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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE
MESTRADO EM PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS
NEIDE MARIA CARVALHO ABREU
A EFETIVIDADE DA LEI MARIA DA PENHA - UMA POLÍTICA
PÚBLICA DE COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CONTRA A MULHER.
FORTALEZA
2008
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NEIDE MARIA CARVALHO ABREU
A EFETIVIDADE DA LEI MARIA DA PENHA - UMA POLÍTICA
PÚBLICA DE COMBATE À VIOLÊNCIA E FAMILIAR DOMÉSTICA
CONTRA A MULHER.
Dissertação apresentada à Universidade
Estadual do Ceará – UECE, como exigência
parcial para a obtenção do título de Mestre
em Políticas Públicas e Planejamento.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria do Socorro
Ferreira Osterne.
FORTALEZA
2008
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A162e Abreu, Neide Maria Carvalho
A efetividade da lei Maria da Penha – uma política pública
de combate a violência doméstica e familiar contra a mulher /
Neide Maria Carvalho Abreu. − Fortaleza, 2008.
157p.
Orientadora: Prof. Drª. Maria do Socorro Ferreira Osterne.
Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas e Planejamento)
− Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais
Aplicados.
1. Gênero. 2. Violência contra a mulher. 3. Machismo. 4.
Políticas públicas. 5. Efetividade da lei. I. Universidade Estadual
do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados.
CDD: 341.533
“E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos
pela renovação da vossa mente”.
Romanos, 12
RESUMO
Esta dissertação procurou abordar a efetividade da Lei Maria da Penha como
política pública destinada a combater a violência doméstica e familiar contra a
mulher. Pretendeu-se verificar como ocorre sua aplicabilidade no Estado do
Ceará, notadamente no âmbito circunscrito ao Município de Fortaleza. Foram
investigadas a gênese da violência contra mulher, a violência de gênero e as
várias formas de manifestação dessa violência. Procedeu-se ao percurso dos
movimentos feministas, especificamente no Brasil, dos tratados e convenções
ratificados pelo Estado Brasileiro, merecendo destaque a “Convenção sobre a
Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Mulheres e a
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher CEDAW, que tratam dos direitos conquistados pelas mulheres ao
longo dos tempos. No cenário interno, chama-se atenção para a Constituição
Federal de 1988, que se destacou por priorizar a cidadania e a igualdade entre
homens e mulheres. Procurou-se mostrar o surgimento da Lei Maria da Penha,
com a sua história pessoal de vida e seu escopo de coibir e prevenir a violência
doméstica e familiar contra as mulheres. Foi realizada pesquisa documental na
Delegacia de Defesa da Mulher, onde se colheram dados estatísticos das
variadas espécies de agressões a que são submetidas as mulheres, além dos
procedimentos adotados por esta delegacia. Foi feita pesquisa no Juizado
Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e junto à
Defensoria Pública, com o objetivo de verificar o tratamento aplicado às
mulheres que sofrem violência. Foram realizadas entrevistas com juízes,
delegados, assistentes sociais e defensores públicos, a fim de colher
informações sobre o que mudou para os operadores do Direito com o advento
da Lei Maria da Penha.
Palavras chave: gênero; machismo; violência contra a mulher;
políticas públicas; efetividade da lei.
ABSTRACT
This dissertation sought to address the effectiveness of Maria da Penha Law
and public politic to combat domestic and family violence against women. The
intention was to verify the applicability of the law in the State of Ceará,
especially in the city of Fortaleza limited.
The research was about the genesis of violence against women, gender
violence and various forms of manifestation of such violence. The research
followed the trajectory of feminist movements, specifically in Brazil, the treaties
and conventions ratified by the Brazilian deserving highlight the "Convention on
the Elimination of All Forms of Discrimination against Women and the Inter-
American Convention to Prevent, Punish and Eradicate Violence against the
Women - CEDAW, dealing with the rights won by women over time.
In the internal scene the focus is in the 1988 Federal Constitution, which was
highlighted by prioritizing the citizenship and gender equality. It tried to show the
appearance of Maria da Penha Law with her personal story of life and her
scope of curb and prevent domestic and family violence against woman. A
documentary research was carried out in Defense of Woman Police Station
where was collected statistical data of various kinds of attacks that women are
submitted, besides to the procedures adopted by this station.
The research was made in the Domestic and Familiar Violence against Woman
Special Court and the Public Defender, aiming to verify the treatment applied to
the women who suffered violence. Interviews were conducted with judges,
prosecutors, social workers, public defenders to collect information on what has
changed for the operators of duty with the advent of the Maria da Penha Law.
Keywords: gender; male chauvinism; violence against woman; public politics;
the effectiveness of the law.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................9
2 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER................................................................20
2.1 Gênese da violência contra a mulher........................................................20
2.2 Violência de gênero...................................................................................23
2.2.1 Discriminações....................................................................................26
2.3 Violência doméstica e familiar contra a mulher.........................................29
2.3.1 As várias formas de manifestação da violência contra a mulher........31
3 O MOVIMENTOS SOCIAIS............................................................................35
3.1 Os movimentos sociais – feministas e de mulheres no Brasil.................36
4 PANORAMA INTERNACIONAL DAS CONQUISTAS DOS DIREITOS
DAS MULHERES.......................................................................................42
4.1 As Conferências........................................................................................43
4.2 As Convenções........................................................................................44
4.2.1 Convenção Sobre a Eliminação de todas as Formas de Discrimi-
nação contra as Mulheres ..................................................................44
4.2.2 Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará..............45
5 A LEI MARIA DA PENHA..............................................................................47
5.1 Histórico....................................................................................................47
5.2 O surgimento da Lei..................................................................................48
6 A EFETIVIDADE DA LEI.................................................................................51
6.1 A Delegacia de Defesa da Mulher – DDM.................................................51
6.1.1 Análise de Dados Levantados na Delegacia de Defesa da Mulher
- DDM – em Fortaleza..................................................................53
6.2 Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher na
Comarca de Fortaleza..................................................................65
6.3 Defensoria Pública....................................................................................67
6.4 Mudanças e Dificuldades Vivenciadas pelos Operadores do Direito e
pela Sociedade após a Criação da Lei Maria da Penha.........................69
7 CONCLUSÃO.............................................................................................93
REFERÊNCIAS.................................................................................................99
ANEXOS..........................................................................................................104
A) Estatística Geral Delegacia de Defesa da Mulher, referente aos
anos de 2006/2007 e 2008......................................................................105
B) Lei Maria da Penha.....................................................................................111
C) Convenção sobre a eliminação de todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher...........................................................................................125
D) Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
Contra a Mulher..........................................................................................139
E) Plano Nacional de Políticas para Mulheres................................................147
F) Lei nº 13.925/07 – Cria os Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher nas comarcas de Fortaleza e Juazeiro do Norte..............157
G) Declaração dos Direitos Humanos das Mulheres.......................................161
9
1 INTRODUÇÃO
“A efetividade da Lei Maria da Penha – uma política pública de
combate à violência doméstica e familiar contra a mulher” é o tema desta
pesquisa.
Como questões orientadoras desta investigação foram formuladas as
perguntas abaixo.
Como ocorre a aplicabilidade da Lei Maria da Penha?
Com o surgimento desta Lei, o que foi operacionalizado do
ponto de vista legal para que ela pudesse se tornar mais efetiva?
O que mudou para os operadores do Direito e para a
sociedade com o surgimento da Lei Maria da Penha?
Tem-se, portanto como objeto de estudo a Lei Maria da Penha e sua
efetividade como política pública de combate à violência doméstica e familiar
contra a mulher.
Orientando este estudo, elaborou-se a seguinte hipótese:
A Lei 11.340/2006 - também conhecida como Lei Maria da Penha - é
uma política blica que visa a dar maior proteção às mulheres que sofrem
com a violência praticada nos seus ambientes domésticos, vítimas da
discriminação de gênero.
A maior proteção às mulheres torna-se necessária em razão dos
imensos prejuízos historicamente sofridos por elas em face de uma suposta
superioridade masculina, justificadora de atos de preconceitos, discriminações,
hostilidades e todo tipo de violência contra seu gênero. Tal proteção se
respalda no reconhecimento da necessidade de tratar desigualmente os
desiguais em contextos de desigualdades como fundamento da expectativa da
equidade de gênero.
10
Analisar a Lei Maria da Penha, como política pública direcionada ao
combate ao fenômeno da violência contra a mulher, tentando-se constatar sua
efetividade, constitui o objetivo geral da pesquisa.
Como objetivos específicos têm-se:
evidenciar por que a categoria gênero reivindica uma atenção
para a questão relacional mulher / homem;
destacar o papel do Estado na luta pela equidade de gênero; e
reafirmar a dimensão das políticas públicas destinadas ao
combate à violência doméstica e familiar contra as mulheres, como
fundamento da igualdade dos gêneros feminino e masculino.
Quanto às categorias analíticas embutidas no tema destacam-se:
Gênero
Para Osterne (2008, p.147), citando Scott,
Gênero é, sobretudo, uma referência com base na qual se
decodificam o sentido e a complexidade das relações sociais.
Gênero é uma palavra tomada de empréstimo à gramática, que tem
simbologia preponderante nos estudos sobre a violência contra a mulher.
Trata-se do significado do gênero como uma espécie de categoria
analítica, cujo emprego data da década de 1980. Com seu surgimento, ocorreu
grande mudança na análise dos estudos sobre o estado da mulher, orientando
no sentido de que, sempre que se fale em homem, se relacione a mulher e
sempre que se refira em mulher, se vincule a homem.
Quando se cogita em violência de gênero, tal não representa sinônimo
de violência contra a mulher e sim como um termo mais amplo, que abrange a
violência de um homem contra uma mulher, de uma mulher contra um homem,
de um homem contra outro homem e de uma mulher contra outra mulher,
porque gênero é feminino ou masculino.
11
O vocábulo gênero reconhece as diferenças entre mulher e homem,
mas apenas nos campos biológico, anatômico e cultural, não aceitando a
noção de que essas diferenças justifiquem discriminações, tampouco
subordinação das mulheres aos homens e vice-versa.
A fim de que se consiga enfrentar a questão de gênero, precisa-se
aceitar a realidade de que a igualdade almejada em todos os seus sentidos
é possível se as diferenças forem tratadas com objetividade.
Violência contra a mulher
O art. 5º da Lei Maria da Penha prega que:
Para os efeitos desta Lei, configura-se violência doméstica e familiar
contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe
cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano
moral ou patrimonial.
A violência contra a mulher tem raízes em algo muito peculiar à
cultura, que é o machismo, a dominação do masculino, o patriarcado.
É uma dimensão que foi determinada, acreditando-se na existência de
uma prevalência natural do masculino sobre o feminino.
É qualquer ato ou comportamento, derivado da relação de gênero, que
resulte em morte, prejuízo ou sofrimento físico, psicológico ou sexual feito à
mulher, independentemente se em local público ou privado.
A violência contra a mulher, na Lei Maria da Penha, não está atrelada
às formas descritas no art. 7º, pois, no caput, nota-se a expressão “entre
outras”, denotando-se não se referir a numerus clausus, podendo ter outras
modalidades além da violência física, psicológica, sexual, patrimonial e também
moral, citando-se como exemplo a violência simbólica.
12
Violência física é aquela que causa dano físico, ofendendo a
integridade ou saúde, podendo ser uma dor ou culminar em um assassinato. A
lesão pode ser dolosa ou culposa.
A violência psicológica é explicada como qualquer ato que inflija à
mulher dano emocional, diminuição de autoestima, prejudique seu
desenvolvimento ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde
psicológica, ao seu direito de ir e vir e a sua autodeterminação.
A forma sexual é aquela entendida como qualquer conduta que possa
forçar a mulher a participar de relação sexual não desejada em qualquer de
suas formas, ou que de modo indireto a leve a usar de seu corpo, seja como
forma de prostituição, seja impedindo-a de utilizar-se de métodos
anticoncepcionais ou até mesmo limitando ou anulando seus direitos sexuais e
reprodutivos.
A violência de perfil patrimonial é caracterizada, no art. da Lei Maria
da Penha:
Como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição
parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos
pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo
os destinados a satisfazer as suas necessidades.
A de teor moral relaciona-se à honra, moral e dignidade da mulher, por
meio de restrições à liberdade, humilhações, calúnias, injúrias, difamações,
discriminações, julgamentos levianos etc.
A de conteúdo simbólico está presente no cotidiano de todas as
pessoas que convivem em sociedade e comporta uma dimensão simbólica,
responsável por medida de repressão e também pela tolerância, conivência
com a impunidade que se observa em relação à criminalidade.
Tal tipo de violência expressa uma discriminação em razão do sexo,
pelo fato de a mulher ser diferente do homem, e se reproduz do modo mais
natural possível, principalmente através dos meios de comunicação.
13
Machismo
O fenômeno machismo é cultural, é uma formulação social e é muito
expressivo para que se entenda a violência contra a mulher. É a dominação
masculina que, na realidade brasileira, principalmente no Nordeste, está quase
naturalizada.
Ao longo dos tempos, a desigualdade entre os gêneros, com
subordinação do feminino ao masculino, sempre foi encarada naturalmente e,
nos dias de hoje, as instituições, a família, as igrejas, e a sociedade como um
todo ainda acreditam nessa subordinação como legitimadora de discriminação
e humilhação para com as mulheres.
A cultura machista compreende que ser mulher não é apenas ser
diferente do homem, entendendo-se equivocadamente que ser mulher
pressupõe ser subordinada, oprimida, inferior e desvalorizada.
Osterne (2001, p.147), citando Bourdieu em artigo escrito em 1990,
reproduz:
(...) dominação masculina está suficientemente assegurada para
precisar de justificação (...). Essa visão dominante da divisão sexual
manifesta-se nos discursos, mas também nas práticas e nos objetos
técnicos. Se está ‘na ordem das coisaspara fazer referência ao que é
normal e natural a ponto de ser inevitável é porque igualmente está
presente em estado objetivado, no mundo social e em estado
incorporado no habitus, funcionando como um princípio universal de
visão e divisão, como um sistema de categorias de percepção, de
pensamento e de ação.
É um fenômeno transversal, que o depende de classe social, raça,
ideologia, etnia etc. Atinge também as mulheres, pois está consolidado na
cultura, nos costumes, arraigado no imaginário coletivo.
A força tem uma importância muito grande para a cultura machista,
pois a maior parte dos homens tem mais poderio físico do que as mulheres.
Então, se conferem aos homens um poder e uma prevalência sem razão. Não
14
se está a tratar aqui de igualdade dos sexos, mas de gênero. É certo que
homens e mulheres pertencem a sexos diferentes, mas só no aspecto biológico
é que são diversos e essa variedade não justifica uma hierarquia com
prevalência do gênero masculino.
O machismo é um tema que deve continuar sendo discutido por
muito tempo, é palpitante, é muito fecundo e hodiernamente se chama mais de
dominação masculina.
Efetividade da Lei Maria da Penha
A efetividade de uma lei está relacionada a uma aplicabilidade
eficaz.
A Lei Maria da Penha é uma política pública elaborada pelo homem
e vai ter existência se for colocada em movimento e desse movimento
decorre sua real efetividade.
Os operadores do Direito ao aplicarem uma lei, carregam tudo o
que eles são, toda a sua formação, valores culturais, modo de ser e de fazer as
coisas.
O que foi construído ontem é diferente do que es sendo feito
hoje. O que acontece hoje não é o que ocorreu ontem. A sociedade avança e
as relações humanas tornam-se diferentes. O legislador expressa um termo de
positividade no texto legal, que representa o resultado da leitura social, do
processo histórico vivenciado pela sociedade.
As relações sociais são mais dinâmicas, a realidade, o
entendimento social, é diferente da legislação, pois esta vem atrás dos
acontecimentos. Uma coisa é a realidade, outra é o entendimento social dessa
realidade.
15
A Lei Maria da Penha, para ter efetividade, deve ser aplicada de
modo a atingir ao fim social almejado, como política blica de enfrentamento
ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher, levando-se em
conta que o entendimento de violência contra as mulheres que se tem hoje é
diferente do que se entendia por violência ontem, apesar de ser o mesmo fato.
Prosseguindo-se, destaca-se que uma dissertação de mestrado é
um trabalho de pesquisa científica, que exige recursos metodológicos para a
sua realização, pois a metodologia define a forma com que se pretende
entender e legitimar o objeto da pesquisa. Assim sendo, faz-se necessário que
se tenha bem determinado o que se pretende atingir, a fim de que a
metodologia possibilite o alcance desses objetivos, sobre a égide da
imparcialidade, saindo-se do achismo e do empírico para o científico, apto a ser
referendado em qualquer ângulo do seu espaço definido. Assim ao se iniciar
uma pesquisa, é imprescindível se fazer um estudo do problema, definindo o
que se pretende produzir, como também, identificar as variáveis, segundo
Ludke (2003).
Pesquisadores diversos, como Bogdan e Biklen (2006), Thiollent
(1985), Haguette (1987), como também Ludke (2003) entre outros, asseguram
que, para se seguir uma metodologia de pesquisa, deve-se adotar técnicas
adequadas. Assinalam, porém, que, para que a pesquisa se torne um
instrumento valioso de produção do conhecimento, é necessário sistematizar e
planejar o que se pretende observar dentro da abordagem escolhida.
Efetuando-se uma leitura sociopolítica e econômica do País em que
se vive, em contextualização com a educação sistemática oferecida, pode-se
perceber que o Brasil precisa investir cada vez mais em pesquisas. Assim, com
base nessas observações, pretende-se realizar um trabalho que possa
contribuir com os estudos de cientistas sociais responsáveis pelo
desenvolvimento das políticas públicas.
Diante da complexidade do tema, supôs-se, de início, que o assunto
necessitava ser desafiador, a fim de que despertasse o interesse da
16
pesquisadora e dos futuros leitores, e que, ao mesmo tempo, fosse útil, atual, e
também contribuísse para os objetivos do Mestrado em Políticas Públicas.
Analisando-se o vivenciado nas aulas do Mestrado, ao se tomar
contato mais próximo com o mundo das Ciências Sociais, ou seja, o universo
do ser, no qual as coisas acontecem, onde os problemas são observados como
fatos reais carecedores de políticas públicas para solucioná-los, sentiu-se
necessidade de pesquisar o problema da violência contra as mulheres, pois,
apesar de todos os avanços ocorridos ao logo dos tempos, ainda se observa
nos dias de hoje sua prática de forma desumanamente destrutiva.
Foi por essa razão que, após muita reflexão, delimitou-se o tema: A
Efetividade da Lei Maria da Penha Uma política pública de combate à
violência doméstica e familiar contra a mulher.
Quanto à questão da metodologia, o estudo se realizou por meio de
pesquisa bibliográfica, por sua natureza teórico-acadêmica, permeada com
pesquisa exploratória; e busca documental e entrevistas com os sujeitos
sociais diretamente envolvidos na questão da violência doméstica e familiar
contra a mulher.
A pesquisa bibliográfica, para Gil (1996), é vantajosa por
proporcionar ao pesquisador um panorama dos variados fenômenos, com uma
amplitude bem maior do que a pesquisa direta
Foram utilizadas obras diversas, tais como livros de vários autores,
leis, artigos, jornais, monografias, tratados e convenções internacionais
relativos à diversidade temática aqui abordada, sem fugir do tema axial,
principalmente nas áreas das Ciências Sociais e Políticas Públicas, para assim
catalogar itens passíveis de abordagem no trabalho, pois a categoria gênero
não admite que nos dias de hoje a sociedade tenha tratamentos
discriminatórios para o homem e a mulher.
17
Assistiu-se a palestras, conferências, cursos e seminários
relacionados à Lei Maria da Penha, com o intuito de melhor inteirar-se das
atividades desenvolvidas para a promoção da real efetividade dessa lei.
Na pesquisa exploratória, procurou-se traduzir a leitura que se quer
conferir ao objeto a ser pesquisado.
Participou-se de Seminário sobre Inclusão Social na Universidade
Estadual do Ceará UECE, em setembro de 2007, que contou com importante
palestra sobre a mulher e de Curso Multidisciplinar sobre a Lei Maria da Penha,
em agosto de 2008, na Escola de Magistratura do Estado do Ceará – ESMEC.
Na ocasião da pesquisa de campo, empreendeu-se visitas à
Delegacia de Defesa da Mulher em Fortaleza, ao Juizado de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher e ao Centro Estadual de Referencia e
Apoio à Mulher CERAM, onde funciona um Centro Avançado da Defensoria
Pública, com intuito de conversar, observar e questionar, para obter uma
diversidade de falas e opiniões que melhor explicitem a efetividade dessa lei e
verificar o nível de implicação temático, procurando-se obter dados que
possam subsidiar a análise da efetividade da Lei Maria da Penha.
Foi utilizada entrevista semiestruturada com a participação de cinco
representantes dentre as instituições pesquisadas, oportunidade em que foram
feitas poucas perguntas e deixando-se que os entrevistados falassem
livremente, tendo sido aplicado o seguinte roteiro:
1 Quais as mudanças ocorridas nos operadores do Direito e na sociedade
após a vigência da Lei Maria da Penha?
2 Quais as dificuldades enfrentadas na aplicação da referida Lei?
No tocante aos resultados, a pesquisa se caracteriza como aplicada,
com abordagem qualitativa, de natureza prática e teórica, objetivando-se uma
investigação descritivo-exploratória. Foram empregados dados quantitativos
para análise da efetividade da Lei Maria da Penha com base nos indicadores
18
obtidos na Delegacia de Defesa da Mulher em Fortaleza, sobre os registros das
ocorrências registradas e tipos de procedimentos efetuados.
Por fim, esta dissertação está composta de sete capítulos, tendo por
primeiro segmento esta Introdução e como capítulo de remate, a Conclusão
(Cap. 7), que sumaria os achados da investigação, consolidando-os.
No segundo capítulo, refletiu-se sobre a questão de gênero,
mostrando a gênese da violência contra a mulher, detalhando os diversos tipos
de violência. Analisou-se o fenômeno do machismo como elaboração social,
cultural, mas consideravelmente significativo para que se possa entender a
violência contra a mulher. Enfatizou-se por que a categoria gênero reivindica
uma atenção para a questão relacional homem /mulher.
Preocupou-se no terceiro módulo com todo o caminho que se tem de
percorrer até criação de uma lei, com suporte em uma investigação sobre a
participação das mulheres em movimentos sociais, fato que contribuiu para
reforçar uma tomada de consciência sobre as desigualdades entre homens e
mulheres desde os primórdios da humanidade.
No quarto segmento montou-se um panorama internacional das
conquistas dos direitos das mulheres por meio das conferências internacionais,
convenções e tratados que são bem mais avançados do que a legislação
específica de cada país, vista isoladamente.
A Lei Maria da Penha surge como tema do quinto capítulo, onde se
narrou o seu histórico e se falou da sua criação após luta incansável de 15
ONGs e da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.
Adentrando o sexto capítulo, examinou-se a efetividade da Lei
Maria da Penha, por intermédio de uma verificação do modo como está sendo
aplicada, tendo-se ressaltado, também, a importância do papel do Estado por
meio de suas políticas públicas, sobretudo nas áreas da ação social, da
segurança pública, da saúde, da educação e da justiça. o esqueceu de que,
19
por ser a violência contra a mulher um fenômeno transversal, este não
dispensa o envolvimento de muitas outras áreas para o seu enfrentamento.
No final, preocupou-se com o papel dos operadores do Direito, sejam
eles juízes, promotores, delegados ou advogados, assim como dos psicólogos,
sociólogos, assistentes sociais, educadores e de toda a sociedade no
enfrentamento do problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.
20
2 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
2.1 Gênese da violência contra a mulher
A violência contra a mulher tem raízes em algo muito peculiar à
cultura, que é o machismo, a dominação do masculino, o patriarcado.
É uma dimensão que foi constituída, acreditando-se na existência de
uma prevalência natural do masculino sobre o feminino.
Traduz-se por qualquer ato ou comportamento, derivado da relação de
gênero, que resulte em morte, prejuízo ou sofrimento físico, psicológico ou
sexual feito à mulher, independentemente da sua ocorrência, se em local
público ou privado.
Essa violência caracteriza-se como um fenômeno que acontece em
todo o mundo, é transversal, independe de classe social, raça, ideologia, etnia
etc. É cultural, é uma elaboração social e é muito expressivo para que se
entenda a violência contra a mulher (OSTERNE, 2008: 17/18).
Na realidade brasileira, principalmente no Nordeste, que tem sua
história intensivamente marcada pelo domínio masculino, onde toda a sua
estrutura política, econômica, cultural e social foi desenvolvida sob a
representação do patriarcado, a subordinação das mulheres aos homens se
encontra quase naturalizada.
Segundo o pensamento de Osterne (2008: 134),
Patriarcado, nessa linha de raciocínio, é compreendido como um
sistema masculino de opressão das mulheres, caracterizado por uma
economia domesticamente organizada que o sustenta, na qual as
mulheres são objeto de satisfação sexual dos homens, reprodutoras de
herdeiros, reprodutoras de trabalho e de novas reprodutoras.
Patriarcado, então, representa o somatório de dominação e
exploração, que Saffioti (2002: 6) entende, como opressão e que, não
obstante o avanço feminino não teve sua base material destruída.
21
Afinal de contas as mulheres continuam sendo, sistematicamente,
dominadas, exploradas e oprimidas.
O patriarcado é visto como uma espécie da relação de gênero, que é
um termo mais amplo, mais geral.
Para Barbieri (1992: 14),
Houve um período da história que foi patriarcal, mas nem sempre nem
em todas as sociedades o patriarcado se expressou e se exerceu da
mesma maneira. Outra coisa é o machismo, forma de organização
social e de exercício de poder de dominação masculina, mas onde as
mulheres existem como sujeitos com alguns direitos e na qual têm
alguns espaços de autonomia, mas também muita vulnerabilidade. Um
bom objeto de estudo na América Latina, uma vez que sabemos que
nem sempre se exerce da mesma maneira.
Pela ideologia do machismo, o homem é motivado a dominar a mulher
e esta é para se subjugar, decorrendo daí a violência contra as mulheres.
Saffioti acentua (1987: 70), Dada sua formação de macho, o homem julga-se
no direito de espancar sua mulher. Esta, educada que foi para submeter-se aos
desejos masculinos, toma este ‘destino’ como natural.”
Osterne (2001, p.147), citando Bourdieu, em artigo escrito em 1990,
assinala:
(...) a dominação masculina es suficientemente assegurada para
precisar de justificação (...). Essa visão dominante da divisão sexual
manifesta-se nos discursos, mas também nas práticas e nos objetos
técnicos. Se está ‘na ordem das coisaspara fazer referência ao que é
normal e natural a ponto de ser inevitável é porque igualmente está
presente em estado objetivado, no mundo social e em estado
incorporado no habitus
1
, funcionando como um princípio universal de
visão e divisão, como um sistema de categorias de percepção, de
pensamento e de ação.”
Toda a sociedade aceita essa subordinação, advinda das
desigualdades entre os gêneros, como algo natural e inevitável, fato justificador
da opressão e discriminação para com as mulheres.
1
Osterne (2008, pp. 159/160), acerca do termo habitus diz: “Trata-se na verdade de antigo conceito
aristotélico-tomista que Bourdieu usou e reelaborou completamente, como forma de escapar da
alternativa do estruturalismo sem sujeito e da filosofia do sujeito. Foi antes uma reação às
orientações mecanicistas de compreensão da realidade. (...) A noção de habitus foi exatamente
acionada pelo autor para mostrar que as condutas podem ser orientadas em relação a determinados
fins, sem, entretanto, serem conscientemente dirigidas a esse ou por esses fins.”
22
A cultura machista ou androcêntrica, no contexto da qual o homem é
posto no centro, entende que, ser mulher não é apenas ser diferente do
homem, no sentido de que ser mulher pressupõe ser subordinada, oprimida,
inferiorizada e sem valor.
Como adiantamos páginas atrás, a força tem importância muito
grande para a cultura machista, pois a maior parte dos homens tem mais vigor
físico do que as mulheres. Então, se conferem aos homens um poder e uma
prevalência sem razão. Não se trata aqui de igualdade dos sexos, mas de
gênero. É correto que os dois pertencem a sexos diferentes, mas no
aspecto biológico é que são diversos e essa variedade não justifica uma
hierarquia com prevalência do homem sobre a mulher.
O Machismo é um assunto que reclama discussão por muito tempo
e, hoje, a terminologia o divisa com a expressão “dominação masculina.”
Em trabalho denominado “Participando do Debate sobre Mulher e
Violência”, Chauí (apud FRANCHETO; CAVALCANTE; HEILBOM, 1985, p. 36),
Concebe violência contra as mulheres como resultado de uma
ideologia de dominação masculina que é produzida e reproduzida tanto
por homens como por mulheres. A autora define violência como uma
ação que transforma diferenças em desigualdades hierárquicas com o
fim de dominar, explorar e oprimir. A ação violenta trata o ser
dominado como ‘objetoe não como ‘sujeito’, o qual é silenciado e se
torna dependente e passivo. Nesse sentido, o ser dominado perde sua
autonomia, ou seja, sua liberdade, entendida como “capacidade de
autodeterminação para pensar, querer, sentir e agir.
A dominação masculina atinge também as mulheres, e o fato de se
encontrar consolidada na cultura, nos costumes e no imaginário coletivo, faz
com que elas enfrentem o conflito entre emanciparem-se ou permanecerem
submissas.
Para Chauí (In OSTERNE e GEHLEN, 2005:161),
A mulher pode ser vítima de violência quando seus direitos morais
forem desrespeitados e serão autoras de violência não quando não
23
respeitarem os direitos de outrem, mas, também, quando não
respeitarem seus próprios deveres morais.
Não obstante a luta das mulheres e das vitórias dos movimentos
feministas, nos dias de hoje, ainda se verifica todo tipo de violência contra a
mulher, como assédio, discriminação às lésbicas, preconceitos, descaso em
relação à saúde, exploração sexual e várias outras formas.
Com o intuito de aprofundar-se o estudo da violência contra a mulher,
passar-se-á agora ao estudo da violência de gênero, compreendendo-se que
esta expressão abriga no seu âmago a violência contra a mulher.
2.2 Violência de gênero
Antes de adentrar o estudo da violência de gênero, cabe fazer um
prévio exame do que é a categoria gênero para melhor compreensão.
O termo gênero foi tomado de empréstimo à gramática pelas Ciências
Sociais. Tem simbologia preponderante nos estudos sobre a violência contra a
mulher. Seu conceito desenvolveu-se a partir da década de 1970 para designar
diferença sexual.
No decorrer dos anos de 1980, feministas dos EEUU passaram a
utilizar a palavra gênero para evidenciar o caráter essencialmente social das
diferenças no sexo. Com o passar do tempo, a utilização do vocábulo tomou
nova acepção, passando a significar as características sociais e culturais
atribuídas ao homem e à mulher.
Trata-se do significado do gênero como uma espécie de categoria
analítica. Com o seu surgimento, ocorreu grande mudança na análise dos
estudos sobre a situação da mulher, orientando no sentido de que, sempre que
se fale em homem, se relacione a mulher e todas as vezes que se refira à
mulher, se vincule a homem, um determinando o estudo do outro, como se
relacionou em passagem transata.
24
Na perspectiva de Osterne (2008: 131),
Foi, portanto para rejeitar o determinismo biológico implícito no uso das
dicções sexo ou diferença sexual, e para enfatizar o aspecto relacional
das definições normativas da feminidade, ou seja, para destacar o
caráter, fundamentalmente, social das diferenças fundadas sobre o
sexo que apareceu a palavra gênero.
A palavra gênero desaprova a compreensão de homem / mulher
como seres desiguais entre si e que, em decorrência disso, devam se
relacionar hierarquicamente.
Vai mais além, reconhecendo essas diferenças como oportunidade
para efetivar o direito de igualdade, levando em conta a noção de que, para se
obedecer ao Princípio da Igualdade previsto no art. 5º, I da Constituição
Federal de 1988, deve-se tratar desigualmente os desiguais na medida das
suas desigualdades.
Sob o ponto de vista biológico, se nasce com um sexo
geneticamente definido, mas, como o gênero constitui bagagem sociocultural,
política e histórica, papéis sociais diferentes para homens e para mulheres são
cometidos pela sociedade.
A ser homem ou ser mulher se aprende desde cedo e isso fica
introduzido profundamente na personalidade de cada qual.
Desde tenra infância, as crianças são educadas diferentemente,
conforme modelos sociais bem delimitados: nas brincadeiras, como carros e
jogo de bolas para meninos, bonecas e casinhas para meninas; maneiras de
vestir, cor-de-rosa para meninas, azul para meninos; de falar e de se
comportar; tudo, enfim, é ensinado conforme os papéis que a sociedade
determinou para cada um.
Não se pode deixar de reconhecer que homem e mulher são
desiguais, biológica, anatômica e culturalmente, mas não é por causa dessas
diferenças que deva existir prevalência de um sobre o outro e o termo gênero
25
não aceita que essas diferenças pressuponham discriminação, tutela,
subordinação ou preconceito, entre homens e mulheres, e se sobressai como
categoria analítica para que se possa elaborar de maneira mais eficiente a
percepção sobre os relacionamentos entre eles e elas.
Ao longo dos tempos, a desigualdade entre os gêneros, com
subordinação do feminino ao masculino, sempre foi encarada naturalmente e,
nos dias de hoje, as relações sociais, o sistema econômico, político e cultural,
as instituições, a família, a igreja, o mercado de trabalho, os media, o sistema
de justiça e de segurança pública - a sociedade como um todo - ainda
acreditam nessa subordinação como legitimadora da discriminação e
humilhação para com as mulheres.
Quando as mulheres conseguem atingir postos elevados ou participar
de atividades típicas de homens, rompendo com padrões de normalidade pré-
estabelecidos, ensejam insatisfações em razão dessas ocorrências consistirem
em ameaça ao poder masculino, caracterizando-se como violência de gênero.
A fim de que se consiga enfrentar a questão de gênero, precisa-se
aceitar a idéia de que a igualdade almejada em todos os seus sentidos é
possível se as diferenças forem tratadas com objetividade.
Consoante Osterne (2008, p. 60),
(...) mesmo que relações violentas entre dois homens ou entre duas
mulheres possam, perfeitamente, figurar sobre a rubrica de violência
de gênero, de ordinário, gênero concerne às relações homem-mulher.
Assim expresso, fica patenteada a idéia de que a violência de gênero
poderá ser perpetrada por um homem contra outro, por uma mulher
contra outra e também por uma mulher contra um homem. O vetor
mais corriqueiro e amplamente difundido no contexto da violência de
gênero, entretanto, aponta no sentido homem contra mulher, fazendo
aparecer a idéia de falocracia como “caldo de cultura.
Em virtude de se haver convencionado entender que a violência de
gênero aponta para a violência de homem contra a mulher, este trabalho deter-
26
se-á no estudo da violência de gênero como expressão correspondente à
violência contra a mulher.
2.2.1 Discriminações
A histórica discriminação contra a mulher teve como consequência a
discriminação de gênero, entendida como a relação de dominação / submissão
entre homem e mulher.
Depreciações contra as mulheres são encontradas por toda parte. Nas
letras de músicas de forró o chamadas de estúpidas, perigosas, traiçoeiras;
nos boleros, elas são ingratas; nos tangos, são tachadas de prostitutas etc.
(GALEANO apud HERMANN, 2007, p. 27).
Em vários países, visando a controlar a sexualidade da mulher e
assegurar a legitimidade da prole, pratica-se a mutilação do clitóris, que é o
órgão propiciador do prazer sexual e, no fim do século XX, segundo a
Organização Mundial de Saúde, havia no mundo cento e vinte milhões de
mulheres com o clitóris extirpado. Observam-se também o corte dos lábios
internos da vulva e a costura dos lábios maiores, mantendo-se somente a
passagem para a menstruação, prática que causa um sofrimento intenso e é
responsável pela morte de um grande número de mulheres, algumas bastante
jovens, pois geralmente é feito nas aldeias sem as condições de higiene
adequadas.
A ciência já discriminou a mulher. Gustave Le bom, um dos fundadores
da Psicologia Social, dizia que uma mulher inteligente é algo o raro quanto
um gorila de duas cabeças.” (Id. 2007 p. 27).
Consta em literatura que Charles Darwin, por sua teoria científica,
pregava a noção de que as mulheres pertenciam a uma raça inferior, por causa
de sua capacidade reprodutora, ao mesmo tempo em que atribuía a elas
algumas qualidades, como a intuição.
27
A cultura machista procura empanar a imagem da mulher, atacando a
sua moral sexual, exacerbando as desigualdades.
Das mulheres sempre foi exigido um comportamento sexual recatado,
e, em razão disso, desejo, gozo, prazer nem qualquer sentimento erótico eram
permitidos para elas, alegando-se que se tratavam de sentimentos
condenáveis e próprios de mulheres de vida, que não eram aceitas pela
sociedade. Sexo para as mulheres com o fim de procriação, ou, pior ainda,
para servirem de fonte de prazer para seus homens.
A linguagem é uma das maneiras mais usuais de censura da
sexualidade das mulheres. A sociedade tacha de prostituta qualquer mulher
que tenha vida sexual não monogâmica. Com o intuito de depreciá-la são
usados numerosos designativos como galinha, safada, piranha e,
principalmente, a palavra puta. Esse vocábulo tem intenso valor simbólico para
acentuar o preconceito baseado na sexualidade.
O fato de se comparar a mulher com atividade sexual ativa a uma
prostituta não deve ser interpretado como preconceito para com as
profissionais do sexo. O combate à prostituição não impõe discriminações e
exclusões das prostitutas, que, segundo Hermann (2007, pp.30/31), são
possuidoras de direitos e merecedoras da proteção do Estado, como mulheres
e cidadãs.
“Certo jogo de palavras difundido na Internet a título de anedota revela
e confirma a centralização obsessiva da sociedade na moral sexual feminina e
a força da linguística da discriminação (IDEM, pp. 28/30):
Homem de vida fácil - o que não precisa trabalhar para
sobreviver; mulher de vida fácil - a que vive da prostituição (=
puta).
Homem vadio - aquele que não gosta da labuta; mulher vadia
- a que deita com vários parceiros (= puta).
28
Homem público - o que desempenha funções políticas;
mulher pública - a que deita com vários parceiros (= puta).
Homem vulgar - o que não tem refinamento; mulher vulgar - a
que se comporta de forma sexualmente agressiva e
irreverente, atirada (= puta).
Homem ‘puto’ - bravo, zangado, furioso; mulher puta - puta...
puta!
Mesmo quando a adjetivação pretende ser positiva, a diferenciação
é sexista:
Homem bom - o que age com bondade e generosidade;
mulher boa - de corpo bonito, que desperta apetite sexual (=
gostosa).
Homem sério - sujeito responsável, cumpridor de seus
deveres, bom pagador; mulher séria - a de leito único.
Homem de respeito - considerado, aceito, bem-sucedido;
mulher de respeito: a que não admite cantadas ou investidas.
Homem honesto - bom pagador, justo, correto; mulher
honesta - a que é virgem, sexualmente monogâmica (se
casada ou comprometida) ou sexualmente não ativa (se
não virgem – solteira, descomprometida).”
Hoje em dia, no mundo do trabalho, acontece algo muito específico. As
ofertas de trabalho tendem a ser em maior número extensível às mulheres,
mas é sempre um trabalho precário, pois os de melhor qualificação se
destinam aos homens. Também na política e nas instituições, percebe-se um
número relevante de homens ocupando cargos de chefia, gestão e direção,
não havendo equidade para com as mulheres.
Segundo relatório da Anistia Internacional, de 05.03.2004, as mulheres
cumprem carga horária 13% superior à cumprida pelos homens e recebem, em
média, 25% menos (CAMPOS E CORRÊA, 2008).
29
2.3 Violência doméstica e familiar contra a mulher
Segundo consta na literatura, o capitalismo acentuou a divisão do
sistema social em esferas pública e privada, no âmbito do qual foi reservada à
mulher a esfera privada, o ambiente doméstico, enquanto ao homem foi
destinado o espaço público.
Essa divisão implicou atitudes e comportamentos por intermédio de
modelos constituídos socialmente, preconizando a existência de uma
superioridade do homem em relação à mulher.
A violência doméstica e familiar contra a mulher exterioriza o problema
da dominação da mulher pelo homem, que se comporta com um viés de
superioridade, de dominação, não importando a forma como essa violência é
praticada.
O art. 5º da Lei n 11.346/96, conhecida como Lei Maria da Penha,
determina que:
Para os efeitos desta Lei, configura-se violência doméstica e familiar
contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe
cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano
moral ou patrimonial.
I no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de
convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar,
inclusive as esporadicamente agregadas;
II no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada
por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por
laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva
ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo Único. As relações pessoais enunciadas neste artigo
independem de orientação sexual.
Violência doméstica é a que ocorre dentro do lar nos relacionamentos
entre as pessoas da família, não importando como essa família esteja
constituída. Acontece nos contatos cotidianos entre pais, mães e filhos, entre
30
os componentes do domicílio, incluindo-se os parentes, agregados e pessoas
sem parentesco nem consanguinidade, que façam parte da família.
Os agressores podem estar entre os pais, o pai, a mãe, os filhos, o
padrasto, a madrasta, o marido, a mulher, o avô, a avó, os tios e todas as
pessoas que habitam o lar.
Violência doméstica não é categoricamente um sinônimo de violência
contra a mulher. A noção é muito mais ampla, pois também não é sinônimo de
violência conjugal, podendo ser praticada contra as mulheres por qualquer um
dos elementos do seu convívio.
Costumeiramente, é representada por uma organização social de
gênero que privilegia o masculino.
Sua característica mais relevante é a rotinização, pois acontece
cotidianamente, estendendo-se do homem para a mulher. E, por levarem uma
vida mais reclusa, por lhes ser destinado o espaço privado, as mulheres ficam
mais expostas à violência doméstica.
A violência familiar tem uma característica diferente. Às vezes se
associa à violência conjugal, fato que não deixa de ser, quando acontece no
interior do domicílio, perpetrada pelo companheiro.
É aquele tipo de violência que envolve membros de uma mesma
família, extensa ou nuclear, com base na consanguinidade e ocorre com maior
frequência no interior do domicílio, podendo, entretanto, acontecer fora dele,
desde que sempre no contexto das relações familiares (SAFFIOTI, apud
OSTERNE, 2008, p. 65).
O conceito de família aqui é muito abrangente, tendo-se em vista que
o inciso II deste art. da Lei se refere a indivíduos, em vez de homem e
mulher, albergando o casamento, a união estável, as uniões homoafetivas,
31
famílias monoparentais, anaparentais (formadas entre irmãos) e as paralelas,
merecedoras que são da proteção especial do Estado.
Pode-se observar que é muito natural no dia-a-dia, na casa, na família,
nas relações sociais (vê-se muito isso), destinar-se aos homens o cérebro, a
inteligência, a razão lúcida, a capacidade de decisão, o espaço público e o
poder. Para as mulheres, ficam o coração, a sensibilidade, o sentimento, a
dependência, o espaço privado e a subordinação. O espaço privado é da
mulher, o público é do homem, que sai de casa para prover as mulheres que
estão em casa cuidando da socialização da prole. Isso mudou muito, graças a
Deus, mas ainda é muito forte a ideia dessa separação de que existem papéis
para homens e para mulheres, com prevalência sempre de privilégios para o
masculino (OSTERNE, 2008).
Passar-se-á agora ao estudo das várias formas de manifestação dessa
violência.
2.3.1 As várias formas de manifestação da violência contra a mulher
As diversas formas de violência contra a mulher estão elencadas na
Lei Maria da Penha:
Art. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher,
entre outras.
I- a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua
integridade ou saúde corporal;
II a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe
cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe
prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar
ou controlar suas ações, comportamentos crenças e decisões,
mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto,
chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir
ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação.
III a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a
constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não
desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que
32
a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua
sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou
que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,
mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite
ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV a violência patrimonial assim entendida como qualquer conduta
que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus
objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores
e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer
suas necessidades;
V A violência moral, entendida como qualquer conduta que configure
calúnia, difamação ou injúria.
A expressão “entre outras”, contida no caput, reforça o fato de que
pode haver outros tipos de violência doméstica contra a mulher, não
inventariadas nessa relação.
Violência física é aquela que causa dano físico a outra pessoa,
ofendendo sua integridade ou saúde, podendo ser desde a imposição de uma
leve dor até culminar em um assassinato. A lesão pode ser dolosa ou culposa,
que a Lei não faz nenhuma referência à intenção do agressor. Dessa
violência, podem resultar marcas, arranhões, cortes, hematomas, fraturas,
perda de membros ou órgãos e morte.
A violência psicológica ou emocional é explicada como qualquer ato
que inflija à mulher dano emocional, diminuição de autoestima ou qualquer
outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica, ao seu direito de ir e vir,
a sua autodeterminação e ao seu desenvolvimento integral. Essa violência
almeja degradar ou controlar as ações, decisões, crenças e comportamentos
por meio de constrangimento, perseguição contumaz, insulto, ameaça,
humilhações, chantagem, manipulação, vigilância constante, exploração,
isolamento, ridiculização e limitação do direito de ir e vir. Acontece muito
frequentemente e prejudica a saúde psicológica e a autodeterminação da
pessoa agredida.
A forma sexual, entendida como conduta que possa forçar a mulher a
presenciar, manter ou participar de relação sexual não desejada, mediante
intimidação, ameaça, coação, uso da força em qualquer de suas formas, ou
33
que de modo indireto a leve a comercializar o seu corpo, impedindo-a de
utilizar-se de métodos contraceptivos ou que ofenda ao matrimônio, à gravidez
ou até mesmo limitando ou anulando os exercícios de seus direitos sexuais e
reprodutivos, utilizando-se de suborno, coação, chantagem ou manipulação.
A de ordem patrimonial caracteriza-se por subtrair a liberdade da
mulher na posse de seus bens. Entende-se como patrimônio não só os bens de
grande valor, de relevância econômica e financeira; aqui estão incluídos os
bens com valor pessoal, íntimo, tais como os de uso pessoal, os que têm valor
afetivo, os instrumentos profissionais, os documentos pessoais e os
rendimentos necessários para satisfação de suas necessidades. Esse tipo de
violência é um meio de manipulação para controlar a liberdade da mulher.
A violência de teor moral atinge de modo direto ou indireto a honra,
dignidade e a moral da mulher. Manifesta-se em ofensas, acusações sem
fundamento, calúnias, humilhações, tratamentos discriminatórios, julgamentos
levianos, trapaças, tratamentos discriminatórios e restrições à liberdade.
Acarreta quase sempre violência psicológica, sendo comum o agressor dizer
que a mulher saía com vários homens, com o intuito de infamar a imagem da
agredida e com isso justificar sua agressão.
E aquela de conteúdo simbólico, presente no cotidiano de todas as
pessoas que convivem em sociedade, comporta uma dimensão simbólica
responsável por medida de repressão e também pela tolerância, concordância
com a impunidade que se observa em relação à criminalidade.
Expressa uma discriminação em razão do sexo, pelo fato de a mulher
ser diferente do homem, e isso se reproduz do modo mais natural possível,
principalmente através dos meios de comunicação. E, por ser muito tênue,
quase não é percebida.
É aquela violência expressa em um ato codificado, sob a influência de
preconceitos, valores, visão sobre o mundo daqueles que convivem em
sociedade.
34
Pode-se manifestar pela nudez explícita, programas de rádio e
televisão, programas de humor, que tratam a mulher de modo pejorativo,
ridiculizações emitidas em piadas, letras de sicas, frases em pára-choques
de caminhões, provérbios e dizeres populares que inferiorizam a mulher e que
são repetidos por todos de uma maneira bem natural.
Para Osterne (2008, p.63),
(...) o certo é que o tema violência contra a mulher comporta sutilezas,
ambigüidades e, sobretudo, imbricações, entendendo imbricação como
a disposição que certos objetos apresentam para se sobreporem
parcialmente uns sobre os outros. É preciso compreender que as
modalidades de violência até aqui descritas não ocorrem em sua forma
pura, ou seja, isoladamente. Podem acontecer de maneira parcial ou
totalmente entrelaçadas. A violência psicológica, por exemplo, poderá
perpassar todas as demais. É possível que o mesmo possa ocorrer no
tocante as demais.
Por tudo o que foi explanado até aqui, se depreende que a violência
contra a mulher é indicadora da discriminação de gênero, merecedora de um
tratamento por intermédio de políticas públicas de natureza abrangente,
visando à igualdade entre homens e mulheres.
A seguir, examinar-se-á como foi a reação da sociedade a toda essa
violência de gênero, com procedência nos movimentos feministas.
35
3 OS MOVIMENTOS SOCIAIS
A participação de mulheres em movimentos feministas e motos de
mulheres reforçou uma tomada de consciência acerca das condições a que
estavam sendo submetidas e da desigualdade entre homens e mulheres desde
os primórdios da humanidade.
Diferenciam-se os motos de mulheres dos movimentos feministas.
Os movimentos de mulheres eram de pessoas do povo, referiam-se a questões
socioeconômicas; enquanto os feministas sediavam-se dentro da classe média,
referiam-se a problemas socioculturais pertencentes ao feminismo, abordando
sexualidade, violência e aborto, entre outros. O caminho percorrido pelos
movimentos feministas, porém, confunde-se com o do movimento de mulheres,
pois ambos são sociais e reivindicatórios (LOBO, apud OSTERNE, 2008.
p.116).
Apesar de várias religiões e filosofias terem defendido ao longo de
toda a história da humanidade dignidade e direitos das mulheres, foi desde a
Revolução Francesa que algumas mulheres se encorajaram a denunciar a
maneira como viviam submetidas em todas as etapas de suas vidas e
reivindicar espaços para suas manifestações.
O feminismo como movimento organizado com cunho reivindicatório
teve início nos Estados Unidos e na Europa, no fim do século XVIII e começo
do século XIX, em decorrência da Revolução Francesa e da Revolução
Industrial.
Sendo adverso às ideologias do patriarcado, o feminismo, ao analisar
a discriminação contra as mulheres, apresentou, por meio de teorias e práticas,
mudanças a serem feitas na sociedade para que homens e mulheres tivessem
iguais condições de vida com dignidade.
36
Paulatinamente, o movimento feminista foi se expandindo para
outros países e as lutas objetivavam desconstruir o mito da superioridade
masculina e práticas discriminatórias que, por serem cometidas com
habitualidade, não eram vistas como violentas e atentatórias à igualdade de
gênero.
As feministas do século XIX
... construíram uma história que não poderia ter se afastado das
grandes metas de evolução de seu tempo; uma história teleológica,
que progride cumulativamente em direção a um objetivo ainda o
atingido; uma história na qual as mulheres, inevitavelmente,
encontraram dentro de si próprias os meios para lutar contra sua
exclusão das políticas democráticas; uma história na qual as feministas
transformaram, por força de sua imaginação, as ações caóticas e
disparatadas das mulheres do passado em uma tradição organizada e
contínua. Gerações diversas tiraram dessa história outras lições
morais, relacionadas com seus próprios debates teóricos (SCOTT,
2002, p. 23).
3.1 – Movimentos sociais - feministas e de mulheres no Brasil
No Brasil esse movimento teve início no século XIX e, assim como
na Europa e nos Estados Unidos, lutava pela efetivação da cidadania por meio
da conquista dos direitos políticos, com a participação das mulheres na
qualidade de candidatas e também como eleitoras.
No século XX, notadamente nas primeiras décadas, (PINTO, apud
OSTERNE, 2008, pp. 111/112), foram identificadas três vertentes do
movimento feminista brasileiro.
A primeira delas teve repercussão nacional e pretendia a inclusão
das mulheres como cidadãs, sem referência às questões de gênero, não
propondo modificações nas relações assimétricas de poder entre o homem e a
mulher. Merece destaque o trabalho da líder Bertha Lutz.
37
Bertha Maria Julia Lutz nasceu em São Paulo em 1894, filha de
uma enfermeira inglesa e de um cientista. Faleceu no Rio de Janeiro em 1976.
Estudou em Paris, graduando-se em Biologia, onde conviveu com as
sufragistas francesas. Depois se graduou em Direito e foi considerada uma das
figuras pioneiras do feminismo no Brasil.
A segunda vertente ficou conhecida como feminismo difuso, em
razão das variadas manifestações das feministas na imprensa alternativa. A
característica principal dessa etapa foi a participação de mulheres cultas, que
lutavam principalmente contra a dominação masculina e pelo direito à
educação, pois, no Brasil, não havia preocupações com instrução da mulher e
poucas tinham acesso à educação.
Na terceira vertente, contou-se com a participação de trabalhadoras
e militantes do movimento anarquista e do Partido Comunista, destacando-se
Maria Lacerda de Moura. A luta foi em prol da liberação da mulher como um
todo, principalmente no tocante à exploração do trabalho feminino.
A inclusão das mulheres como cidadãs sucedeu com o
reconhecimento do voto feminino, por meio de uma lei eleitoral do Estado do
Rio Grande do Norte, durante o governo de Juvenal Lamartine. As primeiras
mulheres a se alistarem foram Júlia Alves Barbosa e Celina Guimarães Viana
(OSTERNE, 2008, p.113).
Celina Guimarães Viana foi a primeira mulher a se tornar eleitora no
Brasil. Ela e Júlia Alves Barbosa fizeram a solicitação no mesmo dia, que o
pedido de Celina foi atendido no mesmo dia e o de Júlia somente dois dias
depois. Em 1932, com o advento do novo Código Eleitoral Brasileiro, foi
reconhecido definitivamente ás mulheres brasileiras o direito ao voto, e, no ano
seguinte, a paulistana Carlota Pereira de Queirós foi eleita a primeira deputada.
No limiar do século XX, teve forte expressão o jornalismo feminino,
pois a forma predominante de comunicação de massa da época era a escrita.
Merece destaque a atuação de Francisca Senhorinha da Motta Diniz, uma
38
professora de Minas Gerais, que, segundo consta, foi a primeira mulher a
fundar um jornal no Brasil, intitulado O Sexo Feminino, onde alertava sobre a
importância da educação feminina para a solução dos problemas brasileiros;
esse foi o primeiro periódico a defender o voto feminino. Posteriormente, com a
Proclamação da República, passou a denominar-se “15 de Novembro do Sexo
Feminino.”
Para OSTERNE, 2008, pp.114/115,
Revendo o feminismo brasileiro das primeiras décadas da República,
nota-se que ele se manifestou de forma diferenciada, expressando,
também, graus diferenciados de radicalidade e conteúdos ideológicos.
Sua centralidade, sem dúvida, foi a luta pelos direitos políticos, postos
em prática no exercício do voto e da condição de ser votada.
O golpe de 1937 afetou o desenvolvimento do movimento feminista
no Brasil. De 1946 até o golpe militar de 1964, as lutas da sociedade visavam
mais efetivamente aos ideais socialistas e quimeras comunistas. No ano de
1949, foi criado o Conselho Nacional de Mulheres, com o escopo de pugnar em
favor das mulheres.
O movimento feminista que lutava por melhores condições da mulher
na sociedade, na dimensão política e no aspecto da subordinação feminina,
ficou como que paralisado. Nessa época, as mulheres iniciaram lutas políticas
mais amplas, conquistando um interessante papel no espaço público,
precisamente da década de 1950, em movimentos contra a alta do custo de
vida, pela paz, pelo monopólio estatal do petróleo. A seguir, empenharam-se
em lutas relacionadas a melhores condições de saúde, criações de creches e
melhorias nos transportes, entre outras.
Verificou-se nos anos de 1970 um movimento feminista com
características bem brasileiras, assumindo feições diferenciadas da luta pelo
sufrágio de Bertha Lutz, almejando leis mais igualitárias, sem discriminações,
com o escopo de conquistar uma cidadania formal para as mulheres.
39
No decorrer do ano de 1972, Pinto, (apud OSTERNE, 2008, p. 117)
relata dois acontecimentos complementares: o congresso fomentado pelo
Conselho Nacional da Mulher, que foi de grande importância pelos debates
sobre assuntos relacionados às mulheres, como, por exemplo, planejamento
familiar, tendo-se destacado pela repercussão e diversidade dos presentes; e
as reuniões de mulheres em São Paulo e no Rio de Janeiro, que originaram
uma nova concepção do feminismo no Brasil.
O ano de 1975 inaugurou definitivamente o feminismo brasileiro, que
deixou de ser específico para grupos fechados. Foi também esse ano
reconhecido pela Organização das Nações Unidas como o Ano Internacional
da Mulher.
Pouco a pouco, assuntos como libertação da mulher, feminismo e
emancipação passaram a ser discutidos abertamente nos fóruns nacionais,
como, por exemplo, na reunião anual Sociedade Brasileira de Progresso da
Ciência SBPC e na Associação Brasileira de Imprensa - ABI, originando o
Centro da Mulher Brasileira, verificando-se o crescimento da presença das
mulheres perante a sociedade civil.
Em 1978, foi produzido um documento intitulado Cartas às Mulheres,
apresentando reivindicações a serem entregues aos candidatos à
eleição daquele ano. As reivindicações gerais diziam respeito a: anistia
ampla, geral e irrestrita; eleições livres e diretas para todos os cargos
eletivos; Assembléia Geral constituinte e fim da carestia. As
reivindicações específicas eram por: creches nas empresas; áreas de
lazer; aumento de escolas e horas letivas; ampliação e melhoria da
merenda escolar. Igualdade salarial e melhores condições de trabalho
(OSTERNE, 2008, p. 119).
Durante os anos de 1980, porém, o movimento feminista começou a
questionar sobre a discriminação, violência e exploração das mulheres, tendo
como consequência o surgimento de organizações para apoiar às mulheres
que sofreram violências. Primeiramente surgiu o SOS Mulher, em São Paulo,
no ano de 1980.
O SOS Mulher, além de atender às mulheres violentadas, era um
local para ponderação sobre as condições de vida dessas mulheres; mas elas,
40
depois do acolhimento recebido no momento da crise, voltavam para os seus
violentadores e nada modificavam em suas vidas. Assim, diferentemente das
militantes que sofriam opressão, as mulheres atendidas pelo SOS Mulher o
pretendiam lutar, apenas não mais ser violentadas (OSTERNE, 2008, pp.
119/120).
Isso tudo caracterizou um feminismo no âmbito do qual se prestavam
serviços, e propiciou, notadamente nos anos de 1998 e 1990, o surgimento das
organizações não governamentais – ONGs.
Em 1985, foi criado o Conselho Nacional do Direito da Mulher
CNDM, ligado ao Ministério da Justiça, que teve vital importância nas
atividades da Assembléia Nacional Constituinte.
A primeira Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher
DEAM surgiu em 1985, dando novos direcionamentos ao problema da violência
contra a mulher. Segundo dados da DEAM, existem 386 delegacias no Brasil.
Como o País tem 5.562 municípios, existe somente uma delegacia para cada
14 municípios (OSTERNE, 2008, p. 121).
A Constituição Federal de 1988, conhecida como a Constituição-
Cidadã, inventaria conquistas fruto da luta das mulheres, de seus discursos e
mobilizações, como, por exemplo: homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações (art.5º, I); proibição de diferença de salários, de exercício de
funções e de critério de admissão em razão do sexo, idade, cor ou estado civil
(art. 7º, XXX); o atendimento à saúde (art. 196); a educação como direito de
todos e dever do Estado e da família, que será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art.
205, caput); o entendimento de entidade familiar à comunidade formada por
qualquer dos pais e seus dependentes (art. 226, §4º); os direitos e deveres
relativos à sociedade conjugal, que podem ser exercidos igualmente pelo
homem e pela mulher (art.226, § 5º), entre outras.
41
Nos dias de hoje, fala-se no pós-feminismo, pois existem ainda
muitas questões a serem resolvidas, muito mais direitos a serem conquistados,
pois, em decorrência das modificações ocorridas entre os sexos, verifica-se
que, enquanto ocorre a inclusão da mulher, permanece a precarização nas
suas condições de vida e de trabalho.
O feminismo, conforme Stuart Hall (apud OSTERNE, 2008, p. 123)
levantou questões sobre a clássica distinção entre o dentro e o fora, o
privado e o público; Seu slogan é o pessoal é político;
colocou no espaço da contestação política dimensões inteiramente novas
da vida social, como a família, a sexualidade, o trabalho doméstico, a
divisão doméstico do trabalho, o cuidado com as crianças etc.;
contribuiu para politizar a subjetividade, a identidade e o processo de
identificação (na relação homens/mulheres, mães/pais, filhos/filhas);
nasceu como movimento de contestação contra as formas de
subordinação da mulher e sua exclusão do exercício da cidadania e
expandiu-se para incluir a formação das identidades sexuais e de gênero;
e
enfim, questionou a noção de que homens e mulheres compunham uma
mesma identidade, no caso, a humanidade substituindo-a pela questão da
diferença sexual .
Depreende-se, por tudo o que foi aqui exposto, que a sociedade
está mais consciente dos valores e das possibilidades das mulheres. O
feminismo, entretanto, não acabou. A bandeira foi hasteada, a luta vai
continuar, porque os problemas se tornaram mais evidentes, o mundo precisa
ser mais humano e a participação das mulheres é imprescindível para que haja
mais solidariedade e ampliação da cidadania.
Prosseguindo-se na busca do entendimento da realidade social,
examinar-se-ão no próximo capítulo as conferências internacionais e tratados,
como instrumentos que compõem a trajetória dos direitos conquistados pelas
mulheres, até o advento da Lei Maria da Penha.
42
4. PANORAMA INTERNACIONAL DAS CONQUISTAS DOS DIREITOS
DAS MULHERES
O que acontece hoje o é o que sucedeu ontem. O avanço da
sociedade e das relações humanas é diferente.
Um texto legal revela todo um processo histórico, pois o Direito vai
expressar um termo de positividade, o resultado da leitura social, do processo
histórico da sociedade.
Primeiro surgem os movimentos sociais, depois, observando a
reação da sociedade, o Direito expressa no papel o fruto do entendimento
dessa realidade.
A violência contra as mulheres entendida hoje é diferente de ontem,
apesar de ser o mesmo fato.
As relações sociais são mais dinâmicas, a realidade, o entendimento
social, é diferente da legislação, pois esta vem atrás dos acontecimentos. Uma
coisa é a realidade, outra é o entendimento social dessa realidade.
As conferências internacionais, convenções e tratados são mais
avançados do que a legislação específica de cada país. A Organização das
Nações Unidas ONU, no ano de 2000, após pesquisa sobre os Objetivos do
Desenvolvimento do Milênio, dentre os maiores problemas mundiais,
especificou oito maneiras de melhorar o mundo e entre elas destaca-se “A
igualdade entre sexos e valorização da mulher.”
Um texto positivado é o resultado de um processo anterior. Todas
essas políticas são processos que antecedem uma lei: conferências com
efetividade em lei; convenções; tratados a que o Brasil vai se filiando e que vão
resultar em questões internas reconhecidas pela Constituição Federal, que é
Lei Maior, diretriz de todo o ordenamento jurídico pátrio.
43
Em razão de tudo isso, se verificará a seguir como foi se constituindo
o direito das mulheres no plano internacional que culminou na elaboração da
Lei Maria da Penha.
4.1 As Conferências
As conferências com efetividade em lei são resultado de um
processo de entendimento, de conceitos efetivados historicamente.
A violência contra a mulher foi reconhecida formalmente como
violação aos direitos humanos em 1993 na Conferência das Nações Unidas
sobre Direitos Humanos, em Viena.
Nos anos de 2003 a 2006, realizou-se uma série de conferências e
sobressaiu no Brasil a Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres de
âmbito nacional, em julho de 2004. Esse evento destacou-se na mobilização de
120 mil mulheres que lutaram por seus direitos e apresentaram sugestões para
o Plano Nacional de Políticas para Mulheres - PNPM, onde são elaboradas
políticas e estratégias que promovem a igualdade entre homens e mulheres.
O Plano Nacional de Políticas para Mulheres é uma política pública
que trata não da questão da violência contra a mulher, pois, com a
abrangência e a transversalidade que o problema exige, tem por áreas
estratégicas onde deve atuar a questão da autonomia, a igualdade no mundo
do trabalho, cidadania, educação inclusiva, saúde das mulheres, direitos
sexuais e reprodutivos, como também o enfrentamento da violência.
Hoje, esse Plano se efetiva por intermédio da Secretaria Especial de
Políticas para Mulheres - SPM, órgão vinculado à Presidência da República,
criado em janeiro de 2003. Funciona com status de Ministério e recebe do atual
Governo grande apoio, reconhecendo o importante papel do Estado, que, por
meio de ações e políticas públicas, visa a erradicar desigualdades sociais,
principalmente entre mulheres e homens.
44
No período de 17 a 20 de agosto de 2007, foi realizada a II
Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, no Centro de Convenções
em Brasília, também coordenada pela Secretaria Especial de Políticas para
Mulheres e (segundo fonte dessa Secretaria) contou com a participação de
2.800 delegados governamentais e da sociedade civil, oriundos das
conferências estaduais, regionais e municipais, cujo objeto foi a avaliação do
Plano Nacional de Políticas para Mulheres - PNPM, assim como a influência
das mulheres nos espaços de poder.
4.2 As Convenções
O Estado Brasileiro ratificou vários instrumentos internacionais em
convenções internacionais, e dois deles subsidiaram a elaboração da Lei Maria
da Penha: a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará.
Tais ratificações, para Sílvia Piovesan (in DIAS, 2007, p. 27),
retratam a consciência ética contemporânea compartilhada pelos Estados, na
medida em que traduzem o consenso internacional acerca de parâmetros
protetivos mínimos relativos aos direitos humanos: o mínimo ético irredutível”.
4.2.1 Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra
a Mulher
A Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência
Contra a Mulher resultou da I Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada no
México em 1975.
Aprovada em 13 de setembro de 2002, foi ratificada pelo Brasil em
31 de março de 1981, dispondo sobre a eliminação de todas as formas de
discriminação contra a mulher.
45
Esta Convenção traz a previsão de ações afirmativas, abrangendo as
áreas do trabalho, educação, saúde, direitos políticos e civis, questões que
envolvam a sexualidade, família e prostituição.
Para Silvia Pimentel (apud DIAS 2007, p. 28) foi o primeiro
instrumento internacional que dispôs amplamente sobre os direitos humanos
da mulher.”
Esta Convenção precisa ser considerada como parâmetro mínimo
para as políticas estatais que visem a favorecer os direitos humanos das
mulheres. Recomenda que nos Estados participantes devem vigorar leis
especiais sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher.
4.2.2 Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher, também conhecida como “Convenção de Belém do
Pará”, foi adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados
Americanos em 6 de junho de 1994 e ratificada pelo Brasil em 27 de novembro
de 1995.
No Brasil, essa Convenção tem força de lei interna, conforme o
disposto no § 2º do artigo 5º da Constituição Federal vigente:
Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a república Federativa seja parte.
A violência contra a mulher é definida por essa Convenção como
"qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano físico,
sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado".
46
A Convenção estipula que a violência contra a mulher limita o
reconhecimento, gozo e exercício de direitos e liberdades, constituindo uma
violação aos direitos humanos e às liberdades fundamentais.
Esta Convenção ratificou e ampliou a Declaração e o Programa de
Ação da Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em 1993, em
Viena, e demonstra o esforço do movimento feminista internacional para dar
transparência à existência da violência contra a mulher e, ao mesmo tempo,
requerer seu repúdio pelos Estados-membros da Organização dos Estados
Americanos - OEA.
Segundo Osterne, (2008, p. 269), “Além do mais o Brasil, até agora,
assinou treze instrumentos, entre declarações, convenções, protocolos e
recomendações internacionais, e, no conjunto destas diretrizes, compromete-
se a garantir, na íntegra, o seu cumprimento.”
O fato de o Brasil haver ratificado todos esses instrumentos
apresentados acima, no entanto, não foi suficiente para que as mulheres
vissem seus direitos respeitados e ficassem protegidas contra a violência.
47
5 A LEI MARIA DA PENHA
5.1 Histórico
Maria da Penha Maia Fernandes foi uma das muitas vítimas da
violência doméstica. Farmacêutica bioquímica, era casada com o economista
e professor universitário M. A. H. V., natural da Colômbia, com quem tinha três
filhas.
Durante o período em que permaneceu casada, Maria da Penha
sofria constantes agressões do marido por causa de seu comportamento muito
difícil e tinha medo da situação se agravar, caso solicitasse a separação.
Sentia vergonha por estar passando por tamanha humilhação e chegou a
pensar que o agressor estava com razão, pois nada acontecia depois que ele
praticava essas violências.
Seu marido tentou matá-la duas vezes no interior da própria
residência do casal, em Fortaleza/CE. A primeira foi em 29 de maio de 1983,
quando, simulando um assalto, alvejou-a com um tiro de espingarda enquanto
dormia na sua própria cama, deixando-a paraplégica. A segunda vez
aconteceu poucos dias depois, quando ele descascou os fios do chuveiro
elétrico do banheiro do casal, tentando eletroplessá-la. Ela recebeu uma
grande descarga elétrica, mas não faleceu. Foi que se certificou de que o
autor dos fatos tinha sido o próprio marido e tomou a decisão de por fim a tudo
isso.
Maria da Penha não esmoreceu: agregou-se a movimentos das
mulheres e chegou aa escrever um livro: Sobrevivi, posso contar. (Fortaleza,
1994).
Esses crimes foram denunciados em setembro de 1984, apesar
das investigações terem se iniciado em junho de 1983. O Tribunal do Júri o
condenou a oito anos de prisão em 1991. Recorreu em liberdade, mas esse
julgamento foi anulado por falha processual. Em 1996, foi novamente julgado
48
pelo Tribunal do Júri, tendo sido apenado por dez anos e seis meses. Ficou
novamente em liberdade durante todo o período recursal.
5.2 O surgimento da Lei
A opinião pública ficou bastante abalada com esse crime e a demora
com a tramitação do processo. A Comissão Interamericana de Direitos
Humanos da Organização dos Estados Americanos recebeu denúncia desse
caso, formalizada por intermédio do Centro pela Justiça e o Direito
Internacional CEJIL, juntamente com o Comitê Latino-Americano e do Caribe
para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM.
Em 2001, o Estado brasileiro foi condenado internacionalmente por
omissão e negligência pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da
OEA, pela demora do processo, por não se haver manifestado por quatro
vezes às indagações da referida Comissão, como também ao pagamento de
uma indenização no valor de vinte mil dólares a Maria da Penha.
Apenas em 2002, deu-se o encerramento do processo criminal e o
réu foi preso somente por dois anos, em virtude da prescrição da pena. Hoje
Maria da Penha permanece presa a uma cadeira de rodas, enquanto seu ex-
marido se encontra em liberdade. Todo esse sofrimento, porém, não a impede
de lutar incansavelmente contra a violência. Vinte e seis anos após ter ficado
paraplégica em virtude de ter sofrido agressão que quase lhe tirou a vida, ela
tem se dedicado à batalha para coibir a violência doméstica e familiar contra a
mulher.
Em decorrência dessa condenação, o Brasil se viu obrigado a
cumprir as convenções e tratados internacionais dos quais é signatário, e,
atendendo à recomendação da OEA, obrigou-se a tornar mais simples os
procedimentos do Processo Penal a fim de acelerar o tempo de duração dos
processos.
49
A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres coordenou a
execução de um projeto elaborado por um grupo de 15 ONGs feministas, que
lidam com a violência doméstica, dando ensejo à Lei Maria da Penha, que
finalmente foi sancionada em 2006.
A Lei 11.340//06 cria mecanismos para coibir a violência doméstica
e familiar contra a mulher, em atendimento ao § do art. 226 da Constituição
Federal:
Art. 226 A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado:
...
§ “8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada
um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no
âmbito de suas relações.
Essa Lei orienta-se também nos termos da Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, da
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher e de tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil
seja parte; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher; traz medidas de caráter protetivo e assistencial às
mulheres que sofreram violência doméstica e familiar; modifica o Código de
Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal, além de
estabelecer outras providências.
É conhecida pelo nome Lei Maria da Penha, porque lhe é concedida
justa homenagem pela motivação legislativa para a sua elaboração. Segundo
Dias (2007, p. 14), quando o Presidente Lula assinou a lei Maria da Penha,
disse: Esta mulher renasceu das cinzas para se transformar em um símbolo
da luta contra a violência doméstica no nosso país.
Para Sílvia Pimentel (in DIAS, 2007, p. 29),
A lei Maria da Penha só chegou agora, cumprindo o Brasil
compromissos assumidos internacionalmente. Mas, apesar da demora
na sua elaboração, o Brasil está de parabéns, pois se trata de um
instrumento legal bastante cuidadoso, detalhado e abrangente, que
representa o esforço de contextualização das duas paradigmáticas
convenções.
50
Na compreensão de Osterne (2008, p. 258),
Sem o concurso de uma cidadania ativa e das instituições do corpo
social, em torno de um projeto que consiga conceber o nível de
emancipação da mulher como medida natural do desenvolvimento e da
emancipação de todas
as pessoas, serão frustradas as conquistas normativas e debalde os
avanços teóricos alcançados até então.
51
6. A EFETIVIDADE DA LEI
A Lei Maria da Penha entrou em vigor pouco mais de dois anos,
de modo que se procurará averiguar sua efetividade com abrigo numa
investigação de como acontece sua aplicação no Estado do Ceará,
particularmente no Município de Fortaleza.
6.1 A Delegacia de Defesa da Mulher - DDM
Considerada uma das maiores conquistas dos movimentos
feministas da década de 1980 na luta contrária à violência doméstica e familiar
contra a mulher, surgiram como resultado de políticas públicas as delegacias
de defesa da mulher.
A primeira Delegacia Especializada de Defesa da Mulher de que
se tem notícia no mundo foi criada na cidade de São Paulo, no ano de 1985, e
visava à investigação e apuração de agressões contra mulheres. No ano
seguinte, foram instaladas outras delegacias na região Nordeste, espalhando-
se no Brasil e posteriormente por vários países.
Sabe-se que o Código Penal Brasileiro à época, embora
admitisse alguns tipos de crimes contra a mulher, não enquadrava como tal a
violência de gênero. Como primeira política pública de enfrentamento à
violência doméstica e familiar, as delegacias especializadas de atendimento a
mulher contribuíram para que essas agressões praticadas contra as mulheres
recebessem maior atenção e passassem a ser consideradas como delitos.
As delegacias especializadas de atendimento a mulher integram a
Política Nacional de Prevenção, Enfrentamento e Erradicação da Violência
contra a Mulher e representam “uma resposta do Estado brasileiro aos
sistemas de proteção dos direitos humanos: Organização das Nações Unidas –
52
ONU e Organização dos Estados Americanos - OEA.” (BRASIL, 2006, p.17,
apud BARRETO, 2007, p. 151).
Em Fortaleza a primeira Delegacia de Defesa da Mulher - DDM
foi criada em 1986, por meio do Decreto 18.267, também representado uma
vitória da luta dos movimentos feministas. Faz parte da Polícia Civil, que é
órgão integrante do Sistema de Segurança Pública de cada Estado, e conta na
sua estrutura com delegada titular, delegada adjunta, escrivã-chefe, três
escrivãs, atendentes e uma assistente social.
Segundo o Guia prático de combate a violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher, elaborado pela dra. Rosa Mendonça (Juíza de Direito) e pela
dra. Lília Albuquerque Sales de Lucena (Promotora de Justiça), listam-se
abaixo os principais procedimentos a serem tomados quando ocorre a
agressão:
O que deve fazer a mulher:
1)No momento do fato chamar a polícia. Lembre-se do 190.
2)Caso não seja possível acionar a Polícia Militar, procure a Delegacia
Local ou Especializada, fornecendo o dia, hora, local do fato, nome e endereço
do agressor. Levar as certidões de nascimentos dos filhos se houver, e ainda,
se possível, nomes e endereços das testemunhas que presenciaram o
ocorrido.
3) Fazer exame de corpo de delito quando receber a guia do Delegado.
4) Não sendo possível realizar o exame, serão admitidos como meios de
prova os laudos, atestados ou prontuários médicos fornecidos por médicos,
hospitais e postos de saúde.
5) Na falta de atendimento da Polícia Militar e/ou Delegado de Polícia
procurar o Ministério Público (Promotor de Justiça) ou Juiz.
6) Comparecer ao Fórum sempre que chamada ou quando houver no
caso de orientações, informações, etc.
53
Principais ações do Delegado de Polícia:
1) Lavrar o flagrante se o agressor tiver sido preso pela Polícia Militar.
2) Ouvir a ofendida, encaminhando-a ao hospital ou posto de saúde se
for o caso.
3) Entregar a guia para exame de Corpo de Delito, se for o caso.
4) Ouvir o agressor e testemunhas.
5) Acompanhar a ofendida para dar-lhe proteção ao retirar seus bens de
casa, se necessário.
6) Sugerir ao Ministério blico e ao Juiz a prisão preventiva do
agressor em casos graves.
7) Encaminhar a ofendida ao abrigo em caso de risco de vida.
Após essas informações, passar-se-á então a expor o resultado
da pesquisa efetuada relativa às ocorrências registradas e procedimentos
efetuados pela Delegacia de Defesa da Mulher em Fortaleza.
6.1.1 Análise de Dados Levantados na Delegacia de Defesa da Mulher – DDM
Nesta pesquisa, teve-se por intuito verificar como a Lei Maria da
Penha está sendo aplicada no Município de Fortaleza. Apesar de ter natureza
qualitativa foi necessário inserir dados relativos à quantidade de ocorrências
efetuadas na Delegacia de Defesa da Mulher DDM para melhor aferir sua
efetividade na qualidade de política pública.
Como a Lei Maria da Penha teve sua vigência a partir do mês de
setembro de 2006, a pesquisa baseou-se nos registros efetuados nos anos de
2006, 2007 e 2008. O objetivo foi coletar dados sobre os registros das
violências registradas na DDM de Fortaleza, para aferir a solução da prestação
jurisdicional às mulheres.
De início traz-se com a informação sobre os tipos de ocorrências
registradas, conforme dados fornecidos pela Delegacia da Mulher: Ameaça,
54
Lesão Corporal, Difamação, Estelionato, Crime contra a Família,
Desaparecimento, Furto de Documentos, Apropriação Indébita, Furto, Não
delituosa, Estupro, Atentado Violento ao Pudor, Injúria, Crime contra a
Liberdade Individual, Crime contra os Costumes, Crime contra o Idoso,
Contravenção Penal, Calúnia, Constrangimento Ilegal, Periclitação da Vida ou
Saúde, Violação de domicílio, Outros crimes de Trânsito, Dano, Furto de
Veículo, Crime contra o Consumidor, Perda de Documentos/Objetos,
Preconceito de Raça ou de Cor, Tentativa de Homicídio, Seqüestro, Corrupção
de Menores, Homicídio Doloso, Crimes previstos no ECA, Roubo além de
outros crimes.
Elaborou-se um demonstrativo geral, tomando-se como universo as
8.452 ocorrências registradas no ano de 2006:
Figura 01 -
Fonte: elaboração própria.
Observou-se que, dentre as agressões efetivadas, predominaram as
cinco seguintes: Ameaça, com 53% ocorrências; Lesão Corporal, com 23%;
55
Não Delituosa, com 10% ocorrências; Difamação, com 5% e Injúria, com 4%
ocorrências, consoante Figura 01.
Cumpre esclarecer que se chama de não delituosa a ocorrência em
que a mulher manifesta a vontade de não promover nenhum procedimento
policial. Ela quer conversar, ela quer se entender, ela está em busca de
mudanças.
Para essas ocorrências registradas, a Delegacia de Defesa da
Mulher precisa realizar procedimentos.
Figura 02
Fonte: elaboração própria.
No ano de 2006, para as 8.452 ocorrências registradas, foram
efetuados 620 procedimentos do tipo medidas protetivas, pois a Lei Maria da
Penha trás em seu texto um rol de Medidas Protetivas de Urgência a serem
tomadas, a fim de garantir maior efetividade ao que propõe, conforme Figura
02.
56
Analisou-se o ano de 2007, com a elaboração de um demonstrativo
geral, tomando-se como universo os 10.648 eventos registrados na Delegacia
de Defesa da Mulher.
Chama-se atenção para o fato de que aqui estão computados os
meses de janeiro a dezembro de 2007, todos após a vigência da Lei Maria da
Penha.
Figura 03:
Fonte: elaboração própria.
Observou-se que dentre as agressões efetivadas, predominaram as
cinco seguintes: Ameaça, com 47% das ocorrências; Lesão Corporal, com 21%
das ocorrências; Não Delituosa, com 11%; Injúria, com 7% das ocorrências, e
Difamação, com 5% ocorrências, consoante figura 03.
Confirma-se o fato de que se chama de não delituosa a ocorrência
em que a mulher manifesta a vontade de não exercitar nenhum procedimento
policial.
57
Para essas ocorrências registradas na Delegacia de Defesa da
Mulher no ano de 2007, foram efetuados procedimentos.
Figura 04
Fonte: elaboração própria.
Para as 10.648 ocorrências registradas na Delegacia de Defesa da
Mulher durante o ano de 2007, foram efetuados 4.454 procedimentos,
chamando-se atenção para o fato de que, a partir desse ano, esses
procedimentos se diversificaram em vários tipos como: Medidas Protetivas de
Urgência, Inquéritos instaurados, Boletins de Ocorrência BOs recebidos de
outras delegacias, Mulheres encaminhadas à Casa do Caminho e Termos
Circunstanciados de Ocorrências TCOs para contravenções penais,
conforme mostra a Figura 04.
58
Registra-se a seguir num cenário geral, em relação ao ano de 2007:
Figura 05
Fonte: elaboração própria.
Nota-se que, no ano de 2007, para as 10.648 ocorrências registradas
foram realizados 4.454 procedimentos.
Durante o ano de 2008, foram registradas ocorrências. Chama-se
atenção para o fato de que, assim como no ano de 2007, aqui estão
computados os meses de janeiro a dezembro de 2008, todos na vigência da
Lei Maria da Penha.
59
Elaborou-se também um demonstrativo geral tendo como universo as
ocorrências registradas do ano de 2008, totalizando de 11.474 eventos.
Figura 06
Fonte: elaboração própria.
Observou-se que dentre as agressões efetivadas, continuam
predominando: Ameaça, com 47% das ocorrências; Lesão Corporal, com 21%;
Não Delituosa, com 11%; Difamação, com 5% e Injúria com 7%.
Confirma-se que se chama de não delituosa a ocorrência em que a
mulher manifesta a vontade de não fazer nenhum procedimento policial,
60
No ano de 2008, foram efetuados na DDM procedimentos variados,
num total de 4.379.
Figura 07
Fonte: elaboração própria.
Verifica-se que esses procedimentos foram dos tipos: Medidas
Protetivas de Urgência, Recebimentos de Boletins de Ocorrência de outras
delegacias, Inquéritos flagrantes, Inquéritos Portaria, Mulheres encaminhadas
ao Abrigo, Termos Circunstanciais de Ocorrências (para casos de
contravenção penal) e procedimentos policiais (flagrante/portaria) cancelados
no SIP, com justificação da autoridade policial), conforme Figura 07.
61
Têm-se na Figura 08, um apanhado geral, do ano de 2008.
Figura 08
Fonte: elaboração própria.
Para as 11.474 ocorrências registradas em 2008, foram realizados
4.379 procedimentos, conforme mostra a figura 08.
62
Para que se possa analisar a real efetividade da Lei Maria da Penha
com esteio nos dados fornecidos pela Delegacia de Defesa da Mulher DDM
em Fortaleza desde a sua criação, exibe-se um total geral das ocorrências
registradas nos anos de 2006 / 2007 e 2008.
Figura 09
Fonte: elaboração própria.
Pela observação da figura 09, depreende-se que em 2006 foram
registradas 8.452 ocorrências; em 2007 foram registradas 10.648 e em 2008
foram registradas 11.474, significando que o número de ocorrências
registradas na Delegacia da Mulher aumenta significativamente.
63
Para aquelas registradas nos anos de 2006 / 2007 e 2008, verifica-se que
foram efetuados procedimentos.
Figura 10
Fonte: elaboração própria.
Nota-se que o número de procedimentos realizados pela Delegacia
de Defesa da Mulher aumentou significativamente, do ano de 2006 para o de
2007, tendo pequena quantidade de procedimentos, a menor no ano de 2008,
em relação ao ano de 2007, totalizando exatamente 75 procedimentos a
menos.
.
Convém informar que a diferença de 75 procedimentos a menor no
número de procedimentos do ano de 2008 em relação ao ano de 2007 decorre
dos não delituosos, em que as mulheres informam que não tencionam entrar
com pedido de medida protetiva, para não prejudicar os agressores, pois essas
medidas levam os nomes deles para o rol dos culpados; eles ficam com a ficha
suja, podem perder o emprego etc.
64
Como se pode observar com o advento da Lei Maria da Penha, o
número de ocorrências registradas na DDM aumentou bastante, pois, enquanto
em 2006 foram registradas 8.452 ocorrências, em 2007, o número de registros
aumentou para 10.648 e em 2008 se elevou para 11.474, conforme Figura 09 -
mostrada acima.
Nota-se, ainda, que os cinco tipos de delitos que têm maior
incidência são os mesmos para os anos de 2006/ 2007 e 2008, e quase que no
mesmo nível de ocorrências, notando-se uma pequena variação no ano de
2007, onde a injúria ficou em lugar com 7% das ocorrências e a difamação
foi para o 5º lugar com 5% de ocorrências, enquanto que nos anos de 2006 e
2008 a difamação ocupou o 4º lugar com 5% de ocorrências e a injúria ficou
com o 5º lugar com 4% e 5% de percentuais de ocorrências, respectivamente.
Em relação aos procedimentos, observa-se que em 2006 foi efetuado
um total de 620 Medidas Protetivas de Urgência; em 2007, 4.454
procedimentos e, em 2008, os procedimentos totalizam 4.379. Salienta-se que,
em 2006, os procedimentos realizados foram do tipo Medidas Protetivas de
Urgência; no ano de 2007, esses se diversificaram e, além das Medidas
Protetivas de Urgência, também foram instaurados TCOs, Inquéritos, recebidos
BOs de outras Delegacias e mulheres foram encaminhadas à Casa do
Caminho; no ano de 2008, além dos demais procedimentos explicitados,
foram instaurados Inquéritos Portaria e Inquéritos Flagrantes, como também
foram realizados procedimentos policiais (flagrante/portaria) cancelados no SIP
com justificação da autoridade policial. Isso vem diagnosticar a aplicabilidade
da Lei Maria da Penha na Delegacia de Defesa da Mulher em Fortaleza.
Informa-se que, para cada ocorrência, não há um procedimento
registrado, pois cada caso é tratado consoante a sua peculiaridade. Em 2007,
os procedimentos se diversificaram, aumentaram os tipos de procedimentos;
em 2008; verificou-se a realização de mais outros tipos de procedimentos.
A presente pesquisa tomou por base os casos de violência
doméstica e familiar registrados na Delegacia da Defesa da Mulher em
65
Fortaleza, sem levar em consideração a “cifra negra” dos delitos de violência
não registrados pelas agredidas por diversos motivos pessoais, como medo,
vergonha, incredulidade na Justiça etc.
6.2 Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da
Comarca de Fortaleza
Antes da referida Lei, todos os casos de lesões leves e ameaças
contra mulheres, em atendimento à Lei 9.099/95, eram resolvidos nos juizados
especiais. Isso vinha exteriorizar uma despreocupação do Estado em relação
ao problema da violência contra as mulheres, pois esses juizados têm
competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de
menor complexidade. Como considerar a violência contra a mulher como causa
de menor complexidade?
A Lei Maria da Penha, ao tratar do problema da violência
doméstica e familiar, previu a criação dos juizados de violência doméstica e
familiar contra a mulher, com a competência civil e criminal, os quais devem
contar com uma equipe multidisciplinar para atender as mulheres agredidas, os
agressores e suas famílias.
Surge então a pergunta: com o surgimento da Lei Maria da Penha, o
que foi operacionalizado do ponto de vista legal para que ela pudesse se tornar
mais efetiva?
A lei Maria da Penha criou os juizados, mas não impôs sua
instalação, mas, em 26 de julho de 2007, no Estado do Ceará, foi aprovada a
Lei 13.925/07 (ver anexo), para criação dos juizados de violência doméstica e
familiar contra a mulher nas comarcas de Fortaleza e Juazeiro do Norte.
Em Fortaleza, esse Juizado foi inaugurado em 19 de dezembro de
2007 e é um instrumento especial para atendimento dos casos de violência
66
doméstica e familiar contra a mulher. Inicialmente, ocupou um prédio provisório
situado na rua Barão do Rio Branco (Bairro de Fátima).
Hoje esse Juizado ocupa um prédio do Tribunal de Justiça do Estado
do Ceará, localizado na Avenida da Universidade, e conta com a seguinte
estrutura: juíza titular; assessora; promotora de justiça; diretora de secretaria;
assistente social; analistas judiciários; oficiais de justiça; analistas judiciários
adjuntos; técnicos judiciários; assistentes sociais e psicólogos.
Em 2008, os procedimentos do tipo denúncias, medidas protetivas,
audiências e processos aumentaram de modo significativo e os maiores
números de infrações são dos tipos ameaça, lesão corporal, atentado violento
ao pudor, invasão de domicílio, apropriação indevida de bens e lesões leves.
Quando esse juizado foi inaugurado, começou do zero, e hoje, após pouco
mais de um ano de sua instalação, tramitam quase 5.000 processos.
Segundo informações da Juíza Titular, o atendimento às mulheres
vítimas de violência compreende qualquer relação doméstica, familiar ou
afetiva. Isso pode incluir a mulher sempre no polo passivo, ou seja, a mulher é
sempre a vítima. O agressor, no caso a pessoa que comete o crime, pode ser
um homem ou uma mulher, que na linguagem jurídica se chama de sujeito
passivo.
Consoante Guia prático de combate a violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher” elaborado pela Dra. Rosa Mendonça (Juíza de Direito) e pela
Dra. Lília Albuquerque Sales de Lucena (Promotora de Justiça) listou-se abaixo
os principais procedimentos a serem tomados quando ocorre a agressão:
As principais medidas que podem ser concedidas pelo juiz são
1) Afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com
a ofendida.
2) Proibição do Agressor de se aproximar da mulher ofendida.
67
Proibição do agressor de contatar com a ofendida, seus familiares e
testemunhas, por qualquer meio de comunicação.
3) Obrigar o agressor a dar pensão de alimentos provisórios.
4)Suspensão do porte de arma.
5) Determinar o afastamento da ofendida e filhos do lar, sem prejuízo de
seus direitos.
6) Encaminhar a ofendida e seus dependentes em situação de risco de
vida a abrigos.
7) determinar a prisão preventiva do agressor em casos graves.
Atuação do Ministério Público (Promotor de Justiça)
1) Atender a ofendida na falta de atendimento da Polícia Militar ou do
Delegado de Polícia, bem como prestar esclarecimento à família.
2) Encaminhar a ofendida ao médico, psicólogo ou assistente social, se
necessário.
3) Sugerir ao Juiz as medidas protetivas de urgência (Ex: afastamento
do agressor do lar , proibição do agressor se aproximar da ofendida, dentre
outras).
4) Requerer ao Juiz a decretação da prisão preventiva do acusado em
casos graves.
5) Oferecer denúncia, fiscalizar os abrigos e atuar em todas as causas.
A mulher que sofreu violência doméstica e familiar deve se dirigir
primeiro a uma Delegacia, mas caso não tenha sido possível ela ser atendida
na Delegacia, é recebida no Juizado e depois direcionada à Delegacia para
efetuar a notícia do crime.
6.3 Defensoria Pública
A Defensoria Pública tem por escopo garantir o acesso à justiça de
modo igualitário para todos, contribuindo para a efetivação da cidadania e
consequente inclusão social dos economicamente mais frágeis.
68
A Defensoria foi criada pela Constituição Federal que, em seu art.
134, caput, afirma: a Defensoria Pública é instituição essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em
todos os graus...” É um órgão público com incumbência de representar os
necessitados e prestar-lhes orientação jurídica.
No Ceará, a Defensoria Pública Geral foi criada pela Lei
Complementar 06, de 28 de abril de 1997, e tem autonomia administrativa e
funcional. Exerce o papel de instituição essencial à função jurisdicional do
Estado e tem por incumbência prestar, de maneira gratuita e total, assistência
jurídica, judicial e extrajudicial aos necessitados.
Sabe-se que a Delegacia de Defesa da Mulher foi criada em
consequência da reivindicação dos movimentos feministas e visa a oferecer às
mulheres agredidas um tratamento diferenciado que a violência de gênero
requer. Como as mulheres precisam conhecer melhor os seus direitos para
perder o medo e a vergonha de registrar as ocorrências das violências a que
são submetidas e a dar continuidade ao processo, viabilizou-se a instalação de
um núcleo da defensoria específico para atender essas mulheres.
Esse Núcleo Avançado da Defensoria Pública foi efetivado em 2003,
por meio de um convênio entre o Governo do Estado do Ceará, Defensoria
Pública e Universidade de Fortaleza, e foi dedicado ao atendimento e defesa
dos direitos das mulheres em situação de violência. Primeiramente, instalou-se
nas dependências da Delegacia de Defesa da Mulher, trabalha não somente
com questões criminais, mas preocupa-se com a inclusão social das mulheres,
desenvolvimento da cidadania e acesso à justiça.
Hoje em dia esse Núcleo Avançado da Defensoria Pública encontra-
se instalado nas dependências do Centro Estadual de Referência e Apoio à
Mulher - CERAM, um serviço do Governo do Estado do Ceará, que oferece
atendimento integral e humanizado às mulheres vítimas de violência física,
psicológica e sexual, presta atendimento de segunda à sexta das 08 às 17
69
horas e funciona como órgão de suporte integral às mulheres que sofrem
violência doméstica e familiar amparadas pela Lei Maria da Penha.
6.4 Mudanças e Dificuldades Vivenciadas pelos Operadores do Direito e
pela Sociedade após a Criação da Lei Maria da Penha.
Com o intuito de obter dados atestadores das mudanças e
dificuldades vivenciadas pelos operadores do Direito e pela sociedade, após a
criação da Lei Maria da Penha, decidiu-se entrevistar representantes das
seguintes entidades que trabalham com essa Lei: na Delegacia de Defesa da
Mulher DDM, a delegada adjunta Dr.ª. Bianca de Oliveira Araújo e a
assistente social Dr.ª Ângela Nóbrega; no Juizado de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher a juíza titular Dr.ª Fátima Rosa Mendonça e a
representante do Ministério Público, a promotora de justiça Dr.ª Fernanda
Marinho; na Defensoria Pública, entrevistou-se a Dr.ª Ana Cristina Teixeira
Barreto.
Foi utilizada entrevista semiestruturada, oportunidade em que foram
feitas duas perguntas, a seguir relacionadas, deixando-se que as entrevistadas
falassem livremente:
1. Quais as mudanças ocorridas nos operadores do Direito e na sociedade
após a vigência da Lei Maria da Penha?
2. Quais as dificuldades enfrentadas na aplicação da referida Lei?
Detalhar-se-á a seguir o teor das entrevistas
B. O. A. – Delegada Adjunta da Delegacia de Defesa da Mulher:
As mudanças após a vigência da lei Maria da Penha.
Eu identifico duas grandes mudanças: uma mudança dentro de uma
vertente social e outra dentro de uma vertente jurídica.
70
A grande questão da Lei Maria da Penha é que a lei na verdade não
veio como uma forma apenas de punir os agressores eu vejo a lei
muito mais do que a questão da punição.
A lei tem vários pontos a destacar:
Primeiro, tornou pública a questão da violência doméstica, ela
publicizou a violência, ela conseguiu colocar para as pessoas, para as
mulheres, dentro das casas das mulheres que existe uma lei que
ampara as mulheres vítimas de violência familiar. As pessoas passam
a compreender que a questão da violência doméstica não é privada,
ela não é exclusiva de quem vive lá dentro, ela publiciza, ela faz surgir
o problema, ela toca na ferida, como quem diz: esse problema não é
da tima que está sofrendo, do agressor que está praticando o
ato, mas de toda a sociedade, esse é o ponto principal da lei.
O segundo ponto dessa questão não da punição é mais a questão
de mostrar que as mulheres podem se espelhar em algo. Infelizmente
o Brasil muitas vezes faz a lei depois que as pessoas morrem, a
Maria da Penha é um exemplo vivo da questão e isso incentiva isso
mostra qual leitura? Bom, se ela conseguiu eu vou conseguir também.
Se ela lutou durante vinte anos, eu posso estar vinte anos
sofrendo a violência, mas eu vou conseguir também.
O terceiro ponto: Eu acho que o objetivo da lei dentro dessa questão
da punição, mas é efetivamente amparar. Não é uma lei que tem
os artigos relacionados à punição ou os artigos relacionados aos
procedimentos, quais os procedimentos jurídicos que a mulher vai
tomar ou quais os procedimentos jurídicos na Delegacia, não. A lei
procura amparar essa mulher, ela procura mostrar que essa mulher, e
diz isso muito claramente, que essa mulher é um sujeito de direitos.
Pode até ser contraditório ou qualquer outra palavra que possa ser
dada, você precisa dizer que a mulher é um sujeito de direitos, que
essa mulher está dentro de um contexto dos direitos humanos, mas
infelizmente talvez isso tenha se tornado necessário.
71
A lei veio para tentar chocar e mudar a mentalidade das pessoas, não
dos homens, mas das pessoas. Então, eu vejo muito claramente a
lei não vem só para punir, ela vem para publicizar a questão da
violência doméstica, ela vem para mostrar que as mulheres podem se
espelhar em alguém que conseguiu. Que lutou e que conseguiu e ela
vem para mostrar que a cidadania, a questão dos direitos humanos
que ela faz parte desse contexto que ela tem esse aparato. A gente
consegue ver isso muito claramente na Lei Maria da Penha. Eu vejo
isso como a primeira grande questão dela.
A outra questão é uma questão jurídica, é uma questão de você
conseguir identificar, a lei, propriamente dita, que vem para
determinar, para esclarecer, para mostrar o que existe em beneficio
dessa mulher.
A questão existe várias discussões, inclusive a gente conversa
muito, a Delegacia e o Juizado de Violência Doméstica tentando
entender, a cada dia a gente vai aprendendo. Quem são essas
mulheres vítimas de violência doméstica? Qual o espírito da Lei Maria
da Penha? O espírito da Lei Maria da Penha é apenas punir o
agressor? O espírito da Lei Maria da Penha é dar um amparo a essas
mulheres? É mostrar tudo isso? É chocar as pessoas para que elas
possam ser convocadas a participar desse momento, desse contexto?
E é tanto que ninguém chama essa lei pelo número, todo mundo
chama de Lei Maria da Penha, não existe um número para esta lei, o
número existe para nós operadores do direito, mas para as pessoas,
para a população existe a mulher, a Maria da Penha.
E isso é muito é muito importante, você mostra que pode você pode
mudar o curso das coisas, o curso da história.
A questão jurídica ela tem vários destaques. Agora a que eu acho
excepcional é a questão das medidas protetivas de urgência, eu acho
que de tudo que está dentro que é um conjunto, você pode
perceber que a lei é toda, ela é como uma teia que ela vai se
organizando, ela vai se entrelaçando, você percebe que nada está
solto, você percebe que tudo tem um vínculo, você percebe uma
72
verdadeira teia onde tudo se entrelaça e as medidas protetivas, elas
são o grande “bam, bam, bam.”’ Por quê?
Antes da Lei Maria da Penha a gente adotava a sistemática da Lei
9.099, dos Juizados Especiais. Mas nós da Delegacia
especificamente, nós tínhamos uma série de frustrações, porque a
grande maioria dos delitos eram crimes de menor potencial ofensivo,
então nós dificilmente, raramente conseguíamos autuar em flagrante
um homem, um agressor. Além disso, além de não ter a possibilidade
de autuação em flagrante esse homem era liberado e o problema
continuava lá dentro da casa.
A questão não é punir. A questão é como essa mulher vai voltar a
viver depois que ela sai da delegacia. É isso que move a gente aqui
na delegacia. O que eu posso fazer para que ela saia daqui e não
mais sofrer a violência. A minha preocupação imediata não é punir o
agressor, é salvá-la. Então a medida protetiva para mim é o
instrumento que eu precisava para poder dar a essa mulher algum
tipo de esperança. Olha ele não vai ser preso porque eu não tenho os
elementos do flagrante, mas nós vamos requerer as medidas de
proteção e sim, você pelo menos vai ter a oportunidade de ter uma
vida tranqüila. É isso na verdade que elas realmente buscam a
grande maioria das mulheres não quer ver seu agressor preso, por
vários motivos e não cabe a nenhum de nós julgá-las. É o homem
que ela ama, porque é o pai dos filhos dela, porque é ele quem
sustenta a casa, porque ela tem uma dependência emocional e aí não
cabe a mim avaliar isso. Cabe a mim dar um suporte para que ela não
sofra mais a violência. Então quando ela vem com o intuito de não
querer conviver mais com ele eu não tinha nada a oferecer na Lei
9.099, o que eu tinha era um abrigo que na época era um, que a
gente nem sempre tinha vaga e que muitas vezes essa mulher não
queria ir para o abrigo. Por que ela ia ser retirada da casa dela com
os filhos para ele ficar? Porque a cabeça delas funciona assim, e está
correta, se você for analisar bem você vai ver. Eu sou a tima, mas
eu que tenho que sair?
73
Com a lei 9.099 a gente tinha tudo muito limitado, com a Lei 11.340 a
gente tem aquele fôlego, sabe, bom, nós vamos pedir as suas
medidas protetivas, vamos encaminhar ao juizado e nesse aspecto há
uma parceria muito boa entre o juizado e a delegacia e é isso que
torna as coisas mais ágeis.
Então, para mim é assim, a questão das medidas protetivas ela é a
grande mudança, é o grande destaque de todas elas. É importante a
questão do procedimento do flagrante, hoje eu tenho uma grande
quantidade de homens presos, eu tenho uma grande quantidade de
pedidos de prisão temporária, de prisão preventiva.
A grande maioria das mulheres não trás marcas corporais, ela trás
uma violência verbal e uma violência psicológica extrema e isso não
dá resultado em exame de corpo de delito.
E o que é que a gente vai fazer? A gente vai investigar, vamos
conversar com essa mulher.
Ela vai ser encaminhada para os Centros de Referência, onde ela vai
ter o atendimento psicológico, médico e nós começamos a
conversar e começamos a perceber que outras pessoas participaram
de toda essa história de violência. Quem são essas pessoas?
Geralmente são os familiares, vamos ouvir os familiares, vamos
colher dessas pessoas depoimentos. Vamos mostrar que essa mulher
apesar de não terem marcas no corpo ela é uma mulher hoje
totalmente fragilizada pela violência psicológica que sofre.
Então, tem essa questão das medidas protetivas, tem a questão das
prisões que ela é muito importante porque antes a gente ficava
restringida, mas o que trás uma efetividade real para aquilo que as
mulheres buscam de forma imediata eu identifico nas medidas
protetivas.
Então, assim, as duas grandes mudanças que eu identifico são essas.
A primeira questão social, que é o efeito social que a lei trouxe a
publicização de demonstrar a força que as mulheres podem ter, que
74
trás à tona o problema da violência doméstica para o contexto da
sociedade; a segunda é a questão jurídica que é a questão das
medidas protetivas.
Temos um Juizado da Violência Doméstica onde uma equipe
multidisciplinar com psicólogos, mas dois Centros de Referência
da Mulher, um do Estado que é o Centro de Referência de Apoio à
Mulher e o outro da Prefeitura que é o Centro de Referência
Francisca Clotilde.
E aí a questão, esses Centros de Referência são em atenção à
mulher. meu conhecimento Centros de Referência para os
agressores. E entra um projeto de pesquisa que eu estou
elaborando a efetividade da lei só vai existir realmente quando houver
um trabalho com o agressor. Não adianta você trabalhar a vítima.
Uma das dificuldades, inclusive uma previsão da própria lei de que
esse homem seja encaminhado a centros de reabilitação em relação
ao álcool, às drogas, e é uma questão complicada, porque não sei
como o juizado vem tratando isso, mas eu vejo uma questão
complicada porque você determinar que uma pessoa faça um
tratamento á vezes ele não quer? É algo complicado, é algo que
precisa ser trabalhado, por isso a minha preocupação com o
agressor.
Posso até ser alvo de críticas, mas eu me preocupo com a vítima e
me preocupo tanto que acho que o trabalho tem que ser feito com o
agressor. Não adianta você dar todo um suporte, psicológico, médico,
para a vítima se a fonte do problema que está dentro da relação
íntima de afeto dela, que tem o outro lado da moeda que é o agressor
que não foi trabalhado. Então essa é uma das dificuldades.
E você teve essas mudanças, mas tem essa questão das
dificuldades para a efetividade da lei. Porque a lei veio como um
espírito ela não foi criada de um dia para o outro por causa da Maria
da Penha, não. A Maria da Penha foi o grande ícone da luta, porque
ela foi atrás batalhou e tudo, mas o movimento feminista vem
75
batalhando por isso muito tempo. Antes da Lei 11.340 uma
série de acontecimentos, você pode acompanhar no direito que você
uma série de legislações que foram enxertando dentro dessa
legislação nacional inserindo aspectos e retirando outros, como a
questão, por exemplo, do pátrio poder que foi retirado; como a
questão do Estatuto da Mulher Casada. Então o espírito da lei é
amparar a mulher vítima de violência doméstica. Então para você dar
uma efetividade a essa lei você tem que ter uma estrutura que, diga-
se de passagem, já melhorou muito, mas precisa melhorar ainda
mais.
A questão das políticas públicas é importante. Tem que ter uma
política pública para o agressor.
A. N. Assistente Social da Delegacia de Defesa da Mulher (também
advogada e pedagoga)
Muitas vezes a mulher nos procura e a escrivã é o primeiro contato.
Então o que é que ela alega? Que vive numa relação conflituosa que
na realidade ela quer continuar naquela relação, só que ela quer
mudanças. O que é que ela quer na realidade? É que essa relação
hierárquica e violenta se transforme numa relação democrática e
afetiva. Ela quer respeito, ela quer compreensão, ela quer tolerância,
ela diz que quer que uma autoridade um “susto” nele. Você
sabe que chega um momento que em casa não tem diálogo nenhum,
e quanto mais a mulher fala, mais o homem fala. Quando ela diz,
alega isso, aí é marcada uma audiência para a gente.
Chama-se essa ocorrência de não delituosa, porque nela a mulher
manifesta a vontade de não fazer nenhum procedimento policial, ela
quer conversar, ela quer se entender, ela está em busca de
mudanças.
que ao fazer à audiência a gente notifica e fala para o agressor o
que a companheira quer realmente com aquela denúncia, mas ele vai
76
ficar bem cientificado das ações da lei Maria da Penha se ele voltar
aqui.
Na cabeça dos homens é muito interessante, eles sempre dizem
assim: “Mas eu não sei porque que eu estou aqui pois nunca toquei
os dedos nessa mulher.”
Para o homem a violência se caracteriza não só pela violência física,
ele destrata, ele humilha, ele faz todo tipo de agressão moral,
psicológica, mas acha que não está cometendo nenhuma violência.
Aí, nesse momento é que a gente coloca que a ocorrência é não
delituosa.
“A autoridade policial lavra um BO, mas nem sempre inicia a
investigação criminal instaurando o Inquérito. Quando a mulher
apresenta questões judiciais (divórcio, separação judicial,
requerimento de pensão alimentícia, guarda de filhos etc.) a gente faz
o BO que é necessário e encaminha para a Defensoria Pública.
(CERAM).
Quando ela chega lesionada, com grave ameaça, que o quadro
caracteriza realmente crime a gente passa para a delegada, expede
logo o exame de corpo de delito para o IML e é feito o processo
que vai ser encaminhado para o Juizado de violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher.
O BO é feito pela escrivã. Nós temos uma equipe formada
essencialmente por mulheres, exatamente para a mulher se sentir
mais à vontade quando ela chega aqui para contar seus problemas.
As pessoas que nos procuram têm grau de instrução muito baixo, são
pessoas realmente pobres. Mas você me pergunta, será que na
classe dos mais abastados não tem violência contra a mulher? Tem,
que essa mulher procura caminhos diferentes, para questões
judiciais elas contratam um advogado e as questões psicológicas vão
para o divã do analista ou fazem uma viagem. Já a mulher pobre não,
ela procura o Poder Público, ela vai para a Delegacia, para a
Defensoria, os caminhos são diferentes.
77
Mas isso eu quero lhe dizer que às vezes em percentual muito baixo a
gente atende também pessoas de nível superior, podem vir, mas não
é constante. Se você perceber aqui nas estatísticas de todos os anos,
a maior ocorrência é a ameaça. Infelizmente ainda existe uma cultura
muito machista, a nossa própria sociedade com certa naturalidade
o homem trair, o homem terminar o relacionamento porque arranjou
outra pessoa, quando é a mulher quem toma determinadas atitudes, o
homem nunca aceita. A gente escuta demais aqui: “Se eu te
encontrar com um homem eu te mato.” “Se você não for minha não
vai ser de ninguém.” Então ele passa sempre a ameaçar.
Aumentou demais o número dos Boletins de Ocorrência - BOs, depois
da criação da Lei Maria da Penha e não é porque a violência contra a
mulher aumentou. Simplesmente a gente acredita que essa lei deu
mais visibilidade à questão e a mulher se sente mais segura em
denunciar, ela sabe que agora a coisa não fica na impunidade.
Como era vista essa questão?
Como a pena era até dois anos essa questão era encaminhada para
os Juizados Especiais e você sabe que o juiz pode aplicar penas
alternativas e ficava aquela história das cestas básicas. Na cabeça
das mulheres ficava aquela sensação de impunidade e até para o
agressor ele achava que: “Eu pago ao Estado para bater. Agora não,
inclusive na lei diz é proibida a aplicação da Lei 9.099/95
aplicação das cestas básicas.
O que a gente trabalha aqui, tem que haver uma relação de
afetividade e domiciliar também, essa questão de violência doméstica
e familiar. Vamos supor o que a gente trabalha aqui: se eu tenho um
empregado doméstico, ele não faz parte da minha dinâmica familiar?
Se eu tenho um motorista particular? Ele não faz parte da minha
dinâmica familiar? Se eu for agredida por essa pessoa, a Lei Maria
da Penha me protege. Se numa colisão de trânsito, se essa pessoa
que bateu no meu carro me agride a lei não me protege. Filho
maltratou a mãe é aqui, Lei Maria da Penha.
Agora as duas indagações:
78
1) Quais as mudanças ocorridas após a vigência da Lei Maria da
Penha?
2) Quais as dificuldades enfrentadas na aplicação da referida Lei?
falei, mudou muito: aumentou as denúncias; mudou a questão da
penalidade; Ficou muito mais fácil trabalhar com essa questão da
violência doméstica e familiar.
As dificuldades:
O que é que diz a Lei?
A gente encontra muita dificuldade porque você sabe que a demanda
é muito grande por conta das denúncias que aumentaram e a
estrutura é muito pouca para atender, existe um juizado aqui em
Fortaleza. O que é que diz a lei? Em todo o Estado do Ceará tem sete
Delegacias de Defesa da Mulher, em Fortaleza tem essa; tem as
duas mais novas na área metropolitana, uma em Caucaia e a outra
em Maracanaú e nos municípios mais distantes: Sobral, Juazeiro,
Crato e Quixadá, ao todo só sete.
As dificuldades, realmente a questão da eficácia da lei é estrutural, a
falha é estrutural, porque a lei diz: quando a mulher requer as
medidas protetivas de urgência o juiz tem que determinar em
quarenta e oito horas, e a gente sabe que isso não está sendo feito
por conta de um problema estrutural, porque o pessoal está
trabalhando sem condições, a demanda é muito grande. A questão da
Casa Abrigo, tem uma, o endereço é sigiloso, quando a mulher
passa por grave ameaça ela é encaminhada para tem assistência
social, jurídica e muitas vezes não nem para ser encaminhada,
porque faltam vagas é uma questão estrutural.
F.R.M. – Juíza Titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher:
O que mudou após a vigência da Lei após e quais as dificuldades
enfrentadas na aplicação dessa lei?
79
Eu acho que a violência não aumentou depois da lei. Desde quando
foi criado esse juizado, eu verifico que todos os casos toda a violência
que é denunciada ela foi ocorrendo tempos, a exceção não chega
sequer a 5 casos. Toda a violência que é denunciada vinha
ocorrendo no decorrer do relacionamento, muito tempo, disso eu
tenho certeza.
Com a lei o que foi que aconteceu? A mulher tomou conhecimento da
lei, soube das garantias se sentiu encorajada e denunciou, mas a
violência já vinha existindo no relacionamento, isso aqui eu lhe afirmo
com muita certeza, eu conto nos dedos, não chega a cinco casos o
número de mulheres que foi agredida pela primeira vez e veio aqui
denunciar.
Agressão não é só a física, existe a agressão verbal, as ameaças, e a
violência não é um ato uma conduta por demais grave, ela começa de
pequenos atos, ela é uma escalada progressiva. Não existe uma
violência de o homem chegar com um revólver e dar um tiro na
mulher e matar ou dar facadas. Não, sem que tenha percorrido aquele
caminho.
O que mudou com a lei no sentido de trazer melhorias para a
população foi que esse juizado foi inaugurado esse ano e está muito
bem estruturado em relação ao que nós tínhamos. Hoje nós temos
instalações mais confortáveis, ambiente quase todo climatizado, nós
temos uma sala aonde as mulheres que vem para as audiências
ficam aguardando separadas dos homens que as agrediu evitando-se
constrangimentos
O Tribunal de justiça concedeu todo o mobiliário, computadores
novos, impressoras, aparelhos de ar condicionado; temos uma
brinquedoteca muito equipada, nós temos uma sala de acolhimento
para mulheres que se encontram fragilizadas ou que vêm das Casas
abrigos, e que precisam ter a identidade preservada, é uma sala
climatizada com banheiro, que elas ficam no momento em estão
sendo atendidas, durante o dia.
80
Nós temos aqui dentro a equipe multidisciplinar que está prevista na
lei, com psicólogos, assistentes sociais, estagiários e que atende às
mulheres, aos agressores a às famílias também..
Temos uma defensoria feminina para acompanhar as mulheres no
processo, agora não temos uma defensoria masculina, ainda. Os
homens precisam de um defensor, mas não temos um defensor, mas
um advogado, enquanto que para as mulheres temos um defensor da
Defensoria Pública.
Nós temos dificuldades nos encaminhamentos, porque a Lei Maria da
Penha é uma lei eminentemente social a parte jurídica é muito
pequena, o social é que faz o diferencial dessa lei.
A gente tem um problema muito sério que é o encaminhamento para
os usuários de drogas ilícitas, não temos para onde encaminhar, não
temos um local que o atendimento que nós gostaríamos. a
gente encaminha para o hospital de Messejana, mas sabedores que o
Hospital de Messejana não é o local ideal.
Não temos uma comunidade terapêutica porque nas comunidades
terapêuticas o tratamento é muito caro e as famílias não têm como
pagar. As comunidades terapêuticas que têm convênio com o Estado
e o Município não disponibilizam vagas para a gente porque estão
com as vagas comprometidas.
Não existe o Centro de Reabilitação do agressor, infelizmente. O que
nós começamos aqui no Juizado muito timidamente ainda é como se
fosse um pontapé para esses Centros. Porque a competência desses
centros não é do Poder Judiciário é competência do Poder Executivo
e de outros órgãos. Então a gente faz aqui uns grupos reflexivos, oito
sessões, onde os homens que tem processo aqui são encaminhados
para esses grupos. São oito sessões de quinze em quinze dias Cada
sessão trata de um assunto específico, aqui mesmo no Juizado.
Vamos supor, uma sessão trata sobre a Lei Maria da Penha, então o
homem vai conhecer o que é a lei Maria da Penha porque que essa
81
lei foi criada qual o espírito da lei e aí vai ter uma idéia de como surgiu
a luta das mulheres para ele ter uma noção da lei.
Muita gente fala muito mal da lei então esse conhecimento que eu
gosto que os homens tenham, para eles saberem a essência mesmo
da lei, se eles quiserem falar mal podem falar, mas depois que
conhecerem a lei.
a gente aborda a questão de gênero, das doenças sexualmente
transmissíveis, da AIDS, da menopausa, porque tem muitas mulheres
que se queixam que os homens não entendem a questão da
menopausa, acham que a mulher não tem apetite sexual porque tem
outros homens, não entendem esse período de sensibilidade da
mulher, TPM, câncer de próstata.
Sobre o recebimento de apoio de outras instituições, foi feita uma
parceria com a UNIFOR para encaminhar as mulheres para cursos
profissionalizantes da iniciativa privada também para encaminhar
mulheres.
Temos parceria com a Secretaria de Trabalho e Ação Social onde a
gente encaminha as mulheres para os Centros Comunitários para
inclusão no programa de emprego. Nós fazemos o encaminhamento
das mulheres que não tem casa própria para o HABITAFOR, muitas
vezes a mulher tem aquela dependência do homem e não consegue
denunciar, tem medo, não quer denunciar por causa dessa
dependência econômica, às vezes não tem nem onde morar. Nós
encaminhamos essa mulher para o HABITAFOR, para ser incluída no
programa de moradia.
O encaminhamento para o HABITAFOR uma coisa que a gente
muitas vezes quer um apoio urgente, urgentíssimo e não é atendido
porque existe uma fila e as pessoas que a gente encaminha vão
entrar naquela fila.
82
Ás vezes uma mulher chega aqui numa situação de violência e está
passando fome e não temos onde arranjar sequer uma cesta básica,
para aquela mulher naquele momento.
Então, essa dificuldade assim de cunho social, assistencialista, falta
estrutura para aplicar essa lei, ela tem um alcance muito amplo, e
estão faltando umas políticas públicas nesse sentido
Não tem alimento para as mulheres que são atendidas aqui, a única
coisa que elas recebem é o acolhimento é a parte emocional, nós
temos pessoas que estão sempre prontas para atendê-las. Existe
essa sala, que é uma sala bem confortável, com banheiro, tem a
psicóloga para conversar, a assistente social, tem algumas pessoas
que são treinadas, temos um recanto de reflexão e oração que é
uma sala que a gente destina para as pessoas fazerem aquele
momento, aquele encontro, ter um momento de paz, pois as pessoas
chegam muito desorientadas as pessoas chegam muito perturbadas,
tanto o homem como a mulher, chegam muito desorientados e
criamos esse espaço porque já sentimos a necessidade.
Os processos que recebem vêm todos da Delegacia da Mulher, tudo
vem da delegacia porque a lei é cível e criminal, tem uma parte cível e
a parte criminal, mas a parte vel pode ser processada aqui se
tiver o crime.
O crime quando acontece ele é apurado na Delegacia. Quando a
Delegacia faz o Inquérito Policial ou o BO e pede a medida protetiva
é que vem para cá. Se a parte tiver advogado, os advogados
começam a atuar, se não, tem a defensora pública aqui.
Acontece das mulheres serem agredidas e ao invés de procurarem a
Delegacia vem diretamente para cá, nós acolhemos, vemos como é a
situação, se for uma situação de risco muito grande, se for um caso
de um abrigamento, a gente encaminha para o Centro de
Referência fazer o abrigamento e encaminha para a delegacia para
ser feito o inquérito. A gente não deixa a mulher voltar.
83
Aqui se apura casos onde exista crime, se for cível vai para as
Varas de Família. Todos têm que passar na delegacia porque o crime
tem que ser apurado na polícia pela delegacia da mulher. Se ela
denunciar perante o Ministério Público ele vai mandar para a
delegacia.
Agora também tem a falta de estrutura, nós temos essa quantidade
toda de processos, temos poucos funcionários, fazemos o possível
para prestar um bom atendimento, agora nós fazemos questão de
que? Às vezes as pessoas demoram, as audiências dessa vara são
de natureza muito especializada e você não sabe o que vai acontecer
nessa audiência, de repente você marca uma audiência para ser
realizada em meia hora e ela demora três horas. É uma coisa
imprevisível.
E o que nós tentamos resolver aqui é o conflito daquela pessoa e às
vezes isso demora. Mas a pessoa passa um dia inteiro aqui, mas
resolve, a gente não fica, manda uma pessoa para um canto, manda
para outro. A gente procura resolver tudo aqui exatamente para não
vitimizar mais aquela pessoa que não merece sofrer, que não agüenta
mais
E ainda a gente tem que fazer todo esse trabalho sobre a violência,
conscientizar a mulher de que ela não é culpada.
A gente encaminha sempre para o Centro de Referência tem o
CERAM do Estado e o do Município Francisca Clotilde que é muito
bom.
Quando a mulher está querendo desistir do processo e a gente não
consegue demovê-las eu encaminho para que o Centro de Referência
faça mais um trabalho além do que o que é feito aqui.
Mas é que cada processo é tratado de uma forma individualizada,
cada pessoa é realmente ouvida, o setor psicossocial procura arrastar
a história de vida da pessoa toda para tentar descobrir o nascedouro
84
daquela violência. Porque que aquela mulher se sujeita aquela
violência, porque que aquele homem pratica essa violência.
Então o nosso atendimento aqui é para o homem e para a mulher,
porque entendemos que só punir não vai resolver o problema da
violência e nem resolve, só punir não resolve problema de nada,
porque estão os nossos presídios, cada vez mais lotados,
passaram por longas reformas, mas nada disso diminuiu a violência a
pessoa sai de lá, como se diz, é a universidade do crime sai pior.
Se a gente bota uma pessoa presa pelo processo da Lei Maria da
Penha não vai adiantar, então a punição só, não resolve. É importante
a prisão, foi uma conquista muito grande essas medidas protetivas, a
pessoa ser presa por causa da medida protetiva. A prisão é uma
coisa muito positiva, mas ela não é tudo, ela não resolve.
F.M. – Promotora de Justiça representante do Ministério Público no
Juizado de violência Doméstica e Familiar contra a Mulher:
A Lei Maria da Penha foi assinada pelo Presidente Lula no dia 07 de
agosto de 2006. Essa lei trouxe inúmeras mudanças no dia a dia dos
brasileiros.
Antes da lei se você cometia um crime de injúria, difamação, lesão
leve entre outros, iam para os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
Lá, primeiro, o réu se livrava solto, ele não ia preso por cometer
violência doméstica. Segundo, ele chegando ocorria a composição
civil, havendo a composição não existia mais o processo criminal. Se
fosse um crime de ação pública incondicionada havia a transação, o
Ministério Público propunha a transação penal. Se ele não aceitasse a
transação penal e ele não pudesse ser oferecido por outro motivo, o
Ministério Público denunciava, mas o réu tinha direito à suspensão
processual. O que acontecia era que ou esses crimes decaíam se
fosse ação pública condicionada e não era simplesmente aplicada
nenhuma pena, se ele fosse condenado, prestava cestas básicas.
85
A Lei Maria da Penha proibiu tudo isso: o sursis processual; proibiu
transação penal; proibiu a prestação de cestas básicas; quer dizer,
autorizou a prisão em flagrante, mesmo crime cuja pena mínima era
um mês, dois meses, autorizou também a prisão preventiva, quer
dizer, se ele fosse preso no momento do crime, a juíza deferia uma
medida protetiva, se ele descumprisse, tinha elementos para pedir
a prisão preventiva.
Então, de repente um crime que não era visto, só se sabia que existia,
mas de repente tem-se uma quantidade imensa de mulheres que são
vítimas de violência doméstica. A gente começou esse juizado só tem
um ano, a gente começou com zero processo, hoje a gente está com
5.000 processos. Então quer dizer é um vôo enfim acreditável. Entram
aqui 500 processos por mês, geralmente uma Vara tem 400, 500
processos e aqui entram 500 por mês, é mais do que todas as outras
varas criminais reunidas, a gente tem em média de 10 a 15 réus
presos por final de semana, diariamente vem uma média de 3
mulheres pedir a prisão preventiva.
E o cotidiano aqui do juizado ele vem sendo bem pesado, a juíza
marca audiências e mais audiências. Hoje a gente foi para um
Seminário de 20 estagiários que serão sediados aqui no Ministério
Público, foram admitidos através de uma seleção que contou com 400
inscritos.
E nós iniciaremos agora a implementação das políticas públicas de
combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, porque um
dos maiores desafios é exatamente a produção de políticas que
combatam essa desigualdade entre homens e mulheres. O nosso
objetivo como Ministério Público além de punir os agressores é de
investir em ações que previnam que eduquem nesse combate à
violência.
A diferença entre homens e mulheres é gritante então a gente
pretende realizar ações que promovam o empoderamento feminino. A
mulher na sociedade é muito menosprezada, ainda hoje a mulher
ganha salário menor, ela é discriminada quando grávida, em todos os
86
setores sociais. Então a mulher tem que ser respeitada e tem de
diminuir um pouco o sufoco da mulher e essas políticas vão
exatamente vir para a gente coibir essa violência que tem frutos na
sociedade e na maneira completamente machista da sociedade.
Antes de vir para o juizado eu achava que toda essa violência era
porque o Brasil era um país do mundo, pobre, mas, tem violência
domésticas nos EEUU, Suécia 40% das mulheres são vítimas de
violência doméstica, Suécia é o grande país das igualdades, EEUU
gasta por ano com violência doméstica, 67 bilhões, deixou de ser um
problema da gente, é um problema social, é um problema político,
é um problema econômico, e o número que os organismos
internacionais vêm tomando a dianteira, a gente não consegue listar
aqui nesse juizado que tem um ano, mas o Governo Federal quer
que a gente forme rede de violência doméstica com prefeituras,
estados, associações, fundações, ONGs, médicos, hospitais etc.
O Ministério Público é o titular da ação penal. A Delegacia da Mulher
manda o inquérito Policial para cá, a gente antes de oferecer a
denúncia, que início à ação penal, como o crime é condicionado à
representação nas lesões leves, 90% dessas mulheres que dão
queixa na delegacia, desistem, que elas desistem quando o
processo está andando, foi oferecida denúncia, não pode. Então
o que é que a gente está fazendo aqui, a gente vem ouvindo todos os
casos de violência contra a mulher antes do oferecimento da
denúncia. È isso mesmo que você quer? Logo depois da audiência
preliminar o processo vem para o Ministério Público e o Ministério
Público oferece a denúncia.
Para ela desistir da ação penal a gente tem que entender que ela não
está pressionada, se a gente entender que ela está pressionada a
gente manda para a ação social, para a psicóloga, elas vão fazer uma
visita a ela e a gente marca uma nova audiência, para ver se ela está
decidida, se não estiver aí a gente oferece a denúncia.
A possibilidade de você fazer políticas públicas é imensa. Vamos
fazer uma Campanha de Enfrentamento a Violência Doméstica, com
87
o apoio da Prefeitura de Fortaleza e do Governo do Estado, que terá
a duração de seis meses.
Sobre as dificuldades:
Nossa dificuldade vem especialmente da falta de pessoas, a gente
está com 5.000 processos o Ministério Público aqui precisa de outro
Promotor de justiça, a gente recebe em média de 60 processos por
dia e tudo é muito urgente.
Na verdade o que causa a violência doméstica é a desigualdade entre
o homem e a mulher. É no mundo inteiro, é cultural a gente precisa de
ações preventivas, palestras, campanhas, visitação de colégios,
campanhas para alunos contra a violência doméstica.
Quando cheguei aqui o que me chamou a atenção foi a quantidade de
mulheres que denunciam, fiquei impressionada, 2% das mulheres
vítimas de violência doméstica, denuncia. Elas acham que são
responsáveis pela violência que acontece com elas. Quando estão
apanhando, o agressor as chama de vagabunda, você está
apanhando, porque você não presta você é uma mulher ruim, porque
não fez o meu almoço, eles a convencem que ela não vale nada.
Elas não têm a menor noção do comportamento criminal dos
companheiros, elas se sentem responsáveis até porque bateu porque
homem é para bater em mulher. A família dele diz a culpa é sua e a
dela também. Mulher gosta de apanhar, mulher apanha é porque
merece.
Hoje demos um grande passo para a efetividade da Lei Maria da
Penha com a contratação de 20 estagiários e 3 funcionários para
trabalharem aqui com a Lei Maria da Penha, é uma ação juntamente
com o PRONASCI – Ministério da Justiça que a gente vai desenvolver
palestras, seminários, contatos, divulgação na mídia, a gente vai fazer
convênios, um dos projetos é a formação de promotores e delegados
populares com pessoas da comunidade que são orientadas uma vez
por semana, recebem aulas sobre violência doméstica para depois
irem trabalhar nos bairros com violência doméstica orientando as
88
mulheres, o Convênio é por um ano, para implementação da Lei
Maria da Penha.
A.C.T.B. - Defensora Pública:
Hoje em dia o Núcleo Avançado da Defensoria Pública encontra-se
instalado nas dependências do Centro Estadual de Referência e
Apoio à Mulher - CERAM, que é um serviço do Governo do Estado do
Ceará, que oferece atendimento integral e humanizado às mulheres
vítimas de violência física, psicológica e sexual, presta atendimento
de segunda à sexta das 08,00 às 17,00 horas e funciona como órgão
de suporte integral às mulheres que sofrem violência doméstica e
familiar amparadas pela Lei Maria da Penha.
O convênio Governo do Estado do Ceará, Defensoria Pública do
Estado do Ceae Universidade de Fortaleza UNIFOR não existe
mais por conta de um projeto enviado ao Ministério da Justiça em
2008 Projeto da Defensoria Pública de Enfrentamento à Violência
contra a Mulher - para a liberação de recursos do Programa Nacional
de Segurança e Cidadania - PRONASCI que renomeou o núcleo para
Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher.
Esse projeto visa a compra de equipamentos para o Núcleo e adquirir
uma sede própria para instalar esses equipamentos visando atender
um número maior de mulheres.
Antes da Lei Maria da Penha tinha uma defensora, a partir desse
projeto do PRONASCI tem quatro defensoras. A meta é atender 4.800
mulheres por ano.
A lei está se efetivando, as pessoas têm a noção, inclusive está
bem enraizada no consciente coletivo das pessoas já se fala já se tem
noção no acréscimo do número de denúncias na Delegacia, não
significa que houve um aumento da violência, mas da procura.
89
A Delegacia tem dois Centros de Referência um do Estado e um do
Município; dois abrigos, um do Estado e um do Município, antes
tinha um Centro de Referência e um abrigo.
Foram criados dois Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra
a Mulher, um em Fortaleza e um em Juazeiro do Norte, existia a maior
demanda para a criação desses juizados.
Um percentual 80% dos que procuram a Defensoria Pública é de
mulheres. No Centro de Referência atende a parte civil e criminal que
esteja dentro do conceito da violência doméstica e familiar. Com o
Núcleo a gente espera retomar a conciliação e a mediação em alguns
casos. Por enquanto não fazemos a parte amigável porque aqui é um
Centro de Referência e o endereço é meio sigiloso. Aqui não se
recebem homens, não fazem conciliação, tem psicóloga é um espaço
para mulheres.
A aplicabilidade da lei exige uma série de outras políticas, a lei não
tem apenas o caráter repressivo, prevê também prevenção, educação
que não estão efetivadas, falta implementar o caráter preventivo e
educativo.
Sobre a primeira pergunta a gente falou, foi a questão da
consciência, da consciência coletiva, a questão da segurança, da
consciência das mulheres em procurarem a delegacia, o aumento do
número de registro reflete isso. A própria pressão da sociedade para
criação dos Juizados Especializados em todo o Estado, uma
pressão muito grande para a criação de mais juizados e mais
delegacias especializadas, uma cobrança muito grande e o que a
gente é que as pessoas tomaram a lei para si. É uma lei que caiu
na consciência coletiva, todo mundo fala na Lei Maria da Penha, todo
mundo teme então mudou muito e as mulheres estão saindo mais,
estão denunciando. Isso aí é notório pela estatística. Um grande
avanço que a gente pode apontar é esse. As mulheres estão saindo
do silêncio e estão denunciando.
90
E outra coisa é a questão das medidas protetivas, que são medidas
de prevenção, é um procedimento, é como se fosse uma medida
cautelar. São muito importantes essas medidas protetivas, pois dão
segurança para as mulheres, uma forma mais rápida para essas
mulheres denunciarem os seus agressores. Elas achavam que
penalizava muito os homens. Quando chegam aqui a gente explica
para elas que podem pedir uma medida protetiva para a segurança
delas que não necessariamente implique numa ação penal, um
processo penal contra o agressor.
Quanto as denúncias registradas 10% viram Inquérito, e dos
Inquéritos para um processo criminal, é um número muito pequeno.
No que se refere às dificuldades enfrentadas são justamente as
mesmas que faltam ser implementadas, que são as políticas de
prevenção, as próprias ações de repressão, ter mais delegacias, ter
mais juizados, ter mais defensoria, ter um centro de referência do
agressor.
A Defensoria enviou para o Conselho Cearense dos Direitos das
Mulheres um projeto para criação de um Núcleo independente, pois
trabalhamos dentro de outra entidade. Aqui não para se fazer uma
conciliação, eu não posso chamar o homem, de repente, porque aqui
é um Centro de Referência da Mulher, não que eu vá querer fazer um
aconselhamento familiar, não é isso, eu estou querendo chamar para
pontuar, por exemplo, um acordo de alimentos enquanto a gente não
está levando o procedimento adiante. Não estou falando de mediação
familiar, de reestruturação da família, de diálogo, não. Mas eu não
estou podendo exercer o papel da Defensoria porque estou na casa
alheia e tenho que me adequar às regras dos outros. O projeto é para
ter esse núcleo, porque aqui é o Centro de Referência da Mulher, tem
psicóloga, assistente social, tem médicos, é voltado para a área da
saúde da mulher, não tem nada a ver com o homem.
Meu projeto é para ter esse núcleo, para capacitar todos os
defensores, inclusive os que estão no interior do Estado, não tem
91
um juizado, às vezes não tem uma delegacia especializada, precisa
conhecer bem a Lei.
Com essa pesquisa de campo, pode-se observar que a Lei Maria da
Penha que visa a coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a
mulher trouxe muitas mudanças para os operadores do Direito, assim como
para toda a sociedade, mas verificou-se que a estrutura para aplicação dessa
Lei está longe de ser a ideal.
Analisando-se tudo o que foi explicitado por essas cinco
entrevistadas, nota-se em todas elas uma preocupação em oferecer não um
amparo para as mulheres que se encontram em situação de violência
doméstica e familiar, mas resolver em definitivo o problema, já que agora
contam com um instrumento hábil a lhes oferecer suporte no enfrentamento da
violência.
Por mais esforço que se faça, porém, é urgente o desenvolvimento
de políticas públicas que visem a implementar as medidas integradas de
prevenção e as medidas protetivas previstas, pois a Lei 11.340/06, além do
aspecto repressivo, traz medidas de caráter preventivo e educativo.
É imperiosa a criação de núcleos da Defensoria Pública, juizados de
violência doméstica e familiar em todos os lugares, delegacias especializadas
precisam ser instaladas em municípios de mais de 70.000 habitantes. Eles
existem em 14 municípios, faltam centros de reabilitação para os agressores,
pois de nada adianta somente prender o agressor, uma vez que ele precisa
ser, além de tudo, reintegrado à sociedade reabilitado, e as mulheres, por sua
vez, precisam ter consciência de que o mal que as aflige deve ser encarado
como um problema decorrente da situação de desigualdade a que são
expostas.
Na lição de Socorro Osterne (2008, p. 274),
A emancipação cultural e existencial do conjunto da sociedade, dos
homens e das mulheres, pressupõe muito esforço de pedagogia social
92
direcionado à ruptura do “apartheid” feminino. Sem a aderência de
uma cidadania ativa e das instituições dirigentes do corpo social em
torno de um ideal igualitário, certamente, se terão frustradas as
conquistas normativas que respaldam a igualdade entre os sexos.
Nesse sentido, convém lembrar a participação da sociedade civil e o
envolvimento da opinião coletiva como a única fonte genuína de
acesso à condição cidadã.
93
7 CONCLUSÃO
Este trabalho de pesquisa proporcionou um conhecimento mais
profundo da Lei Maria da Penha como política pública e sua efetividade no
combate à questão da violência doméstica e familiar contra a mulher, mediante
uma análise de como acontece sua aplicação.
Abordou-se o problema da violência contra a mulher, pois hoje em
dia se convive com um elevado índice de violência doméstica contra as
mulheres, fato que traz consequências muito graves, e que geralmente não
recebe por parte do Estado o necessário atendimento.
Essa maior proteção às mulheres torna-se imperiosa em virtude dos
prejuízos historicamente sofridos por elas em face de uma suposta
superioridade masculina, justificadora de atos de preconceitos, discriminações,
hostilidades e todo tipo de violência contra seu gênero.
Sabe-se que, no trato da desigualdade de gênero, é importante
articular o direito à igualdade com o direito à diferença. Não é o caso de
recusar a diferença, pois ela existe, mas de entender o que essa diferença
designa; ou seja, o que designa a diferença que um homem expressa e o que
designa a diferença que uma mulher exprime. A diferença existe, isso é um
fato, mas não justifica tratamentos discriminatórios. E, nessa perspectiva,
dentro dessa lógica, o direito à diferença amplia e aprofunda o direito à
igualdade.
Evidenciou-se o papel do Estado na luta pela igualdade de gênero e
confirmou-se a dimensão das políticas blicas destinadas ao combate à
violência doméstica e familiar contra as mulheres, como fundamento do resgate
da questão dos direitos humanos das mulheres com sua consequente inclusão
social como forma de acesso à cidadania.
Sabendo-se que uma lei não se faz de um dia para outro, evidenciou-
94
se o papel dos movimentos sociais e dos movimentos de mulheres, como uma
tomada de consciência acerca das condições a que estavam sendo submetidas
e da desigualdade entre homens e mulheres, desde os primórdios da
humanidade, ressaltando-se o trabalho de Bertha Lutz, uma das pioneiras do
feminismo no Brasil, mostrando-se que hoje a sociedade está mais consciente
dos valores e possibilidades das mulheres, mas que o feminismo não acabou,
sendo necessário que haja mais solidariedade e ampliação da cidadania.
Percorreu-se o panorama internacional das conquistas dos direitos
das mulheres, mostrando-se que um texto legal revela toda uma história e que
o Direito vai expressar, em termos de positividade, o resultado da leitura social
do processo histórico da sociedade.
Pressupondo-se que as conferências internacionais, convenções e
tratados são mais avançados do que a legislação específica de cada país,
adentrou-se o estudo das conferências, tais como A Conferência Nacional de
Políticas para as Mulheres, onde foram elaboradas políticas e estratégias para
o Plano Nacional de Políticas para Mulheres; das convenções, especificamente
a Convenção Sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra
a Mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher Convenção do Belém do Pará, que subsidiaram a
elaboração da Lei Maria da Penha, e dos tratados que o Brasil vai ratificando e
que vão resultar em questões internas reconhecidas pela Constituição Federal.
Prosseguindo-se no estudo da Lei Maria da Penha, elaborou-se seu
histórico e mostrou-se como ocorreu o seu surgimento, após vinte e dois anos
da luta incansável de Maria da Penha, mesmo tendo sofrido duas tentativas de
homicídio por parte de seu ex-marido e que hoje permanece presa em uma
cadeira de rodas, enquanto ele se encontra em liberdade.
Tendo-se em vista que a lei Maria da Penha entrou em vigor
pouco mais de dois anos, se procurou averiguar a sua efetividade por meio de
uma investigação de como ocorre a sua aplicação no Estado do Ceará,
particularmente no Município de Fortaleza. Para isso, foram efetuadas
95
pesquisas na Delegacia de Defesa da Mulher DDM, no Juizado de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher e na Defensoria Pública, expondo-se
objetivamente o novo tratamento e as formas de assistência que vêm sendo
dispensadas às mulheres em situação de violência.
Na Delegacia de Defesa da Mulher, foram colhidos dados e, por meio
gráficos, mostrou-se a aplicação da lei, pois o número de denúncias está
sempre aumentando e os procedimentos tomados estão se diversificando,
atestando assim sua efetividade.
Utilizando-se de entrevista semiestruturada, houve-se por bem
investigar as mudanças ocorridas nos operadores do Direito e na sociedade,
após a vigência da Lei Maria da Penha, bem como as dificuldades enfrentadas
na sua aplicação, concluindo-se que, antes da lei, a idéia corrente era de que o
problema da violência doméstica e familiar contra a mulher fazia parte do
espaço privado das pessoas e somente a elas competia dar uma solução.
Como as mulheres se achavam desamparadas, pouco ou nada faziam e, assim
como estas, a sociedade machista e desigual aceitava tudo passivamente.
Sentiu-se que cada vez mais se torna necessária a formação de uma
consciência social fundamentada no resgate dos direitos humanos, como forma
de promover a cidadania, pois, da mesma forma que os direitos humanos se
dirigem a todos os participantes da sociedade, todos eles devem ser
comprometidos no respeito a esses direitos.
Deduziu-se que a Lei Maria da Penha, além do caráter repressivo,
função do Direito, traz medidas de amplo espectro político, social e econômico,
as medidas de prevenção e as medidas protetivas, e necessária se torna a
integração dos diversos segmentos da sociedade numa luta conjunta de
cooperação entre as Ciências Sociais, com o desenvolvimento de políticas
públicas que viabilizem o atingimento dos fins a que ela se propõe. O problema
maior diz respeito à implementação das políticas públicas, imprescindíveis para
atender o preconizado na lei, que diz em seu art. 3º, parágrafo 1º- O poder
público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das
96
mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de
resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
Enfim, concluiu-se que, para efetividade da Lei Maria da Penha, é
fundamental o papel do Estado com o emprego de suas políticas públicas,
sobretudo nas áreas da ação social, da segurança pública, da saúde, da
educação e da justiça. Não se esquecendo, no entanto, de que, por ser a
violência contra a mulher um fenômeno transversal, não dispensa o
envolvimento de muitas outras áreas para o seu enfrentamento.
Por tencionar-se prestar uma justa homenagem a Maria da Penha,
por toda sua luta na concretização dessa lei, transcreveu-se a seguir sua fala
durante o Curso Multidisciplinar sobre a Violência Doméstica e Familiar contra
a Mulher, realizado em agosto/2008, com apoio da Escola da Magistratura
ESMEC, Escola Superior do Ministério Público – EMP.
“Eu gostaria de falar, sintetizar os meus sentimentos agora, através
da minha fala e dizer que eu entendo que esse é um encontro muito
feliz por se tratar de mais uma oportunidade para consolidar a
importância da correta aplicação da lei federal que veio não para punir
os homens, mas para punir os homens agressores.
exatamente dois anos as mulheres brasileiras foram
presenteadas com a Lei 11.340 cujo maior mérito foi o de definir como
crime a violência doméstica e familiar.
Daquele dia até hoje, as mulheres desse país têm enfrentado uma
luta ferrenha para que essa lei, de fato se efetive e não se transforme
como é o desejo de alguns, em letra morta.
Sempre que alguém se insurge contra a lei, as mulheres impunham
suas bandeiras, vão à luta e às ruas, numa atitude de repudio
indignação e não basta contra a violência.
97
Já tacharam a lei de diabólica, já tentaram desconstruir a minha
história de luta e tentam a todo custo conseguir a declaração da
inconstitucionalidade da lei.
Mas tudo isso não passa de tentativa para reconstruir o império
machista de dominação sobre as mulheres, que agora finalmente
sinaliza um novo alvorecer,
Temos constatado que nesses quase dois anos de aplicação da lei,
nas cidades aonde ela foi devidamente implementada, as mulheres
passaram a acreditar nas instituições.
Em Fortaleza segundo estatística da Delegacia da Mulher, as
denúncias aumentaram em 45% e as reincidências praticamente não
existem.
Observamos uma maior procura aos Centros de Referência da
Mulher, sendo que o da Prefeitura de Fortaleza atendeu em dois anos
de funcionamento cerca de 3000 mulheres.
O maior hospital de emergência da rede pública de Fortaleza
apresentou no ano passado em relação ao ano de 2006, uma
diminuição de 57% no atendimento de mulheres machucadas
fisicamente em decorrência da violência doméstica.
No que diz respeito aos opositores, convém lembrar que a resistência
sempre foi um problema enfrentado por quem se propõe a mudanças.
Esse fato absolutamente não nos preocupa, os opositores sempre
estiveram presentes na nossa história.
Houve quem resistisse a Abolição dos Escravos, à redemocratização
do país, mas também houve quem resistisse ao domínio holandês, à
ditadura militar, resistências heróicas como a da Inconfidência, a dos
Palmares, dos Canudos, Farroupilhas e o movimento pelas Direta Já.
Precisamos urgentemente capacitar todas as pessoas envolvidas na
aplicação da lei.
98
Precisamos interiorizar os Juizados de Violência Doméstica contra a
Mulher e os Juizados do interior abrangem o maior número de
municípios circunvizinhos para que todas as mulheres possam ser
atendidas.
Outro ponto fundamental é a inclusão nos currículos escolares de
disciplinas e práticas que enfoquem as questões de gênero, para que
as crianças desde as primeiras letras tenham noção de respeito às
mulheres, dentro de uma lógica de aceitação da diferença e igualdade
de direitos.
Eu e o restante das mulheres deste país que perfazemos um total de
52% da população brasileira estamos firmes e convictas de que a Lei
Maria da Penha é a mais constitucional das leis, pois visa além do
resgate da dignidade da pessoa humana, visa também coibir o
fenômeno da violência doméstica que nesse país é a responsável
pelo espancamento de uma mulher a cada 20 segundos e não é essa
a realidade que nós queremos para nossas filhas, nossas netas,
enfim, nossas descendentes mulheres.
Portanto, estamos conscientes de que a nossa mais alta Corte de
Justiça jamais negará às mulheres brasileiras, um direito que
historicamente já nos foi negado ao longo de 500 anos.
Quinhentos anos de opressão pela concepção patriarcalista da nossa
sociedade.
Basta de preconceito e basta de impunidade!”
99
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104
ANEXOS
105
ANEXO A
ESTADO DO CEARÁ
SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA DA CIDADANIA
POLÍCIA CIVIL
DPE/DELEGACIA DE DEFESA DA MULHER FORTALEZA
ESTATÍSTICA GERAL REFERENTE AO ANO DE 2006
106
107
ESTADO DO CEARÁ
SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA DA CIDADANIA
POLÍCIA CIVIL
DPE/DELEGACIA DE DEFESA DA MULHER FORTALEZA
ESTATÍSTICA GERAL REFERENTE AO ANO DE 2007
108
109
ESTADO DO CEARÁ
SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA DA CIDADANIA
POLÍCIA CIVIL
DPE/DELEGACIA DE DEFESA DA MULHER FORTALEZA
ESTATÍSTICA GERAL REFERENTE AO ANO DE 2008
110
111
ANEXO B
LEI 11.340 de 07 de agosto de 2006.
Cria mecanismos para coibir a violência doméstica
e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do
art. 226 da Constituição Federal, da Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres e da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação
dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher; altera o Código de Processo
Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal;
e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
TÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da
Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados
internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a
criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e
estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de
violência doméstica e familiar.
Art. Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia,
orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos
direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as
oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde
física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
Art. Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício
efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à
cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à
cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e
comunitária.
§ 1º O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os
direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares
112
no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
§ Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições
necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.
Art. Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a
que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em
situação de violência doméstica e familiar.
TÍTULO II
DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 5º Para os efeitos desta Lei configura violência doméstica e
familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe
cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço
de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada
por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços
naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou
tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo
independem de orientação sexual.
Art. A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma
das formas de violação dos direitos humanos.
CAPÍTULO II
DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CONTRA A MULHER
Art. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher,
entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua
integridade ou saúde corporal;
113
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe
cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e
perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas
ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante,
perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e
limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à
saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a
constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não
desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza
a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a
impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à
gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou
manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e
reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que
configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos,
instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou
recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure
calúnia, difamação ou injúria.
TÍTULO III
DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CAPÍTULO I
DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO
Art. A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar
contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-
governamentais, tendo por diretrizes:
I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e
da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social,
saúde, educação, trabalho e habitação;
II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras
informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia,
concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência
doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem
unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas
adotadas;
114
III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e
sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que
legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o
estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art.
221 da Constituição Federal;
IV - a implementação de atendimento policial especializado para as
mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;
V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção
da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e
à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção
aos direitos humanos das mulheres;
VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros
instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre
estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de
programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;
VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda
Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos
e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou
etnia;
VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores
éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva
de gênero e de raça ou etnia;
IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino,
para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de
raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.
CAPÍTULO II
DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR
Art. A assistência à mulher em situação de violência doméstica e
familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as
diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de
Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e
políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.
§ O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em
situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas
assistenciais do governo federal, estadual e municipal.
§ O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e
familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:
115
I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da
administração direta ou indireta;
II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o
afastamento do local de trabalho, por até seis meses.
§ A assistência à mulher em situação de violência doméstica e
familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do
desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção
de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e
da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos
médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.
CAPÍTULO III
DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL
Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica
e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da
ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao
descumprimento de medida protetiva de urgência deferida.
Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e
familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:
I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de
imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;
II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto
Médico Legal;
III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para
abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;
IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada
de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;
V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os
serviços disponíveis.
Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a
mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de
imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no
Código de Processo Penal:
I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a
representação a termo, se apresentada;
116
II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato
e de suas circunstâncias;
III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente
apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas
protetivas de urgência;
IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da
ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;
V - ouvir o agressor e as testemunhas;
VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua
folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão
ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;
VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao
Ministério Público.
§ 1º O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial
e deverá conter:
I - qualificação da ofendida e do agressor;
II - nome e idade dos dependentes;
III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela
ofendida.
§ 2o A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no §
1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em
posse da ofendida.
§ 3o Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários
médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.
TÍTULO IV
DOS PROCEDIMENTOS
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 13. Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e
criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a
mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo
Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso
que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.
117
Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão
ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados,
para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática
de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário
noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.
Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos
cíveis regidos por esta Lei, o Juizado:
I - do seu domicílio ou de sua residência;
II - do lugar do fato em que se baseou a demanda;
III - do domicílio do agressor.
Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da
ofendida de que trata esta Lei, será admitida a renúncia à representação
perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes
do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.
Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e
familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação
pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento
isolado de multa.
CAPÍTULO II
DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA
Seção I
Disposições Gerais
Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao
juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:
I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas
protetivas de urgência;
II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência
judiciária, quando for o caso;
III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências
cabíveis.
Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas
pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.
118
§ As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de
imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do
Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.
§ As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou
cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de
maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem
ameaçados ou violados.
§ 3º Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da
ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas
concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares
e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.
Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal,
caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a
requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade
policial.
Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no
curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de
novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos
ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão,
sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.
Parágrafo único. A ofendida não poderá entregar intimação ou
notificação ao agressor.
Seção II
Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a
mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor,
em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência,
entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com
comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de
dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a
ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
119
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas,
fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer
meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a
integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores,
ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
§ As medidas referidas neste artigo o impedem a aplicação de
outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida
ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao
Ministério Público.
§ Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor
nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de
22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação
ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a
restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor
responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer
nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.
§ Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência,
poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
§ Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o
disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro
de 1973 (Código de Processo Civil).
Seção III
Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras
medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou
comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao
respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos
direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
120
IV - determinar a separação de corpos.
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou
daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar,
liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à
ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de
compra venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa
autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por
perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e
familiar contra a ofendida.
Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins
previstos nos incisos II e III deste artigo.
CAPÍTULO III
DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Art. 25. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas
cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições,
nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando
necessário:
I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de
assistência social e de segurança, entre outros;
II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento
à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato,
as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer
irregularidades constatadas;
III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.
CAPÍTULO IV
DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA
121
Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em
situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de
advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.
Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e
familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência
Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante
atendimento específico e humanizado.
TÍTULO V
DA EQUIPE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR
Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento
multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas
psicossocial, jurídica e de saúde.
Art. 30. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras
atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios
por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante
laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação,
encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o
agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes.
Art. 31. Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais
aprofundada, o juiz pode determinar a manifestação de profissional
especializado, mediante a indicação da equipe de atendimento multidisciplinar.
Art. 32. O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta
orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da equipe
de atendimento multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.
TÍTULO VI
DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS
Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica
e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências
cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de
violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do
Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.
Parágrafo único. Se garantido o direito de preferência, nas varas
criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput.
122
TÍTULO VII
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 34. A instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher poderá ser acompanhada pela implantação das curadorias
necessárias e do serviço de assistência judiciária.
Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão
criar e promover, no limite das respectivas competências:
I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e
respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;
II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em
situação de violência doméstica e familiar;
III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e
centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em
situação de violência doméstica e familiar;
IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e
familiar;
V - centros de educação e de reabilitação para os agressores.
Art. 36. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
promoverão a adaptação de seus órgãos e de seus programas às diretrizes e
aos princípios desta Lei.
Art. 37. A defesa dos interesses e direitos transindividuais previstos
nesta Lei poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Ministério Público e por
associação de atuação na área, regularmente constituída pelo menos um
ano, nos termos da legislação civil.
Parágrafo único. O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado
pelo juiz quando entender que não outra entidade com representatividade
adequada para o ajuizamento da demanda coletiva.
Art. 38. As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a
mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de
Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e
informações relativo às mulheres.
Parágrafo único. As Secretarias de Segurança blica dos Estados e do
Distrito Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de
dados do Ministério da Justiça.
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no limite
de suas competências e nos termos das respectivas leis de diretrizes
123
orçamentárias, poderão estabelecer dotações orçamentárias específicas, em
cada exercício financeiro, para a implementação das medidas estabelecidas
nesta Lei.
Art. 40. As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras
decorrentes dos princípios por ela adotados.
Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra
a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099,
de 26 de setembro de 1995.
Art. 42. O art. 313 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941
(Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV:
Art. 313. [...]
IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a
mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução
das medidas protetivas de urgência. (NR)
Art. 43. A alínea f do inciso II do art. 61 do Decreto-Lei no 2.848, de 07
de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 61. [...]
II – [...]
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações
domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com
violência contra a mulher na forma da lei específica;
[...] (NR)
Art. 44. O art. 129 do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940
(Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 129. [...]
§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente,
irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou
tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das
relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
[...]
§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será
aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa
portadora de deficiência. (NR)
Art. 45. O art. 152 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de
Execução Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 152. [...]
Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a
mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório
do agressor a programas de recuperação e reeducação. (NR)
Art. 46. Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua
publicação.
124
Brasília, 07 de agosto de 2006; 185º da Independência e 118o da
República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Dilma Rousseff
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 8.8.2006
125
ANEXO C
CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE
ELIMINAÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER
RATIFICAÇÃO: 31.03.81
EMENTA: DISPÕE SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE
DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER
Os Estados-partes na presente Convenção,
Considerando que a Carta das Nações Unidas reafirma a nos direitos
humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na
igualdade de direitos do homem e da mulher,
Considerando que a Declaração Universal dos Direitos Humanos reafirma o
princípio da não-discriminação e proclama que todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que toda pessoa pode invocar
todos os direitos e liberdades proclamados nessa Declaração, sem distinção
alguma, inclusive de sexo,
Considerando que os Estados-partes nas Convenções Internacionais sobre
Direitos Humanos têm a obrigação de garantir ao homem e à mulher a
igualdade de gozo de todos os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e
políticos,
Observando, ainda, as resoluções, declarações e recomendações
aprovadas pelas Nações Unidas e pelas agências especializadas para
favorecer a igualdade de direitos entre o homem e a mulher,
Preocupados, contudo, com o fato de que, apesar destes diversos
instrumentos, a mulher continue sendo objeto de grandes discriminações,
Relembrando que a discriminação contra a mulher viola os princípios da
igualdade de direitos e do respeito da dignidade humana, dificulta a
participação da mulher, nas mesmas condições que o homem, na vida política,
social, econômica e cultural de seu país, constitui um obstáculo ao aumento do
bem-estar da sociedade e da família e dificulta o pleno desenvolvimento das
potencialidades da mulher para prestar serviço a seu país e à humanidade,
Preocupados com o fato de que, em situações de pobreza, a mulher tem
um acesso mínimo à alimentação, à saúde, à educação, à capacitação e às
oportunidades de emprego, assim como à satisfação de outras necessidades,
126
Convencidos de que o estabelecimento da nova ordem econômica
internacional baseada na equidade e na justiça contribuirá significativamente
para a promoção da igualdade entre o homem e a mulher,
Salientando que a eliminação do apartheid, de todas as formas de racismo,
discriminação racial, colonialismo, neocolonialismo, agressão, ocupação
estrangeira e dominação e interferência nos assuntos internos dos Estados é
essencial para o pleno exercício dos direitos do homem e da mulher,
Afirmando que o fortalecimento da paz e da segurança internacionais, o
alívio da tensão internacional, a cooperação mútua entre todos os Estados,
independentemente de seus sistemas econômicos e sociais, o desarmamento
geral e completo, e em particular o desarmamento nuclear sob um estrito e
efetivo controle internacional, a afirmação dos princípios de justiça, igualdade e
proveito mútuo nas relações entre países e a realização do direito dos povos
submetidos a dominação colonial e estrangeira e a ocupação estrangeira, à
autodeterminação e independência, bem como o respeito da soberania
nacional e da integridade territorial, promoverão o progresso e o
desenvolvimento sociais, e, em consequência, contribuirão para a realização
da plena igualdade entre o homem e a mulher,
Convencidos de que a participação máxima da mulher, em igualdade de
condições com o homem, em todos os campos, é indispensável para o
desenvolvimento pleno e completo de um país, para o bem-estar do mundo e
para a causa da paz.
Tendo presente a grande contribuição da mulher ao bem-estar da família e
ao desenvolvimento da sociedade, até agora não plenamente reconhecida, a
importância social da maternidade e a função dos pais na família e na
educação dos filhos, e conscientes de que o papel da mulher na procriação não
deve ser causa de discriminação, mas sim que a educação dos filhos exige a
responsabilidade compartilhada entre homens e mulheres e a sociedade como
um conjunto,
Reconhecendo que para alcançar a plena igualdade entre o homem e a
mulher é necessário modificar o papel tradicional tanto do homem, como da
mulher na sociedade e na família,
Resolvidos a aplicar os princípios enunciados na Declaração sobre a
Eliminação da Discriminação contra a Mulher, e, para isto, a adotar as medidas
necessárias a fim de suprimir essa discriminação em todas as suas formas e
manifestações,
Concordam no seguinte:
PARTE I
127
Artigo - Para fins da presente Convenção, a expressão
"discriminação contra a mulher" significará toda distinção, exclusão ou restrição
baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o
reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu
estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos
humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social,
cultural e civil ou em qualquer outro campo.
Artigo - Os Estados-partes condenam a discriminação contra a
mulher em todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios
apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação
contra a mulher, e com tal objetivo se comprometem a:
a) consagrar, se ainda não o tiverem feito, em suas Constituições
nacionais ou em outra legislação apropriada, o princípio da igualdade do
homem e da mulher e assegurar por lei outros meios apropriados à realização
prática desse princípio;
b) adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as
sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher;
c) estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher em uma
base de igualdade com os do homem e garantir, por meio dos tribunais
nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da
mulher contra todo ato de discriminação;
d) abster-se de incorrer em todo ato ou prática de discriminação
contra a mulher e zelar para que as autoridades e instituições públicas atuem
em conformidade com esta obrigação;
e) tomar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação
contra a mulher praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa;
f) adotar todas as medidas adequadas, inclusive de caráter
legislativo, para modificar ou derrogar leis, regulamentos, usos e práticas que
constituam discriminação contra a mulher;
g) derrogar todas as disposições penais nacionais que constituam
discriminação contra a mulher.
Artigo 3º - Os Estados-partes tomarão, em todas as esferas e, em
particular, nas esferas política, social, econômica e cultural, todas as medidas
apropriadas, inclusive de caráter legislativo, para assegurar o pleno
desenvolvimento e progresso da mulher, com o objetivo de garantir-lhe o
exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais em
igualdade de condições com o homem.
128
Artigo 4º -
1. A adoção pelos Estados-partes de medidas especiais de caráter
temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher
não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de
nenhuma maneira implicará, como consequência, a manutenção de normas
desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de
igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados.
2. A adoção pelos Estados-partes de medidas especiais, inclusive as
contidas na presente Convenção, destinadas a proteger a maternidade, não se
considerará discriminatória.
Artigo - Os Estados-partes tomarão todas as medidas apropriadas
para:
a) modificar os padrões sócio-culturais de conduta de homens e
mulheres, com vistas a alcançar a eliminação de preconceitos e práticas
consuetudinárias e de qualquer outra índole que estejam baseados na idéia da
inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções
estereotipadas de homens e mulheres.
b) garantir que a educação familiar inclua uma compreensão
adequada da maternidade como função social e o reconhecimento da
responsabilidade comum de homens e mulheres, no que diz respeito à
educação e ao desenvolvimento de seus filhos, entendendo-se que o interesse
dos filhos constituirá a consideração primordial em todos os casos.
Artigo - Os Estados-partes tomarão as medidas apropriadas,
inclusive de caráter legislativo, para suprimir todas as formas de tráfico de
mulheres e exploração de prostituição da mulher.
PARTE II
Artigo - Os Estados-partes tomarão todas as medidas apropriadas
para eliminar a discriminação contra a mulher na vida política e pública do país
e, em particular, garantirão, em igualdade de condições com os homens, o
direito a:
a) votar em todas as eleições e referendos públicos e ser elegível
para todos os órgãos cujos membros sejam objeto de eleições públicas;
b) participar na formulação de políticas governamentais e na
execução destas, e ocupar cargos públicos e exercer todas as funções públicas
em todos os planos governamentais;
c) participar em organizações e associações não-governamentais
que se ocupem da vida pública e política do país.
129
Artigo - Os Estados-partes tomarão as medidas apropriadas para
garantir à mulher, em igualdade de condições com o homem e sem
discriminação alguma, a oportunidade de representar seu governo no plano
internacional e de participar no trabalho das organizações internacionais.
Artigo 9º -
1. Os Estados-partes outorgarão às mulheres direitos iguais aos dos
homens para adquirir, mudar ou conservar sua nacionalidade. Garantirão, em
particular, que nem o casamento com um estrangeiro, nem a mudança de
nacionalidade do marido durante o casamento modifiquem automaticamente a
nacionalidade da esposa, a convertam em apátrida ou a obriguem a adotar a
nacionalidade do cônjuge.
2. Os Estados-partes outorgarão à mulher os mesmos direitos que ao
homem no que diz respeito à nacionalidade dos filhos.
PARTE III
Artigo 10 –
1. Os Estados-partes adotarão todas as medidas apropriadas para
eliminar a discriminação contra a mulher, a fim de assegurar-lhe a igualdade de
direitos com o homem na esfera da educação e em particular para assegurar,
em condições de igualdade entre homens e mulheres:
a) as mesmas condições de orientação em matéria de carreiras e
capacitação profissional, acesso aos estudos e obtenção de diplomas nas
instituições de ensino de todas as categorias, tanto em zonas rurais como
urbanas; essa igualdade deverá ser assegurada na educação pré-escolar,
geral, cnica e profissional, incluída a educação técnica superior, assim como
todos os tipos de capacitação profissional;
b) acesso aos mesmos currículos e mesmos exames, pessoal
docente do mesmo nível profissional, instalações e material escolar da mesma
qualidade;
c) a eliminação de todo conceito estereotipado dos papéis masculino
e feminino em todos os níveis e em todas as formas de ensino, mediante o
estímulo à educação mista e a outros tipos de educação que contribuam para
alcançar este objetivo e, em particular, mediante a modificação dos livros e
programas escolares e adaptação dos métodos de ensino;
d) as mesmas oportunidades para a obtenção de bolsas de estudo e
outras subvenções para estudos;
e) as mesmas oportunidades de acesso aos programas de educação
supletiva, incluídos os programas de alfabetização funcional e de adultos, com
130
vistas a reduzir, com a maior brevidade possível, a diferença de conhecimentos
existentes entre o homem e a mulher;
f) a redução da taxa de abandono feminino dos estudos e a
organização de programas para aquelas jovens e mulheres que tenham
deixado os estudos prematuramente;
g) as mesmas oportunidades para participar ativamente nos esportes
e na educação física;
h) acesso a material informativo específico que contribua para
assegurar a saúde e o bem-estar da família, incluída a informação e o
assessoramento sobre o planejamento da família.
Artigo 11 –
1. Os Estados-partes adotarão todas as medidas apropriadas para
eliminar a discriminação contra a mulher na esfera do emprego a fim de
assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, os mesmos
direitos, em particular:
a) o direito ao trabalho como direito inalienável de todo ser humano;
b) o direito às mesmas oportunidades de emprego, inclusive a
aplicação dos mesmos critérios de seleção em questões de emprego;
c) o direito de escolher livremente profissão e emprego, o direito à
promoção e à estabilidade no emprego e a todos os benefícios e outras
condições de serviço, e o direito ao acesso à formação e à atualização
profissionais, incluindo aprendizagem, formação profissional superior e
treinamento periódico;
d) o direito a igual remuneração, inclusive benefícios, e igualdade de
tratamento relativa a um trabalho de igual valor, assim como igualdade de
tratamento com respeito à avaliação da qualidade do trabalho;
e) o direito à seguridade social, em particular em casos de
aposentadoria, desemprego, doença, invalidez, velhice ou outra incapacidade
para trabalhar, bem como o direito a férias pagas;
f) o direito à proteção da saúde e à segurança nas condições de
trabalho, inclusive a salvaguarda da função de reprodução.
2. A fim de impedir a discriminação contra a mulher por razões de
casamento ou maternidade e assegurar a efetividade de seu direito a trabalhar,
os Estados-partes tomarão as medidas adequadas para:
a) proibir, sob sanções, a demissão por motivo de gravidez ou de
licença-maternidade e a discriminação nas demissões motivadas pelo estado
civil;
131
b) implantar a licença-maternidade, com salário pago ou benefícios
sociais comparáveis, sem perda do emprego anterior, antiguidade ou
benefícios sociais;
c) estimular o fornecimento de serviços sociais de apoio necessários
para permitir que os pais combinem as obrigações para com a família com as
responsabilidades do trabalho e a participação na vida pública, especialmente
mediante o fomento da criação e desenvolvimento de uma rede de serviços
destinada ao cuidado das crianças;
d) dar proteção especial às mulheres durante a gravidez nos tipos de
trabalho comprovadamente prejudiciais a elas.
3. A legislação protetora relacionada com as questões
compreendidas neste artigo será examinada periodicamente à luz dos
conhecimentos científicos e tecnológicos e se revista, derrogada ou
ampliada, conforme as necessidades.
Artigo 12 –
1. Os Estados-partes adotarão todas as medidas apropriadas para
eliminar a discriminação contra a mulher na esfera dos cuidados médicos, a fim
de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, o acesso
a serviços médicos, inclusive referentes ao planejamento familiar.
2. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 1º, os Estados-partes
garantirão à mulher assistência apropriada em relação à gravidez, ao parto e
ao período posterior ao parto, proporcionando assistência gratuita quando
assim for necessário, e lhe assegurarão uma nutrição adequada durante a
gravidez e a lactância.
Artigo 13 - Os Estados-partes adotarão todas as medidas
apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher em outras esferas
da vida econômica e social, a fim de assegurar, em condições de igualdade
entre os homens e mulheres, os mesmos direitos, em particular:
a) o direito a benefícios familiares;
b) o direito a obter empréstimos bancários, hipotecas e outras formas
de crédito financeiro;
c) o direito de participar em atividades de recreação, esportes e em
todos os aspectos da vida cultural.
Artigo 14 –
1. Os Estados-partes levarão em consideração os problemas
específicos enfrentados pela mulher rural e o importante papel que
desempenha na subsistência econômica de sua família, incluído seu trabalho
em setores não-monetários da economia, e tomarão todas as medidas
132
apropriadas para assegurar a aplicação dos dispositivos desta Convenção à
mulher das zonas rurais.
2. Os Estados-partes adotarão todas as medidas apropriadas para
eliminar a discriminação contra a mulher nas zonas rurais, a fim de assegurar,
em condições de igualdade entre homens e mulheres, que elas participem no
desenvolvimento rural e dele se beneficiem, e em particular assegurar-lhes-ão
o direito a:
a) participar da elaboração e execução dos planos de
desenvolvimento em todos os níveis;
b) ter acesso a serviços médicos adequados, inclusive informação,
aconselhamento e serviços em matéria de planejamento familiar;
c) beneficiar-se diretamente dos programas de seguridade social;
d) obter todos os tipos de educação e de formação, acadêmica e
não-acadêmica, inclusive os relacionados à alfabetização funcional, bem como,
entre outros, os benefícios de todos os serviços comunitários e de extensão, a
fim de aumentar sua capacidade técnica;
e) organizar grupos de auto-ajuda e cooperativas, a fim de obter
igualdade de acesso às oportunidades econômicas mediante emprego ou
trabalho por conta própria;
f) participar de todas as atividades comunitárias;
g) ter acesso aos créditos e empréstimos agrícolas, aos serviços de
comercialização e às tecnologias apropriadas, e receber um tratamento igual
nos projetos de reforma agrária e de reestabelecimentos;
h) gozar de condições de vida adequadas, particularmente nas
esferas da habitação, dos serviços sanitários, da eletricidade e do
abastecimento de água, do transporte e das comunicações.
PARTE IV
Artigo 15 –
1. Os Estados-partes reconhecerão à mulher a igualdade com o
homem perante a lei.
2. Os Estados-partes reconhecerão à mulher, em matérias civis, uma
capacidade jurídica idêntica à do homem e as mesmas oportunidades para o
exercício desta capacidade. Em particular, reconhecerão à mulher iguais
direitos para firmar contratos e administrar bens e dispensar-lhe-ão um
133
tratamento igual em todas as etapas do processo nas Cortes de Justiça e nos
Tribunais.
3. Os Estados-partes convêm em que todo contrato ou outro
instrumento privado de efeito jurídico que tenda a restringir a capacidade
jurídica da mulher será considerado nulo.
4. Os Estados-partes concederão ao homem e à mulher os mesmos
direitos no que respeita à legislação relativa ao direito das pessoas, à liberdade
de movimento e à liberdade de escolha de residência e domicílio.
Artigo 16 –
1. Os Estados-partes adotarão todas as medidas adequadas para
eliminar a discriminação contra a mulher em todos os assuntos relativos ao
casamento e às relações familiares e, em particular, com base na igualdade
entre homens e mulheres, assegurarão:
a) o mesmo direito de contrair matrimônio;
b) o mesmo direito de escolher livremente o cônjuge e de contrair
matrimônio somente com o livre e pleno consentimento;
c) os mesmos direitos e responsabilidades durante o casamento e
por ocasião de sua dissolução;
d) os mesmos direitos e responsabilidades como pais, qualquer que
seja seu estado civil, em matérias pertinentes aos filhos. Em todos os casos, os
interesses dos filhos serão a consideração primordial;
e) os mesmos direitos de decidir livre e responsavelmente sobre o
número de filhos e sobre o intervalo entre os nascimentos e a ter acesso à
informação, à educação e aos meios que lhes permitam exercer esses direitos;
f) os mesmos direitos e responsabilidades com respeito à tutela,
curatela, guarda e adoção dos filhos, ou institutos análogos, quando esses
conceitos existirem na legislação nacional. Em todos os casos, os interesses
dos filhos serão a consideração primordial;
g) os mesmos direitos pessoais como marido e mulher, inclusive o
direito de escolher sobrenome, profissão e ocupação;
h) os mesmos direitos a ambos os cônjuges em matéria de
propriedade, aquisição, gestão, administração, gozo e disposição dos bens,
tanto a título gratuito quanto a título oneroso.
2. Os esponsais e o casamento de uma criança não terão efeito legal
e todas as medidas necessárias, inclusive as de caráter legislativo, serão
adotadas para estabelecer uma idade mínima para o casamento e para tornar
obrigatória a inscrição de casamentos em registro oficial.
134
PARTE V
Artigo 17 –
1. Com o fim de examinar os progressos alcançados na aplicação
desta Convenção, será estabelecido um Comitê sobre a Eliminação da
Discriminação contra a Mulher (doravante denominado "Comitê"), composto, no
momento da entrada em vigor da Convenção, de dezoito e, após sua
ratificação ou adesão pelo trigésimo quinto Estado-parte, de vinte e três peritos
de grande prestígio moral e competência na área abarcada pela Convenção.
Os peritos serão eleitos pelos Estados-partes e exercerão suas funções a título
pessoal; será levada em conta uma distribuição geográfica equitativa e a
representação das formas diversas de civilização, assim como dos principais
sistemas jurídicos.
2. Os membros do Comitê serão eleitos em votação secreta dentre
uma lista de pessoas indicadas pelos Estados-partes. Cada Estado-parte pode
indicar uma pessoa dentre os seus nacionais.
3. A primeira eleição se realizará seis meses após a data da entrada
em vigor da presente Convenção. Ao menos três meses antes da data de cada
eleição, o Secretário Geral da Organização das Nações Unidas enviará uma
carta aos Estados-partes para convidá-los a apresentar suas candidaturas no
prazo de dois meses. O Secretário Geral da Organização das Nações Unidas
organizará uma lista, por ordem alfabética, de todos os candidatos assim
designados, com indicações dos Estados-partes que os tiverem designado, e a
comunicará aos Estados-partes.
4. Os membros do Comitê serão eleitos durante uma reunião dos
Estados-partes convocada pelo Secretário Geral das Nações Unidas. Nesta
reunião, na qual o quorum será estabelecido por dois terços dos Estados-
partes, serão eleitos membros do Comitê os candidatos que obtiverem o maior
número de votos e a maioria absoluta dos votos dos representantes dos
Estados-partes presentes e votantes.
5. Os membros do Comitê serão eleitos para um mandato de quatro
anos. Entretanto, o mandato de nove dos membros eleitos na primeira eleição
expirará ao final de dois anos; imediatamente após a primeira eleição, os
nomes desses nove membros serão escolhidos, por sorteio, pelo Presidente do
Comitê.
6. A eleição dos cinco membros adicionais do Comitê realizar-se-á
em conformidade com o disposto nos parágrafos 2º, e deste artigo, após
o depósito do trigésimo quinto instrumento de ratificação ou adesão. O
mandato de dois dos membros adicionais eleitos nessa ocasião, cujos nomes
serão escolhidos, por sorteio, pelo Presidente do Comitê, expirará ao fim de
dois anos.
135
7. Para preencher as vagas fortuitas, o Estado-parte cujo perito tenha
deixado de exercer suas funções de membro do Comitê nomeará outro perito
entre seus nacionais, sob reserva da aprovação do Comitê.
8. Os membros do Comitê, mediante aprovação da Assembléia
Geral, receberão remuneração dos recursos das Nações Unidas, na forma e
condições que a Assembléia Geral decidir, tendo em vista a importância das
funções do Comitê.
9. O Secretário Geral da Organização das Nações Unidas colocará à
disposição do Comitê o pessoal e os serviços necessários ao desempenho
eficaz das funções que lhe são atribuídas em virtude da presente Convenção.
Artigo 18 - Os Estados-partes comprometem-se a submeter ao
Secretário Geral das Nações Unidas, para exame do Comitê, um relatório
sobre as medidas legislativas, judiciárias, administrativas ou outras que
adotarem para tornarem efetivas as disposições desta Convenção e dos
progressos alcançados a respeito:
a) no prazo de um ano, a partir da entrada em vigor da Convenção
para o Estado interessado; e
b) posteriormente, pelo menos a cada quatro anos e toda vez que o
Comitê vier a solicitar.
2. Os relatórios poderão indicar fatores e dificuldades que influam no
grau de cumprimento das obrigações estabelecidas por esta Convenção.
Artigo 19 –
1. O Comitê adotará seu próprio regulamento.
2. O Comitê elegerá sua Mesa para um período de dois anos.
Artigo 20 –
1. O Comitê se reunirá normalmente todos os anos, por um período
não superior a duas semanas, para examinar os relatórios que lhe sejam
submetidos, em conformidade com o artigo 18 desta Convenção.
2. As reuniões do Comitê realizar-se-ão normalmente na sede das
Nações Unidas ou em qualquer outro lugar que o Comitê determine.
Artigo 21 –
1. O Comitê, através do Conselho Econômico e Social das Nações
Unidas, informará anualmente a Assembléia Geral das Nações Unidas de suas
atividades e poderá apresentar sugestões e recomendações de caráter geral,
baseadas no exame dos relatórios e em informações recebidas dos Estados-
partes. Essas sugestões e recomendações de caráter geral serão incluídas no
136
relatório do Comitê juntamente com as observações que os Estados-partes
tenham porventura formulado.
2. O Secretário Geral das Nações Unidas transmitirá, para
informação, os relatórios do Comitê à Comissão sobre a Condição da Mulher.
Artigo 22 - As agências especializadas terão direito a estar
representadas no exame da aplicação das disposições desta Convenção que
correspondam à esfera de suas atividades. O Comitê poderá convidar as
agências especializadas a apresentar relatórios sobre a aplicação da
Convenção em áreas que correspondam à esfera de suas atividades.
PARTE VI
Artigo 23 - Nada do disposto nesta Convenção prejudicará qualquer
disposição que seja mais propícia à obtenção da igualdade entre homens e
mulheres e que esteja contida:
a) na legislação de um Estado-parte; ou
b) em qualquer outra convenção, tratado ou acordo internacional
vigente nesse Estado.
Artigo 24 - Os Estados-partes comprometem-se a adotar todas as
medidas necessárias de âmbito nacional para alcançar a plena realização dos
direitos reconhecidos nesta Convenção.
Artigo 25 –
1. A presente Convenção estará aberta à assinatura de todos os
Estados.
2. O Secretário Geral da Organização das Nações Unidas fica
designado depositário desta Convenção.
3. Esta Convenção está sujeita à ratificação. Os instrumentos de
ratificação serão depositados junto ao Secretário Geral da Organização das
Nações Unidas.
4. Esta Convenção está aberta à adesão de todos os Estados. Far-
se-á a adesão mediante depósito do instrumento de adesão junto ao Secretário
Geral das Nações Unidas.
Artigo 26 –
1. Qualquer Estado-parte poderá, em qualquer momento, formular
pedido de revisão desta Convenção, mediante notificação escrita dirigida ao
Secretário Geral da Organização das Nações Unidas.
137
2. A Assembléia Geral das Nações Unidas decidirá sobre as
medidas a serem tomadas, se for o caso, com respeito a esse pedido.
Artigo 27 –
1. A presente Convenção entrará em vigor no trigésimo dia a contar
da data em que o vigésimo instrumento de ratificação ou adesão houver sido
depositado junto ao Secretário Geral das Nações Unidas.
2. Para os Estados que vierem a ratificar a presente Convenção ou
a ela aderir após o depósito do vigésimo instrumento de ratificação ou adesão,
a Convenção entrará em vigor no trigésimo dia a contar da data em que o
Estado em questão houver depositado seu instrumento de ratificação ou
adesão.
Artigo 28 –
1. O Secretário Geral das Nações Unidas receberá e enviará a
todos os Estados o texto das reservas feitas pelos Estados no momento da
ratificação ou adesão.
2. Não será permitido uma reserva incompatível com o objeto e o
propósito desta Convenção.
3. As reservas poderão ser retiradas a qualquer momento por uma
notificação endereçada com esse objetivo ao Secretário Geral das Nações
Unidas, que informará a todos os Estados a respeito. A notificação surtirá efeito
na data de seu recebimento.
Artigo 29 –
1. As controvérsias entre dois ou mais Estados-partes, com relação
à interpretação ou aplicação da presente Convenção, que não puderem ser
dirimidas por meio de negociação serão, a pedido de um deles, submetidas à
arbitragem. Se, durante os seis meses seguintes à data do pedido de
arbitragem, as Partes não lograrem pôr-se de acordo quanto aos termos do
compromisso de arbitragem, qualquer das Partes poderá submeter a
controvérsia à Corte Internacional de Justiça, mediante solicitação feita em
conformidade com o Estatuto da Corte.
2. Cada Estado-parte podedeclarar, por ocasião da assinatura
ou ratificação da presente Convenção, que não se considera obrigado pelo
parágrafo anterior. Os demais Estados-partes não estarão obrigados pelo
referido parágrafo com relação a qualquer Estado-parte que houver formulado
reserva dessa natureza.
3. Todo Estado-parte que houver formulado reserva em
conformidade com o parágrafo anterior poderá, a qualquer momento, tornar
sem efeito essa reserva, mediante notificação endereçada ao Secretário Geral
das Nações Unidas.
138
Artigo 30 - A presente Convenção, cujos textos em árabe, chinês,
espanhol, francês, inglês e russo são igualmente autênticos, será depositada
junto ao Secretário Geral das Nações Unidas.
139
ANEXO D
CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E ERRADICAR
A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER - "CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ"
(1994)
A ASSEMBLÉIA GERAL,
Considerando que o reconhecimento e o respeito irrestrito de todos
os direitos da mulher são condições indispensáveis para seu desenvolvimento
individual e para criação de uma sociedade mais justa, solidária e pacífica;
Preocupada porque a violência em que vivem muitas mulheres da
América, sem distinção de raça, classe, religião, idade ou qualquer outra
condição, é uma situação generalizada;
Persuadida de sua responsabilidade histórica de fazer frente a esta
situação para procurar soluções positivas;
Convencida da necessidade de dotar o sistema interamericano de
um instrumento internacional que contribua para solucionar o problema da
violência contra a mulher;
Recordando as conclusões e recomendações da Consulta
Interamericana sobre a Mulher e a Violência, celebrada em 1990, e a
Declaração sobre a Erradicação da Violência contra a Mulher, nesse mesmo
ano, adotada pela Vigésima Quinta Assembléia de Delegadas;
Recordando também a resolução AG/RES n. 1.128 (XXI-0/91)
"Proteção da Mulher Contra a Violência", aprovada pela Assembléia Geral da
Organização dos Estados Americanos;
Levando em consideração o amplo processo de consulta realizado
pela Comissão Interamericana de Mulheres desde 1990 para o estudo e a
elaboração de um projeto de convenção sobre a mulher e a violência, e Vistos
os resultados da Sexta Assembléia
Extraordinária de Delegadas, Resolve:
Adotar a seguinte
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher - "Convenção de Belém do Pará"
Os Estados-partes da presente Convenção,
Reconhecendo que o respeito irrestrito aos Direitos Humanos foi
consagrado na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na
140
Declaração Universal dos Direitos Humanos e reafirmando em outros
instrumentos internacionais e regionais;
Afirmando que a violência contra a mulher constitui uma violação
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e limita total ou
parcialmente à mulher o reconhecimento, gozo e exercício de tais direitos e
liberdades;
Preocupados porque a violência contra a mulher é uma ofensa à
dignidade humana e uma manifestação de relações de poder historicamente
desiguais entre mulheres e homens;
Recordando a Declaração sobre a Erradicação da Violência contra
a Mulher, adotada pela Vigésima Quinta Assembléia de Delegadas da
Comissão Interamericana de Mulheres, e afirmando que a violência contra a
mulher transcende todos os setores da sociedade, independentemente de sua
classe, raça ou grupo étnico, níveis de salário, cultura, nível educacional, idade
ou religião, e afeta negativamente suas próprias bases;
Convencidos de que a eliminação da violência contra a mulher é
condição indispensável para seu desenvolvimento individual e social e sua
plena igualitária participação em todas as esferas da vida; e Convencidos de
que a adoção de uma convenção para prevenir, punir e erradicar toda forma de
violência contra a mulher, no âmbito da Organização dos Estados Americanos,
constitui uma contribuição positiva para proteger os direitos da mulher e
eliminar as situações de violência que possam afetá-las.
Convieram o seguinte:
Capítulo I
Definição e âmbito de aplicação
Artigo 1º-Para os efeitos desta Convenção deve-se entender por
violência contra a mulher a qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que
cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto
no âmbito público como no privado.
Artigo 2º-Entender-se-á que violência contra a mulher inclui
violência física, sexual e psicológica:
a) que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou
em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja
convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros,
estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual;
b) que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por
qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual,
tortura, maus tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada,
141
seqüestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições
educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar, e que seja
perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.
Capítulo II
Direitos Protegidos
Artigo 3º-Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência,
tanto no âmbito público como no privado.
Artigo -Toda mulher tem direito ao reconhecimento, gozo,
exercício e proteção de todos os direitos humanos e às liberdades consagradas
pelos instrumentos regionais e internacionais sobre os direitos humanos. Estes
direitos compreendem, entre outros:
a) o direito a que se respeite a sua vida;
b) o direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e
moral;
c) o direito à liberdade e à segurança pessoais;
d) o direito a não ser submetida a torturas;
e) o direito a que se respeite a dignidade inerente a sua pessoa e
que se proteja sua família;
f) o direito à igualdade de proteção perante a lei e da lei;
g) o direito a um recurso simples e rápido diante dos tribunais
competentes, que a ampare contra atos que violem seus direitos;
h) o direito à liberdade de associação;
i) o direito à liberdade de professar a religião e as próprias crenças,
de acordo com a lei;
j) o direito de ter igualdade de acesso às funções públicas de seu
país e a participar dos assuntos públicos, incluindo a tomada de decisões.
Artigo -Toda mulher pode exercer livre e plenamente seus
direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais e contará com a total
proteção desses direitos consagrados nos instrumentos regionais e
internacionais sobre direitos humanos. Os Estados-partes reconhecem que a
violência contra a mulher impede e anula o exercício desses direitos.
Artigo 6º- O direito de toda mulher a uma vida livre de violência
inclui, entre outros:
142
a) o direito da mulher de ser livre de toda forma de discriminação, e
b) o direito da mulher ser valorizada e educada livre de padrões
estereotipados de comportamento e práticas sociais e culturais baseadas em
conceitos de inferioridade ou subordinação.
Capítulo III
Deveres dos Estados
Artigo -Os Estados-partes condenam todas as formas de
violência contra a mulher e concordam em adotar, por todos os meios
apropriados e sem demora, políticas orientadas a prevenir, punir e erradicar a
dita violência e empenhar-se em:
a) abster-se de qualquer ação ou prática de violência contra a
mulher e velar para que as autoridades, seus funcionários, pessoal e agentes e
instituições públicas se comportem conforme esta obrigação;
b) atuar com a devida diligência para prevenir, investigar e punir a
violência contra a mulher;
c) incluir em sua legislação interna: normas penais, civis e
administrativas, assim como as de outra natureza que sejam necessárias para
prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher e adotar as medidas
administrativas apropriadas que venham ao caso;
d) adotar medidas jurídicas que exijam do agressor abster-se de
fustigar, perseguir, intimidar, ameaçar, machucar ou pôr em perigo a vida da
mulher de qualquer forma que atente contra sua integridade ou prejudique sua
propriedade;
e) tomar todas as medidas apropriadas, incluindo medidas de tipo
legislativo, para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes, ou para
modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência
ou a tolerância da violência contra a mulher;
f) estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a
mulher que tenha sido submetida à violência, que incluam, entre outros,
medidas de proteção, um julgamento oportuno e o acesso efetivo a tais
procedimentos;
g) estabelecer os mecanismos judiciais e administrativos
necessários para assegurar que a mulher, objeto de violência, tenha acesso
efetivo a ressarcimento, reparação do dano ou outros meios de compensação
justos e eficazes; e
h) adotar as disposições legislativas ou de outra índole que sejam
necessárias para efetivar esta Convenção.
143
Artigo 8º-Os Estados-partes concordam em adotar, em forma
progressiva, medidas específicas, inclusive programas para:
a) fomentar o conhecimento e a observância do direito da mulher a
uma vida livre de violência e o direito da mulher a que se respeitem e protejam
seus direitos humanos;
b) modificar os padrões sócio-culturais de conduta de homens e
mulheres, incluindo a construção de programas de educação formais e não-
formais apropriados a todo nível do processo educativo, para contrabalançar
preconceitos e costumes e todo outro tipo de práticas que se baseiam na
premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos
papéis estereotipados para o homem e a mulher que legitimam ou exacerbam
a violência contra a mulher;
c) fomentar a educação e capacitação do pessoal na administração
da justiça, policial e demais funcionários encarregados da aplicação da lei,
assim como do pessoal encarregado das políticas de prevenção, sanção e
eliminação da violência contra a mulher;
d) aplicar os serviços especializados apropriados para o
atendimento necessário à mulher objeto de violência, por meio de entidades
dos setores público e privado, inclusive abrigos, serviços de orientação para
toda a família, quando for o caso, e cuidado e custódia dos menores afetados;
e) fomentar a apoiar programas de educação governamentais e do
setor privado destinados a conscientizar o público sobre os problemas
relacionados com a violência contra a mulher, os recursos jurídicos e a
reparação correspondente;
f) oferecer à mulher, objeto de violência, acesso a programas
eficazes de reabilitação e capacitação que lhe permitam participar plenamente
da vida pública, privada e social;
g) estimular os meios de comunicação a elaborar diretrizes
adequadas de difusão que contribuam para a erradicação da violência contra a
mulher em todas as suas formas e a realçar o respeito à dignidade da mulher;
h) garantir a investigação e recompilação de estatísticas e demais
informações pertinentes sobre as causas, conseqüências e freqüência da
violência contra a mulher, com o objetivo de avaliar a eficácia das medidas
para prevenir, punir e eliminar a violência contra a mulher e de formular e
aplicar as mudanças que sejam necessárias; e
i) promover a cooperação internacional para o intercâmbio de
idéias e experiências e a execução de programas destinados a proteger a
mulher objeto de violência.
Artigo 9º-Para a adoção das medidas a que se refere este capítulo,
os Estados-partes terão especialmente em conta a situação de vulnerabilidade
144
à violência que a mulher possa sofrer em conseqüência, entre outras, de sua
raça ou de sua condição étnica, de migrante, refugiada ou desterrada. No
mesmo sentido se considerará a mulher submetida à violência quando estiver
grávida, for excepcional, menor de idade, anciã ou estiver em situação sócio-
econômica desfavorável ou afetada por situações de conflitos armados ou de
privação de sua liberdade.
Capítulo IV
Mecanismos Interamericanos de Proteção
Artigo 10 - Com o propósito de proteger o direito da mulher a uma
vida livre de violência, nos informes nacionais à Comissão Interamericana de
Mulheres, os Estados-partes deverão incluir informação sobre as medidas
adotadas para prevenir e erradicar a violência contra a mulher, para assistir a
mulher afetada pela violência, assim como sobre as dificuldades que observem
na aplicação das mesmas e dos fatores que contribuam à violência contra a
mulher.
Artigo 11 - Os Estados-partes nesta Convenção e a Comissão
Interamericana de Mulheres poderão requerer à Corte Interamericana de
Direitos Humanos opinião consultiva sobre a interpretação desta Convenção.
Artigo 12 -Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-
governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros da
Organização, pode apresentar à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos petições que contenham denúncias ou queixas de violação do artigo
da presente Convenção pelo Estado-parte, e a Comissão para a
apresentação e consideração de petições estipuladas na Convenção
Americana sobre Direitos Humanos e no Estatuto e Regulamento da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos.
Capítulo V
Disposições Gerais
Artigo 13 - Nada do disposto na presente Convenção poderá ser
interpretado como restrição ou limitação à legislação interna dos Estados-
partes que preveja iguais ou maiores proteções e garantias aos direitos da
mulher e salvaguardas adequadas para prevenir e erradicar a violência contra
a mulher.
Artigo 14 - Nada do disposto na presente Convenção poderá ser
interpretado como restrição ou limitação à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos ou a outras convenções internacionais sobre a matéria que
prevejam iguais ou maiores proteções relacionadas com este tema.
Artigo 15 - A presente Convenção está aberta à assinatura de
todos os Estados-membros da Organização dos Estados Americanos.
145
Artigo 16 - A presente Convenção está sujeita à ratificação. Os
instrumentos de ratificação serão depositados na Secretaria Geral da
Organização dos Estados Americanos.
Artigo 17 - A presente Convenção fica aberta à adesão de qualquer
outro Estado. Os instrumentos de adesão serão depositados na Secretaria
Geral da Organização dos Estados Americanos.
Artigo 18 - Os Estados poderão formular reservas à presente
Convenção no momento de aprová-la, assiná-la, ratificá-la ou aderir a ela,
sempre que:
a) não sejam incompatíveis com o objetivo e o propósito da
Convenção;
b) não sejam de caráter geral e versem sobre uma ou mais
disposições específicas.
Artigo 19 - Qualquer Estado-parte pode submeter à Assembléia
Geral, por meio da Comissão Interamericana de Mulheres, uma proposta de
emenda a esta Convenção.
As emendas entrarão em vigor para os Estados ratificantes das
mesmas na data em que dois terços dos Estados-partes tenham depositado o
respectivo instrumento de ratificação. Quanto ao resto dos Estados-partes,
entrarão em vigor na data em que depositem seus respectivos instrumentos de
ratificação.
Artigo 20 - Os Estados-partes que tenham duas ou mais unidades
territoriais em que funcionem distintos sistemas jurídicos relacionados com
questões tratadas na presente Convenção poderão declarar, no momento da
assinatura, ratificação ou adesão, que a Convenção aplicar-se-á a todas as
unidades territoriais ou somente a uma ou mais.
Tais declarações poderão ser modificadas em qualquer momento
mediante declarações ulteriores, que especificarão expressamente as unidades
territoriais às quais será aplicada a presente Convenção. Tais declarações
ulteriores serão transmitidas à Secretaria Geral da Organização dos Estados
Americanos e entrarão em vigor trinta dias após seu recebimento.
Artigo 21 - A presente Convenção entrará em vigor no trigésimo dia
a partir da data que tenha sido depositado o segundo instrumento de
ratificação. Para cada Estado que ratifique ou adira à Convenção, depois de ter
sido depositado o segundo instrumento de ratificação, entrará em vigor no
trigésimo dia a partir da data em que tal Estado tenha depositado seu
instrumento de ratificação ou adesão.
Artigo 22 - O Secretário Geral informará a todos os Estados
membros da Organização dos Estados Americanos da entrada em vigor da
Convenção.
146
Artigo 23 - O Secretário Geral da Organização dos Estados
Americanos apresentará um informe anual aos Estados membros da
Organização sobre a situação desta Convenção, inclusive sobre as
assinaturas, depósitos de instrumentos de ratificação, adesão ou declarações,
assim como as reservas porventura apresentadas pelos Estados-partes e,
neste caso, o informe sobre as mesmas.
Artigo 24 - A presente Convenção vigorará indefinidamente, mas
qualquer dos Estados-partes poderá denunciá-la mediante o depósito de um
instrumento com esse fim na Secretaria Geral da Organização dos Estados
Americanos. Um ano depois da data do depósito de instrumento de denúncia, a
Convenção cessará em seus efeitos para o Estado denunciante, continuando a
subsistir para os demais Estados-partes.
Artigo 25 - O instrumento original da presente Convenção, cujos
textos em espanhol, francês, inglês e português são igualmente autênticos,
será depositado na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos,
que enviará cópia autenticada de seu texto para registro e publicação à
Secretaria das Nações Unidas, de conformidade com o artigo 102 da Carta das
Nações Unidas.
147
ANEXO E
PLANO NACIONAL DE POLÍTICAS PARA MULHERES
FONTE: SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS
PARA MULHERES
Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da
Presidência da República (SPM/PR) foi criada em de janeiro de 2003, com
status de ministério e inaugurou um novo momento da história do Brasil no que
se refere à formulação, coordenação e articulação de políticas que promovam a
igualdade entre mulheres e homens.
O Governo Federal deu um importante passo para a promoção
dessas mudanças com a realização da I Conferência Nacional de Políticas para
as Mulheres (I CNPM), em julho de 2004. A Conferência foi um marco na
afirmação dos direitos da mulher e mobilizou, por todo o Brasil, cerca de 120
mil mulheres que participaram, diretamente, dos debates e apresentaram as
propostas para a elaboração do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
que, agora, a SPM está colocando em prática.
O Plano traduz em ações o compromisso assumido pelo
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando de sua eleição em 2002, de
enfrentar as desigualdades entre mulheres e homens em nosso país e
reconhece o papel fundamental do Estado, através de ações e políticas
públicas, no combate a estas e outras desigualdades sociais.
*COMBATER TODAS AS FORMAS
DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER *
O governo Lula já vem desenvolvendo programas e ações que
estão mudando a vida de milhares de brasileiras. E a Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres vem atuando no sentido de estimular as diferentes
áreas do governo a pensar como o impacto de suas políticas e ações se, de
forma diferenciada, sobre a vida de mulheres e homens. Com isso, estamos
aumentando a possibilidade de que as políticas do Governo Federal, em todas
as suas áreas de atuação, atendam diretamente às necessidades das
mulheres em toda a sua diversidade, no seu dia-a-dia.
* AFIRMAR AS DIFERENÇAS PARA PROMOVER A IGUALDADE *
148
A Política Nacional para as Mulheres
A Política Nacional para as Mulheres orienta-se pelos seguintes pontos
fundamentais:
Igualdade e respeito à diversidade mulheres e homens são iguais em
seus direitos. A promoção da igualdade implica no respeito à diversidade
cultural, étnica,racial, inserção social, situação econômica e regional,
assim como os diferentes momentos da vida das mulheres;
Eqüidade – a todas as pessoas deve ser garantida a igualdade de
oportunidades, observando-se os direitos universais e as questões
específicas das mulheres;
Autonomia das mulheres – o poder de decisão sobre suas vidas e
corpos deve ser assegurado às mulheres, assim como as condições de
influenciar os acontecimentos em sua comunidade e seu país;
Laicidade do Estado as políticas públicas voltadas para as mulheres
devem ser formuladas e implementadas independentemente de
princípios religiosos, de forma a assegurar os direitos consagrados na
Constituição Federal e nos instrumentos e acordos internacionais
assinados pelo Brasil;
Universalidade das políticas as políticas públicas devem garantir, em
sua implementação, o acesso aos direitos sociais, políticos, econômicos,
culturais e ambientais para todas as mulheres;
Justiça social – a redistribuição dos recursos e riquezas produzidas pela
sociedade e a busca de superação da desigualdade social, que atinge
de maneira significativa às mulheres, devem ser assegurados;
Transparência dos atos públicos o respeito aos princípios da
administração pública, tais como legalidade, impessoalidade,
moralidade e eficiência, com transparência nos atos públicos e controle
social, deve ser garantido;
Participação e controle social o debate e a participação das mulheres
na formulação, implementação, avaliação e controle social das políticas
públicas devem ser garantidos e ratificados pelo Estado brasileiro, como
medida de proteção aos direitos humanos das mulheres e meninas.
O Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
O Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM) vai
beneficiar você, mulher, sua família e sua comunidade. Para que ele se torne
realidade e mude, de fato, a vida de todas as mulheres, é necessário que os
Governos Federal, Estaduais e Municipais trabalhem em conjunto e, também,
que a sociedade seja parceira em sua execução. Para tanto, é preciso que
149
mecanismos institucionais de defesa dos direitos da mulher sejam criados ou
fortalecidos em todo o país. E mais: que todas estejam representadas -
mulheres índias, negras, lésbicas, idosas, jovens mulheres, com deficiência,
ciganas, profissionais do sexo, rurais, urbanas, entre outras e participem,
ativamente, em suas localidades.
* O MAIOR ACESSO E A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NOS ESPAÇOS
DE PODER SÃO INSTRUMENTOS ESSENCIAIS PARA DEMOCRATIZAR O
ESTADO E A SOCIEDADE *
Conheça o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres e saiba
como ele pode ser um instrumento de afirmação da cidadania das mulheres.
Comece sabendo que cada uma das ações do Plano Nacional de
Políticas para as Mulheres tem como objetivos:
1. a igualdade de gênero, raça e etnia;
2. o desenvolvimento democrático e sustentável, levando em
consideração as diversidades regionais com o objetivo de superar as
desigualdades econômicas e culturais;
3. o cumprimento dos tratados, acordos e convenções
internacionais firmados e ratificados pelo Governo Brasileiro, relativos aos
direitos humanos das mulheres;
4. o pleno exercício de todos os direitos e liberdades fundamentais
para distintos grupos de mulheres;
5. o equilíbrio de poder entre mulheres e homens, em termos de
recursos econômicos, direitos legais, participação política e relações
interpessoais;
6. o combate às distintas formas de apropriação e exploração
mercantil do corpo e da vida das mulheres;
7. o reconhecimento da violência de gênero, raça e etnia como
violência estrutural e histórica, que expressa a opressão das mulheres que
precisa ser tratada como questão de segurança, justiça e saúde pública;
8. o reconhecimento da responsabilidade do Estado na
implementação de políticas que incidam na divisão social e sexual do trabalho;
9. a construção social de valores, por meio da Educação, que
enfatizem a importância do trabalho historicamente realizado pelas mulheres,
além da necessidade de viabilizar novas formas para sua efetivação;
150
10. a inclusão das questões de gênero, raça e etnia nos currículos
escolares, além do reconhecimento e busca de formas que alterem as práticas
educativas, a produção de conhecimento, a educação formal, a cultura e a
comunicação discriminatórias;
11. a inclusão de recursos nos Planos Plurianuais, Leis de
Diretrizes Orçamentárias e Leis Orçamentárias Anuais para implementação de
políticas públicas para as mulheres;
12. a elaboração e divulgação de indicadores sociais, econômicos
e culturais sobre a população afro-descendente e indígena, como subsídios
para a formulação e implementação de políticas públicas de saúde, previdência
social, trabalho, educação e cultura, que levem em consideração a realidade
urbana e rural;
13. a capacitação de servidores(as) públicos(as) em gênero, raça,
etnia e direitos humanos, de forma a garantir a implementação de políticas
públicas voltadas para a igualdade;
14. a participação e o controle social na formulação,
implementação, monitoramento e avaliação de políticas públicas,
disponibilizando dados e indicadores relacionados aos atos públicos e
garantindo a transparência das ações;
15. a criação, o fortalecimento e a ampliação de organismos
específicos de defesa dos direitos e de políticas para as mulheres no primeiro
escalão de governo, nas esferas federal, estaduais e municipais.
O que é o Plano?
O PNPM tem 199 ações, distribuídas em 26 prioridades, que foram
definidas a partir dos debates estabelecidos na I Conferência Nacional de
Políticas para as Mulheres. Elas foram organizadas por um Grupo de Trabalho,
coordenado por esta Secretaria e composto por representantes dos ministérios
da Saúde, Educação, Trabalho e Emprego, Justiça, Desenvolvimento Agrário,
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Planejamento, Orçamento e
Gestão, Minas e Energia e Secretaria Especial de Políticas da Promoção da
Igualdade Racial (SEPPIR), Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM)
e de representantes das esferas governamentais estadual – representados
pelo Acre – e municipal – representada por Campinas/SP.
As ações do Plano foram traçadas a partir de 4 linhas de atuação,
consideradas como as mais importantes e urgentes para garantir, de fato, o
direito a uma vida melhor e mais digna para todas as mulheres. São elas:
(A). Autonomia, igualdade no mundo do trabalho e cidadania
Quais são os objetivos?
151
1. promover a autonomia econômica e financeira das mulheres;
2. promover a eqüidade de gênero, raça e etnia nas relações de trabalho;
3. promover políticas de ações afirmativas que reafirmem a condição das
mulheres como sujeitos sociais e políticos;
4. ampliar a inclusão das mulheres na reforma agrária e na agricultura familiar;
5. promover o direito à vida na cidade com qualidade, acesso a bens e
serviços.
Quais são os primeiros passos para alcançar esses objetivos?
1. adotar medidas que promovam o aumento em 5,2% na taxa de atividade das
mulheres na População Economicamente Ativa (PEA) até 2007;
2. manter a dia nacional em, no mínimo, 50% de participação das mulheres
no total de trabalhadores capacitados e qualificados atendidos pelo Plano
Nacional de Qualificação (PNQ) e nos convênios do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE) com entidades que desenvolvam formação profissional;
3. conceder crédito a 400 mil mulheres trabalhadoras rurais, no período de
2005 a 2006;
4. documentar 250 mil mulheres rurais até 2007;
5. conceder 400 mil títulos conjuntos de terra, no caso de lotes pertencentes a
casais, a todas as famílias beneficiadas pela reforma agrária até 2007;
6. atender 350 mil mulheres nos projetos de Assistência Técnica e Extensão
Rural e de Assistência Técnica Sustentável, até 2007.
Quais são as prioridades?
1. ampliar o acesso das mulheres ao mercado de trabalho;
2. promover a autonomia econômica e financeira das mulheres por meio do
apoio ao
empreendedorismo, associativismo, cooperativismo e comércio;
3. promover relações de trabalho não-discriminatórias, com eqüidade salarial e
de acesso a cargos de direção;
4. garantir o cumprimento da legislação no âmbito do trabalho doméstico e
estimular a divisão das tarefas domésticas;
5. ampliar o exercício da cidadania das mulheres e do acesso a terra e à
moradia.
152
(B). Educação inclusiva e não sexista
Quais são os objetivos?
1. incorporar a perspectiva de gênero, raça, etnia e orientação sexual no
processo educacional formal e informal;
2. garantir um sistema educacional não discriminatório, que não reproduza
estereótipos de gênero, raça e etnia;
3. promover o acesso à educação básica de mulheres jovens e adultas;
4. promover a visibilidade da contribuição das mulheres na construção da
história da humanidade;
5. combater os estereótipos de gênero, raça e etnia na cultura e comunicação.
Quais são os primeiros passos para alcançar esses objetivos?
1. reduzir em 15% a taxa de analfabetismo entre mulheres acima de 45 anos
até 2007;
2. aumentar em 12% o número de crianças entre zero e 06 anos de idade
freqüentando creche ou pré-escola, na rede pública até 2007.
Quais são as prioridades?
1. promover ações no processo educacional para a eqüidade de gênero, raça,
etnia e orientação sexual;
2. ampliar o acesso à educação infantil: creches e pré-escolas;
3. promover a alfabetização e ampliar a oferta de ensino fundamental para
mulheres adultas e idosas, especialmente negras e índias;
4. valorizar as iniciativas culturais das mulheres;
5. estimular a difusão de imagens não-discriminatórias e não-estereotipadas
das mulheres.
(C). Saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos.
Quais são os objetivos?
1. promover a melhoria da saúde das mulheres brasileiras, mediante a garantia
de direitos legalmente constituídos e ampliar o acesso aos meios e serviços de
promoção, prevenção, assistência e recuperação da saúde, em todo território
brasileiro;
2. garantir os direitos sexuais e direitos reprodutivos das mulheres;
153
3. contribuir para a redução da morbidade e mortalidade feminina no Brasil,
especialmente por causas evitáveis, em todos os ciclos de vida e nos diversos
grupos populacionais, sem qualquer forma de discriminação;
4. ampliar, qualificar e humanizar a atenção integral à saúde da mulher no
Sistema Único de Saúde (SUS).
Quais são os primeiros passos para alcançar esses objetivos?
1. implantar, com equipes de Saúde da Família (SF), em um município de cada
região do país, a atenção qualificada às mulheres com queixas
clínicoginecológicas, com especial atenção à raça e etnia;
2. implantar projetos pilotos de modelo de atenção à saúde mental das
mulheres na perspectiva de gênero, em 10 municípios com Centros de Atenção
Psicossocial (CAPs);
3. implementar, através do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador,
em um município de cada região do país, ações voltadas aos agravos à saúde
das trabalhadoras do campo e da cidade;
4. implantar a atenção integral à saúde da mulher índia em 10% dos pólos
básicos;
5. habilitar 35% dos estados que têm presídios femininos, para a Atenção
Integral à Saúde das mulheres encarceradas;
6. ampliar as ações de Planejamento Familiar, garantindo a oferta de métodos
anticoncepcionais reversíveis para 60% da população de mulheres em idade
fértil, usuárias do SUS, em todos os municípios com equipes da Estratégia de
Saúde da Família (ESF) ou que tenham aderido ao Programa de Humanização
no Pré-natal e Nascimento (PHPN);
7. reduzir em 5% o número de complicações de abortamento atendidas pelo
SUS;
8. reduzir em 15% a mortalidade materna no Brasil, considerando a meta
estabelecida no Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e
Neonatal, lançado em março de 2004, pelo Governo Federal;
9. reduzir em 3% a incidência de Aids em mulheres;
10. eliminar a sífilis congênita como problema de saúde pública;
11. aumentar em 30% a cobertura de Papanicolau na população feminina de
risco (35 a 49 anos);
12. aumentar em 30% o número de mamografias realizadas no País.
Quais são as prioridades?
154
1. estimular a implantação, na Atenção Integral à Saúde da Mulher, de ações
que atendam as necessidades específicas das mulheres nas diferentes fases
de seu ciclo vital, abrangendo as mulheres negras, as com deficiência, as
índias, as encarceradas, as trabalhadoras rurais e urbanas e as de diferentes
orientações sexuais, contemplando questões ligadas às relações de gênero;
2. estimular a implementação da assistência em Planejamento Familiar, para
homens e mulheres, adultos e adolescentes, na perspectiva da atenção integral
à saúde;
3. promover a atenção obstétrica, qualificada e humanizada, inclusive a
assistência ao abortamento em condições inseguras para mulheres e
adolescentes, visando reduzir a mortalidade materna, especialmente entre as
mulheres negras;
4. promover a prevenção e o controle das doenças sexualmente transmissíveis
e de infecção pelo HIV/Aids na população feminina;
5. reduzir a morbimortalidade por ncer rvico-uterino e de mama na
população feminina;
6. revisar a legislação punitiva que trata da interrupção voluntária da gravidez.
(D). Enfrentamento à violência contra as mulheres
Quais são os objetivos?
1. implantar uma Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra a
Mulher;
2. garantir o atendimento integral, humanizado e de qualidade às mulheres em
situação de violência;
3. reduzir os índices de violência contra as mulheres;
4. garantir o cumprimento dos instrumentos e acordos internacionais e revisar a
legislação brasileira de enfrentamento à violência contra as mulheres.
Quais são os primeiro passos para alcançar esses objetivos?
1. proceder a um diagnóstico quantitativo e qualitativo sobre os serviços de
prevenção e atenção às mulheres em situação de violência em todo o território
nacional;
2. definir a aplicação de normas técnicas nacionais para o funcionamento dos
serviços de prevenção e assistência às mulheres em situação de violência;
3. integrar os serviços em redes locais, regionais e nacionais;
155
4. instituir redes de atendimento às mulheres em situação de violência em
todos os estados brasileiros, englobando os seguintes serviços: Delegacia
Especializada de Atendimento à Mulher (DEAMs), Polícia Militar e Unidades
Móveis do Corpo de Bombeiros, Centros de Referência, Casas Abrigo,
Serviços de Saúde, Instituto Médico Legal, Defensorias Públicas, Defensorias
Públicas da Mulher, além de programas sociais de trabalho e renda, de
habitação e moradia, de educação e cultura e de justiça, Conselhos e
movimentos sociais;
5. implantar serviços especializados de atendimento às mulheres em situação
de violência em todos os estados brasileiros e Distrito Federal, segundo
diagnósticos e estatísticas disponíveis sobre a violência em cada região;
6. aumentar em 15% os serviços de atenção à saúde da mulher em situação de
violência;
7. implantar um sistema nacional de informações sobre violência contra a
mulher;
8. implantar processo de capacitação e treinamento dos profissionais atuantes
nos serviços de prevenção e assistência, segundo modelo integrado
desenvolvido pelo MS/SEPPIR/SPM e SENASP, em todas as unidades da
Federação, com especial atenção às cidades com maiores índices de violência
contra a mulher;
9. ampliar em 50% o número de DEAMs e cleos Especializados nas
delegacias existentes.
Quais são as prioridades?
1. ampliar e aperfeiçoar a Rede de Prevenção e Atendimento às mulheres em
situação de violência;
2. revisar e implementar a legislação nacional e garantir a aplicação dos
tratados internacionais ratificados visando o aperfeiçoamento dos mecanismos
de enfrentamento à violência contra as mulheres;
3. promover ações preventivas em relação à violência doméstica e sexual;
4. promover a atenção à saúde das mulheres em situação de violência
doméstica e sexual;
5. produzir e sistematizar dados e informações sobre a violência contra as
mulheres;
6. capacitar os profissionais das áreas de segurança pública, saúde, educação
e assistência psicossocial na temática da violência de gênero;
7. ampliar o acesso à justiça e à assistência jurídica gratuita
.
156
Para que todas essas ações do PNPM sejam colocadas em prática
nós, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, em conjunto com os
ministérios parceiros e diferentes órgãos de governo, estamos promovendo a
Gestão e Monitoramento do Plano para fazer acontecer a igualdade entre
mulheres e homens.
Como fazer a gestão e o monitoramento do plano?
Em abril de 2005, criamos um Comitê formado por representantes
de ministérios e secretarias especiais e coordenado pela Secretaria Especial
de Políticas para as Mulheres para acompanhar o desenvolvimento das ações
do Plano por cada um dos diferentes órgãos do Governo Federal.
O Comitê atua, também, no sentido de fazer com que conceitos e
práticas que atendam às necessidades específicas das mulheres, sejam
incorporados nas políticas governamentais de todas as áreas e nas diversas
instâncias e fóruns governamentais e não-governamentais.
O Comitê é constituído pelos seguintes integrantes:
· Secretaria Especial de Políticas para Mulheres;
· Ministério da Educação;
· Ministério da Justiça;
· Ministério da Saúde;
· Ministério das Cidades;
· Ministério das Minas e Energia;
· Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome;
· Ministério do Desenvolvimento Agrário;
· Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
· Ministério do Trabalho e Emprego;
· Secretaria Especial de Direitos Humanos;
· Secretaria Especial de Políticas da Promoção da Igualdade Racial;
· Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.
Quais são as prioridades do Comitê?
1. capacitar e qualificar os agentes públicos em gênero, raça e direitos
humanos;
2. produzir, organizar e disseminar dados, estudos e pesquisas que tratem das
temáticas de gênero e raça;
3. criar e fortalecer os mecanismos institucionais de direitos e de políticas
para as mulheres.
157
ANEXO F
LEI 13.925, DE 26.07.07 (D.O. DE 31.07.07) Cria os Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher nas Comarcas de
Fortaleza e de Juazeiro do Norte e dá outras providências.
O GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ
Faço saber que a Assembléia Legislativa decretou e eu sanciono a
seguinte Lei:
Art. Ficam criados os Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal, de jurisdição
especial, nas Comarcas de Fortaleza e de Juazeiro do Norte, para o fim
específico de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Parágrafo único. Aos juízes titulares das Unidades Judiciárias
criadas por este artigo, compete processar, julgar e executar os feitos cíveis e
criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a
mulher, nos termos da Lei Federal nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006.
Art. Para os efeitos desta Lei configura violência doméstica e
familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe
cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço
de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade
formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por
laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor
conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo
independem de orientação sexual.
Art. A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui
uma das formas de violação dos direitos humanos.
Art. 4º São formas de violência doméstica e familiar contra a
mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda
sua integridade ou saúde corporal;
158
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que
lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e
perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas
ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante,
perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e
limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à
saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a
constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não
desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza
a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a
impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à
gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou
manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e
reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que
configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos,
instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou
recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que
configure calúnia, difamação ou injúria.
Art. O art. 106 da Lei Estadual . 12.342, de 28 de julho de
1994, que instituiu o Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado do
Ceará, passa a ter a seguinte redação:
“Art. 106. Na Comarca de Fortaleza haverá 127 (cento e
vinte e sete) Juízes de Direito com jurisdição na área
territorial do dito município, atribuições e competências
definidas neste Código, titulares das seguintes Varas
ordinalmente dispostas:
XVII - 1 (um) Juizado de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher.”
Art. Ficam acrescentadas a letra “e” ao inciso I e a letra d” ao
inciso II do art. 100 da Lei nº. 12.342, de 28 de julho de 1994, com as seguintes
redações:
“Art. 100. [...]
I - [...]
e -para o efeito de substituição, o Juizado de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher será considerado como a última vara,
159
entre as existentes na comarca, sendo a penúltima onde existir
Juizado Especial Cível e Criminal.”
II - [...]
d - o titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher será substituído de acordo com o disposto na letra “c” do
inciso I deste artigo, sendo considerada como última vara, dentre
as especializadas, conforme o feito seja de natureza cível ou
criminal.
Art. Em virtude da criação do Juizado de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher nas Comarcas de Fortaleza e de Juazeiro do Norte,
ficam criados os seguintes cargos na estrutura do Poder Judiciário do Estado
do Ceará, com lotação, exclusivamente, nessas Unidades, de acordo com as
respectivas entrâncias:
I - 1 (um) cargo de Juiz de Direito de Entrância Especial;
II - 1 (um) cargo de Juiz de Direito de 3ª. Entrância;
III -1 (um) cargo, de provimento não efetivo, de Diretor de
Secretaria de Entrância Especial, símbolo DNS-3;
IV -1 (um) cargo, de provimento não efetivo, de Diretor de
Secretaria de 3ª Entrância, símbolo DAS-1;
V -1 (um) cargo de provimento efetivo de Analista Judiciário de
Entrância Especial, referência AJ-32;
VI -1 (um) cargo de provimento efetivo de Analista Judiciário de
Entrância, referência AJ-32;
VII -2 (dois) cargos de provimento efetivo de Oficial de Justiça
Avaliador de Entrância Especial, referência AJ-23;
VIII -2 (dois) cargos de provimento efetivo de Oficial de Justiça
Avaliador de 3ª Entrância, referência AJ-23;
IX -2 (dois) cargos de provimento efetivo de Analista Judiciário
Adjunto de Entrância Especial, referência AJ-23;
X -2 (dois) cargos de provimento efetivo de Analista Judiciário
Adjunto de 3ª Entrância, referência AJ-23;
XI -2 (dois) cargos de provimento efetivo de Técnico Judiciário de
Entrância Especial, referência AJ-18;
XII -2 (dois) cargos de provimento efetivo de cnico Judiciário de
3ª Entrância, referência AJ-18;
160
Art. 8º Em face da necessidade de criação de uma equipe de
atendimento multidisciplinar junto a cada Juizado de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher, conforme previsto na Lei Federal nº. 11.340, de 7 de
agosto de 2006, ficam igualmente criados os seguintes cargos no Quadro III
Poder Judiciário do Estado do Ceará:
I – 2 (dois) cargos de provimento efetivo de Assistente Social,
referência AJ-32;
II 2 (dois) cargos de provimento efetivo de Psicólogo, referência
AJ- 32.
§ Os cargos criados por este artigo integrarão a lotação dos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, sendo um de
Assistente Social e um de Psicólogo para a Comarca de Fortaleza e os outros
para a, de Juazeiro do Norte.
§ O Tribunal de Justiça, mediante Provimento, regulamentará as
atribuições e funcionamento da equipe de atendimento multidisciplinar
composta pelos ocupantes dos cargos criados no caput deste artigo.
Art. 9º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 10. Revogam-se as disposições em contrário.
PALÁCIO IRACEMA, DO GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ,
em
Fortaleza, 26 de julho de 2007.
Cid Ferreira Gomes
GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ
Iniciativa: Tribunal de Justiça
161
ANEXO G
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES
Preâmbulo
Mães, filhas, irmãs, mulheres representantes da nação reivindicam
constituir-se em uma assembléia nacional. Considerando que a ignorância, o
menosprezo e a ofensa aos direitos da mulher são as únicas causas das
desgraças blicas e da corrupção no governo, resolvem expor em uma
declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados da mulher.
Assim, que esta declaração possa lembrar sempre, a todos os
membros do corpo social seus direitos e seus deveres; que, para gozar de
confiança, ao ser comparado com o fim de toda e qualquer instituição política,
os atos de poder de homens e de mulheres devem ser inteiramente
respeitados; e, que, para serem fundamentadas, doravante, em princípios
simples e incontestáveis, as reivindicações das cidadãs devem sempre
respeitar a constituição, os bons costumes e o bem estar geral.
Em conseqüência, o sexo que é superior em beleza, como em
coragem, em meio aos sofrimentos maternais, reconhece e declara, em
presença, e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos da mulher
e da cidadã:
1. A mulher nasce livre e mantém-se igual ao homem em direitos.
As distinções sociais só devem ser fundadas no interesse comum.
2. A finalidade de toda associação política é a preservação dos
direitos naturais imprescritíveis da mulher e do homem. Estes direitos são: a
liberdade, a propriedade, a segurança e especialmente a resistência à
opressão.
3. O princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação
que nada mais é do que a reunião da mulher e do homem. Nenhuma instituição
e nenhum indivíduo pode exercer autoridade que não emane expressamente
da Nação.
4. Liberdade e justiça consistem em restituir tudo o que pertence ao
outro; assim, o exercício dos direitos naturais da mulher não tem outros limites
senão aquele que a tirania perpétua do homem opõe a eles; estes limites
precisam ser reformados de acordo com as leis da natureza e da razão.
5. As leis da natureza e da razão impedem toda ação que ofende a
sociedade. Nenhum obstáculo deve ser colocado no caminho dessas leis
sábias e divinas, assim como ninguém deve ser obrigado a fazer o que elas
não requerem.
162
6. A lei deve ser a expressão do desejo geral.
7. Todas as cidadãs e cidadãos devem tomar parte, pessoalmente
ou através de seus representantes em sua formulação. Isso deve ser igual para
todos. Todas as cidadãs e cidadãos, sendo iguais perante a lei, devem ser
igualmente admitidos a toda dignidade pública, cargo ou emprego, de acordo
com suas habilidades e com nenhuma outra distinção do que a de suas
virtudes e de seus talentos.
8. Nenhuma mulher estará isenta de ser acusada, presa ou detida
nos casos determinados pela lei. Tanto as mulheres quanto os homens
obedecerão esta lei rigorosa.
9. punições duras e absolutamente necessárias devem ser
estabelecidas por lei, e ninguém pode ser punido por uma lei antes dela ser
estabelecida e promulgada e legalmente aplicada à mulher.
10. Toda mulher declarada culpada, deve submeter-se ao rigor da
lei.
11. Ninguém deve ser incomodado por suas opiniões; a mulher tem
direito de subir ao cadafalso; assim sendo, ela deve ter igual direito de subir à
tribuna, desde que suas manifestações não perturbem a ordem pública
estabelecida por lei.
12. A livre expressão do pensamento e da opinião é um dos mais
preciosos direitos da mulher, pois esta liberdade assegura o reconhecimento
dos filhos por seus pais. Toda cidadã deve, portanto, dizer livremente: Eu sou a
mãe de meu filho. O bárbaro preconceito (contra mulheres solteiras com filhos)
não pode obrigá-la a esconder a verdade, sem que a responsabilidade seja
aceita por qualquer abuso desta liberdade em casos determinados por lei
(mulheres não podem mentir sobre a paternidade de seus filhos).
13. A garantia dos direitos da mulher e da cidadã requer poderes
públicos. Estes poderes são instituídos para a vantagem de todos e não para o
benefício privado daqueles a quem foram confiados.
14. Para a manutenção do poder público e das despesas da
administração, a taxação de impostos deve ser igual, para homens e mulheres.
Elas participam de todos os trabalhos forçados, de todos os serviços penosos;
por isso mesmo, elas devem participar igualmente da mesma distribuição de
postos, de empregos, de encargos, de dignidades e na indústria.
15. Cidadãs e cidadãos têm o direito, por eles ou por seus
representantes, de demonstrar a si próprios, a necessidade de impostos. As
cidadãs podem aceitá-los depois de uma admissão de igual divisão, não
apenas em riqueza, mas também na administração pública e de determinar os
meios de repartição, da contribuição, da cobrança e da duração dos impostos.
163
16. As mulheres, junto aos homens no pagamento dos impostos,
têm o direito de exigir a todo funcionário da administração pública a prestação
de contas.
17. Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não está
assegurada ou na qual a separação de poderes não foi realizada não tem
constituição. A constituição é nula e inútil se a maioria dos indivíduos que
compõe a nação não cooperarem em sua redação.
18. A propriedade pertence aos dois sexos, unidos ou separados;
ela é um direito sagrado e inviolável, de cada um dos sexos, e ninguém pode
ser dela desprovido, como um verdadeiro patrimônio da natureza, exceto em
casos de necessidade pública, legalmente certificado e requerido, e neste
caso, mediante justa indenização.
Conclusão
Mulher desperta. A força da razão se faz escutar em todo o
Universo. Reconhece teus direitos. O poderoso império da natureza não está
mais envolto de preconceitos, de fanatismos, de superstições e de mentiras. A
bandeira da verdade dissipou todas as nuvens da ignorância e da usurpação.
O homem escravo multiplicou suas forças e teve necessidade de recorrer às
tuas, para romper os seus ferros. Tornando-se livre, tornou-se injusto em
relação à sua companheira.
Formulário para um contrato social entre homem e mulher
Nós, __________ e ________ movidos por nosso próprio desejo,
unimo-nos por toda nossa vida e pela duração de nossas inclinações mútuas
sob as seguintes condições:
Pretendemos e queremos fazer nossa uma propriedade comum
saudável, reservando o direito de dividi-la em favor de nossos filhos e daqueles
por quem tenhamos um amor especial, mutuamente reconhecendo que nossos
bens pertencem diretamente a nossos filhos, de não importa que leito eles
provenham (legítimos ou não) e que todos, sem distinção, têm o direito de ter o
nome dos pais e das mães que os reconhecerem, e nós impomos a nós
mesmos a obrigação de subscrever a lei que pune qualquer rejeição de filhos
do seu próprio sangue (recusando o reconhecimento do filho ilegítimo).
Da mesma forma nós nos obrigamos, em caso de separação, a
dividir nossa fortuna, igualmente, e de separar a porção que a lei designa para
nossos filhos. Em caso de união perfeita, aquele que morrer primeiro deixa
metade de sua propriedade em favor dos filhos; e se não tiver filhos, o
sobrevivente herdará, por direito, a menos que o que morreu tenha disposto
sobre sua metade da propriedade comum em favor de alguém que julgar
apropriado.
(RIO DE JANEIRO, 2007, on-line).
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