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Universidade de São Paulo
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
Centro de Energia Nuclear na Agricultura
Agricultura tradicional e manejo da agrobiodiversidade na Amazônia
Central: um estudo de caso nos roçados de mandioca das Reservas de
Desenvolvimento Sustentável Amanã e Mamirauá, Amazonas
Kayo Julio Cesar Pereira
Tese apresentada para obtenção do título de Doutor
em Ecologia Aplicada
Piracicaba
2008
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3
Kayo Julio Cesar Pereira
Engenheiro Agrônomo
Agricultura tradicional e manejo da agrobiodiversidade na Amazônia Central: um estudo de caso
nos roçados de mandioca das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Amanã e Mamirauá,
Amazonas
Orientadora:
Profa. Dra. ELIZABETH ANN VEASEY
Tese apresentada para obtenção do título
de Doutor em Ecologia Aplicada
Piracicaba
2008
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Dados
Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
DIVISÃO DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - ESALQ/USP
Pereira, Kayo Julio Cesar
Agricultura tradicional e manejo da agrobiodiversidade na Amazônia Central:
um estudo de caso nos roçados de mandioca nas Reservas de Desenvolvimento
Sustentável Amanã e Mamirauá, Amazonas / Kayo Julio Cesar Pereira. - - Piracicaba,
2008.
222 p. : il.
Tese (Doutorado) - - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. Centro de
Energia Nuclear na Agricultura, 2008.
Bibliografia.
1. Amazônia 2. Áreas de conservação 3. Desenvolvimento sustentável 4.
Ecologia agrícola 5. Ecologia evolutiva 6. Genética de populações vegetais
7. Mandioca I. Título
CDD 630.2745
P436a
“Permitida a cópia total ou parcial deste documento, desde que citada a fonte – O autor”
3
Aos meus pais, Nilce e Lourival,
A Daniella, meu amor,
Ao meu irmão, Marcos,
OFEREÇO.
Ao povo da Amazônia,
DEDICO
4
Aqui, no coração desta várzea,
todo o bom, todo afago
que se fizer aos verdes encantados
só tem valor verdadeiro
se servir ao homem que vive dela.
O ser humano não é mero habitante,
mas um ser vivo componente da floresta.
Tão floresta quanto o cedro e a samaumeira,
tão floresta quanto a água parada do igapó,
quanto a água do Solimões encrespada
pela fúria do vento geral no verão,
tão floresta quanto as palhas do buritizeiro
e o perfume aveludado do cupuaçu.
Com uma diferença muito singular:
o cedro não sabe que é árvore
nem que vai servir de cumeeira de casa,
o lago não sabe que resguarda as virtudes sagradas
da água,
e o vento não tem nem de leve a intenção de afundar
a canoa.
O homem sabe, desde criança sabe,
parece que já nasce sabendo,
o sonho que se aconchega no âmago do cedro,
o homem sabe quando a fruta está de vez.
O homem entende os fonemas da água,
o homem caboclo, o filho da floresta.
Thiago de Mello
5
AGRADECIMENTOS
A TODOS e a TUDO que tem me possibilitado sonhar e ter uma existência cheia de emoções. E
que sobretudo me ensinaram que a vida deve ser vivida independente das recompensas.
Aos moradores das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Amanã e Mamirauá,
principalmente das comunidades Boa Esperança, Calafate, Monte Sinai, São Paulo do Coraci,
Nova Samaria, Aiucá, Marirana, Jarauá e Nova Colômbia, por terem propiciado a vivência de
alguns dos melhores momentos de minha vida.
A minha orientadora, Elizabeth Ann Veasey, que desde o início acreditou neste trabalho.
A Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo, Fapesp, que me forneceu uma bolsa
de estudos.
A Bianca Lima, minha irmã de coração, grande amiga e profissional, que tem as duas mãos nessa
tese. Ao Amintas, por ter proporcionado chão e amizade, contribuindo com sua sagacidade para
que os momentos em Tefé e nas reservas fossem ainda mais agradáveis.
Ao Raimundinho do Amanã, grande companheiro e amigo, sujeito inteligente que me apresentou
a Amazônia com um olhar tão didático.
A Daniella, minha esposa e minha Ruiva, com quem encontrei já na reta final deste trabalho, e
que fez minha vida ficar azul como o céu de Brasília.
Ao meu pai, que me ensinou a nunca baixar a cabeça; a minha mãe, que esteve sempre presente;
o apoio de ambos foi fundamental para minha estada em Piracicaba.
Ao meu irmão Marcos, por tudo que representa em minha vida, e por ter facilitado minha vida no
Planalto Central.
Aos moradores da reserva que trabalharam diretamente nesta pesquisa: Raimundo (Gato), Edvan,
Chico Velho, Antônio Mota, José das Chagas, Rosa, Reney, Dona Iracema, José Carlos, Zózimo
e Artemiza.
Aos amigos que fiz em Tefé: Marlon (Peixe-Agulha), Alberto, Pimentel, Seu Carlos, Pedro
Canísio, Dona Maria, Márcio (Gigante), André Araújo, Pedro Santos, Jomber, Teresa Furtado,
Sabá, Michel (Cabeça-de-Rato), Rogério Puerta, Léo Fleck, Óleo, Alho, Geyson, João Paulo,
Pedro Leal, Guillermo, Jorge Calvimontes, Madona, Juliana, Ronaldo, Jesus, Jorge Viana, Buda,
Antonio Pessoa, Marilson, Saíde, Wesllen, Wanderley (Porco), Otacílio, Paulo Roberto, Mercês,
D. Maria do IDSM e todos aqueles que não consigo lembrar neste momento.
Ao meu grande amigo Delmo Vilela, companheiro de conversas e desabafos em Manaus. Ao
Paulão (Paulo Maroti) cuja fundamental amizade se consolidou nas aventuras entre Tefé e o
interior de São Paulo.
6
A Sílvia Roenick (in memorian), grande mulher e defensora de causas nobres, que deixa
saudades no coração desta Amazônia.
A Teresa Gontijo, que sempre incentivou e esteve presente.
Ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, pode ter conferido apoio operacional
para a realização desta pesquisa e apoio financeiro, por meio do FEPIM.
Aos funcionários do IDSM, principalmente do setor de apoio. Sem vocês não teria conseguido
finalizar este trabalho!
A acadêmica de Ciências Biológicas da ESALQ/USP, Aline Borges, pelas importantes
contribuições nas análises genéticas. Você tem um grande futuro pela frente!
A equipe do Laboratório de Ecologia Evolutiva e Genética Aplicada: Aline, Gustavo, Thiago,
Carlos Veríssimo, Eduardo, Marcos, Amaral e Ronaldo.
Aos professores Dálcio Caron, (ESALQ/USP), Fernando Franco (UNESP Botucatu), Maria de
Fátima Coelho (UFRSA), Sílvia Molina (ESALQ/USP), France Coelho (UFV) e Rodrigo
Azevedo (UFRSA) por terem contribuído para a revisão crítica deste trabalho.
Aos colegas da ESALQ, Tassiano, Éder, Frederico e Ebert.
A Regina Freitas, funcionária do PPGI-EA, pela simpatia e contínua disposição em resolver
problemas.
7
SUMÁRIO
RESUMO.................................................................................................................. 9
ABSTRACT........................................................................................................... 10
1 INTRODUÇÃO................................................................................................... 11
2 COMUNIDADES RIBEIRINHAS, AGRICULTURA E UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO: RACIONALIDADES E SISTEMAS DE PRODUÇÃO NAS
RESERVAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL AMANÃ E
MAMIRAUÁ, AMAZONAS.................................................................................
46
Resumo......................................................................................................................... 46
Abstract..................................................................................................................... 46
2.1 Introdução............................................................................................................ 46
2.2 Material e métodos.............................................................................................. 49
2.3 Resultados e discussão............................................................................................ 51
2.4 Considerações finais............................................................................................... 86
2.5 Conclusões.............................................................................................................. 87
Referências.................................................................................................................... 89
3 MANEJO DE SISTEMAS TRADICIONAIS DE CULTIVO E GESTÃO DA
AGROBIODIVERSIDADE: O CASO DA MANDIOCA NOS ROÇADOS DAS
RESERVAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL AMANÃ E
MAMIRAUÁ, AMAZONAS.......................................................................................
95
Resumo.......................................................................................................................... 95
Abstract........................................................................................................................ 95
3.1 Introdução............................................................................................................... 96
3.2 Material e métodos.................................................................................................. 98
3.3 Resultados e discussão............................................................................................ 101
3.4 Conclusões.............................................................................................................. 128
Referências.................................................................................................................... 129
8
4 CRITÉRIOS DE USO TRADICIONAL DA MANDIOCA (Manihot esculenta
CRANTZ) EM COMUNIDADES DAS RESERVAS DE DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL AMANÃ E MAMIRAUÁ, AMAZONAS.......................................
132
Resumo.......................................................................................................................... 132
Abstract........................................................................................................................ 132
4.1 Introdução............................................................................................................... 133
4.2 Material e métodos.................................................................................................. 134
4.3 Resultados e discussão............................................................................................ 136
4.4 Conclusões.............................................................................................................. 151
Referências.................................................................................................................... 152
5 DIVERSIDADE E ESTRUTURA GENÉTICA DE MANDIOCA EM
ROÇADOS DE COMUNIDADES RIBEIRINHAS DAS RESERVAS DE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL AMANÃ E MAMIRAUÁ,
AMAZONAS: IMPLICAÇÕES PARA A CONSERVAÇÃO................................
154
Resumo.......................................................................................................................... 154
Abstract........................................................................................................................ 154
5.1 Introdução............................................................................................................... 155
5.2 Material e métodos.................................................................................................. 157
5.3 Resultados e discussão............................................................................................ 163
5.4 Conclusões.............................................................................................................. 180
Referências.................................................................................................................... 181
6 CONCLUSÕES GERAIS.......................................................................................... 186
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 188
APÊNDICE................................................................................................................... 195
9
RESUMO
Agricultura tradicional e manejo da agrobiodiversidade na Amazônia Central: um estudo
de caso nos roçados de mandioca nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Amanã e
Mamirauá, Amazonas
O presente trabalho teve por objetivo compreender a dinâmica do manejo da
agrobiodiversidade nos roçados de mandioca em comunidades ribeirinhas de várzea e terra firme
das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Amanã e Mamirauá, na Amazônia, e suas relações
com as formas de organização da produção, do espaço e do trabalho adotadas pelos produtores.
Para tal foi trabalhado um conjunto de metodologias baseados na teoria de sistemas agrários,
análise de agroecossistemas, etnoecologia e análise genética utilizando microssatélites. Os
resultados indicaram que: 1) Nas duas reservas existem três identidades produtivas, forjadas a
partir da principal fonte de renda: agricultores, pescadores e agricultores-pescadores
(desenvolvem as duas atividades com fins de comercialização); 2) Os ribeirinhos classificam
diversos ambientes como aptos para a agricultura, e a partir deles diversos sistemas de cultivo,
que variam em função do ecossistema (várzea ou terra-firme); 3) Existem duas racionalidades
produtivas na agricultura (comercialização e auto-consumo), que moldam as racionalidades de
manejo da agrobiodiversidade; 4) A diversidade específica e varietal nos roçados diminui à
medida que se aumenta o grau de especialização produtiva, tanto da pesca, quanto da agricultura.
Contudo, isso não se verifica do ponto de vista genético, uma vez que os genes estão bem
distribuídos nas variedades e populações, independente da lógica produtiva; 5) Os roçados de
mandioca da RDS Amanã e RDS Mamirauá são extremamente diversos geneticamente,
apresentando altos valores de riqueza alélica, polimorfismo e heterozigosidade; 6) A diversidade
genética está estruturada basicamente dentro de cada roçado, o que indica alto fluxo gênico entre
as variedades de cada roçado e entre as variedades dos diferentes roçados, proporcionada
principalmente pela troca de variedades entre agricultores, diminuindo a diferença entre roçados e
aumentando a freqüência de diferentes alelos em cada roçado; 7) Os pescadores e as
comunidades de várzea têm papel fundamental na dinâmica da agrobiodiversidade, pois abrigam
grande número de espécies e variedades de mandioca nos roçados; 8) Portanto, em todas as
comunidades a agricultura tem papel fundamental, o que denota que as estratégias de assessoria
devem prever a dimensão de sistemas de produção em suas intervenções.
Palavras-chave: Agricultura tradicional; Amazônia; Agrobiodiversidade; Diversidade genética;
Mandioca; Microssatélites
10
ABSTRACT
Traditional agriculture and agrobiodiversity management in Central Amazon: a study case
in the roçados (swidden cassava`s field) in Amanã and Mamirauá Reserves, Amazonas
This study had the objective of understanding the agrobiodiversity management dynamics
in roçados (swidden fields of cassava) in riverine communities of the Amanã and Mamirauá
Sustainable Reserves in the Amazon and its relations with production, space and work
management adopted by the families. The methodology adopted was based on the agrarian
systems theory, agroecosystems analysis, ethnoecology and microsatellites genetic analysis. The
results indicated that: 1) In the two reserves there are three productive identities, forged from the
main source of economic income: agriculturists, fishing and agriculturist-fishing (they develop
the two activities with commercialization aims); 2) The informers classify diverse environments
as apt for agriculture, and from them diverse crop systems, that vary in function of the ecosystem
(land-firm or floodplain); 3) There are two productive rationalities in agriculture
(commercialization and self-consumption), which adapts to the rationalities of agrobiodiversity
management; 4) The specific and varietal diversity in the roçados decreases as the level of
productive specialization increases, both the fishing and agriculture. However, this is not verified
in the genetic point of view, where the genes are well distributed in the varieties and populations,
independent of the productive logic; 5) The roçados at the Amanã and Mamirauá SDR are
extremely diverse, presenting high values of allelic diversity, polymorphism and heterozigosity;
6) The genetic diversity is structured basically within each roçado, which indicates high gene
flow among the varieties of each roçado and among the varieties of the different roçados,
promoted mainly by the exchange of varieties between agriculturists, diminishing the difference
between roçados and increasing the frequency of different alleles in each roçado; 7) The
floodplain fishing and communities have an important role in the agrobiodiversity dynamics, as
they shelter a great number of species and cassava varieties in their roçados; 8) Therefore, in all
the communities agriculture has an important role, which denotes that the extension strategies
must foresee the production systems approach in their interventions.
Keywords: Amazon; Agrobiodiversity; Cassava; Genetic diversity; Microsatellites; Shifting
cultivation
11
1 INTRODUÇÃO
1.1 Contexto e justificativa
1.1.1 Agricultura tradicional e conservação: a necessidade de aprimoramento do diálogo
A idéia geradora deste trabalho é fruto da experiência de seis anos do autor junto a
moradores de comunidades ribeirinhas situadas nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável
Mamirauá (RDSM) e Amanã (RDSA), Região do Médio Solimões, Amazônia Central.
Carregando consigo um histórico de formação calcado na vivência em comunidades de
agricultores familiares e assentamentos de reforma agrária, este, ao chegar à região no início
desta década deparou-se com o nem sempre sereno (muito menos horizontal) diálogo entre as
então inovadoras propostas de conservação
dos recursos naturais (balizadas pela Biologia da
Conservação e encampadas pelas organizações ambientalistas), e as reivindicações dos
ribeirinhos por alternativas mais dignas de desenvolvimento e redução da pobreza
em suas
comunidades. Anseios nem sempre atendidos, dificuldades em (re)produzir devido a restrições
diversas e a necessidade urgente de uma proposta de assistência técnica e gestão territorial
condizente com ambos discursos geraram a idéia de estudar as relações entre as diferentes
identidades, suas formas de produzir e o manejo da agrobiodiversidade nas duas reservas. E mais
especificamente, de buscar entender quais são as concepções dos agricultores sobre esta tal
biodiversidade e analisá-las à luz de algumas concepções científicas.
Uma “parábola científica” pode ser muito útil para introduzir este texto e situar o leitor
neste emaranhado de saberes, políticas e crenças. Em um ensaio sobre experimentação no meio
camponês, o sociólogo holandês Luke Box relata que, ao visitar um povoado na República
Dominicana perguntou a um agricultor o que ele sabia sobre a cultura da mandioca. O mesmo
respondeu: “pergunte-me sobre minha vida e eu falarei a você sobre a mandioca” (BOX, 1989).
Embora soe prosaico, este curto diálogo, principalmente na réplica do agricultor, embute diversas
lições. Mais do que sugerir a complexa relação que os agricultores estabelecem com o meio,
explicita as discrepâncias entre as concepções de agricultura apropriadas pelos agricultores e os
profissionais das ciências agrárias. Para os primeiros, a agricultura significa parte de sua própria
12
vida; para os segundos, um conjunto de saberes e práticas que se limitam ao exercício de sua
profissão (AZEVEDO, 2002).
Este conflito não envolve somente concepções ideológicas. As visões de mundo, as
formas de compreender os fenômenos e a percepção acerca dos recursos naturais quase sempre
são divergentes entre os dois grupos. Em um universo (dos técnicos
1
) onde predomina a
concepção do componente científico e tecnológico como elementos-chave para a mudança social,
as visões locais, as redes de interação social e a dinâmica interna das comunidades quase sempre
são subestimadas, ocasionando no insucesso de propostas de intervenção e muitas vezes no
descrédito por parte dos agricultores “assistidos”. Casos como este ocorreram na região estudada,
e tem sido recorrentes em vários locais do mundo, conforme relatos de diversos autores, como
Cáceres et al. (2000) e Veiga et al. (2004).
A conservação da agrobiodiversidade é um bom exemplo desse conflito. Para alguns,
significa a manutenção de materiais que são estratégicos para os programas de melhoramento
genético. Para outros (os agricultores principalmente), conservar significa poder cultivar em
condições altamente específicas, muitas vezes estressantes, e ter garantida a reprodução de suas
famílias. Levando em consideração as unidades de conservação de uso sustentável, nas quais é
permitida a permanência de agrupamentos humanos, a conservação da agrobiodiversidade ganha
ares ainda mais estratégicos. Do ponto de vista biológico, pode significar aumento de proteção
(estas poderiam ser consideradas hot spots
2
da agrobiodiversidade, principalmente se situadas em
regiões que são centros de origem das espécies cultivadas). Do ponto de vista social, pode
constituir avanços na gestão participativa de unidades de conservação, por conjugar interesses
dos gestores e das populações locais.
Os recursos genéticos das plantas cultivadas são componentes estratégicos nas relações
sociais, políticas e econômicas desde o surgimento da agricultura (HEISER, 1977; HARLAN,
1975; REID, 1996). Atualmente, em função da cada vez maior erosão genética e varietal
associada à segmentação de mercados e a promoção do plantio de variedades comerciais ditas
“de alto rendimento”; e do ressurgimento da temática conservacionista; diversos programas de
1
Para efeito deste trabalho, entende-se por “técnicos” os profissionais, das mais diversas formações e níveis de
escolaridade que atuam em atividades de pesquisa, gestão ambiental, assistência técnica e extensão rural junto a
comunidades rurais (situadas em unidades de conservação ou não), representando organizações da sociedade civil e
do poder público.
2
Termo utilizado para designar áreas estratégicas para a conservação da biodiversidade.
13
conservação de recursos genéticos foram criados, com propósitos diversos, que vão desde o
fortalecimento da organização dos agricultores e da soberania alimentar, ao subsídio a programas
de melhoramento genético (NODARI et al., 1996; ALMEIDA et al., 2001; FEBLES, 2001;
JARVIS, 2000). Contudo, pouquíssimos contemplam a realidade das UC’s, onde a conservação
da agrobiodiversidade deve ser vista de forma diferenciada, por envolver aspectos que
extrapolam a esfera da política agrícola.
Dada a complexidade da temática, que abrange interesses diversos, a articulação de
informações de caráter científico e do saber dito “tradicional”
3
é importantíssima para dar suporte
a programas de manejo e conservação com enfoque interdisciplinar. Se boas estratégias de
conservação requerem o conhecimento da diversidade genética e da origem e domesticação das
plantas, também carecem da compreensão do universo social e cognitivo ao qual estão (ou
estarão) imersas.
No caso da Amazônia Central, local onde se desenvolve esta tese, dado os avanços dos
movimentos sociais pela criação de unidades de conservação e reconhecimento dos direitos e
territórios das populações residentes, o choque entre a concepção conservacionista e o discurso
“popular” pela melhoria das condições de vida das populações é constante. Com o reordenamento
territorial imposto pela criação de unidades de conservação, vieram novas demandas, o que exige
o estreitamento das relações entre os diferentes atores sociais e a geração de um conhecimento
que fomente o manejo participativo, e a gestão compartilhada (ou co-gestão), conceitos recentes
de gerenciamento, onde os recursos naturais são compreendidos como sendo bens públicos,
extrapolando a esfera estatal, e propondo a sociedade civil
4
como gestora dos recursos do planeta
(AZEVEDO; APEL, 2004).
A gestão participativa passa então pela devida compreensão dos diferentes pontos de vista
e principalmente do significado que a produção assume na vida de cada um. E no que tange ao
manejo da agrobiodiversidade, em como os fatores sociais e de produção interferem na escolha
de espécies e variedades, na amplificação ou redução de diversidade, e como eles explicam o fato
de certos agricultores possuírem mais diversidade que outros. Como ressalta Cáceres et al.
3
Ver Gadgil et al., 1993; Geertz, 1994.
4
Por sociedade civil compreende-se as organizações sem fins lucrativos representativas dos interesses de grupos
comunitários, povos camponeses e indígenas, etc. Portanto, quando se pensa em articular a gestão entre a sociedade
civil (que na maioria das vezes é representada por grupos não-portadores de graus maiores de escolaridade, muitas
vezes até iletrados) e o poder público, mais uma vez se esbarra no desafio de superar as diferentes concepções sobre
os recursos naturais, que não raramente são divergentes.
14
(1999), é necessário considerar as representações tecnológicas dos técnicos e dos agricultores, e
principalmente o fato destas serem percebidas como apropriadas ou não a sua realidade ser fruto
da expressão de visões de mundo totalmente distintas.
1.1.2 Agricultura, o saber dos agricultores e o manejo participativo de unidades de
conservação na Amazônia
As Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã, criadas em 1996 e
1998, respectivamente, são dois exemplos de unidades de conservação de uso sustentável
amazônicas. Neste tipo de unidade de conservação, é obrigatório o estabelecimento de regras de
manejo elaboradas em conjunto por moradores, sociedade civil e órgãos públicos (BRASIL,
2002). Estas contemplam desde o zoneamento da área às formas de uso dos recursos naturais
(terrestres e aquáticos; normas para caça, agricultura, etc). As decisões devem ser tomadas
coletivamente, e o plano de manejo deve ser constituído pelo conjunto formado por
representantes dos moradores, sociedade civil e gestores da área.
O principal sistema de cultivo da região é o roçado, e a mandioca (Manihot esculenta
Crantz) a espécie de maior importância, alimentar, econômica e cultural. A agricultura praticada
nas duas reservas é tipicamente “tradicional”
5
, uma vez que o aporte de insumos externos é
mínimo, e a maioria das decisões de manejo é tomada levando em consideração elementos
existentes no próprio sistema, elaborados a partir de saberes constituídos da interação entre os
agricultores e o meio, e transmitidos oralmente ao longo das gerações. Ela emprega grande
volume de mão-de-obra (praticamente todo o contingente adulto das famílias), gerando recursos
financeiros, articulando diversos setores da economia local, movimentando sistemas de relações
sociais e culturais, além de ser um dos principais agentes transformadores (ou organizadores) da
paisagem. É uma atividade presente no sistema de produção de quase a totalidade das famílias.
Mesmo nos casos em que a principal atividade é a pesca, a família geralmente mantém um roçado
para fornecer alimentos para o auto-consumo, sendo raríssimos os casos de famílias que não
plantam (PEREIRA, 2003, 2006; NEVES, 2005).
5
São vários os conceitos de agricultura tradicional, formulados a partir de abordagens eco-energéticas, sociológicas,
antropológicas, dentre várias. No âmbito da antropologia, quando se trata de Amazônia e outras regiões tropicais
úmidas, é freqüentemente associado ao conceito de agricultura de corte e queima ou shifting cultivation. Contudo,
mais do que inserir os grupo estudado em qualquer classificação genérica, este trabalho objetiva relatar a realidade
concreta dos agricultores. Optou-se então pela adesão ao conceito proposto por Azevedo (2001, 2002), que se baseia
nos critérios de tomada de decisão dos agricultores e nos elementos que os fundamentam.
15
Os produtos da agricultura ribeirinha, principalmente farinha, feijão e frutas são
fundamentais para o abastecimento das cidades da região, incluindo duas regiões metropolitanas,
Manaus e Belém (NEVES, 2005; BADAM, 2006). Além disso, a agricultura represente talvez o
mais importante elo entre o homem e o ambiente amazônico, carregando uma série de
cosmologias que ajudam a tecer personalidades e culturas. Esta atividade se torna ainda mais
relevante quando se contabiliza o numero de produtores familiares da Amazônia Central (eles
representam a maior parcela dos produtores rurais da região, segundo dados do censo do IBGE
(BRASIL, 2001)), e a extensão territorial que essa produção engloba (BADAM, 2006).
Embora se tratem de populações que habitam a região há séculos, e que eventualmente se
encontrem geograficamente afastadas dos grandes centros urbanos, o conhecimento desses povos
vem sido transformado com o tempo. Todo este saber tradicional está em constante mutação e
“readequação” - as comunidades, independente do seu isolamento geográfico, sofrem diversas e
constantes influências externas, principalmente com o avanço do fenômeno da globalização a
partir da década de 1990, que aproximou as comunidades da realidade citadina (NEVES, 2005;
PANTOJA, 2005).
É necessário compreender essas mudanças, em que elas se constituem e os impactos que
elas provocam na vida dos agricultores e em seus sistemas locais de gestão de recursos. Dada a
gênese sistêmica desses conhecimentos, sua compreensão pressupõe o entendimento das relações
e fenômenos concernentes tanto à dimensão das relações humanas, quanto à das relações
ecológicas.
Por conseguinte, a compreensão das especificidades dos sistemas de produção e de seu
papel na reprodução social das famílias é basilar para o estabelecimento de políticas de manejo
participativo em unidades de conservação. A decodificação dos saberes relacionados a essas
práticas é um importante passo para o entendimento dos agroecossistemas amazônicos
6
. Esta se
faz ainda mais importante diante da citada incongruência que marca o diálogo entre o
conhecimento dos agricultores e o dos técnicos
7
.
Partindo do ponto de vista que as práticas partem do universo cognitivo dos agricultores, e
que são eles os responsáveis pelo manejo dos agroecossistemas, é fundamental compreender essa
6
Embora seja consensual que a simples sistematização de saberes pode ser imprecisa e inócua – a memória pode ser muitas vezes
volátil e se tornar inconsistente, e o conhecimento é continuamente transformado. É necessário transpor essa barreira e trazer os
agricultores e os técnicos para uma reflexão crítica acerca das sobreposições entre um e outro conhecimento.
7
São vários, por exemplo, os casos de projetos de comercialização “solidária”, onde houve reconhecimento do apelo social e
econômico de certos produtos da agricultura familiar amazônica, mas se omitiram as lógicas produtivas que estavam por trás dele,
impondo novas propostas de gestão, que ao passar do tempo se revelaram inócuas.
16
agricultura em uma perspectiva o mais próxima possível da perspectiva dos próprios agricultores
8
. Contudo, poucos esforços de pesquisa são empreendidos neste sentido. O enfoque sistêmico
9
,
apropriado para a pesquisa de sistemas de produção familiares tem sido uma importante
ferramenta para entender os processos de produção nos agroecossistemas. O estudo com enfoque
sistêmico permite a integração de diferentes escalas de análise, a identificação de itinerários
técnicos, de relações de produção, gênero e geração, e principalmente compreender interfaces
entre os diferentes componentes do sistema (econômico, ambiental, genético, cultural, etc.), e
como são influenciados uns pelos outros (MAZOYER e ROUDART, 2001; VASCONCELOS,
2003).
1.1.3 A agrobiodiversidade e os recursos genéticos como elementos basilares da
(re)produção
O conceito de agrobiodiversidade proposto pela FAO (Organização das Nações Unidas
para a Agricultura e Alimentação) é amplo, e engloba desde a riqueza biológica (espécies,
variedades, populações e ecossistemas relacionados ao sistema de cultivo) aos conhecimentos
relacionados ao manejo das espécies e dos ecossistemas. Esta mesma organização corrobora que
o conhecimento local e a cultura são componentes da agrobiodiversidade, que é fundamental não
só para a reprodução das famílias agricultoras, mas também para a economia global. Tem
conexão expressiva com a segurança alimentar, geração de novas variedades, proteção
fitossanitária e conservação do solo (FAO, 1999). O advento da Convenção para a Diversidade
Biológica (CDB) da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1992 trouxe uma série de
8
A visão êmica reflete o sistema cultural que os indivíduos utilizam para interpretar e dar sentido às experiências. De acordo com
D’Olne Campos (2002), os termos êmico e ético são inspirados em fonêmica e fonética. “Nos primórdios da sócio-linguística,
alguns pretendiam que uma vez efetuadas as transcrições fonéticas a partir de dados de campo, poder-se-ia assim, estudar e
compreender uma língua estranha. Como em geral, isso se referia a sociedades ágrafas, nelas, por mais forte razão, muito se
perderia da entonação (fonêmica) no contexto da fala”. Para Stutervant (1974), “uma descrição ÊMICA deve, em última instância,
identificar que caracteres ÉTICOS são localmente significantes. Quanto mais soubermos do ético da cultura, mais fácil será a
tarefa da análise etnocientífica”.
9
O “enfoque sistêmico”, segundo MAZOYER (1992), citado por Garcia Filho (1998), consiste em analisar e explicitar um objeto
em termos de sistema, delimitando-o, distinguindo-o de outros objetos da mesma natureza, e principalmente, considerando-o
como um objeto complexo, ou seja, uma combinação de subsistemas hierarquizados e interdependentes. Segundo o autor, analisar
e explicitar um objeto em termos de sistema é estudar a sua dinâmica de evolução através do tempo, e as relações que esse sistema
mantém com o resto do mundo, nos seus diversos estágios de evolução. A análise parte de níveis hierárquicos superiores (sistema
agrário) para níveis inferiores (sistema de produção e sistema de cultivo, ou mesmo o estudo de um a espécie e seu itinerário
técnico). E geralmente é nestes níveis que se concentra a maior parte da diversidade. Mais detalhes em Almeida (2003), Pinheiro
(2000), Mazoyer e Roudart (2001), Vasconcelos (2003).
17
inovações para o debate da conservação da biodiversidade, que passou a levar em consideração,
agora com grande respaldo internacional, a importância dos sistemas agrícolas e dos recursos
genéticos das plantas domesticadas, principalmente aqueles manejados por populações
camponesas ou tradicionais, que geralmente estão associados a elevados níveis de riqueza alélica
e específica (JARVIS, 2000).
Alguns autores denominam os recursos genéticos como raiz da vida rural, e mesmo
patrimônio cultural (HARLAN, 1975; FEBLES, 2001; ALMEIDA et al., 2001). Estes englobam
o conceito de variedade local, variedade crioula ou etnovariedade
10
(CLEMENT, 1999;
MARTINS, 2001). Para Clement (1999) o processo de domesticação das plantas cultivadas está
totalmente correlacionado com um processo de domesticação de paisagens, que pode ser
consciente ou inconsciente. De acordo com Amorozo (2002), com o processo de domesticação, a
relação de dependência entre o homem e as plantas passou a ser recíproca. E com o
desenvolvimento da agricultura, a agrobiodiversidade passou a ser importante não só para
garantir autonomia aos agricultores, mas para garantir a segurança alimentar global, uma vez que
é fonte de material genético para o desenvolvimento de novas variedades, que por sua vez estão
relacionadas a aumentos de produtividade, tolerância a estresses abióticos e adaptação a diversos
ambientes.
Por envolverem diferentes enfoques estratégicos para sua manutenção (estratégias
genéticas e tecnológicas; dinâmicas espaciais e temporais), o estudo da agrobiodiversidade, e
mais profundamente, dos recursos genéticos, pode fornecer importantes pistas para compreender
as inter-relações entre os agricultores e sua cultura, o ambiente, a dinâmica econômica, as
intervenções técnicas e as políticas públicas. No caso deste trabalho, escolheu-se como objeto de
estudo o manejo dos roçados, por estes significarem o principal sistema de cultivo das
populações tradicionais amazônicas, e devido ao fato da mandioca ser o principal produto
agrícola e alimentar da região. Esta é cultivada em grande escala (quando se pensa no conjunto
10
Jack Harlan (1975), um dos pioneiros no estudo da domesticação de plantas define estas variedades como “uma
mistura de genótipos razoavelmente bem adaptados para uma região em que evoluíram, altamente variáveis na
aparência, mas ao mesmo tempo sendo individualmente identificáveis e freqüentemente possuindo nomes locais
(integridade genética)”. Clement (1999) descreve-as como “populações domesticadas ou ocasionalmente semi-
domesticadas, selecionadas em uma paisagem cultivada e dentro de uma região geográfica restrita, com alta
variabilidade fenotípica e relativamente alta variabilidade genética. Zeven (1998) define uma variedade local ou
autóctone como uma “variedade com alta capacidade para tolerar estresses bióticos e abióticos, resultando em uma
alta estabilidade de rendimentos e um nível intermediário de rendimento dentro de um sistema agrícola de baixos
inputs”.
18
dos agricultores e na abordagem de paisagem) e em grande diversidade, sendo considerada um
verdadeiro patrimônio cultural dos povos amazônicos. O enorme conjunto de variedades
cultivadas
11
em toda a Amazônia é fruto não só de pretensões produtivas e da variabilidade
ambiental, mas também de um universo de simbologias, relações de parentesco e compadrio, o
que torna a espécie um importante modelo para ajudar a compreender processos de domesticação,
e de certa forma para subsidiar o entendimento das principais relações sociais e de produção que
permeiam a agricultura ribeirinha na Amazônia Central
12
.
Boa parte das pesquisas sobre agrobiodiversidade tem forte traço eco-genético,
enfatizando análises em nível genético e molecular. O estudo da dinâmica evolutiva das plantas
cultivadas tem avançado bastante, junto com as técnicas moleculares, principalmente os
marcadores tipo microssatélites (ELLEGREN, 2004). São inegáveis as possibilidades
proporcionadas pela biologia molecular para estudos evolutivos e para o estabelecimento de
programas de conservação de recursos genéticos. Todavia, são poucos os estudos que abordam
este tipo de análise, em paralelo com os motivos que levam os agricultores a diminuir ou
aumentar o número de variedades e espécies cultivadas integrando escalas (que vão desde sistema
agrário até espécie ou mesmo alelos
13
), investigando as relações entre as formas de se organizar e
11
O número de variedades cultivadas em todo o mundo passa dos cinco mil e pode chegar a 40 em um mesmo
roçado na Amazônia, de acordo com Kerr (1980); Boster (1984); Salick et al. (1997); Amorozo(2000); Muhlen et al.,
2000; Elias et al, 2004; Peroni (2004 e 2007).
12
O estudo das estruturas, ou seja da combinação das partes em um todo é importante para ajudar a entender a
coerência de uma organização, as relações entre as partes, e permite por sua vez inferir sobre fenômenos
aparentemente heterogêneos, mas que tem estruturas análogas (Veiga, 2003).
13
A teoria de sistemas agrários propõe os seguintes níveis hirárquicos:
SISTEMA AGRÁRIO
: Segundo Mazoyer (1985), citado por Beroldt et al. (2001), considera-se como sistema agrário
o modo de exploração do meio historicamente constituído e durável; um sistema de forças de produção adaptado às
condições bioclimáticas de um espaço determinado, e respondendo às condições e às necessidades do momento. É o
ecossistema cultivado somado aos sistemas social e produtivo. O sistema agrário pode ser constituído por uma
pequena ou grande região, e se define pela combinação entre o meio cultivado, os instrumentos de produção, o modo
de artificialização do meio, a divisão social do trabalho entre agricultura, artesanato e indústria, os excedentes
agrícolas e a repartição do produto do trabalho, e o conjunto de idéias e instituições que permitem assegurar a
reprodução social.
SISTEMA DE PRODUÇÃO
: Conjunto de produções vegetais e animais, e de fatores de produção (terra, trabalho e
capital), gerido pelo agricultor, com vistas a satisfazer seus objetivos no estabelecimento agrícola. Integra igualmente
as atividades de transformação e conservação de produtos animais, vegetais e florestais realizadas pelo agricultor na
unidade de produção (MAZOYER, 1985, citado por BEROLDT et al., 2001).
SISTEMAS DE CULTIVO E CRIAÇÃO
: De acordo com Sebillotte (1982) citado por Wunsch (1995), o sistema de
cultivo é o subconjunto do sistema de produção, definido para uma superfície de terreno tratado de maneira
homogênea, pelas culturas com sua ordem de sucessão e os itinerários técnicos praticados.
ESPÉCIE - ITINERÁRIO TÉCNICO
: Constitui-se numa combinação lógica e ordenada de técnicas culturais que um
agricultor aplica sobre determinada parcela, com o propósito de atingir seus objetivos (SEBILLOTTE, 1978, citado
por BEROLDT et al., 2001). Em outras palavras, consiste na sucessão de operações necessárias ao cultivo.
19
produzir dos agricultores e seus sistemas de manejo, e de certa forma comparando as concepções
de biodiversidade da ciência convencional (quase sempre genéticas ou agronômicas) com os
conceitos elaborados pelos agricultores.
Combinar alelos com saber tradicional pode ser uma boa alternativa para o avanço do
diálogo entre estes dois grupos. Conjugando levantamentos em nível molecular com o estudo da
agrobiodiversidade a partir da perspectiva do agricultor, é possível obter mais do que um
inventário de variedades e alelos, mas informações valiosas sobre os pilares culturais e
econômicos que sustentam o manejo, gerando conhecimentos para fomentar a gestão
participativa. A investigação conjunta da dinâmica em nível genético e de sistema de produção
pode constituir em um grande avanço em termos de aplicações práticas, gerando subsídios para
extrapolar o caráter folclórico de certas abordagens etnocientíficas e a frieza dos inventários
genéticos, e assim propor alternativas mais realistas de desenvolvimento rural e conservação.
Considerando a abrangência da área de estudo, e sua similaridade sócio-ambiental com diversas
outras regiões ribeirinhas, os resultados deste trabalho poderão contribuir subsidiando planos de
manejo e outros projetos em unidades de conservação de toda a Amazônia.
1.1.4 A mandioca: importante espécie para entender a agricultura e o manejo da
agrobiodiversidade pelas populações amazônicas
A mandioca é uma das principais plantas de interesse econômico do planeta, exercendo
importante papel para a alimentação de milhões de pessoas, principalmente nos países tropicais,
sendo também largamente utilizada na indústria, para fabricação de diversos produtos. Conforme
já descrito, é a espécie cultivada de maior importância para as populações da Amazônia Central.
Trata-se de uma planta facilmente encontrada em diversos sistemas ecológicos (várzea, terra
firme, floresta, savana) e culturais (indígenas, caboclos, migrantes) e é um alimento importante
tanto para as áreas rurais como para as populações urbanas.
No caso da região de estudo, trata-se do principal alimento e da principal opção de
comercialização na agricultura, quando não é a única, constituindo-se na principal moeda de troca
para os agricultores locais, e passaporte para aquisição dos objetos (bens industrializados, na
20
concepção local). Do ponto de vista eco-genético
14
, dado seu sistema de manejo dos roçados, é
uma espécie interessantíssima, pois a ela está associada uma complexa dinâmica evolucionária,
embasada não só em sua base biológica, mas nos aspectos culturais que permeiam o manejo.
A mandioca conseguiu, mesmo depois de um intenso processo de domesticação, manter a
rusticidade, não perdendo a capacidade de se reproduzir sexualmente. Se considerarmos o
processo de domesticação como contínuo, a domesticação continua a ocorrer, como ocorre nas
roças da agricultura tradicional autóctone de todo o mundo (CURY, 1998). Deste modo, a
mandioca é uma espécie que deve ser considerada chave para a conservação do ponto de vista
fitogenético e cultural.
A espécie apresenta elevada diversidade genética, intra e interespecífica. Essa diversidade
está relacionada com dois importantes fatores: a diversidade biológica, relacionada aos biomas e
ecossistemas, e a diversidade cultural. Pouco se conhece sobre a filogenia, origem e evolução da
espécie, havendo hoje na literatura uma série de hipóteses que ainda estão longe de convergir
para um consenso
15,16,17,18,19
. Os marcadores moleculares também tem sido importantes para a
compreensao destes fenômenos, bem como para a caracterização da diversidade genética.
14
A mandioca possui diversas caraterísticas que favorecem a exogamia, como monoicia com dicogamia protogínica,
macho esterelidade e visitação de flores por insetos, além de forte heterozigosidade e depressão, quando submetida a
endogamia. Mas estas características não são suficientes para descartar a autogamia, pois ela pode ocorrer com a
abertura sincrônica de flores masculinas e femininas de diferentes cachos de indivíduos clonados (HERSHEY &
AMAYA, 1984). Tanto a autofecundação quanto o cruzamento podem ocorrer naturalmente, sendo que a taxa de
cruzamento é dependente da composição da população, mais especificamente de fatores como número de indivíduos
geneticamente diferentes, porcentagem de cultivares macho estéreis, sincronia do florescimento e disposição de
diferentes cultivares no campo. A mandioca portanto, é considerada preferencialmente exogâmica devido ao seu
comportamento genético, uma vez que apresenta forte heterozigosidade e forte depressão quando submetida a
endogamia, de acordo com KAWANO et al. (1978). Eles demonstraram que através da autofecundação pode haver
perda do vigor médio de até 54% para o caráter produção de raízes.
15
O pesquisador da Embrapa/Cenargem Antônio Costa Allem, por sua vez, deu um importante passo ao propor, após
avaliação de características morfológicas e aspectos geográficos, que Manihot flabellifolia é o ancestral da mandioca
cultivada (ALLEM, 1994 e 1999). ALLEM (2001), considera como conjunto gênico primário da mandioca, as
espécies M. esculenta ssp. esculenta, M. esculenta ssp. flabellifolia, M. esculenta ssp. peruviana, e M. pruinosa. Já
como conjunto gênico secundário, que são as espécies biológicas que se cruzam com a cultura, mas são distantes
geneticamente, ele considerou as espécies M. triphylla, M. pilosa, M. brachyloba, M. anomala, M. epruinosa, M.
gracilis, M. tripartita, M. leptophylla, M. pohlii, M. glaziovii, M. dichotoma, M. aesculifolia e M. chlorosticta.
16
O gênero Manihot é encontrado em todo o continente americano, desde o extremo sul dos EUA, ao norte da
Argentina. Embora se trate de um tema ainda em definicao e existam estudos considerando a possibilidade do centro
de origem estar em vários lugares da América (ROGERS, 1963; RENVOIZE, 1973; NASSAR, 1976), as evidências
mais fortes, sustentadas por estudos de filogenia clássica (ALLEM, 1994), e baseados na genética molecular
(OLSEN & SHAAL, 1999) são de que a mandioca tenha se originado na região compreendida pelos estados de
Goiás, Rondônia e Mato Grosso.
17
ALLEM (2002) atribui como centro de origem da espécie M. pruinosa, os estados de Goiás e Mato Grosso. Para
M. esculenta ssp. peruviana, os estados de Mato Grosso, Rondônia e Roraima, e para M. esculenta ssp. flabellifolia,
os estados de Goiás, Mato Grosso, Rondônia, Acre, Amapá, Amazonas e Pará, além de Suriname, Guiana e
Venezuela. Os estudos já citados de OLSEN & SCHAAL (1999 e 2001), que investigou a origem e evolução da
21
As roças de mandioca (da Amazônia e de outros locais onde ocorre a agricultura
tradicional) de modo geral, apresentam elevada diversidade intra e intervarietal, seja dentro das
roças, dentro de uma mesma comunidade, ou entre comunidades, reforçando a tese de que a
Amazônia é um dos principais centros de origem e diversidade da espécie no planeta
(CLEMENT, 1989). As diversas variedades se diferenciam em múltiplos aspectos de interesse
ecológico e agronômico, como adaptação a condições adversas, cor da raiz, precocidade,
resistência a pragas e doenças, dentre outras. Devido ao importante papel que desempenha, a
mandioca é um recurso fitogenético de grande importância para os povos tradicionais. O manejo
desta diversidade tem um forte componente cultural, havendo uma interação significativa entre a
forma que as populações manejam os roçados e a diversidade existente.
Já foi citada neste trabalho a importância da agricultura tradicional na manutenção da
diversidade de mandioca nas terras baixas do continente americano. Assim sendo, a conservação
dos recursos genéticos in situ pelos agricultores tradicionais tem papel fundamental, dado em
conta o estreitamento da base genética das espécies cultivadas que vem ocorrendo nos últimos
anos, conseqüência do modelo de agricultura da Revolução Verde, e as limitações da conservação
ex situ, demasiadamente onerosa e de difícil manutenção (CLEMENT et al., 1982;
CLEVELAND et al., 1994; AMOROZO, 2000). Além disso, a manutenção da diversidade
genética dos agroecossistemas tradicionais contribui para a adaptabilidade das populações
humanas, uma vez que fornece garantias de sobrevivência para o agricultor. Entretanto, apesar do
importante papel dos agricultores para a conservação da biodiversidade, inúmeros fatores têm se
mandioca, abordando o cultígeno e os relativos selvagens M. flabellifolia e M. pruinosa, sugere que a borda sul da
bacia amazônica é o centro de domesticação.
18
Há sugerências de que a domesticação da espécie iniciou-se entre 5 mil e 7 mil anos atrás e sugerem que os
ancestrais da mandioca foram as primeiras plantas utilizadas como alimento pelos índios americanos, e que há
evidências de que a farinha de mandioca foi importante produto nas negociações comerciais no comércio do nordeste
da América do Sul entre o segundo e o terceiro milênio antes de Cristo (ROUSE & CRUXENT, 1963; LATHRAP,
1973; REICHEL-DOLMANTOFF, 1965; HERSHEY & ALMAYA, 1984).
19
CURY (1993) estabeleceu princípios básicos para o estabelecimento do modelo de dinâmica evolutiva da
mandioca proposto pelo prof. Paulo Sodero Martins (MARTINS, 2005). O modelo utiliza a mandioca como unidade
evolutiva e leva em consideração o fato da espécie ser de propagação vegetativa (agronômica), sem, entretanto,
deixar de possuir um sistema reprodutivo sexual ativo, capaz de gerar novos recombinantes, que aparecem nas roças
através da germinação espontânea de sementes. Este material é introduzido no conjunto gênico, promovendo
amplificação da variabilidade genética da população (roça), como resultado de cruzamentos entre diferentes clones,
hibridações interespecíficas e autofecundação de indivíduos heterozigotos, sendo esse conjunto de novos genótipos,
assim como os genótipos já existentes, objeto de seleção natural, seleção perceptiva e seleção consciente pelos
agricultores. Assim, os agricultores mantêm o conjunto original de variedades através da reprodução clonal e obtém
novos genótipos através do processo sexual. A ocorrência de reprodução sexual nas roças (que nem sempre ocorre) é,
portanto, parte essencial para o estabelecimento deste modelo.
22
constituído em riscos para esta, tais como pressões do mercado, êxodo rural e a globalização, que
mina as culturas locais (inclusive os hábitos alimentares, baseados no consumo de uma pequena
variedade de alimentos) em prol de uma supremacia cultural reducionista, advinda dos países
desenvolvidos (ALTIERI, 1991; BRUSH, 2000; GUERRA et al., 1998).
1.2 Objetivos
1.2.1 Objetivo geral
- Compreender a dinâmica do manejo da agrobiodiversidade nos roçados de mandioca em
comunidades ribeirinhas de várzea e terra firme da RDSA e RDSM e suas relações com as
formas locais de organização da produção, do espaço e do trabalho.
1.2.2 Objetivos específicos
- Caracterizar a agricultura praticada na RDSA e RDSM, identificando as racionalidades e
estratégias de organização do espaço, da produção e do trabalho.
- Descrever as estratégias de manejo da agrobiodiversidade nos roçados de mandioca e suas
relações com o manejo dos sistemas de cultivo e a organização da produção.
- Descrever as estratégias de manejo e classificação das variedades de mandioca.
- Avaliar, por meio de marcadores moleculares do tipo microssatélites, as variedades
tradicionais de mandioca, e caracterizar a diversidade genética dentro de cada roçado,
entre roçados numa mesma comunidade, e entre comunidades.
- Fornecer informações para subsidiar o Plano de Manejo da RDSA e da RDSM.
23
1.3 Hipóteses
- Está ocorrendo “erosão” de variedades de mandioca nas duas reservas, fruto do processo
de fragilização dos mecanismos de manutenção e amplificação da agrobiodiversidade,
proporcionada principalmente por pressões do mercado de farinha.
- A maior parte da diversidade genética e varietal da mandioca está concentrada nas
comunidades com mais agricultores e menor contato com o mercado.
- A diversidade genética da mandioca é maior dentro das roças, do que entre roças ou entre
comunidades. A razão desta distribuição da diversidade genética se deve ao sistema de
trocas de variedades de mandioca entre vizinhos e moradores de outras comunidades,
promovendo desta forma fluxo gênico.
1.4 Perguntas norteadoras
- Até quando a agricultura praticada na RDSA e RDSM continuará sendo tradicional?
- Quais são as racionalidades que governam a agricultura e o manejo da agrobiodiversidade
nas duas reservas?
- Os agricultores estão satisfeitos com a sua situação atual? Quais são as perspectivas de
futuro na visão deles?
- Qual é o papel exercido pelo mercado e pelos agentes públicos na manutenção da
agrobiodiversidade?
- Até que ponto as temáticas da conservação da natureza e do desenvolvimento rural são
convergentes ou divergentes no contexto da Amazônia Central? Quais são os desafios de
uma e de outra?
1.5 O local de estudo: as reservas Amanã e Mamirauá
As Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (1.124.000 ha) e Amanã
(2.350.000 ha) estão situadas na região do Médio Solimões, a primeira na confluência dos rios
Solimões e Japurá, e a segunda no interflúvio deste último com o Rio Negro. Formam territórios
24
contíguos que adjacentes ao Parque Nacional do Jaú (2.272.000 ha), constituem o corredor
ecológico da Amazônia Central, um dos maiores blocos de floresta tropical protegida do planeta
(SCM, 1996; QUEIROZ, 2005). A RDSM está totalmente situada em ambiente de várzea, de
forma que nos períodos de cheia, dependendo do regime fluvio-dinâmico, pode ficar totalmente
alagada. Já a RDSA compreende áreas de terra firme, várzea e campinarana, e é banhada por rios
e igarapés de água preta e água branca (Figuras 1 e 2).
Figura 1 - Limites geográficos da RDS Amanã
25
Figura 2 - Área focal da RDS Mamirauá, delimitada pelos rios Solimões e Japurá, e RDS Amanã, com destaque para
as comunidades estudadas
Uma das principais características biofísicas desta região, além da exuberante cobertura
florestal em excelente estado de conservação e do alto grau de endemismo de espécies animais e
vegetais, é o regime fluvio-dinâmico, que dita um ciclo de cheias que pode causar uma variação
anual no nível da água de até 12 metros da estação seca para a estação cheia (Figuras 3 e 4). Este
regime é função das chuvas que caem nas cabeceiras dos principais rios que passam pela região e
do degelo dos Andes que ocorre no verão. Este traz consigo uma carga de sedimentos e argilas
enorme, que é responsável pela altíssima produtividade do ecossistema da várzea, tanto nos
sistemas terrestres quanto nos aquáticos. A geomorfologia local permite a formação de diversos
micro-ambientes, que variam desde ambientes de água aberta, como rios e paranãs, a lagos e
outras formações. A demora no tempo de alagamento é variável, havendo locais que permanecem
alagados por mais de 10 meses (SALATI, 1983; SIOLI, 1984; PRANCE; LOVEJOY, 1985).
26
Figura 3 - Variação sazonal do nível da água do Rio Solimões, em metros, entre os anos de 1992 e 2000, medida na
cidade de Tefé. Adaptado de Schmidt (2003)
Figura 4 - Variação sazonal do nível da água do Lago Amanã, em metros, entre os anos de 2002 e 2004. Fonte:
Instituto Mamirauá
Este regime condiciona não só a dinâmica ecossistêmica, mas os modos de vida das
populações locais, resultado de séculos de adaptação do homem a este tipo de ambiente
27
(MORÁN, 1990). O histórico de ocupação da região remonta de povos indígenas, nos séculos
passados, e atualmente provém do séc. XX. O perfil étnico típico da região é o caboclo
20
, embora
haja vários grupos de descendentes de migrantes nordestinos, os arigós, e alguns povos indígenas
que vem solicitando reconhecimento oficial de forma mais atuante nos últimos anos. Todos esses
agrupamentos possuem perfil tipicamente camponês, e o sistema agrário regional vem se
transformando bruscamente a partir das últimas décadas do séc. XX, situação influenciada
também pelo cenário político proporcionado pela criação de unidades de conservação na região,
conforme será discutido posteriormente. De modo geral, a economia regional até o final do
século passado era eminentemente extrativista, baseada na extração da borracha e outras espécies
animais e vegetais, situação esta que veio mudando com o declínio da industria do látex, com a
diminuição dos estoques e com as restrições impostas pela legislação ambiental (NEVES, 2005).
Na Reserva Mamirauá convivem mais de 60 assentamentos humanos, e em Amanã, cerca
de 28, denominados comunidades, uma vez que foram formados a partir da atuação de
organizações ligadas à Teoria da Libertação da Igreja Católica, como as Comunidades Eclesiais
de Base (CEB’s)
21
. Em Mamirauá, a maior parte das comunidades está situada às margens dos
rios Solimões e Japurá. Já em Amanã estão mais dispersas, espalhadas ao longo dos Lagos
Amanã (que tem cerca de 48 km de extensão) e Urini, e de paranás (braços de rios) diversos,
como o Coraci e o Tambaqui. As comunidades são agrupadas geopoliticamente em setores
(conjuntos de comunidades próximas), unidades políticas dotadas por um coordenador,
responsável pela organização de encontros periódicos, que reúnem as lideranças de todas as
comunidades. Nestes são discutidos temas diversos de interesse coletivo, tais como política de
ocupação, fiscalização, manejo de recursos, etc. Na RDSM existem oito setores, e na RDSA, três.
A Reserva Mamirauá enquanto unidade de conservação possui um histórico de
organização política mais antigo, já tendo plano de manejo aprovado pelas comunidades no ano
de 1996 e conselho deliberativo formado
22
, constituído em 2005, acatando a legislação brasileira
20
Na definição da antropóloga Deborah Lima, que realizou um estudo na região nos anos de 1990, caboclo é
“pequeno produtor familiar que vive na região amazônica da exploração dos recursos das florestas. Seu
conhecimento sobre a floresta, seus hábitos alimentares e seus padrões de moradia distinguem os caboclos dos
produtores que migraram mais recentemente”. (Lima-Ayres, 1992).
21
Embora deva-se levar em conta que com o recente avanço das seitas protestantes na região esteja surgindo uma
nova forma de organização, as congregações.
22
De acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, SNUC, as RDS devem ter um conselho
deliberativo, constituído por moradores, representantes do órgão ambiental e membros da sociedade civil, dentre
outros.
28
(BRASIL, 2002). Na Reserva Amanã por sua vez, ainda não foi elaborado o plano de manejo
nem constituído o conselho.
As RDS são um tipo de unidade de conservação onde é permitida (e teoricamente
incentivada) a presença de assentamentos humanos. Mamirauá foi pioneira deste modelo
23
,
proposto pelo primatólogo Márcio Ayres, por meio da Sociedade Civil Mamirauá, em 1995, e
acatado pelo governo do Estado do Amazonas em 1996 (AMAZONAS, 1996). Por lei, o objetivo
principal deste tipo de unidade de conservação é promover a conservação da biodiversidade
aliado à melhoria das condições de vida das famílias e garantia da reprodução social das mesmas
(BRASIL, 2000). O modelo proposto pela Sociedade Civil Mamirauá é baseado na “permanência
e participação das populações locais e manutenção de uma forte base científica para subsídio do
manejo e conservação da biodiversidade” (QUEIROZ, 2005). A proposta então (embora isso
nem sempre funcione na prática) é de associar o conhecimento tradicional com a pesquisa
científica, de forma a estabelecer normas de uso sustentado dos recursos e alternativas
econômicas para mitigar os impactos causados pelas políticas de conservação. As decisões de
manejo seriam, portanto, discutidas entre moradores (representados pelas lideranças
comunitárias), pesquisadores e gestores.
O município pólo da região é Tefé, com cerca de 65 mil habitantes. Todos os processos
econômicos que envolvem as cidades locais remontam à condição ribeirinha. O principal meio de
transporte que liga todos os municípios é o fluvial, e a produção pesqueira tem fundamental
participação no produto interno bruto das cidades. Embora as reservas abranjam os territórios de
outros municípios, e não propriamente Tefé (Mamirauá envolve Uarini, Alvarães, Maraã e Fonte
Boa; Amanã ocupa Maraã, Coari, Barcelos e Codajás, dentre outros), numa região carente de
infra-estrutura, e devido também às condições geográficas, é basicamente em Tefé que os
moradores buscam os serviços básicos, como assistência médica, compras diversas e serviços
bancários
24
. Eventualmente, em casos mais graves de doença, ou na ocasião de serviços não
ofertados na região, os moradores se deslocam a Manaus, preferencialmente via fluvial (devido a
questões econômicas), em embarcações denominadas recreios (embarcações de passageiros
23
A Reserva surgiu como estação ecológica, em meados dos anos de 1980, por ocasião da detecção da ocorrência de
diversos endemismos, principalmente de uma espécie de macaco então ameaçada de extinção, o Uacari Branco
(Cacajao calvus calvus). Maiores detalhes em Queiroz (2005).
24
O censo demográfico de 2001 revela que 63, 1% da população do Amazonas está concentrada em seis cidades, em
ordem decrescente de população: Manaus (com cerca de 1 milhão de habitantes), Parintins (90 mil), Manacapuru,
Itacoatiara, Coari (as três com cerca de 70 mil habitantes) e Tefé (Brasil, 2001).
29
típica da região). No caso das duas reservas, este fluxo é cada vez mais comum com os
moradores tendo laços cada vez mais estreitos com a cidade. A economia da região é baseada no
setor de serviços, e secundariamente na agricultura (IBGE, 2006
25
).
Tabela 1 - Indicadores populacionais e índice de desenvolvimento humano de seis municípios da região do Médio
Solimões, Amazonas
Município
Indicador Alvarães Tefé Uarini Maraã Fonte Boa Coari Amazonas Brasil
População rural
(hab)
6.836 16.759 6.702 12.558 19.876 27.592 705.335
População urbana
(hab) 5.314 47.698 3.552 4.521 11.633 39.504 2.107.222
IDH 2000 0,647 0,663 0,599 0,560 0,532 0,627 0,713 0,766
IDH-educaçao 0,739 0,750 0,644 0,586 0,588 0,672 0,813 0,849
Fonte: IBGE; PNUD (Atlas do Desenvolvimento Humano, disponível em www.undp.org.br em 18/10/2007)
Nas cidades eventualmente os filhos dos moradores das reservas vêem a residir, para
estudar. São poucas as comunidades dotadas de estrutura de ensino completa, sendo a maioria
possuidora de escolas que oferecem apenas o ensino fundamental. Geralmente nas comunidades
maiores se oferecem graus mais avançados, e muitos alunos se deslocam diariamente, ou residem
temporariamente fora de sua comunidade de origem. Os professores são em sua maioria de Tefé
ou eventualmente dos municípios onde as comunidades estão situadas, e a situação do ensino é
precária. São altas as taxas de evasão e há muitas reclamações de falta de professores e infra-
estrutura básica, principalmente merenda escolar.
As comunidades
O trabalho foi realizado em nove comunidades, sendo quatro da Reserva Mamirauá e
cinco da Reserva Amanã. O critério de seleção das comunidades baseou-se na pré-existência de
ações de pesquisa e extensão (escolheram-se comunidades que possuíam histórico antigo, recente
ou inexistente de atividades com o programa de Agricultura Familiar do Instituto de
Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, organização responsável pela gestão das reservas e
parceiro neste projeto de pesquisa); tipo de sistema de produção predominante (pesca e/ou
agricultura); localização geográfica (buscou-se privilegiar todas as regiões e setores das duas
25
Informações coletadas no sítio do IBGE na internet, em 25 de setembro de 2006. www.ibge.gov.br.
30
reservas: várzeas dos Rios Solimões e Japurá; cabeceira, região intermediária e foz do lago
Amanã; regiões de várzea da Reserva Amanã); tipo de ambiente (várzea e terra firme); facilidade
de acesso e disponibilidade de recursos financeiros. As comunidades escolhidas foram:
Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá: Marirana, Aiucá, Jarauá e Nova
Colômbia (todas situadas em ambiente de várzea).
Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã: Boa Esperança, Boa Vista do Calafate,
Monte Sinai (situadas em ambiente de terra firme), São Paulo do Coraci e Nova Samaria
(situadas em ambiente de várzea).
As características principais de cada comunidade estão expostas na Tabela 2.
31
Tabela 2 - Aspectos gerais das nove comunidades estudadas
(continua)
Comunidade Ambiente População
(habitantes/fa
mílias)
Renda
média
(R$)
26
Distância a Tefé
(km/horas)
Principais atividades
econômicas
27
Outras informações
Reserva Amanã
Boa Esperança
Terra firme 33 420,00 13 Agricultura/pesca Situada na cabeceira do Lago Amanã, é umas das
maiores e mais organizadas comunidades da
reserva. É formada fundamentalmente por
descendentes de nordestinos (arigós) que vieram
da região do Médio Juruá, onde viviam do
extrativismo da seringueira. Possui diversas
lideranças atuantes na organização da Reserva, da
Igreja, e que possuem razoável trânsito com
políticos de Tefé e Maraã. Possui produção
diversificada e bem organizada, quando
comparada com as demais comunidades. Os
sistemas de produção são desenhados com enfoque
fortemente voltado para a comercialização.
Boa Vista do
Calafate
(Calafate)
Terra firme 9 200,00 10 Agricultura/pesca
Formava uma única comunidade, até 2003, quando
mais da metade das famílias migrou para a outra
margem do igarapé do Calafate e fundou uma
congregação evangélica, a qual denominaram Monte
Sinai. É umas das comunidades mais antigas da
RDSA, fundada na década de 1980, mas seus
moradores vivem na região há várias décadas. Perfil
étnico tipicamente caboclo. A agricultura voltada para
o mercado é muito recente. Até 8 anos atrás
praticamente não comercializavam nenhum produto.
Contudo, a tendência verificada é que os agricultores
estão desenhando cada vez mais seus sistemas de
produção com enfoque mais voltado para o mercado,
formando sistemas agroflorestais e especializando a
produção de mandioca.
Monte Sinai
Terra firme 8 230,00 10 Agricultura/pesca
Comunidade formada recentemente por integrantes de
uma igreja protestante, advindos da comunidade Boa
Vista do Calafate e de outras regiões do estado do
Amazonas, como o médio Juruá e Coari. Constitui um
misto de população cabocla com arigós. Estado atual da
produção bastante parecido com o da comunidade
Calafate.
26
Por família, advinda da produção.
27
Em ordem de importância
32
Tabela 2.Aspectos gerais das nove comunidades estudadas
(continua)
Comunidade Ambiente População
(habitantes/f
amílias)
Renda
média
(R$)
28
Distância a Tefé
(km/horas)
Principais
atividades
econômicas
29
Outras informações
Reserva Amanã
Nova Samaria
Várzea 5 120 10 Pesca/agricultura Embora os moradores mais antigos residam na
região há décadas, a comunidade foi fundada
em 2001. Consiste basicamente em uma família
extensa, que cultiva na terra firme, situada há
cerca de 3 quilômetros da sede, via rio, embora
esteja situada em ambiente de várzea. As rendas
advindas de aposentadorias, benefícios sociais e
salários tem alto impacto na economia da
comunidade.
São Paulo do
Coraci
Várzea 13 200,00 12 Pesca/agricultura Foi uma das primeiras comunidades formadas
pelo movimento da Igreja, que possui forte
influencia no local. Em São Paulo existem
diversas lideranças, que ocupam cargos diversos
na associação do setor e em uma ONG de Tefé.
Renda advinda principalmente da pesca.
Reserva
Mamirauá
São Raimundo
do Jarauá
(Jarauá)
Várzea 27 440,00 5 Pesca/agricultura É a comunidade mais organizada da Reserva
Mamirauá. A pesca manejada do Pirarucu e de
outros peixes é a principal fonte de renda, mas
também comercializam muita farinha. Possui
uma família de descendentes de portugueses
que exerce grande influencia nos modos de vida
locais e nas formas de organização.
Nova Colômbia
Várzea 12 150,00 6 Pesca/agricultura Comunidade pequena, com baixa produção
voltada para a comercialização. Renda não-
agrícola exerce fundamental importância.
28
Por família, advinda da produção.
29
Em ordem de importância
33
Tabela 2- Aspectos gerais das nove comunidades estudadas
(conclusão)
Comunidade Ambiente População
(habitantes/f
amílias)
Renda
média
(R$)
30
Distância a Tefé
(km/horas)
Principais
atividades
econômicas
31
Outras informações
Reserva
Mamirauá
Marirana
Várzea 10 <100,00 11 Pesca/agricultura Comunidade pequena, com baixa produção
voltada para a comercialização. Renda não-
agrícola exerce fundamental importância.
São Francisco do
Aiucá
(Aiucá)
Várzea 27 200,00 9 Pesca/agricultura Comunidade com alto grau de organização
social e produtiva. A pesca é a principal fonte
de renda, mas ainda não tem o nível de
profissionalização e manejo do Jarauá. Mesmo
sendo várzea, comercializam muita farinha, de
boa qualidade, reconhecida em toda a região
(farinha do Uarini). Forte presença de arigós.
30
Por família, advinda da produção.
31
Em ordem de importância
34
1.6 Referencial teórico-metodológico
1.6.1 O trabalho de campo
O trabalho de campo foi realizado entre abril de 2004 e fevereiro de 2008. Foram feitas
visitas periódicas às reservas e comunidades, com duração variável de um a três meses cada,
estimando-se que do início do trabalho até o período atual o autor tenha passado cerca de
dezesseis meses em campo.
A caracterização dos procedimentos de coleta de dados será detalhada ao longo dos
capítulos deste trabalho. Resumidamente, consistem na aplicação de entrevistas estruturadas e
semi-estruturadas, visitas às unidades produtivas, coleta de material genético, observação
participante e atividades coletivas alicerçadas por metodologias participativas. O autor também
participou de diversas atividades promovidas pelo Instituto Mamirauá em seus diversos
programas (Pesca, Manejo Florestal Comunitário, Artesanato e Organização Política), bem como
promovidas por outras instituições governamentais e ONG’s que atuam na região, o que permitiu
uma visão geral sobre a atuação e relação estabelecida entre os técnicos daquela instituição e de
outras com os moradores das comunidades.
No procedimento de análise buscou-se uma triangulação com dados secundários (obtidos
em revisão de literatura e por meio de informações fornecidas pelo Instituto Mamirauá e por
outras instituições que atuam na região), e com dados coletados em outras comunidades da
Reserva Mamirauá (Vila Alencar, Nova Olinda e São João do Ipecaçu, que não foram objeto
deste estudo, mas que possuem relação com a realidade estudada por estarem geograficamente
próximos ou social e economicamente ligadas e terem papel importante na dinâmica micro-
regional
32,33
).
32
O autor realizou uma visita a todas as comunidades residentes no Parque Nacional do Jaú (PNJ) em junho de 2005.
33
A comunidade Vila Alencar está situada na “entrada” da Reserva Mamirauá, a poucos minutos das cidades de Tefé
e Alvarães e possui um largo histórico de contato com o Instituto Mamirauá. Sofreu um forte processo de
intervenção do Instituto nos últimos anos, onde foram implantadas atividades de promoção ao ecoturismo e
artesanato, que provocaram diversas mudanças no cotidiano das famílias e na dinâmica sócio-econômica. Por outro
lado, as comunidades do PNJ, ainda bastante afastadas da realidade das cidades, e com economia eminentemente
extrativista, podem contribuir para um retorno ao passado, que era comum ao de todas as comunidades estudadas
neste trabalho.
35
Parte dos dados, mais especificamente os relacionados aos aspectos sócio-econômicos dos
agroecossistemas, foram sendo “socializados” com as comunidades na medida em que foram
surgindo, por se tratar de uma pesquisa que é realizada em conjunto com outra instituição, e que
tem por finalidade maior subsidiar ações de assistência técnica e extensão rural nas duas reservas.
Esta prática contribuiu de certa forma para a aproximação do pesquisador e dos extensionistas
envolvidos com o grupo de pesquisa, facilitando a coleta de dados, e permitindo criar grandes
expectativas com relação à aplicação destes em projetos de promoção econômica e social junto a
essas comunidades.
Por se tratar de acesso a conhecimento tradicional associado ao manejo da biodiversidade,
e levando em consideração questões éticas e legais, a pesquisa foi submetida à anuência prévia
das comunidades e autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN),
atendendo a Medida Provisória 2186-16 de 23 de agosto de 2001. O referido órgão concedeu a
autorização (008/2007) em 14/02/2007, com publicação no Diário Oficial da União em
02/04/2007 (APÊNDICE). Registre-se que todo o conhecimento tradicional publicado nesta tese
tem origem nas comunidades visitadas.
1.6.2 Bases teórico-metodológicas
Propôs-se um referencial metodológico capaz de compreender este sistema complexo que
é a agricultura. Para tal é necessária uma abordagem interdisciplinar, que permita articular, num
mesmo esforço de análise, os fatos naturais com as realidades sociais e as práticas técnicas.
Para tal, elegeu-se como pilares metodológicos
deste trabalho a integração de escalas
34
e o
enfoque sistêmico. Um dos propósitos principais deste trabalho foi entender a medida do
possível, a realidade a partir do ponto de vista dos agricultores
, incluindo suas percepções sobre a
produção; a biodiversidade; a dinâmica social e política; a evolução dos sistemas de produção;
bem como sobre as limitações de seus saberes e as propostas de superação, tentando integrar
abordagens de diversas ciências. É importante frisar que uma das premissas fundamentais
deste
trabalho é a consideração da agricultura como parte de um sistema de produção (subsistema),
composto invariavelmente de outras atividades, como pesca e extrativismo, cada uma assumindo
um grau de importância de acordo com cada caso. E por fim, corrobora-se da premissa de que a
34
A integração de escalas de análise facilita o entendimento das mudanças em escalas maiores de tempo.
36
técnica nada mais é que um produto sócio-cultural, expressão da relação entre os atores sociais e
o meio natural.
Para isso fez-se valer dos conceitos e ferramentas de diversas ciências e abordagens
científicas. A Etnobiologia e a Etnoecologia
35
(TOLEDO, 1992; POSEY, 1986, MARQUES,
2001), em seu conceito clássico, de etnografia de saberes e práticas, ao qual lhe é atribuída
função de estudar as relações entre o homem e o ambiente, ofereceu elementos que auxiliaram no
evidenciamento das formas locais de classificação de plantas, variedades, animais e ambientes, e
na análise da percepção dos fenômenos ecológicos e ambientais. A Agroecologia
36
(SEVILLA-
GUZMAN e MOLINA, 1993; ALTIERI, 1999; GLIESMANN, 2001, CAPORAL e
COSTABEBER, 2004) e a Análise de Sistemas Agrários e Agroecossistemas
(CONWAY, 1993;
MAZOYER e ROUDART, 2001), ajudaram na compreensão da produção de forma sistêmica,
subsidiando o entendimento da evolução dos sistemas agrários e a identificação dos diferentes
sistemas de produção e cultivo, descrições de itinerários técnicos, as formas locais de organização
da produção, do espaço e do trabalho, e as relações ecológicas estabelecidas nos
agroecossistemas. Elementos da Genética de Populações
(HEDRICK, 2002) e da Ecologia
Evolutiva (BRANDÃO; BERED, 2003; BEGON et al., 2005) viabilizaram o estudo da dinâmica
35
Toledo (1992) define a Etnoecologia como enfoque interdisciplinar que estuda a forma pelas quais os seres
humanos vêem a natureza. Posey (1995) alega que “a etnobiologia é essencialmente o estudo do conhecimento e das
conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito da biologia. Em outras palavras, é o estudo do papel
da natureza no sistema de crenças e de adaptação do homem a determinados ambientes. Neste sentido, a etnobiologia
relaciona-se com a ecologia humana, mas enfatiza as categorias e conceitos cognitivos utilizados pelos povos em
estudo”. A etnoecologia é definida por Marques (2001) como o estudo transdisciplinar dos pensamentos
(conhecimentos e crenças), dos sentimentos e dos comportamentos que intermediam as interações entre as
populações humanas e os demais elementos dos ecossistemas dos quais elas dependem, bem como dos impactos
ambientais daí decorrentes.
36
Para Altieri (2001), a Agroecologia é “a ciência ou a disciplina científica que apresenta uma série de princípios,
conceitos e metodologias para estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas, com o propósito de
permitir a implantação e o desenvolvimento de estilos de agricultura com maiores níveis de sustentabilidade. A
Agroecologia proporciona então as bases científicas para apoiar o processo de transição para uma agricultura
“sustentável” nas suas diversas manifestações e/ou denominações”. O conceito do sociólogo espanhol Eduardo
Sevilla-Guzmán, citado por Caporal e Costabeber (2004), traz a idéia de que a agroecologia é o “manejo ecológico
dos recursos naturais, através de formas de ação social coletiva que apresentam alternativas à atual crise de
Modernidade, mediante propostas de desenvolvimento participativo desde os âmbitos da produção e da circulação
alternativa de seus produtos, pretendendo estabelecer formas de produção e de consumo que contribuam para encarar
a crise ecológica e social e, deste modo, restaurar o curso alterado da coevolução social e ecológica. Sua estratégia
tem uma natureza sistêmica, ao considerar a propriedade, a organização comunitária e o restante dos marcos de
relação das sociedades rurais articulados em torno à dimensão local, onde se encontram os sistemas de conhecimento
portadores do potencial endógeno e sociocultural. Tal diversidade é o ponto de partida de suas agriculturas
alternativas, a partir das quais se pretende o desenho participativo de métodos de desenvolvimento endógeno para
estabelecer dinâmicas de transformação em direção a sociedades sustentáveis”.
37
da diversidade genética da mandioca em nível molecular inclusive, instrumentalizando o desenho
amostral.
1.6.3 A análise dos dados
Contribuem para a análise qualitativa dos dados obtidos e para a proposição de ações de
manejo, diversos conceitos do Desenvolvimento Rural
37
, tão eficientes para compreender o
fenômeno da “modernização globalizadora” e seus efeitos nas até então remotas comunidades
ribeirinhas da Amazônia Central.
Já as análises estatísticas, tanto dos dados de produção quanto das informações genéticas
são assistidas por ferramentas da análise multivariada
, muito úteis para investigar as relações
entre as variáveis, identificar padrões, arranjos hierárquicos e tendências (MINGOTI, 2005).
Buscou-se, neste trabalho, ir além dos inventários de espécies e variedades, e das
descrições de práticas, partindo-se da concepção que descrever significa contribuir para a
compreensão dos fatos, e que descrição por sua vez denota explicação, como ressalta o geógrafo
Milton Santos (2001). Para tanto, buscaram-se arranjos metodológicos capazes de permitir a
identificação da causa e das conseqüências dos fatos, e a conexão destes com outras esferas de
análise, de forma a construir uma reflexão histórica.
Embora o referencial escolhido contribua para o estabelecimento de tipologias, neste
trabalho optou-se por privilegiar a auto-identificação dos grupos, caracterizando-os a partir das
formas como eles se reconhecem, por julgar ser mais útil e ético, numa perspectiva co-
gestionária, reconhecer as identidades para então discutir a sua pertinência
38
. Da mesma forma,
trabalhou-se identificando as tipologias estabelecidas pelos próprios agricultores.
O autor deste trabalho atua na região desde 2002, quando iniciou seus trabalhos como
extensionista e pesquisador do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), de
onde desligou-se formalmente em 2003 para ingressar no curso de doutorado. Desde lá, na
37
Longe de arriscar um definição para desenvolvimento rural, parte-se neste trabalho da idéia de apropriação do
tema para refletir os processos de mudança econômica e social que ocorrem nos espaços rurais (SCHNEIDER,
2004). A retomada do debate acerca do desenvolvimento rural nos últimos anos vem alicerçada por quatro elementos
chave, bastante pertinentes ao escopo desta pesquisa: a erradicação da pobreza rural; a questão do protagonismo dos
atores sociais e sua participação política; a idéia de território como unidade de referência; e a preocupação central
com a sustentabilidade ambiental (SCHNEIDER, 2004).
38
Esta metodologia já é utilizada por órgãos governamentais para fundamentar planos de gestão territorial em Terras
Indígenas, por exemplo (FUNAI/PPTAL, 2002).
38
condição de estudante de pós-graduação e pesquisador associado, visita a área periodicamente,
adquirindo razoável proximidade com boa parte dos informantes. Este trabalho permitiu o
estreitamento dos laços de aproximação com a população residente nas comunidades, ampliando
as possibilidades de compreensão acerca da realidade da região. Por conseguinte, com vistas a
otimizar o tempo e os recursos materiais, e evitar desgastes nas relações com os informantes, foi
adotado um método da teoria sistêmica, onde inicialmente levantam-se as informações de caráter
geral, para depois chegar às especificidades, sem negar a possibilidade de a partir daí voltar às
generalidades. Trabalharam-se primeiramente os debates coletivos, para só em seguida partir para
as percepções individuais. Aproveitou-se o máximo das metodologias de enfoque grupal, como
reuniões, técnicas de DRP, etc., para então iniciar a aplicação de entrevistas, observação
participante, resgate da história oral, dentre outras técnicas mais individualizadas. Em resumo,
partiu-se das ferramentas mais abertas para as mais fechadas
. Da mesma forma, recorreu-se por
utilizar uma amostragem distinta para cada capítulo deste trabalho. Devido a restrições
orçamentárias, ao invés de se investigar todos os temas deste trabalho nas nove comunidades,
optou-se por obter uma visão geral da totalidade, e investigar certas especificidades em um
número menor de comunidades (por exemplo, fez-se uma caracterização sócio-econômica em
todas as nove e coletou-se germoplasma para análise genética em apenas cinco).
Como se compreende a memória como um patrimônio constituído ao longo do tempo,
com fatos mais recentes tendendo a ser lembrados de forma mais detalhada do que os mais
antigos, para mitigar a perda de detalhes foram feitos cruzamentos de informações e
triangulações diversas, de forma a constituir um cone de fidedignidade
39
, e decodificar os fatos
com maior precisão.
1.7 Forma de organização do texto
Este trabalho está dividido em cinco capítulos, incluindo este primeiro, introdutório. O
capítulo 2 tem por objetivo analisar o papel da agricultura nos sistemas de produção de nove
comunidades ribeirinhas, identificando as principais racionalidades envolvidas. O capítulo 3 trata
das relações entre estratégias de organização da produção e manejo dos sistemas de cultivo
39
Seguindo orientação do Prof. Dr. Rodrigo Aleixo Brito Azevedo, docente da Universidade Federal Rural do Semi-
Árido e especialista em sistemas de produção da agricultura tradicional.
39
(roçados) e a dinâmica da agrobiodiversidade. Já nos capítulos 4 e 5 é discutido especificamente
o manejo da mandioca. O primeiro descreve as estratégias de manejo da espécie, e o segundo
analisa a dinâmica da diversidade do ponto de vista genético. Ao final do texto, são enumeradas
as principais conclusões desta tese, apontando sugestões para o manejo participativo da
agrobiodiversidade nas duas reservas.
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46
2 COMUNIDADES RIBEIRINHAS, AGRICULTURA E UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO: RACIONALIDADES E SISTEMAS DE PRODUÇÃO NAS
RESERVAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL AMANÃ E MAMIRAUÁ,
AMAZONAS
Resumo
O presente capítulo apresenta uma análise da importância da agricultura nos sistemas de
produção das RDS Amanã e Mamirauá, descrevendo as principais estratégias de organização do
espaço, da produção e do trabalho. Foram identificadas três principais estratégias de produção,
com os moradores se definindo com agricultores, pescadores, ou agricultores e pescadores; a
agricultura nas duas reservas extrapola a dimensão do auto-consumo é responsável por boa parte
dos recursos financeiros gerados nas comunidades, e a interface entre os agricultores e o mercado
tem aumentado nos últimos anos. Os principais problemas apontados pelos agricultores foram
pouco acesso a crédito, assistência técnica deficiente e fraco poder político. A implantação de
programas apropriados de formação e capacitação e a participação efetiva em fóruns de discussão
de políticas públicas e gestão territorial podem ser elementos chaves para o aprimoramento dos
mecanismos de co-gestão destas duas unidades de conservação.
Palavras-Chave: Amazônia; Agroecossistemas; Desenvolvimento rural
Abstract
The present chapter presents an analysis on the importance of agriculture in the production
systems of the Amanã and Mamirauá Reserves, describing the main strategies of organization of
the landscape, the production and the work. Three main strategies of production had been
identified, with the inhabitants defining themselves as agriculturists, fishers, or agriculturists and
fishers; agriculture in the two reserves surpassing the dimension of auto-consumption and being
responsible for most of the financial resources in the communities, with the interface between the
agriculturists and the market increasing in the last years; little access to credit, lack of technical
assistance and difficulty in participating of quarrel councils of public politics and territorial
management are the main problems identified for the agriculturists. These were the key elements
identified by the agriculturists for the improvement of the mechanisms of co-management of
these two conservation units.
Keywords: Amazon; Agroecosystems; Rural development
2.1 Introdução
Os sistemas de produção fundamentados na agricultura, pesca e extrativismo são a base da
reprodução das famílias que habitam as margens dos rios e igarapés da Amazônia. Estes variam
em função de aspectos culturais, relações sociais e econômicas e especificidades do ambiente, se
confundindo muitas vezes com a própria identidade dos habitantes destas áreas, denominados
47
como ribeirinhos (LITLE, 2002). É a partir deles que se estabelece a relação do homem com a
terra, e o desdobramento das atividades produtivas informa os modos de vida e de certa forma a
dinâmica ecossistêmica de uma localidade.
O (re)conhecimento destes sistemas e identidades é de fundamental importância para a
elaboração e estabelecimento de propostas de desenvolvimento rural e conservação. Em qualquer
que seja o foco da proposta (conservação da biodiversidade, agregação de valor e renda,
fortalecimento da organização comunitária), é imprescindível a compreensão das estratégias
locais de produção, para que se possa estabelecer um diálogo efetivo entre o saber local e o saber
técnico-científico. No cenário político atual, caracterizado pelo estreitamento das relações entre
as populações com a sociedade civil e o poder público por meio da intensificação de propostas de
desenvolvimento territorial e da criação de unidades de conservação em uma perspectiva co-
gestionária
1
, este diálogo é imperativo. Instrumentos que possibilitem o reconhecimento e
reflexão destes saberes são fundamentais para subsidiar a elaboração de políticas públicas
2
.
No que diz respeito às unidades de conservação e às estratégias de intervenção técnica e
científica em conjunto com os grupos humanos nela residentes, mais do que propor “novas
alternativas econômicas”, com intuito de mitigar impactos sociais e econômicos provocados por
normas que regulam o acesso aos recursos naturais (leis ou medidas de conservação ambiental), é
necessário assumir uma concepção sistêmica da produção, e promover alternativas baseadas em
um diálogo onde se considere o universo cultural dos ribeirinhos. Transformar, por exemplo,
pescadores em agricultores, ou agricultores em artesãos apenas com vistas a diminuir pressões
sobre os estoques pesqueiros ou reduzir o desmatamento não é tarefa simples, tampouco
inteligente. A experiência mostra que a maioria das experiências de conservação baseadas na
substituição de sistemas de produção e com foco prioritário na implantação de medidas
regulatórias não são bem sucedidas (HOLT, 2005; WEST; BROCKINGTON, 2006). Qualquer
1
Maiores detalhes sobre experiências de co-gestão em unidades de conservação na Amazônia são encontradas em
Azevedo e Apel (2004) e Pereira (2004).
2
Os saberes locais estão, de acordo com Sevilla-Guzmán e Gonzáles de Molina (2005), associadas não só ao
conhecimento sobre sistemas de produção, mas também aos conteúdos históricos das experiências pessoais (que
estão vinculadas com as de seus antepassados), que por sua vez possuem uma articulação com seus sistemas
produtivos. Estão completamente associados às histórias de vida das pessoas, suas trajetórias, e sua transmissão a
cada geração é condição central no seio da família camponesa. De acordo com Woortmann e Woortmann (1997), a
transmissão dos saberes é tão importante para um pai de família agricultor como transmitir a terra. Portanto, a forma
como cada um se reconhece é importantíssima para a implantação de atividades de pesquisa, extensão e assessoria. A
escolha sobre o que produzir, e por sua vez como se dará a relação com o meio extrapola a questão econômica,
entrando na esfera dos valores morais.
48
proposta de intervenção deve passar por uma reflexão profunda nos sistemas culturais e
econômicos tradicionais frente aos novos desafios surgidos com a degradação do ambiente e o
avanço da globalização. E é fundamental quebrar qualquer resquício de concepções românticas,
que deduzem uma convivência harmoniosa entre as populações tradicionais e o meio ambiente ou
que as rotulam como um baluarte do anti-capitalismo.
Os agricultores não separam os assuntos de sua vida do que acontece em suas áreas de
cultivo. Portanto, querer compreender a diversidade local com base na formalização dos saberes
não é suficiente. Os saberes são expressões das visões de mundo, que por sua vez são fruto da
experiência e das transformações que ocorrem na vida dos indivíduos. É preciso então traduzir as
formas de ver o mundo, entender as experiências que são vivenciadas pelos indivíduos.
Agricultores que dispõem das mesmas condições e que trabalham sobre um mesmo ambiente
ecológico podem ter sistemas de cultivo totalmente diferentes, pois os projetos de vida são
distintos.
Na Amazônia Central, região que abriga as maiores bacias hidrográficas (Rios Negro e
Solimões) e o maior bloco de floresta tropical contínuo do mundo, coexistem diversas etnias
indígenas e populações tradicionais residentes (ou não) em diversas unidades de conservação de
uso sustentável, como as Reservas Mamirauá e Amanã. Nesta região, ao contrário das
conceituações científicas mais clássicas, onde as populações tendem a ser reconhecidas pelos
produtos que extraem (seja como extrativistas, castanheiros, seringueiros ou pescadores), a
realidade é marcada por sistemas de produção complexos, que incluem pesca, caça, agricultura,
criação animal e extrativismo vegetal (LITLE, 2002, 2005), que inserem atividades entrelaçadas
em itinerários diversos, adequados a calendários próprios e explorando uma multiplicidade de
ambientes.
Considerando as idéias de Geertz (2000), que afirma que a existência de uma matriz
sócio-cultural pode contribuir como um elemento essencial na configuração de um potencial que
mobilize a ação social coletiva, mais do que estabelecer tipologias, o maior desafio é reconhecer
as formas de ocupação do espaço, promover o diálogo e refletir com as populações e técnicos o
caminho a ser seguido, levando sempre em consideração como ambos conhecimentos podem (ou
não) contribuir. É necessário entender as lógicas de produção, as relações entre os “sistemas de
pensamento” com a realização de diferentes práticas de gestão do meio (VEIGA, 1999), a fim de
entender os motivos das escolhas por uma ou outra forma de produzir.
49
Dentro deste contexto, referenciais da análise de sistemas de produção, e da análise de
agroecossistemas se fazem instrumentos fundamentais para o estabelecimento de propostas de
manejo, zoneamento e promoção de projetos de conservação e desenvolvimento (CONWAY,
1993; GUIJIT, 1999; MAZOYER; ROUDART, 2001). O objetivo deste capítulo é analisar o
papel da agricultura nos sistemas de produção de nove comunidades ribeirinhas das Reservas de
Desenvolvimento Sustentável Amanã e Mamirauá, enfocando as racionalidades e analisando as
principais estratégias de organização do espaço, da produção e do trabalho.
2.2 Material e métodos
3
O trabalho foi realizado em nove comunidades das RDS Amanã e Mamirauá, distribuídas
nos municípios de Alvarães, Uarini e Maraã. Em Amanã, as comunidades foram São Paulo do
Coraci, Nova Samaria (várzea), Monte Sinai, Boa Vista do Calafate e Boa Esperança (terra
firme). Na RDS Mamirauá, o trabalho foi realizado nas comunidades Aiucá, Marirana, Jarauá e
Nova Colômbia (todas em ambiente de várzea). Fez-se uso de entrevista estruturada, semi-
estruturada, visitas às unidades de produção, observação participante, além de aplicação de
técnicas do diagnóstico participativo (ver anexos). O trabalho teve dois enfoques: um quantitativo
(apoiado por entrevistas estruturadas aplicadas mensalmente em todas as famílias das nove
comunidades) e que teve por objetivo compreender a dinâmica sócio-econômica e as variações
sazonais da produção; e outro mais qualitativo (apoiado pelas entrevistas semi-estruturadas e
demais metodologias, em um universo amostral bem mais restrito), que teve intuito de ajudar na
compreensão das racionalidades presentes nos sistemas de produção das duas reservas.
As entrevistas estruturadas foram aplicadas mensalmente, no período de março de 2004 a
janeiro de 2006, em todos os domicílios de cada uma das nove comunidades, onde se procurou
saber o volume produzido e comercializado de produtos agrícolas, a mão-de-obra empregada, as
atividades desempenhadas, a renda obtida com atividades produtivas não-agrícolas, a renda
obtida de atividades fora do sistema de produção (como salários, auxílios governamentais e
aposentadoria). Este questionário (APÊNDICE) foi aplicado com auxílio de nove assistentes de
campo, moradores das próprias comunidades, que receberam treinamento prévio, e de técnicos do
3
Maiores detalhes sobre os procedimentos metodológicos, bem como sobre a área de estudo são encontrados no
capítulo 1 – Introdução.
50
Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM). Ao todo foram entrevistadas, ao
longo dos 24 meses, 124 famílias. Houve alguns casos em que os agricultores se recusaram a
participar da pesquisa, e outros em que eles não estavam em suas residências na ocasião da visita.
Em média, o universo amostral, foi de aproximadamente 70% das famílias das nove
comunidades.
Para entender a história da agricultura na região, os saberes e práticas associadas à
produção, as formas de apropriação e organização do espaço, os itinerários técnicos, as relações
de produção, dentre outras informações, foram aplicadas entrevistas semi-estruturadas com os
agricultores, seguindo o método da saturação teórica (GLAUSER; STRAUSS, 1974), onde
optou-se por interromper a aplicação dos questionários quando não se encontravam mais
informações adicionais. O roteiro dos questionários constituiu-se de perguntas norteadoras
relacionadas aos sistemas de produção e sua dinâmica. Foram realizadas 76 entrevistas, e
levantados dados referentes ao tamanho e número de unidades de produção, estratégias de
preparo do solo e implantação de sistemas de cultivo, infraestrutura existente, aspectos
fitossanitários, dentre outros. Além das entrevistas foram feitas visitas aos sistemas de produção
(onde foram feitas medição de áreas, georreferenciamento, fotografias, etc), observação
participante e coleta de relatos da história oral de diversos agricultores.
O exercício da observação participante foi facilitado pelo histórico de contato do
pesquisador com as famílias participantes da pesquisa. Foram acompanhadas diversas etapas do
ciclo de cultivo, como derruba, queima, plantio, capina e colheita, além de diversos eventos da
vida privada e social das famílias, tais como refeições, reuniões, cultos e assembléias.
Como este trabalho faz parte de uma proposta de pesquisa integrada promovida pelo
Instituto Mamirauá, uma série de atividades coletivas foi realizada, com fins de diagnóstico,
monitoramento e avaliação participativos. Para este trabalho, foram utilizados resultados de
técnicas como realidade e desejo e chuva de idéias (CONWAY, 1993; GUIJT, 1999). Entretanto,
este trabalho em específico consiste em uma análise que, mesmo buscando ser ao máximo
sensível aos pontos de vista dos moradores das comunidades, e incorporando resultados de
técnicas participativas, foi constituída a partir de um referencial delimitado pelo pesquisador.
Um dos propósitos do projeto que gerou este estudo é fornecer subsídios para o trabalho
de assistência técnica e assessoria aos agricultores. Os nove agricultores que ajudaram na coleta
de dados, por exemplo, faziam parte de um programa que estimula a formação de agricultores-
51
experimentadores. Destarte, os resultados preliminares foram sendo “socializados” aos
agricultores regularmente, por meio de reuniões. Os debates gerados forneceram importantes
informações para a compreensão da produção nas comunidades e suas características.
2.3 Resultados e Discussão
2.3.1 Breve relato sobre a história recente da agricultura na região de Tefé
Embora este estudo englobe populações humanas que vivem em várzea e em terra firme,
ou em alguns casos utilizam os dois ambientes é sempre importante frisar que a várzea informa
com muito mais veemência os modos de vida na região do Médio Solimões. No caso das duas
unidades de conservação, a título de elucidação, toda a área da RDS Mamirauá é passível de
alagação, estando as áreas de terra firme limitadas à algumas comunidades periféricas à RDSM
(denominadas como usuárias no Plano de Manejo da Unidade – Sociedade Civil Mamiraúa
(1996)), situadas em platôs às margens do Rio Solimões. No caso da RDS Amanã, toda a porção
sul, próxima ao Rio Japurá e denominada “Setor Coraci e Setor São José” abrange áreas de
várzea, estando as áreas de terra firme mais concentradas na porção norte, banhadas por água
preta e já sofrendo influencia da bacia do rio Negro. Essas características denotam modos de vida
predominantemente aquáticos
4
. Desta forma, a região sofreu um processo histórico típico da
região de colonização mais antiga da Amazônia (PORRO, 1996).
No caso deste estudo, em todas as comunidades, predominava até a década de 1980 a
atividade extrativista, tanto animal quanto vegetal. Quando da breve reanimação da economia da
borracha ocorrida na década de 1940, tanto na várzea quanto na terra firme, houve um aporte na
atividade de extração de látex
, que associada a outras formas de extrativismo vegetal (extração de
castanha, sorva, e copaíba), pesca
, (especialmente de pirarucu) e a caça para venda de fantasias
(peles de animais, principalmente jacaré) e também carne (tartaruga, jabuti, anta, queixada,
macaco-guariba, paca, cotia, veado, tatu, dentre outros), constituíam os sistemas de produção
dos ribeirinhos
5
. Toda essa produção era negociada com o patrão
6
, em sistema de aviamento. Os
4
Fraxe (2002) classifica estes modos de vida como “anfíbios”.
5
Castanha – Bertholetia excelsa; sorva – Couma utilis; balata – Ecclinusa balata; copaíba – Copaifera SP; pirarucu
Arapaima gigas; jacaré – Cayman sp.; tartaruga – Podochinemis sp; jabuti – Geochelone sp.; anta Tapirus
52
produtos eram trocados por alimentos, como açúcar, farinha e outros, instrumentos de trabalho e
produtos de uso pessoal (como tecidos) em uma relação um tanto quanto desigual, uma vez que o
patrão era a única e exclusiva forma de acesso aos produtos por parte dos ribeirinhos. Além disso,
os bens fornecidos pelo patrão eram negociados por valores muito acima dos preços de mercado,
o que gerava intermináveis dívidas (RIBEIRO, 1992; ARAMBURU, 1994; AUBERTIN, 2000).
Quando não trabalhavam em atividade de outras formas de extrativismo, os moradores da
região eram eminentemente pescadores, que vendiam suas produções para aos patrões e também
regatões
7
que passavam pela comunidade, e também para os barcos de pesca de grande porte, os
peixeiros, a maioria de Manaus e Belém
8
. Em ambos os casos, a agricultura, quando existente, se
resumia na produção de farinha de mandioca para o auto-consumo, uma vez que os produtos do
extrativismo significavam retorno financeiro muito mais rápido, e ainda havia alta demanda
(AUBERTIN, 2000; NEVES, 2005).
“Eu trabalhei muito com castanha, cortava seringa, sorva, caçava muita onça,
tartaruga...matava pirarucu, peixe-boi...já matei muitos por aí afora. Nóis quase
não trabalhava era em agricultura. Mas com o tempo essas coisa foram perdendo
valor e aí tivemos que aprender a plantar roça, banana, cará, pra poder ganhar
um dinheirinho né? (J. agricultor, 63 anos, comunidade Calafate).
A transformação dos sistemas agrários do Médio Solimões foi lenta e diretamente
relacionada com as mudanças provocadas com o advento dos movimentos ambientalistas e sócio-
ambientalistas, principalmente a partir da década de 1990, com a realização da ECO-92
9
no Rio
terrestris; queixada Tayassu pecari; macaco-guariba – Alloata caraya; paca – Agouti paca; cotia – Dasyprocta
agouti; veado – Ozotocerus sp.; tatu – Priodontes sp.
6
Patrão é a denominação utilizada para definir os compradores de produtos agrícolas e do extrativismo nas
comunidades.
7
Os regatões são comerciantes que viajam pelos rios da Amazônia vendendo bens industrializados de primeira
necessidade, como vestuário, açúcar, café, sal e sabão (que são avaliados em até 400% do seu valor de mercado) ou
os trocando por produtos dos ribeirinhos, como farinha, peixe e caça, geralmente pagando preços baixíssimos.
Funciona como agente intermediário, pois comumente vende os produtos dos ribeirinhos para terceiros, antes que os
mesmos cheguem ao consumidor final. Durante muitos anos foi um dos únicos elos entre os ribeirinhos e a cidade, o
que levou à construção de uma relação histórica de concomitante embate e reciprocidade (ARAMBURU, 1994;
FRAXE, 2002).
8
Segundo Smith (1985) e Hartmann (1992), citados por Pereira (2004), entre os anos de 1950 e 1970, a atividade
pesqueira no Amazonas sofreu transformações consideráveis, que provocaram a “modernização” da atividade:
especialização e divisão social do trabalho; introdução de fibras sintéticas para fabricação de armadilhas; aumento na
fabricação e uso do gelo; uso de motores a diesel nas embarcações. Essas inovações juntas permitiram que os
estoques pesqueiros pudessem ser explorados até a exaustão, fato que mais tarde geraria algumas transformações
significativas no contexto sócio-ambiental da região.
9
Conferência das Nações Unidas para o Meio-Ambiente.
53
de Janeiro (PEREIRA, 2004). Este fato, associado com o recém término da ditadura militar no
Brasil, que proporcionou a reorganização dos movimentos sociais, acendeu a reflexão sobre o uso
dos recursos naturais, principalmente no que diz respeito ao controle social dos recursos
aquáticos e ao manejo dos estoques de peixes, que declinavam à medida que aumentava o trânsito
dos grandes barcos de pesca. Como resultado, a partir da década de 1990 foram
institucionalizados os primeiros acordos de pesca
10
, marcos na história dos processos de co-
gestão na Amazônia (PEREIRA, 2004).
A assimilação desta discussão por parte do Estado implicou na criação de diversas
unidades de conservação de uso direto (como Florestas Nacionais, Reservas Extrativistas e
Reservas de Desenvolvimento Sustentável) e com elas um pacote de normas regulatórias de
acesso aos recursos naturais. Estas imprimiram um novo ordenamento territorial e novas regras
de manejo foram implementadas com intuito de regular o acesso aos recursos naturais
11
. Com a já
evidente diminuição dos estoques naturais e a crescente dificuldade de escoar produtos do
extrativismo animal no mercado (devido ao enrijecimento da legislação que restringe as
atividades extrativas e aumento da fiscalização), outras formas de produção foram ganhando
destaque, como a pesca manejada
12
e a agricultura.
A agricultura começou a ganhar destaque a partir das transformações que modificaram as
formas de interação entre campo e cidade. A energia elétrica foi cada vez mais se inserindo no
cotidiano das comunidades rurais, que por sua vez passaram a ter mais acesso às informações
veiculadas pelo rádio e pela televisão, e os sistemas de transporte foram se transformando. A
partir da década de 1990, foi se tornando mais fácil adquirir produtos industrializados e
embarcações, sejam motosserras, motores de centro (pequenos barcos, de até 13 Hp) ou motores
de popa de baixa potência acoplados em canoas de madeira, as chamadas rabetas. Essas
mudanças refletiram diretamente na produção, uma vez que o contato com a cidade foi facilitado
10
Acordos de pesca são instrumentos de viabilização de negociação do uso dos recursos aquáticos, geralmente
firmados entre representantes das comunidades e do poder público – órgãos nacional e estaduais de gestão ambiental,
etc (O’DWYER, 2005)
11
No caso das RDS Amanã e Mamirauá, os barcos de pesca comercial foram proibidos a entrar na área das duas
reservas, e houve uma reorganização nas formas de produção pesqueira, em função destas e da legislação ambiental.
12
Por pesca manejada entende-se a prática da atividade pesqueira associada a medidas restritivas, estipulando
tamanhos mínimos de captura, períodos de defeso reprodutivo e respeitando regras de zoneamento dos corpos
aquáticos, de forma a estabelecer períodos de descanso e promover a contagem de espécimes (QUEIROZ e
SARDINHA, 1999; CASTELLO, 2004; SANTOS e SANTOS, 2005).
54
e muitos ribeirinhos passaram a ter outras opções para negociar suas produções, principalmente
de farinha, obtendo melhores preços, e estimulando a economia regional.
Antes se usava carauaçu pra fazer cobertura de casa. Hoje o pessoal só quer
saber de telha de zinco. As coisas mudaram muito...(Zózimo, 52 anos, Nova
Colômbia, fevereiro de 2005).
Antigamente não tinha esse negócio de loja não! Nóis fazia roupa com aqueles
sacos de açúcar, que se comprava a granel do regatão (Antônio, 45 anos, Boa
Esperança, fevereiro de 2006).
Conforme informam as frases acima, este processo modificou não só as relações de
produção, mas os modos de vida das populações locais, que ao se integrarem cada vez mais com
a sociedade nacional, passaram a ter novos hábitos de consumo. A racionalidade orientadora do
desenho de seus sistemas de produção passaria também a ser influenciada pela necessidade da
aquisição dos produtos que desejavam obter (os objetos, na concepção local) e conseqüentemente
das dívidas que viriam a surgir. A agricultura, portanto, principalmente nas comunidades de terra
firme, foi se tornando uma atividade cada vez mais estratégica na economia local, vindo a se
diversificar, provocando também mudanças de costumes e nas formas de interagir com o meio.
2.3.2 As “profissões” em Mamirauá e Amanã
Passadas algumas décadas onde a economia local era baseada no extrativismo, nos dias de
hoje, a atividade produtiva com finalidade de garantir as necessidades das famílias, nas nove
comunidades, continua sendo composta por um sistema de produção que engloba agricultura,
pesca, extrativismo e eventualmente artesanato. Entretanto, quando indagados sobre a principal
estratégia de manutenção, os entrevistados se auto-enquadraram em uma de três profissões
(tipologias locais que designam a estratégia produtiva principal) declaradas: os que trabalham
com roça, os que pescam, e os que trabalham com roça e pescam. Não que uma coisa exclua a
outra. Mas a auto-denominação está sempre associada às estratégias de aquisição de recursos
financeiros. Ou seja, do ponto de vista do ribeirinho a profissão, é aquela atividade responsável
pela geração de renda na família, e nas nove comunidades estudadas (assim como nas demais da
55
RDSA e RDSM), a pesca e a agricultura são as atividades produtivas estruturantes da geração de
renda.
Por outro lado, o extrativismo e o artesanato em nenhum dos casos foram considerados
pelos entrevistados estratégias chave para a geração de renda, funcionando como componentes
assessórios dos sistemas de produção, assim como a extração de madeira e coleta de produtos
florestais não madeireiros (em Marirana e Aiucá, por exemplo, alguns moradores participam do
projeto de manejo florestal comunitário e eventualmente comercializam madeira em tora; nas
comunidades de terra firme, ocorrem eventuais vendas de castanha; em São Paulo, Nova
Samaria, Jarauá e Nova Colômbia residem algumas mulheres artesãs, que por sua vez coletam
plantas fornecedoras de fibras, e assim por diante).
De um modo geral, na várzea
predominam os pescadores, e na terra-firme, os agricultores,
embora haja exceções. No âmbito desta pesquisa há dois casos (comunidades Jarauá e Aiucá)
onde alguns moradores dividem o calendário de forma bastante planejada, e tanto a pesca quanto
a agricultura desempenham papel fundamental na movimentação financeira da família, embora
nunca de forma equitativa. São os que trabalham com roça e pescam. É importante frisar que a
maioria dos agricultores-pescadores na comunidade Aiucá é descendente de imigrantes
nordestinos (arigós), o mesmo ocorrendo no Jarauá (que ainda tem uma família de descendentes
de portugueses que se enquadra nesta categoria). Vale ressaltar também que, mesmo havendo um
reconhecimento como pescador ou agricultor, as duas atividades convivem em quase todas as
famílias constituindo seu sistema de produção, havendo raríssimos casos onde os ribeirinhos não
plantam ou não pescam, mesmo porque assim como a farinha é o alimento mais importante para
o fornecimento de calorias, o peixe é a principal fonte protéica dos moradores das comunidades
ribeirinhas da Amazônia. Estudos indicam que o consumo médio per capita é de 500 gramas por
dia (ADAMS et al., 2002; PEREIRA, 2004).
Em suma, dos roçados os ribeirinhos garantem sua fonte calórica, das águas, a fonte
protéica, e da floresta, além de complementações de calorias e proteínas, extraem remédios e
utensílios domésticos e para construção de sua infraestrutura (a partir da coleta e da caça)
13
.
Mesmo convivendo entre si, a hierarquização destas atividades está diretamente relacionada com
13
Extrativismo de madeira, cipó-ambé – Philodendrum spruceanum, arumã – Ischnosiphon sp, castanha, açaí – Euterpe preatoria,
tucumã – Astrocaryum aculeatum, e plantas medicinais diversas; caça dos animais supracitados.
56
a auto-denominação, a identidade produtiva das famílias, que se classificam, à luz da produção,
em função da atividade que consideram como principal fonte de renda.
Os motivos que determinam as escolhas estão associados à herança cultural e também à
intensidade de trabalho, à organização do tempo, à dependência do regime fluvio-dinâmico e à
possibilidade de progredir economicamente. Para muitos agricultores, “peixe até dá dinheiro,
mas tá tudo aí solto, nóis num vê eles né? A roça tá aí, nóis vê, planta a hora que quer e tem
hora certa pra colher.” E para muitos pescadores, “trabalhar com roça é demais desgastante,
nóis trabaia, trabaia e demora pra ver resultado, isso quando num vem a água e joga tudo pro
fundo”. Plantar para eles é uma atividade considerada extremamente onerosa em termos de mão-
de-obra, e principalmente, arriscada, levando em consideração a dinâmica hidrológica da várzea.
Nas três comunidades de terra firme
14
(Boa Esperança, Calafate e Monte Sinai), a
agricultura é a principal atividade econômica de mercado (com a mandioca, Manihot esculenta,
sendo a principal espécie cultivada na região). A pesca, mesmo realizada diariamente, é
desempenhada apenas para fornecimento de proteína animal para as famílias, envolvendo
contingentes mais reduzidos de mão-de-obra, e levando menos tempo para ser realizada. Já nas
comunidades de várzea, dados os riscos impostos pelo ambiente à atividade agrícola, ocorre o
contrário, com a pesca assumindo maior importância na geração de renda e na alocação de mão-
de-obra, e a agricultura sendo voltada para a produção de alimentos para auto-consumo. O
manejo dos sistemas de cultivo, as táticas e estratégias de pesca são outras (muito mais
intensivas), assim como a organização do trabalho e da produção. Na várzea, ouvindo os relatos
dos entrevistados, se tem a sensação de que tudo está sempre recomeçando. São muito comuns os
casos de plantios de banana e mandioca que “foram para o fundo” (inundados, nas palavras dos
ribeirinhos) bem antes de produzir, provocando grandes prejuízos. Daí a preferência pela pesca,
que envolve menos riscos.
Em ambiente de várzea o regime de inundação condiciona a dinâmica temporal e
produtiva. A atividade agrícola só é possível nos períodos de vazante e seca, uma vez que durante
14
Um ponto a ser destacado é que a concepção de terra firme cunhada pelos moradores da região é bem diferente do conceito clássico de
terra-firme utilizado no meio científico, por diversos autores, tais como Salati et al. (1983) e Prance e Lovejoy (1985). No caso da RDSA,
os habitantes consideram como terra-firme um ambiente cuja maior parte do terreno (principalmente as áreas onde se faz agricultura), em
tese, é livre das inundações provocadas pelo regime fluvio-dinâmico. Contudo, os modos de vida locais são eminentemente ribeirinhos, as
moradias são dispostas às margens dos cursos d’água e portanto, passíveis de serem alagadas, embora os casos sejam raros (daí serem
construídas sobre palafitas). Os rios e igarapés são as principais vias de transporte e o peixe é o principal fornecedor de proteína animal.
Portanto, a terra-firme aqui informa modos de vida tipicamente ribeirinhos, daí a complexidade e diversidade dos sistemas de produção,
que sempre envolvem agricultura, pesca e extrativismo, arranjados entre si de diversas maneiras, dependendo da família.
57
a enchente e a cheia, as áreas ficam alagadas com cotas de inundação de até 16 metros (AYRES,
1995). O tempo disponível para cultivo, portanto, normalmente não ultrapassa seis meses, o que
implica na elaboração e adoção de estratégias produtivas adaptadas a estas condições. Em casos
de cheias grandes, e que ocorrem antes do planejado, é comum haver perdas de até 100% nos
roçados. Daí o fato da agricultura ser considerada atividade de risco. As cheias por sua vez
trazem sedimentos, promovendo uma fertilização no terreno e permitindo sua utilização por
vários anos sem necessidade de pousio. Isto é impossível na terra firme, onde as áreas são mais
distantes dos cursos d’água e os solos possuem estoques muito menores de nutrientes,
restringindo o período para cultivo da mandioca para no máximo dois anos, havendo necessidade
de pousio e migração para novas áreas, como ocorre em outras regiões da Amazônia, segundo
Baleé (1987, 1988); Meggers (1977); Ribeiro (1992) e Shorr (2000).
As diferenças entre várzea e terra firme englobam não só aspectos ambientais, mas
também temporalidades distintas. Na concepção do vargeiro, o ano se dá entre uma alagação e
outra, ou seja, entre os momentos quase anuais de se “começar tudo de novo”. Já para o morador
da terra firme, o ano tem a duração do roçado de mandioca, podendo durar 18 meses ou mais. É a
partir desse referencial de tempo que constroem suas agendas, que planejam suas vidas. A
condição da terra firme permite um raciocínio de mais longo prazo, o que faz com que a vida das
pessoas seja mais cadenciada. Entretanto, o caos da várzea e sua eterna reconstrução obriga que
as pessoas revejam suas trajetórias periodicamente.
Nas áreas de terra firme, os até então extrativistas estão aos poucos se tornando
agricultores. Embora desde o “tempo da borracha” diversas famílias produzissem pequenas
quantidades de farinha para seu próprio consumo, ao longo de todo este processo em que a
agricultura foi se tornando a atividade principal, muitos moradores tiveram que aprender a
cultivar, ou em outros casos a aprimorar a produção. Aquela farinha “cor de barro
15
, feita sem
maiores cuidados e resultado de itinerários técnicos mais simplificados, passaria a não ter mais
valor comercial. Tudo isso levou a transformações nas formas de produzir, refletidas
imediatamente no manejo da agrobiodiversidade, como será abordado posteriormente. Os
sistemas de cultivo vão deixando de ser eminentemente roçados para se tornarem sítios, bananais,
dentre outros sistemas, capazes de fornecer frutas e outros produtos ao mercado. Este processo,
15
Farinha produzida a partir de variedades com diversas colorações de raiz; sem muito esmero ou classificação.
58
que ainda está em franca evolução, provocou profundas alterações nas formas de relação com o
ambiente e nos modos de vida das populações.
“Antes a gente vendia farinha branca. O mercado era menos exigente. Nem
ensacar precisa, só bastava empaneirar”. Hoje, se não tiver farinha amarelinha,
bem emboladinha, não consegue vender nem pro vizinho. (Joaquim Sérgio (Joca),
agricultor, Boa esperança, março de 2002).
No caso da várzea, se por um lado a proibição da entrada dos “peixeiros” melhorou a
produção por influenciar diretamente nos estoques de peixes, por outro, os pescadores tiveram
que se adequar a legislação ambiental, ao sistema de zoneamento implantado por ocasião da
criação da reserva, e a uma novidade, os acordos de pesca
. Essas mudanças foram fundamentais
para a transformação dos processos organizativos e para a dinamização sócio-econômica da
região.
Em algumas comunidades, o processo de transformação foi mais lento e gradual,
enquanto em outras, em função de migrações e contatos entre diferentes povos e etnias, esse
processo se deu em maior velocidade, como aconteceu em Boa Esperança, Jarauá e Aiucá
16
.
Quanto à produção pesqueira, com a criação da reserva e a saída dos peixeiros, a região deixou de
ser liderança no abastecimento de peixe para a região metropolitana de Manaus, cedendo lugar à
região do rio Purus (Gelson Batista, Engenheiro de Pesca da Secretaria de Desenvolvimento
Sustentável do Estado do Amazonas – comunicação pessoal).
O fato é que essas populações, tanto as residentes nas comunidades estudadas quanto
todas as demais que estão fixadas nas margens dos rios Solimões e Japurá tem suas dinâmicas
locais extremamente ligadas as mudanças da economia global, o que derruba qualquer argumento
de que se tratam de povos isolados e resistentes ao capitalismo. Segundo Masulo da Cruz (2007),
nas comunidades ribeirinhas da Amazônia o avanço do capitalismo se deu sem que houvesse
expropriação, sem que o trabalhador fosse expulso da terra, mas alterando as relações de trabalho
e de produção.
Sem o propósito de estabelecer tipologias, se fossemos inferir sobre identidades
territoriais, pode-se afirmar que nas comunidades da RDSA e RDSM, predomina um modo de
produção calcado na agricultura (produção de farinha) e na pesca. Em contraposição, na área
16
No Jarauá, houve uma influencia muito forte nos processos organizativos, de idéias de uma família formada por
descendentes de portugueses, que exercem há várias décadas função de liderança no local. Em Boa Esperança e
Aiucá, residem diversos descentes de nordestinos, os arigós.
59
vizinha (comunidades do Parque Nacional do Jaú), persiste ainda um modo de vida extrativista,
baseado na extração de cipós e látex; na região da várzea do Careiro (região do Baixo Solimões,
próxima a Manaus) predomina a produção agropastoril, e assim por diante. Esta percepção deve
ser considerada para o planejamento participativo das unidades de conservação, visando dirimir
conflitos desnecessários e promover o envolvimento das populações no processo.
A tabela 1 traz algumas informações sobre as estratégias de produção nas nove
comunidades.
Tabela 1 - Características gerais dos sistemas de produção das nove comunidades estudadas
Comunidade Ambiente Principais atividades
econômicas
Observações
Aiucá
Várzea Agricultura e Pesca Pesca de peixes de couro (bagres); produção de
farinha considerada como de boa qualidade pelo
mercado local
Marirana
Várzea Agricultura e Pesca Volumes comercializados, tanto da pesca quanto
da agricultura são baixos; ingressos financeiros
advindos de outras fontes de renda (benefícios
sociais e aposentadorias) bastante consideráveis.
Jarauá
Várzea Agricultura e Pesca Participa da pesca manejada de pirarucu e
tambaqui; produção de farinha considerada
como de boa qualidade pelo mercado local
Nova Colômbia
Várzea Pesca Participa da pesca manejada do pirarucu;
algumas mulheres participam de programa de
comercialização de artesanato apoiado pelo
IDSM
Boa Esperança
Terra firme Agricultura Agricultura mais diversificada. Agricultores
comercializam farinha, frutas e subprodutos da
mandioca. Presença de iniciativas comunitárias
de organização visando a verticalização da
produção.
Calafate
Terra firme Agricultura Agricultura mais diversificada. Agricultores
comercializam, ainda de forma incipiente,
farinha, frutas e subprodutos da mandioca.
Monte Sinai
Terra firme Agricultura Agricultura mais diversificada. Agricultores
comercializam ainda de forma incipiente,
farinha, frutas e subprodutos da mandioca.
São Paulo do
Coraci
Várzea Pesca Participa da pesca manejada do pirarucu;
algumas mulheres participam de programa de
comercialização de artesanato apoiado pelo
IDSM
Nova Samaria
Terra firme e
várzea
Agricultura e Pesca Participa da pesca manejada do pirarucu;
algumas mulheres participam de programa de
comercialização de artesanato apoiado pelo
IDSM; ingressos financeiros advindos de outras
fontes de renda (benefícios sociais e
aposentadorias) bastante consideráveis.
As comunidades em que predominam os pescadores são Nova Colômbia e São Paulo do
Coraci; onde predominam os agricultores-pescadores são Jarauá e Aiucá, e em menor proporção
60
Nova Samaria e Marirana. Nas demais, a predominância é de agricultores. Em ambiente de terra
firme, a comunidade Boa Esperança destoa das demais, gerando duas vezes mais renda. Trata-se
de uma comunidade formada predominantemente por descendentes de migrantes nordestinos
(denominados por arigós), que por sua vez possuem outras representações sobre a produção
quando comparados aos caboclos. Eles manejam diversos sistemas de cultivo e comercializam
uma ampla gama de produtos, com itinerários técnicos diferenciados, que permitem agregar
maior valor a produção. E, principalmente, há mais tempo que as demais comunidades de terra
firme, o que lhes proporcionou um acúmulo maior de conhecimentos. Os agricultores de Boa
Esperança iniciaram a implantação de sistemas de cultivo de frutas logo na sua chegada à região,
ainda nos anos 70. Em outro caminho, nessa época, os moradores do Calafate (e Monte Sinai), e
Nova Samaria, ainda viviam do extrativismo. Somente nos últimos anos que começaram a ser
plantadas mudas de espécies perenes para fins comerciais nestas duas comunidades. Em Nova
Samaria, esta atividade ainda não foi implantada, embora alguns moradores já manifestem
interesse, solicitando periodicamente assistência técnica junto ao Instituto Mamirauá.
2.3.3 Processos de transformação da paisagem: gestão da terra e sistemas de cultivo
2.3.3.1 Racionalidades e apropriação do espaço pela agricultura
A agricultura na RDSA e RDSM é tipicamente tradicional, com as tomadas de decisões
resultantes de elementos constantes no próprio sistema, com aporte mínimo de insumos ou mão-
de-obra externos. Tanto em ambiente de várzea quanto em terra firme, as áreas de cultivo seguem
um padrão de espacialização que tende a situá-las próximas aos cursos d’água, devido às
facilidades de acesso e transporte da produção.
A matriz tecnológica da agricultura nas nove comunidades estudadas é baseada no uso do
fogo, da tração humana e na rotatividade de terras e cultivos. Os sistemas de cultivo são
tipicamente itinerantes. O manejo é baseado no sistema derruba e queima, seguido de pousio,
denominado na literatura científica internacional como shifting agriculture ou swidden. Os
agricultores derrubam a floresta (“mata virgem” ou capoeira), queimam o material derrubado,
incorporando os nutrientes no solo, e em seguida fazem os plantios, seguindo padrão similar
encontrado em toda a Amazônia. Assim como em outras regiões (SEUBERT et al., 1977;
61
SANCHEZ; BENITEZ, 1987; BANDY et al., 1994; ALTIERI, 1998; SHORR, 2000), as áreas
abertas são utilizadas por um período que varia de um a três anos, até que a produção diminua
drasticamente, devido ao esgotamento do solo e a intensificação das infestações de ervas
daninhas, pragas e doenças. A área então é abandonada e deixada em pousio para que se
estabeleça a regeneração natural, e os agricultores transferem seus roçados para outro terreno. Na
RDSA e RDSM, o pousio, que é condicionado principalmente pela disponibilidade de terras e
pela densidade demográfica, varia de 4 a 10 anos, mas em alguns locais da Amazônia pode
chegar a 40 anos (HAMES, 1983; EDEN; ANDRADE, 1987; BANDY et al., 1994).
O sistema de posse da terra adotado pelos ribeirinhos é o de propriedade comum
(DIEGUES, 1998). A escolha das áreas para plantio é definida em conjunto por toda a
comunidade, e a partir do momento que alguém planta em um terreno, este se torna sua
propriedade, ainda que seja mantido inutilizado para a agricultura após o fim da colheita. Mesmo
não havendo cercas ou limites, a ocupação de uma área visando a prática da agricultura implica
no estabelecimento de direitos por parte do agricultor que a ocupou sobre o território. Ou seja,
seu uso por outro só poderá ser consumado após prévia consulta e autorização.
Dados o tamanho da população e a razoável disponibilidade de terras, são poucos os
conflitos gerados pela posse da terra na RDSA, estando estes mais concentrados no que diz
respeito à posse da água, mais especificamente na gestão de lagos e igarapés utilizados para a
atividade pesqueira, como ocorre em outras áreas ribeirinhas da Amazônia, de acordo com Castro
e Mcgrath (2001), Oliveira et al (2001) e Pereira (2004)
17
.
Como há de se presumir, as relações de parentesco e compadrio, bem como fatores sócio-
econômicos e ambientais, influenciam significativamente o ordenamento territorial. É muito
comum, em caso de casamento, um agricultor mudar para a comunidade da esposa, mas continuar
mantendo áreas de produção na comunidade de origem, ou vice-versa. Esses acordos são
realizados com participação dos demais moradores das comunidades em questão. A dinâmica dos
preços agrícolas, a ocorrência de intempéries (terras caídas
18
, grandes enchentes) e migrações
interfere diretamente no ordenamento do espaço pela agricultura.
17
Ocorrem sim alguns conflitos provocados pelo uso da terra para estabelecimento de pastagens (para criação de
gado bovino e bubalino), mas estes não foram verificados nas comunidades abrangidas por este estudo.
18
Desbarrancamento de áreas de restinga provocado pela correnteza dos rios. É um fenômeno inerente à própria
dinâmica geológica da várzea, uma vez que é a partir dele que se formam as ilhas no leito dos rios.
62
As formas como são gerenciados estes sistemas de posse contribuem de certa forma para
o desenho dos agroecossistemas e também da paisagem. A agricultura é mais diversificada (no
que tange aos tipos de sistema de cultivo e produtos gerados) nas áreas de terra firme, uma vez os
riscos são menores que na várzea. Na RDSA e na RDSM os sistemas de produção, incluindo aí a
agricultura, são dispostos geograficamente de forma difusa ao longo do terreno, formando
mosaicos de paisagem, misturando florestas, áreas agrícolas, capoeiras e cursos d’água. Portanto,
não existem fronteiras determinando um sistema de produção contínuo, como no caso dos
assentamentos de reforma agrária, ou das propriedades de agricultores familiares do centro-sul do
Brasil. Esta constatação é muito importante para a determinação do zoneamento das unidades de
conservação, como frisa Diegues (1998). De modo geral, as áreas de cultivo são estabelecidas
próximas às comunidades, com distâncias variando de 200 metros a três quilômetros. Há os casos
onde a comunidade está situada na várzea, mas os roçados em terra firme, o que requer
deslocamento de barco, muitas vezes dificultoso no período de seca dos rios. E há ainda casos de
famílias que estabelecem suas áreas de cultivo há mais de 40 quilômetros de distancia de suas
comunidades, como em Bom Socorro (comunidade da RDSA não estudada neste trabalho), que
situada na várzea, utiliza áreas de terra firme na cabeceira do Lago Amanã (igarapé do Ubim).
Estes aspectos são de extrema importância para o delineamento de regras de zoneamento
de unidades de conservação. Os padrões de espacialização são diversos e não necessariamente
seguem uma lógica de proximidade ou tampouco meramente econômica. Valores morais e
culturais estão envolvidos e é necessário reconhecê-los em uma perspectiva co-gestionária.
2.3.3.2 Os principais sistemas de cultivo e a transformação da floresta
A grande diversidade de ambientes existentes nas duas reservas informa por sua vez a
grande diversidade de sistemas de cultivo. Os agricultores distinguem e usam diversos tipos de
ambientes, tendo como critérios de classificação
o sistema de cultivo a ser implantado, a altitude
do terreno, tipo de corpo d’água predominante, e tipo de solo (no caso de terra preta), sendo por
eles considerados mais adequados para a agricultura as áreas de terra firme, restingas, baixos,
praias, barrancos e áreas de terra preta, cada um de acordo com o tipo de cultivo a ser
desenvolvido.
Os principais sistemas de cultivo da RDSA e RDSM são:
63
Roçado:
Terminologia utilizada para identificar as áreas onde é realizado o cultivo de
plantas anuais, principalmente a mandioca. Nas áreas de roçado geralmente convivem em
um mesmo espaço diversas variedades de mandioca (inclusive macaxeira, também
conhecida como aipim e mandioca doce em outras regiões do país, de acordo com Mattos
e Gomes (2000)), além de outras espécies, como milho (Zea mays), cará (Colocasia
esculenta), pupunha (Bactris gasipaes), açaí (Euterpe precatória), abacate (Persea
americana), melancia (principalmente nos baixos da várzea, formando um sistema
denominado como melancial) dentre outras. Entretanto, a mandioca é sempre a espécie
predominante, ocupando a maior parte da área (cerca de 80% do espaço e da população de
plantas), com cultivo em geral de mais de uma variedade (KERR, 1979, apud CURY,
1993; BOSTER, 1984; SALICK et al., 1997; AMOROZO, 2000). O tamanho do roçado é
definido em função do tamanho da família e do tipo de ambiente (várzea ou terra firme)
no qual a área está inserida. Nas áreas de terra firme, geralmente os roçados são maiores
que nos ambientes de várzea, tendo em vista os riscos associados ao cultivo de mandioca
nestes últimos e ao fato da disponibilidade de terra apropriada ao cultivar ser menor.
Sítio (plantio)
: Sítio é a denominação utilizada pelos agricultores para definir os
consórcios multiestratificados de plantas frutíferas, sejam eles pomares, ou quintais
domésticos. De forma geral predominam um ou alguns tipos de espécies, de grande valor
econômico, como abacate, pupunha e açaí. Entretanto, estas coexistem com diversas
outras espécies, fruteiras e madeireiras, caracterizando uma significativa diversidade. Os
sítios, de modo geral, são remanescentes de roçados, os quais, terminando o ciclo da
mandioca, foram sendo enriquecidos com mudas de espécies frutíferas. A tendência é que
a pratica de cultivo em sítios se torne mais freqüente, principalmente nas comunidades de
terra firme, uma vez que as frutas estão cada vez mais sendo valorizadas no mercado, e as
áreas de roçado estão ficando cada vez mais distantes, o que torna difícil o acesso e o
transporte da mandioca.
Sítios (terreiros)
: Quando os sítios se encontram localizados mais próximos às casas,
constituem pomares caseiros ou quintais agroflorestais (STEINBERG, 1998; KUMAR;
NAIR, 2004). Nos quintais, de forma geral, são cultivadas as espécies perenes,
principalmente frutíferas e madeireiras, em um consórcio aleatório e multiestratificado.
64
Estes sistemas extrapolam o conceito de unidades de produção, uma vez que são
verdadeiros espaços sociais, onde ocorrem relações de trabalho e convivência, assumindo
também um papel na dinâmica dos modos de vida das comunidades locais. A organização
do espaço nestas áreas geralmente segue uma mesma lógica, que divide a área em duas:
uma mais próxima às casas, com manejo mais intenso, capinas freqüentes e solo mantido
praticamente “no limpo”, denominada localmente como terreiro, e a outra restante, que
ocupa a maior porção do espaço, onde se situa a maior parte das plantas, e o manejo é
menos intenso, que é o sítio propriamente dito. Os terreiros assumem vital importância no
sistema de produção, por servirem como local de produção e aclimatação de mudas, e por
abrigarem a maior parte das plantas herbáceas (hortaliças folhosas, medicinais e
condimentares), geralmente dispostas em jirais, canteiros suspensos dispostos a
aproximadamente 1,5 metro do solo, utilizados para proteger as plantas contra ataques de
animais, que são criados na mesma área dos quintais. Estas áreas exercem também função
de área de lazer e descanso para crianças e adultos, local de beneficiamento de produtos
(onde ficam toda a estrutura e utensílios para fabricação de farinha) e ponto de apoio à
execução de atividades domésticas, tais como preparo de alimentos e secagem de roupas.
Caminhos:
São as trilhas utilizadas para chegar às áreas de cultivo. Em muitos casos, nas
áreas de terra firme, principalmente, os agricultores aproveitam para plantar diversas
espécies, como macaxeira (Manihot esculenta), frutíferas como abacaxi, açaí e cupuaçu. É
uma estratégia elaborada com intuito de fornecimento de sombra e alimento, de fácil
coleta, pois eles podem colher na ida, para levar e comer como lanche nos roçados, ou na
volta, quando já levam os produtos para suas casas. Esses caminhos são muito comuns
nas comunidades Boa Esperança e Calafate.
Bananal
: São os plantios de banana. Estes são mais encontrados na várzea, nas restingas
altas, onde o solo é mais fértil e o risco de inundação é menor. A banana pode ser
cultivada de modo solteiro, ou em consórcio, formando os sistemas “silvibananeiros”,
como são conhecidos na literatura científica. Trata-se de um cultivo de altíssimo risco,
uma vez que a bananeira não resiste ao encharcamento.
Lamas e praias
: São sistemas típicos de várzea, praticados nas terras que surgem primeiro
durante os períodos de vazante e seca. Podem ser as praias propriamente ditas, cujo solo
65
característico é areia quartzosa, ou as restingas baixas. Nestas áreas são conduzidos
cultivos rápidos, como milho, feijão da praia e melancia. Estes sistemas são altamente
intermitentes, e dependentes do regime das águas. Quando a cheia vem muito depressa, é
muito comum os agricultores perderem tudo.
A Tabela 2 apresenta as relações entre os habitats classificados pelos ribeirinhos e os
sistemas de cultivo adotados. A forma como são organizadas estas áreas para a produção agrícola
são variadas, sendo as principais os roçados, áreas cultivadas eminentemente por mandioca,
principal alimento das populações locais e principal fonte de renda agrícola. Além dos roçados,
outro tipo de sistema de cultivo que assume importância fundamental na região são os sítios,
áreas onde são cultivadas espécies perenes, frutíferas principalmente.
Tabela 2 - Relações entre ambiente, habitats e sistemas de cultivo em nove comunidades da RDSA e RDSM
Ambiente Habitat Sistema de cultivo
Restinga Roçado; sítio; terreiro; bananal
Baixo ou vazante Melancial; milharal; roçado
Praia Cultivo em praia
Várzea
Barranco Roçado de Barranco
Terra firme Roçado; sítio; terreiro; caminho
Terra firme
Terra Preta Milharal; sítio; terreiro;
caminho; roçado
Uma mesma família de agricultores pode manejar diferentes tipos de sistemas de cultivo,
como ocorre na maioria dos casos, principalmente nas comunidades de terra firme. A
espacialização das áreas, bem como a definição de qual sistema de produção deve ser implantado,
é determinada por diversos critérios de zoneamento
adotados pelos agricultores, conforme será
discutido no capítulo 3. Tanto na várzea quanto na terra firme, cada agricultor pode possuir várias
unidades de produção, geralmente espalhadas por toda a área de uso da comunidade. É muito rara
a ocorrência de casos de uso contíguo da área por uma mesma família de agricultores, e sempre
as unidades são bastantes distantes umas das outras. A distância de alguns roçados na
comunidade Boa Esperança, por exemplo, com relação à casa do agricultor, pode chegar a dois
quilômetros. A mesma distancia pode ser observada entre áreas diferentes pertencentes a um
mesmo agricultor. Essa configuração vai mudando à medida em que se vão desmanchando as
roças e se abrindo outras, surgindo ao mesmo tempo novos roçados, sítios e capoeiras, em uma
dinâmica de mosaico.
66
O uso das praias para a agricultura ainda é muito restrito em toda a RDSA. Tanto nas
áreas de várzea, quanto nos lagos de água preta e igarapés que banham as comunidades de terra
firme da RDSA, quase todos os anos surgem áreas de praia, bastante adequadas para o cultivo de
espécies de ciclo precoce, como milho, feijão e melancia. Entretanto, esse tipo de cultivo é muito
pouco praticado nas comunidades estudadas (e em toda a reserva), por questões de hábito, e
também devido à criação de gado, cada vez mais comum na várzea e na terra firme da RDSA
(PEREIRA, 2007). Diversos agricultores relataram que o gado, que é criado solto nas margens
dos cursos d’água, destrói a vegetação rasteira e os arbustos. Na Amazônia Peruana, o cultivo em
praias de várzea é bastante comum (LABARTA et al., 2007). Houve uma tentativa de incentivo a
esta atividade por parte do IDSM na Reserva Mamirauá, na década de 90 e início dos anos 2000,
inclusive com disseminação de espécies e variedades adaptadas, trazidas do Peru. Contudo, a
atividade não logrou êxito e são raras as áreas de cultivo em praia nas duas reservas.
Há uma tendência ao reaproveitamento das áreas, para o estabelecimento de sítios. Essa
“sucessão agroflorestal”, denominada desta forma devido à sucessão de plantas de diferentes
portes no mesmo sistema de cultivo
19
, tem implicações extremamente favoráveis para a
conservação, pois é associada à redução no desmatamento, aumento da diversidade genética
cultivada intra e interespecífica, além de proporcionar melhoria na renda dos agricultores.
Políticas de valorização da produção familiar e ações de assistência técnica podem ser
extremamente valiosas para o incremento deste processo.
2.3.4 As estratégias de organização do trabalho
2.3.4.1 A família: unidade organizadora do trabalho e da produção
Visando facilitar a compreensão da realidade em questão, e levando em consideração a
abordagem das ciências sociais, as famílias estudadas podem ser contempladas pelo conceito
19
O processo é iniciado logo na etapa de estabelecimento do roçado, quando junto com a mandioca, os ribeirinhos
plantam mudas de espécies frutíferas, como abacate e açaí. Quando o roçado já está em seu segundo ciclo (segundo
plantio/colheita da mandioca, denominada localmente por roçado de arrancador), as mudas já estão em estádio mais
avançado de desenvolvimento, e são plantadas outras espécies, geralmente ombrófilas, como cupuaçu, que se
beneficiam da pequena sombra deixada pela primeira. E então segue o processo de sucessão, culminando na
formação do sítio.
67
clássico de campesinato proposto por Shanin (1980), cuja família
20
é célula organizadora da
produção e as relações de parentesco governam a vida, bem como as relações de trabalho nas
comunidades
21
. A “propriedade” exerce função tanto de unidade de produção como de consumo.
Participam do trabalho agrícola todos os componentes da família, homens, mulheres e crianças,
que desde muito jovens iniciam suas atividades no roçado. Nas comunidades de terra firme, como
o calendário agrícola é mais largo e a demanda por mão-de-obra é maior, é mais freqüente a
participação das mulheres, comparando com as de várzea, onde o trabalho feminino é mais
voltado para as atividades da casa.
Os principais equipamentos utilizados na agricultura são o terçado (espécie de facão,
utilizado em diversas etapas da produção, tais como broca
22
, roçagem, para cortar arbustos, entre
outras), machado (broca e derruba), a vara (utilizada para plantio do milho) e o paneiro (cesto
utilizado para carregar mandioca do roçado até o igarapé ou a casa de farinha), além da unidade
de beneficiamento, a casa de farinha, utilizada para elaboração da farinha de mandioca.
Eventualmente se utiliza a moto-serra (para a derruba), mas como a maioria não possui, seu uso é
mais restrito, e este equipamento na maior parte das vezes é alugado.
As atividades são distribuídas de acordo com o sexo e a idade. As mulheres só não
participam (diretamente) da etapa de derrubada das árvores, durante o preparo do solo, pois esta
tarefa é considerada muito pesada. Em todas as outras atividades elas participam. Já as crianças
começam a ir para o roçado desde os 5 anos de idade, no início para acompanhar suas mães,
sendo que logo em diante (aos 7 ou 8 anos) já começam a desempenhar algumas atividades mais
leves, tais como capina e ajudam também na fabricação de farinha. Ou seja, já a partir de tenra
idade, as crianças deixam de fazer parte apenas da unidade de consumo, para também fazer parte
da unidade de produção. A mão-de-obra disponível é em média de três a quatro pessoas por
família
23
. Não há muita variação na quantidade de pessoas alocadas para as diferentes atividades
20
Nas nove comunidades pesquisadas são encontrados os dois tipos de famílias descritos por Wolf (1970): a família
nuclear e a família extensa.
21
Embora não seja propósito deste estudo aprofundar a discussão sobre a classificação das famílias dentro da
perspectiva das ciências sociais, diversos autores têm classificado as populações ribeirinhas como camponesas.
Dentre eles podem ser citados Fraxe (2002) e Masulo Cruz (2007).
22
É o início do preparo da área para plantio. Na broca são retirados arbustos, cipós e plantas rasteiras, para facilitar o
trânsito dentro da mata ou capoeira e em seguida iniciar a derrubada das árvores.
23
Por mais que as taxas de natalidade nas comunidades rurais sejam bem mais elevadas que no meio urbano, é
comum que as mulheres se casem cedo, a partir dos 15 anos de idade, formando assim novo núcleo familiar, que
pode compor uma família extensa ou não, mas que quase que invariavelmente formam com a ocasião do matrimônio,
núcleos produtivos distintos.
68
agrícolas. Contudo, a agricultura emprega muito mais gente que a pesca, que geralmente é
realizada por uma única pessoa, na maioria das vezes o chefe da família (Tabela 3).
Tabela 3 - Média mensal de uso de mão-de-obra, em homens-dia, para a pesca e principais atividades agrícolas em
nove comunidades da RDSA e RDSM
Comunidade
Atividade
Pesca
Capina de
roçado
Colheita da
mandioca
Fabricação de
farinha Derruba
Processamento da
mandioca
24
Aiucá
1,42 3,52 3,70 3,56 4,18 4,60
Boa Esperança
1,09 3,54 2,33 3,47 2,44 2,05
Boa Vista do
Calafate
1,02 2,13 2,52 2,63 1,49 1,80
Jarauá
1,15 3,53 3,39 3,48 3,77 3,70
Marirana
1,52 4,22 4,12 4,00 3,51 4,00
Monte Sinai
1,14 2,82 2,61 3,05 3,19 3,42
Nova Colômbia
1,18 2,34 3,19 3,48 1,88 2,82
Nova Samaria
1,54 3,64 3,97 3,56 2,65 2,24
São Paulo
1,72 1,81 2,04 3,13 1,52 2,12
Média
1,31 3,06 3,10 3,37 2,73 2,97
Nas comunidades de várzea o aporte de mão-de-obra é maior para as diversas atividades,
que são desempenhadas de forma mais concentrada e intensiva, pois o ciclo de cultivo é mais
curto. Contudo, quando se discute intensidade de trabalho, ou seja, o tempo disponibilizado ao
longo do mês para cada atividade, a situação se inverte, e os valores são maiores nas
comunidades de terra firme.
As decisões na família, no que diz respeito aos sistemas de produção, são na maioria das
famílias tomadas pelo homem, com raras exceções. As mulheres geralmente só assumem esse
papel quando da ausência do marido, e assim também vale para os filhos mais velhos. As
exceções são no caso de doença do marido ou da mulher.
2.3.4.2 Estratégias de ajuda mútua
De acordo com Chayanov (1974), mesmo levando em consideração os mais diversos
fatores que interagem com a produção familiar, como terra e mercado, a mão-de-obra é o
24
Entende-se como processamento da mandioca as atividades de fabricação de goma, tapioca e tucupi.
69
elemento organizativo de qualquer processo de produção, sendo que o tamanho e a composição
da família determinam a força de trabalho necessária. No caso das comunidades pesquisadas,
como a disponibilidade de equipamentos e insumos é mínima, e a disponibilidade de mão-de-
obra é pouca, as famílias empregam diversas alternativas de emprego de mão-de-obra adicional
visando garantir as atividades previstas nos diversos itinerários técnicos. A principal estratégia
para esse fim são os mecanismos de ajuda mútua, envolvendo diversas famílias. A não-adoção de
estratégia de agregação de mão-de-obra adicional é rara, se resumindo nas atividades menos
exigentes em esforço, tais como colheita de frutas (açaí, pupunha, etc) e limpeza de sítios.
Os mecanismos de ajuda mútua são baseados em acordos verbais, centrados na confiança,
e alicerçados por relações de parentesco e compadrio. São componentes chave nas redes sociais
existentes. A forma mais comum de ação coletiva para o trabalho é o ajuri
”, um mutirão onde
várias pessoas, da mesma comunidade ou de comunidades diferentes se juntam para executar
determinada tarefa, em esquema de trabalho comunal. Por exemplo, os agricultores podem se
reunir em um ajuri de capina, onde todos os moradores de uma comunidade vão limpando área
por área, tendo ao final o trabalho completo, executado por todos. O ajuri é mais utilizado para os
trabalhos que demandam mais esforço, como a derruba e a capina do roçado.
Outras estratégias são o pagamento de diárias, empeleitas (empreitadas) e troca de dias.
As diárias
envolvem pagamentos, em dinheiro ou outros produtos, como mantimentos. Neste
caso, sempre se contratam pessoas de própria comunidade
25
. Os valores das diárias apresentaram
variação de R$ 10,00 (para roçagem e capina, por exemplo) a R$ 20,00 (para fabricação de
farinha e derruba). As empeleitas
são mais comuns durante a etapa de derruba da mata ou
capoeira. A prática da troca de dias
consiste no pagamento com trabalho, e é adotada nas práticas
menos pesadas, como plantio e fabricação de farinha. Um agricultor trabalha e recebe a ajuda de
um companheiro, e se compromete a fazer o pagamento executando a mesma atividade ou outra,
em outra ocasião
26
. O pagamento de diárias é a principal estratégia de emprego de mão-de-obra
adicional na comunidade Boa Esperança, onde há maior fluxo de dinheiro. Nas comunidades
Calafate, Monte Sinai, Jarauá e Aiucá, coexistem as diversas modalidades de ajuda mútua. Já nas
demais, onde a circulação de moeda é menor prevalece a prática do ajuri (Tabela 4).
25
Há uma espécie de código que preconiza o pagamento de diárias para os moradores da própria comunidade, de
forma a evitar mal-entendidos.
26
Alguns autores, como Fraxe (2002), associam a adoção freqüente de estratégias de ajuda mútua à redução ou
mesmo inexistência de circulação de dinheiro em uma comunidade.
70
Tabela 4 - Relações de ajuda mútua e contratação de mão-de-obra adicional, por ordem de importância, em nove
comunidades das RDS Amanã e Mamirauá
Comunidade Estratégias predominantes
Aiucá
Ajuri; diárias
Marirana
Ajuri
Jarauá
Ajuri; troca de dias; diárias
Nova Colômbia
Ajuri; troca de dias
São Paulo do Coraci
Ajuri; troca de dias
Nova Samaria
Ajuri
Monte Sinai
Ajuri; troca de dias; diárias; empeleitas
Calafate
Ajuri; troca de dias; diárias
Boa Esperança
Diárias; troca de dias; empeleitas; ajuri
Esta breve descrição permite a identificação de uma vasta gama de interações entre as
famílias, que denotam diferentes funcionamentos das relações sociais e de produção. Por
exemplo, em Marirana, devido à pouca disponibilidade de mão-de-obra, o número de crianças
que atua nas atividades agrícolas é muito maior que nas demais comunidades, fato que é
evidenciado na Tabela 6, onde figura um número de pessoas envolvidas nas atividades muito
maior que nas demais comunidades.
Por sua vez, o trabalho de campo permitiu identificar algumas relações de poder entre as
famílias. No caso da comunidade Monte Sinai, por exemplo, um único morador (dono da única
embarcação com motor de centro, motosserra e gerador de energia existente no local) era
responsável por quase toda a contratação de diárias. A maior parte das famílias negociava sua
produção com ele, que por possuir os meios de produção, levava para comercializar em Tefé e
Coari, atuando como um atravessador.
Em quase todos os eventos de discussão coletiva realizados no âmbito desta pesquisa, os
agricultores se queixaram da dificuldade de realizar um planejamento mais técnico e criterioso,
voltado para o mercado e para o aumento da produtividade. Também foram diversas as citações
acerca deste problema nas entrevistas. O trabalho de organizações não governamentais (ONG´s)
que atuam na reserva, como o IDSM, tem ajudado na tentativa de mudar essa constatação.
Entretanto, por se tratarem de iniciativas ainda muito recentes, foram poucas as mudanças neste
sentido. Um caso emblemático foi uma iniciativa de comercializar farinha de mandioca junto à
Agência de Agronegócios do Estado do Amazonas (Agroamazon), iniciada em 2003 em diversas
comunidades da RDSA, entre elas a Boa Esperança. Quando da primeira visita dos técnicos
daquele órgão, foi demandado aos agricultores a informação sobre a quantidade de farinha
71
disponível para comercialização. Em uma das comunidades foi informada a quantidade de sete
toneladas, que foi acordada de ser entregue ao órgão. Quando do momento da entrega, os
agricultores entregaram apenas 1,5 toneladas, o que gerou muito desconforto. Essa situação
persistiu por mais três ocasiões, quando então o Agroamazon resolveu rescindir o contrato.
2.3.5 A produção: suas lógicas e relações
2.3.5.1 As lógicas de produção
Os ribeirinhos da RDSA e RDSM pensam a agricultura basicamente sob duas lógicas: a
produção para comercialização
e a produção para auto-consumo. Para os agricultores, predomina
a primeira, e para os pescadores, a segunda. A adoção de uma ou outra alternativa reflete
diretamente em como se organizará o trabalho, se haverá necessidade de agregar mão-de-obra
adicional, e quais espécies e variedades serão cultivadas. Geralmente, quem cultiva para
comercialização trabalha em itinerários técnicos mais complexos, cultiva com maior esmero,
aloca mão-de-obra de forma mais criteriosa e adota calendários mais intensivos para a prática
agrícola, o que reflete em produtos com maior qualidade e valor agregado.
A Tabela 5 destaca bem os perfis produtivos identificados. Nas comunidades onde
predominam agricultores (Boa Esperança, Calafate, Monte Sinai), os ingressos financeiros
associados às atividades produtivas são quase que em sua totalidade advindos da agricultura (a
exceção foi uma venda extemporânea de pescado efetuada por uma família do Calafate). O
mesmo padrão verifica-se para a pesca nas comunidades de pescadores (São Paulo e Nova
Colômbia). Nas comunidades onde são identificados os agricultores-pescadores (Aiucá, Jarauá e
Nova Samaria), os ingressos são mais bem divididos, com exceção da comunidade Jarauá, onde
mesmo havendo intensa prática agrícola, a proporção de agricultores-pescadores é menor em
relação ao Aiucá, e a agregação de valor ao pescado proporciona altas rendas (ocorrida em
função da pesca manejada do pirarucu (Arapaima gigas)), desequilibrando a proporção entre
pesca e agricultura.
A agricultura é mais diversificada na terra firme, e restrita à farinha e banana na várzea.
Além do peixe, carvão e artesanato, 13 produtos agrícolas são comercializados. Nas comunidades
Boa Esperança, Calafate e Monte Sinai os ingressos advindos da comercialização de frutas,
goma, tapioca e tucupi (subprodutos da mandioca), correspondem aproximadamente a 25% do
volume de produção comercializada. Estes dados refletem de certa forma, a relação entre
72
ambiente, organização da produção e manejo da agrobiodiversidade, assunto que será tratado no
capítulo 3. Conforme será discutido no próximo capítulo, a lógica de produção reflete
diretamente na especialização e espacialização dos sistemas de cultivo, e por conseguinte, em
como está distribuída e espacializada a diversidade.
Tabela 5 - Renda bruta, em reais, por atividade produtiva, em nove comunidades das RDS Amanã e Mamirauá
(sendo AI=Aiucá; MA=Marirana; NC= Nova Colômbia; JA=Jarauá; SP=São Paulo do Coraci;
NS=Nova Samaria; CA=Boa Vista do Calafate; MS=Monte Sinai e BE=Boa Esperança; RBC=Renda
bruta total nos 24 meses de coleta; MBC=renda bruta média mensal por comunidade; MMF=renda
média mensal por família gerada na produção familiar)
Produto AI MA NC JA SP NS CA MS BE TOTAL
Peixe
74.171 5.239 18.675 186.168 49.814 4.462 683 - - 339.212
Banana
1.749 3.131 1.036 - 1.616 411 1.484 2.021 3.876 15.324
Farinha amarela
29.480 2.324 1.740 - 170 6.889 27.409 32.805 172.144 272.961
Farinha ova
- - - 29.792 - - - - 9.940 39.732
Artesanato
- - - - - 2.351 - - - 2.351
Carvão
- - - - - 794 335 565 - 1.694
Abacate
- - - - - - 733 1.293 10.296 12.322
Castanha
- - - - - - 413 3.037 3.450
Abacaxi
- - - - - - 2.035 3.183 1.968 7.186
Cará
- - - - - - 580 191 2.050 2.821
Goma
- - - - - - 1.280 1.920 1.706 4.906
Pupunha
- - - - - - 239 1.044 1.370 2.653
Tapioca
- - - - - - 1.466 302 15.190 16.958
Tucupi
- - - - - - 83 230 - 313
Açaí
- - - - - - - 270 340 610
Cupuaçu
- - - - - - - 118 166 284
RBC 105.400 10.694 21.451 215.960 51.600 14.907 36.740 43.942 222.083 722.777
MBC 4.392 446 894 8.998 2.150 621 1.531 1.831 9.253 30.116
MMF 209 56 99 600 239 124 255 203 441 247
Com relação à tabela 8 é importante frisar que foram apresentados as rendas médias por
família referentes apenas à produção familiar (agrícola e pesqueira). A complexidade das relações
sociais nas duas reservas é muito grande, e as fontes de renda externas à produção também
variam, conforme discutiremos adiante. Uma análise da renda líquida total por família
demandaria outro estudo. Como o propósito deste capítulo é discutir a importância da agricultura
nas duas reservas, optou-se por trabalhar apenas com os dados supracitados. Entretanto, uma
73
análise dos valores acima, diminuída do consumo dos principais insumos apresentado abaixo,
permite uma boa inferência acerca da dinâmica dos sistemas de produção das duas reservas.
2.3.5.2 Itinerários básicos de produção na várzea e na terra firme
O calendário agrícola da várzea é totalmente dependente do regime hidrológico. Antes da
enchente (meses de janeiro e fevereiro), as áreas são roçadas, de forma que quando passada a
cheia e iniciada a vazante, elas já estejam em condições de plantio. O plantio é feito assim que a
água abaixa e terra fica a vista, geralmente no mês de agosto. Quando não ocorre enchente (o que
é raro nas comunidades de várzea da RDSA e RDSM), os ciclos de cultivo são mais longos, 12 a
16 meses, no caso da mandioca. Contudo, quando a enchente ocorre, geralmente o ciclo dura sete
meses, e a colheita é feita entre abril e maio. Já na terra firme, o plantio é feito de setembro a
novembro, e as colheitas (de mandioca) são feitas ao longo do ano, uma vez que geralmente são
plantadas diversas variedades, cada uma com um tempo de colheita. As mais precoces são
colhidas com 7-8 meses e as mais tardias, com 16 meses.
No caso da mandioca, quando da colheita, as raízes são acondicionadas em paneiros
(cestos de palha, carregados na cabeça com auxílio de uma tira) e transportadas dos roçados até a
casa de farinha (quando o trecho é terrestre) ou até a canoa (quando parte do trecho é por água),
que em alguns casos, quando cheios, chegam a pesar 90 quilos
27
. O mesmo procedimento é
utilizado para os demais produtos (abacate, cupuaçu, açaí, etc), com o diferencial de que as áreas
de produção de frutas (sítios) tendem a ser mais próximas das comunidades do que os roçados.
Terminadas a colheita e o processamento, os produtos são escoados para a cidade em rabetas, ou
em pequenos barcos com motores de centro, denominados localmente por batelões, motores ou
cascos. A tabela 6 traz informações sobre o uso de combustível, dois dos principais insumos
utilizados na agricultura e na pesca das duas reservas.
Embora não seja objeto deste trabalho realizar análise mais acurada sobre as entradas e
saídas de insumos e produtos nos sistemas de produção, a tabela acima permite inferir sobre o
lucro líquidi das famílias advindo da produção, quando comparados por exemplo, com os
resultados da tabela 9. As variações no consumo de combustível se dão em função da distancia
das comunidades às cidades, das áreas de produção (pesqueiras e agrícolas) às comunidades, do
27
No capítulo 3 serão melhor discutidos os itinerários técnicos da cultura da mandioca na RDSA e RDSM.
74
tipo de tecnologia empregada, dentre outros. No Jarauá por exemplo, consumo de diesel é mais
elevado em função do grande uso de embarcações com motor de centro, assim como em Boa
Esperança. Marirana, que possui um consumo razoável, quando comparado com outras
comunidades, apresenta outra peculiaridade. É bastante distante do município mais próximo,
Uarini, o que onera mais a produção.
Tabela 6 - Consumo médio mensal por família, de gasolina e diesel nas atividades produtivas em nove
comunidades da RDSA e RDSM
Comunidade 2004 2005
Diesel Gasolina Diesel Gasolina
Aiucá 5,16 36,39 0,00 45,25
Marirana 0,00 50,37 0,00 37,28
Jarauá 13,95 109,94 18,97 96,48
Nova Colômbia 12,39 41,51 8,93 31,43
Boa Esperança 31,19 23,65 33,97 39,26
Calafate - 7,16 - 3,22
Monte Sinai 21,72 36,86 36,09 41,27
Nova Samaria 11,01 32,31 8,93 31,93
São Paulo do Coraci 23,15 30,79 31,69 35,29
Média 14,82 41,00 17,32 40,16
2.3.5.3 Relações de produção: a comercialização
As relações de produção constituídas no âmbito da comercialização e escoamento também
são múltiplas. A Tabela 7 revela que, considerando as nove comunidades, um quarto
da produção
é vendida para os regatões em sistema de aviamento
28
. Os regatões são atores sociais históricos
do interior da Amazônia e sujeitos de controversas análises de pesquisadores (ARAMBURU,
1994; FRAXE, 2002; MEDINA, 2004). São comerciantes que viajam pelos rios, negociando
produtos da agricultura e do extrativismo. De modo geral, vendem ou trocam produtos
industrializados, como açúcar, café em pó e sabão, por produtos dos ribeirinhos, em uma relação
quase sempre desigual, uma vez que os preços praticados pelos regatões são sempre muito
superiores aos do mercado
29
. Por outro lado, durante décadas os regatões representavam o único
28
Por aviamento entende-se sistema de adiantamento de mercadorias a crédito. O comerciante (regatão) adianta bens
de consumo ou equipamentos de trabalho ao produtor, que paga sua dívida com produtos agrícolas ou do
extrativismo. É considerado por Aramburu (1994) uma forma de crédito mais eficiente do que a oferecida pelo
sistema financeiro formal, uma vez que esta é incapaz de chegar a boa parte dos produtores do interior da Amazônia.
29
Diversos agricultores informaram que é comum o uso de balanças alteradas (viciadas) por parte dos regatões, que
indicam sempre os pesos para baixo do peso real.
75
elo das famílias com o mundo externo, e desempenhavam papel fundamental no fomento da
produção e em casos de emergência, como doenças ou mortes, uma vez que proviam
materialmente as famílias. Este dado reflete o caráter transitório do processo de contato entre os
ribeirinhos e a realidade citadina. Mesmo tendo aumentadas as possibilidades de contato com a
cidade, e também de comercializar sua produção, as dificuldades com infraestrutura de transporte
e os laços históricos de sujeição ainda ligam os produtores aos regatões.
Outros dois quartos
da produção são comercializados com atravessadores e diretamente
em bancas na feira de Tefé. A primeira opção tem como intermediário praticamente um único
atravessador, ator importante da agricultura familiar em toda a região de Tefé, que por ser o
maior comprador de farinha da região, tem papel fundamental na formação dos preços do produto
no mercado regional. Para se ter uma idéia, todos os recreios (barcos de transporte regular de
passageiros) quando se dirigem a Manaus, antes de seguir viagem, primeiro passam pelo
flutuante desse atravessador, para serem carregados com a farinha que é comercializada na
capital amazonense
30
.
30
É importante frisar que a farinha produzida na região, conhecida por “Farinha do Uarini”, é um produto bastante
apreciado pelos consumidores de Manaus, e uma marca da agricultura familiar do médio Solimões.
76
Tabela 7 - Pontos de comercialização dos produtos da agricultura em nove comunidades da RDSA e RDSM
Comunidade Ponto de comercialização
Tefé
(diversos)
Alvarães
(feira)
Uarini
(feira)
Manaus Comunidade*
Feira de
Tefé**
Atravessadores
(Tefé)
Regatão Comerciantes*** TOTAL
Aiucá
120,00 15,00 27.495,55 7.260,90 297,30 35.188,75
Marirana
450,00 1.387,00 3.447,40 168,00 40,00 5.492,40
Nova Colômbia
120,00 103,20 1.025,50 330,00 230,00 1.272,30 3.081,00
Jarauá
16.578,30 2.086,35 1.860,20 8.765,70 29.290,55
Boa Esperança
1.426,00 5.397,20 8.830,05 41.537,77 83.395,28 84.413,80 10.700,00 235.700,10
Calafate
288,00 237,00 2.047,60 15.900,89 615,50 21.171,25 40.260,24
Monte Sinai
1.156,00 2.942,00 720,00 15.424,70 24.957,80 2.563,10 684,00 48.447,60
Nova Samaria
45,00 497,60 909,40 8.692,45 428,50 211,90 881,10 11.665,95
São Paulo
436,50 106,00 1.511,40 781,80 2.835,70
Totais
4.041,50 25.773,10 28.985,75 720,00 42.543,30 94.526,21 95.998,08 107.793,25 11.581,10 411.962,29
* Atravessador local ou proprietário de embarcação que leva o produto para a cidade
** A maior feira da região
* **Dono de comércio situado na própria comunidade
77
A comercialização dos produtos na feira de Tefé tem suas particularidades
1
. É uma forma
comum de comercialização para a maioria das famílias. Todavia, é realizada de forma mais
regular e planejada pelas famílias melhor dotadas de infraestrutura (barco, casa de farinha, etc),
que inclusive já possuem os compradores certos. As famílias menos providas levam menores
quantidades, e de produtos diversificados e aleatórios, em transações mediadas por relações de
compadrio entre o produtor e o feirante. Isso quando não estacionam suas rabetas nas áreas
próximas da feira e ficam aguardando os compradores passantes.
Há um grande interesse em toda a região de ampliar a feira como espaço de
comercialização. Mas entraves burocráticos e uma desarticulação entre os produtores e a
Prefeitura de Tefé vêm impedindo essa ampliação. Há algumas iniciativas, principalmente nas
comunidades do Setor Amanã (onde estão situadas Boa Esperança, Calafate e Monte Sinai),
voltadas a construir, com auxilio de recursos doados por meio de projetos submetidos a doadores
públicos e privados, uma espécie de central de comercialização flutuante em Tefé, de forma a
obter mais autonomia na comercialização. Porém essas iniciativas ainda estão em fase
embrionária e não lograram resultados efetivos.
Cerca de dez porcento da produção é comercializado na própria comunidade, por meio da
venda da produção para algum vizinho. Os compradores contumazes são poucos, e por sua vez,
acabam assumindo características de atravessador. Ou é proprietário de alguma bodega na
comunidade, ou de embarcação de maior porte, permitindo com que possa transportar maior
volume de produção e comercializar os produtos na cidade.
2.3.5.4 Casa de farinha e canoa: as condições de infraestrutura
A infraestrutura disponível para a produção agrícola varia em função do perfil produtivo e
da forma de organização da produção. Em quase todas as comunidades é bastante precária e as
condições de higiene são péssimas (levando em consideração as exigências dos órgãos oficiais de
vigilância sanitária). A exceção é Boa Esperança, onde com apoio e assistência técnica do
Instituto Mamirauá foi construída uma usina para beneficiamento de óleos vegetais (dotada de
prensas, filtros, etc, além de poço artesiano e gerador de energia) e geração de energia elétrica a
1
De todas as famílias das nove comunidades, existe apenas uma que possui banca na feira de Tefé.
78
partir deles. A usina por sua vez, até o momento da confecção deste trabalho, estava desativada
2
.
Em fevereiro de 2007, entretanto, a própria associação da comunidade submeteu um projeto à
Secretaria de Agroextrativismo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que foi aprovado. Este
consiste na readequação da usina, com alocação de equipamentos para beneficiamento e
resfriamento de frutas (despolpadeira e refrigeradores), com vistas a obter maior valor agregado
aos produtos dos sítios da comunidade.
Os moradores indicaram uma demanda enorme por infraestrutura em ambas as reservas.
De acordo com Pereira (2002), na maioria das comunidades, apenas um terço das famílias possui
casa de farinha. O problema é ainda mais grave quando se trata do transporte. Poucas famílias
dispõem de embarcações seguras e adequadas para transportar a produção.
O transporte
foi citado como um dos grandes entraves à produção nas duas reservas, e a
posse de uma embarcação não deixa de ser um indicador de evolução econômica e poder de uma
família. Com exceção das comunidades onde existe uma organização comunitária com maior
aparato institucional e maior articulação com outros setores, como em Boa Esperança (onde
praticamente todos os moradores possuem sua própria embarcação), e no Jarauá, onde os
moradores conseguiram junto ao Instituto Mamirauá um barco para transporte da produção, nas
demais comunidades o transporte se constitui em grave problema. As rabetas estão presentes em
quase todas as casas, mas às vezes não são suficientes ou devidamente seguras para transportar a
produção, dada o forte banzeiro (ondas) dos Rios Solimões e Japurá. Para que haja mais
segurança no transporte de maiores distâncias, a embarcação tem que ser tipo motor de centro.
Esta por sua vez é bastante cara e poucas famílias possuem. Neste caso, quem possui cede espaço
para outros (em sistema de partilha de combustível ou cobrança de pequenas taxas).
2.3.6 As percepções sobre as próprias limitações: a importância da assessoria
Com a maior aproximação do mercado, há uma percepção dos agricultores da terra firme
sobre a necessidade de diversificação e os benefícios por ela trazidos. Os moradores de todas as
nove comunidades realçaram a importância de ter uma produção mais diversificada, com
2
O projeto foi implantado por meio de ação do IDSM, com recursos do Ministério de Minas e Energia. Contudo, não
houve a discussão sobre o mesmo com a comunidade, nem foi feito estudo de viabilidade econômica e levantamento
da disponibilidade de matéria-prima (sementes de castanha, andiroba, dentre outras). O objetivo inicial era de que a
usina gerasse energia elétrica para a comunidade a partir das matérias-primas locais. Como não se obteve êxito,
optou-se para a produção de óleos, que todavia, nem chegou a ser realizada.
79
produtos de maior qualidade, além da necessidade de se criar outros canais de comercialização
onde pudessem ter mais autonomia e obter melhores retornos financeiros. Para eles, muitos
desses problemas seriam resolvidos se houvesse uma assessoria mais presente e qualificada, que
possibilitasse o acesso a informações, inovações tecnológicas, e principalmente, que facilitasse o
acesso às políticas públicas.
A Tabela 8 sintetiza as percepções dos moradores das reservas com relação à agricultura e
os pontos que consideram críticos para o processo de desenvolvimento rural.
Tabela 8 - Principais pontos considerados críticos para o desenvolvimento da agricultura, informados pelos
agricultores quando da realização da técnica “realidade e desejo” nas comunidades da RDSA e RDSM
Ponto crítico Várzea Terra
firme
Deficiências de infraestrutura para produção e transporte. x x
Falta de acesso aos mecanismos oficiais de crédito. x x
Assistência técnica capaz de promover a organização comunitária e a fomentar
avanços na produtividade e qualidade dos produtos.
x x
Dificuldades em organizar as associações comunitárias de forma com que sejam
mais autônomas e possam ser proponentes de projetos voltados para a produção e
para o desenvolvimento local.
x x
Necessidade de participar dos fóruns, conselhos e demais órgãos colegiados
formados para discutir e gerir as políticas públicas.
x
Dificuldades impostas pelo regime de enchentes. x
Diversificação dos produtos comercializados. x x
Baixos preços e baixa qualidade dos produtos. x x
Maior autonomia e participação na gestão das Reservas. x x
Falta de escolas nas comunidades oferecendo ensino fundamental e médio. x
Perda de variedades tradicionais de algumas espécies importantes, como milho e
melancia.
x
Na várzea, diversificar implica em arriscar muito, uma vez que naquele ambiente é
comum a sensação do recomeçar imposto pelo ambiente. Desta forma, há pouco interesse no
estabelecimento de sítios e no plantio de outras espécies além da mandioca, banana e milho. Na
terra firme, a demanda anunciada por políticas públicas, principalmente de crédito
, é maior e o
discurso é mais bem formulado, embora poucos tenham conhecimento da burocracia necessária
para aquisição de empréstimos. Os agricultores vêm no crédito uma perspectiva de melhorarem
80
suas condições de vida, diversificar suas fontes de renda e agregar valor aos produtos. Contudo,
de todos os entrevistados não houve nenhum relato de recebimento de crédito ou qualquer tipo de
financiamento oficial.
A luz da percepção de suas próprias limitações em aprimorar seu saber-fazer diante de
uma nova realidade (um mundo globalizado onde a cidade está cada vez mais próxima e as
relações com os atores externos se fazem mais evidentes, inclusive, evidenciadas na necessidade
de ajustes de conduta com relação ao uso dos recursos naturais), os agricultores concentram suas
demandas em quatro pontos principais: assistência técnica
; crédito; participação política e
infraestrutura
. Os pescadores por sua vez evidenciam a necessidade de continuarem plantando e
garantindo o abastecimento de seus lares.
As dificuldades enfrentadas pelos agricultores são um reflexo do investimento público na
produção familiar na região. Os investimentos em crédito e assistência técnica
na região do
Médio Solimões são um tanto quanto precários, e isto se reflete nas comunidades da RDSA e
RDSM. Conforme descrito, as famílias contam com eventual assistência técnica, tanto para
agricultura, quanto para pesca, manejo florestal madeireiro e artesanato do Instituto Mamirauá.
Atua também na RDSA o Grupo de Preservação e Desenvolvimento (GPD), entidade da
sociedade civil, sem fins lucrativos e ligada à Igreja, que tem como diretores moradores das
próprias comunidades
3
,
4
.
No caso do GPD, as atividades foram mais intensas antes da RDSA ser criada. Nos
últimos anos a entidade vem passando por sérios problemas administrativos e financeiros, e os
projetos por ela propostos tem sido implantados nas comunidades com baixíssima participação e
impacto. Contudo, a entidade teve forte participação na organização das estratégias para manejo
comunitário de lagos em diversas comunidades, entre elas São Paulo do Coraci (OLIVEIRA et
al., 2001). Entre 2002 e 2005 se desenvolveu, porém com poucos resultados efetivos, projetos de
apoio a agricultura e manejo de lagos em São Paulo e em Boa Esperança.
3
O Banco do Brasil, agente financeiro responsável pelos empréstimos do Programa Nacional de Apoio à Agricultura
Familiar-PRONAF, ficou por mais de 10 anos sem realizar nenhum contrato de crédito, sob alegação de que os
empréstimos envolviam alto risco financeiro, devido as elevadas taxas de inadimplência verificadas na região. A
agência do Banco da Amazônia (outro agente financeiro, responsável também pelos recursos alocados ao FNO-
Fundo Constitucional do Norte) mais próxima fica no município de Coari, distante 20 horas de barco do município
de Tefé.
4
Para se ter uma idéia, o orçamento anual do órgão estadual de extensão rural, o Instituto de Desenvolvimento Rural
do Estado do Amazonas no ano de 2005 foi de oitenta mil reais para custeio das atividades no município de Tefé
(SILVA et al., 2006).
81
O IDSM é uma instituição não-governamental com dotação orçamentária advinda de
fontes nacionais e internacionais
5
, e na condição de responsável legal pela gestão das duas
reservas emprega técnicos e pesquisadores para atuarem junto às comunidades. No que tange às
atividades de manejo comunitário, o destaque de sua atuação tem sido no apoio a comercialização
de pescado (principalmente pirarucu e tambaqui) oriundo de pesca manejada. A atuação no
campo da agricultura é de responsabilidade da Coordenação de Agricultura Familiar (antes
denominada como Programa de Agricultura Familiar - PAF) e entre os anos de 2002 e 2006
esteve mais direcionada ao apoio à organização da produção e assistência técnica
6
e ao
monitoramento da transformação de habitats provocada pela agricultura.
Até o ano de 2002, o PAF trabalhava com um enfoque mais calcado na assistência técnica
tradicional (fundamentada no difusionismo técnico-científico e na introdução de culturas e
variedades exóticas por meio da distribuição de mudas e sementes). Entre 2002 e 2006 (na
RDSA), houve uma mudança de foco, incorporando elementos da análise participativa de
agroecossistemas (CONWAY, 1993; GUIJT, 1997) e do construtivismo e buscando integrar as
atividades de pesquisa, extensão e assessoria
7
. Contudo, em função da grande rotatividade de
técnicos e da falta de um planejamento mais estratégico, os trabalhos trouxeram resultados pouco
efetivos, sendo as experiências exitosas ainda pontuais.
No que concernem as relações de produção com agentes de apoio a organização,
assessoria e assistência técnica, a contribuição mais significativa para a organização dos
ribeirinhos foi dada pelos movimentos ligados à Igreja Católica, iniciada na década de 60. Foi no
contexto da ação pastoral que surgiram as primeiras experiências em manejo de lagos e as
primeiras ações voltadas para o desenvolvimento comunitário com foco na autonomia das
populações locais. Como em outros municípios da Amazônia, o trabalho da Igreja (por meio do
Movimento de Educação de Base e das Comunidades Eclesiais de Base) foi fundamental na
consolidação de redes sociais e na criação de um senso de comunidade. Favoreceu a formação de
5
Entre os anos de 2004 e 2006, o IDSM e sua congênere Sociedade Civil Mamirauá receberam recursos financeiros
na ordem de 27 milhões de reais. (Dados disponíveis em http://www.mamiraua.org.br/pagina.php?cod=107
em
01/02/2008).
6
Com ênfase na capacitação em temas básicos da produção, com base nos preceitos da Agroecologia (organização
comunitária, desenvolvimento rural e políticas públicas, comercialização, produção agroecológica, manejo
agroecológico de pragas e doenças).
7
Em todo este tempo (1994 a 2006) foram desenvolvidas ações concretas no campo da diversificação da produção
(sistemas agroflorestais e criação de pequenos animais); formação de agentes de desenvolvimento; aquisição de
infraestrutura e apoio a comercialização (projetos piloto de produção de doces em Boa Esperança; assessoria na
compra antecipada de farinha pelo Governo do Estado do Amazonas).
82
lideranças e o surgimento de valores de identidade que antes não existiam. É consensual que em
uma comunidade cívica, como definem alguns autores, entre eles Liu et al. (1998), as relações
horizontais de reciprocidade e cooperação substituem as relações verticais de dependência e
autoridade, o que favorece o surgimento de instancias mais democráticas de discussão, e mesmo
arranjos institucionais como associações e cooperativas.
Os resultados do trabalho da Igreja são visíveis até os tempos atuais. As lideranças
comunitárias mais expressivas das duas reservas tem ligação com a igreja; foi por meio da ação
desta que se deu a territorialização das duas reservas e a divisão em setores; e praticamente tudo o
que foi construído na região, em termos de formação política e cidadania, se deu com o apoio
destes movimentos.
Quanto ás relações de produção, estas tem se transformado muito ao longo destes últimos
anos, em função da abertura dos mercados, bem como das novas necessidades de aquisição de
bens industrializados. A “materialização” da vida comunitária foi tanta, que a ausência de certos
bens nas casas (como telha de alumínio, fogão, rádio ou televisão) pode denotar precariedade,
pobreza ou pouca dedicação ao trabalho. Adquirir bens significa trabalhar mais, o que pode
significar menor dedicação a vida comemorativa, religiosa e social. De fato, os mais antigos
reclamam a diminuição de comemoração ou respeito a certas datas simbólicas, como dias de
santos e dia de finados, que antes nunca deixavam de ser respeitadas. O tempo disponível para
esse tipo de evento tem diminuído nas comunidades, que tiveram seu cotidiano cambiado à
medida em que foram se “modernizando”.
Essa mudança reflete diretamente na organização da produção, que agora passa a ser
orientada (no caso dos agricultores) por uma racionalidade baseada na disciplina, previsão e
ordenação, que fundamenta um planejamento de receitas e despesas, fato que antes não ocorria.
Outro fato também também passa a ser percebido, como realça Antônio Cândido no clássico
“Parceiros do Rio Bonito” (CÂNDIDO, 2001 (1964)): a incorporação de uma dimensão psíquica
que se enraíza no terreno dos hábitos, que faz com que práticas antes inquestionadas (como pegar
lenha para fazer a comida, ou tomar água do rio) passem a ser rechaçadas diante das novas
opções.
Embora tenham sido identificadas manifestações expressas sobre a necessidade de
garantir canais mais justos e autônomos de comercialização, a figura do patrão, ou do regatão
ainda exerce muita influencia nas comunidades, em uma relação de certa forma paternalista,
83
dadas as condições citadas anteriormente. Há quem afirme (ARAMBURU, 1994; MEDINA,
2004) que na verdade este tipo de relação é uma arma das comunidades amazônicas, pois ao
forjar uma relação onde o comprador assume o papel de pai, amigo da comunidade (e estabelecer
relações de confiança com os moradores), o patrão deixaria de assumir o papel explícito de
explorador das famílias. Com pouco poder de barganha para negociar os preços dos produtos, o
interesse das famílias estaria concentrado em tirar vantagens das condições que a presença dos
compradores propicia, tais como aviamento do rancho, passagens nas embarcações, doações de
bebidas para as festas, benefícios que muitas vezes as comunidades só dispõem quando da
presença dos compradores na área. São o que James Scott (1985) chama de formas quotidianas de
resistência camponesa, um tipo de resistência que age de forma difusa, não contestando
diretamente a hierarquia formal e o poder vigente.
Por fim, com relação ao associativismo, iniciativas da Igreja, do IDSM e do GPD voltadas
para este sentido são conduzidas na região desde os anos de 1980. Todas as comunidades
estudadas, e praticamente todas as comunidades das duas reservas possuem uma associação
registrada em cartório e na Receita Federal. Entretanto, elas tem tido pouca efetividade no que diz
respeito à organização da produção na maioria das comunidades, e tem problemas até mesmo de
representatividade junto aos moradores. É inegável a forte relação de reciprocidade nas
comunidades. Contudo, estes laços estão longe de serem materializados em instâncias
juridicamente reconhecidas. As relações sociais se manifestam de fato no parentesco e no
compadrio.
Há comunidades, por exemplo, onde co-existem duas figuras de liderança: o presidente da
comunidade (fruto de um processo endógeno de liderança, já existente antes da criação das
associações) e o presidente da associação. Este autor vivenciou reuniões de associações
comunitárias onde nenhum dos presentes (todos os moradores da comunidade em questão) sabia
quem eram os representantes legais da entidade (presidente, vice, tesoureiro, etc). Este fato é um
demonstrativo da falta de legitimidade dessas associações na imensa maioria das comunidades
(Boa Esperança, São Paulo e Jarauá são algumas das raras exceções).
2.3.7 O trabalho não-agrícola e sua interface com os sistemas de cultivo
Embora não faça parte do calendário produtivo nas comunidades, um componente de
extrema importância para a economia das famílias são os recursos advindos de atividades que não
84
são fruto da produção familiar (salários
8
, diárias, aposentadorias, rendas de programas sociais
governamentais). Estes, pagos regularmente em um contexto onde a circulação de dinheiro é
limitada e sazonal, assumem importância fundamental na dinâmica sócio-econômica local e em
alguns casos determina a configuração dos sistemas de produção.
No caso da comunidade Nova Samaria, por exemplo, grande parte do aporte financeiro
das cinco famílias que lá residem (que na verdade compõem uma única família extensa), é
garantido pelas aposentadorias dos dois moradores mais antigos, pelos salários de outros dois
moradores (ambos funcionários da Secretaria Estadual de Educação que trabalham na escola da
comunidade), além das eventuais diárias recebidas por um morador que é agente ambiental
voluntário. Este fator, associado ao fato das áreas de terra firme onde cultivam serem distantes da
comunidade, explicam a escolha pelo estabelecimento de sistemas de cultivo mais voltados para
o auto-consumo, com uma menor diversificação da produção.
Os benefícios sociais (principalmente o Bolsa Família-BF, gerido pelo Ministério do
Desenvolvimento Social-MDS) têm grande importância, pois garantem mensalmente renda para
as famílias realizarem sua manutenção. Ao longo dos três anos desta pesquisa, verificou-se
dificuldade das famílias em obter estes benefícios, associada à falta de informação e à distancia
da cidade (assim como outros benefícios sociais como aposentadoria, auxílio-doença, auxílio-
maternidade, dentre outros). Entretanto, hoje em dia praticamente todas as famílias acessam o
BF. Levando em consideração que a renda média obtida com a atividade agrícola e pesqueira é de
290 reais, e quem em alguns casos não ultrapassa 60 reais, como na comunidade Marirana, os
valores arrecadados com estes benefícios (que podem chegar a 112 reais mensais, de acordo com
a tabela do MDS
9
) são muitas vezes superiores aos arrecadados com a produção.
O mesmo raciocínio vale para a aposentadoria. No caso de Marirana, oito famílias
abrigam aposentados em sua composição, quase a totalidade das famílias da comunidade (o que
indica de certa forma a estrutura etária da comunidade). O benefício no valor de um salário
mínimo (atualmente 400 reais) causa grande impacto na economia familiar.
Mas o fator mais interessante neste contexto é o aporte de recursos por meio da prestação
de serviços e assalariamento junto ao Instituto Mamirauá. Com a criação das reservas e o
8
Em todas as comunidades existem assalariados na forma de professores, merendeiras, agentes de saúde
comunitários, dentre outras profissões.
9
Disponível na internet dia 17/01/2008 no sítio
http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/o_programa_bolsa_familia/beneficios-e-contrapartidas
.
85
desenvolvimento institucional da SCM/IDSM, foram aumentando as demandas para prestação de
serviços junto às atividades de pesquisa e extensão da instituição, tais como barqueiros, mateiros,
cozinheiras e assistentes comunitários. Grande parte destas oportunidades são destinadas a
moradores das comunidades, em vínculo empregatício formal (celetista), ou por meio da
contratação via prestação de serviços (como no caso de cozinheiras, barqueiros e agentes
ambientais voluntários). De fato, existem comunidades onde mais da metade das famílias está
envolvida com alguma atividade do IDSM (como por exemplo, Vila Alencar, que não faz parte
do universo amostral desta pesquisa e participa das atividades de Ecoturismo).
Além de interferir na dinâmica econômica das comunidades, este tipo de intervenção
influencia a relação das pessoas com o ambiente e as redes sociais, alterando as relações de poder
naqueles locais. A discussão sobre a promoção de assalariamento é complexa, e tampouco é
objetivo deste trabalho. No entanto, os problemas associados a esta prática, e enumerados pelos
próprios moradores das comunidades, não são poucos. Primeiro, pode-se citar o fato de
“desvirtuar”, tirar o foco de um chefe de família da atividade produtiva tradicional (que por mais
dificultosa que seja vem garantindo a reprodução das famílias da região ao longo de séculos). Em
muitos casos, em função da agenda gerada pelo trabalho, a família deixa de produzir farinha ou
comercializar pescado e passa a depender unicamente do salário ou das diárias pagas pelo IDSM.
Quando, por qualquer que seja o motivo, essa renda “externa” deixa de existir, muitas destas
famílias não estão preparadas, e providas de alimentos (não tem roças para produzir mandioca
nem farinha armazenada) o que as leva uma situação de extrema necessidade, sendo muitas vezes
obrigadas a pedir ajuda a parentes e vizinhos. Algumas destas informações são corroboradas por
Peralta (2007), que avaliou o impacto do Programa de Ecoturismo nas comunidades da Reserva
Mamirauá.
O aumento das ofertas de trabalho externo tem provocado mudanças de comportamento
nas comunidades. Não são poucos os que alegaram preferir trabalhar em outra atividade e
comprar comida, do que empenhar energia no sistema de produção. A influência dessa dinâmica
de emprego afeta diretamente os jovens, que em muitas comunidades não querem mais trabalhar
na roça ou na pesca porque querem se tornar funcionários do IDSM
10
. Houve casos onde estes, ao
serem empregados abandonam totalmente a atividade produtiva, e quando são demitidos (ou
10
Durante a pesquisa de campo este autor foi abordado inúmeras vezes por jovens procurando emprego como
assistentes de campo.
86
terminam seus contratos), migram para a cidade à procura de outros empregos, o que nem sempre
acontece. Um jovem morador da comunidade Aiucá informou que “desaprendeu a trabalhar em
roça e a pescar” depois de vários anos prestando serviço.
Outro impacto grave foi constatado após um levantamento do PAF-IDSM. Diversos
moradores, ex-funcionários do IDSM, ou que tiveram por algum motivo vínculo empregatício
formal, mesmo que por pouco tempo, não conseguiram usufruir da condição de trabalhador rural
e acessar benefícios sociais geridos pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), tais
como aposentadoria ou auxílio-doença. O fato de terem sido registrados no Ministério do
Trabalho em outra função os descaracteriza, perante a legislação brasileira, desta condição, fato
que tem levado a interpretações equivocadas por parte do INSS e dificultado o acesso ao
benefício.
Esta questão é importante e deve ser levada em consideração quando do planejamento de
políticas voltadas para o desenvolvimento das comunidades. Levando-se em consideração que
conservação ambiental por meio da gestão compartilhada se faz promovendo a autonomia dos
atores sociais, e que a própria produção tradicional contribui para a reprodução das famílias e
manutenção da integridade dos ecossistemas, é necessária a revisão deste tipo de postura por
parte dos organismos gestores das unidades de conservação. De fato, a geração de renda é
importante. Todavia, a condição camponesa e ribeirinha tem garantido a presença das populações
tradicionais na Amazônia há séculos. E suas características principais, a relação com a terra e a
autonomia devem ser estimuladas, com fim de garantir a reprodução social das famílias e o
estabelecimento de estratégias realmente participativas de gestão.
2.4 Considerações finais
Os resultados obtidos revelam a complexidade dos sistemas de produção da RDSA e
RDSM, e a importância que a agricultura assume para a reprodução social das famílias. Qualquer
que seja a “identidade produtiva” assumida, a agricultura é tomada como uma atividade
estruturante, que garante a produção de alimentos e segurança ou a geração de renda e
desenvolvimento econômico. Além de influenciar as relações de poder internas e com os atores
externos, estas racionalidades informam diretamente a relação dos ribeirinhos com o ambiente,
influenciando o manejo da agrobiodiversidade e a organização da paisagem. Desta forma, ao
longo da realização desta pesquisa ficou evidenciada a necessidade de apoiar o desenvolvimento
87
sustentável da produção agrícola familiar, independente do tipo de racionalidade predominante. O
romantismo da concepção do bom selvagem, ser que vive em harmonia com a floresta em um
modo de vida “anti-capitalista”, deve ser superado. Em todas as famílias com as quais se teve
contato é patente o desejo de continuar produzindo, mas de aumentar o contato com sociedade
além das fronteiras das comunidades, estabelecerem melhores relações de comercialização e
acessar os bens e serviços disponibilizados nas cidades.
De forma resumida, pode-se afirmar que a agricultura e os agricultores nas duas reservas e
em toda região do Médio Solimões apresenta as seguintes peculiaridades: grande dependência e
interrelação com a natureza, demandando da parte dos agricultores muito conhecimento acerca do
meio e de seus ciclos, para que consigam conviver com a floresta e manejar os recursos naturais;
uso de tecnologia relativamente simples, com baixo impacto ambiental, sendo que as decisões
geralmente são tomadas baseadas em elementos que surgem do próprio sistema; agricultores com
fraco poder político, baixa capacidade de representação e difícil acesso às políticas públicas;
trabalho baseado em sistemas de produção complexos, envolvendo policultivos, pesca e
extrativismo, de forma com que água e terra se complementam como meios de produção
fundamentais; uso de mão-de-obra quase que exclusivamente familiar, com adoção de eventuais
estratégias de ajuda mútua e trabalho acessório; redes sociais baseadas em relações de parentesco
e compadrio; integração parcial aos mercados e a sociedade nacional e internacional; novas
necessidades de convivência com normativas que determinam a territorialidade e o acesso aos
recursos naturais.
As políticas de desenvolvimento rural e gestão territorial devem levar esses fatores em
consideração, de forma com que se permita a reprodução das famílias preservando seus próprios
interesses (a própria reprodução, com melhorias das condições de produção e de vida), e da
sociedade nacional e internacional (a preservação dos ecossistemas amazônicos).
2.5 Conclusões
- Quando indagados sobre sua principal estratégia de reprodução os ribeirinhos se definem com
agricultores, pescadores, ou agricultores e pescadores;
- A prática da agricultura nas duas reservas vai além da dimensão do auto-consumo e é
responsável por boa parte dos recursos financeiros gerados nas comunidades, que inclusive
88
contribuem ativamente para o abastecimento das cidades próximas e produzem produtos de
importante identidade territorial, como a farinha do Uarini;
- Percebe-se duas tendências claras, com um grupo formado por agricultores com menor ligação
com o mercado, que disponibiliza menos tempo do seu calendário à agricultura, concentra a força
de trabalho em algumas épocas do ano e que faz uso constante de estratégias de ajuda mútua; e
outro, mais ligado ao mercado (comercializa uma gama maior de produtos), que utiliza a maior
parte de seu tempo na agricultura, tem força de trabalho bem distribuída ao longo do ano e que
tem uma tendência de organização do trabalho mais individual.
- A agricultura, embora seja, junto com a pesca uma das duas principais estratégias de
reprodução, no que diz respeito aos sistemas técnicos ainda está se firmando como atividade,
após longos anos de protagonismo do extrativismo como principal atividade econômica;
- Há predominância de agricultores nas comunidades de terra firme, e de pescadores na várzea,
embora as duas atividades sejam praticadas de alguma forma por quase todas as famílias em
ambos ambientes. Na terra firme predomina uma agricultura mais diversificada e articulada com
o mercado. A maior parte dos agricultores-pescadores é de origem mestiça (descendentes de
nordestinos, portugueses, etc).
- Nos ambientes de terra firme a diversidade de cultivos tendem a contemplar um maior número
de espécies com diferentes características agronômicas e biológicas. Por outro lado, na várzea os
sistemas de cultivo são em sua maioria estruturados em espécies com cultivo anual, embora
sejam encontrados alguns sistemas agroflorestais.
- As comunidades estão integradas às sociedades nacional e internacional em diferentes graus (há
desde casos onde até hoje se depende do regatão para a existência, a outros onde a comunidade
dispõe de pontos de internet nas escolas). Todavia, a integração é irreversível, e deve ser
mediada com fins de promover emancipação e autonomia às populações locais.
- A interface entre os agricultores e o mercado tem aumentado nos últimos anos, havendo maior
diversificação de estratégias de comercialização, contudo, ainda são muito fortes algumas
expressões tradicionais de patronato, baseadas no regatão e em atravessadores tradicionais.
- O trabalho não agrícola ou não extrativista tem aumentado significativamente nas comunidades,
gerando êxodo rural e interferindo na dinâmica dos sistemas de produção.
- Pouco acesso a crédito, falta de assistência técnica e dificuldade em participar dos fóruns de
discussão de políticas públicas e gestão territorial são os principais problemas identificados pelos
89
agricultores, sendo estes elementos chaves para o aprimoramento dos mecanismos de co-gestão
destas duas unidades de conservação.
Referências
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95
3 MANEJO DE SISTEMAS TRADICIONAIS DE CULTIVO E GESTÃO DA
AGROBIODIVERSIDADE: O CASO DA MANDIOCA NOS ROÇADOS DAS RESERVAS
DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL AMANÃ E MAMIRAUÁ, AMAZONAS.
Resumo
Visando fornecer subsídios para a gestão dialogada e para a elaboração de estratégias de
manejo, foi realizado um estudo com o objetivo de caracterizar as principais relações entre o
manejo dos sistemas de produção e a dinâmica da agrobiodiversidade nas Reservas de
Desenvolvimento Sustentável Amanã e Mamirauá, Amazonas. Foram estudados 19 parâmetros
associados ao manejo dos roçados de 76 famílias, em nove comunidades das duas reservas, além
de feitas análises comparativas do manejo da agrobiodiversidade em outras três. Os resultados
mostraram que os ribeirinhos classificam uma série de ambientes, o que reflete diretamente no
uso da paisagem para a prática dos roçados. Estes tendem a ser maiores e mais numerosos nas
comunidades de terra firme, onde há uma grande variação de estratégias produtivas. As análises
multivariadas tenderam a classificar os roçados entre roçados de agricultores, pescadores e
agricultores-pescadores, seguindo padrão tradicional de classificação. Observa-se uma tendência
para a diminuição da diversidade geral e varietal à medida que se aumenta o grau de
especialização produtiva, tanto da pesca, quanto da agricultura. Já os pescadores e as
comunidades de várzea têm papel fundamental na dinâmica da agrobiodiversidade, pois abrigam
grande número de espécies e variedades de mandioca nos seus roçados.
Palavras-chave: Amazônia: Agricultura tradicional; Agrobiodiversidade,; Mandioca
TRADITIONAL CULTIVATION SYSTEMS AND AGROBIODIVERSITY: CASSAVA
MANAGEMENT IN THE SWIDDEN FIELDS OF THE SUSTAINABLE
DEVELOPMENT RESERVES OF AMANÃ AND MAMIRAUÁ, AMAZON
Abstract
Aiming at supplying subsidies towards the dialogued management and the elaboration of
management strategies, a study was carried out to characterize the main relationships between the
handling of the production systems and the agrobiodiversity dynamics at the Sustainable
Development Reserves of Amanã and Mamirauá, in the Amazon. A total of 19 parameters
associated to the management of the swidden fields by 76 families, in nine communities of the
two reserves were studied, as well as comparative analyses of the agrobiodiversity management
in three other communities. Results showed that the messengers classify a series of environments,
which reflects directly in the use of the landscape for the cultivation of the swidden fields. These
tend to be larger and more numerous in the firm land communities, where a greater variation of
productive strategies is observed. The multivariate analyses tended to classify the swidden fields
as those of agriculturists, fishers and agriculturist-fishers, following the traditional standard
classification. A trend is observed towards a decreasing in the general and varietal diversity with
the increase in the degree of productive specialization, both for the fishers and agriculturists. On
96
the other hand, the fishers and the fertile valley communities have a central role in the
agrobiodiversity dynamics, as they grow a great number of species and varieties of cassava in
their swidden fields.
Keywords: Amazon; Shifting cultivatio;,Agrobiodiversity
3.1 Introdução
A agricultura é uma das principais atividades econômicas das comunidades ribeirinhas da
Amazônia, empregando grande volume de mão-de-obra, gerando importantes recursos
financeiros, movimentando complexos sistemas de relações sociais e culturais, além de ser um
dos principais agentes transformadores (ou organizadores) da paisagem. Na região do Médio
Solimões, Amazonas, embora seja praticada por meio de diversos sistemas de cultivo, é no
roçado (sistema de policultivo baseado em cultivos anuais, cujo componente principal é quase
que invariavelmente a mandioca) que as famílias dedicam a maior parte de seu tempo e de sua
força de trabalho. O roçado é responsável pela produção da principal fonte calórica das
populações locais, a farinha, produto não só de consumo interno, como também para
comercialização, constituindo-se junto com o peixe em uma das principais fontes de renda e na
dieta principal das populações locais. É também a partir do roçado que surge outro importante
sistema de cultivo (os sítios – sistemas agroflorestais multiestratificados) em um processo de
sucessão agroecológica que provoca sensíveis alterações na paisagem (PEREIRA, 2007).
Portando, o roçado é uma unidade estruturante da produção familiar nas comunidades ribeirinhas
do médio Solimões e de toda a Amazônia.
Somada à sua enorme importância sócio-econômica, os roçados abrigam considerável
agrobiodiversidade, o que lhes confere valor do ponto de vista biológico e cultural, partindo-se do
pressuposto que o conceito de agrobiodiversidade engloba desde a riqueza biológica (espécies,
variedades, populações e ecossistemas relacionados ao sistema de cultivo) aos conhecimentos
relacionados ao manejo das espécies e dos ecossistemas. Nas comunidades ribeirinhas da
Amazônia Central são manejados vários ambientes e sistemas de cultivo, onde são cultivadas
diversas espécies e variedades de plantas domesticadas e semi-domesticadas
1
, com ênfase na
1
Jack Harlan (1975), um dos pioneiros no estudo da domesticação de plantas define estas variedades como “uma
mistura de genótipos razoavelmente bem adaptados para uma região em que evoluíram, altamente variáveis na
aparência, mas ao mesmo tempo sendo individualmente identificáveis e freqüentemente possuindo nomes locais
97
cultura da mandioca. As diversas variedades da região se diferenciam em múltiplos aspectos de
interesse ecológico e agronômico, como adaptação a condições adversas, cor da raiz,
precocidade, resistência a pragas e doenças, dentre outras, o que confere à espécie status de
recurso fitogenético com grande importância para os povos tradicionais.
No caso destas comunidades, as pressões sobre a agrobiodiversidade são menores que nas
regiões mais desenvolvidas economicamente do Brasil, em função do razoável distanciamento
em relação à sociedade capitalista, e da coexistência de modos de vida ainda bastante
tradicionais. Contudo, relatos de agricultores revelam a perda de variedades, tanto de mandioca,
relacionada à especialização da produção de farinha; mas principalmente de grãos, em função das
políticas de assistência técnica oficial, baseadas na distribuição de variedades melhoradas, em sua
maioria advindas do centro-sul do país. Outro motivo da perda de diversidade é o próprio êxodo
rural, cada vez mais freqüente em toda a região. Dentro deste contexto, as pesquisas científicas e
as políticas de conservação voltadas para a temática da agrobiodiversidade devem levar em
consideração os sistemas sócio-técnicos e econômicos dos agricultores.
Inventários são instrumentos de extrema importância. Todavia, contribuem pouco para o
desenho de estratégias de conservação, se não estiverem conectados ao estudo sobre as
verdadeiras motivações que levam os agricultores a adotar ou abandonar uma variedade.
Levantamentos etnobotânicos devem estar sempre associados ao estudo das percepções dos
ribeirinhos sobre a agricultura, e a levantamentos que permitam o conhecimento do sistema de
produção como um todo. Dada a complexidade da temática, que engloba aspectos sociais,
culturais, econômicos, agronômicos e ambientais, informações de caráter científico embasadas
nos mais diversificados ramos do conhecimento são necessárias para dar suporte a programas de
manejo e conservação. A integração de escalas de análise e intervenção (que vão desde o nível de
gene a variedade e espécie; de uma parcela em uma pequena propriedade rural ao nível nacional e
mesmo internacional) se torna indispensável para o sucesso e continuidade destes programas.
Fatores como padrões de ocupação espacial e formas e percepções locais de uso dos
recursos, devem ser levados em conta ao se estudar a relação entre populações rurais e
(integridade genética)”. Clement (1999) descreve-as como “populações domesticadas ou ocasionalmente semi-
domesticadas, selecionadas em uma paisagem cultivada e dentro de uma região geográfica restrita, com alta
variabilidade fenotípica e relativamente alta variabilidade genética. Zeven (1998) define uma variedade local ou
autóctone como uma “variedade com alta capacidade para tolerar estresses bióticos e abióticos, resultando em uma
alta estabilidade de rendimentos e um nível intermediário de rendimento dentro de um sistema agrícola de baixos
inputs.
98
biodiversidade, principalmente quando se busca alternativas para a gestão participativa de
unidades de conservação. Visando fornecer subsídios para a gestão dialogada e para a elaboração
de estratégias de manejo, o presente trabalho tem como principal objetivo discutir alguns
aspectos da agrobiodiversidade nos roçados e caracterizar as principais relações entre o manejo
dos sistemas de cultivo e a dinâmica da agrobiodiversidade nas Reservas de Desenvolvimento
Sustentável Amanã e Mamirauá, Amazonas.
3.2 Material e Métodos
O trabalho foi realizado em nove comunidades das RDS Amanã e Mamirauá, distribuídas
nos municípios de Alvarães, Uarini e Maraã. Em Amanã, as comunidades foram São Paulo do
Coraci, Nova Samaria (várzea), Monte Sinai, Boa Vista do Calafate e Boa Esperança (terra
firme). Na RDS Mamirauá, o trabalho foi realizado nas comunidades Aiucá, Marirana, Jarauá e
Nova Colômbia (todas em ambiente de várzea). Além destas, em caráter de comparação foram
feitos levantamentos sobre o manejo das espécies e variedades nas comunidades Nova Olinda
(RDSA - várzea) e São João do Ipecaçu (RDSA – situada na várzea mas com áreas de cultivo na
terra firme) e Vila Alencar (RDSM - várzea). Todas estão situadas na várzea, contudo, os
agricultores da segunda estabelecem seus cultivos em áreas de terra firme próximas à
comunidade.
Fez-se uso de entrevista estruturada, semi-estruturada, visitas às unidades de produção e
observação participante. O trabalho teve dois enfoques: um quantitativo (apoiado por entrevistas
estruturadas aplicadas mensalmente em todas as famílias das nove comunidades e levantamentos
de espécies e variedades a campo) e que teve por objetivo compreender a dinâmica sócio-
econômica e as variações sazonais da produção, além de obter um inventário da diversidade nos
roçados; e outro mais qualitativo (apoiado pelas entrevistas semi-estruturadas e demais
metodologias, em um universo amostral bem mais restrito), que teve intuito de ajudar na
compreensão das racionalidades envolvidas no manejo da agrobiodiversidade nas duas reservas.
As entrevistas estruturadas
foram aplicadas mensalmente, no período de março de 2004 a
janeiro de 2006, em todos os domicílios de cada uma das nove comunidades, onde se procurou
saber o volume produzido e comercializado de produtos agrícolas, a mão-de-obra empregada, as
atividades desempenhadas, a renda obtida com atividades produtivas não-agrícolas, a renda
99
obtida de atividades fora do sistema de produção (como salários, auxílios governamentais e
aposentadoria). Este questionário (APÊNDICE) foi aplicado com auxílio de nove assistentes de
campo, moradores das próprias comunidades, que receberam treinamento prévio, e de técnicos do
Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM). Ao todo foram entrevistadas, ao
longo dos 24 meses, 124 famílias. Houve casos em que os agricultores se recusaram a participar
da pesquisa, e outros em que eles não estavam em suas residências na ocasião da visita. Em
média, o universo amostral, foi de aproximadamente 70% das famílias das nove comunidades.
Para inventariar a agrobiodiversidade, foram visitados 140 roçados, em 12 comunidades, e
listadas todas as espécies e variedades existentes nos roçados. O levantamento foi feito com a
ajuda de um assistente de campo, geralmente morador da própria comunidade.
Para entender o manejo da agrobiodiversidade (ambientes utilizados para a agricultura e
suas estratégias locais de classificação; estratégias de manejo da diversidade específica e varietal;
racionalidades envolvidas no manejo), foram aplicadas entrevistas semi-estruturadas
com os
agricultores, seguindo o método da saturação teórica (GLAUSER; STRAUSS, 1974), onde
optou-se por interromper a aplicação dos questionários quando não se encontravam mais
informações adicionais. O roteiro dos questionários constituiu-se de perguntas norteadoras
relacionadas aos sistemas de produção e sua dinâmica. Para esta finalidade foram realizadas 76
entrevistas, e levantados dados referentes ao tamanho e número de unidades de produção,
estratégias de preparo do solo e implantação de sistemas de cultivo, infraestrutura existente,
aspectos fitossanitários, dentre outros. Além das entrevistas foram feitas visitas aos sistemas de
produção (onde foram feitas medição de áreas, georreferenciamento, fotografias, etc), observação
participante e coleta de relatos da história oral de diversos agricultores.
O exercício da observação participante foi facilitado pelo histórico de contato do
pesquisador com as famílias participantes da pesquisa. Foram acompanhadas diversas etapas do
ciclo de cultivo, como derruba, queima, plantio, capina e colheita, além de diversos eventos da
vida privada e social das famílias, tais como refeições, reuniões, cultos e assembléias.
A análise estatística dos dados foi realizada por meio do uso de técnicas da estatística
descritiva (cálculo de variância, média, mediana); análise de diversidade (Índices de Shannon
2
,
2
O índice de Shannon (H) é calculado pela fórmula H= -(n
i
/n)ln(n
i
/n), sendo n o número de indivíduos de um
determinado taxon (i). Quando o valor de H é igual a zero, significa que foi encontrado apenas um táxon no roçado.
A diversidade é maior quanto maior for H.
100
Simpson e dominância
3
); da análise de correlação (matriz de correlação de Pearson) e da
estatística multivariada (análise de coordenadas principais e de agrupamento), estas últimas com
intuito de ordenar hierarquicamente os sistemas de produção de cada uma das 76 famílias, e
identificar as variáveis mais importantes no processo de ordenamento. Para tal, os dados foram
transformados calculando-se o logaritmo na base 2. Os parâmetros avaliados com seus
respectivos códigos, foram: Fartra
: Intensidade de trabalho média por família na atividade
produção de farinha (horas/mês); Platra
: Intensidade de trabalho média por família na atividade
plantio de roça (mandioca) (horas/mês); Captra
: Intensidade de trabalho média por família na
atividade capina de roça (mandioca) (horas/mês); Coltra
: Intensidade de trabalho média por
família na atividade colheita de roça (mandioca) (horas/mês); Peptra
: Intensidade de trabalho
média por família na atividade pesca (horas/mês); Ptot
: mão-de-obra média (número de pessoas),
por família, envolvida na atividade “pesca”; Captot
: mão-de-obra média (número de pessoas), por
família, envolvida na atividade “capina do roçado”; Fartot
: mão-de-obra média (número de
pessoas), por família, envolvida na atividade “fabricação de farinha”; Coltot
: mão-de-obra média
(número de pessoas), por família, envolvida na atividade “colheita de mandioca”; Plaltot
: mão-
de-obra média (número de pessoas), por família, envolvida na atividade “plantio de mandioca”
Redpe
: renda média mensal por família na atividade venda de pescado (R$); Redfa: renda média
mensal por família na atividade venda de farinha (R$); Esp
: número de espécies cultivadas em
cada roçado por família; Varman
: número de variedades de mandioca cultivadas em cada roçado
por família; Varmac
: número de variedades de macaxeira cultivadas em cada roçado por família;
Noarea
: número de roçados manejados por família; Areapla: área total ocupada por roçados por
família (ha); Gas
: gasto mensal com gasolina (R$); Dies: gasto mensal com diesel (R$).
Os dados foram analisados com auxílio dos pacotes estatísticos PAST (HAMMER et al.,
2001), MVSP (KOVACH, 2006) e BIOSTAT (AYRES et al., 2005).
3
A dominância é calculada pela fórmula D=(n
i
/n)
2
; e o índice de Simpson corresponde a 1 diminuído do valor
obtido no cálculo da dominância. Quando D é igual a 1, significa que apenas um táxon domina completamente o
roçado.
101
3.3 Resultados e discussão
3.3.1 Itinerários técnicos relacionados ao roçado
Conforme descrito no capítulo 1, os moradores das duas reservas se auto-denominam
agricultores, pescadores, ou agricultores-pescadores, em função da atividade considerada
principal geradora de renda. Todavia, qualquer que seja a estratégia de reprodução, alguns
conceitos são análogos junto a todas as famílias da região. De acordo com a descrição feita no
capítulo anterior, por roçado entende-se a área onde será estabelecido o sistema de cultivo
baseado em plantas anuais, geralmente a roça (mandioca). Na concepção local, o termo roça é
utilizado para identificar a espécie Manihot esculenta, e não as áreas de cultivo, como em outras
regiões do Brasil. Estas, entre os entrevistados e em várias regiões da Amazônia são denominadas
roçados. Os roçados podem até não conter espécimes de mandioca, como os roçados de milho e
roçados de melancia, mas isto raramente ocorre.
Por plantas entende-se, de modo geral, as espécies cultivadas. Mas a maioria dos
entrevistados classifica mesmo como planta as espécies que são bem de raiz (espécies perenes),
como o açaí, a pupunha, o abacate e o cupuaçu. Estas são diferenciadas dos paus (madeiras e
outras árvores que não são plantadas), do mato (ervas de modo geral) e dos cipós. Comida é a
categoria utilizada para designar carne de peixe principalmente, embora também sirva para
designar carne de caça, gado, ou de outra criação. Esta, junto com a farinha constitui a dieta
básica das famílias da região. Eventualmente, é misturado arroz, feio, banana frita, macarrão,
açaí ou macaxeira (variação da mandioca com alto teor de glicosídeos cianogênicos, utilizada
para consumo de mesa, sem necessidade de processamento, bastando apenas ser cozida).
Portanto, peixe com farinha é o prato habitual das famílias da RDSA e RDSM, mesmo as mais
capitalizadas. Comer escoteiro (sem farinha) é um ato quase herético para as populações da
região. Daí a importância do roçado nos sistemas de produção locais, mesmo nas famílias de
pescadores.
Os roçados são abertos todos os anos, e constituem estratégia de garantia dos ribeirinhos,
tanto de geração de renda (no caso dos agricultores), quanto de produção de alimento (no caso
dos pescadores). Ter um roçado pode significar o acesso mais rápido a um objeto (mercadorias
desejadas pelos agricultores e que apresentam custo elevado, como motores, embarcações ou
102
eletrodomésticos) ou simplesmente não necessitar comprar farinha, a principal fonte calórica da
dieta local. Dessa forma, os roçados são verdadeiros patrimônios pessoais das famílias
ribeirinhas.
O período de maior aperreio é a época de por o roçado, por que se
demorar a plantar, a roça cresce desigual. Outro motivo de avechamento
são as dívidas. Quando se tem alguma coisa para pagar, se trabalha muito
até que se consiga pagar tudo”. João, agricultor, 53 anos, comunidade Boa
Esperança.
O fato de um chefe de família não botar o roçado por qualquer motivo que seja (doença,
necessidade de se ausentar por um tempo da comunidade, etc.) pode significar períodos de
carestia, o que os leva muitas vezes a passar por situações constrangedoras e depender da ajuda
alheia. Ter um roçado, portanto, pode ser motivo de orgulho, e a forma de manejo ou quantidade
de roçados estabelecidos por família pode servir para indicar um pai de família como trabalhador
ou não, o que mexe com o sentimento de honra junto de todos em uma comunidade.
Neste trabalho não foram feitos levantamentos específicos sobre a produtividade nos
roçados. Entretanto, relatos dos entrevistados apontam para a produtividade de em média de 16
toneladas de raízes por hectare. Como o rendimento da produção de farinha é de vinte e cinco por
cento (em média), uma quadra de mandioca (1 hectare, ou 10 mil covas) pode levar a produção
de 4 toneladas de farinha. A fertilidade do solo na várzea é muito maior que na terra firme. Mas
como as raízes são colhidas muito precocemente (6 a sete meses após o plantio), a produtividade
dos roçados de várzea e terra firme acabam sendo equivalentes.
Segundo o capítulo anterior, existem racionalidades e lógicas de produção diversas, o que
interfere diretamente no manejo do roçado. Contudo, no que diz respeito ao estabelecimento dos
roçados, é seguido um itinerário técnico básico, que sofre pequenas variações dependendo da
“identidade produtiva” do morador e do ambiente onde o roçado está inserido, mas que obedece
uma seqüência comum a todas as famílias. Este itinerário perpassa pelas formas locais de
classificação do ambiente, e pelos critérios para a escolha de áreas, que serão descritos a seguir.
103
3.3.1.1 Tipologia local de ambientes utilizados para a agricultura
As famílias se reproduzem explorando uma multiplicidade de habitats, cuja utilização
exige não só o conhecimento sobre os recursos naturais, do clima e solo, mas a adequação a um
calendário complexo, dentro do qual se ajustam os diversos usos dos ecossistemas. Do ponto de
vista da produção agrícola, os ribeirinhos distinguem e usam diversos tipos de ambientes, de
acordo com o sistema de cultivo a ser implantado, a altitude do terreno, com o tipo de corpo
d’água predominante, e tipo de solo (no caso de terra preta). Para os ribeirinhos, os ambientes
mais adequados para a agricultura são:
Restinga: São as áreas de várzea mais apropriadas para agricultura, uma vez que estão
menos sujeitas a alagação por alcançarem uma cota mais alta. Suas terras geralmente são
alagadas por 2 a 4 meses por ano. A marca d’água (altura atingida pela água nos períodos
de inundação), varia entre um a 2,5 metros, em relação ao solo. São denominadas na
literatura científica como restinga alta, e ocupam 12% da área florestal da várzea
amazônica (AYRES, 1995). Segundo os agricultores, estas são as melhores áreas da
várzea, passíveis de serem cultivadas pelas principais espécies agrícolas desse
ecossistema na região, que são a mandioca e a banana (Musa sp.). As áreas de cultivo de
várzea são caracterizadas geralmente por serem terrenos em que a largura é bem menor
que o comprimento. Quando o comprimento ultrapassa 100 metros, os agricultores
denominam estas áreas como estirão.
Baixo: São os terrenos de várzea com cota mais baixa, e, portanto, mais sujeitos a
alagação. A marca d’água pode chegar a 5 metros. Correspondem às restingas baixas da
literatura científica, que por sua vez ocupam 85% da cobertura florestal da várzea
(AYRES, 1995). Permanecem alagadas por um período que pode chegar a seis meses.
Com a diminuição da coluna de água, o solo vai ficando bastante enlameado, por várias
semanas, até secar completamente. Nestas áreas os agricultores cultivam
preferencialmente feijão de praia (Vigna sp.), milho (Zea maiz), e melancia (Citrullus
lanatus), por se tratarem de espécies de ciclo mais curto. Entretanto, em situações
extremas, essas áreas são utilizadas para o cultivo da mandioca, que se torna de alto risco,
104
dado o reduzido período de cultivo. As restingas e os baixos, geralmente, são tiras
compridas no terreno, cercadas de água por todos os lados na época da inundação.
Praia: São os terrenos que se formam nas margens e no leito dos rios e paranás. O solo
pode ser muito arenoso, ou areno-argiloso. Nestas áreas, cujo período de inundação é
ainda maior que nos baixos, cultivam-se principalmente feijão de praia (Vigna sp.) e
melancia.
Barranco (de rio/paraná): São os barrancos formados na margem de alguns paranás.
Quando eles alcançam altura razoável, o que significa ter bastante área disponível para
cultivo, os agricultores plantam mandioca, milho e melancia. Geralmente o solo é bastante
enlameado.
Terra firme: São os terrenos livres de alagação. De modo geral, possuem terra fraca
(segundo a classificação dos agricultores, solo com estoque de nutrientes reduzidos,
conforme corroboram Uhl e Jordan (1994); Shorr (2000); McGrath et al. (2001), em
comparação com os solos de várzea, o que torna a queima e a coivara obrigatórias. Os
ciclos de cultivo de espécies anuais, como a mandioca, não ultrapassam três anos.
Contudo, nestas áreas as possibilidades de cultivo são múltiplas, pois podem ser
cultivadas diversas espécies frutíferas adaptadas aos solos da região. As principais são a
mandioca (menos exigente em nutrientes), a banana e as fruteiras perenes, como açaí
(Euterpe precatoria), pupunha (Bactris gasipaes), cupuaçu (Theobroma grandiflorum) e
abacate (Persea americana).
Terra preta: São as áreas de terra preta arqueológica, conforme a classificação científica
(POSEY, 1986; RIBEIRO, 1992; FERRAZ, 1994). Nas regiões de terra firme da RDSA
(este habitat não ocorre nas áreas de várzea) os agricultores diferenciam este habitat pela
constituição do solo, profundidade da camada orgânica, e presença de materiais
arqueológicos, como urnas funerárias indígenas, vasos, ferramentas e pequenas esculturas
de barro. Estas áreas são consideradas excelentes para o cultivo de diversas espécies, uma
vez que possui solo com altos teores de nutrientes. O teor de fósforo, por exemplo, pode
chegar a ser 100 vezes maior que na terra firme (EDEN et al., 1994; SCHAEFER et al.,
2004; PEREIRA, 2007). Na comunidade Boa Esperança, foi o único ambiente em que se
105
verificou o cultivo de milho (Zea maiz), uma vez que os agricultores não conseguem obter
produção em solos de terra firme convencional. De modo geral, estão sempre próximas a
sede das comunidades, e são utilizadas para o estabelecimento de sítios (quintais
domésticos).
3.3.1.2 Critérios para implantação dos sistemas de cultivo
Uma mesma família de agricultores pode manejar diferentes tipos de sistemas de cultivo,
como ocorre na maioria dos casos, principalmente nas comunidades de terra firme. A escolha da
área a ser cultivada e do tipo de sistema a ser implantado se dá em função de diversas variáveis,
tais como oportunidades de mercado, mão-de-obra disponível, dentre outros fatores. A
espacialização das áreas, bem como a definição de qual sistema de produção deve ser implantado,
é determinada por diversos critérios de zoneamento adotados pelos agricultores, que variam em
função de diversos fatores. São eles:
Disponibilidade de áreas: como as áreas são devolutas, no caso delas nunca terem sido
utilizadas, qualquer agricultor tem toda a liberdade de escolhê-la para instalar seus
plantios. Desde que ela esteja na área de sua comunidade, o agricultor tem toda a
liberdade para ocupá-la e cultivá-la. A disponibilidade de terras próximas às comunidades
tem diminuído muito na terra firme, devido ao aumento da pressão demográfica e da
intensificação do cultivo. Tanto em Boa Esperança quanto no Calafate, devido à
intensidade de uso das áreas para agricultura, quando um agricultor deseja abrir uma área,
de modo geral tem que caminhar por cerca de 45 minutos, até chegar a uma área ainda
inexplorada. No caso de São João do Ipecaçu, os agricultores têm que se deslocar alguns
quilômetros para sair da sede da comunidade, situada em área de várzea, para chegarem
aos seus roçados, na terra firme. Desta forma, a abertura de novas áreas tende a diminuir
significativamente nos próximos anos. A tendência é a intensificação do uso das áreas já
abertas, por meio da implementação de novos sítios e o aumento de investimentos em
culturas alternativas à mandioca, tais como fruteiras.
Tipo de solo: os agricultores, em todas as comunidades, foram unânimes em afirmar que
preferem a areia e o areiusco (solos arenosos) para o cultivo da maioria das espécies,
106
principalmente mandioca, em relação ao barro liguento (solos argilosos). A preferência se
dá pelo fato de que, na areia, o desenvolvimento e o arranquio da batata (raiz da
mandioca) é mais fácil. Já para outras espécies, como a banana, o solo barrento é
preferido, pois muitos agricultores acreditam que a “terra fica mais fria”, tornando as
plantas menos propensas ao ataque de doenças.
Risco de inundação: esse critério é mais importante nas áreas de várzea. Os agricultores
preferem as áreas mais altas (restingas) para fazerem seus cultivos, principalmente
quando se trata do cultivo da mandioca, que não tolera a alagação (encharcamento de
solo). As terras baixas são utilizadas basicamente para o cultivo de espécies mais ligeiras
(precoces), como a melancia e o feijão.
Distância da comunidade: quando o objetivo é trabalhar em uma área por mais tempo,
por exemplo, quando se abre uma área já com a intenção de se implantar um sitio, ou
quando se deseja converter roçados em sítios, nas comunidades de terra firme a escolha
dos agricultores sempre é influenciada pela distancia dessas áreas com relação às
residências. Nas áreas muito longínquas, geralmente se faz apenas um ciclo de cultivo,
abandonando-se a área em seguida. Os agricultores alegam que a distância inviabiliza a
manutenção das áreas, e o transporte da produção. O acesso se dá por meio de trilhas e
picadas abertas no meio da mata. Em outros casos, é necessário que o deslocamento seja
feito por meio de pequenas embarcações, como canoas e rabetas (canoa movida por um
motor de baixa potencia). Muitas vezes é necessário atravessar furos e igarapés para que
se chegue até elas. O difícil acesso, acrescido à dificuldade de transporte (a produção é
transportada até as comunidades e cursos d’água em paneiros, cestos artesanais, que
podem pesar até 80 kg) inviabiliza muitas vezes a abertura de novas áreas.
Este fator interfere diretamente no manejo da agrobiodiversidade. Nas áreas mais
longínquas a tendência é que se cultivem apenas espécies anuais (ou cultivadas como
anuais, como é o caso da mandioca), uma vez que estas áreas serão abandonadas em curto
período de tempo (no máximo três anos). No caso do Ipecaçu, por exemplo, os roçados
são extremamente especializados, conforme será discutido adiante.
No caso das áreas de várzea, as áreas podem se tornar distantes no período da seca,
quando são formadas imensas praias nas margens dos rios e paranás. Entretanto, há
diversos casos em que as áreas de cultivo são estabelecidas em terrenos de outras
107
comunidades, como no caso da comunidade Bom Socorro (não estudada nesta pesquisa),
em que seus moradores mantém áreas no Igarapé do Ubim, situado a mais de 40 km de
distancia. A explicação para este fato são as relações de parentesco, pois os pais de um
morador do Bom Socorro mantinham áreas de produção naquele igarapé.
Tipo de formação vegetal existente (se mata virgem ou capoeira): quando possível, os
agricultores, tanto da várzea quanto da terra firme preferem estabelecer seus roçados em
áreas de mata virgem, porque nestas, a incidência de plantas invasoras é muito menor que
nas áreas de capoeira.
3.3.1.3 Etapas para implantação dos roçados
Escolhida a área onde será implantado, ao se chegar à área de floresta onde será botado o
roçado (feito o plantio), são seguidas as seguintes etapas de implantação:
Broca: retirada dos cipós e das árvores mais finas, com auxílio de terçado (facão). Um
homem sozinho demora cerca de 10 dias para brocar uma área de 1 hectare (10 mil covas
de mandioca). A broca tem também intuito de facilitar o transito dentro da mata ou
capoeira, e facilitar o processo de derruba. Nesta atividade participam apenas os homens.
Derruba: derrubada das árvores de maior porte. Os agricultores mais capitalizados,
quando não possuem, alugam motosserra para realizar o trabalho. Os menos capitalizados
realizam a atividade com o machado. Em ambos os casos é comum a prática de ajuri
(mutirão). O tempo para realizar a atividade varia de acordo com a formação vegetal
existente. Árvores de grande porte podem demorar até uma hora para serem derrubadas.
Uma copaíba (Copaifera sp.) com 20 metros de altura, por exemplo, demora cerca de 20
minutos para ser derrubada. Um homem sozinho, neste caso, pode demorar até um mês
para derrubar um hectare de mata virgem. Nesta atividade também só participam os
homens.
Queima: aproximadamente um mês depois de finda a derruba, e caso não estejam
ocorrendo chuvas, as árvores, ervas e cipós cortados estão no ponto de umidade suficiente
para que se proceda a queima. Esta tem por intuito limpar a área e produzir cinzas, que
fornecerão nutrientes ao solo. A queima é rápida e depende das condições climáticas. Os
108
ribeirinhos preferem que ela seja realizada em época bem seca, a fim de queimar bem o
material vegetal e evitar mais trabalho na coivara.
Coivara: queimada a mata, os galhos e troncos e ciscos que o fogo não conseguiu reduzir
a pó são reunidos em pilhas, denominadas coivaras, para que sejam novamente
queimados, de forma a deixar a área o mais limpa possível. Um roçado bem encoivarado é
motivo de orgulho do agricultor, e critério de classificação dos mesmos quanto ao esmero
no trato com a agricultura. A atividade de encoivarar já conta com a ajuda das mulheres e
crianças, e dura geralmente dois dias em um terreno de um hectare.
Junta: no caso da várzea, como a área é quase que anualmente molhada, nem sempre é
possível queimar. Desta forma, é feita apenas a junta dos troncos e galhos, geralmente
antes da alagação, que leva estes materiais com a correnteza, deixando a área limpa logo
que a terra volte a aparecer, por ocasião da vazante.
Plantio: a roça (mandioca) é plantada em covas. Geralmente o trabalho é feito por duas
pessoas, uma furando as covas e outra depositando a semente (maniva – pedaço de caule
contendo gemas). Da mesma forma, são plantados o cará (Dioscorea sp.), ária (??), cana-
de-açúcar (Saccharum sp.), banana, melancia, dentre outros. Já o milho e feijão são
plantados com auxílio de varas, que furam pequenos buracos onde são depositadas as
sementes. As mudas de frutíferas, quando plantadas, são depositadas próximas a tocos de
árvores remanescentes no terreno, de forma a facilitar a identificação. O plantio é feito em
covas, e os filhos (mudas) são carregados em paneiros (cestos) até o local de plantio. No
caso da mandioca, as manivas são reunidas em feixes e transportadas em canoas ou nas
costas até o roçado.
Limpa (capina): três meses após o plantio e, por conseguinte, a cada três meses, é feita a
limpa, ou capina. Esta é feita com auxílio de terçado e espeque (escora de madeira, feita a
partir de um galho de árvore). São retiradas as ervas e capins que surgem no terreno.
Quando o roçado é estabelecido em capoeira, a incidência de ervas é maior.
Retirada da mandioca (colheita) e desmanche do roçado: no caso da mandioca, a
colheita já pode ser feita a partir de sete meses após o plantio, no caso das variedades
mais precoces, como a Valdivina e Tartaruga. A colheita é feita manualmente, e as
batatas (raízes) colhidas são transportadas em um paneiro até uma gareira (canoa
parcialmente alagada utilizada como tanque onde a mandioca é deixada de molho por três
109
dias antes de ser processada como farinha). Como geralmente são plantadas mais de uma
qualidade (variedade), com ciclos diferentes, e como o roçado está em seu segundo ano
(replanta), a colheita é feita aos poucos. Quando se colhe a qualidade Tartaruga, por
exemplo, a qualidade Leôncio (que tem ciclo de 18 meses) ainda está verde. Ou quando se
está colhendo a Leôncio, a Tartaruga que foi replantada ainda está verde, e assim por
diante.
Replanta: na terra firme, um roçado dura dois, no máximo três ciclos de cultivo da
mandioca. Neste ambiente, como a área está livre da alagação, terminada a colheita das
primeiras mandiocas, é feita imediatamente a replanta (replantio) utilizando-se a maniva
da mandioca arrancada. Portanto, na terra firme existem os roçados de planta e de
replanta (ou arrancador). Os primeiros são aqueles que foram recém-estabelecidos, e os
segundos, aqueles que estão no segundo ciclo da mandioca. Dependendo da localização
do terreno e do interesse do agricultor, um roçado de replanta aos poucos é transformado
em sítio, por meio do plantio de mudas de espécies frutíferas e madeireiras.
Farinhada: denominação do processo de fabricação de farinha e demais subprodutos da
mandioca (goma, tapioca e tucupi). A mandioca, após colhida e deixada de molho por três
dias na água, é levada a casa de farinha (estrutura coberta com folhas de palmeira ou
telhas de alumínio, onde estão armazenados os equipamentos necessários para a produção
da farinha) e submetida a descasque, ceva (ralação), peneiragem (peneiração) e torração.
No caso da farinha ova (farinha cujos grãos são mais arredondados e uniformes), há ainda
a etapa da embolação (passagem da mandioca já ralada e peneirada em um cilindro
movido à manivela), que precede à torração. As formas e equipamentos utilizados no
processo variam de acordo com o agricultor e comunidade. Os mais tecnificados dispõem
de motores para cevar (em contraposição à ceva manual), prensa mecânica (em
contraposição ao tipiti), maior número de fornos, etc. Quando a produção é destinada à
comercialização, geralmente o processo é mais sofisticado e os equipamentos são
dimensionados a garantir maior qualidade e eficiência. Os agricultores, em comparação
com os pescadores, geralmente desempenham essa etapa com mais critério.
110
3.3.2 Roçados e transformação de habitats
A quantidade de unidades de produção por agricultor, bem como o tamanho de cada área,
é relacionada ao grau de importância e especialização que a agricultura assume em cada família
ou comunidade. Portanto, nas comunidades mais voltadas para o mercado, e na terra firme, a
tendência é que esse número seja maior (Tabela 1).
Alguns fatores devem ser levados em consideração na análise da tabela. Conforme
descreve o capítulo anterior, há alguns anos atrás, as atividades principais eram a pesca e o
extrativismo, que foram declinando com o advento da reserva, com a redução de estoques
naturais e com o aumento da regulação dessas atividades pelos órgãos competentes. Os
ribeirinhos estão, portanto, aprendendo a lidar com a agricultura, do ponto de vista da reprodução
social e econômica. Estes fatos, somados ao crescente aumento do preço da farinha nos últimos
anos, tem feito os moradores da terra firme se tornar cada vez mais agricultores, intensificando o
cultivo, aumentando a área plantada, principalmente em ambientes de mata virgem, e começando
a enriquecer seus roçados com espécies perenes, que virão no futuro a constituir novos sítios.
111
Tabela 1 - Transformação de áreas em sete comunidades das RDS Amanã e Mamirauá, nos anos de 2004 e 2005
4
Comunidade
Cobertura
florestal
Número de áreas Total (ha)
2004 2005 2004 2005
RDSM
Aiucá (V)
1
Mata 0 4 0 0.87
Capoeira 13 18 5.13 5.28
Jarauá (V)
Mata 11 6 5.29 0.96
Capoeira 10 12 5.09 2.62
Marirana (V)
Mata 0 0 0 0.00
Capoeira 0 1 0 0.30
RDSA
Boa Esperança (TF)
Mata 9 14 10.8 21.10
Capoeira 8 16 5.8 32.58
Calafate (TF)
Mata 1 3 1 11.00
Capoeira 5 6 12.25 7.04
Monte Sinai (TF)
Mata 0 3 0 4.50
Capoeira 6 11 7.25 16.10
São Paulo (V)
Mata 2 1 0.28 0.50
Capoeira 9 14 2.23 4.41
Média
5.29 7.79 3.94 7.66
Total em capoeira
51 78 37.75 68.33
Total em mata virgem
23 31 16.65 38.93
Total
74 109 55.12 107.26
1
V: várzea; TF: terra firme
A maior parte das áreas cultivadas nas quatro comunidades estudadas está em locais que
antes eram ocupados por capoeira, ou por estas estarem maduras o suficiente para que seja feito o
roçado, ou pelo fato de não haver áreas de mata virgem disponíveis no momento, ou estas
estarem em áreas distantes das comunidades. A grande maioria dos entrevistados informou que
tem preferência pelas áreas de mata virgem, uma vez que a infestação das áreas de plantio por
plantas invasoras é bem menor, quando comparado com a capoeira. Contudo, à medida que estas
áreas de mata virgem vão ficando cada vez mais distantes, eles tendem a abandonar esta prática e
fazer uso das capoeiras.
Percebe-se ao analisar a Tabela 1, que a área total cultivada em ambas as reservas mais
que dobrou de um ano para outro. Esta ocorrência se dá em função do aumento do preço da
farinha ocorrido naquele ano, e é uma tendência que se verifica já há alguns anos. Todavia,
4
Levantamento feito junto a todas as famílias das comunidades (n=100%).
112
alguns pontos devem ser levados em consideração. O primeiro é o fato de Monte Sinai ser uma
comunidade recém-criada e as áreas de cultivo ainda estarem sendo implantadas. O segundo é
que o aumento da área cultivada se deu significativamente nas comunidades de terra firme, onde
está a maioria dos agricultores. E o terceiro é que, segundo informações do Instituto Mamirauá, e
dos próprios moradores, este padrão de aumento foi um caso extraordinário, dado que a farinha se
valorizou de forma bastante incomum. Caso contrário, o número de áreas estabelecidas seria bem
menor.
Longe de se tentar elaborar uma análise sobre os padrões de desflorestamento e
transformação de habitats, se formos levar em consideração a área das duas reservas e suas
respectivas densidades demográficas, pode-se inferir que a agricultura é uma atividade de baixo
impacto na cobertura florestal das duas reservas. Os monitoramentos anuais empreendidos pelo
Instituto Mamirauá também indicam isso
5
. Esta tendência tende a se confirmar com o aumento do
reaproveitamento das áreas de capoeira. Todavia, somente uma análise mais elaborada, apoiada
em fotografias aéreas ou imagens de satélite em série temporal pode permitir um laudo mais
conclusivo.
3.3.3 O manejo do roçado: trabalho e produção
As lógicas e estratégias de produção detalhadas no capítulo 1 se distribuem em várias
nuances como veremos a seguir. As variações quanto ao uso da força de trabalho e organização
das atividades que integram os itinerários técnicos nos roçados são enormes mesmo dentro de
uma única comunidade. Os resultados das análises estatísticas descritivas, com altos valores de
variância e elevados coeficientes de variação demonstram isso (APÊNDICE). De toda forma, há
uma tendência de agrupamento por semelhança entre os pescadores, os agricultores e
agricultores-pescadores.
Esta estratificação fica clara quando analisamos as estratégias de uso da força de trabalho.
Os agricultores disponibilizam bem mais horas de trabalho do que os pescadores. Os pescadores
concentram o trabalho da agricultura em algumas épocas do ano (vazante, quando estabelecem as
áreas de cultivo e realizam o plantio; e início da enchente, quando fazem a colheita. A produção
5
(Dados disponíveis em: <http://www.mamiraua.org.br/pagina.php?cod=107>. Acesso em: 01 fev. 2008.
113
de farinha vem em seguida, e muitas vezes coincide com o período de cheia). Já os agricultores
distribuem as atividades mais equanimente ao longo do ano.
No que diz respeito à força e intensidade de trabalho, mesmo havendo grandes variações
entre as comunidades, as atividades que mais demandam intensidade de trabalho são a derruba da
mata e a capina do roçado (Tabela 2).
Tabela 2 - Média mensal de intensidade de trabalho nas principais atividades agrícolas e na pesca, em horas, em nove
comunidades da RDSA e RDSM
Comunidade Atividade
Pesca
Capina de
roçado
Colheita da
mandioca
Fabricação de
farinha Derruba
Processamento da
mandioca
RDSA
Aiucá (V)
1
126,02 25,70 13,85 13,65 19,29 12,80
Marirana (V)
203,50 25,24 13,54 9,73 41,67 6,22
Jarauá (V)
103,24 18,88 12,10 12,72 19,90 11,11
Nova Colômbia
(V)
83,22 27,93 9,77 8,47 26,09 6,36
RDSM
Boa Esperança
(TF)
24,10 41,39 32,66 33,73 35,09 22,33
Calafate (TF)
60,94 40,75 18,14 16,52 36,44 10,26
Monte Sinai (TF)
53,41 57,68 24,13 26,25 29,83 15,53
Nova Samaria (V)
43,45 23,20 16,35 17,32 19,89 9,54
São Paulo (V)
126,61 22,59 16,89 8,68 20,79 3,74
Média
91,61 31,49 17,49 16,34 27,67 10,88
1
V: várzea; TF: terra firme
Nas comunidades de várzea, como é presumível, a atividade mais intensiva é a pesca. É
visível a diferença das estratégias dos agricultores e pescadores, e entre as comunidades. O tempo
disponibilizado por família para cada atividade é maior que a média nas comunidades de terra
firme, e entre estas é quase sempre maior na comunidade Boa Esperança, onde a dedicação à
atividade agrícola é bem maior que nas demais.
Nas comunidades de várzea por sua vez, a dedicação à atividade pesqueira é muito maior
que à agricultura, e maior ainda quando comparada à pesca nas comunidades de terra firme. Na
terra firme, geralmente uma pessoa sai para pescar, e passa no máximo uma manhã ou uma tarde
na atividade. Já na várzea, os pescadores passam semanas trabalhando intensivamente na
atividade pesqueira, daí os altos valores expressos na Tabela 2.
114
A produção também é muito variável, havendo uma separação nítida entre as famílias que
produzem na várzea, das famílias que produzem na terra firme, conforme revelam as Figuras 1 a
4.
Figura 1 - Média mensal de produção de farinha, em kg, em quatro comunidades de terra firme da RDSA
Figura 2 - Média mensal de produção de farinha, em kg, em cinco comunidades de várzea da RDSA e RDSM
115
Figura 3 – Renda média mensal obtida com a produção de farinha, em reais, em quatro comunidades de terra firme
da RDSA
Figura 4 – Renda média mensal obtida com a produção de farinha, em reais, em cinco comunidades de várzea da
RDSA e RDSM
A comunidade Boa Esperança detém praticamente a metade do total de produção de
farinha das comunidades de terra firme, sendo que esta hegemonia ocorre com a comunidade
Aiucá na várzea. A produção da terra firme é aproximadamente três vezes maior que na várzea, e
sendo que nas primeiras, cerca de 80% do volume produzido é destinado à comercialização. Na
116
várzea essa proporção varia, mas não chega a passar de 50%. No que diz respeito à sazonalidade,
em função da dinâmica hidrológica, a comercialização da produção na várzea se concentra nos
meses de abril a junho. Contudo, no ano de 2005 não houve cheia, o que permitiu que a produção
se estendesse por mais tempo, havendo um pico de renda nos meses de janeiro a março de 2006,
explicado pela alta do preço da farinha. Quem tinha roça plantada naquele período lucrou
bastante. A análise da Figura 4 mostra que mesmo a produção sendo menor, a renda obtida neste
período foi maior do que a dos meses de abril a junho de 2005, pico da produção.
Praticamente não há comercialização de farinha na comunidade São Paulo do Coraci. Já
nas comunidades Nova Colômbia e Marirana, onde a concentração de agricultores profissionais é
pequena, a comercialização da produção é ainda mais concentrada ao longo do ano, sendo
reduzida a um ou dois meses.
A análise das Figuras 5 e 6 comprovam a tendência de separação em agricultores e
pescadores. No caso da análise de coordenadas principais (Figura 5), os dois primeiros eixos
somados representaram 71% da variação total. No gráfico, percebe-se que os pescadores
tenderam a se agrupar mais à esquerda, e os agricultores à direita. Os agricultores-pescadores (em
sua maioria pertencentes às comunidades Jarauá e Aiucá e descendentes de nordestinos)
tenderam a se agrupar no quadrante superior esquerdo do gráfico. Os parâmetros que mais
influenciaram o agrupamento foram justamente a renda obtida com a farinha e a renda obtida
com o peixe. Por sua vez, a maioria dos roçados que aparecem “soltos” no gráfico são justamente
aqueles para os quais não foram obtidos valores ou para renda da pesca ou renda da agricultura.
Na análise de agrupamento (Figura 2) a tendência foi a mesma, com a formação de dois
grupos, com os agricultores tendendo à esquerda, pescadores à direita, e agricultores-pescadores
tendendo-se a posicionar no centro do dendrograma.
117
AI1
AI2
AI3
AI4
AI5
AI6
AI7
AI8
AI9
AI10
MA1
MA2
MA3
JA1
JA2
JA3
JA4
JA5 JA6
JA7
JA8
JA9
JA10
NC1
NC2
NC3
BE1
BE2
BE3
BE4
BE5
BE6
BE7
BE8
BE9
BE10
BE11
BE12
BE13
CA1
CA2
CA3
CA4
CA5
CA6
CA7
MS1
MS2
MS3
MS4
MS5
MS6
MS7
MS8
MS9
MS10
SA1
SA2
SP1
SP2
SP3
SP4
SP5
SP6
SP7
SP8
SP9
SP10
-6.4 -4.8 -3.2 -1.6 1. 6 3.2 4.8 6.4
Component 1
-9.6
-8
-6.4
-4.8
-3.2
-1.6
1. 6
3.2
4.8
Component 2
Figura 5 – Representação gráfica dos dois primeiros eixos da análise de coordenadas principais (PCO) de 19 parâmetros dos sistemas de cultivo de 76 famílias em
nove comunidades das RDS Amanã e Mamirauá
118
0 8 16 24 32 40 48 56 64
0.48
0.54
0.6
0.66
0.72
0.78
0.84
0.9
0.96
1. 0 2
Similarity
CA4
SP2
JA2
JA8
JA5
JA7
JA6
JA10
AI10
MA3
SP1
JA1
JA4
SA1
SA2
JA9
NC1
NC2
SP5
SP7
SP9
AI6
AI2
AI4
AI9
AI8
SP3
SP8
CA1
AI3
AI5
AI1
MS6
AI7
MA1
CA2
MA2
JA3
BE3
BE9
BE11
BE4
BE5
MS1
BE1
BE2
BE6
MS7
MS9
MS10
BE8
MS3
MS2
MS5
BE7
BE10
BE13
MS4
BE12
CA7
CA6
CA3
CA5
SP4
SP6
NC3
SP10
MS8
Figura 6 - Dendrograma obtido a partir da análise de cluster de 19 parâmetros dos sistemas de cultivo de 76 famílias de nove comunidades das RDS Amanã e
Mamirauá
119
3.3.4 Estratégia de manejo das espécies e variedades
A Tabela 3 traz informações sobre o manejo de espécies e variedades nos roçados.
Considerando a riqueza total (todas as citações, não distinguindo espécies e variedades), a média
por roçado é de 21,5 espécimes. A comunidade que apresentou os roçados mais diversos foi Nova
Colômbia, seguida de Boa Esperança e Nova Olinda. Contudo, deve-se ponderar que o universo
amostral nestas duas últimas foi muito maior (os roçados de quase que a totalidade das famílias
residentes foram visitados), o que influenciou o resultado. Já Nova Samaria e Vila Alencar
apresentaram os menores resultados. Avaliando-se a média por roçado, as comunidades que
apresentaram as maiores médias foram Nova Colômbia e Boa Vista do Calafate, seguidas de São
João do Ipecaçú, São Paulo do Coraci e Nova Olinda.
Considerando apenas a mandioca, o número médio de variedades encontradas foi de 10,66
por comunidade, variando de três variedades em Monte Sinai a 19 variedades na comunidade de
Jarauá. Considerando cada roçado, a média cai para duas variedades, variando de zero a sete
variedades por roçado. A comunidade que apresentou maior diversidade média por roçado foi
Nova Samaria (4,67), seguida por Nova Colômbia (3,20) e Calafate (2,29). Vila Alencar
apresentou média menor que 1, fato explicado pelo fato de nem todos os roçados visitados na
comunidade serem plantados com mandioca. Com relação à macaxeira, as comunidades que mais
cultivam macaxeira são as comunidades de várzea: Jarauá, Aiucá, Nova Colômbia e São Paulo do
Coraci, sendo que Marirana, também de várzea, apresentou a maior média de macaxeiras por
roçado (2,67).
120
Tabela 3 – Aspectos gerais sobre a agrobiodiversidade em roçados de 76 famílias em doze comunidades da RDSA e RDSM
Comunidade
Parâmetro
AI MA JA NC BE CA MS SA SP NO IP VA
média
N
o
. roçados
visitados 20 3 19 5 31 7 10 3 10 21 7 4 11.67
Espécies em geral
N
o
. de espécies e
variedades
encontradas
22 16 23 34 27 25 15 13 22 27 22 12 21.5
Méd/roçado 2.20 1.33 1.26 4.60 2.22 4.00 2.70 2.67 3.00 3.00 3.13 2.40 2.71
Min/Max 1/6 2/16 2/9 6/13 1/9 2/14 2/5 1/11 2/7 1/10 2/6 1/8 1.91/9.5
Mandioca
Total de variedades
de mandioca
encontradas*
13 7 19 17 13 10 3 9 11 15 7 4 10.66
Méd/roçado 1.50 1.33 1.84 3.20 1.94 2.29 2.10 4.67 1.70 1.71 1.00 1.00 2.00
Mín/Max 1/3 0/4 0/5 1/5 0/5 1/4 1/3 1/7 1/2 1/5 1/2 0/2 -
Total var. macaxeira 5 3 9 5 3 2 0 1 5 3 2 2 3.33
Méd/roçado 0.4 2.67 1.26 1.00 0.06 0.29 0.00 0.33 0.7 0.19 0.13 1.00 0.67
Índices de
diversidade
Shannon Médio 1.117 1.521 1.130 2.093 1.044 1.667 1.399 1.397 1.559 1.239 1.37 0.970 1.370
Shannon Min/max 0/1.79 0.69/2.77 0.69/2.20 1.61/2.71 0/2.20 0.69/2.64 0.69/1.61 0/2.40 0.69/1.95 0/.30 0.69/1.79 0/2.08 0.48/2.20
Variância 0.33 1.21 0.19 0.25 0.41 0.56 0.09 1.55 0.18 0.31 0.12 0.87 0.51
Coeficiente de
Variação
52.02% 72.45% 39.12% 24.08% 61.16% 44.75% 21.43% 89.28% 26.88% 44.72% 25.05% 95.83% 0.497
Mediana 1.099 1.099 1.099 1.792 1.099 1.792 1.4975 1.792 1.7005 1.099 1.386 1.386
1.403
Índices de
dominância
Simpson Médio 0.607 0.701 0.648 0.864 0.568 0.759 0.741 0.58 0.770 0.665 0.731 0.475
0.675
Dominância 0.393 0.299 0.352 0.136 0.432 0.241 0.259 0.420 0.230 0.335 0.269 0.525
0.324
*apenas as variedades H-CNP
121
Os resultados corroboram com alguns relatos científicos obtidos na Amazônia. Kerr
(1979), citado por Cury (1993), visitando aldeias indígenas na Amazônia, relatou a ocorrência de
40 variedades entre os Desana, 17 nos Yamamadi, 14 nos Palikur, 14 nos Galibi, 14 nos Tikuna e
13 nos Paumari. Chernela (1997) relatou a ocorrência de 59 cultivares entre os Wanana, e 75
entre os Tukano. Amorozo (2000), trabalhando com agricultores da região de Santo Antônio do
Leverger, em Mato Grosso, encontrou 60 variedades. Já na Amazônia Peruana, Boster (1984)
verificou a existência de 100 variedades entre os Aguaruna, e Salick et al. (1997), 204 entre os
Amuesha.
Considerando os índices de diversidade, as comunidades que apresentaram roçados mais
diversos foram também Nova Colômbia, Calafate e São Paulo do Coraci, e os menos diversos,
Vila Alencar, Boa Esperança, Aiucá e Jarauá. O índice de Simpson repetiu a mesma tendência, e
análise da dominância também. Levando-se em consideração que o quando o valor de
dominância é igual a um significa que a área amostrada está representada completamente por
uma espécie, e que quando é igual a zero significa que todas as espécies ou variedades estão
igualmente presentes, pode-se considerar que os roçados das comunidades estudadas são bastante
diversificados, com as variedades bem distribuídas.
A freqüência de cultivo (Tabela 4) confirma que a espécie mais cultivada nos roçados é a
mandioca (cultivada em 88% dos 140 roçados visitados; a macaxeira é cultivada em 41%), e a
única espécie verdadeiramente hegemônica. Foram encontradas 26 espécies diferentes, e a
preferência por cada uma varia muito, não havendo outras espécies com freqüência de cultivo
semelhante. A banana comprida (tipo de plátano), por exemplo, que é a segunda colocada, tem
freqüência de cultivo de “apenas” 36%. Deve-se ressaltar também, que conforme descrito
anteriormente, a diversidade é bem distribuída espacialmente, estando a preferência para o
plantio das espécies relacionada ao tipo de ambiente e conseqüentemente do sistema de cultivo.
Levando em consideração que o roçado tem uma finalidade bem específica (cultivo da
mandioca), e que existem, tanto na várzea quanto na terra firme diversos sistemas de cultivo
(onde são cultivadas outras espécies), pode-se afirmar que estas áreas são bastante diversas.
122
Tabela 4 – Freqüência (%) de cultivo de espécies em roçados de doze comunidades da RDSA e RDSM
Comunidade
Espécie/variedade Nome científico AI MA JA NC BE CA MS SA SP IP NO VA Média
Abacate
Persea americana - - - - 3 - 10 - - - - - 1,08
Abacaxi
Ananas comosus - - - - 28 - 30 - - - - - 4,83
Açaí
Euterpe precatória 5 - - - - - - - - - - - 0,42
Banana comprida
Musa sp. 15 33 5 80 19 57 60 30 50 48 40 36,42
Banana comum
Musa sp. 20 33 60 9 57 67 19 - 22,08
Cará
Dioscorea trifoliata - - - 20 38 71 20 33 10 13 5 - 17,50
Cana
Sacharum
officinarum
- - - - 3 - - - - - - - 0,25
Cubiu
Solanum
sessiliflorum
- - - 20 - - - - - - - - 1,67
Cupuaçu
Theobroma
grandiflorum
- - - - - - 33 33 - - - - 5,50
Feijão
Vigna sp. - - - 20 - 14 - - - 13 5 - 4,33
Gergelim
Sesamo indicum - - - 20 - - - - - - - - 1,67
Graviola
Annona muricata - - - - - 14 - - - - - - 1,17
Jerimum
Cucurbita sp. 45 5 20 6 29 10 30 38 24 20 18,42
Macaxeira
Manihot esculenta 35 100 74 80 6 14 33 60 12 19 60 41,08
Mandioca
Manihot esculenta 100 33 84 100 100 100 100 100 100 87 95 60 88,25
Maracujá
Passiflora edulis - - - - - - 10 - - - - - 0,83
Mari
Poraqueiba sericea - - - - - - 10 - - - - - 0,83
Maxixe
Cucumis anguria - - - - - - - - 10 - - - 0,83
Melancia
Citrullus lunatus 20 - 11 20 9 - - - 40 - - 20 10,00
Milho
Zea maiz 10 - - 20 - 14 - 33 60 38 48 40 21,92
Pepino
Cucumis sativus - - - - - - - - 10 - - - 0,83
Pimenta
Capsicum sp. - - 11 20 - 14 - - 10 13 - - 5,67
Pimentão
Capsicum annum - - - - 3 14 - - - - 5 20 3,50
Pupunha
Bactris gasipaes - - - - 3 29 10 - - - - - 3,50
Puruí
Alibertia sorbilis - - - 20 - - - - - - - - 1,67
Tomate
Licopersicum
esculentum
- - - - - - 10 - 10 - 5 - 2,08
123
A Tabela 5 traz os resultados da análise de correlação entre todos os parâmetros
estudados. São apresentados os resultados mais expressivos, levando-se em consideração que,
para esta análise, foram utilizados todos os 19 parâmetros, embora a tabela apresente apenas 12.
Os dados comprovam estatisticamente uma separação entre agricultores e pescadores. Há
correlação significativa entre a intensidade de trabalho da pesca (peptra) com a intensidade de
trabalho na colheita da mandioca (coltra) e produção de farinha (fartra), que decrescem à medida
que cresce a primeira. A mesma tendência ocorre quando comparados o trabalho na pesca com a
renda obtida com a produção de farinha.
Tabela 5 – Resultados mais expressivos da análise de correlação de Pearson para 19 parâmetros e 76 famílias em
nove comunidades das RDS Amanã e Mamirauá (estão marcados em tons de cinza os resultados
discutidos no texto. Os resultados que apresentaram significância estatística ao nível de 1% de
probabilidade estão marcados com asterisco)
peptra captra fartra Platra coltra redfa redpe varmac noarea
Fartra
-0.562* 0.231 1.000 --- --- --- --- --- ---
Platra
-0.296 0.429 0.338 1.000 --- --- --- --- ---
Coltra
-0.480* 0.190 0.938* 0.326 1.000 --- --- --- ---
Redfa
-0.491* 0.215 0.893* 0.372 0.889* 1.000 --- --- ---
Redpe
0.310 -0.421* -0.352 -0.316 -0.362 -0.276 1.000 --- ---
Esp
0.070 0.123 -0.168 -0.042 -0.102 -0.151 -0.145 --- ---
Varman
-0.121 0.043 -0.021 -0.026 -0.090 -0.013 -0.102 --- ---
Varmac
0.301 -0.347 -0.353 -0.305 -0.373 -0.328 0.383 1.000 ---
Noarea
-0.192 -0.209 0.132 -0.152 0.045 0.017 0.086 0.069 1.000
Arepla
-0.310 0.142 0.306 0.485 0.303 0.329 -0.273 -0.312 -0.004
Gás
0.002 -0.288 0.017 -0.311 -0.094 -0.011 0.471* 0.265 0.354
Dies
-0.410 0.121 0.471 0.140 0.477* 0.555* -0.109 -0.164 0.016
Houve correlação positiva entre a despesa efetuada com a compra de diesel e a renda
obtida com a produção de farinha. De fato, a comunidade que mais produz e arrecada com essa
atividade é a que mais investe em transporte de barco, que é movido a diesel, diferentemente das
rabetas, que são movidas a gasolina.
Quando se analisa os parâmetros relacionados com a diversidade inter- e intraespecífica,
não são verificadas correlações significativas. Contudo, há uma correlação negativa entre o
número de variedades de mandioca cultivadas por roçado e a intensidade de trabalho na atividade
pesqueira. Quando se analisa o parâmetro “varmac”, relacionado à diversidade de macaxeiras,
124
verifica-se que esta tende levemente a aumentar quando se aumenta a dedicação à pesca, e a
diminuir quando se aumenta a dedicação à agricultura. A mesma tendência se verifica quando se
analisa o parâmetro “esp”, que designa a abundância total de espécies e variedades no roçado. A
macaxeira tem baixo valor comercial e é usada quase que exclusivamente para alimentação. Este
resultado ajuda a confirmar a hipótese de que à medida que se volta mais para o mercado, tende-
se a especializar a produção e diminuir a diversidade de espécies e variedades. Aqueles que
cultivam apenas para consumo próprio teriam maior liberdade para escolher suas variedades, uma
vez que não tem a obrigação de atender as exigências do mercado.
Há nesse universo duas racionalidades muito distintas. A do agricultor, que tem na farinha
sua principal alternativa de monetarização, e que, portanto, maneja o roçado no sentido de extrair
matéria-prima da melhor qualidade possível e que atenda as exigências do mercado. Nesse caso,
ele visa diminuir o risco de obter produto de baixa qualidade. O número de variedades que
conjugam as características raiz com coloração amarela, baixo teor de quebra (teor de água), e
alta produtividade é reduzido, daí a opção por manejar os roçados com um número menor de
variedades.
Já os pescadores, ou os demais que cultivam na várzea, manejam seus roçados tendo
como finalidade produzir alimento (farinha e macaxeira) na maior quantidade e com a maior
segurança possível. Ele não tem para si as exigências dos compradores de farinha, que exigem
um produto com alta uniformidade e qualidade organoléptica. Daí cultiva um número maior de
variedades, visando evitar quebra (perda de matéria seca devido ao alto teor de água da
mandioca), obter alta produtividade (visando um maior fornecimento de alimento, que pode
significar menos despesas no futuro na compra de farinha) e garantir que a colheita seja feita em
tempo hábil, lembrando da instabilidade do regime dos rios na região de várzea. Deste modo,
planta diversas variedades ligeiras (com alto grau de precocidade – em média 6 meses). Caso a
cheia não venha, a mandioca pode ficar armazenada na terra.
Em resumo, a lógica do agricultor é voltada para produtividade e qualidade da matéria-
prima, o que significa menor número de variedades. Já os pescadores e os vargeiros em geral têm
lógica baseada na diminuição de riscos, o que os leva a diversificar mais o roçado. Os pescadores,
portanto, mesmo não tendo a agricultura como principal meio de reprodução, são fundamentais
para a conservação da diversidade varietal da mandioca na região.
125
No caso da comunidade Vila Alencar, deve ser levado em consideração o fato de esta ter
boa parte de seus moradores envolvidos em uma atividade externa a agricultura e a pesca. A
maioria dos moradores é funcionário ou prestador de serviços do Programa de Ecoturismo do
Instituto Mamirauá (que teve início no final da década de 1990), desempenhando diversas
funções, como guia, governanta, barqueiro, etc. Esta comunidade era uma comunidade
tradicionalmente formada por agricultores e pescadores. Por estar próxima tanto a Tefé quanto a
Alvarães, até o final da década de 1990, apresentava boa produção não só de mandioca e
macaxeira, mas também de hortaliças e temperos (cebolinha, coentro, pimenta-de-cheiro, etc),
segundo relatos dos moradores. Esta produção foi diminuindo na medida em que se foi
aumentando a interface desta comunidade com o programa de ecoturismo. Os dados deste
trabalho mostram que esta comunidade tem os mais baixos valores de diversidade de espécies e
variedades, o que comprova esta tendência. Dados do sistema de monitoramento de
agroecossistemas do Instituto Mamirauá revelam que tanto a diversidade quanto as áreas de
cultivo tem diminuído com o passar dos anos (Jomber Inuma, ex-coordenador do Programa de
Agricultura, comunicação pessoal). Ou seja, na medida em que a circulação de dinheiro foi
aumentando, a tendência foi de que os moradores fossem abandonando a prática da agricultura e
comprando seus alimentos na cidade. Há vários relatos de moradores que trabalharam com
ecoturismo e foram demitidos, passando por muitas dificuldades por não possuírem roçado e
terem que comprar farinha. Da mesma forma, diversos moradores que passaram a trabalhar em
atividades não-agrícolas e que por algum motivo deixaram de exercê-la com o passar do tempo
migraram para a cidade, por não estarem mais ambientados ao modo de reprodução ribeirinho.
Outros se tornaram contumazes invasores de lagos, infringido as regras de uso estabelecidas pela
própria comunidades, por precisarem de obter dinheiro rápido para manter a casa.
Os resultados deste trabalho confirmam a complexidade da agricultura das comunidades
ribeirinhas e reforçam a importância do roçado na vida do ribeirinho, seja qual for sua opção
produtiva. A intensidade de trabalho é alta mesmo entre os pescadores, e a renda gerada com a
produção de farinha é importantíssima para a economia das comunidades. A diversidade de
modos de produzir e ambientes para produção é muito grande, o que reflete em variações
enormes mesmo dentro de uma única comunidade, conforme demonstram as análises estatísticas.
Cada sistema de cultivo tem seu itinerário próprio, e congrega uma grande diversidade de
espécies e saberes.
126
De modo geral, os resultados informam que a diversidade específica e varietal (no caso da
mandioca) tende a diminuir à medida que se aumenta o grau de especialização (vocação para a
comercialização), tanto da atividade agrícola, quanto da pesqueira. As comunidades que
apresentaram os maiores valores de produção, tais como Jarauá e Aiucá (pesca) e Boa Esperança
(agricultura), foram as que apresentaram os menores valores de diversidade, e vice-versa, como
ocorre com as comunidades Nova Colômbia e Calafate.
Contudo, os valores de abundância, bem como os índices de diversidade foram
relativamente elevados em todas as comunidades. No caso específico da mandioca, os pescadores
e moradores da várzea abrigam boa parte da diversidade, mesmo não tendo a agricultura como
atividade econômica principal. O mesmo vale para as demais espécies dentro do roçado,
lembrando que estamos discutindo apenas um sistema de cultivo. No contexto global da
agricultura a diversidade de espécies está estruturada espacialmente de várias formas, não estando
presentes apenas nos roçados, mas nos outros sistemas de cultivo, como sítios ou quintais.
Com relação ao manejo das macaxeiras, devem ser destacados alguns aspectos. O
primeiro diz respeito à relação entre agrobiodiversidade e uso do espaço. Os vargeiros , por terem
limitações no uso do espaço cultivam a macaxeira quase que invariavelmente nos roçados. Os
moradores da terra firme, ao contrário, possuem maior disponibilidade de terra e desenvolvem
outros sistemas de cultivo, como os sítios. Desta forma, cultivam macaxeira em outros espaços,
inclusive nos quintais das casas, que não foram objeto de análise neste trabalho. Mesmo assim,
em menor intensidade que os vargeiros. Isso provavelmente porque na terra firme se possui mais
espaço e outras opções de produção de alimentos, como o cultivo do cará, da batata doce
(Ipomoea batatas) e das frutas, e que a medida em que as comunidades vão tendo mais acesso ao
dinheiro circulante, tendem a comprar mais alimentos de fora com os recursos financeiros obtidos
de sua própria produção.
Ainda analisando o manejo das macaxeiras, outra ponderação deve ser feita no que diz
respeito à relação entre agrobiodiversidade e a organização da produção. Dentro da lógica dos
pescadores de trabalhar a agricultura para produção de alimentos, as macaxeiras assumem papel
importante, tanto para alimentação in natura, quanto pelo fato de serem adicionadas às mandiocas
no processo de fabricação de farinha na várzea na condição de mistura, visando aumentar o
volume produzido. E outro fator importante está relacionado ao fato das macaxeiras serem mais
127
cultivadas pelas mulheres, que na várzea tem interconexão menos intensiva com o sistema
produtivo, quando comparada com a terra firme.
A bióloga Laure Emperaire, em um amplo trabalho de pesquisa realizado em toda a
Amazônia (EMPERAIRE, 1999, 2002, 2006) constatou que há certo padrão de distribuição da
diversidade da mandioca na Amazônia (comparando a proporção entre macaxeiras e mandiocas),
com as variedades mansas (macaxeiras) tendendo a serem encontradas em maior quantidade na
Amazônia peri-Andina e equatoriana, e as bravas (mandiocas) em maior quantidade na Amazônia
Central. A autora informa que a diversidade tende a ser maior em comunidades indígenas (menos
focadas no mercado), quando comparadas com as demais comunidades (caboclos, seringueiros,
dentre outros).
O desenho da diversidade da mandioca nos roçados comprova que todas as comunidades e
“profissões” são estratégicas para a conservação da agrobiodiversidade. Pensando em programas
de conservação, ações baseadas no recurso genético em si (como por exemplo, criação de bancos
de comunitários de germoplasma ou distribuição de variedades) não lograram êxito na região.
Experiências como estas na própria RDSM não foram exitosas. Houve entre os anos de 1994 e
2001 extensa distribuição de sementes e mudas (de diversas espécies, frutíferas, anuais, grãos,
etc), que aos poucos foram abandonadas pelos agricultores, que não viam utilidade em seu
cultivo, embora houvesse certo entusiasmo no início.
Devem ser priorizadas ações voltadas para o fortalecimento dos processos de geração da
agrobiodiversidade, que são estimulados pelas lógicas de cada grupo. Para os agricultores, o
aumento da diversidade deve estar associado ao aumento das possibilidades de comercialização,
que neste caso devem extrapolar a farinha amarela, permitindo a negociação de outros
subprodutos da mandioca que estão associados a variedades brancas ou cremes, tais como
tapioca, tucupi, dentre outros. Uma alternativa é a intensificação dos programas governamentais
de compra de produtos da agricultura familiar visando o abastecimento de escolas e creches.
Estes programas costumam priorizar produtos que geralmente o mercado valoriza pouco, ou que
tem prazo de validade curto, tais como os citados acima. A incorporação das comunidades em
programas como este seria uma boa alternativa inclusive para a várzea. Somente promovendo
alternativas de comercialização é que se obterá êxito em programas de ampliação da diversidade
cultivada.
128
Já a manutenção da diversidade cultivada pelos pescadores também é estratégica. Para
tanto, é necessário que estes continuem plantando, o que lhes é positivo também do ponto de
vista econômico e da sobrevivência. Os programas de extensão pesqueira, portanto, devem levar
em consideração a visão sistêmica, onde a pesca é considerada um subsistema de um sistema de
produção, que justamente por ser complexo e diversificado, tem permitido a reprodução das
famílias. Para que os pescadores continuem existindo com o mínimo de sustentabilidade, é
importante que continuem plantando, mesmo que para subsistência, o que do ponto de vista da
agrobiodiversidade é fundamental. Levando-se em consideração que ao produzir boa parte de
seus próprios alimentos os pescadores diminuem as trocas de moeda na aquisição de alimentos
industrializados, a convivência entre pesca e agricultura pode significar menor exploração dos
estoques pesqueiros, uma vez que é diminuída a necessidade de gerar renda para aquisição de
comida.
Deve-se tomar muito cuidado ao propor alternativas econômicas junto às populações
tradicionais. Por mais que o conceito de pluriatividade esteja em evidência (Schneider, 2003),
não deve-se perder de vista o papel da agricultura e de todo o sistema de produção para a
reprodução das famílias ribeirinhas. É praticando agricultura, pesca e extrativismo desta forma
tão complexa que estas famílias vêm resistindo a séculos diante de todas as transformações
políticas e econômicas. A opção de mudança de uma atividade produtiva tradicional e
relativamente segura para uma ocupação assalariada (e mais dependente da conjuntura econômica
global e das decisões de outros atores) pode significar muitos riscos. Portanto, no contexto de
uma unidade de conservação de uso sustentável, onde as decisões devem ser tomadas em
conjunto entre moradores e gestores, a incorporação de atividades não agrícolas deve ser
discutida abrangendo a coletividade, e ponderando-se a importância que os sistemas tradicionais
de produção assumem na vida dos moradores. Mesmo que se proponha novas estratégias de
obtenção de renda, devem-se buscar alternativas para que as famílias garantam sua reprodução,
de forma a evitar êxodo ou aumento na pressão de uso sobre os recursos naturais.
3.4 Conclusões
- O roçado é um sistema de produção considerado de fundamental importância nas comunidades
de várzea e terra firme, abrigando grande diversidade e assumindo importante papel na sócio-
129
economia das comunidades. Há dois padrões de uso e manejo bem distintos para a várzea e para a
terra-firme;
- Os ribeirinhos classificam e utilizam uma série de ambientes, o que reflete diretamente no uso
da paisagem para a prática dos roçados. Estes tendem a ser maiores e mais numerosos nas
comunidades de terra firme.
- Há grande variação de estratégias produtivas. Contudo, as análises multivariadas tenderam a
classificar os roçados entre roçados de agricultores, pescadores e agricultores-pescadores,
seguindo padrão tradicional de classificação;
- As lógicas de produção (auto-consumo e comercialização) informam duas estratégias de manejo
das espécies e variedades: a primeira baseada no uso amplo da diversidade, com maior número de
espécies e variedades, visando diminuir os riscos de carência de alimentos ou perda pela
inundação; e a segunda mais baseada na especialização, com menor diversidade, visando
maximização da renda obtida com a comercialização de farinha.
- A diversidade geral e varietal, portanto, tende a diminuir à medida que se aumenta o grau de
especialização produtiva, tanto da pesca, quanto da agricultura;
- O cultivo de macaxeiras é mais comum entre as famílias que cultivam na várzea e os
pescadores, dado que seu baixo valor econômico e importância para a alimentação;
- Os pescadores e as comunidades de várzea têm papel fundamental na dinâmica da
agrobiodiversidade, pois abrigam grande número de espécies e variedades de mandioca nos
roçados.
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132
4 CRITÉRIOS DE USO TRADICIONAL DA MANDIOCA (Manihot esculenta CRANTZ)
EM COMUNIDADES DAS RESERVAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
AMANÃ E MAMIRAUÁ, AMAZONAS
Resumo
O objetivo deste estudo foi descrever, por meio do uso de entrevistas semi-estruturadas,
metodologias participativas, visitas aos roçados e observação participante, as estratégias
tradicionais de manejo da mandioca nos roçados de 12 comunidades das Reservas de
Desenvolvimento Sustentável Amanã e Mamirauá. Os resultados indicaram que as famílias
tendem a selecionar as variedades em função da lógica de mercado (no caso dos agricultores), ou
da redução de riscos (no caso dos que plantam para o auto-consumo); há uma preferência
explícita para o cultivo de variedades com alto teor de glicosídeos cianogênicos (mandiocas), em
comparação com as de baixo teor (macaxeiras), devido à importância que a farinha tem na cultura
local; mesmo cultivando diversas variedades em um mesmo roçado, há tendência da
concentração do estande de plantas em uma ou duas variedades; o mesmo fenômeno se repete em
nível de comunidade; nas comunidades de várzea, ou entre as famílias que cultivam para o auto-
consumo, é comum a incorporação de plantas oriundas de sementes ao roçado; as redes de troca
tem garantido a dispersão de variedades em nível regional e estadual, contribuindo para a
amplificação da diversidade da espécie. A diversidade tem se mostrado fundamental para a
adaptação das famílias aos estresses ambientais (variedades precoces possibilitam o cultivo na
várzea, onde a inundação ocorre quase todos os anos) e para reprodução das famílias (viabilizam
a produção de diversos itens de importância econômica, como a farinha).
Palavras-chave: Amazônia; Agricultura tradicional; Agrobiodiversidade; Mandioca
CRITERIA OF TRADITIONAL USE OF THE CASSAVA (Manihot esculenta CRANTZ)
IN HOUSEHOLDS OF THE AMANÃ AND MAMIRAUÁ RESERVES, AMAZONAS
Abstract
The objective of this study was to describe, using semi-structured interviews, participative
methods, visits to the production areas and participant comments, the traditional cassava
management strategies in the households of 12 communities of the Amanã and Mamirauá
Sustainable Development Reserves. The results indicated that the families tend to select the
varieties in function of the market logic (in the case of the agriculturists), or the risk reduction (in
the case of those who plant for self-consumption); there is an explicit preference for the
cultivation of varieties with high cianogenic glycosides content (mandiocas), in comparison with
those of low content (macaxeiras), due to importance that the flour has in the local culture;
although cultivating diverse varieties in each household, there is a trend for the concentration of
plant stands of one or two varieties; the same phenomenon is repeated at the community level; in
133
the floodplain communities, or among the families that cultivate for self-consumption, it is
common to have the incorporation of plants derived from seeds to the swidden fields; the
exchange nets have guaranteed the dispersion of varieties at a regional and state level,
contributing for the amplification of the species diversity. The diversity if has shown basic for the
adaptation of the families to ambient stresses (precocious varieties make possible the culture in
the floodplain, where flooding occurs almost every year) and for reproduction of the families
(they make possible the production of diverse item of economic importance, as the flour).
Keywords: Amazon; Shifting cultivation; Agrobiodiversity; Cassava
4.1 Introdução
A mandioca é uma das principais espécies vegetais de interesse econômico do planeta,
exercendo importante papel para a alimentação de milhões de pessoas, principalmente nos países
tropicais, sendo também largamente utilizada na indústria, para fabricação de diversos produtos.
Além da importância econômica, a mandioca possui enorme importância cultural, compondo a
dieta e os hábitos de populações em diversos países. Na Amazônia é manejada em um sistema de
cultivo de fundamental importância econômica, os roçados, por meio de técnicas de manejo, que
variam de acordo com o grupo étnico e com a região.
A despeito de seu sistema de propagação vegetativa, a mandioca apresenta grande
diversidade varietal, podendo chegar a 7000 variedades, de acordo com Hershey (1994). O
manejo tradicional desta espécie, embora envolva alguns pontos em comum, apresenta variantes
em função de aspectos culturais e econômicos. Emperaire (2002), por exemplo, avaliando o
manejo tradicional da mandioca em diversas regiões da Amazônia constatou que há as redes de
trocas de propágulos são muito mais complexas nas sociedades indígenas, onde estão
relacionadas a aspectos místicos, ao regime matrimonial (patriocalidade e matrilocalidade) e a
questões lingüísticas. Segundo a autora, estas redes são mais fracas nas populações não-indígenas
da Amazônia, onde na maioria das vezes se limitam a relações de vizinhança. Peroni (2004),
estudando sistemas de cultivo no Vale do Ribeira Paulista (Mata Atlântica) verificou que as
estratégias tradicionais de manejo vêm dando lugar a tecnologias modernas, e que o fim delas
coincide com o processo de desestruturação da agricultura familiar na região.
Do ponto de vista agronômico, biológico e experimental, a mandioca é uma espécie muito
interessante, pois conseguiu, mesmo depois de um intenso processo de domesticação, manter a
rusticidade, não perdendo a capacidade de se reproduzir sexualmente. Se considerarmos o
134
processo de domesticação como contínuo, a domesticação da mandioca continua a ocorrer, como
ocorre nas roças da agricultura tradicional autóctone de todo o mundo (CURY, 1998; MARTINS,
2005). A agricultura tradicional, realizada por populações autóctones dos países tropicais, é
importantíssima para a evolução da espécie.
Pesquisas têm revelado que mesmo não havendo erosão significativa de variedades, os
processos de conservação e amplificação da diversidade tem enfraquecido à medida em que as
comunidades se inserem na economia global (EMPERAIRE, 2001, 2002). No contexto de
sistemas de produção complexos como os dos ribeirinhos amazônicos (envolvendo pesca,
agricultura e extrativismo), aspectos relacionados ao manejo em nível de espécie podem ser
determinantes para a reprodução das famílias. A compreensão do manejo (critérios de uso de
variedades; estratégias de manutenção e amplificação da diversidade) é fundamental para o
entendimento da dinâmica dos sistemas de produção e do ponto de vista genético-agronômico,
para a compreensão da dinâmica evolutiva da espécie e subsídio de programas de conservação.
Dentro desse contexto, o presente trabalho teve como objetivo descrever os principais
aspectos do manejo da diversidade da mandioca nos roçados de nove comunidades das Reservas
de Desenvolvimento Sustentável Amanã e Mamirauá, Amazonas.
4.2 Material e métodos
O trabalho foi realizado em nove comunidades das RDS Amanã e Mamirauá, distribuídas
nos municípios de Alvarães, Uarini e Maraã. Em Amanã, as comunidades foram São Paulo do
Coraci, Nova Samaria (várzea), Monte Sinai, Boa Vista do Calafate e Boa Esperança (terra
firme). Na RDS Mamirauá, o trabalho foi realizado nas comunidades Aiucá, Marirana, Jarauá e
Nova Colômbia (todas em ambiente de várzea). Além destas, em caráter de comparação foram
feitos levantamentos sobre o manejo das espécies e variedades nas comunidades Nova Olinda
(RDSA - várzea) e São João do Ipecaçu (RDSA – situada na várzea mas com áreas de cultivo na
terra firme) e Vila Alencar (RDSM - várzea). Todos os roçados de Nova Olinda estão situadas na
várzea, contudo, os agricultores da segunda estabelecem seus cultivos em áreas de terra firme
próximas à comunidade.
Fez-se uso de entrevista semi-estruturada, técnicas de discussão coletiva, visitas às
unidades de produção e observação participante. O trabalho teve dois enfoques: um quantitativo
135
(apoiado por visitas às unidades de produção) e que teve por objetivo obter um inventário da
diversidade nos roçados; e outro mais qualitativo (apoiado pelas entrevistas semi-estruturadas e
demais metodologias, em um universo amostral bem mais restrito), que teve intuito de ajudar na
compreensão das racionalidades envolvidas no manejo da diversidade da mandioca nas duas
reservas.
Foram visitados 140 roçados, em 12 comunidades, e listadas todas as variedades de
mandioca existentes. O levantamento foi feito com a ajuda de um assistente de campo,
geralmente morador da própria comunidade.
Para entender o manejo da agrobiodiversidade (ambientes utilizados para a agricultura e
suas estratégias locais de classificação; estratégias de manejo da diversidade específica e varietal;
racionalidades envolvidas no manejo), foram aplicadas entrevistas semi-estruturadas com os
agricultores, seguindo o método da saturação teórica (GLAUSER; STRAUSS, 1974), onde
optou-se por interromper a aplicação dos questionários quando não se encontravam mais
informações adicionais. O roteiro dos questionários constituiu-se de perguntas norteadoras
relacionadas aos sistemas de produção e sua dinâmica. Foram realizadas 76 entrevistas, e
levantados dados referentes ao tamanho e número de unidades de produção, estratégias de
preparo do solo e implantação de sistemas de cultivo, infraestrutura existente, aspectos
fitossanitários, dentre outros. Além das entrevistas foram feitas visitas aos sistemas de produção
(onde foram feitas medição de áreas, georreferenciamento, fotografias, etc), observação
participante e coleta de relatos da história oral de diversos agricultores.
Fez-se uso da metodologia de construção coletiva de matriz de usos e critérios (GUIJT,
1999) em algumas comunidades (duas de terra firme e uma de várzea), com finalidade de
compreender melhor os critérios de escolha e classificação de variedades utilizados pelos
agricultores.
O exercício da observação participante foi facilitado pelo histórico de contato do
pesquisador com as famílias participantes da pesquisa. Foram acompanhadas diversas etapas do
ciclo de cultivo, como derruba, queima, plantio, capina e colheita, além de diversos eventos da
vida privada e social das famílias, tais como refeições, reuniões, cultos e assembléias.
A análise estatística dos dados foi realizada por meio do uso de técnicas da estatística
descritiva (cálculo de variância, média, mediana) e análise de diversidade (Índices de Shannon,
136
Simpson e dominância). Os dados foram analisados com auxílio dos pacotes estatísticos PAST
(HAMMER et al., 2001) e MVSP (KOVACH, 2006).
4.3 Resultados e discussão
4.3.1 Aspectos gerais do manejo
Conforme descrito no capítulo anterior, na concepção local, a mandioca é conhecida por
roça. Em analogia à Botânica, no escopo de seu conhecimento tradicional, os agricultores
(considerando para efeito deste capítulo todos os moradores que trabalham nos roçados)
identificam a planta (pé) de mandioca como árvore. Os olhos correspondem às gemas, e a batata
corresponde à raiz. Por fruita eles classificam a estrutura correspondente ao fruto, e por orelhas
(ou orelhinhas) os folíolos que emergem do solo quando a propagação se dá via sexual. Já as
outras estruturas, folhas e sementes, têm os mesmos nomes utilizados na ciência botânica.
Qualidade é nome local para variedade. E os bichos que perseguem são as pragas. Por mal são
compreendidas, as doenças.
A forma de propagação da mandioca é por meio vegetativo, a partir de estacas que
constituem pedaços dos caules, as manivas. Cada maniva tem em média 30 cm e é composta por
diversos olhos (gemas). As manivas são depositadas em covas no solo, sempre com os olhos
voltados para cima. Caso contrário, segundo os moradores, a mandioca “não nasce”.
Os critérios para a seleção das manivas estão relacionados ao vigor (teor de látex,
coloração interna e diâmetro do caule) e ao estágio de maturação da árvore.
“Se a árvore é vistosa, deu muito leite e tem miolo amarelo, a
maniva é boa”. Raimundo, agricultor, comunidade Boa Esperança,
RDSA.
As manivas são colhidas em toletes de cerca de um metro de altura, que são amarrados em
feixes e fincados no solo até que se suceda o plantio. Só depois é que esses feixes são
desmembrados em manivas menores. As mulheres e crianças participam desta etapa, tanto de
seleção quanto do plantio. Estes toletes podem ficar no solo por meses, dependendo da
necessidade.
137
Embora a forma de propagação seja por via vegetativa, e geralmente a batata seja colhida
antes que haja florescimento e frutificação da planta, foram verificados casos onde estes
fenômenos ocorrem, havendo produção de sementes. Como o fruto da mandioca é do tipo
explosivo, as sementes são lançadas a longas distâncias e depositadas no solo, vindo a germinar,
dependendo do período de dormência. Os agricultores identificam as plantas oriundas de
sementes por duas formas: ou quando estas ainda estão na fase de plântulas (identificando as
orelhinhas que surgem no solo) ou quando da colheita, identificando a raiz, que neste caso é
pivotante. Verificaram-se também casos onde os agricultores, ao revisitarem uma capoeira antiga,
encontraram plantas de mandioca que resistiram anos após o roçado ter sido desmanchado e a
área encapoeirado. Estas são oriundas de sementes que permaneceram no solo sob dormência
durante muito tempo.
Ao identificarem as plantas propagadas por via sexual, há casos onde os agricultores
colhem as manivas e as plantam novamente. Há outros em que estas plantas são imediatamente
descartadas. Essa escolha, embora nem sempre intencional, está associada à racionalidade que
gere a produção. Para os agricultores que cultivam sob uma lógica mais voltada à
comercialização, o manejo é mais criterioso e intensivo, e é muito raro que haja frutificação e
dispersão de sementes, pois não há tempo hábil (a colheita pode começar aos oito meses após o
plantio, dependendo da variedade). Já nos casos onde a agricultura tem finalidade de auto-
consumo (geralmente junto a pescadores, na várzea), durante as visitas foi muito comum a
observação de flores, frutos e plântulas nos roçados, isto levando em consideração que no ano de
2005 não houve cheia (havendo tempo suficiente para a planta frutificar). Estes fenômenos
também foram verificados na terra firme, nos roçados das comunidades Nova Samaria (onde
praticamente não há comercialização de farinha) e Calafate (que vive processo de transição da
agricultura de auto-consumo para uma agricultura mais voltada para o mercado). Neste caso, o
manejo é mais solto, menos criterioso. Muitos agricultores afirmaram que incorporam as plantas
advindas de semente ao roçado.
Essa aqui é mandioca de semente, a Amada
. É uma maniva branca,
que dá umas batatona monstra. Nóis plantemo ela aqui há muito
tempo, quando abrimo esse roçado pela primeira vez. Os menino
era tudo pequenininho. Depois roçamo mais umas três veiz e ela
continuou dando, mesmo com a queimada. A gente aproveita a
138
maniva pra semente. Faz tempo que a gente não planta mais ela.
Dá uma batata branca, cheia de goma. Agora vai voltar a plantar.
D. Lulu, agricultora da Nova Samaria, RDSA.
Quanto à amplitude da diversidade, a Tabela 1 traz algumas informações. O número
médio de variedades cultivadas por roçado é de 2,67 (lembrando-se que cada família estabelece
no mínimo um roçado por ano, manejando portanto, no mínimo três roçados ao mesmo tempo).
Já a diversidade média, de acordo com o índice de Shannon é de 0,81, e a dominância média é de
0,52 (lembrando que esses índices foram calculados considerando apenas uma espécie
(mandioca) e suas diferentes variedades). Deve-se ressaltar que estes valores são calculados em
cada roçado. Os dados apresentados no capítulo 3 mostraram que o número médio de variedades
encontradas em cada comunidade é de 10,66.
Tabela 1 – Valores médios de diversidade, por roçado, em 12 comunidades das Reservas de Desenvolvimento
Sustentável Amanã e Mamirauá, Amazonas
Comunidade
N
o
total
variedades
N
o
variedades
mandioca
N
o
variedades
macaxeira
Shannon* Simpson* Dominância*
Aiucá
1,90 1,50 0,40 0,49 0,30 0,70
Marirana
4,00 1,33 2,67 1,25 0,67 0,33
Jarauá
3,11 1,84 1,26 1,05 0,63 0,37
Nova Colômbia
4,20 3,20 1,00 1,40 0,74 0,26
Boa Esperança
2,06 1,94 0,06 0,62 0,40 0,60
Calafate
2,57 1,29 0,29 0,91 0,58 0,42
Monte Sinai
2,10 2,10 0,00 0,68 0,45 0,55
Nova Samaria
4,33 4,67 0,33 1,16 0,54 0,46
São Paulo
2,50 1,70 0,70 0,86 0,54 0,46
Nova Olinda
1,90 1,71 0,19 0,47 0,29 0,71
S. J. Ipecaçu
1,29 1,00 0,13 0,20 0,14 0,86
Vila Alencar
2,00 0,80 1,00 0,62 0,42 0,58
Média
2,67 2,00 0,67 0,81 0,48 0,52
* Foram consideradas para o cálculo apenas as variedades de Manihot esculenta
Conforme discutido anteriormente, há uma tendência para a concentração da diversidade
nas comunidades onde se tem menos inserção com o mercado. No que diz respeito
especificamente às macaxeiras, este fenômeno se repete.
A dominância média foi de 0,52. Os valores mais altos foram obtidos em São João do
Ipecaçu e Boa Esperança, as comunidades que mais comercializam farinha dentre as 12
estudadas. Há tendência em se cultivar uma ou duas variedades apenas por roçado nestas
139
comunidades, em função de uma especialização do cultivo, que é voltado para a comercialização
de farinha.
São poucos os estudos relacionados ao manejo das variedades de mandioca em
populações ribeirinhas, caboclas e descendentes de nordestinos. Se formos comparar com as
populações indígenas (que embutem no manejo uma lógica mais baseada na cosmologia e
relações de parentesco), a diversidade encontrada na RDSA e RDSM pode ser considerada baixa.
Emperaire (2001), estudando comunidades indígenas do Médio Rio Negro (Tukano, Desana,
Baré, Tariano e Pira-Tapuia), observou uma média de 13,67 variedades por roçado. Contudo,
estudos realizados em comunidades de seringueiros no Acre (descendentes de nordestinos)
relataram a ocorrência de 16 variedades junto a 29 famílias pesquisadas (SECOND, 2002).
Embora não esteja detalhado neste estudo, mesmo quando se cultiva diversas variedades
em um mesmo roçado, a tendência é que haja uma ou duas variedades dominantes, que ocupam
de 50 a 80% do estande de plantas. Isto ocorre tanto na várzea quanto na terra firme, e está
associado à estratégia produtiva. No caso da terra firme, se cultiva em maior densidade dentro
dos roçados, as variedades mais apropriadas para a produção de farinha, e na várzea, aquelas
mais precoces, mais produtivas e que tem menor teor de água na raiz. Esta tendência é verificada
mesmo em populações indígenas (EMPERAIRE, 2001). Vejamos os exemplos abaixo, obtidos no
levantamento de campo, considerando que o espaçamento entre plantas é de 1m x 1m para todos
os casos:
a) Roçado 1
, comunidade Calafate, área de 2 quadras (2 hectares)
Variedade Sete Anos (mandioca – raiz amarela) – 12 mil pés
Variedade Bodó (mandioca – raiz amarela) – 4 mil pés
Variedade Catombo (mandioca – raiz amarela) – 3 mil pés
Variedade Bodó (mandioca – raiz amarela) – 4 mil pés
Variedade Tartaruguinha (mandioca – raiz amarela) – 1 mil pés
b) Roçado 2
, comunidade Boa Esperança, área de 2,2 hectares
Variedade Sete Anos (mandioca – raiz amarela) – 20 mil pés
Variedade Caboquinha (macaxeira) – 2 mil pés
c) Roçado 3
, comunidade São Paulo do Coraci, área de 0,3 hectares
Variedade Calaí (mandioca – raiz branca) – 2 mil pés
Variedade Tartaruga (mandioca – raiz amarela) – 1 mil pés
Variedade Pão (macaxeira) – 100 pés
140
A preferência por algumas variedades, dependendo da comunidade, pode ser comprovada
pela análise da freqüência de cultivo, conforme mostra a Tabela 2. Com exceção da comunidade
Aiucá e Jarauá (que concentram alta diversidade de estratégias produtivas, co-existindo
agricultores, pescadores e agricultores-pescadores), nas demais comunidades verifica-se uma
preferência por três ou quatro variedades, que tem freqüência maior que 50%.
Tabela 2 – Frequencia de cultivo de variedades de mandioca e macaxeira em roçados de 12 comunidades da
RDSA e RDSM
(continua)
Nome Tipo N
o
de
ocorrências
Freqüência
(%)
Aiucá (n=20)*
Marrecão Macaxeira 1 5
Sem nome Macaxeira 2 10
Amarela Macaxeira 2 10
Pão Macaxeira 2 10
Pretinha Macaxeira 1 5
Amarela Mandioca 5 25
Baixotinha Mandioca 2 10
Olho Roxo Mandioca 5 25
Pretinha Mandioca 6 30
Valdivina Mandioca 6 30
Pelônia Mandioca 2 10
Sem Nome Mandioca 3 15
Urucuia Mandioca 1 5
Marirana (n=3)
Açaí Macaxeira 3 100
Pão Macaxeira 3 100
Sabazão Macaxeira 2 67
Calaí Mandioca 1 33
Pretinha Mandioca 1 33
Pretona Mandioca 1 33
Valdivina Mandioca 1 33
Jarauá (n=19)
Amarela Macaxeira 5 26
Branca Macaxeira 1 5
Melindrosa Macaxeira 1 5
Mirinda Macaxeira 7 37
Pacu Macaxeira 3 16
Pão Macaxeira 3 16
Pretinha Macaxeira 1 5
Sem nome Macaxeira 2 11
Tartarugão Macaxeira 1 5
Amarela Mandioca 3 16
Antinha Mandioca 1 5
Candiru Mandioca 1 5
Ciçá Mandioca 6 32
Ouro Mandioca 1 5
Pacu Mandioca 15 79
Pacu amarela Mandioca 1 5
Sem nome Mandioca 2 11
Tartarugão Mandioca 2 11
Traíra Mandioca 3 16
141
Tabela 2 – Frequencia de cultivo de variedades de mandioca e macaxeira em roçados de 12 comunidades da RDSA
e RDSM (continuação)
Nome Tipo N
o
de
ocorrências
Freqüência
(%)
Nova Colômbia (n=5)
Amarelinha Macaxeira 1 20
Branca Macaxeira 1 20
Pão Macaxeira 1 20
Rubem Macaxeira 1 20
Sem nome Macaxeira 1 20
Amarelinha Mandioca 3 60
Baixinha Mandioca 3 60
Catombo Mandioca 1 20
Ciçá Mandioca 1 20
Índio Mandioca 1 20
Jabuti Mandioca 1 20
Ouro Mandioca 3 60
Pacu Mandioca 1 20
Sem nome Mandioca 1 20
Traíra Mandioca 0 0
Tucumã Mandioca 1 20
Boa Esperança (n=32)
Bacabinha Macaxeira 1 3
Prata Macaxeira 1 3
Angelina Mandioca 1 3
Baixotinha Mandioca 4 12
João Gonçalo Mandioca 1 3
Leôncio Mandioca 26 81
Pacovão Mandioca 1 3
Pagoa Mandioca 1 3
Pedro Lopes Mandioca 2 6
Sete Anos Mandioca 21 66
Tartaruga Mandioca 4 12
Valdivina Mandioca 1 3
Calafate (n=7)
Caboquinha Macaxeira 1 14
Manteiga Macaxeira 1 14
Bodó Mandioca 3 43
Cabeça Mandioca 1 14
Geraldão Mandioca 3 43
Pagoa Mandioca 1 14
Calaí Mandioca 1 14
Sem nome Mandioca 2 29
Sete anos Mandioca 4 57
Tartaruguinha Mandioca 1 14
Monte Sinai (n=10)
Olho roxo Mandioca 5 50
Sem nome Mandioca 7 70
Sete anos Mandioca 9 90
142
Tabela 2 – Frequencia de cultivo de variedades de mandioca e macaxeira em roçados de 12 comunidades da RDSA e
RDSM (conclusão)
Nome Tipo N
o
de
ocorrências
Freqüência
(%)
São Paulo do Coraci (n=10)
Amarela Macaxeira 1 10
Colombiana Macaxeira 3 30
Manteiga Macaxeira 1 10
Pão Macaxeira 1 10
Peruana Macaxeira 1 10
Calaí Mandioca 6 60
Pacu Mandioca 1 10
Pretona Mandioca 1 10
Sem nome Mandioca 1 10
Tartarugão Mandioca 8 80
Nova Samaria (n=3)
Sem nome Macaxeira 1 33
Baixotinha Mandioca 1 33
Bodozinha Mandioca 2 67
Calaí Mandioca 1 33
Camarão Mandioca 1 33
João Gonçalo Mandioca 1 33
Sete anos Mandioca 2 67
Tapaiona Mandioca 2 67
Tartaruga Mandioca 2 67
Nova Olinda (n=21)
Amarela Macaxeira 1 5
Peruana Macaxeira 1 5
Sem nome Macaxeira 2 10
Amarela Mandioca 1 5
Antinha Mandioca 2 10
Baixotinha Mandioca 2 10
Branquinha Mandioca 3 14
Candiru Mandioca 1 5
Índio Mandioca 1 5
Moirão Mandioca 9 43
Ouro Mandioca 1 5
Pacu Mandioca 1 5
Sete anos Mandioca 2 10
Tartaruga Mandioca 12 57
Tucumã Mandioca 1 5
São João do Ipecaçu (n=8)
Peruana Macaxeira 1 13
Sem nome Macaxeira 0 0
Baixota Mandioca 1 13
Sacaí Mandioca 1 13
Sete anos Mandioca 0 0
Tapaiona Mandioca 5 63
Tartaruga Mandioca 1 13
Vila Alencar (n=5)
Amarela Macaxeira 1 20
Pão Macaxeira 3 60
Azulão Mandioca 1 20
Valdivina Mandioca 3 60
*N (número de roçado visitados).
143
Algumas variedades são distribuídas ao longo de várias comunidades, como a Calaí, a
Tartaruga e a Sete Anos, encontradas em quase toda a RDSA, resultado da forte rede de
intercâmbio entre os agricultores. Contudo, boa parte das variedades é local, o que permite inferir
que há uma diversidade razoável na região.
A denominação das variedades está associada ao seu local de origem geográfica, ao nome
do doador (“Leôncio”, “Geraldão”, “João Gonçalo”), à características morfológicas (cor,
arquitetura da planta, etc – “amarelinha”, “pão”), ou a duração de seu ciclo de cultivo (“seis
meses”, “quatro meses”, etc). Quando as manivas vêm de longe, de outro município ou outra
região do estado, geralmente seus nomes originais não são conservados, lhes sendo atribuídos
novos nomes. Quando a origem é próxima (comunidade vizinha, por exemplo) os nomes são
preservados,
O cruzamento dos dados das entrevistas, apoiados pelas evidências da observação
permitem inferir que a noção local de variedade engloba um conjunto de diversos genótipos
muito parecidos entre si, e diferente de outros conjuntos de genótipos. Conforme veremos no
capítulo seguinte, análises genéticas comprovam que amostras de uma mesma variedade
apresentam divergências genéticas. Evidências desse conceito são encontradas nas falas dos
agricultores, que após anos manejando uma mesma variedade, vem percebendo ao longo do
tempo o surgimento de diferenças morfológicas entre plantas da mesma variedade. O caso da
variedade “Leôncio”, na comunidade Boa Esperança é o mais emblemático. Os agricultores
verificaram o surgimento de alterações na arquitetura da planta (estão surgindo plantas com
menos galhos; e plantas com porte mais alto), formato das folhas e no teor de água da raiz, que
tem variado muito. Fenômeno semelhante é verificado pelos agricultores de Nova Samaria, com
outras variedades. Nem por isso os agricultores passaram a distinguir variedades diferentes,
mesmo porque para a principal característica (do ponto de vista deles), produção e qualidade de
raízes, não houveram maiores alterações.
4.3.2 Critérios de escolha das variedades
Os critérios de escolha das variedades perpassam pelas lógicas de produção da família.
Nas comunidades de várzea, e junto àquelas que manejam os sistemas de cultivo com finalidade
de auto-consumo, estes são baseados na precocidade, produtividade e rendimento. Já para os
144
agricultores que comercializam a mandioca, especialmente farinha, os critérios de escolha estão
fundamentados na qualidade do produto final, no caso a farinha (coloração da raiz,
principalmente). De modo geral, os principais critérios para a seleção de variedades, em ordem de
prioridade, são:
Toxidade:
se mandioca (alto teor de glicosídeos) ou macaxeira (baixo teor). As mandiocas
são preferidas independente da lógica de produção, por possibilitarem o processamento de
farinha d’água, a principal fonte calórica das famílias.
Cor da raiz
(amarela ou branca): Os agricultores alegam que as variedades brancas são
muito mais produtivas que as amarelas. Contudo, não produzem farinha com valor
comercial. Portanto, nos roçados manejados por famílias agricultoras, ou agricultoras-
pescadoras, há domínio explícito das variedades de cor amarela, conforme pode ser
verificado nas Tabelas 3, 4 e 5. Na comunidade Boa Esperança (onde mais produz farinha
nas duas reservas) por exemplo, não foi verificado cultivo de variedades brancas nos
roçados. Em São Paulo do Coraci, ao contrário, onde predominam os pescadores, foi
encontrada uma variedade branca. O mesmo ocorre no Calafate. Embora não esteja
descrito nas tabelas, verificou-se o mesmo nas comunidades da RDSM, e em Nova
Samaria. Para as macaxeiras ocorre o contrário: há preferência por variedades com raiz de
cor branca, em função de hábitos alimentares locais.
Precocidade
: critério importante para as famílias que cultivam na várzea, onde o ciclo de
produção é limitado pelas cheias. Analisando as tabelas, percebe-se que todas as
variedades cultivadas em São Paulo são precoces. Nas comunidades de terra firme elas
também são bastante cultivadas, só que em menor número. A estratégia nesse caso é
distribuir a colheita no roçado ao longo do tempo, tendo sempre mandioca para colher.
Produtividade: em ambas as racionalidades de produção, as famílias privilegiam o cultivo
das variedades que possibilitem maior produção de raízes por área.
Rendimento (quebra)
: Preferência por variedades que tenham menor teor de água na raiz.
É uma característica muito importante nas áreas de várzea, onde a agricultura é de risco, e
se busca ao máximo diminuir perdas.
145
Tolerância a pragas e doenças
: Não há relatos de grande prejuízos provocados por pragas
ou doenças. Contudo, segundo os agricultores, as macaxeiras são mais sucetíveis aos
ataques de roedores (cotias e pacas) e outros mamíferos (catitu – porco do mato).
Outros
: Valor afetivo; capacidade de produção de goma; facilidade de arranquio;
facilidade de descasque; arquitetura da planta; características mofológicas raras (para uso
em coleção ou ornamental, tais como folhas variegadas, por exemplo); dentre outros.
Todos em grau secundário de importância, no ponto de vista do agricultor.
Na escolha das variedades não há um critério determinante e sim uma combinação de
critérios. Nas famílias que têm maior interface com o mercado esta combinação é feita tendo
como objetivo final a produção de farinha em grande quantidade e boa qualidade. Já nas demais
famílias, o objeto é a produção em tempo hábil e na maior quantidade possível, mesmo que o
produto final não atinja a qualidade desejada pelo mercado. Percebe-se pela análise das tabelas
que na várzea são cultivadas apenas variedades precoces, e que na terra firme a coleção de
variedades é dividida em diferentes graus de precocidade.
146
Tabela 3 – Informações sobre as variedades de mandioca obtidas por meio da aplicação da técnica matriz de usos e critérios, na comunidade Boa Esperança
(Terra Firme, RDSA).
Denominação Tipo Origem Cor da
raíz
Tempo Quebra Rendosa? Fácil de
arrancar?
Fácil de
descascar?
Boa para
goma?
Males e bichos
que perseguem
Nome da qualidade Mandioca
ou
macaxeira?
De onde veio? Como? Por quem? Branca
ou
amarela?
Quanto
tempo
para
produzir?
Muito,
pouco
ou mais
ou
menos?
Muito,
pouco ou
mais ou
menos?
Muito ou
pouco?
Muito ou
pouco?
Muito,
pouco ou
mais ou
menos?
Muito, pouco
ou mais ou
menos?
Leôncio Mandioca Da região da várzea do Rio Juruá; veio
junto com os moradores quando
migraram para a comunidade
Amarela 1 ano Pouco Muito Muito Muito Mais ou
menos
Pouco
Sete Anos Mandioca Rio Copeá; veio junto com um morador
quando este migrou para a comunidade
Amarela 1,5 ano Pouco Muito Muito Muito Muito Pouco
Baixotinha Mandioca Rio Te, por intermédio de um parente
de um dos moradores que reside lá
Amarela 10 meses Mais
ou
menos
Muito Muito Muito Muito Pouco
Catombo Mandioca Comunidade vizinha: Calafate Amarela 1,5 ano Pouco Muito Muito Muito Mais ou
menos
Pouco
Quatro meses Mandioca Comunidade vizinha: Calafate Amarela 8 meses Mais
ou
menos
Mais ou
menos
Muito Muito Mais ou
menos
Pouco
Caboquinha Macaxeira Rio Juruá; veio junto com os moradores
quando migraram para a comunidade
Branca 8 meses Pouco Muito Muito Pouco.
Usada na
fabricação
de farinha
seca
Muito Muito
perseguida por
cotia
147
Tabela 4 – Informações sobre as variedades de mandioca obtidas por meio da aplicação da técnica matriz de usos e critérios, na comunidade Boa Vista do
Calafate (Terra Firme, RDSA).
Denominação Tipo Origem Cor da
raíz
Tempo Quebra Rendosa? Fácil de
arrancar?
Fácil de
descascar?
Boa para
goma?
Males e bichos
que perseguem
Nome da qualidade Mandioca
ou
macaxeira?
De onde veio? Como? Por quem? Branca
ou
amarela?
Quanto
tempo
para
produzir?
Muito,
pouco
ou mais
ou
menos?
Muito,
pouco ou
mais ou
menos?
Muito ou
pouco?
Muito ou
pouco?
Muito,
pouco ou
mais ou
menos?
Muito, pouco
ou mais ou
menos?
Catombo Mandioca Rio Coraci (várzea da RDSA) por meio
de moradores que migraram para a
comunidade
Amarela 8 meses Pouco Muito Muito Muito Muito Pouco
Geraldão Mandioca Rio Cubuá (várzea), por meio de doação
de um senhor denominado Geraldo,
morador do Monte Sinai (vizinho) e que
tem parentes no Cubuá
Amarela 1 ano Pouco Muito Muito Muito Mais ou
menos
Pouco
Quatro meses Mandioca Cidade de Tefé Amarela 6 meses Pouco Muito Muito Muito Muito Pouco
Sete Anos Mandioca Boa Esperança (RDSA) Amarela 1,5 ano Pouco Muito Muito Muito Muito Pouco
Baixotinha Mandioca Rio Coraci Amarela 10 meses Pouco Muito Muito Muito Muito Pouco
Calaí Mandioca Rio Coraci Branca 8 meses Pouco Muito Muito Muito Pouco Pouco
Tartaruguinha Mandioca Rio Coraci Branca 7 meses Pouco Muito Muito Muito Pouco Pouco
Mundubim Macaxeira Belo Monte (comunidade vizinha) Branca 8 meses Pouco Muito Muito Muito Muito Pouco
Pão Macaxeira Rio Coraci (várzea da RDSA) por meio
de moradores que migraram para a
comunidade
Branca 8 meses Pouco Muito Muito Muito Muito Pouco
148
Tabela 5 – Informações sobre as variedades de mandioca obtidas por meio da aplicação da técnica matriz de usos e critérios, na comunidade São Paulo do Coraci
(várzea da RDSA).
Denominação Tipo Origem Cor da
raíz
Tempo Quebra Rendosa? Fácil de
arrancar?
Fácil de
descascar?
Boa para
goma?
Males e bichos
que perseguem
Nome da qualidade Mandioca
ou
macaxeira?
De onde veio? Como? Por quem? Branca
ou
amarela?
Quanto
tempo
para
produzir?
Muito,
pouco
ou mais
ou
menos?
Muito,
pouco ou
mais ou
menos?
Muito ou
pouco?
Muito ou
pouco?
Muito,
pouco ou
mais ou
menos?
Muito, pouco
ou mais ou
menos?
Calaí Mandioca Vila Nova (comunidade vizinha) Branca 8 meses Pouco Muito Muito Muito Muito Pouco
Tartaruga Mandioca o José (comunidade vizinha) Amarela 8 meses Pouco Muito Muito Muito Pouco Pouco
Rochinha Mandioca Nova Olinda (várzea da RDSA) Branca 6 meses Pouco Muito Muito Muito Muito Pouco
Pão Macaxeira Própria comunidade Branca 6 meses Pouco Pouco Muito Muito Muito Muito
Colombiana Macaxeira Trazida por um regatão Branca 6 meses Pouco Muito Muito Muito Muito Muito
149
4.3.4 Estratégias locais de conservação e amplificação da diversidade
A diversidade é dinamizada pelas redes de intercâmbio existentes nas comunidades.
Conforme descrito anteriormente, ao contrário do que ocorre nas populações indígenas, nas
comunidades estudadas estas redes são constituídas com base em relações de vizinhança e
parentesco, não tendo sido verificados aspectos mitológicos ou normas sociais que
fundamentassem o manejo. A troca de propágulos é corriqueira nas comunidades estudadas. Tem
caráter estratégico na várzea, onde é comum se perder tudo quando da ocasião das cheias. Na
terra firme está mais associada à experimentação dos agricultores.
O intercâmbio pode ser intencional, quando um agricultor sai a procura de manivas, ou
não, quando por exemplo, alguém viaja para outra comunidade ou município, e traz uma amostra
de uma variedade que encontrou por acaso, mas que lhe gerou interesse. Da mesma forma, se dá
em função da união de famílias (via matrimonial), onde o homem ou a mulher levam manivas de
variedades cultivadas por seus pais para a nova casa.
A origem geográfica das variedades cultivadas nas 12 comunidades é diversa. Analisando
as Tabelas 3, 4 e 5, verifica-se que em Boa Esperança algumas variedades são trazidas da região
do Médio Juruá (município de Carauari); e que no Calafate boa parte das variedades vem do setor
Coraci, pelo mesmo motivo. Da mesma forma, foram verificadas ao longo da pesquisa variedades
advindas da Floresta Nacional de Tefé, de Tabatinga, além de diversos municípios da região do
Médio Solimões. O importante é compreender que essas comunidades, embora distantes umas
das outras, estão conectadas, havendo grande fluxo de pessoas. Este fluxo também se verifica
entre as comunidades e as cidades, principalmente naquelas com mais interface com o mercado.
A noção romântica de povos isolados, portanto, deve ser desfeita. Conforme descrito no capítulo
introdutório, há diversos níveis de conexão destas comunidades com a sociedade nacional e
internacional.
Independente da lógica à qual está inserida, o intercâmbio de variedades é potencializador
de fluxo gênico, fundamental para a manutenção da diversidade, e tem ajudado a elucidar a
dinâmica evolutiva da espécie. O modelo de dinâmica evolutiva da mandioca proposto pelo Prof.
Paulo Sodero Martins e aperfeiçoado por Cury (1993), por exemplo, considera o fluxo gênico
como principal elemento dinamizador. Ele leva em consideração o fato da espécie ser de
propagação vegetativa, sem, entretanto, deixar de possuir um sistema reprodutivo sexual ativo,
150
capaz de gerar novos recombinantes, que aparecem nas roças através da germinação espontânea
de sementes. Este material é introduzido no conjunto gênico pelos agricultores (que em sua
maioria sabem identificar estas plantas, caracterizadas pela raiz pivotante), promovendo
amplificação da variabilidade genética da população (roçado), como resultado de cruzamentos
entre diferentes clones, hibridações interespecíficas e autofecundação de indivíduos
heterozigotos, sendo esse conjunto de novos genótipos, assim como os genótipos já existentes,
objeto de seleção natural, seleção perceptiva e seleção consciente pelos agricultores. Assim, os
agricultores mantém o conjunto original de variedades através da reprodução clonal e obtém
novos genótipos através do processo sexual.
Peroni (2004), que estudou roçados de mandioca cultivados por populações Caiçara no
Estado de São Paulo, usa a abordagem metapopulacional para explicar a dinâmica da diversidade,
admitindo que os roçados refletem sub-populações de variedades, onde a atividade de troca age
como fator de dispersão e conexão entre as sub-unidades. O contexto regional reflete a
diversidade total, maior que a diversidade intra-populacional. Perdas localizadas, no âmbito das
unidades familiares, são compensadas pela obtenção de variedades no nível regional.
Por outro lado, as estratégias mais restritas de intercambio podem contribuir para a
geração de variedades, devido ao isolamento reprodutivo. Analisando os estudos de Salick
(1997), Zimmerer (1998) considera que para a mandioca podem existir raças locais
especializadas, principalmente quanto à variação de altitude. Segundo o autor, o isolamento de
unidades familiares na região Amazônica, restringindo o fluxo de sementes (genes), pode ajudar a
produzir e manter esta diferenciação eco-genética.
Quanto à experimentação de novas variedades, o processo é estruturado da mesma forma
que o manejo das plantas oriundas de sementes. A experimentação é mais livre nos roçados das
famílias que cultivam visando auto-consumo do que nos roçados dos profissionais em
agricultura, que atrelam sua renda à atividade e por sua vez são mais temerosos ao assumir riscos.
O mesmo vale quando se compara o manejo das espécies e variedades nos roçados com o dos
outros sistemas de produção (sítios, bananais, etc). A experimentação é basicamente concentrada
nos sítios ao redor das casas, devido à proximidade e facilidade de observação. Sem contar que
nestes sistemas a presença das mulheres é muito mais freqüente. No caso do roçado, a observação
é menos intensiva, e a experimentação se dá em mais longo prazo.
151
Diversos agricultores entrevistados relataram haver perda de variedades ao longo dos
anos. Contudo, a erosão varietal não é um problema considerado prioritário por eles, ao contrário
das questões mais estruturais que regem a produção, como tecnologia, crédito e mercado. Há um
saudosismo na fala de muitos, mas nada que se possa traduzir em preocupação ou temor de
carência, como ocorre com o milho, que é bastante problemático na região no que diz respeito
aos recursos genéticos. É muito difícil encontrar variedades locais de milho, devido a um intenso
processo de distribuição de sementes de variedades melhoradas (por parte do órgão oficial de
assistência técnica), que aos poucos foram substituindo as tradicionais. A maioria dos
agricultores perdeu suas sementes, e hoje são dependentes de doações.
“Os maiores roçados chegam a ter 40 mil covas. Uma das
principais variedades de mandioca que chegaram foram a
Milagrosão, Pedro Lopes, Galhuda, Pretona, Piramirim, Forquilha
de Pote, sendo que a maioria destas nós trouxemos do Juruá. Hoje
não sobrou mais quase nenhuma aqui.” João, agricultor, Boa
Esperança.
Em resumo, o manejo da espécie na RDSA e RDSM reflete diretamente a dinâmica sócio-
econômica e cultural existente em nível regional ou mesmo nacional. As práticas de manejo têm
forte influência da lógica de mercado, e da evolução das relações sociais nas comunidades, cada
vez mais influenciadas pela globalização, em função do aumento da aproximação destas
comunidades com a sociedade nacional e internacional. Nas comunidades ainda persiste a
influência do ambiente, que é regulado pelo regime fluvio-dinâmico. Contudo, mesmo nessas
localidades, quando existem famílias que planejam seus sistemas de cultivo a partir da lógica de
mercado, é este quem influencia o manejo da espécie. A lógica do manejo, portanto, es
diretamente associada à noção de funcionalidade.
Estes aspectos devem ser levados em consideração quando do planejamento de políticas e
programas de conservação na região, de forma a não se correr o risco destes caírem no
ostracismo.
152
4.4 Conclusões
- As famílias tendem a selecionar as variedades em função da lógica de mercado (no caso dos
agricultores), ou da redução de riscos (no caso dos que plantam para o auto-consumo).
- Há uma preferência explícita para o cultivo de variedades com alto teor de glicosídeos
cianogênicos (mandiocas), em comparação com as de baixo teor (macaxeiras), devido à
importância que a farinha tem na cultura local.
- Há grande prevalência de cultivo de variedades de mandioca precoce na várzea. O cultivo
destas variedades tem permitido a permanência das famílias neste ambiente.
- Mesmo cultivando diversas variedades em um mesmo roçado, há tendência da concentração do
estande de plantas em uma ou duas variedades; o mesmo fenômeno se repete em nível de
comunidade.
- O conceito de variedade apropriado pelos agricultores engloba um conjunto de diversos
genótipos que apresenta características morfológicas muito semelhantes, e diferentes de outros
conjuntos de genótipos.
- Nas comunidades de várzea, ou entre as famílias que cultivam para o auto-consumo, é comum a
incorporação de plantas oriundas de sementes ao roçado. Nestas comunidades também é mais
intensa a prática da experimentação e aclimatação de novas variedades.
- As redes de troca têm garantido a dispersão de variedades em nível regional e estadual,
contribuindo para a amplificação da diversidade da espécie.
Referências
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esculenta Crantz) na agricultura autóctone do sul do Estado de São Paulo. 1993. 103 p.
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de consulta, 1999, Macapá. Brasília, 1999. p. 1-14.
153
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154
5 DIVERSIDADE E ESTRUTURA GENÉTICA DE MANDIOCA EM ROÇADOS DE
COMUNIDADES RIBEIRINHAS DAS RESERVAS DE DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL AMANÃ E MAMIRAUÁ, AMAZONAS: IMPLICAÇÕES PARA A
CONSERVAÇÃO
Resumo
Foram avaliadas a diversidade e a estrutura genética de roçados nas RDS Mamirauá e
Amanã, por meio da avaliação genética apoiada por microssatélites. Verificou-se que os roçados
são extremamente diversos geneticamente, apresentando altos valores de riqueza alélica,
polimorfismo e heterozigosidade; a diversidade está estruturada basicamente dentro de cada
roçado, o que indica alto fluxo gênico entre as variedades de cada roçado e entre as variedades
dos diferentes roçados, proporcionada principalmente pela troca de variedades entre agricultores,
diminuindo a diferença entre roçados e aumentando a freqüência de diferentes alelos em cada
roçado; foi encontrado um número muito pequeno de clones, mesmo nas variedades definidas
como tal pelos agricultores, o que sugere a existência de diversidade intra-varietal; há uma
tendência das variedades em se agrupar em função da precocidade e do teor de glicosídeos
cianogênicos; os roçados manejados por famílias de pescadores agregam grande diversidade
genética; há grande correlação entre os padrões mentais (sistemas culturais) dos ribeirinhos e o
manejo da espécie. Estratégias de conservação devem levar em conta este aspecto, e estar
incorporadas a programas mais amplos de promoção do desenvolvimento humano e social.
Palavras-chave: Microssatélites; Mandioca; Reserva Amaná; Reserva Mamirauá
CASSAVA GENETIC DIVERSITY AND STRUCTURE IN ROÇADOS OF
COMMUNITIES OF THE OF SUSTAINABLE DEVELOPMENT RESERVES AMANÃ
AND MAMIRAUÁ, AMAZONAS: IMPLICATIONS FOR THE CONSERVATION
Abstract
The diversity and genetic structure traditional management systems (roçados) had been
evaluated of in the RDS Mamirauá and Amanã, by means of the genetic evaluation supported by
microssatélites. It was verified roçados are extremely diverse, presenting high values of allelic
diversity, polimorfism and heterozigosity; the diversity is structuralized basically inside of the
each roçado, what it indicates high gene flow it enters the varieties of each roçado and enters the
roçados varieties of the different ones, proportionate mainly for the exchange of varieties
between agriculturists, diminishing difference between roçados and increasing the frequency of
different alleles in each roçado; a very small number of clones was found, exactly in the definite
varieties as such for the agriculturists, what it suggests the existence of intra-varietal diversity; it
has a trend of the varieties in if grouping in function of the precocidade and the text of glycoside-
cianogenic; the roçados ones management by fishing families add great genetic diversity; it has
great correlation enters the mental standards (cultural systems) of the messengers and the
155
handling of the species. Strategies of conservation must take in account this aspect, and be
incorporated the programs amplest of promotion of the human and social development
Keywords: Microssatellites; Cassava; Amanã Reserve; Mamirauá Reserve
5.1 Introdução
Os sistemas agrícolas tradicionais, típicos dos países da zona tropical (e em quase toda a
extensão territorial da Amazônia), têm importância fundamental para a agricultura em todo o
mundo. Estes sistemas, baseados na rotação de áreas, técnicas de derrubada e queima e adoção
quase nula de insumos externos, empregam enormes contingentes de trabalhadores, produzem
alimentos essenciais para o abastecimento das populações urbanas e rurais, e, comparados com os
sistemas de cultivo da agricultura “moderna”, produzem muito menos impactos na cobertura
florestal (MAZOYER; ROUDART, 2001). Tais sistemas agrícolas têm por função essencial
garantir a reprodução social das famílias camponesas nas regiões tropicais do planeta. São
desenhados de forma a otimizar a produção em condições de estresse ambiental e diminuir riscos,
abrigando para isso, grande diversidade de espécies e variedades de plantas, conhecidas, no meio
científico como variedades locais, etnovariedades ou landraces (ZEVEN, 1998).
Estes sistemas geralmente são muito diversos biologicamente. A agrobiodiversidade é um
dos pilares destes sistemas, atuando em sinergia com as formas de organização social e o
componente ecológico strictu sensu, podendo ser considerada, do ponto de vista conceitual, como
uma mediadora entre sistemas sociais e ecológicos (LEVÊQUE, 1999). A compreensão sobre
suas origens e dinâmica são, conseqüentemente, fundamentais para ações de conservação de
recursos genéticos e promoção do desenvolvimento da produção familiar, além de fornecer
subsídios para o melhoramento genético.
Do ponto de vista eco-genético, os sistemas agrícolas tradicionais amazônicos
(principalmente os roçados), trazem certas peculiaridades que os tornam muito interessantes para
a compreensão da dinâmica evolutiva de muitas plantas cultivadas. Em primeiro lugar, trazem um
arranjo diversificado de espécies, com arquiteturas variadas (diferentes alturas) e que ocupam
diferentes extratos do solo. Esta combinação permite a maximização da utilização de luz e
nutrientes, caracterizando o que Martins (2005) denomina como habilidade de combinação
ecológica. Outra particularidade está no tipo de plantas cultivadas. Ao contrário de regiões mais
secas e frias, onde a evolução da agricultura se deu a partir do cultivo de cereais e grãos, nos
156
roçados predomina o cultivo de espécies, algumas delas domesticadas nas terras baixas da
América do Sul: mandioca (Manihot esculenta CRANTZ), batata-doce (Ipomoea batatas), cará
(Dioscorea spp.), ariá (Marantha lutea), cupá (Cissus gongylodes), dentre outras. Estas espécies,
apesar de estarem agrupadas em famílias botânicas distintas, têm em comum o fato de serem
perenes (apesar de serem cultivadas de forma anual), possuírem em sua maioria sistema de
propagação vegetativa (apesar de todas terem capacidade de florescer e produzir frutos), além de
terem a raiz como parte comestível e os caules ou gomos como partes usadas na propagação. Isto
confere a estas espécies a possibilidade de permanecer no campo por muito tempo, e ao agricultor
de propagar uma planta mesmo antes de colher o produto, uma vez que não há competição entre a
parte que é usada para alimentação e a parte que é usada como propágulo. Por conseguinte, a
propagação da planta pode ser feita imediatamente após a colheita. O plantio assim não é
concentrado, sendo realizado ao longo do ano, o que gera uma heterogeneidade etária na roça
(MARTINS, 2005).
Os fatores supracitados, somados ao fato de geralmente haver grande diversidade inter e
intra-específica, fazem com que a dinâmica da diversidade genética de algumas espécies nestes
sistemas seja bastante complexa. A ocorrência de fluxo gênico relacionada a eventuais
cruzamentos entre as variedades ou mesmo parentes selvagens; a possibilidade de ocorrência de
auto-fecundação; a dormência de sementes que as permite sobreviver no solo por décadas; e o
fato dos agricultores alimentarem fortes redes sociais de intercâmbios de variedades, potencializa
processos microevolutivos. Fatores geradores e amplificadores de diversidade, como mutações,
fluxo gênico, deriva genética e seleção colaboram com esse processo (CURY, 1993;
EMPERAIRE, 2001; ELIAS et al., 2004; MARTINS, 2005).
Na região amazônica, os sistemas agrícolas tradicionais, em sua grande maioria, têm
como espécie estruturante a mandioca (M. esculenta), a principal fonte calórica das populações
da região. Estudos diversos têm notificado a existência de milhares de variedades, adaptadas a
diferentes condições ecológicas e com inúmeras variações morfológicas e organolépticas.
Todavia, com o recente avanço de técnicas utilizando marcadores bioquímicos e moleculares,
diversos estudos têm relatado que, em nível genético, a diversidade manejada pode ser ainda
maior do que aquela reconhecida pelos agricultores (PERONI; MARTINS, 2000; ELIAS et al.,
2001; SAMBATTI et al., 2001; PERONI, 2007). O conhecimento da diversidade em nível
genético é muito importante para o delineamento de programas de conservação e para o
157
estreitamento do diálogo entre a concepção científica e a concepção dos agricultores sobre
agrobiodiversidade, fundamental para o sucesso de estratégias participativas de gestão. Dentre as
técnicas de marcadores moleculares, os microssatélites ou SSR (simple sequence repeats) têm
sido largamente utilizados nos estudos de diversidade genética e estrutura de populações, por
serem os marcadores que possuem o mais elevado conteúdo de informação de polimorfismo e por
serem de fácil utilização (FERREIRA; GRATAPAGLIA, 1998; FARALDO et al., 2002). No
caso da mandioca, diversos estudos de diversidade genética têm sido realizados com este
marcador (ELIAS et al., 2001, 2004; EMPERAIRE et al., 2003; MKUMBIRA et al., 2003;
PERONI, 2007; SIQUEIRA, 2008), dentre outros.
Dentro de um contexto de popularização da temática da conservação da biodiversidade, a
agrobiodiversidade é pouco discutida com a sociedade em geral, que acaba atribuindo mais valor
e atenção a componentes mais carismáticos da diversidade (geralmente animais, como mamíferos
e aves). É necessário conhecer melhor a biodiversidade associada à agricultura e às populações
tradicionais, uma vez que esta interfere diretamente na reprodução social de milhões de famílias,
e no próprio abastecimento alimentar das grandes cidades. Desta forma, o objetivo deste trabalho
foi caracterizar, a partir de marcadores microssatélites, a diversidade genética de 76 variedades de
mandioca em 28 roçados de várzea e terra firme das Reservas de Desenvolvimento Sustentável
Mamirauá e Amanã, região do Médio Solimões, Amazonas.
5.2 Material e métodos
5.2.1 Local de estudos e material avaliado
O trabalho foi realizado em oito comunidades das Reservas de Desenvolvimento
Sustentável Amanã e Mamirauá, Amazonas, Brasil (maiores detalhes sobre a área de estudo no
capítulo 1). A coleta foi feita durante os meses de abril de 2005 e janeiro de 2006, nas
comunidades Boa Esperança, Monte Sinai, Boa Vista do Calafate, São Paulo do Coraci, Nova
Samaria (situadas na RDS Amanã), Aiucá, Marirana e Jarauá (RDS Mamirauá).
Adotou-se como unidade populacional o roçado, como são chamados pelos agricultores
os campos de cultivo da mandioca na região. Adotou-se também o critério de coletar toletes e
folhas jovens de um indivíduo de cada variedade de mandioca existente nos roçados, avaliando-
158
se, portanto, a diversidade intervarietal
nos diferentes níveis de complexidade (roçado,
comunidade e ambiente, considerando ambientes de terra firme e de várzea). Mesmo sendo
propagada vegetativamente, e por sua vez apresentando certa coerência morfológica, as
variedades podem apresentar diversidade intra-varietal
(principalmente neste tipo de sistema de
cultivo, conforme demonstram os trabalhos de Cury (1993) e Peroni (1998). Portanto, admite-se,
que no âmbito deste estudo, as estimativas de diversidade foram subestimadas, uma vez que
foram coletados apenas um indivíduo de cada variedade. Se a unidade populacional escolhida
fosse a variedade, teriam que ser coletados diversos indivíduos de cada variedade, de forma a
estimar também a diversidade intra-varietal.
Os toletes foram transportados até a casa de vegetação do Laboratório de Ecologia
Evolutiva e Genética Aplicada (LEEGA) da ESALQ/USP em Piracicaba (SP), e plantados em
vasos, dispostos ao ar livre. A partir das primeiras brotações, os folíolos foram coletados e
processados conforme procedimento descrito a seguir. Para uma parte das variedades foram
coletadas somente as folhas, as quais foram secas e transportadas para análise na forma de
exsicatas. Os roçados foram georreferenciados. Ao todo coletaram-se 121 amostras em 28
roçados de 25 agricultores. Devido a problemas fitossanitários, parte do material, principalmente
os obtidos por meio de exsicatas, foi danificado, o que impossibilitou a análise. Portanto, foram
analisadas 76 amostras, de 28 roçados, conforme a Tabela 1. As mandiocas consideradas como
de mesa (por possuírem menores teores de glicosídeos cianogênicos, L-CNP) são denominadas
pelos produtores como “macaxeira” e as usadas para farinha (por possuírem maiores teores de
glicosídeos cianogênicos, H-CNP), simplesmente “mandioca”.
Tabela 1 - Lista de variedades e roças, por comunidade, coletadas nas RDS Amanã e Mamirauá
(Continua)
Código Tipo Nome
Roçado
(população)
Ambiente
Principal
atividade
econômica
da família
Aiucá
AI 126 Mandioca Olho roxo AI 1 Várzea Agricultura
e pesca
AI 227 Mandioca Valdivina
AI 228 Macaxeira Olho roxo
AI 229 Mandioca Pretinha
AI 230 Mandioca Pelonha
AI 231 Macaxeira Amarela
AI 2 Várzea Agricultura
e pesca
159
Boa Esperança
BE 101 Mandioca Sete anos
BE 102 Mandioca Leôncio
BE 102 b Mandioca Leôncio
BE 1 Terra firme Agricultura
BE 202 Mandioca Leôncio
BE 203 Mandioca Tartaruga
BE 2 Terra firme Agricultura
BE 301 Mandioca Sete anos BE 3 Terra firme Agricultura
BE 403 Mandioca Tartaruga
BE 405 Mandioca Sem nome
BE 4 Terra firme Agricultura
BE 502 Mandioca Leôncio
BE 506 Macaxeira Caboclinha
BE 5 Terra firme Agricultura
BE 606 Macaxeira Caboclinha
BE 607 Macaxeira Vermelha
BE 6 Terra firme Agricultura
Boa Vista do Calafate
CA 101 b Mandioca Sete anos
CA 108 b Mandioca Quatro meses
CA 109 Mandioca Sem nome
CA 1 Terra firme Agricultura
CA 210 Mandioca Catombo CA 2 Terra firme Agricultura
CA 308 b Mandioca Quatro meses
CA 311 Mandioca João Gonçalo
CA 313 Mandioca Geraldão
CA 314 b Mandioca Tapaiona
CA 3 Terra firme Agricultura
CA 401 Mandioca Sete anos
CA 412 Mandioca Pedro Lopes
CA 4 Terra firme Agricultura
CA 501 Mandioca Sete anos
CA 504 Mandioca Baixotinha
CA 5 Terra firme Agricultura
CA 508 Mandioca Quatro meses
CA 514 Mandioca Tapaiona
CA 515 Mandioca Olho roxo
CA 5 Terra firme Agricultura
Jarauá
JA 101 Macaxeira Brasileirinha JA 1 Várzea Agricultura
e pesca
JA 201 Macaxeira Branquinha
JA 202 Mandioca Amarelinha
JA 203 Mandioca Traíra
JA 204 Mandioca Pacu
JA 2 Várzea Agricultura
e pesca
JA 302 Mandioca Bodozinho JA 3 Várzea Pesca
Marirana
MA 101 Macaxeira Pretona
MA 102 Mandioca Sem nome 1
MA 103 Mandioca Sem nome 2
MA 105 Mandioca Sem nome 4
MA 1 Várzea Agricultura
e pesca
160
Tabela 1 - Lista de variedades e roças, por comunidade, coletadas nas RDS Amanã e Mamirauá
(conclusão)
Monte Sinai
MS 101 Mandioca Sete anos MS 1 Terra firme Agricultura
MS 201 Mandioca Sete anos
MS 217 Mandioca Olho roxo
MS 2 Terra firme Agricultura
MS 316 Macaxeira Pão
MS 318 Macaxeira Tambaqui
MS 319 Macaxeira Manteguinha
MS 3 Terra firme Agricultura
Nova Samaria
SA 120 Mandioca Tartarugão SA 1 Várzea Agricultura
e pesca
SA 201 Macaxeira Sem nome
SA 202 Mandioca Semente I
SA 203 Mandioca Semente II
SA 204 Mandioca Baixotinha
SA 205 Mandioca Bodozinho
SA 206 Mandioca João Gonçalo
SA 207 Mandioca Camarão
SA 208 Mandioca Tapaiona
SA 2 Terra firme Pesca
SA 301 Mandioca Tapaiona
SA 302 Mandioca Bodozinho
SA 3 Terra firme Agricultura
e pesca
SA 303 Mandioca Calai
SA 304 Mandioca Sete anos
SA 305 Mandioca Semente III
SA 3 Terra firme Agricultura
e pesca
São Paulo do Coraci
SP 120 Mandioca Tartaruga SP 1 Várzea Pesca
SP 121 Macaxeira Peruana SP 1 Várzea Pesca
SP 220 a Mandioca Tartaruga
SP 220 b Mandioca Tartaruga
SP 2 Várzea Pesca
SP 320 Mandioca Tartarugão
SP 323 Macaxeira Peruana
SP 324 Mandioca Moirão
SP 3 Várzea Pesca
SP 420 Mandioca Tartaruga
SP 421 Macaxeira Colombiana
SP 423 Macaxeira Peruana
SP 425 Mandioca Pretona
SP 4 Várzea Agricultura
e pesca
SP 520 Mandioca Tartarugão
SP 521 Macaxeira Colombiana
SP 5 Várzea Agricultura
e pesca
5.2.2 Análise de microssatélites
Após a coleta, o material foi submetido à extração de DNA. As folhas recém expandidas
foram desidratadas em estufa a 60ºC por 72 horas e maceradas. As folhas coletadas e embaladas
161
na forma de exsicatas já estavam previamente secas, mas mesmo assim foram submetidas à estufa
a 60ºC por 72 horas antes de serem maceradas. Depositou-se em seguida uma alíquota de 50mg
do material macerado em microtubo contendo 0,8 mL de tampão de extração CTAB 3% [30mM
EDTA pH 8,0; 0,1M Tris-HCL pH 8,0, 1,2M NaCl; 3% CTAB; e 1% 2-mercaptoetanol
adicionado imediatamente antes do uso], seguida de encubação por 1 hora em banho-maria à
65ºC, com inversões mecânicas a cada 30 minutos. Em seguida, adicionou-se 0,5 mL de clorofil
24:1 (24 partes de clorofórmio em 1 parte de álcool isopropílico), misturando-se por agitação
manual por 1 min. O material foi centrifugado a 8.000 rpm por 10 min, sendo retirado 0,5 mL da
fase aquosa, transferida em seguida para novo tubo. Adicionou-se novamente 0,5 mL de clorofil,
agitando-se levemente o tubo, posteriormente centrifugado a 8.000 rpm por 10 min. Retirou-se
0,4 mL do sobrenadante, que foi depositado em novo tubo, seguido de adição de 0,35 mL de
isopropanol pré-esfriado à -20ºC. O material foi levado para geladeira e mantido por 1 hora a -
5ºC. Após este período, o material foi centrifugado a 8.000 rpm por 10 minutos, obtendo-se um
sedimentado no fundo do tubo. Retirou-se cuidadosamente o líquido sobrenadante, mantendo o
pellet no tubo, que ficou por 12 horas secando. O pellet foi ressuspenso em tampão TE,
adicionando-se 0,2 mL de TE mais 0,008 mL de RNAse em cada tubo. O mesmo foi colocado em
banho-maria por 30 minutos à 38-36ºC, para posteriormente ser estocado em geladeira.
Novos ajustes foram necessários para o material coletado na forma de exsicatas, que
apresentou menor conteúdo de DNA extraído e com muitas impurezas. Após alguns testes optou-
se por acrescentar no tampão de extração CTAB 3%, 5% de 2-mercaptoetanol e da realização de
quatro centrifugações. Este procedimento fez com que aumentasse a quantidade de DNA
extraído e a pureza do mesmo.
O DNA da solução estoque de cada indivíduo foi quantificado através da corrida das
amostras em gel de poliacrilamida a 4% tomando-se por referencial DNA padrão (com amplitude
de variação de 10, 20, 40, 80, 160 e 200 ng), corado com nitrato de prata (Bassan et al., 1991).
Para a coloração foram utilizados 125 mL de solução fixadora (100 mL etanol, 5 mL ácido
acético, 895 mL água destilada) e nitrato de prata (0,25 g) por 5 minutos. O gel foi
posteriormente lavado duas vezes com 150 mL de água destilada, para retirar o excesso de prata,
e submetido à 125 mL de solução reveladora (30 g de hidróxido de sódio em 1000 mL de água
destilada) adicionando-se 400 µL de formaldeído.
162
Para as reações de amplificação, foram utilizados nove primers de microssatélites pré-
estabelecidos por Chavarriaga-Aguirre et al. (1998) (Tabela 2). As temperaturas de anelamento
foram ajustadas para o termociclador MyCycler da marca BioRad, em dois programas de
termociclagem. Para os primers GA-5, GA-12, GA-126, GA-127, GA-131, GA-134, GA-136 e
GA-140, a temperatura de anelamento foi de 55
o
C, englobando as seguintes fases: 95,0
o
C por 4
min (95
o
C por 1 min + 55
o
C por 2 min + 72
o
C por 2 min)x29, finalizando a 72
o
C por 1 min.
Para o primer GA-21 a temperatura de anelamento foi de 56
o
C, com as seguintes etapas: 4 min. a
95
o
C (1 min a 95
o
C + 1min a 56
o
C + 2min a 76
o
C)x29, finalizando a 72
o
C por 1 min.
Tabela 2 - Seqüências dos locos de microssatélites utilizados nas análises e amplitudes alélicas observadas
Para a reação de PCR (Polymerase Chain Reaction), foram misturados em tubos de reação
apropriados 7,2 µL de Mix e 3 µL de solução de trabalho, composta por 0,2 µL de TAQ-
Polimerase (50U/µL); 1,0 µL de Tamo (10X); 1,0 µL MgCl
2
(50mM); 0,5 µL de Primer F
(5pmoles/µL); 0,5 µL de Primer R (5pmoles/µL), 1,0 µL de DNATPs (2,5 de cada) e 3 µL de H
2
0
Milli-Q. Estas quantidades foram multiplicadas pelo número de indivíduos utilizados para as
reações.
Locos de
microssatélites
Seqüência 5' à 3' do primer Amplitude alélica (pb)
GA-5
TAATGTCATCGTCGGCTTCG
GCTGATAGCACAGAACACAG
119 -131
GA-12
GATTCCTCTAGCAGTTAAGC
CGATGATGCTCTTCGGAGGG
141 - 152
GA-21
GGCTTCATCATGGAAAAACC
CAATGCTTTACGGAAGAGCC
110 - 126
GA-126
AGTGGAAATAAGCCATGTGATG
CCCATAATTGATGCCAGGTT
178 - 220
GA-127
CTCTAGCTATGGATTAGATCT
GTAGCTTCGAGTCGTGGGAGA
225 - 249
GA-131
TTCCAGAAAGACTTCCGTTCA
CTCAACTACTGCACTGCACTC
98 - 129
GA-134
ACAATGTCCCAATTGGAGGA
ACCATGGATAGAGCTCACCG
295 - 310
GA-136
CGTTGATAAAGTGGAAAGAGCA
ACTCCACTCCCGATGCTCGC
145 - 161
GA-140
TTCAAGGAAGCCTTCAGCTC
GAGCCACATCTACTCGACACC
144 - 165
163
Os produtos da amplificação foram separados sob uma voltagem inicial de 60 volts por 30
minutos, ampliando-a para 120 volts por cerca de duas horas, em tampão TBE (0,09 M Tris, 0,09
M ácido bórico, 2 mM de EDTA), aplicada aos géis de poliacrilamida a 6%. Utilizaram-se
marcadores padrão com peso molecular de 10 pb e de 100 pb. Após amplificado e separado, o
material foi corado com nitrato de prata (Bassan et al., 1991), conforme descrito acima, e
fotodocumentado.
5.2.3 Análise dos dados
Foram estimados parâmetros de diversidade genética, tais como número médio de
alelos/loco polimórfico, percentagem de locos polimórficos, heterozigosidades médias
observadas e diversidade gênica (heterozigozidade esperada), obtidos com auxílio do programa
GDA (Genetic Data Analysis) (LEWIS; ZAYKIN, 2001). As freqüências alélicas e a estrutura
genética foram estimadas utilizando o programa FSTAT (GOUDET, 1995). Já as distâncias
genéticas, com o software TFPGA (Tools for Population Genetic Analyses) (MILLER, 1997).
Para avaliar a diversidade genética do conjunto de variedades, foi realizada uma análise
de agrupamento. De acordo com Peroni (2001), a análise de agrupamento é indicada para
classificar grupos de objetos de acordo com sua similaridade, que é calculada a partir de índices
de similaridade ou distancia. No caso deste trabalho, esta foi realizada empregando-se o método
UPGMA (Unewighed Pair Group Method With Arithmetic Average) e o coeficiente de
similaridade de Jaccard, usando-se para a sua estimativa dados de presença/ausência de bandas e
feita com auxílio do programa NTSYSpc (ROHLF, 1992).
Já as análises de componentes principais (PCA) e de coordenadas principais (PCO), muito
úteis para reduzir as dimensões de conjuntos de dados foram executadas com auxílio do
programa MVSP (KOVACH, 2006). Para a PCO, adotou-se como índice a distancia de qui-
quadrado.
5.3 Resultados e discussão
Todos os nove locos de microssatélites foram polimórficos (Tabela 3). O número médio
de alelos por loco polimórfico (Ap) foi de 4,33, variando de três (locos GA-5 e GA-12) a sete
164
alelos (GA-136). Os índices de diversidade gênica (H
e
) foram elevados para todos os locos,
mostrando a riqueza alélica observada. Já os valores de heterozigosidade observada (H
o
) variaram
de 0,041 (GA-134) a 0,632 (GA-131), indicando que para alguns locos a presença de
heterozigotos foi baixa em comparação com os demais.
Tabela 3 - Locos de microssatélites e seus respectivos valores de diversidade (P: proporção de locos polimórficos; A:
número total de alelos; A
p
: número de alelos por loco polimórfico; H
e
: diversidade gênica; H
o
:
heterozigosidade observada)
Locos de microssatélites P A A
p
H
e
H
o
GA-5
1,000 3,000 3,000 0,459 0,447
GA-12
1,000 3,000 3,000 0,629 0,342
GA-21
1,000 4,000 4,000 0,569 0,419
GA-126
1,000 4,000 4,000 0,553 0,526
GA-127
1,000 5,000 5,000 0,737 0,361
GA-131
1,000 4,000 4,000 0,675 0,632
GA-134
1,000 4,000 4,000 0,524 0,041
GA-136
1,000 7,000 7,000 0,828 0,289
GA-140
1,000 5,000 5,000 0,722 0,581
Média 1,000 4,333 4,333 0,633 0,404
As populações (conjunto de variedades de mandioca de cada roça) apresentaram
percentagem média de locos polimórficos de 75%, riqueza alélica média (expressa pelo número
de alelos encontrados por loco polimórfico - Ap) de 2,4 alelos por loco polimórfico e altos
valores médios de heterozigosidade: 0,522 de heterozigosidade esperada ou diversidade gênica
(H
e
) e 0,421 de heterozigosidade observada (H
o
) (Tabela 4). Estes valores, que indicam alta
diversidade, se assemelham com diversos estudos realizados em outros locais da Amazônia e em
outras regiões de agricultura tradicional nas regiões tropicais, também caracterizadas pela alta
variabilidade entre as variedades de mandioca avaliadas (ELIAS et al., 2001; EMPERAIRE,
1999, 2002, 2006; MKUMBIRA et al., 2003; ELIAS et al., 2004; PERONI et al., 2007; ROCHA
et al., 2008), e podem estar associados tanto ao tipo de manejo adotado pelos agricultores quanto
ao fato da região de estudo estar muito próxima ao centro de origem e diversidade da mandioca.
165
Tabela 4 - Parâmetros genéticos de diversidade (P: proporção de locos polimórficos; A: número de alelos por loco;
A
p
: número de alelos por loco polimórfico; H
e
: diversidade gênica; H
o
: heterozigosidade observada)
obtidos para as variedades de mandioca cultivadas em 28 populações (roças) analisadas
(continua)
Roças Roças
(Código)
Atividade
Econômica
P A A
p
H
e
H
o
1
AI-1
Agricultura e
pesca
0,333 1,333 2,000 0,333 0,333
2
AI-2
Agricultura e
pesca
1,000 3,000 3,000 0,544 0,450
3
BE-1
Agricultura 0,778 2,444 2,857 0,519 0,481
4
BE-2
Agricultura 0,889 2,222 2,375 0,593 0,444
5
BE-3
Agricultura 0,667 1,667 2,000 0,667 0,667
6
BE-4
Agricultura 1,000 2,444 2,444 0,722 0,500
7
BE-5
Agricultura 0,778 1,889 2,143 0,481 0,333
8
BE-6
Agricultura 1,000 2,111 2,111 0,667 0,722
9
CA-1
Agricultura 1,000 2,333 2,333 0,615 0,519
10
CA-2
Agricultura 0,556 1,556 2,000 0,556 0,556
11
CA-3
Agricultura 1,000 2,778 2,778 0,589 0,444
12
CA-4
Agricultura 0,750 2,000 2,333 0,500 0,438
13
CA-5
Agricultura 1,000 3,111 3,111 0,628 0,550
14
JA-1
Agricultura e
pesca
0,333 1,333 2,000 0,333 0,333
15
JA-2
Agricultura e
pesca
0,444 1,667 2,500 0,277 0,111
16
JA-3
Pesca 0,125 1,125 2,000 0,125 0,125
17
MA-1
Agricultura e
pesca
1,000 2,444 2,444 0,609 0,222
18
MS-1
Agricultura 0,667 1,667 2,000 0,667 0,667
19
MS-2
Agricultura 0,889 2,222 2,375 0,611 0,389
20
MS-3
Agricultura 1,000 2,556 2,556 0,611 0,574
21
SA-1
Agricultura e
pesca
0,333 1,333 2,000 0,333 0,333
22
SA-2
Pesca 0,889 2,889 3,125 0,502 0,312
23
SA-3
Agricultura e
pesca
1,000 2,556 2,556 0,530 0,344
24
SP-1
Pesca 0,778 2,111 2,429 0,556 0,333
25
SP-2
Pesca 0,444 1,444 2,000 0,296 0,333
26
SP-3
Pesca 0,889 2,667 2,875 0,585 0,407
27
SP-4
Agricultura e
pesca
0,778 2,222 2,571 0,476 0,361
28
SP-5
Agricultura e
pesca
0,889 2,333 2,500 0,685 0,500
Média 0,757 2,124 2,408 0,522 0,421
166
O manejo, conforme já discutido no capítulo 3, está associado a redes de troca de
propágulos, e à manutenção do sistema sexual de reprodução das plantas, mesmo sendo adotada a
propagação vegetativa como método principal. Diversos produtores entrevistados relataram a
ocorrência de flores e frutos nos roçados. Na percepção deles, o fato da planta estar florindo
indica que a raiz está em fase avançada de maturação. Além disso, plantas originárias de
sementes podem ser incorporadas ao conjunto de variedades de uma roça, como será discutido
mais adiante.
Quanto ao centro de origem, este, de acordo com Allem (2001, 2002) e Olsen e Shall
(1999, 2003), encontra-se ao sul da Amazônia Brasileira, nos Estados do Acre, Rondônia e Mato
Grosso (porção norte).
Um aspecto da Tabela 4 a ser destacado está no fato de que, mesmo nas famílias
eminentemente pescadoras, ou entre as famílias que tem como estratégia de produção a
agricultura e a pesca, a diversidade genética encontrada foi bastante alta, contrariando hipóteses
de que esta seria inferior à diversidade manejada pelos que são exclusivamente agricultores.
Conforme destacado em capítulos anteriores, as famílias se auto-classificam em três identidades
produtivas (agricultores, pescadores e agricultores-pescadores), entendendo-se como identidade a
forma de obtenção de renda. Embora a pesca, a agricultura e o extrativismo convivam em quase
todas as famílias das duas reservas, a forma com que cada atividade é praticada varia de acordo
com sua função no abastecimento da família. Portanto, entre os que são unicamente agricultores,
o manejo dos roçados é conduzido de forma mais próxima à realidade do mercado, sendo
privilegiadas as variedades com maior interesse comercial. Além disso, o manejo é mais
criterioso, e a colheita é mais compassada. Por exemplo, na comunidade Boa Esperança, formada
por migrantes vindos do Baixo Juruá que são agricultores bastante ligados ao mercado, nenhum
dos entrevistados afirmou alguma freqüência no florescimento e frutificação de plantas de
mandioca em seus roçados, muito menos a incorporação de plântulas em seus estandes.
Já entre os pescadores, a produção é menos controlada. São cultivadas em muitos casos
diversas variedades de pouco interesse comercial (como as que possuem raiz branca, por
exemplo) no mesmo roçado, e os itinerários técnicos são mais relaxados. Por exemplo, foi entre
os pescadores que se verificou a maior incidência de florescimento e frutificação de espécimes de
mandioca. Este fato foi constatado com certa freqüência nas visitas a diversos roçados nas
comunidades Nova Samaria, Jarauá e Nova Colômbia, e com menor freqüência nas demais
167
comunidades, com exceção de Boa Esperança. Foram avistadas diversas plantas florescendo e
frutificando, além de diversas plântulas. O fato dos frutos da mandioca serem explosivos
contribui para a dispersão de sementes. De acordo com Martins (2005), as sementes podem ser
jogadas a até 16 metros de distância. Como estas são dormentes (dado o fato da seleção ter
privilegiado a propagação vegetativa, as sementes de mandioca, mesmo com todo o processo
evolutivo da espécie continuaram apresentando dormência), compõem o banco de sementes do
solo, podendo haver germinação ao longo de décadas.
Os produtores identificam as plantas advindas de sementes de duas formas: tanto na fase
de plântula, a partir das características das folhas, que são diferenciadas das plantas advindas de
estacas, quando no ato da colheita, uma vez que a raiz da planta oriunda de semente é pivotante.
Quando esta possui boas características agronômicas, geralmente suas estacas são reincorporadas
ao estande. Estes eventos podem estar contribuindo para a amplificação da diversidade genética
da mandioca na região, o que corrobora com o modelo de dinâmica evolutiva proposto por Cury
(1993), que será discutido mais adiante. Além de estar associado aos aspectos da biologia da
espécie supracitados, o manejo também pode estar influindo na diversidade dos roçados por meio
das freqüentes trocas de propágulos entre os produtores, que por sua vez gera alto fluxo gênico.
Este fluxo é facilitado pelas constantes trocas de material genético efetuadas pelos agricultores.
São muito amplas as redes sociais de cooperação, e a troca de material genético se dá por
questões culturais, ecológicas ou econômicas (ver capítulo 2). Além de cultivar variedades
próprias e de comunidades vizinhas, as trocas extrapolam a esfera municipal e da bacia
hidrográfica onde vivem. Produtores de Boa Esperança, Monte Sinai e do Jarauá, por exemplo,
cultivam variedades trazidas da região do Baixo Juruá (município de Carauari), distante a
centenas de quilômetros.
Em suma, mesmo não assumindo a agricultura como atividade principal de suas famílias,
os pescadores ou pescadores-agricultores agregam muita diversidade genética em seus roçados,
fato que remete a diversas reflexões sobre seu papel na conservação da agrobiodiversidade na
região, como será discutido adiante.
Foi muito baixa a incidência de alelos raros (Tabela 5), que foram encontrados apenas nos
roçados AI-2 (comunidade Aiucá) e CA-5 (Boa Vista do Calafate). Na primeira, foi encontrado o
alelo 145 (tamanho equivalente a 145 pares de base) no loco GA-140, que apresentou freqüência
de apenas 0,20. Já no roçado do Calafate, foi encontrado o alelo 295, com uma freqüência de
168
0,10, no loco GA-134. O baixo número de alelos raros encontrados pode ser também um
indicador de alto fluxo gênico entre as populações amostradas e em toda a região.
Tabela 5 - Freqüência de alelos exclusivos em 28 roças (populações) de nove comunidades da RDSA e RDSM
Loco Alelo (pb) Roça Freqüência
GA-140 145 Roça 2 0,20
GA-134 295 Roça 13 0,10
Toda a diversidade encontrada está estruturada predominantemente dentro dos roçados
(Tabela 6). A diversidade total média (H
T
) foi elevada: 0,597. O valor médio de H
S
(diversidade
dentro dos roçados) foi de 0,421 e de D
ST
(entre os roçados) foi de 0,034. Portanto, a proporção
da diversidade genética alocada entre os roçados (G
ST
) é de apenas 5,4%. Esta é uma tendência
típica de espécies ou variedades com alto fluxo gênico e plantas com sistema reprodutivo por
alogamia (SILVA et al., 2003).
Tabela 6 - Índices de Nei (1973) para os diferentes locos analisados (H
S
: diversidade dentro de populações; H
T
:
diversidade total; D
ST
': diversidade entre populações; G
ST
': proporção da diversidade genética entre
grupos)
Locos H
S
H
T
D
ST
' G
ST
'
GA-5
0,359 0,407 0,014 0,034
GA-12
0,512 0,566 -0,011 -0,019
GA-21
0,366 0,511 0,094 0,156
GA-126
0,630 0,597 0,008 0,014
GA-127
0,369 0,723 0,020 0,027
GA-131
0,686 0,652 0,040 0,058
GA-134
0,021 0,447 0,066 0,128
GA-136
0,275 0,745 0,098 0,117
GA-140
0,575 0,724 -0,021 -0,030
Média 0,421 0,597 0,034 0,054
Os resultados concordam com diversos outros estudos realizados em regiões tropicais.
Faraldo (1999) avaliou 138 variedades de roçados de vários locais do país e uma variedade
comercial (“Mantiqueira”), através da técnica de eletroforese de isoenzimas, estudando 11
sistemas enzimáticos. Os resultados revelaram índices elevados de heterozigosidade (H
o
=0,456),
sendo que a maioria dos roçados apresentou excesso de homozigotos, provavelmente
relacionados com o efeito de seleção a favor de indivíduos homozigotos. Houve maior
169
concentração da variabilidade dentro dos roçados da mesma região e maior variabilidade dentro
das regiões que entre regiões. A diversidade intra-específica está diretamente relacionada com a
estrutura sócio-cultural do local. O grupo coletado nos roçados amazônicas apresentou a maior
diversidade genética.
Cabral (2002), através de oito sistemas isoenzimáticos, estudou a variabilidade
isoenzimática de 200 acessos provenientes dos estados do Amazonas, Pará, Amapá, Rondônia,
Bahia e de locais não identificados. Constatou que o material apresentou grande variabilidade
genética, com o número de alelos por loco variando de 2,3 a 2,5; a heterozigosidade média (H
o
)
variando de 0,381 a 0,615, e o índice de diversidade de 0,479 a 0,559. Houve maior variabilidade
genética dentro dos grupos que entre grupos, sugerindo um padrão de distribuição de
variabilidade genética semelhante ao esperado para populações naturais de espécies alógamas.
Sambatti et al. (2000) estudou a diversidade fenotípica e isoenzimática de variedades de
mandioca situadas no município de Ubatuba, SP, concluindo que há grande diversidade
fenotípica e que a diversidade isoenzimática também se concentra basicamente dentro das roças,
o que sugere um grande fluxo gênico entre os agricultores estudados. Este padrão de maior
diversidade dentro de roças foi também observado para a cultura da batata-doce, para variedades
do Vale do Ribeira, SP, avaliadas por descritores morfológicos (VEASEY et al., 2007).
Avaliando 169 amostras de mandioca do Vale do Ribeira (SP) e do Médio Rio Negro
(AM) com marcadores microssatélites, Peroni et al. (2007) encontraram altos valores de
heterozigosidade observada (H
o
= 0,675) e alta diversidade total (H
T
=0,648). Constataram
também que a maior parte da diversidade genética estava dentro das roças (H
S
=0,617). Em um
estudo semelhante na região de cerrado no Estado de Mato Grosso do Sul, Siqueira (2008)
avaliando 83 variedades de mandioca, de um total de 21 roças ou unidades familiares, também
constatou grande variabilidade no material avaliado (H
T
= 0,669) e que a maior parte da
diversidade estava contida dentro das roças (H
S
= 0,551).
Na Costa Rica, Rocha et al. (2008) estudaram a diversidade genética da mandioca em
duas reservas indígenas (da etnia Chibchan), utilizando 13 locos de microssatélites. Comparam
32 acessos locais com 16 variedades comerciais. Obtiveram valores de heterozigosidade
observada na ordem de 0,40. Foram encontrados 36 alelos nas populações da Reserva Coto Brus,
33 na Reserva Talamanca e 23 em todas as variedades comerciais.
170
Uma representação gráfica das distâncias genéticas entre as populações está expressa no
dendrograma da Figura 1.
Figura 1 - Dendrograma obtido a partir das distâncias genéticas de Nei (1978) entre as roças, com auxílio do método
UPGMA
1
As roças mais distantes entre si são as roças 14 (JA-1) e 21 (SA-1), situadas nas
comunidades Jarauá e Nova Samaria, respectivamente. A primeira é cultivada por uma variedade
trazida da região do Baixo Juruá, Amazonas, que tem por característica principal ter folhas
variegadas (com as cores verde e amarela, o que motivou sua denominação como
“Brasileirinha”). Já a segunda é cultivada também por uma única variedade, denominada
“Tartaruga”, que tem por característica principal ser altamente precoce (ponto de colheita
alcançado aos seis meses após o plantio). Esta característica aproxima o roçado da população 25
(SP-1), que é cultivada também com uma única variedade, também denominada “Tartaruga”.
1
Pop 1:AI 1; Pop 2:AI 2;Pop 3:BE 1; Pop 4:BE 2; Pop 5:BE 3; Pop 6:BE 4; Pop 7:BE 5; Pop 8:BE 6; Pop 9:CA 1; Pop 10:CA 2; Pop
11:CA 3; Pop 12:CA 4; Pop 13:CA 5; Pop 14:JA 1; Pop 15:JA 2; Pop 16:JA 3; Pop 17:MA 1; Pop 18:MS 1; Pop 19:MS 2; Pop 20:MS
3; Pop 21:SA 1; Pop 22:SA 2; Pop 23:SA 3; Pop 24:SP 1;Pop 25: SP2; Pop 26:SP 3; Pop 27:SP 4; Pop 28:SP 5.
Sendo que AI corresponde a comunidade Aiucá; BE: Boa Esperança; CA: Calafate; JÁ: Jarauá; MA: Marirana; MS: Monte Sinai;
SA:Nova Samaria; SP: São Paulo do Coraci.
171
O dendrograma demonstra uma certa similaridade entre os roçados (populações), que são
pouco distantes geneticamente uns dos outros, muito em função das freqüentes trocas de material
genético, e também da proximidade geográfica. Os roçados de uma mesma comunidade tenderam
a se agrupar. Contudo, uma informação extra deve ser considerada: observou-se uma tendência
de agrupamento entre os roçados que concentram variedades com ciclo produtivo mais precoce,
mesmo que estas estejam em comunidades diferentes. O nó formado pelas populações 1, 25 e 21;
e pelas populações 28, 24, 12, 26, 27 e 2 confirmam esta tendência.
A análise de agrupamento realizada com as 77 variedades analisadas (Figura 2) mostra a
diversidade genética do material, observada pela grande amplitude do coeficiente de similaridade
de Jaccard, variando de 0,29 a 1,00. Foi encontrado apenas um grupo de clones ou duplicatas, o
que diverge da perspectiva dos agricultores, uma vez que diversas amostras (principalmente as
que apresentam o mesmo nome) foram atribuídas por eles como clones. O grupo é formado por
duas amostras da comunidade Boa Esperança, denominadas como “Leôncio”. Contudo, as
variedades homônimas, mesmo não estando indicadas geneticamente como clones tenderam a se
agrupar, reforçando a proximidade genética. Estes resultados informam a existência de
diversidade intra-varietal, que carece ser mais bem investigada, e de uma divergência entre a
concepção de diversidade dos agricultores, baseada em alguns caracteres morfológicos, com a
concepção genética de diversidade, baseada na riqueza de alelos, principalmente.
172
AI 126
SA 201
SP 423
BE 203
SA 120
SP 220
b
SP 120
SP 220
a
SP 320
SP 520
SP 420
CA 515
MS 217
AI 228
SA 206
SP 425
SA 305
AI 229
MS 319
SP 521
SP 121
BE 506
BE 606
BE 607
SP 323
SP 421
AI 230
AI 231
BE 102
BE 202
BE 502
CA 210
BE 101
MS 101
CA 401
BE 301
MS 201
CA 109
SA 202
SA 203
SA 204
CA 308
b
CA 504
BE 405
CA 311
CA 314
b
BE 403
MA 105
MS 316
MS 318
AI 227
CA 412
CA 514
JA 302
SA 303
SA 304
MA 101
MA 102
BE 102
b
CA 501
CA 313
CA 508
SP 323
CA 101
b
CA 108
b
JA 202
SA 302
MA 103
JA 203
JA 204
SA 208
SA 301
JA 101
SA 205
SA 207
JA 201
0, 28 0,4 0,52 0, 64 0,76 0, 88 1
Figura 2 - Dendrograma com 77 variedades de mandioca cultivadas nas RDS Amanã e Mamirauá, obtido a partir do coeficiente de similaridade de Jaccard e
método UPGMA
173
Resultados semelhantes foram obtidos por Sambatti et al. (2001), que avaliou a acurácia
dos agricultores no que diz respeito à taxonomia. Ao comparar os nomes dados por eles aos
indivíduos encontrados e com seus fenótipos isoenzimáticos, concluiu que eles tendem a
subestimar a diversidade genética da mandioca em seus roçados. Cury (1993), estudando roças no
Vale do Ribeira, Estado de São Paulo, constatou, baseado em caracteres morfológicos, a
existência de 24 genótipos distintos. De acordo com o autor, as sinonímias quanto ao nome local
não significam identidade genética e vice-versa. Também no Vale do Ribeira, Peroni (1998)
avaliando caracteres morfológicos e isoenzimáticos, atestou que os agricultores diferenciam
corretamente as variedades através da morfologia. Entretanto, subestimam a variabilidade em
seus roçados, uma vez que não diferem genótipos diferentes que apresentam grande semelhança
morfológica dentro das variedades, dando o mesmo nome a genótipos diferentes. Concluiu,
portanto, que cada variedade é contida por genótipos distintos, porém com grande semelhança
morfológica, compondo uma população heterogênea. Cada variedade então, pode ser considerada
uma família de genótipos, conforme propõe Louette (2000), que atribui ao conceito de variedade
a característica de sistema aberto.
Há uma tendência de agrupamento entre as variedades L-CNP (macaxeiras) na parte
inferior do dendrograma, e das variedades mais precoces na parte superior (que se agrupam
mesmo sendo de roçados e comunidades diferentes). Isto pode ser a confirmação da existência de
pressão de seleção para as duas características, tanto teor de glicosídeos cianogênicos, quanto
precocidade. As variedades precoces são preferencialmente cultivadas em ambiente de várzea,
devido às restrições no tempo de cultivo provocadas pelo regime fluvio-dinâmico. São, portanto,
um caráter de grande importância para as populações da várzea.
Quanto à primeira característica, Peroni et al. (2007) obtiveram resultados semelhantes,
detectando diferenciação genética (porém mais delimitada) entre variedades doces e amargas do
Vale do Ribeira (SP) e do Rio Negro (AM). Contudo, a estruturação foi maior para as amostras
paulistas, talvez em função de um histórico de seleção mais antigo. Há de se ressaltar que a
predileção entre os produtores das duas reservas é para as variedades amargas (mandioca) de raiz
amarela, uma vez que é a partir delas que se produz o principal alimento da região, a farinha. No
caso das macaxeiras, o fato destas serem geralmente cultivadas em separado das mandiocas
(populações alopátricas) também contribui para a hipótese de haver menor fluxo gênico entre
estas e as mandiocas, do que dentro de cada tipo em separado. As macaxeiras estão mais restritas
174
a pequenas porções da área total dos roçados, ou aos terreiros (quintais), e são produzidas apenas
com finalidade de auto-consumo, sendo preferidas as variedades de raiz branca.
Emperaire (1999, 2002, 2006), que realizou um mapeamento a partir de levantamentos de
campo e revisões bibliográficas, explica que as relações entre diversidade cultural e
agrobiodiversidade também se refletem no manejo da mandioca, havendo uma tendência de
repartição geográfica do cultivo de variedades L-CNP e H-CNP. Na Amazônia Central e no Alto
Rio Negro há realmente predileção pelas variedades amargas, sendo que na Amazônia Peri-
Andina e Equatoriana há maior ocorrência de variedades doces. Segundo ela, os indígenas
manejam elevados níveis de diversidade, que também é alto, porém menor, entre os caboclos e
descendentes de nordestinos (focos deste estudo).
No que diz respeito à precocidade, não foram verificados na literatura estudos que
pudessem contribuir para uma maior reflexão. Contudo, estas evidências levam a sugestão de
novos estudos, com vistas a subsidiar o melhoramento da espécie, que podem trazer importantes
implicações sócio-econômicas. Na Amazônia (principalmente na várzea), e em outras regiões
inundáveis, apresentar precocidade pode ser importante característica, em função do pouco tempo
no ano em que as terras estão secas e disponíveis para cultivo. Os produtores sofrem freqüentes
prejuízos em função das inundações.
As análises de componentes principais-PCA (Figura 3) e de correspondência-PCO (Figura
4) também trouxeram resultados interessantes e de certa forma confirmam as evidencias da
análise de agrupamento. Na PCA, os dois eixos apresentados acumulam cerca de 60% da
variação encontrada. A PCO indicou resultados muito semelhantes ao da PCA. Os eixos 1 e 2
somaram 62% da variação dos dados. As figuras mostram ligeira separação das variedades em
função da precocidade (destacadas em vermelho) e do teor de glicosídeos cianogênicos
(destacadas em verde).
175
Figura 3 - Representação gráfica dos dois primeiros eixos da análise de componentes principais (PCA) de 76 variedades de mandioca cultivadas nas RDS Amanã
e Mamirauá
176
Figura 4 - Representação gráfica dos dois primeiros eixos da análise de coordenadas principais (PCO) de 76 variedades de mandioca cultivadas nas RDS Amanã e
Mamirauá
177
Conforme já citado, o manejo da diversidade tem um forte componente cultural, havendo
uma interação significativa entre a forma que as populações manejam os roçados e a diversidade
existente. Os agricultores revelaram que certas variedades (como a Leôncio, na comunidade Boa
Esperança) estão se diferenciando morfologicamente com o tempo, basicamente na arquitetura da
planta (estão surgindo plantas com menos galhos), formato das folhas (Figura 5) e no teor de
água da raiz, que tem variado muito. Esta constatação comprova a existência de diversidade
intravarietal, e que pode estar associada também a uma baixa acurácia de classificação e seleção
dos agricultores, principalmente no momento do plantio. Neste momento, podem passar
desapercebidos a incorporação de toletes que na verdade são variações de um genótipo de
interesse, o que gera heterogeneidade no estande de plantas. Conforme relatado nos capítulos 1 e
2, a agricultura enquanto atividade prioritária dos sistemas de produção da RDSA e RDSM é bem
recente. Muitos dos produtores confessam estar aprendendo a cultivar, e só agora estão se
deparando com a diversidade de práticas e variedades. Daí a ocorrência de uma seleção menos
criteriosa, e de certas deficiências de acurácia na classificação.
Figura 5 - Folhas de duas amostras que segundo os agricultores pertencem a mesma variedade. Notar diferenças no
formato dos lóbulos foliares
O modelo de dinâmica evolutiva proposto por Cury (1993) e revisto por Sambatti et al.
(2001), a partir de reflexões do Prof. Paulo Sodero Martins (Martins, 2005), pode ajudar a
178
esclarecer melhor os resultados obtidos. Este modelo utiliza a roça como unidade evolutiva e leva
em consideração o fato da espécie ser perene e de propagação vegetativa (agronômica), sem,
entretanto, deixar de possuir um sistema reprodutivo sexual ativo, capaz de gerar novos
recombinantes. Estes aparecem nas roças através da germinação espontânea de sementes. O
material gerado espontaneamente é introduzido no conjunto gênico, promovendo amplificação da
variabilidade genética da população (roçado), como resultado de cruzamentos entre diferentes
clones, hibridações interespecíficas e autofecundação de indivíduos heterozigotos, sendo esse
conjunto de novos genótipos, assim como os genótipos já existentes, objeto de seleção natural,
seleção perceptiva e seleção consciente pelos agricultores. Assim, os agricultores mantêm o
conjunto original de variedades através da reprodução clonal e obtém novos genótipos através do
processo sexual. A ocorrência de reprodução sexual nas roças (que nem sempre ocorre) é,
portanto, parte essencial para o estabelecimento deste modelo.
No caso específico deste estudo, apenas na comunidade Boa Esperança não é comum a
reincorporação de materiais advindos de sementes ao roçado. Talvez em função de um grau mais
elevado de “profissionalização” dos agricultores, que tendem a primar por mais homogeneidade
nos roçados (ver capítulos 1 e 2). Em todas as demais comunidades esta prática é conduzida,
contribuindo certamente para a amplificação da diversidade genética. No próprio estudo em
questão foram avaliadas variedades obtidas a partir de semente. Foi constatada a existência de
plantas de mandioca em áreas de cultivo abandonadas e que já estão em processo de sucessão
ecológica (denominadas como “capoeiras”), o que também contribui para a dinâmica evolutiva da
espécie, uma vez que estas podem vir a florescer, cruzar e produzir sementes viáveis. Mesmo em
áreas ainda sob cultivo, foram vistas, durante o trabalho de campo, diversas plantas em fase de
florescimento e frutificação.
Os resultados deste trabalho trazem indícios da importância da agricultura tradicional na
conservação e mesmo amplificação da diversidade genética da mandioca. Dado o fato da
mandioca ser a principal espécie, e assim com outras diversas espécies cultivadas na região
(cará, ária, batata-doce) possuir sistema de propagação vegetativa, hábito perene e a raiz como
produto principal, esta pode servir como um modelo para a compreensão e conservação da
agrobiodiversidade na Amazônia Central e suas interfaces com os ribeirinhos e suas culturas.
As condições ecológicas locais levaram à existência de inúmeras variedades precoces o
que revela um importante “nicho” de genes, que podem ser úteis no melhoramento genético e
179
para a própria reprodução social das famílias. Cabem maiores estudos a respeito, investigando a
diversidade, talvez em uma amostragem maior e com maior número de locos estudados.
Qualquer que seja a identidade assumida pelas famílias, a diversidade encontrada foi alta,
o que significa que não só os agricultores manejam muitos alelos. Os pescadores (em sua maioria
residentes nas áreas de várzea) têm papel fundamental na dinâmica evolutiva da espécie na
região, em função de suas práticas de manejo (mais diversificadas e menos atreladas ao mercado)
e do tipo de variedades que preferem (mais precoces). Talvez por trabalharem de forma menos
criteriosa (do ponto de vista agronômico clássico), os pescadores acabam por contribuir para a
promoção do fluxo gênico e introgressão. Portanto, em qualquer que seja a estratégia de
conservação, estes atores devem estar presentes.
Mais do que uma conservação in situ e on farm (JARVIS et al., 2000; PHILLIPS;
STOLTON, 2008), é necessário que a estratégia adotada compreenda o conceito de sistemas de
produção (MAZOYER; ROUDART, 2001). Agricultura, pesca e extrativismo são componentes
de um sistema de produção mais amplo, o sistema de produção dos ribeirinhos, onde estas
atividades são devidamente articuladas em função das necessidades de cada família. Elas não
podem ser compreendidas de forma dissociada. As racionalidades são diversas, e a realidade
sócio-econômica interage diretamente com a dinâmica ecológica. A concepção setorial, isolada
da agricultura, já se mostrou inadequada à região. Não adianta apenas criar bancos comunitários
de germoplasma, estabelecer ensaios de variedades, ou campos de produção e conservação de
variedades. É preciso garantir que a agricultura continue fazendo parte da vida do pescador, e
vice-versa. Ou seja, é fundamental, no contexto do manejo participativo da (agro)biodiversidade,
que se garanta a reprodução da condição camponesa, ou ribeirinha. Para isso, não apenas
incentivar as trocas e o plantio de diversas variedades. É preciso incentivar a produção
agroecológica e diversificada, a partir de assistência técnica, promoção da organização da
produção e crédito. Somente tendo condições adequadas de sobrevivência os ribeirinhos poderão
continuar conservando a espécie.
A própria Convenção sobre a Diversidade Biológica, CBD, é explícita em incluir raças de
animais e plantas cultivadas como biodiversidade selvagem, estratégicas por sua vez para a
conservação. Define como conservação in situ a conservação de espécies e habitats naturais, e a
conservação das espécies em seus habitats de origem. No caso das espécies e variedades
tradicionais das plantas cultivadas, nos locais onde evoluíram ou foram desenvolvidas (BRASIL,
180
1998). É necessário, portanto, a admissão, por parte dos gestores das unidades de conservação, do
fato de que só há conservação se houver desenvolvimento humano e social. Portanto, só haverá
conservação se as pessoas que residirem nas áreas protegidas conseguirem manter seus sistemas
tradicionais de produção (PHILLIPS; STOLTON, 2008). No caso das unidades de conservação
da Amazônia Central são necessários maiores estudos sobre os impactos da agricultura
tradicional na dinâmica da cobertura vegetal, principalmente apoiados por ferramentas de
sensoriamento remoto. Contudo, na RDSA e RDSM, estudos têm indicado que o impacto da
agricultura tem sido mínimo. Desta forma, pode-se inferir que nas regiões de baixa densidade
demográfica, a presença de agricultores pode ser um grande motivo para a promoção de
programas de conservação de uma biodiversidade que é pouco celebrada pelos meios de
comunicação: a agrobiodiversidade.
5.4 Conclusões
- Os roçados (roças) de mandioca da RDS Amanã e RDS Mamirauá são extremamente diversos
geneticamente, apresentando altos valores de riqueza alélica, polimorfismo e heterozigosidade.
- A diversidade está estruturada basicamente dentro de cada roçado, o que indica alto fluxo
gênico entre as variedades de cada roçado e entre as variedades dos diferentes roçados,
proporcionada principalmente pela troca de variedades entre agricultores, diminuindo a diferença
entre roçados e aumentando a freqüência de diferentes alelos em cada roçado.
- Foi encontrado um número muito pequeno de clones, mesmo nas variedades definidas como tal
pelos agricultores, o que sugere a existência de diversidade intra-varietal.
- Há grande diversidade genética nos roçados manejados por agricultores, embora os roçados
manejados por pescadores também apresentem elevada diversidade.
- Há uma tendência das variedades em se agrupar em função da precocidade e do teor de
glicosídeos cianogênicos.
- Os resultados indicam grande correlação entre os padrões mentais (sistemas culturais) dos
ribeirinhos e o manejo da espécie. Estratégias de conservação devem levar em conta este aspecto,
e estar incorporadas a programas mais amplos de promoção do desenvolvimento humano e
social.
181
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186
6 CONCLUSÕES GERAIS
- Nas duas reservas existem três identidades produtivas, forjadas a partir da principal fonte de
renda: agricultores, pescadores e agricultores-pescadores (desenvolvem as duas atividades com
fins de comercialização.
- A diversidade encontrada foi elevada em todas as escalas de análise (sistema de cultivo, sistema
de produção, espécie, alelos).
- No que diz respeito à estratégia geral de gestão do componente agrícola nos sistemas de
produção, percebe-se duas tendências claras, com um grupo formado por produtores com menor
ligação com o mercado, que disponibiliza menos tempo do seu calendário à agricultura, concentra
a força de trabalho em algumas épocas do ano e que faz uso constante de estratégias de ajuda
mútua; e outro, mais ligado ao mercado (comercializa uma gama maior de produtos), que utiliza a
maior parte de seu tempo na agricultura, tem força de trabalho bem distribuída ao longo do ano e
que tem uma tendência de organização do trabalho mais individual.
- As lógicas de produção (auto-consumo e comercialização) informam duas estratégias de manejo
das espécies e variedades: a primeira baseada no uso amplo da diversidade, com maior número de
espécies e variedades, visando diminuir os riscos de carência de alimentos ou perda pela
inundação; e a segunda mais baseada na especialização, com menor diversidade, visando
maximização da renda obtida com a comercialização de farinha.
- A agricultura, embora seja junto com a pesca uma das duas principais estratégias de reprodução,
no que diz respeito aos sistemas técnicos ainda está se firmando como atividade, após longo
período de protagonismo do extrativismo como principal atividade econômica. Este fato é muito
importante para o planejamento das intervenções junto aos sistemas técnicos existentes.
- Refutando uma das hipóteses, os pescadores detém boa parte da diversidade de espécies e
variedades manejadas nos roçados, constituindo-se em atores fundamentais no processo de gestão
da agrobiodiversidade.
- A diversidade geral e varietal tende a diminuir à medida que se aumenta o grau de
especialização produtiva, tanto da pesca, quanto da agricultura.
- As famílias tendem a selecionar as variedades de mandioca em função da lógica de mercado (no
caso dos agricultores), ou da redução de riscos (no caso dos que plantam para o auto-consumo).
187
- Há uma preferência explícita para o cultivo de variedades com alto teor de glicosídeos
cianogênicos (mandiocas), em comparação com as de baixo teor (macaxeiras), devido à
importância que a farinha tem na cultura local. O cultivo de macaxeiras é mais comum entre as
famílias que cultivam na várzea e os pescadores, dado que seu baixo valor econômico e
importância para a alimentação.
- Os roçados de mandioca da RDS Amanã e RDS Mamirauá são extremamente diversos
geneticamente, apresentando altos valores de riqueza alélica, polimorfismo e heterozigosidade e
um número muito pequeno de clones, o que sugere a existência de diversidade intra-varietal.
- A diversidade está estruturada basicamente dentro de cada roçado, o que indica alto fluxo
gênico entre as variedades de cada roçado e entre as variedades dos diferentes roçados,
proporcionada principalmente pela troca de variedades entre agricultores, diminuindo a diferença
entre roçados e aumentando a freqüência de diferentes alelos em cada roçado.
- Há uma tendência das variedades em se agrupar em função da precocidade e do teor de
glicosídeos cianogênicos.
- Pouco acesso a crédito, falta de assistência técnica e dificuldade em participar dos fóruns de
discussão de políticas públicas e gestão territorial são os principais problemas manifestados pelos
agricultores, sendo estes elementos chaves para o aprimoramento dos mecanismos de co-gestão
destas duas unidades de conservação.
- Os resultados indicam grande correlação entre os padrões mentais (sistemas culturais) dos
ribeirinhos e o manejo da mandioca. A noção de utilidade é balizadora das racionalidades de
manejo. Estratégias de conservação devem levar em conta este aspecto, e estar incorporadas a
programas mais amplos de promoção do desenvolvimento humano e social.
188
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados obtidos revelam a importância que a agrobiodiversidade tem para as vidas
das famílias nas duas reservas. As influências dos fatores sociais e de produção são fundamentais
para o manejo da agrobiodiversidade nos roçados, o que sugere um imprescindível diálogo entre
as concepções conservacionistas e os conceitos do desenvolvimento rural quando do
estabelecimento de propostas de manejo. As políticas de conservação da agrobiodiversidade não
podem estar circunscritas apenas à gestão de material biológico, mas associadas a políticas de
fortalecimento da organização comunitária e da produção, uma vez que as racionalidades que
governam o manejo da agrobiodiversidade nos roçados estão fundamentadas na noção de
utilitarismo. Partindo-se dos princípios da gestão compartilhada, e levando em consideração que
a produção agroflorestal e a agrobiodiversidade são estruturantes dos modos de vida das
populações locais, deveria ser automática a priorização da agricultura nas políticas de gestão das
unidades de conservação. A agricultura deve constar em toda a sua grandeza nos planos de
manejo e nas pautas dos conselhos gestores das reservas, que não podem ser restritos apenas à
regras de controle de desflorestamento.
A diversidade é alta do ponto de vista de sistema de produção, sistema de cultivo, espécie
e do ponto de vista genético, mesmo entre aqueles que não têm na agricultura a principal
atividade. À luz das ciências biológicas, esta é ainda maior do que a classificada pelos moradores
das comunidades. Foram elevados os valores de heterozigosidade, polimorfismo e riqueza alélica,
além de baixo o número de genótipos iguais, indicando que a concepção de clone utilizada pelos
agricultores é diferente da utilizada pela Genética.
Qualquer que seja a “identidade produtiva” assumida, a agricultura é compreendida como
uma atividade que garante a produção de alimentos e segurança ou a geração de renda e
desenvolvimento econômico. A agricultura, mesmo nos casos onde não é a principal fonte de
renda, é a principal atividade que liga o homem a terra. Emprega um número grande de pessoas e
é responsável pelo abastecimento das famílias. Portanto, partindo das hipóteses de Diegues
(1998)
1
, Posey (1997)
2
, Ballée (1987)
3
, dentre outros, que sugerem que as florestas são na
1
DIEGUES,A.C. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo, Hucitec, 1998. 169 p.
2
3
BALÉE, W. Cultural Forest of the Amazon. Garden, v. 11, n. 6, p. 12-32, 1987.
189
verdade formações antropogênicas, e que a existência delas está associada à presença das
populações tradicionais, a agricultura é fundamental para a própria conservação dos ecossistemas.
Se conservação se faz com gente, gente se mantém a partir da produção sustentável de alimentos.
Experiências em todo o mundo mostram que propostas simplistas de mitigação de
impactos causados por medidas conservacionistas (baseadas apenas em legislações e
regulamentações), que envolvem a visão de readequação de arranjos produtivos baseadas em
critérios apenas ecológicos ou econômicos (tais como querer transformar agricultores ou
pescadores em artesãos ou guias turísticos) podem trazer resultados catastróficos, como a
intensificação da migração campo-cidade, ou mesmo super-exploração dos recursos. A adoção de
um regime realmente compartilhado de gestão, que garanta a participação das populações nos
processos de planejamento, tomada de decisão e execução, denota o reconhecimento das formas
com que estas se relacionam com o meio. Para isso é fundamental que a integração entre as
populações ribeirinhas e a sociedade “global” se dê apoiada nos princípios da autonomia e do
protagonismo.
O manejo da agrobiodiversidade possui estreita relação com a dinâmica econômica
regional, que é muito maior do que com os aspectos mitológicos e as normas sociais. Isto reforça
que as populações estão integradas com a sociedade local e nacional em diversos níveis, fato que
deve ser considerado quando da formulação de estratégias de extensão e assessoria. O mito do
caboclo isolado na floresta deve ser apagado, a fim de se evitar interpretações ingênuas e
distorcidas da realidade.
Todos nas comunidades são claros ao expressar seus desejos de melhorar de vida, adquirir
objetos, oferecer melhores condições para o futuro de seus filhos. Para os que plantam, e que
plantam e também pescam, a agricultura e a conservação da agrobiodiversidade podem ser
incentivadas apoiando a diversificação, melhorando a qualidade dos produtos, e estimulando a
criação de novas redes sociais e canais de comercialização. Para os que são exclusivamente
pescadores, garantir a produção de alimentos pode significar menor necessidade de adquirir
dinheiro para comprá-los, e por sua vez menor esforço de pesca e diminuição de impactos nos
estoques pesqueiros. E pode significar também a conservação de genes e variedades importantes
para a região, levando em consideração que as famílias pescadoras manejam acervo considerável
de diversidade.
190
Dentro do contexto das unidades de conservação de uso sustentável, a agrobiodiversidade
pode viabilizar uma importante ponte entre as abordagens conservacionistas (balizadas pela
Biologia da Conservação) e as mais voltadas para o fortalecimento das populações locais
(estruturadas pelas teorias do Desenvolvimento Rural). As UC`s de uso sustentável poderiam ser
verdadeiros hot spots da agrobiodiversidade, considerando que muitas estão nas regiões que são
centro de origem das espécies cultivadas.
De fato, a promoção das várias políticas públicas de forma articulada; o fortalecimento
das ferramentas de crédito; a criação de infraestrutura e o estabelecimento de um sistema de
assistência técnica e extensão rural (ATER) que viabilize a produção sustentável e a reprodução
das famílias são as principais pautas dos movimentos sociais e proposições de diversas correntes
do desenvolvimento rural. A implementação destas alternativas alicerçadas por um mecanismo de
controle social e de participação política constitui um dos grandes desafios para a produção
familiar.
Urge o surgimento de uma concepção multilateral sobre a intervenção junto a agricultores
nas unidades de conservação da Amazônia, que extrapole as perspectivas meramente
conservacionistas, ou apenas produtivista-economicista
4
. Se a agricultura é uma das principais
bases para reprodução das famílias, se é ela que liga o homem a terra, os problemas relacionados
a ela devem ser tratados como problemas inerentes a vida das pessoas, e é a partir deles que
devem ser construídas as ações coletivas. Deste modo, a agricultura nas unidades de conservação
de muitas regiões amazônicas, como o Médio Solimões, pode muito bem ser tratada como
alicerce de processos de organização comunitária, ponto de partida para a ação coletiva.
As ações de ATER são componentes estruturantes de processos de desenvolvimento local.
Por meio dela são facilitados processos de fomento de crédito, de organização comunitária, além
de desempenhar papel fundamental na concertação de políticas públicas. A ATER na região
sempre teve um caráter eminentemente difusionista e assistencialista (baseado na doação de
sementes e insumos – muitas vezes com finalidades eleitoreiras), além de ser executada de forma
descontinuada. Para que logre êxito, dado o histórico de dificuldades de permanência de técnicos
4
Em uma análise feita a partir de referencias da pesquisa econômica, Labarta et al. (2007) pesquisando as várzeas do
Rio Ucayali, na Amazônia peruana concluiu que grandes projetos de fomento agrícola, voltados para a produção em
larga escala são economicamente inviáveis naquelas condições (bastante parecidas com as encontradas no Rio
Solimões), em função da dinâmica de inundações, que é totalmente incerta, aumentando os riscos. Fonte:
LABARTA, R.A.; WHITE, D.; LEGUÍA, E.; GUSMÁN, W.; SOTO, J. La agricultura en la zona ribereña del rio
Ucayali. ¿Una zona productiva pero poco rentable? Acta Amazonica, v. 37, n.2, 2007. p. 177-186.
191
advindos de outras regiões na Amazônia Central, necessita-se que os processos de ATER
extrapolem a noção tecnicista e que invistam na educação popular e formação de agentes de
desenvolvimento. Uma alternativa é a adoção de metodologias como “agricultor-agricultor” ou
“campesino a campesino” (PIDAASSA, 2006
5
), onde os próprios agricultores podem assumir
papel de extensionista, com auxílio de técnicos e cientistas nas etapas de planejamento e
avaliação. Experiências deste tipo tem gerado excelentes resultados em todo o mundo, inclusive
em alguns estados da Amazônia Brasileira, como no Acre (COSSON MOTA, 2006)
6
. Ninguém
melhor que os próprios agricultores, profundos conhecedores da realidade em que vivem para
serem os elementos-chave na construção coletiva de conhecimento e resolução de problemas
concretos (MUSSOI, 2006)
7
. Na própria RDSA foram desenvolvidos projetos-piloto de formação
de agentes, que alcançaram resultados bastante interessantes.
Um instrumento muito útil a ser utilizado na mediação da aproximação entre os
ribeirinhos e o mundo externo são os intercâmbios e trocas de experiência com outros grupos de
produtores. Ao se depararem com experiências conduzidas por grupos de conformação social
semelhantes, os produtores se identificam com mais facilidade, e se tornam mais capazes de
interpretar criticamente a realidade em que vivem. Outra metodologia que tem alcançado
resultados altamente expressivos é a adoção de experimentação participativa (HOCDÉ, 1999)
8
.
A assessoria dos técnicos pode assumir outras conotações mais estratégicas, com papel de
mediação, voltadas para o planejamento e a reflexão dos processos, o que torna a ATER mais
econômica, eficiente e participativa. A ATER nas comunidades ribeirinhas da Amazônia deve
compreender toda a diversidade de culturas, saberes, práticas e sistemas de cultivo; deve
compreender o caráter sistêmico dos sistemas de produção locais; deve estar voltada para a
necessidade de conservação dos ecossistemas, para a segurança alimentar e para a
sustentabilidade da produção familiar; deve estar fundamentada em metodologias participativas e
5
PROGRAMA DE INTERCAMBIO, DIÁLOGO E ASESSORÍA EM AGRICULTURA SOSTENIBLE Y
SEGURIDAD ALIMENTARIA. Construyendo procesos de campesino a campesino. San Isidro: Espigas, 2006.
151 p.
6
COSSON MOTA, N.L. Florestania, mateiros, varadouros, ramais e igarapés: a extensão rural no Pólo
Agroflorestal Dom Moacir, Bujari, Acre. 2006. 113p. Dissertação (Mestrado em Extensão Rural) – Universidade
Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2006.
7
MUSSOI, E.M. Enfoques pedagógicos para intervenção no meio rural. Brasília: SAF; MDA, 2006. 40 p.
8
HOCDÉ, H. A lógica dos agricultores-experimentadores: o caso da América Central. Rio de Janeiro: ASPTA,
1999. 36 p.
192
processos educacionais humanistas e construtivistas; e deve sempre fomentar os processos
organizativos e apoiar o fortalecimento das redes sociais e institucionais existentes.
O crédito deve ser tratado com muita cautela, dado a pouca experiência das famílias com
as instituições financeiras e com a burocracia estatal. Em um contexto onde os bens
industrializados estão mais presentes e provocam cada vez mais anseios, o mal gerenciamento de
projetos de crédito pode acarretar em dívidas capazes de arruinar a vida de uma família. Contudo,
pode ser instrumento fundamental para aquisição de infraestrutura e diversificação de cultivos e
criações, para o aprimoramento de produtos e processo e para a própria conservação da
agrobiodiversidade. Alguns agricultores da várzea, por exemplo, manifestaram o interesse em
implantar sítios com espécies frutíferas resistentes à alagação. Não realizam o investimento por
falta de recursos para a aquisição de mudas e capital de giro.
O fortalecimento da participação das comunidades em fóruns e órgãos colegiados de
políticas públicas, além de fortalecer as identidades, faz parte dos regimes compartilhados de
gestão. A existência de diversos fóruns, como o Conselho Deliberativo da RDSM, ou os
Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável existentes nos diversos municípios,
propicia a integração destas populações com as decisões políticas tomadas em âmbito municipal,
estadual e federal, além de facilitar acesso a infraestrutura, benefícios educacionais, dentre
outros. Não obstante, as relações de poder estão expressas nos respectivos fóruns, que por sua vez
são dominados por grupos ligados a políticos da região. Nenhuma das nove associações das
comunidades estudadas participa de órgãos colegiados. Entretanto, há um desejo das populações
em participar, sendo que em várias reuniões foi expressa a necessidade de capacitação neste
sentido. A inserção das comunidades em políticas já existentes, tais como a Política Nacional de
Assistência Técnica e Extensão Rural (BRASIL, 2004)
9
, Política Nacional de Povos e
Comunidades Tradicionais (BRASIL, 2007)
10
e o Programa de Aquisição de Alimentos do
Governo Federal (PAA) já consistiriam em avanços no desenvolvimento local. As políticas
públicas podem ajudar na agregação de valor econômico a produtos que até então não tem valor
no mercado, estimulando a diversificação de espécies e variedades. Programas de apoio ao
9
BRASIL. Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural. Brasília: SAF; MDA, 2004. 22 p.
10
BRASIL, Decreto n
o
. 6040, de 07 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável de Povos e Populações Tradicionais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2007-
2010/2007/Decreto/D6040.htm>. Acesso em: 02 mar. 2008.
193
abastecimento de escolas e creches, como o PAA podem ter papel estratégico na conservação da
agrobiodiversidade.
O que se defende neste trabalho é que já não é mais possível tratar estas populações como
exóticas e primitivas. E que é urgente que estas participem do processo de desenvolvimento da
Amazônia, no papel de protagonistas, até mesmo por uma questão de segurança nacional, dada a
posição estratégica que esta região ocupa no cenário geopolítico internacional. A inserção destas
regiões e suas respectivas populações no escopo das políticas públicas existentes, e a criação de
outras políticas adequadas àquela realidade são fundamentais para um desenvolvimento mais
justo e equitativo.
Holt (2005)
11
afirma que a conservação é uma resposta à percepção das pessoas sobre o
estado de seus ambientes naturais e o desejo de modificar comportamentos. Segundo o autor, é
mais eficaz trabalhar no fomento de medidas produtivas que possibilitem a conservação do que
tentar regular o uso do ambiente por meio da simples adoção de medidas restritivas. Para isso é
necessário se ter em mente que nenhuma população ou comunidade é blindada contra mudanças,
e que além do reconhecimento de suas identidades e saberes relacionados ao manejo dos
recursos, urge o estreitamento das relações (mediado da forma mais eficiente e tranqüila possível)
com o poder público e outros atores sociais que dialogam naquele território. Daí a importância da
participação das comunidades da RDSA e RDSM de forma efetiva nos diversos fóruns existentes
(desde o conselho de gestão da reserva, passando pelos diversos colegiados existentes para
discutir políticas públicas, entre eles Conselhos de Desenvolvimento Rural, Saúde, etc.).
Discutindo a realidade das unidades de conservação de uso sustentável, Lobão (2005)
12
,
afirma que, ao ceder parte do território da União a um grupo marginalizado da sociedade, o
Estado está apoiando um processo inteiramente novo de constituição de espaços públicos e de
elaboração e aplicação de regras que regulam na esfera pública sua utilização. Regras
particulares, mas legitimadas no âmbito federal aplicam-se localmente a todos de forma igual,
diferindo da tradição legislativo-judiciária brasileira onde se elaboram regras sempre gerais, cuja
aplicação é particularizada a cada caso pela desigualdade juridicamente reconhecida dos
segmentos que compõem a sociedade.
11
HOLT, F.L. The cath-2 2 of conservation: indigenous, people, biologists and cultural change. Human Ecology,
v. 33, n. 2, p. 199-215, 2005.
12
Lobão, R. Uma análise comparativa de processos de construção de unidades de conservação de uso sustentável em
áreas de várzea. In: LIMA, D. (Org.). Diversidade socioambiental nas várzeas dos rios Solimões e Amazonas.
Manaus: IBAMA; PROVARZEA, 2005. p. 313-336.
194
Por fim, o arcabouço das ações e políticas da região deve considerar a concepção de
sistemas de produção, onde são integradas diversas atividades, calendários e itinerários técnicos.
A agricultura, a pesca e o extrativismo são atividades interdependentes. Desconsiderar essa
realidade pode significar a ruptura de uma condição que mesmo diante de todas as dificuldades e
mudanças históricas, tem garantido a existência dessas famílias há séculos.
195
APÊNDICES
196
APÊNDICE A – FOTOS DAS COMUNIDADES
Figura 1 - Crianças da comunidade Boa Vista do
Calafate, RDSA
Figura 2 - Manivas coletadas para análise genética
Figura 3 - Mandioca de molho na gareira (parte do
processo de fabricação de farinha) na
comunidade Aiucá, RDSM
Figura 4 - Roçado em fase de implantação na
comunidade Boa Esperança, RDSA.
Figura 5 - Barco carregado para transporte da produção,
Boa Esperança, RDSA
Figura 6 - Aspecto de roçado da comunidade Jarauá,
RDSM
197
Figura 7 - Manivas recém-colhidas em roçado da
comunidade Nova Colômbia, RDSM
Figura 8 - Sementes de feijão armazenadas.
Comunidade Vila Alencar, RDSM
Figura 9 - Vista da comunidade São Paulo do Coraci,
RDSA
Figura 10 - Coivara em roçado da comunidade
Calafate, RDSA
Figura 11 - Roçado de melancia sendo inundado pela
cheia, RDSA
Figura 12 - Vista de roçado da comunidade Jarauá,
RDSM
198
APÊNDICE B - QUESTIONÁRIO DE MONITORAMENTO DA PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO
DE PRODUTOS AGRÍCOLAS NA RDSA E RDSM
M
ÊS DA COLETA:______________________ ANO DE COLETA:___________
N
OME DO(A) AGRICULTOR(A): _______________________________________________
N
OME DO(A) AGRICULTOR(A) DA OUTRA
FAMÍLIA QUE MORA NA MESMA CASA: __________________________________________
1
QUAIS PRODUTOS E QUANTO SUA FAMÍLIA VENDEU NESTE MÊS? (INCLUIR TODOS OS PRODUTOS, INCLUSIVE AÇAÍ,
FARINHA
, TUCUPI, GOMA, ETC.)
OBS:
CASO O PRODUTO NÃO APAREÇA ENTRE OS LISTADOS, ESCREVA-O NOS ESPAÇOS EM BRANCO.
PRODUTO Q
UANTIDADE
PRODUZIDA
Q
UANTIDADE
VENDIDA
P
REÇO
UNITÁRIO
(R$)
P
REÇO TOTAL
(R$)
L
OCAL ONDE
VENDEU
(NA
COMUNIDADE
, NA
FEIRA
, JAPONÊS,
ETC
)
FARINHA AMARELA
FARINHA OVA
BANANA
MELANCIA
JERIMUM
MILHO
TAPIOCA
TUCUPI
GOMA
AÇAÍ
CUPUAÇU
199
QUANTIDADE
PRODUZIDA
Q
UANTIDADE
VENDIDA
P
REÇO
UNITÁRIO
(R$)
P
REÇO TOTAL
(R$)
L
OCAL ONDE
VENDEU
(NA
COMUNIDADE
, NA
FEIRA
, JAPONÊS,
ETC
)
ABACATE
CARÁ
ABACAXI
PUPUNHA
MARI
MACAXEIRA
APURUÍ
2
QUAL A QUANTIDADE DE FARINHA QUE SUA FAMÍLIA CONSUMIU NESTE MÊS? ELA FOI COMPRADA OU SUA FAMÍLIA
QUE PRODUZIU
?
QUANTIDADE CONSUMIDA: _______________ PRÓPRIA COMPRADA
3
QUANTAS PESSOAS TRABALHARAM NESTE MÊS E EM QUAIS ATIVIDADES AGRÍCOLAS?
E
XEMPLO: FABRICAÇÃO DE FARINHA; ARRANQUIO DA MANDIOCA; DERRUBA; QUEIMA, LIMPEZA DO SÍTIO, ETC.
OBS:
CASO A ATIVIDADE NÃO APAREÇA ENTRE AS LISTADAS, ESCREVA NOS ESPAÇOS EM BRANCO.
200
Atividade HOMENS MULHERES CRIANÇAS DURANTE
QUANTOS DIAS
DERRUBA
QUEIMA
JUNTA
COIVARA
PLANTIO DE ROÇA
PLANTIO DE MILHO
PLANTIO DE OUTRAS ESPÉCIES
CAPINA DA ROÇA
LIMPEZA DO SÍTIO
COLHEITA DA MANDIOCA
FABRICAÇÃO DE FARINHA
PRODUÇÃO DE GOMA, TAPIOCA E
TUCUPI
201
4 QUANTAS PESSOAS TRABALHARAM EM OUTRAS ATIVIDADES (PESCA, RETIRADA DE MADEIRA, QUEBRA DE
CASTANHA
, ETC.)?
OBS:
CASO A ATIVIDADE NÃO APAREÇA ENTRE AS LISTADAS, ESCREVA NOS ESPAÇOS EM BRANCO.
ATIVIDADE HOMENS MULHERES CRIANÇAS TEMPO
GASTO
(DIAS)
PESCA
QUEBRA DE CASTANHA
COLETA DE AÇAÍ NA MATA
RETIRADA DE MADEIRA
CAÇA
202
5 QUAL FOI A RENDA OBTIDA EM OUTRAS ATIVIDADES (INCLUIR TUDO: PESCA, CAÇA, APOSENTADORIA,
SALÁRIOS
, ETC.)?
OBS:
CASO A ATIVIDADE NÃO APAREÇA ENTRE AS LISTADAS, ESCREVA NOS ESPAÇOS EM BRANCO.
ATIVIDADE RENDA
OBTIDA (R$)
VENDA DE PESCADO
VENDA DE MADEIRA
SALÁRIOS
APOSENTADORIA
6-
QUE MATERIAL VOCÊ ADQUIRIU NESTE MÊS PARA USO NA AGRICULTURA?
OBS:
CASO O PRODUTO NÃO APAREÇA ENTRE OS LISTADOS, ESCREVA-O NOS ESPAÇOS EM BRANCO.
PRODUTO VALOR
UNITÁRIO
(R$)
QUANTIDADE VALOR
TOTAL (R$)
GASOLINA
DIESEL
TERÇADO
MACHADO
SEMENTES
PINTOS
RAÇÃO
VENENO
203
7- ALGUM BICHO A OU MAL AFETOU SEU ROÇADO OU SÍTIO NESTE MÊS?
OBS:
CASO O MAL OU PRAGA NÃO APAREÇA ENTRE OS LISTADOS, ESCREVA-O NOS ESPAÇOS EM BRANCO.
C
ULTURA NOME DA PRAGA
OU MAL
P
REJUÍZO
(
POUCO,
MÉDIO
,
MUITO
)
S
INTOMA (O QUE A
PRAGA FAZ
.
EXEMPLO:COME AS
FOLHAS
; FURA AS
FRUTAS
; RÓI AS RAÍZES,
ETC
.)
C
ONTROLE
U
SOU ALGUM TIPO DE
CONTROLE
? QUAL?
MANDIOCA
BANANA
MILHO
FEIJÃO
MELANCIA
JERIMUM
CUPUAÇU
PUPUNHA
ABACAXI
BATATA
CARÁ
204
APÊNDICE C – MODELO DE TERMO DE ANUÊNCIA PRÉVIA
Pelo presente termo EU, _____________________________________representante da
comunidade Nova Samaria, situada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã,
município de Maraã, Estado do Amazonas, na qual serão desenvolvidas as atividades do projeto
de pesquisa “Agricultura Tradicional e Dinâmica da Diversidade Genética da Mandioca (Manihot
esculenta Crantz): o caso dos agricultores das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Amanã
e Mamirauá”, atesto para os devidos fins, e especialmente em respeito à Medida Provisória 2186-
16/2001, ao Decreto Federal 3945/2001 e à Resolução n
o
05 do Conselho de Gestão do
Patrimônio Genético (CGEN), que estamos cientes e concordamos com a realização da referida
pesquisa, a ser desenvolvida em parceria pelo Departamento de Genética da Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (LGN/ESALQ/USP) e pelo Instituto
de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), sob a coordenação do doutorando em
Ecologia de Agroecossistemas, Engenheiro Agrônomo Kayo Julio Cesar Pereira, e sob orientação
da prof. Dra. Elizabeth Ann Veasey, com a participação de pesquisadores e extensionistas ligados
ao Programa de Agricultura Familiar do IDSM (PAF/IDSM), autorizando acesso ao
conhecimento tradicional associado, nas seguintes condições:
1 Do conhecimento tradicional pesquisado, da propriedade e publicação dos resultados da
pesquisa
1.1. O conhecimento tradicional a ser identificado e registrado se refere ao manejo dos
agroecossistemas locais e da diversidade genética da mandioca, contemplando critérios de
uso e classificação; itinerários técnicos utilizados; aspectos simbólicos ligados ao manejo;
relação entre as práticas de manejo com o universo econômico, político, social, cultural e
ambiental.
1.2. Todas as informações orais referentes a qualquer espécie vegetal e seus respectivos usos, ou
a qualquer aspecto do manejo dos agroecossistemas levantadas no âmbito dessa pesquisa são
de propriedade intelectual da comunidade que as forneceu, não podendo ser utilizadas com
finalidade comercial ou econômica sem autorização da mesma.
205
1.3. Serão coletadas amostras de material genético de mandioca, na forma de pedaços de caule e
folhas, sendo este material transportado para a cidade de Piracicaba-SP, onde será analisado
com o auxílio de marcadores moleculares, com intuito de se conhecer a diversidade genética,
de acordo com termo de anuência expedido pela Sociedade Civil Mamirauá, responsável
legal pela gestão da área.
1.4. Poderão ser recolhidas amostras de outras plantas de interesse agronômico, na forma de
folhas (transportadas na forma de exsicatas), no caso de não se conseguir fazer a
identificação botânica das mesmas em campo. Estas serão transportadas até a cidade de
Piracicaba, onde se situa a sede do LGN/ESALQ/USP, de acordo com termo de anuência
expedido pela Sociedade Civil Mamirauá, responsável legal pela gestão da área.
1.5. Poderão ser recolhidas amostras de solo, com o objetivo de se obter informações sobre as
características físicas e químicas do mesmo, e sua interface com o manejo tradicional dos
agroecossistemas e da diversidade genética da mandioca. Entretanto, não haverá isolamento
de microorganismos, nem levantamento de qualquer organismo ligado à biota do solo, de
acordo com termo de anuência expedido pela Sociedade Civil Mamirauá, responsável legal
pela gestão da área.
1.6. Não serão levantados nem divulgados conhecimentos relacionados a processos de
transformação e uso de plantas com fins terapêuticos e industriais.
1.7. Nenhuma espécie vegetal ou amostra de solo coletada será cedida, vendida, processada para
a obtenção de subprodutos, analisada quimicamente para verificação de sua composição
química, sintetizada na forma de fitofármaco ou qualquer forma de medicamento, sem a
prévia autorização formal da comunidade em questão.
1.8. Os resultados desta pesquisa poderão ser divulgados nos diversos meios, com finalidade de
divulgação científica e extensão rural, desde que devidamente citadas as comunidades
envolvidas e os parceiros.
1.9. Os resultados desta pesquisa só poderão ser utilizados de forma agregada ou na forma dados
secundários após a publicação dos mesmos, desde que devidamente citados.
1.10. Os resultados desta pesquisa serão retornados às comunidades envolvidas, na forma de
cartilhas ou outro tipo de publicação, e/ou evento comunitário de troca de experiência,
intercâmbio, formação e capacitação.
206
1.11. Todas as informações geradas e analisadas no âmbito desta pesquisa, inclusive dados não
analisados (dados brutos), serão armazenadas na forma de banco de dados em programa
computacional informatizado, sob responsabilidade do coordenador deste projeto, ao qual
deve ser solicitada autorização em caso de necessidade de utilização dos mesmos.
1.12. Entende-se como “publicação”, para efeito deste termo de anuência, a divulgação em
livros, periódicos científicos, anais de eventos, dissertações e teses, relatórios, laudos,
gravações, vídeos e quaisquer obras de acesso público em meio impresso e/ou digital.
2.Dos objetivos da pesquisa:
2.1 Objetivos gerais
- Compreender a agricultura praticada em áreas ribeirinhas da RDSA e RDSM,
buscando entender sua importância para a reprodução social das famílias, para a
dinâmica dos ecossistemas locais e conservação da biodiversidade.
- Esclarecer como o panorama sócio-cultural e os componentes agroecológicos
interagem, e como as situações de mudança atuam nessa interação.
- Entender como os agricultores percebem as limitações dos seus saberes e seus
desdobramentos práticos, bem como as possibilidades de superação dessas
limitações.
- Analisar as formas locais de percepção do ambiente e construção de
conhecimento, tendo como base o manejo local da diversidade genética da
mandioca, a principal espécie cultivada da região.
2.2 Objetivos específicos
- Caracterizar os agroecossistemas existentes na RDSA, esclarecendo os principais
aspectos que permeiam os sistemas de produção (sócio-econômicos, culturais,
políticos, agronômicos, ecológicos).
- Analisar a dinâmica da agrobiodiversidade na região, principalmente da
diversidade genética da mandioca, caracterizando as percepções locais sobre
207
agrobiodiversidade; avaliando as formas e critérios de classificação taxonômica e
de manejo; descrevendo as ações práticas dos agricultores; o papel do homem e da
mulher; e as influências de diversos fatores, tais como, aspectos culturais, de
mercado, entre outros.
- Estimar o impacto da atividade agrícola na dinâmica da cobertura vegetal das duas
reservas.
- Compreender as relações entre sistemas de produção agrícola, uso de recursos
naturais, organização social, e modos de vida nas duas reservas.
- Analisar, partindo de uma perspectiva histórica, a dinâmica dos agroecossistemas
na região, bem como projetar perspectivas de sustentabilidade dessa atividade para
as gerações futuras.
- Avaliar, por meio de marcadores moleculares do tipo microssatélites, as
etnovariedades de mandioca, e caracterizar a diversidade genética dentro de cada
roçado, entre roçados numa mesma comunidade, e entre comunidades.
- Subsidiar o Plano de Manejo da RDSA e da RDSM.
3 Das atividades a serem desenvolvidas
3.1 Atividades de campo
- Coleta de dados em campo (entrevistas, aplicação das metodologias, visitas aos
sistemas de cultivo, etc.).
- Realização de reuniões comunitárias de diagnóstico participativo, avaliação do
projeto, devolução das informações obtidas e formação em temas ligados à
Agroecologia e ao Desenvolvimento Rural, que estiverem atrelados à temática
desta pesquisa.
- Coleta de material genético de mandioca (manivas e folhas)
3.2 Atividades de laboratório
- Extração e quantificação do DNA genômico
208
- Obtenção dos marcadores de microssatélite
4 Local e duração da pesquisa:
4.1. A pesquisa será realizada junto às comunidades Boa Esperança, Boa Vista do Calafate,
Monte Sinai, São Paulo do Coraci, situadas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável
Amanã); Jarauá, Marirana, Nova Colômbia, Santa Luzia do Aiucá, situadas na Reserva de
Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.
4.2. As atividades relativas à pesquisa deverão ser realizadas até o mês de janeiro de 2008.
5 Dos impactos sociais, culturais e ambientais da pesquisa:
5.1. Não há previsão de impactos ambientais com a realização da pesquisa, na medida em que
não haverá grandes intervenções físicas nas áreas objeto de estudo, nem a emissão de
poluentes ou qualquer tipo de efluente.
5.2. O impacto previsto sobre o cotidiano das comunidades e das pessoas envolvidas na pesquisa
será a presença de pesquisadores nas áreas de estudo (que pernoitarão nos flutuantes bases
situados em vários setores das duas reservas); a necessidade de informantes que se disponham
a ir a campo e coletar dados e/ou destinar parte de seu tempo em reuniões, entrevistas e outras
atividades de formação e capacitação; deslocamento de informantes locais para eventos de
debate; formação e divulgação. Entretanto, todos os pesquisadores e demais visitantes que
entrarem nas duas reservas devem assinar termo de compromisso junto à Sociedade Civil
Mamirauá, este estabelecido com objetivo de estabelecer normas relativas à conduta nas duas
reservas.
5.3. Haverá pagamento de diárias para os agricultores que se dispuserem a auxiliar na coleta de
dados na condição de pesquisadores, uma vez que estes perderão dias de trabalho para
realizar estas atividades. Os valores das diárias serão definidos de acordo com os valores
pagos pelas instituições locais para este tipo de prestação de serviços, havendo recolhimento
dos devidos impostos, de acordo com a legislação vigente.
6 Da repartição de benefícios:
209
6.1. Como a pesquisa não tem fins comerciais ou econômicos imediatos, não haverá a repartição
de benefícios econômicos.
6.2. Os benefícios que terão estas comunidades advindos deste projeto são:
- Geração de informações que servirão de subsídio para a reflexão sobre a gestão ambiental
do território.
- Geração de informações que servirão de subsídio para ações de apoio à produção
econômica executadas pelo PAF/IDSM (responsável pela assessoria em à produção
agrícola nas duas reservas).
- Geração de informações detalhadas sobre a diversidade genética da mandioca, a espécie
agrícola mais importante da região.
- Formação e capacitação de agricultores em questões relacionadas à Agroecologia,
Desenvolvimento Rural e manejo sustentável de recursos naturais.
- Publicação de cartilhas informando os resultados da pesquisa, em linguagem adequada.
7 Da representatividade comunitária
7.1. As comunidades envolvidas no âmbito desta pesquisa serão representadas pela associação
comunitária, na figura de seu presidente, caso esta esteja devidamente legalizada. Na ausência do
presidente, poderá assinar o termo qualquer outro integrante da diretoria da associação.
7.2. Caso não haja representação legal na forma de associação, a comunidade será representada
pelo presidente “informal”, ou qualquer representante que seja de consenso geral.
7.3. Constarão neste termo de compromisso apenas as assinaturas dos representantes
supracitados.
7.4. Não havendo consenso, constarão no termo as assinaturas de todos os moradores da
comunidade participantes da pesquisa.
Tefé-AM, _________________________de 200__.
210
Assinaturas dos responsáveis:
Representante da comunidade
Documento tipo:
Kayo Julio Cesar Pereira
Eng
o
. Agrônomo – Doutorando PPGI-EA/USP
Elizabeth Ann Veasey
Prof. Dra. LGN/Esalq/USP
Bianca Ferreira Lima
Eng
a
. Florestal – Coordenadora PAF/IDSM
Tefé-AM, _________________________de 200__.
211
APÊNDICE D – MODELO DE ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
QUESTIONÁRIO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
ROTEIRO DE PESQUISA DE CAMPO
A família e a mão-de-obra disponível:
1. Acha que essa mão-de-obra é suficiente? Contrata serviços de terceiros? Trabalha em ajuri?
2. Quem toma as decisões na família? Faz planejamento?
Renda agrícola e não-agrícola
3. Quais são suas principais fontes de renda? (agricultura, pesca, extrativismo, aposentadoria, etc)
4. Quais são os principais produtos agrícolas comercializados?
5. Do que o senhor produz, qual porcentagem é vendida, e qual é comercializada?
Comercialização, transporte e beneficiamento
6. Onde o senhor comercializa a sua produção? Detectar os motivos desta escolha (proximidade, opções de
mercado, preço obtido).
8. Como transporta sua produção?
9. Possui casa de farinha? Comercializa os subprodutos da mandioca?
Aspectos técnicos do sistema de produção
10. Qual é a área que o senhor/a explora? Nos sítios, plantios e roçados
11. Possui algum tipo de criação? Quais?
12. Quais os principais problemas o senhor enfrenta? O que acha que necessita ser feito para melhorar?
13. Por quantos anos o senhor segue utilizando a mesma área? Enriquece as capoeiras?
14. Prefere plantar na capoeira ou na mata virgem? Acha que dá mais mato na capoeira ou na mata virgem?
Quais são as ervas que mais infestam?
15. Estabelece algum critério de zoneamento?
16. Quando o senhor acha mandiocas “perdidas” na capoeira, o senhor aproveita as manivas para replantar?
17. Onde o senhor obtém as sementes e mudas? Como faz para produzir?
18. Para o senhor os solos são todos iguais ou existe diferença?
19. Quantos tipos de solo diferentes o senhor percebe na sua comunidade?
20. Como o senhor diferencia? Pela cor? Cheiro? Constituição (areia ou argila)?
21. Onde a terra é mais grudenta? Onde é mais arenosa?
22. O senhor está satisfeito com o seu sistema de produção, ou pretende mudar alguma coisa?
23. Acredita na influência da lua na agricultura? Segue?
Aspectos sócio-econômicos, associativismo e sindicalização
24. É sócio da associação? E do sindicato?
25. A associação contribui em seu sistema de produção?
26. Acha que a situação melhorou ou piorou nos últimos 10 anos?
212
APÊNDICE E – FICHA PARA CATALOGAÇÃO DE VARIEDADES
INFORMAÇÕES SOBRE AS QUALIDADES DE MANDIOCA DA COMUNIDADE
Nome da qualidade Como conseguiu? Há quantos anos
planta essa
qualidade?
Quantos pés
possui?
Em quantos
roçados?
213
APÊNDICE F – Resultados das análises estatísticas descritivas para 19 parâmetros nos
roçados de nove comunidades da RDSA e RDSM
(continua)
Aiucá
Parâmetro Min Max Med Média Var Desvio CV
ptot 1.00 2.75 1.28 1.64 0.48 0.69 0.42
peptra 26.00 174.00 120.40 112.12 2268.23 47.63 0.42
captot 1.25 5.63 3.80 3.82 1.89 1.37 0.36
captra 10.67 75.20 24.00 30.00 309.03 17.58 0.59
fartot 2.75 4.54 4.00 3.78 0.36 0.60 0.16
fartra 12.00 34.29 17.34 18.95 42.52 6.52 0.34
platot 2.67 7.40 4.84 4.88 2.22 1.49 0.31
platra 8.00 32.00 17.00 17.77 56.69 7.53 0.42
coltot 3.17 5.40 4.35 4.23 0.53 0.73 0.17
coltra 12.00 33.85 17.23 19.03 41.74 6.46 0.34
redfa 39.43 213.06 59.11 76.09 2706.33 52.02 0.68
redpe 19.50 372.39 113.30 148.68 12016.60 109.62 0.74
esp 1.00 5.00 2.00 2.50 1.17 1.08 0.43
varman 1.00 3.00 1.00 1.50 0.72 0.85 0.57
varmac 0.00 2.00 0.50 0.60 0.49 0.70 1.17
noarea 1.00 3.00 1.00 1.40 0.49 0.70 0.50
arepla 0.00 1.26 0.45 0.53 0.18 0.42 0.81
gas 7.53 105.25 47.13 49.92 698.67 26.43 0.53
dies 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 ---
214
APÊNDICE F – Resultados das análises estatísticas descritivas para 19 parâmetros nos roçados
de nove comunidades da RDSA e RDSM
(continuação)
Marirana
Parâmetro Min Max Med Média Var Desvio CV
ptot 1.53 1.76 1.69 1.66 0.01 0.12 0.07
peptra 240.00 240.00 240.00 240.00 0.00 0.00 0.00
captot 3.66 7.75 4.00 5.14 5.15 2.27 0.44
captra 36.00 56.00 37.36 43.12 124.88 11.18 0.26
fartot 4.08 4.42 4.11 4.20 0.04 0.19 0.04
fartra 8.00 12.56 11.55 10.70 5.74 2.40 0.22
platot 3.50 9.00 5.25 5.92 7.90 2.81 0.47
platra 14.66 24.00 22.00 20.22 24.19 4.92 0.24
coltot 3.37 4.00 4.00 3.79 0.13 0.36 0.10
coltra 8.00 12.80 9.14 9.98 6.29 2.51 0.25
redfa 0.00 20.40 19.40 13.27 132.25 11.50 0.87
redpe 13.64 63.18 35.23 37.35 616.92 24.84 0.67
esp 0.00 3.00 1.00 1.33 2.33 1.53 1.15
varman 2.00 4.00 3.00 3.00 1.00 1.00 0.33
varmac 0.00 2.00 1.00 1.00 1.00 1.00 1.00
noarea 1.00 1.00 1.00 1.00 0.00 0.00 0.00
arepla 0.30 0.40 0.30 0.33 0.00 0.06 0.17
gas 19.80 73.33 51.00 48.04 722.92 26.89 0.56
dies 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 ---
215
APÊNDICE F – Resultados das análises estatísticas descritivas para 19 parâmetros nos roçados
de nove comunidades da RDSA e RDSM
(continuação)
Jarauá
Parâmetro Min Max Med Média Var Desvio CV
ptot 1.00 2.06 1.07 1.25 0.16 0.40 0.32
peptra 0.00 122.40 107.41 93.97 1347.55 36.71 0.39
captot 3.00 5.75 3.72 4.07 1.14 1.07 0.26
captra 14.67 28.00 19.67 19.74 15.90 3.99 0.20
fartot 2.90 5.17 3.60 3.83 0.66 0.81 0.21
fartra 9.60 19.20 12.80 13.11 11.71 3.42 0.26
platot 0.00 5.33 3.84 3.67 2.34 1.53 0.42
platra 0.00 21.33 16.00 14.91 33.92 5.82 0.39
coltot 2.89 4.92 3.59 3.80 0.65 0.81 0.21
coltra 9.60 15.47 11.54 11.75 2.79 1.67 0.14
redfa 4.32 125.56 29.31 45.54 1604.45 40.06 0.88
redpe 0.00 867.73 388.27 384.04 54181.65 232.77 0.61
esp 1.00 3.00 1.00 1.40 0.49 0.70 0.50
varman 0.00 5.00 2.00 2.10 2.10 1.45 0.69
varmac 0.00 4.00 1.00 1.60 1.38 1.17 0.73
noarea 1.00 3.00 1.50 1.70 0.68 0.82 0.48
arepla 0.15 1.30 0.60 0.61 0.17 0.41 0.68
gas 73.77 142.50 106.44 109.10 412.92 20.32 0.19
dies 6.30 26.67 20.00 19.41 29.11 5.40 0.28
216
APÊNDICE F – Resultados das análises estatísticas descritivas para 19 parâmetros nos roçados
de nove comunidades da RDSA e RDSM
(continuação)
Nova Colômbia
Parâmetro Min Max Med Média Var Desvio CV
ptot 1.00 1.19 1.14 1.11 0.01 0.10 0.09
peptra 53.33 240.00 99.04 130.79 9467.47 97.30 0.74
captot 1.00 3.42 1.50 1.97 1.63 1.28 0.65
captra 17.00 56.00 22.00 31.67 450.33 21.22 0.67
fartot 2.00 4.70 3.40 3.37 1.82 1.35 0.40
fartra 8.00 10.40 10.40 9.60 1.92 1.39 0.14
platot 1.60 5.00 3.20 3.27 2.89 1.70 0.52
platra 13.60 17.80 15.00 15.47 4.57 2.14 0.14
coltot 1.00 4.41 3.64 3.02 3.20 1.79 0.59
coltra 8.33 16.00 9.41 11.25 17.24 4.15 0.37
redfa 0.00 41.36 2.67 14.68 535.78 23.15 1.58
redpe 0.00 500.00 267.00 255.67 62596.33 250.19 0.98
esp 4.00 8.00 6.00 6.00 4.00 2.00 0.33
varman 2.00 5.00 4.00 3.67 2.33 1.53 0.42
varmac 1.00 1.00 1.00 1.00 0.00 0.00 0.00
noarea 1.00 1.00 1.00 1.00 0.00 0.00 0.00
arepla 0.40 0.40 0.40 0.40 0.00 0.00 0.00
gas 0.00 49.18 35.46 28.21 644.05 25.38 0.90
dies 0.00 11.93 8.40 6.78 37.56 6.13 0.90
217
APÊNDICE F – Resultados das análises estatísticas descritivas para 19 parâmetros nos roçados
de nove comunidades da RDSA e RDSM
(continuação)
Boa Esperança
Parâmetro Min Max Med Média Var Desvio CV
ptot 1.00 1.38 1.00 1.09 0.02 0.13 0.12
peptra 14.40 38.08 20.87 23.07 43.63 6.61 0.29
captot 0.00 5.16 3.46 3.23 1.56 1.25 0.39
captra 0.00 62.86 42.67 39.76 203.39 14.26 0.36
fartot 2.13 5.26 3.18 3.48 1.22 1.11 0.32
fartra 21.09 54.96 37.44 38.90 92.29 9.61 0.25
platot 2.11 6.33 4.10 4.03 1.63 1.28 0.32
platra 20.57 58.67 30.86 33.00 120.45 10.97 0.33
coltot 1.55 4.17 2.00 2.35 0.71 0.84 0.36
coltra 21.09 52.63 36.00 37.85 90.55 9.52 0.25
redfa 185.50 910.66 310.83 395.95 49968.54 223.54 0.56
redpe 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 ---
esp 1.00 6.00 2.00 2.38 2.76 1.66 0.70
varman 1.00 5.00 2.00 2.38 0.92 0.96 0.40
varmac 0.00 1.00 0.00 0.08 0.08 0.28 3.61
noarea 1.00 2.00 1.00 1.23 0.19 0.44 0.36
arepla 0.00 4.00 2.00 2.27 1.57 1.25 0.55
gas 16.17 205.40 37.60 48.90 2371.16 48.69 1.00
dies 0.00 109.11 30.41 42.62 1007.28 31.74 0.74
218
APÊNDICE F – Resultados das análises estatísticas descritivas para 19 parâmetros nos roçados
de nove comunidades da RDSA e RDSM
(continuação)
Calafate
Parâmetro Min Max Med Média Var Desvio CV
ptot 1.00 1.08 1.00 1.02 0.00 0.03 0.03
peptra 26.00 126.00 73.14 68.08 1101.34 33.19 0.49
captot 1.13 3.67 2.00 2.22 1.13 1.06 0.48
captra 18.46 50.67 41.68 38.25 145.32 12.05 0.32
fartot 1.90 4.67 2.18 2.76 1.00 1.00 0.36
fartra 10.67 23.67 14.59 16.92 22.27 4.72 0.28
platot 1.50 6.50 2.29 3.04 3.00 1.73 0.57
platra 25.14 106.67 68.00 65.43 1041.23 32.27 0.49
coltot 1.67 5.00 2.22 2.92 1.93 1.39 0.48
coltra 10.00 29.91 17.39 17.54 46.74 6.84 0.39
redfa 22.63 464.26 63.96 130.09 25644.09 160.14 1.23
redpe 0.00 11.73 0.45 3.85 24.49 4.95 1.29
esp 1.00 12.00 3.00 4.14 14.81 3.85 0.93
varman 1.00 4.00 2.00 2.29 0.90 0.95 0.42
varmac 0.00 2.00 0.00 0.29 0.57 0.76 2.65
noarea 1.00 2.00 1.00 1.14 0.14 0.38 0.33
arepla 0.54 6.00 2.50 2.65 3.53 1.88 0.71
gas 0.00 5.43 2.79 2.82 2.48 1.57 0.56
dies 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 ---
219
APÊNDICE F – Resultados das análises estatísticas descritivas para 19 parâmetros nos roçados
de nove comunidades da RDSA e RDSM
(continuação)
Monte Sinai
Parâmetro Min Max Med Média Var Desvio CV
ptot 0.95 1.44 1.12 1.13 0.02 0.14 0.13
peptra 32.00 73.52 48.74 52.19 190.46 13.80 0.26
captot 1.13 5.64 2.24 2.65 2.21 1.49 0.56
captra 40.00 136.00 58.92 68.61 767.44 27.70 0.40
fartot 1.30 5.70 2.93 2.94 2.01 1.42 0.48
fartra 8.00 39.27 22.33 23.10 114.35 10.69 0.46
platot 1.00 5.50 4.00 3.39 3.04 1.74 0.52
platra 16.00 117.33 42.20 50.05 1106.06 33.26 0.66
coltot 1.00 4.29 2.39 2.51 1.48 1.22 0.49
coltra 8.00 40.00 20.50 21.98 109.64 10.47 0.48
redfa 0.00 454.28 64.55 130.47 24450.16 156.37 1.20
redpe 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 ---
esp 2.00 4.00 3.00 2.70 0.46 0.67 0.25
varman 1.00 3.00 2.00 2.10 0.54 0.74 0.35
varmac 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 ---
noarea 1.00 2.00 1.00 1.20 0.18 0.42 0.35
arepla 1.00 4.00 1.85 2.06 0.88 0.94 0.46
gas 0.00 103.00 31.38 35.23 952.52 30.86 0.88
dies 0.00 107.11 23.03 31.30 1324.86 36.40 1.16
220
APÊNDICE F – Resultados das análises estatísticas descritivas para 19 parâmetros nos roçados
de nove comunidades da RDSA e RDSM
(continuação)
Nova Samaria
Parâmetro Min Max Med Média Var Desvio CV
ptot 1.36 2.00 1.68 1.68 0.20 0.45 0.27
peptra 27.64 37.82 32.73 32.73 51.82 7.20 0.22
captot 2.75 3.14 2.95 2.95 0.08 0.28 0.09
captra 16.00 31.00 23.50 23.50 112.50 10.61 0.45
fartot 3.42 3.64 3.53 3.53 0.02 0.16 0.04
fartra 14.58 19.42 17.00 17.00 11.71 3.42 0.20
platot 4.16 5.33 4.75 4.75 0.68 0.83 0.17
platra 16.00 16.00 16.00 16.00 0.00 0.00 0.00
coltot 4.04 4.05 4.05 4.05 0.00 0.01 0.00
coltra 14.22 19.47 16.85 16.85 13.78 3.71 0.22
redfa 46.65 78.51 62.58 62.58 507.53 22.53 0.36
redpe 21.59 24.45 23.02 23.02 4.09 2.02 0.09
esp 3.00 4.00 3.50 3.50 0.50 0.71 0.20
varman 6.00 7.00 6.50 6.50 0.50 0.71 0.11
varmac 0.00 1.00 0.50 0.50 0.50 0.71 1.41
noarea 2.00 2.00 2.00 2.00 0.00 0.00 0.00
arepla 0.50 1.00 0.75 0.75 0.13 0.35 0.47
gas 40.14 51.18 45.66 45.66 60.94 7.81 0.17
dies 24.34 27.78 26.06 26.06 5.92 2.43 0.09
221
APÊNDICE F – Resultados das análises estatísticas descritivas para 19 parâmetros nos roçados
de nove comunidades da RDSA e RDSM
(conclusão)
São Paulo do Coraci
Parâmetro Min Max Med dia Var Desvio CV
ptot 1.00 3.15 1.43 1.64 0.53 0.73 0.44
peptra 93.00 139.23 122.43 121.86 227.96 15.10 0.12
captot 1.00 3.14 1.63 1.84 0.57 0.75 0.41
captra 10.00 37.14 21.95 22.16 69.38 8.33 0.38
fartot 2.00 6.00 3.15 3.31 1.36 1.16 0.35
fartra 8.00 9.50 8.00 8.36 0.30 0.55 0.07
platot 0.00 4.00 1.92 1.87 1.80 1.34 0.72
platra 0.00 32.00 18.00 16.40 138.00 11.75 0.72
coltot 1.00 3.00 1.93 2.10 0.44 0.66 0.32
coltra 12.00 26.67 16.69 17.08 13.92 3.73 0.22
redfa 0.00 3.60 0.00 0.82 2.05 1.43 1.75
redpe 0.00 339.32 155.76 140.74 10692.53 103.40 0.73
esp 1.00 5.00 3.50 3.10 2.32 1.52 0.49
varman 1.00 2.00 2.00 1.70 0.23 0.48 0.28
varmac 0.00 2.00 1.00 0.70 0.46 0.67 0.96
noarea 1.00 1.00 1.00 1.00 0.00 0.00 0.00
arepla 0.01 10.00 0.29 1.34 9.42 3.07 2.30
gas 0.00 55.00 12.21 16.74 297.51 17.25 1.03
dies 0.00 30.00 13.52 12.93 70.64 8.40 0.65
222
APÊNDICE G – CÓPIA DA AUTORIZAÇÃO EXPEDIDA PELO CGEN PUBLICADA NO
DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO EM 02/04/2007
DO PATRIMÔNIO GENÉTICO
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DELIBERAÇÃO Nº 176, DE 14 DE FEVEREIRO DE 2007
O CONSELHO DE GESTÃO DO PATRIMÔNIO GENÉ-
TICO, no uso das competências que lhe foram conferidas pela Medida
Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, e pelo Decreto
nº 3.945, de 28 de setembro de 2001, tendo em vista o disposto no art.
13, inciso III, do seu Regimento Interno, e considerando as informações
constantes do Processo n
o 02000.002984/2006-92 resolve:
Art. 1º Conceder à Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiroz, da Universidade de São Paulo-ESALQ/USP, CNPJ n
o
63.025.530/0025-81, a Autorização no 008/2007, para acesso ao conhecimento
tradicional associado junto a nove comunidades ribeirinhas,
nos Municípios de Maraã, Alvarães e Uarini, no Estado do
Amazonas, com a finalidade de pesquisa científica, de acordo com os
termos do projeto intitulado "Agricultura familiar e dinâmica da diversidade
genética da mandioca: o caso dos agricultores das reservas
de desenvolvimento sustentável Amanã e Mamirauá, Amazonas", a
ser desenvolvido pelo doutorando Kayo Julio Cesar Pereira e coordenado
pela pesquisadora Elizabeth Ann Veasey, observado o disposto
no art. 16 da Medida Provisória n
o 2.186-16, de 23 de agosto de
2001, no art. 8
o do Decreto no 3.945, de 28 de setembro de 2001, e
na Resolução n
o 05, de 26 de junho de 2003.
Art. 2
o A ESALQ/USP e os pesquisadores vinculados ao
projeto obrigam-se a incluir nos resultados da pesquisa, em quaisquer
meios que esta venha a ser divulgada, a informação da origem do
conhecimento tradicional associado e a advertência de que o acesso às
informações disponibilizadas nos resultados para as finalidades de
desenvolvimento tecnológico e bioprospecção necessitam da obtenção
da Anuência Prévia e da assinatura de Contrato de Repartição de
Benefícios junto à comunidade envolvida e da autorização do Conselho
de Gestão do Patrimônio Genético.
Art. 3
o As informações contidas no Processo no
02000.002984/2006-92, embora não transcritas aqui, são consideradas
partes integrantes deste documento.
Art. 4
o Esta Deliberação entra em vigor na data de sua
publicação.
MARINA SILVA
Ministra do Meio Ambiente
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