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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA
IARA FERREIRA DE MELO MARTINS
MAPEAMENTO DAS MULTIFUNÇÕES DO ASSIM: DOS
DÊITICOS DISCURSIVOS AOS MARCADORES DO DISCURSO
EM CONTEXTOS ORAIS PARAIBANOS
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2
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA
IARA FERREIRA DE MELO MARTINS
MAPEAMENTO DAS MULTIFUNÇÕES DO ASSIM: DOS
DÊITICOS DISCURSIVOS AOS MARCADORES DO DISCURSO
EM CONTEXTOS ORAIS PARAIBANOS
JOÃO PESSOA
2008
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3
IARA FERREIRA DE MELO MARTINS
MAPEAMENTO DAS MULTIFUNÇÕES DO ASSIM: DOS
DÊITICOS DISCURSIVOS AOS MARCADORES DO DISCURSO
EM CONTEXTOS ORAIS PARAIBANOS
Tese apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em
Lingüística da Universidade
Federal da Paraíba-PROLING,
como requisito para obtenção do
título de Doutor em Lingüística.
Orientadora: Profa. Dra. Maria
Elizabeth A. Christiano
Co-orientador: Prof. Dr. Camilo
Rosa Silva
João Pessoa
2008
4
M 386 m Martins, Iara Ferreira de Melo
Mapeamento das multifunções do ASSIM: dos dêiticos
discursivos aos marcadores do discurso em contextos orais
paraibanos / Iara Ferreira de Melo Martins – João Pessoa,
2008.
216 p.
Orientadora: Maria Elizabeth A. Christiano
Co-orientador: Camilo Rosa Silva
Tese (Doutorado) – UFPB/CCHLA
1. Lingüística. 2. Gramaticalização 3. Dêiticos discursivos
UFPB / BC CDU: 801 (043)
5
IARA FERREIRA DE MELO MARTINS
MAPEAMENTO DAS MULTIFUNÇÕES DO ASSIM: DOS DÊITICOS
DISCURSIVOS AOS MARCADORES DO DISCURSO EM CONTEXTOS
ORAIS PARAIBANOS
Tese submetida à Universidade Federal da Paraíba como requisito para obtenção do
título de Doutor em Lingüística, pelo Programa de Pós-Graduação em Lingüística
ORIENTADORA
____________________________________________
Profª Drª Maria Elizabeth A. Christiano – UFPB
BANCA
_______________________________________________
Profª Drª Eliane Ferraz Alves – UFPB
_______________________________________________
Profª Drª Maria de Fátima B. de Melo – UFPB
_______________________________________________
Profª Drª Marluce Pereira da Silva – UFRN
_______________________________________________
Prof. Dr. Mário Eduardo Martelotta – UFRJ
_______________________________________________
Profª Drª Maria Cristina Assis Fonseca – UFPB
(suplente)
_______________________________________________
Profª Drª Maura Regina S. Dourado – UFCG
(suplente)
6
A meus pais
INÁCIO e BERENICE
A meu esposo
ALEXANDRE
e
A meus filhos
ÍTALO e LÍLIAN
7
ANTES DE MAIS...
8
AGRADECIMENTOS
Meu sincero agradecimento:
a Deus, força maior, que me permitiu viver este momento;
à professora Dra. Elizabeth Christiano, minha orientadora, pelas leituras
ricas em sugestões e estímulos; pelo carinho, confiança, seriedade e
competência na orientação deste trabalho;
ao prof. Dr. Camilo Rosa, pela co-orientação firme e segura, pelo
interesse e presteza na troca de materiais bibliográficos, pelos
comentários pertinentes que me conduziram à elaboração do presente
estudo;
ao prof. Dr. Dermeval da Hora, pelo despertar da lingüística em minha
vida e também pela organização do Projeto Variação Lingüística no
Estado da Paraíba, corpus deste trabalho;
ao Departamento de Letras do Centro de Humanidades da UEPB
(Guarabira), pela tão valiosa liberação das minhas atividades
profissionais;
às colegas de doutorado, Neide Santos e Fernanda Rosário, que
dividiram comigo saberes e angústias;
aos funcionários, especialmente Veralúcia, e professores do Programa
de Pós-Graduação em Lingüística (Proling) da UFPB;
à Fátima Martins, minha sogra, que me ajudou nas atividades não-
acadêmicas;
aos meus pais e a todos os meus familiares pelo estímulo e carinho em
todas as fases do trabalho;
em especial, a Alexandre, meu esposo, a Ítalo e a Lílian (as mais belas
composições de minha vida), que souberam compreender as minhas
ausências.
9
RESUMO
Esta tese mostra um estudo do funcionamento do item lingüístico assim sob os
aspectos sintáticos, semânticos, pragmáticos e discursivos em entrevistas
sociolingüísticas que se encontram transcritas no Projeto Variação Lingüística
no Estado da Paraíba (VALPB). Para realizar esta tarefa, o referencial teórico é
de caráter duplo: a Lingüística Funcional que alicerça teoricamente as
investigações em torno do funcionamento do assim e a Lingüística Textual
que, através das relações textuais, nos auxilia na caracterização dos dêiticos
discursivos. Após mapear todas as ocorrências do assim, investigamos e
analisamos as diversas funções possíveis desse item quer no nível gramatical
(dêiticos discursivos) quer no nível pragmático (marcadores discursivos). Os
resultados verificados ratificam a hipótese básica da multifuncionalidade do
elemento assim acionada pela dêixis discursiva. Concluímos esse trabalho
mostrando que o item lingüístico assim inicia um processo de mudança
unidirecional, visto que ele migra de uma função mais concreta para uma mais
abstrata, assumindo no discurso outros papéis que vão além da sua função
prototípica.
Palavras-chave: Gramaticalização. Dêiticos discursivos. Item lingüístico assim
10
ABSTRACT
This thesis displays a functioning study of the linguistic item assim (thus) under
the aspects: syntactic, semantic, pragmatic, and discursive, within
sociolinguistics interviews that can be found transcribed in the Linguistic
Variation Project in Paraiba state - Brazil ( VALPB). To accomplish this task, the
theoretician referential is from inter-subject character: the functional linguistics
which is the theoretician base of investigations around the functioning of assim
(thus) and the textual linguistics, beyond textual relations, which help us in the
characterization of the discoursive deictics. After selecting all the occurrences of
assim (thus), we investigated and analyzed the diverse and possible functions
of this item within grammatical level (discoursive deictics) and also pragmatic
level (discoursive markers). The verified results can ratify the basic hypotheses
of the multi-functionality of the element assim (thus) operated by the
discoursive ixis. We conclude this issue showing that the linguistics item
assim (thus) points to an unidirectional change, it migrates from one function
more concrete to another more abstract, it assumes within the discourse other
roles which go further than its prototypical function.
Keywords: Grammaticalization. Discoursive deictics. Linguistic item assim
(thus)
11
RESUMEN
Esta tesis presenta un estudio del funcionamiento del ítem lingüístico assim a
la luz de aspectos sintácticos, semánticos, pragmáticos y discursivos de
entrevistas sociolingüísticas transcritas en el Proyecto de Variación Lingüística
en el estado de Paraiba (VALPB). Para realizar esta tarea, el referencial teórico
es de carácter interdisciplinario, contemplando la lingüística funcional que
fundamenta teóricamente las investigaciones en torno al funcionamiento de
assim y la lingüística textual que, a través de las relaciones textuales, nos
ayuda a la hora de caracterizar los deícticos discursivos. Tras seleccionar todas
las ocurrencias del assim, investigamos y analizamos las diversas funciones
posibles de este ítem tanto en el nivel gramatical (deícticos discursivos) como
en nivel pragmático (marcadores discursivos). Los resultados verificados
ratificam la hipótesis sica de multifuncionalidad del elemento assim,
accionada por la deixis discursiva. Concluimos este trabajo mostrando que el
ítem lingüístico assim apunta hacia una mudanza unidireccional, visto que
migra de una función más concreta hacia una más abstracta, asumiendo otros
papeles en el discurso que van más allá de su función prototípica.
Palabras-clave: Gramaticalización. Deícticos discursivos. Ítem lingüístico
assim
12
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA
Figura 1: subprincípios da marcação
QUADROS
Quadro 1: sexo
Quadro 2: faixa etária
Quadro3: anos de escolarização
Quadro 4: síntese dos traços distintivos entre Dêiticos Discursivos e Anáforas
Quadro 5: o advérbio na visão da gramática tradicional
Quadro 6: proposta de classificação dos advérbios em Ilari et alii (1990)
Quadro 7: proposta de classificação dos advérbios em Neves (2000)
Quadro8:distribuição das funções de assim quanto aos traços
concretude/abstratização
Quadro 9: gradiente de marcação dos tipos de discurso
GRÁFICOS
Gráfico 1: distribuição de ocorrência de assim nas duas macro-funções
Gráfico 2: distribuição das funções gramatical e discursiva de assim
Gráfico 3: subfunções do dêitico discursivo assim motivadas pelo contexto
TABELAS
Tabela 1: distribuição de assim na fala de João Pessoa
Tabela 2: ocorrências dos tipos de discurso
Tabela 3: ocorrências das funções de assim nos tipos de discurso
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................14
1 SITUANDO ASSIM NO CENÁRIO DA PESQUISA......................................19
1.1 Objetivos .................................................................................................20
1.2 Justificativa ............................................................................................21
1.3 Hipóteses aventadas .............................................................................23
1.4 Procedimentos metodológicos ...............................................................24
1.4.1 Caracterização do corpus .............................................................24
1.4.2 Entrevista: prática discursiva ......................................................29
2 ANCORAGEM TEÓRICA: lingüísticas funcional e textual ....................40
2.1 Formalismo e funcionalismo: dois pólos que se completam no
pensamento lingüístico .................................................................................41
2.2 Funcionalismo: visão panorâmica ..........................................................44
2.3 Gramática funcional: o lingüístico e seus entornos ...............................48
2.4 Princípio da iconicidade: a motivação lingüística ...................................51
2.5 Princípio da marcação: breve percurso .................................................57
2.6 Gramaticalização: princípios e trajetória ................................................61
2.7 Discursivização: fonte que emana controvérsia ....................................74
2.7.1 Marcadores discursivos .................................................................77
2.8 Dêiticos Discursivos ...............................................................................81
2.8.1 Tipos de Dêixis ..............................................................................83
2.8.2 Dêixis discursiva vs. Anáfora: tênue distinção ..............................85
3 ASSIM: a literatura revisitada ...................................................................102
3.1 Remexendo nas areias no tempo: o advérbio assim no contexto da
tradição greco-latina ...................................................................................102
3.2 No contexto das gramáticas tradicionais: descrevendo o assim .........109
3.3 Trabalhos de orientação lingüística: entre as fronteiras, nem sempre
nítidas, de assim ............................................................................................115
14
4 APRESENTAÇÃO DOS DADOS: explicitando um vs de análise .......123
4.1 Dados que saem, dados que entram ....................................................125
4.2 Motivações de uso de assim ................................................................129
4.2.1 Dêitico discursivo pleno .........................................................130
4.2.2 Dêitico discursivo do contexto ...............................................133
4.2.2.1 Dêitico discursivo assim resumitivo ...............................135
4.2.2.2 Dêitico discursivo assim resumitivo bidirecional ...........136
4.2.2.3 Dêitico discursivo assim temporal .................................141
4.2.2.4 Dêitico discursivo assim comparativo ...........................143
4.2.2.5 Dêitico discursivo “assim mesmo / mesmo assim”
inclusivo .........................................................................146
4.2.3 Dêitico discursivo da memória ................................................151
4.2.3.1 Dêitico discursivo assim especificador ..........................151
4.2.3.2 Dêitico discursivo assim quantificador ...........................159
4.2.4 ASSIM: marcador discursivo ....................................................164
4.2.4.1 Assim: preenchedor de pausa ......................................166
4.2.4.2 Assim: iniciador e/ou tomador de turno ........................170
4.3 ASSIM: trajetória de gramaticalização .........................................174
4.4 Tipos de discurso e as funções de assim ....................................180
COMENTÁRIOS CONCLUSIVOS ..................................................................191
REFERÊNCIAS ..............................................................................................196
15
Algumas vezes é importante lançar um outro olhar
sobre um fenômeno tão conhecido e
aparentemente bem estudado a uma luz nova,
reformulando-o como problema, isto é, clareando
novos aspectos dele através de uma série de
questões [...] (Bakhtin, 1979/1992)
16
INTRODUÇÃO
O Juquinha leva a maior sova da mãe e fica chorando
convulsivamente num canto da sala. Chega a tia e se
condói:
___ Juquinha, querido. Por que é que você está
chorando assim?
___ Porque eu não sei chorar de outro, ora.
(Possenti, 1998, p.139)
1
Que Juquinha possa dar a resposta que se explica pelo fato de o
item lingüístico assim ser interpretado por referência a um “jeito/modo/forma”
de chorar. Por outro lado, na pergunta, esse elemento, refere-se mais à
intensidade do choro do que ao modo. Ou seja, não se trata de uma forma de
chorar, mas de um choro que impressiona por sua intensidade. Possenti (1998,
p. 139) argumenta que Juquinha, entretanto, interpreta “literalmente e, por isso,
pode responder que chora como chora por não saber chorar de outro jeito”,
gerando o humor. A epígrafe revela que o item assim pode ter mais de uma
função, dependendo do foco/intenção. Na pergunta, o foco é, de fato, ‘a
intensidade do choro’ “por que é que você está chorando assim?” Juquinha
é que desloca o foco da pergunta para o modo/jeito de chorar.
A concepção de linguagem como lugar de interação verbal e social
redefiniu, com efeito, o objeto de investigação da lingüística. Nesse sentido,
com o surgimento, principalmente, dos estudos funcionalistas, inicia-se um
novo modo de observar os fatos da língua
2
, isto é, um novo modo de explicar
1
Na piada nº. 10 de Possenti (1998, p.139), atrevemo-nos a fazer uma substituição da
expressão desse jeito por assim acreditando não prejudicar a intenção desejada. Esse trecho
foi propositalmente selecionado, para abrir o tema da nossa pesquisa, por acreditarmos que ele
revela, de maneira humorada, a influência da dêixis discursiva sobre o item assim.
2
Nesta pesquisa, é importante definir língua e discurso: grosso modo, a língua é vista como
instrumento de interação, um meio de o homem expressar e compreender a realidade a sua
volta; o termo discurso refere-se ao uso potencial da língua em situação de comunicação,
incorporando as estratégias criativas utilizadas pelo falante para organizar funcionalmente seu
texto para um determinando ouvinte e em uma determinada situação; A linha de estudo que
desenvolvemos consiste de uma análise lingüística no discurso e não “do” discurso, porque
17
as formas da língua como resultantes do uso. O principal interesse, agora,
toma a língua como instrumento para atingir determinados fins, negligenciando
aquela definição de língua como sistema estável e autônomo.
O objeto de estudos lingüísticos tem sido, nas últimas décadas, re-
inserido no que podemos chamar de “dimensão contextual”. A sociolingüística,
a lingüística textual, a gramática funcional, a teoria da enunciação, por
exemplo, ampliaram esse objeto, introduzindo diferentes aspectos do
‘contexto’
3
em suas investigações. Apesar de esses aspectos serem de
naturezas diversas, e caracterizarem também diferentes dimensões
contextuais, eles têm em comum o fato de não pressuporem uma literalidade
inerente à palavra, irem além da frase enquanto unidade de análise lingüística,
e levarem em consideração a natureza dinâmica da linguagem. De acordo com
essas propostas, os itens lingüísticos são adaptados e negociados a cada novo
ato de fala, a partir das experiências anteriores de cada um dos interlocutores
em situações comunicativas e da avaliação que eles fazem acerca do contexto
presente.
Guiando-nos por uma estreita ligação entre restrições funcionais e
cognitivo-interacionais, indissociáveis do contexto de uso, acreditamos ser
possível, para a análise do estudo em tela, a utilização de um duplo enfoque: a
lingüística funcional e a lingüística textual. A opção por esses dois vieses nos
encorajam, pois, a reabrir a discussão em torno do item lingüístico assim e,
conseqüentemente, em torno da controvertida classe dos advérbios, assunto
tão antigo quanto complexo e para o qual se voltaram alguns teóricos da
linguagem.
A hipótese fundamental desta proposta é que a multifuncionalidade e a
possibilidade de categorização do item assim são motivadas pela dêixis
discursiva
4
, que fornece indícios do “espaço” onde o destinatário poderá
não estamos interessados em analisar o discurso em si, mas a utilização que se faz dele, e
nele localizar os princípios que serão o fio condutor da nossa interpretação.
3
Necessário se faz, nesta pesquisa, esclarecer que o termo ‘contexto’ não se entende “algo
dado a priori, estático, físico e exterior à linguagem”; ele deve ser tratado como, aponta
Marcuschi (2000, p.29), uma noção mais dinâmica, sendo visto, portanto, em sua propriedade
de ‘mão dupla’. Essa propriedade é reflexo e tanto situa a produção discursiva como é gerada
no processo comunicativo. Grosso modo, a noção de contexto abrange o co-texto, a situação
de interação imediata, a situação mediata (entorno sociopolítico-cultural) e também o contexto
sociocognitivo dos interlocutores (KOCH, 2002).
4
A dêixis discursiva é estabelecida quando ocorre a mudança do campo itico canônico dos
elementos gramaticais e/ou lexicais (pronomes circunstanciais e demonstrativos) para o
18
localizar esse elemento: ora na situação física real da comunicação, ora no
próprio contexto e ora no conhecimento comum partilhado pelos interlocutores.
O corpus no qual mapeamos as diversas possibilidades de uso do item
lingüístico assim é constituído por sessenta entrevistas
5
sociolingüísticas,
integrantes do Projeto de Variação Lingüística no Estado da Paraíba - VALPB
(HORA e PEDROSA, 2001). As ocorrências discursivas extraídas dessa
amostra, como atividade de co-produção numa situação concreta de uso,
construíram-se através de planejamento localmente dimensionado e situado, o
que contribuiu para imprimir um caráter de relativa espontaneidade e
imprevisibilidade quanto aos rumos que cada participante deu às suas
intervenções.
No que toca aos aspectos metodológicos, construímos o objeto desta
pesquisa por meio do método qualitativo, para entender as diferentes funções
em que se empregam o item assim nas diversas situações comunicativas.
Como auxílio à interpretação qualitativa dos dados, acrescentamos uma
perspectiva de análise quantitativa baseado em lculos percentuais, a fim de
verificar e comparar a freqüência das subfunções examinadas.
Nossa preocupação se ateve muito menos aos resultados
quantitativos/estatísticos do que à avaliação dos conceitos teóricos que
fundamentam o trabalho e à compreensão das operações cognitivo-discursivas
e interacionais que orientam o funcionamento do item lingüístico assim.
Este estudo, portanto, volta-se para a análise das diversas funções
realizadas pela forma
6
assim. Apesar de restringirmos o alvo de interesse
desta tese a apenas um elemento lingüístico, reconhecemos que há, nele, a
depender das intenções dos usuários, um leque de atuações que ora age no
nível gramatical (dêiticos discursivos) ora no nível pragmático (marcadores
ambiente textual. Isso quer dizer que esses elementos gramaticais e/ou lexicais remetem não
ao espaço do emissor na instância do discurso real, mas, na verdade, localizam porções do
discurso em andamento (as próprias formas de texto) à medida que fazem referência à
disposição das unidades gráficas do texto. Isso faz com que os dêiticos discursivos se tornem
um caso especial dos iticos, uma vez que seu quadro de funcionamento é o contexto do
próprio discurso.
5
O acervo do VALPB está disposto em cinco volumes. É válido ressaltar que foram
conservadas as particularidades das entrevistas, já que lidamos com textos orais, isto é,
transcrevemos as ocorrências da mesma maneira como se encontram tais entrevistas nos
volumes. Também recortamos apenas as respostas (e às vezes perguntas) nas quais
apareceram o item assim.
6
Analisaremos tanto o item assim isolado como tamm conjugado a outros elementos
lingüísticos como: “mesmo assim”, “assim mesmo”, “tipo assim, “assim como”, “assim que”.
19
discursivos
7
). Pesquisas recentes da teoria funcionalista mostram que a base
metafórica da gramaticalização
8
aponta para o princípio da exploração de
velhos meios para novas funções, ou seja, as formas já existentes, mais
concretas, associam-se a novos significados progressivamente mais abstratos.
É o que parece ocorrer com o item lingüístico em questão.
Com o intuito de facilitar a compreensão dessa tese, optamos por
estruturá-la em quatro partes, organizadas da seguinte maneira:
A seção 1, Situando assim no cenário da pesquisa, principia pela
exposição dos objetivos e justificativas para seleção do objeto de estudo. Na
seqüência, revelamos os procedimentos metodológicos observados na
realização da pesquisa, explicando a constituição do corpus e a
operacionalização da análise. Promovemos, por fim, uma breve discussão
acerca do gênero discursivo entrevista sociolingüística.
A seção 2, Ancoragem teórica: lingüísticas funcional e textual, remete
aos aparatos teóricos que dão sustentação ao estudo proposto. Primeiramente,
a abordagem se finca sobre aportes do funcionalismo lingüístico,
principalmente, os postulados desenvolvidos por Heine, Claudi e Hünnemeyer
(1991), Hopper e Traugott (1993) Givón (1990, 1991, 1993 e 1995), Martelotta,
Votre e Cezario (1996) e Neves (1997, 2001). Apresentamos os aspectos
basilares da lingüística funcional, com destaque para os princípios da
iconicidade e o processo da gramaticalização. Unindo-se a esses
pressupostos, temos as contribuições da lingüística textual ancoradas em
Cavalcante (2000), Marcuschi (1995, 1997) Fillmore (1971) e Ehlich (1982),
dentre outros. Nesse espaço, sintetizamos os preceitos básicos da lingüística
textual, apontando a referenciação sob um ponto de vista cognitivo-discursivo,
7
Os marcadores discursivos, de um modo geral, são identificados pela indisciplina sintática,
opacidade semântica e multifuncionalidade discursiva. São usados para viabilizar o
processamento das informações na fala que é marcada por constantes pós-reflexões,
reavaliações e adendos, ou seja, por uma freqüente reorganização em nome de uma melhor
compreensão das informações transmitidas.
8
De acordo com Gonçalves, Lima-Hernandes e Casseb-Galvão (2007, p.16), a
gramaticalização pode ser observada de duas perspectivas: diacrônica, quando a
preocupação do “estudo estiver voltada para a explicação de como as formas gramaticais
surgem e se desenvolvem na língua”; e sincrônica, quando a preocupação está “voltada para
a identificação de graus de gramaticalidade que uma forma lingüística desenvolve a partir dos
deslizamentos funcionais a ela conferidos pelos padrões fluidos de uso da língua”.
Pretendemos mostrar a trajetória de gramaticalização desenhada pelo item assim a partir
dessa última perspectiva.
20
evidenciando ao leitor os princípios que respaldarão nossa investigação com
relação à dêixis
9
discursiva.
Na seção 3, ASSIM: a literatura revisitada, é exposta uma revisão de
estudos pertinentes ao tema em foco que principia pela tradição greco-latina e
finda com os trabalhos de orientação lingüística que revelam, ao longo do
tempo, o tratamento dispensando ao comportamento do advérbio e,
especificamente, ao elemento lingüístico assim.
Na seção 4, Apresentação dos dados: explicitando um viés de análise, é
traçado o caminho de análise e interpretação do item assim, a partir do
flagrante dos usos, tendo como embasamento teórico os pressupostos das
lingüísticas funcional e textual, considerando os aspectos sintáticos,
semânticos, discursivos e pragmáticos. A análise contempla, ainda, uma
síntese do processo de gramaticalização vivenciado pelo assim em sua
trajetória funcional. Por fim, é mostrada a atuação desse item nos diversos
tipos de discurso.
Nos comentários conclusivos, apresentamos um panorama geral dos
resultados alcançados.
9
Talvez o fenômeno da dêixis seja a maior evidência da contribuição do contexto para a
interpretação completa de uma enunciação. Essa é uma característica que os estudos
lingüísticos sempre admitiram, mas que também conferiu marginalidade ao fenômeno, por se
tratar de um fator que dificultava o trabalho dos analistas da linguagem.
21
1 SITUANDO ASSIM NO CENÁRIO DA PESQUISA
I: Eu ainda lembro o governo melhor que teve teve aqui
na Paraíba, eu num era vivo [...], mas o governo melhor
que teve na Paraíba foi João Pessoa.
E: Ah, foi? E o que que o senhor sabe do governo de
João Pessoa?
I: João Pessoa ele ele num mandava, ele quando queria,
ele ia mesmo em pessoa. Se ele queria tudo tabelado no
mercado [...]. Chegava lá: “A tabela é essa. Quero
assim, assim, assim, assim, assim”. Agora num
fizesse não.
(A.C.S., p. 82, v.I)
10
Os usos do item lingüístico assim não ocorrem de forma arbitrária, ao
contrário, num anseio de liberdade criadora, como no trecho que serve de
epígrafe para esta seção, os falantes atualizam constantemente novos usos. É
nessa direção que este estudo ganha sentido, pois tem a pretensão de ser um
exercício de operação sobre a linguagem, procurando demonstrar a trajetória
de mudança pela qual o elemento assim passa, fazendo-o assumir novos
papéis no discurso. Nesta seção, delinearemos a pesquisa, situando o
fenômeno que propomos investigar, explicitando os objetivos, razões,
hipóteses e o aparato metodológico que a operacionaliza.
10
O fragmento acima foi extraído do corpus do VALPB (Hora e Pedrosa, 2001).
22
1.1 Objetivos
Tomando a linguagem em seu funcionamento, propomos averiguar o
desenvolvimento do item lingüístico assim nos textos orais de João Pessoa
(VALPB), buscando indícios que comprovem que a dêixis discursiva, apesar de
não ser uma categoria gramatical, influencia no aparecimento da
multifuncionalidade desse elemento, possibilitando sua categorização.
Objetivamos também verificar se são mais recorrentes os usos gramaticais
(dêiticos discursivos) ou pragmáticos (marcadores discursivos) desse item
no gênero entrevista sociolingüística.
Nesse sentido, visando a um conhecimento mais consistente do
fenômeno estudado, analisaremos os aspectos sintáticos, semânticos e
pragmáticos dessa construção na dinâmica do uso, bem como buscaremos
explicações para suas motivações cognitivas, comunicativas e sociais,
utilizando, para tanto, dois princípios funcionais de Givón: o princípio da
iconicidade e o princípio meta-icônico da marcação.
Observando o comportamento do item assim no corpus e com base na
trajetória espaço > tempo > texto, postulada por Heine, Claudi e Hünnemeyer
(1991), objetivamos caracterizar uma escala que parte do sentido [+ concreto]
para o [- concreto] para as funções desempenhadas por esse elemento, como
também, identificar as diversas funções e subfunções gramaticais (dêiticos
discursivos) e pragmáticas (marcadores discursivos) exercidas pelo item
em questão e com que freqüência estas acontecem.
Verificaremos como o princípio da iconicidade atua ao determinar a
escolha do item assim nos diversos tipos de discurso, mostrando que o tipo
“narrativa”, por ser menos complexo, [- marcado], atrairá funções de assim [-
marcadas], isto é, funções gramaticais, desempenhadas pelos dêiticos
discursivos.
Relacionando aspectos do uso real da amostra e da história lingüística, é
nossa intenção rastrear indícios de mudanças do assim e, ainda, aplicar os
princípios de Hopper (1991) para caracterizar/descrever a trajetória de
gramaticalização desse elemento.
23
Enfim, considerando a diversidade funcional que cerca esse fenômeno,
pretendemos fornecer dados importantes à pesquisa que respondam às
questões relativas às motivações lingüístico-discursivas, ao exercício de
funções e subfunções que o elemento lingüístico assim pode apresentar; quais
são as mais recorrentes no corpus, e quais as funções mais/menos marcadas
no texto. E, desta forma, pretendemos ampliar o conhecimento sobre o
funcionamento desse item lingüístico.
1.2 Justificativa
Embora muito se tenha dito sobre o elemento lingüístico assim, o fato
é que pouco ainda se disse sobre a sua multifuncionalidade acionada pela
dêixis discursiva, razão que, a nosso ver, justifica a pesquisa sobre o assunto.
Acreditamos que os usos inovadores surgem na língua por necessidades
comunicativas não preenchidas. É o que parece ocorrer com o item assim,
pois, para dar conta de conteúdos cognitivos, cuja denominação lingüística
adequada parece não existir, os falantes se valem da forma já disponível,
ampliando seus significados. Segundo Votre e Rocha (1996), os usuários
fazem uso de construções estáveis na gramática para poder expor suas
idéias e sentimentos.
Visto que o sentido não está nas construções, palavras ou frases
isoladas, mas está, também, nos produtores do texto, é preciso considerar uma
postura metodológica que incorpore o sujeito falante como produtor de
significados, uma vez que, por trás de escolhas lingüísticas realizadas por ele
(como a do elemento assim) dentre várias outras disponíveis na língua,
podemos compreender as sutilezas semântico-discursivas utilizadas por esse
usuário. Portanto, cremos que a dupla abordagem, funcional e textual
11
, pode
explicar o objeto em tela, uma vez que examina a língua do ponto de vista do
contexto lingüístico e da situação extralingüística, isto é, calcado na
11
Como argumenta Tavares (2003, p.99), uma teoria é um “pacote completo” e talvez nem
todos os seus pressupostos sejam compatíveis com a outra teoria. Por isso, priorizamos
apenas os aspectos mutuamente assimiláveis de ambas abordagens, não discutindo o fato de
a lingüística textual poder ser englobada pelo funcionalismo ou, o contrário, os estudos da
lingüística textual é que deverão ser alargados para englobar a teoria funcionalista.
24
preocupação com o funcionamento da língua como uma atividade sócio-cultural
e heterogênea. A análise da construção assim se dará, não enquanto forma
lingüística em si, ou seja, como unidade do sistema, mas como elemento
constituinte de diferentes situações discursivas realizadas pelos sujeitos
falantes que participam de uma situação real.
A seleção da construção lingüística assim também foi guiada pela
freqüência com que ocorreu na amostra do VALPB (Hora e Pedrosa, 2001).
Esse critério justifica-se porque a recorrência de um item mostra a sua
relevância enquanto estratégia comunicativa, argumentativa e interacional.
Para Bybee (2003), a freqüência de uso tem um papel importante no processo
de gramaticalização, pois leva ao enfraquecimento da força semântica (ou
generalização) de uma forma. Essa perda de transparência favorece o
emprego da construção em outros contextos com novas associações,
estabelecendo mudança de significação.
Com efeito, a alta recorrência do item em foco, no corpus, estimula a
inspeção detalhada do seu comportamento na língua em uso, visando flagrá-lo
no preenchimento de funções ainda não exaustivamente analisadas pela
descrição lingüística. Pesquisas recentes apontam para a valorização e
proliferação dos estudos lingüísticos orais, voltados para o uso e, por
conseguinte, para a interação. Em sintonia com esta tendência, a investigação
funcionalista aliada à lingüística textual pode proporcionar um melhor
conhecimento das particularidades desse elemento e de alguns aspectos
inerentes à estrutura e ao funcionamento real da língua portuguesa,
enriquecendo os estudos sobre essa temática.
1.3 Hipóteses aventadas
Considerando que o sentido não depende apenas do processamento da
linguagem, no momento da atualização lingüística, mas também da operação
com os elementos lingüísticos que o compõem, colocamos como premissa
básica e geral o fato do assim ser atingido por processos de
variação/mudança, não em sua estruturação formal, mas em suas funções
25
sintático-semântico-pragmático-discursivas. Deste modo, a união dos enfoques
das lingüísticas funcional e textual pode tornar mais coerente a
análise/interpretação do item em questão.
A priori, acreditamos que o elemento assim manifesta ‘novas’ funções,
categorizando-se, no contínuo textual e partindo do princípio de que o aspecto
motivador de uso desse elemento é a dêixis discursiva.
Apesar de a amostra analisada ser do gênero entrevista sociolingüística,
ou seja, pertencer à modalidade oral, nossa expectativa é de que a grande
recorrência de uso do assim, no corpus, seja de funções gramaticais (dêitico
discursivo).
Nossa hipótese, com relação à escala de abstratização de Heine, Claudi
e Hünnemeyer (1991), é que o item assim migre de uma função mais
referencial/[+ concreta] para uma mais abstrata/[- concreta], desenhando uma
trajetória unidirecional. Entendemos, de fato, que o elemento assim está
vivenciando o processo de gramaticalização, pois esse item tende a perder
seus traços gramaticais para assumir, progressivamente, funções de caráter
pragmático-discursivo, isto é, generalizando-se e/ou abstratizando-se.
Tomando por empréstimos as idéias expostas por Tavares (2003) com
relação aos tipos de discurso (narrativa, descrição de vida, descrição,
procedimento e argumentação) e sabedores de que esses discursos irão
influenciar determinados usos do item assim no VALPB, foram formulados os
seguintes questionamentos: nossa expectativa é de que o tipo de discurso
“narrativa” é menos complexo, [- marcado], por não necessitar de grande
esforço cognitivo em termos de processamento e percepção, tendendo a
privilegiar funções de assim [- marcadas], ou seja, funções gramaticais. Por
outro lado, acreditamos que os tipos de discurso mais complexos, [+ marcados]
tendem a atrair menos as funções gramaticais desse item, solicitando, então,
seus usos mais discursivizados.
26
1.4 Procedimentos metodológicos
1.4.1 Caracterização do corpus
A escolha do acervo oral do Projeto Variação Lingüística na Paraíba
VALPB foi motivada pela crença de que o caráter quase espontâneo
12
,
característico das entrevistas, seria campo fértil para a manifestação das várias
funções do elemento lingüístico assim, tendo em vista que, na modalidade
escrita, de uma forma geral, a função desse elemento já é prevista pelas
gramáticas normativas, não acrescentando quase nada ao fenômeno
investigado.
A motivação pela escolha deu-se, também, no desejo de flagrar, em
texto do português atual, século XX (as gravações iniciaram em 1993), o
processo de gramaticalização em andamento do fenômeno estudado, que
poderia estar ou não repetindo procedimentos anteriormente utilizados.
Como nossa intenção é investigar a prática real de um determinado uso
lingüístico social, entendemos que, no gênero oral “entrevista”, o falante pode
desempenhar muito bem o papel de potencial transformador das estruturas
lingüísticas em efetivo funcionamento.
Embora a amostra deste trabalho seja constituída por entrevistas, na
verdade, ocupamo-nos, principalmente, das respostas dos informantes, não
perdendo de vista, contudo, as perguntas do entrevistador. Assim sendo, para
recortar as entrevistas, de modo a ter seqüências com sentido, respeitamos as
particularidades inerentes à tipologia do texto. Por serem textos orais e
construídos através do recurso pergunta-resposta, utilizamos o mesmo recurso
para segmentá-los. O par pergunta-resposta (P-R) funciona, ao mesmo tempo,
como mecanismo de organização textual e seqüenciador da conversação.
O segundo passo foi recortar as respostas de modo a eleger os trechos
que contivessem o item assim, não desprezando, porém, o restante das
respostas, fio condutor do contexto lingüístico, que não pode ser excluído.
12
Observamos que, na maioria das entrevistas, os informantes falam muito, inclusive com
respostas bastante longas, aproximando-se de uma conversação espontânea, o que nos leva a
pensar que estão à vontade e sendo cooperativos.
27
Apesar de termos considerado o corpus como sendo um tipo específico,
com características próprias, elegemos o par pergunta-resposta como um texto
dentro de um texto maior, que é a entrevista. Essa postura deve-se ao fato de
observar que não havia uma continuidade temática nas perguntas. Algumas
vezes, a pergunta subseqüente era uma continuação do tópico abordado na
pergunta anterior. Na maioria das vezes, entretanto, cada par pergunta-
resposta versava sobre um tópico diferente, caracterizando a entrevista como a
soma de vários tópicos preestabelecidos pelo entrevistador.
Sabemos que o texto falado tem características específicas, impostas
pelas circunstâncias sociocognitivas de sua produção. Nessa perspectiva,
apresentamos as características próprias da fala, postuladas por Koch
(2000, p. 63):
“não se planeja de antemão”, devido a sua natureza altamente
interacional. Isto é, ela precisa ser localmente planejada e replanejada a cada
novo “lance” do jogo da linguagem;
o texto falado apresenta-se “em se fazendo”, ou seja, planejamento e
verbalização ocorrem no mesmo instante, porque ele aparece no próprio
momento da interação: ele é seu próprio borrão;
o fluxo discursivo demonstra interrupções constantes, determinadas
por uma série de fatores de ordem cognitivo-interacional, as quais têm, assim,
justificativas pragmáticas relevantes;
a escrita é o produto de um processo, então é estática, ao passo que
a fala é o processo em si, logo é dinâmica.
Koch (Ibidem) lembra ainda que em situações de interação face-a-face,
não é o locutor que se responsabiliza pelo desempenho do seu discurso.
Este tipo de interação é, como explica Marcuschi (1986), uma atividade de co-
produção discursiva, pois os interlocutores não procuram ser cooperativos,
como ainda “co-negociam”, “co-argumentam”. Por essa razão, neste trabalho,
não teria sentido analisar separadamente, e apenas, as produções individuais
do informante, sem levar em conta também as produções do entrevistador. Não
se trata, então, de um discurso de um ou de outro, mas de um discurso
28
constituído em interação, envolvendo toda a multiplicidade de sentidos
atualizados no momento da entrevista.
Nosso acervo de análise é composto por sessenta gravações de fala
quase espontânea (com tempo de gravação em torno de quarenta minutos
cada) de indivíduos da cidade de João Pessoa, tendo como objetivo principal
traçar o perfil lingüístico dos falantes desta comunidade ao observar fatores de
ordem estrutural e social que interferem no uso da língua.
É interessante ressaltar que na escolha destes informantes observaram-
se os seguintes requisitos:
ser natural de João Pessoa ou morar nessa cidade desde os cinco
anos de idade;
nunca ter passado mais do que dois anos consecutivos fora de João
Pessoa.
A metodologia utilizada para a obtenção desta amostra está baseada
nos trabalhos à luz da sociolingüística variacionista laboviana
13
. A seleção dos
informantes foi feita com base na cnica de amostra aleatória por área, de
acordo com Marconi e Lakatos (1986) apud Hora e Pedrosa (2001). O método
utilizado para a obtenção do corpus foi a aplicação de um questionário, depois
de ter havido uma seleção dos prováveis informantes e a utilização de uma
ficha social. O uso desta ficha visou à manutenção de um primeiro contato com
os futuros informantes e, principalmente, à minimização do efeito negativo da
presença do entrevistador-pesquisador tão bem frisado por Labov (1972)
quando faz referência ao “paradoxo do observador”
14
.
Os picos abordados nas entrevistas
15
, evidenciados na ficha social
aplicada previamente, foram voltados para o cotidiano dos informantes,
considerando as especificidades de cada um, favorecendo, de fato, uma maior
13
O modelo teórico-metodológico da sociolingüística variacionista, proposto por Labov (1966,
1969, 1972, 1994), destaca a relação estabelecida entre ngua e sociedade e a possibilidade
de sistematizar a variação que se dá inicialmente na língua falada.
14
Isto significa, resumidamente, que o informante deve falar de forma que não se sinta
observado sob pena de não falar naturalmente.
15
Na entrevista sociolingüística de linha laboviana, a postura de cada um dos participantes, o
informante e o entrevistador, em relação a si mesmo, a seu interlocutor e aos sentidos
instanciados no discurso, é vinculada a um gênero discursivo a entrevista para a coleta de
dados lingüísticos variáveis – e suas implicações (TAVARES, 2004).
29
desenvoltura e espontaneidade no ato da fala, como observa Tarallo (1990, p.
22):
Os estudos de narrativa de experiência pessoal têm demonstrado
que, ao relatá-las, o informante está tão envolvido emocionalmente
com o que relata que presta o mínimo de atenção ao como. E é
precisamente esta a situação natural de comunicação almejada pelo
pesquisador. (grifos nossos)
Desta forma, na entrevista sociolingüística, o entrevistador não está
interessado no o que é dito, mas no como é dito. Busca, no entendimento de
Tavares (2004, p. 81), o vernáculo, a “enunciação e expressão de fatos,
proposições, idéias (o que), sem a preocupação de como enunciá-los.” Trata-se,
portanto, dos momentos em que o mínimo de atenção é prestado à língua, ao
como da enunciação, corroborando a citação de Tarallo, anteriormente
apresentada.
Embora a nossa fonte de dados tenha características do gênero
“entrevista” que, às vezes, “direcionam” as informações dos entrevistados (pois
estão centradas em perguntas que induzem o interlocutor), observamos que o
acervo trabalhado parece se afastar das entrevistas tradicionais, uma vez que as
perguntas impulsionaram, de certo modo, os informantes a manifestarem o
‘vernáculo’ no discurso, dando liberdade de expressão para que eles narrassem
casos ocorridos em suas vidas, como as experiências pessoais, jogos e
brincadeiras de infâncias, brigas, encontros amorosos e perigo de morte, enfim,
diversos campos temáticos: família, religião, esportes, violência etc.
Nossa amostra está estratificada conforme as variáveis: sexo, faixa
etária e anos de escolarização, segundo os respectivos quadros:
Quadro 1: sexo
SEXO
Masculino 30 informantes
Feminino 30 informantes
30
Quadro 2: faixa etária
Quadro 3: anos de escolarização
ANOS DE ESCOLARIZAÇÃO
Nenhum 12 informantes
1 a 4 anos 12 informantes
5 a 8 anos 12 informantes
9 a 11 anos 12 informantes
+ de 11 anos 12 informantes
As entrevistas coletadas foram publicadas em cinco volumes,
organizados de acordo com a variável referente ao ano de escolarização dos
indivíduos. Deste modo, faremos uso dos volumes: I (informantes com nenhum
ano de escolarização); II (informantes de 01 a 04 anos de escolarização); III
(informantes de 05 a 08 anos de escolarização); IV (informantes de 09 a 11
anos de escolarização) e V (informantes com mais de 11 anos de
escolarização).
A fim de facilitar a identificação das contextualizações discursivas desse
corpus, utilizamos a seguinte convenção: : as iniciais do nome dos
informantes; 2º: número da página onde se encontra o enunciado em análise e
3º: número do volume onde se localiza a entrevista, como o exemplo: (H.B.C, p.
42, v.5)
FAIXA ETÁRIA
15 a 25 anos 20 informantes
26 a 49 anos 20 informantes
Mais de 50 anos 20 informantes
31
1.4.2 Entrevista: gênero discursivo
O estudo de textos, numa perspectiva de classificação em Gêneros,
remonta a muitos séculos, mais precisamente à Grécia clássica por meio de
Platão, Aristóteles, Horácio e Quintiliano, dentre outros, como objeto de
investigação do âmbito estrito da Poética.
Na tradição ocidental, durante algum tempo, a expressão “gênero”
esteve ligada aos gêneros literários. Atualmente, essa expressão está
espraiada em outros domínios das ciências humanas, como a Etnografia, a
Sociologia, a Antropologia, o Folclore, a Retórica, a Lingüística, embora não
representando a mesma idéia em todos eles.
No campo da lingüística, especificamente, uma enorme variedade de
tipologias, resultante do interesse sobre os gêneros. Essa variedade pode ser
comprovada pela metalinguagem utilizada e pelo uso indistinto de termos como
gênero, tipos, modos, modalidades de organização textual, espécies de texto e
de discurso. Embora muitos estudiosos, como os citados por Bronckart (1999,
p. 138) constatem que “os gêneros nunca podem ser objetos de uma
classificação racional, estável e definitiva”, do ponto de vista teórico e
terminológico é importante que se distingam essas noções.
16
A questão do gênero voltou ao debate lingüístico motivada em grande
parte pelas idéias de Bakhtin (1992), segundo a qual a comunicação humana
seria dificultada se, a cada vez que o locutor fosse interagir, tivesse que criar
um gênero. Os gêneros estão, assim, presentes no cotidiano das pessoas,
relacionados às diferentes situações sociais.
16
Com relação à distinção entre tipo textual e gênero textual, Marcuschi (2000, p.22-3),
baseando-se em autores como Swales (1990), Adam (1987) e Bronckart (1999), define tipo
textual como uma espécie de construção teórica definida pela natureza lingüística de sua
composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). São tipos textuais
narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. A expressão nero textual é
utilizada para designar textos materializados que se utilizam cotidianamente e que apresentam
características sócio-comunicativas, definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e
composição característica. Entre os inúmeros gêneros estão: telefonema, sermão, carta
pessoal, outdoor, notícia jornalística e assim por diante. Portanto, percebemos que a noção de
texto está relacionada aos aspectos lingüísticos, enquanto a de gênero volta-se para o
discurso, para o uso efetivo da língua em interações sociais.
A classificação tradicional de gênero, que se restringe à narração, descrição e dissertação,
está sendo substituída pelo termo “seqüência”, defendida por Adam (1987), pela expressão
“modalidade discursiva” (Meurer, 1997) e por “tipo de texto” (Marcuschi, 2000).
32
Outra ‘inovação’ de Bakhtin foi a de substituir a visão estática dos
gêneros por uma concepção dinâmica, interacional, levando em conta o
processo de produção e recepção do discurso. Esta visão segue uma noção de
língua como atividade social, histórica e cognitiva, privilegiando a natureza
funcional e interativa e não o aspecto formal e estrutural da língua. Nesse
contexto teórico, a língua é tida como uma forma de ação social e histórica que,
ao dizer, também constitui a realidade.
Bakhtin (Ibidem) definiu gênero como “tipos relativamente estáveis de
enunciados” e é nesta definição que se apóiam os estudos mais recentes sobre
gêneros textuais. Postula o autor que os diversos gêneros, apesar de sua
relativa estabilidade, podem ser estruturados em torno de três aspectos
caracterizadores dos gêneros em geral: conteúdo temático, a construção
composicional e o estilo verbal.
A entrevista, gênero escolhido para nosso estudo, pode, então, ser
caracterizada, a partir destes três elementos, vejamos:
* o conteúdo temático se refere ao conjunto das representações do
assunto quando falamos ou escrevemos (seleção de termas). Desta forma, a
entrevista remete ao que os entrevistadores sabem ou esperam dos
entrevistados em relação ao tema proposto;
* a construção composicional consiste nas características estruturais que
são comuns a um gênero (formas de organização textual). Na entrevista, a
alternância entre os interlocutores, fortemente marcada pelo par dialógico
perguntas-respostas, constitui a característica predominante.
* o estilo verbal está diretamente associado às unidades temáticas e
composicionais, não podendo ser objeto isolado de estudo (escolha dos
recursos lingüísticos). No caso da entrevista, por exemplo, podemos observar a
linguagem utilizada pelos entrevistadores em relação aos entrevistados.
Priorizando o aspecto da construção composicional do gênero, a
entrevista apresenta três partes que compõem a estrutura canônica a saber:
abertura; fase de questionamentos (sempre marcada pelo par pergunta-
resposta entre o entrevistador e o entrevistado) e fechamento (SCHNEUWLY
e DOLZ, 2004).
33
O entrevistador é, com efeito, segundo os autores, responsável por
iniciar e encerrar a entrevista, fazer perguntas, estimular a transmissão de
informações, induzir outros assuntos e atrair para si um direcionamento da
interação e das relações de poder. o entrevistado, uma vez que aceita a
situação, é obrigado a responder as perguntas e fornecer as informações
pedidas.
O par (P-R) é o componente responsável pela organização da entrevista
e pela interpretação da interação, tendo em vista que determina a conversação.
Se considerarmos um continuum entre pergunta e resposta, facilmente
reconheceremos uma inevitável seqüencialidade entre ambas.
Podemos dizer, em termos gerais, que o modelo da entrevista é
composto de pelo menos dois indivíduos, cada um com um papel específico: o
entrevistador, que é responsável pelas perguntas e o entrevistado, que é o
responsável pelas respostas. Mesmo havendo mais de dois participantes na
entrevista, apenas aparecem dois papéis sendo desempenhados o de
perguntador e o de respondedor.
Marcuschi (2000, p. 22), contudo, alerta para o fato de que eventos
que parecem entrevistas por sua estrutura geral de pergunta e resposta, mas
se distinguem muito disso. “É o caso da tomada de depoimentos na Justiça ou
do inquérito policial. Ou então um exame oral em que o professor pergunta e o
aluno responde.” Todos esses eventos distinguem-se em alguns pontos (em
especial quanto aos objetivos e à natureza dos atos praticados) e assemelham-
se em outros.
Os gêneros do discurso são divididos, por Bakhtin (1992), em dois
grandes grupos: gêneros primários (simples) e secundários (complexos). Os
primários são aqueles da vida cotidiana e que mantêm uma relação imediata
com as situações nas quais são produzidos, isto é, são próprias das
circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea. Os gêneros
secundários, por sua vez, aparecem nas circunstâncias de uma situação
cultural mais complexa e relativamente mais elaborada.
Embora o autor sugira que os primários dão suporte a uma comunicação
verbal espontânea e os secundários sustentam uma comunicação mais
complexa e escrita, isto não quer dizer que a fala seja a modalidade
privilegiada dos primeiros, uma vez que a carta se manifesta pela via escrita.
34
Na perspectiva bakhtiniana, o que justifica o rótulo primário ou secundário não
é a modalidade da língua usada, mas a esfera
17
a que se vincula o gênero.
Modernamente, é possível reconhecer três tendências que estão se
estabelecendo em torno de questões sobre gêneros. Duas delas já estão
sendo referidas na literatura como escolas: a “Escola de Genebra” e a “Escola
de Sydney”, ambas voltadas para ações pedagógicas decorrentes das teorias
sobre gêneros, com pontos convergentes, que refletem os postulados
bakhtinianos. A terceira tendência constitui o grupo de estudos norte-
americano.
O grupo de Genebra associa pressupostos teóricos de Bakhtin e de
Vygotsky, para uma experiência aplicada das teorias sobre gêneros na escola
elementar. O enfoque principal do grupo, constituído especialmente por
Bronckart (1999), Schneuwly (1994) e Dolz e Schneuwly (1996), é a teoria da
enunciação, conforme foi defendida por Bakhtin.
A escola de Sydney está vinculada aos princípios teóricos da lingüística
sistêmico-funcional, advogada por Halliday, e é representada especialmente
por J.R.Martin e Joan Rothery. Eles têm demonstrado preocupação especial
com as questões ideológicas que perpassam os diferentes gêneros. Uma outra
vertente dessa escola é representada por G. Kress (1993), que se coloca em
defesa de uma reforma lingüística e social.
Nos estudos norte-americanos sobre gêneros, por sua vez, merece
destaque C. Miller (1994) que postula que o número de gêneros existente é
indeterminado e depende da complexidade e diversidade de uma sociedade.
Numa outra perspectiva, mais descritivista, J. M. Swales (1990) argumenta que
a noção de gênero está fortemente atrelada à de comunidade discursiva e que
é impossível entender uma sem a outra. Vinculado também à “escola norte-
americana”, V. K. Bhatia (1993) investiga gêneros produzidos em contextos
profissionais e sua contribuição consiste, principalmente, em dar destaque à
participação efetiva dos membros de cada comunidade discursiva na
legitimação dos gêneros regularmente produzidos no seu meio.
17
A noção de esfera de comunicação, em Bakhtin (1992), pode ser associada à concepção de
língua adotada pelo autor em seu Marxismo e filosofia da linguagem (Bakhtin, 1981). Nessa
concepção, a língua é vista não como um sistema estável, mas como um lugar de interação
humana.
35
Ao tratar dos gêneros textuais, Marcuschi (2000) parte de dois
pressupostos. Primeiro, o fato de a linguagem ser um processo de interação
entre indivíduos, nos moldes de Bakhtin (1992, p. 109), para quem “a interação
verbal constitui assim a realidade fundamental da língua”. E segundo, o fato de
ser impossível comunicar-se verbalmente a não ser por algum gênero, assim
como é impossível comunicar-se verbalmente a não ser por algum texto.
O autor (Ibidem, p. 107) apresenta uma proposta para tipificar os
gêneros, sistematizando-os em duas modalidades da língua oral e escrita
organizados em 13 domínios discursivos: “científico, jornalístico, religioso,
saúde, comercial, industrial, judico, instrucional, lazer, publicitário,
interpessoal, militar e ficcional”.
Então, ordena, nesses domínios discursivos, os mais diversos gêneros desde
as conversas espontâneas até os mais elaborados textos orais e escritos. É na
modalidade oral que encontramos os gêneros: entrevistas, notícias de rádio e
TV, reportagens ao vivo, debates e apresentações.
18
Marcuschi (2002, p. 19) concebe os gêneros textuais como “fenômenos
históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social” e acrescenta: “os
gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do
dia-a-dia”. No entanto, ele adverte que os gêneros não são instrumentos
estanques e enrijecedores da ação criativa, muito pelo contrário, eles se
caracterizam como “eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e
plásticos”. Além disso, o autor ressalta que os gêneros surgem, proliferam-se e
modificam-se para atender as necessidades socioculturais e às inovações
tecnológicas. A emergência de novos gêneros está, certamente, vinculada ao
surgimento de novas formas de interações sociais.
Uma outra noção que acrescentamos é a de Swales (1990) para quem
gêneros são vistos como uma classe de eventos comunicativos reconhecíveis
por sua relativa estabilidade e pelo nome explicitamente dado; que se
distribuem igualmente pela fala e escrita; e que se acham diretamente
vinculados aos eventos comunicativos. De acordo com esse autor (Ibidem, p.
18
Apesar de ser bastante extensa a lista de gêneros apresentadas por Marcuschi (2000), não
qualquer definição sobre os gêneros classificados, tampouco sua caracterização. A
descrição e caracterização dos gêneros do discurso são, ainda, problemas complexos para a
literatura pertinente, embora se tenha notícia de uma série de trabalhos em andamento.
36
10), o elemento que une as três noções é um aspecto típico da Lingüística
Aplicada, ou seja, o propósito comunicativo, como explicitado:
É o propósito comunicativo que conduz as atividades lingüísticas da
comunidade discursiva; é o propósito comunicativo que serve de
critério prototípico para a identidade do nero e é o propósito
comunicativo que opera como o determinante primário da tarefa.
Dentre algumas contribuições para a análise de gêneros, merece
destaque a reelaboração/ampliação do conceito de gênero postulado por
Bhatia (1993) em relação à definição apresentada por Swales. Essa nova
proposta reforça o papel dos membros da comunidade discursiva na
cristalização dos gêneros produzidos por eles através do reconhecimento, da
identificação, da aceitação dos objetivos comuns. Assim sendo, Bhatia (1993,
p. 13) frisa que um gênero é um evento comunicativo reconhecível,
caracterizado por
[...] um conjunto de propósitos comunicativos identificados e
mutuamente entendidos pelos membros da comunidade profissional
ou acadêmica na qual regularmente ocorre. Muitas vezes, é
altamente estruturado e convencionalizado com restrições às
contribuições permissíveis em termos de sua intenção,
posicionamento, forma e valor funcional. Essas restrições, contudo,
são às vezes exploradas pelos membros experientes da comunidade
discursiva para realizar intenções privadas dentro da estrutura dos
propósitos socialmente reconhecidos.
Os gêneros textuais se constituem, de fato, como ações sócio-
discursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo. Tomando gênero como
um evento comunicativo e não como uma forma lingüística, podemos
considerar a entrevista, no entendimento de Hoffnagel (2003), como uma
constelação de eventos possíveis que se realizam como gêneros diversos.
Logo, teríamos, por exemplo, entrevista jornalística, entrevista médica,
entrevista científica, entrevista de emprego etc. Apesar de toda entrevista
pretender obter informações, o tipo e uso destas informações podem servir a
vários fins.
37
Levinson (1979) apud Espíndola (1998) notou que embora a entrevista
tenha, em certo sentido, uma estrutura geral, comum a todos os tipos de
evento em que se realiza, também manifesta estilos e propósitos diversos.
Com efeito, o que todos esses eventos parecem ter em comum é uma forma
característica, que se apresenta numa estrutura marcada por “perguntas e
respostas”.
Assevera Marcuschi (1988, p. 53) que a entrevista não é apenas um tipo
de discurso, mas um “mecanismo de controle de um indivíduo sobre o outro, o
que pode ser considerado um poder institucionalmente derivado, ou seja,
intrínseco ao tipo de evento”.
E, desta maneira, o autor insere a entrevista no rol das interações
institucionalizadas, isso quer dizer, no rol das interações assimétricas
19
, em
que um dos participantes (o entrevistador) será o responsável pela condução
da interação, em alguns casos, impondo, inclusive, o tema. Situamos, como
excerto desse tipo de interação, a maioria das entrevistas que compõem o
corpus da pesquisa em tela, tendo em vista que um dos participantes exercerá
o controle da situação em vários níveis. A este membro, conforme Fowler
citado por Marcuschi (1988, p. 61), será dado o poder de
iniciar e concluir eventos;
introduzir, incentivar ou retirar tópicos discursivos;
coordenar as alocações dos turnos, sua extensão etc.;
produzir preferencialmente determinados tipos de atos de fala;
definir as formas de polidez;
definir o estilo, o léxico etc.;
coordenar as seqüenciações;
19
Nas interações caracterizadas como simétricas, todos os participantes têm, pelo menos na
teoria, os mesmos direitos na condução da interação (escolha do tema, tempo de uso da
palavra, etc.). Como exemplo dessa modalidade tem-se as conversações diárias e naturais.
Todavia, Marcuschi (1988), apesar de propor essa classificação, reconhece que as
desigualdades podem ser constatadas tanto nos discursos espontâneos quanto nos
institucionalizados. Até mesmo nas interações mais íntimas pode-se constatar que o controle
da interação está nas mãos de um dos participantes. Ressalto ainda que meu objetivo neste
trabalho o é pesquisar até que ponto a dicotomia interações verbais
simétricas/assimétricas e sim discorrer sobre as duas classificações para situar o corpus
utilizado nesta pesquisa – a entrevista – em um desses grupos.
38
avaliar posições, opiniões, situações etc. e muitos outros aspectos,
geralmente ligados às relações de desigualdades ou assimetrias.
Em 1995, Marcuschi, retoma a discussão acerca das noções de
assimetria, mais especificamente, acerca do que se quer dizer quando se
declara que uma produção discursiva é ‘adequaçãoao contexto. E argumenta
que a adequação é relativa e não pontual, isto é, produções discursivas
mais e menos adequadas a um determinado contexto. A noção de adequação
origina-se em um modelo padrão preestabelecido, que pressupõe
conhecimento e poder, e, conseqüentemente, assimetria.
Marcuschi (1995, pp. 84), a partir dessas considerações, postula dois
tipos de assimetrias nas interações verbais: as globais – “relacionam-se a
padrões que exorbitam as horas dialógicas manifestas nas trocas de turnos e
dizem respeito ao evento como um todo”. Essa assimetria manifesta-se,
através da dominação, desigualdade social, imposição. O segundo tipo são as
assimetrias locais que “dizem respeito a enunciados individuais, turnos, pares
adjacentes, atos de fala e outras relações imediatas (...) fundadas nos próprios
mecanismos da interação”.
Apesar de o autor advogar a existência de interações simétricas e
assimétricas, ele chama a atenção para o fato de não ser tão claro e cil
rotular uma interação verbal de forma dicotômica, afirmando que é um
equívoco analisar “as interações como se fossem cada uma ou simétrica ou
assimétrica. Pois as interações podem apresentar aspectos de uma e de outra
dessas duas perspectivas e o se pode caracterizá-las tão polarmente”
(MARCUSCHI, 1995, p. 85).
Neste sentido, assumindo uma postura de o dicotomizar as
interações, mas relativizá-las, o referido autor propõe uma classificação para as
interações verbais, tomando as dimensões simetria-assimetria e cooperação-
competição:
simétrica e cooperativa: há igualdade de direitos e de voz;
(conversas espontâneas entre amigos é o melhor exemplo);
39
simétrica e competitiva: nessas interações, predominam a
confrontação e o conflito, embora haja igualdade entre os participantes
(discussão entre não-amigos);
assimétrica e cooperativa: embora haja diferenças de status,
competência, responsabilidade, são interações em que se verifica a
colaboração e a cooperação. É o caso das interações
institucionalizadas, nas quais os papéis são complementares e as
responsabilidades também;
assimétrica e competitiva: o o interações institucionalizadas,
muito menos rotineiras. Nessas interações há, claramente, a intenção de
se exercer o controle da interação.
Embora as noções de simetria e de assimetria tenham sido reavaliadas,
o que exigiu que a caracterização de um discurso em termos das duas noções
não seja polarizada, verificamos nos discursos é que as interações continuam
sendo classificadas em casuais e institucionalizadas.
Tomando os critérios reguladores da institucionalização do discurso,
postulados por Gonçalves (1995) apud Espíndola (1998, p. 100), tentamos
aplicá-los ao corpus desta pesquisa. São eles:
o controle do tópico: um ou mais participantes são investidos do
poder para (pré)determinar o assunto, iniciá-lo, interrompê-lo,
continuá-lo etc.; ou seja, não sobre o que se fala, mas também
como, quando e porque se fala é determinado pelo participante com
maior poder para direcionar o discurso;
a organização tática da interação: caberá também ao(s)
participantes(s) da interação, investido(s) do poder institucionalizado,
a tarefa de impor como será a participação dos integrantes da
interação verbal;
o grau de planejamento e conseqüentemente o nível de
formalidade da interação: o discurso institucionalizado é planejado
previamente e, por esse motivo, aproxima-se do discurso formal, isto
é, da língua escrita;
40
a reciprocidade, não-reciprocidade do discurso: o grau de
reciprocidade é menor nos gêneros discursivos institucionalizados,
uma vez que a participação no discurso é monitorada por um ou mais
falantes;
a linguagem funcional: os atos de fala que constituem o discurso
institucionalizado caracterizam-se por funções específicas: ordens,
perguntas, respostas, etc.;
o conhecimento ou saber técnico: há um discurso com
características específicas da área específica, tanto em nível de
conteúdo, quanto em nível sintático e lexical.
Após a aplicação desses critérios às entrevistas que constituem a nossa
amostra, verificamos que o controle dos tópicos desenvolvidos no decorrer das
interações foi de iniciativa e responsabilidade do entrevistador; a organização
estrutural da entrevista também coube ao entrevistador. A reciprocidade por
parte do entrevistado resume-se às respostas dadas ao entrevistador, até
porque o primeiro assume a função de apenas responder ao que o segundo
pergunta
20
.
Tais constatações, desta forma, nos levam a caracterizar as
entrevistas
21
em questão como pertencendo à classe dos discursos
institucionalizados assimétricos e cooperativos, uma vez que a maioria dos
parâmetros reguladores dos discursos institucionalizados aponta para esse
resultado, corroborando o que sugere Espíndola (1998).
20
Verificamos que, na quase totalidade das entrevistas, não houve a inversão de papéis;
mesmo ocorrendo planejamento, isto é, o entrevistador trazendo a sua fala planejada em forma
de script, dificilmente conseguiu seguir à risca o roteiro, pois os participantes tendiam a se
envolver na atividade conversacional, fato que resultou num texto espontâneo. Acreditamos,
então, que o entrevistador deixou o texto fluir e transcorrer de tal forma que não identificamos
as entrevistas como um mero monólogo. Corroborando o pensamento de Barros (1991, p.260)
quando afirma, com relação às entrevistas do Projeto NURC/SP, “o entrevistador não es
preocupado com as informações que o entrevistado possa dar sobre o tema, mas apenas em
fazê-lo falar”. Ressalta a importância quanto à manutenção do diálogo, pois a preocupação é
lingüística e somente o entrevistado sabe disso. Sentimo-nos bastante à vontade para analisar
a amostra do VALPB, pois além de ter trabalhado na confecção desse corpus, o utilizamos
também como fonte de dados na dissertação de mestrado (Martins, 2001).
21
A entrevista sociolingüística é marcadamente assimétrica, uma vez que o entrevistador,
como referido, detém, na maioria do tempo, o controle da interlocução, determinando os
temas através de perguntas dirigidas ao informante, ocupando a posição daquele que quer
saber, cabendo ao falante a posição daquele que deve fornecer as informações que seu
interlocutor precisa/solicita.
41
No entanto, lembramos, ainda, que Marcuschi (1995) afirma uma
possível simetria mesmo nas interações ditas assimétricas. Em outras
palavras, já não se postula uma dicotomização radical entre relações simétricas
e assimétricas, mas uma relativização (gradação): interações mais ou
menos simétricas ou assimétricas.
Concluído este delineamento metodológico, na seção seguinte,
trataremos do funcionalismo lingüístico, alicerce teórico que sustenta esta
pesquisa, expondo relevantes aspectos como a concepção de gramática
funcional, gramaticalização e os princípios da iconicidade e da marcação.
Faremos, ainda, uma breve passagem pela lingüística textual, destacando o
fenômeno da dêixis, para entendermos melhor o papel dos ‘dêiticos
discursivos’ na nossa análise.
42
2 ANCORAGEM TEÓRICA: lingüísticas funcional e textual
Quando você faz uma coisa que não fazia antes e nem
nota que passou a fazer outra coisa – ou a mesma coisa
de forma diferente --, este é um sinal inequívoco de que
algo mudou.
(Possenti, 2001, p. 149)
22
Nesta seção apresentamos o quadro teórico em que se insere esta
pesquisa. Tecemos algumas considerações acerca do funcionalismo
lingüístico, com base nos postulados de Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991),
Traugott e Heine (1991), Hopper e Traugott (1993), Givón (1990, 1991, 1993,
1995), Neves (1997), Martelotta, Votre e Cezario (1996). E em relação à
Lingüística Textual, nosso olhar volta-se para trabalhos de Cavalcante (2000,
2002), Marcuschi (1995, 1997), Koch (2002), Fillmore (1971) e Ehlich (1982)
nos quais são acolhidas as contribuições sobre os dêiticos discursivos.
Na primeira subseção, mostramos as características principais que
marcam o Formalismo e o Funcionalismo; na segunda, tratamos
especificamente do funcionalismo, apresentando uma visão panorâmica deste
modelo; na terceira subseção, expomos a concepção de gramática que
fundamenta o trabalho. E, na seqüência, comentamos aspectos que alicerçam
a referida teoria, a saber: o princípio da iconicidade, o princípio da marcação e
a gramaticalização. Finalizamos a ancoragem teórica, destacando, dentro da
lingüística textual, o fenômeno da dêixis e os critérios que caracterizam os
dêiticos discursivos.
22
O trecho de Possenti, extraído da crônica Sintomas”, pode ser entendido como uma
explicação, bem prática, sobre a mudança, nem sempre percebida, que ocorre na língua
através das várias escolhas lingüísticas realizadas pelos falantes.
43
2.1 Formalismo e Funcionalismo: dois pólos que se completam no
pensamento lingüístico
Os estudos lingüísticos apresentam duas perspectivas diferentes de
análise da linguagem: uma formal e a outra funcional. Em termos bastante
gerais, a primeira concebe a linguagem como sistema, percorre uma via
autônoma e assume como objeto de estudo o indivíduo. A segunda, mais
pragmática, leva em consideração a linguagem em uso de um grupo social.
De acordo com Dilinger (1991, pp. 395-7), a distinção entre formalismo /
funcionalismo é derivada da oposição entre forma e função lingüística na
comunicação. O formalismo veio a designar o estudo da forma lingüística,
objetivo da gramática tradicional. Posteriormente, por frisar especialmente a
estrutura, passou, também, a designar a gramática gerativa, abordagem que
utiliza dispositivos lógico-matemáticos.
O pólo formalista está principalmente representado pelos trabalhos feitos
no estruturalismo americano de Bloomfield e Harris e aparece, ainda, de modo
mais ameno, nos apontamentos feitos no gerativismo com as idéias de
Chomsky. Tanto os formalistas quanto os gerativistas estudam a língua como
se fosse um objeto descontextualizado, preocupando-se com as características
internas, isto é, com as relações entre os constituintes e seus significados.
Defendem, assim, uma gramática que define a teoria de uma língua estudando
suas partes e os princípios de sua organização, e ainda:
a língua é encarada enquanto signo, como expressão do
pensamento, como um sistema autônomo, transparente, homogêneo
e a-histórico;
→ a língua é também vista como um espelho que reflete a realidade, dito
de outra forma, a língua serve como espelho para o homem dizer o
mundo;
o sistema lingüístico é dado, a priori, à margem do indivíduo, sendo a
língua analisada como um fenômeno mental, ou seja, a língua está fora
do mundo e do sujeito;
44
o objeto de estudo é a competência lingüística, o papel do código na
comunicação, as regularidades nas combinações dos constituintes, a
identificação de enunciados bem-formados ou não.
O funcionalismo, por outro lado, assenta que a língua ocorre sempre em
um contexto a serviço das metas e interações do falante, é sensível aos
domínios culturais, sociais, psicológicos e textuais que penetram em todos os
níveis da linguagem. A língua, então, é sempre comunicativa (sempre
endereçada ao outro); é projetada para facilitar o processo de comunicação.
O pólo funcionalista, portanto, encara a língua como um objeto maleável,
não determinístico, considerando-a um instrumento de interação social, cuja
estrutura pode ser explicada levando-se em conta a comunicação. Duas
concepções básicas sustentam o funcionalismo: a) a linguagem tem funções
que são externas ao próprio sistema lingüístico; e b) as funções externas
influenciam a organização interna desse sistema lingüístico.
As principais características dessa escola são:
a língua é vista como um fenômeno social, atividade sócio-histórica,
opaca, heterogênea e sua unidade de análise é a função que a
língua exerce no contexto;
a língua o é usada para descrever o mundo, mas para realizar
ações dos usuários sobre o mundo ou mesmo sobre outros usuários,
isto é, ela é um instrumento de interação social;
o objeto de estudo do funcionalismo é a competência sócio-
comunicativa, a análise de ações performativas dos usuários com um
objetivo específico, em determinado contexto cultural e social, tendo
em vista os conhecimentos partilhados.
Leech (1983) apud Dillinger (1991, p. 398) apresenta um panorama geral
em relação às disposições mais pertinentes entre formalismo e funcionalismo.
Resumindo bem a questão temos:
os formalistas consideram a língua como um fenômeno mental; os
funcionalistas encaram-na como um fenômeno social;
45
os formalistas explicam os universais lingüísticos como derivados de
uma herança lingüística genética, própria da espécie humana; os
funcionalistas consideram os universais lingüísticos derivados da
universalidade de empregos da língua;
os formalistas explicam a aquisição da linguagem em termos de uma
capacidade própria do homem para aprender a língua; os funcionalistas
explicam-na em termos de desenvolvimento das necessidades
comunicativas e habilidades da criança na sociedade;
os formalistas estudam a língua como um sistema autônomo,
enquanto os funcionalistas estudam-na em relação com sua função
social.
Os pontos de controvérsia mais gerais entre os dois pólos do
pensamento lingüístico suscitaram uma saudável discussão, no início da
década de noventa, na revista D.E.L.T.A. De um lado, Votre e Naro (1989)
defendiam a idéia de supremacia do modelo funcional; do outro, Nascimento
(1990) defendeu sua posição gerativista.
Esse debate permitiu explicitar, publicamente, posições e questões que
interessavam a todos os estudiosos envolvidos com o fenômeno da linguagem.
Tentando esclarecer alguns pontos obscuros resultantes dessa discussão,
Leech (Ibidem) criticou a adoção de qualquer uma das duas hipóteses, a
formalista e a funcionalista, exclusivamente, considerando que tanto seria tolo
negar que a linguagem é fenômeno psicológico como negar que ela é um
fenômeno social
23
.
Dessa maneira, podemos concluir que as duas correntes lingüísticas se
completam, tendo em vista que estudam, de modo diferente, fenômenos que
dizem respeito a um mesmo objeto, corroborando Saussure (1975, p. 15)
quando diz “[...] Bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista, [...]
é o ponto de vista que cria o objeto”. Alves (1998, p. 53) assevera, também,
que “todos estes caminhos podem ser utilizados desde que o ponto de partida
esteja centrado no contexto lingüístico”.
23
Essa questão foi retomada por Kato (1998) com o trabalho Formas de Funcionalismo na
Sintaxe” numa perspectiva integradora e harmônica. Encontramos, também, uma apresentação
detalhada a respeito do confronto formalista X funcionalista em Barreto (1999, pp. 51-2).
46
Para Neves (1997), caracterizar o funcionalismo é uma tarefa difícil,
que existem tantas versões quanto lingüistas que se denominam funcionalistas.
Por essa razão, apresentaremos, a seguir, uma visão geral desse modelo.
2.2 Funcionalismo: visão panorâmica
Podemos iniciar estas reflexões com a indicação de que o funcionalismo
precisa ser compreendido em suas diversas perspectivas. Entretanto, como
concepção geral, é, segundo Neves (1997, p. 13), “uma teoria que se liga aos
fins a que servem as unidades lingüísticas”, dito de outro modo, o
funcionalismo se ocupa das funções dos meios lingüísticos de expressão.
O conceito de funcionalismo em Lingüística está originalmente
associado à primeira Escola lingüística de Praga. Aqui, o funcionalismo deve
ser entendido, nas palavras de Weedwood (2002, p. 138) como implicando
uma apreciação da “diversidade de funções desempenhadas pela língua e um
reconhecimento teórico de que a estrutura das línguas é, em grande parte,
determinada por suas funções características”. Os lingüistas ligados direta ou
indiretamente a essa Escola (precursores do funcionalismo) postulavam que a
estrutura lingüística seria determinada pelas funções que exercem nas
sociedades.
Então, por enfatizarem as funções, esses lingüistas lançaram as bases
do funcionalismo europeu. Observamos, ainda, que é perceptível, na
corrente funcionalista dessa época, uma forte preocupação descritivista e
científica, como também se evidencia uma relevante inquietação
sociolingüística
24
em relação às características lingüísticas peculiares
existentes nas línguas literária, popular e urbana.
A lingüística funcional da Escola Lingüística de Praga, com efeito, foi
assim designada para distinguir-se das tendências estruturalistas. Essa
distinção proporcionou uma visão dinâmica dos fatos, isto é, admitiu que a
língua já não é mais analisada apenas em si mesma, como postulou Saussure,
mas a considerou como instrumento imprescindível à satisfação das
24
Essa preocupação sociolingüística se definirá por volta da década de sessenta com os
estudos empreendidos por Labov e Hymes, seguidos por outros.
47
necessidades comunicativas que variam com o tempo, devendo, pois, adaptar-
se a cada contexto social. É importante lembrar, também, que, mesmo
sofrendo limitações pelo contexto estruturalista que prevaleceu na época, as
idéias geradas tanto pela primeira quanto pela segunda Escola Lingüística de
Praga
25
serviram de base para os trabalhos funcionalistas atuais.
Assim sendo, qualquer abordagem que se pretenda funcionalista deve
levar em conta, basicamente, a verificação de como a língua é usada nos
processos comunicativos. A investigação do modo como os usuários da língua
se comunicam eficientemente e a concepção de que a linguagem é um
instrumento de comunicação e interação social são o denominador comum
entre os mais diversos modelos ditos funcionalistas.
Apesar da existência desses pontos em comum, que fazem do
funcionalismo uma teoria organizada, o termo funcionalista acaba sendo usado
para qualquer tendência que se oponha à corrente formalista. Nos limitamos,
aqui, de acordo com Neves (1997), a lembrar que tais abordagens seja do
funcionalismo conservador, do funcionalismo moderado ou do funcionalismo
extremo costumam ser identificadas não pelos rótulos teóricos e sim pelos
nomes dos estudiosos que as desenvolveram, ou que são seus seguidores.
Partindo do princípio de que a língua é usada, sobretudo para satisfazer
necessidades comunicativas, Votre et al. (1995, p. 01) definem funcionalismo
sob dois prismas: o forte e o moderado. O forte é visto como o paradigma da
investigação lingüística “segundo o qual a estrutura discursiva, gramatical e
semântica das formas da língua é determinada pelas funções que elas
desempenham nas situações de interação”. O funcionalismo moderado
caracterizaria a “corrente que admite que, além das pressões icônicas (a
função determinando a forma) do discurso sobre a gramática, tem-se também
as pressões das estruturas gramaticais (já estabilizadas) a limitar as novas
opções de uso”.
Acreditando que o estudo da língua é simultâneo ao estudo da situação
comunicativa, Halliday (1973) assevera que uma abordagem funcional deve
investigar como a língua é usada, procurando descobrir seus propósitos. Essa
25
As idéias geradas na 1ª Escola Lingüística de Praga são as duas funções da linguagem: a de
expressão do pensamento e a de instrumento de comunicação; e em relação à Escola,
quando se referiu à língua como um “sistema de sistemas”.
48
teoria busca, ainda, segundo o autor, explicar a natureza da língua em termos
funcionais, observando se ela tem sido moldada para o uso e para qual função
ela serve.
Desta maneira, na tentativa de conhecer a estrutura no flagrante do uso
real, os estudos lingüísticos funcionalistas dedicam maior interesse ao papel
ativo desempenhado pelos usuários, vistos como potenciais transformadores
das estruturas lingüísticas em efetivo funcionamento. O que a análise
funcionalista examina, de fato, é a competência comunicativa
26
, a habilidade
que o usuário da língua tem de interagir/comunicar socialmente por meio da
linguagem. Paralelamente à noção de que a linguagem é um instrumento de
comunicação, encontra-se, no funcionalismo, um tratamento funcional da
própria organização interna da linguagem.
Segundo Pezatti (2004, p. 168), o princípio de que toda a explicação
lingüística deva ser buscada na relação entre linguagem e uso ou na linguagem
em uso no contexto social, “torna obrigatória a tarefa de explicar o fenômeno
lingüístico com base nas relações que, no contexto sócio-interacional,
contraem falante, ouvinte e a pressuposta informação pragmática de ambos”.
Nas palavras de Silva (2004, p. 213), ao incorporar a observação do uso real à
análise, o funcionalismo se permite verificar o caráter dinâmico da linguagem,
“aferindo a pulsão das pressões externas que agem sobre o discurso. Assim, a
análise funcionalista perscruta concomitantemente a engrenagem e as funções
que lhes são atinentes [...]”.
A língua, então, é constituída de um código não inteiramente arbitrário,
dito de outro modo, a estrutura gramatical é motivada. Dentro dessa visão de
motivação, Givón (1995, p. 09) elenca algumas premissas que caracterizam os
estudos da lingüística funcional:
a linguagem é uma atividade sócio-cultural;
a estrutura serve a uma função cognitiva ou comunicativa;
a estrutura é icônica, motivada e não arbitrária;
a mudança e a variação estão sempre presentes;
26
A expressão “competência comunicativa”, diferente da competência descrita por N. Chomsky
(1965), é relacionada a Hymes (1974) que propunha acrescentar ao processo tradicional de
descrição gramatical a descrição das regras para o uso social apropriado da linguagem (Cf.
NEVES, 1997, p. 15).
49
as categorias não são discretas;
a estrutura é maleável;
as gramáticas são emergentes: nunca se estabilizam;
regras gramaticais permitem flexibilidade;
o significado é dependente do contexto.
Esse grupo de premissa, de maneira geral, evidencia a noção de que a
língua não é absolutamente independente de forças externas, e de que as
gramáticas não são sistemas absolutamente autônomos; pelo contrário, são
sensíveis às pressões externas, e por constituírem estrutura cognitiva, são
adaptáveis. Daí a postulação de uma interação de forças internas e externas,
que entram em competição e que se resolvem no sistema: a gramática é
sensível às pressões do uso, e isso ocorre exatamente por ela constituir uma
estrutura cognitiva.
Ademais, o funcionalismo lingüístico tem como princípio basilar a
interdependência entre gramática e discurso
27
. A gramática serviria, então,
para organizar os elementos lexicais no discurso. Entre os estudos que assim
se posicionam, destacam-se os de Givón (1979), para quem as propriedades
sintáticas nascem das propriedades do discurso ou do uso e são motivadas por
fatores pragmático-discursivos. Isto equivale a dizer que a pragmática é
incorporada à gramática, à medida que determinações discursivas sejam
admitidas na sintaxe.
A introdução do discurso em sua teoria fez esse autor rever sua clássica
assertiva: “a morfologia de hoje é a sintaxe de ontem” (1971) para “a sintaxe de
hoje é o discurso pragmático de ontem”. Sendo assim, Givón nega a sintaxe
como um nível/ módulo autônomo ao contrário de alguns funcionalistas (Kuno,
1987; Du Bois, 1985) que vêem a forma realizada como uma confluência de
fatores discursivos e estruturais. No estudo em questão, orientamo-nos,
predominantemente, nas propostas teóricas do funcionalismo americano, que
tem em Givón um de seus maiores representantes.
27
O termo gramática representa o conjunto de regularidades decorrentes de pressões
cognitivas e, sobretudo, de pressões de uso; o conceito de discurso concerne ao uso potencial
da língua, ou seja, às estratégias criativas utilizadas pelo falante para organizar funcionalmente
seu texto para um determinado ouvinte e em uma determinada situação comunicativa (Cf.
Martelotta, Votre e Cezário, 1996, p. 48).
50
A integração entre os componentes sintático, semântico e pragmático na
organização de uma língua natural leva, conseqüentemente, à rejeição de uma
sintaxe autônoma. Em outras palavras, sendo os enunciados multifuncionais,
em sua produção interagem, além do componente sintático, o componente
semântico e o pragmático unificados como um todo.
De acordo com o exposto acima, contemplar o funcionalismo como
alicerce teórico é conceber a língua como uma instituição social, tentando
superar a visão estrutural de língua, destituída de fatores extralingüísticos
presentes nos contextos comunicativos. Seguindo esse raciocínio, é de se
esperar, como conseqüência, uma concepção de gramática não pronta,
dinâmica, denominada de gramática funcional. Na próxima subseção,
teceremos mais considerações a seu respeito.
2.3 Gramática Funcional: o lingüístico e seus entornos
A gramática funcional constitui uma teoria de organização da gramática
das línguas naturais, buscando integrar-se numa teoria de interação social.
Apresenta como pressuposto fundamental a existência de uma relação não
arbitrária entre o aspecto funcional e o gramatical da língua. A gramática
funcional ocupa, eno, uma posição intermediária em relação às abordagens
que se preocupam exclusivamente com a sistematicidade de seu uso.
Teóricos como Givón, Li e Thompson e Hopper procuram justificar a
forma das gramáticas usando como base de estudo os padrões lingüísticos nas
várias línguas. Assim sendo, o ponto de partida é a forma sentencial. Para uma
corrente dessa teoria, a sintaxe tem origem no discurso e é motivada por
fatores pragmático-discursivos. A linha representada por Halliday, por outro
lado, não usa como ponto de partida as funções gramaticais para descrever os
padrões sentenciais, mas sim funções pragmáticas do tipo ilocucionário tendo
como unidade de estudo o texto e não a sentença.
Reunindo citações de diversos autores, Barreto (1999, pp. 97-8) elenca
algumas concepções básicas da gramática funcional, das quais destaco:
51
“uma gramática funcional é, essencialmente, uma gramática ‘natural’,
isto é, tudo nela pode ser explicado, em última instância, com referência
a como a língua é usada (Halliday, 1985)”;
“o objeto da gramática funcional é a competência comunicativa
(Martinet, 1994)”;
→ “a língua e sua gramática não podem ser explicitadas como um
sistema autônomo (Givón, 1995)”;
“numa gramática funcional, o objeto central é o uso se comparado
com o sistema; o significado se oposto à forma; o social, em
contraposição ao individual (Groot, 1997)”.
A partir das definições acima, a gramática, de um modo geral, é
entendida como um conjunto de regularidades resultantes das pressões
cognitivas e, sobretudo, das pressões de uso. As pressões cognitivas
constituem uma das causas que leva a gramática a apresentar um aspecto
mais regular, pois ela é também uma conseqüência do modo como os homens
interpretam o mundo e organizam mentalmente as informações decorrentes
dessa interpretação. As pressões de uso, por sua vez, nas palavras de
Martelotta, Votre e Cezário (1996), estão relacionadas a um complexo de
interesses e necessidades discursivas/ pragmáticas fundamentais que podem
compreender, primeiramente, os propósitos comunicativos do falante em ser
expressivo e informativo e, em segundo, o fenômeno da existência de lacunas
nos paradigmas gramaticais. Em outras palavras, novas estruturas gramaticais
se desenvolvem motivadas ou por necessidades comunicativas não
preenchidas ou pela presença de conteúdos cognitivos para os quais não
existem ainda designações lingüísticas adequadas.
Decorre daí o princípio de que a gramática de uma língua natural é
dinâmica e maleável, adaptando-se às pressões internas e externas que
continuamente interagem e se confrontam. Nessa perspectiva, a gramática
está num contínuo fazer-se, mas nunca se estabiliza (HOPPER, 1987).
Para Givón (1991), a gramática é construída a partir de um número
relativamente pequeno de princípios icônicos cognitivamente transparentes.
Entretanto, o autor admite não haver uma relação categórica de um-para-um
52
entre função e forma, uma vez que as línguas estão sujeitas à mudança e à
variação.
Esse autor se fixa, particularmente, no postulado da não-autonomia do
sistema lingüístico, pelo qual se considera que a língua não pode ser descrita
como um sistema autônomo. Inerente a essa concepção, emerge um formato
de gramática como algo flexível, no qual funções novas são realizadas por
formas que continuamente se ajustam, inovando ou alargando seus
significados, em decorrência de aspectos cognitivos, discursivos e pragmáticos.
É nesse contexto de maleabilidade da gramática que se insere a noção
de “gramática emergente” (HOPPER, 1987). Para esse autor, a gramática o
é estável nem fechada. Pelo contrário, ela assume um permanente fazer-se,
passível à mudança e substancialmente afetada pelo uso que lhe é dado no
dia-a-dia.
Sob essa perspectiva, as regras da gramática são entendidas como
não-arbitrárias, motivadas ou icônicas, ou seja, a estabilidade/regularidade da
gramática é apenas provisória, pois sempre está sujeita à renovação e ao
abandono, gerando continuamente fórmulas inovadoras.
O termo “emergente” para gramática é empregado por Hopper (Ibidem)
assegurando que tanto ela quanto o discurso devem ser vistos como um
fenômeno social, em tempo-real. Assim, a estrutura da gramática é sempre
provisória, sujeita a todo tipo de adaptação, num processo nunca totalmente
completado, portanto “emergente”. Por considerar as gramáticas como
sistemas adaptáveis é que, de acordo com Du Bois (1985), os funcionalistas
colocam sob exame o próprio equilíbrio instável que configura a língua.
A noção de gramática emergente admite que a estrutura e a sua
regularidade de uso provém do discurso. Segundo Du Bois (1993, p. 11), o
discurso molda a gramática, isto quer dizer, “a gramática é feita à imagem do
discurso”
28
; ela é, com efeito, um sistema adaptativo em que forças
motivadoras dos fenômenos externos penetram no domínio da língua e passam
a interagir com forças organizadoras internas, competindo e conciliando-se
sistematicamente com elas. Deste modo, uma gramática funcional terá de
28
Discurso entendido aí como uso”, mas esse (o discurso) “nunca é observado sem a
roupagem da gramática”. Ou ainda, segundo Halliday (1985), os usos é que dão forma ao
sistema.
53
relacionar a análise lingüística ao contexto de ocorrência dos enunciados. É um
estudo da língua em uso, estudo que deve estar, então, com a atenção voltada
para as variações que esse uso apresenta.
Um estudo à luz da perspectiva da gramática emergente, conforme
Bybee e Hopper (2001), deve considerar duas questões: a) “que o analista
examine o item em que está interessado apenas quando usado por falantes
reais em contextos reais”; e b) “há a necessidade de que o item seja atestado
por um bom número de ocorrências para que se confirme que realmente faz
parte do repertório das estratégias discursivas dos usuários da língua”. É como
diz Du Bois (1993): as gramáticas codificam melhor aquilo que os falantes
usam mais.
O controle da freqüência
29
de uso de um determinado item lingüístico se
torna, pois, bastante importante, uma vez que ele se comportará como um
termômetro no estabelecimento e na manutenção da gramática, possibilitando
a emergência de novas estruturas. Como apontam Du Bois (1985) e Givón
(1995), estreita relação entre o efeito da freqüência de usos discursivos e o
aparecimento da gramática.
Enfim, ancorados na perspectiva da emergência da gramática no
discurso com a regularização gradativa de padrões lingüísticos à força do uso e
na maleabilidade da correlação entre função/forma, é que será analisado, neste
trabalho, o item assim.
Após essa exposição sobre gramática, a subseção a seguir esboça um
princípio caro ao funcionalismo: a iconicidade.
2.4 Princípio da iconicidade: a motivação lingüística
Em sua versão original, o princípio de iconicidade postula uma relação
isomórfica entre forma e função, entre o código lingüístico (expressão) e seu
designatum (conteúdo) (BOLINGER, 1977). Isso não quer dizer, entretanto,
29
Aqui, a noção de freqüência adquire papel fundamental para que um elemento possa ser
caracterizado como parte integrante da gramática de uma língua, que, com sua freqüência
aumentada, um item deixa de ser fortuito e passa a usual no discurso.
54
que a iconicidade seja um mero espelhamento da realidade objetivada por
meio da linguagem. De acordo com Croft (1990, p. 164) “a estrutura de uma
língua reflete de algum modo a estrutura da experiência, ou seja, a estrutura do
mundo, incluindo a perspectiva imposta sobre o mundo pelo falante”.
Como a linguagem é uma faculdade do homem, a suposição geral é que
a estrutura lingüística revela as propriedades da conceitualização humana do
mundo ou as propriedades da mente. Assim sendo, é costume dizer que a
linguagem é um sistema de representação. Ela representa seres inanimados e
animados, sentimentos, eventos do mundo real ou de outros mundos possíveis,
como o da ficção. Todavia, afirmar que a linguagem é um sistema de
representação não significa que as palavras sejam apenas etiquetas que
colamos sobre a idéia das coisas, mas sim que os falantes de uma língua
fazem “recortes formais” do mundo a partir de pontos de vista ligados à sua
percepção, cultura, condição social e interação discursiva.
Vale salientar que a motivação entre expressão e conteúdo na língua
vem gerando discussões desde a antiguidade clássica. Observamos isso com
a famosa polêmica sobre a relação entre a palavra e a coisa que ela designa.
Os filósofos desejavam entender por que as coisas tinham o nome que tinham,
e se as palavras imitavam as coisas ou se os nomes eram dados por pura
convenção.
A querela, portanto, para explicar como a língua refere-se ao mundo,
registrada no diálogo O Crátilo, de Platão, chegou a dividir os filósofos gregos
em naturalistas e convencionalistas. Conforme Oliveira (1996, p. 18), os
naturalistas afirmavam que as palavras eram, de fato, apropriadas por natureza
às coisas que elas significavam, isto é, a “coisa tem nome por natureza”. Os
convencionalistas, por outro lado, defendiam que tudo na língua era fruto da
convenção e do uso, mero resultado do costume e tradição.
Essas especulações filosóficas têm seus desdobramentos no debate
posterior entre os analogistas, seguidores de Platão, e anomalistas, na linha de
Aristóteles, acerca da (ir)regularidade da estrutura lingüística. Nas palavras de
Kristeva (1969, p. 140), os primeiros acreditavam que o domínio não lingüístico
se refletia no domínio gramatical; defendiam o princípio da regularidade
gramatical, enquanto os anomalistas consideravam a tese inversa: para eles,
55
existia uma diferença nítida entre as categorias reais e as categorias
gramaticais.
De certa maneira, no início do século XX, essa controvérsia é retomada
por Saussure (1975), quando adota posição favorável à concepção
convencionalista, reafirmando o traço da arbitrariedade da língua e a total
independência existente entre a seqüência de sons que constitui uma palavra e
o seu conteúdo semântico. O autor apresenta como prova do seu princípio a
diferença existente entre as várias nguas em que formas diversas expressam
um mesmo conceito.
Ao proclamar o caráter arbitrário do signo lingüístico, Saussure também
menciona, de algum modo, o princípio da iconicidade. Segundo Alves (1998, p
50), o autor ressalta uma certa relativização no momento em que explica que
“os lingüistas devem sempre levar em conta a limitação do arbitrário ou, em
outras palavras, devem lembrar que os signos que fazem parte de um sistema
lingüístico podem ser relativamente motivados”.
Apesar de reconhecer que havia exceção ao princípio da arbitrariedade,
uma vez que alguns signos lingüísticos são motivados (por exemplo, as
onomatopéias), Saussure assume uma postura estruturalista, não admitindo a
iconicidade, que ela contradiz a visão de língua como um sistema autônomo.
Vale destacar que essa visão se apóia exatamente na arbitrariedade dos
signos e na concepção de que o valor deles não depende absolutamente do
mundo exterior, mas, pelo contrário, se estabelece exclusivamente no interior
do sistema.
Votre (1996, p. 32), por sua vez, afirma que nem sempre a motivação
entre forma e significado é clara, pois “por hipótese, todo item ou construção
que, num determinado estágio de mudança, é icônico e transparente na sua
relação com o conteúdo será ou tenderá a ser, um dia, opaco e aparentemente
arbitrário em termos dessa mesma relação”. Acrescenta ainda que o princípio
da iconicidade não é verificado em contextos que são opacos, tendo em vista
que resultam de convenções especiais, e também nas fases iniciais e terminais
dos processos de mudança.
O tratamento funcionalista à língua fundamenta-se na aceitação, em
maior ou menor grau, do princípio da iconicidade, segundo o qual as estruturas
lingüísticas tendem a refletir e a serem pressionadas por funções (GIVÓN,
56
1990). Se algo é posto em uso, o é por conta de algum papel que desempenha
no discurso. A iconicidade não implica, porém, a existência de
correspondências biunívocas
30
e não arbitrárias do tipo representado pela
fórmula 1: 1 (ou seja, para cada função uma forma). Formas e funções
estão sempre em mobilidade, conseqüentemente, a iconicidade, que
caracteriza a língua, é interpretada como motivação na relação entre forma e
conteúdo; logo, como oposto de arbitrariedade.
Givón (1991) admite não haver uma relação categórica de um-para-um
entre função e forma, uma vez que as línguas, a par de apresentarem
situações de polissemia e homonímia, estão sujeitas às pressões diacrônicas
corrosivas que provocam desgastes fonéticos nas formas, neutralizações,
expansões de sentido, ou alterações, tanto na estrutura formal da língua
quanto no conteúdo semântico. Entretanto, esse autor (1995, p. 106) afirma,
também, que “a condição natural da língua é preservar uma forma para um
significado e um significado para uma forma”. Desta maneira, o estudo da
sintaxe deve ser similar ao estudo da anatomia (forma) com a fisiologia
(função), numa analogia com os organismos vivos.
Cumpre ressaltar, ainda, que Givón (1991) chama a atenção para a
necessidade de uma abordagem não reducionista, no sentido de se considerar
a universalidade da função como uma questão de grau. Corroboramos Silva
(2005, p. 14) ao analisar a iconicidade na língua, quando afirma ser importante
considerar a perspectiva de um continuum “através do qual se atesta a
existência de estruturas motivadas sob diferentes graus”.
Nos últimos vinte anos, vemos ressurgir o interesse pela iconicidade.
Respeitando a premissa central de que uma relação natural entre código
lingüístico e seu conteúdo, Neves (1997, pp. 103-05) apresenta como vários
autores funcionalistas definem esse princípio. Para:
Bollinger (1977) a “linguagem mantém uma forma para um
significado e um significado para uma forma”;
30
Obviamente está descartado um isomorfismo, ou relação biunívoca, nas relações entre
forma e significado, já que nada justifica defender que um signo seja a imagem de seu
referente. O isomorfismo, ao contrário da motivação, que é a correspondência das relações
entre partes, seria a correspondência das próprias partes; conferir Croft (1990, p. 164).
57
Givón (1991), a iconicidade é “comparável à ciência biológica,
pois há uma correlação natural entre forma e função”;
Hopper e Traugott (1993), a iconicidade é “a propriedade de
similaridade entre um item e outro, o que garante a não
arbitrariedade”;
Croft (1990), “a estrutura da língua reflete de algum modo a
estrutura da experiência, isto é, a estrutura do mundo”; e
Haiman (1985), a iconicidade é “o paralelismo existente entre,
de um lado, a relação das partes numa estrutura lingüística; e,
de outro, a relação das partes numa estrutura daquilo que é
significado”.
A idéia de que a sintaxe das línguas naturais não é totalmente arbitrária,
e sim isomórfica ao seu designatum mental, é atribuída a C. S. Peirce, para
quem, segundo Givón (1990, p. 966), “na sintaxe de toda língua existem ícones
do tipo lógico que são auxiliados por papéis convencionais”.
No livro Semiótica, Peirce (1977) assevera que um ícone é um signo que
representa seu objeto por uma mera qualidade, não precisando reproduzir
todos os aspectos do objeto representado, mas apenas alguns. Isso nos leva a
considerar que a estrutura lingüística, por ser uma representação de processos
mentais cognitivos, é, em sua essência, icônica. O autor, porém, observa que
tal iconicidade não é absoluta, mas moderada, uma vez que princípios
cognitivamente transparentes (icônicos) interagem com princípios
cognitivamente arbitrários (simbólicos).
Os estudiosos da iconicidade, em geral, invocam a distinção do filósofo
Peirce, que separou uma iconicidade diagramática de uma iconicidade
imagética. A diagramática constitui uma semelhança sistemática entre um item
e seu referente, com respeito a uma determinada característica. Em outras
palavras, isso acontece quando as formas lingüísticas deixam transparecer a
maneira como os processos mentais codificam suas “realidades” no discurso.
Assim sendo, na maneira como se combinam as seqüências de constituintes
da cadeia, podem ser encontradas pistas que revelam que a sintaxe é
constantemente ajustada para atender a estratégias cognitivas e
comunicativas.
58
A iconicidade imagética, por outro lado, consiste em um arranjo icônico
de signos, nenhum deles se assemelhando necessariamente a seu referente,
isto é, quando a representação efetuada permite que se reconstrua, com base
em relações de similaridade, a imagem ou figura do domínio conceptual que tal
forma representa. Nessa espécie de iconicidade situam-se os processos
metafóricos, metonímicos e imagens relacionadas a espaços mentais.
A iconicidade diagramática tem despertado maior atenção dos lingüistas,
a exemplo de Haiman (1985), Bybee (1985), Croft (1990) e Newmeyer (1992).
Neves (1997) remete aos autores acima para apresentar quatro subprincípios
presentes nessa iconicidade:
quantidade: um texto maior deve conter mais informação do que
um texto menor, pois maior quantidade de matéria fônica deve
corresponder a maior quantidade de informação;
distância ou proximidade: a distância lingüística entre as
expressões correspondente à distância conceptual existente entre elas;
independência: a separação lingüística de uma expressão
corresponde à independência conceptual do objeto ou evento que a
expressão representa;
ordenação: o grau de importância atribuído aos conteúdos de um
texto pelo falante, numa determinada situação de interação, determina a
ordenação das formas, seja no nível oracional, seja no nível de
organização do texto.
Nos termos em que é proposta por Givón (1990), a iconicidade do
código lingüístico se manifesta em três subprincípios: o da quantidade, o da
proximidade e o da ordenação linear.
O subprincípio da quantidade preconiza a correlação entre quantidade
de informação e quantidade de codificação. Isto significa que quanto maior,
mais imprevisível e saliente for um conteúdo a ser transmitido ao interlocutor,
maior será a quantidade de forma a ser utilizada para sua representação;
O subprincípio da proximidade correlaciona proximidade cognitiva de
entidades com proximidade de unidade no plano da codificação. Ou seja,
59
quanto mais próximos estiverem dois conteúdos, conceptual e cognitivamente,
mais próximas também deverão estar as formas que os representam;
Com relação ao subprincípio da ordenação linear, Givón (1990) postula
que seus aspectos são cognitivamente semelhantes ao subprincípio da
proximidade, orientando a ordenação semântica e pragmática. Quanto mais
importante, mais urgente, previsível e temático for um conteúdo, mais sua
forma correspondente tenderá a ser colocada na parte primeira do enunciado,
em posição de destaque.
Nesse sentido, é natural que o usuário seja foco de interesse dessa
perspectiva de análise lingüística, uma vez que ele vai utilizar o sistema de
modo a melhor atender suas necessidades interacionais, mesmo que isso
implique alteração na gramática da língua.
Como veremos mais adiante, o item assim, com efeito, poderá adquirir
novas matizes de significação, a partir de suas funções primárias, quando
empregado em situações comunicativas reais.
Finalizada a apresentação dos aspectos relativos ao caráter icônico da
linguagem, a subseção seguinte trata da marcação, outro importante princípio
da corrente funcionalista americana.
2.5 Princípio da marcação: breve percurso
O princípio da marcação
31
originou-se na fonologia, nos estudos
apresentados no Círculo Lingüístico de Praga, tendo sido inicialmente
caracterizado pela oposição binária [+ / -], que representa presença ou
ausência de um traço, passando depois a ser associado à naturalidade e à
universalidade.
De acordo com Crystal (2003), na fonologia gerativa, evidências
históricas de freqüência de uso e de aquisição da linguagem são invocadas
para relacionar a marcação à naturalidade: o que é natural e previsível não é
marcado. Nas abordagens gerativas posteriores (ainda no plano da fonologia),
a marcação é estabelecida em relação aos universais lingüísticos: uma
31
O princípio da marcação hoje está amplamente aceito pelos lingüistas de diferentes escolas,
e é aplicado em todos os níveis da análise lingüística.
60
propriedade não-marcada é aquela que segue a tendência geral de todas as
línguas (teoria dos Princípios). Por outro lado, uma propriedade marcada não
acompanha a tendência geral, é um “universal relativo” (teoria dos
Parâmetros). A marcação, desta maneira, é vista como um contínuo, onde as
propriedades universais e as propriedades específicas de uma língua são
relacionadas.
Para além da fonologia, a marcação diz respeito à presença versus
ausência de uma propriedade nos membros de um par contrastante de
categorias lingüísticas. Existe uma relação icônica entre o processamento
cognitivo da língua e sua representação material no discurso, no sentido de
que processos de produção mais complexos são representados
lingüisticamente através de formas materiais mais complexas. Subjacente a
essa relação está o princípio icônico da marcação, segundo o qual o marcado é
mais complexo e o não marcado mais simples.
De fato, na concepção funcionalista de Givón (1995), as noções de
marcação e iconicidade estão estritamente correlacionadas. No entendimento
do autor, o princípio da marcação fundamenta a gramática das línguas, por
estar associado com a tendência comunicativa à economia e à ordem cognitiva
do processamento das informações. A marcação é dependente do contexto,
devendo ser explicada com base em fatores comunicativos, socioculturais,
cognitivos ou biológicos. Sendo assim, possibilita que uma mesma construção
seja marcada em um contexto X e não-marcada em um contexto Y.
A atuação do princípio da marcação impõe restrições de uso às formas,
o que pode levar aos direcionais de mudança. O fato de uma forma ser menos
ou mais marcada correlaciona-se à probabilidade maior ou menor de sua
ocorrência em certos contextos, em detrimento de outras formas que
desempenham a mesma função. Para distinguir categorias marcadas de
categorias não-marcadas, Givón (Ibidem) utiliza três subprincípios:
* complexidade estrutural / formal a categoria marcada tende a ser
mais complexa (ou maior) que a correspondente não-marcada. Isso quer
dizer que a estrutura não-marcada tem menor número de morfemas, ou
menos massa fônica, em relação à marcada;
61
* distribuição de freqüência a estrutura marcada tende a ser menos
freqüente. Em outras palavras, possui freqüência mais restrita, e, por
isso, é mais saliente cognitivamente, que a correspondente o-
marcada;
* complexidade cognitiva a forma marcada tende a ser
cognitivamente mais complexa, em termos de esforço mental, demanda
de atenção ou tempo de processamento, que a não-marcada.
Admite-se, nas línguas, uma correlação entre esses três critérios de
marcação, uma vez que, exigindo maior capacidade de memória, mais esforço
de atenção e um maior tempo para processamento, há uma tendência da
categoria marcada ser menos freqüente que a não-marcada. O princípio da
marcação, no entender de Givón (1991, p. 106), postula: “categorias que são
cognitivamente marcadas tendem a ser também marcadas estruturalmente”.
Logo, os itens lingüísticos podem ser analisados sob a percepção de que
uma polaridade, como sugerido na figura abaixo:
Figura 1: subprincípios da marcação
Um outro importante ponto a ser considerado relativamente à marcação,
diz respeito a sua capacidade de exibir diferentes graus quanto à freqüência de
uso, à complexidade estrutural e à complexidade cognitiva. Considerando
esses três critérios de distinção entre categorias marcadas e não-marcadas,
podemos estabelecer uma hierarquia entre as categorias de acordo com seu
- MARCADO
+ freqüente
- complexidade estrutural
- complexidade cognitiva
+ MARCADO
- freqüente + complexidade estrutural
+ complexidade cognitiva
62
grau de marcação. É oportuno adotar o parâmetro da gradualidade
32
na análise
da marcação, ao invés de se trabalhar com o quadro binário [+ / -], optando
pela escala [- / - + / +] na marcação de itens e construções da língua. Assim, os
três critérios devem ser considerados independentemente e, a partir de suas
confluências, se estabelecer um gradiente de marcação.
Visando evitar o problema da circularidade, Givón (1995) sugere que os
aspectos envolvidos na marcação devam ser examinados com base em
resultados empíricos. Tavares (2003, p. 199) também salienta a questão da
circularidade e chama a atenção para a necessidade de se considerar critérios
claros e um maior número possível de propriedades do item avaliado,
envolvendo, então, “traços fonéticos, morfológicos, sintáticos, semânticos e
pragmáticos”.
Dado o caráter fluido e criativo da língua, no corpus que trabalhamos,
adotamos os parâmetros de gradualidade na análise da marcação do item
assim, em vez de considerar essas categorias lingüísticas em termos discretos
ou binários, como veremos na seção de análise dos dados.
Dentre os princípios centrais que o sustentáculo ao modelo
funcionalista, merece destaque, também, a concepção teórica da
Gramaticalização, fenômeno que consiste no processo de regularização dos
itens e das construções de uma dada língua. Na revisão, que segue,
focalizamos, sob as perspectivas de Heine, Claudi e Hünnemeyer; Traugott e
Heine; Hopper e Traugott e Givón, a concepção de gramaticalização e os
princípios/premissas que caracterizam esse importante fenômeno de mudança
lingüística.
32
Cf. Oliveira (2000) que questiona a necessidade de superar a dicotomia marcado X não-
marcado, redefinindo o princípio de marcação.
63
2.6 GRAMATICALIZAÇÃO: princípios e trajetória
Os estudos sobre gramaticalização não são novos. Eles fazem parte da
história lingüística mesmo antes dos trabalhos de Meillet, quando havia apenas
discussões em torno do conceito e não a denominação propriamente dita.
Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991) asseveram que no século X, os
escritores chineses
33
distinguiam as formas plenas das formas vazias.
A primeira formulação clara sobre gramaticalização foi feita pelo
neogramático alemão Georg von der Gabelentz, para quem as formas
“desbotam” (bleah) ou “empalidecem” (verblassen). Esse autor ainda postulou
que a criação de itens gramaticais é recorrente em todas as línguas e se faz a
partir do “desgaste” de palavras independentes.
Mas o termo gramaticalização foi empregado pela primeira vez pelo
lingüista francês Antonie Meillet no seu artigo L´évolution des formes
grammaticales publicado em 1912. Neste artigo, segundo Meillet (1912) apud
Neves (1997, p. 113), a gramaticalização foi definida como “a atribuição de um
caráter gramatical a uma palavra anteriormente autônoma”. Podemos, então,
considerar este autor como pioneiro dos estudos modernos de
gramaticalização, não pelo fato de ter cunhado o termo, mas por ter sido o
primeiro a conceituar e a justificar a relevância desse fenômeno como área
central da teoria da mudança lingüística
34
.
Pouco depois da publicação de Meillet, a lingüística foi dominada pelo
estruturalismo Saussureano e os estudos sobre mudança e gramaticalização
sofreram um retrocesso. Observamos, na literatura pertinente, que por volta
dos anos setenta é que se renovou o interesse por essas questões, o que se
deu, em grande parte, ao desenvolvimento de trabalhos tipológicos e à
emergência das lingüísticas funcionalistas com ênfase na pragmática e no
discurso. A revivescência do estudo da gramaticalização pode ser atribuída a
33
Segundo Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991), o chinês Zhou Bo-Qui, considerado o
precursor dos estudos sobre gramaticalização que viveu entre os séculos XIII e XIV, postulava
que as formas vazias originavam-se das plenas.
34
Embora Saussure (professor de Meillet, em Paris) considerasse, em tese, a língua como uma
instituição social, estudando-a, porém, como um sistema autônomo, foi Meillet que, de fato,
elaborou uma perspectiva em que as “condições sociais passaram a ser vistas como tendo
uma influência decisiva sobre a língua, e, conseqüentemente, sobre a mudança lingüística”
(FARACO, 1991, p. 97).
64
Talmy Givón em 1971, que abriu novas perspectivas acerca da interface entre
estrutura e uso.
uma diversidade de termos para nomear o processo de
gramaticalização: gramatização, apagamento semântico, condensação,
enfraquecimento semântico, esvaiamento semântico, morfologização,
reanálise, redução, sintaticização, gramaticização e gramaticalização. No
entanto, de acordo com Traugott e Heine (1991), há, de certa forma, uma
correlação entre essas duas últimas terminologias.
Apesar da variedade de termos, esse processo de variação/mudança
lingüística é utilizado para explicar as transformações que ocorrem com itens
que se transferem do léxico para a gramática, que se especializam dentro da
própria gramática ou que retornam da gramática ao discurso.
A gramaticalização, grosso modo, se refere aos fenômenos pelos quais
os itens lingüísticos se tornam mais gramaticais ao longo do tempo. Trata-se de
um processo lingüístico de organização de categorias e de codificação que
pode ser estudado tanto através do tempo quanto sincronicamente. Com efeito,
a gramaticalização é interpretada como um processo diacrônico e um
continuum
35
sincrônico que atinge tanto as formas que vão do léxico para a
gramática como as formas que mudam no interior da gramática.
Nos estudos mais recentes sobre gramaticalização, percebemos uma
orientação acentuada para a descrição pancrônica
36
, uma vez que apresenta
uma perspectiva diacrônica envolvendo mudança e uma perspectiva
sincrônica – implicando variação. Nas palavras de Furtado da Cunha, Oliveira e
Votre (1999), um elemento lingüístico palavra ou construção é capaz de
adquirir e reter novos sentidos e usos sem perder os antigos; seu estudo
requer, portanto, uma dimensão pancrônica.
O estudo da gramaticalização é, dessa forma, um meio não apenas de
reconstruir a história de uma língua, ou de um determinado grupo de línguas,
35
O termo continuum, muito usado por teóricos da área, é substituído por cadeias de
gramaticalização na perspectiva de Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991) por especificar melhor
a transição de uma categoria lexical para uma categoria gramatical.
36
A interação e interdependência sincronia/diacronia é fundamental na compreensão do
processo de gramaticalização, como afirma Furtado da Cunha (1998, p. 143) “além do exame
das formas gramaticais como um fenômeno discursivo-pragmático, cabe também investigar a
origem dessas formas e os caminhos/trajetórias de mudança por que passam”. Na prática, a
sincronia e a diacronia não podem ser tão separadas, pois as línguas têm um passado, e o
estado sincrônico é uma função desse desenvolvimento passado.
65
mas, ainda, de oferecer um parâmetro explanatório para compreensão da
gramática sincrônica (HEINE, CLAUDI e HÜNNEMEYER, 1991), vendo-se a
mudança lingüística como um ajustamento entre estágios sincrônicos isolados
(HOPPER e TRAUGOTT, 1993).
A definição de gramaticalização, enfim, implica a idéia de um processo
pelo qual um item lexical, ou uma estrutura gramatical, passa, em certos
contextos, a assumir um novo status como item gramatical ou quando itens
gramaticais se tornam ainda mais gramaticais
37
, podendo mudar de categoria
sintática, receber propriedades funcionais na sentença, sofrer alterações
semânticas e fonológicas, deixar de ser uma forma livre e até desaparecer.
Esse “ganho” de gramática, conforme Hopper e Traugott (1993), tem
implicações para os vários componentes da linguagem, uma vez que os itens
que experimentam gramaticalização podem passar por redução de material
fonético e tendem a assumir posições sintáticas mais previsíveis, ao mesmo
tempo em que os significados tornam-se generalizados e mais abstratos, o que
explica o fato de serem apropriados em um mero maior de contextos e de
terem a freqüência aumentada.
Discutindo a questão, Neves (2002, pp. 115-6) coloca que a
gramaticalização “põe em relevo a tensão entre a expressão lexical,
relativamente livre de restrições, e a codificação morfossintática, mais sujeita a
restrições”, salientando, a indeterminação relativa da língua e o caráter não-
discreto de suas categorias.
Mais especificamente, afirmam Traugott e König (1991) que a
gramaticalização é um processo histórico dinâmico, unidirecional
38
mediante o
qual, na evolução temporal, um item lexical adquire um estatuto gramatical.
A unidirecionalidade da gramaticalização é tida como uma característica
básica do processo, partindo-se do princípio de que uma mudança que se
numa direção específica não pode ser revertida. Heine, Claudi e Hünnemeyer
37
Tornar-se mais gramatical significa que o item passa a assumir posições mais fixas nas
sentenças, ou seja, perde a liberdade sintática característica dos itens lexicais, tornando-se
previsível em termos de uso (MARTELOTTA, VOTRE e CEZÁRIO, 1996, p. 46).
38
A unidirecionalidade, propriedade intrínseca do processo de gramaticalização, compreende
um movimento que vai de uma unidade menos gramatical para uma mais gramatical, isto é, da
esquerda para a direita ao longo de um continuum. Segundo Hopper e Traugott (1993), o
princípio da unidirecionalidade é entendido, considerando os estágios A e B, de tal forma que
ambos estão ordenados, ocorrendo A antes de B, bloqueada a trajetória inversa.
66
(1991) subespecificam, em outras, essa característica geral da
unidirecionalidade:
precedência do desvio funcional (conceptual ou semântico), sobre o
formal (morfossintático e fonológico);
→ decategorização de categorias lexicais prototípicas;
possibilidade de recategorização, com restabelecimento da
iconicidade entre forma e significado;
perda da autonomia de um elemento (uma palavra autônoma passa
a clítica, um clítico passa a afixo);
→ erosão ou enfraquecimento formal.
Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991) formulam a proposta de que, no
processo de gramaticalização, as formas assumem significados cada vez mais
abstratos a partir da noção de espaço, passando (ou não) pela noção de tempo
e atingindo a categoria (mais abstrata ainda) de texto, o que pode ser ilustrado
a partir do seguinte esquema:
Espaço > (Tempo) > Texto
Essa escala, no entendimento dos autores, também representa um
processo unidirecional que parte do [+ concreto] para o [- concreto]: elementos
designativos de espaço ([+ concreto]) passariam a ser usados como
organizadores do universo discursivo ([- concreto)], podendo, num estágio
intermediário, expressar noção temporal. Entretanto, estudos mais recentes
(FERREIRA, 2003; ALVES, 2004 e MARTELOTTA e AREAS, 2003) têm
apresentado resultados que contrariam a atuação do princípio da
unidirecionalidade concreto > abstrato
39
.
39
De acordo com Ferreira (2003, p. 74), na medida em que a maioria das formas e dos
sentidos examinados, mesmo os mais abstratos, estavam disponíveis nas sincronias mais
distantes do português e do latim “não foram encontradas evidências de que os sentidos mais
abstratos e genéricos são derivados dos mais concretos e específicos no curso do tempo.
Mesmo nos casos em que não foram identificados usos mais abstratos em uma sincronia
distante, não se pode ter a certeza de que não circulavam na língua” ou, como prefere Votre
(2000) “se estavam disponíveis, potenciais, e não aparecem nos dados porque não houve ai
contexto que os aninhasse”.
67
Em uma abordagem funcionalista da linguagem, além do processo
unidirecional de mudança que caracteriza o processo de gramaticalização
como um fenômeno diacrônico, são apresentadas explicações sincrônicas, com
base nos conceitos de metáfora (transferência semântica baseada em
processos analógicos) e de metonímia (transferência semântica baseada em
contigüidade indicial).
A metáfora, assim, se refere à mudança de sentido de uma situação
externa para uma situação avaliativa, perceptiva, cognitiva ou mesmo textual,
isto é, um processo de transferência semântica, em que uma forma ou
construção passa a ser usada para representar um significado estreitamente
relacionado com o significado que, anteriormente, possuía.
Embora sejam vários os conceitos de metáfora, a maior parte
compartilha de características comuns, especialmente no que se refere a uma
determinada experiência em relação à outra e, à transferência de um sentido
mais concreto para um mais abstrato. De fato, muitos argumentos têm sido
levantados para afirmar ser o processo de gramaticalização fortemente
influenciado por associações metafóricas, como frisam os trabalhos de Bybee
(1985), Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991) e Sweetser (1990).
A mudança metonímica, por outro lado, diz respeito à explicação de um
significado, tomando por base outro que está presente no contexto. A mudança
se dá, então, por contigüidade posicional ou sintática e não ocorre apenas com
uma única forma, mas com a expressão, caracterizando-se por uma
reinterpretação dos elementos que compõem um enunciado. Processa-se por
uma necessidade de tornar a mensagem ainda mais completa, expressando a
mudança de sentido, mas não tem, no processo de gramaticalização, um status
equivalente ao da metáfora.
Martelotta, Votre e Cezário (1996, p. 54) defendem que a
gramaticalização ocorre através dos mecanismos tanto de natureza metafórica
quanto de natureza metonímica. Esses autores entendem a metáfora como um
“processo unidirecional de abstratização crescente, pelo qual conceitos que
estão próximos da experiência humana são utilizados para expressar aquilo
que é mais abstrato”, portanto, mais difícil de ser definido. E a metonímia como
processo de mudança por contigüidade, por ser gerado no contexto sintático.
68
Para Castilho (1997, p. 48), os itens em processo de gramaticalização
são polissêmicos, podendo apresentar relações de metáfora e metonímia. Para
esse autor, a metáfora é a “transferência de um sentido A para um sentido B,
por haver alguma similaridade entre eles; trata-se, basicamente, de um
processo cognitivo”. A metonímia, de modo contrário, é a mudança de sentido
desencadeada por itens associados sintaticamente; trata-se, em termos gerais,
de um processo estrutural. Desta maneira, “na metonímia a palavra é
ressemantizada, e o sentido B não guarda relações com o sentido A, ocorrendo
uma perda radical de propriedades intencionais” (CASTLHO, 1997, p. 49).
Tomando como base a mudança espaço > (tempo) > texto (HEINE,
CLAUDI e HÜNNEMEYER, 1991), determinados movimentos cognitivos de
base metafórica parecem ter sido ativados para que a evolução semântica se
efetivasse. Traugott e König (1991, pp. 190-4) postulam que, paralelamente
aos processos de base metafórica, pode ocorrer, em determinadas mudanças
por gramaticalização, outro mecanismo motivador, de base metonímica,
chamado pressão de informatividade. Trata-se de um processo em que, por
convencionalização de implicaturas conversacionais, o elemento lingüístico
passa “a assumir um novo valor semântico que emerge de determinados
contextos”, a depender do momento em que se processa a interação verbal e
da necessidade decorrente do contexto.
Essa pressão discursivo-pragmática, no momento da comunicação do
falante, modifica o conteúdo semântico das formas lingüísticas ou emprega-as
em lugar de outras, dando uma nova feição à estrutura da sentença. A
literatura pertinente advoga que a gramaticalização é o resultado de uma
interação entre a metáfora (principalmente psicológica) e a metonímia (de
caráter essencialmente pragmático).
Heine e Reh (1994) apud Neves (1997) destacam o mecanismo interno
do processo de gramaticalização, visualizando aspectos que afetam diferentes
níveis da estrutura lingüística (o funcional, o morfossintático e o fonético).
Argumentam que quanto mais se completa o processo de gramaticalização de
uma unidade lingüística, mais ocorre:
perda na complexidade semântica, na significação funcional, e
no valor expressivo;
69
perda na significação pragmática com ganho na significação
sintática;
diminuição de membros que pertencem ao mesmo paradigma
morfossintático;
diminuição na variabilidade sintática, com maior fixidez da
ordem;
obrigatoriedade de uso em determinados contextos, com
restrição de uso em outros (agramatical);
aumento da coalescência semântica, morfossintática e fonética
com outra(s) unidade(s);
perda em substância fonética.
Observamos, segundo a abordagem efetivada pelos autores acima, que
há uma ênfase maior nas diferentes fases pelas quais a gramaticalização
passa, ou seja, o início, os diferentes momentos de seu desenvolvimento e o
seu término.
O trabalho de Castilho (1997, p. 31) especifica que a gramaticalização
consiste:
[...] no trajeto empreendido por um item lexical, ao longo do qual ele
muda de categoria sintática (recategorização), recebe propriedades
funcionais na sentença. Sofre alterações morfológicas, fonológicas e
semânticas, deixa de ser uma forma livre, estágio em que pode até
mesmo desaparecer, como conseqüência de uma cristalização
extrema.
Ademais, para o autor (1998), a gramaticalização cinde-se em três
subprocessos: morfologização, redução fonológica e sintatização, os quais
ocorrem simultaneamente, sem uma hierarquia de precedência entre eles.
Martelotta, Votre e Cezário (1996, p. 40) definem o processo de
gramaticalização como “uma manifestação do aspecto não-estático da
gramática, uma vez que ela demonstra que as línguas estão em constante
mudança em conseqüência de uma incessante busca de novas expressões e
que, portanto, nunca estão definitivamente estruturadas”. Nesse sentido, os
70
autores ainda afirmam que a gramaticalização tende a ser processada em
quatro níveis:
cognitivo: os elementos do mundo concreto (do léxico), através do
processo de mudança metafórica, migram para um mundo mais abstrato
(da gramática); é mais fácil conceituar substantivos de que relações
textuais;
pragmático: surge a partir da intenção comunicativa do falante de
usar algo conhecido para facilitar a compreensão do ouvinte, utilizando,
para expressar idéias novas, conceitos mais conhecidos e mais
concretos.
semântico: baseando-se em significados “mais velhos”, o falante
explicita um sentido novo para o ouvinte;
sintático: a gramaticalização é motivada por certos
contextos/aspectos sintáticos que pressionam e justificam por que a
mudança tomou este e não aquele caminho.
A gramaticalização, enfim, está baseada na interdependência entre
fatores tanto de ordem cognitiva quanto interacional. Qualquer redução do
fenômeno a apenas uma das abordagens acarreta em perda de importantes
descobertas acerca da totalidade do processo.
Pensar que a gramaticalização é resultado de alguns processos
cognitivos fundamentais que lideram a introdução de novas categorias
gramaticais em todos os lugares e tempos indica, no entendimento de Heine,
Claudi e Hünnemeyer (1991), que quanto mais velha fica uma língua, mais
categorias gramaticais ela acumula. Um dos efeitos dessa posição é admitir
que línguas futuras serão mais gramaticais do que as faladas atualmente.
A principal crítica a esse pensamento é que o surgimento de uma forma
gramatical tende a ser seguido pelo declínio de outra forma gramatical. Essa
observação sugere que a evolução lingüística é cíclica. Para representar o
fluxo diacrônico de regularização do uso da língua, desde o ponto mais
imprevisível do discurso aa fase terminal, Givón (1979, p. 83) desenvolve o
esquema processual em forma de ciclo expresso abaixo:
71
discurso > sintaxe > morfologia > morfofonêmica > zero
Conforme essa trajetória unidirecional de gramaticalização, itens
lexicais/construções gramaticais começam a ser utilizados casualmente no
discurso e, embora possam ter determinada função gramatical, seu uso não é
sistemático e fixo. Progressivamente, por conta da sua repetição, tal forma ou
construção torna-se mais previsível e regular com determinada estruturação
sintático-morfológica. O item/construção se cristaliza morfologicamente,
perdendo paulatinamente sua variabilidade sintagmática: sua ordem torna-se
mais rígida, o podendo, por exemplo, sofrer inversão ou intercalação de
elementos (morfologia). Por conta da freqüência de uso pode ainda sofrer
algum tipo de alteração fonológica (erosão) e desaparecer. Caso atinja o fim da
escala (zero), outro item ou construção é recrutado para substituí-lo formal e
funcionalmente, recomeçando um novo ciclo funcional.
Sobre a evolução cíclica da língua referida acima, Givón (1979)
reformula a asserção clássica de que “a morfologia de hoje é a sintaxe de
ontem” para o novo slogan: “a sintaxe de hoje é a pragmática discursiva de
ontem”. Nessa abordagem revisada, a pragmática discursiva passa a ser
reconhecida como o maior parâmetro para entender a estrutura lingüística em
geral e o desenvolvimento de estruturas sintáticas e categorias gramaticais em
particular.
Em outras palavras, no processo de gramaticalização, um modo mais
pragmático de comunicação lugar a um modo mais sintático, assim, não
a gramaticalização simplesmente como “reanálise de material lexical em
gramatical”, mas também reanálise de padrões discursivos em gramaticais e de
funções discursivas em funções semânticas sentenciais.
Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991) postulam que no momento que uma
dada forma gramatical desaparece, uma nova forma é recrutada resultando em
um tipo morfológico emergente. Os autores asseveram ainda que algumas
características permitem visualizar como o processo de gramaticalização pode
ser descrito. Essas características servem como premissas para distinguir a
gramaticalização dos demais fenômenos de mudança lingüística, vejamos:
72
manipulação conceitual: a gramaticalização implica alteração
do significado da forma fonte;
unidirecionalidade: a direção da mudança se das formas
lexicais para as gramaticais ou das menos gramaticais para as
mais gramaticais e não no sentido contrário, com abstratização
progressiva do seu conteúdo;
assimetria forma/significado: as formas fonte, isto é, os itens
que deram origem à forma gramaticalizada não desaparecem
necessariamente após o surgimento da nova forma;
recategorização: as formas em processo de gramaticalização
passam de uma categoria para outra, deixando de ser
modificadas pelos processos morfossintáticos da classe original;
perda de autonomia: as formas acabam por perder sua
autonomia morfossintática em conseqüência da fusão ou da
dependência de palavras vizinhas, causada pelo
enfraquecimento de tonicidade ou erosão fonética;
erosão: vai-se dando a perda do material fonético, o que torna
as formas reduzidas;
decategorização: dá-se, então, a constituição de morfemas
específicos, restaurando a simetria forma/significado.
Na literatura funcionalista há uma combinação de princípios, parâmetros,
critérios e estágios com vistas a aferir a gramaticalização. Isto, talvez, porque
não haja acordo entre os estudiosos quanto a uma teoria unificada e articulada
para dar conta de tal fenômeno. Lehmann (1985) apud Barreto (1999) elenca
cinco princípios que buscam caracterizar a gramaticalização:
paradigmatização: tendência de formas gramaticalizadas serem
arranjadas em paradigmas;
obrigatoriedade: dentro do paradigma, tendência de formas
opcionais se tornarem obrigatórias;
condensação: as formas se tornam menos complexas, tendem à
redução;
73
aglutinação / coalescência: as formas apresentam tendências a se
aglutinarem;
fixação: tendência de ordens lineares livres tornarem-se fixas.
Os princípios de gramaticalização formulados por Lehmann são, nas
palavras de Hopper (1991), úteis como guia da mudança histórica e têm
provado seu valor também no estudo sincrônico. Ademais, este autor propõe
cinco princípios (que não se aplicam na ordem em que são apresentados) que
apontam para o início do processo da gramaticalização:
estratificação: consiste na modificação do significado da forma do
ponto de vista gramatical, assim, novas camadas estão sempre
emergindo. Quando isso acontece, as camadas velhas não são
necessariamente descartadas, mas podem coexistir e interagir com as
novas, o que torna possível a coexistência de formas com funções
similares que podem ser ou não estáveis;
divergência: permanência da forma lexical original como um elemento
autônomo, suscetível de sofrer as mesmas mudanças que um item
lexical comum, ou seja, formas gramaticalizadas se separam, e a forma
original permanece, com significado semelhante ao originário;
especialização: remete ao estreitamento de escolhas sofridas pelas
construções gramaticais. Com a gramaticalização pode haver um
estreitamento na variedade de formas, fazendo com que um número
menor de formas assuma a expressão de sentidos mais gerais. Uma
forma, com efeito, pode tornar-se obrigatória, que a possibilidade de
escolha diminui;
persistência: remete ao fato de que, após uma forma sofrer
gramaticalização, alguns traços de seus significados lexicais originais e
parte da sua história lexical são mantidos e conservados nos novos
traços;
decategorização: ocorrendo a gramaticalização de uma forma, a nova
forma assume atributos/características das categorias secundárias.
74
Segundo Hopper (1991), de posse desses cinco princípios, o analista
poderá, além de detectar se uma forma está mais ou menos gramaticalizada,
explicar a questão do que está “dentroou “fora” da gramática. Pode, ainda,
perceber que uma direção verificada para a gramaticalização de uma forma
não anula outras possíveis direções.
No entendimento de Castilho (1997, p. 31), os princípios expostos acima
combinam processos e estágios aos princípios propriamente ditos. Isto é, “de
um lado existem os mecanismos que levam uma categoria lexical a
transformar-se numa categoria gramatical, e, de outro os princípios gerais
que regem essa mudança de estatuto”. Nessa perspectiva, esse autor
sistematizou quatro diferentes princípios, assim resumidos:
analogia: não surgimento a expressões ou estruturas novas,
simplesmente estende regras a itens ainda não atingidos,
“uniformizando” as formas da língua;
reanálise: é uma nova interpretação, baseada em inferência,
aplicadas às formas antigas, a partir de conhecimentos prévios,
o que resulta na mudança de sentido das mesmas, partindo do
princípio da abdução
40
;
continuidade e gradualismo: a gramaticalização é um
processo contínuo e gradual;
unidirecionalidade: o processo de gramaticalização ocorre
sempre no mesmo sentido, da esquerda para direita, não
permitindo reversões no percurso.
Os princípios da analogia e reanálise são essenciais à compreensão da
gramaticalização
41
. A analogia atua na estrutura visível e, por si só, não afeta
mudanças de regra, ainda que promova a disseminação dentro do sistema
lingüístico ou dentro da comunidade.
40
Através da abdução apagam-se os limites entre determinados constituintes, estabelecendo-
se novos “cortes”, sem alterar a manifestação superficial da unidade sobre a qual se es
operando. A abdução é um tipo de raciocínio que provoca inferências a partir de um
conhecimento prévio.
41
Dentre os mecanismos de mudança relacionados à gramaticalização, a metáfora e a
metonímia são sempre destacadas pelos vários estudiosos, ver Castilho (1997).
75
A reanálise, por outro lado, modifica representações subjacentes, sejam
elas semânticas, sintáticas ou morfológicas e produz mudança de regra. Dito
de outro modo, na reanálise uma nova interpretação é dada às novas formas,
baseada em inferências correlacionadas com as formas mais antigas, a partir
de conhecimentos prévios, o que resulta na mudança de sentido das mesmas e
permite que sejam aplicadas a outras bases, gerando novos itens lexicais.
Tanto a analogia quanto a reanálise são mecanismos que facilitam a
gramaticalização. Em alguns casos elas agem conjuntamente, em outros o.
Entretanto, nenhuma das duas constitui uma obrigatoriedade para que ocorra a
mudança por gramaticalização, ou seja, elas podem ser tratadas como
mecanismos independentes desse processo.
Como se pode depreender do que foi visto, o que de comum em
todos os conceitos e princípios enfocados é o pressuposto geral de que o uso
das expressões lingüísticas é determinado pelas condições reais de produção.
A grande importância da consideração do processo de gramaticalização para o
estudo lingüístico reside na colocação em foco de uma característica básica
dos sistemas lingüísticos, que é a sua existência e vitalidade exclusivamente
em função da sua necessidade para uso dos falantes. Em outras palavras, o
estudo da gramaticalização pressupõe assumir a visão de que o sistema
gramatical o é estático, fechado e auto-contido, mas sim aberto e
intensamente afetado pelo uso lingüístico.
Para resumir o exposto, como aponta Poggio (2002), a partir de épocas
e perspectivas diferentes, três grupos de conceitos de gramaticalização. O
primeiro grupo opera com o léxico e a gramática. O item lexical vai de uma
classe aberta para uma classe fechada e a gramaticalização é decorrente de
alterações morfológicas. O segundo grupo opera com o discurso e a gramática.
Givón (1979), através do ciclo discurso > sintaxe > morfologia > morfofonêmica
> zero, assinala que a gramaticalização é motivada pelo discurso e a evolução
de estruturas sintáticas e morfológicas decorre de estratégias discursivas. O
terceiro apresenta perspectivas cognitivas. Essa mais nova linha de pesquisa
a gramaticalização como um fenômeno externo à estrutura da língua e
pertencente ao domínio cognitivo, proveniente de alterações semânticas.
76
Na próxima subseção, veremos com mais detalhes o fenômeno de
mudança lingüística denominado, por alguns estudiosos, de discursivização e
suas propriedades caracterizadoras.
2.7 Discursivização: fenômeno que emana controvérsia
No quadro da lingüística funcional, a gramaticalização e a
discursivização são fenômenos associados aos processos de regularização do
uso da língua. Esses processos manifestam o aspecto não-estático da
gramática, demonstrando que as línguas estão em constante mudança em
conseqüência da incessante criação de novas expressões e de novos arranjos
na ordenação linear.
Nas palavras de Martelotta, Votre e Cezário (1996), ancorados à
concepção de gramática como estrutura maleável emergente,
“gramaticalização” e “discursivização podem ser consideradas como dois
processos especiais de mudança lingüística. Embora admitindo não ser
possível traçar uma fronteira nítida entre eles, os autores, em termos
prototípicos, advogam que a gramaticalização leva itens lexicais e construções
sintáticas a assumirem funções referentes à organização interna do discurso ou
estratégias comunicativas. Desta forma, o item funcionaria como operador
argumentativo.
Discursivização, por outro lado, de acordo com esses autores, leva o
item a assumir função de marcador discursivo, modalizando ou reorganizando
a produção da fala, quando a sua linearidade é momentaneamente perdida, ou
servindo para preencher os vazios ou interrupções causados por essa perda da
linearidade. Assim sendo, os elementos perdem função lexical e gramatical
para ficar a serviço da organização do fluxo das informações.
Os itens “sabe”, “né?”, “tá?” “assim”, “quer dizer”, “sei lá”, “olha aí”, ou
expressões que, de vez em quando, entram na interação social, no nível
conversacional, como os atuais “ninguém merece” e “tipo assim” são exemplos
que ilustram bem a trajetória gramática > discurso.
Heine e Reh (1991) ressaltam que, se por um lado os itens lexicais vão
perdendo em complexidade semântica, significação pragmática, liberdade
77
sintática e substância fonética, por outro, ganhos, uma vez que um
elemento lingüístico passaria a adquirir outros traços no âmbito semântico e/ou
pragmático.
Provavelmente seja essa característica de “ganho pragmático” que tenha
levado autores como Vicent, Votre e Laforest (1993) e Martelotta, Votre e
Cezário (1996) a postularem um novo processo de mudança, identificado por
estes, como discursivização, referido anteriormente, e por aqueles como pós-
gramaticalização
42
(post-grammaticalisation).
Vicent, Votre e Laforest (1993) argumentam que ocorre pós-
gramaticalização quando uma forma migra para um nível o gramatical.
Nesse caso, deixa de obedecer a restrições gramaticais, e passa a cumprir
restrições pragmáticas e interativas. Conforme Martelotta, Votre e Cezário
(Ibidem, p. 60), a discursivização é um dos processos de mudança em que
elementos lingüísticos assumem funções de marcadores discursivos, perdendo
seus valores semânticos originais e adquirindo valores pragmáticos ora
marcando uma retomada da linha de raciocínio perdida ora funcionando como
artifício para o falante, sem perder a palavra, refletir sobre o que vai dizer.
Essa concepção de que existem dois processos de mudança, entretanto,
está longe de representar o consenso da comunidade cienfica. Segundo
Martelotta, Votre e Cezário (1996), trabalhos como o de Traugott (1995, p. 01)
apresenta uma crítica à proposta referente ao processo chamado
discursivização, pois, em estudo sobre alguns marcadores discursivos do
inglês oriundos de advérbios, a autora afirma que eles têm lugar dentro do
paradigma da gramaticalização, não havendo necessidade de se postular um
processo diferenciado. Com efeito, a autora propõe que se repense a
gramática de forma a incluir aspectos pragmáticos sob o domínio gramatical,
utilizando-se de duas premissas:
considerar como características relevantes para o processo de
gramaticalização a decategorização, a redução fonológica, o aumento da
função pragmática e a subjetivação; e
42
Martelotta, Votre e Cezário (1996, pp. 56-60) sugerem que seja usado o termo
discursivização por entender que a partícula “pós” poderia subentender que um dado elemento,
necessariamente, gramaticaliza-se antes de se discursivizar.
78
considerar a pragmática como fazendo parte da gramática e o
apenas elementos fonológicos, morfossintáticos e semânticos.
A conseqüência natural de adotar essa visão de gramática alargada de
Traugott parece ser a de que não há necessidade de lançar mão de um
processo de discursivização para explicar certas mudanças. Hopper (1987),
(Tabor e Traugott (1987) e Fraser (1988)) apud Tavares (2003, p. 18) também
advogam que elementos de alta freqüência, “cujo uso é restringido por
condicionamentos lingüísticos e/ou sociais, preenchedores de espaços
sintáticos previsíveis, devem ser considerados parte da gramática de uma
língua”
43
.
Consciente de que um certo desconforto em tratar de alguns
fenômenos de mudança como casos de gramaticalização, o que significaria
fazer confluir para uma mesma dimensão processos lingüísticos de variada
ordem, Castilho (1997, p. 60) assim define discursivização:
[...] Algumas regras de correspondência com os sistemas gramatical
e semântico poderiam ser estabelecidas para o entendimento de
questões como: (1) itens que se prestam à organização da hierarquia
tópica; (2) itens que se prestam ao estabelecimento da coesão
textual e à manutenção da interação.
Postulando a língua como uma atividade criativa, o autor
questiona/reflete se reconhecermos que delocutivos e marcadores
conversacionais são categorias do discurso por que, então, procurar neles
propriedades sintáticas e, ainda, por que supor que propriedades discursivas
excluem propriedades gramaticais?
Nesse sentido, com base nos aspectos referidos, optaremos pela
trajetória de mudança defendida por Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991) por
julgarmos mais pertinente para conduzir nossa análise, uma vez que os dados
do nosso corpus mostram que o item assim perde parte de seu valor
referencial original de dêitico espacial, que após cumprir uma trajetória de
43
Vamos, neste trabalho, fazer coro com esses autores acreditando ser estanque a divisão que
estabelece que alguns elementos lingüísticos pertencem ao mundo do discurso e outros
integram o universo da gramática. Com efeito, não contemplaremos a proposta de
discursivização (MARTELOTTA, VOTRE e CEZÁRIO, 1996).
79
mudança espaço > (tempo) > texto passa a assumir funções pragmático-
discursivas, isto é, o espaço é o ponto de partida para o processo de
gramaticalização desse elemento.
2.7.1 Marcadores Discursivos
A Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) reconhece a dificuldade em
classificar algumas palavras, expressões e sons lexicalizados dentro de uma
das dez classes gramaticais. Por esse motivo, no entendimento de Urbano
(1997), tais elementos lingüísticos recebem, enviesadamente, a denominação
pouco esclarecedora de palavras denotativas, conforme encontramos em
Cunha (1985, pp. 540-1):
Certas palavras, por vezes enquadradas impropriamente entre os
advérbios, passaram a ter, com a Nomenclatura Gramatical
Brasileira, classificação à parte, mas sem nome especial. [...], tais
palavras não devem ser incluídas entre os advérbios. Não modificam
o verbo, nem o adjetivo, nem outro advérbio. São, por vezes, de
classificação extremamente difícil. Por isso, na análise, convém dizer
apenas: palavras ou locução denotadora de exclusão, de realce, de
retificação etc.
Reconhecendo que esses itens exercem funções discursivas
importantes na interação, alguns lingüistas têm dedicado atenção especial a
tais elementos, a fim de descrever como operam durante a comunicação.
O rol dos itens que pertencem a esta nova “classe de palavras” ainda
está em aberto, uma vez que variadas denominações são encontradas na
literatura para se reportarem a eles. Autores que trabalham sob a ótica da
Análise da Conversação como Marcuschi (1986), Urbano (1997) e Silva e
Macedo (1996) atribuem aos elementos lingüísticos o rótulo de Marcadores
Conversacionais (MCs), por entenderem que esses itens atuam tanto no nível
das relações estabelecidas no texto, como das relações entre o falante e o seu
texto e, a mesmo, entre o falante e o seu ouvinte. Outros, como Vicente,
Votre e Laforest (1993), preferem o termo Pontuantes para se referir a tais
80
elementos. Risso, Silva e Urbano (1996), Martelotta, Votre e Cezário (1996) e
Castilho (1989) adotaram o termo Marcadores Discursivos (MDs)
44
.
A hipótese central de Marcuschi (1986) é a de que os marcadores
conversacionais têm sua razão de ser em funções genericamente designadas
funções interacionais. Essas comandam e controlam as estratégias adotadas
pelos interlocutores na construção e manutenção de suas identidades e
relações sociais. Os Marcadores conversacionais, para o autor, operam
simultaneamente como organizadores na interação, articuladores do texto e
indicadores de força interlocutória, sendo, pois, multifuncionais. De fato,
Marcuschi (1986, p. 282) caracteriza duas grandes propriedades atuando
simultaneamente: i) interacionais indicando atos ilocutórios e relações
interpessoais; e ii) intratextuais – organizando a cadeia lingüística
45
.
Urbano (1997), investigando aspectos formais, semânticos e sintáticos
dos marcadores discursivos, observa que esses elementos, na realidade,
ajudam a construir e a dar coesão e coerência ao texto falado, funcionando
como articuladores, não das unidades cognitivo-informativas do texto, como
também dos seus interlocutores, à medida que marcam e explicitam os
aspectos interacionais e pragmáticos de sua produção.
Para Silva e Macedo (1996, pp. 12-14), os marcadores discursivos estão
envolvidos em macro-funções discursivas, organizando o discurso
internamente. Essas autoras postulam que as macro-funções são consideradas
a partir do sentido, da posição e da função no discurso. Logo, podem ser
classificadas como iniciadores de turno, requisitos de apoio discursivo,
redutores, esclarecedores, preenchedores de pausa, seqüenciadores,
resumidores, argumentadores, finalizadores e anunciador de complementos.
44
A literatura da área tem mostrado estudos sobre MDs realizados com diferentes amostras
representativas do Português Brasileiro, como dos projetos NURC, CENSO/RJ, D&G, VALPB
(Cf. CASTILHO, 1989; MARCUSCHI, 1986; RISSO, SILVA e URBANO, 1996; URBANO, 1999;
RISSO, 1999; SILVA e MACEDO, 1996; MARTELOTTA, VOTRE e CEZARIO, 1996;
MARTELOTTA, 2004 e trabalhos de MARTINS, 2004a, 2004b e 2006; CRISTHIANO e HORA,
2004, entre outros). Na região sul do Brasil, pesquisas sobre o funcionamento de MDs de
bases verbais têm sido realizadas com corpus do projeto VARSUL (Cf. FREITAG, 2001;
VALLE, 2001; DAL MAGO, 2001; DAL MAGO e GORSKI, 2002; ROST, 2002; GORSKI et al.,
2003; GORSKI, ROST e DAL MAGO, 2004, entre outros).
45
As duas propriedades citadas são evidenciadas na denominação “organização textual-
interativa” que identifica uma das partes da Gramática do Português Falado, na maioria dos
seus oito volumes.
81
Os pontuantes, nome adotado por Vicent, Votre e Laforest (1993), são
palavras ou expressões de origens diversas, sendo o enfraquecimento o
fenômeno responsável pela aquisição de uma determinada função discursiva.
Os autores citam como exemplo, no português do Brasil, o uso da partícula né?
que provém de uma expressão do tipo tag question.
Schiffrin (1987), por sua vez, define os marcadores como elementos que
delimitam enunciados e que dependem seqüencialmente do discurso. A autora
introduz o termo “marcadores do discurso ao analisar o emprego dos itens:
well, and, so, but, because, now, like em debates orais da língua inglesa.
Para Risso, Silva e Urbano (1996), os traços básicos definidores do
estatuto dos marcadores discursivos apresentam as seguintes características:
operam no plano da atividade enunciativa (então, não integram
o conteúdo proposicional do enunciado em que ocorrem);
tendem a ter transparência semântica parcial, ou opacidade
total (no sentido de que se inclinam a ser usados fora do seu
valor lexical ou gramatical básico);
são sintaticamente independentes no sentido de que não
funcionam para organizar a estrutura interna da oração;
de modo geral, destacam-se por terem alta freqüência e
recorrência no espaço textual.
Martelotta, Votre e Cezário (1996) separam os fenômenos estritamente
textuais dos que são prototipicamente pragmáticos. Consideram que os
marcadores discursivos apresentam como macro-função a reorganização da
linearidade discursiva das informações trocadas pelos falantes. Tais itens
lingüísticos fazem com que informações a respeito do processamento cognitivo
do falante sejam explicitadas, marcando na fala essas reformulações e,
conseqüentemente, dando tempo ao falante para que organize melhor suas
idéias. Os autores assumem que, além dessa função principal, os marcadores
discursivos, mesmo que em segundo plano, podem exercer também a função
de reorganizador das relações textuais.
De acordo com esses autores, os marcadores discursivos
desempenham um conjunto de funções que, na prática, sobrepõem-se e
82
confundem-se, posto que estão ligados à reformulação da fala, visando a uma
melhor compreensão das informações transmitidas. Vejamos algumas delas:
→ marcar hesitações ou reformulações;
→modalizar o discurso, marcando insegurança ou não
comprometimento do falante em relação ao que fala;
→ marcar mudanças de direção comunicativa, que podem se manifestar,
por exemplo, em abertura de concessões em relação ao que já foi dito;
→ criar reticências;
→ retomar referentes já mencionados, fazendo-os tópicos para o que vai
ser dito em seguida;
→ marcar plano discursivo de fundo;
preencher vazios causados por pausas para calcular as informações
subseqüentes.
Os marcadores discursivos, desta forma, marcam para o ouvinte
reformulações/hesitações e ajudam o falante a ganhar tempo para reorganizar
suas idéias. Na verdade, eles contribuem produzindo especiais efeitos na
linguagem no momento da interação, modalizando o discurso e são espeficos
para cada situação, podendo ser verbais, não-verbais e supra-segmentais.
Conforme Castilho (1989, pp. 273-4), os marcadores discursivos
exercem função textual, isto é, todos eles organizam o texto. Entretanto, essa
função geral comporta duas funções mais específicas com base em Halliday
(1970): a interpessoal, que corresponde aos marcadores interpessoais que
“servem para administrar os turnos conversacionais” e a função ideacional, que
corresponde os marcadores ideacionais que “são acionados pelos falantes
para a negociação do tema e seu desenvolvimento”.
Uma linha textual-interativa é assumida por Urbano (1999) e Risso
(1999) para definir a função dos marcadores discursivos em geral, distinguindo-
os em orientadores da interação e seqüenciadores de tópico. Esses autores
salientam que nem sempre é possível delimitar nitidamente os elementos cuja
função é textual daqueles que têm função interativa.
Em relação à posição, os marcadores discursivos podem estar à
esquerda da unidade discursiva, ou à sua direita. Na primeira posição, o falante
83
está antecipando fatos ao interlocutor; encontrando-se na margem direita, o
marcador estará relacionado ao interlocutor. Todavia, segundo Marcuschi
(1986), um marcador discursivo também pode aparecer na posição medial,
usado para buscar auxílio, quebrar raciocínio ou preencher pausas.
Nas palavras de Risso, Silva e Urbano (1996), a distinção nítida entre os
fenômenos eminentemente textuais (ou gramaticais) dos fenômenos
estritamente pragmáticos (ou discursivos) é muito difícil de ser estabelecida,
devido às múltiplas funções apontadas como marcadoras, redundando em um
conjunto de itens tão diversos que torna confusa sua classificação.
Prosseguindo a caminhada na trilha do item assim, na subseção
seguinte, destacaremos, embora de forma resumida, alguns princípios da
Lingüística Textual que são de fundamental importância para o entendimento
da análise dos dêiticos discursivos, dentre eles, a noção ampliada de contexto.
2.8 Dêiticos discursivos
Koch (1996, p.36) assevera que, para o estudo da “língua em contexto”,
é necessário que sejam considerados, primeiramente, “além da situação
comunicativa, os usuários
46
da língua com suas intenções, crenças, convicções
e todo arcabouço que evolve a interlocução”; em segundo lugar, que fosse
“considerado o texto” e, finalmente, que fossem considerados, também os
“contextos sociobiológico e cultural dentro dos quais os falantes se
movimentam e interagem”.
Dessa forma, a autora enfatiza outro tipo de contexto, considerado pela
lingüista como mais importante: o contexto cognitivo. Isto porque, para que
duas pessoas possam compreender-se mutuamente, é preciso que seus
conhecimentos enciclopédicos, episódicos, procedural ou esquemático devam
ser, ao menos em parte, compartilhados, uma vez que, numa interação, cada
46
Podemos salientar que este estudo considera não o usuário responsável pelo estado de
forma da língua em cada momento de sua estrutura e funcionamento como demonstra Votre
(1996), quando trata de questões fundamentais na definição de um paradigma para a
lingüística funcional.
84
um dos falantes traz consigo sua cota-cognitiva, ou seja, é em si mesmo um
contexto (KOCH, 1996).
A palavra “dêixis”
47
passou ao latim com o valor “mostrar, indicar,
assinalar”, e este significado etimológico foi parcialmente preservado, mesmo
com a especialização lingüística do termo. A maioria dos lingüistas e filósofos
da linguagem, de fato, considera os dêiticos como os elementos da língua que,
diferentemente dos outros signos lingüísticos, remetem à situação enunciativa
construída em torno do emissor
48
.
Benveniste (1988) assevera, com propriedade, que o traço essencial
que caracteriza todo um grupo de signos dêiticos é a relação entre o indicador
(quer seja de pessoa, tempo ou lugar) e a presente instância de discurso. Isso
é o que, de resto, define a dêixis. Assim, estando desprovida da condição de
pessoalidade, ou de subjetividade, a terceira pessoa gramatical desempenha,
no discurso, uma função eminentemente representativa, não lhe competindo
promover o elo entre o enunciado e a enunciação, mas representar um outro
segmento construído a partir do mesmo contexto discursivo, a que muitas
vezes se tem chamado de “antecedente”.
Deste modo, em Benveniste, a mesma linha demarcatória que separa os
pronomes realmente pessoais eu/tu do pronome não-pessoal ele também
divide, respectivamente, os dêiticos e os anafóricos. Enquanto os dêiticos,
organizados a partir dos indicadores de subjetividade (eu e tu) referem à
realidade enunciativa, os anafóricos (representados por ele) não indicam
pessoa e não participam, portanto, do componente subjetivo da língua.
47
Cf. em Ferreira (1999, p. 617) o verbete “dêixis: (cs)[Do gr. dêixis, eos.] S. f. Ling. 1.
Propriedade que tem alguns elementos lingüísticos, tais como pronomes pessoais e
demonstrativos, de fazer referência ao contexto situacional ou ao próprio discurso, em vez de
serem interpretados semanticamente por si sós”.
48
Em parte assentados nessa base comum (embora divergindo em princípios importantes),
foram definidos primeiramente os “indexical symbols” (signos indicadores ou símbolos-indíces)
de Peirce; os “shifters” de Jespersen (1964); os “embrayeurs” de Jakobson (1963); os
“indicadores de subjetividade” de Benveniste (ver Lahud, 1979), dentre outros.
85
2.8.1 Tipos de Dêixis
A classificação tradicional
49
dos dêiticos se funda nos próprios sujeitos
do ato comunicativo e na localização espacial e temporal da enunciação. Diz-
se, então, que tais elementos lingüísticos fazem referência à situação em que o
enunciado é produzido, ou seja, às coordenadas de pessoa, lugar e tempo, que
definem, respectivamente, de acordo com Levinson (1983), as dêixis pessoal,
espacial e temporal.
A dêixis pessoal
50
consiste em codificar o papel dos participantes no
momento da fala em que a expressão em questão é pronunciada. Apontam,
pois, para os próprios interlocutores na situação comunicativa. A categoria de
primeira pessoa é a gramaticalização da referência do falante a si mesmo; a
segunda pessoa é a codificação da referência do falante a um ou mais
destinatários; e a terceira pessoa é a codificação da referência a pessoas e
entidades que não são nem falantes nem destinatários. Vejamos o exemplo:
(1) Eu concordo com você em relação a isso.
51
A dêixis de lugar, de modo geral, consiste na codificação das locações
espaciais relativas à da localização dos participantes no momento da fala.
Várias línguas gramaticalizam a distinção entre proximal (ou perto do falante) e
distal (não-próximo, às vezes perto do destinatário), e outras fazem distinções
mais elaboradas. Tais distinções são comumente codificadas em
demonstrativos (este, esse, aquele) e em advérbios de lugar (aqui, lá), como
em (2):
(2) A escola fica a três quadras daqui.
49
O modelo clássico incluía apenas pronomes, expressões temporais (entre elas os tempos
verbais) e locais, relacionados, respectivamente, a pontos de referência pessoais, temporais e
locais. Nas últimas décadas, foi-se alargando o inventário dos signos considerados iticos e
postuladas novas categorias de relação dêitica como as chamadas social dêixis e discourse
dêixis.
50
É possível, desde logo, compreender que existem diferentes graus de deiticidade, que
influenciam diretamente o discurso, mas que por ele também se deixam graduar. Estritamente
no caso dos dêiticos pessoais, Fiorin (1996) menciona nada menos que vinte possibilidades de
neutralização de oposições no interior da categoria de pessoa.
51
Os exemplos que aparecem sem nenhuma referência foram feitos ad hoc.
86
A dêixis temporal consiste na codificação dos pontos temporais e os
períodos relativos ao tempo em que a expressão da fala é proferida (ou a
mensagem escrita é registrada). A dêixis temporal é comumente
gramaticalizada em advérbios dêiticos de tempo (ontem, hoje, amanhã).
Exemplo:
(3) Hoje é quarta-feira.
Essa categoria itica, assim como as outras acima, toma o falante
como o centro dêitico do evento comunicativo: dêiticos temporais têm relação
com o momento em que o falante produz a enunciação; a dêixis pessoal é
definida em relação ao papel do falante no evento comunicativo; e a dêixis de
lugar faz referência ao local em que está o falante no momento da fala. Logo,
no entendimento de Ferreira (2006), o egocentrismo é uma característica
essencial e constitutiva da dêixis.
Considerando, também, o contexto do discurso e os níveis de
linguagem, Fillmore (1971, p. 39) acrescentou, a esses três tipos clássicos, as
dêixis social e discursiva
52
:
[...] a matriz de material lingüístico de que faz parte o enunciado, isto
é, as partes precedentes e conseqüentes do discurso, a que nós nos
referimos como dêixis discursiva; e os relacionamentos sociais por
parte dos participantes da conversação, que determinam, por
exemplo, a escolha dos níveis discursivos honoríficos ou polidos, ou
íntimos ou insultantes, etc., que podemos agrupar todos sob o termo
dêixis social.
A dêixis social, assim, consiste na codificação de distinções sociais que
são relativas aos papéis dos participantes, particularmente aos aspectos da
relação social mantidos entre falantes e ouvinte(s) ou falantes e algum
referente. Pronomes de polidez e títulos dos destinatários encaixam-se aqui:
(4) O senhor pode me dizer que horas são?
52
Levinson (1983, p. 85) ora denomina dêixis discursiva ora dêixis textual.
87
a dêixis discursiva faz codificação de referência dentro de um
enunciado para partes do discurso em andamento em que esse enunciado está
localizado. Exemplo de ixis discursiva é o uso do demonstrativo essa’ na
sentença abaixo:
(5) Essa é a piada mais engraçada que já ouvi.
As categorias social e discursiva da dêixis também apresentam
egocentrismo, pois a primeira é definida em relação ao status social do falante
em comparação ao do ouvinte e, a segunda, define-se em relação à seção do
texto em que está o enunciado que contém o dêitico.
A última espécie de dêixis, a discursiva por ser objeto de interesse
desta pesquisa será examinada mais detidamente, a seguir se constrói
também a partir de uma transferência, mas de outra natureza: quando as
coordenadas de tempo e espaço mudam do cenário físico real para o ambiente
do texto
53
.
2.8.2 Dêixis Discursiva vs. Anáfora: tênue distinção
Em muitos estudos, o que se reconhece como dêixis discursiva
54
tem
figurado, indistintamente, entre os variados casos de anáfora, o que vem
gerando uma série de conflitos terminológicos e delimitativos.
53
O texto, tomado neste estudo, conforme Cavalcante (2000, p. 30), é considerado “como
objeto empírico, mas sempre indissociável de seu contexto de uso, que inclui suas condições
de produção”. Desta forma, não focalizaremos os aspectos institucionais, sócio-históricos e sim
a ação do sujeito na construção do seu discurso, o qual também contribui para a criação do
contexto. Para Marcuschi (1997, p.160) texto é um espaço em que as “coisas estão distribuídas
e situadas (essas coisas são as proposições, os conteúdos etc) de maneira que o texto é uma
espécie de recipiente ao mesmo tempo real e virtual”.
54
De acordo com Marcuschi (1997), três autores merecem destaque por se dedicarem ao
estudo dos dêiticos discursivo: Fillmore (1971), o primeiro a definir o fenômeno da dêixis
discursiva com clareza; Lyons (1977) que trata da dêixis discursiva no contexto dos demais
dêiticos e Levinson (1983) que, ao tratar da dêixis discursiva, retoma apenas o que foi dito por
Fillmore e Lyons. Um autor que também dedicou-se à dêixis foi Ehlich (1982). É interessante
observar que Peirce e Bühler, os clássicos sempre citados a propósito da dêixis, não se
referem aos dêiticos discursivos.
88
As pesquisas sobre o assunto ou se limitaram a reflexões
55
sobre dêixis
e anáfora como fenômenos discursivos amplos (como as de Bühler, 1982;
Benveniste, 1988; Lahud, 1979), ou mesmo reconhecendo a dêixis discursiva,
somente a opuseram ao anafórico ele, sujeitando-o, por vezes, à condição de
correferencialidade (como nos estudos de Fillmore (1971), Ehlich (1982) e
Levinson (1983)). Não se ativeram, portanto, à consideração de outras
possibilidades de anafóricos e de dêiticos discursivos, como as expressões
que contêm dêiticos
56
.
De acordo com Marcuschi e Koch (1998), nem sempre um anafórico é
pronominal, correferencial nem co-significativo; também nem sempre tem uma
fonte explícita no contexto. É um sentido de anáfora, portanto, bem mais largo
do que aquele considerado por Halliday e Hasan (1973).
O primeiro tipo de anafórico, e mais representativo, é de fato aquele que
correfere, ou seja, que retoma totalmente um referente, e que, além disso,
mantém o significado da expressão referida, isto é, estabelece com ela uma
relação de co-significação (sem, naturalmente, constituir um sinônimo perfeito),
como no exemplo abaixo:
(6)
A significação do limite está exatamente na abertura para a sua
transposição, ou mais do que isso, na exigência de transposição
desse limite, para que se instaure o fantástico. (Cavalcante, 2000,
p.75)
A expressão ‘desse limite’ retoma inteiramente (ou melhor: correfere) o
objeto discursivo que está sendo reiterado e preserva seus traços lexicais
básicos.
Prosseguindo a descrição dos anafóricos, o segundo tipo, tamm
correferencial, -se quando o elemento anaforicamente é codificado não por
um sintagma nominal, mas por um pronome, manifesto ou não no texto.
Exemplo:
55
Monteiro (1994, p. 53) sintetiza bem o pensamento clássico da diferença entre dêixis e
anáfora, quando assevera que essa distinção reside em dois pontos: “na fonte de informação
(a primeira remete para a situação extralingüística e a outra, para o interior do contexto
lingüístico) e no tipo de relação com o referente (enquanto na dêixis este é indicado de modo
direto, na anáfora opera-se de fato uma substituição e o referente é designado previamente por
um outro sintagma nominal)”.
56
Cf. ‘expressões indiciais’ em Cavalcante (2000).
89
(7)
um relatório reservado do centro experimental.... descreve o
acidente do operador E. G... ele teve as mãos contaminadas .... ao
utilizar uma torneira... que estava impregnada de material
radioativo.... (Cavalcante, 2000, p.76).
O pronome ‘ele’ retoma explicitamente a fonte ‘operador E.G.’
No terceiro tipo de anafórico, ainda correferencial, conforme analisa
Marcuschi (1998), não acontece uma retomada explícita como nos dois casos
anteriores. A transformação pode ser operada por “sinonímia, paráfrase,
associação, metonímia etc”. Vejamos o excerto:
(8)
Inf.2 o mundo todo fala nesse príncipe... né?
Inf. 1 quer dizer o cara que que é que o cara tem? ....pra dar?...pro
mundo? Nada...
Inf.1 é
Inf.2 né?... e esse homem é::: é manchete em toda em todo mundo
isso é que ta totalmente errado... (Cavalcante, 2000, p.76)
Observamos que o mesmo referente de ‘esse príncipe’ é primeiro
retomado como ‘o cara’ e, em seguida, como ‘esse homem’.
Outras situações de anáfora se afastam, porém, desse padrão de
correferência, como se nota no fragmento abaixo:
(9)
mas hoje existem aparelhos... ou dobro do tamanho do
Palomar.. no Havaí... o Malmequer tem onze metro.... Palomar
tem cinco metro/por dezoito../ certo?... então com todo esse
avanço da puxada e a imagem trabalhada no computador ( ) o
GAY... eu tenho uma câmera que tem gay.... significa um
intensificador de imagem quer dizer.... é uma mesma capacidade de
você ver luz.... a ponto de praticamente você ver o que o olho não
registra... quer dizer ela /tá imitando já de perto o olho
humano...né?.. Toda essa tecnologia tem permitido a gente pegar
estrelas mais próximas e super ampliar e tentar verificar o quê que
tem ao redor delas.... (Cavalcante, 2000, p.77)
A expressão referencial em negrito retoma implicitamente, mas sem
correferir, uma série de aparelhos ou de dispositivos que possibilitem à ciência
90
maior grau de precisão. Trata-se de uma relação hiperonímica. ‘Toda essa
tecnologia’, conforme é visível, não é co-significativa com qualquer termo
anterior; as fontes são transformadas e dimensionadas por uma generalização
que ajuda a conduzir o ponto de vista do enunciador. Este quarto tipo de
anáfora não pode, portanto, ser caracterizado como correferencial.
A quinta situação de anáfora se distancia ainda mais da
correfencialidade típica porque a expressão referecial não retoma um elemento
do contexto, e sim, recupera indiretamente um objeto discursivo de uma outra
expressão anterior, à qual está semanticamente associada. O referente da
chamada “anáfora associativa” é representado por uma entidade não
previamente introduzida no discurso, e é identificável por inferência a partir
das informações contextuais. É preciso reconhecer que a anáfora associativa
57
(ou indireta, ou inferencial) não retoma referentes do mesmo modo que a
anáfora comum. Vejamos o seguinte exemplo:
(10)
...a Argentina não tem mais nada para privatizar e a pirotecnia
acabou. Fernando Henrique está num país que tem uma economia
fechada e com monopólios gigantescos, como a Petrobrás e as
telecomunicações. Ou seja, no Brasil o processo está começando.
Os fogos ainda vão queimar. (Cavalcante, 2000, p.78)
O sintagma nominal definido, em (10), tem uma certa dependência
interpretativa do referente desencadeador, com o qual está ligado por uma
relação de inclusão de ‘fogos’ no significado de ‘pirotecnia’.
Em síntese, podemos dizer que existe anáfora quando um elemento
pronominal ou nominal, co-significativo ou não, remete a um referente presente
no universo do discurso, mas não necessariamente explícito no contexto, às
vezes apenas inferido. Essa retomada do objeto discursivo pode ser
correferencial, ou seja, total, ou apenas parcial.
57
Existem, de modo geral, duas espécies de análise da anáfora associativa: uma ampla, outra
estreita. A grande questão, que tem gerado muita polêmica entre os partidários das duas
concepções, é saber que restrições lingüísticas (formais) estão implicadas na relação entre o
sintagma nominal fonte e o sintagma em anáfora associativa. Segundo Kleiber et alii (1991), as
duas concepções confluem, entretanto, para o reconhecimento de que o mecanismo que
viabiliza a anáfora associativa repousa sobre conhecimentos gerais, supostamente partilhados,
que põem em relação referências genéricas.
91
Marcuschi (1998) faz menção a uma sexta possibilidade de anáfora, em
que o referente se constrói não pelo mesmo tipo de inferência que os demais,
mas por um procedimento indutivo. É como se a expressão referecial fizesse
alusão a um referente não-recuperável no contexto, no entanto, delineável a
partir de um frame.
Para Cavalcante (2000), todavia, uma forma lingüística tem uso dêitico
quando o ponto de referência do falante no momento do ato de fala tem que
necessariamente ser considerado, não importa se dentro do campo dêitico da
situação comunicativa real, ou se no contexto. A autora argumenta, então, que
todo itico discursivo pode merecer tal designação se carregar consigo
algum traço que estabeleça vínculo com as coordenadas dêiticas da
enunciação. Do contrário, poderia perfeitamente ser enquadrado entre os
anafóricos, porque lhe restaria apenas a função da referencialidade, peculiar a
qualquer fenômeno de anáfora.
O item lingüístico assim, apesar de não portar os traços de
proximidade/distância em relação ao enunciador, orienta o foco de atenção dos
interlocutores, retomando conteúdos mencionados, o que lhe confere,
segundo Cavalcante (2000), algum grau de deiticidade
58
. Corroborando a idéia
da autora, acreditamos que o assim funciona no discurso como dêitico
discursivo, tal como veremos nos exemplos flagrados na amostra (cf. seção 4).
Os iticos discursivos têm como peculiaridade, ainda, o fato de
sistematicamente apontarem para algo não pontualmente identificável, ou seja,
são uma estratégia, sobretudo, voltada para atividades de compreensão,
orientando o foco de observação e atenção do leitor. Logo, mais do que referir,
eles são funcionalmente adequados para gerar focos de atenção, criando uma
perspectiva comum e preferencial de observação discursiva.
O que tem sido designado como dêixis discursiva, desde Fillmore (1971)
e Lyons (1977), sempre foi e continua sendo para alguns apenas uma das
modalidades de anáfora. Um trecho do estudo de Fávero e Koch (1983), com
58
Cavalcante (2000, p. 184) assevera que apesar de o item assim expressar circunstância de
modo, isto é, “de descrever de maneira neutra em relação ao espaço ou ao tempo dêitico,
permite, em parte, a dupla possibilidade de uso (anafórico/catafórico)”. A autora o considera
como uma expressão indicial contextualmente motivada, “dada a neutralização do referencial
de distância do falante”.
92
base em Halliday e Hasan (1973), ilustra como os dêiticos discursivos são
inseridos numa categoria ampla de anafóricos:
Por meio da anáfora estabelece-se uma relação coesiva de
referência que permite a interpretação de um item pela relação em
que se encontra com algo que o precede no texto, como, por
exemplo: [...]
(5) Pedro foi preso como estelionatário. ISTO não é de admirar.
(Fávero e Koch, 1983, p.39-40)
O elemento destacado, no exemplo das autoras, uma vez retomado,
não-pontualmente, a proposição anterior, seria tipicamente caracterizado como
dêitico discursivo.
Nessa perspectiva, nos dêiticos, em geral, conjugam-se duas funções. A
primeira, a de referir-se a uma entidade, é um traço comum aos anafóricos; é
ela que confere a dêiticos e anafóricos a característica da foricidade. Os
dêiticos de tempo e de lugar se referem à situação enunciativa real, ao passo
que os anafóricos e dêiticos discursivos retomam um elemento do contexto. A
segunda função, por outro lado, é exclusiva dos dêiticos: a de fazer a
continuação entre o enunciado e a realidade enunciativa. No caso dos dêiticos
discursivos, “o espaço e o tempo dêiticos (apoiados no referencial do falante)
são reinventados dentro dos limites do texto” (CAVALCANTE, 2000, p. 55),
como pode ser melhor visualizado abaixo:
a) primeira função: referência
DÊITICOS SITUAÇÃO REAL
DÊITICOS DISCURSIVOS CONTEXTO
ANAFÓRICOS
b) segunda função: continuidade entre enunciados e a realidade
discursiva
DÊITICOS SITUAÇÃO REAL
DÊITICOS DISCURSIVOS CONTEXTO
93
No entendimento de Cavalcante (2000, p. 53), quando elementos
“gramaticais e lexicais, dentre eles os pronomes circunstanciais e
demonstrativos, mudam do campo itico canônico para o ambiente textual,
tem-se a chamada dêixis discursiva”.
Deste modo, é preciso ressaltar que o espaço que referencia tal espécie
de iticos discursivos não é o lugar físico real onde se encontra o falante
durante o ato comunicativo, e sim, um local (embora também físico) dentro da
arrumação do texto.
Outro aspecto observado na descrição da maioria dos dêiticos
discursivos é a relatividade no processo de retomada: a informação referida
não costuma estar pontualizada, mas diluída no discurso precedente ou
conseqüente. Como diz Levinson (1983, p. 85): “a dêixis discursiva ou textual
concerne ao uso de expressões dentro de um enunciado para referir uma
porção do discurso contida neste enunciado (o que pode incluir até a ele
próprio)”.
Vista sob o plano da pessoalidade, conforme mencionado
anteriormente por Benveniste (1988), a separação entre as classes de dêiticos
e anafóricos até pareceria bastante nítida, todavia a fronteira não está bem
delimitada. Sob a dimensão referencial do signo, dêiticos e anafóricos
poderiam caber perfeitamente num único grupo semântico: aquele que
desempenha a função de designar uma entidade.
O que acentua, então, a semelhança entre anáforas e dêiticos
discursivos é a capacidade comum de retomarem elementos do contexto. O
conflito entre as duas noções tem origem, portanto, na perspectiva da função
referencial. É ela que autoriza pesquisadores, como Marcuschi (1995, p. 07), a
considerar que os dêiticos discursivos são como um subtipo de anafóricos.
Frisa o autor:
A dêixis discursiva é um tipo de anáfora muito especial que não
traz elementos novos nem recupera um elemento
correferencialmente e sim indicialmente. Mas esse elemento
recobrado não é identificável pontualmente, e sim como uma parte
do discurso. (grifos nossos).
94
Efetivamente, vista sob o prisma exclusivo da referencialidade, a dêixis
discursiva poderia perfeitamente ser concebida como um subtipo de anáfora,
de vez que os dois processos se descrevem por critérios idênticos, mudando
apenas a abrangência referencial. Então, por que designá-los como “dêiticos
discursivos?
Decisões assim, critica Lahud (1979), se admitiriam dentro de uma
visão lacunar dos dois fenômenos como meros indicadores de referencialidade.
Quando se considera, porém, a orientação intersubjetiva (pessoal) que define o
sentido primitivo de dêixis compreende-se que, para ter o direito de integrar o
grupo dos dêiticos (não importa de que espécie), uma expressão referencial
deve instaurar um elo com a situação comunicativa.
Benveniste (1988) advoga que os iticos são capazes de criar o
vínculo entre o enunciado e a situação enunciativa estabelecida pelas pessoas
do discurso. E isso os particulariza como indicadores de subjetividade.
Entretanto, como afirma Marcuschi (1997, p. 165), é extremamente difícil
definir/identificar com precisão e “sem equívocos (ou subjetivismos) todos os
casos de dêiticos discursivos. É o caso de operadores do tipo assim, logo,
portanto, contudo, mas etc, que além de indicarem uma relação clara entre
enunciados também designam os enunciados que relacionam”. De fato, a
dêixis discursiva é freqüentemente confundida com a noção de anáfora quando
envolve aspectos da referencialidade. Logo, devemos precisar, neste ponto da
revisão/reflexão, o conceito de referência aqui utilizado.
O termo referir veio do latim referre, que, por sua vez, se originou do
grego anapherein, com o significado de “trazer para trás”, “lembrar” ou “repetir”.
Com base nesse valor etimológico, sustentou-se a idéia de que a anáfora
acontece quando um pronome se refere a seu antecedente.
A lingüística moderna, todavia (ver, por exemplo, Lyons, 1977), tem
adotado tradicionalmente outra concepção: a de que um elemento anafórico
(entenda-se: fórico) se refere àquilo a que seu antecedente se refere. Levinson
(1983) também declara que um uso anafórico se quando algum elemento
escolhe como referente a mesma entidade selecionada por outro termo anterior
no discurso. Este conceito, porém, além de presumir que “a linguagem se
refere diretamente ao mundo, enclausura a anáfora nos lindes estreitos da
correferencialidade” CAVALCANTE (2000, p. 66).
95
O problema da descrição tradicional de referência reside nas relações
ontológicas que ela subentende. As entidades do mundo real são encaradas
como imutáveis, objetivas e estáveis, discretizadas antes mesmo de serem
referidas, o que leva a supor uma correspondência dada, preexistente, entre
palavras e elementos discretos do mundo.
É necessária, então, uma mudança de perspectiva do conceito de
referência fincado no ponto de vista clássico, filosoficamente realista. Este
trabalho assume, com Apothéloz; Reichler-Béguelin (1995), Mondada e Dubois
(1995), e ainda outros, uma noção representacional e construtivista da
referência. A referenciação se define como um processo lingüístico de
representação do mundo diretamente relacionado às práticas simbólicas
humanas, as quais, conforme Mondada e Dubois (1995, p.20), não são
atribuídas a um sujeito cognitivo abstrato, racional ou ideal, isolado perante os
elementos da realidade, mas a “uma construção de objetos cognitivos e
discursivos na intersubjetividade das negociações, das modificações, das
ratificações de concepções individuais e públicas do mundo”.
Por esta visão, os referentes não remetem diretamente aos segmentos
da realidade e não são, portanto, objetos do mundo, mas ‘construtos culturais’.
O que identifica o referente é, agora, a bagagem de conhecimento sobre o
assunto de que dispõem os interlocutores a cada momento da interação, são,
pois, objetos construídos no discurso. Assim sendo, pode-se dizer que os
referentes são fabricados pela prática social (cf. BLIKSTEIN, 1983 e KOCH,
2002).
Marcuschi e Koch (2006, p.382), também atentos às restrições impostas
pelas condições culturais, sociais, históricas e pelas condições de
processamento decorrentes do uso da língua, postulam uma reelaboração para
a referenciação:
a) a referência diz respeito sobretudo às operações efetuadas pelos
sujeitos à medida que o discurso se desenvolve;
b) o discurso constrói aquilo a que faz remissão, ao mesmo tempo
que é tributário dessa construção. Isto é, todo discurso constrói uma
representação que opera como uma memória compartilhada,
alimentada pelo próprio discurso [...];
96
c) eventuais modificações, quer físicas, quer de qualquer outro tipo,
sofridas mundanamente ou mesmo predicativamente por um
referente, não acarretam necessariamente no discurso uma
recategorização lexical, sendo o inverso também verdadeiro.
Intersubjetivo acima de tudo, o ato de designar está sempre na
dependência das estratégias persuasivas dos sujeitos que enunciam. A cada
momento do discurso, o falante tem, à sua disposição, um número considerável
de possibilidades lingüísticas com mais ou menos as mesmas condições
referenciais básicas. Logo, é necessário advertir do perigo em se restringir o
conceito de dêitico às formas pronominais, como se poderia ingenuamente
inferir da definição seguinte:
Dêitico é todo elemento lingüístico que, num enunciado, faz
referência: (1) à situação em que esse enunciado é produzido; (2) ao
momento do enunciado (tempo e aspecto do verbo); (3) ao falante
(modalização). Assim, os demonstrativos, os advérbios de lugar e
de tempo, em geral deles derivados, os pronomes pessoais, os
artigos (“o que está próximo” oposto a “o que está distante”) são
dêiticos, constituem os aspectos indiciais da linguagem (Dubois et
alii, 1993, p. 167- grifos nossos)
Cumpre esclarecer que o que Cavalcante (2000, p. 59) admite como
expressão dêitica inclui “os pronomes demonstrativos, pronomes
circunstanciais
59
e certas palavras em função adjetiva com o mesmo valor
demonstrativo, além de considerar também os sintagmas nominais que as
contêm, como “essa situação, aquele problema” etc.”.
Por outro lado, é bom atentar ainda, para o risco de se reconhecer um
termo como anafórico restritivamente por seu valor pronominal, como se
poderia, mais uma vez, deduzir equivocadamente do que se na definição de
anafórico, no mesmo dicionário supracitado:
Diz-se que um pronome pessoal ou demonstrativo é anafórico
quando ele se refere a um sintagma nominal anterior ou a um
sintagma nominal que se segue, como p.ex. o e aquele em Esse
59
Localizamos o item lingüístico assim nos pronomes circunstancias.
97
artigo, eu escrevi em dois dias e Aprecio AQUELE que fala
francamente. Esse emprego anafórico se opõe ao emprego dêitico
do demonstrativo, como nas frases: Prefiro esta gravata àquela, Ela
está surpresa (ela referindo-se a uma pessoa presente, mas não
denominada anteriormente). (Dubois et alli, 1993, p. 46 grifos
nossos).
Compartilhando da proposta de Cavalcante (2000, p. 59), o que temos
considerado como anafórico
60
se obtém a partir de vários expedientes
lingüísticos como a “mera repetição de um vocábulo, a co-significação, a
hiponímia/hiperonímia, a associação, a aspectualização etc. e também a
pronominalização”.
Ademais, o critério que define um anafórico não pode encerrar-se na
retomada de referentes no contexto anterior ou posterior, uma vez que também
os dêiticos discursivos funcionam dessa maneira. Nem tampouco se pode
definir um dêitico pela remissão a objetos extralingüísticos, sob pena de
eliminar da classe os dêiticos discursivos.
Nesse sentido, dois critérios são atribuídos à caracterização dos dêiticos
discursivos: a referência a porções difusas do discurso e a consideração
do posicionamento do falante na situação enunciativa. Atendendo a essas
duas restrições, que foram delineadas pelos estudos seminais de Fillmore
(1971) e Lyons (1977), e repetidas por trabalhos posteriores (cf. Apothéloz
(1995), Levinson (1983), Marcuschi, 1995 e outros), a expressão referencial
negritada no exemplo abaixo, constituiria, para Cavalcante (2001), uma
ocorrência dêitico-discursiva:
(11)
ISTO POSTO, e considerando tudo o mais que dos autos
consta, decide a Quarta Junta de Conciliação e Julgamento do
Recife, à unanimidade, julgar TOTALMENTE PROCEDENTE a
reclamatória, condenando-se a reclamada S.E.C.R. -, a pagar, à
demandante A. C.G.R. -, no prazo de 48 horas, após a liquidação
do julgado, todos os títulos deferidos na fundamentação supra, na
60
É tão vasto o corpo teórico a respeito das características das relações anafóricas que aqui
temos que omitir muitas das idéias ou interpretações, em benefício da clareza e simplicidade
de nossa exposição. Conforme Marcuschi; Koch (1998), nem sempre um anafórico é
pronominal, correferencial nem co-significativo; também nem sempre tem uma fonte explícita
no contexto.
98
forma e limites ali delineados, que passa a fazer parte integrante, do
presente dispositivo. (ibidem, p. 01)
A autora frisa que “fundamentação supra” recupera uma série de
informações dispersas em trechos anteriores ao enunciado transcrito acima. No
exemplo seguinte, entretanto, se verifica a retomada de um referente
pontualmente localizável, vejamos:
(12)
Mantém-se um núcleo comum e constante com estabilidade
referencial que é ‘a lista’, mas variam os elementos que compõem a
descrição à esquerda ou à direita desse núcleo. (ibidem, p. 02)
Cavalcante (2002) argumenta que o anafórico “desse núcleo” se
diferencia do dêitico discursivo destacado no excerto (11) não apenas porque
realiza uma referenciação pontualizada, senão também porque não deixa
subentendida a posição do falante no “tempo de formulação” (cf. “coding time”,
em Fillmore, 1971, como o “momento preciso” em que se dá o ato de fala).
A função ou procedimento dos dêiticos discursivos e dos anafóricos no
discurso é analisada por Ehlich (1982, p. 324-5) na perspectiva da Pragmática
Funcional. Nas palavras do autor, o falante “antecipa as capacidades de
compreensão do destinatário, o qual, por sua vez, reconstrói os significados,
num processo interacional sempre dinâmico”.
A noção de “foco” ou “focalização” é, pois, introduzida na proposta do
autor para designar a operação cognitiva que se baseia numa orientação prévia
comum aos interlocutores. A fim de conduzir o olhar do destinatário para um
determinado objeto de discurso, identificável quer no espaço dêitico real, quer
no espaço metaforizado do texto, o falante faz uso do “procedimento dêitico”,
que, conforme o autor, é realizado somente por dêiticos
61
.
Defendemos, aqui, corroborando o postulado por Ehlich, o fato de um
elemento indicial poder desempenhar tal função refocalizadora
independentemente de o referente em saliência ser difuso ou não. Por esse
61
Ehlich (1982) defende que o “procedimento anafórico” funciona no discurso de modo
completamente oposto. É dele que o falante se vale para não refocalizar uma entidade já
introduzida.
99
viés de análise, dêiticos discursivos, como os do fragmento, abaixo cumprem a
função primordial de gerar focos de atenção:
(13)
a saudade que está de eu voltar a trabalhar como
desenhista....na Light... é isso... porque:: foi um ambiente
superagradável... não teve nada daquela ambiçã/aquela coisa de....
puxar o tapete do outro pra conseguir galgar.. um certo cargo... não
tinha isso.. por ser estatal... não tinha essas ambições... então...
(Cavalcante, p. 06)
Os iticos discursivos negritados exercem um papel metacognitivo,
pois criam “uma perspectiva comum e preferencial de observação discursiva”
(MARCUSCHI, 1997, p. 158). Com o item assim, extraído do nosso acervo,
observamos também que ele funciona acionando o foco de atenção do
destinatário, vejamos o exemplo:
(14)
I: Ela num é casada no papel não, né? Que nem o povo diz. Ela
foi morar com o namorado dela, né? Que agora é o marido dela, né?
O povo diz que casado é no papel, assim
62
é ajuntado, num é?
Mas pra mim a pessoa morou junto com outro casado.
(M.L.S.,
p. 95, v. I)
O assim empreende o procedimento de trazer a atenção do leitor para o
resumo/conclusão do pensamento da informante. Nesse trecho, o item assim
acionado pelo enunciador indica ao interlocutor qual segmento, dentre os
segmentos difusos, deve ser focado (a colega ser ajuntada e o casada
oficialmente). Marcuschi (1997, p. 160) se posiciona em relação ao foco de
atenção:
[...] os iticos discursivos sugerem que os interlocutores constituem
o texto como um espaço mental do qual os dêiticos discursivos
seriam demarcadores mostrando limites de abrangência para a
observação, ou seja, uma espécie de elementos mapeadores dessa
figuração. E tal como um mapa orienta, monitora o indivíduo que o
62
O item lingüístico assim, nessa ocorrência discursiva, é analisado como dêitico discursivo
bidirecional. Conferir mais detalhes na seção de análise.
100
usa, assim também esses elementos textuais orientam e monitoram
o ouvinte ou leitor do texto.
Koch (1997, p.38), adotando a proposta de Ehlich sobre a ixis
discursiva, registra que, as expressões dêiticas permitem ao falante obter uma
“organização da atenção comum dos interlocutores com referência ao conteúdo
da mensagem. Para consegui-lo, o produtor do texto tem necessidade de
focalizar a atenção do parceiro sobre objetos, entidades e dimensões de que
se serve em sua atividade lingüística”. O uso dêitico se configura um recurso
de relevo em que o falante destaque a algo, provocando a concentração da
atenção de seu interlocutor.
Os procedimentos anafórico e itico, desta forma, desempenham
funções distintas no discurso, como propôs Ehlich (1982). No entanto, não
devemos incorrer no equívoco de condicioná-los ao uso de formas iticas e
anafóricas, respectivamente
63
.
Alguns mitos da separação de dêixis e anáfora se destroem, com efeito,
quando se deixa de reduzir os anafóricos ao pronome ele (ou zero) e às
expressões definidas; bem como quando se deixa de pensar os dêiticos como
elementos de remissão exclusivamente extralingüística. Cavalcante (2000)
assevera que um dêitico discursivo, salvo nas repetições literais, nunca é co-
significativo. Isto é, seu significado não é equivalente ao de sua fonte. Por
raciocínio semelhante, a autora afirma que nenhum dêitico discursivo se
classifica como correferencial, porque não um objeto discursivo
individualizado com que ele possa identificar-se
64
.
Vale notar, por fim, que os dêiticos discursivos tanto podem ser
retrospectivos quanto prospectivos, como no exemplo a seguir:
(15)
se eu vou verificar por exemplo cem milímetro/no caso da bacia
sanitária....e cinqüenta milímetro/ no caso da saída... (...) a gente vai
63
De acordo com Cavalcante (2000), não se deve supor que compete exclusivamente aos
dêiticos monitorar a atenção dos interlocutores na comunicação, pois existem anafóricos
compostos de sintagmas nominais contendo dêiticos que operam de modo análogo.
64
Essas duas características representam valiosos critérios distintivos, que anafóricos
correferenciais e anafóricos co-significativos despontam no discurso, com relativa freqüência.
Todavia, sozinhos, esses dois traços ainda não dão conta da separação, pois muitos
anafóricos, à semelhança dos dêiticos discursivos, nem são correferenciais, nem são co-
significativos (cf. CAVALCANTE, 2002).
101
ver o seguinte que...a tubulação que sai exclusivamente de um
aparelho sanitário... é chamado de... de ramal de descarga...
(Cavalcante, 2002, p. 19)
Os dêiticos discursivos catafóricos se manifestam, muitas vezes, como
“formulações estereotípicas, como o X seguinte, o X abaixo, o X a seguir etc.,
ou como pronomes demonstrativos de primeira pessoa: este (a,s), isto. Logo,
a relevância das formas catafóricas dêitico-discursivas consiste em seu alto
poder preditivo e ordenador, uma função extremamente rara nas anáforas.
O quadro seguinte, de maneira geral, sintetiza os traços distintivos
fundamentais a então propostos para a descrição da dêixis discursiva em
contraste com a anáfora:
Quadro 4: síntese dos traços distintivos entre Dêiticos Discursivos e Anáforas
DÊITICOS DISCUSIVOS ANÁFORAS
Referência a conteúdos dispersos do
discurso
Referência a entidades pontuais do
discurso
Pressuposição do posicionamento do
falante ou do destinatário na situação
real de comunicação
Não vínculo com a situação
enunciativa
Função ordenadora de segmentos
discursivos
Podem (ou não) organizar o discurso
Função de conectar seqüências
textuais, orientando os focos de
atenção dos interlocutores
Podem (ou não) monitorar atenção
dos interlocutores
Resumem conteúdos proposicionais Não resumem conteúdos (há
recategorização lexical)
Função de elos coesivos, pois podem
ser retrospectivos e/ou prospectivos
Podem ocorrer (ou não) catáforas
entre os anafóricos
65
Não são co-significativos, nem
correferenciais
Podem ser (ou não) co-significativos e
correferenciais
65
Conferir maiores detalhes em Cavalcante (2000).
102
Ao elencar as características dos dêiticos discursivos e dos anafóricos,
no quadro acima, podemos ter uma idéia da fragilidade da fronteira que os
divide. É possível concluir, então, corroborando as idéias da autora, que os
dois primeiros critérios (referência a conteúdos dispersos do discurso e a
pressuposição do posicionamento do falante ou do destinatário na situação real
de comunicação) caracterizam, com maior precisão, os dêiticos discursivos em
relação aos anafóricos. Todavia, alguns autores ainda persistem na
equivalência dos dois fenômenos, contribuindo, assim, para a imprecisão dos
critérios distintivos.
Após a revisão das teorias lingüísticas aqui esboçadas, esclarecemos
que elas foram apresentadas não para que pudéssemos observar como um
fenômeno lingüístico pode ser diferentemente interpretado, mas também, e,
principalmente, para que tivéssemos a liberdade de delimitar as fronteiras do
nosso objeto de estudo. Trabalhar com a lingüística funcional aliada à textual
só adquire sentido, uma vez que ambas apresentam, como vimos, pontos
convergentes, sendo mais representativo o fato de o foco de análise ser
sempre o produto autêntico da interação, ou seja, os discursos considerados
em relação ao contexto lingüístico, social e cultural no qual são negociados.
É, portanto, interesse maior das duas abordagens: o modo como as
pessoas usam a linguagem umas com as outras em suas atividades diárias; o
fato desse uso ser sempre funcional (a língua não é dissociada do seu uso); o
fato de que essas funções o para fazer sentido e que esses sentidos são
motivados pelo contexto do qual tomam parte. Contemplamos, pois esses dois
enfoques essenciais para o estudo do item assim, uma vez que eles têm se
consolidado como importantes suportes para estudos que visem ao
conhecimento da língua em uso.
Nessa perspectiva, a análise dos nossos dados nos permitiu distinguir
dois grandes empregos do item assim: a) no plano gramatical, denominá-lo de
dêitico discursivo
66
, como aquele elemento que faz referência e conecta
enunciados; e b) no plano da interação dialógica, com função mais pragmática,
portanto, chamá-lo de marcador discursivo.
66
Embora sabendo que a dêixis não é uma categoria gramatical, buscamos indícios que
comprovem sua influência na multifuncionalidade e categorização do item lingüístico assim,
conforme análise desenvolvida na seção 4.
103
Na próxima seção, serão expostas algumas considerações acerca do
assim no contexto da tradição greco-latina, como também no tratamento dado
a esse item por gramáticos e lingüistas. Veremos, então, modos distintos de
lidar com a questão do advérbio e do assim especificamente.
104
3 ASSIM: a literatura revisitada
- Mas o que é Advérbio? – indagou Emília.
- Advérbio é uma palavra que nos modifica a nós,
Verbos; e que modifica aos Adjetivos; e que, às vezes,
também modifica os próprios advérbios.
- Que danadinhos, hein? exclamou Emília. Mas de
que jeito modificam?
- De muitos jeitos. Modificam de Lugar, tirando daqui e
pondo ali. Modificam de Tempo, fazendo que seja agora
ou depois. Modificam de Modo, ou fazendo que seja
desse jeito ou daquele, ou que seja assim ou assado.
[...]
(Lobato, 1999, p. 30)
3.1 Remexendo nas areias do tempo: o advérbio assim no contexto
da tradição greco-latina
Antes que sejam tecidas considerações sobre a multifuncionalidade do
assim na história do português, acreditamos ser importante localizar a
categoria do advérbio no conjunto das demais classes de palavras e,
sobretudo, verificar não a concepção de diversos autores a respeito dessa
classe, através dos tempos a exemplo da maneira simpática apontada por
Lobato
na epígrafe acima,
mas também, a função por eles atribuída a esse
item. Desse modo, faremos, inicialmente, uma breve retrospectiva sobre as
categorias gramaticais no contexto da tradição clássica greco-latina.
Na Grécia antiga, as reflexões sobre a língua eram encontradas na obra
de cada pensador. Em O Crátilo - aproximadamente 388 a. C., obra mais
diretamente ligada aos problemas da linguagem, Platão identificou como partes
constituintes do discurso o ónoma (nome) e o rhêma (verbo). Os nomes eram
as palavras que podiam funcionar como sujeito numa oração e os verbos
67
as
67
A classe dos verbos era constituída de verbos e adjetivos, o que, a nosso ver, justifica se ter
tomado, mais tarde, o advérbio como modificador também do adjetivo.
105
que serviam para denotar a ação ou a qualidade expressa pelo predicado. Para
esse filósofo, os nomes serviam para distinguir e designar as essências.
Aristóteles, um dos mais notáveis pensadores da humanidade,
procurando evidenciar uma correspondência entre a estrutura do universo e a
estrutura da linguagem, acrescentou, às duas classes de palavras propostas
por Platão, uma terceira categoria, a das conjunções.
De acordo com Aristóteles, o universo era constituído de substâncias,
que, sujeitas à acidentes, traduziam modos de predicação e de ser. Esses
acidentes, por sua vez podiam ocorrer envolvidos por determinadas
circunstâncias. A partir dessa visão, esse filósofo, conforme Gomes (1988),
definiu as categorias gramaticais do discurso em termos categoremáticos e
termos sincategoremáticos.
No primeiro se incluem os substantivos, representantes, na linguagem,
das substâncias do universo; os adjetivos e os verbos, correspondentes, na
estrutura da linguagem, aos acidentes que envolvem as substâncias; e os
advérbios, elementos responsáveis pela delimitação espaço-temporal em que
ocorrem os acidentes. Nos segundos, ou seja, nos sincategoremáticos,
enquadram-se as preposições e conjunções. Essa hierarquia funcional implícita
na classificação aristotélica se faz sentir também na proposta de classificação
de palavras defendidas por Câmara Jr. (1976), como veremos mais adiante.
A época de Aristóteles marca o fim de uma era da história da Grécia.
Entre as escolas filosóficas que surgiram depois dele, em Atenas, a mais
importante para a história dos estudos lingüísticos foi a dos estóicos, fundada
por Zenão, mais ou menos em 300 a. C. Nas palavras de Barreto (1999), com
os estóicos, as questões lingüísticas passaram a ser tratadas em obras
específicas, das quais se tem notícia, através de escritores de períodos
subseqüentes. Como filósofos, os estóicos admitiam que a linguagem servia à
expressão do pensamento e dos sentimentos, e rejeitavam a idéia de ser cada
palavra detentora de um único sentido, admitindo estar o sentido dependente
do contexto em que a palavra se encontrava inserida.
Neves (1987), ao traçar o percurso desenvolvido por filósofos e
gramáticos sobre as partes do discurso, argumenta que foram os estóicos que
estabeleceram a classe dos advérbios, dando a estes o nome de mesótes,
que quer dizer intermédio. No entendimento de Elia (1980, p. 222), essa
106
designação
68
deveu-se ao fato de que o advérbio ocupava uma posição
intermediária entre os nomes, estrutura formal com autonomia semântica, e as
partículas, sendo como estas invariáveis. Mais tarde, de acordo com o autor, os
estóicos teriam sugerido para esta categoria o nome de pandékes, que significa
“que abrange tudo”. A partir daí, o advérbio teria passado a ser visto sob a
denominação de epírrema, termo grego que quer dizer “acrescentado ao
verbo”, e, mais tarde na gramática latina, a dverbium.
Dionísio, o Trácio, ampliando o sistema dos estóicos, propôs um outro
em que as palavras eram distribuídas em oito classes, sendo o advérbio
considerado como um termo sempre associado ao verbo. Esse autor apud
Neves (1987) postulava que o advérbio era uma palavra indeclinável e que
predicava de maneira geral e particular os modos dos verbos, sem os quais
não pode completar o pensamento, relação semelhante à que ocorre entre o
adjetivo e o substantivo. Essa relação pode ser observada na Gramática de
João de Barros (1540, p. 345) quando encontramos a afirmação de que o
advérbio “acreçenta, deminuie e totalmente destruie a óbra do vérbo a que se
ajunta, e ele é o que aos vérbos cantidáde ou calidáde açidental, como o
ajetivo ao sustantivo.” O autor não apresenta os advérbios de modo em sua
classificação, estando o vocábulo assim categorizado como advérbio de
comparação “assi, assi como, bem como”.
O primeiro gramático latino de que se tem notícia é Varrão, autor da
obra De língua latina (séc. I a. C.). As idéias desse autor, sobre a classificação
das palavras, tiveram como base os gramáticos gregos. O número de classes
continuou sendo oito. Houve, porém uma substituição. Como no latim não
havia a classe dos artigos, em lugar dessa, Varrão propôs a classe das
interjeições, tratadas por Dionísio como uma subclasse dos advérbios.
Duas outras gramáticas latinas, as de Donato e Prisciano (sécs. IV e VI
d. C.) são consideradas representativas, embora não contenham quase
nenhuma originalidade, limitando-se a aplicar, ao latim, categorias e
nomenclaturas gregas.
68
A discussão em torno da identidade dessa categoria, isto é, de sua classificação como
lexema ou como gramema, reflete-se ainda hoje em algumas modernas propostas de
classificação de palavras.
107
Nos séculos XII e XIII floresceu a filosofia escolástica, resultado da
integração da filosofia aristotélica ao pensamento cristão. As gramáticas
escritas nesse período diferiam das anteriores por serem gerais, escritas para
fins teóricos; compartilhavam com os estudos estóicos a idéia de ser a língua
um instrumento de análise da realidade. Enquanto a Varrão interessavam os
problemas de regularidade ou irregularidade morfológica, aos gramáticos
medievais, também chamados modistas, interessavam à questão do
conhecimento das funções sintáticas (RIBEIRO, 2003).
Além do grego e do latim, com o Renascimento
69
cresce a preocupação
com outras línguas. A teoria estabelecida a partir do latim sofre, então,
modificações para adaptar-se a elas. De acordo com Elia (1980), nesse
período, três grandes gramáticos, que buscavam estabelecer bases filosóficas
para o estudo da linguagem, se destacaram: Júlio César Escalígero (De causis
linguae latinae, 1540), Petrus Ramus (Grammatica, 1559) e Francisco Sanches
Brocense (Minerva, 1587).
Brocense apud Elia (1980), embora tenha defendido que o termo
adverbium significava ad verbum, ou seja, junto ao verbo, ampliou também a
função dessa categoria, considerando-o como modificador de outras partes da
oração, inclusive do substantivo, como se pode ver nos exemplos por ele
citado: bene doctus (muito douto), semper lenitas (sempre suavidade). Elia
(Ibidem, p. 231), todavia, considerando incoerente tal posição, afirma que “se
por causa de certas frases podemos dizer que os advérbios qualificam
também nomes, então que distinção haveria entre adjetivos e advérbios”?
Corroborando a visão de Brocense, Silveira (1972, p. 220) assevera que
os advérbios modificam geralmente um verbo, um adjetivo ou outro advérbio.
Não obstante, alguns podem modificar substantivo ou pronome; é o caso,
conforme o autor, do advérbio assim que age diretamente sobre o pronome.
Vejamos o fragmento:
69
Com o Renascimento, pela primeira vez, há uma tentativa de se esboçar análises descritivas
de tendência formalista, tentando fugir ao princípio clássico e medieval da linguagem como
espelho do pensamento.
108
(16)
Nota que eu não lhe disse tudo, nem o melhor; não lhe referi o
capítulo do penteado, por exemplo, nem outros assim
70
.
Sob a influência da Grammaire Générale et Raisonnée de Port-Royal,
que reflete o racionalismo na concepção de linguagem, surge a Grammatica
Philosophica da Língua Portuguesa do Pe. Jerônimo Soares Barbosa. Para
este gramático, advérbio não é coisa mais do que uma redução, ou expressão
abreviada da preposição com seu complemento em uma palavra
indeclinável. Essa compreensão levou o gramático a pensar o advérbio como
não constituindo uma espécie diferente entre as partes do discurso.
Para Barbosa apud Elia (1980, p. 237), “todos os advérbios de
qualidade, formados dos adjetivos e terminados em –mente, não eram na baixa
latinidade senão uns ablativos regidos da preposição cum, como justamente,
claramente”. Ponto de vista do qual discorda Elia, segundo o qual, na baixa
latinidade ou se usaria a expressão cum iustitia, ou iustitia mente e não cum
institia mente, se não hoje teríamos, em vez de justamente, cum justamente.
Outro equívoco cometido por Barbosa teria sido o fato de ter
considerado o advérbio como modificador de qualquer palavra suscetível de
modificação. Daí teria resultado, no entendimento de Elia (1980, p. 239), a
interpretação errônea do termo verbum como palavra em geral. Advoga esse
autor que a palavra adverbium é translineação do grego epírrema e, portanto,
significa modificador do verbo e não enquanto qualquer palavra suscetível de
determinação.”
Considerando que os advérbios surgem do desejo dos homens de
abreviar, reduzir o seu discurso, Arnauld e Lancelot apud Elia (1980, p. 234) se
manifestam em relação ao assunto:
[...] desejo que os homens têm de abreviar o discurso é que deu
lugar aos advérbios, porque a maior parte dessas partículas
procuram concentrar apenas em uma palavra o que só se poderia
expressar através de uma preposição e um nome: como sabiamente
em lugar de com sabedoria; hoje em lugar de; neste dia. Mas
70
Na nossa análise, o assim, em contextos como esse, é denominado de dêitico discursivo
resumitivo uma vez que funciona sintetizando a informação anterior de uma maneira geral,
não fazendo referência ao pronome ‘outro’ especificamente.
109
porque essas partículas se referem ordinariamente ao verbo para
modificá-lo e determinar a ação é o que faz que tenham sido
chamadas de advérbios.
No culo XVI, surge um grande número de gramáticas baseadas nas
gramáticas greco-romanas. São dessa época, segundo Elia, as primeiras
gramáticas portuguesas de Fernão de Oliveira (2000/1536) e de João de
Barros (1540). Este último postulava nove classes de palavras, apresentando
uma hierarquia entre elas: as duas classes principais sendo o Nome (Pronome)
e o Verbo (Advérbio) e em segundo nível encontravam-se o artigo, particípio,
conjunção, preposição e interjeição.
Said Ali (1964), na Gramática histórica da língua portuguesa, caracteriza
o advérbio como um vocábulo determinativo do verbo, do adjetivo ou de outro
advérbio. O autor não tece nenhum comentário sobre o advérbio de modo
assim, limitando-se a dividir a categoria adverbial segundo a sua significação
em tempo, modo, lugar, negação, afirmação, dúvida, quantidade e ordem.
De modo semelhante, encontramos em Napoleão M. de Almeida (1985
p. 142) a definição de advérbio, ou seja, “toda palavra que se coloca junto de
um verbo para modificar a ação que o verbo exprime; pode-se também
empregar o advérbio para modificar um adjetivo ou, ainda, para modificar outro
advérbio”.
Para Câmara Jr. (1976) o advérbio, termo que os gramáticos gregos
chamavam epirrhéma (acrescentado ao verbo), traduzido pelos latinos como
adverbium, apresenta três tipos básicos: a) dois de natureza pronominal, cuja
função era situar o fato no espaço e no tempo, de acordo com a posição
espacial e temporal do falante (são os advérbios locativos e temporais
respectivamente); b) um de natureza nominal
71
, cuja função era assinalar
71
Hjelmslev foi o primeiro a afirmar que o advérbio pertence à categoria do nome. De acordo
com o autor apud Barreto (1999, p. 159), os advérbios carecem de formalização categorial
própria, pois do ponto de vista categorial, pertencem à classe dos substantivos dos quais se
distinguem apenas pela função sintática. “Os advérbios são substantivos com significação
relacional indireta e com função adverbial específica; o que caracteriza o advérbio como classe
de palavras é mais o significado sintático que o categorial.” Bomfim (1988, p. 20), frisa, então,
que as naturezas nominal e pronominal são características do advérbio que nossas gramáticas
de muito vêm apontando. A principal contribuição dada por Câmara Jr. “consiste na
organização dos fatos, subordinando-os a critérios rigorosamente selecionados”.
110
“modos de ser” do evento e podem se chamar, em sentido genérico, advérbios
de modo.
Urge mencionar que o autor (1976, p. 123) afirmava que os
advérbios, no português, apresentavam uma grande mobilidade semântica e
funcional, que é inerente a essas palavras, afirmando que “alguns advérbios
fixaram-se, no estado atual da língua, como conjunções coordenativas; outros
têm uma distribuição nítida como tais e como advérbios; outro, enfim, ficam a
cavaleiro das duas funções.” Ressalva, entretanto, o autor que essa mobilidade
obedece a certas diretrizes que devem ser pesquisadas e classificadas
meticulosamente.
Seguindo uma hierarquia funcional para a classificação das palavras,
assim como fez Aristóteles, Câmara Jr. (1995, p. 79) dedica um capítulo de sua
obra à classificação dos vocábulos formais. Utilizando um critério
morfossemântico, inclui os advérbios na classe dos nomes e na classe dos
pronomes; a partir do critério funcional, classifica-os como termos
determinantes de um verbo.
Voltando nossa atenção para os advérbios de modo, especificamente o
item assim, retomaremos alguns aspectos de sua origem. Observamos que,
nas fontes da forma primeira nos usos de assim, sua origem é itica,
equivalendo a “desse modo”, “dessa maneira”, “desse jeito”. Conforme salienta
Coutinho (1974, p. 263), os advérbios portugueses derivaram-se do latim. Essa
língua costumava, freqüentemente, formar locuções com valor adverbial, como:
ab + ante > avante; ad + sic > assi (arcaico) assim. Nesse sentido, o autor
afirma que o vocábulo assim provém de ad sic, que significa “ver sim”.
Ernout e Meillet apud (Martelotta, 1994), lembram que sic(e) apresenta o
elemento ce, que é uma partícula comum nas línguas itálicas, e que se liga
normalmente a pronomes demonstrativos como hic(e) (este) e illic(e) (aquele)
ou a advérbios tirados de temas demonstrativos, como tunc(e) (então) e
nunc(e) (agora). O valor dêitico do vocábulo mantém-se no português atual,
fazendo, normalmente, alusão a gestos ou, de um modo geral, a dados do
mundo real que está próximo ao falante.
Em Mattos e Silva (2001, p. 107) encontramos registros de assi (< ad
sic) com acepções de “nesta maneira”, “mesma maneira”, nos Diálogos de São
Gregório:
111
(17)
E assi o santo homen defendeu os seus discípulos
.
(18)
E assi non acharon nenguu que podessen fazer bispo, nen er
ficou gente nenhua na cidade de que fosse bispo.
Logo, constatamos que a locução ad sic migrou do discurso latino para o
português, sob a forma assim, assumindo valor semântico de assim mesmo,
nesse sentido, dessa forma”, sendo os sentidos mais conhecidos na literatura
lingüística até então.
Apesar de toda a complexidade que envolve a descrição dessa
categoria, podemos concluir que o conceito de advérbio, legado pela tradição
greco-latina, nos orienta para uma compreensão desse vocábulo como uma
categoria funcional que modifica, essencialmente, o sentido expresso pelo
verbo.
3.2 No contexto das gramáticas tradicionais: descrevendo o assim
O que dizem as gramáticas normativas sobre o advérbio? De maneira
bem geral, os compêndios gramaticais apresentam comentários extremamente
sucintos a respeito desse tema, mesmo porque seguem a Nomenclatura
Gramatical Brasileira NGB (Portaria n.36 do Ministério da Educação e Cultura,
de 28/01/1959),
72
que definem os advérbios como palavras invariáveis que
modificam o verbo, o adjetivo, o próprio advérbio ou todo um enunciado,
acrescentando-lhe uma circunstância.
O que observamos, nas gramáticas tradicionais é que os advérbios são
considerados instrumentos gramaticais sem maior relevância. Temos até a
impressão que essa categoria recebe um tratamento uniforme: de um ponto de
vista morfológico, palavra invariável; de um ponto de vista semântico, ele é
caracterizado por expressar circunstância/ou modificação e, de um ponto de
72
Conforme Ferreira (1999), essa portaria não obriga a adotar a NGB, mas “recomenda” sua
adoção no ensino programático de língua portuguesa e nas atividades de verificação da
aprendizagem. Assim, é interessante consultar também, como descrito na subseção anterior,
as gramáticas antigas (pré-NGB), com relação ao advérbio.
112
vista formal, por modificar um verbo, um adjetivo, outro advérbio ou todo o
enunciado
73
.
Nessa persepctiva, o advérbio, que os gramáticos gregos chamavam
epirrhéma (acrescentado ao verbo), traduzido pelos latinos como adverbium
(Câmara Jr., 1976, p. 115), é, numa revisita à tradição gramatical (GT), definido
nos moldes em que reproduzimos no quadro abaixo:
Quadro 5: o advérbio na visão da gramática tradicional
AUTOR DEFINIÇÃO
Cunha (1970)
“palavras que se juntam a verbos,
para exprimir circunstâncias em que
se desenvolve o processo verbal, e a
adjetivos, para intensificar uma
qualidade.” (p. 499)
Melo (1978)
“palavra que circunstancia ou
intensifica a significação de um
verbo, de um adjetivo, de outro
advérbio, e, em certos casos, de um
pronome ou de um nome.” (p. 104)
Terra (1992)
“palavra invariável que modifica o
verbo, adjetivo ou ainda outro
advérbio, exprimindo determinada
circunstância.” (p. 172)
Lima (1996)
“palavras modificadoras de verbo.
Servem para expressar as várias
circunstâncias que cercam a
significação verbal. Podem também
prender-se a adjetivos ou a outros
advérbios.” (p. 174)
Bechara (1999)
“expressão modificadora que por si
só denota uma circunstância (lugar,
modo...)” (p. 288)
As definições encontradas nos cânones dos manuais escolares se
apóiam em dados de realizações lingüísticas pautados numa linguagem
exclusivamente escrita, anacrônica e normativista. Isto é, apresentam uma
preocupação evidente em estabelecer padrões de comportamento lingüístico.
Ignoram, desta forma, o aspecto pragmático-discursivo, quando desprezam o
73
Pelos critérios apresentados, entendemos que as gramáticas pecam ao enquadrar,
atualmente entre os advérbios, uma quantidade enorme de palavras. Seria mais conveniente
dizer que, apenas em algumas ocorrências particulares e em alguns ambientes sintáticos,
alguns advérbios atendem aos critérios acima.
113
ambiente onde o femeno se realiza, como também os demais elementos que
contribuem para a determinação do significado lingüístico.
O que podemos assegurar, de antemão, é que há, de fato, uma
definição consensual/pacífica, entre os estudiosos, para os advérbios. Urge
mencionar, ainda, na maioria das gramáticas consultadas, que o critério formal
parece ter assinado contrato de exclusividade. Embora reconhecendo que não
é intenção da gramática tradicional descrever e explicar questões lingüísticas,
percebemos que alguns autores, a exemplos de Macambira (1974) e Bechara
(1999), avançam nesse tema.
E sobre o item lingüístico assim? O que registram esses compêndios?
No tocante à apresentação dos advérbios de modo, não o verificadas
divergências significativas. O item assim não foge à regra e tem sido
classificado, através de uma perspectiva exclusivamente semântica, como um
advérbio de modo, recebendo a denominação da circunstância por ele
expressa, equivalente a “desta maneira”, “desta forma”, “deste modo”. Mesmo
se lançarmos um olhar longitudinal que atinja a diacronia da tradição gramatical
brasileira, não teremos nenhuma dificuldade em perceber que o assim é
classificado categoricamente como advérbio.
Macambira (1974, p. 44), com o advento da NGB, proprõe que a
definição tradicional de advérbio, “palavra invariável que modifica o verbo, o
adjetivo e o próprio advérbio”, seja ampliada para “palavra invariável que
modifica o verbo, o adjetivo, o pronome, o numeral e o próprio advérbio”.
Advoga o autor que, o advérbio, embora excepcionalmente, pode modificar
também o próprio substantivo, como afirmou Silveira (1972, p. 220),
utilizando, por exemplo, o item assim:
(19)
Homens assim mudarão a face da terra
.
É interessante registrar que Macambira não esgota a discussão em
torno do advérbio, asseverando: “parece que a questão está encerrada com
tantas classes atingidas pelos tentáculos adverbiais; entretanto, não é verdade,
porque o advérbio pode modificar toda a oração.” Sendo assim, admite que o
advérbio modifique qualquer classe de palavras, excetuando-se o artigo e a
interjeição.
114
Esse autor (1974, pp. 42-3) classifica o advérbio sob três aspectos:
mórfico “pertence à classe do advérbio toda palavra que termina por meio do
sufixo –mente”; sintático: “pertence à classe do advérbio toda palavra invariável
que se articula com os advérbios tão, quão ou bem”; semântico: “pertence à
classe do advérbio toda palavra que exprime qualidade ou circunstância”.
Entretanto, na visão do autor, exprimir circunstância e qualidade não m muita
valia, uma vez que também competem ao substantivo e adjetivo tal
característica.
Macambira (1974, pp. 86-7) também classifica o advérbio em nominal e
pronominal. O advérbio nominal sendo aquele que se desdobra em
substantivo sem pronome. E o pronominal formado por um substantivo
juntamente com um pronome (demonstrativo, indefinido, interrogativo, relativo).
O advérbio pronominal, segundo o autor (Ibidem), é aquele que responde às
perguntas onde? quando? quanto?. A resposta à pergunta como? apresenta
um problema, uma vez que comporta indistintamente o advérbio nominal e o
pronominal, conforme o fragmento a seguir:
(20) __
Como passaram nos exames?
__Eu passei assim; meu irmão passou bem; meu colega
passou mal.
No entendimento de Macambira, os vocábulos bem e mal são advérbios
nominais, ao passo que assim é advérbio pronominal, tendo como base o
pronome relativo, ou seja, o modo pelo qual passou no exame.
Bechara (1999), demonstrando também não acatar pacificamente a
definição de advérbio, frisa que, devido a sua origem e significação, o advérbio
se prende a nomes ou pronomes, havendo, por isso, advérbios nominais e
pronominais. Entre os nominais se acham aqueles formados de adjetivos
acrescidos do sufixo –mente. Entre os pronominais, temos: demonstrativos,
relativos, indefinidos e interrogativos.
O autor
74
(1999, p. 288) vai um pouco mais além, arriscando a um
segundo comentário a respeito de uma possibilidade de categorização que leve
74
Bechara (1999) chama a atenção para o fato da grande variedade semântica, característica
da classe dos advérbios, dificultar uma classificação mais precisa.
115
em conta o efetivo emprego do advérbio. Argumenta, pertinentemente, que
certos advérbios, como o assim, “funcionam como predicativo à maneira dos
adjetivos” em (21), ou são empregados como modificadores de substantivo,
confira o excerto (22):
(21)
A vida é assim.
(22)
Pessoas assim não merecem nossa atenção.
No exemplo (22) o assim refere-se claramente ao substantivo ‘pessoas’
que o antecede e expressa circunstância de modo, diferentemente do trecho
(21), onde o substantivo ‘vida’ a que o assim se refere, desempenha função de
predicativo, evidenciando, com efeito, a necessidade de se repensar o conceito
tradicional de advérbio, pois não existe a correspondência, nesses contextos,
entre a conceituação dessa categoria e o comportamento lingüístico dos seus
componentes.
Cunha (1970, p. 368), por sua vez, apesar de comentar que sob a
denominação de advérbios reúnem-se, tradicionalmente, palavras de natureza
nominal e pronominal de emprego muito diverso, corrobora a definição
clássica, conceituando advérbio como sendo “palavras que se juntam aos
verbos, para exprimir circunstâncias em que se desenvolve o processo verbal,
e a adjetivos para intensificar uma qualidade”. O autor apresenta o item assim,
de acordo com a classificação da NGB, como advérbio de modo.
Partilhando da mesma opinião de Cunha, Rocha Lima (1996) conceitua
a categoria do advérbio como sendo aquela que apenas modifica o verbo e
serve para expressar as várias circunstâncias que cercam a significação verbal.
O vocábulo assim, não fugindo à regra, encontra-se enquadrado, pelo critério
semântico, na classe dos advérbios de modo.
Nicola (2004, p. 401), em edição mais recente de sua gramática
(Gramática da palavra, da frase, do texto), apresenta enfoque diferenciado do
adotado nas edições anteriores que se fundamenta na NGB, seguindo a
tradição. Percorrendo a linha das novas teorias lingüísticas, ele introduz
algumas “inovações”, no estudo dos advérbios, quando menciona o caráter
dêitico dessa categoria: “ao utilizar os advérbios na montagem de uma frase,
podemos dar coordenadas sobre a localização no espaço e no tempo do
116
enunciado, tendo como referência elementos do próprio texto ou elemento
extratextuais, isto é, de fora do texto”.
Cumpre ressaltar, ainda, o acréscimo que Nicola (Ibidem, p. 404) faz
com relação ao poder argumental de certos advérbios, representando uma
‘novidade’ na gramática tradicional, como se no exemplo do autor com o
advérbio então:
(23)
Se a leitura é prazer, diria então que sou um ser que se
lambuza no prazer.
Nesse enunciado, o então estaria exercendo a função de operador
argumentativo; no caso específico, equivalendo a portanto, ou seja,
explicitando uma relação de conseqüência entre a primeira parte do enunciado,
“se a leitura é prazer”, e a segunda, “diria que sou um ser que se lambuza no
prazer”.
Dubois et al. (1993) postulam, no seu dicionário de lingüística, que os
advérbios, assim como o faz a gramática tradicional, distribuem-se, segundo o
seu sentido, em várias classes: de modo, de quantidade e intensidade, de
tempo, de lugar, de afirmação, de negação. Apesar de não apresentar detalhes
ou exemplos, o autor amplia seu estudo quando argumenta que na categoria
do advérbio também se agrupam palavras invariáveis que podem ser “1)
advérbios propriamente ditos, equivalentes a sintagmas preposicionais
adjuntos adverbiais, 2) palavras-frases e 3) modalizadores”.
Interessa-nos anotar que, entre as acepções apresentadas para o termo
por um dos principais dicionários do léxico geral do português brasileiro, o
Aurélio século XXI, é possível verificar a variedade de significações do verbete
assim, permitidas pelos discursos em situações tanto formais quanto
coloquiais, observemos os exemplos:
1.deste, desse ou daquele modo: Não proceda assim com seu
amigo....; 2. Do mesmo modo, igualmente: Foram premiados Manuel,
Frederico, Roberto e, assim os demais alunos...; 3. indica tamanho,
quantidade, etc, exprimindo-se na fala o tamanho com um gesto
característico da mão espalmada em plano horizontal, e a
quantidade com os dedos apinhados: É uma criancinha assim
; A
casa estava assim de gente... ; Conj. 4. Deste modo, destarte,
117
portanto, assim sendo: Curta é a vida, assim saibamos vivê-la;
Assim, assim. Bras. mais ou menos, nem bem nem mal,
sofrivelmente, assim: __Como tem passado?__ Assim, assim.
Ferreira (1999, p. 214)
O valor dêitico - valor primeiro do assim - que aparece nos exemplos do
item três, a julgar pela atualidade do referido dicionário e exemplos da nossa
amostra, evidenciam que essa função é ainda usual na presente sincronia.
Concluída essa subseção, enfoco nas próximas páginas o tratamento
dado ao advérbio e ao item lingüístico assim à luz dos trabalhos de
orientações lingüísticas.
3.3 Trabalhos de orientação lingüística: entre as fronteiras, nem
sempre nítidas, de assim
Conforme exposto na subseção anterior, a divisão das palavras em
classes gramaticais é uma herança grega do pensamento de Aristóteles,
quando as categorias com que este filósofo organizou o mundo foram
transportadas para a língua. Pelo rótulo advérbio respondem palavras que
indicam direção/local, tempo, modo, intensidade. Apesar de a tradição incluir
entre os advérbios vários tipos de elementos, sabemos que essa categoria
pode ser vista como sendo formada por diversas “classes menores”.
Constituindo, portanto, o advérbio uma classe de palavra muito
heterogênea, torna-se difícil atribuir-lhe uma classificação uniforme e coerente.
Em geral, seu papel na oração se prende não apenas a um núcleo (verbo),
mas amplia na extensão em que se espraia o conteúdo manifestado no
predicado. Dessa maneira, é importante observar as relações que cada
advérbio contrai dentro do enunciado, quer no seu papel primário de adjacente
circunstancial, quer por sua combinação com outras unidades no interior de um
grupo nominal unitário.
118
Usando a trilha percorrida pelos lingüistas a cerca do advérbio, e
mais especificamente do item assim, esta subseção consiste na apresentação
sucinta dos trabalhos dedicados, inteiro ou parcialmente, a esse assunto.
Para Perini (1996), as classes de palavras em português ainda não
foram suficientemente pesquisadas e são estabelecidas sem os devidos
critérios de coerência e relevância gramatical. São definidas de modo arbitrário,
repetem o que a tradição fornece, não apresentando características das
classes propriamente ditas. Assim sendo, o autor (1996, p. 339) postula seis
classes onde os advérbios podem funcionar como: negação verbal (não),
intensificador (muito, completamente, francamente), adjunto circunstancial
(muito), atributo (rapidamente, francamente), adjunto adverbial
(completamente) e adjunto oracional (francamente).
Essa classificação vem reforçar a dificuldade em estabelecer uma única
classe que abarque a totalidade ou a maioria dos itens tradicionalmente
chamados de advérbio, como tranqüilamente faz a gramática tradicional. No
nosso entendimento, a impossibilidade de compreender todos os advérbios
em uma única classe se dá em virtude dessa categoria abranger itens de
comportamento semântico-pragmático radicalmente diverso, pois , entre
eles, palavras que podem desempenhar, dependendo do ambiente no qual
estão inseridos, diferentes funções ou, até mesmo, mais de uma função.
Assevera, enfim, Perini (1996, p. 342): “a definição de advérbio, se for possível
(o que duvido), deverá ser formulada em termos de funções. Por ora, ficaremos
com a idéia de que sob o rótulo de advérbio se esconde uma variedade
irredutível de classes”.
Não constitui novidade a tentativa de definir o advérbio em termos do
elemento que ele “modifica”. Sabemos que essa categoria compõe
tradicionalmente o conjunto de vocábulos de um sistema lingüístico que tem,
como referido anteriormente, a função de modificar. Nas palavras de Perini,
essa prática é adotada por muitas análises modernas e por autores não-
tradicionais, que assim o fazem por falta de melhor alternativa, na ausência de
estudos abrangentes.
Todavia, o que se entende em gramática pela palavra modificar? De
acordo com Almeida (1985, p. 142), uma palavra modifica outra, quando lhe
acrescenta uma idéia. A noção de “modificação” é bastante obscura, como
119
interpreta Perini (1996, p. 340), pois compreende um misto de semântica e
sintaxe. Semanticamente, “‘modificação’ significa que um advérbio teria seu
significado amalgamado ao de um outro elemento, formando um todo
semanticamente integrado”. No entanto, para o autor, essa noção não ajudará
a caracterizar o advérbio, uma vez que se aplica indistintamente a outras
classes.
Sintaticamente, a noção de “modificação” parece referir-se à ocorrência
conjunta dentro de um constituinte: o que se chama em sintaxe “estar em
construção com”. Nesse sentido, no entendimento do autor (1996, p. 341):
[...] parece que “estar em construção comeste ou aquele termo não
é uma propriedade fundamental das funções sintáticas. Encontramos
atributos (assim como várias outras funções) em posições tão
variadas na oração que a solução mais prudente, adotada aqui, é
considerá-lo simplesmente um constituinte de nível oracional: está
em construção com todos os demais constituintes de nível oracional,
para formar a oração
.
Como se vê, poucas esperanças, como frisa Perini, de se chegar a
uma definição adequada de qualquer classe em termos dos elementos que ele
"modifica”, pois o fato de estar em construção com o verbo, ou com o adjetivo
não pode ser utilizado como critério definitório de nenhuma classe.
A incompletude no tratamento tradicional, leva Lemle (1984) a admitir,
numa perspectiva gerativa, que o léxico português pode ser descrito com as
seguintes categorias: nome, adjetivo, determinante, quantificador, verbo,
preposição, advérbio, complementizador (conjunções subordinativas),
conjunção (e, mas, porém, ou, pois), antequessor (palavras –QU).
No que se refere à classe dos advérbios, a autora argumenta que a
nomenclatura gramatical ensinada nas escolas ressente-se de inconsistência e
está a exigir uma reconsideração refletida. Os advérbios são definidos pela
função que exercem de modificadores de verbos, adjetivos ou outros
advérbios. Porém, “uma seqüência formada de preposição seguida de um
nome, se está em posição sintática equivalente à de um advérbio, é chamada
de locução adverbial e se está em função sintática equivalente à um adjetivo é
uma locução adjetiva.”
120
Observando a impropriedade que predomina nas análises nos
compêndios gramaticais normativistas, Costa (2002, p. 199), advoga que os
advérbios podem ser definidos segundo os critérios sintático, mórfico e
semântico. Sintaticamente, são satélites de um elemento sintático, intra ou
extra-setencial, são intransitivos e bastante deslocáveis na sentença.
Morficamente são, tipicamente, invariáveis e podem ser simples, locucionais,
derivados e compostos. Semanticamente podem ser modificadores ou não do
elemento que satelizam.
Nos últimos anos, as gramáticas que voltam para o uso da língua
portuguesa, a exemplo das Gramáticas do Português Falado (vol I. organizado
por Castilho, 1990) e (vol. II organizado por Ilari et alii, 1993) e da Gramática de
Usos (Neves, 2000) esboçam uma nova perspectiva de análise da chamada
classe dos advérbios. Retomando estudos desenvolvidos por Quirk et alii
(1922), Jackendof (1972), Bellert (1977) e Castelheiros (1986) apud Ribeiro
(2003 p. 94), Ilari et alii e Castilho descrevem os advérbios, quase todos
representados pelas terminações em mente, distribuindo-os em três grupos:
o dos modalizadores, o dos focalizadores e o dos aspectualizadores.
No primeiro volume dessa gramática, Ilari et alii (1990, p. 79)
apresentam um estudo sobre a posição dos advérbios, partindo de uma
análise crítica do conceito e da descrição dessas estruturas no contexto da
tradição gramatical. Os autores revelam que, no uso da linguagem, muitas
formas consideradas pela tradição gramatical como advérbio não se
comportam como tal, sugerindo agrupá-las em classes distintas. Dizem eles:
Pensamos, por exemplo, que a discussão que precedeu justifica que
se tratem como classes bem configuradas os dêiticos, os
intensificadores e os advérbios indicando verificação; a nosso ver,
essas classes devem ser distinguidas das classes dos advérbios
tradicionalmente reconhecidas, e é um problema para a organização
geral da gramática se elas deveriam ser estudadas no capítulo do
advérbio ou em outros [...]
No entendimento dos autores, os critérios utilizados na tradição
gramatical para delimitar a classe dos advérbios não identificam, nem mesmo
121
aproximadamente, as expressões que a mesma tradição tem apontado como
advérbio.
No volume II dessa gramática, Castilho e Castilho (1993) retomam os
estudos desenvolvidos por Ilari et alii, descrevendo os chamados advérbios
modalizadores sob o ponto de vista sintático, em advérbios de constituintes e
advérbios de sentença.
Apresentando uma abordagem preocupada com o funcionamento da
língua, em sua Gramática de Usos do Português, Neves (2000) descreve os
advérbios sob o ponto de vista de sua função, distribuindo-os em duas
classes: a dos modificadores e a dos não-modificadores, subdividindo-os, sob o
ponto de vista semântico, os da primeira classe em advérbios de modo,
advérbios de intensidade e advérbios modalizadores, sendo estes últimos
subdivididos em epistêmicos asseverativos, delimitadores, deônticos, afetivos e
atitudinais. Os não-modificadores são, por sua vez, subdivididos em dois
grupos: a) os que operam sobre o valor de verdade da oração (os de afirmação
e de negação) e b) os que não operam sobre o valor de verdade da oração (os
circunstanciais, os de inclusão, os de exclusão e os de verificação).
Neves (Ibidem, p. 243), em sua proposta calcada nos parâmetros
funcionalistas, postula que o advérbio de modo
75
assim pode incidir sobre o
substantivo, isto é, na mesma posição sintática de um adjetivo, corroborando
os resultados de Bechara (1999) e Macambira (1974), vejamos os excertos da
autora:
(24)
E você creia: jamais acreditei que pudessem existir remorsos
assim.
Ou ser empregado cataforicamente antes de um sintagma adjetivo:
(25)
Deixe disso, mano: você não é assim tão materialista.
75
São poucos os estudos com o vocábulo assim destituídos do “compromisso” em corroborar
a tradição. Merece menção a análise contextualizada desse item, confeccionada por Neves
(2000), no sentido de que observa as ocorrências em relação a sua função no texto. Cita que o
elemento assim indica modo e funciona como um referenciador textual, sendo de natureza
pronominal. Entretanto, cremos que uma multifuncionalidade, acionada por esse item na
dinâmica da interação, ainda não devidamente contemplada (cf. seção de análise).
122
Apresentamos, a seguir, dois quadros que sintetizam a classificação dos
advérbios postulados por Ilari et alii e Neves, respectivamente:
Quadro 6: proposta de classificação dos advérbios em Ilari et alii (1990)
ADVÉRBIOS
PREDICATIVOS NÃO-PREDICATIVOS
Verificação
Afirmação
negação
focalização
qualificativos
intensificadores
modalizadores
aspectualizadores
Circunstanciais
Quadro 7: proposta de classificação dos advérbios em Neves (2000)
ADVÉRBIOS
MODIFICADORES NÃO-MODIFICADORES
advérbios de modo
advérbios de intensidade
advérbios de afirmação
advérbios modalizadores
* asseverativos
advérbios de negação
* delimitadores
* deônticos
* afetivos ou atitudinais
advérbios circunstanciais
Sabemos que os advérbios o modificadores por excelência, mas não
do nome. Entretanto, funcionalmente, modificam além do verbo ou do SN, o
adjetivo, outro advérbio, além da própria sentença. Ilari et all (1993) expandem
o conceito de advérbio para abranger elementos com funções próprias na
organização discursiva, como agora, então, aí, inclusive.
Em geral, os advérbios modificadores da sentença expressam a atitude
do falante em relação àquilo de que fala (26a); os que modificam o verbo ou o
SN expressam tipicamente tempo, lugar, direção, modo (26b); os que
modificam o adjetivo ou outro advérbio (26c) costumam expressar grau, como
os trechos indicados pelo autor (1991, pp. 85-87):
(26)
a) Felizmente ele não estava mais aqui.
b) Falava lentamente.
c) É extremamente rico
Martelotta (1994) também questiona o aspecto formal da definão de
advérbio, indagando se seria correto caracterizar os advérbios como
123
elementos que se referem a um verbo, a um adjetivo, a outro advérbio ou à
oração inteira.
Pelos compêndios gramaticais temos notícia de que o advérbio, do
ponto de vista semântico, traduz a idéia de circunstância. Esse autor (1994),
porém, fazendo uma avaliação crítica do conceito tradicional dessa categoria,
advoga que compreende como circunstância determinadas condições ou
particularidades que caracterizam o conteúdo expresso pelo termo ao qual o
advérbio se refere. Sendo assim, “pode-se entender como expressando
circunstâncias dados informacionais bastante diferentes entre si, como tempo,
lugar, modo, causa e, até mesmo, intensidade” (MARTELOTTA, 1994, pp. 23-
4).
alguns advérbios cujo uso é basicamente determinado por fatores
pragmático-discursivos. E mesmo aqueles que funcionem normalmente como
circunstanciadores (de tempo, de lugar, de modo, de causa, de intensidade)
muitas vezes são usados para direcionar a interpretação do ouvinte, promover
a organização das informações no discurso, além de outras funções
pragmático-discursivas. É o caso, por exemplo, do advérbio de tempo já, que,
de acordo com Martelotta (1994, p. 25), “pode assumir um papel de elemento
de contraexpectativa, no sentido que Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991) dão
ao termo”, vejamos o fragmento:
(27)
A reunião terminou?
Nessa frase, mais que uma noção temporal, o elemento destacado
demonstra uma expectativa do falante de que a reunião não tivesse terminado.
Ou seja, a frase expressa o contrário da expectativa e o advérbio é a marca
disto: é um elemento de contraexpectativa.
Ao contrário do nome, do verbo e do adjetivo, conforme o exposto, o
status do advérbio como classe independente dos adjetivos é freqüentemente
questionado. Alguns autores, como Emonds (1976), Reis (1997) apud Rosa
(2000), apresentam uma solução simplificada para o problema quando
argumentam que a classe de redondo seria sempre a do adjetivo, no exemplo:
(28)
a cerveja que desce redondo/ redondamente
124
Mas se adverbilizaria ou não na sintaxe. Balizado pelo viés pragmático,
um estudo mais abrangente sobre o assim foi desenvolvido por Martelotta,
Nascimento e Costa (1996), que analisaram os dados do Projeto de Pesquisa
Discurso & Gramática numa perspectiva da gramaticalização e discursivização
(cf. mais detalhes na seção de análise).
Á guisa de fechamento dessa seção, podemos concluir que a
complexidade que envolve a descrição dos advérbios, parece remontar, como
foi demonstrado, à tradição greco-latina, onde ora se restringia a função
adverbial de modificador apenas do verbo, ora se ampliava essa função de
modificador de todas as outras classes de palavras. Então, enquanto categoria
o advérbio foi inicialmente uma preocupação dos pensadores da antiga
Grécia, retomada pelos diversos gramáticos e depois por lingüistas de
diferentes escolas.
Por outro lado, percebemos que as teorias que alicerçam a descrição
dessa categoria no âmbito da tradição gramatical se orientam pela concepção
clássica de linguagem como representação da realidade e mais recentemente
pela concepção de linguagem como expressão do pensamento, ambas
deixando à margem a dinâmica que caracteriza as interações verbais e a
pluralidade dos modos de significar. A revisão da literatura sobre os advérbios
e mais precisamente sobre o item assim, no decorrer do tempo, aqui
apresentada, revelou haver classificações diversas e que, ainda hoje,
manifestam-se diferentes pontos de vista, dependendo da corrente lingüística
adotada por cada autor, a respeito dos critérios e/ou abordagens dessa
classificação.
Logo, na tentativa de esboçar uma interpretação diferenciada para esse
item, buscamos, na seção seguinte referente à apresentação/análise dos
dados, apresentar argumentos para justificar o fato de a dêixis discursiva, na
esfera gramatical, influenciar o aparecimento de novos usos para o assim.
125
4 APRESENTAÇÃO DOS DADOS: explicitando um
viés de análise
Quando faço uma palavra trabalhar tanto assim pago
sempre extra. (Carroll, Lewis,1980, p. 196)
Todas as línguas naturais acham-se em permanente dinamismo. Em
todas as línguas existem sempre áreas que estão em fluxo. Acreditamos que
um certo grau de liberdade na construção do discurso do falante favorece essa
remodelação da gramática, tornando-a sempre não-completa. A escolha de um
termo por outro, pelo usuário, pois, não ocorre por acaso, mas é motivada por
um conjunto complexo de parâmetros, por condicionamentos que favorecem ou
inibem o emprego de um determinado item, como é o exemplo do “tanto
assim” da epígrafe escolhida para abrir essa seção, retirada da obra Aventuras
de Alice.
As inovações gramaticais ou qualquer expressão lingüística, nesse
sentido, não podem ser analisadas sem que se tenha em mente que elas
realizam funções não apenas das intenções
76
e das informações transmitidas
pelo falante, mas também das informações pragmáticas do destinatário e do
seu conhecimento a respeito das intenções do emissor.
Não podemos perder de vista que o estudo da língua é simultâneo ao
estudo da situação comunicativa. Como frisa Halliday (1973), devemos
76
De acordo com Neves (2002, p.93), do lado do falante, há uma intenção “não apenas de
‘passar’ um conteúdo qualquer, mas, principalmente, de obter uma modificação na informação
pragmática do ouvinte”; do lado deste, “tem de haver não apenas disponibilidade de ‘receber’
um conteúdo, mas, a adesão que represente desejo de modificação da informação pragmática,
tal como pretendido pelo falante”. Assim, a expressão lingüística que o falante emite é “função:
da intenção do falante; da informação pragmática do falante. A interpretação do destinatário,
por seu lado, é função: da expressão lingüística; da informação pragmática do destinatário; da
sua conjetura sobre a intenção comunicativa que o falante tenha tido”.
126
investigar como a língua é usada, procurando descobrir seus propósitos. Então,
a partir de uma visão de que toda a análise lingüística que desconsidere a
interação de variados contextos se torna insuficiente e insatisfatória, propomos,
neste trabalho, a partir dos pressupostos da lingüística textual, traçar um
quadro classificatório que deverá explicar, no nível gramatical, como
interpretamos os vários usos do elemento lingüístico assim. Além disso,
compreender que o texto fornece indícios do “espaço” onde o destinatário
poderá localizar esse elemento: a) ora na situação real de comunicação, b) ora
no próprio contexto, c) ora no conhecimento comum partilhado pelos
interlocutores. Sob o olhar mais específico dos princípios da lingüística
funcional, nas seções que seguem, analisamos o comportamento dos
marcadores discursivos, caracterizamos a trajetória de gramaticalização do
item assim e, por fim, verificamos o comportamento desse elemento nos
diversos tipos de discurso.
77
Os resultados quantitativos obtidos são, portanto, interpretados à luz
dessas duas possibilidades explanatórias. Feito esse preâmbulo para
situar/justificar melhor nossa opção por esse modo de ver e de examinar a
língua, elegemos como objeto de estudo a fala espontânea de João Pessoa,
numa perspectiva sincrônica, trabalhando com a concepção de gramática
aberta, fortemente suscetível à mudança e intensamente afetada pelo uso que
lhe é dado no dia-a-dia.
Coube-nos, desse modo, não somente verificar quantitativamente as
ocorrências de assim
78
- até porque as análises quantitativas privilegiam
regularidades e ressaltam tendências, - mas também promover uma ‘nova’
leitura para mostrar outras nuanças funcionais, ou seja, mostrar a
multifuncionalidade desse item lingüístico acionada pela dêixis discursiva,
77
Discurso e texto são aqui tomados como sinônimos, compactuando com o que pensa Costa
Val (1999, p.3) ao definir texto e discurso como ocorrência lingüística falada ou escrita, de
qualquer extensão, dotada de unidade sócio-comunicativa, semântica e formal.”
78
Algumas análises do item assim foram extraídas de artigos publicados, utilizando esse e
outros corpora, durante o doutorado; ver mais detalhes em Martins (2004a, 2004b e 2006). Os
resultados das reflexões que temos feito sobre esse elemento têm convergido para o caráter
subjetivo do mesmo e o relacionamento estreito dele com as circunstâncias que envolvem a
emissão do enunciado.
127
funções estas, como veremos adiante, não previstas pelos compêndios
gramaticais
79
.
4.1 Dados que saem, dados que entram
Fazem parte da análise referente à fala de João Pessoa todos os
contextos onde aparece o item lingüístico assim (sozinho ou conjugado).
Rastreando as ocorrências desse elemento nas 60 entrevistas, totalizamos
3.249 dados com a seguinte distribuição:
Tabela1: distribuição de assim na fala de João Pessoa
É importante ressaltar que alguns dos usos conjugados: “como assim” =
06, assim sendo = 03”, “sendo assim = 0”, “aí assim = 06”, “pronto assim =
04”, assim pronto = 02”, “então assim = 01”, “ainda assim = 01” e “quanto
assim = 0”, em virtude de suas baixas freqüências, não foram submetidos à
análise junto com os demais usos dos assim expostos na tabela. “E assim”,
79
As gramáticas tradicionais enquadram o assim na classe dos advérbios de modo, dados os
critérios morfológico (palavra invariável), sintático (palavra relacionada ao verbo, ao adjetivo ou
a outro advérbio) e nocional (palavra que indica circunstância). No entanto, entendendo que
tais parâmetros podem se tornar inadequados quando se trata da língua em uso e que a
classificação do assim apenas integrando o conjunto dos advérbios modais é insuficiente, até
porque, como foi mencionado, esse rótulo não conta da variedade de usos que esse item
apresenta no discurso. Retiramos, pois, dos nossos dados, as ocorrências indicando
exclusivamente essa circunstância.
80
11 ocorrências da expressão “tipo assim” (0.34 %) foram flagradas na subfunção
especificadora e 20 usos na subfunção preenchedora de pausa (0.61%).
Itens Ling.
Freqüência %
Assim
3.102 95,48
Mesmo assim
42 1,29
Assim mesmo
46 1,42
Assim como
12 0,37
Assim que
16 0,49
Tipo assim
80
31 0,95
Total
3.249 100%
128
apesar de ser bastante recorrente (45 casos), também foi retirado do estudo
tendo em vista que, em todos os contextos controlados, significava “deste
modo”, “desta maneira”, isto é, funcionando como um advérbio de modo.
A construção lingüística assim, quer sozinho ou conjugado a outro
elemento, no discurso, foi flagrado exercendo duas macro-funções: dêitico
discursivo (função gramatical) e marcador discursivo (função pragmática).
Vejamos, no gráfico 1, os valores correspondentes a cada uma delas:
Marcadores
discursivos
47,30%
Dêiticos
discursivos
52,70%
Gráfico 1: distribuição de ocorrência do assim nas duas macro-funções
Após a apresentação dos números de ocorrências do assim nas duas
macro-funções, percebemos que é na função de dêitico discursivo que esse
item revela a maior freqüência de uso, com 52.7% (1.712 ocorrências),
corroborando nossa hipótese inicial de que os usos gramaticais desse
elemento seriam mais recorrentes no gênero entrevista. O assim funcionando
como marcador discursivo foi acionado em um número menor de vezes, com
47.3% (1.537 usos). Entretanto, podemos observar que esses dois valores
81
são relativamente próximos um do outro, equilibrando os resultados.
81
Na literatura funcionalista, a freqüência é considerada como um dos mais relevantes
aspectos que motiva a gramaticalização de um item lingüístico.
129
Nesta seção, tentaremos, então, expor o que esses dados querem
expressar. Por termos identificado uma multiplicidade de funções (gramaticais
e pragmáticas) de natureza variada a serviço de assim, pois dificilmente uma
forma desempenha uma única função, desdobramos em subtipos/subfunções
cada uma das duas macro-funções apresentadas, motivadas, certamente, pela
circunstância discursiva em que o item era acionado. No gráfico a seguir,
visualizamos melhor as funções e as subfunções assumidas por esse elemento
lingüístico:
a) FUNÇÃO GRAMATICAL
Dêitico
discursivo
Dêitico
discursivo
pleno
Dêitico
discursivo
do contexto
Dêitico
discursivo
de memória
“assim”
temporal
“assim”
comparativo
“assim”
especificador
“assim”
quantificador
“assim”
resumitivo
bidirecional
“assim”
resumitivo
“assim
mesmo/mesmo
assim” inclusivo
130
b) FUNÇÃO DISCURSIVA
Gráfico 2: distribuição das funções gramatical e discursiva do assim
O gráfico 2 sintetiza todas as funções e subfunções da construção
assim encontradas neste trabalho. Para identificar os diversos papéis desse
elemento lingüístico, influenciados pela dêixis discursiva, partimos da
caracterização proposta por Cavalcante (2000)
82
, em sua tese de doutorado.
De acordo com as diferentes motivações dos elementos dêiticos, a autora
classifica os seguintes subtipos de dêiticos discursivos: dêitico discursivo
“dêitico” (que será aqui denominado de dêitico discursivo pleno) motivado
pelo espaço físico real da comunicação; itico discursivo do contexto
incitado pelo próprio contexto e o dêitico discursivo da memória motivado
pelo conhecimento partilhado.
Desta maneira, ao observamos o comportamento do item em questão,
percebemos algumas nuanças funcionais que nos autorizam sugerir, para ele,
a seguinte classificação: a macro-função gramatical dêitico discursivo foi
desdobrada em três subtipos, a saber: 1) dêitico discursivo pleno; 2) dêitico
discursivo do contexto, desmembrado em cinco subfunções (assim
resumitivo, assim resumitivo bidirecional, assim temporal, assim comparativo
e assim mesmo/mesmo assim’ inclusivo) e 3) dêitico discursivo da
memória (assim especificador e assim quantificador). A macro-função
pragmática marcador discursivo também foi dividida: preenchedor de pausa;
e iniciador e/ou tomador de turno
83
. Vamos às analises de cada uma delas!
82
Dos quatro subtipos de dêiticos discursivos classificados por Cavalcante (2000) não
utilizaremos o subtipo dêitico discursivo textual em virtude de não ocorrência em nossos
dados com o item assim.
83
Turno é, aqui, entendido como “a produção do falante enquanto ele está com a palavra,
incluindo a possibilidade do silêncio, que é significativo e notado” (MARCUSCHI, 1986, p. 89).
Marcador
discursiv
o
Preenchedor de
pausa
Iniciador /
tomador de turno
131
4.2 Motivações de uso de assim
Após a revisão teórica sobre o fenômeno da dêixis discursiva, nos
sentimos autorizados a fazer uma análise mais aprofundada para
identificarmos os diferentes usos do item lingüístico assim sob esse viés.
A maior parte das ocorrências desse elemento com função gramatical,
nesta pesquisa, remete a um referente presente no contexto. Adotamos, como
fundamento teórico, a visão de referente como objetos construídos no discurso
e pelo discurso a partir de atividades cognitivas e interativas do falante,
sustentada por Mondada e Dubois (1995), Apothéloz (1995) dentre outros,
referidos na seção teórica.
A função do assim no discurso, todavia, não é apenas referir. Pelo
contrário, existem alguns sentidos que se reinventam a cada novo contexto de
uso, incitando sua categorização. O assim contribui, pois, para recuperar
entidades presentes na memória discursiva, chamar atenção para elementos
do discurso, organizar esse discurso e orientar os focos de atenção do
destinatário. Em outras palavras, essa construção, acionada pela dêixis
discursiva, desempenha papel relevante na arquitetura do texto, conectando
segmentos, fazendo com que o texto progrida.
Ao contrário dos anafóricos, que retomam referentes pontuais, o dêitico
discursivo
84
assim resume/retoma porções inteiras, difusas no discurso, isto
é, o elemento referenciado passa a ser o próprio evento discursivo.
Observemos, então, o primeiro tipo de dêitico discursivo, o pleno.
84
É importante mencionar que a função da referencialidade é comum às anáforas e aos
dêiticos discursivos, porém, basicamente, dois critérios caracterizam esse último tipo: a
referência a informações diluídas no discurso e a consideração do posicionamento do falante
na situação enunciativa. O item assim não porta consigo, entretanto, os traços de
proximidade/distância em relação ao falante, o que lhe garante um baixo grau de deiticidade,
conferir Cavalcante (2000).
132
4.2.1 Dêitico discursivo pleno
Os dêiticos discursivos plenos recuperam entidades já introduzidas no
contexto e, simultaneamente, mantêm um vínculo com o espaço
extralingüístico. Ou seja, são aqueles que preservam o valor dêitico em seu
sentido original: o de apontar para o espaço real da enunciação.
Neste subtipo, a posição do falante coincide com a do texto e o assim
dêitico discursivo pleno tem seu uso e interpretação baseado crucialmente
no conhecimento do contexto particular em que é produzido, funcionando como
dêitico ‘puro’. Observemos os seguintes exemplos do nosso acervo, que
revelaram 5,72% de ocorrências:
(29)
E: Fica longe?
I: Fica. É perto da rua da Mata. Ali. Num tem a feira? Depois da
feira, assim no outro lado. Todo dia é esquisito. (M.H.S.,
p.111, v.II)
(30)
I: [...] quando o ônibus vinha, ele disse: “-você vai pagar ou
não vai?” “pago não! ele pegou uma pedra, uma pedra grande.
Aí disse: “-Eu lasco essa pedra em você”. Aí fui e peguei outra
também. Botei o prato de comida assim num canto, aí disse: “-É elas
por elas, é você dando em mim e eu em você! (I.M.S., p. 165,
v.V)
Nos fragmentos (29) e (30), respectivamente, acreditamos que os
informantes apontam através de gestos, no contexto extralingüístico, um lugar:
“depois da feira, assim no outro lado” e “botei o prato de comida assim num
canto”, na intenção de facilitar o entendimento do assunto pelo entrevistador,
situando espacialmente o que foi dito por eles. Analisemos outros excertos do
nosso corpus:
(31)
E: A sua irmã tá doente de que?
I: É uma dor assim do lado. Diz os médicos que é os rins.
(
I.M.S.,p. 167, v.V)
133
(32)
I: [...] quando arrumava a cozinha eu passava o pano. eu fui
passar o pano. eu fui falar com o menino dela. Ele: “-eu passo
aqui e é pra você passar o pano toda vez que eu passar.” “-Após
bora ver.” ele veio assim por trás foi e deu uma cipoada nas
minhas costa. Eu num gostei meti o pau pra cima[...]
(M.H.S., p. 112,v.II)
(33)
I: [...] Eu só me lembro que eu era tão arengueirinha, puxava os
cabelo da minha vizinha assim ela tinha os cabelão grandão quando
arengava comigo eu puxava os cabelo dela assim e rodava assim,
eu me lembro mais disso [...] (R.T.O.,p. 142, v.V)
Nas três situações acima, os assim funcionando como dêiticos
discursivos plenos chamam a atenção dos interlocutores com relação ao
conteúdo da informação, focalizando uma determinada parte do corpo dos
entrevistados para melhor se fazerem entender:
o trecho (31), onde aparece “dor assim do lado”, suponhamos que a
informante deva ter apontado para um local, entre as costas e a barriga;
em (32) “ele veio assim por trás”, entendemos que a falante apontou
para suas costas através de um gesto indicativo;
e no fragmento (33) “puxava os cabelo dela assim e rodava assim”,
acreditamos que a informante se fez acompanhar de gestos com as mãos para
mostrar o modo como puxava os cabelos da colega.
É importante ressaltar que, diferentemente dos exemplos arrolados
acima, os dêiticos discursivos plenos assim, do trecho (33), não só apontam
para lugares no espaço extralingüístico, mas evidenciam a maneira, o modo
como a informante puxava os cabelos. De fato, isto nos remete ao princípio da
persistência advogado por Hopper (1991), quando assevera que uma forma
que está passando pelo processo de gramaticalização guarda resquícios de
seu significado original. Isso quer dizer, o sentido novo não destrói o antigo.
Ambos existem um ao lado do outro. É o caso destes assim que ainda
preservam seu sentido enquanto advérbio de modo.
Corroborando a concepção de dêiticos aqui trabalhada, Tavares (2003,
p. 160) vai buscar em Grenoble e Riley (1996) a seguinte definição: “dêiticos
são palavras ou expressões usadas para apontar
, no contexto extralingüístico,
134
um indivíduo, objeto ou lugar, e introduzi-lo no discurso, relacionando o
enunciado a suas coordenadas pessoais, espaciais e temporais”.
Laury (1997), na mesma autora, afirma que os iticos funcionam como
dedos que apontam para algo presente no momento da interação, “por essa
razão, seu uso é freqüentemente acompanhado por um gesto indicativo”.
Na visão de Câmara Jr. (1995, p. 90), a dêixis também é definida como
“faculdade que tem a linguagem de designar mostrando, em vez de
conceituar”. A designação dêitica, ou mostrativa, “figura ao lado da designação
simbólica ou conceptual em qualquer sistema lingüístico”.
Costa (1997, p. 112) e Silva (1999, p. 336) identificam no uso do assim,
dos excertos abaixo, também uma conotação dêitica, pois acompanha um
gesto e refere-se ao mundo real, físico:
(34)
...No Natal, eu ganhei uma boneca e que ela era assim (fez
gesto indicando a forma/ tamanho da boneca), ela era... ela ficava
em pé, o nome dela era Patinadora... (JF) (p. 112)
(35)
minha avó era baixinha, chegava assim ó em mim. (p. 336)
Quanto à posição sintática do elemento assim, funcionando como
dêitico pleno, percebemos que sua colocação é bem variada. No entanto, a
maior ocorrência é entre nome e seu complemento, exemplos (30) e (31) e
entre verbo e seu complemento, como em (32) e (33). De acordo com Ilari et
alii (1990), o princípio geral que explica a colocação diversificada dos dêiticos
deriva de sua natureza multifuncional.
Operacionalizando a proposta de Givón (1990), para o estabelecimento
do princípio icônico, acreditamos que a estrutura é conseqüência das
circunstâncias discursivas e de seus contextos de produção. Em outras
palavras, as escolhas lingüísticas realizadas pelo usuário, dentro do sistema,
não se fazem sem motivo. O uso se adequa à situação, ou ao propósito
comunicativo, ou ainda a ambos.
Logo, o significado nasce do contexto e das associações intra ou
extralingüísticas. Ademais, a necessidade comunicativa de se fazer entender,
de ser mais expressivo e pela falta de designações lingüísticas adequadas,
135
levam os falantes dos exemplos analisados a usarem o item assim com função
de dêitico discursivo pleno, acompanhado de gestos mostrativos, motivados
social e/ou contextualmente.
4.2.2 Dêitico discursivo do contexto
Quando pensamos no elemento lingüístico assim, somos levados
imediatamente a associá-lo ao modo, porém não podemos tomar a noção de
modo como algo uniforme. Ao contrário, o modo é algo fluido que se amolda às
características semântico-gramaticais do discurso em função das
conveniências comunicativas caractesticas do diálogo.
Como veremos a seguir, aproveitando da fluidez característica do modo,
partimos de uma concepção classificatória que entende o assim como um
dêitico discursivo. Como referido, o dêitico discursivo é por nós assumido
nos termos de Cavalcante (2000) e o espaço onde podemos flagrá-los não é o
lugar físico onde se encontra o falante, mas um local, também físico, dentro do
contexto.
O item lingüístico assim, motivado pelo contexto, revelou-se o mais
produtivo no nosso corpus, com 37.6 % (isto é, 1.222 ocorrências). A alta
freqüência que se recorre a esse elemento, nessa situação específica, é um
dado revelador da consciência que o falante tem da organização geral do fluxo
da informação. Logo, fomos obrigados a desdobrar em cinco subfunções:
dêitico discursivo “assim” resumitivo, dêitico discursivo “assim”
resumitivo bidirecional, dêitico discursivo “assim” temporal, dêitico
discursivo “assim” comparativo e dêitico discursivo “assim
mesmo/mesmo assim” inclusivo. Observemos os resultados desses cinco
subtipos expostos no gráfico a seguir:
136
17,63%
0,49%
16,40%
0,37%
2,71%
0,00%
2,00%
4,00%
6,00%
8,00%
10,00%
12,00%
14,00%
16,00%
18,00%
20,00%
"assim"
resumitivo
"assim"
resumitivo
bidirecional
"assim" temporal "assim"
comparativo
"assim
mesmo/mesmo
assim"
ITICOS DISCURSIVOS
Percentuais
Gráfico 3: subfunções do dêitico discursivo assim motivadas pelo contexto
Dando continuidade, analisaremos/interpretaremos, a seguir, cada uma
dessas cinco subfunções, discorrendo sobre suas características e discutindo
os valores constantes dos dados expostos no gráfico apresentado acima.
Os dêiticos discursivos motivados pelo próprio conteúdo do contexto,
diferentemente dos dêiticos discursivos da subseção anterior, não transpõem
as fronteiras textuais: sua remissão se superpõe à da expressão como um
todo. Tem a função de orientar os focos de atenção do destinatário, referindo-
se a informações de abrangência difusas no próprio texto. Vamos, então, à
análise do primeiro subtipo de dêitico discursivo: o item assim funcionando
como dêitico discursivo resumitivo.
137
4.2.2.1 O dêitico discursivo assim” resumitivo, motivado pelo
contexto, como o próprio nome induz, opera como resumidor de proposição,
focalizando a atenção do ouvinte para uma perspectiva comum. Em outras
palavras, orienta o foco para a conclusão/resumo de uma informação
proferida anteriormente pelo informante, vejamos:
(36) I:
No domingo num tem muita coisa pra ver, não. Tem Sílvio
Santo. De Sílvio Santo eu gosto, mas eu num gosto da parte que
entra aquele Gugu, não. Aquele homem. E agora os progama dele é
tudo com as mulher pelada. É uns negócio feio! Na minha época,
ninguém era assim, não. (M.L.S., p. 98, v.I)
(37)
I: Eu gosto de Deus. Nunca [fe], ele nunca me feiz mal pra eu
num gostar dele.” Ela diz: <porque> ....Bora!” Eu digo: “eu num vou
não”. Ela diz: “então, pra lá. Num vem aqui mais não, visse?”
Quando é no outro dia eu tou lá (risos). Ela diz: “<Pia, mais a bicha é
safada!”. Eu digo: É. Tem que ser assim. (M.H.S., p. 118, v.II)
(38)
I: Quer dizer, ele se preparou, participou do sul-americano,
levou um peru, um tremendo frango, e deixaru ele novamente na
seleção. É eu acho que isso ta errado. Isso o deve ser assim.
(H.B.C., p. 38, v.IV)
Observamos que os dêiticos discursivos assim, dos fragmentos acima,
por se situarem sempre no final da proposição, instruem o destinatário a fazer
uma busca retroativa, no contexto, no intento de recuperar as idéias diluídas
expressas anteriormente pelos falantes. Funcionam, pois, como controladores
do foco de atenção dos interlocutores, quando fazem uma indicação anafórica,
direcionando-os para o encerramento/resumo desses conteúdos discursivos de
forma categórica:
no trecho (36), o assim conclui a idéia da falante de não admitir ser
“correto” o comportamento de certas mulheres no programa do Gugu;
em (37), o dêitico discursivo assim encerra o assunto da informante que
afirma que é “safada” (“tem que ser assim”) porque a amiga não quer mais a
sua visita e ela, não se importando com o pedido, vai sempre visitá-la, e
138
no exemplo (38), o dêitico discursivo assim finaliza a indignação do
falante que não concorda, “tá errado”, com a permanência do goleiro
“frangueiro” na seleção brasileira.
Com relação ao caráter icônico dos assim, nessas manifestações,
entendemos que pelo fato desse elemento ocorrer na posição final do conteúdo
desenvolvido pelo informante, ele fornece ao interlocutor uma pista de que
esse assunto foi concluído e obedeceu a seguinte ordem: a causa precedendo
o efeito, corroborando o seqüenciamento icônico. Os interlocutores, de fato,
não apresentam dificuldades em interpretar essa pista. Ao contrário,
demonstram, cognitiva e lingüisticamente, estar familiarizados com esse tipo de
construção.
Urge ressaltar, por outro lado, que esses assim podem ser substituídos
por “desse modo”, “dessa maneira”. O item, na verdade, está se
gramaticalizando, mas permanecendo com algo de seu sentido enquanto
advérbio de modo, corroborando o princípio da persistência postulado por
Hopper (1991), mencionado anteriormente.
Do ponto de vista da posição que ocupa na oração, a primeira impressão
de quem aborda o item lingüístico assim é a de grande liberdade posicional.
Entretanto, observamos que, nessa subfunção, sua localização é sistemática,
exibindo uma grande regularidade de distribuição. Sua ocorrência no final da
sentença, como nos trechos analisados acima, foi bem expressiva, com 16.4%.
4.2.2.2 Dêitico discursivo “assim” resumitivo bidirecional
Embora sejam bem recorrentes os assim” resumitivos, com 16.4% de
ocorrência, analisados na subseção anterior, a construção assim, funcionando
como resumitivo bidirecional, constitui o tipo mais freqüente na nossa
amostra com 17.63%. Esse uso mostra-se produtivo tendo em vista sua dupla
função
85
: além de agir como resumidor de informação, apresenta ainda, a
função de sinalizar que o falante está avançando para um novo estágio em sua
85
Se fôssemos romanos, talvez chamássemos o item assim, constituindo-se uma ocorrência
dêitico-discursiva bidirecional, de categoria ‘janeira’, em homenagem ao deus Janus,
representado na mitologia por uma figura bifronte. Ele olha para trás, referindo-se ao assunto
que passou, e para frente, relacionando o conteúdo que vem vindo.
139
explicação
86
, revelando total adesão ao conteúdo por ele desenvolvido,
vejamos as seguintes situações:
(39)
[...] O mais danado é Luisinho, que ele vive por cima dos muro
da casa dos outro, procurando o que num é dele, sabe? Menino
assim. Tem mania de procurar mexer nas coisa que num é dele.
Mas a gente se aperreia muito com ele [...] (M.L.S., p. 95,v.I)
(40)
I: Ela num é casada no papel não, ? Que nem o povo diz.
Ela foi morar com o namorado dela, né? Que agora é o marido dela,
né? O povo diz que casado só é no papel, assim é ajuntado, num é?
Mas pra mim a pessoa morou junto com outro casado. (M.L.S.,
p. 95, v. I)
(41)
E: Como você gostaria que ele fosse?
I: Como eu [gost] eu gostaria de ter um: ter um homem que me
respeitasse, me considerasse, apesar de eu num ter nunca tive::
amor na minha vida, eu esperava um homem assim pra mim, que
me respeitasse, tratasse como gente, tudo que eu combinasse, ele
combinasse comigo [...] (I.M.S., p. 133,v.I)
Podemos perceber, através desses fragmentos, que os conteúdos
relevantes para o propósito do falante foram salientados pelo item assim,
acionados pela dêixis discursiva, que inauguram um novo ponto a ser discutido,
orientando os focos de atenção do destinatário. Com efeito, o uso do assim
incita o fenômeno de volta ao enunciado passado, como uma fonte de
informações para o discurso subseqüente, e direciona a atenção para mostrar,
além da idéia de veracidade que os informantes imprimem aos assuntos por
eles tratados, a idéia de conseqüência dessas informações, em:
(39), a informante sintetiza e progride o texto, expondo sobre as
“qualidades” do seu filho Luisinho, tentando conquistar a opinião do interlocutor
naquilo que ela acha verdadeiro: o fato de os meninos, de uma maneira geral,
se apropriarem daquilo que não lhes pertencem: “mania de procurar mexer nas
coisa que num é dele”;
86
Observamos que, nessa subfunção, a exemplo do que ocorreu com os dêiticos discursivos
plenos, o item assim tem maior predominância de uso, novamente, entre um elemento (nome
ou verbo) e seu complemento sintático ou semântico. Conferir trecho (41).
140
no trecho (40), a falante resume a informação difusa na proposição
anterior e acrescenta sua opinião à respeito do que disse assim é ajuntado,
num é? [...] morou junto com outro tá casado” e;
no excerto (41), a informante, ao usar o assim, sumariza e avança seu
discurso quando reafirma, não dando margem a dúvidas, que gostaria de
encontrar/ter um homem que a tratasse bem “que me respeitasse, tratasse
como gente”.
Os “assim” atuando como dêiticos discursivos resumitivos
bidirecionais
87
recuperam, então, não a idéia difundida no segmento
discursivo precedente, bem como antecipam uma explanação mais detalhada
da tese em exposição. Esse tipo de remissão “bidirecional”
88
tem caráter não
apenas resumidor, mas de progressão do conteúdo, promovendo a articulação
temática.
Notamos, assim, nesses contextos discursivos, que existe uma
estratégia empregada pelos falantes para estabelecer uma relação entre o
ouvinte e o texto no sentido de concentrar o foco em um ponto particular desse
texto. O significado do dêitico discursivo assim reveste-se de um forte
componente de subjetividade. Isso quer dizer que, tendo em conta certos
elementos cognitivos compartilhados pelos intervenientes no ato da
comunicação, o uso desse item, pelos informantes, pode demonstrar que eles
avaliam como pertinente à inserção do assim como sumarizador do discurso
precedente e um fabuloso recurso de veiculação de conteúdos avaliativos e
esperam que seus interlocutores, devido aos conhecimentos compartilhados,
também acreditem nessa veracidade.
Pelo princípio da iconicidade sabemos que a estruturação é orientada
pelos propósitos do falante. A conseqüência e/ou efeito do uso do dêitico
87
Não percebemos concretamente que o dêitico discursivo assim, por si mesmo, contenha
qualquer teor informativo que relacione os movimentos de anáfora e catáfora as informações, à
maneira do que ocorre, por exemplo, com os demonstrativos, mas reconhecemos nele um
poder mobilizador-detonador de um movimento que realmente retroage e propulsa. Os termos
retroagir – guiar a atenção para trás e propulsionar – guiar a atenção para frente, são utilizados
por Tavares (2003, p.20) para definir o movimento da seqüenciação anafórica-catafórica.
88
Em Neves (2000), encontramos o item assim desempenhando a função anafórica e
catafórica respectivamente de acordo com os exemplos a) “Não custa muito dizer “sim senhor,
padrinho.” No meu tempo de rapaz era assim que se dizia”; e b) “medida de tamanho alcance
tomada assim de afogadinho explica-se pelas circunstâncias do momento”. No entanto, a
autora não registrou nenhum assim anafórico e catafórico simultaneamente em um mesmo
contexto.
141
discursivo assim é percebida quando o falante, por exemplo, depois de expor
seu argumento (casado é no papel), marca a idéia de conseqüência ou
conclusão (“assim é ajuntado, num é?”). Caracteriza-se, dessa forma, uma
sucessão lógica, em que aquilo que vem antes constitui razão para o que vem
dito depois. O assim, além de introduzir o acréscimo de informações ao texto,
enquanto marca as idéias de explicação e conclusão, faz com que o texto
progrida discursivamente. Tal procedimento autoriza esses elementos a se
comportarem, efetivamente, como orientadores cognitivos, pois auxiliam os
interlocutores a relacionar os enunciados entre si.
Neste sentido, urge mencionar que os dêiticos discursivos assim”
resumitivos bidirecionais, motivados pelo contexto, estabelecem uma relação
de implicação entre a proposição anterior e a conseqüente (relação de
inferência: a primeira é a premissa e a segunda conclusão). Esse uso, na
verdade, ocorre quando um falante estabelece uma relação coesiva de
continuidade e consonância entre informações que se sucedem no discurso.
Funcionam, portanto, como um nexo semântico de causa-conseqüência, uma
vez que executam uma remissão dupla (para trás e para frente).
Esse comportamento remete-nos a Carone (1988, p. 59) que argumenta
que os itens lingüísticos “além disso, assim, então, aliás”, situam-se na faixa
de transição de advérbio para conjunção. Como termos híbridos, participam da
natureza do advérbio e da natureza da conjunção: exprimem várias
circunstâncias, mas se comportam como elementos de coesão, a caminho de
cristalizarem-se ou, preferencialmente, gramaticalizarem-se como conjunções
89
coordenativas. É o que parece ocorrer nos casos discutidos aqui.
A fluidez categorial do assim encontra justificativa nos processos de
gramaticalização que deram origem ao item. Como bem postula Said Ali
(1964), a maior parte das conjunções resultou de adaptações e combinações
de palavras de outras categorias, principalmente da classe dos advérbios.
É curioso notar que Cunha (1985), que se filia à tradição gramatical,
reconhece a atribuição de valores de assim que exprimem, além da idéia de
modo, a idéia de conseqüência ou conclusão, entre os segmentos. Nessa
acepção, no entendimento do autor, assim é uma conjunção coordenativa e
89
Câmara Jr. (1976, p. 123) argumenta que alguns advérbios podem fixar-se no estado atual
da língua como conjunções.
142
pode ser parafraseado por portanto, por conseguinte, apresentando as
seguintes características: aparece entre pausas, faz remissão às informações
do período precedente, pesando-as, para então introduzir uma conclusão.
Cumpre ressaltar, todavia, que mesmo reconhecendo essa possibilidade
de atuação de assim, distinta das de modo, Cunha não a valoriza enquanto
objeto de análise, talvez por não haver consenso a respeito do estatuto
conjuncional desse vocábulo ou por encontrar uma forte resistência dos
gramáticos que, numa visão estanque das categorias, fingem não perceber a
fluidez da língua em uso. Acreditamos que isso se deve, principalmente, ao fato
de que, em certas situações, embora assim associe um argumento a uma
conclusão, tal como uma conjunção conclusiva, ele o reúne todas as
propriedades que lhe garantam o pertencimento ao rol das conjunções
prototípicas (NEVES, 2002)
90
.
Ao fechar as observações em relação a essa subfunção, chamamos a
atenção para mostrar que nesses casos o assim funciona como conector,
tangenciando a categoria de conjunção, ratificando nossa hipótese fundamental
sobre a influência do fenômeno da dêixis discursiva sobre a categorização
desse item.
4.2.2.3 Dêitico discursivo “assim” temporal
O elemento lingüístico assim com função temporal, situação na qual
aparece conjugado à partícula “que”
91
, foi pouco recorrente nos dados
analisados em João Pessoa, com apenas 0.49 % de freqüência. Segundo
Martelotta, Nascimento e Costa (1996), em textos arcaicos, o “assim que”
90
Esta autora apontou, através de itens todavia, contudo, entretanto, no entanto,
portanto, por conseguinte, dentre outros, que não é difícil entender que elementos adverbiais
usados para coesão seqüencial do texto passem a conjunções. Estudos referentes a nguas
diversas mostram que muitos advérbios estão em fase de transição, uns mais próximo, outros
mais distantes da plena gramaticalização como conjunções.
91
Encontramos alguns exemplos com assim que” que não indicam temporalidade.
Acreditamos que, talvez, seja um problema provocado pela transcrição da entrevista. No
trecho, a seguir, não seria, pois, assim que”, mas assim (pausa) que”, vejamos: “[...] foi uma
época assim que
a família da gente tava passando uma certa dificuldade” (V.L.B., p. 11).
Observamos, todavia, que em relação à posição sintática, o assim que”, indicando ou não
temporalidade, aciona uma oração adjetiva.
143
expressava, além da temporalidade
92
, a idéia de conseqüência. No português
moderno, no entanto, prevalece a indicação de temporalidade, como
comprovam nossos exemplos abaixo, reiterando os resultados dos autores:
(42)
I:[...] o que eu [a] assim que minha mãe chega a primeira coisa
que ela vem falar é deu. Aí por isso que eu não gosto [...]
(M.H.S., p. 109, v.II)
(43)
I: Eu eu assim que eu terminei o curso pedagógico, eu vim a
prefeitura, + assim que eu terminei o curso, em setenta em <seten>
eu comecei trabalhar em setenta e nove. (R.T.O., p. 134, v.V)
(44)
I: [...] Teve problema de coração, depois ela teve sarampo,
quando, assim que tava ficando boa do do coqueluche ela teve
sarampo, + no que ela teve sarampo, ela teve uma parada
cardíaca[...] (R.A.M.,p. 148, v.III)
Nos casos expostos, os dêiticos discursivos assim que” funcionam
como articulador de porções discursivas (podem ser substituídos por “logo
que
93
”), ligando ações que se sucedem em uma linearidade temporal, atuando
também como conector. As expressões “assim que iniciam oração que
expressa uma noção temporal de proximidade imediata em relação à principal.
Em outras palavras, um evento ocorre imediatamente depois de outro,
evidenciando uma idéia de seqüencialidade de tempo. Notamos, então, que
esses assim que”, atuando como dêiticos discursivos, acionam um
seqüenciamento icônico
94
, isto é, a causa precedendo o efeito, conforme o
pressuposto da seqüencialidade temporal:
92
Martelotta, Nascimento e Costa (1996) informam que as formas assy ~ assi, seguido da
conjunção que, passa constituir, no português arcaico, uma conjunção temporal: “E andarom
aquelle dia e outro sem aventura achar, assi que ûu dia lunes lhes aveo demanhãa que
chearom a ûa cruz que (se) parti(r)a em duas carreiras; e aquella cruz stava a entrada de ûu
gram chão. (Dem., Cap. LXIII, I. 09-12)”.
93
Alguns autores, (Bechara, 1999; Rocha Lima, 1996; Cunha, 1985), frisam que certos
advérbios, como o assim, logo, antes, precedem o transpositor “que” para marcar a
circunstância, formando o que a gramática tradicional denomina de locuções conjuntivas
temporais.
94
Para Dik (1997), o seqüenciamento icônico evidencia a coerência do discurso: a ordem de
colocação de certos itens é reflexo da ordem desses itens na realidade ou na concepção da
realidade. Essa ordem é baseada em princípios naturais ou cognitivos, tais como: causa/efeito;
evento/resultado; condição/conseqüência.
144
no fragmento (42), a falante queria enfatizar o aspecto de sua mãe, no
momento em que chega em casa (CAUSA), reclama imediatamente dela
(EFEITO);
em (43), a informante tem a intenção de afirmar que logo após a
conclusão do curso pedagógico (CAUSA), começa a trabalhar na prefeitura
(EFEITO) e
na situação (44), a falante, ao relatar as doenças que acometeram sua
filha, chama a atenção do interlocutor para o fato de quando a menina
apresentava alguma melhora (CAUSA), logo em seguida estava com outra
doença (EFEITO).
O significado do item é, pois, constituído no contexto de acordo com os
propósitos do falante. Na verdade, é o grau de importância da informação que
determina a ordem no uso das formas no texto. Esses exemplos revelam o
fenômeno da iconicidade relacionado à ordenação dos elementos na cadeia
sintática. Nesses casos, temos o chamado subprincípio de ordenação linear
(Givón, 1990), segundo o qual a ordenação das orações no discurso tende a
espelhar a seqüência temporal em que os eventos descritos ocorrem.
Desta maneira, o eixo da anterioridade/posterioridade presente está
relacionado à concepção da realidade de mundo imposta pelo falante: no (42)
na parte primeira do enunciado, a chegada da mãe e na segunda, a
reclamação; no (43) na primeira parte, o término do curso pedagógico e na
segunda, início do trabalho; no (44) na parte primeira, a melhora de uma
doença e na segunda, o acometimento de outra enfermidade.
Percebemos, além disso, que os “assim que” exercem um procedimento
dêitico discursivo uma vez que tem como propósito angariar a atenção dos
destinatários, promovendo a orientação/ordenação temporal dos segmentos do
discurso.
145
4.2.2.4 Dêitico discursivo “assim” comparativo
É muito comum a junção do elemento assim à partícula “como”, no
português atual, para expressar comparações
95
. O assim, acompanhado da
partícula “como”, todavia, assumiu um valor conformativo, como postulam
Martelotta, Nascimento e Costa (1996), em textos do português arcaico
(Crestomatica Arcaica, de Nunes (1943)). Cumpre ressaltar, porém, que tal
função não foi flagrada no nosso acervo, corroborando resultados controlados
pelos autores no corpus, composto por amostras de fala e de escrita, do projeto
Discurso & Gramática
96
.
De modo semelhante ao assim temporal, o assim comparativo
97
,
manifestando-se como dêitico discursivo, também apresenta uma baixa
freqüência, ocorrendo 12 vezes, (0.37%) na amostra analisada. Os excertos
abaixo ilustram tais usos:
(45)
E: O que você sente nesses momentos?
I: “Ah, eu acho que isso aí, isso pra um pai de família assim como
eu, isso é muito triste, né? Na vi na um pai de família chegar a
noite e num ter o que comer. Isso aí é de cortar o coração [...]
(A.F.D., p. 49, v.I)
(46)
E: O que você faria pelas pessoas da rua?
I: “[...] Se eu fosse o presidente da República eu faria um [cu] assim
essas casas casa bem, um casarão bem grande. Agora, um não,
em cada cidade:: um umas duas, nas cidade maior, assim como São
Paulo, Rio fazia umas três, então ali procuraria trabalhão pra quem
ta desempregado [...] (I.M.S., p. 126,v.V)
95
Segundo Barreto (1999, p. 417) o advérbio assy ~ assi associado à conjunção come ~
como origem à conjunção comparativa assy come ~ assy como, empregada desde o séc.
XIII: “Quando alguê morrer sen manda, os yrmaos igualmête erdê conos yrmaos assy na boa
do padre come da madre come ena dos outros parentes se forê en ygual grao. (FR, liv. III,
I.496-8)”.
96
Conjunto de entrevistas gravadas por falantes do Rio de Janeiro, de Juiz de Fora e do Rio
Grande do Norte, organizado por pesquisadores da UFRJ, da UFF, da UERJ e da UFRN.
97
Notamos, mais uma vez, que a posição sintática mais freqüente do assim como” é entre o
nome e o seu complemento (por exemplo, a contextualização (45)) e entre o verbo e seu
complemento (trecho 47).
146
(47)
I: [...] Mas que eu morando no meu canto, ela vai lá, ela
fala comigo. Agora ela num briga, o me esculhamba assim como
ela me esculhambava. Ela num diz que é avó do meu filho [...]
(M.H.S., p. 104, v.II)
Nos excertos (45), (46) e (47), percebemos a presença do dêitico
discursivo assim sendo usado como estratégia de progressão discursiva,
quando retoma, não pontualmente, a idéia anteriormente mencionada
estabelecendo um contínuo tópico. Ademais, funciona comparativamente
quando, em:
(45) compara o informante com um pai de família, “assim como eu”, que
se comove ao perceber que não tem mais comida em casa;
(46), compara São Paulo e Rio de Janeiro com uma cidade grande
(cidade maior, tal qual/ assim como São Paulo e Rio) e em;
(47), compara o modo como a falante era humilhada/esculhambada pela
sogra antigamente e que, no momento, não é mais (“não me esculhamba
assim como ela me esculhambava”).
Em alguns casos, a construção assim como” se desfaz, e o dêitico
discursivo assim pode aparecer sozinho indicando ainda comparação,
conforme o fragmento a seguir:
(48)
I: Paro, olhando assim feito um abobalhado. (H.B.C., p.
42,v.IV)
Nesse trecho, apesar de não aparecer o item ‘como’, o próprio
informante se compara com um ‘abobalhado’, ou seja, ficando assim como um
abobalhado, sendo o termo ‘feito’ equivalente a ‘como’.
Ao reconhecer o papel dos falantes/ouvintes e a maleabilidade da
língua, os estudiosos das lingüísticas funcional e textual colocam em evidência
as forças cognitivas que atuam no indivíduo no momento concreto da
comunicação. Para eles, a significação não se baseia numa relação entre
símbolos e dados do mundo real, de vida independente; e as palavras
assumem suas funções no contexto, o que implica a noção de que os usos dos
147
itens lingüísticos decorrem de padrões criados culturalmente, ou seja, são
motivados; surgem para satisfazer as necessidades comunicativas do homem.
Apesar das expressões assim como, dos exemplos supracitados,
comportarem-se como dêiticos discursivos, isso quer dizer, cumprirem a
estratégia de progressão discursiva, percebemos que suas retiradas não
prejudicam a idéia de comparação que os informantes pretendiam, uma vez
que o item ‘como’ exercerá tal finalidade. O que nos parece, contudo, é que
esse termo, sozinho, não mais reflete claramente a comparação, necessitando,
pois, estar conjugado ao assim para suprir a necessidade do falante em
expressar essa intenção.
Da mesma forma que ocorre com o dêitico discursivo “assim”
temporal, acreditamos que o dêitico discursivo assim, agindo
comparativamente, está vivenciando um processo de mudança por
gramaticalização, conforme veremos na subseção 4.3.
4.2.2.5 Dêiticos discursivos “mesmo assim/ assim mesmo”
inclusivo
98
Através da linguagem, o homem interage socialmente e externa suas
(pré) intenções, experiências e desejos. Nessa perspectiva, quando o falante
faz uso do dêitico discursivo “mesmo assim” o faz revestido com a intenção
de expressar ênfase: “Mesmo assim” guia a atenção do interlocutor, numa
espécie de busca retroativa da idéia referida difusamente, criando uma
expectativa comum para a continuidade da seqüência informativa. Vejamos:
(49)
E: Como é o relacionamento com os vizinhos?
I: “Têm duas mulher aqui que num presta, não. [...] Uma é safada!
Desbocada! A gente num pode passar que ela fica soltando pilera,
sabe? Fofocando da vida da gente. Se a gente chega tarde do
trabalho, ela diz que a gente tava arrumando homem. Oxe! Isso é
98
Alguns autores, a exemplo de Bechara (1999) e Neves (2002), apoiando-se na decisão da
NGB, mencionam o emprego do item mesmo’ como palavra denotativa de inclusão, na classe
dos advérbios. Para uma interpretação mais aprofundada desse item, ver Santos (2004).
148
negócio que ela diga; ela num tá vendo! E ela também, mesmo
assim ela num tem nada a ver, né? (M.L.S., p. 94, v. I)
(50)
I: E vai chegar muito tarde. ela pega e pede pra eu ficar lá,
pra num ficar sozinha com os menino dela, né?
E: Hum, hum.
I: Aí, só mais tempo de a das sete, mas mesmo assim é
correndo, né? E tem que botar a janta, tem que lavar os prato, pra
poder pegar o ônibus. (M.L.S., p. 98, v.I)
(51)
I: [...] pessoa que tem o que tem fé em Deus num faz jamais,
faz isso, porque levantando mal a si mesmo, né? porque jamais
Deus levantou falso a ninguém. Ele sofreu muito, mais jamais Ele
julgou a vida de nenhum (hes.) como é que diz? De nenhum
apóstolo dEle, né? que são que era (hes.) como nóis, nóis num somo
vizinho? Mesmo assim era eles, eles eram os amigo, né?.
(I.M.S., p. 136, v.V)
À primeira leitura, em todas as ocorrências grifadas, os “mesmo assim
operam conectando informações, posição em que a função relacional de cunho
concessivo é claramente ativada. Entretanto, a ação de “mesmo assimcomo
relacional concessivo confunde-se com sua ação como inclusivo, quando:
na ocorrência (49), a informante, indignada, afirma que sua vizinha não
deveria inventar ‘histórias’ mentirosas a seu respeito, e mesmo/inclusive se
fossem verdadeiras, não é assunto para uma vizinha se importar, pois é algo
de foro pessoal: “mesmo assim ela num tem nada a ver”;
em (50), quando a falante diz que apenas tem tempo para assistir à
novela das sete horas, por ainda está no trabalho. Mesmo/embora assistindo a
essa novela, ela o faz de forma rápida, não disponibilizando de tempo para
observar os detalhes do enredo em si, uma vez que tem a obrigação de servir o
jantar: “mas mesmo assim é correndo né? E tem que botar a janta, tem que
lavar os prato”.
Cumpre notar que, paralelo ao valor inclusivo, vistos nos trechos acima,
prevalece, de forma implícita, o caráter concessivo do dêitico discursivo
“mesmo assim” que acreditamos estar condicionado às influências dos
contextos cognitivo e sociocomunicativo dos informantes.
149
É importante ressaltar, porém, que no fragmento (51), o dêitico
discursivo “mesmo assim denuncia outro sentido
99
. Em outras palavras, a
vocação de igualdade é sugerida, evidenciando uma comparação entre dois
termos: a informante frisa que da mesma forma que Deus não julgou a vida dos
apóstolos, não vai julgar a vida dos vizinhos: “[...] nóis num somo vizinho?
Mesmo assim era eles". Esse exemplo reforça o sentido do dêitico discursivo
assim agindo comparativamente, analisado na subseção anterior; como
também mostra uma comparação de igualdade/semelhança, valor que está
subjacente ao termo “mesmo”, isto é, significado que consta de sua base
semântica.
A inversão de “mesmo assimpara assim mesmo” reflete um recurso
criativo na língua. Para as lingüísticas textual e funcionalista isso está
relacionado às circunstâncias discursivas nas quais essas expressões são
geradas pelos falantes. No momento em que são empregadas, os
interlocutores não demonstram dificuldades para capturar os sentidos que
afloram dessa inversão no discurso, distinguindo, intuitivamente, quando o item
lingüístico em foco, mesmo invertido, significa inclusão e/ou concessão;
funções também encontradas nos dêiticos discursivosassim mesmo”:
(52)
I: [...] Menino pertuba demai! Menino abusa demais! A gente só
fica no maior sufoco em caso de doença, a gente se aperreia,
tudinho, mas eu adoro meus filho assim mesmo, nem por isso eu
vou desprezar ele porque eles mim aperrearam na infância.
(S.M.P.S., p. 146, v.III)
(53)
I: [...] então era melhor ter apanhado logo, de que passar a
noite todinha no frio, no de caju. Riscado a cair, quebrar um
braço, era pior. Mas assim mesmo a gente num escapou da [pi] da
pisa do meu pai não. Terminemo0 apanhando. (J.S., p. 51,
v.I)
99
Os elementos lingüísticos não significam isoladamente, o significado é codificado em um
enunciado como um todo integrado e é alcançado por meio de escolhas que os falantes fazem
frente às escolhas que poderiam ter sido feitas: a escolha de um item pode significar uma
coisa; e sua combinação com outro elemento, outra coisa, como percebemos no exemplo (51)
com o mesmo assim.
150
Percebemos que os usos dos assim mesmo”, nas situações acima,
constituem ocorrências dêitico-discursivas, pois relativizam o processo de
retomada à medida que as informações referidas não estão pontualizadas, mas
diluídas do discurso antecedente. Acrescentamos a isso o fato de os assim
mesmo” ainda expressarem um caráter de inclusão e concessão tal qual
comentado anteriormente com o “mesmo assim”, impulsionando a progressão
do discurso, vejamos:
no caso (52), a informante assevera que apesar de se “aperriar” muito
com seus filhos: “menino pertuba demai! Menino abusa demais!”, os ama
incondicionalmente como faz toda boa mãe. A expressão “assim mesmo”,
portanto, age como conector reiterativo. Podemos notar que essa expressão
pode, também, sugerir maneira/modo. Sabemos que esse significado está
atrelado semanticamente ao item assim. Logo, nesse exemplo, a informante
ao usar o assim mesmo” poderia enfatizar que apesar da ‘pertubação’ que os
filhos provocavam, os adorava de qualquer modo/maneira.
no (53), o assim mesmo” está a serviço do enunciado imprimindo
também uma idéia de inclusão/concessão, ou seja, a falante afirma que passou
a noite toda no pé de caju, mas “também” não escapou da surra do pai.
Acreditando que o significado de qualquer elemento lingüístico é
constituído no contexto de acordo com os propósitos do falante, podemos
advogar que a inversão do dêitico discursivo “mesmo assim” para assim
mesmo” atende plenamente às intenções do falante que desejavam continuar
enfatizando, o aspecto concessivo/inclusivo no seu discurso. É bom lembrar
que a opção de usar uma ou outra expressão tem um caráter subjetivo
implícito, denunciando influências sócio-culturais ou do contexto interativo.
Sendo uma atitude seletiva, a opção tem um caráter icônico.
Os usos de “mesmo assime/ou assim mesmo” nesses contextos, não
apenas revelam a competência cognitiva dos falantes no processamento das
informações veiculadas por eles, como, ainda, fixam uma ordem no discurso,
na medida em que a unidade que ele introduz é sempre posterior a uma
unidade antecedente, com a qual é estabelecida uma relação de dependência
e/ou sucessividade, ou seja, essas expressões podem agir como conector,
quando medeiam a passagem de um segmento a outro.
151
Convém afirmar que esses dois valores se acham bastante interligados,
estando presentes, ambos, em 2.71%, isto é, 88 ocorrências. Destaco, a
seguir, outro uso do assim mesmo”, motivado pela ixis discursiva,
expressando, todavia, o sentido de modo/maneira:
(54)
I: [...] ele desarruma as coisa que <vai ter eu que> arrumar tudo
de novo. Eu digo assim: “homem bom é assim mesmo. Homem
safado é assim mesmo”, ele diz desse jeito: “É tu que me
chamando de safado? [...] (M.H.S., p. 121,v.II)
A informante, como uma competente usuária da língua, ao empregar o
assim mesmo”, como estratégia comunicativa, o faz com a intenção de
recuperar informações difusas no discurso anterior para concluí-las
posteriormente, tais como: o marido da entrevistada desarruma as “coisas”; a
informante é quem arrumar tudo em casa etc.
O trecho acima, então, exemplifica bem, através do dêitico discursivo
assim mesmo”, a saliência dos referentes à proporção que faz um
“amarramento” textual das porções de informação progressivamente liberadas
ao longo da fala, e, no encaminhamento da perspectiva assumida em relação
ao assunto, no ato interacional. Essa construção facilita, para o interlocutor, a
recepção do discurso que está se construindo e a ênfase desejada pela
informante de descrever o modo/maneira que caracteriza um homem safado,
ou melhor, aquele que não ajuda a esposa nos trabalhos domésticos: só
“desarruma as coisa”.
Os “assim mesmo” e “mesmo assim”, encontrados na nossa amostra,
atuando como dêiticos discursivos, evidenciam possibilidades produtivas de
usos decorrentes da prática intencional e criativa dos falantes e ouvintes ao
interagir uns com os outros. No caso da inclusão, é evidente a intenção do
usuário de ressaltar um determinado assunto, alçando-o a um ponto de
destaque no seio do enunciado. Essa constatação reitera nossa hipótese
básica da multifuncionalidade do item assim e a possibilidade de sua
categorização como conector sob a influência da dêixis discursiva.
Buscamos indícios, de fato, que comprovam que os dêiticos discursivos
assim mesmo e mesmo assim, desses exemplos, o remissivos, não
152
retomando um referente latente ou expresso, mas as idéias difusas nas
proposições que os precede; ao mesmo tempo em que agem como nexo,
relacionando essas idéias com a informação que vem a seguir, semântica e/ou
pragmaticamente. Na subseção seguinte, analisaremos o terceiro e último
subtipo de dêitico discursivo: o dêitico discursivo da memória.
4.2.3 Dêitico discursivo da memória
100
Os dêiticos discursivos motivados pela memória chamam a atenção
do destinatário para um elemento do discurso sob um aspecto pertencente ao
conhecimento partilhado. De acordo com Cavalcante (2000), não se referem
pontualmente, no entanto resumem porções dispersas do discurso, de tal modo
que, mesmo quando sinalizam para algo na memória comum (natureza sócio-
cognitiva), ainda retomam o que já se manifestou difusamente em pontos
anteriores do discurso. Por isso, é natural que as ocorrências desse tipo de
dêitico discursivo sejam muito freqüentes, com 9.35%. Encontramos duas
subfunções para o elemento assim, motivadas pelo conhecimento
compartilhado: o assim funcionando como dêitico discursivo especificador e
como itico discursivo quantificador. Analisemos o primeiro tipo de dêitico
discursivo: o especificador.
4.2.3.1 Dêitico discursivo “assim” especificador
Ao adquirimos uma língua, fazemos muito mais do que simplesmente
dominar formas. Dominamos, também, os usos comunicativos nas práticas
sociais. Isso quer dizer, que as possibilidades de apontar outras nuanças para
o item assim surgem se prestamos atenção às sutilezas semânticas que esse
elemento aciona no contexto discursivo. Sabemos através da literatura
pertinente, que no processo de gramaticalização, atua um princípio cognitivo
específico – princípio de exploração de velhas formas para novas funções
100
Apothéloz (1995) designa ‘dêixis de memória’ explicando que o referente evocado é tão
evidente pra o enunciador que é como se já tivesse sido mencionado no contexto. O
destinatário tem a impressão de que a informação lhe é imediatamente acessível, não obstante
se tratar de um processo referencial in absentia.
153
(HEINE, CLAUDI e HÜNNEMEYER, 1991). Com base nesse princípio,
podemos dizer que conceitos concretos são mobilizados para o entendimento,
explanação e descrição de um fenômeno menos concreto. É o que parece
ocorrer com o elemento assim agindo como dêitico discursivo
especificador
101
, que detalha um enunciado que está por vir com a finalidade
de estabelecer um esclarecimento maior sobre o assunto tratado.
No momento em que o dêitico discursivo “assim” especificador é
solicitado, ele realiza, de modo semelhante ao dêitico bidirecional, um
movimento duplo
102
: ao mesmo tempo em que volta para o enunciado passado,
direciona também a atenção do ouvinte para especificar/explicar um conteúdo
proposicional vindouro. Em outras palavras, ele ‘olha para trás’ e ‘aponta para
frente’. Esse uso revelou-se produtivo, com 9.05 % de ocorrências distribuídas
da seguinte maneira: 8.71% de “assim” especificador e 0.34% de
ocorrências do “tipo assim”, nessa subfunção. Vejamos os fragmentos do
primeiro caso:
(55)
I: Fui criada com a minha avó, trabalhando na enxada, lutando
com bicho [...] Fui criada assim, sem amor de pai, de mãe, nunca
tinha amor de ninguém, era praguejada, [chama] ela chamava muito
nome comigo e [...] (I.M.S., p. 128, v.V)
(56)
E: Conte alguma aventura da infância, uma coisa bem
marcante assim.
I: Marcante :: quando eu fui:, a muito tempo atray, eu fui :: de
bicicleta pra Jacumã cum eles, né? cum meus dois irmãos, :: se
perderu na volta [...]
101
Hilgert (1996, p. 132) considera esse tipo de expediente lingüístico uma paráfrase, ou seja,
um enunciado lingüístico que reformula um enunciado anterior, com o qual mantém uma
relação de equivalência semântica, em maior ou menor grau. Koch (2000, p. 97) prefere o
termo reconstrução, pois, segundo ela, existe uma “reelaboração da seqüência discursiva,
que provoca também uma diminuição de ritmo no fluxo informacional, com a volta de
conteúdos veiculados, ou seja, é como se ocorre uma ‘patinação’ na progressão discursiva.”
Repetindo ou parafraseando o que foi dito.
102
Silva e Macedo (1996) advogam que o item assim, nesses contextos, assume um valor de
“anunciador de complemento”, pois serve para marcar uma ruptura antes do início de um
complemento. Martelotta (2004, p. 134) prefere denominar, esses tipos de ocorrências com o
assim, de “reformulador”, uma vez que “o falante, tecendo de modo improvisado o seu
discurso, usa o item assim para dizer melhor (ou mais detalhadamente, ou mais
explicitamente) o que foi dito antes”. Os autores, Silva e Macedo e Martelotta, afirmam que
esse item apenas atua cataforicamente, fato no qual discordamos, uma vez que acreditamos
que ele age bidirecionalmente, como mostram nossos exemplos e análises.
154
(A.F.D., p. 146, v.I)
(57)
E: Como a senhora é tratada no trabalho?
I: Essa qu´eu me trata muito bem. Eu me0mo não tem eu como
uma empregada, tem eu como uma família, uma tia assim. Ele0 me
tratam muito bem. (J.R.M., p. 172, v. I)
(58)
[...] O Rei do Gado eu gosto, que tem aquele homem bonito,
né? Antônio Fagundes?
E: Hum, hum.
I: Vixi! Aquele homem é tão bonito! Coroa assim inteiro, né? Eu
gosto, gosto muito. (M.L.S., p, 97, v.I)
Os assim, das situações apresentadas, se comportam como dêiticos
discursivos da memória por monitorarem o foco de atenção dos participantes,
se referirem à ação previamente mencionada no contexto, como também por
convidarem o ouvinte a lembrar-se de muitas outras semelhanças, cujo
conhecimento os interlocutores partilham. Percebemos, ainda, que todos os
itens assim, supracitados, caracterizam-se por especificar/explicitar, mais
apuradamente, os detalhes da informação que vem sendo desenvolvida pelos
falantes, fazendo o texto progredir para assegurar unidade na abordagem
temática. Logo, os “assim” especificadores geram uma expectativa para o
que vai ser dito, pois direcionam a interpretação para uma e o outra idéia de
conclusão, criando um efeito de enfatização do conteúdo proposicional:
em (55), a informante progride seu texto ao usar o assim, constituindo
uma manifestação dêitico-discursiva, quando expõe os motivos que justificam
sua carência. Tentando aprofundar a discussão, pormenoriza a sua
lamentação, a ausência de amor na infância, pelos membros da família: “fui
criada assim, sem amor de pai, de mãe, nunca tinha amor de ninguém”;
em (56), o dêitico discursivo assim remete ao tema “aventura de
infância”. Ao usar a expressão “coisa bem marcante assim”, o enunciador
considera que os interlocutores constroem de imediato um quadro mental
envolvendo brincadeiras de infância, lembrança dos pais, dos amigos etc;
“coisas” que, através do conhecimento culturalmente compartilhado,
caracterizam os acontecimentos pelos quais todos, na maioria das vezes,
155
passam na infância. Notamos, então, que o itico discursivo assim
especificador, além de revelar que o falante pressupõe um conhecimento de
mundo compartilhado pelo destinatário, incita esse último a resgatar, de sua
memória, as idéias dispersas sobre a infância;
a manifestação (57) vai na mesma linha do anterior, quando observamos
que o itico discursivo assim especificador não remete apenas aos nomes
“família” e “tia”, mas para as entidades em si, situadas no nosso conhecimento
de mundo. Desta forma, para entendermos a intenção da falante, precisamos
apelar para o que sabemos sobre nossas relações culturais no âmbito familiar.
Ser “tia”, ou seja, pertencer à família pressupõe uma séria de boas qualidades:
inclusive ser respeitada, tratada com carinho e consideração. E era isto que a
informante enfatizava/especificava quando se referia ao comportamento das
pessoas no seu ambiente de trabalho;
na ocorrência (58), notamos que o assim, funcionando como dêitico
discursivo especificador recupera a informação anterior, acionando a
apreensão do sentido “coroa assimque é estabelecida com o suporte de
conhecimento de mundo, de estereótipos culturais partilhados entre os
interlocutores. O saber lexical que vincula “coroa”, muitas vezes, sozinho, não é
suficiente. A interpretação é alcançada plenamente através das relações de
sentido que os termos contraem, somados aos conhecimentos enciclopédicos
sobre a idéia de homem experiente e em pleno vigor físico, tal como é um
“coroa assim”.
Como podemos observar nos exemplos, os dêiticos discursivos assim
especificadores funcionam ativando um saber compartilhado. E por se
tratarem de conhecimento partilhado, os falantes automaticamente os
assumem como conhecidos por seus ouvintes e, logo, imaginam que todos os
membros da mesma comunidade cultural possam facilmente acessá-los,
permanecendo implícitos no uso da linguagem.
Os assim, descritos acima, comportando-se como dêiticos discursivos
especificadores, são, pois, importantes elementos para remeter a várias
pistas do contexto, sem retomar exatamente nenhuma; o referente é construído
por inferência, como comentamos, num apelo ao conhecimento cognitivo
partilhado pelos intervenientes.
156
Segundo Castilho e Castilho (1993, p. 222), as manifestações
supracitadas, são enquadradas nos termos dos modalizadores epistêmicos
quase-asseverativos, tendo em vista que podem ser expressos por itens como:
“talvez, assim, possivelmente, provavelmente, eventualmente” e apresentam
regularidade posicional, ocupando, preferencialmente, a posição entre verbo e
complemento ou dentro do grupo nominal. Vejamos os excertos desses
autores:
(59)
eu acho que brasileiro.... não tem assim bons hábitos à mesa.
(Nurc-RJ-01)
(60)
era uma farinha misturada com água... eles fazem assim uma
espécie de uma::...um melado. (Nurc-RJ-01)
Os modalizadores epistêmicos quase-asseverativos, no entendimento
dos autores, indicam que o falante, ao emitir o seu discurso, considera-o quase
certo, próximo à verdade, como uma hipótese que depende de confirmação, e
por isso mesmo ele se furta a toda responsabilidade sobre a verdade ou a
falsidade da proposição.
A análise da Conversação, conforme Castilho e Castilho (1993, p. 243),
tem descrito o assim com caráter quase-asseverativo como um preenchedor
de silêncio “por não saber o que dizer, o interlocutor “recheia” o vazio
conversacional com esse item”
103
. Feitos esses comentários, até pensamos em
incluir os “assim”, atuando como dêiticos discursivos especificadores, da
nossa amostra, no quadro dos marcadores discursivos. Entretanto,
observamos que eles apresentavam, também, a característica do movimento
remissivo bidirecional concomitantemente, estabelecendo uma relação coesiva
de seqüência entre enunciados, de modo que o primeiro enunciado servia de
base para o que estava presente no segundo.
Assim sendo, optamos por enquadrá-los no tipo dos dêiticos
discursivos “assim” resumitivos bidirecionais. Porém, mais uma vez não
logramos êxito, pois nessa subfunção os dêiticos discursivos assim não podem
ser excluídos da proposição, diferentemente dos dêiticos discursivos
103
Não concordamos com o fato de um falante não saber o que dizer. Nos casos onde é
preciso “rechear o vazio conversacional”, preferimos destacar o efeito pragmático que esse
item pode acionar.
157
“assim” especificadores que, retirados, não causam prejuízo para o
entendimento do conteúdo
104
, reexaminemos os casos (55) e (40):
(55)
I: Fui criada com a minha avó, trabalhando na enxada, lutando
com bicho [...] Fui criada XXXX, sem amor de pai, de mãe, nunca
tinha amor de ninguém, era praguejada, [chama] ela chamava muito
nome comigo e [...] (I.M.S., p. 128, v.V)
(40)
I: Ela num é casada no papel não, né? Que nem o povo diz. Ela
foi morar com o namorado dela, né? Que agora é o marido dela, né?
O povo diz que casado só é no papel, XXXX é ajuntado, num é? Mas
pra mim a pessoa morou junto com outro tá casado. (M.L.S., p. 95,
v. I)
No fragmento (55), a omissão do “assim” especificador não interfere
na significação daquilo que a informante argumenta. em (40) não podemos
asseverar o mesmo. A ausência do “assim” resumitivo bidirecional acarreta
uma quebra na progressão do discurso, prejudicando as intenções desejadas
pela falante, isto é: as idéias de resumo/conclusão do assunto. Sua presença,
portanto, é importante uma vez que estabelece uma relação coesiva entre
proposições integradas em um mesmo conjunto de referentes que formam um
dado tópico. Analisaremos, a seguir, outro recurso utilizado pelo falante para
também expressar especificação no seu discurso, o uso do “tipo assim”:
(61)
E: Você faria alguma coisa pelos seus vizinhos?
I: Fazia. O que fosse bom pra mim eu fazia. Fazia muitas coisa.
Ajudava.
E: Tipo o quê?
I: Tipo assim: porque tem muitos vizinho que pela frente falando
com a gente e por detrás fica falando da pessoa. O que eles quer é
isso. Só que a gente vai cortando de um por um, deixando de falar
[...]” (M.H.S., p. 103,v.II)
104
O dêitico discursivo assim especificador pode até gerar a impressão de estarmos diante de
um elemento descartável, que parece de sobra na fala; e realmente sua eliminação não traz
prejuízos, de uma perspectiva sintático-semântica. Porém, basta excluí-lo para percebermos
quantas pistas se perdem sobre a orientação que o falante dá ao seu discurso.
158
(62)
I: [...] o dinheiro é muito importante na vida. E eu sou do tipo
assim que eu num sou ambiciosa não, sabe, sou:: Ranieri diz que eu
sou, gosto muito de gastar [...] (V.E.F., p. 155, v.IV)
A expressão “tipo assimno exemplo (61), imprime características aos
vizinhos da informante que apresentam comportamentos diferenciados,
dependendo da ocasião na qual se encontram. Em (62), a expressão evidencia
as qualidades da falante que acha importante ter dinheiro para gastar. O uso
do “tipo assim”, além de especificar/qualificar o modo de ser dos vizinhos e da
informante respectivamente, contribui para que o texto, de ambas, progrida,
uma vez que a prospecção se deve à propriedade que tem o item assim,
indicial, de fazer avançar o discurso, direcionando a atenção sobre aquilo que o
falante está para dizer, ainda que seu pronunciamento tenha como referente
uma informação dada em um ponto anterior da fala.
Urge mencionar, após essas considerações, as importantes funções
cognitivas do dêitico discursivo “assim” especificiador que, além de
transportar informação detalhada para o discurso, facilita a compreensão
dessas proposições. Logo tem a missão de garantir a intercompreensão: o
falante está preocupado em fazer o outro compreender melhor um enunciado
considerado não claro ou mesmo direcionar a compreensão segundo suas
intenções.
Podemos comprovar, novamente, esse fato quando o dêitico discursivo
assim especificador, no momento da produção do discurso, é usado pelo
entrevistador na tomada de turno, mantendo, todavia, a temática discutida
numa espécie de “engate” do discurso do outro, vejamos:
(63)
E: O que você gostaria de ganhar da pessoa amada?
I: O que eu gostaria de ganhar? De uma [pe] de uma pessoa que eu
amo, né?
E: Assim uma poesia, rosas....
I: É, o que eu:: gostaria de ganhar um (risos) um um um ursinho de
pelúcia (risos), rosas [...] (I.M.S., p. 133,v.V)
159
Como o assunto da pergunta relaciona a questão de ordem pessoal, a
informante se numa situação embaraçosa, sendo “socorrida” pela
entrevistadora que toma o turno sugerindo alguns presentes que a informante
poderia ganhar: Assim uma poesia, rosas”. Usando este recurso, a
entrevistadora mantém a temática discutida e instiga a falante a fornecer o
maior volume possível de informação, de maneira mais detalhada.
Ocorrência dessa natureza permite interpretar que a construção assim,
no início do turno, parece funcionar coesivamente, assumindo importância na
tessitura do texto, uma vez que impulsiona, sem rupturas, a progressividade
que o gênero entrevista reivindica. O assim, constituindo uma ocorrência
dêitico-discursiva especificadora, pode, então, reforçar a impressão de que se
estabelece uma continuidade temática ou remeter para outros aspectos de uma
determinada situação informacional já tratada. É importante frisar, que não
flagramos nenhum caso de assim, nessa posição, iniciando um novo tema ou
introduzindo informação nova.
As ocorrências (61), (62), (63) comprovam a existência de multifunções
para usos do item lingüístico assim, influenciadas pela dêixis discursiva,
reafirmando o comportamento desse elemento como um feixe de “ponto de
vistas”, ou seja, reforçam a idéia da versatilidade funcional de que o assim se
reveste.
Verificando como a iconicidade se apresenta em relação ao uso do
assim”, atuando como dêiticos discursivos especificadores, observamos
que esse elemento instrui o destinatário a selecionar uma determinada porção
anterior do discurso, ‘empacotando’ as informações imprimindo-lhes ênfase. A
escolha do item assim no processo de construção dos seus enunciados,
realizada pelos falantes, é também motivada, se o determinada, por efetivas
necessidades comunicativas de revelar/precisar melhor, para os interlocutores,
os detalhes daquilo que eles estavam discutindo e que fazem parte do
conhecimento compartilhado dos interlocutores.
Através dessas características, podemos dizer que os dêiticos
discursivos assim mostram para que entidades lingüísticas o interlocutor deve
voltar preferencialmente sua atenção a fim de estabelecer as conexões mais
viáveis em determinado momento, orientando o interlocutor a manter o foco de
atenção. Justamente isso faz com que Marcuschi (1997, p. 158) postule a tese
160
de que os dêiticos discursivos não realizam apenas uma atividade de referir
entidades lingüísticas ou proposições em si, “mas sim de organizar, orientar e
monitorar o olhar do leitor/ouvinte para uma determinada porção do discurso: é
uma dêixis de orientação”.
Em consideração à posição estrutural, nos iticos discursivos assim
especificadores, encontramos com maior freqüência, esse elemento
detalhando partes de sintagmas vindouros: entre um verbo e seu complemento
(rever trecho (55)) e entre nome e seu complemento (trecho (58)). De fato,
podemos constatar que, nesse corpus, a grande recorrência do assim, nessas
posições, sugere que seus usos gramaticais estão bastante difundidos na
língua, ratificando resultados de Martelotta (2004)
105
.
4.2.3.2 Dêitico discursivo “assim” quantificador
106
Levando em consideração que o conteúdo semântico está
intrinsecamente relacionado ao propósito da fala, criamos um subtipo de
dêitico discursivo da memória que denominamos de quantificador,
encontrado, na nossa amostra, com 0.30% de ocorrências. Nessa subfunção, o
uso de assim tem como característica básica mostrar que os interlocutores
detêm um conhecimento partilhado sobre o assunto comentado, como
referimos na subseção anterior, todavia apresentando algo a mais.
Cremos que no momento da interação, o falante aciona o dêitico
discursivo assim quantificador com a intenção de também dar ênfase em
relação à quantidade de informação tratada por ele e que poderia ser expressa
em números, no entanto, não são assim declaradas por razões de
conveniência ou até mesmo pelo próprio desconhecimento dessa quantidade
105
A análise apresentada por Silva e Macedo (1996), entretanto, revela que, nessa posição, o
‘anunciador de complemento’ caracteriza-se pelo uso pragmático-discursivo, correspondendo a
um processo de planejamento verbal.
106
A quantificação dos nomes e adjetivos, como sabemos, é dada obrigatoriamente pelo
número que opõe, em português, o singular ao plural. Porém, acreditamos que, além desse
tipo de quantificação, os nomes podem ser, ainda, quantificados através de outros recursos,
como os pronomes indefinidos, os artigos, alguns tempos do verbo e, de um ponto de vista
semântico, alguns contextos que ativam o item assim a funcionar com esse sentido. De acordo
com Said Ali (1964), os gramáticos mais antigos preferem utilizar o termo quantidade” em
detrimento ao de “intensidade”.
161
por parte do informante. O assim, pois, indica uma quantidade vaga,
indeterminada enquanto os numerais expressam uma quantidade exata,
determinada. É o que apresentam os fragmentos a seguir:
(64)
I: [...] quando tava pra gente fazer nove mês a gente foi pra
casa da minha irmã, mas ela num queria não. Oxe, eu ficava levando
regulagem, eu levava mais os amigo dela {inint.}. Mas hoje em dia
ela briga comigo por causa dele. -Que você é safada que tá com
ele, num sei o que.” Ela diz coisa com ele, mas ele num abre a boca
pra dizer coisa assim na frente dela. Ele vai dizer lá.Aí eu fico com
aquele negócio doendo dentro deu, porque eu sei que ele
ofendendo é minha mãe. Se eu for falar tanto assim da mãe dele ele
que... manda eu calar a boca senão quebra minha cara [...]
(M.H.S., p. 108, v.II)
(65)
I: [...] olha, o guarda-roupa é assim de fita, olha! ela vai,
também quando vai fazer compra pros menino dela, que sai, os
menino diz logo: “Olhe mainha, leve a fita de Dinha.” Que os menino
dela me chama de Dinha, sabe? pega e ela todo final de semana
assim ou então quando ela vai fazer compra, ela compra uma fita
nova pra mim, de cantor novo. E tem também aquele povo, né? De
sertanejo, que também eu gosto muito. (M.S.L. p. 100, v.III)
(66)
I: É tanto que no final de semana vem meu sobrinho pra que
passa... eu já tenho três, numa casa pequena dessa, mas ainda vem
mais três, e ... no sábado vem essa menina da minha cunhada fica
aqui. Menino aqui é assim! É aqui tem dia que é cheio de menino.
(R.T.O., p. 142, v.V)
Nessas situações, observamos que os assim estão sendo usados como
dêiticos discursivos quantificadores, uma vez que evidenciam que as
falantes acreditam que o conteúdo transmitido, ou melhor dizendo, a
quantidade expressa através de gestos, faz parte do conhecimento de mundo
dos interlocutores, pertencendo ao saber comum dos participantes. O
significado do dêitico discursivo assim está, portanto, intimamente relacionada
com o mundo das idéias e também com as experiências do informante no seu
162
contexto cultural, apresentando a característica de quantificar, de forma
indeterminada, algo no discurso, vejamos:
no exemplo (64), notamos que a informante, no momento em que cita
que o marido não reclama da própria mãe, isto é, “num abre a boca pra dizer
coisa assim” e no mesmo trecho quando se queixa da sogra para o marido “se
for falar tanto assim da mãe dele”, junta as pontas dos dedos enfatizando a
quantidade de informação que se tem a dizer. No caso, a falante tem o cuidado
em não falar muito/bastante “mal” sobre sua sogra, temendo a violência do
marido: “manda eu calar a boca senão quebra minha cara”, uma vez que é do
conhecimento comum que, algumas noras, falem “mal” de suas sogras;
portanto, o interlocutor, através do gesto da informante associado ao uso do
item assim, vai inferir a quantidade de informação que se tem a respeito da
sogra;
no trecho (65), o uso do dêitico discursivo assim quantificador é
revelado quando a informante faz a agregação dos dedos com a intenção de
indicar uma grande/muita quantidade de fitas presentes no guarda-roupa, tendo
em vista que desconhece o número real delas. O uso gestual, de caráter
extralingüístico, pode ser inferido com auxílio de alguma informação
contextual. Suponhamos, então, que o destinatário, através do conhecimento
compartilhado, infere a quantidade dessas mesmas fitas;
em (66), percebemos que o objetivo da falante é mostrar que, em sua
casa, nos fins de semana, há uma grande quantidade de crianças e transmite
essa informação através do uso do assim, juntando os dedos
simultaneamente: “Menino aqui é assim!”. Através da utilização do assim, a
informante parece chamar o ouvinte para participar da construção do quadro
por ela proposto, trabalhando com o conhecimento prévio, proveniente de uma
suposta experiência pessoal comum. O falante convoca o interlocutor a
imaginar a grande quantidade de criança em sua casa.
Em síntese, podemos argumentar que os “assim” quantificadores,
enquanto legítimos dêiticos discursivos da memória, além de revelarem
quantidades, retomam o que já se manifestou de modo difuso no discurso
anterior, sinalizando para algo na memória que está ancorado em uma base
comum, partilhada pelos interlocutores (natureza sócio-cognitiva).
163
Encontramos em Neves (2000, p. 243) a referência ao termo assim,
que, além de mostrativo, indica também quantidade como revela o excerto
abaixo:
(67)
Essa estrebaria está assim de pulgas.
Martelotta
107
, Nascimento e Costa (1996, pp. 262-3), com relação ao
assim, afirmam existir no português atual a função dêitica, fazendo alusão a
gestos ou dados do mundo real. Destacam, entretanto, apenas o valor
apontativo, de acordo com os exemplos criados pelos próprios autores:
(68)
O boneco é assim, olha!
(69)
A praça estava assim de gente.
Em consonância com os autores supracitados, entendemos que o
espaço físico, mostrado através de gestos, de expressões faciais, faz parte da
pragmática e o item assim, que se faz acompanhar desses gestos, se
comporta como dêitico espacial em relação a esse mundo físico gestual. Não
obstante, acreditamos que o uso do assim aciona, ainda, a função de
quantificar. Isso quer dizer que o dêitico discursivo “assim” quantificador
108
é um instrumento de referência não ao universo extra-textual como também
ao contexto situacional. Ao usar o assim, verificamos um forte componente de
subjetividade, pois o informante quer concentrar o foco de atenção para a
quantidade daquilo que ele fala, corroborando Neves (2000), no exemplo (67)
visto acima.
Segundo Risso, Silva e Urbano (1996), a distinção nítida entre os
fenômenos eminentemente gramaticais dos fenômenos estritamente
discursivos são muito difíceis de se estabelecer. Todavia, enfatizamos que as
várias funções do item assim, vistas até aqui, acionadas pela dêixis discursiva,
se resolvem porque têm seus significados ancorados em elementos presentes
107
Martelotta (2004) classifica o item assim, nesses contextos, como itico inferível uma vez
que esse elemento faz alusão a dados conhecidos ou compartilhados pelos interlocutores.
108
Mesmo flagrando um número reduzido de ocorrências, as poucas vezes que o dêitico
discursivo assim funcionou como quantificador foram significativas e representaram uma
pequena amostragem de uma função pouco cogita para o referido item.
164
ora na situação comunicativa real, ora no próprio contexto, ou no conhecimento
compartilhado (memória). Aspectos teóricos que tanto a lingüística funcional
como a lingüística textual contemplam.
Quanto à localização sintática, o dêitico discursivo assim quantificador
aparece, predominantemente, entre um verbo de ligação e seu predicativo.
Conferir excertos (65), (67) e (69).
De acordo com o exposto na revisão da literatura, seção 3, o elemento
lingüístico assim tem seu enquadramento estabelecido pela gramática
tradicional
109
, pouco atenta às questões lingüístico-discursivas, com função
modificadora, fundamentalmente, do verbo. No entanto, a grande maioria dos
excertos da amostra evidencia, como vimos, a modificação também do
nome
110
, ocorrendo, pois, fora de suas posições convencionais.
As multifunções do assim
111
, no plano gramatical, a título de fecho,
podem ser sintetizadas a seguir: atuam como orientador de focos de atenção
dos interlocutores; sumarizam informações; apontam para uma manobra de
remissão, recuperando idéias difundidas no discurso anterior; impulsionam o
avanço de conteúdos; sinalizam temporalidade; especificam enunciados com a
finalidade de um maior esclarecimento; funcionam como pistas de ativação de
saber compartilhado; enfatizam quantidade vaga; promovem articulação
temática, isto é, funcionam como conectores de caráter retrospectivo e/ou
prospectivo. Enfim, cremos que alcançamos o objetivo proposto de buscar
indícios para mostrar que a dêixis discursiva, embora não sendo uma categoria
gramatical, incita o aparecimento das subfunções do item assim, sugerindo
sua categorização como conector.
Na próxima subseção, por outro lado, interpretaremos/analisaremos
algumas ocorrências do item assim, bastante freqüentes nos dados, que
desempenharam funções estritamente pragmático-discursivas. São nessas
109
Os resultados das análises mostram que os critérios utilizados na tradição gramatical para
delimitar a classe dos advérbios, não identificam, nem mesmo aproximadamente, as
expressões que a mesma tradição gramatical tem apontado como advérbios. De acordo com
os diversos empregos que flagramos com o item assim, que transgridem a classificação
tradicional, esperamos ter lançado um pouco de luz sobre a única função reconhecida e
extremamente genérica – a modificação.
110
Conforme visto anteriormente com Silveira (1972), Macambira (1974), Bechara (1999) e
Neves (2000), o item assim pode incidir sobre os nomes, apresentando uma qualidade.
111
É importante reafirmar que os dêiticos discursivos assim exercem as subfunções, vistas até
aqui, com abrangência difusa da referencialidade, diferindo, portanto, das anáforas.
165
últimas subfunções que encontramos o assim saindo da gramática e migrando
para o discurso.
4.2.4 ASSIM: marcador discursivo
112
Outra função do item lingüístico assim, encontrada no corpus do
VALPB, é a de um termo que não expressa o valor dêitico original, o atua
como indicador de modo, conforme atesta classificação gramatical, tampouco
funciona como dêitico discursivo. É o assim agindo como lubrificante do
discurso, ou seja, como marcador discursivo/conversacional que tende a
assumir restrições de caráter interativo
113
, indiferente às restrições contextuais
padronizadas.
Não é unânime a denominação dada a esses elementos
114
. Martelotta,
Nascimento e Costa (1996, p. 262) denominam de marcadores discursivos e
afirmam que eles assumem restrições de caráter pragmático, estando a serviço
da organização da linha de raciocínio na fala. Nas palavras dos autores, esses
itens “marcam uma retomada da linha de raciocínio perdida ou, de um modo
geral, mudanças de estratégias comunicativas, reorganizando o discurso e ao
mesmo tempo chamando a atenção do ouvinte para essa retomada”.
Também podemos entender como função do marcador, ainda conforme
os referidos autores, o fato de servir de “artifício para o falante, sem perder a
palavra, refletir sobre o que vai dizer, funcionando como preenchedor de
pausa”
115
.
112
Assumimos neste trabalho, a exemplo de muitos autores como Traugott (1995) e Hopper
(1987), a idéia de que a teoria da gramaticalização dá conta dos usos dos marcadores
discursivos, acreditando que construções que apresentam sintomas de discursivização estão,
na verdade, em fase inicial de gramaticalização. Por outro lado, trabalhos como os de Castilho
(1997) e Martelotta, Votre e Cezário (1996) defendem a existência do processo de
discursivização. Cf.subseção “Gramaticalização: princípios e trajetória”.
113
Risso (1993, pp. 32-3) cita, entre outras, formas que considera homônimos de advérbios e
podem exercer função interativa (“então, depois, aí, bem, enfim, finalmente)”.
114
Urbano (1997, p. 53) argumenta que em pesquisa coletiva realizada em 1994, destinado à
busca de traços definidores do estatuto dos marcadores discursivos em geral, distinguiu, de um
lado, marcadores “seqüenciadores de tópico” e, de outro, marcadores de orientação da
interação”, funções que, entretanto, acreditamos não se excluir necessariamente. Em trabalho
individual subseqüente, 1995, ateve-se apenas à função interacional dos marcadores buscando
analisar subfunções interacionais. Conferir maiores detalhes na subseção teórica intitula
“Discursivização: fonte que emana controvérsia”.
115
Os autores remetem a origem do termo a Silva e Macedo (1996, p. 12)
166
Marcuschi (2000, p. 62), por sua vez, os denominam de marcadores
conversacionais, asseverando que eles formam uma classe de palavras ou
expressões altamente estereotipadas, de grande ocorrência. Para o autor, os
marcadores “não contribuem propriamente com informações novas para o
desenvolvimento do tópico, funcionando principalmente como indicadores da
esfera do planejamento cognitivo do texto”, isto é, aparecem nos momentos em
que o texto se organiza.
Podemos identificar, grosso modo, que os marcadores discursivos são
caracterizados pela indisciplina sintática, opacidade semântica,
multifuncionalidade discursiva e insuficientes para constituírem enunciados
completos por si próprios. São marcados na fala por constantes hesitações,
reavaliações, adendos e orientação para interação, viabilizando o
processamento das informações.
Outra indicação usada para delimitar os marcadores discursivos é a
elevada freqüência de uso. No estudo em tela, a construção lingüística assim
revelou-se altamente recorrente no espaço textual com 47,3%, ou 1.537 usos
no nosso acervo, corroborando os postulados de Bybee (2003) que assevera
que a freqüência de um item é evidência empírica do seu grau de
gramaticalização. Para melhor estudar essa macro-função, a desdobramos em
duas: preenchedores de pausa e iniciadores e/ou tomadores de turno.
Comecemos, então, a análise pelo primeiro marcador.
4.2.4.1 Assim: preenchedor de Pausa
O preenchedor de pausa tem como característica marcar uma
interrupção na linha de raciocínio para evitar uma conseqüente pausa no fluxo
da fala. Não desempenha, portanto, função gramatical referente à organização
interna do texto.
Sabemos que o texto oral apresenta problemas de formulação que
podem ser percebidos através de hesitações. As hesitações, pois, executam
uma importante função na construção desse texto, uma vez que deixam
marcas que permitem detectar os procedimentos usados pelo falante, a fim de
167
conseguir seu objetivo comunicacional como também permite maior interação
entre os participantes de uma conversação.
Fávero, Andrade e Aquino (1999, p. 55), citando Antos, lembram que
formular um texto significa “deixar marcas, traços no texto que possibilitem a
sua compreensão.” Na formulação de um texto oral, diferentemente do que
ocorre com o texto escrito, as marcas de seu processo de organização são
perfeitamente visíveis através de hesitações.
Flagramos, na nossa amostra, com freqüência de 41.99
116
%, as
hesitações que coocorrem com o marcador assim, evidenciando dificuldades
de processamento e sugerindo que o mesmo está agindo como um
preenchedor de pausa. Em outras palavras, a hesitação do falante no momento
da construção de sua fala é usada simplesmente para possibilitar um tempo
maior para o falante se organizar e dar continuidade ao discurso, apresentando
uma orientação prospectiva.
De fato, os itens assim são usados como um recurso para preencher
uma pausa, o que garante para o falante “ganho de tempo” para procurar o
termo mais adequado, e reformular o que disse. Enfim, são acionados para o
planejamento local do texto, e, conseqüente impedimento da interrupção
completa do processamento discursivo. A função seria de ordem pragmática: o
locutor sinaliza que sua fala não está encerrada ainda e assim garante a
manutenção do turno, vejamos os trechos a seguir:
(70)
I: Todo ano sempre tem uma notícia que me impressiona,
entende? Agora esse ano deixa ver..., são tantas assim... me diga
uma pra ver se... chega aqui a minha mente. (G.G., p. 58,v.IV)
(71)
I: Eu acho o seguinte, eu acho que deve ter sido algum, algum,
assim esforço demais assim, alguma coisa assim, eu num vi direito,
mas eu sabendo. Eu acho que foi esforço físico demais.
(V.L.B., p. 29,v.IV)
116
Os itens lingüísticos altamente repetidos, como é o caso aqui, funcionam, de acordo com
Bybee e Hopper (2001), como estratégias automáticas, tornando-se cada vez mais eficiente na
interação.
168
(72)
E: Você acredita que o país tem solução?
I: Tem, a::cridito. Só mudá o presidente. Mudá de presidente. Se PC:
qui PC eu vi na televisão, sabe, qui esse tal de PC é uma boa
pessoa assim, eu iscutei puralto assim qui ele tem muito dinhêro,
eu aço qui ele:: iscuti poralto, assim o qui ele tava passano.
(S.V.S., p. 25,v.I)
Os exemplos (70), (71) e (72) demonstram como é ‘complexo’ falar
sobre o que não se sabe. Logo, os usos dos itens assim pelos falantes
funcionam como estratégia para solucionar esses problemas ocorridos no
processamento de suas falas. Destituídos, quase completamente, de seus
valores sintáticos e semânticos, os itens negritados quase não têm função, pois
estruturalmente suas presenças são dispensáveis no processamento do
assunto.
Entretanto, uma função atribuível e altamente relevante, nesses casos,
seria interacional: o falante, atento ao interlocutor, quer manter a posse do
turno conversacional, e, para isso, sinaliza a manutenção por meio do uso de
assim, não deixando espaço suficiente para uma ruptura na fala e,
conseqüente, troca de turno, uma vez que pretende continuar seu discurso.
Na perspectiva da formulação textual, com efeito, o assim revela o
planejamento lingüístico. Prova disso é o fato de em (70), o falante parecer não
ter em mente ainda a construção que deseja usar e, então, dar a entender que
está pedindo para o interlocutor lhe socorrer com alguma notícia, pois nada
vem a sua mente. O assim vago, impreciso, funcionando como preenchedor de
pausa pode ainda ser visto nas situações (71) e (72) onde notamos a presea
de marcas de oscilação/hesitação dos falantes na escolha lexical mais
adequada, demonstrando que esses informantes estão “ganhando tempo” para
organizar/planejar internamente suas falas:
para responder em (71), sobre o fato de um atleta ter se machucado
devido aos esforços físicos que fazia em demasia; e
em (72), sobre a situação política do Brasil, revelando claramente a
dificuldade do processamento on line.
Do ponto de vista cognitivo, ocorrências dessa natureza evidenciam a
dificuldade inicial para se organizar as informações a serem colocadas no
169
momento da atividade de formulação textual, isto é, no momento em que o
informante planeja sua fala, constrói seu discurso.
No que diz respeito ao papel interacional, o princípio que parece reger
as hesitações que coocorrem com o marcador assim, é o envolvimento
interpessoal: a grande preocupação do falante é manter o fluxo da malha
tópica, solicitando a atenção do interlocutor, para que esse não venha a “tomar”
o seu turno. Na verdade, esse tipo de uso acontece em textos orais, com maior
freqüência, desempenhando uma importante função na construção desses
textos, pois elaboração e produção coincidem no eixo temporal, deixando
marcas que permitem detectar os procedimentos usados pelo falante, a fim de
conseguir atingir seu objetivo comunicacional.
Essa constatação reitera nossa hipótese de que o item assim perde
seus traços gramaticais, ajustando-se às circunstâncias e necessidades dos
usuários, revelando claramente seu papel como sinalizador pragmático do
monitoramento local do texto falado e das relações interlocutivas responsáveis
por sua co-produção dinâmica e emergencial.
Mapeando os usos do item lingüístico assim no espaço textual da nossa
amostra, encontramos 20 ocorrências da expressão “tipo assim”. Nesses
contextos, notamos um enfraquecimento da força semântica dessa expressão,
que revela a perda da sua função dêitico discursiva especificadora, vista
anteriormente, e assume a função de marcador discursivo (preenchedor de
pausa).
Como preenchedor de pausa, a expressão “tipo assim
117
é
insuficiente para constituir enunciado completo por si próprio, funcionando, nos
momentos em que o texto se organiza, como indicadora da esfera do
planejamento cognitivo, vejamos:
(73)
I: Bom, o “Sonho de uma Noite de Verão” é muito interessante,
porque tem um punk, que é o que {inint.} fayz o personagem assim
como um duende, ele mistura <a> tipo assim, tipo uma mágica,
117
Segundo Casseb-Galvão; Lima-Hernandes e Gonçalves (2007), a expressão tipo assim
está mais presa à conversação e menos ambígua. Essas características conferem a essa
expressão um uso não-marcado pelos (pré) adolescentes, que incorporam mais facilmente
usos inovadores.
170
entendeu? Bota em pessoas erradas que se apaixonam errado,
entendeu? (V.L.B., p. 13 v.IV)
(74)
I: [...] se eu falo diferente eu algumas coisa0 que eu falo
diferente, mas eu não sei o que é alguma, algum algumas rimas que
eu falo diferente algum algum tipo assim de palavra que eu sempre
falo diariamente.
(P.A.M., p. 107,v.V)
Através dos fragmentos, entendemos que são os usuários da língua os
agentes desencadeadores de alterações no sistema lingüístico, criando e
recriando significados, ampliando seus usos, em um processo constante e
atualizador, como é o caso aqui. O “tipo assim”, nos excertos, é resultante de
escolhas dos falantes para satisfazer suas necessidades comunicativas de
manter suas malhas tópicas. Bittencourt (1997, p. 08), também advogando em
favor da função de marcadores discursivos, frisa que “tipo assim pode ser
usado retoricamente para indicar algum aspecto associado ao jogo interacional,
como nos exemplos da autora (75) e (76):
(75)
I: ninguém quereno pagá ... tipo assim...num confiano
nesse tesoureiro...
(76)
e aí:: tipo assim....graças a Deus sou brasileira...
Um dado importante a salientar é que fica patente o deslizamento (ou
até um certo esvaziamento
118
) semântico que o item sofre, uma vez que não é
possível atribuir-lhe um significado claro. O uso tão freqüente corrobora o fato
de não haver, nas situações analisadas, mais restrições gramaticais e que o
“tipo assim” se tornou um preenchedor de vazios causados por pausas para
calcular as informações subseqüentes discursivo. Quanto ao papel cognitivo,
esse uso revela a própria atividade cognitiva do falante, com relação à
compreensão e intenção dos enunciados.
118
A hipótese de esvaziamento semântico ocorre no uso do assim como “sinalizador de
precisão vocabular ou como marcador de hesitação conversacional que poderia ser verificada
em pistas de contextualização paralingüísticas como entonação, evidencia a fluidez, a
generalização de sentido” (COSTA, 1997, p. 115).
171
4.2.4.2 Assim: iniciador e/ou tomador de turno
Nas interações verbais, os inícios de turno são locais importantes, uma
vez que não é preciso lutar para pegar a palavra, como postula Macedo
(1994, p. 45): “quando se consegue a vez de falar, é preciso manter a coesão
do discurso antecedente, manter a atenção do interlocutor, expor um ponto de
vista”. Tudo isso sem ferir suscetibilidades e sem expor em demasia a ‘imagem’
pública daquele que toma a palavra.
Neste sentido, essa delicada situação deixa seus reflexos na estrutura
lingüística: em lugar de ir direto ao assunto, os locutores como que ‘preparam o
espírito’ de seus interlocutores quando empregam os marcadores discursivos,
como nos trechos a seguir:
(77)
E: Como a senhora imagina que seria sua vida, assim, se
tivesse terminado os estudos?
I: Assim, eu neim sei neim pensa0, né? pra dizer assim. Sei não.
(G.P.S., p. 180,v.III)
(78)
E: Ô Vânia, vocês discutiram, assim, alguma vez muito feio
mesmo que você achou que...
I: Já.
E: Como foi.
I: Assim, tem que contar isso? (V.E.F., p. 162 v.IV)
(79)
E: Você conhece alguma pessoa que fala diferente de você?
I: Assim se for de fora eu conheço, né? Uma pessoa do sul eu
conheço [...] (V.L.B., p. 31,v.IV)
De acordo com Macedo (1994), as perguntas com pronomes
interrogativos (por que, como, quando) e perguntas de opinião (você
acha/conhece) ocorrem com o maior número de iniciadores de turno. No nosso
entendimento, essas perguntas, por enfocarem assuntos mais complexos e
íntimos, são justamente as que vão exigir um desenvolvimento maior do
172
argumento, situação mais “custosa” para o falante. Os marcadores assim
119
,
iniciando o turno, estão refletindo a tentativa do falante de resgatar o conteúdo
da pergunta do entrevistador. O informante, então, parece estar ganhando
tempo, organizando melhor o seu raciocínio, respondendo:
no exemplo (77), que não sabe informar como seria sua vida se tivesse
terminado os estudos, “Assim, eu neim sei neim pensa0”;
no (78), que, mesmo sentido-se constrangida, re-pergunta se é
necessário contar uma discussão que teve com seu esposo: Assim, tem que
contar isso?”;
na situação (79), sobre a questão da variação na fala, que para o
informante não é tão “familiar”: “Assim se for de fora eu conheço, né?”.
Urge mencionar, entretanto, que nos estudos sobre marcadores
discursivos, o uso de assim no início do turno não é muito freqüente. Macedo
(Ibidem, p. 48) encontrou apenas uma ocorrência nessa posição. Para os
marcadores mais “prototípicos”
120
, a autora elenca “aí, olha, bom, bem, pois é,
então, ah, né?, acho que” etc.
Apesar de se tratar do gênero entrevista (pergunta-resposta), nossos
dados corroboram os resultados frisados pela autora, uma vez que nos revelam
ser pouco recorrente o assim funcionando como iniciadores e/ou tomadores
de turno. Sua freqüência de uso, nessa subfunção, foi de apenas 4.7%.
É interessante registrar, comprovando os resultados do dêitico
discursivo assim” especificador, o fato de não flagrarmos, também, nenhuma
manifestação do marcador assim, em posição inicial, introduzindo um novo
assunto. Como vimos nos excertos acima, todos os usos desse item
recuperam/resgatam o tema interrompido, promovendo uma continuidade
temática.
119
Com relação à localização sintática, os marcadores discursivos assim o flagrados em
variadas posições, como: antes do sujeito, exemplo (77); entre sujeito e verbo: “[...] que eu
assim não me dediquei a estudar” (J.P.S., p.145, v.II); entre nome e apoio (marcador): “[...]
pena que todo mundo num veja assim, né?” (L.G.P., p.88, v. V); também entre nome e
complemento, (trecho (72)) e entre verbo e seu complemento (75).
120
Silva (1999, pp. 297-8) argumenta que o item assim, apesar de apresentar uma
transparência parcial, é um marcador discursivo não-prototípico. A autora denomina de
marcadores prototípicos os elementos né? e então, que se caracterizam por “traços ou
combinações de traços estatisticamente relevantes, inclui aqueles elementos fortemente
seqüenciadores e fortemente interativos”.
173
Os subtipos de marcadores discursivos de assim (preenchedor de
pausa e iniciador e/ou tomador de turno), no nosso olhar, parecem se
sobrepor e mesmo se confundir entre si, de modo que uma mesma ocorrência
de um marcador pode desempenhar mais de uma das subfunções que lhes são
peculiares. Isso é uma conseqüência, segundo Martelotta (2004), do fato de as
subfunções dos marcadores serem, na realidade, manifestações de uma
mesma macro-função discursiva, ligada à viabilização da comunicação, em
níveis lingüísticos diferentes.
Podemos afirmar que os usos assumidos pelo elemento assim, nessa
subseção, evidenciam características de marcador discursivo, pois: podem ser
dispensáveis nas estruturas das porções textuais em que se encontram; não
provocam mudança estrutural ou semântica. Logo, o marcador discursivo
assim não está primariamente a serviço da organização lógica interna ao texto,
mas relacionam-se às limitações cognitivas impostas ao processamento do
discurso na situação real de comunicação. Entendemos que os marcadores
discursivos têm sua razão de ser como articuladores da interação, uma vez que
suas funções interativas comandam e controlam as estratégias adotadas pelos
interlocutores na construção do discurso.
O uso relacional do assim como marcador discursivo, ou seja, como
marcador pragmático discursivo de interação, revela ser semanticamente de
sentido genérico quase imperceptível o sentido inicial de indicação dêitica) e
muito comum na língua falada. A análise dos dados confirma, portanto, a
hipótese, levantada anteriormente, de esvaziamento/descolorimento semântico
na trajetória de assim e seu deslizamento para outras funções que, pelo
processo de gramaticalização, migra, como veremos na subseção a seguir, de
[+ concreto] e [+ referencial] para [+ abstrato] e [– referencial] (HEINE,
CLAUDI e HÜNNEMEYER, 1991).
Os resultados das observações feitas do decurso da presente análise
servem para reafirmamos nossa premissa básica e geral de que o item assim,
por ser empregado por falantes reais, pode atuar no nível gramatical, como um
mecanismo para a construção do significado e, no nível pragmático como um
mecanismo interacional. Sendo atingido, de fato, por processo de
variação/mudança, não em sua estruturação formal, mas em suas funções
sintático-semântico-pragmático-discursivas. Apesar de o dêitico discursivo não
174
pertencer a uma categoria gramatical, a direção para a qual apontam nossas
análises é a confirmação de que ele aciona várias funções gramaticais,
ratificando nossa hipótese fundamental.
As inúmeras manifestações do item assim, colhidas no corpus, atestam
o emprego recorrente dessa construção lingüística em várias situações no
discurso, assumindo, como vimos, sentidos e funções diferenciadas. Esses
múltiplos usos não podem ser considerados arbitrários/aleatórios
121
ou
manifestados inconscientemente pelos falantes, eles sinalizam que o assim
vem perdendo sua vinculação icônica original e agregando outros valores;
como argumenta Givón (1995, p. 9): “a estrutura serve a uma função cognitiva
ou comunicativa”. Em outras palavras, o falante faz opções que correspondem
ao seu interesse no momento da comunicação, levando em conta que efeito
ele pretende atingir com essa escolha. Acreditamos, enfim, que as estruturas
lingüísticas estão correlacionadas às circunstâncias discursivas nas quais são
geradas, entrelaçando aspectos cognitivos, culturais na produção e veiculação
de informações.
Na subseção seguinte, buscamos traçar, a partir dessa
multifuncionalidade de assim (ora gramatical ora interacional), a trajetória de
gramaticalização desse tão produtivo item lingüístico.
121
Os diversos usos do item assim estão o internalizados que o falante os utiliza sem
tropeços e de forma automática que até parece que são destituídos de propósitos.
175
4.3 ASSIM: trajetória de gramaticalização
No processo de mudança lingüística interagem dois tipos de
condicionalismos: um interno à própria língua (inerente ao sistema lingüístico) e
um externo (extralingüístico). Se a língua se organiza como um sistema
dinâmico em permanente busca do equilíbrio, as suas estruturas poderão ser,
elas próprias, causadoras de mudança no sentido de preencher lacunas, ou
serem pressionadas pelo ambiente externo.
Mas, por que muda a língua? A resposta a esta questão deve ser
procurada no próprio sistema lingüístico. Se a função da língua é permitir a
comunicação entre seus usuários, dois requisitos terão de ser cumpridos:
continuidade e adequação às necessidades dos falantes. A língua muda, pois,
porque é um sistema em perpétua adaptação às necessidades das
comunidades que a utilizam e essas necessidades também mudam. Cardeira
(2006) argumenta que se as circunstâncias históricas, sociais e culturais
mudam em algumas épocas paulatinamente, em outras quase abruptamente
– é fato que as necessidades expressivas dos falantes também se modificam.
A gramaticalização, um dos caminhos de mudança lingüística, é definido
por Hopper e Traugott (1993) como um processo de mudança situada num
continuum que se estabelece entre unidades independentes, localizadas em
construções menos ligadas, e unidades dependentes tais como clíticos,
auxiliares, construções aglutinativas e flexões”.
A idéia de que um contínuo na trajetória da gramaticalização impõe-
se como um dos princípios que norteiam os estudos voltados para a
compreensão desse tipo de mudança lingüística. Essa trajetória, segundo
Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991), se manifesta em escala crescente de
abstratização, obedecendo a uma transferência do universo referencial para o
discurso, e vai do sentido mais concreto para o menos concreto. No caso da
trajetória desenhada pelo item assim, aqui investigada, acreditamos que esse
termo migra de uma função mais referencial (gramatical), para uma mais
abstrata (discursiva):
função gramatical > função discursiva
176
A gramaticalização, de modo geral, se evidencia quando o elemento
assim dêitico pleno, por metáfora espaço > texto > tempo, segundo Heine,
Claudi e Hünnemeyer (1991), passa a fazer alusão a dados dos textos já
mencionados ou por mencionar, estabelecendo relações de uma parte
discursiva com outra e orientando o interlocutor quanto a essas relações.
Manifesta, então, a seguinte trajetória:
dêitico pleno > circunstanciador de modo > conector
Analisando passo a passo esse percurso, começamos, primeiramente,
evidenciando que o ponto de partida para a gramaticalização do elemento
assim é o seu valor original dêitico espacial, (aquele que faz alusão a algo do
mundo real que estava próximo ao falante), conforme vimos no nosso corpus.
Rastreando o itinerário evolutivo do assim, constatamos em Ernout e
Meillet apud Martelotta, Nascimento e Costa (1996, 267), que ele provém do
composto latino ad sic. Em latim, ad exercia tanto o papel de preposição, com
sentido de aproximação no tempo ou no espaço “em direção a”, “para”, como
também reforçava formas adverbiais adpost, adpressum, adpropr
conferindo a elas um valor de aproximação, direção ou adição. sic(e), do
antigo seic, era advérbio modal “dessa maneira”, apresenta o elemento ce, que
é uma partícula comum nas “línguas itálicas, e que se liga normalmente a
pronomes demonstrativos como hic(e) (este) e illic(e) aquele ou a advérbios
tirados de temas demonstrativos, como tunc(e) (então) e nunc(e) (agora).”
Na continuação do processo, sempre numa perspectiva sincrônica,
percebemos que ocorre a evolução do item assim para circunstanciador de
modo, uso tradicional de advérbio, alargando-se e daí chegando à função de
conector, sob a influencia dos dêiticos discursivos, estabelecendo uma relação
coesiva de continuidade. Nessa última atuação, as acepções de significado do
assim vão se expandindo e contribuindo com novos sentidos que atendem às
necessidades do falante. (Cf. itico discursivo resumitivo bidirecional;
dêitico discursivo temporal e dêitico discursivo inclusivo).
177
Não se trata de um privilégio esse comportamento do assim, tampouco
de anormalidade. Hopper e Traugott (1993) asseveravam que os itens
lingüísticos na sua evolução, em certos contextos, passam a assumir funções
gramaticais e, mesmo já gramaticalizados, continuam a desenvolver novas
funções gramaticais, num processo unidirecional que se caracteriza por uma
trajetória do tipo espaço > tempo > texto.
Vimos na subseção 2.6 desse trabalho, que a gramaticalização é um
tipo de mudança lingüística que envolve o percurso unidirecional
122
de
regularização gradual em que itens ou construções lexicais, adquirem, no curso
do tempo, funções gramaticais e, uma vez gramaticalizados, podem continuar a
desenvolver novas funções gramaticais.
Tavares (1999, p. 46) comenta que diferentemente desse percurso
léxico > gramática, Givón (1979) põe em relevo o papel da pragmática ao
postular que o percurso discurso pragmático > sintaxe representa o início da
onda cíclica para o desenrolar da gramaticalização: discurso > sintaxe >
morfologia > morfofonêmica > zero. Nesse sentido, a autora (1999, p. 53)
propõe uma escala que salienta a passagem de um elemento, inicialmente
lexical, para a função gramatical e desta, para a interação, podendo assumir a
função de marcador discursivo: (léxico-discursivo) > gramaticalização
(gramática) > discursivização (pragmática).
Logo, é possível, aqui, notar a aplicação desse fenômeno quando a
seqüência de mudança lingüística procedida com o assim, numa trajetória
parcial, tem continuidade e essa construção sai da esfera da gramática e passa
a atuar no plano pragmático como marcador discursivo, cujo rastro denuncia
o exercício de funções cada vez menos lexicais e mais abstratas. Nesse ‘novo’
papel, o item assim se destitui de suas atribuições de organizador do fluxo
textual, tornando-se mais genérico e menos referencial do que as demais
funções que o antecedeu. O esquema delineado a seguir nos permite uma
melhor compreensão do processo:
122
O critério da unidirecionalidade é questionado em algumas abordagens funcionalistas,
segundo as quais não se pode comprovar, numa perspectiva diacrônica, que haja sempre uma
origem concreta para termos abstratos, ou relativamente menos concretos. Assim, o sistema
sempre reformataria ou reabilitaria itens e construções, independente do grau de abstratização
ou concretude observado na sincronia em voga (Cf. VOTRE, 2000; FERREIRA, 2003 e ALVES,
2004).
178
Dêitico pleno > circunstanciador de modo > conector > marcador discursivo
No ponto final da trajetória, o uso mais recorrente e generalizado do
assim aplica-se a funções ainda mais abstratas. O referido elemento passa,
pois, a pulverizar passagens diversas do texto sem que exerça função
gramatical, destituindo-se, quase completamente, de seus valores sintáticos e
semânticos.
Esse estudo pode reivindicar que, em relação ao assim, o princípio da
unidirecionalidade se impõe e parece mover as alterações por que passa o
citado item. De acordo com Hopper e Traugott (1993), a gramaticalização se
processa unidireconalmente. Essa característica marca a evolução lingüística
aqui cotejada numa escalaridade: do concreto para o abstrato, ou, num ponto
de vista mais moderado, do [+ concreto] para o [– concreto], corroborando a
literatura funcionalista que postula que um aumento de abstratização
123
à
medida que o elemento se gramaticaliza, conforme podemos ver no quadro
abaixo:
Quadro 8: distribuição das funções de assim quanto aos traços
concretude/abstratização
+
CONCRETO
-
CONCRETO
dêitico circunst. de modo dêitico discursivo marcador discursivo
Como está ligado a emprego dêitico, desde suas origens, o assim
passou a exercer função de circunstanciador de modo, migrando, sob o
acionamento dos dêiticos discursivos, para a função de conector, seguindo um
percurso universal tipicamente envolvido na emergência de nexos, passando,
enfim, a assumir o papel de marcador discursivo, completando o percurso de
gramaticalização
124
. A aplicação do parâmetro da persistência, proposto por
Hopper (1991), se materializa em alguns dos exemplos vistos na nossa
123
É importante registrar que não foi medida neste estudo, propriamente, a abstratização do
assim, mas sim do seu ambiente.
124
Martelotta (2004, p. 83), como mencionado, exclui o desenvolvimento de marcadores
discursivos do âmbito da gramaticalização, argumentando em favor da discursivização.
Optamos em manter o tratamento de assim, nessa função, em termos de gramaticalização,
mas ciente de que a questão é controversa e requer mais discussão.
179
amostra, sinalizando também a gramaticalização que está se processando com
a construção assim.
A inserção do componente pragmático no conceito de mudança
assumido pelos funcionalistas, cumpre mencionar, não ampliou a definição
clássica de gramaticalização, vinculado, até então, à mudança diacrônica,
como também redirecionou o entendimento sobre a evolução da língua,
demonstrando que itens gramaticalizados tendem a avançar para um estágio
discursivo.
Com efeito, o item assim tendeu a incorporar traços pragmático-
discursivos, perdendo suas funções mais gramaticais e tornando-se mais
abstrato. O seu sentido tornou-se mais opaco, sendo flagrado (re)formulando a
produção de fala. Observamos com esse elemento, assim como ocorre com os
marcadores discursivos em geral, que ele assumiu a função básica de viabilizar
o discurso no ato da comunicação falada, não planejada. É, pois, através dele,
que o falante marca para o ouvinte, entre outras coisas: em relação à exatidão
das informações transmitidas; as pós-reflexões e reformulações conseqüentes
do dinamismo da fala; a permanência, tomada do turno da fala, com o
preenchimento das pausas conseqüentes dessas reformulações.
Com relação à freqüência, também se assume a posição de Traugott e
Heine (1991), segundo os autores, formas lingüísticas mais recursivas tendem
com maior probabilidade à gramaticalização
125
. As ocorrências do item assim
estariam nesse conjunto, como confirmam os dados, pois, apontou para um
deslocamento em direção a funções mais visivelmente relacionadas à
interação. Esse fato é um indício de que não mais restrições gramaticais e
que assim se tornou um marcador utilizado nos momentos em que
problemas na continuidade do fluxo discursivo.
Numa avaliação geral do panorama aqui delineado, o levantamento
sincrônico esboçado permite que afirmemos que o ‘novo’ perfil semântico-
funcional do assim consubstancia um caso de gramaticalização em curso,
tendo em vista que, no seu ‘novo’ uso, o assim vem se distanciando
semanticamente de seu item lexical-fonte e assumindo outras funções que vão
125
Bybee (2003), fazendo coro com os autores supracitados, postula que a freqüência é um
aspecto muito importante no processo de gramaticalização, uma vez que fixa o uso inovador,
estabelecendo mudança semântica via repetição.
180
além de sua função prototípica. Essa constatação ratifica nossa hipótese
básica sobre o pressuposto da direcionalidade da mudança, que aponta,
preferencialmente, para uma pragmatização do significado.
Transformações dessa natureza constituem evidências de que a
linguagem é moldada continuamente ao longo de trajetórias que são, acerto
ponto, passíveis de sistematização. A partir de tal perspectiva, é possível,
concebermos que palavras, sintagmas e demais construções que apresentam
um significado fixo hoje podem deixar de -lo no futuro. Comungamos,
portanto, com a idéia de Silva (2005, p. 46), quando assevera que as palavras
não estão “acondicionadas em arquivos de onde são retiradas para a produção
de enunciados, retornando após o uso, como se voltassem para um castelo
indevassável”. Afinal, a grande importância da consideração do processo de
gramaticalização para o estudo lingüístico reside na colocação em foco de uma
característica básica dos sistemas lingüísticos: a sua existência e vitalidade são
exclusivamente em função da sua necessidade para uso dos falantes.
4.4 Tipos de discurso e as funções de assim
Como referido, o nosso corpus é constituído de 60 entrevistas
sociolingüísticas. Em cada uma, os informantes são levados, através das
perguntas, a produzir diferentes tipos de discurso (narrativa, descrição e
outros), que no desenrolar da interação verbal, vão surgindo e se sobrepondo
uns aos outros, como resultado do modo de estruturação na linha condutora
seguida pelo informante na organização de sua fala.
Nosso objetivo principal é verificar como o princípio da iconicidade
126
atua ao determinar a escolha do assim nesses diferentes tipos de discurso,
mostrando que, a depender deles, esse item pode apresentar um grau
maior/menor de ocorrências, além de assumir funções específicas.
126
Martelotta (2008) assevera que as formas não-marcadas apresentam várias características,
tais como: maior freqüência de ocorrência; contexto de ocorrências mais amplo; forma mais
simples ou menor e aquisição mais precoce pelas crianças.
181
Deste modo, tomando por empréstimos as idéias expostas por Tavares
(2003)
127
em relação aos tipos de discurso, catalogamos quatro tipos:
narrativas, descrição de vida, descrição e argumentação.
A narração constitui um relato em que o informante conta fatos que se
passaram em certo tempo e lugar, envolvendo determinados personagens,
com grande presença de verbos no pretérito perfeito, vejamos os exemplos
extraídos do nosso acervo:
(80)
[...] Bom, lembrar assim uma aventura, é: um pouco difícil, ::
mays :: uma veyz, teve uma veyz que :: eu :: fui passear com minha
irmã, é: a gente :: sempre tinha essa mania de de:: de : explora0
lugares que a gente não conhecia, já, :: isso quanto a gente morava
em Tambaú. Ali, na {inint.} de Manaíra. Aí, :: na volta me perdi, :: não
[sa-] a gente não conseguia encontra0 o o luga0 de volta, né? o
caminho de volta, :: e: foi aquela loucura assim, começou a chove0,
parecia:: aquela coisa assim de filme de terror. :: começou a chove0
:: e já tava escurecendo e: num tinha ninguém assim pra gente pedir
ajuda, até a agente encontra0 uma casa lá, uma casinha assim, bem
humilde. chegou lá, foi, perguntou se ele conhecia nossos pais,
ele disse que não, mays, pelo menos eles mostraram:: a estrada, a
gente pegou e conseguiu chega0 em casa:, isso a às sete horas
da noite. Eu acho que isso: marcou assim bastante é:: essa
aventura que eu tive. (F.P., p. 29, v.V)
(81)
[...] era umas dezoito horas, eu saí pra, da rua “Quatro” pra rua
“Um”. Quando eu ia caminhando assim, chegou um, aí um cara
assim me encarou, aí olhou pra mim assim, aí eu aí eu tive que, tive
que que me desenrolar. Aí eu disse assim: “Oi, ô meu”, aí eu fui logo
na gíria, na gíria paulista. eu saquei pra ele assim e disse: “Ô
meu, você, se você for esperto, eu sou esperto e meio”. Porque
esperto é ladrão. eu disse pra ele se ele for esperto, é, eu sou
esperto e meio, ele olhou pra mimsim eu disse mais assim: “eu
sou esperto e meio e sou mais do Norte, olha aqui, quer ver a
faca?”[...] (L.G.P., p. 45, v.III)
127
Tavares (2003, pp. 212-15) identifica cinco tipos de discurso em suas entrevistas e trabalha
neles os critérios de marcação como propostos por Givón. Aqui, neste estudo, estamos
tomando por empréstimo as informações relativas aos tipos de discurso para confrontá-las com
os usos de assim em João Pessoa. Porém, vamos descartar o tipo de discurso “procedimento”
já que não apareceu em nossa amostra.
182
A descrição de vida, por sua vez, caracteriza-se por um relato de fatos
que ocorriam habitualmente no passado, com predomínio de verbos no
pretérito imperfeito, de acordo com os fragmentos a seguir:
(82)
E: Quais as brincadeiras que você mais gostava?
I: A gente brincava assim, a gente tinha um vizinho que a gente fazia
uma casinha assim do lado eu dizia assim: vamo fazer o
cozinhado”. A gente carregava arroz, carregava feijão, quando a
gente ia fazer. Oxente, brincava até uma hora da manhã. Quando
era noutro dia, do mesmo jeito. A gente carregava comer, aí: “Bora
cozinhar, fazer o fogo”. Carregava uns lençol pra forrar o chão. Oxe,
a gente brincava menina, quanto terminava a gente ia pro pau [...]
(M.H.S., p. 110, v.I)
(83)
[...] tinha um professor de química [...] ele faltava demais, e
ficava difícil, né? conviver com ele assim, ele tem um jeito assim
muito autoritário, [mas]- e faltava muito as aulas [não] não dava a
disciplina, né? criticava muito a escola pública, né? uma vez que ele
ensinava em algumas escolas da rede particular, daqui de João
Pessoa e também de Campina Grande, Cajazeiras (cidades do
interior da Paraíba) algumas coisas assim e ele como professor, né?
deixava muito a desejar, né? [...] (V.D.N, p. 109, v.V)
Descrição é um trecho em que um fato, um objeto ou uma pessoa são
expostos detalhadamente em suas peculiaridades e contornos:
(84)
E: Vaneide como foi sua infância?
I: Foi boa, brinquei muito, né? brigava muito com com as outras
amiguinhas, brigava mesmo assim de tapa, mas brinquei de tudo: de
boneca, de corda, de amarelinha, de futebol, né? foi uma infância
assim até até tranquila, né? Comecei estudar ao cinco aos cinco
anos, num sei, num lembro muito, né? ]ti-] tive muitas doenças
assim, né? tive papeira, tive hepatite, catapora, sarampo, tudo que
tinha direito (risos F) eu tive mas foi tranquila foi eu acho que poderia
ter sido melhor melhor vivenciada, né? mas o que eu lembre assim
foi boa.
(V.D.N., p. 115,v.V)
183
(85)
[...] o relacionamento cum cum eu e ele é meio meio assim:
“hoje rindo, daqui a pouco cum cara feia.” Ele é um cara que
imprevisível. O patrãozinho que eu estou cum ele no momento, ele é
assim, imprevisível e num sabe o que é que ele quer. [...] Hoje ele tá
dizendo uma coisa, amanhã acha ruim o que ele disse: Não,
isso não, assim não.” Na mesma hora ele vendo uma coisa
que na mesma hora ele: “num gostei, é assim.” E foi ele que
mandou fazer [...] (J.S., p. 61, v. III)
O tipo de discurso argumentação é constituído quando o informante
tece considerações a respeito de determinado tema, evidenciando sua opinião
acerca do mesmo, conforme os excertos abaixo:
(86)
[...] eu até que acho que sou um pouquinho desenrolada na
minha voz, num sabe? Na minha fala assim mais pra pra muito tipo
de gente assim como, por exemplo, as amiga0 que eu tenho, certo?
As amiga do hospital, eu me acho uma burra, num sabe? No meio
delas, eu achei minha mente desse tamaizinho, porque as vezes, as
menina0 fala as coisa assim é umas coisa0 tão interessante, ela
elas ela de de coisa assim [coi-] coisa cum coisa que a gente fica
assim e as vez0 eu fico até desorientada [...] (R.A.M., p. 155,
v.III)
(87)
E: E o que a gente pode dizer que se ganha com esses gibis,
em termos de conhecimento [...]?
I: Ganha, ganha e muito. É: o pessoal, infelizmente, assim, as
pessoas que :: não lêem, né? :: não entendem, :: ficam criticando,
né? acham que é, aquilo ali é, como eu falei, assim, eles acham que
é tipo uma coisa pra criança. Em resumo é isso, o pessoal que não
conhece, né? Mays tão muito erradas, assim. Você lê, eles têm, ::
traz várias informações, principalmente de, :: assim, de outros
países, né? você passa a conhecer coisas, :: é lugares, :: costumes,
né? [...] (F.P., p. 32, v.V)
A fim de se estabelecer um gradiente de marcação aos tipos de
discurso, Tavares (2003) compara a narrativa, o procedimento, a descrição de
vida, a descrição e a argumentação, observando o tempo e o aspecto verbais
184
mais recorrentes e a natureza do tipo de informação predominante em cada um
deles.
A autora aponta que a seqüenciação cronológica de eventos passados,
delimitados temporalmente, correlaciona-se ao pretérito perfeito seqüencial e
ancorado no evento e ao aspecto perfectivo caracteriza a narrativa. Tais tempo
e aspecto são tidos como [- marcados], tendendo a ser mais freqüentes no
discurso humano e a exigirem menos esforços cognitivos em termos de
processamento e percepção (GIVÓN, 1993, p. 179). A argumentação, oposta à
narrativa, é caracterizada pela exposição de opiniões do falante sobre
determinado fato ou idéia, correlacionando-se com o tempo presente não-
seqüencial e ancorado na fala e ao aspecto imperfectivo durativo e incompleto,
que são, no entendimento de Givón (Ibidem), um dos tempos e aspectos [+
marcados]. Nessa perspectiva, Tavares (2003) revela seu raciocínio:
a argumentação envolve não a exposição de pontos de vista, e
isso é relativamente complexo em nível de processamento e percepção, como
também o uso de tempo e de aspectos marcados. Esse tipo de discurso é
considerado, então, como [+ marcado];
na narrativa, por outro lado, estão envolvidos verbo e aspecto
[- marcados] e a seqüenciação de eventos delimitados, completos e, como
conseqüência, mais facilmente processáveis. Sendo assim, a narrativa é o tipo
de discurso [- marcado], isto é, tendendo a ser mais freqüente;
o tipo de discurso descrição de vida é caracterizado pela
seqüenciação temporal ou textual de eventos durativos no pretérito imperfeito,
tempo verbal que é também [+ marcado], uma vez que apresenta os traços de
duratividade e não-completude. Embora se aproxime da narrativa, pelo traço da
seqüencialidade temporal, a “descrição de vida” está ligada a tempos verbais [+
marcados] e apresenta eventos não delimitados, durativos e, como
conseqüência, mais complexos quanto ao processamento. Dessa forma,
parece ser esse tipo de discurso [+ marcado] que a narrativa;
com relação à descrição, parece também ser mais complexa que a
narrativa pelo fato de envolver a exposição das características de um elemento
qualquer, geralmente feita no tempo pretérito imperfeito ou no presente,
tempos verbais [+ marcados].
185
De posse dessas caracterizações, Tavares (2003, p. 214) apresenta um
contínuo de marcação envolvendo os tipos de discurso. Esse contínuo (i) parte
da seqüenciação de eventos passados, não-durativos e temporalmente
delimitados, o que é próprio da narrativa; (ii) passa pela seqüenciação de
eventos não-delimitados e durativos, caso da descrição de vida; (iii) chega à
ordenação tanto de informações relativas às propriedades de um elemento
quanto de argumentos e opiniões, características da descrição e da
argumentação, respectivamente. Pelo fato de envolver a manifestação de
opiniões, a autora define a argumentação como mais complexa que a
descrição, em que há a exposição de característica de um ser ou objeto,
conforme quadro abaixo:
Quadro 9: gradiente de marcação dos tipos de discurso
- marcado ← → + - ← → + - ← → + marcado
narrativa descrição de vida descrição argumentação
Com relação aos nossos dados, convém recordar a nossa hipótese
fundamental sobre os tipos de discurso. Nossa expectativa é que os tipos de
discurso [- marcados], menos complexos, por não necessitarem de grande
esforço cognitivo em termos de processamento e percepção, tendem a
privilegiar funções de assim [- marcadas], ou seja, funções gramaticais. De
outro modo, os tipos de discurso mais complexos, [+ marcados] tendem a atrair
menos as funções gramaticais desses itens, solicitando, então, seus usos mais
discursivizados. Vejamos os números:
Tabela 2: ocorrências dos tipos de discurso
Narrativa Argumentação Descrição de vida Descrição
ocorrências
% ocorrências % ocorrências
% Ocorrências %
646 42 497 32 231 15 174 11
186
Tabela 3: ocorrências das funções de “assim” nos tipos de discurso
Funções de
assim
Narrativa
Argumentação
Descrição de
vida
Descrição
Total
de
Assim
Dêitico
pleno
56 32 59 39 186
Dêitico do
contexto
646 269 218 89 1222
Dêitico da
memória
88 37 109 70 304
Marcadores
discursivos
419 661 215 242 1537
3249
Os dados de fala de João Pessoa nos mostram, através da tabela 2 que,
num total de 1.548 ocorrências de discurso, o tipo narrativa foi o mais
freqüente, portanto, [- marcado], com 646 de uso (42%). A narrativa possui,
dentre os tipos de discurso, os traços mais relacionados às experiências
humanas básicas com o mundo concreto, que é caracterizada pelo
encadeamento de acontecimentos que se sucedem no tempo.
Conforme os resultados da tabela 3, este discurso pôde favorecer o
aparecimento dos assim desempenhando funções [- marcadas], mais
gramaticais
128
. A soma dos resultados dos dêiticos discursivos (pleno, do
contexto e da memória) totalizaram 790 ocorrências, ou seja, um número bem
superior ao dos flagrados como marcadores discursivos (419 usos). Essa
constatação, aliada ao maior número de ocorrências do tipo narrativo,
corroboram a hipótese supracitada. Logo, a narrativa atraiu preferencialmente
os assim funcionando como:
dêiticos discursivos → marcadores discursivos
128
Cremos que o tipo de discurso narrativa mostrou-se campo fértil para o acionamento de
assim com funções predominantemente gramaticais, devido ao fato de englobarmos usos até
então considerados de caráter discursivos, em outros estudos. É caso de termos englobado o
assim funcionando como dêitico discursivo especificador.
187
O discurso descrição de vida foi o terceiro tipo mais freqüente, com 231
ocorrências (tabela 2). Por apresentar características parecidas às da narrativa,
entretanto, um pouco [+ marcada] que ela, observamos que os assim
desempenhando funções gramaticais foram igualmente favorecidos. Esse tipo
de discurso, a exemplo do anterior, também se destacou pela sucessão
temporal. Então, encontramos com maior freqüência, na tabela 3, os dêiticos
discursivos (pleno, do contexto e da memória) com um total de 386 usos em
detrimento às 215 ocorrências de marcadores discursivos.
O que chama a atenção para esse tipo de discurso, como também o
tipo narrativo, é um elevado número de assim desempenhando a função
dêitica ‘pura’. Isto é, àquela função mostrativa no contexto extralingüístico.
Atribuímos esse resultado ao fato de os discursos descrição de vida e o
narrativo favorecerem, no momento do relato dos acontecimentos ocorridos no
passado, o uso de gestos apontativos pelos informantes para facilitar o
entendimento por parte do interlocutor. Nesse sentido, o tipo de discurso
descrição de vida selecionou preferencialmente:
dêiticos discursivos → marcadores discursivos
Como podemos visualizar na tabela 2, a descrição figura como o tipo de
discurso [+ marcado], ou seja, menos recorrente no discurso, com 174
ocorrências (11%), refutando o que postula Tavares (2003) em relação ao
gradiente de marcação dos tipos de discurso. De modo geral, no corpus
analisado, o conteúdo é conduzido pelos entrevistadores que não incitam os
informantes a elaborarem respostas que necessitem de descrição detalhada de
fatos, objetos ou pessoas, e essa, talvez, possa ser uma justificativa para a
baixa freqüência desse tipo de discurso nos nossos dados.
Cremos que a descrição, por ser despida de cronologia factual e de
caráter argumentativo, e caracterizada, por outro lado, pela exposição das
peculiaridades de certo elemento, levou os itens assim, de valor interacional,
ao maior número de ocorrência. Em outras palavras, o assim na função de
marcador discursivo mostrou-se mais freqüente, ou [- marcados], sendo
acionadas 242 vezes, evidenciando uma maior complexidade por parte do
falante em descrever algo solicitado, fazendo hesitações no seu discurso. Em
188
contrapartida, aparece em menor número o item assim desempenhando
funções gramaticais (apenas 198 ocorrências de dêiticos discursivos),
conforme tabela 3. Assim, a descrição atraiu, com maior evidência, funções
de:
marcadores discursivos → dêiticos discursivos
O discurso argumentação
129
, conforme tabela 2, revelou-se o segundo
mais freqüente, com 32% de uso, isto é, 497 ocorrências, ficando atrás apenas
do tipo narrativa, contrariando a nossa hipótese inicial, a princípio, considerado
[+ marcado]. Esse resultado pode ser conseqüência, de modo geral, da
interferência dos entrevistadores que instigaram, a todo tempo, os informantes
a revelarem suas opiniões acerca dos temas abordados, diferentemente do que
ocorreu com o tipo de discurso descritivo.
Por se tratar de um discurso no qual se destacam argumentos que
levam à conclusões e/ ou conseqüências, isso quer dizer, por trabalhar,
predominantemente, com elementos abstratos e se mostrar mais complexo em
nível de processamento e percepção, [+ marcado], acreditamos que houve
uma confirmação parcial da hipótese aventada, pois observamos um
favorecimento do emprego de assim com função predominantemente
discursivizadas, [+ marcadas]. Logo, o uso de assim marcador discursivo foi
bastante elevado com 661
130
acionamentos em detrimento às demais funções
gramaticais, com 338 ocorrências de dêiticos discursivos (pleno, do contexto
e da memória), conforme tabela 3. De fato, o tipo de discurso argumentação
predominantemente favoreceu as funções de assim:
marcadores discursivos → dêiticos discursivos
129
É interessante registrar que os resultados colhidos por Mello (2005) acerca do pronome ‘se’
reflexivo, com dados do VALPB, assemelham-se aos resultados obtidos nesta tese, quanto ao
tipo de discurso narrativa que figurou, também, [- marcado] seguido pelo tipo de discurso
argumentativo.
130
Neste tipo de discurso, normalmente, flagramos um número maior de ocorrências de
marcadores discursivos que exerceriam a subfunção de preenchedor de pausa, facultando ao
falante um certo tempo para processar um enunciado mais laborioso, uma vez que se supõe
que um enunciado mais ‘difícil de ser formulado deveria suscitar mais reformulações e
hesitações.
189
Urge mencionar, sintetizando os resultados supracitados, que os tipos
de discurso narração, principalmente, e descrição de vida, por tratar das
ações humanas e estarem presos a uma forma de realidade visível e tangível
(CHARAUDEAU apud SILVA, 2003) atraíram, com maior ênfase, os assim
desempenhando funções gramaticais tendo em vista que nesses discursos os
assim são identificáveis no estabelecimento das relações coesivas dos
enunciados.
Por outro lado, os tipos de discurso descrição e, especificamente,
argumentação, por tratar de um saber que tenta dar conta da experiência
humana por meio de certas operações de pensamento, ou melhor dizendo, de
fatos menos palpáveis e mais abstratos, apresentam mais complexidade
cognitiva nas suas elaborações, favorecendo, em sua maioria, os usos
discursivizados desse item lingüístico, que passa a assumir restrições de
caráter interativo, comprovando, então, que o uso desse tipo de assim é
resultado da dificuldade de processamento.
Com relação ao gradiente de marcação dos tipos de discurso advogados
por Tavares (Ibidem), percebemos que nossos números ratificaram,
parcialmente, os resultados da autora no que tange a narrativa, sendo o
discurso [- marcado], seguido, porém, pelo tipo descrição de vida. Nossos
dados diferem no que diz respeito ao tipo de discurso argumentativo,
mostrando-se o segundo tipo mais freqüente. A descrição, pelas razões
apresentadas, foi a [+ marcada]. De acordo com os resultados referidos acima,
temos a seguinte ordem dos tipos de discurso com relação à marcação
131
:
narrativaargumentaçãodescrição de vidadescrição
Embora não possamos apontar com maior exatidão que a argumentação
e a descrição de vida são discursos mais ou menos marcados, consideramos
que eles tendem a ser [+ marcados] que o discurso narrativo e [- marcados] do
que a descrição.
131
Givón (1995) sugere que alguns fatores inerentes à marcação, como maior capacidade de
memória, mais esforço de atenção e maior tempo de processamento, explicam a tendência da
categoria marcada ser menos freqüente que a não marcada.
190
À guisa de fechamento dessa seção, consoante os indícios coletados,
podemos concluir que nenhuma das funções exercidas pela construção assim
se restringiu a um tipo de discurso, mas observamos que cada um operou
com maior freqüência em um determinado tipo específico. Em outras palavras,
cada tipo de discurso propiciou determinada função: na argumentação, por
exemplo, a função interativa se produz mais, confirmando nossa hipótese.
Acreditamos que os usos discursivizados do assim são bem mais freqüentes
pelo fato de os falantes se sentirem pressionados a apresentarem juízos de
valor ou opiniões em relação, na maioria das vezes, a um assunto pouco
conhecido por eles.
Por outro lado, os dêiticos discursivos, que operam no plano gramatical,
ocorreram, predominantemente, em narrativas e na descrição pelo fato de
nesses discursos o informante tratar de assuntos, preferencialmente, familiares
e experiências pessoais, apresentando menos complexidade cognitiva.
191
COMENTÁRIOS CONCLUSIVOS
As palavras são como peixes abissais que só nos
mostram um brilho de escamas em meio às águas
pretas. ‘A louca da casa’ (Montero, Rosa, 2004)
A língua não se reduz a um simples conjunto de palavras e de
construções de que lançamos mão quando queremos representar coisas,
atividades, estados e processos que existem no mundo. Os sujeitos não
interagem somente pela língua, mas com a língua. Com ela, os falantes
participam de modo cooperativo da construção dos referentes e dos diferentes
significados em contextos particulares de uso. Isso quer dizer que os
significados são construídos por meio de escolhas que esses falantes fazem
durante a ‘negociação’ dos processos comunicativos.
A escolha do item assim, por exemplo, pode significar uma coisa; seu
lugar no sintagma, outra; e sua combinação com outro elemento, outra coisa
diferente. Seu caráter multifuncional é, pois, a prova da liberdade que o usuário
tem para selecionar esse elemento e atribuir-lhe novos papéis, promovendo a
sua utilização em novos contextos, segundo as suas necessidades
comunicativas.
Investigar as particularidades funcionais dessa construção lingüística,
cuja recorrência no discurso marcou sua relevância enquanto expressão, não
referencial, mas também significativa, proporcionou o entendimento de sua
aplicação à diferenciação de movimentos do discurso, de acordo com o modo
como o usuário manifesta sua relação com a informação que está sendo
apresentada, ou seja, a orientação, a perspectiva que o falante toma em
relação ao que está sendo dito.
Embora tenhamos feito, no decorrer do trabalho, as observações que
serão aqui (re)colocadas como finais, é necessário que se faça um balanço
192
geral. Iniciamos as considerações pelo corpus porque foi a partir dele que esse
estudo nasceu. As entrevistas chamaram-nos atenção pelo fato de se
constituírem uma modalidade oral bastante espontânea, como pudemos
perceber, com temas voltados para o cotidiano dos informantes, considerando
as especificidades de cada um.
Repisamos que a linha central e orientadora da pesquisa é funcionalista,
sem esquecer, entretanto, que esse trabalho congrega princípios da lingüística
textual (ambas vertentes ancoradas no contexto discursivo e na utilização da
língua como instrumento de interação social em situações reais de uso). O
duplo enfoque permitiu abrir algumas portas de acesso para o exame de
diversos outros aspectos do item lingüístico assim, como pudemos perceber.
No que se refere à sistematização dos resultados, gostaríamos de
ressaltar que ao primarmos por um trabalho de natureza qualitativa, abrimos
mão do emprego de uma metodologia que nos permitisse generalizar esses
resultados, embora tenhamos feito uso de dados quantitativos como suporte
para nossas interpretações. Todavia, dentro dos limites da amostra
investigada, bem como em sintonia com os objetivos traçados, temos a
convicção de que os resultados obtidos tenderam a ser representativos da
questão estudada e seguramente nos orientou para a confirmação das nossas
hipóteses, levando-nos as seguintes conclusões:
descrevemos e analisamos 3.249 ocorrências do item assim
funcionando ora como dêitico discursivo (remetendo para
situação real de comunicação, para o próprio contexto ou ainda
para o conhecimento compartilhado), ora como marcador
discursivo;
embora se tratando de um corpus da modalidade oral, os usos
gramaticais do elemento assim (dêiticos discursivos) foram
mais recorrentes do que seus usos pragmáticos (marcador
discursivo);
a dêixis discursiva influenciou o acionamento da
multifuncionalidade do assim que pode ser flagrado,
193
organizando a estruturação textual, atuando como: dêitico
discursivo pleno, dêitico discursivo resumitivo, dêitico
discursivo resumitivo bidirecional, dêitico discursivo
temporal, dêitico discursivo comparativo, dêitico discursivo
inclusivo, dêitico discursivo especificador e dêitico
discursivo quantificador;
o item assim sob a motivação dos dêiticos discursivos agiu
como conector, apontando para uma relação coesiva de
continuidade e consonância entre informações que se sucedem
no texto, nas subfunções: dêitico discursivo resumitivo
bidirecional, dêitico discursivo temporal e dêitico discursivo
inclusivo;
o assim, manifestando-se como marcador discursivo, assumiu
funções de caráter discursivo-interacional, tornando-se mais
automático, mais genérico, menos transparente e ocorrendo em
contextos pouco previsíveis;
o elemento lingüístico assim, no seu processo de
gramaticalização, desenhou uma escala de abstratização
crescente e unidirecional, uma vez que esteve continuamente
associado a novos significados progressivamente mais
abstratos, partindo da noção de tempo e desembocando na
categoria mais abstrata de texto, obedecendo a trajetória:
espaço > tempo > texto;
destacamos a aplicação do princípio da persistência proposto
por Hopper (1991) ao item assim que, experimentando um
processo de gramaticalização, permaneceu com algo de seu
sentido enquanto advérbio de modo;
194
a trajetória de gramaticalização delineada pelo elemento assim
apresentou, inicialmente, os valores dêiticos plenos
[+ concretos]; passando a circunstanciador de modo;
posteriormente, influenciados pela dêixis discursiva, funcionou
como conector; e por fim, migrou para o campo pragmático,
exercendo a função de marcador discursivo [+ abstrato],
perdendo muitas restrições de sua categoria-fundante;
o princípio da iconicidade atuou na escolha de determinados
usos do assim nos quatro tipos de discurso. Sua maior
incidência se deu no tipo narrativo’, desempenhando função
gramatical; os usos mais discursivizados desse item
ocorreram no tipo de discurso ‘argumentação’;
quanto à posição do elemento lingüístico assim, podemos
observar que eles gozam de uma grande liberdade posicional,
na cadeia da fala, não deixando, entretanto, de manifestar uma
certa tendência para ocorrer não modificando o verbo, mas
também o nome.
Recapitulando as idéias trabalhadas aqui, a título de fecho, vimos que no
corpus analisado o assim apresentou indícios de mudança, no qual caminha
da gramática para o discurso e representa um ciclo contínuo de
transformações. Da mesma forma, é imprescindível observar que no percurso
do seu desenvolvimento, esse item vem agregando, cada vez mais, funções e
valores ao seu escopo sintático-semântico (dêitico pleno) e adquirindo um
papel mais relacional no discurso, sem, entretanto, destituir-se por completo de
seu valor de modo.
A pesquisa em tela, cumpre frisar, não põe em xeque trabalhos
anteriores sobre o assunto. Pelo contrário, apesar das lacunas inevitáveis e
dos problemas remanescentes, estamos convencidos de que o levantamento e
a análise do item assim se constituem subsídios para colaborar na ampliação
dos estudos lingüísticos. Tendo em vista que o objetivo de uma tese é abrir
caminhos e despertar interesse para maiores aprofundamentos, além dos que
195
aqui estão, esperamos que esta análise tenha avançado, configurando-se,
no que se refere ao enfoque teórico escolhido, uma outra maneira de abordar
esse elemento.
A eficiência da teoria da gramaticalização, que ficou patente neste
trabalho, deve servir de estímulo para que outros pesquisadores estudem o
assunto, não repensando as propostas aqui desenvolvidas, mas, sobretudo,
analisando os dados que não foram aqui contemplados/aprofundados.
No mais, retomando uma citação bastante pertinente de Bakhtin
(1979/1992), na epígrafe desta pesquisa, concluímos na expectativa de ter
trazido “uma luz nova a um fenômeno bem conhecido e aparentemente bem
estudado...”
196
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