Download PDF
ads:
Universidade Federal de Santa Catarina
Programa de Pos-graduação em Economia
Industria das Telecomunicações na Argentina:
privatização, desregulação e
concentração do capital
Eva Yamila Amanda da Silva Catela
Setembro 2004
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
SUMARIO
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO......................................................................................................................1
1. Hipótese.............................................................................................................................5
2. Objetivos do trabalho........................................................................................................6
3. Estrutura do trabalho.........................................................................................................8
CAPÍTULO 2
ESTRUTURA E REGULAÇÃO:
UMA APROXIMAÇÃO TEÓRICA DO PROBLEMA.......................................................11
1. A estrutura da industria...................................................................................................11
1.1 Concorrência potencial: oligopólio e as barreiras à entrada..........................................12
1.2 A teoría dos mercados contestáveis...............................................................................16
1.3 Mercados contestáveis e desregulamentação.................................................................22
1.4 Contribuções mais recentes............................................................................................23
2. Teoria da Regulação........................................................................................................24
2.1 Instrumentos de regulação..............................................................................................28
2.1.1 Empreendimento público..........................................................................................28
2.1.2 A proposta de Loeb-Magat........................................................................................29
2.1.3 Leilão de franquias....................................................................................................30
2.1.4 Regulação por taxa de retorno...................................................................................31
2.2 Procura pelo “preço ideal”: regulação tarifária..............................................................33
2.2.1 Preço baseado no custo marginal..............................................................................33
2.2.2 Regra do Ramsey......................................................................................................34
2.2.3 Preço-teto (price cap)................................................................................................36
2.3 Regulação para a concorrência.......................................................................................38
2.3.1 Interconexão e concorrência.....................................................................................39
2.3.2 O preço de interconexão ótimo.................................................................................40
2
ads:
2.3.3 A regra de Baumol-Willig.........................................................................................42
2.3.4 O preço de acesso socialmente ótimo de Laffont-Tirole...........................................46
2.4 Obrigação do Serviço Universal (OSU).........................................................................47
2.4.1 Custo-Beneficio e financiamento do Serviço Universal...........................................49
3. Desregulamentação e defesa da concorrência em setores de infra-estrutura..................50
3.1 Controle sobre práticas verticais....................................................................................51
3.2 Atos de concentração.....................................................................................................51
4. Reflexões finais...............................................................................................................52
CAPÍTULO 3
O NOVO PERFIL TECNO-PRODUTIVO DO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES E AS
NOVAS CONFIGURAÇÕES DA ESTRUTURA DO MERCADO E DAS INSTITUÇÕES
RESULTANTES........................................................................................54
1. O setor de telecomunicações: breve análise da sua composição.....................................55
2. A mudança tecnológica dos anos 80 e o nascimento da concorrência............................57
3. Mudanças institucionais: o questionamento do monopolio natural................................61
3.1 Justificativas do monopolio natural na etapa do intervencionismo..............................61
3.2 O fim dos monopolios naturais e a nova configuração estrutural do setor...................62
4. As mudanças institucionais: a regulação da nova forma de mercado.............................65
4.1 A necessidade de um novo marco regulatório..............................................................65
4.2 Experiências e diversidade: diferentes modelos de regulação......................................67
4.2.1 Estados Unidos: o modelo de monopolio privado e a reforma em prol da
concorrência..........................................................................................................................68
4.2.2 União Européia: liberalização no marco de um mercado comun..............................73
4.2.3 Reino Unido: desregulação e privatização................................................................76
5. Principais tendências na oferta internacional de serviços de telecomunicações.............78
5.1 Status das principais operadoras mundiais....................................................................78
5.2 Penetração de serviços de telecomunicações................................................................80
6. Conclusões......................................................................................................................80
CAPÍTULO 4
3
EVOLUÇÃO DA INDÚSTRIA DE TELECOMUNICAÇÕES ARGENTINA NOS ANOS
NOVENTA: DA PRIVATIZAÇÃO À DESREGULAÇÃO................................................82
1. Telecomunicações na Argentina: breve história institucional.........................................82
1.1 Surgimento do setor telefônico sob administração inglesa (1881-1929).......................82
1.2 17 anos de administração norte-americana (1929-1946)...............................................83
1.3 Administração estatal (1946-1990)................................................................................83
2. Privatização para a eficiência?........................................................................................85
2.1 Determinantes para a privatização.................................................................................85
2.2 Prolegômenos da privatização da ENTel.......................................................................88
2.2.1 O Caderno de Encargos de Privatização...................................................................89
2.3 O processo de adjudicação.............................................................................................93
2.4 A regulação do setor de telecomunicações na década de noventa.................................96
2.4.1 Regras de conduta regulatória introduzidas com a reforma de 1990 (regulatory
governance) ..............................................................................................................98
2.4.2 A prática do regulador (regulatory practice)............................................................99
2.4.3 Incentivos da regulação...........................................................................................103
2.4.3.1 Barreiras à entrada...................................................................................................103
2.4.3.2 Política de interconexão..........................................................................................103
2.4.3.3 Regulação de preços................................................................................................104
3. Liberalização do mercado: introdução de concorrência ou consolidação de posições.110
3.1 Regulação da transição do monopolio à concorrência oligopólica..............................118
3.1.1 Acesso a redes e interconexão.................................................................................119
3.1.2 Identificação de usuarios e migração entre operadores...........................................122
3.1.3 Política de preços....................................................................................................123
3.1.4 O serviço universal..................................................................................................123
4. Concluções....................................................................................................................124
CAPÍTULO 5
CONSTITUÇÃO DO MERCADO E DESEMPENHO DAS EMPRESAS TELEFÒNICAS NA
FASE PÓS-PRIVATIZAÇÃO.....................................................................................126
1. Constitução do mercado pós-privatização: determinantes............................................126
2. Desempenho das Licenciatárias do serviço telefônico básico nos anos noventa..........131
4
2.1 Expansão da rede .........................................................................................................132
2.2 Evolução tarifária.........................................................................................................135
2.3 Investimentos no setor de telecomunicações ..............................................................138
2.4 Evolução de vendas e lucros das Licenciatárias..........................................................140
2.5 Comparação do desempenho entre o setor de telecomunicações da Argentina e países
selecionados de Latinoamérica: evolução do serviço telefônico.................................143
3. O proceso de fusões e aquisições no mercado de telecomunicações argentino e o
posicionamento dos conglomerados mais importantes.................................................146
4. Alguns esboços da política regulatoria e econômica, destinados a diminuir a concentração e o
poder econômico dos conglomerados que controlan as telecomunicações na
Argentina.....................................................................................162
5. Reflexões finais.............................................................................................................166
CAPÍTULO 6
CONCLUSÕES...................................................................................................................168
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................178
5
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
Desde meados dos anos oitenta está se produzindo um profundo processo de transformação
estrutural -tanto tecnológico como normativo- que, a nível mundial, alterou significativamente a
dinâmica e o perfil constitutivo da indústria de telecomunicações.
O mercado de telecomunicações constitui tradicionalmente um monopólio natural, dado que a
existência de importantes economias de escala na transmissão e comutação de viva voz pela rede
de enlaces fixos justificava, dada a extensão do mercado, que a prestação do serviço fosse
realizada por uma só empresa (geralmente de propriedade estatal).
Porém, desde meados do decênio dos anos oitenta, a partir da mudança tecnológica acontecida
no campo da eletrônica, na informática e no próprio âmbito das telecomunicações, diminui a
importância das economias de escala e dos custos irrecuperáveis envolvidos na prestação de
serviços públicos, ao mesmo tempo em que emergiram importantes economias de diversificação,
as que induziram uma nova determinação das características “naturais” do setor.
Como conseqüência da crescente convergência tecnológica entre a informática, a eletrônica e as
telecomunicações, a redução das economias de escala no segmento de telefonia básica, a
ampliação da gama dos serviços oferecidos, e o incremento e a diversificação dos canais através
dos quais pode ser transmitida a informação (especialmente telefonia sem fio, televisão a cabo e
a Internet), não só tenderam a se diluir os parâmetros que tradicionalmente permitiam considerar
a atividade como um monopólio natural, senão que foi aberta a possibilidade de oferecer serviços
similares de comunicação através de diferentes infra-estruturas e, inversamente, de oferecer
diversos serviços a partir da utilização de uma mesma via de comunicação.
Em relação à primeira das situações mencionadas, cabe ressaltar que as redes cabeadas
estabelecidas pelas operadoras de televisão a cabo, o radioespectro (junto com a rede de antenas
transmissoras) pelo qual são transmitidas as comunicações móveis, e a via satelital de
comunicações (não só de sinais de televisão senão também de viva voz e dados), conformam
caminhos alternativos através dos quais pode ser oferecido o serviço de transmissão de viva voz
1
.
1
Dada a necessidade de delimitação do trabalho, este estudo é baseado exclusivamente na análise da inserção dos
principais atuantes do mercado argentino de telecomunicações em todas aquelas infra-estruturas a partir das quais
resulta possível prestar o serviço telefônico, assim como dos principais efeitos do mencionado posicionamento
estrutural acarreta sobre a dinâmica setorial.
6
Por outro lado, as importantes mutações registradas a nível do perfil tecno-produtivo do setor
permitiram que desde uma mesma infra-estrutura resulte possível prestar serviços tão diversos
como, por exemplo, telefonia, televisão a cabo e Internet.
Nesse marco, ao final da década de 80, a Empresa Nacional de Telecomunicaciones (ENTel)
centralizava a totalidade do setor de telecomunicações na Argentina, resultado de mais de trinta
anos de progressiva integração e concentração, a partir do começo da nacionalização em 1936,
sob o nome de empresa estatal. Fora do seu âmbito só estavam a Compañía Argentina de
Teléfonos (CAT)
2
e cerca de trezentas cooperativas telefônicas ao longo de quase todo o país,
que só representavam 1% do mercado.
Duas características fundamentais definiam a ENTel nesta época. Por um lado, da mesma forma
que outras empresas estatais, não estava isenta de políticas distributivas que alguns governos
levaram adiante através do subsídio das tarifas de serviços públicos (Porto e Navajas, 1989). Por
outro lado, a relação com os fornecedores não era nem transparente nem sujeita a concorrência,
caracterizando-se ainda por distintos tipos de expropriação em cada mudança de governo:
rescisões de contrato sem indenização, mudanças dos termos contratuais, controles de preços,
etc. (Abdala e Spiller, 1999); ou visto de outro ponto de vista, pelo pagamento de sobrepreços
aos fornecedores e prestadores de serviços (Abeles et al., 2001).
As permanentes mudanças de estratégia levaram a empresa -por volta de 1989- a um descontrole
econômico-financeiro. A freqüência com que as mudanças aconteceram durante décadas na
direção da empresa, a erosão das suas finanças, o pagamento de sobrepreços, o deterioro
sistemático da sua capacidade técnica e de suas estruturas internas, a dificuldade para levar
enfrente os planos de expansão que se fixavam e, inclusive, os conflitos entre grupos de interesse
e de decisão em torno da empresa, levaram à paralisia do seu desenvolvimento em relação à
expansão do serviço, tanto em quantidade quanto em qualidade.
O caminho para resolver a crise da empresa estatal de telecomunicações foi a privatização.
Dentro do clima ideológico prevalecente a nível internacional, refletido através do que foi
chamado de “Consenso de Washington”, na Argentina se tentava “comprar credibilidade” nos
mercados internacionais, com o fim de fazer viável a saída do processo hiperinflacionário e
conseguir a estabilização econômica (Beker et al., 2001), e aliviar o afogamento fiscal
maximizando o valor da venda das empresas públicas (Abeles et al., 2001).
2
Empresa privada que tinha a concessão do serviço em 6 províncias e cujo mercado representava 7% do total.
7
A teoria econômica -que apóia a privatização- indica que a regra principal para a reforma em
telecomunicações deve ser incentivar a concorrência, dados os avanços tecnológicos que
estenderam o potencial para a concorrência no setor ainda na década de 80 (Stiglitz, 1998). Esta
provê incentivos para investir e expandir serviços, maior eficiência e preços menores. Porém, o
caderno de encargos de privatização da empresa pública de telecomunicações da Argentina
conformou a indústria da seguinte maneira:
Serviço básico (urbano e longa distância): a prestação do serviço no âmbito nacional,
dividido em zona norte para Telecom Agentina SA e zona sul para Telefónica de Argentina
SA, isto é, formaram-se dois monopólios regionais.
Serviço Internacional: a cargo da empresa Telintar SA, propriedade em partes iguais das
sociedades licenciatárias do serviço básico.
Serviço de telex nacional, rádio móvel marítimo e dados nacional: foi permitida
concorrência
3
, e as sociedades licenciatárias participaram dela através da empresa Startel SA,
propriedades em partes iguais das sociedades licenciatárias do serviço básico.
Serviço celular: a banda 1, explorada por uma empresa concorrente das sociedades
licenciatárias. A banda 2, explorada pelas sociedades licenciatárias do serviço básico de
telefonia, após dois anos do começo do funcionamento da banda 1.
O fato de que se criariam duas empresas não significava terminar com o monopólio prévio,
senão, simplesmente criar dois monopólios regionalmente diferenciados. Optou-se ainda por não
dividir os serviços urbanos, interurbanos e internacionais: as sociedades licenciatárias estariam
integradas verticalmente. Esta decisão foi justificada naquele momento pelo nível de
investimentos que deveriam ser realizados nas redes locais e troncais, mas logo teria importantes
conseqüências para a concorrência posterior.
Em síntese, na década dos noventa, as telecomunicações na Argentina se caracterizaram por uma
prestação monopólica nos serviços urbano, interurbano e internacional, complementados por
uma concorrência limitada no resto dos segmentos menores, nos quais as duas licenciatárias
possuíam importantes interesses.
O período de exclusividade dos serviços urbanos, interurbanos e internacionais foi outorgado
inicialmente até 1997
4
e posteriormente prorrogado até novembro de 1999. Nesse momento, foi
3
Cabe ressaltar que apesar destes serviços estarem sujeitos a concorrência, as empresas que obtiveram licença para
operar e prover este tipo de serviços no segmento internacional, deviam fazer uso dos enlaces da Telintar SA,
propriedade das licenciatárias básicas (Colomé et al., 2000).
8
permitida a entrada de duas novas empresas para prestar o serviço a nível nacional, com
requisitos tão específicos que fazem com que o outorgamento das licenças se torne discricional.
Só em novembro de 2000 será o momento em que novas companhias que solicitem licença
possam ingressar no mercado.
Em relação à regulação tarifária, o objetivo fundamental durante o período de exclusividade foi
evitar a formação de preços monopólicos e a conseguinte perda do bem-estar social. A
experiência argentina mostra quatro etapas principais da regulação tarifária:
i) durante o período de transição, que começa no momento em que se define de que maneira
vai ser a privatização (decreto 62/90) até a tomada de posse por parte das licenciatárias -
novembro de 1990-, foi adotado o mecanismo da taxa de rentabilidade sobre o capital
investido;
ii) desde a posse da empresa (decreto 2332/92), onde começa a ser utilizado o mecanismo de
price cap;
iii) a etapa posterior ao rebalanço de tarifas em 1997
5
, onde ainda que continue sendo
utilizado o mecanismo de price cap, mudam-se as tarifas relativas entre os serviços
urbanos e interurbanos;
iv) a etapa posterior à entrada em vigência do decreto 264/98, nas quais induzidas pela
concorrência efetiva e potencial, as empresas iniciaram um processo de redução
voluntária de tarifas, oferecendo planos e promoções especiais, especialmente no
segmento de longa distância.
A política da liberalização do mercado argentino de telecomunicações constitui, em diversos
sentidos, um caso inédito enquanto promove, diferentemente do que sugere a literatura
especializada no assunto, e as experiências regulatórias de outros países que promoveram a
liberalização de seus mercados de telecomunicações, fortes assimetrias regulatórias que
favorecem as empresas preestabelecidas em vez de os potenciais entrantes.
Porém, resultam problemáticas as conclusões que se extraem dali, já que o governo outorgou
unicamente duas licenças para evitar a atomização, que seria contraproducente; e estas duas
licenças deviam corresponder a uma união de empresas com experiência e investimentos no país.
4
O caderno de encargos de Privatização da ENTel previa um período de exclusividade de 7 anos extensível a 10 se
se cumprissem determinadas metas de qualidade e expansão. Ao finalizar o prazo inicial, o governo resolveu
estender por 2 anos a exclusividade em troca de uma abertura administrada do mercado, pretendendo garantir a
concorrência efetiva através do fortalecimento dos novos operadores independentes existentes.
5
O rebalanço de tarifas de 1997 teve como objetivo principal eliminar as grandes distorções originadas pelos
subsídios cruzados, que no caso de ligações urbanas e interurbanas eram desproporcionados.
9
Se tomarmos como objetivo válido de qualquer política econômica -neste caso, regulação- a
busca pela eficiência distributiva e produtiva, a concorrência seria o parâmetro básico a enfrentar
ou buscar. A incorporação de concorrência na indústria de telecomunicações estimula a
eficiência produtiva e a incorporação tecnológica, transformando os usuários do serviço em
clientes através dos quais as empresas operadoras disputam o mercado. A idéia era então
decompor aquelas atividades em segmentos para isolar aquelas que incorrem em altos custos
fixos, com o fim de abrir a concorrência às outras, tais como serviços de valor agregado ou
telecomunicações de longa distância.
No entanto, no setor de telecomunicações, as vantagens de precedência podem proporcionar as
bases a partir das quais a antiga empresa monopólica possa obstaculizar não só a entrada de
novos concorrentes mas também sua ameaça potencial, enfraquecendo como conseqüência a
pressão competitiva, inclusive aquela de caráter oligopólica.
Se um mercado cumprir em grande medida com os requisitos de contestabilidade, a intervenção
governamental, forçando o ingresso de novas empresas, pode ser uma ação economicamente
ineficiente (Beker et al., 2001). Mas a indústria pode não ser estruturalmente contestável pela
existência de investimentos em instalações que constituem custos irrecuperáveis importantes, em
cujo caso medidas podem ser tomadas para reduzir as ditas barreiras “naturais”
6
, -por exemplo,
incentivar o emprego de tecnologias que impliquem menores custos de entrada e saída que
tornem economicamente factível o ingresso de concorrentes -ou isolar aquela área da indústria
associada com os custos irecuperáveis e regular o acesso à mesma.
1. Hipótese
Os traços estruturais que caracterizam e condicionam o desempenho atual do mercado argentino
de telecomunicações são resultados das políticas regulatórias instrumentadas ao longo dos anos
noventa, que geraram e perpetuaram barreiras de entrada de três tipos: por precedência,
emanadas da reserva legal de mercado, por insuficiências normativas ou as geradas por
estratégias desdobradas pelas empresas preestabelecidas; impossibilitando a rivalidade potencial
6
Na indústria de telecomunicações, a rede do operador preexistente ao ingresso da concorrência é a instalação que
ainda constitui um custo afundado importante, independente das tecnologias alternativas que começam a se utilizar.
Dali que, para incrementar o grau de contestabilidade de um mercado, são fundamentais todos os aspectos que
fazem a interconexão das outras operadoras com esta rede. Por causa disso, é que este tema é central no desenho dos
marcos regulatórios das telecomunicações.
10
que caracteriza os mercados oligopólicos, rivalidade que limitaria em alguma medida os graus de
liberdade dos prestadores dominantes em matéria de fixação de preços.
2. Objetivos do Trabalho
2.1 Objetivo principal
O objetivo do trabalho é identificar os principais efeitos sobre a estrutura e desempenho do
mercado argentino de telecomunicações, derivados das diferentes políticas instrumentadas no
âmbito mencionado durante a década dos anos noventa. Neste sentido, tenta-se conhecer quais
são as implicâncias da criação de monopólios regionais privados no processo privatizador, a
regulação "capturada" posterior à privatização e a desregulação no final dos anos noventa, em
busca de concorrência "administrada", sobre a morfologia do mercado de telecomunicações,
como determinantes da estrutura atual do mercado.
2.2 Objetivos específicos
1. Caracterizar o novo perfil técnico productivo do setor.
2. Descrever el proceso de privatização (1990), desregulação administrada (1999) y
liberalização e a regulação aplicada no mercado de telecomunicações argentino durante a década
dos noventa.
3. Avaliar a estrutura criada e o desempenho da industria a partir de indicadores de preços de
interconexão e aos consumidores, variedade e qualidade dos serviços, investimentos, lucros das
empresas incumbentes, grado de penetração e digitalização da rede.
4. Analizar a evolução do proceso de fusões e adquisições acontecidas nos últimos anos.
Para a consecução dos objetivos uno e dois, a metodologia de trabalho implica em primeiro
lugar, um relevamento exaustivo de informação e normas acerca do processo ao qual foi
submetido o mercado de telecomunicações ao longo dos anos noventa, em relação à atuação dos
diferentes atuantes que fizeram parte do processo de privatização, regulação e posterior
desregulação: governo, organismos internacionais, empresas, reguladores, funcionários públicos
e fornecedores da empresa pública.
Neste sentido, se relevará material do dia-a-dia de periódicos, jornais e revistas especializadas,
bases de dados do Ministerio da Economia y do Instituto Nacional de Estadística y Censos
(INDEC), da Universidade FLACSO, como bibliografia publicada posteriormente, geralmente
análise de economistas e universidades. Neste relevamento será privilegiada a pluralidade de
11
opiniões, na procura por contrastes acerca do processo que ainda hoje gera grandes discussões
encontradas. Em relação às normas do setor, encontra-se nos decretos do Poder Ejecutivo y
normativa da Secretaria de Comunicaciones (SECOM) y da Comisión Nacional de
Comunicaciones
7
.
Em segundo lugar, se realizará um estudo de bibliografia especializada em teoria econômica e
política da regulação. Ressaltar-se-á como as perspectivas da regulação foram evoluindo,
especialmente na interação entre mudanças intelectuais e o desenvolvimento do mundo
econômico e político real (Chang, 1997).
O método de trabalho para a consecução dos objetivos três e quatro implica utilizar como
primera aproximación o esquema analítico básico dos modelos Estrutura-Conduta-Desempenho.
Essos modelos buscan derivar de características da estrutura do mercado conclusões acerca do
seu desempenho em termos de alguma variável escolhida, supondo para isso que as condutas das
empresas são fortemente determinadas pelas características estruturais vigentes (cap. 2, seção
1.1) . En especial, a noção de concentração industrial e suas medidas como variável-síntese das
condições estruturais no mercado, son utilizadas com o intuito de inferir daí padrões de conduta
anti-competitiva. No entanto, são questionáveis tanto a base teórica quanto empírica desta
focalização na concentração industrial.
No plano teórico, é discutível o significado da própria noção de concentração, quanto a seu
conteúdo, e mais ainda quanto à sua medida. No plano empírico os numerosos testes estatísticos
de regressão entre concentração e outras variáveis - especialmente de desempenho, como a
lucratividade - resultam inconclusivos, permanecendo substanciais ambigüidades inclusive
quanto à direção da causalidade (Fagundes y Pondé, 1998)
7
Decreto Nº 62/90 Caderno de Encargos. Concurso Público Internacional; Decreto Nº 677/90 Modificações
Caderno de Encargos para a privatização do serviço público de telecomunicações; Decreto Nº 1185/90 Criação da
Comissão Nacional de Telecomunicações (logo modificado por decreto Nº2728/90; 761/93; 1461/93; 210/93);
Decreto Nº2332/90 Contrato de transferência de ações da Sociedad Licenciataria Norte S.A. e a Sociedad
Licenciataria Sur S.A; Decreto Nº 2585/91 Acordo entre o Ministério da Economia e as Licenciatárias; Decreto
2160/93 Modificação do Decreto Nº1185/90; Decreto Nº 1260/96 Modificação das Faculdades da Secretaria de
Comunicações; Decreto Nº 92/97 Estrutura Geral de Tarifas do Serviço Básico Telefônico; Decreto Nº 264/98
Serviço de Telefonia Básica. Transição para a liberalização total do mercado telefônico; Decreto Nº 266/98 Licenças
para a prestação do Serviço de Comunicações Pessoais; Decreto Nº 465/00 Plena desregulação do mercado a partir
de 9 de novembro de 2000; Decreto Nº 764/00 Desregulação dos serviços; Resolução S.C. 16200/99 Regulamento
geral de Licenças e o Plano Nacional de Licenças; Resolução S.C. 18971/99 Regulamento Geral de Serviço
Universal
12
Em poucas palavras, a concentração industrial é uma condição necessária para a acumulação
assimétrica de poder de mercado , e por conseqüência para a possibilidade de seu exercício de
forma anti-competitiva; mas de modo algum é condição suficiente.
A análise das forças da concorrência atuantes num dado mercado não pode prescindir, nesse
sentido, de uma análise específica das barreiras à entrada e de seus determinantes, os quais são
considerados como essencialmente estruturais, isto é, relacionados a condições tecnológicas, às
formas de concorrência típicas do mercado em questão e ao acesso aos mercados supridores, de
insumos ou de crédito, a intervenção regulatoria, e a política antitrust.
3. Estrutura do trabalho
O objetivo do capítulo siguinte é fazermos uma aproximação de diferentes modelos teóricos
que melhor definam as características do setor, para depois analisarmos diferentes modelos de
regulação, desde puramente teóricos àqueles voltados para a prática regulatória. Os temas a
serem considerados nesta primeira aproximação do trabalho são, portanto, os seguintes:
determinação da estrutura industrial ótima, no sentido teórico, determinação do grau de
sustentabilidade da mesma estrutura industrial e, influência da regulação sobre esta estrutura.
Em relação ao grau de sustentabilidade da estrutura industrial, o interrogante a responder radica
em determinar a capacidade que o mercado tem de alcançar por si só a configuração eficiente do
setor e em conhecer quais são, no entanto, os pontos onde resulta necessária a intervenção
regulatória para garantir esta eficiência, sem perder de vista que em certas ocasiões é esta mesma
intervenção regulatória a criadora de distorções.
Neste marco, há três aspectos da política regulatória que fazem a procura de contestabilidade:
por um lado a clássica regulação tarifária, em segundo lugar nos ocuparemos de dois assuntos
emergentes da regulação para a concorrência, as condições de interconexão entre empresas e a
prestação do serviço universal.
No capítulo três temos como objetivo abordar as questões chaves que deram uma nova dinâmica
para o setor de telecomunicações mundial nos anos oitenta –novas configurações tecnológicas- e
para as novas conformações organizacionais e institucionais resultantes –desregulação /
regulação para a concorrência-. Dessa maneira, na primeira parte do capítulo será analisada a
composição do mercado de telecomunicações, através de três variáveis chaves: tipos de clientes,
serviços oferecidos e redes de transmissão. Na segunda parte do trabalho serão resumidas as
mudanças tecnológicas principais do setor para depois, na terceira parte, explicar de que maneira
13
essas mudanças abriram a possibilidade de maior concorrência nesse setor, rompendo a idéia do
monopólio natural na indústria de telecomunicações. Por último, será feita uma sondagem das
mudanças regulatórias que originaram as novas tecnologias e as pioneiras mudanças
institucionais. Esta sondagem será feita a partir das experiências nos Estados Unidos, na União
Européia e na Inglaterra.
O objetivo do capítulo quatro é mostrar a evolução da industria das telecomunicações na
Argentina, desde seu surgimento em 1881 até finais da década do noventa, cuando começa a
liberalização do setor. Nesse sentido, em primeiro lugar serão resumidas as fases da evolução do
setor, datando o surgimento do mismo em 1881, quando a primeira linha telefônica foi
conectada. A segunda fase é definida como 17 anos de administração norte-americana (1929-
1946), periodo em que começam as operações de empresas norte-americanas no setor telefônico
argentino. 1946 será o ano que o governo de Juan Domingo Perón decide participar de forma
direta no setor, criando a empresa denominada Empresa Mixta Telefónica Argentina,
transformando-se depois na Direção Nacional de Telefonia do Estado (Agência Nacional de
Telefonia), com 100% sob controle público. Nesse ano, o Estado deixou de se limitar ao controle
e ordenamento das empresas telefônicas e passou a intervir diretamente na prestação e venda dos
serviços até finais dos anos oitenta.
A segunda parte do capítulo, tem como objetivo compreender as decisões que foram tomadas em
relação à privatização, regulação e posterior desregulação do setor, o que implica indagar sobre
alguns critérios básicos como: quais foram os determinantes políticos da privatização?, como
influenciaram os diferentes stakeholders sobre as decisões que deviam ser tomadas sobre a
ENTel e posteriormente sobre a regulação do setor?, quais são os objetivos perseguidos pela
regulação? busca realmente incentivar a concorrência?
Uma vez analisado o processo de privatização e posterior regulação do setor de
telecomunicações argentino, resta-nos analisar, no capítulo cinco o desempenho das empresas
licenciatárias do serviço telefônico básico, durante a década de noventa. Neste sentido, será
tomada a evolução de vários indicadores de relevância, entre os quais se encontram as tarifas,
investimentos, funcionários envolvidos, crescimento das redes instaladas e sua atualização
tecnológica, evolução das vendas, lucros, entre outros.
Em segundo lugar, examinaremos o comportamento dos principais conglomerados do setor em
relação a sua preparação para a etapa de pós-liberalização do mercado. Deve destacar-se que
diante de um marco inexistente de legislação antitrust, os três principais holdings operantes em
14
telecomunicações tiveram um papel sumamente ativo na concentração do setor através de
aquisições e fusões, que os prepararam para encarar o período competitivo
15
CAPÍTULO 2
ESTRUTURA E REGULAÇÃO:
UMA APROXIMAÇÃO TEÓRICA DO PROBLEMA
Definir uma política regulatória implica, em primeiro lugar, contar com um modelo de mercado
ideal –em um sentido puramente econômico- que sirva como guia. Neste sentido, podemos partir
da idéia básica de que a concorrência é um dos mecanismos de mercado que melhor atende os
objetivos de eficiência econômica e de bem-estar dos consumidores. A necessidade de regular
um setor parte da inexistência de forças do mercado no mesmo, que garantam que esse setor seja
competitivo.
O objetivo deste capítulo é fazermos uma aproximação de diferentes modelos teóricos que
melhor definam as características do setor, para depois analisarmos diferentes modelos de
regulação, desde puramente teóricos àqueles voltados para a prática regulatória.
Os temas a serem considerados nesta primeira aproximação do trabalho são, portanto, os
seguintes:
1. Determinação da estrutura industrial ótima, no sentido teórico;
2. A determinação do grau de sustentabilidade da mesma estrutura industrial e,
3. Influência da regulação e da defesa da concorrência sobre esta estrutura.
1. A estrutura da indústria
O primeiro problema que é colocado é, o que entendemos por concorrência? E na literatura
econômica encontramos vários conceitos de concorrência, relevantes ao nosso trabalho:
i) concorrência entre incumbentes;
ii) concorrência potencial.
A tradição econômica ressalta quatro condições que um mercado de concorrência perfeita deve
cumprir: atomização de oferta e demanda, produto homogêneo, perfeita mobilidade dos fatores
de produção –que implica livre entrada e saída- e conhecimento perfeito. A primeira
característica garante que as empresas sejam tomadoras de preços. Além disso, já que no
equilíbrio competitivo o preço coincide com o custo marginal, é garantida uma alocação ótima
paretiana e a inexistência de economias de escala.
Como afirma Forcinito, sob o ponto de vista neoclássico:
16
“la firma no sólo es un maximizador de ganancias, es también un maximizador pasivo de
ganancias, que, se supone, nunca busca bajar sus precios para atacar las posiciones de sus
rivales...vende todo lo que puede al precio del mercado: es un tomador de precios, de forma que el
antagonismo entre firmas se excluye de los supuestos” (Forcinito, 2001:262)
1.1 Concorrência potencial: oligopólio e as barreiras à entrada
Coincidindo com Sylos Labini (1961), considera-se que o “oligopolio... no aparece como un caso
teórico particular, sino como la forma de mercado más frecuente, aunque variadamente
configurada, en la realidad económica moderna”.
As teorias do oligopólio não fazem nenhum prognóstico a respeito do preço, tal como o preço
igual ao custo marginal da concorrência perfeita. Em geral, determinam que o preço será maior
do que o da concorrência perfeita e menor do que o do monopólio.
Os conceitos utilizados para definirem as estruturas oligopolistas estabelecem uma série de
características para cada tipo, tais como estratégias das empresas no que se refere a custos, a
tecnologia, a investimentos, a inovação do produto ou a processos que determinarão, em
definitiva, as distintas formas de oligopólio. Possas (1987) classifica u oligopolio em quatro
tipos:
i) Oligopólio Concentrado: esta estrutura caracteriza-se pela homogeneidade dos produtos
ou serviços das empresas que nela operam. A concorrência está caracterizada, a partir da
ausência de diferenciação, pela inovação dos processos produtivos, pela procura pela diminuição
de custos e o grau de investimento, e não pela concorrência de preços. As barreiras à entrada
presentes nesta tipologia são evidenciadas nas economias de escala técnica, nas descontinuidades
técnicas e no total do capital mínimo, que possibilitam um alto nível de concentração.Este tipo
de oligopólios é caracterizado pela utilização de estratégias que levem à expansão da capacidade
de maneira sistemática, inclusive atingindo níveis de excesso diante da demanda. A estrutura
produtiva típica é aquela que apresenta uma relação capital/produção elevada, tais como
produção de insumos básicos industriais e bens de capital, dificultando em alguns casos projetos
de investimentos em curto prazo.
ii) Oligopólio Diferenciado: a política de diferenciação de produtos serve de estímulo à
geração de barreiras à entrada, tanto para dentro como para fora do oligopólio. A forma de obter
a fidelidade dos consumidores baseia-se especialmente em despesas de vendas e publicidades. A
própria diferenciação do produto introduz diferentes graus de descontinuidades tecnológicas,
17
prevalecendo economias de escala por diferenciação que abrangem níveis específicos de
mercado
8
Neste tipo de estrutura, as barreiras à entrada não asseguram estabilidade, conseqüência do
processo constante de diversificação e pouca duração do ciclo dos produtos
9
e pela quase
ausência da concorrência via preços. Neste caso, e a respeito do investimento, tornam-se mais
evidentes as vantagens competitivas provenientes do investimento constante em I&D quando há
expansão do mercado ou lançamento de novos produtos.
iii) Oligopólio Misto: o resultado da fusão oligopólio diferenciado-concentrado mostra um
alto índice de concentração técnica –apesar de menor que no oligopólio concentrado- junto à
diferenciação dos produtos. Desde o ponto de vista concorrencial, as firmas utilizam o excesso
de capacidade planejada e a antecipação do crescimento da demanda tanto quanto o contínuo
esforço em inovação e diferenciação, como importantes recursos estratégicos.
Segundo Possas (1985), esta dinâmica concorrencial pode produzir dois efeitos: por um lado,
uma certa instabilidade cíclica da economia, e, por outro lado, a presença de grandes firmas
multinacionais que operam em vários países e que têm capacidade financeira para gerar
capacidade ociosa nos mercados nos quais operam. Resultando, assim, em determinados
momentos em significativas reduções nas barreiras à entrada e, portanto, em uma estrutura de
mercado menos estável.
iv) Oligopólio Competitivo: esta estrutura mostra a coexistência de firmas que têm porções
de mercado significativas e empresas marginais, que mesmo ocupando um espaço relativamente
considerável, são frágeis diante de estratégias de eliminação do mercado. Neste caso, a política
de concorrência predominante é via preços, geralmente com algum tipo de liderança em preços.
Conseqüentemente, existe pouco investimento diante da demanda e economias de escala, de
diferenciação e inovação de produtos.
Qualquer fator que impedir a livre mobilidade do capital para uma indústria no longo prazo e,
conseqüentemente, torne possível a existência de lucros supranormais permanentes nessa
indústria, constitui barreira à entrada (Kupfer, 2002).
A análise das barreiras à entrada para identificar os determinantes do desempenho de uma
indústria, foi desenvolvida por J. Bain e P. Sylos Labini. A contribuição destes autores segue os
8
O grau de concentração técnica observada tende a estar debaixo do existente no oligopólio concentrado, já que as
economias de diferenciação são menos eficientes no estabelecimento de barreiras à entrada do que a exigência de
um tamanho mínimo eficiente de planta ou empresa (Possas, 1987).
18
princípios do paradigma Estrutura-Conduta-Desempenho. Pressupondo que as condutas das
empresas são fortemente condicionadas pelos parâmetros estruturais vigentes, estes modelos
tentam derivar das características estruturais de um mercado, conclusões a respeito da sua
performance.
QUADRO 1
PARADIGMA ESTRUTURA-CONDUTA-DESEMPENHO
ESQUEMA ANALÍTICO
ESTRUTURA
Número de produtores e compradores, diferenciação de produtos,
barreiras à entrada, estruturas de custos, integração vertical,
diversificação.
CONDUTA
Políticas de preços, estratégias de produto e vendas, pesquisa e
desenvolvimento, investimentos em capacidade produtiva, relação com
fornecedores, distribuidores e clientes, atitudes com relação aos rivais.
DESEMPENHO
Alocação eficiente dos recursos, atendimento das demandas dos
consumidores, progresso técnico, contribuição para a viabilização do
pleno emprego dos recursos, contribuição para uma distribuição
eqüitativa da renda, grau de restrição monopolística da produção e
margens de lucro.
Fonte: Fagundes, J. E Pondé, J.L (1998) e Salgado L.H (1997).
Bain distingue dois tipos de concorrência: a concorrência atual, entre as firmas estabelecidas, e a
concorrência potencial, proveniente de firmas que poderiam ingressar à indústria. A concorrência
atual tem provavelmente uma importância maior tanto para as empresas como para o regulador
em mercados oligopolísticos (Koutsoyannis, 1975). Porém, a entrada potencial também é um
importante determinante da política de preços das empresas.
9
Isto tornaria os custos indiretos unitários cada vez mais altos, já que as grandes despesas de publicidade,
comercialização e I&D, e as margens de lucro são cada vez menores.
19
Em Bain, as barreiras à entrada são tratadas como um conjunto de fatores que definiriam as
possibilidades de ocorrência de lucros extras em firmas preestabelecidas, sem, no entanto, se
constituírem em atração para firmas ingressantes (potenciais).
“Assim, a "condição de entrada" de uma indústria pode ser avaliada pelas vantagens que as firmas
estabelecidas possuem sobre os competidores potenciais, sendo que estas vantagens se refletem na
capacidade de elevar persistentemente os preços acima do nível competitivo sem atrair novas
firmas para a indústria em questão. Tais vantagens constituem exatamente o que se denomina
"barreiras à entrada". Por sua vez, uma entrada consiste no estabelecimento de uma nova empresa
que constrói ou introduz uma nova capacidade produtiva em uma indústria/mercado”
(Fagundes
e Pondé, 1998:3)
A teoria de preços de Bain é basicamente colusiva entre firmas estabelecidas: o líder não
seleciona o preço que maximize seus lucros de longo prazo, como na teoria tradicional, mas
aquele preço que previna entradas. A racionalidade implícita é que esta política de prevenção de
entradas maximiza os lucros a longo prazo.
Fagundes e Pondé (1998) a partir de Bain, classificam as barreiras à entrada em quatro tipos
básicos:
i) As barreiras à entrada assentadas na diferenciação de produto decorrem da presença de
elementos que fazem com que os consumidores considerem mais vantajoso adquirir um produto
de empresas já existentes do que similares oferecidos por novos concorrentes.
ii) As barreiras à entrada decorrentes da presença de vantagens absolutas de custo para as
empresas já existentes se fazem presentes quando estas têm acesso exclusivo a determinados
ativos ou recursos
10
, o que lhes permite fabricar, com a mesma escala de produção de um
entrante potencial, a um custo mais baixo.
iii) Um terceiro tipo de barreiras à entrada resulta da presença de economias de escala, sejam
estas reais - derivadas de redução de custos, cuja obtenção exige o aumento das dimensões da
planta ou da firma - ou pecuniárias - derivadas do pagamento de preços menores na aquisição de
insumos, incluindo aqui menores custos com transporte, propaganda e outros gastos relacionados
às vendas
11
. As economias de escala reais usualmente são classificadas em três categorias:
10
Habilidades de pessoal experiente, patentes ou técnicas superiores, controle de oferta de um insumo chave,
menores preços de matérias primas, menor preço de capital, custos menores graças à integração vertical de
processos produtivos.
11
A diferença, portanto, está em que as economias reais de escala reduzem o montante utilizado de fatores de
produção ou insumos por unidade de produto, enquanto as economias pecuniárias de escala resultam do menor preço
pago pelos fatores ou insumos adquiridos.
20
(1) técnicas, resultantes do uso de equipamentos mais eficientes;
(2) gerenciais, resultantes da divisão de gastos gerenciais fixos em uma produção mais elevada;
(3) decorrentes da maior especialização do trabalho.
A existência de barreiras deste tipo exige a presença de custos irrecuperáveis vinculados à
efetivação da entrada , sem os quais valeria a pena para o entrante entrar e sair rapidamente do
mercado para auferir temporariamente lucros extraordinários
12
.
iv) Um quarto tipo está relacionado com a exigência de investimentos iniciais elevados para
viabilizar a instalação de uma nova empresa no mercado. Por envolver a criação de nova
capacidade, qualquer investimento inicial envolve uma aplicação de recursos financeiros
cujo montante depende, em grande parte, de variáveis relacionadas às tecnologias em uso
(principalmente da relação capital/produto).
v) Por último, a política governamental pode influenciar fortemente o surgimento de
barreiras à entrada. As externalidades positivas ou negativas, ligadas às barreiras à
entrada, incentivam o governo a adotar restrições –como bloqueios ou limitações à
entrada em indústrias determinadas, reservas de mercado por anos, exigências de licenças
prévias, da quantidade de capital ou investimento, limitações no acesso a matérias
primas, entre outras.
1.2 A Teoria dos mercados contestáveis
No início dos anos noventa, nasce a chamada teoria dos mercados contestáveis, que não só
revigorou o mainstream, senão que introduziu importantes tópicos sobre o significado e o
alcance da concorrência, as estruturas não competitivas e a política regulatória e antitrust. A
busca de Baumol, Panzar e Willig (1982) é examinar as condições nas quais um mercado
concentrado, oligopolístico ou inclusive monopolístico, pode apresentar um resultado
competitivo nos preços (conduta) e nos custos (eficiência), apenas como resultado da ameaça
potencial de entrada de concorrentes; sem necessidade de reduzir a estrutura à condição
atomística da concorrência perfeita e tentando, ainda, extrair disso implicações normativas
(Baumol et alii, 1982).
12
Nos termos de Baumol, Panzar e Willig (1982), as economias de escala só dificultam a entrada em mercados que
não são perfeitamente contestáveis.
21
Um mercado será perfeitamente contestável quando a entrada for absolutamente livre e a saída
for possível sem nenhum custo. Aqui, liberdade de entrada significa que o ingressante não tem
nenhuma desvantagem nem no custo nem na qualidade do produto –a diferenciação não existe-
em relação à(s) empresa(s) existente(s), que o ingressante potencial pode avaliar a conveniência
do ingresso a partir das empresas residentes, e a tecnologia é de pleno conhecimento. Por sua
vez, liberdade de saída significa que não existem impedimentos para o egresso e que podem ser
recuperados todos os custos incorridos ao entrar –ausência de custos irrecuperáveis- eliminando
o risco de entrada a um mercado.
A característica mais importante deste modelo é a vulnerabilidade diante da concorrência
potencial das empresas que se encontram fora do mercado, que diante da presença de uma
oportunidade de lucro podem ingressar, aproveitar a oportunidade e se retirarem dele sem custo
algum. Trata-se de um comportamento hit and run
13
. Para que isto não ocorra, as empresas
incumbentes devem escolher um vetor de produção que seja sustentável, isto é, que lhes seja
permitido operar sem prejuízo e que faça com que nenhuma empresa nova, utilizando a mesma
tecnologia, possa vender a preços menores e obter lucros. Deste modo, a ameaça da concorrência
potencial implica determinadas propriedades que asseguram a eficiência econômica no sentido
de Pareto:
i) Um mercado perfeitamente contestável permite as empresas obter só uma taxa de
benefício normal. Qualquer benefício excedente incentivará o ingresso de novas firmas
que tentarão capturar essa oportunidade.
ii) Este modelo não permite a existência de ineficiências por parte das empresas, já que um
concorrente eficiente poderia se aproveitar delas para entrar;
iii) Uma vez dada a primeira propriedade, a existência de subsídios cruzados não é
possível, com o que é evitada a possibilidade de uma política de preços predatória;
iv) O preço escolhido deve ser igual ao custo marginal quando existirem duas ou mais
empresas
14
13
Quando existem barreiras à entrada, que implicam custos irrecuperáveis, ainda quando forem pequenos, a
velocidade de resposta da política de preços das empresas residentes pode tornar de risco o comportamento hit and
run. É por causa disso que para se conseguir a contestabilidade do mercado medidas de política desenhadas são
requeridas para inibir a resposta das empresas residentes (Baumol et alii, 1988)
14
Em uma indústria oligopólica onde as empresas têm curvas de custo médio em forma de U, a igualdade entre o
preço, o CMg e o Cme requer que a função de demanda corte a de Cme à altura do nível de produção de custo
mínimo. Este equilíbrio não se dará se a função de demanda cortar a de Cme em outro ponto. Uma solução para este
problema é considerar, a partir de evidência empírica, que as empresas apresentam curvas de Cme com um trecho
plano, e, para que a configuração sustentável seja um oligopólio, que a demanda seja grande o suficiente com
22
Baumol et alii excluem da definição de barreiras à entrada elementos como economias de escala:
o que constitui barreiras à entrada deve reduzir necessariamente a soma dos excedentes do
consumidor e do produtor
15
Resta resolver uma outra questão: o que acontece se a única configuração sustentável for um
monopólio natural? Na resposta deverá ser considerado o caso de uma indústria que produza um
único bem –caso monoproduto- e o caso em que a indústria pode elaborar uma combinação de
bens –caso multiproduto-.
a) Monopólio natural monoproduto.
Uma indústria é um monopólio natural monoproduto se a produção de um bem ou serviço
particular realizada por uma única firma, minimizar os custos (Viscusi et alii,1997) . Ou seja, os
custos são menores se produzirmos uma quantidade x do produto, em uma única firma do que
em dois ou mais. O exemplo típico é a produção de uma commodity individual que apresenta
uma curva de custo médio em longo prazo declinante para qualquer nível de produção
16
.
Formalmente, uma indústria é considerada monopólio natural se, sob um tipo relevante de
produção, a função de custo da firma é subaditiva (Baumol et alli, 1982). A função de custo C(y)
será estritamente subaditiva em e se para qualquer quantidade de produto y
1
,......., y
k
, y
j
y, j=
1,.......,k, tal que para: y
j
= y temos que C (y) < C ( y
j
)
Determinada a subaditividade, que por definição implica que uma firma pode produzir um
determinado produto de forma mais econômica que em qualquer combinação de muitas firmas,
os autores introduzem a seguinte proposição:
i)Custo Marginal decrescente no produto y implica que o custo médio decresce em y;
ii)isto implica que a função de custo é subaditiva em y.
iii)Porém, a reversão desta conclusão não é verdadeira –subaditividade não implica custo médio
declinante e custo médio declinante não implica custo marginal declinante.
Supondo o caso mais comum em que o preço= custo marginal não é lucrativo, apresenta-se um
problema de política pública. O problema é de que maneira a sociedade pode-se beneficiar da
relação à escala mínima eficiente como para permitir que o mercado seja abastecido por mais de uma empresa a um
preço igual ao custo marginal e com benefícios normais.
15
Deste modo: “costos fijos no son, y no elevan, las barreras a la entrada. Los costos, al contrario de las barreras
a la entrada, no impiden el desempeño óptimo de bienestar en la industria” (ibid: 289)
16
O fator crucial é a magnitude da escala mínima eficiente (EME) que é o volume de produção obtido ao menor
custo médio.
23
produção ao menor custo –que requer a produção de uma firma só- sem sofrer o preço do
monopólio.
Acontece que se há economias de escala em toda a amplitude relevante da produção pode existir
um problema típico de monopólio natural: se for estabelecido que a firma monopolista deve
produzir com o preço ótimo desde o ponto de vista do bem-estar social (preço= custo marginal),
esse preço não cobrirá os custos médios. O preço que permitirá obter um lucro normal por parte
da firma, cobrindo os custos médios é superior ao preço ótimo social. Isto é devido ao fato de
que como o custo médio (CMe) é declinante, pela presença de economias de escala, o custo
marginal é inferior ao médio. Desta maneira, não é possível a solução socialmente ótima (Pinto e
Fiani, 2002).
b)Monopólio natural multiproduto
No mundo real, é rara a produção de uma commodity individual. O monopólio natural
multiproduto é mais realista e cria importantes temas a serem tratados. A subaditividade de
custos em monopólios naturais multiprodutos para dois produtos X e Y exige que: o custo de
produzir ambos bens em uma única empresa seja menor que a mesma quantidade dos dois
produtos, cada um em uma firma diferente. Devemos introduzir dois conceitos relacionados com
os custos das empresas que fazem parte deste tipo de indústrias, onde as decisões de produção
estão relacionadas não só com o volume de produção senão também com a combinação de bens.
O primeiro é o custo médio no raio (ray average cost ou RAC), que consiste em um vetor do
plano da função de custos médios multiproduto onde a combinação de bens é fixa. Isto é, forma-
se um “bem composto” e se procede de maneira similar ao caso monoproduto. Portanto, o RAC
de um determinado pacote de produtos pode ser crescente, decrescente ou constante conforme
como variar o custo médio ao aumentar o nível de produção do pacote.
O segundo é o de economias de escopo, que se relaciona com as economias de custos que
podem ocorrer quando passa-se de produzir bens de maneira separada a fabricá-los em forma
conjunta. Estas economias estão relacionadas com complementaridades que se dão na produção
conjunta, por exemplo, pela presença de “insumos públicos” (Baumol et alii, 1982), que são
aqueles que uma vez adquiridos para serem utilizados na produção de um bem, estão disponíveis
24
sem custo adicional para serem empregados na produção de um outro bem
17
, ou de “insumos
distribuídos” em processos de produção.
Em termos mais amplos, estas complementaridades derivam da convexidade transradial (trans –
Ray convexity), que reflete a forma de um corte transversal da função de custo médio
multiproduto, onde corta diversos RAC. No sentido não estrito, esta convexidade mostra que o
custo de produzir uma determinada combinação de bens de maneira conjunta é menor ou igual
ao custo de produzi-los de forma separada.
Apresentados estes dois conceitos, podem ser colocadas as duas condições suficientes para
existir um monopólio natural no caso multiproduto:
i) que o RAC seja estritamente decrescente;
ii) que haja convexidade transradial –estrita ou não estrita- para o vetor de produção em
questão.
Desta maneira, consegue-se a subaditividade de custos, isto é, que o custo de produzir esta
combinação por uma única firma seja inferior ao de produzir essa mesma combinação por várias
firmas ou ao de levar adiante outras combinações diferentes.
Entretanto, a livre entrada e saída assegurarão uma solução ótima de Pareto igual do que no
monopólio natural monoproduto. Se a quantidade demandada pode ser produzida em um trecho
plano do RAC, o preço será igual ao CMe e ao CMg. Por outro lado, se não se der em um trecho
plano do RAC, a concorrência potencial induzirá o monopolista a estabelecer preços que
satisfaçam a regra de Ramsey, onde é verificado o ótimo paretiano sob uma restrição do nível de
benefícios.
Além disso, no caso multiproduto, não existe a possibilidade do subsídio cruzado: a receita
obtida de um subconjunto de produtos é pelo menos igual à redução de custos associada à não
produção do mesmo subconjunto, mantendo constante a quantidade dos outros produtos
(Salgado, 1997).
Por outro lado, tanto para uma indústria monoprodutora como multiprodutora, se a demanda
intersectar os custos médios em um trecho plano, não só serão verificadas as condições
paretianas, senão que o mercado não necessariamente será naturalmente monopólico, se nesse
trecho plano poderem operar várias plantas ótimas.
17
Por exemplo, a informação jornalística que uma empresa de meios de comunicação obtém que pode ser difundida
pela rádio, televisão, jornais e revistas.
25
Trata-se de uma importante distinção a ser levada em conta: o monopólio natural é permanente
ou temporário? (Viscusi et alii, op. cit). Se for permanente, os custos médios totais a longo prazo
cairão continuamente na medida em que o produto aumente. No caso do monopólio natural
temporário, o custo médio declina até um nível determinado de produto, e a partir desse nível
permanece constante. Deste modo, se a demanda cresce ao longo do tempo, deslocando-se à
direita da curva de custo médio a longo prazo –desde a região declinante à constante-, o
monopólio natural torna-se um mercado com maior grau de concorrência.
Isto é, se a interseção da curva de demanda com o trecho plano dos custos médios verifica-se
para um nível de produção superior ao da escala mínima eficiente, o equilíbrio admitirá tantas
empresas como escalas mínimas eficientes possam entrar nessa porção do trecho plano. Ou seja,
uma, duas ou mais, fazendo com que a estrutura da indústria seja naturalmente monopólica,
oligopólica ou competitiva.
A teoria dos mercados contestáveis, substituindo os resultados do equilíbrio geral competitivo,
provê uma generalização do mercado perfeitamente competitivo por meio do conceito de
mercado perfeitamente contestável, como comportamento ótimo aplicável a qualquer estrutura
ambiental, incluindo o oligopólio e o monopólio: “qualquer mercado contestável poderia
comportar-se de forma a obter os resultados ideais, embora possa não necessariamente ocorrer
para todos os oligopólios e monopólios nos mercados reais” (Fontenele, 1996: 396, grifo nosso).
Es que,
“uma estrutura de mercado somente será eficiente, do ponto de vista da maximização do bem-estar
social, se a entrada for possível, sendo impedida apenas pela política de preços das empresas
presentes no mercado. Em outras palavras, a eficiência da estrutura de mercado dependerá do nível
de obstáculos à entrada e à saída na indústria, ou seja, de seu grau contestabilidade”
(Fagundes
y Pondé, 1998: 10)
As implicações de natureza política da teoria dos mercados contestáveis são diferentes da
microeconomia ortodoxa: é perfeitamente possível a existência de estruturas concentradas sem
que o interesse público seja prejudicado. Quanto menores as barreiras à entrada no setor, maior a
sua eficiência, independentemente do produto ser ou não homogêneo, das firmas serem ou não
atomísticas e das decisões serem ou não independentes.
O problema desse enfoque é que as condições requeridas para a perfeita contestabilidade de um
mercado -da qual a concorrência perfeita seria apenas um caso particular- são tão restritivas
26
quanto esta última: livre entrada (sem custos e com livre acesso à tecnologia e aos insumos) e
saída (ausência de sunk costs, custos irrecuperáveis) e impossibilidade de retaliação via preços
em tempo hábil após a entrada.
1.3 Mercados contestáveis e desregulamentação
O conceito de perfeita contestabilidade está relacionado com liberdade absoluta de entrada e
saída das firmas em um determinado mercado, assim uma estrutura de mercado somente será
eficiente, do ponto de vista do bem-estar social, se a entrada for possível, sendo impedida apenas
pela política de preços das empresas presentes no mercado, ou, em outras palavras, a eficiência
da estrutura de mercado dependerá do nível de obstáculos à entrada e á saida na industria, ou seja
de seu grau de contestabilidade.
Supondo mercados contestáveis, a retirada das barreiras à entrada institucionais nos setores de
infra-estrutura deveria permitir a identificação dos segmentos marcados pela presença de
monopólios naturais: a estrutura monopólica somente se manteria nos segmentos em que fosse
sustentável. Do ponto de vista da defesa da concorrência e da regulação, dois problemas devem
ser destacados (Possas et alii, 1998)
De um lado, caso a exploração das economias de escala estivesse sendo obtida através de uma
estrutura de preços –regulada- discriminatória por parte do monopolista, a remoção da proibição
à entrada pode gerar ineficiências produtivas. Nessa situação, a entrada de novas empresas
somente ocorreria nos segmentos de mercado em que os preços estivessem acima dos custos
medios comprometendo a eficiência produtiva e/ou a capacidade do monopolista de financiar
objetivos não economicos, como a universalização de serviços.
Entretanto a opção pela liberalização pode se revelar o melhor meio de promover os objetivos de
eficiência economica: trata-se de usar a concorrência como mecanismo de identificação dos
limites do monopólio natural.
Por outro lado, a retirada das barreiras à entrada institucionais é condição necessária, mais não
suficiente para promover competição. As vantagens competitivas detidas pelos operadores
tradicionais acumuladas ao longo dos anos de monopolio protegido, tais como tamanho da rede,
conhecimento dos usuários, porte financeiro, etc., torna-os capazes de manter sua posição
monopólica em distintos mercados de serviços finais ou segmentos en que não existe monopólio
natural, pela prática de diversas formas de comportamentos estratégicos de natureza
27
anticompetitiva tais como preços predatórios. Nesse âmbito surge o espaço para a atuação das
políticas de defesa da concorrência.
1.4 Contribuições mais recentes
Na década de noventa, novas linhas de pesquisa na área de organização industrial foram
incorporadas à política regulatória governamental. A eficiência vinculada à tecnologia e às
indústrias de rede destaca-se dentro desta linha.
As indústrias de rede são um caso especial de monopólio natural. Estas indústrias exploram a
multiplicidade de relações transacionais entre os agentes econômicos localizados em diferentes
nós da rede, envolvendo um princípio de organização espacial e territorial. Trata-se, em geral, de
indústrias que fornecem infra-estrutura básica (energia elétrica, gás, telecomunicações,
transportes, água e saneamento).
As indústrias de rede produzem externalidades de rede: os benefícios de um usuário dependem
do número de usuários ligados à rede. Trata-se, como no caso de todas as externalidades, de uma
falha de mercado: como não é possível um consumidor remunerar outro pelo benefício de adesão
do segundo à rede, existe a possibilidade de a rede não alcançar uma expansão eficiente. Esta
necessidade de garantir um nível adequado de interconexão pode demandar a regulação do setor.
Ainda, se for verificável a existência de economias de escala, surge a demanda por regulação de
entrada para evitar duplicações ineficientes de infra-estrutura, com a conseqüente elevação de
custos e perda de bem-estar. Por último, o fato de estas redes envolverem uma conexão direta
com os consumidores gera um poder de mercado significativo para as empresas que administram
essas redes; o qual, associado às vantagens que derivam da sua localização, que geram rendas
extraordinárias, acabam por completar o conjunto de argumentos favoráveis à regulação.
A literatura sobre externalidades de rede, padronização e compatibilidade trata do problema da
adoção de novas tecnologias em indústrias caracterizadas pela complementaridade no consumo
ou na produção (Tirole, 1993, apud Salgado, 1997).
Na presença de externalidades de rede positiva, surgem dois problemas de coordenação pelo lado
da demanda: inércia excessiva e movimento excessivo, “na medida em que os consumidores de
uma dada tecnologia esperam para adotar uma nova tecnologia ou para escolher entre várias ou
os consumidores apressam-se para adotar uma tecnologia inferior por medo de ficarem de fora”
(Salgado, 1997: 69)
28
Pelo lado da padronização, o problema surge com a escolha e divulgação de tecnologias pela
indústria (oferta). A padronização evita os problemas de inércia excessiva e diminui os custos de
procura e coordenação por parte dos usuários, e é em geral obrigatória pela regulação ou por
algum tipo de organização privada.
2. Teoria da Regulação
A economia da regulação refere-se tipicamente a restrições governamentais sobre as decisões das
firmas a respeito do preço, quantidade e entrada e saída. A justificativa para a intervenção
governamental é que sob determinadas condições a concorrência não funciona muito bem. Duas
circunstâncias comuns são que uma indústria se caracterize por ser um monopólio natural ou que
existam externalidades.
O problema com o monopólio natural é que existe um conflito entre eficiência distributiva e
eficiência produtiva. A eficiência produtiva requer que uma única firma produza, pois só desta
maneira os custos são minimizados, mas a eficiência distributiva não é alcançada já que o preço
não é igual ao custo marginal.
Uma externalidade existe quando a ação de um agente econômico afeta a utilidade ou a função
de produção de um outro agente e o primeiro não se preocupa com que o seu comportamento
afete o bem-estar do segundo.
Quando uma indústria é regulada, os resultados em termos de eficiência produtiva e alocativa são
determinados tanto pelas forças do mercado quanto por processos administrativos (Viscusi et
alii, 1995). Mesmo quando a produção e o preço forem selecionados pelo regulador, o preço
(efetivo) que limpa o mercado será “selecionado” pelo mercado
18
.
Até meados dos anos sessenta, a teoria da regulação prevalecente era aquela denominada como
“análise normativa como teoria positiva”. “A idea central, desde Adam Smith, era que as falhas
de mercado seriam a justificativa para a intervenção reguladora. Monopolios naturais e a
presença de externalidades encabeçavam a lista”(Salgado, 1997: 82)
Do momento em que o Estado deixou de ser visto como uma entidade cujo objetivo é o bem
público, começaram a aparecer novas contribuições em relação à regulação econômica. A partir
dos anos sessenta, dada a regularidade empírica acerca de que a regulação é pró-produtor,
18
Por exemplo, se um bem for ofertado de forma escassa –a respeito da demanda- as pessoas esperarão em fila pelo
mesmo. O preço efetivo do mesmo é aquele pago mais o valor do tempo de espera em fila
29
começou o desenvolvimento da Teoria da Captura
19
, proposta em primeiro lugar por Stigler
(1971) e Posner (1974) e desenvolvida por Peltzman (1976): a regulação não estaria
correlacionada com a existência de falhas no mercado, senão que seria “capturada” por grupos de
interesse de diversos tipos de indústrias –competitivas ou não- interessados em garantir rendas
extraordinárias (Viscusi et al., 1995). Desta maneira, as agências reguladoras atenderão o
interesse de grupos de produtores mais do que o interesse público (Chang, 1997).
Assim como existia muita evidência empírica que sustentasse esta teoria, não foi difícil encontrar
outras evidências que rejeitassem esta interpretação mais superficial do processo de captura: a
regulação é um processo complexo, envolvendo vários grupos de interesse interessados em
garantir rendas para si mesmos. Como explicaria esta teoria os subsídios cruzados, a regulação
de determinadas indústrias e a posterior desregulação, ou grande quantidade de indústrias
reguladas onde a rentabilidade é baixa?
O fato de que, dependendo da indústria regulada, o bem-estar de diferentes grupos de interesse
fosse alcançado com a regulação, levou à necessidade de uma teoria que explicasse esse
fenômeno. A primeira grande ruptura nesse sentido pode ser encontrada na contribuição de
Stigler. O autor tentava dar uma nova resposta à questão acerca da existência dos motivos que
determinam que exista a regulação. E conseguiu dar um bom suporte à concepção do regulador
como agente capturado por grupos privados.
Nas palavras de Viscusi et alii, no modelo de Stigler, “regulation is one avenue by which
interest group can increase its income by having the state redistribute wealth from other parts of
society to that interest group” (1995: 329). Dois pressupostos sustentam a hipótese no que se
refere a que a regulação é oferecida em resposta a demandas de grupos de interesse que agem
para maximizar a sua receita:
i) o recurso básico do Estado é o seu poder de coerção e o grupo de interesse que convencer
o Estado de usar esse poder para o seu benefício, aumentará o seu bem-estar;
ii) os agentes são racionais no sentido de que as suas ações são maximizadoras de utilidade.
Os modelos de Stigler e de Peltzman, tentam predizer quais os tipos de indústria serão regulados
e que grupos de interesse controlarão essa regulação.
Três elementos importantes encontram-se nos modelos destes autores: i) a regulação redistribui
riqueza; ii) o regulador tenta maximizar uma função objetivo de apoio político conjunto M,
19
Salgado (1997) determina que a crítica pioneira à visão da regulação orientada ao bem público foi a de Gabriel
Kolko, que estudou as ferrovias e concluiu que os lucros reguladores foram capturados pelos interesses capitalistas.
30
sendo definida como M (P,r), onde P é o nível da tarifa do agente regulado e r sua taxa de lucro;
iii) os grupos de interesse –consumidores e indústria-, concorrem por oferecer o máximo de
apoio político em troca de legislação favorável.
A hipótese é que o agente regulador tenta conquistar o máximo apoio possível de duas maneiras:
pelo lado dos consumidores, mantendo a tarifa o mais baixa possível; pelo lado da indústria,
garantindo a maior taxa de lucro possível, supondo uma taxa integral decrescente entre P e r
20
medida em que diminui a tarifa, uma maior taxa de lucro deve ser dada à indústria para ser
“compensada” e vice-versa), o que determinará um limite para trocar o apoio de um grupo pelo
de outro (Fiani, 1998a).
A primeira conclusão a ser feita, segundo esses pressupostos, diz a respeito da tarifa: o regulador
implementará um preço intermédio entre o preço competitivo e o preço que existiria se a
indústria se comportasse como monopólica.
Outra conclusão importante tem a ver com quais as indústrias que serão reguladas: devemos
esperar que, dados os formatos de M(P, r) e da função r(P), as indústrias mais suscetíveis de
serem reguladas são aquelas relativamente monopolísticas ou relativamente competitivas. Em
ambos os casos, algum grupo de interesse terá lucros de importância: no primeiro caso os
consumidores (pensar, por exemplo, no caso de telecomunicações); no segundo caso, as
empresas terão muito para ganhar da regulação (por exemplo, preços agrícolas subsidiados).
“Assim, é estabelecido um critério para teste da hipótese acerca de quais as indústrias que serão
reguladas, a partir da consideração explícita dos grupos de interesse.” (Fiani, 1998a).
Como resultado geral, a regulação beneficiará aquele grupo de interesse mais bem organizado e
que ganhe mais com a regulação. Especificamente, a regulação tende a beneficiar mais pequenos
grupos com preferências fortes às custas de grandes grupos com preferências fracas. Isto porque
quanto menor é o grupo, maior é o efeito de free rider já que a contribuição de recursos de cada
membro tem um impacto proporcionalmente maior sobre o impacto total do grupo do que no
caso de grandes grupos.
O próximo modelo a ser destacado em relação ao tratamento da regulação é o de Beker. O
modelo põe em foco a concorrência entre grupos de interesse. A regulação é usada para aumentar
o bem-estar do grupo mais influente.
20
Desta forma: “A decisão do agente regulador, isto é, a que nível ele irá estabelecer a tarifa (e conseqüentemente a
taxa de lucro na indústria regulada) depende do comportamento da taxa de retorno em função da tarifa. De uma
forma geral, espera-se que r tenha valor nulo para o nível de tarifa que equivaleria à concorrência perfeita, e a partir
31
Supõem-se dois grupos de interesse. O aumento de bem-estar de cada grupo depende tanto da
pressão que esse grupo exerce sobre os reguladores p
1
, como da pressão exercida pelo outro
grupo, p
2.
O volume de pressão de cada grupo é determinado inversamente pelo número de
membros do grupo e diretamente pelo total de recursos utilizados.
O equilíbrio político (p*
1
, p*
2
) é definido como o par de níveis de pressão de maneira que cada
grupo não terá incentivos para mudar a sua decisão já que cada um maximiza seu bem-estar dada
a pressão do outro grupo. Para um grupo obter uma quantidade T de renda, se deve transferir na
verdade (1+x)T com x 0, já que a atividade reguladora causa uma perda de bem-estar, x. Deste
modo, este peso morto serve como uma limitação à eficiência da própria regulação. “Ocorre que
o crescimento marginal de x leva a uma crescente resistência dos grupos perdedores a maiores
transferências ao grupo vitorioso, o que acaba por desestimular o esforço deste último por
valores maiores de T.” (Fiani, 1998a).
A novidade desses modelos é que, nas palavras de Fiani:
“deslocaram o eixo do debate sobre regulação econômica para um ponto muito distante da mera
correção de ‘falhas de mercado’. Mais especificamente, a questão regulatória tornou-se um objeto
de estudo em si mesma, onde a caracterização de grupos de interesse em uma dada indústria, que
se formam visando rent seeking passou a ser uma etapa fundamental do processo de compreensão
das características da atividade de regulação econômica.”
(1998:11)
Essa revolução teórica culminou em uma reforma prática da regulação econômica nos anos
oitenta, com várias inovações tais como o RPl-X na Inglaterra. Esta perspectiva mais prática será
tratada a seguir, analisando em primeiro lugar os diferentes instrumentos da regulação e de
aspectos chaves em relação ao surgimento de competência em determinados segmentos.
O pressuposto chave que é adotado na análise que segue o de assimetria de informação que
existem entre o regulador e a empresa, e que provocam falhas na regulação e a busca constante
de melhores alternativas reguladoras.
Se não existisse uma vantagem para a empresa regulada o problema seria de fácil resolução: em
função da tecnologia (função de custos) e da demanda existentes, o regulador computaria quais
são as tarifas e os níveis de qualidade que a empresa deve implementar com o fim de maximizar
o superávit neto dos consumidores, permitindo o autofinanciamento da empresa a longo prazo
(ou alguma outra função de bem-estar social).
daí comece a aumentar até atingir o máximo no nível de tarifa que seria o equivalente à situação de monopólio e
decaia para níveis de tarifa superiores ao de monopólio” (Fiani, 1998a: 15).
32
Porém, tipicamente as empresas reguladas têm informação superior com relação às decisões que
adotam e que afetam seus próprios custos, por um lado, e com relação à tecnologia ou demanda
efetivamente existente, pelo outro. A primeira alternativa gera problemas de “moral risk
(Urbiztondo, 1998), isto é, dificuldades para induzir o esforço ótimo com a regulação. E a
segunda alternativa, produz problemas de “seleção adversa”, isto é, inconveniente para
identificar as características da empresa e assim extrair as rendas informativas das quais pudesse
dispor.
2.1 Instrumentos de regulação
2.1.1 Empreendimento público
Umas das soluções atuais para o monopólio natural é o empreendimento público, ou propriedade
e operação do monopólio natural por parte do governo. Trata-se, em geral, de uma solução
freqüente nos setores de serviços públicos. Por exemplo, energia elétrica, telecomunicações, gás
e ferrovias são predominantemente públicos em países da Europa.
Em princípio, o empreendimento público pode ser visto como uma boa alternativa. Os
administradores públicos podem maximizar diretamente o excedente econômico total, sem
necessidade de regulações que tentem aproximar a procura pela maximização de lucros das
empresas do interesse público.
Como resposta ao amplo consenso da década de noventa, a respeito da privatização a qualquer
custo, Stiglitz (1998 e 2002) mostra que não sempre o caminho inevitável é a privatização de
serviços públicos. Se, por exemplo, se outorgarem licenças a operadores privados que concorram
com o empreendimento público, a pressão sobre a empresa estatal pode fazer que esta se torne
mais eficiente sem necessidade de privatização. Sem dúvida, dois ingredientes essenciais de uma
economia de mercado são a propriedade privada e a concorrência. Mas, a ordem em que esses
ingredientes são introduzidos é sumamente importante. Se a privatização for introduzida antes
que a concorrência, ou sem ela, o monopólio privado pode resultar mais eficiente em termos de
bem-estar, que o empreendimento público:
“While competition may well lead to privatization... a privatized monopoly will often attempt to
use its money and political influence to stifle reforms, especially ones that threaten to introduce
greater competition. The result will be that rents are transferred from the public sector to the
private sector, whit little gain in efficiency, lower prices, or broader service”.
(Stiglitz, 1998:15)
33
No entanto, comparar a eficácia do empreendimento público a respeito da regulação é um
problema complexo que extrapola os limites deste trabalho.
2.1.2 A proposta de Loeb-Magat
Em 1979 Loeb e Magat propuseram enxergar a regulação como uma relação principal –agente na
qual um regulador –o principal- tenta controlar uma firma –o agente- que se supõe um
monopólio natural. Loeb e Magat assumem que os monopolistas conhecem perfeitamente
informações de custos e demanda, enquanto os reguladores conhecem somente a demanda. Deste
modo, dada esta assimetria na informação e o pressuposto de que o objetivo do monopolista é
maximizar lucros, o que pode fazer o regulador para induzir a fixar preços eficientemente?
A proposta desses autores é deixar o monopolista escolher o seu próprio preço, ao invés de este
ser fixado pela agência reguladora. Ainda, a proposta inclui um subsídio dado pela agência à
empresa regulada por uma quantidade igual ao excedente do consumidor no nível do preço
escolhido. Os autores demonstram que o preço escolhido pelo monopolista será aquele que
igualar o custo marginal, já que nesse nível os lucros são maximizados. A chave deste paradoxo
encontra-se no fato de que o regulador –ao oferecer subsídio- muda a função objetivo do
monopolista: agora a firma está maximizando o excedente total dos consumidores (a área total
sob a curva de demanda menos o custo) (Viscusi et alii, op. cit.).
Intuitivamente, o regulador deveria simplesmente outorgar uma transferência igual ao valor
social da produção da firma regulada. A firma maximizaria, então, a diferença entre o valor
social e o custo de produção, conseguindo a melhor alocação de recursos de um modo
compatível com os incentivos. Desaparece, assim, o problema da regulação.
A solução é economicamente eficiente, porém pode-se objetar sobre questões distributivas, já
que o monopolista apropria-se do total do excedente econômico.
A proposta de Loeb – Magat não é, obviamente, a solução perfeita para o monopólio natural.
Existem problemas de informação a respeito da curva de demanda e a existência do subsídio faz
com que seja um substituto imperfeito do processo regulador normalmente utilizado, que será
analisado a seguir. Sua maior conquista foi mostrar como podia ser conseguida, se não se
prestava atenção às questões redistributivas ou no custo dos fundos públicos, uma regulação
ótima com informação completa mediante o uso de mecanismos de incentivos extraídos da
34
resolução do problema do free rider, os chamados mecanismos de Clarke-Groves Vickrey
(Laffont, 1997).
2.1.3 Leilão de franquias
Proposta pela escola de Chicago
22
, a solução de franquias estabelece que o preço monopólico
não é uma conseqüência necessária de uma condição de monopólio privado não regulado. Este
resultado pode ser evitado usando um leilão ex ante para outorgar a franquia monopólica à
empresa que oferecer, nos melhores termos, fornecer o produto ou serviço.
A análise convencional não distingue entre o número de licitadores ex ante e a condição de oferta
ex post. Ainda que as economias de escala decretarem que haja um só fornecedor ex post, a
concorrência do grande número pode ser viável na etapa de licitação inicial. Quando um grande
número de agentes qualificados apresenta licitações não colusórias para se tornarem
fornecedores da atividade de custo decrescente, o preço resultante não refletirá necessariamente
o poder monopólico.
Devem ser distinguidos os leilões de franquias que compreenderem pagamentos de quantias fixas
e aquelas onde se outorga ao licitante se comprometer a fornecer o serviço ao preço unitário mais
baixo. Quando é outorgada uma franquia exclusiva ao licitante não colusório que pagar a
quantia fixa mais alta para obter o negócio, se capitalizam efetivamente os benefícios
monopólicos que dali derivarão. Mas o produto ou serviço para aquele que se outorgar tal
franquia terá preços fixados em termos monopólicos. Para evitar esse resultado, se prefere o
critério do preço unitário mais baixo para o outorgamento das franquias.
Podem ser distinguidos três tipos de contratos de franquia. Em primeiro lugar, Stigler considera
os contratos definitivos a longo prazo (de uma única vez), que se por um lado satisfazem as
restrições de racionalidade limitada, trazem sérios riscos de oportunismo. Em segundo lugar,
Demsetz pensa em franquias outorgadas a longo prazo, com adaptações aos eventos, que são
conseguidos permitindo a renegociação dos termos sujeitos a cláusulas punitivas. Neste caso,
existe alto risco de que cada uma das partes manipule as informações e dados de maneira
favorável para os seus interesses, quando ocorrerem acontecimentos imprevistos. Posner, por
O comportamento estratégico dos agentes econômicos providos de informação privada impõe mais restrições à
alocação de recursos que às restrições tecnológicas e contábeis. As restrições de incentivos, as que refletem o
comportamento estratégico dos agentes providos de informação privada, devem ser satisfeitas para uma alocação ser
realmente factível, isto é, factível em termos de incentivos.
22
Elaborada sucessivamente por Demsetz (1968), Stigler (1968) e Posner (1972).
35
último, reconhece que a promessa de “fornecer barato” só será um compromisso bem definido
quando se especificar bem a qualidade do serviço e propõe que uma pesquisa prévia determine as
preferências dos assinantes no que se refere à qualidade, mantendo ainda curtos os termos da
franquia. Esta análise apresenta um grave problema de execução: “la eficacia de la subasta de
franquicias como uma respuesta organizativa a los problemas planteados por el monopolio
natural varía con las circunstancias, entre las que se destaca la condición de especificidad de los
activos.” (Williamson, 1989:328)
Para este autor, os defensores do leilão de franquias confiam demais na eficácia dessa alternativa
organizativa. As aplicações sustentáveis em um contexto (quando há uma ligeira especificidade
de ativos) estendem-se sem espírito crítico a circunstâncias nas quais as bases são sustentáveis
(quando é substancial a especificidade de ativos). Neste último caso, com ativos de longa
duração e fixos, é requerida uma atenção específica aos atributos dos contratos preliminares.
Em síntese, quando são requeridos grandes investimentos em ativos específicos duráveis e os
contratos estão sujeitos a incertezas tecnológicas e de mercado, o leilão de franquias requer, na
prática, a elaboração progressiva de um sistema de administração que difere principalmente no
nome mais do que na essência, do aparelho associado à regulação que busca substituir.
2.1.4 Regulação por taxa de retorno
No processo de regulação por taxa de retorno, o regulador arbitra um vetor tarifário (tarifas para
cada tipo de produto ou serviço da firma regulada), tentando garantir para a firma regulada uma
taxa de retorno sobre o capital investido que permita obter as receitas necessárias para cobrir os
riscos assumidos e permanecer na atividade.
As receitas totais, derivados dos vários produtos ou serviços prestados pela firma regulada, deve
ser igual à soma dos custos operacionais de cada fornecimento (custos variáveis de cada produto
ou serviço) mais a depreciação do capital, e ainda deve sobrar uma taxa de lucro normal sobre o
capital investido.
A determinação prática desta proposição envolve uma série de inconvenientes, associados a
conhecer os legítimos custos da firma, incluindo a taxa requerida sobre o investimento (Viscusi
et al., 1997; Pinto & Fiani, 2002):
Determinação do capital a depreciar: a inclusão indiscriminada de qualquer ativo
incentivaria a empresa para investir excessivamente, não só em ativos de pouca utilidade
36
para as tarefas produtivas, como inclusive a manter ativos úteis à atividade produtiva,
sobredimensionados com relação à demanda, isto é, capacidade ociosa.
Determinação da taxa de retorno: qual é a taxa de retorno normal ou adequada? A
solução mais óbvia seria uma taxa de retorno igual ao custo de capital da empresa, de
maneira que a empresa não obtenha lucros extraordinários nem teria obstáculos para
continuar com as suas atividades. O problema é que obter o verdadeiro custo de capital de
uma empresa é uma difícil tarefa.
Determinação do custo variável: isto exige não só conhecer a fundo a contabilidade da
empresa regulada, senão também o seu processo produtivo, o que requer um corpo
técnico altamente especializado por parte dos reguladores.
Determinação da receita da empresa: já que as próprias tarifas acabam influenciando a
quantidade demandada (através das funções de demanda inversa), ao estabelecer as
tarifas, o regulador acaba influenciando as quantidades vendidas e indiretamente o custo
variável. É necessário, então, conhecimento preciso da demanda para evitar
desequilíbrios entre receita e custos.
O método de regulação por taxa de retorno, dada a complexidade sua operação, é um método
adequado apenas quando as condições de custos e demanda não variam de maneira significativa
em períodos relativamente curtos de tempo, isto é, quando mantém uma certa estabilidade. Além
disso, se requer a observabilidade do custo ou do benefício, tecnologia da firma e esforços de
redução de custos. Por outro lado, este método, na medida em que tenta garantir uma taxa de
lucro mínima, não provê estímulos adequados ao aumento de eficiência, tão importante em fases
de mudança tecnológica acelerada.
Por último, aponta-se outro problema desse tipo de regulação: o chamado efeito Averch-Johnson.
Esse efeito deriva de que a agência reguladora, ao estabelecer a taxa de retorno adequada para a
operação da firma regulada, que irá a servir como base para o cálculo das tarifas, tende a
estabelecer essa taxa de retorno encima do valor do mercado, tornando assim o capital para a
empresa regulada mais barato do que realmente é. Assim, a firma tenderá a utilizar relativamente
mais capital do que outros insumos, gerando desse modo um produto a um custo
ineficientemente alto. A idéia chave é que já que os lucros variam diretamente com a taxa base
(capital), a firma tende a substituir capital demais por outros insumos
23
.
23
Em termos matemáticos, o problema consiste em maximizar lucros sujeito a uma taxa de retorno.
37
Qual será, então, a regulação ótima em um mundo desse tipo?:
“A grandes rasgos, es la oferta de un menú de reglas de devolución de costos en el que las firmas
se autoseleccionan –las firmas más eficientes eligiendo esquemas de altos incentivos cercanos a
pagos fijos, y las menos eficientes eligiendo la devolución parcial de sus costos, quizás devolución
total de sus costos...”
(Laffont, 1997:8)
Viscusi et al. comenta um possível efeito benéfico do efeito A-J. Para muitas indústrias a
mudança tecnológica pode tomar lugar através da substituição de capital por outros insumos, pelo
que pode se pensar que o efeito de A-J pode estimular a inovação.
As críticas à falta de minimização do custo inerente à regulação da taxa de retorno levaram à
Inglaterra e aos Estados Unidos à proposta de preços máximos. Basicamente foi produzido um
movimento de regulação por custos a uma regulação de preços fixos.
2.2 Procura pelo “preço ideal”: regulação tarifária
Existem várias alternativas a serem analisadas quanto a preço ideal. Em primeiro lugar, a solução
de preço baseada em custo marginal linear. Em segundo lugar, será examinada a alternativa de
Ramsey e depois, opções de preço não linear.
2.2.1 Preço baseado no custo marginal
O preço que se iguala ao custo marginal responde ao requisito de eficiência econômica, tanto
alocativa (o preço igual ao custo marginal implica que toda a demanda é satisfeita ao preço
eficiente), como produtiva (minimizam-se os custos de produção); porém, aparecem várias
dificuldades.
Em primeiro lugar, se considerarmos como pressuposto válido o monopólio natural, este preço
produzirá prejuízos –sob economias de escala, as receitas não cobrem os custos médios totais-,
pelo qual será necessário um subsídio para continuar operando a nível eficiente, já que o preço é
menor que o custo médio.
A única solução é o governo implementar um imposto que possa cobrir esse subsídio sem
distorcer outras decisões na economia. Porém, é politicamente irreal imaginar o governo
subsidiando as perdas de firmas privadas. Viscusi et al. conclui que existem boas razões para
aceitar que o monopólio natural opere de maneira que as receitas e os custos totais sejam
igualados. No caso de produto individual, preço linear implica que o preço será igual ao custo
38
médio se o total da receita se iguale aos custos totais. O consumidor para um preço individual
por unidade e o gasto total deste é proporcional ao total consumido.
2.2.2 Regra do Ramsey
A seguir é analisado o caso em que a conformação de uma indústria necessita da existência de
um marco regulador, e para a qual a regra de fixação de preços que utiliza o modelo de
concorrência perfeita implica que as empresas reguladas incorram em perdas.
Segundo a teoria neoclássica tradicional, para maximizar o bem-estar social o preço dos bens
deve ser igual ao seu custo marginal. Mas quando se está na presença de economias de escala, a
regra marginal leva a que o preço seja inferior aos custos médios totais e que a empresa registre
perdas. O modelo desenvolvido a partir da teoria apresentada por Frank Ramsey em 1920,
permitiu encontrar uma alternativa teórica onde é maximizado o bem-estar social mas sujeito à
restrição de que a empresa iguale receita e egressos.
A solução de Ramsey determina um preço que verifica o ótimo de Pareto, mas sujeito ao
requisito de que as receitas da empresa cobram os custos totais. Trata-se de uma solução para
monopólios multiprodutos, onde os preços dos produtos ou serviços são estabelecidos de forma a
minimizarem as perdas de bem-estar dos consumidores, resultante da necessidade do
monopolista de cobrir os seus custos totais, considerando que sob monopólio natural os preços
não se igualam aos custos marginais. Trata-se de uma solução de preços lineares –as despesas do
consumidor variam na mesma proporção que a quantidade consumida-.
O preço de Ramsey para o produto i, vai estar dado pela seguinte equação
24
:
p
i
(q
i
) – CMg
i
= -λ . 1
p
i
(q
i
) 1+λ e
i
Onde λ é uma constante e e
i
é a elasticidade-preço da demanda por i.
O preço do produto i é inversamente proporcional à sua elasticidade: quanto maior esta é, menor
será o preço. Ou, a diferença relativa entre preço e custo marginal guarda uma relação inversa
com o valor absoluto da elasticidade da demanda desse bem (Beker et al., 2001).
A intuição para este resultado é que quanto maior a elasticidade-preço, maior é a redução na
quantidade consumida de um bem em função de uma elevação do seu preço e,
24
Que provém da maximização do bem-estar da sociedade –dado pela soma dos excedentes líquidos dos
consumidores-, dada a restrição de que o lucro do monopolista seja igual a zero (lucro econômico nulo).
39
conseqüentemente, maior é a perda de bem-estar dos consumidores. Depois, para minimizar essa
perda, sujeita à necessidade da empresa de cobrir os custos, é necessário que os preços dos
diferentes produtos sejam estabelecidos na proporção inversa de suas elasticidades
(Pinto &
Fiani, op. Cit.:528).
A lógica da fórmula de Ramsey é a seguinte. O nível máximo de bem-estar econômico é atingido
fixando o preço de cada produto igual ao custo marginal. Se estes preços gerarem receitas que
não cobrem os custos totais da empresa, os preços devem ser modificados para que os bens
continuem sendo oferecidos pelas empresas privadas, sem levá-las à falência e sem subsídios do
Estado.
Porém, todo desvio de preços a respeito do custo marginal cria algumas ineficiências. O objetivo
é revisar os preços de modo a ser minimizada a necessidade de se desviar do custo marginal e
conseguir incrementar a receita total da empresa. Para isso, os preços daqueles produtos com
menor elasticidade–preço devem ser mais incrementados, já que neste caso a quantidade
demandada diminui em menor magnitude que nos outros produtos e, então, permite incrementar
em maior proporção a receita, de modo a eliminar o déficit.
Assim, sob determinadas condições de subatividade de custos, é verdadeiro que o preço de
Ramsey é livre de subsídio no sentido de que nenhum consumidor outsider pode encontrar
ganancioso entrar. Desta forma, o regulador não precisa se preocupar com o problema de em que
momento permitir entradas pode ser socialmente benéfico (Viscusi et al., op. Cit.:395).
Vale realizar duas aclarações. Primeiro, ainda que a análise de Ramsey seja mais utilizada para o
caso de economias de escala, seus resultados são aplicáveis igualmente a casos de rendimentos
constantes ou decrescentes a escala. Segundo, a fórmula de Ramsey citada aqui –fórmula de
elasticidade inversa- é um caso especial que só serve quando o conjunto de produtos considerado
não apresenta relações de substituição nem de complementaridade (Beker et al., 2001).
A aplicação da Regra de Ramsey precisa de informação não sempre fácil de conseguir. Por
exemplo, requer conhecer o custo marginal, a elasticidade-preço da demanda para cada um dos
produtos e o conjunto de elasticidades de preços cruzados. É por eles que a utilidade desta
Viscusi et al.. estabelece que esta regra foi utilizada durante anos na indústria ferroviária. Era comum que as taxas
de transporte ferroviário para laranjas, batatas, areia e uvas fossem menores em relação às taxas cobradas para
transportar licores, eletrônicos, cigarros, etc. A razão é que as elasticidades de demanda por transportar produtos
com menor valor por quilo são maiores do que aquelas de produtos com maior valor por quilo de peso (assumindo
que os custos são proporcionais ao peso).
40
solução estriba em fixar um guia qualitativo geral mais que ser um mecanismo para determinar
os preços de cada bem ou serviço.
2.2.4 Preço-teto (price cap)
Trata-se de um sistema regulatório surgido no processo de privatização realizado na década de
oitenta na Grã-Bretanha. Este método é baseado em reduções tarifárias preestabelecidas em
relação a uma magnitude base.
Este sistema consiste em estabelecer um limite superior para que a indústria regulada aumente
seus preços. Este limite pode ser estabelecido para cada preço individualmente ou para a média
de preços dos serviços providos pela indústria regulada.
No caso da versão inglesa, chamada de Índice de Preços de Varejo Menos X, o teto de reajuste é
estabelecido como sendo um índice geral de preços menos um valor X a título de produtividade.
Este teto de reajuste vale entre os períodos de revisão tarifária, quando a tarifa que serve como
base do reajuste é revalidada. Desta maneira, em um contexto inflacionário, pode ser entendido
como um sistema de indexação parcial de preços.
Pinto & Fiani apontam várias vantagens no que se refere a outros métodos empregados em
regulação. Em primeiro lugar, é um método que recai exclusivamente nos serviços em que a
empresa regulada atua como monopolista. Assim, supondo uma empresa multiproduto, que atue
também em mercados competitivos, o IPV – X incidirá apenas naqueles mercados em que a
empresa efetivamente atua como monopolista. Nos outros mercados não há necessidade de
regulação
26
. Desta forma, evita-se ainda que a empresa utilize uma política de subsídios
cruzados, subsidiando os preços dos segmentos competitivos com os lucros extraordinários
obtidos no segmento monopolista, de modo a praticar preços predatórios contra os seus
concorrentes.
Em segundo lugar, já que toda redução de custos é apropriada pela empresa, espera-se que este
método estimule a eficiência produtiva e promova a inovação. A empresa regulada apropria-se
integralmente do lucro resultante da diferença entre o reajuste ao qual tem direito, em função do
aumento do índice de preços I, e o crescimento inferior dos seus custos. Desta forma, cria-se um
sistema de incentivos poderoso quanto ao número de produtividade, via maior eficiência
produtiva ou inovações.
26
É de notar a diferença com relação à regulação por taxa de retorno, em que é necessário estabelecer todas as
tarifas, de modo que os ingressos totais da empresa gerem a taxa de retorno adequada.
41
Por último, dada a simplificação do processo regulatório, o custo do aparelho regulatório será
baixo, uma vez que este se limita ao cálculo de índice de preços, e o processo se encontra menos
sujeito ao risco de ser manipulado pela empresa regulada, com informações falsas sobre
demanda e custos.
O método do preço-teto também apresenta problemas, sendo o mais sério a possibilidade de
baixos investimentos. É que uma das maneiras de aumentar a taxa de lucro quando há um teto de
receita é reduzir a base de capital sobre a qual é calculada a taxa. O sistema de preço-teto tem,
portanto, o resultado indesejável de promover os subinvestimentos. Para minimizar este
problema é exigido à agência reguladora um esforço adicional para controlar os planos de
investimento e qualidade dos serviços prestados pela firma regulada.
Para Laffont (1997), os lucros de eficiência prometidos pela regulação através de preços
máximos têm que ser compensados com as inevitavelmente mais altas rendas de informação que
devem ser cedidas. Para ilustrar este problema, suponhamos que a função de custos da empresa é
C = (β – e) Q, onde β é um parâmetro tecnológico que pode tomar dois valores (β
e
> β
1
), e é o
esforço em redução de custos que a empresa adota, pelo qual sofre certa desutilidade e Q é a
quantidade produzida que obedece a uma função de demanda conhecida por todos.
Apesar de a eficiência econômica requerer um preço igual ao custo marginal, isso é impossível
em contextos de assimetrias de informação: se o regulador quer incentivar o esforço mas não
pode auditá-lo (e conseqüentemente não pode estabelecer um contrato sobre ele) deve regular
mediante um price-cap, onde a redução de custos pelo maior esforço é retida pela parte que deve
incorrer no custo do esforço (v gr., a empresa), enquanto que se quer se certificar que a empresa
não obtenha benefícios extraordinários produto de sua informação superior sobre β.
Uma forma de enfraquecer os incentivos para a minimização de custos, que reduz ainda as
rendas de informação, é redistribuir parte dos benefícios das firmas quando forem considerados
excessivos (US Federal Communications Commision)
27
.
Em essência, o objetivo principal deste método é beneficiar a usuários, geralmente cativos, ao
lhes transferir, ainda que seja parcialmente, os aumentos de produtividade das empresas
monopólicas.
27
As simulações mostram que uma combinação como essa, apropriadamente otimizada, dá resultados muito
próximos à regulação ótima teórica sob informação assimétrica.
42
2.3 Regulação para a concorrência
O rápido progresso tecnológico que ocorre em algumas das indústrias reguladas, em especial nas
telecomunicações, levou a um questionamento do caráter do monopólio natural dessas
atividades, monopolizadas no mundo todo. A idéia era, então, dividir aquelas atividades em
segmentos para isolar aquelas que incorrem em altos custos fixos, com o objetivo de abrir a
concorrência às outras, tais como serviços de valor agregado ou telecomunicações de longa
distância.
Para defender a provisão através de monopólios, agora é necessário argumentar não só que
existem custos fixos mas que esses custos são grandes com relação aos lucros potenciais da
concorrência por comparação. Trata-se de uma valiosa contribuição da economia da informação
a este debate:
“Bajo información asimétrica, uno debe pensar en términos de costos generalizados, que incluyen
las rentas de información. Entonces, aún si existen costos de duplicación, incurrir en estos costos
pueden ser socialmente valioso debido al efecto de competencia por comparación que provocan,
disminuyendo las rentas informativas más rápido de lo que aumentan los costos fijos.” (Laffont,
1997:10)
Diante de um setor de infra-estrutura que está deixando de se configurar como um monopólio
natural , três alternativas de política se colocam: manter inalterada a atuação da agência
reguladora; desregulamentar o setor, permitindo a livre entrada; ou a desregulação parcial
A liberalização dos segmentos que são potencialmente competitivos neste novo sentido leva a
dois tipos de questões que discutiremos na seqüência. Primeiro, na medida em que ainda existam
gargalos produtivos, i. e., a provisão local de telecomunicações, devem ser determinados cargos
de acesso ou interconexão para utilizá-los. Em segundo lugar, apesar do aparecimento de vários
concorrentes nos segmentos não monopolizados, a concorrência permanece limitada
freqüentemente e ressalta a questão sobre qual a forma que a política de concorrência nessas
indústrias de redes liberalizadas deve tomar, tendo em consideração que a universalidade é
requerida pelo fato de ser um serviço público. Aqui se apresentam dois problemas contrapostos:
a predação
28
e o creamskimming
29
.
28
A predação se produz quando uma firma realiza políticas de fixação de preços orientadas a eliminar ou prevenir a
concorrência em certo mercado ou segmento do mercado, se aproveitando para isso da posição dominante que neste
ostenta ou em um outro setor da economia. Isto é, se um mercado contar com uma estrutura ótima que é competitiva,
a predação permitirá manter um monopólio.
43
2.3.1 Interconexão e Concorrência
A interconexão refere-se à utilização das redes troncais dos operadores existentes por parte das
empresas que entram no setor. A relevância para a existência de um mercado com concorrência
radica em que se alguma das empresas entrantes não pode se conectar com a rede existente, não
poderá ter acesso aos clientes das atuais licenciatárias e, deste modo, oferecerá um serviço muito
limitado e será difícil para ele atrair clientes, tanto entre os novos, que não contam com telefone
como entre os usuários cativos das firmas monopólicas. Sem interconexão, a rede do novo
operador funcionará como um circuito fechado para os que estiverem conectados a ela.
Para o operador estabelecido as condições de interconexão lhe indicam a conveniência ou não de
ser um prestador de serviço de interconexão, algo parecido com um vendedor por atacado de
serviços telefônicos. No caso extremo, este prestador pode decidir deixar de lado a relação com
os usuários finais e se transformar em atacadista.
Para os ingressantes, essas condições servem para tomar, entre outras, as seguintes decisões:
i) utilizar a rede existente ou construir uma nova;
ii) como interconectar a rede do ingressante com a do operador estabelecido, que
compreende o quanto usar a rede existente (isto é, ser um concorrente com presença
física no mercado todo e se conectar em diversos pontos com a rede ou apenas um
revendedor que se conecta em um ponto só) e as características técnicas de
interconexão;
iii) quais mercados atender, já que o preço de interconexão entra como um custo
importante
na avaliação econômica do negócio.
Por parte da autoridade governamental, o interesse dela radica em que a interconexão guarda
relação direta com o objetivo de aumentar o grau de competência do setor. Uma forma de
aumentá-la é mediante o crescimento do número de ofertantes dos serviços de telecomunicações
–serviço local, de longa distância, de valor agregado ou melhorado, sem fio, etc.-. No entanto,
29
O creamskimming (descreme) pode-se apresentar em mercados que tenham segmentos que individualmente
considerados admitem o surgimento de mais de uma firma mas que por suas economias de alcance é mais eficiente
se forem providos por uma única empresa que os explora conjuntamente com outros serviços relacionados. Se a
regulação tarifária leva à origem de subsídios cruzados entre os usuários de diferentes segmentos, as empresas
ingressarão no mercado e levarão o “creme” do negócio, deixando o monopolista anterior com a parte menos
rentável.
Os pagamentos de interconexão costumam estar entre 40% e 50% do que é cobrado ao usuário pela empresa que
se interconecta ao operador estabelecido.
44
fazer com que mais fornecedores ofereçam o mesmo serviço não é o mesmo que incrementar o
grau de competência em um mercado.
Se um mercado cumprir em grande medida com os requisitos de contestabilidade, a intervenção
governamental forçando o ingresso de novas empresas pode ser uma ação economicamente
ineficiente (Beker et al., 2001). Mas a indústria pode não ser estruturalmente disputável pela
existência de investimentos em instalações que constituem custos irrecuperáveis importantes, em
cujo caso medidas podem ser tomadas para reduzir as barreiras “naturais”, -por exemplo,
incentivar o uso de tecnologias que impliquem menores custos de entrada e saída que tornem
economicamente factível o ingresso de concorrentes- ou isolar aquela área da indústria associada
aos custos irrecuperáveis e regular o acesso à mesma.
Na indústria de telecomunicações, a rede do operador preexistente ao ingresso da concorrência é
um investimento que ainda constitui um custo irrecuperável importante, independente das
tecnologias alternativas que comecem a ser utilizadas. A partir disto que para incrementar o grau
de contestabilidade de um mercado são fundamentais todos os aspectos que fazem à interconexão
das outras prestadoras com essa rede. É por isso que este tema é central no desenho dos marcos
regulatórios das telecomunicações. O debate entre os economistas sobre quais deveriam ser esses
cargos de acesso é altamente relevante para a regulação aplicada.
2.3.2 O preço de interconexão ótimo
Partindo da essência da teoria dos preços, a visão teórica predominante é que todo preço deve
estar vinculado com os custos de produção (prestação) de um bem (serviço). Para a teoria
microeconômica tradicional, o preço ótimo é igual ao custo marginal, que é o aumento dois
custos totais quando houver uma variação marginal do volume do serviço fornecido. Uma
variante mais operativa é igualar o preço ao custo incremental de longo prazo ou “custo
incremental médio”, que é o aumento do custo total por acrescentar um determinado produto à
empresa, dividido pelas unidades produzidas desse bem. Diferencia-se do tradicional custo
variável médio em que inclui também os custos fixos relacionados exclusivamente com a adição
desse bem à produção total, como o custo do capital adicional necessário.
Mas se existissem economias de escala no serviço telefônico, o custo incremental seria menor
que o custo médio total e, portanto, esse preço não permitiria ter receitas que cubram todos os
custos. Uma alternativa já apontada, seria seguir o modelo de Ramsey que permite calcular o
preço ótimo quando a regra do custo marginal não é aplicável. Mas a dificuldade de botá-la em
45
prática levou à alternativa de somar uma margem determinada -mark up- ao custo incremental,
para as receitas serem pelo menos iguais aos custos totais. Então,
Preço de interconexão = custo incremental + mark up
O debate segue em torno a se a margem deve ser determinada conforme a alocação dos custos
fixos comuns mediante um sistema de distribuição, como o de custeio por absorção, ou se
baseando no uso ou demanda, isto é, o custo de oportunidade, como no caso da regra de Baumol-
Willig (Laffont e Tirole, 1996).
Agora bem, qual a principal diferença entre esses enfoques? Devemos definir o custo de
oportunidade, que é o valor da melhor alternativa que é deixada de lado por escolher uma outra
opção. No caso da empresa que aluga a rede, o custo de oportunidade é o benefício que deixa de
obter por não oferecer o serviço até o usuário final, que é igual à diferença entre o preço que
cobra pela chamada menos o custo unitário da mesma. Portanto,
Custo de oportunidade = preço do serviço final - custos unitários
Se a margem é determinada pelo custo de oportunidade, o dono da rede recebe um preço igual ao
custo incremental mais o que teria ganho se houvesse atendido o usuário final. Mas esse lucro
depende do preço final, que se vê influenciado pela demanda. Se o preço do serviço final for
igual ao custo unitário, o lucro deixado de lado é igual a zero e o dono da rede só poderá cobrir os
custos incrementais, que é o preço de acesso mínimo que será cobrado para que oferecer a
interconexão faça algum sentido. Por conseguinte, cobrirá também os custos fixos ou terá
benefícios, se o preço que pode cobrar ao usuário final for maior. Então, quanto maior preço final
e/ou mais baixos custos unitários, maior será o custo de oportunidade e maior o preço de
interconexão. E também a situação inversa: quanto menor for o preço que pode cobrar pelo
serviço final, menor será o preço de interconexão. Essa é a diferença com a determinação da
margem conforme a proporção correspondente dos custos fixos, que não guarda vinculação com
o comportamento da demanda nem com a rentabilidade da empresa dona da rede
31
.
Em nível prático, o costume levou a seguir o critério dos custos contáveis, enquanto, em nível
teórico, o custo de oportunidade tem mais adeptos. Apesar deste último contar com dificuldades
operativas, aos poucos esse critério conta com formas mais práticas de botá-lo em prática. Esta
mudança para os custos econômicos –custos de oportunidade- é uma clara conseqüência do
31
Se a empresa dona da rede for atacadista, ou seja, não oferecer serviços a usuários finais, só terá custos fixos do
serviço de interconexão, os quais estão incluídos no custo incremental médio. Além disso, como não deixa de lado
nenhum lucro por oferecer o serviço de acesso –custo de oportunidade nulo-, o preço será igual ao custo incremental
médio.
46
enfoque para uma questão chave da regulação, que se bem pode à primeira vista resultar simples,
sua resposta é sumamente complexa: Qual o custo eficiente de fornecer o serviço a uma
determinada área ou tipo de consumidores?
2.3.4 A Regra de Baumol-Willig
Essa regra tenta determinar o preço eficiente dos insumos que uma empresa vende a concorrentes
do seu produto final
32
. A questão a ser resolvida é que o preço de acesso à rede não impeça a
concorrência nem, por outro lado, se constitua em um subsídio da dona da rede para as empresas
ingressantes. Essa é a razão para essa regra ser conhecida também como o preço eficiente dos
insumos, princípio de paridade, regra do componente eficiente (ECPR), princípio de igualdade
competitiva, além de ser conhecida como a regra de Baumol-Willig.
Esta regra fixa que o preço de interconexão ou acesso (P
A
) deve ser igual ao custo incremental de
provisão do serviço de acesso neto da economia dos custos por fornecer menos serviços de
extremo a extremo (CI
A
)
33
mais o custo de oportunidade do dono da rede por não ter sido o
responsável dessa chamada (CO
1
).
P
A =
CI
A +
CO
1
(1)
Segundo Baumol (1991: 36) o fundamento é que:
“una empresa que en un mercado libre voluntariamente alquila a otra sus instalaciones, lo hará
solamente si el precio alcanza a ofrecer al dueño una ganancia al menos igual a la que podría
obtener empleando por si mismo las instalaciones. De manera similar, una empresa regulada que
permite a una rival utilizar sus instalaciones debe poder cargar ese precio”.
Isto último é uma das vantagens deste método, que tende a que o prestador mais eficiente seja o
fornecedor do serviço ao usuário final.
Uma maneira simples de derivar esta fórmula de neutralidade competitiva é a apresentada por
Baumol (2002) e Baumol e Beker (1998). Conta-se com duas empresas:
1. uma dona da rede local que também presta o serviço de longa distância;
2. uma outra que só oferece longa distância e deve alugar a rede da primeira para poder ter
acesso aos consumidores finais.
32
Aplica-se não só à rede troncal de telecomunicações senão também às ferrovias, ou cabos de transmissão de
energia elétrica.
33
Aplica-se aqui o “custo incremental médio”.
47
Existirá neutralidade competitiva ou campo de jogo nivelado (level-playing-field), se a diferença
entre os preços das ligações de longa distância de cada uma das empresas estiver vinculado
somente com a diferença de custos no trecho de longa distância, sem considerar o trânsito pela
rede local. Isto é,
P
LD1
– P
LD2
= CI
LD1
– CI
LD2
(2)
Onde:
P
LD
: é o preço da ligação de longa distância;
CI
LD
: é o custo incremental por oferecer o mesmo serviço.
Por sua vez, o preço mínimo de longa distância que pode ser cobrado pela empresa 2, sem
incorrer em perdas, é igual à soma do preço de acesso mais o custo incremental em longa
distância.
Min P
LD2
=
P
A
-
CI
LD2
(3)
Substituindo (3) em (2) se obtém o preço de acesso que cumpre com a neutralidade competitiva
P
A
= P
LD1
– CI
LD1
(4)
Este cálculo requer conhecer só os dados relacionados com o serviço com concorrência: o preço
que cobra o operador atual e o seu custo incremental
34
.
Pode ser demonstrado que a expressão (4) é equivalente à (1), já que o custo de oportunidade
para o operador da rede local é o que haveria ganhado se houvesse sido o fornecedor da chamada
de longa distância, isto é:
CO
1
= P
LD1
- CI
LD1
– CI
A
(5)
Que ao substituir em (1) fica:
P
A
= CI
A
+ P
LD1
– CI
LD1
- CI
A
(6)
Que simplificando correspondentemente resulta ser a expressão (4).
De modo que, o dono da rede ganha o mesmo prestando o serviço final ou alugando a rede, e o
fornecedor mais eficiente no trecho com concorrência poderá carregar um preço menor. Isto
pode ser observado claramente se for introduzida a expressão (4) em (3), onde resulta que:
P
LD2
= P
LD1
+ [ CI
LD2
– CI
LD1
] (7)
Pelo princípio de neutralidade competitiva, se a empresa concorrente operar com custos mais
baixos no trecho de longa distância, poderá oferecer essas ligações a um preço mais baixo; por
34
Apesar de que a estimação de custos incrementais é cada vez mais habitual para as agências reguladoras (Baumol,
2002), se requer informação que as empresas não oferecem sempre.
48
outro lado, se for menos eficiente, seu preço será maior. Como conseqüência, se a empresa
entrante é mais eficiente que a residente, pode, em última instância
35
, chegar a deslocá-la, que
passaria a se desempenhar como um fornecedor de acesso para longa distância.
Esta igualdade competitiva não se dará se for fixado um preço de acesso superior ou inferior: no
primeiro caso, o concorrente estará em desvantagem. Incluso quando seja mais eficiente no
trecho com concorrência, no segundo o ingressante estaria recebendo um subsídio da parte do
residente e o serviço de longa distância não seria fornecido pela empresa mais eficiente. Este
procedimento do cálculo do preço de acesso trouxe um grande debate, a seguir são apresentadas
algumas das objeções mais comuns.
Uma observação a essa regra é que não incentiva o operador estabelecido a reduzir custos e que
lhe permite manter o nível de renda monopólica, já que o dono da rede recebe o custo de
oportunidade (Lewin e Kitchen, 1994). Mas o problema reside no preço final e não no preço do
insumo: se for colocado um teto para o preço que o operador local pode cobrar pelo serviço no
qual podem entrar concorrentes, a regra do preço eficiente não implica sustentar rendas
monopólicas (Beker et al., 2001).
Baumol (1998) propõe o custo exclusivo –stand alone costs- como o limite superior como
solução ao problema da renda monopólica e da falta de incentivo a reduzir custos
. Além disso,
a eficiência requer tanto essa regra para determinar o preço como alguma outra que evite a
fixação de um sobrepreço do produto final, com o objetivo de eliminar a renda monopólica do
custo de oportunidade.
Outro problema se apresenta quando são muitos produtos finais em concorrência que têm a rede
como insumo “gargalo de garrafa” –bottleneck services-. Como o habitual é cada um ter um
preço diferente, tanto por questões de elasticidade de demanda como por subsídios cruzados
entre segmentos de consumidores a partir da obrigação do serviço universal, um preço de
interconexão uniforme não satisfará o princípio de neutralidade competitiva. Neste caso, a
35
Supondo que conta com uma capacidade instalada suficiente para satisfazer toda a demanda e que o serviço que
oferece é um perfeito substituto do que provê a empresa residente.
O custo exclusivo é o de fornecer um bem determinado, neto das economias de alcance ou diversificação que
aparecem quando diversos bens se provêm de maneira conjunta, como no caso das telecomunicações. Desse modo, o
preço do serviço em concorrência não pode superar esse custo.
Para evitar que essa regra baseada no custo não ofereça incentivos para melhorar a produtividade e para reduzir o
preço do produto final, Braumol (2002) sustenta que o custo pertinente é o de um ingressante eficiente hipotético.
Porém: i) não é simples calcular na prática este custo para uma empresa hipotética; ii) se as economias de alcance
forem muito importantes, o custo exclusivo conduzirá a um teto muito alto para o preço do produto em
concorrência.
49
solução é cobrar preços de acesso diferenciados em função da diferença de preços dos produtos
finais.
Armstrong et alii (1996) analisam como varia o preço eficiente de Baumol e Willig conforme
qual for o grau de substituição entre os produtos finais do residente e do concorrente, se há
possibilidade de chegar ao consumidor final driblando a rede local –praticando by-pass – e se o
ingressante tem uma função de produção com coeficientes fixos ou variáveis.
Se o produto do entrante não atuar como um substituto significativo daquele que oferece o
residente –v.g., serviço celular e serviço telefônico fixo-, o custo de oportunidade pelo aluguel da
rede à nova empresa será baixo. Na medida em que o grau de substituição entre os produtos
aumenta, cresce o custo de oportunidade e, como conseqüência, o preço de acesso. Deste modo,
preço de acesso eficiente sem substituição < preço de acesso eficiente com substituição.
Se houver possibilidade de praticar um by-pass de rede, o custo de oportunidade do residente
diminui, já que a redução de seus benefícios não é devido a que permite que o concorrente utilize
sua rede. Como conseqüência, preço de acesso eficiente com by-pass < preço de acesso eficiente
sem by-pass. Esta possibilidade de evitar a rede é um incentivo para que o residente aumente sua
eficiência na produção do produto final, reduza o custo de oportunidade e possa baixar o preço
de acesso eficiente, para que com isso sua rede possa concorrer com as tecnologias de acesso
alternativas.
Por último, o tema dos coeficientes de produção refere-se à relação de complementaridade entre
o produto final do entrante e o uso da rede do residente. Um coeficiente fixo de produção indica
que cada unidade de produto que o concorrente vende requer um determinado nível fixo de
utilização da rede. Se, pelo contrário, os coeficientes forem variáveis, um maior preço de
interconexão faz com que utilize uma menor proporção da rede por igual quantidade de produto
final, de modo que o residente diminua sua receita por venda do serviço de acesso sem aumentar
suas vendas do produto final, já que o maior preço de acesso não implica maior preço do produto
final do concorrente. Portanto, preço de acesso eficiente com coeficientes variáveis < preço de
acesso eficiente com coeficiente fixo.
Laffont e Tirole (1996) sugerem que a regra do preço eficiente está baseada em uma visão
simples demais da entrada, no sentido de que passa por alto dimensões importantes do problema:
informação, custos fixos, heterogeneidade das firmas. A teoria padrão dos mercados
perfeitamente contestáveis supõe que todas as firmas (operadoras e entrantes) enfrentam funções
de custo idênticas e a mesma função de demanda no segmento competitivo. Ainda:
50
“Como también abstrae las cuestiones de incentivos, no provee ninguna razón para tener más de
una sola firma en el segmento competitivo en ausencia de rendimientos decrecientes en ese
segmento. Entonces, en el marco estándar de simetría de costos, no hay una clara motivación para
la entrada. Quienes proponen la ECPR deben, entonces, tener en mente una extensión de la teoria
de los mercados disputables en la cual los entrantes sean –al menos a veces-más eficientes que el
operador telefónico en el segmento competitivo. Por otro lado, la ECPR implica que el operador
telefónico (el equilibrio) provee solo el acceso y abandona el segmento competitivo. Esto no
significa que el precio de acceso sea completamente irrelevante, porque define quien...
monopolizará el segmento potencialmente competitivo. Por el contrario, la predicción de la regla
es demasiado rígida”
(Laffont, 1997:11)
Sendo comparado com o preço de acesso socialmente ótimo derivado da fórmula de Ramsey,
Laffont e Tirole (1996) demonstram que coincide com o princípio de paridade se o operador
residente e os concorrentes apresentarem um grau similar de eficiência no segmento em
concorrência e enfrentam iguais funções de demanda. Por outro lado, se o residente for mais
eficiente, esta regra determina um preço superior ao ótimo social
. Além de se a demanda do
produto final, que o residente oferece, for mais elástica –seja por lealdade à marca, seja por
inconvenientes por mudar de empresa provedora-, o preço que pode ser cobrado será maior e,
como será maior o custo de oportunidade, o preço de acesso será superior ao socialmente ótimo.
2.3.5 O preço de acesso socialmente ótimo de Laffont- Tirole
O preço de acesso socialmente ótimo deriva, segundo Laffont e Tirole (1996), da formação de
preços à Ramsey. Esta impõe uma margem sobre o custo marginal, que depende do tamanho dos
custos fixos na indústria e da elasticidade do segmento competitivo que solicita o acesso.
Da fórmula de Ramsey surge que quanto maior for a elasticidade-preço direta de cada bem –
demanda mais sensível às mudanças no seu preço- menor será a diferença entre o preço e o custo
marginal. Só se a elasticidade for muito grande - tendendo ao infinito- o preço será igual ao custo
marginal. No caso de uma empresa que produz dois bens, o preço mais alto será do produto com
menor elasticidade. Se entre os bens houver relações de complementaridade e/ou substituição,
devem ser acrescentadas as elasticidades cruzadas, que medem a sensibilidade da demanda de
um bem diante de mudanças nos preços de outros bens.
Já que os custos menores no segmento em concorrência fazem com que o custo de oportunidade seja maior.
51
Para a aplicação deste princípio, no caso do serviço de acesso, é útil enxergar a rede local como
um insumo para quem quer ter acesso ao usuário local para lhe oferecer, por exemplo, serviços
de longa distância. Se a operadora local também oferecer o serviço de longa distância, ao brindar
o serviço de acesso está oferecendo um bem que funciona como um substituto indireto de um dos
seus produtos finais: mais serviço de acesso a outras empresas de longa distância, implica menos
ligações através da área de longa distância da empresa dona da rede local.
A partir desta consideração e da fórmula de Ramsey, Laffont e Tirole (1993, cap. 5) derivam o
preço de acesso socialmente ótimo. Estes autores concluem que este preço será superior ao custo
marginal e que a diferença que guarde com ele mesmo dependerá, especialmente do grau de
substituição entre os produtos que são oferecidos no mercado onde há concorrência: a maior grau
de substituição, maior será a diferença entre o preço e o custo marginal. Isto é assim porque, por
exemplo, o maior grau de substituição entre os serviços de longa distância do operador
estabelecido e dos concorrentes, leva a que o primeiro, para manter o mesmo nível de receitas
totais, compense a receita menor por vendas em longa distância com mais receita por venda do
serviço de acesso.
Inclusive quando é aceito no plano teórico, este enfoque conta com uma dificuldade operativa
derivada da complexidade de calcular o custo marginal e as elasticidades-preço diretas e preço
cruzadas de cada um dos bens envolvidos, especialmente em mercados com mudanças contínuas
na tecnologia e na demanda, como é no caso do telefônico.
Um segundo questionamento provém de que esta regra requer uma discriminação entre mercados
com diferentes elasticidades, isto é, trata-se de uma fixação de preços de acesso baseado na
demanda, o que é resistido pelos reguladores que dão certos argumentos econômicos, sociais e
políticos contra a não discriminação.
Como reação a esta segunda crítica, Laffont (1997), que a considera válida, propõe implementar
preços de acesso baseados no uso da política de preços globais máximos. Tal política inclui, no
preço máximo, receita por acesso e outras receitas. Isto é, o bem intermédio –acesso- é tratado
como bem final. Os ponderadores utilizados no cômputo de preço máximo estão determinados de
maneira exógena e deveriam ser proporcionais às quantidades projetadas dos bens associados.
2.4 Obrigação do Serviço Universal (OSU)
52
Independentemente da estrutura de telecomunicações que cada Estado adotar, a maioria dos
países reconhece o direito ao serviço universal, sendo entendido como a possibilidade que um
indivíduo e/ou empresa tem de ter acesso ao serviço de telefonia.
De maneira abstrata, a Obrigação do Serviço Universal (OSU), por parte de um operador de
telefonia, é a obrigação deste de oferecer um pacote completo de serviços, ou um pacote básico
de serviços de uma determinada qualidade, para todos, ou para um subconjunto de usuários e
com tarifas “acessíveis” (Ferro e Celani, 2001). Trata-se essencialmente de um conjunto de
restrições sobre a política de preços do operador
.
Definir o serviço universal em indústrias multiproduto como as telecomunicações é muito
complicado. Pode-se pensar em um pacote que compreenda dentro da definição de transmissão
de voz, chamadas de emergência, listas telefônicas e telefones para deficientes. Pode-se pagar
pelo acesso à rede um cargo fixo de conexão, a partir da qual seja possível consumir e pagar
quantidades variáveis. Deste modo, podem ser identificadas duas demandas com diferentes
elasticidades: a demanda por acesso e por uso. A OSU pode ser aplicável ao acesso, ao uso ou a
ambos os mercados. A elasticidade da demanda de uso tende a ser maior que a de acesso, de
modo que a imposição da OSU gere menores distorções na conexão do que no uso (Ferro e
Celani, op. cit.).
Para o serviço universal existe uma justificativa normativa, desde a economia do bem-estar, e
uma positiva, tentando explicar por que é imposta na maioria das indústrias em rede. Segundo
Cremer et al. (1997), predominam as considerações associadas ao processo político. Uma delas é
a dificuldade de impor políticas de subsídios diretos. Outra é a captura regulatória, se as
empresas incumbentes impulsionassem restrições a potenciais novos entrantes sendo fixados a
OSU.
A OSU pode derivar lucros sociais devidos a externalidades por acesso e uso dos serviços
providos por redes. O serviço universal está quase sempre assegurado por uma tarifa
suficientemente baixa, de modo que haja uma mínima autoexclusão dos consumidores e que o
uso do serviço sobre a base de uma rede comum atinja um nível socialmente ótimo
.
O requisito de oferecer serviço a todos os indivíduos impõe uma restrição efetiva só porque age simultaneamente
sobre a política de preços.
Em telecomunicações, o uso de serviços pode ter destinos diferentes privadamente valiosos, mas socialmente pode
não ser tão assim. Surge um dilema: o suo do servo dever ser favorecido, mas limitado ao oportunismo (free
riding).
53
Se a autoexclusão dos usuários for prejudicial para a comunidade, sua universalização
transforma-se em uma meta. A evidência indica que a principal causa de autoexclusão é a tarifa,
ressaltando os cargos de infra-estrutura para construir a rede e os cargos fixos (Ferro e Celani,
2001). Ainda, se um agente enfrentar baixos e variáveis padrões de receita, terá problemas com a
parte fixa e indivisível da tarifa paga. Esquemas de tarifa não lineares favorecem a eficiência
alocativa, mas podem criar barreiras de acesso ao serviço. As penalidades por pagamentos em
mora e os cargos por reconexão, também são importantes para usuários con receitas variáveis e
estocásticos (Chisari e Estache, 1998).
2.4.1 Custo-Benefício e Financiamento do Serviço Universal
Definir e medir o custo de serviço universal é complexo: não há uma regra geral e há vários
conceitos em concorrência. A medida específica depende da pergunta que quer ser respondida e
do meio ambiente regulatório. Há pelo menos duas definições possíveis:
1) A perda de benefícios incorrida pelo operador devido à OSU (carga imposta sobre o
operador). A forma de medi-lo é comparar os benefícios em equilíbrio com ou sem OSU, se
baseando em dados incontáveis. Para uma firma regulada, a perda de rentabilidade é zero, em
um princípio (Ferro e Celani, 2001).
2) A perda total do excedente do produtor e do consumidor implicada na OSU, quando é
imposto um preço uniforme (Custo em Bem-estar ) (Cremer et al., 1997).
Os benefícios do serviço universal dependem dos ponderadores que fixarem diferentes grupos de
consumidores os quais realizam a política econômica e são, em geral, não observáveis. Um
método prático consiste em comparar a OSU com políticas alternativas do mesmo efeito
redistributivo. É preferível a alternativa que minimizar o custo de eficiência. Se há lucro em
bem-estar, então a OSU é uma ferramenta de redistribuição mais efetiva que a alternativa
comparada
.
Com monopólio, a OSU e seu mecanismo de financiamento criam uma quantidade de distorções
que afetam adversamente a eficiência global. Freqüentemente, os reguladores preferem pagar
pelo serviço universal através da utilização de subsídios cruzados, seja entre tipos de
consumidores (por exemplo, grandes clientes versus residenciais), seja entre áreas geográficas. A
procura pela eficiência requer passar a tarifas baseadas nos custos, removendo os subsídios
O teste requer uma estimação do custo marginal dos fundos públicos e uma identificação não custosa dos
indivíduos necessitados (Cremer et al., 1997).
54
cruzados especialmente quando existirem condições de concorrência potencial que fazem
insustentável no tempo este esquema de financiamento. Para tirar proveito da concorrência
vigente ou potencial, resulta importante projetar OSU e seu financiamento de um modo
competitivamente neutral. Isto requer uma proteção limitada ao operador da OSU para que não
interfira no processo de entrada. Por outra parte, se a OSU não for compensada na forma
apropriada, sua viabilidade pode resultar afetada por novos entrantes menos eficientes. O
desenho do mecanismo de financiamento é o ingrediente crucial para reconciliar objetivos
potencialmente em conflito (Cremer et al., 1997).
Com um operador há duas vias de financiamento do serviço universal: subsídios cruzados e
transferências do regulador à firma. Vamos supor que a opção seja subsídios cruzados e que
exista um único operador público ou regulado. Supondo custos lineares em produto e que não
existem custos fixos. Os custos médios e marginais de prover uma unidade de serviço diferem
entre grupos de consumidores. Nestas condições, a OSU é uma política de preços onde os
consumidores de alto custo pagam uma tarifa menor e os de baixo custo pagam um preço maior.
Qualquer política onde os diferenciais de preços sejam menores que os diferenciais de custo,
podem ser designados como serviço universal.
3. Desregulamentação e defesa da concorrência em setores de infra-estrutura
A crescente liberalização dos setores de serviços públicos de infra-estrutura, pela retirada das
barreiras institucionais à entrada em alguns de seus segmentos e pela constitução de agências
reguladoras, determina o surgimento de varios problemas no ambito da defesa da concorrência.
A presença de sunk cost, poder de mercado e possibilidade de comportamentos estratégicos por
parte das firmas estabelecidas implica que tais estruturas de mercado não são contestáveis
(Possas et alii, 1998), de modo que a simples liberalização não é suficiente para garantir a
emergência de um maior nível de competição.
Os riscos anticompetitivos podem surgir, desde a ocorrência de práticas restritivas verticais
41
ao
longo da cadeia produtiva a possíveis movimentos de concentração de estruturas de mercado
mediante alianças, joint ventures, aquisições e fusões entre grupos concorrentes –o potenciais
concorrentes- da indústria, em seus diversos segmentos.
41
As empresas estabelecidas podem adotar ações anticompetitivas que impeçam a entrada de novas empresas e/ou
determinen que estas operem sob condições desfavoráveis nos segmentos de mercado liberalizados.
55
3.1 Controle sobre práticas verticais
Grande parte dos problemas de defesa da concorrência no ambito de condutas verticais em
setores regulados está condicionada pela estrutura vertical desses setores. Existem quatro
possíveis estruturas industriais nesses setores (Armstrong e Doyle,1995): 1) monopólio
integrado, em que uma única firma é responsável pela oferta de todos os serviços; 2)separação
estrutural com liberalização, em que existe competição em alguns mercados e o monopolista
operador da rede não atua nos mercados competitivos; 3) integração vertical com liberalização,
em que é permitido ao operador do monopólio natural atuar nos mercados sujeitos a competição
e 4) propiedade comum em que a oferta dos serviços em caráter de monopólio é realizada por
uma firma cuja propiedade é compartilhada pelas empresas que atuam nos setores competitivos.
É a terceira alternativa que apresenta a maior risco do prisma da defesa da concorrência
42
: nesse
caso a empresa monopolista fornece insumos vitais para rivais nos mercados dos serviços finais,
de modo que o surgimento de práticas voltadas para o bloqueio à entrada nesses mercados ou
elevação dos custos dos concorrentes torna-se bastante provável.
As firmas estabelecidas verticalmente integradas com posição dominante ou monopólio da rede
básica serão capazes de adotar codutas anticompetitivas de caráter vertical, tais como:
Preços predatorios nos mercados downstream;
Práticas discriminatórias, que elevem os custos das empresas competidoras –atuais o
potenciais-, tal como a discriminação do preço de acesso y/ou aumentem as barreiras à
entrada nos mercados de serviços finais, tais como vendas casadas e acordos de
exclusividade
3.2 Atos de concentração
As condutas anticompetitivas verticais (assim como, em menor grau, as horizontais)
representam a maior risco de prejuizo à concorrência.
Em primeiro lugar, como em cualquer outra atividade economica sujeita a estratégias privadas
podem ocorrer incentivos a aquisições, fusões ou a formação de joint ventures em mercados
regulados ou verticalmente relacionados a mercados regulados, provocando aumento da
concentração e riscos de condutas colusivas.
42
No caso 1) a preocupação do regulador relaciona-se somente com os preços dos serviços finais; no caso 2) o
problema envolve a determinação do preço de acesso –preço ds serviços prestados em caráter monopólico; a última
alternativa não constitui um problema do ponto de vista da defesa da concorrência se o controle da empresa
monopolista é igualmente partilhado entre as empresas que atuam nos segmentos competitivos.
56
Em segundo lugar, deve-se considerar a possibilidade de enfraquecimento da pressão
competitiva sobre os mercados regulados decorrente das práticas concertadas, que são em
principio sempre viáveis, mas que são mais provaveis nos segmentos de mais alta concentração
e/ou menor dinamismo de demanda e da tecnologia e são particularmente facilitadas pela fixação
de critérios e normas, ou mesmo de tarifas, por parte da propia agencia reguladora. A tendência
ao surgimento de concorrência administrada se expressa em três fatores:
Tendência da parte dos reguladores à tentar assegurar a viabilidade/rentabilidade dos novos
entrantes;
Preocupação excessiva com o destino economico-financeiro dos entrantes, que tendem a ser
protegidos às custas dos usuários dos serviços;
Criação de oportunidades para o uso estratégico da regulação por parte das empresas.
4. Reflexões finais
O argumento geralmente apresentado pela literatura para a regulação pública de atividades
econômicas está relacionado a situação de monopólio natural, como o único tipo de estrutura de
mercado susceptível de justificar teoricamente a regulação, na expectativa de que os ganhos de
custos unitários associados à instalação e operação de uma única unidade (planta o empresa)
mais que compesem os custos e riscos de ineficiência de sua regulação.
A regulação consiste, basicamente, em manter, ao menos em parte, os incentivos que a
propiedade privada e o sistema de mercado supostamente geram e ao mesmo tempo, restringir a
autonomia das decisões ds agentes privados, substituindo a busca do lucro por regras
administrativas na determinação do comportamento Tipicamente, a política regulatória costuma
centrar-se em preços administrados decorrente de alguma fórmula para uma dada demanda;
especificações quanto a qualidade dos produtos fornecidos e nas condições e limitações de
entrada e saída nos mercados, vedada para viabilizar seja o aproveitamento dos ganhos
presumidos de eficiência de custos ou,em certos casos, a adopção de subsídios cruzados.
A transformação das condições de demanda (crescimento) ou oferta (mudança tecnológica por
redução das economias de escala, inovação de processo o produtos) traz a possibilidade de que
mais de uma empresa possa oferecer eficientemente o serviço aos consumidores. O desafio do
regulador está em, ao monitorar a transformação em curso, acertar o tempo da suspensão da
intervenção de maneira a aproveitar as pressões competitivas crescentes. O cenário se mostra
mais complexo si a transformação do monopólio natural se dá em meio ao surgimento de
57
produtos substitutos: a introdução de pressões competitivas ocorre junto com uma dilução das
fronteiras entre os mercado e frequentes movimentos de diversificação das empresas, o que
complexifica o leque de ações e decisões com que se defronta o regulador.
A simples remoção de limitações ao acesso aos mercados que dependem dos serviços de rde e
mesmo a eliminação de barreiras à entrada institucionais nos mercados de serviços de infra-
estrutura não garantem a introdução de competição nesses mercados. Após a abertura de
mercados monopolizados, as operadoras monopolistas estabelecidas mantêm, dadas suas
vantagens técnicas, financeiras e comerciais, durante longos períodos de tempo, suas posições
dominantes. Tais posições permitem que estas introduzam estratégias anticompetitivas.
58
CAPÍTULO 3
O NOVO PERFIL TECNO-PRODUTIVO DO SETOR DE
TELECOMUNICAÇÕES E AS NOVAS CONFIGURAÇÕES DA
ESTRUTURA DO MERCADO E DAS INSTITUIÇÕES RESULTANTES
Historicamente, a estrutura tradicional do setor de serviços de telecomunicações foi monopólica,
tanto de propriedade estatal (Europa), ou privada (Estados Unidos). Porém, nas últimas duas
décadas as transformações regulatórias, a inovação tecnologica e as mudanças nos padrões de
demanda provocaram amplas mudanças nas condições de oferta dos serviços: as estruturas
originais tradicionalmente caracterizadas por claros limites setoriais e geográficos sofreram um
processo de reorganização na escala global.
Como pode ser explicada a passagem de um mercado caracterizado como monopólio natural
para outro que não seja? Os novos conhecimentos e tecnologias incorporadas ao processo de
produção podem, de maneira efetiva, transformar o monopólio natural em um mercado mais
competitivo –através de mudanças nos custos-. Estas mudanças do perfil tecno-produtivo dão
lugar a uma reestruturação institucional e organizacional geral, tanto em nível de mercado, com
amplas mudanças na oferta e na demanda dos serviços de telecomunicações, quanto em nível
regulatório, “seguindo” estas mudanças.
Entre os fatores condicionantes do processo de reestruturação competitiva do setor de serviços de
telecomunicações, é possível ressaltar (Fagundes, 1996:239): a) a regulação, com a sua
repercussão em termos de abertura e internacionalização dos mercados.; b) as mudanças no
âmbito da normalização, tendendo a estabelecer padrões internacionais; c) o progresso técnico e
a convergência tecnológica entre os setores de telecomunicações, radiodifusão e informática,
com a redução de barreiras à entrada e a dissolução das barreiras entre serviços diferentes e d) a
globalização e as mudanças nos padrões da demanda.
O presente capítulo tem como objetivo abordar as questões chaves que deram uma nova
dinâmica para o setor de telecomunicações mundial nos anos oitenta –novas configurações
tecnológicas- e para as novas conformações organizacionais e institucionais resultantes –
desregulação / regulação para a concorrência-.
Dessa maneira, na primeira parte do trabalho será analisada a composição do mercado de
telecomunicações, através de três variáveis chaves: tipos de clientes, serviços oferecidos e redes
59
de transmissão. Na segunda parte do trabalho serão resumidas as mudanças tecnológicas
principais do setor para depois, na terceira parte, explicar de que maneira essas mudanças
abriram a possibilidade de maior concorrência nesse setor, rompendo a idéia do monopólio
natural na indústria de telecomunicações.
Por último, será feita uma sondagem das mudanças regulatórias que originaram as novas
tecnologias e as pioneiras mudanças institucionais. Esta sondagem será feita a partir das
experiências nos Estados Unidos, na União Européia e na Inglaterra.
3.1 O setor de telecomunicações: breve análise da sua composição
O mercado ampliado de telecomunicações é composto por um conjunto de atividades que inclui
a transporte de voz, sinais, imagens visuais e dados, através de diferentes tipos de infra-estrutura
de transmissão e distribuição de informação (fundamentalmente rede de cabos, sistemas
radioelétricos e por satélite). Definir o alcance e limites do setor de telecomunicações implica ter
em consideração três variáveis fundamentais: i) serviços, ii) clientes e, iii) redes ou vias.
i) Serviços
Antigamente, os limites do setor eram claramente definidos: os serviços básicos de telefonia,
telex e telégrafo tinham as suas funções determinadas de maneira precisa, as suas infra-estruturas
tecnológicas estavam amplamente difundidas e diferenciadas entre si, e as empresas prestadoras
de serviços possuíam mercados e atribuições estáveis.
Na atualidade, foi ampliado o grau de substituição entre os serviços. O aumento da concorrência
tem menos relação com os diferentes tipos de serviços e mais com a rivalidade entre as bases
técnicas –redes- que suportam os mesmos serviços. Desta maneira, a diferenciação entre os
serviços em termos de qualidade, preço, flexibilidade, etc., depende em grande parte da infra-
estrutura suporte (Fagundes, 1996).
Entretanto, o aumento da concorrência não foi uniforme: em alguns segmentos, como a telefonia
celular, a concorrência é limitada, geralmente apresentam-se duopólios regionais. Em outros,
como os serviços de valor agregado, ou a construção e operação de infra-estruturas, a
concorrência é livre.
A partir da classificação básica dos serviços oferecidos pelas telecomunicações na atualidade:
voz, dados, imagens e sons (TV/vídeo), Medrano (2003) define os serviços do setor conforme
60
quem se comunica com quem ou com que. Desta maneira, a classificação dos serviços
43
proposta
pelo autor divide-se em:
Comunicações pessoais (pessoa a pessoa). Neste tipo, pode ser oferecido um leque de
serviços que inclui desde o serviço considerado básico (voz) até opções avançadas de voz e
vídeo.
Pessoas com conteúdos, isto é, serviços de acesso a fontes de informação e nas que, às vezes,
uma parte da informação é administrada por máquinas, como por exemplo nas redes peer-to-
peer (P2P).
ii) Clientes
Os segmentos habituais a serem atendidos podem ser resumidos em: i) Residencial e
Profissional, ii) Pequenas e Médias Empresas, iii) Empresas e Corporações, iv) Mercado
Atacadista e, v) Administrações Públicas.
Para Fagundes (1996), os usuários, especialmente as grandes empresas, experimentaram em um
recente período, um aumento no seu poder de negociação, a partir do aumento da gama e funções
dos serviços.
Marín Martínez (2004) subdivide os clientes conforme o perfil do consumo previsto, em função
das expectativas de consumo dos serviços oferecidos pelas empresas de telecomunicações. Em
primeiro lugar, o usuário que demandar um baixo fornecimento de uso dos serviços terá como
máxima exigência baixos custos daqueles serviços que contratar. Em segundo lugar, os usuários
que demandarem uma prestação média de serviço, que diferente dos anteriores demandarão parte
dos serviços que contratarem, alguns dos seus aspectos mais avançados, assim como um contrato
ligeiramente diferenciado. Por último, aqueles que demandarem um alto fornecimento dos
serviços que contratarem, caracterizam-se pelo seu alto poder aquisitivo, e é previsto que gerem
uma receita média superior aos outros perfis. São considerados como os early-adopters do
mercado, característica sumamente positiva para os operadores, já que graças a essa experiência
“rápida” podem amadurecer na comercialização desses serviços.
43
A pesar de serem oferecidos dois tipos de serviços aos diferentes usuários, o comportamento do usuário
empresarial tem características diferenciadas como: grande variedade de terminais de acesso a dados (PC, móvel,
PDA, telefone IP, fones sem fio, etc), diversas redes de comunicação (muitos protocolos 1 e 2 IP servem de nexo
para os serviços), a segurança é prioritária, é requerido o acesso a serviços corporativos comuns. Desta forma, a
prestação de serviços será diferenciada.
61
iii) Vias de transmissão: base técnica.
As redes do setor são de três tipos: telefonia, cabo e móvel (sistemas radioelétricos e satelitais).
A evolução das redes de comunicação parte das antigas redes tradicionais, que só ofereciam
serviço de voz, até as futuras redes de dados com as que possam ser oferecidas, com completas
garantias de segurança e qualidade, os três serviços integrados com uma única rede, muito
possivelmente Ipv6 sobre ótico (Medrano, 2003).
As vias adquiriram uma crescente importância como conseqüência das mudanças tecnológicas
registradas nos últimos anos, e devem ser analisadas de maneira conjunta com o serviço básico
telefônico a fim de compreender o perfil constitutivo do setor, especialmente porque estas vias
representam importantes pressões competitivas no âmbito da telefonia básica
44
. Cabe ressaltar
também a diversificação dos canais através dos quais informação pode ser transmitida. Neste
sentido, é relevante destacar que as redes cabeadas estabelecidas pelas operadoras de televisão a
cabo, pelo espectro de rádio (junto com a rede de antenas transmissoras) pelo qual são
transmitidas as comunicações móveis, e pela via satelital de comunicações (não somente de
sinais senão também de viva voz e dados), conformam caminhos alternativos através dos quais
pode ser oferecido o serviço de transmissão de viva voz. Por outro lado, as importantes
modificações registradas em nível do perfil tecno-produtivo do setor permitiram que desde uma
mesma infra-estrutura fosse possível fornecer serviços tão diversos como, por exemplo,
telefonia, televisão a cabo e Internet
45
.
3.2 A mudança tecnológica dos anos 80 e o nascimento da concorrência
O mercado de telecomunicações constitui tradicionalmente um monopólio natural, já que a
existência de importantes economias de escala na transmissão e comutação de viva voz pela rede
de enlaces fixos justificava, de acordo com a extensão do mercado, que a prestação do serviço
fosse realizada por uma única empresa (geralmente de propriedade estatal).
Contudo, desde meados da década de oitenta, a partir do progresso técnico e da convergência
tecnológica entre a eletrônica, a informática, a radiodifusão e no próprio âmbito das
44
Uma redefinição rigorosa do mercado ampliado de telecomunicações não poderia deixar de lado o papel que
cumpre o setor produtor de equipamentos para telecomunicações, o setor informático, etc. A análise da articulação
entre estes setores e os diferentes segmentos do mercado, exigiria um estudo adicional, específico e detalhado que,
como tal, excede os limites deste trabalho.
45
De fato, Telecom de Argentina SA e a Cooperativa Elétrica de Bariloche instalaram uma rede de fibra ótica nessa
própria cidade com o objetivo de oferecer aos seus clientes um “pacote” que inclua serviço de telefonia, televisão a
cabo e acesso a Internet.
62
telecomunicações, diminuíram a importância das economias de escala e os custos irrecuperáveis
envolvidos no fornecimento de serviços públicos, ao mesmo tempo em que emergiram
importantes economias de diversificação, que induziram uma nova determinação das
características “naturais” do setor (Abeles, 2001).
O quadro a seguir permite compreender melhor quais foram as amplas mudanças produzidas no
setor de telecomunicações no âmbito da tecnologia ao longo da década de oitenta.
QUADRO 1
ESTADO DA TECNOLOGIA DO SETOR TELEFÔNICO NA DÉCADA DE SETENTA E DE
OITENTA
Década de 70 Década de 80
Estabilidade Tecnológica
Mudanças dentro do paradigma microeletrônico
Centrais eletromecânicas (transmissão
analógica)
Equipamentos digitais
Serviço de voz
Serviço de voz, dados, imagem, texto e
entretenimento
Rotas de microondas
Código binário/uso de processadores
informáticos/domínio de software
Arames de cobre e cabo coaxil
Fibra ótica para redes telemáticas
46
Poucos serviços de valor agregado
Serviços de valor agregado e customizados em
pleno crescimento
Canal único de transmissão
Diversidade de canais de transmissão
Rigidez
Rede flexível e inteligente
Fonte: Shima (1999) e Beker et alii (2001)
Dentro das inovações tecnológicas que mais ressaltam neste contexto, Pires e Dores (2000) e
Barreneche e Simón (2002) destacam as seguintes:
46
O termo telemática foi cunhado pelos franceses Simon Nora e Alain Minc para descrever a confluência das
telecomunicações com a computação e a televisão. As redes telemáticas adquirem uma inusitada relevância por
causa da possibilidade de manejar, a través delas, informação de maneira massiva, sem importar as fronteiras
geografias ou políticas. Sua capacidade de armazenamento, processamento e transmissão oferecem acesso imediato
à informação, o que é componente insubstituível, na atualidade, de qualquer atividade econômica, cultural e social.
63
i) convergência tecnológica entre a informática, a microeletrônica –elaboração e uso de
circuitos integrados-, a opto-eletrônica –técnica eletrônica que substitui elétrons por
fotõns em determinados trechos de circuitos- e as telecomunicações.
ii) a comutação por pacotes, que além de proporcionar melhor aproveitamento das redes,
permite ganhos de escala, com a introdução de diversos serviços nos sistemas de
telecomunicações, possibilitando a redução das tarifas relativas aos serviços de voz em
longa distância e viabilizando a convergência tecnológica na oferta dos serviços e;
iii) a digitalização dos sinais
47
, que permite transformar voz, imagem e outras, em seqüências
de números para a sua transmissão e processamento;
iv) a transmissão de dados pela telefonia celular, que vem do encontro à tendência à
mobilidade verificada no mercado, cuja demanda repercutiu no desenvolvimento da
tecnologia de telefonia celular de 3ª geração -transmissão de dados em alta velocidade e
multimídia, além de roaming
48
global mantendo os números de usuário.
As mudanças tecnológicas produziram vários efeitos sobre o mercado das telecomunicações. Por
um lado, permitiram a criação de sistemas que contam com uma capacidade excedente para o
fornecimento do serviço, o que permite atingir ótimas condições de qualidade em contraposição
aos sistemas anteriores que tinham sérios problemas para a prestação do serviço de maneira
eficiente por falta de capacidade. E por outro lado, permitiram o aparecimento de novos e mais
tipos de concorrentes (Beker et al., op. cit.).
A respeito do incremento na capacidade dos sistemas, é por causa essencialmente do crescente
uso de cabos de fibra ótica nos extendidos das redes, o que permitiu diminuir os custos de
instalação e manutenção e aumentar a capacidade de tráfego, e por causa também do avanço
registrado nos sistemas de comutação, que passaram de utilizar equipamentos eletromecânicos a
usar equipamentos digitais, controlados por computadores, permitindo que seus custos
diminuíssem e a capacidade de transmissão se ampliasse.
47
A digitalização permite, assim: i) compartilhar uma infra-estrutura comum para a maioria dos serviços existentes;
ii) padronizar os componentes utilizados, com o conseqüente barateamento do equipamento de comunicações; iii)
reduzir o tamanho físico do equipamento e do seu consumo de energia; iv) aumentar a capacidade de
processamento, o que reduz enormemente o custo de operação; v) o sinal numérico pode ser codificado, permitindo
ser eficientemente transmitido sobre canais ruidosos; vi) aumentar a capacidade de transmissão de informação, tanto
no caso dos enlaces baseados em fibras óticas como nos sem fio e, vii) o espectro radioelétrico, que aparecia como
esgotado, pôde ser feito baseado nas técnicas de codificação dos sinais digitais (Barreneche e Simón, 2002:1)
48
O roaming é uma das funções executadas pelas centrais de comutação e controle (CCC) das operadoras de
telefonia móvel e tem como característica o acompanhamento dos deslocamentos do usuário de uma para outra
CCC.
64
Beker et al. (2001) acrescentam que ao valor tecnológico é somado o próprio mercado entre as
forças que empurram a indústria na direção competitiva no setor de telecomunicações. A
demanda, por parte dos usuários e operadores, de novas facilidades, de maior velocidade de
transmissão, de integração dos serviços, e ágeis e econômicos procedimentos de gestão, fez com
que as empresas provedoras elaborassem produtos altamente sofisticados sobre a base dos que
foi desenvolvida a nova rede universal de telecomunicações de banda larga.
Acrescentaram-se ainda outras opções que foram introduzindo um maior grau de rivalidade na
indústria como a revenda, os enlaces ponto a ponto e os provedores de acesso. A revenda implica
que grandes usuários de telecomunicações compram das telefônicas um volume importante do
serviço a preços menores, que depois revendem aos consumidores.
No caso dos enlaces ponto a ponto, grandes clientes poderiam prescindir do serviço das
operadoras locais, construindo linhas que se alimentem diretamente desde os interruptores das
transportadoras de longa distância até uma central telefônica interna do grande consumidor. Por
sua vez, as empresas “provedoras de alternativas de acesso” ou “provedoras de acesso
competitivo”, oferecem uma conexão direta entre as operadoras de longa distância e grandes
clientes para o transporte direto de volumes altos de tráfego.
Por outro lado, as tendências para a globalização da economia mundial e para a integração e
liberalização dos serviços de telecomunicações acrescentaram a concorrência no mercado de
serviços. Com a crescente valorização da informação e a organização das infra-estruturas
técnicas de comunicação através das que são estabelecidas as relações intra e interfirmas,
transformaram-se os procedimentos de coordenação do comportamento das empresas e seus
movimentos estratégicos, as grandes empresas mundiais de telecomunicações estariam se
transformando assim em global partners das grandes multinacionais (Wholers e Baptista, 1995),
sendo possível para elas controlarem a expansão dos seus ativos, alianças e fusões, através das
redes mundiais privadas de telecomunicações (Shima, 1999).
Esta exigência de soluções integradas para redes de telecomunicações globais demandadas por
usuários globalizados crescentemente provoca a evolução para a normalização, como um dos
elementos a serem redesenhados, já que inclusive quando a expansão nas redes nacionais tenha
ocorrido em bases homogêneas, não foi verificado no plano internacional
49
.
49
Atualmente há quinze grandes sistemas de comutação pública no mundo, a maior parte incompatíveis entre si
(Fagundes, 1996)
65
Essas transformações trouxeram uma importante redução do tamanho mínimo eficiente de cada
unidade de produção, possibilitando, pelo menos potencialmente, a entrada de numerosas
empresas, junto com os operadores preestabelecidos, a segmentos específicos do mercado,
oferecendo produtos diferenciados com um forte potencial de inovação, especialmente nos
segmentos de ligações internacionais, as comunicações satelitais, a telefonia sem fio, e outros
nichos do mercado (como por exemplo, a transmissão de dados e o acesso a Internet).
3.3 Mudanças institucionais: o questionamento do monopólio natural
3.3.1 Justificativas do monopólio natural na etapa do intervencionismo
A estrutura tecnológica tradicional das redes telefônicas de cabo levou a serem consideradas
como monopólio natural. Um monopólio natural ocorre em uma indústria na qual a produção é
tal que um produtor ou fornecedor de serviços possa prover a um mercado completo preços mais
baixos e de maneira mais eficaz do que se houvesse dois ou mais produtores ou operadores
50
.
Em matéria de telecomunicações, muitos governos apoiaram o estabelecimento de monopólios
naturais com o objetivo de conseguir ótimos níveis de penetração telefônica e serviço universal.
Algumas legislações nacionais consagraram estes objetivos e com isso reforçaram o status do
monopólio natural.
Por exemplo, a Lei de Comunicações de 1934 dos Estados Unidos determinou à Comissão
Federal de Comunicações, “dispor, tanto como for possível, que todo o povo dos Estados Unidos
possua um rápido e eficiente serviço de comunicação, nacional e mundialmente, com redes
adequadas e cargos razoáveis”. Sob esse paradigma, nesse país, foram constituídas as
telecomunicações como monopólio natural com a idéia de que uma única entidade –privada
neste caso- pudesse prover um serviço melhor pelo menor custo do que muitos concorrentes.
As telecomunicações européias também estiveram tradicionalmente estruturadas sob rígidos
monopólios estatais, que apresentavam grande poder e estavam protegidos por uma relação
estreitamente vertical entre os operadores públicos e os fornecedores de equipamentos
51
.
De acordo com Chang (1997), pode ser analisado o fenômeno dos monopólios estatais desde
uma visão mais ampla do processo: no período que se estende de 1945 a 1970, os governos de
muitos países desenvolvidos começaram a praticar políticas macroeconômicas ativas,
50
Para uma descrição mais aprofundada sobre o monopólio natural, ver capítulo 2 do presente estudo.
51
Foi só em 1987, com a publicação do Green Paper que foi estimulado o desenvolvimento de um mercado comum
europeu para serviços de telecomunicações e equipamentos, e de fomentar a estruturação de um plano para a
66
nacionalizando várias indústrias –ou estabelecendo novos empreendimentos-, incrementando os
gastos e a profundidade das atividades regulatórias
52
.
Em geral, o monopólio natural das telecomunicações foi sustentado por vários argumentos
(Ruelas, 1995):
Dada a existência de economias de escala no fornecimento de um serviço padronizado, não é
eficiente que várias empresas dupliquem redes, enquanto que para um único operador não
implica nenhum problema fazer os enlaces técnicos, administrar o serviço e aplicar as tarifas.
Para minimizar os altos custos de investimento que a instalação de uma rede telefônica
requer. Além disso, a operação centralizada da rede protege a sua integridade física, evitando
problemas de incompatibilidade técnica e garantindo altos padrões de serviço.
Nenhuma companhia poderia assumir a responsabilidade de prover uma verdadeira rede
nacional –garantindo o serviço universal-, a preços justos, a não ser que tenha status de
monopólio. Isto possibilita dividir custos, ou seja, estabelecer subsídios cruzados, para que as
áreas e rotas de alto tráfego subsidiem às de baixa densidade.
A estrutura do setor como monopólio acarretou, por sua vez, que outros setores das
telecomunicações atuaram sob uma estrutura similar (Marín Martinez, 2003). Em geral, nos
monopólios de telecomunicações foram estabelecidas relações preferenciais entre as empresas
operadoras e um ou alguns manufatores de equipamento de transmissão, terminal e de
comutação; que podem ser ou não filiais da operadora. Neste mesmo esquema, o único caminho
que os usuários têm para se conectarem à rede é por meio dos aparelhos que a própria operadora
telefônica aluga ou vende.
3.3.2 O fim dos monopólios naturais e a nova configuração estrutural do setor
Após a segunda guerra mundial, a incorporação de tecnologias baseadas na microeletrônica,
computação e comunicações por microondas, principalmente, abriu oportunidades para a
incursão de empresas de alta tecnologia no setor de telecomunicações. Os novos concorrentes
começaram a questionar a idéia de monopólio natural que os governos sustentavam para proteger
as empresas telefônicas operantes nacionais ou privadas da concorrência.
liberalização total dos serviços e da infra-estrutura do setor que finalizaria na maioria dos países membros em 1998
(Pires, 1999).
52
Conseqüência das espetaculares falhas do capitalismo na etapa entre guerras mundiais, no marco da economia
keynesiana, apontava-se ao pleno emprego e à prevenção das flutuações macroeconômicas violentas.
67
A tecnologia de microondas, especialmente, transformou as perspectivas para a concorrência de
serviços de longa distância. Ruelas (1995) determina uma ruptura desta situação a meados dos
anos sessenta, quando a empresa Microwave Communications, Inc. (MCI), nos Estados Unidos,
solicitou que a FCC fornecesse serviço de longa distância. Após vários anos de burocracia, a
Comissão Federal de Comunicações (FCC, em inglês) autorizou a operação de redes privadas de
microondas.
O rompimento do monopólio natural –geralmente do Estado- não foi a única conseqüência do
novo paradigma tecnológico. Ao mesmo tempo, enquanto os governos sustentavam que somente
um monopólio poderia capturar as tecnologias de escala garantindo o serviço universal, em
muitos países desenvolvidos pagavam-se US$ 4.000 por linha –três ou quatro vezes a mais do
que o custo verdadeiro-. Ainda, as tarifas subsidiadas geravam baixas receitas e por causa das
restrições orçamentais dos governos, expansão limitada. Desta maneira, assim como afirma
Stiglitz (1998:12) “Inefficiency and underinvestment meant that in all too many instances,
universal service meant universally lousy service, and little or no service to the poor or rural
areas” .
A redução das economias de escala no segmento de telefonia básica, a ampliação da gama dos
serviços oferecidos, o incremento e a diversificação dos canais através dos quais informação
pode ser transmitida (especialmente telefonia sem fio, televisão a cabo e Internet), e a
internacionalização das empresas operantes no setor ocasionaram desta forma que,
“no sólo hayan tendido a diluirse los parámetros que tradicionalmente permitían considerar a la
actividad como un monopolio natural, sino que se ha abierto la posibilidad de ofrecer servicios
similares de comunicación a través de diferentes infraestructuras e, inversamente, de brindar
diversos servicios a partir de la utilización de una misma vía de comunicación
53
(Schorr, 2001:
141).
Tanto a experiência dos países desenvolvidos
54
como a teoria econômica mostram que a
concorrência é possível em vários segmentos do mercado de telecomunicações e que só
conservam as características de monopólio natural aqueles segmentos nos quais é mantida a
existência de insumos fixos indivisíveis, como são os serviços de acesso à rede urbana.
53
Não obstante estas potencialidades, a maioria dos países impõe restrições para que as empresas que atuam em
segmentos contíguos (por exemplo, uma empresa de televisão a cabo) possam fornecer serviço de telefonia básica.
A partir disso que é necessário analisar não só estas potencialidades, senão também as disposições normativas que
regulam as relações entre as empresas que operam nas diversas vias de comunicação mencionadas.
54
Ver, por exemplo, Baumol (2002); Urbiztondo (1999), FIEL (1999), IERAL (1999) para uma revisão de algumas
das experiências internacionais de introdução de concorrência.
68
O mercado ampliado ficaria conformado, desde o lado da oferta, e à margem das empresas que
fornecem o serviço telefônico básico, pelas empresas de televisão a cabo, pelos operadores de
telefonia móvel através do espectro de rádio (tanto os de telefonia celular como os do serviço de
comunicações pessoais
55
) e pelos fornecedores de comunicações satelitais (de viva voz, dados e
imagens)
A demanda, por parte dos usuários e dos operadores, de novas facilidades, de maior velocidade
de transmissão, de integração dos serviços, e ágeis e econômicos procedimentos de gestão, fez
com que as empresas provedoras elaborassem produtos altamente sofisticados sobre a base dos
quais foi desenvolvida a rede universal de telecomunicações de banda larga.
Nesse contexto, a redefinição dos limites do mercado de telecomunicações dá lugar a um
complexo entrelaçado de relações intra-setoriais de caráter horizontal e vertical que resultam
fundamentais desde o ponto de vista regulatório, a partir dos seus impactos em relação às
possibilidades de introduzir concorrência efetiva no setor e, como conseqüência, com a dinâmica
de funcionamento global do mesmo.
Em primeiro lugar, e em termos horizontais, cabe ressaltar que tanto as firmas fornecedoras de
televisão a cabo quanto as operadoras de telefonia móvel, através do espectro de rádio (seja de
telefonia celular ou do serviço de comunicações pessoais) e das comunicações satelitais (seja de
viva voz, dados ou imagens), teriam condições de proporcionar, a partir das mudanças
tecnológicas analisadas, o serviço de telefonia básica –tanto local como de longa distância,
nacional e internacional- de se admitir o ingresso de operadores alternativos, isto é, em um
entorno caracterizado pela ausência de barreiras –neste caso legais
56
- à entrada de novos
ofertantes ao segmento de telefonia fixa.
Em segundo lugar, é fundamental a análise das relações verticais do tipo “provedor-cliente” que
se estabelecem no interior do mercado ampliado, visto que, além de concorrer –real ou
potencialmente- no terreno da telefonia básica, os operadores dos mercados conexos devem se
interconectar à rede fixa, abonando um cargo de interconexão, a fim de poder prover seus
próprios serviços. Tal situação deriva do fato de que, por exemplo, o operador de telefonia sem
55
Trata-se de um serviço de comunicações sem fio que, diferente dos telefones celulares, opera em uma banda de
freqüência mais larga a partir do uso de tecnologia de acesso digital, e oferece a possibilidade de fornecer serviços
adicionais ao de telefonia básica (transmissão de dados, envio de fax, conexão a Internet, etc.).
56
Não obstante, dadas as importantes barreiras naturais à entrada que inclusive apresenta o setor de telefonia fixa, a
ausência de restrições legais acarretaria, no máximo, um mercado caracterizado pela concorrência entre poucas
firmas oligopólicas.
69
fio não poderia fornecer esse serviço se não garantir a seus clientes a possibilidade de se
comunicarem com assinantes das operadoras da rede fixa de telefonia.
Assim, a relação concorrencial que se estabelece potencialmente entre a rede de enlaces e os
segmentos adjacentes, afeta também a dinâmica competitiva nos próprios mercados contíguos. O
proprietário da rede instalada poderia estabelecer diferentes tipos de práticas restritivas verticais
(por exemplo, uma política discriminatória em matéria de fixação de preços, ou más condições
de interconexão, etc.) que acabariam prejudicando a seus concorrentes nos segmentos em
concorrência.
Apesar da crescente possibilidade de introduzir concorrência em telecomunicações, ainda
persistem no mercado significativas economias de rede, escala e diversificação –associadas tanto
à utilização de redes a cabo quanto às limitações técnicas existentes no uso do espectro
radioelétrico- que continuam estabelecendo um limite ao número de empresas que poderiam
concorrer no mercado.
Considera-se que o mercado de telecomunicações passou a constituir um oligopólio misto
(Herrera, 1998), ou de maneira mais oportuna, um oligopólio natural –concentrado e
diferenciado- de base potencialmente instável (Schorr, 2001), na medida em que as estratégias
tecnológicas das firmas –em um contexto onde, mesmo que tenham perdido importância, os
custos irrecuperáveis continuam sendo relevantes- permitem se posicionarem no mercado com
conseqüências não sempre previsíveis para os seus concorrentes.
Esta situação oferece às empresas uma capacidade potencial significativa de obter lucros
tecnológicos extraordinários por meio da incorporação e geração de inovações, tanto em
produtos quanto em processos, e de alterar, como conseqüência, o nível das barreiras ao ingresso
de concorrentes potenciais
57
. Por outro lado, o alto grau de incerteza vinculado às estratégias
tecnológicas das firmas se vê acentuado pela dificuldade de prever a combinação de serviços que
permitirá satisfazer a demanda no futuro adequadamente (por exemplo, o grau de diversificação
ou especialização necessário para fazer às empresas competitivas).
3.4 As mudanças institucionais: a regulação da nova forma de mercado
3.4.1 A necessidade de um novo marco regulatório
57
Cabe ressaltar que esses lucros, a pesar de extraordinários, são do tipo transitório porque podem ser erosionados
pela imitação e/ou inovação tecnológica de um concorrente (ver Nochteff, 1998).
70
Assim como discutem Viscusi et alii (1997, cap. 15), as alterações nas condições que a
existência de um monopólio natural determinam, levando eventualmente a abertura à
concorrência de um setor, impõem importantes desafios aos reguladores.
O rompimento do monopólio natural não é a única condição para o estabelecimento da
concorrência. Deve ser reconhecido que a extensão do monopólio é influenciada não só pelos
fatores “naturais” como a tecnologia, mas, e talvez mais importante, pela política de governo
(Stiglitz, 1998). E ainda mais, é insuficiente limitar-se a modificações de legislação autorizando
a entrada de novas empresas, pois o governo deveria intervir com determinação para evitar um
oligopólio cartelizado (Herrera, 1998), dado o trade-off existente entre eficiência e rendas de
informação (Laffont, 1997).
Desta maneira, no início da década de oitenta, a necessidade de um novo paradigma regulatório
tornou-se indispensável. A própria redefinição da estrutura do mercado, questionando a
participação direta do Estado, abriu um leque de possibilidades de liberalização e privatização,
que deve ser precedida pelo estabelecimento de uma estrutura regulatória efetiva, garantindo a
concorrência onde for possível, isto é, evitando restringir a diversidade.
Como resultado, os setores de infra-estrutura devem se sujeitar, simultaneamente, tanto à
regulação –segmentos monopólicos- quanto às regras de defesa da concorrência –segmentos
competitivos- (Possas et alli, 1998), buscando evitar que empresas que operam de maneira
simultânea em ambos os segmentos possam eliminar a concorrência nos mercados competitivos
através dos subsídios cruzados (Herrera, 1998).
Em primeiro lugar, deve ser decidida em cada segmento a manutenção, a redução do alcance ou
a eliminação da regulação. Se o mercado se apresentar “organizado”, quer dizer, bem delimitado,
o desafio do regulador limita-se a (Possas et alii, 1998);
(i) aproveitar as pressões competitivas crescentes para substituir os controles
administrativos por mecanismos de mercado que levem os produtores a agirem de
maneira economicamente eficiente;
(ii) evitar que os monopolistas implementem estratégias de barreiras à entrada de
novos concorrentes;
(iii) adaptar e eliminar mecanismos de subsídios cruzados ao consumo do serviço.
No caso de um cenário mais desorganizado, no qual a transformação se faz possível em meio do
surgimento de novos produtos ou modificação dos já existentes, a introdução de pressão
71
competitiva ocorre junto com uma dissolução das fronteiras dos mercados e diversificação das
empresas, implicando as ações do regulador. Portanto,
“Não só o cronograma de abrandamento ou retirada da regulação deve ser decidido, como
também a própria definição de que produtos entram no escopo da regulação, que controles devem
ser estabelecidos sobre a entrada de empresas em novos mercados - por exemplo quanto à
permissão ou proibição de que um monopolista regulado entre em mercados que estejam passando
por processos de desregulamentação - e como limitar o fenômeno de creamskimming, que ocorre
quando as novas empresas entram nos mercados mais lucrativos (o creme) deixando os menos
lucrativos (o leite) para as empresas já estabelecidas”
(Possas et alii, 1998: 4)
Em nível mundial, o período da regulação datada por Chang (1997) entre 1945 e 1970 culmina
com um período de transição que se estende até 1980. Este período de transição é caracterizado
por uma deterioração da performance industrial dos países ocidentais quanto à indústria japonesa
e de outros países de recente industrialização do leste da Ásia. Como conseqüência, foi se
produzindo uma mudança no clima político mundial que está exemplificado por Chang com a
desregulação em grande escala iniciada pela administração Carter no final dos anos setenta. Já
nos anos oitenta, a maior parte dos países ocidentais, desenvolvidos e em fase de
desenvolvimento, sob pressões internas e externas começaram uma reestruturação extensiva da
relação entre o Estado e a economia, incluindo reformas regulatórias, cortes orçamentais
públicos e privatizações.
3.4.2 Experiências e diversidade: diferentes modelos de regulação
Assim como foi defendido anteriormente, a regulação é um instrumento essencial para o
desenvolvimento eficiente de setores de infra-estrutura, especialmente na fase de transição para a
concorrência.
Se por um lado o fator mais significativo na reestruturação dos anos oitenta foi a introdução de
concorrência, conseqüência da mudança tecnológica, por outro, até este momento a participação
ativa do Estado foi fundamental na construção da infra-estrutura básica, criação da demanda e
surgimento de uma indústria competitiva.
Deve ser ressaltado que as diferentes reestruturações, nos mercados e nas regulações, ocorreram
de maneira assimétrica, já que os desafios e objetivos impostos aos países em fase de
desenvolvimento diferem dos que foram apresentados nos países industrializados.
72
Basicamente, os primeiros apresentam grandes desigualdades na formação da rede básica,
mostrando grandes disparidades regionais. Por sua vez, os países desenvolvidos já tinham
universalizado o serviço telefônico básico na década de setenta, em um marco de estabilidade
tecnológica e institucional; e nos anos noventa, se preocupando com a difusão de serviços
avançados, no marco da “sociedade da informação”.
3.4.2.1 Estados Unidos: o modelo de monopólio privado e a reforma em prol da
concorrência
A pesar de ser verdade que as razões para reestruturar as telecomunicações dos Estados Unidos
foram internas, exerceram uma profunda influência no exterior, pois desde meados dos anos
oitenta, quando entrou em vigor a reestruturação, começou uma onda mundial de desregulações e
privatizações. Praticamente, todos os países iniciaram a modificação de seus regimes
monopólicos, sendo trocados pela desregulação e a privatização, e inclusive empreenderam
liberalizações que extrapolam a própria dos Estados Unidos.
A indústria americana de telecomunicações, diferente da européia, foi constituída desde o início
sob o regime de empresa privada, regulada fortemente pelo Estado. Historicamente, o
crescimento da indústria americana de telecomunicações e a sua própria regulação, podem ser
divididos em cinco grandes fases, marcadas por importantes fatos:
i) 1877-1934: O início da indústria telefônica.
Em 1877, a indústria telefônica da União Americana foi organizada formalmente com a criação
da Bell Telephone Company
58
. Em 1885, American Bell criou como sua subsidiária a American
Telephone and Telegraph Company (AT&T) para desenvolver um sistema de longa distância.
Foram suficientes cinco anos para se converter na filial mais importante do Sistema Bell. A Lei
de 1934 criou a Comissão Federal de Comunicações dando faculdades a ela para regular as
empresas de radiodifusão e telefônicas. Esta lei outorgou a AT&T o caráter de monopólio
regulado, o que ostentaria até 1982 e o que usou para se defender da concorrência.
ii) 1934-1956: Consolidação do monopólio privado regulado.
58
A empresa decidiu alugar os aparelhos telefônicos ao invés de vendê-los aos usuários, o que trouxe históricos
efeitos corporativos na indústria, como foi a formação de uma estrutura vertical entre a empresa operadora do
serviço telefônico e a manufatora e provedora de equipamento de telecomunicações.
73
Esta fase está associada à consolidação do monopólio privado institucionalizado. A estratégia
que a AT&T seguiu, para dominar o mercado das telecomunicações, foi adotar o caráter de
monopólio regulado para preservar os incentivos que oferecia ser uma corporação privada
dedicada a prestar um serviço público. Ruelas (1995) afirma que, para manter seu monopólio, a
AT&T recorreu a vários meios: integração vertical da fabricação de equipamento (através da
Western Electric) e fornecimento do serviço; desenvolvimento de serviço de longa distância;
estratégias agressivas de imposição de preços; aquisição dos concorrentes mais importantes;
aquisição de patentes; restrição de interconexão de equipamento alternativo; proibição da
interconexão das redes de seus rivais às de Bell.
iii) 1956-1982: Questionamento do monopólio, início da concorrência.
Nesta fase se produz o questionamento do monopólio que, segundo Shima (1999, cit. in
Guimarães, 2001) e Ruelas (1995), assenta-se na evolução da regulação do setor de
telecomunicações no sentido da liberalização de alguns segmentos chaves do mercado:
As primeiras pressões para desmembrar o monopólio desta empresa surgiram desde inícios
da década de cinqüenta, nas tentativas públicas
59
e privadas de desintegrar o consórcio
AT&T e Western Electric.
Outro ataque contra a proteção monopólica foi iniciado, do mesmo modo, pela emergência
de novas tecnologias, cujos impulsionadores requeriam autorização para poder conectá-las à
rede do Sistema Bell. Em 1965, a FCC resolveu que a AT&T não poderia proibir
arbitrariamente a interconexão de equipamento terminal diferente à de Bell, sempre e quando
não danificasse a rede e existisse demanda. Como rápido resultado, emergiu uma importante
concorrência entre fornecedores de equipamentos para cobrir a grande demanda: ROLM,
GTE, General Dynamics, Stromberg Carlson, MITEL, ITT, Northern Telecom, Rockwell
International, Nippon Electronics, Oki Electronics, entre outros.
As pressões contra o monopólio também surgiram de uma outra área das telecomunicações: o
serviço de longa distância. Em 1969, o surgimento de novas tecnologias de comunicação sem
fio permitiu a entrada da empresa MCI (Microwave Communications Inc.).
59
Em 1949, o Departamento de Justiça apresentou a primeira demanda antimonopólio contra a empresa. Alegando
violação à Sherman Antitrust Act de 1890 solicitou-se que a Western Electric fosse separada do sistema Bell e que
este se desintegrasse em três empresas separadas. Após sete anos, em 1956, as partes chegaram a um acordo,
chamado de Decreto por Consentimento, que permitiu a empresa permanecer unida, só que suas operações ficariam
limitadas ao serviço telefônico (Ruelas, 1995).
74
Em 1977 foi aprovada a operação de redes de comunicação para comutação de pacotes,
conhecidas como redes de valor agregado, dando lugar à revenda de serviços de
processamento de dados através de circuitos de linhas privadas.
O processo culmina em 1974, quando o Departamento de Justiça iniciou outro processo
antimonopólio contra a AT&T pelos cargos de monopolização e conspiração de monopolizar o
fornecimento de serviços e equipamento de telecomunicações. O processo culminaria em 8 de
janeiro de 1982, com um acordo entre o Departamento de Justiça e a AT&T que foi denominado
Decreto por Consentimento, pelo qual fixou o lapso de dois anos para a empresa se reestruturar.
iv) 1982-1996: Desmembramento do monopólio, desregulação.
Uma vez vencido o prazo de dois anos para a AT&T começar a reorganização, em 1984 a
empresa se transformou da seguinte maneira. As 22 empresas operadoras locais integraram-se
em 7 empresas regionais (Regional Bell Operating Companies, RBOCs)
60
, e foram instituídas
em 5 unidades básicas. Segundo Ferro e Celani (2001), as principais diretrizes deste acordo
foram as seguintes:
O serviço local seria provido pelas RBOC's, também conhecidas como Baby Bells, que
contariam com monopólios regionais, usariam o nome Bell e seriam co-proprietárias dos Bell
Laboratories, mudando seu nome para Bell Communications Corporation.
Não foi permitido, de maneira indefinida, as RBOC's fornecerem serviços de longa distância.
Também foram proibidas de fornecerem serviços de informação (com a exceção daqueles
sob licenças específicas) nas áreas onde fornecessem o serviço telefônico, e também não
poderiam fabricar equipamentos.
A AT&T ficou formada pelas seguintes unidades: AT&T Communications que oferece
serviço de longa distância nos Estados Unidos e serviços de voz, dados e vídeos no interior e
no estrangeiro; AT&T Information System, maneja serviços relacionados ao processamento
de dados; AT&T Techonologies (antes Western Electric) e Bell Laboratories, que reteve a sua
identidade pública e suas funções de desenvolvimento de equipamento e pesquisa; e, AT&T
International que é responsável pelo mercado global de produtos e serviços (uma área onde a
empresa não participava de maneira ativa). Cada uma destas unidades foi organizada de
forma independente, ou seja, que podem fazer pesquisa, manufatura e mercadotecnia por
separado.
75
No entanto, assim como vários autores apontam como Ferro e Celani (2001), Ruelas (1995) e
outros, o governo americano promoveu desde a integração diferentes reformas regulatórias que
modificam o acordo original. Em geral, tenderam a readequar os mercados e a concorrência,
onde as RBOC´s e a AT&T vencem cada vez mais os obstáculos para incursionar nos mercados
que a eles foram proibidos.
Em 1986 e 1988, várias decisões relaxaram parcialmente a proibição às Bell de ingressar no
mercado dos serviços de informação. Foi permitido fornecerem serviços de armazenagem e
acesso a informação (como o correio eletrônico e mensagens de voz). Também lhes permitiram
formar novas empresas, que deverão operar através de filiais separadas.
Neste contexto de permanentes disputas legais e decisões regulatórias contraditórias, as empresas
do setor foram recorrendo com maior insistência a fusões corporativas e alianças empresariais,
para acometer em melhores condições e atravessar mercados de telecomunicações, sobre tudo os
mais rentáveis. Duas das alianças mais importantes no interior dos Estados Unidos, desde que o
mercado foi reorganizado, são as da WS West com a Time Warner
61
e a da AT&T com a McCaw
Cellular
62
.
As Baby Bell utilizaram essa aliança como argumento para pressionar contra o decreto de 1982 e
para o Congresso formular leis que permitissem fornecer serviços de longa distância, fabricar
equipamento telefônico e oferecer serviços de televisão a cabo nas suas próprias regiões.
v) 1996- até a atualidade: Desde a Telecommunications Act até a queda de 2001.
Em fevereiro de 1996, o atual presidente Clinton, assina o Telecommunications Act que
estabelece uma nova direção regulatória, buscando o desenvolvimento da concorrência em
telecomunicações locais, nacionais e internacionais, operadores de TV a cabo (Pires, 1999) e a
flexibilização das tarifas.
60
Ameritech, Bell Atlantic, Bell South, NYNEX, Pacific Telesis, Southwestern Bell e US West.
61
A maior aliança entre uma operadora telefônica, a WS West, com uma empresa de televisão a cabo, a Time
Warner, realizada em outubro de 1993. Esta aliança permitirá desenvolverem um sistema de televisão interativa que
poderá se estender aos usuários e aos mercados que cada uma já possui: Os 14 estados onde opera a WS West, com
mais de 13 milhões de usuários e a experiência da Time Warner que conta com 67 empresas de televisão a cabo e
mais de 7 milhões de assinantes.
62
Esta última é a maior empresa celular dos Estados Unidos, com uma rede que está ao alcance de quase 35% da
população do próprio país. Ao adquirir a AT&T, regressa, de fato, ao mercado de telefonia local do qual foi retirado
há dez anos. Além disso, tem a possibilidade de conectar diretamente os clientes celulares a suas linhas de longa
distância sobre a sua própria rede sem fio, o que oferece uma ampla vantagem sobre os concorrentes que não
possuem uma rede desse tipo.
76
Esta Lei exigia que as Baby Bells oferecessem acesso aos seus concorrentes a preços de desconto
e obtiveram o direito a entrar no negócio de longa distância. Contudo, a possibilidade de acesso
de novas empresas foi obstaculizada por uma grande quantidade de pleitos das BBs que
impugnavam as regras da FCC (Stiglitz, 2003)
63
.
Porém, o Telecom Act não foi capaz de estabelecer uma estrutura realmente competitiva
64
,
conseqüência do poder dominante das Bells nos segmentos locais e da própria complexidade da
implantação de políticas em prol da competencia, relacionada ao poder de mercado assimétrico,
informação mais valiosa com as que as operadoras já estabelecidas contam em relação às
entrantes e aos reguladores, e aos investimentos de risco de duplicação de redes e publicidade
que as LECs devem realizar (Pires, 1999).
Como resultado, as empresas, acreditando que enfrentavam um jogo de um único ganhador,
lançaram-se a investir de forma desenfreada com a intenção de assegurarem o domínio do
mercado, o que na verdade provocou um excesso de capacidade na indústria que teria
repercussão em toda a economia. Houve uma concorrência pelo mercado e não no mercado.
Segundo Stiglitz (2003), esta nova desregulação preparou o terreno para a bomba de
investimento que estouraria em 2001 e levaram à falência de 23 empresas de telecomunicações,
incluindo a WorlCom (a maior falência de todos os tempos), Covad, Focal Communications,
McLeod, Northpoint e Winstar
65
.
A reestruturação foi a arma política por excelência que o governo e as empresas de
telecomunicações americanas utilizaram para se ostentar como um mercado altamente
competitivo e exigirem a abertura dos mercados externos, assim como para implementar medidas
drásticas para consegui-lo
66
.
A realidade é que a desregulação e a liberalização que está sendo realizada em muitos países é
mais agressiva que a dos Estados Unidos, que se faz chamar de indústria de telecomunicações
mais aberta do mundo. No exterior, as pressões que os Estados Unidos exerceram para a
reestruturação em diferentes organismos internacionais e através de suas políticas comerciais
63
As incumbentes alegavam que as novas disposições os obrigavam a permitir que seus concorrentes tenham acesso
a suas redes por uns preços muito baixos, o que não compensaria construírem ou ampliarem suas redes.
64
Em 1998, a participação das LECs no mercado local correspondia a 3% do total das linhas de acesso comutado e
5% do total da receita do mercado de telefonia local (Pires, 1999).
65
Estas últimas empresas do mercado telefônico foram definidas, no auge de investimento no setor como “os
Indiana Jones do bucle local” por Reed Hundt, presidente da FCC, a agência reguladora americana (Stiglitz, 2003).
66
A meados dos anos ostenta, as reclamações iniciais das empresas americanas de telecomunicações aos governos
de seus sócios comerciais foram contra os monopólios públicos protegidos, de praticamente todos os países,
77
fizeram sucesso. O modelo a ser implantado é o competitivo e implica várias políticas: que os
governos se limitem a funções de regulação e controle, abandonando as funções de operadores
de redes e prestadores de serviços básicos e de valor agregado; abertura sem restrições à
concorrência dos serviços de valor agregado; liberalização do mercado de equipamento terminal;
acesso aberto às capacidades da rede de cabos e circuitos para o fornecimento de serviços de
valor agregado; admissão de um número limitado de concorrentes nacionais no serviço
telefônico internacional; participação de empresas estrangeiras no fornecimento do serviço
telefônico básico.
Estas mudanças são aquelas que foram implementadas desde o início dos anos oitenta na
Inglaterra, e desde meados da década atual, no Japão, na América Latina, no Sudeste Asiático e
mais recentemente no Canadá.
3.4.2.2 União Européia: liberalização no marco de um mercado comum
A revisão da estrutura regulatória européia, que se produz de maneira gradativa a partir da
década de oitenta, foi impulsionada pela liberalização do mercado americano e a experiência,
nesse mesmo continente, da Grã-Bretanha. A ola das privatizações das empresas estatais
comenzó nos 80’s cuando da mao dos novos conservadores anglófonos
67
, inicio-se o debate
sobre o fim do Estado do Bienestar; ditando-se uma serie de reglas que tinham respeitado essos
ao privatizar as empresas do seus Estados:
1. Impedir os monopolios privados sobre serviços públicos (debido a que por naturaleza se
constituyen en monopolios naturais, por ende, la competencia allí es altamente improbable),
2. Prevenir la formación de mayorías absolutas (para que las empresas no se otorguen a un solo
dueño, así sea a un consorcio),
3. Preservar la industria nacional (regulando la política de compras de los monopolios privados),
4. No asegurar la rentabilidad (porque ello desalentaría la eficiencia).
5. Diseñar una nueva regulación antes de privatizar,
6. Restringir la participación extranjera (para evitar el efecto perjudicial en el largo plazo de las
remesas de utilidades)
principalmente, Inglaterra, Japão, França, Alemanha, Coréia e Canadá, com quem observaram déficits comerciais
alarmantes em equipamento de telecomunicações.
67
Hablamos del ascenso neoconservador de la mano de Margaret Thatcher en Gran Bretaña y Ronald Reagan en
Estados Unidos.
78
7. Privatizar por negociación directa sujeta a control parlamentario (ello implica no hacerlo por
licitación ya que mediante esta modalidad se congela el precio de la empresa)
8. Fiscalizar una vez privatizadas las empresas,
9. Adecuarse a las características propias del mercado (tanto del producto, cuanto geográfico (o
nacional) Cfr. Duarte, Marisa (2002),
Nos países europeus, diferente dos Estados Unidos, a estrutura tradicional do setor de
telecomunicações foi de monopólios estatais que administravam de maneira conjunta tanto as
telecomunicações quanto o correio, através das Postal, Telegraph and Telephone Administration
(PTT’s).
Nestes países, surgiram complexos de telecomunicações totalmente nacionalizados e quase
integrados verticalmente, já que as compras de insumos das PTT´s eram feitas de maneira a
promover o crescimento do setor de equipamentos (Fagundes, 1996).
Almeida (1994:61) mostra como vários países europeus apresentavam, semelhante aos Estados
Unidos, grupos de operadoras e empresas de equipamentos de telecomunicações quase
totalmente integradas: i) DBP (operadora) e Siemens (Alemanha); ii) Telelverkt e Ericsson
(Suécia); iii) Post Office e Plessey, GEC e STC (Grã-Bretanha); iv) France Telecom e Alcatel
(França); v) STET (grupo de operadoras), Italtel e outros fornecedores europeus (Itália).
A necessidade prioritária da União Européia, ao ser colocada a reestruturação do setor de
telecomunicações, era a de remover obstáculos como a abolição dos direitos especiais
concedidos por cada Estado às empresas públicas nacionais de telecomunicações, no marco de
um mercado comum.
Já em 1987, com a publicação do Green Paper, que tinha como objetivo estimular o
desenvolvimento de um mercado comum europeu para os serviços de telecomunicações e
equipamentos, começou a ser fomentada a estruturação de um plano de liberalização total dos
serviços e da infra-estrutura do setor, que culminaria na maioria dos países membros em 1998.
Em 1999, em vistas da rápida mudança tecnológica se fez uma consulta pública para revisar o
marco regulatório. O novo marco regulatório seria adotado pelo Parlamento Europeu em 2002 e
difundido por todo o território da União Européia em 2003.
Os objetivos principias do novo marco, conforme a European Comission (2000), são:
1) Promover a concorrência, que leva na direção do investimento, inovação e benefícios
para os usuários. O objetivo último da Comissão é conseguir um nível suficiente de
concorrência que permita reduzir ao mínimo a intervenção regulatória e deixar o mercado
79
se reger por suas próprias leis;
2) Promover os interesses dos cidadãos: serviço universal, proteção ao consumidor,
privacidade, resolução de conflitos;
3) Promover um único mercado europeu.
Quanto às autoridades regulatórias, já o Green Paper de 1987 determinava a obrigação de criar
entidades regulatórias nacionais cujas políticas e regras emanadas deveriam ser consistentes com
a lei da União Européia (Scott, 2002).
Estes objetivos regulatórios têm como marco os princípios a seguir:
1) A regulação baseia-se em objetivos políticos claramente definidos;
2) A regulação deve ser mantida ao mínimo, buscando o retiro gradativo da regulação ex ante –
baseada no marco regulatório de um setor específico- até que só seja necessária a aplicação de
regras gerais antimonopólio ex post;
3)A regulação deve equilibrar certeza legal e flexibilidade, por causa da rápida e imprevisível
mudança tecnológica;
4) A regulação deve buscar a neutralidade tecnológica, isto é, regular os mercados e não a
tecnologia;
5) Deve ser feita uma aproximação diferenciada entre regulação de conteúdos e de transporte. A
primeira refere-se à liberdade de expressão, pluralismo, diversidade cultural e inclusão social; a
segunda à concorrência justa e a eficiência econômica.
Estes princípios e objetivos básicos deram lugar ao novo marco regulatório aplicado em todo o
território da União Européia a partir de 2003.
QUADRO 2 –NOVO MARCO REGULATÓRIO
UNIÃO EUROPÉIA 2002
Temas Regulatórios Características principais
Concessão de Licenças Lei nacional que cubra direitos e obrigações sobre
serviços e redes, dando origem a uma autorização
geral suplementada por decisões regulatórias
relacionadas a direitos de uso de freqüências, para
uso de números, direitos de via, obrigações SMP,
obrigações de serviço universal.
Cota significativa de mercado Nova definição baseada no domínio, seja de uma ou
80
de mais empresas.
Mercados a serem regulados A regulação
ex ante
só será imposta em mercados
onde a concorrência não seja efetiva ou onde as
medidas legais
ex post
não são suficientes.
Interconexão Todos os operadores de rede devem negociar
interconexão. As condições serão reguladas para
operadores com cotas significativas de mercado.
Acesso Liberdade comercial para negociar acessos. Os
operadores com cotas significativas devem negociar
com as solicitudes de acesso em mercados
relevantes e podem estar sujeitos e outras
obrigações.
Proteção a consumidores Qualidade de serviço, qualidade de informação,
privacidade, padronização, proteção digital,
coordenação do espectro.
Serviço Universal Fornecer uma nima variedade de serviços com
uma qualidade específica a que todos os usuários
tenham acesso a um preço acessível.
e-Europe Construir uma sociedade da informação aberta,
democrática e inclusiva onde todos os cidadãos
possam estar integrados. Os campos de ação
incluem: Internet mais rápida, barata e segura;
investir nas pessoas e na informação para terem
acesso à rede digital; estimular o uso de Internet.
Fonte: AHCIET
3.3.2.3 Reino Unido: desregulação e privatização
Na Inglaterra, assim como praticamente em todos os países, as telecomunicações foram
historicamente monopólio público desde 1912 até 1981, período em que Post Office exerceu esse
monopólio.
A reestruturação ocorreu em 1981 com a expedição da Lei de Telecomunicações, por meio da
qual formaram-se duas organizações separadas: Post Office e British Telecom (BT). A esta
última lhe foram outorgadas faculdades para fornecer os serviços de telecomunicações, e a
primeira continuaria como responsável pelas telecomunicações postais e telegráficas. Além
81
disso, a mesma Lei estabeleceu medidas para iniciar o relaxamento do monopólio público do
serviço de British Telecom.
A Mercury Communications recebeu em 1982 uma licença para ser a segunda operadora da rede
pública e fornecer serviço telefônico nacional de voz e de dados junto com a BT. A maior
expansão do serviço desta empresa foi em agosto de 1983 quando o governo autorizou a própria
a fornecer serviço de comutação internacional. Em abril de 1983, a Mercury colocou a
disposição dos usuários serviços de telecomunicações na cidade de Londres e planejou a sua
expansão a todo o território do Reino Unido.
Em novembro de 1984, o governo privatizou 51% das ações da BT, permanecendo ainda como
acionista majoritário. Diferente do acontecido com a desintegração da AT&T, o governo inglês
privatizou sem desintegrar o monopólio, já que a BT foi vendida como uma unidade completa,
com suas atividades subsidiárias (Ruelas, 1995).
A partir do reconhecimento da posição dominante no mercado da BT, foi necessário um forte
regulador (Escritório de Telecomunicações, Oftel) para controlar o cumprimento das restrições
impostas à BT, criar um ambiente competitivo real e obter informação indispensável,
principalmente dos custos.
Quanto à regulação tarifária, a BT precisou cumprir desde novembro de 1985, por um período de
cinco anos depois da liberalização, com a fórmula para controlar os preços de chamadas locais
(local tariff reduction ou RPI), manter a obrigação de levar serviço universal
68
, atender
necessidades especiais da comunidade e desempenhar um comércio justo.
No que se refere a serviços de telefonia celular, introduzido em 1985, apesar de existirem várias
empresas, são duas as que dominam o mercado britânico, a Cellnet (BT-Securitor) e a
Vodaphone (Racal empresa produtora de equipamento).
A partir de 1991 foi promovida a entrada de outras empresas, através do documento Competition
and Choice: Telecommunications Policy for the 1990s. Por volta de agosto desse mesmo ano,
somente três empresas possuíam licença para prover serviço de telefone fixo de
telecomunicações no Reino Unido: BT, Mercury (agora subsidiária da Cable & Wireless); e uma
terceira empresa, a Kingston Communication plc., que possui licença para fornecer serviços em
uma área restringida em Kingston-Hull (Ruelas, 1995).
68
Serviços de telecomunicações na área rural, litoral, casetas públicas, serviços para deficientes, serviços de
emergência incluindo os marítimos; continuar com a instalação e manutenção de serviços básicos com cargos em
escala uniforme em todo o país. A cobertura geográfica abrange todos os lugares na área de licença, para todo o
usuário que o demande razoavelmente (Ferro e Celani, 2001)
82
Inglaterra é o segundo país industrializado que permite, ainda que limitada, a concorrência de
dois operadores públicos de rede para fornecimento de tráfego interno e internacional de voz e
dados. A concorrência foi introduzida nos serviços básicos e aos serviços de valor agregado ou
melhorados; passo que nem todos os governos europeus se atrevem a dar por medo a criarem
duplicação ou deterioração da rede básica. De maneira diferente dos Estados Unidos, permitiu
desde 1983 (colocando em prática até 1988) a concorrência no uso dos circuitos locais e
especificamente entre empresas telefônicas e as de televisão a cabo (Ferro e Celani, 2001).
Pires (1999), estabelece como a última etapa de liberalização, a que vem acontecendo a partir de
1997,que tem como objetivo central adequar o aparato regulatório ao da União Européia
(Competition Act, 1998). O foco passa a ser a adoção de políticas de defesa da concorrência, com
maiores poderes delegados a Oftel que em conjunto com a Office of fair Trading (OFT)
exercerão a aplicação da lei em práticas anticompetitivas, acordos e abusos de posições
dominantes no setor das telecomunicações.
3.4 Principais tendências na oferta internacional de serviços de telecomunicações
Apesar de que cada país tem peculiaridades no serviço de telecomunicações que são próprias, é
possível identificar algumas características básicas da estrutura emergente da oferta nos
principais países desenvolvidos.
3.4.1 Status das principais operadoras mundiais
O ranking das principias operadoras mundiais é liderado, de forma constante, pela empresa
japonesa de capitais privados NTT, assim como se observa no quadro a seguir. Em seguida,
aparecem empresas americanas, como AT&T, SBC e MCI Worldcom. Estas duas últimas subiram
aos primeiros lugares em poucos anos, deslocando as européias Deustche Telekom e BT.
QUADRO 3
OS 10 MAIORES OPERADORES DE TELECOMUNICAÇÕES NO MUNDO
Operador País Receita Total
(milh US$)
Rank.1990
NTT Japão 97953 =
AT&T E.U.A. 62391 =
SBC E.U.A. 49489 -
83
MCI WorldCom E.U.A. 37120 -
Deutsche Telekom Alemanha 35750
BT Inglaterra 34955
Bell Atlantic E.U.A. 33174 10º
China Telecom China 27539 -
France Telecom França 27344
Telecom Italia Itália 27229 -
Fonte: PTO Database- International Telecommunication Union (ITU) 2001
Porém, cabe ressaltar a queda da MCI WorldCom, no início do novo século, e os graves
problemas enfrentados por todo o setor americano de telecomunicações depois de 2001. O setor
viveu seu auge entre 1992 e 2001, quando dobrou sua importância na economia, proporcionando
duas terceiras partes dos novos empregos e um terço dos novos investimentos.
Segundo Morgan Stanley (cit in Stiglitz, 2003), entre 1997 e 2001 –em pleno auge do setor- os
investimentos foram de 65 bilhões de dólares no setor de telefonia. Se for observado o final de
período, só em 2001 os investimentos foram apenas de 4 bilhões. Em 2002, o cenário
apresentava meio milhão de pessoas demitidas e dois trilhões de capitalização perdida no
mercado de valores.
A respeito de outras empresas americanas, é de ressaltar que em 1990 três Baby Bells figuravam
entre as dez maiores operadoras (BellSouth, 7º; Nynex, 8º e Bell Atlantic,10º) e em 1999 só uma,
a Bell Atlantic, que subiu ao 7º lugar.
Quatro das empresas são européias, com a Telecom Italia ingressando pela primeira vez e as
outras três caindo do terceiro, quarto e quinto lugar ao quinto, sexto e nono lugar
respectivamente (Deutche Telekom, BT e France Telecom).
84
3.4.2 Penetração de serviços de telecomunicações
No que se refere ao grau de penetração de serviços de telecomunicações é importante destacar a
ampla brecha entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Em todos os
primeiros, a teledensidade –número de linhas telefônicas fixas e móveis- é maior que o número
de habitantes, ou seja, há mais de uma linha por habitante; já nos segundos nem sequer chega à
metade. Acontece o mesmo com serviços como Internet e telefones celulares.
QUADRO 4
Penetração de serviços de telecomunicações em países selecionados –2002-
País PIB per cápita
(em US$)
Teledensidade
cada 100 hab.
Celulares cada
100 hab.
Usuários de
Internet
cada 100 hab.
Japão 32554 119.49 63.65 4488.56
China 907 32.78 16.09 460.09
Estados Unidos 35401 113.4 48.81 5513.77
Reino Unido 23959 143.13 84.07 4230.98
França 22201 121.59 64.7 3138.32
Itália 18777 141.94 93.87 3524.37
Brasil 2959 42.38 20.06 822.41
México 6218 40.12 25.45 984.82
Peru 2071 15.23 8.62 934.62
Fonte: Database UIT, 2002.
4. Conclusões
Com o objetivo de proteger o consumidor do abuso de poder do mercado inerente à posição
monopolista das empresas nos setores de serviço de infra-estrutura (public utilities) e/ou
conseguir maiores niveis de penetração e universalização dos serviços, os preços dos serviços
prestados por essas empresas sempre foram objeto de regulação, seja através da nacionalização
das empresas atuantes nesses setores, seja pela criação de orgãos reguladores.
A incorporação de tecnologias baseadas na microeletrônica, computação e comunicações por
microondas, principalmente, abriu oportunidades para a incursão de empresas de alta tecnologia
no setor de telecomunicações, logo após a Segunda Guerra Mundial. Nos oitenta, a redução das
economias de escala no segmento de telefonia básica, a ampliação da gama dos serviços
85
oferecidos, o incremento e a diversificação dos canais através dos quais informação pode ser
transmitida (especialmente telefonia sem fio, televisão a cabo e Internet), e a internacionalização
das empresas operantes no setor ocasionaram desta forma o rompimento do monopoio natural
em alguns segmentos do mercado de telecomunicações e o questionamento a participação das
empresas públicas.
A própria redefinição da estrutura do mercado, questionando a participação direta do Estado,
abriu um leque de possibilidades de liberalização e privatização, acompanhada pelo
estabelecimento de uma estrutura regulatória efetiva, garantindo a concorrência onde for
possível, isto é, evitando restringir a diversidade. Em outras palavras, as telecomunicações são
marcadas pela desregulamentação parcial e pelo surgimento de novas estruturas de mercado.
Porem, a reestruturação do setor de serviços de telecomunicações não é um resultado passivo,
provocado por alterações exógenas nos parametros da estrutura de mercado diante das
transformações tecnológicas, regulatorias e mercadológicas. As mudanças nas estratégias das
firmas também provocam alterações no meio ambiente: o progresso técnico, o processo de
desregulamentação e as alterações nos padrões de demanda geram potencialidades técnico-
economicas que, no entanto, somente se concretizam ao serem exploradas através das estratégias
de competição das empresas –antigas e novas- do setor.
86
CAPÍTULO 4
EVOLUÇÃO DA INDÚSTRIA DE TELECOMUNICAÇÕES
ARGENTINA NOS ANOS NOVENTA:
DA PRIVATIZAÇÃO À DESREGULAÇÃO
1. Telecomunicações na Argentina: breve história institucional.
1.1 Surgimento do setor telefônico sob administração inglesa (1881-1929)
O surgimento do setor de telecomunicações na Argentina pode ser datado de 1881, quando a
primeira linha telefônica foi conectada, existindo desde o início três empresas privadas
estrangeiras: Societé du Pantelephone L. De Locht et Cie, de origem belga; Gower Bell, de
procedência inglesa; e Continental de Teléfonos del Río de la Plata
69
, subsidiária da Bell
Telephone Company, que operavam em um ambiente totalmente desregulado.
Em 1886, essas três empresas fusionam-se na Unión Telefónica del Río de la Plata (UTRP),
controlada por capitais ingleses, contando com 6.000 assinantes. Nas províncias, operavam
outras empresas com licenças provinciais ou municipais. Em 1º de março de 1886, realiza-se a
primeira comunicação de longa distância interurbana entre Buenos Aires e La Plata, e em 1888 é
inaugurada a linha telefônica a Chascomús
70
.
As primeiras experiências de regulação foram em 1904, quando o governo solicitou que as
empresas prestassem contas das suas atividades ao Poder Executivo Nacional, pelo fato de as
telecomunicações serem consideradas pelo governo como um “serviço nacional”, seguindo a
classificação dada aos serviços telegráficos em 1875.
O sistema de bateria central inicia na Argentina em 1905. A primeira central automática
Strowger instalou-se na cidade de Córdoba em 1914, e em Rosário em 1915. A empresa alemã
Siemens instalou, pouco tempo depois da Primeira Guerra Mundial, diversas centrais telefônicas
automáticas na Argentina (Secretaria de Comunicações, 2000).
Em 1916, é formada a Compañía Entrerriana de Teléfonos S.A –CET- e em 1927 a Compañía
Argentina de Teléfonos –CAT-, para prestarem serviços telefônicos em Mendoza, San Juan,
69
É interessante ressaltar que um dos diretores desta companhia, Theodore N. Vail, foi o responsável de transformar
a pequena Bell no conglomerado telefônico AT&T (Secretaria de Comunicações, 2000).
70
Por volta de 1925, as cidades mais distantes conectadas a Buenos Aires eram Mar del Plata, Tandil, Azul,
Pergamino e Rosario. Em 1925 começa a operar a linha Buenos Aires-Córdoba com amplificadores em Baradero,
Rosario e Jesús María. Mais tarde conectou-se Buenos Aires a Santa Fe, Bahía Blanca, Río Cuarto, Trenque
Lauquen e outras cidades do interior (Secretaria de Comunicações, 2000).
87
Tucumán, Salta e Santiago del Estero. Em 1923, Ericsson estabeleceu a primeira conexão
telefônica com a mesopotâmia por meio de um cabo sub-fluvial entre Santa Fe e Entre Ríos.
1.2 17 anos de administração norte-americana (1929-1946)
Em 1912 começam as operações de empresas norte-americanas no setor telefônico argentino,
quando a Western Electric Co. inicia a importação e instalação de equipamento telefônico na
Argentina. Em 1925, a ITT of America compra a CAT e depois a UTRP, em 1929.
Ao mesmo tempo, a empresa sueca Ericsson foi se consolidando em várias províncias. A
integração de redes entre empresas em nível nacional era muito precária. Para qualquer habitante
do país era possível fazer ligações a Europa sem problemas, mas em muitas províncias era
impossível comunicar-se com Buenos Aires.
Em 1936, através do decreto 91698, as questões sobre a concorrência federal em regulação
começaram a ser definidas a favor da nação. O governo federal determinou que todas as
empresas privadas do setor estariam operando com licenças “precárias”. A figura legal da
concessão, fornecida pelo governo federal, passava a ser requisito indispensável para regularizar
a situação das licenças precárias, as quais poderiam ser canceladas pelo governo federal a
qualquer momento, sendo uma real ameaça de expropriação (Beker et alii 2001).
Por volta de 1941, o número de assinantes telefônicos chega a 460.587 distribuídos conforme as
percentuais a seguir: UTRP, 89%; CAT 4%; CET, 3% e outros 4% (Secretaria de Comunicações,
2000)
1.3 Administração Estatal (1946-1990)
1946 será o ano que o governo de Juan Domingo Perón decide participar de forma direta no
setor, nacionalizando a UTRP
71
, criando a empresa denominada Empresa Mixta Telefónica
Argentina, transformando-se depois na Direção Nacional de Telefonia do Estado (Agência
Nacional de Telefonia), com 100% sob controle público e acompanhada de um extraordinário
crescimento no número de funcionários
72
. O Estado deixou de se limitar ao controle e
ordenamento das empresas telefônicas e passou a intervir diretamente na prestação e venda dos
serviços (Abdala e Spiller, 1999).
71
Decreto 9180 e Lei 12684.
72
O número de funcionários passa de 15.200 a 32.600.
88
Em 1953, Siemens ganhou uma licitação da EMTA para uma nova rede telefônica de longa
distância, que também incluía a transmissão de radiodifusão, televisão e canais telegráficos. O
núcleo estava composto por três enlaces de cabos coaxiais -1.200 km no total de Buenos Aires a
Rosario, Santa Fe e Cañada de Gómez no norte, Chivilcoy no oeste e Mar del Plata no sul.
Em 1956, a Agência Nacional transforma-se em ENTel, firma que de maneira progressiva
integrou um total de trinta e uma empresas provinciais de telecomunicações, em um longo
processo que culminou em 1969 em uma área de cobertura que abrangia dezessete províncias. As
cinco províncias restantes ficaram em mãos do grupo sueco Ericsson, sob a denominação de
CAT (Compañía Argentina de Telecomunicaciones) e CET (Compañía Entrerriana de
Telecomunicaciones), sobreviventes até 1992, quando foram adquiridas pela Telecom e
Telefónica.
Os serviços de longa distância internacional, por sua parte, eram oferecidos desde 1889 por
empresas privadas como Western Telegraph, Transradio International, Italcable e ITT
Comunicaciones Mundiales, permanecendo concentradas em mãos da ENTel em 1969, durante o
governo de Onganía.
Deste modo, durante mais de trinta anos, a partir do começo da nacionalização em 1946, a
indústria foi se integrando e concentrando com a denominação de empresa estatal. Persistindo
também as deficiências de cobertura da ENTel, apareceram em cena cerca de trezentas
cooperativas telefônicas ao longo de quase todo o país.
ENTel adoecia de problemas financeiros e administrativos que tinham repercussão tanto na
qualidade do serviço quanto no ritmo de expansão da rede. Apesar de desenvolver uma atividade
em expansão com aceleradas mudanças tecnológicas, a telefonia na Argentins não conseguia se
assentar como uma atividade potencialmente lucrativa, fundamentalmente porque a política de
preços estava desligada da atividade e era projetada sobre a base de outras necessidades, como
dito anteriormente.
Por volta de 1987 começaram as tentativas de desregulação com o propósito de atrair capitais
privados. Três decretos presidenciais de 1987 permitiam a entrada de operadoras privadas,
sujeita à autorização da Secretaria de Comunicações. Em 1988 foi lançada a licitação para uma
banda de telefonia celular em Buenos Aires, que foi ganha pela Movicom (Motorola, Bell South,
Citibank e empresas locais) entre quatro grupos concorrentes. Paralelamente, para a ENTel, o
governo radical optou pela seleção direta de um sócio que compartilhasse decisões em uma
89
empresa mista
73
que seria denominada “Telecomunicaciones de Argentina S.A.”, com direitos
monopólicos de exploração por vinte e cinco anos. O sócio escolhido foi Telefónica de España,
mas o acordo foi rejeitado pelo Congresso através de uma forte oposição do Partido Justicialista.
Outros setores exerceram ainda uma forte pressão: por um lado os sindicatos, em segundo lugar,
e o mais importante, importantes setores do “grande capital”, fundamentalmente fornecedores da
ENTel (Abeles et alii, op. cit.).
As permanentes mudanças de estratégia levaram a empresa -por volta de 1989- a um descontrole
econômico-financeiro. A freqüência com que as mudanças aconteceram durante décadas na
direção da empresa, a erosão das suas finanças, o pagamento de sobrepreços, a deterioração
sistemática da sua capacidade técnica e de suas estruturas internas, a dificuldade, nesse ambiente,
para realizar os planos de expansão que se fixavam e, inclusive, os conflitos entre grupos de
interesse e de decisão em torno da empresa, levaram à paralisia do seu desenvolvimento em
relação à expansão do serviço, tanto em quantidade quanto em qualidade.
2. Privatização para a eficiência?
Antes da privatização, a ENTel operava aproximadamente 3,3 milhões de linhas correspondentes
a mais de 90% do parque telefônico do país
74
. Nessa época, a Argentina possuía 8,8 de linhas
telefônicas para cada 100 habitantes, enquanto que a Espanha possuía 25. Existia uma média de
demora de 4 anos para conseguir uma nova linha e a correspondente a um conserto era de 14
dias.
2.1 Determinantes para a privatização
Antes de conhecer quais foram os determinantes da privatização da empresa pública de
telecomunicações, devemos saber quais eram os objetivos da empresa quando pertencia ao
Estado. ENTel era uma empresa –como a maioria das empresas públicas na Argentina- à qual
tinha sido designado um objetivo de produção conjunta: era responsável de fornecer de maneira
simultânea serviços de telefonia e emprego.
73
Telefónica de España ficaria com 40% das ações do monopólio estatal por 750 milhões de dólares, permanecendo
como responsável da gestão operativa e administrativa da empresa. O Estado argentino reteria 51% das ações e 9%
restante seria entregue aos trabalhadores da empresa.
74
Ericsson tinha 6% e o resto estava em mãos de cooperativas locais (Secretaria de Comunicações, 2000).
90
Esta situação de sobre-emprego estava acompanhada por um serviço de má qualidade, uma
enorme demanda reprimida e a necessidade urgente de importantes investimentos para
modernizar e ampliar a rede (Beker et al., 2001).
A regra principal para a reforma em telecomunicações deve ser incentivar a concorrência, dado
os avanços tecnológicos que estenderam o potencial para a concorrência no setor (Stiglitz, 1998).
Esta provê incentivos para investir e expandir serviços, maior eficiência e menores preços.
Contudo, foram criados na Argentina contratos de exclusividade e outras barreiras à entrada que
mantiveram durante quase uma década dois monopólios privados regionais. Ainda, a partir do
decreto 1185/90, o Poder Executivo Nacional (PEN) foi o encarregado de outorgar novas
licenças. A Comissão Nacional de Telecomunicações (CNT) só ficou como responsável de
emitir uma opinião. Isto equivale a dizer que o Estado –e não o regulador- teve uma alta
ingerência política sobre as decisões de ingresso à indústria (Abdala e Spiller, 1999), questão que
depois seria corroborada ao longo dos anos noventa através das licenças outorgadas (celulares,
satelital, cooperativas, etc.), e mais recentemente com o “Plano de Liberalização de
Telecomunicações”.
Compreender esta situação no seu espectro todo implica analisar a privatização da empresa de
telecomunicações desde seus prolegômenos. Para começar, no que se refere aos objetivos
procurados com a privatização da empresa, é claro que não se optou, como sugere a literatura
convencional –a qual apóia a privatização- pela melhora do desempenho da empresa,
racionalizar a sua gestão, nem colocar metas operativas sustentáveis, de maneira que pudesse
aumentar –a favor do fisco- o valor dos ativos a serem transferidos para o capital privado. O
governo se desentendeu de toda opção de racionalização da empresa, contra um dos objetivos
declarados referidos a sua privatização: aliviar o afogamento fiscal maximizando o valor da
venda das empresas públicas a serem transferidas ao setor privado.
Segundo Abeles et alii, à margen da perspectiva fiscal, o objetivo principal perseguido pelo
governo com a privatização da ENTel era contar com o apoio do poder econômico local e
internacional, e consolidar o consenso social em torno da necessidade de privatizar a empresa.
Era necessário enviar fortes sinais aos mercados internacionais para “comprar credibilidade”, a
fim de viabilizar a saída do processo hiper-inflacionário e a conquista da estabilização macro-
econômica (Beker et al., 2001).
A rapidez da privatização é observada por diferentes autores de maneira sumamente divergente.
Para Abdala e Spiller (1999), dada a envergadura da empresa, o governo optou pela rapidez na
91
execução para minimizar os riscos de oposição. Gerchunoff e Canovas (1995) explicam o caráter
integral e absoluto da desestatização e a celeridade do processo como forma de não exibir
nenhum sintoma de vacilação diante do objetivo concreto de “ganhar credibilidade diante da
comunidade de negócios”. Neste sentido, a privatização da ENTel torna-se um caso testemunha
das privatizações da Argentina e o primeiro grande sinal a favor do ingresso de capitais sob a
forma de investimento direto (Celani, 2000).
Abeles et alii têm uma visão mais ampla e atribuem a velocidade do procedimento aos prazos
impostos pelo governo e os organismos internacionais para impulsionar o que eles chamam de
“mascarón de proa”
75
para abrir caminho às outras privatizações:
“Con la venta de la empresa telefónica estatal quedaría demostrado que la banca acreedora externa
y los grupos empresarios internos podían dejar de disputarse los recursos absorbidos por el Estado
argentino y asociarse en la adquisición de los activos estatales probando... que la adquisición de
las empresas públicas podía operar como prenda de paz en la superación del conflicto precedente.
La enajenación de ENTel se erigía como una prueba tangible de que el conflicto de intereses que
había desembocado en la crisis hiperinflacionaria podía ser resuelto a favor de las dos principales
facciones contendientes...”
(Abeles et alii, 2001: 47)
Basualdo et alii (2002) atribuem tanto a rapidez como o grau de alcance das privatizações
76
na
procura por uma mudança radical na imagem do peronismo. Cabe ressaltar que pelo que
significou historicamente este partido na Argentina, a única forma de consolidar o programa
econômico –e o menemismo no poder- era obtendo o apoio simultâneo dos grandes grupos
locais (nacionais e estrangeiros) e dos credores externos. Nada melhor para conseguir esta
mudança de imagem, que entregar parte substancial do Estado, ou nas palavras dos autores,
“su porción más rica –por las potencialidades que ofrecía-, como eran las empresas públicas... ello
se pudo conseguir con un amplio programa de privatizaciones, con múltiples deficiencias en lo
económico (subvaluación de activos, concentración de la propiedad, inexistencia de marcos
regulatorios), pero altamente exitoso en lo político”
75
Os autores fazem referência a um artigo do Banco Mundial The Flagship Role of Telecom Privatizations- que
destaca o caráter estratégico que a venda do monopólio estatal de telecomunicações assume no início de um
programa de privatizações de maior alcance.
76
Entre 1990 e 1994 na Argentina foram privatizados a empresa petrolífera fiscal (a maior empresa do país quanto
ao faturamento), o transporte ferroviário de carga e de passageiros, a empresa estatal responsável pelos serviços de
transporte e distribuição de gás natural, as principais firmas estatais de geração, transmissão e distribuição de
energia elétrica; a Empresa Nacional de Telecomunicações; Aerolíneas Argentinas, os estaleiros, empresas
siderúrgicas e petroquímicas de propriedade estatal, a administração portuária nacional, emissoras de rádio e
televisão.
92
2.2 Prolegômenos da privatização da ENTel
A experiência frustrada do governo radical em matéria de privatização deixou uma série de
ensinamentos cruciais para o novo governo, entre os quais ressaltava a necessidade de considerar
os interesses dos fornecedores locais da ENTel e da importância que ganhava neutralizar os
obstáculos que os sindicatos pudessem assumir e, especialmente, um exaustivo tratamento
parlamentar (Abeles, 2001). Hill e Abdala (1993) estabelecem que instrumentar tanto o processo
de licitação quanto as reformas institucionais através de decretos, ao invés de procurar um
consenso para uma lei que enquadrasse o funcionamento do setor, seria afinal mais arriscado: os
decretos eram mais fáceis e rápidos de instrumentar, apesar de, certamente, mais fáceis de
reverter.
O governo do Dr. Menem, conhecendo o risco parlamentar ao qual deveria se enfrentar
77
e o
tentando neutralizar, criou duas leis chaves que lhe outorgariam ao Poder Executivo Nacional
(PEN) a soma do poder público, no que se refere ao patrimônio público estatal.
Trata-se das leis da Reforma do Estado e de Emergência Econômica
78
. A Lei da Reforma do
Estado (23696) autorizava a privatização da maioria das empresas produtoras de bens ou
serviços de propriedade estatal, entre as quais se encontrava a ENTel. Além disso, essa lei
habilitava a usar o mecanismo de capitalização de dívida como forma de pagamento na
transferência das empresas estatais. A Lei de Emergência Econômica (23697), por sua vez,
outorgava poderes extraordinários ao PEN em função dos quais ele podia legislar prescindindo
do Congresso Nacional.
Desta maneira, todas as instâncias legais referidas à pré e pós-privatização foram resolvidas
através de decretos do PEN, fundados nos poderes concedidos pelas leis citadas do Congresso
Nacional. Sob esse enquadramento, de decisão hegemônica, é realizada a transferência da
ENTel, uma das empresas mais prezadas do Estado argentino
79
.
Sob a lei da Reforma do Estado, a intervenção da ENTel tinha como objetivo principal sanear
financeiramente a empresa e deixá-la em condições para a privatização (Beker et alii, op. cit.),
inclusive deixando de lado importantes aspectos de sua operação normal, que na leitura de
77
Lembrando que foi o Partido Justicialista, representado pelo Dr. Menem, quem se opôs à primeira tentativa de
privatização no governo do Dr. Alfonsín.
78
A ausência de oposição foi devida a um acordo entre o Partido Justicialista e a União Cívica Radical, no qual o
segundo se comprometia a não obstaculizar o tratamento parlamentar dos projetos que o PEN remitisse ao
Congresso Nacional.
79
As duas empresas em que a ENTEL foi subdividida (Telefónica de Argentina e Telecom Argentina) tomadas
conjuntamente, passariam a ocupar desde o ponto de vista de faturamento e lucros o segundo lugar em importância
na economia argentina, depois da petrolífera YPF (também privatizada durante o governo de Menem).
93
Abeles “constituyó un nuevo acicate en relación con la aceptación social de la enajenación de
ENTel”
80
.
Um segundo problema a ser enfrentado com o objetivo de fazer rentável a aquisição da
telefônica estatal, segundo Abeles (2001), era “disciplinar” o poder sindical dos trabalhadores
que se agrupavam em um único sindicato (a Federação dos Trabalhadores e Funcionários da
Telefonia da República Argentina, FOETRA). O problema potencial colocado pela frente
sindical abrangia duas questões: uma provável obstaculização da privatização e o grande número
de funcionários da empresa, um condicionante da taxa de retorno de investimento que poderia
deixar vago o concurso público internacional para a transferência da ENTel.
Neste sentido, a estratégia governamental para socavar a força sindical
81
se baseou nas questões
a seguir:
O “cooptação” do titular da FOETRA, sendo nomeado Subsecretário das Comunicações;
regulamentação do direito constitucional de greve na área de serviços públicos e severas
limitações às medidas de protesto (decreto PEN Nº 2184/90);
perda de benefícios para os funcionários da ENTel: aumento da jornada de trabalho,
suspensão do regime de estabilidade no emprego, perda de desconto de 75% da tarifa
telefônica (decreto PEN Nº 1757/89);
expulsão de pessoal, sob diversas modalidades: demissões-represália, plano de demissões
incentivadas e aposentadorias por idade ou tempo de serviço
82
;
a inclusão, no marco do processo de transferência da empresa, de um Programa de
Propriedade Participada, pelo qual era transferido aos trabalhadores 10% da empresa.
2.2.1 O Caderno de Encargos de Privatização
83
80
Durante 1990 foram habilitadas 70% menos de linhas comparando com o ano anterior e aumentou a relação entre
linhas instaladas e foram incrementadas as linhas liberadas ao serviço, mostrando um número importante de linhas
instaladas mas não habilitadas. Assim, o número de usuários fora de serviço registrou um nível de 6% quando o
normal até o momento era 2%. Também foi descuidado o plano de obras e a manutenção do serviço que provocaram
demoras na habilitação e conserto de linhas.
81
Deve ser lembrado que o Estado era dirigido por um governo peronista, tradicionalmente próximo ao movimento
sindical, o que implica um rompimento histórico de apoio ao sindicalismo.
82
O número de funcionários que tinha se mantido estável, em torno de 47.000 durante os anos oitenta, diminuiu para
41.000 no momento da transferência da empresa. Em 1999, as duas empresas licenciatárias tomadas conjuntamente
empregavam um pouco mais de 19.000 funcionários.
83
A seção a seguir baseia-se, especialmente, em uma análise do decreto do PEN Nº 731/89, considerado o “decreto
mãe” na privatização da ENTel e suas modificações, decretos Nº 59/90, 60/90, 61/90 e 62/90.
94
A maior parte dos aspectos que explicam que a privatização da ENTel transformar-se-ia em um
dos negócios mais rentáveis dos anos noventa
84
são definidos durante o período compreendido
entre a elaboração do “Caderno de Encargos para a Privatização”, que acontece no final de 1989
e a assinatura dos contratos de transferência da empresa aos consórcios adjudicatários, no final
de 1990.
Para Abeles (2001) o Caderno de Encargos determina integralmente o fenômeno que
desencadeará, na sub-avaliação dos ativos transferidos ao capital privado, a absorção dos
passivos da empresa telefônica estatal por parte do Estado e a política de regulação tarifária.
Beker et al (2001) enfatizam que no caderno de encargos mencionado a concorrência tinha uma
função mínima. O futuro desenvolvimento da concorrência só merecia uma declaração de
intenções para depois de vencido o prazo de exclusividade, sem existir o menor planejamento.
Abdala e Spiller (1999) encontram também que os contratos de transferência contêm várias
cláusulas destinadas a determinar o risco empresário. Entre elas, destacam-se a estabilidade
tributária, a compensação por controle de preços, liberdade para fixar cargos por moratória e até
um procedimento de ajustes de tarifas por acontecimentos extraordinários e imprevisíveis (em
particular, para proteger-se da inflação externa).
Desta maneira, a estrutura do mercado das telecomunicações que emerge como resultado da
privatização da ENTel e posteriormente, ao se extinguir o período de exclusividade, vai ser
fortemente condicionado pelos aspectos determinantes da privatização.
O Caderno de Encargos para a Privatização e o concurso público internacional para a
privatização do serviço de telecomunicações, aprovado em janeiro de 1990, foi o marco legal da
venda de ENTel e forneceu um esquema regulatório para a prestação do serviço telefônico.
Os principias items de caderno de privatização foram os seguintes:
Cada consórcio que participasse da licitação devia ter uma operadora com experiência
internacional na prestação de serviço telefônico
85
, o qual devia ter uma participação acionária
de pelo menos 10% do capital social. Como requisitos financeiros, a operadora principal
devia possuir um patrimônio mínimo de US$ 1,5 bilhão, enquanto que para o consórcio no
total o requisito mínimo era de US$ 4 bilhões. A operadora passava a ser responsável pela
84
Como será analisado posteriormente, a exploração do serviço telefônico na Argentina foi um dos negócios mais
rentáveis da década de noventa dentro da própria área das telecomunicações em escala internacional.
85
Devia ser demonstrada uma capacidade instalada de 1.500.000 linhas em funcionamento, com 98% de eficiência
nas ligações feitas, 80% dos serviços de informação respondidos em 10 segundos, um dia de demora como média no
serviço de conserto e 15 dias na instalação dos assinantes locais.
95
administração do negócio, com plenos poderes operacionais, através de um contrato de
gerenciamento assinado com os outros integrantes do Consórcio.
Definia-se como serviço telefônico básico o fornecimento de enlaces fixos de
telecomunicações que fazem parte da rede telefônica pública, ou que estão conectadas a essa
rede, e o fornecimento através destes meios do serviço de telefonia urbana, interurbana e
internacional de viva voz. Para a prestação deste serviço estabeleciam-se duas regiões: Norte
e Sul, as quais dariam origem às sociedades licenciatárias. Por meio de uma segmentação –
que incluiu a separação da área urbana de Buenos Aires em duas áreas- pretendia-se fomentar
uma “concorrência por comparação”.
Os consórcios licitavam por 60% do pacote acionário das empresas que surgiram da divisão
regional do fornecimento do serviço básico; e 40% não vendido às sociedades licenciatárias
seria colocado nos seguintes destinos: em oferta pública, através do mercado de valores,
25%; aos funcionários das empresas, 10%; e às pequenas cooperativas locais, 5%.
A SPSI ia ser a titular da licença para a prestação de serviços internacionais. Através dela, as
sociedades licenciatárias desenvolveriam todos os negócios e atividades de serviço
internacional. Desta maneira, as ações em SPSI designadas a cada sociedade licenciatária não
poderiam ser transferidas de nenhuma maneira durante o período de exclusividade, sem
autorização da autoridade reguladora.
Em regime de exclusividade, esta sociedade prestaria os seguintes serviços:
a) telefonia internacional;
b) telefonia internacional para assinantes preferenciais;
c) dados internacionais, telex internacional e enlaces ponto a ponto internacionais arrendados
para telefonia, transmissão de dados, e/ou serviços de valor agregado.
A SSEC não podia ampliar nem modificar o seu objeto social nem mudar seu endereço fora
da República Argentina. Até a data da posse, seria a titular das licenças necessárias para a
prestação dos seguintes serviços:
a) telex nacional;
b) dados nacionais (ARPAC);
c) rádio móvel marítimo.
Serviço de radiocomunicações móvel celular (SRMC)
As sociedades licenciatárias não estavam habilitadas para participar do primeiro concurso para a
primeira banda em uma área determinada para a exploração do SRMC. Se não fosse efetuada
96
nenhuma adjudicação, as sociedades licenciatárias poderiam participar em um segundo
concursos para a primeira banda nessa mesma área. Neste caso, dispunha-se do seguinte:
a) Se a sociedade licenciatária não resultasse adjudicatária dentro do segundo concurso, tinha
direito, durante o segundo ano contando desde a data de entrega da primeira licença ou
desde a posse, de lhe ser adjudicada a segunda banda nessa área, nas mesmas condições que
regeram para a primeira banda nessa mesma área.
b) Se a sociedade licenciatária resultava adjudicatária, não tinha direito para solicitar que fosse
chamada, nem para participar no concurso que fosse realizado para a segunda banda nessa
área.
Enlace ponto a ponto arrendado para serviço de telefonia.
Durante o período de exclusividade, as sociedades licenciatárias e os titulares dos enlaces
autorizados iriam conveniar os termos e condições da conexão desses enlaces às redes das
sociedades licenciatárias. Os autorizados para instalar enlaces ponto a ponto para o serviço de
telefonia unicamente podiam utilizá-los para uso privado.
Obrigações de prestação de serviço básico telefônico.
Cada sociedade licenciatária na sua região devia cumprir mínimos planos de serviços públicos e
semi-públicos. Era obrigatório não desconectar a nenhuma população do serviço nacional via
satélite.
Metas a serem cumpridas pelas sociedades licenciatárias e o período de exclusividade.
As companhias tinham uma licença exclusiva de exploração do serviço por sete anos desde a
data de transferência, ainda que se algumas metas adicionais fossem cumpridas, o período se
estenderia por mais três anos. A seguir são descritas as metas obrigatórias:
a) Penetração de rede: o número de linhas comutadas em operação a fornecer em cada
província;
b) Cargo por instalação e investimentos a serem feitos;
c) Melhorias na prestação do serviço: eficiência nas chamadas, eficiência nos serviços da
operadora, incidência de falhas na rede telefônica.
As metas não obrigatórias do serviço eram fixadas sobre o parâmetro de incidência de falhas de
telefones públicos automáticos (TPA) em função do número de problemas consertados nas
estações de TPA para cada cem estações e demoras em consertar estações de TPA. O
cumprimento das metas não obrigatórias seria valorizado pela Autoridade Reguladora, no
momento de aplicar sanções e como antecedente geral de desempenho.
97
As sociedades licenciatárias, a SPSI e a SSEC deviam interconectar suas redes, segundo as
precauções estabelecidas pela Autoridade Reguladora, com o objetivo de assegurar a
continuidade, expansão e qualidade dos serviços.
Era proibido às sociedades licenciatárias utilizar os ingressos procedentes do serviço
telefônico básico de caráter nacional para subsidiar os serviços da SPSI ou dos serviços em
regime de concorrência.
Era proibido à SPSI utilizar os ingressos procedentes dos serviços que prestasse para
subsidiar os serviços em regime de concorrência.
2.3 O processo de adjudicação
Os condicionantes impostos pelos requisitos de capacidade instalada e recursos financeiros
restringiram fortemente o ingresso de potenciais ofertantes a concursos e operaram, na prática,
como importantes barreiras ao ingresso do processo licitatório (Abeles, 2001). Somado a isto,
desde a publicação do Caderno de Encargos até a data de transferência, aconteceram várias
modificações às condições de venda, especialmente a respeito do esquema de regulação de
preços, “estas desprolijidades le restaron credibilidad al gobierno; y el costo de esto se manifestó
a través de la notable disminución de los participantes de la licitación por las dos licencias”
(Abdala e Spiller, 1999: 45).
As operadoras internacionais que estavam interessadas na privatização, enviando antecedentes,
foram sete
86
. Após a avaliação das propostas por parte do governo, só três consórcios resultaram
selecionados para concorrer pela aquisição do monopólio estatal, integrados pelas seguintes
empresas:
Consórcio 1: Telefónica de España (através da sua controlada Telefónica Internacional),
Citibank (através do Citicorp Venture Capita) e com os grupos locais, Perez Companc
(através da Inter Rio Holding Establishment), Soldati e Techint (através da investidora
Catalinas). Este consórcio apresentou as melhores ofertas por ambas as regiões: US$ 2,72
bilhões em títulos de dívida externa argentina pela Região Sul e US$ 2,308 bilhões pela
Região Norte.
86
Cable & Wireless (Grã-Bretanha), Nynex Corp. (Estados Unidos), Telefónica de España, GTE Corporation
(Estados Unidos), Stet Societá Finanziaria de Italia (junto ao Banco Morgan), France Telecom (através da sua
controlada France Cable et Radio) e Bell Atlantic (Estados Unidos).
98
Consórcio 2: Bell Atlantic, Manufactures Hanover, Cititel, Blaston Trading Siar, Cofipa,
Cadipsa e Welbers Insúa. Este consórcio propôs pagar US$ 2,228 bilhões em títulos de
dívida pela Região Norte e não apresentou ofertas pela Região Sul.
Consórcio 3: Stet Societá Finanziaria, France Cable et Radio, Pérez Companc (através da sua
controlada Cía Naviera Pérez Companc) e o banco Morgan. A proposta deste consórcio foi
de US$ 2,1 bilhões em títulos de dívida externa pela Região Norte e US$ 2,303 bilhões pela
Região Sul.
O consórcio encabeçado pela Telefónica de España, que foi o vencedor em ambas as regiões,
optou pela adjudicação da Região Sul
87
, pagando, além do valor mencionado em título de dívida,
US$ 114 milhões em dinheiro. Como conseqüência, a região Norte foi adjudicada ao segundo
consórcio em ordem de mérito da licitação dessa região: o liderado pela Bell Atlantic em
associação com o Manufacturers Hanover Bank. Porém, este banco não pôde reunir a tempo os
títulos da dívida que devia entregar ao Estado Argentino. Por esse motivo, o governo resolveu
que o adjudicatário seria o consórcio liderado pela Stet France Telecom. Este consórcio pagou
US$ 100 milhões em dinheiro e US$ 2,308 bilhões em títulos de dívida (a valor nominal).
Abeles (2001) oferece um enfoque alternativo a respeito da adjudicação do setor Norte a Stet
France Telecom. Analisando a formação dos consórcios ganhadores, observa-se que em ambos
os dois estão os mais importantes conglomerados empresários argentinos (Pérez Companc e
Techint), enquanto que no consórcio liderado pela Bell aparecem conglomerados nacionais
menores (Welbers Insúa e Bracht) de pouca relevância e significação econômica, comparando
com os primeiros. Isto colocaria em evidência, segundo o autor, “la necesidad que tuvo el capital
extranjero –sea financiero o vinculado a las operadoras internacionales del servicio- de asociarse
a la elite económica local como forma de participar en dicho proceso de privatización”
88
.
Os grupos econômicos nacionais participantes tenderam a contribuir com uma importante cota de
lobbying doméstico (Basualdo, 2002), e como principais provedores do setor (Pérez Companc e
Techint) conseguiram integrar verticalmente seus processos produtivos.
QUADRO 1
Composição acionária de Cointel (60% da Telefónica de Argentina)
87
Potencialmente mais rentável, ao abranger a city financeira, ou micro-centro, da cidade de Buenos Aires.
88
Ainda, chama a atenção o fato de que tanto os grupos mencionados, Techint e Pérez Companc, junto com outros
de igual relevância (Acíndar, Astra, Loma Negra, Grupo Clarín, Macri, Werthein), foram os principais beneficiários
do amplo programa de privatizações implementado durante o governo do Dr. Menem (ver Basualdo, 2002) .
99
Empresa (% de participação) Origem/Grupo
Banco Río de la Plata (15.26%) Pérez Companc (Argentina)
Investidora Catalinas (8.3%) Techint (Argentina)
Sociedad Comercial del Plata (5.2%) Soldati (Argentina)
Citicorp Venture Capital (20%) Citicorp Equity Investments
Telefónica Internacional Holding BV (10.1%) Espanha
Banco Central de España (7.04%) Espanha
Banco Hispanoamericano (5%) Espanha
Manufacturers Hanover (4.33%) Estados Unidos
Bank of New York (4.16%) Estados Unidos
Southtel Equity Corporation (4.22%) Estados Unidos
Bank of Tokio (4.16%) Japão
Zurich Ltd. (4.16%) Suiça
Arab Banking Corporation (3.4%) Arábia
Outros (4.67%)
Fonte: dados de CNC e SECOM
Desde uma perspectiva estrutural, assim como é possível perceber nos quadros 1 e 2, a
composição acionária dos consórcios controladores da Telefónica de Argentina (Cointel) e
Telecom Argentina (Nortel) apresenta em ambos os casos a coexistência de uma operadora
internacional, de um ou vários operadores financeiros internacionais, com predomínio dos
credores externos, e finalmente, um ou vários conglomerados empresários com uma forte
presença no país.
QUADRO 2
Composição acionária da Nortel (60% da Telecom Argentina)
Empresa (% de participação) Origem/Grupo
Stet Societá Finanziaria (32.5%) Telecom Italia (Itália)
France Cable et Radio (32.5%) France Telecom (França)
Compañía Naviera Perez Companc (25%) Perez Companc (Argentina)
J.P. Morgan (10%) Estados Unidos
Fonte: dados de CNC e SECOM
100
Em definitiva, pela venda de 60% da ENTel (ambas regiões) foram arrecadados US$ 214
milhões em dinheiro e US$ 5,028 bilhões em títulos da dívida externa a valor nominal. Se tomar
a cotação do mercado, naquela época, em torno de 15% de seu valor nominal, a quantidade de
títulos que o governo argentino recebeu acreditou ser um investimento, por parte dos
adjudicatários, de aproximadamente US$ 750 milhões de títulos, o que somado ao dinheiro em si
resulta em um investimento de US$ 1 bilhão por 60% dos ativos da ENTel. Deve ser lembrado
que o valor técnico dos ativos a serem privatizados tinha sido estimado, de acordo com as
avaliações estimadas pelo Banco Nacional de Desarrollo (BANADE) com a assessoria de várias
consultoras privadas, em aproximadamente US$ 3,2 bilhões, ou seja, US$ 1,92 bilhão por 60%
do pacote acionário (Coloma et alii, 1994).
A sub-avaliação dos ativos transferidos ver-se-ia refletida quando, em dezembro de 1991 e
março de 1992, pôs-se à venda no mercado de valores 30% restante das ações da ex ENTel: por
esse remanescente foi arrecadada uma soma de U$S 2,507 bilhões, mais do dobro do que
arrecadado com a venda inicial de 60%.
A empresa foi transferida sem passivos ao setor privado, assumindo o Estado argentino –através
da chamada ENTel remanescente- a dívida da empresa, tanto externa quanto interna. Esta última
por volta dos 500 milhões de dólares e na sua maioria devia-se a dívidas contraídas pela empresa
com os seus fornecedores: Siemens, Pecom Nec (do grupo Pérez Companc), e Telettra e Italtel –
vinculadas ao grupo Techint-.
2.4 A Regulação do Setor de Telecomunicações na década de noventa
Assim como colocam Abdala e Spiller (1999), para a regulação pós-privatização funcionar de
maneira adequada é necessário um fino equilíbrio entre a estabilidade da política que possibilitou
a reforma e a flexibilidade requerida para responder às mudanças contingentes de circunstâncias
e tecnologias.
A debilidade institucional pode provocar desequilíbrios a favor do oportunismo governamental,
facilitando decisões que privilegiem os interesses de curto prazo –de qualquer índole- depois dos
interesses da sociedade.
A criação de instituições da regulação é um elemento central para avaliar o sucesso da
privatização e a sua sustentabilidade no tempo. Seguindo Levy e Spiller (1996) a regulação pode
ser vista como um desenho de dois componentes principais: as regras de conduta da regulação
101
(regulatory governance ou contractual governance institutions, na denominação de Williamson,
1985) e os incentivos da regulação (regulatory incentives).
Pelas regras de conduta da regulação compreendem-se os mecanismos que uma sociedade utiliza
para conter as tentativas discricionárias dos reguladores e para resolver os conflitos entre
reguladores e empresas reguladas. De uma maneira mais genérica, Ferro (2001) denomina esta
questão como “estabilidade política” e a define como o risco mínimo de mudanças substanciais
na forma em que o governo trata os investimentos.
A estrutura de incentivos da regulação, por sua vez, compreende as normas específicas referidas
ao sistema de preços, subsídios, política de concorrência e entrada ao mercado, e regras de
interconexão. Este problema de incentivos pode ser denominado como “risco regulatório”
(Ferro, 2001) ou “risco preço” (Abdala e Spiller, 1999).
GRÁFICO 1 – Opções de desenho da regulação
Características institucionais básicas
Poder Executivo, Poder Legislativo e sua interação
Poder Judicial para a solução de conflitos
Padrão de conflitos sociais
Normas informais
Incentivos d
a
regulação
“risco
p
re
ç
o”
Regras de
conduta da
regulação
Desempenho
empresa
re
g
ulada
As regras de conduta e os incentivos de regulação são variáveis de escolha dos governos que
resolveram fazer reformas do Estado. Esta escolha, não obstante, está restringida pelas
características institucionais básicas do país e setor do qual se trate (institutional endowment).
A presente seção tem como objetivo analisar o desenho da regulação, tanto nos aspectos
referentes às regras de conduta da regulação, quanto os incentivos da mesma. O próximo
capítulo será dedicado ao estudo do desempenho das empresas de telecomunicações na
Argentina, desde o momento da privatização em diante.
102
2.4.1 Regras de conduta regulatória introduzidas com a reforma de 1990 (regulatory
governance)
A privatização da ENTel na Argentina introduziu o conceito de regulação na prestação de
serviços públicos. A percepção de diferentes autores é que o governo nacional argentino deu
muito mais atenção à maneira de como fazer atraentes e de como terem sucesso as transações de
privatização do que deu ao problema das regras da regulação e suas instituições específicas
89
. A
privatização foi realizada sem nenhum marco regulatório nem organismo regulador aprovados
por lei. Seu lugar é ocupado por uma sucessão de decretos e regulamentações
90
que foram
surgindo como resposta a circunstâncias conjunturais e orientaram o funcionamento do setor.
Este acúmulo de decretos do Poder Executivo Nacional (PEN) e as normas emanadas, depois da
adjudicação da empresa pública, pela Comissão Nacional de Comunicações (anteriormente
Comissão Nacional de Telecomunicações) e a Secretaria de Comunicações são a base da
regulação das telecomunicações na Argentina. Estes organismos de regulação e controle
supervisionam o cumprimento por parte das empresas operadoras das metas qualitativas e
quantitativas de prestação do serviço fixadas no caderno de encargos licitatório, assim como
estabelecer os padrões técnicos e de serviço, e resolver os conflitos que possam se apresentar
entre as empresas e os usuários.
O “Caderno de Encargos para a Privatização do Serviço Público de Telecomunicações”, junto
com os contratos de referência são as referências legais básicas para o cumprimento das
condições da privatização. Os contratos de transferência contêm várias cláusulas destinadas a
determinar o risco empresário.
Cabe mencionar que a autoridade regulatória teve um nascimento deficente e um funcionamento
no mínimo acidentado. O decreto de criação da Comissão Nacional de Telecomunicações (CNT)
apareceu só no final de junho de 1990 e sua instrumentação efetuou-se depois da transferência da
ENTel ao setor privado. Como resultado foi formado um setor que funcionou com condições de
89
Segundo as palavras de Rausch (1995:6): “Debido a la rapidez y envergadura del proceso privatizador... algunas
veces, la capacidad regulatoria estuvo rezagada o la carga regulatoria fue pesada, creando serios desafíos a los
entes”.
90
O Caderno de Encargos de privatização (dec. 62/90) e suas modificações; o decreto 1185/90 de criação da
Comissão Nacional de Telecomunicações; os contratos de transferência entre Estado e sociedades licenciatárias
(dec. 2332/90); decreto 2585/91 que estabelecia a dolarização de tarifas e assentava as bases da futura reestruturação
tarifária; decreto 92/97 que estabeleceu o “rebalanço” tarifário; decreto 264/98 de desregulação das
telecomunicações; decreto 266/98 que modifica o Regulamento Nacional de Interconexão; a resolução 16200/99 da
Secretaria de Comunicações que estabelece o Regulamento Geral de Licenças e o Plano Nacional de Licenças; a
resolução 18971/99 que estabelece o Regulamento Geral do Serviço Universal; decreto 465/00 de desregulação
plena dos serviços de telecomunicações; o decreto 764/00 onde é fixado o novo marco regulatório.
103
grande incerteza e conflito na resolução de diferendos (Beker et al, 2001), o que seria
manifestado com particular intensidade em relação a um aspecto medular da regulação setorial: o
das tarifas telefônicas.
A autoridade de regulação inicial no setor foi conferida à Secretaria de Comunicações, sob o
domínio do Ministério de Obras Públicas. Isto mudou em junho de 1990 com a criação da
Comissão Nacional de Telecomunicações (CNT).
Seguindo o esquema de organização inglês, o governo decidiu a criação de um órgão regulador
específico para a regulação, supervisão e controle do setor, assim como também para a
prevenção de condutas anti-competitivas.
QUADRO 1
Principais características da CNT
Composição Cinco diretores escolhidos pelo PEN, com um mandato de
cinco anos
Dependência funcional Ministério do Obras e Serviços Públicos
Controle Externo Procuradoria Geral da Nação
Controle de Gestão SIGEN
Aprovação do orçamento Congresso Nacional
Financiamento Direitos, tarifas, taxas específicas com que o setor se grava.
Excedente de receita Desenvolvimento do setor de telecomunicações
Fonte: Elaboração própria baseada em dados da CNC
2.4.2 A prática do regulador (regulatory practice)
As marcas de debilidade da CNT durante 1990 e 1991 são comentadas por vários autores.
Coloma et alii (1992), Abdala e Spiller (1999) e Urbiztondo (1999) detalham várias destas
debilidades, que de maneira resumida são apresentadas a seguir:
a) Ao renegociar as cláusulas de indexação implícitas no contrato com a chegada da Lei de
Conversibilidade, o governo optou pela negociação das LSB diretamente com o Ministério
da Economia, Dr. D. Cavallo, realizando um “by-pass” à CNT, o que tirou credibilidade;
b) Demora de seis meses para permitir o aumento das tarifas à CAT, o que obstaculizou a
aquisição dessa companhia por parte da Telefónica de Argentina e Telecom Argentina;
c) Falta de instrumentação e avanço no rebalanço de tarifas previsto no Caderno de Encargos;
104
d) Falta de desenvolvimento de padrões e processos para emitir licenças a cooperativas
telefônicas e operadores de rádio;
e) Falta de organização para atender reclamações sobre o serviço por parte dos clientes. Não
existia um regulamento de qualidade de serviço aprovado, depois de dois anos de
funcionamento da CNT;
f) Total descontrole no uso do espectro radioelétrico;
g) Ausência de um mecanismo de auditoria e verificação do cumprimento das metas do
Caderno de Encargos. A CNT não tinha capacidade para verificar o que as LSB informavam;
h) Inexistência de regras e procedimentos internos para tomar as decisões da regulação, o que
tornava as próprias decisões bastante imprevisíveis;
i) Ausência de funcionários com experiência em regulação.
Somado a estas debilidades, uma fiscalização feita pelo Banco Mundial alertava o governo
argentino sobre o baixo desempenho regulador realizado pela CNT durante o seu primeiro ano.
O desfecho foi o decreto 136/92, pelo qual o governo resolveu a intervenção da CNT. Para
Abdala e Spiller (1999), a figura de intervenção foi utilizada para oferecer um sinal de situação
de exceção, na prática foi equivalente à destituição dos integrantes da diretoria. A intervenção
inicial era de doze meses, mais o prazo foi estendido até outubro de 1993.
O apoio institucional para reforçar a capacidade administrativa da CNT atingiu alguns processos.
Por exemplo, durante 1992 o status de quase metade das licenças de trezentas cooperativas
telefônicas foi regularizado, foram estabelecidas as normas para o uso de radioespectro, foi
iniciado o processo para a entrega de licenças de telefonia celular no interior do país e foi feito
um acordo com uma associação de consumidores (ADELCO) para o manejo das reclamações
dos usuários. Finalmente, foi colocado em prática o regulamento dos direitos e obrigações dos
consumidores.
Em outubro de 1993, regulariza-se a situação administrativa da CNT já que mediante concursos
foram preenchidos os cargos de presidente e outros membros da diretoria. Simultaneamente, foi
resolvido fazer um corte dos seus poderes a favor da Secretaria de Obras Públicas e
Comunicações. Entre as mudanças de poderes mais significativas da CNT para a Secretaria
encontramos:
a) Fixação de taxas, direitos e tarifas em matéria de telecomunicações que conformam a parte
substancial dos recursos que financiam a CNT;
105
b) As tarefas de assessoria ao Poder Executivo sobre a categorização (em exclusividade ou em
concorrência) de novos serviços;
c) Os temas referentes a acordos, tratados, convênios e serviços internacionais;
d) A adjudicação e caducidade de licenças em regime de concorrência;
e) A prorrogação do período de exclusividade;
f) A regulação, controle, fiscalização e verificação das condições sob as quais as licenças são
outorgadas.
Durante 1994, o rebalanço de tarifas e o call back foram os temas dominantes na relação CNT –
licenciatárias. Para Artana et alii (1996) o desenvolvimento do call back foi o primeiro sinal de
que a estrutura de preços da pré-privatização ia ser difícil de manter.
Os interventores da CNT tinham proibido a utilização do call back, argumentando que constituía
um uso abusivo do serviço telefônico básico. Depois de marchas e contramarchas, um parecer da
Câmara de Apelações no Contencioso Administrativo invocando os direitos dos usuários
incluídos na nova Constituição, permitiu o uso do call back, já que estes direitos não podiam ser
soterrados por causa da criação de monopólios ou regimes de exclusividade.
O rebalanço de tarifas foi o próximo motivo de negociação e fortes discrepâncias entre o
Ministério da Economia, Obras e Serviços Públicos, as licenciatárias e a CNT.
Enquanto que o Secretário de Obras Públicas apoiava os aumentos urbanos para compensar as
reduções de interurbanos e de ligações internacionais, a diretoria da CNT sustentava que não era
necessário o aumento das tarifas urbanas: o principal argumento era que a reestruturação de
tarifas podia consistir unicamente nas reduções de preços de longa distância, já que esta era a
conseqüência natural do avanço tecnológico, que permitiu a concorrência através de um método
legal (call back), autorizado pela própria CNT. Da mesma maneira, era sustentado que o avanço
tecnológico era um risco empresário que não era sujeito a nenhuma compensação no Caderno de
Encargos.
Em maio de 1995, e por causa destas discrepâncias, a CNT foi novamente intervinda. Esta
intervenção produziu uma série de ações legais, dado que o decreto criado pela CNT estabelecia
que os diretores só podiam ser removidos de suas funções através de juízo acusatório da SIGEN.
Diante da ameaça de uma apresentação judicial por parte do Defensor do Povo, o Ministério
recuou e repôs nos seus cargos os diretores.
Em março de 1996, a Subsecretaria de Comunicações foi hierarquizada em nível de secretaria,
passando a depender diretamente do PEN, o que significou amplos poderes de decisão no setor.
106
Dois meses depois, foram ditadas novas normas referentes à CNT (Decreto 515/96) e foi anulado
o Decreto 2160/93 pelo qual tinham sido cortados vários poderes à mesma. A partir desse
momento, o poder público passou a estar sob o poder da Secretaria de Comunicações (Artana et
alii, 1996), de tal maneira que muitas das disposições relevantes foram promulgadas através de
resoluções da SC e não da CNT (Abdala e Spiller, 1999).
A CNT uniu-se com seu par de correios formando a Comissão Nacional de Comunicações
(CNC) e em janeiro de 1997 integrou-se uma nova diretoria da CNC sem fazer referência a
nenhum mecanismo de seleção.
O rebalanço tarifário continuava sendo a estrela de qualquer discussão reguladora. A SC
anunciou então um novo esquema de tarifas sobre a base de uma nova proposta das LSB. O novo
esquema foi instaurado através de um decreto presidencial (92/97) em fevereiro de 1997 com o
objetivo de fortalecer sua validade jurídica e, ao mesmo tempo, demonstrar o respaldo político
da medida (Basualdo et alii, 2002).
Os recursos judiciais não demoraram em chegar com o que o caso finalmente foi derivado à
Corte Suprema de Justiça, que em maio de 1998 revalidou o rebalanço argumentando que o
mesmo era constitucional e que estabelecer as tarifas não era função da Corte, senão do Poder
Executivo.
Durante o período de 1996 a 1998 a SC esteve muito ativa, seu poder foi em aumento e isto foi
realizado nas numerosas regulamentações que legislam sobre questões onde os poderes da SC
não deveriam pelo menos serem exclusivos (Abdala e Spiller, 1999). Entre os principais temas
de regulação destaca-se a aprovação das normas a seguir:
a) Regulamento geral de administração, gestão e controle de radioespectro (Res. SC 163/96)
b) Regulamento geral de informação econômica, contável e de custos para licenciatárias
prestadoras de serviços de exclusividade (Res. SC 26874/96 e 26888/96)
c) Regulamento geral de interconexão (Res. SC 45/97)
d) Regulação satelital (Res. SC 49/97)
e) Liberação da banda de preços para o serviço de áudio-texto e estabelecimento das
condições econômicas da interconexão entre as licenciatárias e as prestadoras de serviços
de áudio-texto (Res. SC 184/97 e 280/97 com antecedentes na Res. CNT 212/94)
f) Regulamento geral de clientes dos serviços de comunicações móveis (Res. SC 490/97)
107
g) Autorização para ter acesso em consulta à documentação oferecida pelas diferentes
operadoras referente à prevenção de condutas anti-competitivas e subsídios cruzados
(Res. SC 805/97)
Nesta etapa, por sua vez, deveria ser definido o poder das LSB para ter acesso a uma
prorrogação da exclusividade. A questão central sobre a prorrogação era o cumprimento das
metas de qualidade e de expansão. A respeito da qualidade, a CNT sempre teve deficiências
para auditá-las de maneira externa. As metas de expansão, por sua vez, são mais fáceis de
fiscalizar já que existe uma margem menor de flexibilidade de interpretação sobre o seu
cumprimento. Em 1998, o governo outorga a prorrogação de dois anos e a SC lança o “Plano de
Liberalização das Telecomunicações”.
Em 2000, o novo governo cria uma revisão da prestação de serviços públicos nas mãos de
empresas privadas e mediante o Decreto 764/00 tenta aumentar a concorrência no mercado de
telecomunicações.
2.4.2 Incentivos da Regulação
2.4.2.1 Barreiras à entrada
O decreto 1185/90 pelo qual é criada a CNT contém um capítulo referido à outorga de licenças,
autorizações, permissões e a política de regulação no que se refere à interconexão de redes. A
concessão de novas licenças e permissões está reservada ao PEN e não é faculdade da CNT (a
quem só é solicitado emitir uma opinião), o que equivale a dizer que o Estado tem uma alta
ingerência política sobre as decisões de entrada à indústria, questão que logo depois seria
confirmada através da história das licenças já outorgadas (celular, satelital, cooperativas, etc.) e
com o “Plano de Liberalização de Telecomunicações”, como será visto posteriormente.
2.4.2.2 Política de Interconexão
A essência fundamental da regulação em matéria de interconexão esboçada pelo Decreto
1185/90 era que as partes são livres para celebrar convênios de interconexão entre si, enquanto
que a CNT unicamente atuava como organismo de primeira instância para aqueles casos onde o
acordo entre as partes era possível.
As provisões gerais que os acordos entre as partes deviam conter eram: ausência de
discriminação em cláusulas, preços e condições de serviços de interconexão, e adequação às
exigências das licenças, permissões ou autorizações respectivas. Para os serviços em regime de
108
concorrência podia apresentar, por sua vez, recursos de impugnação toda vez que alguém
acreditasse que um acordo em particular era discriminatório ou anti-competitivo.
2.4.2.3 Regulação de Preços
O objetivo da regulação tarifária de serviços públicos, especialmente no caso de constituição de
uma reserva de mercado, deve ser evitar a formação de preços monopólicos com a conseqüente
perda de bem-estar social.
Para o regulador, o problema que se apresenta é óbvio: devem ser fixados os preços sobre a base
de informação imperfeita e assimétrica sobre os custos das empresas reguladas, assegurando um
nível “razoável” de rentabilidade, mas procurando um resultado o mais próximo possível o qual
prevaleceria em condições de concorrência e, como conseqüência, de eficiência. Certamente,
uma indústria multiproduto e em permanente mudança tecnológica, como a das
telecomunicações, apresenta uma infinidade de dificuldades adicionais. Como conseqüência, não
é possível estabelecer uma política tarifária uniforme, senão que critérios mais complexos devem
ser adotados. E devem ser somadas a isto as dificuldades que apresenta a estrutura de subsídios
cruzados que caracteriza freqüentemente o quadro tarifário prévio à privatização, assim como os
objetivos de eqüidade que o regulador pode-se propor, nem sempre compatíveis com a eficiência
econômica no sentido estrito.
A experiência argentina mostra na regulação de tarifas quatro etapas principais:
i) durante o denominado período de transição, que vai desde o momento em que é definida
a maneira como será feita a privatização (decreto 62/90) até a posse por parte das
licenciatárias –novembro de 1990-, foi adotado o mecanismo da taxa de rentabilidade
sobre o capital investido;
ii) desde a posse da empresa (decreto 2332/90), onde começa a ser utilizado o mecanismo
de price cap;
iii) a etapa posterior ao rebalanço de tarifas, onde se por um lado continua sendo utilizado o
mecanismo de price cap, mudam as tarifas relativas entre os serviços urbanos e
interurbanos;
iv) a etapa posterior à entrada em vigência do decreto 264/98, na qual induzidas pela
concorrência das ingressantes, as empresas iniciaram um processo de redução voluntária
de tarifas oferecendo planos e promoções especiais, especialmente no segmento de longa
distância.
109
2.4.1.2 Os inícios da regulação tarifária
No período de transição prévio à privatização da ENTel, houve ajustes de tarifas para garantir às
futuras empresas licenciatárias uma taxa de retorno razoável e a partir desse momento poderiam
atualizar suas tarifas conforme a evolução mensal do índice de preços ao consumidor. Ao mesmo
tempo em que eram autorizadas a efetuar reajustes nas tarifas a cada seis meses, durante o
período de transição, para atingir uma taxa de retorno de 16% anual sobre o capital investido.
A adoção do mecanismo regulatório da taxa de rentabilidade pareceria ter respondido, segundo
Beker et alii (2001), à necessidade de fazer mais atraente a compra da ENTel, por um lado, e à
que a elevada taxa de inflação durante o período de privatização inviabilizava o uso do price
cap, por outro lado.
Quando as empresas licenciatárias tomaram posse da ENTel em novembro de 1990, renunciaram
ao direito de aplicar reajustes nas tarifas que permitissem alcançar a taxa de retorno de 16%
sobre o capital investido. Esta “renúncia” era devido, na verdade, a não aceitar o teto de
rentabilidade de 16%, levando em conta que a ENTel tinha sido vendida por baixo do seu valor e
que o preço pago por seus ativos conformava parte da equação em função da qual se projetavam
os lucros futuros das telefônicas
91
.
Ao invés desse mecanismo, foi estabelecido um sistema de preços tipo RPI-X (Retail Price
Index), aplicados sobre um pacote global (onde está excluído o cargo de conexão). Por este
método, as tarifas seriam reajustadas mês a mês conforme a evolução dos preços ao consumidor,
menos a percentagem de redução real por eficiência, previsto no decreto 62/90 durante os
períodos de exclusividade –redução de 2% anual real- e de prorrogação de exclusividade –
redução de 4% anual real-.
Como o controle da evolução tarifária efetuava-se levando em conta a média dos valores
tarifários e não cada linha do quadro tarifário, admitiu-se que as licenciatárias modificassem suas
estruturas de preços relativos
92
. Desde dezembro de 1991, foram feitos reajustes corretivos das
tarifas e foi permitido às empresas prestadoras do serviço modificar sua estrutura de preços com
91
Além disso, ao renunciar à taxa de retorno garantida, as empresas utilizaram um método de amortizações
aceleradas, diferente a do método previsto no Caderno, o que implicou um subsídio implícito já que ao reduzir o
volume de utilidades netas, diminuiu a base tributável para o imposto de renda. Segundo um estudo realizado pela
Câmara de Comércio Argentino-Norteamericana, entre 1991 e 1994, o valor do imposto de rendas “subsidiado” (não
pago), graças à utilização de amortizações aceleradas, foi de US$ 660 milhões.
92
Como conseqüência do reconhecimento de uma distorção inicial na estrutura de preços (assinaturas entre
diferentes categorias de usuários, preços por minutos por distância das ligações, etc.).
110
o objetivo de aumentar a tarifa urbana, que se encontrava por baixo do custo de prestação, e de
reduzir a tarifa de longa distância, que se encontrava por cima do seu custo de prestação.
Os acordos de modificação tarifária sofreram diferentes mudanças e negociações, especialmente
com o início da Lei de Conversibilidade, pela qual é proibida a realização de contratos de
prestações recíprocas com cláusulas de correção de preços. Dessa maneira, em novembro de
1991, o governo fez um acordo com as empresas telefônicas para um novo procedimento de
reajuste que se acreditava ser compatível com a vigência da Lei de Conversibilidade da moeda.
Esse acordo consiste em permitir ajustes tarifários ligados à inflação internacional, medida pelo
índice de preços ao consumidor dos Estados Unidos (decreto 2585/91). Deste modo, as tarifas
telefônicas foram dolarizadas e foi permitido atualizá-las duas vezes ao ano em função da
percentagem de variação semestral do índice de preços ao consumidor dos Estados Unidos.
A leitura da dolarização tarifária, feita por diferentes autores, é totalmente divergente. Beker et
alii (op. cit.) enfatizam a redução em termos reais das tarifas telefônicas: “primero, por los nueve
meses que se mantuvieron sin cambios mientras los precios locales aumentaban; segundo,
porque sólo podían crecer 2% menos que la inflación estadounidense; tercero, porque la
inflación interna fue mayor que la internacional.”
Abdala e Spiller (1999), por sua vez, encontram que só entre 1992 e 1994 a inflação norte-
americana foi inferior à argentina, e depois sempre foi levemente superior. Além disso, não deve
ser perdido de vista o alto nível de preços das tarifas –em dólares- inicial. Segundo estes autores,
existem evidências de que o nível inicial de preços foi muito benéfico para as licenciatárias a
expensas dos consumidores, principalmente nos primeiros anos de privatização
93
.
Para Abeles (2001), esta medida não só permitiu reintroduzir uma cláusula de indexação tarifária
na regulação –proibida por lei-, senão que passou a conformar um seguro cambiário a favor das
licenciatárias diante de qualquer modificação na política cambiária.
2.4.1.3 O rebalanço tarifário
A questão central da regulação em telecomunicações na década de noventa, e sem dúvida o de
mais conflito, foi o rebalanço tarifário, já que a estrutura original de tarifas implicava distorções.
Todas as comparações em nível internacional sugeriam que, ainda que os subsídios cruzados
93
O efeito quantidade provocado pelo aumento das tarifas iniciais repercutiu em 1991 quando o total de tráfego de
ligações locais e interurbanas caiu 8% (Abdala e Spiller, 1999) .
111
fossem algo usual, na Argentina a distorção existente entre os preços das chamadas locais e de
longa distância eram desproporcionais (Artana et alii, 1996).
Qualquer proposta de reestruturação de tarifas, inclusive aquela que tivesse como resultado uma
mudança neutra na receita da empresa, enfrentava três problemas principais (Abdala y Spiller,
1999:56):
i) Estabilidade das regras do jogo: o compromisso do regulador e das empresas de respeitar
estritamente o acordo feito no Caderno de Encargos limitava a margem para as decisões.
ii) Impacto nos consumidores: estava em jogo uma transferência de rendas desde os assinantes
residenciais e com uso intensivo em chamadas locais (na maioria localizados no AMBA)
para assinantes comerciais e profissionais e usuários de longa distância (afetando na sua
maioria os residentes do interior do país).
iii) Impacto macroeconômico: o governo, cuidadoso do seu plano de estabilização monetária, era
reticente ao gerar uma reestruturação que pudesse incidir na medição do Índice de Preços ao
Consumidor.
Em um contexto onde se tende a introduzir, em diferentes países, concorrência nos diversos
segmentos do mercado de telecomunicações, não poderia ser mantida uma estrutura tarifária
onde, por exemplo, as tarifas das chamadas de longa distância expressam valores muito
superiores aos seus custos de prestação, subsidiando as tarifas de serviço urbano ou local, que
estão por debaixo dos seus custos.
Na Argentina institui-se o seguinte argumento: a única maneira de equilibrar as tarifas consiste
em incrementar as tarifas urbanas e diminuir as de longa distância. Contudo, existe outra
possibilidade que nunca foi discutida: se as empresas estavam obtendo lucros extraordinários
graças aos dois tipos de tarifas, poderia ter sido feito um reequilíbrio adequando os preços
relativos aos custos relativos, diminuindo ambas as tarifas em proporções diferentes (Forcinito,
2001).
A primeira tentativa de negociação produziu uma proposta, elaborada pelas LSB, na qual previa
aumentos de 20% a 40% nas assinaturas (cargos fixos); de até 200% nas chamadas urbanas,
produto de uma recategorização da área urbana da Grande Buenos Aires; descontos de 2% a
46% para interurbanos e de 12% para a longa distância internacional
94
.
94
Esta proposta provocou sérios questionamentos em duas audiências públicas convocadas no final de 1994, as
quais foram altamente politizadas. Sobre estas primeiras audiências na questão do rebalanço foram apresentados
recursos de amparo e uma medida de não inovar por parte do juiz, com base na falta de transparência do processo
(Abdala e Spiller, 1999:57)
112
Um relatório de uma consultora privada, NERA, contratada pelo Ministério de Obras Públicas,
estimou que se essa proposta tivesse sido implantada as licenciatárias teriam obtido uma renda
extraordinária de US$ 500 milhões. Este mesmo relatório provocou uma série de recomendações
com sete opções consistentes em reajustes tarifários a serem instrumentados em um período de
seis meses. Em outubro de 1996, as empresas apresentaram uma nova proposta, sendo similar a
uma das opções apresentadas pela consultora NERA. A proposta consistia em um incremento de
80% das assinaturas residenciais, sem mudanças nas assinaturas comerciais, as ligações locais
aumentavam em média 50%, as interurbanas diminuíam entre 15% e 59%, e internacional
reduzia 55%.
A SC anunciou o novo esquema com algumas modificações. O rebalanço que foi aplicado no
começo de 1997 (decreto 92/97) não se limitou a aumentar o valor das chamadas locais e a
reduzir o valor das ligações de longa distância (item 1 a 3 da numeração a seguir), senão que
introduziu uma série de modificações adicionais (item 4 e 5):
1. a ampliação da banda horária correspondente à tarifa normal que foi estendida até as 22:00
hs (antes era até as 20:00 hs);
2. a inclusão da uma nova banda horária nas ligações urbanas (tarifas diferenciadas) entre as
10:00 e as 13:00 hs;
3. o aumento dos ritmos de tarifação, isto é, o tempo que deve transcorrer para que um pulso
seja computado (implicando redução das tarifas) das ligações interurbanas e internacionais;
4. o aumento dos custos da assinatura mensal que passou de ser de US$ 4,4 a US$ 12,5;
5. a eliminação da franquia de pulsos mensal, que era de 100 pulsos livres antes do rebalanço.
Desta forma, segundo FIEL (Fundação de Pesquisas Econômicas Latino-americanas, 1999), a
implementação do rebalanço deu lugar a um incremento de 25% no custo médio do serviço
telefônico para os usuários residenciais do AMBA, refletindo o resultado líquido de dois efeitos
contrapostos: por um lado, reduziu a quantidade de pulsos consumidos para um pacote de
idêntico consumo e, por outro lado, tanto o aumento no custo da assinatura mensal (182%)
quanto à eliminação da franquia de pulsos incrementaram o custo fixo do serviço telefônico para
os usuários.
Em novembro de 1997, a Secretaria de Comunicações determinou a modificação de algumas das
disposições consignadas no decreto 92/97, promovendo uma redução parcial do impacto inicial
sobre a média de custo do serviço para usuários residenciais. Como conseqüência, o custo do
113
serviço da telefonia básica para os usuários residenciais teve uma diminuição de 7% por causa
da:
1. eliminação da banda horária de tarifas diferenciadas ou “de pico” para ligações urbanas;
2. a ampliação do horário noturno, que voltou a ser desde as 20:00 hs.
O rebalanço de tarifas também afetou a relação entre as chamadas residenciais e comerciais.
QUADRO 2
EVOLUÇÃO TARIFÁRIA SEGUNDO FIEL, 1990-1998
(EM PESOS ATUAIS E PORCENTAGENS)
Serviço 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 Var.
1990/98
Comercial 106,28 161,56 151,27 152,88 154,69 147,62 148,76 118,09 115,81 8,97%
Residencial 18,33 27,86 31,05 31,59 32,08 31,59 32,12 40,13 39,81 117,18%
Ponderado 38,12 57,94 58,10 58,88 59,67 57,70 58,36 57,67 56,91 49,29%
Fonte: FIEL (1999)
Enquanto que, como vimos, segundo FIEL (1999) o custo residencial aumentou 25%, a tarifa
correspondente aos usuários comerciais diminuiu 20,6%. Isto põe em xeque as implicâncias
distributivas do rebalanço. Os usuários residenciais e os usuários intensivos em chamadas locais
enfrentaram incrementos relativos de preço, enquanto que os clientes comerciais e aqueles que
realizam ligações de longa distância enfrentaram um decrescimento de preços relativos. Esta
tendência manifestou-se ao longo de toda a década: as tarifas comerciais incrementaram, em
valores correntes, só 9% entre 1990 e 1998, enquanto que o aumento das residenciais ficou por
volta de 117%.
Para Abdala e Spiller o rebalanço:
“ayudo a corregir distorciones importantes en la estructura de precios relativos de servicios
telefónicos... igualmente, la CNC no dio a conocer los resultados de auditorías que debían
realizarse sobre los efectos ex post de las elasticidades precios, para verificar la neutralidad de los
ingresos, donde el regulador tiene desventajas evidentes de información...”
(1999:69)
Cabe fazer uma última digressão apontada por Celani (1998). O processo de rebalanço de tarifas
pode ser compreendido como uma antecipação (ou preparação) das licenciatárias para o período
em que seu mercado se tornasse “contestável”, ou seja, quando em 1999 concluísse o período de
exclusividade. De fato, as tarifas cuja diminuição foi promovida correspondem à parte do
114
mercado de telecomunicações que primeiro ficaria exposta a uma situação competitiva (as
chamadas interurbanas e internacionais) e cuja demanda é mais elástica. Por outra parte, as
tarifas que foram elevadas (chamadas locais) correspondem a um mercado que manteria por
mais tempo o seu caráter cativo, e que é caracterizado por uma demanda relativamente
inelástica.
1.4.2.3 Liberalização do mercado: introdução de concorrência ou consolidação de
posições?
No final de 1998 –antes da sanção do “Plano de Liberalização”- o mercado argentino de
telecomunicações apresentava uma estrutura altamente concentrada: unicamente quatro atuantes,
os conglomerados empresários controladores da Telefónica de Argentina, e a Telecom Argentina
e, em proporções menores, o grupo local Agea/Clarín e a Companhia de Radiocomunicações
Móveis Movicom, concentravam praticamente o total dos segmentos do mercado mencionado
95
.
Por sua vez, estas empresas apresentavam um grau elevado de integração vertical e horizontal,
envolvendo desde aquelas atividades vinculadas à produção de conteúdos até as associadas às
diferentes vias para o transporte e a distribuição dos mesmos.
A análise da normativa que rege os critérios sob os quais começa a liberalização do mercado em
novembro de 1999 transcende o disposto no Decreto 264/98 “Plano de Liberalização das
Telecomunicações”. Este plano deve diferenciar-se da política de liberalização, que abrange um
conjunto muito mais amplo de disposições normativas e de ações regulatórias que constituem um
todo articulado cuja coerência constituem o real sentido da abertura à concorrência no setor.
As três dimensões regulatórias fundamentais desta política são:
i) a reestruturação tarifária implementada no início de 1997;
ii) a concessão de licenças, tanto no âmbito da telefonia básica (decreto 264/98) quanto no
campo do Sistema de Comunicações Pessoais (PCS) cuja definição acontece em 1999,
mas que se remonta ao ano 1995;
iii) e os critérios estabelecidos para a regulação da concorrência uma vez concluído o
período de exclusividade.
95
Em relação ao serviço de transmissão de viva voz, Telefónica de Argentina e Telecom Argentina operavam a
prestação por enlaces fixos de forma monopólica com uma participação próxima a 100% em cada um dos seus
âmbitos geográficos de exclusividade, resultando equivalentes a 54:% e a 44% em nível nacional, respectivamente.
Além disso, possuíam uma importante participação no mercado nacional de telefonia móvel celular, 30 % Telecom
Argentina e 23% Telefônica de Argentina. O resto do mercado era dividido entre Movicom, 30%, e CTI Móvil,
17%.
115
i) Implicâncias do rebalanço tarifário na apertura do mercado à concorrência
Apesar de a aplicação do rebalanço tarifário no início de 1997 já ter sido analisada, nesta seção
pretende-se explicar o impacto que essa reestruturação tarifária teve em relação à apertura do
mercado à concorrência.
Deve ser levado em conta, em primeiro lugar, que por motivos tecnológicos e de escala, não
todos os segmentos do mercado de telecomunicações resultam igualmente permeáveis ao
ingresso de novas operadoras, quanto menos no curto prazo. O segmento de longa distância é o
mais propício para o ingresso de novas empresas que o de telefonia urbana básica. A respeito dos
usuários comerciais, dada a magnitude de seu consumo tendem a enfrentar um espectro de
possibilidades mais amplo em matéria tarifária. Esse segmento é o mais rentável, o “creme” do
negócio.
Em segundo lugar, deve considerar-se que, em um contexto em que se pretende introduzir a
concorrência, é inconveniente manter uma estrutura tarifária, na qual as ligações de longa
distância “subsidiem” as de curta distância (Laffont, 1997). Isto porque se for mantido o mesmo
esquema tarifário, o ingresso de novas operadoras muito provavelmente tenderia a induzir um
processo de “descreme” no segmento de longa distância.
Ainda que o rebalanço tenha sido aplicado sob o pressuposto de que existia um subsídio cruzado
desde as chamadas de longa distância para as de curta distância, é verdadeiro também que antes
da aplicação do mesmo todas as tarifas excediam o que, de acordo com os padrões
internacionais, constituía uma relação “custo-benefício” razoável
96
. Como conseqüência, teve
que ser divulgada a diminuição simultânea de ambas as tarifas –em maior medida as de longa
distância-
Isso supôs um importante reposicionamento estratégico das LSB frente à futura apertura do
mercado (Forcinito, 2001), já que o rebalanço concedia às LSB a possibilidade de afrontar a
concorrência sob o resguardo que supunha ter concedido cobrar tarifas mais elevadas à porção
mais cativa de sua clientela (os usuários residenciais especialmente no que se refere ao serviço
urbano). Em definitiva, com o rebalanço se produziu a adequação das tarifas que primeiro
enfrentariam uma situação competitiva (longa distância e as assinadas por usuários comerciais),
96
Na legislação argentina, o nível razoável dos benefícios das empresas privatizadas foi definido como o custo
unitário mínimo de longo prazo na prestação de cada um dos serviços.
116
assentando as bases para a potencial implementação, por parte das LSB, de um subsídio cruzado
desde a telefonia urbana básica à interurbana nacional e internacional.
ii) Política de concessão de licenças
A análise da concessão de licenças deve ser analisada nas suas duas dimensões principais: a
liberalização do mercado de telefonia básica e a concessão de licenças do sistema de
comunicações pessoais.
a) Plano de Liberalização de Telecomunicações
O denominado “Plano de Telecomunicações” (decreto 264/98) impulsionou a apertura gradual
do mercado de telefonia urbana básica e de longa distância (nacional e internacional) a partir de
duas etapas diferenciadas. Em uma primeira etapa, desde novembro de 1999, unicamente duas
novas sociedades estavam habilitadas para prestar o serviço básico local e de longa distância
concorrendo em todo o território nacional com as LSB. Já na segunda etapa, a partir de
novembro de 2000, abria-se a possibilidade de que novas companhias ingressassem
97
.
Desse modo, a autoridade regulatória desenhou uma desregulação administrada, na qual a lógica
do cronograma, segundo Beker et alii (2001), respondia a dois princípios: estender a proteção
temporal às LSB para evitar o “descreme” e, ao mesmo tempo, possibilitar que uma
“concorrência sólida” seja constituída. Os considerandos do direito tentaram justificar ambas as
características com abundantes argumentações. O raciocínio pode ser resumido da seguinte
maneira:
“dado que existen en el mercado dos grandes empresas establecidas con una posición dominante
(total) que constituye una clara ventaja inicial, y dada la tendencia a la concentración observada en
el mercado mundial, la competencia efectiva solo podrá desarrollarse si se la orienta
adecuadamente”
(Beker et alli, 2001:104)
O Decreto 264/98 determinou uma série de requisitos que as empresas que pretendessem ter
acesso a estas duas novas licenças deviam cumprir necessariamente. Tratava-se da exigência de
que os novos consórcios estivessem integrados, em maio de 1998, ao mesmo tempo, por:
operadora/s de serviços de telefonia celular com bases no país, operadora/s de redes físicas de
televisão a cabo de grande cobertura e/ou prestadoras de serviços de telecomunicações com
97
As principais disposições normativas vinculadas a esta segunda fase da liberalização do mercado nacional de
telecomunicações foram finalmente definidas após a sanção do decreto 264/98 e constam no “Regulamento Geral de
Licenças e Plano Nacional de Licenças” (Resolução 16200/99 da Secretaria das Comunicações).
117
redes físicas já instaladas, e operadora/s independentes (tratava-se de alguma das quase trezentas
cooperativas telefônicas existentes no país).
Os integrantes dos consórcios com intenções de ter acesso às novas licenças não deviam ter
nenhum vínculo societário com as LSB. Desta maneira, só a Movicom (associada posteriormente
a Bell South) e a CTI Móvil (controlada pelo grupo local Agea/Clarín e a americana GTE)
cumpriam, no campo da telefonia celular, esse critério, sendo que a Unifón, Telecom Personal e
Miniphone ficaram expressamente excluídas por estarem controladas pelas LSB.
Chambouleyron (1998) criticou esta medida argumentando que, desde um ponto de vista
econômico e tecnológico, não se justifica que o governo imponha barreiras legais à entrada. Para
Abdala e Spiller (1999), a experiência chilena determinou a decisão governamental na
Argentina
98
. Naquele país, a política de liberalização total tarifária e de entradas ao setor teria
levado à falência empresas como Télex Chile e provocado uma concentração ainda maior no
mercado das telecomunicações. Estes autores questionam se além da política regulatória, possam
ter sido também as más decisões empresariais quanto a acordos de interconexão, identificação
estratégica da clientela, falta de acordos de faturamento com a empresa dominante de serviços
locais e ineficiência em despesas de publicidade, que levaram à falência da empresa
99
.
Urbiztondo (1999) questiona duas das justificativas do governo para a desregulação
administrada: por um lado, o “reconhecimento” dos investimentos feitos por operadoras
independentes é um privilégio que poderiam reclamar muitas outras empresas ou indivíduos que
tenham investido seus recursos no país; em segundo lugar, a “concorrência ruinosa” é um
argumento que esgrime tipicamente desde o lado dos ofertantes do serviço, enquanto que:
“la regulación no debe orientarse a evitar dichas pérdidas sino que tiene como objetivo permitir a
los usuarios aprovechar las ventajas de la competencia, delegando a las empresas privadas las
decisiones de inversión que consideren más rentables para sí...”
(
id. ibid.
, 1999:2)
98
Chama a atenção o fato de que os potenciais novos ingressantes coincidiam com o diagnóstico do governo a
respeito de como encarar a transmissão. Por exemplo, o presidente da Movicom (Mauricio Wior) diz que na
desregulação total “...las tarifas bajan rápidamente pero luego se recuperan. A la larga no se invierte en el sector y
una empresa toma posición dominante con el 90% del market share, como sucede en Chile”. Por sua vez, o
presidente da CTI (Eduardo Menascé) apontava que “ este no es un mercado que empieza de cero. Requiere grandes
inversiones. Ya hay dos firmas monopólicas y, si se abre a todos, se va a concentrar más”. O titular da CNC
(Roberto Catalán) acrescentava que “es mejor que existan cuatro grandes que un gigante y quince jugadores
pequeños” (Citações da Revista Negócios, Ano 8, Nº82, julho de 1998)
99
De fato, quando ocorreu a liberalização do serviço de longa distância internacional no país vizinho, a Télex Chile
tinha desde 1992 25% do mercado e contava com uma rede própria de fibra ótica. O ingresso de cinco novas
operadoras em 1994, a pesar de ter diminuído os preços das tarifas aos consumidores finais em 80%, não afetou sua
participação no mercado. Os novos ingressantes careciam de rede própria e procuraram na Télex Chile melhores
condições de interconexão das que a CTC oferecia, mas a empresa se recusou a oferecer melhores acordos. Para
conhecer mais detalhes sobre o recente funcionamento das telecomunicações no Chile, ver Chambouleyron (1999).
118
A seriedade com que este processo foi instrumentado pelo governo é contraditória com as
características básicas do setor. Um setor em que a tecnologia e o comércio e uma regulação que
acompanhe no segundo plano, determinam sua eventual evolução.
A partir da entrada em vigência da segunda fase de liberalização (novembro de 2000), a
concessão de novas licenças começaria a reger pelo denominado “Regulamento Geral de
Licenças e Plano Nacional de Licenças”, pelo que foram estabelecidas novas exigências que
deveriam cumprir todas aquelas companhias que aspirassem a entrar no mercado nacional das
telecomunicações
100
:
Mostrar experiência prévia na prestação do serviço;
Contar com um patrimônio líquido mínimo de 100 milhões de dólares;
Associar-se obrigatoriamente a uma empresa que opere previamente no mercado local;
A cobertura geográfica mínima para as licenças nacionais devia ser de chegar a oferecer o
serviço a 50% da população total no decorrer de cinco anos, no caso da licença local, foi
exigido que a prestação fosse possível pelo menos em três áreas locais diferentes durante os
primeiros dois anos, com uma cobertura geográfica não inferior a 35% de cada região
escolhida.
Estes requisitos tornaram-se importantes barreiras para o ingresso ao mercado, já que apesar de
que a partir da sanção deste regulamento ficaram condições de ingressar ao mercado local todas
aquelas firmas que obtivessem uma licença, os requisitos e obrigações que devem cumprir os
potenciais ingressantes transformam-se em barreiras para empresas menores
101
.
Desta forma, cabe questionar se o esquema de “liberalização plena” cria os incentivos suficientes
para introduzir concorrência efetiva no setor a escala nacional. Inclusive, quando não tivesse
sido estabelecida nenhum tipo de obrigação aos potenciais ingressantes, o ingresso ao setor dos
novos ofertantes já era colocado como um objetivo difícil de ser atingido, dado o elevado poder
de mercado e as vantagens de precedência dos holdings empresários preestabelecidos, assim
como seu controle sobre a maior parte da infra-estrutura básica.
100
Existem diferentes tipos de licenças no campo do serviço de telefonia. Enquanto umas abrangem a prestação
geral do serviço de telefonia, outras ficam restritas alternativamente ao serviço local, ao de longa distância ou ao de
telefonia pública.
101
A maior parte das licenças outorgadas estão concentradas em quatro regiões do país: AMBA, Córdoba Capital,
Mendoza Capital e Rosario, que pelo número de usuários e o tráfego de chamadas que concentram, constituem o
verdadeiro “creme” do negócio.
119
Esta situação muda quando o novo governo radical dispõe o fim do sistema de concorrência
administrada, com a desregulação do mercado, sendo formalizado com o Decreto 764/00. Este
decreto tenta garantir a concorrência efetiva, eliminando as restrições que impeçam o aceso a
operadoras, proibindo as condutas anti-competitivas e estabelecendo a interconexão de redes
para conseguir a interoperabilidade dos serviços.
Comparando o regulamento atual com o derivado do decreto 264/98, ressaltam vários princípios
para uma maior desregulação. Quatro diferenças fundamentais são destacadas:
1) Não estabelece nenhuma condição a respeito do tipo de tecnologia a ser utilizada, conforme
com a rápida mudança tecnológica que o setor apresenta, de maneira que os avanços técnicos
não precisem realizar contínuas modificações do regime.
2) O regime anterior colocava alguma restrição ao capital estrangeiro, ao exigir a participação
de um sócio local com pelo menos 10% do capital social.
3) Passa-se de três tipos de categorias de licença (telefonia, que incluía outras três subdivisões,
valor agregado e resto das telecomunicações) a uma licença única que habilita a prestar
qualquer tipo de serviço.
4) Não são estipuladas obrigações de cobertura geográfica mínima.
QUADRO 2
INTRODUÇÃO DE CONCORRÊNCIA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO TELEFÔNICO
BÁSICO
Etapas Serviço básico
local
Serviço básico
de longa
distância
Empresas/Tipos de
licença
Nov.1997/Nov.1999
(prorrogação do período
de exclusividade)
Licenciatárias do
Serviço Telefônico
Básico
Licenciatárias do
Serviço Telefônico
Básico
Telefónica de Argentina
Telecom Argentina
Nov.1999/Nov.2000
(primeira etapa de
liberalização)
Ingresso de duas novas operadoras
nacionais (sociedades integradas por
grandes operadoras de televisão a cabo e
telefonia celular, com participação de
cooperativas telefônicas)
Telefónica de Argentina
Telecom Argentina Movicom –
Bell South CTI Móvil (Agea
/Clarín e GTE)
Nov. 2000/... (segunda
etapa de liberalização)
Novas operadoras segundo
“Regulamento Geral de Licenças e Plano
Nacional de Licenças”
Telecom Argentina (geral)
Movicom Bell South (geral)
CTI Móvil (geral)
120
(Resolução 16200/99) e Decreto 764/00 Techtel (geral)
Impsat (local e longa distância)
AT&T Argentina
Keytech (local e longa
distância)
Comsat (longa distância)
Metrored (local)
SES Sistemas Eléctronicos
(longa distância)
Compañía del Sur (local),
Telenet (local)
Superfone (local e longa
distância)
Diginet (local e longa
distância)
Ferro Cablemundo Com. (local
e longa distância)
Federación de Coop. Telef
(local e longa distância)
Diveo Broadbad Network
(geral)
b) Licenças para o Sistema de Comunicações Pessoais
A particularidade da tecnologia PCS radica em que possibilita a prestação do serviço fixo de
transmissão de viva voz –com opção a móvel- a preços competitivos com os de telefonia básica,
isto é, com tarifas mais baixas do que aquelas que a tecnologia celular admite. Constitui-se dessa
maneira, como um potencial substituto direto da telefonia básica.
A partir disso é que a política de concessões de novas licenças para o serviço de telefonia fixa e
móvel mediante esta tecnologia constituísse um aspecto regulatório estratégico desde uma
perspectiva de médio/longo prazo, na medida em que abriria a possibilidade de que outras
empresas conseguissem ingressar ao mercado e, portanto, erodissem em alguma medida, a
posição dominante que as LSB tinham herdado do período de exclusividade.
A concessão de licenças para o PCS foi concebida inicialmente pela Secretaria de Comunicações
especificamente como o mecanismo principal para introduzir concorrência na prestação do
serviço de transmissão de voz em nível urbano. A primeira tentativa, em 1995, não prosperou
121
devido às diversas ações judiciais interpostas pelas empresas que prestavam o serviço de
telefonia móvel celular. De fato, Movicom e Miniphone solicitaram a suspensão até 2003 com
base em um hipotético compromisso de exclusividade na prestação do serviço de telefonia móvel
na Área Múltipla de Buenos Aires (AMBA) assumido pelo Estado Nacional com a empresa
Movicom
102
.
Em 1997, o governo entendeu que não existia tal compromisso e retomou o processo licitatório,
aprovando, através do decreto 92/97, o Regulamento Geral do Serviço PCS e a chamada a
Concurso Público Nacional e Internacional para a adjudicação de duas licenças no AMBA. Um
aspecto chave desta chamada a concurso é que, a fim de favorecer a diversificação da oferta
telefônica de curta distância para quando o mercado estivesse aberto à concorrência, excluíam-se
do mesmo as operadoras do serviço telefônico básico e as empresas vinculadas. Para as LSB,
isto último constituía tanto uma inabilitação – por permanecer fora de um segmento do mercado-
como, fundamentalmente, uma ameaça –por causa do ingresso de novas firmas em um espaço
estratégico desde o qual disputar parte do mercado que até então tinham monopolizado-.
Novas ações judiciais,desta vez iniciadas pela Telefónica de Argentina, acabaram por modificar
o desenho original do concurso. Mediante o Decreto 266/98 foi estabelecido que as LSB
poderiam participar da licitação de duas bandas de freqüência para a prestação do PCS tanto no
AMBA quanto no interior do país; enquanto que, uma vez outorgadas as mesmas seriam
adjudicadas duas bandas de menor freqüência do novo sistema de comunicação às sociedades
prestadoras do serviço celular (Miniphone e Movicom no AMBA e a CTI Móvil, Telecom
Personal e Unifón no interior do país).
Dessa maneira, só em junho de 1999 –poucos meses antes da finalização do período de
exclusividade- o governo adjudicou através de concurso público as quatro licenças para prestar o
serviço de comunicações pessoais, tanto no AMBA como no interior do país, constituindo o
mercado da seguinte maneira:
AMBA: consórcio liderado pela Telefónica de Argentina e Telecom Argentina e outro
liderado pela GTE (Estados Unidos)
103
. Movicom e Miniphone ficaram como
responsáveis da banda de menor largura de freqüência.
102
Em 1993 o governo outorgou a Telefónica de Argentina e Telecom Argentinas a possibilidade de operar a
segunda banda de freqüência do serviço de telefonia celular no AMBA, através da empresa Miniphone, onde
operava desde 1988 a firma Movicom.
103
Esta empresa estava associada em CTI Móvil com o grupo argentino Agea/Clarín.
122
Região Norte: Movicom e Telefónica de Argentina adjudicaram-se as bandas de maior
frequência. CTI Móvil e Telecom Personal receberam as bandas de menor freqüência.
Região Sul: os adjudicatários foram Movicom e Telecom Argentina, enquanto que as
bandas de menor freqüência foram designadas a Unifón e CTI Móvil.
Resumindo, no âmbito do PCS foram outorgadas doze licenças, as quais foram adjudicadas sem
exceção às grandes firmas preestabelecidas no setor. Como produto desta concessão de licenças,
Movicom e CTI Móvil estenderam suas operações para todo o país, enquanto que cada LSB
conseguiu ingressar na área da outra no interior do país, e consolidar suas posições dominantes
nas suas respectivas zonas.
Por causa disso, e da importância estratégica do PCS em relação à possibilidade de introduzir um
certo grau de pressão competitiva sobre o mercado, cabe se perguntar: quantas empresas
poderiam estar operando no mercado argentino, se tivessem sido excluídas do concurso as
empresas que conseguiam posições dominantes em outros segmentos do mesmo, especialmente
no de telefonia fixa de curta distância?
Para Forcinito (2001) foi bloqueado um importante mecanismo que teria permitido gerar certa
concorrência de preços, a partir do ingresso de novas operadoras, especialmente no serviço local
(aquele no qual, especificamente, resulta mais difícil a introdução da concorrência),
determinando, como conseqüência, o poder monopólico das firmas dominantes em cada região.
2.4.1.4 Regulação da transição do monopólio à concorrência oligopólica
Todo processo de transição desde um esquema monopólico na prestação do serviço telefônico
básico a outro caracterizado por um padrão competitivo, longe de colocar o afastamento do
Estado no seu papel regulador, impõe a necessidade de uma regulação muito mais intensa e
complexa do que a requerida durante a etapa de reserva legal do mercado.
Essa regulação deve ser orientada, fundamentalmente, a garantir a universalização de acesso aos
diferentes serviços por parte de todos os usuários, proteger estes últimos do possível abuso de
posição dominante por parte das empresas prestadoras e, simultaneamente, promover as
condições necessárias que o funcionamento competitivo do mercado requer.
A possibilidade de que se desenvolva uma dinâmica relativamente competitiva no mercado de
telecomunicações depende, além da constituição da estrutura do mercado e da propriedade do
capital do setor, das regras de jogo que sejam estabelecidas para regular a transição da situação
de monopólio a outra de concorrência oligopolística.
123
No caso argentino, estas regras foram determinadas fundamentalmente a partir da
regulamentação das condições de acesso às redes (interconexão e revenda de serviços), a
definição de mecanismos de administração do sistema de identificação de usuários nas redes
(numeração) e de migração entre empresas, a fixação das tarifas e as obrigações do serviço
universal.
2.4.1.4.1 Acesso a redes e interconexão
Especialmente em mercados como o argentino, nos quais a propriedade da rede telefônica de
enlaces fixos encontra-se altamente concentrada, a regulação das condições de acesso à mesma -
interconexão entre redes- resulta fundamental para viabilizar a concorrência.
O objetivo fundamental deveria ser evitar a duplicação das redes, através da revenda obrigatória
de serviços por parte das operadoras dominantes (Forcinito, 2001; Urbiztondo, 2002). Portanto,
com diferença das diferentes experiências internacionais, no momento da liberalização dos
mercados, na Argentina a revenda de serviços em condições não discriminatórias não tinha sido
estabelecida como obrigatória, o que teria operado como um mecanismo de incentivo à entrada
de novos concorrentes no mercado.
Quanto às condições de interconexão, ditou-se um Regulamento de Interconexão (Resolução
49/97 da Secretaria de Comunicações). Este decreto é impugnado judicialmente e substituído
pelo Decreto 266/98 que serviu como base para o atualmente vigente, já que segue uma
estrutura similar.
Nos aspectos econômicos, o Decreto 266/98 tinha a obrigação de proporcionar a interconexão
por livre acordo entre as partes –com intervenção da autoridade competente no caso de falta de
acordo-, a fixação de preços sobre a base de custos incrementais de longo prazo da tecnologia
eficiente (incluindo uma rentabilidade razoável)
104
e a regra da não discriminação
105
, proibindo,
por sua vez, a implementação de subsídios cruzados e a fixação de preços menores aos custos
incrementais.
104
Os custos incrementais de longo prazo são definidos como a diferença nos custos totais de longo prazo de
investimento e operação causados pelo aumento da produção do serviço ou a instalação adicional do elemento da
rede de que se trate. Supõe-se que aquele que se interconecta paga um preço conforme o custo de cada função que
aloca mais um plus correspondente à rentabilidade do proprietário da rede com a qual se conecta.
105
O regulamento mencionado estabelece como obrigatória a provisão de pelo menos um ponto de interconexão
com acesso comutado a todos os usuários em cada uma das áreas de serviço local nas que existem mais de dois
usuários.
124
Cabe destacar que esta regulação não tende necessariamente a garantir uma interconexão não
discriminatória, na medida em que não explicita o que é entendido por rentabilidade razoável, ao
mesmo tempo em que não leva em conta a forte assimetria na informação que caracterizou a
relação entre o órgão regulador e as empresas dominantes durante a vigência dos monopólios
regionais, o que se agrava com a introdução de concorrência, que supõe crescentes dificuldades
em relação à possibilidade de contar com a informação técnica detalhada que o método de custos
incrementais requer (Vispo, 1999).
Segundo uma pesquisa efetuada pela Fundação Mediterrânea, os preços de referência de
interconexão –que seriam utilizados até que tivessem condições de determinar o custo ou de
utilizar os preços de outros países- são elevados em relação aos vigentes nos países europeus e
os estabelecidos através de várias recomendações internacionais.
De fato, tal como é apontado no estudo mencionado, resulta irracional demais que o valor de
acesso à rede local por minuto (US$ 0,031) ultrapassasse o preço do minuto de chamada
telefônica (US$ 0,023), que por outra parte faz uso de toda a rede local (Chambouleyron, 1999).
O regulamento geral de interconexão do Decreto 764/00 trata do alcance, os objetivos, princípios
gerais, o papel do órgão regulador, os elementos técnicos, os aspectos econômicos e outras
disposições adicionais, que são resumidas no seguinte quadro:
QUADRO 3
CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DO REGULAMENTO DE INTERCONEXÃO
Objetivos Promover o ingresso de novas prestadoras, garantindo condições
eqüitativas de concorrência, evitando imposições que levem ao
uso ineficiente dos recursos e assegurando a interoperabilidade
das diversas redes.
Modelo de Regulação São colocados os princípios gerais que regerão a interconexão,
deixando as disposições particulares para os convênios que
assinem a as partes entre si. A intervenção só ocorre se um
operador se recusa a conceder interconexão ou quando não se
chegar a um acordo.
Condições técnicas Arquitetura aberta (as empresas são obrigadas a usar normas
técnicas conforme os Planos Técnicos Fundamentais, para que
os demandantes possam fazer uso eficiente das mesmas).
125
Condições operativas Direito à co-localização, facilitar a interoperabilidade.
Tratamento não discriminatório Serviço de igual qualidade para todas as empresas às quais o
serviço é oferecido, incluindo a si mesma.Igualdade de acesso.
Condições administrativas Informação confidencial, fornecimento obrigatório de
faturamento e cobrança.
Funções essenciais
Acesso ou terminação local, “bucle” do assinante –conexão
entre o usuário final e a central de comutação local, co-
localização, fornecimento de porto físico e tráfego local. O
preço destas funções deve ser determinado em função dos seus
custos incrementais de longo prazo.
Funções não essenciais Longa distância nacional. O preço será determinado como a
média aritmética dos preços vigentes nos seguintes países:
Austrália, Canadá, Chile, Nova Zelândia, Estados Unidos e
União Européia.
Aspectos econômicos Total liberdade para negociar os preços de acesso. Permissão
para aplicar descontos por quantidade evitando a discriminação.
Direito a fazer acordo a respeito de reciprocidade pelo
pagamento do preço e o transporte de chamadas.
Fonte: Regulamento Nacional de Interconexão do Decreto 264/00
Novamente, a autoridade fixou uns preços referenciais por minuto de chamada para o cargo de
acesso ou terminação local –iniciar ou finalizar uma chamada- e para o tráfego local- tráfego de
uma rede a outra-, de acordo com um cronograma que contempla uma redução de 3% semestral
em conceito de melhoria de eficiência.
QUADRO 4
Preços referenciais de interconexão (em centavos de US$ por minuto)
Data de
vigência
Origem ou Terminação local Tráfego local
Mais de
5000 hab.
Menos de 5000
hab.
8/11/00 1.1 1.3 0.3
8/5/01 1.067 1.261 0.291
8/11/01 1.035 1.223 0.282
126
8/5/02 1.004 1.186 0.274
8/11/02 0.974 1.151 0.266
O novo preço referencial de acesso é a metade do anterior, enquanto que o de tráfego local é o
dobro. Em termos relativos, favorece mais a interconexão local e desincentiva as operadoras de
longa distância para o uso de redes locais intermediárias para o transporte de chamadas, mesmo
que contem com a alternativa de estabelecer um ponto de interconexão com cada prestadora
local.
2.4.1.4.2 Identificação de usuários e migração entre operadores
A posse de números telefônicos, que permite ao usuário manter seu número de telefone original
ao mudar de companhia telefônica, de domicílio e/ou serviço (por exemplo de móvel a fixo ou
viceversa ) constitui uma questão regulatória chave.
Na Argentina, o Plano Fundamental de Numeração Nacional (Resolução 46/97 da Secretaria de
Comunicações) colocou a necessidade de introduzir a posse de números telefônicos, deixando a
sua implementação sujeita às determinações tecnológicas que permitam ou não a sua
instrumentação. Como conseqüência, não é possível atenuar a cautividad do usuário a respeito da
companhia que lhe fosse designada com a divisão territorial estabelecida no momento da
privatização da ENTel.
De não ser implementada a posse de números –alternativa tecnologicamente factível na
atualidade- dificilmente possa ser conveniente para o usuário a mudança de uma empresa a
outra.
Mesmo que a seleção da operadora de longa distância não implique a necessidade de o usuário
modificar seu número telefônico, foi adotado um procedimento em duas etapas. Na primeira, que
regeu de novembro de 1999 a novembro de 2000, optou-se por um mecanismo de pré-assinatura,
pelo qual os usuários registram-se na central local da operadora selecionada especificando o
encaminhamento das chamadas de longa distância originadas dessa linha ao operador de longa
distância pré-selecionado.
A partir de novembro de 2000, as operadoras locais deverão habilitar a seleção por discagem
(multicarrier) para as companhias que proporcionam este serviço. A seleção por discagem
possibilita que antes da realização de cada chamada de longa distância, o usuário escolha,
marcando antes do número de destino um prefixo determinado, o carrier que deseja utilizar.
127
Naturalmente, isso tende a favorecer a concorrência por preços entre as diferentes companhias
que prestam o serviço de longa distância, ao tender erodir a concorrência.
2.4.1.4.3 Política de preços
Quanto à fixação de preços, o “Plano de Liberalização” estabeleceu que os quatro consórcios
conformados poderiam estabelecer, a partir de novembro de 1999, em pacotes os serviços de
telefonia básica de curta e longa distância nacional e internacional fixando seus próprios preços
sem intervenção dos órgãos reguladores em todas aquelas regiões em que existisse mais de um
ofertante
106
.
Cabe destacar que em um mercado altamente concentrado, como o argentino, o fato de existir
mais de um ofertante não constitui uma condição suficiente para garantir um padrão de
funcionamento competitivo, e a conseguinte desregulação total.
Assim, a pesar do marco regulatório introduzido proibir expressamente a implementação de
subsídios cruzados entre serviços com o fim de preservar a concorrência, persiste um alto risco
de que as empresas com posições dominantes implementem esse tipo de práticas,
fundamentalmente devido ao elevado nível que apresentavam as tarifas urbanas no momento de
iniciar a concorrência.
2.4.1.5 O serviço universal
A política de universalização aponta a que determinados grupos de usuários que, desde um ponto
de vista comercial, e por muitos motivos diversos, não constituem um segmento rentável do
mercado, possam ter acesso aos diferentes serviços de telecomunicações, pagando por eles um
preço acessível. A promoção da universalização, junto com uma adequada regulação dos preços,
constitui uma instância regulatória chave dadas suas implicâncias distributivas.
No “Plano de Liberalização das Telecomunicações”, o serviço universal é definido como
“un mecanismo para promover que toda la población tenga acceso a los servicios de
telecomunicaciones que satisfagan sus necesidades cotidianas tomando en cuenta las
desigualdades regionales, de ingresos y las limitaciones o impedimentos físicos de los habitantes”.
106
Nas localidades em que existisse só um ofertante, o Estado manteria o poder de regular a tarifa para evitar abusos
(isto último pode acontecer em cidades com menos de 5.000 habitantes nas quais só as LSB têm obrigação de
permanecer). Para isso foi determinado que as tarifas serão reguladas com antecedência sob o esquema price cap.
128
No Regulamento Geral de Serviço Universal
107
é estabelecido que as obrigações de prestação de
serviço universal regerão para aqueles usuários localizados em zonas com altos custos de acesso
ou manutenção, com o fim de obter serviços de comunicações com preços e qualidades similares
aos das áreas urbanas, e para beneficiar os usuários e serviços específicos através de diversos
programas.
Sem dúvida, trata-se de uma definição de serviço universal restrita, deficitária quanto a
obrigações sociais. Também é excluída a defesa dos direitos básicos da população relacionados
com o aceso democrático e pluralista à informação.
A respeito das condições para o seu financiamento, a normativa estabelece que o serviço
universal seja sustentado através de um Fundo do Serviço Universal constituído pelas taxas
sobre a receita total derivada em conceito da prestação de serviço de telecomunicações por todas
as empresas prestadoras, independentemente de sua participação no mercado
108
. Assim, em
última instância, o referido Fundo resultará das tarifas pagas pelos usuários, de forma que se
trataria de um subsídio desde os usuários de maior poder aquisitivo àqueles menos favorecidos,
que teriam acesso ao serviço em condições subsidiadas.
3. Concluções
É indiscutível que a elevada capitalização de títulos da dívida externa que caracterizou todo o
programa privatizador na Argentina, reflete o reconhecimento, por parte do governo do Dr.
Menem, de que qualquer “Reforma do Estado” que fosse implementada não podia ser realizada
sem incorporar um dos integrantes centrais do bloco do poder econômico (os credores externos –
os “perdedores” dos anos oitenta-). Porém, e em razão dos objetivos políticos perseguidos,
também não podia ser excluída a outra fração dominante (os grupos econômicos –os
“vencedores” dos anos oitenta-). Em definitiva, o anterior sugere que a importância estratégica
das privatizações não só foi expressa na transferência, a um conjunto muito reduzido de grandes
agentes econômicos, das principais companhias estatais e, por essa via, de um poder de mercado
ostensivo em setores sumamente estratégicos, senão também, e fundamentalmente, que permitiu
articular interesses que até esse momento encontravam-se enfrentados.
107
Resolução 18971/99 da Secretaria das Comunicações.
108
Esta taxa terá um limite de 1% e será determinada pela autoridade regulatória segundo as necessidades de
financiamento. A taxa foi determinada em 0,6% para o ano 2000, 0,7% para 2001, 0,8% para 2002, 0,9% para 2003
e em 1% para 2004.
129
Neste contexto, não resulta casual que nos consórcios adjudicatários da ENTel seja verificado
um tipo de “aliança tripla”, que, como na maioria das empresas privatizadas, incluiu: importantes
grupos econômicos locais, que aportaram capacidade gerencial, administrativa e,
fundamentalmente, lobbying doméstico, assim como seu conhecimento da infra-estrutura
nacional (dado que constituíam o que foi chamado na Argentina como “pátria contratista” das
empresas públicas); um número considerável de bancos estrangeiros e/ou locais ( a maioria dos
quais encontrava-se entre os principais credores do país) que aportaram boa parte dos títulos da
dívida pública argentina –externa e/ou interna- que seriam capitalizados; e certas empresas
transnacionais, que aportaram capacidade e experiência tecnológica e de gestão (trata-se, em
geral, de operadoras internacionais dos serviços privatizados).
O anterior encontra-se estreitamente relacionado com outra das características distintivas da
política privatizadora encarada no país durante a década de noventa, a saber: a absoluta
despreocupação por difundir a propriedade do capital das firmas transferidas.
Em síntese, a escassa preocupação oficial por divulgar a propriedade das empresas privatizadas
resultou em efeitos agregados de concentração de capital que, por sua vez, atentaram contra o
próprio desenvolvimento “competitivo” dos mercados privatizados e de um número considerável
de setores de atividade. Nesse sentido, é importante ressaltar que o Estado não só se desprendeu
de ativos senão que, fundamentalmente, transferiu ao capital concentrado um decisivo poder
regulatório sobre a estrutura de preços e rentabilidades relativas da economia argentina.
130
CAPÍTULO 5
CONSTITUIÇÃO DO MERCADO E
DESEMPENHO DAS EMPRESAS TELEFÔNICAS
NA FASE PÓS-PRIVATIZAÇÃO
1. Constituição do mercado pós-privatização: determinantes
Uma vez analisado o processo de privatização e posterior regulação do setor de
telecomunicações argentino, resta-nos analisar o desempenho das empresas licenciatárias do
serviço telefônico básico, durante a década de noventa. Neste sentido, será tomada a evolução de
vários indicadores de relevância, entre os quais se encontram as tarifas, investimentos,
funcionários envolvidos, crescimento das redes instaladas e sua atualização tecnológica,
evolução das vendas, lucros, entre outros.
Um dos pontos chaves que se quer ressaltar ao iniciar a análise do desempenho das empresas
adjudicatárias do serviço telefônico na Argentina, é que a privatização da ENTel, a regulação do
setor durante os anos noventa e as próprias características tecnológicas do setor, constituem uma
indústria de telecomunicações caracterizada por uma crescente concentração.
Em relação ao caráter propulsor da privatização da ENTel em termos da concentração dos
mercados, vale destacar que o mesmo pode-se verificar em três níveis diferentes, ainda que
claramente articulados entre si. Em primeiro lugar, em nível das empresas privatizadas observa-
se um acentuado grau de concentração da propriedade em mãos de um número muito reduzido
de acionistas.
Em segundo lugar, em nível do processo em si, é possível constatar que nos consórcios
adjudicatários encontra-se um dos principais conglomerados empresarias que desenvolvem
atividades no país. Desta maneira, a capacidade patrimonial – e de influência- dos potenciais
interessados deveio a principal “barreira à entrada” no “mercado” privatizador.
Em terceiro lugar, e em nível da estrutura dos mercados, apesar da transferência de monopólios
públicos ao setor privado, não se modificou a dinâmica de funcionamento dos diversos mercados
envolvidos. Apesar de que um dos argumentos centrais por detrás da privatização da ENTel era
que isso trairia inerente um maior nível de concorrência, tais mercados seguiram caracterizando-
se por uma estrutura fortemente concentrada.
131
Com a privatização, concederam-se reservas de mercado (exclusividade) nas diferentes
regiõescompanhias em que se subdividiu a empresa. Uma vez prescrito o que logo se chamaria
“período de exclusividade” durante o qual as tarifas seriam reguladas pelo Estado, o mercado de
telecomunicações seria aberto a concorrência. Este aspecto da configuração inicial do mercado
argentino de telecomunicações é medular na compreensão do desempenho posterior das
empresas que são adjudicatárias dos ativos da ENTel: dado o objetivo de liberalizar o mercado
de telecomunicações assim que se finalizasse um determinado período de exclusividade, a
estrutura de mercado que emergisse como resultado da transferência da empresa passava a
ocupar um aspecto central da futura viabilidade de um esquema competitivo na prestação do
serviço de telefonia.
Em relação à regulação do setor, o organismo regulador não levou em conta o fato de que apesar
de que fosse cada vez mais plausível a introdução de concorrência no âmbito das
telecomunicações, o impacto tecno-produtivo das transformações tecnológicas que tornaram
possível a entrada no mercado não foi homogêneo em relação a seus diferentes segmentos.
Enquanto as reduções de custos tenderam a ser muito significativas no campo das transmissões a
longa distância (produto entre outras coisas, da difusão da fibra ótica e do cabo coaxil de cobre,
assim como das transmissões satelitais), o avanço das tecnologias de comutação, que dizem
respeito ao segmento de telecomunicações locais, foi menos acentuado (Celani, 2000).
Daí que a condição de monopólio natural se visse mais debilitado no que corresponde ao serviço
a longa distância que em relação ao serviço local, onde ainda persistiam significativas economias
de escala. Isso é o que explica o fato de que
“en otros países que han encarado procesos de privatización y/o liberalización de sus mercados
de telefonía, en un comienzo se haya tendido a separar los servicios de llamadas locales de los
de larga distancia, impidiendo a las empresas operar simultáneamente en ambos segmentos del
mercado”
(Abeles, op.cit.: 7)
Desta forma, supondo que se justificava a concessão de um direito de exclusividade temporária
na prestação de serviço de chamadas urbanas, é difícil encontrar um argumento técnico que
avalizasse a concessão do serviço de chamadas de longa distância, nacionais e internacionais, às
operadoras que monopolizariam a prestação do serviço de chamadas locais. Tal decisão outorgou
as Licenciatárias não somente uma importante fonte de receitas e rentabilidade, mas sim a
possibilidade de, uma vez que se tornasse efetiva a abertura de mercado, aplicar práticas
132
predatórias (mediante por exemplo, a aplicação de subsídios cruzados) e de manter sua posição
dominante em tal segmento do mercado, mais além da prescrição do período de exclusividade.
Tal como afirma Kessides (1998),
“la regulación estructural del mercado de las telecomunicaciones suele involucrar la definición de
hasta qué punto las firmas que operan en mercados regulados son autorizadas a ingresar en
mercados competitivos... una estrategia regulatoria óptima en el campo de las telecomunicaciones
debe procurar aislar aquellos segmentos del mercado que aún conservan los rasgos de un
monopolio natural (el servicio telefónico local) de los segmentos que ya no presentan dichas
características, como el servicio de telecomunicaciones de larga distancia y la provisión de
equipos terminales”.
Ainda é mais difícil justificar a habilitação outorgada às respectivas licenciatárias das áreas norte
e sul para participar – via a SPSC (Startel), cuja propriedade também se dividiria em partes
iguais entre as duas operadoras monopólicas- nos segmentos do mercado onde se permitia, desde
o momento da privatização da ENTel, a participação de diferentes empresas diante de um
contexto competitivo.
Neste caso, a vantagem concedida às Licentárias ou incumbentes, em relação às demais
empresas que prestam serviços de valor agregado (transmissão de dados, Internet, radio-
chamadas, etc.) é evidente: ao ter que interconectar-se indefectivelmente , com a rede pública de
conexões fixas para poder abastecer a seus clientes, as empresas encontram-se expostas ao
exercício de uma série de práticas restritivas que podem obrigá-las a retirar-se do mercado. Entre
as práticas restritivas mais comuns pode citar-se, por exemplo, a cobrança de taxas de
interconexão excessivas, uma deterioração deliberada das condições de interconexão ou,
inclusive, a aplicação por parte das empresas vinculadas às incumbentes, de uma política de
preços predatória, isto é, uma concorrência desenfreada através da cobrança de preços abaixo dos
custos, possibilitado pelo colchão financeiro provisto por sua clientela cativa na prestação de
serviços básicos, até o desaparecimento dos concorrentes
109
. A autorização para as responsáveis
de prestar serviço nos segmentos do mercado expostos à concorrência não leva em conta as
considerações que, a respeito da estrutura de mercado, subjacem às disposições regulatórias
estabelecidas nos países que atravessam processos de transformação semelhantes no campo das
telecomunicações:
109
Como exemplo, basta mencionar que no segmento da Internet, as empresas vinculadas à Telefónica da Argentina
e Telecom Argentina controlam mais das três quartas partes do mercado (Schorr, 2001)
133
El regulador enfrenta, generalmente, una tarea difícil -cuando no desesperanzada- cuando procura
evitar el subsidio cruzado de los servicios prestados en condiciones de competencia, las prácticas
discriminatorias ejercidas en contra de otros competidores y, en última instancia, el
incumplimiento de ciertos objetivos regulatorios destinados a beneficiar la clientela cautiva. Dada
esta realidad de la práctica regulatoria, la “cuarentena” (en la que al operador monopólico se le
impide participar en mercados potencialmente competitivos), puede ser apropiada. En este
contexto, la separación entre los servicios locales y larga distancia constituye una opción
regulatoria atractiva desde una perspectiva estructural
(Kessides, 1998)
Seja por ação ou omissão, o planejamento original do marco regulatório setorial deu lugar a uma
estrutura de oferta de serviços de telefonia fortemente concentrada e integrada (vertical e
horizontalmente) em prejuízo da efetividade em alcançar uma dinâmica competitiva no mercado
de telecomunicações, uma vez terminado o período de exclusividade.
Este cenário torna-se mais complexo se é considerado que a convergência tecnológica entre
eletrônica, informática, radiodifusão e no próprio âmbito das telecomunicações ocasionaram a
redução das economias de escala no segmento de telefonia básica, a ampliação da gama dos
serviços oferecidos, o incremento e a diversificação dos canais através dos quais pode-se
transmitir informação (especialmente telefonia sem fio, televisão a cabo e Internet), e a
internacionalização das empresas operantes (ver capitulo 3, ponto 3.1). Desta forma não somente
se diluíram os parâmetros que permitiam considerar a atividade telefônica como um monopólio
natural, mas que, além disso, gerou-se um cruzamento de interesses entre o ramo do audiovisual
contínuo e a indústria de telecomunicações
110
: abre-se a possibilidade de prestar serviços
similares através de infra-estruturas diferentes e de oferecer serviços diferentes a partir de uma
mesma via de comunicação.
Este cruzamento gerou uma dissolução dos limites entre a produção material e simbólica, onde já
nada escapa à forma de mercadoria: abrem-se as portas para a concentração econômica na
medida em que a produção de conteúdos e as vias para transportá-lo passa a ser controlada por
110
Até este momento, a primeira se encarregava da produção de conteúdos e a segunda de sue transporte. Segundo
Nicholas Garnham (1990) “uma das conseqüências da convergência de ambos serviços seria uma distorção do
sentido de um ou ambos. O sistema de radiodifusão tem uma visão dos telespectadores e ouvintes que concebe aos
serviços como promotor de uma cultura comum e participação de uma esfera política compartilhada. Ao contrario, o
modelode telecomunicações baseia-se sobre a mera provisão de meios físicos pelos quais as mensagens individuais
podem trocar-se livremente entre assinantes individuais”.
134
poucos e concentrados operadores
111
. Redefinir os limites do mercado de telecomunicações
implica considerar uma trama de relações intra-setoriais de caráter horizontal e vertical que
passam a converter-se em importantes condutores daquilo que deveria ser a política regulatória e
antitrust, dado o impacto destas relações em relação às possibilidades de introduzir concorrência
efetiva no setor e, em conseqüência, com a dinâmica de funcionamento global do mesmo.
Desta forma em segundo lugar, examinaremos o comportamento dos principais conglomerados
do setor em relação a sua preparação para a etapa de pós-liberalização do mercado. Deve
destacar-se que diante de um marco inexistente de legislação antitrust, os três principais holdings
operantes em telecomunicações tiveram um papel sumamente ativo na concentração do setor
através de aquisições e fusões, que os prepararam para encarar o período competitivo.
aprofundamento da concentração do capital no setor de telecomunicações começa no mesmo
momento da privatização. Neste momento, fixaram-se patrimônios mínimos muito elevados para
poder participar das licitações, com isso a capacidade patrimonial dos potenciais interessados
converteu-se, de fato, na principal barreira ao ingresso neste “mercado” privilegiado das
privatizações de empresas estatais.
No caso da telefonia, em relação a outros exemplos internacionais, a experiência argentina revela
uma muito escassa ou nula preocupação oficial pela difusão da propriedade através do mercado
de capitais ou, inclusive, a entrega de ações ou ofertas preferenciais para os usuários dos
diferentes serviços
112
.
próprio chamado à licitação favoreceu a presença de poucos concorrentes. A regulação posterior
e as importantes mudanças tecnológicas ocorridas no setor reforçaram a acentuada concentração
da propriedade das empresas em um muito reduzido número de grandes agentes econômicos. E,
por outro, à sobrevivência e o crescimento de monopólios legais, com a conseqüente
consolidação de mercados protegidos, em condições regulatórias que asseguram baixos ou nulos
riscos empresariais.
111
Para um tratamento do problema da convergência entre produção e distribuição de conteúdos e a conseqüente
restrição de acesso e diversidade da informação ver Garnham (1990), Blumler (1993), Bolaño (1998) e
Aruguete(2003).
112
O exemplo que a experiência britânica oferece é claramente ilustrativo. Nas privatizações realizadas na década de
oitenta durante o governo de Thatcher, a fragmentação de propriedade das empresas privatizadas aparece como um
elemento constitutivo da estratégia política de legitimação das transformações encaradas pelo Partido Conservador.
De fato, “ em las privatizaciones... de British Telecom y British Gás se intentó deliberadamente democratizar la
propriedad... Por ejemplo en el caso de la emisión de acciones de British Gas, el 16,6% de las familias que tienen
una conexión de gas (a propósito, la vasta mayoría) también tienen una participación accionaria en British Gas. Con
su emisión lanzada en noviembre de 1984 British Telecom. Atrajo dos millones de inversionistas, de los cuales
alrededor de la mitad nunca había comprado acciones antes...” (Walters, 1988).
135
2. Desempenho das Licenciatárias do Serviço Telefônico Básico nos anos noventa
O contexto histórico no qual foi realizada a transferência da ENTel no setor privado constituía,
considerando a relativa imaturidade da rede doméstica e as transformações pelas quais passava o
setor em nível mundial, um cenário mais do que promissor para a melhoria do serviço e a
expansão da rede.
Em nível local, a existência de um elevado número de demanda insatisfeita permitia vislumbrar
um horizonte de expansão da teledensidade (número de linhas a cada 100 habitantes), muito
superior às taxas de crescimento das redes das economias centrais. Além disso, existia uma
ampla margem para a racionalização da gestão da empresa, em função da revisão da política de
compras, o investimento de capital em novas tecnologias e o excesso de funcionários.
Em escala internacional, ocorria a difusão de um conjunto de inovações tecnológicas que, no
âmbito da eletrônica
113
, da informática
114
e da telefonia
115
, tendiam a reduzir os custos de capital
envolvidos nos investimentos do setor (Colomé et alii, 2000), assim como os requerimentos de
força de trabalho para a prestação dos diferentes serviços (Celani, 2000).
Diante destas condições, as possibilidades de incrementar a produtividade das empresas do setor
e de diminuir os custos de prestação do serviço resultavam promissoras demais: o grau elevado
de demanda insatisfeita, que pressupunha a existência de economias de escala não aproveitadas,
e a introdução de novas tecnologias, apresentavam um horizonte de expansão da teledensidade
no marco de uma diminuição dos custos de serviço que podia ser apropriado pelos usuários ou
pelas Licenciatárias.
Nesse contexto, e dado que se optou pela privatização da empresa estatal sob condições
monopólicas, o Estado devia garantir:
113
No caso da eletrônica, a mudança tecnológica mais significativa era sustentada na chamada “revolução
microeletrônica” que deu lugar à miniaturização de componentes de transmissão elétrica (semicondutores ou chips),
que permitiram acelerar significativamente o processamento de informação.
114
No campo da informática, o desenvolvimento de elementos físicos (hardware) e lógicos (software) dos
computadores que transmitem, combinam e armazenam essa informação.
115
Quanto às telecomunicações, o principal avanço aconteceu na conversão ao formato digital de diferentes
modalidades de informação (textos, sons,imagens) e no espetacular incremento da capacidade de transmissão
conseguido com a introdução da fibra ótica e do cabo coaxial de cobre, assim como a difusão das comunicações
satelitais.
136
Que se verificasse uma expansão adequada do serviço respondendo ao interesse geral,
princípio regulatório que se inscreve dentro do que é denominado como serviço universal,
pelo qual se tenta expandir o fornecimento do serviço de telefonia a setores que, por razões
sócio-econômicas ou sócio-demográficas, não resultam viáveis dentro de uma perspectiva
comercial (Ferro e Celani, 2001).
Que se transferissem aos usuários os incrementos de produtividade das empresas, isto é,
garantir que a previsível diminuição dos custos na prestação de serviço não fosse traduzida
exclusivamente em aumentos de rentabilidade empresarial, senão também em diminuições
tarifárias que implicassem aumentos reais no poder aquisitivo da população, ou seja, que
fosse cumprido o princípio de “utilidades razoáveis” estabelecido nos Cadernos de Encargos.
A seguir, serão analisados os indicadores principais do desempenho das empresas licenciatárias
do serviço telefônico básico durante a década de noventa.
2.1 Expansão da Rede
Como já foi descrito no capítulo anterior, o argumento utilizado para a constituição de uma
exclusividade, antes de permitir a concorrência, foi a necessidade de assegurar condições que
induzissem ao investimento no setor. Esta inclinação regulatória de acentuar a normativa na
expansão das redes foi uma constante no caso das telecomunicações na Argentina (Celani, 2000).
Neste sentido, o Caderno de Encargos estabelecia certas metas de qualidade e compromissos de
investimento implícitos na obrigação de cobertura. Principalmente as empresas assumiram
compromissos no que se refere a investimentos, destinados a ampliar a cobertura da rede e a
melhorar substancialmente a qualidade do serviço (Quadro 1).
QUADRO 1
Metas de qualidade e cobertura da rede estabelecidas com a privatização da ENTel
Metas
Telefónica
Telecom
Total
1990/93 1994/97 1990/93 1994/97 1990/93 1994/97
Linhas telefônicas 111343 96530 110873 92293 222216 188823
Teléfonos públicos a instalar
por año
2003 2313 2007 2279 4010 4592
Demora media para arreglos
(días)
8 5 9 5 8 5
Ligações não completas % 46 38 46 38 46 38
Demora de instalacão de linhas
telefônicas (meses)
24 6 24 6 24 6
137
Fonte: Comisión Nacional de Telecomunicaciones (Argentina, CNT)
Assim como observamos no Quadro 2, ao longo da década de noventa, foi digitalizada a
totalidade da rede telefônica de enlaces fixos e a sua cobertura foi duplicada, em 1991, após a
privatização da ENTel, as linhas instaladas no serviço eram 3.093.215, chegando a superar no
início do novo século os 7,5 milhões de linhas em serviço.
Isso acarretou tanto uma melhora notável na qualidade de prestação de serviço, como um
incremento na satisfação do consumidor, que deriva da ampliação do número de pessoas com as
quais os usuários de uma rede podem se comunicar. Implicou também um incremento muito
significativo na produtividade das companhias telefônicas, como pode ser visto através do
indicador do número de linhas por funcionários utilizados. Esta evolução deriva tanto pela
expansão da rede quanto da política de racionalização de funcionários e terceirização de
atividades.
Deste aumento nas linhas instaladas, que acontece entre 1991 e 2002, 85% explica-se pelo
incremento verificado nas linhas correspondentes aos usuários residenciais; só 14% é explicado
pelo incremento registrado em linhas comerciais e 1% restante correspondente à categoria
governo.
O aumento mencionado nas linhas instaladas aconteceu fundamentalmente na região da Área
Múltipla de Buenos Aires (AMBA), 47%, e isto é explicado pelo incremento de linhas que se
verifica nesta região e 53% restante no resto do país
116
. Neste sentido, pode ser apreciado um
aspecto do desempenho setorial que passou desapercebido diante da grande evidência de
expansão da rede: aconteceu um aumento da heterogeneidade a esta expansão desde uma
perspectiva regional. A diferença na teledensidade por província (medida pelo desvio padrão
aumenta significativamente entre 1991 e 2000 [ver quadro anexo Nº1]). De fato, salvo para as
províncias de Tierra del Fuego e Buenos Aires, a brecha em termos de linhas a cada 100
habitantes alarga-se entre o início e fins da década.
116
Deve ser levado em consideração que o AMBA representa menos de 35% da população do país e
aproximadamente 50% do PIB industrial nacional.
138
QUADRO 2
INSTALAÇÕES, FUNCIONARIOS E RECEITAS
Total da Argentina – Años 1993/2002 (1)
Conceito Unidade
de medida
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Linhas instaladas Quantidade 4967588 5637837 6362352 7040167 7265229 7587622 7957775 8349678 8676322 8691366
Linhas en serviço Quantidade 3982000 4694135 5531702 6119555 6824425 7132095 7109498 7727359 7995801 7639366
Líneas digitales Quantidade 2270390 3489821 4932804 5984142 7146533 7857622 7957775 8349678 8676322 8691366
Grado de digitalización
de la red
Percentual 45.7 61.9 77.5 85 98.4 100 100 100 100 100
telefones públicos Quantidade 47254 56844 69998 80393 94532 113749 150737 153553 160524 138664
Petições de linhas
pendentes
Quantidade 448479 496070 110566 33206 19476 58207 23095 54912 38347 26455
Teledensidade Quantidade
/100 hab.
12.5 14 16 17.3 19.2 19.7 19.4 21.1 21.3 20.1
Funcionarios Quantidade 33736 31289 29690 27264 23105 21225 19461 19398 20220 20113
Productividade dos
funcionarios
Linhas
inst/funcio.
147.25 180.18 214.29 258.22 314.44 357.48 408.91 430.44 429.09 432.13
Receitas (2) Millões de
pesos
3253 3884 4664 4307 4674 5046 5173 5365 5630 5780
Serviço de telefones
celulares
Unidades
em serviço
115820 241163 340743 667020 2009073 2670862 3861529 6380897 6741791 6566740
(1) Os dados correspondem a 30 de setembro de cada ano, data na qual finaliza o exercício telefônico, com exceção do serviço móvel celular, em
cujo caso refere-se a 31 de dezembro de cada ano.
(2) O faturamento inclui os conceitos de telefonia básica, interurbana e internacional. Não estão incluídas a telefonia móvel, a transmissão de dados
nem a Internet.
Fonte: INDEC, Secretaria de Comunicações e Comissão Nacional de Comunicações.
139
Desde uma perspectiva regulatória, o que se percebe é a ausência de uma consideração “federal”
em matéria de expansão da cobertura do serviço telefônico básico, expansão que tendeu a
reproduzir aquele que desde o estado deveria se reverter, ou pelo menos amenizar.
Desde o ponto de vista da cobertura e expansão da rede, e além desta perspectiva regional, o
setor de telecomunicações pode ser visto como um caso de sucesso, comparando-o com os outros
serviços públicos privatizados (água, luz, gás), especialmente com aqueles aos quais se
concederam reservas permanentes de mercado. Uma das explicações desta particularidade é dada
por Abeles (2001:91):
“...ante la prescripción del período de exclusividad, se imponía como estrategia maximizadora de
utilidades en el largo plazo –dadas las ventajas de precedencia que acumularían las licenciatarias
durante la etapa monopólica- la captación de la mayor cantidad posible de abonados al momento
en que se abriera el mercado a la competencia... a mayor expansión de la red, menor resultaba el
margen de penetración que podrían explotar los eventuales competidores al finalizar la
exclusividad...”
Na mesma direção, Celani (1998), em um estudo dos determinantes do investimento no mercado
de telecomunicações argentino nos anos noventa, afirma que as companhias extrapolaram o
cumprimento das metas e mesmo que possa se pensar que o regulador subestimou o potencial do
mercado, parece razoável pensar que as firmas tomaram este período de exclusividade como
“una oportunidad única para consolidarse como jugadores preferenciales en un futuro juego de
mercado muy dinámico... la sobreinversión por sobre las metas exigidas ha sido un movimiento
del tipo de primer jugador...”
Como conseqüência, poderia dizer-se que o novo marco normativo telefônico estabeleceu um
esquema de incentivos adequado em relação à intenção de expandir a rede telefônica nacional.
Não obstante, restringir a avaliação do desempenho do setor a esta dimensão do seu
desenvolvimento supõe omitir um conjunto de aspectos regulatórios cujo impacto de curto,
médio e longo prazo não tende a traduzir-se em benefícios sociais, mas em rendas empresariais
extraordinárias.
2.2 Evolução tarifária
Um dos elementos que provocou maior discórdia e debate na sociedade argentina em relação ao
setor telefônico foi a evolução dos preços. Apesar de ter havido algumas conquistas que
merecem ser ressaltadas, como a redução do valor de acesso a uma linha de menos de 50 dólares,
o que ajudou a incentivar a demanda de novas linhas, o rebalanço de tarifas de 1997 aumentou as
140
tarifas locais de maneira considerável e as assinaturas de todas as categorias, gerando um tipo de
divisão de opiniões entre o interior e a região metropolitana.
Antes de analisar a evolução das tarifas, cabe fazer um comentário metodológico. Mesmo que o
valor do pulso telefônico constitua o eixo excludente da regulação das tarifas telefônicas, o
mesmo carece de plena representatividade como reflexo do custo do serviço de telefonia básica
para os usuários. A construção de um índice de preços representativo, que permita analisar a
evolução do custo do serviço telefônico básico, exige a inclusão de outros fatores, como o valor
da assinatura mensal, a quantidade de pulsos livres incluídos na assinatura e a “velocidade” no
cômputo de pulsos
117
-tanto em função de distâncias como de horários-.
Em uma análise séria da evolução das tarifas telefônicas na Argentina, não podem ser omitidos
os incrementos instrumentados pela última gestão estatal da empresa de telecomunicações,
durante a fase de preparação da sua privatização. Entre janeiro de 1990, mês em que se dá a
conhecer o Caderno de Encargos para a privatização, e novembro do mesmo ano, data na qual
são assinados os contratos de transferência, enquanto que o tipo de câmbio e os preços por
atacado aumentavam 235% e 450% respectivamente, o valor do pulso telefônico –medido em
dólares- aumentou 711%, passando de US$ 0,47 para US$ 3,81
118
. Este reajuste tarifário, prévio
à transferência da ENTel, afetaria –favoravelmente- a performance das empresas telefônicas
durante todo o período de exclusividade.
Se por um lado, os lineamentos incluídos no caderno de Encargos, para a fase pós-privatização,
pautas de reajuste tarifário inspirado no esquema price cap (ver capítulo 4, item 2.4), o nível
elevado assumido pela tarifa no momento da adjudicação da ENTel tornaria virtualmente
supérflua a redução tarifária implícita na aplicação do coeficiente x. Neste sentido, o aumento
tarifário prévio à adjudicação constituiu uma transferência de recursos de uma só vez, dos
usuários às Licenciatárias, e foi redundante em níveis tarifários e margens de rentabilidade
significativamente superiores aos registrados em outros países do mundo.
Por outro lado, a indexação das tarifas em função da evolução do IPC dos Estados Unidos se
excedeu em que, uma vez controlada a inflação na Argentina, o valor do pulso telefônico
117
Quer dizer, que o valor do pulso pode não ser alterado e não obstante o custo do serviço ter aumentado. Para que
isso aconteça é suficiente que –ceteris paribus- tenha sido incrementado o ritmo da tarifação (a quantidade de pulsos
por minuto) em um ou métodos os horários, ou que aumente o valor da assinatura mensal ou diminuam os pulsos
livres da franquia.
118
O pulso telefônico, unidade de medida herdada da fase de prestação estatal de serviço, permite quantificar –e
depois valorizar- o consumo telefônico dos usuários. O ritmo de tarifação com o quaç são computados esses pulsos
varia segundo a faixa horária e a distância da comunicação estabelecida.
141
aumentasse enquanto que o nível geral de preços ao consumidor
119
mantinha-se relativamente
estável. Por exemplo, a medida em que se consolidava o processo estabilizador –entre abril de
1995 e finais de 1999-, o valor do pulso telefônico aumentou 10,6% enquanto que o IPC local
registrava uma diminuição de 0,1% (Quadro 3).
QUADRO 3
EVOLUÇÃO RELATIVA DO CUSTO TELEFÓNICO RESIDENCIAL 1991-1999
Data Valor pulso
telefônico
Custo serv.
Telefônico
(I)
IPC (II) IPIM (III) I/II I/III
Mar-91 100 100 100 100 100 100
Dic-91 101.1 101.1 121.1 102.8 83.5 98.4
Abr-92 102.7 112.4 131.9 105.3 85.3 106.8
Oct-92 104.3 114.2 141.4 108.7 80.8 105.1
Abr-93 106.8 116.9 147.2 107.9 79.4 108.3
Oct-93 108.3 118.5 152.8 109.1 77.5 108.7
Abr-94 109.6 120 153.6 106.3 78.1 112.9
Oct-94 111.2 121.7 158.4 111.6 76.8 109.1
Abr-95 112.5 123.2 160.8 116.8 76.6 105.4
Oct-95 114.1 124.9 161.5 119.1 77.3 104.9
Abr-96 115.7 126.6 160.4 122.8 78.9 103.8
Oct-96 117.5 128.6 162.1 121.7 79.3 104.8
Abr-97 119.2 150.9 161.5 119.7 93.5 124.8
Oct-97 119.9 141.1 162 120.3 93.8 125.1
Abr-98 120.7 142 163.4 119.1 86.9 119.2
Oct-98 121.8 143.2 163.4 115.3 87.6 124.3
Abr-99 122.6 142.4 162.2 112.8 87.8 126.3
Oct-99 124.5 143.1 160.7 113.9 89.04 125.6
Fonte: Elaboración propia en base a información oficial y datos de la SIGEN
Assim, como se observa no quadro, o custo do serviço telefônico, correspondente a um usuário
residencial típico, experimentou um aumento de 43% em toda a década, superior ao registrado
pelo índice de preços por atacado (IPIM), mas inferior ao registrado pelo IPC.
Se por um lado, desde a privatização da ENTel, o custo do serviço para os usuários residenciais
refletiu um incremento menor ao experimentado pelo IPC; pelo outro, esta evolução não reflete o
119
Aliás, enquanto que o valor do pulso era reajustado com base na evolução dos preços estadunidenses, a redução
tarifária (a diminuição derivada da aplicação do coeficiente x) continuou sendo aplicada só sobre as taxas de
chamadas internacionais.
142
pulo de nível que supôs o incremento –de mais de 700%- no valor do pulso telefônico
implementado pelo governo antes de transferir a empresa ao setor privado.
2.3 Investimentos no setor de telecomunicações
O investimento setorial, uma vez obtidas as licenças de operação em 1990, esteve guiado
principalmente por dois elementos: as pautas regulatórias que determinavam objetivos de
mínima em matéria de infra-estrutura e a necessidade de se posicionar em um cenário que
prometia ser muito dinâmico, a partir da finalização do período de exclusividade.
Durante os primeiros sete anos de gestão, no período de exclusividade, a formação bruta de
capital alcançou os 15 bilhões de dólares, se considerarmos um investimento bruto e 6 bilhões de
formação líquida de capital. Como conseqüência, neste período o setor foi o de maior
investimento, entre 1991-1997, com quase 20% do total em nível nacional, ainda que,
possivelmente, a porcentagem de participação seja menor se é considerado o investimento
líquido, dado que este setor precisou substituir um estoque de capital em uma forte deterioração e
perto do momento de sua liquidação como ativo produtivo. As baixas de ativos produzidas
aumentaram a 3 bilhões de dólares, aproximadamente o valor dos ativos atuais e não atuais de
toda a ENTel, no ano 1998
120
.
Desde esta perspectiva, o investimento em infra-estrutura não só cumpriu o papel social que
normalmente lhe é atribuído –permitindo uma maior penetração na rede medida a cada 100
habitantes e um grau de digitalização total-, senão que também exerce um papel privado
enquanto outorga algumas vantagens de posicionamento para as empresas já instaladas no
mercado.
Após a liberalização, o investimento do setor mantém-se em níveis altos, ainda caindo o
investimento total da economia. A queda nos primeiros anos do novo século está associada tanto
à diminuição da demanda em serviços de telefonia (registram-se quedas no consumo de
chamadas locais e longa distância) quanto à dificuldade para importar bens de capital dada a
desvalorização da moeda Argentina.
Se por um lado o grau de importância que o investimento tem como ferramenta dissuasiva do
ingresso aos mercados é questão de debate, na Argentina, a ausência de fornecedores em nível
internacional, além dos que já estavam participando no mercado no momento de licitar as bandas
de PCS, permite abrir o questionamento de se o grau de incumbência já conseguido não
143
desanimou o ingresso de novas empresas, mesmo sendo que o PCS representaria um segmento
com um grau de contestabilidade maior à telefonia fixa.
QUADRO 4
INVESTIMENTOS E IMPORTAÇOES, TOTAL NACIONAL Y SETOR DE
TELECOMUNICACIONES 1992-2003
En millones de dólares corrientes
Ano Investimentos
Brutos Total
Argentina (1)
Invest. Bruto
Telecom. (2)
Importações
Bens de
Capital (3)
Importações
setor de
Telecom. (4)
2/1 4/3
1992 37854 1213 3095 460 3,2% 14,86%
1993 46966 1902 4115 662 4,4% 16,09%
1994 56256 2019 6038 924 3,5% 15,30%
1995 50429 2044 4746 686 4% 14,45%
1996 52426 1709 5607 753 3,2% 13,43%
1997 56727 2445 7718 1315 4,3% 17,04%
1998 59595 2368 8500 1274 4% 15%
1999 53909 2117 7017 1187 3,9% 17,59%
2000 46020 2556 5887 1519 5,5% 25,80%
2001* 38099 1387 4182 680 3,6% 16,26%
2002* 37387 959 1295 79 2,5% 6,1%
2003* 56903 1156 2501 298 11,91%
(*) Dados sujeitos a revisão
Fonte: Dirección de Cuentas Nacionales – INDEC y elaboración propia.
Quanto às importações de bens de capital do setor de telecomunicações
121
, em relação às
importações totais de bens de capital, vemos que os números são ainda mais expressivos,
chegando a 15% do total das importações na década inteira, com picos nos dois momentos de
liberalização plena. Por outro lado, os dados demonstram que quase a metade dos investimentos
fixos efetuados pelo setor de telecomunicações deriva do material importado.
120
Em dezembro de 1997, ocorreu a última desafetação do serviço de um equipamento original da empresa estatal.
121
Estas incluem: máquinas de imprimir rotativas, gravadoras e reprodutoras de imagem e som, aparelhos elétricos
para telefonia e telegrafia com fios, telefones, tele-impressoras, outros aparelhos para sistemas de transmissão por
linha comanda portadora, microfones, alto-falantes amplificadores elétricos de audiofreqüência, transmissoras e
transmissoras receptoras de televisão, rádio, radiotelegrafia e radiotelefonia, câmeras de televisão, câmeras de
cinematografia, equipamentos de escritório e cálculo e material não especializado, ferramentas manuais, grupos
eletrógenos, instrumentos de controle e medição.
144
2.4 Evolução de vendas e lucros das Licenciatárias
Entre setembro de 1991, mês em que é encerrado o primeiro balanço das atividades das
Licenciatárias do Serviço Básico (LSB), e setembro de 1999, a taxa de crescimento das vendas
da Telefônica e da Telecom foi de 12% e 10% anual cumulativo, respectivamente. Tomando
conjuntamente ambas as empresas, seu faturamento incrementou em 132% no mesmo período
(Quadro 5), magnitude equivalente ao crescimento de 130% registrado no número de linhas em
serviço. Não aconteceu o mesmo com a massa de lucros por linhas em serviço, o que reflete uma
redução muito significativa dos custos operativos das empresas.
QUADRO 5
PERFOMANCE DE TELEFÓNICA E TELECOM
(EM INDICES, SETEMBRO DE 1991=100)
Indicador Setembro 1999
R- Receitas 232
U- Lucros 390
L- Linhas em Serviço 230
F- Funcionarios 55
U/R
168
R/L
101
R/F
421
L/F
417
U/L
170
U/F
707
Fonte: Elaboração propia em base a dados da Área de Tecnología de la FLACSO
De fato, a rentabilidade líquida chegou a 290% entre 1991 e 1999, sempre considerando ambas
as empresas conjuntamente, dando lugar a um aumento de 70% na rentabilidade por linha de
serviço, no período considerado. Esta redução nos custos operativos manifesta-se ainda
observando a rentabilidade por funcionário utilizado, que cresce 607%,como resultado tanto do
aumento da rentabilidade das LSB como da redução de funcionários.
145
Desde uma perspectiva distributiva, um dos argumentos a favor da privatização da ENTel
baseava-se nos aumentos de eficiência que demonstraria a gestão privada da empresa. Porém, a
consideração distributiva depende de que os incrementos de produtividade tenham sido
efetivamente transladados aos usuários, mediante diminuições reais nos custos do serviço ou,
pelo contrário,tenham sido apropriadas pelas empresas. Isto é, o espírito do price cap consiste
não só em aumentar a qualidade do serviço senão ainda, que os aumentos de produtividade sejam
transferidos ao conjunto de consumidores, através de diminuições tarifárias, sem que isso
signifique alterar o princípio do lucro privado.
Porém, se os indicadores de produtividade são observados e confrontados por um lado com a
evolução tarifária já descrita e, pelo outro, com a evolução das margens de rentabilidade das
empresas, constata-se que os incrementos de produtividade foram absorvidos quase
integralmente pelas companhias telefônicas, como é manifestado observando a evolução da taxa
de lucros sobre vendas, que passa em média de 8,6% em 1991 para 14,4% em 1999 (Quadro 6),
com altas em 1994 e 1997.
QUADRO 6
RENTABILIDADE, TELEFÓNICA Y TELECOM 1991-1999
(EM PERCENTUAL)
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Telefónica 10,5 13,8 16,8 18,7 16,8 14 15,8 14,9 13,4
Telecom 6,1 12,5 13,4 15 15,9 13,5 15,1 16,7 16
Telefónica y Telecom 8,6 13,3 15,3 17 16,4 13,8 15,5 15,6 14,4
Fonte: FLACSO, em base a Memorias y Balances de las Empresas.
Se forem comparadas estas taxas de rentabilidade com as margens correspondentes, em nível
mundial, com as dez maiores operadoras internacionais de telecomunicações segundo o
faturamento, pode ser apreciado como a rentabilidade das LSB quase triplica a verificada para
estas empresas.
QUADRO 7
COMPARAÇÃO INTERNACIONAL DE MARGEN DE LUCRO
SOBRE RECEITAS, 1991-1999
(EN PORCENTAJES)
146
Empresa
País
Promedio
1991-1999
Nippon Telegraph & Telephone Japón 2,43
AT&T EE.UU. 4,7
Deustche Telecom Alemania 3,64
France Telecom Francia 3,89
British Telecommunications Gran Bretaña 13,02
Telecom Italia Italia 3,82
GTE Corporation EE.UU. 10,03
Bell South EE.UU. 10,86
EE.UU. 5,55
Telefónica de España España 8,06
Promedio
5,44
Telecom Argentina Argentina 13,8
Telefónica de Argentina Argentina 14,97
Promedio Argentina
14,61
MCI Communications Corp
Fuente: FLACSO
Por último, considerando as margens de rentabilidade não com base nas vendas, senão nos ativos
sujeitos a exploração –assim como era previsto no Caderno de Encargos estabelecendo a garantia
de 16% de rentabilidade- adverte-se a magnitude dos lucros extraordinários obtidos pelas
Licenciatárias. Com base em um estudo da American Chamber of Commerce:
... la tasa de retorno calculada para los ejercicios 90/91 (diez meses) y anuales 91/92, 92/93 y
93/94, en un 41,3%, 42%, 42,4% y 36% respectivamente (siempre en equivalente anual), ha
superado largamente la previsión de la garantía del 16% anual
(American Chamber of
Commerce, 1995)
2.5 Comparação do desempenho entre o setor de telecomunicações da Argentina e países
selecionados de Latinoamérica: evolução do serviço telefônico.
En el presente se tomaran algunos indicadores representativos de comparación entre el
desempeño de la industria de telecomunicaciones de Argentina y el resto de Latinoamérica. La
comparación se realiza con estos países ya que los mismos presentan una mayor similitud en
147
cuanto a PBI, evolución de la telefonía y proceso de reestructuración del sector telefónico, que si
la comparación se realizara con países europeos u otros desarrollados.
Linhas em serviço
Con respecto a las líneas en servicio, vemos que Argentina se encuentra por debajo de todos los
países seleccionados a excepción de México. Aún se encuentra por debajo de la media de todos
los países de Latinoamérica que intervienen en la muestra
122
.
De esta forma, vemos que la evolución de telefonía fija fue deficiente con respecto a los demás
países, aún aquellos que no tenían su servicio privatizado (Uruguay y Costa Rica), países como
Chile cuyo servicio fue privatizado antes que el argentino o Brasil cuyo servicio fue privatizado
posteriormente.
Así, deberíamos concluir que sólo la privatización no es suficiente para explicar los cambios en
el rendimiento de los países.
QUADRO 1
Evolução anual das linhas em serviço, 1995-2000.
País Var. 95-96 Var. 96-97 Var. 97-98 Var. 98-99 Var. 99-00
Brasil
13.89% 12.80% 17.30% 25.01% 23.78%
Costa Rica
9.76% 30.24% 8.44% 8.11% 25.02%
Chile
18.32% 25.21% 13.12% 2.04% 8.24%
Colombia
19.95% 16.13% 18.02% 4.69% 7.40%
Media países
10.89% 11.51% 11.13% 12.09% 13.20%
Uruguay
7.56% 13.76% 8.20% 8.91% 3.60%
Argentina
10.75% 10.04% 6.87% 0.46% 7.31%
México
0.29% 4.84% 7.27% 10.08% 12.86%
Fonte: AHCIET
Telefonía pública
Argentina se situó, entre los países de crecimiento medio en telefonía pública, de
aproximadamente el 30% en el período que va de 1995 a 2000. Sin embargo, se trata del segundo
país, detrás de Puerto Rico, en cuanto al número de teléfonos públicos por cada 1000 habitantes
(con 4,7 teléfonos/100 hab.) y delante de Brasil (4,5), México (3,9), Uruguay (3), Colombia
(2,5) y Chile (0.9).
Densidad Telefónica
Uno de los indicadores que mejor muestra la evolución que ha experimentado el sector de
telefonía es la teledensidad (linhas en serviço por cada 100 habitantes). Argentina se encuentra
122
Además de los que se encuentran en el cuadro, la media incluye Guatemala, Costa Rica, Bolivia, El Salvador,
Honduras, Ecuador, Paraguay, Panamá, Nicaragua, Rep. Dominicana, Perú, Cuba, Puerto Rico, Venezuela y España.
148
entre los países con mayor cantidad de teléfonos por habitante y muy por encima de la media.
Por países, la densidad telefónica se muestra en el gráfico 1.
GRAFICO 1
Densidade telefônica por países, ano 2000
Teledensidad pses seleccionados, 2000
18.17
24.94
22.12
16.91
13.46
27.84
21.31
12.47
0
5
10
15
20
25
30
Brasil
Costa Rica
Chile
Colombia
Media
países
Uruguay
Argentina
México
Fonte: Elaboración propia en base a datos de AHCIET.
Telefonía móvil
Desde principios de la década del noventa se pronosticaba un espectacular aumento en el número
de abonados a telefonía móvil debido a la apertura de mercados y entrada de competencia. Las
previsiones se cumplieron y el crecimiento experimentado en el sector muestra niveles
sumamente altos.
Con respecto a los países seleccionados en esta muestra, Argentina tuvo un crecimiento mayor a
la media pero menor al registrado en Brasil, Chile y México. Por otro lado, muestra la menor
disminución en los cargos mensuales (en el caso del servicio CPP o Calling Party Pays)
QUADRO 2
Crecimento da quantidade de usuarios de telefônia movil, teledensidade e variação do
cargo mensal
País Crec. núm.
abonados
95/99
Móviles/100
hab.
2000
Var. Cargo
mensal
95/99
Brasil
1703.78% 14 -16%
Costa Rica
1015.01% 5 -5%
Chile
1623.91% 22 N.D.
Colombia
721.88% 5 -29%
Media países
1548.66% 12 N.D.
Uruguay
1003.14% 13 -7%
Argentina
1675.52% 16 -2%
México
1944.08% 14 -2%
149
Fonte: AHCIET
Tecnología de la información: Internet
Aunque el desarrollo producido en Latinoamérica es importante, la penetración media de Internet
es muy baja. Solo siete países se encuentran por encima de la media, entre los que se encuentran
Argentina, Chile, Costa Rica, Uruguay (además de Perú, Puerto Rico, y Venezuela). Además
siete países de la región muestran una penetración por cada 100 habitantes menor a uno.
QUADRO 3
Indicadores de Internet: variação de usuarios e densidade por habitante
País Usuarios/100 h.
2000
Var.99/00
Brasil
2.94 42.86%
Costa Rica
6.21 66.67%
Chile
11.55 181.18%
Colombia
2.07 32.23%
Media países
3.3 74.60%
Uruguay
11.09 12.12%
Argentina
6.75 400%
México
2.74 48.85%
Fonte: AHCIET
Aportación a la formación bruta de capital
Fonte: Elaboración propia en base a datos de la AHCIET.
Formação bruta do capital (% do total)
Ano 1999
7
0
5
11
5
4
3
4
0
2
4
6
8
10
12
Brasil
Costa
Rica
Chile
Colombia
Media
países
Uruguay
Argentina
México
%
En cuanto a la formación bruta de capital de la industria de telecomunicaciones con respecto al
total, los países que muestran el mayor porcentaje son Colombia y Brasil. En el caso de
Argentina, ni siquiera se encuentra en la media. De esta forma, no se aprecia ninguna relación
directa entre el grado de liberalización del sector de telecomunicaciones en un país y las
inversiones realizadas en el sector.
150
3. O processo de fusões e aquisições no mercado de telecomunicações argentino e o
posicionamento dos conglomerados mais importantes
Assim como foi explicitado ao longo de todo o trabalho, as telecomunicações passaram por um
processo de transformação estrutural provocando a convivência da concorrência, devido à
entrada de novos concorrentes em alguns segmentos do mercado, com a necessidade de
regulação sobre segmentos ainda monopólicos. Como resultado, a indústria deveria estar sujeita,
simultaneamente, tanto a um regime de regulação quanto a regras de defesa da concorrência,
delimitadas pela legislação antitrust de cada país.
A integração harmoniosa destas dimensões é difícil de conseguir, já que devem ser considerados
vários riscos no âmbito da defesa da concorrência. Em primeiro lugar, podem surgir práticas
restritivas verticais ao longo da cadeia produtiva. Trata-se da possibilidade de que as empresas
estabelecidas que consolidam o poder monopólico, através da concessão dada pela privatização,
adotem práticas anti-competitivas que impeçam o ingresso de novas empresas e/ou determinem
que estas operem sobre determinadas condições (Possas et alii, 1998). Em geral, foram duas
123
as
preocupações pelas quais estas operações são monitoradas: o aumento das barreiras à entrada
124
para ofertantes potenciais e a “expulsão” dos concorrentes existentes
125
(Schorr, 2001).
Mas o caso específico do setor de telecomunicações argentino, um exemplo que ilustra esta
problemática, apresenta-se quando uma operadora da rede fixa de telefonia adquire uma empresa
prestadora de serviço de Internet e/ou de comunicações satelitais e/ou de telefonia sem fio, com a
qual mantém relações verticais do tipo “provedor-cliente”, sendo possível o desdobramento em
uma estratégia de preços predatórios, condições discriminatórias de interconexão e/ou subsídios
cruzados com tendência a eliminar do mercado aquelas empresas com as quais não tem vínculo
societário
126
.
123
Em ambos os casos, o surgimento de efeitos anti-competitivos requer, como condição necessária –mas não
suficiente-, a existência de uma posição dominante no seu mercado relevante de pelo menos uma das empresas
envolvidas na integração vertical (assim como o controle que Telefónica de Argentina S.A. e Telecom Argentina
S.A. têm sobre a rede de enlaces fixos).
124
Uma prática de integração vertical tende a enfraquecer a concorrência potencial na medida em que um
ingressante eventual seria obrigado a estar tão integrado em termos verticais para poder concorrer, já que senão
ficaria exposto a práticas anti-competitivas eventuais por parte da empresa integrada (por exemplo, subsídios
cruzados, preços de transferência, etc.).
125
Neste caso trata-se dos efeitos de um ato de integração vertical sobre as empresas já existentes no mercado: uma
firma que possui uma posição dominante no seu mercado tende a enfraquecer ou excluir suas concorrentes como
conseqüência da integração vertical.
126
Essa estratégia pode ser sustentada na posição dominante que consolida a operadora da rede fixa no segmento de
telefonia local, o que permite a empresa financiar uma estratégia agressiva de preços em segmentos contíguos que
apresentem maior grau de concorrência do que o de telefonia fixa local. Isso poderia ter sido evitado com uma
adequada regulação tarifária, além de controlando a estrutura de propriedade das firmas.
151
Em segundo lugar, é importante monitorar a evolução da estrutura do mercado durante o
processo de transição. Em particular, é importante acompanhar os movimentos de alianças, joint
ventures, aquisições e fusões horizontais entre os diferentes grupos concorrentes –ou
concorrentes potenciais - da indústria, nos seus vários segmentos (Possas et alii, 1998). Na
medida em que, desde os diversos tipos de infra-estrutura instalada pelas empresas operantes em
todos os segmentos, resulta cada vez mais possível prestar alternativamente os diferentes
serviços de telecomunicações oferecidos pelas empresas que controlam a rede fixa instalada.
O objetivo é inibir o surgimento de estruturas de mercado pouco competitivas, levando em
consideração que tais estruturas do mercado apresentam economias de escala, sunk cost e outros
fatores que as tornam não contestáveis e permitem poder de mercado e comportamentos
estratégicos por parte das firmas estabelecidas.
Desde esta perspectiva, um bom exemplo de operações que, dadas as suas implicâncias de
caráter estrutural, tenderam a atentar contra a possibilidade de gerar um padrão de
funcionamento competitivo do mercado argentino de telecomunicações, remete à forma com que
os principais conglomerados ingressaram e controlaram os diversos segmentos do mercado desde
os quais resultaria possível concorrer na prestação do serviço de telefonia básica. Desta maneira,
estes atuantes puderam bloquear o ingresso a este segmento de novas empresas, ao mesmo tempo
em que obstacularizaram a possibilidade de constituir um mercado competitivo, uma vez
finalizado o período de exclusividade.
A desregulação e liberalização do mercado não asseguram por si só um comportamento pró-
competitivo. O papel das políticas de defesa da concorrência torna-se crucial para evitar que as
firmas estabelecidas abusem das suas posições dominantes, impondo restrições à concorrência
nos mercados que atuam ou incrementando seu poder de mercado através de fusões com
empresas concorrentes.
O objetivo desta seção é avaliar o impacto que as principais transferências de capital registradas
no mercado argentino de telecomunicações tiveram sobre a configuração estrutural do mesmo. A
análise é feita a partir de 1997, pois é naquele momento que se produzem as operações mais
significativas no âmbito local.
152
É enfatizada a inserção estrutural dos principias holdings empresariais do setor, nos diferentes
segmentos que constituem o mercado, assim como o seu posicionamento relativo a respeito dos
conglomerados restantes
127
.
A partir da informação relevante, foi possível comprovar a existência de três conglomerados com
um dinamismo elevado no processo de compras e vendas e poder de mercado: o liderado pela
Telecom Italia
128
, o encabeçado pela Telefônica Internacional S.A. (TISA) e aquele constituído
em torno do grupo econômico local Agea/Clarín.
O estudo destas operações e das suas implicâncias sobre a dinâmica setorial adquire relevância,
dado que permitirá captar a configuração que o mercado local de telecomunicações apresenta
(ver tabela anexa ao capítulo para o detalhe das principais transferências de capital no setor,
acontecidas entre 1997 e 2003), com base no modelo resultante da privatização da empresa
estatal e nas concessões de licenças posteriores no campo da telefonia sem fio e do PCS.
Cabe ressaltar, ainda, que o forte processo de centralização de capital que é analisado teve lugar
no marco de uma acelerada internacionalização do setor e um aprofundamento da luta
competitiva inter-empresarial orientada a captar não só os novos mercados de serviços de valor
agregado nos países desenvolvidos, senão também, e principalmente, os benefícios da abertura,
desregulação e privatização dos “mercados emergentes” da América Latina, Ásia e Europa
Oriental (Schorr, 2001)
129
.
A respeito do primeiro dos holdings mencionados, no quadro 9 é apreciado o posicionamento
atual do grupo empresário formado em torno da Telecom Itália, nos diferentes segmentos do
mercado local de telecomunicações, assim como a sua participação no processo de fusões e
aquisições de firmas, registrado desde 1997. Em primeiro lugar, cabe destacar que até outubro de
2003 este grupo estava encabeçado também pela France Telecom. Neste momento, sua parte
127
A sistematização da informação sobre fusões e aquisições de empresas registradas no mercado argentino de
telecomunicações foi realizada a partir de várias fontes. A informação principal deriva das Memórias e Balanços das
principias empresas do setor (todos disponíveis na Internet). Em segundo lugar, foi utilizada para constatar e ampliar
a informação, o trabalho de FLACSO sobre o plano de privatizações da Argentina. O Centro de Estudos da
Produção (CEP), dependente do Ministério da Economia, fornece também informação sobre investimentos, fusões e
aquisições de todos os setores econômicos. Por último, diversos artigos em jornais e revistas especializadas, tais
como Mercado, Noticias, El Cronista, Âmbito Financiero, Clarín e La Nación.
128
Originalmente, esta empresa era denominada Stet de Italia. Quando foi privatizada pelo governo italiano, trocou a
sua denominação por Telecom Italia SpA.
129
Como conseqüência disso foram generalizadas as alianças estratégicas e as participações cruzadas entre as
grandes operadoras de serviços de telecomunicações e os fabricantes de equipamentos de comunicações, as
empresas produtoras de conteúdos e/ou os grandes conglomerados que operam os meios de massas na escala
mundial (para maior informação ver Fagundes, 1997 e Stiglitz, 2002).
153
vendida a W da Argentina Inversiones SL, do grupo argentino Werthein, por 125 milhões de
dólares, resultando a seguinte formação do grupo:
CUADRO 8
Composición accionaria de Sofora Telecomunicaciones SA (100% de Telecom Argentina)
Empresa (% de participación ) Origen/Grupo
Telecom Italia S.p.A. (32.5%) Telecom Italia (Italia)
Telecom Italia Internacional N.V. (17.5%) Telecom Italia (Italia)
W de Argentina Inversiones SL (48%) Argentina
France Cable et Radio (1.3%) France Telecom (Francia)
Atlas Services Belgium S.A. (0.7%) Bélgica
Fuente: CNC, SECOM y Telecom Argentina S.A.
Este grupo conseguiu fortalecer sua posição no segmento de transmissão de dados
(especialmente aquele vinculado ao acesso à rede de Internet), a partir da aquisição das firmas
Com Ing S.A., Arnet S.A. e Microsistemas S.A.
130
. Em segundo lugar, ao analisar a inserção
estrutural alcançada por este conglomerado, é constatado o elevado grau de integração vertical
que apresenta nos segmentos de transmissão e distribuição de conteúdos.
QUADRO 9
INSERÇÃO ESTRUTURAL DEL HOLDING SOFORA TELECOMUNICACIONES SA
NO MERCADO ARGENTINO DE TELECOMUNICAÇÕES
Serviço Empresas del holding
até 1997
Empresas que se
incorporan a partir de
1997
Relação atual com o
holding (2004)
Telefonía básica Telecom Argentina SA Controlada
Llamadas internacionales Telintar SA (1)
Telecom Internacional SA
Disuelta
Controlada
Transmisión de datos
Startel SA (2)
Microsistemas SA
Arnet SA
Disuelta
Controlada
Absorbida por
Microsistemas SA
Soluciones integrales para
empresas
Telecom Soluciones SA
Absorbida por
Microsistemas SA
Telefonía celular Miniphone SA (3)
Telecom Personal SA
Disuelta
Controlada
Comunicaciones satelitales Nahuelsat SA Vinculada
Televisión por cable --- ---
Televisión abierta --- --- ---
Radiodifusión --- --- ---
130
Apesar deste segmento sempre ter estado aberto à concorrência, vale apontar que o grau elevado de concentração
verificado no mesmo tende a aumentar ainda mais as barreiras à entrada que, por si mesmas, são derivadas da
habilitação dada às licenciatárias do serviço telefônico básico para participar nos segmentos competitivos do
mercado, assim como do grau elevado de integração vertical de suas atividades.
154
Producción de contenidos
(5)
--- --- ---
Otros Radiollamada SA (6)
Publicom SA (7)
Miniphone Trunking
Multibrand SA
Sky Argentina SCA
Cable Insignia –Núcleo SA
Telecom Argentina USA
Vinculada
Controlada
Controlada
Vinculada
Vinculada-Vendida
Controladas
Controlada
Fonte: Elaboração propia en base a dados de Telecom Argentina SA, CNC, SECOM, AHCIET, Schorr (2001) y
Revista Mercado.
(1)Telintar SA foi dividida e seu patrimônio foi absorvido em partes iguais pela Telecom Argentina SA e
Telefónica de Argentina SA.
(2) Startel SA foi dividida e seu patrimônio foi absorvido em partes iguais pela Telecom Argentina SA e Telefónica
de Argentina SA.
(3) Miniphone SA foi dividida e seu patrimônio foi absorvido pela Telecom Argentina SA e Telefónica de Argentina
(4) Através desta empresa, a Telecom Argentina SA presta serviços de PCS tanto no AMBA quanto no interior do
país.
(5) Mesmo que o conglomerado não participe da propriedade das empresas associadas à produção de conteúdos,
muitas das firmas vinculadas ao transporte de dados (em especial aquelas relacionadas com o fornecimento de
acesso a Internet) também se dedicam à elaboração de dados e informação.
(6) Rádio-chamada é uma empresa dedicada à prestação do serviço de rádio-mensagens na qual a Telecom
Argentina SA possuía 50% do capital. Em 2000 foi vendida a duas empresas de capital nacional, Stop Car e
Radiollamadas San Juan.
(7) Esta empresa, da que a Telecom Argentina possui 100% do capital acionário, dedica-se à edição e distribuição de
listas telefônicas.
Desta forma, a partir da própria orientação dada pelo marco regulatório do setor e do processo de
transferências de capital registrado nos últimos tempos, o conglomerado pode se posicionar
estrategicamente nos segmentos de telefonia fixa local (através da Telecom Argentina S.A.),
transmissão de dados (Telecom Soluciones S.A. e Microsistemas S.A.), chamadas internacionais
(Telecom Internacional S.A.), telefonia celular (Miniphone S.A. no AMBA e Telecom Personal
S.A. na região norte do país) e PCS (em todo o país). Por sua vez, desde uma perspectiva
horizontal, destaca-se a sua inserção nos diversos segmentos desde os quais resultaria possível –
dadas as tendências tecno-produtivas do setor- exercer pressão competitiva na prestação do
serviço telefônico por enlaces fixos.
Aliás, como parte da estratégia de internacionalização da empresa controladora, a Telecom
Argentina incursionou no mercado do Paraguai, através do controle de Núcleo (telefonia celular
e PCS) e Cable Insignia (televisão a cabo); e no mercado dos Estados Unidos por meio da
Telecom Argentina USA Inc., empresa criada em 2001 para obter uma licença global de
prestação de serviços internacionais outorgada pela FCC neste país.
155
Em síntese, o conglomerado liderado pelas duas empresas européias até finais de 2003 e pela
Telecom Italia desde 2004, revela uma participação significativa naqueles segmentos do mercado
local de telecomunicações que:
Além de ter sido efetivada a liberalização, apresentam quase reservas do mercado e uma
elevada rentabilidade, como é o serviço telefônico local básico
131
;
São caracterizadas por apresentar uma crescente demanda e concorrência restringida pelo
próprio quadro regulatório, como no caso da telefonia sem fio (devemos lembrar que o
grupo, através da Telecom Personal S.A. adjudicou duas das quatro licenças para prestar o
serviço de comunicações pessoais no AMBA, ao mesmo tempo em que podem prestar o
mesmo serviço no resto do país);
Estiveram caracterizados por uma oferta monopólica durante o período de exclusividade e
aberta a concorrência no final de 1999, como no caso das chamadas internacionais;
E nos quais, independentemente de que estejam abertos a concorrência desde o início do
processo privatizador, apresentam atualmente um grau elevado de concentração da oferta
(transmissão de dados)
132
.
Quanto à inserção relativa deste conglomerado em relação aos encabeçados pela TISA e o grupo
Agea/Clarín, importa ressaltar o alto grau de integração vertical e horizontal das suas atividades,
que reflete no seu bom posicionamento em matéria de transmissão e distribuição de dados, na
medida em que participa nas três infra-estruturas pelas quais é possível prestar estes serviços
(cabo, satélite e radioespectro). Não obstante, não tem uma participação significativa no
segmento de produção de conteúdos colocando-o em uma situação de desvantagem relativa
diante de alguns participantes.
Em relação ao conglomerado liderado pela TISA, cabe destacar em primeiro lugar que a
empresa mencionada conseguiu consolidar seu espaço no interior da Telefónica de Argentina
S.A., em janeiro de 2000, quando compra do CEI Citicorp Holding
133
sua parte na Telefónica de
131
A experiência internacional mostra que o segmento da telefonia básica é aquele no qual, no marco de um
processo de desregulação, as pressões competitivas costumam tornar-se efetivas mais lentamente do que no resto
dos segmentos do mercado.
132
Vale ressaltar que mais do que três quartas partes da oferta são controladas por firmas pertencentes aos
conglomerados empresariais analisados neste item.
133
O Citicorp Equity Investments (CEI) surge em 1991 como corporação independente do Citibank, criado por
Richard Handley, CEO de Citibank e John Reed, titular do Citicorp. O conglomerado não só estender-se-ia ao longo
da década a importantes segmentos das telecomunicações, senão que resolveria os problemas financeiros pelos quais
o Citibank passava em 1992. Handley declarou em 1996: ”a região latino-americana salvou o Citibank em 1992,
quando o banco perdia dinheiro e na América Latina ganhou mais 400 milhões de dólares. Nós tínhamos na
Argentina US$ 80 milhões em empréstimos e decidimos convertê-los em ativos: hoje o CEI é cotado em 1 bilhão de
156
Argentina e troca ações da sua filial argentina pelas próprias, acedendo a 96% da Telefónica de
Argentina S.A. (e suas sociedades vinculadas ou controladas). Este é, sem dúvida, aquele que se
mostrou mais ativo no que se refere à compra e venda e criação de firmas.
Como se aprecia no quadro 10 e no anexo ao capítulo, desde 1997 este grupo empresário vem
desdobrando uma estratégia expansiva que lhe permitiu ingressar –e controlar, em muitos casos-
na maioria dos segmentos do mercado argentino de telecomunicações
134
, acedendo a um grau de
integração muito importante, tanto vertical quanto horizontal de suas atividades.
Por outro lado, conseguiu posicionar-se no mercado de televisão aberta e a cabo, que junto com
o grupo Agea/Clarín controlam praticamente na sua totalidade. Além disso, através das suas
empresas de transmissão de dados pela Internet, controlam mais da metade do segmento local.
Finalmente, as operações registradas durante o período analisado permitiram que o
conglomerado se posicionasse em importantes empresas de produção de conteúdos, tanto de
cinema como de televisão.
Neste sentido, resulta evidente de que maneira as operações nas quais o holding esteve envolvido
possibilitaram integrar-se verticalmente desde os segmentos vinculados à produção de
conteúdos, até aqueles relacionados com as múltiplas vias para o seu transporte e distribuição,
reforçando, ainda mais, o poder de mercado que o mesmo sustentava a partir da sua participação
na Telefónica de Argentina S.A. e suas empresas controladas e/ou vinculadas. Desta maneira, o
grupo conseguiu incrementar o grau de integração horizontal de suas atividades no segmento da
transmissão de dados, a partir da aquisição de muitas firmas de televisão aberta e a cabo, o que
além de colocá-lo em um segmento desde o qual resulta viável a prestação do serviço telefônico
básico, permitiu ao grupo ampliar visivelmente sua participação na rede cabeada instalada no
país.
A estratégia de holding TISA pode ser dividida claramente em duas fases. Em um primeiro
momento, o conglomerado instrumentou uma estratégia “defensiva” direcionada a bloquear a
dólares e tem só 80 milhões em dívidas” (Clarín, 3/4/96). Em 1993, Handley vendeu 60% do CEI, o que rendeu ao
Citibank uma utilidade de 450 milhões de dólares. Entre os novos sócios, encontravam-se os argentinos Raúl
Moneta (23%), grupo Whertein (10%) e outros investidores como os fundos de investimento Quantum e Quadras de
G. Soros (Fonte: base de dados do projeto “Privatização e regulação na economia argentina”).
134
O mercado latino-americano figura como uma das bases sobre as quais a estratégia de expansão internacional da
TISA se estrutura. A empresa mencionada tem participação no mercado de telecomunicações brasileiro (através da
Telesp, Telesp Celular, Tele Sudeste Celular e Tele Leste Celular), Colômbia (Cocelco), Chile (Telefónica CTC
Chile), El Salvador (Telefónica de El Salvador), Guatemala (Telefónica Guatemala), Peru (Telefónica de Peru),
Porto Rico (Telefónica Larga Distancia) e Venezuela (CANTV). Deste modo, associou-se nos Estados Unidos com
a MCI para explorar o mercado hispano-falante neste país.
157
entrada de concorrentes potenciais ao segmento de telefonia básica
135
, especialmente a partir da
compra de importantes empresas de televisão a cabo. Porém, uma vez sancionado o decreto
264/98 –pelo qual foram estabelecidas as características que assumiria a desregulação setorial- o
conglomerado desdobrou uma estratégia expansiva que lhe permitiu constituir e/ou consolidar
uma posição dominante em todos aqueles segmentos do mercado local que funcionavam sob um
contexto competitivo, e o qual continuaram fazendo depois de concretizada a desregulação
setorial, como por exemplo, a transmissão de dados através da Internet, a produção de conteúdos,
a televisão a cabo
136
.
QUADRO 10
INSERÇÃO ESTRUTURAL DEL HOLDING TELEFÓNICA INTERNACIONAL S.A.
NO MERCADO ARGENTINO DE TELECOMUNICAÇÕES (1)
Serviço Empresas del holding
até 1997
Empresas que se
incorporan a partir de
1997
Relação atual com o
holding (2004)
Telefonía básica Telefónica de Arg. SA Controlada
Llamadas internacionales Telintar SA (2)
Telefónica Larga Distancia
Telefónica Internacional
Wholesale Services (3)
Disuelta
Controlada
Controlada
Transmisión de datos
Startel SA (4)
Advance SA
Overnet SA
Fibertel-TCI SA
Satlink SA
Emergia Argentina SA (5)
Disuelta
Controlada
Controlada
Controlada
Controlada
Controlada
Soluciones integrales para
empresas
Telefónica Servicios
Globales SA
Telefónica Data Arg. SA
Katalix Argentina SA
Telefónica Ingeniería de
Seguridad SA (TIS) (6)
Atento Argentina SA (13)
Cambio de denominación
Controlada
Controlada
Controlada
Controlada
Telefonía celular Miniphone SA (7)
Telefónica
Comunicaciones
Personales Unifón SA
Disuelta
Controlada
135
Isto foi declarado pelo ex-presidente da Telefónica, Juan Villalonga, ao jornal Clarín em 1997 “el ingreso al
segmento de televisión por cable constituye un arma defensiva, ya que si alguna otra firma prestara ese servicio
podría representarle (a Telefónica) una potencial competencia en telefonía”.
136
Este processo estaria associado, segundo García (2000), à capacidade de “antecipação” da Telefónica de
Argentina S.A., já que em meados de 1998 discutia-se na Argentina um novo projeto de legislação anti-monopólio
pelo qual seriam sancionadas (ou impedidas) todas aquelas práticas empresariais tendentes a constituir e/ou
consolidar posições dominantes. Desta forma, a empresa elevou significativamente seu poder de mercado em
diferentes segmentos, antes que a lei o proibisse, em 1999, quando foi sancionada.
158
Comunicaciones satelitales Org. Int. de
Telecomunicaciones por
Satélite Intelsat
Vinculada
Televisión por cable Multicanal SA
Cablevisión SA (8)
Fintelco SA –VCC
Mandeville Partners Arg.
Vendida en 1998
Controlada
Absorbida por Cablevisión
Absorbida por Cablevisión
Televisión abierta Telearte SA-Canal 9
Telefé SA-Canal 11 (9)
Vinculada
Controlada
Radiodifusión Radio La Red
Radio Continental
FM Hit
Controlada
Controlada
Controlada
Producción de contenidos Admira Media
Comunicaciones SA (10)
P&P Endemol
Atlántida Comunicaciones
–AtCo SA
Controlada
Vinculada
Controlada
Otros Radiollamada SA (11)
Telinver SA (12)
Telecomunicaciones y
Sistemas SA
Radio Móvil Digital SA
Call Center SA Argentina
Wireless
Radio Servicios SA
Vendida en 1999
Controlada
Controlada
Controlada
Controlada
Controlada
Fonte: Elaboração propia en base a datos de Telefónica de Argentina SA, CNC, SECOM, AHCIET, Schorr (2001) y
Revista Mercado.
(1) São incluídas unicamente aquelas empresas vinculadas ao mercado argentino de telecomunicações. Foram
excluídas numerosas sociedades investidoras, assim como empresas vinculadas ao setor industrial e a outras
empresas de serviços em que o CEI participa.
(2)Telintar SA foi dividida e seu patrimônio foi absorvido em partes iguais pela Telecom Argentina SA e Telefónica
de Argentina SA.
(3) Esta nova empresa gere, de forma integrada, os serviços por atacado do Grupo Telefónica e a rede que os suporta
para oferecer serviços internacionais de voz, dados e capacidade a outras operadoras e às empresas do Grupo.
(4) Startel SA foi dividida e seu patrimônio foi absorvido em partes iguais pela Telecom Argentina SA e Telefónica
de Argentina SA.
(5) Emergia foi criada para fornecer serviços de telecomunicações de banda de grande largura através de um anel de
fibra ótica submarino de alta capacidade, que une todo o continente americano. É a primeira rede troncal (backbone)
de capacidade maior a um terabite (um milhão de megas) por segundo.
(6) Telefónica Ingeniería de Seguridad (TIS) é a empresa do Grupo Telefónica que oferece serviços de segurança. A
atividade desta companhia compreende quatro áreas de negócio bem definidas: consultoria e auditoria, desenho e
engenharia, fornecimento e instalação, e manutenção. Seu serviço principal é um sistema de gestão e controle que se
diferencia pela facilidade e flexibilidade de implantação de diversas tecnologias, tornando-o compatível com sub-
sistemas e equipamentos de diferentes fabricantes. Opera na Argentina desde maio de 2000.
(7) Miniphone SA foi dividida e seu patrimônio foi absorvido pela Telecom Argentina SA e Telefónica de
Argentina.
(8) Através da Cablevisión SA, o holding participa da propriedade de numerosas e médias empresas de televisão a
cabo no país todo.
(9) Através da Telefé é proprietária de oito canais de televisão aberta que emitem nas cidades de Bahía Blanca
(Canal 9), Córdoba (Canal 8), Mar del Plata (Canal 8), Neuquén (Canal 7), Rosario (Canal 5), Salta (Canal 11),
Santa Fe (Canal 13) e Tucumán (Canal 8).
(10) Admira Argentina S.A. agrupa e gere a participação Telefónica S.A. nos meios locais de comunicação, e está
presente em toda a cadeia de valor do setor áudio-visual. No que se refere à produção, participa com 50% na García
Ferré Entertainment, produtora de filmes infantis; com 30% da Patagonik Film Group, produtora cinematográfica; e
com 20% em Torneos y Competencias, produtora de eventos esportivos. Possui indiretamente 71% nas ações da
159
Sprayette S.A., empresa de marketing direto e participa por sua vez com 51% na Rodven, uma gravadora que
produz, distribui e comercializa discos para vários países latino-americanos e organiza espetáculos musicais ao vivo.
(11) Rádio-chamada é uma empresa dedicada à prestação de serviço de rádio-mensagens na qual a Telefónica de
Argentina SA possuía 50% do capital. Em 2000 foi vendida a duas empresas de capital nacional, a Stop Car e a
Radio Llamada San Juan.
(12) Telinver SA dedica-se à edição e distribuição de listas telefônicas.
(13) Esta companhia oferece às empresas novas alternativas de relação com seus clientes através de contact centers
ou plataformas multicanais (telefone, fax, internet). Dispõe de serviços de valor agregado, como Database
Marketing e Data Mining, fidelização, gestão de cobranças e operações, atendimento de reclamações e incidências,
atendimento de relações comerciais empresa-cliente, fullfilment.
Atualmente, Telefónica Media – controlada pela TISA- tem participação na licença de dois
canais de ar nacionais –Telefé (20%) e Azul TV (100%)-, em uma clara infração da lei 22285
que proíbe ter mais de uma licença na mesma área de cobertura primária.
Desta maneira, enquanto que na primeira fase a autoridade regulatória não deu atenção alguma
aos efeitos anti-competitivos derivados da compra de várias empresas de televisão a cabo
137
,
nesta segunda fase, não foram levados em conta os efeitos negativos derivados da elevada
concentração que apresentam os segmentos que não apresentariam barreiras legais ao ingresso; e
derivado de todo o anterior, as restrições à concorrência emanadas da crescente integração
vertical e horizontal do conglomerado
138
.
Quando é analisada a inserção estrutural deste holding aprecia-se de que maneira, assim como o
constituído pela Telecom Italia, tem uma participação significativa nos segmentos que
atualmente operam sob um esquema de concorrência restringida legalmente e margens elevadas
de rentabilidade (telefonia básica e celular). Adicionalmente, controla grande parte do segmento
de transmissão de dados (especialmente via Internet), o que adquire uma particular relevância se
for considerado que o mesmo não se encontra legalmente protegido da concorrência. Desta
maneira, o conglomerado tem uma participação importante de mercado no segmento de televisão
a cabo, com o qual conseguiu elevar substancialmente as barreiras à entrada na telefonia básica,
já que qualquer outra empresa que oferecesse o serviço poderia chegar a representar uma
concorrência potencial em telefonia.
A capacidade de “antecipação” da Telefônica pode ser vista, ainda, no segmento que seria
constituído como o mais rentável e dinâmico depois da liberalização: as soluções integradas em
telecomunicações para todo tipo de empresas. Quando um grande número de empresas ingressou
no mercado no final da década de noventa, Telefônica já tinha criado suas próprias empresas
137
Entre 1997 e 1998 mais de 50 empresas de televisão a cabo de todo o país foram compradas pelos grandes
grupos, diretamente ou através da Multicanal, Supercanal e Cablevisión.
138
Deixam fora de análise as repercussões político-sociais desta concentração.
160
(Telefónica Data Arg. SA, Katalix Argentina SA, Telefónica Ingeniería de Seguridad SA (TIS) e
Atento Argentina SA), atendendo diferentes nichos do que seria na nova década o “creme” do
negócio
139
.
Por último, também conseguiu posicionar-se estrategicamente no segmento da produção de
conteúdos, ingressando à propriedade de algumas das principais firmas do país (assim como
Atlántida Comunicaciones S.A. e Torneos y Competencias).
Em síntese, como resultado deste processo de aquisições no âmbito de mercados contíguos, que
tendeu a incrementar o poder de mercado deste holding –sobre o já concedido através do próprio
marco regulatório-, o conglomerado liderado pela TISA perfila-se como um dos grupos
multimeios mais importantes do país. Alcançando um alto grau de integração vertical, assim
como um grande controle da maioria dos segmentos do mercado argentino de telecomunicações,
especialmente, aqueles que constituem infra-estruturas alternativas para prestar o serviço
telefônico básico. Sua debilidade relativa radica em que, diferente dos outros dois complexos
empresariais analisados, praticamente não participa no segmento das comunicações satelitais.
Finalmente, cabe analisar a inserção estrutural do conglomerado de empresas liderado pelo grupo
Agea/Clarín. O grupo Clarín começou sendo uma empresa jornalística fundada em 1945. É o
único grande grupo de origem nacional do setor de telecomunicações. Em 1989, Clarín deu um
pulo qualitativo graças a uma série de aquisições que o colocariam em uma posição dominante
no mercado. A lei da Reforma do Estado 23696/89 permitiu às empresas editoras e jornalísticas
terem acesso a licenças de radiodifusão
140
. A posterior convocatória a concurso público para a
adjudicação por quinze anos das licenças das emissoras LS 84 TV canal 11 e LS 85 TV canal 13
favoreceu a empresa que adjudicou este último canal em meio a denúncias sobre acordos
políticos.
Em 1992, o holding associou-se à americana GTE na exploração da firma “Cía de Teléfonos del
Interior” (CTI) e venceu o concurso para a adjudicação de licenças para a exploração do serviço
de telefonia móvel das duas áreas nas quais o interior do país foi dividido.
139
No atendimento de telefonia e transmissão de dados para empresas atuam aproximadamente uma dúzia de firmas
direcionadas ao negócio em geral ou a nichos. As mais importantes são AT&T (investimentos de US$ 500 milhões
para o traçado de uma rede de fibra ótica que unirá 40 cidades, NSS (investimentos de US$ 500 milhões para uma
rede de fibra de 1000 km. Complementada por tecnologias sem fio), Comsat, Impsat (firma de transmissão de dados
do grupo Pescarmona e British Telecom, que fornece serviços a 1900 empresas), Metrored, Techtel, Telenet, Arlink.
140
Mediante esta lei foi modificada a Lei de Radiodifusão 22285/80 que proibia ser proprietário, sócio ou ter
vinculo jurídico ou econômico com outras empresas de radiodifusão.
161
Este grupo foi constituído formalmente como sociedade anônima em 1999. Até esse momento, a
propriedade do grupo concentrava-se em quatro pessoas: Sra. Ernestina Herrera de Noble, o Sr.
Héctor Horacio Magnetto, o Sr. José Antonio Aranda e o Sr. Lucio Rafael Pagliaro
141
. Nesse
momento, Goldman Sachs efetuou um investimento direto no Grupo Clarín S.A. A transação
implicou um aumento de capital e a incorporação de Goldman Sachs como sócio minoritário do
mesmo, com uma participação de 18% do capital acionário.
Como se observa no quadro Nº 11 e no anexo ao capítulo, as operações de compra, venda e
criação de empresas nas quais o grupo viu-se envolvido, permitiram, por um lado, ingressar no
segmento da transmissão de dados (Internet) através da Prima S.A.; por outro, consolidar seu
lugar no segmento da televisão a cabo, no qual já tinha uma significativa participação
(Multicanal SA, Supercanal Holding SA, etc.) e por último prestar serviço de televisão satelital, a
partir da sua participação majoritária na Galaxy Entertainment Argentina
142
. Ainda, como foi
mencionado, este grupo já participava desde 1993 no segmento de telefonia móvel no interior do
país, através da CTI S.A. e CTI Norte S.A. e em 1999 resultou adjudicatária de três licenças para
prestar o serviço de comunicações pessoais (duas de maneira direta através da CTI e uma através
da sua associação com a americana GTE).
QUADRO 11
INSERÇÃO ESTRUTURAL DO GRUPO AGEA/CLARÍN
NO MERCADO ARGENTINO DE TELECOMUNICAÇÕES (1)
Serviço prestado Empresas do holding
até 1997
Empresas que se
incorporan a partir de
1997
Relação atual con el
holding (2004)
Telefonía básica Cía de Telecomunicaciones
Integrales SA (1)
Vinculada
Llamadas internacionales Cía de Telecomunicaciones
Integrales SA (1)
Vinculada
Transmisión de datos
Primera Red Interactiva
Multimedios Prima SA
Controlada
Soluciones integrales para
empresas
Gestión Compartida SA Controlada
Telefonía celular CTI Cía de Teléfonos del
Interior SA (2)
CTI Norte Cía de
Teléfonos del Interior SA
Vinculada
141
Esta concentrada estrutura de propriedade ajudou ao multimeio a conseguir que fossem feitas reformas na
legislação para o próprio proveito, usando as suas publicações e telas de TV para levantar críticas contra a
intervenção estatal até o momento do fim da Conversibilidade, quando junto a outros meios de comunicação e
empresas privatizadas de serviços públicos pressionou para que o governo do Dr. Duhalde estendesse a pesificação
das dívidas contraídas com a banda local.
142
Na Argentina existem unicamente duas empresas autorizadas a prestar serviços neste segmento, a Galaxy e a
TDH SA.
162
(2) Vinculada
Comunicaciones satelitales Galaxy Entertainment
Argentina
Controlada
Televisión por cable Multicanal SA (3)
Fintelco SA
Sinergy SA
Controlada
Absorbida por Multicanal
Vinculada
Televisión abierta Artear SA (4) Controlada
Radiodifusión Radio Mitre SA Controlada
Producción de contenidos Arte Gráfica Editorial
Argentina Agea SA
Diarios y Noticias SA
Tele Red Imagen Trisa SA
Televisión Satelital
Codificada SA
Adtime SA
Bs. As. Televisión SA
Hachette Filipacci-Agea
Publicaciones SA
Ty C Sports SA
TyC Max SA
TyC Uruguay SA
Telered Deportes Chile SA
CIMECO SA (5)
Multideporte-Teledeportes
SA
Patagonik Film Group
Pol Ka SA
Controlada
Controlada
Vinculada
Vinculada
Controlada
Controlada
Controlada
Vinculada
Vinculada
Vinculada
Vinculada
Vinculada
Vinculada
Controlada
Vinculada
Vinculada
Otros Artes Gráficas Rioplatense
SA (6)
Papel Prensa SA (7)
Audiotel SA (8)
Supreme Tickets
Grupo Clarín SA (9)
Controlada
Vinculada
Vinculada
Controlada
Fonte: Elaboración propia en base a dados de Grupo Agea/Clarín, Centro de Estudios para la Producción (MECON)
CNC, SECOM, AHCIET, Schorr (2001) y Revista Mercado.
(1) Através desta empresa, o grupo presta, junto com a norte-americana GTE, o serviço telefônico básico e
interurbanos e internacionais.
(2) Em ambas as empresas o grupo está associado à GTE. Através destas empresas, presta o serviço de PCS tanto
no AMBA como no interior do país.
(3) Através da Multicanal o grupo participa da Supercanal Holding S.A. e das empresas controladas e/ou
vinculadas pela mesma, controlando também um grande número de firmas de TV a cabo(Grupo Cablemundo,
Circuito Cablevisión SA, Cable Imagen SA, Video Visión SA, Chaco Cable Color SA, Río de la Plata Cable Color
SA, TV Cable General Pico SA, Difusora SA, Buena Imagen SA TV Cable SA, Cablevisión DU-KE SA,
Multivisión SA, Cerri Video Cable SA, Cable Total SA, Inversora TV Cable, CV Teleinversora SA, Inversora
Multivisión SA, Radio Satel SA, Cablevideo SA, Cablevisión Gálvez, TE.VE. CO SA ).
(4) Através da Artear S.A., o grupo controla os seguintes canais: Canal 13 de Buenos Aires, TN, Volver, Magazine,
Canal 7 de Bahía Blanca, Canal 12 de Córdoba.
(5) Através desta empresa, Agea/Clarín participa da propriedade dos jornais Los Andes e La Voz del Interior. Nesta
empresa, assim como no Papel Prensa e Diarios y Noticias S.A., o grupo está associado à SA La Nación.
(6) Artes Gráficas Rioplatense S.A. é uma empresa dedicada à impressão e edição de livros e diversas publicações.
(7) Papel Prensa S.A. é uma firma dedicada à fabricação de papel, na qual o grupo está associado, entre outros, à
SA La Nación.
(8) Audiotel S.A. é uma firma dedicada à prestação do serviço de áudio-texto.
(9) Grupo Clarín S.A. é a empresa holding em que se consolidam as participações do conglomerado em todas as
firmas.
163
Como conseqüência disso, o grupo Agea/Clarín –assim como o conglomerado liderado pela
TISA- conseguiu incrementar significativamente o grau de integração vertical de suas atividades
desde aquelas vinculadas à produção de conteúdos até as relacionadas com as diversas vias para
seu transporte e distribuição.
Como pode ser visto na nota 32 do quadro 11, o grupo Agea/Clarín adquiriu através da
Multicanal S.A. numerosas empresas de televisão a cabo (fundamentalmente pequenas e médias
do interior do país) o que permitiu se posicionar em um segmento fundamental para concorrer,
no futuro, no âmbito da telefonia básica e, adicionalmente, incrementar seu controle sobre a rede
de TV a cabo instalada no país.
Por outro lado, sua participação na propriedade das empresas de TV a cabo mais importantes da
Argentina permitiu ao grupo, por um lado explorar as vantagens de integração implicadas na
operação simultânea deste segmento, no de transmissão de dados e, fundamentalmente, no da
produção de conteúdos, assim como participar no controle de empresas com elevadas margens de
rentabilidade, derivadas da limitada concorrência verificada internamente na televisão a cabo.
Em termos relativos aos restantes holdings, vale ressaltar que, com diferença do encabeçado pela
TISA, o grupo tem a vantagem relativa de participar nas três vias alternativas para transmitir voz,
dados, imagens (rede cabeada, satélite e radioespectro), enquanto que diferentemente da Telecom
Italia, tem uma participação significativa no segmento da produção de conteúdos. Esta inserção
estrutural no mercado lhe permite compensar, ainda que seja parcialmente, a desvantagem que
supõe não participar na propriedade da rede telefônica fixa nem contar com as vantagens de
precedência que os outros dois conglomerados possuem.
Analisando o posicionamento atual dos holdings predominantes no mercado argentino de
telecomunicações, constata-se que muitas das operações registradas tiveram tendência a
incrementar seu grau de integração vertical, a partir de um processo de expansão que lhes
permitiu inserirem-se nos vários segmentos que constituem este mercado, elevando de maneira
considerável as barreiras ao ingresso ao mesmo. Deste modo, em termos horizontais, os
participantes mencionados conseguiram se inserir e controlar os diversos elos do mercado
ampliado, desde os quais resultaria possível proporcionar o serviço de telefonia básica. A
conjunção de ambos os processos acarretou o aprofundamento de um processo de concentração
do capital que foi iniciado a partir da sanção do marco regulatório no qual foi inscrita a
privatização da ENTel e das concessões posteriores na telefonia celular a PCS.
164
Esta estratégia, comum aos três conglomerados, de elevar as barreiras à entrada ao mercado,
esteve diretamente relacionada com a liberalização do setor. Desta maneira, em um contexto
político e institucional caracterizado pela abstenção estatal a avaliar os impactos que as fusões e
aquisições de empresas podiam ter sobre a futura dinâmica setorial, os três holdings analisados
no presente item conseguiram fechar o mercado a concorrentes potenciais, limitando
significativamente a possibilidade de conformar um mercado que apresente um certo –mínimo-
grau de concorrência uma vez concluído o período de exclusividade. Assim, o processo de fusões
e aquisições de empresas que teve lugar em um âmbito local de telecomunicações, nos últimos
anos, era caracterizado:
Pela renúncia estatal de monitorar e, eventualmente, intervir no processo de transferências de
capital registrado, o que acarretou o aprofundamento do processo de concentração e
centralização do capital do setor;
Pelo alto grau de integração vertical que alcançaram os conglomerados analisados, que
elevou os requerimentos mínimos de capital para qualquer ingressante potencial ao mercado,
e, como conseqüência, reforçou ainda mais as já elevadas barreiras existentes à entrada, ao
mesmo tempo em que os riscos de que as firmas pertencentes a estes grupos empresariais
instrumentem diferentes tipos de práticas oligopólicas restritivas.
A sanção do decreto de liberalização “legalizou” a consolidação das posições dominantes dos
conglomerados empresários analisados (além daquele liderado pela Compañía de
Radiocomunicaciones Móviles Movicom SA).
Assim, no caso argentino não foram levadas em conta todas aquelas recomendações que a
maioria dos especialistas no assunto consideram como imprescindíveis para viabilizar a transição
de um regime monopólico ou outro competitivo (oligopólico) no mercado de telecomunicações.
Neste sentido, e em um claro contraste com o acontecido na Argentina, Herrera (1998) aponta
que para garantir efetivamente essa transição
“puede ser recomendable que el Estado limite las posibilidades de la operadora dominante de
ampliar su abanico de servicios o de hacer uso de tecnologías alternativas para prestar lo que
normalmente ofrece...el sentido de imponer este tipo de asimetría regulatoria... es dar mayores
oportunidades al surgimiento y fortalecimiento de nuevas empresas, utilizando tecnologías
alternativas y/o usufructuando los beneficios propios de las economías de diversificación”
(Herrera, 1998: 186)
Desta maneira, foi bloqueado o enorme potencial competitivo que na atualidade apresenta o
mercado de telecomunicações, o qual se sustenta, como já foi analisado, nas profundas mudanças
165
tecnológicas que operam sobre o mesmo. Em outras palavras, atentou-se contra uma das
características do setor –ser um oligopólio de base potencialmente instável
143
- assentando as
bases para a conformação e consolidação de um oligopólio de base estável não sustentado na
inovação e na mudança tecnológica, senão, fundamentalmente, nas barreiras ao ingresso no
mercado, dadas pela permissividade regulatória.
Assim, distante de potencializar um funcionamento competitivo dos mercados de
telecomunicações (e socialmente ótimo em termos de alocação de recursos e bem-estar geral)
acentua-se e consolida-se o grau elevado de oligopolização, com o que vale questionar sobre
qual foi então o efeito economicamente eficiente da retirada do estado.
Em definitiva, seja por ação ou omissão, as diversas políticas estatais implementadas durante os
anos noventa, no âmbito do mercado de telecomunicações, tenderam a consolidar dois diferentes
níveis de concentração. Em primeiro lugar, em relação ao conjunto do setor, verifica-se que um
núcleo muito limitado de grandes conglomerados econômicos apresenta um poder elevado de
mercado que se sustenta, entre outros fatores, no alto grau de integração tanto horizontal quanto
vertical que as suas atividades apresentam (o que opera, ao mesmo tempo, como uma importante
barreira à entrada do mercado de ingressantes potenciais). Um segundo nível de concentração,
diretamente vinculado ao interior, remete à estrutura do mercado (altamente concentrada)
prevalecente em cada um dos segmentos que conformam o mercado argentino de
telecomunicações, nos quais constata-se que os holdings empresariais analisados controlam
grande parte da oferta dos mesmos. Cabe ressaltar, por exemplo, os casos:
Da telefonia básica (local, nacional e internacional), onde Telefônica de Argentina S.A. e
Telecom Argentina S.A. controlam praticamente a totalidade do mercado, dado que há quase
cinco anos da liberalização do mercado, ainda não foi implementada a escolha da operadora
por discagem;
Da telefonia celular e PCS, onde os três conglomerados somados à Movicom/Bell South
controlam a totalidade do mercado, fato agravado por causa da não concorrência de todas
estas empresas no país todo;
Da televisão a cabo, na qual a renúncia estatal para monitorar as diversas transferências de
capital registradas, assim como avaliar seus impactos sobre a dinâmica do conjunto do
143
Sustentado na apropriação de quase rendas tecnológicas (vinculadas à inovação e à mudança tecnológica) de
caráter transitório (Nochteff, 1996).
166
mercado, ocasionou que os dois conglomerados dividissem praticamente a totalidade do
segmento mencionado, o que possibilitou, adicionalmente, incrementar significativamente
seu controle sobre a rede de TV a cabo instalada no país;
Da transmissão de dados via Internet, onde os três holdings analisados controlam na
atualidade cerca de 75% da oferta;
Da televisão via satélite, onde o grupo Agea/Clarín tem participação majoritária em uma das
duas firmas habilitadas para prestar este serviço no mercado local;
Da televisão aberta, onde Agea/Clarín e TISA são proprietárias de dois dos cinco canais de ar
de cobertura nacional, que são também os de maior audiência, ao mesmo tempo em que
participam na propriedade de numerosos canais do interior do país;
E da produção de conteúdos, onde estes últimos holdings participam na propriedade das
principais empresas do país.
4. Alguns esboços da política regulatória e econômica, destinados a diminuir a
concentração e o poder econômico dos conglomerados que controlam as
telecomunicações na Argentina
Enquanto que a concentração econômica é uma problemática que envolve as diferentes
instâncias do funcionamento econômico da sociedade, as políticas orientadas a neutralizar seus
efeitos e restabelecer a eficiência econômica comprometem diferentes áreas da política, tanto
econômica quanto regulatória. Neste ponto, tornam-se claras as políticas específicas orientadas a
regular o comportamento e rentabilidade das empresas operantes nos mercados de
telecomunicações, muitas das quais deveriam ser direcionadas a todos os serviços públicos
privatizados nos anos noventa.
4.1 Revisão tarifaria integral do serviço telefônico básico
a) Revisão no marco das disposições legais que emanam das Leis 23696 (Reforma do
Estado), e 23928 (Convertibilidade)
Os privilégios das empresas licenciatárias do serviço telefônico básico foram vistos
potencializados diante da aplicação de cláusulas de ajuste periódico das tarifas que, inclusive,
convertem a experiência argentina em um caso único , em nível mundial (como o caso de aplicar
como preços corretivos na utilização do “price cap”, a evolução de índices de preços dos
Estados Unidos). Trata-se da “dolarização” das tarifas como passo prévio ao estabelecimento de
167
cláusulas de indexação das mesmas, associadas às variações de preços dos Estados Unidos, o
qual supôs a contravenção das disposições explícitas da Lei de Convertibilidade.
Neste ponto, promover uma revisão dos ajustes das tarifas telefônicas realizados durante os anos
noventa, torna-se indispensável.
b) Reajuste dos “preços base” das tarifas como meio de limitar os lucros extraordinários
Deve-se recordar que ao fim dos dez meses anteriores à transferência da ENTel, o valor do pulso
telefônico aumentou, medido em dólares americanos, mais de sete vezes. Daí a necessidade de
realizar-se uma revisão tarifária integral que resulte na obtenção de tarifas e rentabilidades justas
e razoáveis.
c) Eliminação dos atrasos regulatórios e aplicação efetiva dos fatores de eficiência
O “atraso regulatório” associado à mudança das tarifas abonadas pelos usuários do coeficiente
de eficiência empresarial foi, na Argentina, muito significativo. Trata-se de uma das principais
falhas normativas que tenderam a desvirtuar boa parte das vantagens que, em teoria,
desprendem-se de regular preços em mercados monopólicos ou oligopólicos através do
mecanismo de price cap.
d) Aplicação da figura de “neutralidade tributaria” no âmbito das telecomunicações
O marco que regula as telecomunicações estabelece que as empresas prestadoras de serviço
devem transferir às tarifas finais, as variações de custo originadas nas mudanças das normas
tributárias. Esta figura legal da neutralidade tributária reconhece que todo incremento ou
redução nas cargas impositivas que afetam às empresas, deve ser transferido aos consumidores e
usuários de todos os serviços públicos.
Durante a década de noventa foram acontecendo diversas disposições legais que em matéria
impositiva acarretaram reduções consideráveis na carga fiscal que afeta as empresas
prestadoras(redução das cargas padrões, no imposto aos selos e à importação dos bens de
capital). No entanto, o seguimento da evolução das tarifas do serviço telefônico indica a não
observância empresarial –e a inexistência de algum controle regulatorio a respeito- da
correspondente transferência aos usuários das reduções nas cargas impositivas derivadas da
isenção e/ou supressão de diversos encargos e das menores alíquotas impositivas e/ou bases
agravantes de determinados tributos.
Determinando-se a apropriação ilegal das conseqüentes rendas extraordinárias (sacrifício fiscal
não transferido aos usuários) seria adequado:
168
Determinar o estoque internalizado pelas empresas e fixar um plano de reintegração de tais
rendas aos usuários;
Modificar as respectivas tarifas a partir do cálculo da incidência efetiva da redução das
cargas fiscais de acordo com a configuração dos custos impositivos das empresas.
4.2 Regulamentar, no âmbito dos serviços públicos, a legislação de Defesa da
Concorrência.
As atuais inconsistências da Lei de Defesa da Concorrência (N.º 25156) dão lugar a omissões
regulatorias que derivam, em última instância, na inação pública em matéria de defesa da
concorrência no campo dos serviços públicos.
Em função disso e considerando o crescente grau de concentração nos diferentes elos da cadeia
de telecomunicações, assim como a elevada integração vertical e horizontal das empresas
líderes, adquire interesse particular avançar na conformação de um Organismo Regulador que se
articule tanto com os organismos de defesa da concorrência como com a Secretaria de
Comunicações, de tal forma que reforce o controle sobre o comportamento das empresas do
setor e, dessa forma, reduza ao máximo, a possibilidade de que tais participantes
instrumentalizem diferentes tipos de condutas abusivas.
4.3 Dar independência e autonomia plena à Agência de Regulação e Controle dos serviços
de telefonia e garantir o cumprimento das normas que emanam da Constituição
Nacional no que se refere aos organismos reguladores.
A esse respeito, é imprescindível a clara diferenciação das missões, funções e responsabilidades
que correspondem à Secretaria de Comunicações e à Comissão Nacional de Comunicações, no
que diz respeito à regulação e controle do setor. Em segundo lugar, torna-se imediato dar a uma
ou ambas agências, autonomia e independência do poder político. Desta forma garantir-se-ia o
cumprimento pleno e satisfatório das obrigações a cargo das empresas prestadoras de serviço
telefônico e por outro, e naquele marco, proteger os interesses e direitos dos usuários e
consumidores.
Mesmo assim, deveriam cumprir-se as disposições que surgem do Artigo 42 da Constituição
Nacional que, em busca da proteção dos direitos dos usuários e consumidores de bens e serviços,
169
dispõe, por exemplo, a participação de representantes das províncias e de organizações de
usuários nos organismos de controle.
Por outro lado, já que o financiamento da CNC provém de uma porcentagem sobre a receita das
empresas reguladoras (o que determina que o órgão regulador tenha escasso incentivo para
promover uma queda de tarifas e, desta maneira, das rendas por vendas e dos lucros das firmas) é
imprescindível introduzir certas modificações em tal esquema de financiamento. Isso permitiria
não somente incrementar os incentivos para que o organismo regulador promova uma queda de
tarifas, mas também reduzir consideravelmente o risco de “captura do regulador” por parte das
empresas reguladas.
4.4 Integrar na problemática regulatória, uma visão dinâmica da incorporação do
desenvolvimento científico-tecnológico no âmbito dos serviços de telecomunicações,
preservando o poder de decisão do Estado na definição de diretrizes estratégicas no
assunto.
Este último ponto é muito importante já que, apesar de durante a década passada novas
tecnologias foram introduzidas, o setor prestador de serviços de telecomunicações se
transformou em importador de pacotes tecnológicos, sobre os quais quase não tem participação
alguma em sua elaboração e posterior gestão. E mais, a partir dos anos noventa, muitas empresas
prestadoras de serviços públicos tenderam a internacionalizar suas áreas de engenharia local,
substituindo-as pela incorporação de tecnologia importada e praticamente sem nenhum
desenvolvimento local (Azpiazu e Basualdo, 2001).
Sem dúvida, avançar do Estado na promoção de políticas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D)
teria múltiplas externalidades positivas como, por exemplo, revitalizar uma estratégica esfera (a
de P&D) que nos anos noventa foi praticamente agredida pelas políticas neoliberais; conseguir
uma articulação – hoje praticamente inexistente- entre o setor privado e as instituições públicas,
dedicadas à geração de ciência e tecnologia (Universidades, CONICET, SETPCyT, etc.). Isso
por sua vez, permitiria avançar na conformação de um perfil produtivo mais “conhecimento –
intensivo” e por tanto, caracterizado por uma maior geração de encadeamento de valor agregado.
4.5 Em estreita relação com o ponto anterior, consensuar com as empresas reguladas, a
implementação de programas de desenvolvimento de fornecedores locais, no marco da
legislação vigente do “compre nacional”
170
Isso contribuiria, em primeiro lugar, para promover o crescimento das PyMes que nos anos
noventa foram afetadas pela orientação da política econômica
35
. Isso permitiria não somente
fortalecer um perfil produtivo mais “conhecimento – intensivo” mas também, igualmente uma
maior geração de valor agregado doméstico e postos de trabalho (mão de obra altamente
qualificada), incrementar o grau de integração nacional da produção local e, deste modo,
começar a reverter o processo de desarticulação do conjunto produtivo ao qual se assistiu durante
os anos noventa.
5. Reflexões finais
A análise do setor de telecomunicações envolve uma crescente complexidade se são
consideradas as inter-relações existentes entre serviços e infra-estruturas. A análise do
desempenho das licenciatárias do serviço telefônico básico deve estar acompanhada de uma
análise do comportamento dos conglomerados que as controlam, ou aos quais tais licenciatárias
estão vinculadas.
Desde o ponto de vista dos êxitos da privatização, pode dizer-se que se conquistaram vários dos
principais objetivos: massivo processo de investimento, ampliação da extensão de redes,
melhorias na qualidade do serviço, atualização tecnológica de todos os elementos da rede e
ampliação de serviço de telefonia celular e Internet. A indústria apresenta hoje um grau de
atualização de serviços similar aos de um país desenvolvido (por exemplo, os investimentos
para implementar a quarta geração de celulares, já de GMS).
Na hora de revisar alguns pontos pode dizer-se que a experiência argentina estabelece
questionamentos em matéria de preços (especialmente aqueles nos quais se prestou serviço em
termos monopólicos durante a década de noventa) e especialmente em relação ao projeto
institucional. Em primeiro lugar, surge a necessidade de fortalecer o organismo regulador no que
corresponde a sua independência em relação ao poder público e à captação por parte das
empresas. O processo de concentração do setor pode conquistar-se, em parte, pela concepção
regulatória que tinha o governo do Dr. Menem. As normas não deviam desalentar aos possíveis
investidores. Neste sentido, a capacidade de pressão empresarial, produto da disponibilidade de
recursos técnicos e de informação, encaminhou-se a uma super-representação dos interesses dos
operadores privados. A orientação normativa dos organismos reguladores foi condescendente
35
Estas empresas tinham uma significativa gravitação nos diferentes mercados dedicados à elaboração de bens
utilizados pelas empresas prestadoras de serviços públicos, em particular, bens de capital.
171
com as demandas das empresas prestadoras. Este posicionamento aprofundou-se por sua falta de
autonomia em relação ao poder político: a CNC não concretiza assuntos de políticas de
telecomunicações globais no país, senão que se limita ao controle das políticas que planeja a
Secretaria de Comunicações, dependente diretamente do Poder Executivo.
Em segundo lugar, a inserção estrutural dos principais conglomerados no mercado ampliado de
telecomunicações requeria da intervenção de um Estado que regulasse a fusão entre empresas de
diversas atividades e a participação de uma mesma firma em diferentes segmentos do setor. As
experiências regulatórias mais exitosas no plano internacional não somente tendem a impedir
que a prestação de serviço de chamadas de longa distância seja realizada pelo mesmo operador
que fornece o serviço de telefonia local, mas, além disso, restringem a participação das empresas
que realizam serviços de telefonia fixa, setores de telefonia celular, Internet ou televisão a cabo.
172
CAPÍTULO 6
CONCLUSÕES
A Argentina viveu nos anos noventa, um processo de difícil reversão, que se caracteriza, entre
outros aspectos pela crescente regressão na distribuição de recita e a conseqüente fragmentação
social, o aprofundamento da desindustrialização, concentração econômica, centralização do
capital, abertura e desregulação assimétrica da economia, liberalização financeira, precariedade
do mercado de trabalho e o predomínio de um Estado retirado da atividade econômica e
regulatória, crescentemente subordinado às frações mais concentradas de capital.
O vasto programa de reestruturação empreendido pelo Dr. Menem foi justificado em nível
teórico nos principais postulados da corrente de pensamento neoclássico, mais precisamente, em
uma visão ingênua da mesma: a mera “liberalização” dos mercados é condição suficiente para
garantir um funcionamento competitivo dos mesmos e por tanto “socialmente ótimo” em termos
de designação de recursos e bem-estar geral.
O caráter –ingênuo- que o pensamento neoliberal adota na Argentina, devém de um presumível
“desconhecimento” das hipóteses centrais da própria teoria neoclássica: as forças de mercado
atuando livremente potencializam o bem-estar geral sempre que se trate de mercados de livre
concorrência e concorrência perfeita ou quando muito quase perfeita. Em um contexto de
mercados imperfeitos, a retirada do Estado não pode ter efeitos neutros sobre os agentes
econômicos, já que fortalece o poder de mercado dos participantes em posição dominante,
acentuando, em conseqüência às falhas de mercado pré-existentes (alto grau de concentração) e
aumentando o risco de que tais participantes instrumentem diferentes tipos de práticas
oligopólicas predatórias.
Nas palavras de um dos principais expoentes da teoria neoclássica, John Hicks (1968):
“el abandono general del supuesto de la competencia perfecta, la aceptación universal de
que existe monopolio o competencia imperfecta, ha de tener consecuencias muy destructoras para
la teoría neoclásica. Cuando existe monopolio, las condiciones de estabilidad se hacen
indeterminadas y, como consecuencia, desaparecen las bases sobre las cuales pueden construirse
las leyes económicas”
Neste sentido, o caso do mercado argentino de telecomunicações constitui um marco bastante
adequado de referência para avaliar tal política, por esta razão no mesmo convergem duas das
principais medidas sobre as quais se sustentou, em última instância, o programa de
173
reestruturação: privatização e desregulação, cujos resultados estruturais foram a consolidação e
preservação de mercados monopólicos, transferência de ativos subvalorizados e,
fundamentalmente, de um poder regulatório decisivo em termos da configuração da estrutura de
preços e rentabilidades relativas da economia e aprofundamento do processo de concentração e
centralização do capital.
Sem prejuízo da notável melhora que se produz na qualidade e cobertura da prestação do serviço
telefônico básico durante os anos noventa, é evidente que a elevada rentabilidade relativa – tanto
local, às outras atividades econômicas, como desde uma perspectiva internacional, em relação às
principais companhias telefônicas do mundo - que as empresas licenciatárias do serviço básico
experimentaram, não remete unicamente a sua eficiência operacional – neste caso as empresas
radicadas na Argentina superariam os padrões de produtividade das empresas telefônicas mais
importantes do mundo - mas além disso ao favorável contexto normativo e institucional do qual
participaram – e que souberam, como pode apreciar-se, condicionar e limitar-.
Na literatura especializada em privatizações, encontram-se princípios elementares que deveriam
ter sido considerados ao privatizar a empresa ENTel:
Primeiro, a privatização deve ser precedida pelo estabelecimento de uma estrutura
regulatória eficiente, para assegurar que a concorrência mantenha-se e, se esta é limitada,
para que não existam preços monopólicos.
Segundo, sendo possível, a privatização deve ser precedida pela introdução de boa
concorrência, através da extensão de licenças a novas companhias privadas ou dividindo
a companhia telefônica.
Terceiro, é mais fácil introduzir concorrência privatizando somente uma parte do sistema,
por exemplo, compra de linhas telefônicas e não privatizar todo o sistema, dando o
monopólio de todos os segmentos a uma única empresa.
Finalmente, o regulador necessita assegurar que a privatização e o poder exercido pelo
monopólio, sendo este público ou privado, não restrinja a diversidade.
Contudo, tanto a privatização quanto a posterior regulação do setor mostra expressivas
debilidades que terminaram condicionando o desempenho da industria. Trata-se de ações ou
omissões que construíram um cenário privilegiado limitado, quanto a seus benefícios, a um
número escasso de agentes econômicos.
A este respeito, a precariedade regulatória que caracteriza a experiência privatizadora da
empresa telefônica estatal, manifesta-se em vários campos: formulação tardia e limitada de
174
marcos regulatórios, constituição de agência reguladora (CNC) fraca, com claros sinais de
captação por parte do poder político e com uma definição obscura de tarefas, recorrentes
renegociações contratuais – que apontaram a preservar as rendas das empresas prestadoras-,
sanção de disposições (vinculadas ao comportamento de preços e tarifas) que contravém
normas de grau jurídico superior.
Vale referir-se ao sistema de regulação tarifária utilizado no setor telefônico, o sistema de
price cap. Como já foi explicitado, o mesmo refere-se a um preço máximo cujo objetivo é
transferir aos consumidores parte dos ganhos de produtividade das empresas. As muitas
vantagens teóricas deste sistema foram vistas permanentemente corroídas na experiência
argentina, já que se permitiu às empresas reestruturar tarifas distorcidas quando as mesmas o
requererem, mas além disso, em clara infração à Lei de Convertibilidade, as telefônicas
foram as únicas empresas – de serviços públicos ou não- que puderam indexar tarifas, de
acordo com a taxa de inflação norte-americana, e com isso ainda contaram com um seguro do
tipo de câmbio. Desta forma, qualquer que seja o critério comparativo que se adote para
avaliar o grau de racionalidade dos lucros que as empresas prestadoras de serviço telefônico
internalizaram, chega-se a uma mesma conclusão: trata-se de lucros extraordinários e de
privilégios (a nível local e internacional) que se apóiam em tarifas que não se caracterizam
por sua justiça e nem racionalidade.
Outro dos elementos substanciais do processo de privatização, regulação e posterior
liberalização dos de telecomunicações é que o mesmo devém como propulsor do processo de
concentração e centralização do capital. Tanto pelas modalidades que a privatização adotou,
como pelas omissões em matéria de defesa da concorrência –tanto no plano normativo como
na própria ação regulatória- o programa desestatizador emerge como um marco histórico
fundamental na dinâmica da concentração do capital no setor.
Em primeiro lugar, vale destacar a total falta de preocupação em difundir e fragmentar a
propriedade da empresa privatizada (por exemplo, através do mercado de capitais ou a
entrega gratuita de ações ou ofertas preferenciais aos usuários do serviço). Esta desatenção
oficial em reduzir a propriedade seria um indutor para a concentração do capital e terminou
consolidando a uns poucos conglomerados que, a partir de então, passaram a controlar uma
variada gama de atividades –integradas vertical ou horizontalmente-.
Assim, verifica-se um nível duplo de concentração. Por um lado quanto à propriedade das
empresas licenciatárias: as posses acionárias ficam em mãos de poucos grupos,
175
consolidando-se ainda mais, ao longo da década, a concentração da propriedade. Verifica-se,
assim mesmo, outro grau bastante elevado de concentração em nível setorial: poucas
empresas envolvidas em todos os segmentos do setor de telecomunicações.
Assim mesmo, este processo foi potencializado pela inação em matéria de legislação “anti-
trust”, em especial a escassa preocupação –normativa e regulatória- que a defesa da
concorrência mereceu. O introduzir competência, o promover –ou forçar- padrões de
comportamento que se assemelhem aos esperados em mercados competitivos constituem
mecanismos inevitáveis em matéria de regulação, em mercados que não demonstram sinais
de competição.
Foi somente em agosto de 1999, há mais de oito anos de tratamentos parlamentares de
diversos projetos, que se sancionou a Lei 25156 que introduz referências ao controle prévio
de fusões e aquisições. No entanto, tal lei apresenta ambigüidades quanto ao alcance da
mesma em setores regulados por algum órgão do Estado.
Em tal marco, os principais conglomerados empresariais que atuam no mercado argentino de
telecomunicações conseguiram posicionar-se e controlar, todos aqueles segmentos do
mercado desde os quais é possível, em função do novo perfil tecno-produtivo setorial que foi
sendo consolidado, competir na prestação do serviço telefônico básico (fundamentalmente,
televisão a cabo). Adicionalmente, puderam incrementar o grau de integração vertical de suas
respectivas atividades, desde a produção até o transporte e distribuição de conteúdos, o qual,
dado o complexo emaranhado de relações intra-setoriais que se dão no mercado, trouxe
relacionados importantes efeitos horizontais, associados ao incremento das barreiras à
entrada do mesmo, emanadas da crescente integração. Desta forma, três conglomerados
conseguiram, em boa proporção, fechar o mercado a potenciais competidores, reforçando as
barreiras –já elevadas- que tinham constituído-se a partir das inconsistências regulatórias da
privatização e das reservas de mercado durante o período de exclusividade e a posterior
liberalização do setor –onde prorrogou-se o período de exclusividade por mais dois anos-
restringiu-se o mercado de telefonia básica a quatro participantes até novembro do ano de
2000.
Neste contexto, e considerando que os conglomerados econômicos mencionados participam
das empresas beneficiadas pela normativa (trata-se de Telefónica de Argentina AS, Telecom
Argentina AS, e CTI Movil AS e Multicanal AS do grupo AgeaClarín), tais participantes
aplicaram estratégias que tendem a consolidar seu poder de mercado naqueles segmentos –
176
altamente rentáveis- que ficariam, em principio, abertos à concorrência (televisão a cabo,
transmissão de dados, Tc).
Por último, o que se quer enfatizar em relação ao oligopólio telefônico argentino é que a
predominância desta estrutura não implica barreiras à entrada dadas por economias de escala.
De fato, além da mudança tecnológica e do forte crescimento da demanda em alguns
segmentos do mercado de telecomunicações, que implicariam a diminuição da escala mínima
eficiente, persistem nele importantes barreiras à entrada de outros tipos.
A não mediação de uma regulação ativa necessária por parte do Estado, eleva de forma
substancial a probabilidade de que os participantes mencionados abusem das posições
dominantes que detêm em cada um dos segmentos, em detrimento de seus competidores –
reais e potenciais- e fundamentalmente dos usuários.
Para finalizar, basta uma reflexão. As medidas políticas (policy) são instrumentos que
podem, devem ser utilizados em prol da “Política”, entendendo-se esta como projeto amplo e
integral que leva em consideração objetivos, em longo prazo, de eficiência, eqüidade e
coesão social. Desta forma, política (como projeto) e medidas políticas (como instrumentos)
devem ser duas dimensões claramente diferenciadas nos processos governamentais.
No entanto, a década passada nos mostra que tomados os “instrumentos” como “Políticas”,
os resultados distanciam-se muito de adquirir tal integralidade: a liberalização das “forças de
mercado” e a “retirada do Estado”, não somente não teve os efeitos otimizadores aos quais
tanto se fez referência na Argentina neoliberal dos anos noventa, mas na realidade, teve
efeitos devastadores para a economia.
177
BIBLIOGRAFIA
ABELES, M. (2001) La Privatización de ENTel: Regulación estatal y ganancias extraordinarias
durante la etapa monopólica. En: El oligopolio telefónico argentino frente a la liberalización del
mercado. Bernal/ Universidad Nacional de Quilmes.
ABELES, M., FORCINITO, K., SCHORR, M. (2001) El mascarón de proa del proceso de
privatizaciones. En: El oligopolio telefónico argentino frente a la liberalización del mercado.
Bernal/ Universidad Nacional de Quilmes.
ABELES, M., FORCINITO, K., SCHORR, M. (2002) El mercado argentino de
telecomunicaciones: perspectivas y desafíos en la etapa actual. Ponencia presentada en “Hacia el
Plan Fenix. Otra Argentina es posible. De la crisis al crecimiento con equidad”, Buenos Aires,
2002.
ABDALA, M.A. y SPILLER, P. (1999) Instituciones, contratos y regulación en Argentina.
Buenos Aires / Temas Grupo Editorial.
ACEVEDO, A., LINARES, M. (2001) Estructura y competitividad en telecomunicaciones.
En:
Revista de la AHCIET, Madrid, Nº88.
ARTANA, D, LOPEZ MURPHY, R., NAVAJAS, F Y URBIZTONDO S., (1996) El rebalanceo
de las tarifas telefónicas en Argentina. Documento de Trabajo Nº 48. Buenos Aires/ FIEL.
ARUGUETE, N. (2003) Concentración en el escenario comunicacional
En: Revista Realidad
Económica, Buenos Aires, Nº199 (oct-nov 2003)
AYALA ESPINO, J. (1999) Insitituciones y economía. Una introducción al neoinstitucionalismo
económico México/ Fondo de Cultura Económica.
178
AZPIAZU, D. e BASUALDO, E. (2001) Concentración económica y regulación de los servicios
públicos. Presentado en: Seminario “Hacia el Plan Fénix”, Facultad de Ciencias Económicas de
la Universidad de Buenos Aires, septiembre de 2001.
BAUMOL, W.J (2002) When competitive neutrality requires differentiation access pricing: cross
subsidy whit real competition C.V. Starr Center for Applied Economics, New York University,
mimeo.
BAUMOL, W.J., PANZAR, J.C., WILLIG,R.D. (1982) Contestable Markets and the Theory of
Industry Structure Orlando/ Harcourt Brace Jovanovich.
BASUALDO, E., AZPIAZU, M y otros (2002) El proceso de privatización en Argentina.
Universidad Nacional de Quilmes/ IDEP.
BEKER, V.A., CENZON, E., GALPERÍN, C., ROZENWURCEL, G. (2001) La Telefonía en
Argentina: de la privatización a la desregulación 1º ed. Buenos Aires/ Ediciones Macchi.
BENITEZ, D.A., ESTACHE, A., KENNET, D.M., RUZZIER, C.A., (2000) Potential Role of
Economic Cost Models in the Regulation of Telecommunications in Developing Countries.
Working Paper Nº 10, Centro de Estudios Económicos de la Regulación, UADE.
BLUMLER, J. (1993) Televisión e interés público
Barcelona/ Antoni Bosch ediciones.
CABRAL, L. (1997) Economía Industrial
Madrid/ Mc-Graw Hill.
CELANI, M., (2000) Reformas en la Industria de las Telecomunicaciones en Argentina.
Texto
de Discución Nº 18, Centro de Estudios Económicos de la Regulación, UADE.
179
COLOMA, G., GERCHUNOFF,P., SCHIAPPACASSE, M. (1994) La privatización de las
telecomunicaciones en Argentina. Serie Reformas de Política Pública, Documento de Trabajo Nº
22, Cepal.
COLOMÉ, R.A., NEDER,E., CEBALLOS FERROGLIO, C., (2000) Regulación para la
competencia en el mercado de las telecomunicaciones de Argentina. Mimeo, AAEP.
CREMER, H., FARID, G., GRIMAUD, A., LAFFONT, J.J, (1997) The Economics of Universal
Service Theory. Mimeo.
CHANG, H.J, (1997) The economics and politics of regulation
. Cambridge Journal of
Economics Nº 21, p. 703-728.
CHISARI, O. O. y ESTACHE, A., (1998) The needs of the poor in Infraestructure Privatization.
The Role of Universal Service Obligations. The Case of Argentina. Texto de discusión Nº 3,
Centro de Estudios Económicos de la Regulación (CEER), UADE.
CHISARI, O. O., RODRIGUEZ PARDINA, M.A., ROSSI, M., (2000) The cost of capital in
regulated firm: the Argentine experience. Working Paper Nº 8, Centro de Estudios Económicos
de la Regulación (CEER), UADE.
FAGUNDES, J. (1997) Reestruturação da oferta dos serviços das telecomunicações no plano
internacional. Texto para discusión nº385, IE/UFRJ.
FAGUNDES, J. e PONDE, J. (1998) Barreiras à entrada e defesa da concorrencia: notas
introductorias. Texto para Discussão nº1, Cadernos de Estudo, Universidade Cândido Mendes.
FARZACE, G., PERRI, J., VALLE, L. y UZAL, C (2002) Despliegue de redes multiservicio en
entornos urbanos de la Argentina mediante enlaces inalámbricos punto multipunto. En: Revista
de la AHCIET, Madrid, Nº91
180
FERRO, G. y CELANI, M., (2001) Servicio universal en telecomunicaciones: Concepto y
alcance en Argentina. Texto de Discución Nº 27, Centro de Estudios Económicos de la
Regulación, UADE.
FERRO, G., (2001) Riesgo político y riesgo regulatorio: problemas en la concesión de sectores
de infraestructura. Texto de Discución Nº 25, Centro de Estudios Económicos de la Regulación,
UADE.
FIANI, R. (1998a) Teoria da Regulação Econômica: Estado Atual e Perspectivas Futuras.
Teoria
Política e Instituções de Defesa da Concorrência. Rio do Janeiro/Editora de UFRJ
FIANI, R. (1998b) Uma abordagem abrangente da regulação de monopólios: exercício
preliminar aplicado a telecomunicações. Texto para discussão nº408 IE/UFRJ.
FIEL (1999) La regulación de la competencia y de los servicios públicos. Teoría y experiencia
argentina reciente. Fundación de Investigaciones Económicas Latinoamericanas.
FONTENELE, A.M. (1996) Das análises de Bain à teoria dos mercados contestáveis: Uma
Inversão Metodológica na Construção de um Modelo-Síntese. In: Est. Econ. São Paulo, v.26,
N.3, setembro-dezembro 1996.
FORCINITO, K. (2001) La política de liberalización del mercado argentino de
telecomunicaciones: ¿introducción de competencia o consolidación de posiciones dominantes?
En: El oligopolio telefónico argentino frente a la liberalización del mercado. Bernal/ Universidad
Nacional de Quilmes.
GARNHAM, N. (1990) Incógnitas planteadas para el futuro: la convergencia de
telecomunicaciones y radiodifusión En: Revista Telos, Madrid, Nº 25.
181
HERRERA, A. (1998) Competencia y universalización: ¿que hay de nuevo en la regulación? En
Barrionuevo A., Lahera E. (edits.): ¿Que hay de nuevo en las regulaciones? Telecomunicaciones,
electricidad y agua en América Latina, CLAD/Eudeba.
HILL, A., y ABDALA, M. (1993) Regulation , Institutions and Commitment: Privatization and
Regulation in the Argentine Telecommunications Sector. En World Bank Policy Research
Working Paper 1216, noviembre.
IERAL (1999) La Economía Política de las Regulaciones y las Reformas.
En Reunión Anual de
Asociación de Bancos Argentinos (ABA), Buenos Aires, 1999.
KESSIDES, I. (1998) Privatizating and Regulating Telecommunications.
En Privatization and
Emerging Markets, Banco Mundial/Flemings.
KOUTSOYIANNIS, A. (1975) Modern Microeconomics
. New York/MacMillan, second edition.
KUPFER, D. (2002) Barreiras estructurais à entrada. In KUPFER, D. y HASENCLEVER, L.
(org.) Economia Industrial
São Paulo/ Editora Campus.
LAFFONT, J.J.,(1999) Llevando los principios a la práctica en teoría de la regulación.
Texto de
discusión Nº 1, Centro de Estudios Económicos de la Regulación, UADE.
182
LEWIN, D. y KITCHEN, M. (1994) Interconnect: the key to effective competition. Londres/
Ovum Ltd.
MEDRANO, P. (2003) Visión de las telecomunicaciones 2003-2006: Evolución Tecnológica e
Impacto en el Negocio. En: Revista de la AHCIET Nº 94.
PINTO, H.Q. y FIANI, R. (2002) Regulação econômica. In KUPFER, D. y HASENCLEVER, L.
(org.) Economia Industrial
São Paulo/ Editora Campus.
PIRES, J.C. E DORES (2000) Fusões e Aquisições no setor da telecomunicações: caraterísticas e
enfoque regulatório. Texto para Discussão n.83, Brasilia/BNDES.
POSSAS, M.L. (1987) Estructuras de mercado em Oligopólio.
São Paulo/Hucitec.
POSSAS, M., FAGUNDES, J. e PONDÉ,J (1998) Defesa da Concorrência e Regulação de
Setores de Infraestrutura em Transição. ANPEC, diciembre de 1998.
PriceWaterhouse Coopers y Grupo AHCIET de Benchmarking (2001) Análisis Comparativo –
benchmarking- del sector de las telecomunicaciones en Iberoamérica. En Revista de la AHCIET
Nº 87, Madrid.
SALGADO, L.H. (1997) A economia política da acão antitruste
. São Paulo/Editora Singular.
SCHERER, F. e ROSS, D. (1990). Industrial Market Structure and Economic Performance
.
Boston: H. Mifflin.
SCHORR, M. (2001) La centralización del capital: consolidación del oligopolio telefónico y
grupos multimedia. En: El oligopolio telefónico argentino frente a la liberalización del mercado.
Bernal/ Universidad Nacional de Quilmes.
183
SECRETARIA DE COMUNICACIONES (2000) Evolución de la telefonía en Argentina
.
Disponible en www.secom.gov.ar
STERN, P. (2003) Indicadores para medir el grado de independencia de un regulador de
telecomunicaciones. Comisión permanente de Regulación de AHCIET, Madrid / mimeo.
STIGLITZ, J., (1999) Promoting Competition in Telecommunications.
Working Paper Nº 2,
Centro de Estudios Económicos de la Regulación, UADE.
STIGLITZ, J. (2002) Los felices noventa
TYLER, M; LETWIN, W. Y BURSTIN, S. (1995) La nueva función del Estado en una era de
liberalización: servicio universal e innovación. Documento informativo Nº 2, Segundo Coloquio
de la UIT sobre Reglamentación, Ginebra, UIT.
URBIZTONDO, S. (1999) La desregulación en telecomunicaciones: ¿la Secretaria de
Comunicaciones realmente quiere la competencia? FIEL, mimeo.
VISCUSI, W.K., VERNON, J., HARRINGTON,J.R. (1997) Economics of regulation and
antitrust. 3 ed. Cambridge/Mass.: MIT Press.
VISPO, A. (1999) Los entes de regulación. Problemas de diseño y contexto. Aportes para un
urgente debate en la Argentina. FLACSO/Grupo Editorial Norma.
184
185
WILLIAMSON, O (1989) Las instituciones económicas del capitalismo 1 ed. Méjico/Fondo de
Cultura Económica.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo