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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
MESTRADO PROFISSIONAL
EM PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS
TEMA: ÉTICA NA INTERNET: DESAFIOS À ESCOLA DO SÉCULO XXI
LUIZ SÉRGIO LÔBO DA SILVA
Fortaleza - Ceará
2006
RESUMO
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A presente dissertação pretende a partir de um estudo exploratório com
professores envolvidos no Projeto Internet nas Escolas nas escolas pública do
Estado do Ceará, identificar como esses profissionais procedem perante o
surgimento de dilemas morais e qual é o domínio conceitual dos mesmos sobre
questões relativas à ética geral. Em seguida, com base nesse estudo, tentar-
se-á desenvolver uma discussão sobre a necessidade ou não da criação de um
código de ética na escola para a Internet e quais poderiam ser os fundamentos
teóricos primeiros a partir dos quais se pode principiar uma tentativa de solução
dos problemas que surgem nessa área de atuação. A discussão sobre a ética
na Internet torna-se necessária dada a própria dimensão de inserção da
Internet nos diferentes setores da sociedade e na vida privada, onde o
informática alcança a todos, não ficando mais restrito ao desenvolvimento de
atividades nas organizações e nem a especialistas. O uso da Internet, porém,
não se apenas para a promoção do bem comum, mas, em muitos casos, é
também utilizada para a realização de ações com conseqüências
extremamente negativas para os alunos e outras pessoas. O constante avanço
tecnológico, somado à inexistência de um código de ética no projeto Internet
nas Escolas e a falta de um de uma política de controle do uso da Internet,
torna a discussão sobre a ética na Internet imprescindível e inadiável.
PALAVRAS-CHAVE: Internet, Ética, Educação, Política e Mediação.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
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PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
MESTRADO PROFISSIONAL
EM PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS
Luiz Sérgio Lôbo da Silva
Dissertação Apresentada a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da
UECE para obtenção do Grau de Mestre
TEMA: ÉTICA NA INTERNET: DESAFIOS À ESCOLA DO SÉCULO XXI
I. Orientadora: Prof. Dra. Rejane Bezerra
Fortaleza – Ceará
2002
4
Dedico
Às minhas filhas
Lorena e Samara
5
Agradecimentos
A Deus por estar comigo todas às vezes que mais necessitei, dando-
me paciência e força nos momentos mais difíceis.
À professora Rejane Bezerra pela oportunidade e orientação durante o
desenvolvimento da dissertação e também pelo constante empenho e
dedicação em prestar assistência a alguém que necessita de seu trabalho.
Ao professor Horacio Frota, por ter acreditado no meu potencial e por
ter me dado a oportunidade de fazer esse mestrado.
À amiga Inez Ferreira por ter me dado a oportunidade de concluir esse
trabalho.
Aos Amigos do Curso em Mestrado Profissional em Planejamento e
Políticas Públicas (2005-2006).
À SEduc por ter me concedido uma bolsa.
ÍNDICE
6
Introdução
Justificativa
Objetivos (Gerais e Específicos)
Capitulo I: Contribuições da Ética Kantiana
1. Elementos Constitutivos da Ética Kantiana
1.1. A Vontade
1.2. Autonomia
1.3. Dignidade
1.4. Máxima
1.5. O Dever
1.6. Imperativos Hipoteticos e Categoricos
2. Fundamentação da Ética Kantiana
3. Contribuições e Limites do Pensamento de Kant
4. Ética e o Agir Humano em Kant
Capítulo II: Globalização, um Desafio Ético à Humanidade
1. O Processo de Globalização
2. A Globalização e a Modernidade
3. Os Desafios Frente à Globalização
Capítulo III - Internet na Escola: Impasses e Possibilidades
1. O Paradigma de Rede e a Educação
2. Os Dilemas da Rede no Contexto Educacional
3. Os Problemas na Utilização da Internet
Capítulo IV – Resultado da Pesquisa
Conclusões
7
Referências Bibliográficas
INTRODUÇÃO
8
O mundo atual está marcado por grandes avanços científicos e
tecnológicos. A cada dia, novas descobertas alimentam a esperança de se
encontrar a solução para grandes problemas que ameaçam o homem ou lhe
causam sofrimentos. Por outro lodo, inúmeras pesquisas são realizadas com a
finalidade de melhorar as condições da vida humana ou para atender as
necessidades criadas pelo próprio homem. Pode-se afirmar que em muitos
destes casos podemos contar com a Internet.
Entretanto, se por um lado a Internet pode ser considerada como
fundamental para o desenvolvimento humano, por outro lado, ela também
revela um conjunto de relações e práticas que implicam discussão ética. Essas
práticas, especificamente humanas, se não forem realizadas com base em
princípios claros e racionalmente motivados, podem implicar conseqüências
negativas tanto para as pessoas ligadas à rede quanto às ligadas a ela.
Assim como Gates (1995) nos fala sobre as oportunidades e
perspectivas da Internet, Cebrián (1999) nos adverte que existe imensas
oportunidades, porém, existem também perigos com que todos (diretores,
professores, alunos e pais) deveriam estar preocupados e debatendo, como,
por exemplo, o livre acesso a “sites” com problemas éticos.
Nesse sentido esta dissertação tem como preocupação discutir
caminhos para a solução desse problema crucial: “Como agir perante os
outros?”. Verifica-se que tal pergunta é ampla, complexa e sua resposta implica
tomadas de posições valorativas.
A ética consiste essencialmente numa discussão sobre o dever ser do
agir humano. A discussão sobre a ética na Internet não se refere à Internet
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enquanto tal, mas às ações dos homens que se utilizam da Internet e que, por
vezes, acabam realizando ações que trazem conseqüências negativas a outras
pessoas. Nesse caso, o responsável pela ação está se utilizando de pessoas
como meio para alcançar seus fins. Kant, porém, na segunda formulação do
imperativo categórico, afirma que o agir moral implica em agir de forma que
jamais se utilize qualquer pessoa como simples meio para o alcance de
determinados fins. Para ele, o agir moral consiste em usar a humanidade
sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio (Kant,
1986).
Nosso trabalho está dividido em quatro capítulos: primeiro trata de
apresentar a fundamentação da ética kantiana, explicitando assim como Kant
se baseou para afirmar a dignidade humana e por que o ser humano é
fundamentalmente um ser ético. Como também uma apreciação crítica das
contribuições e limites que existem no pensamento de Kant. No segundo
analisamos o problema da globalização no mundo atual. Por fim, para que seja
edificada a vida de muitas pessoas marcadas por enormes desigualdades,
apontamos a ética como fundamento necessário para a construção de uma
vida melhor. A ética vai ser pressuposto necessário e fundamental para o
mundo atual em que vivemos marcados pelo fenômeno da globalização. O
terceiro capítulo aborda a filosofia do paradigma em rede na era digital e em
seguida fizemos um apanhado de possibilidades tecnológico, explicando-as
com base no paradigma de rede, com exemplo prático de algumas
possibilidades didático-pedagógicas do ambiente tecnológico. E por último
como avaliar essa tecnologia. É importante fazer uma leitura ética das
10
informações encontradas na internet, a partir dessas leituras quais as
possibilidades e os impasses. No quarto e último capítulo apresentaremos uma
pesquisa exploratória sobre diferentes questões relacionadas à ética. O
objetivo dessa investigação é fazer uma sondagem sobre o domínio conceitual
no que diz respeito a questões relativas à ética geral e sobre questões ligadas
à ética na Internet.
Mesmo estabelecendo-se um código de ética, os problemas morais no
uso da Internet ainda continuariam existindo, por que a Internet é dinâmica,
global e histórica. É certo, porém, que mediante o estabelecimento de uma
norma oficial ter-se-ia o poder coativo para fazer-se cumprir no mínimo o que
aquela norma prescreve. Entretanto, um outro problema se apresenta. Qual
será a base ou o fundamento para o estabelecimento das normas que
compõem o código de ética numa escola? Dado que a Internet está constante
mudança e desenvolvimento, qual é o princípio de fundamentação que servirá
de base para novos problemas morais que se apresentarão e que não estão
previstos no código de ética?
Esse problema não pode ser resolvido de uma hora para outra. Ele
exige uma reflexão que leve em conta as grandes discussões éticas que vêm
sendo desenvolvidas ao longo do pensamento humano. As discussões sobre
como o homem deve agir para agir eticamente vêm sendo feitas desde
Sócrates, Platão e Aristóteles. É certo que no auge da filosofia grega não se
tinham os mesmos dilemas morais que se tem hoje, o que revela o caráter
historicista da ética. No entanto, vários conceitos como dever, consciência
moral, liberdade, responsabilidade, imputabilidade e outros, que foram sendo
11
retomados e discutidos nos diferentes períodos da história da filosofia, são
conceitos que indiscutivelmente se apresentam como a base para qualquer
discussão sobre ética ou problemas morais. Independentemente da escola, as
discussões sérias sobre questões éticas pressupõem um domínio desses
elementos teóricos. Daí a importância da presença da Filosofia nas discussões
sobre a ética na Internet.
Tal discussão é realizada, a nosso ver, pela ética, que definimos como
um modo de ser, um modo de vida, um estado de caráter que, guiado pela
razão, pela prática das virtudes ou forças positivas do nosso ser, procura atingir
a plenitude humana e, assim, nossa felicidade e bem-estar, como tentaremos
nos explicar.
Justificativas
Ainda quando procurava concluir a Especialização em Informática
Educativa da Universidade Federal do Ceará no ano de 2002, já percebia que a
Seduc (Secretaria da Educação sica do Ceará) têm um campo, ainda pouco
explorado, de pesquisa nas questões educacionais e tecnológicas.
Em função de querer estudar mais detalhadamente a origem das
limitações e dos potenciais educacionais num ambiente tecnológico, através da
Internet. Fiz algumas evidências e constatei que, o uso da Internet pode
aumentar a presença de comportamentos anti-sociais, tais como o uso de
drogas, racismo, comércio sexual de crianças, adolescentes e pessoas
empobrecidas, manipulação política totalitária como nazismo e uma cultura
de valorização da morte, de desrespeito ao outro e de indiferença. Isso por
abrir “janelas” de expressão para grupos que podem ou não se pautar por
12
valores éticos. Outra dificuldade é o afastamento da realidade que não está nas
telas, tanto pelo tempo despendido em ambientes virtuais quanto pelo
comodismo de poder desligar a conexão sempre que algo incomoda, algo que
não é possível nas relações fora do mundo digital.
Foi diante dos conflitos, das questões complexas acima, que percebi os
limites das respostas oferecidas dos professores e a necessidade de
problematizar essas respostas, verificando a consistência de seus
fundamentos. É ai que entra a ética na Internet como tema da minha pesquisa,
pois aparece a partir da minha vivência acadêmica e profissional na Seduc
(Secretaria da Educação Básica) e particularmente na Escola de Ensino Médio
Prof. José Maria Campos de Oliveira, como professor de apoio do laboratório
de Informática. Foi um pouco a partir da minha história de vida que elaborei o
anteprojeto de pesquisa intitulado: Ética na Internet: desafios à escola do
século XXI.
A pesquisa pretende a partir de um estudo exploratório com
professores envolvidos no “Projeto Internet nas Escolas” nas escolas pública
do Estado do Ceará, identificar como esses profissionais procedem perante o
surgimento de dilemas morais e qual é o domínio conceitual dos mesmos sobre
questões relativas à ética geral. Em seguida, com base nesse estudo, tentar-
se-á desenvolver uma discussão sobre a necessidade ou não da criação de um
código de ética para a Internet para as escolas públicas do Estado do Ceará e
quais poderiam ser os fundamentos teóricos primeiros a partir dos quais se
pode principiar uma tentativa de solução dos problemas que surgem nessa
área de atuação. A discussão sobre a ética na Internet torna-se necessária
13
dada a própria dimensão de inserção da Internet nos diferentes setores da
sociedade e na vida privada, onde o informática alcança a todos, não ficando
mais restrito ao desenvolvimento de atividades nas organizações e nem a
especialistas. O uso da Internet, porém, não se apenas para a promoção do
bem comum, mas, em muitos casos, é também utilizada para a realização de
ações com conseqüências extremamente negativas para os alunos e outras
pessoas. O constante avanço tecnológico, somado à inexistência de um código
de ética no “Projeto Internet nas Escolas” e a falta de um de uma política de
controle do uso da Internet, torna a discussão sobre a ética na Internet
imprescindível e inadiável.
A crescente e irreversível presença da Internet – dos recursos de
informática de um modo geral – nos mais corriqueiros atos da vida das pessoas
tornou indispensável a sua utilização. Visto que ela está presente em
praticamente todos os âmbitos profissionais e sociais. Estando presente não
somente nas empresas, em fábricas, nos diferentes setores da administração
pública, mas encontra-se também em nossas casas, nas escolas e nos
momentos de lazer. Enfim, a presença da Internet nos diferentes âmbitos da
nossa sociedade é algo inquestionável, pois ela está mudando a forma como
nós estudamos, trabalhamos, nos divertimos e nos comunicamos com os
outros.
Entretanto, se por um lado a Internet pode ser considerada como
fundamental para o desenvolvimento humano, por outro lado, ela também
revela um conjunto de relações e práticas que implicam uma discussão ética.
Essas práticas, especificamente humanas, se não forem realizadas com base
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em princípios claros e racionalmente motivados, podem implicar conseqüências
negativas tanto para as pessoas ligadas à rede quanto às não ligadas a ela.
Pode-se citar, como exemplo, a produção de softwares que discriminem
minorias ou incentivem a violência, a pedofilia na Internet, a pirataria de uma
página da web e o racismo. Por isso, uma necessidade urgente de se fazer
uma discussão em torno das práticas ligadas à Internet no intuito de identificar,
caracterizar e banir as ações imorais mais nessa área de atuação.
Um outro argumento que justifica uma pesquisa sobre a ética na
Internet é o fato da inexistência de um digo de ética para o “Projeto Internet
nas Escolas” da Seduc (Secretaria de Educação Básica do Ceará). No Brasil,
para suprimir essa carência, entidades ou organizações classistas tomaram a
iniciativa de estabelecer princípios e diretrizes. No Ceará, porém, não
identificamos tal proposta, nem ao menos por parte da Seduc. Isso faz com que
os professores envolvidos no Projeto Internet nas Escolas procedam de forma
absolutamente aleatória ao se defrontarem com dilemas morais, pois o
uma regulamentação nem legislação e, muito menos, um critério objetivo para
orientar a conduta de quem acessa a Internet.
É certo, porém, que quando se fala em ética na Internet ou informática
na educação não se pode falar em valores ou deveres morais apenas para
esses professores e alunos. A Internet está presente em todos os setores da
sociedade e por isso as discussões éticas não se restringem apenas às
práticas das escolas, mas a todos os seus usuários. Contudo, os maiores
problemas éticos na Internet estão ligados aos alunos, pois o praticamente
eles que mais acessam e que têm os maiores interesses, o que lhes uma
15
grande autonomia para trabalhar e fazer o que bem entenderem com a
Internet. Da mesma forma que em outros ambientes escolares têm seus
códigos de ética, também o LEI (Laboratório Escolar de Informática) poderiam
ter um código de ética para regulamentar e inibir práticas ilícitas e imorais na
atuação da Internet.
Nesse sentido, é de fundamental importância que se desenvolva uma
investigação em torno dessa temática nas escolas públicas estaduais no
Ceará. Os resultados dessa pesquisa o visam atender apenas as
necessidades locais, mas podem dar uma importante contribuição teórica a
nível regional e nacional.
Cabe lembrar, porém, que discutir ética na Internet sem uma
fundamentação teórica baseada em princípios objetivos e racionais, é fazer
uma discussão que não passa de um relativismo ético baseado num “você
decide” ou num “achismo”. O relativismo ético é extremamente perigoso, pois
permite fundamentar e validar qualquer ação, independentemente dele
promover a justiça e o bem estar social. Daí a importância dessa pesquisa, que
é de natureza interdisciplinar. Sendo o pesquisador da área de Filosofia e de
Informática Educativa, procurar-se-á fazer uma discussão teórica em busca de
fundamentos racionais e objetivos que possam servir de base para a solução
de problemas morais na área da Internet. Com a participação da Filosofia nas
discussões sobre a ética na Internet, procurar-se-á evitar o relativismo e o
partidarismo éticos em busca de princípios racionais e objetivamente válidos.
Com a perspectiva acima colocada, sobre o uso da Internet,
precisamos aumentar as necessidades de instrumentalização, preparação e
16
atualização dos professores para enfrentar os novos desafios da era da
telemática. Os benefícios do uso das redes eletrônicas estão diretamente
relacionados às novas formas de aprendizado em que a interação, o acesso
ilimitado às informações que podem-se transformar em conhecimento, a
questão interdisciplinar e colaborativa, somam-se na tentativa de redimensionar
os modelos educacionais.
A poluição informacional da rede exige do usuário (professor/aluno)
uma postura muito mais crítica em relação à origem e à veracidade das
informações obtidas. E essa é, sem dúvida, uma conseqüência benéfica. Além
do mais, ela salienta não apenas a fragilidade do sistema de informações da
Internet, mas de todos os meios de comunicação, quanto à qualidade e
veracidade das informações. Muitos pensadores observaram que os livros
“falam sobre livros”, dialogam entre si, questionando, ratificando ou
complementando informações de obras anteriores. A navegação entre
hipertextos é um aspecto atual desse diálogo, que exige a mesma postura
crítica necessária aos leitores de épocas passadas. Estes também se “moviam”
entre os textos: é assim que se pesquisa, afinal.
Esse espírito crítico é ainda mais importante entre adolescentes, que
nas consultas à Internet escapam ao controle das instituições tradicionalmente
encarregadas de “zelar” pelas informações às quais podem ter acesso: família,
escola, Estada e Igreja.
Para que os alunos possam distinguir por si mesmos as informações
válidas, ou as verdadeiras das inúteis ou falsas, a escola e o professor devem
alterar seus papéis tradicionais. Não basta mais selecionar e fornecer
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informações, é preciso integrar conhecimentos e valorizar o espírito crítico.
Com isso, o aluno deixará de ser um simples receptor de informações,
tornando-se mais consciente e crítico.
A tendência atual mostra que a Internet, embora mais cara, poderá ser
bem mais útil para as escolas, por ser eficaz nas pesquisas, na troca de idéias
e informações, o que motivará os alunos, possibilitando novas formas de
aprender e provocando, nos professores, uma mudança em seu fazer
pedagógico.
Casos envolvendo aspectos éticos na Internet estão aparecendo com
mais freqüência em nosso dia a dia, muitas vezes ganhando largo espaço nos
jornais e na televisão. Os exemplos no uso da Internet, que é uma rede
planetária praticamente sem controle e que, por isso, pode ser usada para o
incentivo à violência e ao racismo, para a organização de grupos terroristas,
para a prática da pedofilia etc. Nesse sentido, é fundamental que se faça uma
discussão sobre os problemas éticos que surgem nesse contexto para que os
estudantes e os professores envolvidos no “Projeto Internet nas Escolas”
saibam como se posicionar mediante o aparecimento de dilemas morais.
A Internet/Informática, porém, por ser uma área nova e por estar em
constante evolução, ainda não possui um código de ética que oriente a conduta
dos usuários. Entretanto, antes de se pensar no estabelecimento de um Código
de Ética para o “Projeto Internet nas Escolas”, cabe investigar se um código
solucionaria efetivamente os problemas morais que se apresentam.
18
Assim, percebe-se que com o estabelecimento de um código de ética,
ter-se-ia uma regulamentação acompanhada de um poder fiscalizador e coativo
capaz de inibir práticas que ferem as normas prescritas no código.
A Internet ainda não é regulamentada nas escolas do Brasil, e,
portanto, nas escolas públicas estaduais do Ceará. Não é raro que essas
escolas, principalmente quando atuando independentemente, comportem-se de
forma inadequada, tanto nos aspectos morais quanto técnicos. Um código de
ética na escola, se acompanhada por uma fiscalização eficiente, pode até ser
capaz de inibir práticas amadoras que, em grande parte dos casos, são
também o grande foco da prática de ações imorais. Entretanto, como tentar-se-
á mostrar adiante, a solução dos problemas éticos na Internet não dependem
apenas do estabelecimento de um código de ética escolar.
As conseqüências do uso da Internet como meio de organização de
grupos terroristas e racistas, venda de armas e drogas, e a prática da pedofilia,
por exemplo, não atingem apenas os usuários da Internet, mas principalmente
inocentes que, talvez, nunca tiveram a oportunidade de conhecer essa
tecnologia e fazer uso dos benefícios que ela nos traz. Esse parece ser um dos
maiores desafios para os que se ocupam com a discussão do problema da
ética na Internet.
O estabelecimento de um código de ética pode contribuir para orientar
a atuação dos professores envolvidos no Projeto Internet nas Escolas. Se tal
código for estabelecido, os órgãos fiscalizadores (Escola, Crede, Seduc, CEE),
terão o poder coativo para fazer cumprir o que está prescrito nessas normas.
Entretanto, a experiência com outras normas regulamentadas, mostra que a
19
fiscalização é difícil e praticamente inexistente. Isso evidencia um dos limites
do estabelecimento do digo de ética como meio de inibir práticas imorais por
parte do uso indiscriminado da Internet.
Objetivos (Gerais e Específicos)
Objetivos gerais:
Identificar como os professores envolvidos no “Projeto Internet nas
Escolas” procedem perante o surgimento de dilemas morais e quais são
os maiores problemas morais existentes na Internet;
Objetivos Específicos:
Proporcionar uma discussão racionalmente motivada sobre os
problemas morais ligados à Internet de forma que os professores e
alunos possam ter uma maior clareza sobre as implicações morais
existentes ao se fazer uso do Internet e como se deve proceder para
agir eticamente.
Identificar e caracterizar os problemas morais mais comuns no “Projeto
Internet nas Escolas” de forma que a indiferença pelas conseqüências
das ações, por parte dos professores envolvidos no “Projeto Internet nas
Escolas” e alunos usuários da Internet, não se deva ao
desconhecimento das implicações morais decorrentes de determinadas
práticas;
Discutir sobre a necessidade ou não da criação de um código de ética
para o “Projeto Internet nas Escolas”, dado que uma grande
20
discussão em torno disso em função das constantes mudanças e
grandes avanços que se tem na Internet;
Desenvolver discussões e produzir materiais que possam servir de
subsídio para um código de ética para o “Projeto Internet nas Escolas”.
CAPITULO I: CONTRIBUIÇÕES DA ÉTICA KANTIANA
1. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA ÉTICA KANTIANA
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A ética é de todos os tempos e de todos os espaços. Enquanto existir a
humanidade, haverá o ideal ético. A ética completa na natureza não como
opção, mas como uma necessidade. Se quero ser plenamente humano, devo
ser ético ou viver eticamente. Esse princípio é também um excelente ideal para
todo tipo de auto-ajuda. E mais, a ética é tão atual que se afirma como um
novo enfoque em todos os campos hoje, particularmente nas Tecnologias de
Informação e Comunicações (TIC´s). Pois, “a ética que proponho se sente
afrontada na manifestação discriminatória de raça, gênero e classe. É uma
ética inseparável da prática educativa” (Freire, 1997:17).
A ética se apresenta como uma reflexão crítica sobre a moralidade,
sobre a dimensão moral do comportamento humano, ou seja, estamos numa
perspectiva de um juízo crítico, própria da filosofia, que quer compreender,
quer buscar o sentido da ação. Vázquez confirma a distinção feita, quando
explica que:
As proposições da ética devem ter o mesmo rigor, a mesma
coerência e fundamentação das proposições científicas. Ao contrário,
os princípios, as normas ou os juízos de uma moral determinada não
apresentam esse caráter. Não existe uma moral científica. (...) A
moral não é ciência, mas objeto da ciência; e, neste sentido, é por ela
estudada e investigada. A ética não é a moral e, portanto, não pode
ser reduzida a um conjunto de normas e prescrições; sua missão é
explicar a moral efetiva e, neste sentido, pode influir na própria moral
(2003:23-24).
Qual é, então, a relação entre Internet e Ética, ou, quais são os problemas
éticos postos pela Internet? A Internet pode criar ou destruir, tornar as pessoas
mais humanas ou menos. Temos que correr risco se quisermos progredir. A
ética consiste essencialmente numa discussão sobre o dever ser do agir
humano. A discussão sobre a ética na Internet não se refere à Internet
22
enquanto tal, mas às ações dos homens que se utilizam da Internet e que, por
vezes, acabam realizando ações que trazem conseqüências negativas a outras
pessoas. Nesse caso, o responsável pela ação está se utilizando de pessoas
como meio para alcançar seus fins.
É em função de um determinado bem que os homens vivem em
sociedade. Trata-se então de saber que bem é esse, em função dos
quais os homens se decidem a construir uma comunidade política. E
aqui se delineia um outro horizonte de investigação que vai no
sentido de definir esse bem. (...) É praticamente impossível separar o
problema da constituição da comunidade política da determinação de
certos fins éticos que se caracterizam pela busca dos ideais de
justiça, de felicidade, etc., sempre considerados como um bem ao
qual todos aspiram (Nascimento, 1984:240).
Kant, porém, na segunda formulação do imperativo categórico, afirma
que o agir moral implica em agir de forma que jamais se utilize qualquer pessoa
como simples meio para o alcance de determinados fins. Para ele, o agir moral
consiste em usar a humanidade sempre e simultaneamente como fim e nunca
simplesmente como meio (Kant, 1986).
Nosso ponto de partida é uma visão que se apóia na ética kantiana.
Pois, “Kant é o ponto de partida de uma filosofia e de uma ética na qual o
homem se define antes de tudo como ser ativo, produtor ou criador” (Vázquez,
2003: 283). Desse modo, Kant desenvolveu um papel fundamental no que se
refere ao estudo do comportamento humano, ele despertou a reflexão sobre a
questão dos valores morais que o intrínsecos a todo ser humano. Foi
pensando em responder as inquietações referentes a conduta humana é que
Kant, na maturidade de sua vida, escreve a obra “Fundamentação da
Metafísica dos Costumes”, obra em que consiste os elementos mais
importantes para podermos ter uma boa compreensão no que se diz respeito a
sua ética. Iremos neste primeiro capítulo explicitar alguns desses elementos
23
mais significativos.
1.1. A VONTADE
Se “tudo na natureza age segundo leis. Só um ser racional tem a
capacidade de agir segundo a representação de leis, isto é, segundo princípios,
ou só ele tem uma vontade” (Kant, 1974:36), então o que diferencia seres
racionais de seres “naturais” é o agir segundo princípios determinantes da
vontade:
Quando o desejo [de um] objeto precede a regra prática e é a
condição para que se faça um princípio, digo que este princípio é,
então sempre empírico. Com efeito, o princípio determinante do livro
arbítrio (Willkür) é então a representação de um objeto, e a relação
desta representação ao sujeito, pelo qual a faculdade-de-desejar
(Begerungsvermögen) é determinada para a realização desse objeto
(Kant, 1984: 38-39).
Todo agir humano tem como princípio primeiro a ação da vontade, pois
ela é entendida como a faculdade que autodetermina a conduta humana
estabelecendo regras de ações. A vontade existe independentemente de
qualquer realidade exterior, sua existência encontra razão em si mesma, por
isso é fonte primeira que legisla sobre todas as ações do ser humano.
A vontade é a faculdade de agir segundo certas regras. Estas regras
constituem máximas, se são subjetivas, ou válidas para a vontade do
sujeito, constituem leis, se são objetivas ou válidas para a vontade de
todo o ser racional (Russell, 1969:119).
Não foi para procurar a felicidade que os seres humanos foram dotados
de vontade; para isso, o instinto teria sido muito mais eficiente. A razão foi-nos
dada para originar uma vontade boa não enquanto meio para outro fim
qualquer, mas boa em si. A vontade boa é o mais elevado bem e a condição de
possibilidade de todos os outros bens, incluindo a felicidade.
A boa vontade não é boa pelo que possa fazer ou realizar, não é boa
por sua aptidão para alcançar um fim que nos propuséramos; é boa
pelo querer, isto é, é boa em si mesma. Considerada pôr si só, é,
24
sem comparação, muitíssimo mais valiosa do que tudo o que
poderíamos obter por meio dela (Kant, FMC, Cap.1).
Que faz, pois, uma vontade ser boa em si? Para responder a esta
questão, temos de investigar o conceito de dever. Agir por dever é exibir uma
vontade boa face à adversidade. Mas temos de distinguir entre agir de acordo
com o dever e agir por dever. Um merceeiro destituído de interesse pessoal ou
um filantropo que se deleite com o contentamento alheio podem agir de acordo
com o dever. Mas ações deste tipo, por melhores e por mais agradáveis que
sejam não têm, de acordo com Kant, valor moral. O nosso caráter só mostra ter
valor quando alguém pratica o bem não por inclinação, mas por dever
quando, por exemplo, um homem que perdeu o gosto pela vida e anseia pela
morte continua a dar o seu melhor para preservar a sua própria vida, de acordo
com a lei moral.
A vontade estabelece uma relação direta com a razão, ela está
centrada na esfera do a priori e possui a faculdade de escolher somente o que
a razão aprova como particularmente necessário e como legitimamente bom.
Só é capitável e verificada na interioridade.
A vontade é boa, não pelo que faz ou realiza, não pela capacidade de
alcançar um fim qualquer proposto, mas somente por querer o bem-
em-si. Por onde só a forma da vontade é a que decide, a sua possível
legislação universal (Hirschberger, 1960:326).
A vontade, em toda forma de ação, é um princípio que existe por si
mesmo, ela se outorga como fundamento de uma lei universal. A ação do
sujeito deve ser realizada tendo como referencial a vontade universal. Seu
objetivo fundamental é ser fonte de legitimação universal para as ações
humanas. A lei universal é a única lei que a partir de si mesma, se impõe à
25
vontade de todo ser racional, sem inferir a qualquer impulso ou outro interesse
como fundamento.
“O essencial de toda determinação da vontade por intermédio da lei
é: que ela como vontade livre, portanto não só sem a contribuição
dos impulsos sensíveis, mas também com a exclusão de todos
aqueles impulsos, com prejuízo de todas as inclinações, mesmo que
possam ser contrários àquela lei, seja determinada somente por meio
da lei” (Kant, 1924: 87).
A vontade constitui aquilo de mais puro que consiste na razão humana,
é algo que qualifica e enobrece o comportamento do ser humano.
A boa vontade tem aptidão para alcançar qualquer finalidade
proposta, mas não somente pelo querer, isto é, em si mesma, e,
considerada em si mesma deve ser intermédio para ser alcançado
em proveito de qualquer inclinação ou mesmo, se quiser, da soma
dessas inclinações (Kant, 1988:235).
A vontade como sendo um elemento que se auto gerencia porque age
livremente, ou seja, sem ser condicionada por nenhuma realidade exterior,
assume deliberadamente a função de princípio legislador da ação moral.
1.2. AUTONOMIA
O princípio do respeito à pessoa ou autonomia é centro da ética hoje
em nossa sociedade. Tem algumas características que o compõe, tais como a
privacidade, a veracidade e a autonomia. Este princípio recebeu diferentes
denominações, tais como Princípio do Respeito às Pessoas, Princípio do
Consentimento ou Princípio da Autonomia, de acordo com diferentes autores
em diferentes épocas. A utilização deste conceito sico assume diferentes
perspectivas, desde as mais individualistas aas que inserem o indivíduo no
grupo social.
Uma das bases teóricas utilizadas para o princípio da Autonomia é o
pensamento de Kant. Na sua obra Fundamentos da Metafísica dos Costumes
26
(1785), propôs o Imperativo Categórico. De acordo com esta proposta a
autonomia não é incondicional, mas passa por um critério de universalidade.
A autonomia da vontade é a constituição da vontade, pela qual ela é
para si mesma uma lei - independentemente de como forem
constituídos os objetos do querer. O princípio da autonomia é, pois,
não escolher de outro modo, mas sim deste: que as máximas da
escolha, no próprio querer, sejam ao mesmo tempo incluídas como
lei universal (Kant, sd:70)
O conceito de Autonomia adquire especificidade no contexto de muitas
teorias. Virtualmente, todas as teorias concordam que duas condições são
essenciais à autonomia: a liberdade (independência do controle de influências)
e ação (capacidade de ação intencional).
Um indivíduo autônomo age livremente de acordo com um plano
próprio, de forma análoga que um governo independente administra seu
território e estabelece suas políticas. Uma pessoa com autonomia diminuída,
de outra parte, é, pelo menos em algum aspecto, controlada por outros ou é
incapaz de deliberar ou agir com base em seus desejos e planos. Por exemplo,
pessoas institucionalizadas, tais como prisioneiros ou indivíduos mentalmente
comprometidos tem autonomia reduzida. A incapacidade mental limita a
autonomia assim como a institucionalização coercitiva dos prisioneiros, porém
estes indivíduos continuam a merecer o respeito como pessoas.
A autonomia está fundamentalmente ligada à idéia de liberdade, por
isso podemos afirmar que ela e "um princípio da lei moral". Toda ação humana
tem como condição necessária que seja fundamentada no exercício da livre
consciência interior. A partir desta constatação a autonomia,
conseqüentemente, vai entrar em contraposição com a heteronomia (entendida
como o funcionamento das leis naturais exteriores à vontade).
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A conduta humana é sempre regida por normas provindas da
interioridade e a autonomia é um dos princípios que possui um grau de
importância muito grande, pois ela é o "fundamento da dignidade da natureza
humana, bem como de toda natureza racional” (Pascal, 1985:125).
O ser humano para que possa exercer com dignidade a sua condição
de ser ético, consciente das responsabilidades de seus atos, é necessário que
ele seja autônomo, e que sua ação seja concretizada de maneira livre. É por
isso que a liberdade ocupa um espaço de fundamental importância na
manifestação autônoma de cada sujeito. Não pode haver autonomia sem a
presença da liberdade, portanto, autonomia e liberdade não podem sob
nenhum aspecto estarem separadas, pois ambas constituem necessariamente
o agir ético da pessoa humana. "O princípio da autonomia é, pois este:
escolher sempre que a mesma volição compreenda as máximas de nossa
escolha como lei universal" (Benda, 1955: 142).
A autonomia é condição fundamental para a vericabilidade da ação
ética humana. Esta autonomia não se encontra na natureza exterior dos
objetos e nem também na ação isolada do sujeito. Mas somente quando estiver
em conformidade com uma lei universal possuindo assim caráter universal de
validade para todos os homens.
Uma pessoa autônoma é um indivíduo capaz de deliberar sobre seus
objetivos pessoais e de agir na direção desta deliberação. Respeitar a
autonomia é valorizar a consideração sobre as opiniões e escolhas, evitando,
da mesma forma, a obstrução de suas ações, a menos que elas sejam
claramente prejudiciais para outras pessoas. Demonstrar falta de respeito para
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com um agente autônomo é desconsiderar seus julgamentos, negar ao
indivíduo a liberdade de agir com base em seus julgamentos, ou omitir
informações necessárias para que possa ser feito um julgamento, quando não
há razões convincentes para fazer isto.
O Princípio da Autonomia o pode mais ser entendido apenas como
sendo a auto-determinação de um individuo, esta é apenas uma de suas várias
possíveis leituras. A inclusão do outro na questão da autonomia trouxe, desde
o pensamento de Kant, uma nova perspectiva que alia a ação individual com o
componente social. Desta perspectiva é que surge a responsabilidade pelo
respeito à pessoa, que talvez seja a melhor denominação para este princípio.
1.3. DIGNIDADE
O projeto moral de Kant é construído a partir de um pressuposto
fundamental: a pessoa tem dignidade. as coisas têm, quando muito, um
preço.
A pessoa de Kant é o “ser racional”, aquele que dá a si a sua própria lei
e cuja natureza distingue como um fim em si mesmo. Os demais seres,
privados de racionalidade, integram o rol das coisas, possuindo um valor
meramente instrumental.
À pessoa, enquanto titular de dignidade, é assegurada uma
prerrogativa primeira: o respeito. Do respeito decorre que a pessoa jamais
pode ser utilizada como simples meio; deve sempre ser vista como um fim em
si. Nas palavras de Kant:
Agora eu digo: o homem, e em geral todo o ser racional, existe como
fim em si, não apenas como meio, do qual esta ou aquela vontade
possa dispor a seu talento; mas, em todos os seus atos, tanto nos
que se referem a ele próprio, como nos que se referem a outros seres
29
racionais, ele deve sempre ser considerado ao mesmo tempo como
fim (Kant, 1964:90).
Assim reza a segunda formulação do imperativo categórico: “Procede
de maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de
todos os outros, sempre e ao mesmo tempo como fim, e nunca como simples
meio.” (Kant, 1964:92).
A concepção fundamental da pessoa enquanto merecedora de respeito
absoluto, sedimentada na fundamentação da metafísica dos costumes, foi
confirmada por Kant em escritos posteriores.
Na Crítica da Razão Prática, depois de dizer que “a lei moral é santa
(inviolável)” e que, embora o homem possa ser “deveras bastante ímpio, mas
que a humanidade, em sua pessoa, tem que ser santa”, conclui: “Em toda a
criação tudo o que se queira e sobre o que se exerça algum poder também
pode ser usado simplesmente como meio; somente o homem, e com ele cada
criatura racional, é fim em si mesmo” (Kant, 2002a:141). E ainda:
Respeito tem a ver somente com pessoas e nunca com coisas. Estas
podem despertar em nós inclinações e, tratando-se de animais (por
exemplo, cavalos, cães etc.), até amor ou também medo, como o
mar, um vulcão, um animal de rapina, mas jamais respeito (Kant,
2002a:124).
Mesmo em seus escritos de estética, Kant procurou confirmar as
prerrogativas de dignidade e respeito indissociáveis da pessoa. Em Crítica da
Faculdade do Juízo, ao examinar o que chamou de “sentimentalismo”, assim
preceituou:
Têm-se comoções fortes e comoções ternas. As últimas, quando se
elevam até o afeto, não valem nada; a tendência a elas chama-se
sentimentalismo. Uma dor compassiva que não quer ser consolada,
ou à qual nos entregamos premeditadamente quando concerne a
males fictícios, até a ilusão pela fantasia como se fossem efetivos,
prova e constitui uma alma doce, mas ao mesmo tempo fraca, que
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mostra um lado belo e na verdade pode ser denominada fantástica,
mas nem uma vez sequer entusiástica. Romances, espetáculos
chorosos, insípidos preceitos morais que brincam com as chamadas
(embora falsamente) atitudes nobres, de fato, porém, tornam o
coração seco e insensível à prescrição rigorosa do dever, incapaz de
todo respeito pela honra da humanidade em nossa pessoa [...] (Kant,
2002b:119).
A partir de Kant, a afirmação da dignidade da pessoa, intercambiável
com o corolário do respeito, passou a ser tema de abordagem quase que
obrigatória em escritos de filosofia moral. Gradualmente, passou, ainda, a ser
incorporada aos ordenamentos jurídicos de quase todos os povos. Hoje, tanto
a filosofia quanto o direito, e principalmente este último, se vêem de tal forma
marcados pelos preceitos kantianos que poucos se preocupam em investigar
uma questão fundamental, que não foi respondida a contento pelo filósofo de
Königsberg: de onde vem nossa dignidade? Ou, dito de outro modo: por que
constituímos um fim em si?
Um dos filósofos contemporâneos que tem dedicado especial atenção
a estas indagações é Ernst Tugendhat. Ao analisar a segunda formulação do
imperativo categórico e concluir que ela encerra um mandamento do tipo “não
instrumentalizes ninguém” ou “respeita-o em sua dignidade”, Tugendhat
identifica na tentativa de fundamentação proposta por Kant uma falsa
ontologização. Em suas palavras:
Mas não podemos dizer igualmente: respeita-o como um fim em si,
ou como um ser que tem um valor absoluto? Com estas expressões,
contudo, aquilo que nos é ordenado é aparentemente fundamentado
por uma pretensa qualidade, que conviria aos seres humanos em
si mesmos, e com isso o mandamento é falsamente ontologizado.
Não faz sentido dizer: é próprio aos homens em si mesmos serem um
fim em si ou terem um valor absoluto e isto quer dizer dignidade. São
palavras vazias, cujo sentido não pode ser demonstrado (Tugendhat,
1997:155).
Após ter, na Fundamentação da metafísica dos costumes, assentado
31
os preceitos de dignidade e respeito, na Crítica da razão prática Kant procura,
mais uma vez, fundamentar o porquê de a pessoa constituir um fim em si.
Com razão atribuímos essa condição até à vontade divina em relação
aos entes racionais no mundo, como suas criaturas, na medida em
que ela se funda sobre a personalidade dos mesmos, pela qual,
unicamente, eles são fins em si. Essa idéia de personalidade,
despertadora de respeito, que nos coloca ante os olhos da
sublimidade de nossa natureza (segundo sua destinação), na medida
em que ela ao mesmo tempo nos deixa notar a falta de conformidade
de nossa conduta em vista da mesma e com isso abate a presunção,
pode ser observada natural e facilmente até pela razão humana mais
comum (Kant, 2002a:142).
Essa nova tentativa, igualmente, não é convincente. Mais uma vez Kant
procura fundamentar a dignidade da pessoa na condição de residir em sua
própria natureza, enquanto ser racional, a constituição de um fim em si, de um
valor absoluto, de onde decorreria sua dignidade. Novamente, portanto, Kant
incorre em uma ontologização carente de demonstração. O homem, enquanto
ser racional, a pessoa, constitui um fim em si, justamente por sua natureza
racional, o que é “facilmente percebido até pela razão humana mais comum”.
Por constituir um fim em si, a pessoa, então, detém valor absoluto; por deter
valor absoluto, a pessoa tem dignidade; e, tendo dignidade, lhe é devido
respeito. Assim posta a argumentação, conforme identificou Tugendhat, ela é
deduzida a partir de “palavras vazias, cujo sentido carece de demonstração”.
O fato de o homem, como ser racional, constituir um fim em si e de
assim se perceber é, para Kant, uma questão indiscutível. Isso torna-se
evidente na passagem da Fundamentação da Metafísica dos Costumes em
que proclama a representação necessária do homem a respeito de sua própria
existência, tanto como um princípio subjetivo quanto como um princípio
objetivo.
32
A natureza racional existe como fim em si mesma. O homem concebe
deste modo necessariamente sua própria existência; e, neste sentido,
tal princípio é um princípio subjetivo da atividade humana. Mas todos
os outros seres racionais concebem de igual maneira sua existência,
em conseqüência do mesmo princípio racional que vale também para
mim; por conseguinte, este princípio é, ao mesmo tempo, um
princípio objetivo (Kant, 1964:93).
Tugendhat define esse argumento como um “grandioso sofisma”. “Do
fato de cada um representar sua própria existência de uma determinada
maneira”, diz ele, “e de qualquer outro ter o mesmo princípio subjetivo,
naturalmente nunca resulta um princípio objetivo no sentido de Kant”
(Tugendhat, 1997:152-153). Para que isso, realmente, fosse possível, a
representação da própria existência, para um ser racional, deveria
corresponder às representações que todos os demais seres racionais fariam da
própria existência. E questiona Tugendhat:
Como Kant chega à suposição de que cada um se representa sua
própria existência como um fim em si? Se fim em si, como Kant fez
até aqui, foi definido desde o início como “fim objetivo que vale para
qualquer ser racional”, então ninguém pode representar-se desta
maneira sua própria existência antes que a de todos os outros.
Baseado em que, devemos perguntar, com razão Kant pôde recorrer
a uma espécie particular de relação de um indivíduo em relação à
sua própria existência? (
Tugendhat
, 1997:153).
A argumentação kantiana, portanto, pelo que fica evidenciado, parte
sempre do pressuposto de que haja um fim em si, de tal sorte que o ser
racional, a pessoa, possua um valor absoluto. E assim conduz sua
argumentação porque, caso contrário, o próprio imperativo categórico restaria
comprometido.
Como forma de superar os pontos lacunosos da argumentação
kantiana, Tugendhat propõe que se poderia assim dizer: “Na medida em que
nós respeitamos um ser humano como sujeito de direito e isto quer dizer como
um ser, para com o qual temos deveres absolutos, nós lhe conferimos
33
dignidade e um valor absoluto” (1997:155). Desta forma, dignidade e valor
absoluto deixam de ser conceitos vazios, de ser pressupostos que não podem
ser demonstrados e passam a ser conceitos aferíveis, realizáveis e
convincentes condicionantes dos deveres morais.
A dignidade é um elemento da ética que reconhece o valor e o respeito
que todo o ser humano possui em princípio na sua interioridade. Ele reconhece
a pessoa humana como portadora de um direito universal.
A dignidade é um valor fundamental porque garante o reconhecimento
dos direitos que o sujeito tem em si. "A defesa da dignidade humana em cada
um e na humanidade como um todo pressupõe respeito” (Freitag, 1992:51).
É no ser humano e na consideração que as pessoas vão tendo uma
para com as outras que de fato poderemos perceber que a dignidade pode ir
acontecendo e se manifestando verdadeiramente.
Constrói-se, assim, uma autêntica ética pelo reconhecimento do ser
humano enquanto tal e como deliberador da dignidade universal de toda a
humanidade.
A dignidade constitui um aspecto da ética kantiana que acolhe o ser
humano como um ser profundamente merecedor de honras e glórias pela sua
inalienável condição de ser pessoa humana. Nesse sentido, a dignidade
confere o mais alto grau de grandeza que a humanidade possui em princípio.
1.4. MÁXIMA
Para uma maior compreensão do significado da máxima, é necessário
estabelecer principalmente a diferença básica entre a máxima e a lei.
A máxima é o princípio subjetivo que contém a regra prática que a
34
razão determina de acordo com as condições do sujeito. A lei é
princípio objetivo, prescrevendo um comportamento que todo ser
racional deve seguir (Freitag, 1992:50).
As máximas dizem respeito às ações do ser humano empírico,
particular. Esse sujeito abre-se para a dimensão universal, de maneira tal que
suas ações possam ser válidas não simplesmente para o homem enquanto ser
particular, mas enquanto ser universal.
Age somente de acordo com uma máxima que possas ao mesmo
tempo, querer que se converta numa lei geral ou age como se a
máxima de tua ação fosse converter-se por vontade numa lei natural
e geral (Russell, 1969:260).
O agir acontece sempre em conformidade com uma máxima, mas tem
que ser somente uma máxima, que possa simultaneamente ter-se a si mesma
por seu objetivo, leis universais.
Age segundo máxima de um membro legislador em ordem a um reino
dos fins somente possível, conserva a sua força plena porque ordena
categoricamente. É nisto que consiste exatamente o paradoxo; que a
simples dignidade do homem considerado como natureza racional,
sem qualquer outro fim ou vantagem a atingir por meio dela, portanto,
o respeito por uma mera idéia, deve servir, no entanto de regra
imprescindível da vontade, e que precisamente nesta independência
da máxima em face de todos os outros motivos desta ordem racional
consiste a sublimidade, tornando todo o sujeito racional digno de ser
membro legislador dos reinos dos fins; pois do contrário teríamos que
representar no-lo somente como submetido à lei natural das suas
necessidades (Kant, 1988:238).
Kant afirma que a ética não estabelece ações particulares, mas apenas
máximas de ação. As finalidades dadas pela virtude (a própria perfeição e a
felicidade de outrem), apenas dão máximas, mas não regras específicas de
ação. Elas deixam, portanto, uma amplitude (latitudo) para ser preenchida por
diferentes ações.
Se a lei pode prescrever apenas máximas de ações, não ações em
si, este é um sinal que ela deixa um espaço (latitudo) para a escolha
livre em seguir (estar de acordo com) a lei, ou seja, a lei o pode
35
especificar precisamente de que forma alguém deve agir e quanto
deve fazer através da ação para uma finalidade que é também um
dever (MST, 1986:390).
Tomemos os seguintes exemplos de máximas: querer o bem dos pais e
querer o bem dos vizinhos. Segundo Kant, o fato dessas máximas
relacionarem-se a um dever amplo, significa que posso limitar uma máxima
pela outra. Se uma ação feita de acordo com a máxima “querer bem seu
vizinho ou amigo” (Ex: hospedar um amigo barulhento e desempregado)
prejudicaria o bem-estar dos pais, logo nos é permitido não realizar esta ação,
porque uma outra máxima (“querer bem aos pais”) limitaria esta (“querer bem
os próprios amigos”).
Suponhamos que, frente a um amigo em apuros eu decida não ajudá-
lo, não necessariamente por estar limitado por outra máxima moral. Seria esse
ato contrário à moralidade, de acordo com Kant? Aparentemente não, eu não
seria tão virtuoso quanto poderia ser, mas eu não prejudicaria ou causaria dano
a ninguém:
A falta em cumprir meros deveres de amor [beneficente] é uma falta
de virtude (peccatum). Mas a falta em cumprir o dever que provém do
respeito devido a todo ser humano como tal é um vício (vitium). Pois
ninguém é lesado se os deveres de amar são negligenciados, mas a
falha no dever de respeito ataca as reivindicações conforme a lei
(grifo meu, MST, 6:465).
Essa citação sugere que a prioridade do correto sobre o bem continua
sendo a correta interpretação da filosofia kantiana. Na Doutrina da Virtude, é
verdade, Kant vai além da mera visão negativa que é freqüentemente atribuído
a ele, pois realmente fornece uma teoria da virtude e afirma que um mérito
moral em fazer mais do que as exigências negativas dos deveres de respeito,
que ser benevolente e beneficente é certamente melhor do que não ser. Há um
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espaço, todavia, para decidir como nossos próprios valores estarão de acordo
com as exigências da virtude e para seguir essas exigências. Se uma pessoa é
beneficente em seus atos, ela está obviamente seguindo as exigências da
virtude. Contudo, se ela decide não fazê-lo, ela não está fazendo nada errado,
visto que ninguém é lesado pelas suas ações.
O dever de promover a felicidade alheia, enquanto um dever imperfeito
e amplo, está subordinado às exigências negativas dos deveres perfeitos e
estritos. Isso leva a duas conseqüências: primeiro, os últimos devem ser
satisfeitos com prioridade em relação aos primeiros. Não se deve mentir para
promover a felicidade de um amigo, por exemplo, visto que o dever amplo de
promover a felicidade está subordinado às obrigações estritas de não mentir.
Em segundo lugar, na medida em que a obrigação estrita é cumprida, nós
temos uma ampla gama de ações que podem ajudar a felicidade do nosso
amigo, como oferecer nosso consolo. E mesmo que decidamos não fazer nada
quanto à infelicidade alheia, isso significaria, por certo, uma falta de valor
moral, mas não propriamente um vício.
Escolher a felicidade alheia como um fim é uma forma de indicar que
devemos fazer mais do que somos obrigados a fazer, a fim de sermos
plenamente virtuosos:
Se alguém faz mais de acordo com o dever do que ele é obrigado
pela lei, o que ele faz é meritório (meritum); se ele faz exatamente o
que a lei requer, ele faz o que ele deve, finalmente, se ele faz menos
do que a lei requer, ele é moralmente culpado (demeritum) (MST,
6:227).
O centro da teoria kantiana será composto pelas obrigações estritas
dadas pelos deveres perfeitos, esta parte podendo ser considerada como a
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moralidade no sentido estrito de certo e errado. Neste núcleo central, a
promoção da felicidade o possui nenhum papel, visto que esta opera num
campo mais amplo da moralidade. O dever de amar, entendido como amor
prático, mostra que a crítica de uma mera teoria formal é errada, mas também
seria se pensássemos que Kant muda de idéia na Doutrina da Virtude,
atribuindo à felicidade um papel central na sua doutrina pois mesmo o dever
amplo de promover a felicidade alheia estará sempre subordinado aos deveres
estritos.
1.5. O DEVER
Nome sublime e poderoso, aquilo de mais precioso que pode existir no
ser humano. A pessoa humana que orienta suas ações por dever consegue
com muito mais sucesso conduzir sua vida no caminho da verdade. O dever
está acima das ações subjetivas e egoístas porque se fundamenta na lei
natural que é pura por si mesma.
A lei moral é sagrada e inviolável. O homem de fato, não é santo,
mas deve considerar como santa a humanidade de sua pessoa. Em
toda criação tudo o que se escolhe e sobre o que se tem qualquer
poder, pode ser usado como meio; o homem, e com ele todas
as criaturas racionais, é um fim em si mesmo (Vancourt, 1969: I72).
O dever representa a ação que tem como objetivo fundamental, o
respeito à dignidade da pessoa humana. Neste sentido, a ação praticada por
dever é reconhecida como seu dever ético, mas a máxima que a determina,
não depende, no entanto, da realidade do objeto na ação, mas somente do
princípio segundo a qual a faculdade do desejar foi praticada, tendo em vista o
respeito a uma lei universal.
Dever é a necessidade de uma ação que prima pelo respeito à lei.
Pelo objeto, com efeito, da ão vista, posso eu sentir na verdade
38
inclinação, mas não respeito, exatamente porque é simplesmente um
efeito e não uma atividade da vontade (Kant, 1988:209).
O ser humano diante de uma situação concreta faz uma promessa
mentirosa que sabe que não poderá cumpri-Ia, se pergunta sobre as
conseqüências dessa sua ação e percebe que por uma ação falsa poderá
perder a confiança e se tornar algo pior do que o mal que desejava evitar. Ele
se interpela se não seria bem mais prudente agir sempre de acordo com a
máxima universal e adquirir o costume de não prometer nada, a não ser com a
clara intenção de cumprir a promessa. O homem pode até optar pela mentira,
mas o pode desejar mesmo em caso de extrema necessidade que essa
mentira se torne uma lei universal de mentir.
Não se deve mentir porque não se deve mentir, e não porque a
mentira acarrete conseqüências felizes ou infelizes. Dizer a verdade é
um dever, mas somente com relação aqueles que m direito à
verdade. Nenhum homem tem direito a verdade que venha prejudicar
os outros. Por conseqüência, quem mente, por mais bondosa que
possa ser sua intenção, deve responder pelas conseqüências de sua
ação, mesmo diante do tribunal civil, e penitenciar-se dela, por mais
imprevistas que possam ser essas conseqüências, porque a
veracidade é um dever que deve ser considerado a base de todos os
deveres a serem juntados sobre um contrato e a lei desses deveres,
desde que se lhe permita a melhor exceção torna-se vacilante e inútil
(Pascal, 1985:150-151).
Uma pessoa se encontra numa situação muito difícil, de total abandono
e desilusão. Um exemplo ilustrativo: Um pai de família, em estado de plena
miséria, desempregado, sem ter a mínima condição de sustentar a sua família.
E sua esposa angustiada e desesperada com tal situação ameaça deixá-Io.
Apesar dessa situação no mínimo angustiante, ele ainda está de posse da
razão e pode perguntar-se na sua interioridade se não seria contradição causar
um atentado contra sua própria vida. A sua xima diz o seguinte: por amor a
mim mesmo, levando em consideração todo o meu sofrimento que me faz
muito mais triste do que feliz, devo encurtar minha vida? O princípio do dever
39
me mostra que a lei de matar a si mesmo não tem validade universal. Por isso
chego à conclusão de que jamais aplicaria em minha vida.
O exercício de minhas ações motivadas pelo puro respeito é o que
constitui o dever, que sem se ligar a nenhum outro motivo é condição de uma
vontade boa em si, cujo valor é superior a tudo.
O dever é algo que independe das motivações exteriores, ele é fruto
fundamentalmente de razão humana, por isso sua legitimação se encontra no a
priori, ou seja, no interior do ser humano e não simplesmente nas emoções e
sentimentos movidos pelas situações concretas da vida.
Ser benfazejo por prazer é, igualmente, agir conformemente o dever,
mas não por dever. Por outro lado, quem pratica a benevolência,
mesmo sem sentir-se inclinado a isso, possui um valor moral maior
do que aquele benevolente por temperamento, e isto, no sentir de
todos. Este valor maior lhe vem precisamente do fato de que ele faz o
bem, não por inclinação, mas por dever (Pascal, 1985:113).
A consciência do dever ético é condição essencial para que uma ação
possa ser considerada digna de aceitação e legitimamente pelo fato de que em
todo ser humano reside intrinsecamente a realidade do dever. "O dever
exprime uma espécie de necessidade. E de ligação com os princípios, que não
se apresentam alhures em toda a natureza” (Hisrchberger, 1960:322).
A aplicação dos princípios morais puros à natureza empírica do homem
nos fornece as virtudes, definidas como fins que são, ao mesmo tempo,
deveres. Kant enumera dois fins que se constituem em deveres: a própria
perfeição e a felicidade alheia. Estes dois objetivos nos levam a dois diferentes
tipos de deveres: os deveres do homem relacionados a ele mesmo, e deveres
do homem relacionados a outrem, entre os quais encontramos o dever de
amar, que consiste em promover a felicidade de outrem.
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Conclui-se, portanto, que o dever constitui-se um dos elementos mais
significativos da formação da ética kantiana devido a sua influência direta nas
ações do ser humano.
1.6. IMPERATIVOS HIPOTETICOS E CATEGORICOS
O que é, pois, agir por dever? Agir por dever é agir em função da
reverência pela lei moral; e a maneira de testar se estamos a agir assim é
procurar a xima, ou princípio, com base na qual agimos, isto é, o imperativo
ao qual as nossas ações se conformam. Há dois tipos de imperativos: os
hipotéticos e os categóricos. O imperativo hipotético afirma o seguinte: se
quisermos atingir determinado fim, age desta ou daquela maneira. O imperativo
categórico diz o seguinte: independentemente do fim que desejamos atingir,
age desta ou daquela maneira. muitos imperativos hipotéticos porque
muitos fins diferentes que os seres humanos podem propor-se alcançar. Há um
imperativo categórico, que é o seguinte: "Age apenas de acordo com uma
máxima que possas, ao mesmo tempo, querer que se torne uma lei universal".
Na filosofia ética kantiana os imperativos assumem um papel de muita
relevância pelo fato, sobretudo, deles direcionarem de certo modo os critérios
fundamentais da ação dos homens. Existem os imperativos hipotéticos que
representam basicamente uma necessidade prática, ou melhor, dizendo uma
ação possível com o meio de realizar coisas. Eles trabalham com questões
práticas, particulares, portanto, não são válidos para constituição do valor ético.
E os categóricos que representam uma ação objetivamente necessária por si
mesma, sem nenhuma e qualquer finalidade.
O imperativo categórico se situa na esfera da ação interior, mediada
41
pela razão, e tem como objetivo conduzir a ação do sujeito para a
universalidade.
Essa afirmação acima pode ser bem ilustrada com a questão de
emprestar dinheiro. Kant argumenta logicamente que a prática de emprestar
dinheiro acabaria, por não ter mais dinheiro para ser emprestado. Essa prática
jamais poderá tomar-se uma lei universal porque traz em si uma contradição.
A ética kantiana defende radicalmente a busca constante do
aperfeiçoamento da humanidade, o ser humano caracteriza-se por estar
empenhado na luta em defesa da dignidade da humanidade como um todo.
Qualquer ação que venha ferir uma pessoa é uma agressão a toda a
humanidade. Portanto, é contrária ao imperativo categórico que conclama o ser
humano a agir sempre em conformidade com os princípios que venha a
garantir o respeito e a dignidade da pessoa humana. As ações das pessoas
são legitimáveis se podem ser tomadas como modelo para toda a humanidade.
A lei moral kantiana consubstanciada no imperativo categórico,
propõe uma regra de conduta que evita inferir a dignidade humana.
Ao mesmo tempo, ela leva o indivíduo a aperfeiçoar-se, contribuindo
assim para o aperfeiçoamento da humanidade como um todo
(Freitag, 1992:51).
Kant referiu-se aos imperativos dependentes dos desejos dos
indivíduos como sendo imperativos hipotéticos. “Se o quiseres ser mordido
senta-te noutro sítio” é um exemplo de um imperativo hipotético. A discussão
que fazemos com Kant pode então ser enquadrada pela pergunta acerca de se
todos os imperativos serão hipotéticos. Haverá alguns imperativos que sejam,
como Kant os chamou, categóricos - isto é, imperativos válidos para todos os
seres racionais, independentemente dos seus desejos? Kant pensava que se a
42
ética não é uma ilusão deve haver imperativos categóricos - pois não se
verdade que a moralidade nos diz que devemos fazer o que está certo,
independentemente dos nossos desejos? Para os empiristas conseguirem
mostrar que obtemos conhecimento de verdades éticas objetivas através da
intuição, têm de mostrar que esse conhecimento dá origem a imperativos
categóricos. Eis porque a questão crucial entre os empiristas e os seus
oponentes racionalistas acaba por ser a mesma que entre muitos pensadores e
Kant: haverá razões objetivas para a ação, independentes dos nossos
desejos?
A este respeito, os dois séculos que passaram depois de racionalistas
e empiristas não resolveram a disputa entre estas duas posições sicas que
eles estabeleceram. No entanto, embora a disputa não tenha sido resolvida,
entendemos agora os problemas melhor que anteriormente, e até há alguns
sinais de convergência. Os empiristas não procuram estranhos fatos morais
conhecidos unicamente através da intuição, mas tentam antes estabelecer as
razões para agir que aceitaríamos se raciocinássemos sob certas condições
ideais - por exemplo, se estivéssemos completamente informados, não
influenciados pelos nossos interesses, e pudéssemos imaginar como seria
estar na posição de todos os outros que fossem afetados pela nossa ação. Os
racionalistas raramente mantêm que a ética é inteiramente uma questão de
sentimentos ou desejos; reconhecendo a necessidade de conceder um espaço
para o desacordo e para a argumentação racional acerca da ética. Assim,
embora continuem a defender o ponto de vista de que os nossos juízos éticos
se baseiam nos nossos desejos, não defendem que qualquer desejo pode
43
formar essa base. Pelo contrário, concedem que, para serem considerados
éticos, os desejos devem passar por uma filtragem que exclua aqueles que não
satisfaçam determinadas condições de imparcialidade e razoabilidade. Por
conseguinte, o debate atual ganhou outra precisão, nomeadamente a respeito
do tipo de limites que devemos estabelecer para os desejos que podem ser
considerados éticos, e da possibilidade desses limites nos permitirem chegar -
em princípio, se não na prática - a um acordo acerca do que devemos fazer.
2. FUNDAMENTAÇÃO DA ÉTICA KANTIANA
Kant considera a liberdade como uma faculdade que autodetermina as
ações dos homens. A liberdade se encontra na esfera da interioridade, no a
priori, na razão. “A liberdade, é assim, gestação de si, independência em
relação que não seja ela mesma. A liberdade do homem é, então, o poder de
autodeterminação da razão” (Kant, 1988:562).
O ser humano enquanto preso ao mundo sensível é limitado. Mas
enquanto sujeito que possui inteligibilidade traz em si mesmo as condições de
transcender sua realidade. Nesse sentido, o homem kantiano não é um ser
acabado, pelo contrário, é um ser de descobertas e que está constantemente
buscando superar seus limites.
A liberdade defendida por Kant assume uma dimensão de suma
importância para a formação de uma moral alicerçada no imperativo categórico,
que tem como princípio afirmar que nossas ações devem ser de maneira tal,
que não fiquem presas à esfera da vontade particular, mas que levem em
consideração a dignidade do ser humano enquanto ser portador de uma
vontade universal.
44
A liberdade não se limita aos instintos naturais, portanto, vale como
pressuposto necessário da razão, tem como saber a faculdade de determinar-
se. O agir como inteligência da razão é, segundo leis, independentemente de
qualquer instinto natural. "Ser livre é praticamente não depender da compulsão
sensível das inclinações, mas o homem não se libertará dessa compulsão, se
não for livre absolutamente, noutros termos, os seus atos não devem ser
necessariamente determinados” (Pascal, 1985:137).
Toda ação humana para que seja considerada de fato um ato humano,
pressupõe a existência de uma liberdade profunda. O ser humano que age
coagido e proibido de expressar o seu pensamento está diminuído da sua
dignidade de pessoa. Essa ação jamais pode ser considerada como uma
realidade moral, porque falta o seu pressuposto fundamental que é a liberdade.
"O homem não pode ser moral, ou por outra, realizar o bem supremo, a menos
que seja livre” (Pascal, 1985:143).
Kant centraliza sua moral no sujeito, portador de universalidade. A
liberdade é fundamento desse agir ético, na medida em que ela condições
para o homem agir respeitando uma vontade interior, que é em princípio
legitimador das ações segundo regras estabelecidas no imperativo categórico.
A moral não se define pela usança do maior número, é um ideal que
a nossa razão nos propõe a priori. Não devemos, pois apoiar as
idéias morais nas lições da experiência, ao contrário os exemplos
dados na experiência devem ser avaliados em função de um ideal
moral (Pascal, 1985:116).
Não são, portanto, as experiências de liberdade, vistas de um modo
particular que legitimam a lei moral, mas somente dão condições de viabilidade
de concretização do agir moral. “A liberdade se atinge para além do tempo, da
45
história, do mundo, ela é pura interioridade” (Oliveira, 1993:138).
O ser humano pela lei da liberdade rompe o isolamento e se coloca
numa postura de abertura para a universalidade e reciprocidade das ações
com outros homens. A liberdade, não pode ser determinada, mas motivada a
ser fonte de autodeterminação das ações.
A liberdade é fundamento da ética porque dá condições ao ser humano
de abrir-se à comunhão universal. A ética kantiana é um convite a lutar para
que seja efetivada a dignidade de todos os homens.
Toda Filosofia de Kant é motivada por uma intenção subjacente
mostrando que a verdadeira grandeza do homem não consiste, como
pensa a modernidade, em sua imposição sobre o mundo, mas antes
em sua capacidade de autodeterminar-se a partir da liberdade, e com
isso o ético é fonte de grandeza do homem (Oliveira, 1993:132).
A liberdade é fonte primeira mediada pela razão que tem como objeto
garantir o exercício da moralidade humana de forma autônoma e independente
de qualquer mecanismo existente na natureza.
A legitimação das normas se a partir do momento em que essas
normas assumem uma dimensão universal.
A ética kantiana se contrapõe aos sofistas, que tinham a concepção de
indivíduo como um ser simplesmente empírico, que de maneira arbitrária,
fazendo o que vinhesse à cabeça, acreditavam que por si próprios poderiam
normatizar suas ações. E também aos gregos que supervalorizavam a polis e
negavam o indivíduo como sujeito. Kant defende a idéia de um homem como
um ser subjetivo, mas um ser capaz de universalizar, um ser preocupado,
sobretudo com a dignidade humana que é em princípio comum a todo gênero
humano.
Pela lei universal, que garante a dignidade de todos os homens, é que
o ser humano toma-se universal. Ele é um ser que possui uma dignidade
incondicional, e enquanto ser de tão sublime respeito é fim em si mesmo,
46
nunca deverá ser usado como meio, ele sempre levanta a pretensão de ser
reconhecido como fim em si mesmo e portador de universalidade dos valores
éticos.
A universalidade das normas garante o reconhecimento do homem
como ser que possui dignidade, como um ser livre. Uma sociedade organizada
por normas universais possibilita a concretização de uma lei sedimentada na
justiça.
Kant acreditava que para existir uma sociedade justa é necessário que
se estabeleçam normas de ações tendo em vista a abrangência da realidade
na sua totalidade. A norma se legitima na medida mesma de sua
capacidade de universalização.
O homem como ser dotado de racionalidade, conquista sua liberdade,
na medida em que faz uso de sua razão. E como ser livre sente-se com a
responsabilidade de institucionalizar normas de ação que garantam a
emancipação de todos os homens.
O reconhecimento a toda e qualquer ser humano em princípio é um
direito inalienável, ou seja, pertence a toda pessoa humana e ninguém tem o
direito de transgredi-lo. Constrói-se uma autêntica ética pela aceitação da
pessoa humana enquanto tal e deliberadora da dignidade universal de toda a
humanidade.
O ser humano é o único ser capaz de estabelecer juiz de valores sobre
as coisas e fundamentalmente sobre si mesmo. Ele é comunicador de sentido,
de liberdade de grandeza pelo fato de possuir na sua essência a capacidade
de ser digno. "O homem o tem apenas um preço, ou seja, um valor relativo,
mas uma dignidade, um valor intrínseco" (Pascal, 1985:125).
A grandeza do ser humano deve ser preservada acima de qualquer
47
outra coisa porque ele não é uma coisa, ou um simples objeto, e jamais poderá
ser considerado como um meio, mas em todas as ações deve ser
salvaguardado. O seu direito fundamental de ser considerado um fim em si
mesmo, como um ser que possui dignidade. Portanto, toda forma de opressão
humana compromete profundamente naquilo que é mais "sagrado" na pessoa
que é sua liberdade.
A verdadeira grandeza do homem, aquilo que destingue o homem de
todos os outros seres, é a capacidade que ele tem de agir a partir de
sua própria liberdade. Por isso, o homem é o único ser digno,
absolutamente digno é o homem, e o homem nunca pode ser
reduzido a um puro meio e deve ser sempre considerado um fim em
si mesmo (Oliveira, 1993:105).
A ética não é algo que vem de fora, ou seja, da heteronomia, mas o ser
humano é o gerenciador nato da ética, pela razão ele recebe o direito de ser
portador de ética, é, portanto, o ser humano o único legislador de ética, mas
não se trata de uma ética qualquer, mas fundamentalmente de uma ética válida
universalmente, garantindo assim o reconhecimento do valor e o direito de toda
a humanidade.
O homem nunca deve, e este é o sentimento final de toda a
moralidade, ser utilizado como um meio, isto é, subordinado a
nenhum fim estranho, mas deve ser sempre o seu próprio fim
(Hisrchberger, 1960:329).
O ser humano é o único ser que tem a possibilidade de planejar o
percurso de sua história conduzindo-a a partir de sua liberdade e de sua
dignidade universal que é aberta em princípio também a toda a humanidade.
A ética se radica em Kant como a "emancipação do homem para sua
humanidade” (Oliveira, 1993:136).
A liberdade do ser humano consiste fundamentalmente em ele se
libertar da submissão, da natureza, dos impulsos e do mundo sensível. Enfim,
a tudo aquilo que se situa na esfera da temporalidade.
A lei moral não pode vir da experiência porque, se ela viesse da
experiência seria subjetiva e particular, portanto, variável contingente
48
e determinaria a vontade a agir por um fim externo a ela e não pela
lei moral que ela a si mesmo, a vontade seria heterônima e não
autônoma, como exige a moralidade da ação (Mondin, 1982:187).
O ser humano enquanto ser racional não tem seu caminho já acabado,
toda sua vida é uma luta na busca constante por uma autodeterminação para
se libertar do mundo sensível, essa libertação se dá através de um longo
processo. Assim, a ética é importante para o processo de manifestação da
liberdade humana, porque ela legitima as ações do ser humano.
Os valores éticos são extraídos do a priori, da interioridade de cada ser
humano. A ética brota da vontade de todo agir racional, cujo principio
fundamental é: agir de maneira tal que a máxima possa ser considerada uma
lei universal.
A lei moral é sagrada e inviolável. O ser humano, de fato não é santo,
mas deve considerar como santo a humanidade da sua pessoa. Em
toda a criação tudo que se escolhe e sobre o que se tem qualquer
poder, só pode ser considerado como meio, o homem, e com ele
todas as criaturas racionais é um fim em si mesmo (Russell,
1969:178).
Os princípios morais são estabelecidos por leis éticas a priori, e,
portanto, livre do mundo sensível e dos fundamentos que garantem a
efetivação da liberdade e da dignidade humana.
Moralidade é a única condição que pode fazer um ser racional ser fim
em si mesmo, pois só por ela lhe é possível ser membro legislador no
reino dos fins. Portanto, a moralidade, e a humanidade enquanto
capazes de moralidade são as únicas que tem dignidade (Kant,
1988:234).
O agir moralmente bom significa institucionalizar normas de ação que
tenham como pressuposto fundamental a dignidade da pessoa humana,
favorecendo assim condições para um agir plenamente livre. A ética tem na
sua essência o objetivo de propiciar ao ser humano sua libertação.
3. CONTRIBUIÇÕES E LIMITES DO PENSAMENTO DE KANT
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A filosofia de Kant é também denominada idealismo transcendental: o
sujeito constrói o conhecimento e significado e sentido à realidade a partir
de categorias subjetivas a priori (idealismo); o conhecimento não está
particularmente voltado para o objeto, mas para o modo de conhecê-los
aprioristicamente (transcendental).
Eis o que Kant diz a respeito:
A razão o que ela mesma produz segundo seu projeto, que ela
deve ir à frente como princípios dos seus juízos segundo leis
constantes e deve obrigar a natureza a responder às suas pergunta,
sem se deixar, porém, conduzir por ela como se estivesse presa a um
laço. [...] Até agora se supôs que todo o nosso conhecimento deveria
regular-se pelos objetos; porém todas as tentativas de estabelecer
algo a priori sobre ele através de conceitos, por meios dos qual o
nosso conhecimento seria ampliado, fracassaram sob esta
pressuposição. [...] Admitindo-se que o nosso conhecimento de
experiência se regule pelos objetos como coisas em si mesmas, ver-
se-á que o incondicionado não pode ser pensando sem contradição;
admitindo-se, em compensação, que a nossa representação das
ciosas como nos são dadas se regula não por estas como ciosas em
si mesmas, mas antes estes objetos como fenômenos se regulem
pelo nosso modo de representação, ver-se-á que a contradição
desaparece (1974: 11-13).
O pensamento filosófico de Kant foi sendo desenvolvido num ambiente
histórico marcado profundamente por posições filosóficas com caminhos
radicalmente diferentes com relação à fundamentação do conhecimento
humano. Havia fundamentalmente os racionalistas e os empiristas com suas
posições fechadas, dogmáticas querendo impor "suas verdades". Kant chegou
a conclusão de que tanto um como o outro foram extremistas, ou seja,
quiseram fundamentar o conhecimento apenas por um tipo de juízo. O primeiro
atribuindo o valor somente ao juízo analítico, desconsiderando assim o
"elemento da novidade”; o segundo acolhendo como conhecimento somente os
juízos sintéticos a posteriori, ou seja, não admitindo o "elemento da
universalidade". O racionalismo afirma que o conhecimento provém
50
exclusivamente do sujeito e o empirismo diz que provem somente do objeto.
Para Kant, o conhecimento não é fruto nem do sujeito e nem do objeto.
A apreensão do objeto dar-se pelas impressões dos sentidos oriundos do
sujeito com os dados da sensibilidade. O conhecimento é, então, o resultado
do elemento a priori (sujeito) e do elemento a posteriori (dados da
sensibilidade). A fundamentação do conhecimento dar-se de forma sintética a
priori, assim a ciência recebe do sujeito a extensão e do objeto a
universalidade. Essa nova maneira de explicitação de como chegar à
estruturação de um pensamento lógico, coerente, que venha a garantir como
se dá o conhecimento das coisas, Kant chamou de transcendental.
Transcendental é aquilo que compete a qualquer ser enquanto
conhecido, isto é, são as condições as quais deve estar sujeito
qualquer objeto para ser conhecido; são as formalidades incluídas em
qualquer conhecimento (Mondim, 1982:l77).
Kant empreendeu no âmbito da filosofia uma “revolução copernicana”
ao atribuir ao sujeito um papel determinante no ato de conhecer.
A modernidade é responsável por uma imensa abertura do
pensamento em relação a muitas questões que dizem respeito à realidade
humana, pois o rompimento com o sistema de uma sociedade fechada, presa a
padrões estabelecidos inova uma concepção que valoriza a criatividade e a
pesquisa científica. É o que de certo modo aconteceu com a modernidade,
institucionalizou-se uma nova compreensão que radicalizou no ser humano a
sua real vocação que é ser partícipe essencial na criação. Pois, na
modernidade o ser humano assume verdadeiramente o seu papel de
protagonista de sua história.
Kant foi um filósofo moderno que viveu profundamente esta realidade e
51
no primeiro momento de sua pesquisa filosófica dedicou-se com afinco a
procurar uma explicação lógica, consciente que Ihe desse uma clareza sobre
como se dava a fundamentação, pois considerava extremista e sem uma base
sólida a visão dos racionalistas e dos empiristas.
A questão ética estudada por Kant veio acontecer na maturidade do
seu pensamento. Ele chama a atenção para um dos aspectos da pessoa
humana que tem uma fundamental importância, pois toca nas questões de
valores e comportamentos que atentam naquilo que é essencial no ser
humano. Trata-se de sua felicidade, do reconhecimento da sua dignidade e da
vocação essencial que é a busca constante da justiça e da verdade.
A ética diz respeito aos valores mais íntimos que cada pessoa tem e
como vai ser o desfecho do ser ético, tendo em vista a sua plenitude.
Kant, preocupado com o comportamento humano encontra na razão o
seu apoio sico para desenvolver sua doutrina ética. A priori o ser humano
possui todos os princípios para um bom agir ético sem depender de nenhuma
contribuição da realidade exterior, ou seja, da experiência.
Podemos constatar que fundamentalmente Kant encontrou três
caminhos para justificar sua formulação filosófica e a questão da eticidade
humana. O primeiro é denominado como regra de ouro. Faz o que queres que
te façam, o segundo é agir de maneira a sempre tomar a humanidade, na tua
própria pessoa, como na outra, como fim, nunca como meio, e a terceira: o
fundamento de toda Iegislação prática está em conhecer a vontade de cada um
como universal. A eticidade está em transferir sua consciência de
individualidade à universalidade.
52
Nesse sentido, o pensamento ético de Kant contribui enormemente
para a constituição de uma ética Iegitimada e centralizada no respeito
incondicional da pessoa humana. Sua tomada de consciência para o
estabelecimento de uma norma de ação que se radica como princípio sico e
fundamental: o critério de universalidade é um grande avanço para se
compreender a questão da ética no ocidente.
Um elemento fundamental na ética kantiana que ajudou a formação da
consciência ética da modernidade foi a devida atenção ao ser humano. O fato
de Kant ter centralizado seu pensamento em estudar e pesquisar
profundamente o comportamento humano colaborou imensamente para que a
pessoa humana fosse reconhecida nos seus valores essenciais como, por
exemplo, a sua liberdade.
O conceito de liberdade humana recebeu um grande reconhecimento
nos princípios da ética kantiana. O ser humano é em essência um ser livre e
autônomo, por isso toda e qualquer ão que contrapor essa verdade deve ser
reprovável.
A ética kantiana nos ajuda a olharmos para o ser humano com uma
visão mais positiva e esperançosa. Apesar de que as relações concretas nas
sociedades modernas serem na maioria de negação da dignidade humana.
Temos, a partir dos fundamentos kantianos, a clareza de que essas ações que
exploram a pessoa humana devem ser extintas de nosso meio sob pena de
comprometer o bem e a justiça, pois qualquer ação que cause violação a
dignidade de um só homem está ferindo toda a humanidade.
Kant colaborou e muito para que fosse respeitado o direito à liberdade
53
a toda pessoa. Sua ética engrandece o ser humano e questiona muitas
situações de atitudes humanas que infelizmente causam vergonha à
humanidade. A ética kantiana deixou muitas contribuições ao homem moderno,
uma delas é como se constrói uma autêntica ética na medida em que a pessoa
for agir, pensar sempre que sua ação deve servir de exemplo e referência para
toda humanidade.
Na modernidade, a ciência e a tecnologia têm uma influência muito
grande sobre as pessoas.
Da ciência, a tecnologia deriva conhecimentos básicos, instrumentos
e técnicas. Da tecnologia a ciência recebe instrumentos e problemas
para solução. A ciência e a tecnologia interatuam no domínio da
ciência aplicada que é a investigação de problemas cujas soluções se
espera sejam tecnologicamente aplicáveis (KNELLER, 1980:269).
Elas são as senhoras absolutas capazes de darem respostas para
todos os problemas. Kant deu sua contribuição nessa área quando estabeleceu
claramente a distinção entre a maneira de trabalhar da ciência e da ética. A
ciência trabalha com sentenças descritivas e a ética com sentenças
normativas, ou seja, tematiza os princípios últimos que legitimam normas de
ação universal.
Apesar da ética kantiana ter contribuído para a compreensão do valor
da dignidade do ser humano não podemos deixar de perceber algumas lacunas
que ela deixou. Um dado muito questionado é que ele reduz a ética à esfera da
subjetividade, ou seja, no interior de cada sujeito que age moralmente correto,
de acordo com um princípio universal. Tudo bem, que o sujeito tome
consciência de que deve agir eticamente correto, respeitando as normas
universais, é um imperativo a ser praticado. Mas o sujeito não é uma ilha, pelo
54
contrário é um ser de relação, e enquanto ser que relaciona cria
intersubjetividade.
Portanto, acredito que a ética não pode ser somente uma coisa
privada do interior do sujeito, mas deve ser, sobretudo, fruto da sociabilidade
entre os homens. Os homens comunitariamente, no espaço democrático,
devem institucionalizar normas de ação que possam garantir respeito e
dignidade a todo e qualquer ser humano.
Kant avançou na procura de um princípio legitimador da ética. Mas não
conseguiu fundamentar o seu próprio princípio, para ele o princípio era algo
evidente por si mesmo, sua ética, no entanto, se reduziu a uma crença e a um
dogma. Mas isso de modo algum diminui a contribuição de Kant, pois seu
pensamento abriu um leque de reflexões para que filósofos posteriores as
aprofundassem.
4. ÉTICA E O AGIR HUMANO EM KANT
Nossa vida, nesse mundo, é composta de quatro vivências básicas:
primeiro vivemos juntos com os outros, a nossa existência é coexistência;
segundo vivemos nesse mundo em evolução; terceiro somos parte desse
mundo, desse universo; e quarto somos dotados de liberdade, por sermos
racionais. Essas quatro vivências são também a matéria da nossa felicidade ou
fracasso.
O mundo está em constante transformação, um mundo em transe,
como dizem os poetas. Aí surgem algumas perguntas.
Essas perguntas que deveriam interessar a todos são as perguntas
filosóficas. Como o mundo foi criado: será que existe uma vontade ou
um sentido por detrás do que ocorre? Há vida depois da morte?
Como podemos responder a essas perguntas? E, principalmente,
55
como devemos viver? Essas perguntas têm sido feitas pelas pessoas
de todas as épocas. Não conhecemos nenhuma cultura que não se
tenha perguntado quem é o ser humano e de onde veio o mundo
(Gaarder, 1997:25).
Tal caminho é realizado, a nosso ver, pela ética, que definimos como
um modo de ser, um modo de vida, um estado de caráter que, guiado pela
razão, pela prática das virtudes ou forças positivas do nosso ser, procura atingir
a plenitude humana e, assim, nossa felicidade e bem-estar.
Todos os grandes filósofos como Sócrates, Platão, Aristóteles, Kant,
Hegel, Spinoza, e outros concordam num ponto: a faculdade principal, a fonte
do nosso comportamento ético, do nosso modo de ser ético é a nossa
inteligência, a nossa razão. É esta faculdade racional que faz a pessoa humana
ser totalmente diferente de todos os outros seres vivos.
Nosso ponto de partida é uma visão que se apóia na ética de Kant, ou
seja
,
“Kant é o ponto de partida de uma filosofia e de uma ética na qual o
homem se define antes de tudo como ser ativo, produtor ou criador” (Vasquez,
2003:283).
Lendo e relendo Kant e seus seguidores, chegamos à seguinte
definição: ética é um estilo de vida, um modo de ser que, fundamentado na
razão e na livre escolha, procura pela prática das virtudes ou forças positivas
realizar a plenitude do nosso ser e assim atingir a felicidade e o nosso bem
estar. Esta definição será explicada em todos os detalhes no decorrer desse
trabalho.
Nossa visão é mais personalista e a de Chauí (2002) mais social, mas
ambas realçam a ética como uma teoria dos valores concernentes ao bem e ao
mal e tem como objetivo de reflexão as experiências morais do ser humano
56
pautados pelo conhecimento do que é bom ou mau, certo ou errado, permitido
ou proibido, justo ou injusto, honesto ou desonesto, etc., bem como os juízos
de valor sobre essas experiências elaboradas por uma consciência ética.
A ética é um acontecimento do nosso mundo interior, um dado que se
verifique na nossa dimensão interna. Ela começa a existir a partir do instante
em que questionamos a ação ou conduta que pretendemos praticar. A ética é
um modo de controle interno da ação humana.
Ou seja, quando refletimos sobre o nosso agir e nos perguntamos se
devemos ou não proceder desta ou daquela forma, se devemos ou não aceitar
uma proposta que nos foi feita. Nesse refletir, na interioridade do sujeito, funda-
se o momento ético. A ética é, pois, psicológica, subjetiva e interior. É um
fenômeno intrinsecamente humano.
O neurologista português, Damásio, afirma: “O curioso é que a mesma
consciência que nos faz saber que um dia morreremos, nos permite ter uma
vida incrivelmente bela” (2000:31). Nossa consciência inclui essa capacidade
intelectual de pensar, julgar e resolver em casos concretos o que fazer e o que
não fazer, o que querer e não querer.
Podemos ainda dizer que a ética é a primeira forma de controle do
nosso comportamento, do nosso agir. É um controle interno. Feito por nossa
consciência. Podemos enganar a todos, mas não enganamos ao nosso próprio
julgamento ético. “Você é o que é quando está só”.
Já vimos que existe uma norma ética, a qual, como nos mostra a nossa
inteligência imparcial e verdadeira, dirige todo nosso agir, se quisermos realizar
a nossa plenitude. A consciência nos diz como agir em casos concretos diários.
57
Surgem agora as perguntas: somos obrigados a agir conforme a nossa
consciência? Qual é a natureza desse dever, dessa obrigação? A célebre
questão da obrigação moral ou “a lei moral, a boa vontade” de Kant.
Para Kant, a liberdade do homem decorreria do fato de ter em seu
interior essa lei moral ou consciência do dever que, de modo imperativo e
categórico, não conciliava com o homem.
Kant fundamentará sua ética no indivíduo racional, criador de máximas
que podem vir a se tornarem leis sócio-culturais cuja obediência se pelo
respeito e dever auto imposto e não por sofrimento e dor infringidos
externamente no caso de desobediência dos mesmos, ou seja, é o dever e não
o temor a mola mestra do proceder ético segundo Kant. Portanto, uma mesma
ação passa a ser vista ora como ética e ora como não ética, de acordo com os
sentimentos subjetivos nela envolvidos.
Todos os pensadores anteriores a Kant viram somente os aspectos
objetivos da ética, ou seja, a ação executada, o efeito externo e não interno da
mesma. Caberá a Kant realçar, também, os aspectos subjetivos do proceder
ético. Ora, se um indivíduo executa uma dada ação por temor às
conseqüências que poderiam advir da não execução da mesma, seu proceder
não pode e não deve ser considerado como ético, se bem que a ação em si,
livre do indivíduo que a executa, o possa ser.
Traz Kant, portanto, a discussão sobre os aspectos objetivos versus
subjetivos na problemática ética e moral. Um outro ponto importante a salientar
é o fato de devermos tornar nossas máximas um ato universal igual às leis da
natureza. A cada novo ato ou comportamento, a cada nova atitude, devemos
58
observar a que máximas estamos seguindo e se tal máxima deveria ou não
tornar-se lei universal à semelhança das leis da natureza. Qualquer ação
empreendida o deve ser na expectativa de que a máxima a que seguimos deva
vir a ser um universal para todos os humanos e em qualquer momento ou
situação, seguido a risca. Gratificava-o subjetivamente quando procedia bem e
o recriminava intransigentemente quando praticava uma má ação.
Kant faz da idéia do dever o centro de sua filosofia moral. Um ato
moralmente bom se funda no desinteresse absoluto e resulta do dever
cumprido simplesmente pelo dever:
Quando as contrariedades e o desgosto sem esperança roubarem
totalmente o gosto de viver, quando infeliz, com fortaleza de alma,
mais enfadado do que desalentado ou abatido, deseja a morte, e
conserva, contudo a vida sem a amar, não por inclinação ou medo,
mas por dever, então a sua máxima tem um conteúdo moral (Kant,
1974a: 206).
O dever, para Kant, é um imperativo categórico, isto é, ordena
incondicionalmente aquilo que todo homem deve cumprir sem exceção. Daí as
suas três célebres máximas morais:
Age de tal modo que a tua ação possa servir de regra universal. Age
sempre de forma a tratar a humanidade, na tua pessoa como na dos
outros, como um fim e nunca como um simples meio. Age de tal
maneira que se possa considerar que tua vontade estabelece, por
suas máximas, leis universais (Ibidem).
Uma ação moralmente boa obedece unicamente à lei moral
estabelecida pela razão prática. Uma ação moralmente boa é aquela que se
realiza em conformidade com o dever (imperativo categórico) e
independentemente de qualquer influência objetiva. Resulta, pois, de uma
vontade legisladora universal, autônoma e livre, isto é, uma boa vontade que é
para si mesma a sua lei, independentemente da natureza dos objetos do
59
querer. Daí Kant afirma que a virtude consiste na “força moral da vontade de
um homem no cumprimento do seu dever” (Ibidem).
Kant concordava com Santo Tomás de Aquino, que dizia que a
instância ética é a mais retificadora das ações humanas, é o controle mais
íntegro do agir humano. Mas o filósofo alemão observava que a ética, apesar
de tão valiosa, era falha por não exercer sobre o agente da conduta uma força
coativa no sentido do bem. Tudo ficava submetido ao controle da interioridade
humana.
Depois do agir malfeito e consumado, o sujeito ético apenas era
punido com o seu remorso, o seu arrependimento. E quando fizesse o bem,
sim, atingia o sentimento de felicidade pelo dever cumprido.
Por isso, Kant assinalava que, como os homens não seguiam como
norma de conduta universal a sua própria consciência (autonomia = a lei que
está em cada um), o Estado foi obrigado a exercer um controle externo da
conduta, através da lei positiva (heteronomia = a lei exterior ao homem, o
direito positivo).
A grande novidade em Kant, talvez seja colocar que a liberdade surge
justamente dos limites éticos a que nos impusemos. Tais limites devem ser de
base ética e têm por fim acatar o sentimento interior de dever para com a lei
ética.
Ao desenvolvermos este trabalho com base na teoria de Kant tiramos
algumas conclusões provisórias que, modestamente, vou expor.
Kant estruturou os princípios básicos para a construção de uma ética
comprometida com a efetivação de normas que garantam os direitos
60
fundamentais da pessoa humana. Os princípios éticos não dependem da
realidade exterior, mas o ser humano a priori, na sua interioridade é um ser
ético.
O mundo contemporâneo aprende muito com as contribuições de Kant,
principalmente no que se refere à formação de um novo conceito de ser
humano onde é valorizado profundamente a liberdade e dignidade humanas. A
contemporaneidade inaugurou uma nova compreensão da realidade tornando
cada vez mais claro o assumir da autonomia humana, sendo protagonista da
construção de um mundo novo.
Compreendemos que foi importante a contribuição de Kant em
estruturar os elementos básicos da ética e ter percebido o homem como um ser
ético. Mas não é suficiente uma ética vista somente a partir da interioridade
subjetiva, mesma que esta tenha dimensão de universalidade. O homem é um
ser social, por isso acreditamos que a construção das normas éticas são
desenvolvidas, sobretudo nas relações intersubjetivas.
Em suma, a ética é algo de extrema necessidade para a garantia de
uma convivência humana onde o direito a vida, a liberdade, sejam
assegurados. Vivemos em um mundo que fere constantemente esses direitos,
mas devemos continuar acreditando que é possível construirmos uma
sociedade mais justa, porque o ser humano tem a priori condições de
transformar o que parece impossível. Kant abriu luzes e caminho, é preciso que
nós, seus leitores e críticos, demos continuidade a seu pensamento e a seu
exemplo de honestidade, assumindo assim um compromisso permanente com
o resgate da dignidade humana.
61
A ética, finalmente, é crença e é pacto; é pressuposto e é
compromisso; é aprendizado e é experiência; é hábito e é disciplina; é
indagação e é convicção; é suficiente e provisória, como a vida. E, sobre essa
utopia de uma ética, a um tempo, fraterna e pública, faço minhas as
palavras do poeta português Fernando Pessoa, com as quais eu concluo:
Quem sabe o que é a alma?
Quem conhece que alma há nas coisas que parecem mortas.
Quanto em terra ou em nada nunca esquece.
Quem sabe se no espaço vácuo há portas?
Ó sonho que me exortas a meditar assim a voz do mar,
Ensina-me, a saber-te meditar (1983:116).
CAPÍTULO II: GLOBALIZAÇÃO, UM DESAFIO ÉTICO À HUMANIDADE
1. O PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO
A singularidade do atual período histórico está centrada numa ideologia
dominante que vem causando transformações no discurso da economia
política: a dita Globalização. Fundada no neoliberalismo, podemos observar
tais mudanças numa redução do poder do Estado em intervir nas relações de
produção, distribuição e circulação do capital (fluxo financeiro).
Novos comportamentos sociais surgem em decorrência deste
processo onde a competitividade comanda nossas formas de ação, o
consumo comanda nossas formas de inação e a confusão dos
espíritos impede o nosso entendimento do mundo, do país, do lugar,
da sociedade e de cada um de nós mesmos (Santos, 2000:46).
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A influência marcante das novas tecnologias nas estruturas sociais,
favorecendo novos padrões de interação social no que se refere ao intercâmbio
de informações na sociedade globalizada, afeta a conduta e as atividades das
sociedades, das relações dos indivíduos sociais Castoriadis (1982) com as
instituições, desde a família, o Estado, até organismos supranacionais.
O homem descobriu um novo modo de se relacionar com o mundo: a
realidade virtual. Através de dispositivos que transmitem ao usuário as
palavras, as imagens, os sons e as sensações dos mundos simulados, é
possível atuar, mover-se e comunicar-se através do computador de forma
similar com o que se faz na vida cotidiana.
A ideologia do presente nesse contexto reflete um mundo interligado
política, social e economicamente, a partir das Tecnologias de Informação e
Comunicações (TIC´s). A economia tem o papel preponderante como difusor
do processo de globalização (processo este que gerou em seu interior
expressões como Sociedade da Informação, Sociedade do Conhecimento e
Nova Economia).
A predominância do capitalismo neoliberal, irradiado a partir dos países
“centrais” especialmente o G-7 (grupo dos países mais ricos do mundo), opera
financeiramente em grande parte do mundo: maciços investimentos são
movimentados, principalmente em bolsas de valores, com intensa velocidade,
onde as transações são controladas por redes eletrônicas.
O desafio apresentado é compreender como se dá a globalização, em
espaços cada vez menos geográficos e físicos rumo a uma mundialização da
vida, tecida numa teia inseparável da circulação da informação.
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É interesse da Ciência da Informação uma ciência nova, de
característica interdisciplinar, que busca se instituir e se consolidar como área
de conhecimento diversa. Em sua natureza, das ciências mais tradicionais
investigar os condutores presentes nesses fenômenos sociais (globalização,
sociedade da informação, sociedade do conhecimento), identificando as forças
operantes do ambiente, sua estrutura, bem como as aspirações que as animam
e as conseqüentes alterações que sofrem.
O fenômeno da globalização não é algo recente, “é um conjunto de
processos, que vem se desenvolvendo com acelerações e desacelerações ao
longo dos últimos cinco séculos” (Vilas, 1999). Vemos, ao longo da história,
períodos de abertura ou internacionalização da economia, a exemplo, das
grandes navegações, do colonialismo e do mercantilismo europeu etc.
[...] é parte integrante de um modo de organização econômica e
social profundamente desigualador, baseado na exploração dos
seres humanos e na depredação da natureza: um modo de
organização social e econômica que associa o progresso de alguns
com as desventuras de muitos; o êxito com o desalento; a
abundância com o empobrecimento (Vilas, 1999:23).
Os propagados discursos sobre globalização personificaram no final do
século XX como portador de “ímpares oportunidades”, que pretendem justificar
a inserção e o acesso dos países periféricos nesta lógica de desenvolvimento
como sendo propiciadora de “um progresso e bem-estar universal”, com a
diminuição progressiva do Estado num processo homogêneo. Marcadamente...
[...] ao longo das décadas de 1980 e de 1990 e o concomitante
processo de ‘globalização’ econômica estão associados à redução do
poder da maioria dos estados nacionais e à emergência de atores
políticos de dimensões transnacionais configurando ‘regimes de
governança’ internacional como expressão da maior
interdependência entre os países. Esses regimes, frequentemente,
inscrevem-se na matriz do ‘pensamento único’, da qual fazem parte
conceitos como a liberalização da economia, a privatização de
empresas estatais, a desregulamentação do mercado, a concorrência
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e a competitividade, o livre-comércio sem fronteiras (Bemfica, 2002:1-
2).
O pensamento único é considerado,
(...) em termos ideológicos, dos interesses de um conjunto de forças
econômicas, em particular do capital internacional, em ‘interesse
geral’ com pretensão universal. Suas fontes principais são as grandes
instituições econômicas e financeiras Banco Mundial (WB World
Bank), Fundo Monetário Internacional (IMF International Monetary
Fund), Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico, Organização Mundial do Comércio (WTO World Trade
Organization), Comissão Européia, Bundesbank, Banque de France,
etc. – que através do seu financiamento, alistam centros de pesquisa,
universidades, fundações, a serviço de suas idéias, os quais, por sua
vez, aprimoram e difundem a boa palavra por todo o planeta (Amonet
apud Bemfica, 2002:1).
Compreendendo que o discurso ideológico da globalização é a
referência para o que se chama Sociedade da Informação (SI), é necessário
estar atento ao fato de que a idéia de globalização coincide, muitas vezes, com
o discurso do neoliberalismo, de um capitalismo que está promovendo a
construção de um espaço unipolar de dominação (Santos, 2000).
Este cenário realça um otimismo, que poderíamos adjetivar como
eufórico e até leviano, de que com o uso das Tecnologias de Informação e
Comunicações (TIC´s) a chamada “Sociedade da Informação” seria capaz de
formar um mundo mais democrático e solidário. No entanto, o que se observa é
a implantação de um processo totalitário, que quer dominar o mercado, as
técnicas, a política, a partir do modelo dos países “centrais”. Não será a
globalização um etnocentrismo contemporâneo? Um discurso que explicita a
democracia, mas que em seu âmago é totalitário? A globalização como fábula,
imagem ou ideologia pode ser notada em expressões como “aldeia global” que
presume uma idéia de difusão da informação ao alcance de todos a partir do
encurtamento do tempo e espaço (Santos, 2000).
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A imagem produzida pelo discurso neoliberal da globalização é tão
poderosa que influenciou drasticamente imaginações políticas, a exemplo da
criação de ousados projetos “para a entrada na Sociedade da Informação”. A
idéia de uma economia global vem emergindo na variedade das corporações
transnacionais que não devem lealdade alguma ao Estado-Nação, culturas e
processos sociais (Hirst & Hompson, 1998). Não apenas desconsideram os
territórios nos quais se implantam como, também, geram uma competitividade
entre estados, bem como dentro do próprio estado. Consequentemente, a idéia
de Sociedade da Informação (SI) é produto dessa nova ideologia, pois propaga
a idéia que haverá a integração de informações desterritorializadas num
contínuo fluxo comunicacional acessíveis a todos em qualquer momento.
Esse ideal sugere a necessidade de termos contato com informações
em velocidade e quantidade para produzir conhecimentos que acumulem mais
capital ao sistema globalizado. Vale ressaltar, dentro desse ideal, a existência
de dois paradigmas inferiores: a mensuração e a velocidade, que deram origem
a dita economia digital, caracterizada não só pelo curto ciclo de vida dos
produtos e serviços, como também pelo impacto das tecnologias avançadas de
informação na redefinição da cadeia de valor e da cadeia de operações dos
negócios. Com o avanço da cibernética, as inovações tecnológicas e a
informação possibilitaram a redução de mão-de-obra, em razão da introdução
da automação (uso de rotinas computadorizadas e de robôs) em processos
produtivos promovendo uma condição de desemprego estrutural, empurrando
as pessoas para níveis de pobreza que não eram vistos nos últimos 40 anos.
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Essa adequação ocorre tanto na órbita microeconômica, na defesa da
individualização das relações entre o capital e o trabalho, da livre negociação
sem quaisquer parâmetros ou restrições. Quanto no nível macroeconômico,
através da proposição da derrubada de todas as barreiras que impeçam a livre
mobilidade do capital em qualquer forma, bem como a reorientação da
intervenção do Estado no sentido de viabilizar todas as formas de flexibilidade
acima mencionadas.
Dentre as principais conseqüências do neoliberalismo político (Mancé,
1999) observa-se o enfraquecimento da capacidade do estado em promover
políticas que assegurem a cidadania (saúde, educação, previdência), uma vez
que prioriza a estabilidade das moedas nacionais, através de políticas que
privilegiem o capital financeiro em detrimento ao investimento em políticas
públicas.
O neoliberalismo tornou-se o justificador das reformas políticas e
econômicas presentes no mundo atual. Embora no discurso promova a
liberdade da sociedade civil, o neoliberalismo amplia a liberdade dos grandes
agentes econômicos internacionais (grandes corporações, bancos, entidades
multilaterais, grandes investidores etc.). E restringe as liberdades públicas
(ações de organismos públicos e de entidades da sociedade organizada) em
sua dimensão material, tanto pelo desmonte das instâncias de mediação
estatais estabelecidas com esse fim, quanto pela subtração de condições
materiais de uma grande parcela da sociedade que fica marginalizada do
processo produtivo e de consumo.
A expressão globalização adquiriu importância bastante peculiar nos
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últimos tempos. Teve início com as Grandes Navegações européias dos
séculos XV e XVI, quando os marinheiros se lançavam em busca de novos
territórios para serem colonizados. O mundo era descoberto por meio da
expansão transoceânica (Magnóli, 1997). O segundo estágio da globalização
ocorreu com a Revolução Industrial no século XIX, período marcado pelo
desenvolvimento das telecomunicações, por investimentos no exterior, pela
colonização da África, da Ásia e do extremo Oriente. As décadas do pós-guerra
abrigaram o terceiro estágio da globalização. Nessa fase, destacam-se a
descolonização da Ásia e da África e a modernização da América do Sul, que
contribuíram para a implantação de determinadas indústrias, não aceitas nos
países ricos pela rigorosa legislação ambiental adotada. O quarto estágio se
nas cadas de oitenta e noventa, a partir daí se confirmou o advento, a partir
do Japão, de um novo paradigma de produção e de organização industrial,
combinando a automação flexível com gestão e sistemas de comunicação
informatizados.
O complemento político para a universalização do novo paradigma foi
proporcionado pela desregulação, privatização e desestatização, liberando os
mercados o para uma concorrência desenfreada das corporações
transnacionais, mas também eliminando inúmeras pequenas e médias
empresas. Entre as características mais marcantes da nova configuração
político-econômica internacional, merece destaque, entre outras, a integração
acelerada dos mercados financeiros nacionais e internacionais. Ligados por
redes de comunicação via satélite e apoiados por poderosos sistemas
informatizados, que permitem a perfeita mobilidade do capital em suas
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operações num espaço-mercado global e a formação de consórcios e de
articulação entre corporações transnacionais, de bases territorial-nacionais
diferentes. Essas alianças e acordos interempresas visam não somente à
redução dos custos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de novos produtos e
processos, mas também ao acesso a mercados regionalizados cujas barreiras
à entrada de não-membros continuam proibitivas.
A complexidade e a velocidade de mudanças nas relações
interconglomeradas e suas intervenções nos mercados financeiros,
possibilitadas pela mobilidade intensa do capital, têm levado os governos dos
principais países capitalistas do G-7 a procurarem instrumentos e mecanismos
de coordenação das políticas econômico-financeiras, por sinal, de eficácia
limitadíssima. Se acrescentarmos o desmoronamento da ex-União Soviética e
os caminhos atrapalhados de sua transição ao capitalismo; a entrada da China,
através das quatro modernizações, na economia mundial, abrindo um mercado
potencial de um bilhão de consumidores; o colapso de sociedades que optaram
pela terceira via (Argélia, ex-Iugoslávia); e o caos reinante em 50-60 países do
quarto mundo, teria configurado, ainda que sumariamente, os desafios a serem
enfrentamos na busca de alternativas, dentro do espírito de nosso futuro
comum.
O vocábulo globalização surge do radical global, que significa integral,
inteiro, total. Ante essa afirmativa, uma pergunta se faz pungente: o que se faz
integralizado na globalização?
Conforme Magnoli, “globalização é o processo pelo qual o espaço
mundial adquire unidade” (Idem: 7). Por unidade, entende-se: “Qualidade do
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que é um ou único ou uniforme. Homogeneidade, igualdade, identidade,
uniformidade. Ação coletiva orientada para um mesmo fim; coesão, união”
(Ferreira, 1999:1738). Todavia, não se encontram, na análise deste processo, a
uniformidade, a igualdade, a homogeneidade mencionada pelo ilustre geógrafo
e pela grafia do termo: a realidade demonstra grande diferença entre a
prosperidade dos países ricos e a pobreza extrema em outras partes do globo.
Expondo a mesma idéia está Sposati, segundo o qual “o processo de
globalização não é uniforme, não atinge todos os países da mesma maneira, e
não atinge os que vivem no mesmo país do mesmo modo” (2000:43). Continua:
“a globalização, que pode surgir de imediato, como um processo de
homogeneidade, é, de fato, um processo heterogêneo sob múltiplos aspectos”
(Idem, pág. 44).
O processo de internacionalização dos fatores produtivos, impulsionado
pela revolução tecnológica e pela internacionalização dos capitais, não
culminou com a unificação, com a homogeneização dos padrões de consumo,
como o prometido. Pelo contrário, as benfeitorias advindas da globalização
permanecem concentradas num pequeno número de países, no interior dos
quais estão compartilhadas de modo desigual. Se, com a globalização, a
economia passa a condicionar o universo da produção, o mesmo não se aplica
aos valores éticos. O grande desafio imposto é lidar com o vazio ético que
brotou da idolatria exacerbada em prol do mercado do capital.
É sempre oportuno, neste sentido, lembrar o posicionamento do
secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan:
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Se a globalização oferece grandes oportunidades, o que é certo é
que, até hoje, os seus benefícios foram distribuídos de uma forma
muito irregular, enquanto o seu custo é suportado por todos. (...)
Assim, o grande desafio que enfrentamos hoje é certificarmo-nos de
que, em vez de deixar para trás milhares de milhões de pessoas que
vivem na miséria, a globalização se torne uma força positiva para
todos os povos do mundo. Uma globalização que favoreça a inclusão
deve assentar na dinâmica do mercado, mas esta, por si, não é
suficiente. É preciso ir mais longe e construirmos juntos um futuro
melhor para a humanidade inteira, em toda sua diversidade (Annan,
2000:6-7).
Pretende-se demonstrar que um seguimento relevante da população
mundial o tem acesso aos adventos da globalização, ficando excluído de
seus benefícios e relegado aos malefícios, de modo que as desigualdades
decorrentes direta ou indiretamente deste processo garantam que não seja
uniforme, não seja global. Como preleciona o jurista Paulo Bonavides, seria
apenas um “compêndio de ambigüidades” (2000:26).
O geógrafo Milton Santos não concebe a globalização como um
fenômeno, mas como um período que tem variáveis que perdem o vigor,
surgindo outras para substituí-los. Pode-se analisá-la sob três eixos, são eles:
a) como fábula (para Hirst & Thompson 1999, ela também tem essa feição
fantasiosa que denominam de mito, o mito da globalização): a comunidade
passa a acreditar em fatos fantasiosos como verdadeiros. Um exemplo disso é
a comunicação instantânea de notícias que diminuem as distâncias entre os
Estados. A fantasia está em considerar esse processo de fato global, pois
uma parcela diminuta da população mundial tem acesso a esse tipo de
informação por falta de condições financeiras, ou intelectivas. Ventila-se, entre
os “globalistas”, a morte do Estado, mas o que se observa é o fortalecimento
deste, como único ente capaz de gerir as desigualdades.
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b) como realidade perversa: os efeitos disso já podem ser notados por muitos e
verificados por alguns. Segundo Annan, mais de 25 milhões de brasileiros
vivem abaixo da linha de miséria, e há, no mundo, 1,2 bilhões de pessoas com
renda diária inferior a um lar (Idem, pág. 21). Essas pessoas sofrem
diretamente os efeitos nefastos da globalização. Conforme Paulo Bonavides
(Idem), essa seria a versão hegemônica e maléfica da globalização neoliberal
do capitalismo sem pátria. Na lição do jurista Paulo Bonavides,
[...] na época contemporânea, duas versões básicas de
globalização: uma hegemônica e satânica, que é a globalização
neoliberal do capitalismo sem pátria, sem fronteiras, sem escrúpulos;
outra a globalização da democracia, de caminhada lenta (Ibidem,
pág. 35).
c) como deve ser: voltada a “satisfazer as necessidades essenciais a uma vida
humana digna, relegando a posição secundária necessidades fabricadas”
(Santos, 2001:148). É imperioso utilizar os avanços tecnológicos e econômico-
financeiros advindos desse processo para melhorar, significativamente, a
qualidade de vida da população mundial. A Declaração Universal dos Direitos
Humanos, no artigo III, declara: “toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à
segurança pessoal”; todavia, a globalização, nos moldes em que se processa,
infringe diretamente esse dispositivo e outros, como o XXIII, que consagra o
direito ao trabalho.
No mesmo sentido Annan (2000), posiciona-se para o qual o ser
humano deve ser colocado no centro de todas as atividades. E afirma:
[...] não há aspiração mais nobre, nem responsabilidade mais
imperiosa do que ajudar os homens, as mulheres e as crianças do
mundo inteiro a viverem melhor. quando isso acontecer é que
saberemos que a globalização esde fato a favorecer a inclusão,
permitindo que todos compartilhem as oportunidades que oferece
(Idem, pág. 7).
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A globalização é alardeada como um processo de internacionalização
dos fatores produtivos e do capital, impulsionado pela revolução tecnológica.
Deve ser entendido, como um processo histórico que conduz a disparidades, e
não à equidade, como pode ser constatado por uma observação, mesmo que
singela, da sociedade mundial. É fato: a globalização possibilitou alguns países
o enriquecimento, mas, para a maioria, ensejou a depredação de seus recursos
naturais e o agravamento da mazela social. Desse modo, tornou-se um desafio
refletir sobre como a globalização, que sinalizava para o progresso unificado
dos Estados, não logrou êxito e como a idolatria ao mercado conduziu a
humanidade a um vazio ético.
Sendo animado por uma perspectiva de liberdade e dignidade
humanas, é forçoso reconhecer que a globalização, além de ser uma
construção ideológica legitimadora de um desenvolvimento destruidor e
excludente em escala mundial, contém rupturas na continuidade do
capitalismo. Por isto, a globalização nos leva a enfrentar novos desafios, onde
velhas idéias e usadas estratégias são insuficientes. Estamos numa grande
encruzilhada histórica. Queiramos ou não, para influir nos processos futuros
devemos fazer face ao processo da globalização. Para isto, por mais difícil que
seja, precisamos avaliar os limites e as possibilidades da crescente onda de
contestação civil à globalização dominante.
Afetando todas as esferas da vida: os padrões de trabalho e de
educação; as formas de lazer e de expressão artística; e as tecnologias, os
processos de organização e administração nas empresas e instituições
públicas; a globalização coloca na ordem do dia a necessidade inadiável de
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mudanças sociais e de reestruturação da ordem mundial, face à inadequação e
inoperância dos quatro princípios que sustentam as organizações das Nações
Unidas. O princípio de não-intervenção nos assuntos internos dos países de
menor expressão territorial e política tem sido freqüentemente ignorado pelas
grandes potências, invalidando, concomitantemente, o da autodeterminação
dos povos. Trajetória pior ainda teve o princípio de respeito aos direitos
humanos, sacramentado pela Carta das Nações Unidas. Após 50 anos de sua
existência, continuam as violações e a negação da liberdade por muitos
governos, sobretudo nos países pobres e periféricos. A observância desse
código e os hipotéticos efeitos do crescimento econômico iriam assegurar a
gradual evolução das sociedades em direção a sistemas democráticos, uma
previsão que também se mostrou totalmente irrealista.
Procuro construir e demonstrar como hipótese central de minha
argumentação que a globalização dominante funda-se numa lógica
essencialmente antidemocrática e de relações fetichista (Jappe, 1997).
Não se trata de democratizar tal globalização, mas antes de construir a
cidadania e a democracia global como alternativa a ela. Isto significa que os
problemas da globalização estão nela, no modo como é produzida. Não basta
uma governança global democrática para corrigir seus efeitos perversos. A
globalização dominante, fundada numa lógica que prioriza valor, mercadoria,
trabalho, dinheiro, política, estado, mercados e a economia, é negadora de
cidadania e democracia para todos. Diante disto, defendo a hipótese de que
devemos transformar a globalização com uma perspectiva de cidadania global
no lugar de mercados globais. Além do mais, sustento que a democracia como
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base de outra globalização é um projeto necessário e possível.
O avanço da globalização, contudo, não tem se processado sem
tensões e contradições. E o papel do Estado é amortecer o choque de
conflitos, evitando uma luta direta entre as classes antagônicas. Como bem
escreveu Engels,
[...] como o Estado nasceu da necessidade de conter o antagonismo
de classes, e como, ao mesmo tempo, nasceu em meio ao conflito
delas, é, por regra geral, o Estado da classe mais poderosa, da
classe dominante, classe que, por intermédio dele, se converte em
classe politicamente dominante e adquire novos meios para a
repressão e exploração da classe oprimida (...)
Na maior parte dos Estados históricos, os direitos concedidos aos
cidadãos são regulados de acordo com as posses dos referidos
cidadãos, pelo que se evidencia ser o Estado um organismo para a
proteção dos que possuem contra os que não possuem (1975:193-
194).
À transnacionalização dos mercados tem se oposto à necessidade de
Direitos Humanos Globais. Esses direitos deixam de estar reduzidos ao
domínio reservado do estado, à competência exclusivamente nacional e
passam a ser monitorados a partir de um sistema normativo internacional que
lhes dá proteção. Muitas vezes, esgotadas as vias internas de justiça, com as
instituições nacionais se mostrando falhas ou omissas, as decisões
internacionais passam a ter força jurídica obrigatória e vinculante. Como bem
formula Piovesan:
Estas transformações decorrentes do movimento de
internacionalização dos direitos humanos contribuíram ainda para o
processo de democratização do próprio cenário internacional, que,
além do estado, novos sujeitos de direito passam a participar da
arena internacional, como os indivíduos e as organizações não
governamentais. Os indivíduos convertem-se em sujeitos de direito
internacional, tradicionalmente uma arena em que só os estados
podiam participar (1999: 57).
O artigo 28 da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações
Unidas (1945) remete a uma ordem global em que os direitos e as liberdades
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estabelecidas nesta declaração sejam completamente realizados. Contudo,
ainda estamos muito longe de alcançar objetivamente um direito cosmopolita
efetivamente institucionalizado. Nesta direção, Habermas (2000c) afirma que
na transição de uma ordem baseada nos Estados Nacionais para uma ordem
cosmopolita não se sabe o que é mais perigoso: se o mundo dos Estados
soberanos “que desde muito perderam a inocência”, ou se a
[...] pouco clara amálgama de instituições e conferências
internacionais, das quais não se pode esperar mais que uma incerta
legitimidade, uma vez que estas instituições seguem dependendo da
boa vontade dos estados poderosos e suas alianças (idem, pág.
154).
um conjunto de juristas contemporâneos que tem se detido em
defender uma visão integrada dos direitos humanos, negando a sua
compartimentalização e, ao mesmo tempo, desvelando as insuficiências da
resposta jurídica para a plena exigibilidade dos direitos econômicos, sociais e
culturais, com ênfase na normatividade internacional e nacional (Benvenuto,
2001). Nesta direção, se fortalece a de constituição de um Pacto Internacional
de Direitos Humanos, destinado a detalhar estes direitos, bem como
estabelecer mecanismos de exigibilidade ao vel internacional. Assim é que,
tratando do direito à instrução, que não esteve sempre presente enquanto um
direito universal, diz Bobbio: “São precisamente certas transformações sociais
e certas inovações técnicas que fazem surgir novas exigências, imprescindíveis
e exigívies antes que essas transformações e inovações tivessem ocorrido”
(1992, 75:76).
A exploração econômica da produção intelectual, objeto central destas
reflexões representada pela lei de patentes, no contexto de uma globalização que,
76
conforme o jurista (Bonavides, 2000), é um jogo sem regras, uma disputa sem
arbitragens que coloca o capitalismo outra vez na selva, torna-se um problema. No
amplo campo da pesquisa aberto pelos avanços dos fármacos e pela biotecnologia,
surge um conjunto de questões diretamente relacionadas à apropriação dos resultados
da ciência, que estabelece o confronto entre forças econômicas, Estado e Sociedade e
onde a ética deverá ocupar um lugar central.
2. A GLOBALIZAÇÃO E A MODERNIDADE
Afinal, por que a globalização provoca tantas paixões e ódios? Por que
incomoda? Uma primeira resposta reside no fato de ser um processo de efeitos
práticos reais, sentidos em qualquer parte do planeta. Ninguém parece alheio
ou imune à globalização que a tudo parece transformar em bem ou serviço
medido segundo o seu valor mercantil. Mas, para além da mercantilização das
relações, processos, estruturas, bens comuns e da própria vida, é a arrogância
dos que propõem e defendem a globalização econômico-financeira que se
torna insuportável. Ela é apresentada como um fato inevitável e, o que é ainda
pior, sem alternativas. É o seu domínio como pensamento único que mais
incomoda.
Os resultados de mais de duas décadas de globalização estão aos
olhos de todos. Não vê quem não quer. Jamais, em tão curto espaço de tempo,
produziu-se tamanha concentração de riquezas em escala planetária nas mãos
de tão poucos. Ao mesmo tempo, nunca a humanidade se acercou tão perto da
destruição de suas condições naturais de existência. A lógica do neoliberalismo
que move a globalização aprofundou ainda mais a ruptura entre economia e
natureza, levando-nos a beira da catástrofe. Na sua visão, a causa dos
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problemas não está na economia, no desenvolvimento econômico que ela
preconiza. Pelo contrário, ela reside no fato de que somos muitos e não
produção e nem natureza para todos. O capitalismo neoliberal não só justifica a
apartheid global entre ricos, de um lado, e pobres e miseráveis do outro. Ele
aponta para o genocídio dos excluídos como a saída para si e para a
humanidade.
Como conseqüência, observa-se que: “a globalização econômica (...) é
diretamente responsável, por aumentar as disparidades de oportunidade de
vida no mundo inteiro - um aprofundamento da polarização da renda e da
riqueza” (Held & Macgrew, 2001:72).
Não me furto em questionar: Que significado poderá ser atribuído a
essa globalização? O que a sociedade moderna, a ‘verdadeira aldeia global’,
poderá provocar em sentido positivo ou conter de carga negativa? Quais os
efeitos da globalização sobre a soberania das nações, sobre as relações entre
os indivíduos e sobre cada ser, em particular? Qual o tipo de estratégia a ser
adotada para deter ou, se não é possível, minorar os efeitos do processo
globalizador?
E, como ponto de partida, transcrevo a seguinte ponderação (ou será
um alerta?) de Habermas:
Diante de uma globalização que se impõe sobre mercados ilimitados,
muitos de nós desejamos um retorno do dado político em outra
forma, não no modelo hobbessiano original do estado de segurança
globalizado, ou seja, nas dimensões de polícia, serviço secreto e
aparato militar, mas como força civilizadora determinante em nível
mundial. No momento, não nos resta muito mais do que a pálida
esperança de uma artimanha da razão e um pouco de autoreflexão.
Pois aquele abalo da mudez rompe também os próprios domínios.
vamos ter a dimensão exata dos riscos de uma secularização que
sai dos trilhos em certos locais quando nos estiver claro o que a
secularização significa em nossa sociedade pós-seculares. É com
78
essa intenção que retorno o velho tema ‘fé e conhecimento’ (Folha
São Paulo, ed. de 6 de janeiro de 2002).
No Livro intitulado “A Globalização em Questão”, (Hirst & Thompson,
1999) afirmam ter-se criado um “mito da globalização”, sobretudo porque, entre
outras razões, entendiam que o ciclo econômico de 1870-1914 fora mais aberto
e integrado que o atual. Embora equivocados por naturalizarem o processo de
transformações do capitalismo, que passa a ser evolutivo, os autores ingleses
apresentam algumas reflexões importantes para o entendimento das atuais
transformações, notadamente quando indicam três elementos da maior
relevância: o primeiro é o fato de a maior parte dos grupos multinacionais terem
uma forte base nacional; o segundo é a alta concentração dos fluxos de
investimento direto externo (IDE) nos países da tríade; e o terceiro e último é a
alta incidência dos fluxos comerciais e tecnológicos e financeiros entre os EUA,
Europa e Japão.
A revolução microeletrônica representa um aspecto fundamental deste
processo, que foi pouco trabalhado na análise de Hirst & Thompson (1999),
que perdem de vista a radicalidade implícita no fato de que o conhecimento
passou a ser o recurso por excelência para a competitividade da atual
economia. Onde a vinculação entre desenvolvimento científico e tecnológico é
cada vez maior, onde a ciência deixou de ser uma instituição com fortes traços
humanitários para libertação do homem, transformando-se numa mera técnica,
em força produtiva estratégica, em simples mercadoria. Esta é a tese
elaborada por Habermas (2000a), na esteira de Weber e dos frankfurtianos, da
ciência transformada em “principal força produtiva” em substituição ao valor-
79
trabalho. Não é outro o “homem unidimensional” na concepção de Marcuse
(1973), que vive numa “sociedade industrial que faz suas a tecnologia e a
ciência [e] é organizada para dominação cada vez mais eficaz de seus
recursos” (Marcuse, 1973:36). Torna-se irracional quando os seus êxitos
aprofundam as desigualdades entre grupos, classes e países.
A ironia com que Marcuse (Idem) inaugura sua Ideologia da Sociedade
Industrial “uma falta de liberdade confortável, suave, razoável e democrática
prevalece na sociedade industrial desenvolvida, um testemunho do progresso
técnico” (ibidem, pág. 23), de fato só chegou a alcançar as altas classes
médias dos países da periferia, ainda assim atemorizadas quer pelo espectro
do desemprego, que pode atingir sua prole, quer pela disseminação da
cotidiana violência urbana.
É interessante cotejar as idéias de Marcuse com o pensamento recente
de Lévy (1998), que tem aprofundado toda uma reflexão sobre o poder da
técnica nas sociedades contemporâneas. Muito embora como o filósofo de
Frankfurt entenda que os processos sócio-técnicos raramente são objetos de
deliberações coletivas explícitas, e muito menos tomadas pelo conjunto dos
cidadãos, não se quer profeta de uma catástrofe cultural promovida pela
informatização: “Não se trata de uma nova crítica filosófica da técnica, mas
antes, de colocar em dia a possibilidade prática de uma tecnodemocracia, que
somente será inventada na prática” (Lévy, 1998:9). O seu objetivo maior é
avaliar o papel das tecnologias de informação na constituição da cultura e da
inteligência dos grupos, onde a técnica não deve ser encarada como um mal,
ou como uma catástrofe, como uma condenação moral a priori, como se fosse
80
algo separado do devir coletivo e do mundo das significações, da cultura. O
fato de Ciência e a Técnica terem adquirido, neste final de século e princípio de
milênio, um valor político e cultural de tamanha relevância, não podem ser
enfeixadas apenas sob um foco de negatividade. Ainda segundo Lévy (1998),
os produtos da técnica moderna estariam longe de conformarem-se apenas
enquanto a um uso instrumental, pois são importantes fontes do imaginário,
entidades que participam plenamente da instituição de mundos percebidos.
Na modernidade, a globalização é o processo de integração entre as
economias e sociedades de vários países, especialmente, no que se refere à
produção de serviços e mercadorias, aos mercados financeiros e à difusão de
informações. Com isso, a economia se tornou entrelaçada nas diversas
sociedades globalizadas do mundo. Os mercados financeiros atuais são
desumanizados e desumanizadores e adversos à existência humana, conforme
testemunha Aristóteles:
[...] causa muito descontentamento a prática da usura; e o
descontentamento é plenamente justificado, pois lucro resulta de
dinheiro em si, não do que o dinheiro pode propiciar. O dinheiro
pretendia-se, seria um meio de troca; o lucro representa um
crescimento do dinheiro em si. [...] e lucro é dinheiro produzido de
dinheiro. Portanto, de todos os meios de enriquecer, este é o mais
contrário à natureza (2000:162).
Operam com maior facilidade em diversas nações sem quase notar
fronteiras. A informatização é brilhante e precisa. Tudo isso tem por
pressuposto a revolução microeletrônica, que tem sido a grande força para se
alargar esse fenômeno da globalização, como salienta Oliveira:
A globalização é o resultado de opções políticas determinadas, mas
têm inúmeros pressupostos, entre os quais, certamente um dos mais
importantes é a nova revolução tecnológica que faz da ciência e da
técnica as forças impulsionadoras do nosso paradigma (2001:128).
81
Nesse caso, a globalização possibilita o intercâmbio econômico e
cultural entre diversos países, devido à informatização (Internet) que se tornou
precisa, como também os desenvolvimentos dos meios de comunicação e de
transportes. Com a globalização houve a união do mercado financeiro mundial
de diferentes países e da quebra de fronteiras. Com este fenômeno as
informações se tornaram mais rápidas e precisas.
A modernidade se desenvolveu devido à expansão da tecnologia, o que
contribuiu para o que se chama de "mundialização" e "globalização". Não
podemos mais pensar que estamos isolados na comunidade, ou no país onde
moramos. Nesse aspecto não separação entre primeiro mundo e terceiro
mundo. Desse modo, a globalização econômica atinge as várias economias do
mundo inteiro. Todavia, vale a pena ressaltar que as economias de primeiro
mundo vão ter sempre mais vantagens perante a globalização, pois a sua força
econômica é maior, encontra-se com maior estabilidade perante o mundo. Não
depende de outras economias para construir a base da sua. Ao contrário das
de terceiro mundo que são frágeis e dependentes, muitas vezes de outras
economias. Com este fenômeno uma integração entre as economias de
várias nações nos mercados financeiros, no que se refere à produção de
serviços.
As informações nesses mercados financeiros são transmitidas de forma
muito rápida, podendo serem acompanhadas simultaneamente em qualquer
parte do mundo. Tudo se tornou muito próximo: telefone, fax, correios e nos
últimos anos a internet. Uma facilidade enorme de informações sendo ela
proporcionada pela rede de computadores. Com essa facilidade tornou-se
82
passível conhecer várias partes do mundo sem precisar sair da sua casa ou até
mesmo da cadeira onde está sentado. Podem-se fazer compras, ler livros,
conversar com outras pessoas de outros estados e do mundo, tudo isso
através da internet.
A política neoliberal em um de seus mais recentes discursos o da
sociedade da informação (SI), coloca por
[...] pressupostos as tecnologias de informação e comunicação como
motoras de mudança social, a supremacia do livre mercado’ como
organizador da sociedade e a informação como mercadoria cujo ‘livre
fluxo’ é dinamizador da sociedade (Bemfica, 2002:5).
Falácia denunciada por um sem número de índices que alertam sobre
as cada vez maiores diferenças sociais, entre uma minoria cada vez mais rica,
e uma maioria cada vez mais distante de uma vida digna.
Se antes, na sociedade industrial moderna, havia a utopia de que com
o acúmulo do conhecimento e das invenções técnicas poderíamos tornar o
mundo mais justo e igualitário a todos os seus habitantes, que poderíamos nos
libertar da escassez, da necessidade e das calamidades naturais; se antes, os
problemas sociais poderiam ser estancados a partir de soluções propostas e
implementadas por especialistas (numa visão tecnoburocrática na qual o
sociólogo trata da sociedade e o economista da economia) - imagem no qual
se apoiou o projeto da modernidade -, cada vez mais esta lógica do acúmulo e
da especialidade perde força naquilo que Beck (1995) chamou de “sociedade
de risco”. Isto acontece, pois, as questões que tais problemas nos colocam,
fogem a tentativa de explicá-las através de uma causa única. Na verdade, elas
nos propõem o desafio de um pensar complexo nos fazendo considerar
diversas quase-causas que influenciam o acontecer dos fenômenos. “As
83
promessas da modernidade, por não terem sido cumpridas, transformaram-se
em problemas para os quais parece não haver solução” (Santos, 2002:29).
Numa época em que convivemos com uma variedade de riscos globais
e pessoais. “O risco trata-se de aspectos inerentes a nossas ações, estão
presentes no que quer que façamos e decorrem dos nossos atos; podem talvez
ter seu tamanho reduzido, mas jamais são inteiramente eliminados” (Bauman,
2000:150). Os riscos sociais, políticos, econômicos e individuais, só não podem
ser extintos como vêm, cada vez mais, escapando das instituições de controle
e de proteção da sociedade (Beck, 1995). Isso acontece, pois, o resultado de
um cálculo de uma dada situação de risco pode produzir uma outra situação de
risco, sem que tenhamos parâmetros para julgar os nossos atos. É exatamente
esse estágio em que o progresso cnico-econômico pode se transformar em
autodestruição da própria sociedade.
É auto-evidente que a ideologia neoliberal, e a sua conseqüente prática
a partir dos seus discursos, não dão conta das gritantes carências sociais. A
questão é a de que os efeitos e as auto-ameaças produzidas pela sociedade
industrial são tratados, num primeiro momento, como riscos residuais, não
sendo, por isso, tratados como questões públicas nem como pontos de
conflitos políticos. Numa segunda fase, estes riscos fogem ao controle de tais
instituições que passam a ser seus produtores e legitimadores. “No auto-
conceito da sociedade de risco, a sociedade torna-se reflexiva (no sentido mais
estrito da palavra), o que significa dizer que ela se torna um tema e um
problema para ela própria” (Beck, 1995:19).
84
Deste modo, somos atravessados, atualmente, por problemáticas sem
nenhuma perspectiva de solução em curto prazo: a violência nas grandes
cidades, a camada de ozônio que se desfaz, o desmatamento de áreas verdes,
o sucateamento do ensino público, a preeminente falta de água, a injustiça
social, a concentração das riquezas, as ameaças aos direitos humanos, a
destruição das culturas locais e nativas pelo conglomerado da cultura
comercial; em suma, inúmeras questões mundiais que ressurgem sempre (e
pouco aprofundadas) que poderiam, mesmo sem muito rigor, serem elencadas
sob o tema da globalização.
A fundamentação e a consolidação de um novo paradigma já não
podem aceitar quaisquer inovações, ciência e tecnologia (C&T); elas têm que
vir associadas a novos sistemas de sustentabilidade social, ambiental, sendo
fortemente distributivas. E inovação ambiental neste contexto quer dizer
tecnologias não poluentes, inovação social quer dizer afetar positivamente o
modo de vida das populações no seu dia a dia.
A ciência e a tecnologia (C & T), ao contrário do que têm defendido os
positivistas e neo-positivistas, estão sempre profundamente inseridas nas
estruturas e determinações sociais de sua época. A idéia segundo a qual a
ciência segue um curso de desenvolvimento independente ou imanente, de que
as resultantes tecnológicas nascem e se impõem sobre a sociedade com uma
exigência férrea, é uma idéia equivocada e bastante ideologizada. Vivemos,
hoje em dia, o fetiche da autonomização da C&T, como se estivéssemos
submetidos a uma lógica inexorável. O próprio aparecimento da Internet, um
dos elementos revolucionários do complexo computrônico, se deve à máquina
85
militar de guerra dos Estados Unidos da América. Neste sentido, culpar a
ciência pelas implicações ameaçadoras de seus produtos por exemplo, a
clonagem, ou os transgênicos que são, de fato resultantes do modo
socialmente dominante da produção em sua totalidade. Tão absurdo quanto
isto seria imaginar que a ação isolada de cientistas esclarecidos pudesse
reverter o processo em curso.
Entender isto é necessário para fazer perguntas que são fundamentais:
A ciência que praticamos é a que necessitamos? Que tipo de ciência
desejamos? Quais devem ser seus objetivos? Quem determina suas
prioridades? Estas respostas devem, em sistemas democráticos, por princípio,
serem decididas pela maioria da sociedade. Nunca a humanidade teve tantos
meios à disposição para resolver, num padrão minimamente aceitável, as
carências elementares de vida no planeta. Contudo, a razão parece estar com
o pensador húngaro Meszáros, segundo o qual o “grande dilema da ciência é
que seu desenvolvimento sempre esteve ligado ao dinamismo contraditório do
próprio capital” (1996: 265).
A obra de Schumpeter (1982) foi fundamental para o entendimento da
aceleração tecnológica que teve início a partir da metade do séc. XIX. O
economista austríaco introduziu o progresso técnico como elemento decisivo
no processo de concorrência entre os capitais e, portanto, na determinação das
transformações e oscilações pelas quais passa o sistema econômico.
Ao caracterizar o progresso técnico como percorrendo três fases
sucessivas a invenção, a inovação e a difusão, Schumpeter (1982) afirmou,
ao contrário do que veio a ocorrer na evolução deste progresso, que a
86
invenção seria um estoque que se ampliaria permanentemente e se colocaria
sem problemas ao alcance do empresário inovador. Que fortuna seria, se o
acúmulo de invenções estivesse, como um livro, disponível numa prateleira de
uma biblioteca pública! Na verdade, barreiras estruturais que impedem o
livre acesso do conhecimento pela via natural e evolutiva.
O chamado modelo neoliberal comporta, sem dúvida, um conjunto de
ações articuladas: liberalização, privatização, desregulamentação,
desestatização. São ações que visam dominantemente desfazer o que é feito.
Destrói-se usando a força do poder político-estatal. Tudo para favorecer as
forças econômicas dominantes, em nome da eficiência, do produtivismo, da
concorrência total. Do bojo do modelo neoliberal surge um processo particular
de globalização econômico-financeira ao redor e a serviço das grandes
corporações, sem nacionalidades e sem fronteiras.
O "Consenso de Washington" define o que se considera como a boa
política macroeconômica. Para além do chavão pejorativo, o neoliberalismo
adquiriu status de escola acadêmica e de referência política obrigatória da
globalização econômica, penetrando respeitáveis instituições acadêmicas e se
impondo como forma hegemônica de pensamento. Como a nova Meca do
conjunto de atores promotores da globalização neoliberal, cabe destacar o
Fórum Econômico Mundial, que se realiza anualmente em Davos, na Suíça,
onde se refinam o pensamento e as propostas em sintonia com os interesses
hoje dominantes no mundo. Em Davos reúnem-se os líderes de conglomerados
empresariais - na qualidade de donos do mundo -, juntamente com a elite
pensante e dirigentes políticos com eles afinados, tanto nas instituições
87
multilaterais como nos governos nacionais, nas academias, nas organizações
civis (sindicatos, organizações não governamentais (ONGs), organizações
profissionais, etc.), nos meios de comunicação e nas grandes casas editoriais.
No Fórum Econômico Mundial, toda essa gente se a liberdade e a ousadia
de pensar. Mas o que os move não são os valores de liberdade e dignidade
humanas, a democracia, a sustentabilidade. Eles querem um mundo cada vez
mais regido pelo livre mercado e a competição em escala global.
As políticas neoliberais se implantaram de forma decisiva em
instituições multilaterais velhas, mas renovadas como o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e Banco Mundial, ou novas e globais como a
Organização Mundial do Comércio (OMC). Desde o final dos anos 70 do século
XX, foram se forjando políticas e idéias legitimadoras visando à recomposição
de uma hegemonia capitalista, o mais de um imperialismo estatal-nacional,
mas de um sistema-mundo a serviço das grandes corporações econômico-
financeiras privadas. Os próprios líderes e intelectuais orgânicos de tais idéias
e políticas as definiram como sendo a globalização um processo irreversível,
segundo eles marcando o fim da história.
A globalização repousa sobre estruturas pouco transparentes e longe
do controle cidadão. A própria Organização das Nações Unidas (ONU), como
organismo de conservação entre as nações, perdeu importância. Como
resultados: desmonte de direitos, desigualdade, exclusão social em escala
global e destruição ambiental, na maior ameaça vista à sustentabilidade do
planeta Terra.
88
Cabe ainda destacar a aceleração da concentração de riquezas em
poucas mãos, e um cotidiano submetido aos humores e apostas de
especuladores em bolsas e na "saúde econômica" de empresas e governos,
pondo em risco a vida de todos os povos. O mundo privatizado e
mercantilizado como grande negócio viraram uma espécie de cassino global.
Procuro construir e demonstrar como hipótese central de minha
argumentação que a globalização dominante funda-se numa lógica
essencialmente antidemocrática.
Poder-se-ia afirmar que convivemos ainda com duas realidades
contrapostas. Por um lado, todos concordam em que o estilo atual
esgotou-se e é decididamente insustentável, não do ponto de vista
econômico e ambiental como (e principalmente) no que se refere à
justiça social. Por outro lado, não se adotam as medidas
indispensáveis para a transformação das instituições econômicas,
sociais e políticas que deram sustentação ao estilo vigente
(Guimarães, 1995: 117).
Portanto, não se trata de democratizar tal globalização, mas antes de
construir a cidadania e a democracia global como alternativa a ela. Isto significa
que os problemas da globalização estão nela mesmo, no modo como é
produzida. Não basta uma governança global democrática para corrigir seus
efeitos perversos. A globalização dominante, fundada numa lógica que prioriza
os mercados e a economia, é negadora de cidadania e democracia para todos.
Diante disto, defendo a hipótese de que devemos transformar a globalização
com uma perspectiva de cidadania global no lugar de mercados globais. Além
do mais, sustento que a democracia como base de outra globalização é um
projeto necessário e possível. A lógica do terror e da guerra, neste momento,
só torna tal tarefa mais urgente.
3. OS DESAFIOS FRENTE À GLOBALIZAÇÃO
89
Ao investigar o futuro que nos aguarda, sublinhamos a urgência de se
retomar o conceito da ética e de lutar para que este seja aplicada. Tanto para o
nacional quanto para o internacional e que, o direito que as comunidades têm
de proteger suas heranças culturais (abaladas pela globalização), não deve
jamais ser formulado enquanto direito de proteção de seus privilégios. Embora
considerando que os enfrentamentos que estão por vir no capitalismo, não
necessariamente passarão ao nível do estado, em razão, sobretudo do
processo de deslegitimação que estes têm vivido, localizamos a um nível mais
local e entre grupos múltiplos, com estratégias de alianças complexas e
flexíveis, mas sempre guardando objetivos igualitários.
Vivemos num mundo que,
[...] a primeira globalização é a da violência em que o arbítrio e o
poder tomam o lugar do direito. A humanidade possui atualmente,
capacidade de um suicídio coletivo. Além disso, existe uma violência
que ultrapassa o nível dos estados. A criminalidade organizada, com
o comercio de drogas, de armas e de seres humanos, o terrorismo
internacional, e a destruição do meio ambiente (Oliveira, 2001:98).
O que se é que a globalização convive com todos esses problemas
estruturais da sociedade. Ela deve patrocinar a harmonia das nações, e não a
violência. O homem como um ser que está no mundo, tem sobre si todo o
direito de transformá-Io, mas para melhor. Todavia, essa transformação deve
atingir a todos, mesmo que parece utópico. A globalização deve ser mais
fraterna, e não a grande lei do capital, que vai fortalecer e esquecer o
essencial que é a construção do bem estar social das pessoas.
Apesar da enorme diversidade de situações, de um modo ou de outro,
o desmonte do Estado democrático de direitos penetra em todas as
sociedades. uma interiorização da pobreza no Norte desenvolvido (com
90
uma concomitante e acelerada pauperização no Leste Europeu). Ao mesmo
tempo, a riqueza de alguns privilegiados no Sul empobrecido provoca
tamanhas desigualdades de poder econômico, cultural e político que funciona
como verdadeira apartheid social.
A globalização é portadora de uma visão de mundo, funciona como
referência ideológica. Somos bombardeados por idéias e valores que
justificaram e legitimaram os processos e as políticas globais, por mais
destrutivas e excludentes que elas sejam. A hegemonia do pensamento
econômico neoliberal, mais do que explicar processos, foi capaz de quebrar
resistências e criar um clima cultural favorável à saúde dos negócios, mesmo à
custa de empregos e direitos.
A globalização carrega uma visão economicista e reducionista da
realidade humana. Porém, dizer que não é portadora de valores, seria cometer
um erro em nossa estratégia de combate. O neoliberalismo, como escola que
tem a suas idéias, brota de uma restauração das velhas idéias do
individualismo como valor central nas relações humanas. Não se trata de negar
a individualidade naquilo que cada um e cada uma têm de únicos. O problema
está em erigir isso como valor exclusivo como o faz o individualismo. A idéia de
cidadania se contrapõe exatamente por ver valores e direitos comuns por trás
de indivíduos diferentes. Liberdade, igualdade e diversidade são centrais na
concepção de cidadania. Como valores, não o propriedades individuais, mas
direitos que existem quando comuns a diferentes indivíduos. Daí a oposição
entre a cidadania e o individualismo. Daí, também, a origem de toda a oposição
político-cultural da emergente cidadania global ao individualismo pregado e
91
praticado pela globalização. Em termos sintéticos, pode-se dizer que o
neoliberalismo desapropria a cidadania em nome do individualismo, o que
significa praticamente expropriar cidadãs e cidadãos do poder de decisão sobre
suas vidas em sociedade.
uma grande urgência na nossa época, manter discursos que sejam
favoráveis à vida da pessoa humana que a cada dia permanece diante de
vários desafios desse mundo globalizado em especial à economia. Esta está
totalmente ligada à vida e o ser humano não pode viver longe dela.
O ser humano precisa descobrir a importância da vida que a cada
instante está existindo. Diante dos desafios que existem, a ética é de grande
importância. Ela deve ser preservada em qualquer circunstância, e enquanto
busca da verdade pretende dar respostas de acordo com a totalidade, nunca
fechando a questão, mas deixando em aberto.
A ética é uma categoria que se tem falado muito no decorrer da
história, principalmente, nos dias atuais. A ética é o conjunto de normas. Para
ser normas não devemos entender como um fardo pesado. Mas uma
constatação moral. Porque a própria ética diz respeito aos costumes e normas.
Sendo que essas normas se encaixam em nível individual e comunitário. É
preciso que o elemento ser humano se encaixe nesse processo de educação
para exercer a vida com bastante maturidade. Atribuímos prioridade a essa
categoria. Nas palavras de George Lukács:
Quando atribuímos uma prioridade ontológica a determina categoria
com relação à outra, entendemos simplesmente o seguinte: a
primeira pode existir sem a segunda, enquanto o inverso é
ontologicamente impossível (1979:40).
A própria ética surgiu nos tempos remotos, a partir da necessidade de
92
dar mais valor a vida, dos quais os valores estavam sendo negados. Isso tendo
acontecido no culo seis antes de Cristo, quando a ciência dava sinais de
surgimento. Nesse período houve uma negação de valores da vida do homem.
Diante desse processo foi preciso que houvesse algo que afirmasse o agir
humano, e as normas seriam essas forças que iriam fortalecer esses valores.
Dentre os conceitos filosóficos que norteiam a humanidade, a ética,
como ciência do relacionamento induz a uma atuação de moralidade no seu
comportamento, na prática, no seu desempenho, nas suas atividades que são
muitas, é que o indivíduo tem a oportunidade de mostrar a sua
personalidade, uma vez estando inserido num contexto comunitário e social.
Com o livre arbítrio estabelecido por Deus, entende-se que sim, a ética,
pode-se assim afirmar, é um dos sentimentos que mais dignifica o homem, o
ser humano em geral. Nesse contexto em que vivemos atualmente, ela torna-
se cada vez mais necessária. Porque estamos diante de problemas
mundializados. É preciso uma ética no contexto universal. Sendo essa ética
baseada no diálogo e na vivência dos homens. Partindo do princípio de que o
homem é livre, tendo direito de viver a sua vida na liberdade. Praticando essa
ética, temos a feliz oportunidade de respeitar o amor e a vida em especial
nesse contexto da globalização, tudo isso é fruto de aproximação e dedicação
para com o próximo, sendo que se deve inspirar a liberdade para a
humanidade conviver na paz, no amor, resolvendo os demais desafios
existentes.
A ética e o amor caminham paralelamente pelo itinerário da vida,
sobrepondo-se ao que é mau, como à mentira, a inveja, o orgulho, a maldade e
93
todos os sentimentos distorcidos criados pela mente humana. A trilogia,
liberdade, igualdade e fraternidade acompanham passo a passo o
comportamento ético.
A necessidade básica revela como exigência suprema, pois sendo, o
ser humano um processo de conquista de si mesmo e esse mesmo
em última instância nós, intersubjetividade semítica e transitiva, a
exigência fundamental é a construção de uma intersubjetividade que
possa ser suprema revelação do absoluto do universo enquanto
processo de reconhecimento recíproco e caráter autotélico do ser
humano (Idem, pág. 102).
A liberdade é uma necessidade básica que não se pratica como
conquista e sim como um direito que deve estar inserido em todos os
documentos oficiais. O homem tem que ter a liberdade de pensar como deseja.
A igualdade, pressuposto universal é válida para todo ser humano. Os
preconceitos tornam-se turvos quando assistimos às lutas de classes;
descriminações contra o negro, o índio, o ariano, para com o judeu; do rico
para com o pobre.
A fraternidade, baseada nessa tão valiosa ética, tem algo sublime,
como a aproximação das pessoas, das famílias, dos povos. A sociedade deve
utilizar a ética como fruto de um comportamento de bondade, paz e amor pela
vida do ser humano. Porque os desafios são grandes. Caso não haja uma ética
que assegure a conduta humana podemos sofrer danos irreparáveis para com
a vida, algo mais precioso do ser humano.
A prática da ética poderá ocorrer em vários segmentos. Na
administração, na política, na educação, na internet, nos sistemas sociais, etc.,
tendo como finalidade o respeito pelo humano. O homem utiliza uma
posição elevada quando se condiz com a ética. A prática da mesma não
94
permite que fatos estranhos quebrem o elo dessa magnífica corrente, cujo
fundamento é defender com todo vigor a justiça e as liberdades de expressão,
tanto na política, como nas etnias.
A ética emerge como o processo que tem como objetivo superar o
mal existente na vida histórica e conquistar a humanidade do ser
humano: ela abre o espaço de conquista, aponta as condições de
possibilidade de humanização do ser humano (Ibidem, pág. 113).
O desafio ético é de total importância para o desfecho da ação humana
nesse modelo de mundo atual. A cada dia surge coisa nova, desafios novos.
São tantas as novidades para a vida humana hoje, facilidades que outrora
eram apenas sonhos. Mas hoje é realidade. Há uma necessidade para o
homem nesse processo, que é a convivência profunda sujeito-sujeito.
Ninguém nasceu para se tornar uma ilha, no meio do oceano. Mas para brilhar.
Manter laços de relações sadias, amizades com os diferentes e realizações de
seus sonhos. Sabendo que cada um é patrono de sua história, mesmo estando
incluído num mundo de globalização. Faz-se necessário à comunidade
planetária partir para um preceito a partir da linguagem. Pois o mundo em que
vivemos, as comunicações juntamente com a linguagem passaram a ser
obrigatórias e necessárias.
O homem é um belo construtor de si mesmo. Idealizador de projetos
simples, fabulosos. Na busca da construção de si mesmo, o que o torna
peculiar é a sua práxis. Não uma práxis voltada para si, mas voltada para o
coletivo. Isso é importante porque a comunidade tornou-se globalizada e
precisa cada vez mais se voltar para o ser humano, sendo assim o mundo
plausível será mais real para todos.
A ética deve ser encarada e entendida como algo universal. Ela deve
95
assumir essa característica. Pois, estamos diante de desafios que tem
conotações universais. Contudo, essa ética pode atender as inquietações do
ser humano, apontando para uma melhor compreensão do seu agir perante o
mundo em que está inserido. Consoante a isso, está ética deve estar em favor
da vida. O mundo se encontra diante de um sistema impiedoso da
globalização. Com todos esses desafios que foram relatados, apontamos a
ética como grande fundamento para a construção de um mundo mais humano,
mais valorizado e igual, em especial àqueles que estão a sobreviver, pois sua
condição de vida é precária e desumana.
A exigência ética suprema deve se traduzir hoje, na exigência de
transformação de uma economia que excluí uma maioria crescente
na miséria mais cruel de todos os tempos (Ibidem, pág. 113).
Não se pode acreditar numa economia que visa o lucro e não a vida
digna das pessoas. Nesse caso é preciso haver uma ética séria na sociedade
atual. Mesmo assim, ela não conseguirá atingir a todas as pessoas, porque o
mundo está dominado pelo capital global, e que no nosso contexto o
importante é o lucro. Mesmo diante desse esboço o grande, a ética deve ser
libertadora, fazendo com que as pessoas possam acreditar que uma vida
melhor será possível.
O mercado enquanto conjunto das relações mercantis emerge com
efetivação intersubjetiva da liberdade. Aqui não propriamente
espaço para uma ética, uma vez que seu pressuposto fundamental é
a livre e consciente por meio do qual o ser humano torna-se posição
a respeito das coisas, das pessoas, em ultima instância a respeito de
si mesmo e de seu mundo (Ibidem, pág. 118).
O homem parece que virou uma máquina para o mercado que está.
A tecnologia deve estar em função do homem. Não o contrário. Precisamos de
reflexões profundas nesse contexto, ou podemos ter no futuro uma sociedade
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de excluídos e uma grande massa de desempregados, e, as máquinas tendo
todo o poder. Nesse caso, a ética é uma ação transformadora, caso seja
efetivada. Com toda essa problemática, ela tem um papel fundamental, o de
levar a reflexão crítica radical da ação humana, uma vez que o mundo é regido
por essa ação.
Outro ponto que merece destaque e que se tem falado muito nos
últimos anos é a questão ecológica. Hoje se passou a ser uma preocupação
inquietante para o planeta terra, que a cada dia é explorado de forma
desequilibrada. Rios poluídos, florestas desmatadas, poluição do ar, extinção
de espécie de animais e plantas, escassez de água potável, construção de
grande poderio bélico capaz de dizimar todos os seres humanos, miséria em
vários países pobres, e tantas outras coisas.
Com tanta inteligência do ser humano, e com tantas facilidades na área
da tecnologia, dos transportes, da comunicação rápida (internet), do mercado
mundial, parece que nada acontece regularmente. E, muitas vezes, essas
facilidades são fruto das irracionalidades, pois preocupações urgentes,
sérias para serem resolvidas para dar mais segurança a humanidade, pois está
em jogo a sobrevivência dos seres humanos atuais e dos futuros que virão.
O progresso globalizado, nessa forma de globalização, não é
progresso para todos, mesmo se deixarmos de lado a questão
ecológica, que é também central para o juízo ético. Tudo inicia,
levando em consideração o caráter hipotético das análises
econômicas das causas geradoras da situação atual, que a forma
especifica de globalização que se efetivou combinou o máximo de
eficiência com o máximo de ingenuidade social e ecológica (Ibidem,
pág. 119).
Portanto, estamos marcados por conquistas e desafios nesse mundo
atual. Com a tecnologia avançada surgiram desafios novos nos últimos anos,
97
como a cibernética, a informática e a biogenética. Como encarar estes
assuntos? Como por exemplo, no campo da genética, a clonagem humana. O
mundo e o ser humano não estão preparados para tal assunto se efetivar. A
ética tem seu papel fundamental. Ela deve ser a grande orientadora, que irá
contribuir para esses grandes desafios que perduram no nosso tempo. Pois
sem a sua presença será mais difícil manter a harmonia e a paz entre os
homens e no mundo.
A noção de “prioridades globais compartilhadas” tem sido uma
experiência para as Nações Unidas e suas instituições setoriais, mesmo
considerando o seu esvaziamento no fim do século XX. Neste sentido, retorna-
se a Habermas e a uma nova forma de integração social, segundo ele,
baseada em uma “solidariedade cosmopolita”, agora liberta do ideal kantiano
da paz mundial pela via do comércio. Para o filósofo, a regulação de uma
sociedade mundial ainda não tomou forma, nem sequer sob a forma de um
projeto e, se assim ocorrer, não terá os governos como destinatários, mas a
sociedade civil, uma que transcenda as fronteiras nacionais (Habermas,
2000a).
Importantes intelectuais, como Bobbio, e o próprio Habermas, que
baseados na idéia Kantiana de unidade moral do gênero humano, passaram a
considerar o cosmopolitismo fundamentado na preservação dos direitos
humanos, no controle ambiental, no equilíbrio demográfico, na paz como a
melhor forma de abordar os grandes problemas mundiais. Defendem o
relançamento de instituições internacionais e supranacionais e contemplam o
avanço de um “direito de ingerência”, destinado a punir genocídios ou limpezas
98
étnicas. Mas quem suporte a estas “instituições internacionais
humanitárias”, que as financia?
Nenhum leitor de jornal se engana hoje sobre o vínculo entre
produtividade e destruição. Em face de uma situação de concorrência
altamente eficiente, nossos governos se emaranharam em uma
corrida de desregulamentação para reduzir os custos, que conduziu a
última década a lucros obscenos e disparidades drásticas entre
salários, ao abandono de infra-estruturas culturais, a um crescente
desemprego e a marginalização de uma população pobre que
aumenta o cada dia. Para reconhecer isto não necessitamos uma
nova linguagem, uma vez que já não nos enganamos com uma
‘sociedade de abundância’ (Habermas, 2000:204).
Mas, ainda que Habermas (idem) tenha estabelecido mais
recentemente uma depuração do conceito kantiano de realização da paz
mundial pela via do comércio, como fica evidente neste seu recente texto, não
se pode ignorar a consistente crítica estabelecida por Meszáros (1996:45) ao
autor da Teoria da Ação Comunicativa, que espera “demasiado da
racionalidade do sistema sócio-econômico e político burguês”; assim, o seu
ponto de vista liberal-democrático-ocidental acabaria por ignorar
sistematicamente, não apenas a difícil situação dos explorados do Mundo,
mas também a série de limitações históricas estruturais sob as quais se realiza
toda sociedade de informação e comunicação nas sociedades de classe.
Mas para que isso não aconteça (determinismo e heteronomia),
indivíduos, grupos, comunidades locais precisam enfrentar os desafios das
forças globais e exercer sua autonomia nas "brechas do sistema” (Gramsci,
1978). Estas brechas estão sendo colocadas pela nova política, tanto no
contexto cotidiano e regional como no global, e de maneira mais sutil no mundo
do trabalho e no próprio desenvolvimento tecnológico. Seguindo Jameson
(1996), eu diria que elas podem não produzir uma mudança da globalização,
99
mas, com certeza, produzem mudanças na globalização. Se nossas ações
produzem conseqüências globais, quer dizer que cada indivíduo interagindo
localmente não forma, mas exerce e amplia sua autonomia e a autonomia
da sua comunidade como pode redefinir para melhor esta nova ordem mundial.
Afirmar o contrário é mais fácil e óbvio, mas é também negar as possibilidades
do homem como ser sujeito da sua própria história.
Felizmente, o mundo ainda não é a tal mercadoria pregada pela
globalização dominante. A melhor prova disto é a emergência da sociedade
civil global e da cidadania planetária. Isto parece chavão ou um mero desejo
utópico, mas não é. Mas, merecer um esforço analítico para suprir o déficit de
pesquisa e sistematização teórica-política, fundamental para quem tem como
referência a liberdade e a dignidade humanas e se engaja na radicalização da
democracia.
A sociedade civil e a cidadania planetária não podem ser limitadas à
própria globalização, como se fossem seus efeitos. Movimentos sociais globais
existem por força dos próprios atores e atrizes que os constituem. Lembro aqui
como exemplos, para não deixar dúvidas a respeito, os movimentos feminista e
ambiental, com suas enormes organizações, coalizões e redes, atuando no
mundo inteiro. Em amplitude, podemos associar a eles o movimento de direitos
humanos, que forjou a Anistia Internacional em torno dos direitos civis, a
Foodfirst Information and Action Network (FIAN) em torno do direito alimentar,
e as coalizões e plataformas em torno dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais (DESC). Tais movimentos criaram e criam fatos globais, não por
100
causa da globalização econômico-financeira, mas como desdobramento natural
da questão cidadã que os move, ela mesma global por natureza.
Enfim, se desenha um poderoso movimento de contestação da
ordem estabelecida pela globalização. Compõe o movimento uma grande
diversidade de forças sociais, unidas mais pelo sentimento de que "assim não
dá" do que por reivindicações precisas. Os sindicatos de trabalhadores e as
organizações camponesas, aoutro dia chamadas de forças do atraso, aqui e
fora, mostram a sua cara e a sua capacidade renovada de luta. Ao lado,
jovens estudantes, no que poderá ser mais uma das periódicas irrupções
contestatórias que balançam valores, práticas e estruturas. Formadas por
ativistas e agrupando de Organizações Não Governamentais (ONGs), no rasto
da própria globalização, as redes civis já carregam boa dose de um novo
internacionalismo emergente.
No contexto das lutas contra a globalização neoliberal e de constituição
de uma cidadania planetária merece destaque a iniciativa do Fórum Social
Mundial. Realizado (2000) nas mesmas datas do Fórum de Davos, o Fórum
Social Mundial reuniu cerca de 20 mil pessoas em torno da idéia de que um
outro mundo é possível. O rum Social Mundial é um movimento de oposição
à globalização que está a serviço dos grandes grupos econômico-financeiros,
procurando ser uma das formas de emergência da consciência coletiva e de
elaboração teórica de alternativas. Os que tornam possíveis e viáveis o rum
são todos aqueles e aquelas que se forjam como sujeitos em lutas,
movimentos, associações e organizações, redes e coalizões, em ações
pequenas ou grandes, locais, nacionais, regionais ou globais.
101
O Fórum Social Mundial procurou ser mais um espaço de encontro,
uma encruzilhada, uma universidade aberta da cidadania global, para refletir e
trocar conhecimentos e experiências. Uma afirmação pública do diverso e de
construção de alternativas diante do pensamento único e homogeneizador da
globalização neoliberal. Com o Fórum Social Mundial trata-se de extrair a
essência comum construtiva da nossa diversidade, tanto de iniciativas cidadãs
globais como de resistências à globalização dominante.
Se tanta gente se mobiliza mundo afora, é forçoso reconhecer que algo
se passa. A história mostra que sempre tais ondas acabam movendo o mundo.
Aliás, não há como negar que estamos diante de um poderoso processo
democratizador. As suas potencialidades construtivas ou, pelo contrário, as
possibilidades destrutivas do avanço de uma lógica cega de violência-
repressão, dependem de todos nós, homens e mulheres, cidadãos do mundo.
Temos uma grande chance de dar outro rumo às coisas.
A luz vermelha está acesa. Os "donos" do mundo estão, no mínimo,
inquietos diante da ascendente contestação civil, especialmente após as
manifestações da Ação Global dos Povos que promoveram vários “Dias
Globais de Ação contra o Sistema Capitalista”. Houve manifestações por todo o
mundo com início em 18 de Junho 1999 (Colônia, Alemanha) durante a reunião
do Fundo Monetário Internacional (FMI) e 30 de Novembro 1999 (Seattle, EUA)
por ocasião do encontro da Organização Mundial do Comércio (OMC). No dia
30 de Novembro houve manifestações em dezenas de países e em dezenas de
cidades dos Estados Unidos da América. Esse dia ficou marcado pelas
manifestações de Seatle, que atingiram proporções tais que impediram a
102
chegada de muitos delegados ao local do encontro. Foi um dia que ficou na
história pela mediação que foi dada às cenas de violência em Seatle e a
mudanças nos discursos oficiais acerca da globalização.
O problema é que muita coisa está obscura. Até aqui apenas foram
desmontadas as certezas e desarrumadas as idéias. Faltam respostas
fundamentais. De certo mesmo, o fato de que a desregulação em nome do
predomínio dos mercados chegou ao fundo do poço. Aliás, o maior feito do
movimento contestatório foi exatamente o de mostrar que a globalização
neoliberal é essencialmente uma desregulação. Desregulação no sentido exato
de redução do espaço público, dos códigos e regulamentos, dos direitos de
cidadania em todos os campos de atuação humana e uma fragilização do
poder público estatal, nos vários níveis. Tudo em favor de grandes corporações
multinacionais, protegidas por organizações multilaterais nada democráticas.
Para finalizar, façamos destas palavras de Ernesto Che Guevara uma
exigência às nossas práticas:
Deixe-me dizer, mesmo com o risco de parecer ridículo, que o
verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimentos de amor.
É impossível pensar num revolucionário autêntico sem esta
qualidade. (...) É preciso ter uma grande dose de humanismo, de
sentido de justiça e de verdade para não cair em extremismos
dogmáticos, em escolaticismos frios, em isolamento das massas. É
preciso lutar todos os dias para que esse amor à humanidade viva se
transforme em atos concretos que sirvam de exemplo e mobilizem
(Guevara, 1977:253-272).
CAPÍTULO III - INTERNET NA ESCOLA: IMPASSES E POSSIBILIDADES
103
1. O PARADIGMA DE REDE E A EDUCAÇÃO
As mudanças culturais que incidem sobre o nosso ser-estar no século
XXI requerem uma análise abrangente de questões relacionadas à ética
comunicacional. não vivemos ao alcance apenas do rádio, da televisão, do
jornal, do cinema e do vídeo. A era dos fluxos hipervelozes de informação
reconfigura irreversivelmente o campo mediático. A força invisível dos circuitos
integrados on-line ultrapassa toda e qualquer fronteira, numa rotação
incessante.
A veiculação imediata e abundante não somente delineia modos
singulares de produção e consumo de dados, imagens e sons, como propicia
um realinhamento nas relações dos indivíduos com os aparelhos de
enunciação. As máquinas de infoentretenimento reinventam-se como
organismos de difusão simbólica, seja em decorrência da brusca aceleração
tecnológica, ou pela possibilidade de se ajustar as vias de mão dupla no
tráfego de mensagens.
Neste quadro de deslocamentos e rupturas, o fenômeno Internet
precipita mudanças de paradigmas que podem ser absorvidas em sintonia com
a idéia de humanização da sociedade. Na órbita da mega-rede digital, flutuam
instrumentos privilegiados de inteligência coletiva, capazes de, gradual e
processualmente, fomentar uma ética por interações, assentada em princípios
de diálogo, de cooperação, de negociação e de participação.
A imagem clássica dos aparelhos de divulgação no topo da pirâmide e
dos receptores confinados na base está se rompendo com a arquitetura dos
espaços de comunicação na Internet. Os sistemas computrônicos dinamizam
104
os traçados e entrecruzam fluxos seqüenciais e intercorrentes da ciberesfera. A
inteligência coletiva que se expressa nas atividades extensivas e
multidimensionais das comunidades de usuários – reorganiza, a todo instante e
interativamente, as massas de informações disponíveis on-line, para usufruto
público, por meio de conexões transversais e simultâneas.
Moraes (1997) propõe o paradigma construtivista, interacionista,
sociocultural e transcendente como ponto de partida para se repensar a
educação a partir dessa nova realidade. Este paradigma, cujos princípios
acham-se essencialmente ligados às teorias da Quântica e da Relatividade,
concebe o sujeito e o objeto como organismos vivos e interativos, considerando
a necessidade de diálogo do indivíduo consigo próprio e com o outro, na busca
da comunhão com o universo (Idem, pág. 25). Estes valores definem as
necessidades do homem de hoje, inserido num mundo calcado na
desigualdade social e ameaçado de destruição pelo avanço tecnológico, num
contexto em que as formas de Poder se afirmam enquanto capacidade de se
estabelecer relações, em que os valores de troca se definem, em última
análise, como informação, conhecimento e criatividade (Ibidem, pág. 46).
Diante do exposto, o novo paradigma pretende formar um indivíduo
menos egoísta, resgatando o ser humano como um todo, visando assim
humanizar as relações sociais. É dentro desse espírito, que Maria ndida
afirma que o mundo globalizado ou a era das relações, requer:
[...] uma nova ecologia cognitiva, traduzida na criação de novos
ambientes de aprendizagem que privilegiem a circulação de
informações, a construção do conhecimento pelo aprendiz, o
desenvolvimento da compreensão e, se possível, o alcance da
sabedoria objetivada pela evolução da consciência individual e
coletiva (Ibidem, pág. 27).
105
Neste contexto, o professor como transmissor de conhecimento
desaparece para dar lugar à figura do mediador. A negação da imagem do
professor como mero repassador de informações, presente em John
Dewey (1896), em Anísio Teixeira (1924) e em Paulo Freire (1974), é
retomada a partir do paradigma emergente, que parte do princípio de que na
era da Internet, o professor não é a única e nem a mais importante fonte do
conhecimento. O educando é bombardeado de informações a todo o
momento e através de diversas fontes. Cabe ao educador, mais do que
transmitir o saber, articular experiências em que o educando reflita sobre
suas relações com o mundo e o conhecimento, assumindo o papel ativo no
processo ensino-aprendizagem, que, por sua vez, deverá abordar o
indivíduo como um todo e o apenas como um talento a ser desenvolvido.
O desafio está, portanto, na incorporação de novas tecnologias a novos
processos de aprendizagem que oportunizem ao discente atividades que
exijam o apenas o seu investimento intelectual, mas também emocional,
sensitivo, intuitivo, estético, etc., tentando não simplesmente desenvolver
habilidades (Dewey/Teixeira/Freire), mas o indivíduo em sua totalidade.
De acordo com o novo paradigma a própria noção de conhecimento
deve ser revista. Segundo Lévy (1993), o conhecimento poderia ser
apresentado de três formas diferentes: a oral, a escrita e a digital. O
conhecimento não é algo acabado nem definitivo. Conforme as leis da Física
Quântica, mesmo os objetos são relativos, posto que inclue o olhar do
observador (a quarta dimensão do objeto). Assim, a realidade quântica
106
jamais será observada duas vezes da mesma forma. Isso torna os conceitos
relativos e a realidade sesempre um modo particular de percepção do
mundo e das coisas, não havendo verdades perenes, mas verdades
relacionais e, portanto, transitórias.
Se não há verdades absolutas a serem comunicadas, também não
um mundo externo ao indivíduo a ser comunicado. Toda percepção, todo
conceito, toda observação leva em conta o olhar do observador, de modo
que a própria realidade se relativiza, no sentido de que será uma vivência
única para cada indivíduo. Isto considerado, ao invés de centrar nos
conceitos, o novo paradigma sugere que a escola privilegie as relações,
dando maior importância não ao resultado, mas ao processo, não à
funcionalidade do aprendizado, mas à auto-realização, à auto-estima.
Essa nova prática exige ambientes que extrapolem o espaço da sala
de aula, ocupando de modo mais assíduo não apenas os laboratórios e os
espaços sociais da escola, como também os disponíveis na comunidade,
realizando atividades colaborativas em que as experiências sejam
vivenciadas individualmente e em grupo, atividades que privilegiem a
dinâmica de projetos, que propiciem ao aluno responsabilidades reais ante o
seu aprendizado e o mundo que o cerca, atividades que sejam avaliadas,
mais do que por uma avaliação de conteúdos, pela auto-realização que elas
proporcionem. Neste contexto, a sala de aula deixa de ser o templo da
transmissão e da repetição do saber para sediar importantes momentos de
socialização do aprendizado individual e de experiências em grupo, do
107
diálogo e do confronto entre essas experiências e a teoria, da formulação de
problemas e da busca de soluções. “Pois o todo está em cada uma das
partes, e, ao mesmo tempo, o todo é qualitativamente diferente do que a
soma das partes” (Cardoso, 1995:45).
O que se propõe é uma escola em que o aluno se veja participante
de uma comunidade, em que ele perceba sua futura profissão como
instrumento de presença no mundo. É importante ressaltar que a escola
nova e a tecnicista propunham esses objetivos. O sucesso tecnológico
dos Estados Unidos deve muito à pedagogia liberal-progressista de Dewey.
Entretanto, como nos explica Zohar, o indivíduo liberal:
[...] desenvolve qualidades que o separam dos outros, na busca de
metas individuais. Evita compromissos com os outros. Sempre se
pergunta que vantagem leva, vê-se como partícula, fixada à
identidade, o será membro efetivo de nenhuma comunidade
(2000:155).
A escola da era da globalização deverá corrigir essas distorções e
formar cidadãos que possam exercer, na sua comunidade, uma presença
humanizadora, uma presença que implique não em competitividade, mas em
vivência coletiva, em crescimento com o outro. Neste sentido, são bastante
esclarecedoras as palavras de Moraes, para quem:
[...] uma educação para a era relacional pressupõe o alcance de um
novo patamar na história da evolução da humanidade no sentido de
corrigir os inúmeros desequilíbrios existentes, as injustiças e as
desigualdades sociais, com base na compreensão de que estamos
numa jornada individual e coletiva, o que requer o desenvolvimento
de uma consciência ecológica, relacional, pluralista, interdisciplinar,
sistêmica, que traga maior abertura, uma nova visão da realidade a
ser transformada, baseada na consciência da inter-relação e da
interdependência essenciais que existem entre todos os fenômenos
da natureza. Uma educação que favoreça a busca de diferentes
alternativas que ajudem as pessoas a aprender a viver e a conviver, a
criar um mundo de paz, harmonia, solidariedade, fraternidade e
compaixão (1997:27).
108
Como se observa, o novo paradigma delineia uma utopia que
envolve não apenas o indivíduo, mas o grupo, aqui entendido não apenas
como a comunidade, o grupo étnico, a nação, mas o globo. Em termos de
estratégias de ensino, o novo paradigma sugere de um lado a diminuição da
importância das aulas expositivas (dissertativas, diria Paulo Freire) e de
outro a intensiva imersão do futuro profissional na comunidade.
No primeiro caso, é necessário repensar o uso de materiais didáticos
que, embora agradáveis e visualmente atrativos, podem estar apenas
reforçando a escola tradicional, alertando o docente para a necessidade de
se escolher o material didático do ponto de vista do seu efeito no aprendiz:
evidentemente recursos que exijam do aluno uma situação passiva, de
"receptor", diante de um conteúdo a ser apreendido não podem ser
considerados desejáveis no contexto ensino-aprendizagem que privilegie a
construção do saber. Os professores devem estar atentos em relação à
utilização dos recursos de mídia e hipermídia nas escolas, lembrando que o
uso das tecnologias modernas de informática não pode desencadear por si
uma nova postura diante do processo ensino-aprendizagem.
Transcrevendo as palavras de Moraes, "programas visualmente agradáveis,
bonitos e até criativos podem continuar representando o paradigma
instrucionista ao colocar no recurso tecnológico uma rie de informações a
ser repassada ao aluno” (idem: 16), reafirmando e expandindo a velha
pedagogia do repasse de conhecimentos.
109
No segundo caso, urge que a escola promova o desenvolvimento das
várias faculdades (e não apenas a intelectual) do aluno, de modo que em sua
ação futura, como profissional, não veja o outro (o paciente, o cliente, o aluno,
etc.) como apenas um "receptor" de um determinado conhecimento, mas como
uma pessoa completa, com necessidades, com problemas, etc. É preciso que o
indivíduo perceba o outro não como seu inimigo, como um competidor, mas,
sobretudo como extensão de si mesmo, pois:
[...] nos termos da nossa natureza quântica há uma necessidade
mútua entre o meu eu e os outros, dos quais preciso para ser
plenamente eu. Quanto mais liberdade e direitos eu tiro do outro mais
limitado serão meus direitos e minha liberdade (Zohar, 2000:254).
A prática pedagógica na era das relações deve considerar, finalmente,
que a educação visa, em última análise, a felicidade do indivíduo.
Contextualizando essa premissa à realidade de país de Terceiro Mundo, isso
significa pensar projetos históricos, de educação e de vida, afirmando-nos
como protagonista de uma nova história, colocando nossa competência,
compromisso e dedicação a serviço da luta por uma educação emancipadora.
Entretanto, o mundo continua dividido entre os que detêm o conhecimento e os
que não o detêm. É preciso ressaltar que a mundialização, como chamam os
franceses, é a globalização de uma fala única, que socializa não a riqueza, mas
a dor, a exploração e a fome. um gigantesco processo de segregação e
nunca presenciamos tanta fome, tanta exploração, tanta exclusão.
Dentro desses termos, um projeto de educação centrado no
conhecimento, na criatividade e na capacidade de reconstrução do saber, sem
entretanto um projeto social que lhe sentido, não fará mais do que manter o
status quo, formando habilidades e competências para a manutenção do
110
projeto neo-liberal. Dessa forma, entendemos que, num país de terceiro mundo
como o nosso, o novo paradigma terá sentido se compreendido como um
projeto de resistência inovador, que perceba a gravidade da crise global do
sistema e lute por uma sociedade emancipada da dominação do mercado, da
opressão do estado e da alienação do trabalho. Que não queira apenas
garantir nossa sobrevivência imediata, mas sim conquistar uma vida diferente,
plena de sentido e satisfação. Sem essa visão clara, nossa pedagogia cairá no
vazio ou, pior ainda, perpetuando a desigualdade e a cultura de dependência.
Diante desse quadro, Paulo Freire (1981) tem muito a nos ensinar. É
preciso resgatar no brasileiro a auto-estima, o amor pela sua cultura e torná-lo
consciente de sua responsabilidade em relação ao destino de nosso País. Isso
significa, como diria Marx, desmistificar o mundo. Como percebe Paulo Freire:
[...] o oprimido é um ser dual. Como ‘hospedeiro’ do opressor, ele traz
em si o desejo de ser livre, mas também o ideal do opressor. Isso
implica na sua desvalia e na supervalorização dos valores do
dominante, o primeiro dos mitos a serem dessacralizados (1981:36).
Traduzindo isso para a realidade brasileira, observamos que o Brasil
tem uma concepção mítica de si mesmo. Idealizamos um primeiro mundo
idílico, fantasiando um Brasil que deve ser, por oposição, medíocre, terceiro-
mundista. O sistema educacional e a mídia contribuem para a criação ou o
aumento desses desvios óticos. O primeiro, por omissão, o segundo por
mediocridade. Os dois cristalizam a separação entre o excelente que não
somos e o execrável que somos e, evidentemente, a irreversibilidade dessa
concepção maniqueísta do mundo.
A baixa estima cada vez mais evidente instaura uma aguda crise de
identidade, caracterizada por um "vitimismo" generalizado e por uma
111
diminuição da autoconfiança, enfraquecendo o sentimento de nação. Resta a
cultura da sobrevivência, que, no caso do Brasil, se traduz na máxima de
Gerson, estimulando a irresponsabilidade em relação a tudo que não esteja
ligado ao eu e às vantagens pessoais: o grupo, o país, o Estado, a nação.
Diante dessa realidade, o novo paradigma de nada nos adiantará se não
formos capazes de traduzi-lo em currículos engajados socialmente com o futuro do
País, o que significa planejar uma educação que possa resgatar no brasileiro não
apenas seu amor próprio, como também o sentimento de responsabilidade social.
Entretanto, essa não é uma tarefa simples, pois, como lembra Maria Cândida Moraes,
a nova educação exige que o indivíduo faça:
[...] a incorporação do novo em suas próprias visões e concepções, o que é
difícil para a maioria das pessoas, pois estamos acostumados (e fomos
educados para agir assim) a não inovar, não discordar, a manter o status quo,
repetindo o velho e o conhecido, para, se possível, não transformar, não
incomodar. Aquele que inova incomoda. Aquele que incomoda tende a ser
eliminado do contexto (Moraes, 1997:132).
Uma educação que vise mudar comportamentos é revolucionária, requer
mudanças profundas no modo de pensar e agir das pessoas. Paulo Freire (1981), ao
discorrer sobre a educação libertária dos oprimidos, também alerta para as
dificuldades de se mudarem comportamentos arraigados. Para ele, tanto o opressor
quanto o oprimido têm medo da liberdade. Ao problematizar-lhes uma situação
concreta, começa a colocar-lhes em frente à sua realidade dual, o que os incomoda e
os leva a lutar contra a liberdade. A partir de suas experiências como educador (não o
que instrui, mas o que coordena o processo de aprendizagem), Freire faz a seguinte
observação sobre a resistência dos educandos:
112
Desnudar-se de seus mitos e renunciar a eles, no momento, é uma
‘violência’ contra si mesmos, praticada por eles próprios. Afirmá-los é
revelar-se. A única saída como mecanismo de defesa também, é
transferir ao coordenador o que é a sua prática normal: conduzir,
conquistar, invadir, como manifestações de sua antidialogicidade
(1981:182-3).
Enfrentar essa realidade no contexto escolar tem significado para
alguns uma luta hercúlea e infrutífera contra currículos, diretores,
coordenadores, colegas e, muitas vezes, os próprios alunos. Se essa é uma
tarefa que está longe de ser simples, por outro lado, também não é impossível.
É preciso, entretanto que ela seja planejada em termos de escola, numa
discussão ampla que envolva todos, do diretor ao aluno.
Agora que está em moda repensar os currículos, construir os projetos
pedagógicos, não é esperar demais que os docentes, em seus mais diversos
níveis, parem para refletir sobre os impactos dos valores do mundo globalizado
nas mais diversas áreas do conhecimento e que, a partir dessa reflexão,
tentem conceber uma prática em que o aprendiz, como totalidade, esteja no
centro do processo ensino-aprendizado e em que o projeto pedagógico delineie
(ou pelo menos insinue) um projeto de País, que possa ser aplicado a um
bairro, a uma cidade ou a uma região.
2. OS DILEMAS DA REDE NO CONTEXTO EDUCACIONAL
Sem dúvida é um dilema abordar a questão do ensino num contexto de
um festivo “vale-tudo” da Internet, característico da s-modernidade. De um
lado, o ensinar no contexto da nova (des)ordem mundial, a orientação está
dada, determinada em últimas instâncias pelos deus-mercado. De outro,
contraditória, mas também complementarmente, o saldo da pós-modernidade,
no qual as teorias não têm mais espaço, onde o que vale é o virtual, o
113
individual, o cotidiano, a única orientação válida e aceita é de que não se deve
orientar. Sayad, faz referência ao [...] “paradoxo do pai que chama o filho, muito
dócil e obediente, e ordena: 'seja desobediente'. Como responder? Se
obedecer, desobedece" (2005:03). o cantor e compositor Raul Seixas, no
confronto entre a sociedade convencional e a alternativa, dava a receita: "Se
eu quero e você quer (... então vá...) faze o que tu queres, pois é tudo da lei..."
(1981).
Com que saudosismo nossos avós e pais às vezes suspiram: "no meu
tempo...!". Certamente muitos professores também evocam lembranças
saudosas de outras épocas. Como era fácil ensinar no período da ditadura,
quando a autoridade dos professores estava previamente garantida e o modelo
de aluno a ser forma(ta)do também estava (pré-)determinado. Como era
tranqüilo educar sob a "batuta" de Durkheim(1978), afirmando a educação
como sinônimo de tradição, concretizada na orientação de que o papel da
escola é adequar as novas gerações ao contexto das antigas. Tudo era fácil e
tranqüilo quando a tarefa do ensino era fazer a conexão entre o lugar certo e a
pessoa certa, quando o lugar e o enquadramento da pessoa estavam
previamente determinados; tudo era cil quando a tarefa do professor era
repassar um conteúdo cristalizado, previsto pelos burocratas e contido nos
livros-texto.
Sobre a pessoa certa. Como chegar a este tipo-ideal webberiano se o
que está em jogo não é a pessoa em si, mas sim, fragmentariamente, a pessoa
enquanto um conjunto de habilidades, de qualificações e competências
técnicas e atitudinais? Sabemos que não é da essência do modo de produção
114
capitalista conceber e assimilar a integridade e integralidade da pessoa
humana. Se durante o período de predomínio do paradigma taylorista-fordista o
capital se interessava apenas pelo homo faber, hoje, o projeto de hegemonia
inclui o interesse também pelo homo sapiens, homo ludens, homo studiosus,
homo culturalis.
Sobre o lugar certo, como sinônimo de emprego ou posto de trabalho:
como ensinar nessa direção, se vivemos num período em que paradoxalmente
expansão, crescimento da economia, porém com diminuição de empregos?
Como orientar no momento em que há uma informatização da economia e uma
terceirização nunca antes vistas? Fala-se hoje do fim do proletariado; de que o
trabalho não é mais a categoria sociológica fundamental; do fim da sociedade
do trabalho como bem observa o Grupo Krisis (1999); da gloriosa entrada no
reino da liberdade, graças ao avançado estágio de desenvolvimento científico e
tecnológico alcançado. Porém, como usufruir destes supostos avanços se o
alcance e o proveito dessas vantagens, isto é, desse lugar são definidos pela
posição ocupada pelo país em termos de ser produtor ou consumidor de
tecnologia?
A simples observação ao nosso redor desmente essas visões
apologéticas ou laudatórias do progresso técnico. A realidade nos defronta com
a polarização incluídos X excluídos e, ao mesmo tempo, com o paradoxo
apontado por Schaff no livro Sociedade informática, a respeito dos países do
Terceiro Mundo:
Se a sua produção continuar através dos métodos tradicionais, não
serão mais respeitadas as regras da concorrência; se se modernizar,
será eliminada a mão-de-obra como ocorre nos países mais
industrializados (1993:90).
115
Se falar em ensino, que, enquanto funções, remontam aos primórdios
da humanidade (Beck, 1977), é uma tarefa difícil, imagine-se falar sobre
Internet, uma das conquistas mais recentes dos homens. A complexidade
emerge em função da velocidade com a qual tudo se transforma nesse campo.
Talvez a música Fora da Ordem, de Caetano Veloso, retrate com mais precisão
o fenômeno que envolve a internet: "Aqui tudo parece que é ainda construção e
é ruína” (Machado, 1993:19-31), fazendo lembrar também o Manifesto:
"Tudo o que é sólido desmancha no ar” (Marx, 1986). Sua chegada e invasão
em todos os campos se parece com uma onda de características inexoráveis.
Parece que não como se opor. Frente a ela, é como se a humanidade se
defrontasse com a esfinge e seu enigma-ameaça: "decifra-me ou te devorarei".
Ao defrontar-se com esta nova onda, as novas gerações, sem o saber,
parecem ter descoberto aquilo que Bacon afirmava no séc. XVII, a respeito
do saber que é poder: "Pois a natureza não se vence se não quando se lhe
obedece” (1979:13). A denominada geração video-game ou os tecnomaníacos
ou também chamados de infomaníacos, a exemplo dos especialistas e
criadores-programadores, já decifrou a lógica da informática e é capaz de
colocá-la a seu serviço. E, neste aspecto, para os adultos da geração pré-
cibernética, parece haver dúvidas sobre o que é mais difícil: apreender a lógica
do computador ou suportar as "gozações" e a impaciência dos adolescentes
que não conseguem entender como é que somos tão lentos ou incapazes de
lidar com a parafernália microeletrônica que adentra nossos lares.
116
Os adultos percebem a irreversibilidade desse processo. Alguns
simplesmente reafirmam suas juras de fidelidade eterna à sua maquininha de
escrever. Outros, com esforços sobre-humanos, procuram se converter à nova
religião-tecnologia. Alguns conseguem permanecer atualizados, mas a que
preço! Há outros que se consolam em terem gerado filhos que são capazes de,
em tempo record, captar a lógica do novo soft e fazer parte, integralmente, da
nova geração. Há, por fim, um grupo cujos componentes se transformaram em
vítimas da mais nova fonte de renda dos psicólogos cibernéticos: a tecnofobia,
a mais recente e contagiosa doença da modernidade. Como bem salienta
Marcuse: “Na construção da realidade tecnológica o uma ordem científica
puramente racional; o processo da racionalidade tecnológica é um processo
político” (1967:162)
A primeira e segunda revolução industriais proporcionaram a ampliação
da capacidade muscular dos homens. Nos anos 80, a terceira, com base na
microeletrônica, levou as indústrias fordistas a atingirem seu nível histórico de
saturação e criou as condições para a ampliação da capacidade intelectual.
Hoje, cada vez mais, está se procurando transferir capacidades humanas para
a máquina, a qual está se distanciando dos autômatos e das máquinas do
início da modernidade. O trabalho dos cientistas, que até a pouco era buscar
conseguir que as máquinas respondessem a comandos mecânicos, agora cada
vez mais consiste em capacitá-las a interagir com os homens, respondendo a
comandos e estímulos até da sua voz. Mas... sempre há um mas! Por mais que
se avance, longe está o tempo em que se possível antropomorfizar a
máquina, isto é, dotá-la de sentimentos e reações imanentes à condição
117
humana. Alguém continua tendo que fazer a programação; alguém continua
determinando... Como muito bem afirma Lévy: "Nada está decidido a priori”
(1995:9). E, quanto ao processo ensino-aprendizagem, diz Simmons, em
entrevista à Revista Veja, "Ainda não se inventou rmula melhor de ensinar
alguém a escrever do que ter um ser humano para fazê-lo” (1995:8). Isto é, por
mais limitado que seja um professor, por menores que sejam seus recursos,
ele continua indispensável.
No livro-entrevista “Do caos à in-teligência artificial”, organizado por
Pessis-Pasternak (1992), encontram-se retratadas as opiniões dos maiores
experts sobre as possibilidades e limites da inteligência artificial. A visão
triunfalista de alguns chega ao ponto de prever que, em breve, as máquinas
igualarão e, com certeza superarão os homens, de tal forma que "teremos sorte
se elas resolverem nos conservar como animais domésticos", conforme
palavras de Minsky (Apud. Pessis-Pasternak, 1992: 207). Já outros, como
Dreyfus, acham que não há motivos para tanto ufanismo e que todos os
fantásticos progressos previstos, bem como os perigos sugeridos pela ficção
ou pelos propagadores da revolução informática, não passam de "um mito
criado pela mídia e por certos especialistas em informática" (Apud. Pessis-
Pasternak, 1992: 215). De minha parte prefiro ficar com a posição assumida
por Papert: O mundo está cheio de futurista: os utópicos querem que o
computador possa encontrar soluções para todos os nossos problemas,
enquanto os céticos nos advertem para os perigos dessa quina. Acho que
ambos estão errados: esse futuro informático ainda está por se fazer: “é
118
portanto um ato de escolha que seja um futuro orwelliano ou um futuro
humano!” (Apud. Pessis-Pasternak, 1992: 253).
Em uma reportagem, Marques & Peluso dão conta de que a indústria
mundial de tecnologia avançada está mergulhando na superhighway. E
afirmam:
Uma revolução está em curso e em torno dela movimentam-se
gigantescas e bilionárias corporações. Batizada de superhighway, ou
super-rodovia da informação, essa revolução que une a informática e
as telecomunicações vai permitir que em pouco tempo sons, imagens
de TV a cabo e dados de computador passem a trafegar juntos,
criando uma rede a qual se poderão conectar pessoas de todo o
planeta. /... / as empresas que não embarcarem na superhighway
estão simplesmente fora do mundo (1994:74-77)
Com isso o fica difícil entender por que a internet na escola é tão
importante: é lá que são ensinados os pressupostos fundamentais para a
formação do consumidor da principal mercadoria do próximo culo: a
informação.
Como Freud e outros estudiosos das motivações e comportamentos
dos homens, através dos tempos, nos mostram, a mitologia grega como um
tesouro inesgotável de personagens e episódios, com um forte potencial
elucidativo, aplicável ao ser e pensar dos homens na contemporaneidade. Ao
buscar explicações para o momento no qual vivemos e indicações para um
futuro que almejamos, podemos lançar mão da descrição das estratégias dos
deuses que passaram a conviver como os homens ou daqueles que
permanecendo deuses, assumiram atitudes e se comportaram tipicamente
como homens, com seus amores, paixões, ciúmes, fraquezas, heroísmos, etc.
Sem dúvida, neste aspecto, a teogonia grega pode nos emprestar muitas
119
chaves para apreender o estágio em que a humanidade se encontra hoje e
suas pretensões.
O ponto de partida é reconhecer que vivemos numa época na qual
temos de nos defrontar com muitos impasses. Uns são vitais em termos
individuais e da humanidade, como é o caso da ameaça nuclear, da destruição
ecológica. Outros são de proporções reduzidas para quem os olha de fora,
como é o caso do impasse do jovem que se pergunta: vou estudar para quê?
Vou fazer o quê? Porém, independentemente da proporção, um impasse causa
angústia, sofrimento e estes são experimentados individualmente. Então não
existe, do ponto de vista de quem sofre, um maior ou menor impasse: existe e
ponto.
Nesse caso específico, o impasse é: como posicionar-se frente à onda
da internet? Diria que basicamente podemos subdividir as pessoas em quatro
grupos, em termos de reação frente às transformações tecnológicas:
O Primeiro grupo inclui os apologetas, laudatórios ou deslumbrados
com a capacidade de os homens objetivarem sua inteligência no computador.
Estes vêem aspectos positivos nas novas tecnologias e, segundo eles, a
única saída para a humanidade é tecnologizar-se completamente. Acredito que
na mitologia grega Ícaro é um bom exemplo deste primeiro grupo. Segundo
narra Brandão, Dédalo, o mais famoso dos arquitetos:
[...] com seu inigualável engenho fabricou para si e para o filho dois
pares de asas de penas, presas aos ombros com cera e viajou pelo
vasto céu em companhia de Ícaro. [...] Ao menino recomendou que
não voasse muito alto, porque o sol derreteria a cera, nem muito
baixo, porque a umidade tornaria as penas muito pesadas. Ícaro,
todavia, não resistindo ao impulso de aproximar-se do céu, subiu
demasiadamente alto. Ao chegar perto do sol, a cera fundiu-se,
120
soltaram-se as penas e o filho de Dédalo precipitou-se no mar Egeu
[....] (1991: 34).
Olhar para as novas tecnologias e nelas não ver interesses
subjacentes, não ver nelas as possibilidades e limites inerentes a criações
humanas é, no mínimo, uma forma infantil de apreendê-las, a exemplo do que
ocorreu com Ícaro.
No Segundo grupo estão os apocalípticos que vêem aspectos
demoníacos nas criações tecnológicas dos homens. A TV é a causa da
desagregação familiar; as máquinas de calcular são elementos limitadores do
raciocínio; o telefone impede a aproximação física das pessoas; o computador
está substituindo e colocando o homem a seu serviço, etc. Segundo estes, a
causa de tudo o que está ocorrendo de errado é a adesão irrefreada dos
homens aos artefatos tecnológicos. Seu olhar saudosista se localiza em "algum
lugar do passado", onde, afirmam, os homens viviam mais em contato com a
natureza, mais próximos dos seus semelhantes, sem depender ou serem
submetidos aos despóticos ditames da cibernética. E, na sua míope visão
dicotomizada e moralista, não se cansam de afirmar que eram mais felizes.
Essa forma preconceituosa de encarar as inovações denuncia uma
visão rígida, uma forma padronizada de analisar, que os torna incapazes de ver
e aceitar a diferença, em muito fazendo lembrar o personagem da mitologia
grega, Procusto, o qual instalou duas camas na rota que ligava Mégara a
Atenas. Os transeuntes eram presos e amarrados num dos leitos, sendo
submetidos a uma amputação dos pés, caso ultrapassassem o tamanho da
cama pequena, ou destendendo-se violentamente as pernas daqueles que não
121
preenchiam o comprimento da cama maior. Tal qual esse ser mitológico, os
apocalípticos, reduzem tudo a uma medida: a sua medida!
Fora da mitologia grega um dos maiores clássicos da literatura
ocidental, Cervantes (1989) -nos um ótimo exemplo da degradação que é
insistir em manter atualizado ou propor como modelo para o futuro algo
extemporâneo. Não é de estranhar que o "cavaleiro da triste figura", em suas
alucinações, tenha transformado moinhos de vento em adversários, atacando-
os comicamente.
Na realidade concreta o movimento dos luditas, dos primórdios da
revolução industrial. Supondo serem as máquinas as responsáveis pela
supressão dos postos de trabalho, eles invadiam as fábricas e destruíam tudo o
que encontravam pela frente. Ao analisar a reação enfurecida dos
trabalhadores ao advento das máquinas, Marx escreve:
[...] é mister tempo e experiência para o trabalhador aprender a
distinguir a maquinaria de sua aplicação capitalista e atacar não os
meios materiais de produção, mas a forma social em que são
explorados (1987:490).
A questão, portanto, não é perguntar se a tecnologia é de Deus ou do
Diabo, mas sim, quem é o proprietário, como é produzida, como é utilizada,
quem a ela tem acesso e, principalmente, quem se beneficia com o seu uso. A
pergunta moralista, se é boa ou má, é uma questão fora de lugar.
A respeito desses primeiro e segundo itens, diria, repetindo Habermas:
“Sentimentos apocalípticos não produzem nada, além de consumir as energias
que alimentam nossas iniciativas. O otimismo e o pessimismo não são as
categorias apropriadas a esse contexto” (1993:94).
122
O Terceiro grupo inclui os indiferentes, que não se apercebem das
transformações que estão ocorrendo, apesar de todas as evidências que os
cercam. Estes estão tão acomodados e voltados sobre si mesmos que nos
suscitam a lembrança de Narciso. O que os indiferentes não deveriam
esquecer é que o(a)s amantes perdidamente apaixonado(a)s e não
correspondido(a)s por Narciso, transformaram o desprezo em amarga
vingança.
Parafraseando Karl Marx (Idem, 94), a humanidade jamais abdica do
estágio de desenvolvimento alcançado. Isto significa que é impensável que
alguém, a não ser por espírito de aventura ou em função de uma aerofobia
paralisante, abdique do avião, em favor de um barco, para atravessar o
oceano. Ou que alguém insista em manuscrever ou datilografar um texto na
sua maquininha, tendo a possibilidade de fazê-lo no microcomputador; ou
imprimir um texto no mimeógrafo, quando se dispõe de impressoras
acopladas aos PCs.
Por fim, o quarto grupo procura se posicionar frente às novas
tecnologias e apreender exatamente como elas são: criações humanas,
carregadas de ideologias, capazes de contribuir para que os homens entrem no
reino da liberdade ou de jogar os homens no despótico mundo descrito por
Orwel (1978), no livro “1984” no qual o big brother, graças aos aparatos
tecnológicos, torna-se onipresente, submetendo tudo e todos à sua ditadura.
O ideal seria que os professores se situassem neste quarto grupo.
Porém esse é apenas um passo. Conscientes de que, conforme afirma
Habermas (1980), a ciência e a técnica podem se transformar em ideologia, é
123
preciso avançar no sentido de que as criações humanas estejam sob o domínio
dos homens e principalmente que sejam colocadas a serviço de todos os
homens. E tendo presente que, embora o capital venha se metamorfoseando,
no essencial, sua gica continua inalterada. Significa que estamos diante de
um grande impasse, isto é: ao manter-se essa lógica, a exclusão continuará
crescendo em proporções geométricas; a destruição desta lógica significa a
dissolução da forma capitalista de produzir a existência. Como a dissolução
parece não ser palpável a curto prazo e como a exclusão é visível e se amplia
no nosso cotidiano, é preciso não sucumbir, buscar estratégias, escolher com
quem aliar-se, pois o capital é padrasto e a situação de quem não é incluído é
de "cria enjeitada". É bom ter presente que o capital só faz concessões quando
periga perder.
Conta uma das variantes da lenda, narrada por Brandão, que Ariadne,
filha do rei Minos de Creta e de Pasífae, filha de Hélio, quando o herói
ateniense Teseu foi a Creta para enfrentar o Minotauro, monstro antropófago,
apaixonou-se por ele. "Para que o herói pudesse, uma vez no intrincado covil,
encontrar o caminho de volta, deu-lhe um novelo de fios, que ele ia
desenrolando, à medida que penetrava no Labirinto” (Brandão, 1991:129). Foi
desta narrativa mitológica que gradativamente passou-se a utilizar, de forma
figurada, a expressão "fio de Ariadne" no sentido tico, de estratégia para
superar obstáculos aparentemente intransponíveis.
Tanto em termos tecnológicos, isto é, de fabricação e de
funcionamento, como em termos dos interesses ideológicos subjacentes ao
mundo da informática e de sua utilização, poderíamos dizer que, olhando-o de
124
fora, com um olhar superficial e leigo, nos defrontamos com um labirinto. Para
sair dele é preciso encontrar o "fio de Ariadne". E este não é um trabalho que
esteja apenas ao alcance de seres mitológicos com poderes excepcionais ou
gênios, condição que faria os comuns mortais se acomodarem. Simon, Prêmio
Nobel de Economia, um dos mais destacados e entusiasmados pesquisadores
da Inteligência Artificial, afirma:
Se tivéssemos à nossa disposição uma documentação detalhada
relativa a uma das grandes descobertas científicas, acompanhando a
sua evolução quotidiana, poderíamos constatar que toda descoberta
científica, mesmo aquela elaborada por uma das grandes figuras da
ciência, é o resultado de um processo laborioso, realizado
gradualmente, como o nosso próprio pensamento quotidiano (Pessis-
Pasternak, 1992:226).
Ora, se isso é válido para as grandes descobertas científicas, o que
afirmar do cada vez mais acessível uso dessas tecnologias? Com isso, fica
difícil justificar a acomodação diante da imperiosidade do uso das novas
tecnologias, bem como, da necessária pesquisa para detectar quais as
armadilhas que elas encerram. A questão é de disposição, esforço, trabalho.
Em poucas palavras, a questão da internet hoje, como de tantas outras
questões vitais, deve ser enfrentada com a sagacidade de Ariadne, com a
ousadia de Prometeu (Brandão, 1991:329) e com a persistência de Sísifo
(Idem, pág. 329). E por falar em informática, Internet, necessidade de discutir,
trocar informações, nada melhor do que lembrar o incansável Hermes ou
Mercúrio na versão latina, o "mensageiro predileto dos deuses", aquele que
"regia as estradas porque andava com incrível velocidade [...] o vencedor
mágico da obscuridade, porque sabe tudo e, por esse motivo, pode tudo”
(Ibidem, pág. 551).
125
3. OS PROBLEMAS NA UTILIZAÇÃO DA INTERNET
Neste processo de enfrentamento oriundo do avanço da tecnologia,
a escola não passa impune. Como alerta Kenski:
O estilo digital engendra, obrigatoriamente, não apenas o uso de
novos equipamentos para a produção e apreensão de conhecimento,
mas também novos comportamentos de aprendizagem, novas
racionalidades, novos estímulos perceptivos. Seu rápido alastramento
e multiplicação, em novos produtos e em novas áreas, obrigam-nos a
não mais ignorar sua presença e importância (1998:61).
A realidade virtual na era digital é uma nova dimensão que pode ser
oferecida como recurso de aprendizagem. A tecnologia na realidade digital
tem-se caracterizado como o ciberespaço, que comporta o espaço interativo
das possibilidades computacionais.
Os usos imensuráveis da Internet refletem a complexidade psíquica,
afetiva, social, ética, cultural, econômica e político-ideológica do mundo
contemporâneo. Diante das telas dos monitores, trafegam o voraz comércio
eletrônico, a guerra entre os fabricantes de softwares, os hackers, os vírus, a
pornografia, projetos militares e seitas místicas. Em compensação, dispomos
de uma escala impressionante de informações, cultura e divertimento,
programas educacionais e científicos, bases públicas e privadas, trocas entre
indivíduos, grupos e instituições, e modalidades promissoras de intervenção
política, cultural e social.
Para além do correio eletrônico, do entretenimento e das pesquisas, a
Internet afigura-se como fórum on-line capaz de revitalizar movimentos civis, na
atmosfera de permutas da cultura de redes. Organizações não-
governamentais, sindicatos, associações profissionais e partidos políticos
procuram estreitar vínculos e incrementar campanhas reivindicatórias valendo-
126
se dos efeitos de amplificação da web. São pessoas e instituições identificadas
com causas e comprometimentos semelhantes, que se inter-relacionam, por
ligações de diferentes lugares do mundo, em grupos e listas de discussão, ou
conferências eletrônicas. Elas ainda alimentam a circularidade de conteúdos
entre suas home pages, através de links que se remetem e se referenciam uns
aos outros, por temáticas correlatas.
Enquanto isso, milhões de adolescentes e jovens, a ponto de
incorporarem-se, com todas as conseqüências, nos postos decisão,
permanecem cada vez mais tempo on line, dialogando durante horas
nos grupos de rede com quem podem exercer todas as suas
fantasias e, evidentemente, as sexuais ou metidos na resolução
de deo jogos sob pretexto de seu caráter educativo (Cebrián,
1999:69).
Eis aí outra dimensão da ética por interações: estimula processos
tecnocomunicacionais de inserção político-social de forças contra-
hegemônicas, sobrepujando os filtros ideológicos e as políticas editoriais dos
complexos de mídia. É o que acontece quando um leitor desconfia da
credibilidade do noticiário de um jornal ou revista sobre qualquer notícia.
Não é uma era de máquinas inteligentes, mas de seres humanos
que, pela rede, podem combinar sua inteligência, seu conhecimento e
sua criatividade para avançar na criação de riqueza e
desenvolvimento social. Não é apenas uma era de conexão de
computadores, mas de interconexão da inteligência humana (Idem,
pág. 19)
A Internet possui uma rie de características impressionantes. Ela é
instantânea, imediata, de alcance mundial, descentralizada, interativa,
expansível até ao infinito em termos de conteúdo e de alcance, flexível e
adaptável a um nível surpreendente. É igualitária, no sentido que qualquer
pessoa que disponha do equipamento necessário e de uma modesta
capacidade técnica pode constituir uma presença ativa no espaço cibernético,
127
transmitir a sua mensagem para o mundo e reivindicar o seu auditório. Ela
permite às pessoas o luxo de permanecer no anonimato, de desempenhar uma
determinada função, de devanear e também de formar uma comunidade com
as outras pessoas e de nela participar. Em conformidade com os gostos do
usuário, ela presta-se tanto à participação ativa como ao isolamento passivo
num mundo narcisista, que tem a si mesmo como ponto de referência, feito de
estímulos cujos efeitos são semelhantes aos dos narcóticos. A ela pode-se
recorrer também para interromper o isolamento de indivíduos ou de grupos, ou
para exacerbá-lo.
A configuração tecnológica subjacente à Internet tem uma influência
considerável sobre os seus aspectos éticos: tendencialmente, as pessoas
usam-na de acordo com o modo em que ela é projetada e delineiam-na de
forma a adaptá-la a esse tipo de uso. Com efeito, esse "novo" sistema remonta
ao período da Guerra Fria nos anos 60, quando se procurava confundir os
ataques nucleares, criando uma rede descentralizada de computadores
portadores de dados vitais. A descentralização constituía a chave do esquema,
pois desta forma — então, era assim que se raciocinava — o extravio de um ou
até mesmo de muitos computadores não significava a perda dos dados.
Uma visão idealista do livre intercâmbio de informações e de idéias
desempenhou uma parte notável no desenvolvimento da Internet. Assim,
nasceu um individualismo exagerado em relação à Internet. Dizia-se que nela
se encontrava um novo domínio, a maravilhosa terra do espaço cibernético,
onde era permitido qualquer tipo de expressão e onde a única lei consistia na
liberdade individual total, de fazer o que quiser. Com efeito, isto significava que
128
a única comunidade, cujos direitos e interesses seriam verdadeiramente
reconhecidos no espaço cibernético, era a comunidade dos libertários radicais.
Este modo de pensar ainda exerce a sua influência em determinados círculos,
apoiados por conhecidos argumentos libertários, aos quais se recorre também
para defender a pornografia e a violência nos meios de comunicação em geral.
Embora os individualistas e os empresários radicais sejam,
obviamente, dois grupos muito diferentes entre si, existe uma convergência de
interesses entre aqueles que querem que a Internet seja um lugar para quase
todos os tipos de expressão, independentemente de quão ignóbeis ou
destruidores os mesmos sejam, e aqueles que desejam que ela constitua um
veículo de atividades comerciais incondicionadas, segundo o modelo neoliberal
que considera o lucro e as leis de mercado como parâmetros absolutos, em
prejuízo da dignidade e do respeito das pessoas e dos povos.
A explosão das tecnologias de informação multiplicou muitas vezes as
capacidades de comunicação de alguns indivíduos e grupos privilegiados. A
Internet pode servir as pessoas no seu uso responsável da liberdade e da
democracia, aumentar a gama de opções em vários setores da vida, alargar os
horizontes educativos e culturais, abaterem as divisões e promover o
desenvolvimento humano de inúmeras formas. Este livre fluxo de imagens e
palavras à escala mundial está transformando não as relações entre os
povos a níveis político e econômico, mas até a própria concepção do mundo.
Quando se fundamenta sobre valores comuns, radicados na natureza da
pessoa, o diálogo intercultural, que se torna possível através da Internet e de
129
outros meios de comunicação social, pode constituir um instrumento
privilegiado para construir uma civilização harmônica.
Contudo, esta visão não é completa. Paradoxalmente, as mesmas
forças que contribuem para o melhoramento da comunicação podem levar, de
igual modo, ao aumento do isolamento e à alienação. A Internet pode unir as
pessoas, mas também as pode dividir, tanto a nível individual como em grupos
mutuamente suspeitos, separados por ideologias, políticas, posses, raças,
etnias, diferenças de geração e até mesmo de religião. Ela tem sido utilizada
de maneiras agressivas, quase como se fosse uma arma de guerra, e já se tem
falado do perigo do "terrorismo cibernético". Seria dolorosamente irônico se
este instrumento de comunicação, com um potencial tão elevado para unir as
pessoas, voltasse às suas origens da guerra fria e se tornasse uma arena para
o conflito internacional.
As correntes que ligam o cibernauta com a tela de seu computador,
ainda que invisíveis, são mil vezes mais fortes do que as dos
prisioneiros da caverna. Se, desde pequeno, não se lhe ensina a
distinguir e subir os degraus da sabedoria, o choque entre a realidade
virtual e o ambiente em que ele se move acabará causando-lhe o
mesmo problema de identidade que ao prisioneiro liderado de Platão
que, ao sair da caverna, deslumbrado por causa da luz externa, é
incapaz de reconhecer e interpretar as sombras como fazem seus
companheiros que nunca saíram dela (Ibidem, pág. 68).
Certos números de preocupações acerca da Internet estão implícitos
naquilo que se disse até aqui. Uma das mais importantes delas diz respeito
àquilo a que hoje se chama "divisão digital" — uma forma de discriminação que
separa os ricos dos pobres, tanto dentro das nações como entre elas mesmas,
com base no acesso, ou na falta de acesso, às novas tecnologias de
informação. Neste sentido, trata-se de uma versão atualizada da diferença
130
mais antiga entre as pessoas ricas de informação e as outras pobres de
informação.
A expressão "divisão digital" salienta o fato de que os indivíduos, os
grupos e as nações devem ter acesso às novas tecnologias para participar dos
prometidos benefícios da globalização e do desenvolvimento, e não serem
privados dos mesmos. É imperativo que a brecha entre os beneficiários dos
novos meios de informação e expressão, e os que ainda não tiveram acesso
aos mesmos, não se converta noutra obstinada fonte de desigualdade e
discriminação. Devem-se encontrar formas de tornar a Internet acessível aos
grupos menos favorecidos, ou diretamente ou pelo menos vinculando-a aos
meios de comunicação tradicionais, cujo custo seja inferior. O espaço
cibernético deve constituir um recurso de informações e serviços abrangentes,
disponíveis gratuitamente para todos, e numa vasta gama de línguas. As
instituições públicas têm a particular responsabilidade de criar e de manter
sites deste gênero.
O domínio cultural é um problema particularmente sério, quando uma
cultura predominante transmite valores falsos, contrários ao bem genuíno dos
indivíduos e dos grupos. Dessa forma, a Internet, juntamente com os outros
instrumentos de comunicação social, está a transmitir uma mensagem imbuída
dos valores da cultura secular ocidental a pessoas e a sociedades que, em
muitos casos, não estão adequadamente preparadas para avaliá-la e para lidar
com a mesma. Daqui resultam problemas.
A sensibilidade cultural e o respeito pelos valores e credos dos outros
povos são fundamentais. Para construir e conservar o sentido da solidariedade
131
internacional é necessário o diálogo intercultural, uma vez que as expressões
históricas diversas e geniais da unidade originária da família humana, as
culturas, encontram no diálogo a salvaguarda das suas peculiaridades e da sua
mútua compreensão e comunhão.
Analogamente, o problema da liberdade de expressão na Internet é
complexo e origem a uma outra série de preocupações. Neste novo
ambiente, a escola está a passar por profundas transformações. A combinação
das novas tecnologias e da globalização aumentou as capacidades dos meios
de comunicação social, mas também acresceu a sua exposição às pressões
ideológicas e comerciais, e isto é verdade também no que se refere à
educação.
A quantidade esmagadora de informações presentes na Internet, uma
boa parte das quais não é avaliada em termos de exatidão e de relevância,
constitui um problema para muitos professores e alunos. Enquanto os usuários
da Internet têm o dever de serem seletivos e disciplinados, não podem chegar
ao extremo de se isolarem dos outros.
A contribuição do ciberespaço possibilita aos alunos acessar coisas
fantásticas, desde informações sobre o país onde planejamos passar férias
até novos amigos. Mas como "quem anda na chuva molha-se", nos nossos
passeios pela rede também podemos deparar-nos com situações menos
agradáveis. Tal como nas grandes cidades temos praças iluminadas e
avenidas largas e becos escuros e sujos, também a ciberespaço têm as
suas vielas escusas e qualquer um de s, passeante incauto e
desprevenido, pode assustar-se.
132
Os aspectos caóticos inerentes ao processo do ciberespaço, em
algumas ocasiões, são valorizados como algo positivos, pois se considera
que constituem um avanço no exercício da liberdade pessoal. Por outro lado,
em meio à desordem, tomam lugar formas de controle mais delimitadas e
precisas do que alguns possam crer.
E quando se fala dos perigos que o ciberespaço pode ameaçar-nos,
estamos falando da falsa informação, a fraudes, a ameaça da nossa
privacidade, do sexo muitas vezes depravado e rdido, o racismo e a
violência, etc. Isto dito deste modo até assusta um bocado, mas não vale a
pena entrar em pânico porque "para grandes males, grandes remédios".
Os perigos existem na rede, como existem em todo o lado. Vamos falar
dos principais e indicar como podemos ir prevenindo, porque afinal o "seguro
morreu de velho" e "mais vale prevenir do que remediar".
O primeiro inimigo é a pornografia infantil. A Internet está facilitando a
divulgação da pornografia infantil no País. Apesar de proibidas pela legislação
brasileira - de acordo com o artigo 241 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, é crime "fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou
pornografia envolvendo criança ou adolescente" -, imagens de crianças na
faixa de 5 a 13 anos envolvidas em cenas de sexo explícito podem ser
encontradas na rede. Existem pessoas e empresas que colocam à disposição
do público arquivos com fotos pornográficas. Depois de localizadas, elas
passam a circular entre usuários da rede e até em locais que poderiam ser
considerados públicos - como as salas de bate-papo com imagens. A crescente
133
presença da pornografia infantil na Internet, revelada em matérias publicadas
por vários meios de comunicação, chocou e choca a opinião pública.
O aparecimento da pornografia infantil na Internet reacendeu o debate
a respeito do estabelecimento de mecanismos técnicos, éticos e jurídicos
eficazes no combate à delinqüência eletrônica.
O problema, independentemente da indignação provocada por algumas
páginas pornográficas, não é de fácil solução. Envolve inúmeras dificuldades
de caráter político e operacional. Eventuais controles esbarram com uma
dificuldade concreta: o caráter mundial da Internet relativiza e enfraquece o
poder coercitivo das legislações nacionais. Um mundo que não é capaz de
estabelecer uma política unitária no combate às drogas, dificilmente conseguirá
desenhar uma plataforma comum na guerra à pornografia.
Na verdade, medidas preventivas são praticamente inexeqüíveis.
Segundo especialistas no assunto, policiar um sistema tão vasto e com tantos
recursos técnicos seria uma tarefa extremamente cara e de resultado incerto.
Embora seja possível bloquear o acesso aos sites publicamente conhecidos
como pornográficos, os programas de filtro de conteúdo, freqüentemente
apresentados como alternativa para impedir o acesso às páginas
inconvenientes, são de eficácia duvidosa. As páginas contendo pornografia
infantil vivem à sombra da clandestinidade. Tratando-se de atividade
claramente criminosa não estão presentes nos catálogos de endereços. Como
os filtros costumam apoiar-se em palavras-chave como sexo, acabam não
impossibilitando o ingresso em endereços pornográficos, mas também em
páginas científicas, educativas, etc. Paradoxalmente, conteúdos moralmente
134
corrosivos, mas redigidos com o cuidado de evitar as palavras "proibidas",
seriam exibidos. O bloqueio de fotos (ou imagens) é tecnicamente ainda mais
complicado. Afinal, precisar automaticamente o conteúdo de uma imagem é o
principal problema da área de pesquisa conhecida como "visão computacional".
A censura prévia, indesejável e tecnicamente inviável, não elimina o
necessário enquadramento do criminoso comprovado. Pode-se, também,
estimular mecanismos de auto-regulamentação. Associações de provedores, à
semelhança do que ocorre na área de publicidade, com o Conar (Conselho
Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária), poderiam definir um código de
ética, conferir selos de qualidade para quem assumisse o compromisso de não
difundir material imoral ou anti-social, publicar listas negras com nomes dos
indesejáveis do ciberespaço, etc.
Os problemas levantados pelo mau uso da Internet, são infinitamente
menores que os benefícios trazidos por esse fascinante canal de aproximação
dos povos, de democratização dos conhecimentos e de globalização da
solidariedade. Seus desvios o serão resolvidos por meio de tutelas
governamentais. Na verdade, a Internet salienta uma nova realidade: chegou
para todos, sobretudo para a família, a hora da liberdade e da
responsabilidade. Se a família não cumprir o seu papel, não será o
paternalismo do governo que preencherá esse espaço com a devida
competência. Não regulamento capaz de suprir a ausência da família. A
educação para o exercício da liberdade é o grande desafio dos nossos dias. A
aventura da liberdade, desguarnecida de ilusórias intervenções do Estado,
acabará gerando uma sociedade mais consciente e amadurecida.
135
O segundo inimigo seria as informações falsas. Em comunicação, o
falso é entendido como algo susceptível de afetar a correta compreensão da
mensagem. O falso de que falamos agora tem a ver com a informação
espalhada na Internet. Como sabemos a rede oferece-nos um mundo de
informações. Uma vez que é um canal de comunicação que assenta na
liberdade e pluralidade de informação, nem sempre as informações que
encontramos ao nosso dispor são verdadeiras ou provêm de fontes fidedignas.
Assim, existem na Internet informações verdadeiras e fidedignas e outras que
não são corretas nem válidas.
Aqui impera o nosso bom senso para distinguir "o trigo do joio". Em
caso de dúvida, vale a pena guiarmo-nos pelas informações disponibilizadas
pelas fontes que conhecemos e sabemos serem confiáveis.
Devido a essa liberdade total e falta de controle para inserção de novas
informações no mundo virtual - características básicas da Internet - para se
fazer uma seleção de informações científicas a serem pesquisadas pelos
alunos ou mesmo utilizadas em sala de aula, alguns detalhes devem ser
cuidadosamente observados. Assim, torna-se inevitável a realização de uma
análise crítica dos sites encontrados para depois utilizá-los no ensino.
Primeiramente é necessário saber exatamente o assunto a ser
pesquisado e quais as principais informações que deverão ser encontradas. Ao
se constatar a ocorrência de um site que provavelmente possuirá as
informações procuradas, alguns aspectos devem ser sempre observados para
que a informação seja confiável e de caráter científico. É preciso estar sempre
atento ao autor do site. É importante saber quem é o autor, e se este possui
136
algum tipo de vínculo com alguma instituição. Caso positivo, informar-se sobre
esta instituição e se esta apresenta boas referências. A obtenção dessas
informações pode tornar extremamente complicada sendo, inclusive
impossível. Este fato é o resultado da falta de padronização dos sites. É
importante divulgar que informações como dados do autor, sua formação, área
de atuação, principais trabalhos desenvolvidos e atividades desenvolvidas
atualmente, além do seu endereço eletrônico para comunicações futuras.
Esses dados são fundamentais para dar créditos e confiabilidade às
informações apresentadas. As informações sobre a instituição, de uma maneira
geral, também são responsáveis pela credibilidade dos dados.
Desta maneira, ao se fazer uma pesquisa na rede, torna-se de grande
valor a aquisição preliminar de conhecimento básico sobre o assunto em
questão. Esse conhecimento servirá de embasamento crítico para a discussão
das questões apresentadas e para analisar as informações.
Outro aspecto que também deve ser observado é a apresentação das
informações, qual a linguagem utilizada. Através do tipo de linguagem
observada torna-se possível avaliar se os textos possuem tendências
científicas e não são simplesmente informativas.
A falta de controle para inserção de dados na Internet acarreta ainda
vários problemas. O número de informações disponíveis na rede é
extremamente elevado, sendo muito complicado a escolha da informação que
melhor lhe convém. Esse número elevado faz com que os usuário fiquem
perdidos ao localizarem os sites.
137
Ao utilizar dados localizados na rede mundial de informações, surgirá,
portanto um problema bastante complicado que vem sendo discutido nos dias
atuais. Como referenciar "bibliografias virtuais" em trabalhos científicos, como
por exemplo, trabalhos escolares. Esse aspecto ainda vem sendo palco de
muitas discussões. Um dos problemas é a alta velocidade de modificação e
atualização dos dados existentes. Por um lado, este fato é uma das principais
vantagens da Internet, pois ela disponibiliza dados extremamente recentes.
Como conseqüência disso, a referência bibliográfica fica completamente
comprometida, de maneira que em alguns casos, em períodos inferiores a um
ano, a referência perde completamente seu valor. Isto ocorre porque neste
período, os dados geralmente deixam de estar disponíveis na rede, sendo
substituídos por outros mais atuais. Ainda não existe resolução para este
problema. Talvez seja válido o desenvolvimento de um banco de dados
permanente e sendo constantemente atualizado, para armazenar todos os
dados antigos. Neste banco de dados as informações poderiam estar
organizadas pelo título e período que estas estiveram disponibilizadas na rede.
Dados históricos como a primeira home page individual criada ou o primeiro
site de procura não devem ser encontrados, e assim vão se perdendo dados
relacionados à história da Internet.
Comparando essa técnica de disposição de informações com a técnica
utilizada muito tempo, a escrita, observa-se uma vantagem extremamente
significativa. Esta última possui a capacidade de concentração de informações
muito maior e independente do nível de conhecimento das informações, tem-se
estes dados preservados, sendo possível o acesso a eles, a qualquer
138
momento. Na Internet os dados do passado vão se perdendo gradativamente
sem a possibilidade de recuperação. O que será da história virtual se
continuarmos trilhando neste caminho?
Além deste fator, ainda existem outros complicadores que têm
influência direta ao se tentar referenciar dados virtuais. Como os sites o
possuem o mínimo de padronização, nem todos possuem todas as
informações suficientes para referenciá-los. Como por exemplo, data da última
atualização, autor ou autores e outros. Como se não bastasse, ainda não foi
definido uma norma padrão para referenciar esses dados.
Muitas outras dificuldades são enfrentadas ao se utilizar a Internet
como metodologia didática, principalmente no Brasil. Devido ao pequeno
período que a Internet passou mais efetivamente a fazer parte do cotidiano dos
brasileiros, ainda não desenvolvemos de maneira satisfatória, a criação de web
sites para disponibilização de dados científicos na rede, nem mesmo criamos
um padrão que melhor se adapte a nossa cultura. Então, as principais
referências encontradas estão escritas em inglês, destinadas à população do
país de origem do criador da página e procurando atingir o objetivo daquela
nação. Esses fatores em certos casos podem limitar a utilização deste recurso,
ou influenciar erroneamente os usuários da Internet.
Por outro lado, a utilização da Internet trouxe muitas vantagens, como por
exemplo, quando utilizada em congressos e simpósios. Pode-se saber tudo a respeito
desses eventos através de home pages, fazer inscrições e até enviar trabalhos a serem
submetidos à avaliação. Isso tornou o trabalho facilitado para os organizadores e
cômodo para os congressistas.
139
Um dos principais problemas que se coloca a quem faz pesquisa na
Internet é a validade dos resultados de uma pesquisa. Que critérios podemos
utilizar para determinar a credibilidade de um documento da Internet? Na nossa
pesquisa exaustiva encontramos 20, 30 ou 100 resultados, mas quantos serão
realmente válidos?
O que aqui apresentamos são apenas algumas sugestões que
pretendem ajudar a resolver este dilema. Contudo, é necessário que fique claro
que estes dados não são nem pretendem ser definitivos. A validação de
informação da Internet é um campo novo e, como tal, ainda está à procura da
sua estruturação, das suas referências.
Antes de mais nada é importante que se defina o que se vai validar.
Que itens devemos ter em conta? Será da conjugação das validações a cada
item que podemos retirar a decisão definitiva sobre a credibilidade do
documento e sua informação? Assim, parece-nos que o mais exeqüível será
tentar validar os seguintes itens: origem e autor, data, estrutura, conteúdo.
Dentro de cada um destes itens é importante tentar responder a várias
questões. Das respostas que obtemos podemos então tomar uma posição
sobre o respectivo item. Sendo assim, para cada item, os tópicos que
consideramos importantes validar, as questões que em nossa opinião devemos
ter em conta, são as seguintes: a) Origem e Autor: Quem foi o autor do
documento? Quais são as credenciais do autor? Existe alguma biografia
disponível? Qual é a autoridade/especialidade do indivíduo ou grupo? O
documento é da área da sua especialidade? O documento ou o autor são
citados por outra fonte? Qual é a credibilidade desta fonte? Existe alguma
140
hiperligação para este documento? Qual é a credibilidade desse documento? O
autor está ligado a alguma instituição ou organização? Quais são os objetivos
da instituição ou organização? Quais são os meios de financiamento da
instituição ou organização? Quem disponibiliza a página na Internet? b) Data:
Quando foi publicado o documento? É atual? É importante que seja atual? É a
primeira versão ou foi revisto? Quando foi revisto pela última vez? É
atualizado regularmente? Com que regularidade? É importante que seja
atualizado? É importante que seja atualizado regularmente? c) Estrutura: É
possível contar o autor? As imagens têm uma função ou são decorativas? As
imagens com função (ícones) o claras? As imagens decorativas desviam a
atenção do leitor do assunto principal? A estrutura de navegação é clara e fácil
de utilizar? Tem componente multimídia? A componente multimídia do
documento é útil? A componente multimídia do documento desvia a atenção do
leitor do assunto principal? Tem hiperligações? As hiperligações estão a
funcionar corretamente? As hiperligações permitem continuar a pesquisar na
mesma área do documento? A componente escrita tem erros? O estilo da
componente escrita é o adequado? d) Conteúdo: Qual é o público-alvo? O
documento é muito elementar? O documento é muito especializado? Qual é o
objetivo do documento? O documento cumpre o(s) seu(s) objetivo(s)? Qual é o
grau de consecução do(s) seu(s) objetivo(s)? O documento apresenta fatos,
opiniões ou propaganda? A informação apresentada parece válida, bem
pesquisada, ou é questionável? Existem erros ou omissões na informação? O
documento possui informação original? A lista de hiperligações é completa e
relevante?
141
É claro que poderíamos apresentar outros itens e outras questões.
Contudo, o que aqui é sugerido é um ponto de partida para aqueles que
pretendem validar os resultados das suas pesquisas.
Finalmente, para concluir a respeito da confiabilidade de determinados
conteúdos de muito sites, é preciso que alguns dos aspectos citados
anteriormente sejam convergentes, tornando assim, viável a utilização dessa
informação. Nem sempre a convergência dos dados indica que as informações
são inteiramente confiáveis, porém a porcentagem de serem é elevada.
142
Conclusão
Nosso mundo atual vive uma profunda crise no que diz respeito ao
reconhecimento da dignidade da pessoa humana. Presenciamos casos em que
o ser humano é negado dos direitos fundamentais como, por exemplo, a sua
liberdade de poder ter assegurado uma vida decente. A humanidade parece
está atrofiada com relação à prática da justiça e da construção de um mundo
onde todos os homens e mulheres possam viver livremente.
Falar de ética ou princípios normativos da conduta humana numa
sociedade em que cresceu assustadoramente o individualismo e a idolatrização
do ter em detrimento do ser parece, no mínimo, uma tarefa um tanto complexa.
As pessoas hoje de um modo geral são fechadas nos seus pequenos mundos
e não se abrem para a questão do comunitário, da sociabilidade. Isso é um
empecilho grave para a construção de uma ética com uma pretensão de
estabelecer normas válidas universalmente como defendia Kant.
Não podemos de forma alguma termos apenas uma visão negativa da
sociedade, é verdade que a situação é crítica, mas no meio de tantas "trevas”
surgem também alguns sinais de luzes. Cresce, ainda que de forma tímida,
uma consciência maior do reconhecimento da grandeza que tem o ser humano.
Existem muitos grupos de pessoas comprometidos em defender a vida, em
lutar para que homens e mulheres sejam respeitados e valorizados.
Na sociedade moderna em que vivemos onde cada pessoa se outorga
com o direito de criar a sua própria ética, toma-se um grande desafio falar de
uma ética universal. Mas, contudo, seria extremamente complicado se não
tivéssemos critérios de valores universais para julgarmos os abusos e as
143
atrocidades causadas contra o ser humano.
Acreditamos que a ética é um valor fundamental para tomar a
sociedade humanamente diversa, socialmente igual e completamente livre. O
pensamento de Kant é um desafio a ser aplicado, é um referencial de reflexão
para a compreensão do valor inalienável específico de toda pessoa humana.
Devemos, portanto, nunca perdermos a esperança no ser humano,
porque ele, apesar de suas patologias que chegam a assustar, é em potencial
um ser bom, digno e capaz de coisas grandiosas, de ações emancipadoras que
venha restituir a liberdade, a dignidade da humanidade como um todo.
A liberdade é a "conditio sine qua non" da ética, é pela mesma que se
realiza a possibilidade de uma ética humana e se a mesma não existisse não
poderíamos jamais falar em ética, pois não teríamos saído do estrito
determinismo e da causalidade existente no mundo físico natural.
A liberdade humana se realiza plenamente na nossa sociedade, mas
não verdadeira liberdade sem limites auto-impostos. Onde todos fazem tudo
quanto bem entendem e sem nenhum respeito à lei, não verdadeira
liberdade.
Finalmente, devemos, portanto, nunca perdermos a esperança no ser
humano, porque ele apesar de suas patologias que chega assustar é em
potencial um ser bom, digno e capaz de coisas grandiosas, de ações
emancipadoras que venham restituir a liberdade, a dignidade da humanidade
como um todo.
144
Capítulo VI. Pesquisa Exploratória: Procedimento Metodológico para o Estudo
de Fatores Humanos no Campo da Escola Pública
1. Introdução
Para a realização de ações em escola pública que dependem do
comportamento das pessoas a que se destinam, torna-se de extrema
importância conhecer previamente as maneiras de agir, sentir e pensar da
comunidade-alvo dessas ações e o contexto onde se insere essa comunidade.
A crescente e irreversível presença da Internet dos recursos de
informática de um modo geral – nos mais corriqueiros atos da vida das pessoas
tornou indispensável.
A Internet está presente em praticamente todos os âmbitos profissionais
e sociais. Ela não está presente somente nas empresas, em fábricas, nos
diferentes setores da administração pública, mas encontra-se também em
nossas próprias casas, nas escolas e nos momentos de lazer. Numa palavra, a
presença da Internet nos diferentes âmbitos da nossa sociedade é algo
inquestionável, pois ela está mudando a forma como nós estudamos,
trabalhamos, nos divertimos e nos comunicamos com os outros.
A Internet é algo que resultou do esforço humano e onde estiver sendo
usada, estará presente também o homem que a usa em seu benefício e a seu
bel prazer. Entretanto, o uso dessa ferramenta envolve práticas e
conseqüências que não se restringem a um homem só. A Internet, com todas
as suas variáveis, não é amoral. O uso indiscriminado da Internet como: a
pesquisa, o correio eletrônico, os fóruns de discussão (newsgroups), o bate-
145
papo (chats), a página na web e o download envolvem questões que implicam
ações moralmente boas ou ações moralmente condenáveis.
Nesse sentido, a presente pesquisa exploratória tem como problemática
de investigação as seguintes questões:
a) Como os professores envolvidos no Projeto Internet nas Escolas identificam
e distinguem os problemas que implicam uma discussão moral dos
problemas amorais? Quais são os problemas morais mais comuns na
Internet? Os envolvidos com estes problemas se dão conta de que estão
perante um problema moral?
b) Como são comumente solucionados problemas morais pelos professores
envolvidos no Projeto Internet nas Escolas? Qual é o critério empregado
para a solução desses dilemas? Os professores utilizam-se de um critério
racional e objetivo para a solução dos problemas morais ou a solução dos
mesmos depende da consciência moral subjetiva de cada indivíduo? É
possível uma discussão ou solução objetiva para os problemas morais que
se apresentam com a Internet?
c) Com base nas diferentes propostas de fundamentação ética apresentadas
ao longo da história do pensamento humano, qual é o critério geral que
pode servir também de fundamento para os problemas morais que se
apresentam na área da Internet? As propostas éticas puramente
procedimentais, que não estão preocupadas com o estabelecimento de
normas morais e digos de ética, podem servir de fundamento para os
problemas morais que se apresentam no campo da Internet?
146
d) uma necessidade de se estabelecer um código de ética para que se
saiba como agir para proceder moralmente na escola com o uso da
Internet? Um código de ética solucionaria os problemas morais que
atualmente se apresentam na Internet? O poder de coação do código de
ética seria suficiente para se acabar com a prática de ações imorais na
Internet?
As experiências de vida, ao lado do ensino formal, concorrem para a
construção de conhecimentos, crenças, atitudes, valores, emoções e
motivações, componentes importantes a condicionarem a percepção dos
indivíduos acerca de fenômenos biológicos, psíquicos e sócio-ambientais.
Em geral, variáveis relativas à conduta ética e seus determinantes
oferecem maiores dificuldades metodológicas para sua identificação,
compreensão e mensuração.
Ao se pretender realizar pesquisa sobre fatores humanos, recomenda-
se o estudo prévio da realidade, na fase de planejamento da pesquisa, com a
finalidade principal de elaborar um instrumento baseado nas experiências reais
dos sujeitos, no seu vocabulário e ambiente de vida.
Esse procedimento metodológico, denominado pesquisa exploratória,
apresenta natureza qualitativa e contextual.
O objetivo central do presente trabalho consiste em fundamentar e
discutir esse recurso metodológico, com a finalidade de facilitar a sua aplicação
às pesquisas científicas de variáveis referentes a conduta e seus
determinantes, no campo da escola pública.
147
2. A Expressão "Pesquisa Exploratória"
Inicialmente, cabe distinguir os termos pesquisa exploratória e estudo-
piloto (ou pesquisa-piloto). Piloto, como adjetivo, é "uma realização em
dimensões reduzidas, para experimentação, ou melhor, adaptação de certos
processos tecnológicos: ensino-piloto, projeto-piloto, laboratório-piloto” (1977:
nnnn); ou, no dizer de Aurélio, piloto é o "que serve de modelo e/ou campo de
experimentação para métodos ou processos inovadores” (1988:505).
Nesse sentido, os termos pesquisa e piloto se repelem, embora, vez
por outra, encontre-se a expressão estudo-piloto; neste caso, o termo estudo
seria sinônimo de pesquisa.
Quanto ao conceito de pesquisa exploratória, da forma como é
tradicionalmente entendida, quem melhor o descreve é Theodorson e
Theodorson:
Exploratory study. A preliminary study the major purpose of which is
to become familiar with a phenomenon that is to investigate, so that
the major study to follow may be designed with greater understanding
and precision. The exploratory study (which may use any of a variety
of techniques, usually with a small sample) permits the investigator to
define his research problem and formulate his hypothesis more
accurately. It also enables him to choose the most suitable techniques
for his research and to decide on the questions most in need of
emphasis and detailed investigation, and it may alert him to potential
difficulties, sensitivities, and areas of resistance (1970:0000).
São relativamente raros os textos de metodologia científica que têm
considerações sobre o citado termo. Menos freqüentes, ainda, são as menções
sobre pesquisas exploratórias realizadas como recurso adicional da pesquisa
principal.
148
3. Fundamentos da Pesquisa Exploratória
A pesquisa exploratória, da maneira proposta neste trabalho, apóia-se
em determinados princípios bastante difundidos: 1) a aprendizagem melhor se
realiza quando parte do conhecido; 2) deve-se buscar sempre ampliar o
conhecimento e 3) esperar respostas racionais pressupõe formulação de
perguntas também racionais.
Pode-se dizer, então, que, para se obter determinada resposta, é
preciso fazer a pergunta correspondente. Além disso, para se obter "boas"
respostas é preciso fazer-se "boas" perguntas. Mas para fazer "boas
perguntas", ou perguntas pertinentes e de interesse, é preciso conhecer com
antecipação as possíveis respostas, que consistiriam no "universo de
respostas".
Cai-se, portanto, num círculo vicioso: Para obter "boas" respostas
preciso fazer "boas" perguntas. Para fazer "boas" perguntas precisam-se
conhecer as respostas que as perguntas podem suscitar. O problema, então,
está em sair desta circularidade. No universo de respostas n respostas,
umas melhores ou mais pertinentes que outras. respostas mais válida e
menos válida. O problema está em identificá-las.
A solução do problema está, pois, em elaborar um instrumento de
medida capaz de captar, do universo de respostas, as respostas mais
adequadas ou convenientes para a pesquisa. Quanto mais ajustado à
realidade, mais capaz será o instrumento de relatar com precisão as melhores
respostas.
149
Assim, o problema de elaborar um bom instrumento de medida se
transfere para busca de um melhor conhecimento do universo de respostas.
Quanto melhor o conhecimento do universo de respostas, mais capacitado está
o pesquisador em elaborar um bom instrumento de pesquisa. E ele será um
bom instrumento, na medida em que for capaz de fazer boas perguntas.
Do exposto, depreendem-se ser esta concepção consideravelmente
distante dos entendimentos de praxe, apresentados por outros autores retro-
mencionados. Esse afastamento se refere não a pormenores, mas também
a aspectos sicos, essenciais; é suficientemente palpável para se afirmar que
a expressão "pesquisa exploratória" pode ser aplicada a realidades distintas.
4. A Pesquisa Exploratória como Recurso Metodológico
Define-se pesquisa exploratória, na qualidade de parte integrante da
pesquisa principal, como o estudo preliminar realizado com a finalidade de
melhor adequar o instrumento de medida à realidade que se pretende
conhecer.
Em outras palavras, a pesquisa exploratória, ou estudo exploratório,
tem por objetivo conhecer a variável de estudo tal como se apresenta, seu
significado e o contexto onde ela se insere. Pressupõe-se que o
comportamento humano é mais bem compreendido no contexto social onde
ocorre
(Queiroz, 1992). Nessa concepção, esse estudo tem um sentido geral
diverso do aplicado à maioria dos estudos: é realizado durante a fase de
planejamento da pesquisa, como se uma subpesquisa fosse e se destina a
obter informação do universo de respostas de modo a refletir verdadeiramente
as características da realidade. Assim, tem por finalidade evitar que as
150
predisposições não fundadas no repertório que se pretende conhecer influam
nas percepções do pesquisador e, conseqüentemente, no instrumento de
medida. Não corrigido, este tipo de tendência poderá conduzir o pesquisador a
perceber a realidade segundo sua ótica pessoal, de caráter técnico-
profissional. A pesquisa exploratória, permitindo o controle dos efeitos
desvirtuadores da percepção do pesquisador, permite que a realidade seja
percebida tal como ela é, e não como o pesquisador pensa que seja.
Enquanto, segundo as concepções tradicionais, a pesquisa exploratória
tem por finalidade o refinamento dos dados da pesquisa e o desenvolvimento e
apuro das hipóteses, nesta nova concepção é realizado com a finalidade
precípua de corrigir o viés do pesquisador e, assim, aumentar o grau de
objetividade da própria pesquisa, tornando-a mais consentânea com a
realidade.
Nesse sentido, a pesquisa exploratória leva o pesquisador,
freqüentemente, à descoberta de enfoques, percepções e terminologias novas
para ele, contribuindo para que, paulatinamente, seu próprio modo de pensar
seja modificado. Isto significa que ele, progressivamente, vai ajustando suas
percepções à percepção dos entrevistados. Em outras palavras, ele vai
conseguindo controlar, quase que imperceptivelmente, o seu viés pessoal.
Pode-se constatar a subsistência desta proposição se se considerar,
por exemplo, que se deseja conhecer os fatores da prole numerosa ou do
controle de natalidade. É inegável que existem diferenças, às vezes
pronunciadas, entre as concepções científicas e as concepções populares. E
que estas diferenças são desconhecidas e podem operar conseqüências
151
importantes, redundando, ao final, em distorções apreciáveis e significativas.
Essa prática do pesquisador, realizando a pesquisa definitiva com base em
suas próprias concepções, pode levar a falsas concepções, em que os pontos
de vista e as motivações pessoais, de caráter profissional, predominam.
A pesquisa exploratória, assim norteada, integra-se ao planejamento da
pesquisa principal. Constitui parte dela e não subsiste por si só. E um meio
simplesmente, mas um meio muito importante para mostrar a realidade de
forma verdadeira.
Torna possível estruturar totalmente as questões do instrumento da
pesquisa, ou seja, construir as perguntas e as respostas pertinentes, com base
nas informações que emergiram da própria população.
Trata-se de procedimento que muito exige do pesquisador, desde que
se torna necessário apreender e transferir para o instrumento os significados e
o vocabulário conferidos pelos indivíduos ao objeto de estudo.
O estudo exploratório permite, portanto, aliar as vantagens de se obter
os aspectos qualitativos das informações à possibilidade de quantificá-los
posteriormente.
Acredita-se, portanto, que o emprego equilibrado de metodologias
qualitativas e quantitativas permite ampliar a compreensão acerca de
determinada realidade (Queiroz, 1992). Embora, de um ponto de vista
epistemológico e metodológico possam existir diferenças marcantes, não se
considera haver oposição frontal entre as citadas abordagens.
152
5. Operacionalização da Pesquisa Exploratória
Operacionalmente, pode-se descrever o estudo exploratório como
constituindo um "continuum" que, partindo de uma situação de pouco ou
nenhum conhecimento do universo de respostas, alcance a condição de um
conhecimento qualitativo autêntico desse mesmo universo.
Esse estudo é realizado em várias etapas; cada uma delas apresenta
finalidade e metodologia próprias. No conjunto, as etapas constituem trabalho
harmônico e coordenado. Cada etapa se apóia nos resultados obtidos na etapa
anterior.
A primeira etapa consiste em realizar entrevistas em profundidade e
não-dirigidas, nas quais, evitando-se perguntas que possam dirigir respostas
para o que se tem em mente, procura-se dialogar com o entrevistado dentro de
um campo descontraído, em que se propicia o máximo de liberdade de
expressão (Trigo & Brioschi, 1992). Esse tipo de entrevista tem por finalidade
obter o máximo de informações que o indivíduo entrevistado possa oferecer.
Nesta fase, costuma-se usar um roteiro para as entrevistas, contendo apenas
tópicos sobre os quais se pretende conversar. Contudo, se no decorrer das
entrevistas verificar-se que a conversa toma rumos diferentes, porém
pertinentes ao objeto de estudo e interessantes para a pesquisa, não se deve
hesitar em modificar o roteiro planejado.
A entrevista em profundidade não dirigida é de difícil realização,
requerendo experiência do pesquisador porque, além da habilidade de fazer o
respondente falar livremente e de dar informações, deve evitar induzi-lo a
manifestar idéias que não são as suas. Deve, além disso, procurar verificar o
153
que é real no mundo do respondente evitando, para isso, "filtrar" o que ou
ouve através das lentes subjetivas de sua própria personalidade. Deve,
também, reavaliar continuamente o que é importante e o que não é importante,
tendo em vista o tema da pesquisa.
Quanto ao objeto que se tinha primordialmente em mente para o
assunto, podem ocorrer sucessivas modificações, seja pela incorporação de
aspectos antes desconhecidos pelo pesquisador, seja pela reformulação dos
previamente conhecidos.
As entrevistas em profundidade e não dirigidas podem ser realizadas
com um respondente ou em grupos de 3 a 6 respondentes. As entrevistas
individuais ou em grupo oferecem vantagens e desvantagens que se
complementam reciprocamente. Daí, a vantagem de associá-las (Lüdke &
André, 1986).
O material colhido costuma ser abundante e bastante diversificado,
ficando difícil perceber-se uma linha condutora. À medida que se acumulam os
registros de relatos, torna-se difícil ou impossível lembrar quais dos registros
contêm ou não informações sobre determinado tópico.
Algum sistema classificatório é essencial para que o investigador evite
perder muitas horas a procurar, em suas anotações, alguns itens que lembra
vagamente, mas que não pode localizar.
O sistema de classificação deve ser adaptado ao objeto da pesquisa,
de forma que aqui não é possível apresentar regras específicas. Mas, à medida
que a pesquisa se torna mais claramente focalizada, o pesquisador pode criar
um sistema mais complexo de classificação.
154
Para solucionar o problema do grande acervo de dados, o que torna
esta fase de difícil equacionamento, disforme, irregular, dispersa, recomenda-
se classificar o material disponível tomando como fio condutor o objeto de
pesquisa. Assim, não os dados passam a ser ordenados, como também
escoimados dos assuntos irrelevantes. O que sobra é um material ainda bruto,
mas já com contornos inteligíveis.
Esta fase da pesquisa, a primeira, termina com a saturação do assunto.
Esta condição demonstra que se chegou ao "fundo do poço".
Na etapa seguinte da pesquisa exploratória, procura-se burilar os
dados, fazendo-se perguntas específicas - ou melhor, cada vez mais
específicas - para aperfeiçoar certos dados ou para obter conhecimentos
novos. Nestes se incluem, também, conhecimentos do repertório profissional -
introduzido em fase mais avançada - os quais vão se reunir aos do repertório
popular formando um todo único.
Se determinados aspectos não ficaram devidamente esclarecidos ou
permaneceram omissos, admite-se que se repita a primeira fase para resolver
especificamente este problema.
Nas etapas subseqüentes, o objetivo é apurar sempre mais os
resultados obtidos e rever a classificação dos dados.
A seguir, os dados são colocados sob a forma de perguntas e
respostas. Isto é possível porque se domina praticamente todo, ou quase
todo, o universo de respostas.
As perguntas e respostas são progressivamente aperfeiçoadas através
de sucessivas aplicações.
155
A pesquisa exploratória pode ser realizada em uma etapa, embora
raramente isto aconteça, ou, então, pode ser a etapa final de uma sucessão de
etapas preliminares, em número raramente maior que 10; geralmente, 5 ou 6.
Esse número varia em função de vários problemas, como,
complexidade da pesquisa, desconhecimento maior ou menor do Universo de
Respostas, colaboração maior ou menor da população, grau de habilidade do
pesquisador, amplitude do campo de pesquisa e qualidade dos dados a serem
obtidos. Quanto mais desconhecido o Universo de Respostas, mais provável
ser maior o número de etapas. É recomendável entrevistar pessoas diferentes
em cada etapa, a fim de obter novas informações e, assim, ampliar o Universo
de Respostas.
Pára-se no momento em que se começa a receber as mesmas
respostas. Daí para frente, as novas respostas vão se tornando cada vez
menos freqüentes e, por isso, vão tendo cada vez menos interesse.
Na última etapa aborda-se o aspecto quantitativo da pesquisa
exploratória. Nessa etapa, o questionário, praticamente estruturado, é aplicado
a uma amostra de, geralmente, tamanho 30. A seguir, é feita completa revisão
do questionário, visando ao seu aperfeiçoamento e à eliminação de questões
que se mostraram de pouco interesse do ponto de vista quantitativo.
Especificamente, deve-se melhorar as respostas, respostas que eqüivalem às
categorias da variável. Deve-se procurar apurar melhor os aspectos formais
das questões, o que se fará, em grande parte, aplicando os princípios da
categorização de variáveis.
156
Não se pode esquematizar com precisão as etapas da pesquisa
exploratória, pois elas dependem de numerosos fatores aleatórios. Contudo,
pode-se dizer que a pesquisa exploratória pode ser agrupada, grosseiramente,
em etapas que se superpõem, nas seguintes etapas principais:
01 02 03 04 05
Entrevistas
em
profundidade
e não-
dirigidas
Entrevistas
com
questionário
não-
estruturado
ou semi-
estruturado
Classificação
do material
obtido
Elaboração
de
questionário
estruturado
Pré-teste
Etapa exploratória realizada: seu número não pode ser antecipadamente
determinado.
Não se deve confundir pesquisa exploratória com pré-teste. O pré-teste
se limita a um aperfeiçoamento do questionário quanto à sua forma. Quando se
faz pesquisa exploratória, o pré-teste passa a ser parte integrante dela, nela
estando embutido. Nestas condições, as questões de forma já vão sendo
resolvidas, não havendo, praticamente, necessidade de alterações.
157
6. Indicações da Pesquisa Exploratória
Dentre as várias possíveis aplicações da pesquisa exploratória pode-se
enumerar algumas indicações no quadro síntese, a seguir:
Objetivos Estratégias Metas
1- Buscar informações, com professores
envolvidos no Projeto Internet nas Escolas,
sobre a clareza conceitual das questões
relativas à ética e que critérios utilizam para
solucionar conflitos morais que surgem na
Internet;
Questionário de
pesquisa;
tabulação e análise
dos dados
colhidos.
O que os
professores
pensam e
agem sobre
ética.
2- Identificar e caracterizar os problemas
morais mais comuns no Projeto Internet
nas Escolas de forma que a indiferença
pelas conseqüências das ações, por parte
dos professores envolvidos no Projeto
Internet nas Escolas e alunos usuários da
Internet, não se deva ao desconhecimento
das implicações morais decorrentes de
determinadas práticas;
Coleta de
informações e
acontecimentos na
escola a partir de
uma pesquisa.
Disponibiliz
arão de
meios para
a
realização
de
instrumenta
is focando
os
problemas
morais no
uso da
Internet.
3-
Desenvolver discussões e produzir
materiais que possam servir de subsídio
para um código de ética para o Projeto
Internet nas Escolas.
Produção de uma
cartilha
Promoção
de
articulações
no sentido
de
implantar
um código
de ética no
âmbito das
escolas
pública
estaduais
do Estado
do Ceará.
7. Considerações Finais
158
Em suma, a pesquisa exploratória permite um conhecimento mais
completo e mais adequado da realidade. Assim, o alvo é atingido mais
eficientemente, com mais consciência. A pesquisa exploratória corresponderia
a uma visualização da face oculta da realidade. Esta corresponde ao universo
de respostas, desconhecido. Esta face seria iluminada pela pesquisa
exploratória.
Cumpre ressaltar, finalmente, que a pesquisa exploratória não é uma
panacéia e nem apresenta utilização plenamente assegurada. O seu emprego
sofre muitas limitações, de tal modo que se adota o seguinte critério para sua
indicação:
Tem sua aplicação limitada ao estudo detalhado. Nos experimentos tem
pouco uso.
Deve ser necessária, ou seja, deve ter indicação precisa. O que nem
sempre ocorre. Uma pesquisa realizada dentro de um contexto
exclusivamente profissional torna desnecessário o uso do contexto
popular.
Deve-se dispor de tempo para realização da pesquisa exploratória.
Deve haver compensação para o tempo investido e o maior custo da
pesquisa. Esse tempo adicional deve ser compensado pela maior
eficácia da pesquisa.
8. Questionários:
159
Bloco 1 – Dados de Identificação:
01. Sua idade?
02. Sexo?
03. Estado Civil?
04. Você realizou algum curso de graduação?
4.1. Qual?
4.2. Em que instituição?
4.3. Ano de Conclusão?
Bloco 2 – Sobre sua vida profissional:
05. Você atua como?
06. Carga horária semanal dedicada ao trabalho?
07. Seu ingresso no serviço público?
08. Atualmente, na escola, você atua na área correspondente à de formação de
seu curso de graduação?
Bloco 3 – Sobre a ética no curso de graduação:
09. Na grade curricular do curso de graduação que você fez havia alguma
disciplina na qual se discutiam questões específicas relacionadas à ética?
10. Em sua opinião, há necessidade de uma disciplina específica sobre ética
na área de formação do curso de graduação que você realizou?
11. Em relação ao desempenho de suas atividades profissionais, você
considera que os conhecimentos adquiridos no curso de graduação deram
conta da formação ético-cidadã?
12. Você tem conhecimento da existência de um Código de Ética no Projeto
Internet nas Escolas?
160
13. Em sua opinião, um Código de Ética é essencial para o bom andamento do
uso da Internet?
14. Frente a situações morais no uso da Internet, qual é o critério que você usa
ou usaria para orientar o seu agir?
Bloco 4 – Sobre questões de ética geral:
15. Você tem clareza sobre a diferença entre práticas que envolvem uma
discussão moral e práticas amorais, isto é, que não envolvem uma discussão
moral?
16. Você conhece a relação que existe entre liberdade e responsabilidade
moral?
17. Você conhece a diferença entre normas vigentes e normas moralmente
válidas?
18. Você já se deparou frente a uma situação, que segundo seu ponto de vista,
envolveu uma decisão moral?
19. Você costuma ler artigos de jornais ou revista que tratam de questões
éticas?
20. Frente a dilemas morais sociais, qual é o critério que você costuma usar
para orientar o seu agir?
161
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