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metais), a História dos astros (astronomia, astrologia), a História das águas, e assim por
diante” (1982: 195).
Embarcando nas formas de apropriação do universo africano encontramos um
detalhamento a respeito de tradições. Hampatê Bã relata que nas tradições (bambara e peul)
existem “classes de seres” com suas respectivas subdivisões
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. Estas categorias dão ao homem
a condição simbiótica, o homem como um concentrador de todos os reinos, (humano, animal
e vegetal).
Um outro grande vetor da tradição oral que nos diz respeito são os ofícios tradicionais.
Uma vez que na sociedade de tradição africana as práticas humanas estão entrelaçadas ao
campo do “sagrado, do oculto”, a transmissão de conhecimento que é transferido de geração a
geração tem como ponto de partida uma “revelação inicial”. Ao manipular as matérias como o
ferro, os minérios, o couro, a madeira, o algodão, entre outros materiais, os homens são
“depositários de todos os processos de transformação”. Hampatê BÃ nos dá exemplos que
contextualizam estes ofícios, entre eles o tecelão:
[...] o tecelão, cujo ofício vincula-se ao simbolismo da Palavra criadora que
se distribui no tempo e no espaço. [...] Antes de dar início ao trabalho, o
tecelão deve tocar cada peça do tear pronunciando palavras ou ladainhas
correspondentes às forças da vida que elas encarnam. [...] O vaivém dos pés,
que sobem e descem para acionar os pedais, lembra o ritmo original da
Palavra criadora, ligado ao dualismo de todas as coisas e à lei dos ciclos [...]
a tira de tecido que se acumula e se enrola em uma bastão que repousa
sobre o ventre do tecelão representa o passado, enquanto o rolo do fio a ser
tecido simboliza o mistério do amanhã, o desconhecido devir. [...] No total,
o trabalho do tecelão representa oito movimentos de vaivém (movimentos
dos pés, dos braços, da naveta e o cruzamento rítmico dos fios do tecido)
que correspondem às oito peças as oito peças da armação e às oito patas da
aranha mítica que ensinou sua ciência ao ancestral dos tecelões. Os gestos do
tecelão, ao acionar o tear, representam o ato de criação e as palavras que lhe
acompanham os gestos são os próprios cantos da vida. (1982: 197)
As pessoas da pessoas são numerosas dentro da pessoa. [...] A relação do
homem tradicional com o mundo era, portanto, uma relação viva de
participação e não uma relação de utilização. É compreensível que, nesta
visão global do universo, o papel do profano seja mínimo (1982:199)
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“Na parte inferior da escala, os seres inanimados, os chamados seres “mudos”, cuja linguagem é
considerada oculta, uma vez que é incompreensível ou inaudível para o comum dos mortais. Essa
classe de seres inclui tudo o que se encontra na superfície da terra (areia, água etc.) ou que habita o seu
interior (minerais, metais etc.). Dentre os inanimados mundos, encontramos os inanimados sólidos e
gasosos (literalmente fumegantes) [...] No grau médio, os “animados imóveis”, seres vivos que não se
deslocam. Essa é a classe dos vegetais, que podem se estender ou se desdobrar, no espaço, mas cujo pé
não pode mover-se. Dentre os animados, imóveis, encontramos as plantas rasteiras, as trepadeiras e as
verticais, estas últimas constituindo a classe superior. [...] Finalmente, os “animadores móveis”, que
compreendem todos os animais, inclusive o homem. Os animados móveis incluem os animais
terrestres (com ou sem ossos), os animais aquáticos e os animais voadores.” (Hampatê Bã, 1982:?)