breadth
-0,1 8.3 0,0 9.0 0,0 9.9
Comprimento máximo do pé descalço
Foot Length
0,0 21.7 0,0 23.6 0,0 25.7
Largura da mão, no polegar
Hand Breadth
0,0 8.1 0,0 8.8 0,0 9.4
Comprimento máximo da mão
Hand Length
0,1 16.0 0,0 17.1 0,0 18.4
Largura bieurion
Head Breadth
0,0 13.9 0,0 14.8 0,0 15.6
Profundidade glabella-opisthokranion
Head Length
0,0 17.2 0,0 18.3 0,0 19.3
Largura do quadril, em pé
Hip Breadth
0,0 30.5 0,0 33.1 0,0 37.3
Distância entre pupilas
Interpupil
-0,5 5.5 -0,4 6.0 0,0 6.7
Comprimento do braço
Shoulder - Elbow
-0,2 32.1 -0,3 35.0 0,0 39.0
Altura do ombro, sentado
Sitting Acromial
1,7 55.7 0,0 60.0 3,4 65.2
Altura do nível dos olhos, sentado
Sitting Eye
-5,1 67.5 -2,3 72.6 0,0 77.5
Altura da cabeça, sentado
Sitting Hgt.
0,3 80.3 0,0 85.3 0,0 90.3
Altura do joelho, sentado
Sitting Knee
0,0 47.4 0,1 50.7 0,0 54.3
123
As diferenças encontradas são consequência da interdependência de medidas.
As maiores diferenças estão presentes na “Distância entre pupilas” (interpupil), devido esta
dimensão ser diretamente dependente da dimensão “Largura Bieurion” (Head Breadth), isto é,
o software não permite que as duas variáveis sejam inseridas, forçando ao usuário decidir qual
dimensão é preferencial. Esta relação ocorre também entre a “Profundidade nádegas-joelho,
sentado” (Buttock – Knee) e “Altura do ombro, em pé” (Acromion Height).
Tais divergências ocorrem devido ao fato das dimensões do corpo de um
indivíduo não serem perfeitamente correlacionadas no mesmo percentil (PANERO e
ZELNIK, 2002). Assim, para a construção de manequins tridimensionais apenas algumas
dimensões chaves podem ser estabelecidas dentro de um determinado percentil (PASTURA,
2000).
As mesmas dificuldades encontradas na construção do manequim Jack, a partir
das variáveis da população local, verificaram-se quando da tentativa com software ERGO e
CATIA (TOSSETO e MENEGON, 2008), indicando que, apesar de não existir um padrão
para a construção desses manequins, os programas seguem lógicas similares, associando à
algumas variáveis chaves, proporções que definem outras dimensões (lineares e perimétricas),
relacionadas aos diferentes segmentos corpóreos.
Do trabalho desenvolvido por Braatz et al. (2002), derivam dois alertas para
aqueles que tenham interesse na aquisição dessa tecnologia:
a) faz-se necessário que os fornecedores de software de simulação humana explicitem os
modelos conceituais utilizados na elaboração dos manequins; e,
b) faz-se necessário o acesso ao código fonte que dá origem ao humano digital, para a efetiva
utilização de dados relativos à população brasileira na confecção dos manequins.
Por outro lado, a utilização, nos estudos de caso apresentados, de modelos
humanos digitais criados a partir de dados antropométricos de uma amostra da população
local (BRASIL, 2001), é um avanço para os usuários da tecnologia da simulação humana e
sistemas CAD de modelagem humana no Brasil. Conforme foi possível demonstrar, tanto no
desenvolvimento do balcão de atendimento, quanto no de um posto de manufatura, esses
manequins podem ser utilizados nas diversas etapas de análise de ambientes existentes, como
na concepção e validação das situações de trabalho futuras.
124
4.3 Modelagem Tridimensional de Ambientes Digitais
Como visto no Capítulo 2, a modelagem dos ambientes no Jack pode ocorrer
internamente ao software ou através de programas computacionais de modelagem
tridimensional, com destaque para as ferramentas CAD. A primeira opção é extremamente
limitada, pois apresenta poucos recursos de modelagem, estando disponíveis apenas formas
básicas (cubo, pirâmide, cilindros, entre outros). Outra possibilidade interna é o uso da
biblioteca existente com objetos previamente modelados. A restrição dessa opção está na
quantidade e qualidade dos modelos disponíveis.
Dessa forma, é praticamente inviável imaginar uma simulação de um ambiente
sem a utilização de outro software para modelagem deste. Para tal, o Jack apresenta uma lista
de extensões de arquivos aceitos para importação, incluindo VRML, IGES e STL, por
exemplo.
A cerca da modelagem importada é importante salientar o desempenho
demonstrado pelo software, mesmo instalado em computadores pessoais (PC), com
processadores simples e sob plataforma Microsoft Windows. Nas simulações desenvolvidas
nos casos 1 e 2, a presença de modelagens complexas não alterou a boa performance, sem
aumento sensível do tempo de processamento, de rendering ou travamento da simulação.
A importância da modelagem dos ambientes em busca de níveis melhores de
detalhamento e acabamento pode ser comparada à influência da aparência do manequim
humano digital na percepção e avaliação dos usuários dessa tecnologia discutida no Capítulo
2. Dessa forma, ambientes com aparências realistas facilitam a compreensão e a comunicação
entre os diversos atores envolvidos no processo de projeto.
4.4 Usabilidade e o Processo de Simulação Humana no JACK
Um dos primeiros desafios para novos usuários da ferramenta utilizada neste
trabalho é o conflito de usabilidade, principalmente para pessoas acostumadas com outros
programas de computação gráfica, como por exemplo, AutoCAD e 3D Studio. As lógicas de
interface, comandos e formas de salvar, importar e exportar, entre outras, são exclusivas no
125
software Jack, fazendo com que usuários experientes em outras tecnologias necessitem um
tempo mínimo para sua aprendizagem e domínio.
O processo de simulação humana é construído conforme as especificidades de
cada projeto, procurando atender aos objetivos e restrições impostos. Nesta construção
poderão ser utilizados os diversos recursos disponibilizados pelo software, conforme visto no
Capítulo 2, principalmente através do uso de posturas pré-definidas, sistemas de ajuste das
juntas, controle humano, ajuste das mãos, campo de visão e animações.
Outra importante consideração a respeito do processo de simulação humana é a
utilização ou não de animações. Essa forma dinâmica de representação é altamente
recomendável, por demonstrar a relação do tempo durante a execução das atividades. No
entanto é exponencial o aumento de dificuldade e tempo necessário, quando comparada à
simulação exposta através de diversas imagens estáticas.
Essa dificuldade ocorre tanto pela interface e lógica específicas do software
quanto pela necessidade de ajustar os objetos e manequins, o que pode consumir um elevado
tempo, conforme o nível de detalhamento desejável. Nas aplicações demonstradas nesta
pesquisa, todas foram animadas e simuladas em tempo real, sendo estimada uma proporção
média consumida de 10 horas de trabalho, com duas pessoas capacitadas, para cerca de 30
segundos de simulação (com o nível de detalhamento apresentado).
Nos casos apresentados, a questão da usabilidade esteve bastante presente,
exigindo um alto grau de atenção e dedicação dos projetistas, principalmente no caso 2, onde
diversos elementos (subsistemas e o modelo humano digital) foram animados
simultaneamente com o objetivo de prever a atividade futura provável e permitir a confecção
de análises.
4.5 Considerações sobre as Ferramentas de Análise disponíveis
Os programas computacionais de simulação humana apresentam como
característica crescente a disponibilização de ferramentas de análise. Estas, na maioria das
vezes, são baseadas em ferramentas existentes e de uso comum em análises ergonômicas com
abordagem dos fatores humanos. Entre as ferramentas deste gênero, citadas no Capítulo 2,
destacam-se o RULA, NIOSH e OWAS. No entanto, somente estão disponíveis em versões
completas do software.
126
Nas aplicações desenvolvidas utilizou-se a versão Classic Jack 2.2i, a qual
possui apenas análises de menor complexidade como de torque e força, zonas de alcance,
detecção de colisões e mensuração de distâncias. Das análises citadas destaca-se a utilidade da
determinação dos envelopes de alcance e de detecção de colisões, ambas aplicadas nos
projetos desenvolvidos.
Com relação às primeiras análises, de maior complexidade e que seguem
padrões conhecidos dos ergonomistas, conclui-se que o uso delas deve ocorrer de forma
cautelosa e criteriosa. Alguns pontos que considerados importantes sobre esse aspecto são:
a) o analista deve possuir uma boa compreensão sobre o método/ferramenta;
b) é desejável experiência do analista com o método em sua aplicação tradicional;
c) a análise com base na simulação deve ser acompanhada por pessoas que conheçam bem o
processo produtivo e situações de referência;
d) os resultados das análises devem ser questionados quanto à fidelidade ao método e às
aproximações realizadas durante os processos de modelagem, tanto humana quanto do
ambiente.
De qualquer forma recomenda-se uma “calibração” da ferramenta pelo analista,
por meio de análises de um mesmo posto, sob as mesmas condições, em ambiente digital
(com o uso do software) e físico (aplicação tradicional).
É importante salientar que, mesmo sendo uma forma de análise mais prática,
menos dispendiosa e com um menor nível de perturbação dos ambientes produtivos, tais
ferramentas, mesmo sendo baseadas em padrões reconhecidos e legitimados, não permitem
eliminar a figura de um ergonomista, o qual vai até o local de trabalho sob intervenção para
conhecer o ambiente, compreender o contexto e interagir com os trabalhadores, buscando
revelar os verdadeiros condicionantes da atividade.
Das ferramentas de análise, presentes na versão básica, destaca-se uma opção
com grande potencial de contribuição em análises de postos de trabalho é a antecipação do
campo visual, por meio do View Cones (cones de visão para cada olho) e do Eye View. O
ângulo dos cones pode ser configurado conforme a necessidade do usuário, sendo que o
manual do software (UGS, 2004) afirma que o valor de 40 graus é um ângulo ideal para o
posicionamento de objetos de uso principal. Para Farrel (2005, p. 47) a acuidade visual é
praticamente zero acima de 35 graus e é máxima entre 0 e 15 graus, conforme Figura 4-1. No
Apêndice A tais ferramentas são abordadas em um maior nível de detalhe.
127
Pode-se concluir que um risco presente nas aplicações desenvolvidas com o
uso desse tipo de ferramenta é o reducionismo da situação global, minimizando a relevância
dos aspectos organizacionais e cognitivos situados no contexto e que, geralmente, não estão
presentes em modelos virtuais. Isto é, a modelagem para uma simulação nunca comportará
todos os aspectos organizacionais (influência de turnos de trabalho, definição de equipes,
formas de gestão e cobrança de resultados, entre outros) e, principalmente, aspectos
cognitivos (nível de atenção demandada, processo de tomada de decisão, memória, entre
outros).
Figura 4-1: Ângulos de acuidade visual máxima e mínima. Adaptado de Farrel (2005).
Isso agrava-se pela possibilidade de o analista não conhecer a fundo o local sob
análise e não ter acesso a pessoas que trabalham e conhecem as principais dificuldades que
encontram no seu dia-a-dia, isto é, a simulação é altamente dependente da visão do trabalho
que o usuário dessa tecnologia possui ou tem a sua disposição. Tais dificuldades influenciam
diretamente na determinação da atividade futura provável a ser simulada
Nesse sentido a importância da complementaridade de protótipos físicos, além
da prototipagem digital, permite a interação do usuário/trabalhador com o posto de trabalho
em projeto, assim como com os analistas e projetistas, sendo fundamental para validar e
melhorar uma série de aspectos “invisíveis” em ambiente digital. Essa experiência de
interação não pode ser substituída por ferramentas computacionais, por mais avançadas que
possam ser, visto a riqueza existente na interação física com um protótipo, revelando
128
sensações, percepções e detalhes, tanto por parte daqueles que concebem, quanto daqueles
que usam.
No Capítulo 5, são apresentadas as conclusões da pesquisa, considerando, em
particular, as contribuições do ponto de vista da simulação humana para o projeto de postos
de trabalho. Também são exploradas as limitações da ferramenta e da pesquisa.
129
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apresentada na introdução deste trabalho, a principal hipótese confirmada foi a
de que a simples aquisição de uma licença de software e a presença de um profissional
habilitado para operá-lo não permite a realização de simulações, projetos e análises em um
nível satisfatório no que se refere à considerações ergonômicas. As aplicações estudadas,
juntamente com os demais estudos desenvolvidos ao longo dos últimos dez anos (BRAATZ et
al., 2002; BRAATZ et al., 2006; BRAATZ et al., 2007; MENEGON et al., 2004; TONIN et
al., 2007), apontam que essa ferramenta pode contribuir em um processo de projeto, porém
deve estar contextualizada com métodos, conhecimentos e outras ferramentas que viabilizem
esse potencial de contribuição.
Sob a perspectiva dos objetivos específicos orientadores do trabalho é possível
concluir que obteve-se êxito na criação e disponibilização de conhecimentos sobre uma
tecnologia relativamente nova no contexto mundial e pouco conhecida no Brasil, seja em
termo da revisão bibliográfica quanto da apresentação e discussão das aplicações,
principalmente pelo fato dessas serem contextualizadas por outros métodos e ferramentais.
Com relação ao objetivo de investigar as contribuições de um ferramental da
corrente ergonômica americana de fatores humanos, dentro de um contexto da ergonomia
centrada na atividade, obteve-se como resultado a proposição de um contexto para alavancar
as possibilidades de contribuição e adoção da abordagem definida por Daniellou (2002) que
trata da utilização de situações de referência e simulações para antecipar a atividade futura
provável, visando projetos de postos de trabalho.
5.1 Contribuições da simulação humana computacional no projeto de
situações produtivas
A aplicação de simulação no processo de projeto, durante um estudo
ergonômico, deve ter fundamentação conceitual e metodológica para obter resultados efetivos
(DANIELLOU, 2002; MENEGON et al., 2004).
130
Nesses termos, a presente pesquisa defende a linha definida por Daniellou
(2002) na qual os elementos do modelo da racionalidade técnica e do modelo de negociação
dos constrangimentos podem ser trabalhados em conjunto. Dessa forma também acredita-se
que a ergonomia, e nesse caso específico, com o apoio da simulação humana digital, deve
influenciar os processos de projeto, para favorecer uma concepção das situações de trabalho
eficaz e compatível com o bem-estar dos trabalhadores, através de uma ação precoce e ampla,
definida pelos objetivos da intervenção ergonômica.
Esse tipo de ação sugere a proposição de uma abordagem contextualizada para
maximizar a potencialidade de contribuições de um software de modelagem e simulação
humana digital durante o processo de projeto de situações produtivas. Essa contextualização
pode ser observada na Figura 5-1.
Figura 5-1: Contextualização da contribuição da simulação humana em um processo de intervenção ergonômica.
A ilustração sugere que, a partir de uma demanda inicial, a intervenção
ergonômica busca a compreensão e construção de um diagnóstico por meio da AET, para, em
seguida, iniciar formalmente as atividades relacionadas a projeto.
Dentro desse contexto, a simulação humana serve como ferramenta de apoio à
atividade projetual, permitindo criar diferentes cenários e confeccionar análises a partir do
131
diagnóstico e compreensão obtidos nas etapas anteriores da AET (análises da demanda,
tarefa e atividade). Por outro lado, serve como ferramenta de comunicação e validação do
próprio diagnóstico e dos projetos desenvolvidos, seja por meio de análises biomecânicas ou
pela percepção e participação dos atores envolvidos no processo.
A atividade projetual deve utilizar-se das validações baseadas tanto em
simulações humanas, quanto em outras formas de avaliação (análises biomecânicas e
questionários de percepção, por exemplo), para gerar as especificações técnicas que resultarão
na implantação e difusão da nova situação produtiva.
O processo participativo, seja auxiliando a compreensão da atividade, ou
participando diretamente no projeto, implica em confrontações de diferentes mundos-objeto,
os quais necessitam de um espaço de discussão e de construção de consensos, acordos e
deliberações no decurso do projeto (BUCCIARELLI, 1996).
Tal compreensão demanda mecanismos que permitam a integração do grupo na
construção coletiva do problema de projeto e do campo de soluções possíveis, partindo da
realidade da situação e considerando as diferentes interpretações dos envolvidos (operadores
dos postos de trabalho, chefias, gerências, pesquisadores, entre outros), criando espaços para
tomadas de decisões e validações (MENEGON, 2003).
Ainda nessa linha, Torres (2007) afirma que a concepção de instalações
industriais ocorre em grupos participativos, com a ocorrência de atividades desestruturadas e
onde mundos-objetos negociam para manifestar parte de sua visão. Para o autor, cada mundo-
objeto, ao entrar em contato com outra solução estruturada, pode estabelecer um diálogo em
que as diferenças explicitam pontos críticos importantes, podendo ser tratadas de maneira
preventiva.
É importante observar que a possibilidade de contribuição da tecnologia sob
estudo está diretamente relacionada à qualidade das relações das diferentes etapas,
principalmente, entre a atividade projetual e as análises ergonômicas. Por tal razão, conclui-se
que o cenário ideal de uma intervenção dessa natureza deva contar com os projetistas e
ergonomistas participando ativamente, desde as primeiras análises até as validações do
projeto desenvolvido, do processo de implantação e difusão dos artefatos concebidos, sendo
altamente recomendável uma nova análise do ambiente de trabalho transformado, pois este
irá revelar novos constrangimentos, configurando um ciclo contínuo.
132
5.2 Limitações da ferramenta e dificuldades operacionais
Os resultados apresentados mostram que a utilização dessa tecnologia, de
forma estruturada e baseada conceitualmente, pode ser considerada um instrumento auxiliar
na busca pela consideração antecipada de questões ergonômicas relativas ao ser humano e sua
interação com o ambiente. No entanto, torna-se necessária a compreensão de que tal
ferramenta é própria da ergonomia clássica anglo-saxônica, de caráter altamente tecnicista,
com ênfase em fatores biomecânicos, antropométricos e geradora de análises quantitativas.
Nesse sentido, uma questão que deve sempre ser considerada, nesse tipo de
simulação, é que os “trabalhadores digitais fazem somente o que nós pedimos para eles
fazerem”.
As dificuldades relacionadas aos dados antropométricos e ao processo de
modelagem humana também foram abordadas no capítulo anterior, tendo como base as
aplicações práticas desenvolvidas. Como visto, a falta de pesquisas antropométricas
atualizadas e adequadas ao uso para simulação humana, tanto com relação à abrangência da
população considerada, quanto às variáveis levantadas, pode ser considerada a principal
barreira para usuários dessa tecnologia nesse aspecto. Outro desafio relevante é a modelagem
dos manequins digitais humanos que possuem lógicas internas fechadas e necessitam de
procedimentos complexos e extensos para obter resultados satisfatórios e validar os
manequins gerados.
Com relação ao processo de simulação humana e criação de animações, as
dificuldades que envolvem esse processo são salientadas pela inexistência de versões de
visualização do Jack, obrigando que o manuseio dos arquivos, gerados pelo software, somente
possam ser realizados nos computadores que contenham a licença do mesmo. Como na
maioria das vezes torna-se inviável o transporte do computador para realização de reuniões e
visitas técnicas aos locais sob projeto, compromete-se a participação do grupo de trabalho na
construção das simulações, tornando necessária a exportação da simulação no formato de
imagens e vídeos.
Além das limitações e dificuldades citadas, um aspecto que inibe a adoção
dessa tecnologia em um maior número de empresas e instituições é a baixa difusão e
possibilidade de troca de informações e experiências com outras empresas, instituições e
usuários. Esse comportamento com relação a outras ferramentas computacionais é cada vez
mais comum e ocorre, formalmente, em feiras e congressos e, de maneira informal, através de
133
fóruns e sites de internet. Uma possibilidade para reverter tal quadro, e que já ocorre
internamente ao departamento onde se encontra o grupo Ergo&Ação, é a maior presença no
meio universitário, buscando apresentar tal tecnologia durante a formação dos profissionais
que irão atuar nas áreas de ergonomia, projetos de produto e de postos de trabalho.
Uma das razões que podem ser citadas como responsável por essa baixa
adoção, além da inexistência de versões de demonstração ou acadêmicas, é o custo inicial de
uma licença do software para uma estação de trabalho, que ultrapassa cem mil reais.
Por fim, questões como usuários bem treinados, necessidade de know-how nas
áreas de projeto, ergonomia, biomecânica e computação, além da capacidade de análise e
síntese dos resultados gerados, são requisitos necessários, e, portanto, desafios para utilização
desta tecnologia.
5.3 Limitações e continuidade da pesquisa
Pode-se considerar que a presente pesquisa possui duas limitações bem claras e
distintas. A primeira faz referência aos estudos de caso apresentados, pois possuem
características muito específicas, tanto no que diz respeito às empresas, quanto ao modo que o
processo de projeto ocorreu. No entanto, acredita-se que esse trabalho pode servir como
referência conceitual, teórica e prática, auxiliando a compreensão e concepção de outras
situações e ambientes produtivos.
A segunda limitação diz respeito ao uso restrito de apenas um software, sem a
possibilidade de comparação prática entre diferentes programas computacionais. Apesar
disso, acredita-se que os resultados obtidos são úteis, por analogia, a outros programas
computacionais, essencialmente, no que se refere à discussão da contextualização da
contribuição dessa tecnologia em uma intervenção ergonômica.
De qualquer forma, permanece o limite temporal para as conclusões
levantadas, fundamentalmente, devido ao rápido avanço na área de tecnologias
computacionais e pelas estratégias definidas pelas grandes empresas de software, no que se
refere tanto a aquisições de software concorrente, atualizações (upgrades), quanto às atuais
fusões com outros programas e pacotes computacionais, criando sistemas computacionais
compostos por módulos que interagem entre si.
134
No que tange à continuidade desta pesquisa, pretende-se eliminar a limitação
criada com o foco em apenas uma ferramenta computacional, elevando a discussão para
campos teóricos, os quais, independentes da evolução da tecnologia, poderão ser aplicados no
desenvolvimento de projetos que contemplem a atividade com as ferramentas disponíveis.
Vislumbra-se, também, a construção de conhecimentos a respeito da concepção de novas
unidades produtivas, a partir de autores como Daniellou (2002) e Garrigou et al. (2001) que
propõem o uso de situações de referência e simulação da atividade futura provável, para
inserção eficaz do ergonomista no processo de concepção. A Figura 5-2 ilustra uma
articulação metodológica que se pretende discutir em futuras pesquisas e que, com relação ao
modelo apresentado por Garrigou et al. (2001) na Figura 2-9, possui diferentes
relacionamentos.
Figura 5-2: Articulação metodológica e conceitual visando a condução de processos de projeto.
A Base de Conhecimento representa um locus de acúmulo de referências
derivadas das experiências projetuais e dos estudos de ergonomia na indústria. Os Grupos de
Projeto representam os diferentes atores sociais que interagem na concepção das situações de
135
trabalho futuras, oriundos de diversas áreas técnicas especializadas. A intermediação entre a
base de conhecimento disponível e os grupos de projeto ocorre através de treinamentos e
cursos específicos para tais grupos.
No entanto, é importante salientar que, ao contrário do modelo definido por
Garrigou et al. (2001), onde os autores pressupõem que os projetistas possuem os
conhecimentos sobre o homem no trabalho, esta consideração não é verificada nas
experiências práticas vivenciadas. Isso ocorre devido às preocupações e objetos de interesse
que tais profissionais possuem, isto é, cada um com seu mundo-objeto.
Faz-se necessária, portanto, a presença do ergonomista que conheça as
Situações de Referência e esteja envolvido no processo de projeto para fornecer tais
conhecimentos aos projetistas conforme o andamento do processo e retro-alimentando a base.
Ainda na articulação proposta, a Reconstrução da Atividade designa as pesquisas que visam
recompor, a partir das análises pontuais, o conjunto de condicionantes da atividade, e
possibilitam a construção de diversos Cenários Evolutivos articulando ergonomistas e
projetistas durante as diferentes etapas do processo de projeto.
Tais cenários são de fundamental importância e necessitam de maior atenção
por parte dos ergonomistas e projetistas. A eficiência na geração conceitual, desenvolvimento
preliminar e análise de cada cenário são determinantes para o sucesso da articulação proposta
em projetos com restrição de tempo. Tal perspectiva representa uma das principais limitações
do software Jack no projeto de situações produtivas de forma articulada com outros métodos,
como a AET, por exemplo, e pela limitação da participação dos diversos interessados no
projeto durante a concepção da simulação.
Nesse contexto, as Situações de Simulação constituem os momentos
específicos em que ergonomistas e os grupos de projeto, gestores e operadores, isto é, os
stakeholders, interagem sobre o cenário de simulação, estabelecendo-se assim, um espaço
apto e benéfico para interações e validações, seja através de protótipos e representações
físicas ou maquetes, protótipos e simulações computacionais, como, por exemplo, a
modelagem e simulação humana digital.
136
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143
7 APÊNDICE A – descrição do software de modelagem e
simulação humana JACK
Jack é uma ferramenta gráfica digital que permite simulações de vários
parâmetros de situações reais de trabalho, visando o ambiente e, principalmente, a figura
humana. Desta forma, o software é especialista na criação de “mundos virtuais”, através da
criação de ambientes digitais tridimensionais que interagem com humanos digitais. Conforme
apresentado no manual do usuário, da versão 4.1 (UGS, 2004), Jack destaca-se pelas seguintes
aplicações:
a) criação e visualização de mock-ups digitais de projetos;
b) análises ergonômicas de projetos;
c) estudo dos fatores humanos em postos de trabalhos simulados;
d) avaliação de operações de manutenção;
e) treinamento de usuários (operadores e manutenção).
O software, ao longo das duas últimas décadas, vem se aperfeiçoando na
modelagem da figura humana, sendo este seu principal objetivo. As principais características
presentes nas versões mais atuais, segundo seu fornecedor, são:
a) sistema de modelagem de figuras articuladas: dados hierárquicos, um conjunto completo
de biblioteca, constrangimentos ativos, detecção de colisões , simulação cinemática e
dinâmica em tempo real;
b) corpo humano: escalonamento antropométrico baseado em banco de dados ou em
medições específicas; alta fidelidade cinemática de articulações complexas e modelo com
mão e coluna plenamente articulados; agarra de forma automática objetos obedecendo
contornos com precisão, biblioteca com inúmeras formas de agarrar (com diferentes
posicionamentos dos dedos e articulações), locomoção a pé em trajetos, coordenação do
conjunto cabeça-olho e comportamentos de equilíbrio postural;
c) visualização em tempo real do ambiente: visualização interativa, em várias janelas, com
luzes, câmeras, texturas e espelhos;
d) completa renderização e animação do sistema: animação baseada em metas e produção
frame a frame de forma automatizada de arquivos de filme;
144
e) diversas extensões: linguagem macro, sistema de módulos, menus personalizáveis, e
sistema embutido de programação em Python e Tcl/TK;
f) suporta sistema de realidade virtual completo: capacidade de imersão; suporta
monitoramento integral em tempo real de movimentos do corpo, estéreo ativo e passivo;
suporta head-mounted displays (HMDs – capacete para imersão) e CyberGlove (luva que
coleta dados de posicionamento dos segmentos da mão).
A seguir são apresentadas as principais funcionalidades do software, sua
interface, as opções disponíveis para modelagem de objetos e de manequins e, por fim, as
simulações e análises disponíveis.
7.1 Interface Gráfica
O ambiente gráfico é composto de dois elementos, como mostrado na Figura 7-
1. Em primeiro lugar, uma barra de controle que, por padrão, está localizada na parte superior
da tela. A barra é composta por vários elementos, incluindo uma série de menus suspensos
para a criação e edição de objetos e seres humanos, juntamente com ferramentas para a
análise do trabalho. Além da barra de controle, existe uma janela gráfica que mostra uma
visão do ambiente. Conforme necessário, janelas extras podem ser adicionadas para
fornecerem diferentes pontos de vista do ambiente (BLANCHONETTE, 2006).
145
Figura 7-1: Interface gráfica do software Jack 4.1.
Uma das principais características de usabilidade é a forma de interação através
do mouse. Para mover uma figura ao longo dos eixos X e Y, é necessário segurar o botão
esquerdo do mouse e o botão direito, respectivamente. Para mover a figura para cima ou para
baixo (ao longo do eixo Z), necessita-se usar o botão do meio. Uma seta vermelha indica a
direção do movimento selecionado. Para rodar uma figura em torno de qualquer eixo, é
utilizada a tecla “Shift” juntamente com um dos três botões do mouse. A referência (XYZ)
pode ser relativa a uma referência global ou uma referência local, específica de um objeto.
A mesma lógica de interação é utilizada para alteração das vistas da janela
gráfica. Desta forma, funções como pan, zoom e rotação de câmera são acionados pelos
botões do mouse em conjunto com as teclas “Ctrl” e “Shift”.
A seleção de objetos pode ser realizada através de uma janela com todos os
objetos e hierarquias ou ainda, através do mouse, configurando qual o tipo de objeto que se
deseja selecionar. Essa definição tem como opções, por exemplo, seleção de figuras (de forma
global) ou seleção específica de segmento, nó ou junta de uma figura.
146
7.2 Modelagem de Ambientes Virtuais 3D
A criação e a representação do espaço físico em computadores podem ser
consideradas como o primeiro passo para a simulação humana e para a realidade virtual. Tal
fato veio a ser incorporado à engenharia devido, principalmente, às ferramentas CAD, as
quais vêm se renovando e conquistando espaço a cada dia.
Para a simulação de um “mundo digital” as características do ambiente são
decisivas, influenciando positiva ou negativamente a percepção dos usuários do software,
ergonomistas, projetistas e, principalmente, os futuros usuários do local simulado.
A seguir são apresentados tanto os recursos próprios do software, quanto a
forma de integração com ferramentas CAD.
7.2.1 Recursos de modelagem do software Jack
Com vistas à modelagem de ambientes tridimensionais, o software apresenta
duas opções para criação e inserção de objetos. A primeira forma é a criação de objetos
simples, pré-definidos, possibilitando apenas a definição de características geométricas como
altura, profundidade, raio, entre outras, conforme a Figura 7-2. Os objetos possíveis de serem
criados desta maneira são esferas, cubos, prismas com base retangular, cilindros e cones. O
objeto criado é inserido na origem do sistema de coordenadas.
Figura 7-2: Janela de criação de objetos geométricos simples no Jack.
147
A outra opção para a construção de ambientes é a utilização da biblioteca
existente. Esta apresenta alguns objetos típicos para simulações, como por exemplo, cadeiras,
mesas, monitores, ferramentas manuais entre outros. A biblioteca é organizada por categorias,
como mobiliário, ferramentas, formas primitivas e partes automotivas. A Figura 7-3 ilustra a
inserção de um objeto a partir da biblioteca. Existe ainda a opção de incluir arquivos na
biblioteca através do botão “Manage Installed Files”.
Apesar da diversidade apresentada pela biblioteca e as diferentes formas
geométricas que o software permite criar, ambientes digitais 3D para interação com
manequins necessitam, na maioria das vezes, de uma ampla e detalhada gama de objetos. Para
suprir este déficit na modelagem, o software permite a importação de modelos complexos,
criados em outras plataformas, principalmente em programas computacionais CAD.
Figura 7-3: Inserção de objetos através da biblioteca disponível.
7.2.2 Importação de modelagem em CAD
Uma variedade de formatos de arquivo pode ser importada para o ambiente da
simulação humana. O software permite ao usuário uma série de opções ao importar um
148
modelo (dependendo do tipo de arquivo a ser importado), como a posição e orientação do
objeto, exibir linhas e pontos ou apenas superfícies, bem como o nome do arquivo e a
localização dos dados.
O Jack 4.1 suporta importações de diversos formatos de arquivos. Os principais
são:
a) IGES (Initial Graphics Exchange Standard);
b) VRML (Virtual Reality Marck-up Language);
c) STL (c);
d) Inventor 2.1 (.iv);
e) Deneb IGRIP 1.2 parts (.igp).
Apesar de a lista ser extensa, é comum não conseguir importar os modelos
diretamente do software original de criação. Isto ocorre porque o formato original do arquivo
não é reconhecido (por exemplo, o formato DWG do AutoCAD) e devido à impossibilidade
de exportação deste arquivo para um dos formatos possíveis.
Uma das formas de contornar esse tipo de dificuldade é adotar um terceiro
software que permita a migração de um padrão não reconhecido para um dos formatos aceitos
pelo Jack. A experiência com o uso desse software, aliada ao pré-domínio de algumas
ferramentas de computação gráfica, permitiu definir um roteiro para importação de modelos
com uma alta taxa de sucesso. A Figura 7-4 apresenta este roteiro.
Figura 7-4: Passos para importação de modelo gerado em software CAD.
Ao longo deste processo, algumas considerações poderão minimizar a
ocorrência de problemas e melhorar o desempenho e a qualidade da modelagem importada,
como a escala do desenho original, localização na origem dos eixos xyz e o uso adequado dos
layers (camadas).
149
Após a criação do ambiente, o próximo passo é “povoar” o mundo digital com
manequins humanos digitais, por meio da modelagem humana.
7.3 Modelagem Humana
O processo de modelagem humana é determinante para eficiência da utilização
das técnicas de simulação humana digital. Para que os resultados de simulações possam ser
considerados válidos, é necessário que essa modelagem aproxime-se o quanto mais possível
da realidade.
Como foi caracterizado anteriormente, o manequim do Jack é composto por 71
segmentos que fazem a representação da estrutura esquelética. Para representar o envoltório
do esqueleto - como os músculos, pele, roupas e cabelo - o manequim apresenta 5182
polígonos. Atualmente o software Jack é considerado um dos melhores do mundo em
modelagem humana, devido à complexidade que o software vem obtendo a cada nova versão.
Na Figura 7-5 é possível observar a evolução do manequim.
Figura 7-5: Evolução do manequim digital do Jack ao longo de suas versões.
O modelo pode suportar a cinemática inversa (inverse kinematic), característica
que permite que um movimento executado no braço, por exemplo, reflita em um movimento
150
do ombro e assim por diante. A cinemática inversa procura determinar os valores das
coordenadas articulares a partir da definição da localização do extremo do membro. O número
de juntas do modelo busca representar a real estrutura do corpo humano, contendo
simplificações em alguns pontos. Todas as juntas podem ser configuradas com os referidos
graus de liberdade, assim como valores máximos e mínimos para cada DOF.
7.3.1 Dados antropométricos
As variáveis de entrada do software Jack, ilustradas na Figura 7-6, são:
a) estatura;
b) altura do nível dos olhos, em pé;
c) altura do ombro em pé;
d) altura do cotovelo fletido, em pé;
e) altura do trochanter, em pé;
f) alcance inferior máximo, em pé;
g) altura da cabeça, sentado;
h) altura do nível dos olhos, sentado;
i) altura do ombro, sentado;
j) altura do cotovelo fletido, sentado;
k) altura das coxas, sentado;
l) altura do joelho, sentado;
m) alcance frontal máximo, sentado;
n) comprimento antebraço-mão, sentado;
o) profundidade do tórax, sentado;
p) profundidade nádegas-joelho, sentado;
q) largura do tórax entre axilas, sentado;
r) comprimento interarticular ombro-cotovelo;
s) comprimento interarticular cotovelo-punho;
t) comprimento trochanter-joelho;
u) comprimento interarticular joelho-tornozelo;
v) comprimento máximo da mão;
w) comprimento do membro superior.
151
Figura 7-6: Variáveis antropométricas aceitas pelo Jack.
7.3.2 Construção de manequins humanos digitais
No software Jack há a possibilidade da caracterização do manequim de duas
maneiras distintas, a Construção Básica (Basic Scaling) e a Construção Avançada (Advanced
Scaling). A forma básica possui um mecanismo semiautomático para definição de dados
antropométricos. Após a definição do sexo, os valores da altura e do peso para o modelo são
inseridos manualmente e os demais segmentos do corpo são escalados automaticamente,
baseados nos dois valores informados. Essa é uma opção prática e simples de construção de
manequins digitais; a janela correspondente a esta opção pode ser visualizada na Figura 7-7.
É possível observar na figura que ainda existe a opção “Child” para modelos
digitais de crianças (definido a partir da idade em anos, porém ignorando o sexo) e as opções
de “Percentile”, onde, selecionando o percentil desejado, é possível trabalhar com tamanhos
representativos típicos da população. Esses percentis têm como referência o banco de dados
original do software.
152
Figura 7-7: Janela “Build Human” para “Basic Scaling” com modelos humanos no Jack.
A construção básica, apesar da facilidade, não atende completamente aos
usuários de simulação e projetistas de produtos, de postos de trabalho e de outros sistemas que
envolvem o ser humano, principalmente se a análise e/ou validação a ser realizada envolve
medições ou possibilidade de interferência na ordem de poucos centímetros. Isso ocorre
devido ao cálculo aproximado realizado pelo software para representar o corpo humano,
quando são considerados somente três fatores (sexo, peso e estatura). A aproximação pode
resultar numa diferença significativa entre dimensões geradas pelo software e dimensões
levantadas em pesquisas antropométricas.
A construção avançada permite o controle manual das variáveis de entrada com
dados antropométricos. As dimensões de cada segmento do corpo podem ser incorporadas
manualmente, para gerar um modelo antropométrico específico. Apesar da maior
complexidade na construção, somente através dela é possível criar um modelo humano
preciso e apto para ser utilizado na avaliação de ambientes onde o homem é fator chave na
concepção do projeto.
A interface de entrada do Jack 4.1 possibilita a entrada de vinte e quatro
variáveis do corpo humano, como pode ser observado na Figura 7-8.
153
Figura 7-8: JanelaBuild Human- Advanced Scaling” no Jack 4.1.
É importante observar que fatores como idade, sexo, dimensões
antropométricas e questões musculares afetam a amplitude dos movimentos e,
consequentemente, definem a capacidade de um indivíduo realizar uma tarefa mecânica.
7.4 Processo de Simulação Humana
O processo de simulação humana consiste em posicionar, movimentar e
controlar o manequim de modo que este possa interagir com o meio no qual está inserido, da
forma mais realista possível. Apresenta-se, em seguida, as principais formas de manipular um
modelo humano digital no Jack.
154
7.4.1 Posturas pré-definidas
Para facilitar a manipulação dos modelos humanos, o Jack possui uma
biblioteca de posturas pré-definidas. Ao utilizar estas posturas, cabe ao usuário do software o
ajuste refinado da posição do manequim. A biblioteca possui, atualmente, 28 posturas pré-
definidas; algumas delas estão ilustradas na Figura 7-9.
Figura 7-9: Principais posturas pré-definidas no Jack.
155
O software permite salvar posturas definidas pelo usuário, para uso posterior,
visando a melhoria do desempenho do processo de simulação, principalmente, para posturas
recorrentes e específicas.
7.4.2 Sistema de ajuste de juntas
Para definir uma postura de um modelo com maior precisão, o Jack possui um
sistema de ajuste de juntas que possibilita a entrada de coordenadas para o posicionamento de
cada junta do corpo do modelo. As juntas podem ser controladas em um, dois ou nos três
eixos (xyz), conforme a disponibilidade e configuração da estrutura biomecânica. Na Figura 7-
10 as juntas selecionadas são o ombro e o cotovelo esquerdo do manequim. É possível
observar que para cada junta existem eixos com faixas de ajuste dos graus de liberdade.
Figura 7-10: Ajuste fino das juntas conforme os graus de liberdade do manequim.
Cada junta dispõe de um número específico de graus de liberdade e uma
amplitude para cada tipo de movimento. São consideradas ainda as limitações ocasionadas
pelo posicionamento de outras partes relacionadas à junta que se pretende ajustar (lógica da
cinemática inversa).
156
7.4.3 Sistema de controle humano
Com a grande quantidade de juntas e respectivos eixos que o manequim possui,
seria trabalhoso fazer um ajuste completo do corpo humano. Para auxiliar e agilizar esta
tarefa, o sistema de controle humano permite manipular partes do corpo do modelo, alterando
diversos conjuntos de juntas e segmentos simultaneamente.
Na mesma janela, o software, além da manipulação, tamm permite definir o
comportamento esperado dos movimentos do manequim, isto é, quais articulações estarão
envolvidas e o impacto sobre o restante do corpo, conforme Figura 7-11.
Figura 7-11: Janela para controle humano com painéis de comportamento (esquerda) e manipulação (direita).
As partes que podem ser manipuladas através do painel de controle humano
(human control) são os braços, através de um ponto central da palma da mão, os pés, o centro
de massa e pélvis, o conjunto cabeça-olhos, os ombros, o torso e o controle de “behavior
balance” (opção na qual o modelo busca manter o centro de massa equilibrado).
7.4.4 Sistemas de ajuste das mãos
Como visto anteriormente, o manequim digital é um modelo simplificado do
corpo humano, no entanto, duas partes dessa estrutura biomecânica humana foram dotadas de
um alto nível de complexidade e aproximação com o real: a coluna e as mãos. Assim,
157
configurar um simples aperto de mãos requer posicionar e ajustar cerca de 15 juntas em
diferentes eixos (para apenas uma das mãos). Para simplificar esse procedimento, o Jack
dispõe de recursos específicos para o ajuste das mãos. Um destes recursos é uma biblioteca de
posições pré-definidas que podem auxiliar o usuário no posicionamento dos dedos e mão
(shape hand), conforme pode ser visualizado na Figura 7-12.
Figura 7-12: Algumas opções de shape hand.
Outro recurso para ajuste das mãos é o Automatic Grasp que permite
reconhecer segmentos de um objeto próximo à mão do manequim e ajustar automaticamente
as juntas dos dedos de forma que “agarre” esse objeto. O comando requer que o usuário
especifique o objeto a ser agarrado, qual a mão (esquerda ou direita) e a forma como irá
agarrar. Durante o movimento da mão o software monitora a possibilidade de colisão dos
dedos com o objeto, de forma que os segmentos humanos fiquem o mais próximo possível
sem “entrar” no objeto.
158
7.4.5 Sistemas de controle e visualização do campo de visão
Uma das ferramentas mais utilizadas na simulação humana, a percepção do
campo de visão dos modelos humanos permite aos projetistas, futuros usuários e interessados
em geral no projeto em desenvolvimento, conhecer, com alto nível de precisão, o que será
visualizado por diferentes pessoas (representadas pelos percentis) no produto ou posto de
trabalho sob simulação. O Jack possui dois sistemas para controle do campo de visão do
manequim e visualização desse campo.
Primeiramente o sistema que exibe o campo de visão (Eye View) do manequim,
na interface do software ou em uma janela independente, isto é, além da janela tradicional de
trabalho, o usuário pode criar outras janelas com o campo de visão dos manequins. Desta
forma, qualquer alteração de projeto ou de localização poderá ser visualizada pelo ponto de
vista dos manequins.
A Figura 7-13 ilustra a janela com o sistema Eye View para visualização do
campo de visão.
Figura 7-13: Ilustração de campo visual de manequim.
Outra opção é a exibição dos cones de visão a partir do comando View Cones.
A Figura 7-14 apresenta essa opção, a qual permite ao usuário definir o ângulo de abertura do
campo visual e distância do cone.
159
Figura 7-14: Exibição do cone de visão e campo visual no detalhe.
7.4.6 Animações da Simulação Humana
Um importante recurso do software é o sistema de animação, o qual permite
que situações sejam simuladas de forma dinâmica ao longo do um tempo determinado. As
alterações no ambiente e as interações deste com manequins digitais, ao longo do tempo, são
consideradas como uma quarta dimensão (alguns pesquisadores utilizam o termo 4D) e
possibilitam aos projetistas uma visão ampla sobre o projeto em estudo, aproximando-o ainda
mais do real. A animação também tem uma importância muito grande no processo de
validação junto aos clientes e/ou futuros usuários dos sistemas produtivos sob projeto.
Sem o recurso da animação, o responsável pela simulação está limitado a
apenas uma manipulação interativa por vez e sem opção de registrá-la (gravar para reproduzir
futuramente).
O sistema de animação do Jack trabalha com uma lógica semelhante à maioria
dos programas de animação gráfica. Os movimentos podem ser atribuídos aos objetos,
principalmente, de duas maneiras:
160
a) estabelecendo-se dois estados, um inicial e outro final, e um tempo de duração para a
transição entre estados (além de algumas outras opções secundárias);
b) utilizando-se um “caminho” (Path) que indica por onde o objeto irá se deslocar e o tempo
de duração do percurso.
O software possui um sistema específico para a animação de modelos humanos
e outro para a animação de objetos. Para animar os manequins, o módulo de animação
apresenta as seguintes opções no menu Human:
a) braço;
b) torso;
c) pélvis;
d) pé;
e) passo;
f) cabeça;
g) olho;
h) equilíbrio;
i) calcanhar;
j) andar linearmente;
k) andar em caminho;
l) pose;
O módulo de animação permite também exportar os resultados da animação
como um filme (compatível com Windows Media Player, por exemplo), por meio de uma
sequência de frames (cenas estáticas) ou como imagens individuais. Essas saídas podem ser
configuradas de acordo com a resolução desejada e com as janelas na qual se baseará a
visualização da animação.
7.5 Ferramentas de Análise
Ao avaliar a concepção de um produto ou posto de trabalho, como um carro ou
interior de uma cabine, diferentes questões devem ser consideradas. O analista deve garantir
que a população possa alcançar todos os controles, o campo adequado de visão interna e
161
externa e a possibilidade de executar as tarefas especificadas sem impedimentos. Para realizar
uma avaliação ergonômica do trabalho virtual, Jack fornece ferramentas ao usuário.
Através de observação e análise de postos de trabalho, é possível identificar
posturas e movimentos (considerando seu tempo de duração e repetições) que ofereçam riscos
de danos à saúde do trabalhador. No Jack, essas ferramentas e métodos de análise são
embasados por diferentes estudos, permitindo que a análise seja feita com maior rapidez e
precisão pela interação homem-ambiente e que alguns dados sejam obtidos automaticamente.
Alguns dos principais métodos e análises biomecânicas disponíveis no Jack 4.1 são:
a) análise de torque e força;
b) RULA (Rapid Upper Limb Assessment);
c) NIOSH (National Institute for Occupational Safety and Health – Lifting equation);
d) OWAS (Ovako Working Posture Analysing System);
e) análise de fadiga;
f) gasto de energia metabólica.
Destas ferramentas de análise, a única disponível na versão básica do software,
a Classic Jack, é a análise de torque e força. Esta pode ser realizada em partes do corpo
(braços, pernas, coluna), por junta específica ou de forma global.
Além das análises biomecânicas, o software possui análises de zona de alcance
(envelopes), detecção de colisões, mensuração de distâncias e cálculo da mínima distância
entre diferentes objetos.
A análise com envelopes de zonas de alcance são análises recorrentes que os
usuários de programas computacionais de modelagem e simulação humana utilizam. Essa
preferência decorre da facilidade em interpretar os resultados, principalmente na comparação
dos envelopes dos modelos digitais humanos de diferentes percentis. Na Figura 7-15 é
possível observar envelopes de alcance de um manequim masculino atuando em uma
plataforma.
162
Figura 7-15: Análises a partir de envelopes de alcance.
Apesar das facilidades e vantagens citadas sobre as ferramentas de análise, é
importante salientar que existe uma série de problemas e cuidados a serem tomados durante a
aplicação dessas ferramentas (ver Capítulo 4).
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