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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
FABIO DE MACEDO TRISTÃO BARBOSA
FERROVIA E ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM ARAGUARI-MG
(1896–1978)
NITERÓI-RJ
2008
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FÁBIO DE MACEDO TRISTÃO BARBOSA
FERROVIA E ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM ARAGUARI-MG
(1896-1978)
Dissertação apresentada ao Curso de
Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para obtenção
do Grau de Mestre. Área de
Concentração: Ordenamento Territorial.
Orientador: Prof. Dr. Nelson da Nóbrega Fernandes
Niterói-RJ
2008
2
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FÁBIO DE MACEDO TRISTÃO BARBOSA
FERROVIA E ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM ARAGUARI-MG
(1896-1978)
Dissertação apresentada ao Curso de
Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para obtenção
do Grau de Mestre. Área de
Concentração: Ordenamento Territorial.
________ em Agosto de 2008.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Nelson da Nóbrega Fernandes – Orientador
UFF
Prof. Dr. Ruy Moreira
UFF
Prof. Dr. Marcelo Rodrigues Mendonça
UFG/CAC
Niterói-RJ
2008
3
DEDICATÓRIA
Aos muitos que contribuíram para a
realização deste trabalho.
Especialmente minha família; Minha
mãe, por uma vida de luta constante
de mulher trabalhadora, e após muito
tempo, agora estudante; e pela
confiança depositada em mim;
A meu pai (In memorian) que não
está aqui, pela crença e incentivo ao
estudo;
A meu irmão pela demonstração de
desapego às mercadorias da
sociedade de consumo, que vendeu
seu carro para financiar os primeiros
meses da minha morada no Rio.
Aos colegas do mestrado que se
tornaram amigos, pela solidariedade,
sem eles, esse trabalho não chegaria
ao fim, em especial a minha grande
amiga Nazira.
Ao amigo, companheiro e meu ex-
professor: Gilmar, pelos
ensinamentos sempre sábios,
obrigado pela sua preocupação e os
diálogos profícuos que tivemos em
torno deste trabalho.
A todos, dedico de maneira muito
especial e com muito carinho este
trabalho.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar a Jesus que não é o cristo mas à aluna do
doutrorado de geografia que me acolheu em seu apartamento sem se quer me
conhecer para que eu pudesse fazer as provas da seleção do mestrado e Amélia e
Walter por ter intermediado o processo. Aos meus colegas de apartamento, Warley,
Jocley, João Paulo, José, Lucas e Fabrício, cuja convivência diária repercutia as
diferenças, as divergências e as preferências individuais, intrigas não faltavam, mas
num aspecto todos concordavam: o preço do aluguel sempre estava alto;
desarmonia a parte, no fim sobreviveram todos.
Ao Warley e Jocley, que por serem amigos mais próximos, eu tinha a
liberdade de “as vezes” me apoderar de sua comida, muito obrigado. Agradeço à
Nazira, a quem dediquei este trabalho, pela disposição de sempre me estender a
mão, para mim uma pessoa muito especial; dedico também a Bianca, mulher muito
especial que conheci no Rio de Janeiro, que teve um papel muito importante por
estar ao meu lado nos momentos difíceis, uma paixão inesquecível; a você e sua
família, meu muito obrigado por tudo que fizeram por mim.
Agradeço aos órgãos públicos de Araguari, que tiveram sempre as portas
abertas para mim. Agradeço efusivamente à professora historiadora Aparecida da
Glória Campos Vieira, que, com paixão organiza o Arquivo Público Municipal de
Araguari, sua dedicação, carinho e apreço pelo trabalho e com as pessoas que
visitam ou fazem pesquisa ali. É um exemplo claro de como as instituições e os
servidores públicos no Brasil deveriam tratar a população que procuram pelos
serviços públicos. Também a historiadora e professora Maria Consuelo Ferreira
Montes Naves que cuida do Arquivo Intermediário, que cedeu gentilmente parte de
suas fontes de pesquisa, as anotações do médico e memorialista Dr. Calil Porto. Ao
advogado e procurador da Prefeitura de Araguari o Sr. João Batista Assunção que
nos ajudou prontamente nos passando a legislação urbana da época a que este
estudo se reporta.
Agradeço também à Divisão do Patrimônio Histórico, à Thaïs Tormin Porto
Arantes Chefe da Divisão de Patrimônio Histórico e aos arquitetos: Clayton França
Carili e Carolina Fernandes Vaz, que cederam cordialmente, o Dossiê de
Tombamento do prédio da Estação da Goiás e do prédio da Estação da Stevenson.
Responsável pelo tombamento de vários monumentos e prédios históricos do
5
município entre eles o prédio da Estação da Goiás, que passou a incorporar o
patrimônio histórico do Estado de Minas Gerais.
Aos professores do Curso de Pós-Graduação especialmente: Ruy Moreira,
Carlos Walter, que além de nomes ilustres da geografia brasileira, são pessoas de
uma sensibilidade e solidariedade admirável, meu muito obrigado. Ao meu
orientador professor Dr. Nelson da Nóbrega Fernandes, por ter aceitado a aventura
da orientação e cuja convivência durante esse tempo me ensinou muito, sua
simplicidade quebrou a formalidade da relação orientador–orientando sem perder de
vista a seriedade e a coerência da pesquisa, soube dosar bem os limites, sem
imposição ao caminho do trabalho, mas com considerações muito pertinentes em
torno encaminhamento da pesquisa; meu franco agradecimento.
Agradeço a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(FAPERJ), pela Bolsa de Pesquisa concedida, sem a qual, este estudo estaria
seriamente comprometido.
Aos amigos e companheiros de caminhada do mestrado meu muito obrigado.
Aos amigos de Goiandira, Gilmar, Erick, companheiros de luta e diálogos, agradeço
por tudo. A minha família, agradeço pela tolerância.
6
SUMÁRIO
Lista de Figuras.............................................................................................................
Lista de Tabelas............................................................................................................
Resumo..........................................................................................................................
Abstracty........................................................................................................................
INTRODUÇÃO............................................................................................................................
ix
x
xi
xii
13
CAPÍTULO I
GÊNESE E EVOLUÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE ARAGUARI-MG.......................... 23
I.1 – Caracterização físico-natural do município de Araguari-MG.................................. 23
I.2 – Do Sertão da Farinha Podre à Cidade de Araguari-MG......................................... 28
I.3 – Sítio e Estrutura da Cidade..................................................................................... 35
I.4 – Crescimento Populacional...................................................................................... 40
I.5 – Evolução Sócio-Espacial de Araguari-MG.............................................................. 42
CAPÍTULO II
DA ORDEM DO MUNDO À ORDEM DO LUGAR: A CHEGADA DA FERROVIA À
ARAGUARI..................................................................................................................... 60
II.1 – Surgimento e Expansão das Ferrovias.................................................................. 60
II.2 – Geografia das Estradas de Ferro no Brasil............................................................ 63
II.3 Origens e Desenvolvimento da Relação Cidade-Ferrovia Durante o Capitalismo
Liberal: 1896-1930...........................................................................................
72
II.4 – Sob a Batuta do Estado......................................................................................... 86
CAPÍTULO III
O ORDENAMENTO ESPACIAL DA CIDADE E A REPRODUÇÃO DOS
FERROVIÁRIOS............................................................................................................. 90
III.1 – A Organização Espacial da Cidade...................................................................... 90
III.2 – A Escola Profissional Ferroviária: “Instrução para o Trabalho”............................. 104
III.3 – A Vila Ferroviária da Goiás................................................................................... 116
III.4 – O Hospital Ferroviário, a Cooperativa de Consumo e a Associação Beneficente 123
CAPÍTULO IV
ARAGUARI COMO CIDADE FERROVIÁRIA NO BRASIL........................................... 131
IV.1 – A geografia da cidade-empresa no Brasil............................................................ 131
IV.2 – A relação ferrovia-cidade em Araguari no capitalismo antiliberal: 1928/1978..... 142
Considerações Finais................................................................................................... 167
Bibliografia.................................................................................................................... 172
Outras Fontes................................................................................................................ 178
7
Lista de Figuras
01 Município e cidade de Araguari-MG.............................................................. 24
02 Triângulo Mineiro: gênese da formação urbana, 1748-1860......................... 27
03 Largo da Matriz em 1910............................................................................... 32
04 Vista aérea de Araguari, 1935....................................................................... 37
05 Expansão urbana de Araguari-MG................................................................ 38
06 Interior do Bosque John Kennedy.................................................................. 47
07 Presença do carroceiro no meio urbano........................................................ 53
08 Expansão do sistema ferroviário brasileiro (1854-1954)............................... 70
09 Traçado da Estrada de Ferro Mogiana – 1922.............................................. 75
10
11
Vista aérea de Araguari, 1950.......................................................................
Traçado antigo da Estrada de Ferro Goiás....................................................
77
78
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Plataforma da Estação Mogiana na década de 1940....................................
Plataforma da Estação da Goiás, década de 1940.......................................
Zoneamento urbano de Araguari-MG............................................................
Escola Profissional Ferroviária da Estrada de Ferro Goiás...........................
Aprendizes trabalhando nas oficinas da Escola Profissional.........................
Desfile dos alunos da Escola Primária Carmela Dutra, comemoração do 1º
de Maio – Dia do Trabalho.............................................................................
Casas da Vila Ferroviária da Goiás...............................................................
Vista aérea do Conjunto Ferroviário da Goiás e da Companhia Mogiana......
Integração do Centro-Sul de Goiás e Triângulo Mineiro à Região Sudeste..
79
80
101
104
111
113
117
119
143
21 Complexo Ferroviário da Estrada de Ferro Goiás......................................... 146
22 Prédio da Estação da Estrada de Ferro Goiás.............................................. 148
23 Construção das instalações do 2º Batalhão Ferroviário de Araguari............... 164
8
Lista de Tabelas
01 Comércio no Triângulo Mineiro (1904-1905)................................................. 34
02 Crescimento demográfico de Araguari – 1890-1929..................................... 40
03 Relação das estradas de ferro de 1ª categoria segundo critérios
econômicos em 31/12/1952........................................................................... 152
04 Ferrovias brasileiras incorporadas pela RFFSA em 31/12/1957................... 158
9
RESUMO
Esta dissertação procurou investigar alguns aspectos da relação das ferrovias
presentes em Araguari-MG na organização do espaço urbano no período de 1896-
1978. A partir de um enfoque histórico-geográfico inicialmente buscamos reconstituir
a gênese e a evolução do espaço urbano de Araguari, observando o crescimento
demográfico e o desenvolvimento sócio-espacial da cidade desde seus primeiros
tempos. Prosseguimos, observando as repercussões que tiveram a expansão das
estradas de ferro mundo afora, sua penetração em território brasileiro e, por fim sua
chegada em Araguari, primeiramente, a Companhia Mogiana de Estrada de Ferro
em 1896 e, depois a Estrada de Ferro Goiás em 1906. Araguari afirma-se como
entroncamento ferroviário importante baldeando a produção regional para o Sudeste
brasileiro, fato que elegeu Araguari como pólo econômico regional por algum tempo.
Com a encampação da Estrada de Ferro Goiás pelo Governo Federal em 1920
devido as constantes crises do capitalismo, a União promoveu investimentos
significativos nesta companhia ferroviária, e estes recursos acabaram sendo
canalizados para Araguari que ocupava a sede administrativa desta ferrovia. Este
fato proporcionou o adensamento técnico-ferroviário na forma-conteúdo do espaço
araguarino, principalmente dos anos 1930 em diante. A relação ferrovia-cidade
aprofundou-se no capitalismo antiliberal brasileiro, com a construção do complexo
ferroviário da Goiás, com vila operária, hospital, escolas profissionais, cooperativa
de consumo etc. A Mogiana permitia o link com São Paulo para escoamento da
produção, o que permitia também introduzir hábitos, valores, costumes, relações
sociais de produção e trabalho característicos da sociedade produtora de
mercadorias, enfim, introduziu uma vida urbana ferroviário-capitalista. A cidade de
Araguari, gradativamente foi se configurando como uma cidade-ferroviária e, foi isto,
que esta pesquisa pretendeu mostrar.
Palavras-chave: ferrovia, cidade, espaço, urbano.
10
ABSTRACT
This dissertação looked for to investigate some aspects of the relation of the
railroads gifts in Araguari-MG in the organization of the urban space of this city in the
period of 1896 the 1978. From a description-geographic approach initially we search
to reconstitute gênese and the evolution of the urban space of Araguari, observing
the demographic growth and the partner-space development of the city since its first
times. We continue, observing the repercussions that had had the expansion of the
railroads world measure, its penetration in Brazilian territory e, finally its arrival in
Araguari, first, the Company Mogiana de Estrada de Ferro in 1896 e, later the
Railroad Goiás in 1906. Araguari is affirmed as important railroad entroncamento
swilling down the regional production for the Brazilian Southeast, fact that chose
Araguari as regional economic polar region of the Triangle for some time. With the
expropriation of the Railroad Goiás for the Federal Government in 1920 which had
the constant crises of the capitalism, the Union promoted significant investments in
this railroad company, and these resources finish emptying in Araguari that occupied
of its administrative headquarters. This fact provided to the adensamento technician-
railroad worker in the form-content of the araguarino space, mainly of years 1930 in
ahead. The relation railroad-city was gone deep the Brazilian antiliberal capitalism,
with the construction of the railroad complex of the Goiás, with laboring village,
professional hospital, schools, cooperative of consumption, etc. The Mogiana
allowed link with São Paulo for draining of the production, what it also allowed to
introduce habits, values, customs, social relations of characteristic production and
work of the producing society of merchandises, at last, introduced an urban life
railroad worker-capitalist. The city of Araguari, gradual was if configuring as a city-
railroad employee and, was this, that this work intended to show.
Word-key: Railroad, city, space, urban.
11
INTRODUÇÃO
Como nasce um objeto científico? O objeto de análise científica não está dado
a priori; é sempre uma construção intelectiva na nossa relação com o mundo. Tudo
começa com o aspecto aparente da realidade, ou seja, a base real empírica e
sensível do real, que é dirigida ao campo das idéias categorias e conceitos e
retorna, posteriormente, como concreto-pensado, para que sua veracidade seja
verificada novamente na realidade empírica, o ponto de partida.
Trilhar este caminho, no decorrer da elaboração do nosso objeto de estudo,
significou ir evoluindo com as descobertas. Primeiramente o que me encantou e
despertou minha atenção ao olhar a paisagem da cidade de Araguari-MG, foi a
beleza arquitetônica e a imponência espacial do prédio da estação da Estrada de
Ferro Goiás. Logo vi que este prédio fazia parte dos objetos que compunham a
estrutura sócio-espacial que formava o complexo ferroviário
1
da Estrada de Ferro
Goiás. Em seguida, foi a vez de buscar na literatura o respaldo teórico capaz de
oferecer as categorias e os conceitos para sustentar o desvelamento das verdades
ocultas que supostamente haviam por trás das formas daquele conjunto ferroviário.
Ao estudar alguns livros de Michel Foucault, principalmente a obra Vigiar e
Punir, na qual realiza um estudo histórico da violência nas prisões e a evolução do
direito penal, destacando seus respectivos mecanismos punitivos que foram do
estrangulamento do corpo físico, até os modernos instrumentos de vigilância e
controle do indivíduo, comecei a direcionar o estudo na perspectiva de enxergar ali
uma estrutura disciplinar panóptica
2
, com o prédio da estação cumprindo o papel da
1
Conjunto de objetos espaciais formado pelo prédio da estação ferroviária, escola profissional
ferroviária, hospital ferroviário, prédio da locomoção, tipografia, almoxarifado e vila operária. Além dos
que localizam-se fora do complexo mas faziam parte do mesmo, como a Cooperativa de Consumo
dos funcionários da Goiás, a Associação Beneficente e a Escola Técnica de Educação Familiar.
2
Para Foucault (1989), o espaço disciplinar panóptico é “esse espaço fechado, recortado, vigiado em
todos os pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar fixo, onde os menores movimentos são
12
torre central, responsável pelo controle e vigilância daquele espaço, das pessoas
que ali trabalhavam, estudavam, viviam. A torre da estação era o mirante de
vigilância, pois proporcionava uma visão periférica e panorâmica de todo complexo,
o que permitia organizar a vida social no interior dele. Esta foi a idéia inicial, que se
materializou no projeto de pesquisa apresentado à seleção de mestrado da
Universidade Federal Fluminense.
O seminário de releitura crítica do projeto, juntamente com o aprofundamento
das leituras, auxiliou no refinamento das idéias e veio mostrar que se tratava de um
equívoco, ou melhor, de uma falsa questão. A teoria utilitarista do panóptico,
desenvolvida pelo filósofo e jurista inglês Jeremy Benthan, analisada densamente
por Foucault, ocorria num ambiente mais circunscrito, fechado, recortado, cuja
racionalidade arquitetural buscava o enclausuramento e a vigilância total,
configurando um espaço totalitário e sem saída. Esta prática foi experimentada e
utilizada na confecção de instituições como: presídios, escolas, instituições
assistenciais etc. Percebemos, então, que esta leitura espacial, partindo de
Foucault, não caberia na análise do complexo ferroviário da Goiás, um espaço cuja
característica não se aproxima do espaço disciplinar panóptico, pois é mais amplo e
aberto, ainda que disciplinado e disciplinante.
Outro aspecto que nos fez abandonar a temática do panóptico foi a ampliação
da escala de análise, que, aos poucos, deixava de ser somente o conjunto
ferroviário da Goiás e abarcava a cidade de Araguari. O espaço urbano emergiu e
passou a figurar no primeiro plano dos nossos interesses, mas sem o abandono da
ferrovia, para a qual seria encontrado outro significado.
O tema veio a ser, então, a relação da ferrovia com a cidade de Araguari,
visto tamanha admiração, orgulho e nostalgia que a população, de forma geral,
possui pelos trilhos de ferro. Seguimos com nossos devaneios, com as conversas e
os debates em torno da orientação desta pesquisa. Passamos a enxergar Araguari
pelo que a literatura pertinente tem chamado de company town ou cidade-empresa,
uma cidade cuja vida econômica e social estaria sob o controle da empresa. Logo
percebemos que seria reducionismo atrelar unicamente à ferrovia a vida da cidade,
evidentemente existiriam outras variáveis que precisariam ser consideradas.
controlados, onde todos os acontecimentos são registrados, onde um trabalho ininterrupto de escrita
liga o centro e a periferia, onde o poder é exercido sem divisão, segundo uma figura hierárquica
contínua, onde cada indivíduo é constantemente localizado, examinado e distribuído entre os vivos,
os doentes e os mortos isso tudo constitui o modelo compacto do dispositivo disciplinar.”
(FOUCAULT, 1989, p. 174).
13
Porém, a idéia de cidade-empresa tornou-se um ponto de partida interessante
para o tema que foi desenvolvido neste estudo: o de investigar alguns aspectos da
relação entre ferrovia e espaço urbano: a paisagem, o espaço geográfico, o
ordenamento da cidade etc. Tratou-se especificamente de analisar a influência das
estradas de ferro na constituição do seu espaço. Nesse caso, a maneira pela qual a
Estrada de Ferro Goiás no período em que foi empresa estatal e a Companhia
Mogiana de Estrada de Ferro organizaram o espaço urbano da cidade de Araguari-
MG entre 1896 e 1978. No transcorrer deste longo processo histórico-geográfico
Araguari foi se configurando como uma cidade-ferroviária.
A ferrovia chegou duas vezes à cidade de Araguari. A primeira com a
Mogiana; a segunda, com a Estrada de Ferro Goiás. Com a Mogiana, é ponta de
trilhos. Com a Estrada de Ferro Goiás tornou-se uma cidade-ferroviária. Este
trabalho considerou as duas ferrovias como elementos estruturadores do espaço
urbano araguarino. A discussão/problematização girou, portanto, em torno da
relação: ferrovia-cidade. Pergunta-se: quais foram as estratégias e as práticas das
empresas ferroviárias na organização do espaço araguarino? Não é pretensão deste
estudo dizer o que é o urbano, mas sim, perguntar: que urbano é este?
A hipótese colocada aqui é a de que a partir da implantação da Mogiana
(1896) e da Estrada de Ferro Goiás (1906), a cidade e o urbano se organizam e são
comandados em função de e a partir da ferrovia pela ferrovia. Porém, é no
momento subseqüente, quando o Governo Federal, em virtude das constantes
crises econômico-financeiras, assume a Estrada de Ferro Goiás (1920), sobretudo
em finais da década (1928), que se acelerou a intervenção urbana da EFG na
cidade, aparentemente, aproximando Araguari de uma company town ou cidade-
empresa.
Enxergar Araguari a partir desse prisma nos levou a considerar esta idéia em
seu modelo clássico, fechado e uniformemente definido na paisagem urbana ou
rural; uma aglomeração controlada por uma empresa, conforme pode ser observado
na definição que segue: Model Company Town aglomeração urbana modelar
vinculada a uma empresa industrial surgida nos Estados Unidos entre 1820 e 1870,
na região da Nova Inglaterra”. (MINAMI, 2004, p. 04).
Este modelo aparece em quase toda parte. A prática de construção de
moradias pela indústria para parte de seus operários, difunde-se também no Brasil
no primeiro surto de industrialização do país, a partir dos anos 1880, dando origem a
14
bairros e cidades habitadas por trabalhadores de uma determinada companhia ou
organização empresarial. Indústrias ligadas ao ramo têxtil, empresas de mineração,
frigoríficos, usinas e estradas de ferro importaram esse modelo tanto da Europa
como dos Estados Unidos.
Mas, a tarefa de simplesmente adotar procedimentos pré-determinados,
meramente classificatórios, para tais aglomerações não contribui e limita o
entendimento dos processos históricos e, sobretudo geográficos na constituição
desses espaços, que vão se diferenciando ao longo do tempo e muitas vezes
incorporam-se à cidade. Conforme explica Piquet:
Proceder a uma classificação desses assentamentos, segundo
parâmetros pré-estabelecidos, revela-se tarefa pouco relevante,
posto que acima de uma tipologia de assentamentos encontra-se
um processo dinâmico de interação com o entorno imediato e com a
região que põe em risco qualquer esforço classificatório. (PIQUET,
1998, p. 04).
Concordando com Piquet (1998), nessa investigação sobre Araguari buscou-
se compreender a cidade na sua relação com a ferrovia atento as transformações
políticas, econômicas e sociais ocorridas no cenário nacional e suas implicações nas
mudanças espaciais da cidade. Primeiramente partimos do pressuposto de Araguari
como uma company town ligada ao empreendimento ferroviário; proposta que
elaboramos na reconstrução do projeto. Porém, a própria pesquisa não o confirmou;
viu-se que a realidade araguarina se distanciava desse modelo, portanto o conceito
company town era insuficiente para explicar e compreender a realidade de
Araguari.
Contudo, foi um ponto de partida interessante, que nos levou à necessidade
de pensar a cidade noutros termos, que estamos chamando de cidade-ferroviária,
que aparece e vai sendo construído no decorrer da pesquisa, ganhando contornos
mais nítidos. Para essa tarefa, consideramos os elementos materiais que compõem
a complexidade da vida urbana local e as relações sociais engendradas nessa
materialidade, a forma-conteúdo do espaço, onde todas as variáveis estão
interligadas.
Araguari se configura como cidade-ferroviária em dois momentos distintos, a
partir de mudanças estruturais que percorrem o país: 1) agro-exportador, pautado no
15
liberalismo, no final do século XIX e início do século XX; 2) substituição das
importações, antiliberal, a partir de 1930. Processo começado na última década do
século XIX, que toma corpo nas primeiras do século XX e, posteriormente, se
avoluma, a partir dos anos 1930, alcançando muitas dimensões da vida urbana da
cidade. O intervalo de tempo de 1928 a 1954 é considerado o ápice do
desenvolvimento da cidade de Araguari, interrompido segundo a visão oficial em
virtude da transferência da sede da EFG para Goiânia em 1954.
A euforia do progresso, mesmo que passageira, é retomada com a instalação
do Batalhão Ferroviário Mauá em 1965, acontecimento que caracterizei como o
reencontro da ferrovia com a cidade, pois esta relação estava “estremecida” desde a
mudança da sede da Goiás. Porém tratou-se de um reencontro de despedida. Não
que deixaram de existir linhas férreas em Araguari, mas o seu significado para a
cidade não seria mais o mesmo. Novos atores entravam em cena, um deles o
rodoviarismo. A presença do Batalhão em Araguari estava relacionada a algo
bastante específico: a construção de Brasília; caberia a ele a reconstrução do trecho
ferroviário que ligaria Uberlândia–Brasília por ferrovia.
Nos primeiros anos da década de (19)70 iniciou-se o que denomino de
processo de desmontagem da cidade-ferroviária, que durou até o fim desta década,
com a retirada dos trilhos da Mogiana, desativação do conjunto ferroviário da Goiás
e demolição do acervo patrimonial da Mogiana.
Os fatos que demarcaram o recorte temporal deste trabalho foram: a chegada
da ferrovia (1896), os desdobramentos da relação da ferrovia com a cidade, o que
levou a constituição de Araguari como cidade-ferroviária e seu posterior
desmantelamento. Portanto, sucintamente, nascimento e a morte da cidade-
ferroviária de Araguari, de 1896 a 1978.
Estes fatos têm causas e conseqüências variadas, podendo-se escolher entre
os vários pontos-de-vista o de maior interesse para determinado campo. À
geografia, e a esta pesquisa em particular, interessa o espaço, o espaço urbano,
entendendo-o como resultado de múltiplas determinações, econômicas, políticas,
sociais e culturais. A totalidade de todos os elementos da natureza e da sociedade
expressos na paisagem e integrados na configuração territorial é o espaço. Milton
Santos o descreve desta forma:
O espaço é a totalidade verdadeira, porque dinâmica, resultado da
geografização da sociedade sobre a configuração territorial. Podem
16
as formas, durante muito tempo, permanecer as mesmas, mas como
a sociedade está sempre em movimento, a mesma paisagem, a
mesma configuração territorial, nos oferecem, no transcurso
histórico, espaços diferentes. (SANTOS, 1988, p. 77)
As ferrovias foram agentes sociais promotores de modificações sócio-
espaciais importantes em escala local e global; elas levam e trazem mercadorias,
pessoas, serviços, idéias, valores etc. Em Araguari, os caminhos de ferro
transformaram a paisagem pré-existente; os trilhos não simplesmente por
passaram, tornaram-se mais um elemento da paisagem humanamente construída;
criaram toda uma infra-estrutura de suporte ao transporte ferroviário na região do
Triângulo Mineiro e Sudeste de Goiás, sendo o vetor de uma nova espacialidade
urbana e regional.
Para buscar uma compreensão mais abrangente do que estou chamando de
cidade-ferroviária, como nossa leitura sugere ser Araguari mas este se trata de
um, entre outros tantos olhares possíveis, pelos quais pode ser pensada a cidade –,
julgamos necessário contextualizar o surgimento das estradas de ferro no Brasil na
dinâmica das transformações do capitalismo mundial ocorridas em sua fase de
expansão imperialista-industrial para outras regiões de sua periferia.
Por outro lado, faz-se necessário, ao se estudar a construção de ferrovias no
Brasil observar o contexto político-econômico endógeno: as exigências da economia
agrário-exportadora de escoar com maior agilidade sua produção, sendo o café o
produto por excelência, fiel da balança das exportações brasileiras mas não
exclusivamente o café foi o responsável pela expansão das ferrovias no Brasil –, e
as necessidades de exportação de bens e capitais dos países centrais, notadamente
o capital inglês, via ferro, aço e financiamento, propriamente dito.
Estes capitais se concentraram cada vez mais nas cidades, formando as
estruturas espaciais de produção, capazes de atrair força de trabalho para o meio
urbano. Em Araguari as ferrovias são vetores fundamentais dessa migração de
braços oriunda do campo, do entorno regional, de outros estados e até de outros
países. Portanto, a ferrovia cumpriu papel fundamental no processo de povoamento,
urbanização e desenvolvimento da cidade, e deixou suas marcas, através das
formas de seus objetos incrustados no espaço urbano.
Este trabalho tem como eixo central de discussão esse urbano, fortemente
induzido por uma corporação industrial na sua relação com a cidade mineira de
17
Araguari. Trata-se, no fundo, da relação capital–espaço, permeada pela ação do
Estado. Defende a idéia de que Araguari constituiu-se, no período 1930 a 1970,
naquilo que denominei de cidade-ferroviária, que está para além e difere do
modelo cidade-empresa, por não tratar-se de um espaço fechado, restrito, em que a
empresa possui controle efetivo sobre a vida dos seus trabalhadores e moradores,
modelo este característico de uma company town.
O que estamos denominando de cidade-ferroviária trata-se de um espaço
urbano produzido socialmente em que os múltiplos aspectos da complexa vida
urbana são considerados, em sua relação com a ferrovia, sem, no entanto, reduzir a
cidade à ferrovia. Portanto, não se trata de reducionismo. Porém, nossa leitura
sugere que, no tempo histórico delimitado nesta pesquisa, a vida sócio-econômica,
política e cultural de Araguari girou em torno do empreendimento ferroviário, ou seja,
a ferrovia teve papel sine qua non na estruturação urbana e no modo de viver a
cidade. Diante disso, é bastante plausível que Araguari seja olhada, analisada,
estudada a partir desse prisma.
Dentro desse embasamento teórico, o trabalho foi desenvolvido a partir da
seguinte estrutura.
No primeiro capítulo, “Gênese e evolução do espaço urbano de Araguari-MG”
o objetivo foi compreender o processo histórico-geográfico que fez surgir a cidade,
sua gênese, e a subseqüente evolução e desenvolvimento do espaço urbano.
Primeiramente, foi descrita sucintamente a cidade ainda sem os trilhos, esboçando a
caracterização física/natural do município e, em seguida, foi focalizada sua história
social que, de “Sertão da Farinha Podre”, evolui para formar a cidade de Araguari.
Um processo lento e gradativo foi estruturando o espaço urbano em substituição ao
sítio natural. É observado também, neste primeiro capítulo, o significativo
crescimento populacional nas primeiras décadas do século XX, o qual pode ser
atribuído à presença das estradas de ferro, que demandou a imposição de infra-
estrutura urbana adequada aos novos tempos. Isso implicou a construção de mais
prédios públicos, escolas, hospitais, casas residenciais. As atividades produtivas
diversificam-se, a agricultura, a pecuária, o comércio e a indústria prosperam; a luz
elétrica chega e o telefone também. É a cidade nos trilhos, se afastando cada vez
mais do ambiente da natureza primeira e configurando uma paisagem mista entre os
artifícios construídos pelo trabalho humano e a natureza dada.
18
No segundo capítulo é traçado um panorama geral do surgimento das
estradas de ferro na Inglaterra, sua importância na afirmação do capitalismo como
sistema hegemônico e sua expansão mundo afora. Neste contexto expansionista, as
ferrovias aparecem no Brasil. Fatores endógenos, ou seja, a economia agro-
exportadora, impunha a necessidade de meios de transportes ágeis para escoar a
produção para o mercado externo. Neste ponto, esboça-se e discute-se a geografia
das estradas de ferro no Brasil, cujo arranjo espacial característico foi a ligação do
litoral às regiões produtoras na velocidade do avanço da marcha pioneira para o
interior. Dessa maneira, as estradas de ferro alcançam o Triângulo Mineiro, e
consequentemente, a cidade de Araguari, trazendo a “ordem do mundo para ordenar
o lugar”. Chega a ferrovia, o “bicho que solta fogo pelas ventas e tem o diabo no
corpo”, a Araguari. Analisamos as implicações espaciais decorrentes desse fato.
O arranjo espacial urbano é gradativamente organizado, segundo as práticas
espaciais das ferrovias. É o momento de expansão urbana e crescimento da cidade,
influenciada diretamente pelas linhas férreas e pelos prédios das estações da Goiás
e da Mogiana. Estes atraem a urbanidade para o seu entorno e vão definindo a
direção por onde a cidade crescerá. Para finalizar o segundo capítulo, discutimos as
crises econômicas do liberalismo e as razões da encampação da EFG pelo governo
federal. Este fato liga-se aos próximos capítulos, quando é feita a análise da relação
da ferrovia com Araguari no contexto do capitalismo antiliberal brasileiro.
O terceiro capítulo, “O ordenamento espacial da cidade e a reprodução dos
ferroviários” analisa os espaços-instituições erguidos pela ferrovia, fundamentais na
reprodução de operários enquanto classe social. Para esta tarefa elegemos alguns
objetos espaciais que faziam parte do complexo ferroviário da Goiás, são eles: a
Escola Profissional Ferroviária, a Escola Técnica de Educação Familiar, a Escola
Carmela Dutra; também escolhemos para efeito desta análise a Vila Ferroviária da
Goiás, o Hospital Ferroviário, a Cooperativa de Consumo e a Associação
Beneficente dos Ferroviários da Goiás. Em virtude da escassez de fontes, alguns
desses objetos espaciais foram analisados de forma mais restrita que outros. Nestes
espaços de reprodução de trabalhadores foram estruturados os preceitos morais e
ideológicos de cunho fordista. As tramas e os dramas da relação ferrovia–cidade se
passavam pós 1930 sob a égide do capitalismo antiliberal brasileiro. A figura do
Estado ganha força e é envolvido também na discussão, pois a EFG, tutelada pela
União, é, a meu ver, um tentáculo do Estado em Araguari.
19
Ainda no terceiro capítulo discute-se o ordenamento espacial urbano, a partir
da legislação urbana de 1938 que estabelecia o perímetro urbano de Araguari.
Foram analisados também os Códigos de Postura do Município, um do ano de 1923
e o outro de 1950. Em ambos a preocupação com a política sanitária e de higiene
pública é enfatizada com veemência. Os Códigos de Postura orientam a
organização do espaço da cidade criando uma espécie de zoneamento urbano, visto
que estabelece os limites das zonas urbanas, suburbanas e a zona especial, ainda
que a variável considerada parecesse ser o adensamento urbano. Cada uma delas
deve obedecer padrões distintos de construções, arquitetura e embelezamento
urbano.
O quarto capitulo, “A constituição de Araguari como cidade-ferroviária no
Brasil”, inicialmente problematiza a idéia de company town, mostrando as confusões
e os equívocos provocados no uso deste conceito que podem incorrer em
generalizações de realidades bem distintas. São mostrados alguns exemplos deste
modelo no Brasil, nas diversas fases do seu desenvolvimento industrial, desde o
final do século XIX até os anos 1980. São observadas as particularidades de
Araguari cuja realidade procura-se mostrar, difere deste modelo. Na última parte do
capitulo, estuda-se a relação da ferrovia com a cidade no período de 1928 a 1978,
considerando o arranjo regional e as disputas pela hegemonia no Triangulo Mineiro
e as implicações espaciais que tiveram a construção de Brasília e o advento do
Batalhão Ferroviário Mauá em Araguari. Encerra a pesquisa a discussão sobre o
desmantelamento e a desmontagem da chamada cidade-ferroviária.
Para a realização do estudo foi estabelecida uma periodização, ou seja, uma
divisão do tempo em períodos, que “são pedaços de tempo submetidos à mesma lei
histórica [...]” (SANTOS, 1996, p. 70). Assim, o recorte temporal da pesquisa é 1896
a 1978. A análise começa com uma Araguari da qual ainda estão ausentes as linhas
de ferro, percorre a Araguari da chegada das ferrovias e suas implicações espaciais
e chega a uma Araguari cujo urbano a caracteriza como uma cidade-ferroviária,
que se esvai no final de 1970. Essa periodização foi estabelecida pelos marcos
histórico-geográficos resultados dos eventos sociais ocorridos e também é recurso
de método analítico-explicativo, que auxilia na reconstituição aproximada do cenário
da cidade no espaço-tempo pretérito a fim de entendê-la em sua dinâmica histórica,
pois, conforme Santos a história da cidade é a história de sua produção
continuada”. (Ibid., p. 70).
20
A metodologia utilizada na elaboração desta pesquisa constitui-se da leitura e
da interpretação de várias fontes documentais histórico-geográficas do Município de
Araguari entre as quais destacamos: periódicos, jornais, revistas, leis, decretos,
documentos, relatos e plantas da cidade. Foram também analisadas obras de
escritores memorialistas, aproveitadas entrevistas feitas por outros estudiosos e
promovidas informais com ex-ferroviários. Ainda foram feitas visitas a campo,
inclusive com a companhia do orientador desta pesquisa. Todos esses passos foram
alicerçados por uma extensa revisão bibliográfica de obras de autores
reconhecidamente importantes e relacionadas ao tema proposto. Essa metodologia
possibilitou a reconstrução dos cenários, das tramas, que compuseram e compõem
o lugar, Araguari, cidade–ferroviária.
21
CATULO I
GÊNESE E EVOLUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM ARAGUARI-MG
I.1 – Caracterização Físico-Natural de Araguari-MG
É da tradição da Geografia, como se pode ver em Mombeig (1941)
3
,
considerar como ponto de partida para qualquer pesquisa urbana o estudo da
posição e do sítio em que se desenvolve a cidade, pois, esta é um objeto ocupando
um espaço determinado, numa situação determinada. Diante disto, faremos uma
caracterização geral da posição geográfica de Araguari no contexto regional,
considerando os aspectos físico-naturais que compõem o espaço Araguarino.
Localizado no nordeste da Mesorregião Geográfica do Triângulo Mineiro/Alto
Paranaíba, na porção oeste de Minas Gerais, a 18º19’ 18º53’ de latitude sul e
47º55’ 48º38’ de longitude oeste de Greenwich, faz fronteira com Goiás ao norte,
com os municípios de Catalão (GO), Anhanguera (GO) e Corumbaíba (GO); ao sul,
com Uberlândia (MG); a sudeste com Indianópolis (MG); a leste, Cascalho Rico
(MG) e Estrela do Sul (MG) e a oeste, Tupaciguara (MG). Possui uma área total de
2.729 Km
2
, assim divididos: zona urbana: 54 Km
2
e zona rural: 2.675 Km
2
. O
território araguarino é representado pela sede e pelos Distritos de Piracaíba,
Amanhece e Florestina, além de cinco comunidades constituídas, cada qual com
seu estatuto e presidente, que são: Campo Redondo, Ararapira, Barracão, Contenda
e Santa Luzia.
Existem também outras localidades, ainda não consideradas como
comunidades constituídas: Alto São João, Piçarrão, Regiões de Bom Jardim, Santo
Antônio e Barreiro.
3
MOMBEIG, Pierre. O estudo geográfico das cidades. Boletim geográfico: Conselho Nacional de
Geografia: IBGE. Ano I, Outubro de 1943, São Paulo-SP.
22
A figura 01 mostra a localização do Município de Araguari no Triângulo
Mineiro, além dos Distritos que a ele pertencem: Piracaíba, Amanhece e Florestina.
L e g e n d a
Araguari
Drenagem
Rodovias
Ferrovias
Distritos
N
MUNICÍPIO DE
ARAGUARI (MG)
E. F. Lima, Base cartográfica 1991.
Folhas topográficas IBGE, DSG
e Imagem TM/Landsat,
Desenho, Adaptação:
Antonio Santiago da Silva - 2007
Organização:
Fábio de Macedo Tristão Barbosa
Represa de
Emborcação
0 150 300
450km
75
52°0'W
48°0'W
44°0'W 40°0'W
14°0'S
18°0'S
22°0'S
MINAS
GERAIS
RJ
ES
SP
GO
BA
Belo Horizonte
R
i
o
P
a
r
a
n
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í
b
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Represa de
Itumbiara
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S
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Cascalho Rico
Araguari
Amanhece
Piracaíba
U
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l
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d
i
a
47°55’w
47°54’w
48°38’w
48°38’w
Limite municipal
0 5 10 15km
Fonte:
M
G
2
2
3
M
G
4
1
3
M
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2
2
3
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9
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0
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5
0
M
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2
2
3
M
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7
4
8
M
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4
3
2
Florestina
F
C
A
F
C
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F
E
R
R
O
B
A
N
G
O
I
Á
S
Araguari
Uberaba
Uberlândia
N
FIGURA 01 – Município e cidade de Araguari-MG
FONTE: Arquivo Público Municipal de Araguari-MG
De acordo com Rosa (1992), a área do município de Araguari faz parte
de um grande conjunto do relevo brasileiro denominado Chapadões
Tropicais do Brasil Central, também denominado de Borda da Bacia
Sedimentar do Paraná onde se verificam os afloramentos: Complexo Goiano
Arqueano, Grupo Araxá Proterozóico Inferior, Formação Serra Geral
Jurássico e Formação Marília – Cretáceo.
23
Os tipos litológicos mais antigos da região correspondem ao Complexo
Goiano, com sedimentos que foram depositados e deram origem a rochas
metamórficas dos Grupos Araxá, Canastra e Bambuí. As rochas mais comuns
nesta área são os granitos, migmatitos e gnaisses. O Grupo Araxá tem como
litologias principais os gnaisses, micaxistos, xistos, quartzitos, quartzos e
mármores, as rochas deste grupo encontram-se bem deformadas devido à
ação tectônica regional. A Formação Serra Geral é caracterizada por rochas
efusivas constituídas por derrames magmáticos de basaltos toleíticos,
amigdalóide no topo e arenitos interpostos aos derrames. Os afloramentos
desta formação podem ser vistos ao longo dos cursos d´água e nas quedas d
´água do município de Araguari. A Formação Marília Grupo Bauru
constitui-se de arenitos finos a grosseiros, mal selecionados, arenitos
argilosos, argilitos, siltitos, conglomerados polimíticos e brechas
conglomeráticas. A feição morfológica resultante desta formação é um relevo
de topo plano e suave com bordas abruptas.
O mapeamento morfológico do município de Araguari realizado por
Rosa (1992) apresenta as seguintes classes de dissecação do relevo: formas
aguçadas, formas convexas e formas tabulares. A maior parte do município
de Araguari encontra-se numa altitude superior a 900 metros, onde são
encontradas as formas tabulares. Conforme Rosa (1992), as formas aguçadas
representam cerca de 5,3% do relevo araguarino, enquanto que as formas
convexas e tabulares ocupam 43,8% e 43,9% respectivamente, o restante 7%
é coberto pela água.
O clima regional apresenta duas estações distintas e bem definidas ao
longo do ano: uma estação seca e fria (abril a setembro) e outra estação
24
chuvosa e quente (outubro a março), com temperaturas amenas devido a
altitude. As chuvas concentram-se mais nos meses de dezembro e janeiro,
as médias anuais ficam em torno de 1500mm. A vegetação que cobre o
município é predominantemente o Cerrado, com suas variações: campo
cerrado, campo úmido e mata de cerrado, entre outras, havendo também
formações florestais matas ciliares, florestas subperenifólias e
subcaducifólias, matas secas, cerradões e veredas.
O Cerrado tem como característica básica ser uma vegetação aberta,
com árvores e arbustos de pequeno porte bem espaçados entre si, que
apresentam caule de casca grossa e áspera; o andar baixo é coberto por um
tapete vegetal herbáceo formado por gramíneas, onde aparecem de forma
rarefeita subarbustos e alguns arbustos baixos.
As matas ciliares ou florestas de Galeria (Floresta Perenifólia) têm
aspecto de cílios e acompanham os vales dos rios ou aparecem em forma de
pequenas manchas, ocupando os vales da rede de drenagem ou as
nascentes. Possui formação arbórea densa, com árvores bem desenvolvidas,
resultado da taxa hídrica elevada dos vales.
As Florestas Subperenifólias constituem uma formação transicional,
abrigando espécies das Florestas Perenifólias, porém com árvores mais
baixas. Ocupam os terrenos menos úmidos dos altos terraços dos rios. As
Matas Secas representam uma formação florestal semidecídua, com fácies do
Cerrado. Ocorrem em locais afastados dos cursos d´água, ocupando
terrenos ondulados, planos e, com menor freqüência, os declives e dorsos de
elevações acentuadas.
25
O Cerradão ou Floresta Xeromorfa está presente em terrenos altos,
planos, ondulados e de pouca declividade, ocupando áreas de Cerrado. Esta
vegetação se desenvolve sobre rochas areníticas recobertas por solos
profundos - latossolos de textura média e argilosa. As áreas de Veredas são
encontradas nas depressões suaves dos terrenos ondulados ou nos fundos
dos vales planos ou achatados, encontram-se em terrenos parcial ou
totalmente brejosos ou encharcados, apresentando solos hidromórficos, mal
drenados e ácidos. O estrato arbóreo é permanentemente verde, sendo
caracterizado pela presença predominante do buriti.
Do ponto de vista hidrográfico, Araguari insere-se dentro da Bacia do
Rio Paranaíba, os principais afluentes deste rio são: o Rio Araguari, também
conhecido como Rio das Velhas, que é o limite natural entre Araguari e
Uberlândia; o Rio Jordão, os Ribeirões Piçarrão e das Araras que são
responsáveis pela drenagem do município de Araguari. Além do Córrego do
Brejo Alegre que divide a cidade ao meio em duas suaves colinas. Este
córrego tem especial importância, pois, foi nas proximidades de suas
margens que se ergueram as primeiras edificações do que viria a ser a cidade
de Araguari.
O desenvolvimento histórico-geográfico da formação espacial desta
cidade é assunto que desenvolvemos no item seguinte, o qual denominamos:
Do sertão da Farinha Podre à cidade de Araguari. Sertão da Farinha Podre é a
região compreendida entre os rios Grande e Paranaíba e somente em 1882 passou
a chamar-se Triângulo Mineiro. A figura 02 mostra bem o início da formação urbana
dessa região.
26
FIGURA 02 – Triângulo Mineiro: Gênese da formação urbana, 1748-1860.
FONTE: Bessa, 2007, p. 20.
27
I.2 – Do Sertão da Farinha Podre
4
à Cidade de Araguari
5
.
Um longo processo histórico-geográfico foi definindo a morfologia atual do
Triângulo Mineiro. Em tempos antigos esse processo implicou em conflitos entre
tribos indígenas e entre indígenas e brancos pelo domínio do território. O resultado,
como no restante do Brasil, foi um verdadeiro massacre de tribos indígenas, entre as
quais podemos citar: Tupis, Tremembés e, por último, os Caiapós, que se
defrontaram com os bandeirantes paulistas, famintos em busca de ouro e prata nas
minas de Goiás e Mato Grosso.
Descrever a evolução sócio-espacial da cidade e seu processo de
povoamento analisar o movimento de espacialização da sociedade araguarina no
decorrer do tempo histórico é necessário para observar-se a organização do espaço
urbano antes do advento das ferrovias, que chegaram quando da elevação da Vila
de Brejo Alegre à categoria jurídico-formal de cidade, agora com o nome de
Araguari, e comparar e acompanhar a continuidade da formação do espaço urbano.
A partir daí a ferrovia impõe nova dinâmica à cidade, influenciando decisivamente no
seu crescimento nas direções nas quais esta avança.
Vejamos como se deu essa evolução a partir de documentos e de
memorialistas locais.
O primeiro núcleo da raça branca em Minas Gerais foi estabelecido
no Triângulo Mineiro, contemporâneo, talvez, da expedição do
Governador Geral do Brasil, D. Francisco de Souza, entre 1597 e
1607. Esse núcleo foi o da aldeia de Sant’anna do Rio das Velhas,
no município de Araguari. As “reduções” que os abnegados e
heróicos padres Jesuítas fundavam para catequizar os índios eram
numerosas. Abrigavam milhares de indígenas que, assim, se
subtraíam ao cativeiro. Essas “reduções”, entre as quais a de
“Guaira” à margem do Paraná, foi destruída pelo celebre Antonio
Raposo, sofrendo formidável campanha da parte dos brancos
escravisadores dos índios, sendo, afinal, totalmente destruídas,
entre 1629 e 1634. Muitos desses núcleos foram construídos à
4
Essa denominação se deu em virtude da decomposição dos alimentos principalmente a farinha
– que os comboios estocavam para diminuir o peso do transporte nas viagens, como o percurso era
longo, era comum encontrar os alimentos estragados ou decompostos. (Histórico do Município de
Araguari, 2006, p. 07-08).
5
A razão do topônimo Araguari ainda é polêmica, pois existem divergências sobre o significado
etimológico deste nome. Segundo consta em Naves & Rios (1988) Araguari era uma espécie de
arara verde, muito comum na região; ou ainda que Araguari é um composto aglutinado de três
palavras indígenas: arara (ara) + guará (guar) + i cuja etimologia significa “rio da terra das araras”.
Outro autor, Costa (1997) considera que “Araguari - Etim. Araguá-r-y, a água ou o rio da baixada
dos papagaios.”
28
margem dos grandes afluentes do Paraná. E é certo que uma das
mais distantes “Reduções” foi a de Sant’anna do Rio das Velhas.
Subiram os denotados Jesuítas do Paraná até a foz do Paranaíba e
por este até o Rio das Velhas, à margem direita, edificaram a
aldeia.
6
Conforme o documento da Diocese de Uberaba, esta foi provavelmente a
primeira investida do europeu na implementação do seu projeto de colonização na
Região do Triângulo Mineiro, sob a forma de expedições religiosas, braço ideológico
do projeto colonial europeu cujo intuito era catequizar o índio, amansá-lo, que o
via como bárbaro e selvagem, o que torna necessário enquadrá-lo no mundo
civilizado. Geralmente, quando esta tentativa de imposição ideológico-cultural
falhava, outras formas de domesticação – soma-se aqui o extermínioentravam em
cena. O importante era limpar a área para a construção de um novo espaço,
concatenado com os desígnios do capital mercantil internacional. Portanto, pode-se
dizer que vem de longe a exploração dessa região de fronteira, que, posteriormente,
seria penetrada pelas bandeiras paulistas. Para Moreira (2005, p. 8), “a formação
espacial inicial do Brasil tem origens na ação de dois fatores da formação do
território: o bandeirantismo e a expansão do gado”.
Local de parada e pousos dos bandeirantes paulistas, o Sertão da Farinha
Podre, ainda na primeira metade do século XVIII, era território pertencente à recém-
criada Capitania de Goiás (1736) até que um decreto real de 1816 incorporou essa
área a Minas Gerais. Situadas no nordeste do Triângulo Mineiro, as terras de
Araguari eram via de passagem das tropas paulistas rumo ao ouro e à prata das
minas goianas e matogrossenses. Os habitantes antigos dessa região foram índios
da tribo Tupi, expulsos em confronto com os Tremembés, que tiveram o mesmo
destino quando foram atacados pelos Caiapós; foram estes últimos que se
depararam com os bandeirantes paulistas no começo do século XVIII.
Entre uma viagem e outra, entre um pouso e outro, foi se geo-grafando a
região, foi se dando o povoamento do homem branco por aqui. Nestas incursões,
“os bandeirantes vão deixando manchas de cultivos e núcleos de futuras cidades
que pontuarão a base logística da sociedade em formação” (MOREIRA, 2005, p.
08). Internamente, após a atividade mineradora, o desenvolvimento da pecuária,
6
Fatos históricos sobre o município de Araguari extraído do “Anuário Eclesiástico da Diocese de
Uberaba”, nº 4 – 1935-1936, 1937. In: Revista: O GUARANI nº 08, Jan. e Fev. de 1953, p. 8.
29
mais precisamente a criação de gado, são o modus estruturantis da organização
espacial do Triângulo Mineiro.
O bandeirante mais conhecido por essas bandas, Bartolomeu Bueno da Silva,
vulgo “Anhanguera”, delineou, no Triângulo, a Estrada Goiaz, “que passava pelo
Porto da Espinha (atual Rio Grande), pelo Porto do Registro (atual Rio das Velhas) e
pelo Porto Velho (atual Rio Paranaíba).”
7
Os primeiros aldeamentos triangulinos
“foram criados com explícita intenção de funcionar como postos de defesa ao longo
da Estrada Goiaz, o que determinou a origem das aldeias do Rio das Pedras
(Cascalho Rico), Santana do Rio das Velhas (Indianópolis)”
8
. As terras onde
atualmente localiza-se Araguari pertenciam ao julgado Desemboque
9
, subjugadas à
Capitania de Goiás.
Em princípios do século XIX foi demarcado pelo comissário de sesmarias da
Região do Triângulo Mineiro, Antônio de Resende Costa, conhecido como Major do
Córrego Fundo, as sesmarias do Serrote e a de Pedra Preta. O terreno
compreendido entre as duas sesmarias passou ao domínio da Igreja, que logo
ergueu uma capela no local, este fato marca os primeiros passos da história e os
limites do primitivo arraial.
Assim, a ocupação do território foi lenta e gradativa. O aldeamento de
Sant’ana do Rio das Velhas enquanto entreposto, foi essencial para o deslocamento
de povoadores para a formação do arraial que se tornaria a cidade de Araguari no
final do século XIX. Anteriormente, o município de Araguari pertenceu, primeiro, ao
Julgado de Araxá, e depois, ao de Paracatu. “Em 1840, uma lei provincial, de 23 de
março, elevou a vila o povoado de Patrocínio, passando as terras de Araguary ao
domínio do julgado de Patrocínio”. (PONTES
10
1938, p. 195, apud, Histórico do
município de Araguari, 2006, p. 12).
Em 1843, o Decreto nº 247 de 20 de julho criou o Distrito de Paz com o nome
Brejo Alegre, conforme indica um dos artigos da referida lei. “Art. 6º - Fica creado um
Destricto de Paz na Freguesia de Santa Anna no Município de Uberaba denominado
Brejo Alegre”. (MAMERI, 1988, p.24).
Essa mesma lei obriga os moradores a construírem uma Igreja Matriz e
ornamentá-la para a celebração dos ofícios divinos, seguindo a regulamentação das
7
Histórico do município de Araguari, 2006, p. 6.
8
ibid. p. 7
9
Desemboque foi expressão dita aos índios pelos bandeirantes querendo dizer: desocupem o
emboque do ouro e o desemboque dos bandeirantes. (RODRIGUES, 1988 p. 05)
10
PONTES, Hildebrando. Anuário Diocesano da Diocese de Uberaba. 20/05/ 1938, p. 195.
30
“Constituições Primeiras do Arcebispo da Bahia”, que governava o clero brasileiro e
estabelecia as posturas da Igreja no Brasil.
As capelas deveriam ser erigidas em sítios altos, “em lugares
decentes”, desviados de lugares sujos, livres dos lados de outras
edificações, afastadas das demais construções e cercadas por um
adro espaçoso. Deveria destacar na paisagem, como “candeia posta
sobre o castiçal, que alumeia a todos.
11
A edificação da capela, em 1864, mesmo ano em que se instalou oficialmente
a Paróquia no Distrito de Brejo Alegre, propiciou a ocupação em seu redor, processo
que ocorreu em muitos municípios brasileiros, como salienta Mombeig, (1941, p. 11),
“o papel das capelas e dos santos nas origens urbanas no Brasil é de muito
reconhecido [...]”. O Distrito de Brejo Alegre passa a pertencer em 1856, à Vila da
Bagagem Diamantina, atual cidade de Estrela do Sul, desmembrada do município de
Patrocínio.
As missas e as festas religiosas possibilitavam o convívio entre as pessoas e
a expansão do povoado, como observa Naves & Rios,
Ao redor da nova sede paroquial foram-se concentrando os
habitantes de Brejo Alegre. As festas religiosas tradicionais da Igreja
foram acontecendo e atraindo romeiros das fazendas próximas, os
quais vinham em caravanas, enchendo momentaneamente o largo
da matriz de gente e carros de bois. (NAVES & RIOS, 1988, p. 17).
A figura 03 ilustra bem o fato, mostrando a grande concentração de pessoas
no Largo da Matriz. Além da prática religiosa, desenvolvia-se nos arredores do Largo
a prática do comércio, possibilitando a compra, a venda e a troca de produtos
cultivados nas propriedades rurais, geralmente gêneros de subsistência. Tendo
tornado-se ponto de concentração religiosa e comercial. É nesse local que se
estrutura o núcleo primitivo da cidade, é nos arredores da Igreja que surgem as
primeiras edificações da cidade.
11
LOURENÇO, 2002 p. 209 apud, Histórico do município de Araguari, Arquivo Público Municipal,
2006
31
FIGURA 03 – Largo da Matriz em 1910.
FONTE: Arquivo Público Municipal de Araguari-MG.
Assim, a configuração do espaço urbano de Brejo Alegre seguia de forma
lenta e gradativa, num formato característico da época: a Igreja emoldurada por
modestas casas, e algumas ruas nas adjacências. A elevação da vila à categoria de
município deu-se em outubro de 1882 com a Lei 2.996, que, em seu artigo 2º,
determinava: “Este município pertencerá à comarca do Rio Bagagem e será
instalado depois que seus habitantes tiverem oferecido à província os edifícios
necessários para a cadêa, casa de câmara e escolas para ambos os sexos.”
(MAMERI, 1988, p. 13). Dois anos depois, em 1884, concretiza-se a autonomia
política da localidade, que já sonhava com a ascensão, de vila a cidade.
A Câmara Municipal requereu junto à Assembléia Provincial que se elevasse
a Vila de Brejo Alegre à categoria jurídica de cidade. Esta Assembléia, então,
solicitou maiores informações sobre a Vila, que foi descrita nesses termos:
[...] 1º que a superfície compreendida dentro da demarcação urbana
desta vila é de um quilômetro quadrado. 2º que existem dentro desta
povoação 130 casas de habitação e dois edifícios públicos a saber:
a casa da Câmara e da Cadeia; e a casa de instrução pública, além
de duas igrejas: a do Senhor Bom Jesus (padroeiro) e a da do
Rosário. que tem esta vila uma Paróquia. que o município
contém uma Paróquia, digo uma freguesia, qual a de Santana do
Rio das Velhas, assim mais o distrito de Paz dos Barreiros na
32
margem do Paranaíba, ainda não estabelecido, posto que criado.
que a superfície da Paróquia desta Vila representa a de 70
quilômetros quadrados, além da demarcação urbana. (MAMERI,
1988, p. 29).
Este documento uma idéia do arranjo espacial da ainda Vila de Brejo
Alegre em fins do século XIX, quando deixou de ser vila e passou a ser considerada
juridicamente cidade a partir da Lei 3591 de 28 de agosto de 1888, momento em
que assume novo nome, passando a chamar-se Araguari. Também passa a disputar
regionalmente com Uberaba e Uberlândia a função de centro regional.
A Região do Triângulo Mineiro integrou-se à economia nacional
primeiramente como “fornecedora marginal de metais preciosos e ponto de apóio
aos núcleos mineradores do Centro-Oeste” (GUIMARÃES, 1991, p. 07). Cumpriu
papel fundamental neste processo a “Estrada de Goiáz” ou “Estrada do
Anhanguera”, que articulava esta região à capitania de São Paulo, promovendo o
fluxo de mercadorias e pessoas entre estas regiões. Com o declínio da atividade
mineradora, o desenvolvimento da pecuária mais precisamente a criação de gado
na primeira metade do século XIX passou a ser o modus estruturantis da
organização espacial do Triângulo Mineiro, e Uberaba assume a primazia na
incipiente rede urbana regional.
É então por meio da atividade pecuarista e do comércio de sal que a Região
do Triângulo Mineiro, guiada por Uberaba, intensifica as relações comerciais,
integrando às redes urbanas de São Paulo e Rio de Janeiro. Conforme Bessa (2007,
p. 20), “Nessa dinâmica, Uberaba apareceria cumprindo papel de centro regional e
de intermediação entre o sertão e o litoral [...] pela comercialização do gado e do sal,
principais produtos deste circuito”.
Do final do século XIX e, sobretudo nas primeiras décadas do século XX, os
meios de transportes aparecem como os novos elementos da reorganização
espacial do Triângulo Mineiro, como destaca Bessa,
[a] convergência entre Uberaba, Araguari e Uberlândia foi
desencadeada pelo aperfeiçoamento da infra-estrutura de
transporte, que possibilitou a ampliação das atividades urbanas,
com destaque para o comércio, e também das atividades
agropecuárias, aumentando as interações espaciais, que, numa
relação de causa e efeito, acabaram por fomentar ainda mais tais
atividades, incorporando novos centros aos circuitos comerciais, que
prioritariamente, demandavam de São Paulo. (BESSA, 2001, p. 22).
33
Os novos rumos postos a partir da presença das ferrovias, sobretudo quando
seus trilhos alcançam Araguari (1896), diversificaram sobremaneira o comércio, de
Araguari e Uberlândia, que abrangeriam novas áreas de influência, enquanto
Uberaba se especializava na criação de gado. Essas transformações acabaram,
conforme Bessa, elevando Araguari e Uberlândia, na disputa com Uberaba, aos
principais centros urbanos do Triângulo Mineiro.
No mesmo sentido que Bessa, Guimarães esclarece que “o auge uberabense
teve seu primeiro retrocesso quando, no final de 1896, a linha férrea Mogiana tocou
a ponta dos trilhos no município de Araguari” (GUIMARÃES, 1991, p. 19), que
assumiu funções de entreposto comercial entre o Sul e o Sudeste de Goiás com o
mercado de São Paulo. Dessa maneira, o município de Araguari se projeta como
pólo econômico regional e, a partir de 1897 dividirá com Uberaba o domínio do
Brasil-Central” (ibid., p. 19), conforme observa-se nos dados da tabela 01.
Tabela 01
Comércio no Triângulo Mineiro (1904-1905)
MUNICÍPIOS
NÚMERO
DE ESTABELECIMENTOS
VENDAS
ANUAIS
Araguari 23 1.260:000$000
Araxá 50 500.000$000
Monte Alegre 28 326:500$000
Monte Carmelo 36 443:000$000
Patrocínio 63 389:000$000
Sacramento 87 1.304:000$000
Uberaba 88 5.198:000$000
Uberabinha 11 672:000$000
FONTE: JACOB, Rodolpho. Apud, GUIMARÃES, 1991, p. 21.
A tabela 01 mostra, a hegemonia uberabense, mas aponta também Araguari
como uma economia emergente, favorecida pelo fato de ser o ponto final da linha
Mogiana, enquanto Uberabinha (Uberlândia) ainda não possuía a mesma expressão
econômica de Uberaba e Araguari. A pujança do comércio, observada na tabela, é
um indicativo do desenvolvimento urbano-regional nos primeiros anos do século XX.
Enquanto Uberaba e Araguari se fortaleciam como entreposto comercial
ferroviário, como “uma estrutura urbana e uma estratégia comercial completamente
dirigida pela lógica do transporte ferroviário” (BRANDÃO, 1999, p. 17), Uberlândia
34
que localiza-se entre estas duas cidades desenvolveu-se em função das rodovias,
com a criação da Companhia Mineira Autoviação Intermunicipal (CMAVI) em 1912,
uma empresa privada de transportes interurbanos, que foi segundo Brandão,
[...] um importante ‘divisor de águas’ da história do Triângulo. Com a
implantação desta, são assentadas as bases da diferenciação do
comércio de Uberlândia via-à-vis o dos outros centros comerciais do
Triângulo. (BRANDÃO, 1999, p. 15)
Além da implantação desta empresa de transporte rodoviário, outro fator
importante nesse processo foi a construção da ponte rodoviária Afonso Pena em
1909 sobre o Rio Paranaíba, com a qual, segundo Guimarães, “Uberabinha
[Uberlândia] seria então privilegiada, indiretamente, pelo Governo Federal, [...] que
[a] colocava em estreito contato de comércio com todo o sudoeste de Goiás.”
(GUIMARÃES, 1991, p. 27). A demanda gerada pela expansão da atividade
industrial e o crescimento urbano, principalmente da capital paulista, sobretudo de
1930 em diante, “possibilitou, de um lado, a expansão da agropecuária, e, de outro,
um aumento do consumo de produtos industrializados, intensificando a vida de
relações ainda restrita à padrões eminentemente regionais” (BESSA, 2007, p. 23),
reforçando ainda mais a disputa entre os principais centros urbanos do Triângulo.
I.3 – Sítio e Estrutura da Cidade
A posição da cidade de Araguari deve-se à escolha deste sítio como ponto de
pouso pelas bandeiras paulistas. Localizada na área centro-sul do município, ocupa
seu núcleo primitivo a vertente não muito íngreme da margem direita do Córrego
Brejo Alegre, que lhe dava o nome anteriormente Vila de Brejo Alegre, depois
cidade de Araguari. Em suas proximidades, o ambiente construído foi lentamente
tomando forma. A Igreja Matriz no centro, emoldurada pelas casas dos fazendeiros.
O tempo avança e a cidade expande-se, primeiramente, rumo ao sul do núcleo
antigo. destaca-se a Praça Manoel Bonito, seu ponto central. Em seu entorno foi
se configurando uma zona comercial varejista e de prestação de serviços, que
concentrava lojas dos mais variados artigos e produtos, além de escritórios de
35
advocacia, contabilidade, hospitais, clínicas médicas e odontológicas, cinemas,
hotéis e estabelecimentos bancários, além de bares e restaurantes.
Dentre as ruas com maior movimento, acham-se a rua Dr. Afrânio e Rui
Barbosa, próximas à praça, que concentram os maiores, melhores e mais
diversificados estabelecimentos comerciais e de serviço (perfumarias, lojas de
eletrodomésticos e de informática, joalherias, óticas, livrarias, restaurantes, clínicas
médicas e dentárias, escritórios de contabilidade, estabelecimentos bancários etc.).
Nesse núcleo um número significativo de edificações com mais de dois andares.
Destaca-se também a Rua Tiradentes (construída em 1938) com importante
concentração de equipamentos de serviços (Banco do Brasil, Caixa Econômica
Federal, Hospital São Sebastião etc.) e estabelecimentos comerciais.
Em outras vias também ocorrem equipamentos terciários, porém de modo
mais disperso. Podem ser mencionadas as Ruas Rio Branco (hospital, mercearias,
correios) e Afonso Pena (hotel, confecções etc). O tecido urbano, em função da
topografia favorável, expande-se em quase todas as direções, conforme figura 04,
com traçado urbano predominantemente ortogonal, tipo tabuleiro de xadrez plano
confeccionado pelo engenheiro da Mogiana no final do século XIX cujas linhas
retas conferirem certa monotonia à paisagem urbana.
FIGURA 04 – Vista aérea de Araguari, 1935.
FONTE: Arquivo Público Municipal de Araguari-MG
36
A expansão espacial da cidade na primeira metade do século XX pode ser
melhor compreendida pela planta da cidade, conforme figura 05. Esta planta,
confeccionada no ano de 1944, preserva as características essenciais do plano
original confeccionado pelo engenheiro alemão da companhia Mogiana de Estrada
de Ferro, Achiles Widulick, e permite observar a espacialização da sociedade
araguarina desde seus primeiros tempos até pelo menos os anos 1950. Nela
percebe-se a organização interna da cidade, expressa pela distribuição das
atividades urbanas, que variou de acordo com as fases de desenvolvimento e
dinamismo da cidade.
37
100 20 40
50km
EXPANSÃO URBANA DE ARAGUARI - MG
Fonte:
Base cartográfica Planta geral
da Cidade de Araguari - 1944, Prefeitura Municipal.
1:10.000,
Desenho, Adaptação:
Antonio Santiago da Silva - 2008
Organização: Fábio de Macedo Tristão Barbosa
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1
1 Núcleo primitivo
2 Expansão Sul do núcleo primitivo
3 Expansão Oeste da Cidade
2
3
FIGURA 05 – Expansão Urbana de Araguari-MG
FONTE: Arquivo Intermediário da Prefeitura Municipal de Araguari.
38
A área 1 representa o sítio de formação antigo e reflete ainda os primórdios
da formação da cidade, cujo elemento espacial importante foi a edificação da Igreja
Matriz, à qual cabia a função religiosa e celebração de cerimônias de casamentos,
numa economia de subsistência com bases estritamente rurais. A sede religiosa
permitia uma certa aglomeração de pessoas em seu entorno, principalmente em
decorrência das festas religiosas que ali se realizavam. Os fazendeiros e senhores
de posses não demoraram a instalar seus casarões em estilo colonial nas
adjacências da Igreja; este é então, o embrião da vida urbana de Araguari.
A presença das ferrovias, que dinamiza a economia regional/local, atraindo
pessoas e mercadorias, possibilitou o florescimento e a expansão, ao sul, do núcleo
primitivo da cidade, formando um diversificado centro comercial varejista. É isto que
a área 2 vista na planta da cidade evidencia; ou seja, o processo de centralização da
atividade comercial e sua forma espacial, que é a área central da cidade. Nas Ruas
Dr. Afrânio e Rui Barbosa concentravam-se as principais atividades comerciais,
algumas indústrias, bancos e outros serviços urbanos importantes. É também, na
área central, onde as classes abastadas de Araguari vão morar.
A área 3 da planta da cidade demonstra que o crescimento urbano inclinou-se
rumo à vertente do outro lado do córrego que corta a cidade, oposta ao núcleo
primevo. Esta expansão foi fortemente induzida pela presença das estações
ferroviárias da companhia Mogiana de Estradas de Ferro e da Estrada de Ferro
Goiás, bem próximas uma da outra. Corrêa (1989) aponta que em muitas cidades, “a
localização dos terminais ferroviários dentro das grandes cidades fez-se o mais
próximo possível um do outro [...] isto garantia diminuição dos custos de transbordo”
(CORRÊA,1989, p. 38). Embora o autor se refira às grandes cidades, esta a lógica
da economia e do processo de acumulação capitalista, dá-se da mesma forma em
Araguari, onde os dois terminais ficavam a uma distância de aproximadamente 500
metros no mesmo alinhamento.
Nos arredores das estações não demoram a surgirem hotéis, pensões,
restaurantes e bares, armazéns para depósito de carga, máquinas de
beneficiamento de arroz, fábricas diversas etc., muitos destes estabelecimentos
concentravam-se na Rua da Estação, devido à proximidade dos terminais
ferroviários, enquanto outros se fixavam ao longo da linha férrea. A construção das
escolas ferroviárias da Goiás, das oficinas, do armazém de cargas, do hospital
ferroviário, do núcleo residencial para os funcionários da EFG, da praça dos
39
ferroviários etc. compõe o cenário urbano-ferroviário mais importante desta zona da
cidade.
Com isso, pode-se dizer que esta área da cidade vai ganhando a forma de um
subcentro, a partir da descentralização de algumas atividades comerciais, que
convergem para este bairro. Neste processo de desconcentração do comércio do
centro tradicional, destaca-se a presença de uma variedade de atividades urbanas
como: postos de gasolina, lojas de confecções e de calçados, armarinhos, bares,
supermercados, churrascarias, pizzarias, materiais de construção, lojas de artefatos
agropecuários etc. Dessa maneira, o Bairro Goiás, reduto ferroviário, que tem sua
origem na criação da Vila Ferroviária da Goiás, foi-se firmando enquanto subcentro
urbano importante.
I.4 – Crescimento Populacional
Oito anos depois da emancipação da cidade, outro evento histórico-social
veio equipar com novo conteúdo técnico o espaço urbano de Araguari. Em 15 de
novembro de 1896 se fizeram presentes na paisagem urbana de Araguari os trilhos
da Mogiana e, em 05 de março de 1906, a Estrada de Ferro Goiás, embora,
somente em 1909 tenha tido início a implantação dos trilhos da Goiás. A construção
do prédio da Estação Ferroviária de Araguari marcou o início dos trabalhos,
conectando posteriormente Araguari a Catalão. Araguari torna-se importante
entreposto comercial de produtos oriundos de parte da região central do Brasil rumo
aos portos de Santos e Rio de Janeiro. As ferrovias também estimularam a vinda de
pessoas contribuindo decisivamente para o aumento da população de Araguari,
conforme tabela 02.
Tabela 02
Crescimento demográfico de Araguari – 1890-1929.
ANO POPULAÇÃO
1890 10.000
1900 10.633
1907 19.152
1910 20.325
1920 27.729
1929 35. 046
FONTE: Anuário Estatístico de Minas Gerais, 1929.
40
Analisando os dados apresentados nesta tabela, verifica-se que o
crescimento demográfico de Araguari ocorrido na última década do século XIX é
insignificante. Porém, na segunda metade da primeira década do século XX, a
população dobra de tamanho em relação ao ano de 1900; em 1910 a população é
de mais de 20 mil habitantes, fato cuja explicação deriva da presença das
companhias ferroviárias, Mogiana e Goiás no município. Porém, em nenhum outro
momento até o ano de 1929, ocorre um aumento populacional abrupto da cidade,
que se mantém estável.
Em 1920 a população de Araguari alcança 27.729 habitantes, ou seja, é
quase três vezes a população do final do século XIX, crescendo sensivelmente até o
último ano dessa mesma década. Em 1929, cerca de 35.046 habitantes compõem a
população de Araguari, um acréscimo populacional de mais de 15 mil habitantes em
relação a 1910.
Novas mudanças são realizadas no espaço urbano, agora sob o efeito do
Decreto-Lei 21 de 19 de julho de 1938 que dispõe sobre a delimitação das áreas
urbanas e suburbanas de Araguari e de suas respectivas vilas, de Piracaíba,
Amanhece e Santana do Rio das Velhas. É um momento de expansão comercial
progressiva; figuram na paisagem urbana casas comerciais dos mais variados
artigos (acessórios para automóveis, ferragens, tecidos, relojoaria, vestuários da
moda, calçados, móveis, alimentos etc), bares, confeitarias, restaurantes. Mascates
e caixeiros viajantes vinham de todo lugar.
Conforme Santos, “o período compreendido entre 1900 a 1935 é o da
mecanização do território brasileiro e também sua motorização, com a extensão, em
sistema com os portos, de linhas ferroviárias”. (SANTOS, 2001, p. 38). É o que
estava ocorrendo nesse momento em Araguari.
Araguari adentra os anos de 1950 com uma população estimada em 43.305
12
habitantes, o que representa uma densidade demográfica de 15,8 hab./km
2
. 25.661
habitantes residiam na zona urbana, o que representa, portanto, 60% da população
total, enquanto 17.644 moravam na zona rural, cerca de 40% da população.
Comparando-se esses números aos apresentados por Santos (1994), referentes ao
índice de urbanização no Brasil no ano de 1950, nos quais consta que 18.783.000
brasileiros viviam na zona urbana, o que equivale a uma taxa de urbanização de
12
Censo Demográfico, IBGE, 1950.
41
36,16 %, conclui-se que o índice de urbanização de Araguari, no mesmo período, é
muito superior à média nacional.
Assim, Araguari se coloca nesse momento (1950) entre as poucas cidades do
interior do Brasil com população superior a 40.000 habitantes. Nesse processo,
tiveram papel central as ferrovias que cortavam o município, sobretudo a Estrada de
Ferro Goiás, que possuía em seu quadro mais de mil funcionários, muitos oriundos
de outros estados e municípios, bem como da zona rural. Porém, é preciso
considerar também a própria dinâmica do movimento da população brasileira que,
cada vez mais, procurava as cidades para viver e trabalhar. No Brasil, conforme
Santos (1994), de 1940 a 1950 há um incremento de 10% no índice de urbanização,
média de crescimento que se mantém até o início dos anos 1990.
Desde o alvorecer do século XX até meados do mesmo, é significativo o
crescimento populacional da cidade, por pessoas vindas do meio rural, das cidades
circunvizinhas, de outros estados da Federação e até mesmo de outros países. Esse
movimento migratório, certamente, contribuiu para o aumento da população da
cidade de Araguari, o que impõe de certa forma a necessidade de dotar o espaço de
infra-estrutura, escolas, hospitais, bancos, casas comerciais, entre outros
equipamentos e serviços urbanos primordiais para desenrolar da vida na cidade.
Neste sentido, observa-se que o processo de urbanização não pode ser visto
estritamente do ponto de vista quantitativo aumento da população urbana. É,
sobretudo, um fenômeno também qualitativo quando observadas suas implicações
no espaço e nas relações sociais.
I.5 – Evolução Sócio-Espacial de Araguari
O começo do século XX foi marcado pelo início do crescimento
econômico da cidade de Araguari [devido a essa ser ponta de
trilhos]. A atuação da Câmara Municipal foi decisiva no processo de
configuração do município, desde sua instalação (1884), o poder
político e administrativo foi estabelecido na vila. Eleições
determinaram a composição da 1
a
Câmara, sendo a escolha do
Agente Executivo moldado segundo costume da época: o vereador
mais velho ocupava o posto de Presidente da Câmara e Agente
Executivo.
13
13
Dossiê de Tombamento do Conjunto da Estrada de Ferro Goiás – Tombado pelo Decreto nº 010 de
10 de fevereiro de 1989 e reiterado pelo Decreto 013 de 03 de abril de 1998. Divisão de
Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Araguari
42
Como se vê, a preocupação do Estado em relação à organização do espaço
urbano aparece mesmo antes de Araguari alçar-se ao status jurídico de cidade. A
primeira legislação que definiria a delimitação do perímetro urbano da cidade ocorre
ainda no final do século XIX. A implementação de leis municipais, responsáveis por
gerir seus munícipes, empenha-se, então, no estabelecimento de uma organização
territorial intra-urbana, delimitando o perímetro urbano e definindo espacialmente o
que seria e o que não seria área urbana. Mameri descreve o processo da seguinte
maneira:
Desde os primeiros habitantes que para vieram, nas primeiras
décadas do século 19, cada um procurou assenhorear-se de
terrenos, quanto mais melhores, para neles instalar residência e as
casas comerciais. Em volta eram as propriedades rurais, a perder-se
de vista pela sua imensidão e que foram depois sendo divididas,
como conseqüência de heranças ou vendas parciais. Com o
aumento da população, tornou-se necessária a construção de
mais prédios, o que obrigou a Câmara Municipal e agente
executivo a tomar providências, no sentido de defender o
traçado da cidade (Grifo nosso) (MAMERI, 1988 p. 36).
O crescimento populacional significativo e o processo de urbanização em
marcha aumentaram sensivelmente a demanda por material de construção para
erguer prédios públicos, escolas, hospitais, casas residenciais e comerciais etc., o
que levou ao surgimento de muitas olarias, a primeira delas, uma fábrica de adobes
de propriedade do Sr. Joaquim Gonçalves Goulart, em 1885, em terreno doado pela
Câmara Municipal nas proximidades do Córrego Brejo Alegre. Porém, as
características físicas do solo e a grande quantidade de argila levam as olarias a se
concentrarem na comunidade rural conhecida como Fundão. Segundo Borges
“essas olarias representavam as maiores empregadoras do Fundão e entre as
maiores de todo o município de Araguari”. (BORGES, 2006, p. 62). Diz-se que o
Fundão construiu Araguari, pois de lá, “vinha cerca de 50 mil tijolos todos os dias
para Araguari, essas casas aqui é tudo tijolo do Fundão
14
”. Esta nova atividade
produtiva as olarias dinamizou a vida social e a movimentação de pessoas e
mercadorias nesta comunidade, aumentando a circulação pelas estradas vicinais e
pelas linhas de ferro.
14
(Entrevista com o senhor Diniz Farina, realizada no mês de abril/2005 na cidade de Araguari-MG.
Apud, Borges. J., 2006, p. 63).
43
Com a urbanização, foram sendo tomadas medidas para codificar a cidade,
atribuíram-se nomes às ruas, avenidas e praças, enumeraram-se as casas, os
edifícios públicos e privados, entre outros. Em 14 de agosto de 1885 os vereadores
propuseram a denominação das ruas e praças e a numeração das casas. Foi o
‘Primeiro Batismo das ruas da cidade’. A denominação das ruas deu-se da seguinte
maneira:
[...] À rua em que mora o cidadão José Pires Bravo, com o nome
RUA 31 DE MARÇO À rua de baixo chamar-se-ha RUA DIREITA.
À rua em frente à caza da camara municipal chamar-se chamar-se-
ha RUA MUNICIPAL. À rua antiga da Silveria, chamar-se-ha RUA
THEOPHILO OTTONI. À rua partindo do largo da Matriz e vai ter ao
largo do Rozario, chamar-se-ha RUA DO MONTADON. À que
partindo da caza do cidadão José Rodrigues Alves para sima até a
caza do cidadão José Francisco dos Reis, chamar-se-ha RUA DO
OLEGARIO. À que partindo do largo da Matriz e vai ter na que se
denominou Direita, chamar-se-ha RUA SETE DE SETEMBRO. À
rua em que passa pela estiva de sima, chamar-se-ha RUA DO
COMÉRCIO. A rua que comessa da caza de Lucas de Carvalho e
segue por baixo do rego dagua, chamar-se-ha RUA DO BREJO. A
rua que parte da caza em que mora Pereira Cardoso para baixo,
chamar-se-ha URUGUAYANA. A que partindo da caza do vigário
João Carneiro, para sima chamar-se-ha RUA DE GOYAZ. (NAVES
& RIOS, 1988, p. 25).
Na verdade, este parece ser não o “primeiro batismo das ruas da cidade” e,
sim, o segundo batismo ou o batismo oficial dado pelo Estado. Um primeiro batismo
existia, este de cunho popular, dado pelos próprios moradores do lugar, que
identificava as ruas pelo nome de seus moradores, “rua onde mora o cidadão José
Pires Bravo” ou “rua em que mora Pereira Cardoso” etc. Este costume vai se
perdendo à medida em que avança o processo de urbanização e crescimento da
cidade, que coloca novas necessidades para a vida urbana.
[...] Em 17 de outubro de 1901, a Lei 96 mudou de números para
nomes a denominação das ruas. Assim, a Rua 15 passou a ser
chamada de Rio Branco, a de n° 18 tornou-se Rua da Estação (esta,
em 1928, pela Lei 439, passou a denominar-se Marciano Santos,
como homenagem ao ex-prefeito); a de 19 passou a chamar-se
Rua do Comércio (A Lei 255 de 1923 mudou a denominação para
Rua Rui Barbosa); a rua n° 23 tornou-se Avenida Tiradentes, a de n°
26 – Rua Estrela do Sul; a de 29 passou à Rua da Matriz; e a rua
46 recebeu o nome de Bôa Vista (hoje, Joaquim Aníbal); e
finalmente, a Rua 50 passou a denominar-se Rua da Glória [...] A
Lei 96 também deu denominação às avenidas, tais como Avenida
44
São Paulo, Espírito Santo, Mato Grosso, Minas Gerais e Avenida
Bahia [...]. (ibid., p. 169).
O arranjo espacial vai-se delineando no decorrer do tempo e a sociedade se
tornando mais complexa. O processo de espacialização da sociedade vai
gradativamente evidenciando as diferenças e desigualdades sociais; as classes
sociais vão se materializando no espaço físico da cidade, dividida pelo Córrego
Brejo Alegre, que divide também as classes sociais: numa margem os abastados, na
outra os despossuídos. Os espaços públicos e privados vão se delineando, em
prejuízo dos despossuídos, o que pode ser confirmado pela citação que segue:
[...] os abastados ocuparam o perímetro próximo ao Largo da Matriz
e adjacentes, construindo ano após ano ‘palacetes’ aos moldes da
época com materiais importados da Europa [enquanto que] o setor
periférico foi emoldurado pela classe desapropriada do poder
político e econômico, nitidamente localizada oposta ao Largo da
Matriz, separada fisicamente pelo córrego que dividia a cidade
denominado Córrego Brejo Alegre. Com edificações singelas estilo
colonial, a parte oposta ao centro da cidade era servida
religiosamente pela Capela de N. Sra. do Rosário, construída
para acolher a população negra e os menos afortunados.
15
(Grifo nosso)
As intervenções urbanas, desde a figura do “Alinhador”, do plano do
engenheiro Widulick e das posteriores intervenções da administração local, vão
alterando a relação da população com a cidade. Uma maneira de viver o urbano vai
sendo instituída. Animais soltos pelas ruas, como porcos, cabritos e carneiros,
tornam-se indesejáveis devido a sujeira que causam e passam a preocupar a
administração pública que proíbe a criação desses animais dentro do perímetro
urbano, conforme a legislação vigente, Lei nº. 271, de 1923:
Art. 55 - São prohibidos, dentro do perímetro especial, estábulos,
estribarias, pocilgas e quaesquer outras constucções cujo destino
seja prejudicial à saúde pública, salvo se obedecerem aos requisitos
exigidos pelo regulamento de polícia sanitária
16
.
15
Dossiê de Tombamento do Conjunto da Estrada de Ferro Goiás – Tombado pelo Decreto nº 010 de
10 de fevereiro de 1989 e reiterado pelo Decreto 013 de 03 de abril de 1998. Divisão de
Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura Prefeitura Municipal de Araguari
16
Regulamentação das construções, reconstruções e demolições de obras na cidade de Araguari.
Lei nº. 271 de 03 de novembro de 1923.
45
A municipalidade age por meio da lei no disciplinamento do uso do espaço
público, o que interfere diretamente nos modos de vida urbana. Estas interdições
mostram claramente que havia uma forte preocupação com a higienização social, à
moda do que acontecia noutras cidades brasileiras. A retirada dos animais das ruas
e a proibição de criá-los tornam mais cruel a vida dos pobres da cidade, que são em
grande medida, os que praticavam estas atividades. Os “animais humanos”
mendigos, leprosos, doentes infecto-contagiosos também não escapam, são
“convidados” a deixarem o espaço público, para isso servem as casas de caridade e
os leprosários.
Percebe-se também o cuidado com a estética urbana, principalmente dentro
do chamado “perímetro especial” da zona urbana: códigos específicos determinam
padrões para construção de edificações nesta área da cidade. Fica evidente a
influência dos projetos de melhoramento e embelezamento urbano executados nas
grandes cidades brasileiras, como no Rio de Janeiro no início do século XX com a
reforma urbana de Pereira Passos de 1903-1906. Isto demonstra que as elites locais
estavam “antenadas” com os acontecimentos distantes.
A construção de praças, como a da Matriz – a primeira construída na cidade
e a Praça Manoel Bonito no centro da cidade, também faz parte do projeto de
embelezamento urbano de Araguari. As Praças se configuraram como espaços de
manifestações sociais e religiosas; bandas tocavam aos domingos e as quermesses
e festas de São Sebastião, Divino Espírito Santo e outras lotavam a Praça da Igreja.
Os prédios das estações ferroviárias eram também espaços do ficar, não do sair
e do chegar da viagem, constituíram-se em locais de encontro das pessoas; estes e
outros espaços públicos que permitiam o convívio coletivo e o encontro dos citadinos
vão caracterizando um modo de vida urbano. Outro elemento da modernidade
presente em Araguari foi a criação do Parque Municipal Siqueira Campos, que nos
anos 1970 recebeu nova denominação passando a chamar-se: Bosque John
Kennedy. (Ver figura 06).
46
FIGURA 06 – Interior do Bosque John Kennedy.
FONTE: http://www.araguari.mg.gov.br/secretarias/faec/patrimonio/links/bosque/3.html. Acesso em
15 de Junho de 2008.
A conservação deste remanescente foi “decretada por parte do poder público
em 1899 [...] compreende 11,7 ha. e pode ser considerada, devido sua flora, uma
remanescente da vegetação arbórea que outrora existiu
17
”. É uma das maiores
reservas urbanas de Minas Gerais e foi importante na formação da estética urbana
de Araguari. Esta medida tomada em torno da idéia de conservação de área verde
em ambiente urbano é mais um exemplo da sintonia da elite dirigente araguarina
com o que estava se passando noutras partes do Brasil e do Mundo.
Historicamente, parques e jardins estão associados a uma determinada
concepção de natureza, e nos remetem aos jardins italianos do século XVI,
momento de transição de uma visão de natureza que, de hostil, passa a ser
contemplada a partir de uma visão romântica. Por isso, começavam a ser
valorizados em ambiente urbano, pois “os parques passam a ser fragmentos da
natureza no meio urbano” (FERREIRA, 2005, p. 21). É a partir das transformações
culturais, econômicas, sociais, da valorização da razão científica e da natureza no
17
Dossiê de Tombamento do Conjunto da Estrada de Ferro Goiás Tombado pelo Decreto nº. 010
de 10 de fevereiro de 1989 e reiterado pelo Decreto nº. 013 de 03 de abril de 1998. Divisão de
Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura Prefeitura Municipal de Araguari
47
âmbito do Renascimento, que os parques e os jardins surgem como elemento da
estética urbana.
No século XVIII, os jardins Europeus buscavam imitar fielmente a natureza,
“surgindo assim a idéia de ser um ‘autêntico parque natural’ [...] que deve ser uma
fonte de sensações e surpresas” (ibid., p. 22). No final do século XVIII e início do
século XIX, “aparecem os primeiros espaços ajardinados projetados para uso
público, os jardins e também os primeiros parques urbanos” (ibid., p. 22). O avanço
do processo de industrialização e urbanização distancia o homem citadino do
contato com o ambiente da natureza natural, ou primeira natureza, revalorizando
ainda mais o interesse pela implantação de parques e jardins urbanos.
No Brasil, conforme Terra
18
, (2004, apud Ferreira, 2005, p. 24), a prática de
“implantação de áreas verdes surge no final do século XVIII no Rio de Janeiro e,
durante o século XIX, em diversas outras cidades, aliada ao discurso higienista e à
preocupação com a paisagem e a arborização”. Os primeiros parques urbanos
criados no Brasil localizavam-se na cidade do Rio de Janeiro, são eles: o Passeio
Público, o Campo de Santana e o Jardim Botânico.
Estas áreas verdes encravadas nas cidades são tidas como fontes benéficas
à saúde da população urbana, desempenham o papel de pulmão da cidade, são
espaços bucólicos, contemplativos, onde o ar puro é abundante. O Bosque John
Kennedy em Araguari cumpre esta função. O Parque sofreu algumas remodelações
nos anos (19)70 que o adaptaram à prática de exercícios físicos. Foram construídas
passarelas para caminhadas e ciclovias para bicicletas, foram instalados aparelhos
de ginástica e construído campo de futebol; banheiros públicos também foram
implantados e canalizada a água tratada. Foi instalado um espaço cultural, área para
promoção de festas e parque infantil, além de bar e restaurante. Constituiu-se,
assim, em espaço público de lazer, contemplação, meditação e recreação para a
coletividade em geral, além, é claro, de amenizar os efeitos do sol forte. Dessa
forma, sua contribuição vai além da estética urbana e inclui outras dimensões da
vida cotidiana, influenciando na qualidade de vida da população em geral, pois trata-
se de um espaço público de livre acesso, podendo ser apropriado através do seu
uso pelos moradores da cidade. Entretanto, alguns grupos sociais certamente foram
mais beneficiados, pois, possivelmente a criação desta área verde valorizou muito
18
TERRA, C. G. (Coord.).; VASCONCELLO, V. M. (Apres.).; ANDRADE, R. TRINDADE, J. A. da.;
BENASSI, A. H. Arborização: Ensaios historiográficos Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, 2004.
48
os imóveis e os terrenos do bairro onde o Bosque está localizado, que se tornou
uma área residencial privilegiada para se morar em Araguari.
No núcleo central da cidade, intensificou-se a concentração das atividades
comerciais, principalmente na Rua do Comércio (atual Rua Dr. Afrânio) e Rua Rui
Barbosa concentrava-se grande parte dos estabelecimentos comerciais existentes.
Nas proximidades dos trilhos das companhias ferroviárias, Mogiana e Goiás
estavam instalados inúmeros estabelecimentos, como máquinas de beneficiar arroz,
armazéns, pensões etc. O crescimento e a diversificação gradativas do comércio
local logo implicariam na regulamentação da atividade junto aos órgãos oficiais: o
registro das firmas e a regulamentação dos horários de funcionamento dos
estabelecimentos comerciais. A definição da jornada de trabalho regular dos
empregados do comércio gerou disputas entre os comerciantes e seus empregados.
No início do século XX, os horários de entrada e saída do trabalho ficavam a cargo
do dono da propriedade. Os empregados trabalhavam das 07:00 da manhã até às
21:00 horas ou mais; não havia descanso aos domingos e feriados.
Esse conflito levou, em 1913, à criação da Associação dos Empregados do
Comércio de Araguari, que, em reunião, delibera e resolve “enviar à Câmara
Municipal de Araguari pedido de aprovação de Lei impondo horário para o comércio,
nos dias úteis: abertura às 7 da manhã; encerramento das atividades às 9 da noite”
(MAMERI,1988, p. 95). Em 12 de fevereiro de 1916 o poder executivo local, na
figura do Tenente-Coronel Adalardo Alberto Pereira Cunha, aprovava a Lei nº. 182,
que rezava o seguinte:
Art. - Os estabelecimentos comerciais de fazendas, ferragens,
armarinhos, molhados e outros gêneros desta cidade, ficam
obrigados a fecharem as portas dos referidos estabelecimentos às
vinte e meia hora;
Art. - Todos os empregados dos estabelecimentos comerciais
serão obrigados a estarem nos estabelecimentos referidos às sete
horas. (Ibid., 1988 p. 96)
Anos mais tarde, em Janeiro de 1927 o Projeto de Lei nº. 2 acirra ainda mais
as divergências entre empregados e patrões do comércio. Seu artigo primeiro diz
que “Nenhum estabelecimento comercial instalado dentro do perímetro da cidade,
inclusive os de molhados e cereais, assim como os salões de barbeiro, poderá
conservar suas portas abertas, nos dias úteis das 18 ½ horas em diante” (Ibid., p.
49
96). A disputa em torno da jornada de trabalho continua, ao passo que o
desenvolvimento do comércio araguarino apresenta novas e modernas instalações.
Lojas de artigos finos começaram a figurar no cenário local, entre elas citamos:
Casa Glória, Casa Annibal, Casa Morena, Casa Garoto, Agência
Ford, A Continental, Casa da Sogra, A Mineira, Fábrica e Loja de
Móveis Gomide, Casa Tem-Tem, Casas Pernambucanas,
Riachuelo, Sociedade de Automóveis Abdala Khedy Ltda e outras.
19
O aumento do número de lojas comerciais dos mais variados tipos eleva,
provavelmente, também o número de empregados no comércio, fortalecendo a
entidade de classe que representava seus interesses e que, na disputa com os
comerciantes, havia conquistado algum progresso no que tange à redução da
jornada de trabalho. Porém, a reação dos comerciantes contrários a Lei nº. 2 foi
imediata.
Na sessão de 22 de Janeiro de 1927 [...] leu-se representação
assinada por Eliseu dos Santos e mais 62 comerciantes da praça,
manifestando-se contra esta lei do fechamento dos
estabelecimentos comerciais às 18 horas e 30 minutos, por ser-lhes
prejudicial (Ibid., p. 96).
Mesmo com a reação dos comerciantes, a lei foi sancionada e mantida,
embora não fosse cumprida, como fica subentendido no pronunciamento do
Presidente da Câmara Coronel Marciano Santos: “o que está aprovado, aprovado
está. Mas, cada um pode agir como entender” (ibid., 96), ou seja, ficou como era
antes: o tempo diário de trabalho dos empregados do comércio continuou sujeito à
“boa vontade” de cada proprietário.
Neste caso, o conflito girou em torno do tempo de trabalho. O fato de a loja
continuar com as portas abertas por um tempo maior leva o comerciante a acreditar
que pode acrescer suas vendas e a ganhar mais dinheiro explorando a mais valia
absoluta. Porém, o trabalhador, ciente de sua exploração, não está disposto ao
desgaste físico e mental de permanecer horas e horas a fio no trabalho
enriquecendo o patrão. São maneiras distintas de viver o tempo. Conforme
esclarece Thompson “aqueles que são contratados experienciam uma distinção
entre o tempo do empregador e o seu ‘próprio’ tempo. E o empregador deve usar o
19
Dossiê de Tombamento do Conjunto da Estrada de Ferro Goiás – Tombado pelo Decreto nº 010 de
10 de fevereiro de 1989 e reiterado pelo Decreto 013 de 03 de abril de 1998. Divisão de
Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura Prefeitura Municipal de Araguari
50
tempo de sua mão-de-obra e cuidar que não seja desperdiçado” (THOMPSON,
1998, p. 272). Assim, para o patrão, tempo é sinônimo de dinheiro. “O tempo é agora
moeda: ninguém passa o tempo, e sim o gasta”. (Ibid., p. 272).
No episódio em questão, o que fica claro no desfecho é o atrelamento do
Estado agente executivo às elites comerciais locais, em detrimento dos
trabalhadores. Os antagonismos de classes começavam a se manifestar no
ambiente urbano; uma nova arena de luta, de disputas de interesse, se configurava.
Preocupados com a organização e a combatividade dos trabalhadores do comércio,
os donos dos estabelecimentos trataram de criar sua entidade de classe para
representar e defender seus interesses: surge assim a Associação Comercial e
Industrial de Araguari ACIA, no ano de 1935. Assim o urbano vai expressando as
contradições da sociedade burguesa em formação.
As operações de crédito eram feitas entre os próprios comerciantes e
particulares, isto porque inexistia estabelecimento bancário em Araguari no começo
do século XX. Neste setor da economia, somente em 1919, Araguari começa a ser
servida. “Somente em junho de 1919, é que foi inaugurada a primeira agência
bancária da cidade, o Banco Hipotecário e Agrícola do Estado de Minas Gerais”
(NAVES & RIOS, 1988, p. 144).
A prosperidade do comércio local foi seguida também pela atividade
industrial. No começo do século XX começaram a surgir indústrias dos mais
variados ramos, diversificando a economia da cidade e abrindo novos postos de
trabalho. Além das primeiras fábricas de adobes e as olarias que concentravam-se
na região rural do Fundão, no ambiente urbano aparecem fábricas: de bebidas
(sucos) e alimentos (macarrão, bolacha, biscoito, laticínio e derivados de banha) de
veículos de tração animal, fábrica de máquinas e equipamentos para indústrias
como: frigoríficos, laticínios, laboratórios e matadouros; além de curtumes,
charqueadas, cerâmicas, serrarias, marcenarias, fábrica de sabão e até uma fábrica
de cortiça, material antes importado de Portugal e Espanha.
Os imigrantes estrangeiros tiveram participação importante no surgimento da
atividade comercial e industrial em Araguari. Consta no recenseamento de 1920 que
o número de estrangeiros vivendo em Araguari era da ordem de 803
20
, dentre estes
destacam-se a presença de italianos, espanhóis, portugueses, holandeses, belgas e
20
Atlas Chorográfico Municipal; Serviço de Est. Geral; Ed. Hartmann; Juiz de Fora; 1923, apud,
Guimarães, 2004, p. 14.
51
alemães, que, juntos, somavam aproximadamente “140 homens e mulheres com
suas famílias; também é considerável a vinda de libaneses e sírios que somam entre
100 a 120 homens e mulheres”.
21
Em menor quantidade verifica-se ainda: húngaros,
suíços, austríacos, iugoslavos, turcos, japoneses. Alguns imigrantes vão trabalhar na
ferrovia, pois traziam certa experiência do trabalho na indústria de seus países,
como o português Alaor Puga, que se tornou chefe das oficinas da EFG; outros se
dedicaram às atividades do campo.
No meio urbano os imigrantes são os principais empreenderes comerciais e
industriais. Entre eles, destacamos alguns, como Manoel da Cruz Póvoa, de origem
portuguesa, que instalou em 1942, às margens da linha da Mogiana, um complexo
de indústrias, reunindo: cerâmica, serraria e marcenaria, denominado-o o
proprietário de Indústrias Serrador. Junto ao empreendimento, o proprietário
construiu casas para seus empregados, formando uma vila operária, semente do
que é hoje o Bairro Industrial. Na Rua Afonso Pena ergueu-se a Cerâmica Triângulo,
que além de telhas e tijolos, fabricava manilhas e filtros de água. A família Nasciutti,
provavelmente de origem japonesa, investiu na fabricação de carroças de tração
animal desde 1898; em 1939, “os irmãos Luiz Nasciutti e João Nasciutti organizaram
uma grande oficina mecânica, com fabrico de carroças e serviço de carpintaria,
serrarias e outros” (NAVES & RIOS, 1988, p. 132).
O carroceiro foi mais uma personagem marcante no dia-dia da cidade de
Araguari, realizava o translado de pequenas cargas dentro da cidade. Também
levava e trazia passageiros com suas bagagens entre as estações ferroviárias e
destas para os hotéis, pensões e pousadas. É então a demanda por carroças para
esta atividade que na verdade possibilitou o surgimento deste ramo industrial
explorado pelos irmãos Nasciutti. Entre outras coisas, o “pão nosso de cada dia” era
levado às casas das pessoas por meio das carroças, como mostra a figura 07.
21
História da Migração na região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba Arquivo Público de
Araguari-MG
52
FIGURA 07 – A presença do carroceiro no meio urbano, 1950.
FONTE: Arquivo Público Municipal de Araguari.
Em 1957, o mesmo Luiz Nasciutti fundou a “LUNAL” cuja especialidade era
fabricar máquinas e equipamentos industriais para laticínios, frigoríficos e
matadouros. Na história da industrialização de Araguari outro empreendimento
importante foi a instalação de uma fábrica de refrigerante e cerveja em 1899, de
propriedade do Sr. Aziz Daher, localizada à rua Estrela do Sul no centro da cidade,
que fabricava também outras bebidas alcoólicas como: conhaque, quinado etc.. A
fábrica foi desativada nos anos 1920, devido às crises provocadas durante a
Primeira Grande Guerra. Pouco tempo depois, em 1928, o Sr. Aziz Daher, implantou
uma fábrica de guaraná, denominada “Guaraná Santana”. Outra fábrica do mesmo
gênero foi fundada em 1908 pelo Sr. Braz Cânone, mas não vingou.
Em 1917, a Cervejaria Luiz Moretini & Filhos inaugurava uma casa de
comércio e fábrica de cerveja e bebidas finas. Conforme Naves & Rios (1988) “Estas
fábricas, produziam cervejas claras e escuras, sendo muito apreciadas, e faziam
pontos freqüentes de reuniões dos araguarinos” (NAVES & RIOS, 1988, p. 133).
Além das fábricas de bebidas, outra atividade industrial presente em Araguari eram
os curtumes. A cidade “possuiu três curtumes, dos quais dois funcionaram até
1924, sendo de propriedade de Limírio Salviano da Costa e de Augusto Nader,
53
respectivamente” (Ibid., p. 133). Em 1916, o paranaense Dante Galassi cria a
primeira charqueada em Araguari; em 1918 juntamente com seu cunhado, Hugo
Alessi, ampliam os negócios; o estabelecimento “chegou a abater 700 a 800 reses
por ano” (ibid., p. 133), número expressivo para a época. Nos anos 1950 a empresa
muda de nome, passando a chamar-se “Charqueada Hilda”.
Outra charqueada passou a funcionar em Araguari no ano de 1949,
“Sociedade Industrial de Carnes Ltda.”, que abatia anualmente cerca de 15.000
reses. Produtos derivados do leite também eram fabricados. A “Laticínios Skaf
Indústria e Comércio” era responsável pela fabricação de queijos e manteiga de
leite; suas principais marcas eram: “Carneiro”, “Sabará”, “Primor” e “Paladar”.
Conforme Naves & Rios (1988), “Foi uma das maiores produtoras de manteiga do
Brasil Central. Os queijos eram tipo exportação” (NAVES & RIOS, 1988, p. 134). Em
fevereiro de 1952 abria suas portas a fábrica de banha: “Indústria de Conservas e
Gorduras Alteza Ltda.” de propriedade dos Srs. Antônio Boaventura Sobrinho e
Irmãos Geovanetti; na década de 1940, às margens da linha férrea da EFG,
inaugura-se uma fábrica de cortiça: “Indústria Brasileira de Cortiça” do Sr. José
Alves Frazão. Esse material era muito utilizado como isolante e para tampas na
indústria de refrigeração; era importado da Europa, mas a matéria-prima era
facilmente encontrada nos Cerrados mineiros e goianos, casca de uma determinada
espécie de árvore, a “gordinha”.
No ramo das indústrias alimentícias, em 1951 José Marques de Jesus foi
instalada uma fábrica de macarrão nas proximidades dos trilhos da Mogiana, do
mesmo dono e ao lado da fábrica de macarrão, instalou-se uma fábrica de bolachas
e biscoitos denominada Fábrica de Bolachas e Biscoitos Trineiro. Várias cerealistas
também se implantaram na cidade. A mais famosa: Vasconcelos & Cia. Ltda.,
fundada em 1951, beneficia o arroz e o feijão. Ainda nos anos 1950 fundou-se em
Araguari a Fábrica de Balas “Dalila e Garoto”. Estas indústrias se localizavam de
forma esparsa pelo espaço, havendo uma maior concentração junto à linha férrea.
O desenvolvimento comercial e industrial do município, com o aumento no
número dos estabelecimentos, implicou sem dúvida, uma demanda energética, fato
posto em debate na Câmara Municipal em agosto de 1908. Fracassado o primeiro
plano de dotar a cidade de energia elétrica, em 1910 foi criada a empresa Força e
Luz de Araguari, a cargo do Sr. Galileu Bonetto. Foi inaugurada a iluminação
54
pública, ainda que restrita às principais vias e logradouros públicos. No dizer de
Naves & Rios (1988):
Três anos depois da inauguração da luz elétrica, ou seja, em 1913,
chegou à cidade o Sr. Agostinho Prada, o qual adquiriu todo o
acervo do serviço de produção e distribuição de energia elétrica.
Assumiu a empresa conservando a razão social. Porém, em 1916,
ele fundou a Companhia Prada de Eletricidade, ficando a família
Prada majoritária, com 70% do capital da empresa. (NAVES &
RIOS, 1988, p. 191).
O processo de urbanização e o conseqüente aumento do consumo de energia
impõe a necessidade de aumentar-se a produção de energia elétrica. Dessa forma,
tem início a construção em 1923 da Usina do Piçarrão, aproveitando-se o potencial
hídrico e a declividade do terreno; explorou-se uma cachoeira de 51 metros de
queda d’água, onde foram instalados dois geradores de 500 KV cada um, para a
produção de energia; que foi produzida com sobra, inclusive para abastecer parte do
consumo na cidade de Uberlândia. Os serviços de construção da Usina de Piçarrão
foram concluídos em 1925. Porém, em 1948 é o inverso que ocorre, conforme nos
esclarece Naves & Rios (1988):
[...] com a instalação da Usina dos Martins, no rio Uberabinha, foi
instalada uma linha de transmissão, capacidade de 37.0 KV, para
completar o abastecimento de Araguari, para a qual, devido ao seu
grande desenvolvimento, a usina de Piçarrão era insuficiente.
(NAVES & RIOS, 1988, p. 192).
No que tange à prestação de serviços públicos básicos como saúde e
educação,
[...] As primeiras iniciativas de fornecer esses benefícios partiram da
iniciativa popular. Apenas em 1918, foi instalado o primeiro hospital,
a Santa Casa de Misericórdia. Durante os anos que seguiram outros
hospitais e clínicas foram edificados. No entanto, medidas de infra-
estrutura sanitária, serviço de água e esgoto, apenas foram
implantadas em 1946.
22
22
Dossiê de Tombamento do Conjunto da Estrada de Ferro Goiás – Tombado pelo Decreto nº 010 de
10 de fevereiro de 1989 e reiterado pelo Decreto 013 de 03 de abril de 1998. Divisão de
Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura Prefeitura Municipal de Araguari
55
Araguari, como grande parte do Brasil, não oferecia educação pública até o
início do século XX. O ensino ficava sob a responsabilidade de professores que
ministravam aulas em sua própria casa. A pressão exercida pelo crescimento da
população cria a necessidade do ensino público. “[...] O crescente aumento
populacional, ocorrido principalmente devido a implantação das ferrovias, tornou-se
necessário a instalação de escolas que suprisse a demanda”
23
. O governo estadual
toma providências e trata de criar escolas em vários municípios de Minas Gerais, em
Araguari o governo criou o Grupo Escolar de Araguary [...] “primeira escola estadual,
autorizada pelo Decreto nº 2297, de 17 de novembro de 1908, tendo suas atividades
iniciadas em 17 de abril de 1909”. (NAVES & RIOS, 1988, p. 102). Após aquisição
de prédio próprio na Avenida Tiradentes esta escola é reinaugurada em 1927
passando a se chamar “Grupo Escolar Raul Soares”, homenageando um ex-
governador do estado de Minas Gerais.
Ao mesmo tempo em que se desenvolvia o ensino público, as instituições
educacionais privadas de cunho religioso ampliavam o perfil do ensino na cidade.
Sob os preceitos da religião cristã surge o Colégio Sagrado Coração de Jesus e o
Colégio Regina Pacis. “O primeiro foi inaugurado em 1919, objetivando educar as
moças dentro dos padrões morais, religiosos e intelectuais da época”.
24
O Colégio
Sagrado Coração de Jesus [...] “funcionava como internato, semi-internato e
externato. Tinha por ano mais ou menos 1.000 alunas ao todo e internas
aproximadamente 300 alunas”.
25
Enquanto que o Colégio Regina Pacis:
[...] instalado oficialmente no dia 18 de maio de 1926, pelos padres
holandeses da Congregação dos Sagrados Corações de Jesus e
Maria que embasados na existência do Colégio de Irmãs,
objetivaram fundar um estabelecimento similar destinado a rapazes.
No ano de 1928, o Colégio passou a funcionar em sede própria,
situada à Av. Minas Gerais, tornando-se no decorrer dos anos um
conceituado estabelecimento que congregava um elevado número
de alunos da cidade e de toda região. [...] o valor patrimonial legado
à comunidade dos imóveis que serviram aos colégios, as
edificações construídas representam um valioso patrimônio,
compondo a paisagem urbana e simbolizando o retrato educacional
de uma época gloriosa.
26
23
Idem.
24
idem
25
Depoimento da Irmã Giovanni ao Arquivo Público em janeiro de 1998.
26
Dossiê de Tombamento do Conjunto da Estrada de Ferro Goiás – Tombado pelo Decreto nº 010 de
10 de fevereiro de 1989 e reiterado pelo Decreto 013 de 03 de abril de 1998. Divisão de
Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura Prefeitura Municipal de Araguari
56
Toda essa transformação da cidade, que se deu a partir da presença das
companhias ferroviárias, implicava necessariamente na instituição desse novo
urbano, em que novas regras e normas são instituídas no seio social. Além da
mencionada legislação que proibia a criação de animais na zona urbana, outro
dispositivo legal passou a reger a vida no município.
A lei 2 de 28 de novembro de 1913 que estabelece o Estatuto da
Câmara Municipal desta cidade e que em seu artigo 20 § 4
estabelece o seguinte: Dar tiros dentro das povoações, quer na
cidade quer nos distritos, multa de 20$ sendo de dia e sendo a noite
30$ de multa e 15 dias de prisão. Outrossim, é expressamente
proibido, nesta cidade de povoações do município vozeirias, gritos,
insultos a qualquer pessoa, sendo de dia, multa de 15$ e sendo a
noite 30$ de multa e 10 dias de prisão 8 do artigo da mesma lei).
Ainda mais. Ninguém poderá laçar, domar animais, correr à galope
ou disparada pelas ruas das povoações do município, assim como
conduzir gado bravo para o matadouro ou qualquer lugar que passe
pelas ruas da cidade ou povoação do município. (art. 211 § 2 da
mesma lei)
27
.
Da forma como está construído o discurso nesta citação, parece que eram
comuns na cidade os tiroteios e outras práticas hostis. As medidas tomadas pelo
agente executivo para dirimir estas práticas certamente provocavam conflitos entre
os velhos hábitos e as novas regras do convívio social. Uma outra forma de relação
com a cidade vem se impondo, chocando-se com o costume adquirido das pessoas.
Estas mutações na forma-conteúdo do espaço urbano implicam que novas relações
sociais se façam presentes, ainda mais no que tange ao cotidiano das pessoas que
vivenciam esse processo.
A energia elétrica, o telefone e o cinema alteram hábitos do dia-dia, criam o
burburinho da vida noturna, o simples sair de casa à noite, o passeio pelas ruas,
praças e bares, lugares de encontro, de começo de namoros e de fim deles também,
enfim, espaços de sociabilidade. A magia do cinema difunde as mensagens e
discursos da ordem distante, disseminando a moda, a cultura, os hábitos dos
grandes centros da cultura ocidental; o telefone, veículo moderno de comunicação,
facilita o intercâmbio de pessoas e coisas, facilita os negócios.
27
Fonte mimeografada, Dr. Calil Porto. Vol. 1, p. 53. Não possui ano.
57
O conteúdo e a forma espacial sofrem um intenso processo de mudança, o
que acarreta, concomitantemente, mudança na maneira pela qual a sociedade
percebe e vivencia o tempo, que parece passar mais rápido, ser mais fugaz e
efêmero, é o novo tempo do relógio industrial.
Pode-se perceber, então, como transformações na estrutura político-
econômica da sociedade representam alterações significativas na maneira pela qual
homens e mulheres vivem e se relacionam entre si, bem como a sociedade inteira
se relaciona com seu espaço, produto seu, mas também condição e meio para sua
realização enquanto sociedade. Assim esclarece Lefebvre “não reprodução das
relações sociais sem uma certa produção de relações; não aqui um processo
puramente repetitivo”. (LEFEBVRE, 1973, p. 11). Pois, é no espaço, como
componente histórico-social, que a reprodução das relações de produção acontece,
engendrando outras novas, porém, preservando a sua essência. Tudo muda para
que tudo permaneça. É a própria contradição do capitalismo que se instala no
espaço geográfico.
Percebe-se desde o surgimento das duas companhias de estradas de ferro
em Araguari seu profundo envolvimento com o poder público municipal (inicialmente
Câmara de Vereadores), orientando e definindo o traçado urbanístico da cidade,
demarcando praças, ruas e avenidas. Este papel foi assumido, posteriormente pelo
próprio engenheiro da Companhia Mogiana, o senhor Achiles Widulick, autor da
primeira planta que projetou a delimitação urbana, aprovada pela Lei 11 e três
anos depois, em 1898, ratificada pela Lei 50 da Câmara Municipal. Assim,
elaboravam-se os primeiros contornos da cidade-ferroviária, sacramentados
através da aliança entre município e ferrovia.
Fato semelhante ocorreu na cidade goiana de Pires do Rio, também servida
pela Estrada de Ferro Goiás. É um integrante desta ferrovia, o senhor Álvaro Pacca,
o responsável pela planta da cidade, o qual atribuiu ao prédio da estação o
referencial para a elaboração da planta, conforme Ferreira (1999),
Esse plano, de autoria do engenheiro da ferrovia, Álvaro Pacca,
tinha a malha viária composta de vias circundantes e convergentes,
referenciadas no edifício da Estação Ferroviária. Entende-se por
esse desenho uma intenção de traçar vias convergentes para um
ponto central: uma praça, um largo, um local de encontro, um
clímax. (FERREIRA, 1999, p. 181)
58
Em Araguari, o senhor Widulick traçou vias longas e largas ligando o prédio
da estação da Mogiana ao centro da cidade e, com a construção da estação da
Goiás próxima e no mesmo alinhamento da estação da Mogiana, a expansão da
mancha urbana converge na direção desses edifícios e nas adjacências de seus
trilhos. As ferrovias, vistas como sinônimo de “progresso” da cidade são
responsáveis por introduzir elementos novos na vida social, e agem na
complexificação da vida cotidiana da população local e na formação da sociedade
urbana nos moldes dos hábitos capitalistas de viver. [...] “Araguari acabava por servir
de entroncamento não somente de trilhos, mas também de costumes, hábitos e
raças, influenciando assim a forma de se vestir, de comer e de agir.” (MOREIRA,
2006, p. 28).
A ferrovia organiza espacialmente a cidade, seja de forma racional-intencional
agindo na própria confecção da planta da cidade, seja influenciando
espontaneamente, atraindo para as adjacências de seus trilhos, nas redondezas do
pátio da estação, novos edifícios, casas comerciais, residenciais e de prestação de
serviços, uma gama de vendedores ambulantes que perambulavam em torno dos
prédios das estações etc. É assim que, a partir da presença das estradas de ferro,
ocorre a montagem do espaço urbano de Araguari.
59
CAPÍTULO II
DA ORDEM DO MUNDO À ORDEM DO LUGAR:
A FERROVIA CHEGA A ARAGUARI
II.1 – Surgimento e Expansão das Ferrovias
A Revolução Industrial inglesa do final do século XVIII e, sobretudo, em sua
segunda fase meados século XIX é marcada pela crise do industrialismo têxtil e
fundamentada no aparecimento de novas indústrias: as de bens de capital,
principalmente o carvão, o ferro e o aço e marca o aparecimento das ferrovias. Erick
Hobsbawn caracteriza essa época (1840-1895) como a “Era da Construção
Ferroviária”.
Originada da criação da primeira locomotiva por George Stephenson em
1814, em 1825 inaugura-se entre Darlington e Stockton na Inglaterra a primeira
estrada de ferro. A partir daí as ferrovias vão se alastrar para vários países: Estados
Unidos, 1827; França 1828; Alemanha e Bélgica, 1835 e Rússia, 1837. Trinta e
cinco anos passados da inauguração dessa primeira linha, o mundo contava com
cerca de 100 mil Km de vias férreas em exploração em 37 países. Intensificava a
industrialização na Europa e no mundo de forma geral, tendo a Inglaterra como a
“grande oficina mecânica do mundo”, expressão consagrada para designar a
importância britânica na economia mundial e sua influência nos rumos de muitos
países mundo afora, em especial o Brasil. Segundo Hobsbawn,
Em nenhuma outra época, anterior ou posterior, a taxa de
crescimento das exportações britânicas aumentou tanto como entre
1840 e 1860, sendo muito maior do que a verificada no período
pioneiro do algodão, 1770-1800. (HOBSBAWN, 1978, p. 101).
60
Este aumento extraordinário deveu-se à revolução causada nos meios de
transportes ferrovias e navegação a vapor que impulsionou a abertura de novos
mercados para produtos ingleses, além de promover a difusão das inovações
tecnológicas.
Outro aspecto enfatizado pelo autor para as causas do crescimento
econômico inglês foi a sua capacidade de acumular capital e os investimentos
lucrativos em outros países, como na Índia, por exemplo: foi a pressão das cada
vez mais vastas acumulações de capital para investimento lucrativo, ilustrado à
perfeição pela construção das estradas de ferro”. (Ibid., p. 102). O crescimento da
demanda, fruto da abertura de novos mercados, e a enorme acumulação de capital
nas mãos da burguesia inglesa proporcionariam, segundo Hobsbawn, alicerces
mais firmes para o crescimento econômico” (ibid., p. 101). Grande parte desse
capital acumulado deságua na construção de estradas de ferro, transformando “uma
valiosa inovação nos transportes num importante programa nacional de
investimentos” (ibid., p. 105). Daí El-Kareh enfatizar que “a revolução ferroviária foi
mais que uma revolução técnica dos transportes foi também uma revolução
econômica”. (EL-KAREH, 1980, p. 15).
Transformações radicais alcançavam e afetavam a vida de todos os cidadãos
e imprimiam novo ritmo ao cotidiano, criando a rotina do horário do trem. Tais
mudanças demonstravam as possibilidades do progresso e da técnica. As estradas
de ferro pareciam estar muito além do seu tempo, como pode ser observado neste
trecho:
As estradas de ferro pareciam estar várias gerações à frente do
resto da economia, e na verdade estrada de ferro tornou-se
sinônimo de ultramodernidade na década de 1840, como o atômico
seria depois de II Guerra Mundial. O simples tamanho e escala das
estradas de ferro tonteava a imaginação e apequenava as mais
colossais obras públicas do passado. (HOBSBAWN, 1978, p.102-
103).
Em outra passagem Hobsbawn ilustra de maneira quase lúdica o advento da
ferrovia.
A estrada de ferro arrasta sua enorme serpente emplumada de
fumaça, à velocidade do vento, através de países e continentes,
com suas obras de engenharia, estações e pontes formando um
61
conjunto de construções que fazia as pirâmides do Egito e os
aquedutos romanos e até mesmo a Grande Muralha da China
empalidecerem de provincianismo; era o próprio símbolo do triunfo
do homem pela tecnologia. (Ibid. p. 61)
Os prédios das estações ferroviárias européias e até brasileiras (Estação da
Luz em São Paulo) são obras espetaculares, de uma beleza arquitetônica
impressionante, símbolos reais de um tempo que chega e tornam-se verdadeiros
monumentos da engenharia e da arquitetura. Consideradas por Hobsbawn como as
“catedrais” do século XIX, eram o simplesmente lugar de passagem, de ir e vir,
tornaram-se pontos de encontros, locais de sociabilidade, de realização de negócios,
portal do “novo”, pois era por ali que chegavam as notícias e as novidades do mundo
da mercadoria etc.
Este novo modal de transporte se convertia cada vez mais em:
[...] um novo meio de mobilizar a acumulação de capital de todos os
tipos pra fins industriais, e, acima de tudo, uma nova e vasta fonte
de emprego que representou ademais, um duradouro estímulo às
atividades nacionais de bens de capital. (HOBSBAWN, 1978, p. 105)
Essa pesada infra-estrutura, resultado de muito trabalho, será, a partir de
então, condição geral de produção para a realização de capitais setorizados, suporte
essencial para a realização da mais-valia de vários setores do capital. Tendo
cumprido papel decisivo na solução da crise do industrialismo têxtil, é, em fins do
século XIX e início do século XX, suporte à forte concentração e centralização de
capital. Esse período Lênin denominará de Imperialismo.
A “mania ferroviária” se espalha pelo mundo, constrói-se ferrovia até no meio
da Floresta Amazônica, claro que, com capital, materiais e equipamentos britânicos.
Hobsbawn, explica que:
[...] essa extraordinária expansão foi reflexo de dois processos
paralelos, a industrialização nos países “adiantados” e a abertura
econômica das áreas subdesenvolvidas que transformaram o
mundo nesses decênios vitorianos, fazendo com que a Alemanha e
os Estados Unidos logo se tornassem economias industriais
comparáveis à britânica, abrindo áreas como as pradarias norte-
americanas, os pampas sul-americanos e as estepes do sul da
Rússia para a agricultura, quebrando com esquadras a objeção da
China e do Japão ao comércio exterior e lançando os alicerces de
62
economias tropicais e subtropicais baseadas na exportação dos
produtos minerais e lavouras. (ibid., p. 107)
É com o advento das estradas de ferro que a Grã-Bretanha realmente entra
num período de industrialização plena, conforme demonstra o autor:
[...] até a era das estradas de ferro, o capitalismo não lhes oferecia
sequer a sua própria permanência. Podia desmoronar. Era um
fenômeno novo demais para impor sua permanência pela simples
duração, pois, como vimos, afora algumas áreas pioneiras, mesmo
no setor têxtil o advento do industrialismo se consumou após as
guerras napoleônicas. (ibid., p. 113).
O capitalismo, agora, organiza-se e se alicerça em bases plenamente
industriais, o que consolida realmente novas relações sociais de produção com base
na figura do industrial capitalista e na do operário fabril, formalmente iguais, para
que o intercâmbio possa se efetuar.
II.2 – A Geografia das Estradas de Ferro do Brasil
Desde o começo, com a exploração colonial portuguesa no Brasil, o país se
insere na divisão internacional do trabalho, como exportador de produtos primários:
a madeira, o pau-brasil, depois passa para a cana-de-açúcar do Nordeste brasileiro,
o ouro das minas de Goiás, Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso etc., a borracha
amazônica e, principalmente, o café brasileiro que começa a ganhar importância
comercial no final do século XVIII, como demonstra Furtado:
O café, se bem que fora introduzido no Brasil desde começos do
século XVIII e se cultivasse por todas as partes para fins de
consumo local, assume importância comercial no fim desse século,
quando ocorre a desorganização do grande produtor que era a
colônia francesa do Haiti. (FURTADO, 1989, p. 113).
Ainda conforme Furtado:
No primeiro decênio da independência [1832] o café contribuía
com 18 por cento do valor das exportações do Brasil, colocando-se
63
em terceiro lugar depois do açúcar e do algodão. E nos dois
decênios seguintes passa para primeiro lugar, representando
mais de quarenta por cento do valor das exportações. Conforme
observado, todo aumento que se constata no valor das exportações
brasileiras, no correr da primeira metade do século passado, deve-
se estritamente a contribuição do café. (ibid., p. 113)
Produto principal da balança comercial brasileira, o café traz à tona uma nova
força social, os chamados “barões do café”, cuja riqueza, construída pelos braços
dos escravos e/ou colonos e realizada no comércio internacional, contribuiu
exponencialmente para o subseqüente processo de industrialização no Brasil. As
indústrias tem seu primeiro surto na segunda metade do Século XIX e, conforme
Moreira, “são ainda de bens de consumo e por isso encontram-se instaladas em
praticamente todas as regiões” (MOREIRA, 2005, p. 17), ou seja, o início do
processo de industrialização no Brasil é descentralizado, as indústrias encontram-se
dispersas Brasil afora. Somente no momento posterior, com a segunda divisão
territorial do trabalho, São Paulo e Rio de Janeiro passam a concentrar fortemente
as indústrias, assumindo o comando da acumulação de capital na Região Sudeste.
Assim, ao analisar a construção das ferrovias no Brasil é preciso considerar
as exigências da economia agro-exportadora, alinhavadas à necessidade de
exportação do capital inglês, via ferro, aço e crédito, propriamente dito. Como
observa El-Kareh, “para o fazendeiro, o ‘lavrador’ como era chamado, a estrada de
ferro era uma dessas esperanças milagrosas” (EL-KAREH, 1980, p. 56) de
sobrevivência, pois, tratava-se de relacionar a economia escravista do café, voltada
para a exportação, com os ditames do capitalismo no quadro das relações
internacionais, qual seja, a expansão capitalista mundial e a subordinação da
economia brasileira a seus interesses. Conforme o autor,
Se para a nação o trem era o símbolo do progresso, para ele [o
fazendeiro] representava a salvação. A revolução ferroviária
significava muito mais do que o aumento da capacidade de
transporte e velocidade; dela dependia sua sobrevivência como
senhor de escravos, como classe. A ferrovia lhe permitia concentrar
toda sua “energia negra” na plantação, seu último reduto. A
ideologia do progresso, simbolizada pelo trem, era a última cartada
da classe escravocrata em sua luta obstinada por sobreviver. (ibid.,
p. 56-57).
64
Então a construção de ferrovias no Brasil pode ser compreendida tanto pela
necessidade de expansão do capital estrangeiro, sobretudo europeu e americano,
como também pelos interesses dos mandatários da política nacional.
Não é o caso, aqui, de descrever a história da construção das estradas de
ferro no Brasil, nem de fazer um balanço historiográfico sobre o tema
28
; porém, faz-
se necessário observar o contexto histórico-geográfico da construção desse modal
de transportes no Brasil, bem como sua evolução, a fim de perceber como a ferrovia
aparece em Araguari, o que nos interessa mais de perto. Até o advento das
ferrovias, os produtos e as mercadorias destinados à exportação chegavam aos
portos nos lombos das tropas de mulas e burros, cuja utilização diminuía na medida
em que expandia aquele novo meio de transporte na região produtora. Vê-se assim
que as ferrovias passam a cumprir importante papel na agilização da economia
agro-exportadora que mantinha relações mais intensas com o mercado externo do
que com as economias regionais.
Foram construídas ferrovias nos mais variados rincões do Brasil, até no meio
da Floresta, embora as pesquisas e estudos sobre o tema relacionem com mais
vigor as estradas de ferro que foram construídas em função da cultura do café, como
nos mostra Matos “parece fora de dúvida que nossa ferrovia surgiu e se
desenvolveu ‘à cata’ do café, isto é, a estrada de ferro seguiu de perto o caminho
feito pelo cafezal”. (MATOS, 1974, p. 14). Mas, esta não foi razão exclusiva,
conforme Calvo, Se a ferrovia, portanto, emergiu como empreendimento dos
cafeicultores paulistas, interessados no escoamento das suas safras, certamente,
esse não foi o único significado de sua expansão” (CALVO, 1994, p. 41-42). A
borracha na Amazônia e o cacau na Bahia também proporcionaram a construção de
linhas férreas nestas localidades. Havia, além desses aspectos, toda uma demanda
por gêneros alimentícios como a carne, o sal e o arroz produzidos em regiões
distantes do litoral como é o caso de Goiás e o Triângulo Mineiro. A própria Estrada
de Ferro Goiás não se desenvolveu como ferrovia do café mesmo tendo sido
construída nesse contexto.
Para além dessa questão, as ferrovias foram pioneiras na formação de
hábitos de trabalho tipicamente capitalista no Brasil. “As ferrovias foram ‘escolas’ na
formação de hábitos de trabalho, melhor dizendo, de uma concepção capitalista de
28
Sobre isso, ver a tese de doutoramento em história da professora Dilma Andrade de Paula. “Fim de
Linha: A extinção de ramais da Estrada de Ferro Leopoldina, 1955-1974.” Universidade Federal
Fluminense, 2000.
65
trabalho” (Costa
29
, apud Segnini, 1982, p. 15). O trabalho nelas/delas impunha aos
trabalhadores pesada disciplina a fim de realizarem o trabalho de longa jornada, com
horários fixos, manuseio de equipamentos e máquinas pesadas, operacionalização
de sinais, criando assim, um novo ritmo de trabalho. A própria legislação proibia a
utilização de trabalho escravo na construção de estradas de ferro, resguardando os
braços dos negros à cultura do café. Conforme Calvo, “A experiência desse trabalho
impõe mudanças significativas aos trabalhadores, no que diz respeito ao próprio
modo de trabalhar e viver”. (CALVO, 1994, p. 43).
É consenso indicar o surgimento da Estrada de Ferro no Brasil a partir do
Decreto nº 101 de 31 de outubro de 1835 baixado pelo então Regente Antônio Diogo
Feijó, que criava as condições legais e autorizava a concessão do privilégio
exclusivo por quarenta anos à companhia que construísse o ramal ferroviário que
ligaria a Praia da Estrela, fundo da Baía de Guanabara, e a localidade de Fragoso,
próxima à raiz da Serra de Petrópolis. Esta empreitada foi concretizada por Irineu
Evangelista de Souza (1813-1889), o Barão de Mauá, que, ressalta-se não recebeu
nenhuma garantia de receber juros do Governo Imperial. Em 26 de junho de 1852 é
promulgada a Lei 641 que, conforme Matos (1974, p. 50), “marca o início da
segunda fase da história ferroviária do Brasil”, com a concessão de favores
diríamos mais animadores e vultosos ao capital investido, como o privilégio de
zona de trinta quilômetros para cada lado da linha, e a garantia de juros de 5% sobre
o capital investido. Estas duas inovações da nova legislação diferem sobremaneira
das leis anteriores e marcam o encerramento do período de tentativas e ensaios
para efetivamente iniciarem-se as construções de linhas férreas em território
nacional.
É nesse sentido que Matos (1974) considera a Lei 641 como marco inicial
da segunda fase de construção das ferrovias brasileiras.
Em 30 de abril de 1854, é inaugurada a primeira ferrovia do Brasil, a Estrada
de Ferro Barão de Mauá. O nome é homenagem a Mauá por ter conseguido reunir
capital suficiente para fundar a primeira companhia de estradas de ferro do Brasil.
Os 14,5 quilômetros de trilhos, que mais tarde alcançaram 16,1 kms, chegando ao
da Serra da Estrela em Petrópolis, tiveram a Baronesa como a primeira
locomotiva a circular no Brasil. Nos anos seguintes segue em ritmo razoável a
29
COSTA, Vilma Peres. Ferrovia e trabalho assalariado em São Paulo. Campinas, 1976, p. 94.
Dissertação de Mestrado em Sociologia, apresentada ao Departamento de Ciências Sociais do
Instituto de Filosofia e Ciências.
66
construção da rede ferroviária brasileira, que virá a tornar-se o principal meio de
transporte de pessoas e mercadorias e impulsionará a ocupação de novas
fronteiras.
Está inaugurada, então, a era da construção das estradas de ferro brasileiras.
Após a Estrada de Ferro Mauá, as inaugurações seguem num ritmo pouco
apressado.
A Estrada de Ferro Recife-São Francisco foi inaugurada no dia 8 de fevereiro
de 1858, quando correu o primeiro trem até à Vila do Cabo, em Pernambuco. Esta
ferrovia, apesar de não ter atingido a sua finalidade o Rio São Francisco –, ajudou
a criar cidades e a desenvolvê-las por onde passava.
A Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II foi inaugurada em 29 de março de
1858, com trecho inicial de 47,21 km, da Estação da Corte a Queimados, no Rio de
Janeiro. Esta ferrovia se constituiu em uma das mais importantes obras da
engenharia ferroviária do país, devido à ultrapassagem dos 412 metros de altura da
Serra do Mar, com a realização de colossais cortes, aterros e perfurações de túneis,
entre os quais o Túnel Grande, com 2.236 m de extensão, na época, o maior do
Brasil, aberto em 1864.
A Estrada de Ferro D. Pedro II transformou-se, mais tarde (1889), na Estrada
de Ferro Central do Brasil. Em 08 de julho de 1877 uniu seus trilhos aos da Estrada
de Ferro Santos-Jundiaí, inaugurada em 16 de fevereiro de 1867, estabelecendo a
conexão entre as duas mais importantes cidades do país: Rio de Janeiro e São
Paulo, eixo principal do desenvolvimento brasileiro até hoje.
No caso das ferrovias paulistas, entre decretos e leis,
[...] concedeu-se pelo Decreto 1759 de 26 de abril de 1856, ao
marquês de Monte Alegre, a Pimenta Bueno e a Mauá, o privilégio
pelo prazo de noventa anos para a construção, uso e gozo de uma
estrada de ferro que, partindo de Santos, se aproximasse de São
Paulo e se dirigisse a Jundiaí. (ibid., p. 56).
Desde seu nascedouro vê-se a forte presença do Estado Imperial brasileiro,
tanto do ponto de vista do marco jurídico, quanto do econômico, especialmente no
que concerne à sua relação com a elite agrária cafeeira e com o capital inglês,
evidente nos extraordinários privilégios oferecidos aos concessionários responsáveis
pela construção de ferrovias no Brasil.
67
A Santos-Jundiaí é exemplar nesse aspecto, como pode ser observado na
citação abaixo:
Privilégio de zona de cinco léguas para cada lado da estrada,
isenção de direitos de importação para os materiais, direito de
desapropriação dos terrenos necessários à construção da estrada,
de exploração das minas que encontrasse na linha de seu privilégio,
de obter terras devolutas nos termos mais favoráveis permitidos pela
lei e, ainda, o juro de 7% (cinco pagáveis pelo Império e dois pela
Província) sobre o capital que fosse gasto na construção da estrada
até o máximo de dois milhões de esterlinos. (ibid., p. 56-57).
Quatro anos depois do dito decreto, teve início a construção da estrada, “a
Saldanha Marinho
30
vai caber, mesmo, incentivar o prolongamento além de Jundiaí,
com a fundação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro” (Ibid. p. 58).
Tantos privilégios foram também concedidos a Companhia da Estrada de
Ferro D. Pedro II, o que fica claro a partir da seguinte citação:
[...] A companhia teria o direito de desapropriar, na forma da lei, os
terrenos que fossem necessários ao leito da estrada, estações,
armazéns e demais obras adjacentes; e o governo lhe concederia
gratuitamente, para o mesmo fim, os terrenos devolutos e nacionais,
feitas as indenizações que fossem de direito, incluindo o uso das
madeiras e outros materiais existentes. Ainda para facilitar o
empreendimento, o governo ficava autorizado a conceder insenção
de direitos de importação aos trilhos, máquinas, instrumentos e
quaiquer outros objetos destinados à companhia[...]
31
o governo
ficava autorizado a garantir-lhe juros de até 5% do capital
empregado na construção da estrada [...].
32
Assim, as ferrovias, em meados do século XIX e início do século XX, eram
vistas em todo o mundo, como a alavanca rumo à vida moderna, ao
desenvolvimento e ao progresso. Sua simples presença sinalizava isso, e em todo
lugar enchiam de entusiasmo os donos do poder.
Durante la segunda mitad del siglo XIX el ferrocarril despertó um
gran entusiamo en los grupos economicamente dominantes, entre
30
Presidente da Província de São Paulo.
31
Decreto nº. 641 de 26 de junho de 1852. In: Estrada de Ferro D. Pedro II – Sua organização..., Art.
1º, p. 2 apud, EL- KAREH p. 35
32
ibid., p. 36
68
los políticos y em la población en geral. Tanto em países europeos
como americanos. (CAPEL, 2007, p. 18).
No Brasil não foi diferente. Vislumbravam as esperanças de que um meio de
transporte por si fosse capaz de promover as transformações econômicas e
sociais esperadas. Romper o “atraso” e inserir o país nos trilhos do mundo
“moderno” era o discurso propalado por uma parcela da elite brasileira. A própria
ideologia do atraso e do progresso servia para justificar as investidas dos
empresários capitalistas, sejam estrangeiros ou brasileiros subvencionados pelo
Estado. Observa-se então, que “en todos os países fue my grande el entusiamos de
las elites comerciales por el ferrocarril como factor de desarrollo y solución a los
problemas existentes” (ibid., p. 19). Conforme ocorrido noutros países, a ideologia
obsessiva pelos caminhos de ferro como agentes promotores do “progresso”
permitiria romper o “isolamento” econômico e promoveria a integração espacial do
território brasileiro. Conforme Capel:
De forma general, pude afirmarse que, tanto em Espana como em
otros países, el ferrocarril tuvo efectos significativos para dar unidad
a las naciones que se configuraron en el siglo XIX, y a los interesses
de las diversas oligarquias. De Brasil no es exagerado afirmar que la
nacion brasileinã há sido integrada y modelada por los ferrocarril, los
cuales, a su vez, fueron construídos em funcion de las necessidades
de exportación (ibid., p. 20).
Ao observar a evolução do sistema ferroviário brasileiro no seu primeiro
centenário (conforme figura 08) com aproximadamente 37.000 quilômetros atingidos
em 1950, permite perceber de forma geral, muito mais a intenção de responder ao
imediatismo econômico dos grupos e classes a ele ligados, do que uma perspectiva
planejada de integração nacional mesmo que esta existisse pois, as ferrovias
brasileiras até então, não conformavam uma unidade, ou seja, uma rede ferroviária
nacional. O plano viário de 1934 (Plano Geral de Viação Nacional) buscava
justamente esse objetivo, com a uniformização da bitola. Vejamos:
[...] aprovado pelo decreto . 24.497 de 29 de junho de 1934, as
construções de linhas férreas passaram a ter principalmente como
objetivo as chamadas ‘ligações ferroviárias’, isto é, realizar a
articulação das várias estradas, de forma a constituírem de fato a
grande rede ferroviária nacional. (SILVA, 1954, p. 08)
69
EXPANSÃO DO SISTEMA FERROVIÁRIO BRASILEIRO (1854-1954)
2 De 1871 a 1890
RIO BRAN CO
BOA VISTA
MANAUS
A M A Z O N A S
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PORTO
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PERÍODOs: 1854 - 1870
1871 - 1890
744,422 KM
7.228,965 KM
SANTOS
I. DE
MARA-
1 De 1854 a 1870
RIO B RAN CO
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PERÍODO: 1854 - 1870
744,422 KM
I. DE
MARA-
PARANÁ
3 De 1891 a 1910
RIO B RAN CO
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FLORIANÓPOLIS
PORTO
ALEGRE
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SÃO FRANCISCO
B A H I A
744,422 KM
7.228,965 KM
PERÍODOs: 1854 - 1870
1871 - 1890
1891 - 1910
11,352,414 KM
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I. DE
MARA-
4 De 1911 a 1930
RIO B RAN CO
BOA VISTA
MANAUS
A M A Z O N A S
P A R A
A C R E
GUAPO RE
M A T O
G R O S S O
A M AP Á
RIO BRANCO
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RIO DE JANEIRO
ESP. SANTO
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CATARINA
FLORIANÓPOLIS
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B A H I A
744,422 KM
7.228,965 KM
11.352,414 KM
11.152,508 KM
PERÍODOs: 1854 - 1870
1871 - 1890
1891 - 1910
1911 - 1930
PORTO
ALEGRE
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FORTALEZA
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J. PESSOA
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SALVADOR
GOIÂNIA
B. HORIZONTE
P. P ORÃ
VITÓRIA
RIO DE JANEIRO
GUAÍRA
FLORIANÓPOLIS
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NITEROI
SÃO
PAULO
PORTO ALEGRE
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PORTO ESPERANÇA
PARANAGUÁ
SANTOS
RIO GRANDE
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CURITIBA
JANAÚBA
BRUMADO
CARAVELAS
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PORTO VELH O
ESTRADAS DE FERRO
5 De 1931 a 1954
5 De 1931 a 1954
4 De 1911 a 1930
3 De 1891 a 1910
2 De 1871 a 1890
1 De 1854 a 1870
L E G E N D A
C E Á R A
SÃO PAULO
SÃO
PAULO
CURITIBA
J. PESSOA
PERNA MBUCO
RIO DE JA NEIRO
SÃO PAU LO
PARANÁ
CURITIBA
SÃO
PAULO
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PORTO VELHO
PERNA MBUCO
J. PESSOA
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PORTO VELHO
RIO D E JAN EIRO
SÃO
PAULO
B A H I A
RIO GRAND E
DO
NORTE
ALAG OAS
BELO HORIZONTE
Fonte: Base cartográfica sem escala.
Desenho, Adaptação:
Antonio Santiago da Silva - 2008
Organização: Fábio de Macedo Tristão Barbosa
FIGURA 08 – Expansão do sistema ferroviário brasileiro (1854-1954).
FONTE: SILVA, Moacir M. F. Geografia das estradas de ferro brasileiras em seu primeiro centenário
(1854-1954). In: I Centenário das ferrovias brasileiras. (Diversos Autores) IBGE, Conselho Nacional
de Geografia, Serviço gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Rio de Janeiro, 1954.
70
Os mapas mostram a forte concentração da malha ferroviária no litoral ou
próximo a ele na zona produtora de café – e a presença irrelevante desse meio de
transporte numa vasta área do território nacional (centro-norte do país). Indicam
muito bem sua trajetória no sentido litoral-interior, com o intuito de ligar as regiões
produtoras aos portos, quando novas localidades vão sendo articuladas ao litoral.
Denotam até 1930 uma economia voltada prioritariamente ao mercado externo, no
qual o Brasil se insere como produtor de alimentos e de matérias primas.
Araguari se insere nesse como catalisador da uma economia regional, via
articulação da Cia. Mogiana à Estrada de Ferro Goiás.
O período de maior crescimento da extensão da malha ferroviária brasileira é
o que vai de 1911 a 1930 são 11.152 km. Prolongam-se os trilhos para diversos
estados da federação: Maranhão, Piauí, Goiás, Mato Grosso, Pernambuco e Bahia;
não obstante, é o momento do auge do café, e também do seu declínio.
O período compreendido entre 1931 e 1954 é o período em que se verifica o
menor crescimento na implantação das linhas férreas em território brasileiro. São
apenas 4.539 Km, fato explicado pela reorientação econômica e pelo realinhamento
político do Estado a partir de 1930. Conforme esclarece Paula,
É inquestionável que a mudança de eixo de uma economia voltada
para a exportação de produtos primários para outra baseada em
substituição de importações, trouxe consigo também a queda do
principal meio de transporte que garantia o modelo anterior
(ferrovia), abrindo caminho para o desenvolvimento de outro padrão
(rodoviário-automobilistico). (PAULA, 2000, p. 39).
A autora é enfática quanto ao padecimento das estradas de ferro – sobretudo
as do Sudeste em virtude das mudanças no padrão de acumulação no pós-1930
que privilegia o asfalto, o caminhão e o carro em detrimento do trem. Todavia, Paula
ressalva que, mesmo originadas para responder às necessidades da economia
agrário-exportadora, esta não foi exclusivamente a razão de sua expansão, as
ferrovias permitiram certa interconexão interna na movimentação de pessoas e
mercadorias, mesmo que de forma precária.
Concluímos então que a implantação das estradas de ferro no Brasil é o
resultado da própria expansão do capital ferroviário mundo afora, concatenado com
as transformações da formação sócio-espacial brasileira. É a necessidade de
dinamizar, acelerar a exportação da produção nacional que leva à gradativa
71
substituição do lombo dos burros pelos trilhos; e, dessa forma, a expansão da linha
férrea alcança o Triângulo Mineiro e o município de Araguari, posteriormente,
penetrando em território goiano. Assim, o sertão, adjetivado como arcaico e
atrasado, recebeu “o espetáculo privilegiado da civilização capitalista
33
”, sendo as
ferrovias e o trem de ferro seus maiores ícones, nesse tempo. Vejamos como a
população reagiu ao se deparar pela primeira vez diante de tal coisa em Araguari.
II.3 Origens e Desenvolvimento da Relação Cidade-Ferrovia Durante o
Capitalismo Liberal: 1896-1930.
Inaugurou-se a Estrada de Ferro durante a nossa estada em
Araguary. Imaginem que barulhada. Veio da roça não sei quanta
gente para ver o “bicho que lança fogo e tem parte com o diabo”.
Houve mesa com doces, brindes, muita cerveja. As senhoras em
grande toalete, na Estação, esperando a máquina que vinha toda
enfeitada com bandeirolas. Quando, porém, ela apitou, foi uma
corrida por ali a fora. Mulheres tiveram ataques, homens velhos
juraram que nunca se serviriam de semelhante coisa, que urra feito
bicho e tem fogo no corpo. Os moleques corriam de pavor,
derrubando os tabuleiros de biscoitos. E enquanto isto, a máquina
entrava triunfal na pequena estação de Araguary. Durante muitos
dias só se falou na tal invenção do capeta.
34
Susto, admiração, surpresa, perplexidade. Foi “uai!” para todo lado. Correria,
caos, desordem. No apito do trem, o anúncio da modernidade, trazendo esperanças
e sonhos, mas também desconfiança e medo. É a própria contradição do mundo,
chamado, moderno; contradição revelada no momento mesmo da aparição do
“trem”
35
cujo próprio nome, trem, sugere algo desconhecido, não definido, essas
coisas que parecem contrariar o conforto da ordem com suspeita de caos. Objeto
jamais visto por essas bandas. Quando os populares, ansiosos, esperam na
plataforma da estação pela sua chegada, ao vê-lo pela primeira vez se assustam,
associando imediatamente sua imagem ao demônio, ou seja, àquilo que
popularmente apresenta-se como ruim, associado ao mau, designando-o como
“invenção do capeta”. Esta ameaçadora invenção, a locomotiva a vapor, “um maciço
33
Ver HARDMAN, 2004.
34
O Diário de Araguari – 31/11/1996 – “A epopéia da Cia. Mogiana”.
35
Trem, s.m. Encadeamento de vagões, tracionados por uma ou mais locomotivas; composição
ferroviária; mobília de uma casa; agrupamentos de objetos destinados a certas funções. (Magno:
Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa). Edipar, São Paulo, 1995.
72
dragão de ferro” como assim chamou Hobsbawn vem imprimir uma outra paisagem
no cenário araguarino.
Mas, onde enxergamos caos, desordem, bagunça, esconde-se o mais
profundo desejo de ordem, de arrumação das coisas no espaço tornado funcional
por obedecer a uma determinada lógica, a da moderna sociedade burguesa.
Segundo Bauman,
[...] podemos pensar a modernidade como um tempo em que se
reflete a ordem ordem do mundo, do hábitat humano, do eu
humano e da conexão entre os três: um objeto de pensamento, de
preocupação, de uma prática ciente de si mesma [...]. (BAUMAN,
1999, p. 12).
A ordem capitalista mundial é trazida e imposta pela ferrovia, o veículo da
urbanização e do ordenamento interno da cidade de Araguari, que introjeta novas
relações de produção e trabalho na periferia da periferia do capitalismo. Verdadeira
escola na disciplinarização de hábitos de trabalho tipicamente capitalista: ritmo
intenso, submissão a longas jornadas de trabalho, horários fixos, o que implicava
num novo perfil do trabalho e do trabalhador. Como observa Calvo, a
disciplinarização do trabalhador “era o pressuposto básico para que as relações de
trabalho fossem realizadas [...] o apelo referente aos valores de ‘bom
comportamento’, disciplina, assiduidade [...]” (CALVO, 1994, p. 14), além de
obediência aos chefes, eram requisitos básicos de toda organização do processo de
trabalho, seja na Companhia Paulista, à qual se dedica Calvo, seja na Estrada de
Ferro Goiás. Conforme Harvey,
Todo tipo de trabalho exige concentração, autodisciplina,
familiarização com diferentes instrumentos de produção e o
conhecimento das potencialidades de várias matérias-primas em
termos de transformação em produtos úteis. Contudo, a produção
de mercadorias em condições de trabalho assalariado põe boa parte
do conhecimento, das decisões técnicas, bem como do aparelho
disciplinar, fora do controle da pessoa que de fato faz o trabalho.
(HARVEY, 1993, p. 119).
Na verdade, a ordem capitalista não cria somente um novo modo de produzir,
um perfil novo do trabalho e do trabalhador, o capitalismo criou, como atesta Carlos
“um novo homem seus gostos, suas idéias, seus desejos, suas necessidades, seu
73
modo de pensar”. (CARLOS, 1994, p. 59). Podemos dizer que o mesmo processo
ocorreu na formação do ferroviário em Araguari. Processo nem sempre isento de
conflitos e contradições.
Seguindo o espírito de expansão e prolongamento dos trilhos para além das
terras paulistas, uma única empresa aventurou-se, segundo Mombeig, “foi lançada
com a firme intenção de atingir o coração do Brasil, e sua construção foi atacada
rapidamente: a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, fundada em 1872”
(MOMBEIG, 1984, p. 174). Esta companhia ferroviária surgiu, assim como outras
tantas ferrovias paulistas, ligada aos interesses do café. Seus trilhos vão penetrando
pelo interior do Brasil partindo de Campinas; inaugura, no ano seguinte o tráfego
até Jaguari e atinge Ribeirão Preto em 1883, Franca em 1887 e as margens do Rio
Grande em 1888. Foi a primeira ferrovia a atingir as divisas do Triângulo Mineiro,
rompendo-as e chegando em Araguari em 15 de novembro de 1896. Tinha também
o” projeto de ligar o território goiano ao porto de Santos, projeto não executado pela
Companhia”. (BORGES, 1990 p. 44), e, sim, pela Estrada de Ferro Goiás, que
prolongou os trilhos da Mogiana adentrando o Sudeste Goiano e atingindo mais
tarde a nova capital do Estado. No que diz respeito à Mogiana, Matos observa que:
A esta nova ferrovia caberia servir uma das mais ricas regiões da
então Província de São Paulo, atingindo mais para o fim do século,
as divisas de Minas Gerais e penetrando em território mineiro, onde
se articulou com outras ferrovias. A Mogiana estaria fadada, como
veremos na devida ocasião, o extraordinário papel de capturar para
a economia paulista grande parte do sul de Minas e do Triangulo
Mineiro. (MATOS, 1974, p. 68)
A Mogiana era a terceira maior ferrovia paulista totalizando 789 km em sua
linha-tronco (Campinas-Araguari). Chama a atenção o grande número de pequenos
ramais desta ferrovia, que são “verdadeiras estradas ‘cata-café’ que iam no seu
imediatismo servir aos interesses das fazendas de uma região que, na época, se
encontravam na vanguarda da produção cafeeira de São Paulo” (ibid., p. 76),
conforme figura 09. A concessão dada à Mogiana permitia que suas linhas
atravessassem o Rio Paranaíba e alcançassem a cidade goiana de Catalão, porém,
dificuldades econômicas e financeiras da empresa desencorajaram o prolongamento
dos seus trilhos para esta cidade, o que levou à transferência de seus direitos para a
74
Estrada de Ferro Alto Tocantins, que mais tarde mudaria de nome, passando a se
chamar Estrada de Ferro Goiás.
CAMPINAS
CASA BRANCA
FRANCA
UBERABA
ARAGUARY
FONTE: COMPANHIA MOGYANA
BASE CARTOGRAFICA 1:2000.000,
1922; <
http://www.cmef.com.br/pp_mapa.htm>
TRAÇADO DA
ESTRADA-DE-FERRO
MOGIANA 1922
SÃO JOAQUIM
IGARAPAVA
0
20 40 60km
GUARANÉSIA
GUAXUPÉ
S. JOSÉ DO
RIO PARDO
M
U
Z
A
M
B
I
N
H
O
PASSOS
S. JOSÉ DO PARAÍSO
STA. RITA DE CASSIA
RIB.
PRETO
ITATIBA
SÃO JOÃO DA BOA VISTA
AMPARO
SOCORRO
ITAPIRA
ESPIRÍTO STO. DO PINHAL
UBERLÂNDIA
COMPANHIA
ESTRADA-DE-FERRO
MOGIANA
DE
OUTRAS ESTRADAS-DE-FERRO
Desenho, Adaptação:
Antonio Santiago da Silva - 2007
Organização: Fábio de Macedo Tristão Barbosa
Cidades
FIGURA 09 – Traçado da Estrada de Ferro Mogiana – 1922.
FONTE: http://www.cmef.com.br/pp_mapa.htm. Acesso em 19 de Maio de 2007.
75
Desde a instalação destas empresas ferroviárias em Araguari, foi intensa a
relação delas com o poder público municipal. Sobretudo, no que tange ao
ordenamento espacial da cidade. Porém, antes mesmo das ferrovias aportarem em
Araguari o poder executivo local demonstrava desde os primeiros tempos, interesse
em organizar a cidade, o que levou à criação do cargo de alinhador”, responsável
pelo alinhamento das edificações no intuito de garantir o prolongamento reto e
regular das ruas, como destaca a seguinte citação “[...] dos cargos criados pela
Câmara, ainda dentro da proposta de organização territorial urbana, destaca-se o
“alinhador” responsável pelo traçado da cidade até o ano de 1895”.
36
Com a chegada da Mogiana, os administradores públicos delegaram ao
engenheiro desta companhia ferroviária – portanto à iniciativa privada – a
elaboração da planta da cidade, como pode ser visto a seguir:
Após esse período [1895] o engenheiro responsável pelo trecho em
construção da Cia. Mogiana de Estrada de Ferro percurso Araguari
– São Pedro do Uberabinha (Uberlândia), Achiles Widulick, elaborou
a primeira planta projetando a delimitação urbana. A Câmara
aprovou-a pela Lei 11 e três anos depois, em 1898, a Lei 50
determinou o alinhamento, nivelação e a demarcação de
praças, ruas e avenidas da cidade, segundo a planta do
engenheiro e os logradouros foram demarcados por números.
37
(Grifo Nosso)
Este engenheiro tendo como referência o prédio da estação, traçou as
principais vias da cidade convergindo para a estação da Mogiana, como pode ser
visto na figura 10. Diante disso, observa-se que, desde o início, a ferrovia e a
esplanada da estação são pontos de orientação, referenciais na organização do
espaço urbano da cidade, cujo traçado, elaborado sob a pena do engenheiro da
Mogiana, predomina até hoje.
Percebe-se que, já a partir da presença da Mogiana (1896), a ferrovia possuía
pretensões maiores em relação à cidade, haja vista a elaboração do plano urbano
por um engenheiro da própria companhia, o que marca profundamente o
envolvimento da ferrovia com a cidade.
36
Dossiê de Tombamento do Conjunto da Estrada de Ferro Goiás – Tombado pelo Decreto nº 010 de
10 de fevereiro de 1989 e reiterado pelo Decreto 013 de 03 de abril de 1998. Divisão de
Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura Prefeitura Municipal de Araguari
37
Idem.
76
FIGURA 10 – Vista aérea de Araguari, 1950.
FONTE: Arquivo Público Municipal de Araguari.
Estas pretensões vão se consolidar com a presença da Estrada de Ferro
Goiás, que “geo-grafa”, ou seja, marca, de maneira expressiva o espaço urbano de
Araguari, como ocorreu em outros lugares mundo afora. “La llegada del ferrocarril
supuso generalmente uma auténtica transformación em las ciudades” (Capel, 2005,
p. 548).
Em Araguari, a Mogiana articula-se com a Estrada de Ferro Goiás, conforme
figura 10, que segue até à região de Roncador (município de Ipameri-GO), onde as
obras ficaram paralisadas até 1922 devido à construção da ponte sobre o Rio
Corumbá, que veio curta (dos Estados Unidos) e não alcançava a outra margem do
rio; seguiu depois a Goiânia, onde chega em 1950. Através da Mogiana e da Estrada
de Ferro Goiás, parte do Sul de Minas, o Triângulo Mineiro e o Centro-Sul do Estado
de Goiás tornam-se tributários da região mais rica do país, o Sudeste brasileiro,
durante a era ferroviária.
A figura 11 mostra o sistema de transporte nesta região no ano de 1922, no
qual evidencia-se o objetivo da integração regional, o que posteriormente se
consolidaria com a finalização das obras de construção da Estrada de Ferro Goiás,
que formaram uma rede urbana modificada pelo advento das rodovias.
77
FIGURA 11 – Traçado antigo da Estrada de Ferro Goiás.
Trajeto da linha férrea da Estrada de Ferro Goiás com trechos trafegados;
Trechos de leito já pronto, e ferrovias em estudo, e que posteriormente alteraram o ponto
de chegada, da antiga, para a nova capital do Estado de Goiás, Goiânia.
FONTE: (BORGES, 1990, p. 111).
Mas é a cidade de Campinas e não à capital paulista, que se vinculam as
cidades servidas pela ferrovia. Fato que é esclarecido por Matos (1974, p. 119) da
seguinte forma
Dado o fato de Campinas ser o ponto inicial da Mogiana, as
vinculações de toda essa vasta área foram sempre maiores com
Campinas do que propriamente com a capital paulista. Os colégios,
os hospitais e o próprio comércio de Campinas sempre serviram
muito às cidades do sul de minas, do Triângulo Mineiro e de Goiás.
78
Araguari tornou-se importante entreposto comercial, nó das linhas da Mogiana
e da Estrada de ferro Goiás, ponto de bifurcação por onde eram embarcadas as
mercadorias oriundas de Goiás e de outras cidades do Triângulo Mineiro. Veículo e
mola propulsora dos tempos modernos, a ferrovia vista como sinônimo de progresso
e civilidade, traz a idéia de desenvolvimento, “hoje [meados do Século XIX] a
condição, a divisa de um país civilizado é o de ter vias férreas, a locomoção a vapor”
(EL-KAREH, 1982 p. 131).
Devido à posição de ponta de trilhos, Araguari articulava uma vasta região do
seu entorno ao pólo econômico mais dinâmico do país, drenando a produção de
mercadorias e o vaivém de pessoas de todos os cantos e, então, a vida urbana da
cidade passa a acontecer nas proximidades do prédio das estações da Mogiana e
da Goiás, cujo movimento é intenso na primeira metade do século XX. É possível
termos uma noção desta agitação, ao observar o grande número de pessoas na
plataforma das estações ferroviárias de Araguari, como mostra as figuras 12 e13.
FIGURA 12 – Plataforma da estação da Mogiana na década de 1940.
Esta cena é hoje bastante comum nos terminais dos metrôs das metrópoles brasileiras. É grande a
disputa por um palmo de espaço em meio ao aperto e ao empurra-empurra que caracterizam estes
ambientes do ir e vir.
FONTE: Arquivo particular de Maria Leila Vieira.
79
FIGURA 13 – Plataforma da Estação da Estrada de Ferro Goiás, década de 1940.
FONTE: Arquivo Público Municipal de Araguari.
Caso semelhante ao de Nazaré das Farinhas, no Recôncavo Bahiano, que
Santos (1997, p. 5) expressa da seguinte forma: “a vida urbana de Nazaré, cujo
centro era, antigamente, o porto, passou a girar em torno de dois pólos: o porto e a
estrada de ferro.” A chegada do trem por essas “bandas de cá” está permeado pelo
discurso do progresso que acompanha os trilhos por onde eles chegam, conforme a
passagem a seguir que trata da presença dos trilhos na cidade goiana de Ipameri-
GO.
O trem chega e dinamiza a vida de uma cidade acostumada à
mesmice, rotina do sertão goiano. Traz a possibilidade do novo que
transforma. Transformar significa também construir uma cidade
civilizada, o que deveria começar na época por um projeto de
urbanização. (BRANDÃO, 2005, p. 10)
Em Araguari, o plano urbano tipo tabuleiro de xadrez elaborado por Achiles
Widulick, engenheiro alemão da Mogiana, é o que de mais moderno em termos
de projeto. A pujança econômica e o crescimento da cidade tornam mais complexa a
vida urbana; necessária se faz a regulamentação das atividades urbanas, isto fica a
80
cargo do Estado em sua escala municipal. É assim que, nos projetos de
modernização, está implícita a razão técnica-instrumental, alicerce da modernidade
e “carro-chefe” do tão sonhado “progresso” e do “desenvolvimento”, hoje postos em
xeque.
Lênin (1979), em 1916, faz outra leitura quanto ao significado desse
empreendimento e é enfático ao discorrer sobre seu verdadeiro conteúdo e o que
este realmente representa na fase imperialista do capitalismo mundial. De acordo
com a citação a seguir:
A construção das estradas de ferro parece ser um empreendimento
simples, natural, democrático, cultural e civilizador, [...]. Na realidade
os múltiplos laços capitalistas mediante os quais esses
empreendimentos se encontram ligados à propriedade privada dos
meios de produção em geral, transformaram essa construção num
instrumento para oprimir mil milhões de pessoas (nas colônias e
semicolônias), quer dizer, mais de metade da população da Terra
nos países dependentes e os escravos assalariados do capital nos
países “civilizados” [1916]. (LÊNIN, 1979, p. 10)
Para Lênin, instrumento de opressão capitalista, para os apologistas liberais,
sinônimo de progresso e civilidade. É este o “demônio” que aparece em Araguari,
cujo panorama geral esboçamos nesse capítulo, a começar do seu surgimento na
Grã-Bretanha, passando pela sua penetração e expansão no território brasileiro no
contexto da economia agro-exportadora e posterior a ela, até seu advento em
Araguari e sua relação com a cidade, fim de linha da Mogiana e “cabeça” de linha da
EFG, que prolonga os trilhos da Mogiana pelo interior do Estado de Goiás, ansioso
pelo moderno meio de transporte.
A precariedade das velhas estradas de rodagem e a insuficiência dos rios
navegáveis entravava o desenvolvimento que então se pronunciava na antiga
Província de Goiás. Foi quando o Governo Imperial, atendendo à circunstância, no
dia 24 de setembro de 1873 baixou decreto acenando com vantagem a quem se
propusesse a construir uma estrada de ferro ligando a capital de Goiás ao ponto
mais conveniente da margem do Rio Vermelho. No ano seguinte, como que
complementando a medida, o Presidente da Província de Goiás Antônio Lourenço
Cícero de Assis contratou João Lourenço Seixas para a construção objetivada.
Apesar das vantagens conferidas, Cícero de Assis desistiu e a tentativa fracassou.
81
Posteriormente, sendo Presidente da Província Luiz Silvério Alves da Cunha,
a segunda concessão foi dada, dessa vez, à Companhia Mogiana de Estrada de
Ferro para prolongar sua linha da margem do Rio Paranaíba às margens do Rio
Araguaia, mas esta empreitada também não logrou êxito. Após os insucessos, o
Governo Federal contratou a Companhia Estrada de Ferro Alto Tocantins com o
objetivo de dotar o estado de Goiás de vias férreas entre as regiões sul e norte deste
estado e, através do contato com outras ferrovias brasileiras, ligar Goiás aos portos
do Sudeste do Brasil: Rio de Janeiro e São Paulo. Esta companhia nasce e se
organiza assim. Vejamos:
O decreto 862 de 16 de Outubro de 1890 concedeu à Companhia
E. F. Alto Tocantins o direito de construção de uma estrada de ferro
desde a Vila de Catalão, no Sul do Estado, até a de Palmas, ao
Norte, quase à margem do Tocantins, garantindo juros de 6% sobre
o capital de 30000$, papel, por quilômetro, durante 30 anos e
privilegio de zona de 60 anos”.
38
Mas, em 28 de março de 1906 tal companhia alterou sua denominação,
passando a ser chamada, pelo Decreto 5.949 do Presidente Rodrigues Alves, de
Estrada de Ferro Goiás, que foi
[...] incumbida de construir e explorar economicamente a linha, o
governo federal autorizou, em 1906, o primeiro empréstimo da
Companhia no exterior, no valor de 25 milhões de francos e, em
1910, para dar continuidade aos trabalhos de construção da linha,
foi autorizado um novo empréstimo de 100 milhões de francos junto
aos bancos de Paris, com a garantia do governo brasileiro.
(BORGES, 1990, p. 56)
A saber, a Estrada de Ferro Goiás, desde os seus primórdios, teve em nível
de projeto, quatro diferentes traçados, conforme artigo do geógrafo Antônio Brasil
publicado no Jornal Botija Parda:
1º. LINHA DE CATALÃO A PALMAS. Concessão feita pelo
decreto 862 de 16 de outubro de 1890, dando privilégio por 60
anos e garantia de juros de 6% até 30 contos ouro por quilômetro.
38
RIO, J. Pires do. Ministério da Viação e Obras Públicas. Relatório apresentado ao Presidente da
República Exmo. Sr. Epitácio Pessoa. 1919, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1920. p. 26. Apud,
BORGES, 1990. p. 59.
82
2º. TRAÇADO COM PONTO INICIAL EM ARAGUARI (Estação
terminal da Mogiana) À GOIÁS Decreto nº. 5.349, de 18 de
outubro de 1904.
3º. linha de Formiga (Minas) a LEOPOLDINA (Goiás), com um
ramal para Uberaba. Decreto nº 6.438, de 27 de março de 1907.
4º. LINHA DE FORMIGA A GOIÁS, PASSANDO POR CATALÃO,
com um ramal de CATALÃO A ARAGUARI e outro de UBERABA A
S. PEDRO DE ALCANTARA. Decreto 7.562, de 30 de setembro
de 1909
39
.
De interesse prioritário para o estado de Goiás para escoamento de sua
produção, porém nascida em território mineiro, primeiramente, em seu segundo
projeto, resultado do Decreto 5.349 de 18 de Outubro de 1904 baixado pelo
governo federal que alterava o ponto inicial da estrada de Catalão-GO para Araguari,
que era a ponta dos trilhos da Mogiana. O terceiro projeto também partia de Minas.
O quarto projeto é o que foi executado com alterações. Processo repleto de
contradições e disputas entre frações das oligarquias goianas e mineiras. Do lado
dos goianos, os coronéis, portadores de grande poder e prestígio local – os Caiados,
por exemplo eram em sua grande maioria contrários à implantação da estrada de
ferro com receio de que isso pudesse colocar em xeque seus poderes de
mandatários políticos, por isso a ferrovia em Goiás não é fruto da vontade e luta da
classe política que mandava no estado. Em Goiás,
[...] as oligarquias dominantes pouco ou quase nada fizeram de
concreto para tornar realidade a ferrovia. Os coronéis, contrários a
qualquer tipo de mudança de caráter progressista, não queriam a
estrada de ferro, pois ela representaria uma força nova de
transformação que poderia ameaçar o ‘status quo’ ou seja, o poder
constituído dos coronéis. (BORGES, 1990 p. 55)
Porém, uma nova força política emergiu, e passou a apoiar a construção da
ferrovia em Goiás. Esta fração dominante que despontava no cenário político
sobretudo os Bulhões estava mais concatenada com o capital financeiro, como
atesta Borges (ibid., p. 55).
[...] a implantação da Estrada de Ferro Goiás resultou do empenho
político de uma fração da classe dominante ligada a novos grupos
39
BRASIL, Antônio. “A vida histórica de Araguari”. Jornal Botija Parda. Araguari. 29 de novembro de
1981. Ano XII nº 594 s/p.
83
oligárquicos que despontavam como força política no Estado, a qual
contou com apoio do capital financeiro internacional.
Percebe-se, então, a convergência entre a razão do capital, em seu processo
de reprodução na escala do capitalismo mundial, e a necessidade da modernização
das estruturas econômicas, sociais e políticas do estado de Goiás. Esta
modernização estava, manifestada na construção da EFG e no sonho de integração
ao país pelos trilhos. Mas, isso deixa alguns mandatários locais ressabiados em
perder sua hegemonia política. Um trágico episódio ocorrido no ano de 1916 marcou
tristemente a história da construção da EFG no trecho entre Catalão e Ouvidor
ambos municípios goianos. Este acontecimento ficou conhecido como: “O massacre
dos turmeiros”
40
e parece ter tido razões que envolviam a disputa de grupos políticos
ligados a interesses com a ferrovia em Catalão. Assim nos conta Gomes (1994),
Obscuras são as verdadeiras causas de um dos maiores
acontecimentos de violência que marca a história da cidade e do
Estado naquelas épocas. À chamada causa imediata”, assinalada
pela morte de uma pessoa uma prostituta –, que contemporâneos
insistem em considerar como verdadeira podem-se juntar elementos
mais remotos, como o jogo de interesses de grupos hegemônicos e
do poder e suas ligações com construção da ferrovia, que poderia
trazer profundas transformações à cidade e região. Transformações
estas que poderiam ocasionar prejuízos e desassossego de muitos.
O progresso nem sempre é recebido unissonamente. Afinal, nem
sempre ele representa a satisfação do interesse de todos. Muito
pelo contrário, pode até mesmo contrariar pessoas, negócios e, até
mesmo, agremiação política. (GOMES; CHAUL; BARBOSA, 1994,
p. 254).
Este fato implicou na paralisação dos serviços de construção deste trecho da
ferrovia por longo tempo, cerca de vinte e cinco anos.
A instalação da sede da empresa em Araguari por meio século, e não em
Goiás, é um problema político-geográfico de difícil resposta precisa. É provável que
os políticos mineiros, aproveitando-se das divergências políticas em Goiás, ou seja,
o fato de que uns eram a favor e outros contra a ferrovia, acabaram obtendo êxito na
implantação da sede da empresa em Araguari. Este fato causou uma espécie de
“divórcio” entre a EFG e o estado de Goiás até o ano de 1954, quando a sede foi
transferida para Goiânia. Outra plausível explicação estaria relacionada à própria
40
Os detalhes deste acontecimento podem ser visto em: GOMES, Luis Palacín; CHAUL, Nasr Fayad.
BARBOSA, Juareez Costa. História política de Catalão. Goiânia, Editora da UFG, 1994.
84
logística para o prolongamento dos trilhos, que, considerando a posição de Araguari
como o fim da linha da Mogiana, por uma questão técnico-administrativa, para
acompanhar de perto a evolução da frente de trabalho, seria de bom grado que a
sede da empresa ficasse mesmo em Araguari.
Porém, a meu ver, a razão fundamental para instalação da sede da Goiás na
cidade de Araguari foi, sobretudo, o prestígio político-econômico que o estado de
Minas Gerais possuía no cenário nacional. Sabemos que Minas e São Paulo
alternaram-se no comando do poder político do país desde a Proclamação da
República até 1930, período popularmente conhecido como “República do café com
leite”. Por outro lado, o estado de Goiás não lograva a mesma “sorte”, pois era
insignificante sua projeção política na escala nacional. Ainda que suposição, prefiro
crer nesta última hipótese.
Nem sempre as razões econômicas e políticas em suas diversas escalas se
coadunam. É importante salientar que a ferrovia serve acima de tudo aos interesses
da economia capitalista, que se expandia no Brasil, fato que por si só, força a
construção da linha. As divergências entre mineiros e goianos estavam também na
disputa pelo traçado da linha da Estrada de Ferro Goiás, o que leva às muitas
alterações no que diz respeito às localidades em que passarão os trilhos, com cada
parte buscando beneficiar-se como pudesse, o que reflete, até 1930, a primazia do
pensamento e dos interesses regionalistas da Primeira República sobrepondo-se
aos interesses de cunho nacional.
Por fim, foi o último projeto que foi executado, mesmo assim, tendo sofrido
algumas alterações, pois, com a construção de Goiânia e a conseqüente mudança
da capital de Vila Boa para Goiânia é para esta última que os trilhos da EFG
convergem. Outra alteração foi a incorporação da linha Formiga-Catalão e o ramal
Catalão-Goiandira à Estrada de Ferro Oeste de Minas em 1920, que em 1931 passa
a compor a Rede Mineira de Viação. Após muitos planos e projeções, o trajeto da
Estrada de Ferro Goiás com seus 478 km de extensão iniciou-se em Araguari em
1909, alcançou a cidade de Anhanguera, em território goiano, em 1911 e
Goiandira-GO em 1913, chegando a Anápolis em 1935. É, então, construído um
ramal para Goiânia partindo de Leopoldo de Bulhões; em 1950 esta ferrovia aporta
na nova capital do estado de Goiás. Quanto à nova capital do Brasil, de acordo com
Alves (2003) 14 de março de 1967 é a data que marca a ligação, pelos trilhos de
Pires do Rio à Brasília, na estação de Bernardo Sayão.
85
As disputas em torno do projeto que seria levado a cabo o que decidiria o
trajeto que a linha seguiria, acarretou benefício a uns e prejuízos a outros grupos
econômicos e políticos; vimos superficialmente tais divergências em torno do
traçado da EFG, que resultou em quatro projetos diferentes, isso para uma ferrovia
de pequena extensão. Este fato, junto a outros, pode explicar o formato em zig-zag
que caracteriza o traçado das ferrovias brasileiras, sob a influência dos interesses de
grupos político-econômicos regionais, locais, que buscavam a valorização de suas
terras. Estas disputas encarecia sobremaneira a construção, pesando sobre os
cofres públicos, além de retardar o término da obra.
Capel trata do assunto na Espanha da seguinte maneira
La elección de um itinerario concreto favoraceia a unas poblaciones
y perjudicaba a otras. Los conflictos entre las diferentes localidades
fueron importantes y explican la multiplicación de los proyectos y de
los debates, así como las presiones políticas y econômicas de los
grupos com interesses em conflicto. (CAPEL, 2007, p.18).
Observar, mesmo que rapidamente, as disputas entre mineiros e goianos
envolvendo o traçado da linha, nos ajuda a compreender melhor a reação da
sociedade araguarina quando da transferência do comando da EFG em 1954 para a
cidade de Goiânia, ou seja, esse acontecimento figura no âmbito das divergências
históricas que permearam a relação de mineiros do Triângulo com os goianos desde
os primórdios da construção da EFG. Esta Companhia Ferroviária portadora de
grande prestígio e admiração da sociedade araguarina é a partir de segunda década
do século XX, encampada pelo governo federal. É o começo do segundo momento
da relação da ferrovia com a cidade de Araguari. No capítulo III aprofundaremos
esta relação.
II.4 – Sob a Batuta do Estado
É um tempo turbulento. Os efeitos da Primeira Grande Guerra se traduzem
em graves crises econômico-finaneiras. Como observa Beaud “dívidas e
pagamentos internacionais, inflação; produção, intercâmbios comerciais” (BEAUD
1994, p. 247) sacodem as economias de vários países afetando as exportações dos
países centrais como a Inglaterra, “a crise de 1921, de uma particular gravidade na
86
Grã-Bretanha, com uma queda brutal das exportações [...],” (ibid., p. 249) é
acompanhada também em outros países como França e Estados Unidos; atinge de
forma ainda mais aguda os países não industrializados e dependentes. A
conseqüência desta crise é a Grande Depressão de 1929. Para o mesmo autor, “são
as contradições entre capitalismos nacionais que fornecem a chave da grande crise
desse período” (ibid., p.247).
Esta conjuntura econômica internacional turbulenta reflete-se também no
Brasil. Conforme Ianni,
[...] a Primeira Guerra Mundial e as outras crises que atingiram o
setor externo da economia brasileira, haviam reaberto a questão das
relações entre o sistema de transporte ferroviário, a indústria
siderúrgica e a defesa nacional. (IANNI, 1996, p.41)
No setor ferroviário, para o qual Ianni (1996) chama a atenção, a crise impõe
obstáculos para compra de máquinas, peças e equipamentos novos e de reposição
da Europa e dos Estados Unidos, gerando deficiências no transporte e na
manutenção do material rodante. Esse quadro da economia internacional rebate
internamente no Brasil e, conseqüentemente, leva a empresa arrendatária da EFG à
falência em 1920, quando a União assume o controle da empresa.
Portanto, as deficiências técnicas e operacionais da EFG e a conseqüente
falência da empresa arrendatária – possuía a concessão da linha – são perpassadas
pela crise do capitalismo internacional, que restringia as relações comerciais entre
os países, dificultado o reaparelhamento técnico das máquinas e dos equipamentos.
Isso será sentido na qualidade dos serviços prestados pela Companhia gerando
intensas reclamações e severas críticas à Estrada de Ferro Goiás, em Araguari e em
Goiás:
Em Araguari as reclamações eram constantes contra a carência de
armazéns e o pequeno número de trens naquela estação. Em
Catalão reclamava-se contra o atraso dos vagões requisitados para
o embarque de charque, os quais demoravam até mais de um mês.
Em Ipameri as críticas eram motivadas pelas mesmas causas, ou
seja, atraso de trens, carência de armazéns, e ainda reclamava-se
contra a sujeira e insegurança dos trens de passageiros”. (A
Informação Goyana, apud Borges 1990, p. 73).
87
Além dos motivos operacionais elencados acima, outros de ordem jurídica e
contratual que é também conseqüência da crise internacional também
contribuíram para que a União decretasse a caducidade do contrato com a
arrendatária. As principais razões são:
a) suspensão dos trabalhos de construção por mais de 45 dias
consecutivos, sem consentimento prévio do governo federal; b) o
emprego nos trabalhos da estrada de ferro de operários em número
reduzido que demonstrou desídia da Companhia na execução do
contrato ou intenção de não cumpri-lo; c) falta de pagamento dentro
do prazo de 30 dias das cotas de arrendamento; d) excesso de
todos os prazos estipulados
41
.
Tais motivos forçam a União a intervir e encampar a empresa, até então
empreiteira e arrendatária da linha, que passa para a jurisdição do Governo Federal
em 1920. Pelo decreto 13.963 de 06 de fevereiro de 1920, declarou a caducidade
do contrato “celebrado com a companhia através dos decretos 12.183 de
30.08.1916 e 12.530 de 28.06.1917, ficando a edificação da estrada e sua
manutenção inteiramente a cargo a União”.
42
A partir desse momento a presença da Estrada de ferro Goiás se torna mais
lucrativa e expressiva no cenário nacional. Dos anos 1920 em diante
[...] que ressaltar que em 1920, entre as 12 vias férreas
administradas pelo Governo Federal, a Estrada de Ferro Goiás ficou
em terceiro lugar em saldo positivo. Em 1921, a Estrada ocupava o
sexto lugar em renda e foi a única ferrovia federal a alcançar saldo
positivo naquele ano. (BORGES, 1990, p.76).
Contudo, os problemas técnicos e operacionais não mudam muito com a
administração estatal: “a estatização não alterou muito as condições técnico-
financeiras e operacionais da empresa ferroviária. Os serviços de implantação dos
trilhos continuaram lentos e o transporte, desorganizado e ineficiente”. (BORGES,
2000, p.38). O final da década de 1920 marca o início da implantação de uma série
investimentos econômicos advindos do Governo Federal na construção do complexo
ferroviário da Goiás, que será suporte ao desenvolvimento e aprimoramento do
41
BRASIL, Antônio. A vida histórica de Araguari. Jornal Botija Parda. Araguari 07 e 14 de Março de
1982. Ano XII, nº 606 e 607. s/p.
42
Diário Oficial, 10 de janeiro de 1920, apud BORGES 1990, p. 68-69.
88
trabalho ferroviário em Araguari e região. Em 1925 inicia-se a ampliação do prédio
de embarque e desembarque de passageiros e mercadorias da EFG, o prédio da
estação, construído em 1909, que é reinaugurado em 1928 após ampla reforma.
Este segundo momento da intervenção urbana promovida pela ferrovia será
tratado nos próximos capítulos. A partir dessas intervenções consideramos que a
cidade de Araguari se constitui enquanto uma cidade-ferroviária, entendendo-a
como um espaço que se organizou em função da atividade e do empreendimento
ferroviário. Organização espacial urbana que se verifica desde o começo com o
plano urbano desenhado pelo engenheiro Achiles Widilick da Mogiana, e a meu ver,
reforça-se com o erguimento do complexo ferroviário da Estrada de Ferro Goiás, um
dos maiores do Brasil, responsável pela expansão da mancha urbana de Araguari
para suas adjacências e para além dela.
89
CATULO III
O ORDENAMENTO ESPACIAL DA CIDADE
E A REPRODUÇÃO DOS FERROVIÁRIOS
III.1 – A Organização Espacial da Cidade
A paisagem, expressa pelos diversos objetos espaciais que a formam,
constitui a parte sensível do espaço geográfico, ou seja, que abrange as
propriedades dos sentidos. Segundo Santos (1996), “esta pode ser definida como o
domínio do visível, aquilo que a visão abarca. Não é formada apenas de volume,
mas também de cores, movimentos, odores, sons, etc.” (SANTOS, 1996, p. 61). A
partir daquilo que é mostrado, do visível, é possível buscar significados; assim,
chega-se ao entendimento e à compreensão do aspectos aparentes. Conforme
Moreira (2007), “vai-se, assim, do visível para o invisível e do invisível volta-se para
o visível, num movimento dialético de intelecção no curso do qual a paisagem
aquilo que no fundo se quer ver compreendido se torna o concreto-pensado.”
(MOREIRA, 2007, p.115).
Por isso, o estudo e a pesquisa do espaço geográfico da cidade podem
desvelar o que não vemos de imediato na paisagem, as relações sociais de
produção engendradas na sociedade burguesa. No capitalismo, a cidade torna-se o
lugar privilegiado para a reprodução destas relações, que sustentam a maneira
capitalista de produzir. A cidade é “lugar de trabalho, fábricas e escritórios, constitui-
se no local de produção, as residências e os bairros, definidos como unidades
territoriais e sociais, constituem-se no local de reprodução” (CORRÊA, 1989, p. 66).
A cidade forma assim, um grande arranjo espacial.
Carlos (1994), em sua análise sobre o processo de reprodução do espaço
urbano de Cotia-SP, estabelece duas perspectivas diferentes, para analisar este
espaço: de um lado observa-o do ponto de vista do capitalista que enxerga o espaço
90
como capital fixo destinado à reprodução do próprio capital; de outro, observa o
espaço urbano como meio de produção da vida, como valor de uso e consumo
indispensável à reprodução da sociedade como um todo, o espaço assim visto, deve
ser apropriado para o uso da coletividade e de acordo com o uso que a coletividade
faz dele. Para Carlos, essa produção dual do espaço, é produzida “para atender, de
um lado, as necessidades da produção e da circulação de mercadorias, [...] e de
outro, à reprodução humana” (CARLOS, 1994, p. 111), é a própria manifestação das
contradições do espaço transformado em mercadoria que traz embutido em si valor
de uso e valor de troca.
O apoderamento da cidade – do espaço da cidade – pelo capital é assim visto
por Lefebvre,
É neste espaço dialectizado (conflitual) que se consuma a
reprodução das relações de produção. É este espaço que produz a
reprodução das relações de produção, introduzindo nelas
contradições múltiplas, vindas ou não do tempo histórico. Através de
um imenso processo, o capitalismo apoderou-se da cidade histórica,
fê-la explodir, gerou um espaço social que ocupou, continuando a
sua base material a ser a fábrica e a divisão técnica do trabalho no
seio da empresa. O resultado disto foi uma vasta deslocação das
contradições, cuja análise comparada e pormenorizada terá que ser
prosseguida. (LEFEBVRE, 1973, p. 21).
Na perspectiva aberta pelo materialismo histórico e dialético, o espaço
geográfico não é tido apenas como palco da atividades humanas (concepção
presente na Geografia Clássica) que os homens organizam como peças num
tabuleiro de xadrez; na denominada Geografia Crítica, de inspiração marxista
principalmente, o espaço geográfico poder ser lido como produto histórico-social, e,
também, como condição e meio do processo de reprodução geral da sociedade.
Como afirma Carlos, “o mundo material é produto de relações que o homem mantém
com a natureza e com o outro”. (CARLOS, 1994, p. 255). Assim, o mundo material e
o espaço são um e o mesmo fato. Essencial na reprodução das relações sociais, “o
espaço social age como um elemento condicionador sobre a sociedade”. (Corrêa,
1989, p. 65).
Nesta perspectiva, espaço urbano é a própria geografia da cidade,
engendrada pelas relações sociais de produção, pois são estas relações capitalistas
de produção que vão estruturando o espaço geográfico da cidade, o urbano, cuja
91
reprodução é, dialeticamente, a reprodução dessas mesmas relações num outro
patamar. Então a relação ferrovia-cidade é nesse caso permeada pelo urbano, ou
seja, por relações sociais de classe que se dão na cidade. Para Carlos,
[...] o urbano é um produto do processo de produção num
determinado momento histórico, não no que se refere à
determinação econômica do processo (produção, distribuição,
circulação e troca), mas também as sociais, políticas, ideológicas
que se articulam na totalidade da formação econômica e social.
(CARLOS, 1994, p. 84)
O urbano é produto histórico-social, mas é também condição para o
desenrolar da própria história material dos homens. Nesse sentido, o urbano é a
dimensão espacial da história da vida dos homens no ambiente das cidades. A
cidade seria a forma, a base prático-sensível, uma estrutura morfológica em que a
sociedade urbana acontece. Nesse sentido a cidade precede o urbano, que pode ser
lido e interpretado a partir dela, a cidade expressa o trabalho humano objetivado e,
por isso, reúne a soma de temporalidades do passado e do presente na permanente
dialética entre velho e o novo, daquilo que foi e daquilo que está sendo. O urbano é
o processo, a dinâmica, o movimento que acelera a vida na cidade a partir de um
momento histórico determinado. Conforme Santos, “A história de uma cidade se
produz através do urbano que ela incorpora ou deixa de incorporar [...]”. (SANTOS,
1996, p. 71). Assim, o urbano aparece como condição e produto histórico e social.
A cidade é primeiramente a “projeção da sociedade sobre um local, isto é,
não apenas sobre o lugar sensível como também sobre o plano específico,
percebido e concebido pelo pensamento, que determina a cidade e o urbano”.
(LEFEBVRE, 1999, p. 156). É o trabalho objetivado espacialmente por uma
determinada formação social. Se esta formação social é capitalista, o espaço urbano
apresenta as contradições características desse sistema. O urbano é espaço do
encontro, de todos os encontros, da concentração da população, do capital e do
trabalho, por isso espaço também do confronto; das alegrias, das necessidades
materiais e espirituais, das tristezas. É o lugar do movimento, onde a vida acontece
recheada de todas as relações possíveis.
Araguari, assim como outras cidades de grande e médio porte, é isso
também. Porém, possui suas especificidades histórico-geográficas como resultado
92
particular da ação dos atores que produziram sua história e sua geografia: pessoas,
grupos, classes sociais. A cidade é esse ambiente construído: casas, ruas,
avenidas, estradas, prédios e praças e o ambiente da natureza posto em movimento
a partir dos fluxos dos homens e das mercadorias. Esse ambiente construído é, para
Carlos (1994) a dimensão humana da paisagem, pois, é trabalho que se materializa
e dá ao espaço geográfico sua forma humana. Nesse sentido,
[...] o espaço geográfico não é humano porque o homem o habita,
mas porque, a cada momento histórico, o reproduz de acordo com
os objetivos e necessidades da sociedade (produto do trabalho
realizado a partir de uma concepção e de um projeto). (CARLOS,
1994, p. 57).
Assim, entendemos a organização do espaço urbano em Araguari a partir das
práticas espaciais das ferrovias presentes em Araguari e suas imbricações com a
cidade. Quando se fala então, aqui, de produção e reprodução, diz-se como esse
processo se desenrola sob o modo de produção capitalista, que nos leva,
evidentemente, a vê-lo pelo prisma da produção de mais-valia que tem no setor dos
transportes, responsável pela circulação das mercadorias até o consumidor, o
momento de realização da mais-valia produzida. Contudo, tal produção não se
restringe à produção-circulação-consumo de mercadorias, é, por conseguinte:
[...] produção e reprodução do conjunto da relação numa escala
alargada, e isto significa uma forma continuamente acrescida não
de categorias tipicamente capitalistas mercadorias, dinheiro,
salário, mais-valia, lucro, etc. mas do conjunto das relações
sociais, e históricas, e acima de tudo a relação ‘trabalho
assalariado’, sem as quais não seria possível nem o próprio
processo de produção do capital, nem o prodigioso desenvolvimento
das forças produtivas a ele ligado o seu lado positivo, se
quisermos.
43
Discutindo o vínculo entre formação espacial e formação econômico-social,
Moreira (2007), percorrendo os trilhos do marxismo, entende nesses termos o
caráter da reprodução da sociedade capitalista: “[...] a reprodução é produção em
caráter ampliado e permanente [...]” (MOREIRA, 2007, p. 69). As duas companhias
ferroviárias presentes em Araguari estiveram orientadas neste sentido, o da
43
(Bruno Maffi, 1969, p.18 in: Introdução à edição italiana do capítulo VI inédito de O Capital:
Resultado do processo de produção imediata. Karl Marx).
93
reprodução ampliada do capital, através do necessário estabelecimento da ligação
entre a economia do Centro-Sul de Goiás e a do Triângulo Mineiro com os centros
mais prósperos da economia brasileira, São Paulo e Rio de Janeiro.
A partir de 1930 redefine-se a forma de acumulação do capital no Brasil e a
dianteira é assumida pelo capital industrial, cujo avanço promove também
substancial crescimento do proletariado urbano. Este, cada vez mais consciente de
si enquanto sujeito histórico, passava a figurar como importante ator no cenário
político brasileiro. Marca também um redirecionamento do olhar do Estado, antes,
ligado à oligarquia agrária, agora, capturado pela “burguesia industrial”. Como
salienta Oliveira,
O Estado é um Estado capturado pela burguesia industrial, mas
não se resume nisto: é a própria contradição da reprodução do
capital. Entrando na esfera produtiva o Estado realiza em outros
termos uma espécie de “acumulação primitiva” cujos frutos, sem
lugar a dúvidas vão parar nas mãos da burguesia industrial [...]
(OLIVEIRA, 1977, p. 87).
Quando este mesmo autor se refere à relação do Estado com o proletariado
urbano, coloca-a nestes termos:
O Estado é, por outro lado, um ente ambíguo quase por definição,
no que se refere ao proletariado urbano emergente. Principalmente
para assegurar as leis de reprodução que agora devem beneficiar,
sobretudo as formas da mais-valia industrial, o Estado colocou sob
sua guarda o próprio movimento operário. (ibid., p. 87).
O Estado, dessa forma, intermediou diretamente a formação da força de
trabalho urbano-industrial no pós-1930, no instante em que a hegemonia do poder
em disputa está “caindo nas mãos” da burguesia industrial, e mudanças
institucionais substantivas estavam acontecendo no aparelho de Estado. A
inquietude do Estado com a crescente participação do proletariado urbano na arena
política levou o Governo Federal a implementar uma série de medidas na área
social, em termos de legislação trabalhista, no campo habitacional, na educação e
na saúde pública. Fernandes diz que estas medidas, na época tomadas por Vargas,
“foram demonizadas por seus críticos, tanto de direita quanto de esquerda, sendo
reduzidas a estratagemas de controle das massas pelo ditador populista [...]”
94
(FERNANDES, 2008, p. 03). Para este autor, esta atitude dos intérpretes da história
brasileira dificulta qualquer tentativa de enxergar no Brasil algo aproximado ou
inspirado no Estado do Bem-Estar Social e no fordismo que vinham ocorrendo
noutros países.
A característica fundamental de como o Estado do Bem Estar-Social se
manifestou no Brasil, estava relacionado segundo a avaliação de Medeiros, à
regulação dos trabalhadores assalariados urbanos, ou pelo menos, de parte deles,
conforme o autor: “no Brasil o Welfare State surge a partir de decisões autárquicas e
com caráter predominantemente político: regular aspectos relativos à organização
dos trabalhadores assalariados dos setores modernos da economia e da burocracia”
(MEDEIROS, 2001, p. 09).
De qualquer forma, o “moderno” operariado urbano passou a compor, junto
com outros segmentos da sociedade, o que ficou conhecido como “Estado de
compromisso” ou “compromisso de classe” a fim de garantir eficientemente e sem
maiores transtornos a reprodução do capital. Sendo os ferroviários da Estrada de
Ferro Goiás parte constituinte deste operariado nacional, o que observamos é o
alinhamento das práticas políticas da administração da empresa no trato com seus
empregados àquelas do Estado com a classe operária brasileira, visto que a EFG
estava sob o controle político-administrativo estatal e seus funcionários estavam
comprometidos com a empresa.
Porém, a especificidade das políticas assistenciais praticadas pela EFG pode
ser interpretada como uma tentativa de estabelecer um consenso entre os
ferroviários e destes com a empresa. A EFG traz consigo elementos fortes que a
aproximam de uma empresa fordizada, que combina instrumentos de coerção e
persuasão. Conforme Gramsci, “altos salários, benefícios sociais diversos,
propaganda ideológica e política habilíssima” (GRAMSCI, 1991, p. 381) são formas
de manipulação exercida pela fábrica, e boa parte desses mecanismos está
presente sob a forma de política assistencial na Estrada de Ferro Goiás,
caracterizando formas de regulamentação social específicas, cuja orientação é dada
pelo fordismo e que terminam indo além da estrada de ferro; chegam à dimensão da
cidade.
O que demarca a especificidade da relação ferrovia-cidade em Araguari no
capitalismo antiliberal e a difere do momento anterior é a forte presença do Estado
nas intervenções urbanas –, no caso de Araguari, tal relação ocorreu principalmente
95
via Estrada de Ferro Goiás fato este, característico de políticas públicas de cunho
fordista-keynesiano do pós-1930. A construção da Vila dos Ferroviários, do Hospital
Ferroviário e da Escola Profissional, da Escola Técnica de Educação Familiar, da
Cooperativa de Consumo e da Associação Beneficente, além de vários programas
assistenciais que discutimos nesta pesquisa, pode ser um indício de uma postura de
Estado, cuja configuração inspira-se no Estado do Bem-Estar Social, forma em que
o Estado se organizou em vários paises do mundo no período antiliberal do
capitalismo, quando a “provisão de bens e serviços sociais públicos estatais foi um
imperativo para todos os governos do período fordista.” (FERNANDES, 2008, p. 4).
As intervenções estatais na estrutura urbana de Araguari nesse período contribuíram
efetivamente na constituição do que denomino de cidade-ferroviária.
Este tipo de política implantada e executada na EFG, aliada ao forte discurso
ideológico propalado pela sua direção, e pelos seus órgãos divulgadores: Jornais “O
APRENDIZ” e “O FERROVIÁRIO”, e à habilidade da empresa no relacionamento
com os empregados, cativando-os de um lado e reprimindo-os do outro, construiu
através de um consentimento hegemônico, portanto, uma determinada concepção
da empresa no seio dos ferroviários. Criou-se entre eles o orgulho e a satisfação de
fazer parte do quadro de funcionários da empresa, que aliados à exaltação da idéia
de “família ferroviária” baseada no companheirismo e na solidariedade, aprofundam
um sentimento coletivo de pertencimento à EFG que está para além de uma simples
relação de trabalho.
Toda essa admiração e esse apreço foram inteligentemente elaborados por
mecanismos assimiladores deste discurso, pois, é também do interesse do patrão
que sua empresa possua
[...] um conjunto permanentemente afinado, porque também o
complexo humano (o trabalhador coletivo) de uma empresa é uma
máquina que não deve ser desmontada com freqüência e ter suas
peças renovadas constantemente sem perdas ingentes. (GRAMSCI,
1991, p. 397).
Provavelmente, a idéia de “família ferroviária” foi forjada pelos “ideólogos” da
EFG, a partir de um sentimento e sentido de família, na qual todos os membros
estão sob uma rígida disciplina moral, a do novo método de trabalho
fordista/taylorista, a fim de ter um grupo coeso e estável de trabalhadores em
96
sintonia com a empresa. É muito comum em Araguari encontrar ex-ferroviários da
EFG que trabalharam nela boa parte de sua vida, durante vinte e cinco, trinta ou até
quarenta anos, e que sempre fazem questão de lembrar os “bons tempos”;
raramente depara-se com ex-ferroviários da Goiás se queixando ou falando mal da
empresa.
Neste contexto, entende-se tamanha nostalgia dos ferroviários por esta
estrada de ferro. Este sentimento que se desdobra pelo imaginário social da cidade
e forma um alicerce consensual, ainda maior, que torna a EFG a “menina dos olhos”
dos mineiros araguarinos ou, pelo menos, de grande parte deles. Isto porque esta
ferrovia proporcionava identidade à cidade, a de uma cidade-ferroviária. Conforme
Campus Júnior, “A ferrovia era um marco de poder, riqueza e afirmação para
Araguari”. (CAMPUS JÚNIOR, 1998, p. 51). Além de ser o nexo que ligava a cidade
– a escala local – ao Estado – escala nacional.
Este contato com o nacional permitiu às elites locais certo cosmopolitismo. Os
dirigentes que comandavam a administração municipal de Araguari parece que
estavam atentos às propostas de melhoramentos e embelezamento urbano das
grandes cidades brasileiras. A sugestão da classe dominante araguarina para a
cidade estava em sintonia com outras localidades, a preocupação com o estilo
arquitetônico, com a higiene e a estética urbana é explicitamente notada na
legislação de 1923 que regulamenta as intervenções urbanas na cidade. No capítulo
IV desta lei, que se refere às edificações, o artigo 40 diz o seguinte “As construções
em geral, devem satisfazer todas as condições precisas segundo as leis, os cálculos
de residência, as regras da arte de construir e os requisitos de hygiene e
esthetica”.
44
Essas medidas, aparentemente ingênuas, aos poucos iam delimitando no
espaço quem morava aonde, na cidade. As classes sociais identificavam-se com a
cidade “despedaçada”, cada um com seu pedaço. O artigo 41 complementa o
anterior: “o estylo architectonico não podendo ser determinado, ficará sujeito ao
critério e arbítrio do agente executivo, que deverá ter sempre em vista o
embellezamento da cidade”.
45
Embelezar também significava retirar os
inconvenientes e os indesejáveis de determinados espaços da cidade,
principalmente da região central; daí, temas como higiene e saúde figurarem entre
44
Regulamento das construções, reconstruções e demolições de obras nas cidade de Araguary. Lei
nº 271, de 03 de novembro de 1923.
45
Idem.
97
as preocupações dos administradores públicos, legitimando ideogicamente suas
ações na tentativa de erradicar a presença dessa população menos afortunada no
centro da cidade, que passa a habitar sua periferia.
O Código de Postura Municipal de 1950 reforça ainda mais esta inquietação
do poder público municipal com relação à higiene social da cidade, ratificando o
papel da polícia de higiene e saúde. O artigo 43 dispõe sobre seu objetivo: “A polícia
sanitária do município tem por finalidade prevenir, corrigir e reprimir os abusos que
comprometem a higiene e a saúde pública [...]”
46
. O Código proibia também a
presença na cidade de indivíduos portadores de doenças contagiosas, conforme
parágrafo VI do artigo 48 era proibido “conduzir para a cidade, vilas ou povoações
do município, doentes portadores de moléstias infecto-contagiosas, salvo com as
necessárias precauções de higiene e para fins de tratamento”.
47
Também é
expressamente proibido pedir esmolas nas ruas. A “única” saída é trabalhar para
alguém.
A higiene urbana preocupa ainda mais as elites araguarinas quando os males
da gripe espanhola, disseminada a partir da Primeira Grande Guerra para várias
partes do mundo, chegam à cidade através de contatos com outras pessoas “como
os refugiados que, penetrando pelo Porto de Santos, aglomeraram-se nas capitais,
espalhando-se em seguida pelo interior. [...] chegou a Araguari por volta de 1917”.
(MAMERI, 1988, p. 90).
Pelos trilhos não viajam apenas “coisas boas”. E é este o meio que transporta
a gripe espanhola à cidade de Araguari. Sabemos que este tipo de doença infecto-
contagiosa atinge todas as classes sociais indistintamente, portanto, não apenas os
pobres, mas os ricos da cidade também estavam vulneráveis a ela. “Explosiva na
sua virulência, elevado número de araguarinos foram atacados pelo mal e muitos
pagaram com o tributo da existência o contágio que ele proporcionou”. (ibid., p. 90).
Como reação ao medo de uma epidemia urbana de gripe espanhola, foram
tomadas medidas para combater a enfermidade. Fundou-se em 1917 a Cruz
Vermelha de Araguari, composta de médicos e farmacêuticos “os Drs. Clemente
Magalhães e Francisco Barbosa [...], os farmacêuticos Moisés de Carvalho Alves,
Delermando Cardoso e Adalardo Pereira Cunha” (MAMERI, 1988, p. 91). Para
auxiliar a equipe médica, formou-se também um grupo de mulheres denominado
46
Código de Posturas Municipal. Lei nº. 120 de 26 de novembro de 1950.
47
Idem.
98
“pelotão da saúde” que, segundo Mameri (1988), eram de “senhoritas da melhor
sociedade”, entre elas encontravam-se “Elisa Macedo (coordenadora), Isolina
Ferreira Braga, Castorina Ferreira, Júlia (espanhola), Natália Ferreira” (ibid., p. 91).
Foi construído também um novo hospital, no ano de 1918, a Santa Casa de
Misericórdia.
Outra medida foi o isolamento dos enfermos. Com o avanço da epidemia e o
aumento do número de doentes, estes eram colocados no adro (em frente ou em
volta) da Igreja Matriz, e foram posteriormente transferidos para o prédio da cadeia,
o que para Mameri “ocasionou algum conforto, em virtude de contar-se com espaço
maior, de haver divisão para separá-los, evitando-se que ficassem aglomerados”
(MAMERI, 1988, p. 91). Outra parte foi para a Santa Casa de Misericórdia. Esta
medida permitiu um maior controle sobre a população enferma, mantendo-a
afastada dos sadios, e garantiu certa tranqüilidade às elites inquietas e medrosas.
Os que morriam em virtude da doença também causavam preocupação; eram
rapidamente sepultados, como conta Mameri, “Os mortos indigentes e pobres eram
conduzidos de carroça ao cemitério, onde eram imediatamente inumados, tamanho
o pavor do risco de contágio.” (ibid., p. 90). Vê-se o medo nos vivos emanado pelos
mortos. Foucault observa o “medo urbano” na cidade de Paris do século XVIII
provocado, sobretudo, pela presença dos mortos num cemitério no centro de Paris,
denominado “Cemitérios dos Inocentes” no qual,
O amontoamento no interior do cemitério era tal que os cadáveres
se empilhavam acima do muro do claustro e caíam do lado de fora
[...] a infecção causada pelo cemitério era tão forte que, segundo
elas, [as pessoas] por causa da proximidade dos mortos, o leite
talhava imediatamente, a água apodrecia etc. Este pânico urbano é
característico deste cuidado, desta inquietude político-sanitária que
se forma à medida em que se desenvolve o tecido urbano.
(FOUCAULT, 1986, p. 87).
A preocupação com a salubridade do espaço público parisiense legitima a
ação de uma política sanitária e de urbanização brutal, que expulsa para a periferia
da cidade qualquer tipo aglomeração que venha provocar doenças ou difundir
epidemias. A higiene pública está na ordem do dia, legitimando as intervenções
urbanas dos grupos sociais que dominam a política local. Em Araguari, higiene
99
social é programa que está no currículo da Escola Profissional Ferroviária e da
Escola Técnica de Formação Familiar, ambas da Estrada de Ferro Goiás.
Porém, a legislação de 03 de novembro de 1923 cuidava do assunto. Este
mesmo conjunto de leis, em seu artigo 86, divide a cidade em três zonas urbanas:
“Art. 86 Para efeito de applicação destas posturas fica a cidade de Araguary
dividida em trêz zonas: especial, urbana e suburbana
48
”. Os padrões arquitetônico e
urbanístico exigidos pela administração pública variam de acordo com as zonas da
cidade, assim, esta lei tem por finalidade estabelecer uma variação urbanística na
cidade. Desta maneira, pode-se dizer que esta lei pretendia criar uma espécie de
zoneamento urbano, entendendo zoneamento na perspectiva entendida por Villaça,
“Entende-se por zoneamento a legislação urbanística que varia no espaço urbano”.
(VILLAÇA, 2004, p.177).
Esta espécie de zoneamento urbano da cidade de Araguari é representada na
figura 14. Algumas ruas da área central representadas com a cor mais escura
foram eleitas para formar uma zona especial no interior da zona urbana; esta última,
por sua vez, representada com a cor mais clara, é delimitada espacialmente pelas
avenidas: Mato Grosso, Minas Gerais, Bahia e São Paulo; o restante da cidade que
está para além destas avenidas forma a zona suburbana, representada com a cor
branca, para onde aos poucos vai sendo empurrada a população pobre da cidade.
Teve papel preponderante nesse processo os altos preços do solo urbano nas áreas
servidas por melhor infra-estrutura urbana. Neste caso específico, a zona especial e
a zona urbana.
48
Regulamento das construções, reconstruções e demolições de obras nas cidade de Araguary. Lei
nº 271, de 03 de novembro de 1923.
100
100 20 40
50km
ZONEAMENTO URBANO DE ARAGUARI - MG
Fonte:
Base cartográfica Planta geral
da Cidade de Araguari - 1944, Prefeitura Municipal.
1:10.000,
Desenho, Adaptação:
Antonio Santiago da Silva - 2008
Organização: Fábio de Macedo Tristão Barbosa
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FIGURA 14 – Zoneamento Urbano de Araguari-MG.
FONTE: Arquivo Intermediário da Prefeitura Municipal de Araguari-MG
101
O zoneamento vem responder então a estes interesses mais imediatos das
elites locais. Esta prática de intervenção urbana divide espacialmente a cidade e
demarca o lugar de cada um. Fica proibido que se ergam na zona urbana, incluindo
a zona especial, edifícios e casas fora dos padrões mínimos exigidos por esta
legislação, como reza o artigo 53:
Art. 53 - Não serão permitidos na zona urbana: a) construção de
meia água, que não seja para despejo; b) construção de chalet
com oitão voltado para rua; c) cobertura de madeira, capim ou
outro material inflamável; da mesma forma zinco liso ou enrugado,
salvo nas fábricas e oficinas; d) – emprego de alvenaria de tijolo nas
fundações; e) uso de barro amassado na constituição das
alvenarias das paredes das casas; f) emprego de colunas de
madeira para sustentação de cargas permanentes; g) construção
de paredes externas exclusivamente de madeira, salvo quando
destinadas a officinas, construídas em alinhamento afastado da rua;
h) construção de adobos ou esteios de madeira nas frentes das
casas da zona especial; i) construções capazes de poluir ou
prejudicar para o uso ordinário a água de poço ou FONTE alheia a
ellas preexistentes; j) construção de esgoto que despeje água
servida na sarjeta da rua
49
.
O artigo 54 da mesma lei complementa “Art. 54 “As casas da zona especial,
construídas de adobos ou esteios de madeira, reconstruirão as fachadas com tijolos,
quando tenham de ser reformadas”.
50
Nesta zona, parece residirem somente
“pessoas especiais”. A zona especial, é na verdade uma parte da zona urbana, são
as ruas que formam o centro da cidade, onde se concentra o comércio, os edifícios
públicos, as praças, os principais espaços de entretenimento e lazer, bares,
restaurantes, clubes, cinemas etc., portanto, é o espaço preferido da burguesia local,
onde mora a classe privilegiada pelo poder econômico, ou seja, é o poder do
dinheiro que torna especial essa zona; mesmo porque esta mesma classe social
está encastelada junto nos órgãos de decisão do poder político local, administrando
a cidade e, desta forma, normatizando o espaço urbano.
Diferentemente da zona urbana e da especial, na zona suburbana as
exigências dos padrões de construção das casas são bem mais modestas, como
vemos no artigo 54:
49
Idem.
50
Idem.
102
As casas da zona suburbana poderão ter o direito interno a
quatro metros, sendo, entretanto, de três metros o pé direito mínimo.
Poderão ser construídas sem forro e assoalho, respeitadas, porém,
as condições relativas aos direitos dos visinhos e os requisitos de
segurança estabelecidos neste regulamento para os prédios em
geral
51
.
A paisagem urbana nos indica as condições sócio-econômicas da população
de um determinado local da cidade. Nos subúrbios que em Araguari é sinônimo de
periferia da cidade certamente residiam a maior parte da população pobre e
trabalhadora, por isso, indispensável à realização da vida urbana, pois, são os
pobres que executam as tarefas urbanas fundamentais, como recolher o lixo, varrer
as ruas e trabalhar na construção das casas, entre outras.
Desta maneira, foi se delineando a demarcação urbana da cidade,
paralelamente à demarcação social. Instrumento poderoso para isso foi o Código
que regulamenta as obras urbanas, mais conhecido como Código de Posturas do
Município, que termina por regular os hábitos e até o comportamento social dos
habitantes da cidade. Pode-se dizer que, referenciada neste Código de Posturas, a
Prefeitura baixa o Decreto-Lei nº. 21 de de julho de 1938 que dispõe sobre a
delimitação das áreas urbanas e suburbanas da cidade.
Conforme o artigo 1º desta Lei, a área urbana
[...] principia na linha limítrofe na extremidade sul na esquina das
avenidas Minas Gerais e Bahia; dali segue rumo nordeste até o
córrego da cidade; dali segue rumo até a esquina com a avenida
Mato Grosso; dali torce à esquerda rumo oeste até à avenida São
Paulo; dali torce à esquerda e segue rumo sul até à esquina da
avenida Bahia; dali segue pela avenida Bahia até à esquina com a
avenida Minas Gerais, ponto onde começou
52
.
No que diz respeito à área suburbana esta mesma Lei reconhece como o
espaço da cidade que está para além da área urbana. A planta baixa da cidade,
construída em 1944 conforme figura 12 –, é elaborada a partir desta legislação de
1938. Dessa forma, aos poucos, oficializam-se certas idéias, valores e
comportamentos típicos do mundo “moderno”, exaltado pela imprensa e pelas
51
Idem.
52
Decreto-Lei nº. 21, de 19 de Julho de 1938.
103
imagens do cinema, trazidos pelo trem de ferro, que possibilitou a ligação de
Araguari com o mundo.
As idéias de higiene, de moral, de civismo e de trabalho racionalizado estão
presentes no currículo da Escola Profissional Ferroviária da EFG conforme figura
15 – que educa o ferroviário, o filho do ferroviário, que leva estes ensinamentos para
casa e abarca toda sua família. Porém, muitos que estudaram nesta escola nunca
vieram a empregar-se na EFG. Foram trabalhar em outros setores, na indústria, no
comércio etc., mas, imbuídos, certamente, dos preceitos técnicos, morais e cívicos
incutidos neles, o que alargava a dimensão desta ferrovia na vida urbana da cidade.
Vejamos então, o fundamental papel que esta escola desempenhou na formação e
educação de grande parte da força de trabalho de Araguari.
III.2 – A Escola Profissional Ferroviária: “Instrução para o Trabalho”
FIGURA 15 – Escola Profissional Ferroviária da Estrada de Ferro Goiás, década de 1940.
FONTE: Arquivo Público Municipal de Araguari.
Se nós somos contratados pra fazer alguma coisa, nós devemos
realizar aquilo com o coração, porque nós estamos trocando, ou ao
contrário, eles estão me dando o que eu não tenho e eu estou
dando o que eles também não têm, então é uma troca.
53
53
Entrevista no dia 19/08/03 às 15:00 horas com o Sr. Milton Rodrigues, ferroviário aposentado da
Estrada de Ferro Goiás. Realizada pelo Arquivo Público de Araguari: “Dr. Calil Porto” e Patrimônio
Histórico.
104
Nesta entrevista o ferroviário aposentado Sr. Milton Rodrigues revela, na
sua experiência e na experiência de seus companheiros de trabalho, a consciência
de que a relação de produção e trabalho no capitalismo é permeada pela troca. Para
Thompson, pessoas que vivem essa experiência “experimentam suas situações e
relações determinadas como necessidades e interesses e com antagonismos, em
seguida ‘tratam’ essa experiência em sua consciência e sua cultura” (THOMPSON,
1981 p. 182). A experiência é o “termo ausente”, uma determinação material
externa, vivida e experimentada pela classe, que implica na gradativa construção de
sua consciência de classe. No seu “fazer-se” a classe trabalhadora acha-se sempre
com condições já dadas a ela, jamais estas condições são de sua própria escolha.
Os espaços de formação para o trabalho no sistema capitalista, possuem um
arsenal de mecanismos éticos, morais e ideológicos que constrói o consentimento
da classe trabalhadora e envolve estes sujeitos nos desígnios e interesses da
empresa. São os homens e as mulheres, no processo direto de trabalho, o motor
dessa máquina gigantesca que o produz e perpetua o ciclo de reprodução do capital,
conforme esclarece Marx:
Este modo de produção não deve ser considerado, simplesmente
como a reprodução da existência física. Trata-se, antes de uma
forma definida de atividades destes indivíduos, uma forma definida
de expressarem suas vidas, um definido modo de vida deles. Assim
como os indivíduos expressam suas vidas eles são. E o que eles
são, portanto, coincide com sua produção, tanto com o que
produzem quanto com o como produzem. (MARX, 2006, p.113)
O que os ferroviários de Araguari são, é resultado de sua experiência
enquanto trabalhadores da EFG submetidos a estes espaços presentes nesta
companhia ferroviária através de seu complexo fabril e das unidades espaciais de
reprodução da força de trabalho, que constituíam como um organizado complexo
voltado para a formação de um determinado perfil de trabalhador.
O fundamental papel que a Escola Profissional Ferroviária desempenhou na
formação do “ser ferroviário” de Araguari não se restringiu apenas à formação
técnica de mão-de-obra para a ferrovia. Seu lema, “Instrução para o Trabalho”,
suscita a questão: Que tipo de instrução? Para que tipo de trabalho? Constam em
seu currículo as disciplinas do Núcleo Comum: português, matemática, biologia,
105
física, geografia, história, que procuravam propiciar uma cultura geral ao formando; a
parte do currículo responsável pela formação técnico-profissional do ferroviário
constam: tornearia, mecânica, serralheria etc., cabia ainda no currículo disciplinas
como: higiene social, noções de educação moral, cívica, educação racional para o
trabalho etc., que serviam para difundir valores morais e éticos concatenados com
os interesses da empresa. Buscava-se, dessa forma, um currículo que integrasse a
formação geral com a específica do formando.
Em seu estudo sobre a Companhia Paulista de Estrada de Ferro, Segnini
considera que: “Talvez esteja nesta Escola [da Paulista] a origem da formação da
‘família ferroviária’, pois, desde o seu início, a preferência para cursá-la recaía sobre
os filhos de ferroviários” (SEGNINI, 1982, p. 46). No caso de Araguari, isso é
retratado numa entrevista do senhor Milton Rodrigues, ex-ferroviário da EFG: “Bom,
sabe, eu, filho de ferroviário, neto de ferroviário, e tinha meu pai ferroviário e mais
cinco irmãos ferroviários, então a minha família pode chamar ‘família ferroviária’,
porque nós nascemos, eu nasci a 2 metros da linha, em Ipameri”
54
. Nas escolas de
formação ferroviária havia preferência pelos filhos destes, mas nada impedia que
adolescentes e jovens não ligados à famílias ferroviárias viessem a inserir-se nestas
escolas. O senhor Alberoni, maquinista da EFG, relata em entrevista, que a
educação dos seus filhos proveio desta ferrovia “toda educação que pude dar para
eles veio da estrada de ferro”. (MOREIRA, 2006, p. 38).
Várias empresas ferroviárias mantinham escolas de formação de
trabalhadores para servir à ferrovia, no que tange à manutenção, reparação de
instrumentos, instalações e até mesmo construção de vagões e auto-de-linha, sendo
a primeira delas a “Escola Prática de Aprendizagem das Oficinas, [...] fundada em
1906, no Rio de Janeiro, na Estrada de Ferro Central do Brasil”. (CUNHA, 2000 p.
96). Mas foi com a criação da Escola Profissional Mecânica no Liceu de Artes e
Ofícios de São Paulo, em 1924, que o ensino profissional ferroviário ganhou
sistematicidade, com a introdução de princípios racionais na organização do
trabalho, de cunho taylorista, a ponto de em 1931, fundarem, com patrocínio da
Associação Comercial e da Federação das Indústrias de São Paulo, o Instituto de
Organização Racional do Trabalho – IDORT.” (ibid., p. 97)
54
Entrevista concedida ao Arquivo Público Municipal de Araguari, no dia 19/08/2003, às 15:00 aos
entrevistadores: Aparecida da Glória Campos, Thaïs Tormin Porto Arantes e Clayton França
Carili.
106
Por ideário da racionalização do trabalho, Tenca (2006) entende a maneira
pela qual o capital almeja exercer seu poder político no processo de trabalho e sobre
o trabalhador; o autor assim o descreve
Prática totalizadora, fundada no controle ou domínio do tempo do
trabalhador, seja o tempo vivido no lugar da produção,
tradicionalmente entendido como tal, seja aquele vivido na esfera do
lazer, para muitos compreendido equivocadamente como tempo
livre (TENCA, 2006, p. 30).
A partir de princípios fordistas, que vêm responder as crises político-
econômicas atravessadas pelo capitalismo no começo do século XX bem como os
impactos provocados pela Revolução Russa de 1917, o IDORT cumpre uma função
político-pedagógica cujo objetivo está na harmonização das classes sociais
antagônicas e no combate à ameaça vermelha do comunismo latente nos anos 1930
e 1940. Tal prática, desenvolvida nos países centrais, passa também a ser
adotada em empresas brasileiras, sobretudo nas empresas ferroviárias, conotando o
pioneirismo das empresas de estradas de ferro na formação do operariado
brasileiro, sendo uma delas a Estrada de Ferro Goiás.
Fundada em 1942, na administração de Gaioso Neves, a Escola Profissional
Ferroviária de Araguari foi inicialmente vinculada ao CFESP (Centro Ferroviário de
Ensino e Seleção Profissional) e, posteriormente, foi colocada sob coordenação do
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) de São Paulo, instituição
privada, porém, criada pelo Estado fruto do “Decreto-lei 4.048 de 22 de janeiro de
1942” (CUNHA, 2000, p. 100); o que parece contraditório é, na verdade, como
afirma Tenca, resultado “de uma atitude conciliatória entre a vontade do Estado e os
interesses [parte] dos empresários” (TENCA, 2006, p. 102). Obedecendo às
diretrizes pedagógicas que sintetizam os projetos políticos da burguesia industrial
(paulista) nascente, a pedagogia desenvolvida pelo SENAI tem como fonte de
inspiração o método “aprender fazendo” desenvolvido pelo russo Vitor Della Voz,
conforme a citação seguinte:
No ano de 1868... o diretor da escola (Técnica Imperial de Estradas
de Ferro de Moscou), Vitor Della Voz, compreendeu que o processo
de treinar mecânicos, pelo método de aprendizado, era moroso e de
resultados desiguais. E pensando conseguir um engenheiro de
107
produção dentro de um sistema militar, Della Voz quis obter um tipo
de operário treinado de grau mais elevado, mais uniforme, em
menor espaço de tempo e por preços baixos. Concluiu que não
podia conseguir isso pelos métodos de aprendizado usados nas
oficinas de produção ligadas à escola. Estabeleceu um novo grupo
de oficinas a que denominou “oficinas de instrução”, para diferenciar
das oficinas de produção. (BENNET, apud FRIGOTTO, 1983, p. 41).
Como e quando o método Della Voz surge nas empresas ferroviárias
brasileiras?
O Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional criado no ano
de 1934, em São Paulo, foi a experiência, que de modo mais
sistemático utilizou o método Della Voz, adotando as séries
metódicas, tendo o SENAI como seu herdeiro principal. (BRAGA,
2006, p. 83).
Conforme observado por Cunha (2000, p. 98), “O CFESP foi elaborado por
Roberto Mange e apresentado pelo IDORT às empresas ferroviárias e ao governo
do estado [de São Paulo]”. Com o decorrer do tempo, empresas ferroviárias de
outros estados vieram a aderir ao CFESP que, dessa maneira, alarga sua ação ao
incorporar, além das estradas de ferro de São Paulo, as de outros estados da
Federação incluindo a Estrada de Ferro Goiás em Araguari. A partir daí pode-se
dizer que o ensino profissional de formação da força de trabalho urbano-industrial
começa a se consolidar de forma sistemática no Brasil, pois estas instituições são o
prenúncio do SENAI, tanto que o IDORT foi posteriormente incorporado pelo SENAI
constituindo a Divisão de Transportes.
Para Weinstein, (apud Braga 2006, p. 84), o SENAI-SP [...] procurava incutir
virtudes morais, além das habilidades manuais, aos seus alunos”; ou seja, trata-se
de educar, formar trabalhadores, segundo determinados princípios morais, a partir
da internalização de uma determinada cultura, conforme observa Frigotto, mais que
um “aprendizado técnico do ‘saber fazer o que serve’ e ‘o saber fazer de forma
eficiente’ tem-se uma internalização de uma determinada cultura que explicita
uma relação social dada”. (FRIGOTTO, 1983, p. 41).
Esse método, então implantado nos cursos de formação para o serviço
ferroviário de várias empresas do ramo, é também adotado pela Estrada de Ferro
Goiás através da Escola Profissional Ferroviária, então filiada ao CFESP, e torna-se
o guia na formação desse trabalhador, seguindo a diretriz nacional. O caráter dessas
108
escolas é nitidamente classista, sua finalidade indica isso, não é uma escola
propedêutica, é uma escola de formação de operários. E o caso de Araguari está
longe de ser um caso isolado; está, sim, inserido nessa dinâmica mais complexa de
formação do operariado brasileiro de que a escola profissional da EFG é parte
constituinte. Ao Centro de Ensino e Seleção Profissional (em 1942)
Acham-se atualmente, filiadas a essa entidade, além das ferrovias
de S. Paulo, as seguintes: Central do Brasil, Rêde de Viação
Paraná- S. Catarina, Rêde Mineira de Viação, Viação Férrea Lesta-
Brasileira, Great Western of Brasil Ralway, Rêde de Viação
Cearense e Estada de Ferro Goiás.
55
A respeito desse tipo de educação, Frigotto escreve:
Aparentemente, instituições de formação profissional de tipo SENAI
tendem a ser concebidas como instituições cuja tarefa básica é a
qualificação técnica do trabalhador. Na realidade, porém, as
relações de trabalho-aprendizagem, a forma de organização interna,
os valores que se passam, as atitudes e hábitos que se reforçam ,
as imagens de trabalhador bem sucedido e fracassado, a figura do
patrão, os traços, enfim, de responsabilidade, assiduidade,
pontualidade, etc, indicam que o ponto nodal é o de formar “bons
trabalhadores”, isto é, trabalhadores fabricados para submeter-se
mais facilmente à relações sociais estabelecidas. Homens
fabricados para aceitarem a desqualificação dada pela crescente
divisão do trabalho. (FRIGOTTO, 1983, p. 42).
A atuação da empresa caracterizou-se, também, como uma ação política
liderada pelo Estado brasileiro que, na verdade, é quem, dita as regras do jogo
junto à cidade de Araguari. Partindo da necessidade de formação técnico-
profissional dos servidores da EFG, o Estado utiliza a empresa como um meio
privilegiado de difusão da ideologia da cooperação e da harmonia social, que busca
camuflar o conflito de classe.
A seguir, transcrevemos uma matéria do Jornal Gazeta do Triângulo (1950)
que retrata o funcionamento da Escola Profissional Ferroviária da EFG.
Essa escola, subordinada ao Serviço de Ensino e Orientação
Profissional (S.E.O.P.) da Estrada, criado pelo Decreto-lei 5607,
de 02/06/1946, e obedecendo às diretrizes do Serviço Nacional de
55
Jornal Gazeta do Triângulo, 05/07/1942, nº 276.
109
Aprendizagem Industrial (SENAI) Departamento Nacional de São
Paulo, através da Divisão de Transportes, tem por finalidade
proporcionar instrução geral e técnica, bem como prestar assistência
necessária à formação profissional, não dos filhos e parentes dos
ferroviários, como também, de todos aqueles que prezem prestar
sua colaboração no engrandecimento desta região do Brasil. O
curso de Aprendizes de Oficina destina-se a formação técnica do
pessoal para o serviço de oficinas ferroviárias, tendo os seguintes
ofícios especializados: ajustadores, torneiros, aplainadores,
caldeireiros, ferreiros, fundidores, soldadores, eletricistas e
carpinteiros.
O curso de formação de Artífice da Escola Profissional se
fundamenta num aprendizado organizado metódico e seriado, de
modo a formar o artífice hábil e capaz de seguir os progressos da
técnica. A sua duração é de três anos para cada um dos ofícios
especializados. As aulas gerais e técnicas, ministradas em prédio
próprio, compreendem, português, matemática (aritmética,
geometria, álgebra e trigonometria), higiene, noções de educação
econômica, cívica e social e de organização racional do trabalho,
educação física, tecnologia, física, mecânica, eletricidade, desenho,
sendo a prática feita na oficina de aprendizagem, especialmente
destinada a esse fim e anexa às oficinas gerais da E.F.Goiás, onde
os alunos farão estágio de prática ferroviária, periodicamente. Para
a admissão na Escola Profissional exige-se que o candidato tenha
um preparo básico correspondente ao do último ano do curso
primário, submetendo-se para isso a um exame de sanidade e outro
de admissão, em que se incluem, além de elementos de português,
aritmética e geometria, testes para verificação do senso técnico e
aptidões mentais, o qual deverá apresentar no ato da inscrição,
certidão de Registro Civil de Nascimento, provando não ter menos
de 14 anos nem mais de 16 anos de idade.
A freqüência na Escola Profissional é obrigatória tanto às aulas,
como às oficinas e à Educação Física. O aluno que faltar às aulas
ou aos trabalhos de aprendizagem, ou de Educação Física, em um
dos períodos, embora compareça ao outro, terá falta nesse dia. Será
eliminado do Curso o aluno que atingir durante o ano 40 ausências,
justificadas ou não, salvo casos excepcionais de comprovada
capacidade teórica e prática.
Na Escola Profissional Ferroviária, além de ser completamente
gratuita a aprendizagem, os alunos ganham diárias progressivas, de
acordo com o aproveitamento demonstrado, recebendo o uniforme
para o serviço e material didático para as aulas teóricas. O regime
escolar adotado é o externato. O aluno diplomado tem preferência
no caso de existência de vagas, para a sua inclusão no quadro de
servidores da Estrada.
56
Almeja-se a formação para o trabalho segundo os interesses do modo de
produção capitalista, que prima pela disciplina do trabalhador durante o processo de
56
“Estrada de Ferro Goiás – Serviço de Ensino e Orientação Profissional”. Gazeta do Triângulo.
25/12/1950 – Ano XV nº 877, s/p.
110
trabalho, e se interessa também pelo seu comportamento fora da fábrica,
incorporando costumes e hábitos difundidos pela empresa.
A Escola Profissional Ferroviária era a formadora de uma plêiade de operários
que, segundo a imprensa local, deveriam ser “de formação, de ideal e não simples
mercenários destinados à revolta, a inconformação, que pode nascer da
ignorância de seu meritório papel, tão essencial, na sociedade.”
57
Esta escola pode
ser vista como espaço de educação profissional aliado ao aspecto moral, setor
estratégico de controle da força de trabalho até porque este não se exerce
circunscrito ao nível da fábrica. Este controle se manifesta pela regulação, por meio
de normas e regras, hábitos e comportamentos que vão moldando um novo homem,
estando para além da fábrica, acaba envolvendo outros espaços da sociedade. A
figura 16 mostra os aprendizes trabalhando nas oficinas, sendo observados bem de
perto pelos instrutores (à direita na foto).
FIGURA 16 – Aprendizes trabalhando nas oficinas da Escola Profissional, década de 1940.
FONTE: Arquivo Público Municipal de Araguari.
Os métodos racionais e científicos de trabalho Fordista/Taylorista “estão
indissoluvelmente ligados a um determinado modo de viver, de pensar e sentir a
vida” (GRAMSCI, 1991, p. 396). O fordismo, era um novo método de produção que,
aliado ao taylorismo, estabelecia os princípios racionais de produção e controle do
trabalho. Estavam bastantes presente tanto na organização das relações de trabalho
nas oficinas da EFG, quanto na vida social dos trabalhadores.
57
“Surge “O APRENDIZ” órgão da Escola Profissional da Goiaz”. Gazeta do Triângulo. 05/05/1948.
111
Conforme mostra Pereira, a Escola “além de estimular os filhos de ferroviários
a seguir a profissão dos pais, abria oportunidades para os demais jovens
araguarinos aprenderem alguns ofícios relacionados à profissão de ferroviário”.
(PEREIRA, 2006, p. 34-35). Nesse sentido, os vínculos com a população não-
ferroviária da cidade principalmente jovens adolescentes eram também
estabelecidos, o que aprofundava ainda mais a relação da EFG com a cidade de
Araguari, pois, ser diplomado por esta escola era condição sine qua non para
preencher uma vaga nos quadros da empresa. Destaca-se também o rigor
disciplinar nos moldes militares da organização da escola, que era tido como
elemento de distinção desta para com as outras escolas da cidade, uma vez que
esta julgava oferecer uma formação completa.
Prática comum executada pela direção administrativa da Estrada de Ferro
Goiás diz respeito às manifestações em comemorações de datas cívicas
importantes como é o caso do de Maio, Dia do trabalho, em que a Escola
Ferroviária da Goiás e a Escola Primária Carmela Dutra, desfilavam na rua em frente
ao prédio da estação da Goiás, palco das comemorações cívicas como pode ser
visto na figura 17.
FIGURA 17 – Desfile dos alunos da Escola Primária Carmela Dutra, comemoração do 1º de Maio
– dia do trabalho, década de 1960.
FONTE: Arquivo Público Municipal de Araguari.
112
A imprensa local tratava o acontecimento da seguinte forma:
Neste de maio, Dia do Trabalhador, essa Escola desfilou com
garbo e civismo pelas ruas da cidade, comemorativamente, ao
mesmo tempo que oferecia aos araguarinos fruto, polpudo e
magnífico, seu jornalzinho elegante, bem redigido e substancioso
“O APRENDIZ”
58
.
“O Aprendiz”, a que se refere a matéria acima do Jornal Gazeta do Triângulo
,era um órgão de imprensa no seio da formação dos operários ferroviários ou não
de Araguari. Ligado à direção da empresa, reproduzia no círculo operário a voz do
patrão, os valores defendidos por este, o que fica evidente na nota da imprensa
quando esta trata da finalidade do “jornalzinho”:
[...] são finalidades de “O APRENDIZ” a formação dos aprendizes
ferroviários dentro do ambiente não da técnica profissional mas
também da educação econômica, cívica e social; quer desenvolver
os sentimentos cristãos da solidariedade humana entre os
adolescentes ferroviários, a fim de que na vida prática cheguem
desativados de ilusionismo e se batam pelo ideal de uma sociedade
feliz. Educação no seu sentimento completo
59
.
Concomitantemente ao jornal “O APRENDIZ”, os funcionários da EFG lançam
também outro jornal: “O FERROVIÁRIO”, que logo em seu primeiro número busca
suscitar o sentimento de cooperação e harmonia entre patrões e empregados, todos
unidos a partir do lema: “Por uma Goiás maior”. Dessa forma, a administração da
EFG utiliza meios similares aos da alta cúpula do Estado nacional na busca do
convencimento e do consenso entre empregados e empregadores, com o uso
corrente dos meios de propaganda, pelo rádio, pelos jornais etc.
Sociedade feliz, nesse contexto, significava a harmonização entre as classes
sociais antagônicas em nome da construção da pátria. Desta maneira, buscava-se
congregar as classes em torno de interesses mais gerais, procurando ocultar os
trabalhadores enquanto sujeitos políticos, subordinando-os aos ditames do Estado
do grande capital. Imbuída desse mesmo sentimento moralista, a atuação de
Franco, na Espanha, na sua relação com os ferroviários daquele país, aproxima-se
58
“Surge ‘O aprendiz’ órgão da EscolaProfissional da Goiaz”. Gazeta do Triângulo. 05/05/1948 – Ano
XII nº 681, s/p.
59
Idem.
113
bastante da atuação de Vargas na sua relação com o operariado brasileiro,
conforme mostra Gonzáles:
[...] a partir del desarrollo de las escuelas y de las clases, impartidas
por maestros y maestras seglares y, em algunos casos por
religiosos, hasta el cambio, em época de RENFE, de la escuela laica
e la de tipo religioso imbuída Del espíritu y la moral franquisata.
(Gonzáles, 2007 p. 03).
Assim, a EFG, através de meios formais de educação (Escola Profissional
Ferroviária, Escola Técnica de Educação Familiar e Escola Primária Carmela Dutra)
de meios próprios de divulgação (Jornal “O Aprendiz” e “O Ferroviário”) e podendo
contar com o apoio da impressa e das elites locais e da promoção de ações morais
(cooperação e harmonia) e cívicas, completa a racionalização do trabalho e do
trabalhador utilizando o discurso religioso da caridade e da cristã, como nos
lembra Lenharo,
A racionalização por si não resolvia os problemas da produção
enquanto não contasse com o interesse e o envolvimento do
trabalhador. As conquistas da racionalização do trabalho haviam
sido assimiladas pelo aparato da administração estatal; mas
também nesse caso de nada adiantaria essa modernização sem a
recristianização do mundo. (LENHARO, 1992, p. 173).
Dessa maneira, com o entrecruzamento das macropolíticas do Estado
brasileiro com as micropolíticas da EFG, alcança-se a capilaridade do cotidiano do
trabalhador, ferroviário ou não, o que repercute intensamente na cidade e no urbano
em Araguari.
O cruzamento de dispositivos da macro e micropolíticas é que
permite explicar como uma ‘química totalitária’ envolve as estruturas
do Estado, as estruturas institucionais político-partidárias e sindicais,
os familiares e até mesmo as estruturas individuais. (Ibid., p. 44).
No caso da EFG braço do governo federal em Araguari ela utilizava ainda
para esse fim o programa assistencial e social desenvolvido pelo então diretor, Major
Mauro Borges Teixeira
60
, que envolvia uma série de benefícios, como: “Páscoa para
60
Filho do interventor do Estado de Goiás Pedro Ludovico Teixeira.
114
os ferroviários, Natal da criança ferroviária pobre, casamentos, alto falantes
oferecendo música ao ferroviário, cinema etc. [...]
61
.
O mesmo pode ser dito em relação à Escola Primária Carmela Dutra, fundada
em 1944 era anexa ao prédio da Escola Profissional, oferecia o ensino primário de
1ª a 4ª série. Tinham preferência os filhos dos ferroviários, porém, outras crianças de
famílias não-ferroviárias também obtinham vaga, era considerada uma das melhores
escolas da cidade. Segundo depoimento de Srª. Janete Consuelo Scalia Passos
ex-professora e ex-diretora da Escola Carmela Dutra “A nossa escola era uma
extensão da família, nós auxiliávamos não apenas nas informações que qualquer
computador pode fazer, mas também na formação
62
”. Percebe-se que nesta escola
os primeiros passos eram dados rumo a uma carreira dentro da EFG, mantendo os
laços e a continuidade da família ferroviária.
Da mesma forma que a Escola Profissional funcionava para os rapazes, foi
fundada em maio de 1953 uma escola para as moças: a Escola Técnica de
Educação Familiar, responsável pela educação das filhas dos ferroviários, que
cursavam as três séries do Curso Ginasial. Além do currículo da Escola Normal, as
moças aprendiam: Economia Doméstica, Higiene, Corte e Costura, Culinária,
Enfermagem, Puericultura, Trabalhos manuais e Educação para o casamento.
Conteúdo curricular bastante voltado à definição de um estereótipo de mulher com
seu lugar claramente marcado na vida familiar e social, que desde a adolescência é
preparada para ser dona de casa. E o homem preparado como o provedor da
subsistência da família. Em comum, ambos os currículos possuem o conteúdo de
Higiene, demonstrando interesses convergentes entre a administração pública
municipal e esta ferrovia.
III.3 – A Vila Ferroviária da Goiás
No Brasil, desde as senzalas construídas para abrigo dos escravos até os
dias de hoje, tem sido utilizada a prática de construção de casas para trabalhadores,
como atesta Correia,
61
“Postos de Puericultura na Estrada de Ferro Goiás”. Gazeta do Triângulo. 01/03/1953 – Ano XVI nº
976, sp.
62
Depoimento de Janete Consuelo Sacalia Passos. s/d. In: Relatório de Pesquisa. Instituto de
História, Universidade Federal de Uberlândia, 2005, p. 11.
115
Nossos levantamentos sugerem ter sido muito significativo o número
de vilas operárias e núcleos fabris construídos no Brasil, não apenas
no período que estamos tratando neste trabalho [Século XIX e as
primeiras décadas do Século XX, até 1930] como também após os
anos 1930. (CORREIA, 1998 p.20).
Após 1930, o Estado intervêm de forma mais efetiva nesse processo e a Vila
Operária da Estrada de Ferro Goiás (figura 18) é fruto disto. Contudo, a intenção dos
donos do capital não era resolver os problemas da habitação brasileira, mas, sim,
responder às necessidades da acumulação do capital que perpassava pela
preocupação com a saúde e a moral dos moradores. Diga-se: saúde física e mental
para trabalhar, e moral, para a aceitação da hierarquia e respeito à propriedade
privada.
FIGURA 18 – Casas da Vila Ferroviária da Goiás, década de 1950.
FONTE: Arquivo Público Municipal de Araguari.
Correia é enfática ao distinguir conjuntos de casas construídos por empresas
em ambiente rural isolado, os quais denomina núcleos fabris, e conjuntos de casas
edificados em cidades, os quais denomina de vilas operárias. Para a autora “[O]
tratamento generalizante contribui para ocultar as enormes diferenças na forma de
116
gestão do trabalho entre vilas operárias construídas em cidades existentes e vilas
isoladas no campo”. (CORREIA, 1998, p. 11). Os núcleos fabris estão mais
submetidos a um rígido controle da vida local, do cotidiano operário, sob a
governança absoluta da empresa, como no caso do núcleo fabril de Pedra em
Alagoas erguido em 1913 que foi,
[...] concebida como um lugar do trabalho; como um espaço
pensado para favorecer a produção de mercadorias e a reprodução
de uma força de trabalho capacitada para o trabalho industrial e
conduzida para respeitar o patrão e suas propriedades. (ibid., p.
206).
na vila operária esse governo não alcança o mesmo grau de controle e
disciplina que ocorre nos núcleos fabris, pois a autonomia da empresa dá-se de
forma mais reduzida, embora o objetivo seja sempre o controle sobre o trabalho e o
trabalhador. Ao tratar das vilas operárias, a autora mostra que:
As vilas operárias alcançaram um grande sucesso, multiplicando-se
e gerando toda uma mística em torno da ordem urbana e social que
incorporaram [...] Estes conjuntos de casas de baixo custo e planta
freqüentemente coerente com princípios de higiene difundidos à
época eram entendidos como um instrumento de saneamento da
cidade e de transformação do cotidiano do pobre urbano, visto como
marcado pela imoralidade e pela imundície. Em meio ao mundo tido
como caótico onde vivia o pobre, as vilas surgiam nestas
representações como ilhas de ordem e bem-estar. Sua difusão
dentro de cidades existentes e em pequenos núcleos criados por
fábricas, minas e usinas no campo era concebida como uma
conquista de territórios da miséria e da barbárie pela civilização. As
vilas eram tidas como o ambiente ideal para uma pobreza honesta,
sadia, pacífica e obreira. (ibid., p. 10)
A edificação de vilas operárias por indústrias ou pelo Estado é lida aqui como
estratégia espacial de cooptação e controle dos trabalhadores, moldados na imagem
de pessoas obedientes, saudáveis, economicamente produtivas e pacíficas
politicamente. Dessa maneira, a construção de casas para trabalhadores “converte a
habitação em base para a construção de um novo modelo de trabalhador e de
família proletária” (CORREIA, 1998, p. 14) e intensificam-se ainda mais os vínculos
do trabalhador com a empresa.
117
A vila operária da Goiás erguida sob os preceitos da higiene, da moral, da
lealdade à empresa, não é apenas local de moradia, é entendida como a extensão
da própria fábrica. Mais uma vez recorremos aos esclarecimentos de Correia:
A casa higienizada, o lazer regrado, o ensino moralizante, a busca
do controle dos contatos entre os moradores e entre eles e o
exterior, a supervisão dos gastos e a intervenção do médico nos
cuidados com o corpo foram alguns dos instrumentos básicos
mobilizados nesse sentido, aos quais, eventualmente, aliou-se o
incentivo às práticas religiosas, a concessão de ajudas diversas, a
vigilância estreita do patrão e o governo rígido sobre os modos, a
aparência e os hábitos pessoais dos operários. (Ibid. p. 76)
A construção da “Vila Ferroviária da Goiás” está inserida nesse contexto de
arregimentação de operários indispensáveis à condução do trabalho ferroviário.
Foram construídas, em 1950, 52 casas residenciais para parcela desses
trabalhadores, permitindo maior disciplina e vigilância sobre parte da força de
trabalho que poderia ser solicitada a qualquer momento devido à proximidade entre
o lugar de morar e lugar do trabalho, conforme figura 19. São os empregados de
prontidão; entre eles destacam-se: maquinistas, foguistas, ajustadores e eletricistas,
entre outros.
FIGURA 19 – Vista aérea do Conjunto Ferroviário da Goiás e da Companhia Mogiana.
Nas cores azuis os dois conjuntos residenciais que formam a Vila Ferroviária da Goiás; em vermelho
o prédio da estação Goiás; e em amarelo a Mogiana entroncando com a Goiás, década de 1950.
FONTE: Arquivo Público Municipal de Araguari.
118
Conforme Correia, As vilas construídas por empresas ferroviárias
localizavam-se, sobretudo nos entroncamentos de estradas de ferro ou em canteiros
avançados de obras”. (CORREIA, 1998 p. 10). Este é o caso da Estrada de Ferro
Goiás, cuja sede localizava-se na cidade de Araguari (até 1954), configurando
importante entreposto comercial, devido ao entroncamento ferroviário: ponto terminal
da Cia. Mogiana de Estrada de Ferro e ponto inicial da Estrada de ferro Goiás. Nos
canteiros de obras também eram construídas casas para os trabalhadores do trecho,
conhecidos como “tatus”, responsáveis pela construção e reparação da linha. Prática
também presente na Companhia Paulista de Estrada de Ferro, “essas vilas
passaram a compor o cenário de cidades como Jundiaí, Campinas e Rio Claro, entre
outras, configurando-se numa extensão do trabalho ferroviário, uma vez que eram
construídas em terrenos vizinhos à empresa”. (CALVO, 1994, p. 41).
A construção da Vila Ferroviária da Goiás deu-se ao lado do complexo
ferroviário da Goiás; estreitava os laços entre os ferroviários, destes com a empresa
e desta com a cidade, o que fica evidente, pela doação por parte da Prefeitura
Municipal de Araguari do terreno onde foram edificadas as casas. A construção da
vila operária da Goiás em Araguari foi assim noticiada pela impressa local:
Com presença, nesta cidade, do Doutor Vitorino Barreto Filho,
Presidente da Caixa de Aposentadoria e Pensões de Serviços
Públicos da Zona Mogiana (...) e do Doutor Camargo Penteado,
Engenheiro da Carteira Imobiliária, foi assinado no dia 07, terça-
feira, pela Prefeitura Municipal, representada pelo Doutor Adalcindo
de Amorin, a escritura de doação de uma área, no alto da Goiás,
onde serão construídas as cinqüenta e duas casas populares que
serão cedidas a servidores da E. F. Goiás (...). Realiza-se desta
forma, velho anseio dos trabalhadores e funcionários daquela
importante ferrovia [que aguardavam] essa alvissareira notícia, que
vem suavizar o cruciante problema da casa própria em favor da
grande maioria que vive sugada pelos aluguéis escorchantes. Está
pois, de parabéns, a esforçada classe ferroviária e administração da
Goiás, na pessoa do Capitão Mauro Borges
63
.
É dessa forma, por meio de doação, de decretos e leis ou por meio do
chamado planejamento urbano que o Estado (neste caso, a Prefeitura) age no
processo de produção do espaço urbano para dotá-lo de infra-estrutura apropriada
63
“52 Casas populares serão construídas, no alto da Goiás, para os servidores da E.F.Goiás”.
Gazeta do Triângulo. 05/12/1952.
119
para a (re)produção do capital. Na citação acima observa-se a “benevolência” das
elites locais por criarem um espaço de reprodução do trabalho e dos trabalhadores
ao lado do local de trabalho; é a moradia vista como fenômeno constituinte da
organização social da chamada sociedade do trabalho. Mas a moradia é apenas um
dos elementos desse processo. Como vimos, muitas outras ações foram
implementadas. Muitos foram os princípios ideologizantes empregados para isso,
conforme mostra Correia:
A criação desses equipamentos inseriu-se em um esforço amplo das
elites na organização da sociedade do trabalho e do preparo de
trabalhadores para a indústria. Princípios liberais, noções
positivistas, teorias médicas, idéias do catolicismo social, técnicas
de engenharia, noções de dever e lealdade, padrões de moral e
civilidade foram mobilizados pelos industriais na concepção da
ordem urbana e social dos núcleos que criaram. (CORREIA, 1998 p.
11).
Embora a autora se reporte aos núcleos fabris, o aparato ideológico foi
bastante difundido também na Vila Ferroviária da Goiás, como os elementos morais
propalados pela Escola Profissional Ferroviária e pela Escola Técnica de Educação
Familiar, pelos órgãos de imprensa ligados a ferrovia: jornal “O APRENDIZ” e “O
FERROVIÁRIO”. Assim como a Escola Profissional Ferroviária, a construção da Vila
Ferroviária da Goiás era elemento importante na adaptação do trabalhador às novas
formas de trabalho, agora de tipo industrial que era realizado na ferrovia, é uma
adaptação física e psicológica do trabalhador à fixidez dos horários, ao respeito das
normas e do regulamento da empresa, assim como aos chefes. A vida na indústria é
para Gramsci (1991, p. 391), “[...] um processo de adaptação psicofísica para
determinadas condições de trabalho, de nutrição, de habitação, de costumes, etc.,
que não é inato, ‘natural’, mas que requer uma assimilação [...]”. Daí a importância
de temas como: instrução para o trabalho, saúde, higiene social, enobrecimento da
família e moralização que fizeram parte do cotidiano do ferroviário da Goiás.
Tratava-se então de a formação pedagógica da fábrica ir “fazendo a cabeça” do
trabalhador. Conforme Gramsci “A hegemonia vem da fábrica e, para ser exercida,
necessita de uma quantidade mínima de intermediários profissionais da política e
da ideologia”. (ibid., p. 381-382).
120
Configura-se também um determinado ordenamento espacial fabril para o
controle do trabalho, que não se restringe ao espaço interno da fábrica, extrapola os
limites de suas paredes e alcança o cotidiano do trabalhador em outros espaços cuja
finalidade também é a reprodução da força de trabalho, como a Vila Ferroviária da
Goiás. Chama a atenção o nome das ruas desta Vila: Rua dos Tatus, Rua dos
Foguistas, Rua do Portador etc, que reproduz a divisão do trabalho de dentro da
fábrica e expressa espacialmente a hierarquização das categorias profissionais,
também vista nas diferenças arquitetônicas das moradias, comum também nas vilas
ferroviárias de São Paulo, uma espécie de “espacialização do fordismo”. Conforme
Harvey,
A disciplinação da força de trabalho para os propósitos de
acumulação de capital [...] é uma questão muito complicada. Ela
envolve em primeiro lugar, alguma mistura de repressão,
familiarização, cooptação e cooperação, elementos que têm de ser
organizados não somente no local de trabalho como na sociedade
como um todo. (HARVEY, 1992, p. 119)
A Vila Goiás alarga suas dimensões com a construção de mais casas,
alcançando a categoria de bairro, hoje conhecido como “Bairro Goiás”, um dos mais
populosos da cidade, com grande concentração de ex-ferroviários. Assim, foram
construídas:
52 casas para ferroviários em Araguari. Graças ao insistente pedido
da Direção da Estrada de Ferro de Goiás [...] A edificação desse
conjunto residencial vem possibilitar a 52 ferroviários mais
necessitados a aquisição da casa própria, além de constituir
progresso sensível no setor arquitetônico dessa importante cidade
mineira. Lembramo-nos que, para tal, a Prefeitura Municipal, sob as
mãos do conceituado e humanitário médico Dr. Adalcindo de
Amorim, fez a doação do terreno [...]
64
Hoje a Vila da Goiás é apenas parte do Bairro Goiás, ao qual deu origem e
nome.
A construção de vilas operárias e núcleos fabris representaram talvez a
melhor tentativa das elites na constituição de um espaço disciplinado, da ordenação
64
REVISTA: O GUARANI, Araguari, V.1, n.º 06, out. 1952.
121
de um bairro ou de uma cidade normatizada, carregada de regras, cujo controle da
vida social das pessoas estaria sob o comando das classes dominantes. Contudo,
estas estratégias vêm carregadas de conflitos e tensões, típicos do ambiente urbano
que inviabilizam sua plena realização. “As vilas operárias e, sobretudo, os núcleos
fabris construídos por industriais representam, sem dúvida, o momento em que esse
projeto esteve mais próximo de se realizar”. (CORREIA, 1998, p. 40).
Vivemos sob os auspícios da ditadura do capital que estende seus tentáculos
para além dos espaços de produção strictu sensu. Como observa Carlos,
O modo como a sociedade vive hoje é determinado pelo modo como
o capital se reproduz, em seu estágio atual de desenvolvimento. Isto
quer dizer, também que o trabalhador não foge ao “controle” do
capital, nem quando está longe do local de trabalho, pois o espaço
da moradia tende a se subjugar às necessidades e perspectivas da
acumulação do capital. Por outro lado, o trabalhador também terá
acesso à moradia, e possibilidades limitadas de escolha para morar.
O modo de vida urbano, sob o capitalismo, impõe disciplina.
(CARLOS, 1994, p. 95):
Sem dúvida uma ordem capitalista que impõe disciplina à vida social.
Porém não se deve atribuir unicamente ao capital a maneira como a sociedade vive.
Esta noção de exclusividade pode levar a uma leitura determinista da sociedade.
Deve-se considerar que, mesmo imperando a disciplina do capital, há, do outro lado,
uma reação a ela por parte dos não-proprietários de meios de produção, que,
mesmo submetidos ao capital, tentam driblar e fugir de suas amarras. Além do que,
existem, ainda hoje, formações sociais organizadas sob outra lógica que não a da
produção de mercadorias. Dessa forma, é possível questionar até que ponto o
mecanismo disciplinar do capital foi plenamente realizado.
III.4 – O Hospital Ferroviário, a Cooperativa de Consumo e a Associação
Beneficente.
O Hospital Ferroviário da Estrada de Ferro Goiás, inaugurado em 12 de
Dezembro de 1953, era outro objeto espacial que compunha o complexo ferroviário
da Goiás. A matéria do jornal Gazeta do Triângulo transcrita a seguir alude ao
discurso da diretoria da EFG no dia da inauguração do Hospital Ferroviário:
122
[...] usou a palavra o Major Mauro Borges Teixeira, dizendo do seu
esforço e das dificuldades encontradas para a consecução daquele
hospital, mas finalmente tinha a satisfação de proclamar que era um
fruto de todos, na luta em equipe, pela grandeza da Estrada e bem
estar de seu pessoal, sua preocupação maior como dirigente da
ferrovia.
65
O elemento forte do discurso é a congregação da classe e a cooperação
individual de cada trabalhador como aspecto preponderante para o progresso da
ferrovia. Esta forma de compromisso termina por unificar e encobrir as diferenças
entre os dirigentes e os operários, repercutindo nestes de maneira que se sintam
organicamente e diretamente responsáveis ao desenvolvimento da empresa. que
sua direção não mede esforços para melhorar o “bem estar de seu pessoal”, os
operários também não podem medir esforços para o melhoramento da empresa.
Era este hospital considerado o mais moderno da cidade na época e, por isso,
devido às instalações e aparelhagens, foi palco da primeira cirurgia cardíaca
realizada no município. Evidentemente, é inegável que a instalação do hospital
trouxe alento para o tratamento de saúde dos funcionários e suas famílias. Também
sob a direção de Mauro Borges Teixeira, que foi criado o serviço médico e
odontológico itinerante, com a finalidade de atender o pessoal que trabalhava
diretamente na via permanente, os “tatus”, que realizavam o trabalho mais pesado,
duro e degradante da ferrovia. Conforme o próprio Mauro Borges, estes
[...] funcionários não podiam ir às cidades tratar dos dentes e fazer
consultas médicas. Criei, então, um serviço volante com automotriz
que levava médicos e dentistas a cada turma de ‘conserva’ da
estrada, o que ocorria de dez em dez quilômetros. Os veículos eram
retirados dos trilhos e passavam o tempo necessário para o
tratamento dos dentes e da saúde geral dos trabalhadores e de suas
famílias. (TEIXEIRA, 2002, p. 142)
Além do hospital e do serviço de saúde itinerante, a Estrada de Ferro Goiás
inaugurou postos de saúde em várias outras cidades servidas pelos seus trilhos,
como em Goiandira, Ipameri, Pires do Rio e Goiânia. Como sugere Foucault (1989),
o hospital funciona também como espaço-instituição disciplinar, que vigia e controla
65
“Inaugurado, em solenidade simples, mas significativa o Hospital Ferroviário da Goiás”. Gazeta do
Triângulo. 05/10/1952, sp.
123
por meio da prática do exame. Para este autor, esta prática “coloca os indivíduos
num campo de vigilância, situa-os igualmente numa rede de anotações escritas;
compromete-os em toda uma quantidade de documentos que os captam e os fixam.”
(FOUCAULT, 1989, p. 168). Assim, com este mecanismo torna-se possível através
da consulta e do exame médico-hospitalar, mapear, por exemplo, as causas do
baixo rendimento dos trabalhadores e atestar o motivo de faltas ao trabalho, se por
doença, por preguiça ou vadiagem.
A Cooperativa de Consumo dos servidores da Estrada de Ferro Goiás
possuía, em 1952, um grande número de associados. Somente naquele ano, como
mostra o jornal Gazeta do Triângulo, “foram admitidos 698 novos associados”
66
somando um total de 1.811 sócios no final de 1952, contra 1.204 do ano anterior,
como consta na mesma matéria deste jornal. A compra com desconto em folha de
pagamento introduziu a prática do crédito no dia-dia dos ferroviários Apenas no ano
de 1952, todos os associados juntos consumiram, segundo a Gazeta do Triângulo
“importância de Cr$ 13.070.475,20, sendo de Cr$ 864.723,40 o saldo devedor
apresentado em balanço relativo às vendas efetuadas a crédito”
67
. A cooperativa
oferecia aos ferroviários, alimentos, vestuários e objetos de uso diversos a preços
mais acessíveis; dessa forma, promovia a diversificação de hábitos alimentares e
uma certa sofisticação na maneira de vestir por se usar as roupas da moda. Ao
mesmo tempo, o mecanismo da dívida dos empregados na cooperativa e o medo
em perder o emprego pode ser uma maneira sutil de exercer o amansamento dos
ânimos para qualquer reivindicação.
A Associação Beneficente dos Funcionários da Estrada de Ferro Goiás
Goiás Atlética fundada em de Maio de 1936 ampliou suas instalações para
abrigar, mais tarde, em 1953, a ETEF (Escola Técnica de Educação Familiar), que
também contribuiu fortemente para fortalecer os laços dos ferroviários e de sua
família com a empresa. À frente da administração da Goiás Atlética, no biênio de
1958-1960, estava Luiz Lins Monteiro França, que resolveu implantar uma
administração, digamos, mais racional para a entidade, dividindo-a em três
departamentos, Financeiro, Jurídico e Esportivo. Conforme consta no boletim de
prestação de contas desta entidade do ano de 1958, o Departamento Financeiro,
“viu-se obrigado a elevar as mensalidades de Cr$ 5,00 para Cr$ 30,00, a fim de
66
Jornal Gazeta do Triângulo, 05 de Abril de 1953, p. 03.
67
Idem.
124
cobrir os gastos que se apresentavam com a criação do Departamento Jurídico”
(GOIÁS ATLÉTICA, 1958, p. 03). Contribuíram, ainda, como justificativa para o
aumento da mensalidade dos associados o aumento no auxílio funeral e as
despesas com o setor educacional, com a criação da escola para alfabetização de
adultos, e com o Departamento Esportivo, para pagamento de material usado para
esta prática. Tudo isso justificava-se pela “união da classe”, lema que estava posto
em todos os “cantos” e todos os espaços de divulgação e propaganda da Estrada de
Ferro Goiás.
Os serviços sociais prestados pela empresa aos seus funcionários não se
limitavam às benfeitorias para aqueles que residiam na cidade. Alcançavam também
os trabalhadores da manutenção do trecho ferroviário. Esta maneira “ampla” com
que a empresa procura assistir seus empregados oferece a dimensão do
envolvimento dela com os trabalhadores, assim como ajuda a entender melhor a
aparente ausência de conflitos entre trabalhadores e empresa. São assim
apresentados, em matéria do jornal Gazeta do Triângulo, os programas de
assistência à família ferroviária:
O Serviço de Assistência e Cooperação à Família dos Ferroviários
S.A.C.F.F. tem por finalidade principal prestar, dentro de suas
possibilidades, a assistência social que se fizer necessário à Família
dos Ferroviários, criado por ato do senhor Engenheiro Clovis
Pestana, quando Ministro da Viação e Obras Públicas, por proposta
do senhor engenheiro Artur Pereira de Castilho, então diretor do
DNEF, como se vê pela portaria 162, de 15 de fevereiro de 1949.
O programa abrange assistência à saúde, compreendendo serviços
hospitalares, serviços de maternidade, de policlínica, de farmácia,
de serviços médicos, puericultura, clínica dentária e colônia de
férias; assistência à educação, cursos de alfabetização e primários,
escola técnica de educação familiar, cursos de higiene e
puericultura, cursos de educação doméstica, de enfermagem, de
datilografia e secretariado; assistência à família, visitas domiciliares,
inquéritos sociais, diligências, orientação profissional, doméstica
pré-vocacional, assistência aos doentes e jurídica à família;
assistência ao serviço espiritual: Natal ferroviário, Páscoa ferroviária,
festas cívicas e religiosas; palestras culturais; assistência às
instituições da Estrada: visitas aos enfermos, instruções moral e
cívica, romaria; assistência aos esportes e recreação [...] assistência
à produção profissional: roupas em geral, bordado [...] assistência
ao serviço de cooperação: círculos ferroviários, associações e
Cooperativas [...]. Cuida da família ferroviária em globo.
68
68
Gazeta do Triângulo “A Assistência Social da E.F. Goiás”. 08/12/1951 – Ano XVI nº. 919, s.p.
125
Estas práticas, se bem realizadas, representavam, evidentemente, uma
melhora substancial nas condições materiais de vida do trabalhador e sua família,
que se aproximam de certas garantias básicas proporcionadas aos trabalhadores
dos países centrais durante o fordismo/keynesianismo. Daí a satisfação e o orgulho
dos ferroviários em trabalhar na empresa, pois possuíam algumas garantias, mesmo
que mínimas. Estas políticas, de inspiração fordista/keynesiana, também eram
importantes instrumentos de controle do trabalho, de forte presença na EFG. Além
dos citados acima, na administração do então capitão Mauro Borges Teixeira, este
diretor obrigava os funcionários a cultivar horta, como mostra essa entrevista com o
próprio Mauro Borges: “Eu mandava dar a semente e obrigava; não era voluntário
não; todo mundo tem que plantar horta. E aí, eu às vezes ia na hora do jantar,
chegava e todo mundo comia sopa.”
69
Na administração do Major Zamith, foi
implantado um sistema de criação de abelhas para a produção de mel para os
funcionários, “ele instalou em toda linha, naquelas turmas aquelas coisas”.
70
Veja-se o rigor a que era submetida a vida cotidiana dos ferroviários da Goiás:
até os hábitos alimentares eram vigiados de perto pelos patrões, que interferiam no
interior do espaço do lar, na intimidade da família ferroviária, no intuito de educar o
indivíduo, ordeiro e trabalhador, obediente às normas e às regras da empresa.
Embora priorizassem os ferroviários, esses serviços se estendiam à parte da
população não-ferroviária, abrangendo um leque ainda maior na inserção social da
empresa na cidade fortalecendo os vínculos da EFG com Araguari.
Vemos que a prática implantada pela empresa para lidar com os seus
trabalhadores remete claramente aos mecanismos ideológicos impetrados durante o
regime de acumulação fordista nos países industrializados. Empresas públicas e
privadas de muitos lugares do mundo, certamente, estavam alinhadas às
orientações político-ideológicas fordistas no trato com seus empregados, podendo,
inclusive, re-elaborar in loco, de acordo com suas conveniências, estas práticas, cuja
finalidade é a regulamentação da vida social.
Enxergar certos benefícios alcançados pelos ferroviários da Estrada de Ferro
Goiás somente pelo crivo da “caridade” das políticas assistenciais da empresa é
fechar os olhos para a luta de classes e para a pressão exercida pelos debaixo.
69
Entrevista com o Sr. Mauro Borges Teixeira ex-Diretor da EFG, concedida a Paulo Borges Campus
Júnior, em 17/02/1998.
70
Entrevista com o Sr. Alaor Puga ex-chefe das oficinas da Goiás, concedida à Paulo Borges
Campus Júnior em 15/01/1998.
126
Embora, as diversas fontes consultadas, como jornais e revistas da época,
entrevistas e trabalhos de pesquisa sobre esta ferrovia, entre os quais tive acesso,
não noticiassem grandes manifestações, paralisações ou greves, realçando muito
mais os elogios à empresa, não é possível acreditar que na relação ferrovia x
ferroviário estivessem ausentes as disputas e conflitos, pois elas são inerentes ao
modo de produção capitalista.
Diante disso, torna-se importante não fecharmos os olhos à “pequena luta”, às
formas sutis de resistência ao trabalho, ao fazer “corpo mole”, às faltas ao trabalho,
à desobediência aos chefes e ao abandono do emprego, entre outras ações de
disputa que se realizam na surdina. Essa pequena luta é a pressão exercida junto
aos chefes imediatos e à direção da empresa. É no dia-dia que certamente
aparecem os descontentamentos, as reclamações, os protestos dos trabalhadores.
E, certamente, aparecem também o pequeno castigo, as pequenas humilhações do
patrão ao empregado.
Todavia, a estratégia política da EFG no trato com seus trabalhadores
procurava antecipar-se às possíveis insurreições e protestos de maior dimensão
que, porventura, pudessem ocorrer. Seus dirigentes tinham, é claro, real
conhecimento da organização dos ferroviários noutros lugares do Brasil. Dessa
maneira, as medidas assistenciais da empresa, além de impactar no rebaixamento
dos custos salariais, preveniam o afloramento de tensões entre as forças sociais
envolvidas no processo de trabalho, o que revela a plena consciência da empresa
do latente antagonismo entre patrões e empregados nas relações de trabalho.
Portanto, a meu ver, a ação antecipatória da empresa esclarece os conflitos ocultos
nas fontes de pesquisa.
O fato das fontes pelo menos as com que me deparei calarem em grande
medida as vozes dos ferroviários é típico de uma determinada memória que se quer
preservar. A boa relação da empresa com seus comandados, a harmonia entre as
classes sociais, esta seria a característica que fazia a “Goiás ser grande”. Os
trabalhadores aparecem sempre como coadjuvantes, nunca como sujeitos,
protagonistas do processo histórico, que derramou literalmente suor e sangue na
construção/manutenção da ferrovia.
Aqui evocamos Thompson (1978), que alude à importância do termo “luta” no
processo de formação da consciência de classe e da própria classe:
127
[...] a classe operária se fez a si mesma tanto quanto foi feita. “Não
podemos colocar “classe” aqui e “consciência de classe ali”, como
duas entidades separadas uma vindo depois da outra, que ambas
devem ser consideradas conjuntamente a experiência da
determinação e o “tratamento” desta de maneiras conscientes. Nem
podemos deduzir a classe de uma “seção” estática (já que é um vir-
a-ser no tempo), nem como uma função de um modo de produção,
que as formações de classe e a consciência de classe (embora
sujeitas a determinadas pressões) se desenvolvem num processo
inacabado de relação – de luta com outras classes – no tempo [e no
espaço] a luta de classes é um conceito anterior ao de classe, a
classe não antecede mas surge da luta.(THOMPSON, 1978, p. 121)
O sentido em que Thompson compreende teoricamente a classe, diverge,
como se pode perceber da abordagem estruturalista, cujo tratamento teórico
enxerga classe como elemento estático, idealizada, acabada. Para o historiador
inglês, ao contrário, a classe deve ser vista enquanto relação e processo, pois
implica movimento, dinâmica, visto que é da própria luta que surge. Segundo
Thompson:
[...] as classes surgem porque homens e mulheres, em relações
produtivas determinadas, identificam seus interesses antagônicos e
passam a lutar, a pensar e a valorar em termos de classe: assim o
processo de formação de classe é um processo de autoconfecção,
embora sob condições ‘dadas’. (ibid., p. 121)
Nesse sentido, a constituição dos ferroviários enquanto classe social emerge
a partir da identificação de interesses comuns desses homens na sua luta cotidiana.
Nesta luta algumas conquistas, mesmo que pequenas, houveram, embora, possam
aparecer de forma dissimulada visto o poder que possuem o capital e o Estado para
reelaborarem de tal forma essa luta que os direitos conquistados apareçam sob uma
nova feição. Não como resultado da luta de classes e da força dos trabalhadores,
mas como obra da benevolência e generosidade da burguesia, para demonstrar a
“humanidade do capital”, que se porta como um bom pai generoso que concede à
classe trabalhadora alguns benefícios.
Vemos, então, a diversidade e quão fortes foram os instrumentos políticos,
ideológicos, econômicos e sociais utilizados pela Estrada de Ferro Goiás para
promover a assimilação do trabalhador ferroviário e de sua família à lógica da
empresa, que resultou na exaltação do sentido ético e moral do trabalho na ferrovia,
128
plasmado no discurso do orgulho de ser ferroviário, de trabalhar em uma empresa
estatal responsável pela construção do país e seu desenvolvimento. Outros
sentimentos se amalgamam na formação do perfil ideal do operário-ferroviário de
Araguari, “ordeiro”, “pacífico”, que veste a camisa da empresa. É a pedagogia que
vem da fábrica formando o trabalhador-ferroviário, para garantir a dominação do
capital sobre o trabalho. Mas, para isso:
A educação, o treinamento, a persuasão, a mobilização de certos
sentimentos sociais (a ética do trabalho, a lealdade aos
companheiros, o orgulho local e nacional) e propensões psicológicas
(a busca da identidade através do trabalho, a iniciativa individual ou
a solidariedade social) desempenham um papel e estão claramente
presentes na formação de ideologias dominantes cultivadas pelos
meios de comunicação de massa, pelas instituições religiosas e
educacionais, pelos vários setores do aparelho do Estado, e
afirmadas pela simples articulação de sua experiência por parte dos
que fazem o trabalho. (HARVEY, 1992, p. 119).
Efetivamente se desenvolveu na cidade de Araguari, no período definido
neste estudo, uma “identidade ferroviária” por meio de: as dimensões de uma
empresa como a Estrada de Ferro Goiás que abrigou em seu auge cerca de mil
funcionários trabalhando em suas oficinas e na manutenção da linha férrea; seus
filhos estudando na Escola Profissional Ferroviária e na Escola Carmela Dutra; as
famílias sendo atendidas pelo Hospital Ferroviário; morando na Vila Ferroviária da
Goiás; consumindo os gêneros e objetos da Cooperativa de Consumo com preços
abaixo da concorrência, o que contribuiu sobremaneira para manter os custos do
trabalho baixos; divertindo-se nos seus espaços de lazer, comemorações e festas;
convivendo na Associação Beneficente Goiás-Atlética.
Esses são elementos sócio-espaciais importantes voltados para a reprodução
da Estrada de Ferro Goiás e dos seus trabalhadores. A partir desses espaços, os
valores, a ideologia e a moral da classe dominante irradiam-se e alcançam a
sociedade como um todo, com decisiva influência na vida cotidiana da cidade,
inclusive da população não ligada diretamente à ferrovia. Mas que, indiretamente,
em muitos casos, era por ela servida.
Essas constatações permitem enxergar esta cidade no período proposto
como uma cidade-ferroviária, pois as ferrovias tiveram implicações diretas tanto na
configuração espacial da cidade, quanto na instituição de um novo espaço-tempo
129
que alterou a forma de relacionamento da população com a cidade. Novas maneiras
de viver, de pensar, de agir, de vestir, novos hábitos e comportamentos são
inseridos via trilhos de ferro na pacata Araguari; é a ordem distante se fazendo
presente a partir dos modos de viver urbano. Santos (1996) apresenta o urbano
como o abstrato, o geral, o de fora, enquanto a cidade é expressa pela concretude e
particularidade do imediato, do que está próximo. Para ele a cidade é o interno e o
urbano o externo. Porém, no imediatismo da vida cotidiana, este jogo dialético se
interpenetra, o que vem de longe aos poucos internaliza-se e, nesse processo a
cidade o interno adquire feições e toma características da ordem externa,
distante.
130
CATULO IV
ARAGUARI COMO CIDADE-FERROVIÁRIA NO BRASIL
IV.1 - A Geografia da Cidade-Empresa no Brasil
O modelo cidade-empresa aparece primeiramente na Inglaterra da Era
Vitoriana, período da Segunda Revolução Industrial, e se difunde largamente nos
Estados Unidos em fins do século XIX. Entretanto, o termo “cidade-empresa”
acabou generalizando a diversidade de tipos de sistema de fábrica com vila
operária. É o que Crawford enfatiza sobre a trajetória da industrialização nos
Estados Unidos. As transformações ocorridas na indústria e no espaço geográfico
norte-americano provocaram uma seqüência de tipos de company town: “mill village,
a corporate city, o lumber camp, mining town, o industrial suburb e a satellite city”.
(Crawford
71
1995, apud CORREIA, 2001, p. 83).
No Brasil, do mesmo modo, esses lugares têm sido nomeados de
várias formas. Vila operária, fazenda, usina, bairro proletário, núcleo
urbano, núcleo residencial, núcleo fabril, cidade operária, cidade-
companhia, cidade-empresa e cidade nova são algumas das
designações que essas aglomerações têm recebido entre nós,
dependendo de suas características quanto a tamanho, forma,
localização e condição político-administrativa, do tipo de atividade à
qual estão ligadas e do momento histórico em que surgem.
(CORREIA, 2001, p. 83-84).
Correia (1998) também demonstra as mudanças ao longo da história nos
termos usados para designar esses aglomerados, bem como o equívoco de se
utilizar um mesmo termo para situações tão díspares. Para a referida autora, o uso
genérico do termo, seja company town, na Europa e nos Estados Unidos, ou “vilas
71
CRAWFORD. M. Buildind the workingman’s paradise. The design of american company
towns. Londres/Nova York: Verso, 1995.
131
operárias”, no Brasil, não contribui para compreender as diferentes iniciativas de
construção de casas para trabalhadores.
Assim, a generalização da terminologia serve para encobrir as diferenças na
maneira pela qual ocorre a gestão do trabalho no interior destes espaços. Para
Correia “entre vilas construídas por indústrias em cidades existentes e vilas isoladas
no campo” (CORREIA, 1998, p. 11), enormes diferenças na forma de gestão da
força de trabalho. No segundo caso a fábrica possui um controle amplo sobre a vida
dos trabalhadores, dentro e fora da fábrica; no primeiro caso este controle seria mais
restrito.
O termo company town, criado nos Estados Unidos no final do século XIX e
aplicado primeiramente nas cidades mineiras norte-americanas, era visto de forma
pejorativa devido ao aspecto de desordem e caos de vários desses lugares, porém,
de meados do século passado em diante sob a influência da arquitetura e do
urbanismo moderno esses empreendimentos passaram a incorporar valores
sanitários e de higiene. Juntamente com a habitação higienizada e limpa, são
introduzidos também os serviços de saúde, educação e lazer, que “costumam estar
associados a bem-estar, disciplina e progresso” (CORREIA, 1998, p. 54). Elementos
importantes e inovadores no que tange à organização/gestão do espaço de
reprodução da força de trabalho.
Em algumas cidades do Chile, onde a base da economia é a produção de
minérios, principalmente o cobre que é explorado pelas multinacionais norte-
americanas, é comum na organização do seu espaço produtivo as características do
modelo cidade-empresa. Garcés, corrobora com Crawford e Correia, sobre a
generalização do termo company town na atualidade, se ocupa amplamente
designando “las ciudades industriales de distinto tipo que fueron surgiendo a partir
de la Revolución Industrial: industrial villages, cités ouvrières, arbeiter siedlungen,
colonias industriales, campamentos mineros.”. (GARCÉS, 2003, p. 132).
No Chile, estas grandes companhias mineradoras, cuja finalidade não é outra
senão a máxima concentração e acumulação de capital são forçadas de certa
forma a concentrar também o trabalho, pois cria um mercado cativo de força de
trabalho nos arredores da fábrica, indispensável para a extração do cobre. Conforme
explica a citação,
132
un ideal que explicita la transformación de la base económica de la
nación americana y un modelo que interpreta el mito del primer
capitalismo al de una sociedad 'perfecta' al servicio de la
manufactura [...] Como modelo urbanístico representa una
alternativa completa a la ciudad histórica, no tanto a causa de las
formas en las que se estructura, cuanto por el hecho de asumir una
única y nueva función, la fábrica, sin otros fines que los de máxima
eficiencia productiva, creando un sistema monocultural sin rupturas
socioeconómicas. (DAL CO, 1975, apud, GARCÉS, 2003, p.
132).
A estrutura espacial desses núcleos fabris é sistematicamente planejada,
organizada, a fim de buscar a mais profunda eficiência no processo produtivo e
preservar a harmonia entre os agentes da produção. Outros exemplos de cidade-
empresa mundo afora são: Lowell, Pullman e Tyrone, nos Estados Unidos; Saltaire e
Bournville, na Inglaterra; Creusot e Mulhouse na França; La Colônia ell, na
Cataluña etc.
Não é o caso de se fazer um levantamento exaustivo desse modelo pelo
mundo ou pelo Brasil, porém é necessário mostrar que ocorreram ao final do século
XIX e durante o século XX alguns casos mais elucidativos, que merecem ser
observados. Nos casos mais típicos, a disposição espacial dos objetos e sua
arquitetura denotam a própria divisão e a hierarquia do trabalho. As casas dos
chefes geralmente são mais adornadas, mais amplas, com maior número de
cômodos, enquanto as residências dos trabalhadores de baixo escalão são bem
mais singelas.
Os exemplos brasileiros do modelo cidade-empresa, ocorreram em vários
momentos da industrialização do país, desde o primeiro surto industrial, a partir da
implementação das primeiras fábricas têxteis no final do século XIX e início do XX,
passando pelo período de implantação das indústrias de base do pós 1930 e
percorrendo também os setores industriais dos anos 1950, até os grandes projetos
da década (19)70. Portanto, o modelo de cidade-empresa está presente nas
diferentes fases do desenvolvimento industrial do país, resguardados as respectivas
peculiaridades de cada momento e modelo. Assim, ao considerarmos o surgimento
da cidade-empresa, vemos que repercutem nelas as influências do momento
histórico-geográfico em que apareceram.
Tomemos alguns casos como exemplo a ser observado. No primeiro surto da
industrialização brasileira, a Companhia Progresso Industrial do Brasil (CPIB), mais
133
conhecida por Fábrica Bangu, fundada no final do século XIX, no Rio de Janeiro, ao
longo do tempo se rearranja espacialmente: “fábrica-fazenda”, “cidade-fábrica”,
“fábrica na cidade”. Sua localização em área rural, ou “fábrica-fazenda”, justifica-se
em parte pela proximidade de fontes de energia, nesse caso a água, e por fatores
econômicos “pois a instalação de fábricas em zonas rurais aliviava seus
proprietários do pagamento do imposto de “pena d’água”, taxa sanitária, lixo e
esgoto, e o imposto predial era mais barato”
72
, mas também reflete a particularidade
do momento, a inexistência de um amplo mercado de força de trabalho fator de
produção indispensável na economia capitalista –, ainda que na maior cidade do
Brasil, o que leva a empresa à estratégia de imobilizar mão-de-obra próxima à
fábrica, criando praticamente um mercado cativo de mão-de-obra. Conforme
esclarece Oliveira, a Fábrica Bangu:
[...] teve de criar o seu próprio mercado de força de trabalho cativa,
a nível local, significando, em outras palavras, imobilizar força de
trabalho, não apenas através da moradia em vilas operárias, o que
era comum nas áreas urbanas, mas também através do controle
dos meios de produção e reprodução como grandes proprietários
que eram de terras, estimulando a fixação de população na terra
através da produção agrária em sistema de parcerias e
arrendamento. (OLIVEIRA, 2006, p. 07).
Essas e outras estratégias da empresa vão com o correr do tempo, conformar
outro arranjo espacial: a cidade-fábrica’ que, para Oliveira (2006), “vai se impor,
gerando uma maior demanda por terra urbana”. O que chama a atenção é que a
atividade fabril-urbana da Fábrica Bangu não significou o fim das atividades rurais
nos arredores da fábrica; ao invés de declinar, a produção rural de alimentos que
abastecia o mercado local aumentou e atigiu o auge nos anos 1930, com a cultura
da laranja .
Também Corrêa (1989), quando trata dos processos e formas espaciais que
vão se materializando e conformam uma “organização espacial urbana”, mostra
numa passagem de seu livro que as indústrias têxteis de meados do século XIX no
Rio de Janeiro vão localizar-se próximo às fontes de energia hidráulicas. Assim se
expressa Corrêa: “isoladas da cidade, tais indústrias tinham junto a si uma força de
trabalho cativa, residindo em vilas operárias: criou-se assim um espaço industrial
72
A escravidão em Bangu. In: A Voz do Trabalhador, 15.11.1909, p. 02, apud, TURAZZI, 1989 p. 69.
134
constituído de lugar de produção e de residência” (CORRÊA, 1989, p. (53). Com o
decorrer do tempo e o crescimento da cidade do Rio de Janeiro, este aglomerado
será parte constituinte do Bairro de Bangu, o qual ajudou a criar, chegando à forma
urbana de “fábrica na cidade”.
As idéias dos dois pesquisadores nesse ponto não são divergentes e, sim,
concordantes, embora Corrêa (1989) não observe que o fato de essas indústrias
terem próximos de si uma mão-de-obra cativa é resultado da ação das próprias
empresas que constróem residências para os seus empregados, daí o mercado
cativo de força de trabalho que, na verdade, vem responder a uma demanda da
empresa necessária à produção capitalista.
Seria a Fábrica Bangu, na sua relação com seu espaço imediato de atuação,
uma forma de company town? No início talvez sim. Vê-se que a própria evolução do
arranjo espacial de “fábrica-fazenda” a “cidade-fábrica” e desta para “fábrica na
cidade” impõe a flexibilidade e/ou a dinâmica do conceito company town que, com o
avançar do tempo, e com as mudanças da realidade empírica fazem com que o
nome utilizado para designar o fato mude também ou, até mesmo, seja abandonado.
O exemplo da Fábrica Bangu é, em uma determinada época, típico de uma
company town ligada à indústria têxtil, seja na escala de “vila operária”, seja na de
“bairro operário” ou na de “cidade operária”, pois mesmo não tendo criado uma
cidade, nos seus termos jurídicos-formais, ela criou e gestou um espaço privado
inteiramente sob seu controle, mudando sua estratégia conforme as pressões
impostas pelas mudanças históricas, principalmente a partir dos anos 1930. Bangu,
com o tempo, com as mudanças no entorno da fábrica, vai ficando cada vez mais
dentro da cidade e, assim, vai deixando de ser uma company town têxtil.
Em Araguari é o inverso que ocorre. Araguari não nasce como company
town; porém, com a presença da Estrada de Ferro Goiás, vai se configurando não
como esse modelo, mas como uma cidade-ferroviária, o que a difere e a distingue
dos casos anteriormente mencionados. Ou seja, a particularidade de Araguari é que
esta não se define como uma company town em sua forma clássica, como é o caso
da Vila Martin Smith, pois não se trata de um ambiente construído seguindo o
modelo urbano fechado, circunscrito, com pleno domínio e gestão da força de
trabalho. Mas é, sim, uma cidade na qual a empresa ferroviária introjeta um tempo e
um espaço que é o seu, sem, contudo, necessitar levantar muralhas ao seu redor; e,
talvez por isso mesmo, com repercurssões fortes na vida econômica, social, cultural
135
e política da cidade. O modo urbano de viver em Araguari no período delimitado
neste trabalho, é o modo urbano-ferroviário de viver. A vida cotidiana da cidade
reflete o espaço-tempo do trem. É a força do impacto cultural da ferrovia que se
consolida em Araguari. Isto é tão forte que, mesmo hoje, a memória que se quer ter
remete à espacialidade ferroviária de ontem. um constante convite para reviver o
passado, uma reelaboração permanente do tempo que passou; a antiga identidade
ferroviária foi-se perdendo e Araguari ainda não conseguiu criar uma outra; daí, a
volta aos “bons tempos” da era ferroviária ainda ter algum sentido.
Como diz Hardman, “o século XIX reagia, entre indignação, espanto e
encantamento, às criaturas saídas do moderno sistema de fábrica”. (HARDMAN,
2005, p. 34). Araguari reagiu frente ao “bicho que soltava fogo”, com perplexidade,
susto, medo, mas também com admiração e encanto, que tiveram ressonância
direta no imaginário coletivo da cidade. A ferrovia era a vida para muitas pessoas da
cidade.
A Vila de Paranapiacaba distrito do município paulista de Santo André, na
região do chamado ABCD paulista, também denominada “Vila Martin Smith”,
localizada no alto da Serra do Mar, foi também objeto de investigação, do professor
Issao Minami. Para Minami (2004), a Vila Martin Smith caracteriza-se como um
modelo sui generis de company town. Conforme este autor “o conjunto é um
exemplar único, no Brasil, de um núcleo urbano que nasceu e sempre viveu em
função da atividade ferroviária”. (MINAMI, 2004, p. 02) Trata-se então, de uma
company town ferroviária propriamente.
A “Vila Martin Smith” é oriunda dos acampamentos dos operários ferroviários
que trabalharam na construção da ferrovia que ligaria São Paulo à Baixada Santista,
necessidade imposta pela economia cafeeira a fim de fazer chegar o seu produto ao
Porto de Santos. Cabia aos trabalhadores que construíam à ferrovia vencer o trecho
íngreme, devido à topografia do terreno; tratava-se de vencer a Serra do Mar para
chegar ao ponto final. Com o fim dos trabalhos de construção da via férrea a vila se
tornou local de residência de parte desse pessoal que agora, iria se ocupar na
manutenção da mesma.
O autor enxerga de forma bastante positiva e acrítica o modelo urbano da
company town dessa vila de ferroviários. Para Minami, as company towns se
“caracterizavam por promover desenvolvimento econômico aliado à melhoria da
qualidade de vida de trabalhadores alocados nesses empreendimentos, através de
136
investimentos em planejamento e construção civil.” (Ibid., p. 03). Mas é preciso
enxergar também que essas práticas espaciais da empresa vêm responder
diretamente aos interesses da reprodução do capital, garantindo um mercado cativo
de mão-de-obra e mantendo um amplo controle político-ideológico da força de
trabalho.
Correia (1998) chama a atenção para o caso de que em Paranapiacaba a
disposição espacial da vila expressa a hierarquização dos funcionários da empresa:
Na Vila Inglesa destinada aos mais graduados, as casas de madeira
construídas em bloco de duas, quatro ou seis são todas dotadas de
jardins e dispostas em ruas ortogonais; na Parte Alta, destinada aos
demais empregados, casas estreitas sem jardim também de
madeira são agrupadas em longos blocos. Entre os dois núcleos, foi
implantada a estação de trem ponto focal e principal lugar de
encontro dos moradores - , cuja torre, ostentando um grande relógio,
testemunha e regula o tempo linear, que preside o mundo ferroviário
e a rotina de seus operadores. (Passarelli,
73
1990 apud CORREIA,
1998, p. 74).
A Vila conformava-se assim segundo um modelo de relação capitalista; o
novo conjunto construído pela empresa, com o que concorda Minami (2004, p. 05),
“formava um sistema disciplinarmente organizado através de uma técnica de
aglomeração disposta hierarquicamente e conforme um arranjo que definia o
desenho das habitações”. (Grifo nosso).
A partir dos anos 1930 o país passou verdadeiramente por um processo de
industrialização, comandado abertamente pelo Estado, com investimentos
principalmente nas chamadas indústrias de base, ou de bens de produção, como é o
caso das siderúrgicas. Surge, assim, a Companhia Siderúrgica Nacional e, em
simbiose, aparece a cidade de Volta Redonda, como símbolos que representavam
uma nova fase do capitalismo brasileiro, agora sob o prisma da indústria, novo carro-
chefe da acumulação capitalista.
A empresa constrói simultaneamente a usina e a cidade, na qual a hierarquia
da empresa é urbanamente reproduzida. Mas as conseqüências dos planos da
empresa/capital sobre a estrutura urbana serão ainda piores que em Paranapiacaba.
Vejamos:
73
PASSARELLI, Sílvia Helena; FERREIRA, João e SANTOS, Marco Antônio Perrone (1990).
Paranapiacaba – Estudos e Memória. Santo André: Public Gráfica.
137
O plano urbanístico, de alto padrão, reproduz na estruturação
urbana a hierarquia funcional da usina, criando espaços
estratificados por categoria funcional e padrão salarial. Os contínuos
planos de expansão da usina e a demanda de mão-de-obra pelas
firmas de construção civil funcionam como elementos indutores ao
crescimento populacional, que atinge em 1950 um total de 36.000
pessoas (em 1940 eram apenas 3.000). conseqüentemente cresce
uma outra “cidade” pobre e não planejada, fora da área de controle
da CSN. Em 1954, Volta Redonda passa a categoria de município e,
em 1980, atinge 183.620 habitantes (ibid., p.26).
A CSN além de pagar salários maiores oferece uma série de benefícios que
podem funcionar como atrativos e/ou como elemento diferenciador na criação do
espaço urbano, tais como: escola, atendimento hospitalar e transporte, disponíveis
desde os primeiros meses de instalação da usina, em fins de 1941. Em alguns
pontos por exemplo, na assistência social o caso da CSN-Volta Redonda se
aproxima da EFG-Araguari. Ambas referem-se a empresas estatais no contexto
antiliberal da “Era Vargas”, o que nos leva a olhar sua administração e a relação
desta com os trabalhadores através da construção de um novo acordo entre o
Estado e a classe operária, que, para Francisco de Oliveira (1982), é o cerne da
questão que envolve a relação do Estado com o urbano no Brasil.
No Nordeste, também nesse momento, destaca-se, a criação da Vila de Paulo
Afonso em Pernambuco, onde foram edificadas duas mil casas de alto padrão pela
Companhia Hidrelétrica de São Francisco (Chesf), “empresa criada em 1948, que
tem sua usina criada em 1955. A vila de Paulo Afonso, PE, construída com 2.000
casas de alto padrão, pode ser considerada modelo de company town”. (PIQUET,
1998, p. 26).
Outro exemplo, agora no Sul do país, referente à instalação no Paraná da
indústria de papel e celulose Klabin, mostra que também as empresas privadas
seguiram o mesmo modelo. Esta empresa, que se instalou na década de 1940 no
município paranaense de Telêmaco Borba, é pioneira na produção de papel no
Brasil. Pelo fato de ter se instalado numa localidade bastante isolada, foram
construídas três vilas operárias para seus empregados. No início dos anos 1960, a
Klabin teve um papel importante na formação deste município, “hoje um centro
urbano com bom padrão urbanístico. Atualmente a empresa mantém apenas um
número reduzido de residências de alto padrão para a diretoria [...]” (ibid., p. 27).
Ainda, conforme Piquet, esse núcleo habitacional chegou a apresentar
138
características de uma company town, uma vez que continha, além das moradias,
todos os equipamentos ligados às atividades fabris, assumindo papel fundamental
na criação desse município paranaense.
Em Minas Gerais, destaca-se a siderurgia com a Companhia Belgo Mineira
que, em 1934, criou um concurso para projetar a futura cidade operária de
Monlevade. O crescimento da cidade foi tão grande que estendeu-se para fora da
área projetada e, em 1991, a vila original abrigava apenas 4,2% da população.
(Costa e Monte Mór, apud PIQUET, 1998 p. 26). Outra grande empresa do setor
siderúrgico que se instalou em Minas Gerais e também investiu pesado em um
projeto urbanístico, a futura cidade de Ipatinga, em 1956 é a Usiminas, em operação
desde 1962. Porém, Ipatinga teve características diferentes em sua construção,
como é possível constatar pela citação abaixo:
a cidade planejada é fruto de um projeto urbanístico minucioso. A
Usiminas arca com a construção inicial das unidades habitacionais e
da infra-estrutura básica, bem como de vários equipamentos sociais
coletivos: escolas, clubes, supermercados, hospital, este de
abrangência regional. Desde o início a cidade foi projetada em
termos de comunidade aberta, de modo que, passada a fase inicial
de construção e implantação, a livre iniciativa pudesse atuar cada
vez com maior intensidade, pois calculava-se que, em 1975, a
cidade atingiria 150.000, o que de fato ocorreu em 1980. (COSTA e
MONTE MÓR, apud PIQUET, 1998 p. 27).
Também em Minas, a Açominas construiu nos anos de 1985-88 sua usina e
também uma cidade aberta para os funcionários seus familiares que, somados,
atingem aproximadamente 24.000 pessoas. O antigo Distrito de Ouro Branco núcleo
histórico de Minas Gerais, foi totalmente descaracterizado pelas intervenções
urbanas da empresa, que assumiu por meio de empresas especializadas, o
planejamento da cidade, construindo moradias para seus empregados e
remodelando a infra-estrutura urbana.
No extremo norte do país, no estado do Amapá a Icomi Indústria e
Comércio de Minérios S.A. “constrói a Vila Amazonas e a Vila Serra do Navio, de
alto padrão construtivo e previstas para abrigar 2.500 habitantes cada uma. São até
hoje consideradas exemplos de “company tows” construídas na década de 50.”
(Benjamim Ribeiro, apud PIQUET, 1998, p. 27).
139
Nos anos (19)70 são marcantes os grandes projetos, que marcaram o padrão
de ocupação territorial do país, cujas obras iniciadas nessa década serão
concluídas na década seguinte, devido à “[...] escassez crescente dos recursos
financeiros exigidos”. (Piquet, 1998, p. 31). Dentre esses megaprojetos, citemos
alguns: Jarí Florestal e Agropecuária Ltda., em Monte Dourado na Região Norte do
Brasil, no estado do Pará. “A população prevista para a vila era de 10.000
habitantes, mas em 1988 dava sustentação a cerca de 60.000 pessoas” (Glauco
Carneiro
74
, apud PIQUET 1998, p. 32).
Também no Pará, foi edificada a vila que abrigou os trabalhadores que
construíram a hidrelétrica de Tucuruí. Em 1976, no começo das obras, a cidade
possuía cerca de 3.000 habitantes; no pico das obras, chegou a somar mais de 100
mil habitantes, com a maioria residindo na cidade Velha e o restante nas vilas de
empresa. Ainda no Pará, a Companhia Vale do Rio Doce nos anos 1980, constrói
uma cidade fechada na Serra dos Carajás, de alto padrão, distante a 200Km da
cidade de Marabá.
São muitos os exemplos de cidades no Brasil surgidas a partir da ação de
grande empresas, estatais e privadas. Podemos citar ainda a Aracruz Celulose no
Espírito Santo, que ergue uma vila residencial fechada, com todos os equipamentos
urbanos de uso coletivo.
Os vários exemplos de grandes empresas que atuaram no processo de
criação de cidades ou na redefinição do traçado urbanístico interno, mostram que,
de uma forma ou de outra, elas exerceram um forte controle e influência tanto no
urbano quanto na força de trabalho. No pós-30 participação massiva do Estado,
visto que muitos exemplos são de empresas estatais de grande porte no ramo da
siderurgia ou de energia, setores fundamentais para o devir das indústrias
estrangeiras na década de 1950, o que demonstra que essa intervenção estava
moldada pelos interesses do grande capital, cabendo à União concentrar,
crescentemente, seus gastos na formação das condições gerais da produção (infra-
estrutura), indispensáveis à implantação de um moderno parque industrial.
Podemos constatar também que o fato de existir hoje um mercado de força de
trabalho capitalista no Brasil não eliminou, em muitos casos, face ao tipo de
74
CARNEIRO, Glauco. Jarí, uma responsabilidade brasileira: origens e nacionalização do Projeto
Jarí. São Paulo, Lisa, 1988.
140
empresa e das imposições de sua localização, a produção das company tows, que
sobrevive ao tempo.
Araguari não se originou sob os auspícios da ferrovia, ou seja, não foi a
ferrovia que criou a cidade de Araguari, porém sua história e sua geografia se
confunde com a das companhias ferroviárias. A ferrovia não cria, mas, recria
Araguari. Por isso, a cidade de Araguari pode ser vista a partir deste ponto de vista:
de uma cidade que foi capturada” pela ferrovia no início com a Mogiana e,
posteriormente a Estrada de Ferro Goiás, cuja atuação no espaço urbano de
Araguari intensificou-se de forma brutal sob a batuta do Estado depois de 1920. A
Estrada de Ferro Goiás erigiu uma cidade-ferroviária dentro da cidade de Araguari,
que capturou a antiga cidade, tornando-a uma cidade-ferroviária.
O encanto, o fascínio das pessoas pela EFG, como vimos, foi construído de
várias formas e é facilmente perceptível nas falas dos moradores. Dona Gracinda,
esposa e filha de ferroviários da Estrada de Ferro Goiás, relata em entrevista, a sua
admiração pela empresa, apesar dos baixos salários pagos pela EFG. Para ela,
“todo mundo gostava da Rede, ela foi muito boa pra cidade, pra muita gente ela foi a
salvação. Apesar de pagar pouco Araguari era outra cidade. Existia uma série de
coisas que fazia a ferrovia ser querida por muita gente”. (MOREIRA, 2006, p. 40).
A fala de dona Gracinda enfatiza a relação da EFG com as transformações
operadas na cidade, com a ferrovia Araguari “era outra cidade”. O seu discurso não
se restringe à relação de trabalho, pois existiam outros elementos mais importantes
que superavam esta relação e tornavam esta ferrovia “querida” pelos que
trabalhavam nela ou não.
A relação das ferrovias com a cidade de Araguari sob a diretriz do
capitalismo antiliberal é tratada no próximo item. O momento da constituição desta
cidade como uma cidade-ferroviária. Analisar-se-á como se deu esse processo a
partir das práticas espaciais das empresas ferroviárias que intensificaram e
imprimiram conteúdo técnico-ferroviário ao espaço urbano desta cidade. E por fim, o
desmantelamento desta estrutura.
141
IV.2 – A Relação Ferrovia-Cidade em Araguari no Capitalismo Antiliberal:
1928/1978
O segundo momento da relação da ferrovia com a cidade de Araguari é o
tempo da EFG sob a diretriz do Estado, que é “chamado” a dirigi-la a partir de 1920.
Reflete também as mudanças mais gerais do novo regime de acumulação capitalista
o fordismo gerado nos paises centrais e a implementação de um novo modo de
regulamentação da vida social a ele associado. No Brasil é o momento da
consolidação e expansão deste modo de produção, com a intervenção efetiva do
Estado nos rumos da economia nacional, que interveio também, conforme
Fernandes “no ordenamento do território e do urbano e demais aspectos da vida
econômica e social” (FERNANDES, 2008, p. 03), caracterizando o período antiliberal
do capitalismo brasileiro. Na carência do “capital privado nacional”, coube ao Estado
atuar como agente econômico e criar as condições materiais necessárias para o
processo de industrialização ocorrido a partir de 1930. Conforme Mendonça,
Inexistindo o grande capital privado nacional em proporções
compatíveis com o vulto da obra econômica a ser realizada a
implementação de empreendimentos de infra-estrutura como a
siderurgia, a eletrificação, a expansão dos sistemas de transportes e
outros -, o Estado se viu pressionado a atuar muito além do papel de
um mero coordenador da economia, transformando-se em
investidor. [...] o sentido de tal dinâmica residia no pressuposto da
maximização do lucro privado, através da produção, pelas empresas
estatais, dos bens e serviços indispensáveis à acumulação industrial
privada. (MENDONÇA, 1986, p. 34).
As mudanças estruturais que atravessaram o país neste período refletiram no
setor dos transportes com o rodoviário, que ganhou força, e o ferroviário, durante a
Primeira República voltado essencialmente para o mercado externo, exportação do
café, passou a atender também o mercado interno que se ampliava. Neste período,
sobretudo nos anos 1940/50, o governo federal faz investimentos na infra-estrutura
para o transporte ferroviário da Estrada de Ferro Goiás e, pelo fato de Araguari ser
sua sede operacional-administrativa, estes recursos deságuam na cidade para a
construção do complexo ferroviário desta companhia férrea.
142
A Estrada de Ferro Goiás fez prolongar os trilhos da Mogiana até Goiânia,
Anápolis e Brasília. Cumpriu importante papel no processo de integração nacional,
agregando a vida de relações entre o centro-sul de Goiás e o Triângulo Mineiro à
região Sudeste do país, conforme a figura 20. Integrar o país foi uma das
preocupações do Governo Vargas, que se materializou na campanha da “Marcha
para o Oeste”, buscando, dessa forma, aproximar o interior do país à economia
nacional. A construção de Brasília no Governo de Juscelino Kubtschek (1956-1960)
carro-chefe do seu “Plano de Metas”, veio dar continuidade a esse processo.
FIGURA 20 – Integração do Centro-Sul de Goiás e Triângulo Mineiro à Região Sudeste.
Articulação via estrada de ferro, do Sul de Minas, do Triangulo Mineiro e do Centro-Sul de Goiás aos
Portos de Santos e Angra dos Reis ligando parte do interior do Brasil ao litoral e, daí, ao mundo.
143
Integração do Centro-Sul de Goiás e Triângulo Mineiro à Região Sudeste
É neste intervalo de tempo que ocorre a construção do complexo ferroviário
da Estrada de Ferro Goiás, fruto dos investimentos do Governo Federal, que dará
suporte ao desenvolvimento e aprimoramento do trabalho ferroviário em Araguari e
região. O prédio da estação, que foi construído em 1909, sofreu uma ampla reforma
e ampliação nas suas instalações, iniciada em 1925 e concluída em 1928. A
adequação do prédio aos novos tempos deu-se em virtude da grande movimentação
de cargas e passageiros que passavam diariamente por este terminal ferroviário
graças ao dinamismo comercial e econômico de Araguari. Assim, a reinauguração
da Estação da Goiás em 1928 foi entendida como um símbolo que marcou o início
de uma época de esperanças e sonhos no desenvolvimento da cidade. Por esse
motivo, a reinauguração do magnífico prédio Goiás caracteriza o início do segundo
momento da relação da ferrovia com a cidade.
Neste acontecimento, foi importante a participação do Poder Executivo local
quando, por meio do Decreto 1451 de 13 de setembro de 1938, a Prefeitura
Municipal doou um terreno de 29.256 metros quadrados para a construção do
complexo ferroviário, que abrigaria: prédio da estação, as oficinas de reparo e
manutenção, almoxarifado, tipografia, armazéns de carga. Foram construídos
também: A Vila Ferroviária da Goiás, o Hospital Ferroviário, a Escola Primária
Carmela Dutra e a Escola Técnica de Educação Familiar. A Cooperativa de
Consumo e a Associação Beneficente da Goiás-Atlética, apesar de não se
localizarem no interior do conjunto, compõem os objetos que formam o complexo
ferroviário da Goiás. (figura 21).
No interior deste conjunto ferroviário implementou-se uma complexa divisão
técnica e social do trabalho, composta de diversos departamentos e seções
administrativas (planejamento) e de execução (trabalho manual). A Divisão
repartia-se em: 1) Seção de automóveis, 2) Tipografia, 3) Almoxarifado. A 2ª Divisão:
1) Divisão de transportes, 2) Depósito de tração, 3) Distrito com 4 inspetorias. A
Divisão: 1) Divisão de mecânica (locomoção), 2) Permanência total. A Divisão: 1)
Via permanente, 2) Oficinas de linha, 3) residência. A Divisão: 1) Divisão de
obras. Tem-se ainda os órgãos de chefia: 1) Chefia da Administração, 2) Chefia da
divisão de transportes, 3) Chefia da via permanente. Com a transferência da sede
administrativa, foram para Goiânia todos os órgãos de chefia.
A doação do terreno pela Prefeitura para a construção do complexo
ferroviário evidencia o envolvimento do poder público municipal com a empresa
144
ferroviária e deixa claro o significativo papel do Estado como agente da produção e
organização do espaço urbano, seja a partir de sua intervenção direta ou através da
legislação que regula o uso do espaço da cidade. Geógrafo estudioso do espaço
urbano, David Harvey, em suas reflexões acerca do assunto, mostra que uma das
funções do Estado capitalista, na sua relação com o espaço geográfico das cidades,
é o de “árbitro” no que tange à organização e produção deste espaço. Nas palavras
do autor, o papel deste Estado é o de
[...] interferir na produção desse ambiente e arbitrar as demandas da
classe trabalhadora por infra-estrutura, transportes, habitação e
serviços sociais das mais variadas naturezas, conciliando-as com as
exigências da acumulação. (Harvey
75
1982 apud PIQUET, 1998, p.
05).
É muito forte o poder de barganha dessas grandes empresas junto ao poder
público local, o que termina por refletir na organização do espaço interno das
cidades, como foi em Araguari. Este complexo ferroviário e outros que existiram no
Brasil foram verdadeiras indústrias de equipamentos ferroviários, que surgiram para
substituir a compra desses equipamentos noutros países. Para Silveira (2003), “o
Brasil forjou, além das substituições de importações de bens de consumo não
duráveis e de bens de consumo duráveis (Departamento II), os bens de produção
(Departamento I)” (SILVEIRA, 2003, p. 130). Assim, vê-se que a política de
substituição das importações, adotada no período de crise, contribuiu para a
emergência do parque industrial brasileiro, iniciada em 1930.
75
HARVEY, David. “O trabalho, o capital e o conflito de classes em torno do ambiente construído nas
sociedades capitalistas avançadas”. Espaço e Debates, n. 6, jun./set. 1982, p. 18.
145
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
1
2
3
4
5
6
7
8
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11
10
Prédio estação
Entrada para o pátio
Oficinas
Tipografia
Almoxarifado
Locomoção
Escola profissional
ferroviária
Vila ferroviária da Goiás
Galpão de carga
Praça Gaioso Neves
Vila ferroviária da Goiás
12
12
Linha férrea
FIGURA 21 – Complexo Ferroviário da Estrada de Ferro Goiás, 1990.
Este complexo ferroviário era responsável pela produção e reparação de peças e equipamentos pesados; em
suas oficinas, além da manutenção do material rodante, produziam-se vagões e autos-de-linha.
FONTE: Arquivo Público Municipal de Araguari.
Têm implicação direta no ordenamento espacial das cidades as grandes
obras urbanas, os edifícios industriais de grande porte, as estações ferroviárias etc.,
como nos mostra Capel:
Con sus vastos espacios para la circulación, estacionamiento y
clasificación de trenes, sus almacenes de mercancias, talleres,
depósitos de agua, placas giratorias, depósitos de locomotoras,
economatos, servicios de viajeros y de administración y,
eventualmente, cuarteles, eram em si mismas, sobre todo en las
grande ciudades, complejos de gran extension superficial.
Espacialmente en las ciudades que, por su caráter de cabecera de
línea o por otras razones, tenían la función de depósitos de material
móvil y tracción, con almacenes para el mismo [...] Todo ello
afectava de forma importante a la organización urbana y daba lugar,
además, a um conjunto de instalaciones conexas inducidas, desde
146
hoteles y restutantes hasta oficinas comerciales y redes de tranvías.
(Capel, 2005 p. 548)
Uma obra da magnitude do complexo ferroviário da EFG afetou de maneira
bastante expressiva a organização interna da cidade de Araguari. O impacto na
cidade sem dúvida foi sentido nas variadas dimensões e domínios da vida local.
Aumenta a arrecadação do município, gera empregos, dinamiza o comércio, abrem-
se novas perspectivas, entre outros muitos aspectos que poderiam ser aqui
relatados. Esse processo ocorrido em Araguari a partir da presença das ferrovias
trouxe consigo a influência da arquitetura dos séculos XIX e XX: art deco,
neoclássica, modernista e eclética manifesta nos estilos das edificações do
complexo ferroviário da EFG, e, de maneira mais eloqüente, no prédio da estação
que demonstra a suntuosidade e a imponência do engenho ferroviário.
Para Capel, as estações se converteram em novas portas de entrada da
cidade.
A partir del siglo XIX el ferrocarril supuso uma auténtica revolución
em las cidades. Las estaciones de ferrocarril se convirtieron em
edifícios de gran significado como exponentes de los nuevos
avanços técnicos y como puertas de acesso a la ciudad. (ibid., p.
547)
Em Araguari, estes estilos arquitetônicos passam a influenciar a construção
de casas e edifícios que, até hoje, são facilmente encontrados, espalhados pela
cidade, introjetados nela pelas ferrovias. Estas grandes obras urbanas, além de
serem edifícios portadores de significado simbólico, vão impregnando seu discurso
no imaginário social, construindo, assim, memórias individuais e coletivas; esses
edifícios também expressam, através de sua forma, a grandiosidade do
empreendimento ferroviário e explicitam o poder da elite à qual está ligada.
Estas formas são portadoras de conteúdo racional e intencional. Santos
(1997) nos chama a atenção para o poder que as formas possuem, enquanto
totalidade difusora do capital, que podem alterar as estruturas sociais locais. “As
formas, este novo cavalo de Tróia, tornaram-se um meio de penetração nos países
subdesenvolvidos [...]” (SANTOS, 1997, p. 73), a fim de acelerar o processo de
modernização capitalista na periferia do sistema, inclusive com o poder de frustrar
147
“projetos nacionais de desenvolvimento”. (ibid, p. 73). No caso de Araguari, uma
espécie de captura do urbano pela forma ferroviária.
A figura 22 permite observar a presença do edifício da estação, que se impõe
no espaço; é o portal de acesso ao interior do conjunto ferroviário da EFG, um dos
maiores complexos ferroviários do interior do Brasil. Na Europa do século XIX,
engenheiros e arquitetos dispensaram bastante atenção à construção de edifícios
industriais, especialmente dos prédios das estações ferroviárias em que utilizavam
novos materiais como o ferro e o vidro; aprimorando técnicas de construção,
imprimiram um caráter arquitetônico majestoso e arrojado aos prédios das estações
ferroviárias das capitais européias mais importantes, Londres, Berlim, Roma, Paris
etc.
O estilo neoclássico, mas um tanto eclético devido aos adornos e adereços do
prédio da EFG, chama a atenção dos transeuntes que passam em sua frente até
hoje; imagine-se pois o impacto causado por sua presença no início do século XX.
FIGURA 22 – Prédio da Estação da Estrada de Ferro Goiás. 1940.
FONTE: Arquivo Público Municipal de Araguari.
A estrutura espacial que é parte do nosso objeto forma-se de espaços-
instituições responsáveis pela reprodução do capital e da força de trabalho.
148
Em Goiás, conforme Inácio (2006) hvia uma certa reação e resistência dos
ferroviários principalmente os trabalhadores braçais em relação à empresa, fato
que, segundo ele, não ocorria em Araguari.
Essa resistência à empresa não se confirma em relação a
trabalhadores que permaneceram em Araguari; ao contrário dos
trabalhadores braçais que estavam em Goiás, os de Araguari
explicitam uma identidade Ferroviária, demonstrando o orgulho de
ter trabalhado na empresa. (INÁCIO, 2006, p. 111-130).
Como isso pode ser explicado? Pela própria condição de turmeiro ou tatu,
como eram conhecidos. O trabalho duro e a baixa remuneração ajudam a explicar a
reação e o descontentamento dessa categoria de ferroviários de Goiandira-GO em
relação à empresa, enquanto outras categorias profissionais, diríamos, mais
elitizadas (chefes de seção, chefes de estação, feitores etc.) se adequavam mais
prontamente à empresa.
O fato de a sede do comando da empresa situar-se em Araguari também
demandava um maior esforço da empresa na cooptação objetiva e subjetiva do
ferroviário de Araguari por meio de ações que buscavam o consentimento, visando
integrar o trabalhador à empresa. Neste sentido, intensificam-se seus vínculos com
a ferrovia, ao ponto de se criar a denominação de “família ferroviária”, fato não
ocorrido noutras localidades em que a Goiás se fazia presente. Contudo, ainda que
tenha significativo peso, a simples presença da sede administrativa da companhia
em Araguari, por si só, não explicaria as diferenças de comportamento do ferroviário
que trabalhava em Araguari, mais “passivo” se pudermos usar esta expressão
daquele analisado por Inácio, com características mais agressivas em relação à
empresa.
A explicação perpassa também pelo enorme envolvimento desde o início da
empresa com a cidade, as tramas com o poder público local, com a mídia impressa
portadora de discurso, com a classe média formadora de opinião e mesmo com a
população, de forma geral, que via na EFG o símbolo do progresso. O orgulho de
“fazer parte” disso talvez pudesse acalmar os ânimos. Dessa forma, a empresa
extrapola os limites strictu sensu do seu espaço de produção e reprodução,
açambarcando várias dimensões do urbano: o político, o social, o simbólico etc.,
capturando a cidade e subjugando seu destino ao da própria empresa. Exemplo de
149
tal inserção – dentre tantos outros – foi o episódio da candidatura do então diretor da
EFG (Major Zamith) a prefeito da cidade, logo após a redemocratização, pós-Estado
Novo, sob o clamor da liderança local da UDN que, segundo relato do senhor Honor
Machado
76
, “mandou buscar o major Zamith, que morava no Rio de Janeiro [...] a fim
de que ele montasse domicílio em Araguari, a fim de que pudesse disputar as
eleições”. Do lado do PSD, foi candidato o ex-prefeito, Jeovah dos Santos, que
acabou vencendo as eleições municipais daquele ano.
A EFG foi escola na formação dos ferroviários enquanto classe operária
tutelada pelo Estado e, ambos, a serviço do capital e também foi agente
fundamental na organização do espaço urbano da cidade de Araguari. A sua
influência no modo de viver das pessoas acabava por ofuscar as tensões e os
prováveis conflitos entre a empresa e seus trabalhadores, sobretudo dos anos 1930
em diante. Este trabalho figura nessa interface, ou seja, a ferrovia aparece e
necessita de uma demanda de mão-de-obra, então a empresa precisa criar, educar
essa força de trabalho, e isso remete à uma determinada organização espacial da
cidade, que tem início com o plano urbano de Widulick do final do século XIX e
adentra este segundo momento em que a EFG passou ao comando da União e a
Mogiana, na década de 1950, ficou sob a diretriz do governo de São Paulo. Seja de
forma voluntária ou não, a imagem da cidade passa a refletir a imagem da ferrovia,
que estava em todo canto. Não se trata de um modelo company town sui generis
como a Vila Marthin Smith em Santo André-SP, mais definida enquanto tal
paisagisticamente, pois, em Araguari, a vida econômica, social, política e cultural da
cidade de 1928 a 1964, é fortemente influenciada pelo empreendimento ferroviário,
tanto da Mogiana, quanto da Estrada de Ferro Goiás, d a idéia de uma cidade-
ferroviária.
A ferrovia age como indutor do desenvolvimento capitalista da cidade e do
entorno, colocando-se como condição geral de produção e sustentáculo à
penetração de capitais específicos, os mais diversos, por isso, dinamiza e conduz o
processo de urbanização. Entretanto, não cabe dicotomizar o processo de
industrialização e de urbanização, pois são processos concomitantes, relacionam-se
entre si formando na verdade um mesmo processo. Trata-se, enfim, do avanço do
modo capitalista de produção em território nacional e para este fim faz-se
necessário, dotar o território de conteúdo técnico para acelerar a acumulação do
76
Depoimento – Sr. Honor Machado. 10/06/97, às 09:30 horas ao Arquivo Público Municipal. p. 3-4.
150
capital; as ferrovias cumpriram esse papel. De 1930 em diante, o discurso oficial da
ineficiência e demora do transporte ferroviário em fazer chegar as mercadorias abre
espaço para a rodovia, o carro e o caminhão. Dizia Washington Luiz: “governar é
abrir estradas” referindo-se às rodovias. Daí em diante inicia-se um processo de
estagnação do sistema de transporte ferroviário brasileiro, que duraria até o final dos
anos 1960, quando muitas ferrovias entram em decadência.
A crise do café (1929) e a opção pela rodovia são fatores importantes que
ajudam a explicar a decadência das ferrovias brasileiras. Porém, muitas empresas
ferroviárias não se limitavam exclusivamente ao translado do café, até porque, com
o desenvolvimento da indústria no país, as ferrovias passaram a cumprir outras
funções além de serviçal da economia agro-exportadora. É o caso da Estrada de
Ferro Goiás. Dos anos 1930 a meados da década de 1950 é considerado o auge
desta Companhia, concomitante ao desenvolvimento da cidade de Araguari.
Em 1952, o Departamento Nacional de Estradas de Ferro coloca a Estrada de
Ferro Goiás entre as maiores estradas de ferro brasileiras, quando vista sob o ponto
de vista econômico, pois este mesmo órgão a classificava como estrada média,
quando o critério era a extensão (478 Km). Tendo como critério o valor da renda
bruta anual o DNEF dividia as ferrovias do Brasil em grupos de três categorias, a
saber: estradas de categoria as que possuem renda bruta anual acima de vinte
milhões de cruzeiros; as de categoria entre vinte milhões e cinco milhões; e as
estradas de categoria inferior a cinco milhões de cruzeiros. A Estrada de Ferro
Goiás figurava na décima sexta posição entre as estradas de ferro de primeira
categoria, conforme tabela 03.
151
Tabela 03
Relação das Estradas de Ferro de 1ª categoria
segundo critérios econômicos em 31/12/1952
Estradas Receita bruta (em 1.000 Cr$)
1. E. F. Central do Brasil 1.659.079
2. E. F. Sorocabana 914.959
3. Cia. Paulista de E. F. 679.567
4. E. F. Santos Jundiaí 499.856
5. V. F. do Rio Grande do Sul 388.155
6. R. V. Paraná-Santa Catarina 321.025
7. E. F. Leopoldina 292.805
8. Cia. Mogiana de E. F. 213.137
9. E. F. Vitória-Minas 181.098
10. E. F. Noroeste do Brasil 171.210
11. Rede Ferroviária do Nordeste 165.139
12. Rede Mineira de Viação 148.797
13. E. F. Araraguara 80.204
14. V. F. Leste Brasileiro 41739
15. Rede Viação Cerarense 29.478
16. E. F. Goiás 20.947
17. E. F. Teresa Cristina 20.849
FONTE: SILVA, Moacir M. F. Geografia das estradas de ferro brasileiras em
seu primeiro centenário (1854-1954) p. 68 . In: I Centenário das ferrovias
brasileiras. (Diversos Autores). IBGE, Conselho Nacional de Geografia, Rio de
Janeiro, serviço gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1954.
A Estrada de Ferro Goiás e a Companhia Mogiana de Estrada de Ferro
destacam-se entre as grandes ferrovias brasileiras. A EFG é a única estrada de ferro
de médio porte que foi incluída nas primeiras etapas do Plano Nacional de Viação de
1946, cujo objetivo era o de resolver o problema da uniformização da bitola, para
permitir a interação entre as diferentes estradas de ferro; cuja preferência seria pela
bitola de 1,60 m. No relato seguinte, observa-se a preocupação em sanar o
problema relativo à bitola. A largura da bitola reflete a capacidade de transporte da
estrada, visto o intenso movimento da EFG era preciso alargar a bitola.
Louvamos o critério sugerido pela comissão de (1946), de se
resolver progressivamente o problema, isto é, o de se adotar a nova
bitola, por etapas assim indicadas:
E. F. Central do Brasil E. F. Paulista E. F. Santos-Jundiaí
tronco ferroviário São Paulo-Porto Alegre.
152
2ª E. F. Sorocabana Rede Viação Paraná-Santa Catarina – Viação
Férrea Rio Grande do Sul E. F. Leopoldina Rede Mineira de
Viação Companhia Mojiana E. F. Noroeste do Brasil E. F.
Araraquara – E. F. Goiás. (FILHO, 1954, p. 388)
Os números da tabela 03 indicam a importância das estradas de ferro: Goiás
e Mogiana, para a cidade de Araguari, tanto em arrecadação de tributos e impostos,
quanto pelo aquecimento do comércio e o surgimento de novos empreendimentos
como: hotéis, restaurantes e pensões. Dessa maneira, dinamiza-se a vida urbana,
gente chegando e saindo da cidade, as velhas charretes dispostas, à espera do
desembarque, transportando as bagagens dos passageiros, um comércio ambulante
se cria nas imediações do prédio da estação e novas relações sociais aparecem.
O próprio tempo da cidade é cada vez mais o tempo do trem-de-ferro, seu
apito lembra aos homens a hora de ir e vir, de dormir e de levantar, do almoço e da
janta. “Naquele horário diariamente podia se esperar os sinos que alertavam
trabalhadores e população de forma geral” (MOREIRA, 2006, p. 44). Também era
preponderante, na escolha do horário das cerimônias de casamento, observar a
chegada e o retorno do trem que trazia e levava as famílias envolvidas na cerimônia.
O ritmo da vida parece acelerar-se.
A senhora Gracinda mais uma vez nos fala da ferrovia e relembra os apitos
dos trens que chegavam e dos que partiam de Araguari e os apitos que serviam
para a comunicação direta com os trabalhadores.
06:30, 07:00, tinha e ainda tem 10:50, 11:00, e depois 12:10 e
12:30, à tarde 17:00. Eram apitos muito bonitos, uma coisa bonita.
Aqueles apitos marcavam o horário do almoço e da volta. Tinha
também o apito para chamar eles para algum problema, eram dois
apitos e todo mundo corria pra pra ver o que tinha acontecido,
sempre era algum problema, podia ser incêndio, ou máquina com
problema. Era uma coisa que marcava muito. (ibid., p. 45).
O tempo disciplinar em formações sócio-econômicas não-capitalistas, como
sugere Thompson (1998), é demarcado pelo ciclo da natureza, pelas tarefas diárias
ou domésticas dos camponeses e artesãos; para estes, o tempo era regido pela
época de plantar, colher, pescar etc. Para o autor, esses tempos estão relacionados
à lógica da necessidade. Segundo Thompson, “na comunidade em que a orientação
pelas tarefas é comum parece haver pouca separação entre ‘trabalho’ e a ‘vida’. As
153
relações sociais e o trabalho são misturados [...]” (THOMPSON, 1998, p. 271), o dia
de trabalho pode se alongar ou retrair de acordo com a tarefa. No capitalismo passa
a imperar “o tempo do horário marcado” (ibid., p. 272), o tempo abstrato do relógio
industrial. Este tempo caracterizado pelo depoimento de dona Gracinda
repercute na cidade-ferroviária de Araguari, interiorizando nas pessoas que ali
viviam o tempo da locomotiva. Este tempo foi-se impregnando nos sentidos da
população, disciplinando-a. Os apitos do trem indicavam o significado do tempo da
indústria, as matérias-primas e os alimentos, o arroz, o charque, o sal e o gado,
entre outros, precisavam chegar até os centros de abastecimento e consumo
noutras regiões do país com as quais Araguari estabelecia relações comerciais. A
ferrovia imprime a velocidade do tempo da circulação do capital.
Neste sentido, não se trata apenas do tempo interno da cidade, mas, deste
em sintonia com outras localidades, é um tempo sincronizado que se universaliza.
“Foi o trem que ajudou a criar a nossa percepção do passar do tempo. A Estrada de
Ferro implantou um tempo universal, abstrato, suprimindo as marcações locais”.
77
Desta maneira, possibilitou a experiência do ritmo e da seqüência. Assim, é mister
que formações sociais diferentes relacionam-se com noções diferentes de tempo e
espaço.
No caso brasileiro, a partir de 1930, o Estado teve participação importante na
estruturação de uma nova espacialidade, assentada, sobretudo, na industrialização
ainda que restrita. O que ele promove é a mudança, desde então, no padrão de
acumulação, que anteriormente, estava fundamentado na economia agro-
exportadora e, agora se estruturava na indústria. Sobre este aspecto, Francisco de
Oliveira dirige-se da seguinte forma:
Do ponto de vista da divisão social do trabalho o Estado vai
direcionar a potência do seu poder de coerção extra-econômica [...]
vai tentar mudar o padrão de acumulação, em outras palavras, vai
fazer a famosa transposição de excedentes de uns grupos sociais
para outros, penalizando a produção agro-exportadora e
direcionando os seus mecanismos e os seus aparelhos de Estado
para potenciar a acumulação industrial, com todos os mecanismos
já conhecidos e descritos na historiografia brasileira.
Do ponto de vista das relações de produção, este novo urbano, ou
melhor, a relação entre o Estado e o urbano, consiste precisamente
no aspecto mais crucial dele que é a regulamentação das relações
77
Nelson Brissac Peixoto. “A Beleza convulsiva”. Mais. Folha de São Paulo, 29/10/1995, p. 05. Apud,
Paula, 2000, p. 41.
154
entre capital e trabalho; e a Revolução burguesa no Brasil nasce, eu
diria, com uma aparência contraditória em relação ao que
classicamente se tem entendido como sendo Revolução burguesa
nos países centrais. (OLIVEIRA, F. 1982, p. 44-45).
Francisco Oliveira acredita, então, que a regulamentação das relações entre
capital-trabalho praticamente cria o urbano no Brasil. Nas palavras do autor: “[...] eu
afirmaria que o urbano no Brasil é essa intervenção do Estado nas relações
capital-trabalho, criando com isso, pela primeira vez, um mercado de trabalho ou
um mercado de força de trabalho”. (ibid., p. 45). Da mesma maneira Ianni entende
que “[...] a partir de 1930, foram estabelecidas, de modo formal, sob a
responsabilidade do Estado, as condições e os limites básicos de funcionamento do
mercado de força de trabalho” (IANNI, 1996, p. 26).
A intervenção do Estado no intuito de regular o mercado da força de trabalho,
“fixa o preço da força de trabalho [...] o capitalista individual sabia por quanto
contratar a sua força de trabalho, elemento absolutamente indispensável para a
constituição do cálculo econômico burguês” (ibid., p. 47). Os trabalhadores passam
cada vez mais a residirem nas cidades e a ocuparem os postos de trabalho
disponíveis nos setores de prestação de serviços, no comércio e na indústria em
expansão, que gerava uma ampla perspectiva de trabalho. Assim, pode-se dizer que
no Brasil a constituição da força de trabalho urbano-industrial assalariada ocorreu
por forte intermédio dos aparelhos de Estado.
No dizer de Marx, “urbanização é o crescimento do proletariado” (Marx, apud
Dreák, 2004, p.16), crescimento da classe trabalhadora urbana de forma geral. É o
que se passa em Araguari com a presença das empresas ferroviárias,
principalmente a EFG que no “auge” possuía “2.173 servidores, distribuídos da
seguinte maneira: Titulados 68, Mensalistas e Diaristas 1.378, Pessoal de Obras,
Plano Salte e outros 727”
78
. O que está se passando nesse contexto é a execução e
o desenvolvimento de um projeto de Estado Nacional que vai fazer a reconstrução e
a reorganização do espaço econômico nacional sob a hegemonia do capital
industrial. Segundo Oliveira,
[...] no momento em que a União obriga aos Estados e retira deles a
capacidade de legislar sobre certos aspectos da vida econômica, o
que ele está fazendo na verdade é afirmar a capacidade da
78
Revista: O Guarani, Ano I – junho-julho de 1952, nº 3 p. 18.
155
burguesia industrial emergente de ter um espaço econômico
nacional unificado, sem o que a circulação de mercadorias
realmente se veria embotada e, portanto, todo o processo de
acumulação teria, digamos assim, um fôlego curto. (OLIVEIRA, op.
cit. p. 45).
Mas em toda parte, não no Brasil, o desenvolvimento do capitalismo
industrial implicou necessariamente na formação de um mercado nacional e na
unificação político-econômica do território. Nesse sentido, os meios de transportes e
as comunicações são elementos imprescindíveis para dinamizar o fluxo dos
negócios entre um lugar e outro. As ferrovias e posteriormente as rodovias
cumpriram a função de interligar Araguari e o Triângulo Mineiro e parte do Centro-
Oeste à economia paulista. Historicamente Uberaba, Araguari e Uberlândia, e todo o
Triângulo, consolidaram-se como espaço que articula as relações econômicas entre
a Região Centro-Oeste e a Sudeste.
Nos anos 1940, quando a economia regional apresentava certa
diversificação, a disputa entre os três principais centros urbanos do Triângulo
Mineiro, sinalizava certa supremacia da cidade de Uberlândia. Araguari, que no
início do século XX possuía boas condições para desenvolver-se “nos limites de um
núcleo marginal ao centro dinâmico da economia brasileira” (GUIMARÃES, 1991, p.
29), na competição com Goiânia, Anápolis, e Uberlândia, e com o inevitável avançar
dos trilhos, não consegue acompanhar Uberlândia e afirmar sua hegemonia no
Triângulo. Desta maneira, em pouco tempo, Uberlândia passaria a acumular as
funções urbanas mais importantes na região no que tange à articulação das esferas
da produção, circulação e consumo.
Do ponto de vista industrial, Uberlândia, em 1950, ocupava a
primeira posição regional, tanto em número de estabelecimentos
quanto nos valores da produção, indicando diferenciações na
capacidade produtiva. A concentração das atividades comerciais,
varejistas e atacadistas, em Uberlândia, tornou-se visível também a
partir de 1950. (BESSA, 2007, p. 23)
O aprofundamento do processo de integração geográfica da produção e dos
mercados ganharia novo fôlego a partir de 1950. Isto por se tratar de “uma etapa de
grandes mudanças tecnológicas na economia brasileira: industrialização pesada,
supremacia rodoviária e desenvolvimento do capital financeiro” (GUIMARÃES, 2004,
156
p. 16-17), reflexo da expansão do capitalismo após a Segunda Grande Guerra,
aliada à opção do governo brasileiro, sobretudo na segunda metade dos anos 1950,
pela internacionalização da economia nacional. Estas mudanças de nível
macroeconômico colocam para Araguari e região “a premência da infra-estrutura
para dar continuidade à reprodução do capital [...]” (ibid., p. 17), ainda que as
decisões se encontrassem bem longe dos domínios locais.
Enquanto a rodovia e o caminhão ganhavam forte impulso como modal
privilegiado para o transporte das cargas brasileiras, fruto das transformações
observadas anteriormente, a política do Governo Federal para o transporte
ferroviário orientava-se para a encampação das companhias ferroviárias. Neste
período (1940/50), a União assumiu o controle de muitas ferrovias, entre as quais
destacam-se: “Compagnie dês Chemins de Fer de L’est Brésilien (1931), Brazil
Railway Company (1940), [...] São Paulo Raiway (1946), Gret Westem of Brazil
Railway Company (1950) e a Leopoldina (1950)” (SILVEIRA, 2003, p.116). Essa
medida objetivava evitar o sucateamento do modal ferroviário.
Quando Getúlio Vargas retorna ao poder para exercer seu segundo mandato
em 1951, “grande parte das ferrovias pertencia à União ou estavam sob o controle
dos Estados” (ibid., p. 117), inclusive as ferrovias de Araguari. A Companhia
Mogiana de Estrada de Ferro foi incorporada em 1952 pelo Estado de São Paulo,
que adquiriu a maioria de suas ações; a Estrada de Ferro Goiás encontrava-se sob
controle da União desde os anos 1920. Com o problema de ter que administrar
diversas ferrovias com “regimes trabalhistas diferentes, deficitárias, importância
econômica diferenciada, dificuldade para investimentos, etc. [...] Getúlio autorizou a
sua inclusão na pauta de estudo da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos” (ibid., p.
117). Foi a partir desta comissão, criada em 1952, que veio a proposta de criação da
Rede Ferroviária Federal. Após a tramitação no Congresso Nacional, foi aprovada
em 1956, “mas sendo sancionado somente pelo presidente Juscelino Kubitschek,
em 16 de março de 1957, pela Lei nº. 3.115. Assim surgia a RFFSA”. (ibid., p. 118).
A tabela 04 enumera as estradas de ferro que passaram a fazer parte do acervo
patrimonial da nova empresa e demonstra também como estava a situação de cada
uma delas.
Tabela 04
Ferrovias brasileiras incorporadas à RFFSA em 31/12/1957
157
Ferrovia Extensão
(km)
Empregados TU
79
(10
3
) TKU
80
(10
3
)
E. F. Santos-Jundiaí 139 9.005 6.614 410,72
R. V. Paraná-Santa Catarina 2.666 12.930 1.946 768,49
E. F. Dona Tereza Cristina 264 906 2.051 112,62
Rede Ferroviária do Nordeste 2.655 9.602 2.766 270,07
E. F. Noroeste do Brasil 1.764 8.227 862 436,45
E. F. Leopoldina 3.057 15.229 1.897 341,22
Rede Mineira de Viação 3.989 12.975 896 287,01
E. F. Mossoró a Souza 243 664 132 10,65
E. F. Bahia a Minas Gerais 582 1.443 50 8,78
E. F. Goiás 478 2.819 150 47,09
E. F. São Luiz-Terezina 494 1.614 49 10,52
E. F. Sampaio Correia 304 927 82 8,34
E. F. Madeira-Mamoré 366 808 21 7,21
R. V. Cearense 1.596 3.275 227 63,58
V. F. Federal Leste Brasileiro 2.545 7.638 481 127,66
Central do Piauí 194 575 40 2,91
E. F. Bragança 293 814 15 1,70
V. F. Rio Grande do Sul 3.735 16.393 1.561 71,02
E. F. Santa Catarina 163 495 14 0,23
E. F. de Ilhéus 132 809 26 3,00
E. F. Nazaré 325 996 17 0,98
E. F. Central do Brasil 3.729 50.670 8.049 2.510,92
Total 29.713 158.814 28.249 5.771,24
FONTE: Revista Ferroviária, 1997.
Com a criação da Rede Ferroviária Federal S.A., que se concretizou com a
incorporação de vinte e duas companhias ferroviárias sob a tutela da União, formou-
se o maior o sistema ferroviário brasileiro, que se organizou da seguinte forma:
A RFFSA estruturou-se em doze superintendências regionais as
SRs e a administração geral. Era uma empresa de economia mista,
controlada pelo governo federal (95,61%), atuando com transportes
de cargas, passageiros e trens urbanos. Os principais produtos
transportados eram minério de ferro, derivados de petróleo, cimento,
farelo, forragens, álcool, produtos siderúrgicos e fertilizantes.
(SILVEIRA, 2003, p. 118).
Segundo Silveira, com a implantação da RFFSA, houve uma melhoria do
sistema ferroviário nacional “como a redução dos déficits, a padronização da malha,
79
Toneladas Úteis (TU): é a quantidade de toneladas úteis de transporte remunerado realizado, ou
seja, a soma das cargas originadas no interior da própria malha com as recebidas de outras malhas
por tráfego mútuo e/ou direitos de passagem.
80
Toneladas por Quilômetro Útil (TKU): medida de desempenho operacional de uma ferrovia,
baseada na multiplicação da tonelagem transportada pela distância percorrida.
158
a redução das despesas e o aumento das cargas transportadas” (ibid., p. 129). Para
Paula “[...] a criação da Rede respondia a uma nova tendência na administração
ferroviária, a de unificar todas as estradas, organizando-as em sistemas regionais.”
(PAULA, 2000, p. 73). Com a nova organização do sistema, a Estrada de Ferro
Goiás passou a fazer parte da Superintendência Regional, cuja sede
administrativa localizava-se na capital do estado de Minas Gerais, Belo Horizonte.
Por outro lado, a Companhia Mogiana encontrava-se sob o controle do governo
paulista.
A segunda metade dos anos 1950, com a subida de Juscelino Kubitschek ao
poder central em 1956 e suas propostas de fazer o país crescer “cinqüenta anos em
cinco”, marca um redirecionamento do modelo de acumulação adotado até então. O
capital privado nacional, o capital privado estrangeiro e o capital estatal formavam as
frações do capital responsável pela acumulação capitalista desse período. Para
Mendonça “foi no tocante às formas de seu financiamento que o modelo de
acumulação delineado entre 1955-60 mais se distinguiu do anterior.” (MENDONÇA,
1986, p. 56). Juscelino faz a opção pela abertura da economia brasileira ao capital
externo “sob a dupla forma de empréstimos e investimentos diretos.” (Ibid, p. 56).
O ambicioso “Plano de Metas” do Governo Kubitschek açambarcava os
ramos mais importantes da economia, tais como: energia, transportes, alimentação,
indústrias de base, educação e, fundamentalmente, a construção de Brasília. Para
este estudo nos interessa a questão dos transportes e a construção de Brasília que.
na verdade, simboliza o governo de Kubitschek e o seu Plano de Metas. Quanto ao
setor dos transportes, a prioridade foi pela indústria automobilística e o transporte
por rodovias em detrimento do modal ferroviário. Os números apresentados por
Mendonça são esclarecedores.
Enquanto se previa a construção de 10 mil Km de novas rodovias,
elas estenderam-se por mais de 20 mil Km, [...] enquanto isso, o
transporte ferroviário mais barato e acessível ao trabalhador foi
contemplado com apenas 826 Km adicionais de trilho. (ibid., p. 63-
64).
Percebe-se o extraordinário crescimento do sistema de transporte rodoviário
no período de 1956 a 1960. Duplicou-se a quilometragem das rodovias nesse
período, enquanto o modal ferroviário cresceu num ritmo bem mais lento, mesmo
159
assim “foi um crescimento superior aos anos anteriores (segundo mandato de
Getúlio Vargas), principalmente pelas inversões e encampações realizadas pela
RFFSA” (SILVEIRA, 2003, p. 135). Assim as rodovias, os caminhões e os carros
passam a dominar o sistema de transporte brasileiro de 1950 em diante, enquanto o
setor ferroviário estagnava-se.
A mudança da Capital Federal do Rio de Janeiro para o Planalto Central
engendrou uma série de investimentos na malha rodoviária que convergiam de
vários pontos do território nacional à Brasília, entre eles: BR-040, que liga Rio de
Janeiro à Brasília; BR-153, Belém-Brasília; BR-050 São Paulo-Brasília e outras.
Para Silveira (2003) “não se teria uma interligação de tamanha intensidade do
Centro-Oeste com as demais regiões brasileiras se não fosse a instalação de
Brasília”. (ibid., p. 136). Estas mudanças ampliaram ainda mais o mercado com a
intensificação da produção e do consumo inter-regional e trouxeram novo estímulo à
região do Triângulo Mineiro, que conheceu sensível melhoria e expansão de
estradas de rodagem, das comunicações e de energia.
A vida econômica, social e cultural desta região, historicamente atrelada a
São Paulo, ia firmando cada vez mais sua “articulação comercial e produtiva de
forma complementar à economia paulista”. (GUIMARÃES, 2004, p. 17). Este autor
observa ainda que todos estes investimentos em infra-estrutura destinados à
construção da cidade de Brasília: energia, rede de transportes, armazenamento, etc.
“posicionaram Uberlândia e região numa localização estratégica de integração da
industrialização de São Paulo com a expansão dos mercados interioranos”. (ibid., p.
17). Dessa forma, verificou-se que toda “a estrutura sócio-econômica regional foi
diretamente afetada por esses processos de transformação”. (ibid., p. 17).
Uberlândia afirma-se nas décadas de 1960/70 como um dos principais pólos
econômicos do Planalto Central brasileiro, “[...] centro de coleta, de beneficiamento,
de comercialização e distribuição de mercadorias para uma ampla região no Brasil
Central” (BESSA, 2007, p. 24), concentrando espacialmente as principais atividades
produtivas e de capital do Triangulo. Dessa maneira, Araguari e Uberaba ficaram
relegadas ao segundo plano na escala regional. Decorreu-se assim, o processo de
integração econômica e social inter-regional, concomitante à especialização
industrial da Região Sudeste brasileira, sobretudo, São Paulo que manteve sua
hegemonia na condução da economia nacional.
160
No que remete diretamente ao espaço intra-urbano, na cidade de Araguari, o
“trauma” de 1954 (transferência da sede da Goiás) é amenizado quando a cidade é
escolhida em meados da década de (19)60 para abrigar a sede de uma unidade do
Exército Brasileiro, da arma de Engenharia Ferroviária. O Batalhão Ferroviário,
denominado Batalhão Mauá, é transferido do interior do Paraná, da cidade de Rio
Negro, como consta em Alves (2003), por meio do Decreto n.º 55.278 de 22 de
Dezembro de 1964, e chega a Araguari em comboio no dia 10 de Maio de 1965.
Inaugura-se definitivamente em 29 de Junho do mesmo ano, sua sede própria, pois
ele havia instalado-se provisoriamente no pavilhão da Rede Ferroviária Federal
(antiga Goiás). Acreditava-se que este fato traria impacto positivo à economia local.
O “pesadelo” da transferência da sede da EFG para Goiânia é propalado por
alguns segmentos da sociedade araguarina como o responsável pelo
desaquecimento da economia local e, consequentemente, pela crise e decadência
da cidade. Porém, o que percebemos é que a crise vinha se apresentando
algum tempo e consumou-se a partir da hegemonia regional assumida por
Uberlândia.
Após o “trágico” 1954, o que marcou de forma mais contundente a história e a
geografia de Araguari foi mesmo o advento do Batalhão Ferroviário. A ele coube a
tarefa da retificação dos trechos das linhas entre Uberlândia e Araguari e de
Araguari à Brasília. Os estudos para retificação do trecho Araguari-Pires do Rio
começaram em 1963 e foram realizados pela RFFSA, visto a precariedade da linha
e sua necessária substituição, como nos relata Alves, “por uma linha moderna para
grandes velocidades de cargas”. (ALVES, 2003, p. 216). Nos trabalhos de
construção da nova linha, civis e militares de toda região empregavam-se no
Batalhão Mauá, que efetivamente iniciou as obras em 1972; oito anos depois em 31
de Março de 1980, os trabalhos foram concluídos, somando-se um total de 469 km
de Uberlândia à Brasília. Ficou, conforme Alves, “estabelecido o fluxo ferroviário
para Brasília, vindo de São Paulo e Belo Horizonte”. (ibid., p. 227). O traçado da
linha retificada pelo Batalhão tornou-a mais retilínea, o que permitiu reduzir a
distância ferroviária entre Araguari e Anápolis em 40 Km, a mesma distância
reduzida entre Araguari e Goiânia; viadutos e túneis possibilitaram esta redução.
Com o Batalhão, chegou também um grande número de famílias, que se
deslocaram para esta cidade, como noticiou nesta matéria, o jornal Botija Parda.
161
Durante o histórico primeiro semestre de 1965, fixaram residência
em Araguari e nas suas adjacências cerca de 240 famílias de civis e
60 de militares, totalizando aproximadamente 1.600 pessoas e mais
umas duas dezenas de rapazes do serviço militar inicial, que aqui
vieram para terminar sua formação [...]
81
.
Neste clima de euforia, chegavam a Araguari todos os dias muitas famílias
civis e militares oriundas de Rio Negro-PR que trabalhavam no Batalhão.
Segundo Alves (2003) com esta migração, tem início um drama em torno da moradia
na nova terra; uns aconchegam-se nos hotéis e pensões da cidade, que ficaram
lotados, enquanto outros, sem saída, sofreram com a especulação dos proprietários
de imóveis, que inflacionaram os aluguéis. Ainda conforme este autor, este episódio
“acelerou a construção de residências para os funcionários, civis e militares e suas
famílias”. (ALVES, 2003, p. 179). Além disso, houve uma forte intervenção urbana,
com a edificação do pátio do quartel, onde são erguidos diversos pavilhões para
abrigar suas companhias, e as instalações necessárias ao desenvolvimento de suas
atividades, aliados à construção de moradias para os militares e suas famílias ao
lado do Batalhão, ou seja, a vila militar. Figura 23.
O amplo terreno destinado à construção da sede do Batalhão Ferroviário
foi adquirido pela Prefeitura de Araguari, como consta em matéria publicada no
jornal Gazeta do Triângulo
82
, pelo preço de “8 milhões de cruzeiros” e doado ao
Batalhão, denotando, mais uma vez, o comprometimento do Estado como agente
promotor do espaço urbano. O prefeito Miguel Domingos Oliveira, justificou tamanha
despesa para os cofres públicos da seguinte forma:
Se a Prefeitura de Araguari não arcar com estes gastos outras
prefeituras arcariam, e teríamos perdido essa grande conquista
[...] e ainda mais, somente em verbas até junho de 1965, para
gastos com pessoal, já possui o 2º Batalhão Ferroviário 500 milhões
de cruzeiros.
83
Então a localização que é um fato político-geográfico do quartel em
Araguari é perpassada por alguns condicionantes, sendo um deles a intervenção do
poder público no oferecimento do terreno para a construção da sede, as promessas
81
Jornal Botija Parda, edição especial de 29 de julho de 1972.
82
Jornal Gazeta do Triângulo, edição de 17 de Janeiro de 1965.
83
Idem.
162
de emprego, de desenvolvimento e progresso, que nem sempre acontecem, ou
quando ocorrem beneficiam uns poucos. Além da construção da sede do quartel,
localizada na parte norte da cidade, no outro extremo, ou seja, na parte sul, mais
precisamente no Bairro Santa Helena, foi implantada outra companhia deste
Batalhão, a Companhia de Construção. Neste Bairro foram construídas também,
como se constata em Alves, “42 casas para a vila dos civis, vindas prontas do Rio
das Pedras, casas desmontáveis; 11 para a vila dos Sargentos, com material
remanescente de Bandeirinhas e 3 casas para a vila dos oficiais, pré-fabricadas, de
Rio Negro.” (Ibid., p. 187).
FIGURA 23 – Construção das instalações do 2º Batalhão Ferroviário de Araguari, 1965.
FONTE: Arquivo Público Municipal de Araguari.
A oportunidade de emprego proporcionada pela presença do Batalhão
Ferroviário levou, como mostra Alves, à formação de “enormes filas [...] pessoas do
lugar, muito nessa espera” (ibid., p. 179). Para complementar a afirmação do
autor, não apenas “pessoas do lugar”, mas, de toda a região entusiasmaram-se na
expectativa de se empregar no Batalhão Ferroviário, visto as escassas
oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho numa região em que
predominava o trabalho na roça, no meio rural.
163
Ainda que em função da construção de Brasília, a presença do Batalhão
Ferroviário significou para Araguari o “reencontro” com a ferrovia. Mas é um
reencontro de despedida, pois, trata-se de um momento especial para as ferrovias
brasileiras: o final dos anos 1960 e início da década de (19)70 é o tempo de sua
decadência. Esta fato se manifesta em Araguari nos primeiros anos da década de
(19)70 e estende-se até o fim desta década, marcando o momento da desmontagem
da cidade-ferroviária. O prédio da estação da Goiás, construído em 1928, foi
desativado em 1973; a Escola Profissional Ferroviária deixou de funcionar no ano de
1975; um ano depois é a vez da Escola Carmela Dutra fechar suas portas, em 1976.
Assim, segue o desmantelamento do complexo ferroviário da Goiás. O Hospital
Ferroviário é também desativado; a Cooperativa de Consumo, a Associação,
Beneficente, a Tipografia, o Almoxarifado e a Telegrafia seguem o mesmo caminho.
Salvam-se as oficinas da Goiás que vão servir por algum tempo ao Batalhão
Ferroviário.
No ano de 1971, a Companhia Mogiana de Estrada de Ferro foi incorporada
pela FEPASA Ferrovia Paulista S.A. e, dois anos depois, em 1973, desligou-se de
Araguari. Todo o acervo patrimonial da Mogiana, composto do prédio da estação,
armazém de cargas, vila operária etc. foi demolido em 1978 e seus trilhos retirados
da cidade de Araguari. Seu antigo leito ferroviário deu lugar à construção da Avenida
Batalhão Mauá, uma das principais vias de tráfego da cidade e a uma praça
denominada: Praça da Constituição. Concomitante ao desmonte, o Batalhão
Ferroviário construiu na periferia da cidade uma nova estação ferroviária, a Nova
Goiás, inaugurada em 27 de Março de 1973, para onde foi transferida toda a
movimentação de cargas e passageiros.
As linhas ferroviárias, que antes dividiam a cidade ao meio, foram
desativadas e o traçado da nova linha, construída pelo Batalhão, seguiu
contornando a periferia da cidade, fato que provocou nova dinâmica urbana. Com
essas mudanças, as proximidades do novo terminal conheceram rápido processo de
ocupação, formando vilas e novos bairros que abrigam parte da população de baixa
renda da cidade. O processo de urbanização acompanhava os trilhos da nova
estrada, contribuindo com a expansão da mancha urbana. O crescimento e a
expansão horizontal da cidade levaram a Prefeitura Municipal à elaboração de uma
nova legislação urbana, Lei nº. 1452, aprovada em 23 de Abril de 1970, cuja
finalidade foi a de estabelecer os novos limites do perímetro urbano. O antigo
164
Decreto-Lei nº. 21 de de julho de 1938, que delimitava as áreas urbanas e
suburbanas da cidade, estava muito, defasado. Áreas antes consideradas como
zona suburbana passam a integrar, com esta nova Lei, a zona urbana da cidade.
Percebe-se, então, que nesse processo de expansão da cidade, inserida
nesta nova dinâmica urbana, tiveram especial papel as intervenções espaciais
provocadas pela instalação do Batalhão Ferroviário, a construção da nova estação
da RFFSA e a desativação da Mogiana. Estes fatos contribuíram decisivamente no
rearranjo espacial e na re-significação da cidade de Araguari.
O período tratado nesta pesquisa de profundas mudanças na história e na
geografia brasileira, no qual se insere a cidade de Araguari, em que se intensificava
o processo de industrialização do país, com as indústrias concentrando-se em sua
grande maioria na Região Sudeste São Paulo, principalmente que, desde
tempos remotos exerceu forte influência econômica sobre o Triângulo Mineiro, é o
período da implementação no Brasil das “condições espaciais de reprodução”
(MOREIRA, 2007, p. 68), que serviram de base para a acumulação do capital
industrial e sua reprodução continuada. Nestes termos, compreendemos a relação
da ferrovia com a organização do espaço urbano de Araguari como uma
conseqüência desse processo que, criou uma identidade para a cidade cidade-
ferroviária. A produção desse espaço respondeu às necessidades da reprodução do
capital, ou seja, permitiu a continuidade da produção capitalista, de forma cada vez
mais vasta, garantia de acumular, acumular, acumular.
165
Considerações Finais
O objetivo desta dissertação foi analisar e compreender, a partir de uma
abordagem geográfica crítica, o processo de organização do espaço urbano da
cidade de Araguari tendo como principal vetor as duas companhias ferroviárias que
estiveram presentes nesta cidade: a Estrada de Ferro Goiás e a Companhia
Mogiana de Estrada de Ferro. No decorrer da pesquisa, outros fatores surgiram
como agentes importantes para compor a complexa espacialidade araguarina. Estes
foram gradativamente incorporados no desenrolar do trabalho mas o cerne da
argumentação manteve o foco na relação das ferrovias com a cidade.
Para tanto, foi necessário reconstituir as transformações espaciais ocorridas
na cidade ao longo do tempo, desde o surgimento do núcleo antigo, seu crescimento
e o aumento demográfico expressivo em virtude da chegada das empresas
ferroviárias no final do século XIX e início do XX. Com o tempo, a relação das
empresas ferroviárias com a cidade de Araguari aprofundou-se, alcançando muitas
dimensões no modo de viver e usar a cidade, cada vez mais impregnada do espaço-
tempo abstrato da ordem distante. Um modo de vida urbano-ferroviário foi aos
poucos se constituindo. O relógio que marcava o tempo da cidade era o do trem de
ferro, e os sons da sirene ecoavam solenemente, ouvidos por toda população. As
formas geográficas das ferrovias encontravam-se de tal forma distribuídas pelo
espaço urbano de Araguari que a lembrança da “era ferroviária” era constante e
ininterrupta.
Portanto, a cidade-ferroviária, que foi se formando desde a chegada da
Mogiana (1896) e posteriormente com a EFG (1906), passou a identificar-se
fortemente com o mundo da ferrovia, com aquilo que representava ser o que de
mais avançado existia na moderna sociedade produtora de mercadoria. A cidade-
ferroviária expressa espacialmente a maneira pela qual o capitalismo manifestou-se
por aqui, engendrando novos hábitos, re-elaborando costumes, imprimindo conteúdo
social novo. Pela ferrovia chegavam negócios, comércios que intensificavam as
166
trocas, mas também chegavam determinados valores culturais, idéias, ideologias de
todos os tipos, até mesmo doenças desconhecidas na localidade. Foi, portanto, com
as ferrovias que Araguari passou a relacionar-se de forma mais intensa com outros
lugares e adquiriu, num determinado momento, importância de centro regional do
Triângulo Mineiro.
Não restam dúvidas quanto as transformações políticas, econômicas, sociais,
culturais e espaciais que os trilhos provocaram no Brasil. Araguari também sofreu
com as mudanças emanadas pelo impulso das ferrovias que, deixemos claro,
tratam-se em essência de relação social, pois é capital. A presença das linhas
férreas, cortando a cidade de ponta a ponta, e dos prédios das estações influenciou
diretamente a dinâmica urbana. Nos arredores dos prédios das estações, da
Mogiana e da Goiás, e ao longo da linha férrea foram concentrando-se hotéis,
pensões, pousadas, bares, restaurantes, indústrias e residências.
Assim, seja de forma racional-intencional, como na confecção da planta da
cidade pelo engenheiro da Mogiana; ou de forma espontânea, aleatória, não-
intencional, a ferrovia arrumou internamente a morfologia espacial da cidade entre
1896 a 1978.
O espírito da modernidade, que chegou a Araguari pelos trilhos, implicou
profundas mudanças na cidadezinha pacata do interior. A começar pela imposição
de uma determinada ordem espacial urbana, a preocupação da administração
pública com a higiene e a estética urbana, com determinados padrões de construção
na zona urbana e, na zona especial, a proibição da prática da criação de animais
como porcos e carneiros no perímetro urbano; foi proibida também a mendicância,
esmolar nas ruas da cidade. A implementação dessa legislação urbana demonstrava
que as elites que comandavam a política local e a administração pública estavam
antenadas com os acontecimentos distantes.
A ferrovia foi o carro-chefe que promoveu a articulação local com terras
longínquas: com ela chegou, por exemplo, o cinema, veículo de divulgação dos
valores da cultura moderna, que veio difundir hábitos e comportamentos típicos da
sociedade produtora de mercadorias. Em Araguari, o capitalismo chegou de trem,
assim, a sincronia do tempo da cidade ao tempo do capitalismo se impôs e acelerou
o ritmo e a maneira de viver o urbano, que passou a ser comandado pelo tempo da
locomotiva. Os apitos do trem marcavam o novo compasso da cidade, hora de
167
dormir e levantar, hora de almoçar e jantar e, é claro, hora de trabalhar foram sendo
introjetadas e absorvidas pelos sentidos da população de forma geral.
O espaço urbano foi sendo geografado pelos objetos espaciais que serviam
de suporte ao trabalho na ferrovia: o imenso complexo ferroviário da EFG com suas
oficinas, escolas, armazéns, etc., o hospital ferroviário situado em frente à Praça dos
Ferroviários onde está exposta uma “Maria Fumaça” e é até hoje ponto de encontro
de ex-ferroviários, que ficam horas a fio batendo-papo, relembrando dos “bons
tempos”, jogando cartas, dominó, dama etc. E ainda, outros prédios estão
distribuídos pela cidade, como o da Cooperativa de Consumo e o da Associação
Beneficente Goiás Atlética, na Rua Joaquim Aníbal.
A Vila Operária da Goiás, que foi a semente do Bairro Goiás, um dos mais
populosos da cidade, que concentrava muitas “famílias ferroviárias” foi se
configurando, com o tempo, como um subcentro da cidade e ainda conserva muitas
casas em sua arquitetura original. A influência da EFG no padrão arquitetônico da
cidade também foi enorme. É visível na quantidade de exemplares espalhados pela
cidade em estilo art Déco, estilo arquitetônico muito utilizado nas construções dos
prédios da EFG. Edifícios, ruas, praças, bares, restaurantes etc., são resquícios de
estruturas espaciais do passado, ainda presentes na configuração do espaço urbano
de Araguari, porém, assumindo novas funções.
A espacialidade, ou seja, esse “espaço criado da organização e da produção
sociais” (SOJA, 1993, p. 101), permitiu que se constituísse, no tempo indicado nesta
pesquisa, uma espécie de identidade ferroviária, o que caracteriza efusivamente
Araguari como cidade-ferroviária. A relação da Estrada de Ferro Goiás com esta
urbe não limitou-se a seus operários A ingerência desta companhia ferroviária
adentra dimensões outras na vida urbana, na política local, na economia; nos
empregos que as estradas de ferro propiciaram e na diversificação/complexificação
da vida social, direta e indiretamente influenciada pela presença das ferrovias. Por
isso mesmo, se a análise tivesse se restringido ao âmbito da company town
correríamos o risco de reduzir o fenômeno estudado somente a uma relação da
empresa com seus trabalhadores.
Esta relação é discutida neste estudo, porém de forma um tanto superficial,
muito em virtude da “ausência de fontes” mais precisas da voz dos trabalhadores
enquanto sujeitos do processo. As fontes a que tivemos acesso induzem a uma
leitura em que os trabalhadores, submetidos à lógica e aos mecanismos de controle
168
disciplinar da ferrovia, expressavam uma aceitação “passiva” dela. Embora os
ferroviários, e os marítimos, fossem categorias profissionais bem organizadas e
cientes da luta de classes noutras cidades brasileiras, em Araguari não se tem
notícia de paralisações, greves ou motins, por parte dos que trabalhavam nas
ferrovias. O sindicato dos ferroviários de Araguari data apenas de 1981. Esta é uma
história a ser contada ainda.
Por isso mesmo, este trabalho centrou suas atenções mais detidamente na
organização urbana e na sua relação com as ferrovias, sujeito deste processo que
não foi o único, nem poderia ter sido, mas, é a partir deste enfoque que analisamos
o estabelecimento da trama e das relações das ferrovias com os outros sujeitos,
como o Estado, a Prefeitura Municipal e os ferroviários, entre outros.
Evidentemente que as elites locais tinham muito interesse nas ferrovias,
sobretudo na EFG, como explicado por Pereira (2006) pelo fato de os altos cargos,
como os dos engenheiros, administradores gerais e chefes de setores, das oficinas,
das finanças e do Departamento Pessoal, “em sua maioria, pertenciam às ‘famílias
tradicionais e de posse’ da cidade” (PEREIRA, 2006, p. 55). Daí a reação quando o
diretor da EFG, Capitão Mauro Borges, anunciou a transferência da sede
administrativa para Goiânia.
Por fim, a pesquisa alcança seu objetivo se a partir de sua leitura ficar clara
para o leitor mesmo que este discorde que o espaço urbano da cidade de
Araguari, considerando o recorte temporal delimitado neste trabalho, passou por
transformações importantes em sua estrutura a partir da instalação das companhias
ferroviárias, culminando num dado momento, em um espaço organizado em função
da ferrovia, com profundas implicações no imaginário coletivo da cidade,
constituindo-se Araguari, então, numa cidade-ferroviária. Este conceito foi utilizado
para tentar explicar Araguari na “era das ferrovias”. É uma idéia ainda frágil, mas
que, com o tempo, quem sabe, poderá ser aplicada a outras realidades próximas às
de Araguari.
Dessa forma, esta pesquisa cumpre o objetivo proposto para esta dissertação
de mestrado, quando no decorrer de suas páginas buscou-se responder que urbano
é este que instituiu-se em Araguari naquele tempo. Mensurar a relevância deste
estudo para a Geografia é difícil, diante de tantas possibilidades de estudo que esta
disciplina apresenta. Porém, é, pelo menos, mais uma ferramenta que somada a
outras pode contribuir para a compreensão geográfica da complexa realidade sócio-
169
espacial de Araguari. Mais que um objetivo alcançado, que esta dissertação seja o
início de uma aventura posterior, uma alavanca inicial para projetos futuros.
Findo este trabalho, fruto de uma pesquisa desenvolvida no curto espaço de
tempo de dois anos, em que, no primeiro, os esforços foram concentrados nas aulas
e nos trabalhos para cumprimento dos créditos das disciplinas do programa e no
segundo as atenções se voltaram para a pesquisa empírica, trabalho de campo e
escrita da dissertação, entre outras atividades que resultaram neste trabalho final.
Experiência ímpar e aprendizagem sofrida foi o tratamento das questões que os
desdobramentos da pesquisa apresentavam. Uns foram gradativamente se
obscurecendo e, outros clareando. Dessa maneira foi possível delinear o tema que
esta pesquisa propôs investigar: A relação das ferrovias com a organização espacial
urbana da cidade de Araguari num dado tempo histórico.
Aprendizado sofrido, porém, gratificante; resultado de um grande esforço, que
em muitas ocasiões, é individual e solitário, varando madrugadas a fio para a
superação de nossas próprias limitações, de todas as ordens. Sem dúvida, a
imaturidade intelectual de pesquisador de primeira viagem aparece nas páginas do
texto. Por outro lado, esta “cria” não foi, nem poderia ser, fruto de uma cabeça e
de uma “mão”. Esta pesquisa somente se realizou porque dele, muitas mãos e
muitas cabeças generosas e solidárias, se aproximaram. É, por fim, em decorrência
disso, que este estudo é muito mais resultado de um trabalho coletivo do que
individual. Todavia, os equívocos, as interpretações e os erros são de minha inteira
responsabilidade.
Escrevo estas últimas linhas com emoção. Relembro as alegrias e as
tristezas, as angústias e a aflição em torno das incertezas quanto à feitura e à
finalização desta pesquisa. O sacrifício da família torna ainda mais pesado o fardo
sobre os meus ombros. Por tudo isso, seria hipocrisia minha negar que é também
um orgulho e uma satisfação pessoal finalizar esta pesquisa.
170
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Entrevista com o Sr. Alberoni, ex-maquinista da EFG, concedida ao Arquivo
Público Municipal de Araguari, no dia 19/08/2003, às 15:00 aos
entrevistadores: Aparecida da Glória Campos, Thaïs Tormin Porto Arantes e
Clayton França Carili.
Depoimento da Irmã Giovanni ao Arquivo Público em janeiro de 1998.
Depoimento Sr. Honor Machado. 10/06/97, às 09h30min horas ao Arquivo
Público Municipal. p. 3-4.
Depoimento de Janete Consuelo Sacalia Passos. s/d. In: Relatório de
Pesquisa. Instituto de História, Universidade Federal de Uberlândia, 2005, p.
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Entrevista com o Sr. Mauro Borges Teixeira ex-Diretor da EFG, concedida à
Paulo Borges Campus Júnior, em 17/02/1998.
Entrevista com o Sr. Alaor Puga ex-chefe das oficinas da Goiás, concedida à
Paulo Borges Campus Júnior em 15/01/1998.
Entrevista com o senhor Diniz Farina, realizada no mês de abril/2005 na
cidade de Araguari-MG. Apud, Borges. J. 2006, p. 63.
179
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