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Os leprosos estão fugindo da sede e da fome! E vêm perambular pela
Capital, pedindo esmolas – conseqüência da dissidia oficial. A população de
Porangaba assistiu ante-ontem, cheia de horror e mágoa, um espetáculo
que de há muito estava esquecido. Alguns leprosos apareceram nas ruas
da vizinha povoação, pedindo esmolas. Eram em número de seis. O povo
não fugiu ao seu dever de caridade, pois forneceu-lhes água e comida.
Interrogados, os infelizes lázaros explicaram que haviam fugido da Colônia
de Canafístula. Não puderam mais suportar a fome e a sede que os vão
matando ali, lentamente. E, burlando a vigilância dos empregados,
desapareceram, vindo para a Capital em busca de esmolas para o seu
sustento e de água para a sua sede. Adiantaram também que não são
somente eles os que se fatigaram da dolorosa situação em que se vêem.
Muitos outros deliberaram também deixar a Colônia. E como a
Administração da mesma não pode manter os internos, não opõe embargos
aos que se dispuserem a abandoná-la, visto que estão a morrer à míngua.
É de se esperar, portanto, dentro de breves dias, um medonho êxodo dos
desgraçados, que a terrível moléstia de Lázaro segregara do convívio
social. A situação que nos depara é na verdade penosa. Vamos ter a
cidade, dentro em pouco, cheia dos infelizes contaminados de lepra, a
espalharem o horror e o pânico entre a população. Tudo por via da desídia
do Governo, que não se dispôs até agora a atender os instantes apelos do
Sr. Dr. Antônio Justa, digno Chefe do Serviço Sanitário do Estado, refletida
em toda imprensa, e os desta mesma, que repetida vezes e com a maior
veemência, tem clamado por uma providência pronta e completa das
autoridades, no sentido de melhorar as condições da Colônia Leprosaria de
Canafístula. O que se reclamava não era uma coisa impossível”.
(Publicação do jornal A Nação, 1/07/1931)
AGONIA DOS LÁZAROS:
Diante da notícia ontem veiculada por um matutino de que os leprosos
começavam a fugir da Leprosaria de Canafístula, em face da fome e da
sede que ali se verifica, resolvemos ouvir sobre a grave ocorrência, o Dr.
Antônio Justa, digno Chefe do Serviço Sanitário neste Estado. Fomos
encontrá-lo em seu gabinete, na repartição da Profilaxia Rural, onde nos
recebeu gentilmente, concedendo-nos as informações que desejávamos e
que agora veiculamos, no sentido, principalmente, de acalmar o ânimo
público naturalmente agitado e temeroso de uma invasão a esta Capital dos
infelizes lázaros que vivem nos seus penosos dias naquele Instituto de
proteção social. Ainda mais, o que nos informou o ilustre clínico virá por à
luz meridiana a verdadeira situação do Leprosário, tal e qual, sem exageros,
como também a alguns problemas respectivos da máxima importância, em
parte ainda insolúveis.
Dr. Antônio Justa afirmou: “..Sempre aparecem fugitivos.” embora
provoquem trabalhos de sua parte quando se acham em Fortaleza e gastos
da parte da repartição, procura convencê-los que viver ao léu, esperando a
esmola de mãos estendidas, perambulando pelas ruas, é muito pior que
estadiar na Leprosaria, apesar de ali não gozar todo o conforto necessário e
desejado. E, para isso é preciso deixá-los, algumas vezes, permanecer
como desejam, nos centros populosos, até que se convençam do
contrário... Obedece, portanto a outras causas a fuga de leprosos do pouso
comum em Canafístula. Em primeiro lugar a falta de conforto necessário de
algum trabalho, finalmente de qualquer cousa que prenda os infelizes à vida
no remoto abrigo com pouca comodidade, com a solidão, com a vida em
comum, caracterizada pela promiscuidade como um dos seus máximos
problemas, a falta d’água, escassa alimentação, homens e mulheres se
misturam, não havendo lugares distintos para uns e outros,etc. Por último
nos fez notar o digno entrevistado, o desamparo que sofrem os lázaros por
parte de suas famílias, que os esquecem como se os tivessem sepultado.
Lá uma ou outra lembra possuir um dos seus membros em Canafístula,
enviando-lhe dádivas confortadoras. É simplesmente doloroso semelhante
fato” (Gazeta de Notícias, 02/07/1931).