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PONTÍFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Administração
Mestrado Profissional em Administração
COMBINANDO ESTRATÉGIAS DELIBERADAS
E EMERGENTES:
Estudo de Casos em Ambientes Dinâmicos
Rudolf Gabrich
Belo Horizonte
2007
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Rudolf Gabrich
COMBINANDO ESTRATÉGIAS DELIBERADAS
E EMERGENTES:
Estudo de Casos em Ambientes Dinâmicos
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Administração da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais e
Fundação Dom Cabral, como requisito parcial
à obtenção do título de Mestre em
Administração.
Orientador: Prof. Dr. José Márcio de Castro
Belo Horizonte
2007
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À minha mãe, Maria Carmelita, pelo incansável trabalho
para a valorização do estudo.
À minha esposa, Patrícia, pelo amor e companheirismo
em todos os sonhos de nossa vida.
AGRADECIMENTOS
Ao concluir esta dissertação, gostaria de agradecer a pessoas que tornaram possível a
realização deste sonho, cada uma a seu modo.
Ao meu orientador, Professor Dr. José Márcio de Castro, pela disposição em abraçar o
tema de pesquisa, pela orientação constante e por toda a troca intelectual durante o
desenvolvimento da investigação.
Aos meus amigos, que se mantiveram presentes mesmo quando eu não podia estar.
À minha mãe e irmãos pelo incentivo, ainda que isso significasse minha ausência em
muitos dos encontros familiares.
Ao amigo Alberto Porto, pelo apoio durante a pesquisa na Empresa A.
Aos amigos Kátia, Henri, Villas, Ergilio, Giacomin e Marcelo Martins, pelo
acolhimento à pesquisa na Empresa B.
À direção da Fundação Dom Cabral, pelo patrocínio a esta iniciativa.
Ao professor Aldemir Drummond, colega na Fundação Dom Cabral e nas muitas
conversas a respeito do tema desta pesquisa.
Aos funcionários do Curso de Mestrado da PUC Minas, sempre pacientes e eficientes
no atendimento às nossas muitas demandas.
Aos colegas da turma do Mestrado, pela amizade e profunda troca de idéias.
Aos professores do Mestrado, e em especial ao Prof. Dr. Roberto Costa Facchin e à
Profa. Dra. Janete Bertucci, pela colaboração e assistência em diferentes momentos.
"(...) Ouvindo sustentar em línguas diversas e com grande esforço de
gritos, tantas opiniões contraditórias, projetos e contra projetos, o
Príncipe André já não dava crédito a seus ouvidos. Durante seus anos
de serviço e suas longas meditações sobre o ofício das armas, tinha
muitas vezes dito a si mesmo que não há, que não pode haver ciência
da guerra e que, em conseqüência, a expressão "gênio militar" é
forçosamente destituída de sentido. (...) "Como se poderia falar de
teoria e de ciência, quando as condições e as conjunturas são
desconhecidas e não podem ser definidas, quando as forças atuantes
podem ainda menos ser determinadas? Ninguém jamais pôde,
ninguém pode saber qual será dentro de vinte e quatro horas a
posição de nosso exército ou do exército adverso, qual o valor de tal
ou qual destacamento. (...) Haverá ciência possível numa matéria em
que, como em toda coisa da vida prática, nada poderia ser previsto,
ou tudo depende de circunstâncias inúmeras, cuja importância se
revela num único minuto que ninguém sabe quando soará?”
Leon Tolstoi. Guerra e Paz
RESUMO
O presente estudo tem por objetivo analisar a dinâmica do surgimento de estratégias
emergentes em empresas que fazem uso de processos deliberados de formulação, comumente
intitulados “planejamento estratégico”, ou seja, a combinação estratégias deliberadas
estratégias emergentes. Essa dinâmica é estudada em relação ao ambiente organizacional, à
estratégia deliberada perseguida pela empresa e aos seus mecanismos administrativos, mais
especificamente a estrutura, coordenação e processos, sistemas de controle gerencial e de
incentivo. Para esse propósito, é apresentada uma revisão crítica da literatura pertinente a essa
área, desde a contingência ambiental aos fatores internos que condicionam a combinação.
Como trata-se de um tema amplo, optou-se pelo estudo de caso de natureza qualitativa para
sua decodificação. Foram realizados levantamentos empíricos em duas empresas, ambas
operando em ambientes instáveis. Os resultados parecem evidenciar que o ambiente externo
tem influência sobre a filosofia de formulação estratégica adotada pela empresa,
determinando, em última instância, as condições para o surgimento de estratégias emergentes.
indícios também que a disposição para ajuste dos mecanismos administrativos é condição
primordial para o fomento de estratégias emergentes.
Palavras-chave: Estratégia Empresarial; Ambiente Organizacional; Processo Estratégico;
Estratégia Emergente; Flexibilidade Organizacional.
ABSTRACT
This study analyzes the dynamic of emergent (unplanned) strategies in companies operating
under deliberate formulation processes, generally entitled “strategic planning", i.e., the
combination deliberate – emergent strategies. This dynamic is studied in relation to the
organizational environment, to the deliberate strategy pursued by the company, and to its
administrative mechanisms, namely the structure, coordination and processes, managerial
control and incentive systems. A critical review of the most pertinent literature in this area is
presented, from environmental contingency to internal factors. The qualitative case study was
chosen to decode this broad issue. Empirical surveys in two companies operating in unstable
environments had been carried out. Results seem to evidence that the external environment
influences the strategic formulation philosophy adopted by the company, determining, in last
instance, the conditions for emergent strategies dynamics. They had also evidenced that the
willing to accept adjustments in administrative mechanisms is a main condition to promote
emergent strategies.
Key-words:
Corporate Strategy; Organizational Environment; Strategy Process; Emergent
Strategy; Organizational Flexibility.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Estrutura SWOT de Estratégia de Andrews...............................................................36
Figura 2: A revisão estratégica: planejamento, implementação e controles.............................43
Figura 3: Tipos de Estratégias..................................................................................................45
Figura 4: Modelo de interação do comportamento estratégico, contexto corporativo e
conceito de estratégia................................................................................................................50
Figura 5: Estrutura conceitual de Mariotto...............................................................................55
Figura 6: Modelo de gestão da Empresa A ..............................................................................86
Figura 7: Estrutura da Empresa A – 2000 a 2003 ....................................................................89
Figura 8: Estrutura da Empresa A – 2003 a agosto/2006.........................................................90
Figura 9: Estrutura da Empresa A – Agosto/2006 em diante...................................................90
Figura 10: Incerteza de estado da Empresa A na percepção dos entrevistados........................95
Figura 11: Incerteza de estado da Empresa B na percepção dos entrevistados......................112
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Dimensões de estado ambiental ..............................................................................27
Quadro 2: Implicações sobre o processo estratégico................................................................28
Quadro 3: Tipologias de formação de estratégias ....................................................................33
Quadro 4: As três estratégias genéricas....................................................................................40
Quadro 5: Atividades-chave e periféricas no modelo de processo de ICV..............................52
Quadro 6: Unidades de observação por cargo/funções entrevistadas e local das
entrevistas.................................................................................................................................76
Quadro 7: Dados secundários obtidos para a pesquisa.............................................................76
Quadro 8: Variáveis definidas preliminarmente.......................................................................79
Quadro 9: Variável desconsiderada..........................................................................................80
Quadro 11: Resumo das variáveis na Empresa A.....................................................................94
Quadro 12: Incerteza da Empresa A na percepção dos entrevistados, segundo
Miliken (1987)..........................................................................................................................95
Quadro 13: Resumo das variáveis na Empresa B...................................................................111
Quadro 14: Incerteza da Empresa B na percepção dos entrevistados, segundo
Miliken (1987)........................................................................................................................112
Quadro 15: Caracterização das variáveis nas Empresas A e B ..............................................118
Quadro 16: Principais resultados da pesquisa ........................................................................126
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................11
1.1 O problema de pesquisa..................................................................................................11
1.2 Justificativa da pesquisa .................................................................................................13
1.3 Objetivos da pesquisa......................................................................................................15
1.3.1 Objetivo geral.................................................................................................................15
1.3.2 Objetivos específicos......................................................................................................15
1.4 Estrutura da dissertação.................................................................................................16
2 REVISÃO DA LITERATURA .........................................................................................18
2.1 As organizações e seu ambiente.....................................................................................18
2.1.1 As organizações como sistemas abertos........................................................................18
2.1.2 A Teoria Contingencial.................................................................................................19
2.1.3 Caracterização do ambiente..........................................................................................23
2.1.4 O conceito de incerteza..................................................................................................24
2.1.5 Implicações para o comportamento estratégico ...........................................................27
2.2 Tipologias de processos estratégicos..............................................................................30
2.3 Processo deliberado de formulação estratégica............................................................35
2.3.1 Formulação Estratégica................................................................................................35
2.3.2 Implementação estratégica............................................................................................41
2.3.3 Análise e revisão estratégica .........................................................................................42
2.4 Estratégias emergentes....................................................................................................44
2.5 Combinando intenção e emersão ...................................................................................47
2.5.1 Limitações dos processos deliberados e emergentes.....................................................47
2.5.2 Combinando intenção e emersão..................................................................................50
2.6 Fatores intervenientes em estratégias deliberadas e emergentes................................56
2.6.1 Estrutura organizacional ..............................................................................................56
2.6.2 Coordenação e processos organizacionais ...................................................................60
2.6.3 Controle gerencial .........................................................................................................62
2.6.4 Sistemas de incentivo.....................................................................................................64
3 METODOLOGIA DA PESQUISA...................................................................................66
3.1 Estratégia, tipo e método da pesquisa............................................................................66
3.2 Unidades empíricas de análise........................................................................................68
3.3 Estratégia de coleta de dados..........................................................................................72
3.4 Análise dos dados.............................................................................................................77
4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS ..........................................................81
4.1 Introdução........................................................................................................................81
4.2 Caso Empresa A ..............................................................................................................81
4.2.1 O ambiente organizacional ...........................................................................................82
4.2.2 Processo deliberado de formulação estratégica e modelo de gestão............................84
4.2.3 A estratégia emergente ..................................................................................................86
4.2.4 Fatores Intervenientes...................................................................................................89
4.2.4.1 Estrutura ......................................................................................................................89
4.2.4.2 Coordenação e Processos Organizacionais .................................................................91
4.2.4.3 Controle Gerencial.......................................................................................................92
4.2.4.4 Sistemas de Incentivo..................................................................................................93
4.3 Análise Intracaso – Empresa A......................................................................................93
4.4 Caso Empresa B.............................................................................................................100
4.4.1 O ambiente organizacional .........................................................................................101
4.4.2 Processo deliberado de formulação estratégica e modelo de gestão..........................104
4.4.3 A estratégia emergente ................................................................................................105
4.4.4 Fatores intervenientes .................................................................................................107
4.4.4.1 Estrutura ....................................................................................................................107
4.4.4.2 Coordenação e Processos Organizacionais ...............................................................107
4.4.4.3 Controle Gerencial.....................................................................................................109
4.4.4.4 Sistemas de Incentivo................................................................................................109
4.5 Análise Intracaso – Empresa B ....................................................................................110
4.6 Análise cruzada dos casos A e B...................................................................................117
5 CONCLUSÃO...................................................................................................................122
5.1 Introdução......................................................................................................................122
5.2 Principais Resultados....................................................................................................122
5.2.1 Resultados Gerais........................................................................................................122
5.2.2 Resultados Secundários...............................................................................................127
5.3 Combinação de estratégias emergentes com estratégias deliberadas.......................129
5.4 Contribuições dessa pesquisa .......................................................................................131
5.5 Limitações e pesquisas futuras.....................................................................................132
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................134
APÊNDICE A .......................................................................................................................143
11
1 INTRODUÇÃO
1.1 O problema de pesquisa
De acordo com a teoria contingencial, o ambiente externo tem influência decisiva
sobre a maneira mais efetiva de a empresa se organizar (HATCH, 1997; DONALDSON,
1998). O ambiente pode ser entendido como tudo o que circunda a organização dos fatores
econômicos, tecnológicos, ambientais, políticos e sociais à natureza de seus fornecedores,
clientes e concorrentes (MINTZBERG, 2003).
Muito da influência do ambiente na organização é determinado pela percepção de
incerteza que os gestores têm a seu respeito, ou seja, pela incapacidade do indivíduo em
prever algo de maneira precisa (MILLIKEN, 1987; DONALDSON, 1998). Nesse sentido, o
ambiente de uma organização pode variar de estável, em que nenhuma mudança é percebida
por longos períodos, a dinâmico, em que mudanças imprevistas são freqüentes (BURNS;
STALKER, 1961; HATCH, 1997; MINTZBERG, 2003; PUGH; HICKSON, 2004).
Para tentar fazer frente à incerteza ambiental, as empresas geralmente recorrem aos
processos prescritivos de formulação estratégica o “Planejamento Estratégico”–
(MINTZBERG, 2004), baseadas na crença de que a estratégia pode ser determinada por um
processo altamente formalizado e metodizado de concepção, levando à melhor adaptação os
fatores externos e organizacionais (MINTZBERG, 2004).
Esses processos estão preocupados em estabelecer a maneira como as estratégias
devem ser formuladas, resultando em estratégias deliberadas (MINTZBERG et al., 2000), e
são caracterizados pela separação entre pensamento e ação, especialmente em grandes
organizações (MARIOTTO, 2003; BOSSIDY; CHARAN, 2003).
Contrapondo-se aos processos prescritivos estão aqueles processos que se
preocuparam em descrever como as estratégias são, de fato, formuladas. Esses processos,
denominados descritivos, caracterizaram-se pela abertura do processo de formulação de
estratégia para outros indivíduos, forças e agentes além da alta administração. As estratégias
geradas nesses processos são chamadas de emergentes (MINTZBERG et al., 2000).
na literatura vários argumentos contra estratégias deliberadas. Um dos principais
diz respeito à dificuldade de implementação das estratégias prescritas. O anedotário dessa área
de pesquisa está repleto de relatos sobre processos de formulação que resultaram em
12
estratégias brilhantes que nunca foram realizadas e cujos planos acabaram esquecidos nas
gavetas. A culpa, invariavelmente, recai sobre o processo de implementação: o gerenciamento
foi relapso, os controles soltos, o comprometimento inexistente, entre outros (MINTZBERG,
1988; BOSSIDY; CHARAN, 2003).
Outro argumento é que o planejamento estratégico não é adequado a condições de
imprevisibilidade, mas a ambientes estáveis, como uma ferramenta para empresas “(...)
programarem as conseqüências de suas estratégias atuais em suas operações futuras.”
(MINTZBERG, 2004, p.195). O resultado de grande parte dos planejamentos estratégicos
realizados tem sido uma extrapolação do que as empresas já fazem, uma vez que as bases para
novos planos são planos velhos. “O planejamento é fundamentalmente um processo
conservador: atua para conservar a orientação básica da organização e, de modo mais
específico, suas categorias existentes” (MINTZBERG, 2004, p.150).
Além disso, oportunidades de negócios são perdidas pela organização na medida em
que a prescrição estratégica não é incentivada por ações de empreendedores autônomos, os
quais poderiam mobilizar recursos corporativos para aproveitá-las. Essas oportunidades
poderiam levar a uma melhor adaptação ao ambiente e prover matéria-prima para a renovação
estratégica (BURGELMAN, 1983a).
O processo de planejamento estratégico também é raramente fonte de novos
posicionamentos no domínio de produtos e mercados. Tais movimentos quase sempre vêm de
eventos precipitados, estudos especiais ou condições implantadas de outras maneiras, embora
se reconheça que os planejadores podem, de maneira individual, identificar esses movimentos
e levá-los à atenção da alta administração (MINTZBERG, 2004). Muitos redirecionamentos
estratégicos importantes ocorreram fora do esforço formal de planejamento, a partir da
experimentação de uma variedade de pequenas ações e decisões. Essas ações, tendo se
mostrado efetivas, evoluíram para um padrão de comportamento, sendo, então,
institucionalizadas como estratégias emergentes (MINTZBERG et al., 2000).
Por outro lado, também se encontram na literatura críticas às estratégias emergentes.
Hayes e Jaikumar (1988) argumentam que organizações que se apóiam exclusivamente em
estratégias emergentes podem terminar perdidas pela inovação fragmentada ou pelo excesso
de ênfase na aprendizagem. A confiança única em estratégias emergentes também pode levar
a organização a uma posição indesejável, seja pelo aprendizado incremental, seja pela
inovação fragmentada (HAYES; JAIKUMAR, 1988; MINTZBERG, 2000).
Uma alternativa para a minimização desses problemas com os processos deliberados e
emergentes parece ser um modelo que os combine. Para isso, Burgelman (1983b) propõe um
13
“modelo de empreendimento corporativo interno”, em que iniciativas autônomas de
indivíduos nos níveis operacionais são defendidas pelos gerentes de nível médio, que teriam a
responsabilidade de ligá-las ao conceito corporativo de estratégia. Mintzberg et al. (2000)
propõem o chamado “modelo estufa de formação de estratégia”, em que iniciativas
estratégicas individuais emergem, sob a observação da gerência, e tornam-se organizacionais
quando passam a coletivas. Mariotto (2003) defende um modelo em que os dois
subprocessos planejamento estratégico e criação contínua de estratégias - evoluem
paralelamente.
Dado esse contexto, a questão que permanece é como operacionalizar os dois
processos o de planejamento estratégico formal e o de fomento e institucionalização das
estratégias emergentes que surgem na organização. Daí decorre a questão relevante desta
pesquisa, que pode ser descrita da seguinte forma:
Por que e como as organizações combinam estratégias emergentes com estratégias
deliberadas em processos de planejamento estratégico?
Como desdobramento da questão central, a presente pesquisa pretende responder
também às seguintes questões:
O ambiente em que a organização opera influencia no surgimento de estratégias
emergentes?
Como é a dinâmica de emersão de estratégias em um ambiente de planejamento
estratégico formalizado?
Que fatores internos à organização intervêm no surgimento ou na formalização de
estratégias emergentes?
1.2 Justificativa da pesquisa
Os processos prescritivos de formulação estratégica e seus resultados as estratégias
deliberadas vêm sendo objeto de estudo pela comunidade acadêmica pelo menos quatro
décadas. Entre as dez escolas de pensamento estratégico, enumeradas por Mintzberg et al.
(2000), três são definidas como prescritivas: as escolas do design, do planejamento e do
posicionamento.
14
A escola do design, desenvolvida nos anos 1960, coloca a estratégia como um
processo de desenho informal, uma concepção. Tornou-se, assim, a estrutura básica do
pensamento prescritivo. A escola do planejamento, também desenvolvida nos anos 1960, mas
tendo seu auge nos anos 1970, formalizou a perspectiva da escola do design, ao tornar a
formulação de estratégias um processo separado e sistemático. Já os anos 1980 viram o
florescer da escola do posicionamento mais preocupada com o conteúdo real das estratégias e
menos com o processo de formulação, ao focalizar a seleção de posições estratégicas no
mercado. Nos anos 1990, o campo do pensamento estratégico tornou-se muito mais eclético,
com outras escolas ganhando importância (MINTZBERG et al., 2000).
Entretanto, mesmo a escola que abarca o fenômeno de emersão de estratégias a
escola do aprendizado, proeminente nos anos 1990 – geralmente aborda o tema sob a égide da
“organização que aprendee da “competência central”. Portanto, não se encontram muitos
estudos teóricos e empíricos sobre como iniciativas estratégicas nascem nas organizações e
são institucionalizadas como estratégias emergentes (MINTZBERG et al., 2000).
Do lado acadêmico, Bignetti e Paiva (2001), em um estudo da produção brasileira
sobre estratégia, confirmam que a visão determinística (ou prescritiva) da estratégia ainda
domina o trabalho dos pesquisadores. Como atestam os autores, os pesquisadores que
apresentaram trabalhos no ENANPAD dos quatro últimos anos inclinaram-se,
preferencialmente, por uma das três escolas tidas por Mintzberg (1990) como prescritivas:
design, planificação e posicionamento (BIGNETTI; PAIVA, 2001).
Como o processo deliberado já foi exaustivamente tratado na literatura e na prática por
inúmeras empresas de consultoria, Mariotto (2003) propõe que pesquisas adicionais deveriam
ser dirigidas à proposição de um modelo, detalhado e útil, de formação contínua de estratégia.
Também crítico, na visão do autor, é a superposição do planejamento estratégico à formação
emergente de estratégias e vice-versa. Nesse sentido, fatores internos assumem grande
importância ao facilitar que iniciativas estratégicas tornem-se estratégias emergentes.
Assim, tendo como ponto de partida a percepção na literatura de uma predileção por
estratégias intencionais e seus conseqüentes problemas e a carência de estudos a respeito da
emersão de estratégias correlacionada aos fatores internos, pretende-se estudar por que e
como essa combinação ocorre na prática. Acredita-se também poder contribuir com a
abordagem de estratégias emergentes ao integrar e verificar a inter-relação entre conceitos que
geralmente são tratados de maneira compartimentada na teoria organizacional, ou seja,
ambiente externo, estratégias deliberadas, estratégias emergentes e fatores intervenientes.
15
Do ponto de vista prático, espera-se que os resultados desta pesquisa possam
incentivar uma revisão crítica dos programas de formulação estratégica utilizados pelas
empresas, tornando-os mais próximos de processos estratégicos. Pretende-se também que o
entendimento do papel de fatores internos no surgimento de estratégias emergentes possa
ajudar as empresas a estabelecer estruturas, condições e atitudes que garantam apoio a
propostas inovativas de níveis mais baixos da hierarquia.
1.3 Objetivos da pesquisa
Para Bonoma (1985), o pesquisador deve especificar os objetivos da pesquisa antes de
seu desenvolvimento e, de fato, antes da escolha da estratégia de pesquisa. Além disso, os
objetivos devem ser hierárquicos e, por essa razão, podem mudar durante o estágio inicial,
intermediário e final do projeto de pesquisa mais amplo. Nessa linha, são apresentados os
objetivos deste projeto de pesquisa.
1.3.1 Objetivo geral
Identificar por que e como as organizações combinam estratégias deliberadas com
estratégias intencionadas, descrevendo e explicando as razões e os fatores externos e internos
que facilitam ou dificultam o surgimento e o aproveitamento da emersão de estratégias.
1.3.2 Objetivos específicos
Caracterizar o ambiente organizacional das empresas estudadas e compreender sua
influência sobre o comportamento estratégico.
Analisar a relação entre o planejamento estratégico formal das organizações e as
condições de surgimento de estratégias emergentes.
16
Identificar, nas organizações estudadas, se há e quais são os fatores internos que
influenciam estratégias emergentes.
1.4 Estrutura da dissertação
A dissertação está estruturada em cinco capítulos. No capítulo 1, será apresentado o
problema, a justificativa e os objetivos gerais e específicos que se espera alcançar com a
pesquisa.
O segundo capítulo é dedicado à revisão da literatura. Entende-se que o ambiente
externo e a percepção de incerteza que os gestores têm a seu respeito influenciam de maneira
importante as escolhas estratégias da organização, sejam elas deliberadas ou emergentes.
Assim, inicia-se o capítulo com a caracterização do que vem a ser ambiente externo,
relacionando-o ao conceito de incerteza e esclarecendo as implicações para o comportamento
estratégico da organização. Passamos, então, à tipificação dos processos de formulação
estratégica e ao detalhamento daqueles deliberados e emergentes. Ambos os processos, quer
sejam deliberados ou emergentes, apresentam suas limitações, que são expostas a seguir. A
saída parece estar na combinação dessas duas maneiras de se pensar a estratégia, um modelo
que é influenciado por fatores tais como estrutura organizacional, coordenação e processos,
controle gerencial e sistemas de incentivo.
O terceiro capítulo trata dos aspectos metodológicos da dissertação, justificando a
escolha de estudo de casos como método de pesquisa. Posteriormente, serão apresentados os
aspectos considerados para a escolha dos casos estudados e, em seguida, detalhados os
procedimentos estabelecidos para a coleta de dados, bem como delineado o processo utilizado
para análise das variáveis definidas.
O quarto capítulo apresenta a descrição dos casos estudados, bem como a análise
intracaso e a análise cruzada. A descrição dos dois casos inicia-se com uma breve
apresentação da empresa. A seguir, será caracterizado o ambiente externo das organizações na
percepção dos entrevistados. Serão apresentados os processos deliberados de formulação
estratégica em cada uma das empresas e como se deu o surgimento da estratégia emergente.
Termina-se cada caso explicitando-se o papel dos fatores organizacionais (estrutura,
coordenação e processos, controle gerencial e sistemas de incentivo) no aparecimento dessa
estratégia emergente.
17
Posteriormente, ainda dentro do quarto capítulo, será feita a análise de cada um dos
casos, de acordo com a matriz de variáveis, e efetuada a análise cruzada, comparando-se as
similaridades e diferenças encontradas nos dois casos analisados.
O último capítulo apresenta as conclusões deste trabalho. A primeira parte contempla
os resultados principais da pesquisa e os resultados inesperados (secundários) obtidos. A
segunda parte contém uma análise da dinâmica de combinação entre intenção e emersão,
retomando a questão de pesquisa e os objetivos da dissertação. O capítulo termina com as
contribuições desta pesquisa, suas limitações e sugestões para trabalhos futuros.
18
2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1 As organizações e seu ambiente
2.1.1 As organizações como sistemas abertos
Com raízes na teoria geral de sistemas, a abordagem de sistemas abertos foi
desenvolvida na Europa e nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial e baseia-se na
premissa de que, diferentemente daqueles fechados, os sistemas abertos são capazes de se
manter pela troca de recursos com seu ambiente, assim como organismos vivos (BOULDING,
1956).
Transportando essa abordagem para o campo da teoria organizacional, Katz e Kahn
(1966) introduziram uma leitura mais sistemática dos conceitos e modelos de sistemas
abertos, cujo funcionamento consiste em ciclos recorrentes de importação transformação
exportação. A importação e a exportação são transações que envolvem setores do seu
ambiente imediato, enquanto a transformação é um processo contido dentro do próprio
sistema. Então, a organização recebe do ambiente matéria-prima, recursos humanos, energia e
informações e as transforma em produtos ou serviços que são reenviados ao ambiente.
Uma das maiores contribuições dessa abordagem é o reconhecimento de que muitos
sistemas, especialmente os sociais, contêm elementos que são conectados de maneira tênue
com outros, sendo capazes de ações autônomas. Isso acentua a complexidade e a variabilidade
das partes individuais das organizações – tanto participantes individuais quanto subgrupos - e,
nesse contexto, a coordenação e o controle tornam-se bastante problemáticos (ASHBY, 1968;
SCOTT, 1998).
Em uma literatura mais recente, alguns autores (MORGAN, 1996; SCOTT, 1998;
DONALDSON, 1998) destacam que o ambiente molda, suporta e se infiltra nas organizações.
Para eles, a organização está em constante interação com o ambiente em que está inserida, o
qual pode ser caracterizado como vasto, difuso, sem fronteiras definidas e que inclui variáveis
desconhecidas e incontroláveis.
Por outro lado, os próprios limites das organizações são amorfos e transitórios. Dada a
abertura das organizações a seus ambientes, determinar seus limites é sempre complexo e,
19
algumas vezes, parece ser uma decisão arbitrária. Além disso, todos os sistemas são
compostos por subsistemas que estão inseridos em sistemas mais amplos, tornando ainda mais
difícil construir fronteiras claras a seu redor (SCOTT, 1998).
Assim, a abordagem de sistemas abertos estabelece alguns aspectos-chave, dignos de
atenção no estudo das organizações. Um primeiro aspecto ressalta a importância da atenção a
mudanças no contexto ambiental e da administração dos limites e das áreas de
interdependência da organização para o desenvolvimento de respostas estratégicas
apropriadas. Muito do interesse em estratégia organizacional é produto da percepção de que
as organizações devem ser sensíveis ao que ocorre a seu redor. Um segundo aspecto é o
reconhecimento da dependência mútua entre subsistemas e a busca de formas de administrar
as relações entre estes e o ambiente no qual a organização opera. Por fim, há uma tentativa de
estabelecer congruências entre diferentes sistemas para identificar e eliminar potenciais
disfunções (MORGAN, 1996).
Coletivamente, essas idéias pavimentaram o caminho para a libertação das teorias
organizacionais e administrativas do tradicional pensamento burocrático, levando à teoria
contingencial. Segundo esta, a organização de uma instituição deveria ser realizada de
maneira a atender aos requisitos do ambiente, e a forma mais adequada depende do tipo de
tarefa desempenhada pela organização ou do ambiente em que está inserida (MORGAN,
1996).
2.1.2 A Teoria Contingencial
A primeira pesquisa relevante sobre o efeito do ambiente na estrutura das empresas,
realizada por Dill (1958) em duas organizações norueguesas, demonstrou que a autonomia do
corpo gerencial pode ser influenciada pela estrutura do ambiente, pela disponibilidade de
informações e por suas percepções a respeito do significado das informações ambientais. Para
Dill (1958), o comportamento depende do efeito do ambiente para a organização e da
interpretação das informações ambientais pelos membros da organização.
Um pouco depois, Burns e Stalker (1961) realizaram um estudo e argumentaram que
quem determina a estrutura e o funcionamento da organização é o ambiente, e quando a
mudança se torna ordem do dia, estilos abertos e flexíveis de organização são necessários.
Concluíram então haver dois tipos ideais de sistemas organizacionais: o sistema mecânico,
20
adequado a condições relativamente estáveis de tecnologia e mercado, com atividades de
rotina e cujos papéis organizacionais são firmemente definidos por níveis superiores que
detêm o monopólio do conhecimento organizacional; e o sistema orgânico, adequado a
condições opostas e cujos papéis organizacionais são definidos de forma menos rígida e como
resultado de discussão entre as partes, e que suporta a inovação e a adaptação (BURNS;
STALKER, 1961).
Chandler (1962) realizou uma pesquisa sobre as mudanças estruturais de quatro
grandes organizações norte-americanas Du Pont, GM, Standard Oil Co. e Sears e
demonstrou que a estrutura dessas empresas foi continuamente adaptada e ajustada à
estratégia que perseguiam. Concluiu, então, que a estratégia determina a estrutura, e o
desempenho organizacional é afetado pela qualidade desse alinhamento (CHANDLER, 1962).
Aproximadamente ao mesmo tempo em que Burns e Stalker (1961) e Chandler (1962)
apresentavam seus achados, Woorward (1965) liderava uma equipe no South-East Essex
Technical College, do Reino Unido. Seu time estudou uma centena de organizações
manufatureiras e concluiu que suas estruturas não se relacionavam com o seu tamanho, mas
com seus objetivos o que elas desejavam fazer e para quais mercados, os quais
determinavam o tipo de tecnologia de operação que utilizavam. As mudanças tecnológicas
forçam mudanças organizacionais porque uma ligação estreita entre tecnologia e estrutura
social. Nesses termos, o ambiente é que determina o comportamento da organização
(WOODWARD, 1965).
A conclusão do estudo de Woodward (1965) é que, onde a tecnologia é simples, com
produção unitária ou em pequenos lotes, a organização tende a ser informal e orgânica,
fazendo uso de pouca hierarquia e sem muitos controles administrativos. onde a produção
avança para grandes lotes e produção em massa, a organização do trabalho torna-se formal e
mecanicista, com uma complexa hierarquia de especialistas de suporte e departamentos de
controle. Por fim, no caso da produção por processo contínuo, com uso intensivo de capital e
produção mais automatizada, a organização é levada antes a uma organização mais
mecanicista para depois evoluir para uma estrutura mais orgânica (WOODWARD, 1965).
Seguindo uma linha um pouco diferente, Emery e Trist (1965) procuraram estudar o
processo e as reações que ocorriam no ambiente como um todo, no intuito de classificar a sua
natureza e suas conseqüências sobre a estrutura organizacional. Identificaram quatro tipos de
contexto ambiental, cada qual proporcionando determinado comportamento à empresa. O
primeiro deles, o plácido e randômico, é o ambiente mais simples e estático, em que empresas
competem em uma concorrência pura e vendem produtos homogêneos; o segundo, o plácido e
21
segmentado, é um ambiente também estático, mas ligeiramente mais complexo, em que cada
empresa pode estabelecer seu domínio e ter algum controle sobre o ambiente, mas não
consegue afetar outras empresas; o terceiro, o perturbado e reativo, é mais dinâmico do que
estável, nele as empresas são do mesmo tamanho, tipo e com objetivos semelhantes, dispondo
das mesmas informações e buscando o mesmo domínio do mercado. Por fim, os campos
turbulentos caracterizam-se por intenso dinamismo e variação provocada por outras empresas
(EMERY; TRIST, 1965).
Um pouco depois, Lawrence e Lorsch (1967) realizaram uma pesquisa para estudar a
relação entre organização e o ambiente em dez empresas. Observaram que aquela que tinha
melhor desempenho em seu setor estava mais próxima de atender às demandas do ambiente
que seus competidores. Essa pesquisa gerou duas idéias principais. Em primeiro lugar, que
diferentes tipos de organizações são necessários para lidar com diferentes condições de
mercado e tecnologia?. Em segundo lugar, que organizações, operando em ambientes incertos
e turbulentos, precisam atingir um grau mais alto de diferenciação interna (divisão da
organização em subsistemas ou departamentos, cada qual desempenhando uma tarefa
especializada para um contexto ambiental também especializado) do que aquelas que estão
em ambientes menos complexos e mais estáveis? (LAWRENCE, LORSCH, 1967).
Os estudos de Dill (1958), Burns e Stalker (1961), Chandler (1962), Woodward (1965)
e Lawrence e Lorsch (1967) reafirmaram o impacto do ambiente sobre a estrutura e
funcionamento da organização, um modo de enxergar as organizações, que foi, então,
rotulado por Lawrence e Lorsch (1967) como “Teoria da Contingência”. Essa teoria postula
que variáveis organizacionais relacionam-se de modo complexo entre si e com o ambiente, e
que a viabilidade em longo prazo da organização depende da sua capacidade de alterar suas
características e de se adaptar às demandas externas.
Assim, “(...) os gerentes não podem mais ficar preocupados com a melhor maneira de
organizar”, dizem Lawrence e Lorsch (1967, p.94), pois a teoria sustenta que “(...) diferentes
condições ambientais requerem diferentes estilos de organização”.
Praticamente ao mesmo tempo, Thompson (1967) postulava que o ambiente influencia
diretamente a estrutura ao colocar exigências que fomentam uma especialização crescente.
Ele distinguiu três níveis de interdependência entre as atividades em um fluxo de trabalho
combinadas, seqüenciais e recíprocas (pooled, sequential and reciprocal) – e correlacionou os
diferentes mecanismos de coordenação para se lidar com cada uma.
Seu estudo mostrou que o grau de diferenciação requerido para estilos administrativos
e organizacionais entre departamentos variava de acordo com a natureza e com o ambiente da
22
indústria e que um grau apropriado de interação é necessário para ligar as partes diferenciadas
entre si. Por exemplo, em ambientes relativamente estáveis, as formas convencionais
burocráticas de integração, tais como hierarquia, regras, e assim por diante, pareciam
trabalhar bastante bem. Entretanto, em ambientes mais turbulentos, essas formas precisavam
ser substituídas por outras, tais como equipes de projetos multidisciplinares e indicação de
pessoal habilitado na arte de coordenação e resolução de conflitos (THOMPSON, 1967).
Para Thompson (1967), o uso bem-sucedido desses instrumentos depende não do
poder, do status e da competência daqueles que estão envolvidos, mas também da presença de
uma estrutura de recompensas que favoreça a integração.
Enquanto isso, no Reino Unido, o chamado grupo de Aston pesquisava organizações
de diversos tipos e distinguiu duas grandes dimensões da estrutura organizacional: a
estruturação das atividades (o quanto a organização adota de especialização funcional, regras
e procedimentos) e a concentração da autoridade (centralização da tomada de decisão). Para a
estruturação, a principal contingência que encontraram foi o tamanho da organização (em
número de empregados), sendo as maiores, mais estruturadas. No caso da centralização, a
principal contingência foi o tamanho da organização e se a organização era uma subsidiária de
uma organização maior, sendo a descentralização maior em organizações independentes
(PUGH et al., 1969).
Mais recentemente, Morgan (1996, p.53) sustenta que “(...) organizações são sistemas
abertos que necessitam de cuidadosa administração para satisfazer e equilibrar necessidades
internas, bem como se adaptar a circunstâncias ambientais”. Para ele, uma adaptação bem-
sucedida da organização ao meio ambiente depende da habilidade da administração em
interpretar as condições que enfrenta de maneira apropriada e adotar um curso de ação
significativo. Porém, se o ambiente é mutante, sem que se possa influir ou mesmo precisar a
mudança, as organizações têm de estar preparadas para as contingências (MORGAN, 1996).
Ou seja, como defende Hatch (1997, p.77), a “(...) maneira mais efetiva de organizar é
contingente a condições de complexidade e mudanças no ambiente”.
De maneira análoga, há diversos fatores contingenciais, tais como a estratégia, o
tamanho, a tecnologia e a incerteza com relação às tarefas. “(...) a incerteza da tarefa é o
coração do conceito de contingência, que tem implicações para conceitos contingenciais de
segunda ordem, tais como inovação e tamanho” (DONALDSON, 1998, p.107). Para ele, a
idéia central da teoria da contingência estrutural é que uma adequação entre a estrutura e a
contingência organizacional que afeta o desempenho (DONALDSON, 1998).
23
Assim, sob a teoria contingencial, a viabilidade da organização está diretamente
relacionada à sua capacidade em adequar-se aos requisitos ambientais. Buscar-se-á, a seguir,
caracterizar o ambiente e compreender sua influência sobre a estratégia empresarial.
2.1.3 Caracterização do ambiente
Como foi dito, para os clássicos da teoria da contingência (DILL, 1958; BURNS;
STALKER, 1961; CHANDLER, 1962; WOODWARD, 1965; EMERY; TRIST, 1965;
LAWRENCE; LORCH, 1967; THOMPSON, 1967; PUGH et al., 1963; PUGH et al., 1968;
PUGH et al., 1969) o ambiente organizacional é visto como uma entidade fora dos limites da
organização, que influencia seus resultados ao impor limites e demandar adaptação. Teóricos
mais modernos, como Andrews (1971), Miles (1980), Hall (1984), Hatch (1997) e Mintzberg
(2003), também adotam a perspectiva de um ambiente composto por tudo o que circunda a
organização e que tenha potencial de influenciá-la.
Ainda a esse respeito, Hatch (1997) entende que o ambiente externo pode ser
caracterizado pelos seguintes elementos: o ambiente geral, composto por forças mais amplas
do ambiente e que pode ser dividido em diferentes setores, incluindo o social, o cultural, o
legal, o econômico, o tecnológico e o físico; o ambiente inter-organizacional, composto por
fornecedores, clientes, competidores, sindicatos, agências reguladoras e “interesses especiais”,
que são pessoas, grupos ou organizações que procuram influenciar as atividades da
organização por meio de atividades políticas, econômicas e/ou sociais; e o ambiente
internacional e global, que inclui aspectos do ambiente que cruzam limites de países ou que
são organizados em escala global.
Considerando uma literatura de base econômica e de origem nacional, Ferraz, Kupfer
e Haguenauer (1996) definem a existência de fatores sistêmicos, estruturais e empresariais.
Para eles, fatores sistêmicos são, por exemplo, macroeconômicos, político-institucionais,
legais-regulatórios, infra-estruturais e sociais, ou o macroambiente”. Fatores estruturais
conformam o ambiente competitivo em que se encontram as organizações e são aqueles sobre
os quais a capacidade de intervenção da empresa é limitada pela concorrência. Apresentam
especificidades setoriais mais nítidas, pois dependem do padrão de concorrência dominante na
indústria. Abrangem o somente as características da demanda e da oferta, mas também a
influência de instituições além do mercado, públicas e não-públicas, as quais definem o
24
regime de incentivos e regulação da concorrência prevalecente. fatores empresariais são
aqueles sobre os quais as organizações detêm poder de decisão e podem ser controlados ou
modificados, correspondendo a variáveis no processo decisório. Dizem respeito ao estoque de
recursos acumulados pela empresa e às estratégias de ampliação desses recursos em termos
das suas quatro áreas de competência, a saber: gestão do posicionamento estratégico;
capacitação tecnológica em processos e produtos; capacitação produtiva e produtividade dos
recursos humanos.
Essas definições de ambiente externo são demasiadamente amplas para permitir um
perfeito entendimento da influência que determinados fatores têm sobre o comportamento
estratégico da organização. Para esse propósito, a perspectiva de redes traz uma estrutura
conceitual mais apropriada, como será visto a seguir.
2.1.4 O conceito de incerteza
Lawrence e Lorsch (1967) entendem que a incerteza tem três características: (1) a
clareza nos requisitos do trabalho a ser realizado, (2) o grau de dificuldade envolvido na
realização do trabalho e (3) o período de tempo até que se tenha uma resposta sobre o
desempenho daquele trabalho realizado.
Duncan (1972), por sua vez, identifica outros três componentes da incerteza: (1) a falta
de informação a respeito de fatores ambientais associados a uma dada situação de tomada de
decisão; (2) o desconhecimento do efeito de uma decisão específica, em termos do quanto está
em risco se a decisão estiver incorreta; e (3) a inabilidade em atribuir probabilidades, com
qualquer nível de confiabilidade, ao modo como fatores ambientais irão afetar o sucesso ou o
fracasso do decisor no desempenho de sua função. A questão levantada não é se o indivíduo é
capaz de atribuir probabilidade a um determinado evento, mas o quão confiante está a respeito
de sua estimativa (DUNCAN, 1972).
Para Liedtka (1985), a incerteza refere-se a freqüência, extensão e previsibilidade da
mudança. Isto pode relacionar-se à instabilidade na tecnologia ou à variabilidade na demanda
ou, mais provavelmente, a uma combinação das duas.
Porém, a despeito da importância dada ao construto “incerteza ambiental”, a pesquisa
empírica, de uma maneira geral, resultou em achados inconsistentes e/ou de difícil
interpretação (MILLIKEN, 1987). Uma fonte de confusão é que “(...) o termo incerteza
25
ambiental tem sido usado tanto como um descritor do estado de ambientes organizacionais
quanto como um descritor da pessoa que se percebe com falta de informações críticas a
respeito do ambiente” (MILLIKEN, 1987, p.134).
Então, Milliken (1987) entende incerteza como a inabilidade do indivíduo em prever
algo de forma acurada, o que abrange tanto a fonte particular de incerteza ambiental quanto o
tipo de incerteza ambiental experimentada pelo indivíduo. Um indivíduo experimenta
incerteza porque se percebe com falta de informações para prever com exatidão, ou porque se
sente incapaz de separar dados relevantes dos irrelevantes. A partir daí, ela definiu três tipos
de incerteza ambiental: a incerteza de estado, a incerteza de efeito e a incerteza de resposta.
O que diferencia cada um desses três tipos de incerteza é a informação que falta aos
administradores de uma organização.
Gestores experimentam incerteza de estado quando percebem o ambiente
organizacional, ou um componente particular daquele ambiente, como imprevisível. Esse tipo
de incerteza significa que não se entende como componentes do ambiente podem mudar e/ou
pode envolver um entendimento incompleto dos inter-relacionamentos entre elementos do
ambiente, e deve ser função das características do ambiente no qual a organização opera
(MILLIKEN, 1987).
A incerteza de efeito é definida como a inabilidade do indivíduo em prever a natureza
do impacto que uma mudança ambiental terá sobre a organização. Pode envolver
questionamentos se um evento ou mudança no ambiente terá impacto na organização como
um todo ou somente em parte, assim como dúvidas sobre natureza, severidade e período de
impacto. Ser esse tipo de incerteza, obviamente, relacionado às condições do ambiente
externo da organização não necessariamente significa que haja incerteza sobre a natureza
dessas condições. (MILLIKEN, 1987).
A incerteza de resposta é associada à tentativa de entender quais opções de resposta
estão disponíveis à organização e qual o valor ou utilidade potencial de cada uma. Esse tipo
de incerteza é experimentado na necessidade de uma decisão imediata, e deve aparecer tanto
na escolha da estratégia quanto na formulação da resposta a uma ameaça ambiental
(MILLIKEN, 1987).
Para Ghyczy, Oetinger e Bassford (2002, p.36), “(...) a incerteza, em estratégia, não é
apenas uma incapacidade de prever fatos externos, mas muito mais importante
conseqüência da indeterminação de eventos gerados por uma oposição inteligente e cheia de
recursos”. Assim, para os autores, “(...) os verdadeiros estrategistas não devem lamentar a
26
incerteza, mas tomá-la como o manancial de toda a sua arte” (GHYCZY; OETINGER;
BASSFORD, 2002, p.36).
Ghyczy, Oetinger e Bassford (2002) argumentam ainda que, no passado, a incerteza
podia estar associada a alguns poucos fatos externos, singulares, discretos, descontínuos e
com causas invisíveis, que de repente apareciam no ambiente de uma empresa ou país. Nesse
sentido, podia ser vista como exógena. Porém, para eles, a incerteza de nossa época tem uma
qualidade marcadamente diferente: os fenômenos surgem sem aviso prévio, não como
resultado de alguma cadeia causal simples cujo mecanismo de partida está oculto, mas de
inúmeros atos humanos, pequenos e independentes, que gradualmente se fundem. Nesse
sentido, é uma incerteza endógena, limitada somente pela imaginação dos agentes
econômicos. É o motor da transformação, da estratégia e de uma miríade de novas
oportunidades de negócio (GHYCZY; OETINGER; BASSFORD, 2002).
É importante cruzar a percepção de incerteza com as dimensões do ambiente, de
maneira a elaborar uma tipologia que permitirá classificar o ambiente organizacional nesta
pesquisa. Do trabalho de Emery e Trist (1965), Thompson (1968) e Terreberry (1968), duas
dimensões ambientais podem ser inferidas a dimensão simples-complexa e a dimensão
estático-dinâmica.
Para a definição dessas dimensões, Duncan (1972) utiliza-se de fatores que compõem
os ambientes interno e externo da organização. A porção “simples” da dimensão simples-
complexa lida com o grau em que os fatores componentes do ambiente são poucos em número
e similares entre si, porque são localizados em poucos componentes. A porção “complexa”
indica que os fatores são muitos, em número (DUNCAN, 1972).
A dimensão estático-dinâmica indica o grau em que os fatores do ambiente interno e
externo permanecem basicamente os mesmos com o tempo ou estão em um contínuo processo
de mudança. A porção “estática” da dimensão foca o grau em que os fatores identificados no
ambiente interno e/ou externo da organização são estáveis, ou seja, permanecem os mesmos
com o tempo. A porção dinâmica” da dimensão ressalta a freqüência com que os indivíduos
tomam em consideração novos e diferentes fatores internos e externos no processo de tomada
de decisão (DUNCAN, 1972). Importante também notar que, para Duncan (1972, p.321), a
dimensão estático-dinâmico contribui mais para a incerteza do que a dimensão simples-
complexa”.
Esse modelo, adaptado com a contribuição de Emery e Trist (1965), é representado
pelo Quadro. 1. Para caracterizar o ambiente organizacional no âmbito desta pesquisa, será
considerado este modelo como uma caracterização da incerteza do ambiente organizacional,
27
ou da incerteza de “estado”, e será agregadas as duas outras tipologias de Milliken (1987) – as
incertezas de efeito e resposta.
SIMPLES COMPLEXO
Quadrante 1
Baixa – incerteza percebida
Plácido e randômico
Quadrante 2
Baixa-moderada – incerteza geral
Plácido e segmentado
ESTÁTICO
(1) Poucos fatores e componentes no ambiente.
(2) Fatores e componentes são, de alguma
forma, similares entre si.
(3) Fatores e componentes permanecem
basicamente os mesmos.
(1) Muitos fatores e componentes no ambiente.
(2) Fatores e componentes não são similares entre si.
(3) Fatores e componentes permanecem basicamente
os mesmos.
Quadrante 3
Moderada-alta – incerteza percebida
Perturbado e reativo
Quadrante 4
Alta – incerteza percebida
Campos turbulentos
DINÂMICO
(1) Poucos fatores e componentes no
ambiente.
(2) Fatores e componentes são, de alguma
forma, similares entre si.
(3) Fatores e componentes estão em processo
de mudança.
(1) Muitos fatores e componentes no ambiente.
(2) Fatores e componentes não são similares entre si.
(3) Fatores e componentes estão em processo de
mudança.
Quadro 1: Dimensões de estado ambiental
Fonte: DUNCAN, 1972. (Adaptação)
O conteúdo das escolhas estratégicas de uma organização é afetado pela incerteza dos
gestores a respeito do ambiente organizacional. A maneira como se essa influência será
vista no próximo tópico.
2.1.5 Implicações para o comportamento estratégico
Liedtka (1985) buscou sintetizar em duas proposições as implicações da complexidade
ambiental e da incerteza sobre o processo estratégico. A primeira é que níveis crescentes de
complexidade resultam em processos de planejamento descentralizados, abrangentes, com
suporte significativo do pessoal de apoio e com orientação externa ou proativa. A
complexidade leva a organização à diferenciação e à especialização de papéis, forçando a
descentralização e a necessidade de sistemas formalizados para integrar atividades. Como
28
resultado, ter-se-á um aumento do papel dos planejadores de apoio e da abrangência do
processo de planejamento.
A segunda proposição de Liedtka (1985) é que níveis crescentes de incerteza tornam
processos de planejamento abrangentes menos úteis. Planejar em ambientes incertos pode
resultar em nada, que a incerteza não é previsível e, portanto, não se pode entendê-la com
antecedência, a despeito dos recursos dedicados à sua análise. Além disso, planos gerados
para longos horizontes de tempo tornam-se ultrapassados muito rapidamente, e, pior, podem
deixar colaboradores comprometidos com estratégias ultrapassadas.
Liedtka (1985) buscou então sintetizar essas proposições a respeito da complexidade e
da incerteza ambiental em um quadro, em que se pode prever o comportamento estratégico de
organizações em cada uma de suas posições.
COMPLEXIDADE
BAIXA ALTA
BAIXA
I II
INCERTEZA
ALTA
III IV
Quadro 2: Implicações sobre o processo estratégico
Fonte: LIEDTKA, 1985, p.23
Organizações no quadrante I (baixa incerteza e baixa complexidade) terão processos
de planejamento estratégico mínimos, caracterizados por centralização, pouca abrangência e
falta de papéis de staff, com foco interno ou reativo. Nesse caso, o planejamento é direcionado
ao controle interno, de curto prazo. São hierarquias cujo objetivo é manter o status quo
(LIEDTKA, 1985).
Organizações no quadrante II (baixa incerteza e alta complexidade) terão um sistema
de planejamento extensivo, descentralizado e abrangente, com orientação externa ou proativa.
A tarefa de coordenar a rede de planejamento requer muitos planejadores de suporte e padrões
de informação que buscarão reduzir distorções à medida que informação subir na hierarquia
(LIEDTKA, 1985).
Organizações no quadrante III (alta incerteza, baixa complexidade) também terão um
planejamento mínimo. Sua orientação estratégica, entretanto, será conjugada com a inclusão
29
de especialistas técnicos em substituição aos planejadores de suporte. A combinação de baixa
complexidade e alta incerteza alimentará a tomada de decisão centralizada e a pouca
abrangência para garantir rápida resposta. O planejamento torna-se um fórum por meio do
qual se comunica e se reforça a missão determinada de maneira centralizada e acalmam-se os
receios da comunidade interna em relação à vulnerabilidade de ameaças externas. Como
resultado, mantém a orientação interna ou reativa (LIEDTKA, 1985).
Por fim, organizações no quadrante IV (alta incerteza, alta complexidade)
desenvolverão processos de planejamento bridos, moldados sobre demandas inconsistentes
de ambientes altamente complexos e incertos. Eles são caracterizados por descentralização,
pouca abrangência, orientação externa ou proativa e pela presença de especialistas técnicos
(LIEDTKA, 1985).
Quando o ambiente externo é percebido como imprevisível, o pensamento estratégico
da organização pode ser afetado tanto em termos de conteúdo quanto de processo. Do lado do
conteúdo, se o contexto ambiental não é bem entendido e a capacidade de avaliação de
alternativas é limitada, a percepção de incerteza será provavelmente ligada às estratégicas
genéricas desenhadas para proteção de funções-chave da organização (MILLIKEN, 1987)..
O processo estratégico da organização, por sua vez, pode ser afetado de duas maneiras.
Em primeiro lugar, administradores que estejam incertos sobre o ambiente provavelmente
gastarão maior quantidade de tempo e recursos no rastreamento e na previsão ambiental do
que outros que estejam mais confiantes. Isto pode levar até mesmo à paralisação do processo
estratégico, pois muito tempo pode ser dedicado à aquisição de informação, à descoberta de
como foi a resposta de outras organizações que encararam situações similares no passado e
quais as conseqüências dessas respostas (MILLIKEN, 1987).
Em segundo lugar, é provável que as filosofias de formulação estratégica que dêem
mais ênfase às chamadas estratégias emergentes estratégias realizadas que nunca foram
intencionadas, objeto desta pesquisa sejam mais evidentes quando administradores têm alto
grau de incerteza a respeito de seu ambiente, situação em que seria muito difícil cumprir o
passo a passo de processos formais de formulação estratégica (MILLIKEN, 1987).
Neste capítulo, compreende-se que, sob a teoria contingencial, o ambiente externo
exerce grande influência nas organizações. Assim, caracterizam-se o ambiente geral e as redes
de negócio e entende-se como a incerteza a respeito desses fatores impacta os objetivos da
empresa.
30
No próximo capítulo, será conceituada estratégia e classificados os processos de
formulação de estratégias, o que será importante para depois se analisar mais profundamente
os processos deliberados e emergentes.
2.2 Tipologias de processos estratégicos
As origens da palavra estratégia remontam a objetivos claros, planejamento e
comando. Mintzberg e Quinn (1992), fazendo referência ao uso militar da palavra,
argumentam que o termo pode ser relacionado às habilidades psicológicas e comportamentais
com as quais os generais desempenhavam sua função.
Clausewitz (1996), por outro lado, sustenta que a estratégia determina os planos para
batalhas individuais e ordena seus combates. Entretanto, como muitos desses fatores estão
alicerçados em suposições que nem sempre se materializam e em pormenores que não podem
ser determinados com antecedência, segue-se que a estratégia deve ser desenvolvida no
próprio local de batalha, e não nos gabinetes. Para ele, essa abordagem só é admissível
quando o gabinete está tão próximo do exército que funciona como quartel-general.
De acordo com Ghemawat (2000, p.16),
“‘Estratégia’ é um termo criado pelos antigos gregos, que, para eles, significava um
magistrado ou comandante-chefe militar. Ao longo dos dois milênios seguintes,
refinamentos do conceito de estratégia continuaram a focalizar interpretações
militares (...)”.
Ghyczy, Oetinger e Bassford (2002), recuperando a etimologia da palavra estratégia,
lembram que a denominação strategus que se referia a um comandante militar da antiga
Atenas e membro do Conselho de Guerra tem suas raízes em stratos (exército) e agein
(conduzir). Para os autores, os historiadores romanos passaram a utilizar o termo para se
referir aos territórios controlados por um strategus (GHYCZY; OETINGER; BASSFORD,
2002).
A utilização do termo no contexto de negócios precisou esperar até a Segunda
Revolução Industrial e apareceu como uma maneira de moldar as forças do mercado e de
influenciar o ambiente competitivo. Aplicando o termo nesse contexto, Chandler
(1962) e
Burgeois (1980) argumentam que estratégia tem a ver com a determinação de objetivos de
31
longo prazo e com o estabelecimento de trajetórias de ação e alocação dos recursos
necessários ao alcance desses objetivos.
Por outro lado, estratégia pode ser definida como um conjunto de objetivos e políticas
importantes. Os objetivos corporativos representam a indicação do que a empresa procura
alcançar em relação a seu ambiente e do que ela quer ser. As políticas revelam para a empresa
como os objetivos serão alcançados e o que as pessoas devem e o que o devem fazer para
isso (TILLES, 1963).
Um outro conceito de estratégia é aquele que define o conjunto de negócios
perseguido pela companhia, o tipo de organização econômica e humana que ela é ou pretende
ser e a natureza da contribuição econômica e não econômica que ela pretende para seus
acionistas, empregados, consumidores e comunidade. Para ele, a estratégia corporativa é o
padrão de decisões em uma empresa que determina e revela seus objetivos, propósitos ou
metas, e produz as principais políticas e planos para alcançá-los (ANDREWS, 1971).
Mintzberg (1972) sugere que, enquanto a estratégia for definida a priori como um
conjunto de linhas-mestras, o processo de formulação estratégica estará restrito a termos
abstratos e normativos. Em outro artigo, Mintzberg (1978) sustenta que as definições de
estratégia geralmente a tratam como (a) explícita, (b) consciente e propositadamente
desenvolvida, e (c) criada em antecipação às ações específicas às quais se aplicam. Ou seja,
geralmente a estratégia é tratada como um plano - deliberada. A organização envolve-se em
algum tipo de ação conscientemente engendrada, uma diretriz (ou conjunto de diretrizes) para
enfrentar determinada situação com a qual se defronta. Mintzberg (1987a) ainda agrega outras
quatro definições para a palavra estratégia: como estratagema, como padrão, como posição e
como perspectiva.
Vista como um padrão, a estratégia significa consistência no comportamento, quer seja
pretendida ou não. Quando uma seqüência de decisões exibe consistência ao longo do tempo,
uma estratégia terá sido formada, ou seja, terá sido constituído “(...) um padrão em um fluxo
de ações” (MINTZBERG, 1987a, p.12).
Araújo e Easton (1996) argumentam que ver a estratégia como um padrão de ações
não necessariamente significa que a empresa é o único locus de controle estratégico. Para
eles, essa consistência de decisões pode surgir tanto de fontes internas quanto externas à
organização.
Uma das fontes internas citada pelos autores são os processos cognitivos, que podem
prover consistência por meio de uma variedade de meios, tais como modelos mentais, fala,
textos, rotinas, etc. A estratégia pode ser um padrão de discurso sobre a coerência e
32
integridade da empresa que segue um determinado caminho evolutivo. A consistência pode
estar inscrita também em práticas culturais, tais como mapas cognitivos, jogos de linguagem,
regras de ação e outras. Além disso, também pode ser determinada por processos políticos que
estabilizam lógicas de ação, configurações de poder e mecanismos de alocação de recursos. E,
por fim, a consistência interna pode ser estabelecida por processos econômicos e
tecnológicos, na medida em que recursos são comprometidos. Nesse caso, a consistência é
mais bem explicada pela falta de opções (ARAÚJO; EASTON, 1996).
Por outro lado, Araújo e Easton (1996) entendem que uma importante fonte de
consistência externa à organização é a natureza dos relacionamentos de troca com os quais
ela se envolve, geralmente relacionamentos de longo prazo, complexos e que demandam
mútuas adaptações. A evolução e o crescimento das empresas podem ser entendidos não
somente pelo desenvolvimento de competências e recursos internos, mas também pelo uso de
recursos de parceiros presentes na rede de que fazem parte. A questão que permanece é como
coordenar a transferência de recursos e o aprendizado na rede de relacionamentos.
Outra fonte de consistência externa são os relacionamentos de troca institucionais.
Para obter apoio e recursos de entidades tais como mercados de capital, governos e agências
reguladoras, a organização precisa comprometer-se com uma trajetória de evolução específica
e uma estratégia clara. Essa estratégia é comunicada por meio de relatórios anuais, atividades
de relações públicas e informações à imprensa, criando ainda mais comprometimentos com
um determinado curso de evolução (ARAÚJO; EASTON, 1996).
Por fim, também as estruturas de rede provêm consistência às decisões tomadas pela
empresa. Uma rede pode ser descrita como “(...) a totalidade de relacionamentos inter-
organizacionais, diretos e indiretos, em que a empresa se envolve” (ARAÚJO; EASTON,
1996, p.377). Nessa perspectiva, as empresas estão envolvidas em relacionamentos de troca
que tanto restringem, pela presença de fatores como custos incorridos, recursos dedicados e
inércia; quanto estimulam, ao serem capazes de usar o conhecimento obtido em um
relacionamento em outros, transformando um conhecimento local e específico em um
conhecimento de uso geral (ARAÚJO; EASTON, 1996).
Hax e Mailuf (1991) propõem um conceito “unificado” de estratégia, que abarca o
propósito geral da organização e que, por isso, tem várias dimensões. Para eles, estratégia é
um padrão de decisões coerente, unificante e integrador, que (a) determina e revela o
propósito da organização em termos de objetivos, programas e priorização de alocação de
recursos; (b) seleciona o negócio em que a organização está ou estará; (c) busca atingir uma
vantagem sustentável para a organização em cada negócio, pela avaliação das ameaças e
33
oportunidades no ambiente e das forças e fraquezas da organização; (d) compromete todos os
níveis hierárquicos da empresa e (e) define a natureza dos resultados que a organização
proverá para quem nela tem interesse (HAX, MAILUF, 1991).
Para Bossidy e Charan (2003), a estratégia deve colocar em termos específicos a
direção que a empresa deve tomar, onde ela está agora, onde estará no futuro e como chegará
lá. É um roteiro, não totalmente preenchido, que deve dar à organização suficiente espaço de
manobra (BOSSIDY; CHARAN, 2003).
Para chegar a uma estratégia, vista por qualquer das definições citadas, a empresa
geralmente faz uso de processos de formulação estratégica. Vários autores (MINTZBERG,
1973; BOURGEOIS; BRODWIN, 1984; ANSOFF, 1987; HART, 1992; WHITTINGTON,
2002) estudaram o caminho pelo qual estratégias são formadas, ou o processo de formação da
estratégia. Esses estudos estão resumidos no quadro a seguir, em um continuum que vai de
processos autocráticos e diretivos àqueles mais autônomos, de envolvimento e influência.
Tipologias de Formação de Estratégias
Autocrático Autônomo
Ordens e diretivas Envolvimento e Influência
Fonte
Empreendedora Planejamento Adaptativa
MINTZBERG
(1973)
Comandante Mudança Cultural Colaborativa Crescive
BURGEOIS;
BRODWIN
(1984)
Sistemática Reativa Orgânica ANSOFF (1987)
Comando Simbólico Racional Negociador Inovação HART (1992)
Clássica
Sistêmica
Evolucionária
Processual
WHITTINGTON
(2002)
Estratégia
imposta por
decreto e a
visão do
principal
executivo
Direção estratégica
guiada por análises
sistemáticas e
racionais
Estratégia
influenciada por
idéias e iniciativas
de gerentes da
empresa
Quadro 3: Tipologias de formação de estratégias
Fonte: ANDERSEN, 2004 (Adaptação)
Na extremidade esquerda do Quadro 3, encontram-se os processos em que a estratégia
é direcionada pela visão de um ou poucos líderes com poder, o qual conduz ações de risco em
nome da organização, buscando ativamente novas oportunidades e baseando-se fortemente na
34
inovação para sustentar o crescimento (MINTZBERG, 1973; BOURGEOIS; BRODWIN,
1984; HART, 1992).
O próximo elo do continuum em direção ao centro do Quadro 3 envolve a criação de
uma visão e de uma missão de longo prazo pela alta administração, dando significado à
organização e definindo a filosofia e valores básicos. Aqui, o papel do principal executivo é
de ser o arquiteto do processo, envolvendo-se durante o processo de implementação e
revelando a estratégia gradualmente (BOURGEOIS S; BRODWIN, 1984; HART, 1992).
No centro do Quadro 3, tem-se a estratégia guiada por análises sistemáticas e
racionais, focando particularmente a avaliação de custos e benefícios de propostas
concorrentes com o objetivo de maximizar a vantagem da empresa em longo prazo. É um
processo baseado no raciocínio lógico do analista que usa suas técnicas para desenvolver
planos formais e planos de ação detalhados. Para assegurar a efetiva implementação, a alta
administração cuidadosamente monitora e controla atividades de subordinados que têm
responsabilidade pelo desempenho em relação ao planejado. Também enfatiza um claro
distanciamento entre concepção e execução. A implementação é uma fase distinta no processo
da estratégia, vindo somente após a formulação consciente e explícita por parte da alta direção
da empresa (MINTZBERG, 1973; BOURGEOIS; BRODWIN, 1984; ANSOFF, 1987;
HART, 1992; WHITTINGTON, 2002).
No elo seguinte do continuum, agora em direção à extremidade direita do Quadro 3,
encontram-se os modelos em que a estratégia é baseada na interação e no aprendizado, mais
do que a execução de um plano predeterminado. Nesse caso, a estratégia é criada sobre um
diálogo contínuo com as principais partes interessadas. Esses modelos buscam endereçar
pontos críticos dos modelos anteriores: superar os limites cognitivos dos formuladores,
aumentar a probabilidade de implementação e tratar a questão motivacional pela participação
dos executivos da linha de frente na formulação estratégica (BOURGEOIS; BRODWIN,
1984; ANSOFF, 1987; HART, 1992).
Por fim, na extremidade esquerda do Quadro 3, têm-se os modelos em que a estratégia
é influenciada por idéias e iniciativas de gerentes da empresa. Nesses modelos, o papel da alta
administração é delimitar premissas estratégicas abrangentes o suficiente para estimular a
inovação na linha de frente, assumindo o risco e nutrindo o desenvolvimento das idéias de
mais alto potencial. Ou seja, a estratégia vem de propostas que emergem de baixo, do
empreendedor corporativo, mais do que do topo da organização. O segredo dos modelos está
no balanceamento da escolha. Outra característica da organização adaptativa é a fragmentação
do processo de formulação estratégica: a tomada de decisões é realizada em passos seriados e
35
incrementais, com paradas freqüentes para avaliação dos resultados e ajuste de curso às
necessidades do momento (MINTZBERG, 1973; BOURGEOIS; BRODWIN, 1984;
ANSOFF, 1987; HART, 1992; WHITTINGTON, 2002).
Nesta pesquisa o interesse é entender a dinâmica de estratégias influenciadas por
idéias e iniciativas dos gerentes da empresa (estratégias emergentes) funcionando sob
processos deliberados de estratégia. Assim, no próximo capítulo buscar-se-á entender as
características gerais desses processos deliberados, tão comuns nas organizações atuais.
2.3 Processo deliberado de formulação estratégica
O modelo tradicional (deliberado) de formulação estratégica pode ser dividido em
quatro grandes etapas: a formulação estratégica, a implementação estratégica, o controle dos
resultados e o ajuste de sistemas, terminando pela retroalimentação (MAYO; BROWN,
1999). Para efeito desta pesquisa, será estudado o processo em três etapas: a formulação, a
implementação e a análise e revisão estratégica (abrangendo o controle dos resultados e o
ajuste de sistemas).
2.3.1 Formulação Estratégica
Ao final dos anos 50, Andrews apud Ghemawat (2000) defendia que toda organização
deveria ter conjuntos de fins ou metas que a conduzissem em direção a um objetivo
deliberadamente escolhido. Segundo ele, a definição dos fins ou metas deveria advir de uma
análise das forças e fraquezas da organização face às oportunidades e ameaças que ela
enfrenta no mercado. Essa estrutura passou a ser conhecida pela sigla SWOT (do inglês,
Strengths, Weaknesses, Opportunities, Threats) e tornou-se sinônimo de racionalidade e de
ação planejada.
36
Figura 1: Estrutura SWOT de Estratégia de Andrews
Fonte: GHEMAWAT, 2000, p.20.
A partir de então, vários autores (GILMORE; BRANDENBURG, 1962; STEINER,
1969; LORANGE; VANCIL, 1977; STEINER, 1979; TREGOE; ZIMMERMAN, 1980;
LORANGE, 1980; HAX; MAILUF, 1991; RIGBY, 1993; MINTZBERG, 2000) se
esforçaram para sofisticar a SWOT, incluindo desde a definição da missão da organização até
o detalhamento de etapas de fixação de objetivos, orçamentos, planos operacionais e controle
da gestão. O modelo foi dividido em etapas claramente delineadas, representadas em
complexos fluxogramas de perguntas concretas que precisavam ser respondidas para o
desenvolvimento das estratégias.
De maneira geral, o primeiro passo nos processos deliberados de formulação
estratégica é a delimitação da chamada “identidade organizacional”. Essa identidade é
formada pela ideologia e pela missão da empresa. Segundo Collins e Porras (1996), a
ideologia central é um conjunto de preceitos básicos da empresa – o que ela é, o que
representa que raramente muda, quando muda. Para os autores, a ideologia de uma empresa
é composta por valores centrais e pelo propósito central.
Recursos
Corporativos
Aumentando ou
restringindo
oportunidade
Identificação de
forças e
fraquezas
Programas para
elevar
capacidade
Condições e
Tendências
Ambientais
Econômicas
Técnicas
Físicas
Políticas
Sociais
Comunidade
Nação
Mundo
Competência
Distintiva
Capacidades:
- Financeira
- Gerencial
- Funcional
- Organizacional
Reputação
História
Consideração de todas as
combinações
Avaliação para
determinar a melhor
combinação de
oportunidade e recursos
Escolha de Produtos e
Mercados
Estratégia Econômica
Oportunidades e
Riscos
Identificação
Pesquisa
Avaliação de
riscos
37
Os valores centrais são doutrinas essenciais e duradouras da empresa, um pequeno
conjunto de princípios gerais de orientação que não são comprometidos em função de
oportunidades de curto prazo. Têm importância e valor intrínseco para aqueles de dentro da
organização e normalmente são declarados de forma simples, objetiva, clara e poderosa
(COLLINS; PORRAS, 1996).
O propósito central, também chamado de “Visão”, é a razão de ser da organização – os
motivos fundamentais pelos quais ela existe além de ganhar dinheiro. A Visão regula os
relacionamentos entre a empresa e as partes que nela têm interesse. Seu principal papel é ser
uma estrela-guia permanente no horizonte, desafiando, orientando e inspirando as ações
empresariais. Por esse motivo, é normalmente amplo e duradouro (COLLINS; PORRAS,
2000).
a Missão descreve como a empresa é única em seu escopo de operações e em sua
oferta de produtos ou serviços. A declaração de Missão indica o que a organização pretende
realizar, identifica os mercados nos quais ela pretende operar e reflete as premissas filosóficas
que guiam as ações (IRELAND; HITT, 1992).
O segundo passo utilizado no processo de formulação estratégica é a análise do
ambiente externo, cujo objetivo é diagnosticar a saúde geral dos setores relevantes para os
negócios da empresa (HAX; MAILUF, 1991). Essa etapa do planejamento estratégico é
geralmente dividida em duas: a análise do macroambiente e a análise do setor em que a
empresa opera.
A análise do macroambiente concentra-se no entendimento de aspectos econômicos,
políticos, tecnológicos, sociais e legais que afetam a empresa como um todo. É conduzida, em
primeiro lugar, sob uma perspectiva histórica, para então buscar tendências futuras e ser
refinada com a definição de cenários pessimistas e otimistas para os quais a organização deve
estar preparada (HAX; MAILUF, 1991).
Uma das estruturas mais utilizadas para a análise do setor em que a empresa opera é o
modelo de cinco forças de Porter (1999). Segundo ele, o estado da competição em um setor é
função de cinco forças básicas manobras pelo posicionamento entre os atuais concorrentes;
ameaça de novos entrantes; poder de negociação dos clientes; ameaça de produtos ou serviços
substitutos; e poder de negociação dos fornecedores que delimitam preços, custos e
necessidades de investimentos, determinando, em última instância, as perspectivas de
rentabilidade do setor em longo prazo (PORTER, 1999).
A ameaça de novos entrantes depende da expectativa destes em relação às barreiras
existentes e à reação dos concorrentes. Se as barreiras economias de escala, diferenciação
38
do produto, exigências de capital, desvantagens de custo, acesso a canais de distribuição e
política governamental forem altas ou houver expectativa de forte reação, os entrantes não
representarão séria ameaça (PORTER, 1999).
Os clientes competem com o setor forçando os preços para baixo, barganhando por
melhor qualidade ou mais serviços e jogando os concorrentes uns contra os outros, tudo à
custa da rentabilidade. Um grupo comprador é poderoso se é concentrado ou compra grandes
volumes; se os produtos que adquire são padronizados ou não diferenciados; se os insumos
que compra representam fração significativa dos seus próprios custos; se seus lucros o
baixos; se os produtos que compram não são importantes para a qualidade de seus produtos,
se o produto do setor não economiza o dinheiro do comprador; e se uma ameaça concreta
de integração para trás, incorporando o produto do fornecedor (PORTER, 1999).
Os fornecedores podem exercer poder de negociação sobre um setor ameaçando elevar
preços ou reduzir a qualidade dos bens e serviços fornecidos. Podem ainda sugar a
rentabilidade de um setor que seja incapaz de repassar aumentos de custos em seus próprios
preços. Um grupo fornecedor é poderoso se é dominado por poucas empresas e é mais
concentrado do que o setor para o qual vende; se seu produto é diferenciado e custos de
mudança; se não esobrigado a competir com produtos substitutos na venda para o setor; se
representa uma ameaça de integração para frente, invadindo o setor dos compradores; e se o
setor do cliente não é um comprador importante (PORTER, 1999).
Os produtos substitutos reduzem os retornos potenciais de um setor, ao colocar um
teto nos preços que as empresas podem fixar com lucro. Quanto mais atrativa a alternativa de
preço-desempenho oferecida pelos produtos substitutos, mais firme será a pressão sobre os
lucros do setor (PORTER, 1999).
Por fim a rivalidade entre os concorrentes ocorre quando um ou mais concorrentes
sentem-se pressionados ou percebem uma oportunidade de melhorar sua posição. É
conseqüência da interação de vários fatores estruturais, tais como concorrentes numerosos ou
bem equilibrados; crescimento lento do setor; custos fixos ou de armazenamento altos;
ausência de diferenciação ou custo de mudança; capacidade aumentada em grandes saltos;
concorrentes divergentes; grandes interesses estratégicos e presença de barreiras de saída, tais
como ativos especializados, custos fixos de saída, inter-relações estratégicas, barreiras
emocionais e restrições de ordem governamental e social (PORTER, 1999).
O terceiro passo no processo de formulação estratégica é a análise interna, cujo
objetivo é identificar as competências distintivas recursos humanos, financeiros, produtivos,
39
físicos e tecnológicos que a empresa possui, ou “forças”, assim como aquelas que são
importantes, mas que a empresa ainda não domina, ou “fraquezas” (HAX; MAILUF, 1991).
Uma das ferramentas analíticas utilizadas nesta etapa é a cadeia de valores de Porter
(1990), que desagrega as atividades de uma empresa por sua relevância estratégica. Para ele,
toda empresa é uma reunião de atividades que são executadas para projetar, produzir,
comercializar, entregar e sustentar o produto. Essas atividades são representadas na cadeia de
valor e são fontes de vantagem competitiva na medida em que a empresa as executa de
maneira mais efetiva do que seus concorrentes (PORTER, 1990).
Outra maneira de se analisar internamente a empresa é pelo uso da visão baseada em
recursos (RBV- Resource Based View). A RBV a empresa como uma coleção de ativos
físicos e intangíveis e competências que determinam o quão eficiente e efetiva ela é no
desempenho de suas atividades funcionais. Sob esta ótica, a vantagem competitiva está na
posse de recursos e competências valiosos que permitam à empresa desempenhar suas
atividades melhor ou com menor custo do que seus competidores (PRAHALAD; HAMEL,
1990; COLLINS; MONTGOMERY, 1995).
O quarto passo no processo estratégico deliberado é a formulação do objetivo
estratégico. Para isso, as empresas muitas vezes se valem das chamadas “estratégias
genéricas” para estabelecer e explorar uma vantagem competitiva dentro de um alcance
competitivo específico.
Porter (1986) entende que as empresas de sucesso optam por competir na base de
custos baixos ou diferenciando produtos pela qualidade e características de desempenho,
popularizando essas idéias como estratégias genéricas de “liderança em custo” e
“diferenciação”.
A liderança em custo implica ocupar uma posição com significativa vantagem de custo
sobre os concorrentes no setor. Requer a construção de instalações para ganho de escala e
uma constante atenção à redução de custos. Para implementar uma estratégia de custos de
modo eficiente, a empresa deve identificar as atividades críticas em sua cadeia de valor que
são fonte de vantagem de custos e otimizá-las (PORTER, 1986).
A diferenciação requer a oferta aos clientes de algo que seja percebido como único
algo que os competidores do setor não podem oferecer, permitindo à empresa cobrar um
maior preço por isso, e pode tomar diversas formas: marca, tecnologia, serviços ao
consumidor, etc. (PORTER, 1986).
Por fim, Porter (1986) identificou ainda uma opção de foco, seja em custos ou
diferenciação, que consiste em concentrar esforços em um grupo de compradores, segmento
40
de produtos ou mercados geográficos em particular. Essas opções estão representadas no
quadro 4.
Vantagem
competitiva
Escopo
de mercado
BAIXO CUSTO DIFERENCIAÇÃO
AMPLO
Liderança em Custo Diferenciação
ESTREITO
Foco em Custo Foco em Diferenciação
Quadro 4: As três estratégias genéricas
Fonte: PORTER, 1986.
De modo semelhante, Treacy e Wiersema (1998) sustentam que clientes diferentes
compram tipos diferentes de valor, e em cada caso uma “disciplina de valor”, ou estratégia
genérica, que a empresa deve focar: “excelência operacional”, “liderança em produtos” e
“intimidade com o cliente” (TREACY; WIERSEMA, 1998).
Um primeiro grupo de clientes busca, principalmente, o menor custo total, por meio de
uma combinação de preço, qualidade e facilidade de compra. Para atendê-los, a empresa deve
buscar a disciplina da excelência operacional, utilizando-se de um modelo que combine
processos de suprimento e atendimento básico otimizados; operações padronizadas,
simplificadas, controladas e planejadas de modo centralizado; sistemas gerenciais que
focalizam transações integradas, confiáveis e rápidas e uma cultura que abomina o
desperdício e premia a eficiência (TREACY; WIERSEMA, 1998).
Um segundo grupo de clientes dá muito valor ao atendimento e aconselhamento
personalizados. Para atendê-los, a empresa deve focar na disciplina de intimidade com o
cliente, adaptando continuamente seus produtos e serviços para satisfazer necessidades
particulares a preços razoáveis. Para isso, utiliza-se de uma estrutura que delega a tomada de
decisões aos colaboradores próximos dos clientes e lhes autoridade para agir, de sistemas
gerenciais voltados para a criação de resultados para os clientes e de uma cultura que prefere
soluções específicas em vez de genéricas (TREACY; WIERSEMA, 1998).
Por fim, os clientes que vêem o desempenho ou a singularidade de um produto
como o componente essencial do valor, e, para atendê-los, a empresa deve buscar a disciplina
da liderança em produtos. Uma empresa em busca da liderança em produtos busca sempre
prover seu mercado com produtos de ponta ou novas e úteis aplicações de produtos e serviços
existentes. Para isso, utiliza-se de um modelo operacional que coloca foco nos processos
41
essenciais de invenção, desenvolvimento de produtos e exploração do mercado; de uma
estrutura frouxamente alinhavada e mutável, operando por projetos; de sistemas gerenciais
voltados para resultados, que medem e premiam o sucesso e não punem erros; e de uma
cultura que encoraja a imaginação e a realização individual (TREACY; WIERSEMA, 1998).
Como foi visto, no modelo deliberado a formulação estratégica é tratada como um
momento separado da implementação. Uma vez que a organização delimita sua estratégia,
deve, na seqüência, passar às ações que a levarão aos objetivos perseguidos. No próximo
tópico, serão apresentados os elementos fundamentais da implementação de estratégias.
2.3.2 Implementação estratégica
Uma vez que a organização determina as premissas e escolhe seu objetivo estratégico,
deve providenciar as ações para atingi-lo. Para Hax e Mailuf (1991), a implementação
estratégica materializa o desenvolvimento de longo prazo de um negócio pela articulação de
planos de negócio bem coordenados, detalhados com o horizonte de tempo para o alcance dos
marcos e uma primeira estimativa dos recursos estratégicos requeridos.
A implementação pode também ser entendida como o conjunto de atividades e
escolhas necessárias para a execução de um plano estratégico, o processo pelo qual estratégias
e políticas determinadas pela empresa são colocadas em prática, utilizando-se de programas,
orçamentos e procedimentos. Segundo eles, o processo de implementação deve levar em
consideração quem são as pessoas que executarão o plano estratégico, o que deve ser feito e
como deve ser feito (HUNGER; WHEELEN, 2002).
A implementação está calcada no plano operacional, um processo composto de três
partes, que começa com o estabelecimento de metas, passa pelos planos de ação incluindo
os compromissos necessários entre metas de curto e longo prazo e chega à concordância de
todos os participantes. Então, são estabelecidas metas de acompanhamento para os
compromissos e medidas corretivas, caso isso não ocorra (BOSSIDY; CHARAN, 2003).
O plano operacional indica o caminho para a empresa chegar aonde quer, decompondo
o resultado de longo prazo em metas de curto prazo, e dando realismo aos números. Inclui os
principais programas que a empresa vai realizar – marketing e vendas, produção, dispêndio de
capital, etc. para atingir os níveis desejados de metas como lucro, vendas, margens e fluxo
42
de caixa. O plano operacional conecta as pessoas, a estratégia e as operações e se traduz no
estabelecimento de metas e objetivos para o ano seguinte (BOSSIDY; CHARAN, 2003).
O plano operacional é concretizado pelo orçamento. Uma vez que os programas
estratégicos foram aprovados e os respectivos recursos alocados, os gerentes funcionais
devem transformar aqueles compromissos em orçamentos operacionais, detalhando a
estimativa da taxa de retorno e do valor presente líquido (HAX; MAILUF, 1991).
Um orçamento representa a projeção de receitas e custos, normalmente cobrindo um
ou mais anos. O orçamento principal da empresa inclui as atividades cujo monitoramento é
importante para o alcance de seus objetivos estratégicos. Entre eles estão vendas, fabricação,
atividades administrativas, investimentos, gestão de caixa, etc. (HAX; MAILUF, 1991).
Em passos subseqüentes, esses programas e orçamentos o consolidados com todos
os programas da empresa no nível corporativo. Nessa instância, os programas são analisados
buscando-se resolver potenciais conflitos, balancear o portfólio de negócios da empresa,
definir os fundos estratégicos, a política de dívidas e o crescimento máximo sustentável, e
assinalar as prioridades que irão receber os recursos (HAX; MAILUF, 1991).
Realizada a formulação estratégica e iniciada a sua implementação, a organização
deve constantemente verificar e ajustar o seu desempenho em relação ao esperado. Isso é
realizado pelos mecanismos de controle, análise e de revisão estratégica, explicitados a seguir.
2.3.3 Análise e revisão estratégica
O planejamento e controle são atividades conectadas de modo intrínseco. De um lado,
o esforço de planejamento resulta na definição de tarefas fundamentais para a empresa e
representa sérios compromissos organizacionais. Por essa razão, pode ser inimaginável
terminar o processo sem estabelecer um mecanismo apropriado para monitorar o progresso
desses compromissos. De outro lado, o processo de controle é centrado na análise de
resultados das atividades planejadas, avaliando seu desempenho, diagnosticando seus méritos
e tomando ações corretivas quando necessárias, o que leva à redefinição dos planos (HAX;
MAILUF, 1991).
Antes que as avaliações de desempenho possam ter qualquer impacto sobre a gestão
estratégica, precisam ser comunicadas às pessoas responsáveis pela formulação e
implementação dos planos estratégicos. Os sistemas de informação estratégica
43
informatizados ou não, formais ou informais - podem desempenhar essa função (HUNGER;
WHEELEN, 2002).
Entretanto, há evidências de que, na prática, poucas empresas embutem em seus
sistemas de controle medidas de controle formais e explícitas que monitorem progressos e
garantam a implementação de planos estratégicos. É necessária uma concepção mais ampla de
controle estratégico, em que divergências entre os resultados reais e os esperados levem em
conta não somente a modificação nas ações das pessoas, mas também a revisão periódica da
estratégia e o aprendizado organizacional, como ilustrado a seguir (GOOLD; QUINN, 1990;
BOSSIDY; CHARAN, 2003; HREBINIAK, 2005).
Figura 2: A revisão estratégica: planejamento, implementação e controles
Fonte: HREBINIAK , 2005, p.211.
Este capítulo apresentou o modelo de formulação estratégica segundo a ótica
deliberada, em que as ações estratégicas têm lugar somente depois de terem sido totalmente
formuladas. Contudo, se os formuladores ficarem mais próximos da implementação ou se os
implementadores tiverem mais influência sobre a formulação, talvez as organizações tenham
mais sucesso. Essa é a premissa desta pesquisa e das estratégias emergentes, objeto do
próximo capítulo.
Formulação estratégica
Implementação
Revisão do desempenho
atual do negócio
Estratégia corporativa
Necessidades de portfólio
Competências e restrições
Estratégia
Objetivos
Estratégia de negócios
Análise das forças do setor
Análise da concorrência
Estratégia
Objetivos
Implementação dos Planos e
Processos
Atendimento das demandas da
estratégia
Estrutura organizacional
Requisitos de integração e
Métodos
Incentivos apropriados
Necessidades de informação
Contratação e treinamento de
pessoas
Comparação de medidas de
desempenho atuais e
objetivadas
Há desvio significativo?
Análise / aprendizado de
causa
-
efeito
Feedback e mudança
Mudanças na estratégia ou nas
competências que suportam a
estratégia
Revisão e integração da estratégia
Comunicação de papéis-chave e
responsabilidades
Acordo sobre alocação de recursos e
papel dos negócios no portfólio
corporativo
Acordo sobre medidas de desempenho
e objetivos de negócio.
Processo contínuo / Acompanhamento
44
2.4 Estratégias emergentes
Um dos primeiros autores a reconhecer a necessidade de uma filosofia de formulação
estratégica diferente daquela em que o administrador precisa conhecer a priori todos os
aspectos de um problema foi Lindblom (1959). Em seu artigo “The Science of ‘Muddling
Through’”, ele afirma existirem duas abordagens distintas para a formulação de estratégias
por parte de administradores públicos. A primeira era aquela mais presente na literatura,
intitulada por ele de “racional-abrangente” (rational-comprehensive), em que o administrador
primeiro avalia todas as questões envolvidas em determinado problema para depois definir a
melhor ação possível.
Na segunda abordagem, considerada por Lindblom (1959) como mais realista, o
principal recurso do gestor é a sua própria experiência. Aqui, a formulação de políticas
públicas ocorre em um processo serial e fragmentado, ao longo do tempo, a partir da sucessão
de várias decisões individuais que se agregam em um conjunto maior. A esse padrão de
comportamentos Lindblom (1959) deu o nome de comparações sucessivas limitadas
(successive limited comparisons).
Anos depois, Quinn apud Wit e Meyer (1998) partiu de onde Lindblom (1959) havia
parado. Tal qual Lindblom (1959), Quinn apud Wit e Meyer (1998) acreditava que mudanças
significativas nas estratégias das empresas raramente originavam-se do sistema racional-
analítico tão comum na literatura, mas de um processo fragmentado, evolucionário e
altamente intuitivo.
Quinn apud Wit e Meyer (1998) sugeriu que, em situações de eventos externos ou
internos inesperados, os gestores devem fazer uso do “incrementalismo lógico”. Nesse
modelo, decisões internas fluem em conjunto com eventos externos, mas são guiadas de
forma proativa na direção de estratégias conscientes. Assim, administrar estrategicamente
significa desenvolver ou manter nas mentes dos altos executivos um padrão consistente entre
as decisões tomadas.
Sob este ponto de vista, a administração deve procurar manter amplos os
comprometimentos precoces, tornando possível uma posterior revisão. A idéia subjacente é
adiar propositadamente decisões que envolvem comprometimentos definitivos de recursos,
testando hipóteses de maneira incremental e mantendo aberta a oportunidade de aprender e se
adaptar a partir da resposta dos competidores (QUINN apud WIT; MEYER, 1998).
45
Para Quinn apud Wit e Meyer (1998), por ser incremental e articulado, o processo
ajuda a organização a lidar com os limites cognitivos em cada decisão importante,
construindo a estrutura analítica e criando consenso, níveis de conforto, entendimento,
aceitação e comprometimento pessoal e organizacional necessários à implementação da
estratégia. É um processo contínuo, pulsante e dinâmico, o que altera o papel da
administração estratégica, da simples adaptação de Lindblom (1959) para o aprendizado
consciente.
O termo “estratégia emergente” foi introduzido no final da década de 1970 por
Mintzberg (1978). Naquele trabalho, ele identificava dois tipos de estratégia: as intencionadas
e as realizadas, as quais podem ser combinadas de três maneiras, como na FIG. 3: (a)
estratégias intencionadas que são realizadas deliberate strategy, (b) estratégias
intencionadas que não são realizadas unrealized strategy, e (c) estratégias realizadas que
nunca foram intencionadas – emergent strategy ou estratégias emergentes.
Figura 3: Tipos de Estratégias
Fonte: MINTZBERG, 1978, p.945 (Tradução do autor)
Nesses termos, a estratégia não é apenas um plano que vem a ser rigidamente
implementado, mas também um padrão que se forma a partir de um conjunto, de uma
seqüência de decisões e ações, tornando-se uma estratégia emergente. A formação (e não
formulação) da estratégia é, segundo o autor, um movimento contínuo que pode ser visto
como uma relação entre as dinâmicas do meio ambiente e o momento burocrático da
organização, mediado pelos líderes (MINTZBERG, 1978).
Seguindo a mesma linha de pensamento, Burgelman (1983a) argumenta que a
estratégia corporativa emerge por um processo, até certo grau, por acaso. É resultado de
autorizações finais da alta gerência a projetos que absorvem com sucesso os recursos
excedentes da empresa e prometem fazê-lo de maneira lucrativa no futuro.
Estratégia
intencionada
Estratégia
não
-
realizada
Estratégia
emergente
Estratégia
deliberada
Estratégia
realizada
46
Mais recentemente, Mintzberg et al. (2000) sistematizaram em dez escolas as teorias
existentes de formulação estratégica. Segundo eles, a escola que trata das estratégias
emergentes é chamada de escola do aprendizado. De acordo com essa escola,
redirecionamentos estratégicos importantes raramente se originam de um esforço formal de
planejamento, mas de uma variedade de pequenas ações e decisões tomadas por todos os tipos
de pessoas na organização que, ao longo do tempo, produziam grandes mudanças de direção.
Essas estratégias emergem quando pessoas e a organização aprendem a respeito de uma
situação, convergindo para padrões de comportamento que funcionam.
(...) A estratégia deliberada focaliza o controle certificando-se de que as intenções
gerenciais são realizadas em ação ao passo que a estratégia emergente focaliza o
aprendizado vir a entender através da execução de ações regidas pelas intenções.
(MINTZBERG et al., 2000, p.143).
Para Mariotto (2003), Mintzberg percebeu que linhas de ação coerentes e importantes
freqüentemente se formavam de rias maneiras, até mesmo na ausência de um plano. E
sentiu a necessidade de pensar estratégia não a partir de intenções, mas a partir das ações que
são realmente postas em prática.
Do ponto de vista empírico, encontram-se pesquisas recentes que buscaram detalhar o
conceito de estratégia emergente e mesmo relacioná-lo ao ambiente externo da organização.
Jenkins e Johnson (1997) pesquisaram trinta proprietários de empresas de varejo no Reino
Unido e concluíram que, ao contrário da crença existente no uso de estratégias deliberadas
pelos empreendedores, os processos de formulação estratégica podem ser conjugados, e as
estratégias emergentes podem produzir resultados tanto quanto as deliberadas.
Em um estudo no setor de alta tecnologia, Spencer (2003) observou que estratégias
emergentes podem iniciar a internacionalização de pequenas empresas de alta tecnologia. Para
ele, o setor de alta tecnologia envolve ambientes que mudam rapidamente, e as estratégias
emergentes ajudam empresas a tirar vantagens de janelas de oportunidade internacionais que
não ficam abertas por muito tempo.
Harrington et al. (2004) realizaram pesquisa em indústrias nos Estados Unidos,
buscando examinar o efeito do dinamismo ambiental em estratégias deliberadas e emergentes.
Seus achados indicam que o equilíbrio no uso de estratégias deliberadas e emergentes no
ambiente acentua o desempenho financeiro das organizações. Como resultado, ambientes
dinâmicos foram consistentemente associados a estratégias emergentes, mas não houve
resultados consistentes que permitissem associar dinamismo à escolha de um processo
estratégico específico.
47
Neste capítulo, será abordado o conceito de estratégia emergente e esclarecida sua
importância para as organizações. Contudo, como afirma Mintzberg (2004), poucas
estratégias podem ser puramente deliberadas e poucas puramente emergentes, pois uma
sugere aprendizado zero e a outra, controle zero. Para ele, todas as estratégias do mundo real
devem misturar as duas de alguma forma. No próximo capítulo, sevisto como isso pode ser
alcançado.
2.5 Combinando intenção e emersão
2.5.1 Limitações dos processos deliberados e emergentes
Ainda que alguns autores tenham encontrado um relacionamento positivo entre o uso
do processo deliberado de formulação estratégica e a melhoria de desempenho (THUNE;
HOUSE, 1970; KARGER; MALIK, 1975), outros não encontraram qualquer consistência
nessa relação de causa e efeito (FULMER; RUE, 1974; LEONTIADES; TENZEL, 1980;
SAPP; SEILER, 1981; ROBINSON; PEARCE, 1983; GREENLEY, 1986; RHYNE, 1986;
PEARCE et al., 1987; HAMBRICK; CANNELLA, 1989; KUKALIS, 1991; HUNGER;
WHEELEN, 2002).
Frente a essa ambigüidade, encontra-se na literatura uma série de críticas ao modelo
deliberado de formulação estratégica. Mintzberg (1978), por exemplo, entende que a
dicotomia entre formulação e implementação estratégica é falsa porque ignora que o
aprendizado deve seguir a concepção da estratégia intencionada. Para ele, a própria palavra
“formulação” confunde, desde que comumente intitulam-se “estratégia” os padrões em
decisões organizacionais que se formam sem pensamento consciente e deliberado.
Wilson (1994) enumera os “sete pecados capitais” do planejamento estratégico. Em
primeiro lugar, o planejamento leva o pessoal de suporte (assessoria) a assumir o processo,
relegando os executivos de linha justamente aqueles que deveriam implementar as
estratégias a um papel menor. Segundo, o processo domina a empresa, tornando-se
praticamente um fim em si mesmo. Terceiro, os sistemas de planejamento desconectam-se da
operação, resultando em estratégias que não guiam a ação. Quarto, o planejamento direciona
as empresas para o jogo de fusões e aquisições, em detrimento do desenvolvimento do
48
negócio principal da organização. Quinto, os processos de planejamento não conseguem
desenvolver opções estratégicas verdadeiras a primeira estratégia que “agrada” é
formalizada. Sexto, o planejamento muita atenção à análise externa, negligenciando os
requisitos culturais e organizacionais requeridos pela estratégia. E, por fim, as estratégias
geradas nesses processos quase sempre são uma extrapolação de tendências passadas, cada
vez mais vulneráveis às surpresas impostas pelo ambiente.
A estratégia deliberada também não deve ser uma compilação de números futuros
extrapolados ano após ano. O cerne e detalhes da estratégia devem se originar na mente de
pessoas que estão mais próximas da ação e que entendem seus mercados, seus recursos e seus
pontos fortes e fracos. O pessoal administrativo pode ajudar, coletando os dados e usando
ferramentas analíticas, mas o pessoal de linha deve ser o responsável pelo desenvolvimento
do plano estratégico (BOSSIDY; CHARAN, 2003).
Mariotto (2003) entende que a maneira tradicional de desenvolver estratégia, em um
processo periódico e formal de planejamento, não é mais suficiente para lidar com as
profundas e contínuas modificações no ambiente empresarial. Na mesma linha, Mintzberg
(2004) dedica uma extensa critica à formulação formal e ao planejamento estratégico,
especialmente em função de seu pífio desempenho. Segundo ele,
(...) os planejadores têm sido particularmente relutantes em estudar seus próprios
esforços – não somente o que realmente fazem, porém, mais importante, o que eles e
seus processos de planejamento conseguiram fazer, em termos de impacto no
funcionamento e efetividade de suas organizações. (MINTZBERG, 2004, p.87).
Mintzberg (2004) constatou que o planejamento não é a melhor maneira de se pensar a
estratégia nas organizações, que, de modo geral, o compensa, e que, na melhor das
hipóteses, pode até ser adequado em contextos específicos, a organizações maiores, de
produção em massa, etc. Ele baseou essa constatação no que chamou de “falácias
fundamentais do planejamento estratégico”.
A falácia da predeterminação está baseada no fato de que o planejamento assume um
ambiente externo estável e com poucas incertezas, ou pelo menos com tendência favorável,
que esteja sob controle da organização e de seus planos. (MINTZBERG, 2004)
Outra falácia defendida por Mintzberg (2004) é o desligamento entre o que é chamado
de planejamento estratégico do gerenciamento das operações, ou seja, a distinção entre o
planejamento uma tarefa reservada às pessoas importantes da organização - e a
implementação, trabalho de todos os demais. Para ele, embora o pensamento possa preceder a
49
ação, ele também pode impedi-la. Portanto, em condições difíceis, “o planejamento pode ser
mais bem-concebido como um intérprete da ação do que como seu propulsor, e por isso a
própria ação pode ser mais bem-orientada por um pensamento de natureza menos formalizada
e mais envolvida” (MINTZBERG, 2004, p.236).
Mais próximo do núcleo do problema, segundo Mintzberg (2004), está a falácia de que
o processo de formação de estratégia pode ser formalizado, que a inovação pode ser
institucionalizada. “A suposição básica por trás disso é que os sistemas podem fazê-lo
podem detectar descontinuidades, perceber parceiros, prover criatividade, programar
intuição.” (MINTZBERG, 2004, p.236).
Por fim, a grande falácia do planejamento, segundo Mintzberg (2004, p.256), é que
“assim como análise não é síntese, planejamento estratégico não é formação de estratégia”. A
análise pode preceder e apoiar a síntese, segui-la e elaborá-la, mas não substituí-la. “Nenhuma
elaboração jamais fará com que os procedimentos formais possam prever descontinuidades,
informar gerentes desligados de suas operações, criar novas estratégias” (MINTZBERG,
2004, p.256).
Por outro lado, também encontram-se na literatura críticas às estratégias emergentes.
Johnson (1987) e Hayes e Jaikumar (1988) argumentam que organizações baseadas
exclusivamente em estratégias emergentes podem terminar perdidas, tanto pela inovação
fragmentada quanto pelo excesso de ênfase na aprendizagem, em que as pessoas deixam de
lado aquilo que funciona para incentivar iniciativas somente porque são novas ou mais
interessantes.
Outra crítica é que situações em que não se pode confiar somente em estratégias
emergentes, como em épocas de crise, quando a organização pode necessitar de um líder
vigoroso que tenha uma visão estratégica de como salvá-la. Mesmo sob condições mais
estáveis, algumas organizações precisam de visões estratégicas fortes originadas mais no
empreendedorismo centralizado do que na aprendizagem descentralizada (MINTZBERG,
2000).
Por fim, organizações que privilegiam estratégias emergentes podem terminar por
perseguir uma estratégia errada. Mintzberg (2000) argumenta ainda que o aprendizado
incremental proporcionado pelas estratégias emergentes pode estimular o surgimento de
estratégias que ninguém nunca quis, e muito menos pretendeu implementar, levando a
organização paulatinamente a uma posição indesejável.
Assim, para buscar tratar alguns dos limites colocados pelos modelos deliberado e
emergente de formulação estratégica, um novo modo de pensamento estratégico se faz
50
necessário. Como afirma Mintzberg (2000, p.147), “(...) todo comportamento estratégico real
precisa combinar controle deliberado com aprendizado emergente”. Este é o assunto do
próximo tópico.
2.5.2 Combinando intenção e emersão
Vários relacionamentos foram encontrados entre estratégias deliberadas e emergentes.
Estes incluem estratégias intencionadas que, na medida em que são colocadas em prática,
mudam sua forma e se tornam, ao menos em parte, emergentes; estratégias emergentes que
vêm sendo desenvolvidas perifericamente na organização e acabam formalizadas como
estratégias deliberadas; e estratégias deliberadas que se tornam super-realizadas, sendo
implementadas muito além de suas intenções originais (MINTZBERG, 1978).
Nessa linha de pensamento, Burgelman (1983a) propõe um modelo envolvendo
interações dinâmicas entre o comportamento estratégico, os processos corporativos de
contexto e o conceito de estratégia usado pela empresa. Tal modelo é representado na FIG.4, a
seguir.
Figura 4: Modelo de interação do comportamento estratégico, contexto corporativo e conceito de
estratégia
Fonte: BURGELMAN, 1983a. p. 65 (Tradução do autor)
No modelo, o conceito de estratégia corporativa representa a estratégia explícita,
definida com base nos sucessos e fracassos passados. O comportamento estratégico induzido
Contexto
Estrutural
Comportamento
Estratégico
Autônomo
Comportamento
Estratégico
Induzido
Contexto
Estratégico
Conceito de
Estratégia
Corporativa
Influência fraca Influência forte
51
encaixa-se nas categorias atuais utilizadas no planejamento estratégico da empresa e
relaciona-se com seu ambiente externo usual. Ao conceito corrente de estratégia corresponde
um contexto estrutural, composto por mecanismos administrativos que buscam manter o
comportamento estratégico nos níveis operacionais em linha com o conceito de estratégia
corrente (BURGELMAN, 1983a).
Entretanto, os indivíduos geram também certa quantidade de comportamento
estratégico autônomo que não se encaixa nas categorias atuais de planejamento estratégico da
empresa. Por meio desse comportamento, novos segmentos ambientais são instituídos, e o
ambiente da empresa, redefinido. Porém, Burgelman (1983a) chama atenção para o fato de
que, para isso ocorrer, deve haver um grau suficiente de autonomia dos indivíduos em relação
à atual estratégia da empresa. Da perspectiva da empresa, o comportamento estratégico
autônomo provê a matéria- prima para renovação estratégica, mas, para isso, precisa ser aceito
pela organização e integrado a seu atual conceito de estratégia. Tal tarefa é realizada pelo
contexto estratégico, ou seja, mecanismos pelos quais a gerência média questiona o conceito
atual de estratégia e à alta direção a oportunidade de abarcar, retroativamente, o
comportamento estratégico autônomo (BURGELMAN, 1983a). A maior contribuição dos
gerentes está precisamente na “(...) manipulação do contexto estrutural dentro do qual a
geração da proposta toma forma. Por meio da manipulação do contexto estrutural, a alta
gerência pode influenciar os tipos de propostas que serão definidos e impulsionados”
(BURGELMAN, 1983a, p.64. Tradução do autor).
Para ajudar esse processo, Burgelman (1983b) propõe um modelo de
“empreendimento corporativo interno” (ICV – Internal Corporate Venturing), representado no
Quadro 5, a seguir.
52
PROCESSOS BÁSICOS PROCESSOS SUPERPOSTOS
DEFINIÇÃO ÍMPETO
CONTEXTO
ESTRATÉGICO
CONTEXTO
ESTRUTURAL
ADMINISTRAÇÃO
CORPORATIVA
Monitoramento Autorização Racionalização Estruturação
GERÊNCIA DE
DESENVOLVIMENTO
DE NOVOS
EMPREENDIMENTOS
Treinamento
Administração
Formação
Estratégica
Esboço Negociação
GERÊNCIA DE NÍVEIS
GERENTE LÍDER DO
GRUPO DE
EMPREENDIMENTO
Ligação
Técnica e
Necessidade
Esforço
Estratégico
Filtragem
Geração de Idéias
Contrabando
Questionamento
Quadro 5: Atividades-chave e periféricas no modelo de processo de ICV
Fonte: BURGELMAN, 1983b, p.230 (Tradução do autor).
Nesse modelo, iniciativas estratégicas que se desenvolvem em posições mais baixas da
hierarquia são defendidas, ou recebem ímpeto, pelos gerentes de nível médio, que buscam
autorização dos altos executivos da organização (BURGELMAN, 1983b).
Segundo Burgelman (1983b), “definição” é um processo cognitivo em que forças
tecnológicas e de mercado são comunicadas à organização e iniciativas estratégicas são
desenvolvidas por gerentes da linha de frente que, geralmente, possuem conhecimentos
específicos sobre tecnologia e estão mais próximos do mercado. “ímpeto” é um processo
sociopolítico por meio do qual essas iniciativas estratégicas o continuamente defendidas
pelos gerentes da linha de frente e são adotadas e intermediadas por gerentes de nível médio.
O papel da alta administração é limitado porque ela não possui conhecimentos ou informações
adequados para a avaliação de aspectos técnicos e econômicos das iniciativas estratégicas,
mas pode ter uma influência crítica ao manipular o “contexto estrutural” para refletir objetivos
corporativos. “O desenvolvimento dessas iniciativas estratégicas deve levar ao refinamento ou
à mudança do conceito de estratégia corporativa, determinando, assim, o contexto estratégico
ao longo do tempo” (BURGELMAN, 1983b, p.160). A determinação do “contexto
estratégico” é um processo político em que a média gerência procura convencer a alta
Defesa do
produto
Defesa
organizacional
Seleção
53
administração de que o conceito corrente da estratégia corporativa precisa ser mudado
(BURGELMAN, 1983b).
Burgelman (1983b) ressalta ainda que a característica central do modelo é o processo
de alocação de recursos em que iniciativas estratégicas de baixo para cima competem por
recursos corporativos escassos e pela atenção da alta administração, buscando a sobrevivência
dentro dos contextos corporativo, estrutural e estratégico.
Burgelman (1988) sustenta que “(...) os empreendedores internos são a força motriz
para a percepção e apreensão de novas oportunidades, baseadas em novas capacidades que
ainda não são reconhecidas como distintivas para a empresa” (BURGELMAN, 1988, p.83).
Assim, a alta administração deve estabelecer mecanismos para captação e alavancagem do
aprendizado, que resulta de experimentos realizados por colaboradores nos níveis médio e
operacional da organização. Tais mecanismos são críticos para sustentar a geração da
estratégia como um processo de aprendizado (BURGELMAN, 1988).
Burgelman e Grove (1996) retomam a questão da manipulação do contexto estrutural
pela alta direção. Eles partem da premissa de que, em indústrias extremamente dinâmicas,
freqüentemente criam-se divergências entre as bases da competição na indústria e as
competências internas da empresa, ou entre a intenção estratégica da organização e a ação
estratégica que se desenvolve em seu interior. Este fato é intitulado por eles “dissonância
estratégica”. Ela sinaliza um ponto de inflexão estratégica, em que a incumbência da alta
administração é chegar a uma nova intenção estratégica que possa tirar vantagem das novas
regras do jogo. Para isso, precisa fazer uso do reconhecimento estratégico, ou “a capacidade
da alta direção em apreciar a importância estratégica de iniciativas gerenciais depois que elas
surgiram, mas antes que o retorno inequívoco do ambiente esteja disponível”
(BURGELMAN; GROVE, 1996, p.11).
Então, segundo Burgelman e Grove (1996), a tarefa da alta administração é controlar o
ambiente de seleção de iniciativas internas, as quais são geralmente propostas pela média
gerência de maneira independente. Para que essas iniciativas floresçam, é necessário que a
cultura da empresa aceite o erro, a dissensão e o debate, e que, depois de tomada uma decisão,
esta seja suportada por toda a organização (BURGELMAN; GROVE, 1996).
Para Mintzberg et al. (2000), poucas estratégias podem ser consideradas puramente
deliberadas e poucas puramente emergentes. “Uma sugere aprendizado zero, a outra, controle
zero” (MINTZBERG et al., 2000, p.35). Segundo o autor, as estratégias reais devem misturar
as duas, buscando o controle sem a interrupção do processo de aprendizado, o que pode ser
conseguido pela busca da “estratégia guarda-chuva”. Nesse modelo, a alta administração da
54
organização define limites estratégicos dentro dos quais outros participantes organizacionais
respondem. Aqui, a perspectiva é deliberada e posições podem ser emergentes (MINTZBERG
et al. 2000).
Novas estratégias, que podem estar emergindo continuamente, tendem a permear a
organização durante períodos de mudanças que entremeiam períodos de continuidade.
Gerenciar esse processo não é preconceber estratégias, mas reconhecer sua emersão e intervir
quando necessário. É criar o clima dentro do qual uma ampla variedade de iniciativas possa
crescer e observar o que acontece. Mas a gerência não pode eliminar o inesperado depressa
demais. Em outras palavras, ela precisa sentir quando explorar uma safra estabelecida de
iniciativas e quando encorajar novas variedades (MINTZBERG et al., 2000).
Assim, Mintzberg et al. (2000) propõem um “modelo básico de estratégia”. Nesse
modelo, as estratégias inicialmente crescem como ervas daninhas em um jardim, lançando
raízes em todos os tipos de lugares, que praticamente em toda parte da organização as
pessoas têm a capacidade para aprender e empreender. Essas estratégias tornam-se
organizacionais quando os padrões proliferam e permeiam o comportamento da organização
em geral, passando a coletivas. Os processos de proliferação podem ser conscientes, mas não,
necessariamente; analogamente; podem ser gerenciados, mas não precisam sê-lo
(MINTZBERG et al., 2000).
Mariotto (2003) propõe uma estrutura conceitual que combina dois subprocessos
que evoluem paralelamente na organização, representados pela FIG. 5.
55
Figura 5: Estrutura conceitual de Mariotto
Fonte: MARIOTTO, 2003, p.89.
Na parte superior da figura, os objetivos gerais e a visão da organização norteiam a
formulação das estratégias intencionadas, que, por sua vez, são transformadas em ações
planejadas por meio de um processo deliberado de planejamento estratégico típico
(MARIOTTO, 2003).
Na parte inferior da figura está representada o que o autor chama de “formação
contínua de estratégia”, isto é, à medida que os atores da organização interagem no dia-a-dia
com clientes e outros agentes no mercado, detectam novas oportunidades, identificam seus
riscos e agem por iniciativa própria, mas sempre orientados pelos objetivos gerais e visão
estabelecidos pela alta direção. Essas iniciativas são então transformadas em estratégias
emergentes ao serem percebidas como padrões de comportamento eficientes. As ações e seus
resultados são continuamente monitorados por controles interativos, envolvendo gestores de
diversas partes da organização, incluindo a alta direção (MARIOTTO, 2003).
Juntamente com os objetivos gerais e a visão da organização, a estratégia deliberada
permite dar consistência, continuidade e durabilidade ao comportamento estratégico”
(MARIOTTO, 2003, p.91). Por essa razão, conserva um papel que não se restringe à
programação da implementação estratégica deve coexistir com a formação contínua de
estratégias (estratégias emergentes). A determinação de quais decisões submeter ao
56
subprocesso formação contínua de estratégia e quais atribuir ao planejamento estratégico
torna-se a mais estratégica missão dos gestores (MARIOTTO, 2003).
Exemplificando o uso dos modelos citados, Hsu (2001) realizou uma pesquisa sobre a
contribuição de modos híbridos para o processo decisório em ambientes instáveis. Concluiu
que o desenvolvimento de respostas estratégicas efetivas em ambientes turbulentos pode
envolver uma combinação de comportamentos tanto racionais (deliberados) quanto
experimentais (emergentes).
Neste capítulo serão estudados os modelos de combinação entre estratégias
emergentes e deliberadas. Contudo, como defendido por Burgelman (1983a), Mintzberg et al.
(2000) e Mariotto (2003), para fomentar estratégias emergentes os gestores da organização
devem atuar sobre mecanismos administrativos. Este é o tema do próximo capítulo,
fundamental para o entendimento dos fatores internos que intervêm no surgimento de
estratégias.
2.6 Fatores intervenientes em estratégias deliberadas e emergentes
Buscar-se-á agora compreender os fatores internos das organizações que podem
promover ou dificultar o surgimento de estratégias emergentes, quais sejam a estrutura, a
coordenação e os processos organizacionais, o controle gerencial e os sistemas de incentivo.
2.6.1 Estrutura organizacional
Segundo a proposição de Chandler (1998), a estrutura segue a estratégia. Definida a
estratégia, a estrutura da organização abre espaço para que outras decisões organizacionais
tomem forma.
Para Volberda (1999), a estrutura organizacional compreende não somente a
distribuição de responsabilidades e autoridade entre o pessoal da organização, mas também os
sistemas de controle e regulação de processos de decisão, coordenação e execução. O desenho
estrutural da organização pode variar de mecânico a orgânico.
57
A estrutura mecânica é caracterizada por muitos níveis hierárquicos, processos
altamente regulados através de sistemas de planejamento e controle elaborados,
especialização de tarefas, alto grau de formalização e padronização, com os poucos
dispositivos de ligação formalizados e níveis de participação e delegação baixos. Nessa
estrutura, estratégias emergentes podem encontrar grande dificuldade para surgir, dado que
somente mudanças incrementais de pequena importância são possíveis em uma estrutura de
tal forma formalizada e centralizada (VOLBERDA, 1999).
Na estrutura orgânica, os sistemas de planejamento e controle são predominantemente
orientados a performance, permitindo informações ambíguas, experimentação, intuição e, por
conseqüência, iniciativas emergentes. A regulação direta de processos na forma de
especialização e formalização é extremamente baixa, enquanto a regulação por treinamento e
educação é muito desenvolvida. Tais estruturas orgânicas deixam muito espaço para
flexibilidade estrutural (VOLBERDA, 1999).
Galbraith (2002) sustenta que quatro políticas determinam a estrutura de uma
organização. Em primeiro lugar, a especialização a divisão do trabalho em subtarefas
permite um melhor desempenho de cada tarefa, mas dificulta, por outro lado, a integração das
subtarefas ao todo. A segunda política diz respeito à forma, ao número de pessoas nos
departamentos em cada nível hierárquico. Quanto mais pessoas em cada departamento, menor
o número de níveis hierárquicos. Em terceiro lugar, vem a distribuição de poder, vertical e
horizontalmente. Por fim, a departamentalização, “(...) que se refere à escolha de
departamentos para integrar o trabalho especializado e formar a hierarquia de departamentos”
(GALBRAITH, 2002, p.22). Para ele, essas políticas podem dar origem a uma estrutura
funcional, de produto ou serviço, de mercado, geográfica, de processo, ou ainda a uma
combinação entre estas.
A estrutura funcional é organizada em torno de atividades ou funções. Algumas de
suas vantagens são a melhor transferência de idéias, conhecimentos e contatos entre
colaboradores; o maior aprofundamento do nível de especialização; a possibilidade de
apresentar uma única face aos fornecedores e aumentar o poder dos compradores; e a
possibilidade de padronizar e reduzir a duplicação de tarefas. Entretanto, apresenta duas
fraquezas que geralmente conduzem a estruturas alternativas. Ela pode sobrecarregar a
capacidade decisória dos gestores em empresas com variedade de produtos, serviços, canais e
clientes e, ocasionalmente, estabelecer barreiras entre diferentes funções, inibindo processos
interfuncionais (GALBRAITH, 2002).
58
A estrutura de produto permite reduzir consideravelmente o ciclo de desenvolvimento
de novos produtos, tornando-se padrão em implementação de estratégias de diversificação.
Entretanto, pode resultar em duplicação de recursos e perda de oportunidades de
compartilhamento e de economias de escala. O grande desafio à estrutura de produto vem de
consumidores que compram de mais de uma divisão da empresa, o que pode levar à criação
de uma estrutura híbrida front-back, em que estruturas de segmentos de consumidor ou de
mercado na linha de frente complementam uma estrutura de apoio focada em produto
(GALBRAITH, 2002).
Outra estrutura é aquela baseada em consumidores, mercados ou indústrias.
algumas razões para adotá-la, como o aumento do poder do comprador; o declínio da
necessidade de escala na manufatura, combinada com políticas de fornecedor único, o que
torna economicamente viável a um fornecedor dedicar uma unidade a um só cliente; a
tendência e disposição a comprar fora; as vantagens de conhecimento e informação a respeito
dos segmentos de mercado e o crescimento do setor de serviços, o que usualmente foca e se
organiza em torno de segmentos de mercado. Estruturas de mercado têm desvantagens
próximas àquelas de estruturas de produto, ou seja, tendem a duplicar atividades e
desenvolver sistemas incompatíveis e dificultar compartilhamento de produtos e serviços
comuns (GALBRAITH, 2002).
Estruturas geográficas são organizadas em função de limites territoriais. São
tradicionalmente usadas quando empresas expandem suas ofertas entre territórios, geralmente
pela necessidade de estar perto ao cliente ou minimizar custos de transporte e distribuição. O
uso de estruturas geográficas depende da indústria e está crescendo onde a tecnologia cria
plantas pequenas, eficientes e flexíveis, onde os clientes exigem entrega do tipo just-in-time
(GALBRAITH, 2002).
Por fim, tem-se a estrutura de processo, na qual as pessoas em cada função estão
reunidas em times e têm responsabilidade por todo o processo, permitindo-lhes olhar a
organização como um todo. Além disso, essa configuração pode abrir espaço para o
redesenho de todo o processo, levando à redução de ciclos de trabalho, de ciclos de
desenvolvimento de produtos e de inventários. Outros custos são reduzidos pela eliminação de
duplicação no trabalho. Entretanto, a estrutura de processo pode criar suas próprias barreiras
entre processos (GALBRAITH, 2002).
Hrebiniak (2005) entende que a efetiva implementação da estratégia corporativa
necessita de uma estrutura apropriada para suportá-la. Para ele, a estratégia e suas saídas
lógicas – tais como objetivos operacionais de curto prazo – devem dirigir a escolha da
59
estrutura. Assim, estratégias de liderança em custos favorecem organizações centralizadas,
funcionais, caracterizadas por padronização, volume e repetição, incentivando economias de
escala e escopo. Por outro lado, estratégias de foco no consumidor, geográfica ou de linha
de produtos demandam ênfase na forma divisional ou em uma estrutura descentralizada
similar com foco no objeto da estratégia e o mínimo de suporte necessário à manutenção das
operações descentralizadas. estratégias de diversificação demandam estruturas
descentralizadas, com diferentes recursos e capacidades em cada uma delas. Por fim, uma
estratégia global demanda uma estrutura matricial, com foco duplo em produtos e geografia,
combinando eficiência e efetividade (HREBINIAK, 2005).
Hrebiniak (2005) entende que a estrutura funcional tem como benefícios a criação de
uma massa crítica de especialistas necessária à solução de problemas e inovação. Além disso,
a repetição e padronização do trabalho freqüentemente levam a eficiência, economias de
escala e de escopo, evitando a duplicação de recursos. Entretanto, a estrutura funcional
apresenta elevados custos de coordenação. Outros problemas podem ser a “miopia funcional”
foco interno excessivo nas funções, perdendo a visão do todo e resistências a novas idéias
e, conseqüentemente, às estratégias emergentes (HREBINIAK, 2005).
Como alternativa à estrutura funcional, Hrebiniak (2005) deriva outras formas de
estrutura no que ele chama de “especialização de propósito”. A especialização de propósito
foca os fins, ou saídas, como as estruturas divisionais, de linha de produto, por geografia ou
por clientes. Apresenta vantagens tais como respostas mais rápidas às necessidades dos
consumidores ou às mudanças na indústria e minimização de problemas de coordenação. Suas
desvantagens incluem a duplicação de recursos escassos e a perda de economias de escala,
pois, nesses casos, as divisões serão menores (HREBINIAK, 2005).
Ainda que a estrutura de uma organização muitas vezes seja estabelecida e
dificilmente alterada, Volberda (1999) e Galbraith (2002) defendem que ela deve mudar tão
rápido quanto o negócio da empresa. Como atualmente toda vantagem é temporária, as
estruturas e os processos organizacionais devem ter a capacidade de ser facilmente
realinhados com a constante mudança estratégica, dando origem a uma organização
reconfigurável, que é fonte de vantagem competitiva (VOLBERDA, 1999; GALBRAITH,
2002).
A configuração da estrutura é somente parte da questão. Para uma empresa operar
efetivamente, implementar sua estratégia e dar espaço a iniciativas emergentes, é também
necessário coordenar o trabalho das diferentes unidades que a compõem, tema do próximo
tópico.
60
2.6.2 Coordenação e processos organizacionais
Evans et al. (2002) sustentam que a base dos mecanismos de coordenação o os
relacionamentos entre pessoas. Esses relacionamentos são os meios pelos quais a coordenação
tem lugar, não os fins. Para os autores, uma ferramenta para a construção de relacionamentos
são as equipes e os grupos diretivos montados entre unidades organizacionais. Outra
ferramenta é o compartilhamento de conhecimento, que, para isso, precisa ser coletado e
transferido. Além disso, o estabelecimento e gerenciamento de processos podem ajudar as
empresas a tornar horizontais ferramentas verticais como regras, políticas e procedimentos
operacionais.
Para Galbraith (2002), os mercados modernos impõem desafios de coordenação que
geralmente não encontram a melhor resposta na tradicional estrutura funcional. Uma saída
para isto pode ser o uso de processos laterais, que o meios de coordenação de questões não
encaminhadas pela estrutura organizacional. Nesses processos, “cada departamento que tenha
informação sobre (ou interesse em) uma questão contribui com um representante para a
solução do problema” (GALBRAITH, 2002, p.38), permitindo melhores decisões.
Galbraith (2002) enumera cinco tipos de processos laterais. O primeiro tipo
corresponde aos processos laterais informais ou voluntários que ocorrem espontaneamente.
No segundo tipo estão os processos laterais que aproveitam o potencial da Internet para ligar
departamentos antes independentes, e por isto são chamados de e-coordination. No terceiro
tipo, grupos formais são criados para aumentar os esforços de processos voluntários quando
necessidade de maior poder decisório. O quarto tipo compreende a designação de um líder
de tempo integral dedicado à integração de processos laterais. E, por último, encontram-se as
estruturas matriciais.
O estudo de Ghoshal e Gratton (2002) concluiu que a integração horizontal aos
colaboradores considerável liberdade, desde que respeitem certos limites essencialmente os
valores centrais da companhia e entreguem desempenho com base em contratos de
performance. Segundo os autores, essa combinação de empoderamento e suporte fortalece o
senso de autonomia e o espírito empreendedor, abrindo espaço às iniciativas emergentes e
criando um círculo virtuoso (GHOSHAL; GRATTON, 2002).
Assim, Ghoshal e Gratton (2002) sugerem atenção a quatro componentes críticos da
integração horizontal: o primeiro é a integração operacional pela padronização da infra-
estrutura tecnológica, canalizando o empreendedorismo para onde ele agrega valor – o serviço
61
ao cliente; o segundo é a integração intelectual por meio de uma base de conhecimento
compartilhada, o que requer uma conexão estratégica clara e comunicação extensiva, para o
que também contribuem os esforços da empresa em construir relacionamentos interpessoais; o
terceiro é a integração social por meio de contratos de desempenho coletivos, estendendo
interações entre pares a áreas tradicionalmente verticais; e, por fim, a integração por meio de
identidade e significados compartilhados (GHOSHAL; GRATTON, 2002).
Já Hrebiniak (2005) enumera outras quatro questões críticas à integração horizontal. A
primeira diz respeito aos tipos de interdependências que afetam a coordenação. A segunda
refere-se à promoção do compartilhamento de informações, conhecimento e comunicação
entre os indivíduos ou unidades organizacionais. A terceira é a clarificação de
responsabilidades dentro da organização. Por fim, os sistemas de incentivo, que serão vistos
mais adiante neste trabalho.
Hrebiniak (2005) distingue três tipos de interdependência. A intitulada pooled
representa um baixo nível de interdependência e necessidade de coordenação. Nessa
interdependência pouca necessidade de comunicação e coordenação ativa entre unidades.
Nesse caso, a hierarquia é o método de coordenação usual. Pode facilitar estratégias
emergentes na medida em que as unidades (ou áreas) são mais independentes. Por outro lado,
pode dificultar novas iniciativas que precisem fazer uso de recursos presentes em várias áreas
da organização.
O segundo tipo é a interdependência seqüencial, a qual segue um fluxo de trabalho do
tipo fornecedor-cliente (interno ou externo). Nesse caso, a comunicação e a coordenação
afetam lateralmente tanto o sistema geral de integração vertical quanto as partes daquele
sistema. A gestão das transações e transições laterais do trabalho de unidade para unidade é
central e os métodos para isso passam por planos que gerenciam o fluxo de trabalho e a
informação; por controles de inventário e programação; por atividades de transferência, como
o preço de transferência; por gerentes de conexão que facilitam o fluxo de trabalho e
informação; ou pelo uso de incentivos apropriados (HREBINIAK, 2005).
Por fim, a interdependência recíproca é a forma mais complexa e mais difícil de
gerenciar. Nesse caso, as pessoas em cada função lidam com pessoas em todas as outras
funções, o que pode mudar as regras ou afetar muito do que é feito por outros. Todos têm
algum interesse em como o trabalho é realizado, e altos níveis de cooperação e coordenação
são necessários para o trabalho. Desse modo, a coordenação, por ajuste mútuo, baseia-se
firmemente em interação pessoal e o importante é remover as barreiras administrativas e
geográficas que a atrapalham, promovendo a comunicação via tecnologias de
62
telecomunicação, mas, principalmente, a comunicação face a face para encorajar a confiança
mútua e trabalhar os processos de incentivo para o trabalho e decisões conjuntos
(HREBINIAK, 2005).
Além da estrutura e dos mecanismos de coordenação, outro fator que influencia
iniciativas emergentes é o controle gerencial, tema do próximo tópico.
2.6.3 Controle gerencial
Simons (1995) define sistemas de controle gerencial como rotinas e procedimentos
formais baseados na informação que os gerentes usam para manter ou alterar padrões nas
atividades organizacionais. Ele identifica quatro alavancas de controle nas empresas: os
sistemas de crenças, que provêm valores, finalidade e direção para a organização; os sistemas
de fronteiras, que estabelecem limites à ação; os sistemas de controle diagnóstico, composto
pelos mecanismos mais convencionais de feedback para assegurar a consecução das metas; e
os sistemas de controle interativos, que estimulam a pesquisa e o aprendizado (SIMONS,
1995).
Para Anthony e Govindarajan (2000), Raps (2004) e Hrebiniak (2005), o processo de
controle utilizado por gerentes em uma organização consiste de pelo menos quatro elementos:
sensores, que reportam o que está acontecendo pela organização; assessores, que comparam
essas informações com o que é desejado; atuadores, que tomam ações corretivas, uma vez
que haja um desvio; e os sistemas de comunicação, que dizem aos gestores o que está
acontecendo e como comparar com o desejado. O processo deve prover informações sobre a
implementação das iniciativas estratégicas, ou seja, se estão de acordo com o desejado e se
estão sendo realizadas no tempo desejado, facilitando o aprendizado e a adaptação
organizacional, na medida em que os gerentes tentam entender o problema e as razões lógicas
que o sustentam. Após o aprendizado ter ocorrido, podem ser dados passos para prover
retorno ou corrigir a situação, levando à mudança e à adaptação organizacional.
Anthony e Govindarajan (2000) argumentam que o controle não necessariamente
requer que todas as ações correspondam a planos determinados, uma vez que tais planos são
baseados em circunstâncias em que se acreditava quando foram formulados. Se as
circunstâncias mudaram no momento da implementação ou se o gestor descobre uma melhor
abordagem (estratégias emergentes), o sistema de controle não deveria obstruir sua
63
implementação. Em outras palavras, a conformidade não é necessariamente boa, assim como
a não-conformidade não é necessariamente má.
Porém, as empresas geralmente confiam em sistemas de controle baseados
exclusivamente em medidas financeiras, o que é insuficiente para assegurar que a estratégia
seja executada com sucesso. Para Anthony e Govindarajan (2000), um sistema de medição do
desempenho deve atender às necessidades de diferentes partes interessadas pela criação de
uma mistura de medidas estratégicas: medidas de resultado e direção, financeiras e não-
financeiras, internas e externas. Uma solução para tirar o foco das medidas financeiras é a
utilização do Balanced Scorecard (BSC), sistema de gestão que força um balanço entre
diferentes medidas estratégicas em um esforço para atingir a congruência de objetivos.
Hunger e Wheelen (2002) entendem que, ao projetar um sistema de controle, a
organização deve se lembrar de que ele deve seguir a estratégia. Para eles algumas diretrizes
são recomendadas ao se estabelecer tal sistema: devem envolver apenas uma quantidade
mínima de informações necessárias; devem acompanhar somente atividades e resultados
significativos, independentemente da dificuldade de mensuração; devem ser oportunos;
devem mesclar longo e curto prazo; devem identificar as exceções e devem ser usados para
recompensar o alcance ou superação dos padrões, em vez de punir o fracasso em alcançá-los.
Mintzberg (2004) critica a premissa básica de um sistema de controle baseado em uma
hierarquia de objetivos e orçamentos destinados a originar um determinado desempenho em
relação ao qual seus resultados podem ser medidos. Para ele, as empresas devem evitar injetar
muita formalidade no sistema de modo que ele perca a flexibilidade, a folga e a simplicidade,
impedindo a criatividade e, por conseqüência, iniciativas emergentes.
Assim, Mintzberg (2004) acredita em um sistema de controle como um processo de
duas etapas. A primeira requer o rastreamento das estratégias realizadas para considerar a
realização deliberada de estratégias pretendidas, assim como a emersão de não-pretendidas. A
segunda considera, de uma maneira mais tradicional de controle, a efetividade para a
organização das estratégias que foram de fato realizadas.
Como foi visto, a estrutura e os sistemas de coordenação e incentivo têm todos os
impactos importantes sobre estratégias emergentes. O último fator interno que pode promover
ou dificultar o surgimento dessas estratégias são os sistemas de incentivo (ou de
recompensas), objeto do tópico a seguir.
64
2.6.4 Sistemas de incentivo
A compensação de incentivo é um mecanismo que encoraja e motiva gerentes a
perseguir os objetivos organizacionais e monitora o progresso da implementação (STONICH,
1981; ANTHONY; GOVINDARAJAN, 2000).
Os planos de compensação de incentivo podem ser divididos em curto prazo e longo
prazos. Incentivos de curto prazo baseiam-se no desempenho do ano corrente, enquanto que
os outros amarram a compensação a realizações de longo prazo. Um gerente pode ganhar um
bônus nos dois planos. O bônus de curto prazo é normalmente pago em espécie, e o bônus de
longo prazo é normalmente a opção de compra de ações da companhia. Apesar de a maioria
dos incentivos serem financeiros, podem também ser de ordem psicológica ou social
(ANTHONY; GOVINDARAJAN, 2000).
Hrebiniak (2005) sustenta que é importante que os incentivos sejam bons e que
recompensem as coisas certas. Bons incentivos são positivos e vêm em dois pacotes:
utilitários e psicológicos. Os incentivos utilitários incluem coisas de valores extrínsecos
(salário, bônus, promoções), enquanto incentivos psicológicos são mais intrínsecos e pessoais
(autonomia, trabalho agradável, identificação psicológica com o trabalho ou com seus
resultados). Bons incentivos também estão conectados a objetivos estratégicos ou de curto
prazo que derivam da estratégia; são mensuráveis; facilitam a contabilidade e nunca refletem
distinções binárias, do tipo tudo ou nada (HREBINIAK, 2005).
Para recompensar as coisas certas, Hrebiniak (2005) sustenta que se deve recompensar
o desempenho contra objetivos concordados, evitando surpresas. O que não deve acontecer é
uma escolha ou mudança arbitrária de medidas de desempenho depois da ação que gera o
desempenho. Outro ponto importante é que organizações sempre conseguem o que realmente
recompensam, ou reforçam, mesmo quando isto é ocasionalmente não-intencional ou não-
antecipado. “O comportamento que é reforçado tende a se repetir” (HREBINIAK, 2005,
p.194).
Por fim, Hrebiniak (2005) sustenta que os sistemas de incentivo devem recompensar
aquelas pessoas de alto desempenho em direção aos resultados desejados. Como o mundo
organizacional está se tornando cada vez mais complexo, com alta interdependência de
tarefas, é importante também que o sistema de incentivo reforce o comportamento
cooperativo.
65
Assim, a configuração dos sistemas de incentivo deve ser flexível e, por que não dizer,
inteligente, incentivando a exploração de uma safra de estratégias ou encorajando, quando
necessário, para gerar novas iniciativas. Assim, o papel da administração é o de “saber quando
resistir a mudanças em nome da eficiência interna e quando promovê-las em nome da
adaptação externa” (MINTZBERG, 2000, p.148).
66
3 METODOLOGIA DA PESQUISA
3.1 Estratégia, tipo e método da pesquisa
Utilizou-se, nesta dissertação, o estudo de casos de natureza qualitativa para identificar
e analisar a emersão de estratégias nas empresas estudadas. A pesquisa qualitativa “(...) parte
de questões ou focos de interesses amplos, que vão se definindo à medida que o estudo se
desenvolve” e, portanto, não há hipótese definida a priori (GODOY, 1995a, p.58). Envolve a
obtenção de dados descritivos pelo contato direto do pesquisador com o objeto de estudo,
buscando compreender os fenômenos a partir da perspectiva dos participantes da situação, e
tem por objetivo descrever e decodificar os componentes de um sistema complexo de
significados, sem enumerar nem medir o evento pelo uso de instrumentos estatísticos
(GODOY, 1995a).
Mintzberg (1979) argumenta que, enquanto dados sistemáticos criam a fundação de
nossas teorias, os dados que vêm dos relatos permitem descrevê-los. Descobrem-se todos os
tipos de relacionamento com dados rígidos, mas é somente pelo uso de dados flexíveis que se
é capaz de explicá-los. (MINTZBERG, 1979). Bonoma (1985, p.203) entende que “(...) a
pesquisa qualitativa é o principal ou mesmo o único artifício de conhecimento válido aberto a
cientistas cujos interesses estão focados no comportamento humano”.
Uma outra questão importante na seleção da estratégia de pesquisa diz respeito à
dicotomia entre integridade de dados e potencial de generalização. Idealmente, todas as
pesquisas e pesquisadores procuram alto nível de integridade de dados e generalização.
Entretanto, ao se escolher a estratégia de pesquisa, geralmente se cria um compromisso entre
integridade e generalização. Quanto mais genérica a pesquisa, menor a integridade de dados, e
vice-versa. A causa desse dilema é a inabilidade de qualquer estratégia, por si só,
simultaneamente minimizar as múltiplas ameaças à integridade de dados e ao potencial de
generalização (BONOMA, 1985). Então, até recentemente, houve uma forte preferência nas
ciências sociais na direção da preservação da integridade dos dados por meio do uso de
métodos de pesquisa quantitativos sempre que possível. Entretanto, percebeu-se uma
crescente insatisfação com estratégias quantitativas de pesquisa, particularmente quando são
aplicadas a fenômenos não facilmente operacionalizados ou observáveis fora do seu ambiente
natural (BONOMA, 1985).
67
Para Bonoma (1985), uma possível hierarquia de estudos possíveis poderia ser:
descrição, classificação, comparação, mensuração/estimativa, estabelecimento de associação e
determinação de causa e efeito. Uma alta integridade de dados constrói a confiança de que o
relacionamento observado entre variáveis é causal e que a ausência de relacionamento implica
a ausência de causa. Uma vez que a relação de causalidade é estabelecida, replicações podem
ser usadas para testar os limites dos relacionamentos observados. Entretanto, quando os
interesses dos pesquisadores ou requisitos do fenômeno ditam construção da teoria, em vez de
verificação ou extensão, as tarefas de descrição, classificação e comparação tornam-se
relevantes (BONOMA, 1985).
É importante notar outras diferenças substanciais entre a pesquisa qualitativa e outros
métodos com integridade de dados mais elevada. Primeiro, a meta da coleta de dados em
pesquisa de caso não é a quantificação ou a numeração, mas, antes, (1) descrição, (2)
classificação ou desenvolvimento de tipologia, (3) desenvolvimento de teoria e (4) teste de
teoria limitado. Em uma palavra, o objetivo é o entendimento. Segundo, a quantificação é de
pouca valia em uma pesquisa qualitativa. A meta não é a expressão ou representatividade de
uma pesquisa com um grande número de amostras, mas a profundidade da informação
(BONOMA, 1985). Para Bonoma (1985), a pesquisa qualitativa é guiada por um modelo de
processo de descoberta que leva a (1) um conjunto de generalizações teóricas a partir das
observações, (2) teste dessas observações e, eventualmente, (3) a uma teoria validada.
A questão proposta para o tema desta pesquisa analisar e descrever se e como as
empresas combinam estratégias deliberadas de planejamento estratégico com estratégias
emergentesé ampla, e, portanto, a estratégia qualitativa é adequada para sua decodificação
durante o estudo. Além disso, o contexto em que está inserida a questão é fundamental para a
sua compreensão. Sendo o tema em questão ainda pouco estudado de forma empírica na
literatura da área de estratégia, a pesquisa exploratória foi utilizada buscando-se descrevê-lo
pela explanação e associação de variáveis, o que pode fornecer subsídios para pesquisas
posteriores.
Yin (2005) argumenta também que questões de pesquisa do tipo “como” e “por que”,
como as deste projeto de pesquisa, são mais explanatórias, sendo provável que resultem no
uso de estudos de casos, pesquisas históricas e experimentos como estratégias de pesquisa.
Isso porque tais questões lidam com “(...) ligações que necessitam ser estabelecidas ao longo
do tempo, ao invés de serem vistas como meras repetições ou incidências” (YIN, 2005, p.25).
Para contemplar todos esses objetivos da pesquisa qualitativa, empregou-se a
metodologia de estudo de caso. Utilizou-se, nesta dissertação, o estudo de múltiplos casos de
68
natureza qualitativa para identificar e analisar a emersão de estratégias nas empresas
estudadas. Segundo Bonoma (1985), um caso é a descrição, diretamente obtida de uma
situação de gestão baseada em entrevistas, arquivo, observação natural e outros dados,
construída para ser sensível ao contexto e às restrições temporais, e em que o comportamento
gerencial tem lugar.
Eisenhardt (1989) entende que estudos de casos podem ser usados para atingir várias
metas: prover descrição, testar teoria ou gerar teoria; e enfatiza o potencial da metodologia na
captura do fenômeno estudado. É uma estratégia de pesquisa que permite o entendimento de
um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto na vida real, utilizando coleta de dados
de múltiplas fontes de informação, de maneira detalhada e em profundidade (EISENHARDT,
1989; CRESWELL, 1998; YIN, 2005).
Para Valdelin apud Halinen e Törnross (2005, p.1286), “(...) a observação intensa feita
em estudos de caso oportunidade de estudar diferentes aspectos e colocá-los em relação
aos outros, de colocar objetos em relação ao ambiente onde operam”. Ao invés de
representatividade estatística, estudos de casos oferecem profundidade no entendimento de
um fenômeno específico, possibilitando uma descrição indutiva e rica (EASTON apud
HALINEN; TÖRNROOS, 2005).
O estudo de caso é particularmente bem-vindo em situações novas nas quais muito
pouco é conhecido sobre o fenômeno e em situações nas quais as teorias correntes parecem
inadequadas (YIN, 2005). É também um método forte para o estudo de processos de mudança
na medida em que permite o estudo de fatores contextuais e elementos de processo na mesma
situação de vida real (HALINEN; TÖRNROOS, 2005).
3.2 Unidades empíricas de análise
A seleção de casos é uma etapa importante para a descrição a partir de estudo de caso.
Como, na pesquisa quantitativa, utilizar um conceito de população pode controlar variações e
ajudar a definir os limites para a generalização dos achados, a seleção randômica dos casos
não é necessária nem preferível (EISENHARDT, 1989). Pesquisas qualitativas confiam em
amostragem teórica, isto é, casos que são escolhidos por razões teóricas, não estatísticas
(GLASER; STRAUSS apud PETTIGREW, 1990).
69
Dubois e Gadde (2002, p.554) enumeram três importantes problemas com a
abordagem de estudos de caso, com conseqüências sobre sua credibilidade. O primeiro
problema são estudos de caso que “(...) sugerem fiar-se em alguma noção de generalização
estatística”(Tradução do autor). Estudos de caso o são construídos sobre inferências
estatísticas, mas sobre inferências analíticas. Isso coloca demandas peculiares sobre o
procedimento de “amostragem”, que deve chegar a um casamento apropriado entre realidade
e construtos teóricos. Amostragem, então, torna-se mais um processo contínuo do que uma
etapa separada do estudo (DUBOIS; GADDE, 2002).
Um segundo problema é o “teste de teoria quase-dedutivo”, aplicado em alguns
estudos de caso. É evidente que relacionamentos e padrões em estruturas complexas e
processos não podem ser testados pesquisadores que tentam fazer isso são prisioneiros da
armadilha positivista. Em investigações profundas de estudo de caso, a geração de teoria e a
confirmação são inseparáveis. A boa teoria deveria ser caracterizada por coerência lógica, que
tem a ver com a adequação do processo de pesquisa e a fundamentação empírica da teoria
(DUBOIS; GADDE, 2002).
Um terceiro problema refere-se ao fato que alguns pesquisadores tendem a descrever
tudo, e como resultado não descrevem nada (DUBOIS; GADDE, 2002). Finalmente,
aprendizado é a essência de todas as pesquisas. O que se aprende é articulado em uma
estrutura teórica combinada com o respectivo caso, o que é considerada, de longe, a mais
importante saída do processo de pesquisa (DUBOIS; GADDE, 2002).
Além de levar em conta os três problemas relatados, casos devem ser escolhidos para
replicar estudos prévios ou estender a teoria emergente, ou devem ser escolhidos para
preencher categorias teóricas e prover exemplos ou tipos polares. Para Yin (2005), a idéia de
comparação de casos é baseada na lógica da replicação, não na amostragem e
representatividade estatística. Cada caso deve ser selecionado de maneira tanto a predizer
resultados similares para razões previsíveis (isto é, replicação literal) quanto produzir
resultados contrários para razões previsíveis, (isto é, replicação teórica). De outro lado,
quando um problema é direcionado para análise de um número de variáveis interdependentes
em estruturas complexas, a escolha natural poderia ser ir mais fundo em um caso ao invés de
aumentar o número de casos (DUBOIS; GADDE, 2002).
O maior desafio na definição da unidade de análise é como delimitar o caso sob
estudo, em outras palavras, definir o que pertence ao caso e o que pertence ao contexto. Para
Dubois e Gadde (2002), estudos de sistemas abertos são complicados pelo fato de que a
realidade precisa de algum modo ser delimitada. O problema é que, no mundo empírico ao
70
qual se aplicam os estudos, não limites naturais. Qualquer expansão desses limites provê
potenciais descobertas de novas interdependências e interpretações adicionais àquelas
interdependências já reveladas (DUBOIS; GADDE, 2002).
Além disso, encontrar um caso potencial e ter acesso a ele são passos cruciais na
pesquisa de caso e são geralmente dependentes da sorte, mais do que uma consideração
cuidadosa. Muito esforço pode ser necessário para resolver o problema do acesso às
organizações e informações relevantes (HALINEN; TÖRNROOS, 2005). também uma
questão sobre quantos casos são necessários para fazer comparações razoáveis entre casos ou
para fazer uma contribuição convincente à teoria, como mostrou o compromisso entre a
profundidade dos dados e o número de casos incluídos no estudo, já descrito anteriormente.
O estudo de caso pode abordar um caso único ou múltiplos casos. Segundo Yin
(2005), o estudo de caso único é um projeto apropriado em determinadas circunstâncias:
quando ele representa o caso decisivo para testar uma teoria bem-formulada; quando é aquele
em que o caso representa um caso raro ou extremo; quando é um caso representativo ou
típico; quando é um caso revelador; e quando é um caso longitudinal, estudado em dois ou
mais pontos diferentes no tempo. Como se pode perceber, nenhuma dessas circunstâncias
aplicou-se ao presente projeto de pesquisa, o que direcionou a escolha para casos múltiplos.
As evidências resultantes de estudos de casos múltiplos são consideradas mais
convincentes, e o estudo global é visto, por conseguinte, como algo mais robusto. Quando o
pesquisador tiver escolha e recursos, deve preferir projetos de casos múltiplos a projetos de
caso único, o que aumenta as chances de fazer um bom estudo de caso. As conclusões
analíticas que surgem dos casos múltiplos serão mais contundentes do que aquelas que
surgem apenas de caso único. Além disso, se sob contextos variados se puder chegar a
conclusões comuns a partir dos casos, elas aumentarão de modo importante a capacidade
externa de generalização (YIN, 2005).
Com vistas à identificação e seleção dos casos, a estratégia emergente, foco desse
estudo, é entendida como uma iniciativa que surgiu fora do planejamento estratégico da
organização e que foi posteriormente formalizada. Para identificá-las, compararam-se
longitudinalmente os documentos que formalizam a estratégia das organizações. A estratégia
emergente foi considerada aquela que surge em um dado documento, mas que não aparecia
como estratégia deliberada na versão anterior desse mesmo documento.
Como orientação geral, a escolha das unidades de análise está relacionada à maneira
como foram definidas as questões iniciais da pesquisa (YIN, 2005). Dado que a questão
fundamental desta pesquisa é “Como as organizações combinam estratégias deliberadas em
71
processos de planejamento estratégico com estratégias emergentes? Por quê?”, o primeiro
passo foi tentar identificar quatro empresas que se utilizam de planejamento estratégico
formal e que apresentaram, em um passado recente, algum tipo de iniciativa emergente.
Esperava-se encontrar duas organizações operando em ambientes dinâmicos e duas em
ambientes estáveis, para permitir comparação entre os achados. Imaginou-se que o
relacionamento profissional preexistente pudesse facilitar o acesso às empresas. Entretanto,
não foi isso que se viu na prática.
Em uma primeira busca, obtiveram-se os quatro casos que atendiam aos requisitos da
pesquisa: em ambientes estáveis, o surgimento de iniciativas de diferenciação em uma
empresa do setor de papel e celulose e o nascimento de uma iniciativa de treinamento de
clientes em uma empresa do setor siderúrgico; em ambientes instáveis, o aparecimento de um
novo produto em uma empresa do setor de contact center e o desenvolvimento de uma nova
abordagem de vendas em uma empresa do setor de sistemas tecnológicos.
Um fator importante a comentar é o estágio das empresas selecionadas em seu ciclo de
vida. A empresa de papel e celulose, fundada nos anos 70, é uma empresa madura do ponto de
vista de seu desenvolvimento organizacional. a empresa de contact center, fundada no ano
2000, ainda está desenvolvendo seu modelo. Apesar da suspeita de que esse fator tenha
importante influência nas condições de surgimento de estratégias emergentes, não trataremos
dele nessa pesquisa.
A partir daí, solicitou-se o acesso às empresas. A siderúrgica recusou o acesso
alegando motivação estratégica: apesar de ter entrado no mapa estratégico da organização,
a iniciativa ainda não era de conhecimento do mercado. Aproveitando o contato, realizou-se,
também, uma tentativa de identificação de outro caso na mesma empresa que fosse de
conhecimento público, sem sucesso. A empresa de sistemas tecnológicos recusou o acesso
sem motivação aparente. Apesar de a solicitação ter sido realizada por dois canais diferentes –
ao diretor regional e à gerente de desenvolvimento de negócios para América Latina não
houve resposta em tempo hábil para a pesquisa.
As empresas de papel e celulose e contact center concordaram em ceder o acesso aos
casos, desde que mantida a confidencialidade em relação à identificação de ambas.
Assim, dada a dificuldade de acesso às empresas, a limitação de tempo e recursos
humanos para a realização da pesquisa e, principalmente, o grau de profundidade com que
deve ser conduzida a pesquisa dentro da organização para levantar o relacionamento entre
estratégias emergentes e processos internos, a escolha inicial foi revista para dois casos,
incluindo o caso-piloto.
72
3.3 Estratégia de coleta de dados
Uma característica importante da metodologia de estudo de caso é o freqüente
sombreamento da coleta de dados com a análise de dados. Esse sombreamento não somente
ao pesquisador uma vantagem na análise como, mais importante, permite-lhe usufruir as
vantagens de uma coleta de dados flexível. Um ponto-chave da pesquisa para a construção de
teoria é a liberdade de realizar ajustes durante o processo de coleta de dados (EISENHARDT,
1989).
Para Eisenhardt (1989), a pesquisa deve começar tão perto quanto possível do ideal de
nenhuma teoria sob consideração e nenhuma hipótese a ser testada. É claro que é impossível
atingir esse ideal de um espaço teórico limpo. Mas tentar abordar esse ideal é importante
porque as perspectivas ou proposições teóricas pré-ordenadas talvez enviesem ou limitem os
achados. Então, Eisenhardt (1989) sustenta que os pesquisadores devem formular um
problema de pesquisa e, possivelmente, especificar algumas variáveis importantes, com
alguma referência na literatura existente. Entretanto, devem evitar pensar sobre
relacionamentos específicos entre variáveis e a teoria tanto quanto possível, especialmente no
ajuste do processo.
Dubois e Gadde (2002) intitulam esse sombreamento de “combinação sistemática”. A
principal característica dessa combinação é o movimento contínuo entre o mundo empírico e
o mundo conceitual. Combinação sistemática é um processo em que a estrutura teórica,
campo empírico, e a análise de caso evoluem simultaneamente, e é particularmente útil na
descrição de casos. Durante esse processo, as questões de pesquisa e o modelo analítico são
sucessivamente reorientados quando são confrontados com o mundo empírico.
Miles e Huberman apud Dubois e Gadde (2002) distinguem dois tipos de estruturas
analíticas. Uma é classificada como firme e pré-estruturada a outra é solta e emergente.
Cada uma tem seus prós e contras, de acordo com os autores. Muita estruturação a priori pode
cegar o pesquisador para características importantes do caso ou causar interpretação de
percepções de informantes locais. De outro lado, uma estrutura solta demais pode levar à
coleta indiscriminada e à conseqüente sobrecarga de dados.
Preferivelmente, Dubois e Gadde (2002) sugerem uma estrutura firme e evolutiva, em
que a firmeza reflete o grau em que o pesquisador articulou suas pré-concepções. O
pesquisador, pelo constante movimento de ida e volta de um tipo de atividade de pesquisa a
outro e entre observações empíricas e a teoria, torna-se capaz de expandir seu entendimento
73
tanto da teoria quanto do fenômeno empírico. A estrutura analítica preliminar consiste de pré-
conceitos articulados. Com o tempo, ela é desenvolvida de acordo com o que é descoberto por
meio do trabalho de campo empírico, assim como por meio de análises e interpretação.
Observações empíricas podem resultar na identificação de questões não antecipadas, mas
relacionadas, que podem ser depois exploradas em entrevistas ou por outros meios de coleta
de dados (DUBOIS; GADDE, 2002).
Para Dubois e Gadde (2002), em investigações que trabalham a confirmação da teoria,
a literatura permite ao usuário identificar pesquisas prévias na área. Na descrição e geração de
teoria, entretanto, a literatura tem um papel diferente, que o objetivo do pesquisador é
descobrir novas coisas outras variáveis e relacionamentos. De acordo com Strauss e Corbin
apud Dubois e Gadde (2002), é importante entrar em situações de pesquisa com alguma
preparação no que chamam de “literatura técnica”, mas argumentam que não necessidade
de rever toda a literatura em antecipação: a “necessidade” é criada durante o processo.
Halinen e Törnroos (2005) sustentam que uma estrutura teórica solta é necessária
inicialmente para tornar a comparação entre casos possível. Ela guia a condução do estudo,
ajuda na seleção de casos e também limita o número de dimensões teóricas a serem
comparadas. Sem a orientação da teoria, é fácil se perder na complexidade dos eventos da
vida real. (HALINEN; TÖRNROOS, 2005).
Segundo Yin (2005), o pesquisador deve ter habilidades específicas para realizar um
bom estudo de caso, questionando antes, durante e depois da coleta de dados os motivos pelos
quais eventos ocorreram ou estão ocorrendo. Para Eisenhardt (1989), o pesquisador deve ser
também capaz de assimilar novas informações sem pontos de vista tendenciosos, procurando
entender o contexto da entrevista. Por fim, deve ter domínio sobre os assuntos que estão sendo
estudados, para que o foco esteja nas informações e evidências relevantes (EISENHARDT,
1989). Glaser apud Dubois e Gadde (2002) argumenta que os dados não devem ser forçados
para encaixar em categorias preconcebidas ou preexistentes, assegurando preferivelmente que
as categorias sejam desenvolvidas a partir dos dados.
Antes da coleta de dados desta pesquisa, procurou-se consolidar alguma referência na
literatura existente e em pesquisas prévias. Durante a coleta de dados, deparou-se com um
fato inesperado, pois não foi possível averiguar a relação entre estratégias emergentes e
ambiente organizacional como previsto, que ambas as empresas estudadas operavam em
ambientes classificados como instáveis.
Para Yin (2005), existem seis fontes que podem ser utilizadas na etapa de coleta de
dados: documentos, registros em arquivo, entrevistas, observação direta, observação
74
participante e artefatos físicos. Além dessas, existem filmes, fotografias, videoteipes, técnicas
projetivas e testes psicológicos, etnografia, história de vida, além de outras. Para Eisenhardt
(1989, p. 534), “(...) estudos de casos tipicamente combinam métodos de coleta de dados tais
como arquivos, entrevistas, questionários e observação”. Enquanto entrevistas, observações e
fontes de arquivo são particularmente comuns, pesquisadores indutivos não estão confinados
a essas escolhas (EISENHARDT, 1989).
Nesta pesquisa utilizou-se amplamente a fonte “entrevistas” para o entendimento das
iniciativas emergentes. Como Golden (1992) questiona a capacidade de indivíduos
relembrarem fatos com exatidão, incorporaram-se à etapa de coleta de dados algumas ações
para reduzir erros em relatos retrospectivos, como proposto pelo autor. Primeiro, considerou-
se no instrumento de coleta de dados que relatos retrospectivos de fatos ou comportamentos
eram provavelmente mais exatos do que relatos de opiniões e intenções passadas. Segundo,
reconheceram-se as possíveis conexões emocionais dos respondentes com as estratégias às
quais estiveram publicamente ligados e seu interesse mais amplo de retratar um ponto de vista
particular de suas organizações. Assim, procurou-se confiar em múltiplos respondentes na
organização, dando início ao processo de triangulação, definido por Jick (1979), Eisenhardt
(1989) e Yin (2005) como a combinação de metodologias no estudo do mesmo fenômeno que
fornece ao pesquisador múltiplos pontos de vista e à pesquisa uma forte consistência dos
construtos e hipóteses. Terceiro, procurou-se tratar os incentivos e desincentivos inerentes a
um programa de pesquisa, dando aos entrevistados a certeza de recebimento do resultado da
pesquisa. Quarto, especial atenção foi dedicada à datação de fatos passados, tomando o
devido cuidado com dados coletados após mudanças organizacionais. Quinto, procurou-se
não somente buscar múltiplos respondentes, mas também procurar outras fontes de dados,
como arquivos, documentos (especialmente o mapa estratégico e o fluxo de macroprocessos),
etc., expandindo o processo de triangulação.
O roteiro de entrevista (Apêndice A) foi estruturado de acordo com a ordem das
perguntas da pesquisa, da mais genérica à mais específica. Para análise da percepção de
incerteza no ambiente, especialmente da chamada “incerteza de estado”, construiu-se uma
ferramenta a partir dos modelos da literatura referenciada, especialmente Emery e Trist (1965)
e Duncan (1972). A análise da incerteza de “efeito” e “resposta” foi resultado da incorporação
direta dos conceitos de Milliken ao questionário(1987).
Foram realizadas onze entrevistas nas duas empresas estudadas, sendo cinco na
Empresa A (contact center) e seis na Empresa B (papel e celulose). Cada entrevista teve a
duração média de uma hora e meia e foram registradas por escrito.
75
As entrevistas foram realizadas inicialmente com os profissionais que iniciaram a nova
abordagem em relação ao ambiente, que culminou por se transformar em uma estratégia
emergente. Depois, procurou-se entrevistar os responsáveis pelo planejamento estratégico
formal da organização. Por fim, foram entrevistados os profissionais envolvidos com o
desenho dos fatores intervenientes – estrutura, coordenação e processos organizacionais,
sistemas de controle e de incentivos. De todos os entrevistados, foram colhidas impressões a
respeito do ambiente em que as organizações operam.
As entrevistas foram iniciadas explicando o objetivo da pesquisa, buscando tornar o
entrevistado mais envolvido e ciente do tipo de informação requerida. Esse procedimento foi
fundamental para a completa execução das entrevistas, pois não foi percebida folga no tempo
disponibilizado, em função da quantidade de perguntas. Isto tampouco permitiu maiores
aprofundamentos em determinadas questões. Somente um entrevistado o diretor de
operações da empresa de contact center solicitou conhecer antecipadamente o roteiro de
entrevista, no que foi prontamente atendido. O mesmo entrevistado solicitou formalmente
conhecer posteriormente o relato das entrevistas, com o objetivo de submetê-lo à área de
relações institucionais e evitar qualquer questão relacionada à divulgação de dados. Também
esse pedido foi atendido, tendo o solicitante pronto acesso à descrição elaborada.
O Quadro 6, a seguir, apresenta um resumo das áreas funcionais envolvidas e locais de
entrevista em cada uma das empresas.
76
EMPRESA ENTREVISTADOS
LOCAL DA
ENTREVISTA
REFERÊNCIA
Diretor de Operações Rio de Janeiro / Sede Entrevista 1
Diretor de Cobrança e Recuperação de
Créditos
Rio de Janeiro / Sede Entrevista 2
Gerente de Desenvolvimento e Gestão de
Produtos
Rio de Janeiro / Sede Entrevista 3
Gerente de Recursos Humanos –
Comunicação
Belo Horizonte /
Fundação Dom Cabral
Entrevista 4
Empresa A
(Contact Center)
Gerente de Recursos Humanos –
Treinamento e Desenvolvimento
Belo Horizonte /
Fundação Dom Cabral
Entrevista 5
Gerente Comercial São Paulo / Sede Entrevista 6
Gerente de Centro de Pesquisa e
Tecnologia
Espírito Santo / Fábrica Entrevista 7
Gerente Industrial Espírito Santo / Fábrica Entrevista 8
Coordenadora de Recursos Humanos Espírito Santo / Fábrica Entrevista 9
Coordenador de Gestão de Processos Espírito Santo / Fábrica Entrevista 10
Empresa B
(Papel e
Celulose)
Gerente de Planejamento Estratégico São Paulo / Sede Entrevista 11
Quadro 6: Unidades de observação por cargo/funções entrevistadas e local das entrevistas
Fonte: Elaborado pelo autor.
Após as entrevistas, o processo de triangulação continuou com a análise de dados
constantes em websites, documentos internos, conversas informais e telefonemas para alguns
entrevistados para complementação de dados e esclarecimentos de dúvidas. O Quadro 7, a
seguir, apresenta os dados secundários obtidos.
EMPRESA DADOS SECUNDÁRIOS
Empresa A
(Contact Center)
Demonstrações Financeiras “pró- forma” em 31 de dezembro de 2003
e de 2002
Relatório da Administração 2004
Relatório Anual 2005
Diagrama de Macroprocessos
Empresa B
(Papel e Celulose)
Mapa Estratégico de 28/02/2002
Mapa Estratégico de 31/10/2003
Relatório Anual 2002
Relatório Anual 2003
Diagrama de Macroprocessos
Quadro 7: Dados secundários obtidos para a pesquisa
Fonte: Elaborado pelo autor.
77
Como preparação final para a coleta de dados, a Empresa A foi considerada
inicialmente um caso-piloto. Para Yin (2005, p.104) o estudo de caso-piloto auxilia o
pesquisador a “(...) aprimorar os planos para a coleta de dados tanto em relação ao conteúdo
dos dados quanto aos procedimentos que devem ser seguidos”. A experiência na Empresa A
ajudou a desenvolver a ordem e dirimir dúvidas na interpretação das questões presentes no
instrumento de pesquisa, e até mesmo a provocar algumas questões conceituais para a
repetição do estudo na Empresa B.
3.4 Análise dos dados
Eisenhardt (1989) argumenta que a análise de dados é o coração da construção de
teoria a partir de estudos de caso, mas é tanto a parte mais difícil do processo como a menos
codificada. Geralmente um grande abismo separa dados de conclusões. Para Yin (2005,
p.138), “(...) a análise das evidências de um estudo de caso é um dos aspectos menos
desenvolvidos e mais complicados ao realizar estudos de caso”. Para reduzir as dificuldades
existentes, é necessário que o pesquisador tenha uma estratégia geral para analisar as
evidências, mesmo que essa estratégia tenha como base proposições teóricas ou uma estrutura
básica descritiva (YIN, 2005).
Um passo-chave é a análise intracaso, que é de especial importância em estudos de
caso com grande volume de dados. Como sempre um perigo de “morte por asfixia”, a
análise dentro do caso pode ajudar os pesquisadores a lidar com essa quantidade de dados
(EISENHARDT, 1989).
Casada com a análise dentro do caso está a procura cruzada por padrões entre casos. A
orientação é determinada pelo fato de que pessoas são notoriamente fracas processadoras de
informação e o perigo de se alcançarem conclusões prematuras ou mesmo falsas, como
resultado de vieses no processamento de informação. Então, a chave para uma boa
comparação cruzada entre casos é contrabalancear essas tendências pela procura de dados em
diferentes maneiras. Uma tática é selecionar categorias ou dimensões, e então procurar
similaridades dentro do grupo em conjunto com diferenças entre grupos. Outra é usar um
projeto de células dois por dois ou, uma outra, comparar muitas categorias de uma vez, ou
mover para uma escala de medida contínua que permita a construção de gráficos
(EISENHARDT, 1989).
78
Segundo Eisenhardt (1989), uma outra tática para a comparação dos dados
encontrados é selecionar pares de casos e então listar as similaridades e diferenças entre cada
par. A justaposição de casos aparentemente similares pode evitar quadros simplistas. Do
mesmo modo, a procura por similaridades em pares aparentemente diferentes também pode
levar a uma compreensão mais sofisticada. Essa tática força os pesquisadores a procurarem as
similaridades subjacentes e as diferenças entre casos. Os resultados dessas comparações
podem ser novos conceitos e categorias que os investigadores não antecipam.
A primeira atividade que se executou para a análise dos dados foi a transcrição dos
dados colhidos nas entrevistas em um documento por empresa. Montou-se um documento
com as questões do roteiro e foram selecionados, recortados e colados os trechos mais
significativos dos depoimentos colhidos nas entrevistas individuais. Depois, foram verificadas
e complementadas as informações com os dados colhidos nos websites e nos documentos
internos. Algumas pequenas divergências nos dados colhidos em entrevistas foram resolvidas
por essa verificação. Ao final desse trabalho, havia dois documentos com a descrição dos
casos, um para a Empresa A, com treze páginas; e outro para a Empresa B, com nove páginas.
A descrição dos casos iniciou-se com a contextualização das empresas. Depois,
caracterizou-se o ambiente, tendo como fonte a opinião dos entrevistados. Nos casos de
incongruência nas opiniões a respeito de dado fator do ambiente, optou-se por usar a média
para determinar a caracterização do fator. Assim, por exemplo, quando havia dois
entrevistados entendendo que o efeito de determinado fator sobre a empresa era conhecido, e
outros dois entendendo que o efeito era desconhecido, optou-se por classificar o fator como de
média incerteza de efeito. A seguir, será descrito o processo de estratégia deliberada que as
empresas utilizam, bem como seu modelo de gestão. Depois virá a descrição da iniciativa
emergente identificada nessas empresas e, por fim, o relato de como os fatores
organizacionais (estrutura, coordenação e processos, sistemas de controle e incentivo)
atuaram ou foram modificados em função da estratégia emergente.
O processo de análise dos dados foi facilitado pelas variáveis identificadas na etapa de
elaboração do roteiro de entrevistas. Definiram-se, preliminarmente, dezessete variáveis, com
base na literatura estudada (DUNCAN, 1972; MINTZBERG, 1973; MINTZBERG, 1978;
STONICH, 1981; BURGELMAN, 1983a; BURGELMAN, 1983b; BURGEOIS; BRODWIN,
1984; PORTER, 1986; ANSOFF, 1987; MILLIKEN, 1987; GOOLD; QUINN, 1990; HART,
1992; SIMONS, 1995; BURGELMAN, 1996; TREACY; WIERSEMA, 1998; PORTER,
1999; VOLBERDA, 1999; ANTHONY; GOVINDARAJAN, 2000; MINTZBERG et al.,
2000; EVANS et al., 2002; GALBRAITH, 2002; GHOSAL; GRATTON, 2002; HUNGER;
79
WHEELEN, 2002; WHITTINGTON, 2002; BOSSIDY; CHARAN, 2003; MARIOTTO,
2003; RAPS, 2004; HREBINIAK, 2005).
No Quadro 8, a seguir, serão apresentadas as dezessete variáveis definidas.
VARIÁVEIS DEFINIÇÕES
Ambiente geral (percepção
dos gestores)
Grau em que os fatores do ambiente interno e externo permanecem os mesmos com o
tempo ou estão em contínuo processo de mudança (DUNCAN, 1972)
Componentes instáveis no
ambiente
Componentes do ambiente que apresentam incerteza de estado entre média a alta, e
também apresentam incerteza de efeito e resposta (DUNCAN, 1972 MILLIKEN, 1987)
Maiores forças presentes no
ambiente
Forças que delimitam preços, custos e necessidades de investimentos, determinando as
perspectivas de rentabilidade do setor em longo prazo (PORTER, 1999)
Filosofia de formulação
estratégica
Filosofia do processo de formulação estratégica praticado pela empresa (MINTZBERG,
1973; BURGEOIS; BRODWIN, 1984; ANSOFF, 1987; HART, 1992; WHITTINGTON,
2002)
Estratégia deliberada
Estratégia deliberada perseguida pela organização na época do surgimento da iniciativa
emergente (PORTER, 1986; TREACY; WIERSEMA, 1998; MINTZBERG et al., 2000).
Revisão estratégica
Revisão periódica da estratégia deliberada em função de divergências entre os resultados
esperados e os reais (GOOLD; QUINN, 1990; BOSSIDY; CHARAN, 2003;
HREBINIAK, 2005)
Característica do surgimento
da iniciativa emergente
Fonte do surgimento da estratégia emergente (MINTZBERG, 1978; BURGELMAN,
1983; ARAÚJO; EASTON, 1996; MINTZBERG et al., 2000).
Ciclo do Planejamento
Estratégico
Presença de estratégias intencionadas transformadas em ações por meio de um processo
deliberado de planejamento estratégico (MARIOTTO, 2003)
Ciclo da Criação Contínua da
Estratégia
Presença de ações não planejadas que foram transformadas em estratégias emergentes ao
serem percebidas como padrões de comportamento eficientes (MARIOTTO, 2003)
Aprendizado de laço duplo
Grau em que a estratégia deliberada é ajustada em função de resultados emergentes
(MARIOTTO, 2003).
Dissonância estratégica
Presença de divergências entre as bases da competição na indústria e as competências
internas da empresa (BURGELMAN, 1996).
Empreendimento Corporativo
Interno
Iniciativas estratégicas que se desenvolvem no fundo da hierarquia e são defendidas, ou
recebem ímpeto, pelos gerentes de nível médio (BURGELMAN, 1983b)
Ajuste do Contexto Estrutural
Ajustes nos mecanismos administrativos que buscam manter o comportamento
estratégico nos níveis operacionais em linha com o conceito de estratégia corrente
(BURGELMAN, 1983a)
Ajuste Estrutura
Ajustes na estrutura organizacional motivados pela estratégia emergente (VOLBERDA,
1999; GALBRAITH, 2002; HREBINIAK, 2005)
Ajuste Coordenação e
Integração
Ajustes na coordenação e integração das diversas unidades da empresa em função da
estratégia emergente (EVANS et al., 2002; GALBRAITH, 2002; GHOSAL;
GRATTON, 2002; HREBINIAK, 2005)
Ajuste Sistema de Controle
Ajustes nas rotinas e procedimentos formais baseados na informação, que os gerentes
usam para manter ou alterar padrões nas atividades organizacionais (SIMONS, 1995;
ANTHONY; GOVINDARAJAN, 2000; HUNGER; WHEELEN, 2002; RAPS, 2004;
HREBINIAK, 2005)
Ajuste Sistema de Incentivos
Ajustes nos mecanismos que encorajam e motivam gerentes a perseguir os objetivos
organizacionais e monitoram o progresso da implementação (STONICH, 1981;
ANTHONY; GOVINDARAJAN, 2000; HREBINIAK, 2005)
Quadro 8: Variáveis definidas preliminarmente
Fonte: Autor da dissertação
80
Após a redação da descrição dos casos, passou-se ao exame minucioso das
informações coletadas. Utilizou-se, para isso, matrizes e tabelas, analisando os casos sob
diferentes ângulos. Nesse momento, verificou-se que duas das dezoito variáveis estabelecidas
preliminarmente se sobrepunham, a saber, “revisão estratégica” e “aprendizado de laço
duplo”. Decidiu-se pela eliminação desta última.
VARIÁVEL
DESCONSIDERADA
DEFINIÇÃO
Aprendizado de laço
duplo
Grau em que a estratégia deliberada é ajustada em função de
resultados emergentes (MARIOTTO, 2003).
Quadro 9: Variável desconsiderada
Fonte: Autor da dissertação
Realizado esse ajuste, passou-se, então, à análise de cada caso em relação às dezesseis
variáveis identificadas. Por fim, efetuou-se a análise cruzada entre casos, utilizando-se como
base as mesmas dezesseis variáveis estudadas em cada caso separadamente, o que facilitou a
comparação dos achados entre si. Esse é o processo detalhado no capítulo a seguir.
81
4 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
4.1 Introdução
Neste capítulo serão apresentados os dados da pesquisa. No primeiro bloco, o caso da
Empresa A apresentação da empresa, caracterização de seu ambiente, descrição de seu
processo deliberado, da estratégia emergente e dos fatores organizacionais. No segundo bloco,
será feita a análise intracaso da Empresa A: como surgiu a estratégia emergente e o papel dos
fatores organizacionais. No terceiro e no quarto blocos, repete-se o processo para o caso da
Empresa B. Ao final, será apresentada a análise cruzada, com a descrição das semelhanças e
diferenças entre os achados nas variáveis de cada um dos casos.
4.2 Caso Empresa A
A Empresa A iniciou suas operações no final de 2000, como resposta de uma
operadora de telecomunicações às oportunidades de terceirização de atividades de contact
center que surgiram no Brasil. Até dezembro de 2004, manteve-se sob o controle dessa
operadora, quando então se tornou uma companhia independente (Demonstrações Financeiras
“pró-forma” em 31 de dezembro de 2003 e de 2002; Relatório da Administração, 2004;
Relatório Anual, 2005).
Após cinco anos de atividade, a Empresa A foi a que mais cresceu em seu segmento
no Brasil. A sua estratégia de negócios está centrada no desenvolvimento de relacionamentos
de longo prazo com grandes companhias consumidoras dos serviços de relacionamento
remoto com clientes. A empresa faz mais de 100 milhões de contatos por mês, utilizando-se
de telefone, correio, e-mail, torpedos, internet e chats.
Em setembro de 2006, a Empresa A possuía 48.379 empregados e operava 22.568
estações de trabalho em dezessete unidades operacionais no país, estando presente em sete
estados brasileiros, além do Distrito Federal. Segundo a página internet da empresa, todos os
sites foram construídos seguindo rigorosos padrões de qualidade, aplicando tecnologia de
última geração e modernos sistemas de segurança.
82
De acordo com seu website, a Empresa A tem como missão “(...) ser a primeira
escolha para construir relacionamentos entre empresas e pessoas, com o talento e a motivação
de seus colaboradores” e tem como princípios: 1) busca por excelência: a expertise da
empresa é obtida no dia-a-dia das pessoas; 2) confiança: estímulo para as pessoas fazerem a
diferença; 3) time: criação de um ambiente que valorize a simplicidade, o entusiasmo, o
respeito e a auto-realização; 4) excelência de gente: motivar para aprender e se superar; 5)
paranóia pelo resultado: busca por eficiência, redução de custos e alta produtividade; 6)
simplicidade: processos descomplicados geram agilidade; 7) meritocracia: pedra fundamental
da política interna; 8) integridade: ética nos relacionamentos com funcionários, fornecedores,
acionistas e clientes; 9) dividir o sucesso: a geração de valores da companhia deve ser
repartida com seus colaboradores; e 10) regra do patrão: regra número 1: o cliente tem sempre
razão. Regra número 2: se o cliente não tiver razão, leia a regra número 1.
4.2.1 O ambiente organizacional
O primeiro ponto abordado na conversa com os entrevistados foi a percepção deles em
relação ao ambiente organizacional. De modo geral, houve uma opinião congruente a esse
respeito, acreditando que a Empresa A operava em um ambiente instável. A partir daí,
procurou-se entender a percepção dos entrevistados sobre os componentes do ambiente
(Entrevista 1, Entrevista 2, Entrevista 3, Entrevista 4, Entrevista 5).
Na visão dos entrevistados, a Empresa A tinha, à época do surgimento da estratégia
emergente, poucos clientes, os quais eram similares entre si e apresentavam alta taxa de
mudança das demandas que apresentavam à empresa. Essas características definem
teoricamente esse componente como simples e dinâmico (ver Quadro 1, quadrante 3).
Entretanto, os gestores acreditavam conhecer os efeitos dessas mudanças e também as opções
de resposta que tinham à sua disposição. Ou seja, o ambiente “clientes” não apresentava
incerteza de efeito ou de resposta (Entrevista 1, Entrevista 2, Entrevista 3, Entrevista 4,
Entrevista 5).
Havia uma percepção de que eram poucos os fornecedores de equipamentos similares
entre si e que mudavam pouco na relação e produtos que forneciam à Empresa A. Essas
características definem esse componente do ambiente como simples e estático (ver Quadro 1,
quadrante 1). Também o efeito e as opções de resposta da empresa eram conhecidos, o que
83
fez com que sobre esse componente não pairasse qualquer tipo de incerteza de estado, efeito
ou resposta (Entrevista 1, Entrevista 2, Entrevista 3, Entrevista 4, Entrevista 5).
Os fornecedores de suprimentos, especialmente de recursos humanos, eram percebidos
como muitos, similares entre si e com altas taxas de mudança. Tais características definem
esse componente como dinâmico, posicionado entre simples e complexo, (ver Quadro 1, entre
os quadrantes 3 e 4). Entretanto, consideravam que os efeitos dessas mudanças sobre a
empresa e suas opções de resposta eram bem conhecidos, ou seja, era um ambiente de
incerteza de estado, mas que não apresentava incerteza de efeito e de resposta (Entrevista 1,
Entrevista 2, Entrevista 3, Entrevista 4, Entrevista 5).
Em relação aos competidores por clientes, havia um entendimento de que, apesar de
haver um grande número de pequenos concorrentes, aqueles que realmente tinham capacidade
de influenciar o ambiente da Empresa A, pelo seu porte, eram poucos. Estes poucos
competidores eram similares entre si e apresentam baixa taxa de mudança, características que
definem o componente como simples e estático (ver Quadro 1, quadrante 1). Também o efeito
e as opções de resposta da empresa eram conhecidos, o que fez com que sobre esse
componente não pairasse qualquer tipo de incerteza de estado, efeito ou resposta (Entrevista
1, Entrevista 2, Entrevista 3, Entrevista 4, Entrevista 5).
Também havia um entendimento de que eram poucos os competidores por
fornecedores com alta similaridade entre si e baixa taxa de mudança. Essas características
definem o componente como simples e estático (ver Quadro 1, quadrante 1). O efeito dessas
mudanças sobre a Empresa A era geralmente conhecido, mas as opções de resposta eram, por
vezes, desconhecidas. Ou seja, apesar de não haver incerteza de estado e efeito, os
entrevistados percebiam incerteza de resposta (Entrevista 1, Entrevista 2, Entrevista 3,
Entrevista 4, Entrevista 5).
O controle regulatório sobre a indústria era pequeno naquele momento e
relativamente estável, por ser uma atividade nova no mercado. Entretanto, essa situação
poderia mudar a qualquer momento. Essas características definem o componente como
simples e estático (ver Quadro 1, quadrante 1). A partir daí, encontrou-se uma divergência de
opinião entre os entrevistados: parte deles entendia que o efeito do controle regulatório sobre
a indústria ainda era desconhecido, bem como as opções de resposta da empresa, ou seja,
incerteza de efeito e resposta. Enquanto isso, outra parte acreditava que o efeito sobre a
empresa era bem conhecido, assim como as opções de resposta disponíveis, ou seja, sem
incertezas de efeito e estado. (Entrevista 1, Entrevista 2, Entrevista 3, Entrevista 4,
Entrevista 5).
84
Na mesma linha, eram poucos os sindicatos com os quais a Empresa A mantinha
relacionamento ativo, similares nas demandas que impunham à empresa e com baixa taxa de
mudança. Essas características definem o componente como simples e estático (ver Quadro 1,
quadrante 1). De modo geral, o efeito dessas mudanças sobre a empresa era conhecido, bem
como as opções de resposta, sem incertezas de efeito ou resposta. Ressalva foi feita aos casos
de transição de comando nos sindicatos, quando a Empresa A praticava um monitoramento
mais atento para verificar alguma mudança de orientação (Entrevista 1, Entrevista 2,
Entrevista 3, Entrevista 4, Entrevista 5).
Por outro lado, novos requisitos tecnológicos na indústria eram muitos e com alta taxa
de mudança, o que define o componente como dinâmico e complexo (ver Quadro 1, quadrante
4). Apesar disso, seus efeitos sobre a empresa não chegavam a ser surpresa, porque a
maturação dessas tecnologias é de médio prazo, permitindo o acompanhamento de sua
evolução e o estudo das opções de resposta da empresa. Ou seja, havia pouca incerteza de
efeito e resposta (Entrevista 1, Entrevista 2, Entrevista 3, Entrevista 4, Entrevista 5).
De maneira análoga, o desenvolvimento de novos produtos baseados em avanços
tecnológicos era freqüente, posicionando o componente como dinâmico e complexo (ver
Quadro 1, quadrante 4). Entretanto, os efeitos sobre a empresa eram relativamente bem
conhecidos, assim como as opções de resposta, sem incerteza de efeito e de resposta
(Entrevista 1, Entrevista 2, Entrevista 3, Entrevista 4, Entrevista 5).
Na opinião dos entrevistados, os elos mais fortes da cadeia de valor da Empresa A
eram os fornecedores de suprimentos de recursos humanos, principalmente e os clientes.
Se o controle regulatório avançar, este também pode se tornar um elo importante, mas,
atualmente, ainda não representa uma força a se destacar (Entrevista 1, Entrevista 2,
Entrevista 3, Entrevista 4, Entrevista 5).
Assim, a impressão geral de que o ambiente é instável é corroborada pela incerteza em
relação aos fatores Clientes, Fornecedores de Suprimentos, Novos Requisitos Tecnológicos e
Desenvolvimento de Novos Produtos, presentes no ambiente da Empresa A.
4.2.2 Processo deliberado de formulação estratégica e modelo de gestão
De acordo com o Gerente de Desenvolvimento e Gestão de Produtos da Empresa A, o
planejamento estratégico da companhia é realizado para um horizonte de três anos e revisto
85
anualmente por um grupo descentralizado, composto pelo presidente, diretores e gerentes,
contando com o apoio de profissionais de suporte (Entrevista 3).
Em um processo baseado em análises racionais, esse grupo dimensiona as demandas,
define as diretrizes estratégicas e planeja os investimentos. Tendo como base essas diretrizes
estratégicas, os gestores são então chamados a realizar a contratação anual, elaborando o
orçamento de suas áreas com metas de receita, custos, investimento e qualidade
(Entrevista 3).
Ao final desse processo, a equipe de gestão desdobra metas específicas para todos os
gestores da diretoria até o nível de supervisão alimentando dois sistemas: o SIG (Sistema
de Informações Gerenciais) e o Sistema de Avaliação do Desempenho, atrelado ao sistema de
Participação nos Resultados (Entrevista 3).
Apesar de adotar um sistema formal, nesse sistema, segundo relatos do Diretor de
Operações e do Diretor de Cobrança e Recuperação de Créditos, grande abertura para
iniciativas que não estejam programadas, desde que sejam justificadas e estejam dentro da
perspectiva estratégica geral perseguida pela empresa (Entrevista 1, Entrevista 2).
À medida que a estratégia definida é implantada, as áreas gestoras acompanham seu
desempenho mensalmente com o apoio do SIG, fazendo ajustes sempre que necessário. Essa
possibilidade de correção de desvios é apontada como um grande diferencial do modelo de
gestão da empresa. Em caso de desvios entre as metas definidas e as realizadas, são
compilados relatórios de anomalias e disparadas ações corretivas. o desempenho
operacional é acompanhado por meio do chamado “Sistema Atitude”, o qual mede os
indicadores customizados para cada operação (Entrevista 5, Relatório Anual, 2005).
Segundo o Relatório Anual 2005 da empresa, a geração de parâmetros claros e
voltados ao sucesso da operação facilita a comunicação entre níveis hierárquicos e torna
tangíveis valores subjetivos, tais como “qualidade no atendimento” e “satisfação do
consumidor final” – dois pilares que diferenciam sua atuação no mercado.
Para gerir esse sistema, a Empresa A adota o modelo do PDCA (da sigla em inglês
para plan, de planejar; do, de fazer; check, de verificar; e action, de agir), em que o
planejamento de ões, a disciplina em seu cumprimento e a padronização das ações bem-
sucedidas são considerados conceitos-chave (Relatório Anual, 2005).
O modelo representado pela FIG. 6 é utilizado desde a criação da Empresa A.
86
Figura 6: Modelo de gestão da Empresa A
Fonte: Relatório Anual (2005, p.23)
4.2.3 A estratégia emergente
O plano de negócios original da organização previa que sua atuação no mercado de
contact center estivesse baseada em Serviços de Atendimento ao Consumidor (SAC) e
Televendas. Essa orientação guiou o contrato com o seu primeiro cliente no final do ano 2000
- a operadora de telecomunicações, da qual assumiu esses dois serviços. A operadora de
telecomunicações buscava, com isso, aumentar a qualidade do serviço prestado, reduzir seus
custos e atender às metas de qualidade definidas pela Agência Nacional de Telecomunicações
(Entrevista 3, Entrevista 4, Entrevista 5).
A partir daí, a estratégia adotada pela Empresa A foi de “crescer no mercado com base
nos serviços desenvolvidos em seu principal cliente” no caso, a operadora de
telecomunicações. Ou seja, expandir sua base de clientes mantendo os mesmos serviços.
87
Assim, tendo estruturado sua área comercial, a Empresa A agregou à sua carteira, durante o
ano de 2001, grandes empresas com operações no Brasil (Entrevista 1, Entrevista 3).
Porém, no ano de 2002, a orientação estratégica sofreu uma modificação, fruto da
emergente iniciativa de Recuperação de Crédito. Essa ação surgiu no Estado do Ceará, por
iniciativa do então gerente da regional local da Empresa A, hoje Diretor de Cobrança e
Recuperação de Créditos, o qual era ex-colaborador da empresa operadora de
telecomunicações. A partir de seu conhecimento dos processos do cliente, o gerente percebeu
que a atividade de cobrança e recuperação de crédito representava uma oportunidade de
negócios ainda não vislumbrada pela Empresa A. A inadimplência na empresa de
telecomunicações comprometia uma importante parte de seu faturamento nos estados da
região e a atividade de cobrança estava sendo realizada por pequenas empresas locais,
geralmente por processos manuais e com limitada tecnologia de gestão (Entrevista 1,
Entrevista 2).
O gerente apresentou então sua proposta de assumir esse serviço ao superintendente
regional da empresa de telecomunicações, aproveitando a ociosidade de seus equipamentos, e
decidiram montar um projeto-piloto. Como vislumbraram que aquela iniciativa, se
vitoriosa, poderia ser expandida a todas as operações da empresa de telecomunicações no
Brasil, decidiram contar com o apoio de uma empresa de consultoria na estruturação do
projeto (Entrevista 2).
A primeira dificuldade com que se depararam era que a regional da Empresa A no
Ceará centralizava o atendimento a sete estados da região, enquanto que, na empresa cliente,
cada estado tinha um superintendente com autonomia sobre suas ações. Ou seja, a iniciativa
exigiria uma mudança na organização da empresa cliente, o que exigiu um intenso processo
de negociação com os superintendentes desta para convencê-los da idéia de centralizar a
cobrança e recuperação de créditos no Ceará. O grande trunfo utilizado nessa negociação foi a
perspectiva de aumento da receita advinda do aumento de produtividade proporcionado pelo
uso de tecnologias de gestão e de informação. Somente para ilustrar, o uso de um
equipamento em especial o discador automático permitiu aumentar em cem por cento a
produtividade de um operador em relação ao modelo tradicional (Entrevista 2).
Concluída essa etapa, a transferência da atividade foi realizada ainda no ano de 2002,
marcando o efetivo início da operação da estratégia emergente. Naquele momento, o contrato
foi celebrado tendo por base uma remuneração por contato realizado, pois a preocupação,
naquele instante, era varrer todo o cadastro de inadimplentes da empresa cliente (Entrevista 1,
Entrevista 2).
88
A partir da operação com esse primeiro cliente, a Empresa A percebeu que o serviço
de Recuperação de Crédito apresentava uma importante característica de aprendizado que
poderia subsidiar a expansão do negócio: aprendeu que falar com quem decide é fundamental
para o sucesso do serviço de cobrança. Para isso, criou um cadastro vivo, baseado no Cadastro
de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), incluindo
dados tais como: quem é a pessoa que decide; a que horas pode ser encontrada; por quais
meios de contato, etc. É o que chamou internamente de CPC Contato com a Pessoa Certa.
Alimentado por esses dados, o discador automático gerenciava todas as ligações, aumentando
a taxa de sucesso dos contatos. E mais, esses dados sobre CPFs e CNPJs passaram a ser
consultados sempre que uma nova carteira de cobrança era incorporada ao negócio,
potencializando a produtividade (Entrevista 1, Entrevista 2).
A partir daí, a Empresa A aumentou sua gama de clientes de Recuperação de Crédito,
passando a prestar serviços para empresas do setor financeiro, de telecomunicações, de varejo,
de energia elétrica e de internet. Os contratos com essas empresas passaram a ser
remunerados por resultado do serviço, ou seja, um percentual do crédito recuperado, e não
mais por contato realizado (Entrevista 1, Entrevista 2).
A estratégia emergente foi formalizada no ciclo de planejamento estratégico de
outubro de 2005 com o seguinte objetivo estratégico:
Recuperação de Crédito replicar e aperfeiçoar o modelo desenvolvido,
oferecendo soluções de performance diferenciada para todas as faixas de atraso,
agregando soluções inteligentes que auxiliem no enriquecimento e qualificação das
bases de devedores e melhorem a eficiência na utilização integrada de diversos
canais. (RELATÓRIO ANUAL, 2005, p.19).
Na opinião do Diretor de Operações, o surgimento dessa iniciativa emergente foi
facilitado pelo fato de a empresa ser jovem naquela época. Naquele momento ainda não havia
processos bem-estabelecidos e toda novidade era muito bem-recebida, ou, como ilustrado pela
fala do Diretor de Cobrança e Recuperação de Créditos: o momento era receptivo a qualquer
coisa que representasse crescimento”.
89
4.2.4 Fatores Intervenientes
4.2.4.1 Estrutura
À medida que o serviço de Recuperação de Crédito foi sendo implantado no restante
do país, o controle dessa operação passou a ser regional e terminou por ser centralizado na
cidade do Rio de Janeiro, acompanhando também a centralização efetuada pelo cliente
(Entrevista 2).
Concomitantemente, segundo o Diretor de Recuperação de Créditos, a Empresa A
promoveu uma alteração em sua estrutura, passando do modelo por geografia a um modelo
híbrido geografia/serviço, para finalmente, em agosto de 2006, adotar a estrutura por serviços
e criar diretorias específicas. As figuras a seguir representam a evolução da estrutura da
Empresa A.
Figura 7: Estrutura da Empresa A – 2000 a 2003
Fonte: Elaborado pelo autor.
DIRETOR
PRESIDENTE
DIRETOR
OPERAÇÕES
DIRETOR
FINANCEIRO
DIRETOR
...
GERENTE SITE
CEARÁ
GERENTE SITE SÃO
PAULO
GERENTE SITE
...
90
Figura 8: Estrutura da Empresa A – 2003 a agosto/2006
Fonte: Elaborado pelo autor.
Figura 9: Estrutura da Empresa A – Agosto/2006 em diante
Fonte: Elaborado pelo autor.
A evolução da estrutura foi motivada pela necessidade de se estabelecer um ponto de
contato único, e especializado, para os clientes. Geralmente, o ponto de contato nos clientes
para o serviço de Recuperação de Crédito é uma pessoa da área financeira, enquanto que para
os serviços de SAC e Televendas é alguém da área comercial (Entrevista 2).
Então, a estrutura foi evoluindo em direção à especialização por serviços, o que
representou vantagens tais como um único ponto de contato e a especialização e
compartilhamento de soluções em cada serviço. Essa especialização também trouxe consigo o
desafio do compartilhamento de soluções entre os três principais serviços da empresa em
última instância, entre diretorias (Entrevista 1, Entrevista 2).
A evolução da estrutura também representou desafio para as áreas de apoio recursos
humanos, tecnologia da informação, financeiro, etc. que se viram compelidas a acompanhar
DIRETOR
PRESIDENTE
DIRETOR OPERAÇÕES
(SAC)
DIRETOR
COBRANÇA
DIRETOR
TELEVENDAS
GERENTE OPERAÇÕES
GERENTE OPERAÇÕES
GERENTE RELACIONAMENTO
GERENTE RELACIONAMENTO
DIRETOR
PRESID
ENTE
DIRETOR
OPERAÇÕES
DIRETOR
FINANCEIRO
DIRETOR
...
GERENTE SITE
CEAR
Á
GERENTE SITE SÃO
PAULO
GERENTE SITE
...
SAC
Televendas
SAC
Televendas
GERENTE
COBRAN
Ç
A
CEARÁ
SÃO PAULO
...
91
as demandas das novas diretorias. Se anteriormente cada regional tinha uma área de apoio
dedicada, aumentando a rapidez de resposta, nessa nova configuração houve maior demanda
pela utilização de ferramentas de planejamento e processos, justamente para o deixar cair o
padrão de atendimento (Entrevista 1, Entrevista 2, Entrevista 3).
Uma outra conseqüência da mudança de estrutura foi a centralização das decisões
estratégicas. Antes, cada gerente regional tinha grande autonomia e responsabilidade; à
medida que a gestão foi sendo centralizada, inicialmente em regionais e depois na cidade do
Rio de Janeiro, houve uma diminuição dessa autonomia pelo maior controle da matriz
(Entrevista 1, Entrevista 2, Entrevista 3).
4.2.4.2 Coordenação e Processos Organizacionais
No início da operação da Empresa A, baseada na estrutura geográfica, a coordenação
era realizada por meio de reuniões mensais entre o diretor e gerentes regionais. Essas reuniões
serviam para controlar o andamento das operações, mas também para o compartilhamento das
práticas entre as diferentes regiões. Em 2004, ainda sob a estrutura híbrida geografia/serviços,
a empresa sentiu a necessidade de estimular a troca de melhores práticas e criou uma função
de “Gerente de Melhoria Contínua” para esse propósito, a qual, entretanto, foi temporária
(Entrevista 1, Entrevista 2).
Após assumir completamente a configuração por serviços, foram criadas funções para
fomentar o compartilhamento de informações e práticas. Uma dessas funções é chamada de
CIRC e tem por objetivo centralizar a inteligência desenvolvida entre vários clientes. Outra
função é a do Gerente de Relacionamento, que tem por missão ser o ponto de contato de seus
clientes, centralizando informações e trocando experiências com seus colegas. Outra função
de compartilhamento é realizada pelo Grupo de Produtos, preocupado com a sinergia futura
entre diretorias (Entrevista 1, Entrevista 2).
Além dessas funções, a empresa tem feito uso de outra prática que tem contribuído
para a coordenação: a movimentação de pessoas. Os centros de excelência da empresa
unidades de desempenho reconhecidamente superior são chamados para fornecer pessoal
para outras operações. Essa forma de job rotation tem promovido a disseminação de muitas
práticas dentro da empresa (Entrevista 1, Entrevista 4, Entrevista 5).
92
A empresa também teve de realizar alguns ajustes pontuais em suas funções de apoio
para abrigar a estratégia emergente. Por exemplo, a área de TI criou um grupo especializado
de programação para os serviços de Recuperação de Crédito que demandavam conhecimento
dedicado. No RH, os instrutores dos operadores passaram a ter formação específica no
discurso (chamado internamente de speech) utilizado em situações de cobrança. Sob a ótica
financeira, técnicas e análises diferenciadas foram necessárias, como buscar entender o
motivo da inadimplência (Entrevista 1, Entrevista 4, Entrevista 5).
A Empresa A mantém processos estabelecidos, tanto no nível de gestão quanto no
operacional. Para a gestão, foram estabelecidos macroprocessos transversais às diversas áreas
da empresa. as atividades operacionais têm a rotina muito bem delimitada, tanto
automaticamente (pelo discador automático, por exemplo), quanto pelos discursos a serem
utilizados pelos operadores (Entrevista 1, Entrevista 2, Entrevista 5, Diagrama de
Macroprocessos).
Na opinião do Diretor de Cobrança e Recuperação de Créditos, a crescente
formalização dos processos é um fator que dificultaria o surgimento de uma nova estratégia
emergente, como a de Recuperação de Crédito. Além disso, na percepção de alguns
entrevistados (Entrevista 4, Entrevista 5), a gerência média da empresa tem uma visão mais
focada no operacional, ficando difícil perceber as oportunidades de negócio baseadas na
integração e coordenação do conhecimento existente em diversas áreas da empresa.
4.2.4.3 Controle Gerencial
O modelo de controle parece não ter sofrido grandes alterações com a adoção da
estratégia emergente. O controle da gestão continuou sendo realizado sobre o orçamento,
peça-chave da gestão estratégica da Empresa A, mas dava aos gestores liberdade à
experimentação, desde que atendido o desempenho contratado com a empresa (Entrevista 1,
Entrevista 2, Entrevista 5).
Entretanto, no nível operacional, o controle teve de se adequar à estratégia emergente e
acompanhar a crescente especialização. O próprio discador automático passou a fazer parte do
processo, controlando contatos efetuados. Também o controle do desempenho do operador foi
modificado: o formulário passou a exigir do operador a entrada de novos dados e seu
93
desempenho passou a ser verificado contra créditos recuperados, e não mais sobre contatos
realizados (Entrevista 4, Entrevista 5).
4.2.4.4 Sistemas de Incentivo
A empresa utiliza-se de participação nos resultados como sistema de incentivo. No
início da operação da Empresa A, essa não era uma prática geral, mas uma ação pontual
adotada por algumas áreas, geralmente amarrada ao absenteísmo. Esse sistema foi se
desenvolvendo com a empresa, e hoje a participação nos resultados é prática geral, contando
com componentes individuais e coletivos, tanto no nível gerencial quanto no operacional
(Entrevista 1, Entrevista 4, Entrevista 5).
No entanto, o sistema de incentivo no nível gerencial não teve muita influência sobre a
iniciativa emergente e também não sofreu grandes alterações após a mesma. Do vel de
coordenação para cima, manteve-se o padrão da companhia, ou seja, metas amarradas a
objetivos de curto prazo, tendo como base o orçamento aprovado. A única alteração após a
incorporação da estratégia emergente, mas motivada muito mais pela evolução da estrutura,
foi que a participação nos resultados passou a incorporar critérios de disseminação das
melhores práticas entre as unidades e diretorias (Entrevista 1, Entrevista 4, Entrevista 5).
No nível operacional, porém, houve mudança, pois os critérios de participação foram
alterados para a equipe de Recuperação de Crédito. Esses critérios, que no início eram por
contato realizado, passaram a ser por crédito recuperado. O desempenho operacional é
registrado no “Sistema Atitude” e, a partir das notas que recebem, os operadores podem se ver
num ranking geral de classificação de desempenho o principal parâmetro para definição de
premiações e promoções (Entrevista 1, Entrevista 4, Entrevista 5).
4.3 Análise Intracaso – Empresa A
Neste item será analisado internamente o caso da Empresa A. Primeiramente,
entendendo a percepção dos gestores em relação ao ambiente, passando às características do
modelo de planejamento adotado e à estratégia emergente. Depois, buscar-se-á entender como
94
a empresa combinou a estratégia deliberada com a emergente, e, por fim, qual o papel dos
fatores internos no surgimento da estratégia emergente.
Os achados na Empresa A estão resumidos nas variáveis do Quadro 11.
VARIÁVEL EMPRESA A
Ambiente geral (percepção dos gestores) Instável
Componentes instáveis no ambiente
Clientes
Fornecedores de Suprimentos
Novos Requisitos Tecnológicos
Desenvolvimento de Novos Produtos
Maiores forças presentes no ambiente
Clientes e Fornecedores de Suprimentos
(principalmente Recursos Humanos)
Filosofia de formulação estratégica
Direção estratégica guiada por análises sistemáticas
e racionais
Estratégia deliberada
Guarda-chuva: “Crescer no mercado com base em
serviços desenvolvidos em seu principal cliente”
Revisão estratégica NÃO
Característica do surgimento da iniciativa emergente
Fonte interna: processo de comprometimento de
recursos conduzido por um gestor autônomo
Ciclo do Planejamento Estratégico SIM, exceto Aprendizado de Laço Duplo
Ciclo da Criação Contínua da Estratégia SIM
Dissonância Estratégica NÃO
Empreendimento Corporativo Interno SIM
Ajuste do Contexto Estrutural SIM
Ajuste Estrutura SIM
Ajuste Coordenação e Integração SIM
Ajuste Sistema de Controle SIM, em parte
Ajuste Sistema de Incentivos SIM, em parte
Quadro 11: Resumo das variáveis na Empresa A
Fonte: Elaborado pelo autor.
Segue-se uma análise mais detalhada de cada uma das variáveis. Utilizando como dados
de entrada a descrição do ambiente em que opera a Empresa A e a categorização de cada um
dos componentes realizada no item 4.2.1, e tendo como base as dimensões ambientais de
Duncan (1972) apresentadas no Quadro 1, será montada a FIG. 10, a seguir. Sob a ótica de
Miliken (1987), esta figura representa a incerteza de estado.
95
ESTÁTICO
I
II
DINÂMICO
III
IV
SIMPLES COMPLEXO
Figura 10: Incerteza de estado da Empresa A na percepção dos entrevistados
Fonte: Elaborado pelo autor.
Também se pode resumir em um quadro a incerteza percebida pelos entrevistados
segundo a categorização de Miliken (1987):
COMPONENTE
INCERTEZA DE
ESTADO
INCERTEZA DE
EFEITO
INCERTEZA DE
RESPOSTA
Clientes MÉDIA NÃO NÃO
Fornecedores de equipamentos NÃO NÃO NÃO
Fornecedores de suprimentos ALTA NÃO NÃO
Competidores por clientes NÃO NÃO NÃO
Competidores por fornecedores NÃO NÃO SIM
Controle regulatório NÃO SIM/NÃO SIM/NÃO
Sindicatos NÃO NÃO NÃO
Novos requisitos tecnológicos ALTA NÃO NÃO
Desenvolvimento de novos produtos ALTA NÃO NÃO
Quadro 12: Incerteza da Empresa A na percepção dos entrevistados, segundo Miliken (1987)
Fonte: Elaborado pelo autor.
Analisando as figuras anteriores, entende-se que a percepção de dinamismo do
ambiente em que opera a Empresa A, consenso entre todos os entrevistados, era determinada
pela incerteza de estado em quatro fatores clientes, fornecedores de suprimentos
(especialmente de recursos humanos), novos requisitos tecnológicos e desenvolvimento de
Fornecedores de Equipamentos
Competidores por Clientes
Competidores por Fornecedores
Controle Regulatório
Sindicatos
Fornecedores de
Suprimentos
Clientes
Novos Requisitos
Tecnológicos
Desenvolvimento de
Novos Produtos
96
novos produtos. Essa percepção era agravada pela incerteza do efeito das mudanças no
controle regulatório sobre a empresa e pela incerteza de resposta aos competidores por
fornecedores e às possíveis mudanças no controle regulatório (manifestada por parte dos
entrevistados).
Aprofundando este estudo, observou-se que havia um entendimento de que as maiores
forças presentes no setor (PORTER, 1990) da Empresa A eram os clientes e fornecedores de
suprimentos, especialmente de recursos humanos. Esses dois elos representavam incerteza
para a empresa, sendo que para os clientes havia baixa complexidade e média incerteza,
enquanto que para os fornecedores havia alta incerteza e média complexidade.
Se for cruzada essa informação com a proposição de Liedtka (1985), ilustrada no
Quadro 2, verifica-se que os clientes estão entre os quadrantes I e III e os fornecedores entre
os quadrantes III e IV. Pode-se, então, compreender por que o processo de planejamento da
Empresa A conjugava características das organizações nos quadrantes I e III, segundo Liedtka
(1985): um processo mínimo, centralizado, pouco abrangente, reativo e direcionado ao
controle interno de curto prazo.
Esse processo de formação da estratégia deliberada pode ser classificado segundo as
tipologias aqui estudadas como Planejamento (MINTZBERG, 1973), Cultural (BURGEOIS;
BRODWIN, 1984), Sistemática (ANSOFF, 1987), Racional (HART, 1992), ou Clássica /
Sistêmica (WHITTINGTON, 2002), ou seja, de direção estratégica guiada por análises
sistemáticas e racionais, ainda que não em grande profundidade. Nesse processo, a empresa
procurava envolver os gestores em um esforço coletivo, buscando facilitar seu processo de
implementação (HAMBRICK; CANNELLA, 1989; FLOYD; WOOLDRIDGE, 1992;
HUNGER; WHEELEN, 2002; GUTTMAN; HAWKES, 2004).
O fato de o ambiente instável e incerto em que operava a Empresa A ter-lhe imposto
um processo de planejamento mínimo em termos de formalização ajudou a evitar que os
gestores se vissem dominados pelo processo estratégico como um fim em si mesmo. Isso,
conjugado com a grande autonomia que era delegada às regionais, permitiu à Empresa A
evitar muitas das armadilhas do processo deliberado de formulação (MINTZBERG, 1978;
WILSON, 1994: MINTZBERG, 2004).
Definidas as diretrizes, a implementação estratégica da Empresa A passava ao
detalhamento do orçamento, o qual, depois de finalizado, era desdobrado em metas
específicas para cada área. Essas metas alimentavam o sistema de gestão, verificado
mensalmente e acompanhado de medidas corretivas, caso necessário. Esse modelo é
97
defendido por rios autores, tais como Hax e Mailuf (1991); Hunger e Wheelen (2002);,
Bossidy e Charan (2003) e Allio (2005).
Observou-se, ainda, que a Empresa A perseguia uma estratégia deliberada genérica em
seu início de operação: “(...) crescer no mercado com base em serviços desenvolvidos com
seu principal cliente”, isto é, um tipo de estratégia guarda-chuva que abria espaço ao
surgimento de novas iniciativas.
Entretanto, não foram percebidos indícios de que houvesse uma análise crítica das
próprias diretrizes estratégicas em caso de divergências entre resultados reais e esperados, de
modo a fomentar a revisão estratégica e o aprendizado organizacional, como defendido por
Goold e Quinn (1994); Bossidy e Charan (2003); Mariotto (2003) e Hrebiniak (2005). O foco,
então, estava na correção de desvios.
A iniciativa emergente de Recuperação de Crédito da Empresa A foi resultado de
decisões que evoluíram de forma incremental e, por que não dizer, intuitiva (LINDBLOM,
1959; QUINN, 1978). A interação do gestor da Empresa A com seu ambiente,
especificamente com o seu principal cliente (MINTZBERG, 1978), aliada à ampla autonomia
com que contava (BURGELMAN, 1983a; WEST, 2000), foi a “pedra angular” de uma
iniciativa que comprometia recursos em um processo econômico e tecnológico (ARAÚJO;
EASTON, 1996). Essa responsabilidade e autonomia dadas ao gestor inibiram a falácia da
predeterminação e do desligamento (MINTZBERG, 2004). A autonomia também elevou o
papel do gestor regional a um nível superior, estimulando a inovação e o comprometimento
com ações futuras (LOASBY, 1967).
Ao identificar o potencial da iniciativa emergente, a Empresa A procurou estabelecer
um plano de negócios com apoio de consultoria externa antes de assumir o compromisso
definitivo de investir em equipamentos e infra-estrutura física. Essa é, segundo Quinn (1978),
uma maneira de evitar comprometimentos precoces, tornando possíveis futuras revisões.
Além disso, as ferramentas analíticas, utilizadas no plano de negócios, vieram após a
aprovação da iniciativa, não antes (BOSSIDY; CHARAN, 2003).
Ao se analisar o caso da iniciativa emergente na Empresa A, foi possível verificar
empiricamente o funcionamento do modelo semelhante ao proposto por Mariotto (2003)
representado na FIG. 8, ainda que com ressalvas.
Na parte de cima da figura, aquilo que Mariotto (2003) chama de “planejamento
estratégico”, percebe-se que as atividades do eixo avaliação do mercado estratégia
intencionada – ações planejadas – resultados reais” eram realizadas integralmente pela
Empresa A, bem como o aprendizado de laço simples, ou seja, análise de desempenho e ações
98
corretivas, em caso de desvio do planejado. Entretanto, não se verificou a prática do
aprendizado de laço duplo, em que a estratégia intencionada é reavaliada a partir do
desempenho real.
Em relação à parte inferior da figura, ou a criação contínua da estratégia”, observa-se
que a iniciativa foi uma ação surgida sob uma definição mais ampla de visão, não planejada,
fomentada a partir da interação do gestor da regional com seu mercado. Essa iniciativa, tendo
demonstrado sua viabilidade, foi abarcada no planejamento como uma estratégia emergente.
Percebe-se também que o espaço para o nascimento da iniciativa se abriu em função do
momento da empresa, jovem e aceitando “tudo o que representasse crescimento”.
A partir da operação vitoriosa da iniciativa emergente, o desafio passou ao ajuste do
contexto estrutural (BURGELMAN, 1983a) da empresa, para acomodar a agora estratégia
emergente. Esse processo se deu, no caso da Empresa A, pela média gerência, que forneceu à
alta administração oportunidade de abarcar, retroativamente, o comportamento estratégico
autônomo (BURGELMAN, 1983a). Somente após a definição da estratégia emergente é que
foram ajustadas as divergências que ela impunha a alguns dos fatores do contexto estrutural,
especialmente à estrutura da empresa. Ou seja, não se percebeu a manipulação dos
mecanismos administrativos de forma a fomentar estratégias emergentes, mas para acomodá-
las após o seu surgimento.
Também a partir dos dados é possível afirmar que a estrutura da Empresa A foi se
especializando cada vez mais à medida que se desenvolvia no mercado. No início de sua
operação, o foco no cliente era a estratégia-chave, demandando uma estrutura descentralizada
com foco no objeto da estratégia, com o mínimo de suporte necessário à sua operação
(GALBRAITH, 2002; HREBINIAK, 2005). Por ser descentralizada, era uma estrutura que
gerava desempenho superior em ambiente instável (ANDERSEN, 2004), permitindo respostas
rápidas às necessidades de seu mercado e minimizando problemas de coordenação dentro de
cada regional (HREBINIAK, 2005). Entretanto, cabe notar a ocorrência de desafios de
coordenação entre regionais. Ressalva deve ser feita ao fato de que a descentralização era
também filosofia de sua controladora, também sua principal cliente.
À medida que foi crescendo, a Empresa A passou paulatinamente a adotar uma
estrutura de serviços que permitiu a especialização e o conseqüente incremento no
compartilhamento de informações dentro de cada área (serviços), além do estabelecimento de
um ponto único de contato técnico para o cliente (GALBRAITH, 2002).
Entretanto, essa estrutura trouxe o desafio de atender bem ao cliente que comprava
mais de um produto da Empresa A, levando-a a estabelecer uma estrutura híbrida front-back
99
ao criar a posição de gerente de relacionamento. Na parte front estava o gerente de
relacionamento, com a função de ser o único ponto de contato com o cliente, encaminhando
as demandas à parte “back”, uma organização estruturada por serviços (GALBRAITH, 2002).
Como citado, a evolução da Empresa A foi acompanhada por um incremento das
dificuldades de coordenação e compartilhamento de informações. Na época do surgimento da
iniciativa emergente, a estrutura regionalizada facilitava tanto a coordenação quanto o
compartilhamento de informações dentro de cada regional, tendo a iniciativa emergente se
beneficiado disso (GHOSHAL; GRATTON, 2002). Essa organização dificultava o
compartilhamento de informações com outras unidades da empresa no território nacional,
apesar da padronização da infra-estrutura tecnológica (GHOSHAL; GRATTON, 2002), o que
foi parcialmente resolvida pela criação de um mecanismo de coordenação com reuniões
mensais entre gerentes regionais.
Pode-se identificar nessa forma de organização uma forma interdependência recíproca
(HREBINIAK, 2005), pois a Empresa A deveria mostrar aos clientes, muitos deles com
operações em todo o Brasil, um padrão único de operação. Não era adequado que o mesmo
cliente fosse atendido por um padrão de operações no Ceará e outro em Minas Gerais. Essa
interdependência, como preconizado por Hrebiniak (2005), demandou altos níveis de
cooperação e coordenação, e o instrumento para isso foi, em geral, a comunicação face a face.
Com a evolução para uma estrutura por produto e centralizada, os desafios de
coordenação e compartilhamento de informações persistiram, porém agora entre diretorias, e
não tanto entre regionais. Como foi visto, a empresa procurou tratar desse desafio criando
funções específicas para integração e formalizando processos laterais (GALBRAITH, 2002).
Quanto aos sistemas de controle, pode-se afirmar que estes eram delimitados, em
primeira instância, pela estrutura geográfica adotada pela Empresa A, a qual estabelecia uma
fronteira delimitadora da ação dos gestores cada um tinha poderes na região previamente
delimitada (SIMONS, 1995).
Por outro lado, o controle da execução do orçamento realizado por meio de
indicadores que, comparados com o planejado, davam origem a estudos e, em caso de desvio,
a planos de ação – fornecia retorno sobre o desempenho e um mecanismo de correção
(ANTHONY; GOVINDARAJAN, 2000; HREBINIAK, 2005). A mesma filosofia se aplica
aos controles operacionais. Entretanto, não se percebe o ajuste do contexto estrutural do
sistema de controle gerencial, alinhando-o à estratégia emergente.
Com relação ao sistema de incentivos, observa-se que a Empresa A utilizava-se de
incentivos utilitários com valor extrínseco, ou seja, participação nos resultados. Essa
100
participação nos resultados tinha uma componente individual e outra coletiva. Na visão de
Hrebiniak (2005), esse é um bom modelo de incentivo por várias razões: está conectado a
objetivos de curto prazo que derivam da estratégia; recompensa desempenho contra objetivos
concordados, é mensurável e facilita a contabilidade. Além disso, não reflete situações do tipo
tudo ou nada, que, se a empresa atingiu a sua meta, pelo menos a parte coletiva estará
garantida. Entretanto, não se percebeu no modelo uma solução que recompensasse
profissionais de alto desempenho, mas se observou o propósito de reforçar o comportamento
cooperativo (HREBINIAK, 2005).
O sistema de incentivo gerencial era orientado a curto prazo, sobre o orçamento
estabelecido, e não era utilizado para que a empresa sinalizasse o que considerava importante
no futuro (STONICH, 1981).
o sistema de incentivo operacional evoluiu mais próximo da estratégia emergente.
No início, o incentivo era um mecanismo para redução de absenteísmo, ou seja, uma maneira
de encorajar os colaboradores a trabalharem da maneira esperada pela empresa, mantendo a
assiduidade e pontualidade (ANTHONY; GOVINDARAJAN, 2000), mas ele foi depois
modificado para incluir metas relacionadas à Recuperação de Crédito, e incluiu o mecanismo
de “curva forçada”, destinado a reconhecer pessoas de alto desempenho (HREBINIAK,
2005).
Como se pôde averiguar, a Empresa A é uma empresa jovem, em processo de
formação de seu modelo organizacional. É uma organização que opera em um ambiente
instável, fazendo uso de um processo de planejamento mínimo, o que deu espaço para que
uma iniciativa emergisse em uma de suas regionais. Ao reconhecer o potencial da iniciativa, a
empresa passou a alterar seus mecanismos administrativos para permitir que a iniciativa
ganhasse corpo e, finalmente, fosse incorporada ao planejamento formal da empresa. Esse
processo foi bem diferente na Empresa B, como veremos a seguir.
4.4 Caso Empresa B
A Empresa B é uma empresa brasileira líder mundial na produção de celulose
branqueada de eucalipto. Responde por cerca de 30% da oferta global do produto, destinado à
fabricação de papéis de imprimir e escrever, papéis sanitários e papéis especiais de alto valor
agregado.
101
Suas operações florestais alcançam quatro estados do Brasil, com aproximadamente
263 mil hectares de plantios renováveis de eucalipto, intercalados com cerca de 140 mil
hectares de reservas nativas, fundamentais para assegurar o equilíbrio do ecossistema.
Sua capacidade nominal de produção, de cerca de 3 milhões de toneladas anuais de
celulose branqueada de fibra curta de eucalipto, está distribuída por três unidades industriais.
Em uma das unidades, opera um complexo industrial constituído de três fábricas de celulose,
totalmente integrado aos plantios e a um porto privativo especializado, por meio do qual
exporta quase toda a produção de 2,1 milhões de toneladas anuais. O controle ambiental das
fábricas é assegurado por modernos sistemas de tratamento de emissões, efluentes e resíduos
sólidos.
Em outra unidade, opera uma fábrica com capacidade nominal de 430 mil toneladas
anuais de celulose, igualmente dotada de avançados recursos de proteção ambiental. Parte
desse volume é direcionado à produção de papel para imprimir e escrever para o mercado
doméstico.
Um terceiro complexo fabril, com capacidade nominal de 900 mil toneladas anuais de
celulose, é operado em parceria com um grupo sueco-finlandês.
O controle acionário da Empresa B é exercido por três grupos brasileiros e pelo Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e suas ações preferenciais (56%
do capital) são negociadas nas Bolsas de Valores de São Paulo (Bovespa), Madri (Latibex) e
Nova York (NYSE).
A Empresa B integra o Índice Dow Jones de Sustentabilidade (DJSI World) 2007, que
destaca as melhores práticas em sustentabilidade corporativa no mundo. Na Bovespa, inclui-
se entre as 28 empresas que compõem o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE).
4.4.1 O ambiente organizacional
A pesquisa na Empresa B iniciou-se com a obtenção da percepção dos entrevistados
em relação ao ambiente em que a companhia operava quando do surgimento da estratégia
emergente. Excetuando-se o gestor comercial, os entrevistados entendem que o ambiente
geral era estável.
Para os gestores entrevistados, os clientes da Empresa B eram poucos, similares entre
si, e apresentavam uma média taxa de mudança. Essas características definem esse
102
componente como simples, posicionando-se entre estático e dinâmico (ver Quadro 1, entre
quadrantes I e III). Para eles, os efeitos dessas mudanças sobre a Empresa B eram
desconhecidos, assim como as opções de resposta disponíveis à empresa, configurando um
ambiente de incerteza de efeito e de resposta (Entrevista 6, Entrevista 7, Entrevista 8,
Entrevista 9, Entrevista 10, Entrevista 11).
Os fornecedores de equipamentos eram poucos e similares entre si, com uma média
taxa de mudança. Essas características definem esse componente como simples,
posicionando-se entre estático e dinâmico (ver Quadro 1, entre os quadrantes I e III). Os
gestores também acreditavam que os efeitos das mudanças e as opções de resposta da empresa
eram bem conhecidos, não havendo incerteza de efeito ou de resposta (Entrevista 6, Entrevista
7, Entrevista 8, Entrevista 9, Entrevista 10, Entrevista 11).
os fornecedores de suprimentos eram muitos e apresentavam pouca similaridade,
com uma média taxa de mudança. Isso caracteriza esse componente como complexo,
posicionando-se entre estático e dinâmico (ver Quadro 1, entre os quadrantes II e IV). Os
gestores percebem que os efeitos dessas mudanças sobre a Empresa B eram conhecidos, bem
como as opções de resposta disponíveis, ou seja, não havia incerteza de efeito ou de resposta
(Entrevista 6, Entrevista 7, Entrevista 8, Entrevista 9, Entrevista 10, Entrevista 11).
Os competidores por clientes da Empresa B eram poucos, muito similares entre si, e
apresentaram baixa taxa de mudança. Esse componente é então caracterizado como simples e
estático (ver Quadro 1, quadrante I). Os efeitos dessas mudanças sobre a empresa eram
conhecidos ainda que, no entendimento dos gestores, pudesse haver surpresa nas opções de
resposta, ou seja, não havia incerteza de efeito, mas havia incerteza de resposta (Entrevista 6,
Entrevista 7, Entrevista 8, Entrevista 9, Entrevista 10, Entrevista 11).
Os competidores por fornecedores de equipamentos e suprimentos eram muitos, com
alto grau de similaridade entre si, mas com baixa taxa de mudança. Esse componente é
caracterizado como estático, entre simples e complexo (ver Quadro 1, entre os quadrantes I e
II). Já que a dimensão estático-dinâmica é mais importante para a incerteza do que a dimensão
simples-complexa, pode-se afirmar que não incerteza de estado nesse componente. Na
visão dos gestores da Empresa B, os efeitos sobre a empresa eram conhecidos, assim como as
opções de resposta, não havendo então incerteza de efeito ou de resposta (Entrevista 6,
Entrevista 7, Entrevista 8, Entrevista 9, Entrevista 10, Entrevista 11).
os competidores por fornecedores de recursos humanos eram muitos, com pouca
similaridade e baixa taxa de mudança, o que freqüentemente trazia surpresas à empresa, ou
seja, trata-se de um componente complexo, entre estático e dinâmico (ver Quadro 1, entre os
103
quadrantes II e IV). Segundo um dos entrevistados, era comum perder especialistas para
competidores e para fornecedores de equipamentos. Havia incerteza de efeito e resposta nesse
componente (Entrevista 6, Entrevista 7, Entrevista 8, Entrevista 9, Entrevista 10,
Entrevista 11).
Sempre houve muito controle regulatório governamental sobre a indústria, em todas
as esferas municipal, estadual e federal. Havia também muito controle colocado por
intermédio de certificações ambientais e de qualidade. A atitude política pública fazia com
que esse contexto sofresse alterações freqüentes, trazendo, com freqüência, surpresas para a
Empresa B. Trata-se, portanto, de um componente complexo e dinâmico (ver Quadro 1,
quadrante IV). Também havia incerteza de efeito e resposta sobre esse componente
(Entrevista 6, Entrevista 7, Entrevista 8, Entrevista 9, Entrevista 10, Entrevista 11).
No entendimento dos entrevistados, eram poucos os sindicatos com os quais a
Empresa B mantinha relacionamento, com similaridade nas demandas que colocavam à
empresa, demandas essas que mudavam pouco ao longo do tempo.. Essas características
definem o componente como simples e estático (ver Quadro 1, quadrante I). De modo geral o
efeito dessas mudanças sobre a empresa era conhecido, bem como as opções de resposta, sem
incertezas de efeito ou de resposta (Entrevista 6, Entrevista 7, Entrevista 8, Entrevista 9,
Entrevista 10, Entrevista 11).
Novos requisitos tecnológicos sobre a indústria eram relativamente freqüentes,
apresentando uma média taxa de mudança. Ou seja, trata-se de um componente complexo,
entre estático e dinâmico (ver Quadro 1, entre os quadrantes II e IV). Na opinião dos
entrevistados, também aqui as mudanças de contexto podiam trazer surpresas à Empresa B, ou
seja, o componente apresenta incerteza de efeito e resposta (Entrevista 6, Entrevista 7,
Entrevista 8, Entrevista 9, Entrevista 10, Entrevista 11).
Segundo os entrevistados, melhorias nos produtos advinham de avanços tecnológicos
na indústria, o que também era relativamente freqüente. É um componente complexo, entre
estático e dinâmico (ver Quadro 1, entre os quadrantes II e IV). Os gestores acreditavam,
entretanto, que a Empresa B monitorava satisfatoriamente esse aspecto e conhecia seus efeitos
e as opções de resposta disponíveis, ou seja, não havia incerteza de efeito ou resposta
(Entrevista 6, Entrevista 7, Entrevista 8, Entrevista 9, Entrevista 10, Entrevista 11).
Assim, a impressão geral de que a Empresa B opera em ambiente estável não é
corroborada pela incerteza em relação aos fatores Clientes, Fornecedores de equipamentos,
Fornecedores de suprimentos, Competidores por clientes, Competidores por fornecedores
104
(RH), Controle regulatório, Novos requisitos tecnológicos, Desenvolvimento de novos
produtos. O desdobramento desse fato é importante e será apresentado mais adiante.
4.4.2 Processo deliberado de formulação estratégica e modelo de gestão
O processo de formulação estratégica da Empresa B não era estruturado quando do
surgimento da estratégia emergente. Para ela, a estratégia era mais um resultado da visão dos
principais executivos do que de análises sistemáticas e racionais. A alta administração
realizava continuamente uma revisão dos fundamentos do mapa estratégico, eventualmente
redefinindo os objetivos estratégicos que nele figuram. Essa parte do processo foi mais
formal e sistemática, mas com o tempo a empresa tornou-se resistente a isso (Entrevista 7,
Entrevista 11).
Ainda era formal a revisão anual do mapa estratégico, realizada pela diretoria e pelos
chamados gerentes de interface (primeiro nível abaixo da diretoria). Essa revisão tinha o
intuito de analisar o desempenho de curto prazo com base no mapa estratégico, revalidar os
objetivos e desdobrá-los em indicadores gerenciais e operacionais (Entrevista 7, Entrevista 8,
Entrevista 11).
Os objetivos estratégicos eram desdobrados em metas com indicadores gerenciais, os
quais, por fim, desdobravam-se em indicadores operacionais. Definidos os objetivos e seus
indicadores, as gerências da empresa passavam à elaboração do planejamento operacional,
cuja peça mais importante é o orçamento. O processo de negociação do orçamento era
intenso, pois cada área precisava provar a viabilidade dos projetos para os quais pedia
recursos, cabendo a decisão final à alta administração. O orçamento era finalizado pela área
de planejamento com suporte das demais áreas da empresa (Entrevista 7, Entrevista 11).
A execução da estratégia era acompanhada por freqüentes reuniões, nas quais se
verificava o realizado frente ao previsto nos indicadores e no orçamento. Em caso de desvios,
eram abertos relatórios de não conformidade, os quais necessariamente desembocavam em
um plano de ação (Entrevista 7, Entrevista 8, Entrevista 11).
O mapa estratégico da empresa apresentava três estratégicas genéricas, sendo a
excelência operacional a maior delas. As demais eram diferenciação e intimidade com o
cliente. Entretanto, na opinião dos entrevistados, a excelência operacional preponderava no
mapa e em muito mais. Por exemplo, para os coordenadores de produção da empresa, falar
105
em produção na capacidade nominal da fábrica era atípico, pois eles estavam acostumados a
operar a fábrica sempre acima do nominal, buscando ganho de escala e a conseqüente redução
de custos (Mapa Estratégico de 31/10/2003; Entrevista 8).
Segundo o website da Empresa B, os seguintes projetos contínuos implementam sua
estratégia: Economias de escala a partir de novos aumentos de capacidade; Melhorias em
tecnologia florestal usando técnicas de melhoramento genético avançadas, tendo em vista
aumentos contínuos da produtividade florestal; Otimização de logística de transporte;
Otimização de procedimentos administrativos com o suporte de tecnologias de última geração
visando aumentar a eficiência e reduzir custos e Aumento de competitividade pelo aumento
das operações de celulose por meio de aquisições ou expansão da capacidade existente.
4.4.3 A estratégia emergente
Segundo o Relatório Anual (2003), o início das operações da Empresa B, na década de
1970, representou um diferencial para o mercado de celulose, motivado pelo uso do eucalipto
como matéria-prima. Essa diferenciação perdurou até que os concorrentes também passassem
a produzir a partir do eucalipto, quando, então, a competitividade das empresas passou a ser
determinada por escalas de produção cada vez maiores.
Até os anos 90, não houve grandes mudanças na orientação de aumentar a
competitividade pelo aumento de capacidade e redução de custos. O mercado para a celulose
de eucalipto era pulverizado e a Empresa B contava com cerca de trezentos clientes cujo foco
estava em preço, logística e qualidade da polpa de celulose. Isso garantido, não havia maiores
surpresas. Os clientes da Empresa B competiam entre si e diferenciavam seus produtos por
meio da tecnologia que empregavam. Isso significa que a demanda para a empresa B era
sempre de um mesmo tipo de produto – a diferenciação ocorria à jusante na cadeia de valor da
indústria (Entrevista 6).
Entretanto, segundo o Gerente Comercial, essa situação começou a mudar no final dos
anos 90. Por um lado, as empresas produtoras de papel consolidaram-se, passando a adquirir
maiores volumes de celulose e aumentando seu poder de barganha. Passaram também a adotar
a filosofia de fornecedor único. Por outro, a Empresa B passou a firmar contratos de maiores
volumes e longo prazo (de 3 a 7 anos), buscando garantir seu mercado e reduzir custos. Isto,
106
na opinião de um dos entrevistados, fez com que a competição nessa indústria passasse a ser
realizada “entre cadeias de valor, e não mais entre empresas singulares” (Entrevista 6).
Essa política trouxe conseqüências inesperadas à Empresa B. Por um lado, os
produtores de papel passaram a “depender” da empresa, pois não tinham alternativas no
mercado para o volume que compravam. Por outro lado, o aumento da competição na ponta
do consumo obrigou os produtores de papel a investir em novos produtos, os quais passaram a
solicitar à Empresa B modificações na polpa de celulose que lhes permitiriam diferenciar seus
produtos. Ou seja, toda a cadeia de valor foi levada em direção à estratégia de diferenciação e
a relação passou a ser comandada pelos centros de pesquisa das empresas envolvidas, com
intensa troca de informações técnicas confidenciais (Entrevista 6, Entrevista 7, Entrevista 8).
A Empresa B, ao firmar contrato de longo prazo com seus clientes, não imaginava
que, por força do mercado consumidor, seria levada em direção de certa forma oposta à sua
estratégia. A iniciativa emergente de diferenciação tomou corpo e hoje na empresa cinco
linhas que produzem cerca de 25 diferentes tipos de celuloses muito diferentes entre si
(Entrevista 6, Entrevista 8).
Portanto, a Empresa B se diante de um dilema: manter sua estratégia de
crescimento baseada em excelência operacional, que lhe permite otimizar custos; ou atender a
seus clientes com produtos diferenciados, minando o diferencial competitivo de baixo custo.
Segundo o Gerente Comercial, uma evidente dificuldade em assumir os custos adicionais
trazidos pela diferenciação (maior nível de estoques, maior freqüência de troca de produtos na
linha de produção, etc.), justificando-os “simplesmente” pela fidelização do cliente, que
somente em alguns poucos casos o cliente consente em assumir parte ou todo o custo
marginal. Esse conflito transparece de modo mais forte no relacionamento entre as áreas que
estão em contato mais estreito com o cliente, como o Centro de Pesquisas e a área Comercial,
e as demais áreas da empresa, especialmente a área Industrial (Entrevista 6, Entrevista 7,
Entrevista 8, Entrevista 11).
107
4.4.4 Fatores intervenientes
4.4.4.1 Estrutura
Algumas poucas mudanças foram incorporadas à estrutura desde o surgimento da
iniciativa emergente de diferenciação, a maioria delas relacionada aos pontos de contato com
o cliente. A área comercial criou a posição de account manager, responsável por ligar o
cliente com as áreas de vendas, logística e técnica, sendo a ponte para o atendimento de
demandas e resolução de problemas. O centro de pesquisa passou a ter gerentes de produto e
pesquisadores dedicados a determinados clientes, necessário para preservar a
confidencialidade das informações (Entrevista 6, Entrevista 7).
Entretanto, na opinião de um dos entrevistados, será necessária uma mudança de
estrutura de grande porte em um futuro próximo. Para ele, sem essa mudança será difícil
acomodar as estratégias de diferenciação e excelência operacional na Empresa B (Entrevista
6, Entrevista 7).
4.4.4.2 Coordenação e Processos Organizacionais
Antes do surgimento da estratégia emergente, a demanda dos clientes entrava por
vários pontos na estrutura da empresa, tais como a produção, o centro de pesquisas e a área
comercial. Isso geralmente criava problemas de coordenação e conseqüente demora nas
respostas ao cliente. Para melhorar esse ponto, a Empresa B decidiu instituir o chamado
“Comitê de Satisfação”, que tinha por objetivo encaminhar internamente as demandas do
cliente (Entrevista 6, Entrevista 8).
Após o aparecimento da estratégia emergente e de seus desafios de coordenação, foi
estabelecido o chamado Comitê DC/DO, formado pelos diretores e gerentes das diretorias
comercial e de operações da empresa. Esse comitê tem por missão encaminhar as questões de
rotina que advêm do conflito entre diferenciação e excelência operacional. Entretanto, com o
aumento das demandas dos clientes, confiar somente nesse método de coordenação mostrou-
se impraticável (Entrevista 6, Entrevista 7, Entrevista 8, Entrevista 10).
108
Assim, segundo os entrevistados, a empresa criou em 2004 o Comitê Processo
Produto (CPP). O CPP é composto por gerentes e coordenadores da Empresa B (excetuando-
se os diretores e gerentes de interface), representantes do Centro de Pesquisa, da Produção, da
Florestal, da Logística, de Suprimentos e da Comercial. O comitê passou a compartilhar a
decisão, convocando o comitê DC/DO em caso de impasses (comuns nas decisões que
envolvem aumento de custo). O CPP tem liberdade, inclusive, para sugerir mudanças em
processos da empresa, o que, porém, deve ser ratificado pelos gerentes de interface e,
eventualmente, pela diretoria (Entrevista 8, Entrevista 10).
Os gestores da empresa entendem que as dificuldades “diferenciação versus excelência
operacional” diminuíram com a criação do comitê, mas não desapareceram por completo. Por
exemplo, é comum que a área técnica queira realizar um teste com um novo produto para
determinado cliente, o qual entra em conflito com as atividades da logística, que precisa
assegurar o embarque e a entrega do produto já em linha de produção (Entrevista 6, Entrevista
7, Entrevista 8).
Outra melhoria diz respeito ao compartilhamento de informações. Segundo os
entrevistados, a informação, que antes era confinada a departamentos dentro da empresa,
passou a ser gerenciada por um sistema de gestão do conhecimento. O CPP utiliza-se de apoio
de uma página na Intranet, à qual todos os que têm acesso podem verificar quais produtos
estão em desenvolvimento, as fases desse processo, e o status das aprovações. Segundo um
dos entrevistados, esse modelo fez com que as questões passassem a ser discutidas em nível
mais profissional e menos dependente das relações pessoais (Entrevista 6, Entrevista 8,
Entrevista 10).
Outro fórum criado para compartilhamento de informações foi a Sales Conference”,
ocasião em que se reúnem os vários departamentos da empresa, sob coordenação da área
comercial, para discutir tendências no mercado de celulose (Entrevista 6). Do mesmo modo, o
Protec, seminário da área de tecnologia, permite a toda empresa conhecer os avanços
tecnológicos promovidos (Entrevista 7).
A Empresa B faz uso de muitos processos formalizados: normas, procedimentos e
instruções de trabalho. No nível gerencial, macroprocessos detalhados, em
funcionamento, ainda que, para alguns gestores, de modo incipiente e informal. Para os
gestores entrevistados, o foco de todos esses processos está na excelência operacional
(Diagrama de Macroprocessos; Entrevista 10).
109
4.4.4.3 Controle Gerencial
O sistema de controle, baseado principalmente no orçamento, era todo dedicado à
busca da excelência operacional, e não mudou desde o surgimento da estratégia de
diferenciação. Freqüentemente, havia conflito entre o que é demandado pelo cliente e esse
sistema de controle, visto que não havia diretrizes que permitissem acomodar a diferenciação
sob a estratégia de excelência operacional, como no caso de testes de novos produtos na linha
de produção. Até hoje, essas situações são, vez por outra, contornadas com uma autorização
de desvio nos controles fornecida pela alta administração (Entrevista 6, Entrevista 7,
Entrevista 8, Entrevista 11).
4.4.4.4 Sistemas de Incentivo
Segundo a Coordenadora de Recursos Humanos, o sistema de incentivo adotado para
todos os colaboradores da Empresa B, chamado de GPR, era estabelecido sobre indicadores
de curto prazo com foco: (1) na execução orçamentária, (2) na gestão operacional, (3) na
melhoria contínua e (4) no autocontrole. Para os entrevistados, tais indicadores reconheciam
somente a excelência operacional, estando a redução de custos sob os holofotes. Uma parte da
remuneração variável do grupo gerencial vinha na forma de ações da empresa, iniciativa que
busca, principalmente, a retenção desses profissionais. As metas focavam o curto prazo e não
faziam distinção de colaboradores com alto desempenho.
A Empresa B modificou algumas métricas para poder acomodar a estratégia de
diferenciação, mas não de forma geral. Por exemplo, em casos de testes de novos produtos na
linha de produção, indicadores orientados à excelência operacional entram em situação de
desvio, ou seja, permitem-se variações no desempenho para tornar possível o teste
operacional. Mas o oposto também ocorre: o centro de pesquisas tem um indicador, com
grande peso na avaliação final, de novos projetos de tecnologia aprovados. Entretanto, essa
meta não tem correspondente na produção, cujos indicadores têm forte foco em redução de
custos (Entrevista 9).
110
Assim, na visão dos entrevistados, os sistemas de incentivo ainda precisam alinhar-se
à estratégia de diferenciação, o que, entretanto, só será factível depois de resolvidas as
questões de estrutura e controle (Entrevista 6, Entrevista 7, Entrevista 9).
4.5 Análise Intracaso – Empresa B
Nesse item será analisado internamente o caso da Empresa B, buscando entender
como a empresa combinou a estratégia emergente com a deliberada. Primeiramente,
compreendendo a percepção dos gestores em relação ao ambiente, passando às características
do modelo de planejamento adotado e à estratégia emergente. Depois, buscar-se-á entender
como a empresa combinou a estratégia deliberada com a emergente, e, por fim, qual o papel
dos fatores internos no surgimento da estratégia emergente.
Os achados na Empresa A estão resumidos nas variáveis do Quadro 13.
111
VARIÁVEL EMPRESA B
Ambiente geral (percepção dos gestores) Estável
Componentes instáveis no ambiente
Clientes
Fornecedores de equipamentos
Fornecedores de suprimentos
Competidores por clientes
Competidores por fornecedores (RH)
Controle regulatório
Novos requisitos tecnológicos
Desenvolvimento de novos produtos
Maiores forças presentes no ambiente
Clientes
Fornecedores de equipamentos
Filosofia de formulação estratégica
Direção estratégica determinada pela visão dos
principais executivos
Estratégia deliberada Genérica: “Excelência operacional”
Revisão estratégica NÃO
Característica do surgimento da iniciativa emergente
Fonte externa: natureza do relacionamento de troca
com clientes com alto poder de barganha
Ciclo do Planejamento Estratégico SIM, exceto Aprendizado de Laço Duplo
Ciclo da Criação Contínua da Estratégia SIM
Dissonância Estratégica SIM
Empreendimento Corporativo Interno NÃO
Ajuste do Contexto Estrutural NÃO
Ajuste Estrutura NÃO
Ajuste Coordenação e Integração SIM, em parte
Ajuste Sistema de Controle NÃO
Ajuste Sistema de Incentivos NÃO
Quadro 13: Resumo das variáveis na Empresa B
Fonte: Elaborado pelo autor.
Segue-se uma análise mais detalhada de cada uma das variáveis. Tomando por base a
descrição do ambiente em que opera a Empresa B e a categorização de cada um dos
componentes realizada no item 4.4.1 e relacionando-as às dimensões ambientais de Duncan
(1972), apresentadas no Quadro 1, encontramos a FIG.11, a seguir, que, segundo a ótica de
Miliken (1987), representa a incerteza de estado:
112
ESTÁTICO
1
2
DINÂMICO
3
4
SIMPLES COMPLEXO
Figura 11: Incerteza de estado da Empresa B na percepção dos entrevistados
Fonte: Elaborado pelo autor.
Também podemos resumir em um quadro a incerteza percebida pelos entrevistados
segundo a categorização de Miliken (1987).
COMPONENTE
INCERTEZA DE
ESTADO
INCERTEZA DE
EFEITO
INCERTEZA DE
RESPOSTA
Clientes MÉDIA SIM SIM
Fornecedores Equipamentos MÉDIA NÃO NÃO
Fornecedores Suprimentos MÉDIA NÃO NÃO
Competidores por Clientes BAIXA NÃO SIM
Competidores por Fornecedores
Competidores por Fornecedores (RH)
BAIXA
MÉDIA
NÃO
SIM
NÃO
SIM
Controle Regulatório ALTA SIM SIM
Sindicatos BAIXA NÃO NÃO
Novos Requisitos Tecnológicos MÉDIA SIM SIM
Desenvolvimento de Novos Produtos MÉDIA NÃO NÃO
Quadro 14: Incerteza da Empresa B na percepção dos entrevistados, segundo Miliken (1987)
Fonte: Elaborado pelo autor.
Analisando a FIG. 11 e o Quadro 14, percebe-se que a percepção de estabilidade, em
termos gerais, do ambiente em que opera a Empresa B, consenso entre a maioria dos
entrevistados, é contrária aos resultados obtidos quando se detalha o ambiente da empresa.
Excetuando-se o relacionamento com sindicatos e os competidores por fornecedores, todos os
demais componentes do ambiente apresentavam algum nível de incerteza quando do
Competidores por
Clientes
Sindicatos
Fornecedores de Suprimentos
Competidores por Fornecedores (RH)
Novos Requisitos Tecnológicos
Desenvolvimento de Novos Produtos
Clientes
Fornecedores de Equipamentos
Controle regulatório
Competidores por
Fornecedores de
Equipamentos
113
surgimento da estratégia emergente, seja de estado, de efeito ou de resposta (MILIKEN,
1987).
Para os entrevistados, as maiores forças presentes no setor (PORTER, 1999) eram os
clientes e os fornecedores de equipamentos, por estarem consolidados, e o controle
regulatório, pela influência que exerce sobre o agronegócio. Os clientes e os fornecedores de
equipamentos representavam média incerteza com baixa complexidade; enquanto que o
controle regulatório era de alta incerteza com alta complexidade.
Plotando essa informação no modelo de Liedtka (1985), representado no Quadro 2,
vemos que os clientes e os fornecedores de equipamentos estão entre os quadrantes 1 e 3;
enquanto que o controle regulatório está no quadrante IV. O planejamento da empresa tinha
foco nos clientes até 2004, incluindo o período de surgimento da estratégia emergente, e
conjugava características das organizações nos quadrantes I e III, segundo Liedtka (1985): um
processo mínimo, centralizado, pouco abrangente, reativo e direcionado ao controle interno de
curto prazo por meio do orçamento. Ou, nas palavras de um dos gestores entrevistados, “um
processo contínuo, extemporâneo e não-formal, de uma empresa que é ‘fast-forwarder’
(Entrevista 7).
Entretanto, para fazer frente às demandas vindas das partes interessadas,
especialmente das comunidades indígenas e quilombolas, o planejamento na Empresa B
passou a mostrar, em referência à relação com a comunidade, características de empresas
colocadas no quadrante IV, ou seja, descentralizado, orientado para o externo e com forte
apoio de especialistas técnicos.
Exemplificando, a Empresa B sempre monitorou seu ambiente por intermédio da área
de Meio Ambiente e Relações com a Comunidade. Com o aquecimento das demandas de
comunidades indígenas e quilombolas, todos os gestores da organização passaram a realizar
essa função. Esse intenso monitoramento ambiental é uma característica defendida por
Liedtka (1985) e Miliken (1987) para organizações em ambiente de incerteza.
Assim, o processo de formação da estratégia na Empresa B encaixa-se nas tipologias
Empreendedora (MINTZBERG, 1973), Comandante (BURGEOIS; BRODWIN, 1984) e de
Comando (HART, 1992), ou seja, de direção estratégica determinada pela visão dos principais
executivos.
Outra característica da formação da estratégia na Empresa B que permite classificá-la
como empreendedora (MINTZBERG, 1973) é a constante busca por novas oportunidades no
mercado, especialmente aquelas de aquisição ou joint-ventures, que lhe permitam aumento da
capacidade produtiva. Porém, essa estratégia de aumento da capacidade deixa de levar em
114
consideração os requisitos culturais e organizacionais requeridos para essa estratégia
(WILSON, 1994), gerando dificuldade de coordenação e integração.
Apesar de Burgeois e Brodwin (1984) afirmarem que a estratégia do comandante é
mais adequada a ambientes estáveis, a Empresa B parece praticar esse modelo em um
ambiente de pouca estabilidade. Talvez esteja aqui a origem de muitas dos conflitos entre
áreas internas, como a comercial e a produção, observadas na empresa. Também se percebe
que a formulação estratégia na Empresa B deixa de envolver os gestores em um esforço
coletivo, o que pode trazer dificuldades no processo de implementação das metas
estabelecidas (LOASBY, 1967; HAMBRICK; CANNELLA, 1989; FLOYD;
WOOLDRIDGE, 1992; HUNGER; WHEELEN, 2002; GUTTMAN; HAWKES, 2004).
Validados os objetivos estratégicos, a implementação na Empresa B passava pela
negociação do orçamento e desdobramento dos objetivos em metas e indicadores gerenciais e
operacionais. Essas metas alimentavam um sistema de gestão que era verificado
periodicamente e acompanhado de medidas corretivas, caso necessário. Esse modelo é
defendido por vários autores, tais como Hax e Mailuf (1991); Hunger e Wheelen (2002);
Bossidy e Charan (2003) e Allio (2005).
Entretanto, assim como na Empresa A, também aqui não se perceberam indícios de
que houvesse uma análise crítica das próprias diretrizes estratégicas em caso de divergências
entre resultados reais e esperados, de modo a fomentar a revisão estratégica e o aprendizado
organizacional, como defendido por Goold e Quinn (1994); Bossidy e Charan (2003);
Mariotto (2003) e Hrebiniak (2005).
Como será visto a seguir, a Empresa B está encontrando até hoje dificuldades em dar
ênfase às estratégias emergentes, uma das saídas apontadas por Miliken (1987) para situações
de incerteza. Também o processo de aprendizado não se mostra pleno. Uma das possíveis
causas estaria na armadilha da separação entre formulação e implementação (MINTZBERG,
1978; WILSON, 1994) a falácia do desligamento – vista empiricamente na Empresa A. Esta
pode ter sido uma forma eficaz em ambientes estáveis, mas não naqueles instáveis, em que o
cerne da estratégia deve ser gerado por pessoas que estão próximas da ação (BOSSIDY;
CHARAN, 2003; MINTZBERG, 2004).
Passando à estratégia emergente de diferenciação de produtos, percebe-se que esta foi
resultado de decisões até certo ponto desconectadas, que evoluíram de forma incremental
(LINDBLOM, 1959; QUINN, 1978). Cada contrato de longo prazo firmado com um cliente,
cada alteração na celulose sob demanda foi sedimentando um padrão de ação nos
115
relacionamentos de troca da Empresa B (MINTZBERG, 1978; ARAÚJO; EASTON, 1996;
MINTZBERG, 2000), que terminou por “formar” uma estratégia de diferenciação.
No entanto, essa estratégia de diferenciação até hoje ainda não está completamente
resolvida, pois não níveis apropriados de conforto, aceitação e entendimento da estratégia
(QUINN, 1978). Isto porque a diferenciação entra em choque direto com a estratégia de
excelência operacional que tanto sucesso mostrou no passado.
Analisando a iniciativa de diferenciação na Empresa B, pode-se perceber o
funcionamento parcial do modelo de Mariotto (2003), representado na FIG. 6. Observando a
parte de cima da figura, o “planejamento estratégico”, percebe-se que o eixo avaliação do
mercado estratégia intencionada ações planejadas resultados reais” é realizado
integralmente pela companhia, bem como o aprendizado de laço simples, ou seja, análise de
desempenho e ações corretivas, em caso de desvio do planejado. Entretanto, não se verifica a
prática do aprendizado de laço duplo, em que a estratégia intencionada é reavaliada a partir do
desempenho real.
Em relação à parte inferior da figura, ou a criação contínua da estratégia”, observa-se
que a iniciativa foi uma ação não planejada, fomentada a partir de clientes que, com seu poder
de barganha (PORTER, 1999), aumentado por força da consolidação, impuseram à Empresa
B o caminho da diferenciação, ainda que a empresa se orientasse pela excelência operacional.
Percebe-se o aprendizado de laço simples, em que cada novo contrato e nova demanda de
diferenciação aprendiam com o anterior; e o aprendizado de laço duplo documentado no mapa
estratégico, mas ainda gerando muita controvérsia nas atividades de rotina.
A estratégia emergente da Empresa B é claramente uma ilustração do que Burgelman
(1996) chama de “dissonância estratégica”, ou seja, um ponto de inflexão estratégica. De um
lado, têm-se as competências internas da empresa fundeadas na estratégia de excelência
operacional, de outro, as bases da competição na indústria de papel e celulose se movendo na
direção da diferenciação de produtos. Porém, a alta administração da Empresa B até hoje não
fez uso do “reconhecimento estratégico” (BURGELMAN, 1996), que lhe permitirá chegar a
uma nova intenção estratégica, adaptada ao novo momento do mercado.
Entende-se que a Empresa B ainda não realizou o ajuste retroativo do contexto
estrutural para abarcar a estratégia emergente, como defendido por Burgelman (1983a). Na
mesma linha de pensamento, não se percebe que a empresa esteja estruturada sobre um
modelo de empreendimento corporativo interno, em que empreendedores internos percebam
oportunidades no mercado e se mobilizem para aproveitá-las (BURGELMAN, 1983b).
116
Como observado, a estrutura da Empresa B ainda não foi adequada à estratégia
emergente. Nas palavras dos entrevistados, “este confronto de estratégias ainda demandará
ajustes na estrutura da empresa” (Entrevista 6, Entrevista 7). Seguindo a estratégia de
liderança em custos (PORTER, 1980), a empresa mantém uma estrutura funcional, mecânica
(VOLBERDA, 1999), centralizada, caracterizada por padronização, volume e repetição,
incentivando economias de escala (HREBINIAK, 2005).
Como vantagens dessa estrutura, podem-se citar o maior aprofundamento da
especialização, o aumento do poder dos compradores e a padronização. Entretanto, pôde-se
perceber em campo a sobrecarga da capacidade decisória dos gestores, especialmente depois
do início da expansão geográfica da empresa, a dificuldade de coordenação e as barreiras
existentes entre diferentes funções (GALBRAITH, 2002; HREBINIAK, 2005).
Como citado, a Empresa B lida com muitas dificuldades de coordenação e
compartilhamento de informações. A estrutura funcional não favorece esse ponto. Para tentar
endereçar essa questão, a Empresa A desenhou e está procurando estabelecer macroprocessos
laterais com respectivos comitês de gestão compostos por pessoas das áreas envolvidas
(GALBRAITH, 2002). A despeito do grande esforço nesse sentido, os processos ainda não
estão perfeitamente operacionais. Observa-se também o uso de ferramentas, como a Intranet,
para suportar esses macroprocessos e prover integração entre áreas (GALBRAITH, 2002).
Do ponto de vista do controle, no mapa estratégico utilizado como referência pela
Empresa B estavam presentes, além de medidas de cunho financeiro, também objetivos e
indicadores ligados às outras partes interessadas, especificamente as perspectivas de
aprendizado e crescimento, interna e do cliente. A companhia utilizava-se também do
Balanced Scorecard como instrumento de gestão estratégica (ANTHONY;
GOVINDARAJAN, 2000).
A execução da estratégia de excelência operacional tinha como principal vetor os
indicadores do mapa estratégico, os quais eram conectados ao orçamento. O controle da
execução do orçamento fornecia a medida do desempenho e mecanismos de correção de rota
(HREBINIAK, 2005; ANTHONY; GOVINDARAJAN, 2000).
Muitos indicadores estavam ligados à redução de custos e ganho de escala, objetivos
claramente ligados a uma estratégia de excelência operacional. Não foram percebidas
mudanças nos controles adotados após a estratégia de diferenciação, apesar de essa estratégia
aparecer no mapa estratégico. Aliás, este é um dos pontos de conflito, visto que os controles
em uso muitas vezes não abrem espaço para atividades necessárias à diferenciação dos
produtos.
117
A Empresa B utilizava-se de um sistema de incentivo ligado à estratégia para
incentivar seus gestores a atuar em linha com a estratégia organizacional (STONICH, 1981;
ANTHONY; GOVINDARAJAN, 2000). Na visão de Hrebiniak (2005), são bons incentivos
porque estão conectados aos objetivos de curto prazo que derivam da estratégia;
recompensam desempenho contra objetivos concordados, são mensuráveis e facilitam a
contabilidade. Além disso, não refletem situações do tipo tudo ou nada, que, se a empresa
atingiu a sua meta, pelo menos a parte coletiva estará garantida. Entretanto, eram objetivos
ligados à estratégia de excelência operacional – até hoje não foi ajustado o sistema de
incentivos à estratégia de diferenciação.
Sintetizando, a Empresa B é uma organização madura atuando em ambiente instável,
apesar da percepção de seus gestores parecer indicar o contrário. A empresa faz uso de um
processo de planejamento centralizado na alta administração e desdobrado em diretivas
estreitas para as áreas, dificultando o surgimento de estratégias emergentes. A estratégia
emergente identificada foi resultado de forças de mercado, colocando à Empresa B o desafio
de alterar os mecanismos administrativos para incorporá-la.
4.6 Análise cruzada dos casos A e B
Neste item efetuou-se a análise cruzada entre casos, ou seja, procurou-se entender as
semelhanças e diferenças na combinação das estratégias deliberadas e emergentes nas
Empresas A e B.
Como ponto de partida, encontra-se, no quadro a seguir, o resumo da caracterização
das variáveis de cada uma das empresas.
118
VARIÁVEL EMPRESA A EMPRESA B
Ambiente (percepção dos gestores) Instável Estável
Componentes instáveis no ambiente
Clientes
Fornecedores de suprimentos
Novos requisitos
tecnológicos
Desenvolvimento de novos
produtos
Clientes
Fornecedores de equipamentos
Fornecedores de suprimentos
Competidores por clientes
Competidores por fornecedores (RH)
Controle regulatório
Novos requisitos tecnológicos
Desenvolvimento de novos produtos
Maiores forças presentes no ambiente
Clientes
Fornecedores de suprimentos
Clientes
Fornecedores de equipamentos
Filosofia de formulação estratégica
Direção estratégica guiada
por análises sistemáticas e
racionais
Direção estratégica determinada pela
visão dos principais executivos
Tipo e estratégia deliberada na época
do surgimento da iniciativa
emergente
Guarda-chuva: “Crescer no
mercado com base em
serviços desenvolvidos em
seu principal cliente”
Genérica: “Excelência operacional”
Revisão estratégica NÃO NÃO
Característica do surgimento da
iniciativa emergente
Fonte interna: processo de
comprometimento de
recursos conduzido por um
gestor autônomo
Fonte externa: natureza do
relacionamento de troca com clientes
com alto poder de barganha
Ciclo do Planejamento Estratégico
SIM, exceto Aprendizado de
Laço Duplo
SIM, exceto Aprendizado de Laço
Duplo
Ciclo da Criação Contínua da
Estratégia
SIM SIM
Dissonância estratégica NÃO SIM
Empreendimento Corporativo Interno SIM NÃO
Ajuste do Contexto Estrutural SIM NÃO
Ajuste Estrutura SIM NÃO
Ajuste Coordenação e Integração SIM SIM, em parte
Ajuste Sistema de Controle SIM, em parte NÃO
Ajuste Sistema de Incentivos SIM, em parte NÃO
Quadro 15: Caracterização das variáveis nas Empresas A e B
Fonte: Elaborado pelo autor.
Uma primeira leitura geral desse quadro revela que, sob a ótica de Duncan (1972) e
Miliken (1983), as Empresas A e B operam sob ambientes instáveis, a despeito da impressão
geral de estabilidade encontrada na Empresa B. Na Empresa A, tem-se um número menor de
componentes instáveis no ambiente em relação à Empresa B. Entretanto, entre os
componentes instáveis no ambiente de ambas as empresas estão aqueles com maior força
relativa.
119
Essas características ambientais influenciam a filosofia adotada nos processos
deliberados de formulação estratégica nas Empresas A e B. Na Empresa A, o processo
deliberado é mínimo e levado a cabo por análises sistemáticas e racionais; na Empresa B, o
processo deliberado é também mínimo, mas orientado pela visão dos quatro principais
executivos.
Na Empresa A, a estratégia de Recuperação de Crédito emergiu de dentro de sua
estrutura uma consistência interna (ARAÚJO; EASTON, 1996) capitaneada por um gestor
que percebeu uma boa oportunidade em seu ambiente e mobilizou recursos para aproveitá-la.
Ou seja, foi uma iniciativa de dentro para fora. A principal diretriz então colocada pelo
processo formal de planejamento estratégico “crescer no mercado com base em serviços
desenvolvidos em seu principal cliente” atuava como uma estratégia guarda-chuva,
permitindo ao gestor liberdade de ação. Essa liberdade de ação era enfatizada pela estrutura
descentralizada da empresa.
na Empresa B, a orientação era mais delimitada a busca constante da estratégia
genérica de excelência operacional. Isto, associado à centralização no processo estratégico da
Empresa B, está na origem de muitas das diferenças percebidas entre elas em relação à
estratégia emergente estudada.
Na Empresa B, a estratégia de Diferenciação foi, de certa forma, resultado do aumento
de poder de barganha de clientes, que então impuseram suas condições sobre a empresa. Ou
seja, foi uma iniciativa de fora para dentro uma consistência externa (ARAÚJO; EASTON,
1996). Essa estratégia, impulsionada pela força dos clientes, até hoje encontra resistências
internas estabelecidas pela estratégia deliberada de excelência operacional, gerando tensões
que eclodem nos pontos que estão entre o cliente e a produção, ou seja, na área comercial e no
centro de pesquisas.
Nas duas empresas, verifica-se o funcionamento do ciclo de planejamento estratégico,
dando “consistência, continuidade e durabilidade ao comportamento estratégico”
(MARIOTTO, 2003, p.91), e da criação contínua da estratégia, renovando (ou procurando
renovar) o ambiente empresarial. Tanto na Empresa A quanto na Empresa B, não se verifica a
prática do aprendizado de laço duplo do ciclo de planejamento estratégico (MARIOTTO,
2003), em que a estratégia intencionada é reavaliada e revisada a partir do desempenho real.
Observando os casos pela ótica de Burgelman (1996), vê-se que a iniciativa na
Empresa A não foi fruto de uma situação de dissonância estratégica a divergência entre as
competências internas da empresa e as bases da competição na indústria. O fato de a iniciativa
ter sido colocada de dentro para fora na verdade atuou na mão contrária, esta sim criando para
120
os concorrentes da empresa uma situação de dissonância. na empresa B, a situação foi
claramente de dissonância, mas, com as dificuldades colocadas pela centralização do processo
estratégico, a empresa está encontrando barreiras para realizar o ajuste do contexto estrutural
(BURGELMAN, 1983a).
Na Empresa A, verifica-se na iniciativa de Recuperação de Crédito uma abertura para
o aprendizado, o qual permitiu o próprio desenvolvimento da iniciativa, impulsionando-a para
o mercado, e motivou a empresa a realizar o ajuste do contexto estrutural (BURGELMAN,
1983a). Na Empresa B, reconhece-se um nível de aprendizado incipiente e relativamente
lento, resultado das muitas barreiras internas que a iniciativa de diferenciação vem
enfrentando.
Na Empresa A, observa-se também o funcionamento do “modelo de empreendimento
corporativo interno” (BURGELMAN, 1983b). Contando com forte autonomia, o gestor da
unidade Ceará da empresa desempenhou os processos de “definição”, com o reconhecimento
de forças de mercado e estabelecimento da iniciativa, e de “ímpeto”, ou de defesa da iniciativa
perante a alta administração, da estratégia emergente. A partir daí a alta administração
selecionou e estabeleceu mecanismos para captação e alavancagem do aprendizado resultante
dessa iniciativa (BURGELMAN, 1983). na Empresa B não se percebe tal modelo em
prática, dificultado, sem dúvida, pelo alto nível de centralização decisória presente em sua
estrutura organizacional.
Entende-se que a Empresa A realizou a manipulação dos mecanismos administrativos
para manter o comportamento estratégico nos níveis operacionais em linha com o conceito de
estratégia corrente, abarcando o comportamento estratégico autônomo (BURGELMAN,
1983a). A empresa trabalhou sobre a sua estrutura e, ainda que em parte, sobre a coordenação
e processos organizacionais e sobre os sistemas de controle e incentivos, para acomodar a
estratégia de Recuperação de Crédito.
A Empresa B, por seu lado, não manipulou o contexto estrutural dentro do qual a
iniciativa emergente se formou (BURGELMAN, 1983a). Para Burgelman (1983a), a alta
gerência deveria manipular tal contexto para fomentar e influenciar propostas e iniciativas
emergentes. Nesse caso, a alta administração parece mais envolvida com a operação do
negócio do que preocupada com iniciativas emergentes.
Enquanto a estrutura da Empresa A foi se alterando paulatinamente para resolver os
conflitos colocados pela estratégia emergente e abarcá-la, a estrutura da Empresa B continua a
mesma de antes do surgimento da estratégia de Diferenciação, impondo aos colaboradores a
121
difícil missão de lidar diariamente com vários conflitos que poderiam ser evitados pela
revisão estrutural.
A Empresa A buscou também alterar seus mecanismos de coordenação e processos
organizacionais, criando funções específicas para integração e formalizando processos
laterais. Percebe-se a mesma intenção na Empresa B, porém a dificuldade da empresa em
colocar essas funções e processos na rotina, já que eles se chocam com a estratégia de
excelência operacional.
A Empresa A alterou seu sistema de controle operacional, alinhando-o à estratégia
emergente. Porém, o mesmo não se deu com o controle gerencial. Na Empresa B, não houve
qualquer alteração do sistema de controle para acomodar a estratégia emergente. Até mesmo a
autorização de desvios nos indicadores controlados para atividades ligadas à estratégia de
diferenciação é geralmente fornecida pela alta administração, ilustrando o grau de
centralização decisória presente na empresa.
Por fim, a Empresa A alterou seu sistema de incentivos no nível operacional, para
abarcar a estratégia emergente. No nível gerencial, incluiu metas ligadas à disseminação de
melhores práticas, ação que reflete a preocupação da empresa com o aprendizado
organizacional. Na Empresa B, diferentemente, não houve qualquer iniciativa de adequação
do sistema de incentivos.
122
5 CONCLUSÃO
5.1 Introdução
Nos capítulos anteriores, foram apresentados a questão e os objetivos da pesquisa e a
revisão da literatura. Em seguida, discutiu-se a metodologia adotada para analisar a emersão
de estratégias nos dois casos estudados. Por fim, foram descritos os casos estudados e
efetuada a análise dos dados coletados.
Neste capítulo, apresenta-se a conclusão de nossa pesquisa. Inicialmente, mostram-se
os principais resultados do estudo, confrontando-os com o quadro conceitual. Na seqüência,
revisita-se a questão de pesquisa. Então, abre-se espaço às contribuições oferecidas pela
presente dissertação. Finalizando, discutem-se suas limitações e apresentam-se algumas
sugestões para pesquisas futuras.
5.2 Principais Resultados
5.2.1 Resultados Gerais
Neste tópico, serão discutidos e sintetizados os três principais resultados gerais
apontados pela pesquisa. O primeiro resultado de nosso estudo é que a percepção geral dos
gestores sobre o ambiente externo parece ter influência sobre a filosofia de formulação
estratégica adotada pela empresa, podendo determinar, em última instância, as condições para
o surgimento de estratégias emergentes.
A teoria contingencial postula que o ambiente organizacional é visto como uma
entidade fora dos limites da organização, que influencia seus resultados ao impor limites e
demandar adaptação (DILL, 1958; BURNS; STALKER, 1961; CHANDLER, 1962;
WOODWARD, 1965; EMERY; TRIST, 1965; LAWRENCE; LORCH, 1967; THOMPSON,
1967; PUGH et al., 1963; PUGH et al., 1968; PUGH et al., 1969). O ambiente organizacional
123
pode ser visto como tudo o que circunda a organização e que tenha potencial de influenciá-la
(ANDREWS, 1971; MILES, 1980; HALL, 1984; HATCH, 1997; MINTZBERG, 2003), mas
esta se mostra uma definição ampla demais. Nesse sentido, é importante decompor o ambiente
em seus fatores (DUNCAN, 1972), entendendo sua complexidade e verificando o grau de
incerteza que em relação a cada um deles (EMERY; TRIST, 1965; DUNCAN, 1972;
LIEDTKA, 1985; MILLIKEN, 1987).
A complexidade e o grau de incerteza em relação aos fatores do ambiente influenciam
a filosofia de formulação estratégica adotada pela organização. veis crescentes de
complexidade resultam em processos de formulação estratégica descentralizados,
abrangentes, com suporte significativo do pessoal de apoio e com orientação externa ou pró-
ativa. Por outro lado, níveis crescentes de incerteza tornam processos de formulação
abrangentes menos úteis (LIEDTKA, 1985).
Esses processos de formulação estratégica podem ser classificados, em um extremo,
pela estratégia direcionada pela visão de poucos líderes com poder, os quais conduzem ações
de risco em nome da organização, buscando ativamente novas oportunidades para sustentar o
crescimento (MINTZBERG, 1973; BOURGEOIS; BRODWIN, 1984; HART, 1992). Em
outro extremo, a estratégia é influenciada por idéias e iniciativas de gerentes da empresa
(MINTZBERG, 1973; BOURGEOIS; BRODWIN, 1984; ANSOFF, 1987; HART, 1992;
WHITTINGTON, 2002). No meio desses dois extremos encontram-se os processos baseados
no raciocínio lógico do analista que usa suas técnicas para desenvolver planos formais e
planos de ão detalhados (MINTZBERG, 1973; BOURGEOIS; BRODWIN, 1984;
ANSOFF, 1987; HART, 1992; WHITTINGTON, 2002).
O estudo de casos realizado nesse trabalho parece revelar que a percepção geral a
respeito do ambiente externo tem forte influência sobre a filosofia de formulação estratégica
adotada pelas empresas. Na Empresa A, a percepção geral de um ambiente instável pode tê-la
levado a adotar um processo de planejamento híbrido, caracterizado por descentralização,
pouca abrangência, orientação externa ou pró-ativa, e pela presença de especialistas técnicos.
Como conseqüência desse processo, a empresa delimitou para si uma estratégia “guarda-
chuva”, ou seja, de crescer no mercado a partir dos serviços desenvolvidos em seu principal
cliente.
Na Empresa B, por outro lado, a percepção geral de um ambiente estável, fruto do
senso comum no tipo de negócio que está envolvida, pode ter resultado em um processo
estratégico centralizado nos quatro diretores executivos e em uma orientação estratégica mais
124
autocrática, com uso extensivo de ordens e diretivas. A estratégia resultante era genérica,
dentro de um alcance competitivo específico (PORTER, 1986).
O segundo resultado dessa pesquisa é que o espaço para a estratégia emergente parece
ser delimitado pela natureza da estratégia deliberada perseguida pela organização, e, por
conseqüência, pela percepção dos gestores a respeito do ambiente. indícios de que quanto
mais estreito o escopo da estratégia deliberada, menores as chances de uma iniciativa
emergente ganhar corpo e ser formalizada.
De um lado têm-se as “estratégias guarda-chuva”, em que a alta administração da
organização define limites estratégicos dentro dos quais outros participantes organizacionais
respondem. Nesse modelo, a perspectiva é deliberada e posições podem ser emergentes
(MINTZBERG et al. 2000), e os mecanismos administrativos parecem concebidos para
permitir a flexibilidade e experimentação. A estrutura orgânica aos sistemas de
planejamento e controle uma orientação ao desempenho, permitindo informações ambíguas,
experimentação, intuição e, por conseqüência, iniciativas emergentes (VOLBERDA, 1999). A
integração horizontal dá aos colaboradores considerável liberdade, desde que respeitados
certos limites essencialmente os valores centrais da companhia e o desempenho seja
satisfatório (GHOSHAL; GRATTON, 2002). O sistema de controle entende que nem sempre
a conformidade é necessariamente boa, assim como a não-conformidade é necessariamente
má, e evita injetar muita formalidade no sistema de modo que ele perca a flexibilidade, a folga
e a simplicidade, impedindo a criatividade (ANTHONY; GOVINDARAJAN, 2000;
MINTZBERG, 2004). Por fim, a alta administração manipula um sistema que incentiva a
exploração de uma safra de estratégias, ou muda para encorajar a geração de novas iniciativas.
De outro lado, têm-se as “estratégias genéricas”, em que as empresas buscam
estabelecer e explorar uma vantagem competitiva dentro de um alcance competitivo
específico (PORTER, 1986; TREACY; WIERSEMA, 1998). De especial atenção é o caso da
estratégia de “liderança em custos”, ou “excelência operacional” (PORTER, 1986; TREACY;
WIERSEMA, 1998), em que operações padronizadas, simplificadas, controladas e planejadas
de modo centralizado procuram constantemente reduzir o menor custo total para o cliente
(PORTER, 1986; TREACY; WIERSEMA, 1998). Para atingir esse objetivo, as empresas
geralmente fazem uso de uma estrutura mecânica, caracterizada por muitos níveis
hierárquicos, processos altamente regulados através de sistemas de planejamento e controle
elaborados, especialização de tarefas, alto grau de formalização e padronização
(VOLBERDA, 1999). Essas empresas fazem pouco uso de processos laterais, dispositivos de
ligação que são formalizados (VOLBERDA, 1999; GALBRAITH, 2002). O sistema de
125
controle é baseado em uma hierarquia de objetivos e orçamentos destinados a originar um
determinado desempenho em relação ao qual seus resultados podem ser medidos
(MINTZBERG, 2004) e o sistema de incentivos é rígido, conectado a objetivos estratégicos
ou de curto prazo que derivam da estratégia (HREBINIAK, 2005).
Em nosso estudo, a Empresa A perseguia uma perspectiva “guarda-chuva” em seu
início de operação “crescer no mercado com base em serviços desenvolvidos com seu
principal cliente”, um tipo de estratégia que indica haver mais espaço ao surgimento de novas
iniciativas. A iniciativa de cobrança e recuperação de crédito surgiu de uma idéia defendida
por um gerente regional da empresa, o qual contava com grande autonomia desde que
respeitados os valores centrais da Empresa A. O sistema de controle era orientado ao
orçamento, mas permitia razoável liberdade de experimentação se alcançadas as metas
concordadas com a empresa.
a Empresa B sempre perseguia uma estratégia genérica de excelência operacional,
buscando constantemente ganhos de escala e padronização de operações. Para isso, fazia uso
de uma estrutura hierárquica, altamente especializada e com alto grau de formalização.
Utilizava-se de uma hierarquia de orçamentos de curto prazo como principal meio de controle
estratégico, e seu sistema de incentivos era orientado principalmente para o curto prazo. Em
um ambiente assim parece ser difícil haver espaço para estratégias emergentes e não é de se
admirar que a iniciativa emergente identificada tenha origem externa, fruto do relacionamento
na rede de clientes.
O último resultado é que, ainda que os fatores internos não tenham sido alterados a
priori para fomentar as iniciativas emergentes, o ajuste deles após o surgimento das
iniciativas parece ser fundamental para que elas se mostrem viáveis e sejam formalizadas.
Para Burgelman (1983a), ao conceito corrente de estratégia deve corresponder um
contexto estrutural, composto por mecanismos administrativos que devem manter o
comportamento estratégico nos níveis operacionais em linha com o conceito de estratégia
corrente. Entretanto, os indivíduos na organização m comportamento estratégico, por meio
de iniciativas autônomas, que podem redefinir o ambiente da empresa. Para ele, a maior
contribuição dos gerentes está precisamente na “(...) manipulação do contexto estrutural
dentro do qual a geração da proposta toma forma. Por meio da manipulação do contexto
estrutural, a alta gerência pode influenciar os tipos de propostas que serão definidos e
impulsionados” (BURGELMAN, 1983a, p.64. Tradução do autor).
Entretanto, se essa manipulação do contexto estrutural não ocorre “a priori”, ou seja,
antes da geração das propostas autônomas dos indivíduos, parece ser imprescindível que
126
ocorra após o reconhecimento da força dessas propostas. Há sinais de que as iniciativas
emergentes terão grande dificuldade em florescer se isso não for realizado.
Ao perceber a força da iniciativa emergente, a Empresa A buscou realizar, ainda que
não completamente, o ajuste do contexto estrutural. Sua estrutura e seu sistema de
coordenação e integração evoluíram paulatinamente para abarcar a iniciativa de Cobrança e
Recuperação de Créditos. Os sistemas de controle e de incentivos – especialmente de gestão –
não foram completamente ajustados, mas se percebe que a empresa está aberta a este ajuste e
o fará quando entender ser necessário.
A Empresa B, contudo, não realizou o ajuste dos mecanismos administrativos para
adequá-los à estratégia emergente. Excetuando-se a incipiente iniciativa de coordenação e
integração do Comitê Processo-Produto (CPP), nenhuma outra ação foi realizada para dirimir
os conflitos inerentes a duas estratégias opostas em sua filosofia excelência operacional e
diferenciação. Como resultado, os gestores da empresa vêm encontrando inúmeras
dificuldades rotineiras em atender aos requisitos do ambiente enquanto mantêm a estratégia
de liderança em custos.
Os resultados principais da pesquisa estão sintetizados no Quadro 16, a seguir.
QUESTÃO RESULTADO
Influência do ambiente no
surgimento de estratégias
emergentes
A percepção em relação ao ambiente parece influenciar o surgimento de
estratégias emergentes.
Ambientes percebidos como estáveis parecem estimular processos
centralizados que resultam em estratégias mais específicas.
Ambientes percebidos como instáveis parecem estimular processos
descentralizados que resultam em estratégias mais amplas.
Dinâmica da emersão de
estratégias em ambiente de
planejamento estratégico
formalizado
Estratégias mais específicas parecem estimular o uso de uma estrutura
hierárquica, padronizada e especializada, com pouco uso de processos
laterais; de um sistema de controle baseado em hierarquia de
orçamentos; e de um sistema de incentivos focado em curto prazo.
Estratégias amplas parecem estimular o uso de estruturas que permitem
autonomia (desde que atingidas as metas contratadas), com intenso uso
de processos laterais; com um sistema de controle mais flexível; e um
sistema de incentivos “reconfigurável”.
Papel do ajuste dos fatores
internos no surgimento e
formalização de estratégias
emergentes
Mais importante do que a adequação imediata do contexto estrutural da
empresa às iniciativas que estão emergindo parece ser a disposição da
alta administração das organizações em realizar o ajuste do contexto
estrutural para ajudar (ou, pelo menos, não atrapalhar) a emersão dessas
iniciativas.
Quadro 16: Principais resultados da pesquisa
Fonte: Elaborado pelo autor.
127
5.2.2 Resultados Secundários
Serão apresentados neste tópico três achados da pesquisa que, apesar de não estarem
diretamente relacionados à nossa questão central, foram construídos ou evidenciados no
decorrer da investigação.
O primeiro deles é que a percepção a respeito da dinâmica do ambiente externo pode
vir a ser questionada ao analisamos os fatores que compõem esse mesmo ambiente. Ou seja,
um gestor pode perceber o ambiente externo à sua organização como estável, mas, ao
analisarmos sua percepção sobre os componentes desse, podemos chegar à conclusão de que
ele é, na realidade, instável.
O ambiente externo à organização pode ser dividido em ambiente geral, inter-
organizacional e internacional e global (HATCH, 1997). Entretanto, essas parecem ser
definições demasiado amplas e abstratas. Ao quebrar o ambiente em seus fatores como
proposto por Duncan (1972); colher a percepção sobre cada um separadamente como
proposto por Milliken (1987); classificá-lo no modelo de Duncan (1972) e Emery e Trist
(1965); e depois cruzá-los com o modelo de cinco forças de Porter (1999), foi possível
desenhar um mapa mais preciso do que simplesmente analisar o ambiente externo como um
todo. O instrumento construído para a esse fim permitiu-nos compreender mais
profundamente o grau de imprevisibilidade do ambiente. Cabe relembrar o caráter subjetivo
da percepção ambiental dos gestores, mas, nessa situação, entendemos que o ambiente
organizacional e seus componentes não podem ser dissociados, especialmente se entre os
fatores instáveis estiverem aqueles que, no jogo de forças do setor, forem de fato
preponderantes (DUNCAN, 1972; LIEDTKA, 1985; MILLIKEN, 1987; PORTER, 1999).
Nesse sentido, é interessante notar que havia, no ambiente da Empresa B, vários
componentes percebidos como instáveis, apesar da percepção geral de um ambiente estável.
Como entre esses componentes estavam dois fatores com alto poder de barganha em relação à
própria empresa (clientes e fornecedores de equipamentos), era grande a possibilidade de que
a instabilidade nesses componentes fosse repassada à empresa, tornando imprevisível o
ambiente.
na Empresa A, indícios de que a impressão geral de instabilidade no ambiente
fosse sustentada pela percepção de instabilidade nos clientes e nos fornecedores de
suprimentos – especialmente os fornecedores de recursos humanos.
128
O segundo achado secundário da pesquisa parece indicar que, se as empresas
desenvolvem interdependências de troca em seu relacionamento, a estratégia emergente pode
surgir tanto de fontes internas quanto de fontes externas.
As fontes internas incluem desde os processos cognitivos, que podem prover
consistência por meio de uma variedade de meios, até os processos políticos que determinam
configurações de poder e mecanismos de alocação de recursos, passando pela cultura da
organização.
Entretanto, de especial atenção são as fontes externas, que não estavam incluídas como
expectativa inicial desse estudo. Como pudemos observar, o desempenho e efetividade de
organizações interdependentes o função das mútuas adaptações demandadas por seus
relacionamentos, geralmente complexos e de longo prazo (ARAÚJO; EASTON, 1996). Essas
adaptações podem vir na forma de iniciativas que, estando fora do escopo das estratégias
deliberadas da organização, ganham força e tornam-se estratégias emergentes. Além disso,
essas adaptações dependem não somente das interações da empresa com suas contrapartes,
mas também de como as contrapartes gerenciam seus relacionamentos com terceiros os
clientes dos clientes, os fornecedores dos fornecedores, etc.
Na Empresa A, observa-se que o processo de negociação do gestor da unidade
regional com seus superiores e com o representante do cliente, um processo eminentemente
político, parece ter tido papel fundamental no apoio à idéia emergente. Além disso, verifica-se
que o processo tecnológico também teve influência na sustentação da idéia, na medida em que
recursos ociosos da empresa foram mobilizados.
Por outro lado, na medida em que a Empresa B se envolvia em relacionamentos
duradouros, especialmente com seus clientes, passou a desenvolver com eles relacionamentos
e interconexões entre recursos e atividades. Essa dependência expandiu-se da interação direta
com clientes para a maneira como esses gerenciam seus relacionamentos com terceiros.
Assim foi que, por influência das preferências de consumo de papel do consumidor final, a
Empresa B viu-se forçada a iniciar uma estratégia de diferenciação que não estava em seus
planos.
Por fim, esse estudo parece demonstrar empiricamente o que ocorre quando surgem
divergências entre as bases da competição na indústria e as competências internas da empresa,
ou entre a intenção estratégica da organização e a ação estratégica que se desenvolve em seu
interior, fato denominado por Burgelman e Grove (1996) como “dissonância estratégica”.
Segundo os autores, ao atingir esse ponto, as ações estratégicas na empresa poderão fomentar
ou retardar a intenção estratégica.
129
sinais de que a Empresa B tenha atingido esse ponto de inflexão estratégica, na
medida em que o seu mercado passou a demandar produtos diferenciados ao passo que a
estratégia da empresa continuava a apontar na direção da redução de custos proporcionada
pela excelência operacional. Entretanto, a alta administração da empresa não parecia estar
atenta ao fenômeno, pois não notamos sua capacidade em rever sua intenção estratégica para
tirar vantagem das novas “regras do jogo”.
A Empresa A, por outro lado, pode ter modificado as bases da competição no setor em
que opera pela aposta na iniciativa de recuperação de crédito, levando outros competidores a
uma situação de dissonância estratégica.
5.3 Combinação de estratégias emergentes com estratégias deliberadas
Após a apresentação e análise dos resultados da pesquisa, retoma-se neste tópico a
questão de pesquisa colocada: Por que e como as organizações combinam estratégias
emergentes com estratégias deliberadas em processos de planejamento estratégico?”.
Os achados da pesquisa levam a uma resposta para a questão em três partes: a primeira
relacionada ao “por que” e as duas outras relacionadas ao “como”.
Em primeiro lugar, indícios de que as organizações procuram combinar estratégias
emergentes e deliberadas em grande monta por influência do ambiente externo. De um lado, a
empresa pode realizar essa combinação para aproveitar uma oportunidade de mercado que
não era, até então, reconhecida como distintiva para a empresa (BURGELMAN, 1988), mas
que foi captada pelo processo emergente. Essa oportunidade, tendo sido identificada por um
colaborador com espírito empreendedor, recebido impulso de gestores de nível médio, e
selecionada pela alta administração (BURGELMAN, 1983b), é então formalizada como uma
estratégia deliberada.
De outro lado, a empresa pode ser compelida, por forças do ambiente, a realizar a
combinação. Outras organizações com as quais a empresa estabelece relacionamento de troca
podem demandar adaptações que a levariam a aproveitar oportunidades que não estavam em
seu planejamento estratégico formal (ARAÚJO; EASTON, 1996). Essa possibilidade parece
ser tão mais provável quanto maior for o poder de barganha das organizações da rede em
relação àquela em questão.
130
Na Empresa A, um gestor com espírito empreendedor mobilizou recursos ociosos para
aproveitar uma oportunidade que percebeu em seu relacionamento com seu maior cliente.
Para isso, negociou interna e externamente o apoio necessário à iniciativa, e criou um piloto,
que depois foi selecionado pela alta administração e expandido à toda a organização.
Os clientes da Empresa B, por outro lado, tendo se consolidado e ganhado em poder
de barganha, passaram a solicitar aos gestores da organização produtos diferenciados. Os
gestores, no ímpeto de atender às demandas de seus clientes, tomaram decisões que
terminaram por formar um padrão consistente e uma estratégia de diferenciação.
Em segundo lugar, parece que as organizações combinam estratégias emergentes com
estratégias deliberadas pelo estabelecimento de estratégias prescritivas amplas que permitam a
emersão em seu interior. indícios de que estratégias deliberadas estreitas e com muito uso
de controle de gestão atuam contra estratégias emergentes. Assim, parece ser possível
mobilizar estratégias emergentes em empresas que fazem uso de processos formais de
formulação estratégica quando a saída desse processo for uma estratégia do tipo “guarda-
chuva”, combinada com sistemas de implementação e controle maleáveis. Se o resultado for
uma estratégia delimitada, combinada com um sistema de implementação e controle rígidos, é
provável que não haja espaço para estratégias emergentes.
Por fim, as organizações que incentivam estratégias emergentes parecem manipular os
mecanismos administrativos de seu contexto estrutural. Esses mecanismos podem ser
manipulados a priori em relação à iniciativa emergente, influenciando os tipos de propostas
que serão definidas e impulsionadas; ou mesmo a posteriori, abarcando o comportamento
estratégico autônomo (BURGELMAN, 1983a).
A Empresa A, tendo reconhecido a força da iniciativa inovativa de recuperação de
crédito, procurou adequar seus mecanismos administrativos para acomodar a estratégia que
emergiu. Nesse sentido, buscou adequar sua estrutura e os mecanismos de coordenação e
integração; além de ter ajustado parcialmente seus sistemas de controle e de incentivos.
A Empresa B, por outro lado, parecia resistir à estratégia emergente de diferenciação,
sustentando seus mecanismos administrativos alinhados à estratégia deliberada de excelência
operacional.
Por fim, há indícios de que, sem essa manipulação, encontrar-se-ão duas opções para o
desdobramento dos fatos. Se a estratégia emergente tiver origem externa, assistir-se-á a um
conflito interno enquanto persistir o desajuste do contexto estrutural. Se a estratégia
emergente tiver origem interna, terá sido solapada em seu nascedouro.
131
5.4 Contribuições dessa pesquisa
Entende-se que a principal contribuição deste trabalho tenha sido a de colocar foco
sobre a dinâmica da combinação estratégias emergentes estratégias deliberadas em relação
ao ambiente em que a empresa opera e a seus fatores internos. A literatura da área trata de
modo pouco claro os aspectos que influenciam o surgimento de estratégias emergentes nas
organizações e, especialmente, como é a dinâmica das iniciativas emergentes atuando sob
estratégias deliberadas.
Uma outra contribuição é também a observação na prática de como a percepção a
respeito do ambiente influencia o processo deliberado de formulação estratégica, ou seja, que
ambientes estáveis podem estimular a centralização das decisões estratégicas, enquanto que
ambientes percebidos como instáveis podem fomentar uma ação estratégica mais
descentralizada e autônoma.
Além disso, entende-se que esse estudo também pode ter contribuído para o
entendimento de como a manipulação dos mecanismos administrativos influencia e
condiciona as iniciativas emergentes. As evidências encontradas na pesquisa revelam que o
ambiente externo e a filosofia de formulação estratégica praticada pela empresa têm grande
influência sobre o surgimento de estratégias emergentes. Entretanto, os sucessos dessas
estratégias – isto é, seu crescimento e formalização – parecem depender, sobretudo, da
adequada manipulação dos fatores internos de seu contexto estrutural. Mais importante do que
fatores internos que sufocam ou fomentam estratégias emergentes deve ser a disposição da
organização em permitir a experimentação e em rever o seu contexto estrutural, assim que
uma nova iniciativa se mostrar interessante.
Uma última contribuição desse trabalho foi a proposição e o teste inicial de um
instrumento de avaliação do ambiente externo baseado nas proposições de quatro grupos de
autores consagrados, nomeadamente Duncan (1972), Emery e Trist (1965), Milliken (1987) e
Porter (1999). Esse instrumento pode ser novamente testado e validado em pesquisas futuras
de natureza quantitativa.
132
5.5 Limitações e pesquisas futuras
.
A despeito dos importantes achados, observam-se algumas limitações no presente
trabalho. Uma primeira limitação é determinada pela pouca quantidade de recursos
disponíveis, pela relutância de algumas empresas com casos de estratégia emergente em
permitir a investigação e pelo exíguo tempo para sua realização.
Outra limitação é dada pelo pequeno número de casos estudados. Os estudos de caso
não permitem generalização estatística dos resultados obtidos (EISENHARDT, 1989; YIN,
2005), e não era esse o objetivo da pesquisa. Esse número resumido revela nossa preferência
pela profundidade, em detrimento da generalização. Acredita-se que a pesquisa com um
número maior de empresas pode acrescentar novas evidências aos dados obtidos.
Uma outra limitação desta pesquisa é dada pela dificuldade em se estudar com
profundidade tantos aspectos do comportamento organizacional. Escolheu-se,
propositadamente, fazer um corte transversal do contexto empresarial, desde o ambiente
externo aos mecanismos administrativos internos. Isso proporcionou pouca chance de se
aprofundarem, com os entrevistados, nuances que se apresentavam durante a pesquisa.
Entende-se que uma pesquisa com um número menor de fatores ou com mais recursos poderá
aprofundar de maneira interessante as questões que influenciam o surgimento de estratégias
emergentes.
Por fim, entendemos também como uma limitação o fato de que as empresas estudadas
estejam em momentos distintos em seu ciclo de vida organizacional, o que pode ter efeitos
sobre a comparabilidade das análises efetuadas. A Empresa A, jovem e aberta a tudo o que
representasse crescimento, parecia estar em um momento mais propício a iniciativas
inovadoras do que a Empresa B, madura e com seu modelo de organização sedimentado.
Dados os resultados deste trabalho, acredita-se que algumas linhas de pesquisa
interessantes poderiam dar continuidade e sustentação aos achados desta investigação. Nesse
sentido, pesquisas futuras poderiam ser feitas, tais como:
Testar uma metodologia para capturar a percepção do ambiente.
Na mesma linha, promover estudos com o fito de verificar a influência da percepção
ambiental e da força dos componentes da indústria sobre a tipologia de formação
estratégica nas organizações.
Verificar a influência das redes de negócio no surgimento de estratégias emergentes.
133
Entender a importância do grau de centralização decisória no estabelecimento de um
processo de empreendimento corporativo interno (BURGELMAN, 1983b).
Observar a influência recíproca entre dissonância estratégica e estratégias emergentes.
Entender com mais clareza como as organizações procuram estabelecer um contexto
estrutural reconfigurável com o objetivo de fomentar estratégias emergentes.
134
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143
APÊNDICE A
1. Na sua opinião, o ambiente em que sua organização está inserida é
Estável Instável
2. Preencha o quadro abaixo:
Quantidade Similaridade Taxa de Mudança Efeito sobre a empresa Opções de resposta da empresa
Poucos Muitos Pouca Muita Baixa Alta Conhecido Desconhecido Conhecidas Desconhecidas
Cliente
Distribuidores do produto ou serviço
Usuários do produto ou serviço
Fornecedores
Fornecedores de novos materiais
Fornecedores de equipamentos
Fornecedores de partes de produtos
Fornecedores de suprimentos
Competidores
Competidores por fornecedores
Competidores por clientes
Contexto sociopolítico
Controle regulatório governamental sobre a indústria
controle regulatório sobre a indústria?
perspectiva de mudança no tipo de
controle?
Atitude política pública sobre a indústria e seu
produto em particular
Qual a atitude pública sobre a indústria e
o produto? Há surpresas nesta relação?
Relacionamento com sindicatos
Tecnologia
Novos requisitos tecnológicos da própria indústria e
indústrias relacionadas
Novos requisitos tecnológicos são
freqüentes?
Melhoria e desenvolvimento de novos produtos por
avanços tecnológicos na indústria
Avanços nos produtos (em função de novas
tecnologias) são freqüentes?
144
ESTRATÉGIA EMERGENTE
1. Descreva a iniciativa que nasceu fora do processo formal de formulação estratégica e que
ganhou em importância, terminando por ser formalizada.
2. Qual o papel da gerência de nível médio na promoção deste tipo de iniciativas estratégicas
na empresa?
3. algum tipo de processo interno formalizado para fomentar estratégias emergentes?
Como esse processo se relaciona com o planejamento estratégico formal?
FORMULAÇÃO ESTRATÉGICA
1. No seu ponto de vista, no processo de formulação estratégica:
A estratégia é resultado da
visão do principal executivo
A estratégia é guiada por
análises sistemáticas e
racionais
A estratégia é influenciada
por idéias e iniciativas de
gerentes
2. Havia um processo formalizado de planejamento estratégico? Descreva-o. Houve alguma
mudança nesse processo a partir do sucesso da estratégia emergente?
3. Os objetivos estratégicos resultantes eram explícitos e integrados ou eram delimitadas
somente algumas premissas abrangentes? Houve mudança nisso?
4. Qual era a estratégia perseguida pela organização? Houve mudança a partir da estratégia
emergente?
5. Havia planos de contingência para os objetivos estratégicos resultantes?
IMPLEMENTAÇÃO ESTRATÉGICA
1. Como eram desdobrados os objetivos estratégicos estabelecidos na etapa anterior? Quais
os instrumentos utilizados (planos, programas, projetos, orçamentos)? Qual a sua
hierarquia?
2. Como era o processo de alocação de recursos na organização?
3. A sua organização utilizava algum tipo de sistema de gestão estratégica (BSC,
gerenciamento pelas diretrizes, etc.)?
145
AVALIAÇÃO ESTRATÉGICA
1. Como era realizado o monitoramento do desempenho da organização? Quais as medidas
utilizadas? Houve mudança a partir da formalização da estratégia emergente?
2. Como era realizada a comparação entre as medidas de desempenho objetivadas e as
atuais? Houve mudança?
3. Em caso de desvios, ações corretivas eram disparadas? Como?
4. Caso o desvio persistisse, era iniciado algum tipo de revisão estratégica? Como?
FATORES INTERVENIENTES
Estrutura organizacional
1. Como era a estrutura da empresa (funcional, por produto ou serviço, por mercado,
geográfica, por processo, combinação destas, etc.)? Qual o número de níveis
hierárquicos? Houve mudança em função da estratégia emergente?
2. Qual era o nível de centralização das decisões na empresa? Isso mudou?
Coordenação e Processos Organizacionais
1. Como era realizada a coordenação do trabalho entre as diversas unidades que compunham
a organização? Quais dispositivos de ligação utilizados (coordenador formal, equipes
multidisciplinares, etc.)? Houve mudança a partir da estratégia emergente?
2. Havia procedimentos estabelecidos para as atividades de rotina da empresa? A
organização utilizava-se de processos laterais? Havia macroprocessos estabelecidos?
3. Por quais mecanismos (mecanismos de comunicação / relacionamentos interpessoais /
infra-estrutura tecnológica / base de conhecimento compartilhada / comunidades de
prática) era promovido o compartilhamento de informações e conhecimento entre os
colaboradores da empresa?
Controle Gerencial
1. Como era o processo de controle? Havia muita formalização? Muita padronização? Houve
mudança a partir da estratégia emergente?
146
Sistemas de Incentivo
1. A empresa utilizava-se de sistemas de incentivo (utilitários: salário, bônus, promoções e
psicológicos: ambiente de trabalho, autonomia)? Como eram amarrados aos objetivos
estratégicos de longo e curto prazo da empresa? Eles favoreciam a integração? Houve
mudança a partir da estratégia emergente?
2. Havia contratos de desempenho coletivos, abrangendo horizontalmente as áreas?
3. Como os sistemas de incentivo estimulavam os colaboradores de alto desempenho?
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