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Desafios para implementar a integralidade da
assistência à saúde no SUS: estudo de caso no
município de São Paulo (SP)
Sandra Maria Spedo
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Saúde Pública da Faculdade de
Saúde Pública da Universidade de São Paulo
para obtenção do título de Doutor em Saúde
Pública
Área de concentração: Serviços de Saúde Pública
Orientador: Prof. Dr. Oswaldo Yoshimi Tanaka
São Paulo
2009
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2
É expressamente proibida a comercialização deste documento, tanto na forma
impressa como eletrônica. Sua reprodução total ou parcial é permitida
exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, desde que na reprodução figure a
identificação do autor, título, instituição e ano da tese.
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3
AGRADECIMENTOS
A todos aqueles que têm participado do movimento social da região sudeste, cuja
luta cotidiana para garantir seu direito à saúde, além de exemplo, representou um
importante estímulo para o desenvolvimento desta pesquisa...
Ao professor Oswaldo Yoshimi Tanaka, um orientador especial. Sempre disponível,
com muitas contribuições, provocações, e apoio. Grande aprendizado... Feliz
descoberta...
Ao Nica, com quem tenho compartilhado todos os momentos, inclusive esta
pesquisa, o que tornou este processo um pouco mais suave. Seu companheirismo,
amor e carinho foram fundamentais para eu que chegasse até aqui...
A Wanda, amiga e grande companheira de trabalho muitos anos. Pela
solidariedade e apoio constante nessa trajetória...
Aos ‘gestores do SUS’ em São Paulo aqui denominados ‘informantes-chaves’ que,
apesar das resistências institucionais, aceitaram prontamente participar da pesquisa...
Aos trabalhadores da Coordenadoria Regional Sudeste, da Supervisão Técnica de
Saúde do Ipiranga que disponibilizaram documentos, informações, conversas.... E, à
equipe da UBS Jd. Secker que disponibilizou informações e apoiou a realização do
grupo focal...
Aos assistentes de pesquisa Alexandre F. Watanabe e Maíra S. Pinto pelas
competentes transcrições; a Cristiane Locatelli pela coordenação do grupo focal...
A equipe da secretaria do Departamento de Práticas de Saúde Pública e Comissão de
Pós Graduação da FSP-USP sempre disponível e solidária...
A equipe da secretaria do Departamento de Medicina Preventiva pelo apoio material
e afetivo. Pelos cafés com muito afeto da Odete...
Aos professores que participaram da pré-banca, Cristina Melo, Luiz Cecílo, Edson
Tamaki e Claúdio Gastão de Castro, pelas críticas e sugestões que muito
contribuíram para a finalização deste trabalho...
A minha mãe, Norma, por toda determinação, garra e empenho para que eu pudesse
chegar até aqui...
Aos meus grandes amores, Dani e Gabi, por tudo...
4
“Na relação entre sujeito e objeto, neutralidade é a perspectiva
do sujeito, enquanto objetividade é a do objeto. No processo de
conhecimento ambas se correspondem [...]. Significam, de todos
os modos, a possibilidade de refletir a realidade assim como ela
é. [...] A neutralidade é uma postura farsante, por ingenuidade,
ou por esperteza. [...] Neutralidade é truque, é golpe do
cientista que pretende viver tranquilamente à sombra do poder,
sem ‘dor de consciência’. Escamoteia sua condição histórica de
ator político, numa sociedade pobre de recursos e de saber
especializado. [...] O serviço instrumental subserviente da
ciência é seu pior engajamento, sobretudo para uma atividade
que se apregoa superior ao senso comum, capaz de avaliar
tudo, sempre crítica e impiedosa contra os percalços da lógica e
da forma” Pedro Demo
1
(1995, p. 82-4).
1
DEMO, P. Neutralidade científica. In: ________. Metodologia científica em ciências sociais. 3ª ed.
rev. e ampl. São Paulo: Editora Atlas; 1995. p. 70-85.
5
RESUMO
Introdução. O Sistema Único de Saúde (SUS) apresentou avanços significativos
durante as duas décadas de sua existência. Contudo, a integralidade se destaca como
o princípio que, ainda, não foi efetivamente incorporado na organização dos serviços
e no cotidiano da atenção. Para realização desta pesquisa, e considerando a
polissemia do termo, definiu-se um conceito operacional de integralidade,
circunscrito a um de seus múltiplos sentidos, relacionado ao modo de organizar os
serviços de saúde. Assim, denominou-se integralidade da assistência à dimensão
relacionada com a continuidade do cuidado em saúde, garantida pelo acesso a
serviços que incorporam distintas densidades tecnológicas, distribuídos em todos os
níveis de complexidade do sistema de saúde. Objetivo. Avaliar a incorporação do
princípio da integralidade na gestão e organização dos serviços de saúde em um
território selecionado do município de São Paulo, SP. Métodos. A pesquisa foi
desenvolvida utilizando a estratégia metodológica do estudo de caso, a partir das
seguintes fontes de evidência: (a) documentos de gestão (leis, decretos, portarias,
planos, normas técnicas, relatórios de gestão, atas de reunião); b) entrevistas o-
estruturadas com informantes-chaves selecionados entre os gestores do SUS no
município; c) grupo focal com usuários de uma Unidade Básica de Saúde do
território selecionado; d) observação participante, desenvolvida em serviços de saúde
e instâncias político-administrativas da Secretaria Municipal de Saúde (SMS-SP).
Utilizou-se a técnica da análise temática para analisar o material coletado. Os temas
destacados foram: descentralização da gestão municipal; regionalização
intramunicipal; e, acesso a ações e serviços de média complexidade. Resultados. Os
resultados são apresentados na forma de três artigos, sendo cada um deles
correspondente a um dos temas destacados. Os artigos elaborados são: (1) O desafio
da descentralização do Sistema Único de Saúde (SUS) em município de grande
porte: o caso de São Paulo (SP), Brasil; (2) A regionalização intramunicipal do
Sistema Único de Saúde (SUS): um estudo de caso do município de São Paulo (SP),
Brasil; e (3) O difícil acesso a serviços de média complexidade do SUS na maior
metrópole brasileira, São Paulo (SP), Brasil. Considerações finais. Constatou-se que
a política de saúde implementada pela SMS-SP contribuiu para manter e aprofundar
a fragmentação do sistema de saúde no município de São Paulo. As estruturas
existentes e os mecanismos utilizados pela gestão municipal não tem contribuído
para efetivar a integralidade da assistência. O SUS em São Paulo continua distante da
“imagem objetivo” de um sistema de saúde que incorpore o princípio da
integralidade como um de seus eixos estruturantes.
Palavras-chave: integralidade; gestão em saúde; regionalização; política de saúde;
sistemas locais de saúde; Sistema Único de Saúde
6
ABSTRACT
Introduction: The Single Health System (Sistema Único de Saúde SUS) presented
expressive development during the two decades of its existence. Nevertheless, the
issue, which has not been incorporated in the services organization and in the daily
basis of the attention, is the global approach. In order to carry out this research and
considering the polysemantic word, an operational concept of integrality has been
defined, limited to one of its meanings and related so as to organize the health
services. Therefore, it has been established the integrality of the health care to the
scope related to the permanence of health care, guaranteed by the access to the
services, which comprise several levels of technology along all levels of complexity
of the health system. Objective: To evaluate the incorporation of the principle of the
integrality in the management and organization of health services in a specific area of
the city of São Paulo. Methods: The research was performed by utilizing the
methodological strategy of case study derived from the following sources of data: (a)
management papers (laws, decrees, plans, technical specifications, management
reports, minutes of meetings); (b) non-structured interviews with key informers
selected among the SUS managers of the city; (c) focal group with users of a Basic
Unit of Health of the selected area; (d) active observation, developed in health
services and political administrative areas of the City Health Department (SMS-SP).
The subject analysis technique has been used for the gathering of the data. The
selected subjects were: (1) the decentralization of city management; intercity
regionalization, and access to actions and services of medium complexity. Results:
Results are presented in the form of 3 articles, being each one related to the selected
subjects described. The articles are: (1) The challenge of the decentralization of the
Single Health System (SUS in a large city: the instance of the City of São Paulo (SP),
Brazil; (2) The intercity regionalization of the Single Health System (SUS): a case
study of the City of São Paulo (SP), Brazil; and (3) The complex access to services
of medium complexity of SUS in the largest Brazilian metropolis. Final
considerations: It has been verified that the Health System applied by the SMS-SP
has been a factor to maintain and intensified the fragmentation of the Health System
in the City of São Paulo. The present structures and mechanisms used by the City
administration have not played the part to produce the integrality of the health care.
The SUS in São Paulo is still far from the “objective image” of a health care system
that comprises the principle of global approach as one of its structuring axis.
Key words: integrality; health management; regional health planning; health policy
local health systems; Single Health System
7
ÍNDICE
ÍNDICEÍNDICE
ÍNDICE
8
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO.................................................................................11
1. INTRODUÇÃO.................................................................................17
1.1. UMA PROXIMAÇÃO AO CONCEITO DE INTEGRALIDADE ……........................19
1.2. POR QUE ESTUDAR A INTEGRALIDADE DA ASSISTÊNCIA À
SAÚDE?..................................................................................................................................22
1.3. POR QUE ESTUDAR A INTEGRALIDADE EM UM MUNICÍPIO DE GRANDE
PORTE?...................................................................................................................................25
2. OBJETIVOS........................................................................................28
2.1. OBJETIVO GERAL .......................................................................................................28
2.2. OBJETIVO ESPECÍFICO...............................................................................................28
3. MÉTODOS..........................................................................................30
3.1. O TERRITÓRIO SELECIONADO.................................................................................33
3.2. VARIÁVEIS PARA AVALIAR INTEGRALIDADE.................................................. 38
3.3. ANÁLISE DO MATERIAL............................................................................................40
3.4. ASPECTOS ÉTICOS.......................................................................................................41
4. RESULTADOS....................................................................................43
4.1. O DESAFIO DA DESCENTRALIZAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)
EM UM MUNICÍPIO DE GRANDE PORTE........................................................................43
4.2. A REGIONALIZAÇÃO INTRAMUNICIPAL DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
(SUS): UM ESTUDO DE CASO DO MUNICÍPIO DE SÃO
PAULO....................................................................................................................................73
9
4.3. O DIFÍCIL ACESSO A SERVIÇOS DE MÉDIA COMPLEXIDADE DO SUS NA
MAIOR METRÓPOLE BRASILEIRA, SÃO PAULO (SP), BRASIL...............................105
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................139
6. REFERÊNCIAS................................................................................145
10
APRESENTAÇÃO
APRESENTAÇÃOAPRESENTAÇÃO
APRESENTAÇÃO
11
APRESENTAÇÃO
A escolha do objeto desta pesquisa está associada a trajetória e inserção da autora, na
condição de médica sanitarista, junto ao sistema de saúde do município de São Paulo.
Minha aproximação a essa realidade começou no início da década de 1980, no
contexto da Reforma Sanitária, como residente de Medicina Preventiva e Social,
Desde então, mantive um vínculo institucional com os serviços, - Secretaria de
Estado da Saúde e Secretaria Municipal de Saúde - e outro com a universidade, com
atuação muito vinculada à região sudeste do município. Essa ‘dupla militância’,
apesar de alguns desgastes, sempre foi rica, na medida em que possibilitava articular
as atividades de ensino, pesquisa e extensão, desenvolvidas junto à universidade,
com a prática de médica sanitarista, em serviços de saúde. Nesse caminho, assumi
diferentes papéis e tive a oportunidade de conviver com distintos atores sociais,
militantes do SUS, que contribuíram muito para minha formação. Nessa condição,
pude me envolver ativamente no projeto de construção do SUS no município de São
Paulo e, posteriormente, convivi de perto com seu desmanche, no período em que o
PAS foi implantado. Esses momentos foram muito intensos e, a partir de então,
aumentaram as inquietações e foi se tornando mais viva a necessidade de buscar
compreender essa realidade a partir de outro ângulo, com o apoio dos métodos
científicos. Afinal, acredito firmemente no SUS, defendo seus princípios e era difícil
aceitar passivamente o ‘caos’ do sistema de saúde da maior cidade brasileira.
Durante todo esse período, uma questão sempre muito presente era a dificuldade de
integração entre os serviços. Trabalhei muito tempo em uma Unidade Básica de
12
Saúde, responsável por parte do território da maior favela paulista que, apesar de ter
grande hospital público praticamente ao lado, não conseguia encaminhar seus
usuários para o mesmo. E, mesmo com a mobilização do movimento social da
região, bastante organizado, a situação permanecia inalterada.
Assim, era praticamente natural que o tema da integralidade se destacasse como
central para a realização desta pesquisa. Inicialmente, articulando as propostas de
dois doutorandos, foi elaborado um projeto conjunto intitulado: "O processo de
(re)construção do Sistema Único de Saúde no município de São Paulo. Uma
avaliação sobre a incorporação do princípio da integralidade na política municipal de
saúde", visando solicitar financiamento junto à Fapesp, o que facilitaria o
desenvolvimento da pesquisa.
A tese aqui apresentada é parte desse projeto e teve como objetivo central avaliar a
incorporação da integralidade na gestão e organização dos serviços de saúde em um
território do município de São Paulo, entre 2005-2008, período correspondente a uma
administração municipal.
No capítulo introdutório, buscamos justificar a importância de estudar o tema da
integralidade que vem sendo apontado, por diversos pesquisadores e gestores, como
um dos princípios que menos avançou nesses vinte anos de implementação do SUS.
Dado o caráter polissêmico do termo, destacamos alguns de seus múltiplos sentidos e
apresentamos um conceito operacional que serviu como referência para a realização
desta pesquisa. Escolhemos trabalhar com a integralidade da assistência entendida
como a continuidade do cuidado em saúde garantida pelo acesso a serviços que
13
incorporam distintas densidades tecnológicas, classificados como de distintos níveis
de complexidade do sistema de saúde.
A análise dos dados e informações coletadas em entrevistas com gestores do SUS no
município, documentos, observação participante e grupo focal com usuários,
permitiu destacar três temas centrais que possibilitaram a elaboração de artigos,
seguindo as orientações do corpo editorial dos periódicos da área. Nesse sentido, os
temas eleitos foram: a) descentralização da gestão municipal, enquanto dimensão
político-administrativa com potencial para favorecer a governabilidade do gestor
locorregional; b) regionalização intramunicipal, como estratégia para organizar os
serviços em um sistema local de saúde visando facilitar a efetivação da integralidade
da atenção; e c) acesso a ações e serviços de média complexidade, cuja garantia é
condição para a integralidade.
O primeiro artigo intitulado “O desafio da descentralização do Sistema Único de
Saúde (SUS) em município de grande porte: o caso de São Paulo (SP), Brasil”
analisou o processo de descentralização/centralização do SUS no município de São
Paulo. No início da gestão estudada foi implementada uma reestruturação político–
administrativa da Secretaria Municipal de Saúde (SMS-SP), com forte caráter
racionalizador e centralizador. Essa medida resultou no esvaziamento técnico e
político das estruturas locorregionais da SMS-SP. Com isso, observou-se que a
limitada capacidade de governo e baixa governabilidade do gestor do SUS no nível
locorregional comprometiam a coordenação e desenvolvimento de ações que visem à
incorporação do princípio da integralidade. Considerando a dimensão e
complexidade do município de São Paulo, discutiu-se sobre a necessidade de retomar
14
o processo de descentralização na saúde, articulado à descentralização do governo
municipal, visando democratizar a gestão e favorecer a implementação dos princípios
do SUS.
O segundo artigo, “A regionalização intramunicipal do Sistema Único de Saúde
(SUS): um estudo de caso do município de São Paulo (SP), Brasil”, incorporou a
avaliação do processo de implementação de um projeto de organização de regiões no
município de São Paulo. Essa proposta foi destacada nas entrevistas de vários
gestores, como sendo uma importante estratégia para organizar sistemas regionais
mais funcionais, visando à integralidade da atenção. Esse projeto foi idealizado e
apresentado, no início da gestão, porém não foi efetivamente implementado. Por um
lado, o insucesso do projeto foi associado à política implementada pela SMS-SP que
manteve estruturas político-administrativas independentes para a gestão da atenção
básica e da assistência hospitalar. E, ainda, não assumiu a gestão de ambulatórios e
hospitais estaduais localizados no município. Por outro, discutiu-se o papel
desempenhado pelos hospitais nesse processo, destacando-se o poder institucional
dos mesmos e sua resistência em se integrar ao sistema de saúde.
No terceiro artigo, intitulado “O difícil acesso a serviços de média complexidade
do SUS na maior metrópole brasileira, São Paulo (SP), Brasil” visava avaliar
mecanismos utilizados pela gestão do SUS, no município de São Paulo, para garantir
acesso à assistência de média complexidade. A média complexidade foi identificada,
pelos gestores, como o “gargalo” do SUS e um dos principais obstáculos para a
construção da integralidade. Buscou-se descrever os caminhos percorridos pelos
usuários para acessar os serviços da média complexidade, a partir da visão dos
15
gestores e dos próprios usuários, utilizando-se para tal os dados obtidos nas
entrevistas com os gestores, no grupo focal com usuários e a observação participante.
A estratégia utilizada pela SMS-SP para enfrentar essa situação foi centrada na
informatização dos serviços, que não foi acompanhada de outras ações fundamentais
como mudanças organizacionais e reorganização dos processos de trabalho, em todos
os níveis de atenção. Observou-se que a incorporação dessa tecnologia teve pouco
impacto na melhoria do acesso, o que foi confirmado pelo relato dos usuários.
16
INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃOINTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
17
1. INTRODUÇÃO
O Sistema Único de Saúde (SUS), 20 anos após sua institucionalização, continua
sendo um projeto em construção, enfrentando constantes desafios para sua
implementação. Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, importantes
avanços foram conquistados na direção da materialização do projeto da Reforma
Sanitária Brasileira de criação de um sistema de saúde universal. A incorporação do
direito à saúde na legislação, a participação e o controle social, a descentralização da
gestão, a ampliação do acesso e a extensão da cobertura de serviços são consideradas
importantes avanços do SUS (LEVCOVITZ e col., 2001; CNS, 2002; VIANA e col.,
2002, OLIVEIRA, 2003; BARATA e col., 2004).
No entanto, é importante destacar que, na última década, esses avanços ocorreram
sob uma conjuntura em que a política econômica adotada não privilegiou as políticas
sociais. Assim, houve uma diminuição dos investimentos nas áreas sociais,
acompanhada do agravamento da desigualdade e exclusão social. O SUS, recém
criado, encontrou um terreno bastante desfavorável para sua efetivação. Para
LEVCOVITZ e col. (2001, p. 270), a agenda da reforma sanitária brasileira foi:
“construída na contra-corrente das tendências hegemônicas de reforma dos
Estados nos anos 80, e sua implementação nos anos 90 se em uma
conjuntura bastante adversa. Face ao novo cenário político nacional, a
construção do SUS expressa essas tensões, sendo observados tantos avanços
como dificuldades nos diversos âmbitos estratégicos para a implantação do
SUS”.
O avanço do neoliberalismo no Brasil, desde o final dos anos 1980, com a adesão às
recomendações do FMI e Banco Mundial, repercutiu diretamente na política de
18
saúde. Os relatórios de avaliação e as propostas do Banco Mundial para o setor saúde
eram, inclusive, antagônicos à proposta do SUS. MATTOS (2001) considerou que
havia um “evidente o contraste entre a posição brasileira e a posição defendida, por
exemplo, pelo Banco Mundial”. Entretanto, mesmo apresentando divergências, essas
propostas compartilhavam “algumas diretrizes comuns: a defesa da
descentralização e da participação popular. O que nos leva a pensar que muitas das
suas diferenças girem em torno da adesão ou não ao princípio da integralidade”
(MATTOS, 2001, p. 40.).
Apesar dos avanços significativos na implementação do SUS e da existência de
experiências localizadas que contemplam a integralidade em suas práticas, esse se
destaca como sendo um princípio que não foi efetivamente incorporado na
organização do sistema e no cotidiano da atenção. (GIOVANELLA e col., 2002;
MATTOS, 2004).
Esse tema assumiu nova dimensão nesta década, a partir do debate sobre a
necessidade de avançar no processo de descentralização e regionalização do SUS e
superar os obstáculos ainda presentes para a efetivação dos princípios da
integralidade e eqüidade do SUS. O Ministério da Saúde incorporou em sua pauta a
discussão dos gestores estaduais e municipais e assumiu a condução do processo de
construção de um novo instrumento de gestão para o SUS, com potencial de
contribuir para a consolidação desses princípios (SILVA e DOBASHI, 2006). Assim,
foi elaborado e editado o Pacto pela Saúde (BRASIL, 2006), que apresenta a diretriz
da regionalização como eixo estruturante do pacto de gestão, no sentido de viabilizar
a integralidade da atenção.
19
1.1. UMA APROXIMAÇÃO AO CONCEITO DE INTEGRALIDADE
A integralidade constitui um dos princípios finalísticos do SUS. A Constituição
Federal, no artigo 198 estabelece que as ações e serviços de saúde devam ser
organizados de acordo com algumas diretrizes, dentre as quais o atendimento
integral (BRASIL, 1988). E, a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080), em seu capítulo
II estabelece que:
Art. As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados
contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS),
são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da
Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
(...)
II - integralidade da assistência, entendida como conjunto articulado e
contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos,
exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema.
(BRASIl, 1990).
Dado o significado do termo integralidade, a dimensão que esse princípio pode
assumir na organização das ações e serviços é bastante ampla e complexa. Assim,
apesar de um núcleo comum, observam-se diferenças entre as abordagens de
distintos autores sobre esse tema.
KEHRIG (2001), em sua revisão, situa os antecedentes da integralidade em saúde na
própria discussão dos modelos de organização das práticas em saúde. A integralidade
está incorporada no movimento histórico das concepções do processo saúde-doença e
na concepção integral da saúde. Segundo a autora, a noção de integralidade estava
presente no ideário da “polícia médica” alemã que propunha a organização de um
“sistema de uma política médica integral”. No século XX, essa idéia assumiu novas
20
dimensões nos projetos da Medicina Integral, da Medicina Preventiva e da Medicina
Comunitária.
Buscando uma síntese, a autora destaca cinco dimensões conceituais de
integralidade: a apreensão do coletivo enquanto objeto de trabalho das práticas de
saúde; concepção da abordagem da totalidade biopsicossocial do indivíduo; a
integração sanitária, através da organização de ações articuladas de prevenção e cura,
voltadas aos indivíduos e coletivos; a apreensão do conjunto de problemas de saúde
da população; e o compromisso com a intervenção sobre os determinantes dos
processos de saúde e doença.
“A integralidade em saúde compreende a atenção integral à saúde das pessoas
em seu habitat, um território-processo, de forma articulada com uma ação
integral sobre os problemas de saúde e suas causas. A ampliação da
concepção não diminui a concepção do cuidado curativo individual, as
dimensões apresentadas são acumulativas, coletiva e individual, de prevenção
e cura, ou seja, proteção e recuperação da saúde, implicando na apreensão e
atuação sobre os vários momentos dos processos de saúde e doença”.
(KERHIG, 2001, p. 156).
No Brasil, a integralidade da atenção, enquanto diretriz política para organizar
serviços e o sistema de saúde, ganhou relevância a partir do movimento da Reforma
Sanitária. De acordo com PAIM (2006), essa diretriz política foi contemplada nas
bases conceituais do projeto da Reforma em distintas perspectivas: como integração
das ações de promoção, proteção, recuperação e reabilitação; como forma de atuação
profissional; como garantia da continuidade da atenção nos distintos veis de
complexidade do sistema; e, como articulação de distintas políticas sociais.
21
MENDES (1993, p. 149) apresenta a integralidade como um dos princípios
organizativo-assistenciais do Distrito Sanitário, considerando que sua aplicação,
respeitando e adaptando-se às singularidades de cada território.
“(...) implica reconhecer a unicidade institucional dos serviços de saúde para
o conjunto de ações promocionais, preventivas, curativas e reabilitadoras e
que as intervenções de um sistema de saúde sobre o processo saúde-doença
conforma uma totalidade que engloba os sujeitos do sistema e suas inter-
relações com os ambientes natural e social”.
Nos últimos anos, alguns pesquisadores vêm buscando aprofundar a reflexão sobre a
integralidade no SUS. Dentre eles destaca-se PINHEIRO (2001, p. 65) que,
considerando o caráter polissêmico do termo, assume integralidade como sendo
“(...) uma ação social resultante da permanente interação dos atores na
relação demanda e oferta, em planos distintos de atenção à saúde (plano
individual onde se constroem a integralidade no ato da atenção individual e
o plano sistêmico onde se garante a integralidade das ações na rede de
serviços), nos quais os aspectos objetivos e subjetivos sejam considerados”.
CECÍLIO (2001) discutindo sobre a importância de se identificar e trabalhar a
integralidade, no âmbito do planejamento e da organização das práticas e serviços de
saúde assume, para tanto, duas dimensões, denominando-as de “integralidade
focalizada” e integralidade ampliada”. A primeira se no espaço singular de cada
serviço de saúde, através do esforço da equipe de saúde de traduzir a atender às
necessidades de saúde de uma dada população. A segunda (integralidade pensada no
“macro”) é fruto da articulação de cada serviço a uma rede mais complexa, composta
por outros serviços e instituições, incluindo outros setores além da saúde.
MATTOS (2001; 2005) traz, ainda, algumas reflexões importantes sobre a
integralidade, enfatizando os usos, os sentidos do termo, sem buscar uma definição
22
para a mesma. Para esse autor, a integralidade, mais do que um princípio do SUS, é
uma “bandeira de luta”, uma “imagem objetivo”. Destaca três sentidos de
integralidade: a) como traço de boas práticas de saúde; b) como modo de organizar
os serviços de saúde; e c) como orientador de políticas de saúde ou de respostas
governamentais a certos problemas de saúde. Subjacente a esses sentidos está o
princípio do direito universal de atendimento das necessidades de saúde.
1.2. POR QUE ESTUDAR A INTEGRALIDADE DA ASSISTÊNCIA À
SAÚDE?
O processo de descentralização da saúde no Brasil contribuiu para ampliar o acesso
aos serviços de saúde, particularmente na atenção básica. Contudo, é importante
considerar que a descentralização per se é insuficiente para a concretização dos
demais princípios de SUS (LEVCOVITZ e col., 2001). Assim, apesar de se
constituírem em condições necessárias, tanto a descentralização da gestão quanto a
ampliação do acesso, não são suficientes para a efetivação da integralidade da
atenção.
Saliente-se, ainda, que a operacionalização do princípio da integralidade da atenção
está condicionada a ações e intervenções de naturezas distintas em todos os níveis do
sistema de saúde e, ainda, em outros setores. No campo da política de saúde, a
integralidade deve ser assumida enquanto eixo norteador da reorientação do modelo
assistencial, envolvendo ações intra e intersetoriais. Na gestão do sistema, é
23
necessário garantir o acesso à atenção em todos os níveis de complexidade do
sistema assegurando a integração organizacional e programática da assistência
individual com as ações de caráter coletivo. No âmbito da organização dos serviços,
a integralidade deve ser assumida enquanto compromisso de cada profissional e das
equipes de saúde no sentido de atender às necessidades de saúde dos cidadãos,
individual e coletivamente.
Na última década, o tema da integralidade ganhou relevância e centralidade tanto na
pauta dos gestores do SUS, quanto em pesquisas acadêmicas. Cabe destacar o papel
desempenhado pelo Laboratório de Pesquisas sobre Práticas de Integralidade em
Saúde (LAPPIS), vinculado ao Instituto de Medicina Social da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro, que contribuiu para estimular a produção científica nessa
temática. Nesse processo, destacam-se a discussão de caráter teórico-conceitual, bem
como o desenvolvimento de projetos tanto para implantação quanto avaliação de
projetos visando à incorporação da integralidade nas práticas em saúde.
A partir de levantamentos realizados nas bases de dados LILACS, MEDLINE e
bancos de teses (DEDALUS, CAPES, THESIS) pode-se constatar uma importante
produção científica cujo núcleo temático central foi integralidade. Observa-se grande
diversidade na abordagem desse tema, coerente com a polissemia do termo. A
maioria dos trabalhos aborda a integralidade no âmbito da atenção básica
(CARVALHO, 1991; SÁ, 2003; SERRA, 2003; SILVA, 2006; PIRES, 2007;
FAVORETO 2007; CAMARGO JÚNIOR e col., 2008). Outros se referem a
programas específicos, particularmente saúde da mulher, saúde bucal, saúde mental e
AIDS (LOPES, 1996; OLIVEIRA, 2000; MAEDA, 2002; HONORATO, 2007;
24
LOPES, 2007). E, em menor número, encontram-se aqueles que abordam a
incorporação da integralidade na organização de sistemas de saúde, analisando
distintas dimensões (FURTADO, 1993; KEHRIG, 2001; FERREIRA, 2003; SAITO,
2004; SILVA, 2003; SILVA, 2004).
Nota-se, ainda, uma produção crescente, nos últimos anos, discutindo e avaliando a
incorporação da integralidade enquanto eixo orientador da formação de profissionais
de saúde (CECCIM e FEUERWERKER, 2004; MATTOS, 2006; MACHADO e col.,
2007; SILVA, 2008).
Nesse contexto, julgou-se importante e oportuna a realização deste estudo,
abordando a integralidade em sua dimensão ampliada, aspecto ainda pouco estudado.
Compartilhamos com a preocupação expressa por CECÍLIO (2001, p. 118) de que
“precisamos deslocar nosso foco de atenção da 'atenção primária' como lugar
privilegiado da integralidade. Aliás, integralidade não se realiza nunca em um
serviço: integralidade é objeto de rede”.
PINHEIRO e col. (2007), dialogando com o autor acima, defendem que o acesso da
população a todos os níveis de atenção do sistema de saúde seria condição e o ponto
de partida para a construção do princípio da integralidade.
Em que pesem a polissemia do termo e a interdependência de ações para a efetivação
do princípio da integralidade da atenção no SUS, assumiu-se, neste estudo, um
conceito operacional de integralidade, circunscrito a um de seus múltiplos sentidos,
relacionado ao modo de organizar os serviços de saúde. Para tanto, elegemos
trabalhar com a integralidade da assistência como a continuidade do cuidado em
25
saúde garantida pelo acesso a serviços que incorporam distintas densidades
tecnológicas, classificados como de distintos níveis de complexidade do sistema de
saúde.
1.3. POR QUE ESTUDAR A INTEGRALIDADE EM UM MUNICÍPIO DE
GRANDE PORTE?
Ao propor uma pesquisa abordando a integralidade a partir da concepção proposta,
consideramos que o campo privilegiado para a realização da mesma deveria ser um
município de grande porte. Isso porque, em geral, esses municípios dispõem de uma
maior quantidade e diversidade de serviços e estabelecimentos de saúde instalados
em seu território, o que, em tese, facilitaria a garantia de acesso da população aos
distintos níveis de complexidade da atenção à saúde.
Partindo desse pressuposto, decidiu-se enfrentar o desafio de realizar a pesquisa no
município de São Paulo, capital de estado e sede da maior região metropolitana. Esse
município tem uma população residente estimada em cerca de 11 milhões de
habitantes e é responsável pelo quarto maior PIB (produto interno bruto) brasileiro,
atrás apenas dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais (SÃO PAULO,
2008). A cidade é um importante centro comercial e industrial, com grande
capacidade de investimento e com relativa autonomia financeira em relação à parcela
do financiamento do Ministério da Saúde. Possui a maior rede de serviços de saúde
26
pública e privada do país, sendo que alguns desses são referências de caráter nacional
para procedimentos de alta complexidade.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS-SP) possui uma complexa estrutura
administrativa, tendo experimentado distintos modelos de gestão e de atenção,
incluindo o PAS (Plano de Atendimento à Saúde) e Organizações Sociais, entre 1996
e 2008. Após período de seis anos de PAS, em que não foram respeitados princípios
constitucionais do SUS, a gestão iniciada em 2001 assumiu o compromisso político
de reconstruir o sistema de saúde, no município de São Paulo. No início dessa
administração, a SMS-SP viabilizou a habilitação do município na condição de
gestão plena da atenção básica e, a partir de junho de 2003, na condição de gestão
plena do sistema municipal de saúde (BRASIL.MS, 2003). Nessa gestão, foram
organizados 41 Distritos de Saúde que, posteriormente, com a descentralização do
governo municipal em 31 Subprefeituras, foram reorganizados em 31
Coordenadorias de Saúde.
Em 2005, a nova gestão municipal implementou uma reforma administrativa
organizando cinco novas Coordenadorias Regionais de Saúde (CRSs) a partir das
antigas Coordenadorias de Saúde, que foram reagrupadas. Para dar funcionalidade às
novas CRSs, foram criadas 24 Supervisões Técnicas de Saúde (STSs).
Nesse contexto, as questões que nortearam o desenvolvimento desta pesquisa foram:
a) Como o princípio da integralidade vem sendo incorporado na gestão do sistema
municipal de saúde e na organização dos serviços no município de São Paulo? b)
Quais são os fatores que têm facilitado e/ou dificultado a operacionalização desse
princípio no SUS no município de São Paulo?
27
OBJETIVOS
OBJETIVOSOBJETIVOS
OBJETIVOS
28
2. OBJETIVOS
2.1. GERAL
avaliar a incorporação do princípio da integralidade na gestão e organização
dos serviços de saúde em um território selecionado do município de São
Paulo, SP.
2.2. ESPECÍFICOS
Os objetivos específicos da pesquisa são avaliar:
estruturas existentes e mecanismos utilizados na gestão locorregional que
possibilitam a implementação da integralidade da assistência, no âmbito do
território selecionado;
fatores que facilitam e que dificultam a implementação da integralidade da
assistência na realidade locorregional.
.
29
MÉTODOS
MÉTODOSMÉTODOS
MÉTODOS
30
3. MÉTODOS
A escolha de um método que oriente o caminho para uma aproximação a realidades
complexas, como aquelas relacionadas ao campo da saúde coletiva, em geral, e da
política e gestão em saúde, em particular, representa um dos principais desafios para
o pesquisador. Contudo, é indispensável fazer uma escolha, dentre as inúmeras
possibilidades, tendo claro que o produto de uma pesquisa será sempre provisório”.
O conhecimento produzido sempre será aproximado, parcial e implicado. Na medida
em que não é possível dissociar sujeito e objeto da pesquisa, a visão de mundo de
ambos está implicada em todo o processo de conhecimento (MINAYO, 1994).
Nessa mesma direção, SANTOS (2003) considera que os pressupostos metafísicos,
os sistemas de crenças e os juízos de valor são parte integrante da explicação
científica da sociedade. Para esse autor, o conhecimento pós-moderno se constitui a
partir de uma pluralidade metodológica, sendo que “cada método é uma linguagem e
a realidade responde na língua em que é perguntada” (p. 77).
É importante considerar que o pesquisador se encontra inserido em relações sociais
com o campo, buscando traduzir o sentido das narrativas que se apresentam nessa
relação. Nesse sentido, a pesquisa social não teria a pretensão de explicar uma
realidade em si, de produzir “(...) conhecimentos absolutos, mas interpretações
plausíveis. (...) A pesquisa produz interpretações que buscam dar sentido aos modos
nos quais os atores buscam, por sua vez, dar sentido às suas ações. Trata-se de
relatos de sentidos, ou, se queremos, de narrações de narrações” (MELUCCI, 2005,
p. 33).
31
Para a realização desta pesquisa e em função da complexidade do tema e da realidade
social à qual se buscava aproximar, a estratégia metodológica escolhida foi a de um
estudo de caso. Este é caracterizado como uma investigação empírica que explora um
fenômeno contemporâneo complexo, em seu contexto, especialmente quando os
limites entre o fenômeno e o contexto o estão claramente definidos (YIN, 2005;
MINAYO, 1994; GODOY, 1995; DENIS e CHAMPAGNE, 1997). O estudo de caso
tem como objetivos, de um lado, a tentativa de compreender o fenômeno em estudo
e, por outro, a tentativa de desenvolver teorias mais gerais; nesse sentido, articula
questões empíricas e teórico-conceituais (DESLANDES e GOMES, 2004). Em
função dessas características, essa estratégia tem sido freqüentemente utilizada em
pesquisas sobre política e administração públicas, em particular, no campo da saúde
(YIN, 2005; DESLANDES e GOMES, 2004).
As fontes de evidência utilizadas para seu desenvolvimento foram: a) documentos da
gestão (plano de saúde, portarias, decretos, documentos internos e atas de reunião);
b) entrevistas o-estruturadas com informantes-chaves (Anexo 1), selecionados
entre gestores do SUS no município de São Paulo; c) grupo focal com usuários; e
observação direta.
As entrevistas foram realizadas pelos próprios pesquisadores, gravadas e,
posteriormente, transcritas por assistentes de pesquisa. Após a apresentação dos
objetivos da pesquisa e do tema central da mesma, o entrevistado transcorria
livremente sobre o tema. Com apoio de um roteiro sico, os entrevistadores
solicitaram, quando necessário, o aprofundamento de alguns pontos relevantes para a
pesquisa. Foram entrevistados sete gestores da SMS-SP, tanto do nível locorregional
32
quanto assessores do Gabinete, e um gestor da Secretaria de Estado da Saúde de São
Paulo (SES-SP) - assessor técnico do Gabinete.
Alguns documentos da gestão foram disponibilizados pelos gestores nos contatos
para apresentação e negociação do projeto de pesquisa e no momento das entrevistas.
Outros foram localizados na página institucional da prefeitura do município de São
Paulo, na rede virtual web.
O grupo focal (CARLINI-COTRIM, 1996) foi realizado com usuários de uma das
Unidades Básicas de Saúde (UBS) da região estudada. O critério utilizado para
seleção dos participantes foi serem portadores de Hipertensão Arterial Sistêmica, por
se tratar de uma doença crônica, de alta prevalência entre a população adulta e que
necessita para seu acompanhamento exames e consultas especializadas, segundo
critérios estabelecidos em protocolos clínicos e programas oficiais. Dos 15 usuários
selecionados e convidados, sete participaram do grupo. O tema apresentado para a
discussão do grupo foi “as facilidades e dificuldades encontradas para acessar os
serviços de referência (para realizar exames complementares ou consulta médica
especializada)”.
A observação direta foi desenvolvida em visitas a serviços de saúde, conversas com
gestores e trabalhadores da região estudada e no processo de seleção e organização
do grupo focal. Os dados foram registrados em diário de campo.
A aproximação ao campo da pesquisa teve início em agosto de 2005, após a
aprovação do projeto pela Fapesp e com o parecer favorável do Comitê de Ética em
Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Foram
realizadas duas reuniões, no gabinete da SMS-SP, envolvendo a equipe da pesquisa e
33
a Coordenação de Práticas Assistenciais, sua assessoria e a Coordenadoria Regional
de Saúde Sudeste (CRS-SE). Nessas reuniões, além da apresentação do projeto de
pesquisa, buscou-se negociar a inserção dos pesquisadores no campo visando o
desenvolvimento das atividades previstas.
É oportuno destacar que, nesse processo, foram identificadas algumas resistências
por parte da SMS-SP, materializadas na dificuldade de acesso a alguns documentos;
restrições quanto à realização da observação de alguns espaços da gestão, e, ainda,
demora para agendar as entrevistas. Em decorrência desse fato, o trabalho de campo
se estendeu além do tempo previsto e, também, houve a necessidade de readequação
do projeto.
3.1. O TERRITÓRIO SELECIONADO
Considerando a dimensão do município de São Paulo, a complexidade de sua rede de
serviços de saúde e os objetivos deste estudo, optamos por localizá-lo em uma região
específica do município: o território da Subprefeitura do Ipiranga. Na atual
organização política administrativa da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo
(SMS-SP), o território dessa Subprefeitura foi assumido como a base territorial de
uma Supervisão Técnica de Saúde, que está subordinada à Coordenadoria Regional
de Saúde Sudeste (mapa). A Subprefeitura do Ipiranga localiza-se na região sudeste
do município de São Paulo e é composto por três Distritos Administrativos: Ipiranga,
34
Cursino e Sacomã, que em conjunto ocupam uma área de 37,5 km² e tem uma
população estimada em cerca de 430 mil habitantes.
Nesse território estão localizados, além de diversos serviços privados, alguns
contratados pelo SUS, os seguintes serviços públicos de saúde, sob a administração
municipal:
19 Unidades Básicas de Saúde
1 Ambulatório de Especialidades
4 AMAs (Assistência Médica Ambulatorial)
1 CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) para criança e adolescente
1 SAE DST/AIDS (Serviço de Atendimento Especializado em DST/AIDS)
2 Centros de Especialidades Odontológicas
1 Laboratório Clínico
1 Pronto Socorro
1 NISA (Núcleo integrado de saúde auditiva)
1 NIR (Núcleo integrado de reabilitação)
E, ainda, os seguintes serviços, vinculados e gerenciados pela Secretaria de Estado da
Saúde (SES-SP):
1 NGA (Núcleo de Gestão Ambulatorial - ambulatório de especialidades)
1 Hospital de Especialidades, com 404 leitos
1 Hospital de Especialidades, com 241 leitos ( com ambulatório anexo)
1 Hospital Psiquiátrico
O critério principal para a escolha desse território foi o fato de o mesmo ter
condições potenciais para se constituir em um sistema local de saúde. Contempla
serviços de saúde de distintos níveis de complexidade, com uma boa cobertura da
atenção básica e um movimento social organizado e atuante na saúde. Destaca-se,
35
ainda, que a unidade político-administrativa do território foi mantida durante as duas
gestões municipais pós-2001 como: Distritos de Saúde do Ipiranga e do Sacomã
(2001-2003); Coordenação de Saúde do Ipiranga (2003-2005); e Supervisão Técnica
de Saúde do Ipiranga (2005-atual).
A organização de Sistemas Locais de Saúde (SILOS) foi proposta como uma
estratégia de transformação dos sistemas nacionais de saúde, possibilitando ampliar a
democratização dos serviços de saúde, a participação social e a capacidade de
responder às necessidades em saúde da população, visando a eqüidade, efetividade e
eficiência das ações e serviços saúde (OPS, 1990).
No Brasil, essa proposta foi incorporada na pauta do movimento da Reforma
Sanitária, com a denominação de Distritos Sanitários (DS), e contemplada no texto
da Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080) enquanto uma das estratégias para
organização dos sistemas municipais de saúde, visando à integração e articulação das
ações.
No processo de municipalização do SUS, vários municípios brasileiros organizaram
seus sistemas municipais de saúde a partir da estruturação de DSs. No entanto,
observam-se diferenças entre essas experiências provavelmente relacionadas à
concepção de DS que as embasou. Muitos DSs foram implementados apoiados
apenas na visão técnico-racionalizadora de um novo arranjo organizacional dos
serviços de saúde. Por outro lado, alguns municípios implementaram DSs como uma
estratégia para mudança do modelo assistencial, concebendo-o como processo social
de transformação das práticas de saúde.
36
Nesse sentido, é importante considerar o potencial do DS como um espaço
privilegiado para que distintos atores possam se manifestar e negociar a organização
dos serviços de saúde em um sistema local de saúde e a efetivação dos princípios do
SUS para responder as necessidades de saúde da população.
37
38
3.2. VARIÁVEIS PARA AVALIAR A INTEGRALIDADE
Dadas a diversidade de significados de integralidade e a interdependência entre suas
distintas dimensões, as propostas de avaliação que contemplam essa temática o
também bastante distintas (CONILL, 2004). Considerando, ainda, a concepção de
integralidade assumida neste estudo e os objetivos desta pesquisa elegemos algumas
variáveis para orientar/balizar a coleta e análise de dados. Para tanto, utilizamos
como referência a metodologia proposta por GIOVANELLA e col. (2002) para a
avaliação da integralidade em sistemas municipais de saúde.
O instrumento elaborado por esses autores contempla atributos, correspondentes à
organização e processo de gestão do sistema de saúde, considerados facilitadores
para a efetivação da integralidade. O conceito que embasou essa metodologia
considerou quatro dimensões de integralidade: a) primazia das ações de promoção e
prevenção; b) garantia de atenção nos três níveis de complexidade da assistência
médica; c) articulação das ações de promoção, prevenção e recuperação; d)
abordagem integral do indivíduo (GIOVANELLA e col., 2002).
Para esta pesquisa, foram definidas as seguintes variáveis relacionadas à dimensão da
garantia de atenção nos distintos níveis de assistência médica, identificadas como
atributos da estrutura e gestão locorregionais necessários para a integralidade:
Estrutura organizacional do SUS locorregional
Existência de projetos político-institucionais visando à integralidade da atenção
Organização e funcionamento do sistema de referência (fluxo dos pacientes)
Estrutura e funcionamento da regulação do sistema de saúde
39
Uso de protocolos assistenciais
A estrutura organizacional do SUS locorregional (CRS-SE e STS-Ipiranga) foi
avaliada a partir de dados coletados em: documentos oficiais (decretos, portarias)
obtidos no Diário Oficial do Município de São Paulo, na página institucional da
SMS-SP disponível na web. Dada a existência de um número limitado de
documentos, os dados obtidos em entrevistas e na observação foram fundamentais
nesse processo.
O plano plurianual do município (PPA 2006-2009) e o plano plurianual regional
serviram como parâmetros para a avaliação das ações e projetos efetivamente
implementados. Esses documentos foram obtidos na página institucional da SMS-SP
na web e no contato com gestores regionais.
A organização e o funcionamento do sistema de referência e regulação foram
avaliados, centralmente, por meio de entrevistas com gestores e técnicos de serviços
de saúde selecionados, dada a inexistência de documentos sobre o tema. Para refinar
essa avaliação foi realizado um grupo focal com usuários de uma UBS da STS
Ipiranga.
As informações sobre o uso de protocolos foram obtidas durante as entrevistas. Não
foi disponibilizado nenhum material impresso e tampouco foi encontrada qualquer
informação sobre esse tema na página institucional da SMS-SP.
40
3.3. ANÁLISE DO MATERIAL
Considerando o referencial metodológico da pesquisa, a análise dos dados foi
realizada a partir da análise temática, que se constitui em das técnicas utilizadas na
análise de conteúdo. Nessa técnica, o tema é uma “unidade de significação que se
liberta naturalmente de um texto analisado segundo certos critérios relativos à
teoria que serve de guia à leitura” (BARDIN, 2004, p. 105).
Iniciou-se o processo de análise pela leitura “flutuante”, do material coletado -
entrevistas e documentos. A partir dos discursos dos entrevistados, foram
identificados temas” que possibilitaram sua, posterior, categorização. As principais
categorias elaboradas, com base nesse material, foram; capacidade de gestão do nível
locorregional do SUS; autonomia e governabilidade do gestor locorregional; acesso
aos serviços especializados; regulação do sistema; o hospital no sistema
locorregional.
Com base nessas categorias e dialogando com o referencial teórico da pesquisa, bem
como considerando a necessidade de adequação do material analisado para
elaboração de artigos em periódicos do campo da Saúde Coletiva, foram escolhidos
três temas para esse fim. A descentralização da gestão municipal enquanto dimensão
político-administrativa com potencial para favorecer a governabilidade do gestor
locorregional. A regionalização intramunicipal como estratégia para organizar os
serviços em um sistema local de saúde visando facilitar a implementação da
integralidade da atenção. O acesso a ações e serviços de média complexidade, cuja
garantia é condição para a continuidade do cuidado, visando à integralidade.
41
3.4. ASPECTOS ÉTICOS
Considerando-se que o objeto da presente pesquisa é a avaliação da gestão e
organização do sistema e serviços saúde, avaliou-se que pesquisa proposta não
apresenta riscos para seus participantes. Preservou-se o anonimato dos entrevistados,
utilizando-se códigos ou a função ocupada como critério para apresentação de seus
relatos.
Os informantes-chaves selecionados para entrevistas individuais, bem como os
usuários selecionados para participar dos grupos focais, foram devidamente
esclarecidos e convidados a participar. Aos que aceitaram, foi solicitado seu
consentimento para o uso das informações fornecidas, por intermédio de formulário
específico o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi entregue, ainda,
para os gestores entrevistados, um Termo de Responsabilidade, que assegurava seu
anonimato e que as informações fornecidas seriam utilizadas exclusivamente em
trabalhos de cunho acamico vinculados à pesquisa.
O projeto de pesquisa, ao qual este subprojeto estava vinculado, intitulado “O
processo de (re)construção do Sistema Único de Saúde no município de São Paulo.
Uma avaliação sobre a incorporação do princípio da integralidade na política
municipal de saúde” foi submetido aos Comitês de Ética em Pesquisa: (a) da
Faculdade de Saúde Pública (COEP/FSP-USP parecer favorável em 10/8/2005); e
(b) da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (CEP/SMS parecer favorável
em 27/9/2005).
42
RESULTADOS
RESULTADOSRESULTADOS
RESULTADOS
43
4. RESULTADOS
4.1. O DESAFIO DA DESCENTRALIZAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE
SAÚDE (SUS) EM MUNICÍPIO DE GRANDE PORTE: O CASO DE SÃO
PAULO (SP), BRASIL
O artigo “O desafio da descentralização do Sistema Único de Saúde (SUS) em
município de grande porte: o caso de São Paulo (SP), Brasil” foi formatado,
seguindo as orientações para publicação e apresentado aos editores do periódico:
Cadernos de Saúde Pública, que é uma publicação da Escola Nacional de Saúde
Pública ‘Sérgio Arouca’, da Fundação Osvaldo Cruz, Rio de Janeiro (RJ).
Situação: Encaminhado em julho de 2008
Em processo de avaliação. Aguardando parecer
44
O desafio da descentralização do Sistema Único de Saúde (SUS) em município
de grande porte: o caso de São Paulo (SP), Brasil
The challenge of Brazilian Health System (SUS) decentralization in big cities:
the case of São Paulo (SP), Brazil
Sandra Maria Spedo
1,2
Nicanor Rodrigues da Silva Pinto
1,2
Oswaldo Yoshimi Tanaka
1
1
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo.
2
Departamento de Medicina Preventiva, Universidade Federal de São Paulo
Correspondência:
Sandra Maria Spedo
Universidade Federal de São Paulo
Departamento de Medicina Preventiva
Rua Botucatu, 740 - Vila Clementino
04023-900 São Paulo-SP Brasil
45
RESUMO
A descentralização do SUS ainda enfrenta importantes desafios, em particular a
busca de alternativas para grandes municípios. Por se caracterizar como um processo
eminentemente político, variáveis político-institucionais, dentre as quais se destaca a
capacidade de gestão do nível local, são determinantes para a conformação da
descentralização em cada contexto. Utilizando o referencial do triângulo de governo
para avaliar a capacidade de gestão, realizou-se um estudo de caso, com o objetivo
de analisar o processo de descentralização do SUS no município de São Paulo, a
maior metrópole brasileira. A partir da análise de entrevistas com gestores
selecionados e documentos da gestão, identificou-se um movimento de centralização
da saúde na gestão municipal 2005-2008, acompanhado da desestruturação das
estruturas locorregionais da Secretaria Municipal de Saúde, o que resultou no
esvaziamento técnico e político dessas instâncias. Apesar dos limites da
descentralização, destaca-se sua potência enquanto estratégia operacional para
alcançar os objetivos do SUS. Aponta-se a necessidade de retomar o processo de
descentralização da saúde no município de São Paulo que, além de avançar para
instâncias locorregionais, esteja articulado à descentralização da gestão pública
municipal.
Palavras-chave: Gestão em saúde; Descentralização; Política de Saúde; Sistemas de
Saúde; SUS (BR).
46
ABSTRACT
The decentralization of the Brazilian National Health System (SUS) still faces
challenges to be implemented in the big cities. As a public policy, the institutional
variables found in different social and political contexts influence the local
government capability to manage the health system. This is a case study developed in
São Paulo city and the data analysis was focused on the decentralization process
using a theoretical reference of the strategic planning. Documents from health
administration and managers interviews were the main sources of data. In the period
of 2005-08, it was identified an administrative centralization process that resulted in
a weakness of the governance at local and regional levels of the City Health
Secretariat. The decentralization operational strategy has the potential to strengthen
the SUS objectives although the context limits in its implementation. This study
identified the need to recover the decentralization process in São Paulo city to aim
the local and regional health levels to implement the SUS principles.
Keywords: Health Management; Decentralization; Health Policy; Health Systems;
SUS (BR).
47
INTRODUÇÃO
A descentralização do sistema e serviços de saúde implementada, no Brasil a partir
da década de 1990, representou importante avanço no sentido da construção do
Sistema Único de Saúde (SUS)
1,2,3
. No entanto, deve-se considerar que esse processo
foi impulsionado e induzido pelo Ministério da Saúde a partir da edição de
sucessivos instrumentos normativos, as Normas Operacionais Básicas do SUS
(NOBs), editados a partir de 1991, o que foi caracterizado como um “certo jeito
NOB de fazer o SUS, esculpindo-o a golpes de portaria”
4
. A rigidez normativa e o
detalhamento excessivo desses instrumentos representam limitações à
operacionalização da descentralização a partir de uma pactuação que considere a
realidade loco-regional e a assimetria dos municípios brasileiros. Com isso, foram
constituídos sistemas municipais de saúde, independentemente da capacidade de
governo dos municípios para assumir esse papel e, ainda, sem uma participação
efetiva dos níveis estadual e federal.
Assim, coexistem subsistemas de saúde descentralizados bastante heterogêneos, com
distintos potenciais resolutivos, atomizados e desarticulados. Esse fato representa um
constrangimento para a efetivação da integralidade da atenção à saúde e, além disso,
um risco no sentido de aprofundar ainda mais as desigualdades na oferta e acesso aos
serviços de saúde.
Saliente-se que esse processo de descentralização, ainda em curso no país, enfrenta,
também, contradições político-ideológicas de distintos projetos de sociedade e,
conseqüentemente do papel do Estado. Por um lado, o projeto da Reforma Sanitária
48
defende a descentralização, num contexto de redemocratização da sociedade,
enquanto uma estratégia para aproximar os serviços às necessidades dos cidadãos,
ampliando os espaços democráticos, a participação e o poder local
5
. Por outro, o
projeto de Reforma do Estado, que defende a descentralização como estratégia de
modernização da administração pública, reduzindo o papel do Estado e
compartilhando a responsabilidade com a sociedade e o mercado
6, 7
.
É importante considerar, também, que a descentralização pode se identificar com
várias ideologias, pois “cada um encontra na Descentralização aquilo que considera
mais oportuno e conveniente encontrar”
8
. Dessa forma, é fundamental reconhecer os
atores sociais, suas ideologias, presentes em uma determinada conjuntura política
para que se possam identificar potências e limites da descentralização.
No que concerne às questões de Estado, a descentralização pode ser caracterizada,
ainda, como um “modo de ser do aparelho político ou administrativo”,
apresentando-se sempre associada à centralização, como ordenamentos jurídicos na
organização do Estado
8
. Nesse sentido, dificilmente a descentralização é encontrada
em seu estado puro.
A partir dessas considerações, é possível compreender que a descentralização da
política de saúde dificilmente será efetivada em sua radicalidade. Haverá sempre a
coexistência com um grau variável de centralização, na dependência das forças
políticas atuantes em cada momento histórico.
Considerando o desafio do SUS, a proposta de descentralização, que implica na
transferência de poder e competências do nível central para os níveis locais,
49
pressupõe a definição de novas competências para os entes federados envolvidos,
bem como a organização de novas estruturas administrativas
9
. Para que esse novo
arranjo seja efetivo, deve-se consolidar a capacidade de cada ente para executar
novas funções e interagir com funções executadas pelas demais esferas de governo,
mantendo um equilíbrio entre autonomia e interdependência
10
.
Por se tratar de um processo político, além das políticas de indução emanadas pelo
Ministério da Saúde, as variáveis político-institucionais locais são determinantes para
a conformação que a descentralização assume em cada região. Dentre essas
variáveis, destaca-se a capacidade de gestão do nível local para assumir e conduzir
com responsabilidade as políticas sociais
1, 11
.
Em estudo realizado com o objetivo de analisar a gestão descentralizada do SUS os
autores concluíram que “as melhores condições de oferta estão associadas ao alto
aprendizado institucional, maior capacidade de gasto e maior gasto com pessoal,
isto é, máquinas administrativas mais robustas”
2
. Entretanto, outra pesquisa,
realizada no mesmo período, problematiza essa questão ao discutir que os municípios
de maior porte, em geral, enfrentaram mais dificuldades para assumirem a totalidade
dos serviços quando foram habilitados na condição de Gestão Plena do Sistema
Municipal de Saúde. Segundo esse autor, “a descentralização dos serviços e funções
do estado para capitais é, quase sempre mais conflituosa do que para os demais
municípios”
12
.
Nesse sentido, este artigo tem como objetivo analisar o processo de descentralização
do SUS no município de São Paulo (SP).
50
MÉTODOS
No Brasil, o município é identificado como o espaço onde se materializa o
resultado da descentralização”. Contudo, na medida em que esse processo envolve
relações entre as três esferas de governo (município, estado e união), propõe-se que
avaliações sobre a descentralização contemplem essa temática
13, 14
.
O presente estudo, apesar de ter o campo circunscrito ao espaço singular de um
município, incorpora na análise e discussão elementos do espaço geral, relacionado
ao contexto nacional e do espaço particular, referente ao contexto estadual.
A estratégia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa foi o estudo de caso que é
caracterizado como uma investigação empírica de um fenômeno contemporâneo
complexo, em seu contexto, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o
contexto não estão claramente definidos
15
. O estudo de caso tem como objetivos, de
um lado, tentar compreender o fenômeno em estudo e, por outro, tentar desenvolver
teorias mais gerais. Em função dessas características, essa estratégia tem sido
freqüentemente utilizada em pesquisas sobre política e administração públicas, em
particular, no campo da saúde
16
.
Em função da extensa dimensão territorial e da complexidade do município de São
Paulo, optou-se por delimitar o campo deste estudo a uma região desse município,
que reunisse características compatíveis com um sistema local de saúde. Os
principais critérios utilizados para essa seleção foram: existência de serviços públicos
de saúde, em quantidade e de distintos níveis de complexidade, e existência de
estrutura político-administrativa da saúde, no território. A partir de um processo de
51
negociação junto a Secretaria Municipal de Saúde (SMS-SP), foi selecionada uma
Supervisão cnica de Saúde (STS). A pesquisa abarcou o período da gestão
municipal de 2005-2008.
O território, sob a responsabilidade da STS selecionada, coincide com o de uma
Subprefeitura, que compreende três Distritos Administrativos e tem uma população
residente estimada em pouco mais de 430 mil habitantes. É importante considerar
que, em termos populacionais, essa Subprefeitura é maior do que 96% dos
municípios brasileiros, sendo que apenas 32 deles têm população maior que 500 mil
habitantes
17
.
Nessa região, está situado um número significativo de serviços públicos de saúde,
sob gestão municipal: 18 Unidades Básicas de Saúde (UBSs); um Ambulatório de
Especialidades; um Centro de Atenção Psicossocial para criança e adolescente; um
Serviço de Atendimento Especializado em DST/AIDS; dois Centros de
Especialidades Odontológicas; três unidades de Assistência Médica Ambulatorial
(AMA); um Pronto Socorro; um Laboratório Clínico. Além desses, existem outros
serviços públicos que se encontram sob dupla gestão, da Secretaria de Estado da
Saúde (SES-SP) e da SMS-SP: um Núcleo de Gestão Ambulatorial (ambulatório de
especialidades); um Hospital de Especialidades Estadual com 359 leitos; um Hospital
de Especialidades, com 525 leitos e Ambulatório de Especialidades anexo; e um
Hospital Psiquiátrico.
As principais fontes de dados utilizadas foram: entrevistas semi-estruturadas com
informantes-chaves, selecionados entre os gestores da SMS e documentos da gestão
52
(decretos, resoluções, documentos elaborados pelas equipes regionais). Os
entrevistados eram esclarecidos sobre o tema central e, após uma livre explanação,
respondiam a perguntas específicas sobre temas não abordados na fala inicial, e de
interesse para a pesquisa. Foram entrevistados o supervisor da STS selecionada e
dois coordenadores de Coordenadorias Regionais de Saúde (CRS), sendo um deles
da CRS correspondente à STS selecionada. As entrevistas foram gravadas e,
posteriormente, transcritas por assistentes de pesquisa.
A partir do trabalho de campo foram identificadas e construídas categorias empíricas
que possibilitassem uma melhor apreensão da realidade em estudo: capacidade de
gestão locorregional e poder de decisão/negociação do gestor locorregional. Para a
análise, utilizou-se o referencial teórico do triângulo de governo
18
enquanto categoria
analítica. É importante registrar que o conceito de triângulo de governo está
relacionado com o ato de governar e exige a articulação de três variáveis: projeto de
governo, capacidade de governo e governabilidade do sistema
18
.
Com base no conceito do triângulo de governo, foi elaborado um modelo teórico-
lógico, que corresponde à imagem-objetivo da organização do SUS e que foi
utilizado como parâmetro para análise da implantação da gestão descentralizada da
saúde
14
. Para os autores desse modelo, a articulação efetiva entre os componentes do
triângulo de governo no processo de descentralização levaria ao fortalecimento do
poder local, das instituições públicas e da capacidade de gestão dos sistemas de
saúde.
53
O projeto de pesquisa foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Faculdade
de Saúde Pública da USP e da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, com
base na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
RESULTADOS
Apresenta-se inicialmente uma breve análise do contexto do SUS no município de
São Paulo, realizada a partir de documentos, focalizando a dimensão de sua
organização político-administrativa; e a seguir, a análise, centrada nas entrevistas, da
gestão do SUS no nível locorregional.
O contexto da descentralização do SUS no município de São Paulo
No processo de (re)construção do SUS, no município de São Paulo, iniciado em
2001, a organização de Distritos de Saúde foi a estratégia assumida para
operacionalizar a descentralização no âmbito municipal. Essa ação setorial estava em
consonância com o projeto de descentralização política e administrativa do governo
municipal que foi concretizado em 2002 com a criação de 31 Subprefeituras.
A Subprefeitura se constituiu como instância regional da administração direta,
destacando-se dentre suas atribuições: “planejar, controlar e executar os sistemas
locais, obedecidas as políticas, diretrizes e programas fixados pela instância central
da administração; (...) ampliar a oferta, agilizar e melhorar a qualidade dos
serviços locais, a partir das diretrizes centrais; (...) facilitar o acesso e imprimir
transparência aos serviços públicos, tornando-os mais próximos dos cidadãos”
19
.
54
Esse projeto representava um avanço importante no sentido da descentralização da
administração municipal, por aproximar a gestão aos espaços sub-regionais,
possibilitando o planejamento e a administração regionalizada. Essa aproximação do
poder público ao cidadão, estimulando a participação da população, contribuiria para
o incremento da eficiência e eficácia das políticas públicas. As secretarias municipais
seriam organismos de planejamento e coordenação das políticas gerais, o que
garantiria a unidade municipal das ações governamentais. A execução e o
gerenciamento das ações seriam realizados pelas subprefeituras, por meio de
Coordenadorias que funcionariam como o poder público no território
20
. Contudo,
esse projeto ousado de descentralização do governo municipal foi ‘arquivado’ pela
gestão municipal que iniciou em 2005.
A partir da implantação das Subprefeituras, os Distritos de Saúde foram
reestruturados e transformados em Coordenadorias de Saúde. Essas ficaram
subordinadas administrativamente ao Gabinete do Subprefeito e tecnicamente a
Secretaria Municipal de Saúde (SMS-SP), sendo responsáveis “pelas ações de
assistência à saúde, vigilância sanitária e epidemiológica, recursos humanos e
financeiros da Saúde e atividades afins”
19
.
Paralelamente à organização das Coordenadorias de Saúde, a SMS-SP criou, em
2002, as Autarquias Hospitalares visando à modernização da gestão dos serviços
hospitalares. Essas tinham como atribuição “a promoção e execução das ações e
serviços de saúde de atenção dico hospitalar”
21
. As cinco Autarquias criadas
assumiram a gestão de todas as unidades hospitalares e de urgência e emergência,
próprias do município. Naquele momento os hospitais públicos estaduais não foram
55
incorporados a SMS-SP e, conseqüentemente às Autarquias, pois o município estava
habilitado apenas na Gestão Plena da Atenção Básica. No entanto, essa situação se
manteve mesmo após o município assumir a Gestão Plena do Sistema de Saúde em
2003.
Deve-se registrar, ainda, que as Autarquias se constituíram enquanto instâncias
autônomas, vinculadas diretamente ao Gabinete do Secretário, dissociadas política e
administrativamente das Coordenadorias de Saúde, que seriam responsáveis pela
implantação da política municipal de saúde no âmbito regional.
No início de uma nova gestão municipal, em 2005, a SMS-SP implementou uma
reforma administrativa, por considerar que a estrutura vigente estava
superdimensionada e, ainda, que a descentralização implementada no período
anterior teria conduzido as Coordenadorias a uma situação de excessiva autonomia
em relação à SMS-SP, dificultando o comando único do SUS no município. Foram
organizadas cinco novas Coordenadorias Regionais de Saúde (CRSs) a partir das
antigas Coordenadorias de Saúde, que foram reagrupadas e transferidas das
Subprefeituras para a SMS-SP. Para dar funcionalidade às novas CRSs, foram
criadas 24 Supervisões Técnicas de Saúde (STSs). Esse processo indica um
movimento de re-centralização da gestão da saúde no município.
Destaca-se que as tanto as novas CRSs, quanto as STSs, foram criadas com estrutura
mínima de cargos e pessoal e atribuições limitadas. As STSs que são responsáveis
por territórios populosos, de cerca de 500.000 habitantes, o apresentam sequer
estrutura organizacional definida.
56
Essa reforma não contemplou mudanças nas Autarquias Hospitalares, mantendo-as
com lógica e organização distintas e maior autonomia administrativa do que o
restante da rede de serviços de saúde municipal. Embora os limites territoriais das
novas Coordenadorias sejam coincidentes com o das Autarquias, observa-se a
persistência da dificuldade de articulação entre as mesmas.
Outra questão importante do contexto político-institucional da SMS-SP, observada
durante o período da pesquisa, foi uma significativa movimentação em seu quadro de
direção. Na gestão 2005-2008, foram registradas três mudanças de secretários de
saúde (quatro titulares) e, na região estudada, duas mudanças de coordenadores (três
titulares) e quatro de supervisores (cinco titulares).
A gestão do SUS locorregional
Segundo documento, elaborado pela equipe técnica da CRS estudada, a estruturação
das Coordenadorias foi “orientada pela premissa da Secretaria Municipal de Saúde
de restabelecer o comando técnico e operacional da Rede Ambulatorial da Saúde
Municipal, visando maior eficiência da prestação de serviços de saúde à
população”. Essa nova organização político-administrativa “visa à integração e
organização do sistema de saúde em nível regional, mantendo uma base territorial
correspondente à Subprefeitura através das cinco supervisões de saúde que
compõem a Coordenação Regional de Saúde” (SMS/CRS-XX). É importante
destacar que não foram localizadas em qualquer outro texto oficial, incluso o decreto
municipal
22
que dispõe sobre a reestruturação das Coordenadorias, indicações
57
relativas à atribuição e estrutura organizacional dessa estrutura administrativa de
SMS-SP.
As STSs, por sua vez, segundo informações contidas no documento supracitado,
foram estruturadas segundo critérios populacionais, isto é, cada supervisão abarcaria
um território com cerca de 500 mil habitantes. O papel a ser desempenhado pelas
mesmas seria: “prioritariamente acompanhar diretamente o trabalho das Unidades
de Saúde no território e promover a integração destas com outros recursos desse
território, através da atuação conjunta com as Subprefeituras” (SMS/CRS-XX
2005).
Contudo, a estrutura organizacional dessas Supervisões não foi definida, nem
tampouco foram criados cargos para as “novas” funções propostas. Apesar da
proposta de realocação e contratação de profissionais, visando a “melhoria da
gestão”, contida no Planejamento Plurianual (PPA) da CRS, a Tabela de Lotação de
Pessoal apresentada não contempla as novas estruturas administrativas:
Coordenadoria e Supervisões (SMS/CRS-XX 2005).
O supervisor de saúde entrevistado identifica a falta de estrutura como um limite
importante para a gestão locorregional: (A STS) é uma estrutura muito enxuta e
muito centralizada. (...) Eu tenho uma equipe muito reduzida. Na regulação, em
particular, eu não tenho nenhum cargo. O meu organograma, eu tava desenhando
ele outro dia, eu tenho o supervisor e o corpo de bombeiros embaixo. Eu não tenho
uma estrutura administrativa, técnica, (...) são pessoas”
58
Nota-se uma contradição entre a precária estrutura existente, reconhecida pelo
próprio supervisor, e o discurso manifesto do coordenador, enfatizando a importância
da STS para a gestão municipal: “a capilaridade da informação também não chega
na porta, por isso que a supervisão pra nós é o maior instrumento dessa gestão. (...)
Teve uma série de situações que a gente teve que ir corpo a corpo nas unidades de
saúde; então a supervisão foi o carro chefe dessa gestão”. (coordenador 1).
Essas falas traduzem perspectivas distintas desses atores quanto às atribuições da
Supervisão. Se por um lado, o coordenador tenta destacar a importância dessa
estrutura para a gestão, por outro, a narrativa do supervisor aponta que, em
decorrência dos limites impostos, o papel possível de se exercer na prática, é ainda
mais restrito do que o acompanhamento do trabalho das unidades, proposto no
documento.
O supervisor reconhece a necessidade de modificar essa realidade para avançar na
organização do SUS regional considerando, inclusive, o potencial dos serviços de
saúde existentes no território de abrangência de sua Supervisão.
“Hoje a estrutura definida nessa administração, que eu não concordo muito, eu sou
um fiscal, né? Eu tenho um gargalo também. Quer dizer, a coisa é unilateral, quer
dizer, eu simplesmente recebo instruções e fiscalizo minhas unidades. (...) Me
tiraram o direito de levar propostas”.
E, ainda, reforçando esse sentimento de impotência, esse mesmo entrevistado faz um
desabafo: Eu estou murado, a palavra é, eu sinto, a minha sensação hoje como
59
supervisor é essa, é murado. Quer dizer, eu me viro com aquilo que eu tenho aqui e
com as iniciativas de amigos”.
Pode-se constatar, a partir das entrevistas, que a Supervisão, também, não se
constitui em espaço para o planejamento regional. Um dos relatos, concernente à
organização regional do programa de DST/AIDS, ilustra bem essa situação:
“São ambulatórios totalmente independentes, a conversação é rara. (...) Pela
estrutura dos serviços a gente tem alguma definição. (...) Isso tudo, uma coisa que o
vento molda. (...) Em momento nenhum, nós sentamos pra discutir isso. (...) E eu
tenho certeza que o programa de AIDS avançaria muito se nós dividíssemos o bolo.
(...) O programa municipal, estadual, nacional, ele é muito avançado, ele estimula
isso. Mas, a organização do sistema eu acho que deveria partir da Supervisão”.
(supervisor)
A baixa governabilidade da STS, aliada à inexistência de planejamento nesse nível, é
identificada pelo supervisor, inclusive, no contexto dos projetos prioritários
implementados pela própria SMS-SP, envolvendo serviços próprios. De acordo com
seu relato, esse gestor o teve qualquer participação no processo de
planejamento/decisão da implantação de novos serviços em sua região, como a
AMA.
“Fui informado: ‘olha, então, o AMA X não sai mais’. (...) O AMA seria instalado
em outro local. (...) Aí conversei com meu coordenador e ele falou: ‘não sei, não
tenho resposta para isso, é uma decisão. Esqueça o X, seu segundo AMA vai ser no
Y’. E, eu cumpri ordens, esqueci o X e estamos esperando o Y como AMA, né?”.
60
Observa-se muita semelhança entre os relatos de todos os entrevistados sobre os
obstáculos enfrentados, no cotidiano da gestão, na tentativa de articulação dos
serviços ambulatoriais com os hospitais. Mais precisamente, foi ressaltada a
dificuldade em garantir/construir a referência hospitalar.
Deve-se ressaltar que, nesta pesquisa discute-se apenas a relação com hospitais
públicos. Isto se deve ao fato de que os entrevistados se referiram exclusivamente a
esses serviços, talvez, porque na região estudada os hospitais públicos se constituem
de fato na principal referência ou teriam um potencial para tanto.
Alguns gestores relacionaram a dificuldade de articulação à lógica de funcionamento
do hospital, enquanto instituição, que muitas vezes o coincide com a necessidade
ou demanda dos serviços e usuários que a ele recorrem.
“O hospital gira em torno das suas próprias necessidades. Ele não está preocupado
com a necessidade da população como um coletivo, ele preocupado com quem
chega nele. (...) A gente sabe que, muitas vezes, quem chega na porta nem sempre é
quem precisa mais. (...) Os hospitais precisam ter essa consciência de que eles estão
trabalhando para a rede básica, que, por sua vez, trabalha para a população. E não
o inverso”. (coordenador 2)
Considerando que qualquer tentativa de articulação com hospital envolve
necessariamente o enfrentamento de questões inerentes à organização dessa
instituição, observou-se que foram identificados, ainda, vários obstáculos de outra
ordem, mais relacionados à organização dos serviços e sistema de saúde. Nessa
direção, foram apontadas distintas situações que caracterizam as dificuldades
61
vivenciadas pelos gestores locorregionais na relação com os hospitais próprios do
município.
A manutenção do arranjo organizacional da assistência hospitalar municipal por
meio de Autarquias é identificada, por um dos coordenadores de saúde entrevistado,
como um obstáculo para a integração dos hospitais com os demais serviços de saúde
vinculados à própria SMS.
“Tem cinco Autarquias e cinco Coordenadorias. Mas, não correspondemos, porque
as Autarquias não foram construídas na lógica do território. Hospital não trabalha
na lógica do território. E, (a Autarquia) foi construída juntando hospitais. (...) A
Autarquia continua como uma cisão. (...) A divisão da Coordenadoria e da
Autarquia não é nem por níveis de atenção, nem por tipos de atenção; é por quem
funciona 12 horas e quem funciona 24 horas”. (coordenador 2)
É oportuno lembrar que os limites territoriais das novas Coordenadorias, criadas
nessa gestão, são coincidentes com o das Autarquias. No entanto, esse fato por si
não foi suficiente, conforme mostrado acima, para atenuar a dificuldade de
articulação entre os serviços de saúde vinculados a essas estruturas.
Por outro lado, as informações obtidas nas entrevistas indicam que a SMS-SP fez
uma opção política de estabelecer relação preferencial com os hospitais próprios,
apesar da existência de hospitais estaduais de grande porte na região.
“Essa regulação se volta pra dentro da prefeitura, (...) eu encontro uma
coordenação que quase (...) ignora os hospitais estaduais. O que me deixa numa
62
situação muito difícil, porque eu só tenho os hospitais estaduais na região. Não
tenho hospital municipal. (...) E a coordenação ela simplesmente tende a querer
resolver os meus problemas com a rede municipal”. (supervisor)
O coordenador de saúde explicita claramente essa política: “O (hospital) X não é
nossa referência (para as AMAs). (...) (A referência) é o (hospital) Z, porque, assim,
nós optamos inicialmente vaga com os da casa. Quem são os da casa? Os
municipais. Não vaga com os do território”. (coordenador 1)
É interessante ressaltar que outro gestor entrevistado, fez referência a esse tema
assumindo uma postura crítica em relação a essa opção, a qual representa, na prática,
um entrave para a integração entre os serviços:
“O próprio gestor municipal, ainda, às vezes, não com essa visão de que é o
gestor do sistema. Então, (...) ele tem que olhar o sistema como um todo. Não
adianta ver o serviço municipal, entendeu? Tem que ver como um todo”.
(coordenador 2)
Assim, fica evidente que a organização do sistema de referência e contra-referência é
definida centralmente, desconsiderando, inclusive, os recursos disponíveis em cada
região. O supervisor não tem poder de decisão e, sequer, espaço para discutir essa
questão.
“Eu não tenho autonomia de ir à Secretaria ‘Qual é o quadro de referência, como
funciona isso? Prefiro o (hospital) W, que é mais perto’. Não é assim. Isso vem num
e-mail: ‘Sua referência é o (hospital) Z’. (...) Ele tá numa outra região”. (supervisor)
63
Como conseqüência dessa política, a STS estudada é compelida a encaminhar
pacientes a um hospital municipal, localizado em outra STS, com acesso mais difícil
para o usuário, apesar da existência de hospitais estaduais localizados em seu
território. Tanto o gestor quanto o usuário do sistema sofrem, na prática, o impacto
dessa centralização administrativa.
Nesse contexto, destacam-se mecanismos informais na negociação entre gestores e
gerentes de serviços. Independentemente da natureza administrativa do hospital, o
contato pessoal foi destacado, em todas as entrevistas, como uma das ferramentas
freqüentemente utilizadas. Dessa forma, são firmados acordos entre colegas e não
entre as instituições.
“A relação com o (hospital) Y é muito no doméstico, nas relações individuais: quem
conhece quem, amigo de quem, do plantão tal. (...) A relação com o (hospital) X é
uma relação boa, (...) muito fácil. Então, passa pelas pessoas. A relação não é (pelo
fato do) equipamento ser municipal, ser estadual. Tem passado um pouco pelas
pessoas”. (coordenador 1)
Entretanto, apesar das aparentes facilidades advindas da negociação direta com
colegas, foram relatados alguns aspectos negativos decorrentes dessa prática. Esse
tipo de articulação resulta em acordos informais, não institucionalizados que,
portanto, tem maior probabilidade de serem rompidos, com repercussões importantes
na organização dos serviços e na continuidade do cuidado.
“A gente vai trabalhando, comendo mingau pelas bordas, vai tentando. Ou então,
você entra num hospital, onde você conhece um gerente. Mas, isso é muito
64
complicado. (...) Mas, ainda é um trabalho muito difícil. Ele não é sistêmico. (...)
Você consegue um trabalho hoje e, amanhã, muda não sei quem e você tem que
começar tudo de novo”. (coordenador 2)
Um exemplo da fragilidade desses acordos foi citado pelo supervisor entrevistado.
Em decorrência do conhecimento pessoal prévio, esse gestor e o gerente do
ambulatório de especialidades, vinculado a um dos hospitais estaduais localizados no
território da STS, pactuaram um acordo regional com objetivo de organizar o fluxo
de pacientes entre os ambulatórios de especialidade da região. Por decisão do nível
central da SES-SP, esse acordo foi rompido, representando um retrocesso para a
organização do sistema de saúde regional.
“Uma enfermeira, que é uma das responsáveis pelo ambulatório do hospital, e um
colega médico clínico que trabalha lá são grandes amigos de outras administrações,
(...) eles vieram me procurar oferecendo um apoio (...), abrindo portas. (...) E, nós
equacionamos uma pactuação local. (...) E isso funcionou durante mais ou menos
um s e meio. (...) Isso foi muito positivo, acredito, para os pacientes. (...) que,
infelizmente, esse acordo acabou se rompendo no momento em que essa enfermeira,
ela não tem autonomia pra decidir essas coisas. (...) Nós avançamos muito, foi muito
interessante para a região. E, depois, nós retrocedemos à estaca inicial.
(supervisor)
65
DISCUSSÃO
A partir de elementos destacados do cotidiano da gestão locorregional da saúde em
um grande município, apresentam-se algumas reflexões sobre a potência e os limites
da descentralização, apreendida enquanto uma estratégia operacional utilizada para
facilitar a implementação dos princípios finalísticos do SUS.
Os achados da pesquisa evidenciaram a fragilidade da organização político-
administrativa locorregional da SMS-SP, o que se constitui fator limitante para
operacionalização de diretrizes do SUS no município de São Paulo. É importante
lembrar que o território sob a responsabilidade de cada STS tem uma dimensão
populacional e de serviços de saúde instalados maior do que a maioria dos
municípios brasileiros.
O primeiro aspecto a ser destacado é que a política de saúde, da gestão municipal do
período estudado, limita o papel e as responsabilidades das novas estruturas político-
administrativas da SMS-SP. Foi atribuído às STSs o “acompanhamento” das
unidades de saúde e às Coordenadorias, apenas, o comando técnico e operacional
da rede ambulatorial de saúde municipal”. Dessa forma, independentemente de
outros fatores, a governabilidade, tanto do coordenador regional, quanto do
supervisor, foi constrangida a uma parcela dos serviços de saúde e não ao sistema
local como um todo.
Identificou-se a mobilização do supervisor no sentido de ampliar sua
governabilidade, embora este reconhecesse os limites do seu campo de ação. As
iniciativas protagonizadas por esse ator, como por exemplo, o acordo regional com
66
um dos hospitais estaduais da região, não foram efetivas para modificar as relações
de poder instituídas, nem tampouco tiveram sustentação política. É importante
considerar que a manutenção de hospitais na prática sob gestão estadual representa
importante fator de limitação da governabilidade, inclusive do gestor municipal do
SUS. Apesar de o município de São Paulo ter assumido a gestão plena do sistema de
saúde, observou-se que muito pouco se avançou no sentido de integrar efetivamente
os hospitais ao sistema de saúde.
A dificuldade enfrentada pela SMS-SP na articulação com hospitais estaduais, cujas
direções “eram submetidas a interesses político-partidários” e não aos interesses da
política de saúde, foi discutida anteriormente
23
. Esse estudo caracterizou, ainda, a
autonomia dos hospitais em relação ao sistema de saúde, a partir do caso de um dos
hospitais da região selecionada para esta pesquisa.
A descentralização do SUS impõe um processo permanente de mediações políticas
entre distintos gestores. Na medida em que esses gestores atuam dirigindo,
formulando estratégias, produzindo política, eles “conformam e constituem um
campo de poder governamental em que ocorrem tensionamentos e mediações
políticas contínuas e permanentes. Um campo de gestão permeado pelo poder
institucional que opera sob a delegação e a tutela dos detentores de mandato
executivo”
24
.
Nesse sentido, deve-se considerar que algumas iniciativas de gestores e gerentes do
SUS no município podem ter resultado em conflitos, internos a SMS e externos,
67
envolvendo outros serviços e instituições, o que pode estar relacionado à
descontinuidade da gestão.
A estrutura funcional da Supervisão é um dos indicadores de sua capacidade de
governo, na medida em que essa capacidade é dependente do capital teórico,
instrumental e experiência da equipe
18
. Coerente com a racionalização da
administração, uma das diretrizes da gestão municipal, as STSs foram instituídas sem
um organograma definido e, ainda sem a criação de novos cargos. Com isso, a STS
estudada foi organizada a partir de critérios definidos pelo próprio supervisor, com
funcionários de carreira, mas antes de tudo amigos, pessoas com ‘boa vontade’ ou
com interesses particulares para se manterem em cargos administrativos.
Aliada à informalidade da equipe técnica, evidenciou-se inexistência de práticas de
planejamento locorregional. Os projetos eram definidos no nível central de SMS-SP
e conduzidos pelo supervisor que, por sua vez, apresentava baixíssimo poder de
interferência sobre os mesmos. É importante ressaltar que o planejamento é
considerado um dos componentes mais importantes para a determinação da
capacidade de governo
18
. A ampliação da capacidade de governo, por sua vez, é uma
das condições necessárias para que as instâncias locais possam assumir as
responsabilidades transferidas no processo de descentralização.
O relato de um coordenador regional corrobora essa análise. Esse assinala que
“houve um movimento de centralização extremamente forte” da gestão municipal, na
medida em que as decisões e ões propostas não respeitavam o incipiente
68
planejamento local. Esse movimento foi acompanhado do esvaziamento técnico e
político das estruturas político-administrativas de SMS.
Assim, indicações de que o papel realizado pelo supervisor é muito mais de um
gerente de serviços de saúde do que efetivamente um gestor do SUS em sua região.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Julgamos importante reafirmar que descentralização não é um fim em si mesmo e,
também, não se constitui nem panacéia, nem saída mágica para viabilizar a
implantação de políticas públicas
7, 14,25
. No entanto, em que pesem os limites da
descentralização do SUS, apontados, entende-se que essa diretriz constitui um
meio eficaz e racional para alcançar seus objetivos.
No município de São Paulo, alguns desafios devem ser enfrentados para que se possa
avançar no processo de descentralização da saúde. O primeiro grande desafio é
assumir de fato a gestão de todo o sistema de saúde do município, o que significa
assumir hospitais e ambulatórios que ainda permanecem sob a gestão centralizada da
SES-SP.
É necessário avançar na descentralização da própria gestão municipal do SUS para
estruturas político-administrativas, como aquelas correspondentes às Supervisões
Técnicas de Saúde. Esse processo deve ser implementado de forma a viabilizar a
organização de um sistema descentralizado e com autonomia que mantenha o
compromisso com a solidariedade e co-responsabilidade.
69
Para se enfrentar o desafio da descentralização em municípios de grande porte, é
importante considerar experiências internacionais como Buenos Aires, Montevidéu,
Berlim, Paris, Barcelona. Nessas metrópoles, foram conduzidos processos de
descentralização político-administrativa de seus governos que viabilizaram a criação
de estruturas regionais, com distintas configurações, responsáveis pela gestão da
política municipal
26
. Tais experiências podem apontar caminhos para que o processo
de descentralização do SUS avance para além de uma política setorial isolada.
Nesse sentido, avaliamos que o processo de descentralização no município de São
Paulo deve ser implementado de forma a adequar-se ao contexto da maior metrópole
brasileira, cujo crescimento desordenado aprofundou as desigualdades regionais.
Acreditamos que a descentralização do SUS, nesse município, teria mais potência se
estivesse articulada a um processo de descentralização ampliado do governo
municipal.
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brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2004. p.199-236.
24. Lotufo M. Sistemas de direção e práticas de gestão governamental em secretarias
estaduais de Saúde. Rev. Administração Pública 2007; 41(6):1143-63.
25. Guimarães L, Giovanella L. Entre a cooperação e a competição: percursos da
descentralização do setor saúde no Brasil. Rev. Panam. Salud Publica 2004:
16(4):283-88.
26. Santos UP & Barretta D, organizadores. Subprefeituras: descentralização e
participação popular em São Paulo. São Paulo: Hucitec/PMSP; 2004. p.87-114.
72
Colaboradores: S.M.Spedo concebeu e planejou o estudo; levantou e analisou os
dados e redigiu o artigo. N.R.S.Pinto e O.Y.Tanaka participaram da concepção e
planejamento da pesquisa e colaboraram na análise e revisão do texto.
Agradecimentos: A pesquisa que deu origem a este artigo foi financiada (modalidade
apoio à pesquisa) pela FAPESP (processo nº 05/53846-8) e CNPq (processo nº
401903/05-2).
73
4.2. A REGIONALIZAÇÃO INTRAMUNICIPAL DO SISTEMA ÚNICO
DE SAÚDE (SUS): UM ESTUDO DE CASO DO MUNICÍPIO DE O
PAULO (SP), BRASIL
O artigo “A regionalização intramunicipal do Sistema Único de Saúde (SUS):
um estudo de caso do município de São Paulo (SP), Brasil foi formatado para ser
apresentado aos editores do periódico Saúde e Sociedade, que é uma publicação da
Faculdade de Saúde Pública, da Universidade de São Paulo e da Associação Paulista
de Saúde Pública, São Paulo (SP). Foram seguidas todas as orientações
recomendadas pelo periódico.
Situação atual: Encaminhado em fevereiro de 2009
74
A regionalização intramunicipal do Sistema Único de Saúde (SUS): um estudo
de caso do município de São Paulo (SP), Brasil
2
The intramunicipal regionalization of the Brazilian National Health System
(SUS): a case study of São Paulo city (SP), Brazil
Sandra Maria Spedo
Médica Sanitarista - Depto. Medicina Preventiva, Unifesp. Mestre em Saúde
Coletiva (Unicamp). Doutorando em Saúde Pública da Faculdade de Saúde
Pública, USP.
Rua Botucatu, 740, CEP: 04123-062, Vila Clementino - São Paulo (SP), Brasil
Nicanor Rodrigues da Silva Pinto
Médico Sanitarista Depto. Medicina Preventiva, Unifesp; Mestre em Ciências da
Saúde (Unifesp). Doutorando em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública,
USP.
Rua Botucatu, 740, CEP: 04123-062, Vila Clementino - São Paulo (SP), Brasil
Oswaldo Yoshimi Tanaka
Professor Titular - Departamento de Práticas - Faculdade de Saúde Pública, USP.
Av. Dr. Arnaldo, 715, CEP: 01246-904, Cerqueira César - São Paulo (SP), Brasil
2
A Pesquisa que originou os dados para realização deste artigo teve apoio financeiro parcial da
FAPESP e CNPq.
75
RESUMO
A regionalização tem sido apontada como um dos principais desafios para viabilizar
a eqüidade e integralidade do SUS. Este artigo teve o objetivo de avaliar o processo
de implementação de um projeto de organização de regiões de saúde no município de
São Paulo. Para tanto, foi realizado um estudo de caso em uma região selecionada
desse município, a partir do referencial da análise de implantação, utilizando-se
como fonte de dados documentos da gestão e entrevistas semi-estruturadas com
informantes-chaves, da gestão municipal 2005-2008. A análise temática evidenciou
que um projeto idealizado no início da gestão não foi efetivamente implementado.
Dentre os fatores que interferiram nesse insucesso, destacam-se: a) Secretaria
Municipal de Saúde (SMS), além de seu caráter centralizador, manteve estruturas
político-administrativas independentes para a gestão da atenção básica e da
assistência hospitalar; b) a SMS não assumiu a gerência e gestão de ambulatórios e
hospitais estaduais; b) o poder institucional e a resistência dos hospitais em se
integrar ao sistema de saúde. Discute-se, ainda, a necessidade de avançar na
descentralização intramunicipal do SUS e buscar novas estratégias para a construção
de pactos que consigam superar as resistências e articular instituições historicamente
consolidadas, visando uma regionalização cooperativa e solidária.
Palavras-chave: regionalização; sistemas locais de saúde; integralidade; gestão em
saúde; política de saúde.
76
ABSTRACT
The regionalization has been pointed out as one of most important challenges to push
ahead integrality and equity on Brazilian National Health System (SUS). This paper
has the objective to evaluate a regional health project implementation process in Sao
Paulo city. It is a case study of a selected region in the city based on the theoretical
reference of implementation assessment. The data base was management documents
and interviews, during the period of 2005-2008. The thematic analysis pointed out
that the planned project was not implemented. The main factors involved in it were:
a) the Municipal Health Secretariat institutional context was still centralized with a
clear break down within the primary health and the hospital care; b) the municipal
level had not assumed the management of some ambulatory and hospital premises
that was under state management; c) it is still remain hospitals institutional power
and resistance to integrate a comprehensive health system. It is important to push
ahead the municipal decentralization process in the Brazilian National Health System
(SUS) and to find out new strategies to build up political agreements to bypass the
institutional resistance and articulation that exists, and then to strengthen the
regionalization process more cooperative and effective.
Key words: regional health planning; local health systems; integrality; health
management; health policy
77
INTRODUÇÃO
As duas primeiras décadas do Sistema Único de Saúde (SUS) foram marcadas por
significativos avanços, em que pese a conjuntura política e econômica desfavorável à
implementação de uma reforma setorial. No entanto, que se enfrentarem
importantes desafios para caminhar no sentido de alcançar a “imagem objetivo” do
SUS, identificado com o projeto da Reforma Sanitária. Dentre esses desafios,
destaca-se a regionalização (Campos, 2007).
No plano internacional, relata-se a existência de grande entusiasmo em relação à
regionalização das políticas públicas, apesar da ausência de mudanças significativas
decorrentes de experiências prévias. Esse movimento é associado, por um lado, às
iniciativas de reestruturação das instituições visando sua democratização, maior
participação social e aumento da eficiência. Por outro, mais recentemente, emerge
também como solução potencial aos desafios da globalização e da necessidade de se
reduzir o papel do planejamento central. A diversidade de significados de região em
diferentes tempos, lugares, e campos da política é identificada como um problema
central para a análise desse processo (Tomblin, 2003).
A proposta de organizar sistemas de saúde regionalizados surgiu inicialmente na
União Soviética, pós Revolução Russa, e foi posteriormente adaptada para o ocidente
por Dawson em 1920 (Silva e Mendes, 2004). Desde então, essa estratégia vem
sendo adotada na estruturação de sistemas nacionais de saúde de diversos países. O
paradigma dominante nessas experiências tem sido a regionalização autárquica, na
qual existe uma instância mesorregional, com relativa autonomia, responsável pela
78
gestão do sistema local de saúde. Nessa condição, o papel dos municípios é
secundário, algumas vezes responsável apenas por ações de saúde pública, ou
inexistente. Esse é o modelo adotado pelo Reino Unido, Itália, Canadá, países cujos
sistemas são referência para o SUS (Mendes, 2001; Mendes, 2004).
No Brasil, em decorrência do padrão singular de descentralização implementado,
desenvolveu-se o paradigma da municipalização autárquica, no qual o município é o
responsável maior pela gestão do sistema de saúde no âmbito local. Além de nosso
país, esse modelo foi adotado apenas pela Finlândia, queo abandonou. Essa forma
de organização do sistema de saúde pode conduzir à fragmentação dos serviços,
perda da qualidade e ineficiência na utilização de recursos, na medida em que cada
município tende a construir sistemas de saúde fechados (Silva e Mendes, 2004).
As características da municipalização da política de saúde no Brasil estão associadas
à história federativa de nosso país. O novo federalismo brasileiro, que nasceu durante
o processo de redemocratização do país, tinha como projeto central o fortalecimento
dos governos subnacionais e, para parte dos atores envolvidos, a democratização do
plano local. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 os municípios
obtiveram autonomia inédita, transformando-se em entes federativos, com o mesmo
status jurídico que os estados e a União. O discurso do municipalismo autárquico,
que acompanhou esse processo, é considerado como um dos obstáculos ao bom
desempenho dos municípios. Essa visão incentiva a prefeiturização, a concorrência
entre os municípios, reforçando o “modelo predatório e não cooperativo de relações
intergovernamentais” (Abrucio, 2005).
79
Esse modelo de federalismo está propício a produzir alguns efeitos perversos sobre
as políticas públicas, tais como: “superposição de ações; desigualdades territoriais
na provisão de serviços; e mínimos denominadores comuns nas políticas nacionais”
(Arretche, 2004, p. 22).
Outro aspecto importante nesse padrão de municipalização é associado à indefinição
do papel do ente estadual. Essa situação teria propiciado uma "posição de
flexibilização” dos governos estaduais que, muitas vezes, se eximiam ou repassavam
suas atribuições para os municípios (Abrucio, 2005).
No setor saúde, a municipalização é associada com a constituição de sistemas
municipais de saúde bastante heterogêneos e atomizados (Mendes, 2004; Gershman,
2000). Em rias regiões do país, esse processo ocorreu de “forma solitária sem a
devida cooperação técnica e financeira dos estados” (Solla, 2006, p. 341). Em
estudo realizado no estado de São Paulo, foram identificadas situações em que
mesmo municípios pequenos eram forçados a investir recursos próprios para
organizar serviços de média e alta complexidade, sem qualquer racionalidade técnica
ou econômica (Cecilio e col., 2007).
Nesse contexto, a regionalização dos serviços de saúde se impõe como uma
estratégia para superar entraves advindos desse processo de municipalização. A
implementação dessa diretriz, referenciada pelo princípio da eqüidade, possibilitaria
constituir sistemas regionais com a participação solidária dos três entes federados
(municípios, estado e união) visando garantir a integralidade da atenção.
Até o momento, pouco se avançou na implementação da regionalização no SUS. Os
primeiros instrumentos normativos editados pelo Ministério da Saúde (MS) não
80
priorizaram essa diretriz. Apenas em 2001, a Norma Operacional de Assistência à
Saúde (NOAS 01/2001) mudou essa tendência, representando “uma iniciativa
concreta e a primeira experiência regulamentadora da regionalização da saúde
para o país como um todo” (Nascimento, 2007, p. 193).
Na NOAS, a regionalização e a organização de sistemas funcionais foram destacadas
como elementos centrais para o avanço do processo de descentralização do SUS, em
busca da eqüidade. Para tanto, cada estado deveria organizar seu território em
Regiões de Saúde e Módulos Assistenciais. Na dependência do modelo de
regionalização adotado, os estados seriam divididos em macrorregiões, regiões e/ou
microrregiões de saúde. O Plano Diretor da Regionalização (PDR) foi proposto como
o instrumento de ordenamento desse processo (Brasil.MS, 2002).
Os gestores enfrentaram muitas dificuldades para aplicação dessa norma, em
decorrência da complexidade dos critérios técnicos estabelecidos, de difícil
compreensão, implementação e acompanhamento. E, também, da ausência de
mecanismos necessários para a negociação e pactuação de compromissos e
responsabilidades entre os entes federados (Nascimento, 2007).
Em 2004, o MS assumiu a regionalização como prioridade desencadeando um
processo de discussão junto à Comissão Intergestores Tripartite (CIT), com o
objetivo de rever o processo normativo do SUS e buscar alternativas para enfrentar
os impasses e dificuldades enfrentadas pelos gestores. Esses atores institucionais,
assumindo a crítica aos instrumentos normativos utilizados até então, propuseram a
construção de um pacto entre os gestores das três esferas de governo. Esse pacto
deveria induzir uma inovação na gestão, qualificando-a para promover uma melhora
81
do acesso aos serviços e da qualidade da atenção à saúde da população
(Brasil.Conass, 2004; Silva e Dobashi, 2006).
O Pacto pela Saúde, aprovado pelo Conselho Nacional de Saúde, foi
institucionalizado pela Portaria 399 (Brasil.MS, 2006). Essa medida visava
superar os mecanismos de habilitação de estados e municípios, contidos na NOB
01/96 e na NOAS SUS 2002. O Pacto propõe uma redefinição de responsabilidades
coletivas, compartilhadas entre os gestores, centradas na necessidade de saúde da
população, visando consolidar a descentralização do sistema na perspectiva da
solidariedade, cooperação e autonomia dos entes federados (Silva e Dobashi, 2006).
A regionalização é um eixo estruturante desse novo instrumento de gestão do SUS
que deve orientar tanto o processo de descentralização das ações e serviços, quanto à
própria pactuação entre gestores. A estratégia proposta para operacionalizar e
efetivar a regionalização está centrada na constituição de Regiões de Saúde, que
podem assumir quatro formatos: intraestadual, intramunicipal, interestadual e
fronteiriças.
O arranjo organizacional proposto para a estruturação dessas Regiões de Saúde foi a
organização de redes de ações e serviços de saúde. A constituição de redes é
apontada como uma estratégia de organização do sistema de saúde mais coerente
com os princípios do SUS, superando o modelo clássico de sistema hierarquizado
representado pela pirâmide de níveis de atenção com complexidade crescente
(Cecílio, 1997; Misoczky, 2003; Silva e Mendes, 2004).
No entanto, Andrade e Santos (2008, p. 30) advertem que o Pacto pela Saúde “não
está composto por elementos que sejam capazes de transformar a regionalização
82
hoje existente em uma verdadeira rede de serviços de saúde, que integre todos os
entes federados de uma dada região”. Para esses autores, tanto os estados quanto a
União “ainda se sentem e agem como entes com maior poder decisório”.
É importante considerar que a discussão e as propostas operacionais de
regionalização do sistema de saúde sempre tiveram como foco principal a
organização de sistemas regionais, articulando municípios para promover a
integração de serviços de distintas densidades tecnológicas, visando a integralidade
da atenção. Ainda existe pouca discussão sistematizada sobre experiências de
regionalização intramunicipal, particularmente em municípios sede de regiões
metropolitanas e capitais de estados, bem como sobre os desafios para o avanço
desse processo.
Dessa forma, este artigo tem o objetivo de avaliar o processo de implantação de um
projeto de organização de regiões de saúde no município de São Paulo, considerando
seu potencial para promover a integralidade da assistência.
MÉTODOS
O percurso metodológico deste estudo foi fundamentado na pesquisa avaliativa, em
sua dimensão da análise de implantação, centrada em um projeto de intervenção,
considerando-se o contexto organizacional. Alguns modelos de análise adaptados da
teoria das organizações podem ser utilizados para esse fim. Entre esses, utilizou-se o
modelo político, no qual a implantação de uma intervenção é entendida como um
jogo de poder organizacional. Dessa forma, o sucesso ou fracasso da implantação de
83
um projeto é associado mais aos interesses dos distintos atores, ao cenário político-
institucional, do que ao seu planejamento (Denis e Champagne, 1997).
A partir desse referencial, optou-se pela estratégia de estudo de caso, que é
caracterizado como uma investigação empírica de um fenômeno contemporâneo
complexo inserido em algum contexto da vida real, especialmente quando os limites
entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos (Yin, 2005).
Foram utilizadas as seguintes fontes de evidência: entrevistas com informantes-
chaves, selecionados entre gestores da SMS-SP; documentos da gestão e atas ou
memórias de reuniões. As entrevistas foram não-estruturadas, realizadas pelos
próprios pesquisadores, gravadas e transcritas posteriormente. O entrevistado foi
esclarecido sobre o tema central e, após uma explanação livre, o entrevistador
solicitou o aprofundamento de alguns temas destacados na fala inicial.
A pesquisa abrangeu o período de uma gestão municipal da cidade de São Paulo
(2005 a 2008), sendo que o trabalho de campo foi desenvolvido de 2006 a 2007.
Considerando os objetivos do estudo, a dimensão territorial e populacional do
município em questão, bem como sua complexidade, optou-se por delimitar este
estudo a uma instância administrativa do nível regional da Secretaria Municipal de
Saúde de São Paulo (SMS-SP). Sua eleição foi baseada nos seguintes critérios: a
existência de um número significativo de serviços públicos de saúde dos distintos
níveis de complexidade e, a manutenção da unidade político-administrativa do
território desde a retomada do SUS no município. A escolha da região foi,
posteriormente, negociada com assessores da SMS-SP.
84
A região selecionada corresponde àquela sob a responsabilidade de uma Supervisão
Técnica de Saúde (STS), abrangendo uma Subprefeitura com três Distritos
Administrativos e com uma população residente estimada em cerca de 430 mil
habitantes. Em termos populacionais, essa Subprefeitura é maior do que 96% dos
municípios brasileiros (IBGE, 2001).
As STSs são instâncias subordinadas às Coordenadorias Regionais de Saúde (CRSs)
e foram estruturadas segundo critérios populacionais, isto é, cada Supervisão deveria
ser responsável por um território com cerca de 500 mil habitantes. A SMS-SP é
composta por cinco CRSs e 24 STSs. Neste artigo, com o objetivo de preservar o
anonimato dos entrevistados, utiliza-se a denominação de CRS-1 para identificar a
Coordenadoria correspondente à STS selecionada. A CRS-1 é responsável por cinco
STSs, abrangendo o território de sete Subprefeituras e uma população residente total
estimada em cerca de 2,5 milhões de habitantes.
Mesmo com as mudanças ocorridas na estrutura político-administrativa da SMS-SP,
o espaço territorial da STS selecionada corresponde àquele de estruturas regionais de
gestões anteriores, desde o início do processo de implementação do SUS no
município. Essa foi considerada uma variável importante de contexto, na medida em
que tal situação poderia representar fator facilitador para a organização de uma
região de saúde.
O material coletado foi analisado utilizando-se a técnica da análise temática (Bardin,
2004). A partir do trabalho de campo, realizou-se a classificação e agregação dos
dados e a identificação dos temas, que permitiram uma melhor aproximação da
realidade estudada: o projeto de organização de regiões de saúde e o processo de
85
implementação do projeto de regiões de saúde. O projeto foi caracterizado a partir
dos documentos de gestão da SMS-SP e da CRS-1, e das entrevistas. A construção
da narrativa sobre o processo de implantação baseou-se em fatos ou relatos
identificados em entrevistas e atas ou memórias de reuniões dos Fóruns da CRS-1.
O projeto de pesquisa, que gerou os dados utilizados neste artigo, foi aprovado pelos
Comitês de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP e da Secretaria
Municipal de Saúde de São Paulo, com base na Resolução 196/96 do Conselho
Nacional de Saúde.
RESULTADOS
Um projeto de organização de regiões de saúde
Em 2005, no início de uma nova gestão, a SMS-SP realizou uma reforma
administrativa, pautada na reestruturação e centralização do vel regional do SUS
no município. Foram organizadas cinco novas CRSs a partir das Coordenadorias de
Saúde pré-existentes, que foram reagrupadas e transferidas das Subprefeituras para a
SMS-SP. Para dar funcionalidade às novas CRSs, foram criadas 24 STSs (São Paulo,
2005).
Constatou-se que o papel das CRSs ficou circunscrito à gestão dos serviços
ambulatoriais próprios do município, não contemplando os demais serviços de saúde
localizados em seu território. Manteve-se a separação político-administrativa entre
atenção básica e a assistência hospitalar e de urgência e emergência. Essa
permaneceu sob a gestão de cinco Autarquias Hospitalares que, posteriormente,
86
foram transformadas em Coordenadorias Hospitalares Regionais (CHRs),
subordinadas a uma Autarquia Hospitalar Municipal (São Paulo, 2008).
Embora, os limites territoriais das CRSs e das CRHs sejam coincidentes, esses se
constituíram e se mantêm enquanto estruturas paralelas e independentes, observando-
se a persistência da dificuldade de articulação entre as mesmas.
“Então, [teve] todo esse movimento de criar coordenadoria, tirar da subprefeitura,
de juntar...; mas não se conseguiu mexer na lei. Com isso não se conseguiu mexer na
lei da autarquia, a autarquia continua como uma cisão” (coordenador regional 2).
Outra questão importante do contexto político-institucional da SMS-SP, observada
durante o período da pesquisa, refere-se à significativa movimentação em seu quadro
de direção. Na gestão 2005-2008, foram registradas três mudanças de secretários de
saúde (quatro titulares) e, na região estudada, duas mudanças de coordenadores (três
titulares) e quatro de supervisores (cinco titulares).
Paralelamente a essa reestruturação, foi proposta a divisão do município em 26
microrregiões. Para tanto, segundo relato do assessor técnico do gabinete da SMS-SP
entrevistado, foi elaborado um diagnóstico de situação, utilizando os parâmetros da
Portaria N° 1.101 do Ministério da Saúde.
A necessidade de constituir um espaço regional para planejamento e organização do
sistema de saúde nesse vel foi apresentada como uma das justificativas para o
arranjo das microrregiões.
“Não tinha espaço onde os equipamentos, os responsáveis pelos serviços de saúde
de determinada região sentassem juntos pra conversar. Inclusive, uma das propostas
87
de organização foi se pensar em termos de acesso, não de divisão administrativa”
(assessor técnico do gabinete da SMS-SP).
As microrregiões não seriam constituídas enquanto estruturas político-
administrativas. A proposta previa a manutenção das CRSs e STSs e a definição de
novos arranjos espaciais para as microrregiões, que não seguiam, necessariamente, a
mesma divisão das STSs. Segundo o mesmo entrevistado, a microrregião não era
para “ser uma estrutura formal. (...) Ela é funcional. É uma forma de você pensar na
organização do sistema” (assessor técnico do gabinete da SMS-SP).
“A lógica é que tenha acesso à população. (...) De forma que toda microrregião
tenha um hospital geral. (...) Eram microrregiões onde (...), até o nível secundário
da atenção, (...) se pudesse resolver o próprio planejamento dessa programação, dos
serviços ali daquela região” (assessor técnico do gabinete da SMS-SP).
Os relatos dos distintos gestores entrevistados evidenciaram que o hospital foi
considerado o núcleo central, a partir do qual a microrregião seria organizada. A
lógica seria a área de influência de um hospital” (coordenador regional 2).
“Inicialmente (...) foi realizada a divisão de áreas na região 1 e na secretaria como
um todo, em microrregiões, onde a gente relacionava o hospital da região com os
ambulatórios e as unidades básicas do entorno” (assistente técnico da CRS-1).
A organização de Fóruns foi a estratégia operacional assumida para a implementação
das microrregiões, figurando entre as prioridades da CRS-1, definidas no início do
governo. Identificou-se que esse tema foi abordado em dois documentos internos da
gestão, elaborados pela equipe técnica dessa CRS: a) Diagnóstico Situacional da
Coordenadoria Regional de Saúde 1 (CRS-1), que contém um diagnóstico regional
88
propriamente dito e o Planejamento Plurianual (PPA 2006-2009) da região; b)
Organização dos Fóruns de Planejamento e Regulação da Região 1.
De acordo com o documento intitulado Diagnóstico Situacional da CRS-1, em março
de 2005, constituíram-se grupos específicos denominados Fóruns, que teriam a
atribuição de identificar os nós críticos, elaborar e implementar projetos, objetivando
o planejamento e organização do sistema de saúde regional. Estavam previstos um
Fórum Regional, três Fóruns de Macrorregião (Ma) e um número não definido de
Fóruns de Microrregião (Mi), representados graficamente na Figura 1. Estes seriam
constituídos por distintos atores sociais, representantes das instituições e serviços que
atuavam na região, desde gestores do nível central da SMS-SP e da SES-SP, gerentes
dos serviços públicos, e as instituições privadas “parceiras” da SMS-SP na região.
“Qual que era a proposta da microrregião? Que a gente fizesse fóruns por
microrregião e esses fóruns deviam incluir todos os prestadores da microrregião,
sejam municipais, sejam estaduais, sejam não públicos” (coordenador regional 2).
No PPA 2006-2009 regional, organizado a partir de programas e, em consonância
com o PPA 2006-2009 municipal, a organização e a continuidade dos distintos
Fóruns foram destacadas entre as ações propostas para o programa “SUS com
Qualidade”. Cabe ressaltar que o PPA contemplou, ainda, uma meta relacionada ao
número de fóruns realizados, dentre os indicadores propostos para o monitoramento
da gestão.
no documento Organização dos Fóruns de Planejamento e Regulação da Região
1, consta que os Fóruns deveriam acompanhar desde o planejamento e a
organização global do sistema de saúde regional até o acompanhamento e avaliação
89
das ações no território de abrangência de cada unidade de saúde, permeando
atenção básica, ambulatorial e hospitalar”. No entanto, a composição dos Fóruns
apresentada nesse mesmo documento não previa a participação de todos os serviços
de saúde localizados e/ou integrantes do sistema locorregional do SUS na região
estudada. Tanto as unidades que concentram ações de atenção básica, quanto os
ambulatórios de especialidades, participariam apenas dos Fóruns de Microrregião. E,
os serviços privados conveniados não foram incorporados. Evidenciou-se assim, uma
contradição nos dois documentos internos da CRS-1, entre os objetivos e a
composição dos Fóruns, que excluía atores fundamentais para viabilizar o projeto.
Os (des)caminhos do projeto de regiões de saúde
Pode-se constatar que o projeto de implementação de regiões de saúde, apresentado
acima, foi elaborado no nível central da SMS-SP e, posteriormente, apresentado aos
níveis regionais para discussão. No decorrer do processo, a assessoria da SMS-SP
buscou estabelecer um diálogo com dirigentes da Secretaria de Estado da Saúde
(SES-SP) visando ampliar a governabilidade e viabilizar a operacionalização do
projeto, na medida em que vários serviços especializados ainda se encontravam sob a
gestão estadual.
“Estado e município, não conseguem ter uma visão do sistema como um todo e ver
que o município é o gestor. Hoje, o município é gestão plena! (...) O estado até
estava participando junto, eu tinha conversado com o [assessor técnico de
coordenação da SES-SP- ATC]. O [coordenador da SES-SP]tinha concordado, o
[ATC] ia junto em algumas reuniões. (...) Era o recado do governo do estado para
90
os serviços do estado que era para eles estarem sentando juntos” (assessor técnico
do gabinete da SMS-SP).
A organização das microrregiões não ocorreu de modo uniforme em todo o
município, algumas coordenações desencadearam, outra não. (...) Na construção
do processo, das propostas, algumas delas foram levando em conta o resultado
das reuniões, do processo” (assessor técnico do gabinete da SMS-SP).
É oportuno ressaltar que a CRS-1 foi coordenada, no início da administração
municipal, pelo mesmo gestor que, posteriormente, assumiu o cargo de assessor
técnico do gabinete da SMS-SP. Esse fato pode estar associado à implementação
precoce do projeto nessa região, em um momento anterior à própria apresentação da
proposta às demais regiões do município.
“A CRS-1 foi a primeira que saiu a frente nessa questão de fórum de micro porque a
... (assessor técnico do gabinete da SMS-SP) (...) tinha essa experiência do Estado,
que (...) ela trouxe pra gente” (coordenador 1).
A primeira reunião do Fórum Regional da CRS-1 foi realizada em março de 2005,
logo no início da gestão municipal, período em que o ator em questão ocupava o
cargo de coordenador regional. Essa reunião foi representativa, contando com a
presença de 47 pessoas, representando distintas instâncias gestoras do SUS no
município e serviços de saúde (Tabela 1). Nela, a coordenadora da CRS-1 apresentou
a proposta de organização dos Fóruns, contemplando o objetivo e a composição dos
Fóruns Regional e das Macrorregiões. Em relação aos Fóruns de Microrregiões, foi
proposto que cada hospital geral estabelecesse sua área de abrangência e se reunisse
com as Unidades Básicas de Saúde (UBS)s, os ambulatórios de especialidade, os
91
serviços conveniados e os prestadores de serviço para realizarem ações integradas. O
assessor de gabinete de SMS-SP presente sugeriu, ainda, a constituição de um
“comitê deliberativo” com a atribuição de definir o que cada hospital deveria fazer, e
ressaltou a importância do encontro e da conjuntura política, em que o mesmo
partido político ocupava os governos do estado e do município de São Paulo.
Contudo, apesar dessa avaliação política favorável e da representatividade da
reunião, a leitura da ata evidenciou que a discussão ficou limitada apenas ao relato
das dificuldades enfrentadas no cotidiano dos serviços presentes. E, não foi possível
identificar qualquer encaminhamento para as questões levantadas. Foram agendadas
uma nova reunião desse Fórum e as primeiras dos Fóruns de Macrorregião.
A segunda reunião do Fórum Regional aconteceu três meses após a primeira, na data
previamente agendada. No entanto, o número de participantes e a representatividade
da reunião foram significativamente menores, marcada pela ausência de hospitais
vinculados à SES-SP. De um total de oito hospitais previstos em sua composição,
apenas dois compareceram (Tabela 1).
O Fórum da Macrorregião-1 realizou sua primeira reunião em maio de 2005, com a
presença de 19 pessoas que representavam instituições ou serviços que atuavam
nessa região (Tabela 1). Os presentes relataram dificuldades enfrentadas no cotidiano
da gestão e algumas alternativas utilizadas para superá-las. Na ata dessa reunião, não
foi registrada discussão e proposta de encaminhamento para essas questões. O
próprio Fórum registrou e destacou a ausência de três, dos quatro hospitais estaduais
componentes do mesmo e cujos serviços são essenciais para a organização de um
sistema de referência regional.
92
A segunda reunião desse Fórum foi realizada no s seguinte, com um número
menor de participantes, destacando-se a ausência não justificada de todos os
hospitais vinculados à SES-SP, componentes do mesmo. O único hospital
representado pertencia a outra macrorregião. Os participantes expuseram alguns
problemas relativos à referência para os serviços de especialidade. Propôs-se a
constituição de quatro microrregiões, a partir dos hospitais de referência.
A partir de junho de 2005, mês em que essa reunião foi realizada, não foram
identificadas quaisquer outras reuniões, tanto do Fórum Regional, quanto da
Macrorregião-1. As entrevistas com coordenador e um assistente técnico da CRS-1
corroboraram esse fato:
“(Os Fóruns) estão parados a partir desse mês de julho porque algumas coisas a
gente não tinha governabilidade, a gente não, o grupo que tava participando”
(coordenador 1).
“Por um ano a gente conseguiu manter minimamente essas reuniões de micro e de
macro. Esse fórum maior, de macrorregião, a gente teve em duas ocasiões. (...)
Em julho de 2006 foi solicitado que a gente tentasse ter reuniões mais produtivas. E,
chegou uma hora em que foi determinado: ‘vamos dar um tempo’, porque não estava
caminhando em ganhos” (assistente técnico da CRS-1).
Nas atas disponibilizadas, não houve registro de qualquer reunião do Fórum da
Microrregião-1, fato esse confirmado na entrevista com o supervisor da região. Cabe
destacar que o hospital, a partir do qual seria organizada essa microrregião, esteve
representado apenas na primeira reunião tanto do fórum regional quanto do
macrorregional do qual era componente.
93
“O hospital X, ele faz parte também da nossa microrregião, e existem aqui as
reuniões de microrregião. E, eu estou aqui desde dezembro, como eu falei, e até
agora não foi agendada nenhuma reunião de micro” (supervisor).
Por outro lado, constatou-se a ocorrência de três reuniões do Fórum da Microrregião-
2, em meses consecutivos. Ressalte-se que o hospital localizado na Microrregião-1 é
vinculado a SES-SP, enquanto o da Microrregião-2 é municipal. É importante
destacar, ainda, que duas das quatro microrregiões propostas para a Macrorregião-1
seriam organizadas a partir de hospitais vinculados a SES-SP, uma a partir de
hospital universitário e a outra de hospital próprio do município. De acordo com as
atas, o único Fórum que se constituiu, de fato, foi aquele vinculado ao hospital
municipal. Ao que parece, o envolvimento dos serviços nos Fóruns pode estar
relacionado, entre outros fatores, com sua vinculação institucional.
A análise das atas permitiu identificar que ocorreu um significativo esvaziamento dos
Fóruns como conseqüência, em grande medida, da não participação dos hospitais
vinculados à SES-SP. Dentre os 13 hospitais sob gestão estadual constituintes do
Fórum Regional, e presentes em sua primeira reunião, apenas dois compareceram à
segunda.
Evidenciou-se, ainda que, apesar do objetivo manifesto ter sido a constituição de
microrregiões, a estratégia adotada para implementação do projeto privilegiou os
níveis regional e macrorregional. As microrregiões que seriam organizadas a partir
desses espaços, não foram efetivamente implementadas.
Alguns atores entrevistados associaram a interrupção dos Fóruns à baixa
governabilidade dos gestores regionais do SUS no município. Nesse sentido, é
94
interessante observar a semelhança entre os relatos de dois gestores, entrevistados em
separado e, em momentos distintos.
“Chegou um momento que a gente começou a perceber (...) que havia muitos fóruns
de micro e as pessoas que desciam pra discutir no fórum não eram as pessoas que
tinham governabilidade pra resolver nada. Então, você ia, ia, ia, falava, falava e não
resolvia. Daí eu disse ‘suspende qualquer reunião de micro agora, vamos tentar
resolver esses nós que foram todos elencados, vamos discutir porque dependia da
secretaria, dependia de situações de estado’. (...) Então essa governabilidade, a
gente tem que levar pra secretaria essa discussão” (coordenador 1).
“Chegou uma hora que realmente travou o processo. Foi determinado que essas
reuniões iam diminuir porque precisava ter minimamente uma autonomia maior.
Mas, chegou uma hora em que não tinha essa autonomia mesmo, no sentido de
aumentar os recursos, porque dependia da política geral, seja do município, seja do
estado” (assistente técnico da CRS1).
As reflexões do assessor técnico do gabinete da SMS-SP, acerca das dificuldades
enfrentadas para implementar esse projeto, incorporaram outros aspectos da política
institucional para justificar a interrupção dos Fóruns.
“Eu acho que isso é assim uma coisa mais instituída. Faz parte da cultura. (...) O
objetivo dos encontros era muito mais no sentido de pactuar os serviços. (...) Mudou
o governo, mas as pessoas são as mesmas (...)você tem que mudar um pouco essa
cultura e fazer, também, com que se enxergue que, na verdade, tem que ter um olhar
da gestão, de fato, do sistema. (...) Cada um tem uma visão do que está acontecendo
95
no sistema. que de uma forma fragmentada” (assessor técnico do gabinete da
SMS-SP).
O insucesso do projeto foi relacionado, também, ao fato de que a SMS-SP não o
assumiu enquanto uma de suas prioridades políticas. Segundo um dos coordenadores
entrevistados o projeto, apesar de muito bom tecnicamente, ficou vinculado ao
técnico que o idealizou, apesar de o mesmo ter ocupado cargo de confiança junto ao
gabinete do secretário.
“Era um projeto do [assessor técnico do gabinete da SMS-SP]. Quando ele sai
ninguém encabeça esse projeto de verdade, mas ele tinha muita consistência, do
nosso ponto de vista dos coordenadores. (...) Não vou dizer que ela sumiu; ninguém
disse pra mim ‘olha esqueça o [projeto] mas ninguém incentivou que aquilo
andasse” (coordenador 2).
Considerando-se as questões e dificuldades registradas na implementação das
microrregiões, foram levantadas hipóteses sobre fatores que podem ter condicionado
a curta duração desse espaço potencial de gestão regional. Entre elas são destacadas
as seguintes: a) a SMS-SP tinha baixa governabilidade para conduzir esse processo,
na medida em que vários hospitais e ambulatórios de especialidades permaneciam
sob a gestão da SES-SP; b) o nível regional (CRS) da SMS-SP, responsável pela
coordenação do processo tinha pouca autonomia e baixa governabilidade, dado o
caráter centralizador da gestão municipal; c) a construção do projeto não
comprometeu todos os atores estratégicos para sua operacionalização; e) poder
institucional dos hospitais e sua resistência em se integrar a um sistema de saúde.
96
DISCUSSÃO
A concepção de região de saúde e as estratégias utilizadas para sua implementação,
no município de São Paulo, refletem as orientações da política de saúde do período
estudado, particularmente em relação ao modelo de atenção e ao caráter centralizador
da gestão.
A prioridade conferida pela SMS-SP a esse projeto é outra variável que foi
incorporada nessa análise. As constantes trocas de secretários municipais de saúde,
observadas durante o período em estudo, podem indicar mudanças na orientação das
políticas de saúde da SMS-SP, com repercussões nas suas prioridades. Assim, a
viabilidade de um projeto apresentado no início da gestão, independentemente de sua
qualidade técnica, tende a ser comprometida.
O hospital foi apresentado como o núcleo central da região de saúde, isto é, as
microrregiões seriam organizadas a partir dos mesmos. A centralidade do hospital no
modelo proposto ficou mais evidente a partir da análise da composição dos fóruns.
Os serviços da atenção básica, os ambulatórios de especialidade e os prestadores
privados da região estudada não foram integrados em qualquer etapa do projeto. Não
se observou, tampouco, a preocupação de envolver representações de usuários e de
trabalhadores da saúde nesse processo.
Por outro lado, não foi evidenciado processo de discussão e negociação prévia com
os hospitais para que os mesmos assumissem o papel proposto. E, ainda, a
implantação dos fóruns foi conduzida pela Coordenadoria Regional de Saúde que era
97
responsável apenas pela assistência ambulatorial, não tendo relação institucional
direta com os hospitais, os quais estavam subordinados a outra estrutura da SMS-SP.
Essa situação era agravada pelo fato de que a SMS-SP não havia assumido a gestão
dos ambulatórios de especialidade e hospitais estaduais, que continuavam sob a
gestão da SES-SP. Esse quadro retrata a condição de baixa governabilidade do
próprio gestor municipal em relação a esses serviços públicos de saúde localizados
no município. Mesmo que a opção da SMS-SP fosse pelo compartilhamento ou co-
gestão do sistema com a SES-SP, as negociações ainda não haviam avançado nessa
direção.
Deve-se ponderar, também, o papel desempenhado pelo gestor estadual nesse
processo. Não se observaram evidências que demonstrassem o interesse da SES-SP
em pactuar a gestão de seus serviços com a SMS-SP. Cabe observar que, no período
estudado, o governo do estado implementou uma reestruturação daquela secretaria,
reafirmando seu papel na gestão dos serviços ambulatoriais e hospitalares sediados
na capital paulista. Nessa mesma direção, outros estudos (Oliveira, 2003; Solla,
2006) relataram a resistência do gestor estadual em implementar a gestão
compartilhada ou a transferência de serviços para a esfera municipal, em particular
em regiões onde o estado tinha maior tradição e estrutura de serviços de saúde,
como é o caso do município de São Paulo.
Nesse cenário, o gestor regional do SUS municipal não teve, e dificilmente terá,
governabilidade para coordenar a regionalização dos serviços de saúde, um processo
complexo que demanda articulação e pactuação políticas entre distintos atores
institucionais e sociais com interesses, por vezes, conflitantes. Na medida em que os
98
atores presentes nessa arena política identificam a fragilidade desse gestor, mantém-
se a resistência às propostas de integração interinstitucional. É importante considerar
que os distintos atores sociais, geralmente, ponderam e calculam sobre as vantagens,
para sua posição, antes de aderir a qualquer projeto dessa magnitude (Matus, 1993;
Coelho, 1998).
Outra questão importante a ser considerada na análise desse contexto está
relacionada com a influência que políticas de saúde prévias e o desenho institucional
exercem na conformação de uma determinada política de saúde (Hall e Taylor,
2003). Nesse sentido, destacam-se a trajetória e o lugar ocupado pelos hospitais no
sistema de saúde brasileiro, na medida em que seu desenvolvimento foi marcado por
um modelo que privilegiou a assistência médica hospitalar, com forte apoio do
Estado. Ao mesmo tempo em que a instituição Hospital assumia grande centralidade
no sistema de saúde, paradoxalmente, aumentava sua independência em relação ao
mesmo. Cabe destacar, ainda, que os hospitais, inclusive os públicos, constituíram-se
a partir de uma lógica organizacional específica, com um sistema próprio de normas
e valores e desfrutam, até hoje, de uma considerável autonomia para estabelecer sua
clientela e definir a modalidade assistencial ofertada (Campos, 1992; Carapinheiro,
1993).
O SUS, apesar de contemplar em seu projeto inicial críticas a esse modelo, foi
implementado sobre a estrutura e lógica do extinto INAMPS (Instituto Nacional de
Assistência Médica da Previdência Social), no qual o hospital era o núcleo central da
assistência (Trevisan, 2007). No caso do município de São Paulo, é importante
lembrar que grandes hospitais públicos, de hoje, foram construídos e instituídos pelos
99
antigos IAPs (Institutos de Aposentadorias e Pensões), tendo sido incorporados pelo
INAMPS e, posteriormente, pela SES-SP. Desde sempre funcionaram de forma
autônoma e com muita resistência em se articularem com os demais serviços de
saúde vinculados a SES-SP e, particularmente, a SMS-SP. Essa situação pouco se
alterou, pois até 2008 os mesmos continuavam sob a gestão da SES-SP.
Considerando que a regionalização do sistema de saúde caminha pari passu à
descentralização, é condição para sua operacionalização o fortalecimento da
capacidade de governo e da governabilidade dos governos locais, particularmente em
relação a setores que tradicionalmente não se submetiam ao controle da esfera
municipal (Silva e Mendes, 2004; Lima, 2005). Quando esse processo ocorre
internamente a um município, que se considerar o papel estratégico que o gestor
regional do SUS, no âmbito municipal, deve desempenhar em sua condução.
Considerações Finais
O projeto de regionalização proposto para o município de São Paulo apresentava
uma racionalidade técnica coerente com os atuais desafios do SUS, na medida em
que visava organizar sistemas de saúde funcionais, a partir de processos de pactuação
e integração entre diferentes serviços existentes em uma região. No entanto, apesar
de ter sido idealizado por assessores do Gabinete da SMS-SP, esse projeto não teve
sustentação política, por não ter sido incorporado na agenda de prioridades da gestão
municipal. Alguns elementos dessa política municipal de saúde eram, inclusive,
muito desfavoráveis a um projeto dessa natureza. Dentre eles, destacam-se a
centralização da gestão, com o esvaziamento técnico e político do nível regional, e a
100
separação político-administrativa entre atenção sica e assistência hospitalar,
agravada pela precária integração com os serviços sob a gestão da SES-SP.
No entanto, a despeito desses constrangimentos da política municipal de saúde, foi
apresentado um projeto que teria grande potencial para construir um processo de
regionalização mais funcional e racional, a partir do nível local. Porém, a
operacionalização da proposta manteve a lógica formal centralizada da gestão. Por
um lado, privilegiou o espaço macrorregional, mais estrutural, em detrimento ao
microrregional, mais funcional. Na realidade estudada, as microrregiões não saíram
do papel. Por outro lado, não envolveu todos os atores estratégicos para a
constituição de uma região de saúde. Foram privilegiados os hospitais, que por sua
história institucional e, pelo próprio contexto atual da saúde no município, não
reconheciam a autoridade do gestor municipal para coordenar o processo. Assim, ao
que nos pareceu, a estratégia utilizada para organizar espaços para pactuação e
construção da regionalização não teve potência para envolver e sensibilizar os
distintos atores.
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104
ANEXOS
Figura 1. Esquema da organização das Regiões e Fóruns na CRS-1, SMS-SP
Tabela 1. Instituições e serviços participantes das reuniões do Fórum Regional e
Fórum da Macrorregião-1 da CRS-1. São Paulo (SP), 2005.
Regional Macrorregião-1
1ª reunião 2ª reunião 1ª reunião 2ª reunião
FÓRUM
INSTITUIÇÃO
particip
antes
Institui
ções
particip
antes
institui
ções
particip
antes
institui
ções
particip
antes
institui
ções
SMS-SP
Assessoria de Gabinete
Coordenadoria e Supervisões
Autarquia Hospitalar
Hospital e Pronto socorro
Ambulatório de Especialidades
UBS e PSF
23
6
10
2
5
0
0
17
4
6
2
5
0
0
21
4
9
3
5
0
0
13
1
6
1
5
0
0
14
2
7
2
3
0
0
7
1
3
1
2
0
0
7
0
5
1
1
0
0
5
0
3
1
1
0
0
SES-SP
Assessoria de Gabinete
Hospital
Ambulatório de Especialidades
15
2
13
0
9
1
8
0
3
1
2
0
3
1
2
0
3
1
2
0
2
1
1
0
2
1
1
0
2
1
1
0
Outras
Hospital universitário
“Parceiro” privado de SMS-SP
Hospital privado prestador SUS
Outros
9
1
6
0
2
3
1
1
0
1
2
1
1
0
0
2
1
1
0
0
2
1
0
0
1
2
1
0
0
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
TOTAL 47 29 26 18 19 11 9 7
Fonte: atas e memórias das reuniões da CRS-1 (2005)
105
4.3. O DIFÍCIL ACESSO A SERVIÇOS DE MÉDIA COMPLEXIDADE DO
SUS NA MAIOR METRÓPOLE BRASILEIRA, SÃO PAULO (SP),
BRASIL
O artigo “O difícil acesso a serviços de média complexidade do SUS na maior
metrópole brasileira, São Paulo (SP), Brasil” foi formatado para ser apresentado
aos editores do periódico Physis de Saúde Coletiva, que é uma publicação do
Instituto de Medicina Social, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro (RJ). Foram seguidas todas as instruções, da revista, para elaboração de
artigos.
Situação: Não enviado
106
O difícil acesso a serviços de média complexidade do SUS na maior metrópole
brasileira, São Paulo (SP), Brasil
3
The difficult access to secondary care services in the largest brazilian
metropolis, São Paulo (SP), Brazil
Sandra Maria Spedo
Médica Sanitarista - Depto. Medicina Preventiva, Unifesp. Mestre em Saúde
Coletiva (Unicamp). Doutorando em Saúde Pública da Faculdade de Saúde
Pública, USP.
Rua Botucatu, 740, CEP:04123-062, Vila Clementino - São Paulo (SP), Brasil
E-mail: [email protected] Tel.: (55-11) 5571-50000 r.254
Nicanor Rodrigues da Silva Pinto
Médico Sanitarista Depto. Medicina Preventiva, Unifesp; Mestre em Ciências da
Saúde (Unifesp). Doutorando em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública,
USP.
Rua Botucatu, 740, CEP:04123-062, Vila Clementino - São Paulo (SP), Brasil
E-mail: [email protected] Tel.: (55-11) 5571-5000 r.254
Oswaldo Yoshimi Tanaka
Professor Titular - Departamento de Práticas - Faculdade de Saúde Pública, USP.
3
A Pesquisa que originou os dados para realização deste artigo teve apoio financeiro parcial da
FAPESP e CNPq.
107
RESUMO
O acesso aos serviços de média complexidade tem sido apontado, por gestores e
pesquisadores, como um dos entraves para a efetivação da integralidade do SUS.
Este artigo teve o objetivo de avaliar mecanismos utilizados pela gestão do SUS, no
município de São Paulo, para garantir acesso à assistência de média complexidade,
durante o período de 2005 a 2008. Optou-se pela estratégia de estudo de caso,
utilizando as seguintes fontes de dado: entrevistas com gestores; grupo focal com
usuários e observação participante. Utilizou-as técnica de análise temática, a partir do
referencial teórico da integralidade da assistência, na dimensão da organização de
serviços. Buscou-se descrever os caminhos percorridos pelos usuários para acessar os
serviços da média complexidade, a partir da visão dos gestores e dos próprios
usuários. A média complexidade foi identificada, pelos gestores, como o “gargalo”
do SUS e um dos principais obstáculos para a construção da integralidade. Para
enfrentar essa situação o gestor municipal investiu na informatização dos serviços,
como medida isolada e, ainda, sem considerar a necessidade dos usuários. Sendo
assim, essa incorporação tecnológica teve pouco impacto na melhoria do acesso, o
que se confirmou no relato dos usuários. Discute-se que para o enfrentamento de um
problema tão complexo são necessárias ações articuladas, tanto no âmbito da política
de saúde, quanto da organização dos serviços, bem como na (re)organização do
processo de trabalho em todos os níveis do sistema de saúde.
Palavras-chave: média complexidade; integralidade; gestão em saúde; Sistema
Único de Saúde; política de saúde.
108
ABSTRACT
The population access to the secondary health care services is being pointed, by
managers and researchers, as one of the challenges to the implementation of
integrality in the Brazilian National Health System (SUS). This article has the
objective of evaluate the mechanisms used by SUS manager´s, in the city of São
Paulo, to guarantee the medical assistance, during the period from 2005 to 2008. The
strategy of case study was chosen, using as data sources such as managers
interviews, focus groups with SUS users, and participative observation. Thematic
analysis was made on health services organization, with theoretical references of the
integrality concept. It tried to describe the path covered by the users to have access to
the services, through the view of users and managers. The secondary health care
services was identified by managers as the “neck of a bottle” and one of the main
obstacle to the SUS integrality. To overcome this situation the municipal manager
invested on the computerization of the services, as an isolated step, and still, without
considering user´s needs. Though necessary, this technological incorporation had low
impact on the improvement of the population access to the secondary health care
services, which was confirmed on user’s sayings. It is argued that for such a complex
problem are necessary articulated actions, not only on the health politics circuit but
also on the organization of the services one, and also in the (re)organization of the
working process in every level of the health system.
Key words: secondary health services; integrality; health management; Single Health
System; health policy
109
INTRODUÇÃO
O processo de construção do SUS é marcado por uma expressiva extensão da
cobertura e do acesso dos cidadãos aos serviços de saúde. A partir de meados da
década de 1990 houve um importante incremento de serviços de atenção básica
(AB), induzidos pelo Ministério da Saúde por meio de critérios de habilitação dos
municípios às distintas modalidades de gestão do sistema de saúde e de
financiamento diferenciado, estabelecidos na NOB-SU96. A criação do piso de
atenção básica (PAB) foi identificada por Bodstein (2002) como a principal
estratégia do governo para operacionalizar a prioridade da AB. Esse se constituiu,
ainda, em importante mecanismo de indução para viabilizar o Programa de Saúde da
Família (PSF), apresentado como a estratégia para mudança do modelo de ateão.
Em 2006, o Ministério da Saúde reafirmou o papel estratégico da AB para a
implementação do SUS. Essa deveria se consolidar enquanto porta de entrada
preferencial e eixo orientador para estruturação dos sistemas locais de saúde.
(Brasil.MS, 2007). Contudo, esse movimento de priorização da AB, na última
década, não foi acompanhado de investimento semelhante na organização dos demais
níveis do sistema, bem como na articulação entre eles no sentido de garantir a
continuidade do cuidado, visando à integralidade da atenção. Santos e Gerschman
(2004, p. 803), ao analisarem a segmentação da oferta de serviços de saúde no Brasil,
afirmam que “o SUS hoje parece estar caminhando no sentido do ‘plano de
cuidados básicos’” e abrindo mão da prestação direta de serviços de maior
complexidade, que ficariam para a iniciativa privada.
110
Nesse sentido, gestores de distintas esferas de governo têm assinalado que a
dificuldade de acesso aos serviços especializados, ou à média complexidade,
representa um dos principais entraves para garantir a integralidade da atenção. A
presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo
(Cosems-SP), da época, apontou a existência de “um estrangulamento no acesso aos
procedimentos de média complexidade. Isso afeta todos os municípios” (Pimenta,
2005). Em entrevista, o atual ministro da saúde também afirmou que a atenção
especializada é “um desafio importante” para o SUS, na medida em que envolve
questões complexas, relacionadas à qualidade dos serviços, à precarização dos
salários, desorganização do sistema, falta de integração e articulação em vários
níveis, e, ainda, sub-financiamento. Se o ministério e seus parceiros não
conseguirem dar respostas ao desafio da atenção ambulatorial e hospitalar das
grandes cidades, eu teria fracassado” (Temporão, 2007, p. 12).
Esse problema foi identificado, também, em uma avaliação do processo de
implementação do PSF em todos os municípios brasileiros, realizado pelo Ministério
da Saúde, entre 2001 e 2002. Uma das conclusões apresentadas nessa avaliação foi
que “o apoio diagnóstico e a referência para atenção especializada ainda foram
insuficientes para garantir a resolubilidade e a continuidade da atenção às
populações assistidas pelo Programa Saúde da Família”. E, a construção de redes
assistenciais foi apontada como um dos principais desafios para garantir a
continuidade da atenção, articulando atenção básica e serviços de média e alta
complexidade (Brasil.MS, 2004, p. 24). Outros estudos, com abordagens distintas,
contemplaram avaliações semelhantes ao considerar que a resolutividade da AB
111
depende, em grande medida, do acesso a exames e serviços especializados (Teixeira,
2003; Mendes, 2007; Feuerwerker, 2005; Escorel e col., 2007).
Vale ressaltar que a resolubilidade da AB está associada a outros fatores, tais como,
questões relacionadas à estrutura física dos serviços, processo e gestão do trabalho e
capacitação dos profissionais que por sua vez, repercutem na demanda por serviços
especializados. É importante considerar, ainda, o protagonismo dos usuários que, sob
influência do modelo médico-hegemônico, pressionam e buscam serviços e
procedimentos especializados.
Desde a década de 1920, distintos países vêm estruturando sistemas nacionais de
saúde orientados pelas premissas apresentadas por Dawson, entre as quais se destaca
a organização dos serviços em níveis de assistência (primário, secundário e terciário),
com complexidade crescente (Novaes e Mir, 1990). No processo de implantação do
SUS, foi introduzida nova terminologia para esses níveis de atenção, assumida,
efetivamente, a partir da edição da NOAS SUS 01/2002. Partindo da mesma
concepção hierárquica de sistemas de saúde, essa norma estabelece a regionalização
como estratégia de hierarquização dos serviços de saúde, considerando para tal três
níveis de atenção: atenção básica (AB), média complexidade (MC) e alta
complexidade (AC). Atualmente, o Ministério da Saúde adota a seguinte
conceituação (Brasil.MS, 2004):
Atenção básica: “constitui o primeiro nível de atenção. (...) Engloba um conjunto de
ações, de caráter individual e coletivo, que envolvem a promoção da saúde, a
prevenção de doenças, o diagnóstico, o tratamento e a reabilitação dos pacientes.
112
(...) Cabe também à atenção básica proceder aos encaminhamentos dos usuários
para os atendimentos de média e alta complexidade”.
Média complexidade: Compõe-se por ações e serviços que visam atender aos
principais problemas e agravos de saúde da população, cuja prática clínica
demande a disponibilidade de profissionais especializados e o uso de recursos
tecnológicos, para o apoio diagnóstico e terapêutico”.
Alta complexidade: “Conjunto de procedimentos que, no contexto do SUS, envolve
alta tecnologia e alto custo, objetivando propiciar à população acesso a serviços
qualificados, integrando-os aos demais níveis de atenção à saúde (atenção básica e
de média complexidade)”.
Em decorrência da imprecisão conceitual, muitas vezes, define-se a MC por
exclusão, ou seja, aquilo que “não cabe” na AB e que também não está na tabela da
AC. Destaque-se, que esses conceitos denotam uma visão fragmentária de sistema e,
ainda, centrada na produção de procedimentos (Brasil.Conass, 2007; Gottems e col.,
2008).
A maioria dos procedimentos classificados, pelo Ministério da Saúde, na MC
subsidia o esclarecimento do diagnóstico das doenças, o que justifica seu caráter
estratégico tanto para aumentar a resolubilidade da AB, quanto para viabilizar a
universalidade e integralidade do SUS. A MC se constitui em “verdadeiro anteparo
para o bom desempenho do sistema de saúde. Nesse sentido, tanto pode avançar na
qualidade da atenção, como pode constituir-se em crítico dos mais complexos”
(Gottems e col., 2008, p. 28-29).
113
Dessa forma, o acesso aos serviços da MC se apresenta com um desafio para todos
os gestores do SUS que, no entanto, assume diferentes dimensões, na dependência
das características de cada estado, região, ou município.
O presente artigo teve como objetivo avaliar mecanismos utilizados pela gestão do
SUS, no município de São Paulo, para garantir acesso à assistência de média
complexidade e promover a integralidade da atenção.
MÉTODOS
Para a realização desta pesquisa, optou-se pela estratégia do estudo de caso que é
caracterizado como uma investigação empírica sobre um fenômeno contemporâneo
complexo, em seu contexto, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o
contexto não estão claramente definidos (Yin, 2005).
Considerando os objetivos do estudo, delimitou-se o campo a uma instância do nível
regional da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (SMS-SP). Essa
corresponde a uma Supervisão cnica de Saúde (STS) que abrange uma
Subprefeitura com três Distritos Administrativos e com uma população residente
estimada em cerca de 430 mil habitantes. No município, existem 24 STSs que são
subordinadas a cinco Coordenadorias Regionais de Saúde (CRS)s. A CRS
responsável por pela STS estudada contempla mais quatro STSs, abrangendo o
território de sete Subprefeituras e uma população residente total estimada em cerca
de 2,5 milhões de habitantes.
114
A eleição do campo baseou-se nos seguintes critérios: a existência de um número
significativo de serviços públicos de saúde dos distintos veis de complexidade e, a
manutenção da unidade político-administrativa do território desde a retomada do
SUS no município. Essa escolha foi, posteriormente, negociada com assessoria da
Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (SMS-SP)
O estudo abrangeu a gestão municipal da cidade de São Paulo do período 2005 a
2008, tendo sido utilizadas as seguintes fontes evidências: entrevistas com
informantes-chaves, grupo focal com usuários de serviço de saúde, e observação
participante.
As entrevistas foram de não-estruturadas, utilizando-se para tanto um roteiro básico
com pontos considerados centrais, em torno dos quais os autores exploraram
questões mais relevantes, o que permitiu detalhar temas de interesse. Essas foram
conduzidas pelos pesquisadores, gravadas e, posteriormente, transcritas por um
assistente de pesquisa. Foram entrevistados sete gestores da SMS-SP, tanto do nível
locorregional quanto assessores do Gabinete, e um gestor da Secretaria de Estado da
Saúde de São Paulo (SES-SP) - assessor técnico do Gabinete.
O grupo focal (Carlini-Cotrim, 1996) foi realizado com usuários de uma das
Unidades Básicas de Saúde (UBS) da região estudada. O critério utilizado para
seleção dos participantes foi ser portador de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS).
Isso, por se tratar de uma doença crônica, de grande prevalência, que, por suas
características, e critérios estabelecidos em programas institucionais, exige para seu
acompanhamento exames e consultas especializadas. Buscaram-se junto à STS
informações sobre cadastros de usuários portadores dessa patologia. Em decorrência
115
da inexistência de registros, o caminho seguido foi identificar, entre as UBSs, aquela
que mais encaminhava pacientes para consulta com cardiologista. A partir da
definição da unidade, obteve-se a relação dos usuários encaminhados para
cardiologia nos três meses anteriores. A partir da análise dos prontuários, foram
selecionados e convidados 15 usuários. Desses, sete participaram do grupo. O tema
explorado no grupo foi centrado nas facilidades e dificuldades enfrentadas pelos
participantes para utilizar serviços de cardiologia.
A observação participante foi desenvolvida na UBS durante o processo de seleção e
organização do grupo focal, em visitas a outros serviços de saúde, e em conversas
com gestores e trabalhadores da região estudada.
A partir do trabalho de campo, realizou-se a classificação e agregação dos dados,
tendo como referência a técnica da análise temática (Bardin, 2004). A categoria
analítica central foi integralidade da atenção. Considerando a polissemia desse termo,
assumimos utilizá-lo, neste estudo, em apenas um de seus múltiplos sentidos, qual
seja, o modo de organizar os serviços e as práticas de saúde (Mattos, 2001) sem,
contudo, desconsiderar, ou minimizar a importância dos demais. Giovanella e col.
(2002) construíram um conceito de integralidade composto por quatro dimensões,
sendo uma delas a garantia de atenção nos três níveis de complexidade da
assistência médica. Para esses autores, essa dimensão esrelacionada diretamente à
organização do sistema de saúde.
O projeto de pesquisa, que gerou os dados utilizados neste artigo, foi aprovado pelos
Comitês de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP e da Secretaria
116
Municipal de Saúde de São Paulo, com base na Resolução 196/96 do Conselho
Nacional de Saúde.
RESULTADOS
1. O “gargalo” do SUS no município: a média complexidade
O tema da dia complexidade se destacou na análise das entrevistas, cujo objeto
central foi a integralidade do SUS no município. Pode-se constatar um consenso
entre os distintos relatos quanto à necessidade de superar os obstáculos no acesso à
média complexidade para se avançar na integralidade do sistema.
Apesar da cidade São Paulo se constituir na maior e principal metrópole brasileira e,
concentrar os principais serviços de assistência médico-hospitalar do país, a média
complexidade foi avaliada, pelos gestores municipais, como o “gargalo”, o “buraco”,
o grande “obstáculo” do SUS no município.
“No que se refere às consultas de urgência e emergência a impressão que a gente
tem é que nós ofertamos mais do que o preconizado por qualquer parâmetro do
Ministério. (...) No que se refere à consultas de complexidade primária, não é o
suficiente pelo parâmetro do Ministério, mas também não é muito distante. No que
se refere às consultas de média complexidade, tem um buraco, ai tem um déficit
grande das consultas de média pra gente poder resolver. (...) O call center (...)
distribui 100 mil consultas. (...)Mas o município precisa 300 mil ” (assistente técnico
da SES -SP).
117
“O gargalo é o vel secundário, o acesso de especialidades e exames pra
diagnóstico. (...) Um gargalo que vira até obstáculo, é mais do que um desafio.
Porque, uma coisa é um desafio que te motiva e você vai e tenta superar. Outra
coisa é um obstáculo paredão que ‘puxa daqui eu não consigo nem passar’. O que
eu entendo como gargalo obstáculo é a parte da secundária (coordenador da atenção
básica).
Os próprios gestores assinalaram alguns fatores que poderiam explicar, em parte,
esse buraco” na média complexidade. Um ponto que chama a atenção é o fato de
que, em muitas situações, o acesso a procedimentos de alta complexidade é
relativamente mais fácil do que a procedimentos da média complexidade.
“Até a alta complexidade você tem na cidade. Você consegue uma ressonância, você
consegue até fazer um transplante hepático. Mas não consegue operar varizes! (...)
Você pode dizer que é a vocação da cidade, a alta complexidade. Mas nós temos que
ter alguma coisa também na média complexidade” (coordenador regional).
A Tabela SUS foi lembrada, por um dos gestores, como um dos fatores que estariam
associados a essa situação. Isto, pois os valores pagos para procedimentos de alta
complexidade são mais atrativos, o que induziria os prestadores privados a
privilegiar a realização desses em detrimento daqueles da média complexidade.
“Um dos principais problemas da rede, em termos de acesso, nem é o da tomografia.
É ultrassonografia. São os exames de média complexidade. (...) Normalmente [são
feitos] nos hospitais, nos serviços contratados. (...) A tabela também não paga bem
[os exames da média complexidade]. Então não é interessante pros conveniados
contratados, sabe?” (assistente técnico do gabinete SMS-SP).
118
A baixa resolutividade dos serviços foi destacada por vários gestores entrevistados.
Por um lado, apontou-se a necessidade de qualificar os encaminhamentos da atenção
básica por meio de capacitação dos profissionais, médicos em particular, e da
elaboração e utilização de protocolos. No entanto, de acordo com os próprios
entrevistados não houve nenhum avanço nessa direção.
“A gente tem que ter um pouquinho mais de protocolo. (...) Nós temos poucos,
alguns protocolos, todos na gaveta. Operando na prática, muito pouco (...). Não
conheço protocolos formais. Porque, protocolos que não são pactuados com o
médico é um problema. Se ele não está convencido, ele não faz, não faz”
(coordenador regional).
Por outro lado, foi abordada a baixa resolubilidade dos ambulatórios de
especialidades. Essa foi associada tanto à qualidade do atendimento, quanto à
dificuldade em realizar os exames necessários para o esclarecimento do diagnóstico
e/ou definição da terapêutica.
“Uma coisa que emperra é nossa capacidade de diagnóstico na especialidade. (...)
Por exemplo, cardio. A quantidade de eco[cardiogramas] disponíveis, de eletro
disponível é muito pequena. Então, o indivíduo fica tendo consulta no ambulatório
de especialidade. Porque o tempo que ele leva pra conseguir consulta com cardio e
firmar o diagnóstico e a conduta pra poder encaminhar também é grande. Porque
nós temos um estreitamento da hora de conseguir os exames de especialidades”
(coordenador da atenção básica).
Essa questão repercute no acesso de novos pacientes aos ambulatórios de
especialidade, na medida em que aumenta o número de retornos até a resolução do
119
caso. E, para agravar ainda mais essa situação, muitas vezes, por interesse do serviço,
do médico ou até do próprio paciente, esse “congela no ambulatório” e o volta
para a UBS. Sendo assim, “apesar do ambulatório de especialidades ter fechado
vagas pras unidades (...) não quer dizer que eu passei na unidade eu vou conseguir
agendar em tempo hábil e que o ambulatório está devolvendo rapidamente. Não
está!” (coordenador da atenção sica). De acordo com o assistente técnico da SES-
SP, das 100 mil consultas de especialidade oferecidas mensalmente no call center
apenas 20 mil são novas.
Vários gestores deram ênfase à condição particular das especialidades cirúrgicas, tais
como ortopedia, urologia e cirurgia vascular, que apresentavam grande demanda
reprimida. De acordo com seus relatos, a resolutividade dessas especialidades em
ambulatórios isolados, sem retaguarda hospitalar é muito limitada.
“Passa no cirurgião vascular, ele fala: ‘não, realmente, tem varizes, tem que operar.
Volta pra unidade básica. (...) Pra eles encaminharem pra um serviço que faz
cirurgia vascular” (coordenador regulação CRS).
“O paciente é encaminhado ao ambulatório [X]. (...) Tem um fila de espera. Hoje,
ortopedia tem 45 dias a 60 dias na fila esperando a consulta. Quando ele
finalmente chega no dia abençoado da consulta, ao ser avaliado, o nosso ortopedista
(...) avalia aquele caso, e aquele caso é cirúrgico. Faz um novo encaminhamento e a
pessoa novamente entra na regulação como se fosse um caso novo (...) pra ser
encaminhada pra um ambulatório que tenha cirurgia” (supervisor técnico).
Nesse sentido, dois gestores sugeriram que essas especialidades não deveriam ser
mantidas em serviços ambulatoriais isolados, desvinculados de hospitais. O
120
coordenador da regulação da SMS-SP questionou, inclusive, a ausência de um
projeto político para enfrentar essa situação.
“Tem que ter uma política institucional pra que as coisas realmente aconteçam. Eu
acho que você identifica esses vários problemas, organiza uma área e não adianta
mesmo você ter o cirurgião naquele ambulatório sem que ele possa operar! (...) A
gente nunca pode perder de vista essa linha de atenção, que é desde a porta de
entrada até a resolução. Senão, a gente fica brincando o tempo todo, e o problema
existe mesmo” (coordenadora regulação SMS-SP).
Alguns entrevistados deram destaque ao fato de que a SMS-SP o havia assumido,
ainda, a gestão de todos os serviços públicos localizados no município. Essa
conjuntura representava mais um importante entrave à organização do sistema de
saúde, como pode ser evidenciado no trecho abaixo.
“(...) Essa diversidade de atores, que é um estado [Secretaria Estadual de Saúde]
ainda muito forte na média complexidade, na alta complexidade. Então, você fica na
dependência da política, dos humores da política. Onde pode, onde não pode. (...)
Nós melhoramos muito, melhoramos muito na integração com o estado. Mas se
sempre um grande desafio, visto que apesar da gestão plena a gente não tem a
gestão de fato do serviço” (coordenador regional).
2. Os caminhos para acessar a média complexidade: o relato dos gestores
Pode-se constatar, neste estudo, que o acesso aos serviços da média complexidade,
no município de São Paulo, estava condicionado ao encaminhamento dos usuários
por uma UBS. Inclusive, os serviços de pronto-atendimento deveriam,
121
obrigatoriamente, encaminhar os pacientes que necessitassem de consulta ou exame
especializado para uma UBS, pois somente esse serviço tem acesso ao sistema de
agendamento. Dessa forma, a SMS-SP transformou ‘burocraticamente’ a UBS na
porta de entrada do SUS no município.
Essa medida tinha, pelo menos, duas repercussões importantes. A primeira, dificultar
o acesso de pacientes que, de fato, necessitavam de serviços especializados. E, a
segunda, de disputar e ocupar as poucas vagas disponíveis, para consultas médicas
nas UBSs, com procedimentos meramente burocráticos, de “trocas de guia”.
O sistema de regulação municipal é responsável por coordenar e organizar todo o
fluxo de usuários no SUS municipal. Além de uma Coordenadoria no nível central da
SMS-SP - Coordenadoria de Integração e Regulação do Sistema -, existiam equipes
de regulação no âmbito das CRSs e das STSs. No entanto, evidenciou-se que a
estrutura desse sistema no município era bastante limitada. Até agora, a gente não
tem tido nem perna nem vontade política de fazer realmente isso funcionar. (...) Nós
somos poucas pessoas, as pessoas não são treinadas, não sabiam o que é regulação”
(coordenador da regulação SMS-SP).
Essas limitações estruturais também foram ressaltadas pelos gestores da CRS e da
STS.
“Eu tenho três pessoas trabalhando na regulação. (...) Essas pessoas, elas têm uma
missão, um trabalho, muito grande, de regular o sistema de saúde onde você tem
atores, (...) o estado (...) e uma parte mínima do sistema privado. (...) Eu não tenho
uma estrutura administrativa, técnica. A regulação são pessoas” (supervisor
técnico).
122
“[A estrutura] é o grande gargalo. (...) Na coordenadoria é realmente uma coisa
complicada. (...) Nós somos muito poucos” (coordenador regulação CRS).
Alegou-se que, em decorrência do número reduzido de técnicos que atuavam na área,
tanto no nível central, quanto regional, não era possível desempenhar os distintos
papéis do sistema de regulação. Os coordenadores da regulação demonstraram ter
clareza quanto a suas atribuições. “A regulação no vel de coordenadoria deveria
pensar mais, planejar, programar, organizar fluxo, organizar treinamento, verificar
protocolos. A gente sabe que o ideal seria fazer isso. Só que hoje a gente está
tomado pela falta de RH. (...) Então, ainda, a gente fica muito tempo assim, na coisa
de agendamento, de não perder a consulta” (coordenador regulação CRS).
Além das limitações estruturais da própria SMS-SP, identificou-se outro entrave para
a organização da regulação no município que estava relacionado à coexistência de
dois sistemas, independentes, para marcação de consultas e exames de
especialidades. Um, sob a gestão da SMS-SP (SIGA) que incluía os ambulatórios de
especialidades vinculados ao município, alguns serviços privados sob seu comando,
constituindo a denominada “agenda regulada”. E, outro, sob a gestão da SES-SP (call
center), que incorporava os ambulatórios e hospitais de especialidades vinculados à
SES-SP, além de alguns serviços universitários e privados, contratados pelo estado.
O call center foi organizado pela SES-SP “como uma encomenda que os
ambulatórios precisaram para resolver seu problema regional. Só que ele virou uma
solução para o município de São Paulo” (assistente técnico da SES-SP). Ainda,
segundo esse entrevistado “o ideal no futuro é o call center ser municipalizado, ai a
prefeitura tem tudo isso na mão. (...) O que ocorre é que a prefeitura ainda não
123
conseguiu assumir pra si essa função do call center, como assumiu a regulação da
urgência e emergência”.
Os gestores municipais entrevistados relataram inúmeras dificuldades enfrentadas
para realizar os agendamentos por meio do call center. A coordenação da regulação
da SMS-SP reconhece a importância de integrar os sistemas, mas pondera que “o
acesso é bom [com a SES-SP], a gente conversa, tem resposta, mas não vingou
ainda. Assim, ‘ah, agora nós vamos ter uma central única’, por exemplo,
imaginando que isso possa acontecer um dia. Mas aí, precisa realmente ter uma
determinação de secretário pra secretário, pra fazer e aí institucionalizar. Isso ainda
não aconteceu” (coordenador regulação SMS-SP).
A informatização dos serviços de saúde foi a estratégia assumida pela gestão
municipal para organizar o fluxo do acesso para a média complexidade no município.
A incorporação dessa tecnologia tornaria possível o agendamento de consultas e
exames on line, a partir das UBSs. Esse era realizado, anteriormente, pela STS, sem a
participação direta do usuário ou da própria UBS, o que acarretava dificuldades tanto
para os usuários, quanto para o próprio sistema.
Houve concordância, na avaliação dos gestores, quanto ao impacto positivo dessa
informatização. O agendamento realizado diretamente pela UBS, sem intermediários,
na presença do usuário, representaria um importante avanço no sentido de facilitar o
acesso dos mesmos aos serviços da média complexidade, reduzir o número de faltas
nesses serviços e aperfeiçoar a organização do sistema de saúde no município.
124
“Tem algumas coisas que são passíveis de melhora. Uma coisa importante que está
conseguindo, está tendo a informatização das unidades. (...) Eu acho que isso vai
facilitar, vai dar uma facilidade na integralidade” (coordenador da atenção básica).
Outro aspecto importante a ser destacado refere-se à lógica de distribuição das vagas.
Anteriormente à informatização, as vagas eram distribuídas em cotas para as UBSs a
partir de um “estoque” disponível para as CRSs, obedecendo a alguns critérios de
regionalização. Logo no início do processo de informatização, por decisão da SMS-
SP esse mecanismo foi alterado. “A secretária de saúde disse que o desperdício era
muito grande, que ela ia acabar com a cota e com a regionalização” (coordenador
da regulação da CRS).
A partir dessa medida, as UBSs passaram a ter acesso à agenda de todos os serviços
vinculados ao SUS no município, independentemente de sua localização geográfica.
Com isso, em muitas situações o usuário da zona sul da cidade poderia ser
encaminhado para atendimento na zona leste, mesmo havendo a disponibilidade do
serviço próximo ao seu local de moradia, o que manteve o “desperdício”. “Eles têm
agendado muito. que o índice de faltas (...) tem sido muito grande. (...) O que a
gente está vendo é que, de repente, vai se auto-regular nesse sentido, porque a
unidade vai dizer assim: ‘eu agendei o paciente pra ..., e o paciente não vai. Não
adianta eu marcar mais lá” (coordenador da regulação da CRS).
O relato do coordenador da regulação do nível central também evidenciou que, na
prática, a informatização não estava conseguindo resolver todos os problemas,
conforme esperado.
125
“Eu ouvi dizer que às vezes o sistema é tão lento que não para você marcar na
hora como foi proposto. (...) Eu ouvi dizer (...) que tem unidade que não consegue
acessar muito bem o sistema, que ele é muito devagar e acaba ainda agendando no
papel e depois coloca no sistema e depois vai avisar o paciente. Quer dizer,
funcionou na mesma!” (coordenador da regulação de SMS-SP).
3. O caminho real: a vivência dos usuários
A lógica de funcionamento do sistema vigente até então, desconsiderava
completamente o usuário. O agendamento era realizado burocraticamente no dia,
hora e local disponibilizados pelo sistema, sem qualquer diálogo com a necessidade e
possibilidade dos interessados. Essa situação contribuía para aumentar ainda mais o
número de usuários faltosos e, por conseqüência, a ociosidade dos serviços
especializados. Segundo o assistente técnico da SES-SP, o índice de faltas nos
serviços cujas vagas são disponibilizadas call center era de 40 a 60% para as
primeiras consultas.
“Há um desperdício de um número grande de consultas. (...) Como o call center não
a resposta imediata, o usuário é orientado a ir pra casa e voltar depois de um
tempo pra saber quando foi agendada a consulta dele. Se ele não volta, essa
consulta é reagendada e perdida. Muitas vezes procura-se levar até a casa dele, não
consegue também. Outras vezes é marcada a consulta, mas é distante de tempo e
esquece. É impossível do ponto de vista prático pra ele. Ele mora na periferia da
zona norte; se ele tiver que chegar às sete da manhã num ambulatório da zona sul.
Não tem como chegar, impossível. Ele não sabe o caminho, ele vai ter que sair da
126
casa dele três horas da manhã pra poder chegar às sete no ambulatório” (assistente
técnico da SES-SP).
A discussão do grupo focal, realizado com usuários, no momento de transição para a
informatização dos serviços, evidenciou que esses problemas ainda não haviam sido
superados. É importante registrar que a discussão ficou centrada nos problemas,
enfrentados pelos participantes do grupo, para acessar os serviços especializados.
Esses eram tão significativos que se sobressaíram sobre os aspectos positivos, se é
que eles existiam.
Embora o tema apresentado se referisse ao atendimento na área de cardiologia, no
decorrer do grupo, foram agregadas informações sobre outras especialidades, o que
possibilitou, em certa medida, uma visão mais abrangente sobre o acesso à média
complexidade. Os temas centrais foram: as regras do jogo” estabelecidas pelos
serviços; a distância dos serviços especializados; a demora para conseguir
atendimento.
Logo após a apresentação do tema aos participantes, a primeira manifestação foi de
queixa sobre as regras” de funcionamento e fluxo dos pacientes que são
estabelecidas pelos serviços. Além de não serem previamente informados, em geral,
os usuários se sentem prejudicados, pois as mesmas dificultam o acesso aos serviços.
Ficou evidenciado que parte dos presentes utilizava habitualmente o ambulatório de
especialidades localizado na mesma região geográfica (Subprefeitura) em que se
localizava a UBS, sendo de fácil acesso aos mesmos. Porém, por uma alegada falta
de vagas e/ou médico cardiologista, esses usuários foram encaminhados de volta para
a UBS de origem para, de lá, serem (re)encaminhados a outros serviços.
127
“Eu tinha um cardiologista no [Ambulatório A]. (...) No dia que o cardiologista
de lá saiu, não quiseram me dar outro”.
O ambulatório para o qual a UBS passou a encaminhar seus usuários era localizado
em outra região da cidade de São Paulo. Para os participantes, a distância geográfica
foi identificada como um obstáculo ao atendimento. “Agora eles manda pra esse
fim de mundo, que eu nem sei [chegar]! (...) Pra esses quinto dos inferno, longe”.
A demora para conseguir o atendimento pretendido, seja realização de um exame ou
consulta médica, foi o tema que assumiu maior relevância na discussão. Todos os
participantes esperaram, ou ainda estavam esperando muito tempo para conseguir
concretizar seu encaminhamento e, sem qualquer informação sobre o tempo provável
de espera ou o local do atendimento. Um deles dizia estar cerca de um ano
esperando uma consulta com cardiologista para poder realizar cirurgia de catarata,
que já estava agendada. Como não conseguiu, foi necessário reagendar a cirurgia.
Essa situação não se restringia à área de cardiologia. Foi lembrada, também, a
demora para conseguir atendimento em outras áreas, em particular ortopedia.
“Eu to aqui também com um papel do ortopedista, que eu to com um problema no
joelho. (...) E vai pra seis meses e não me chama. Não sei o que está
acontecendo”.
O longo tempo de espera não se limitava ao primeiro atendimento. Depois da longa
espera para realizar o exame ou a consulta, em geral, enfrentava-se uma nova espera
para retornar com o especialista.
“[O pedido de exame] foi em novembro de 2006. Depois fui chamado dia 14 de
março. Vai fazer dois meses já. (...) Eu nem sabia que eles ia me ligar, eles me
128
ligaram pra eu fazer o exame e eu fui. Só, como fiz a esteira lá, não tem vaga
[para retorno], eu to na lista de espera. (...) Tá tudo envelopado, eu tenho que volta
lá. (...) Porque só ele [o cardiologista] que tem que abrir o envelope”.
Muitas vezes, após a consulta, surgia um novo obstáculo a ser superado, como
realizar exames subsidiários que não eram disponibilizados no ambulatório de
especialidades. Sendo assim, o paciente necessitava retornar à UBS e, na
dependência da dinâmica da unidade, entrar em uma nova fila para fazer o exame e
aguardar o retorno do resultado, para então levá-lo ao especialista.
“Demorou quase uns seis meses pra essa vaga sair. (...) eu fui ele pediu o
exame de sangue: ‘A senhora faz em qualquer posto. No retorno, a senhora me
entrega aqui’. Eu vim aqui, conversei com a enfermeira. Ela autorizou, ela fez,
depois eu vim pegar. (...) Eles marcaram a consulta lá, o retorno para dia 13 de
agosto [daqui a três meses]. (...) E se eu tivesse alguma coisa?”.
Outra questão importante levantada foi que o longo tempo de espera para o
atendimento, aliado à precária qualidade do mesmo, podia conduzir o usuário a
buscar caminhos alternativos para resolver seus problemas, chegando inclusive a
pagar por atendimento em serviços privados.
“Eu fui lá [no cardiologista], eu nem gostei da médica de lá. Ela me atendeu, ela
nem mediu minha pressão. ela pediu aquele exame de esteira. (...) Aí, marcou
logo pra mim fazer o exame, né? Mas, pra mim ter retorno com ela de novo,
agora dia 20 de junho (...). Se não me encaminhar, então, eu vou pagar um
cardiologista pra mim mostrar o exame”.
129
Os usuários não tinham qualquer possibilidade de escolha, de decidir quando e onde
gostariam de ir. Freqüentemente, aceitavam passivamente essa situação, pois
relataram que quando solicitavam que o encaminhamento fosse feito para
determinado local, mais próximo e de fácil acesso, ouviam dos trabalhadores da UBS
que lá “não tem vaga”, e que iriam “encaminhar para onde tem vaga”.
Um ponto que merece ser destacado sobre o perfil dos participantes do grupo,
considerando o objetivo do estudo, é que todos utilizavam, preferencialmente, os
serviços de saúde localizados na mesma região geográfica (Subprefeitura) em que
moravam. É importante lembrar que no território correspondente à STS, que inclui a
UBS de origem dos mesmos, estão localizados três grandes ambulatórios de
especialidades, dois hospitais especializados, todos públicos, e é exatamente para
esses serviços que essas pessoas gostariam de ter sido encaminhadas.
DISCUSSÃO
A partir da aproximação que fizemos a uma das dimensões da organização do
sistema de saúde no município de São Paulo, pudemos constatar que, apesar da
existência de um grande número de serviços especializados em seu território, os
gestores do SUS e seus usuários continuam enfrentando importantes obstáculos para
acessá-los. Um município com tantos recursos, não deveria enfrentar, em tese, as
mesmas dificuldades apresentadas por gestores de municípios de pequeno porte
(Pimenta, 2005; Cecílio e col., 2007).
130
A disponibilidade de recursos é uma das condições básicas para garantir o acesso dos
cidadãos aos serviços de saúde. Deve-se considerar, contudo, que essa
disponibilidade é apenas um dos fatores intervenientes no acesso. O acesso é um
conceito complexo que apresenta múltipas determinações e varia de acordo com o
contexto (Travassos e Martins, 2004). Nessa direção, Frenk (1999) diferencia
acessibilidade de acesso a serviços de saúde e disponibilidade. Para esse autor a
disponibilidade seria uma característica dos recursos de atenção à saúde, enquanto
acesso é característica da população. Defende o conceito de acessibilidade que
compreende a relação funcional entre a “resistência”, ou obstáculos dos serviços, e o
“poder de utilização” da população. Este último é concebido como o conjunto de
características da população que dependem e refletem seu contexto de vida e que
permitem à mesma buscar e obter atenção à saúde, superando os obstáculos.
Pode-se constatar que o poder de utilização dos usuários do SUS na realidade
estudada não tem sido suficiente para ultrapassar a resistência dos serviços, o que
mantém a condição de baixa acessibilidade. E, dada a dificuldade em modificar
características da população, que interferem na utilização dos serviços de saúde, em
curto prazo, reforça-se a necessidade de minimizar os obstáculos dos serviços para
melhorar a acessibilidade dos cidadãos a todos os níveis de atenção à saúde no
município, de forma a promover a integralidade.
É oportuno considerar, também, o papel que o modelo de atenção exerce na
orientação da demanda aos serviços de saúde. Apesar dos avanços, o modelo que
ainda prevalece hegemônico em nosso país é aquele centrado no médico, sob forte
influência do complexo médico-industrial, que induz à demanda crescente e
131
irracional de serviços com maior densidade tecnológica, tanto por parte dos
profissionais de saúde, quanto pela própria população.
Nesta pesquisa foi possível identificar algumas ações que foram implementadas pela
gestão municipal do SUS em São Paulo que, segundo o relato dos gestores, visavam
minimizar o “obstáculo paredão” e viabilizar o acesso à média complexidade, no
sentido de garantir a continuidade do cuidado.
A informatização do sistema foi assumida, pela gestão municipal, como a principal
estratégia para enfrentar o “gargalo” do SUS no município. Essa era vista, a nosso
ver, como uma panacéia, capaz de solucionar todos os problemas relacionados ao
acesso de serviços especializados. Apesar da reconhecida importância da
informatização para organização de serviços e fluxos, essa, certamente, não pode ser
uma medida isolada. Houve uma supervalorização do potencial dessa tecnologia para
enfrentar um problema complexo, com várias determinações.
Nesse sentido, merece destaque o fato de que a informatização não representou
avanço no sentido de que o gestor municipal assumisse a gestão de todas as vagas
disponibilizadas para o SUS. Ou seja, manteve-se um duplo sistema, agora
informatizado, de agendamento e controle dos serviços de média complexidade, um
sob gestão da SMS-SP e outro sob gestão da SES-SP. E, cabe ressaltar que a SES-SP
ainda mantinha a gestão de parcela significativa de ambulatórios e hospitais de
especialidade localizados no município.
Destacam-se que a organização e a informatização de complexos reguladores
compõem o conjunto de ões propostas para implementar a regulação da atenção à
saúde, na perspectiva da melhoria do acesso, da integralidade e da resolutividade do
132
sistema de saúde. No Pacto de Gestão, um dos componentes do Pacto pela Saúde, a
regulação do acesso à assistência ou regulação assistencial é conceituada como
“conjunto de relações, saberes, tecnologias e ações que intermedeiam a demanda
dos usuários por serviços de saúde e o acesso a estes” (Brasil. MS, 2006). Nesse
sentido, a regulação do SUS é uma ação complexa que não se limita, assim, à
informatização e implantação de centrais de internação, consultas e exames que
visam, em muitas situações, apenas a adequação da demanda à oferta de serviços
disponível.
A regulação envolve distintos atores (gestores, prestadores e usuários), com
interesses, muitas vezes, conflitantes, implicando em relações políticas, técnicas e de
cuidado. Trata-se, assim, de um conjunto complexo e articulado de ões que
incorporam a condução política, a análise de situação e planejamento, com o objetivo
de viabilizar o acesso do usuário aos serviços de saúde (Mendonça e col., 2006).
No entanto, no município de São Paulo, evidenciou-se que a implementação de ações
de regulação se restringiu à estruturação de um complexo regulador com atuação
centrada no controle de vagas para procedimentos especializados. A avaliação do
coordenador da regulação é indicador da prioridade política e técnica conferida pela
SMS-SP a essa área: “até agora, a gente não tem tido perna nem vontade política de
fazer isso realmente funcionar”.
Outro tema importante a ser incorporado nessa discussão refere-se à resolutividade
da AB. A relação entre a AB e a MC é um dos fatores condicionantes dessa
resolutividade. Por um lado, a AB depende do acesso a procedimentos disponíveis na
MC para aumentar sua resolutividade. Por outro, a baixa resolutividade da AB
133
aumenta a demanda para a MC. Para enfrentar um problema dessa magnitude são
necessárias mudanças organizacionais que combinem todos de padronização,
como protocolos, com transformações na prática da clínica (Campos, 2006). A
estratégia para condução desse processo de mudança deve contemplar a constituição
de espaços democráticos de pactuação entre os distintos atores envolvidos. Contudo,
não foram identificadas iniciativas, por parte da SMS-SP, no sentido de reorganizar
os processos de trabalho seja na AB, seja nos ambulatórios de especialidade sob
gestão municipal, apesar da concordância dos gestores quanto à baixa resolutividade
desses serviços.
Um fato marcante, neste estudo, foi a desconsideração dos cidadãos/usuários
enquanto sujeito e ator central do processo de construção do SUS em São Paulo. As
longas filas de espera e a via crucis dos pacientes fazem parte do cotidiano da
população usuária dos serviços públicos, muito tempo. A gestão municipal
continua desenvolvendo suas ações centradas nos interesses dos serviços e/ou
corporações, desconsiderando as necessidades dos cidadãos/usuários.
Nesse sentido, constatou-se que algumas mudanças implementadas pela SMS-SP
ocasionaram novos problemas para os usuários do SUS no município. Além da
espera, eles passaram a enfrentar mais um obstáculo, a distância geográfica que
teriam que percorrer para concretizar o atendimento. Essa situação foi agravada pela
decisão da SMS-SP de “acabar com a regionalização”. Na realidade estudada, a
questão geográfica parece ter influência no acesso. Outros pesquisadores
identificaram esse problema em distintas regiões do país (Silva e col., 1995; Oliveira,
2004).
134
Considerações finais
Pode-se constatar que pouco se caminhou, no município de São Paulo, no sentido de
alargar o “gargalo” da média complexidade e avançar na incorporação da
universalidade e integralidade da atenção no SUS municipal. Ao que nos pareceu,
esse tema o foi assumido como prioridade pela gestão municipal. Algumas ações
foram implementadas na última gestão da SMS-SP, mas prevaleceu uma lógica
racionalizadora em detrimento da necessidade do usuário.
É oportuno lembrar que a informatização do sistema de saúde já havia iniciado na
gestão anterior e o visava apenas à organização do sistema de referência e contra-
referência. E, ainda, a estruturação de sistemas regulatórios era condição,
estabelecida pelo Ministério da Saúde, para a habilitação do município na gestão
plena do sistema.
Por fim, é importante considerar que a dia complexidade representa apenas um
dos níveis do sistema de saúde, pontos de atenção de uma rede ou, ainda, parte dos
recursos e serviços da linha de cuidado de uma atenção integral. Independentemente
do arranjo organizacional de referência, julgamos que o enfrentamento desse
problema exige grande investimento por parte do gestor do SUS. Para tanto, devem-
se implementar ações articuladas, tanto no âmbito da macropolítica, quanto da
micropolítica, orientadas pelas necessidades de saúde dos cidadãos. A realidade
observada no município de São Paulo ainda encontra-se bastante distante disso.
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138
CONSIDERAÇÕES
CONSIDERAÇÕES CONSIDERAÇÕES
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
FINAISFINAIS
FINAIS
139
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização desta pesquisa representou um importante desafio, tanto em relação ao
objeto estudado, quanto ao caminho metodológico escolhido. A partir da escolha do
referencial teórico-metodológica, nosso foco foi direcionado para uma das inúmeras
perspectivas possíveis para visualizar uma realidade complexa.
É importante ressaltar que a opção metodológica de utilizar a abordagem qualitativa
permitiu a obtenção de dados, a partir das entrevistas com informantes-chaves, que
não estão disponíveis em documentos. E, ainda, essa estratégia possibilitou conhecer
e aprofundar as relações entre as distintas instâncias do SUS municipal.
O projeto de pesquisa, inicialmente, proposto previa uma relação dialógica com a
equipe de gestão da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo. No entanto, o
processo de negociação do mesmo e da entrada dos pesquisadores no campo permitiu
identificar que a equipe de gestão municipal o tinha interesse pela pesquisa
proposta. As resistências detectadas tiveram importante papel na readequação da
proposta inicial às condições objetivas para sua realização.
Considerando os múltiplos sentidos do termo integralidade, no atual debate
acadêmico e político da saúde pública brasileira, esse se apresenta como um tema de
grande potencial para ser utilizado como uma categoria operativa ou um marcador
para a avaliação de sistemas de saúde. No entanto, é importante reconhecer a
necessidade de se estabelecer alguns parâmetros ou indicadores para a realização de
pesquisas, em função da abrangência e dos significados desse princípio. Muitas
140
diretrizes organizativas podem ser associadas ou interferirem na integralidade da
atenção do SUS. Há uma relação de interdependência entre as distintas dimensões da
integralidade e entre este e os demais princípios do SUS.
Embora, neste trabalho, tivéssemos utilizado um recorte ou um conceito operacional
da integralidade, foram identificadas dificuldades para tanto. É importante
reconhecer que a operacionalização desse princípio não ocorre com a mesma
racionalidade com que se definem os enunciados teóricos.
A análise do contexto da política municipal de saúde forneceu elementos centrais
para avaliar a incorporação da integralidade na organização dos serviços de saúde no
nível locorregional do SUS, no município de São Paulo. Isso porque, em grande
medida, alguns movimentos e prioridades da esfera da política de saúde
condicionaram a organização e a gestão e, dessa forma, dificultaram a efetiva
incorporação da integralidade da assistência no sistema. O principal produto da
reestruturação implementada na SMS-SP foi uma forte (re)centralização da gestão
municipal, com “enxugamento da máquina”, em particular do nível locorregional.
Paralelamente a esse processo, destacam-se outros dois movimentos da política de
saúde implementada que contribuíram para consolidar antigas dicotomias prevenção
versus cura, rede básica versus hospitais. A SMS-SP manteve a separação entre as
estruturas político-administrativas responsáveis pela coordenação dos serviços
ambulatoriais e pela coordenação hospitalar, consolidando dois subsistemas
municipais sem espaços institucionais que propiciassem a integração entre elas. E,
para agravar essa situação, foram mantidos serviços especializados estaduais
ambulatoriais e hospitalares sob a gestão de fato da SES-SP, o que configura a
141
preservação de um terceiro subsistema de saúde atuando no município, com pouca
integração entre eles.
Nesse sentido, o tema da centralização/descentralização da gestão do SUS no
município de São Paulo se destacou com um dos principais fatores intervenientes
para a efetivação da integralidade da atenção. A ênfase dada a essa questão
provavelmente está associado às características particulares do município estudado,
em que a Supervisão Técnica de Saúde estudada é responsável por uma população
maior do que a de algumas capitais de estados brasileiros, como Florianópolis e
Vitória, e equivalente a outras como as de Aracaju e Cuia. De forma análoga a
essas capitais, não se pode esperar que uma Supervisão com essa dimensão e
complexidade possa organizar a rede de serviços de saúde de seu território baseada
apenas no protagonismo de gerentes de serviços, trabalhadores da saúde e usuários,
sem qualquer estrutura político-administrativa formal.
Em que pesem os limites da descentralização da gestão, discutidos por diversos
pesquisadores, prevalecem os argumentos favoráveis a sua implementação em se
tratando de políticas sociais e da saúde, em particular. Julgamos que esses mesmos
argumentos se aplicam em relação à descentralização da gestão do SUS em uma
metrópole como São Paulo. No entanto, com a centralização da gestão houve um
concomitante esvaziamento técnico e político dos níveis regionais. Para viabilizar a
implementação do sistema de saúde em um território com essa dimensão e
complexidade, seguindo princípios e diretrizes de uma política pública de caráter
nacional, é essencial, a nosso ver, garantir uma instância de gestão e uma equipe
técnica no nível locorregional, com capacidade de gestão e governabilidade. o foi
142
isso que a pesquisa encontrou. Observou-se que política de saúde implementada pela
SMS-SP produziu constrangimentos importantes para que o supervisor exercesse o
papel de gestor de um sistema de saúde locorregional, apesar de seu protagonismo e
potencial de ação. Na prática, esse dirigente tinha seu papel bastante limitado, de
mero “fiscal” de serviços, como explicitado.
O contexto do SUS em São Paulo era desfavorável à implementação de um processo
de regionalização, visando à articulação e integração entre serviços e
estabelecimentos, organizados sob distintas lógicas e com interesses, por vezes, não
convergentes. A baixa governabilidade da gestão locorregional aliada à resistência
dos hospitais foram importantes condicionantes para inviabilizar a organização das
microrregiões de saúde no município.
É importante reconhecer a existência de condicionantes históricos e institucionais
atuando na conformação da lógica de funcionamento da instituição hospital que,
embora responda a muitas necessidades da população, não dialoga com uma
racionalidade sistêmica. Além disso, e nesse contexto municipal, tornou-se ainda
mais difícil a integração dos hospitais com os demais serviços do sistema. O
“gargalo” da média complexidade é, em parte, conseqüência dessa política
institucional da SMS-SP.
A partir dessa pesquisa identificamos que o gargalo do SUS no município de São
Paulo não se restringia à dificuldade de acesso à média complexidade. Constatamos
que essa última gestão do SUS no município de São Paulo imprimiu uma
direcionalidade à política de saúde que desconsidera a centralidade do usuário
contribui para manter e aprofundar a fragmentação do sistema de saúde. Dessa forma
143
o SUS em São Paulo continua distante da “imagem-objetivo” de um sistema de saúde
que incorpore o princípio da integralidade como um de seus eixos estruturantes.
144
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