Capítulo 2 – Luzes portuguesas e antecedentes pombalinos
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Quanto aos sermoens, e orasoens, deixou-se arrebatar, do-estilo do-seu tempo; e
talvez foi aquele que com seu exemplo, deu materia a tanta sutileza, que sam as
que destruem a Eloquencia. Nos-seus sermoens, nam achará V. P. artificio algum
retorico, nem uma Eloquencia que persuada. Muitos, que gostam daquelas
galantarias, lendo-o sairám divertidos; mas nenhum omen de juizo exato, sairá
persuadido delas
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.
A grande fama tida por Vieira só existiria porque os homens, principalmente
portugueses foram “Criados com o prejuizo, de que o Vieira foi, um grande Orador; e
ouvindo sempre repetir isto aos velhos, que bebèram aquela doutrina; nam é maravilha,
que digam tantas coizas dele, e que o-imitem tam cegamente”
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. No comentário feito à
Clavis Prophetarum está contida a crítica ilustrada ao providencialismo na história e
que foi posteriormente empreendida em escritos pombalinos. Deixe-se que Verney fale:
Mas nam poso deixar de insinuar, que a maior prova do-que proponho, é a sua
decantada obra, Clavis Prophetarum: de que nos-dá uma ideia, no-livro que
intitula, Istoria do-Futuro. Neste livro acha V.P., uma chimera mui bem ideada, e
que a ninguem mais cocorreo. Promete provar primeiro, que á-de aver no-mundo,
um novo Imperio: mostrar, que Imperio á-de ser: determinar, as suas grandezas e
felicidades: explicar, por-que meios se-á-de introduzir: individuar, em que terra,
em que tempo, e em que pesoa á-de comesar este Imperio; o qual á-de ser tam
grande como todo o mundo, sem iperbole, sem sinedoche. Prova isto, segundo
diz, com uma profecia de S. Frei Gil: com o juramento d’El-Rei D. Afonso: e
com outras provas deste calibre. Diz tambem, que a maior parte, á-de sair da-
Escritura; na qual estam reveladas, todas estas coizas. Quanto ao Imperador,
ainda que claramente o-nam-explica, dá muito bem a intender, que sairá de
Portugal; porque aos Portugueses é que propoem, estas felicidades. Alem disto
em outra parte declara mui bem, que este Imperador será o filho promogenito, do-
Serenisimo Rei D. Pedro II e pretende proválo com os mesmo fundamentos, com
que prova o Imperio, na Istoria do-Futuro. E nas cartas que escreve, a algumas
pesoas, lhe-explica, que as felicidades de Portugal, estam muito vizinhas.
Eu nam entro aqui a disputar, se estes fundamentos, (nam falo das-
Escrituras, pois é loucura persuadir-se, que falam em tal materia) sejam bastantes,
para afirmar tal paradoxo: é bem claro, que isto tem aparencias de comedia; e
bem parece obra feita, para divertir o tempo. Mas aindaque fose verdade, que as
conquistas feitas, estivesem tam distintamente profetizadas, na Sagrada escritura;
e despois do-suceso se intendesem; fica em pé a dificuldade, de tirar da-Escritura,
as conquistas futuras, deste novo Imperador. E quanto aos expozitores que ele
aponta, e às profecias destes modernos, em que se-funda; creio nam faremos
injuria ao P. Vieira, se nos-rirmos de todas estas provas, esperando, que as
procure mais fundadas. Mas o que digo a V.P. é, que na dispozisam deste livro
preambulo, se-ve o estilo do-P. Antonio Vieira: porque tudo prova com a
Escritura. Ainda as coizas mais triviais, as profanas, e a mesma justisima
exaltasam de D. Joam IV ele as-quer provar aos Espanhoes, com as Escrituras
(...).
E eu creio que nam sam mui toleraveis, as que ele aqui escreve:
observando-se suma contrariedade, na interpretasam que dá, aos seus mesmos
fundamentos. Umas vezes, a decimasexta gerasam, é o Cardial Rei D. Enrique: e
ainda lhe faz a merce, de nam contar a vida d’El-Rei D. Alfonso I. que cuido
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Ibidem, Tomo Primeiro, p. 206.
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Ibidem, Tomo Primeiro, p. 209.