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unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
JÚLIO DE MESQUITA FILHO
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP
CASSIA REGINA TOMANIN
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ARARAQUARA S.P.
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Tese de Doutorado, apresentado ao Programa de
Pós Graduação em Lingüística e Língua
Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras
Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção
do título Doutor em Lingüística e Língua
Portuguesa.
Linha de pesquisa: Análise Lingüística
Orientador: Dra. Rosane de Andrade
Berlinck
Bolsa: CNPq
ARARAQUARA S.P.
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Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação de Lingüística e Língua
Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras
UNESP/Araraquara, como requisito para
obtenção do título de Doutor em Lingüística e
Língua Portuguesa.
Linha de pesquisa: Análise lingüística
Orientador: Dra. Rosane de Andrade
Berlinck
Bolsa: CNPq
Data da defesa: 27/03/2009
MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:
Presidente e Orientador: Dra. Rosane de Andrade Berlinck
UNESP/FCLAr.
Membro Titular: Dr. Roberto Leiser Baronas
Universidade Federal deo Carlos
Membro Titular: Dra. Flávia B. de Menezes Hirata Vale
Universidade Federal deo Carlos
Membro Titular: Dra. Beatriz Nunes de Oliveira Longo
UNESP/FCLAr
Membro Titular: Dra. Cristina Martins Fargetti
UNESP/FCLAr.
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Aos que amo
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Agradecimentos
Ninguém entra e, muito menos sai, de um curso de doutoramento sozinho.
São quatro anos nos quais a vida lá fora” parece parar. Nesse período, todos que
aparecem em nossas vidas contribuem de alguma forma, e nunca serão
esquecidos. O pessoal da secretaria, da biblioteca, dos ônibus, dos restaurantes,
os professores, os colegas de curso, que felizmente viram amigos depois de um
tempo (e isso é para sempre), mesmo que a distância geográfica nos separe. Há
aqueles que já faziam parte de nossas vidas, como minha mãe, minha filha, os
amigos, os colegas do trabalho, os chefes, o CNPq. Enfim, existe toda uma
estrutura que nos permite, mais que isso, nos conduz até aqui. Há, no entanto,
algumas pessoas que eu gostaria de nomear, porque sua atuação, não apenas
em relação a este trabalho, mas em minha vida, vão para além desta etapa que
agora se conclui, sem elas, nada estaria se apresentando agora. São elas:
O Quim, sempre, pelos laços absolutamente definitivos que nos unem.
A professora Marymárcia Guedes, que iniciou as orientações de meu
trabalho, e, embora não tenha concluído, esteve comigo desde o embrião, desde a
formulação da idéia que agora é um trabalho finalizado.
Ao amigo Roberto Leiser Baronas, não apenas pelas orientações do exame
de qualificação, mas pelo exemplo que aprendi a perseguir e que terei sempre
como ideal.
À colega e amiga Gislaine, sempre comigo, nos bons e maus momentos,
pelo incentivo, pelas leituras, pelas indicações, por tudo, mas sobretudo pela
amizade, verdadeira e incondicional.
Agradecer a professora Rosane Berlinck é a parte mais dicil, mais que
comprovar as hipóteses de nosso trabalho, mais que organizar e analisar o
corpus. Por mais que tente nunca conseguirei expressar minha admiração por
essa pessoa na qual ninguém consegue encontrar o mais sutil defeito. Não
apenas pela brilhante, embora pida, orientação, mas pelo exemplo de
profissional, de amiga, de ser humano, de tudo. A ela, meus mais sinceros e
eternos sentimentos de gratidão, respeito, admiração e amizade.
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TEMPO REI
Não me iludo
Tudo permanecerá do jeito que tem sido
Transcorrendo, transformando
Tempo e espaço, navegando todos os sentidos
Pães de açúcar, Corcovados
Fustigados pela chuva
E pelo eterno vento
Água mole, pedra dura
Tanto bate que não resta
Nem pensamento
Tempo rei, ó tempo rei, ó tempo rei
Transformar as velhas formas de viver
Ensinai-me, ó pai, o que ainda não sei
Mãe senhora do perpétuo, socorrei
Pensamento
Mesmo fundamento singular do ser humano
De um momento para outro
Poderá não mais fundar nem gregos nem baianos
Mães zelosas, pais corujas,
Vejam como as águas de repente ficam sujas
Não se iludam, não me iludo
Tudo agora mesmo pode estar
Por um segundo
Tempo rei, ó tempo rei, ó tempo rei
Gilberto Gil
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Resumo
O trabalho que está se apresentando neste momento é um texto pequeno em
extensão, e que tem como principal objetivo reivindicar que a construção: verbo
auxiliar + clítico + verbo principal seja reconhecida, do ponto de vista da colocação
pronominal, como uma construção mesoclítica. Tal reivindicação justifica-se pelo
fato de que o que é denominado pela gramática normativa como mesóclise, é a
colocação de um pronome no ponto de juntura no lugar em que em um momento
da história forma dois verbos: um verbo principal + o verbo auxiliar haver (habēre).
A hitese aqui defendida tem dois pontos básicos de sustentação: o primeiro é a
própria história do futuro; o segundo é o processo de gramaticalização do futuro,
no qual o fenômeno aqui apresentado foi inserido e, que tem como conseqüência
a cristalização da nova modalidade de mesóclise. Pela complexidade que envolve
o tempo e pela incerteza que é característica inerente do futuro, discute-se, ainda,
noções de tempo e, especificamente, do futuro, por estarem elas relacionadas à
variação nas formas de expressão do futuro; assim como a discussão sobre ser o
futuro um tempo ou um modo. A incerteza, provavelmente, gerada pela
virtualidade do futuro, pode ser um fator condicionante da variação em torno da
expressão desse tempo; isso tem como conseqüência, o surgimento de formas
perifrásticas, que são constituídas pelo verbo principal e um verbo auxiliar, o qual
executa as tarefas morfológicas. Pela importância do verbo principal nesse
processo, apresenta-se e discute-se, tamm, a questão da auxiliaridade. Para
ilustrar o processo de cristalização da nova modalidade de mesóclise,
apresentam-se exemplos retirados de cartas familiares e oficiais e textos de
jornais de várias regiões do país, ambos produzidos nos séculos XVIII e XIX.
Palavras-Chaves: cristalização, futuro, gramaticalização, mesóclise, perífrase
verbal e tempo
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Abstract
In this dissertation the status of mesoclitic is claimed to the construction auxiliary
verb+clitic+main verb in Portuguese language from the point-of-view of the
pronominal position. In traditional grammar mesoclitic is the location of a pronoun
in the junction point that in history of Portuguese language gives rise to two verbs:
a main verb+the auxiliary verb haver (habēre). The hypothesis claimed in this
dissertation is supported by two basic points: first, the history of the future; second,
the process of crystallization of the phenomenon is inserted in and classified as
mesoclitic. The notion of tense, specifically of future, is discussed because of the
complexity of the tense and the incertitude intrinsic to the future. This discussion is
due to the relation between future and the variation in the realization of future
forms and because of the discussion on future as a tense or a mode. The
incertitude probably generated by the virtuality of the future may the conditioning
factor of variation in the expression of this tense; its consequence is the appearing
of periphrastic forms constituted by the main verb and an auxiliary verb that
perform morphological tasks. Auxiliarity is also discussed because of the
importance of the main verb in this process. The process of gramaticalization of the
new mesoclitic construction is exemplified by official and family letters and
newspaper articles written between the 18
th
and 19
th
in several Brazilian locations.
Key-words: crystallization, future tense, gramaticalization, mesoclitic, verbal
periphrases, and time.
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SUMARIO
0 Introdução 010
1 As línguas mudam 024
2 A Gramaticalização e as Gramaticalizações 033
3 O Tempo – O que é? Como se faz? 046
3.1 O Tempo – o que é? 046
3.2 O Tempo – Como a língua portuguesa faz? 052
4 E o Futuro? O que é? Como se faz? 055
4.1 Como a Gramática Tradicional explica e analisa a
marcação do futuro português 055
4.2 Uma breve história do passado e do presente do
futuro português 063
5 Futuro: A incerteza traz conseqüências lingüísticas 073
6 A Constituição do material de análise e ilustração 080
7 A construção do cerio para a implantação da nova
modalidade de mesóclise 083
7.1 A Auxiliaridade 083
7.2 A produtividade da perífrase ir+VP como expressão
do futuro no PB 089
7.3 A des-construção do cenário para a implantação
da nova modalidade de mesóclise 123
8 Enfim, a Mesóclise 126
8.1 A nova modalidade de mesóclise é uma variante 138
9 Algumas Considerações 146
10 Referências 149
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0- Introdução
As reflexões que seguem pretendem apenas
ser um convite para a construção da história do português
brasileiro, obra que não pode deixar de ser coletiva e
conjuntamente sonhada.
Rosa Virgínia Mattos e Silva
Façamos nossas as palavras de Mattos e Silva (2001) que servem
perfeitamente para resumir o grande objetivo deste trabalho, que é o de fornecer
subsídios para trabalhos posteriores, cujas metas sejam as de apontar traços,
fenômenos registrados no português brasileiro alguns que possam pertencer com
exclusividade a essa variedade do português, outros que ocorrem aqui e além
mar, outros que ainda se verificam aqui e há muito já deixaram a fala lusitana.
Nossa contribuição com este trabalho será especificamente apresentar o que
estamos reivindicando como sendo uma nova modalidade de mesóclise. Aqui
trataremos de demonstrar como ela foi re-analisada, se re-organizou e se
cristalizou na variedade brasileira do português.
Tanto quanto instigante, o mapeamento do português brasileiro é
extremamente dificultoso, não apenas pela dimensão territorial de nosso país, que
congrega um variado espectro de variedades lingüísticas, mas também, pela
variedade de fenômenos a serem estudados e pela profundidade nas análises que
o tema exige. Assim, os trabalhos de descrição do PB m sido realizados de
forma fragmentada, para que, ao final de algum tempo, somados, possam ser uma
fotografia da fala brasileira. É dessa forma que este trabalho pretende ser visto,
antes de mais nada, um pequeno fragmento de um dos fenômenos do PB. Ele, ao
ser concldo, significará mais um entre aqueles que procuram integrar um grande
arquivo sobre a diversificada variedade brasileira do português.
A colocação dos clíticos é um dos pontos ao lado da realização do sujeito,
da realização variável do objeto, das orações relativas e da ordem dos
constituintes da sentença, que, segundo estudos das mais diversas correntes
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lingüísticas, o aspectos que diferenciam o português deste e do outro lado do
Atlântico.
A mesóclise, hoje definida simplesmente como a colocação de um pronome
no meio, ou na juntura interna de um verbo, é vista por mara Jr. como um traço
em extinção no PB: “No Brasil, se encontra a mesóclise na língua escrita
literária, estando banida da língua usual, onde com as formas de futuro só se
pratica a próclise (CÂMARA JR, 1985, p: 165). Realmente muitos estudos já
anunciaram a queda da mesóclise, mas aqui estaremos defendendo uma nova
concepção de mesóclise, a qual não foi banida da fala brasileira, ela foi sim, re-
analisada e se configura de outra forma, ou seja, como conseqüência do processo
de gramaticalização do verbo ir como auxiliar de futuro, a mesóclise resiste no PB
falado, não aparece no lugar canônico ao invés de estar à direita do verbo
nuclear aparece agora antes desse. Tal alteração, como dito, é conseqüência da
variação da(s) forma(s) de futuro, o do presente e o do pretérito, assim, a nova
modalidade de mesóclise é possível, basicamente, por conta dos seguintes fatos
lingüísticos:
1- O auxiliar para formação do futuro é o verbo ir;
2- O referido auxiliar posiciona-se à esquerda do verbo nuclear;
3- Há, no Brasil, preferência pela pclise em relação ao verbo
principal
A fim de avaliarmos a hipótese principal, ou seja, a mesóclise existe e é
largamente usada no PB, temos dois caminhos possíveis:
a- ou conservamos a iia de que o -re é um Morfema Modo Temporal e
tentamos provar que o ir, anteposto ao verbo nuclear também o é. E, nesse caso
manteríamos a idéia de mesóclise como a colocação de um clítico entre um verbo
nuclear e um morfema;
b- ou desconstruímos a idéia que -re é um morfema e consideramos, pela
variação do futuro em sua diacronia, que -re, embora tenha se aglutinado ao verbo
principal não deixou de ser um verbo auxiliar, que é o que ocorre com o ir nessa
mesma função. Dessa forma a mesóclise seria re-definida como sendo, ao ins
da colocação de um clítico no meio de um verbo, a colocação de um clítico entre
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dois verbos, um auxiliar e um nuclear, independentemente da ordem em que se
colocam esses verbos.
Optando pela primeira premissa, encontraríamos algum respaldo em
Câmara Jr. (1992), quando ele apresenta a classificação do vocábulo formal em
três espécies: formas livres, presas e dependentes. As formas livres formam uma
seqüência e “podem funcionar isoladamente como comunicação suficiente
(CÂMARA JR.,1992, p. 69); as formas presas, por sua vez “só funcionam ligadas a
outras (op. cit., p. 69) e as formas dependentes não funcionam isoladamente,
portanto não são livres, mas também não são presas porque podem ser
intercaladas por outras formas livres. Nesse ponto mara Jr. deixa uma entrada
para que se possa considerar a hipótese de que o auxiliar ir seja um morfema, já
que da forma como está aparecendo no PB atual é uma forma que o é
dependente, porque tem lugar fixo, mas também não é totalmente fixa, porque
pode ser intercalada pelo pronome, é uma categoria que ficaria entre essas duas
espécies, mas de qualquer forma só funciona quando junto a um verbo nuclear.
Corôa (2005) também nos indica uma pista para acreditarmos que ir possa
funcionar como morfema verbal. Embora não trate especificamente desse caso,
diz a autora que o tempo gramatical “é aquele caracterizado em português por um
radical acrescido dos morfemas típicos (CORÔA, 2005, p. 24). Acreditamos que
podemos considerar o ir como um morfema típico, já que o futuro se forma com o
radical, que é o próprio verbo nuclear no infinitivo, e o que acresce as iias de
modo, tempo, pessoa e número é o morfema típico, nesse caso, a função
desempenhada pelo ir.
No entanto, apesar de considerarmos válidos os argumentos de Corôa,
preferimos perseguir a segunda premissa, isto é, a de que re se gramaticalizou até
o último estágio previsto pela teoria a ponto de aglutinar-se ao verbo principal e
deixar de ser interpretado como verbo, passando a ser percebido como um
morfema, mas em sua origem é um verbo, exatamente como o ir. Tal idéia nos
parece mais plausível, no sentido de ser cientificamente mais sustentável.
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Ilustraremos o que estamos dizendo com alguns exemplos retirados dos
registros organizados por Guedes e Berlinck (2000) de jornais brasileiros do
século XIX. Vejamos.
(01) FESTA DE Nossa Senhora D’AJUDA Celebrar-se- no corrente anno
(20JB) No domingo 14 effectuar-se o bando de mascaras (...)
(O Guarany- BA-11.11.1886)
(02) A estreiteza do tempo não tendo permetido publicar hoje as
importantes noticias que ultimamente vierão do Algarve, communicar-se-
hão ao publico no seguinte Número desta Gazeta
(Gazeta do Rio de Janeiro- RJ- 21.09.1808)
A ortografia recupera a origem e a verdadeira face do que atualmente se
classifica como morfema modo temporal, no entanto, sabemos que esse o é um
argumento confiável, já que na época em que foram produzidos os exemplos
acima não havia um acordo ortográfico colocado em efetiva prática mas não deixa
de ser um pequeno indício de que o verbo haver poderia estar sendo percebido
pelo falante naquela formação
Temos um outro argumento que nos parece mais confiável: se a mesóclise
fosse realmente a colocação de um clítico no meio de um verbo, ou entre um
verbo e um de seus morfemas, isto é, em uma de suas junturas internas, como
define mara Jr. (2002, p.151), qualquer verbo conjugado em qualquer
tempo/modo poderia apresentar uma forma de mesóclise. Assim teríamos
construções como: se eu fala-te-se (presente do subjuntivo); quando eu banha-
me-va (pretérito imperfeito). Mas isso é agramatical, em português e qualquer
outra língua românica.
Assim sendo, o que fundamentará, de fato, nossa hipótese é a própria
história do futuro, desde suas origens, ou seja, partiremos de uma revio
diacnica.
A idéia de que a construção “IR+PRONOME+VERBO NUCLEAR” é uma
mesóclise, tem como base de sustentação o processo de gramaticalização da
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expressão de futuro perifrástico atual; isto é, aquele formado com o auxiliar ir, que
anteposto ao verbo nuclear, perde sua significação original para exercer a nova
função, indicando pessoa, mero, tempo e modo. É a mesma função que era
conferida ao verbo habēre (haver) para formar o infectum e o perfectum ou futuro
do pretérito (condicional) e futuro do presente, respectivamente.
Tínhamos então, o verbo haver, nas formas habeban e habeo,
gramaticalizado, e nessa condição, começou a aparecer ao lado do verbo nuclear
e, aos poucos foi deixando de ser percebido como verbo e sendo considerado um
morfema localizado à direita do verbo, com indicações/funções de natureza
morfológica.
Por essa razão, um clítico em uma construção como falar-te-ei, encontrar-
te-ia, isto é: raiz+pronome+morfema, passou a ser considerado, do ponto de vista
da colocação pronominal, como mesóclise, já que o pronome estaria sendo
colocado no meio de uma palavra, no caso de um verbo, num processo
reconhecido como tmese.
Assim, embora reconheçamos que a denominação tmese refere-se a uma
cio no meio de uma palavra, estamos propondo que a mesóclise seja
considerada o a colocação de um pronome no meio de um verbo, mas sim, a
colocação de um pronome entre dois verbos, um nuclear ou principal, que traz as
informações semânticas, outro auxiliar, que traz as informações gramaticais. Ora,
se assim o é, em formas como vou-te-falar ou ia-te-encontrar ocorre exatamente o
mesmo que na forma sintética, com a diferença que o verbo haver é substituído
pelo verbo ir e com a mudança deste para a esquerda do verbo nuclear. Com isso
queremos dizer simplesmente que o verbo ir está se gramaticalizando no PB
cumprindo a antiga função do verbo haver.
Não nos resta qualquer dúvida em inserir sob o rótulo de gramaticalização a
transformação do verbo ir de pleno a auxiliar, considerando sua clara trajetória do
mais concreto, com significação semântica de deslocação no espaço, do lugar de
onde o falante está para outro, para o mais abstrato, auxiliar de futuro com pouca
informação semântica.
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É esse caminho que sustenta a hipótese da gramaticalização, isto é, a
unidirecionalidade, que conduz um item do menos gramatical para o mais
gramatical. Um item vai perdendo gradativamente sua significação e adquirindo
propriedade de função. Ilustrando o dito, dizemos que o verbo ir, na função de
auxiliar de futuro, está perdendo o significado apresentado pelos diciorios, que
indica movimento “daqui para lá” e passando a indicar pessoa, mero, modo e
tempo é, pois, um elemento, uma partícula gramatical, com comportamento muito
próximo ao de um morfema, elemento sem qualquer significação semântica. Como
conceitua mara Jr., o morfema, como forma lingüística, tem um significante e
um significado, o primeiro refere-se ao material fônico e o significado é a noção
gramatical que o morfema traz para o semantema (CÂMARA JR. 2002, p. 170). O
mesmo autor considera também que o auxiliar seja um morfema, diz ele que
auxiliar é “qualquer vocábulo de significação gramatical, que forma locução com
um vocábulo de significação externa para situá-lo numa dada categoria gramatical
[...] portanto, qualquer vocábulo que é morfema categórico ou relacional
(CÂMARA JR., 2002, p. 64).
Entendendo que o que estamos tratando aqui signifique para a história da
língua um estágio, e concebendo a gramaticalização comoo trajeto empreendido
por um item lexical, ao longo do qual ele muda de categoria sintática (CASTILHO,
1997, p. 31), assumimos o que diz Lehmann (1982, apud. CASTILHO, 1997) sobre
o fato de que cada estágio compreende rias fases. Tais fases o apresentadas
por Castilho da seguinte forma:
-------------
sintaticização
--------------
morfologização
-------------
desmorfemização
Cada uma dessas fases é, por sua vez, desdobrada em diferentes faces, já
que ocorrem de várias maneiras isto é, o femeno de gramaticalização atua de
diferentes formas.
Estamos considerando que o femeno aqui tratado esteja na primeira
fase, ou seja, da sintaticização, a qual possui duas faces:
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a- a recategorização sintática e
b- a categorização funcional
A primeira é verificada em vários grupos:
1- grupo verbal
2- grupo nominal
3- grupo pronominal
4- grupo adverbial
5- grupo dos nexos
É no grupo verbal que se localiza nosso objeto de estudo, que pode ser
observado aqui tanto com o futuro do presente quanto com o futuro do pretérito,
ou com os dois tempos.
Convém aqui explicitarmos que nem todas as considerações que se faz
para um futuro servem para outro por exemplo, a discussão sobre ser o futuro um
tempo ou modo não é exatamente a mesma para as duas formas de futuro,
Fleischman (1982), por exemplo, prefere referir-se ao futuro do pretérito como
uma nova dimensão temporal. Mas aqui, na forma pela qual conduziremos as
investigações e pelo fato de ambos seguirem a mesma trajetória, compartilhando
os mesmo auxiliares, estaremos tratando o futuro do presente e o futuro do
pretérito como um único ambiente, já que, tanto em um quanto em outro a
mesóclise se faz da mesma forma. O fato de, em nossas ilustrações, recorrermos
com mais freqüência ao futuro do presente se deve unicamente ao fato de este ser
muito mais produtivo.
Segundo Castilho (1997) “do ponto de vista da gramaticalização, o
fenômeno mais interessante é o da transformação de um verbo pleno num verbo
funcional, e deste, num verbo auxiliar” (CASTILHO, 1997, p. 33) o que se encaixa
perfeitamente no que estamos tratando aqui. Considerando que sendo os
auxiliares (funcionais) aqueles verbos que acompanham os nucleares em sua
forma nominal e que carregam a idéia de pessoa, mero, tempo e modo., isto
significa que, em expressões como “vou viajar” ou íamos comprar”, o verbo ir é o
auxiliar do nuclear que o sucede; sua função auxiliar é clara, ou seja, marca
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pessoa, mero, tempo e modo enquanto o núcleo do predicado se mantém em
sua forma infinitiva (nominal).
As formas analíticas, exemplificadas acima, são as que estão
predominando no português falado no Brasil, conforme se observa em várias
pesquisas, como, por exemplo, as dialetológicas, que m como última etapa das
tarefas, os atlanten lingüísticos. Nesse material a forma mais produtiva de de
expressar o futuro é a referida perífrase com ir, e, tal forma estaria concorrendo
com outras variantes de expressão do futuro, entre elas, a forma sintética. A forma
sintética, por sua vez, é resultado da evolão de uma outra forma analítica: falar
hei. Com o tempo, o verbo habēre foi se gramaticalizando, passou à fase da
morfologização e se aglutinou ao verbo nuclear e, assim, passou a ser percebido
como morfema e não mais como verbo.
O fato de um clítico colocar-se antes do verbo habēre após este ter se
juntado ao nuclear à sua esquerda, fez com que o pronome colocado à direita do
nuclear, portanto em posição enclítica, fosse entendido como um processo de
tmese, ou seja, a colocação de uma partícula (no caso um pronome) no meio de
uma palavra, ou na definição de Câmara Jr., a
separação de um vocábulo em duas partes numa das suas
junturas internas com a intercalação, entre duas partes, de uma
forma vocabular, como sucede em português com a chamada
mesóclise do pronome adverbal átono, onde a tmese se processa
de acordo com a estrutura primitiva, de conjugação perifstica,
das formas verbais de futuro (falar + ei etc; donde falar-lhe-ei etc.
(CÂMARA JR, 2002, p. 232)
Há, no entanto, algo em relação ao processo de tmese, o qual já citamos
acima, que deve ser observado mais de perto. Suponhamos a segmentação de
um verbo regular da primeira conjugação como nos quadros adiante:
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19
Futuro do presente
Radical VT MMT MNP
A RE I
A RA S
A RA Ø
A RE MOS
A RE IS
A O
Futuro do pretérito
Radical VT MMT MNP
A RIA I
A RIA S
A RIA Ø
A RIA MOS
A RIE* IS
A RIA M
De acordo com esse modelo de segmentação nas quatro partes que
comem o verbo, o lugar em que melhor caberia um corte seria entre a vogal
temática (VT) e os morfemas (MMT e o MNP), já que se percebe aí duas partes
relativamente distintas em uma palavra: de um lado a informação semântica, de
outro as informações gramaticais. Eis o lugar perfeito para uma cisão, ou seja,
entre essas duas partes distintas, originando construções como, por exemplo, fala-
te-rei.
Mas não é isso o que ocorre.
A conclusão mais provável, historicamente verificada é que o que
estaríamos observando é que a mesóclise é a colocação de um clítico entre um
verbo nuclear, em toda sua extensão vocabular, ou seja, a palavra inteira e o
verbo auxiliar habēre, com o tempo tendo passado à pronúncia ai/ei e sendo
assim percebido como morfema. Acreditamos que esse seja mais um forte
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20
argumento que nos permite afirmar que a mesóclise é a colocação de um clítico
entre dois verbos: o principal e o auxiliar.
Se recorrermos à definição de tmese feita por mara Jr. (2002) citada
acima, percebemos que ele reconhece certa interferência histórica na
segmentação do verbo no momento do corte onde se realizará a mesóclise, já que
cita a estrutura primitiva do verbo, a qual possibilita o corte. O autor encontra na
história a solução para a questão da cisão, que não é comum em outras
conjugações verbais.
A juntura é definida pelo autor como “nome geral para o contacto entre
duas formas mínimas” (CÂMARA JR. 2002, p. 151), o que novamente nos
colocaria frente ao problema do morfema descontínuo, mas a explicação continua
“nome geral para o contacto entre duas formas mínimas - dentro do vocábulo
(juntura interna) ou entre dois vocábulos num grupo de força (juntura externa)” (op.
cit).
Sendo assim, não podendo incluir a mesóclise como um corte na juntura
interna, já que para isso, como dito, ela deveria localizar-se em outro lugar,
originando uma construção do tipo fala-te-rei; encontra-te-ria já que conjugado o
verbo perde seu -r, morfema de infinitivo. Assim vemos reforçada nossa
reivindicação de mesóclise como sendo a colocação de um clítico entre dois
verbos.
Conforme anunciamos, como mostraremos no decorrer deste estudo, no
PB atual, as formas sintéticas dos futuros do Indicativo praticamente não existem
na fala coloquial. Diz Castilho que “esta passa a sofrer concorrência de uma nova
perífrase, desta vez constituída pelos verbos IR e QUERER, retomando-se o
processo anterior” (CASTILHO, 1997, p. 33)
Há, no entanto, a diferença que desta vez o verbo auxiliar está à esquerda
do verbo nuclear e não mais à direita, o que torna mais dicil ou impossível sua
aglutinação, caracterizando a fase de morfologização, já que em português, os
morfemas verbais, pelo menos até agora, colocam-se à direita dos termos (no
caso, os verbos) nucleares. Por essa razão, para sustentar a idéia de que formas
como “vai me furar” ou ia te contar” constituem, do ponto de vista da colocação
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21
pronominal, uma mesóclise, temos de nos apoiar numa explicação diacrônica, no
sentido de lembrar que o verbo ir possui hoje, no PB coloquial, as mesmas
propriedades e funções que o haver já teve ou seja, carregar as informações de
pessoa, mero, tempo e modo do verbo nuclear. Assim, o objetivo único deste
trabalho é muito simples trata-se nada mais do que de desconstruir a idéia de
mesóclise como tmese e concebê-la como a colocação de um pronome entre um
verbo nuclear ou principal e um funcional ou auxiliar, independentemente do fato
de este estar à direita ou à esquerda daquele. Assumimos então que:
a colocação do verbo auxiliar é livre, podendo aparecer à direita ou a
esquerda do nuclear;
a mesóclise se define como a colocação de um pronome entre um
verbo nuclear e um ou auxiliar.
Até aqui acreditamos ter justificado parte de nossa proposta: a
gramaticalização da modalidade perifrástica do futuro com o auxiliar ir. A partir de
tal constatação, falar da cristalização de uma nova mesóclise não é tarefa
inexeqüível, pode-se dizer que se trata simplesmente de uma reivindicação de
terminologia.
Neste ponto o que servi de sustentação à nossa proposição é a posição
variável, conforme demonstram estudos diacrônicos, em que o clítico pode
ocorrer, como se pode verificar em Huber (1933), o qual, ao observar o fenômeno
afirma que “os pronomes-complemento átonos podem estar antes ou depois do
verbo do qual dependem. No futuro e condicional encontram-se geralmente entre
o infinitivo e a terminação”
1
(HUBER, 1933, p. 177). Huber não consegue
encontrar claras evidências sobre fatos que poderiam ser responsabilizados pela
colocação pronominal, já que segundo ele, “umas vezes se encontra depois do
sujeito, outras depois do predicado. Talvez se encoste à palavra de acento mais
forte” (HUBER, 1933, p. 178).
Said Ali (1964), entre outros, acredita que os critérios que determinam a
colocação dos clíticos sejam de natureza fonética. O estudioso explica que
1
Os grifos são nossos, utilizados no sentido de enfatizar a possibilidade de deslocamento dos pronomes
átonos.
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22
as formas pronominais átonas me, te, lhe, o, a, nos,
vos, lhes, os, as colocam-se em português
normalmente após o verbo a que servem de
complemento e a ele se encostam [...] certas causas
de ordem fonética podem entretanto determinar o
deslocamento das referidas formas pronominais para
antes do verbo” (SAID ALI, 1964, p. 204).
As “certas causas de ordem fonética” às quais alude Said Ali são as
mesmas das quais fala Huber, ou seja, a palavra de acento mais forte poderia
estar atraindo as palavras monossílabas átonas. É o mesmo princípio que justifica
que em Portugal se prefere a ênclise e no Brasil se prefere a pclise por causa do
acento, da prosódia.
Em resumo, a re-análise da colocação pronominal denominada aqui como
mesoclítica, nada mais é do que resultado da acomodação do auxiliar ir à
esquerda do verbo nuclear, assim, essa colocação pronominal não é um
fenômeno independente, ela é reflexo do enrijecimento da próclise ao verbo
principal na variedade brasileira do português, ou seja, do lugar do pronome antes
do verbo principal. O posicionamento do auxiliar antes do verbo principal força a
posição mesoclítica do pronome.
Assim, embora o tema desta pesquisa seja a mesóclise, a tarefa mais
árdua se colocar o auxiliar ir como uma espécie de sinimo funcional de
habēre, isto é, mostrar que ir exerce as mesmas funções que o habēre. Justificar a
partir daí a mesóclise nada mais é do que uma conseqüência. Sendo assim, a
construção do futuro do presente em português, ao longo de sua história será o
tema mais explorado, além de questões pertinentes ao tempo futuro, por
acreditarmos que a constante revisão das formas de se traduzir o futuro possa
estar relacionada com a complexa atividade humana em perceber, medir, marcar
e traduzir o tempo, essa entidade ainda tão pouco entendida pela mente humana.
O trabalho ao qual daremos icio é bastante modesto e despretensioso na
verdade, seu objetivo nada mais é do que propor uma re-avaliação do que seja
mesóclise e, em conseqüência, tratar a forma aqui apresentada como uma
colocação pronominal entre dois verbos, portanto, uma construção mesoclítica.
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23
Esse é o único ponto novo a ser apresentado e discutido aqui; os demais o
retornos a temas já conhecidos.
A fim de sustentarmos nossa hipótese, este trabalho apresentar-se-á
dividido em partes relativamente distintas, mas que acabam se imbricando, pois é
sempre ao mesmo tema que voltamos: a trajetória de gramaticalização do futuro
com enfoque em sua alternância entre formas sintéticas e analíticas. Assim sendo,
não há, a rigor, uma ordem para a apresentação das seções. Se a fizemos é por
uma exigência de apresentação lógica, mas não se perceberá uma evolução do
tema e, sim, uma fixação no mesmo, nas revisões que fazemos de matérias já
conhecidas, como: a história do futuro, os pressupostos da gramaticalização, a
complexidade sobre o quem vem a ser o tempo e o tempo futuro, entre outros
pontos que julgamos serem necessários para podermos sustentar a reivindicação
aqui feita.
Da forma que segue apresentamos os resultados de nossa pesquisa:
Preferimos iniciar a apresentação do trabalho com a seção “As línguas
mudam a fim de não perdermos a idéia de que o processo de mudança das
línguas é constante e ininterrupto e que as alterações ocorrem em todos os níveis
lingüísticos de forma interligada;
A seção “A Gramaticalização e as Gramaticalizações” apresenta parte do
modelo teórico sobre o qual fundamentamos nossas conclusões a respeito da
trajetória do verbo ir e da formação da mesóclise.
Na seção 3, tratamos da auxiliaridade, considerando principalmente os
pressupostos de Benveniste sobre o assunto. Procuramos nesta seção dar ênfase
à importância do verbo auxiliar numa construção perifrástica.
As seções 4 e 5 são destinadas a tratar de como o homem concebe e
traduz na língua o tempo e o futuro, quais as dificuldades que a complexidade do
tema impõe e como o homem usa a língua para tentar ser o mais preciso possível
para expressar a noção de futuro.
A seção 6 é brevíssima e tem como ún9ca finalidade apresentar o corpus
que utilizamos mais para ilustrar nossas argumentações do que para provar e
analisar o fenômeno aqui estudado.
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24
É ma seção 7 que apresentamos, por meio de análises de construções
recolhidas em nosso corpus, o momento em que havia principalmente três
variantes de futuro. Tentamos encontrar e compreender quais os fatores dessa
época viriam a consagrar a perífrase com ir como a variante mais produtiva para a
expressão do futuro. Nesse mesmo tópico apresentamos uma outra variante, a
forma do presente do indicativo, que se viesse a substituir a forma perifrástica
exterminaria a nova modalidade de mesóclise aqui apresentada.
Nesse ponto do trabalho julgamos oportuno apresentar o estudo da
cristalização da mesóclise. É na seção 8 que se condensa todo o estudo; é uma
seção relativamente breve, já que, conforme já explicamos, a mesóclise é apenas
uma conseqüência de tudo o que se discutiu e ilustrou no decorrer do trabalho. Na
mesma seção mostramos uma outra forma de colocação do objeto, que concorre
com a mesóclise.
Seguem-se após essas seções as Considerações Finais e as Referências.
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1. AS LINGUAS MUDAM
A história de qualquer língua é registrada considerando-se duas faces: a
interna e a externa. À história externa pertencem os fatos sociais, geogficos,
políticos, enfim, a própria história dos povos, das nações, cujos atos acabam por
interferir, em certa medida, na história interna das línguas, isto é, as alterações
que são verificadas em toda e qualquer língua ao longo dos tempos.
A história externa é geralmente de cil apresentação. Trata-se de uma
narração de fatos históricos, como as grandes navegações, os descobrimentos, as
conquistas, as guerras, enfim, acontecimentos registrados pelos homens, ainda
que em torno dos mesmos possam surgir algumas polêmicas ou controvérsias.
A história externa tem uma relação muito estreita com a história interna de
cada língua. No caso do tema tratado aqui, julgamos que tal relação seja de
fundamental importância, já que a forma de se expressar o tempo está relacionada
à maneira como o homem percebe e interpreta o tempo.
Como o objeto central tratado aqui é o futuro a questão fica ainda mais
complexa, pois, se já é difícil para o homem a compreensão do tempo por ser algo
tão abstrato, com o futuro é ainda pior, a ponto de o homem nem ter certeza se
futuro é algo que existe, ou se é mesmo um tempo.
É por questões como essa que a história externa se reflete na hisria de
uma língua. No caso do tempo e do futuro as oscilações são universais, isto é,
ocorrem em todas as línguas, mas são mais perceptíveis naquelas que possuem
formas próprias para expressão do tempo em sua morfologia .
O reflexo do que ocorre com a sociedade é verificado na história interna de
uma língua. Os fatos lingüísticos não são narrados a partir de histórias que o
povo conta, mas a partir de “como o povo as conta” isto é, a análise lingüística de
documentos em alguns períodos escassos, em outros raríssimos é que
permite que a história interna de uma língua não ágrafa seja contada, ou até
mesmo reconstruída a partir de comparações entre as línguas filhas, como se faz
na reconstrução das proto-línguas.
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Por meio da análise dos fenômenos lingüísticos é que se pode, por
exemplo, dividir as línguas em famílias, períodos ou variedades, e o que permite
tal divisão é o agrupamento de um número de fenômenos, sejam fonéticos,
morfológicos, sinticos ou lexicais, comuns a determinada época ou lugar ou a
gêneros textuais ou a um grupo de falantes.
Um conjunto de traços lingüísticos, encontrados no final da Idade Média em
algumas das línguas que hoje são denominadas românicas ou neolatinas, permite-
nos que classifiquemos aquelas como originárias dos romances, os quais, por sua
vez, originaram-se do latim vulgar.
Dentre essas línguas interessa-nos o português. Em sua fase hisrica, isto
é, a partir do século XII, com o aparecimento da Cantiga da Ribeirinha (1189),
essa língua foi dividida em vários períodos. A maioria dos estudiosos concorda
que português pode ser dividido em três momentos distintos: o arcaico, o clássico
e o moderno.
O período arcaico reúne uma série de femenos lingüísticos observados
em textos, documentos, cartas, poemas, tais como a já citada Cantiga da
Ribeirinha, de Paio Soares Taveirós, o Auto da Partilha (1192), a Notícia de Torto
(cuja data provável seja 1206), além de outros pertencentes aos séculos
seguintes, hoje arquivados na Torre do Tombo e na Biblioteca Nacional de Lisboa.
Os elementos lingüísticos encontrados nos textos daquela época permitem
que ela seja denominada, fechada em um bloco chamado de português arcaico.
São, segundo Teyssier (1997, p. 29), os seguintes:
- na grafia Teyssier (1997, p. 29) reconhece o aparecimento do ch
para reproduzir na escrita os grafos africados. Aparecem, após 1250, o nh e o
lh, para representarem o n e o l palatais. O til (~) aparece para indicar nasalidade.
É um período em que a ortografia é bem mais fiel à fonética do que seria nos
próximos séculos
- na fonética e fonologia as palavras se apresentam nas formas
oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas.
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27
As vogais, em posição nica, o as sete que conhecemos hoje. em
posição átona final são registradas apenas cinco (o e e o abertos o existem
nesse contexto).
O quadro das consoantes, bastante semelhante ao atual, apresenta, de
acordo com Coutinho (1968, p. 66) “a distião perfeita entre o valor de s e ç, do s
intervocálico e z, do ch e x”, além do ditongo om, atual ão, localizado no final de
substantivos e verbos, que refere-se aos finais one e udine latinos.
- na morfologia é assinalado por Teyssier (1997, p. 36, 37) que a
queda do l e do n intervocálicos cria um novo paradigma para o plural dos nomes:
sinal - sina-es
mano - mãos
can(e) - cães
- na sintaxe Coutinho (1968, p. 67) destaca como marcas do
período arcaico os seguintes fenômenos:
a variação do partipio passado junto ao ter e haver;
a preposição sem regendo gerúndio;
uso do caso-complemento do pronome pessoal pelo caso-
sujeito
uso do artigo antes de um e de outro;
verbos de movimento seguidos de preposição em;
uso de home como sujeito indefinido;
uso de verbo no singular com sujeito no plural;
uso do partitivo;
uso de cujo como interrrogativo;
uso do se ou si com valor de assim em início de frase;
uso de duas negativas pré-verbais;
uso de alguns verbos (pedir, perguntar) com dois acusativos;
uso freqüente de pleonasmos;
uso freqüente de anacolutos;
uso da segunda pessoa do subjuntivo no lugar do imperativo
em frases optativas;
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uso de em com valor de demonstrativo;
uso do de como segundo termo de comparação;
liberdade na colocação pronominal;
regência diferente da do português atual.
Após esse período, antes do que se convencionou chamar de português
moderno, um período considerado intermediário, o período clássico. Esse
período conserva ainda alguns traços do português arcaico e apresenta, ao
mesmo tempo, traços então inovadores, que viriam a constituir o português
moderno.
Esse modelo de periodização da língua portuguesa tem sido revisto
podemos encontrar entre os estudiosos algumas opiniões divergentes. Teyssier
(1997), sem se propor a resolver a questão explica que ela é bastante complexa,
já que alguns historiadores dividem a evolução da língua de acordo com suas
características internas, o que, no caso do português permite-nos reconhecer o
período arcaico e o moderno; outros historiadores atrelam os períodos da língua a
fatos, períodos hisricos, como a Idade Média, o Renascimento, etc.
O tema é realmente complexo, tanto que, embora Teyssier não tenha
mencionado, mesmo entre aqueles que optam pela periodização considerando a
história interna da língua, há alguma divergência.
O motivo de tal divergência é facilmente compreendido. As mudanças pelas
quais uma língua passa não m, e nem poderiam ter, fronteiras nítidas. Há
períodos de variação que podem ser muitos longos, até que a mudança se dê.
Além disso as variações e as mudanças atingem todo o sistema lingüístico ou
seja, alterações fonéticas podem atingir o nível sintático, alterações semânticas
podem atingir a morfologia de uma língua, e assim sucessivamente, de forma que
torna-se uma tarefa bastante dificultosa precisar fronteiras tidas na história
interna de uma língua.
Said Ali (1921) não chega a divergir, mas apresenta uma divisão um pouco
distinta da tradicional tripartição; ele divide o português em antigo (séc. XII a XV) e
moderno, que, por sua vez, divide-se nas fases quinhentista, seiscentista e
moderna; o século XVII é considerado como o período de transição entre as fases
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antiga e moderna, que corresponderia ao que alguns reconhecem como português
clássico, para alguns um outro período, para outros uma fase de transição.
Os estudos gerativistas, tentando responder, entre outras questões, porque
uma geração fixa parâmetros opostos à geração anterior, apontam um outro
modelo de periodização distinto dos tradicionais ou seja, a periodização da língua
portuguesa é vista de um outro ângulo.
Para Galves et al. (2007), um período deve corresponder a um ciclo em
dada língua e tal ciclo se refere à emergência de novas gramáticas, que surgem
em determinada época. Assim, segundo as autoras, a periodização de uma língua
deveria ser pensada a partir de pontos de inflexão (que são o surgimento de novas
gramáticas). No português, tais pontos de inflexão não coincidem com a
periodização tradicional.
Os pontos de inflexão na língua portuguesa apontados por Galves et al.
(2007) são dois: a fronteira entre os séculos XIV e XV e o icio do século XVIII. O
primeiro ponto iniciaria o português médio e o segundo iniciaria o português
europeu moderno. As autoras argumentam que a maior diferença entre sua
proposta de periodização e a proposta tradicional é que esta divide os períodos
com base no desaparecimento de formas e aquela os define com base no
surgimento de novas formas. Temos, pois, os dois extremos: começo e fim de
fenômenos lingüísticos funcionando como marcos, mas em posições diferentes,
ou melhor, opostas.
O ponto mais interessante da proposta apresentada por Galves et al (2007),
na verdade, real motivo em termos recorrido a tal hipótese neste nosso trabalho, é
que o fenômeno que as estudiosas apontam como sendo o propulsor, o
responsável pela alteração dos períodos é a posição dos clíticos, visto dentro de
um âmbito maior, que é a ordem das palavras, como ressaltam Galves et al. Isso
quer dizer que o fenômeno que estamos tratando aqui, a mesóclise, pode ser
interpretado como a mola propulsora de uma série de alterações no sistema
lingüístico português, ou, pelo menos, no sistema verbal português. Tal
argumento, embora não apareça de forma explícita em nossas análises, estará
subsidiando as mesmas, já que acreditamos que a mesóclise se re-arranjou no PB
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da forma como o fez, porque nosso sistema verbal propõe a próclise praticamente
como única opção; assim, o clítico ficará sempre antes do verbo nuclear,
propiciando a cristalização do que estamos defendendo aqui como sendo um caso
de mesóclise.
Como dissemos, nenhuma alteração ocorre isolada na língua, quando há
um re-arranjo, todo um conjunto de traços é analisado. Como a construção tratada
aqui ocorre em território brasileiro, passamos a rever rapidamente o cenário que
pode tornar fértil tal construção.
Foi o português clássico (de acordo com a terminologia tradicional) que
chegou, ou melhor, foi chegando e sendo implantado gradativamente no Brasil, já
que fomos “descobertos” pelos portugueses no século XVI.
O português clássico tem como marco inicial a publicação d’Os Lusíadas,
de Camões. Naquela obra não aparecem mais alguns traços do português arcaico
e surgem construções inovadoras que fariam parte do português moderno.
Teyssier identifica essa fase como sendo aquela na qual a penosa impressão de
arcaísmos dos textos antigos cede lugar a um agradável sentimento de
modernidade” (TEYSSIER, 1997, p.81,82).
Teyssier (1997) aponta como características desse período os seguintes
fenômenos:
os plurais de nomes terminados em ão fixam-se em ãos, ães
e ões;
o plural de nomes terminados em l são feitos
sistematicamente em is;
são suprimidos os possessivos femininos nas formas átonas
ma, ta, sa -;
são suprimidos os anafóricos em e (h)i como palavras
independentes;
o sistema itico se cristaliza como o conhecemos
atualmente;
as preposições per e por convergem em por, que aglutinado
ao artigo forma pelo e não mais lo.
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31
Na morfologia verbal alterações significativas, as quais, segundo
Teyssier (1997), se fazem por analogia. De modo que redução nos
paradigmas.
as formas de primeira pessoa do presente senço, menço e
arço dão lugar às que usamos hoje: sinto, minto e ardo,
respectivamente;
no particípio passado o morfema udo é substituído por ido;
algumas alternâncias vocálicas o regularizadas: a primeira
pessoa do plural acompanha a fonética da primeira do
singular, fezemos passa a fizemos, por analogia a fiz.
É também dessa época a criação da imprensa que, embora não seja
suficiente para impedir as transformações que todas as línguas vivas
desenvolvem, tem um impacto sobre as transformações lingüísticas, já que atua
como um poderoso mecanismo de uniformidade ou uniformização lingüística.
É, então, no português com os traços descritos acima que nasce o embrião
da gramaticalização do ir como auxiliar do futuro, o qual por sua vez possibilita o
aparecimento da mesóclise aqui apresentada.
A pequena revisão de algumas transformações por que passou o português
visa, justamente, que, antes de iniciarmos os pontos centrais a serem tratados
aqui, nos lembremos da incessante revisão gramatical que ocorre nas línguas. Tal
revisão provoca a variação que pode acabar em mudança e a mudança tem
suscitado tanto a curiosidade do homem e tem, por isso, estimulado tanta
pesquisa na área, que acaba fazendo surgir muitas e variadas hipóteses, ao longo
da história. Entre elas, destacam-se algumas (ver FARACO, 2005 e BYNON,
1977):
Lei do menor esforço
A influência do substrato
Herança genética
Influências climáticas
Condicionamentos culturais
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32
Mudança de geração
A hitese funcional
A hitese intralingüística (internalista)
Teoria das ondas
Difusão lexical
Regularidade da mudança
Teoria da inovação ativa
Algumas dessas hipóteses o são tão bem aceitas atualmente, como a lei
do menor esforço; algumas são revistas de tempos em tempos; mas o fato é que
em quaisquer delas que se queira filiar um trabalho, todas apresentarão em
comum, como resultado de uma avaliação, um processo de re-visão, de re-arranjo
nas línguas, processo este que nunca cessa, e que, por sua vez, provoca o
surgimento de outras re-visões, outros re-arranjos.
O fato é que as línguas não param e, como estamos falando de um
sistema, que é a língua, todas as partes interdependem, se comunicam entre si;
como ilustramos acima, todos os níveis de uma língua são considerados nos
momentos de revisão, isto é, alterações morfo-sintáticas podem ter origens na
fonética, o sistema pronominal pode estar relacionado à prosódia, além do papel
do discurso, que é fundamental, entre outras coisas, na revisão semântica.
O que se tem verificado é que uma seqüência de re-visões, após algum
espaço de tempo, acaba por alterar de forma perceptível uma língua, em todos os
seus níveis. É isso que permite que se fale em periodização de uma língua. É isso
que permite que estudiosos como Galves et al. (2007) possam demarcar os
períodos do português, isto é, isolar um conjunto razoável de gramaticalizações,
de revisões em todos os níveis, que acabam por alterar de forma significativa, um
sistema linguistico, a ponto de se poder falar em uma nova gramática da língua
em questão.
O que se pretendeu nessa breve e panorâmica revisão histórica foi mostrar
como uma língua, em todos os seus níveis, é alterada de forma contínua e
constante.
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33
Estudos recentes apontam que um dos processos mais produtivos de
mudança que se observa nas línguas naturais é a gramaticalização, tema sobre o
qual dedicaremos as próximas páginas.
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34
2- A GRAMATICALIZAÇÃO E AS GRAMATICALIZAÇÕES
A origem da comunicação verbal humana é algo que dificilmente será
reconstruído com precisão, mas permite a formulação de algumas hipóteses: é
perfeitamente plausível imaginar que “no início” o homem teria sentido a
necessidade de designar seres, objetos, entidades. Criou então sons diferentes
para designar seres diferentes. Estava inventado o substantivo, que foi um feito
tão importante quanto o de fazer fogo; ao descobrir que não precisava mais do
referente para falar sobre ele, o homem criou ou desenvolveu uma habilidade que
o diferenciou do resto de todos os seres vivos: ele podia simbolizar (ver
Benveniste, 1995).
Uma vez dado o primeiro e, provavelmente, mais complexo passo o homem
deve ter sentido a necessidade de algumas especificidades e percebeu no
material que já tinha, os substantivos, essa possibilidade que a língua lhe oferecia;
daí surgiram outras classes como verbos e adjetivos, depois pronomes e
advérbios... E assim foi sendo criada a gramática e junto com ela a
gramaticalização.
A gramaticalização ou gramaticização ou gramatização é um termo que tem
tido muito espaço na área dos estudos da linguagem e tem sido compreendido,
grosso modo, como um processo de (re)análise que ocorre em todos os níveis de
todas as línguas vivas; genericamente, pode ser entendido como uma constante e
ininterrupta revisão e inovação num sistema lingüístico, o que é conseguido
basicamente pela transformação de itens lexicais em itens gramaticais.
Antes de continuarmos, lembramos que alguma discussão em torno do
uso desses termos. Alguns preferem utilizar gramaticalização para tratar de
estudos diacrônicos e reservam gramaticização para a sincronia. Aqui estaremos
utilizando apenas o termo gramaticalização, já que acreditamos que é uma boa
escolha, pois o termo sustenta a idéia de um fenômeno que é também processo, o
qual ocorre para que um item lexical passe a fazer parte da gramática de uma
língua. Estamos com isso dizendo que o termo gramaticalização é auto-explicativo
e, se no decorrer e no avanço dos estudos da área surge a necessidade de
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maiores especificidades, designativos mais adequados aparecem, não havendo
portanto, a necessidade de revisão desse termo que, sozinho, sustenta a idéia
central da teoria.
Esse processo é de tal forma inerente às línguas, que muitos são os que
concordam com a afirmação de Hopper (1987, p. 148) de que o existem
gramáticas e, sim, gramaticalizações ou nas semelhantes palavras de Lobato
“pode-se compreender, então, a língua não como um sistema, mas como
sistematização, devido a seu constante movimento de (re)ajuste.” (LOBATO,
2007, p. 26)
A simples, mas precisa afirmação evidencia que a gramaticalização é um
dos processos mais produtivos de mudança, pois é a essência, o germe da vida
das línguas, é a nunca esgotada análise que faz com que as línguas não deixem
de estar em processo de transformação.
Por que isso ocorreria? Isto é, qual a motivação do homem para a revisão
das formas lingüísticas? Para Heine et al. (1991), a gramaticalização é motivada
por fatores extralingüísticos, por processos cognitivos. A questão que
exemplificaria isso é, principalmente, o problema de se criar novos nomes para
seres novos, ou seja, coisas que aparecem no mundo e ainda não foram
nomeadas. Os autores apontam, para resolver esse problema, as seguintes
opções ou estratégias:
cria-se um novo termo;
empresta-se um termo de outra língua (estrangeirismo);
associa-se o referente ao som por ele produzido (onomatopéia)
faz-se uma composição ou derivação ou
amplia-se o conceito de uma forma ou expressão já existente.
Uma vez criado, forjado ou eleito o novo termo, ele passa a ser reconhecido
como parte do léxico da língua e, uma vez integrado ao léxico, fica à disposição de
seus usuários. Estes, com a freqüência do uso, vão criando uma espécie de
intimidade com o vocábulo, a ponto de com ele fazerem derivações e flexões,
criarem metáforas (aliás a metáfora é um forte indício de que determinado
vocábulo foi assimilado pelo léxico de uma língua) enfim; podem atribuir rios
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papéis para o vocábulo, chegando a mesmo a gramaticali-lo, isto é, fazê-lo
entrar para a gramática da língua sem que tenha que, necessariamente, sair do
léxico.
O caso que mais perfeitamente ilustra o processo de gramaticalização é o
futuro do presente na fase que culminou com a forma conhecida hoje como
sintética, do tipo “amarei”.
Essa forma, que provavelmente surgiu fazendo oposição à sintética
“amabo”, teria se originado da construção VP (verbo principal) + habēre (como
verbo auxiliar), na qual o auxiliar significava algo como “ter de”; assim, o futuro
“amare habeo” era traduzido como algo do tipo: tenho de amar, tenho a intenção
de amar.
Do início da variação entre amabo e amare habeo até a forma sintética
amarei se podem perceber claramente os cinco parâmetros previstos por Hopper
e Traugott (1993) para os esgios de um processo de gramaticalização:
1- estratificação a co-existência de duas formas, geralmente
uma conservadora e outra inovadora que lhe faz concorrência; nesse caso, vemos
a sintética amabo começar a dividir espaço com amare habeo, as duas convivem
e provavelmente m, a princípio, alguma nuance que distingue o uso de uma ou
outra. Elas se apresentam, nesse momento, como duas variantes de uma mesma
variável, pelo menos no nível morfo-sintático.
2- divergência ocorre no ponto em que o habēre foi cristalizado
como auxiliar para a construção do futuro do presente, mas não desaparece da
língua com seu sentido original, podendo figurar em alguns discursos como verbo
pleno.
3- especialização – do ponto de vista funcional da língua, há entre os
falantes algumas possibilidades de escolhas, considerando o discurso. Após
algum tempo, geralmente, a forma inovadora se impõe e permite a perda da
nuance que a diferenciava da forma sintética, e passa a dar conta de seu
significado e pode exprimir também aquele significado pretendido pela forma
sintética.
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4- persistência alguns resqcios da significação original do auxiliar
podem ser mantidos, alguma idéia daquela significação se transmite em relação
ao que se quer traduzir na construção do futuro.
5- de(s)categorização a forma gramaticalizada perde de vez seu
sentido primeiro. Esse pametro é muito visível no caso da gramaticalização do
habēre, que sofreu redução fonológica (o [b] desaparece, formando [aeo] (o [h] por
não ser pronunciado, não corresponde a um som da língua), daí, provavelmente
[aio]; daí [eio] e finalmente [ei]). Essa redução facilitou sua aglutinação ao verbo
principal e sua mudança de categoria gramatical: de verbo pleno passou a
morfema, ou seja, habēre percorreu o caminho exato proposto pela teoria da
gramaticalização, do concreto ao abstrato e o esvaziamento semântico permitiu a
instauração de uma função gramatical.
Assim se fecha perfeitamente o círculo do processo, numa trajetória o
perfeita, no sentido de encaixar-se o meticulosamente no modelo que chega a
parecer que é a teoria que cabe no fenômeno e não o inverso.
Certamente não é o que ocorre, já que muitos outros fenômenos o
observados pelas lentes da gramaticalização, mas o fato é que enquanto alguns
itens desenvolvem uma trajetória que se desenha exatamente como a teoria
prevê, outros apresentam alguns percalços. Isso ocorre, provavelmente, porque
vários fenômenos podem ser abrigados sob o rótulo de gramaticalização, desde
que se refiram a processos que m como característica fundamental a inclusão
de termos com funções gramaticais em determinado sistema lingüístico.
casos em que a trajetória não se completa, casos que fogem ao
princípio sico da gramaticalização, que é a unidirecionalidade, tanto que há
quem fale em bidirecionalidade (ver Frajzyngier, 1986).
Um exemplo é caso do termo qualquer: trata-se de um pronome que se
originou da aglutinação do relativo qual com o verbo querer. Atualmente poucos
falantes compreendem que estão falando essas duas palavras ao pronunciarem o
referido termo, assim, dizemos que ele se gramaticalizou. No entanto, sua forma
plural é quaisquer, o que faz desta a única palavra em português com flexão em
mero “no meio”, o que indica claramente que há aí duas palavras. A segunda
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delas, o verbo, flexiona seu plural de acordo com a pessoa, assim o plural é feito
no relativo, logo, podemos afirmar que ele funciona como uma espécie de
auxiliante, nos termos de Benveniste (1989).
São inúmeros os casos de fenômenos de gramaticalização que o
seguem a “trajetória perfeita”, mas nem por isso devem deixar de ser interpretados
como casos em que a gramática de uma língua está sendo revista, a ela estão
sendo acrescentados itens já existentes na língua - já que a gramaticalização o
é criação de termos- mas transformados de modo que possam desempenhar ou
até mesmo acumular novas funções, sejam funções já exercidas por outros
elementos ou papéis inexistentes até então.
Um dos fenômenos que chama nossa atenção no sentido de fazermos uma
análise e entendermos melhor o processo é o caso da mesóclise, que é uma
construção que, praticamente, deixou de existir tanto na escrita quanto na fala no
português brasileiro, mas é um fenômeno que não pode ser ignorado.
De acordo com a teoria, num caso como o da expressão do futuro, na fase
que culminou com a síntese, ocorre um enrijecimento da forma, uma cristalização,
a ponto de as partes que originaram a forma sintética não serem percebidas. Mas
a inserção de um pronome exatamente entre os dois verbos, ou o que eram os
dois verbos, mostra que é possível uma recuperação A colocação do pronome não
se no meio da palavra, de forma aleatória, assim como para formar o plural de
qualquer, ela se dá justamente entre os dois itens, num ponto onde já há um corte;
ou seja, há um espaço em branco, como na separação de dois vocábulos.
Voltemos agora a um outro ponto destacado pela teoria da
gramaticalização que prevê o referido processo como ininterrupto. Novamente o
futuro serve para ilustrar a hipótese.
Vejamos o quadro apresentado por Silva (2002)
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Estrutura Forma Estágio da língua
Fase diacr. 1 anal. ama-bhu
sint. amabo
Indo-Europeu
Latim Clássico
Fase sincr. 1 Amabo/cantare habeo Latim tardio
Fase diacr. 2 anal. cantare habeo
sint. Cantaré
Latim falado tardio
Românico
Fase sincr. 2 Cantaré/voy a dormir Românico moderno
Fase diacr. 3 anal. voy a dormir
sint. Yo vadormir
Românico contemp. (Esp.)
Dial. Espanhol
americ. Contemp.
Pelo quadro acima, por mais de uma vez o processo de transformação de
futuro sintético em perifrástico teria ocorrido. Desde os primeiros registros de que
se tem notícia, essa alternância vem sendo praticada. A própria forma amabo já
vem da analítica do Proto Indo-Europeu ama-bhu. A forma amabo vai sendo
introduzida no sistema, torna-se uma variável, concorrendo com amare habeo.
Como se mostrou acima, essa construção tornou-se uma forma sintética. A forma
sintética (amarei) concorre hoje com uma outra forma analítica (vou amar),
mostrando mais uma vez, o ciclo em que o futuro parece estar preso: o que se tem
visto são as formas sintética e analítica concorrendo e se alternando; ou seja, o
futuro é sempre registrado como uma variável, quase sempre com duas variantes:
uma sintética e outra analítica. Analisemos o que significa isso, começando pela
escolha da terminologia.
Dizer que uma forma é analítica equivale a dizer que esta está em análise,
uma forma sintética, ao contrio, estaria significando uma síntese, ou uma
conclusão, nesse caso, o resultado final de um processo.
Se fôssemos entender o processo de variação das formas de futuro pela
etimologia desses termos, o processo seria assim simplificado: há um período de
variação em que uma forma entra em análise e, ao final desse período surge uma
forma sintética, fechando o ciclo. A forma sintética pode ocorrer quando o item que
está passando para a gramática, por exemplo, tornando-se um morfema, sofre
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redução fonogica e se aglutina a outro vocábulo, passando pela
de(s)categorização, o quinto e último estágio do processo, segundo Hopper e
Traugott (1993) é a síntese finalizando o ciclo.
O caso clássico de gramaticalização do futuro realmente teve um período
de análise que culminou com uma síntese; no entanto, a história mostra que um
novo processo se instaurou, uma nova análise foi iniciada, desta vez com outro
verbo auxiliar, demonstrando mais uma vez que uma língua nunca atinge um
ápice, um ponto em que fica perfeita, sem a necessidade de revisões, de
acomodações. Mais uma vez registramos que a gramaticalização é algo que
nunca deixará de ocorrer nas línguas vivas. Esse é um forte argumento contra a
hipótese de evolução lingüística.
É por essa razão que Givón (1984) propõe a trajetória da gramaticalização
como ciclo o ciclo funcional de Givón. Para ele, a motivação inicial da
gramaticalização seria de natureza discursiva e percorre o seguinte esquema:
discurso > sintaxe > morfologia > morfofonologia > zero, no qual o estágio zero é o
ponto que marca a instauração de um novo estágio.
Hopper e Traugott (1993, p. 09, 10) lembram esse ciclo, que no caso
específico do futuro consiste na alternância entre formas sintéticas e analíticas:
Pré-latim Latim Francês
?
*Kanta b’umos > cantabimus
canta habemus > chanterons
allons chanter > ?
Como já mencionado, essa alternância não é exclusividade do francês. Nas
línguas românicas o futuro está preso nesse ciclo: quando o futuro analítico chega
ao final de sua trajetória, que até agora consistiu no amálgama de uma forma
perifrástica formando uma construção sintética, uma nova perífrase aparece,
dando origem a um novo processo de variação e, simultaneamente, a um novo
ciclo.
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41
Dois termos utilizados por Hopper e Traugott (1993, p. 10) constituem
palavras chaves no processo, são eles: substituição e renovação (replacement e
renewal). Esses termos indicam o sentido da gramaticalização, a idéia de
necessidade que está implícita nos momentos de (re)análise e (re)arranjo.
Transportando essa idéia do ciclo anterior do futuro para o atual, que tem o
ir como auxiliar, vemos que esse verbo, enquanto auxiliar, está seguindo uma
trajetória bastante semelhante à que seguiu o habēre, tendo sua significação
colocada de lado para poder atuar como uma espécie de morfema. No entanto,
ainda conserva parte de sua significação original, que é a idéia de deslocamento.
Com isso estamos dizendo que, embora o verbo auxiliar exerça as funções
gramaticais a ele atribuídas, ele não perdeu totalmente seus traços semânticos
(pelo menos não ainda) que indicam deslocamento; o que, por sua vez, indica a
dose de consciência por parte dos falantes que escolhem, entre tantos verbos que
poderiam exercer a função de auxiliar do futuro, aquele que pode indicar uma
movimentação do cá para o lá.
Parece claro até o momento atual da trajetória, que o ir na função de
auxiliar está num processo em que, embora não esteja deixando de fazer parte do
léxico do PB, está passando para sua gramática. Nessa nova função, o ir estaria
se de(s)categorizando, ou seja, sofrendo um esvaziamento semântico e
funcionando como elemento gramatical.
Ao que tudo indica, no entanto, com o ir a última fase de um processo de
gramaticalização: a aglutinação, não ocorrerá com tanta facilidade, pelo menos
não como ocorreu com habeo/habeban. Pode até se falar em redução fonológica,
já ocorrida, pelo menos na primeira pessoa, com a supressão da semivogal /w/
(embora essa regra não seja exclusividade desse vocábulo, ocorre em qualquer
ditongo decrescente /ow/ tônico), mas, pela posição que o verbo ocupa, à
esquerda do verbo nuclear, dificilmente o verbo auxiliar passará a ser confundido
com um morfema. Como então se concluirá essa fase ou como se fechará esse
ciclo? Não seria então esse um caso de gramaticalização?
Há razões para acreditarmos que a transformação do ir pleno em auxiliar de
futuro é um legítimo caso de gramaticalização. Silva (2002) fala sobre a
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42
redundância, muito comum na fala de crianças que origina construções como “vou
ir”; segundo ele tal construção seria uma evidência do esvaziamento semântico
sofrido pelo auxiliar.
Julgamos que seja necessário um pouco mais de atenção sobre a
consideração de que a construçãovou ir seja redundante, já que o ir, embora
assuma funções de auxiliar não deixou de existir no sistema como verbo pleno;
portanto, pode não se tratar necessariamente de uma redundância. Mas uma
dedução que as crianças fazem a partir daí, também observada por Silva (2002)
que é bastante interessante. Elas estariam considerando o ir como prefixo e
interpretando formas analíticas como se fossem uma única unidade lexical, como
em “papai eu votelefona para você” e em qualquer outra ocorrência semelhante,
como “vofalar, “vobrincar (SILVA, 2002, p. 71). Estamos percebendo a
aglutinação prevista na trajetória do item, mas num modelo diferente, já que não
será interpretado como morfema verbal devido a sua posição em relação ao VP, já
que, em português a posição prototípica para o morfema verbal é à direita. Seria
um outro tipo de fechamento do ciclo?
Sobre as novas construções estudadas como gramaticalização, Braga
(1999) afirma que houve um “alargamento” dos fenômenos que podem ser
estudados à luz dessa teoria. Diz ela que
o campo dos femenos que podem ser examinados sob
o enfoque da gramaticalização sofreu alargamento e
atualmente inclui o estudo do itinerário percorrido por
formas lingüísticas e também por construções gramaticais
emergentes. (BRAGA, 1999, apud. GONÇALVES et. al.
2007, p. 23)
Cremos que seja mais cômodo aceitar que pontos a serem
acrescentados nos estudos sobre gramaticalizações do que formular novos
conceitos e novas teorias para casos distintos.
A ocorrência da redução fonológica torna o item diferente da forma original
e, assim, vemos mais distanciada a possibilidade da recuperação semântica. No
entanto, devemos considerar assim que a freqüência do uso também acarreta o
desgaste semântico, sem a necessidade de redução na materialidade, na
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extensão do vocábulo; ou seja, a redução fonológica é um fenômeno importante
na fase da de(s)categorização de um item, mas não essencial.
Fazemos essa observação para dizer que o ir enquanto verbo pleno
também sofre a mesma redução; essa redução verificada no vou não ocorre por
causa da gramaticalização desse item; na verdade é um metaplasmo verificado
em todo ditongo decrescente /ow/, tanto em labas átonas quanto em tônicas,
como em ouro>oro; roubou>robô etc. Voltamos, então, a afirmar que pode haver
gramaticalização, até mesmo a etapa de perda de material semântico, mesmo que
não haja redução fonológica. Considere-se, por exemplo, o auxiliar ir de terceira
pessoa, que não apresenta, até o momento, qualquer redução: ele vaitelefonar.
Mesmo que o final do ciclo do ir seja diferente do habēre, as outras etapas
são praticamente iguais, desde a escolha, que assumimos como semi-consciente
dos auxiliares. A escolha do habēre, que trazia a idéia de “ter de”, é um
compromisso que o falante assume no momento da enuncião em relação ao
momento em que ocorre o evento anunciado, assim como a escolha do ir
implica a idéia que se quer associar ao futuro a noção de deslocamento. Ambos
se sujeitaram às mesmas leis, surgiram por motivações de natureza cognitiva e/ou
discursivo/pragmática semelhantes, m algo de sua essência semântica
preservada por um longo espaço de tempo, pois a intenção inicial era demonstrar
alguma opinião em relação ao futuro.
Vemos atuando sobre essas duas formas de auxiliares de futuro um
princípio único, que é aquele defendido por Werner e Kaplan (1963, apud. HEINE
et. al. 1991, p. 28) como sendo um “princípio de exploração de antigos significados
para funções originais”, o que indica que o significado de um item é considerado
no momento em que ele é selecionado para exercer uma função gramatical.
Afirmamos mais uma vez que na escolha desse auxiliar está demonstrada a
expectativa do falante ou do conjunto de usuários da língua em relação ao futuro.
A expressãoter de realizar algo não é o mesmo que confirmar tal realização, é
simplesmente um desejo de tal realização, considerando a sua possibilidade. A
expressãoir realizar algo parece assumir um grau maior de responsabilidade em
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relação ao que virá; não é apenas a expressão de um desejo ou o reconhecimento
de que deverá acontecer; é uma espécie de confirmação, de comprometimento.
Essa é uma das razões que explicam porque o futuro nunca estará “pronto”,
será constantemente re-visitado e re-analisado, sua forma será revista a cada
mudança de perspectiva e de expectativa em relação ao tempo futuro; revio
essa que pode se dar motivada por fatores relacionados à economia, à filosofia, à
política, à medicina, à religião, enfim a qualquer tipo de expectativa, conhecimento
e domínio que o homem possa ter ou possa pensar ter em relação ao tempo
futuro.
A constatação de que a significação, ou pelo menos, parte dela
permanecerá durante o processo de gramaticalização ou durante alguma fase
desse processo pode esbarrar no fato alegado por Traugott (1984, apud. HEINE
et. al. 1991, p. 28) de que num processo de gramaticalização deve haver uma
mudança de significado, pelo fato de que o falante precisaria especificar uma nova
relação do termo na língua. No entanto, esse princípio é facilmente compreendido
e não representa uma contradição. Ilustremos:
Embora o ir conserve a idéia original de deslocamento, ele,
gramaticalizando-se como auxiliar de futuro passa a indicar mais uma
movimentação no tempo do que no espaço, enquanto que o ir como verbo pleno
continua com a significação única de deslocamento no espaço. Assim, iniciado o
processo, o ir se bifurca e passa a figurar como dois itens distintos, coincidentes
apenas na forma, no sistema lingüístico: um verbo pleno que indica deslocamento
do para o lá, portanto, movimento no espaço, e outro que traz informações
gramaticais e a idéia de movimento do agora para o depois, portanto,
movimentação no tempo. Essas duas formas do ir o o excludentes, tanto que
é possível em português uma construção do tipo “eu vou ir”, e, como dissemos
acima, sem que seja necessariamente uma redundância. Na verdade essa
expressão ajuda a medir” a gramaticalização, ou o estágio em que ela se
encontra, e fazer-nos perceber de maneira inquestionável como o ir auxiliar está
assumindo funções gramaticais.
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Essa ilustração mostra que Traugott (1984) está correta quando afirma que
num processo de gramaticalização há mudança de significado e também mostra
que a gramaticalização de um item faz com que ele seja adaptado a novas
funções, assuma novos papéis, mas não perca a essência de suas propriedades
semânticas originais. Mais ainda, o fato de, como no caso do ir, ele poder
continuar com as funções e significação do verbo pleno original, nos faz perceber
com nitidez a criação de um novo item, sem prejuízo do já existente. Assim, o ir
auxiliar não é o mesmo ir pleno, como já dito acima; são formas divergentes e
cada uma segue uma trajetória distinta, coincidem (pelo menos por enquanto)
apenas na forma. Pode-se, então, pensar que o processo de gramaticalização
atua no sistema lingüístico com a finalidade de acrescentar e o substituir um
item da/na língua; mas a substituição pode (ou não) ocorrer depois de um período
de varião, ou seja, pode-se chegar à mudança.
Essa breve revisão sobre a gramaticalização do futuro em duas de suas
fases ou ciclos poderia parecer desnecessária à primeira vista, já que esses casos
já foram tratados por rios estudiosos, mas foi feita aqui para mostrar que
possibilidades diferentes de se processar, ou melhor, de se desencadear e
desenrolar um processo de gramaticalização. Com isso acreditamos justificada
nossa reivindicação da aceitação do fenômeno aqui apresentado como sendo a
conseqüência, ou uma das possíveis conseqüências de um processo de mudança
por gramaticalização, no caso, uma re-configuração de mesóclise. Trata-se da
cristalização da seqüência Aux + pr + VP, já que na seqüência VP + pr + Aux a
colocação pronominal é aceita como mesóclise e, como argumentamos na
Introdução, a cisão no vocábulo para a inclusão do pronome não foi feita
respeitando a segmentação da extensão do verbo, qual seja, radical + VT (vogal
temática) + MMT (morfema modo temporal) + MNP (morfema número pessoal), o
que originaria uma construção do tipo “Conta-te-rei um segredo”. A cisão foi feita
exatamente entre os dois verbos: “Contar-te-ei um segredo”, do mesmo modo
como ocorre com o plural de qualquer; ou seja, mesmo com o ciclo concluído ficou
algum resquício das formas originais. Seria uma falha no modelo teórico?
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46
Ousamos responder que não, porque há várias formas de se incluir itens e
expressões na gramática de um sistema lingüístico.
... e assim caminha(m) a(s) língua(s), uma alteração provoca uma série de
revisões e estas, outras e outras... Uma das conseqüências das formas em
análise, as analíticas, é a reflexão do homem, ainda que não seja um exercício
totalmente consciente, sobre a representação das coisas do mundo pela
linguagem. É essa reflexão o assunto central da próxima seção.
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3- O TEMPO – O QUE É? COMO SE FAZ?
Embora o objetivo central deste trabalho seja a cristalização da mesóclise
no PB, até que se chegue a este tema, como já dito na Introdução, temos que
transpor alguns pontos, já que o tema não é tão simples como possa parecer à
primeira vista. Assim, não é um único argumento teórico que daria conta de
sustentar as hiteses aqui apresentadas. É preciso compreender, ou pelo menos
ter uma noção da complexa questão da marcação de tempo, não sem antes tratar
da sua própria percepção. Assim, estamos, nesta seção, buscando alguns
subsídios que servirão de apoio para as premissas que serão formuladas para
sustentar nossa hipótese de re-arranjo da mesóclise no português brasileiro atual.
O título desta seção tenta resumir o que será tratado: tentaremos explicar o
que é o tempo e como a língua faz para tratar dele. A primeira questão está no
âmbito da Física e a segunda é da alçada da Lingüística. o essas duas ciências
que alicerçam esta seção.
3.1 – O TEMPO – O QUE É?
A palavra tempo deriva do latim tempus. Segundo Silva (2002a, p. 434),
expressa idéia de tempo, estação, ocasião, oportunidade, circunstância; passou
ao português primeiramente somente em sua forma plural. Diz o autor que seu
uso mais comum é indicar a sucessão de eventos contáveis, como anos, meses,
dias, horas, minutos, mas sua noção mais comum é a tripartição presente,
passado e futuro.
Mas a referida marcação tem sido um desafio para o homem. Devido à
tamanha complexidade sobre a questão da marcação, ou mesmo da percepção do
tempo é que não podemos nos limitar a conceitos e teorias lingüísticas para
encerrar esse tema, eles não dariam conta de mostrar o que subjaz aos
marcadores temporais. Nesse sentido, acreditamos pertinente, antes de tratarmos
da questão lingüística/gramatical específica aqui proposta, fazer uma observação
sobre como o homem percebe o tempo, ainda que de forma breve e bastante
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sucinta, sem a pretensão de esgotar o assunto, mas suficiente para calçar
algumas das premissas sobre as quais se apoiao as conclusões que vierem a
ser formuladas neste trabalho.
Para definir esse ser tão abstrato, tão pouco palpável, encontra-se no
dicionário uma definição bastante longa, da qual transcrevemos somente o
significado primeiro:
Tempo. [Do lat. Tempus, atr. da f. tempos, que foi sentida
como um pl. port. De que se tiraria um singular] S.m. 1. A
sucessão dos anos, dos dias, das horas, etc. que envolve,
para o homem a noção de presente, passado e futuro: o
curso do tempo: O tempo é um meio connuo e indefinido
no qual os acontecimentos parecem suceder-se em
momentos irreversíveis; “O tempo... Horas de horror e tédio
da memória...” (Manuel Bandeira, Estrela da vida inteira).
(FERREIRA, s/d)
A definição apresentada no dicionário é aquela clássica, incontestável, mas
um tanto generalizada, vazia de maiores precisões, por isso mesmo, por conta da
vagueza, incontestável; ou seja, não há exatamente uma definição para o tempo,
mas uma percepção do ser humano em relação à sua passagem pelo tempo, ou
vice-versa, da passagem do tempo pelo ser humano.
Não é de hoje que o homem vem se questionando sobre tal entidade,
tentando compreendê-la e defini-la.
Aurelius Augustinus, que passou para a história como Santo Agostinho,
preocupado com questões religiosas como a imortalidade da alma, a criação do
universo, entre outras, não pôde deixar de fazer, como grande pensador que era,
algumas reflexões sobre o tempo. Entre várias observações sobre a idéia e
definição do tempo, o religioso que viveu entre 354 e 430 d.C. considera o tempo
nada mais que uma seqüência de acontecimentos sucessivos; diz ele que
é claro e manifesto que não existem coisas passadas e
futuras; nem se pode dizer, com exatidão, que os tempos
são três: passado, presente e futuro. Mas, talvez, se deveria
dizer, com propriedade, que os tempos são três... o presente
das coisas passadas (memória), o presente das coisas
presentes (visão) e o presente das coisas futuras
(expectativa). Estas três coisas existem na alma e, em outro
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lugar, não as vejo. Por isso pareceu-me que o tempo é uma
distensão.(...) (Livro XI das Confissões, §20 e 36)
2
Quase dois milênios depois, o tempo continua sendo objeto de
investigação. Stephen Hawking, um dos maiores (senão o maior) gênio na
astrofísica da atualidade, considera que a visão que o homem tem sobre o tempo
se modificou no decorrer da história; diz o estudioso que
Até o começo deste século acreditava-se num tempo
absoluto. Ou seja, cada evento poderia ser rotulado por um
mero chamado tempo’, de uma forma única, e todos os
bons relógios concordariam com o intervalo de tempo entre
dois eventos. Entretanto, a descoberta de que a velocidade
da luz parecia a mesma a todos os observadores,
independente do deslocamento de cada um, levou à teoria
da relatividade (...) Assim o tempo se tornou um conceito
mais pessoal, relativo ao observador que o estivesse
medindo [...]” (HAWKING, 1989, p.199-200)
Corôa (2005), questionando o que realmente possa ser o tempo, traz de
uma forma bastante resumida as três teorias básicas que tentam explicar e defini-
lo, e acaba por dar uma explicação mais detalhada da citação de Hawking, feita no
parágrafo acima. São elas:
1- Tempo Absoluto- concentra teorias baseadas nas concepções de
Newton e Galileu, que acreditam no tempo quase como um ser, com existência
própria. De acordo com essa teoria, há duas entidades irredutíveis: o momento e o
evento, mas, pelo fato de o tempo ser absoluto, o evento se no e por causa do
momento. O momento, que é uma posição temporal marcada, existe
independentemente do evento, mas a recíproca não é verdadeira. É o que
Hawking ilustra na citação anterior quando diz que cada evento poderia ser
rotulado por um número chamado ‘tempo’, de uma forma única, e todos os bons
relógios concordariam com o intervalo de tempo entre dois eventos” (Hawking,
1989, p. 199).
2- Tempo Relacional- as teorias que seguem esse modelo têm sua
base em Aristóteles. Seu objeto irredutível é, ao contrário do que prevalece na
teoria do Tempo Absoluto, o evento, a partir do que se constitui o tempo; as
2
In: SANTO AGOSTINHO. Solilóquios. o Paulo: Escala, s/d.
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50
relações entre momento são secundárias, já que são estabelecidas a partir dos
eventos.
3- Tempo Relativo- a teoria mais conhecida desse modelo é a Teoria
da Relatividade Especial (TRE), formulada por Einstein. Essa idéia faz diminuir a
credibilidade das duas propostas anteriores, principalmente porque se pauta na
comprovação empírica. A descoberta de que a velocidade da luz seria a mesma
para qualquer observador, e que não teria relão com seu deslocamento,
praticamente pôs fim às teorias anteriores, o tempo absoluto deixou de existir, e
“em vez disso cada observador teria sua própria medida de tempo (...) relógios de
observadores diferentes não precisariam concordar necessariamente”, diz
Hawking, e acrescenta: “o tempo se tornou um conceito mais pessoal, relativo ao
observador que o estivesse medindo” (Hawking, 1989, p. 199).
Corôa (2005) faz a revisão das teorias que tratam do conceito de tempo a
fim de verificar se elas m alguma relação com a divisão tripartida do tempo feita
não pelos sicos, mas pelos estudiosos da linguagem: a- o tempo cronológico:
“caracterizado por um ponto em contínua deslocação em direção ao futuro, de
duração constante, uniforme, irreversível; b- o tempo psicológico: não tem
duração constante e uniforme porque existe em função do mundo interno do
indiduo: pode parar, retroceder, acelerar-se etc” e c- o tempo gramatical: é
aquele que a autora classifica, no caso da língua portuguesa, como sendo
caracterizado “por um radical acrescido dos morfemas típicos” (Corôa, 2005, p.
24).
Não é dicil perceber certa ligação entre os conceitos de tempo cronológico
e tempo psicológico e as teorias de tempo absoluto e tempo relativo,
respectivamente. No entanto, o conceito de tempo gramatical merece maiores
reflexões, as quais faremos no decorrer de todo esse texto.
De uma forma ou de outra, o tempo é marcado em toda língua. Geralmente
isso é feito por meio de verbos, mas essa não é regra universal; nem sempre um
verbo pode distinguir passado, presente e futuro, como no hopi; o vietnamita e o
birmanês o fazem flexões com morfemas temporais, mas os falantes dessas
línguas são capazes de exprimir o que desejam sobre fatos relacionados no
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51
tempo, seja por meio de advérbios e/ou outros complementos, como ocorre no
hebraico antigo.
Bem mais próximo no tempo e no espaço do que Santo Agostinho,
encontramos um outro filósofo que também faz algumas considerações
interessantes sobre o tempo. Vim Flusser (1920-1991), um filósofo alemão que
viveu no Brasil, apresenta algumas iias sobre o tempo e a linguagem humana
que merecem ser trazidas para cá. O fato de o referido filósofo ter a língua
portuguesa como sua terceira língua materna (depois do tcheco e do alemão) dá a
ele alguma credibilidade no assunto. Convém aqui abrir parênteses para explicar
que Flusser não teve contato com o português quando criança, o que lhe
garantiria o status de “falante nativo”, mas ele se auto-designava como alguém
que tinha essa língua como materna. Para ter uma noção de como a língua
portuguesa era íntima para o filósofo, transcrevemos algumas palavras de
Gustavo Bernardo, que prefaciou a edição de “Língua e Realidade”, publicada pela
Editora AnnaBlume:
Em 1991, (Flusser) recebeu convite para proferir conferência
no Instituto Goethe de Praga. Voltava a sua cidade natal
pela primeira vez, desde que fugira dos nazistas, em 1939.
Na conferência, empolgou-se a ponto de alternar o tcheco e
o alemão, até que, sem perceber, começou a falar em
portugs, a língua dos seus filhos, a língua dos seus
afetos. Sua mulher, Edith, precisou avisá-lo que a platéia
não estava entendendo muita coisa.
Mesmo não sendo falante nativo, essa passagem demonstra que Flusser
tinha o português como uma de suas línguas, o que lhe confere certa autoridade
no tema, além do fato de que podia estabelecer comparações e analogias com as
outras línguas que dominava, o que para um estudioso da linguagem, é uma
atividade muito produtiva, e isso faz de Flusser um observador diferenciado. Por
analogia, ele pôde perceber certas nuances, certas micias que passam
despercebidas, pelo fato de serem tão triviais, ao ouvido e à mente do falante
nativo.
O argumento central de Flusser (2004) é o de que a realidade é criada a
partir da língua; assim, cada povo vê a sua realidade, a partir da sua língua.
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52
Pode-se dizer então, a partir de tal concepção, que toda e qualquer cultura
percebe o tempo e o traduz em sua língua, mas essa atividade, esse ato, é muito
particular, muito específico de cada sistema lingüístico, e várias outras questões
complexas surgem também por isso, além disso, a vio de Flusser, sobre a
língua criar a realidade, é um tanto questionável.
Ducrot e Todorov explicam que
aquilo que se chama de tempo na morfologia de uma língua
não entra numa relação simples e direta com o que
chamamos de tempo no plano existencial (sem mesmo
considerarmos as acepções filosóficas do termo); uma
prova, entre outras, é a existência, em várias línguas, de
dois termos distintos para o linístico e o vivido. (DUCROT
& TODOROV, 2001, p. 283)
Weinrich (1989, p.09) lembra que algumas línguas, como o alemão,
possuem dois termos para esses dois conceitos: Zeit e Tempus e outras, como as
românicas (francês, italiano, espanhol e português) possuem somente um termo,
respectivamente temps, tempo, tiempo e tempo, para os dois conceitos, mas isso
não gera problemas maiores. Preocupado com a questão da percepção do tempo,
ele faz a divisão aproximada do que Ducrot e Todorov chamam de tempo vivido e
tempo lingüístico em “temps hors de la langue” e “temps de la langue”, sendo este
uma tentativa de expressão daquele.
Benveniste (1995, p. 261) faz a distinção entre os tempos do discurso e os
tempos da história. Para o linista, as três grandes categorias de tempo -
presente, passado e futuro - não correspondem e não são suficientes para
organizar as realidades de emprego dos tempos do discurso; quer dizer, não há
precisão nessa relação de expressão temporal com o tempo como entidade
abstrata.
Benveniste (1989) também anuncia duas noções distintas de tempo, que
devem ser, segundo ele, bem compreendidas antes que se pense em entender
como se marca o tempo em uma língua específica. São elas: o tempo físico e o
tempo crônico. Entre eles, a grande diferença é que o primeiro é unidirecional e o
segundo é bidirecional.
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53
O tempo físico seria o tempo em si e por si, se é que isso existiria; ele é
“um contínuo uniforme, infinito linear, segmentável à vontade (BENVENISTE,
1989, p.71), embora possa ser medido pelo homem de acordo com o teor de suas
emoções.
O tempo crônico é o tempo da existência pessoal de cada indivíduo, é o
tempo que o homem conta em torno de si, um período em que cabem suas
experiências; é o tempo vivido, enfim.
Como se percebe nessa breve viagem panorâmica, a questão de perceber,
definir, contar e marcar o tempo é realmente bastante complexa, mas parece ser
necessária em qualquer cultura; cada uma, a seu modo, faz com que sua língua
possa cumprir tais funções. Isso é bem sintetizado por Corôa (2005, p. 15) quando
explica que a maneira como o tempo é “traduzido em uma categoria gramatical é
específica de cada língua”.
Como falantes nativos, talvez tenhamos dificuldades em alcançar essa
dimensão, não conseguimos perceber se é ou não dicil, mas provavelmente é um
desafio para qualquer língua, devido a toda a complexidade que vimos muito
brevemente nos parágrafos anteriores.
3.2- O TEMPO - COMO A LINGUA PORTUGUESA FAZ?
Especificamente sobre o português, Câmara Jr. (1970) explica o tempo pelo
verbo, já que é essa a principal categoria incumbida de dar conta do tempo nessa
língua. Diz ele que a categoria tempo marca o momento do processo verbal em
relação ao momento em que se fala; isto é, está presente a noção de tempo
absoluto e a perspectiva é o momento em que se fala, em relação ao qual se
estabelece o que é anterior e o que é posterior. Acrescenta o autor que
o tempo assim compreendido é o eixo das conjugações
verbais nas línguas românicas e germânicas modernas com
que estamos familiarizados. Parece-nos, por isso, a primeira
vista, a própria alma do verbo, cujo nome nas gramáticas
alemãs é até, expressivamente, vocábulo temporal (al.
Zeitwort) (CÂMARA JR. 1970, p. 140)
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54
Isso, no entanto, não é universal; não são apenas os verbos as categorias
capazes de trazerem informações temporais, mas como lembra Corôa (2005, p.
33), “são os verbos que mais comumente, tanto nas gramáticas quanto na
consciência do falante, aparecem com a tarefa de situar no tempo o processo da
comunicação”.
Said Ali (1969, p. 68) é mais taxativo dividindo a língua em duas categorias
fundamentais em que o nome situa os seres no espaço e o verbo os situa no
tempo”.
Câmara Jr. (2002, p. 231) define o termo tempo somente no plural,
obviamente já adiantando sua realização gramatical, e o define como
grupos flexionais em que se divide a conjugação de um
verbo, cada qual compreendendo 6 formas correspondentes
às 3 pessoas gramaticais do singular e do plural. A
denominação resulta da circunstância de que esses grupos
de formas verbais situam, em principio, o processo na sua
ocorrência em relação ao momento em que se fala.
(CÂMARA JR. 2002, p. 231)
Continuando sua definição mara Jr., deixa clara a relação entre tempo e
aspecto presentes no verbo
junto com a expressão do tempo, aparece a expressão do
aspecto, que em portugs, como nas demais línguas
românicas, estabelece no passado do modo indicativo uma
oposição entre processo inconcluso (pretérito imperfeito) e
processo concluso (pretérito perfeito). (CÂMARA JR. 2002,
p. 231)
O mesmo autor relaciona ainda tempo verbal e modo, explicando que o
tempo verbal “se refere ao momento da ocorrência do processo, visto no momento
da comunicação e o modo refere-se “a um julgamento implícito do falante a
respeito da natureza, subjetiva ou não, da comunicação que faz (CÂMARA JR.
1970, p. 88).
Parece desnecessário procurarmos mais argumentos que comprovem que,
em português, a categoria que melhor traz a noção de tempo é o verbo, embora
esse possa trazer ainda outras informações, como modo e aspecto. Concordamos
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55
assim que, na nossa língua o verbo se encarrega de traduzir e marcar o tempo,
ainda que possa, em alguns contextos ser auxiliado por advérbios, numerais ou
pronomes.
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56
4- E O FUTURO, O QUE É?
Também nesta seção invocaremos o auxílio da Física. A esse respeito nos
questiona Hawking
Se podemos ir para o norte, podemos também voltar e nos
dirigir para o sul; da mesma maneira, se podemos ir em
frente no tempo imagirio, devemos ser capazes de voltar
atrás. Isto significa que não diferença significativa entre
as direções para frente e para trás. Por outro lado, quando
se assume o tempo “real”, existe uma grande diferença entre
estas duas direções, como sabemos. De onde vem esta
diferença entre o passado e o futuro? (HAWKING, 1989,
p.199-200)
Embora sem saber responder a tal pergunta, qualquer cultura tem clara, ou
pensa que tem, a noção de presente, passado e futuro. Tal noção, de alguma
forma, aparece em todas as línguas, e em grande parte delas, como é o caso da
língua que nos interessa aqui, o português, a noção do que ocorre, ocorreu ou
ocorrerá, pode ser expressa por meio dos verbos.
Para Pottier (1978) a marcação de um fato se faz pelo falante sobre um
eixo contínuo. O presente é o marco zero, o que se situa antes disso é passado, o
que está depois é futuro e o presente é considerado ainda “a passagem constante
do futuro (vir-a-ser) ao passado” (POTTIER, 1978, p. 199).
Parece claro que só o presente é real, só a partir deste momento tudo pode
ser realizado ou relatado, é um portal por meio do qual todas as coisas do mundo
passam; uma vez transpassado o portal, as coisas pertencem ao passado, as que
ainda não passaram estão num eixo, num espaço e num lugar denominado futuro.
Vista assim, a expressão do tempo pode nos parecer de resolução
relativamente simples: o ponto de partida, a perspectiva é o agora, o presente, o
que está para trás é passado, o que está para frente é futuro. Esta é a noção
proposta por Santo Agostinho, exposta nas páginas anteriores, e rios são os
estudos que se filiam a essa perspectiva; mas controvérsias em torno dessa
maneira de se perceber os tempos básicos, que, como vimos na seção anterior,
o tempo é uma entidade bastante abstrata e complexa, o que dificulta que se
estabeleçam relões diretas entre tempo e linguagem.
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57
Lyons (1979, p. 320, 321) explica que a divisão tripartida citada acima não é
um traço universal entre as línguas. Ele concorda que o tempo é expresso em
todas as línguas, mas a tripartição não é simplesmente uma questão de tempo.
O fato aludido por Fleischman (1982, p. 22) sobre estudos que mostram
que crianças aprendem mais rapidamente a expressar o presente e o passado
prova que o caráter abstrato do futuro, sua natureza virtual, tem implicações nos
sistemas lingüísticos; por isso, segundo a autora, a evolão das formas de futuro
deveria ser vista tanto como pertinente a uma categoria gramatical, como auma
categoria ontológica ou cognitiva.
Acreditamos ter argumentado o suficiente para afirmarmos que não parece
ser tarefa fácil para a mente humana lidar com entidades tão abstratas como o
tempo, sobretudo com o tempo futuro; no entanto, por mais dicil que seja, o
homem executa essa tarefa.
Antes de nos aprofundarmos um pouco mais no ponto sobre como o
homem, especificamente o homem falante de português es enfrentando o
desafio de expressar o tempo, vamos observar como os gramáticos brasileiros
m apresentado essa complexa questão
4.1 - COMO A GRAMÁTICA TRADICIONAL EXPLICA E ANALISA A
FORMAÇÃO DO FUTURO EM PORTUGUÊS
Antes de observarmos a posição de alguns gramáticos em relação a formas
como o futuro pode ser expresso no português do Brasil, entre elas, o futuro
sintético (viajarei/viajaria); o futuro do presente perifrástico com ir no futuro (irei
viajar/iria viajar); o presente (viajo), entre outras (ver quadros na página 93),
devemos lembrar que este é um tema bastante complexo e tem sido alvo de
muitos estudos lingüísticos. Destacaremos aqui a posição de Pontes (1973) e
Câmara Jr (2002) a fim de que possamos ter algum ponto de equilíbrio a partir de
uma outra vertente quando estivermos conhecendo a posição dos gramáticos em
relação ao mesmo ponto; ou seja, a expressão do futuro.
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58
Em relação à perífrase com ir, Pontes (1973) afirma que “O verbo ir se
combina com o infinitivo impessoal, não admite oração de que, nem sujeito
diferente para o infinitivo e mostra como exemplos: “João vai estudar” e Os
meninos vão estudar (PONTES, 1973, p. 112). Diz a autora, ainda, que esse
auxiliar admite qualquer tipo de sujeito, além de figurar de forma impessoal,
fornece os seguintes exemplos: “A pedra vai quebrar.”; “A sinceridade vai assustar
o menino”; “Vai chover e “Vai haver aula”.
O verbo ir pode também, segundo Pontes (1973, p.112-113), combinar-se
com ter-do e estar-ndo e pode apassivar-se com eles, como em: “João vai ter
comprado o livro”; João vai estar estudando e a forma “João vai comprar flores
que pode apassivar-se formando “Flores vão ser compradas por João.
A autora faz ainda uma distinção entre dois tipos de ir, um que indica
futuridade (ir1) e outro que indica movimento (ir2). Ao que parece ir1 não admite
imperativo e ir2 sim, já que “Vá estudar! é possível, mas “Vá saber a lição! não é.
Câmara Jr. (2002) explica de maneira bastante clara e objetiva o que é o
futuro, considerado como tempo verbal, obviamente. Diz ele “é o tempo verbal (v.)
que situa um processo no futuro em relação a um dado momento” (CÂMARA JR.
2002, p. 122). Continuando, mara Jr. ainda fala da divisão do futuro em futuro
do presente e futuro do pretérito; o primeiro corresponde a um processo que é
indicado em relação ao momento em que se fala; o segundo corresponde a um
processo que é indicado em relão a um momento anterior ao momento em que
se fala. O autor acrescenta em sua definição que, em português, além da forma
sintética, se pode construir o futuro de forma analítica.
É dessa mesma maneira que se encontra a definição de futuro na maioria
dos estudos sobre tempos verbais; ou seja, o futuro é o que está por vir em
relação ao momento em que se fala. Essa definição é um tanto vaga, mas é uma
forma de não entrar em questões conflitantes.
É basicamente com esse conceito que a gramática tradicional opera, mas,
como se verá nas definições coletadas abaixo, muitos autores revelam certa
resistência em admitir que o futuro seja um tempo assim como é o passado e o
presente.
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59
Trazemos aqui alguns exemplos de como se encontra a questão do futuro
em alguns manuais de gramática num intervalo de um século.
José Fialho Dutra (1898) nos traz considerações interessantes sobre a
formação dos tempos verbais. Explica-nos que o tempo futuro indica um porvir
próximo ou remoto” (DUTRA, 1898, p. 132) e apresenta exemplos,
exclusivamente, na forma sintética. No entanto, algumas páginas depois, o autor
mostra também algumas construções de futuro de forma analítica, com o haver
como auxiliar, como por exemplo,Ha de se arar a terra, ha de semear-se o trigo,
ha de regal-o o céu, ha de amadurecel-o o sol, hão de colhel-o, suando, os
segadores(op.cit. p. 136, 137).
A gramática de Cortesão (1907) apresenta a forma analítica da construção
dos tempos verbais, embora o auxiliar fosse ainda o haver e não o ir. Na página
23, o autor explica que os tempos verbais dividem-se quanto ao estado da ação,
assim, podem ser: imperfeito, perfeitos e por-fazer”. Nas palavras do autor “Os
imperfeitos sam os que exprimem acção não acabada” e cita como exemplo “Eu
estudava a lição quando tu chegaste”; Tempos perfeitos, os que exprimem acção
acabada no presente, no pretérito ou no futuro. Ex. Estudei a lição toda. Tempos
por-fazer, os que exprimem acção começada na intenção e futura na execução.
Ex. Hei de estudar a lição antes do jantar”.
Cortesão deixa bastante clara a distinção entre construções como
estudarei e hei-de-estudar. Segundo o autor, a primeira é claramente um ação
futura, faz parte, portanto do “tempo perfeito”, contrapondo-se à segunda que se
faz num “tempo por-fazer”.
O autor explica ainda que os tempos verbais podem apresentar-se de forma
simples ou composta:
Os tempos dizem-se simplez quando sam representados por
uma só palavra, como: louvo, louvava, louvasse; e
compostos (ou locuções verbais) quando sam representados
por mais que uma palavra, como: tenho louvado, hei de
louvar, teria louvado, será louvado, terei sido louvado
(CORTESÃO, 1907, p. 23)
Casteleiro (1975, p. 66) afirma que:
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60
Quanto ao chamado futuro simples, quase não encontramos
vestígios do seu emprego nas entrevistas recolhidas.(...) Na
língua falada ele é substituído ou pelo presente do
indicativo, como vimos, ou por perífrases verbais formadas
pelos verbos auxiliares de tempo haver de + infinitivo ou ir +
infinitivo. (CASTELEIRO, 1975, p. 66).
O autor ainda explica a diferença semântica entre os dois auxiliares:
Os dois auxiliares do futuro perifrástico não são aliás
semanticamente equivalentes. Haver de implica em geral a
iia de futuro mediato, denotando por vezes
cumulativamente um certo valor modal (obrigação ou
probabilidade). Ir contém geralmente a idéia de futuro
imediato de acção quase iminente. (CASTELEIRO, 1975,
p,66).
Alguns manuais de gramática normativa introduzem a iia do verbo IR
como auxiliar, como se em Cunha e Cintra (2001, p. 397), os quais assumem
que tal auxiliar aparece em duas situações:
a- com gerúndio, indicando ações progressivas e/ou sucessivas e
b- com infinitivo, como o caso que estamos tratando aqui, ou seja, para
formar o futuro. No entanto, os autores acreditam que, nesse caso, o auxiliar não é
utilizado com o intuito de formar futuro e sim “para exprimir o firme propósito de
executar a ação, ou a certeza de que ela será realizada em futuro próximo” e
mostram exemplos como: “Vou procurar um médico” ou “O navio vai partir.
Quando explicam o uso dos tempos e modos, os autores o definem ou
identificam a função dos tempos futuros, explicam apenas que “o futuro do
presente e o futuro do pretérito são formados pela aglutinação DO INFINITIVO do
verbo principal às formas reduzidas do PRESENTE e do IMPERFEITO DO
INDICATIVO do auxiliar haver: amar+hei, amar+hia (por havia), etc. (CUNHA e
CINTRA, 2001, p. 393)
Em Nicola e Infante (1997, p. 111) encontramos que “as flexões de modo,
tempo e voz são características do verbo e acrescentam que o que caracterizam
o modo indicativo é que a “atitude do falante é de certeza, o fato é ou foi uma
realidade”; nada dizem quanto ao futuro.
Os autores apresentam, ainda, as conjugações verbais nas formas
canônicas, citam como auxiliares os tradicionais: ser, estar, ter e haver. Não fazem
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61
referência a qualquer possibilidade de formação de futuro com ir como auxiliar; no
entanto, apresentam alguns exercícios, com construções como “(...) vai ser
concluído (NICOLA & INFANTE, 1997, p. 122-124) .
Em Faraco e Moura (1982, p. 228), lemos que os verbos auxiliares na
construção de formas perifrásticas são os tradicionaister, haver, ser e estar”.
Apresentam os tempos futuros do Indicativo conjugados na forma canônica.
Campedelli e Souza (2002, p. 489) explicam que o tempo futuro indica a
ocorrência futura de um fato (que ainda o aconteceu no momento em que se
fala)”; citam como exemplos apenas construções sintéticas. Mais adiante, página
493, quando falam sobre locuções verbais, mostram um verso de Vinícius de
Moraes:Hei de morrer de amar mais do que pude”, sem, no entanto, esclarecer
em que tempo está o exemplo.
Giansante (1998) cuja obra intitula-se Tudo sobre verbos, apresenta os
tempos futuros conjugados na forma tradicional, apesar de fazer menção a uma
forma composta a qual ele não explica. É, no entanto, interessante notar que o
autor define o futuro do presente da seguinte forma: “ação que vai acontecer,
com certeza, a partir de agora (pelo menos na intenção de quem
fala)”(GIANSANTE, 1998, p. 17).
Grifamos na citação acima a construção vai acontecer para reafirmar a
idéia aqui defendida de que esta é, senão única, a forma mais utilizada para a
construção do futuro, e é tão natural que, além de aparecer na escrita não é
notada, nem mesmo dentro de um texto que se proe a dizer “tudo sobre
verbos”.
Cegalla (1966, p. 114) apresenta os verbos auxiliares SER, ESTAR, TER e
HAVER. Em seguida o autor apresenta esses quatro verbos conjugados no que
julga ser todos os tempos e modos existentes no português, a saber:
Indicativo: Presente, Pretérito Imperfeito, Pretérito Perfeito Simples,
Pretérito Perfeito Composto, Pretérito Mais que Perfeito Simples, Pretérito Mais
que Perfeito Composto, Pretérito Mais que Perfeito Composto, Futuro do Presente
Simples, Futuro do Presente Composto.
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62
Subjuntivo: Presente, Imperfeito, Perfeito, Mais que Perfeito, Futuro
Simples, Futuro Composto.
Imperativo: afirmativo, negativo.
Infinitivo: a- Impessoal: Presente, Pretérito
b- Pessoal: Presente, Pretérito
Gerúndio: Presente, Pretérito
Particípio
Ao terminar de apresentar as conjugações possíveis, à gina 119, o autor
apresenta o texto “O Colega do Presidente”, sob o rótulo “Leitura”, no qual destaca
em itálico alguns verbos. O texto parece funcionar como uma espécie de exercício
de fixação mnemônica das formas verbais apresentadas.Transcrevemos o seu
primeiro parágrafo.
“- Escuta Esmeralda, escuta... Nossa vida vai mudar. Olha para mim... E
prosseguiu, enfático:- Acabo de descobrir que o Chefe da Nação foi meu colega!
A locução grifada “vai mudar” não foi destacada por Cegalla. Assim como
Giansante (1998) que se propõe a escrever “tudo sobre verbos e não trata de
formas por ele mesmo construídas, Cegalla, não menciona nos rios modos de
construção de tempos verbais uma construção que aparece no texto que ele
próprio selecionou como exemplo.
Rocha Lima (1986, p.118) diz que os verbos auxiliares m função de fazer
expressar melhor certos aspectos “não traduzíveis pelas formas simples”. Diz,
ainda, o autor que “são numerosos os auxiliares em Português”, nos quais inclui o
verbo IR, mas não como auxiliar na formação do futuro, e sim em construções
como “a tarde ia morrendo”. Apesar de reconhecer numerosos auxiliares”, o autor
mostra a conjugação apenas de TER, HAVER e SER. O autor trata, ainda, (op.cit.,
p. 133, 134) dos verbos reflexivos, ou seja, conjugados com pronomes. Dos
verbos reflexivos classificados pelo autor como do 2.º tipo, isto é, com pronomes,
selecionamos os que aparecem com pronomes em posição mesoclítica. São os
seguintes:
Futuro Simples do Presente (ajoelhar-me-ei)
Futuro Composto do Presente (ter/haver-me-ei ajoelhado)
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63
Futuro Simples do Pretérito (ajoelhar-me-ia)
Futuro Composto do Pretérito – 1.ª forma (ter/haver-me-ia ajoelhado)
2.ª forma (tivera/houvera-me ajoelhado)
Como se percebe, as diferentes formas de se expressar o futuro e a
dificuldade em se lidar com isso não são recentes. Cortesão, em 1907, já se
ocupava com formas analíticas de expressão do futuro. No entanto, alguns
manuais mais recentes, embora utilizem em seus textos, e mesmo em suas
definições exemplos com a construção IR + VP, ou seja, a forma perifrástica,
parecem ignorá-la no momento da classificação e definição “oficial” do futuro.
Sacconi (1989, p. 151) introduz o futuro, explicando que a flexão verbal de
tempo indica o momento ou a época em que se realiza o fato. São três tempos: o
presente, o prerito (o mesmo que passado) e o futuro. Somente o pretérito e o
futuro são divisíveis” .Ele volta a falar do futuro e diz que esse tempo se divide em
futuro do presente e futuro do pretérito, sendo este o antigo condicional. Sacconi
explica como se conjuga o futuro do presente: “A primeira pessoa do singular do
futuro do presente do indicativo termina sempre em rei, em qualquer conjugação:
cantarei, amarei, venderei, comerei, partirei, mentirei..
Cipro Neto e Infante (2000, p. 192) assim definem o futuro do presente: o
futuro do presente simples expressa basicamente processos tidos como certos ou
prováveis, mas que ainda não se realizaram no momento em que se fala ou
escreve”, como em “Estarei lá no próximo ano.”.
Os autores mostram outros usos do futuro:
valor imperativo: “Não furtarás!
valor imperativo mais brando: “Pagarás quando puderes.
dúvida ou incerteza: “Ela terá atualmente trinta e cinco anos.
circunstância de condição: “Se tiver dinheiro, pagarei à vista.
Os autores mencionam a forma perifrástica e assim a apresentam: “O futuro
do presente simples é muito pouco utilizado na linguagem cotidiana. Em seu lugar
é normal o emprego de locuções verbais com o infinitivo, principalmente as
formadas pelo verbo ir.” Como em “ Vou chegar daqui a pouco.”.
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64
Também Terra e Nicola (2001, p. 36) explicam que o futuro do presente
“expressa uma fato posterior ao momento em que se fala, tomando-o como certo,
ou provável” como emAmanhã os campeões desembarcarão no aeroporto”
Os autores acrescentam que o mesmo tempo é usado para exprimir:
dúvida ou incerteza sobre os fatos atuais. Será
que ela ainda se lembra do meu endereço?
desejo ou ordem, com valor de imperativo. Não
matarás”
Os autores registram a forma perifrástica explicando que é um tipo de
locução empregada na linguagem atual. Acrescentam que tal forma serve para
indicar uma ação futura imediata: “Amanhã vou entregar os trabalhos”.
O que vemos nessa seção é que as gramáticas trazem poucas explicações
e algumas sequer se lembram da forma perifrástica de futuro, mas em boa
parte delas a preocupação em relação ao que vem a ser o futuro, no sentido de
não ser um tempo vivido, experimentado, parte do mundo real, como o presente e
o passado.
Essa falta de clareza não é, exclusivamente, uma “falha dos manuais de
gramática, mas sim é da própria natureza do futuro o ser muito bem definido;
não nem mesmo uma certeza absoluta de que o futuro seja um tempo
(conforme discutimos na seção 5).
Não estamos com isso dizendo que as gramáticas não poderiam ser um
pouco mais esclarecedoras sobre as formas de se expressar o futuro, mas, para
aquele que deseja entender o que realmente acontece com esse tempo, é
necessário algum conhecimento complementar. É com essa intenção que
apresentamos as próximas palavras, dedicadas à observação da trajetória da
expressão do futuro português.
4.2- UMA BREVE HISTÓRIA DO PASSADO E DO PRESENTE
DO FUTURO PORTUGUÊS
Os verbos têm isso que são sempre seres
vivos. E como seres vivos eles sofrem essa lei
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65
natural que faz os mais fortes engolirem os mais
fracos.
Mário de Andrade
Táxi: Literatice 16.10.1929
Mattos e Silva (2001, p. 36), fazendo um estudo da morfologia do verbo
português desde seu período arcaico, apresenta um quadro resumo que
transcrevemos na íntegra para facilitar nossa compreensão sobre as
transformações por que passaram os verbos.
Antes, porém, convém entendermos melhor alguns pontos que destacamos
no quadro.
Em latim, os verbos eram divididos em dois grandes grupos que marcavam
aspecto: o perfectum e o infectum, enquanto o português apresenta modos: o
Indicativo e o Subjuntivo. O perfectum e infectum latinos marcavam,
respectivamente, o feito, o concluso e o inconcluso, o inacabado, o não feito.
Câmara Jr. (1975, p.129) observa que a distinção de aspecto no latim era
marcada morficamente de maneira variada: os tempos do perfectum tinham marca
formal: no interior da extensão vocabular do verbo podia ser acrescida uma
partícula, entre o radical e os morfemas, como mostram alguns exemplos: o u de
coluit, do verbo colit (colher); em outros verbos a marca poderia ser a reduplicação
da sílaba inicial da raiz, como em cucurrit, do imperfeito de currit (correr); havia
ainda a possibilidade de alternância vocálica na raiz do verbo: fēcit, do imperfeito
făcit (fazer).
Essas regras podem parecer estranhas à primeira vista, já que nos
acostumamos a ver nossas marcações nos morfemas, mas na verdade tais regras
nos são bastante familiares. Não conhecemos em português a regra que duplica a
laba inicial da raiz verbal, mas as outras duas regras podem ser encontradas nas
chamadas formas arrizotônicas, fenômeno que pode ser interpretado como algum
resquício daquela regra latina. Em português, a depender da conjugação, o verbo
pode apresentar em alguma pessoa, em algum tempo uma forma na qual a raiz é
diferente da sua forma infinitiva, seja a alteração de um som, como eu durmo, do
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66
infinitivo dormir, seja a inclusão de uma vogal, como em eu caibo, do infinitivo
caber, que eu saiba, do infinitivo saber.
Outro ponto a ser destacado sobre o quadro é a diferença entre as duas
modalidades do latim: o clássico e o vulgar.
Câmara Jr. (1975, p.130) explica que no latim vulgar não havia o futuro,
como no clássico, a forma amabo, e acrescenta que, de maneira geral, não é
comum na modalidade coloquial de qualquer língua a conjugação do futuro
propriamente dito. Diz ele que o futuro
resulta de uma elaboração secunria, de ordem puramente
intelectual e o emprego de um tempo futuro, rigorosamente
dito, depende de condições especiais de comunicação
lingüística, quando pautada por mais um raciocínio objetivo
do que por um impulso comunicativo espontâneo. Para este,
a noção de futuro está intimamente associada à vida, ao
desejo, à imposição da vontade e funciona a rigor na
categoria de modo. (CÂMARA JR, 1975, p.130)
As explicações de mara Jr. são, a nosso ver, bastante pertinentes e
voltaremos a elas em nossas análises. Vejamos, enfim, o referido quadro.
Modo
Lgs
.
Latim Português Latim Português
As
pec
Infectum - Perfectum -
Tem
p
Tem
p
Tem
p
Temp
Indicativo
Pre
s.
Pret
.
Fut.
AMO AMO
AMABAM AMAVA
AMABO AMAREI
(amare habeo)
Pre
s.
Imp.
Fut.
Pre
s.
Pre
s.
Pret
.
Fut.
AMAVI AMEI
AMAVERAM AMARA
AMAVERO
AMARIA
(amare habebam)
Perf.
Mais
perf.
Fut.pr
et.
Subjuntivo
Pre
s.
Pret
.
AMEM AME
AMAREM AMASSE
-
AMAR
Pre
s.
Imp.
Fut.
Pre
s.
Pret
.
AMAVERIM
AMAVISSEM
O comentário que Mattos e Silva (2001) faz em relação ao exposto no
quadro é que o verbo é um vocábulo eminentemente flexional”, isto é, apresenta
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67
em sua extensão vocabular algumas marcas como o Morfema Modo Temporal
(MMT) e Morfema Número Pessoal (MNP).
A autora observa entre o latim e o português arcaico algumas mudanças no
padrão verbal, tais como:
1- a oposição aspectual deixa de ser marcada morfologicamente;
2- a oposição temporal, no modo indicativo ocorre na oposição
presente/passado (no passado distinção de perfeito/concluso
e imperfeito/inconcluso);
3- sobre o futuro observa-se que a forma do presente pode ser
usada para indicar futuro.
No romance não aparecem mais os futuros perfectivos e imperfectivos
registrados no latim. O que então é uma expressão, constituída com o verbo
principal no infinitivo seguido de “habēre”, no presente do indicativo, o qual, como
dito acima, indicava futuro, formando locuções como “amare habeo” e “amare
habeban”, que correspondem aos atuais amarei e amaria, respectivamente.
De forma resumida, o que ocorreu, segundo Mattos e Silva (2001, p. 46) foi
que os MMT re/ra do futuro do presente, e mesmo o ria, do futuro do prerito,
registrados no período arcaico são resultado da gramaticalização de habēre
posposto ao infinitivo de qualquer verbo, para indicar presente e, posteriormente
foi utilizada também para indicar futuro.
Aqui o que temos, na verdade, já é um processo de gramaticalização num
estágio avançado, tanto que o r do infinitivo do verbo já passa a fazer parte do
então morfema, que é, na verdade, o verbo habēre.
Teyssier (1997, p. 19, 20) lembra que a evolução da morfologia e sintaxe
ocorreu de forma semelhante entre as línguas românicas. Nesse período, na fase
dos romances, as formas perifrásticas se tornam mais comuns, substituindo as
sintéticas. Assim, o futuro simples é expresso por uma perífrase formada com o
auxiliar habēre, isto é, uma forma como amabo passa a amare habeo. Essa,
entre outras alterações no sistema verbal é interpretada por Teyssier como uma
simplificação no sistema verbal, o que obviamente, refere-se à redução no número
de formas distintas.
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68
Por essa breve revisão diacrônica, percebemos que nossa argumentação
poderá encontrar reforço na pré-história da língua portuguesa. Na fase histórica do
português, o verbo haver (habēre) já se encontra aglutinado ao verbo nuclear.
Nessa fase da língua, portanto, ele já passa a ser percebido como morfema.
Devemos então voltar mais um pouco no tempo e observar a formação do futuro
ainda antes do aparecimento do português.
Para uma melhor visualização das transformações diacrônicas pelas quais
passou o futuro do presente, pelo menos desde que temos registro,
transcrevemos, novamente o gráfico de Silva (2002, p. 65), já apresentado na
página 37, mas desta vez para observarmos que o processo de não é
exclusividade do português, mas ocorre também na transformação do latim ao
espanhol, até porque, como citamos acima, de acordo com Teyssier (1997) as
línguas românicas tiveram sua sintaxe evoluída de forma muito semelhante entre
si, sobretudo, o espanhol em relação ao português.
Estrutura Forma Estágio da língua
Fase diacr. 1 anal. ama-bhu
sint. amabo
Indo-Europeu
Latim Clássico
Fase sincr. 1 Amabo/cantare habeo Latim tardio
Fase diacr. 2 anal. cantare habeo
sint. Cantaré
Latim falado tardio
Românico
Fase sincr. 2 Cantaré/voy a dormir Românico moderno
Fase diacr. 3 anal. voy a dormir
sint. Yo vadormir
Românico contemp. (Esp.)
Dial. Espanhol
americ. contemp.
O que o quadro mostra é exatamente o que observa Fleischman (1982,
p.32) sobre o fato de as formas de se expressar o futuro se alternarem em
sintética e perifrástica ao longo da história. A primeira forma de futuro registrada
no Latim amabo vem de seu ancestral Proto Indo Europeu, ama-bhu. Fleischman
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69
(op. cit.) observa também que no Proto Indo Europeu não havia formas
específicas para o futuro; esse tempo verbal era expresso por meio de advérbios e
outras categorias que pudessem trazer a noção de futuro.
Parece que estamos vendo mais uma vez a natureza virtual, abstrata do
futuro atuando no sistema lingüístico, o que implica nos processos de variação.
Fleischman (1982, p. 20) alega que tudo o que podemos afirmar em relação ao
futuro são crenças e não conhecimento. Assim, o papel do falante é crucial na
construção, na elaboração da expressão do futuro, pois a realidade virtual sobre
aquele tempo está mais na convicção que o falante tem em relação ao evento do
que do acontecimento do evento em si, já que todos reconhecem que não há
qualquer garantia sobre sua realização ou a efetivação de sua realização.
E assim, por essa constante reformulação que o homem faz em relação ao
futuro e/ou em relação ao seu próprio futuro, a expressão do tempo em português
(e em outras línguas também) está presa nesse ciclo, que avalia e,
conseqüentemente, coloca de maneira incessante as formas de futuro em análise,
provocando a alternância entre formas analíticas e sintéticas; ou seja, a imagem
que vemos no quadro de Silva (2002), juntamente com observações de
estudiosos, nos permite afirmar mais uma vez, que, no que concerne às formas
simples ou compostas no sistema de conjugação verbal no português, o padrão é
cíclico: as formas sintéticas e analíticas m se alternando ao longo de sua
história, desde os primeiros registros, ou mesmo antes deles, como se na
reconstrução do Proto Indo Europeu.
Para Said Ali, “as línguas românicas ficaram privadas
3
das formas de
futuro no indicativo que possuía o idioma latino” (SAID ALI, 2001, p. 111). O autor
explica que essa falta teria sido suprida com o presente do verbo haver, de cuja
aglutinação com o verbo principal resultou o atual futuro sintético.
Quando mencionamos que uma forma sucede outra, não estamos
ignorando o fato de que antes do desaparecimento de uma delas houve algum
período de convivência, de co-existência entre pelo menos duas formas - uma
3
Grifo nosso.
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70
conservadora e uma inovadora - conforme nos tem mostrado a literatura
sociolingüística por meio dos diversos trabalhos sobre varião. Assim,
assumimos que, por um longo período, até que uma forma desaparecesse, ou
fosse menos utilizada, ou utilizada em contextos específicos, conviviam, para
exprimir o futuro, pelo menos duas formas: uma sintética e outra analítica.
Podemos, então, concluir que a privação de que fala Said Ali é somente em
relação à forma do futuro e não de seu sentido, já que o seria funcional que em
algum momento da língua, em qualquer de seus estágios ela ficasse privada de
exprimir algo, e assim tivesse sido impedida de expressar o futuro. A história
mostra que o futuro tem sido sempre uma variável, ou seja, não faltam formas de
expressão de futuro, ao contrio, há sempre mais de uma forma para expressá-lo.
A língua não falha quanto a isso, ou seja, em querer dizer algo e conseguir
dizê-lo. Na seção 3, em que apresentamos “O tempo” discutimos isso: de uma
forma ou de outra as línguas identificam, traduzem e marcam o tempo e sua
relação com o agora, eventos anteriores e posteriores. o aconteceria de forma
diferente em uma língua que já possui um sistema de marcação definido dessa
entidade.
Fleischman (1982, p. 40) verifica que a variação das/nas formas de
expressão do futuro ocorre não só no Proto Indo Europeu e no Latim, mas
também no Sânscrito, embora, segundo a autora, e isso veremos em maior
profundidade nas alises, possa haver alguma diferença de ordem semântica
entre as duas formas, pelo menos no estágio inicial de sua co-existência.
Uma outra conclusão que a observação do quadro acima nos permite é que
a forma do presente, ao longo da história tem aparecido para exprimir o futuro;
como é possível fazer no português brasileiro atual, em uma frase como: “Eu viajo
no mês que vem”, onde a futuridade não é expressa no verbo, mas não fica
comprometida, já que a locução adverbial no mês que vem não deixa qualquer
dúvida quanto ao tempo futuro da ação anunciada.
Isso pode ter ocorrido também no Proto Indo Europeu, que, pelo que se
pode deduzir, não possuía uma conjugação verbal específica para a marcação do
futuro. A expressão do futuro se fazia por meio de termos ou expressões fora do
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71
verbo, as quais, associadas a ele, ao verbo, indicavam também aspecto; daí
Fleischman (1982, p. 32) conclui que no Indo Europeu, o tempo não se constituía
como uma categoria gramatical. Naquele estágio da língua (ou naquela língua), o
futuro, da mesma forma como ocorre no PB atual, se fazia perceber por verbos no
presente, mas, de duas formas:
- uma forma sintética do subjuntivo (para um futuro mais
próximo);
- uma forma analítica optativa (para um futuro mais remoto)
Fleischman (1982, p. 165) explica que controvérsias sobre essas duas
formas, pelo fato de serem modos discretos (original: discrete moods) no Indo
Europeu. A idéia é que o subjuntivo expressava primeiro a idéia de futuridade,
como o will inglês e o futuro sintético português e o optativo expressava primeiro a
idéia de potencialidade, como o wish inglês e o haver de português.
A diferenciação semântica entre as duas variantes de futuro do Indo
Europeu, segundo a autora, não teria passado para o latim, mas fortes
evidências, como pretendemos demonstrar nas análises, de que as variantes do
futuro, sempre uma sintética e outra perifrástica, seja no latim antigo (tardio), seja
no português, além de expressarem o futuro, carregam, no icio de sua co-
existência, alguma informação semântica diferente.
Daquelas duas formas de futuro no Indo Europeu apresentadas acima, uma
sintética do subjuntivo e outra analítica optativa, passou para o latim a forma
sintética, um verbo único, do tipo amabo, conforme se no quadro 2, na fase
diacnica 1, do latim clássico.
Como acontece nos processos de mudança, antes que a forma sintética
amabo dividisse seu lugar com a perifrástica amare habeo, no latim tardio, fase
sincrônica 1, de acordo com o quadro 2, houve um período em que as duas
formas eram concorrentes.
Os motivos das sucessivas alterações no padrão de conjugação verbal o
já muito tempo objeto de investigação, e até o momento não se chegou a um
termo, mas alguns estudiosos mostram o que pode ter acontecido na passagem
de uma variante a outra.
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72
O caso da aglutinação de habeo ao verbo nuclear é o momento que mais
nos interessa. Para Silva (2001, p. 63), a questão é morfossintática: habēre
conjugado passou a ser pronunciado “ai”, dando origem a formas como chanter ai,
que por sua vez, foi segmentado da seguinte forma: chant (radical) + e (vogal
temática) + r (MMT) + ai (MNP). Desse ponto em diante o ai”, o antigo verbo
“habeo”, que funcionava como verbo principal passa a auxiliar, mas pela redução
fonológica sofrida, surge a possibilidade de aglutinar-se ao verbo principal e dessa
forma passa para a escrita; os dois verbos passam a ser percebidos como uma
palavra e, portanto, o ai” é reconhecido não mais como um verbo auxiliar e
sim, como um morfema, que carrega as marcas de pessoa e mero. A
segmentação apresentada por Silva é exatamente a que tem sido considerada,
mas aqui a rejeitamos, conforme apresentamos na introdução deste trabalho.
Para mara Jr. (1975), a motivação inicial desse processo de
transformação que culminou numa forma sintética de futuro foi de ordem sonora;
ocorreu, então, por evolução fonética, numa espécie do que se tem chamado de
acomodação fonética, sem qualquer motivação gramatical. Mas mesmo
considerando que a transformação tenha tido início por razão diferente, a
segmentação se faz do mesmo modo, ou seja, rad+VT+MMT+MNP, onde o r faz
parte do morfema (MMT) e não da raiz.
Dizemos que rejeitamos tal posição porque, para nós, está claro que o
estamos tratando de um vocábulo, mas sim de dois, o verbo nuclear e o verbo
auxiliar, que podem ser intercalados por um clítico, que desta forma constitui uma
mesóclise.
Câmara Jr. (2002) descreve o auxiliar como “qualquer vocábulo de
significação gramatical, que forma locução com um vocábulo de significação
externa para situá-lo numa dada categoria gramatical, ou numa dada relação
sintática” (CÂMARA JR. 2002, p. 64) e ainda acrescenta que pode ser também
“qualquer vocábulo que é morfema categórico ou relacional. Muitas vezes trata-se
de um vocábulo de significação externa que sofreu gramaticalização em todos ou
alguns de seus empregos” (op. cit. p. 64).
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73
Como se percebe, o que diz mara Jr. aplica-se perfeitamente ao auxiliar,
o verbo habēre, tratado pela gramática como morfema e também ao ir, auxiliar do
futuro, classificado pelo autor como auxiliar ocasional.
Por essa breve revisão panomica na trajetória do futuro, percebe-se que
ao longo da sua história vão sendo escolhidos os auxiliares que melhor traduzem
a expectativa do homem em relação ao futuro, variando com maiores ou menores
graus de comprometimento.
Até esse momento da história do futuro, houve sempre um período de
análise e no final dessa alise ou da forma analítica teria surgido uma forma
sintética. O fato de o auxiliar ir se colocar, desta vez, à esquerda do verbo
principal pode dificultar um pouco o processo de aglutinação do auxiliar ao
principal, no entanto, a aglutinação não é impossível, já que se registra no
espanhol americano: Yo vadormir.
Como se pretendeu mostrar aqui, a constante alteração da forma de
expressão do futuro, que é o tema tratado sob rios aspectos em todas as
seções deste trabalho, não se apenas na forma; ela envolve todos os níveis de
um sistema lingüístico e, entre tantas discussões que provoca, sobretudo pela
incerteza que lhe é inerente, traz o questionamento sobre o que vem a ser
realmente o futuro. Ao tratarmos do futuro estamos nos referindo a um tempo ou a
um modo?
É o que discutiremos na próxima seção.
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74
5 - FUTURO: A INCERTEZA QUE TRAZ CONSEQÜÊNCIAS
LINGUISTICAS
O Modo Indicativo, que reúne em português sete tempos, privilegia a noção
de tempo, ou seja, procura localizar eventos no passado, no presente e no futuro,
ao contrário dos modos Subjuntivo e Imperativo, que não m como função
principal a expressão de um tempo. Assim, abrigado sob o teto do modo
Indicativo, sem maiores questionamentos, o futuro (do presente e do pretérito) tem
sido interpretado, à primeira vista, como um conjunto de expressões que indicam
tempo, um tempo que ainda não chegou, mas, indubitavelmente, um tempo.
Do ponto de vista da Lingüística, no entanto, o assunto não é o simples, o
futuro não é o facilmente interpretado como um tempo, ainda que possa ser
explicado que se trata de um tempo que se localiza depois do presente. Assim, o
tema tem sido alvo de muitas discussões, questionamentos e conseqüentes
pesquisas, que se fazem com o objetivo de elucidar a questão e responder se o
futuro é um tempo ou um modo.
Não resta vida de que parte da complexidade e dificuldade que permeia
o tema, ou seja, de definir, classificar e localizar o futuro, se deve a seu caráter
abstrato, virtual, sobre o qual já se falou várias vezes neste texto.
Além dessa dificuldade natural, muitas vezes se inicia um estudo sem se
levar em consideração que futuro não é a mesma coisa que formas de expressão
do futuro em determinada língua. Definir o que vem o ser o futuro é parte das
tarefas da sica, da cosmologia, da astrofísica, ou áreas afins, mais exatas, ao
passo que definir como se pode “falar” o futuro cabe à lingüística, à filosofia, enfim,
às ciências sem a preocupação com a exatidão, com o absoluto. Deverá existir
sempre clareza em relação a isso, porque futuro e futuro nas línguas, isto é, a
materialização da expressão do futuro em determinada língua não são duas
coisas que se separam com muita facilidade, mas são duas coisas bastante
distintas, em qualquer língua que se queira observar.
Fleischman (1982) explica que o futuro, é ao mesmo tempo, uma categoria
gramatical e ontológica, e por ser ontológica se gramaticaliza em todas as línguas
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de formas distintas, todas as línguas são capazes de falar sobre eventos ainda
não ocorridos, não vividos, portanto, (ainda) não reais.
Alguns estudos m concebido o futuro como uma categoria de tempo
secundária. Tais estudos se baseiam no fato de que existem línguas nas quais
não um paradigma de futuro explícito. As línguas encontram alternativas fora
de um sistema de marcação formal para expressar eventos que devem ocorrer
depois do agora.
Fleischman (1982, p. 22) afirma que apenas um pequeno mero de
línguas possui algum mecanismo que pode ser realmente interpretado como
designativo de tempo futuro; diz a autora que o que se costuma ver nas línguas
são estratégias para se apontar fatos localizados em momento posterior ao
momento da fala, mas em geral, as línguas apresentam uma gramática com um
paradigma explícito de futuro, ou pelo menos assim denominado.
A autora observa, ainda, que as formas verbais conhecidas sob o rótulo de
futuro m duas outras importantes e distintas funções: uma itica e uma modal.
A primeira situa o evento no discurso; a segunda indica algo como a realidade, a
certeza em relação ao que se anuncia.
Podemos nos demorar um pouco mais sobre as duas funções observadas
pela autora, e ousar propor que elas, se analisadas com um pouco mais de
profundidade, não seriam exatamente “outras” funções além de marcar o tempo
futuro simplesmente porque marcar o tempo futuro pode ser justamente isso. O
futuro pode ter como função inerente, mais que isso, pode exigir, as duas funções
mencionadas por Fleischman; ou seja, relatar um fato que ainda não é real, que
ainda o se tornou conhecido pelo mundo, é, necessariamente localizar-se e
localizá-lo -o evento- no tempo, e simultaneamente revelar uma expectativa e/ou
um comprometimento que se tem em relão àquele tempo ou àquele evento no
tempo.
ainda um outro fator que deve ser mencionado aqui no sentido de
reforçar a alegada dificuldade que se tem em torno da definição do futuro: as
observações sobre a exata função do futuro não podem ser universais, genéricas,
porque as línguas marcam o tempo e o futuro de maneiras distintas.
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76
línguas que marcam o tempo futuro morfologicamente, com um verbo,
outras marcam o futuro lexicalmente. Isso parece significar que cada língua, ou
pelo menos cada grupo de línguas, merecerá um estudo diferenciado sobre sua
forma de expressar o futuro; a partir da observação individual é que se passa à
discussão sobre ser a forma de futuro tempo ou modo. O que se verificará e
concluirá em determinada língua não será necessariamente estendido a outras,
ainda que tenham entre si um grau de parentesco aproximado pois as diferenças
se dão em vários níveis, entre eles o pragmático/discursivo e isso pode implicar
em multiplicidade de intenções, mesmo entre línguas com gramáticas muito
próximas.
Por essas breves observações, evidenciam-se as dificuldades em se definir
o que seja realmente a expressão do futuro, ou o que significam, no caso do
português, verbos ou locuções conjugadas nesse tempo gramatical. Some-se a
isso o fato também assinalado por Fleischman (1982) de que as crianças
aprendem o passado e o presente muito antes de aprenderem o futuro, talvez pelo
fato de o futuro não existir no mundo perceptível, no mundo real, no mundo
experimentado do universo infantil.
Lyons (1979) é um dos estudiosos que reconhece a dificuldade que se tem
em tratar do tempo, sobretudo em relação ao futuro. Reconhecemos o passado e
o presente como realidades experimentadas, vivenciadas, o que não se pode dizer
sobre o futuro, tanto que, para Lyons, o futuro é mais um modo do que um tempo,
mas é preciso salientar que a observação deste pesquisador se faz em relação ao
inglês.
Temos na afirmação do estudioso respaldo para nossa argumentação
sobre a individualidade de cada língua, já que ele observa especificamente o
inglês, e junto com a mesma afirmação, Lyons também declara que embutido
no futuro as duas funções: a de indicar modo e a de indicar tempo. Ele afirma que
o futuro “é uma noção em que se cruzam as distinções de modo e tempo
(LYONS, 1979, p. 23), mas deixa claro que no inglês o modo é mais evidente.
Fleischman traz as afirmações de dois estudiosos que diferem das de
Lyons. Wekker (1976, apud. FLEISCHMAN, 1982) diz que, no inglês, o futuro
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77
perifrástico formado com o auxiliar will pode apresentar rias nuances de
significado, maswill is essentially a marker of future time”. Chomsky (1971, apud.
FLEISCHMAN, 1982) dirá que no auxiliar will uma insinuação de volição. As
afirmações dos dois estudiosos, se somadas, nos permitiriam uma afirmação
simples e muito objetiva: o futuro é volitivo.
Tal conclusão facilitaria a percepção sobre o vem a ser o futuro sem a
necessidade de ter de separar do futuro a idéia de compromisso, promessa,
volição, expectativa, entre outras, o que gera o envolvimento com a questão do
modo. Poderíamos então concluir que o futuro tem como primeira idéia, embora
não necessariamente como principal, a noção de um tempo, mas sua intrínseca
característica virtual traz consigo uma nuance de modalidade, ou, como afirma
Fleischman, citando Fries (1927, p. 94), uma certa coloração modal que é uma
conseqüência inevitável quando se pensa em futuro. Fleischman acrescenta que,
por essa razão, em muitas línguas o futuro é percebido mais como modo do que
como tempo, e assim vemos mais uma vez reforçada nossa afirmação sobre a
individualidade do futuro nos sistemas lingüísticos.
A autora, considerando o futuro como uma categoria gramatical, destaca
nele duas características:
1- a marcação global do futuro em relação ao passado e ao presente;
2- a notável instabilidade das formas de futuro.
Dentre as duas características a segunda é observada em quase todas as
línguas que operam com paradigma de futuro e em todas se verifica a propensão
rumo à mudança semântica. As formas começam como modais ou aspectuais e
em algum momento assumem valor temporal. Num segundo estágio, a forma com
função de futuro recebe outras colorações, as quais podem até mesmo se
sobrepor ao valor temporal.
Silva (2002) acredita na influência da semântica sobre a morfossintaxe no
processo de constante renovação das formas de futuro; para ele “as formas que,
em primeiro lugar, expressam temporalidade são sintéticas e as que indicam
modalidade são analíticas. (SILVA, 2002, p. 65).
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78
Vamos aqui nos permitir afirmar que, quando alguns estudiosos afirmam
que o futuro o é um tempo, mas sim um modo, podem estar querendo dizer que
a construção de futuro a que se referem é que traduz um modo e não um tempo.
Com isso queremos dizer que, em alguns casos, uma certa construção do futuro
pode estar relacionada prioritariamente a um modo e outras construções
abrigadas sob o mesmo paradigma traduzem, como informação principal, uma
ação relacionada a tempo, um tempo virtual, algo que ainda não se concretizou,
mas, sem dúvida um tempo, o tempo do porvir, portanto, o que reconhecemos
como futuro.
O que ocorre, então, é que, às vezes, a noção de modalidade é mais
perceptível do que a de tempo, o que ocorreria, segundo Silva (2002) por causa
dos elementos de incerteza inerentes a qualquer evento ou estado de coisas
futuras” (SILVA, 2002, p. 48)
Apesar de toda a complexidade que gira em torno de ser um futuro um
tempo ou um modo ou um entre lugar tempo/modo, podemos perceber pelo que
foi discutido a aqui, sobretudo na seção em que tratamos da auxiliaridade, que o
auxiliar tem grande influência na formação do tempo que se convencionou a
chamar de futuro; ou seja, a escolha do auxiliar que será empregado nas
perífrases para designar um evento ainda não ocorrido pode apresentar funções
variadas. Assim, cada língua merecerá um estudo específico e constante, ou pelo
menos cada vez que um sistema lingüístico altera o auxiliar de futuro.
Embora esteja claro que a incerteza é da natureza do futuro, a virtualidade
é uma característica essencial do futuro, nem por isso, na mente do homem, ele
deixa de ser um tempo, um tempo que ainda não passou, nem está passando,
mas que de alguma forma existirá em algum momento, ainda que desconheçamos
como isso se dá. No entanto, o se pode ignorar também que quando o futuro
acontece, ele, automática e naturalmente, deixa de ser futuro. Sabemos que,
assim como o exato momento deixa de ser presente e passa a prerito, o que
está vindo, vem de um futuro e passa a presente, por isso é que Santo Agostinho
diz que só o presente existe realmente.
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79
Futuro é, pois, um construto, refere-se a um tempo, mas não chega a -lo,
simplesmente pelo fato de não ser”; porque quando ocorre, quando se efetiva, já
não é mais futuro; é praticamente um paradoxo, e por isso pode até ser tratado
na(s) língua(s) mais como um modo do que propriamente um tempo.
Isso é ilustrado pela língua quando, para exprimir o futuro, utilizamos
formas verbais no presente, como em Aman eu faço isso”. Além dessa forma,
o ir como auxiliar de futuro também se conjuga no presente, como emAmanhã eu
vou fazer isso”. A própria forma sintética Amanhã eu farei isso tem no ei a
evolução do habeo, que também é uma forma conjugada no presente. Isso
confirma a posição daqueles estudiosos que afirmam não haver futuro.
Câmara Jr (1956/1957), citado por Fleischman (1982, p. 24), apresenta
uma proposta que, se analisada com profundidade, poderia “acalmar” a discussão,
para o estudioso existem três tipos de futuro, ou de interpretações para
expressões de futuro: (i) o modal, que é o futuro apenas como modo; (ii) o modo-
temporal, que é o tempo futuro com coloração modal e o (iii) temporal, que é a
simples expressão do futuro.
Fries (1927, apud. FLEISCHMAN, 1982) diz que nas línguas que possuem
o futuro como categoria, haverá sempre as nuances temporal e modal em torno
desse termo e acrescenta que em muitas línguas se percebe mais a característica
modal do que a temporal das formas ditas de futuro.
Para Silva (2002) está claro que, no momento ou na fase em que o futuro
se apresenta em sua forma analítica, reconhece-se maior indicação modal; na
fase em que se temporalizam tornam-se sintéticas, ou seja, para ele as formas
sintéticas o mais temporais e as analíticas o mais modais, como já
mencionamos mais acima
Fleischman não faz distiões entre as rias formas de se expressar o
futuro, mas afirma que o fato de o futuro agregar as funções de tempo e modo nas
línguas que possuem o paradigma explícito de futuro torna o futuro como tempo
mais evidente e a função modal fica relegada a segundo plano.
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80
Vimos, por todas as considerações feitas acima, que a questão sobre ser o
futuro um modo ou um tempo continua criando divergência entre estudiosos,
embora todos percebam as colorações modais e temporais envolvendo o futuro.
Parece-nos claro que a questão sobre ser o futuro tempo ou modo é
infundada, pois é tida a conclusão de que, às vezes, as formas de futuro
exprimem um tempo futuro, às vezes um modo, por vezes os dois. Tal questão
deve persistir, não para que se chegue a uma resposta definitiva, a qual
provavelmente não virá, mas porque , em qualquer língua, a variação das
nuances temporal e modal, portanto, é bastante plausível pensarmos num entre-
lugar para o futuro.
ainda uma outra questão por traz dessa: o porquê de as idéias de
tempo, modo e tempo-modo se expressam sob uma mesma forma verbal
reconhecida como sendo de futuro.
E por que a forma de futuro geralmente é conseguida por meio de um verbo
no presente? Ou seja, deve-se perguntar por que o português (ou outra língua)
não desenvolve e fixa uma forma diferente para cada intenção.
A resposta seria que a língua fixa sempre duas formas, e temos a
explicação para a constante alternância entre as formas analítica e sintética do
futuro. Das duas formas uma exprime mais modo, outra mais tempo.
Surge, então, outro questionamento: por que, então, ao final de algum
tempo, uma forma começa a assumir o papel da outra?
A nosso ver essas perguntas não podem deixar de ser consideradas no
momento em que se discute o que é o futuro.
Após temos discutido, ou pelo menos, relembrado da discussão sobre o
que é o futuro, já que não pusemos termo à discussão, passamos a relatar como
ocorreu a seleção do material que serviu para ilustrar nossos argumentos, nossas
considerações. Passemos, pois, à justificativa da escolha de nosso corpus.
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81
6- A CONSTITUIÇÃO DO MATERIAL DE ANÁLISE E ILUSTRAÇÃO
Esta brevíssima seção, quase um parênteses, ocorre neste ponto do texto
para apresentarmos a justificativa da escolha de nosso corpus. Vamos a ela.
Nossa intenção neste trabalho não é analisar como, em que circunstâncias
ou quais fatores lingüísticos (internos) ou extralingüísticos (externos) estariam
contribuindo para a ocorrência ou freqüência daquela forma que aqui
denominamos nova modalidade de mesóclise. Como já esclarecido, nosso intuito
é simplesmente apresentar a idéia de que a seqüência “auxiliar + pronome + verbo
principal consiste, do ponto de vista da colocação pronominal no mesmo que
verbo principal + pronome + auxiliar”.
Como a referida colocação pronominal nada mais é do que a conseqüência
do re-arranjo da forma de futuro, é a construção dessa forma, a analítica de futuro,
que pretendemos apresentar aqui.
Julgamos que para isso não é necessário um exaustivo material de análise.
Isso seria enfadonho, além de desnecesrio e a redundante. Dizemos isso
porque muitos trabalhos já foram realizados em torno da gramaticalização do
futuro, aliás, esse é o exemplo mais utilizado para se explicar, ilustrar e provar o
fenômeno de gramaticalização. Considerando isso, trazemos um pequeno recorte
no tempo, mais para ilustrar e exemplificar casos distintos e, a partir daí,
apresentar um fato, um fenômeno lingüístico com a denominação de mesóclise.
Segundo Tarallo (1993), o português brasileiro apresenta no século XIX, ou
melhor, na passagem do século XIX para o XX, profundas alterações.
Considerando tal afirmação, podemos supor que seja provável que se verifique
nesse período e naquele que o antecedeu imediatamente, ou seja, século XVIII,
as oscilões próprias de um momento, segundo o autor, caótico, em que
decisões importantes estão sendo tomadas em relação ao sistema lingüístico em
uso e que se perceba aí algumas motivações para que a referida escolha se
cristalizasse
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82
Nosso corpus é, por isso, constituído por produções escritas nos séculos
XVIII e XIX Trata-se de anúncios de jornais e cartas oficiais e familiares
(BARBOSA & LOPES, 2006; LOPES, 2005; SIMÕES & KEWITZ, 2006).
Justificamos que, embora não ignoremos as indicações de estudiosos da
área de que os trabalhos sobre gramaticalização devam ser feitos com base em
corpora diversificados, pois, quanto maior a variedade de gênero, maior a
possibilidade de ampliação da visão sobre o fenômeno estudado, como não é
nosso intuito verificar se há a gramaticalização do ir como auxiliar de futuro, ou se
a colocação de um clítico entre os dois verbos que formam a perífrase. Isso,
como dito, já sabemos. O que desejamos com nosso corpus é compreender e
demonstrar alguns passos do processo, a motivação social e o processo cognitivo
que tornam possível a escolha e consagração do ir e não de outro verbo qualquer,
para cumprir a função de auxiliar de construção do futuro no português brasileiro.
O gênero escolhido tem também a vantagem de apresentar textos
espontâneos e subjetivos, no sentido de serem, no caso das cartas, mesmo as
oficiais, “conversas íntimas e informais, no caso dos textos jornalísticos, o
desabafos, denúncias, propagandas, cticas, enfim, textos com maiores
preocupações com o conteúdo do que com a forma; o que aproxima o material
analisado da fala cotidiana da época.
Do material observamos todas as construções que indicassem futuro do
presente ou do pretérito e mesmo aquelas que pudessem ser interpretadas ou
trouxessem alguma intenção de futuro, como, por exemplo, casos em que o verbo
auxiliar aparece no futuro (irei chegar, por exemplo). Enfim, o material serviu para
que pudéssemos perceber que a forma de futuro que hoje é a mais recorrente, foi
escolhida em meio a várias outras, além da sintética, outras analíticas com outros
verbos auxiliares.
Na seção em que mostramos como o futuro analítico com o auxiliar ir é
atualmente utilizada pela classe trabalhadora de forma categórica, podendo
mesmo assumir várias nuances semânticas como promessa, desejo, ordem, ou
seja, mesmo apontando ora mais para tempo, ora mais para modo, utilizamos dois
atlanten brasileiros, o de Sergipe (FERREIRA, C. et al., 1987) e o do Paraná
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83
(AGUILERA, V., 1995). Deles o utilizamos as cartas e sim as frases recortadas
pelas autoras que ficam no verso de cada carta.
Foi utilizado ainda, na seção em que trazemos a informação que a nova
modalidade de mesóclise é uma variável, um material de descrição lingüística
(TOMANIN, 2003). Pela apresentação de frases recortadas daquele trabalho,
pode-se perceber que o pronome que aparece entre os dois verbos (portanto, em
posição mesoclítica) pode aparecer também, em forma de pronome reto,
precedido por uma preposição, após o verbo principal.
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84
7 – A CONSTRUÇÃO DO CENÁRIO PARA A IMPLANTAÇÃO DA NOVA
MODALIDADE DE MESÓCLISE
Como defendemos desde o início, a mesóclise não seria a colocação de um
clítico no meio de um verbo, e sim, entre dois verbos, um auxiliar e um principal.
Assim sendo, para que ocorra a mesóclise é necessário que ocorra uma perífrase
verbal; ou seja, é esse o cenário imprescindível para a ocorrência da colocação
pronominal da qual estamos tratando neste trabalho e, especificamente, nesta
seção.
um ponto que, embora breve, é de extrema importância no caso da
construção de uma perífrase; é a questão da auxiliaridade. É sobre esse assunto
que trataremos antes de entrarmos especificamente na construção do futuro
analítico que tornou possível a implantação da mesóclise.
7.1- A AUXILIARIDADE
Os manuais de gramática normativa costumam denominar como verbo
auxiliar um dos componentes, ao lado do verbo principal, que formam uma
locução verbal. Tais manuais explicam ainda que ao auxiliar cabe a tarefa da
flexão, já que o verbo principal aparecerá numa locução obrigatoriamente em uma
de suas formas nominais: no infinitivo, no gerúndio ou no partipio passado.
Os principais verbos reconhecidos como auxiliares são: ter, haver, ser e
estar, os quais são considerados principais por estarem muito tempo na
gramática da língua com tal função e por serem os mais freqüentes. Contudo,
esses não o os únicos, ao seu lado figuram outros auxiliares: ir, vir, andar (no
sentido de estar), ficar e acabar, além de outros ocasionais.
Cunha e Cintra (2001) reconhecem que o assunto não é tão reduzido como
a maioria das gramáticas apresenta; explicam eles que, por não haver
“uniformidade de cririo lingüístico para determinação dos limites da auxiliaridade,
costuma variar de gramática para gramática o elenco dos auxiliares” (CUNHA e
CINTRA, 2001, p. 395).
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85
Realmente não se verifica a uniformidade reclamada pelos gramáticos
citados, e ainda, além desse, vários outros pontos que não são esclarecidos,
como, por exemplo, o fato de os auxiliares funcionarem também como verbos
plenos.
O acúmulo de funções dos verbos sequer é mencionado pelas gramáticas
e, embora reconheçamos que a gramática normativa não tem a pretensão de ser
exaustiva nas explicações das regras que apresenta, o fato de trazer um tópico ou
ponto com o título “verbos auxiliares” e mostrar o rol desses verbos em seguida é
uma forma de excluir da lista outras possibilidades ou funções. Estamos
simplesmente argumentando com nossas observações que muitas coisas
relevantes que cercam os verbos auxiliares, além daquilo que podemos encontrar
nos manuais de gramática.
Câmara Jr., que já enxerga o auxiliar pelas suas funções, diz que o termo
auxiliar, em gramática, refere-se a qualquer vocábulo com significação gramatical
que possa formar locução com um vocábulo de significação e situá-lo numa
categoria gramatical, ou “qualquer vocábulo que é morfema categórico ou
relacional (CÂMARA JR. 2002, p. 64).
Após exaustivo estudo sobre os auxiliares e a auxiliaridade em português,
Longo chegou à seguinte conclusão:
Parece-nos que reunimos evidências suficientes de que
não é possível negar a existência de verbos auxiliares no
portugs, pois seu comportamento sintático-semântico
diverge do dos verbos em seu uso pleno (LONGO, 1990, p.
86).
Na explicação de Longo es subentendido, ao contrio do que consta nas
gramáticas, que o mesmo verbo que funciona como auxiliar pode ter um uso
pleno; sua afirmação também contém a informação já registrada aqui de que a
questão da auxiliaridade vai muito além de simplesmente listar os auxiliares de
uma língua.
Benveniste, que se dedicou a grandes questões lingüísticas, tanto
considera o tema auxiliaridade pertinente aos estudos que, não apenas se
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debruça sobre ele, como também sugere que pesquisas sejam realizadas em
torno do tema.
A terminologia adotada por Benveniste é um tanto diferente da que
utilizamos aqui e merece um certo aprofundamento. Ele não adota a expressão
verbo auxiliar ou verbo principal ou nuclear e apresenta uma boa razão para isso.
Percebemos a relevância que Benveniste atribui ao auxiliante, (o que conhecemos
comumente por auxiliar) quando afirma que a familiaridade que nós, falantes de
línguas românicas, temos com esse tipo de verbo nos impede de percebê-lo numa
perífrase
claramente sua importância e singularidade. Trata-se de
uma forma lingüística unitária que se realiza, através dos
paradigmas inteiros, por meio de dois elementos, cada um
dos quais assume uma parte das funções gramaticais,
sendo esses elementos ao mesmo tempo ligados e
autônomos, distintos e complementares (BENVENISTE,
1989, p. 181)
A relevância ao auxiliante é enfatizada, quando Benveniste denomina
auxiliado o verbo que nós conhecemos como principal ou nuclear. Com o adjetivo
auxiliado, Benveniste quer significar que esse tipo de verbo está numa condição
em que necessita da ajuda de outro para exercer plenamente sua função, para
cumprir seu papel.
O estudo feito por Benveniste focaliza o francês, mas praticamente tudo
que ele diz sobre auxiliaridade pode ser aplicado aqui, ou seja, sobre a construção
analítica do futuro do verbo português.
Benveniste cita os trabalhos de Guillaume e Tesniére, realizados à luz de
correntes teóricas distintas, mas que, a seu ver, não apresentam conclusões
destoantes.
Guillaume concentrou-se na propriedade que m os auxiliares para que
possam exercer a função à qual se destinam. Para isso, ele se sustenta na noção
de subductividade. Para ele, numa construção perifrástica há uma parte completa
quanto à forma, mas incompleta quanto à matéria e vice-versa;
os verbos auxiliares são verbos cuja gênese material,
interrompida por uma conclusão mais rápida da gênese
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formal, fica em suspenso, não se completa e pede,
conseqüentemente um complemento de maria que
estando encerrada a ontogênese da palavra só pode vir do
exterior: de uma outra palavra (GUILLAUME, apud.
BENVENISTE, 1989, p. 182).
Tesnière apega-se a uma lei regular universal”. Para ele, quando um
tempo composto surge de um tempo simples, o auxiliar carregará as
características gramaticais e o auxiliado carregará a raiz verbal ou o semantema.
A crítica razoavelmente severa que Benveniste faz aos autores citados
acima é a de que o referido fenômeno não pode ser estudado como geral, global;
cada uma de suas diversas variedades deve ser considera em sua especificidade.
Talvez por isso é que Émile Benveniste prefere limitar seu estudo à construção do
perfeito na língua francesa.
Duas observações feitas por Benveniste são, a nosso ver, extremamente
relevantes aqui. Ele observa que, numa forma perifrástica, a noção de tempo não
está nem no auxiliante nem no auxiliado, é, nas palavras do autor uma verdadeira
mutação”. Para ele, tal magia” é possível por causa da auxiliação. Auxiliação,
do original “auxiliation”, é um termo usado por Benveniste para indicar um
processo lingüístico que “consiste na junção sintagmática de uma forma auxiliante
e uma forma auxiliada, ou mais suscintamente, de um auxiliante e um auxiliado
(BENVENISTE, 1989, p. 183).
A outra afirmação de Benveniste precisa ser bem compreendida para o
ser refutada. Afirma ele que a ordem auxiliante + auxiliado é invariável, como em
“il a frappé”; “nous aurons frapé”.
Tal afirmação refutaria por completo o que postulamos aqui, que numa
construção comoamare habeo o auxiliante, segundo a terminologia de
Benveniste, viria depois do auxiliado. No entanto, lembramos que o sistema a que
se refere o estudioso - a língua francesa - nem sempre foi SVO e podemos então
recorrer ao próprio Benveniste, que sugere que tal assunto, a auxiliaridade, deva
merecer um estudo específico em cada língua, isto é, o que ele afirma é válido
para o francês no estágio em que foi observado.
No futuro inglês, numa construção como will have, onde o verbo que
conhecemos como principal aparece depois do auxiliar, vemos a ordem prevista
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por Benveniste (auxiliante + auxiliado), assim como a verificamos no PB atual: vou
escrever. no latim tardio, em construções como cantare habeo, vemos que
habeo exerce a função de auxiliante. Mais tarde, no chamado latim românico,
habeo passou a ai, aglutinando-se ao verbo principal e passando a ser ouvido e
traduzido como um morfema indicador de pessoa e mero e a noção de
auxiliaridade parece, então, desnecessária.
As demais considerações feitas por Benveniste cabem perfeitamente ao
português, ou seja, as formas criadas pelo processo de auxiliação, que são as
formas perifrásticas, se opõem à forma verbal simples, a forma sintética.
No francês, Benveniste prevê três classes de auxilião:
de temporalidade
de diátese
de modalidade
Concentrar-nos-emos na auxiliação por temporalidade, que é a mais
pertinente para este trabalho
4
. Primeiramente, é preciso entender que, em
qualquer que seja a situação de auxiliação, haverá sempre disparidade que
poderá ser interpretada de duas formas:
1. considerando o sintagma, o auxiliante pode ser modificado e o
auxiliado continuar o mesmo. Um exemplo em português seria
no caso do futuro do presente as construções: “Vou estudar” X
“Hei de estudar”
2. considerando o paradigma de verbos existentes na língua, o
auxiliante ir poderia se combinar com qualquer outro verbo:
“vou estudar” X “vou viajar” X “vai comprar, entre imeras
possibilidades.
Com essa explanação Benveniste pretende construir um modelo lógico,
segundo o qual o auxiliado representaria o argumento e o auxiliante a função. Isso
é possível porque o auxiliado, portando significação, ou seja, carregando a
4
o estamos desconsiderando a discussão sobre o caráter temporal ou modal que gira em torno do futuro,
o a citamos aqui porque nesse ponto tal discussão o seria relevante.
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informação semântica seria a “coisa sobre o que se fala, e sendo o auxiliante
aquele que carrega as informações gramaticais sobre a coisa, indicaria a
“propriedade” de tal “coisa.
O mais interessante desse processo é que o sentido principal de uma forma
analítica não pode ser extraído de nenhum dos dois verbos que a formam, mas
sim e somente assim na construção perifrástica, na locução. É a magia de que
fala Benveniste e, embora essa magia esteja na própria construção perifrástica,
isto é, no exato momento da formação da perífrase é a pragmática que se
encarrega de compreender a significação que aí se instaura.
É também à Pragmática que se pode delegar as discussões sobre a
característica modal ou auxiliar de alguns verbos. A divisão, o limite que demarca
essas duas qualidades ou funções é muito tênue. Para Longo (1990, p. 87), os
elementos modais o outros, que não os auxiliares, e a modalidade surge por
meio de rios recursos, como os advérbios de modo, a entonação, além dos
modos verbais e dos próprios verbos modais.
Mas o fato é que casos em que é muito dicil se reconhecer a exata
função de um auxiliar. Vejamos os seguintes exemplos trazidos por Longo (1991,
p. 194):
“O preso ia escoltado pelos guardas.
“Afinal, cresce, e vou encont-la em Lisboa.
Nos dois exemplos percebe-se com bastante facilidade a idéia de
deslocamento no espaço, ou seja, a significação original traduzida pelo ir como
verbo pleno, mas a segunda frase é uma clara construção de futuro.
Longo (1990) adverte que este auxiliar mereceu até agora poucos estudos
relativamente assistemáticos” (LONGO, 1990, p. 205) apesar de que
De todos os verbos utilizados na língua para exprimir
noções de modo, aspecto, voz e tempo, ir é sem vida o
que apresenta maior variedade de empregos, de tal modo
que às vezes se torna difícil delimitar com precisão a
categoria que está sendo expressa (LONGO, 1990, p. 194).
Apesar de parecer uma forma de nos esquivar do aprofundamento da
discussão, assumimos que a diversidade de papéis assumida pelo ir, assim como
a pluralidade de interpretação desse auxiliar, se dá devido ao estágio de
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gramaticalização em que o item se encontra, conforme discutimos na seção 2, e
que essa questão se resolverá, ou pelos menos se fixará de alguma forma, com o
tempo.
7.2- A PRODUTIVIDADE DA PERÍFRASE IR + VP COMO EXPRESSÃO
DO FUTURO NO PB
(03)As famílias X e Y têm a enorme satisfação de convidá-lo, juntamente
com sua digníssima família, a participar do matrimônio dos filhos A e B, o
qual realizar-se-á aos dezessete dias do mês de maio...
(04)A família enlutada de X convida para a missa de timo dia pela
intenção da alma de seu ente querido, que celebrar-se na igreja matriz
desta cidade...
(05)Neste ensaio apresentar-se-ão algumas premissas...
(06)Se eleitos formos, apropriar-nos-emos do poder em benefício dos
mais necessitados.”
Os exemplos apresentados foram praticamente tudo o que sobrou da
mesóclise. Melhor esclarecendo, o modelo canônico de mesóclise, a construção
VP + pron. + Aux. aparece hoje, esporadicamente, em alguns gêneros textuais
como convites para eventos formais (casamentos, formaturas, celebrações
religiosas etc), textos científicos escritos, discursos formais, e, mesmo nesses
contextos, não se registram de forma categórica. Mesmo para contextos como os
exemplificados acima, outras variantes, também consideradas formais, que
podem ser utilizadas. Assim, os exemplos acima são perfeitamente aceitos se
realizados da seguinte maneira:
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(03’)As famílias X e Y têm a enorme satisfação de convidá-lo, juntamente
com sua digníssima família, a participar do matrimônio dos filhos A e B, o
qual se realizará aos dezessete dias do mês de maio...
(04’)A família enlutada de X convida para a missa de timo dia pela
intenção da alma de seu ente querido, que se celebra na igreja matriz
desta cidade...
(05’) “Neste ensaio se apresentarão algumas premissas...
(06’)Se eleitos formos, nos apropriaremos do poder em benefício dos
mais necessitados.”
Ou ainda
(03’’)As famílias X e Y têm a enorme satisfação de convidá-lo, juntamente
com sua digníssima família, a participar do matrimônio dos filhos A e B, o
qual irá se realizar aos dezessete dias do mês de maio...
(04’’)A família enlutada de X convida para a missa de sétimo dia pela
intenção da alma de seu ente querido, que irá se celebrar na igreja matriz
desta cidade...
(05’’) “Neste ensaio irão se apresentar algumas premissas...
(06’’)Se eleitos formos, iremos nos apropriar do poder em benefício dos
mais necessitados.”
Ou ainda tornando o sujeito passivo:
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(03’’’)As famílias X e Y m a enorme satisfação de convidá-lo, juntamente
com sua digníssima família, a participar do matrimônio dos filhos A e B, o
qual será realizado aos dezessete dias do mês de maio...
(04’’’)A família enlutada de X convida para a missa de sétimo dia pela
intenção da alma de seu ente querido, que será celebrada na igreja matriz
desta cidade...
(05’’’) “Neste ensaio serão apresentadas algumas premissas...
Se em uma modalidade mais formal podemos ter rias opções para se
construir o futuro, em contextos menos formais, como as falas coletadas nos
trabalhos de dialetologia, a forma mais produtiva, na verdade, a única, é a
perífrase com ir.
Para ilustrar o que dissemos, trazemos alguns exemplos coletados dos
atlas lingüísticos de Sergipe e do Paraná. Esse material traz, em obediência à
metodologia de coleta de dados proposta pela área, a fala espontânea de homens
e mulheres adultos, com pouca ou nenhuma escolaridade, sem contato com
outras variedades regionais de fala e pouco ou nenhum contato com a variedade
escrita.
O que se conclui a partir da amostra é que os falantes conseguem se
expressar bem com os elementos lingüísticos de que dispõem em seu sistema
lingüístico, ou em sua variedade dialetal. Vemos que, para a comunidade de fala
que compõe os atlas, a expressão do futuro não se configura como uma variável;
ou seja, todas as possibilidades apresentadas acima sobre o uso de uma ou outra
forma são abandonadas agora. Pelos exemplos, vê-se, ainda, como a idéia de
futuridade se mescla com outras idéias.
As informações que estão entre parênteses no final de cada exemplo
referem-se ao estado- SE= Sergipe e PR= Paraná, o número da carta é o mero
do lugar onde está o registro do exemplo que recortamos; ao ponto de inquérito
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(PI), isto é, a cidade onde foi realizada a entrevista e à é a identificação do
informante (inf. A e B). Passemos aos exemplos.
A- possibilidade
(07) Uma trevuada que nós vamos ter (SE. Carta 7 PI 53 – Inf.B)
(08) Março já vai começar o inverno (SE.Carta 7 –PI 57 – Inf.A)
(09) Acho que não é todo lugar que vai acer (PR. Carta 13 PI 14
Inf. B)
(10) Ah, isso depende né... a madera que a gente vai que (PR. Carta 35
– PI 46 – Inf. A)
B- compromisso, obrigação, promessa
(11) No corte, as mulher vão ver para comer (SE. Carta 19 PI 53 – Inf.B)
(12) A terra dura que a gente vai trabalhar (SE. Carta 21 PI 65 – Inf. B)
(13) Nós vamu pran o arroz na terra branca (PR. Carta 1 – PI 33 Inf. B)
(14) (...) eu vô fala, num sei se é verdade né (PR. Carta 17 – PI 06 – Inf. B)
(15) nós vamo subi naquele pé de fruta (PR. Carta 35 – PI 11 – Inf. B)
(16) É malvado mesmo, corre atrás da pessoa, vai buscar com uma
distância de quase um quilômetro (SE. Carta 123 – PI 55 – Inf. B)
(17) (...) parente ou uma noticia que vai sa (PR. Carta 14 – PI 64 – Inf. B)
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(18) quano o craro passa em cima da ca(sa) duma moça, vai casá logo
(PR. Carta 16 – PI 06 – Inf. A)
(19) diz que eles vão be água lá (PR. Carta 17 – PI 13 – Inf. A)
C- desejo
(20) Sua mestruação já veio ou vai chegar (SE. Carta 92 PI 57 Inf. A)
(21) dizê não é nada, isso aí vai passá (PR. Carta 29 – PI 44 – Inf. A)
D- ordem
(22) Está solta a folha, vai fazer as manoca (SE. Carta 34 – PI 58 – Inf. A)
(23) quando ele vinha cil, certinho por riba da casa, diz que ia casá um
filho. Eu falava pra veia: num vai pe no meu (PR. Carta 16 PI 33
Inf. B)
(24) nosso custume da casa é: vamo fec a janela que tá chegando a Ave
Maria (PR. Carta 34 – PI 39 Inf. B)
E- tendência
(25) Os rio tudo vai chegar no mar (PR. Carta 7 – PI 57 Inf. B)
(26) onde ele vai encont o outro pode ser no mar. (PR. Carta 7 PI 60
Inf. A)
O que vimos acima nos remete à afirmação de Said Ali (2001, p. 236) para
quem os diferentes usos do futuro podem ser conseguidos mesmo somente com a
forma sintética do verbo. Nossos exemplos nos permitem parodiá-lo e dizer que os
diferentes usos ou sentidos do futuro podem ser conseguidos mesmo somente
com a forma analítica formada pelo auxiliar ir no presente.
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95
Na concepção funcionalista, na língua dois sistemas que incidem sobre
as regras, um deles se preocupa com as regras semânticas, sintáticas,
morfológicas e fonogicas e outro que se ocupa das regras pragmáticas. Durante
uma situação comunicativa, os dois sistemas participam e agem na medida da
avaliação do falante, feita em relação ao ouvinte, a fim de antecipar a
interpretação em relação à intenção daquele. Essa característica de revio
funcional e dinâmica da língua é que impede que ela permaneça sempre do
mesmo jeito. É essa a razão da constante revisão que se verifica em todos os
níveis lingüísticos, entre eles, as formas de futuro.
As várias possibilidades de interpretação de futuro apresentadas acima o
objetos de investigação para Dik (apud. NEVES, 1997) que deseja entender como
os falantes se comunicam uns com os outros, já que um conjunto de regras
razoável em qualquer sistema lingüístico, e, muitas dessas regras se alteram.
Para Dik, é possível que o falante reconheça novas regras porque, juntamente
com a capacidade lingüística, outras, as quais atuam de forma conjunta e
simultânea. São elas:
1- a capacidade epismica há uma base de conhecimento, a partir da
qual o homem pode derivar novas expressões;
2- a capacidade lógica o raciocínio lógico leva o falante a ampliar o
conhecimento baseado no que já é conhecido, mais ou menos como criar novas
regras a partir de regras já existentes, numa espécie de dedução;
3- a capacidade perceptual a percepção do ambiente contribui para que o
falante possa interpretar mesmo algo desconhecido e
4- a capacidade social numa espécie de avalião o falante tem um
comportamento lingüístico particular para cada situação comunicativa.
Esse modelo proposto por Dik sustenta que essas capacidades atuam e
interagem entre si e cooperam mutuamente umas com as outras; quer dizer, é
necessário que uma atue para que outra seja acionada.
Como já demonstraram os estudos variacionistas de Labov, as escolhas
lingüísticas feitas pelo falante não são absolutamente inconscientes. Assim, o
falante reconhece um processo de variação como possuidor de pelo menos duas
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formas, que também são reconhecidas como conservadora ou inovadora. O
falante interpreta a forma inovadora como sendo uma forma com o mesmo valor
de verdade que a conservadora, mas também reconhece, pelo menos no estágio
inicial da variação, que em alguns momentos do discurso, uma deva ser escolhida,
em detrimento de outra.
Parece algo bastante complexo para o falante, mas ele o faz sem maiores
traumas, com agilidade e rapidez, provavelmente graças às quatro capacidades
relacionadas por Dik (epistêmica, lógica, perceptual e social) inerentes à
inteligência humana.
Como argumenta Said Ali (2001), várias possibilidades de interpretação
semântica com verbos no futuro, seja nas formas sintéticas, seja nas formas
analíticas. A nosso ver, essa pode ser a razão da constante varião nas formas
de futuro ao longo de sua história, ou pelo menos o gatilho para que a variação
tenha icio ou apresente um novo ciclo: uma outra forma surge em oposição à
conservadora. Tal forma inovadora começa expressando uma nuance, uma
informação semântica nova, que a conservadora não expressava. Ilustrando, a
perífrase ir
+
VP expressaria uma noção de futuro além de ter um aspecto subjetivo
mais volitivo, uma promessa de realização daquela ação proposta, que o locutor
gostaria de ver confirmada, segundo Silva (2002) mais modal, por ser uma forma
analítica, enquanto que a forma sintética traduziria ões que se realizariam num
momento posterior ao momento da fala, ou seja, mais temporal, ou um imperativo.
Por alguma razão, após algum tempo, uma forma pode substituir plenamente a
outra.
casos em que as variantes são de uma mesma variável apenas no nível
morfossintático, mas não no semântico, já que o significam exatamente a
mesma coisa, embora em alguns casos sejam equivalentes também
semanticamente; ou seja, as formas estão oscilando, instabilidade bastante
previsível num processo de variação. Depois de algum tempo em que a variante
inovadora es na língua, acontece uma espécie de esvaziamento, de
esquecimento e a nova forma substitui a conservadora, mesmo naqueles
contextos onde, no icio da varião, não era possível.
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É o que estaria ocorrendo com a variante ir + VP, que é utilizada quase que
de forma categórica na fala informal e, em muitas ocasiões, es substituindo a
forma sintética em falas formais e na escrita.
Mas nem sempre foi assim. A partir deste ponto procuraremos demonstrar
como o futuro português chegou até aqui, a sua trajetória até que chegasse nessa
fase que estamos considerando como uma etapa em fase final de um processo de
gramaticalização.
Para isso, observaremos os anúncios de jornais e cartas oficiais e
familiares que apresentamos na seção 6, para, com base em uma revio
diacnica, compreender um pouco da transformação por que passou a forma de
expressão do futuro durante o processo que consagrou, em meio a tantas outras
possibilidades, o ir como o auxiliar para indicar, entre outras coisas, o futuro.
Conforme foi demonstrado em praticamente todas as seções deste
trabalho, as formas sintética e analítica se alternam ao longo da história na
expressão do futuro do presente e do prerito. Também é possível admitir, pela
análise da história, que as formas variantes não são, desde o início de sua co-
existência, variantes da mesma variável semântica, mas, ao final de um dado
período de variação, uma forma assume não apenas o valor morfo-sintático, mas
também o valor semântico da outra, e assim se inicia um novo ciclo. É, portanto, a
própria história do futuro que embasará tamm esta parte deste trabalho.
Considerando que o futuro seja “o tempo verbal que situa um processo no
futuro em relação a um dado momento” (CÂMARA JR. 2002, p. 122) e
considerando que o futuro do presente pode ser definido como aquele que
“expressa uma ação que ainda está para ser realizada” (SILVA, 2002, p. 73),
podemos afirmar que, no PB atual, tal intenção pode ser conseguida de rias
formas, como organizamos no quadro que segue.
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Tempo verbal Exemplo
Futuro do presente – forma sintética Eu encontrar-te-ei/te encontrarei em
Paris.
Futuro do presente forma analítica
com auxiliar IR no presente
Eu vou te encontrar em Paris.
Futuro do presente forma analítica
com auxiliar IR no futuro
Eu irei te encontrar em Paris.
Futuro do presente forma analítica
com auxiliar HAVER no presente
Eu hei de te encontrar em Paris.
Futuro do presente forma analítica
com auxiliar HAVER no futuro
Eu haverei de te encontrar Paris.
Presente Eu te encontro em Paris no mês que
vem.
Presente contínuo Eu estou te encontrando em Paris no
mês que vem.
Futuro contínuo Eu estarei te encontrando em Paris no
mês que vem
O Futuro do prerito, por sua vez, sendo compreendido como uma
condição para que uma ação possa se realizar, razão pela qual já foi conhecido
pelo nome de Condicional, também pode ser expresso de várias formas.
Tempo verbal Exemplo
Futuro do pretérito – forma sintética Eu encontrar-te-ia/te encontraria em
Paris.
Futuro do pretérito forma analítica
com auxiliar IR no pretérito imperf.
Eu ia te encontrar em Paris.
Futuro do pretérito forma analítica
com auxiliar IR no futuro do pret.
Eu iria te encontrar em Paris.
Futuro do pretérito forma analítica
com auxiliar HAVER no pretérito imperf.
Eu havia de te encontrar em Paris.
Futuro do pretérito forma analítica
com auxiliar HAVER no futuro do pret.
Eu haveria de te encontrar em Paris.
Futuro contínuo Eu estaria te encontrando em Paris no
mês que vem
Apesar desses quadros, não podemos desconsiderar a observação de
Longo (1990) de que o futuro perifrástico com o auxiliar ir é formado somente com
este auxiliar no presente (futuro do presente) ou no imperfeito (futuro do pretérito),
diz a autora que
Somente as formas de Presente ou Imperfeito + infinitivo
constituem casos de auxiliares temporais. O infinitivo, como
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já vimos, não é intrinsecamente temporal, e o futuro é usado
em construções modais ou enfáticas (LONGO, 1990, p.198)
Contudo, optamos por manter o quadro, justificando que, apesar de
nuances de outros valores - modal, aspectual etc -, há uma intenção temporal, que
pode ser maior ou menor dependendo do contexto pragmático/discursivo e até
mesmo semântico e/ou sintico em torno da locução verbal.
Convém mencionar, ainda, que algumas formas de se expressar o futuro
estão relacionadas a outros fatos, que são verificados por Silva (2002) nas formas
de expressão do futuro, o elas: o contexto discursivo narrativo; os adjuntos
adverbiais de tempo; o presente do indicativo somado ao conteúdo semântico do
verbo e a sobreposição modal, questão já bastante comentada aqui na seção
anterior.
Nesta seção, apresentaremos algumas construções identificadas nos textos
dos séculos XVIII e XIX para expressar o futuro. Recortamos esse período porque
foi que conviveram três variantes para expressar o futuro: a forma sintética, a
perífrase com haver de e a perífrase com ir, além de outros motivos já
esclarecidos na Introdução. Cremos que, nesse período podem ser encontradas
as pistas que nos levam a compreender porque, mais tarde, a perífrase com ir se
sobrepôs às outras duas concorrentes, sendo atualmente a forma praticamente
categórica na fala e utilizada com muita freqüência também na escrita.
O corpus de análise é composto por cartas pessoais e oficiais e anúncios
de jornais de capitais brasileiras escritos nos séculos XVIII e XIX. É bom
esclarecer que esses dois gêneros podem parecer bastante distintos à primeira
vista, mas são na verdade bastante pximos, por possuírem funções sócio-
comunicativas bastante semelhantes. É que os anúncios eram publicados na
época, sem qualquer espécie de corrão; muitos deles eram reclamações
acaloradas, desabafos; até mesmo discussões eram travadas por meio da
imprensa, o que aproxima os anúncios às cartas: ambos tinham um grau de
formalidade e preocupação com regras ortográficas e gramaticais bastante
próximas.
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O fato de esses dois gêneros cartas e anúncios não passarem por uma
edição indica que o que lá está escrito é a fiel construção do escritor/falante.
Sendo assim, podemos assumir que o que se observa nesse material, embora não
seja a língua falada, é uma confiável fonte de informação de como a construção
de futuro se configurava na língua portuguesa efetivamente utilizada pelo
brasileiro nesses dois séculos.
Não tivemos a intenção de verificar desde quando se registra no português
a construção perifrástica de futuro com o auxiliar ir, mas, como se pode ver em
alguns estudos, entre eles o de Fleischman (1982) essa forma, que não é
exclusividade do português, já que aparece em outras línguas românicas, é
encontrada desde o XIII.
Como se verá, não trazemos uma exaustiva lista de exemplos para ilustrar
nossas análises e isso o se dá por escassez de ocorrências em nosso corpus
mas por que nosso trabalho não tem preocupação com quantidade. Até porque
consideramos que um pequeno mero de ocorrências, a mesmo um único
registro, produzido em condições normais, já é suficiente para provar a existência
de uma construção; mas, como dito, o é esse o caso, trazemos poucos
exemplos porque as construções o representativas e o que se observar sobre
elas se estende às construções equivalentes.
Vejamos alguns exemplos construídos com a forma sintética.
(27) osque hinda Suponho sejaõ vivos; enaõ os que já por aver paSSa
do tempo largo SSo ser vivos
(PHPB - SP - Carta 3 - Frei Sebastião dos Anjos
26.02.1722)
(28) aSim o farei etudo omais que VossaExcelenCa me-orenar emeordena
(PHPB - SP - Carta 8 - Frei Constantino de Santa Maria
08.04.1722)
(29) Brevemente chega á esta cidade esta bem organisada companhia
que, de passagem, resolveu dar alguns espectáculos. O elenco da
companhia, bem como a estréa, serão brevemente annunciados.
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101
(Gazeta de Piracicaba. 01.09.1882)
(30) Quem o apprehender se gratificado, si o exigir, e bem assim protesta
se com o rigor da lei contra quem lhe der couto.
(Correio Paulistano, 26.06.1879)
(31) A quem apprehender qualquer delles e o entregar na cadêa de Itatiba,
ou na fazenda de seus senhores, se gratificará com 100$.Campinas, 17 de
Abril de 1879. Floriano de Campos & Filho
(Correio Paulistano, 01.07.1879)
Como se verifica pelos exemplos, o uso da forma sintética de futuro é
irrestrito, é usado para todas as pessoas, no singular e no plural, em voz ativa e
passiva; enfim, tem uso amplo, o que por uma lógica lingüística dispensaria
qualquer outra forma que viesse a exercer a mesma função. No entanto, o é o
que ocorre. Como atestam os exemplos abaixo, a forma perifrástica com o auxiliar
haver era também bastante produtiva nos séculos XVIII e XIX.
Essa outra variante interpretada como sendo de expressão do futuro
aparece grafada das mais diversas formas, com o auxiliar no presente e no futuro,
formando, respectivamente, o futuro do presente e o futuro do pretérito. Vejamos
algumas ocorrências:
(32) Eoutro Ssim por que hay huãs profecias de Como vossaexelencia o
hade hir a Cujaba SenoSso Senhor ouvir osrogos dospeccadores e aSsim
mesmo hadeSer por que me parece não há quem Sedescuide com esta
diligençia.
(PHPB – SP- Carta 11- Francisco P. do Rego e Frei Ângelo da
Encarnação -30.07.1726)
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102
(33) eaSsim havia deSer pello enformador naõ fazer oque devia que era
enformarce das peSsoas que pRezenciaraõ o ditto Cazo
PHPB – SP- Carta 17 - Thomaz de Santo Antonio
21.09.1735)
(34) NoSso Senhor lhe hade pagar com a Suaglória.
(PHPB –SP- Carta 13- João de Melo do Rego
02.03.1733)
(35) em Caza as Suas filhas pertencentes aesta Aldea naõ hande folgar
que lhas tirem, pois astem Com outra CriaÇam que ellas aqui naõ hande
ter, eexpostas a menores perigos
(PHPB - SP - Carta 1 – Joseph de Frias e Vasconcellos
26.02.1722)
(36) à dicta sua mulher haverão de responder á nullidade
(PHPB-Jornal O Farol Paulistano- SP- 09.08.1828)
(37) se não apparecer por 15 dias, contados da publicação da folha,
heide remetel-o á Provedoria dos Resíduos
(PHPB-Jornal O Farol Paulistano- SP- 24.04.1830)
(38) o motivo da|venda há de agradar ao comprador.Rua do Seminario dos
Educandos número 4
(Jornal Correio Paulistano- SP- 24.06.1879)
(39) Daqui a um anno has de estar de ta-manho, que tem hoje teu irmão e
has de ir com elle á escola de Madame Paul
(Carta do vovô Ottoni, 22.12.1879)
(40) As côres verde e amarella há de saber o Senho Chagas, são as
nossas côres nacionaes
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103
(Jornal O Cidadão – RJ – 29.03.1838)
Como se percebe o uso do auxiliar haver é também bastante amplo,
verificado em todas as pessoas, no singular e no plural, forma o futuro do presente
com haver no presente e o futuro do prerito com haver no imperfeito; assim
como a forma sintética seu uso é freqüente e irrestrito.
Percebe-se, também, várias grafias para essa construção, o que se deve
pelo fato de não haver na época um sistema ortogfico único, mas o fato de se
observar com bastante freqüência a grafia hade, ou hande quando se trata do
plural, indica que, cognitivamente, a expressão de está sendo interpretada
como um único vocábulo, o que nos remete a um legítimo caso de
gramaticalização, que não foi adiante, provavelmente, pelo desuso em que caiu
essa variante.
Deixaremos aqui registrado um caso em que aparece o auxiliar haver sem
a preposição de. Fazemos isso apenas para não parecer omissão da ocorrência,
pois não pretendemos anali-la, seja porque não é de fundamental importância
em nosso trabalho, seja porque é uma ocorrência isolada, podendo inclusive ser
apenas um lapso de escrita. Assim, para qualquer conclusão, o fenômeno deve
ser melhor investigado. O registro é o que segue:
(41) mas oReligioZo que aCiste diZia denem hua Sorte ashavia deixar
vir por quanto em taõs naõ fiCaria quem lhes trabalhaÇe
(PHPB - SP - Carta 4 - Frei Sebastiam dos Anjos
12.04.1722)
Além dessas duas formas apresentadas, a sintética e a perifrástica com
haver registrava-se uma terceira, bem menos recorrente, mas, assim como as
duas citadas, verificada em vários contextos. É a variante analítica formada com o
auxiliar ir.
Antes de iniciarmos a apresentação da trajetória da gramaticalização do ir
no PB, devemos registrar que exercer o papel de auxiliar do futuro não é a única
função do ir - ele apareceu e aparece como verbo pleno em outras construções.
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104
Essas outras funções exercidas pelo verbo ir, poderiam parecer um entrave no
caminho da sua gramaticalização como auxiliar para construção do futuro, mas
não é o caso. Na verdade, o ir é um verbo com muitas funções. Longo (1990)
observa que, no português, entre os verbos usados para exprimir noções de
modo, aspecto, voz e tempo, ir é sem dúvida o que apresenta a maior variedade
de empregos, de tal modo que às vezes se torna dicil delimitar com precisão a
categoria que está sendo expressa.” (LONGO, 1990, p. 194).
Pela razão exposta por Longo, estaremos apresentando construções onde
o ir aparece em variadas e diversas funções, além de auxiliar de futuro. A inserção
de outras funções do ir numa seção que tem como principal objetivo mostrar a
trajetória deste verbo como auxiliar de futuro se faz justamente porque
acreditamos que essas funções outras desempenhadas por aquele verbo
contribuíram (e contribuem) para que ele se sobrepusesse às demais variantes e
se cristalizasse, de forma relativamente pida, como sendo o melhor” verbo para
formar uma perífrase que exprimisse, entre outras coisas, o futuro.
Estamos tentando provar com isso que todas as funções e todos os
significados que um verbo possa apresentar ou possa ter em potencial o o
apagadas totalmente em um processo de gramaticalização; ao contrário, são
consideradas e podem ser até mesmo determinantes para a evolução do
processo.
Nosso corpus apresenta pelo menos um tipo de construção que faz com
que nos demoremos um pouco na questão do sentido expresso pelo ir, que é
quando este aparece em sua forma infinitiva, portanto em sua função plena, como
nos exemplos abaixo:
(42) Tenho tenções de ir estudar engenharia geographica na Escola
Polythechnica
(Correspondência Passiva de Washington Luiz – Carta 53
08.12.1891)
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105
(43) quem intentar dirija se a o mesmo dono, que promete hir mostrar lhe
tudo, e ahi se lembrarão do preço, que será comodo
(Jornal O Farol Paulistano –SP- 09.04.1928)
Lobato (1971, apud. LONGO, 1990, p. 194) afirma que o ir encontra-se, em
casos como o exemplificado, “na zona limítrofe entre um verbo pleno e um auxiliar
passivo” e, de fato, é o que se observa nos exemplos acima.
O ir em (42) e (43) não está conjugado e está trazendo a informação
semântica de um deslocamento no espaço; ele não traz informações morfológicas,
ou seja, não atua como auxiliar, em outras palavras, é um verbo pleno.
Concordamos, então, que o há uma expressão de futuro em (42), já que
ir estudar não corresponde a estudarei. Em (43) o autor fala de algo que haverá
no momento de uma negociação, a oração (que promete hir mostrar lhe tudo)
não está no futuro, o ir, conforme já vimos, em sua forma infinitiva está em sua
função plena, o que é verificável em uma simples observação, como no caso de
(42): hir mostrar mostra. A simples equação elimina qualquer vida,
somente o ir conjugado formaria verdadeiramente um futuro; se conjugado no
presente forma o futuro do presente (vai mostrar = mostrará); se conjugado no
pretérito imperfeito forma o futuro do prerito (ia mostrar = mostraria).
No entanto, não é dicil observar que a ação anunciada hir mostrar” ou
“promete hir mostrar” refere-se a um evento localizado num momento posterior ao
momento da fala. Vejamos:
A primeira oração (quem intentar dirija se a o mesmo dono) refere-se a um
momento a partir do agora, portanto, no eixo do tempo localiza-se no futuro. As
duas orações que seguem a relativa onde ocorre a construçãohir mostrar (e ahi
se lembrarão do preço) e (que será comodo) estão no futuro. Todo o conjunto que
compõe esse cenário arrasta a construção promete hir mostrar” para o futuro, ou
melhor a construção remete para um momento posterior ao momento da fala,
portanto, futuro.
O mesmo se aplica a (42), embora sem as mesmas pistas que se observa
em (43), pois em (42) temos uma oração absoluta; podemos perceber que o autor
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fala de algo que pretende realizar. Refere-se, portanto, a algo que deverá ocorrer
num tempo que ainda não passou e também não se dá no momento da fala; trata-
se; então; de um evento futuro.
Esses exemplos mostram que, mesmo sem estar exercendo a função de
auxiliar de futuro, o ir consegue imprimir uma certa coloração de futuro. É provável
que isso ocorra por conta da idéia de deslocamento que o ir traduz. Mesmo que o
homem comum, ou no caso específico, o falante comum do português brasileiro,
não tenha conhecimentos de Física, de alguma forma parece conseguir captar
uma relação de tempo e espaço, o que confere a dupla interpretação do
deslocamento sugerido pelo ir:: o deslocamento no espaço e o deslocamento no
tempo, sendo este segundo não uma outra coisa, mas uma conseqüência do
primeiro. Ou seja, se deslocamento no espaço, então deslocamento no tempo, e
entendemos melhor porque Flusser (2004) considera o ir um perfeito auxiliar
para a formação do futuro.
um outro tipo de ocorrência bastante curioso que, se não observado
minuciosamente, passaria despercebido, seria interpretado simplesmente como o
verbo vir conjugado no futuro sintético. Vejamos o caso
(44) A novidade principal que voces viraõ achar na casa, é o que aqui
chamamos a chacara de Julio
(PHPB- Carta 24 – avô Ottoni- 24.06.1889)
Para que se entenda melhor, explicamos que a oração foi recortada da
carta de um avô que está no Brasil e está endereçada a dois netos que estão em
Paris; as férias se aproximam e o avô já começa a adiantar o que os netos
encontrarão quando chegarem. O curioso aqui é que, sem qualquer prejuízo
semântico, a frase poderia estar assim configurada:
(44’) A novidade principal que voces acharão na casa, é o que aqui
chamamos a chacara de Julio
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Quer dizer, a forma do futuro sintético substituiria muito bem a expressão
virão achar.
ainda uma outra substituição possível, igualmente sem prejuízo
semântico, a perífrase com ir:
(44’’) A novidade principal que voces o achar na casa, é o que aqui
chamamos a chacara de Julio
O exercício da substituição nos faz concluir que, no caso de (44), existe um
futuro perifrástico formado com o auxiliar vir. O autor/escritor preferiu o uso de
uma forma perifrástica, mas, para isso, ao invés de utilizar o auxiliar ir, preferiu o
vir, e a motivação é facilmente explicável: se haveria um deslocamento no
espaço, ou seja, os netos viriam de lá (Europa) para (Brasil), indubitavelmente
o verbo correto seria o vir. Quer dizer, a construção presente em (44) -“virão
achar”- revela uma forma de futuro com auxiliar, de forma muito parecida com o ir
bastante conhecido nosso, mas ao invés do ir, é o vir que provoca a expressão do
futuro. Longo (1990, p. 200) classifica esse tipo de construção como exercendo o
mesmo papel que o ir.
Isso mostra mais uma vez o quanto os tros semânticos são preservados
em um processo de escolha de um auxiliar; ou seja, o quanto se considera o
movimento de deslocamento presente semanticamente no ir, daí a recusa e
conseqüente substituição, totalmente consciente, no caso do movimento inverso,
ou seja, do lá para o cá.
Acreditamos na forte consciência da escolha porque observando mais
produções dos mesmos autores (os avós Ottoni), verificamos que, em outras
situações eles escolhem outros tipos de construções para exprimir o futuro.
Vejamos.
Quando o deslocamento se do para o lá, os autores/escritores (o avô
e a avó) usam o ir, como atestam os exemplos abaixo:
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(45) esta carta ja irá chegar em plena primavera, que é tempo alegre na
Europa
(PHPB. Carta 22- avô Ottoni- 18.08.1890)
(46) Esta vai chegar la nas vesperas dos annos de sua Mai:
(PHPB. Carta 34- avô Ottoni- 01.05.1888)
Para expressar ações que acontecerão, mas que não trazem a iia de
deslocamento, nem no tempo nem no espaço, os avós preferem a forma sintética
de futuro ou a perifrástica com o auxiliar haver de.
(47) Mais contente ainda ficarei, se souber que ninguem minutou
(PHPB- Carta 06- avô Ottoni- 11.02.1883)
(48) A tua letra esta melhorando bastante; se tiveres muito exercicio has de
escrever taõ bem como teu irmão
(PHPB- Carta 04- avô Ottoni- 03.01.1883)
Com os exemplos acima, julgamos justificada a idéia de que, durante um
processo de gramaticalização, há uma dose de consciência do falante, que não
desaparece de repente, e, por outro lado uma consciência que não aparece de
repente. Parece alguma coisa paradoxal, mas é exatamente o que ocorre: o
sentido de deslocamento foi a mola propulsora para a escolha do ir como auxiliar
de futuro, mas esse mesmo motivo foi o que impediu, no icio do processo, que o
ir formasse futuro perifrástico em expressões que não trouxessem a idéia de
deslocamento espacial, como em (47) e (48), o que indica o o esvaziamento
semântico total do verbo nesse período.
Como o processo de gramaticalização do ir não foi interrompido, podemos
afirmar que, mais uma vez, a relação tempo-espaço prevaleceu, além de
verificarmos que o verbo que se gramaticaliza pode continuar com seu sentido
original e ainda assumir outros, sem que isso comprometa o processo. Isso de ,
embora, na condição de elemento gramaticalizado, no caso o verbo ir como
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auxiliar de futuro, perca sua capacidade semântica, a ponto, como o exemplo que
temos no PB, de este verbo figurar como praticamente o único auxiliar de futuro;
lembramos que formas com haver de praticamente não se registram no PB atual,
e o ir aparece ainda com sentido de deslocamento, mas com a nova idéia de que
esse deslocamento refira-se tamm ao movimento no tempo.
Iniciamos a partir deste ponto a análise de construções de formas analíticas
com ir nos séculos XVIII e XIX, período em que havia relativo equilíbrio no uso das
três variantes de futuro: a forma sintética, e as analíticas: com haver de e com ir.
(48) Com os mais todos tem Suas mulheres ea mulher dojorge não vai por
estar enCapas edoente vam obedeSer a Vossa Exelença e darlhe toda a
noticia
(PHPB –Carta 7- Frei Constantino de Santa Maria
10.03.1722)
(49) Com a Sua Sismaria deterras que ia adeseja ver
(PHPB – Carta 11- Francisco P. do Rego e Frei Ângelo da Encarnação
30.07.1726)
(50) Pelo Diretor que vai informar a Vossa Excelência do estado temporal
dezta Aldea.
(PHPB –Carta 25- Pe. Francisco das Chagas Lima
14.12.1800)
(51) no actual movimento litterário vae sacrificar tanto
(Jornal Vespa – RJ- 09.05.1885)
(52) propalaram que iam guerrear
(Jornal A Nação - RJ -15.03.18730)
(53) Agora vou tractar da vida (...) Irei empregar-me n’outro serviço.
(Jornal O Feirense – BA- 05.11.1862)
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(54) Adeos... eu vou dormir Pois não quero mais me rir.
( Jornal O Novo Íris – SC- 09.07.1850)
Sobre esse tipo de construção, há que se considerar que o mero de
ocorrências com essa variante é menor do que com a forma sintética, mas o
importante é que já se registra na escrita. Isso indica um processo, típico nos
casos de variação, que se constitui de dois movimentos que se dão em sentido
contrário: a forma inovadora vai, aos poucos, penetrando na escrita e a forma
conservadora vai saindo da fala, embora continue na escrita.
Entre as várias observações que faremos a respeito da variação nas formas
de expressão do futuro em português, começamos com uma boa definição de
variável feita por Sankoff (1982) para quemUma variável são formas equivalentes
que existem em fraca complementaridade durante um período de tempo”. A partir
daí, fazemos o seguinte questionamento: ee todas essas formas de expressão do
futuro são consideradas variantes de uma mesma variável, sendo elas
equivalentes, então podem significar a mesma coisa, podem portanto,
substituírem-se mutuamente?
Poderíamos então afirmar que são correspondentes formas como:
(*) Vou/irei viajar no mês que vem.
(**) Viajarei no mês que vem.
(***) Hei/haverei de viajar no mês que vem.
Vê-se por esses três exemplos uma grande semelhança semântica e
sintática entre as três formas, na verdade, podemos afirmar até que a única
diferença entre as construções está na forma, na superfície. Assim, conclmos
que as duas variantes são absolutamente sinimas, elas m exatamente o
mesmo valor de verdade. Mas isso ocorreria em todos os casos? Continuemos o
exercício de substituição com os dados concretos de nosso corpus.
(55) Receba-os, e creia, | que de o jurar-mos he que hade vir o |bem da
liberdade justa a que aspira- | mos
(O Propagador -RJ- 13.07.1824)
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Sem dúvida, o sentido do que se diz acima não estará perdido se
substituirmos “hade vir por virá” ou por “vai vir”, senão vejamos
(55’) “Receba-os, e creia, | que de o jurar-mos he que vi o |bem da
liberdade justa a que aspira- | mos
(55’’) “Receba-os, e creia, | que de o jurar-mos he que vai vir o |bem da
liberdade justa a que aspira- | mos
Como dito, é possível recuperar o mesmo sentido expresso em (55) nas
outras duas orações que criamos, mas o sentido da perífrase com haver de seria
realmente o mesmo que nas outras duas formas? Se assim o é, então por que
haveria várias formas para se dizer exatamente a mesma coisa?
Nas próximas línguas, apresentamos, em linhas gerais alguns trabalhos
sobre o português falado no Brasil, os quais tratam da variável <expressão do
futuro> e trazem algum comentário sobre a referida varião, sobretudo sobre a
diferença de usos das diferentes formas, enfatizando que, o que determinaria a
escolha de uma ou outra forma seria o conjunto de variáveis externas,
extralingüísticas. Oliveira (2006) apresenta alguns desses estudos. São eles:
A- Thomas (1969) registrou no PB o uso de cinco variantes para o
futuro do presente: 1- a forma sintética; 2- o presente; 3- a forma perifrástica com
auxiliar haver; 4- a forma perifrástica com auxiliar ir no presente; 5- a forma
perifrástica com auxiliar ir no futuro. Ele verifica que, na fala, o uso do verbo no
presente é mais comum, seguida da forma perifrástica com ir no presente e em
escala bem menor, a forma perifrástica com ir no futuro; o futuro sintético quase
não aparece.
B- Pontes (1982) verifica que na fala culta do Rio de Janeiro o futuro
sintético é usado para um futuro mais imediato e a forma perifrástica, com o ir
auxiliar, para um futuro mais remoto.
C- Santos (1997) registra na escrita padrão, veiculada em revistas
brasileiras, quatro formas de futuro: 1- a forma sintética; 2- a forma analítica com ir
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no presente; 3- a forma analítica com ir no futuro; 4- a forma com verbo no
presente. A autora apurou que a variante considerada de maior prestígio para a
modalidade escrita é a sintética, e, nos discursos menos formais, a forma mais
recorrente é a perifrástica com ir no futuro, seguida da outra forma perifrástica.
D- Santos (2000) comparou falas coletadas em entrevistas da dio
Jornal do Brasil e do Projeto de Estudos sobre o uso da Língua (PEUL), e verificou
que a forma sintética está praticamente desaparecendo da fala informal, dando
lugar à forma perifrástica com ir auxiliar, o que indica uma mudança em curso.
E- Callou (2005) observa o uso do futuro no século XIX por meio de
cartas familiares. Ela verifica cinco formas variantes para o futuro: 1- o futuro
sintético, a forma mais utilizada; 2- perífrase com auxiliar ir no presente; 3-
perífrase com auxiliar ir no futuro; 4- perífrase com auxiliar haver no presente, a
forma perifrástica mais utilizada e 5- o presente.
Oliveira (2006) observa que tais trabalhos apontam para a mesma direção,
no sentido de que a forma sintética é mais formal e seu uso é mais para a escrita,
e pessoas com nível superior de escolaridade; no outro extremo, ou seja, o menos
formal, utilizado em situações de fala, está a forma analítica ir no presente + VP.
Não podemos perder de vista, contudo, que a forma sintética não é
exclusividade da escrita, assim como a forma analítica o é utilizada somente na
fala; ambas pertencem aos dois domínios. Não uma distinção tão estanque
entre seus usos, o que é comum na varião, não uma gradação rígida, pelo
menos na fase em que se encontra o processo.
É Marcuschi (1986) quem alerta que muitos tipos de texto, tanto orais
quanto escritos, mas que não a classificação menos formal versus mais formal
que os defina ou classifique; quer dizer, não há uma rigidez, uma correspondência
simples que possa sistematizar fala-menos formal de um lado e escrita-mais
formal de outro. Para ele, “as diferenças entre fala e escrita se o dentro do
contínuo tipogico das pticas sociais de produção textual e não na relação
dicotômica de dois pólos opostos” (MARCUSCHI, 1986, p. 27). Assim, em relação
às modalidades oral e escrita, podemos concluir que tanto uma quanto outra, em
português ou em qualquer língua, m seus graus de formalidade: um discurso de
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formatura, uma entrevista de emprego, embora orais, são muito mais formais do
que uma bilhete a um irmão, uma lista de compras, uma receita de bolo, que
constituem escrita.
O que ocorre é que estamos frente a um tipo de variação pouco divulgada
nos estudos variacionistas, justamente porque estes geralmente, ou se ocupam da
fala ou da escrita; mas, no caso desta pesquisa, percebemos que as duas
modalidades da língua devem ser consideradas, ainda que não figurem
necessariamente como corpus. Estamos nos referindo à variação diamésica, que
é a variação em relação ao meio de propagação da língua, ou seja, fala e escrita,
a qual, ao lado das principais, que são as conhecidas diacrônica, diapica,
diasttica e diafásica, contribui para a variação de uma língua.
A variação diamésica trata, portanto, das principais diferenças entre a fala e
escrita de uma mesma língua, diferenças essas, que não se limitam ao nível
fonético, à prosódia, atingem a morfologia e a sintaxe; além de que se deve
considera que a escrita é planejada e até re-planejada, ao passo que um texto
falado, tem sua elaboração e o resultado final processados simultaneamente.
A tradição escolar que tentou (e ainda tenta) inculcar a idéia de que a
escrita é reprodução da fala faz com que, às vezes, se pense que se pode
escrever como fala e outras vezes, que se deve falar como escreve, que a fala
obedece às mesmas regras formuladas para a escrita. Como a variação diamésica
é pouco considerada, não se tem elementos suficientes para avaliar qual o grau
de afetamento que esse tipo de variação pode provocar em um sistema lingüístico;
mas é provável que o seja pouco, já que grandes diferenças, grandes no
sentido de que atingem o nível morfológico e sintático, como, por exemplo; a
construção de períodos (preferencialmente simples na fala e compostos na
escrita); o aparecimento de pronome oblíquo mim como sujeito, que quase não é
percebido como erro na fala; o fato de a flexão em número ser muito mais
produtiva na escrita; o fato de as relativas na fala se construírem quase que
exclusivamente com o que
5
. Enfim, podem atuar na estrutura de uma língua.
5
Fatos registrados na pequisaFotografias da fala de Alto Araguaia- MT.
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Enquanto a fala é responsável pelo dinamismo da língua viva, a escrita é
um forte fator de unificação, o que significa duas forças atuando em sentido
contrário.
Esse conjunto de fatores pode ter sido e estar sendo, então, um dos
condicionantes da varião nas formas de futuro. De qualquer forma, por ora
consideramos o argumento de que a forma perifrástica é mais utilizada para língua
oral e a forma sintética é, e foi nos dois últimos séculos, largamente utilizada na
modalidade escrita do português.
Em relação à variação, alguns casos em que se percebe que uma
substituição não traria o mesmo efeito, ou o exato valor, a precisa intenção que a
forma construída originalmente. Vejamos:
(56) Senhor C. J. (Piraquara) o seu prolongado silencio nos fez dar o
cavaco. Felizmente chegou, porém um pouco tarde; por esse motivo há de
ter a paciencia de esperar até o dia 20.
(A Galeria Illustrada -PA – 10.11.1888)
Como já dito e verificado com exemplos acima, substituir a forma destacada
por outra variante equivalente não traria sérios prejuízos ao texto, mas nota-se no
exemplo (56) uma intenção do locutor em pedir que o interessado (Senhor C.J.)
tenha paciência e não em declarar que o mesmo, certamente, a terá, como seria
com a frase:
(56’) Senhor C. J. (Piraquara) o seu prolongado silencio nos fez dar o
cavaco. Felizmente chegou, porém um pouco tarde; por esse motivo te a
paciencia de esperar até o dia 20.
Também soaria de forma diferente uma construção com ir, na qual se
poderia perceber um tom mais imperativo.
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(56’’) Senhor C. J. (Piraquara) o seu prolongado silencio nos fez dar o
cavaco. Felizmente chegou, porém um pouco tarde; por esse motivo vai ter
a paciencia de esperar até o dia 20.
Voltamos então ao questionamento inicial, mas já com algumas conclusões
prévias: se há pelo menos três possibilidades de construções, talvez elas o
sirvam exatamente a um mesmo propósito. Uma resposta possível é que
poderíamos estar falando de três variantes morfológicas, mas não de três
variantes semânticas; isto é, as três formas apresentadas acima podem ter o
mesmo valor de verdade em relação à sua função morfo-sintática, mas não
carregam o mesmo sentido, embora tratem de um evento que não está localizado
nem no passado nem no presente. Trata-se portanto, do que convencionamos
chamar de futuro. Enfatizando, assumimos que casos em que várias formas de
futuro são equivalentes, mas há construções em que a substituição comprometeria
o exato sentido do que se quis anunciar.
A escolha entre uma das formas poderia estar relacionada ao grau de
comprometimento que o falante/escritor deseja firmar com seu interlocutor? O
grau de comprometimento teria alguma ligação com maior ou menor certeza em
relação a um fato que ainda não é realidade, ou seja, não aparece nem no
passado nem no presente? Tais questionamentos remetem-nos à discussão sobre
ser o futuro um modo ou um tempo. É uma questão ainda sem término, visto que
as argumentações em favor de uma ou outra hipótese são igualmente críveis e
satisfatórias, como vimos na seção 6. No entanto, embora sem uma conclusão
definitiva, assumimos naquela seção a proposta de mara Jr. (1956/1957, apud.
FLEISCHMAN, 1982) de que três tipos de interpretação para expressões que
se conjugam no tempo futuro: que situações em que o futuro é mais tempo,
outras em que ele é mais modo e ainda outras em que é tempo com coloração
modal. Acreditamos na hipótese de que a intenção do falante em querer exprimir
tempo ou modo pode estar influenciando na escolha da variável no início de um
processo de variação.
Said Ali explica que a língua, no caso o português,
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não restringe o emprego do futuro somente a esse caráter
narrativo, profético ou anunciativo. Serve-se tamm da
mesma forma verbal artificiosamente, referindo-se a fatos ou
intenções que se passam na atualidade, mas que convém
expor como se pertencessem ao domínio vago e indefinido
do porvir.(SAID ALI, 2001, p. 233).
Para Said Ali (2001, p. 236), os diferentes usos do futuro podem ser
conseguidos somente com a forma sintética do verbo; em situações diferentes, ele
tem valor semântico diferente. O autor cita, no entanto, a forma perifrástica com
haver de e traz o seguinte exemplo de Gil Vicente: “Vós não haveis de fallar com
homem nem com mulher que seja (3,145) vós não haveis de mandar em casa
somente hum pello; s’eu disser isto he novello, haveil-o de confirmar. E mais
quando eu vier de fora, haveis de tremer (3, 146)”. Para o autor, essa construção
tem caráter categórico, no sentido de funcionar claramente como um imperativo.
Se é como diz Said Ali, porque a forma perifrástica estaria substituindo a
sintética e não o contrário?
Essa questão faz-nos retomar as iias do filósofo Flusser (2004), quando
ele diz que, somente agora, com essa forma perifrástica -auxiliar ir + VP-, é que o
português está de fato assumindo marcação de tempo. Vamos à sua explicação:
Em 1963, Flusser arrisca uma profecia sobre o verbo haver, que, pelo que
estão demonstrando as descrições contemporâneas, parece estar se
concretizando: “Os dois refúgios mais importantes do haver são, atualmente, o
impessoal e a formação do futuro. Ambos estão periclitando. O impessoal está
ameaçado pelo tem e a formação do futuro pelo verbo ir (FLUSSER, 2004, p. 93)
O autor argumenta que o sufixo “ei reconhecido como o verbo “haver,
apesar de transformado em morfema, sempre esteve muito associado ao verbo
ter, prova disso é que é muito freqüente a alternância de um pelo outro no
português (tanto de quanto de cá); assim “haver algo é o mesmo que “ter algo”.
Então se tenho algo, esse algo me pertence e marca ou qualifica a minha posição
perante ele, o que leva Flusser a concluir que “O futuro nessa forma portuguesa,
é, portanto, uma propriedade, uma qualidade do presente”, além da relação do
haver/ter com dever, no sentido de obrigatoriedade (op. cit., p. 93-94). É essa
relação que, segundo Flusser, causa descontentamento do falante da língua
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portuguesa em relação à expressão do futuro. O verbo ir, diferentemente do haver,
marca posição, e posição, sabemos desde Aristóteles, tem relação com tempo e
espaço. Assim Flusser conclui que “O verbo ir como verbo auxiliar une três
categorias aristotélicas, como se nestes exemplos: vou devagar = posição, vou
para casa = espaço e vou escrever = tempo(FLUSSER, 2004, p. 95).
Essa mudança, na opinião de Flusser, gerada pelos princípios da
matemática e física moderna, refere-se, na verdade, a uma nova visão da
realidade observável; para o filósofo, somente agora, com o verbo ir como auxiliar,
é que o futuro português começa a ser marcado, ou seja, de irei para vou ir, a
língua portuguesa está criando a categoria tempo, impossível de ser atingida com
o haver. Para ele, “Esta autêntica revolução na estrutura ontológica do português
é uma bela ilustração da força criadora que a língua possui (FLUSSER, 2004, p.
94).
É possível que tenha sido isso que Humboldt quis dizer quando afirmou que
as línguas caminham do mais concreto para o mais abstrato e que a relação entre
língua e sociedade é tão estreita que basta que se conheça um para que se
deduza o outro.
Naquela época, a ciência não dispunha do termo “gramaticalização”, mas
se cruzarmos as opiniões dos dois estudiosos citados acima, poderemos inferir
que ambos estão falando da mesma coisa, que a lingüística moderna traduz e
simplifica o termo gramaticalização, um processo cultural, portanto, coletivo, de
toda uma comunidade que fala uma mesma língua, e que altera, de forma
gradativa algumas estruturas morfo-sinticas de sua língua, com o intuito, com
certa dose de consciência embora ilusória de torná-la cada vez mais
econômica, evitar ambigüidades e descrever sua realidade perceptível, já que, a
língua, recorrendo mais uma vez às palavras de Flusser
é o instrumento mais perfeito que herdamos de nossos pais
e em cujo aperfeiçoamento colaboraram incontáveis
gerações, desde a origem da humanidade, ou, talvez. A
além dessa origem. (op. cit., p. 36-37)
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Dos estudos de Pontes (1992) também se pode tirar alguma conclusão. A
autora verifica que há marcas na língua, que podem ser percebidas ao longo de
sua história, em que os conceitos de espaço e tempo caminham juntos e muitas
vezes se cruzam. As noções de tempo são mais difíceis de serem apreendidas,
pela complexidade que o tema traz, como vimos no capítulo I, já o espaço é mais
palpável, pode-se ver, medir, observar marcar e traduzir melhor que o tempo, daí
decorre que, às vezes, as noções de espaço são usadas para medir/marcar tempo
e vice-versa.
Vemos que a perífrase com ir traz a intersecção espaço-tempo, já que ir
significa um movimento no espaço. Essa noção é incorporada para traduzir o
futuro e parece significar uma dose de algo que se pode medir, que se pode
marcar de forma mais compreensível, tateável.
Silva (2002, p. 7) reconhece que muito pouco é dito sobre a distinção entre
a forma sintética e a perifrástica” do futuro, exceto que fazem referência a um
momento posterior ao presente. O autor acrescenta que a mesma variação existe
em outras línguas românicas e que se diferenciam pela forma perifrástica
expressar um futuro mais próximo e a forma sintética um futuro mais remoto.
Luft (2002) tratando dos tempos verbais em português, ao iniciar suas
asserções sobre o futuro, é bastante breve, diz simplesmente “futuro: não *”
(LUFT, 2002, p. 175). Em nota de rodapé o autor esclarece
Os chamados futuros” são locuções de Infinitivo +
haver mascaradas: cantar hei, cantar hia, com
aglutinação na pronúncia (1. acento tônico absorvido
pelo segundo) representada na escrita: cantarei,
cantaria. A semântica de decisão, projeto (irei),
hipótese (onde estará o Fulano?), etc’, é “modo (e
não “tempo”), próprio de haver auxiliar “modal”,
tempo, só na implicação secunria de que planos,
decisões, etc. se projetam no futuro. (LUFT, 2002, p.
175)
Façamos uma pequena observação retirando o exemplo “onde estará o
Fulano? da citação acima. De fato, assim como foi apresentada, a oração traz a
idéia de modo, mas o que diria Luft em relação à frase “Onde estará o Fulano em
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2046?” Não pensaríamos imediatamente em um tempo? É uma questão a ser
discutida.
Bechara (1979) tem a mesma opinião que Luft sobre a formação do futuro
em português e Lyons (1979) diz que os tempos futuros perifrásticos do inglês,
isto é, aqueles formado s com shall e will expressam modo e não tempo. Sendo
assim, podemos dizer que o que alegam Lyons e Luft é que a culpa é do auxiliar,
já que no inglês o shall e will é que são responsáveis pela formação do futuro e
eles é que incutem a idéia de modo e em português o morfema que forma o futuro,
o rei, nada mais é do que o haver mascarado, e o haver, na mesma função e
sentido que shall e will no inglês, trariam a idéia de modo.
Luft nada diz quando à forma perifrástica com ir, mas se a carga com a
informação de modo está no haver, essa mesma carga pode ser percebida no ir,
ou não.
Algumas das polêmicas em torno das construções para expressar futuro se
dão pela complexidade em se falar sobre algo que ainda não é parte do mundo
real e sim do mundo virtual. Se já é complicado para o homem entender e situar-
se no tempo, muito mais difícil se torna encaixar-se num tempo que ainda o
existe, relatar algo que não foi vivido, não está na lembrança, não faz parte do
mundo, “não se pode afirmar sobre o desconhecido, ou seja, sobre o que existe
apenas em forma de antecipação” (SILVA, 2002, p. 46).
Conforme diz Silva, não se pode afirmar com precisão, mas o homem
precisa, é sua necessidade falar sobre o porvir, são necessárias previsões,
antecipações, garantias, embora somente o presente e o passado façam parte da
realidade. Mesmo no hopi, língua em que não se registram formas de expressão
para o tempo, é possível falar sobre fatos passados, presente e futuros.
Assim, assumimos que qualquer uma das formas de futuro do presente e
de futuro do pretérito apresentadas nos quadros da página 93, correspondem a
uma tentativa de tradução de futuro. Todas trazem em sua essência a idéia de
algo que não está nem no passado nem no presente; são, portanto, hiteses em
relação ao futuro, indicam, pois, um tempo e não um modo. A prioridade é que
pode ser uma questão de modo e não de tempo; ou seja, juntamente com a noção
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de um evento que ainda não aconteceu nem está acontecendo pode estar a idéia
de promessa, desejo, intenção, compromisso, obrigação, tendência, antecipação,
ordem ou alguma outra idéia, mas em quaisquer dos casos se fala sobre eventos
ainda não registrados no campo do perceptível, do palpável, do experimentado, de
um mundo que ainda não veio, não se concretizou, portanto ainda não faz parte
da realidade.
Pela incerteza gerada pela idéia de futuro, podemos sentir-nos mais
confortáveis dizendo que o futuro não se refere propriamente a tempo, mas isso
ocorre porque o próprio tempo futuro ainda não nos aparece como ser do mundo
real. Como diz Coseriu el pasado corresponde al ‘conocer’, el presente al ‘sentir’ y
el futuro al ‘querer (1957, p. 13, apud. SILVA, 2002). Não fazendo ainda parte da
história, não tendo ainda sido registrado, o que se pode fazer em relação ao futuro
é apenas “querer”, mas isso não desfaz a idéia de futuridade.
Nos exemplos abaixo, podemos ver claramente a idéia de futuro, no sentido
de que o evento anunciado encontra-se, no eixo do tempo, depois do presente, e,
além dessa, uma outra idéia, diferente em cada caso.
Em (57) está presente a idéia de deslocamento no espaço juntamente com
uma obrigação:
(57) (...) pode muito bem aparecer por estes caminhos com alguma carta ou
bilhete falso, fingindo que vai levar ao seu senhor
(O Commercial –PE- 09.04.1850)
Percebe-se em (58) uma ordem, um imperativo. Deve-se considerar,
nesse caso, o sentido modal do verbo dever, que tem a propriedade de significar
tal imperativo.
(58) Quem o prender deve entregál-o n’esta cidade (140JB) (...) e d’elle
recebe bem bôas alvíçaras.
(O Farol Paulistano –SP- 12.01.1828)
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Vemos em (59) a idéia de algo como obrigação, imposição, um imperativo.
(59) qualquer dos referidos bens à dicta sua| mulher haverão de
responder á nullidade
(O Farol Paulistano –SP- 09.08.1828-358)
A oração (60) indica possibilidade, enquanto que (60’) é um compromisso,
uma promessa.
(60) quem d’ella tiver noticias e va levar ao seu Senhor (60’) recebe
alviçaras
(O Farol Paulistano – SP- 15.11.1828-361)
Como este estudo não busca especificamente responder sobre as variantes
de futuro do presente e/ou do futuro do prerito não iremos adiante com essa
complexa questão. Para o momento basta que consideremos que, em relação à
forma de expressão do futuro, especificamente, sabemos que o fenômeno é
variável e, se variação, há, como já dito acima, pelo menos uma razão para tal,
a de que as rias formas de se dizer a mesma coisa não são absolutamente
sinimas em todos e quaisquer contextos em que possam ser produzidas.
Antes de finalizarmos a apresentação do cerio que facilitou a formação
da construção da nova mesóclise, temos um fenômeno a comentar que pode ter
tido importante papel na escolha da posição do clítico.
Vejamos o que ocorre em (61)
(61) E o Sorema não vai mais fazer brincadeiras? Que nada meu, o
negócio lá é sério.
(O Farol Paulistano –SP- 25.01.1875)
A oração negativa indica a interrupção de um fato que até então ocorria de
forma freqüente ou rotineira ou periódica. Entendemos em (61) que “até o
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momento o Sorema fazia brincadeiras”. Vemos nessa construção a inserção do
advérbio mais entre os dois verbos, assim:
Suj. + não + aux. + mais + VP
A inserção desse item na locução que indica futuro é reconhecida num
processo de gramaticalização. No entanto, não se trata de um caso isolado, há
mais casos de inserção de itens no meio da construção perifrástica.
Desde o século passado, tanto nas perífrases com ir + VP quanto nas
perífrases com haver de + VP, quando esta ainda era bastante recorrente,
conforme verificamos em nosso corpus, um ou mais termos se colocam entre o
verbo auxiliar e o principal, como se vê nos exemplos abaixo:
(62) se hade a mesma arrematar
(O Constitucional -SP- 03.08.1853)
(63) por todo o mez de julho proximo futuro hade indefectivelmente extrair
se a Loteria da mesma.
(O Farol Paulistano -SP- 07.06.1828)
(64) ... vai sem duvida olhar por essa Província
(PHPB-Carta 341-RJ -CQB – 12.03.1822)
(65) vou por meio desta cumprimentar lhe
(Correio Paulistano –SP- 28.03.1865)
Como justifica a teoria da gramaticalização, por qualquer que seja a
corrente teórica que a embase, para uma construção ser considerada
gramaticalizada ela deve apresentar uma rigidez, uma cristalização em sua forma.
Por essa razão, a inserção de um ou mais elementos entre os dois verbos que
formam o sujeito pode significar um empecilho no caminho do ir rumo à
gramaticalização como auxiliar do futuro.
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A inclusão de um item ou de uma expressão entre o verbo auxiliar e o verbo
principal funcionaria como entrave em um processo de gramaticalização porque
dificulta que a expressão seja percebida como um único termo, dificulta o
esquecimento semântico e dificulta a aglutinação, que costuma ocorrer no final de
um processo.
Questionamos nesse caso, conforme já o fizemos na seção em tratamos
especificamente do processo de gramaticalização, se seria mesmo necessária a
aglutinação para que um item perdesse sua informação semântica. Acreditamos
que não. Tornar-se um morfema não é a única maneira de um vocábulo lexical
perder sua informação semântica e tornar-se um vocábulo gramatical; em outras
palavras, caso ocorra o esvaziamento semântico total, a fase de aglutinação
poderia ser dispensada do processo.
Afirmamos com bastante segurança que é possível que não haja
aglutinação do verbo auxiliar com o principal e que pode haver uma cisão para
inclusão de um item ou mais porque conhecemos o desfecho dessa história, pelo
menos até aqui, e sabemos que esses fatos não conseguiram impedir a
caminhada do ir rumo à gramaticalização.
Há, ainda, nesse fenômeno gramatical um outro ponto que, se por um lado
pode estar na contra-mão do modelo teórico da gramaticalização do futuro,
parecendo ser até mesmo um entrave, por outro lado pode ter facilitado o
processo de cristalização da mesóclise; ou seja, o clítico pode ter assumido a
posição fixa entre os dois verbos (ir + VP) seguindo o caminho desses termos que
podem se colocar entre esses dois verbos.
Se, como atestam os exemplos, cabe um item ou expressão entre o auxiliar
e o verbo principal é porque neste ponto um lugar vago que pode ser
preenchido. Na análise de nosso corpus não encontramos clíticos entre o auxiliar
ir e o verbo principal. No mesmo período, como exemplificamos acima, outros
termos intercalavam a construção analítica de futuro. O pronome, conforme se
verá na próxima seção não tinha ainda uma posição fixa e pode ter começado a ir
para esse lugar por analogia.
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Nossa afirmação não representa uma tentativa de formulação de conceito,
não temos aqui esse intuito, é apenas uma observação, apenas uma hipótese sem
a finalidade de ser testada aqui. Se a anunciamos é apenas porque o
desejamos omitir nenhum fato verificado durante nossas análises, ainda que tal
fato não tenha sido previsto em nossa proposta inicial.
7.3 - A DESCONSTRUÇÃO DO CENÁRIO PARA A IMPALANTAÇÃO DA
NOVA MODALIDADE DE MESÓCLISE
Cremos que seja interessante comentar aqui, ainda que de forma muito
breve, sobre uma outra variante de futuro que impossibilita a modalidade de
mesóclise. Trata-se da forma do presente, conforme especificamos nos quadros,
na página 93, onde estão elencadas as variantes de expressão do futuro.
Conforme observam alguns estudos, entre eles o de Silva (2002), o
presente, ao lado de outras formas, também é utilizado para expressar o futuro. O
autor acredita que isso ocorra por ser uma forma de aumentar o grau de certeza
em relação a um fato proposto para ocorrer num momento depois do agora, além
de essa forma depender de fatos presentes, “tidos como certos e decididos no
momento da fala” (SILVA, 2002, p.103).
Vejamos, pelos exemplos do próprio Silva, como ocorrem as construções
de futuro com verbos no presente, lembrando que seus exemplos são retirados de
um corpus obtido a partir de seis horas de gravação, sem cririos de qualquer tipo
de diferenciação, como sexo, faixa etária ou escolaridade; o material recolhido é
resultado de onze conversas por telefone, tendo essas sido gravadas sem o
conhecimento prévio dos falantes.
L1 - uhn::... olha que fi/ da puta aman ele me paga FALOU... que horas
ela vai chegar? Muito tarde?
L2 - ah nem sei
L1 – éh então amanhã cedo eu ligo pra ela...(t-12-I)
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125
L1 (...) então vamos ver quarta ou quinta te dou uma ligada... se der eu
vou aí bater uma papo com você (t270-B)
Esse modo de expressar o futuro não é exclusividade do português, nem
das línguas românicas, línguas como o finlandês, o alemão e o húngaro
apresentam o futuro também nesta forma.
No entanto, ressaltamos que expressar o futuro por meio de um verbo no
presente não é nenhuma novidade na trajetória do futuro. O ir na forma analítica
conjuga-se no presente, assim como o habeo, que mais tarde se transformou no
conhecido morfema rei.
Com a variante de presente se opondo à perífrase com ir, mais uma vez se
reconhece na história do futuro a alternância entre formas sintéticas e analíticas; é
o ciclo no qual o futuro parece estar infinitamente preso. No entanto, ao contrário
do que ocorreu até então, desta vez a forma sintética que está variando com a
perifrástica não se origina da fusão de uma forma analítica, ou seja, não é
resultado de um processo de aglutinação.
Na verdade a o aglutinação do auxiliar ir ao verbo principal está prevista,
como já dissemos várias vezes, em vários pontos deste trabalho, já que, desta
vez, a posição do auxiliar estaria dificultando, até mesmo impedindo a aglutinação;
pelo menos a aglutinação que permitisse o auxiliar ser percebido como morfema,
ou seja, no final do VP, o que, tamm como já dissemos rias vezes, o
impediu que o ir tivesse seu conteúdo semântico esvaziado e adquirido funções
gramaticais.
Talvez a impossibilidade de aglutinação de ir + VP possa ter contribuído
para que a forma presente do verbo exercesse a função de futuro, já que a
alternância entre as sínteses e as análises parecem ser uma necessidade do
futuro, o que segundo alguns estudiosos, como Silva (2002), ocorre porque as
formas sintéticas são mais indicadas para expressar tempo. Assim, quando uma
forma se torna ou lugar a uma perífrase, a coloração modal fica mais evidente
e é necessário que se encontre uma nova forma de se falar mais do tempo. A
língua encontrou um meio para isso e de, conseqüentemente, manter o ciclo.
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126
Estamos dando ênfase a essa variante do futuro porque, conforme
esclarecemos desde o icio, a mesóclise aqui apresentada é apenas uma
conseqüência da formação analítica do futuro com o auxiliar ir antes do verbo
principal. Caso essa forma lugar a uma outra, a mesóclise também será re-
organizada. Não que essa variante de futuro seja um problema ou se configure
como um empecilho para a cristalização da nova mesóclise; e acreditamos que
isso esteja claro depois de tudo o que argumentamos aqui, até porque nossos
objetivos são apresentar, compreender, conceituar e reivindicar a aceitação de um
fenômeno lingüístico, e não mostrar sua freqüência e/ou sobrevivência.
No entanto, se for o caso de se desejar observar a mesóclise em
construções que ainda existam no PB, caso a mesóclise aqui apresentada seja
extinta pelo desaparecimento da perífrase o que para nós, pelo menos por hora,
é uma possibilidade um tanto remota –, ainda restariam outras construções que
poderiam ser interpretadas como mesoclíticas, como:
- ir + pron+ VP gerúndio = vai se desenvolvendo
- estar + pron + VP gerúndio = estou te esperando
- ter + pron + VP particípio = tem me feito falta
-poder + ter + pron + partipio = poderia ter me contado
Passemos então a esse tema, a nova modalidade de mesóclise do PB, com
a finalidade de apresentá-lo, após já tê-lo justificado.
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127
8 - ENFIM, A MESÓCLISE
A nova modalidade de mesóclise aqui defendida, formada pela seqüência
Aux + pron + VP, é hoje uma construção que pode ser verificada em qualquer
gênero textual; sua vitalidade é inquestionável, tanto que julgamos desnecessário
coletar material para demonstrar que essa construção existe no PB. A referida
construção depende, no entanto, da escolha da variante de futuro, como dissemos
no início da seção anterior: se escolhida a forma sintética a colocação pronominal
se dará preferivelmente de forma proclítica.
Na seção anterior citamos vários trabalhos, realizados à luz de distintas
correntes teóricas e, segundo Oliveira (2006), todos m em comum o fato de
apontarem que a forma sintética é de uso mais formal, enquanto que a forma
analítica é mais freqüente em contextos menos formais, incluindo-se, entre estes,
alguns contextos de fala.
Entre os estudos analisados por Oliveira, está o de Santos (2000), segundo
o qual o futuro sintico está desaparecendo de textos informais, o que caracteriza
uma mudança em curso.
Os estudos m em comum também a conclusão de que, pelo menos, por
enquanto, em nenhuma das modalidades, falada ou escrita, a variante perifrástica
com ir é regra categórica. Acompanhar tal variação é de fundamental importância
em nosso trabalho, já que tem implicações diretas na ocorrência da mesóclise
aqui apresentada: se a forma analítica tiver um uso sistemático, suas chances de
maior ocorrência e, conseqüentemente maior desgaste, aumentam, podendo
produzir outra(s) forma(s) concorrente(s); se, por outro lado, a forma sintética se
torna a mais utilizada (o que pareceria improvável) cai a freqüência da mesóclise;
se, numa hipótese remota, desaparece o futuro analítico com ir, desaparece a
forma que está sendo aqui reivindicada como mesóclise.
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128
Apesar de termos nomeado este estudo como sendo um estudo de
cristalização da mesóclise, o que estamos fazendo é, na verdade, tratando de três
processos razoavelmente distintos; são eles:
1- a gramaticalização da forma perifrástica do futuro, que envolve
2- a gramaticalização do verbo ir como auxiliar do futuro, que
envolve
3- a conseqüente cristalização da nova modalidade de mesóclise no
PB.
Nesta seção, trataremos especificamente da colocação pronominal, mas
sem perder de vista que, para isso, é essencial pensarmos na construção e na
variação diacrônica do futuro, já que, como já anunciado, após termos
desenvolvido as idéias que sustentam que a mesóclise é a colocação de um clítico
entre dois verbos e não no meio de um verbo, resta-nos apenas apresentar a
referida construção, em um recorte diacnico na variedade brasileira do
português.
Assim, o objetivo maior nessa seção é fechar o círculo proposto nesse
trabalho, após tudo que foi considerado até aqui, sendo a base mais consistente a
história do futuro português. Pretendemos, agora, nada mais que apresentar a
seqüência Aux + pron + VP como um caso de mesóclise e tal proposta se amplia a
ponto de dizermos que qualquer locução ou perífrase intercalada por um clítico
deverá ser considerada uma construção mesoclítica.
Uma das questões que mais tem figurado como objeto de vários estudos é
a questão da ordem, mais especificamente, a ordem dos constituintes da
sentença. Isso evoca sobretudo os sintagmas maiores, ou seja, o sintagma
nominal (sujeito e objeto) e o sintagma verbal (predicado). Dentro desses
constituintes maiores também uma ordem, como a que fixa um artigo antes do
substantivo (determinante + nome) dentro de um SN.
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129
No sintagma verbal, o clítico, o pronome oblíquo também tem uma ordem
fixa. Embora a gramática normativa admita três posições para o mesmo a
posição proclítica, a mesoclítica e a enclítica a regra de pclise do PB falado é
quase categórica; o que se verifica no PB falado é praticamente uma posição
proclítica fixa.
É essa posição proclítica que permite a sustentação da mesóclise na forma
que apresentamos aqui, já que a posição do clítico é analisada a partir do verbo
principal. Sendo assim, é de se ressaltar que, na forma de mesóclise apresentada
pela GT, como em “falar-te-ei”, o que é, a princípio, uma ênclise em relação ao
verbo principal. Mas, ao classificar a construção exemplificada acima como
mesóclise, a gramática considerou a possibilidade de analisar a colocação
pronominal a partir o somente do verbo principal, mas do principal e do auxiliar,
porque conforme já esclarecemos, o clítico está entre dois verbos e não entre o
radical e os morfemas de um verbo.
Hopper e Traugott, ao tratarem das formas gramaticais, apresentam o
clítico como um item que está no limite entre palavras autônomas e afixos; é um
item que depende de outro, ao qual se encosta à direita ou à esquerda. Dizem
eles: “A clitic that precedes the host is called proclitic,’ e.g., in colloquial English, s
in’s me it’s me. A clitic that follows its host is a ‘enclitic. (HOPPER e TRAUGOTT,
1993, p. 05); nada dizem quanto à possibilidade de um clítico penetrar no interior
de uma palavra e aparecer de forma mesoclítica.
Os autores trazem o seguinte exemplo do suaíli:
Wa ta – ni – utiza
onde wa é o sujeito, ta é o morfema indicador de futuro, ni é o pronome
(clítico) e utiza é o verbo nuclear; isto é, a construção é idêntica ao que se sem
português, que formaria
eles – vão me – perguntar
no entanto, a tradução que Hopper e Traugott (1993) apresentam é a
seguinte:
they – will – ask me
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130
Com isso podemos concluir que, o que em suaíli constituiria uma mesóclise
no novo modelo por nós apresentado, em inglês seria agramatical, tanto que para
a tradução, os itens tiveram que ser arrumados em outra ordem. Isso porque o
inglês não admite a próclise, produtiva no suaíli e no português.
Seguindo essa linha de raciocínio, devemos admitir que a mesóclise
poderia não existir: o que existiria seria apenas a próclise e a ênclise em relação
ao um verbo, e assim, a mesóclise seria nada mais que uma falsa impressão,
apenas no nível da materialidade lingüística ou da superfície.
A construção ir + pronome + VP é reconhecida e inegável no PB atual,
falado e escrito, por essa razão não precisamos nem pretendemos aqui mais uma
vez enfatizar esse uso. O que estaremos mostrando é um estágio anterior, a
colocação do clítico em construções de futuro. Por meio dos exemplos retirados
de nosso corpus, vejamos como a mesóclise se transformou em apenas um
século, praticamente.
Lembramos que eram comuns, e ainda o em alguns contextos como
ilustramos no início da seção anterior, o uso de expressões do tipo: abrir-se-(h)a;
celebrar-se-(h)a; dar-se-(h)a; gratificar-se-(h)a; realizar-se-(h)a; receber-se-(h)a, e
esses usos ajudavam a manter, pelo menos na escrita, essa construção, como se
vê nos exemplos abaixo:
(66) No domingo 14 effectuar-se o bando de mascaras
(O Guarany –BA- 11.11.1886)
(67) A resposta dar-vos-ha cabalmente a opinião publica
(O Feirense –BA- 05.04.1863)
(68) qualquer mestre çapateiro que por menos quizer poder-se-hão
dirigirão 1.º tenente
(Idade d’ouro do Brasil –BA- 22.12.1818)
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131
(69) Far-se- photographia ordinária, ou em fumo
(O Jequitinhonha MG- 14.04.1870)
(70) A estreiteza do tempo não tendo permetido publicar hoje as
importantes noticias que ultimamente vierão do Algarve, communicar-se-
hão ao publico no seguinte Número desta Gazeta
(Gazeta do Rio de Janeiro -RJ- 21.09.1808)
(71) Visitando o nosso estabelecimento, convencer-se- o publico da
grande variedade dos artigos e da barateza de seus preços.
(Gazeta de Campinas -SP- 01.05.1870)
Ao lado dessas construções, comuns da época e do nero, aparecem
algumas formas concorrentes, como se vê pelos exemplos abaixo:
(72) Sou muito conhecido ahi e bem me peza não o ter tratado sempre
conforme meresse sua educação, que se a tivesse me trataria milhor. Vai
por mim estas linhas, Senhor Redactor que sendo impressas muito obrigará
ao seu constante leitor. Symphroni Simões Ferreira.
(O Feirense –BA- 01.05.1863)
(73) Á quem os apprehender se gratifica com 50$000 is por cada um;
protestando-se com-tra quem os acoutar.Mogy-mirim, 29 de Maio de 1879.
Antonio Joaquim de Freitas Leitão.
(Correio Paulistano -SP- 01.06.1879)
(74) Em algumas das novenas haverá sermão e na festa se fa ouvir da
tribuna sagrada (...) a philarmonica “Orphesina Cacheeirana executarà
maviosas peças.
(O Guarany -BA-11.11.1886)
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(75) aSim o farei etudo omais que VossaExcelenCa me-ordenar
emeordena
(PHPB- SP- Constantino de Santa Maria- 08.04.1722)
(76) dandome vossa excelência dupliCadas oCaZioins, emque poSSa
darlhe Repetidos Gostos. pois Sempre me achara Com hua vontade
prompta em obedeSSelo. Deos Guarde avossa exCeLenCia por muitos
annos.
(PHPB- SP -Frei Sebastiam dos Anjos- 06.03.1722)
(77) onde se encontra tudo o que é peculiar destes estabelecimentos.
(Gazeta de Campinas -SP- 01.05.1870)
(78) aliás se executa o que manda a Lei a este respeito.
(O Farol Paulistano -SP- 09.08.1828)
(79) é só escrever que de bôa vontade te servirei
(Correspondência Passiva de Washington Luiz – Carta 03-
Raphael Tobias de Barros. 01.08.1900)
(80) Os 2:500# restantes eu te pagaria d’entro do prazo de 2 annos, a
contar do dia em que me désses a quantia e 1:600#000.
(Correspondência Passiva de Washington Luiz – Carta 36-
Lafayette Luiz Pereira de Sousa, 13.03.1899)
(81) quando teu ma-ninho disse que se-chamaria C. Ottoni Vieira,
acudiste
(C. B. Ottoni 22.12.1879)
Como se vê, não ocorrência de ênclise com o futuro sintético. um
registro que poderia ser interpretado como tal:
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(82) poderão se dirigir á Rua do Rozario número 65, em casa do Senhor
Miguel. _ Os Cursos principiarão a 12 do corrente havendo concurrencia
sufficiente.
(O Farol Paulistano -SP- 06.08.1828)
Nesse caso, uma simples análise nos permitirá concluir que o pronome se
está relacionado ao verbo seguinte dirigir estando, portanto, em posição
proclítica em relação a esse verbo.
Podemos, então, afirmar que as duas formas de colocação pronominal
exemplificadas acima constituem as duas variantes de colocação pronominal do
futuro sintético observadas em nosso corpus, isto é, a ênclise não ocorre. Esse
fato é de fundamental importância para a consagração da nova mesóclise, pois é
a posição proclítica do pronome que definirá sua posição mesoclítica quando o
auxiliar se colocar à esquerda do verbo principal.
Vejamos, agora, como funciona a colocação pronominal no futuro
perifrástico com haver de:
(83) Antonio de Castro, se hade a mesma arremar no dia sabbado 6
do|corrente, nma 2 hora da tarde
(O Constitucional –SP- 03 de agosto de 1853)
(84) noSso Senhor lhe hade pagar Com aSuagloria
(PHPB- João de Mello do Rego
02.03.1733)
(85) Vossa Excelencia o haja depromover a Director.
(PHPB- SP-Jozé Arouche de Toledo Rendon
18.04.1801)
(86) Amanhãa se hade proceder a segunda arrematação dos bens do
fallecido Coronel Antonio José Vaz
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(O Farol Paulistano -SP- 18.03.1829)
O futuro com haver de também permite a ênclise em relação ao verbo
principal:
(87) se não apparecer por 15 dias, contados da publicação da folha, heide
remetel-o á Provedoria dos Residuos
(O Farol Paulistano -SP- 24.04.1830)
E permite também a mesóclise:
(88) por este meio pede ao publico desta capital haja de se dirigir ao seu
estabelecimento, na rua Fechada número 2, que tudo venderá muito em
conta.
(O 19 de dezembro -PR- 19.08.1854)
(89) Roga-se, por especial favor, ao Senhor A.L.C. que, quando mandar
seus escravos lavar o seu cavallo no mar, haja de os advertir que se não
apresentem descompostos, por que na vizinhança do lugar em que fazem
esse serviço há familias capazes e honestas.
(O Novo Íris -SC- 15.10.1850)
Como se as três formas possíveis de colocação pronominal o
encontradas na variante perifrástica com haver de. Isso mostra o quanto não
estava definida uma preferência pela ordem de colocação pronominal, tanto é que
se verificam construções que hoje nos pareceriam agramaticais, como em:
(90) No dia 20 do corrente perdeu-se uma Vale de 20$000 is, passado
por Francisco M.iz Teixeira: Previne-se a qualquer pessoa a quem for
appresentado, haja de o não pagar.
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135
(O Farol Paulistano –SP- 28.03.1829)
O que nos parece hoje agramatical não parecia ser um caso isolado nos
séculos XVIII e XIX, já que são encontradas também com o futuro sintético
construções do mesmo tipo, ou seja, com o pronome colocado à esquerda do
advérbio não. Como esse fenômeno é verificado no português arcaico, essa
construção pode ser um traço de conservação, ou pelo menos, um vestígio do
português daquela época.
(91) Com ella gruda-se perfeitamente qualquer vidro quebrado e de tal
modo que se não conhecerão as junturas.
(O Município –MG- 12.10.1895)
Percebe-se em alguns exemplos, como em (91) a atração exercida por
elementos como advérbios, no entanto, é preciso considerar que não havia na
época tantos rigores com as regras gramaticais, e nem mesmo uma boa correção
nas publicações dos jornais e muito menos nas cartas, assim, pode-se concluir
que a colocação proclítica se fazia pelos usuários no PB nos séculos XVIII e XIX
por preferência, e não obediência às regras da norma gramatical.
Registram-se ainda, com razoável freqüência, construções que trazem dois
pronomes, ambos em posição proclítica, formando seqüências que soariam
estranhas no PB atual, como em (92) e (93).
(92) Quem pretender compralas, dirija-se á typographia d'esta folha, aonde
se lhe darão as precisas informações.
(A Mocidade -SP- 17.05.1874)
(93) Vende-se uma a fazenda rural propria para todo o genero de lavoura
do paiz, não longe desta Villa; e se a vende em porções quando não haja quem
a compre inteira
(O Novo Íris -SC- 30 de abril de 1850)
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Vejamos, agora, como se comportavam os clíticos no futuro analítico com o
auxiliar ir.
(94) pois que passado o dia 15 e não comparecendo os vai chamar a juizo
empreterivelmente, Luiz Antonio Pereira Paião Silveira.
(A Phenix –SP- 13.01.1841)
(95) roga ao seus amigos existentes nesta cidade o caridoso obsequio de
as-sistirem ás missas que se o celebrar nas Igrejas do Carmo, e
Rosario, Terça-feira, as 8 horas da manhã, e antecipadamente lhes
agradece este acto de caridade.
(O Bem Público -SP- 13.08.1860)
Além da próclise em relação ao auxiliar, registram-se também construções
com ênclise em relação ao verbo principal, como em:
(96) O fogo de planta com que vão terminar-se os festejos, em louvor á
Nossa Senhora da Ajuda, sera queimado amanhã no adro da mesma
capella e não na praça da Acclamação como hontem dissemos.
(O Guarany -BA- 21.11.1886)
(97) Irei empregar-me n’outro serviço, que não seja arrematações.
(O Feirense -BA- 05.11.1862)
(98) Vae publicar-se uma obra intitulada O Homem de Corte vertida do
original francez.
(O Novo Íris -SC- 02.07.1850)
Como se , o se verifica nessa época a mesóclise, o clítico es à
esquerda do auxiliar ou à direita do principal, donde concluímos que não havia um
lugar fixo para a colocação do pronome.
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No PB atual, a próclise é regra categórica, daí a possibilidade da nova
mesóclise na variante de futuro com ir, a qual pode ser encontrada em qualquer
gênero textual, como:
- história em quadrinhos
(99) vamos nos inscrever e depois subir os seis mil degraus até o templo.
(Turma da Mônica- Jovem- n. 04)
- traduções
(100) Vamos, vou-lhe mostrar o meu quarto.
(Harry Potter e a Câmara Secreta)
- materiais diticos
(101) uma grande indústria vai se instalar na cidade vizinha à sua.
Programa de Qualificação Profissional
SERT- Habilidades Gerais- vol. 2
- revistas (compostas vários gêneros)
(102) dicas para quem vai se produzir e arrasar nesse verão
(Capricho, junho, 2007)
(103) Diogo Mainardi (...) vai se candidatar à presidência da Câmara.
(Veja, 17.01.2007)
(104) O modelo vai ser apresentado em março, no Salão de Genebra.
(Auto Esporte, fevereiro, 2007)
É nesse lugar, embora a gramática normativa admita outras posições, que
se fixou o pronome nas construções analíticas de futuro.
É esse tipo de construção que estamos reivindicando aqui que seja
denominado como mesóclise, pelos motivos apresentados, às vezes de forma até
redundante até aqui.
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alguns ambientes que favorecem o aparecimento da mesóclise, como
nos casos de primeira, segunda e terceira pessoa do singular (eu, você
lembrando que é a segunda pessoa do discurso, mas o verbo é conjugado em
terceira pessoa – e ele). Com a primeira pessoa do plural (nós) as ocorrências são
bastante raras porque estão limitadas a um estilo mais formal.
Assim sendo, a vitalidade da nova mesóclise é menor com a primeira
pessoa e terceira pessoas do plural. Teríamos então o seguinte paradigma:
- com objeto direto e indireto
OD- Suj. + ir + pron. 1. pes. + VP = Ele vai me encontrar
OI- Suj. + ir + pron. 1. pes. + VP = Ele vai me falar
OD- Suj. + ir + pron. 2. pes. + VP = Ele vai te encontrar
OI- Suj. + ir + pron. 2. pes. + VP = Ele vai te falar
OD- Suj. + ir + pron. 1. pes. + VP = Ele vai nos encontrar
Ou
OD- Suj. + ir + VP + pron. 1. pes. = Ele vai encontrar nós/a gente
OI- Suj.+ ir + VP + prep.+pron 1. pes. = Ele vai falar para nós/para a gente
OD- Suj.+ ir + VP+ pron. 3. pes. = Ele vai encontrá-los
Ou
OD- Suj. + ir + VP + pron. 1. pes = Ele vai encontrar eles
- com objeto direto reflexivo:
1. Pes. Sing + ir + pron. 1. pes. + VP = Eu vou me encontrar
2. Pes. Sing + ir + pron. 2. pes. + VP = Você vai se encontrar
= Ele vai se encontrar
1. Pes. Pl. + ir + pron. 1. pes. + VP = Nós vamos nos encontrar
= A gente vai se encontrar
2. Pes. Pl + ir + pron. 2. pes. + VP = Vocês vão se encontrar
= Eles vão se encontrar
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Pelos exemplos reconhecemos que algumas condições para que a
mesóclise seja produzida. contextos menos férteis que outros: por exemplo,
quando o objeto direto ou indireto refere-se à primeira pessoa do plural (nós), a
ocorrência da mesóclise fica desfavorecida, considerando que a construção
analítica é mais freqüente em falas coloquiais, ou seja, contexto onde dificilmente
ocorreria uma construção padrão.
8.1- A NOVA MODALIDADE DE MESÓCLISE É UMA VARIANTE
A construção que estamos apresentando aqui e reivindicando que seja
reconhecida como mesóclise é uma variável. Uma frase como “Vou te contar
pode ser substituída pela forma “Vou contar para você” com o mesmo valor de
verdade; quer dizer, são duas formas usadas para se dizer a mesma coisa.
Conforme estudos sugerem, o futuro analítico com ir é mais freqüente em
falas menos formais. Assim, considerando que, quanto mais recorrente o futuro
analítico, maior a possibilidade da mesóclise, analisamos um material que
coletamos há alguns anos.
A dissertação de mestrado Fotografias da fala de Alto Araguaia”
6
é uma
descrição dos principais traços foticos e gramaticais da cidade de Alto Araguaia,
pequeno munipio do Estado de Mato Grosso. Tal região foi escolhida por
agregar um grande número de migrantes das diversas regiões brasileiras, que
para lá foram em grandes levas em vários períodos da formação do município, e
essa é a razão, o fato de agregar a fala de brasileiros de diversas regiões do país,
que nos motivou a tomá-lo como material de observação.
Passemos a uma breve descrição do trabalho.
Para informantes foram selecionados três grupos regionais: o de nativos da
região, o de nordestinos e o de gaúchos. O primeiro é obrigatório por sua condição
de representar o que seria pico da região; o segundo representa o maior
contingente numérico e, ao mesmo tempo, os migrantes de menor poder
aquisitivo; o terceiro grupo representa o menor contingente numérico, mas o grupo
6
Minha dissertação de Mestrado, orientada por nia Alkmim e defendida em 2003 no IEL, UNICAMP.
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de maior poder aquisitivo. Cada um dos grupos é dividido por sexo e escolaridade,
assim, nosso corpus foi formado por doze informantes, sendo dois homens e duas
mulheres de cada uma das regiões escolhidas e sendo um homem e uma mulher
com baixo grau de escolaridade e um homem e uma mulher com alto grau de
escolaridade.
A distribuição se deu conforme se vê no quadro abaixo:
Naturalidade
AA AG AN
Idade + 56 40/55 +- 30
Escolaridad
e
Analf. Escol. 1 Escol.2 Escol.3 Escol.2 Escol.3
Sexo H M H M H M H M H M H M
Legenda:
AA = araguaiense filho de araguaiense
AG = filho de gaúcho
AN = filho de nordestino
Analf = analfabeto
Escol. 1 = até a 4.ª série do ensino fundamental
Escol. 2 = de 5.ª a 8.ªrie do ensino fundamental
Escol. 3 = ensino médio e superior
H = homem
M = mulher
Conforme se pode verificar pelo quadro, os fatores idade e escolaridade
são diferentes entre os filhos de araguaienses nativos e os filhos de migrantes.
Essa diferença se dá pelas seguintes razões:
a- em relação ao fator idade - os filhos de migrantes, que chegaram
por volta da década de 70, têm a idade máxima de 33 anos de idade;
b- em relação ao fator escolaridade - entre os filhos de araguaienses
maiores de 40 anos, não quem tenha um alto vel de escolaridade, a menos
que tenha estudado em outra localidade e permanecido fora da cidade por muitos
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141
anos. Também não entre os filhos de migrantes, com idade em torno de 30
anos, alguém que não tenha cursado ou esteja cursando o segundo ciclo do
ensino fundamental (5.ª a 8.ª rie). A maioria das pessoas com terceiro grau veio
muito recentemente para Alto Araguaia, o que nos fez considerar alguns
informantes com 2.º grau completo como tendo um nível de escolaridade alto.
Para a identificação do informante, adotou-se um padrão de identificação
apenas por iniciais que identifiquem a origem geográfica, o sexo, a faixa etária dos
filhos de araguaiense.
Na identificação, o A significa araguaiense nativo, o M significa que o
informante é do sexo masculino e o F, feminino, o S indica idade superior a 50
anos e o I, idade inferior a 45 anos. Os filhos de migrantes identificam-se da
seguinte forma: O N indica filho de nordestino, o G, filho de gaúcho, o M ou F,
indicam o sexo do informante, masculino ou feminino, respectivamente. O E indica
que o informante é escolarizado e o R indica que o informante possui grau de
escolaridade rudimentar.
Assim, os filhos de araguaienses estão assim identificados:
AFI Mulher, faixa etária inferior. Esta informante é casada, tem 41
anos e atualmente não trabalha, foi lavadeira durante muitos anos, o marido é
cuiabano, estudou até a 5.ª série, mostrou-se muito interessada na entrevista, a
qual foi realizada em sua residência.
AMI Homem, pertencente à faixa etária inferior, este informante é
solteiro, tem 40 anos, e cursou a 4.ª rie do ensino fundamental, é guarda-
noturno, a entrevista registrou uma fala totalmente espontânea, foi realizada no
local de trabalho do informante.
AFS Mulher, faixa etária superior. A informante tem 64 anos, o
esposo também é de Alto Araguaia, nunca foi à escola, trabalha em casa; durante
a entrevista, realizada em sua residência mostrou-se um pouco tímida, mas
disposta a responder às questões.
AMS Homem, faixa etária superior, tem 73 anos, a esposa também
é natural de Alto Araguaia, é aposentado, foi pecuarista, sem escolaridade. A
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142
entrevista se realizou na casa de uma das irmãs do informante, o qual mostrou-se
inteligente e bastante espontâneo.
Os filhos de migrantes que, a partir da década de 70, começaram a fazer
parte maciçamente da população araguaiense, pertencem à faixa etária que varia
de 25 a 33 anos de idade. São quatro homens e quatro mulheres, sendo dois
pares filhos de gaúchos e dois pares filhos de nordestinos, dois pares com alta
escolaridade e dois pares com nível de escolaridade inferior. Nenhum deles
pretende voltar a morar em sua terra natal (ou de seus pais). Estão sendo
identificados aqui da seguinte maneira:
GMR filho de gaúchos, homem, estudou até a 5.ª série, trabalha
como servente de pedreiro, é solteiro, tem 30 anos, nascido no Rio Grande do Sul,
não se lembra em que cidade; veio para Alto Araguaia antes de dois anos de
idade.
GFR filha de gaúchos, sexo feminino, nascida em Três Passos,
RS, pai trabalhador rural, mãe do lar, estudou até a 5.ª série, trabalha como
diarista, tem 31 anos, é casada e tem dois filhos em idade escolar (fundamental),
nunca voltou à terra natal, da qual saiu com apenas alguns meses de idade.
GME filho de gaúchos, sexo masculino, tem 2.º grau completo, é
nascido em Ijuí-RS, tem 33 anos, é casado, sua esposa tem o terceiro grau
completo- Letras, seu pai é formado em Estudos Sociais, atualmente é moto-
taxista.
GFE filha de gaúchos, sexo feminino, escolaridade alta, formada
em Letras, casada, professora, 25 anos, os pais e o marido são comerciantes.
NMR filho de nordestinos, sexo masculino, grau de escolaridade
baixo, cursou até a 5.ªrie, trabalha como autônomo em serviços brais, tem 30
anos. Os pais vieram da Bahia, o informante o tem certeza sobre a cidade. É
casado; muito espontâneo durante a entrevista.
NFR filha de nordestinos, sexo feminino, grau de escolaridade
baixo, tem a 4.ª rie, 33 anos, casada. Não tem muita certeza se nasceu na
Paraíba ou do Rio Grande do Norte; veio da terra natal antes de completar um
ano. Trabalha como merendeira numa escola estadual.
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143
NME filho de nordestinos, sexo masculino, 2.º grau completo. É de
Tabocas, BA; veio para Alto Araguaia com três anos de idade. É controlador de
estoque de uma grande loja da cidade. Foi vendedor antes disso; tem 29 anos, é
casado.
NFE filha de nordestinos, sexo feminino, escolaridade alta, É
advogada, solteira, tem 25 anos, os pais são de Souza, PB.
Abaixo alguns exemplos retirados do corpus da pesquisa mencionada
acima evidenciam o que dizemos.
(105) Será que essa moça vai me furar. (NMR)
(106) Não, eu vou sozinha, meu pai vai me buscar na volta. (GME)
(107) Aí eu pensei, eu vou me casá, pa saí dessa vida né (AFI)
(108) Você não vai me falar que aqui não é assim, não é? (GFE)
Os exemplos mostram que a construção não é típica de um grupo social ou
regional; ou seja, aparece na fala dos araguaienses, dos migrantes do Nordeste
ou do Sul, com nível de escolaridade baixo ou alto, homens ou mulheres.
No entanto, percebemos que são recorrentes também construções como:
(109) Eu vou falar pra vo uma coisa (NFE)
(110) Ninguém me disse que o padre ia dar pra mim aquela... aquela honra
né (NME)
(111) Eles falaram que iam encontrar a gente a gente lá, né, no domingo
(NFE)
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144
As construções (109), (110) e (111) evidenciam que o fenômeno que
estamos tratando aqui não aparece de forma absoluta, es concorrendo com
outra forma, e, somente o tempo dirá se o que estamos defendendo aqui como
colocação mesoclítica resistirá. Por hora, acreditamos que a informação mostrada
acima é suficiente, já que nosso objetivo não é tratar da variação, e sim da
posição do pronome oblíquo entre um verbo auxiliar e um verbo nuclear.
Se observado pelo viés do funcionalismo, que tem por objeto de estudo a
compreensão, análise, conhecimento do modo como as pessoas utilizam sua
língua como seu principal e mais eficaz meio de comunicação, vemos que esse
meio, a língua, registra a cultura de uma comunidade, a forma como ela sente,
percebe, , analisa e compreende o universo que a cerca. Diz Givón, citado por
Neves (1997) que
a língua não pode ser vista como um sistema autônomo, já
que a gramática não pode ser entendida sem referência a
parâmetros como cognão e comunicação, processamento
mental, interação social e cultura, mudança e variação,
aquisição e evolução. (GIVÓN, apud NEVES, 1997, p. 24)
Ao analisar a estrutura gramatical, uma análise funcional está analisando
toda a situação comunicativa: o propósito do evento de fala, seus participantes e
seu contexto discursivo. Assim, deve-se considerar o fato de que os falantes, em
geral, percebem que, em algum momento o, objeto “te pode ser substituído por
uma locução como “para você.
A substituição do pronome oblíquo por um reto, também pode ocorrer na
forma sintética de futuro do presente, como “amarei você em lugar de “amar-te-
ei; assim, o que estamos expondo aqui não é novo. Já ocorria do mesmo modo, o
que somente vem reforçar nossa hipótese sobre ser esse novo modelo realmente
um caso de mesóclise.
Não podemos tecer aqui maiores conclusões sobre tal variação sem um
estudo mais detalhado, o que não faremos, que o objetivo aqui não é esse. Por
hora, pretendemos apenas dar notícia de que a forma de mesóclise
gramaticalizada apresentada aqui não é categórica, concorre com pelo menos
uma variante.
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145
Há, na concepção funcionalista da língua, a existência de um caráter que,
por ser funcional e dinâmico, facilita a revisão das formas lingüísticas de acordo
com dois sistemas de regras: um mais interno que se ocupa de regras fonológicas,
morfológicas, sintáticas e semânticas e outro que se ocupa das regras
pragmáticas. Esses dois sistemas de regras parecem atuar em conjunto quando
na escolha de uma ou outra forma das descritas acima, “te” ou “para você”.
Há, ainda, uma outra forma, a qual consideramos um reforço, uma
redundância, o que, num processo de re-arranjo parece ser um fenômeno
bastante significativo. Vejamos as construções.
(112) Mais eu vou te falar uma coisa pra vo, não é cil (NFR)
(113) Antes eu vou te perguntar pra vo uma coisa (AFI)
Nota-se que construções do tipo (112) e (113), isto é, com repetição do
pronome (te + para você), ocorrem apenas na fala dos menos escolarizados.
Considerando que a situação discursiva é semelhante para todos os informantes:
uma situação de entrevista, na qual o entrevistado é convidado a narrar fatos e
tecer algumas considerações a respeito de temas variados, mas comuns a todos
os informantes, isso pode significar que a variação entre as formas com ou sem
reforço, como “vou te contar” e “vou te contar pra vo é gerada pela variável
externa “escolaridade.
Podemos afirmar que o que se em (112) e (113) é semelhante com o
caso do vou ir, registrado por Silva (2002), já apresentado nas páginas anteriores.
O autor explica a referida construção como um caso em que o esvaziamento
semântico do ir é tão completo, que faz com que a criança já reconheça o vou
como um prefixo.
O mesmo pode estar ocorrendo com a construção vou te, pronunciada
/’voti/ e sendo, provavelmente, interpretada como um único vocábulo formal, o que
vem ao encontro da teoria da gramaticalização, no tocante ao princípio da
unidirecionalidade: um item gramatical pode tornar-se ainda mais gramatical. A
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146
repetição do te em pra vo pode estar indicando justamente, como
conseqüência da gramaticalização do futuro perifrástico, a cristalização do
pronome nessa posição mesoclítica. Talvez seja esse o ponto em que provamos
definitivamente a hipótese que originou este trabalho.
Com esse último fato acreditamos ter argumentado o suficiente para que a
idéia de que a construção aux + pron + VP seja aceita como uma nova
modalidade de mesóclise.
Os argumentos utilizados para a confirmação de nossa hitese não estão
somente nessa seção, e sim nas páginas anteriores, pois, como esclarecemos
desde o início deste texto, a mesóclise nada mais é do que a conseqüência de
processos distintos de gramaticalização, sobre os quais tratamos detalhadamente
antes de termos apresentado a mesóclise.
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147
9- ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A natureza deste trabalho exige que as análises apresentadas sejam
seguidas de interpretações, praticamente simultâneas. Assim sendo, resta para
esta seção a revio geral dos pontos apresentados.
Como anunciado na Introdução, o objetivo maior neste trabalho foi avaliar a
hipótese de que a construção ir + clítico + verbo principal constitui, do ponto de
vista da colocação pronominal, um caso de mesóclise.
É um tanto dicil avaliar ou medir o grau de confirmação da referida
hipótese, já que a natureza da pesquisa não é a de verificar ou testar uma
ocorrência, ou circunstância de um fenômeno lingüístico, e, sim, apresentar uma
idéia, reformular um conceito já existente e formular um novo.
Acreditamos, no entanto, ter conseguido confirmar nossa hitese. Cremos
ter validado nossos argumentos, primeiramente, porque acreditamos ter
conseguido inserir o fenômeno aqui apresentado como um caso de mesóclise; em
virtude de acreditarmos ter comprovado a idéia de que o que se tem concebido a
agora como mesóclise não seria a inclusão de um clítico no meio de um verbo,
mas sim, entre dois verbos; ou seja, é o mesmo caso do que ocorre no PB atual
com o futuro analítico com o auxiliar ir.
Para se chegar ao amadurecimento dessas duas constatações, muitos
pontos foram observados e analisados, e eles não poderiam deixar de ser
apresentados aqui, pois, embora não tratem, especificamente, do fenômeno de
colocação pronominal, tratam das relações entre o homem e a língua(gem) e esse
é um tema que está no bojo de qualquer pesquisa lingüística.
Como vimos nas seções 3 e 4, em que tratamos sobre o tempo e, com
maior profundidade sobre o futuro, esses seres” povoam e incomodam o homem
muito tempo (talvez sempre). Isso ocorre, sem dúvida, porque são de difícil
análise e compreensão para a mente humana.
Atribui-se a complexidade inerente ao futuro, a constante revisão que
ocorre em várias línguas, entre elas, o português. Sendo assim, pode-se ver a
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148
confirmação da busca do homem em representar na e pela língua, o mundo, ou
aquilo que ele imagina que seja o mundo, a realidade.
Percebe-se a estreita relação entre o homem e a língua, relação essa
que acaba por influenciar os avanços, as conquistas, a cultura, enfim, os próprios
rumos da humanidade.
Este trabalho fez-se, ou melhor, só foi possível porque o homem é capaz de
realizar um processo em seu sistema lingüístico entendido por gramaticalização.
Compreender tal processo na mente do homem significa compreender quão
grande é a capacidade humana em tornar a língua um eficaz meio de transmitir, e,
até mesmo, gerar conhecimento.
A faculdade de simbolizar pode ser considerada a grande potencialidade do
homem, que fez com que diferisse dos animais e pudesse evoluir, tornar-se um
ser social. Mas, ao conseguir realizar um processo de gramaticalização, o homem
faz muito mais do que diferir de animais irracionais.
Sem “as gramaticalizações realizadas pelo homem, talvez somente o
mundo concreto, real e visível poderia ser traduzido. Fazer com que se instaure
um processo que consiste, basicamente, em transformar itens concretos em
abstratos, significa ter e, ao mesmo tempo, produzir uma relação mais íntima,
mais profunda, mais precisa com o mundo. Ousaríamos afirmar que, para o
homem, a percepção do mundo poderia ser outra se não fosse o desenvolvimento
dos processos de gramaticalização, algo hoje tão cil, tão simples e o comum
em qualquer língua que mal conseguimos alcançar o tamanho da complexidade
desse fenômeno; que é grande no sentido de tantos mecanismos que tem de ser
acionados para que se possa dar início a uma trajetória que, culmina, geralmente,
com a transformação de um item lexical em um item gramatical. O que parece ser,
superficialmente, um processo bastante simples.
O processo aqui analisado corresponde, simplesmente, à inserção de um
pronome no meio de uma locução verbal. Como dito, parece um processo
bastante simples. Para chegar a isso, no entanto, o falante do português repensou
o futuro e sua relação com ele, a possibilidade de concretização daquilo que
anuncia, o que por sua vez, o fez pensar na escolha de um verbo auxiliar que
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149
melhor expressasse tal intenção. Como se vê, não nada de simples em tal
processo.
Grandes questões lingüísticas como essa não são esclarecidas facilmente
e nem é este o intuito de nosso trabalho, até porque não fazem parte do objetivo
central aqui e nem mesmo foram previstas. Contudo, não poderiam deixar de ser
mencionadas, pois a pesquisa que ora conclmos acaba nos conduzindo a
reflexões sobre tais questões. Em outras palavras, qualquer trabalho que se faça
sob a luz da Lingüística nos faz pensar em língua, o que significa pensar em
cultura, pensar em mecanismos e fatores da varião e mudança, refletir sobre a
posição do homem em relação ao mundo.
Falar em fenômenos lingüísticos é, portanto, falar em instaurações de
novas posturas, novas óticas, novas perspectivas do homem em relação ao
mundo e a si mesmo, e, de alguma forma, o homem sabe que tudo isso deve ser
representado e refletido pela língua.
Em relação ao objetivo principal de nosso trabalho, como dito no início
desta seção, não podemos medir com precisão o alcance de nossas
argumentações. Por hora, afirmamos apenas que a mesóclise é um fenômeno
muito comum no português brasileiro.
Uma vez aceita nossa proposição maior a de que a mesóclise é a
ocorrência de um pronome entre dois verbos –, afirmamos, então, que a mesóclise
não ocorre exclusivamente nos futuros do modo Indicativo (futuro do presente e
futuro do pretérito), como é defendido até então; ou seja, qualquer construção
perifrástica que se apresente com um pronome entre os dois verbos que a
comem, será considerada uma nova modalidade de mesóclise no PB.
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150
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