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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
Maria Cecília Tavares
A inserção do Assistente Social no Programa Saúde da Família
em Aracaju: os tempos de um movimento.
DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL
SÃO PAULO
2009
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II
PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
Maria Cecília Tavares
A inserção do Assistente Social no Programa Saúde da Família
em Aracaju: os tempos de um movimento.
DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de
Doutor em Serviço Social, sob a orientação da
Professora Doutora Regina Giffoni Marsiglia.
SÃO PAULO
2009
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III
Para Antônio, André e Daniel,
Meus presentes divinos,
Com o meu amor.
IV
AGRADECIMENTOS
Ao professores do Departamento de Serviço Social da UFS, pela elaboração
do Projeto de Qualificação Institucional – PQI que, através de convênio com a
PUC/SP, possibilitou a realização desse doutorado. A todos, pelo incentivo
constante para que essa realização fosse possível. Especialmente às professoras
Lúcia Aranha e Maria da Conceição Vasconcelos (Lica), coordenadoras do PQI, que
muito me estimularam nessa empreitada.
A Bosco e Elisa, funcionários do Departamento de Serviço Social da UFS,
sempre tão atentos às solicitações feitas.
Aos diversos colegas e amigos da PUC, pelas acolhidas e discussões nas
disciplinas, Seminários e Núcleos, com os quais partilho os acertos desse trabalho.
Aos funcionários e professores do Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social da PUC/SP, pela competência e seriedade, pelo olhar plural que exercitam e
pelo profundo respeito às diferenças que nutrem.
Ao Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Saúde e Sociedade da PUC/SP, pela
riqueza dos debates, pela experiência dos membros na Saúde. Profissionais dos
mais diversos locais desse país que com suas experiências, questionamentos e
inquietações reafirmaram o quão certo é esse caminho que trilhamos, o quão justa é
a luta por um sistema de saúde realmente público, universal e equitativo, nesse país
de tantas desigualdades.
A amiga Edvaneide Lima (Lulu), pela força e ajuda nos momentos mais
difíceis.
Aos amigos vian, Flora, Pedro, Rosangela e Rodrigo, Clarissa, Rose, Thaís
e Jhonatã, pela generosidade em partilhar, tão carinhosamente, seus espaços.
A Fátima Fontes, pelo divã sempre aberto e pelos almoços acompanhados da
gostosa “análise”, em São Paulo.
Ao amigo João Brasileiro, pela leitura atenta e sugestões valiosas.
Ao amigo Frederico Romão, pela ajuda para a “legalização” da minha relação
com a Prefeitura de Aracaju, pela confiança e amizade.
V
Aos assistentes sociais da Secretaria de Saúde de Aracaju, pela
disponibilidade em refletir sobre suas experiências e pelo incentivo para a realização
da pesquisa.
Aos funcionários, colegas e amigos do Centro de Educação Permanente da
Saúde de Aracaju, especialmente à Angela Leite e Maria José, pela viabilização
para a coleta dos dados e pela confiança estabelecida.
A minha orientadora, a Professora Dra. Regina Giffoni Marsiglia, mulher forte,
guerreira e referência nessa trajetória, pela competência e generosidade em
compartilhar seu saber. Os méritos são todos dela e, os “pecados”, como diz
Gilberto Gil, são todos meus.
A Henrique Garcez Filho, meu auxiliar de pesquisa, e a Simone Pereira
Garcez, pela grande força.
A Merissa, Bianca, Júlia e Letícia, minha “família ampliada”, pelas ausências e
dificuldades em entendê-las nesses momentos iniciais de nossa convivência.
Ao “anjo” Zeca Leite, representando toda a família “Leite”, que tão
carinhosamente me acolheu.
Aos meus pais, Luiz (in memoriam) e Aliete, e aos irmãos, Luizete, Luciete,
Luciano, Luiz, Maurício, Rita, Silvana e Maria, por vocês existirem na minha vida.
Ao meu amor e companheiro Antônio Leite e aos filhos, também amores,
André e Daniel, pessoas tão especiais na minha vida. Sem vocês nada seria
possível.
A Deus, por tudo.
VI
“Você perguntará por que cantamos
Cantamos porque o rio está soando
E quando soa o rio/ soa o rio
Cantamos porque o cruel não tem nome
Embora tenha nome seu destino
Cantamos pela infância e porque tudo
E porque algum futuro e porque o povo
Cantamos porque os sobreviventes
E nossos mortos querem que cantemos
Cantamos porque o grito só não basta
E já não basta o pranto nem a raiva
Cantamos porque cremos nessa gente
E porque venceremos a derrota
Cantamos porque o sol nos reconhece
E porque o campo cheira a primavera
E porque nesse talo e lá no fruto
Cada pergunta tem a sua resposta
Cantamos porque chove sobre o sulco
E somos militantes dessa vida
E porque não podemos nem queremos
Deixar que a canção se torne cinzas.”
Mário Benedetti
VIII
SUMÁRIO
Lista de quadros ........................................................................................................ IX
Lista de Anexos .......................................................................................................... X
Lista de Abreviações e siglas .................................................................................... XI
Resumo .................................................................................................................. XIV
Summary ................................................................................................................. XV
Introdução ............................................................................................................................. 16
Capítulo I. A Reforma Sanitária no Brasil, a criação do Sistema Único de Saúde e a
implantação do PSF: um movimento, três tempos ............................................................... 29
1.1. Reforma Sanitária no Brasil e a luta pela democratização da saúde ................... 30
1.2. A criação do Sistema Único de Saúde – SUS ...................................................... 48
1.3. A criação do Programa Saúde da Família – PSF ................................................. 62
Capítulo II. Os tempos e os movimentos em uma “aldeia”: a Reforma Sanitária em Sergipe e
as bases para a implantação do Programa Saúde da Família em Aracaju ...........................83
2.1. Breves pontos sobre a história de Sergipe e a organização dos trabalhadores
...................................................................................................................................... 84
2.2. A Reforma Sanitária em Sergipe e os movimentos dos trabalhadores .............. 119
Capítulo III Prorrogação do tempo: A inserção do assistente social no Programa Saúde da
Família em Aracaju e a construção do fazer ...................................................................... 173
3.1. Alguns pontos sobre o Serviço Social na área da Saúde ................................... 174
3.2. A participação dos assistentes sociais nos movimentos dos profissionais da saúde
e a relação com a inserção desses profissionais no PSF.......................................... 187
3.3. A construção dos protocolos do Serviço Social: problematizando o fazer.......... 213
CONCLUSÕES ................................................................................................................... 225
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E BIBLIOGRAFIA...................................................... 232
ANEXOS ............................................................................................................................. 248
IX
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Das Associações Mutuárias existentes em Sergipe a partir de 1871................. 90
Quadro 2 - Rede Pública de Saúde de Sergipe por tipo de estabelecimento/1988 ........... 147
Quadro 3 - Rede Pública Municipal de Aracaju por tipo de estabelecimento/1988 ............ 147
Quadro 4 - Rede Ambulatorial Pública em Aracaju – 1988 ................................................ 147
Quadro 5 - Linha de produção do cuidado ......................................................................... 167
Quadro 6 – As redes Assistenciais de saúde no SUS Aracaju .......................................... 168
Quadro 7 – Número e cobertura das equipes de saúde da família por ano ....................... 169
Quadro 8 - Produção dos Assistentes Sociais da Saúde na década de 1990 ................... 176
X
LISTA DE ANEXOS
Anexo 1 - Ficha de Catalogação de Documentos .............................................................. 248
Anexo 2 - Atribuições dos Assistentes Sociais nas Ações Programáticas no Programa de
Saúde da Família ................................................................................................................ 249
XI
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS
ABEM – Associação Brasileira de Educação Médica
ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa de Serviço Social
ABRASCO - Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
AC – Ação Católica
AIH – Autorização de Internação Hospitalar
AIS Ações Integradas de Saúde
ANAS – Associação Nacional dos Assistentes Sociais
CBAS – Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
CEME – Central de Medicamentos
CEPS – Centro de Educação Permanente da Saúde
CFSS – Conselho Federal de Serviço Social
CGT – Central Geral dos Trabalhadores
CIB – Comissão Intergestores Bipartite
CIMS – Comissão Local e/ou Municipal de Saúde
CIPLAN – Comissão Interministerial de Planejamento
CIS – Comissão Interinstitucional de Saúde
CIT – Comissão Intergestores Tripartite
CMP – Central dos Movimentos Populares
CNS – Conferência Nacional de Saúde
CONASP – Conselho Nacional de Administração de Saúde Previdenciária
CONCLAT – Congresso Nacional das Classes Trabalhadoras
COS – Centro Operário Sergipano
CRIS – Comissão Regional Interinstitucional de Saúde
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DCE – Diretório Central dos Estudantes
EC – Emenda Constitucional
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
ECEM – Encontro Científico dos Estudantes de Medicina
ENCLAT – Encontro das Classes Trabalhadoras
ESF – Equipe de Saúde da Família
XII
FETASE – Federação dos Trabalhadores da Agricultura de Sergipe
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
FMI – Fundo Monetário Internacional
IAP – Instituto de Aposentadoria e Pensão
INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INPC – Instituto Nacional de Preço ao Consumidor
JOC – Juventude Operária Católica
JUC – Juventude Universitária Católica
LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social
MCP – Movimento de Cultura Popular
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MEB – Movimento de Educação de Base
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização
MOPS – Movimento Popular de Saúde
MPAS - Ministério da Previdência e Assistência Social
MR8 – Movimento Revolucionário 8 de Outubro
MUT – Movimento Unificado dos Trabalhadores
NOAS/SUS – Norma Operacional de Assistência à Saúde do SUS
NOB/SUS – Norma Operacional Básica do SUS
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMS – Organização Mundial da Saúde
PC do B – Partido Comunista do Brasil
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PCCS – Plano de Cargos, Carreiras e Salário
PIASS - Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento
PIB – Produto Interno Bruto
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
POLOP – Política Operária
PREV-SAÚDE – Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde
PRONAN – Programa Nacional de Alimentação e Nutrição
PSD – Partido Social Democrático
PSF – Programa Saúde da Família
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
XIII
SAMU – Serviço de Atendimento Médico de Urgência
SASSE – Sindicato dos Assistentes Sociais de Sergipe
SBH – Sociedade Brasileira de Higiene
SESP – Serviço de Saúde Pública
SILOS – Sistema Local de Saúde
SINDPREV – Sindicato dos Trabalhadores na Previdência
SINTASA – Sindicato dos Trabalhadores da Saúde
SNS - Sistema Nacional de Saúde
SOMESE – Sociedade Médica de Sergipe
SUDS – Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
SUS – Sistema Único de Saúde
TIG – Tempo Integral Geográfico
UDN – União Democrática Nacional
UNE – União Nacional dos Estudantes
UPC – Unidade de Produção do Cuidado
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
USF – Unidade de Saúde da Família
XIV
TAVARES, Maria Cecília. A inserção do Assistente Social no Programa Saúde
da Família em Aracaju: os tempos de um movimento. São Paulo, 2009.
Dissertação (Doutorado) – Faculdade de Serviço Social, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo.
RESUMO
A reflexão empreendida nesse estudo foca o olhar sobre o Programa Saúde da
Família em Aracaju, enquanto política de Atenção Básica, a inserção dos assistentes
sociais nesse programa e as mudanças ocorridas na política e nos processos de
trabalho desses profissionais e nas evidências de mudança na produção do cuidado
em saúde. Objetiva também apreender as condições que favoreceram ou
restringiram a implantação do PSF em Aracaju e condicionaram os cenários
descritos; refletir sobre a política de saúde que vem sendo construída nesse
município, considerando as transformações requeridas pelo atual contexto de saúde,
além de subsidiar o debate sobre a inclusão, enquanto política nacional, do
assistente social nas Equipes de Saúde da Família e da condição do assistente
social enquanto trabalhador da saúde. A pesquisa justificou-se pela necessidade de
realizar estudos locais que revelem as particularidades sobre a forma como ocorre a
inserção dos assistentes sociais no PSF em cada contexto específico, em cada
projeto político local e os processos de trabalho neles delineados. A pesquisa, de
natureza qualitativa, apresentou uma fase exploratória quando realizei entrevistas
não estruturadas com profissionais da saúde que tiveram posição destacada nas
lutas dos profissionais de saúde no nível local, nos anos 1980. Posteriormente
realizei dez entrevistas orientadas por questões norteadoras, com profissionais
diversos e oito assistentes sociais, um de cada região de Aracaju, na perspectiva da
História Oral. Realizei ainda, pesquisa bibliográfica; pesquisa documental; bem como
três oficinas com todas as assistentes sociais do PSF, quarenta profissionais. A
análise e interpretação de todos esses dados permitiu constatar que a inserção do
assistente social no PSF em Aracaju constituiu-se como um dos desdobramentos da
participação dessa categoria profissional no Movimento pela Reforma Sanitária em
Sergipe, pela construção do SUS. O processo de trabalho desses profissionais, com
essa inserção, apresentou mudanças importantes, que devem ser analisadas nos
contextos mais amplos da produção em saúde, dos processos aí operados.
Palavras Chave: Programa Saúde da família, Serviço Social, Processo de Trabalho.
XV
TAVARES, Maria Cecília. The insertion of the social worker in the Health of the
Family Program in Aracaju: The times of a movement. São Paulo, 2009.
Dissertation (Doctorate Degree) Faculdade de Serviço Social, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
SUMMARY
The reflection in this study focuses on the Health of the Family Program in Aracaju,
as a Basic Attention policy, the insertion of the social workers in that program, and
the changes occurred in the policy and in the work processes of these professionals,
and in the evidences of change in the production of the healthcare. It also intends to
find the conditions that favored or restrained the implementation of the PSF in
Aracaju and conditioned the described scenarios; to reflect about the health policy
that is being built in that municipality, considering the transformations demanded by
the present health context, beyond subsidizing the debate about the inclusion, as a
national policy, of the social workers in the Family Health Teams and of the condition
of the social workers as health workers. The research is justified by the need of
carrying out local studies that reveal the particularities about the form of the insertion
of the social workers in the PSF in each specific context, in each local political project
and the work processes outlined in them. The research, of qualitative nature, take
one exploratory stage when I done interviews not structured with professionals of
healthcare they have distinctions positions of local quarrel of professional healthcare,
in 1980. Subsequently I done ten interviews guidance with professionals and eight
social services, of each place of Aracaju, oriented to Oral History; I done
bibliographical research; documental research; and workshops with all the social
workers of the PSF, forty professionals. The analysis and interpretation with all this
facts let me realize. the insertion of these social workers in PSF in Aracaju establish
like one oh those unfold participation of those professionals in the Movement for
Sanitary Reform in Sergipe, by the construction of SUS. The work process of these
professionals wilt this insert show important changes, that it should be analyzed in
biggest the context of production in health, of the processes operated.
Key Words: Program Healthcare of the Family, Social Service, Work Process.
INTRODUÇÃO
Em estudo anterior, realizado durante o mestrado e intitulado “As Marés do
PSF: os discursos cheios e as práticas vazantes”, que teve como objeto de estudo
as práticas educativas desenvolvidas pelos profissionais do Programa Saúde da
Família em Aracaju, procurei analisar as propostas de mudança de modelo
assistencial em saúde e as experiências educativas que foram construídas a partir
dos anos 1970, objetivando analisar as concepções de educação em saúde
presentes nessas práticas. Tendo como interlocutores os profissionais de saúde que
compõem as equipes do programa, abordei, a partir da análise das práticas
educativas desenvolvidas, as possibilidades e limites de uma ação no setor saúde
que estivesse orientada pelas necessidades de saúde da população, respeitando
sua cultura e seu saber e apoiada em uma concepção de saúde como qualidade de
vida.
Para viabilização daquela pesquisa, estruturou-se um estudo de caso, do tipo
exploratório, realizado com uma equipe do PSF em Aracaju, composta por dez
profissionais. Em Aracaju, no período em que a pesquisa foi iniciada, em 1998,
existiam onze equipes de saúde da família, cada uma com um total de dez
profissionais, nelas inseridos o assistente social e o odontólogo, contemplando
reivindicação dessas duas categorias profissionais.
Naquela pesquisa, considerei que o SUS fora criado em um contexto de crise
de resolutividade dos serviços, marcado pela exclusão de parcelas da população
aos serviços de saúde, com a configuração de movimentos que propunham a
alteração do modelo assistencial historicamente construído, com referência na
doença, orientado por um olhar essencialmente biológico.
A proposta naquele momento, mas que ainda permanece atual, era que esse
modelo incorporasse aspectos econômicos, políticos e culturais na leitura sobre os
modos de adoecer e morrer de uma população e que, essencialmente, ampliasse a
discussão sobre a promoção da saúde para além da doença.
Após a criação do SUS, o contexto de sua implementação foi marcado pela
ofensiva neoliberal, pela adoção das teses do estado mínimo e pelo desmonte dos
17
direitos sociais conquistados pelos trabalhadores, inclusive o direito à saúde que,
com a criação do SUS, objetivava-se garantir.
Nesse contexto, o Ministério da Saúde, lançou mão do Programa Saúde da
Família, após algumas experiências localizadas consideradas exitosas, utilizando-se
do argumento de que o mesmo constituiria uma importante estratégia para
implementação do SUS, que contribuiria, por sua natureza e objetivos, para a
mudança do modelo assistencial, especialmente na Atenção Básica.
Naquele estudo, parti do pressuposto de que “(...) a Atenção Primária em
Saúde assume significados diferentes para os diversos sujeitos envolvidos na
construção da política de saúde, resultando em práticas educativas também
diferenciadas. Assim, questionava: “qual a proposta do PSF? Como ela estava
sendo construída? Como seus agentes estavam se movimentando no espaço
institucional? Qual a relação entre os sujeitos? Quais práticas estavam sendo
desenvolvidas?”.
Com essa pesquisa constatei que:
- A aprovação e implementação do PSF em Aracaju, em 1998, revelaram-se
um processo tenso, no qual parcelas dos conselheiros assumiram a defesa do PSF
e outros, a sua recusa, tendo como ponto de convergência a preocupação com a
resolutividade dos serviços. Houve muita resistência entre os conselheiros
municipais de saúde em aprovar a implantação do PSF em Aracaju, o que pode
revelar uma postura crítica em relação aos programas implementados pelo Ministério
da Saúde, historicamente verticalizados, paralelos aos serviços e descolados da
realidade da população, mesmo com os alertas sobre a autonomia dos municípios
em adequá-los a cada realidade específica;
- A resistência dos conselheiros para a aprovação do PSF em Aracaju e a
insistência dos gestores em aprová-lo fez com que esse processo fosse negociado e
pactuado, o que fez com que esse programa, nesta cidade, fosse criado de forma
não totalmente “engessada”, incorporando outros profissionais na equipe de saúde
da família, como os dentistas e assistentes sociais, além do que preconizava o
Ministério da Saúde;
- Os profissionais que compuseram as primeiras equipes, geralmente atraídos
pela melhor remuneração que o programa oferecia, eram da rede municipal, em
18
sua maioria especialistas, sem quase ou nenhum conhecimento acumulado sobre
saúde pública ou medicina de família. Com essa inserção, os profissionais foram
requisitados para uma nova ação que, geralmente, não é sustentada pela formação
profissional, esta ainda com enfoque clínico e um fazer “de consultório”. Dessa
forma, a implementação do PSF demandava um processo contínuo de capacitação
dos profissionais e construção de outra forma de fazer saúde, o que inicialmente
ocorreu de forma muito tímida e ainda referenciada aos programas federais e à
doença;
- Para a efetiva ação no território e uma assistência integral, como se
propunha, tornava-se fundamental o reordenamento da rede de saúde,
estabelecendo-se a referência e contra-referência, o que, no período analisado
(1998-2000), muito pouco ocorreu;
- As práticas denominadas educativas geralmente não constituíam objeto de
discussão de toda a equipe, ocorriam de forma paralela e sem vinculação efetiva
com a ação de todos os profissionais e com o cotidiano dos serviços. Geralmente
denominava-se como educação em saúde as palestras que ocorriam na sala de
espera, com temas escolhidos geralmente pelos assistentes sociais e enfermeiros,
além daquelas realizadas com os grupos organizados como os diabéticos e
hipertensos;
As observações pontuais e parciais, nessa pesquisa, sobre a inserção do
assistente social no PSF em Aracaju, vez que não constituía objetivo principal do
trabalho e o programa encontrava-se em fase de implantação, apontavam a
necessidade de continuar pesquisando sobre essa experiência.
Ao iniciar o doutorado, objetivava estudar o processo de implementação do
SUS em Aracaju, através dos conselheiros locais de saúde, que seriam os sujeitos
da pesquisa. Essa era uma proposta ainda muito imprecisa, mas a necessidade de
analisar o SUS a partir das falas dos sujeitos que estavam mais próximos aos
serviços, que não são representados somente por trabalhadores ou representantes
da gestão, era fruto das minhas experiências como assistente social do serviço e
pela pequena aproximação com os movimentos sociais. Ademais, durante a
dissertação do mestrado analisei a implementação do PSF em Aracaju somente a
partir da visão dos trabalhadores, de uma equipe de saúde e dos discursos dos
gestores. Sentia então a lacuna de ouvir as vozes de outros sujeitos, o que pretendia
19
fazer no doutorado, ouvindo os conselheiros locais de saúde. Mas a dinâmica
possibilitou outros olhares e caminhos, outros fatos provocaram a reflexão sobre o
projeto de pesquisa.
No período de 17 a 18 de Outubro de 2005, participei do Seminário “Diretrizes
Curriculares para a Formação de Profissionais de Saúde: o Serviço Social na
Saúde”, momento em que se discutiu a formação do Serviço Social à luz das
Diretrizes Curriculares, organizado pelo Núcleo de Saúde e Sociedade do Programa
de Estudos Pós-Graduados da PUC/SP, Núcleo Qualidade de Vida e Saúde da
Faculdade de Serviço Social da PUC/SP e ABEPSS- Sul II. Nesse evento, as
discussões sobre a formação profissional e a inserção do assistente social na área
da saúde provocaram a necessidade de refletir melhor sobre a experiência do
Serviço Social no PSF em Aracaju. Percebi que tínhamos um acúmulo de
experiência que necessitava ser refletido e sistematizado com mais cuidado e
atenção.
O desafio tornou-se assim, analisar como vem ocorrendo o processo de
implementação do PSF e estruturação da rede de atenção básica em Aracaju, tendo
como referência central os princípios do SUS, tais quais formulados pelo movimento
da Reforma Sanitária Brasileira. Do ponto de vista das mudanças ocorridas nos
processos de trabalho, pensar quais foram essas mudanças e se, com elas, têm-se
garantido a mudança de paradigma sobre o trabalho em saúde, em sua concepção.
Olhar os processos de trabalho, as mudanças nele ocorridas a partir do foco na
inserção e no fazer dos assistentes sociais no PSF.
Assim, “dar voz” aos assistentes sociais e analisar como ocorreu a inserção
desses profissionais no PSF em Aracaju partiu da necessidade de olhar para uma
experiência apontada como “bem sucedida”, no que se refere à incorporação desses
profissionais nas equipes de saúde da família, mas que, diferentemente dos
odontólogos, não conseguiram garantir, até o momento, essa inserção enquanto
política nacional.
Outro desafio é refletir sobre esse processo, esse movimento potencializador,
mas também perceber suas contradições e limites, com o objetivo de problematizar
se a inserção do profissional em Aracaju tem contribuído com o coletivo nacional dos
assistentes sociais no sentido de fundamentar a discussão sobre a inserção desse
profissional no programa em nível nacional, enquanto política assumida pelo
20
Ministério da Saúde, se ela tem permitido garantir um processo de ampliação da
ação em Aracaju, consolidando esse lócus de atuação e constituindo-se uma base
legal para ampliação dessa experiência em todo o país.
Estruturei o argumento para pesquisar sobre processos de trabalho na saúde
ao olhar para a trajetória histórica do Movimento pela Reforma Sanitária Brasileira
que, nos anos 1980, assumiu a concepção de saúde como resultante das condições
de vida e incorporou nela outras dimensões além do biológico, e conquistando em
1988 a criação do SUS e a criação do Programa Saúde da Família, formulado como
estratégia para a implementação desse sistema, para a estruturação da atenção
básica e como uma ferramenta importante para garantir a ampliação dos serviços de
promoção à saúde e, portanto, uma assistência ampliada.
Para promover todas essa mudanças colocava-se como imperiosa, ainda, a
necessidade de uma outra organização dos processos de trabalho. Assim,
considerando que a implantação do PSF, propõe uma nova organização dos
processos de trabalho na Atenção Básica, uma vez que, segundo a proposta
colocada pelo Ministério da Saúde, o programa funcionaria como potencializador
dessas mudanças, capaz de modificar o modelo de atenção. Desta forma, refletir
sobre os processos de trabalho na Atenção Básica, implica em, mais uma vez focar
o olhar no PSF, a partir de outros ângulos, uma vez que “(...) olha-se o objeto com a
luminosidade que existe, o objeto é conhecido, mas precisamos saber quais
instrumentos vamos usar para torná-lo mais claro para todos”. (SILVA FILHO, 2001,
p. 17)
A reflexão empreendida nesse estudo, então, retoma a análise do Programa
Saúde da Família em Aracaju, enquanto política de Atenção Básica, a inserção dos
assistentes sociais nesse programa e as mudanças operadas nos processos de
trabalho.
A partir dessa análise, defino como objetivos específicos: apreender, numa
perspectiva histórico-social, as condições que favoreceram ou restringiram a
implantação do PSF e condicionaram os cenários descritos; refletir sobre a política
de saúde que vem sendo construída em Aracaju considerando as transformações
requeridas pelo atual contexto de saúde, além de subsidiar o debate sobre a
inclusão, enquanto política nacional, do assistente social nas equipes de saúde da
família e da condição do assistente social enquanto trabalhador da saúde.
21
O Universo da Pesquisa:
O universo da pesquisa foi constituído por dois grupos:
- os profissionais da saúde que participaram do Movimento pela Reforma
Sanitária em Sergipe e do movimento dos assistentes sociais nos anos 1980;
- pelos assistentes sociais que trabalham no PSF em Aracaju, um quantitativo
de 40 (quarenta profissionais).
Os sujeitos escolhidos, no primeiro grupo, para obter uma amostra plural,
composta por diversas categorias profissionais, foram recortados pela técnica de
busca em cascata, que é um todo “[...] diferente do processo de bola de neve [ou
snowball] , pois busca um objetivo específico [no caso aqui, categorias profissionais
diferenciadas]. No procedimento de bola de neve o objetivo é apenas ir ampliando o
universo de entrevistados”. (ROMÃO, 2006, p. 41).
Iniciei conversando com diversos profissionais, para tentar identificar esses
atores e, entre eles, um nome foi citado por todos. Comecei, com esse profissional,
as entrevistas e, a partir daí, a cada entrevista, solicitava a identificação de outros
atores. Assim, fui definindo os demais sujeitos, totalizando 10 (dez) entrevistados,
sendo: 03 (três) médicos; 01 (um) enfermeiro; 01 (um) odontólogo; 05 (cinco)
assistentes sociais.
O interessante aqui é que, mesmo com o objetivo de compor a amostra com
categorias diferenciadas, ao apresentar para os entrevistados os objetivos da
pesquisa, a indicação geralmente era de assistentes sociais. Tal dado ia, por sua
vez, confirmando a participação dos assistentes sociais nesses movimentos.
Quando as informações começaram a se repetir, a busca foi interrompida.
As entrevistas foram todas realizadas nos locais de trabalho, agendadas
anteriormente via e-mail ou contato telefônico e cada uma durou em torno de 2
(duas) horas .
Para realização das entrevistas, que foram semi-estruturadas, utilizei
questões norteadoras que disparavam as conversas. Elas focavam: período de
inserção nos movimentos, objetivos das mobilizações, nível de participação dos
profissionais, articulação com os outros movimentos, mudanças verificadas no
22
espaço institucional, e foram realizadas com o uso do gravador. Após a transcrição,
ela era enviada ao entrevistado que, depois da leitura, autorizava o uso das
informações.
Foi solicitado, pela maioria expressiva desses sujeitos, que os seus nomes
não fossem revelados, nem o uso das informações permitisse a identificação da
fonte, o que foi pactuado.
Para a escolha da amostra do segundo grupo, os assistentes sociais do PSF,
utilizei o critério de entrevistar um profissional de cada região, compondo um total de
08 (oito) profissionais, assim escolhidos: 4 (quatro) profissionais com o maior
número de equipes e 04 (quatro) profissionais com o menor numero de equipes. O
critério de seleção da amostra por número de equipes é que pressuponho que esse
quantitativo interfere no papel e nas atividades práticas que o assistente social que o
assistente social desempenha no PSF Os contatos foram mantidos, segundo esse
critério, e as entrevistas foram realizadas no prédio do CEPS, com 07 (sete)
profissionais e, 01 (uma) na Unidade de Saúde.
Também aqui para realização das entrevistas, que foram semi-estruturadas,
utilizei questões norteadoras que disparavam as conversas. Foram realizadas com o
uso do gravador, com o mesmo procedimento do grupo anterior.
Durante o segundo semestre de 2007, fui convidada pela coordenação do
CEPS para coordenar uma oficina com todas as assistentes sociais do PSF
objetivando discutir a instrumentalização na ação dos assistentes sociais na saúde,
o que vislumbrei como mais uma oportunidade para a coleta de dados. Assim, em
acordo com a coordenação e com os assistentes sociais sobre a possibilidade de
uso daquelas informações na pesquisa, realizei, durante 03 (três) semanas, as
oficinas, quando pude discutir com todos os 40 (quarenta) assistentes sociais, ou
seja, com todo o universo, sobre os processos de trabalho.
Durante as entrevistas e mesmo durante a realização das oficinas, exercitei
esforço de distanciamento das questões abordadas, considerando que fui presidente
do Sindicato dos Assistentes Sociais na segunda metade da década de 1980 e,
nesse mesmo período, ingressei na Secretaria de Saúde de Aracaju. Especialmente
durante a realização da oficina, o receio da “intimidade” do olhar não permitir o
distanciamento necessário para a análise das questões, sem interferência subjetiva
23
total, pressuponho que ela existe sempre, era constante. Por outro lado, essa
intimidade permitia a cumplicidade com as assistentes sociais de “estar do mesmo”
lado e de ter acesso a algumas informações que a entrevista não permitiu conseguiu
captar
A Metodologia da Pesquisa:
O estudo, assim, caracteriza-se como de abordagem qualitativa, e de
natureza exploratória e descritiva, tomando como pressuposto que
[...] a legitimidade desse método e a sua capacidade de apreender o
real estão hoje devidamente estabelecidos. A dicotomia pesquisa
qualitativa ou quantitativa foi superada na atualidade. A noção de
superioridade ou inferioridade desse ou daquele método é
compreensão ultrapassada. (King, Keohane e Verba, 1994, apud
ROMÃO, 2006, p. 28)
Para aproximação com a realidade, utilizei o recurso da História Oral,
geralmente utilizada em pesquisas históricas, como forma de valorização da
memória e lembranças de quem viveu os fatos e processos.
Essa opção metodológica deveu-se ao fato da pesquisadora desconhecer, ou
não ter tido acesso, a nenhuma sistematização sobre a Reforma Sanitária em
Sergipe, constituindo, essa, a única forma de reconstrução desse movimento e
também como forma de perceber a importância desse movimento para os sujeitos
que dela participaram, através de seus relatos orais. Essa opção permitiu a riqueza
da leitura, apesar dos alertas sobre o poder da valoração, pelos sujeitos, dos fatos
narrados, considerando que a História Oral:
[...] é uma metodologia qualitativa de pesquisa, adequada ao
conhecimento do tempo presente; permite conhecer a realidade
passada e presente, pela experiência e pela voz daqueles que a
viveram. Não se resume a uma simples técnica, incluindo também
uma postura, na medida em que seu objetivo não se limita à
ampliação de conhecimentos e informações, mas visa conhecer a
versão dos agentes. Permite conhecer diferentes versões sobre um
mesmo período ou fato, versões estas marcadas pela posição social
daqueles que os viveram e narraram (LANG, 2000, p. 124).
24
Mesmo diante dos alertas sobre os “limites” dessa metodologia, fato
inconteste é que seu uso tem sido cada vez mais utilizado, especialmente pelos
pesquisadores das ciências sociais e humanas, considerando que, geralmente, o
objetivo dessas pesquisa não busca atingir a uniformidade absoluta, nem “(...) a
padronização dos relatos, mas a riqueza que cada entrevistado tem a contar
riqueza que não se traduz na extensão das falas, mas às vezes na citação de um
fato desconhecido, na descrição de um fato corriqueiro”. (DEMARTINI, 1992, p.47)
Assim que, ao buscar reconstruir a história do Movimento pela Reforma
Sanitária em Sergipe, através dos relatos de seus sujeitos, percebia o brilho no
olhar, a emoção ao falar de momentos protagonizados, vividos, a tristeza ao
relembrar das decepções ou lutas políticas consideradas perdidas, e, sobremaneira,
o imenso orgulho de ter contribuído com a luta pelo direito à saúde.
Especialmente na pesquisa qualitativa, qualquer recurso metodológico, não
a História Oral, deve ser utilizado com rigoroso trabalho, crítica e interpretação.
Assim, saber buscar os fatos relevantes ao trabalho de forma correta e assumir uma
postura ética e de respeito aos fatos narrados, de fidedignidade a eles, são questões
fundamentais que o pesquisador deve incorporar à sua postura, considerando que
as pesquisas qualitativas
[...] demandam necessariamente o contato direto com os sujeitos,
pois se queremos conhecer a experiencia social, modos de vida,
temos que conhecer as pessoas, sem desvinculá-las, evidentemente,
de seu contexto e lembrando sempre que a metodologia da pesquisa
é extensão de nosso projeto político. (MARTINELLI, 2004, p.01)
A reconstrução do movimento pelo direito à saúde em Sergipe permitiu,
assim, o encontro com esses sujeitos, (re)descobrindo o contexto sócio-histórico no
qual eles se inseriam e se movimentavam, por meio de depoimentos sobre os
ganhos e perdas, ampliando com outros sujeitos que tiveram também importância
nessa história, indicados por eles, cujos critérios eles mesmos estabeleceram.
O que percebi, nesse aspecto, é que ao indicar outros sujeitos, a indicação
era fundamentada, pela coragem do enfrentamento, pela firmeza das posições, o
25
que, para uma geração que acabara de sair de um período autoritário, repressivo,
esses eram valores importantes. Como afirma Bourguignon (2005, p. 04):
A aproximação ao sujeito que participa de nossas pesquisas se faz
através da busca, da compreensão da sua experiencia, do
conhecimento gerado a partir dessa experiencia e da sua vivência
cotidiana, que tomados em relação ao nosso objeto de estudo,
compõe um dos elementos a serem apreendidos na sua relação com
as multiplas determinações de natureza economica, social, política e
cultural.
Para todos os entrevistados explicitava os objetivos da entrevista, como
ocorreria a transcrição dos dados, realizada pela própria pesquisadora, e que eles
teriam acesso às informações antes do uso, o que ocorreria somente se elas
correspondessem ao dito, ao verbalizado. O uso do gravador se deu em
concordância com todos os sujeitos entrevistados e os seus nomes estão
plenamente resguardados.
Além das entrevistas para a configuração dessa estória, o que permitiu ainda
o cruzamento das informações, utilizei pesquisa em dois grandes jornais de
circulação local, Jornal de Sergipe e Gazeta de Sergipe, em todos os exemplares,
no período de 1975 ao ano 2000, existentes no Instituto Histórico e Geográfico de
Sergipe. Desses jornais retirei todas as informações publicadas sobre os
movimentos dos trabalhadores da saúde e a reforma sanitária, constituindo
importantíssimo banco de dados, especialmente se considerarmos que as
Instituições não preservam a sua história, “não têm memória”. Documentos
importantes foram perdidos, como os relatórios das conferências estaduais e
municipais de saúde, dentre tantos outros.
Utilizei, assim fontes primárias e secundárias. Como fontes primárias utilizei
as entrevistas, os jornais, documentos institucionais e documentos produzidos pelos
profissionais. Como fontes secundárias utilizei monografias, teses, dissertações,
artigos e livros.
A coleta de dados foi de natureza qualitativa. Ao iniciar com o contexto
histórico do movimento pela reforma sanitária brasileira, os processos de construção
do SUS e do PSF, busquei apreender as diversas dimensões do fenômeno
26
estudado, levantando também dados quantitativos que o caracterizam e que
permitiam maior aproximação com o objeto de estudo.
Com os dados coletados na pesquisa bibliográfica e documental, a fase
compreensiva e explicativa do contexto pesquisado foi se delineando em todo o
trabalho, a partir do II Capítulo, por meio de análise de conteúdo que pressupõe “o
domínio de conceitos básicos das teorias que, conforme nossas hipóteses [e
pressupostos] estariam alimentando o conteúdo das mensagens. (TRIVINOS, 1987,
p. 160-161)
Para o procedimento da análise de conteúdo percorri três fases:
- Pré-análise: com uma leitura atenta sobre o material coletado, objetivando
compreender a realidade estudada e selecionando o que pode melhor “desvendá-
la”. Recorri aos vários autores que refletem e sistematizam o tema, e no seu entorno,
objetivando delimitar o quadro teórico que escolho como referência para o tema
estudado, com o fichamento de obras de diversos autores;
- Estudo mais aprofundado, orientado pelos referenciais teóricos utilizados,
objetivando construir a linha de análise no trabalho;
- A interpretação dos dados obtidos para, numa perspectiva teórico/histórica,
identificar as determinações do fenômeno estudado. Nesse momento recorri à
análise de conjuntura, que possibilitou uma descrição e leitura crítica do processo
que conforma, ainda, o objeto.
Assim, após a coleta dos dados, realizei minuciosa análise, com diversas
leituras das narrativas construídas, organizadas de acordo com as categorias
analíticas construídas com essas finalidades.
Esse material, após a catalogação, de acordo com as categorias analíticas, foi
analisado à luz do referencial teórico e análise documental, reconstruindo a teia
histórica apresentada pelas falas dos sujeitos entrevistados, o que permitiu a
formatação da tese e sua estruturação em 3 (três) capítulos.
O Capítulo I foi composto pelo material obtido na revisão bibliográfica sobre o
PSF, priorizando a discussão de seus principais conceitos e marcos teóricos, bem
como sua evolução histórica, a partir das idéias originais da medicina familiar e
comunitária. Nele, insiro a análise do movimento pela Reforma Sanitária no Brasil,
27
da luta para a construção do SUS, para a garantia do direito à saúde e o PSF,
construído no início dos anos 1990, como estratégia para implementação dos
princípios e diretrizes desse sistema, anunciando mudanças significativas nos
processos de trabalho.
O referencial teórico, além das fontes históricas, que sustentação à análise
empreendida nesse capítulo, e para toda a tese, identifica em Gramsci e na sua
análise sobre Estado, a concepção ampliada de Estado, na qual encontro os
elementos para a leitura crítica das políticas sociais, do SUS e do PSF e a questão
da participação na gestão da política de saúde.
O Capítulo II reconstrói, o processo histórico da Reforma Sanitária em
Sergipe e a criação do PSF em Aracaju. Esse capítulo também se caracteriza como
teórico-histórico, construído através de análise bibliográfica e de documentos
oficiais, além da realização de entrevistas abertas e semi-estruturadas, com atores-
chave desse processo, quando fiz essa reconstrução através da metodologia da
História Oral. Para tanto, utilizei também como recurso de coleta de dados, a
pesquisa em dois grandes jornais de circulação em Sergipe, durante o período 1975-
2000, a partir do qual cruzo as publicações sobre esses aspectos com as falas dos
sujeitos da pesquisa.
O Capítulo III faz o resgate histórico da estruturação do Serviço Social no
setor da Saúde no Brasil e em Aracaju, delineando como essa profissão foi se
estruturando e consolidando esse campo como espaço privilegiado de ação do
assistente social. No nível local, a reconstrução histórica, ainda, articula a
participação dos assistentes sociais no movimento dos trabalhadores da saúde e da
Reforma Sanitária, à conquista da inserção no PSF.
A análise desse programa no nível local, a partir da conformação que foi
assumindo, de acordo com a dinâmica dos processos e da correlação de forças
estabelecida, objetiva apreender as mudanças concretas operadas nos processos
de trabalho, com foco nos fazeres dos assistentes sociais.
A análise dessas categorias fundamenta-se nas leituras de Karl Marx sobre
trabalho e processo de trabalho; além da análise delas especificamente no campo
da saúde, baseada especialmente nos estudos de Mendes-Gonçalves, Laurell e
Noriega, Peduzzi, Merhy, Franco e Campos.
28
Nas conclusões empreendo, através de abordagem analítica dos dados
concretos anteriormente apresentados, reflexão sobre as principais idéias
apresentadas nesta tese, aos processos que caracterizam e dão forma ao PSF e os
processos de trabalho nele construídos.
29
CAPÍTULO I. A REFORMA SANITÁRIA NO BRASIL, A CRIAÇÃO DO
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE S E A IMPLANTAÇÃO DO PSF: UM
MOVIMENTO, TRÊS TEMPOS.
Ao analisar a literatura existente sobre a historiografia da política de saúde no
Brasil, percebo que é vasta a literatura sobre a Reforma Sanitária Brasileira e sobre
o processo histórico de construção do Sistema Único de Saúde.
Vários autores, entre eles Mendes (1994), Campos (1992, 2003 e 2006), Paim
(1993), Neto (1994) e Moraes (1997), entre tantos outros, abordam esse tema, com
enfoques diferentes, para mostrar como historicamente a política de saúde em nosso
país foi sendo construída, qual o tipo de assistência prestada à saúde da população
brasileira, como os trabalhadores da saúde e os movimentos sociais conquistaram
as mudanças no setor saúde nas décadas de 1970 e 1980, os modelos assistenciais
que foram construídos/desconstruídos, as mudanças ocorridas nas práticas dos
profissionais, os impactos provocados no espaço institucional e o arcabouço jurídico
conquistado na Constituição Federal de 1988 e nas leis orgânicas da saúde.
No entanto, apesar de tão vasta literatura, constato que a produção sobre
esse tema entre os assistentes sociais é ainda pequena, e restrita aos que atuam na
área da saúde (BARROS, 2003), mesmo sendo crescente a apresentação de
trabalhos nos Congressos Brasileiros de Assistentes Sociais/CBAS, por profissionais
que atuam nessa área, em processo de reflexão sobre a intervenção.
Assim, retomo aqui esse tema com o propósito de perceber como e em que
medida esse movimento refletiu na criação do Programa Saúde da Família (PSF)
nos anos 90, apresentado como estratégia para a mudança do modelo assistencial
capaz de reorganizar a Atenção sica (BARROS, 2003) e como potencializador de
mudança das práticas dos profissionais da área.
30
1.1. Reforma Sanitária
1
no Brasil e a luta pela democratização da Saúde
Do início da década de 1970 até a conjuntura atual, o setor saúde no Brasil
vem sofrendo mudanças significativas, como as experiências de descentralização,
municipalização e a marca da participação, a criação e implementação do Sistema
Único de Saúde SUS, a implantação dos Programas de Agentes Comunitários de
Saúde PAC’s e do Programa Saúde da Família PSF, ambos ocorridos no início
dos anos 90.
Essas mudanças têm origem nas discussões iniciadas na década de 1970
sobre a forma e direcionamento que a política pública de saúde assumiu, ocorrida
entre os profissionais, gestores e movimentos sociais, indicando a necessidade de
superação do modelo assistencial hegemônico assentado na assistência médica
individual privatista e nos princípios do Relatório Flexner, relatório este que teve
como desdobramento importante uma forma de olhar o setor saúde e organizar a
assistência prestada à população centrada nas ciências biológicas e na forma como
as doenças eram transmitidas.
(...) o modelo assistencial de saúde no Brasil, ao longo das décadas
de 40 a 80, desenvolveu-se hegemonicamente baseado no modelo
flexneriano: privilegiando uma medicina de alto custo, curativa e
verticalizada, não incorporando dimensões sócio-econômicas e
culturais na explicação do processo saúde/doença e organização dos
serviços de saúde. (Barros, 2003, p. 45).
No Brasil, a operacionalização desses princípios assumiu algumas
características particulares e se consolidou na conjuntura do pós 1930, com as
experiências centralizadoras e privatizantes desenvolvidas a partir de então
(HEIMANN, 2000), em um contexto de reestruturação produtiva, pós crise capitalista
1
“O termo ‘Reforma Sanitária’ foi usado pela primeira vez no país em função da reforma sanitária
italiana. A expressão ficou esquecida por um tempo até ser recuperada nos debates prévios à VIII
Conferência Nacional de Saúde, em 1986, quando foi usada para se referir ao conjunto de idéias que
se tinha em relação às mudanças e transformações necessárias na área da saúde. Essas mudanças
não abarcavam apenas o sistema, mas todo o setor saúde, introduzindo uma nova idéia na qual o
resultado final era entendido como a melhoria das condições de vida da população. No início das
articulações, o movimento pela reforma sanitária o tinha uma denominação específica. Era um
conjunto de pessoas com idéias comuns para o campo da saúde”.(Disponível em
http://bvsarouca.cict.fiocruz.br
, em 31/10/2006).
31
com o estabelecimento de uma nova ordem, a partir de quando a questão social
2
foi
colocada para a sociedade como um todo, contexto esse que apresenta, ainda,
como “(...) indicadores mais visíveis o processo de industrialização, a redefinição do
Estado, o surgimento das políticas sociais, além de outras respostas às
reivindicações dos trabalhadores.” (BRAVO, 2000, p. 105)
Para clarificar melhor os caminhos que a política de saúde percorreu a partir
de então para atender a nova ordem estabelecida e às exigências do modo de
desenvolvimento capitalista em nosso país (BRAGA & PAULA, 1981), é importante
ressaltar os objetivos e limites da política social que, emergente nesse período,
oferecia alguns direitos aos que participavam legalmente do processo produtivo, ou
seja, àqueles que estavam inseridos no mercado formal de trabalho, segundo a
concepção e formatação do seguro social, que oferecia proteção e assistência
somente aos que contribuíam, deixando excluída do seu alcance uma parcela
imensa da população brasileira, como era o caso dos trabalhadores rurais,
empregadas domésticas e autônomos, além da própria mão-de-obra desempregada.
Fato que simbolizou essa política foi a criação, em 1932, dos Institutos de
Aposentadorias e Pensões – IAP’s, durante o Governo Vargas.
A criação desses Institutos objetivava, inicialmente, tão somente oferecer
assistência previdenciária à população inserida no mercado formal de trabalho. No
entanto, a Previdência Social brasileira ofereceu também assistência dica,
desenhando um formato de política de saúde que beneficiou especialmente essa
parcela da população. Assim, os que contribuíam com a Previdência Social tinham o
acesso garantido e, aos excluídos do mercado formal de trabalho e desempregados,
restava a assistência oferecida pela pequena e precária rede pública de assistência
e serviços filantrópicos.
Essa forma de inserção da política social brasileira configurou o que Santos
(1979) denominou de “cidadania regulada”, conceito esse que, implícito na prática
2
Segundo Iamamoto (2002, p. 26), “a questão social diz respeito ao conjunto das expressões das
desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a
intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção, contraposto a
apropriação privada da própria atividade humana o trabalho -, das condições necessárias a sua
realização, assim como de seus frutos. [...] A questão social expressa, portanto, desigualdades
econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por disparidades nas relações de
gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando em causa amplos segmentos
da sociedade civil no acesso aos bens da civilização”. (p. 26).
32
política do novo governo, englobava como cidadão os indivíduos que se
encontravam nas ocupações regulamentadas por lei.
Nesse processo, a política nacional de saúde reforçou e consolidou a
condição dessa cidadania, com um modelo de assistência que permitia ainda, a
canalização dos recursos públicos para o setor privado, com a criação de diversos
mecanismos que viabilizavam esse repasse, como a compra de serviços dico-
hospitalares, pelo setor público do setor privado (MORAES, 1997).
Esses mecanismos foram viabilizados, além das motivações políticas e
ideológicas, com a forma de estruturação da política de saúde que, a partir de 1930,
esteve organizada nos subsetores de saúde pública e da medicina previdenciária.
Apesar dos limites encontrados, o subsetor da saúde pública foi hegemônico até a
década de 1960, e, a partir daí, no contexto da nova conjuntura imposta pelo golpe
militar, a medicina previdenciária se consolidou como modelo de atenção. A partir de
então, a política de saúde assumiu a sua face essencialmente mercantilista (BRAGA
& PAULA, 1981), fazendo crescer os problemas de saúde da população na
proporção em que crescia o acúmulo de capital.
O Golpe Militar de 1964 submeteu o Brasil à ditadura militar que administrou o
país através de um regime de exceção, que durou até 1985, e objetivou,
primordialmente, afastar a classe operária da cena política.
Durante esse período, a imposição de um estado de exceção com a ruptura
dos direitos civis da população e uma ditadura militar com o alinhamento político-
econômico sob tutela e proteção dos Estados Unidos da América, era primordial
para a modernização do Brasil (Arquidiocese de São Paulo, Brasil Nunca Mais,
1985).
Assim, o governo militar que se transformou numa sucessão de atos
institucionais, construções de grandes obras e uma modernização que rompia com a
proposta nacionalista em curso a então, chegou, ao seu final, com uma
hiperinflação e dependência, cada vez maior, do país do capital externo.
A ruptura de abril de 1964 resultou no arquivamento das propostas
nacionalistas de desenvolvimento através das Reformas de Base. A
partir daí, foi implantado um modelo econômico que, alterado
periodicamente em questões de importância secundária, revelou uma
essência que pode ser resumida em duas frases: concentração da
33
renda e desnacionalização da economia. (Arquidiocese de São
Paulo, Brasil Nunca Mais, 1985, p. 60)
Articulados aos aspectos econômicos que impulsionaram o golpe de abril de
1964, os aspectos políticos que marcavam a conjuntura pré-golpista, como a
efervescência social, a busca dos movimentos sociais pela ampliação do espaço
público para expressão da “fala” dos movimentos sociais do campo e da cidade
também constituíam aspectos que dissoavam do projeto político dos mentores do
golpe.
A ditadura militar de 64 significou uma brutal anulação da fala, que só
voltaria a se manifestar de forma mais pronunciada quase vinte anos
depois. O golpe foi a forma encontrada pela burguesia para recompor
um novo bloco no poder. Apesar de não existir antes de 64 uma
situação pré-revolucionária, existia uma situação potencialmente pré-
revolucionária. À incapacidade histórica da burguesia de realizar sua
hegemonia se somou um crescente movimento de massas. No
campo a expressão maior desse movimento era as Ligas
Camponesas, que segundo Oliveira (1999), não podem ser medidas
por sua capacidade de travar a luta armada com o latifúndio, mas
porque ‘deram a fala, o discurso, capaz de reivindicar a reforma
agrária e des-subordinar o campesinato, após longos séculos, da
posição de mero apêndice da velha classe dominante latifundiária’.
nas cidades o movimento de massas se organiza e mobiliza em
torno das Reformas de Base. (ROMAO, 2006, p.103)
O crescimento do autoritarismo e das arbitrariedades cometidas pelos
políticos e militares a seu serviço configuravam um cotidiano perverso para qualquer
iniciativa de contestação à ordem então instituída, e os protestos gerados foram
reprimidos com violência, anunciando, à medida que os anos passavam, o
endurecimento do regime.
Os partidos políticos de oposição, especialmente os partidos comunistas,
como o PCB e o PC do B, foram duramente perseguidos e seus principais militantes
foram presos e torturados, resultando em vários “desaparecimentos”, alguns nunca
explicados.
Por outro lado, a proposta de modernização apresentada pelo regime não
significou uma ruptura com as estruturas de mando e poder estabelecidas. Assim,
o coronelismo, os grandes latifúndios e as oligarquias foram incorporados ao poder
garantido pela ditadura, revelando uma índole concentradora e excludente do
modelo econômico que
34
(...) pode ser aferida a partir de diversos indicadores: política salarial,
política tributária, política fundiária, política de investimentos, etc. (...)
Para a aplicação desse modelo econômico, foi necessário alterar a
estrutura jurídica do país, reforçar o aparato de repressão e controle,
modificar radicalmente o sistema de relação entre executivo,
legislativo e Judiciário. Em outras palavras: foi necessário montar um
Estado cada vez mais forte, apesar de se manterem alguns disfarces
de normalidade democrática. (Arquidiocese de São Paulo, Brasil
Nunca Mais, 1985, p. 60)
Além da forte repressão instalada, o que se observa é que a conformação da
política acontecia também nas várias dimensões da vida, e se a coerção era o
símbolo da forma de relação da sociedade política com a população, outras formas,
não menos importantes, foram também utilizadas.
Assim, sob o forte esquema de segurança nacional e os slogans de “Esse é
um país que vai pra frente” e “Brasil, ame-o ou deixe-o”, a população foi convocada,
pelos defensores do golpe, a participar do “esforço cívico” de construção de um país
grande e potente, livre da ameaça comunista, com relativo e temporário êxito.
Como consequência desse modelo de desenvolvimento adotado, que
privilegiou o grande capital interno e externo durante os governos militares, ocorreu
o aprofundamento dos problemas sociais, a refuncionalização das políticas sociais, o
aumento do poder de regulação sobre a sociedade e a quebra da resistência da
sociedade organizada para suavizar as tensões sociais, obter legitimidade para o
regime e servir de mecanismo de acumulação de capital (MOTA,1995 e BRAVO,
2000).
Outra forma importante do ponto de vista de sua continuidade encontrada
pelo Estado para se relacionar com a sociedade, foi através da política social. De
acordo com Andrade (1980), era na política social que se encontrava a explicação
para a relativa estabilidade do regime, o que podia ser constatado e justificado ao se
observar o número elevado de medidas de políticas sociais nesse período.
No entanto, apesar das inúmeras medidas de políticas sociais existentes no
período, uma análise qualitativa revela que na perspectiva da igualdade social, o seu
significado e impacto foram irrelevantes.
35
Focando a análise no setor saúde, observa-se que houve maior reforço das
experiências centralizadoras e privatizantes e, com a hegemonia da medicina
previdenciária nesse período, aumentou a parcela da população sem assistência, o
que, em um contexto de política econômica concentradora de renda, foi mais um
elemento que contribuiu para o agravamento da questão social.
Ainda, com a incorporação das modificações tecnológicas ocorridas no
exterior e o crescente processo de medicalização da vida social, tanto na saúde
pública quanto na previdência social (BRAVO, 2000) houve o reforço à prática clínica
através de ações centradas na assistência curativa e individual e maior
desvalorização das ações preventivas e coletivas preconizadas pela saúde pública,
caracterizando, assim, o modelo assistencial adotado. Em meados da cada de
1970, o setor saúde apresentava
(...) um grande crescimento dos serviços médicos privados,
especialmente hospitais, mal distribuídos e concentrados nas
grandes cidades, e que foram todos contratados pelo INAMPS.
Por outro lado, como não havia interesse em que o serviço
público funcionasse, para favorecer os privados, os hospitais,
ambulatórios e Centros de Saúde públicos foram
desprestigiados e começaram a piorar. Isso tudo aconteceu
numa época em que a Previdência Social tinha bastante
recurso (NETO, 1994, p. 8).
Na década de 1970, em um contexto de nova crise mundial do capitalismo, de
profundas modificações na dinâmica do capitalismo e de esgotamento do milagre
econômico brasileiro, revelou-se também um quadro de crise de resolutividade dos
serviços de saúde, quadro esse que era consequência, como tão bem observa Silva
Júnior (1998), da ineficácia, ineficiência e iniquidade do modelo hegemônico de
atenção que, apesar de seu grande custo e utilização de alta tecnologia, não
respondia às principais necessidades de saúde da população. Estavam
configuradas, dessa forma, a crise econômica e política do contexto maior, e uma
crise setorial do setor saúde. A análise de uma implica necessariamente na análise
da outra, em estreita relação. Como conclui Oliveira (1989, p. 14) a crise do setor
saúde
36
não passa, na verdade, de uma expressão setorial da situação mais
abrangente, da crise simultaneamente econômica e política, ‘de
legitimação’ e ‘fiscal’ que o regime autoritário atravessou, naqueles
anos de fim do anterior período de crescimento acelerado da
economia e de início do chamado processo de ‘abertura’ política.
Configurando esse cenário da crise da década de 1970, os governos militares
davam sinais também de seu esgotamento e o processo revelava, cada vez mais, a
impossibilidade de sua continuidade. No entanto, mesmo com a crise de
continuidade dos governos militares e passado o período mais repressivo do
autoritarismo brasileiro, ainda havia forte esquema para a conformação dessa
política, o que demonstrava a intenção de garantir a continuidade da ordem
estabelecida.
Os generais presidentes respondiam a qualquer contestação à
ordem com repressão. Esse foi o exemplo das greves de Contagem
e Osasco/MG em 1968 e da intervenção no Sindipetro-BA em 1968.
Apenas em fins de 1973, com a anticandidatura a Presidente da
República de Ulisses Guimarães e do seu vice Barbosa Lima
Sobrinho, a sociedade brasileira começa encontrar caminhos
legítimos’, para expressar sua discordância àquele tipo de Estado.
Os anticandidatos emedebistas discursam pelo Brasil, denunciando
as práticas autoritárias e defendendo o retorno ao Estado de Direito.
Nas eleições do ano seguinte (1974) o MDB conquista uma grande
votação. É a primeira grande manifestação pública contra o arbítrio.
O partido de oposição é o desaguadouro do descontentamento social
que, naquele momento, ganha maior relevo, em função dos
problemas econômicos resultantes, entre outras questões, da crise
do petróleo (ROMAO, 2006, p. 109).
A intenção de garantir a continuidade do regime, no entanto, estava limitada
pelas contradições do próprio capitalismo que deveria garantir a sua reprodução
independente das frações e segmentos de classe. Assim, renovar torna-se
primordial, principalmente por que, nesse momento observa-se um espraiamento do
movimento operário e sindical para além das fábricas, sob orientação do Novo
Sindicalismo
3
, com novas formas de organização nos locais de trabalho e a luta pela
autonomia e liberdade dos sindicatos em relação ao Estado. Destacaram-se os
movimentos e lutas dos funcionários públicos, as Oposições Sindicais,
4
o
3
No Capítulo II, ao falar sobre o movimento sindical em Sergipe, trazemos mais dados sobre o Novo
Sindicalismo.
4
Característica importante do movimento sindical dos anos 1980, formado pelos ativistas sindicais
que não concordavam com as diretorias dos sindicatos, cuja maior expressão era a oposição sindical
dos metalúrgicos de São Paulo (OSMSP).
37
sindicalismo rural em ascensão desde os anos 1970, além da criação das centrais
sindicais.
5
(ROMÃO, 2006)
Nesse momento, “novos” e “velhos” atores sociais (re)colocaram-se em cena
e, entre eles, os movimentos sociais e populares que ressurgiram no quadro
nacional. Os partidos políticos colocados na ilegalidade “abrigaram-se” em siglas
“legais”, como o então MDB, e os seus militantes ressurgiram como importantes
atores protagonizando os movimentos dessa nova conjuntura.
No campo da saúde, importantes atores eram militantes do PCB, o “partidão”,
que sob a “orientação” partidária de militância nos campos específicos de trabalho,
tiveram participação importante no Movimento pela Reforma Sanitária Brasileira.
(MORAES, 1997)
Assistia-se, dessa forma, um processo cada vez mais intenso de
conformação/contestação, construção/desconstrução, que marcou a dinâmica
conjuntural a partir de então.
A crise econômica atinge a materialidade da sociedade civil,
repercutindo na política. Isso provocou a distensão e em seguida a
abertura, ou seja, a auto-reforma do poder. Buscava-se transitar de
forma controlada do Estado bonapartista-militarizado para o Estado
autocrático-burguês institucional, porém o que não estava previsto
nesse processo regulado por cima, foi o desabrochar de um
elemento novo, agudo e intenso sob a forma de ação operária
reivindicativa. As lutas operárias travadas no ABC paulista, pelo
Novo Sindicalismo no final dos 70 e início dos anos 80, contra a
super-exploração e pelo direito à fala, fará agudizar a crise que porá
fim a mais uma ditadura e restabelecerá, mesmo que de forma
limitada, o direito ao dissenso (Antunes, 1991; Oliveira 1999, apud
por ROMÃO, 2006, p. 104).
A cada de 1980 foi marcada por grave recessão e crise econômica, com a
elevação acentuada da dívida externa,
6
que era colocada pelo movimento sindical
como “(...) o grande mecanismo de dominação econômica e política e o principal
instrumento de dominação e transferência de nossas riquezas(ANAS\CBAS, 1991,
p. 10). Essa foi denominada “década perdida”, tendo em vista o não crescimento
industrial do país, sem aumento do número de empregos, quando os trabalhadores
5
A CUT foi criada em 1983; em 1986 foi criada a CGT.
6
O governo brasileiro pagou, somente em 1989, 11,3 bilhões de lares aos credores internacionais
para os juros da dívida externa (ANAS/CBAS, 1991).
38
foram extremamente penalizados, com o achatamento salarial, pela política
econômica dos governos. A política e modelo econômico adotados configuravam,
nos final dos anos 1980, um quadro, para cuja alteração os trabalhadores eram
constantemente mobilizados.
Indicadores da articulação cada vez maior do movimento sindical eram as
grandes greves contra o arrocho salarial e a política econômica, reveladores da face
política desse movimento, que constituiu um importante instrumento na reconquista
dos direitos usurpados pela ditadura e de seu reconhecimento enquanto sujeito
político, com direito a expressar sua fala. Esse processo não se deu sem conflitos,
mesmo no contexto da Nova República.
Desde o final da década de 70 e, apesar dos discursos dos
governantes, foi preciso que os trabalhadores abrissem caminho a
força”. Diversos sindicatos foram postos sob intervenção e houve até
prisão de alguns dirigentes sindicais, a exemplo do ocorrido nos
sindicatos dos petroleiros e metalúrgicos do ABC. Em julho de 1983,
houve intervenção federal nos sindicatos dos petroleiros na Bahia e
em Campinas, como represália às mobilizações da categoria. Em
julho desse mesmo ano, o governo intervém nos sindicatos dos
bancários e metroviários de São Paulo, após a greve geral. Em 1987,
ano caracterizado por Noronha (1991) como o ano das greves dos
funcionários públicos”, Sarney manda o exército intervir em diversas
greves, a exemplo dos portos e refinarias da Petrobrás, em março;
na CSN em agosto e Itaipu, em setembro. (ROMAO, 2006, p. 126 e
127).
Foi nesse contexto que se constituiu a base do chamado movimento pela
Reforma Sanitária Brasileira, em um processo de reflexão sobre o quadro sanitário
nacional, a precária condição de vida do povo brasileiro e a péssima assistência que
era prestada à sua saúde.
A estruturação desse movimento no Brasil, que ocorreu também em diversos
outros campos e movimentos, foi caracterizada pela construção do pensamento
crítico social da saúde, com a incorporação das teorias sociais e da teoria marxista,
do materialismo dialético e materialismo histórico, e a configuração da tese sobre a
determinação social das doenças.
Esse movimento denunciava o modelo de desenvolvimento adotado durante o
regime militar como estratégia concentradora de renda, que não distribuía benefícios
39
sociais, alijava a participação popular e, devido ao sistema público de saúde de
qualidade prestava precária assistência à saúde da população (NETO, 1994).
Assim, na busca da construção de espaços aglutinadores de força e
potencializadores de luta, o então denominado movimento sanitário, em 1976, criou
o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde - CEBES, que tinha como protagonistas
profissionais e estudantes da área da saúde, e apresentava propostas concretas de
“luta pela democratização da saúde e da sociedade, aglutinando e se caracterizando
como espaço privilegiado de produção de conhecimentos com uma prática política
concreta, seja em nível dos movimentos sociais, das instituições ou do parlamento”
(disponível em http://cedoc.ensp.fiocruz.br/cebes/, em 01/11/2006), revelando o
caráter político desse movimento.
A história do CEBES
7
revela que ele se constituiu efetivamente em potencial
espaço de luta do movimento sanitário na luta pela democratização da saúde,
quando, em 1979, durante o I Simpósio Nacional de Política de Saúde, realizado
pela Comissão de Saúde da mara dos Deputados, representando o movimento
sanitário,
(...) apresentou e discutiu publicamente, pela primeira vez, sua
proposta de reorientação do sistema de saúde que se chamava,
na época, Sistema Único de Saúde. Essa proposta, levando em
conta experiências bem sucedidas em outros países, propunha, ao
lado da democratização geral da sociedade, a universalização do
direito à saúde, um sistema de saúde racional, de natureza pública,
descentralizado, integrando as ações curativas e preventivas e
democrático, com participação da população. (NETO, 1994, p. 9)
(grifos do autor)
Outro fato marcante que demonstra a consolidação do pensamento crítico no
setor saúde e o processo de criação e consolidação desses novos espaços foi a
criação, em setembro de 1979, da Associação Brasileira de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva – ABRASCO, propondo-se a atuar
7
No Capítulo II, quando discuto o processo de construção da Reforma Sanitária em Sergipe,
apresento dados que mostram a importância do CEBES como espaço fundamental de aglutinação
dos protagonistas implicados na luta pela democratização da sociedade brasileira e do setor saúde,
por meio dos dados específicos da atuação do CEBES em Sergipe.
40
(...) como mecanismo de apoio e articulação entre os centros de
treinamento, ensino e pesquisa em Saúde Coletiva para
fortalecimento mútuo das entidades-membro e para ampliação do
diálogo com a comunidade técnico-científica e desta com os serviços
de saúde, organizações governamentais e não governamentais e
com a sociedade civil. (disponível em
www.abrasco.org.br/sobre/index.php, em 31/10/2006).
Dentro dos limites apontados na atuação da ABRASCO, com discussões
bastante acadêmicas - o que dificultou o diálogo com a população, e mesmo com os
trabalhadores dos serviços não acostumados com o debate acadêmico (MORAES,
1997) se reconhe a importância desse espaço de efetivo debate, da sua
contribuição na consolidação do pensamento crítico no setor saúde, de estímulo à
pesquisa e construção do conhecimento.
Ainda outros espaços foram utilizados pelos militantes do movimento sócio-
sanitário, para reflexão dos saberes e fazeres, como foi o caso da Associação
Brasileira de Educação Médica (ABEM) e a Sociedade Brasileira de Higiene (SBH).
A primeira tinha uma ação específica entre os médicos e “(...) concentrava seus
esforços nas lutas institucionais e científicas nas faculdades de Medicina,
principalmente nos Departamentos e Núcleos de Saúde Coletiva, que se
multiplicaram nos anos 70” (MORAES, 1997, p. 72). A segunda com contava com
outros profissionais da saúde pública, além de médicos, e constituía “(...) um foco de
históricos militantes (e personalidades) que enfatizavam o modelo
desenvolvimentista de saúde pública. (Ibid., p. 72).
O movimento sanitário, assim, ampliava seus espaços de intervenção e
influência, interlocutores e protagonistas, ganhava, cada vez mais, maior visibilidade
para a sociedade como um todo e reafirmava o caráter político da luta pelo direito à
saúde.
Além do CEBES, ABEM, ABRASCO e SBH, outras instituições da
sociedade civil, de âmbito local ou nacional, e outras instituições
articuladas a outras categorias e saberes que se defrontavam, direta
ou indiretamente, com o quadro sanitário, participaram e
influenciaram no debate e nas lutas do setor saúde. Psicólogos,
assistentes sociais, demógrafos, cientistas sociais, economistas,
estatísticos, etc. foram alguns deles, todos buscando influenciar o
41
debate com seus projetos sociais e suas práticas e saberes
específicos. (MORAES, 1997, P. 73).
Percebe-se, assim, que o movimento incorporava diversos setores e
segmentos envolvidos no setor saúde, na luta por um projeto que tivesse como
referência os direitos sociais e não incorporasse a saúde como uma mercadoria.
No entanto, ao mesmo tempo em que essa tão ampla participação
representava uma potencialidade do movimento, revelava um dos seus limites;
devido à heterogeneidade de leituras e projetos que esta ampla participação
implicava, ainda que houvesse, uma unidade no discurso, a prática proposta seguia
caminhos diversos. (MENDES, 1994)
Outrossim, podemos acreditar que esses limites eram também impostos pela
complexidade da questão social que se configurou em nosso país, pela acentuada
fragmentação dos direitos sociais, além da natureza restrita que caracterizava a
política social brasileira consolidada historicamente.
Desta forma, ainda que o movimento sanitário o encontrasse espaço para
impor sua proposta ao Governo naquele momento (NETO, 1994), as pressões
advindas dos movimentos sociais fizeram com que os governos, na tentativa de
garantir a reprodução e continuidade do regime político, redirecionassem sua
relação com a população, dando respostas a algumas de suas reivindicações,
traduzidas na reorientação mesmo que de forma parcial e tímida das políticas
sociais.
A partir de então, o setor saúde foi espaço de realização de diversas
experiências objetivando a reorganização dos serviços de saúde, a incorporação da
participação da população na política, a reorientação das práticas dos profissionais e
a criação do sistema único de saúde.
No discurso oficial e na política de saúde as reflexões começavam a se
desdobrar em medidas e programas. Assim, em 1975, foi criado o Sistema Nacional
de Saúde SNS com nova proposta de articulação entre o Ministério da Saúde e o
Ministério da Previdência e Assistência Social - MPAS e destes com as Secretarias
Estaduais e Municipais de Saúde, ou seja, uma rearticulação, em outros moldes,
42
entre a medicina previdenciária e a saúde pública. Segundo essa proposta, caberia
ao SNS:
a) Integração das práticas de saúde pública com as de medicina
previdenciária;
b) Rearticulação das unidades do setor público, e destas com o setor
privado;
c) Regionalização da assistência médico-sanitária considerados os
perfis epidemiológicos de cada área do país (BRAGA & PAULA,
1981, p. 198).
A criação do SNS objetivava superar o padrão anterior de assistência que era
estritamente previdenciário, curativo e direcionado para os maiores centros urbanos.
Com ele seriam criadas duas redes, autônomas e complementares, uma
denominada rede de assistência médico-sanitária (sob gestão do setor blico) e a
outra denominada rede de assistência médico-hospitalar (com gestão dos setores
público e privado).
O conjunto médico-sanitário seria composto pelos Postos de Saúde
(unidades mais simplificadas), Centros de Saúde (com ações visando
saneamento básico, imunizações, alimentação e nutrição, educação
para a saúde e prestação de assistência médica individual) e
Unidades Mistas (Centros de Saúde acoplados a um hospital com
possibilidade de internação em pediatria, clínica médica, cirurgia e
gíneco-obstetrícia). (BRAGA & PAULA, 1981, p. 198)
Em 1976 foram criados o II Programa Nacional de Alimentação e Nutrição
II PRONAN e o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento
PIASS, objetivando levar ações essencialmente coletivas e preventivas para as
populações carentes, principalmente do interior do norte e nordeste brasileiro, numa
tentativa de ampliação da cobertura e de mudança do padrão de assistência
meramente curativo.
A partir de então, os programas passaram a incorporar o discurso da
participação comunitária, contudo com práticas esvaziadas desse sentido, uma vez
que não apresentavam propostas efetivas de mudança do modelo assistencial e
também não garantiam a eficácia comunitária. (CARVALHO apud BRASIL, 2006)
Ainda, esses programas apresentavam características fundamentais do
período autoritário, quando os planos e projetos tinham um caráter essencialmente
43
tecnocrático, eram elaborados de forma centralizada e por técnicos distanciados da
realidade da população. Assim, as propostas anunciavam mudanças, mas desde
o momento de sua elaboração, revelavam lacunas e contradições, que podem ser
explicadas pela herança política do autoritarismo e pelas contradições conjunturais
que inviabilizaram a sua plena efetivação.
No entanto, mesmo com limites e contradições, esses programas e medidas
apresentavam propostas de redesenho da política de saúde, de retomada dessa
diretriz após mais de uma década em que ela esteve marginal no MPAS, e
praticamente ausente do discurso oficial na perspectiva da ampliação de sua
cobertura. Significaram, ainda, a busca de recolocação estratégica do Ministério da
Saúde no direcionamento dessa política e, mesmo que “(...) de forma limitada,
aumentaram as contradições no Sistema Nacional de Saúde”. (BRAVO, 2001, p. 24)
A realização da Conferência Internacional de Cuidados Primários de Saúde,
realizada em Alma Ata (URSS), em 1978, quando 134 países e 67 organismos
internacionais se comprometeram em assumir “Saúde para todos até o ano 2000”,
constituiu, no plano externo, uma motivação para o debate interno sobre os saberes
e fazeres no setor saúde e um marco político para a reorganização dos sistemas de
saúde.
Nessa conferência o debate esteve centrado na assistência à saúde da
população, nos “cuidados primários”, no reverso do que pregava o modelo
flexneriano, e apontava a necessidade de construção de outras formas de atenção.
Segundo o documento final, Cuidados Primários devem ser entendidos como:
(...) cuidados essenciais em saúde baseados em métodos e
tecnologias práticas cientificamente bem fundamentas e socialmente
aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias
da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a
comunidade e o país possam manter em cada fase de seu
desenvolvimento (...) Representam o primeiro nível de contato dos
indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de
saúde, pelo qual os cuidados a saúde são levados o mais
proximamente possível aos lugares onde as pessoas vivem e
trabalham (Declaração Alma Ata, 2006).
Partia-se da constatação de que os modelos referenciados nos princípios
flexerianos apresentavam alto custo de implementação, o que inviabilizava a sua
44
operacionalização. Assim, deveriam ser conjugados esforços na construção de
modelos de baixo custo, com cobertura mais abrangente para o cidadão e sua
família, e incorporar a participação popular no discurso. (SILVA JUNIOR, 1978)
As discussões e deliberações de Alma-Ata “oxigenaram” o movimento pela
Reforma Sanitária em nosso país, e impulsionando as discussões sobre a Atenção
Primária revelaram a necessidade e importância de construção de uma política
efetivamente pública de saúde, com maior cobertura, e de construção de outros
fazeres.
Apesar das contradições nas concepções e experiências posteriores à Alma-
Ata, especialmente no que se refere ao entendimento sobre atendimento primário
como sendo uma assistência simplificada, sem a incorporação de tecnologia, uma
“assistência pobre para os pobres”, a incorporação, nessas experiências, de
questões como resolutividade dos serviços, equidade e participação da população,
sem dúvida alguma, constituíram o sabor novo para aqueles excluídos de qualquer
forma de assistência e de participação, também para os defensores da construção
de outro sistema de saúde e de novas formas de relação com a sociedade, nos
espaços da assistência.
Toda essa discussão, aliada às crises e contradições perceptíveis na
realidade brasileira, davam visibilidade ao movimento pela Reforma Sanitária,
impulsionavam as experiências de descentralização em curso, pressionavam os
governos para sua incorporação no discurso oficial, o que resultou em algumas
(...) mudanças institucionais, distribuição e reorientação de parte das
verbas para o setor. O governo da Nova República ampliou o gasto
público com o setor para cerca de 3,9% do PIB. Destes, 1,4%
corresponde ao gasto privado direto, subsidiado pelo governo
(através do imposto de renda), pelas famílias e pelas empresas
(MORAES, 1997, p. 62).
O movimento ampliava e consolidava as discussões sobre a determinação
política, econômica, social e cultural dos considerados “problemas de saúde da
população” e do conceito de saúde, que historicamente esteve referenciado em uma
concepção meramente biológica e mecânica, e apresentava como propostas a
necessidade de ampliação da discussão para além da doença, e a criação de um
45
sistema de saúde único, democrático, com participação popular, integral e
equânime, com responsabilização estatal pela assistência à saúde da população.
O advento da Nova República significou a consolidação, “pelo alto”, de
diversos movimentos que almejavam a reconstrução da democracia e um discurso
que expressava uma preocupação com os direitos sociais da população. No que
pese os entraves políticos para a garantia e operacionalização dos mesmos,
assistiu-se um processo de recolocação desses direitos nas políticas sociais. No
setor saúde ocorreram mudanças significativas, com a entrada de alguns sanitaristas
no espaço institucional, ocupando cargos importantes na condução e gestão dessas
políticas e implementando algumas mudanças pontuais, mas importantes para os
avanços posteriores.
O setor privado absorveu, até a metade dos anos 80, parte
expressiva dos recursos do INAMPS, chegando, em determinados
momentos, a quantias que correspondiam a quase três quartos do
orçamento para o setor saúde. A partir de 1987, as verbas revertidas
para a rede privada conveniada começaram a ser reduzidas, não
ultrapassando a faixa dos 50% das despesas do INAMPS.
(MORAES, 1997, p. 69)
Com o agravamento da crise política e econômica, com rebatimentos nas
políticas sociais, em 1980 o Governo elaborou o Programa Nacional de Serviços
Básicos de Saúde- PREV-SAÚDE, inspirado nas propostas de Alma- Ata e propondo
uma reorientação global do sistema com a implantação de uma rede de serviços
básicos, integrando o MPAS e o Ministério da Saúde. No entanto, mesmo antes de
ser operacionalizada, a proposta sofreu tantas reformulações que se reduziu a uma
proposta de racionalização do sistema, numa perspectiva de contenção de recursos,
sem alterar o setor privado e seus privilégios. As resistências ao programa e os
argumentos de que ele fatalmente agravaria ainda mais a qualidade dos serviços,
fizeram com que o mesmo fosse esquecido e engavetado.
Em 1981, ainda no cenário de crise, observam-se, cada vez mais, mudanças
na forma de relacionamento do Estado ainda com suas marcas autoritárias com
a população; exemplo disso a presença do discurso da participação quando da
criação do Conselho Nacional de Administração de Saúde Previdenciária
CONASP, como órgão do MPAS.
46
(...) o Conasp era de representação mista, não paritária, entre Estado
e sociedade, com predominância desta última, embora com sub-
representação da classe trabalhadora. Deveria atuar na organização
e aperfeiçoamento da assistência médica e na sugestão/elaboração
de critérios para racionalização dos recursos previdenciários
destinados à assistência (Inamps). Em sua atuação, o Conasp foi
tornando visíveis os projetos em disputa na arena das políticas
públicas de saúde: (a) o conservador privatista do setor privado
contratado; (b) o modernizante privatista dos interesses da
medicina de grupo; (c) o estatizante dos técnicos ministeriais e da
oposição; (c) o estatizante dos técnicos ministeriais e da oposição;
(d) o liberal de parte dos técnicos e da medicina liberal (...)
predominou uma aliança entre o pensamento médico-liberal (situado
no aparelho previdenciário), com a derrota do segmento privado
contratado (...) propôs-se, como princípio estratégico, o gradualismo
político (alcance gradual de metas) na mudança do sistema, sem
afetar, de imediato, o setor privado e o centralismo, e com um
esboço de participação social. (BRASIL, 2006, p. 42 e 43)
Em 1982, ainda no bojo da crise do MPAS, como uma das medidas do
CONASP, mudou-se a forma de pagamento de serviços ao setor privado, que antes
era por atos e a partir de então passou a ser por diagnóstico, estratégia utilizada
para contornar o alto custo com as despesas hospitalares, com a instituição da
Autorização de Internação Hospitalar AIH. O conjunto de medidas incluiu a criação
das “Ações Integradas de Saúde AIS”, no mesmo ano, incorporando os princípios
de universalização, equidade, descentralização, regionalização e fortalecimento do
poder público. Com as AIS previa-se a celebração de convênios entre o MPAS,
Estados e Municípios para ampliação e garantia da cobertura assistencial, com o
consequente repasse de recursos e utilização da capacidade instalada do INAMPS,
nesse momento bastante ociosa. Além, com as AIS houve uma aproximação
maior entre os ministérios envolvidos, com a criação da Comissão Interministerial de
Planejamento CIPLAN e das Comissões Inter-institucionais de Saúde CIS, as
Comissões Regionais Interinstitucionais de Saúde CRIS e as Comissões
Interinstitucionais Locais e/ou Municipais de Saúde CIMS, no âmbito estadual,
regional e no âmbito municipal, respectivamente. Apesar das mudanças em curso,
as AIS, consideradas como embriões do SUDS e posteriormente do SUS, e as
medidas do CONASP, consideradas como uma reedição com nova roupagem do
PREV-SAÚDE, provocaram fortes reações a sua implementação.
8
8
- No Capítulo II, ao tratar sobre a reforma Sanitária em Sergipe, trazemos alguns dados que
corroboram esse argumento.
47
Com o acúmulo dessas experiências e discussões sobre o quadro sanitário
nacional, em processo de ampliação da participação, agora requerida nos níveis
decisórios e não somente na ação e execução, ocorreu a VIII Conferência Nacional
de Saúde, em 1986, que reuniu, em Brasília, mais de quatro mil delegados, com
significativa participação de gestores, usuários e trabalhadores,
9
processo esse
iniciado nas conferências municipais e estaduais, ocorridas em todo o país, o que
deu grande visibilidade à luta do setor saúde e aprofundou o debate sobre os temas
e propostas.
O conjunto de propostas aprovadas na VIII Conferência pode ser sintetizado
em três grandes temas, a saber: o conceito de saúde, articulado às condições de
vida e na intersetorialidade com as demais políticas sociais; a criação do novo
sistema de saúde, universal, descentralizado e integral e o financiamento desse
sistema, para que ele não se constituísse em mais um “discurso de intenções”.
As discussões e deliberações aprovadas na VIII Conferência influenciaram,
de forma decisiva, a criação do SUDS, em 1987, como etapa transitória ao SUS, e o
consequente deslocamento das decisões do MPAS para as Secretarias Estaduais
da Saúde. O SUDS, assim, ficou conhecido como a fase da “estadualização” da
saúde, quando as ações de saúde migraram para esse nível de governo, o que
provocou tensões com os “dinossauros” do INAMPS e o Ministério da Saúde,
insatisfeitos com a perda e deslocamento do poder.
Essa tensão virá mais uma vez à tona na década posterior, no processo de
discussão sobre a extinção do INAMPS e de sua incorporação pelo Ministério da
Saúde. (MARSIGLIA, 1993 e BRASIL, 2006)
Uma avaliação geral do SUDS, desde a sua fase de implantação, em
1987, até 1988, demonstra que ele não deve ser interpretado como
um fim em si mesmo, embora seja possível compreendê-lo como
uma totalidade que escapou das pretensões iniciais de seus
formuladores, mas como uma etapa na construção no processo de
unificação do sistema de saúde. Uma etapa produzida por uma
visão, estratégias e alianças conjunturais (MORAES, 1997, p. 121).
9
- O setor privado não participou da VIII Conferência.
48
1.2. A Criação do Sistema Único de Saúde - SUS
Como fruto da visibilidade e articulação política dos diversos movimentos
sociais, coordenados e articulados em torno do movimento pela Reforma Sanitária
Brasileira, nos anos 1980, conquistou-se, por meio da Constituição Federal de 1988
que incorporou o conjunto de proposições da VIII Conferência a garantia do
princípio da saúde como um direito do cidadão e um dever do Estado, a base legal
de criação do Sistema Único de Saúde SUS, que surgiu como estratégia
descentralizada para a atenção e o cuidado à saúde.
A sua criação, integrada à seguridade social e baseada no princípio da
universalidade, rompeu com a perspectiva do seguro social presente historicamente
na política de saúde brasileira, e com a garantia do acesso somente aos que com
ela contribuíam.
O propósito das diretrizes do SUS configura um sistema de saúde formado
por uma rede de serviços, públicos e privados, descentralizada, com comando único
em cada esfera de governo, regionalizada e hierarquizada, na qual o setor privado
deve ter uma participação complementar à do setor público, firmada por convênios e
contratos, com prioridade de participação das instituições filantrópicas e sem fins
lucrativos. (HEIMANN et al, 2000)
Nesse sistema, a participação da sociedade foi colocada como princípio
fundamental, explicitador e norteador da sua concepção política, considerada
ferramenta que garante à população exercitar o controle do processo de formulação,
implementação e avaliação das políticas. A participação, assim concebida, tornou-se
quesito fundamental para a garantia do pleno direito à saúde. Esse princípio,
definido por ocasião da VIII Conferência Nacional de Saúde, garantido
constitucionalmente em 1988 e regulamentado através da Lei 8.142/90, definiu as
formas de participação da comunidade na gestão do SUS e instituiu duas instâncias,
em cada esfera de governo, para o exercício do controle social: as conferências e os
conselhos de saúde. Esses são, segundo a base legal, os novos espaços de
participação da população, usuários e trabalhadores, na política de saúde.
Observa-se assim, que o controle realizado pela sociedade sobre a gestão
das políticas sociais então instituído, inverteu a forma de controle social antes
49
exercido pelo Estado sobre a sociedade, individual ou coletivamente, pelo viés
autoritário e repressivo (HOBBES, 1988).
A definição desses espaços significou além de uma garantia de efetivação do
pleno direito à saúde, um dos instrumentos para a operacionalização da gestão
democrática ou participativa, tal como reivindicada pelos movimentos sociais, na
tentativa de fragmentação de um poder excessivamente centralizado que se
consolidou no país principalmente após os anos 1930.
No entanto, a implantação do novo sistema se iniciou na década de 1990,
após a promulgação das leis orgânicas da saúde e do processo constituinte que se
estabeleceu em cada estado e município brasileiro. A partir de então deslanchou um
processo complexo e heterogêneo, que se delineou de acordo com as
especificidades de cada local, e esbarrou na falta de clareza dos gestores sobre a
condução do mesmo. Tendo em vista a necessidade do estabelecimento de
dispositivos operacionais que regulassem os papéis de cada nível de gestão,
surgiram tensionamentos cada vez maiores entre os estados, os municípios e o
governo federal, caracterizando uma dinâmica institucional de disputa por verbas.
(BRASIL, 2006)
Agravante desse processo foi a eleição do novo presidente do país,
mobilizando esperanças e frustrações. Esse, com uma proposta privatizante,
realizou cortes dos gastos públicos e, através de uma reforma econômica e
administrativa promulgada através de Medidas Provisórias nos primeiros dias de
seu governo, iniciou o projeto de desmonte do estado.
No seu plano de governo, Collor promete elevar os gastos nacionais
com saúde em 10% mas, na prática o que ocorreu foi contrário ao
estabelecido na Constituição de 1988. Assim o direito à saúde foi
restringido e ‘ao cabo de três anos de governo federal se contraiu em
40%, passando-se de um orçamento de quase US$ 12 bilhões em
1989 para cerca de US$ 7 bilhões em 1992, conforme valores
convertidos em dólar em março de 1993’. Os gastos com saúde no
período 1980-1990 alcançaram o nível máximo, em 1989, de 3,3 do
PIB, mas reduziram-se drasticamente no governo Collor, voltando a
2,7% somente em 1995. (BRASIL, 2006, p. 115)
Assim, como um barco andando contra a maré, a implementação do SUS se
iniciou em um contexto de colapso do padrão de acumulação que vinha se
50
desenvolvendo desde os anos 1930 –, e também de um modelo de estado que vinha
se desenvolvendo desde então, numa conjuntura de adoção do neoliberalismo,
10
da
tese do estado mínimo, de desmonte do sistema de proteção social e de focalização
das políticas públicas. Enfim, um contexto marcado, pela necessidade do
capitalismo, de redefinição do papel econômico desempenhado pelo estado, que
agora terá de reduzir as suas atribuições, frente à sociedade.
No setor saúde, outros exemplos dessa investida de desmonte dos princípios
do SUS foi o adiamento, em 1991, da realização da 9ª Conferência Nacional de
Saúde, apesar das pressões dos gestores e do Conselho Nacional de Saúde, que
garantiu a validade das conferências estaduais e municipais ocorridas nesse ano.
Além disso, ainda em 1990, foram vetados os artigos da lei orgânica da saúde
que definiam a incorporação do INAMPS pelo Ministério da Saúde; as formas de
participação popular na gestão do SUS e os artigos que definiam as formas de
repasse de recursos para o SUS e os repasses automáticos do Fundo Nacional de
Saúde para os municípios, que se tornou a principal questão jurídica e política dos
defensores do SUS. Tal questão, no entanto, não arrefeceu a mobilização popular,
apesar da forte articulação dos setores interessados na manutenção do veto, como
os representantes de hospitais e lobistas do setor privado.
O veto mobiliza os setores que defendem a participação da
sociedade na questão da saúde, principalmente o movimento
sanitário, articulando-se uma plenária de entidades do setor, que
conseguem do então ministro da Saúde, Alceni Guerra, um
compromisso de envio de um novo projeto de lei que contemple os
artigos vetados. (BRASIL, 2006, p. 117)
10
Diferente do contexto do liberalismo clássico, fase do capitalismo concorrencial, o neoliberalismo
tem suas primeiras aplicações no governos Tatcher, na Inglaterra, e no governo Reagan, nos Estados
Unidos, em um contexto de economia monopolizada e de especulação financeira, no final do século
XX. Embora geralmente sejam consideradas apenas como concepção ou doutrina econômica, as
teses neoliberais constituem concepções teóricas e filosóficas que embasam as dimensões morais,
sociais e educativas de uma sociedade, uma vez que a ideologia do mercado acima de todas as
coisas não se fundamenta apenas em aspectos econômicos, diz respeito à questão da capacidade
dos homens no uso da razão e por conseguinte, os limites do planejamento central, (...) mas
perpassam também, fortemente, elementos da moral e da construção de um novo imaginário social’.
O consumidor soberano, que existe apenas em um ambiente de concorrência, permitirá o pleno
desenvolvimento moral e intelectual dos cidadãos. Desenvolve-se a tese que o mercado isentaria a
sociedade, inclusive dos preconceitos sociais e xenofobias ao não considerar as origens sociais dos
indivíduos, sua raça ou credo (ROMÃO, 2006, p.54).
51
Essa mobilização garantiu que o Congresso Nacional, posteriormente,
discutisse os artigos vetados na Lei 8.080/90 e os recuperassem em outra Lei, a
8.142/90, ficando assim o setor saúde com duas leis que o regulamentam.
Desse processo, o que se observa é que, durante toda a década de 1990,
disputaram os projetos que foram construídos na cada anterior por atores com
propostas bem diferenciadas: uma, refletindo um ideário democrático da saúde e
outra, o projeto neoliberal articulado na base da universalização excludente, que
hegemoniza, entre outros, o uso de mecanismos de racionamento, tendo como
conseqüência principal a queda de qualidade do subsistema público de saúde
(MENDES, 1994).
Nessa conjuntura, sob orientação das agências internacionais de
financiamento especialmente do Fundo Monetário Internacional - FMI e do Banco
Mundial –, “preocupadas” com o alto custo das medidas, o que se assistiu foi um
distanciamento dos princípios da universalidade e da equidade, com a assistência
prestada pelos programas oficiais cada vez mais focalizados e compensatórios, em
detrimento das necessidades reais vivenciadas pela população, com seus problemas
de doença agravados pela crise econômica e pela precarização maior da condição
de vida. Na saúde o quadro geral era caracterizado “(...) pelo sucateamento dos
serviços com longas filas, falta de material, pessoal desmotivado, infra-estrutura
desgastada, fraudes constantes”. (BRASIL, 2006, p 120)
Com o afastamento de Collor, a gestão Itamar Franco, que assumiu a
presidência no ápice de uma crise de legitimidade, caracterizou-se por algumas
ações populistas e, devido às pressões dos movimentos sociais, pela diminuição do
ritmo das privatizações,
11
da ofensiva neoliberal e do desmonte das políticas sociais,
e ainda o não encaminhamento da revisão constitucional. Apesar disso, observa-se
a continuidade de aspectos importantes da gestão anterior.
Embora tenha freado a crise ética e contido a inflação, as três crises
estruturais que marcaram o governo Collor continuam presentes: a
crise do pacto federativo, a crise de reestruturação das políticas
sociais, em especial da saúde, e a crise financeira. A primeira se
expressa, por exemplo, no processo de implementação de isonomia
normativa na criação dos conselhos de saúde (...) A crise de gestão
se manifesta na transferência e alocação de servidores, nas
11
Apesar de manter as privatizações das empresas estatais como meta (BRASIL, 2006).
52
demandas de salários, na capacitação (...) A crise financeira do setor
de saúde se agrava com o corte do repasse de recursos da
previdência social para a saúde, determinado pelo, então ministro da
Previdência, Antonio Brito (BRASIL, 2006, p. 123 e 124).
Diante disso, o que se assistia era a falta de repasse para alguns municípios
dos recursos da saúde, a indefinição sobre como os estados absorveriam a estrutura
e serviços do INAMPS e também sobre o processo de transferência dos servidores
desse órgão e sobre seus salários. Tais questões, associadas à recessão e arrocho
salarial, resultaram em efervescências, mobilizações e greves, passando para a
população um quadro de ineficiência e ineficácia do SUS.
A visibilidade dessas questões e sua repercussão negativa fizeram com que
o governo tomasse algumas medidas como a extinção do INAMPS, pela Lei nº 8.689
de 27/07/1993, e o consequente repasse de suas ações para os estados e
municípios, “(...) sem a demissão dos 96.000 funcionários do órgão, e com a criação
de um Sistema Nacional de Auditoria”. (BRASIL, 2006, p. 126) Nessa gestão, além
da realização das diversas conferências de saúde, como a II Conferência Nacional
de Saúde Bucal e também a II de Conferência de Saúde do Trabalhador, ocorreu,
ainda, a ampliação do quantitativo de conselhos de saúde existentes e a
identificação desses espaços como lócus privilegiados de deliberação da política de
saúde e de disputa para garantia dos princípios do SUS. Nesse momento,
“(...) já estavam cadastrados o Conselho Nacional de Saúde, 27
conselhos estaduais e 2.108 conselhos municipais, representando
cerca de 42% dos municípios brasileiros (total de municípios: 4.973).
Nos conselhos municipais, 49% dos representantes são usuários,
proporção que se reduz a 46% nos conselhos estaduais e a 48% no
conselho nacional (...) em 1993, os conselhos se firmam como
instancias políticas identificadas com a defesa do SUS (BRASIL,
2006, p. 127).
Além disso, houve a edição da Norma Operacional sica do SUS 01/93-
NOB/93 com a definição de parâmetros para a descentralização do SUS; a
regulamentação dos papéis e responsabilidades de cada nível de governo em
relação ao financiamento das ações e serviços; a definição das formas de gestão do
53
sistema
12
e os papéis, nesse processo, das Comissões Intergestoras Tripartite (CIT)
e Bipartite (CIB), nos âmbitos federal e estadual, respectivamente, estas também
submetidas aos conselhos de saúde. Estes foram aspectos que contribuíram para a
consolidação do controle social na política de saúde, ao colocar os conselhos como
atores centrais do processo, e, ainda, para o estabelecimento de novas práticas,
entre os gestores e níveis de governo, e novas relações na organização do sistema
de saúde e, consequentemente, para o fortalecimento do SUS.
A partir de 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso, observou-se um
aprofundamento do neoliberalismo e reorientação do papel do Estado. Em um
contexto de mundialização do capital, de redefinição da autonomia e papel dos
estados nacionais, embasado no ajuste fiscal e no desmonte das políticas sociais,
sob orientação do FMI, ocorreu um processo de desregulamentação e
desresponsabilização do Estado, com o objetivo de torná-lo cada vez mais diminuto
em relação às garantias dos direitos sociais e, no plano econômico, indutor de um
novo padrão de desenvolvimento e impulsionador da competitividade, orientado para
o mercado globalizado, em detrimento do mercado interno, o que foi viabilizado
através de um conjunto de reformas constitucionais.
Além desses aspectos, a privatização das estatais, com transferência do bem
público para o mercado, a desregulamentação dos direitos trabalhistas e a redução
dos direitos sociais, a instauração de um novo modelo de gestão gerencial blica
foram algumas das questões que implicaram na subjetividade dos trabalhadores e
na redução da participação nos sindicatos (ROMÂO, 2000), na transmutação do
cidadão, sujeito de direitos, em contribuinte- cliente e na diminuição do seu poder
nos conselhos das políticas sociais. (BRASIL, 2006)
Como medidas e aspectos mais importantes no setor saúde nesse
momento situam-se a aprovação da Emenda Constitucional 29/2000,
estabelecendo mecanismos de financiamento da saúde vinculados variavelmente
em cada nível de governo, com correção de acordo com o PIB; crescimento do
número de municípios habilitados em alguma forma de gestão; aumento do número
de equipes de saúde de família e da cobertura populacional; a posição firme do
12
As formas de gestão instituídas pela NOB/93 eram: incipiente, parcial e semiplena. Para a
habilitação, exigia que o município criasse o conselho de saúde com comprovação semestral de seu
funcionamento. Para a alocação de verbas, além desses requisitos, exigia os critérios de distribuição
do financiamento.
54
Conselho Nacional de Saúde na defesa dos princípios do SUS e do seu
financiamento; aprovação da NOB\SUS\96,
13
com avanços importantes no processo
de descentralização. Além disso, nesse período foi criado o cartão nacional de
saúde como instrumento de identificação dos usuários, vinculando-os a uma gestão
(estadual ou municipal), e consequentemente, como instrumento de
responsabilização pela integralidade da atenção, mas agregado ao sistema nacional,
o que garante atendimento em todo o território nacional e a edição da Norma
Operacional de Assistência à Saúde- NOAS\SUS, em 2001, com foco nos aspectos
assistenciais do sistema e cujos aspectos inovadores podem ser assim definidos:
Seus aspectos inovadores, enquanto norma operacional, foram a
elaboração de um Plano Diretor de Regionalização – PDR, com
diretrizes para a organização regionalizada da assistência; a
instrumentalização de gestores estaduais e municipais para o
planejamento\programação, regulação, controle e avaliação,
incluindo instrumentos de compromisso entre gestores; e a
atualização dos critérios e dos processos de habilitação de estados e
municípios às condições de gestão do SUS (...) Em relação à
organização da assistência, a norma enfatiza resolutividade da
atenção básica em todos os municípios, a partir de questões
consideradas estratégicas (...) estabelece também diretrizes gerais
para as ações de média e alta complexidade e requer a articulação
dos gestores municipais para a negociação e pactuação de
referencias intermunicipais, sob a coordenação e a regulação
estadual, através de programação pactuada e integrada. (BRASIL,
2006, p. 173 e 174)
Apesar dessas medidas, que ressalto como aspectos positivos, no mesmo
período as condições de vida e saúde da população tiveram uma mudança quase
inexpressiva,
14
os gastos com saúde mantiveram-se estáveis no primeiro mandato
(1995-1998), com um investimento de 2,015% do PIB, mas foram reduzidos no
período 1999-2002, ficando em 1,927% do PIB, redução acentuada principalmente a
partir de 2000 (BRASIL,2006).
Diante desses dados e dos aspectos conjunturais do período, nada favoráveis
à efetivação dos direitos, é possível afirmar, que no período seguinte à criação do
13
As formas de gestão colocadas pela NOB 96 para os municípios são duas, a saber: Gestão Plena
da Atenção Básica e Gestão Plena do Sistema de Saúde.
14
A rede de esgotamento sanitário adequado passou de 70,9% de domicílios urbanos, em 1995, para
76,7% em 2002, considerado como um aumento inexpressivo. As taxas de mortalidade por causas
externas,com o aumento da violência, passaram de 74,89% (por 100.000 habitantes), em 1997, para
70,09, em 200, também considerada diminuição inexpressiva (BRASIL, 2006, p. 166).
55
legal do SUS, quando os trabalhadores, usuários e gestores, no espaço institucional,
iniciaram o processo de articulação em torno da construção de estratégias para
implementação do novo sistema de saúde, o mundo assistiu o crescer da onda
neoliberal e da tese de incapacidade do Estado na produção das políticas sociais.
Campos (1992), caracteriza este como um contexto em que as estratégias propostas
alternavam-se em desdobramentos políticos conservadores ou reformistas,
enquadrando a criação do SUS no rol dos desdobramentos reformistas apesar de
concordar que “(...) há, de fato, uma clara dominância do projeto neoliberal no dia-a-
dia da ação governamental, apesar de a determinação legal, no caso da saúde,
apontar em outro sentido [e esta era] a contradição central do processo nacional de
reforma sanitária” (p. 19).
Nesse sentido, afirma o autor, no Brasil uma visível hegemonia da forma
de produção neoliberal, de uma estrutura de serviços com diversas modalidades
assistenciais que, no fazer cotidiano, se articulam com os interesses do setor privado
e interesses corporativos de parcelas dos profissionais de saúde, especialmente dos
médicos e dentistas. A consequência dessas formas de produção é a reprodução de
práticas mercantilistas, que, especialmente nessa conjuntura, têm sido reforçadas
pela ação do Estado, apesar de não serem novas, não surgirem no contexto da
conjuntura neoliberal. São características que encontram sua origem na forma liberal
produzida e conservada nos aparelhos de formação dos profissionais de saúde,
especialmente dos médicos.
Tendo em vista estes argumentos, é possível afirmar que essa prática
mercantilista é reforçada ao se colocar o direito à saúde na perspectiva “(...) de um
enquadramento individual, perdendo o caráter social que fundamenta a cidadania
plena que foi um dos ideais igualitários do século XX. Assim, a saúde vem cada vez
mais sendo tratada como um bem privado e não com o estatuto de um bem público”.
(NOGUEIRA, 2002, p. 10)
No entanto, tendo o entendimento da realidade como complexa e
contraditória, e compreendendo o movimento dos diversos atores sociais, contexto
no qual o processo de dominação, mesmo hegemônico, não consegue abarcar a
totalidade das dimensões da vida social, é que são visualizadas as perspectivas de
superação desses limites.
56
(,,,) o direito à saúde é um item complexo da agenda política e da
agenda governamental e o debate, ou seja, o confronto sobre seu
alcance e seu conteúdo, se subsume à concepção de saúde adotada
para direcionar a sua institucionalidade e sua constitucionalidade. Os
interesses presentes e a capacidade organizativa dos diferentes
grupos interessados darão o tom do debate e, mais que isso,
viabilizarão a inclusão e efetivação do direito à saúde com um perfil
onde a democracia e a universalidade encontrarão abrigo amplo ou
extremamente reduzido. (NOGUEIRA, 2002, p. 30)
Em conformidade com a perspectiva apresentada por Nogueira de que o
processo de descentralização ocorrido na saúde, desenhado pelo movimento da
reforma sanitária implicou no exercício relativo da democracia, passaremos a
problematizar alguns aspectos sobre o princípio da participação no SUS, o
denominado controle social.
Em artigo recente, José Paulo Netto, ao refletir sobre a reestruturação do
Estado e a emergência de novas formas de participação da sociedade civil,
constatou a diversidade de concepções existentes sobre o tema. Eis como esse
autor se posicionou sobre a questão:
O debate no interior das Ciências Sociais, assim como o diálogo
entre os seus múltiplos e diferenciados vocalizadores e os públicos
específicos situados fora do circuito acadêmico, tem vindo a realizar-
se em condições que estão longe de contribuir para clarificar as
questões de que todos (cientistas sociais e acadêmicos,
organizações e movimentos cívicos e políticos) se ocupam
diversamente. Basta evocar, entre muitos, termos como
modernidade, cidadania e controle social para se ter a noção
suficiente da polissemia que, subjacente a eles e não explicitada,
deriva em equívocos que comprometem substantivamente
interlocuções que, sobre outras bases, poderiam propiciar
importantes elementos de elucidação e esclarecimento acerca dos
objetos a que se referem. (NETTO, 2004, p. 62)
Concluiu esse autor que
(...) as conseqüências de uma tal polissemia são enormes, tanto do
ponto de vista teórico como prático político [e que esse é] um
fenômeno muito mais abrangente, incluindo um rol tão largo de
instrumentos que ora os torna inservíveis, ora os torna meras
ferramentas retórico-ideológicas, ou ambas as coisas ao mesmo
tempo. (Ibid. p. 63).
57
Portanto, uma análise que objetiva tratar da questão da participação na
gestão das políticas sociais no caso em questão a política de saúde requer
identificar as posições dos diferentes vocalizadores, posições essas que devem ser
situadas no contexto da sociedade capitalista, marcada por extremas desigualdades,
por classes antagônicas e com posições diferentes, e contrárias, sobre as questões
de saúde da população e seus enfrentamentos. Torna-se necessário considerar que
o termo participação assume significados diversos e consequências práticas também
diversas. A questão que se coloca é, então, refletir sobre como a participação
popular vem ocorrendo nas políticas sociais, no contexto atual, especificamente na
política de saúde, considerando as polissemias existentes e as práticas a partir delas
esboçadas.
Afirmou-se anteriormente que o processo de descentralização e
municipalização das políticas sociais, no Brasil, é pleno de ambiguidades e
contradições, e pode significar uma real partilha de poder ou simplesmente o
repasse de “problemas” e parcos recursos para o nível municipal.
O processo de implantação dos Conselhos de Saúde revela a forma de
relacionamento do Gestor com um órgão colegiado, em tese, democrático. Dá-se,
nesse relacionamento, uma série de tensões entre o Estado, que trás em si marcas
burocráticas, autoritárias e clientelistas, consolidadas historicamente na formação
social brasileira, e entre os setores interessados nos avanços e ampliação da
democracia. Assim, o discurso da participação pode significar avanços efetivos ou,
simplesmente, mera retórica quando não são abandonadas as práticas
recrudescidas ao longo dos anos de autoritarismo. Nesse último caso, geralmente o
que se assiste é uma disputa de poder, que pode ser assim colocada: de um lado,
os setores interessados na desregulamentação do SUS e o Executivo este em
nome da legitimidade que lhe é assegurada pelas eleições –, defende a tese da
governabilidade e autonomia para tomar decisões
15
; do outro lado, os que lutam pela
ampliação das conquistas sociais e decisões soberanas.
15
Esse foi um dos argumentos utilizados por Fernando Collor ao vetar os artigos da lei orgânica da
saúde que definiam as formas de participação da população na gestão da política de saúde.
Representa, porém, o discurso de vários gestores municipais no processo de criação dos conselhos
de saúde. Exemplo desse discurso foi o argumento do prefeito de Aracaju ao vetar o artigo da lei que
criava o conselho de saúde e preconizava a eleição do seu presidente. O gestor argumentava para si
esse direito.
58
A constituição dos Conselhos, novo lócus de exercício político, através dos
quais a cidadania se expressa, também, na forma de democracia participativa
(CAMPOS & MACIEL, 1997) tem impactos marcantes em sociedades caracterizadas
pelo clientelismo e por acentuada exclusão, como é o caso da sociedade brasileira.
Na operacionalização, os signos da universalização, descentralização e participação
chocam-se frontalmente com a cultura do “mandonismo” e do clientelismo, tão
presentes historicamente nas políticas sociais do país, especialmente do Nordeste.
Para sua superação é necessária a construção de uma cultura política voltada para
a consolidação da cidadania, rompendo com relações arcaicas de poder.
Por outro lado, como afirmado, os princípios democráticos não garantem,
de per si, a sua efetivação. Trata-se de uma conquista dos movimentos sociais nas
lutas por seus direitos, que se no âmbito do próprio Estado, espaço
eminentemente contraditório, com a re-significação da participação nesses espaços
Torna-se importante considerar, nessa leitura, que as possibilidades dessa forma de
participação concentram-se na correlação de forças estabelecida em cada local, e
que esse é um processo permeado de hegemonia e contra-hegemonia. Assim, para
os que defendem os avanços e a autonomia para a tomada de decisões, o desafio é
transformar os espaços de participação, de negociação política, em espaços de
produção de interesses coletivos, de exposição de conflitos, em espaços onde se
processe uma “guerra de posições”,
16
com participação ampliada, enquanto
processo de construção do consenso.
Os princípios teóricos que dão norte a essa leitura, estão assentados na
concepção gramsciana, que não considera o Estado apenas como espaço de pura
coação e violência, mas como uma síntese dialética das suas duas esferas:
sociedade política (que concentra o poder repressivo e a violência da classe
dirigente) e sociedade civil (momento de persuasão e consenso junto às
associações privadas, na busca de hegemonia). Segundo essa abordagem teórica,
a sociedade civil, é compreendida como o conjunto de organizações e instituições
que atuam para a construção e consolidação da hegemonia da classe dominante
16
A guerra de posições”, segundo Gramsci, diferencia-se da “guerra de movimentos”, feita com
manobras súbitas de “vanguardas”, de pequenos grupos que agem como representantes da maioria e
se servem de golpes, de atos súbitos. A “guerra de posições”, por sua vez, constrói-se no cotidiano
da ação, com mobilização apoiada em “(...) consciências coesas e articuladas, em um pensamento
rigoroso e lúcido. A transformação da sociedade, nas condições da complexidade moderna, não
poderá seguir um caminho revolucionário se não aproveitar as lições proporcionadas pelos duelos da
política cultural (KONDER, 2001, apud BRASIL, 2006, p. 32).
59
sobre a classe dominada, através da construção do consenso, no seio da
superestrutura. Assim, “(...) o nível da sociedade civil corresponde à função de
‘hegemonia’ que o grupo dirigente exerce em toda a sociedade”. (PORTELLI, 1997,
P. 67) Essa concepção de sociedade civil difere da classificação marxiana
clássica,
17
que a coloca como a base material das relações de produção do estado
capitalista, com funções exclusivamente econômicas.
Percebe-se que, em Gramsci, o conceito de hegemonia tem um aspecto
diferenciado, no qual a primazia recai sobre a sociedade civil, como lócus
privilegiado, não exclusivo, no qual se desenvolve a direção intelectual e ideológica,
não se detendo apenas no aspecto político da derrubada do Estado. Assim situado,
o Estado amplia a sua função social, uma vez que é na sociedade civil que a classe
dominante busca articular seus interesses particulares com os das demais classes,
de modo que venham a se constituir em interesse geral. Ou seja, é na sociedade
civil, pela difusão de uma ideologia unificadora, que a classe dominante busca obter
o consentimento dos governados. Mas, no âmbito do Estado, enquanto síntese
dialética circula não a ideologia dominante, como também contra-ideologias, a
partir dos intelectuais da classe dominada.
No entanto, sobre a leitura ampliada que Gramsci faz do bloco histórico, no
qual a infra-estrutura relaciona-se dialeticamente com a superestrutura ideológica,
convém destacar que esta ampliação é essencialmente dialética e que (...) os novos
elementos aduzidos por Gramsci não eliminam o núcleo fundamental da teoria
‘restrita’ de Marx, Engels e Lenin (ou seja, o caráter de classe e o momento
repressivo de todo poder de Estado), mas o repõem e transfiguram ao desenvolvê-lo
através do acréscimo de novas determinações”. (COUTINHO, 1994, p. 53).
Coutinho (2000) demonstra em sua análise que, para Gramsci, a sociedade
civil é o palco das lutas por transformação da sociedade na qual se busca o
consenso da maioria. Para isso, é necessário abrir espaços no seio do Estado, pois
este se torna, agora, permeável à ação das forças em conflito. “O centro da luta está
na ‘guerra de posições’, na conquista paulatina de espaços no interior da ‘sociedade
civil’ e, por meio e a partir dela, no próprio seio do Estado.” (COUTINHO, 2000, p.
17
O Estado, na concepção de Marx, é situado na esfera da sociedade política, caracterizada como
um conjunto de aparelhos coercitivos, onde a classe dominante exerce o seu domínio jurídico-político
e constrói, assim, a sua hegemonia. Essa é entendida, por Marx, como a capacidade dirigente da
classe dominante, exercida através da coerção.
60
39). O Estado capitalista agora ampliado, na concepção de Gramsci, passa a ser o
local de reivindicações da sociedade, o campo da luta de classes.
Para Coutinho (2000), o Estado não pode mais estar a serviço e representar
apenas uma classe social, ser um “comitê executivo da burguesia”, como denominou
Marx. Ele deve estar aberto a outros segmentos sociais e seus interesses. Apesar
de ainda representar a classe dominante, o Estado não pode satisfazer somente o
interesse de uma classe. Nesse sentido, ele se torna um local de disputa na luta de
classes ou frações de classes.
É importante destacar também, que entre as duas esferas da superestrutura,
sociedade civil e sociedade política, entre o consenso e a força, apesar do
tratamento diferenciado e da forma como Gramsci as analisa, da autonomia de cada
uma pela função que exercem na organização da vida social e na articulação e
reprodução das relações de poder (COUTINHO, 1994), não existe uma separação
orgânica, o limite entre elas é muito tênue, pois se relacionam e colaboram
estreitamente. (PORTELLI, 1997)
Aponta-se então, como desdobramento dessa forma de conceber o Estado e
a hegemonia que nele se processa, que as leituras sobre cidadania e participação,
nos espaços de gestão das políticas sociais, devem ser apreendidas na sua
processualidade, com as contradições existentes no real, onde os atores se
movimentam e interagem em meio a diversas tensões e conflitos.
A contradição não é apenas entendida como categoria interpretativa
do real, mas também como sendo ela própria existente no
movimento do real (...) é destruidora, mas também criadora, que
se obriga à superação, pois a contradição é intolerável (...) Na
superação, a solução da contradição aparece enriquecida e
reconquistada em nova unidade de nível superior (...) Por isso a
realidade não é apenas o ‘já sido’, embora ela possa no seu ‘estar
sendo’ incorporar elementos do ‘sido’. Ela também não é só o ‘ainda-
não’, embora sem este elemento o real se torne superável. A
realidade, no movimento que lhe é endógeno, é exatamente a tensão
dialética, sempre superável do ‘já sido’ e do ‘ainda-não’ sendo.
(CURY, 1979, p. 30 e 31)
Nesse sentido, a concepção de cidadania adotada não se compreende como
construída mediante intervenções externas, programas e agentes que outorgam e
preparam para seu exercício, como uma doação da burguesia e do Estado moderno,
61
mas como construída de modo processual, no seio da prática social e da política de
classes, ou seja, como cidadania construída ao mesmo tempo em que é exercida.
(ARROYO, 2001, apud BUFFA et al, 2001)
Por sua vez, as políticas sociais são entendidas como respostas dadas pelo
Estado às movimentações dos sujeitos e atores sociais nos seus espaços de luta
pela negação/afirmação das suas condições de existência, estas entendidas a partir
da correlação de forças delineada em cada momento conjuntural. Esta concepção
refuta a compreensão da política social como “(...) uma expressão exclusiva dos
interesses da classe dominante, não havendo lugar, nenhum espaço, para a defesa
e incorporação da classe dominada”. (SERRA, 1986, p. 23) Assim, a Política Social,
nesse enfoque e a partir de um olhar e do espaço da saúde, explicitando também a
concepção dessa política, é assumida, nesse estudo, como a
(...) intervenção do Estado nas questões sociais, produzidas pelas
contradições entre capital e trabalho (ou melhor o empresariado e a
população), com vistas à diminuição das mesmas e possibilitar
garantias nas áreas sociais da saúde, educação e assistência social.
É uma conquista dos trabalhadores resultante de reivindicações e
lutas. Nesse jogo de forças, o capital incorpora as exigências do
trabalho. Na Constituição Federal de 1988, a seguridade social foi
um dos maiores avanços no que se refere à proteção social e
atendimento às históricas reivindicações das classes trabalhadoras.
É composta pelo tripé Saúde, Assistência e Previdência. (BRAVO et
al, 2001, p. 140)
Após essas breves pontuações teóricas, reafirma-se que o setor saúde, no
bojo dos processos que marcam a sociedade como um todo, caracteriza-se como
espaço contraditório, no qual suas expressões refletem a condensação de forças
dos diversos sujeitos coletivos que nele se movimentam. Enfim, como afirmado por
Pereira (2002, p. 33), “a política de saúde carece de uma nova coalizão de forças
para transformar-se numa questão capaz de devolver-lhe o caráter público e a
vinculação com a cidadania [ uma vez que] nem só de obstáculos vive o sistema”.
Tal questão torna-se fundamental para a efetiva garantia do direito universal à
saúde, para a efetiva implementação da equidade, para a garantia da integralidade e
das diretrizes de descentralização e participação da sociedade no controle social da
política de saúde tal qual defendido na VIII Conferência Nacional de Saúde uma
62
vez que, apesar da situação ser extremamente adversa, mesmo na contra corrente
da lógica neoliberal, 80% da população brasileira depende do SUS, o jovem sistema
de saúde brasileiro, com apenas vinte anos de idade e que se apresenta ainda,
segundo Campos (2006), como uma “reforma social incompleta”, cujo caminho mais
importante para a sua completude é a articulação dos movimentos que o defendem
com aqueles que exigem mudanças na ordem social e política brasileira.
A luta pelo sistema de saúde deveria juntar-se à peleja pela
distribuição de renda, por políticas de recuperação de moradias e de
espaços urbanos degradados, pela educação e segurança públicas
(...) Tampouco considerar como um dado estrutural imutável a
miséria, a violência urbana; rejeitar e criticar com veemência o mau
funcionamento das organizações públicas: recusar a continuidade
indefinida da escola que não ensina, do hospital que não cura, da
polícia que não aumenta segurança (CAMPOS, 2006, p. 302).
1.3. A Criação do Programa Saúde da Família - PSF
Como visto nos itens anteriores, o processo de descentralização da saúde no
Brasil, é pleno de ambiguidades e combina, basicamente, elementos de duas
alternativas teóricas. Segundo a orientação política do processo, ela pode significar
uma distribuição real de poder, com os municípios ampliando seu poder efetivo e
assumindo funções e recursos antes concentrados no nível federal ou,
simplesmente, uma distribuição de funções estatais sem o consequente repasse de
recursos.
No primeiro caso, observa-se, geralmente, a implantação de experiências
interessantes, consideradas exitosas e articuladas às especificidades geo-culturais
de cada local; no segundo caso, ocorre uma transferência, ao nível local, da crise
econômica e das consequências sociais da retração do gasto fiscal. (CAMPOS,
1997)
É possível afirmar ainda, a partir dos dados anteriores, que o processo de
implementação do SUS, tal como preconizado pela reforma sanitária, apresenta-se,
na conjuntura atual, como o grande desafio na garantia do direito à saúde, cuja luta,
63
interrompida durante os governos militares, reacendeu na conjuntura de
esgotamento do milagre econômico brasileiro.
Fato que oxigenou esse debate e orientou algumas experiências que
aconteceram a partir de então, no plano externo, foi a realização, em 1978, da
Conferência Internacional de Alma-Ata, com a retomada da discussão sobre a
Atenção Primária na perspectiva de garantir a “Saúde para todos no ano 2000”, tal
como recomendava o documento final dessa Conferência. A partir de então, tendo
em vista o caótico quadro sanitário brasileiro e a exclusão de parcelas imensas da
população dos serviços de saúde, pela impossibilidade do acesso, a extensão da
cobertura passou a constituir preocupação dos programas oficiais na área da saúde.
O referencial mais importante das experiências e programas desenvolvidos a
partir de então, foi o da medicina comunitária, que propunha modelos de baixo
custo, cobertura maior das ações e serviços e a participação comunitária. (SILVA
JUNIOR, 1995)
Adotada no país no início da década de 1970, a medicina comunitária foi
expandida na segunda metade dessa mesma década através dos Programas de
Extensão de Cobertura (PECS), que objetivavam a organização das práticas
sanitárias e a adoção de modelos experimentais de organização da prática médica,
sua racionalização e distribuição (PAIM, 1994).
A partir de então o discurso da participação comunitária passou a fazer parte
do discurso oficial e dos programas da saúde pública, como o PIASS; direcionavam-
se para os setores excluídos da assistência médica da previdência social.
No entanto tendo em vista que a questão da saúde está inserida numa gama
complexa de determinações, afloradas nessa conjuntura pela crise econômica, estes
programas não alteraram efetivamente o modelo assistencial, os processos de
trabalho e nem tiveram eficácia sanitária. (CARVALHO, 1995) Ainda, a preocupação
com a racionalização dos custos e o foco das experiências centrado na prática
médica, resultaram em diversas críticas, principalmente as que as identificavam
como “cesta básica”, “assistência simplificada” ou “medicina pobre para os pobres”.
(SILVA JUNIOR, 1998 e PAIM, 1994)
Apesar desses limites, a disseminação dos princípios da medicina
comunitária, tais como participação, hierarquização, regionalização e integralidade,
64
feita por alguns organismos internacionais, como a Organização Pan-Americana da
Saúde - OPAS, permitiram que eles fossem incorporados aos discursos e propostas
de sanitaristas e profissionais que passaram a atuar no Ministério da Saúde. Assim,
os princípios norteadores da medicina comunitária e a avaliação dos limites dessas
experiências, incorporados por esses profissionais, constituíram elementos que
subsidiaram a formulação de propostas alternativas ao modelo de assistência
médica previdenciária. Essas propostas foram aquecidas e temperadas nos espaços
e movimentos da reforma sanitária brasileira. (BRASIL, 2006)
O avanço desse movimento, especialmente na década de 1980, fez com que
as discussões articulassem, cada vez mais, o conceito de saúde, a determinação
social da doença e a necessidade de mudança no todo do sistema de saúde, como
forma de garantir a universalidade e o acesso a todos os segmentos da população, e
rompesse com a fragmentação e diluição de recursos, além de articular a saúde a
seus determinantes e condicionantes. Esse desafio pressupunha, ainda a
articulação das políticas sociais. Com esse propósito, criou-se o SUDS e, logo após,
o SUS, como síntese dessas discussões e movimentos.
Além das barreiras políticas, especialmente durante a década de 1990, que
dificultavam o processo de implementação do novo sistema e de seus princípios,
ainda outros obstáculos de natureza diferente mas não menos importante, também
contribuíam para que o SUS não se efetivasse plenamente, tais como: o modelo de
atenção, centrado em alta tecnologia, com o espaço hospitalar como lócus
privilegiado de atenção, com inexpressiva resolutividade e, ainda, sem uma
estruturação da atenção básica.
Nesse contexto, com vários caminhos apontados como saída (SILVA
JÙNIOR, 1998), e depois de alguns êxitos localizados em municípios do nordeste
brasileiro do Programa de Agentes Comunitários de Saúde-PACS, o Ministério da
Saúde criou o Programa Saúde da Família - PSF, em 1994, apresentado-o como
estratégia para implementação do SUS, com objetivos assim estabelecidos:
Objetivo Geral:
- Contribuir para a reorientação do modelo assistencial a partir da
atenção básica, em conformidade com os princípios do Sistema
Único de Saúde, imprimindo uma nova dinâmica de atuação nas
unidades básicas de saúde, com definição de responsabilidades
entre os serviços de saúde e a população.
65
Objetivos Específicos:
- Prestar, na unidade de saúde e no domicilio, assistência integral,
contínua, com resolubilidade e boa qualidade às necessidades de
saúde da população adscrita;
- Intervir sobre os fatores de risco aos quais a população está
exposta;
- Eleger a família e o seu espaço social como núcleo básico de
abordagem no atendimento à saúde;
- Humanizar as práticas de saúde através do estabelecimento de um
vínculo entre os profissionais de saúde e a população;
- Proporcionar o estabelecimento de parcerias através do
desenvolvimento de ações intersetoriais;
- Contribuir para a democratização do conhecimento do processo
saúde-doença, da organização dos serviços e da produção social da
saúde;
- Fazer com que a saúde seja reconhecida como um direito de
cidadania e, portanto, expressão da qualidade de vida, e
- Estimular a organização da comunidade para o efetivo exercício do
controle social (BRASIL, 1997, p. 10).
A partir de então, vários estudos e pesquisas sobre o PSF têm alimentado as
reflexões sobre a sua importância no processo de implementação do SUS,
reveladores das diferentes avaliações a seu respeito, tendo em vista a conjuntura
política do momento, de implementação também das teses neoliberais, e a
preocupação com as “interpretações” locais e possível constituição do mesmo de
forma “simplificada”, enquanto uma “cesta básica”. (SILVA JUNIOR, 1998) Tais
preocupações advêm principalmente, além dos fatores enumerados, do fato do
PSF ter base tecnológica inspirada na medicina comunitária (FREIRE, 2005), o que
pode resultar em algumas características de seletividade e focalização.
Apesar desses alertas, alguns autores consideram o PSF como espaço
importante de mudança das práticas sanitárias (PAIM, 1993a) e como estratégia
importante para o reordenamento da atenção básica (BARROS, 2003), visando a
garantia de maior resolubilidade dos serviços, incentivo ao controle social e
estreitamento dos vínculos entre famílias e equipes de saúde. Essas questões dão
indícios de quão ampla e polêmica é a discussão sobre essa estratégia, suas
possibilidades e limites.
As origens dos alertas sobre os limites do PSF podem ser justificadas,
também, ao se analisar o processo histórico de constituição da proposta, tendo em
vista que a noção de médico de família não é nova. A proposta dedico de família
66
estava presente em Roma antiga e era idéia corrente até o início do século XX, a
partir de quando ocorreu a hegemonia do atendimento hospitalar. (TAVARES, 2002)
O Relatório Flexner, base “científica” estruturante do também conhecido
modelo “hospitalocêntrico”, por sua vez, apresentava também “(...) uma proposta de
atenção baseada no ‘médico da comunidade’ [e este profissional teria um perfil]
menos qualificado ou com formação precária, perfil de médicos das cidades
americanas de pequeno porte”. (ANDRADE, 1998, IN: BARROS, 2003, p. 98)
Assim, ao tempo em que estavam sendo estruturados, a partir do Relatório
Flexner, os princípios que orientariam o modelo hegemônico de atenção, centrado
na tecnologia de alto custo, indicando o hospital como lócus terapêutico privilegiado,
com uma medicina rica para os ricos e com profissionais altamente especializados,
estruturado principalmente nos grandes centros urbanos, pensava-se também na
caracterização de um profissional com formação não especializada, o médico da
comunidade, para atender as populações de áreas menores e com maior dificuldade
de acesso aos serviços. Uma formação mais pobre para as populações mais pobres,
o que, provavelmente, pode ter inspirado algumas experiências desenvolvidas em
áreas de maior pobreza. Acredito, então, que os questionamentos ao PSF e ao
médico de família, sua natureza e função, decorrem dos “receios” do PSF constituir
uma recolocação da proposta, nesses moldes.
A indicação do médico de família também foi apresentada na
Inglaterra, em 1920, quando Bertrand Dawson apontava
(...) a necessidade de um sistema público hierarquizado por níveis de
complexidade em que um médico generalista, chamado de ‘família’
trabalharia apoiado por profissionais de enfermagem, em uma
unidade básica de saúde, buscando, assim, a universalização do
acesso e uma atenção voltada para as necessidades básicas da
comunidade (BARROS, 2003, p. 98).
No entanto, essa mesma autora informa que a implementação efetiva da
medicina de família em diversos países somente se deu a partir dos anos 1950,
quando começou a se assistir o questionamento ao modelo de atenção inspirado
nos princípios do Relatório Flexner, seu alto custo e o pouco impacto na resolução
dos problemas enfrentados (BARROS, 2003).
67
Também nesse sentido, segundo Vasconcelos (1999), em 1963, a
Organização Mundial da Saúde - OMS demonstrava preocupação com os
modelos de atenção adotados, seu alto custo financeiro, com a precariedade das
relações estabelecidas com a população assistida e pronunciava-se sobre a
formação do médico de família. Como desdobramento dessa posição, observa-se a
expansão da proposta nos EUA, que, em 1969, reconheceram a medicina familiar
como especialidade médica e aprovaram diversos programas na área.
Na década de 1970, Canadá, México e diversos países europeus aderiram à
proposta, além da sua divulgação na América Latina com o apoio da OMS e de
instituições estrangeiras como a Fundação Kellog.
Nos Brasil, nos anos 90, a revalorização do tema família nas políticas
sociais constituiu também fator importante para que a discussão sobre o PSF
ganhasse maior visibilidade uma vez que essa estratégia propunha a reorganização
da atenção básica e das práticas dos profissionais a partir de uma ação centrada na
família.
O objetivo do PSF é a reorganização da prática assistencial em
novas bases e critérios, em substituição ao modelo tradicional de
assistência, orientado para a cura de doenças e realizado
principalmente no hospital. A atenção está centrada na família,
entendida e percebida a partir de seu ambiente físico e social, o que
vem possibilitando às equipes de Saúde da Família uma
compreensão ampliada do processo saúde\doença e da necessidade
de intervenções que vão além das práticas curativas (BRASIL, 2000,
p. 5).
Apesar de explicitar a noção de família adotada na estratégia, esse tema
carece de pontuações mais específicas uma vez que, apesar da constante
referência feita nas políticas sociais, a partir da década de 1990, também essa não
é uma discussão consensual, e tem gerado entendimentos, propostas e
encaminhamentos diversos.
Desta forma, para garantir as mudanças preconizadas pelo PSF no modelo
assistencial da saúde pública brasileira
(...) é imprescindível o simplificar um objeto tão complexo como a
família no momento de definir e avaliar práticas de saúde. É
necessário perguntar, de que família estamos falando [...] reconhecer
a família como espaço privilegiado de constituição, desenvolvimento,
68
crise e resolução dos problemas de saúde individuais e coletivos.
(TRAD e BASTOS,1998, p. 434, citados por UFSC, 2007, p.36)
A discussão sobre família, qualquer que seja o recorte feito e o ângulo de
análise, deixa, quase sempre, aflorar nos seus participantes uma sensação de
discussão sempre geral e inacabada uma vez que a dinâmica familiar é permeada
por diversos aspectos e
dimensões que estão em permanente movimento.
Assim, tem sido cada vez mais frequente na literatura atual que aborda o tema,
situar a família e seus diversos aspectos como um processo de construção sócio-
histórica, rompendo com uma análise que a situa como grupo natural que se formou
com a finalidade de apresentar “(...) respostas biológicas universais às necessidades
humanas, [Torna-se fundamental entender que elas] configuram diferentes respostas
sociais e culturais, disponíveis a homens e mulheres em contextos históricos
específicos”. (SARTI, 2005, p, 21)
Porém, alerta a autora acima referida, que tal perspectiva deve estar atenta
para não cair no viés de análise que apreende mecanicamente a relação entre o
mundo de significações humano e as possibilidades materiais de existência, que
esta relação é mediada “(...) pelas ‘traduções’ sociais, culturais e psíquicas dessas
possibilidades, ou seja, dependem de como são incorporadas pela sociedade e
internalizadas pelos sujeitos”. (Ibid., p. 22)
Nesse sentido, ao fazer a análise de fatores externos que afetaram a
dinâmica familiar, a autora cita como exemplos diversos eventos históricos tais
como: a revolução industrial, que separou o mundo do trabalho do mundo familiar e
instituiu a dimensão privada da família; a difusão da pílula anticoncepcional, em
escala mundial, a partir da década de 1960 e a consequente separação
sexualidade/reprodução, com desdobramentos importantes no comportamento
sexual feminino, recriando seu mundo subjetivo e potencializando sua inserção no
mundo social; as novas tecnologias reprodutivas, inauguradas nos anos de 1980 e a
dissociação gravidez/relação sexual entre homem e mulher; o exame de DNA e o
reconhecimento da paternidade.
Assim, percebe-se que, como uma das consequências das mudanças
ocorridas na sociedade, o modelo idealizado de família não consegue mais se
sustentar. A família contemporânea assume uma gama imensa de formatação, de
69
arranjos e rearranjos, com significados diferenciados para cada segmento ou grupo
social, não podendo ser engessada nesse ou naquele modelo, o que significa que,
ao se formular as políticas sociais numa perspectiva de atendimento a família, tais
questões devem ser necessariamente consideradas para não se correr o risco de
abstraí-la ou idealizá-la, retirando-a do seu contexto.
A crescente investigação sobre a família, sua dinâmica, formatação e
condições de vida têm contribuído imensamente para a formulação de políticas
sociais para a família. Tomando como exemplo o caso da França, Lefaucheur (1997)
mostra que a definição e investigação sobre “famílias monoparentais”
18
contribuiu, a
partir do anos 1970, para que as mesmas se tornassem alvo das políticas sociais,
categoria de apresentação de dados estatísticos sócio-demográficos e objeto de
pesquisa em ciências humanas.
No Brasil, principalmente a partir de início dos anos de 1990, muito se tem
falado em família e as políticas sociais formuladas a partir de então têm colocado,
como eixo de sua atenção, as famílias, principalmente as famílias pobres.
19
Cito como exemplo o caso da Lei Orgânica da Assistência Social LOAS,
que assumiu a característica de colocar a família no centro da proteção.
20
Outro
exemplo é o caso do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, assentado na
Constituição Federal de 1988, que garante os direitos fundamentais da criança e do
adolescente. Outro dado de política social foi a criação, em 2001, do programa
Bolsa-Alimentação com o objetivo de combater a mortalidade infantil e a desnutrição
em famílias pobres do país, especificamente aquelas com renda mensal inferior a
meio salário mínimo per capita.
Esses são alguns exemplos, entre tantos outros, de medidas de políticas
sociais voltadas para as famílias; mas a sua implementação tem demonstrado um
percurso marcado por tensões e conflitos e muitas dificuldades têm se apresentado,
18
Definidas como as unidades domésticas em que as pessoas vivem sem cônjuge com um ou vários
filhos. Vitale (1995) mostra que, no Brasil, há “(...) o crescimento da família monoparental, geralmente
chefiada por mulheres (mãe com filhos sem cônjuge). Nos setores médios, emergem ainda as
chamadas formas alternativas ao relacionamento familiar, como é o caso de mães solteiras.” (p. 287).
19
A definição de pobreza”, nesse ponto, refere-se somente à renda familiar, critério para a inclusão
nos programas, apesar de concordar plenamente que a pobreza vai além da dimensão material.
20
Segundo a análise da Profª Maria Carmelita Yasbeck, em aula ministrada no dia 30/05/2005, para
os alunos da disciplina “Família Contemporânea no Brasil”.
70
principalmente no que se refere à definição e concepção de grupo familiar alvo
dessas políticas.
Traduzir para a lei essa definição tem sido o grande desafio, principalmente
porque, como vimos, a família tem sofrido grandes e contínuas mudanças,
expressando e condensando as mudanças societárias mais amplas. Sarti nos
mostra que uma das grandes características das famílias é o atamento dos seus nós
e sua configuração em rede. Segundo a autora, analisar a família como constituída
simplesmente em núcleo “(...) leva a desconsiderar a rede de relações na qual se
movem os sujeitos em família e que provê os recursos materiais e afetivos com que
contam. (SARTI, Ibid., p. 28)
Definir a família a partir do seu núcleo tem sido limitação forte na formulação
das políticas sociais, o que tem levado quando da sua execução, como afirmado,
a conflitos e tensões, uma vez que não expressam a dinâmica das famílias.
21
Outro fator importante a considerar é que, as características da conjuntura
atual, marcada pelo alto índice de desemprego, alto custo de vida e falta de
equipamentos sociais nos espaços de moradia e trabalho, ou sua existência em
número reduzido, tais como creches e escolas públicas, que auxiliem na criação dos
filhos e liberação mais efetiva e tranquila da mulher para o mercado de trabalho, têm
contribuído para que a família assuma como parâmetro de sua definição a rede de
ajuda criada além dos limites da casa.
Mais um fator observado, é que com o alto custo de moradia, o grupo familiar
na mesma unidade doméstica tem crescido, sendo cada vez mais fácil encontrar
casas com “puxados” para abrigar os filhos e netos que casam, formando
verdadeiros “conglomerados” familiares que, expostos a tantas vulnerabilidades,
quase sempre vivem na dependência do salário ou benefício dos mais velhos,
geralmente dos avós, o que também contribui para a existência de relações de
competição, por vezes conflituosas, no mesmo grupo familiar.
Por fim, e ainda em relação à implementação das políticas sociais, outro
aspecto pontuado pelos autores analisados, e de igual importância, refere-se à
necessidade premente de o profissional executor dessas políticas confrontar seus
21
A afirmação está baseada também na minha experiência profissional no PSF em Aracaju e na
operacionalização do programa Bolsa Alimentação, que definia como família o núcleo familiar.
71
próprios pontos de vista sobre a família, rompendo preconceitos, idealizando-a como
um lócus isento de tensões e conflitos, não entendendo e respeitando a dinâmica,
principalmente das famílias pobres, que são o alvo prioritário dessa políticas.
Esse é o grande desafio para os profissionais executores dessas políticas, e
também para as equipes de Saúde da Família, e necessita de um olhar mais
aproximado do cotidiano dos serviços, como uma das formas de fortalecimento dos
vínculos e quebra das barreiras subjetivas que contribuem para que o acesso não
seja garantido.
Retomando a discussão sobre o PSF, sobre os fatores impulsionadores de
sua criação, tem-se que, além da revalorização do tema família nas políticas sociais,
a consolidação, em Cuba, do papel do médico de família com fortes repercussões no
Brasil, foram também fatores que ampliaram a discussão sobre o PSF e a
apresentação de sua proposta pelo Ministério da Saúde.
Fato objetivo imediato para que isso ocorresse foi a crise dos serviços de
saúde gerada pelas epidemias de dengue e cólera, no início da década de 1990, e a
incapacidade dos serviços expandidos em combatê-las, o que evidenciou, também,
a fragilidade das ações de promoção da saúde. (VASCONCELOS, 1999)
Com a criação do PSF, colocou-se como princípio a atuação de Equipes de
Saúde da Família – ESF, compostas por um médico generalista ou médico de
família, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e de quatro a seis agentes
comunitários de saúde, quantitativo variável de acordo com o número de pessoas
sob a responsabilidade das equipes, geralmente em torno de 550 pessoas para
cada agente.
Os profissionais que constam da equipe mínima definida pelo Ministério da
Saúde são aqueles que contam com alocação de recursos específicos para a
remuneração, mas ela pode ser ampliada, sem contar com o repasse de recurso
para essa finalidade, de acordo com as necessidades e possibilidades financeiras
dos municípios.
A composição multiprofissional das equipes constitui-se em uma das
diretrizes operacionais mais importantes do Programa Saúde da
Família, com o propósito de ampliar o conhecimento e as
possibilidades de intervenção sobre os processos de saúde-doença,
de modo a atender às necessidades da população. Percentuais
elevados de equipes de todo o país, superiores a 90%, contavam
com os profissionais de composição mínima estabelecida pelo
72
Ministério da Saúde, assim como as equipes de saúde bucal
(BRASIL, 2004b, p. 18).
Nesse sentido, a proclamada autonomia do município na formatação das
equipes, mesmo quando as necessidades assim indiquem, deve ser exercitada
segundo a disponibilidade financeira para tanto, o que, a priori, constitui uma
barreira para que isso ocorra. Esse limite encontrado pelos municípios na
incorporação de outros profissionais tem provocado diversas tensões locais: de um
lado os gestores e os argumentos sobre os limites da capacidade financeira
municipal, de outro, os profissionais e suas lutas específicas para garantir essa
incorporação.
Atualmente também o odontólogo incorpora a ESF, na proporção de um
profissional para cada duas equipes. Os demais profissionais da saúde, como os
assistentes sociais, ainda não conquistaram essa inserção enquanto política
preconizada pelo Ministério da Saúde, com recursos específicos para pagamento
desses profissionais. Mas, como é proclamada a autonomia dos municípios na
formatação e ampliação das equipes, mesmo sem o suporte financeiro para tanto,
esses profissionais vivenciam formas de inserção diversificadas e geralmente não
participam do cotidiano das equipes. Acredito que a justificativa para a ampliação
das ESF, incorporando outros profissionais, está assentada na proposta de inversão
do modelo, na mudança do objeto das práticas, que deve deixar de ser a
doença/queixa e do padrão “procedimento centrado”, geralmente “médico/centrado”.
Na definição da equipe mínima, o dado novo é a definição do médico
generalista ou de família, especialidade reconhecida no Brasil em 1981, cujo foco de
ação é a pessoa dentro do contexto familiar e comunitário, preparado para atender
problemas frequentes da população sem distinção de gênero, faixa etária ou órgão
afetado. A partir de então, observa-se um crescimento do número de programas de
residência médica em medicina de família e comunidade, que, de 5 programas em
1998, passou para 78 em 2008, apesar desse número ainda ser considerado
insuficiente para uma ação em todo o país (dados disponíveis em http://dtr2004.
saude.gov. br/dab/localiza- cadastro. php, em 11/12/2008).
O que se observa é que, apesar da forte tendência do “especialista” no
modelo de saúde brasileiro, tem sido crescente a defesa do médico de família, com
73
destaque para o seu papel na transformação do modelo de atenção, especialmente
a partir da criação do PSF.
O PSF não é inspirado apenas em Cuba [que] seguia o modelo de
policlínica com internista, ginecologista e pediatra desenvolvido pelos
bolcheviques na antiga União Soviética (...) então [a partir de
1985] passou a contar com o médico de família com formação
adequada como primeiro contato do paciente com o sistema de
saúde.
A Europa ocidental, e especialmente a Inglaterra, é precursora desse
modelo, que tem como objetivo não apenas otimizar custos mas,
principalmente, aprimorar o acesso do paciente de forma longitudinal
(ao longo da vida), coordenada e integral. Para isso, é necessária
muita tecnologia, não aquela dos tomógrafos e exames laboratoriais,
que também são fundamentais quando bem usados, mas
conhecimento científico apropriado à atenção primária, relação
médico paciente e trabalho em equipe. Inglaterra, Portugal, Espanha,
Noruega, Suécia, Holanda, Canadá, Dinamarca e Austrália são
alguns dos países com sistema de saúde público forte que adotam o
modelo há alguns anos. A pesquisadora Barbara Starfield, professora
Emérita da John Hopkins University, tem demonstrado que países
com maior proporção de médicos de família e comunidade em
relação ao total de médicos têm melhores resultados.
(GUSSO e ZAMBON, 2008)
Além da incorporação do médico de família, outro dado, também novo, na
definição da equipe mínima, é a incorporação dos agentes comunitários no trabalho
em saúde, partindo da premissa de que o papel dos agentes deve ser o de um
elemento da comunidade, fomentador de transformações nas práticas de saúde e
não o de um executor de ações de enfermagem ou do Serviço Social. Mas a
incorporação do Agente Comunitário de Saúde - ACS na equipe do PSF e as
atribuições que lhes foram conferidas não são questões consensuais e sobre elas
são feitos vários questionamentos.
Cientes que essa questão não se esgota aqui, pela complexidade que
assume, torna-se fundamental e urgente aprofundar a discussão sobre a forma de
contratação dos ACS e a regulamentação das demais categorias de nível técnico.
Avalia-se que o papel dos ACS no PSF, constituindo-se como elo importante
entre a equipe de saúde e a comunidade vez que como regra ele reside na área,
conhece a população e as suas características –, torna-se fundamental como “meio”
para a obtenção de informações valiosas para toda a equipe. A atribuição desse
papel a um agente de formação “menor” tem contribuído para a discussão sobre os
74
“poderes” de cada profissional e as atribuições de cada um, o que também tem
impactado os processos de trabalho. No entanto, a sua inserção enquanto
trabalhador necessita ser reavaliada, deixando claro o papel desse “elo e fonte de
informação”, mas respeitados os seus direitos.
22
Bravo e Matos (2007, p. 105) assim
se posicionam sobre a questão:
Outro aspecto que está relacionado com a precarização e a
terceirização dos recursos humanos refere-se à ampliação da
contratação de agentes comunitários de saúde e a inserção de
outras categorias que não são regulamentadas: auxiliar e técnico de
saneamento, agente de vigilância sanitária, agentes de saúde
mental. A incorporação dos agentes comunitários de saúde na
equipe do PSF já foi polêmica, gerando diversos debates centrados
na ausência de regulamentação da profissão como também da
imprecisão de suas funções, da precarização das contratações e da
falta de concurso público para a seleção dos mesmos, que têm sido
realizada, na maioria dos casos, com base em indicações político-
partidárias. Uma primeira questão relativa a esse debate foi
resolvida, ou seja, a profissão teve sua regulamentação mas as
demais não.
Ainda segundo o Programa, as equipes devem atuar em um território
definido e a Unidade de Saúde da Família deve ter caráter substitutivo, ou seja, com
o eixo centrado na vigilância à saúde, transitar das práticas denominadas
“convencionais” de assistência para um novo processo de trabalho. (BRASIL, 2000)
O ESF tem como principal matriz teórico-metodológica o conceito de
vigilância à saúde, a qual é considerada por Campos (2003) como
‘eixo reestruturante da maneira de se agir em saúde’, pois possibilita
relacionar os múltiplos fatores envolvidos na gênese, no
desenvolvimento e na perpetuação do processo saúde-doença,
sejam eles determinantes biopsico- sociais, os riscos ambientais,
epidemiológicos e/ou sanitários. O referido autor também destaca
que essa matriz entende o individuo e a comunidade como sujeitos
do processo, sendo o princípio da territorialização a sua principal
premissa (UFSC, 2007, p.11 e 12).
Além da mudança do eixo das práticas, coloca-se como princípio a atuação
em um território definido com criação de vínculos entre os profissionais e a
22
A Prefeitura de Aracaju, através da Secretaria Municipal de Saúde, realizou, em janeiro de 2009,
processo seletivo simplificado para provimento de 100 vagas de Nível Fundamental para Agentes
Comunitários de Saúde.
75
população, como forma de garantir o acesso e a resolutividade. Desta maneira, os
processos de trabalho, em princípio, devem assumir novas características, tendo em
vista a ação em equipe multiprofissional e as possibilidades de, em tese,
constituírem-se outras relações entre os profissionais e trabalhadores da saúde.
Estas novas relações, horizontais, podem romper com a hierarquia da ação de um
profissional, geralmente do médico, sobre os outros profissionais, em um processo
de incorporação de novos saberes, de compartilhamento desses saberes e poderes
entre os diversos membros da equipe e o estabelecimento de novas relações
técnicas e sociais em constante inter-relação. O trabalho em equipe e as mudanças
operadas nos processos de trabalho constitui, ainda, um grande desafio,
considerando o processo histórico de construção do trabalho em saúde e a
autonomia de suas práticas, especialmente na forma liberal de produção de
serviços. Apesar de denominado programa, a idéia, então, é que o PSF funcionasse
como uma grande estratégia de implementação dos princípios do SUS e instrumento
impulsionador de mudança nos saberes e fazeres dos profissionais e trabalhadores
da saúde inseridos nos serviços, provocando, nesse sentido, também as instituições
formadoras.
Especialmente com a criação do PSF, também as discussões sobre
interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, têm alimentado a literatura, a partir da
introdução, nessa conjuntura, “oficial”, mas o nova, do trabalho em equipe e da
necessidade de diálogo e articulação dos vários saberes no sentido de garantir a
integralidade da assistência; romper com o processo de conhecimento fragmentado
e altamente especializado que se expandiu com o capitalismo.
Segundo Peduzzi (2007), a questão da fragmentação, aliada à complexidade
dos objetos de intervenção e dos serviços de saúde, trouxe ao centro da cena a
temática da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade, e a necessidade de
organização dos serviços em equipes multiprofissionais, em lugar do trabalho
individual e isolado de cada profissional. Ainda, esclarecendo os conceitos e
definições que implicam no trabalho em equipe, no processo de construção do
conhecimento sobre os objetos do trabalho, e que têm sido tema constante nas
capacitações das ESF’s, temos que:
76
[...] o nível em que a colaboração entre as disciplinas ou entre os
setores heterogêneos de uma mesma ciência conduz a interações
propriamente ditas, isto é, a uma certa reciprocidade nos
intercâmbios, de tal forma que, no final do processo interativo, cada
disciplina saia enriquecida. [Por sua vez] a transdisciplinaridade
refere-se à de fusão de determinadas disciplinas com a subseqüente
condensação destas em um novo campo do saber diferenciado e
independente. Ou ainda, a coordenação de todas as disciplinas do
campo sobre a base de uma axiomática geral compartilhada, com a
criação de um campo de autonomia disciplinar e teórica ou operativa
próprias. Trata-se de um sistema de dois níveis e objetivos múltiplos,
cuja coordenação tende à finalidade comum dos sistemas
(JAPIASSU, 1976, apud UFSC, 2007, p. 27).
A partir dessas breves pontuações sobre o trabalho em equipe e o processo
de produção do conhecimento, ou partilhamento do saber que pode nele operar,
torna-se fundamental entender como a produção do conhecimento, historicamente,
ocorreu no campo da saúde.
A análise da historiografia do trabalho em saúde revela que o trabalho que
atende às necessidades de saúde é uma das mais antigas formas de trabalho social.
As transformações na base da estrutura social e a transição para o capitalismo,
desde o culo XVI, determinaram uma nova racionalidade técnico-científica e,
consequentemente, uma nova racionalidade médica. Mendes-Gonçalves (1992)
afirma que essa nova racionalidade médica foi uma das mais importantes da
modernidade e deveu-se, não fundamentalmente a um movimento intelectual, mas
às novas “necessidades sociais” emergentes com o capitalismo. Esse mesmo autor
identifica, na prática médica moderna, dois grandes eixos: a) a Clínica, que
individualiza o normal e o patológico no espectro corporal humano, rompe com as
conexões sociais deste ser humano e o reduz à condição de indivíduo biológico; b) a
Epidemiologia, com recorte no coletivo, objetiva controlar a doença em escala social
mais ampla. Apesar desses dois eixos ou concepções definirem de forma diversa o
seu objeto, elas não são antagônicas, mas complementares, uma vez que,
À medida que a Clínica logra difundir a idéia de doença como atributo
individual, complementarmente, a Epidemiologia estará
instrumentalizando as práticas que, institucionalizadas
progressivamente nos aparelhos estatais de Saúde Pública,
cumprem a função de mitigar os efeitos “acidentalmente” danosos
que a forma de organização social da vida acarreta aos indivíduos
(MENDES-GONÇALVES, 1994, p.80).
77
Do século XVI ao XX houve a hegemonia do saber epidemiológico, a partir de
quando passou a hegemonia ser do saber clínico, com a expansão e consolidação
do capitalismo. A partir da segunda metade do culo XX, o saber clínico passou a
ser questionado por seu alto custo e sua baixa eficácia. Esses saberes coexistem
até a atualidade: a epidemiologia na saúde pública, representada especialmente
pelo saber sanitário, e o saber clínico, com intervenção no corpo individual. Apesar
dos diversos alertas sobre a complementaridade deles, o que se observa é que eles
pouco dialogaram e trilharam caminhos relativamente “autônomos”, cada um
estruturando campos de conhecimento e processos de trabalhos também diferentes
e relativamente autônomos.
Teixeira (2006), ao fazer análise dos modelos de atenção à saúde construídos
no âmbito do SUS,
23
suas diferenças, divergências e possíveis confluências, afirma
que tendo em vista a complexidade que envolve o campo da saúde, nenhuma dará
conta sozinha de promover as mudanças requeridas, de abarcar todas as dimensões
que atravessam esse campo, uma vez que:
[...] cada uma delas enfoca aspectos parciais desse processo, qual
seja o desenho do sistema ao nível macro-organizacional, ou a
mudança do processo de trabalho em saúde, ao nível das ‘micro-
práticas’, tanto em termos de conteúdo quanto em termos de forma
de organização das relações entre os agentes das práticas e destes
com os usuários [e aponta como determinantes das diferenças] seu
contexto de origem, os fundamentos filosóficos e teóricos que
embasam cada uma delas, o conteúdo mesmo das propostas
apresentadas e o grau de permeabilidade, de diálogo, entre elas na
prática, isto é, a possibilidade de conjugação e articulação das
propostas em situações concretas no âmbito do SUS, principalmente
ao nível local. (micro-regional, municipal e\ou distrital (TEIXEIRA,
2006, p. 30)
Assim, observa-se que a efetivação do trabalho em equipe pressupõe,
minimamente, uma atitude multidisciplinar, o que requer, além da incorporação e
assimilação pelos profissionais dessa proposta e suas concepções, ou seja, que
sejam implementadas mudanças no nível do micro-trabalho, que haja uma
articulação e coerência também no nível da “macro-política”, do modelo de atenção
23
Além de Teixeira (2006), também Silva Júnior (1997) fez estudo com esse objetivo.
78
a saúde, e a incorporação, também nesse nível, do diálogo entre os vários saberes e
propostas.
Mesmo tendo assumido enquanto política estratégica, a implementação do
PSF, como afirmado, discussões e avaliações bastante divergentes entre os
estudiosos e trabalhadores da saúde implicados na luta pela construção do SUS e
na defesa permanente de seus princípios, especialmente no que se refere à
universalidade e integralidade. Os questionamentos, como pontuado, centram-se
na tese da focalização das ações e nas características de seletividade, o que
romperia, na prática, com o princípio da universalidade.
No entanto, a adoção dessa estratégia e os impactos por ela produzidos,
especialmente no que se refere à alteração dos indicadores de saúde,
principalmente nos municípios de pequeno e médio porte, têm alimentado a literatura
sobre o tema.
O Programa Saúde da Família (PSF) mantém essa marca que está
consagrada, mas desde 1998 se tornou uma estratégia de Estado e
se consolidou como modelo para reorientação da atenção primária
(ou atenção básica) brasileira. No relatório de 2008 da Organização
Mundial da Saúde, o Brasil é citado 18 vezes, sendo o grande
destaque justamente o PSF, que é visto como exemplo para outros
países.
Diversos estudos publicados em revistas científicas reconhecidas
internacionalmente comprovam a eficácia da estratégia. James
Macinko e colaboradores publicaram um estudo em 2006
demonstrando que o incremento de 10% das equipes do PSF leva a
uma queda na mortalidade infantil de 4,6%, perdendo para
alfabetização materna. O Brasil já diminuiu a mortalidade infantil para
20,34/1.000 e, se continuar nesse ritmo, atingirá a meta do milênio
em 2011, com quatro anos de antecedência. (...) o PSF atingiu
29.239 equipes, cobrindo 49,44% da população brasileira. (dados de
outubro de 2008, disponíveis em http://dtr2004. saude.gov.
br/dab/localiza- cadastro. php) (GUSSO e ZAMBON, 2008).
As avaliações divergentes sobre o PSF, sobre sua natureza, eficácia e
eficiência, como afirmado, têm provocado um crescimento da literatura e de
pesquisas sobre o tema. Após 10 anos de sua criação, recente pesquisa realizada
pelo Ministério da Saúde com o objetivo de verificar a evolução do processo de
implantação do programa no Brasil, entre 1998 a 2001, concluiu:
79
Os resultados apresentados demonstraram, primeiro, a grande
expansão da estratégia de saúde da família, a partir de 1998, pelo
progressivo aumento do número de municípios, estados e regiões no
país e ampliação da cobertura nos municípios. Cobrindo, em 2001,
70,1% dos municípios brasileiros, este processo foi heterogêneo nas
diferentes macroregiões. Segundo, ao contrário do que era esperado,
a análise dos dados permitiu identificar que a adesão dos municípios
maiores ao Programa foi precoce. Observamos que, no período até
1999, o PSF foi implantado em 100,0% dos maiores municípios de
17 estados e em quase 70% dos municípios com mais de 500.000
habitantes. Terceiro, a implantação do PSF foi bastante expressiva
nos municípios de gestão plena do sistema, alcançando 83,7%
desses municípios em 2001. E, por fim, houve uma grande
ampliação em municípios pequenos nos últimos anos, onde o PSF
tem sido implantado com altas coberturas populacionais. (MEDINA,
M.G.,PEREIRA, R.A.G.,HARTZ, Z.M.A., SILVA, L.M.V., 2003)
Para maior clareza sobre a complexidade e heterogeneidade que caracterizou
o processo de implantação do PSF no Brasil, torna-se necessário entender que essa
estratégia, na perspectiva da reorientação da atenção sica, da garantia da
equidade e do acesso, tornou-se grande atrativo para os gestores de pequenos e
médios municípios, que, pela “menor complexidade”
24
de estruturação dos sistemas
municipais de saúde e, ainda, com a garantia da obtenção dos recursos,
encontraram maiores facilidades em atingir a cobertura populacional e substituir a
rede tradicional de assistência em rede de saúde da família. Por outro lado, a
pesquisa revela que nos grandes centros, em cidades com população acima de
100.000 habitantes, a eficácia e eficiência do PSF continuam sendo dados
questionáveis. Geralmente nesses municípios as USF’s não constituem toda a rede
básica, não são a única porta de acesso ao sistema, mas geralmente uma pequena
parte e estão situadas nas áreas de maiores riscos epidemiológicos e sociais.
Além desse, outro aspecto situado como fator que limita a integralidade da
atenção é a não estruturação das redes de assistência, limitando-se, as ações,
somente à rede básica. Outra pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde sobre o
monitoramento da implantação e funcionamento das Equipes de Saúde da Família
nos anos 2001 e 2002, fase bem inicial da implantação, revela dados que reforçam
essa preocupação e necessidade.
24
Níveis de complexidade são “os limites para hierarquizar os estabelecimentos do sistema de
prestação de serviços de saúde, segundo a diversificação das atividades prestadas, a profundidade
de especialização das mesmas e a frequência com que ocorrem” (BRASIL, 2004a, p. 74).
80
Um dos maiores desafios a serem vencidos para reorganização do
Sistema Único de Saúde é a construção de redes assistenciais que
garantam serviços básicos resolutivos e continuidade da atenção,
mediante a oferta organizada de serviços de média e alta
complexidade, assegurando o acesso ao sistema segundo as
necessidades da população (...) Apenas cerca de metade das
eqquipes dispunham do elenco do exame completo de patologia
clínica, essenciais para o apoio diagnóstico na atenção básica, com
situações mais precárias em estados das Regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste (...) Os resultados demonstraram que o apoio
diagnóstico e a referencia para atenção especializada ainda foram
insuficientes para garantir a resolubilidade e a continuidade da
atenção às populações assistidas pelo Programa Saúde da Família.
(BRASIL, 2004b. p. 24).
Assim, somente a estruturação da atenção básica revela-se como insuficiente
para o atendimento de todas as necessidades de saúde, requerendo que o
município estruture devidamente, ou garanta em outros municípios, todos os níveis
de assistência. As pesquisas demonstram, assim, que a substituição total da rede é
a que gera maior impacto, quando a estratégia está inserida enquanto política de
assistência para um município, ou seja quando toda a rede básica é estruturada em
Unidades de Saúde da Família - USF e ela
(...) representa o primeiro contato da população com o serviço,
assegurando a referência e contra-referência para os diferentes
níveis do sistema, desde que identificada a necessidade de maior
complexidade tecnológica para a resolução dos problemas
identificados (BRASIL, 1997, p 11 a 12).
A proposta de reorientação da atenção básica, através do PSF, em um país
que consolidou seu modelo de assistência baseado na assistência médica da
Previdência, tendo o hospital como um dos espaços terapêuticos mais importantes,
constituiu um grande desafio, especialmente considerando que o maior volume de
recursos, ao longo de décadas, esteve destinado ao atendimento nos outros níveis
de atenção.
Apesar de essa ser uma das reivindicações e metas da Reforma Sanitária, a
sua definição em um contexto de encolhimento das políticas sociais e do Estado,
causa, no mínimo, estranhamentos e incertezas quanto ao seu cumprimento.
81
No entanto, o que se observa é que os custos e o montante de recursos
investido no Programa têm crescido e, em 2005, correspondeu a R$ 2.679.270
Milhões.
Ademais, tem sido crescente o investimento na Atenção Básica, que tem
evoluído consideravelmente, principalmente a partir do ano 2000 (DATASUS/2007).
Nesse contexto, apesar dos limites e da anunciada dificuldade dos gestores,
principalmente dos pequenos centros urbanos das regiões mais afastadas, em
formar as equipes, geralmente pela falta do médico, os dados revelam ainda que é
crescente o número de ESFs existentes atualmente no país, que grande parte da
população brasileira tem acesso a esse tipo de assistência e que grande número de
profissionais de saúde está nela envolvido.
Apesar dos dados aqui coletados em sua grande maioria apresentarem o PSF
como uma proposta com impactos positivos nos indicadores de saúde da população
brasileira, analisar seus componentes a partir de cada realidade específica é o
desafio para os estudos e pesquisas.
Certamente que, apesar das pesquisas evidenciarem as experiências
exitosas que assumem a concepção de atenção primária como “(...) o primeiro
contato do serviço de saúde com a comunidade, a família e o indivíduo, sendo
enfocados nesse nível os principais problemas de saúde e desenvolvidas ações de
promoção, prevenção e recuperação da saúde” (BARROS, 2003, p. 98), dentre os
diversos municípios que aderiram à proposta, vários deles assim o fizeram somente
na perspectiva de busca de recursos, sem a preocupação em desencadear uma
mudança mais efetiva do modelo assistencial hegemônico e na organização da
assistência à saúde. Restringem-se, assim, a intervenção na rede básica, com mera
ampliação quantitativa desses serviços, mas não garantindo o acesso e/ou a
resolutividade.
Tal questão torna-se, ainda, um empecilho ao princípio da integralidade, uma
vez que o PSF não é “um modelo” assistencial, mas somente uma forma, entre
tantas outras, de organização da atenção básica. A análise dessas experiências
fatalmente indicará que nelas a concepção de atenção primária é a que a visualiza
como programa específico, voltado para as populações carentes, o que desvirtua os
objetivos de universalização, integralidade e equidade. (MORAES, 1997)
82
Por sua vez, a adoção de modelos assistenciais, definidos como a forma de
organizar a produção de saúde em cada local, não são formas de produção neutras,
envolvem componentes políticos importantes, definidos segundo a correlação de
forças em cada localidade, envolvem uma composição entre saberes tecnológicos,
conceitos de saúde e doença, e seus determinantes, que interagem com as relações
de trabalho e com a participação popular e expressam-se como projetos políticos.
(CECILIO, 1997) A definição do modelo assistencial para um local específico
depende, assim, do projeto político específico, que se constrói em uma arena de
disputa, de acordo com a correlação de forças estabelecidas e em movimento.
Um dado favorável à continuidade da reforma sanitária brasileira, é que,
apesar do SUS e do PSF terem sido criados em um contexto desfavorável à
ampliação das políticas sociais e à garantia de direitos, é crescente, na década em
curso, das denominadas administrações democráticas e populares, com o discurso
do avanço da Reforma Sanitária e com o desenvolvimento de experiências que
apostam na efetiva organização de todas as modalidades assistenciais, também da
rede básica através do Programa de Saúde da Família.
Essas experiências e os impactos positivos produzidos são dados que
refutam qualquer análise apriorística sobre o PSF. Como o próprio processo de
descentralização da saúde no Brasil, este também é heterogêneo, complexo e
contraditório.
83
CAPÍTULO II. OS TEMPOS E OS MOVIMENTOS EM UMA ALDEIA”: A
REFORMA SANITÁRIA EM SERGIPE E AS BASES PARA A IMPLANTAÇÃO DO
PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA EM ARACAJU.
A Reforma Sanitária em Sergipe, como no Brasil, tem seus primeiros registros
históricos no contexto dos anos 1970, com os sinais de esgotamento do regime
militar e de ressurgimento dos movimentos sociais no cenário político.
No entanto, mesmo com a clareza dos aspectos históricos que marcam a
formação social brasileira como um todo, e que caracterizam o nosso país, entende-
se que o que acontece em Sergipe não é um simples reflexo das experiências
desenvolvidas em todo o país.
As particularidades desse movimento e a forma que o PSF assume em cada
estado, em cada local, a partir das características específicas de cada projeto
político e da correlação de forças expressas e em movimento, resultam em formas
diferenciadas desse movimento se processar, da implantação do SUS, no final da
década de 1980, do PSF, no início dos anos 1990, e da inserção dos diversos
profissionais nas equipes de saúde, particularidades essas que devem ser
observadas e analisadas para que seja possível uma configuração mais aproximada
do real sobre as possibilidades e limites de cada um.
Essas características e especificidades devem ser buscadas na formação
histórica de cada contexto estudado, com a clareza de que a construção de uma
sociedade é um processo complexo que incorpora em si várias dimensões,
complementares e contraditórias. Nessa história, dominação e resistência compõem
o quadro e instituem o dissenso. Duas dimensões cujas origens devem ser buscadas
na própria construção histórica dessa sociedade.
Assim, o objetivo do presente capítulo é fazer uma breve pontuação sobre a
formação histórica de Sergipe, a organização dos trabalhadores e estabelecer, a
partir daí, as bases do movimento pela reforma sanitária, da implantação do SUS e
do PSF neste estado, e especificamente em Aracaju.
84
2.1. Breves pontos sobre a história de Sergipe e a organização dos
trabalhadores
A formação histórica do Estado de Sergipe, que atualmente possui um
território de 28.035 Km
2
, revela um processo marcado por intensos conflitos e lutas
entre os indígenas que aqui viviam e o colonizador europeu. Durante o período que
vai de 1534, quando as terras que se estendiam da foz do rio São Francisco à Ponta
do Padrão na Bahia foram doadas a Francisco Pereira Coutinho, até o ano de 1590,
ano em que ocorreu a efetiva conquista de Sergipe, após a tomada das aldeias
indígenas que eram contrárias à ocupação e foi fundada a cidade de São Cristóvão,
índios, portugueses, franceses e holandeses lutaram intensivamente pelo domínio
do território.
Segundo Santos e Oliva (1998) a necesidade de conquista e dominação do
território de Sergipe possuia caráter preventivo e pode ser sintetizado em dois eixos:
garantir a comunicação entre as capitanias da Bahia e de Pernambuco, com a
construção de estradas para viabilizar a circulação de correspondência oficial e o
escoamento de mercadorias, e exercer o controle militar sobre Sergipe, como forma
de garantir que o território sergipano não se tornasse refúgio para quilombos e
corsários franceses.
No entanto, o projeto português de domínio do território sergipano enfrentou
outros dois importantes obstáculos. O primeiro deles foi a ocupação holandesa no
Brasil, que fez com que o território sergipano se tornasse palco de disputa,
verdadeira praça de guerra, entre holandeses e portugueses. Nessa disputa,
Sergipe teve sua economia praticamente dizimada, com seu rebanho bovino, sua
maior riqueza, quase que totalmente destruída. A disputa entre o “Brasil holandês” e
a “resistência portuguesa” na Bahia deixou a capitania de Sergipe D’El-Rei em
estado de completo abandono, o que pode ter reforçado o poder local, alimentado o
desejo de autonomia e iniciado o acirramento entre as forças políticas e econômicas
de Sergipe e da Bahia.
O segundo obstáculo encontrado agora no plano interno –, em terras de
Sergipe D’El-Rei, dentro do projeto português de colonizar todo o litoral nordestino
foi a incrível resistência dos índios, liderados principalmente pelos caciques Serigi,
85
Baepeba, Pacatuba, Japaratuba, Siriri, Surubi e Aperipê, entre tantos outros. Em um
cenário de lutas, mortes, conquistas e dominação, os atores aí se movimentavam
objetivando a preservação, ocupação e autonomia sobre o território.
Essa constitui a primeira referência histórica, em território sergipano, de luta e
resistência ao processo de colonização. A resistência dos indios contra a dominação
e colonização das terras de Sergipe D’EL-Rei constituiu a primeira de uma série
contra o processo inicial de formação do pequeno estado de Sergipe, marcado pela
constituição de uma sociedade com práticas de poder e mando, geralmente com o
uso da violência e perseguição política, em que prevaleceram os interesses dos
senhores de engenho, proprietários de terras e gado, em detrimento dos interesses
dos demais grupos da sociedade, como os mestiços, os negros e os pobres, estes
geralmente alijados das discussões e decisões políticas.
Essas relações de poder e dominação permearam a sociedade de forma tão
intensa que encobriram alguns aspectos da formação da sociedade sergipana.
Algumas características da economia, no período inicial de configuração da capitania
de Sergipe, assentada inicialmente não na agricultura canavieira, como nos estados
vizinhos, mas na pecuária, tendo em vista sua importância econômica, permitiu a
incorporação de alguns elementos democráticos nessa formação.
Esse “caráter mais democrático” da sociedade sergipana, no início de sua
constituição, pode ser explicado pela importância da pecuária, base inicial de
sustentação da sua economia, pelas características específicas que essa atividade
economica assumiu e os desdobramentos que ela provocou, uma vez que
(...) o fato de pessoas sem muito recursos terem acesso à terra
através da posse de sesmarias e da atividade utilizar mais o serviço
de homens livres que de escravos teria contribuído para a formação
de uma sociedade rústica, pouco hierarquizada e mais democrática
do que aquela que viria a formar-se posteriormente nas áreas
produtoras de açúcar. (SANTOS e OLIVA, 1998, pag.34)
No entanto, se a pecuária foi expandida para Sergipe antes mesmo da sua
conquista e manteve-se como atividade mais importante até a primeira metade do
século XVIII, o que permitiu um caráter mais democrático na organização da
sociedade sergipana, pelas características específicas que essa atividade
86
econômica assumiu, convém, para uma leitura mais cuidadosa sobre a questão,
apreendendo-a nos seus diversos aspectos, observar o pacto feito com os
dominadores, que deveriam ser “compensados” pela tarefa árdua de “domesticação”
dos nativos, o que estabeleceu um processo extremamente desigual de distribuição
de terras.
Lembramos, no entanto, que além de as terras de Sergipe terem sido
distribuídas inicialmente entre soldados que acompanharam
Cristóvão de Barros nas lutas de conquista, grande parte delas foi
cedida a membros da família Garcia d’Ávila, ricos proprietários
baianos, ligados ao setor de pecuária. Além disso, enquanto a
maioria dos sesmeiros recebia pequenos lotes, aqueles que
demonstravam possuir recursos eram contemplados com a posse
de áreas maiores, às vezes tão grandes que o proprietário sequer
chegava a ocupar toda a terra compreendida na sesmaria. Com a
expansão da lavoura canavieira a partir do século XVIII, tal política
de distribuição das terras sergipanas evoluiu de forma a assegurar o
predomínio da grande propriedade na economia local. (SANTOS e
OLIVA, 1998, p. 34)
Assim, se um lado da moeda revela a constituição de características
democráticas na formação da sociedade sergipana, o outro lado revela elementos
que garantiram a concentração do poder econômico, através da concentração da
terra, que por sua vez desdobram-se na concentração do poder político,
principalmente a partir do século XVIII, quando a agricultura canavieira passou a
constituir o centro da nossa economia. Esses outros elementos diluíram as
características democráticas, apesar de não extinguí-las, nas relações sociais
estabelecidas.
Com a Proclamação da República, mesmo com mudanças importantes
acontecidas na sociedade sergipana, a base da economia continuava
essencialmente agrícola, voltada para a exportação, nesse momento assentada
principalmente na agricultura canavieira
25
e na produção do algodão.
Os principais movimentos políticos hegemônicos do Estado continuavam a
representar e defender os interesses dos proprietários rurais, sem que
acontecessem mudanças profundas nas estruturas econômicas e de poder uma vez
que “(...) os monarquistas aderiram ao novo regime, alijando os setores médios”
(GRAÇA, SOUZA e CERQUEIRA FILHO, 2002, p. 68).
25
No inicio da República, Sergipe era o segundo maior produtor de açúcar do nordeste, perdendo
somente para Pernambuco.
87
Em Sergipe, como no Brasil, a concentração do poder econômico foi
elemento determinante para a concentração do poder político. Assim, os arranjos e
rearranjos favoreceram a hegemonia dos grandes grupos econômicos, estes
geralmente alinhados à política dos coronéis, com disputas eleitorais extremamente
violentas, especialmente nos municípios do interior, nos quais o controle da gestão
garantia o mando local e a permanência e/ou alternância no poder.
No final do século XIX, apareceram com maior relevo alguns elementos que
permeavam a sociedade capitalista na conjuntura do pós-30, que caracterizavam a
contradição capital/trabalho naquele momento e deram visibilidade à questão social.
Esses elementos estavam sendo estruturados, em Sergipe, a partir do fim da
Guerra de Secessão nos Estados Unidos (1861-1865), quando a produção do
algodão destinava-se ao comércio local e ocorreu a implantação das primeiras
indústrias têxteis em território sergipano.
26
Essa atividade cresceu no início do
século XX, com a nova expansão da produção de algodão e a liberação de mão de
obra do campo
27
tendo em vista a modernização da produção do açúcar, devido às
mudanças que já vinham sendo observadas no capitalismo mundial.
Desde o final do século passado é possível observar uma redução
dos números de engenho bangüês e a incrementação de números
acentuados de usinas, com redução de postos de trabalho e,
portanto, liberação de mão-de-obra. Nesse tocante, das duas
fábricas têxteis existentes no final do século XIX, com 780 postos de
trabalhos, chega-se, em 1918, com oito fábricas e 3.674 postos de
trabalhos, que atingira, em 1934, a quantidade de dez fábricas,com
5.682 postos de trabalho. Dessa maneira, esse será o setor que
ocupará maior quantidade de postos de trabalho, tornando-se assim,
nos moldes da organização fordista, uma categoria de grande
importância. (ROMÃO, 2000, p. 32)
Como visto, o cenário sergipano sofreu mudanças importantes de 1534 ao
início da República, mudanças essas que se processaram com maior intensidade
nos períodos posteriores, como o crescimento da classe média, dos trabalhadores
26
Nesse momento, existiam duas fábricas de tecidos: uma em Aracaju, a Sergipe Industrial, criada
em 1884, e a outra na cidade de Estância, a Companhia Industrial de Estância, criada em 1896.
Empregavam, as duas, 780 operários (Almeida, 1999).
27
A nascente indústria sergipana, deparou-se com algumas barreiras na absorção da mão-de-obra,
vez que, com a abolição da escravatura e a migração em massa para os centros maiores em busca
de melhores condições de vida, e com os problemas gerados a partir daí, procurou-se prender essa
mão-de-obra no campo. Com esse objetivo, em1905, foi criado o Código Rural, através de decreto
estadual, que definia as bases do contrato de trabalho e algumas medidas que obrigavam o
trabalhador a cumprir suas atividades (ALMEIDA, 1999).
88
urbanos e dos operários, principalmente da indústria textil, que, em 1920,
empregava 81% dos operários sergipanos (ROMÃO, 2000, p. 51). Além das usinas
de açúcar e das fábricas de tecidos, o crescimento da indústria era observado
também em outros setores, com a existência de “(...) pequenas fábricas de
descaroçar algodão, de óleo de coco, de sabão, beneficiamento de arroz, fumo,
curtume e outras, voltadas para o consumidor de baixa renda”. (SANTOS e OLIVA,
1998, p. 80)
Essas mudanças na economia o significaram mudanças no padrão de vida
dos trabalhadores, que estavam, cada vez mais, imersos em precárias relações de
trabalho, com baixos salários e excessivas jornadas, situação essa que era
agravada pela ausência do Estado na garantia de alguma proteção, e levou os
trabalhadores a buscar formas de garantia de ajuda e proteção. Assim, no final do
século XIX, antes mesmo da abolição da escravatura em nosso país, foram criadas
algumas organizações que nasceram sob a forma de associativismo e mutualismo,
agregando não somente operários ou outras profissões não tipicamente operárias e
objetivam prestar assistência aos trabalhadores e suas famílias em épocas de
infortúnio como doenças, invalidez, desemprego e amparo às viúvas. Segundo os
registros históricos, essas organizações em Sergipe estão entre as primeiras que
foram criadas em todo o país.
28
Romão (2000) considera a composição dessas organizações presentes na
sociedade sergipana como “embriões” de organização dos trabalhadores. Afirma
que, algumas delas “(...) nascem, na maioria das vezes, de forma espontânea, visam
a auto-defesa e chegam, em alguns casos, a fazer reivindicação” (p. 50), assumindo
também o caráter de resistência, como forma de melhorar as condições de trabalho
e existência.
Almeida (1999), por sua vez, ao pontuar sobre a existência dessas
organizações no Brasil, coloca que a afirmação que elas originaram o movimento
sindical não é consensual entre os pesquisadores, nem entre as diversas correntes
de pensamento e tendências existentes no movimento sindical. Segundo essa
28
Romão (2000) afirma que, no país, a primeira dessas organizações surgiu em Pernambuco, em
1836, que foi a Imperial Sociedade dos Artistas Mecânicos Liberais de Pernambuco. Em São Paulo a
criação de sociedades mutuarias aconteceu em 1873 e 1873, em número de três, e aglutinavam
gráficos, artífices, componentes da colônia alemã e assalariados de diversas categorias (ROMÃO,
2000, p. 80 e 81).
.
89
autora, os anarquistas e comunistas discordavam desse pensamento e as
colocavam como elemento conformador à ordem e não como formas de lutas e
resistência.
Análise diferenciada sobre a questão fazia a tendência socialista defendendo
a tese de que a organização deveria ampliar seu olhar para todas as dimensões da
vida, além dos planos sindical e político, e sob este prisma essas organizações
deveriam ser analisadas.
Acredita-se que essa discussão não é simples e tranquila, como também não
é, entre os assistentes sociais brasileiros, a discussão se as denominadas
“precursoras”, com seu trabalho, originaram ou não o Serviço Social no Brasil.
O dado objetivo é que tais formas de organização dos trabalhadores no Brasil
e em Sergipe, em um contexto de adoção do liberalismo, de ausência do Estado na
regulação capital/trabalho, com os trabalhadores e suas famílias sem proteção,
constituem nesse momento, fator fundamental para os trabalhadores, que
enfrentavam condições de trabalho degradantes, baixos salários e jornadas
excessivas de trabalho.
Essas organizações, dos primeiros trabalhadores urbanos, sobreviverão, em
Sergipe, basicamente até a década de 1930, quando ocorre o surgimento dos
primeiros sindicatos de trabalhadores, enquanto que, nos estados vizinhos, essa era
uma realidade desde 1912.
29
Os motivos para tal fato podem ser encontrados considerando-se que, em
Sergipe, não foram vivenciadas experiências anteriores de organização referenciada
na liberdade e autonomia sindical, uma vez que no estado não houve a presença do
imigrante europeu com suas experiências de organização e luta política.
29
Nesse ano, em Alagoas é registrada a existência de, pelo menos, quatro sindicatos (ROMÃO,
2000).
90
Quadro 1 - Das Associações Mutuárias existentes em Sergipe a partir de 1871
Nome
*Período Sede Composição Fins Atividades
Sociedade
Monte
Pio dos
Artistas
1871 até 1900 Laranjeiras
Mantinha
Cursos noturnos
Sociedade
Monte
Pio dos
Artistas
1875 até 1912 Aracaju
Artistas e
operários
Mutuários Mantém escolas
Monte Pio
dos
Empregados
Provinciais
1881 até dias
atuais
Aracaju
Inicialmente
todos os
funcionários
públicos
Inicialmente
apenas
mutuários
Associação 1891 Aracaju
Manteve o jornal
“O Operário”
Club União
Proletária
1892 até 1911 Aracaju
Pessoas de
ambos os
sexos
Mutuárias e
eleitorais
Sociedade
União
Operária
Sergipana
1895 até 1896 Aracaju Gráficos
Mutuários e de
Resistência
Edita o Jornal “O
Operário”
Sociedade
Beneficente
Socorros
Mútuos
1896 até 1897 Aracaju Mutuárias
Associação
de Práticos
da Barra e
Costa do
Estado
1899 até 1915
Transformando
-se
continuamente
Vale do
Cotinguiba
Trabalhadores
Inicialmente
mutuários
Sociedade
Beneficente
União dos
Artistas
1901
Sociedade
Auxílios
Mútuos
Amparo das
Famílias
1901 até 1905 Aracaju
Plural, aglutina
profissionais
liberais,
militares,
donas de casa,
trabalhadores.
Mutuários
*Data de registro da existência. Na maioria dos casos, não consta relato do fechamento das entidades
Fonte: ROMÂO, 2000, p. 49.
Nesse momento, papel importante desempenhou a chamada imprensa
operária no trabalho de articulação, mobilização e formação política dos
trabalhadores, especialmente com o primeiro jornal operário, “O Operário”, criado em
91
1891,
30
apesar da forma dúbia como conduzia suas lutas e posicionamentos sobre a
política local e o socialismo (ROMÃO, 2000). Também outro jornal, “Voz do
Operário”, teve importância na mobilização e organização dos trabalhadores
sergipanos, este bem mais claro e firme na divulgação das idéias socialistas.
(ALMEIDA, 1999).
No ano de 1895 surgiu a Sociedade União Operária Sergipana, a primeira que
não tinha caráter essencialmente mutualista, congregando em torno de si
exclusivamente os gráficos e artífices, o que a diferenciava das demais até então
existentes. Essa organização, seguindo uma tendência de organização desses
trabalhadores em nível nacional, questionava a situação de desigualdade
estabelecida entre os grupos da sociedade e levantava bandeiras na defesa dos
trabalhadores.
(...) o profissional gráfico surge no cenário de formação da classe
operária brasileira como elemento imprescindível à sua organização.
É um tipo privilegiado para a época estudada: uma época em que
são raros os operários alfabetizados e que ainda não conta com
meios de comunicação de massa. Estes profissionais, pela exigência
de sua atividade, eram alfabetizados, de forma que desenvolveram e
utilizaram, com infinitos resultados positivos, um dos poucos meios
de comunicação da época: o jornal. Foi devido ao seu pioneirismo na
atividade de organização das massas trabalhadoras que os operários
gráficos tiveram grande destaque na história do trabalhador brasileiro
(ROMÃO, 2000, p. 46).
A incipiente organização dos trabalhadores sergipanos, mobilizados
principalmente pelo jornal “O Operário” resultou na criação, em 1911, do Centro
Operário Sergipano - COS, considerado como uma das mais importantes
organizações dos trabalhadores do período e que teve destacado papel na
organização e luta dos trabalhadores sergipanos, com caráter essencialmente de
resistência.
O objetivo do COS era articular os trabalhadores e fortalecer sua luta, o que
fez até 1964. Foi imbuído desse propósito e com esse anseio que o COS, em 1921,
30
- Existem imprecisões quanto a data de fundação do Jornal. Romão (2000) afirma que ele surgiu
em 1891 e em 1896 ele foi reeditado pela União Operária sergipana. Almeida (1999) afirma que ele
surgiu em 1896 e que em 1910 surgiu outro jornal com o mesmo nome. Este sofreu algumas
interrupções, circulou até 1911 e voltou a ser reeditado no período 1915-1916.
92
pela primeira vez, articulou a greve que ocorreu na Fábrica Confiança, primeira e
única do período, reivindicando a redução da jornada de trabalho para 8 horas.
Essa greve não foi dos operários têxteis da Confiança, mas dos pedreiros e
carpinteiros que estavam trabalhando na ampliação da fábrica, submetidos à jornada
excessiva de trabalho, apesar da já fixação, em lei, de oito horas de trabalho.
31
O impasse da greve, diante da firmeza dos trabalhadores e a recusa dos
patrões em respeitar a legislação, requisitou a interferência do Presidente do Estado,
o que garantiu o pacto entre os trabalhadores e os patrões, para o cumprimento das
reivindicações.
Após 38 dias a greve chegou ao seu final, vitoriosa. O apoio do COS foi
fundamental para a articulação e mobilização solidária de outros segmentos
produtivos, como os trabalhadores têxteis. A partir de então, intensa campanha
contra este Centro foi desenvolvida pelo patronato no sentido de esvaziá-lo, com
temporário êxito e prejuízo aos trabalhadores urbanos, que tiveram seu principal
canal de aglutinação e articulação esvaziado.
Em 15 de março de 1918, sob a liderança do intelectual Florentino Menezes,
foi criado o Centro Socialista Sergipano (GRAÇA, SOUZA e CERQUEIRA FILHO,
2002). Apesar da forte disposição dessa entidade na divulgação das idéias
socialistas entre os trabalhadores, ela não teve vida longa e os registros das suas
atividades constam somente as do mesmo ano de sua fundação (ROMÃO, 2000).
No início do século XX, especialmente a partir da década de 1910, foi
acentuado o processo de industrialização em nosso país, com reflexos também em
Sergipe, principalmente com a indústria têxtil.
A forma subordinada de inserção dos trabalhadores no processo produtivo,
que tem como consequências as precárias condições de trabalho e de existência,
além da tímida presença, nesse momento, das formas de proteção ao trabalho
garantidas pelo Estado constituíram fatores que impusionaram o grau de
mobilização e organização dos trabalhadores, perceptível através da ampliação do
número de entidades e organizações existentes a partir de então.
31
Em 1919 o Intendente da Capital estabeleceu o regime de oito horas para os diaristas responsáveis
pela execução dos serviços públicos municipais.
93
Desta forma, em 1919 foi criada a Associação dos Empregados no Comércio
de Sergipe, transformada em sindicato em 1941; em 1927 registra-se a existência da
União dos Estivadores, da União Defensora dos Operários Ferroviários e a União
dos Padeiros, que, nesse momento, se articulavam e realizavam assembléias
conjuntas no Centro Operário Sergipano. Além dessas entidades, em 1928, foi
criada a Liga dos Carroceiros e Carregadores de Aracaju.
Em 1927 aconteceu a greve dos operários ferroviários da Companhia Este
Brasileiro, última greve da República Velha e uma das maiores do período. Essa
greve durou 19 dias; reivindicavam contra os baixos salários, denunciando o
desrespeito aos seus direitos e às degradantes condições de trabalho e
conseguiram adesão dos ferroviários da Bahia (ROMÃO, 2000). Nesse contexto,
essa adesão constituiu fator importante para a visibilidade da greve haja vista a
importância desses trabalhadores, assim como dos trabalhadores marítimos e
portuários, para a economia agro-exportadora, apesar da crise dos anos 1920.
No entanto, apesar da crescente organização dos trabalhadores sergipanos e
das suas lutas, ao se tomar como parâmetro o processo em outros estados do
nordeste, como Bahia, Alagoas ou Pernambuco, onde existiam grandes movimentos
dos trabalhadores, impossível não reconhecer o caráter ainda embrionário desses
movimentos em Sergipe, tendo em vista os “condicionantes estruturais do Estado
Oligárguico” (DANTAS,1992), com as relações de poder e mando concentrados nas
mãos dos grandes proprietários de terra e o estabelecimento de relações
essencialmente coercitivas com a população, especialmente com os trabalhadores.
Ante o exposto, demonstração clara das limitações do movimento
operário sergipano que, inclusive, não se fez presente, enquanto
organização coletiva, em nenhum dos congressos operários no
período, é preciso registrar algumas conquistas dos operários em
Sergipe: em 1919, consegue do governo do Estado a jornada de 8
horas para os operários e para os funcionários do estado. Em 1921,
conquistam a mesma jornada da Intendência de Aracaju, garantem a
não abertura do comércio aos domingos, conseguem a construção
de moradias para os operários. Em 1921, mais uma vez, o governo
do estado estabelece a jornada de 8 horas para parte do operariado.
Todas elas representam vitórias expressivas da classe operária
sergipana. (ROMÃO, 2000, p. 83)
94
Os movimentos surgidos em Sergipe, especialmente na década de 1920, não
eram casos isolados e estavam situados no contexto de ampliação dos movimentos
dos trabalhadores no período pós-guerra, com a instabilidade política durante a
sucessão presidencial e a revolta dos militares, que, em Sergipe,
32
apesar de suas
fragilidades e lacunas, significou momento importante para repensar a “situação
nacional”.
Tudo isso conformava um quadro de inquietações, no qual os trabalhadores,
nele inseridos, denunciavam as condições de trabalho a que estavam submetidos e
faziam a divulgação das idéias socialistas.
Nesse momento assistia-se o esgotamento das idéias liberais, quando o
capitalismo mundial vivia o contexto da reestruturação fordista e no Brasil assistia-se
a construção de um Estado forte e altamente centralizado, com a incorporação do
corporativismo como forma de controle do movimento dos trabalhadores pela
burocracia estatal, retirando sua autonomia com o objetivo de tutelar e fragilizar suas
organizações, principalmente através da criação da legislação sindical e da
regulação das relações entre capital e trabalho.
Como resultado desse processo tem-se a criação de uma estrutura sindical
fragmentada por corporações, que impede a organização horizontal e por local de
trabalho.
Percebe-se, ainda nesse contexto, principalmente em Sergipe, a
permanência dos “velhos” traços que marcaram a formação brasileira, caracterizada
pelo uso da violência, sem que sejam rompidas as estruturas latifundiárias. Na
relação com o capitalismo internacional, observa-se o aprofundamento de um
processo que destrói a autonomia do capital nacional, subordinando, cada vez mais,
o país aos interesses do grande capital internacional. Um processo cada vez mais
forte de negação da política, da fala e do dissenso (ROMÃO, 2006).
Assim sendo, os anseios de mudanças colocados a partir de 1930, em
Sergipe, encontraram fortes barreiras na política local tendo em vista a continuidade
das representações dos interesses dos proprietários de terra, vez que a base da
economia ainda era agrária, voltada para o mercado externo, principalmente com o
açúcar, apesar do crescente número de indústrias criadas, especialmente a têxtil.
32
Sobre o tenentismo em Sergipe, ver Dantas (1974 e 1983).
95
As condições de trabalho dos operários nas indústrias existentes eram
extremamente perversas, com ambientes altamente insalubres, além das precárias
condições sanitárias e de higiene. Ainda, as exaustivas jornadas de trabalho, apesar
das lutas da década anterior e os baixos salários eram fatores de constantes
mobilizações e denúncias dos trabalhadores nesse período.
Em junho de 1931 foi criado o primeiro sindicato de operários em Sergipe, o
Sindicato dos Trabalhadores da Empresa de Tração Elétrica. A partir de então
número significativo de sindicatos foram surgindo, chegando, em 1934, “(...) com 31
sindicatos, 3 delegacias sindicais, uma federação e um partido político dirigido por
trabalhadores”. (ROMÃO, 2000) Esse é o ano em que surge o Sindicato dos
Bancários de Sergipe e marca a volta da atuação do Centro Operário Sergipano.
Sobre o crescente número de organizações sindicais dos trabalhadores
criadas no Brasil a partir de 1930, em Sergipe somente a partir de então, Martins
(1981) observa que esse fenômeno deve-se a fatores exógenos e endógenos. Como
fatores exógenos, ou seja, como fatores externos à organização sindical, e que
produziram efeitos na forma de organização desse movimento, ele situa a nova
legislação sindical e a relação paternalista do Governo Vargas (WEFFORT, 1978)
que serviram como estímulo para tanto, não constituindo, nesse momento, um fator
resultante do crescimento interno desse movimento. Antunes (1982), por sua vez,
coloca que esse processo, a influência desse fator exógeno, ocorreu nas áreas com
menor grau de industrialização, ou seja, o controle estatal na organização dos
trabalhadores ocorreu inicialmente com maior força nas áreas com menor
experiência de organização e sem expressiva combatividade, e foi, posteriormente,
atingindo outras áreas com maior poder de organização e mobilização.
Sobre os fatores internos do movimento sindical e suas especificidades, que
também contribuíram para as características do movimento sindical a partir de 1930,
Leôncio Martins (1981) observa que a substituição da mão-de-obra imigrante pelo
“trabalhador nacional” (ALMEIDA, 1999), esse geralmente de origem rural e com
pouca experiência de organização; foi fator importante que contribuiu para a tutela
das organizações pelo Estado.
Em Sergipe, além dos fatores enumerados acima, exceto a presença do
trabalhador imigrante, o crescente número de sindicatos operários existentes deveu-
96
se também ao papel destacado do interventor Augusto Maynard Gomes
33
para que a
legislação fosse cumprida. Este, simpático aos trabalhadores, com os quais fez,
inclusive, alianças eleitorais, mediava as relações entre o capital e o trabalho. O
interventor
(...) teve papel destacado na implantação em Sergipe da legislação
social assumida pelo governo Vargas, no novo arcabouço jurídico
institucional. Será sob o seu governo que as oligarquias perderão
seu poder absoluto, ‘facultando’ o crescimento do envolvimento da
sociedade civil nas decisões da política. (ROMÂO, 2000, p. 30 e 31).
O dado objetivo é que, no período de 1930 até idos dos anos 1935, uma
ampliação considerável do número de sindicatos e da mobilização dos trabalhadores
que, sob a proteção paternalista inicial, ampliou seu espaço de ação e trilhou um
caminho de construção de sua autonomia, principalmente a partir de 1933.
Diversos sindicatos realizaram mobilizações e greves em defesa de melhores
condições de trabalho, contra os baixos salários e as jornadas excessivas,
geralmente enfrentando a truculência e repressão por parte dos patrões. Foi nesse
momento, em 1932, que aconteceu a primeira greve dos têxteis de Aracaju, bastante
saudada por todo o movimento sindical, vez que esse segmento estava estruturado
em Aracaju algum tempo e não tinha realizado, até então, nenhum movimento
grevista.
Em 1935 ocorreu, em Aracaju, o I Congresso Unitário Sindical de Sergipe,
promovido pela Federação dos Trabalhadores de Sergipe, na trilha da construção da
autonomia do movimento sindical, embora com poucos efeitos concretos. Sergipe,
nesse momento estava com outro governo, de Eronildes de Carvalho, ligado ao
“grupo do açúcar” (ALMEIDA, 1999), que não era simpático aos trabalhadores e se
relacionou com os grevistas e sindicalistas de forma cada vez mais truculenta.
Nesse mesmo ano ocorreu a 1ª Greve Geral de Sergipe que, envolvendo em
torno de 3000 operários, enfrentou forte repressão policial. (ROMÃO, 2000, p. 124)
Essa greve contrariava o modelo corporativo de organização sindical imposto pela
legislação, mostrou a força do movimento sindical e confrontou o mando político
local.
33
Augusto Maynard teve papel importante no movimento tenentista em Sergipe, o que lhe rendeu a
prisão após ter liderado esse movimento no Estado. Em 1930, foi nomeado por Getúlio Vargas para
Governar Sergipe.
97
Assim que, em 1932, diversas lideranças sindicais, reunidas na sede do COS
decidiram fundar a União Trabalhista Sergipana, considerado o primeiro partido
operário de Sergipe.
Em 1934 foi criada a Aliança Proletária de Sergipe-APS que, diferente do
primeiro, participou ativamente da vida política do estado e dos embates eleitorais,
chegando a eleger, em 1935, o “primeiro deputado operário da história de Sergipe”,
cassado no mesmo ano após a Intentona Comunista. Também nas eleições
municipais a APS elegeu dois vereadores em Aracaju e um na cidade de Estância.
O interventor Eronildes de Carvalho, também por ocasião da Intentona
Comunista, fechou a Aliança Proletária de Sergipe e prendeu diversas lideranças. A
partir de então, a relação dos trabalhadores com governo local, esse agora ligado às
oligarquias, sofreu brutal recrudescimento.
Além do embate com os integralistas e das posições do governo, o
movimento operário teve que enfrentar também a ação da igreja católica que passou
a desenvolver um papel de combate às idéias comunistas, com a criação do Círculo
Católico Operário de Sergipe em 1935.
Por meio da disseminação da doutrina cristã de conciliação capital/trabalho
ocorreu o ataque aos sindicatos e movimentos, contando com o apoio do movimento
integralista. Esse conjunto de variáveis, principalmente no período compreendido
entre 1935 e 1937, colocou, para o movimento dos trabalhadores, uma série de
dificuldades (ALMEIDA, 1999).
Com o golpe de 1937, com o espaço parlamentar cerceado, houve uma
tentativa de esfacelamento do movimento sindical, momento em que se assistiu
maior regulação, pelo Estado, dos conflitos trabalhistas objetivando monitorar
totalmente sua política. Essa função demonstrou-se de forma mais visível com o
fechamento dos espaços democráticos e com o impulso da indústria nacional em
nome de um projeto desenvolvimentista, quando os trabalhadores foram
efetivamente convocados a protagonizar a construção das idéias nacionalistas.
No período do Estado Novo constata-se a consolidação da nova estrutura
sindical e a destruição das poucas formas de organização autônoma dos
trabalhadores que ainda resistiam.
98
Nos Estados da federação, lócus privilegiado de implementação dessa
política, os interventores foram investidos de maior poder, inclusive o de indicar os
prefeitos municipais. Em Sergipe, sob a intervenção de Eronildes de Carvalho, que
continuava governando, a cooptação e a repressão foram as formas predominantes
de relação com os trabalhadores. Assim, para aqueles que se subjugavam eram
concedidos os favores e benefícios. Para os que resistiam, a repressão.
Essas práticas sofreram mudanças sutis de forma no período entre 1941 a
1942, quando assumiu como interventor o Capitão Milton Azevedo, indicado por
Maynard. O novo interventor, sem mudar a essência da política de controle da
organização dos trabalhadores, manteve relações mais “amigáveis” com os
trabalhadores e recompôs alguns direitos dos que foram presos e demitidos no
período anterior, diluindo o autoritarismo e a repressão aberta.
Em 1945 Maynard volta ao poder, ficando nele até 1945. Nesse momento os
anseios de um “retorno ao passado” foram logo dissipados.
Desta vez, apesar da preocupação em manter os trabalhadores no lado dos
aliados, devido às restrições da conjuntura, principalmente o autoritarismo e a
repressão, o interventor não canalizou as suas reivindicações. Aliado a isso, a
organização dos trabalhadores, devido à repressão sofrida, encontrava-se
fragilizada e esvaziada de um sentido de resistência que deu ênfase à forma
populista dessa relação.
Nela, direitos não foram garantidos, mas os benefícios assistenciais foram
ofertados em troca da cooperação e “bom comportamento”. Essa gama de fatores
levou o “(...) interventor a repetir sua política populista, colaborando na construção
da casa ‘Criança Operária’ e de casas populares, prestigiando o congresso realizado
em 1944 e a manutenção do Centro Operário”. (ALMEIDA, 1999, p. 71).
Mas essa conjuntura sofreu também alterações importantes, principalmente
no s-guerra. O fim do Estado Novo anunciava que a sociedade, especialmente os
trabalhadores, ansiavam por liberdades, posicionavam-se contra o nazi-facismo e a
ditadura Vargas e retomaram o direito de se manifestar, esse contido pela política
populista.
O breve intervalo democrático propiciou a reorganização partidária e, apesar
da fragilidade da organização dos trabalhadores urbanos, observava-se o reinício de
99
suas reivindicações e tentativas de rompimento com a estrutura sindical oficial,
principalmente com a criação do MUT, em 1945 (RODRIGUES, 1981). Esse
intervalo democrático teve seu fim justificado pela guerra fria e pela necessidade de
conter os ideais comunistas. Foi com essa justificativa que o Governo Dutra retomou
o autoritarismo e a repressão contra os sindicatos e partidos políticos.
Em Sergipe, apesar da existência de algumas agremiações partidárias que
defendiam o socialismo, como o PCB, a reorganização partidária o implicou em
alterações significativas nos mandos do poder, vez que não alterou as forças dos
grupos políticos, seus interesses e a forma de fazer política. Os novos partidos
políticos foram a UDN, que fazia oposição ao governo, o PTB, o PSD e alguns
partidos denominados “menores”, como o PCB.
Leandro Maciel, líder da UDN sergipana, foi se tornando o chefe
político do estado. Seu maior apoio vinha dos criadores de gado,
enquanto o partido rival, o PSD, representava principalmente os
usineiros. A população de modo geral dividia suas simpatias por um
ou outro dos partidos, de acordo com o chefe político que lhe desse
proteção e empregos. O PTB foi forte principalmente na cidade de
Estância e havia partidos menores mas muito lutadores como o
Partido Comunista Brasileiro (PCB) que era importante em Aracaju,
São Cristóvão, Maruim e Estância. (SANTOS e OLIVA, 1998, p. 96)
Nos governos posteriores não existiram mudanças essenciais na política
populista, com a organização dos trabalhadores urbanos ainda submetida à
estrutura sindical criada por Vargas, com práticas distanciadas do conjunto dos
trabalhadores.
Apesar de grande parte dos líderes sindicais agora exercitarem a militância
partidária (ALMEIDA, 1999), as posições pendulares das organizações, entre a
resistência e o caráter assistencial, fizeram com que as amarras impostas pela
ideologia desenvolvimentista e pelo populismo continuassem.
Exemplos disso foram as tentativas de organização dos servidores públicos,
com a criação da Associação dos Servidores Públicos, em 1946, e a União dos
Empregados Públicos do Estado de Sergipe, em 1948. Essas organizações
efetivamente a primeira pois a segunda assumiu um caráter lúdico e assistencial –,
desempenharam importante papel na organização desse segmento de trabalhadores
100
e da primeira greve dos funcionários públicos, ocorrida em 1963, com grande
repercussão na sociedade sergipana, tendo em vista a proibição do direito de greve
a esse segmento.
Em 1948 surgiram os primeiros cursos universitários em Sergipe e os
estudantes secundaristas e universitários fizeram suas primeiras manifestações pela
ampliação do número de escolas públicas e contra o alto índice de analfabetismo,
uma vez que, apesar das mudanças ocorridas na sociedade brasileira nessa
década, a política econômica adotada privilegiou o grande capital e resultou na
concentração de renda e no aprofundamento das desigualdades, principalmente na
região nordeste.
Sergipe, inserido nesse contexto, sofreu as consequências dessa política,
apesar de algum investimento e desenvolvimento na infra-estrutura do estado. Em
maio de 1968 foi instalada a Universidade Federal de Sergipe aglutinando as
faculdades públicas e particulares existentes até então.
No final da década de 1950 a configuração do estado começou a sofrer
alterações importantes, quando foram visualizadas a falência da produção
açucareira e o crescimento da pecuária, caracterizando também mudanças nas
relações sociais estabelecidas. Esse quadro é melhor visualizado a partir da década
de 1960, quando aumentou o desemprego no campo e o número de pessoas que
migravam para Aracaju em busca de emprego. Observou-se, a partir de então, o
crescimento do setor de serviços e da indústria, principalmente a indústria de
transformação, da construção civil e “em atividades industriais ligadas à exploração
de calcário, petróleo, amônia, uréia, potássio e argila”. (SANTOS e OLIVA, 1998, p.
108)
Com o aumento das inquietações sociais e o crescimento dos movimentos
sociais da cidade e do campo, que denunciavam as consequências sociais das
desigualdades, o Movimento de Educação de Base - MEB, em Sergipe, teve
destaque especial.
Criado em março de 1961 em parceria firmada entre o governo federal e a
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), visava à educação de jovens e
adultos, com a experiência das escolas radiofônicas e o método “ver, vulgar e agir”.
Este último método formulado pela Ação Católica - AC, dissidência da Juventude
101
Universitária Católica - JUC e de caráter mais engajado com as questões sociais,
influenciou em vários aspectos as atividades do MEB.
As experiências das escolas radiofônicas eram sentidas no nordeste,
principalmente nos estados de Sergipe e Rio Grande do Norte, no final dos anos
1950. O surgimento da Rádio Cultura em Sergipe, no ano de 1959, foi o marco
dessas escolas no estado. Daí por diante, o surgimento de rádios católicas, com
finalidade educativa e evangelizadora, aumentou consideravelmente nos estados
onde o MEB atuou, entre 1961 e 1994, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
do país.
O surgimento do MEB, articulado por D. José Vicente Távora, bispo da
arquidiocese metropolitana de Aracaju e primeiro presidente da instituição, foi o
reflexo de dois fenômenos que surgiam naquele momento: um momento de
inclinação, por parte da igreja católica, para as questões sociais e a opção pelos
pobres, especialmente entre 1961 a 1965, indo de encontro à doutrina Social da
Igreja.
O segundo fenômeno é o surgimento dos movimentos de educação e cultura
popular, tais como o Movimento de Cultura Popular - MCP e os vários segmentos
deste em algumas regiões do país. Influenciados pelo método Paulo Freire e a
necessidade de construir alternativas à “educação bancária e excludente”, esse
fenômeno também apontava a necessidade de outros segmentos sociais refletirem
os temas da educação e da cultura sobre outro prisma, a exemplo do Centro Popular
de Cultura da UNE que, nessa perspectiva, realizava atividades artísticas e culturais.
A União Estadual dos Estudantes Sergipanos também criou o seu Centro
Popular de Cultura, desenvolvendo ações que valorizavam e divulgavam a cultura
popular do estado, reforçando o compromisso do movimento estudantil com o
Movimento de Cultura Popular, o MCP.
Com a instauração do golpe militar, a amplitude das ações do MEB foi
reduzida, mas sua configuração ideológica permaneceu intacta. As escolas
radiofônicas sobreviveram fisicamente até o final da década de 1970, mas sua
configuração político-pedagógica foi drasticamente alterada com o golpe militar
especialmente com a criação do Movimento Brasileiro de Alfabetização de Adultos -
MOBRAL.
102
Movido pela compreensão da alfabetização como uma meta a ser cumprida
no menor espaço de tempo possível, o MOBRAL caminhou tanto para a
maximização do combate ao analfabetismo como propaganda de Estado, quanto
para minimalizar o caráter dialógico e transformador das ações do MEB.
O trabalho desenvolvido pelo MEB, de mobilização e conscientização popular,
contribuiu para a formação dos primeiros sindicatos rurais de Sergipe e da criação,
em 1963, da FETASE (ALMEIDA, 1999). Os movimentos sociais do campo, os
movimentos religiosos da ala progressista da Igreja, davam visibilidades de desgaste
da hegemonia dos grupos dominantes e suas agremiações, significando alerta aos
chefes políticos locais, principalmente aqueles ligados aos proprietários de terras,
contrários à idéia de redemocratização de sua posse.
Sergipe não teve Ligas Camponesas, mas a sua situação de estado
decadente e o mais pobre do Nordeste, em 1962, provocou
movimentação entre trabalhadores, estudantes e a população das
cidades e até mesmo invasões de terra. Por isto o governador João
Seixas Dórea apoiava a política do Presidente Jango e chegou a
anunciar, em comício no Rio de Janeiro, que iria fazer a reforma
agrária em Sergipe (SANTOS e OLIVA, 1998, p. 105).
Como lembra Cruz (2002), a história do movimento de educação de qualquer
sociedade, em especial o movimento estudantil, não pode ser analisada
isoladamente, sem levar em conta a história da educação como um todo nesta
mesma sociedade.
Para melhor nos situarmos no cenário do movimento estudantil universitário
nesta época, dados da CAPES do ano de 1965 indicavam que o número de
universitários em Sergipe correspondia a 0,45% da população do estado, muito
abaixo do percentual nacional da época, que chegava na faixa do 1%. Este cenário
pode ser explicado pelo atraso no surgimento de instituições de ensino superior em
Aracaju, onde a primeira faculdade, do curso de Ciências Econômicas, surgiu
apenas no ano de 1948.
Mesmo com o surgimento tardio das faculdades em Aracaju, as organizações
estudantis universitárias logo apareceram. A primeira agremiação universitária
fundada em Sergipe, o Centro Acadêmico Silvio Romero (CASR), surgiu em 1951,
no mesmo ano da fundação da Faculdade de Direito, instituição pública federal.
103
A experiência política adquirida no movimento secundarista, em especial no
Grêmio Clodomir Silva do Atheneu Sergipense, foi um elemento fundamental para
esta precocidade na organização estudantil universitária no estado de Sergipe. Em
dezembro desse mesmo ano, foi organizado o I Congresso de Estudantes de
Sergipe, tendo representação dos estudantes universitários das instituições
existentes no estado. No ano de 1953 foi organizado o II Congresso de Estudantes
de Sergipe, em que foi aprovada a constituição da União Estadual dos Estudantes
Sergipanos (UEES), que nasceu filiada a UNE e assim se manteve até sua extinção
pelo regime civil-militar. Segundo documentos de sua constituição, esta era “(...)
entidade máxima de representação dos estudantes de instituições de ensino
superior do estado de Sergipe”. (UEES,1954, apud CRUZ, 2002, p. 7)
A necessidade de lutar por uma Universidade de Sergipe era sentida pela
entidade recém-criada e as forças que a compunham na época.
O movimento compreendia que as faculdades, permanecendo isoladas,
estariam muito expostas e fragilizadas, na eminência de fechamento a qualquer
instante. Além deste apontamento o fato de que, em uma universidade, todos os
cursos estariam em funcionamento em um mesmo local, o que facilitaria a
articulação política dos estudantes e a realização atividades artístico-culturais em
conjunto.
Em junho de 1962 ocorreu a primeira greve geral dos estudantes. Dentre as
forças políticas presentes neste momento, com influência entre os estudantes,
podemos destacar a Juventude Universitária Católica (JUC), o PCB, a Política
Operária (POLOP) e a Ação popular, dissidência da JUC.
Nesse cenário, além desses, um novo ator entrou em cena a partir de 1961, a
Juventude Operária Católica – JOC, que desenvolveu trabalho nos bairros operários,
objetivando, no espaço de moradia discutir as questões enfrentadas pelos operários
no espaço da produção. Em 1964, divergências ideológicas internas provocam a
criação da Ação Católica Operária. Esses dois atores tiveram grande importância
política para os movimentos sociais do período.
Também nesse período, em 1963, foi criado o Comando Geral dos
Trabalhadores CGT, como ator importante que aglutinava principalmente os
trabalhadores urbanos, mas que também por divergências ideológicas internas, sofre
104
uma divisão, com a criação de outro comando formado pelos militantes do PCB,
esse que, mesmo na ilegalidade, em Sergipe tinha expressivo mero de militantes
(DANTAS, 1997).
Como a estrutura oficial sindical ainda é a mesma criada no Governo Vargas,
com as características da fragmentação e do corporativismo, qualquer outra forma
de organização que ultrapasse esses estreitos limites contrariava seus princípios.
Assim os CGT’s não eram reconhecidos por essa estrutura, o que o impediu que
continuasse seu trabalho de articulação até 1964, apesar das divergências
ideológicas.
Com a agudização da crise econômica e política, o golpe militar de 1964
interrompeu a grande efervescência que acontecia em todos os estados do país,
com a prisão dos governadores comprometidos com as mudanças, como os de
Sergipe e Pernambuco.
Com a restrição da liberdade em todos os espaços, o movimento sindical
entrou em nova fase de refluxo, com as características da resistência diminuídas
face a repressão sofrida, ainda que em vários momentos ela tenha servido de
suporte e sustentação dos governos e ao ferrenho controle estatal das atividades
sindicais, ao tempo em que se assistia, paulatinamente e geralmente, o crescimento
das atividades assistenciais, em estreita colaboração com os governos.
O forte refluxo vivido pelo movimento sindical brasileiro durante os anos do
regime militar, principalmente a partir das greves de Contagem e Osasco, em 1968,
a fragilidade e desmobilização que esse movimento apresentara durante esse
período, demonstra que não foram construídas as condições capazes para um
enfrentamento de tamanha envergadura com o poder estatal.
Almeida (1999) coloca que, entre as explicações mais usuais para a questão,
duas razões são apontadas com destaque, como o estreitamento das reivindicações
em torno de questões imediatas e salariais, sem uma articulação maior com outros
movimentos da sociedade e a distancia com a base sindical (ou inexistência desta),
característica do sindicalismo de cúpula que se estruturou no país a partir de 1930. A
falta da base sindical, nessa explicação, é fator fundamental para que o movimento
não se sustentasse frente às investidas dos militares e seus governos.
105
O Estado forte e centralizador, depois de breves intervalos democráticos, foi
(re)estruturado com mais ênfase a partir de 1964, pois além do controle das
atividades sindicais, ocorreu também, em consonância com a o projeto político para
o país e com a política econômica adotada a partir de então, a consolidação da
interferência estatal na regulação capital/trabalho com a fixação dos índices de
reajuste salarial, a nova lei de greve, a criação do FGTS, entre outras medidas.
Entretanto, convém salientar que, mesmo com os limites apresentados, a
inquietação dos movimentos sociais no período pré-golpe, permite a configuração de
alguns movimentos de resistência ao golpe, o que aconteceu em quase todo o país.
Em Sergipe destacam-se o movimento estudantil secundarista do Colégio
Atheneu Sergipense, dos estudantes universitários, estes influenciados pelo PCB e
PC do B, que, apesar das divergências ideológicas, aglutinavam-se em torno de
algumas questões, como a morte do estudante Edson Luis e a prisão de Vladimir
Palmeira, e conseguiam realizar grandes manifestações para um período de
liberdades restritas.
Além desses, observam-se alguns outros movimentos, apesar do pouco
impacto produzido, como o movimento dos chamados “intelectuais de esquerda”, do
movimento feminino pela anistia na década de 1970 e o movimento dos
trabalhadores de cana de açúcar da zona do Cotinguiba, ainda em 1968, que
resultou em repressão e prisão.
A economia sergipana até os anos 1960 era ainda predominantemente agro-
exportadora. Isso mudou a partir dos anos 1970, principalmente com a chegada
das indústrias de exploração de petróleo.
Na década de 1970, marcada pela crise do capitalismo mundial, pelo fim do
milagre econômico e o esgotamento do regime militar, ocorreu a abertura política, o
ressurgimento dos partidos políticos no cenário nacional e o sentimento da
população brasileira, cada vez maior, de mudança, observado através do voto na
oposição, o ressurgimento dos movimentos sociais no cenário nacional e algumas
modificações no movimento sindical, especialmente a partir da greve do ABC
paulista.
Essas modificações vão desde as grandes mobilizações e greves que
ocorriam em todo o país, principalmente na década de 1980, e também no discurso
106
dos novos sindicalistas, agora direcionado para a importância tática de manutenção
de relações mais estreitas com a base, à superação do sindicalismo de cúpula e o
rompimento com a estrutura sindical vigente desde 1930.
As lutas travadas a partir do final dos anos 1970 espraiaram-se por toda a
sociedade brasileira e objetivavam a ampliação dos direitos sociais e a configuração
de novo padrão de relação com o Estado, e tinham como consequência o
alargamento dos espaços políticos.
Dentre esses movimentos, em Sergipe destacam-se o movimento pela anistia
que se intensificou a partir de 1978, o movimento estudantil e o movimento sindical,
principalmente em torno do “Novo Sindicalismo”, construído em diversos encontros,
seminários e mobilizações dos trabalhadores, que propunha, entre outras questões,
uma articulação maior entre os dirigentes sindicais e a base e também entre o
movimento sindical e os movimentos populares.
Esses encontros contavam, geralmente, com a presença dos movimentos,
das oposições sindicais e de alguns setores da igreja católica ligados à teologia da
libertação, objetivando articular os locais de moradia aos locais de produção, para
que esses cotidianos fossem politizados. Sobre a ação do Novo Sindicalismo no
Brasil, Romão (2006, p.111) coloca:
O Novo Sindicalismo centra o foco de suas ações sobre os
problemas existentes no chão de fábrica; busca soluções para as
reivindicações imediatas da classe, mobilizando a partir dos conflitos
típicos do processo de trabalho. Combate o despotismo gerencial, as
relações discriminatórias entre gerentes e operários e a exploração
do trabalho. Os dirigentes sindicais realizam manifestações nos
portões das fábricas, vão ao encontro dos trabalhadores nos seus
locais de trabalho, compensando a pouca presença desses nas
sedes dos sindicatos. Fazem crescer o número de filiados, buscando
através desses a sustentação econômica e política de suas
entidades. Defende a criação das Comissões de Fábrica, que
deveriam se dedicar às Organizações por Local de Trabalho (OLT).
Busca abandonar as práticas isolacionistas e de cúpula que tanto
rejeitavam.
Mas se o Novo Sindicalismo tem como propósito revitalizar a ação sindical, a
sua disseminação no Brasil se deu em um contexto em que o movimento sindical era
palco de disputas internas de diversas correntes, principalmente a partir de 1981,
107
com a realização do I Encontro Nacional das Classes Trabalhadoras-CONCLAT em
Praia Grande-SP. Contando com a participação de 1.126 entidades sindicais
urbanas e rurais de todo o país, neste congresso foi formada a comissão Pró-CUT,
com 56 lideranças sindicais urbanas e rurais de todo o país, com a responsabilidade
de encaminhar a discussão sobre a formação de uma central sindical e organizar o II
CONCLAT. As divergências ganhavam maiores proporções principalmente em torno
das discussões sobre a forma de caminhar do movimento sindical e o caminho a
seguir a partir de então.
O debate esteve focado em torno de duas correntes de pensamento e
revelavam concepções ideológicas e projetos de sociedade, referenciadas nas
análises das experiências do sindicalismo brasileiro e seus limites históricos. Uma
posição era defendida pelos sindicalistas do Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernardo e Diadema, os chamados “autênticos”, e, a outra, defendida pelos
sindicalistas ligados ao PCB, PC do B, MR8, denominados “Unidade Sindical”.
A configuração destes dois grupos distintos que compuseram a Comissão
pró-CUT, no I CONCLAT, vinha se desenhando desde o V Congresso da
Confederação Nacional dos Trabalhadores Industriais (CNTI), ocorrido em julho de
1978, quando as divergências davam seus primeiros sinais.
Em 1980 ocorreu o encontro de João Mondelave, que reuniu lideranças dos
movimentos populares, pastorais operárias e líderes das oposições sindicais. Neste
encontro foram defendidas as seguintes bandeiras: democratização da Estrutura
Sindical, fim da CLT, contratos coletivos, liberdade e autonomia, Convenção 87 da
OIT, o direito de greve e a negociação direta entre patrão e empregado.
Em encontro ocorrido no mesmo ano, estas entidades também discutiram a
formação da Articulação Nacional Autônoma de Movimentos Populares e Sindicais,
a ANAMPOS. Dentre as principais necessidades da criação desta entidade,
podemos destacar a necessidade de construir um canal de articulação que
envolvesse os sindicatos rurais e outras camadas dos movimentos populares, como
comunidades de bairros e as diversas associações de categorias. Além, se discutiu
também a necessidade de construção de um partido político “capaz de contribuir
para a libertação das classes populares” (ROMAO, 2006, p. 106) e a defesa da
reforma agrária.
108
Em paralelo ao debate do surgimento da ANAMPOS, as oposições sindicais
se articulavam e construíam espaços tais como o Encontro Nacional das Oposições
Sindicais, o ENOES, e o Encontro Nacional de Trabalhadores em Oposição à
Estrutura Sindical, a ENTOES, que ocorreram, respectivamente, nos meses de maio
e novembro de 1980.
As divergências sobre o papel das oposições sindicais no processo de
reestruturação sindical do país foram fundamentais para a consolidação e
polarização destes dois grupos, provocando um maior acirramento entre as forças
políticas neste momento de ebulição. A “Unidade Sindical” via as oposições sindicais
como uma fragmentação do movimento, contribuindo assim para um
enfraquecimento de classe.
Fator objetivo imediato que contribuiu para a divisão foi a realização do II
CONCLAT, em 1983, quando foi aprovada a criação da CUT. No mês de novembro
de 1983, ainda no mesmo ano da criação da CUT, a “Unidade Sindical” realizou
outro Congresso, que também denominou de CONCLAT e criou a Coordenação
Nacional da Classe Trabalhadora, também com a sigla CONCLAT, transformada, em
1986, na Central Geral dos Trabalhadores-CGT. Essa nova central
(...) aglutina os sindicalistas ligados ao MDB, PCB, PC do B, MR8,
pelegos reciclados e do sindicalismo de resultado. São mais
moderados, repudiam a Convenção 87 da OIT e não defendem a
greve geral. Em 1988, a CGT adota a denominação de Confederação
Geral dos Trabalhadores (CGT). (ROMÂO, 2006, p.108)
As divergências continuavam a caracterizar o movimento sindical e, em 1988,
os sindicalistas do PC do B romperam com a CGT, formaram a Corrente Sindical
Classista-CSC e trilharam um caminho de aproximação com a CUT, o que
aconteceu efetivamente em 1991, no VI Congresso dessa central.
Nessa disputa de idéias, em que foi criada mais uma CGT, esta retornando ao
nome inicial de 1986, ficando, agora, uma controlada por Magri e outra por
Joaquinzão.
Nesse mesmo ano foi criada a Força Sindical, apoiada pelo sindicalismo de
Estado, tendo como presidente Luís Antonio de Medeiros. Importante não esquecer
da União Sindical Independente-USI, central criada em 1988, também considerada
109
de ação moderada, denominando-se apolítica e com abrangência limitada ao setor
do comércio (ROMÃO, 2006, p. 109).
Em 1983, outro fato imediato que fez acirrar as divergências foi a criação do
Partido dos Trabalhadores e a participação, nesse processo, de decisiva maioria dos
sindicalistas ligados à CUT que, superando a tendência inicial de o estabelecer
relações partidárias, passaram a defender a importância dos trabalhadores contarem
e atuarem também nesse espaço, garantindo a sua representação, resguardando
a autonomia do movimento sindical.
Do outro lado, a Unidade Sindical defendia o fortalecimento do bloco da
oposição e sua aglutinação, naquele momento, em torno do PMDB, como forma de
garantir e ampliar efetivamente a democracia. Utilizavam-se do argumento que os
movimentos sociais, também o sindical, ainda não acumularam força suficiente para
um enfrentamento mais aberto com o poder estatal, vez que, apesar do regime
militar apresentar claros sinais de esgotamento, as demonstrações da repressão
ainda se faziam forte contra os movimentos dos trabalhadores, como a intervenção
ocorrida no sindicato dos petroleiros de Paulínia e Mataripe, por ocasião da greve
desses trabalhadores em 1983.
De outra feita, os sindicalistas ligados à CUT utilizavam esses mesmos
argumentos, mas em sentido oposto, ressaltando a importância do fortalecimento do
novo sindicalismo e do PT para superação das velhas práticas de dominação e
opressão.
Nesse momento a Nova República e a transição “pelo alto” desdobravam-se
em uma conjuntura bastante contraditória, cheia de altos e baixos, principalmente no
campo econômico e na recomposição dos direitos dos trabalhadores, além da
elevada dívida fiscal e do engessamento do Estado, diante das pressões dos
empresários, para realizar as reformas necessárias. A resposta à crise econômica
através dos Planos de Estabilização Econômica (Cruzado, Bresser e Verão) teve
inexpressivo impacto no desenvolvimento econômico e não conseguiu alterar a
condição deteriorada de vida do povo brasileiro, mantendo os velhos e enormes
problemas sociais (ALMEIDA, 1999).
Além dessas questões, a manutenção da estrutura sindical verticalizada
constituía, ainda, barreira legal para o avanço da articulação dos trabalhadores,
110
apesar do período mais repressivo e suas práticas hegemonicamente coercitivas
terem se diluído no arranjo político da Nova República. No entanto, ainda assim a
repressão foi acionada nas mobilizações e greves durante toda a década de 1980.
Tendo em vista essas limitações e o anseio de ampliação da democracia, o
processo constituinte de 1988 mobilizou amplamente os trabalhadores e lideranças
sindicais para que acontecessem, na lei, as mudanças almejadas. Porém, devido às
limitações políticas para incorporação das reivindicações dos trabalhadores e, ainda,
às grandes divergências existentes no movimento sindical, elas não aconteceram
plenamente.
Dessa forma, nem as medidas reformistas do Ministro do Trabalho
Pazzianoto, nem também as conquistas alcançadas ao nível sindical,
na Constituição de 88, conseguiram romper totalmente a estrutura
sindical varguista. O imposto sindical, amplamente discutido para
extinção, continuou como contribuição obrigatória, a Unicidade
Sindical permaneceu e os sistemas Confederativo e Federativo
encontraram espaço para continuar operando a estrutura
burocratizada e verticalizada do movimento sindical (ALMEIDA,
1999, p. 92).
No entanto, mesmo com tantos limites e, apesar das contradições
conjunturais, algumas análises sobre o movimento sindical do período reafirmam o
acerto das posições do novo sindicalismo e a conquista de alguns direitos
importantes.
Diria que na contabilização da década, seu saldo foi muito positivo.
Houve um enorme movimento grevista; ocorreu uma expressiva
expansão do sindicalismo dos assalariados médios e do setor de
serviços; deu-se continuidade ao avanço do sindicalismo rural, em
ascenso desde os anos 70; houve o nascimento das centrais
sindicais, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), fundada
em 1983; procurou-se, ainda que de maneira insuficiente, avançar
nas tentativas de organização nos locais de trabalho, debilidade
crônica do nosso movimento sindical; efetivou-se um avanço na luta
pela autonomia e liberdade dos sindicatos em relação ao Estado;
verificou-se um aumento do número de sindicatos, onde se sobressai
a presença organizacional dos funcionários públicos; houve aumento
nos níveis de sindicalização, configurando-se um quadro nitidamente
favorável para o novo sindicalismo ao longo da última década.
(ANTUNES, 1995)
111
Em Sergipe essas discussões, contradições, movimentos e formas que
permeavam a conjuntura nacional e o movimento sindical em nível nacional,
principalmente na década de 1980, também estavam a se processar.
Além, fato agravante é que, mesmo com a abertura política, com o
ressurgimento dos partidos políticos e da efervescência política, inicialmente o poder
local ainda permaneceu com os políticos que apoiaram o regime militar
34
exercendo
sobre os movimentos seu poder repressivo. Ainda assim os trabalhadores
sergipanos
35
participaram ativamente desse momento, especialmente os operários
do setor de extração de petróleo (ROMÃO, 2006), funcionários públicos e das
estatais (ALMEIDA, 1999).
Os trabalhadores da Nitrofértil,
36
que até então eram subordinados ao
sindicato da Bahia, em 1982 fundaram a Associação dos Químicos e Petroquímicos
de Sergipe AEPQ, transformada em Sindicato em 1985 e que, em 1995, fundiu-se
com o SINDIPETRO- Alagoas/Sergipe.
No processo de formação da associação os sindicalistas sofreram
perseguições e ameaças de demissão por parte da empresa, principalmente porque
esse grupo desempenhou papel fundamental na reconstrução do novo sindicalismo,
da CUT e do PT em Sergipe, estimulando a criação e fortalecimento das oposições
aos sindicatos considerados “pelegos”, com diretorias geralmente constituídas no
período militar e com desenvolvimento de ações basicamente no campo assistencial,
especialmente a oposição “Insurgência”, do Sindicato dos Petroleiros de Sergipe, a
do Sindicato dos têxteis e dos profissionais do magistério de Aracaju, entre outras.
Com a criação da CUT, em 1983, surgiu a preocupação com a formação
política dos novos sindicalistas, segundo os princípios do novo sindicalismo,
preparando-os para o exercício de novas relações com a base e para o
enfrentamento com o capital e com “os patrões”. Nos seus primeiros anos de
34
Na primeira eleição direta para governador, é eleito João Alves Filho, do Partido Democrático
Social (PDS).
35
Os trabalhadores da saúde realizam importantes manifestações e greves nesse período. Elas são
apresentadas e discutidas no próximo item deste capitulo.
36
Indústria estatal de fertilizantes, controlada pela Petrofértil, subsidiária da Petrobrás, instalada em
Sergipe em 1982. Do setor, é a única que não foi privatizada por Fernando Collor. Em 1993, por
decreto do então Presidente Itamar Franco, é incorporada diretamente à Petrobrás e passa a chamar-
se FAFEN
112
existência, a CUT/SE desempenhou importante papel de fomentador dessa
formação política no nível local.
Assim que, durante toda a década de 1980, observa-se o renascer do
movimento sindical, com a criação de várias associações e sindicatos, como a
Associação Profissional dos Educadores do Município de Aracaju - APEMA, em
1984; a criação do Sindicato dos Médicos, em 1985, pois até então esses
profissionais se organizavam em Associação; a criação do sindicato dos assistentes
sociais
37
em 1986, e a transformação da Associação do Magistério do Estado
APMESE em Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Sergipe, SINTESE,
38
em
1988.
Configurando esse quadro, também o movimento estudantil ganhou maior
visibilidade na luta pela retomada democrática, com a continuidade da luta por sua
reconstrução, através da refundação dos “Centros Acadêmicos Livres”, com grandes
greves e passeatas dos estudantes da UFS por melhores condições de ensino e
contra o aumento abusivo dos preços da passagem do transporte coletivo.
Até a metade da década de 1980 o movimento estudantil da Universidade
Federal tinha grande visibilidade entre os movimentos sociais, quando, a partir de
então o movimento sindical ganhou expressividade, principalmente com a
consolidação da CUT estadual e do novo sindicalismo. Nesse momento os
militantes do movimento estudantil aglutinavam-se, majoritariamente, em diversas
tendências partidárias como PCB, PT e PC do B.
Outros atores importantes também participaram desse processo como os
bancários, que, mobilizados por seu sindicato, na década de 1980, realizaram várias
greves; os têxteis, que tinham uma direção “pelega” desde 1964 e que foi mudada
em 1987, a partir de quando se reinseriu na luta dos trabalhadores; em 1984
aconteceram as primeiras manifestações dos professores contra os baixos salários
e, em 1985, a grande greve da Petrobrás, que foi abafada no Governo Henrique
Cardoso.
37
A organização política dos assistentes sociais em Sergipe iniciou em 1958 com a criação da
Associação Brasileira de Assistentes Sociais- ABAS. Essa entidade foi desativada com o golpe militar
de 1964. Em 1981, no contexto de ação do novo sindicalismo, surgiu a Associação Profissional dos
Assistentes Sociais - APAS, como entidade pré-sindical (MENDONÇA SILVA, 1997).
38
Apesar da mudança nos estatutos só ocorrer em 1990.
113
Outro grupo que teve participação fundamental no processo de criação da
CUT e no processo de rearticulação do movimento sindical em Sergipe foi
configurado pelos mineiros da então Petromisa, empresa subsidiária da Petrobrás,
extinta durante o governo Collor, recém implantada em território sergipano. Em 1986
esses trabalhadores não apenas paralisaram suas atividades, mas realizaram uma
greve de ocupação que durou 28 dias, com os grevistas demitidos e processados.
(ROMAO, 2006, p. 123)
Desta forma, podemos observar que na década de 1980 houve grande
crescimento dos sindicatos e de suas lutas contra a política econômica adotada
pelos governos. Também em Sergipe, em consonância com o que acontecia com o
movimento sindical no Brasil, verificava-se um crescimento e mudança na forma
como o movimento sindical vinha atuando, ultrapassando a prática assistencialista,
de colaboração, para ações de confronto, de reação, com muita repressão por parte
das empresas e do Ministério do Trabalho.
Esses trabalhadores tiveram também importante participação nas greves
gerais que aconteceram no país e nos grandes movimentos políticos que
caracterizaram a década como a campanha das “Diretas Já”. Também mobilizaram-
se, em 1989, por ocasião da elaboração e votação da Constituição Estadual, a
primeira depois do regime militar. A participação popular reconfigurava, aos poucos
e talvez timidamente, outro redesenho de Estado e ia, nele, deixando suas marcas,
apesar da pequena representação dos trabalhadores, através dos partidos políticos
de oposição, no espaço parlamentar.
Foi a Constituição feita com maior participação popular. Discutida e
divulgada através dos órgãos de comunicação, foi votada por uma
Assembléia composta de 11 deputados do Partido da Frente Liberal,
11 deputados da Coligação PMDB/PDS e 2 deputados do PT. Ela
mostra a moderação de uns e os avanços de outros e estende-se
com cuidado em falar dos direitos e garantias dos cidadãos,
condenando a tortura e qualquer tipo de discriminação, para
assegurar direitos iguais a todos. Também se preocupou com a
situação econômica e social, com a população indígena e com a
educação, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de História,
Geografia e Literatura de Sergipe. (SANTOS e OLIVA, 1998, p. 116).
114
Romão (2006), no seu estudo sobre a greve dos petroleiros de 1995 em
Sergipe, ao analisar o contexto em que ela ocorreu, coloca que, a partir do início da
década de 1990, com a política “neoliberal/privatista” implementada pelo governo
Collor dava-se início ao processo de desconstrução dos direitos dos trabalhadores
conquistados nacada anterior, quando se assistia a agudização da crise, o
aumento do desemprego, do arrocho salarial e a privatização das estatais.
Nesse período ocorreu a introdução, no Brasil, da “modernização japonesa” e
novas formas de administração foram incorporadas pelas empresas, sempre no
discurso do aumento da produção e do “protagonismo” do trabalhador para tanto,
como o Balanço Social- BS e o Círculo de Controle de Qualidade-CCQ, ISO 9000,
entre outras.
Coloca esse autor que a incorporação dessa “modernização” atua como
forma de desmobilizar as lutas e manifestações dos trabalhadores e de legitimar os
métodos de controle político do processo produtivo pela empresa, em clara disputa
com o sindicato, o que foi denunciado por esses e pelas centrais sindicais. Esses
programas, no contexto de mudanças no mundo do trabalho, atingiram a
subjetividade dos trabalhadores, esses que nocauteados ainda pelos
“enxugamentos” dos cargos e funções, pela reforma da previdência, a adoção dos
PDV’s e sensação constante de instabilidade, com o aumento da precarização do
trabalho, principalmente com as terceirizações. Todo esse conjunto de variáveis
afirma ainda esse autor – provocou esvaziamento dos movimentos e assembléias.
A situação vivenciada pelos petroleiros e petroquímicos de Sergipe,
importantes segmentos que deram visibilidade ao movimento sindical local na
década de 1980, pela força da mobilização desses trabalhadores e pela importância
dessas indústrias na economia sergipana,
39
não é a exclusiva desses setores.
Antunes (1995), afirma que, na década de 1980, nos países de capitalismo
avançado, estavam a se processar profundas modificações no mundo do trabalho,
40
39
As atividades relacionadas à exploração de petróleo representam mais de 50% do produto interno
bruto do estado (CARVALHO SANTOS, 2006).
40
Os dados objetivos dessas mudanças, que Antunes (1995), caracteriza como “múltipla
processualidade” são: diminuição da classe operária industrial tradicional; expressiva expansão do
assalariamento principalmente através da expansão do e no setor de serviços; significativa
heterogeneização do trabalho, expressa também através da crescente incorporação das mulheres no
mundo operário; intensificação da subploretarização, observada através do crescimento do trabalho
parcial, temporário, precário, subcontratado, ‘terceirizado’. O resultado mais brutal dessas
115
nas suas formas de inserção na estrutura produtiva e nas formas de representação
sindical e política, com impactos substantivos na materialidade e subjetividade da
“classe-que-vive-do-trabalho”,
41
com impactos importantes na sua forma de ser.
O quadro que se configura, nas sociedades capitalistas contemporâneas, é
caracterizado por processos complexos, contraditórios e multiformes, com a
incorporação mesclada
42
de processos produtivos e emergência de novos processos
de trabalho com as características fordistas de controle do processo sendo
“substituídas” pela lógica da produção flexível. Nesse quadro se assistia a
estruturação de novos padrões de gestão da força de trabalho e um discurso de
maior participação e protagonismo do trabalhador no processo produtivo. O signo da
flexibilização que passou a orientar o mundo do trabalho também deveria orientar o
olhar sobre os direitos conquistados pelos trabalhadores, estes que também devem
ser flexibilizados, desregulamentados.
Os impactos dessas mudanças na subjetividade e no movimento dos
trabalhadores,
43
para efeito deste estudo, é ponto que merece maior atenção. Ainda
segundo Antunes (1995), as mudanças ocorridas no mundo do trabalho impactaram
sobremaneira
(...) a forma de ser da classe trabalhadora, tornando-a mais
heterogênea, fragmentada e complexificada”, [e, como expressão da
crise no movimento sindical observa-se] (...) uma nítida tendência de
diminuição das taxas de sindicalização, especialmente na década de
1980. (p. 59)
No entanto, explica Antunes, que essa tendência não aconteceu de forma
uniforme, citando como exemplo alguns países europeus onde a taxa de
sindicalização permanecia alta e, mesmo no Brasil, onde se observava a crescente
sindicalização dos setores médios.
transformações e que atinge o mundo em escala global, segundo esse autor, é o crescimento, em
proporções alarmantes, do desemprego estrutural.
41
Segundo Romão, esse novo conceito de Antunes demonstra a ampliação da sua percepção sobre
a noção de classe trabalhadora tendo em vista as transformações ocorridas no mundo do trabalho
(Romão, 2006).
42
Ao se anunciar o esgotamento do modo de produção fordista, torna-se fundamental ter clareza que
o mesmo não tem sua falência decretada, mas que, a incorporação de novos processos produtivos
acontece de forma processual. Nesse sentido, Antunes (1995) afirma que o fordismo e taylorismo
não são únicos e mesclam-se com outros processos produtivos como neofordismo, neotaylorismo e
pós-fordismo.
43
Romão (2006), ao analisar esses impactos sobre os trabalhadores da FAFEN\SE, também conclui
nesse sentido.
116
Afirma o autor que essa tendência de diminuição da taxa de sindicalização,
geralmente tem sua origem relacionada, entre outras, ao crescimento dos
trabalhadores “não estáveis”, parciais, temporários, com precárias condições de
trabalho e existência e a “incapacidade” do movimento sindical em aglutinar essa
parcela, cada vez maior, de trabalhadores, vez que o movimento sindical,
historicamente, esteve sustentado em uma base sindical de “estáveis” que, cada vez
mais, direciona sua ação no sentido de reivindicações corporativas, sem uma
articulação maior com o conjunto dos trabalhadores e suas necessidades, que o
autor denomina de “tendência neocorporativa”.
Assim sendo, a questão é como o movimento sindical pode superar o fosso
existente entre esses dois segmentos de trabalhadores, estáveis e não estáveis, e
aglutinar esses últimos no movimento, incorporando suas reivindicações e
ultrapassando a forma tradicional de organização sindical. Somente dessa forma o
movimento poderá renovar-se, colocar-se em sintonia com a realidade desses
trabalhadores e poderá, dessa forma, dar o salto e superar a crise em que se
encontra.
Seguindo essa tendência, resguardada as especificidades, Romão (2006)
afirma que, em Sergipe, as mudanças processadas no mundo do trabalho também
impactaram o movimento sindical, vislumbrando nova fase de refluxo. Também aqui
o desafio pode ser o mesmo haja vista que, recentemente, cresce o setor informal de
trabalho com a presença de vendedores ambulantes, camelôs e biscateiros, sem
nenhuma proteção social garantida pelo Estado, como seguro desemprego e
aposentadoria (SANTOS e OLIVA, 1998).
Como visto, a base do movimento sindical, em Sergipe, que sustentou as
grandes mobilizações e greves da década de 1980, além dos bancários e
funcionários públicos, foi a dos petroleiros, químicos e petroquímicos, pela
importância desse setor na economia do estado. Momento histórico que sinalizou o
refluxo desse movimento ocorreu com a greve dos petroleiros, em 1995, no inicio do
governo FHC, que
(...) refletiu e significava a resistência dos trabalhadores à grande
mudança conservadora, a serviço da espoliação capitalista, que
consolidava-se na vida política econômica e social do país”, [e que]
“(...) termina com 95 demitidos; sindicatos sob uma intervenção
branca, com suas contas bloqueadas e bens penhorados. (ROMAO,
2006, p. 190 e 193)
117
O “esfacelamento” da greve dos petroleiros no governo FHC pode significar o
grande golpe sofrido pelo movimento sindical nos anos recentes. Para essa análise
torna-se importante compreender
(...) que as ações e respostas do governo FHC à greve dos
petroleiros estão em conformidade com o movimento mais amplo do
capitalismo internacional. Situam-se dentro das orientações e
pragmáticas neoliberais no seu avanço sobre os direitos e conquistas
da classe trabalhadora (Romão,2006, p. 92).
Assim, o “esfacelamento” da greve dos petroleiros, deve ser inserido em um
contexto no qual estavam a se processar transformações implementadas pelo capital
no campo econômico, científico/tecnológico e social, com rebatimentos importantes
na esfera do trabalho, no modo de controle da produção, da gestão e dos
trabalhadores, mudanças essas que refletiram fortemente na subjetividade dos
trabalhadores, ou da classe-que-vive-do-trabalho, no dizer de Antunes, e nas suas
organizações.
Por outro lado, ou no outro lado da mesma moeda, o denominado refluxo do
movimento sindical deve ser entendido como o refluxo das formas de lutas
empreendidas, hegemonicamente, a partir da segunda metade da década de 1970 e
durante quase toda a cada de 1980, formatadas basicamente nas grandes
mobilizações e greves, impulsionadas pela ação do novo sindicalismo. Assim, se
essas formas de organização e lutas estão esvaziadas, novos canais de participação
e novos lócus de publicização das suas necessidades e anseios são conquistados.
Assim sendo, se na década de 1980 o apelo geral para as mobilizações
centrava-se no fim da ditadura, na luta pela ampliação das liberdades e contra a
política econômica dos governos, por melhores condições de trabalho, entre outras
questões, geralmente “de costas para o Estado”, a partir da década de 1990, em
uma conjuntura diferenciada da década anterior, os movimentos populares sofreram
profundas modificações (GOHN, 2003).
O espaço institucional sofreu também mudanças substantivas a partir de
algumas experiências de gestão denominadas do campo democrático,
especialmente do PT, da expansão expressiva das ONG’S e da ocupação dos novos
118
espaços de participação popular nas políticas públicas criadas na constituição de
1988, como os conselhos paritários e as experiências do OP.
Essas mudanças a se processar, além das que ocorreram no mundo do
trabalho e que rebateram diretamente na vida da classe-que-vive-do-trabalho e das
suas organizações, implicaram na forma como os movimentos sociais passaram a
se relacionar com o Estado. Gohn (2003) assim se posiciona sobre os movimentos
sociais da década de 1990:
O que se observa a partir dos casos analisados é que o perfil dos
movimentos sociais se alterou na virada do novo milênio porque a
conjuntura política mudou; eles redefiniram-se em função dessas
mudanças. Mas eles foram também co-artífices dessa nova
conjuntura, pelo que ela continha de positivo, em termos de
conquista de novos direitos sociais, resultado das pressões e
mobilizações que eles movimentos realizaram nos anos 80. Mas
os movimentos foram também timas dessa conjuntura, que, por
meio de políticas neoliberais, buscou desorganizar e enfraquecer os
setores organizados. Por isso, ao longo dos anos 90 os movimentos
sociais em geral, e os populares em especial, tiveram que abandonar
algumas posturas e adotar posições mais ativas\propositivas.
Passaram a atuar em rede e em parceria com outros atores sociais,
dentro dos marcos da institucionalidade existente e não mais à
margem, de costas para o Estado, somente no interior da sociedade
civil, como no período anterior, na fase ainda do regime militar. A
nova fase gerou práticas novas, exigiu a qualificação dos militantes.
ONGs e movimentos redefiniram seus laços e relações (p. 30).
Assim, se o movimento sindical, também em Sergipe, entrou em nova fase de
refluxo, observa-se, por outro lado, um crescimento considerável da participação
popular nas mais diversas formas,
44
organizados ou não, que, através de suas
práticas constroem novas relações sociais. São práticas que se orientam por
maneiras alternativas e bastante diferenciadas de luta pela transformação das
relações de subordinação e de opressão, em favor da autonomia, da participação
das pessoas comuns e da interlocução entre os saberes e práticas. De movimentos
que se intitulam defensores da vida, movimentos não institucionalizados
44
As afirmações que faço aqui são estruturadas na minha experiência com os movimentos sociais da
área da saúde e de observação nas reuniões da Rede de Educação Popular e Saúde, da Articulação
Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde ANEPS/SE. Participo dessas
reuniões desde 1997. Por certo que o questionamento sobre a generalização dessas afirmações para
o conjunto dos movimentos sociais é extremamente pertinente. Apesar da experiência acumulada
nessa área permitir essas notas introdutórias, sem dúvida o tema carece de maior pesquisa para
conclusões mais definitivas.
119
comprometidos com a luta pela vida saudável para todos, e, portanto, contra a
desigualdade e a injustiça na sociedade e na atenção à saúde; movimentos e
práticas capazes, portanto, de expressar as diferenças de gênero, de etnia, de raça,
de idade e de trabalho, bem como de criar novos métodos e técnicas dialógicas de
construção e apropriação social do conhecimento.
2.2. A Reforma Sanitária em Sergipe e os movimentos dos trabalhadores
Na segunda metade da década de 1970, no contexto de esgotamento do
regime militar, quando os os movimentos sociais ressurgiram na luta pela retomada
democrática, localizo, em Sergipe, o embrião do movimento pela reforma sanitária,
com as primeiras referências sobre o movimento estudantil dos estudantes da área
da saúde da Universidade Federal de Sergipe.
Esses estudantes, agrupados majoritariamente, nesse momento, em torno do
Partido Comunista Brasileiro, reorganizaram os Centros Acadêmicos, participaram
da reconstrução do Diretório Central dos Estudantes e deram novo ritmo às
discussões sobre a formação dos profissionais da saúde, sobre o quadro sanitário
nacional e local, articulando esses temas ao contexto político brasileiro,
protagonizando, em Sergipe, a retomada histórica do movimento estudantil e a luta
pela melhoria da qualidade do ensino.
Eu virei cidadão e me politizei através do movimento estudantil, foi
através do movimento estudantil, isso foi por de volta 1974, 1975,
quando retoma as eleições para o DCE, a gente faz uma chapa para
disputar o Centro Acadêmico de Medicina que até então vinha sob o
controle do pessoal da direita. A gente se organiza, um grupo de
estudantes que logo, logo é recrutado pelo PCB, então a gente virou
base do Partido Comunista Brasileiro, o Partidão. Naquele momento
era assim que se fazia. Então nós começamos organizando o
movimento estudantil, aqui, na Medicina (Profissional).
Essas primeiras notas sobre o movimento pela Reforma Sanitária em Sergipe,
a partir da rearticulação dos estudantes da saúde no movimento estudantil, ilustram
o que estava acontecendo no cenário nacional e também no local, durante toda a
120
década de 1980, em um contexto de retomada da fala e dos variados espaços de
atuação pelos diversos atores sociais.
Nesse momento, o cenário e o quadro sanitário local eram caracterizados
pelo alto custo de vida, por precárias condições de existência da população e altos
indicadores de morbi-mortalidade.
Além desses aspectos, outro dado importante era a inexpressiva visibilidade
da Secretaria Estadual de Saúde na condução dessa política que, apesar de
anunciar, em 1980, a ampliação da cobertura dos seus serviços em todo o Estado,
com os recursos do Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento-
PIASS, através da ampliação da rede para 94 postos de assistência médica, todos
eles prestando os serviços de imunização, distribuição de alimentos fornecidos pelo
INAM e distribuição de medicamentos da Central de Medicamentos – CEME.
Apesar dessa ampliação da estrutura física e do aumento de serviços
ofertados, as ações caracterizavam-se pela descontinuidade, pela não integralidade
da assistência e pela fragmentação dos serviços, sem impactar e alterar
efetivamente o quadro sanitário (Gazeta de Sergipe Nº 6348, 28\01\1980).
A partir desses dados e da análise da concepção hegemônica de Atenção
Primária-APS à Saúde frequente nas experiências em curso nesse momento no
país, acredita-se que o pequeno impacto dos serviços de saúde no quadro sanitário
local deve-se também a influência dessa concepção, com uma oferta de serviços de
saúde para aqueles setores “marginais” ou excluídos da assistencia médica ofertada
pelo INAMPS, para os que podiam pagar. Essa concepção de APS, denominada
como “APS seletiva”, hegemonica até então nos países “em desenvolvimento”, teve
sua influência no nosso país a partir de então, mas sem produzir, no quadro sanitário
local, o alto impacto preconizado na proposta. Na “APS seletiva”:
Orienta-se a um número limitado de serviços de alto impacto para
enfrentar alguns dos desafios de saúde mais prevalentes dos países
em desenvolvimento. Um dos principais programas que inclui este
tipo de serviços foi conhecido por sua sigla em inglês Gobi (controle
do crescimento, técnicas de reidratação oral, aleitamento materno e
imunização) e também foi conhecida como Gobi-FFF quando
adicionou alimentos suplementares, alfabetização da mulher e
planejamento familiar (VUORI, 1985, IN: ANDRADE, BARRETO e
BEZERRA, 2007, p. 789).
121
Observa-se como fator que contribuía para o pequeno impacto dos serviços,
o paralelismo das redes e a diluição dos recursos, características do modelo de
saúde brasileiro, com a hegemonia do MPAS claramente visualizada na elaboração
e condução da política de saúde. Essa característica era observada, no nível local,
desde a hegemonia na prestação da assistência à saúde até a participação nos
eventos e fóruns para decisão e formulação dos programas.
Até então as ações de saúde, especialmente assistência médica e hospitalar,
concentravam-se principalmente na rede federal, através do INAMPS e SESP. O
primeiro, prestando assistência, especialmente curativa, à população segurada e, o
segundo, atuando no interior do Estado, principalmente com a população rural, não
segurada, nas áreas de endemias.
Mostrando a força que o MPAS tinha, nesse momento na condução da
Política de Saúde, a atuação e visibilidade do INAMPS em Sergipe foi observada
durante a preparação da VII Conferência Nacional de Saúde, acontecida em março
de 1980, cujo tema central foi “Serviços Básicos de Saúde” e contou com uma
delegação sergipana composta por 23 profissionais do INAMPS, além do
Superintendente.
Para subsidiar a participação na Conferência foram elaborados, por esses
profissionais, os documentos “Diagnóstico do Setor Saúde de Sergipe” e “Quadro
Demonstrativo da Atualidade Sanitária em nosso Estado”.
45
Também durante as discussões que envolveram a implantação do PIASS
durante o ano de 1980, a visibilidade local esteve focada na participação do
Superintendente do INAMPS, que durante o mês de abril desse ano, em Recife,
participou de reunião sobre o Programa e, entre outras questões, tratou sobre os
problemas relacionados com a implantação e restauração das unidades básicas
estaduais de saúde. O relatório anual do INAMPS em Sergipe, em 1981, com a
descrição das ações desenvolvidas e o montante de recursos destinado para cada
uma, é evidenciador da estrutura dessa rede e do poder desse órgão na condução
da política de saúde no estado.
45
- Esses documentos não foram encontrados nos arquivos do INSS ou da Secretária Estadual de
Saúde.
122
É conveniente frisar que a Superintendência Regional tem a mesma
preocupação com o bem-estar do homem do campo, no setor
médico-assistencial. Com essa finalidade, foram reajustados
substancialmente os valores dos subsídios das entidades
conveniadas rurais, prestadoras de serviços médicos, hospitalares,
odontológicos e farmacêuticos, contribuindo à medida para uma
assistência mais eficiente e eficaz a essa tão laboriosa e sofrida
parcela da população do nosso Estado. Nesta atividade a
Superintendência registrou uma despesa no exercício da ordem de
Cr$ 540.000.000,00 com os seus 63 conveniados, revelou o Dr. José
Carlos Pinheiro. E continuou: ‘Foram atendidos em consultórios
médicos (próprios, credenciados e conveniados) 1.128.765 pacientes
e 186.935 receberam assistência odontológica. Esses atendimentos
produziram 582.634 exames e serviços complementares, com um
custo total de Cr$ 211.495.833,00’. Os medicamento CEME-Central
de Medicamentos- fornecidos através de receitas despachadas
totalizaram 9.158.497 unidades, perfazendo um total de Cr$
55.815.293,57. Na parte referente a assistência médico-hospitalar, o
órgão encerrou o exercício registrando 50.455 internamentos nas
diversas especialidades, tendo sido dispendida com serviços
hospitalares e honorários profissionais a expressiva quantia de Cr$
653.987.522,32. Os segurados ou seus dependentes que, por
limitações técnicas viram-se impossibilitados de se submeter a
tratamento no Estado, foram encaminhados para outras
Superintendências Regionais devidamente amparados pelo processo
de Tratamento Fora do Domicílio, perfazendo esses deslocamentos
um total de 426 beneficiários (Gazeta de Sergipe, 6989,
20/01/1982, p. 5).
Assistia-se assim, de um lado, o INAMPS com sua imensa capacidade
instalada oferecendo serviços para os contribuintes da Previdencia Social e, do outro
lado, a Secretaria Estadual de Saúde com parcos recursos para o desenvolvimento
de ações de saúde pública para a população não contribuinte.
Em evidência, essa desigual situação existente entre as redes federal e
estadual e a condição também desigual de acesso aos serviços de saúde, foi
retratada na mensagem, por ocasião do Dia Mundial da Saúde, nesse mesmo ano,
proferida pelo Secretário Estadual da Saúde ressaltando as dificuldades de acesso
enfrentadas pela maioria da população, enquanto uma “minoria privilegiada
desfrutava das tecnologias mais sofisticadas e caras.
Nesta data em que comemoramos o Dia Mundial da Saúde não
podemos mais aceitar do ponto de vista social que minorias
privilegiadas possam desfrutar das tecnologias mais sofisticadas e
caras da medicina, enquanto a maioria da população das áreas
rurais e periféricas urbanas não recebem maiores cuidados com a
123
saúde do que os prestados pela medicina tradicional. Que o espírito
de Alma-Ata faça sempre prevalecer na necessidade da justiça social
nos assuntos relacionados à saúde, com uma distribuição equitativa
de grandes recursos para o bem-estar da população. (Gazeta de
Sergipe, Nº 7053, 07/04/1982, p. 7).
Somente a partir do segundo semestre de 1980, as ações da Secretaria
Estadual de Saúde começaram a ganhar visibilidade para a população através do
anúncio das estatísticas de atendimento médico à comunidade que, nos primeiros
seis meses do ano de 1980, cresceu em torno de 80%.
Tendo em vista o pequeno orçamento destinado para a saúde pública e sua
importância na política local, o mérito desse crescimento foi atribuído à competência
profissional do Secretário de Saúde, o Dr. José Machado de Souza (Gazeta de
Sergipe, Nº 6352, 10/07/1980).
Em 1980, o Programa Prev-Saúde,
46
passou a constar das agendas de
discussão locais, especialmente a partir outubro desse ano, após ter sido debatido
na III Reunião dos Secretários de Saúde do nordeste, centro-oeste e norte do país,
com as presenças dos ministros da Saúde e da Educação e Cultura, quando foi
solicitada prioridade imediata de sua execução nessas regiões do país.
Mas, tendo em vista que nesse momento ganhava corpo e visibilidade, em
nível nacional, a discussão sobre a saúde como um fenômeno social e político, cujas
soluções não são encontradas em ações referenciadas exclusivamente nos
aspectos biológicos e individuais, nem nas proposições técnicas dos programas
assistenciais se elas não forem elaboradas com a participação de todos os setores
da sociedade.
No entanto, a estruturação do modelo de saúde brasileiro e dos seus
programas não incorporavam esse principio, o que fez com que fossem grandes as
resistências e o descrédito com o PREV-SAÚDE. O posicionamento do Movimento
Nacional de Renovação dica, representado por vários membros de entidades de
classe de todo o país, deixava clara a avaliação desse movimento sobre esse
programa e a política de saúde, enquadrando-a como
46
A Secretaria de Saúde de Sergipe, através do Secretário José Machado de Souza, assinou o
convenio Prev-Saúde no mês de Setembro de 1980.
124
(...) antidemocrática e antipopular, não correspondendo as
necessidades e legítimos interesses da maioria da população e dos
profissionais da saúde, em particular, dos médicos’. Numa restrição
ao Prev-Saúde, o Movimento critica a sua formulação sem a
participação das entidades representaivas dos médicos, pois
‘achamos que a política eficaz é sempre aquela elaborada por quem
deverá, de fato, executá-la. E acrescenta: ‘Ressalte-se que esse
projeto, em sua versão original, chegou a merecer o nosso interesse,
mas sofreu tantas influencias e mutilações que hoje duvidamos da
sua eficácia. (Gazeta de Sergipe, Nº 6712, 16/02/1981, p. 4).
No início da década de 1980, a estruturação dos espaços que
aglutinavam os sanitaristas e os principais nomes da reforma sanitária brasileira,
como o CEBES, começam a impactar e aglutinar, no nível local, os profissionais da
saúde. Em Sergipe, mais especificamente em Aracaju, foi através do CEBES que a
discussão, nesse momento, sobre a reforma sanitária e o quadro sanitário local,
começou a ocupar as agendas de discussão, a aglutinar e articular os profissionais,
especialmente os assistentes sociais, os estudantes e movimentos diversos, com
desdobramentos importantes para a configuração da luta pelas transformações
nesse setor.
Tinha uma entidade do INAMPS, que eu tento lembrar o nome e não
consigo, fazia isso tudo, acho que era CEBES, era um Centro de
Estudos da Saúde e a gente se reunia na Rua de Geru, ai eu
comecei a participar desse CEBES, tinha Eduardo Vital, um médico
chamado Gildo, e a gente começou a trabalhar um pouco com as
questões da saúde pública, o próprio movimento da reforma sendo
introduzido nesse Centro, daí eu comecei a estudar, ainda
aconteceram algumas palestras, algum movimento assim, o pessoal
achava interessante que o serviço social tinha uma posição assim
(...) foi esse começo que eu tive com o movimento da saúde, foi
nesse Centro (Profissional).
Envolvidos nas discussões sobre as mudanças requeridas no setor saúde,
difundidas pelo CEBES, fato marcante nesse momento e que incidiu na organização
dos profissionais de saúde foi o debate sobre a qualidade dos serviços públicos de
saúde e sua vinculação com a remuneração dos profissionais, apontada como uma
das causas da precarização da assistencia à saúde da população tendo em vista o
arrocho salarial a que estavam submetidos esses profissionais.
125
Fato imediato para a deflagração desse movimento era o limite estabelecido
pela legislação
47
em vigor naquele momento, que definia como remuneração mínima
do médico o valor de três salários mínimos regionais, considerado inferior ao que
esses profissionais deveriam receber para que a qualidade do atendimento fosse
garantida. Assim, objetivando alterar essa situação, foi encaminhado ao Congresso
Nacional, em 1980, um projeto de lei propondo, entre outras questões, a definição
do salário do médico, que não poderia ser inferior ao valor de 10 vezes o maior
salário mínimo do Brasil, pelo período de 40 horas de trabalho e o pagamento de
40%, sobre a remuneração, como adicional de insalubridade e periculosidade.
Após a realização de duas greves administrativas e mobilizados pelo
objetivo de garantia do novo piso salarial, em 1981, os médicos do INAMPS, através
da AMB e da Federação Nacional dos Médicos convocaram greve geral para o dia
28 de abril.
(...) por vinte horas semanais de trabalho um médico do Inamps
percebe salário inicial de Cr$ 21.345 acrescidos de 10% referentes à
condição de nível universitário (...) dos aproximadamente 220
médicos empregados no órgão 20 são obstetras cujo salário está em
torno dos Cr$ 200 mil, ‘prova de que o Inamps paga melhor ainda a
seus médicos mais especializados (...) a situação dos médicos em
Sergipe com relação ao salário não é das melhores. Entre os citados
e os demais órgãos empregadores, a Petrobras é o que paga um
salário mais digno: em torno de Cr$ 80 mil. Logo em seguida vem o
Exército, que paga aos profissionais de medicina cerca de Cr$ 60
mil. A Secretaria de Saúde paga um valor bem inferior a estes: Cr$
14 mil. Por fim, a Prefeitura paga menos que dois salários mínimos
regionais: Cr$ 9 mil, por quatro horas diárias de trabalho (Gazeta de
Sergipe, Nº 6747, 31/03/1981).
Como visto, a grande discrepância salarial entre os profissionais médicos das
redes federal, estadual e municipal foi verificada ao se observar a faixa salarial
desses profissionais, com uma “elite” da rede federal diferenciada da condição
salarial dos profissionais das redes estadual e municipal.
Ademais, apesar da força do INAMPS na condução da política de saúde,
nesse momento entrando em sua fase de declínio, o quantitativo dos profissionais
federais era bem inferior aos demais, como constata-se nas afirmações do
presidente da Sociedade Médica de Sergipe- SOMESE, ao afirmar que “(..) Sergipe
possui somente 700 dicos ativos e que, destes, cerca de 70% não pertencem ao
47
Segundo a Lei Nº 3.999, de 1961.
126
quadro do INAMPS. Estas cifras são bem menores que as de São Paulo e Rio, onde
se desencadeiou a greve”. O Presidente da SOMESE utilizou-se de tais argumentos
para justificar “o apoio moral” à mobilização dos médicos do INAMPS, apesar de
concordar que “(...) o achatamento dos salários dos médicos é evidente” (Gazeta de
Sergipe, Nº 6732, 13/03/1981, p. 2).
Tais questões podem ser apontadas como justificativas do pequeno impacto
dessa greve em Sergipe.
No ano de 1982, os estudantes da área da saúde da Universidade Federal de
Sergipe, momento em que o movimento estudantil local demonstrava grande força e
poder de mobilização, deram mais um passo na luta pela garantia do direito à saúde.
Insatisfeitos com os “parcos recursos” que a Universidade destinava aos
cursos da saúde e com as condições de ensino no Hospital onde funcionavam os
cursos da saúde, cuja direção não vinha cumprindo as clausulas do convênio
firmado com a UFS, como a destinação do número de leitos pactuado. Assim,
reivindicavam o aproveitamento do antigo Hospital Sanatório de Aracaju como
Hospital Escola e exigiam solução, a curto prazo, para o ensino no Hospital de
Cirurgia. Para tanto, realizaram diversas manifestações, como a grande passeata
do dia 27 de Outubro, que, com o apoio do DCE, mobilizou estudantes e professores
das várias áreas de ensino.
Diante da grande repercussão da “passeata branca” e da firme posição dos
estudantes e professores, foi deflagrada greve dos cursos de medicina, odontologia
e enfermagem, em novembro do mesmo ano. Após 20 dias com as aulas e os
serviços de atendimento à população paralizados, a greve encerrou com todas as
suas reivindicações atendidas, como a incorporação do Hospital Sanatório pela UFS
e a destinação de recursos para sua reforma, além da assinatura de convênio com o
Hospital de Cirurgia estabelecendo condições imediatas para o pleno funcionamento
dos cursos.
A forma de estruturação dos serviços de saúde produz, como consequência,
a concentração dos profissionais da saúde nos grandes centros urbanos, nas áreas
de maior desenvolvimento econômico, uma vez que (...) do total de 117.401
médicos registrados no país, até 1979, nos conselhos de medicina, 61.017, ou seja,
127
mais de 50% estavam trabalhando no Rio de Janeiro e em São Paulo”
48
, deixando
grande massa da população rural desassistida, o que faz com que ampliem-se as
discussões e propostas de interiorização da medicina.
Esses dados, as pressões dos movimentos sociais e as denúncias da
precária assistência à saúde da população, fizeram com que, no nível local, em
1983, o governador João Alves Filho anunciasse o Programa de Interorização da
Medicina em Sergipe, objetivando a descentralização das ações de saúde, o
aumento da oferta quantitiva e qualitativa dos serviços médicos prestados à
população do Estado e a melhoria dos padrões de saúde das comunidades
interioranas.
O programa estabelecia a prestação de serviços no interior do Estado, em
Unidade de Saúde operada pela Secretaria Estadual de Saúde; a fixação de
residência do profissional no município onde o serviço seria prestado; exercício
efetivo das atividades pertinentes ao interior; cargo ou emprego e prestação de
serviços em horário integral de 40 horas semanais.
Apesar de evidenciar e focar na prestação da assistência médica, o programa
incluia outros profissionais como odontólogos, enfermeiros, veterinários, sanitaristas,
farmacêuticos, nutricionistas, assistentes sociais e administradores hospitalares.
Como estratégia para a efetivação do programa estava estabelecida gratificação de
até 100% do salário base do servidor e auxilio moradia, com valor variável de acordo
com a distância do município.
No entanto, a forma de “início”
49
desse programa revelou o foco no modelo
biomédico e na assistência hospitalar, sem alterar o padrão de assistência à saúde
da população interiorana. Além, a anunciada aquisição, também por esse programa,
de ambulâncias para os municípios constituía aspecto que reforçava a prática da
“ambulanciaterapiae do encaminhamento dos pacientes para outros municípios de
maior porte, sem a devida responsabilização pelo gestor municipal. Nesse contexto
48
Dados extraídos do discurso do Ministro da Saúde, Waldir Arcoverde, ao encerrar as festividades
comemorativas dos 150 anos de fundação da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em
20/10/1982 (Gazeta de Sergipe, 21/10/1982, Nº 7210).
49
Apesar de anunciado em 1983, o Programa de Interiorização iniciou efetivamente em 1984, na
cidade de Propriá, com a incorporação, pela Secretaria Estadual, do Hospital São Vicente de Paula,
autorização da licitação para construção de duas Casas de Parto no municipio e a contratação de
dois médicos para o hospital.
128
observava-se a deteriorização da condição de vida da população interiorana e o
aumento do índice de mortalidade.
(...) a desativação das frentes de trabalho [em itabi] afetou
diretamente a vida da população que vive hoje sofrendo as
consequências diretas de 6 anos de estiagem que assolou o Estado.
Inclusive com um aumento assustador do índice de mortalidade
infantil que atinge hoje a faixa de 10 mortes por dia. (Gazeta de
sergipe, Nº 7715, 12/07/1984, p. 2)
Desta maneira, além do reforço da prática hospitalar nos diversos municípios,
sem a devida estruturação da Atenção Básica, também em 1984, a iniciativa do
governo estadual de construir o Pronto Socorro de Aracaju, com capacidade inicial
de 100 leitos, sem desqualificar a sua importância, demonstrava o modelo de
assistência escolhido para a estruturação da saúde no Estado.
Com essa iniciativa e com a aquisição de ambulâncias para os municípios,
reforçava-se a prática da “migraçãopara Aracaju de todos os níveis de assistência,
sem que os gestores municipais estruturassem as suas redes. Como pontuado, o
reforço era da assistência hospitalar especializada, na contra-mão da estruturação
da assistencia básica, deixando a população à mercê dos esquemas eleitorais e das
doenças infecto-contagiosas como os surtos de sarampo, tifo e hanseníase (Gazeta
de Sergipe, Nº 7708 e 7758, de 30/06/1984 e 29/08/1984).
Por outro lado, apesar das discussões que envolviam os diversos
profissionais, especialmente os sanitaristas, com o propósito da mudança do modelo
assistencial brasileiro, diante do quadro de crise de resolutividade dos serviços, o
reforço ao modelo hospitalar observado na política local encontrava-se em sintonia
com a política de saúde implementada pelo Ministério da Saúde que, através do
esquema de financiamento das ações, não desconstruia tal prática.
O orçamento do Ministério da Saúde deste ano será reduzido em
Cr$ 3,3 bilhões, ficando em Cr$ 313,6 bilhões. Isto devido ao corte
de 12 por cento sobre as receitas provenientes do Tesouro Ordinário,
que foi determinada em dezembro último pelo decreto 2.099 para
todos os órgãos do governo. O Ministério da saúde não efetuou corte
nas dotações destinadas aos seus hospitais(...) as diminuições foram
feitas em todas as Secretárias do Ministério, oscilando em
129
percentuais que variam de 17 a 1 por cento (...) (Gazeta de Sergipe,
Nº 7599, 03/03/1984).
A deterioração da condição de vida da população interiorana, as dificuldades
de acesso a assistência à saúde, uma vez que maior parcela desses serviços
estavam concentrados em Aracaju, e a não efetivação do plano de descentralização
da medicina, fizeram com que, dois anos após o seu anúncio, as cobranças para a
estruturação efetiva de uma rede permamente de serviços de saúde em todo o
Estado, ocupassem as páginas da mídia local.
Tem sido promessa constante do governo, promover a interiorização
da medicina. Projeto dessa natureza pode merecer o apluso de
todos. Afinal não se pode falar em desenvolvimento quando uma
parcela da população não participa dos frutos do progresso e da
ação do poder público (...) Por isso, a comunidade sergipana
recebeu, com esperanças e muita alegria, o anúncio de que o Estado
iria iniciar um programa de descentralização da medicina. Entretanto,
de tanto esperar, o povo começa a entrar em desespero (...) A
medicina continua concentrada em Aracaju, para onde ocorrem os
doentes de todos os cantos de Sergipe (...) Embora seja de grande
utilidade, a implantação, na capital, do pronto-socorro, obra que
engrandece a atual administração, isso não lhe dispensa do dever de
disseminar unidades de atendimento pelos municípios da província,
pelo menos por aqueles que se constituem em pólos regionais.
(Jornal de Sergipe, 29 e 30 de junho de 1986, Nº 2353).
Em 1983, a implantação do Plano de Reorientação da Assistência à Saúde da
Previdência Social, elaborado pelo Conselho Consultivo da Administração da Saúde
Previdenciária – CONASP, que já vinha sendo experimentado há dois anos na
cidade de Curitiba objetivando criar uma única porta de entrada ao sistema de saúde
e, ainda, racionalizar os gastos da Previdência Social, provocou reação dos
profissionais locais que, através de suas entidades representativas posicionaram-se
contrários ao Plano.
Os resultados da experiência foram positivos para a população
segundo o INAMPS, mas para os médicos, no entanto, as críticas
são muitas principalmente quanto à falta de uma ampla discussão e
participação de todos os interessados, governo, médicos e usuários,
e quanto a baixa remuneração do seu trabalho. Sem isso, o INAMPS
corre o risco de inviabilizar a aplicação do plano que é, no geral, visto
130
como uma alternativa viável para a solução dos graves problemas de
assistência médica (Gazeta de Sergipe, Nº 7442, 09/08/1983).
50
Nesse mesmo ano, em 1983, os médicos fundaram seu sindicato,
51
momento
em que ocorreu a primeira grande mobilização desses profissionais, depois do
regime militar, contra o plano CONASP e a forma de pagamento dos médicos que
tinha sido alterada pelo INAMPS. As grandes assembléias e passeatas mostravam a
mobilização desses profissionais e a insatisfação com as mudanças postas.
Nesse ano de 1983, acho que em fevereiro, teve o primeiro
movimento da saúde aqui em Sergipe, deste momento agora, não sei
da década de 1940, 1950, mas deste momento a primeira
mobilização que teve aqui foi porque o INAMPS mudou a forma de
pagamento dos médicos, que era por US, era por procedimento e
passou e passou a pagar por valor médio, mudou o procedimento.
Essa mudança de procedimento levou a uma mobilização dos
médicos muito grande, fizemos quatro ou cinco grandes assembléias
na Escola Técnica Federal de Sergipe e lembro-me bem de uma
passeata que fizemos no calçadão, com José Augusto Barreto,
com Dr. Todd, com Dr. Hyder Gurgel, ou seja ,com a fina flor da
medicina sergipana que se mobilizou, botou cartaz na mão e, puxada
pelo Sindicato, veio se mobilizar no calçadão. Isso em 1983
(Profissional).
A insatisfação com alguns aspectos do Plano CONASP e o argumento de que
ele visava implantar um “padrão de assistência inferior” e por isso o atendia os
anseios dos segurados que continuariam com precárias condições de assistência,
fez com que os médicos, em assembléia geral no dia 14 de outubro de 1983,
decidissem paralisar suas atividades por 24 horas.
A decisão da greve aconteceu, sobretudo, pela dificuldade de negociação
com o INAMPS/SE, que não aceitava dialogar com esses profissionais nem aceitava
a proposta que o Plano fosse suspenso e discutido nacionalmente. As articulações
do sindicato com a AMB e as repercussões da greve em Sergipe impulsionaram os
médicos de outros estados a se mobilizar contra a aplicação do Plano CONASP,
50
Entrevista do então presidente da Associação Profissional dos dicos de Sergipe sobre o Plano
CONASP.
51
A assembléia de fundação do Sindicato dos Médicos ocorreu em 25/11/1983, quando foi eleita
diretoria provisória com Ailton Pita Falcão como presidente e Nestor Piva como vice-presidente. No
entanto, a carta sindical só foi recebida no dia 12 de Março de 1985.
131
como o caso de Alagoas, onde foi organizada, no mês de novembro do mesmo ano,
uma greve nos mesmos moldes da que aconteceu em Aracaju.
A visibilidade e repercussão do movimento contra o CONASP, em um
momento de crescimento dos movimentos sociais, especialmente do movimento
sindical, agora sob influência e marco de ação do novo sindicalismo, fez com que
essa greve dos médicos recebesse moção de apoio e solidariedade dos dezoito
sindicatos rurais e urbanos reunidos no ENCLAT, em outubro de 1983, e da CUT/SE
criada nesse encontro.
Apesar de toda essa mobilização, o Plano CONASP foi implementado em
dezembro de 1983 sem as mudanças propostas. No entanto, a (re) descoberta do
sindicato como espaço de lutas, das ruas como espaço de publicização dos
problemas da saúde, além da visibilidade e fortalecimento dos movimentos da saúde
como movimentos sociais que, a partir de então, passaram a aglutinar os
profissionais e usuários nas lutas e embates que aconteceram em toda a cada,
constituíram ganhos inquestionáveis.
Em 1984, aconteceu a primeira grande greve da saúde, denominada “greve
branca”, com participação expressiva dos diversos profissionais, como os dentistas,
enfermeiros e assistentes sociais e durou em torno de vinte dias. A greve aconteceu
tendo como reivindicação principal o salário mínimo profissional, e a proposta de
fixação de dez salários mínimos, e, ainda, o direito de insalubridade.
Em 1984, nós fizemos a primeira greve importante, importante ou
sem importância, não tinha tido greve antes do setor saúde. A greve
foi porque a Secretaria pagava 3,2 salários mínimos, esse era o valor
que o médico recebia, e havia uma bandeira nacional que nós
deveríamos lutar por dez salários mínimos, a briga foi essa. Puxamos
esse movimento e nele as demais categorias se incorporaram, com
assembléias, as enfermeiras, dentistas, assistente social, enfim, todo
nível superior se integrou nesse movimento e fizemos uma greve, no
primeiro governo João Alves, uma greve longa de uns quinze a vinte
dias, que mobilizou a cidade, teve repercussão, pois era a primeira
vez que os médicos de branco, em passeata... então houve uma
energia muito positiva no seio da categoria, com discurso que tinha
que recuperar a dignidade... A linha de discurso nessa linha.
(Profissional).
132
Essa greve funcionou como elemento impulsionador para a organização dos
diversos sindicatos dos profissionais da saúde, além de “alavancar” outros
“pequenos movimentos. Assim que, envolvidos nesse processo de mobilização, os
odontólogos fundaram a Associação dos Odontologistas de Sergipe, entidade pré-
sindical, em julho de 1984. Nesse mesmo ano, os estudantes de odontologia da UFS
realizaram uma greve que durou sete dias, reivindicando melhores condições de
aprendizagem e de atendimento à população.
No espaço institucional, em setembro de 1984, as discussões centraram-se
nas Ações Integradas de Saúde-AIS, iniciadas no Encontro de Secretários de Saúde
do Nordeste, na cidade de Salvador e, no nível local, durante o “Seminário das
Ações Integradas de Saúde”, ocorrido em Aracaju, como consequência do convênio
firmado entre o Ministério da Saúde, MPAS, o Ministério da Educação e Cultura e o
Governo do Estado, preconizando facilitar a discussão e o encaminhando do novo
sistema de atendimento médico-sanitário a ser posto em prática a partir de então.
No entanto, a forma de participação dos trabalhadores na discussão da
política de saúde através de seminários, prática geralmente utilizada nesse
momento, era bastante criticada. As formas de participação passam a ser
questionadas por esses novos atores, que reivindicavam participar das decisões e
não somente na execução das ações.
A participação nas decisões é cada vez mais valorizada em
detrimento da participação nas ações, não mais como estratégia de
incorporação do saber e da experiência popular, mas como forma de
garantir o redimensionamento das políticas e práticas para o
atendimento das necessidades do povo, ou seja, como instrumento
de luta pela ampliação do acesso aos meios de saúde (CARVALHO,
1995, apud BRASIL, 2006, P. 39).
Com a Nova República e o arranjo político que fora feito para o apoio à
candidatura de Tancredo Neves para presidente, o governo do Estado e a Prefeitura
de Aracaju, em 1985, sofreram as pressões dos médicos que, na campanha salarial
desse ano, deflagraram nova greve devido à dificuldade de negociação com o
governador. Agora com a adesão de profissionais do Instituto de Previdência de
Sergipe - IPES e de todas as categorias profissionais da saúde, ocuparam mais uma
133
vez as ruas, as galerias da Assembléia Legislativa e os gabinetes dos gestores
municipais e estaduais para negociação das reivindicações.
Os profissionais da área da saúde não vão abrir mão do piso de dez
salários mínimos nem do plano de reclassificação proposto ao
governo do Estado, num documento entregue no mês de março. A
categoria permanece em greve por tempo indeterminado e o reajuste
concedido pelo governador João Alves Filho de 11 por cento para os
servidores públicos não interrompe a greve. Ficou decidido em
assembléia geral, realizada na última sexta-feira à noite, na sede da
Sociedade Médica, que os profissionais da área da saúde vão
debater com os deputados estaduais no plenário da Assembléia
Legislativa o movimento grevista que completou doze dias. Na
terça-feira, os médicos vão em comissão ao governo do Estado
tentar uma nova negociação para que o impasse criado seja
resolvido. (Gazeta de Sergipe, Nº 7938, 22/04/1985, p. 1).
Apesar da maior visibilidade do movimento ser dos médicos, devido ao
modelo de assistência brasileiro, médico-centrado, que foca a importância maior
desses profissionais na assistência à saúde em detrimento da ação dos demais
profissionais, o apoio recebido dos diversos movimentos sociais, especialmente o
movimento sindical e os movimentos de bairros, numa articulação ímpar da história
local com os usuários do sistema, é fator que, além de dar maior força, pelo aumento
do poder de pressão nas negociações, e visibilidade ao movimento grevista,
colocava para a sociedade as questões políticas que atravessam a “saúde”.
Todos esses fatos contribuíam, ainda, para a visibilidade e importância da
ação dos demais profissionais de saúde, que tiveram participação decisiva nesse
movimento, com a passagem, mesmo que lenta, da denominação de “greve de
médicos e pára-médicos” para a “greve dos profissionais da saúde”.
A greve vai continuar. Esta é a decisão dos médicos e pára-médicos,
tomadas ontem a noite em assembléia geral realizada na Sociedade
Médica de Sergipe, situada à rua Guilhermino Rezende. Pela
decisão, a greve vai continuar por tempo indeterminado, com a
categoria se reunindo em assembléia geral de três em três dias, até
que o Governo do Estado aceite as reivindicações apresentadas.
Ontem, ainda, o movimento grevista recebeu a adesão dos
assistentes sociais e o apoio da ADUFS Associação dos Docentes
da Universidade Federal de Sergipe e do Partido dos Trabalhadores
(Gazeta de Sergipe, Nº 7931, 13/04/1985, p. 1).
134
Uma grande passeata pelas ruas centrais de Aracaju vai acontecer
na próxima segunda-feira em apoio à greve dos profissionais da área
da saúde. O ponto final é o Palácio Olimpio Campos, onde
estudantes e profissionais da área da saúde, com o apoio popular,
vão se concentrar com faixas e cartazes na Praça Fausto Cardoso
para criticar a falta de diálogo por parte do Governo do Estado. (...)
Fortalece o movimento grevista dos profissionais da área da saúde
com a adesão das associações de moradores de bairros, que ontem
a tarde lotaram a sociedade médica e deram apoio integral aos
grevistas. Representantes dos bairros reivindicaram melhor
assistência médica às comunidades, que sofrem com a falta de
condição de trabalho do profissional de saúde e pediram ao Governo
do Estado bom senso (Gazeta de Sergipe, 7948, 04/05/1985, p. 1
e 4).
O apoio popular recebido pela greve, anunciado na imprensa local, revelava
que ela não tinha aspecto essencialmente corporativista e que a defesa da
qualidade da assistência à saúde, colocada sempre na pauta de reivindicações,
alertava os movimentos sobre a importância da defesa do sistema público de saúde.
O que acontecia em Sergipe, nesse movimento, era a concretização objetiva
dos princípios do Novo Sindicalismo, com a articulação do movimento sindical e os
movimentos de bairros, que identificavam, na greve, a defesa de direitos de todos,
apesar da paralização, de forma imediata e superficial, demonstrar a negação desse
direito, pelo não atendimento, argumento esse utilizado pelos gestores.
Após várias tentativas frustradas de negociação e ameaça de decretação da
ilegalidade da greve, ela chegou ao seu final após o governador solicitar
autorização, ao Ministério da Saúde e MPAS, para remanejar recursos do convênio
CONASP, além de conceder reajuste salarial de 20% aos profissionais. Além disso,
o movimento teve outras importantes vitórias como a decisão de elaboração do
Plano de Cargos e Salários da Administração Estadual; a concessão do índice
integral do INPC; a semestralidade dos reajustes salariais e a regularização dos
profissionais credenciados pelo IPES.
No segundo semestre de 1985, em uma conjuntura favorável aos
movimentos sociais, inseridos nas mobilizações organizadas pelas centrais sindicais,
os profissionais da saúde denunciavam o desrespeito do governador aos acordos
pactuados na última greve. Envolvidos nessas mobilizações, fizeram greve de vinte
e quatro horas para denunciar o arrocho salarial e reafirmar a luta pelo piso salarial
de dez salários mínimos.
135
Nesse momento, a Nova República objetivou-se, como arranjo político
imediato, em Aracaju, com a indicação do prefeito. Transitando entre limites e
contradições, com diversos interesses políticos a serem atendidos, inclusive dos
profissionais da saúde, essa gestão incorporou o discurso da participação popular e
realizou alguns espaços de consulta à população objetivando definir as prioridades
para a gestão.
Foram espaços ocupados pela população, utilizados para a publicização de
suas necessidades mais imediatas, de caráter consultivo, sem caracterizar uma
participação popular na gestão dos serviços de saúde, mas que contribuiu para a
ampliação dos canais de participação.
A administração José Carlos Teixeira está chegando às
comunidades através das Associações de Bairros, realizando
reuniões em Centros Sociais, debatendo com os comunitários
problemas de transporte, ruas, saúde e saneamento. Detectados os
problemas, as soluções são encaminhadas através dos órgãos
competentes. Com a participação direta da população, foram
realizadas 8 reuniões plenárias, resultando daí soluções concretas.
(...) (Gazeta de Sergipe, Nº 8020, 31/07/1985, p. 2).
A partir desses encontros, a Secretaria de Saúde de Aracaju elaborou
diagnóstico das condições dos serviços e traçou plano emergencial que contemplou,
entre outras ações, a compra de medicamentos e equipamentos para as unidades
de saúde e ampliação do quadro de profissionais, com a contratação, entre outros
profissionais, de 14 (quatorze) assistentes sociais, além de determinar o
funcionamento das unidades de saúde até as 22 horas, como forma de garantir o
atendimento básico aos que trabalhavam durante todo o dia.
Como visto no primeiro capítulo, na década de 1980 a saúde pública crescia
qualitativamente em decorrência da
(...) estratégia dos sanitaristas, de penetração no aparelho de Estado
de forma orgânica, para fortalecer o setor público [e, no] Ministério da
Saúde houve maior penetração dos profissionais que defendiam uma
nova visão de saúde blica, em decorrência de esse Ministério ser
desprestigiado e subordinado à lógica previdenciária. (BRAVO 1996,
p.46).
136
Também em Sergipe foi possível perceber essa tendência, com os
profissionais que participavam do movimento pela reforma sanitária ocupando
cargos de direção nas secretarias estadual e municipal de saúde.
Em Aracaju essa tendência foi acentuada especialmente a partir de 1985,
com a primeira eleição para prefeito de Aracaju e a vitória expressiva do candidato
do PMDB, partido que, nesse momento, aglutinava também os profissionais da
saúde ligados ao PCB. Com a indicação do vice-presidente do Sindicato dos
Médicos, militante do PCB e dos movimentos da saúde, para ser secretário de
Saúde, iniciou-se, no espaço da gestão, um processo de discussão e construção
coletiva de uma proposta de política de saúde para Aracaju envolvendo todas as
categorias profissionais da saúde e os movimentos sociais, mais especificamente as
lideranças comunitárias através das associações de moradores.
Vieram eleições para a Prefeitura de Aracaju, aí esse grupo de
esquerda do sindicato resolve apoiar Jackson Barreto para Prefeito
de Aracaju. Jackson Barreto se elege e a Secretaria de Saúde é
oferecida a esse grupo. Então o grupo vai para a Secretaria de
Saúde, (...) em 1985, só que aí foi um desgaste muito grande, porque
passou a idéia, o movimento pouco maduro, começando (...) e todo o
grupo foi para a Secretaria, inclusive os que eram estudantes foram
nomeados para os cargos, então o grupo ocupou a Secretaria com
proposta de grupo, não foi A, nem B, nem C (Profissional).
O desgaste atribuído deve-se ao fato desse grupo,
52
hegemonicamente, ter
liderado os movimentos grevistas da saúde até então, e de ter sido acusado, pelos
médicos, de utilização instrumental do movimento para indicação e ocupação dos
cargos. Ainda, a precariedade da rede municipal de assistência, os limites estreitos
do esquema de financiamento e as demandas colocadas pela população e pelos
profissionais tensionavam permanentemente o grupo.
O que aconteceu? Nós no queimamos no movimento. Porque o
movimento atribuiu isso a oportunismo, ‘aí ó, os caras queriam
participar de movimento para se aproveitar, é tudo farinha do mesmo
saco’. Enfim, foi péssimo para o movimento. (Profissional).
52
Importante registrar aqui a participação de Nestor Piva, falecido, que foi o primeiro presidente do
Sindicato dos Médicos, ligado ao Partido dos Trabalhadores, e que teve participação fundamental,
com sua experiência e coerência política, nesses movimentos.
137
(...) os recursos próprios da Prefeitura são de Cz$ 2 milhões e 400
mil para o ano inteiro e nós gastamos Cz$ 2 milhões e 300 mil. O
INAMPS libera uma verba de Cz$ 200 mil mensal, mas está
suspensa porque a Prefeitura não tinha prestado conta desde abril
de 1985. (Jornal de Sergipe, 30/05/1986, Nº 2328).
Mesmo com tantos limites, foi-se estruturando a rede e as ações, e houve a
realização do primeiro concurso público para o preenchimento dos cargos.
Em processo permanente de construção/desconstrução, nessa gestão
ocorreu a I Conferência Municipal de Saúde de Aracaju, em 09 de março de 1986,
com ampla participação dos trabalhadores e usuários da saúde. Rompendo com os
formatos de conferências acontecidas até então nas quais as discussões eram
meramente técnicas, os temas e debates focaram na análise de conjuntura, na
reorganização da rede básica de saúde e nas formas de participação popular.
Os debates, iniciados com a análise da conjuntura nacional e local,
demonstraram que as discussões sobre o tema da saúde, começavam a estar
articuladas, no nível local, nos espaços de deliberação da política e por seus
sujeitos, com os temas sobre os determinantes e condicionantes da saúde.
Por sua vez, a necessidade de reorganização da rede básica de saúde e a
qualidade dos serviços, foram temas e propostas que evidenciaram a necessidade e
importância do município estruturar essa rede para garantir o acesso da população
excluída do sistema de saúde. A preocupação com a garantia da qualidade
justificava-se uma vez que a rede municipal ainda era quantitativamente pequena e
não estava estruturada nos diversos níveis de complexidade, o que implicava, ainda,
na garantia da integralidade da atenção.
Nesse momento eram ofertadas, essencialmente, assistência médica
ambulatorial nas áreas de clínica médica, gineco-obstetrícia e pediatria, além da
assistência de enfermagem e odontologia. Em algumas unidades de saúde contava-
se com a presença do visitador sanitário e do assistente social.
53
Especial destaque, nessa conferência, teve o tema “Participação popular”,
com propostas que reivindicavam a implantação do conselho, ainda consultivo, de
saúde e a participação popular no controle e fiscalização dos serviços.
53
No Capitulo III discorro especificamente sobre o Serviço Social na Secretaria de Saúde de Aracaju.
138
Em consonância com os diversos movimentos e greves que marcaram a
década de 1980, formatados segundo os princípios do Novo Sindicalismo, durante
todo o ano de 1986, os funcionários públicos municipais realizaram diversas
mobilizações e greves. Os profissionais de nível superior da saúde, mobilizados pelo
sindicato, discutiram a equiparação salarial com os engenheiros e arquitetos que
recebiam, de forma diferenciada dos demais, piso de seis salários mínimos. As
mobilizações, durante todo o ano, receberam apoio do então gestor municipal que,
em tensão política com o prefeito, deixou o cargo no inicio de 1987.
54
Que é que acontece? Já estamos mais ou menos em 1986, em 1987,
não lembro bem, e nós brigamos com Jackson, porque tínhamos
que brigar, o grupo, nós éramos extremamente românticos e
utópicos, o que era incompatível com o poder real. Brigamos e ao
invés de sair da Secretaria, o grupo todo, o poder nos desuniu,
porque na hora que Jackson foi reunir o grupo, o grupo com um
documento assinado, ele foi esperto, olhou no olho de cada um e
disse “eu queria convidar fulano para ser o Secretário”. quando
convidou fulano, o grupo dividiu-se automaticamente, o grupo rachou
e os resultados desse racha até hoje são visíveis. Uma parte saiu e
uma parte ficou (Profissional).
O Secretário de Saúde de Aracaju, Antonio Samarone, estará
apoiando a manifestação que os profissionais de nível superior do
município irão realizar na próxima segunda-feira (...) para tratar de
assuntos salariais. Samarone, que vem tendo sérias divergências
com Jackson Barreto, por não concordar com alguns atos políticos
do prefeito, deverá pedir exoneração logo após o ato público, quando
explicará os motivos que o levaram a pedir tal exoneração (Jornal de
Sergipe, 11/11/1986, Nº 2.440).
A decisão de sair do espaço da gestão, nessa conjuntura de ampla
mobilização popular, de efervescência dos movimentos sociais, quando as
discussões e deliberações da VIII Conferência Nacional de Saúde ainda estavam
presentes nesses movimentos, temperadas, ainda, com as discussões e
mobilizações do processo de elaboração da nova Constituição, evidenciavam os
limites de ação nesse espaço, apesar das mudanças postas.
54
O PCB, que era da base aliada do então prefeito Jackson Barreto, indicara os Secretários de
Educação e Saúde. Em 1987, após várias discordâncias e tensões com o prefeito sobre a condução
dessas duas políticas, os dois Secretários afastaram-se dos cargos e o PCB, mesmo permanecendo
na base aliada, orientou os seus militantes para saírem da gestão.
139
Evidenciavam que essa ação requeria a necessidade de transformações
substanciais nas áreas econômica e social, capazes de erradicar definitivamente o
modelo econômico e os graves problemas sociais que o regime ditatorial acentuou e
que foi responsável pelo agravamento da precária condição de vida da população.
Evidenciavam ainda, a necessidade urgente de uma reforma da Previdência Social e
da superação do direito à saúde baseado no seguro social, o que tornava o seu
acesso um privilégio de poucos.
Nesse contexto, ganhava visibilidade a crise que atravessava o INAMPS,
após haviam várias denúncias de desvio de recursos. Com insuficiente quadro de
servidores para o atendimento da demanda de segurados, a saída foi buscada na
ampliação e fortalecimento das AIS em Sergipe, através de assinatura de convênios
com a Secretaria Estadual de Saúde e diversas prefeituras do interior do Estado. Em
processo que foi denominado de “estadualização e municipalização” da saúde, o
INAMPS repassava os recursos para esses órgãos que, por sua vez, assumiam o
compromisso de atender a população segurada. Caracterizava-se, assim, a
transferência e desconcentração de recursos da rede federal para as redes estadual
e municipal, para a obtenção dos serviços, sem que ocorresse uma mudança mais
efetiva na estrutura previdenciária brasileira e no sistema de saúde.
O ano de 1987 iniciou com nova mobilização dos trabalhadores da saúde
reivindicando o disparo do “gatilho salarial” como previa o plano econômico e o
estabelecimento de canal de negociação com o Governador
55
sobre o aumento
salarial. A coordenação desse movimento era “colegiada”, com representação dos
sindicatos e associações das diversas categorias profissionais, forma utilizada pelo
movimento para romper, na prática, com a organização sindical oficial.
Após greve ocorrida no mês de maio desse ano, os profissionais da saúde se
articularam com os professores da rede estadual de ensino e unificaram os
movimentos objetivando aumentar o poder de pressão na negociação. O movimento
teve fim com a garantia de 20% de aumento salarial, a regularização de adicional
para os servidores de nível médio e a redução da carga horária/diária dos
enfermeiros e assistentes sociais para 3 (três) horas, o que vinha ocorrendo com
os médicos.
55
Nesse momento, o Governador era Antônio Carlos Valadares.
140
Essas experiências de unificação dos movimentos e da estreita relação com o
conjuntos dos trabalhadores através das assembléias permanentes, além das
greves gerais comandadas pelas centrais sindicais, das discussões encaminhadas
sobre a forma de organização sindical por ramos de produção, objetivaram-se, em
1988, na fundação do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde de Sergipe-SINTASA.
Em 1987, a parte que saiu da gestão, funda o Sindicato dos
Trabalhadores da Saúde, em contexto de organização sindical por
ramo de produção, não mais por categoria profissional, como forma
de ampliar, articular melhor e fortalecer as lutas dos trabalhadores.
Esse Sindicato passa a dirigir os movimentos na área da saúde a
partir de então. Lembre que aqui está acontecendo a VIII
Conferência Nacional de Saúde, a Constituinte, já está se fazendo
propostas na área da saúde, a reforma sanitária está tomando
corpo nacionalmente. De 1982 a 1986, o governo João Alves foi
parte da história que eu contei, agora eu estou no governo
Valadares (Profissional).
Nesse contexto de organização e mobilização dos trabalhadores da saúde, no
final de 1987, as mudanças no espaço institucional continuavam a se processar,
agora com a criação do SUDS.
56
Para viabilizar a sua implantação, a Secretaria Estadual de Saúde formou
grupos de trabalhos, compostos por cnicos das diversas instituições e redes, para
sistematização das propostas, uma vez que, com o SUDS, novas e velhas
demandas foram (re) colocadas, tais como: a construção de modelo assistencial
para o Estado, adequação e reequipamento da rede pública de saúde, isonomia
salarial, recursos humanos, sistema único de informação, modernização e ampliação
dos laboratórios da rede pública, saneamento básico e estruturação administrativa.
Quem está no Governo aqui é Valadares e Sergipe foi o último
Estado a assinar o convênio do SUDS, pois Valadares dizia que não
assinaria, que não tinha interesse em assinar esse convênio. Teve
uma crise no Hospital Cirurgia, que é um hospital filantrópico, de 600
leitos, um hospital importante, e o Governo Federal condiciona
repassar dinheiro para o Hospital de Cirurgia se o governo estadual
56
Em 07/08/1987 foi assinado o Convênio para implantação do SUDS em Sergipe, tendo como
signatários, de um lado, os Ministros da Previdência e Assistência Social, da Saúde e da Educação e,
do outro lado, o Governador do Estado, Antônio Carlos Valadares, e o Secretário de Saúde e Bem-
Estar Social, Lauro Maia. No mesmo ato, assinaram um termo aditivo o Prefeito de Aracaju, Jackson
Barreto, e o Secretário Municipal de Saúde, Gilmário Macedo.
141
assinasse o SUDS. Então no prazo de oito dias, Sergipe nunca tinha
discutido SUDS, chega a informação, eu era também funcionário da
Secretaria de Saúde, ‘olhe o governador vai assinar sexta-feira o
SUDS’. É tanto que o convênio que o governador assina tem uma
particularidade, vários termos continuam Salvador-Ba, porque não
deu tempo nem de mudar o documento, foi assinado às pressas
(Profissional).
A forma de implementação do SUDS, sem envolver os trabalhadores e
usuários do sistema, através das suas organizações, além das discussões políticas
“pelo alto”, provocou questionamentos ao sistema que nascia.
57
O movimento pela reforma sanitária, no Brasil e em Sergipe, apesar da
polissemia existente entre os diversos vocalizadores, focava, cada vez mais, na tese
da determinação social da doença e na necessidade de construção de um sistema
de saúde que rompesse com as redes paralelas, com a diluição dos recursos e
garantisse a universalidade e integralidade das ações.
Como visto no capítulo anterior, esse não foi um movimento isolado da
dinâmica dos movimentos sociais e refletia os anseios de mudanças em um setor
específico da sociedade brasileira, mas que, haja vista a concepção de saúde
assumida, requeria mudanças além do seu entorno. Assim, somente uma
reorganização da rede pública de saúde prestadora de serviços, tal como foi
encaminhada a implantação do SUDS em Sergipe pela Secretaria Estadual de
Saúde, causaria pequeno impacto sobre a condição de saúde da população,
resultando, no máximo, em alterações nos indicadores clássicos de saúde.
Além disso, o processo de descentralização da rede federal para as redes
estaduais e municipais, tal qual encaminhado naquele momento, provocou a
discussão sobre a garantia da qualidade dos serviços, uma vez que o processo
histórico de construção dessas redes contribuiu com o fortalecimento e consolidação
da primeira em detrimento das outras duas.
A discussão tinha como pressuposto que descentralizar as ações e serviços,
sem uma mudança mais efetiva nessas estruturas, poderia significar um nivelamento
por baixo e a queda da assistência a ser prestada.
57
As pontuações que aqui coloco são extraídas do artigo “Reforma Sanitária: a montanha pariu um
rato”, de Antonio Samarone de Santana, publicado no Jornal de Sergipe Nº 2.683, em 09/08/1987.
142
Assim sendo, a reorganização proposta deveria ser acompanhada de amplo
debate, envolvendo todos os segmentos, sobre os caminhos a serem trilhados a
partir de então, na perspectiva de democratização do setor, que andava em passos
lentos.
Na operacionalização, o envolvimento dos profissionais das diversas redes,
com salários e condições de trabalho diferenciadas, e a democratização da saúde
foram também questões que funcionaram como “lenha na fogueira” e aqueceram as
discussões e mobilizações. A isonomia salarial dos profissionais passou a ser, dessa
forma, bandeira importante do movimento dos trabalhadores que, através de
diversas greves e movimentos, chegaram a paralisar praticamente todos os serviços
de saúde no Estado, especialmente em Aracaju. A estratégia inicial encontrada para
diminuir essa defasagem salarial foi o pagamento de uma “gratificação do SUDS”,
repassada aos profissionais com constantes atrasos.
(...) numa manifestação que contou com a presença de servidores do
Estado, do município, INAMPS, SUCAM, IPH e HEMOSE, no
primeiro dia de greve da categoria, que foi decretada na semana
passada, em protesto pelo não pagamento das gratificações do
SUDS, desde o último mês de janeiro. Portando faixas e cartazes, os
manifestantes estão exigindo a saída do Médico Edney Freire
Caetano daquela Secretaria, sob o argumento de que ele não está
cumprindo o convênio feito entre o Governo do Estado e a
Previdência Social que criou o Sistema Unificado e Descentralizado
de Saúde e muito menos está zelando pela saúde da população, pois
desde que assumiu a Secretaria de Saúde até seringas estão
faltando em alguns postos de saúde do Estado (Jornal de Sergipe
2873, 29/03/1988).
As mobilizações e greves ocorridas, além de denunciarem as péssimas
condições de trabalho dos profissionais e a precária assistência oferecida à saúde
da população sergipana provocavam também o questionamento sobre a eficiência
do sistema de saúde que então se implantava.
Com o SUDS anunciava-se o propósito de romper com a hipertrofia da rede
federal, com a concentração e centralização de recursos e programas, deslocando-
os para os Estados. No entanto, esse anseio esbarrou, no nível local, nos
desmandos políticos e na inadequada gestão dos recursos.
143
(...) instalou-se o caos, com recursos financeiros servindo apenas
para fortalecer o caixa dos Estados que deliram com os resultados
da aplicação desses valores no mercado aberto. As ações de saúde,
todavia, ficaram sacrificadas (...) A medida que despontou como uma
espécie de salvação, de repente, tornou-se um espantalho (...) Antes
que alcancemos o pior, convém que o Governo repense seu
programa, redirecionando-o, corrigindo-lhe os defeitos que estão à
vista e, sobretudo, evitando que ele venha a se transformar num
instrumento meramente eleitoreiro. (Jornal de Sergipe, 2.922,
28/05/1988)
O Tribunal de Contas de Sergipe estima em mais de 20 milhões de
cruzados, sem correção monetária, o total de recursos desviados do
SUDS pelo Secretário Edney Freire Caetano no período de
dezembro de 87 a dezembro de 88. Edney é acusado de promover
mordomias e mandar confeccionar panfletos de promoção pessoal
com o dinheiro do Estado. Contra o ex-secretário também pesa a
acusação de ter promovido licitações irregulares para a execução de
serviços no âmbito da Secretaria. (Jornal de Sergipe 3.322,
04/10/1989).
Apesar das barreiras e dificuldades locais, com as constantes perseguições
aos profissionais que participavam na linha de frente dos movimentos, esse foi um
momento em que os trabalhadores da saúde mostraram grande poder de
mobilização e pressão, conquistando vitórias importantes como o adicional de
insalubridade para todos os profissionais; pagamento das gratificações do SUDS aos
servidores do INAMPS no período de janeiro a março de 1988;
58
recebimento de
todas as parcelas da gratificação do SUDS; reposição salarial dos servidores do
Hospital João Alves Filho, em 1988, após 48 dias de “operação tartaruga”;
59
aumento de 200% sobre a gratificação do SUDS, em 1988, entre tantas outras.
No espaço institucional e da gestão, com as greves e denúncias conquistou-
se a realização de concurso público estadual, em 1988, com 580 vagas em todo o
Estado objetivando garantir o modelo assistencial preconizado e ampliar o acesso
aos serviços; o investimento pelo Governo do Estado de Cz$ 2,6 milhões em obras
58
Tendo em vista o Decreto-Lei 95.861, de 22/03/1988, assinado pelo presidente José Sarney,
que proibia o recebimento de gratificação do SUDS pelos funcionários do INAMPS, o Secretário
Estadual de Saúde suspendeu os pagamentos referidos. No entanto, após várias greves dos
previdenciários e recurso na PGE|SE, esse direito foi assegurado em 1988, garantindo-se o principio
que a lei não retroage para prejudicar.
59
Assim denominada a greve realizada em 1988, uma vez que os servidores assinavam o ponto e
realizavam somente os atendimentos de urgência.
144
na saúde pública em 1988 e início do repasse das unidades de saúde para a
Secretaria de Saúde de Aracaju.
60
Apesar de não garantir a isonomia salarial efetivamente, uma vez que as
negociações se deram por meio da conquista de gratificações, de complementações
salariais que não eram incorporadas à remuneração, esse processo de organização
dos trabalhadores da saúde, no contexto de implantação do SUDS, e a articulação
com outros segmentos de trabalhadores, especialmente com as experiências de
mobilização do conjunto dos servidores blicos que marcaram a década de 1980,
garantiram vitórias expressivas e contribuíram para dar visibilidade política à luta
pela reforma sanitária em Sergipe, resultando, ainda, na criação do Sindicato dos
Trabalhadores da Saúde – SINTASA, em dezembro de 1988.
A criação desse sindicato, resultado do percurso de lutas dos trabalhadores
da saúde, revelava o acúmulo da discussão sobre a política de saúde e a tendência
de superação da estrutura sindical corporativa e das lutas isoladas das diversas
categorias profissionais, o que possibilitava maiores avanços e conquistas para
aquelas com maior poder de pressão e negociação, no caso específico da saúde, a
categoria dos médicos.
Mas uma coisa que marcou também nesta caminhada foi o
movimento dos profissionais de saúde e uma greve que culminou
com a greve geral de Saúde em oitenta e seis, onde tivemos alguns
ganhos, na área de Saúde e foi a primeira greve, eu acho, em que os
médicos, atendemos os públicos na frente do palácio do governo.
Eram várias tendas, onde os auxiliares faziam a pressão arterial, a
gente também orientava o paciente porque os postos estavam
fechados. E eu perdi a direção da unidade... Porque eu era diretora e
tive que fechar a unidade junto com a comunidade por conta desta
greve. Foi naquele momento que iniciou um processo de discussão
do sindicato dos trabalhadores da saúde, o SINTASA. Então o
SINTASA surgiu desses movimentos....Então a história da reforma
sanitária tem muitos protagonistas. Piva mesmo, no movimento
sindical, contribuiu muito para esta discussão, eu lembro que na
Assembléia , a gente não discutia a questão salarial, a gente
discutia condições de trabalho, a gente discutia que o modelo de
assistência não era centrado nas pessoas, que o modelo era
60
Em junho de 1988 as Unidades de Saúde José Machado de Souza e o PAM do Bairro Palestina
foram repassadas para a Secretaria de Saúde de Aracaju, como preconizado no Modelo Assistencial,
através do qual, entre outros itens, seriam repassadas algumas Unidades de Saúde da Secretaria
Estadual e do então INAMPS para a Secretaria Municipal.
145
centrado na doença e não na prevenção, na aprovação da saúde.
Então tiveram vários momentos interessantes (Profissional).
Ainda no espaço institucional e da gestão, outra grande conquista desse
movimento, na perspectiva de garantir o pleno direito à saúde e a democratização
do setor, foi a criação do Conselho Estadual de Saúde, em 1987, através de decreto
governamental, com o objetivo de garantir a participação da população na
formulação e fiscalização da política de saúde.
A primeira eleição para escolha dos membros do Conselho Estadual
mobilizou os diversos profissionais e sindicatos.
O segundo elemento é que no SUDS veio embutida a história da
participação, formar-se-ia o Conselho Estadual de Saúde, com
caráter deliberativo, todo esse discurso que vocês conhecem estava
nesse Conselho. Eu acho que foi nesse momento que o movimento
social na área da saúde foi mais forte em Sergipe, porque nesse
momento a gente conseguiu reunir vinte e três entidades só da
saúde, todos os Conselhos, todas as Associações, de Farmácia,
Assistente Social, tudo. Desse grupo aqui se formou um super
conselho dos movimentos que passou a ter força, e foi este Conselho
que elegeu, que fez eleições diretas para os representantes do
Conselho Estadual de Saúde. Nós mobilizamos o Estado inteiro para
fazer essa eleição. No voto. As vinte e três entidades patrocinaram a
eleição. Quem quis se candidatar.... Então, o auge desse movimento
foi até 1992, 1993. Outra coisa, foi um momento em que havia muito
debate, muito Seminário para discutir (Profissional).
Como visto, a criação do Conselho Estadual de Saúde e o processo de
mobilização dos profissionais para escolha dos seus representantes caracterizaram
um momento rico para os movimentos sociais da saúde, pelos caminhos percorridos,
pela aproximação da luta para a construção de um novo sistema de saúde ao
espaço da gestão, para a publicização das tensões e conflitos existentes, apesar
das dificuldades encontradas para a partilha do poder e dos “descaminhos” que a
política de saúde trilhou em Sergipe.
O trânsito nesse espaço não fora tarefa fácil e implicava, várias vezes, no
enfrentamento político acirrado, considerando que a garantia do direito à saúde e a
democratização desse setor não dependem meramente de questões técnicas e
146
administrativas, mas, fundamentalmente, dos posicionamentos políticos sobre “o
que” e “como” se quer construir.
Esses enfrentamentos resultavam, geralmente, na compreensão, por parte
dos gestores, como uma luta política partidária, como ataques pessoais e de
desconstrução do pouco até então construído.
As arestas maiores eram de cunho político-partidário que sempre
surgiam para atrapalhar uma coisa maior. A gente tava trabalhando
em política de saúde, articulando os vários setores sociais
representados e o desgaste maior, as dificuldades maiores eram
interpostas pelos agentes político-partidários porque tinham uma
visão caolha, limitada e uma eleição se aproximando, então ali era
um palanque excelente para suas propostas, que eram apenas
propostas retóricas e o nosso trabalho ia muito além. Muitas vezes o
que estava se colocando por esses agentes era um retrocesso, a
gente tinha dado um passo adiante, partindo para um processo de
integração e eles queriam voltar para o formal, no máximo
multidisciplinar e aí se esgotavam, os seus discursos e as suas
práticas, porque não eram visões coletivas, visões que abrangessem
todo o contexto da sociedade. Era simplesmente o proselitismo e a
luta pela tomada de posição do poder. Isso no conselho e fora do
conselho, porque a campanha tava na rua, então algumas pessoas
que faziam parte do conselho saíram para uma coisa dirigida, com
interesses de partido e deixando de lado o compromisso maior, mais
abrangente. Então o interesse pessoal, partidário, limitando uma
coisa maior. (Profissional)
O Conselho está desativado, pois o Secretário de Saúde jamais o
convoca. Ele faz o que quer, pois se posiciona como o vice-rei da
saúde no Estado, ou seja, faz o que na sua cabeça e de seu
grupo, sem nenhuma democracia, participação ou transparência.
Estou realmente preocupado, pois verdadeiramente o SUDS poderia
melhorar a questão de saúde da população, pois tem recursos
suficientes, que os mandarins não querem. (Jornal de Sergipe
2968, 23/07/1988)
61
Apesar dos “descaminhos” e “atalhos”, a reforma sanitária em Sergipe ia
tomando forma, o que podia ser observado através do crescimento, mesmo tímido e
com muitos limites na prestação dos serviços, da rede pública de saúde,
especialmente de Aracaju.
61
Entrevista concedida por Antonio Samarone, vice-presidente do Sindicato dos Médicos e, nesse
momento, membro do Conselho Estadual de Saúde.
147
Em 1982, depois que sai da Universidade... então, no mesmo mês
comecei a trabalhar na Prefeitura de Aracaju e fui direto para a
Secretaria de Saúde. éramos nós e naquela época tínhamos
08 (oito) Postos de Saúde e um Centro de Reidratação, então
naquela época a gente dividiu, uma ficava com a zona norte e outra
com a zona sul e o trabalho que a gente fazia naquela época era um
trabalho com a vigilância sanitária no combate ao calazar e o bicho
do pé (Profissional).
Quadro 2 - Rede Pública de Saúde de Sergipe por tipo de estabelecimento/1988
Unidades
Ambulatoriais
Unidades
Hospitalares
Casas de Parto TOTAL
358 23 31 412
Fonte: Jornal de Sergipe Nº 2.844, 24\02\1988
Quadro 3 - Rede Pública Municipal de Aracaju por tipo de estabelecimento/1988
Centros de Saúde Postos de Saúde Clínica Pediátrica TOTAL
07 12 01 20
Fonte: Jornal de Sergipe Nº 2.844, 24\02\1988
Quadro 4 - Rede Ambulatorial Pública em Aracaju – 1988.
Secretaria
Estadual
Secretaria
Municipal
INAMPS TOTAL
16 20 03 39
Fonte: Jornal de Sergipe Nº 2.878, 05\04\1988
Elaboração própria
Os dados acima demonstrados revelam um processo de estruturação no qual
a rede pública municipal apresentava-se quantitativamente e, de forma crescente,
superior às redes federal e estadual, especialmente em relação à primeira. No
entanto, considerando que ela era constituída predominantemente de Postos de
Saúde, com capacidade instalada e de atendimento real bem inferior aos Centros de
Saúde e, especialmente aos PAM’s do INAMPS, essa superioridade quantitativa não
refletia a capacidade real de atendimento. Ademais, considerando ainda que não
148
existia um ordenamento da rede na perspectiva de garantir o acesso e a
integralidade da assistência, nem um sistema de referencia e contra-referencia, um
modelo de regionalização e hierarquização, essa capacidade apresentava-se ainda
mais limitada (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE - SMS, 1988).
A situação do atendimento na Secretaria Municipal de Saúde de Aracaju
agravou-se com a implantação do SUDS e a adoção do Tempo Integral Geográfico-
TIG que, na perspectiva de integração das redes, previa a escolha do local de
trabalho para os profissionais que possuíam mais de um vínculo profissional. A
forma de implantação do TIG, sem definição de critérios baseados nas necessidades
das redes e de atendimento às necessidades em saúde fez com que a escolha para
o desenvolvimento das atividades profissionais na Secretaria de Saúde de Aracaju
fosse, para aqueles que buscavam melhores salários e condições de trabalho ou
mesmo quisesse “fugir” das tensões da saúde coletiva, como uma das últimas
alternativas. Esse fato resultou, ainda mais, no “encolhimento” da capacidade de
atendimento da rede municipal.
Segundo o Secretário da Saúde do Município, Fernando Santana,
antes da implantação do Tempo Integral Geográfico o atendimento
nos postos de saúde chegava a 15.000 consultas, hoje não chegam
a nove mil. Isso porque, com a união de vínculos, Prefeitura e
Estado, grande parte dos médicos passou para os hospitais em
detrimento dos postos. De 212 médicos existentes a serviço da
Secretaria de Saúde do Município, até um ano atrás, no momento
somam-se apenas 57. E das 91 enfermeiras, somente 63 continuam
na Secretaria do Município. (Jornal de Sergipe, 3.272,
05/08/1989).
Como consequência do convênio firmado para a implantação do SUDS em
Sergipe, tendo em vista os novos papeis atribuídos às esferas estadual e municipal,
no início de 1988, foi elaborado o documento “Considerações sobre o Modelo
Assistencial em Saúde para o Município de Aracaju”, pela equipe do Departamento
de Planejamento da Secretaria de Saúde.
A proposta de descentralização que o referido documento apresentava, a
partir do diagnóstico da situação específica de Aracaju, assumia como princípio que
a maior responsabilidade pela garantia da assistência à população deveria ser
149
atribuída aos municípios e que o processo de descentralização e integração, já
proposto nas AIS, deveria avançar na perspectiva de integração efetiva das redes,
de superação do paralelismo e da diluição de recursos.
A municipalização dos Serviços Básicos de Saúde é parte de um
processo maior, o da descentralização, que visa fazer com que as
responsabilidades do planejamento e decisões se aproximem, cada
vez mais, dos locais em que os serviços de saúde são prestados à
população. Na área da saúde, a descentralização é a estratégia base
da organização do Sistema Unificado de Saúde (ARACAJU,
SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE, 1988, p. 09).
Como proposta de modelo assistencial para Aracaju, o referido documento
estabeleceu a organização da rede municipal em cinco distritos sanitários, cujos
princípios de organização foram assim definidos:
- Integralização das ações de saúde de modo a superar a dicotomia
prevenção\cura;
- Universalização do atendimento de modo a contemplar todos os
segmentos sociais;
- Equanimidade do atendimento por todos os serviços de saúde e
profissionais vinculados ao SUDS sob a forma de convênio, contrato
e credenciamento;
- Descentralização da gestão operativa para conferir ao Distrito
Sanitário autonomia administrativa;
- Hierarquização dos serviços com a articulação funcional das
unidades de saúde organizadas por níveis de atenção e o
estabelecimento de mecanismos que garantam a referência e contra-
referência da clientela dentro do sistema;
- Estabelecimento do conjunto de ações a serem ofertadas e a
determinação do grau de resolubilidade dessas ações;
- Adscrição da clientela à unidade de saúde situada num espaço
geográfico definido;
- Estabelecimento da gestão colegiada, como critério de
administração nos diversos níveis organizacionais, incluída a
representação popular e dos trabalhadores da saúde no
planejamento, controle e avaliação dos serviços (SECRETARIA
MUNICIPAL DE SAÚDE, 1988, p. 19 e 20).
Desta maneira, os Distritos Sanitários seriam organizados de forma a garantir
o acesso da população aos serviços de saúde, de acordo com a divisão espacial da
cidade em bairros. No entanto, essa divisão não poderia engessar o fluxo
estabelecido cotidianamente pela população, o que resultou, segundo o documento,
150
na ampliação do atendimento para alguns bairros da grande Aracaju. Depois da
devida estruturação da rede, os distritos sanitários deveriam oferecer ações de
“níveis primários e secundários”, conformando os primeiros passos para a garantia
da integralidade da atenção.
As unidades ambulatoriais de nível secundário, uma para cada DS,
devem ofertar, além das atividades de nível primário, as consultas
especializadas estratégicas e a urgência ambulatória. Esta última
modalidade de atendimento funcionará em regime de 24 horas,
inclusive aos sábados e domingos, como unidade de referência para
seu respectivo Distrito, inclusive com atendimento de urgência
médica, odontológica e atendimento laboratorial. Também, no âmbito
de cada DS, como atividade de apoio a rede básica ficará localizado
um laboratório de análises clínicas no Instituto Parreiras Horta para
realização de exames de segundo nível (...) Transcendendo a área
geográfica dos Distritos estão os serviços de maior complexidade,
classificados como níveis terciário e quaternário para onde são
referidos os pacientes quando esgotada a capacidade resolutiva dos
DS. Nestes níveis estão as consultas, internações e serviços de
apoio diagnóstico e terapêutico que exijam mecanismos tecnológicos
mais complexos, tanto os da área pública (consultas especializadas,
laboratórios\IPH, Hemoterapia) e as instituições privadas e
filantrópicas vinculadas ao SUDS (ARACAJU, SECRETARIA
MUNICIPAL DE SAÚDE, 1988, p. 21 e 22).
A proposta de coordenação e gestão do SUDS, no modelo adotado, ficaria
sob responsabilidade da Comissão Interinstitucional de Saúde de Aracaju-CIMS,
62
com representação de todos os segmentos e parceiros do sistema.
Previa, ainda, a criação das Comissões Locais Interinstitucionais de Saúde-
CLIS, cujo processo foi iniciado em fevereiro de 1988 na fase de apresentação da
proposta do modelo assistencial, com reuniões entre os cnicos da Secretaria de
Saúde, a população e todos os segmentos e parceiros existentes em cada Distrito
Sanitário, garantindo-se, na Comissão, a representação paritária.
Essa proposta de modelo assistencial para Aracaju foi a primeira a ser
sistematizada e, apesar dos limites, constituiu um avanço ao pensar de forma global
toda a rede, articulando-a com o objetivo de garantir, primordialmente, o acesso ao
sistema e, nesse bojo, a integralidade da assistência. No entanto, os limites foram
62
- A CIMS de Aracaju foi criada pela Comissão Interestadual de Saúde - CIS de Sergipe, através da
Resolução Nº 112 de 23 de Outubro de 1987, como órgão consultivo na gestão do sistema.
151
evidenciados já no momento de sua construção e reconhecidos pela equipe de
sistematização, alguns dos quais explicitados pela equipe:
Certamente virá um futuro próximo que, através da discussão com a
desejável participação ampla das instituições e componentes do
sistema, bem como das entidades de usuários e profissionais de
saúde, será implantado um Modelo Assistencial que se tornará peça
fundamental do avanço pretendido (...) No sentido de construir ‘de
baixo para cima’ o Modelo Assistencial que incorporará
gradualmente, na sua concretude, a doutrina e os princípios
reorientadores de um sistema único de saúde. (ARACAJU,
SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE, 1988, p. 07).
O processo denunciara os seus limites.
Encaminhar a discussão da proposta, que tinha um caráter de
(re)estruturação total da rede municipal, mas que foi elaborada de forma restrita
pelos técnicos, era um processo que exigia um protagonismo maior de outros atores.
Os movimentos sociais da saúde, especialmente o movimento sindical, tinham
razoável acúmulo de discussão sobre o quadro sanitário sergipano e
apresentavam propostas para a construção de um sistema único de saúde. Mas
eles, por causa das questões políticas locais, o foram incorporados no processo
de elaboração e sistematização desse modelo assistencial.
Além, a concepção, presente na proposta, de um esquema formal de porta de
entrada e porta de saída
63
do sistema, sem considerar que as necessidades de
saúde da população, além dos aspectos biológicos, podem estar assentadas em
aspectos subjetivos e culturais, na necessidade do cuidado, do acolhimento,
constituía outro limite.
Cremos que objetivar tão formalmente esses movimentos pode significar
“tapar uma chaleira em plena ebulição”, pois a proposta apresentada não atendia,
tampouco reconhecia, essas necessidades.
A proposta de organização dos sistemas de saúde em Distritos Sanitários,
amplamente difundida no contexto dos anos 1980 e 1990, sofreu influência marcante
63
O sistema distrital proposto para Aracaju estava concebido na organização piramidal, com a base
definida como suposta porta de entrada e o topo da pirâmide como suposta porta de saída do
sistema.
152
das idéias contidas no documento “Saúde Para Todos no Ano 2000”,
64
que
enfatizava a importância da Atenção Primária, e da proposta de organização de
Sistemas Locais de Saúde SILOS. Este difundido especialmente pela Opas\OMS
teve como experiências expressivas as que aconteceram nos estados do Ceará e
Bahia
65
.
A proposta do SILOS defendia a estruturação do sistema de saúde a partir do
planejamento local, que deveria conter uma análise da situação de saúde, a
definição da situação desejada e o desenho de “(...) estratégias e um modelo de
operação para estruturar a oferta de serviços e atender à demanda
epidemiologicamente identificada e, ao mesmo tempo, captar os usuários
provenientes da demanda espontânea” (ANDRADE, BARRETO, BEZERRA, 2006, p.
801).
Assim, com essas influências de modelo e organização de serviços, apesar
de não avançar muito no modelo de gestão proposto, haja vista que a única
implementação efetiva, nesse sentido, fora a divisão formal da cidade em distritos
sanitários, as discussões ocorridas sobre a proposta, sobre a importância da
atenção primária, da necessidade do planejamento ser construído a partir do nível
local e de forma ascendente, foram alguns dos ganhos da experiência.
Ainda, o anúncio, pelo gestor municipal, em assumí-la como prioridade na
gestão, resultou em uma melhor articulação das unidades básicas de saúde, na
estruturação dos programas e das atividades desenvolvidas.
A partir daí os programas todos tiveram um grande incremento, ou
seja, complementação alimentar, saúde escolar, dentária, o
departamento de odontologia foi nas escolas mostrar como fazer a
escovação correta, quais os cuidados alimentares, o que deveria
fazer... Então nós fornecemos as escovas e as equipes de
odontologos, multidisciplinar sempre, assistentes sociais, auxiliares,
de todas as áreas... então nós íamos às unidades escolares. A partir
daí retomamos as coletas de material biológico, coleta de sangue,
fezes, urina etc, descentralizando... Tudo era mandado para o
Laboratório Parreiras Horta... Um grande erro pela quantidade de
64
Denominação dada ao documento final da Conferência Internacional de Alma-Ata (1978), com
orientações sobre a necessidade e urgência da retomada da Atenção Primária como estratégia para
resolver os principais problemas de saúde dos povos, de todos os países, mesmo que assumisse
formatos diferentes em cada um deles de acordo com o nível de desenvolvimento.
65
- A proposta de organização de Distritos Sanitários de Aracaju sofreu influencia das experiências
desenvolvidas na Bahia (TAVARES, 2002).
153
exames... Então nós descentralizamos, fazíamos as coletas e
procuramos dar a resolutividade nos centros de saúde,
especialmente os centros de saúde... A idéia era a distritalização,
então nós criamos os distritos sanitários, naquela época eram cinco
distritos sanitários em Aracaju, envolvendo os hospitais, tipo o
hospital universitário, o hospital João Alves e os outros hospitais
beneficentes, junto com os centros de saúde e os postos de saúde
eram os postos avançados de tudo, tanto para a atuação efetiva na
atividade fim como toda aquela atividade meio de educação,
principalmente incentivando, chamando os usuários do sistema para
romper com aquele circulo da atenção primária em saúde
(Profissional).
A criação do SUS, na Constituição Federal de 1988, e a conquista do direito à
saúde, inserido na perspectiva da seguridade social, colocaram a necessidade de
leis estaduais e municipais para regulamentação desse direito nos estados e
municípios o que fez com que, no nível local, o processo de mobilização e discussão
da Constituição Estadual fosse ativado. A partir de então, a atenção e mobilização
dos movimentos sociais de Sergipe foram focadas para a garantia, nesse espaço,
desses direitos assegurados na lei maior, tendo em vista os limites da composição
partidária
66
da Assembléia Estadual Constituinte, pouco favorável aos movimentos
sociais. No entanto, mesmo com esses limites e como consequência dessa
mobilização, a Constituição Estadual, em consonância com a Constituição Federal,
assim versou sobre o direito à saúde:
Art. 192. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas e ambientais que visem à
redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.
Parágrafo único: É vedada a concessão de auxílio ou subvenção a
entidades de saúde privadas que tenham fins lucrativos.
Art. 193. É dever do Estado assegurar a existência da rede pública
de serviços de saúde, organizada sob a forma de um Sistema Único
de Saúde- SUS, descentralizado em distritos sanitários, de acordo
com as seguintes diretrizes e incumbências (...) (SERGIPE, 1989, p.
93).
Em 1990, processo idêntico ocorreu durante a elaboração da Lei Orgânica de
Aracaju, regulamentando e preservando os princípios e diretrizes, no nível municipal,
66
A Assembléia Estadual Constituinte era composta de 11 deputados do Partido da Frente Liberal, 11
deputados da coligação PMDB/PDS e 2 deputados do PT (SANTOS E OLIVA, 1998).
154
do SUS. Através desse instrumento legal ficou garantida a criação do Conselho
Municipal de Saúde como uma das instâncias colegiadas do sistema.
No entanto, apesar de estar garantida a existência do Conselho nessa lei e ter
sido discutida sua criação e composição na II Conferência Municipal de Saúde,
realizada em Junho de 1990, ele somente se constitui após a realização da III
Conferência, realizada em 1993, através da lei Complementar nº 13, de 30 de
novembro do mesmo ano.
Também nesse período teve início, em Aracaju, o processo de formação dos
conselhos locais de saúde,
67
numa tentativa de busca de legitimidade das decisões
e da representação dos conselheiros municipais, principalmente dos usuários e
trabalhadores.
Nessa gestão,
68
a discussão sobre a estruturação dos distritos sanitários foi
aprofundada, envolvendo o Departamento de Medicina da Universidade Federal de
Sergipe, com os estudantes do CCBS, através dos Centros Acadêmicos,
participando ativamente das discussões, especialmente os de medicina,
enfermagem e odontologia. O resultado concreto nesse sentido foi o embrião de
estruturação, tal qual preconizado, do então IV Distrito Sanitário, onde se localiza o
Hospital Universitário. No entanto, essa experiência não aconteceu com a mesma
intensidade nos demais Distritos Sanitários, não envolveu toda a rede, apesar de
alguns esforços empreendidos nesse sentido pela gestão.
O processo mostrava-se lento, a criação do sistema de referência e contra
referência não se estruturava, a municipalização da saúde em Aracaju não se
efetivava, o que acontecia em outros municípios Sergipanos. O processo
esbarrava em dois espaços fundamentais para sua consolidação: no Conselho
Municipal de Saúde e na CIB\SE, instância pactuadora do processo de
municipalização entre os gestores estaduais e municipais. Essas questões do nível
local revelavam a heterogeneidade e dinâmica que marcavam o processo em curso,
suas contradições e limites, em consonância com o que acontecia em diversos
municípios brasileiros, como tão bem expressa Heimann:
67
- Os Conselhos Locais de Saúde significam a efetivação do controle social no nível local, nas áreas
adscritas às Unidades de Saúde. Têm a mesma composição que o Conselho Municipal: 50% de seus
componentes devem representar os usuários e 50% os profissionais de saúde, prestadores de
serviço e governo. Este último grupo dividido em: 50% trabalhadores, 25% prestadores de serviço e
gestores.
68
- Estava gestora da Saúde de Aracaju a odontóloga e sanitarista Sônia Azevedo.
155
(...) a criação de estruturas jurídicas e administrativas voltadas à
descentralização do sistema de saúde, embora necessária, não
constitui condição suficiente para produzir os resultados almejados.
Um conflituoso e heterogêneo processo iria se desenrolar à frente,
oriundo tanto da adequabilidade do dispositivo legal quanto da rica
diversidade cultural e política que marca os mais de cinco mil
municípios brasileiros (Heimann, 2000. p. 35).
O Conselho de Saúde da Aracaju, criado em uma conjuntura favorável aos
usuários e trabalhadores do sistema,
69
transforma-se logo em lócus importante de
disputas de projetos. Exemplo do poder de mobilização e pressão dos conselheiros
de saúde representantes desses segmentos foi quando, logo no inicio de suas
atividades, em articulação com os vereadores, se conseguiu a derrubada do veto do
prefeito ao artigo que versava sobre a presidência do conselho. A posição do gestor
era que esse papel fosse desempenhado pelo Secretário de Saúde, enquanto que
os conselheiros defendiam a eleição entre os seus pares, sendo essa última a
posição vitoriosa. Foi também nesse espaço que o processo de municipalização da
saúde de Aracaju encontrou as barreiras iniciais para sua efetivação tendo em vista
as exigências “formais” da CIB.
Essa comissão, ao analisar a solicitação de municipalização da
saúde em Aracaju, observa que a Câmara de Vereadores tem um
representante na composição do Conselho Municipal o que fora
aprovado na III Conferência Municipal de Saúde- mas, no entanto,
feria uma recomendação do Ministério da Saúde: recomenda-se que
o poder legislativo não participe dos Conselhos das Políticas
Públicas representando os usuários. Daí sugere-se o retorno do
processo ao Conselho Municipal de Saúde para ser rediscutida tal
representação. A sugestão não é aceita pelos conselheiros, sob a
alegação de que a autonomia da Conferência poderia estar sendo
atingida. A composição não é reavaliada e a municipalização da
saúde em Aracaju ocorre alguns anos depois, após vários
municípios do Estado consolidarem seus processos. (TAVARES,
2002, p. 47).
Somente com a realização da IV Conferência Municipal de Saúde, as
mudanças na composição do Conselho de Saúde de Aracaju foram aprovadas, tal
como sugeridas pela CIB, mas as suas deliberações não foram encaminhadas à
69
Sobre esse aspecto, ver maiores dados em Tavares (2002).
156
Câmara Municipal para que ocorressem as transformações necessárias, ficando o
conselho deliberando de forma irregular por dois anos, não avançando o processo
de municipalização da saúde em Aracaju. (TAVARES, 2002, p. 54).
Revelavam-se as particularidades e movimentos dos atores em um território
específico, as disputas pelo poder e as dificuldades para garantir os avanços
preconizados. Assim que, em 1997, a nova gestão municipal
70
ao elaborar o Plano
Municipal de Saúde, definiu como prioridade desencadear o processo de
municipalização da saúde em Aracaju ao constatar que:
Ainda que o discurso seja o de descentralização, o processo
decisório tornou-se mais complexo, observando-se a proliferação de
conflitos entre os diversos grupos e associações que disputam os
recursos públicos destinados a área da saúde. Os Conselhos de
Saúde, as comissões Bipartite e Tripartite ganham peso específico
crescente, porém ainda de forma lenta para a necessidade de
consolidação do processo, onde o papel dos atores, por diversas
vezes, são definidos de forma conflituosa, comprometendo
principalmente a gestão municipal. Como reflexo da situação
exposta, aliada à falta de vontade política, o município de Aracaju
não avançou na questão da política de saúde, não se habilitando em
nenhuma forma no processo de municipalização pela NOB\93,
permanecendo como mero prestador de serviços. Para completar o
quadro, a falta de regulamentação da NOB\96 e a indefinição do
financiamento, sobretudo pelo Governo Federal, tem retardado o
processo de municipalização. (ARACAJU, 1997a, p. 6).
Em 1998 a realização da V Conferência Municipal de Saúde foi marcada por
fortes tensões e conflitos entre o gestor e parcela dos movimentos sociais da saúde,
especialmente com o MOPS/SE, ainda durante o processo de organização e
definição de critérios para a retirada de delegados. Esses movimentos sentiam-se
excluídos desse processo que, segundo eles, limitavam a participação.
Denunciavam a falta de maior transparência, referenciados no modelo de
gestão que preconizava efetiva participação popular no controle das ações de saúde
e reafirmava que
70
Estava como Prefeito de Aracaju, João Augusto Gama e à frente da Secretaria Municipal a
Professora do Departamento de Medicina da UFS, Rosa Sampaio.
157
(...) a democratização desse setor, muito mais do que a simples
formalidade de se constituir os conselhos de saúde e de convocar as
Conferências Municipais de Saúde, requer a participação e
envolvimento nas decisões para o conjunto dos segmentos
escolhidos (ARACAJU, SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE,
1998, p.14).
Nessa Conferência, entre tensões e conflitos, discutiu-se a “existência
irregular” do Conselho Municipal de Saúde no intento de “corrigir” os itens solicitados
pela CIB e garantir os avanços no espaço institucional, momento em que ocorreu
uma “divisão” dos movimentos sociais da saúde e a exclusão, na Conferência e na
nova composição do Conselho Municipal de Saúde, dos representantes do
MOPS/SE e CMP/SE. Com a nova composição do conselho municipal de saúde, a
municipalização da saúde em Aracaju ocorreu em março de 1988, após exaustiva
negociação política na CIB.
A partir de então, com a habilitação na gestão plena da Atenção
Básica, o Município de Aracaju passa a gestor do Sistema Municipal
de Saúde, responsabilizando-se pelo conjunto de ações de caráter
individual ou coletivo, situadas no primeiro nível de atenção do
sistema de saúde, voltadas para a promoção da saúde, prevenção
de agravos, tratamento e reabilitação. A atenção à saúde nos
segundo e terceiro níveis continuam sob a gestão do Estado
(ARACAJU, SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE, 1998, p. 4).
Nesse momento o modelocnico-assistencial estava referenciado no modelo
“Cidades Saudáveis”, que tinha na cidade de Curitiba a sua experiência mais
expressiva (TAVARES, 2002). A partir da V Conferência Municipal de Saúde, essa
gestão adotou como estratégias do modelo de atenção à saúde, o Programa de
Agentes Comunitários de Saúde - PACS e o Programa Saúde da Família-PSF, o que
provocou um aumento na cobertura de 47% da população e um incremento de todos
os procedimentos nas Unidades Básicas de Saúde, “principalmente das consultas
médicas, que aumentaram em 88,86%”. (ARACAJU, 1998, p. 24)
As primeiras discussões sobre o PSF no Conselho de Saúde de Aracaju
ocorreram em 1994, mas somente em 1998 a sua aprovação se efetivou.
Várias questões contribuíram para que isso ocorresse, como a
municipalização “tardia” da saúde nesse município, além dos questionamentos e
158
desconfianças dos conselheiros sobre a natureza do PSF, seus objetivos e
adequação ao modelo
71
.
A resistência dos conselheiros, se por um lado atrasou a implantação dessa
estratégia, por outro lado permitiu um processo melhor pactuado com os usuários e
trabalhadores, como a inclusão do assistente social e odontólogo na equipe mínima
e a perspectiva de ampliação do PSF para toda a rede básica, como forma única de
atenção nessa rede.
Assim, apesar das tensões existentes, nessa gestão garantiu-se a
municipalização da saúde em Aracaju, o que tomou grande parte do tempo dos
gestores, a implantação “com equipes ampliadadas”
72
do PSF após exaustivo
processo de pactuação com os conselheiros e trabalhadores e, em processo
crescente, apesar dos limites, o inicio do reordenamento do sistema municipal de
Saúde.
Em 2001,
73
pela primeira vez em Aracaju, assumiu a gestão municipal o
Partido dos Trabalhadores, anunciando como objetivos centrais da gestão a garantia
do direito à cidadania, que se expressaria na saúde como o direito ao acesso, da
garantia da integralidade e da elevação da consciência sanitária com construção de
autonomia (CARVALHO SANTOS, 2006). Além dessas questões, anunciava-se a
mudança do objeto das práticas que transitaria da “doença” para as “necessidades
de saúde, estas entendidas como traduções dos fatores determinantes da saúde e
classificadas, segundo Cecílio (2004) em quatro conjuntos.
O primeiro são as boas condições de vida, entendendo-se que o
modo como se vive se traduz em diferentes necessidades. O
segundo diz respeito ao acesso às grandes tecnologias que
melhoram ou prolongam a vida. É importante destacar que, nesse
caso, o valor de uso de cada tecnologia é determinado pela
71
Sobre isso ver Tavares (2002).
72
Utilizo aqui esse termo para diferenciar da “equipe mínima” preconizada pelo Ministério da Saúde.
Em Aracaju, desde o início o PSF conta, além da equipe mínima, com a inclusão do odontólogo e do
assistente social. Atualmente, no PSF em Aracaju, essa denominação é utilizada para as equipes
que, além desses dois profissionais, contam com o pediatra e o ginecologista.
73
O prefeito de Aracaju, Marcelo da, em 2006 afastou-se do executivo municipal para assumir
como governador do Estado. Nesse ano, assumiu o vice-prefeito Edvaldo Nogueira, do PC do B, da
base de aliança de 2001. Assim sendo, por não ter tido rupturas essenciais na política de saúde e na
forma de gestão, coloco esses dois períodos como contínuos, fazendo apenas distinção cronológica e
nas denominações dos projetos para a saúde. Modelo “Saúde Todo Dia” de 2001 a 2006 e Modelo
“Saúde e Cidadania”, iniciado em 2006.
159
necessidade de cada pessoa, em cada momento. O terceiro bloco
refere-se à criação de vínculos efetivos entre usuários e o
profissional ou equipe dos sistemas de saúdes. Vínculo deve ser
entendido, nesse contexto, como uma relação contínua, pessoal e
calorosa. Por fim, necessidades de saúde estão ligadas também aos
graus de crescente autonomia que cada pessoa tem no seu modo de
conduzir a vida, que vai além da informação e da educação (p. 28).
As mudanças na Secretaria de Saúde, na forma e conteúdo, aconteciam em
uma conjuntura bastante singular. Após a eleição do prefeito, formaram-se diversos
campos de disputas entre os grupos e correntes de pensamento, tanto dentro do PT
como na base de apoio político, para a indicação do nome do novo secretário.
Assim, objetivando fugir das pressões locais e garantir a autonomia na condução da
Secretaria da Saúde, o novo prefeito decidiu escolher para ser secretário um médico
que estava afastado há oito anos da cidade e dos seus movimentos, o que provocou
algumas tensões e conflitos com os militantes e grupos locais da saúde e aumentou
o desafio do grupo central da gestão.
Diversas mudanças processaram-se a partir de então, desde as operadas na
estrutura física da rede básica, com as unidades de saúde passando a ter o mesmo
projeto arquitetônico e “uma estética acolhedora”, às mudanças operadas nos
processos de trabalho com o redirecionamento do acolhimento,
74
entendido como
uma escuta qualificada, que gera compreensão e significação das necessidades de
saúde para garantir o acesso.
A implantação do acolhimento foi a primeira intervenção sobre o
processo de trabalho da rede básica. A proposta do acolhimento é
ampliar o acesso através da substituição do critério ‘fila’ pela
necessidade devidamente qualificada por profissionais de saúde. A
partir do acolhimento o usuário deve ter acesso a um conjunto de
ações que seja mais adequado às suas necessidades (ARACAJU,
1997b, p. 9).
As discussões sobre a concepção e formas de operacionalização do
acolhimento, se ele seria uma “atitude acolhedora” ou se seria uma “triagem”,
resultou em sua estruturação de forma diferenciada em cada unidade de saúde, de
74
A introdução da proposta de acolhimento foi feita na gestão anterior, durante o processo de
implantação do PSF. No entanto, como a rede não era estruturada ainda na sua totalidade com esse
programa, não aconteceu uma reflexão e sistematização mais estruturada dessa proposta.
160
acordo com a dinâmica e entendimento das equipes. Essa forma de implantação, ao
tempo que permitiu uma construção de acordo com a dinâmica de cada equipe,
também foi fator de produção de tensões entre os profissionais e entre estes e a
população usuária. Os profissionais argumentavam que o acolhimento, sob a forma
de triagem, deveria ficar sob a responsabilidade dos médicos e enfermeiros,
enquanto profissionais habilitados a fazê-la.
Por outro lado, a população reivindicava a “atitude acolhedora” e não a
triagem ocorrida nas duas primeiras horas de trabalho, como forma de
racionalização do atendimento.
75
Hoje você tem discussão sobre como racionalizar, você pega mil
modelos de racionalização, ou seja, como é que se enfrenta fila? Ah,
vamos fazer um negócio bonito que se chama acolhimento. O que é
acolhimento? Eu não tenho como oferecer o que a demanda me
pede, então eu vou dar pelo menos explicação. Olha, hoje não dá,
venha daqui a quinze dias. Não estou dizendo que isso está errado
não, mas isso é uma racionalização do atendimento, mais nada
(Profissional).
Por exemplo, quando foi implantar o acolhimento... O acolhimento
desceu de goela abaixo, veio da gestão pra base... O que foi que
teve de diferente no acolhimento da Secretaria? Só você ter acesso a
consulta hoje, amanhã ou depois. Não é o acolhimento onde você
ouve a pessoa na sua totalidade, de forma holística, você ouve a
pessoa na sua dor “eu quero atendimento hoje pois estou com dor de
dente”, ai você vai escalar qual é a prioridade da pessoa no
atendimento... Isso pra mim não é acolhimento, isso é delegação de
prioridade. O acolhimento que a gente queria e que tinha implantado
antes na Secretaria era um acolhimento da humanização. Esse a
Secretaria não implantou. Tanto é que eu fiz várias falas nas
reuniões de implantação do acolhimento deles, e por isso fui taxada
de antipática e muito chata, por que eu dizia “o acolhimento maior,
primeiro tem que acontecer na gestão, na sede, e esse acolhimento
não está sendo feito”. Então foi empurrado para a base de forma
imposta realmente. O acolhimento veio da secretaria, da forma que
eles queriam, não da forma que a gente queria. Isso pra mim
prejudicou muito, tanto que os profissionais não o analisam com bons
olhos. Primeiro tinham que ter nos sensibilizado com o coração, mas
eles sensibilizaram com a mente “vai ser assim, assim e assim...” E
todo mundo tinha que obedecer (Profissional).
Tendo em vista o contexto de disputas, de construção e consolidação de
espaços no qual esta gestão se inseriu, as mudanças operadas foram mediadas
75
No III Capítulo retomo essa discussão a partir das falas dos assistentes sociais.
161
pela capacitação permanente, que assumiu o papel de introdução e disseminação,
entre os profissionais, dos princípios, concepções e metas da gestão.
A proposta de mudança do objeto das práticas focado na doença para o foco
nas necessidades de saúde ou ainda, segundo a concepção de Merhy (2002), do
objeto centrado na cura, na promoção e proteção, para o foco na produção do
cuidado, forma pela qual se atinge a cura e a saúde implicava na assimilação de
novas formas de estruturação do sistema e das práticas dos diversos profissionais.
Esse autor, que influenciou decisivamente o coletivo gestor da Secretaria de Saúde
de Aracaju nesse período, para efetivação das mudanças requeridas nessa
perspectiva, propõe:
[...] para superar o modelo médico hegemônico neoliberal, devem
constituir-se organizações de saúde gerenciadas de modo mais
coletivo, além de processos de trabalho cada vez mais partilhados,
buscando um ordenamento organizacional coerente com uma lógica
usuário-centrada, que permita construir cotidianamente vínculos e
compromissos estreitos entre trabalhadores e os usuários nas
formatações das intervenções tecnológicas em saúde, conforme
suas necessidades individuais e coletivas. (p. 39).
Assim, como uma das estratégias para superação das tensões entre o que
estava instituído e o que se pretendia instituir, pela “via pedagógica”, introduziu-se,
nessa gestão, um processo intenso de estruturação das ações e serviços, com a
“Capacitação Permanente em Saúde”, através da criação do Centro Permanente de
Educação em Saúde-CEPS, funcionando como principal veio condutor das
mudanças
76
a serem operadas entre os trabalhadores e nos processos de trabalho,
estabelecendo pactos que davam forma e operacionalidade aos princípios do
modelo proposto e a política de saúde.
A escuta, a compreensão e a significação das necessidades de
saúde da população e a articulação de vários saberes tecnológicos
para intervenção sobre estas, desencadeou uma demanda por
mediação pedagógica que permitisse a troca de saberes entre
trabalhadores e gestores na busca da produção de uma nova
subjetividade em torno do trabalho em saúde e a possibilidade de
76
- Segundo dados da ASCOM\SMS, somente no ano de 2004 o Centro de Educação Permanente
da Saúde (CEPS) capacitou aproximadamente cinco mil trabalhadores.
162
formação de interlocutores capazes de fazer a defesa e concretizar
este modo de organizar e fazer saúde. (ARACAJU, 1997b, p. 9 e 10).
Então eu fui convidada pra vir fazer parte da equipe pedagógica do
CEPS, que naquele momento era pequena, na verdade era quase
uma “euquipe”... Quando eu digo que era euquipe”, é importante,
porém, colocar qual era a lógica de planejamento. Todas as
capacitações eram planejadas e executadas por vários atores da
gestão, então não era somente a equipe pedagógica que montava as
megacapacitações que a gente fez nesse espaço. Quando se
pensava na capacitação, e quando coloco se pensava, esse
pensar era coletivo por que a demanda vinha da supervisão, dos nós
críticos que as Unidades Básicas de saúde traziam. Naquele
momento era muito focado na rede de atenção básica, no PSF. A
gente não fazia capacitação para outras redes. Era atenção Básica e
um pouco da saúde mental que estava se estruturando naquele
momento. Nosso foco da capacitação, nesse ano de 2003, era
atenção Básica, até porque a proposta era consolidação do modelo
numa gica de educação permanente, então a gente tinha grandes
temáticas que a gente precisava, em capacitação, estar trazendo os
trabalhadores para construírem juntos. Um exemplo disso; os
próprios conceitos e elementos que seguram o modelo como escuta,
responsabilização, vinculo, autonomia, trabalho em equipe,
equidade, integralidade, cuidado, das linhas de cuidado que se
pensa dentro do modelo. Então, naquele momento, as capacitações
eram voltadas pra consolidar esse modelo e as prioridades vinham
de demandas. Tinha um modelo novo e um grupo de trabalhadores
que precisava se apropriar, se aproximar, mas não a partir de
protocolos elaborados por uma equipe que planeja e que manda pra
rede, mas dentro dessa construção coletiva com os trabalhadores
(Profissional).
Outro grande desafio enfrentado por essa gestão foi o processo da habilitação
de Aracaju na Gestão Plena do Sistema, cuja aprovação e pactuação na CIB
ocorreram através da Resolução CIB/SE 27/2.002, de 07 de junho de 2.002,
apesar dela ter sido solicitada em 2000.
Esse, mais uma vez, foi um processo de relações tensas entre o gestor
estadual e municipal. A Norma Operacional da Assistência à Saúde- NOAS-
SUS/2001, assim versa sobre o papel do município ao ser habilitado na Gestão
Plena do Sistema:
Os municípios que tiverem em seu território serviços de alta
complexidade/custo, quando habilitados em Gestão Plena do
Sistema Municipal, deverão desempenhar as funções referentes à
organização dos serviços de alta complexidade em seu território,
163
visando assegurar o comando único sobre os prestadores,
destacando-se:
A - a programação das metas físicas e financeiras dos prestadores
de serviços, garantindo a possibilidade de acesso para a sua
população e para a população referenciada conforme o acordado na
PPI e no Termo de Garantia de Acesso assinado com o estado;
B - realização de vistorias no que lhe couber, de acordo com as
normas do Ministério da Saúde;
C - condução do processo de contratação;
D - autorização para realização dos procedimentos e a efetivação
dos pagamentos (créditos bancários);
E - definição de fluxos e rotinas intramunicipais compatíveis com as
estaduais;
F - controle, a avaliação e a auditoria de serviços (BRASIL, 2001).
Assim, fazer tal pleito era um ato bastante ousado, considerando que,
naquele momento, Aracaju era pólo regional e estadual no que se refere a serviços
de saúde em todos os níveis de assistência e que cerca de 80% dos serviços
especializados e 100% dos serviços de alta complexidade estavam estruturados na
cidade.
Agravante desse quadro, era o dado que a rede de saúde em Sergipe, como
no Brasil, foi se estruturando segundo a lógica da mercantilização e não de acordo
com as necessidades da população e apresentava graves problemas de distribuição
e funcionalidade. Ademais, a política de saúde, como o conjunto das políticas
sociais, historicamente serviu como instrumento de manutenção do poder, com o
acesso garantido por aqueles que concentravam em suas mãos esse poder de
distribuição e não na perspectiva de constituição da cidadania, cultura política essa
que se consolidou no setor saúde com a figura do gestor estadual desempenhando
esse papel “concentrador”.
Reconhecer a autonomia dos municípios e desconcentrar esse poder não foi
tarefa tranquila. Seguindo esse raciocínio, Aracaju, cuja característica política
eleitoral é oposicionista, ser habilitado na Gestão Plena constituía uma partilha muito
grande desse poder.
Pleitear a habilitação do município de Aracaju em gestão plena de
sistema, apesar de estar em consonância com a diretriz
constitucional, foi um ato de grande ousadia do gestor municipal.
Para compreender esta ousadia não é preciso fazer uma extensa
análise do cenário da política de saúde no estado de Sergipe, basta
164
reunir alguns elementos do contexto municipal e estadual da saúde
por ocasião do pleito em 2001, a saber:
As precárias condições da rede de atenção básica até então
existentes; Cultura da Esfera Estadual na prestação de serviços, com
quase metade dos serviços no território da capital; Pequena oferta de
leitos públicos; Péssimo dimensionamento da oferta de média e alta
complexidade; Precariedade de ferramentas e mecanismos de
regulação; Estes elementos contribuíram para uma municipalização
dos serviços de forma lenta e gradativa e continuam operando como
grandes tensões nos espaços de pactuação da política de saúde,
entretanto induziram um processo de intenso amadurecimento da
gestão municipal (ARACAJU, 1997b, p. 10).
Essa gestão permitiu que o sistema de saúde de Aracaju ampliasse sua
visibilidade nacional como experiência exitosa.
De fato, houve uma estruturação e ganhos consideráveis do sistema
municipal, tanto em termos de estrutura física das redes, quanto no que se refere ao
quantitativo de pessoal; a criação do Serviço de ouvidoria como mais um canal de
comunicação entre os trabalhadores e usuários com a gestão; a realização do
concurso público; além do intenso processo de capacitação permanente que muito
contribuiu para assimilação da proposta e dos conceitos introduzidos pela gestão.
No entanto, o processo foi extremamente tenso e nele, especialmente no
momento inicial, “(...) a ação dura e autoritária em muitos momentos acontecia. Era
uma estratégia para ganhar tempo para que as pessoas pudessem reconstruir ou
redescobrir o sentido de uma nova política que precisava ser desenvolvida; que
precisava dar conta do direito à saúde como direito à cidadania” (CARVALHO
SANTOS, 2006, p. 65).
Acredita-se que essa ação dura e autoritária contribuía para aumentar a
tensão e os conflitos, especialmente com os trabalhadores e para que a proposta da
autonomia, da alteridade, não se efetivasse. Acredita-se ainda que tal questão,
muito mais que “auxiliar a redescobrir o sentido de uma nova política”, influía
também na relação com os usuários. Afinal, só produz autonomia quem a exerce.
A realização, em 2001, da VI Conferência Municipal de Saúde com o tema
“Acolhimento e Garantia de Acesso no SUS, uma construção de todos”, refletiu a
preocupação da gestão com o acesso ao sistema como elemento viabilizador da
universalidade. No processo de construção dessa Conferência foram realizadas 40
165
(quarenta) Conferências Locais de Saúde, envolvendo os quarenta e quatro
Conselhos Locais de Saúde então existentes.
Nesse rum foi aprovada a reformulação do modelo assistencial, que esteve,
até então, organizado em distritos sanitários com estrutura piramidal e a base
representando a atenção primária como suposta porta de acesso ao sistema. A partir
dessa gestão, o modelo assistencial estruturou-se com a divisão da cidade em
Regiões, não mais em Distritos Sanitários, para atender as necessidades de saúde.
Para garantir a universalidade, integralidade e equidade, o sistema foi organizado
em redes assistenciais, assim definidas pela gestão:
Uma rede é uma trama e na saúde esta trama é constituída por
equipamentos assistenciais de saúde (Unidades de Saúde, Centros
de Especialidades, CAPS, Hospitais) ligados entre si por suas
características tecnológicas, por fazerem parte de um mesmo projeto
assistencial e por serem responsáveis por abordar um elenco de
necessidades semelhantes (ARACAJU, 2001).
Segundo o NUPLAN/SMS/2008, as Redes Assistenciais de Saúde
estruturadas a partir dessa gestão e existentes até então são:
1 - Rede de Atenção Especializada: oferecendo serviços, articulados entre si,
de modo a constituir as ações para atender as necessidades de assistência
ambulatorial especializada. O acesso a esses serviços se através da Rede de
Atenção sica, mas obedece sistema regulatório, para que a sua garantia ocorra
de acordo com o critério de risco/necessidade, segundo o princípio da equidade.
2 - Rede de Atenção Psicossocial: que deve desenvolver a Política de Saúde
Mental baseada nos princípios da reforma psiquiátrica e no movimento da luta
antimanicomial. Visa a inclusão e reinserção social do portador de transtorno mental,
o cuidar em liberdade e a busca de autonomia no lidar com a própria vida. Funciona
como rede substitutiva de serviços de saúde mental e tem como objetivo, ainda,
reduzir de forma gradativa à internação psiquiátrica.
3 - Rede de Urgência e Emergência: composta pelo Serviço de Atendimento
Médico de Urgência - SAMU; pelo Hospital Horizontal Zona Norte e o Hospital Zona
Sul, construídos nessa gestão, os dois funcionando com acolhimento baseado na
166
estratificação de risco. Conta ainda com uma estrutura hospitalar, o Hospital São
José, como referência psiquiátrica.
4 - Rede Hospitalar: deve atuar de forma integrada e complementar para que
possa atender às necessidades de atenção hospitalar da população de Aracaju e
população referenciada. É respaldada por contratos de serviços com o gestor,
através de sistema de co-gestão.
5 - Rede de Atenção Básica: tendo em vista os objetivos desse estudo,
considerando que o PSF compõem essa rede na sua totalidade, nela nos deteremos
um pouco mais.
Essa rede está estruturada em quarenta e três Unidades de Saúde da Família
- USF, com 128 equipes de saúde da família distribuídas pelo território em oito
regiões de saúde. Cada USF, além da equipe mínima preconizada pelo Ministério da
Saúde, conta com uma assistente social que atualmente trabalha com todas as
equipes existentes e um odontólogo para duas equipes. Conta, cada USF, com uma
gerência local, geralmente um profissional de nível superior. Cada região tem um
coordenador, que desenvolve o papel de agente técnico-político da gestão, além de
um suporte administrativo, com olhar para os recursos humanos, para os insumos e
equipamentos. As regiões contam, cada uma, com uma “Unidade de Saúde da
Família Ampliada”, com pediatra e ginecologista, e funciona como referência para as
equipes de saúde da família da região.
Atingindo 94% de cobertura da população, segundo dados do Sistema de
Informação da Atenção Básica SIAB/ 2006
77
, as USF funcionam com “porta
aberta”, com acesso garantido a toda população usuária, de acordo com as
necessidades, através do acolhimento. Cada USF deve ser responsável por um
determinado território e cada usuário deve ter uma equipe e/ou profissionais que
cuidam de sua saúde, com a adscrição de clientela, com isso estabelecendo uma
relação de confiança produtora de vínculos, o que faz a diferença entre o trabalho
em saúde baseado na produção liberal de serviços, na qual o profissional não cria
vínculos com os usuários, e o trabalho em equipe, em um território definido e com
adscrição de clientela.
77
Método que permite o registro de diversas informações de interesse das equipes e do gestor local,
relativas à saúde da população coberta e ao andamento das atividades das equipes. Permite ainda
que sejam feitas avaliações do trabalho realizado e de seu impacto na organização do sistema e na
saúde da população” (BRASIL, 2004a, p. 96).
167
Segundo ainda o modelo assistencial, o trabalho em saúde caracteriza-se
como o encontro entre o trabalhador e os usuários, no qual o reconhecimento,
pelo trabalhador, das necessidades dos usuários como direito à saúde. Assim, o
processo de trabalho,
78
na Unidade de Saúde, deve ser organizado a partir das
Unidades de Produção do Cuidado UPC, com o envolvimento de toda a equipe
multiprofissional.
As UPC’s definidas foram: Acolhimento; Ações Programáticas;
Procedimentos; Atendimento Individual, Acolhimento de Risco no Território, Gestão.
A partir da definição das UPC’S foi delineada a linha de produção do cuidado,
que representa o caminho virtual realizado por um usuário desde a identificação da
sua necessidade até o acesso ao conjunto de intervenções disponíveis para
reconstituir sua autonomia, assim estabelecida:
Quadro 5 – Linha de produção do cuidado
Necessidades
em saúde
Produção do cuidado
em saúde
Ganhos de
Autonomia
Fonte: Marco Teórico do Modelo – Projeto Saúde Todo Dia\ 2003.
A articulação entre as diversas redes assistenciais é representada pelas
linhas de produção do cuidado, como visto na figura abaixo, e o acesso às
intervenções deve ser mediado por profissionais de saúde, de acordo com as
necessidades, ocorrer a partir do local onde são identificadas e produzir a inclusão
do usuário no sistema.
78
No Capitulo III retomo com mais acuidade essas questões estruturantes do processo de trabalho
no PSF em Aracaju a partir desse modelo.
168
Quadro 6 – As redes Assistenciais de saúde no SUS Aracaju.
Fonte: Aracaju/SMS/2001
Atualmente a Prefeitura de Aracaju amplia a importância do setor saúde, dado
objetivamente mensurável através do aumento dos recursos do orçamento da
Prefeitura de Aracaju, destinados para a Secretaria de Saúde, de 15% em 2006,
para 17% em 2007, significando o investimento, com recursos próprios, de
R$ 52.819 milhões, segundo o Projeto de Lei que fixou as Receitas e Despesas para
o município em 2007.
Em relação especificamente ao PSF, o que se observa é que a tendência de
crescimento do programa, em nível nacional, também é observada em Aracaju que,
antes da sua implementação, em 1998, tinha o modelo de atenção pautado
principalmente no atendimento à demanda espontânea da população e com uma
pequena rede assistencial. Os dados revelam, ainda, que é expressiva a cobertura
populacional do Programa em Aracaju, que passou de 29,5% em 2001, para 85%
em 2005.
169
Quadro 7 – Número e cobertura das equipes de saúde da família por ano
Número e a cobertura das equipes de saúde da família por ano
ANO EQUIPES DE SAÚDE PERCENTUAL DE COBERTURA
DA FAMILIA IMPLANTADAS
2001 48 ESF 29,5%
2003 89 ESF 64,0%
2004 120 ESF 85,0%
Fonte: Sistema Municipal de Informação em Saúde de Aracaju (SIMIS-SIAB)2004, disponível em
Carvalho Santos, 2006, p.183.
Além da Rede sica, constituída integralmente por Unidades de Saúde da
Família, a estruturação da rede hospitalar municipal tem se consolidado,
especialmente a partir de 2006, com a criação e funcionamento de dois hospitais
municipais, o da zona Norte e o da zona Sul, que, de abril a dezembro desse mesmo
ano, realizaram 165.031 procedimentos médicos, ações de enfermagem e
odontologia. Além do aspecto quantitativo de atendimentos, também a resolutividade
desses serviços tem sido anunciada.
(...) Se olharmos os dados do mês de outubro passado, veremos
que o SAMU realizou 3.155 atendimentos e que destes, apenas 446
foram levados para o Hospital João Alves Filho, registrando um
percentual de apenas 14,1%. Isso por si demonstra que tanto o
hospital da zona Norte como o da Zona Sul já são os grandes
receptores dos casos de urgência e emergência ocorridos na cidade
e que têm no SAMU o principal sistema de atendimento (...)Já no
mês de janeiro de 2007, o quadro sofre alteração. Dos 2547
atendimentos feitos pelo SAMU, apenas 310 foram encaminhados
para o Hospital João Alves Filho, enquanto que 1007 casos foram
resolvidos no Hospital Nestor Piva e 492 foram resolvidos no Hospital
da Zona Sul. Significa que apenas 12,17% foram para o Hospital
João Alves, enquanto a grande maioria, 87,83% dos casos foi
resolvida na própria rede de urgência do Município (Fonte: Boletim
eletrônico da ASCOM\SMS, em 15/02/2007).
No entanto, se a ampliação e consolidação da rede municipal de saúde é fato
inconteste, como comprovam os dados, questão polêmica tem sido a forma como se
a participação da população no Conselho Municipal de Saúde, apesar da gestão
iniciada em 2001 anunciar a ampliação da participação de usuários e trabalhadores
170
para além dos interlocutores tradicionais, como os sindicatos e movimentos sociais
organizados, especialmente através da ampliação e constituição de Conselhos
Locais de Saúde (CARVALHO SANTOS, 2006, p. 65).
O Conselho Municipal de Saúde, que no início dos anos 1990 teve relativa
visibilidade na luta pela ampliação do direito à saúde em Aracaju, com participação
decisiva dos diversos movimentos sociais, dos sindicatos e da CUT, nessa nova
conjuntura tem tido sua atuação questionada.
O controle social, vou começar pela parte difícil, não deu certo, na
minha visão. O controle social hoje é uma jogada de marketing do
poder, mais nada. Não tem poder de controle nenhum, são
conselheiros colocados ali para tratar de seus interesses próprios,
são massas de manobra, não Conselho, as Conferências não
funcionaram (...). Mas também tem um detalhe, não foi na saúde
somente, movimento social no geral, tiraria como exceção o
movimento dos professores aqui em Sergipe, que tem um sindicato
com um mínimo de força. Sindicato dos Petroleiros, foi um
Sindicato forte, SINDISAN, Bancários foi um Sindicato fortíssimo.
Então o movimento sindical no geral arrefeceu, e os movimentos
populares hoje são controlados por profissionais, todos profissionais,
uns com mais credibilidade outros com menos, não há ingênuos. Não
tem uma líder que não tenha três ou quatro filhos empregados na
rede pública. Não como dialogar como sendo representante da
sociedade alguém que vai para uma reunião do Conselho e se o
secretário der um telefonema “olhe Cecília, é para você votar assim,
assado”. Cecília tem três filhos empregados, tem que votar, eu posso
falar em cidadania nisso? Não posso falar. É assim em Aracaju. Não
há controle social, essa parte não funcionou (Profissional).
O controle social, acho que ele peca pela cooptação. Acho que se o
governo deu ênfase à estrutura física, aos programas, a pessoal,
mas no controle social ele bloqueou. Nós temos vários conselheiros
que são cooptados, não representam os anseios da comunidade.
Então acho que no controle social talvez não é o que a gente
almejou, eles realmente não defendem, ele esta debilitado pela
própria debilidade do momento político, dos movimentos sociais. Isso
sofreu um retrocesso que não deu para garantir o controle social.
(Profissional).
Ao analisar a história da reforma sanitária e o processo de construção do SUS
em Sergipe, fica evidente que as diversas formas de pressão e denúncias dos
movimentos sociais para a garantia de efetivo controle social, fez-se condição
primordial para a melhoria da capacidade de resposta do sistema de saúde às
171
demandas sociais, na busca pela universalidade do direito à saúde e na perspectiva
da gestão participativa.
No entanto, exatamente quando, em Aracaju, conquistou-se uma gestão
denominada “democrática e popular” e acreditava-se na ampliação dessa
participação, percebe-se um esfriamento das discussões e a ausência de atores
históricos no espaço do conselho, pelo descrédito da potencialidade de mudança e
pela opção dos atores de atuação em outros espaços.
Apesar de ser essa uma das contradições da gestão, que assumiu no calor
das mobilizações dos movimentos sociais e com o discurso de ampliação da
democracia, esta questão o recai exclusivamente sobre ela, mas deve ser
entendida no processo de crise e reconfiguração dos movimentos sociais a partir dos
anos 1990, no contexto de adoção do neoliberalismo.
Por outro lado, apesar dos constantes questionamentos à forma como vem
ocorrendo o controle social, importa destacar que a proposta de criar novos canais
de comunicação com a população, como ferramentas auxiliares da gestão, traduziu-
se, efetivamente, na criação da Ouvidoria da Secretaria Municipal de Saúde e na
sua utilização, pelos trabalhadores e usuários, como espaço direto de denúncias e
queixas.
Implantada pouco mais de quatro anos, a Ouvidoria é uma
importante ferramenta de gestão. Sua atuação consiste em garantir o
controle social das ações desempenhadas pelo SUS, mediante a
participação popular, de modo a garantir princípios importantes do
Sistema Único, como a equidade e a integralidade. Ou seja, é
mediante os relatórios baseados nos números da Ouvidoria, que a
Saúde Municipal desenvolve importantes estratégias de gestão. As
queixas e sugestões recebidas pelo órgão são repassadas, por meio
de relatórios mensais, aos setores competentes e servem de
orientação para as ações da SMS (...) No ano passado as queixas
aos usuários da rede tiveram uma queda de quase 50%. Contudo,
não são somente as intervenções dos usuários do sistema,
registrados como queixas, que servem de orientação e participação
popular para gestão. A Ouvidoria da SMS tem se destacado pela
forte participação em reuniões semanais do Conselho Municipal e
dos Conselhos Locais de Saúde. São reuniões feitas nas unidades
de saúde, onde são discutidas as principais dificuldades enfrentadas
pela comunidade e trabalhadores da rede, de modo a discutir com a
gestão sobre as melhores soluções para os problemas. Em outras
palavras, a Ouvidoria atua como um elo entre a população usuária do
sistema de saúde e a Secretaria Municipal de Saúde. Atualmente o
serviço tem se destacado entre os próprios trabalhadores da
rede(...)a atuação da Ouvidoria sempre esteve em sintonia com
todos os conselhos locais de saúde do município, que atualmente
172
somam 44, um para cada Unidade de Saúde da Família (USF).
(Fonte: Boletim da Ascom/SMS, em 04/01/2007).
Mas foi também nesse contexto que se assistiu o surgimento de novas e
diferenciadas formas de organização da população, na luta pela defesa da vida, por
uma sociedade mais saudável e por um sistema de saúde mais democrático, com
efetiva participação popular e construção compartilhada de soluções mobilizadoras
na saúde, capazes de ressignificar o controle social. São movimentos que, de
acordo com suas especificidades e projetos, ampliam e reconstroem os espaços de
participação, reorientam as práticas e o modelo assistencial, considerando esse
como “(...) uma categoria de mediação entre determinação histórico estrutural de
políticas sociais e as práticas de saúde. Uma instância na qual os atores sociais
reelaborariam determinantes macro-sociais e disciplinares em função de seus
projetos singulares” (CAMPOS, 1997, p. 113).
Assim, a partir da análise da análise da reforma sanitária em Sergipe,
especialmente em Aracaju, aqui também ainda uma “reforma social incompleta”
(CAMPOS, 2006), o processo de construção do SUS em Aracaju, desses
movimentos, das suas dinâmicas e singularidades, é possível afirmar que grandes
foram as conquistas e os avanços, apesar do longo caminho ainda a percorrer para
a plena configuração da política de saúde na perspectiva de garantia da cidadania e
do pleno direito à saúde.
Agora, no momento atual, e ai talvez nesse governo ou no governo
passado, não sei, acho que o SUS deu um salto, o próprio PSF é um
programa que lembra o programa de Cuba, tem uma característica
de acompanhamento direto às famílias, essa história de estar mais
próximo da família... Acho que o SUS deu um salto e atualmente eu
estava acompanhando umas alunas aqui, no SUS, e eu senti que a
estrutura na Unidade de Saúde, ela está bem mais complexa. Então
o SUS não é o ideal, mas está muito próximo, não está distanciado.
Você estar em um posto de saúde não tem diferença de estar em
uma clínica, quer dizer, fisicamente e em termos de pessoal. Acho
que tem uma reprodução da clínica. Acho que hoje ele conseguiu
demonstrar algumas de suas diretrizes (Profissional).
173
CAPÍTULO III. PRORROGAÇÃO DO TEMPO: A INSERÇÃO DO ASSISTENTE
SOCIAL NO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA EM ARACAJU E A
CONSTRUÇÃO DO FAZER
A Estratégia Saúde da Família surgiu como uma proposta preconizada pelo
Ministério da Saúde para viabilizar a implementação dos princípios do SUS,
reorganizar a Atenção Básica e substituir o modelo hegemônico de atenção ao
propor a organização da prática assistencial e do cuidado em saúde sob novas
bases e critérios (BRASIL, 1997).
A partir da proposta apresentada, as mudanças no fazer dos profissionais
ocorreriam com a atuação em equipes de saúde, com relações horizontais entre os
profissionais e a atuação em um território definido, com a criação de vínculos e
responsabilização com a população. As ações, nessa estratégia, deixariam de ser
pontuais e individuais, características do modelo hegemônico tradicional, para
caracterizarem-se como contínuas, integrais e resolutivas e assegurarem a
universalidade (SOUZA, FERNANDES et al, 2000).
Assim, colocada a proposta, pode-se dela inferir que o modelo assistencial
médico-centrado transitaria para uma estruturação usuário-centrado e o trabalho em
saúde, que historicamente se estruturou e consolidou com práticas autônomas,
sofreria fortes impactos, a partir das mudanças nas suas finalidades, saberes e
modos de operar.
Refletir sobre esses aspectos e em que medida o PSF altera o modelo
assistencial e impacta os processos de trabalho, a partir do foco nos saberes e
fazeres dos assistentes sociais no PSF em Aracaju é o objetivo desse capítulo.
Importa ressaltar, por sua vez, que o fazer desses profissionais não será analisado
como modelo operativo das práticas que atuam no nível da organização do cuidado,
que são desenvolvidas por toda a equipe, mas como uma referência importante para
que, articulada aos outros saberes e fazeres existentes no campo da saúde, isso se
processe.
Para atingir o objetivo proposto, a idéia é recuperar o processo de inserção do
assistente social no Programa Saúde da Família em Aracaju, o saber e o fazer
acumulado com a formação específica desses profissionais e o acúmulo a partir da
174
inserção nesse campo, as mudanças ocorridas nos processos de trabalho, as
evidências de mudança na inversão das tecnologias de trabalho na produção do
cuidado no PSF e qual a ressignificação que houve, pressupondo que sim, com essa
experiência singular.
3.1. Alguns pontos sobre o Serviço Social na área da Saúde
Os assistentes sociais inseridos na área da saúde conviveram, recentemente,
com a necessidade de construção de argumentos que justificassem a sua condição,
uma vez nela inseridos, de trabalhador da saúde. Constituindo-se numa
especialização do trabalho coletivo, no marco da divisão sócio-técnica do trabalho,
segundo a Lei nº 8.662/1993 que regulamenta a profissão de Serviço Social, a
especificação de “generalista” dada ao perfil desse profissional pelas Diretrizes
Curriculares para o Curso de Serviço Social contribuiu, além de outras questões
específicas da inserção desses profissionais na área da saúde, para que essa
resposta não se constituísse uma tarefa fácil.
As atuais diretrizes curriculares, proposta pela ABEPSS e
referendadas pelo MEC – assumem como perfil do bacharel em
Serviço Social: ‘profissional que atua nas expressões da questão
social, formulando e implementando proposta para o seu
enfrentamento, por meio de políticas sociais públicas, empresariais,
de organizações da sociedade civil e movimentos sociais;
profissional dotado de formação intelectual e cultural generalista
crítica, competente em sua área de desempenho, com capacidade
de inserção criativa e propositiva no conjunto das relações sociais e
no mercado de trabalho; profissional comprometido com os valores
norteadores do Código de Ética do assistente social’ (ABEPSS,
2004, s.p.).
No marco da política de saúde, fato que contribuiu positivamente para o
Serviço Social foi a construção do conceito de saúde, sistematizado coletivamente
durante a VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, e que possibilitou a
ampliação do olhar para além da doença e a articulou com as condições de vida de
uma população.
175
O novo conceito de saúde, difundido amplamente a partir de então,
apresentava alguns elementos para que se considerasse o assistente social como
trabalhador da saúde, diante da necessidade de nortear os serviços e o cuidado na
atenção à saúde às diversas dimensões que possibilitam essa condição e que não
se restringem simplesmente ao aspecto biológico. Definida a saúde como resultante
das condições de vida, a ação para sua promoção, prevenção ou reparação
pressupõe a intervenção nos diversos aspectos que incidem nessa condição, seja
ele biológico, psico, social, econômico ou cultural, o que justificaria a necessidade de
incorporação de saberes de outros campos do conhecimento além do bio-médico,
especialmente das ciências sociais e humanas.
79
Assim, com as transformações das explicações sobre o processo
saúde/doença, visualizava-se o setor da saúde como um importante campo de
inserção do assistente social (CFESS, 1995), campo esse que vem se consolidando,
haja vista que “(...) a maioria dos assistentes sociais registrados no Conselho
Federal de Serviço Social desempenha seu exercício profissional na área da saúde”.
(ABEPSS, 2004, s.p.).
Diante disso, estruturava-se a resposta afirmativa ao questionamento feito
aos assistentes sociais. Reforço a essa afirmação foi o reconhecimento, pelo
Conselho Nacional de Saúde, através da Resolução 218 de 1997, do assistente
social como profissional da saúde. Além disso, tal questão parecia estar
definitivamente respondida quando, em 2004, a ABEPSS passou a integrar o Fórum
Nacional de Educação das Profissões na Área da Saúde FNEPAS, que tem como
objetivo “contribuir para o processo de mudança na graduação das profissões da
área da saúde, tendo como eixo a integralidade na formação e na atenção à saúde”
(NOGUEIRA, 2005, s.p.).
Outros dados reforçam a afirmação sobre a consolidação do campo da saúde
como espaço importante de inserção profissional do assistente social, como a
crescente produção, sobre essa temática específica, dos assistentes sociais nos
Congressos e Encontros na década de 1990.
79
As transformações das explicações sobre o processo saúde\doença não constitui um fato novo.
Apesar da referencia feita ao ano de 1986, data de realização da VIII Conferencia Nacional de Saúde,
a partir dos anos 1970, na América Latina e parte da América Central, essa discussão ganhava
dimensão a partir do paradigma histórico-estrutural. No Brasil, com a constituição do Campo da
Saúde Coletiva essa discussão ganhou relevo importante, especialmente com a criação da
ABRASCO, em 1978.
176
Quadro 8 - Produção dos Assistentes Sociais da Saúde na década de 1990
Evento Quantidade de
Trabalhos
Temas específicos
7º CBAS (1992)
12
AIDS (6); Saúde Mental
(3); Política de Saúde
(1); desnutrição (1);
Doença de Chagas (1)
I Encontro Nacional de
Saúde e Serviço Social
(1994)
80
Seguridade Social (11);
Saúde e
Criança\Adolescente
(7); Saúde e
Sexualidade (7); SUS
(11); Serv. Social em
Programas de Saúde
(29); Assistente Social
como Profissional de
Saúde (15)
8º CBAS
(1995)
45
Ensaios teóricos (8);
Relatos e Projetos de
Pesquisa (16); Relatos
de Experiências (19);
Propostas de Ação
(02).
Total
137 -
Fonte: CFESS, 1995
Focalizando o olhar para os conteúdos desses trabalhos, especialmente os
apresentados no CBAS, onde o numero deles sobre temas da saúde,
correspondeu a aproximadamente um quarto do total dos trabalhos apresentados
em todo o Congresso, constata-se que as reflexões giravam em torno de questões
relacionadas à formação e exercício profissional no setor, sobre o fazer profissional
e a dimensão interventiva do Serviço Social; reforma sanitária, política de saúde,
SUS e cidadania; condições de vida da população e a relação da doença com a
pobreza; gestão, participação popular, conquista e garantia de direitos e controle
social.
177
Apesar dos limites desses trabalhos, especialmente no que se refere ao uso
da pesquisa como ferramenta utilizada mais para traçar o perfil de usuários
atendidos nos programas do que como forma de captação de dados para uma
leitura que permitisse estabelecer relações das situações específicas e singulares
analisadas face à realidade mais ampla e vice-versa; pouco recurso às mediações
teóricas que permitissem tal condição; o embrionário interesse por questões mais
amplas da Reforma Sanitária, da política de saúde, seus diversos aspectos e as
relações com o espaço profissional. O que se observa através desses trabalhos é
que a área da saúde, enquanto campo específico de inserção profissional, “(...)
ganhou centralidade no debate do Serviço Social: o número significativo de
trabalhos revela que a área, principalmente após a implantação do SUS, tem se
apresentado como um espaço crescentemente ocupado pelos profissionais de
Serviço Social” (CFESS, 1995, p. 12).
A constatação da saúde enquanto espaço importante de atuação dos
profissionais do Serviço Social é reiterada também por Costa (2007) que, ao analisar
o trabalho desses profissionais no SUS em Natal (RN), constatou ser o Serviço
Social a quarta maior categoria de inserção no SUS. Apesar disso, a autora relata a
dificuldade desses profissionais, por ela também constatada, de situar-se enquanto
trabalhador da saúde e de inserir-se nos processos de trabalho estabelecidos.
Apesar da ampliação e consolidação do Serviço Social na Saúde ser um
processo recente, haja vista que isso ocorreu especialmente após a criação do SUS,
a relação do Serviço Social com esse setor remonta ao momento de surgimento da
profissão. Pesquisa realizada ao final dos anos 1990 em São Paulo, pelo grupo de
saúde do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Seguridade e Assistência Social do
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC/SP, coordenada pela
Profª Dra. Regina Maria Giffoni Marsiglia, confirmou que, desde a sua origem, o
Serviço Social no Brasil esteve estreitamente articulado com o setor da saúde.
Inseriu-se, desde o início de sua profissionalização, na segunda metade dos anos
1930, como atividade complementar na saúde pública e, de forma predominante, na
assistência médica, especialmente nos hospitais públicos – geralmente serviço-
escola- e filantrópicos.
178
A inserção do serviço Social na área da saúde, conclusivamente,
teve naquele período, como campo privilegiado os hospitais,
tendência esta que já vinha ocorrendo nos Estados Unidos e Europa.
Esta inserção na área hospitalar possibilitou a compreensão da
necessidade da profissão para o reconhecimento de outras causas,
não físicas nem biológicas, que interferiam na efetividade do
procedimento terapêutico ministrado e/ou prescrito pelo médico.
Desse modo o assistente social era encarado como ‘um especialista
que explora a personalidade e o meio do paciente para descobrir
fatos e conseguir dados que, reunidos com os achados de outros
especialistas nos seus respectivos setores, contribuía para maior
clareza e sucesso do diagnóstico e tratamento do paciente como um
todo. (AMARAL E MARSIGLIA, 2001, p. 14).
Também sobre a relação Serviço Social e Saúde no momento de surgimento
da profissão, Bravo e Matos (2007) colocam que, apesar do setor não concentrar
maior quantitativo de profissionais, algumas escolas surgiram demandadas por ele e
a formação profissional apresentava, no seu elenco de disciplinas, algumas
relacionadas à área da saúde.
Ainda segundo Bravo e Matos (2007), a partir de então o Serviço Social
brasileiro atravessou diversas fases distintas, dentre as quais destacam:
fase - A conjuntura posterior a 1945, no período s-guerra, caracterizada
pela expansão do Serviço Social para atender as necessidades do capitalismo.
Nesse momento o Serviço Social incorporou as teses e idéias norte-americanas a
partir do argumento de que “(...) o ensino e a profissão nos Estados Unidos haviam
atingido um grau mais elevado de sistematização [e que] na ação profissional, o
julgamento moral com relação à população cliente é substituído por uma análise de
cunho psicológico” (p. 198).
Os autores afirmam que, nesse período, dois fatos importantes podem ser
atribuídos como causas para a crescente incorporação do Serviço Social por esse
setor. O primeiro foi a difusão do novo conceito de saúde, elaborado em 1948, e
que, superando a visão da causa das doenças restrita aos aspectos somente
biológicos, ampliou o olhar para as dimensões biopsicossociais e, assim sendo,
passou a requisitar outros profissionais para a atuação no setor, entre eles os
assistentes sociais, com desdobramentos importantes na atuação desses
profissionais, como é possível deduzir da fala abaixo:
179
Este conceito surge de organismos internacionais, vinculado ao
agravamento das condições de saúde da população, principalmente
dos países periféricos, e teve diversos desdobramentos. Um deles foi
a ênfase no trabalho em equipe multidisciplinar solução
racionalizadora encontrada que permitiu: suprir a falta de
profissionais com a utilização de pessoal auxiliar de diversos níveis;
ampliar a abordagem em Saúde, introduzindo conteúdos preventistas
e educativos; e criar programas prioritários com segmentos da
população, dada a inviabilidade de universalizar a atenção médica e
social.
O assistente social consolidou uma tarefa educativa com intervenção
normativa no modo de vida da ‘clientela’, com relação aos hábitos de
higiene e saúde, e atuou nos programas prioritários estabelecidos
pelas normatizações da política de saúde (BRAVO e MATOS, 2007,
p. 199).
O segundo fato importante nesse período e que repercutiu na requisição do
assistente social na saúde, foi o crescimento estratégico do subsetor da assistência
médica da Previdência Social e sua consolidação como uma das principais formas
de assistência à saúde da população, na lógica da mercantilização da saúde e na
perspectiva do seguro social. Essa forma de Política adotada, que excluía os não
inseridos formalmente no mercado de trabalho, passou a requisitar os assistentes
sociais para a atuação nos hospitais, especialmente na relação
instituição/população, com o objetivo de viabilizar “(...) o acesso dos usuários aos
serviços. Para tanto, o profissional utiliza-se das seguintes ações: plantão, triagem
ou seleção, encaminhamento, concessão de benefícios e orientação previdenciária”.
(BRAVO e MATOS, 2007, p. 199).
Segundo esses autores, nesse momento o Serviço Social não sofreu
influências das experiências da medicina integral” e/ou “medicina preventiva”,
denominadas de “propostas racionalizadoras”, desenvolvidas na década de 1950,
nos Estados Unidos, nem de seus desdobramentos na década posterior, como a
experiência da “medicina comunitária”. Argumentam que os assistentes sociais, até
meados da década de 1970, não tinham os Centros de Saúde como lócus principal
de ação, apesar deles existirem em nosso país desde a década de 1920. Até então,
a atuação restringia-se basicamente aos hospitais e ambulatórios, numa perspectiva
curativa, atuando como Serviço Social de Casos, cuja concepção de participação
restringia-se à dimensão individual, objetivando garantir a adesão e participação do
“cliente” no tratamento. Os autores baseiam seus argumentos nos seguintes
pressupostos:
180
A exigência do momento concentrava-se na ampliação da
assistência médica hospitalar e os profissionais eram importantes
para lidar com a contradição entre a demanda e seu caráter
excludente e seletivo. Nos centros de saúde, os visitadores
conseguiam desenvolver as atividades que poderiam ser absorvidas
pelo assistente social. Outro componente relaciona-se à pouca
penetração da ideologia desenvolvimentista no trabalho profissional
na saúde. Uma ação que considera-se importante para os
assistentes sociais é a viabilização da participação popular nas
instituições e programas de saúde. Esta atividade, entretanto, só teve
maior repercussão na profissão nos trabalhos de Desenvolvimento
de Comunidade (DC). O Serviço Social Médico, como era
denominado, não atuava com procedimentos e técnicas do DC e sim,
prioritariamente, com o Serviço Social de Casos, orientação inclusive
da Associação Americana de Hospitais e da Associação Americana
de Assistentes Médico-Sociais (BRAVO e MATOS, 2007, p. 200).
2ª fase - O período pós-64 é caracterizado pelos autores como um período de
profundas repercussões no trabalho do assistente social na saúde. Até então, tanto
a produção do conhecimento como as entidades organizativas dos assistentes
sociais caracterizavam-se, de forma hegemônica, pela direção do pensamento
“conservador”. A partir de então, auxiliado “externamente” pelo processo de revisão
de paradigmas que viveram as ciências sociais e humanas, o Serviço Social
experimentou um embrião de questionamento ao pensamento hegemônico na
profissão denominado Movimento de Conceituação, que fora interrompido pelo
regime militar, na tentativa de “supressão da fala” dos que ensaiavam protagonizar
novos movimentos e construir outros cenários.
Devido aos limites conjunturais e requisitados pelo Estado, nesse momento
efetivando os ideais do grande capital, os assistentes sociais incorporaram a
perspectiva modernizadora das Políticas Sociais do período, que colocavam para
esses profissionais intervirem nas novas demandas geradas pela racionalidade
burocrática. Para tanto, busca-se o recurso teórico do estrutural-funcionalismo norte-
americano, com o abandono temporário de críticas à nova ordem estabelecida e a
importação de modelo teórico-metodológico para o Serviço Social.
Os assistentes sociais inseridos na saúde, especialmente na assistência
médica da Previdência Social, que se destaca nesse momento como maior campo
empregador, também foram influenciados pelas idéias modernizadoras e
consolidaram sua ação na perspectiva curativa. As preocupações giravam em torno
181
do modus operandi, marcado por atividades burocratizadas e por uma análise
psicologizante das relações sociais.
fase - Alterações no trabalho profissional na saúde e na produção teórica
dos assistentes sociais só ocorreram efetivamente a partir dos anos 1980, marcando
nova fase do Serviço Social na Saúde, apesar de, no período anterior (1975-
1980), registrarem-se os primeiros passos em direção a um outro caminho e novas
formas de caminhar. Esse argumento também se baseia nas afirmações de Netto
(2007) ao analisar o processo de construção do projeto ético-político do Serviço
Social e colocar que, apesar desse debate constituir fato recente, vez que se
estruturou a partir de meados dos anos 1990, as suas origens devem ser entendidas
no período anterior. Eis como se posiciona esse autor:
No entanto, o objeto desse debate e, sobretudo, a própria
construção deste projeto no marco do Serviço Social no Brasil tem
uma história que não é tão recente, iniciada na transição da década
de 70 à de 80. Este período marca um momento importante no
desenvolvimento do serviço Social no Brasil, vincado especialmente
pelo enfrentamento e pela denúncia do conservadorismo profissional.
É neste processo de recusa e crítica do conservadorismo que se
encontram as raízes de um projeto profissional novo, precisamente
as bases do que se está denominando projeto ético – político.
(NETTO, 2007, p. 141 e 142).
Como visto em capítulos anteriores, a conjuntura da década de 1980, com o
fim da ditadura militar, foi marcada por forte crise econômica e política, configurando-
se um cenário de efervescência social, quando se assistiu também a ampliação e
consolidação do movimento pela Reforma Sanitária Brasileira. Nesse momento,
tanto o Serviço Social quanto a Saúde Coletiva, enquanto campo em construção,
foram marcados por intensos debates e por movimentos de apropriação da teoria
marxista, o que permitiu leituras sobre o Estado e as Políticas Sociais referenciadas
nessa ótica.
No entanto, no tocante à relação entre Serviço Social e Reforma Sanitária,
vários autores (BRAVO, 1996, BRAVO e MATOS, 2007, NOGUEIRA, 2005) afirmam
que, apesar do intenso debate existente no seio da categoria nesse momento e dos
avanços no aspecto organizativo, os assistentes sociais não aderiram imediatamente
ao movimento pela Reforma Sanitária, o que só posteriormente aconteceu. Sobre as
182
prováveis causas da “adesão tardia” dos assistentes sociais à luta pela saúde
pública no Brasil, Bravo e Matos (2007), assim se posicionam:
O processo de renovação do Serviço Social no Brasil está articulado
às questões colocadas pela realidade da época, mas por ter sido um
movimento de revisão interna, não foi realizado um nexo direto com
outros debates, também relevantes, que buscavam a construção de
práticas democráticas, como o movimento pela reforma sanitária. Na
nossa análise, esses são os sinalizadores para o descompasso da
profissão com a luta pela assistência pública na saúde (BRAVO e
MATOS, 2007, p. 204).
Como visto no Capítulo I, o movimento pela Reforma Sanitária Brasileira
consolidou-se e ganhou maior visibilidade durante a década de 1980, articulado ao
conjunto dos movimentos sociais. Exatamente nesse período, é possível perceber,
no Serviço Social no brasileiro a penetração e a intensidade do pensamento
marxista, em torno do qual se articulou a tendência do movimento de “Intenção de
Ruptura”, que teve forte influência na academia e nas entidades representativas da
categoria, mas pouco rebatimento nos serviços, não provocando as mudanças
requeridas ou propugnadas para a intervenção.
Dessa questão resultou a inexpressiva sintonia entre o pensamento teórico
que procurou ser hegemônico do Serviço Social, a partir de então, e a
ação/intervenção efetiva dos assistentes sociais no cotidiano dos serviços “(...) e
este fato rebate na atuação do Serviço Social na área da saúde o maior campo de
trabalho” (BRAVO e MATOS, 2007, p. 204).
Essa questão, inserida no debate sobre as dimensões técnico-operativas,
teórico-metodológicas, ético-políticas da profissão, como uma unidade
dialeticamente articulada conduz, na atualidade, à constatação de que
(...) a dimensão técnico-operativa nesse processo tem sido
considerada como o ‘calcanhar de Aquiles’, por isso que seu
fortalecimento torna-se essencial tanto para o projeto de formação
profissional, como para consolidação do projeto ético-político do
Serviço Social. (UFSC, 2007, p.4).
183
Em estudo recente sobre a inserção do Serviço Social na Saúde, baseado em
uma análise que a articula às diretrizes do SUS, Nogueira e Mioto (2007) estruturam
e ancoram seus argumentos a partir de três pontos:
- o primeiro aspecto evidenciado pelas autoras relaciona-se à concepção
ampliada de saúde e ao modelo de atenção dela decorrente, no qual a atenção à
saúde ganhou importância estratégica na estruturação dos sistemas públicos de
bem-estar. Segundo essas autoras, a partir desse marco histórico na saúde, a
preocupação com a resolutividade dos sistemas públicos nacionais de saúde
ganhou evidência e impulsionou pesquisas e estudos sobre a relação saúde-doença.
Isso implicou em uma mudança fundamental dessa análise, a partir da
articulação da saúde com os seus determinantes sociais, o que tornou a saúde um
campo com distintos saberes e fazeres para dar conta do desafio posto. Ou seja, a
ampliação do conceito de saúde e a necessidade de construção de modelos de
atenção em consonância com os princípios e diretrizes do SUS resultaram na
ampliação dos saberes e fazeres no campo da saúde.
O segundo aspecto evidenciado, como consequência do primeiro, refere-se à
ampliação da Política de Educação Permanente instituída pelo Ministério da Saúde,
como ferramenta capaz de auxiliar na reorganização das práticas em saúde, através
da qualificação dos recursos humanos para dar conta do desafio acima pontuado.
Referenciadas em Mioto (2004), as autoras afirmam que tal questão ampliou
(...) a preocupação com a especificidade do Serviço Social à medida
que observam outras profissões alargando suas ações em direção ao
social. Fica evidente a força que a temática do social, e do trabalho
com o social, vem ganhando no âmbito da saúde, através das
diferentes profissões. (NOGUEIRA e MIOTO, 2007, p. 219).
O terceiro aspecto, denunciado pelas autoras como paradoxal em relação
ao segundo, refere-se à “desqualificação” do social, argumento por elas construído a
partir da análise de alguns programas específicos, especialmente do Programa de
Agentes Comunitários de Saúde-PACS e das funções atribuídas ao Agente
Comunitário de Saúde- ACS. Baseadas em seus estudos anteriores, assim se
posicionam:
184
Podemos citar como exemplo o Programa de Agentes Comunitários
de Saúde, no qual, dentre suas atribuições estão previstas ações
referentes ao social, altamente complexas e, portanto, incompatíveis
com o nível de habilitação dos agentes comunitários. Merece
também destaque a própria supervisão do programa, atribuída ao
enfermeiro. Reforçando a escassa preocupação com uma ação
técnica mais competente e sinalizando para uma visão reducionista
da área contrapõe-se à concepção ampliada de saúde presente na
Constituição Federal. Isso tudo sem dizer que os objetivos do
programa sinalizam para ações que são competências históricas do
Serviço Social, exigindo o domínio de técnicas de conhecimento
próprios da formação do assistente social. Assim, não é por acaso
que os resultados da ação, dentre outros motivos, são precários, de
baixa resolutividade e, na análise de muitos, de alta
irresponsabilidade. (NOGUEIRA e MIOTO, 2007, p. 220).
80
Sobre esse ponto específico, acredito que a questão precisa ser melhor
refletida, especialmente no que se refere às causas apontadas, ou pelo menos, para
uma delas, a denominada “desqualificação do social” no campo da saúde.
Desqualificação de qual “social”? O “social” na concepção de qual projeto?
O conceito de “social” assume significados diversos, como todos os conceitos
que exprimem uma realidade marcada por desigualdades profundas. Como visto,
dois projetos principais disputam, historicamente, a hegemonia no campo da saúde:
um que pode ser denominado de “Projeto da Reforma Sanitária”, cujo objetivo
principal é a construção de um sistema nacional público de saúde, e, o outro, o
projeto privatista, que representa os interesses da medicina privada e dos grandes
grupos econômicos na área da saúde e se caracteriza basicamente pelo objetivo de
enquadrar a saúde na perspectiva da mercantilização. Apesar da aparente forma
simplista de colocar a questão, ela é extremamente complexa e a sua análise deve
ser situada no contexto em que a questão emerge.
No que se refere aos modelos assistenciais construídos ou em construção,
fazemos a leitura de que eles refletem os interesses dos grupos que conseguem dar
direção às políticas sociais, no caso em questão, à política de saúde. Refletem,
80
Destaco aqui a minha discordância com as autoras nas afirmações sobre o papel dos ACS como
condição agravante ou reforçadora da desqualificação do social” ou sobre a percepção delas de que
os ACS estariam assumindo papéis e funções pertinentes ao assistente social. Penso que esses
problemas são decorrentes da forma como os programas e estratégias estão sendo encaminhados no
cotidiano dos serviços ou pela direção dada pela Política de Saúde. A aproximação dos assistentes
sociais no PSF das discussões sobre os processos de trabalho e Núcleo e Campo do trabalho
profissional, que tem se desenvolvido na Saúde Coletiva embasam a minha discordância.
185
especialmente, disputas, movimentos, interesses contraditórios e antagônicos que,
se expressam também nos encaminhamentos dados pelos profissionais às suas
lutas por ampliação e afirmação dos espaços e nos processos de trabalho,
configurando as tensões entre o instituído e o instituinte, entre a teoria e a prática,
entre o projeto pensado e o processo realizado. Nesse sentido, as estratégias
formuladas e implementadas refletem esse movimento e podem assumir conotações
e sentidos de acordo com a direção do modelo assistencial em construção.
A citação abaixo, baseada em Mioto (2004 e 2006), sobre o Serviço Social na
saúde e a questão da interdisciplinaridade, apesar de reforçar a afirmação das
autoras em pauta, acredito que explicita melhor a questão:
(...) os assistentes sociais vêm sendo cada vez mais desafiados na
qualificação de suas ações e na construção de suas relações com
outros profissionais, à medida que por um lado as profissões da
saúde vão alargando seus limites em direção do social e por outro
pela “desprofissionalização” do campo na sociedade atual. Fatos
esses decorrentes, obviamente, da marca do neoliberalismo nas
formas de organização e relações de trabalho e no deslocamento da
responsabilidade do Estado para a sociedade civil da proteção social.
Contraditoriamente, nas últimas décadas ganham força o processo
de reestruturação produtiva (competição) e o movimento da
interdisciplinaridade (cooperação). O processo de reestruturação
produtiva que repercute no desemprego, na precarização do
trabalho, na polivalência do trabalhador e transpassa a construção da
interdisciplinaridade, trazendo conflitos dos mais diversos. A disputa
de competências, a crise de identidades profissionais, os
corporativismos que implicam na reorganização dos espaços
profissionais (UFSC, 2007, p. 4).
Após esses breves comentários, retorna-se à análise do texto de Nogueira e
Mioto (2007). Depois de delimitada a perspectiva de análise, ao fazerem a
articulação entre os princípios do SUS, o Projeto Ético-Político do Serviço Social e o
Código de Ética desses profissionais, as autoras afirmam a constatação de vários
pontos convergentes e reforçadores nesses projetos, especialmente no que se
refere à ampliação do conceito de saúde, ao direito social à saúde conquistado na lei
maior do país e ao controle social ou a participação da população na gestão da
política. Especialmente sobre os aspectos que norteiam o código de ética as
autoras, retomando Barroco (2004, p. 31), reafirmam, como também o fizeram Bravo
e Matos (2007), que eles
186
não se esgotam na afirmação do compromisso ético-político, é
preciso que esse compromisso seja mediado por estratégias
concretas, articulados à competência teórica/técnica e à capacidade
de objetivá-las praticamente por meio da realização dos direitos
sociais. (citada por NOGUEIRA e MIOTO, 2007, p. 227).
Percebe-se, assim, a preocupação em reafirmar a discussão do Serviço
Social na saúde a partir das conquistas do movimento pela reforma sanitária
brasileira, expressos principalmente na criação do SUS, nas decorrentes mudanças
do modelo assistencial e nas práticas dos profissionais e equipes de saúde.
Visualiza-se, no entanto e mais uma vez, a necessidade também de articulação das
competências teórica e técnica dos assistentes sociais para que, inseridos nos
processos de trabalho na saúde, articulem também os princípios que norteiam à
profissão à luta pela efetivação do sistema público de saúde.
Ao situarem ou justificarem a requisição do assistente social para a atuação
profissional no campo da saúde, Nogueira e Mioto (2007), no artigo em pauta e a
partir das observações sobre como vem ocorrendo a intervenção desses
profissionais no SUS, afirmam que
a hipótese de que a ação profissional do assistente social se inscreve
no campo da promoção da saúde, notadamente no eixo da
intersetorialidade, tomando como evidência dessa afirmação as
atividades e ações que vem desempenhando no sistema nacional de
saúde.(p. 238).
As autoras tomam como referência para a construção dessa hipótese a
discussão sobre a promoção da saúde. Nesse sentido, reafirmam o que disse
Teixeira (2004), para quem o debate sobre a promoção da saúde pode assumir um
significado estratégico na retomada e atualização das principais bandeiras do
movimento pela reforma sanitária, que não se restringiam à construção do novo
sistema de saúde, mas ressaltavam prioritariamente a necessidade e urgência de
criação de políticas econômicas e sociais que impactassem efetivamente os
determinantes da saúde.
Como se percebe, o quadro de inserção do Serviço Social no contexto atual é
pleno de desafios. O setor saúde consolida-se, cada vez mais, como campo
importante de inserção profissional dos assistentes sociais. Como visto, esse
187
crescimento atual ocorreu devido à configuração do intenso processo de
reorganização da Atenção Básica, especialmente com a construção dos sistemas
municipais de saúde e com a implantação do PSF, nos anos 1990, após a criação
do SUS.
Para o Serviço Social, o principal desafio consiste em, uma vez inserido nos
processos de trabalho na saúde, baseados nos referenciais específicos da profissão
tais como o Código de Ética Profissional e o Projeto Ético-Político, estabelecer um
movimento de, a partir das especificidades dessa inserção na saúde, olhar para a
ação profissional e construir as mediações necessárias para a ação. É um
movimento que propõe romper com o olhar a partir da profissão, haja vista que ele
ocorreu, um processo riquíssimo, durante a construção do Projeto Ético-Político,
mas olhar para a profissão a partir do contexto de inserção.
3.2. A participação dos assistentes sociais nos movimentos dos
profissionais da saúde e a relação com a inserção desses profissionais no PSF
em Aracaju
Como visto no capitulo anterior, as primeiras discussões sobre o PSF no
Conselho de Saúde de Aracaju ocorreram em 1994, mas sua aprovação ocorreu
em 1998 após a efetivação da municipalização da saúde e a aprovação na V
Conferência Municipal de Saúde. O pressuposto anteriormente adotado é de que
esse processo “lento” de aprovação do PSF no Conselho Municipal de Saúde, tendo
em vista a recusa dos conselheiros em aprová-lo, permitiu que algumas pactuações
com os trabalhadores e usuários fossem estabelecidas durante a conferência.
Ao final dos 1990 em Aracaju, em pese se iniciar o refluxo dos movimentos
sociais, especialmente do movimento sindical que no nível local teve grande
visibilidade, ainda encontrava-se atores “oxigenados” pelas grandes mobilizações da
década anterior e muitas das reivindicações anteriormente estabelecidas, ainda
constavam das atuais pautas de reivindicação.
O Serviço Social, ou os assistentes sociais, inseriam-se nesse cenário. Em
Sergipe, especialmente a partir da recriação da Associação Brasileira de Assistentes
Sociais- ABAS, em 1977; com a criação da Associação Profissional dos Assistentes
188
Sociais APAS, em 1981, e a construção do Sindicato dos Assistentes Sociais -
SASSE
81
, em 1986, essa categoria profissional protagonizou o processo de
“retomada da fala” após a ditadura militar e se colocou como ator importante nas
manifestações e lutas ocorridas no período.
Então em 1978, ia ter um Encontro das entidades de classe em nível
nacional em Belo Horizonte e que era importante Sergipe se fazer
presente, então eu fui para esse encontro em novembro de 1978, eu
trouxe até aqui o rascunho para lhe mostrar, e chegando lá tivemos a
informação que tinha havido um outro encontro e que os sindicatos
do Rio de Janeiro, São Paulo e o de Belo Horizonte estavam
tentando naquele momento a reorganização das entidades de classe
de Serviço Social, aproveitando exatamente esse momento de
abertura lenta e gradual da sociedade e reorganização da sociedade
civil. Então foi um momento riquíssimo esse que a gente participou lá
em Belo Horizonte e voltamos com o intuito da gente rearticular aqui
em Aracaju a ABAS. É bom destacar que a Escola tinha um papel
fundamental nessa rearticulação [...] Então foi com essa turma que a
gente assumiu a ABAS com o compromisso retirado naquele
Encontro que aconteceu em 1978, que foi o II Encontro de Entidades
e Associações de Serviço Social, realizado em 02 de novembro de
1978. Nele tinha representantes da Bahia, do Ceará, Belo Horizonte,
vários outros... E nós. Então desse Encontro nós saímos com alguns
encaminhamentos como fortalecer as entidades da categoria
buscando apoio nas bases com o objetivo de uma luta política e nós
traçamos as estratégias para cada eixo. Um eixo foi buscar a
articulação com outras categorias e outro foi em nível mais nacional
que era a perspectiva da criação da Federação, pois em 1978
estávamos discutindo que tipo de entidade deveríamos construir.
Logo depois do ‘Congresso da Virada’ foi constituída a CENEAS e
depois veio a ANAS. Então esses encontros que tive a oportunidade
de participar, primeiro o de 1978 eu fui pois fazia parte da direção
do CRAS e fui para saber o que estava acontecendo e o que podia
acontecer aqui em Aracaju depois disso... Então essa participação
nesses encontros mostrou que deveria ser um trabalho articulado
com outras categorias, com outras entidades. Assumi a direção da
ABAS em 1979, fizemos vários encontros regionais e tivemos a
oportunidade de participar dos encontros nacionais, na época como
nós tínhamos aqui muita gente engajada, quer dizer, com vontade de
trabalhar, então dos seis encontros regionais, quatro foram
realizados aqui em Aracaju... Então era uma forma da gente trazer a
discussão para Aracaju e aos poucos ir capacitando essas pessoas
(Profissional).
Então a partir de 1978 acho que começou, foi em nível nacional e
aqui também pipocou, a fazer parte desse movimento, inicialmente
81
O Sindicato dos Assistentes Sociais de Sergipe, criado em 1986, foi extinto no ano de 1992, em consonância
com as discussões do momento de fortalecimento da organização por ramo de produção encaminhadas pela
CUT no contexto do Novo Sindicalismo.
189
era ABAS, depois passou para APAS e que daí teve aquela
comissão, acho que era interestadual, fazendo alguns eventos,
lembro que teve em Minas, essa comissão, não era ANAS ainda, era
um núcleo que, em nível nacional, começava a ser trabalhado e ai a
gente tinha que dar respostas [...] mas a gente teve uma participação
em nível nacional, isso no movimento da categoria [...] Ai, depois de
uma década de movimento, o movimento na categoria avançou
muito, a partir desse grupo que começa a trabalhar a questão da
ANAS, que ai a gente encaminhava para o sindicato, percebe? A
gente encaminhava, quer dizer havia toda uma articulação com o
movimento sindical, essa terceira ANAS é que começa a trabalhar
essa transitoriedade e ai eu acho que o movimento da saúde ele não
corria paralelo, mas ele era realimentado pelo movimento da
categoria (Profissional).
Como é possível deduzir das falas acima, em um contexto no qual era
crescente a articulação e organização dos trabalhadores brasileiros, como apontam
os autores sobre o Novo Sindicalismo, a discussão entre os assistentes sociais
sobre as formas específicas de organização também crescia e, em Aracaju, pela
participação nesses movimentos, essa organização ganhou relativa visibilidade. A
participação e mobilização dos assistentes sociais, cujos registros do processo de
(re) organização apontam para o final dos anos 1970, revelam um percurso que
permitiu a construção do Sindicato e mobilizou grande parcela dos profissionais nas
lutas encaminhadas, especialmente durante a década de 1980.
O Sindicato também participou de diversas lutas e movimentos dos
trabalhadores objetivando contribuir com a sociedade civil para
concretização de algumas mudanças no país. Entre esses
movimentos podemos destacar: a greve dos previdenciários do
SINPAS, dos funcionários da DESO, dos bancários, dos
trabalhadores da UFS, o apoio à ADEMA [favorável à] desativação
da fábrica de cimento de Sergipe e a Greve Geral organizada pelas
duas centrais sindicais, CUT e CGT (BOLETIM INFORMATIVO DO
SASSE, citado por MENDONÇA SILVA, 1997, s.p.).
Nesse movimento, sempre com a parceria do Departamento de Serviço Social
da UFS, a relação com o setor saúde esteve visualizada tanto através da grande
participação do quantitativo de assistentes sociais que atuavam nesse campo,
especialmente em hospitais Hospital Escola da UFS e filantrópicos , do INAMPS
e das secretarias Estaduais e Municipais especificamente de Aracaju- de Saúde,
nas diretorias das entidades, quanto nas discussões específicas desse campo,
190
organizadas por essas entidades ou nas mobilizações com outros segmentos
profissionais:
Em termos de freqüência de pessoas e de adesão ao movimento,
uma coisa me surpreendeu bastante, pois, nesse ínterim, houve uma
luta do Projeto Salvador Julianelli, que queria subordinar o assistente
social e outras profissões da saúde ao médico e rebaixar o salário e,
em nível nacional tinha vindo recomendação de luta para derrubar
essa proposta e nós conseguimos colocar mais de cem pessoas na
assembléia. Cem pessoas de serviço social, sem falar quando
juntamos com outros profissionais. Quando nós fomos para um
encontro regional e depois um nacional e colocamos a quantidade de
pessoas que nós colocamos na assembléia, causou surpresa por
que São Paulo tinha conseguido trinta, um outro conseguiu vinte e
achando que tinham conseguido grande mobilização... Então, em
proporção ao tamanho do nosso estado e ao número de assistentes
sociais da base, nós conseguimos, naquele momento, uma grande
mobilização para essa luta [...] O certo é que as pessoas se
mobilizavam e se engajavam no processo. Então esse momento do
Julianelli foi riquíssimo, foi uma grande vitória por que a gente
conseguiu mobilizar diferentes sindicatos e associações que se
articularam com uma única meta. Então esse foi o auge do
movimento. Nós fizemos grandes mobilizações, os seminários que
nós organizamos conseguiam mobilizar muita gente, as
comemorações da semana do assistente social também puxava
grande público, a diretriz de sempre fazer um trabalho articulado com
outras categorias, então os eventos não eram Associação, mas
CRAS e Escola. Foi nesse movimento que a gente se deparou, a
gente também tem que citar, que simultaneamente, tava o
Departamento de Serviço Social com o curso de especialização, de
1979 a 1981, sobre As Políticas sociais e os diferentes campos de
Serviço Social, que trouxe nomes importantes do serviço social na
época como Inês Bravo, Vicente Faleiros e também outras pessoas
que não eram do serviço social (Profissional).
Além da articulação com os movimentos da saúde na mobilização contra o
Projeto de Lei 2726\80 do deputado federal Salvador Julianellii, outro momento
que revelou a forte articulação do movimento dos assistentes sociais com os
movimentos do setor saúde foi quando, também em 1980, estudantes, profissionais
da medicina, enfermagem e serviço social discutiram a implantação do CEBES em
Sergipe, importante espaço aglutinador dos profissionais de saúde e impulsionador
do movimento pela reforma sanitária em Sergipe, além de iniciarem as reflexões
sobre o PREV-SAÚDE. Nesse momento, os assistentes sociais foram “linha de
frente” desse movimento e, inicialmente em torno da sua entidade, conseguiram
viabilizar esse desafio.
191
Por conta do curso de especialização, principalmente no módulo de
saúde, foi colocado, tanto pelo professor Menezes como pela
professora Inês Bravo, a necessidade de, aqui em Aracaju, ser
articulado um grupo do CEBES... Então nas nossas pautas constava
o processo de implantação de um núcleo do CEBES em Sergipe.
Durante o ano de 1980 foi constituído um grupo com estudantes e
profissionais de medicina, serviço social e enfermagem, interessados
na questão saúde. Esse grupo interprofissional discutiu o documento
PREV-SAUDE. No dia 26 de fevereiro de 1980, consta aqui nas
minhas anotações, na reunião de diretoria, a gente discutiu a
possibilidade de um debate com Inês Bravo, para ela enfocar a
questão da saúde e a importância do CEBES. Isso em 1980. A saúde
ai se caracterizava como um campo importante de atuação do
assistente social, ao lado de Trabalho, Educação e Assistência
Social. Então, enquanto entidade ABAS, nós ficamos com o
compromisso de articular na categoria e verificar, fora da categoria,
pessoas interessadas. Foi ai que a gente descobriu os estudantes de
medicina, que estavam pensando e discutindo algumas coisas em
relação ao CEBES. Discutimos muito com os outros profissionais
sobre a estruturação do CEBES. A coordenação provisória ficou
inicialmente com a ABAS e depois foi constituído o Núcleo do
CEBES (Profissional).
Segundo o Relatório de Atividades da direção do SASSE, gestão 1989/1992,
em 1989 o Sindicato dos Assistentes Sociais de Sergipe contava com um número de
280 filiados, em um universo de 793 profissionais inscritos no então CRAS, o que
correspondia a uma taxa de sindicalização em torno de 35%. Considerando que o
Sindicato dos Assistentes Sociais de Sergipe tinha sido criado recentemente, nesse
momento estava na sua segunda gestão, esses números eram considerados
expressivos, principalmente ao se considerar que nesse mesmo ano, em 1989, a
taxa de sindicalização no país situava-se em torno de um terço dos trabalhadores , a
partir de quando se observa a queda brusca da taxa, atingindo 15% em meados da
década de 1990. Dados recentes mostram que, atualmente, somente 18% dos
trabalhadores são filiados a entidades de classe (dados disponíveis em
www.brasildefato.com.br, em 15\03\2009).
Outro fato a considerar, no que concerne à organização sindical do
assistentes sociais em Sergipe, é que, durante a gestão 1989\1992, tendo em vista a
filiação à CUT, que se deu em 1990, e a discussão sobre a extinção dos sindicatos
por categorias profissionais para a incorporação dos profissionais nos sindicatos por
ramos de produção, a direção desse sindicato, a partir de então, não desenvolveu
mais nenhuma campanha de filiação. Quando ocorreu a extinção do sindicato, em
192
1996, apesar das preocupações, expressas no relatório de atividades da gestão,
com os sinais do refluxo do movimento sindical e as dificuldades de “migração” dos
assistentes sociais para outros sindicatos denominados “maiores”, houve grande
aproximação com o SINTASA e o SINDPREV e suas lutas, e também com eles foi
socializado o patrimonio (bens móveis) do sindicato.
É importante ressaltar que a relação estreita dos movimentos dos assistentes
sociais com o Departamento de Serviço Social da UFS e a forma como eram
abordadas as Políticas Sociais a partir da setorização em Assistencia, Educação,
Previdencia, Saúde e Trabalho, contribuia também para a atividade sindical a partir
desses setores. No entanto, a realidade objetiva local apontava para uma
problematização maior dos campos da Assistencia, Trabalho e Saúde, vez que eram
os grandes campos de inserção desses profissionais no estado.
O campo da saúde, como visto no capítulo anterior, destacou-se pela luta dos
profissionais em torno da construção do sistema público de saúde, o que teve
grande visibilidade local e envolveu os diversos profissionais. O Serviço Social
inseriu-se nessa luta de forma destacada desde o momento de construção do
CEBES, nas greves, negociações, na construção e primeira eleição do Conselho
Estadual de Saúde e pela ampliação dos foruns de debates e decisões.
Eu acho que foi nesse momento que o movimento social na área da
saúde foi mais forte em Sergipe [...] Por exemplo, os assistentes
sociais eram vanguarda, era nesse grupo aqui, principalmente as
pessoas do Sindicato dos Assistentes Sociais eram as pessoas mais
politizadas, mais questionadoras, nesse momento da implantação do
SUS. Era um pessoal que tinha voz, que era ouvido com atenção nos
debates, porque existia um grupo politizado, existiam essas pessoas
politizadas (Profissional).
Em 1985 teve a abertura política, entrou um novo governo já com
uma ótica diferente de mobilização e ação, que foi com o Secretário
Samarone, coisas que a gente sempre pensou em fazer e nunca
fazia por causa da repressão, que era discutir saúde no nível local,
não se tinha discutido até então isso. Então com esse governo teve a
VI Conferencia Nacional de Saúde, até então a gente nunca tinha
ouvido em falar em conferências de saúde, nem nacional, nem
municipal e muito menos local... se discutia os conselhos, a
forma de controle social das ações de saúde. Então dessa
conferencia começaram a surgir os conselhos locais de saúde e a
gente passou a trabalhar nesse eixo, em todas as comunidades...
(Profissional).
193
Sobre a inserção do Serviço Social na Secretaria Municipal de Saúde de
Aracaju, que até o início da década de 1980 contava com número bastante reduzido
desses profissionais, é interessante observar que a ampliação desse quantitativo
ocorreu quando, na segunda metade dessa década, após algumas greves do
funcionalismo público municipal, o “castigo” para as assistentes sociais que delas
participaram foi a lotação imediata nesse setor. Acredito que o imaginário da saúde
enquanto campo da doença, destituído de questionamentos “sociais e políticos”
tenha contribuído para que isso ocorresse, além do “isolamento” que seria destinado
a esses profissionais uma vez que o grande campo, com maior número de
assistentes sociais, era o da Assistência.
(...) e eu fui devolvida para a secretaria de administração e me
mandaram para a Secretaria de Saúde. Então a minha vinda para a
Saúde não foi minha escolha... Colocaram-me na Saúde e me
mandaram para o Posto de Saúde Onésimo Pinto, naquela época
era o Distrito Sanitário, como um castigo. Então fui, tinha
minhas preferências pelo trabalho comunitário. O Posto era
localizado na zona norte da cidade e era uma atuação muito difícil,
eu era uma assistente social naquele momento, tinha que estar
lutando mesmo pelo meu espaço, até pra os próprios colegas, não
apenas para a diretora da Unidade. A sala, a condição de trabalho,
era com muita luta que a gente conseguia, a gente não tinha
comunicação com as colegas, era muito difícil essa comunicação,
Era assim “você veio com problemas?” Então diziam “coloca lá no
distrito”, era o local mais distante (...) então manda pra lá. Então pra
mim, naquele momento, foi um terreno fértil, porque eu já tinha uma
história de trabalhar com o desenvolvimento de comunidade, com
organização da população, então a zona norte, era a região mais
problemática e que precisava de profissionais que se dispusessem a
fazer uma prática dessa natureza e eu fui. Aquilo que me foi dado
como castigo se transformou no local mais rico da minha vida
profissional (Profissional).
As primeiras ações dos assistentes sociais na Secretaria de Saúde de
Aracaju, nos anos 1980, ocorreram no nível central da gestão, quando ainda não
existia um quadro de profissionais lotados nas Unidades de Saúde e a saúde pública
caracterizava-se como campo exclusivo da doença e da ação médica. Nesse
momento a formação profissional, no que se refere ao aspecto metodológico,
direcionava a intervenção segundo a trilogia Caso\Grupo\Comunidade e os
assistentes sociais aí lotados desenvolviam diversas ações, tais como:
194
Então quando entrei não tinha nenhum assistente social nas
Unidades. tinha médicos, poucos enfermeiros, auxiliar de
enfermagem e visitador sanitário. Nós, assistentes sociais, ficávamos
no nível central, na supervisão dos programas que vinham do
Ministério. A gente tinha basicamente o PSN, que era o Programa de
Suplementação Alimentar, que era um programa do antigo INAMPS,
repassado para a Secretaria de Saúde... Então a gente ficava no
controle desse programa nas Unidades, a gente fazia a seleção das
mães e o acompanhamento, mas quem fazia a distribuição dos
alimentos era a visitadora sanitária. A visitadora e nós, pois como
eram poucas Unidades, a gente ia, a cada dois dias na semana, em
uma Unidade fazer essa distribuição, a gente fazia palestra, distribuía
os alimentos e fazia o acompanhamento do desenvolvimento e
crescimento das crianças. Além disso fazíamos um trabalho com a
vigilância sanitária, participávamos das campanhas, a gente fazia
trabalhos educativos... Ficávamos na supervisão dos serviços
também. Não era formalizada a supervisão, por exemplo “você vai ter
a função de supervisora”, não, mas embutido na nossa ação tinha a
ação de supervisão das Unidades, o que faltava, o que não
funcionava, o material que estava faltando, a gente fazia essa parte
mesmo de supervisão nas unidades de saúde (Profissional).
Com a ampliação do quadro, as primeiras assistentes sociais lotadas nas
UBS passaram a desenvolver tais atividades, referenciadas na queixa\doença. Mas
a proximidade com o local permitiu a inserção nas questões que norteavam as
discussões do setor saúde naquele momento, tais como a participação popular e a
luta pela construção do sistema público de saúde. Desde esse momento,
impulsionada a partir de 1988, essa constituiu atuação marcante dos assistentes
sociais no campo da saúde em Aracaju.
Em 1985, a gente continuava no nível central, mas com algumas
assistentes sociais nas Unidades, poucas, umas três. Nas unidades
elas trabalhavam nos programas, da Mulher, da Criança e no
programa da alimentação, depois, com Sarney, no programa do leite.
Elas implantavam nas comunidades essa questão do controle social,
os conselhos eram formados no nível local. Então quando foi feita a I
Conferência Municipal de Saúde em Aracaju, em 1985 ou 1986, a
gente tinha implantado esses conselhos locais (Profissional).
A partir de 1988, com a Constituição, com as Conferências que
mudam a perspectiva do conceito de saúde, o assistente social
começa a ganhar espaço, começa a conquistar o seu
reconhecimento, mas ainda em um modelo pautado na
medicalização, centrado no médico. Até hoje a gente ainda isso e
a gente já está a quase vinte anos dessa história, mas naquele
momento isso era ainda muito forte e o assistente social se limitava a
resolver as broncas daquelas pessoas que não conseguiam “ficha”,
mas queriam se consultar naquele dia e isso acabava chegando na
195
sala daquela pessoa que ia fazer o milagre, que ia conseguir uma
ficha a qualquer custo, com o médico ficando na Unidade duas
horas, duas horas e meia, três horas e os pepinos chegavam a todo
momento e a gente botava na ambulância que estava na porta do
Posto e mandava. Depois de 1988, isso começa a se modificar, na
década de 90 eu acho que a gente se fortalece bastante enquanto
categoria mesmo, a gente começa a fazer Encontros locais dentro da
Secretaria, pra dentro do serviço, pra discutir o que estava fazendo.
A gente ampliou, começou a trabalhar com grupos, teve uma
aproximação com os enfermeiros, os grupos de idosos, de
adolescentes, de jovens, a gente começa a participar de algumas
reuniões das associações de moradores, a gente amplia o trabalho
comunitário (Profissional).
Esse conjunto de fatores, especialmente a forte articulação com os
usuários e o intenso trabalho desenvolvido na perspectiva de garantia do direito à
saúde, acredito, contribuiu para a caracterização, por vezes de forma negativa pelos
gestores, dos assistentes sociais da Secretaria de Saúde de Aracaju como
profissionais “críticos e de oposição”. Estabeleço, a partir desses argumentos, a
relação dessas questões com a inclusão desses profissionais no PSF em Aracaju.
Outro aspecto a ser melhor explicitado nessa relação era a
composição do Conselho de Saúde de Aracaju
82
e sua firme defesa na construção
do sistema público de saúde em consonância com os princípios do SUS. Os
questionamentos dos conselheiros e a recusa em aprovar o PSF em Aracaju fizeram
com que o mesmo fosse “digerido” por quatro anos, 1994 a 1998, e a sua aprovação
consistisse em um processo de pactuação com os trabalhadores e usuários.
Assim que, ao saber que a equipe mínima definida pelo Ministério da
Saúde é composta por médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agentes
comunitários de Saúde e exclui dela outros profissionais que historicamente
consolidaram sua ação no setor saúde, como odontólogos e assistentes sociais,
esses profissionais se articularam e na V Conferencia Municipal de Saúde
garantiram essa inserção, mesmo com os alertas sobre os limites do financiamento.
Ainda em 1977, quando o núcleo dirigente municipal encaminhava a
discussão sobre o processo de municipalização e implantação do PSF, realizou
encontro com cada categoria profissional, em separado, para reflexão e
sistematização do papel de cada uma no processo. Dessa forma, os assistentes
82
- Para maiores detalhes desse processo, ver Tavares (2002).
196
sociais reuniram-se durante o rum intitulado “Reordenando a Prática dos
Assistentes Sociais”
83
e, a partir da informação sobre a composição da equipe
mínima do PSF, da qual eram excluídos, sistematizaram uma proposta de
participação no PSF.
O documento final desse fórum problematiza a ausência dos assistentes
sociais na equipe mínima do PSF, reafirma o conceito ampliado de saúde aprovado
na VIII Conferência Nacional de Saúde e contemplado na Constituição de 1988, os
aspectos sociais que incidem no processo saúde\doença e os princípios e diretrizes
do SUS. Nesse sentido, faz referências à regulamentação da política de saúde
contida na NOB\SUS\96, especialmente aos itens que se referem à atenção à saúde
e destaca aqueles entendidos como estreitamente relacionados com a atuação do
Serviço Social, a saber:
a) O da assistência, em que as atividades são dirigidas às
pessoas, individual ou coletivamente, e que é prestada no âmbito
ambulatorial e hospitalar, bem como em outros espaços,
especialmente no domiciliar;
b) (...);
c) O das políticas externas ao setor saúde que interferem nos
determinantes sociais do processo saúde\doença das coletividades,
de que são partes importantes questões relativas às políticas macro
econômicas, ao emprego, à habitação, à educação, ao lazer e à
disponibilidade e qualidade de alimentos (NOB\SUS\1996 citado por
SMS\ARACAJU, 1997b, p. 2).
Assim, refletindo sobre a atuação do Serviço Social nesse campo, a partir da
NOB\SUS, o referido documento ressalta ainda os objetivos e a natureza do PSF, de
reorganização da atenção básica e de mudança do modelo assistencial, coloca que
as atribuições dos assistentes sociais estariam relacionadas à pesquisa social;
educação; encaminhamentos; orientações e a participação popular.
Esse primeiro e breve momento de reflexão coletiva sobre o fazer do
assistente social, apesar dos limites evidenciados como a ausência de reflexão
sobre o projeto ético-político da profissão e sua articulação com os princípios do
SUS, sobre o trabalho em equipe, os processos de trabalho na saúde coletiva e os
83
- O referido Fórum de discussão, com os assistentes sociais, ocorreu no período de 12 a 14 de novembro de
1997.
197
modelos de atenção construídos e\ou propostos, fez submergir a necessidade
urgente de pensar coletivamente tais questões.
foi quando começou a discussão sobre o processo de
municipalização da saúde em Aracaju. Por causa desse processo,
nós resolvemos fazer uma avaliação da prática do serviço social e
então fizemos um Fórum dos assistentes sociais objetivando avaliar
a nossa prática na Secretaria de Saúde e nesse momento estava
ocorrendo a discussão sobre a implantação do PSF em Aracaju. Na
discussão ocorrida nesse Fórum saiu a reivindicação para a
incorporação do assistente social nesse programa. Logo após
aconteceu a V Conferência Municipal de Saúde e nela a proposta
dessa incorporação foi aprovada, mas isso foi uma luta dos
assistentes sociais, muita discussão e articulação. A gente fez até
um trabalho na I Mostra de Saúde da Família e depois esse trabalho
foi apresentado até no Canadá (Profissional).
Com essa proposta e a partir da articulação na V Conferência Municipal de
Saúde, os assistentes sociais foram inseridos nas equipes do PSF em Aracaju,
lotados nas Unidades de Saúde da Família, na proporção de um assistente social
para uma equipe. Em 1998 foram estruturadas 11 ESF’s, distribuídas em bairros
estratégicos da cidade, de acordo com o Mapa da Fome. As demais Unidades de
Saúde continuavam na forma “tradicional” de assistência à saúde, o que foi sendo
gradualmente modificado.
Após a conquista da inserção vieram os desafios de estruturação do fazer. Os
melhores salários, a melhor estruturação das Unidades de Saúde da Família e a
ação em equipe causavam um imaginário, nos profissionais que ainda o atuavam
em ESF, que as equipes estavam “prontas” e contavam com condições “ideais” para
prestar uma melhor assistência à saúde da população.
No entanto, a realidade apresentava um quadro bem diferente. Apesar da
condição diferenciada e com as USF’S melhor estruturadas, como afirma Carvalho
Santos (2006), as tensões entre os profissionais produzidas pelos confrontos entre
as necessidades de nova atuação, de outro olhar sobre os objetos das práticas e os
limites da formação desses profissionais, geralmente referenciada em um olhar
biológico, com alto número de especialistas, sem formação generalista ou em Saúde
da Família, eram características marcantes desse quadro. Agravante dessa situação
foi a forma histórica de organização dos serviços e a intervenção dos profissionais
198
pautadas por ações pontuais, fragmentadas e com um nível de hierarquização muito
forte entre eles. Observava-se um forte poder do saber do médico, condensado no
saber clínico, sobre os demais profissionais, o que se reproduzia também na relação
entre os profissionais com formação superior e a “equipe auxiliar”, geralmente com
formação de nível médio ou fundamental.
Nesse quadro, como produzir alterações efetivas nos processos de trabalho?
Como fazer com que os diversos saberes e fazeres produzam cuidado no
enfrentamento com o instituído? Como fazer com que os profissionais acumulem
força e transformem tensionamentos em propostas coletivas que permitam o
atendimento das necessidades de saúde?
Teixeira (2006), afirma que as transformações propostas no modelo de
atenção exigem, para que elas sejam concretizadas, “a conjunção de propostas e
estratégias sinérgicas” em três dimensões: a) dimensão gerencial, que se “refere aos
mecanismos de condução do processo de reorganização das ações e serviços”; b)
dimensão organizativa, que explicita quais as relações estabelecidas entre as
unidades prestadoras de serviços, qual a hierarquia existente entre essas unidades
a partir do nível de complexidade tecnológica existente em cada uma; c) dimensão
técnico-assistencial ou operativa, que se refere as relações que os sujeitos
estabelecem no cotidiano, na prática, com os seus objetos de trabalho, e que são
mediadas pelos saberes acumulados e pela tecnologia operados nos processos de
trabalho nos planos da promoção da saúde, prevenção de riscos e agravos e
recuperação e reabilitação. Afirma essa autora, na análise que faz sobre essas
dimensões, que mudançaS em somente uma delas produz alterações parciais,
mesmo provocando mudanças mais amplas, o importantes mas o suficientes
para que aconteça a mudança “propriamente dita do modelo de atenção”. Eis como
se posiciona essa autora sobre essa questão:
Esta [a mudança no modelo de atenção] exige a implementação de
mudanças no processo de trabalho em saúde, tanto no que se refere
a seus propósitos ou finalidades, quanto, nos seus elementos
estruturais, isto é, no objeto de trabalho, nos meios de trabalho, no
perfil dos sujeitos e principalmente, nas relações estabelecidas entre
eles e a população, usuários dos serviços (TEIXEIRA, 2006, p. 27).
199
Mas a discussão sobre trabalho e processo de trabalho o é nova, nem em
termos gerais, nem na saúde, apesar de, nesse campo, outros temas terem sido
priorizados nas conjunturas anteriores, como afirma Teixeira (2006).
Segundo Marx, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, no
qual o homem, por sua própria ação, regula e controla seu metabolismo com a
Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural,
coloca em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e
pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural em uma forma útil
para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza
externa a ele e ao modificá-la, ele transforma, ao mesmo tempo, sua própria
natureza (MARX, 1988).
Partindo desta concepção, Mendes-Gonçalves (1992) retrata as duas idéias
mais gerais e abstratas que encaminham à delimitação do conceito de trabalho
humano que são as de “energia” e “transformação”, conjugadas em um único
processo.
O autor citado explica o trabalho como “algo” que havia “antes”, transforma-se
em “outro algo” que “depois”, por meio de um processo no qual certa quantidade
de energia se aplicou. Afirma ainda que todos os conteúdos concretos dos mais
diversificados tipos de trabalho estão abstraídos nessa formulação, tendo subsistido
apenas uma anterioridade e uma posterioridade, vinculadas uma a outra por um
processo de transformação não espontânea, o que permite configurar o trabalho sob
a forma de “processo”.
Marx (1988) decompôs o processo de trabalho em três elementos: (a) o
objeto do trabalho, aquilo sobre o que incide a atividade e que será transformado no
decorrer do processo, constituindo-se em produto; (b) os meios e instrumentos do
trabalho; e (c) a atividade adequada a um fim, o trabalho propriamente dito, que se
organiza de forma específica.
Para que algo se constitua como objeto de trabalho, necessidade de que
haja, a partir dele, a construção abstrata, idealizada, “pensada”, de um resultado ou
de um objetivo que se quer atingir. Para que esse objetivo ou resultado seja
alcançado, faz-se necessário utilizar instrumentos ou meios de trabalho que também
são criados ou utilizados mediante a intencionalidade do processo. Uma
200
característica dos meios ou instrumentos de trabalho humano é o fato que eles são
pensados e produzidos em separado do seu tempo e espaço de uso e o fato de
serem também resultados de processos de trabalho (MENDES-GONÇALVES,
1992).
Assim, a mediação entre o trabalhador e o objeto de trabalho se pelos
meios ou instrumentos de trabalho, que são meios condutores das atividades do
trabalhador sobre o objeto, utilizados conforme o seu objetivo. Num sentido estrito,
os meios de trabalho constituem-se pelas ferramentas que o homem constrói e
utiliza; em sentido amplo, os meios de trabalho são todas as condições objetivas
existentes para que o processo de trabalho se realize (MARX, 1988).
Os processos de trabalho podem produzir, como resultado, mercadorias (com
valor de uso, de troca e valor), que se constituem na objetivação do trabalho, além
de resultados que, no momento em que são produzidos, são também consumidos
(por exemplo, o trabalho de assistência em saúde), assim como resultados que se
constituem em instrumentos de outros processos de trabalho (equipamentos e
medicamentos para a assistência à saúde, por exemplo) e resultados que são
objetos de trabalho de outros processos de trabalho.
No processo de trabalho, portanto, o ser humano realiza uma atividade de
transformação do objeto de trabalho, mediante a utilização de meios de trabalho,
pretendida desde o princípio (MARX, 1988).
Por sua vez, a análise do processo de trabalho deve ser realizada
considerando-se as seguintes vertentes: a técnica - que significa considerar as
características físicas, químicas e mecânicas do objeto; a conformação técnica dos
instrumentos/ tecnologia; processos corporais do trabalho; e a social - que implica
em considerar porque e como o objeto é constituído como tal; os instrumentos como
resultados da materialização de uma determinada relação entre capital e trabalho; e
o trabalho como uma expressão concreta da relação de exploração através de sua
organização e divisão. Além de conhecer as características dos objetos, dos
instrumentos e do trabalho é necessário analisar a relação entre eles para
reconstruir a dinâmica do processo (LAURELL; NORIEGA, 1989).
Após esses breves comentários sobre o trabalho humano, processo de
trabalho e sua natureza, importa aqui refletir como ocorre esse processo na saúde.
201
De acordo com Peduzzi (1998), o trabalho em saúde, apesar de suas
peculiaridades, constitui-se em um ato humano pelo qual os homens em sociedade
produzem e reproduzem sua existência, não apenas no plano material, mas também
no da subjetividade, ambos condicionando-se mutuamente, sendo as necessidades
sociais que movem o sujeito à ação, tendo ele introjetado o que é a finalidade do
caráter social do processo de trabalho.
Mendes-Gonçalves (1992) reconhece que, mesmo em organizações sociais
baseadas na produção de “mercadorias”, todos os processos de trabalho, cujos
resultados incorporam-se imediatamente ao próprio vir a ser do homem individual ou
no vir a ser das condições objetivas de reprodução de suas relações sociais, como
os trabalhos em educação e saúde, não podem tomar a forma imediata de
mercadorias e nem ser apropriadas. Portanto, terão sempre um estatuto especial por
comparação com processos de trabalho que objetivam bens materiais.
Nas especificidades dos processos de trabalho em saúde e educação, como
o “homem” é o objeto, inclui necessariamente a subjetividade, referendada por
Mendes-Gonçalves (1992), como relações mediadas por sentimentos, emoções e
trabalho, que cada homem estabelece com a totalidade e com suas partes, inclusive
o trabalhador, e que fazem dele um sujeito.
Mendes-Gonçalves (1992) faz uma reflexão crítica sobre o advento do
capitalismo e o significado social que adquirem os corpos humanos, que são a sede
da força de trabalho livre, pronta para ser vendida e consumida nos processos de
trabalho, devendo estar disponível em quantidade e qualidades adequadas à nova
dinâmica de produção social. Portanto, o autor citado explica que o trabalho em
saúde, especialmente com o advento e expansão do capitalismo, reorganizou-se e
desenvolveu-se ao redor de dois eixos: como forma de controlar a ocorrência de
doença e como forma de recuperar a força de trabalho incapacitada pela doença.
Torna-se importante considerar que o objeto de trabalho em saúde, embora
historicamente focalizado no corpo humano, nas suas dimensões objetivas e\ou
subjetivas, não pode ser abstraído de suas relações históricas. Não existe um
processo de trabalho em saúde “em geral”, porque a ele não corresponde um objeto
“natural”, já dado independentemente da história. O(s) objeto(s) de trabalho em
saúde, o recortados, são historicamente determinados. Por outro lado, os agentes
que operam as práticas de saúde, os trabalhadores, também não têm uma
202
existência “natural”: eles operam dentro de uma divisão social do trabalho que é
também historicamente determinada (MENDES-GONÇALVES, 1992).
Peduzzi (2007) descreve e explicita cada elemento do processo de trabalho,
na perspectiva do processo de trabalho em saúde. O objeto de trabalho vai ser
transformado por meio da ação do trabalhador, aquilo sobre o que incide sua ação.
Contudo, o objeto não está disposto na natureza ou na vida social, como objeto
natural dado, independente da ação humana, mas deve ser reconhecido como tal
pelo olhar do trabalhador, com base em um saber. A autora explica que este
reconhece no objeto a necessidade que precisa ser atendida e que pode ser, por
sua intervenção, orientada em uma dada direção, que ensejará o produto ou o
resultado esperado com referência na necessidade identificada. Portanto, diz a
autora, o recorte de um objeto de trabalho pressupõe a existência de um projeto, ou
seja, o reconhecimento de uma necessidade, o produto virtual gerado por sua
transformação e os meios ou instrumentos por meio dos quais o homem pode
intervir sobre ele. Por sua vez, o projeto pressupõe uma concepção e um saber
anterior sobre a necessidade identificada e recortada como objeto.
Em relação aos instrumentos de trabalho, Peduzzi (2007) explica que eles
ampliam a possibilidade de intervenção sobre o objeto, e isso requer que possam
sintetizar as características do próprio objeto e do produto que resultará de sua
aplicação. Estes instrumentos podem ser materiais ou imateriais, tal como os
saberes que constituem ferramenta de trabalho à medida que orientam a ação e
fundamentam o recorte do próprio objeto de intervenção, ou seja, das necessidades
que originam o específico processo de trabalho. Para proceder a apreensão do
objeto de trabalho, o agente do trabalho, trabalhador ou profissional de saúde, opera
com um saber. Mas esse “saber” deve ser entendido a partir da análise das várias
dimensões que o compõem e constituem.
Como pontuado no Capítulo I, temos, no contexto atual, no campo da
saúde a hegemonia do saber clínico sobre os demais saberes. Fato marcante que
teve desdobramentos na configuração dos processos de trabalho em saúde foi o
surgimento do hospital moderno. Antes dele, o médico desempenhava todas as
etapas do processo de trabalho de assistência à saúde. O surgimento do hospital
gerou a necessidade de “trabalhos infra-estruturais” e o trabalho dico passou a
ser um trabalho coletivo. Deu-se, em decorrência, o surgimento da enfermagem
203
moderna e de outras profissões que atuam na área da saúde, como: nutrição,
psicologia, serviço social, fisioterapia, entre outras (MENDES-GONÇALVES, 1992).
Nesse contexto, o controle das dimensões ‘mais intelectuais’, que, por sua
vez, reproduz a estrutura de classes da sociedade, garantiu um poder sobre o
conjunto do processo, no caso o poder do “médico”, apesar da constatação que, sob
o ponto de vista cnico, nenhum dos trabalhos é dispensável e todos os agentes
têm a mesma importância no atendimento das necessidades de saúde. Nesse
processo, o poder do saber e fazer dico sobre os demais foi causa fundamental
para a estruturação do modelo médico-centrado.
Após essa análise estrutural sobre trabalho e processo de trabalho, também
na saúde, e suas determinações mais amplas, que nos a clareza sobre os limites
das transformações requeridas, no contexto dessa sociedade, passarei a analisar a
questão a partir de uma análise focada no micro-trabalho, nos micro-poderes,
considerando que essa mediação faz-se necessária para entender os processos
fundamentais nesse nível, sem no entanto desconsiderar a necessidade das
mudanças no nível “macro”, da necessidade de construção “[...] de propostas com
relação ao desenho macroorganizacional do sistema (TEIXEIRA, 2006, p. 33).
Franco (2003), ao analisar as diversas dimensões dos modelos
tecnoassistenciais, fundamenta um dos seus argumentos em Merhy (1999) ao
discutir o arsenal tecnológico do trabalho médico. Apesar dessa questão não
constituir objetivo imediato desse estudo, pode auxiliar na análise sobre a forma
como o trabalhador recorta seu objeto e define sua intervenção. Assim coloca o
autor da tese:
Merhy (1999), ao discutir o trabalho do médico, como figura
ilustrativa, usa a imagem de três valises para demonstrar o arsenal
tecnológico do trabalho médico. Na primeira ele carrega os
instrumentos (tecnologias duras), na segunda, o saber técnico
estruturado (tecnologias leve-duras), e na terceira, as relações entre
sujeitos que, segundo o autor, têm materialidade em ato
(tecnologias leves). Na produção do cuidado, o médico utiliza-se das
três valises, com predominância de uma sobre a outra, conforme a
intencionalidade e seu modo de agir no cuidado ao usuário. Assim,
pode haver a predominância da lógica instrumental; de outra forma,
pode haver um processo em que as relações interseçoras
84
intervêm
84
O autor da tese explicita que utiliza o termo utilizado por Merhy que assim o justifica: “O termo interseçores
está sendo usado aqui com sentido semelhante ao de Deleuze, no livro Conversações, que discorre sobre a
204
para um processo de trabalho com maiores graus de liberdade,
tecnologicamente centrado nas tecnologias leves e leves-duras
(FRANCO, 2003, p. 98).
Nessa dinâmica, a concepção do objeto do trabalho dos profissionais de
saúde, e as opções tecnológicas, pode tanto reproduzir as necessidades de saúde e
os modos como os serviços se organizam para atendê-las, quanto criar espaços de
mudança em que se possam engendrar novas necessidades e suas
correspondentes intervenções e modos de trabalhar e organizar os serviços de
saúde, na perspectiva da integralidade.
Ainda nessa concepção, Merhy & Franco (2004) afirmam que o encontro
entre o trabalhador e o usuário início a um processo relacional onde opera o
trabalho vivo, através de atos, no caso específico atos em saúde, e a partir do qual
ocorre uma intervenção tecnológica que objetiva a
manutenção\recuperação\alteração de certo modo de andar a vida.
Por sua vez, Merhy (1997) afirma que o trabalho em saúde é “(...) uma práxis
que expõe a relação homem\mundo em um processo de mútua relação” (p. 81) e
que ele não se reduz à dimensão operativa, a uma atividade. Nessa perspectiva,
esse autor reafirma que o trabalho em saúde produz atos de saúde e que o objeto
do trabalho são as necessidades de saúde. Assim, a forma como o trabalhador
define, constrói ou recorta seu objeto torna-se questão fundamental a refletir.
Coloquei anteriormente que, a partir de 1988, foram estruturadas as primeiras
equipes do PSF em Aracaju. Nesse momento, os profissionais, especialmente os
médicos, estavam saindo de uma inserção na forma “tradicional” de organização do
serviço, com um fazer de consultório, no qual cada profissional desenvolvia as suas
“atribuições”, sem nenhum diálogo entre eles. A partir de então, atraídos pelos
melhores salários, foram inseridos em trabalhos de equipe, sem a clareza
necessária sobre o que isso realmente implicava. Médicos especialistas agora teriam
interseção que Deleuze e Guattari constituíram quando produziram o livro Antiedipo[sic], que não é um
somatório de um com o outro e produto de quatro mãos, mas um ‘inter’, interventor. Assim, uso esse termo para
designar o que se produz nas relações entre ‘sujeitos’, no espaço das suas interseções, que é um produto que
existe para os ‘dois’ em ato e não tem existência sem o momento da relação em processo, e na qual os inter se
colocam como instituintes na busca de novos processos, mesmo um em relação ao outro” (MERHY, 2002, p. 50-
51, citado por FRANCO, 2003, p. 98).
205
de atuar como “generalistas”, para os quais foi oferecido um “Curso Introdutório” de
40 (quarenta) horas para suprir essa lacuna. As tensões foram constantes.
O grande complicador é que na verdade éramos uma equipe
multiprofissional, mas, na verdade, o intercambio, a troca, não era
nada mais que encaminhamento. Na verdade, de certa forma já era
um pouco diferente, mas havia uma diferença, o médico participava
de certa forma, não tão completa, porque não é da prática dele, mas
ele começou a participar dos grupos que a gente tinha, por exemplo,
grupo dos diabéticos, no dia de reunião a médica estava presente,
fazia algumas palestras, participava das nossas, das atividades
lúdicas que fazíamos. Quando a dentista fazia trabalho de saúde
bucal todos estavam presentes... Mas havia uma espécie de
competição, porque o grupo hegemônico era sempre o médico, então
não se entendia, por exemplo, porque a primeira consulta deveria ser
com o assistente social... A gente tentava fazer isso e não era
entendido, eu lembro que eu ficava numa sala na frente e acabou a
equipe achando que aquela sala da frente não era para o serviço
social e aí fui para uma sala no fundo... No entanto eu cogitava que
naquela sala o assistente social percebia melhor, por exemplo, a
questão do acesso, no dia em que houvesse dificuldade de acesso a
pessoa iria até a sala do serviço social discutir sobre isso. Era esse
um dos grandes nós da equipe e o médico achava que o assistente
social estava querendo interferir no seu trabalho ao tentar garantir
esse acesso ao serviço, eles diziam da porta do consultório pra
dentro quem manda aqui sou eu...” (Profissional).
Como visto, no exercício cotidiano do trabalho multiprofissional, observa-se
que, de fato, existem inúmeras dificuldades de articulação e integração. Ao analisar
essa questão, Mendes-Gonçalves (1994) afirma que os profissionais das diferentes
áreas tendem a reconhecer cada uma delas como se fosse peculiar e constituída
isoladamente. Além disso, o processo histórico que originou e propiciou o
desenvolvimento de cada um desses trabalhos especializados mantém a doença
como fenômeno apreendido fundamentalmente nos níveis individual e biológico, e o
saber clínico desempenhando o papel principal nas intervenções no processo
saúde-doença. Tudo isso dificultava, naquele momento, a construção de abordagens
que contemplassem a atenção integral à saúde.
A partir de então, as questões sobre os processos de trabalhos foram objetos
de constantes discussões entre as equipes e o gestor. Constatou-se que a
implantação do PSF impôs novo ritmo aos processos de trabalho dos profissionais.
Como visto, a requisição para uma nova ação que não fora sustentada pela
206
formação profissional e pelo modelo assistencial, a convivência diária (por 8 horas)
dos profissionais na UBS
85
, referenciados a um território e permitindo a inserção dos
mesmos no cotidiano da população e na sua organização e luta.
Os médicos rebatiam, acostumados a atender, entre aspas, na
unidade de saúde os pacientes em quinze minutos e iam embora... A
reclamação do povo era exatamente essa “o médico chega à
Unidade, atende quinze ou vinte pacientes em vinte minutos e vai
embora”, então o atendimento era de péssima qualidade e o povo
reclamava muito... Isso nos conselhos já saia... (Profissional).
No entanto, apesar dessa garantia de mudança nos processos de trabalho
não se apresentar de per si, sem que haja a mudança no modelo hegemônico, como
afirmam Merhy e Franco (2006) é possível afirmar que o trabalho em equipe,
mesmo com os limites denunciados, garante o olhar plural, uma pluralidade de
saberes, o que pode garantir a integralidade da assistência, uma vez que “(...) o
trabalho em equipe se torna um pressuposto para a integralidade das ações em
saúde”, tal como afirmam Pedrosa e Teles (2001, p. 304). Dessa forma, a
estruturação inicial da estratégia e do trabalho em equipe em Aracaju demonstrava
que diversos aspectos antes não “olhados” por outros profissionais, além do
assistente social, passaram a ser percebidos como relacionados ao processo saúde-
doença.
A ação desenvolvida no PSF era muito mais sistematizada, pois
agora já estava formada toda uma equipe multiprofissional, e
trabalhava com a equipe nos diversos grupos; hipertensos,
diabéticos, visitas domiciliares, no controle das doenças, crianças
que não estavam indo para a escola, crianças sem certidão de
nascimento, crianças fora da creche, então a gente trabalha na
orientação e divulgação dos direitos. Imagine que era uma
comunidade muito pobre. Era uma ação mais sistematizada e que a
gente tinha maior proximidade para avaliar a situação sanitária, de
saúde das comunidades em todos os seus aspectos, também em
termos de controle das doenças, como tuberculose e diabetes, essas
eram as mais evidenciadas (...) a gente trabalhava a cidadania das
crianças, porque havia na comunidade muita criança sem registro.
Também em termo de organização da comunidade mesmo, a gente
85
Até a implantação do PSF, em Aracaju, a carga horária dos profissionais de saúde com formação superior era
de três horas diárias. Geralmente o médico permanecia o tempo suficiente para o atendimento das consultas
agendadas. Enfermeiros e assistentes sociais permaneciam na UBS por três horas e desenvolviam, além do
atendimento das consultas, algumas atividades educativas e realizavam, geralmente o assistente social, visitas
domiciliares.
207
fazia um trabalho com as lideranças, lembro que a gente fazia
anualmente um fórum para fazer o diagnóstico da comunidade. Eu
acho que a ação no PSF qualificou nosso trabalho (Profissional).
Na “nova ação” a incompletude dos diversos saberes no trabalho em saúde,
os seus limites e as inseguranças iniciais geradas nos profissionais, permitiram a
ultrapassagem das rígidas fronteiras dos “consultórios” para o estabelecimento do
diálogo, mesmo que inicialmente ocorrido “entre surdos”. Configurava-se, com as
inseguranças, o diálogo para o estabelecimento da ação em equipe. Ademais,
considerando que “(...) esses diversos saberes compõem, ou melhor, materializam-
se em diferentes tecnologias de cuidado que, por sua vez, usadas para a produção
da saúde, operam os processos de trabalho em uma determinada ‘linha de produção
do cuidado’ (FRANCO, 2003, p. 99), os assistentes sociais, constatavam, o que foi
utilizado como argumento na defesa da sua inclusão no PSF em Aracaju, que, na
sua formação, encontram-se elementos que se identificam com a concepção do
Programa, como processos grupais e comunitários e seu fazer contribui
decisivamente para a efetivação do processo de trabalho em equipe.
O PSF mudou nosso trabalho porque fomos ousados, não que isso
tenha vindo de graça pra mudar não... Eu fiz uma diferença muito
grande na equipe que trabalhei. Aquela Unidade não tinha rotina...
Ela tinha rotina básica (...) Colocamos caminhadas duas vezes por
semana às seis horas da manhã, eu saia de casa às cinco e meia
para estar na Unidade às seis... Médico nenhum fazia isso...
Enfermeiro nenhum fazia isso... Depois eles perceberam que estava
dando certo e incorporaram com a gente. A relação com a equipe era
boa. A gente tinha reuniões semanais e eu sempre dizia que não
estava ali para fazer a diferença, mas uma diferença que fosse
contemplada e importante para a comunidade, eu tentava passar
para o médico que ele também podia fazer diferente e não
consultar, ele podia fazer diferente... De certa forma nós fizemos
diferente... Um ano ou dois depois que estávamos o médico
participava das caminhadas, da terapia, dos passeios, das atividades
educativas. O médico participava, o próprio dentista participava...
Então eu acho que o serviço social puxava... Na verdade o que o
serviço social fazia era puxar os médico e enfermeiros tradicionais
para inovar em questões que aproximavam mais com a população.
Eu acho que a gente fez diferente nisso. Eu acho que o PSF é muito
melhor onde tem assistente social que onde não tem... (Profissional).
Falando daquilo que contribui, vamos primeiro para os pontos
positivos: a questão da troca, do trabalho em equipe, do nosso
referencial teórico mesmo, da questão da reflexão, da proposição, eu
acho que vem da nossa formação essa coisa do saber partilhar, do
208
saber dividir, do respeito ao outro, da não setorialização, da
produção da autonomia (...) A articulação entre a área da saúde e as
ciências sociais é uma articulação muito nova, por mais que a gente
diga que essa aproximação vem sendo feita, mas na formação isso é
muito limitado. Ainda. E a gente traz isso na nossa formação, a
saúde vista como um conceito mais ampliado e fazendo isso
acontecer na prática, a garantia de direitos. A gente traz essa
flexibilidade, a gente tem uma facilidade de se comunicar com outros
profissionais. A gente traz referenciais importantes pra esse novo
pensar o conceito de saúde, com o referencial teórico da ciências
sociais, que outras categorias profissionais não conseguiram ter a
formação que a gente tinha desde 1981. Isso é muito legal. Agora
existe o limite: a legitimidade. Eu digo que é preciso ter muito peito
pra se legitimar num espaço dessa natureza, porque por mais que o
discurso, muitas vezes, seja um discurso de que o trabalho em
equipe é importante, o trabalho multiprofissional, a
interdisciplinaridade é o centro, na hora em que você vai para a
discussão alguns núcleos se fecham e querem se sobrepor, então é
preciso ter muita garra e muita reflexão. A gente ainda sente muita
dificuldade de legitimação, inclusive em nível nacional (Profissional).
Mas garantir que a mudança nos processos de trabalho, e como
desdobramento, a garantia da integralidade, não ocorressem a partir da adesão
“espontânea” dos profissionais, a gestão, especialmente depois de 2001, definiu
como objeto do trabalho as necessidades de saúde dos usuários e disparou alguns
dispositivos tais como a implantação do acolhimento na rede de atenção básica e da
Educação Permanente como mediação pedagógica para “monitoramento” do
processo, seguindo orientação do Ministério da Saúde, que desde 1998 vinha
orientando a formação dos Pólos de formação, Capacitação e Educação
Permanente em Saúde da Família.
O Acolhimento em Aracaju, nessa gestão, constituiu a primeira ferramenta
introduzida, capaz de redirecionar o encontro entre trabalhador e usuário, ou do
trabalho em saúde, e, através do qual, caberia ao primeiro o papel de compreender,
significar e intervir, após escuta devidamente qualificada, sobre as necessidades de
saúde, ou seja, sobre o objeto de seu trabalho. Com essa ferramenta e o
conseqüente redirecionamento do trabalho, objetivava-se garantir o acesso com
equidade, eliminar as filas, promover o debate sobre as agendas dos profissionais e
explicitar as ofertas assistenciais, tais como: ações programáticas, atendimento
individual, ações coletivas no território e os procedimentos diversos (CARVALHO
SANTOS, 2006).
209
Como pontuado anteriormente, a implantação do acolhimento foi bastante
tenso, apesar da tensão do processo não ter sido explicitamente verbalizada para o
núcleo da gestão. A tempestade de idéias sobre a concepção dessa ferramenta, por
todos os profissionais da equipe, especialmente entre os assistentes sociais,
anunciava concepções e formas diferenciadas nas USF’s.
O acolhimento deixa a desejar, porque é muito mais um
agendamento do que propriamente um acolhimento... Porque o
acolhimento, do que a gente entendeu do projeto “Saúde Todo Dia”
era para ser uma filosofia de vida, tanto o acesso quanto o
acolhimento. Na verdade o que existe mesmo são algumas vagas
determinadas para cada profissional e essas vagas funcionam como
se fosse este acolhimento. Por exemplo: às vezes acontece de
chegar uma pessoa que poderia, se houvesse uma escuta mais
qualificada, estar sendo encaminhada para o Serviço Social ou para
outro profissional, ou para outras redes... Mas na verdade é assim,
ele fica agendado mesmo (Profissional).
Cada equipe tem um horário de acolhimento dos agudos ou o
agendamento, geralmente das 7:00 às 09:00 horas. Geralmente é
sempre o enfermeiro quem faz e, na ausência dele, o auxiliar de
enfermagem ou o agente de saúde, o médico não faz. Se é algo que
eles não conseguem identificar, encaminham para o Serviço Social.
Mas as equipes fazem o acolhimento mesmo fora desse horário...
Todo usuário que chega ele pode se direcionar à equipe dele sem
problema, desde que o enfermeiro esteja lá. Nesta parte eu não vejo
problemas, porque foi montado um esquema que sempre
acontece... Por exemplo; uma capacitação, um horário de visita ou
qualquer atividade na área, a gente montou uma escala que tem
sempre um enfermeiro na Unidade para atender qualquer usuário
que chegue (Profissional).
Assim que, considerada ferramenta importante para a organização do
trabalho e para a garantia do acesso e da resolutividade, mas diante da
complexidade com que se revelou a sua implantação, o acolhimento passou a ser
tema constante das capacitações do CEPS, desde 2001, problematizando os
entendimentos sobre ele e as lacunas encontradas, pelos profissionais, na sua
operacionalização. O pressuposto nesse desafio, e que impulsionava a gestão, é
que “(...) o acolhimento provoca uma certa qualificação do trabalho dos profissionais
e da assistência prestada, em primeiro lugar porque ele intervém sobre o mundo das
necessidades dos usuários, o que impõe aos serviços um outro sentido bem
diferente do usual, que opera pela oferta” (FRANCO ET AL, 2004, p. 103).
210
Assim sendo, pensar no acolhimento enquanto ferramenta para garantia do
acesso, da resolutividade e da humanização dos serviços, especialmente se ele
consegue realmente por fim às intermináveis filas e humanizar o atendimento,
implica em considerar que ele “(...) além de compreender uma postura do
profissional frente ao usuário [signifique] também uma ação gerencial de
organização do processo de trabalho e uma diretriz para as políticas de saúde
(SOLLA, 2005, p. 501).
Ainda, pensar o acolhimento dessa forma, significa estabelecer um processo
de construção\desconstrução permanente, haja vista que a dinâmica dos serviços de
saúde e a própria subjetividade dos sujeitos que o realizam, considerando que o
trabalho em saúde é um encontro entre o trabalhador e o usuário, não permite o
enquadramento dessa ferramenta em “modelos operativos”. No entanto, assumi-lo
como uma diretriz fundamental do modelo assistencial, requer colocá-lo sempre na
“pauta do diae que seja construído um processo permanente de discussão no qual
as possibilidades e os limites da ação sejam permanentemente analisados e
confrontados com o objetivo de redirecionar a ação e garantir a resolutividade, que é
sempre o objetivo final do trabalho em saúde (SCHIMAZAKI et al, 2001).
Ademais, torna-se fundamental considerar que a saúde sendo uma resultante
das condições de vida, a efetiva resolutividade, nesse sentido, ultrapassa a ação
desse setor isolado. Assim, por maior que sejam o vínculo, o compromisso e a
competência técnica existentes, eles nunca serão suficientes para a plena garantia
de resolutividade do conjunto das necessidades de saúde. A clareza dessa questão
torna-se fundamental para o pensar coletivo, contínuo, de novas estratégias e para
que não se caia no fatalismo ou no messianismo, tão presentes na análise do
Serviço Social no Brasil, como coloca Iamamoto (1982).
Nesse processo de reorganização dos processos de trabalho, a importância
da complementaridade dos saberes ficava cada vez mais nítida, o que fez com que
a gestão introduzisse alguns outros conceitos nas capacitações e no cotidiano dos
serviços, tais como o de “clínica ampliada”.
A idéia de “clínica ampliada” é que não o médico faz clínica. Todos os
profissionais de saúde fazem, cada um, a sua clínica, utilizando e potencializando
esse saber, que é geralmente apontado como o grande “vilão” do poder médico. No
entanto, essa apropriação não deve ocorrer de forma fragmentada e exclusiva, mas
211
ter como objetivo buscar a participação e autonomia dos sujeitos nos projetos
terapêuticos, além de qualificar os serviços, uma vez que [...] esta clínica,
qualificada como ampliada, enfrenta o desafio de encarar com seriedade os sujeitos:
o cuidador/profissional e o que é cuidado (MOREIRA, 2007, p. 01).
A noção de “clínica ampliada”, que pressupõe necessariamente a ampliação
do olhar técnico, da escuta e das formas de trabalhar com as demandas, foi aceita
pelos profissionais, especialmente pelos assistentes sociais que estabeleceram,
também aí, a relação imediata dessa ferramenta com as suas habilidades
profissionais.
Eu acho que a saúde ganhou muito com a inclusão do assistente
social no PSF à medida que a nossa prática contribui para uma
clínica ampliada. Eu penso que a gente tem essa vantagem em
relação à inclusão do assistente social (Profissional).
A aplicação desse princípio, apesar da aparente concordância dos
profissionais, não fora tarefa fácil. No cotidiano, cada pactuação e cada negociação
significava o “compartilhamento”, em contraposição ao simples “encaminhamento”,
dos casos e problemas analisados e implicava em colocar na “roda” os saberes e
olhares diferentes sobre eles. Implicava em cada um “sair” do seu lugar e ângulo
para avançar na direção do outro saber e lugar; em abrir mão do poder do seu
conhecimento em detrimento da construção de “um saber sobre cada caso, cada
situação”. A interação em equipe tornava-se fundamental haja vista que:
No trabalho das equipes de saúde da família, como de resto em todo
o trabalho na atenção básica, a atividade clínica depende de
profissionais com formações diferenciadas (médicos, enfermeiros,
entre outros), mas depende também da interação interdisciplinar
entre essas diversas formas de exercício clínico existentes, interação
que tem seu momento privilegiado no trabalho em equipe (PINTO e
COELHO, 2008, p. 327).
A introdução e operacionalização do conceito de “clínica ampliada”, por sua
vez, introduziu outros conceitos considerados também importantes para o
desenvolvimento do trabalho em equipe, como o de “avaliação do risco” , uma vez
que
212
Não há clínica sem singularidade, sem construção de referencial
estável ou de vínculo. Na clínica, a avaliação de risco é individual,
caso a caso, ainda quando sejam considerados os elementos
sociais, econômicos e culturais para que se estabeleçam a
vulnerabilidade e o projeto terapêutico singular (CAMPOS, 2003,
apud PINTO, COELHO, 2008, p. 327).
A introdução, por conseqüência, do conceito de avaliação de risco exigiu nova
demanda por capacitação e, nela, os assistentes sociais foram defensores árduos da
introdução, em todos os casos, da inclusão dos aspectos econômicos, sociais e
culturais que incidem no risco, além do aspecto biológico, o que ampliava
consideravelmente o seu papel nas equipes, haja vista que a avaliação do risco,
nessa perspectiva, tornava-se uma tarefa a ser realizada a partir da articulação e do
diálogo que envolvesse todos os profissionais.
(...) o assistente social vai ampliar o diagnóstico do outro profissional,
é a questão da interdisciplinaridade. Quando se fala não na doença,
mas no sujeito, hoje se fala na clínica ampliada, que diz que o foco
não está na doença mas no sujeito enquanto membro de uma
comunidade, de uma região, de uma localidade, onde ele tem a sua
religião, o seu trabalho, a forma de conviver com a comunidade...
Então tudo isso objetiva tranquilamente o trabalho do assistente
social dentro desse viés... Então, sem dúvida, o trabalho do
assistente social só veio complementar esse trabalho...(Profissional).
Eu não abro mão de participar da avaliação do risco. O risco é
também por fatores sociais e culturais e eu não abro mão de
participar. De vez em quando, nas reuniões de equipe, eu cobro as
análises de alguns casos e que eu participe dessas avaliações, ai
faço aquele discurso. O médico risada e diz: ‘lá vem a garota do
social’. Ele ri... pode fazer... mas me respeite e inclua nessa
avaliação... e inclui. Até nos casos complicados eles me chamam
para conversar (Profissional).
Temos hoje que os intervenientes da saúde são também
econômicos, sociais e culturais. Então se são assim, nós, muito mais
do que outros profissionais, entendemos esse contexto... Porque o
médico, o enfermeiro, no dizer de Merhy, eles trabalham mais com
tecnologia leve-dura. Então essa tecnologia é focada muitas vezes
no tecnicismo, no tecnicismo duro da injeção, do remédio, e nós
trabalhamos a tecnologia leve, que não é inferior às outras, mas é
focada na prevenção, na promoção da saúde propriamente dita. E
dentro desse processo de prevenção e promoção, nós vamos
verificar quais são os condicionantes e determinantes sociais que
estão incidindo na saúde desse sujeito (Profissional).
213
Como visto, à medida que ia sendo estruturado o trabalho das equipes, a
partir do viés teórico introduzido pela gestão, no caso estruturado em uma
concepção que focava o olhar para o micro-trabalho, processado com os
profissionais e redirecionados, mesmo com todos os limites desse diálogo, o
assistente social também estruturava o seu fazer e ia, aí, construindo e conformando
a sua ação no PSF, definindo o seu papel.
Consideremos a unidade produtiva do acolhimento de risco no
território que tem dois profissionais principais: o assistente social e o
enfermeiro. Assistente social, porque todo risco social e ambiental
demanda desse profissional. Monitoramento e acompanhamento,
mesmo o agente comunitário de saúde identificando-os, fazendo
parte do monitoramento e intervindo em determinadas situações,
chegam para o assistente social processar, consolidar o diagnóstico
e definir qual estratégia de intervenção deve ser feita, uma vez que
grande parte dos riscos está no âmbito social (CARVALHO SANTOS,
2006, p. 119).
3.3. A construção dos protocolos do Serviço Social: problematizando o
fazer
A introdução dos conceitos de “clínica ampliada” e “avaliação do risco”, como
visto, significou importante referencial para a estruturação dos processos de trabalho
nas ESF’s e, de forma especial, para a o trabalho do assistente social. Esse
profissional, por não ter a inserção assegurada na equipe mínima preconizada pelo
Ministério da Saúde, é questionado cotidianamente sobre a importância e natureza
do seu trabalho nessa estratégia e os conceitos, então introduzidos, ampliavam as
possibilidades de ação. As discussões para a introdução desses conceitos no
cotidiano dos serviços, como pontuado, demandaram capacitação e muita discussão
com os profissionais, objetivando a assimilação da proposta e atenuação, pela via
pedagógica, das tensões que o processo acarretava.
A introdução da “clínica ampliada” no campo da saúde pública, da ação
coletiva, requeria o pensar sobre as estratégias processuais dessa aplicação,
especialmente em Aracaju, haja vista que, historicamente, o saber clínico e a saúde
coletiva, o saber sanitário, apresentaram-se como campos de aplicação prática
214
incompatíveis. Sobre essa questão Campos (2003) afirma que, apesar da clínica ser
realizada no plano singular, “[...] ela depende de um certo conhecimento prévio
sobre o risco e a doença: nesse sentido, ela suporta a existência de protocolos ou
de diretrizes clínicas que orientam a atuação da equipe, dando um certo grau de
previsibilidade a essa prática”. (PINTo e COELHO, 2008, p. 327).
Com isso, introduzia-se uma outra necessidade para a gestão e para os
profissionais que era a construção dos protocolos de cada segmento profissional,
considerando que, ainda segundo Campos (2003), para a superação da dicotomia
entre saber clínico e saúde coletiva, requeria-se que fossem combinadas “[...] a
lógica de programas de saúde, destinados a grupos de enfermos ou com maior
vulnerabilidade e com certa homogeneidade suposta, com a construção de projetos
terapêuticos singulares para os casos mais complicados”. (p. 327). O que significava
que a equipe deveria organizar suas agendas, ou seja, “planejar o que fazer, como
fazer, e com que frequência fazer”. Na avaliação do então gestor local, ao assistente
social cabia uma agenda específica:
Tomemos como exemplo a definição da agenda de inclusão social
em que o assistente social historicamente tem sido o organizador dos
modos de garantir acesso às pessoas, a direitos e a programas
sociais. Apesar de esta tecnologia ser uma das mais difíceis de ser
operada, haja vista depender do conjunto de normas e leis
disponíveis numa sociedade; de programas e políticas que se
formam a partir da orientação técnico-política de cada governo e
entes federados em dado momento histórico, qualquer componente
da equipe pode fazer inclusão social. No entanto, é uma competência
nuclear do serviço social (CARVALHO SANTOS, 2006, p. 118)
(grifos meus).
Durante o ano de 2003, foram construídos os protocolos do serviço social na
Secretaria Municipal de Saúde de Aracaju, objetivando a estruturação do processo
de trabalho do assistente social no PSF e nos novos arranjos produtivos.
Neste momento percebeu-se que a “velha” discussão sobre as “atribuições”
dos assistentes sociais no campo da saúde já não tinha mais coerência uma vez que
a dinâmica exigia o pensar do “papel” profissional, mas agora em um contexto de
equipe, de acordo com as singularidades do território, e não de um profissional que
desenvolve “tarefas” isoladamente, com uma fórmula universal e independente
215
dessa dinâmica. Para viabilizar essa tarefa, para a construção dos Protocolos do
Serviço Social, partiu-se da discussão de núcleo e campo das profissões.
Para Campos (1997), o núcleo profissional é formado pelos conhecimentos
específicos, particulares de uma profissão ou especialidade, é o que a diferencia da
outra. Por outro lado, o “campo” seria um “lugar comum”, onde vários profissionais
ou especialistas transitam. Para esse autor, diante da impossibilidade ou dificuldade
de “programar” os processos de trabalho, a noção “Campo e Núcleo de
Competência e Responsabilidades” possibilita que os profissionais e equipes
estejam sempre atentos a eles com o intuito de garantir suas autonomias, preservar
suas identidades.
A partir desse referencial, a tarefa constituiria então, em pensar o papel
profissional nas ações programáticas, nos programas existentes na Secretaria de
Saúde. Essa tarefa ocorreu de forma coletiva, através de oficina realizada com todos
os segmentos profissionais, cada um com seus pares, sem a clareza dos motivos da
escolha metodológica para essa construção, a partir das ações programáticas, e
quais as potencialidades dessa construção nessa perspectiva.
Segundo Freire (2005, p. 23), a proposta da Programação em Saúde
86
como
eixo organizativo da assistência em serviços da rede pública de saúde surgiu em
São Paulo, nos anos 1970, e mobilizou intensamente os Centros de Saúde da rede
estadual de São Paulo entre 1975 e 1978, mas sofreu desde o início com a falta de
recursos, permanecendo até 1982-83. Por ter influência apenas sobre os serviços
próprios, que naquele momento atendiam apenas 4% (quatro por cento) da
população, CAMPOS (1994) a caracterizou como uma prática limitada e marginal
aos serviços.
As Práticas ou Ações Programáticas podem ser definidas por como:
[...] uma forma de organizar o trabalho coletivo no serviço de
assistência à saúde fundamentada no ideal da integração sanitária,
inspirando-se em tecnologias de base epidemiológica [com as
seguintes características:] Operação a partir de atividades eventuais
(para a demanda espontânea que procurasse o serviço por qualquer
motivo) e atividades de rotina (para a demanda triada para os
programas); Programas definidos por grupos populacionais (crianças,
adultos...) e subprogramas para situações específicas de assistência
86
Sobre a proposta das Ações Programáticas ver também Teixeira (2006)
216
(menores de um ano, gestantes...) e doenças de especial
importância sanitária (tuberculose, hipertensão...); Finalidades e
objetivos gerais assentados em categorias coletivas; Hierarquização
interna de atividades (consulta médica, atendimento de enfermagem,
grupos de atendimento, visita domiciliar...); Utilização de equipe
multiprofissional; Padronização de fluxogramas de atividades e de
condutas terapêuticas principais; Sistema de informação que permitia
avaliação na própria unidade; Gerência de unidades por médicos
sanitaristas Regionalização e hierarquização das unidades. (NEMES,
2000, apud FREIRE, 2005, P.23).
Os processos de trabalho no PSF, apesar de superarem as ações
organizadas nas Ações Programáticas, em Aracaju ainda constituíam forma
importante de estruturação das atividades, especialmente nas ações em grupos.
Mas, se a proposta das Ações Programáticas havia sido objeto de reflexão quanto a
suas potencialidades e limites, e como forma de estruturação do modelo de Atenção
à Saúde como ocorreu em São Paulo – o mesmo não se deu em Aracaju, ou, pelo
menos, não ocorreu envolvendo o conjunto dos profissionais dos serviços.
Para a realização da tarefa de construção dos protocolos, os assistentes
sociais articularam-se com o Departamento de Serviço Social da UFS e realizaram
“oficina preparatória”. As discussões, nessa oficina, propiciaram a reflexão sobre as
mudanças recentes no campo da saúde, o referencial teórico que orientava o grupo
gestor local e o papel dos assistentes sociais no PSF.
A construção dos protocolos dos assistentes sociais permitiu assim, a reflexão
sobre o papel do assistente social em cada programa específico; qual a
problemática, em cada um destes programas que requeriam a intervenção do
assistente social e permitiu ainda a construção das “estratégias de intervenção”.
Assim, os assistentes sistematizaram a ação, baseado nas ações programáticas,
nos programas já existentes nos serviços.
Nesse conjunto acho que a gente teve um momento de capacitação
que foi de extrema importância para os assistentes sociais da rede
de atenção básica que foi a construção dos protocolos. A gente
conseguiu, numa capacitação em que o CEPS tava trazendo as
ações programáticas para discussão, Saúde da Mulher, Saúde do
Adulto... nós conseguimos fazer isso e dentro dessa capacitação a
gente teve um momento especifico para o assistente social fazer
uma discussão sobre como seria a nossa inserção nessas ações
programáticas e a gente construiu um documento que está nos
nossos protocolos, nesse programas, qual o papel do assistente
217
social, as atribuições dele. Isso foi construído coletivamente. Lembro
que depois dessa capacitação tivemos que montar uma equipe de
sistematização [...] sistematizamos o documento que hoje virou
protocolo, [...] nessa capacitação nós construímos com todas as
assistentes sociais que estavam naquele momento no PSF
(Profissional).
Apesar dos limites evidenciados acima, pode-se avaliar que o processo de
construção dos protocolos do Serviço Social na Secretaria de Saúde de Aracaju
constituiu momento ímpar de reflexão sobre o exercício profissional no PSF e sobre
o modelo assistencial que estava sendo construído. Dessa discussão, ressalta-se
alguns pontos que, em profunda avaliação, foram fundamentais no processo.
O primeiro aspecto relevante nesse processo foi a iniciativa dos assistentes
sociais, após articulação com o Departamento de Serviço Social da UFS, em
estabelecer discussão preparatória para o momento “oficial” da construção. A
discussão preparatória serviu como alerta sobre a necessidade da discussão
permanente sobre os modelos assistenciais, seus marcos teóricos, e a relação com
o Serviço Social. Esse momento, além de servir “dissecar” os aspectos técnicos da
questão, configurou profícuo debate político sobre a relação dos assistentes sociais
com a gestão e sobre os avanços e limites dessa política específica em Aracaju.
O segundo aspecto refere-se à forma como foi encaminhada a discussão
sobre a ação do serviço social, que ocorreu a partir da reflexão sobre os
determinantes da saúde, sobre a necessidade e importância da intersetorialidade
para a garantia do pleno direito à saúde, momento em que foi proposta a criação da
Rede Local de Solidariedade e Proteção Social, objetivando articular as diversas
Secretarias Municipais para a ação.
Assim, apesar da aparente “normalidade” sobre a discussão da ação do
Serviço Social iniciar com a leitura dos determinantes da saúde, uma vez que essa
leitura é sempre exercitada nos fóruns coletivos da categoria, a relevância específica
dela foi a síntese propositiva, com a apresentação de uma proposta concreta, a
articulação da rede de solidariedade e proteção social com atuação em todo o
município e em cada território específico.
O terceiro aspecto positivo desse processo foi o pensar coletivo sobre o
“núcleo” da profissão, aquele conjunto de conhecimentos e tecnologias que
218
identificam a nossa identidade e nos garantem a legitimidade para a ação no campo
da saúde. Essa não fora tarefa fácil, especialmente quando o assistente social é
identificado como o profissional que atua no campo da promoção da saúde, e a
discussão, ocorreu a partir das ações programáticas, que em Aracaju significa a
ação com os “grupos doentes”. Ainda assim, foram definidas estratégias de
intervenção em cada Programa, como proposta inicial a ser desdobrada, e
aprofundada em momentos posteriores, o que não aconteceu.
A identificação do núcleo do assistente social nas Ações Programáticas ficou
recortada a partir da “consulta social” (assim como a consulta de enfermagem ou
médica), quando ocorre a entrevista e outros procedimentos e encaminhamentos,
para a identificação e avaliação do risco, além do “parecer social”. Essas atividades
os assistentes sociais podem executar com essa especificidade, apesar da vasta
ação e núcleo no campo da intersetorialidade.
Apesar do limite dessa discussão sobre a identificação do núcleo do serviço
social, houveram desdobramentos interessantes nos serviços, como uma
estruturação, ainda que inicial, do fluxo dos profissionais em algumas ações, que é
possível constatar nas falas abaixo:
Eu diria que ele veio definir, sistematizar o trabalho do assistente
social no PSF mesmo, sem dúvida. claro, bem colocado... Mas
a gestão tem que construir um espaço para a definição do fluxo do
Serviço Social, como tem dos outros profissionais (Profissional).
Então, eu sou profissional de referência, isso foi pactuado em equipe
mesmo, eu sou profissional de referencia dentro da Unidade para
questões de saúde mental, para vasectomia, então digamos que eu
sou a porta de entrada para essas questões. Além disso, tem a
questão das visitas institucionais, da intersetorialidade... Eu sou a
referencia na questão do controle social... (Profissional).
A continuidade das discussões e encaminhamentos sobre os “Protocolos do
Serviço Social” não se efetivou no nível da gestão. Em 2007, o CEPS/Aracaju
organizou a Oficina “A Instrumentalização na ação do Serviço Social na Saúde”, com
a participação de todos os assistentes sociais do PSF, momento em que foi feito um
resgate histórico do Serviço Social na Secretaria de Saúde e a discussão sobre a
instrumentalidade ocorreu a partir da retomada dos Protocolos do Serviço Social.
219
A organização da Oficina atendia a uma reivindicação dos assistentes sociais
sobre a necessidade de refletir a dimensão interventiva da profissão em Aracaju, e
de uniformizar a ação do Serviço Social em cada questão específica, diante dos
conflitos existentes entre esses profissionais, e os demais da equipe, típicos da ação
interventiva multiprofissional, mas especialmente com os diversos níveis da gestão,
essencialmente a coordenação e supervisão das regiões. As assistentes sociais
afirmavam que, especialmente esses últimos, faziam solicitações e queixas que os
profissionais, sem as condições adequadas, não teriam como cumprir.
E o Assistente Social está se deparando com esse quadro , tendo
dificuldade de garantir o seu papel sem confrontos, realizando
também ações individuais ou deixando de realizar por não contar
com outros das equipes; tendo dificuldade em alguns programas de
garantir o seu papel no fluxograma: tendo muitas vezes de criar seus
próprios instrumentais de trabalho: tendo dificuldade de dar
visibilidade às suas ações, pois nos sistemas de informações não
entram dados sociais, qualitativos e somente quantitativos
(Profissional).
O trabalho na equipe vem sendo dificultado, e também a ação do
assistente social, pela indefinição do fluxo, por causa do espaço da
UBS ser inadequado, existe alta rotatividade dos profissionais,
especialmente dos médicos, o que dificulta o estreitamento dos
vínculos (Profissional).
A supervisão não vem dando o suporte que o trabalho requer, como
a discussão dos serviços e problemas, para que possamos visualizar
alternativas de enfrentamentos. A conversa é sempre na cobrança,
mas não estimula o verdadeiro trabalho em equipe (Profissional).
A realização da oficina significou mais um momento especial para o Serviço
Social na perspectiva de (re)afirmação da identidade profissional, haja vista que,
como afirma Iamamoto (2002), “[...] o trabalho coletivo não impõe a diluição das
competências e atribuições profissionais. Ao contrário, exige maior clareza no trato
das mesmas e o cultivo da identidade profissional, como condição de potenciar o
trabalho conjunto”. (IAMAMOTO, 2002, p. 41).
A discussão sobre a categoria instrumentalidade, que é constitutiva do
exercício profissional, deve ser situada no contexto da discussão sobre o processo
de trabalho e esse, por sua vez, no processo de reprodução social, identificando as
mediações sociais que particularizam o Serviço Social.
220
Para Guerra (2000), apreender as mediações que se entretecem na
instrumentalidade do Serviço Social passa pela compreensão do processo de
trabalho, no seu sentido amplo e do sentido mais amplo que a instrumentalidade
adquire no exercício profissional. É somente a partir da compreensão da
instrumentalidade do processo de trabalho como uma propriedade cio-histórica,
que é possível buscar uma interpretação da profissão, do exercício profissional e da
sua instrumentalidade.
Partindo destas afirmações a autora, no mesmo texto, evidencia que é no
processo de trabalho, na passagem do momento da pré-ideação (projeto) para a
ação propriamente dita, que se requer a instrumentalidade, ou seja, a conversão das
coisas em meios para o alcance dos resultados e essa capacidade pode se dar
no processo de trabalho, no qual o homem mobiliza todos os recursos convertendo-
os em instrumentos para alcançar seus resultados. É essa capacidade que
possibilita passar das abstrações da vontade para a concreção das finalidades.
(GUERRA, 2000, p. 9)
Na sociedade burguesa, a instrumentalidade do processo de trabalho é
convertida em tecnologia que nega as potencialidades e capacidades de autonomia
dos homens. Guerra (2000, p. 16-17) diz que a razão instrumental é uma
racionalidade subordinada ao alcance dos fins particulares, dos resultados imediatos
e funcionais às estruturas. A razão instrumental constitui um conjunto de atividades e
funções, às quais não importam os meios nem, a legitimidade dos fins, contanto que
seja funcional ao capital, subsumir os atributos das coisas aos seus aspectos
quantitativos e limitar-se a garantir eficácia e eficiência.
Dessa forma, a autora ao analisar as particularidades do Serviço Social,
apresenta densas críticas ao metodologismo e ao instrumentalismo que insistem em
empobrecer a profissão. Guerra (2000, p. 18) afirma a proposta da instrumentalidade
do Serviço Social como mediação, uma vez que ela exprime uma particularidade
histórica do Serviço Social. Para essa autora, é no movimento da história que a
instrumentalidade do Serviço Social pode ser vista como mediação pela qual se
pode recuperar a ruptura entre a correção dos meios e a coerência e legitimidade
dos fins.
A instrumentalidade do Serviço Social como mediação é o espaço para se
pensar nos valores subjacentes às ações, no nível e na direção das respostas dadas
221
nos últimos anos e pelas quais a profissão é reconhecida ou questionada
socialmente. É pela instrumentalidade que passam as decisões e as alternativas
concretas, de indivíduos concretos, em situações concretas uma vez que “no campo
da mediação residem as possibilidades da passagem do ser em si dos homens para
a sua genericidade, para os valores e as finalidades humano-genéricas”. (GUERRA,
2000, p. 30).
Desta forma, a discussão sobre a instrumentalidade do Serviço Social na
Saúde, em Aracaju, nesse momento específico, foi encaminhada a partir da leitura
histórica da profissão, da inserção dos assistentes sociais no PSF, do modelo
assistencial que estava sendo construído nesse local, sobre o Projeto Ético-Político
da profissão, com a problematização a partir da questão: “o que queremos e como
vamos construir”, sem a preocupação limitada, restrita aos “instrumentos”.
Esse momento foi caracterizado por uma discussão extremamente rica, com a
constatação de que os Protocolos foram construídos, constituíram referenciais
importantes naquele momento em que a necessidade de identificação do núcleo e
campo profissional era imperiosa, mas eles são estáticos, como um retrato na
parede e, assim, deveriam ser superados na dinâmica da prática social.
No momento de construção dos Protocolos, a relação geral era de uma
assistente social para, no ximo duas equipes. Atualmente, um assistente social
trabalha com até seis equipes, com vários territórios em uma mesma Unidade de
Saúde, o que implicou em alterações no trabalho. Um profissional trabalhar com
mais de uma equipe significa que, na prática, ele não terá vinculação orgânica com
nenhuma delas, nem com o território, o que modifica os processos de trabalho no
PSF, uma vez que não possibilita o estabelecimento do vínculo, nem a realização do
acolhimento do risco no território, anunciado pelo gestor como uma das atribuições
dos assistentes sociais.
Começou a ampliar o PSF em Aracaju e isso foi aumentando o
número de profissionais. Antes a gente tinha uma assistente social
por Unidade, depois a cada três equipes uma assistente social. Com
a ampliação das equipes e com a dificuldade de inserção, até por
conta do incentivo, houve uma redistribuição das assistentes sociais,
ficando um por Unidade Básica (Profissional).
222
Ainda durante a Oficina, com a problematização a partir dos dados da
realidade e a necessidade de estruturação da ação, alguns encaminhamentos
práticos foram definidos, tais como: uniformização ou padronização dos
instrumentos utilizados no PSF, tais como fichas de encaminhamento, fichas de
relatórios, pareceres; ficou definido que os profissionais registrariam todos os
atendimentos realizados no prontuário utilizado pelo médico e enfermeiro; a consulta
social; parecer social; a elaboração do diagnóstico social e a avaliação do risco
social só poderiam ser realizados pelo assistente social.
A preocupação em garantir a identidade profissional esteve presente em
vários momentos da discussão. A preocupação com uma provável diluição do
trabalho profissional na equipe multiprofissional e o foco no “campo”, reforçava os
argumentos de que se deveria dar maior visibilidade aos demais profissionais e ao
gestor, sobre o núcleo profissional do assistente social no campo da saúde. Essa
era, e é, uma preocupação salutar, mas que não resulta da definição, formal, de
documentos, fichas e modelos de procedimentos, apesar deles contribuírem
efetivamente com a organização do trabalho.
Nesse aspecto, torna-se fundamental que as práticas sejam “revisitadas à luz
do projeto ético-político”, que os encaminhamentos não se dêem na direção do
corporativismo, mas que sejam articulados na perspectiva do debate interdisciplinar.
Atentar para esses aspectos torna-se fator fundamental, especialmente ao se
considerar que houve uma mudança substantiva no campo da saúde, uma mudança
efetiva de paradigma e cabe ao Serviço Social nesse contexto:
[...] elaborar respostas mais qualificadas (do ponto de vista operativo)
e mais legitimadas (do ponto de vista sociopolítico) para as questões
que caem no seu âmbito de intervenção profissional [por sua vez] as
possibilidades objetivas de ampliação e enriquecimento do espaço
profissional [...] serão convertidas em ganhos profissionais [...] se
o Serviço Social puder antecipá-las [e elas serão asseguradas]
por tensões e conflitos na definição de papéis e atribuições com
outras categorias sócio-profissionais. (NETTO, 1996, apud MIOTO E
NOGUEIRA, 2007, P. 73).
Como proposta da oficina realizada com os assistentes sociais em Aracaju,
definiu-se a continuidade das discussões sobre o exercício do assistente social na
saúde, o que possibilitará a (re)construção de um espaço de debate e reflexões
223
sobre as questões fundamentais do exercício profissional, através de encontros
mensais. Os encaminhamentos operacionais para a efetivação dessa proposta serão
feitos pela equipe pedagógica do CEPS.
Dessa forma, os assistentes sociais vão conformando sua ação no PSF em
Aracaju em consonância com o movimento específico dessa realidade, com o
acúmulo de força de seus atores. Apesar dos limites, a avaliação dessa inserção é
positiva. Atualmente o assistente social é considerado profissional da saúde, com a
denominação “assistente social da saúde” no Plano de Cargos, Carreira e Salários
da Secretaria de Saúde de Aracaju, aprovado em 2003.
Sem dúvida, o PSF foi um avanço, um ganho muito bom. Hoje nós
somos trabahadores da saúde... Inclusive para o nosso trabalho.
Você sabe que eu reclamo mesmo, mas mesmo com todos os limites
ele é bom, houve mudança sim na forma de trabalhar. Veja bem,
antes a pessoa vinha, tinha a sua consulta marcada, ele era
acompanhado pelo médico mas encerrava a sua atividade ali, com o
receituário.... Lógico que o paciente poderia volta. Com o PSF
uma responsabilidade, voce trabalha com a área adscrita, as famílias
estão sob a responsabilidade daquela Unidade, tem as ações
programáticas, todo um acompanhamento, todo o conhecimento da
área, eu sei tudo da minha área, pergunto aos agentes, eles me dão
todos os dados que preciso. Não resta dúvida que o PSF, em relação
a Unidade tradicional, é um grande avanço (Profissional).
Além desses aspectos e apesar de todos os limites, a inserção do assistente
social no PSF vem se caracterizando também pela atuação decisiva no controle
social, como um profissional que tem impulsionado, efetivamente, a participação da
população na gestão da política de saúde no nível local.
Os assistentes sociais foram os profissionais que mais estão, junto
com o diretor da Unidade nas Conferências Locais. Tinha que ter
representante da Unidade e o assistente social era sempre colocado,
na votação ele era sempre indicado, até porque ele se articulava com
o usuário, ele tinha boa relação com os usuários e os profissionais,
então essa foi uma ação que ampliou e mudou um pouco o perfil do
que a gente fazia anteriormente, de atender cada situação. Então a
gente participou, no município todo, cada assistente social no seu
lugar, participou das Conferências e da construção do Conselho
Local (Profissional).
224
Diversos estudos, especialmente no contexto atual, enfatizam o tema da
participação da população na gestão das políticas sociais, como questão
fundamental para o exercício da cidadania ativa, que é “[...] aquela que institui o
cidadão como portador de direitos e deveres, mas, essencialmente, criador de
direitos para abrir novos espaços de participação política”. (BENEVIDES, 1994, p.
16)
Dessa forma, a participação popular é colocada como fundamento e a base
da cidadania ativa. Para que isso aconteça, faz-se necessário a criação de espaços
públicos para que a soberania popular não esteja restrita apenas ao processo
eleitoral, mas que tenha a possibilidade de “criação, transformação e controle sobre
o poder, ou os poderes”. (BENEVIDES, 2003, p. 20)
Assim, estabelecendo a relação sobre o tema da participação da população
nos Conselhos Locais de Saúde, sobre os quais, especialmente, têm refletido o
trabalho do assistente social no PSF em Aracaju, ficou claro, nesse estudo e a partir
das falas dos assistentes sociais, que a inserção em várias equipes, portanto vários
“locais”, sem vínculo efetivo em nenhum deles, é questão que também inviabiliza
essa ação e articulação.
225
CONCLUSÕES
As análises e reflexões empreendidas nesse estudo se voltaram para o
entendimento sobre o processo que resultou na criação do SUS e, na década
seguinte, do Programa Saúde da Família no Brasil e em Aracaju, no qual a luta pela
efetivação do direito à saúde constituíra característica primordial.
Identifica-se o início desse tempo no final dos anos 1970, no contexto de
esgotamento do regime militar e de reaparecimento no cenário nacional dos
movimentos sociais, no qual se configura o chamado Movimento pela Reforma
Sanitária Brasileira, denunciando o péssimo padrão público de assistência à saúde,
que, entre outros aspectos, caracterizava-se pela exclusão de parcelas imensas da
população brasileira que, por encontrarem-se excluídas do mercado formal de
trabalho, não tinham acesso a esse direito.
A década de 1980, assinalada por grave crise econômica e política,
apresentava as condições objetivas para a expansão dos movimentos sociais, com
destaque aqui para o movimento sindical que, sob influência do Novo Sindicalismo,
propõe a superação da organização sindical corporativa, a adoção de novas práticas
de organização e relação com as bases, além da articulação dos diversos
movimentos como forma de superação das lutas imediatas e a construção de lutas
comuns e unificadas.
Como visto, no contexto favorável pela conjunção dessas questões aos
movimentos sociais, o Movimento pela Reforma Sanitária Brasileira também ganhou
visibilidade, aglutinou profissionais das diversas categorias, construiu o pensamento
social crítico da saúde e ampliou os espaços de discussão dos debates, nos quais a
luta pelo direito à saúde constituiu o objetivo maior.
A realização da VIII Conferência Nacional de Saúde e as suas deliberações, a
criação do SUDS e a conquista, no contexto constitucional de 1988, do Sistema
Único de Saúde significaram marcos importantes dessa luta e passos fundamentais
para a concretização desse direito.
No entanto, na década de 1990, tendo em vista a ofensiva neoliberal,
observa-se o refluxo dos movimentos sociais e das ações sindicais. Nesse
momento, as tentativas de desconstrução dos processos desencadeados nas
226
décadas anteriores impactaram fortemente os movimentos sociais, suas
organizações e os direitos já conquistados.
Assim, o contexto imediatamente posterior à criação do SUS caracterizou-se
adverso aos seus princípios e diretrizes e implicou nas tentativas de adoção de
modelos de atenção à saúde e tecno-assistenciais focados na seletividade. A
criação do PSF, nesse contexto, apesar deste apresentar-se como uma estratégia
de implementação dos princípios do SUS e de anunciar mudanças nos processos de
trabalhos, com a alteração do foco na doença, causou questionamentos e dúvidas
sobre suas “intenções”. Os questionamentos feitos denunciavam a influência
tecnológica da Medicina Comunitária que a Estratégia apresentava e os perigos de
prováveis “tendências” à seletividade e focalização.
O olhar direcionado para um estado específico, Sergipe, permitiu apreender
as singularidades e especificidades desse processo. As singularidades de um
estado que se constituiu com as fortes marcas do coronelismo na sua formação
política e cultural, como uma referência importante no poder e mando, com uma
economia essencialmente agrícola, sem as experiências de organização e luta do
período anterior a 1930 que marcaram outras realidades, especialmente do sul e
sudeste do país, nas quais o processo de industrialização e a presença do imigrante
europeu, com suas experiências de organização e luta, constituíram fatores
importantes.
O “tardio” movimento sindical dos trabalhadores em Sergipe, que somente
iniciou-se no pós 1930, nos moldes do corporativismo, propiciou um caminho bem
peculiar, no qual as lutas e garantias de direitos passavam pelo crivo do Estado.
(ROMÃO, 2000, p. 146).
No entanto, o que se observou é que, nesse estado, logo após aos anos
1930, os trabalhadores ampliaram os espaços de participação para a política
partidária e fundaram os partidos operários. A partir de então, avanços e refluxos
marcaram os movimentos dos trabalhadores. No final dos anos 1970, reacenderam-
se os movimentos sociais, agora com novos atores: os funcionários públicos,
operários da indústria de extração de petróleo e trabalhadores do setor de serviços.
Neste momento, os movimentos dos trabalhadores da saúde tiveram atuação
destacada, com grandes mobilizações, publicizando a luta pelo direito à saúde e o
227
também caráter excludente da política. Contribuíram para o alargamento da
democracia e para as mudanças nos espaços institucionais.
No contexto do Novo Sindicalismo em Sergipe, com a crescente importância
do movimento sindical na conjuntura política local, ainda com fortes marcas do
mandonismo, nota-se a ampliação poder de mobilização dos trabalhadores da
saúde. Nele, os assistentes sociais tiveram participação destacada, tendo
contribuído decisivamente com a construção do CEBES no nível local, que foi
elemento aglutinador e impulsionador das discussões sobre o quadro sanitário local.
Foi nesse período que se deu inserção das primeiras assistentes na
Secretaria de Saúde de Aracaju, apesar de se consolidar como efetivo espaço de
inserção desse profissional no final da década de 1980, após a criação do SUS,
especialmente após a implantação do PSF, em 1998.
A força dos movimentos sociais, especificamente dos movimentos dos
trabalhadores da saúde, possibilitaram que os espaços de participação da
população na gestão da política de saúde, no seu início, se constituíssem como
espaços de efetiva publicização das demandas e carências da população nesse
setor específico, transformando-os em locais em que aconteciam grandes debates e
disputas de projetos.
Pode-se avaliar que, por tais características, os gestores encontraram
dificuldades na aprovação do PSF em Aracaju, o que possibilitou que esse processo
fosse pactuado com os trabalhadores e usuários e, diante do poder de articulação e
mobilização desses profissionais, foi possível garantir a inclusão dos assistentes
sociais e odontólogos nas equipes locais do PSF.
Nesse momento, o Programa Saúde da Família inseria-se em um contexto de
decisão política e institucional de fortalecimento da Atenção Básica no Sistema
Único de Saúde e era apresentado como estratégia estruturante dos sistemas
municipais de saúde, pelo Ministério da Saúde.
A partir de então, em Aracaju, essa Estratégia atraiu os olhares e debates
sobre as possibilidades de inversão do modelo de assistência à saúde,
considerando que a sua adoção implica na forma de organizar a produção de saúde
em cada local, envolve componentes políticos importantes e se expressa segundo a
correlação de forças de cada localidade. (CECILIO, 1997) Essa correlação de forças,
228
no Conselho Municipal de Saúde, apresenta-se relativamente favorável aos usuários
e trabalhadores, naquele momento (TAVARES, 2002), o que permitiu algumas
pactuações.
Os dados demonstram a rápida expansão do programa em nível nacional, o
seu fortalecimento institucional, e o fato de que ele realmente migrava de algumas
experiências localizadas para constituir-se em política de reorientação da atenção
básica implementada na quase totalidade dos municípios brasileiros.
Essa tendência de crescimento do programa também foi observada em
Aracaju que, antes da sua implementação, em 1998, tinha sua rede de atenção
estruturada na forma “tradicional” de assistência à saúde, atendendo basicamente à
demanda espontânea. Em 1998 foram estruturadas 11 ESF em bairros periféricos e
o programa existia ainda com a manutenção da rede clássica. Os dados revelam,
ainda, que é expressiva a cobertura populacional do Programa em Aracaju, que
passou de 29,5% em 2001, para 85% em 2005. (Carvalho Santos, 2006, p.183)
No entanto, esses dados, de per si, não são reveladores das mudanças
ocorridas no nível do modelo de Atenção à Saúde e/ou nos processos de trabalho
dos profissionais, o que pressupõe uma análise referenciada nos seus fazeres
profissionais, no protagonismo dos diversos atores implicados no processo de
produção do cuidado em saúde e as mudanças nos micro-processos de trabalho.
(FRANCO, 2003)
Observou-se que em Aracaju os processos de trabalho dos profissionais
foram efetivamente impactados, especialmente após 1998 com a criação do PSF, e
impulsionados especialmente a partir de 2001.
De imediato, constata-se a transição de uma atividade realizada
individualmente, que tinha como objeto a doença, referenciada no olhar biológico e
clínico, para uma prática que tem como objeto as necessidades de saúde da
população; de um processo médico-centrado passa-se para um processo usuário-
centrado, que era a proposta apresentada, e já impactava o fazer dos profissionais.
A decisão de utilizar o “acolhimento” como diretriz fundamental para provocar
as mudanças nos processos de trabalho apesar das tensões, conflitos e diferentes
entendimentos sobre o seu conceito permitiu que essas mudanças continuassem
sendo processadas. O acolhimento exige necessariamente o diálogo entre os
229
profissionais, e desses com a gestão, que implica o fato de que todo usuário que
chega à Unidade seja atendido, e que exista uma oferta equitativa dos serviços de
saúde. Essas condições nem sempre estão dadas e, em Aracaju, não estavam. Daí
os motivos iniciais para os conflitos e tensões.
Por outro lado, passar do foco da doença para a necessidade, implicava uma
mudança de olhar dos profissionais, o que não fora garantido nem pela formação,
nem pelos serviços até então. A exigência dessa mudança, que foi causa inicial dos
conflitos e tensões, permitiu que, em um segundo momento, o diálogo fosse
estabelecido para a necessária reorganização do atendimento. Como afirma Merhy
(2004. P. 19), o acolhimento “[...] exige dos atores interessados nesse processo
capacidade analítica da situação e construção de um modo de protagonizar ações
que possam ir produzindo novos sentidos para a produção dos atos de cuidar”.
As falas dos entrevistados revelam que o trabalho em equipe não acontecia
na sua plenitude, mas alguns passos estavam sendo dados como: “os médicos
passaram a apoiar e participar das atividades educativas”, “os dentistas vão às
escolas e fazem palestras”, “os médicos participaram das caminhadas”, “a médica
dizia para mim: ‘eu sou médica, eu não tenho comida para dar a ela’”...
Os profissionais de saúde inseridos no cotidiano da população passaram a
perceber as suas necessidades e os limites da ação referenciada na doença. Quem
tem inserção no cotidiano da saúde, historicamente, sabe o que isso significa. A
opção tecnológica desses profissionais, especialmente dos médicos, historicamente,
foi a utilização das tecnologias duras. Estabelecer com eles esse diálogo o fora
desafio fácil.
A introdução do conceito do cuidado, no lugar da “cura”, foi outra questão
fundamental para que isso se processasse. O cuidado, enquanto responsabilidade
do serviço, que implicava na escuta, reforçou a importância do diálogo, uma vez que
ele supera a capacidade resolutiva individual, do especialista. Assim, o acolhimento
tornou-se ferramenta importante na produção do cuidado, no estabelecimento do
vínculo e da resolutividade.
A introdução do conceito de “clínica ampliada” também marcou e redirecionou
os processos de trabalho, ao propor o rompimento com o saber clínico como uso
exclusivo de um profissional, e do estabelecimento de seu poder sobre os demais.
230
Contribuiu, assim, para o estabelecimento de relações mais “horizontais” entre os
diversos profissionais, fundamental nesse processo.
Definia-se como trabalho em saúde o encontro entre trabalhador e usuário e
como objetivo da assistência à saúde, a produção da autonomia dos sujeitos.
Além dessas questões que se colocam no nível dos micro-processos de
trabalho, acontecia, paralelamente, a estruturação da rede básica e das demais
redes assistenciais de saúde, o que contribuía com a integralidade da assistência.
A inclusão dos assistentes sociais no PSF em Aracaju, como visto, foi fruto do
processo de organização e luta desses profissionais que conquistaram, também, a
sua inclusão no Plano de Cargos e Salários enquanto “assistentes sociais da
saúde”. Essa também o fora tarefa fácil, vez que essa inclusão não estava
prevista, da forma como ocorreu, “no tempo regulamentar do jogo estabelecido”.
Para isso foi necessário “suar a camisa”, correr muito para que o resultado não
configurasse a derrota. E não configurou.
Mas o processo ainda não chegou ao seu final e nele vários cartões amarelos
foram levantados, como a quebra da isonomia salarial anteriormente estabelecida
entre todos os profissionais, o aumento do número de equipes acompanhadas por
cada assistente social, chegando, em alguns casos, a seis equipes para um único
profissional, o que, na fala deles, desvirtua o PSF e implica na qualidade dos
serviços.
A análise dos processos de trabalho, a partir da inserção dos assistentes
sociais no PSF, permite concluir que as mudanças aconteceram, ou estão a se
processar. Elas acontecem nos processos de trabalho existentes nas USF que
refletem na atividade de todos os profissionais, incluindo os assistentes sociais. Foi
um processo de mudança do paradigma da atenção em saúde como um todo, um
processo articulado que foi implicando em mudanças sucessivas.
No entanto, é preciso abrir mão da razão instrumental da contemporaneidade,
combater o imediatismo, o pragmatismo presente na profissão, consolidar o projeto
ético-político no cotidiano dos serviços e, neste campo de mediações, perceber que
seu papel na divisão sóciotécnica do trabalho vai muito além de um agente técnico
especializado, como afirmou Guerra (2000).
231
Em Aracaju, pela forma como vem ocorrendo a inclusão do assistente social
no PSF, por meio da inserção dos profissionais nas USF’s, responsabilizando-se por
até seis equipes o que resulta em formas diferentes de trabalho haja vista que
ocorrem formas diferenciadas de inserção nos processos de trabalho do PSF, de
relação com as equipes e com os territórios –, refletir sobre essas questões torna-se
fundamental e urgente.
Foi possível observar que com a inserção do assistente social no programa,
como um dos desdobramentos mediatos da luta pela reforma sanitária em Sergipe e
da organização dos Assistentes Sociais neste mesmo estado, a ocorrência de
mudanças no processo de trabalho desses profissionais, a expansão e crescimento
da sua atuação, e consequentemente o aumento das possibilidades de solidificação
da proposta do novo modelo assistencial, tendo em vista a natureza e qualidade da
formação desses profissionais. No entanto, essa experiência específica não tem
dialogado com o coletivo nacional dos assistentes sociais e não tem contribuído para
um debate em torno da inserção do profissional no programa em nível nacional, o
que a fragiliza pela ausência da reflexão sobre suas possibilidades e limites, e não
consolida esse importante lócus de ação profissional no setor da saúde.
Atualmente em Aracaju, os assistentes sociais estão em processo de
articulação da (re)criação do Sindicato dos Assistentes Sociais, discussão levantada
especialmente pelos assistentes sociais que trabalham no PSF, que vislubram, com
isso, a oportunidade de rearticulação das suas lutas. O processo está em curso.
Por fim, alerto para a natureza transitória e parcial das afirmações aqui
contidas, tendo em vista que a questão estudada, objeto desta pesquisa, está em
construção, em pleno movimento.
232
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ANEXOS
ANEXO 1 - FICHA DE CATALOGAÇÃO DE DOCUMENTOS
I – IDENTIFICAÇÃO DO DOCUMENTO
A) TÍTULO:
B) TIPO:
C) ESTRUTURA:
D) DATA DE ELABORAÇÃO:
E) LOCALIZAÇÃO:
II – SINTESE DOS ASSUNTOS CONTIDOS NO DOCUMENTO:
QUESTÕES NORTEADORAS PARA AS ENTREVISTAS
GRUPO I
SUJEITOS: PROFISSIONAIS QUE PARTICIPARAM DO MOVIMENTO PELA REFORMA
SANITÁRIA EM SERGIPE
1. Primeiras referências do Movimento pela Reforma Sanitária em Sergipe
2. Contexto político, econômico de Sergipe nesse período
3. Como ocorreu a participação dos profissionais nesse movimento; como as diversas
categorias profissionais se articulavam.
4. Como ocorria a relação com os diversos movimentos sociais.
5. Quais as mudanças mais importantes no espaço institucional que ocorreram
6. Qual análise faz do movimento pela reforma sanitária em Sergipe e Aracaju
7. Que avaliação faz do SUS hoje
8. Como analisa o Programa Saúde da Família em Aracaju
249
GRUPO II
SUJEITOS: ASSISTENTES SOCIAIS DO PSF DE ARACAJU
1. Avaliação da formação para a atuação no setor saúde (a formação deu elementos/dados
necessários para uma atuação na saúde? Como avalia a sua formação?):
2. Como ocorreu o seu ingresso na secretaria de saúde? Qual o período que ocorreu?Em qual
setor foi inserida?
3. Que atividades desenvolvia ao ingressar?
4. Posteriormente (qual o período) que outras atividades desenvolveu?
5. Que atividades desenvolve atualmente? Como desenvolve? Como analisa a importância
dessas atividades para o exercício profissional do conjunto dos assistentes sociais?
6. Como está estruturado hoje o quadro dos assistentes sociais na Secretaria de Saúde?
Comente a partir do modelo técnico assistencial hoje implementado.
7. Qual analise faz hoje do serviço social no PSF? Quais os limites e possibilidades dessa
atuação?
250
ANEXO 2 - ATRIBUIÇÕES DOS ASSISTENTES SOCIAIS NAS AÇÕES PROGRAMÁTICAS NO
PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA
PREFEITURA MUNICIPAL DE ARACAJU
SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE
ATRIBUIÇÕES DOS ASSISTENTES SOCIAIS NAS AÇÕES PROGRAMÁTICAS NO PROGRAMA
DE SAÚDE DA FAMÍLIA
I – SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
1.1 SITUAÇÕES DE RISCOS SOCIAIS QUE AS CRIANÇAS E OS ADOLESCENTES DEVEM SER
ENCAMINHADOS PARA O ASSISTENTE SOCIAL.
Condições de moradia precária / risco ambiental
Desemprego na família
Carência nutricional;
Baixa auto-estima;
Falta de documentação pessoal;
Exploração e abuso sexual;
Violência doméstica;
Dependência de drogas e álcool pela criança, adolescente e/ou família;
Diversidade de parceiros sexuais;
Desagregação familiar;
Exploração do trabalho infantil;
Fatores de ordem emocional provocado por ansiedade, medo, dentre outros.
Situação escolar: evasão, repetência, defasagem idade/série, etc.
Pais portadores de transtornos mentais em situação que possa provocar risco a criança e/ou
ao adolescente.
1.2 ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO
Acolhimento;
Consulta Social;
Orientação sobre os direitos sociais, previdenciários, trabalhista, da criança, do adolescente e
da família;
251
Apoio psicossocial;
Encaminhamento para profissionais ou serviços da UBS;
Educação em saúde;
Acompanhamento domiciliar;
Inclusão e monitoramento em programas sociais;
Articulação da rede local de solidariedade e proteção social objetivando:
- Garantir o acesso aos direitos da criança e do adolescente;
- Encaminhamentos Institucionais;
Interpretação de Normas e Rotinas;
Assessoramento nos grupos de trabalho contribuindo em técnicas sócio-grupais, educativas-
comunicacionais;
Acompanhamento e avaliação do processo de trabalho.
II – SAÚDE DO ADULTO
2.1 SITUAÇÕES DE RISCOS SOCIAIS QUE HIPERTENSOS, DIABÉTICOS E IDOSOS DEVEM
SER ENCAMINHADOS PARA O ASSISTENTE SOCIAL.
Desemprego;
Baixa renda familiar;
Condições de moradia;
Baixa auto-estima;
Preconceitos de diversos tipos a exemplo de idade, mutilações e etc;
Discriminação;
Conflitos familiares;
Violência doméstica;
Abandono;
Rejeição;
Consumo de álcool e drogas dentre outros.
Situação previdenciária
2.2 ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO
Acolhimento;
Consulta Social;
Diagnóstico Social;
Parecer Social;
Busca ativa dos faltosos;
Sensibilização do usuário para adesão ao programa;
Abordagem terapêutica individual e familiar;
252
Educação em Saúde;
Articular rede local de solidariedade e proteção social, objetivando:
- Encaminhamentos Institucionais;
- Garantia de acesso aos direitos sociais;
- Integração com grupos diversos visando à inclusão em atividades física,
terapêuticas, culturais, sociais e políticas;
Assessoramento nos grupos de trabalho contribuindo em técnicas sócio-grupais, educativa-
comunicacionais;
Avaliação do processo de trabalho;
Interpretação de normas e rotinas das USF;
Acompanhamento domiciliar;
Facilitar a inclusão dos usuários em cursos para complementação de escolaridade na
modalidade jovens e adultos;
Facilitar o fluxo de informações e a comunicação entre serviço, usuário e a família para
agilizar a resolução de problemas emergentes.
III – SAÚDE DA MULHER
3.1 SITUAÇÕES DE RISCOS SOCIAIS QUE A MULHER DEVE SER ENCAMINHADA PARA O
ASSISTENTE SOCIAL
Desnutrição;
Violência doméstica;
Consumo de drogas e álcool;
Desagregação familiar;
Profissionais do Sexo;
Mulheres com múltiplos parceiros;
Fatores de ordem emocional como: aceitação; ansiedade, dentre outros;
Gravidez indesejada;
Resistência ao tratamento;
Necessidade de encaminhamentos a serviços especializados;
Necessidade de Apoio Psicossocial;
Falta de higiene no domicílio;
Exploração e abuso sexual;
Situação previdenciária;
Desemprego;
3.2 ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO
Acolhimento;
Consulta social;
253
Educação em Saúde
Encaminhamentos internos;
Articulação da rede local de solidariedade e proteção social objetivando:
- Garantia de acesso a creches, escolas, enxoval, cesta básica, etc.
- Garantia de consultas especializadas
- Combate às carências nutricionais
Inscrição e acompanhamentos em programas sociais;
Acompanhamento familiar e no domicílio;
Sensibilização para adesão ao programa/ tratamento;
Incentivo ao aleitamento materno;
Busca ativa das faltosas;
Orientação civil, previdenciária, trabalhista e direitos da criança;
Abordagens terapêuticas, individuais e familiares;
Interpretação das normas e rotinas das USF;
Assessoramento nos grupos de trabalho contribuindo em técnicas sócio-grupais e educativas
comunicacionais;
Interpretação de normas e rotinas;
Acompanhamento e avaliação do processo de trabalho.
Colaborar para inserção do marido ou companheiro nos Programas, através de reflexão
dirigida para a realidade sócio-familiar.
IV – DST
4.1 SITUAÇÕES DE RISCOS SOCIAIS QUE O PORTADOR DE DST DEVE SER ENCAMINHADO
PARA O ASSISTENTE SOCIAL
Desemprego;
Baixa renda familiar;
Carência nutricional;
Condições de moradia;
Falta de higiene no domicílio;
Exploração e abuso sexual;
Violência doméstica;
Consumo de drogas e álcool;
Desagregação e conflitos familiares;
Baixa auto-estima;
Preconceitos e Discriminação
Conflitos familiares;
Abandono;
Rejeição;
Situação previdenciária
254
4.2 ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO
Acolhimento;
Consulta Social
Diagnóstico Social
Parecer social
Articular a rede local de solidariedade e proteção social objetivando:
- Facilitar o acesso do parto da gestante HIV;
- Facilitar o acesso e permanência em creches e escolas aos filhos dos portadores de HIV;
- Garantir acesso aos direitos sociais;
Encaminhamentos institucionais;
Integração com grupos diversos visando à inclusão em atividades físicas, terapêuticas,
culturais, sociais e políticas;
Abordagem Terapêutica Familiar;
Sensibilização do usuário para adesão ao programa;
Trabalhar na equipe os diversos aspectos referentes ao preconceito com pacientes de
DST/HIV-Aids visando garantia de acesso e sigilo;
Encaminhamento para notificação;
Educação em Saúde;
Acompanhamento e avaliação do processo de trabalho;
V – SAÚDE MENTAL.
5.1 SITUAÇÕES DE RISCOS SOCIAIS QUE O PORTADOR DE TRANSTORNOS MENTAIS DEVE
SER ENCAMINHADO PARA O ASSISTENTE SOCIAL
Negação da doença;
Desagregação e conflitos familiares;
Baixa renda familiar
Falta de higiene no domicílio;
Desemprego na família;
Dificuldade de acesso à escola;
Exploração e abuso sexual;
Violência doméstica;
Sexualidade;
Consumo de drogas e álcool;
Preconceito e Discriminação;
Abandono;
Rejeição;
Situação previdenciária
255
5.2 ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO
Acolhimento;
Consulta social;
Parecer Social;
Diagnóstico Social;
Ampliação da Rede Local de Solidariedade e Proteção Social objetivando:
- Encaminhar/ Orientar para garantir o acesso aos direitos sociais;
- Inserir em grupos existentes/ Saúde Mental Comunitária;
- Facilitar o acesso ao tratamento e medicação;
- Facilitar o fluxo de informações e a comunicação entre serviços e a Família para agilizar a
resolução de problemas emergentes, (carrinho Zeus/ cadeira de rodas)
- Possibilitar a autonomia afetiva, material e social do usuário;
- Propiciar a incorporação do usuário na vida social e política;
- Incrementar a consciência do usuário acerca dos seus problemas pessoais, familiares,
econômicos e sócio-culturais.
Acompanhamento familiar;
Acompanhamento e avaliação do processo de trabalho;
Interpretação de Normas e Rotinas.
Detectar alguns determinantes das disfunções de ordem psicossocial como: complexos;
ansiedade; auto-rejeição; diante do risco biológico apresentado pelo usuário.
Fazer encaminhamentos para os CAPS diante da necessidade do caso e acompanhar.
VI - ACOLHIMENTO DE RISCO NO TERRITÓRIO
6.1 SITUAÇÕES DE RISCOS NO TERRITÓRIO QUE DEVEM SER TRABALHADOS PELO
ASSISTENTE SOCIAL
Degradação do Meio Ambiente;
Endemias: dengue, esquistossomose, calazar, etc;
Violência urbana e doméstica;
Lixo;
Ausência de Saneamento Básico;
Condições precárias de Moradia;
Condições precárias de Higiene;
Prostituição;
Exploração e Abuso Sexual;
Consumo de drogas e álcool;
Desemprego.
256
6.2 ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO
Reconhecimento de Território;
Identificação e avaliação de riscos sociais/ambientais que possam provocar danos
epidemiológicos e sanitários ao indivíduo ou comunidade;
Sensibilização da ESF para a intervenção nas situações de risco no território (Ações
multiprofissionais);
Acolhimento Coletivo;
Análise de Indicadores de Saúde para provocar discussão do conceito ampliado de saúde
com a equipe e os usuários;
Intersetorialidade;
Projeto de Desenvolvimento Local;
Ações de Educação em Saúde;
Incentivo às Ações de Mobilização e Organização Comunitária;
Controle Social;
Incentivo a ações pontuais que possam minimizar os riscos no território, tais como: mutirões,
campanhas, atividades educativas e recreativas, eventos, etc.;
Criação de Fóruns integrados e permanentes de discussão dos problemas do bairro;
Acompanhar e avaliar com a equipe os impactos das ões na redução dos riscos e agravos
à saúde do indivíduo e/ou comunidade.
Fonte: Protocolos do Serviço Social em Unidades de Saúde da Família. Produção coletiva da
capacitação profissional dos assistentes sociais da Secretaria Municipal de Saúde. Aracaju-Se, maio,
2003.
Organizadores:
Aida Celeste de Brito
Ana Cláudia de Oliveira Pimenta
Sandra Helena Barreto
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