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EDNEL BENEDITA SQUIAPATI SERAGINI GONZALEZ
A REFERENCIAÇÃO NAS CRÔNICAS DE OTTO LARA RESENDE
Dissertação apresentada à Universidade de
Franca, como exigência parcial para a obtenção
do título de Mestre em Lingüística.
Orientador: Prof. Dr. Juscelino Pernambuco
FRANCA
2009
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EDNEL BENEDITA SQUIAPATI SERAGINI GONZALEZ
A REFERENCIAÇÃO NAS CRÔNICAS
DE OTTO LARA RESENDE
COMISSÃO JULGADORA DO PROGRAMA
DE MESTRADO EM LINGUÍSTICA
Presidente: Prof. Dr. Juscelino Pernambuco
Universidade de Franca
Titular 1: Ana Cristina Salviato
Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino FAE
Titular 2: Maria Flávia De Figueiredo Pereira
Universidade de Franca
Franca, 13/03/2009
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DEDICO este trabalho a minha família, em especial aos meus filhos
e ao meu esposo, Antônio Cláudio, que sempre me deram força para
enfrentar os desafios e nunca desistir de meus sonhos.
AGRADECIMENTOS
Ao orientador, Prof. Dr. Juscelino Pernambuco, pela dedicação e seriedade que
demonstrou ao longo do desenvolvimento deste trabalho.
Ao Antônio Cláudio, pelo companheirismo e incentivo.
A todos os professores, familiares e amigos que contribuíram para a conclusão deste
trabalho.
RESUMO
GONZALEZ, Ednel Benedita Squiapati Seragini. A referenciação nas crônicas de Otto
Lara Resende. 2009. 120 f. Dissertação (Mestrado em Lingüística)- Universidade de Franca,
Franca.
Este trabalho tem como enfoque o processo de referenciação presente nas crônicas de Otto
Lara Resende. Com fundamento na Lingüística Textual e no Funcionalismo, analisamos trinta
e quatro crônicas, com o objetivo de verificar os mecanismos intradiscursivos do processo de
referenciação. Definiu-se crônica como gênero do discurso com base nos apontamentos de
Bakhtin e analisaram-se crônicas selecionadas de Otto Lara Resende publicadas entre 1991 e
1992, para verificar a sua organização textual com a utilização do processo de referenciação.
De acordo com a análise, este trabalho constatou que as crônicas de Otto Lara Resende
imprimem ao gênero um caráter de literariedade que supera a expectativa do leitor e isso se
deve muito ao uso adequado dos mecanismos de referenciação utilizados pelo autor na
organização de seus textos. Em Otto Lara Resende descobre-se um texto em que o querer
dizer harmoniza-se com um modo de dizer muito próprio do texto literário.
Palavras-chave: Referenciação, crônica, lingüística textual, Otto Lara Resende.
ABSTRACT
GONZALEZ, Ednel Benedita Squiapati Seragini. The reference process in the chronicles of
Otto Lara Resende. 2009. 120 f. Dissertação (Mestrado em Lingüística)- Universidade de
Franca, Franca.
This research paper focuses on the reference process presented in Otto Lara Resende´s
chronicles. Based on Textual Linguistics and Functionalism, we analyzed thirty-four
chronicles aiming to verify the intra-discursive mechanisms of the reference process.
Chronicle was defined as a discursive genre based on Bakhtin’s studies and the Otto Lara
Resende’s selected chronicles, published between 1991 and 1992, were analyzed in order to
verify their textual organization with the use of the reference process. According to the
analysis, this research paper found out that Otto Lara Resende’s chronicles implant to the
gender a literary tone exceeding the reader’s expectation due to the proper use of the reference
mechanisms used by the author in the organization of his texts. In Otto Lara Resende’s works,
it is possible to discover a text in which the want to say harmonizes with the way to say, really
particular in the literary text.
Keywords: reference, chronicle, textual linguistics, Otto Lara Resende.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 09
1. REFERENCIAÇÃO......................................................................................................... 11
1.1 CORREFERENCIAÇÃO................................................................................................. 15
1.2 REFERENCIAÇÃO: TEXTUAL E TÓPICA.................................................................. 16
1.3 A PROGRESSÃO REFERENCIAL ................................................................................ 17
1.3.1 Principais estratégias de progressão referencial ............................................................ 19
1.3.2 A manutenção no modelo discursivo ou retomada........................................................ 20
1.4 DESCRIÇÃO NOMINAL DEFINIDA, DESCRIÇÃO NOMINAL INDEFINIDA E
DEMONSTRATIVOS ........................................................................................................... 21
1.4.1 Os encapsulamentos ...................................................................................................... 22
1.4.2 A remissão Metadiscursiva............................................................................................ 23
1.5 REFERÊNCIA NOMINAL INDEFINIDA...................................................................... 23
1.6 O USO DOS DEMONSTRATIVOS................................................................................ 24
1.7 PRONONINALIZAÇÃO ................................................................................................. 26
1.7.1 Formas de introduzir referentes no texto e anáfora associativa..................................... 27
2. A CRÔNICA COMO GÊNERO DISCURSIVO........................................................... 33
2.1 OS GÊNEROS DO DISCURSO ...................................................................................... 33
2.2 A CRÔNICA: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS ..................................................... 38
2.3 OTTO LARA E A CRÔNICA JORNALÍSTICA ............................................................ 43
2.4 A CRÔNICA NA ERA COLLOR ................................................................................... 46
3. A REFERENCIAÇÃO EM CRÔNICAS ESCOLHIDAS DE OTTO LARA
RESENDE ............................................................................................................................. 48
3.1 OS DIFERENTES CASOS DE REFERENCIAÇÃO NAS CRÔNICAS ....................... 48
3.2 NOMINALIZAÇÃO ........................................................................................................ 50
3.2.1 ENCAPSULAMENTO OU SUMARIZAÇÃO POR DESCRIÇÕES NOMINAIS..... 50
3.3 EXEMPLOS DE PROGRESSÃO TEXTUAL EM CRÔNICAS.................................... 59
3.4 A NOMINALIZAÇÃO POR PRONOMES..................................................................... 61
3.5 A METADISCURSIVIDADE NAS CRÔNICAS DE OTTO LARA RESENDE .......... 62
3.6 ANÁFORA INDIRETA E ASSOCIATIVA.................................................................... 64
3.7 OS PRONOMES E A REFERENCIAÇÃO TEXTUAL ................................................. 70
3.8 CATÁFORAS DE REFERENCIAÇÃO.......................................................................... 77
4. CONTRIBUIÇÕES DA REFERENCIAÇÃO PARA OS ESTUDOS DA
ORGANIZAÇÃO TEXTUAL............................................................................................. 80
4.1 REFERENTE E TEXTO.................................................................................................. 80
4.2 A REFERENCIAÇÃO NA ORGANIZAÇÃO TEXTUAL............................................. 81
4.3 ESTRATÉGIAS DE REFERENCIAÇÃO....................................................................... 83
4.4 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO REFERENCIAL EM DUAS CRÔNICAS DE OTTO
LARA RESENDE .................................................................................................................. 86
4.5 QUANTIFICANDO AS ESTRATÉGIAS DE RETOMADAS....................................... 91
CONCLUSÃO...................................................................................................................... 98
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................101
ANEXO.................................................................................................................................103
9
INTRODUÇÃO
Em toda produção textual há que se levar em conta a relação linguagem e mundo. Essa
relação é um processo interacional de sujeitos sociais, sendo eles responsáveis pela produção
de seu sentido no qual são realizadas por uma série de atividades cognitivo discursivas.
Na visão da Lingüística Textual de cunho sócio-cognitivo-interacionista, o referente é
construído na interação entre sujeitos do processo textual com objetivos específicos para uma
interlocução verbal. Diferentemente da visão tradicional, nessa perspectiva, o referente é
denominado objeto-de-discurso, não havendo possibilidade de vê-lo como uma forma de
etiquetar o mundo extralingüístico.
Numa abordagem Funcionalista da linguagem, o essencial é a língua em uso. È
acreditar que é na interação que o emprego da linguagem e a produção textual se realizam.
Não se deve ter uma visão inocente dos usos lingüísticos, pois algumas classes podem se dar
no limite da oração e outras só no âmbito discursivo-textual.
Assim, foi com pressupostos dessas teorias que desenvolvemos nossa pesquisa, com
enfoque na referenciação em crônicas. Para a realização desta pesquisa, escolhemos, como
material de análise trinta e quatro crônicas de Otto Lara Resende, que foram escritas nos anos
de 1991 e 1992 e publicadas no Jornal Folha de S.Paulo.
Na análise das crônicas, buscamos destacar o modo como Otto Lara Resende utilizou
os recursos da referenciação para organizar os seus textos de acordo com o estilo que o
caracterizou como um cronista de grande valor literário.
As crônicas desse autor publicadas no Jornal Folha de S.Paulo no período
mencionado tratam de assuntos diversos, mas com predomínio da política brasileira da época
em que o Brasil foi governado por Fernando Collor de Melo, que acabou sofrendo um
processo de impeachment.
O corpus da pesquisa é, então, constituído de trinta e quatro crônicas do período de
1991 e 1992, sendo trinta do ano de 1991 e quatro de 1992. Vale ressaltar que após a leitura
de 200 crônicas, optamos por trinta e quatro por termos percebido uma grande aproximação
temática e estilística entre elas.
10
Vemos a crônica como um gênero textual que oscila entre a literatura e o jornalismo.
Nela o autor registra o cotidiano, com sua visão pessoal e seu estilo. Otto Lara Resende o faz
muito bem e consegue registrar em seus textos fatos políticos e econômicos de alto valor.
Sobre Otto Lara Resende, autor das obras constituintes de nosso corpus, ressaltamos
que é um escritor que produz textos com grande criatividade e domínio sobre este gênero e
também na linguagem usada, tornando-o assim um escritor diferenciado.
O objetivo deste trabalho foi observar os efeitos de sentidos que os processos
referenciais dão às crônicas de Resende. As crônicas de 1991 enfocam o cenário político
exigindo uma leitura crítica do seu leitor, podendo ser citados alguns títulos, tais como: A
universal banana, Yes, nos temos, Acordo e acordância, A república e os outros, O que
convêm apurar e outros. também outros temas como: futebol, pichadores, o Papa no
Brasil, solidão e outros. As crônicas de 1992 tratam de temas como: provas de vestibular,
discriminação, amizade.
A partir disso, a hipótese de que este escritor usa os elementos de referenciação para
fazer de seu texto bem organizado com algumas estratégias marcantes para o seu estilo
literário foi confirmada pelo uso dos encapsulamentos.
Este trabalho está organizado em quatro capítulos. O primeiro apresenta conceitos de
relevância para esta pesquisa, dentre eles: referenciação, correferenciação, referenciação
textual e tópica, a progressão referencial, descrição nominal definida e indefinida,
demonstrativos e pronominalização tendo como base teórica a Lingüística Textual e
Funcionalismo.
O segundo capítulo trata a crônica como gênero discursivo de acordo com os estudos
de Bakhtin, conceituando-o e caracterizando-o.
O terceiro capítulo concentra-se na análise das crônicas escolhidas de Otto Lara
Resende especificando-se os casos de: nominalização, encapsulamento, metadiscursividade,
anáfora indireta e associativa, os pronomes e a referenciação textual.
O quarto capítulo busca comprovar a importância do processo de referenciação na
organização textual e na constituição do estilo do autor. Há, neste capítulo, um quadro
evidenciando quantitativamente a retomada por pronomes e também por descrições definidas
e indefinidas.
Por fim, na conclusão deste trabalho, tentamos retomar o tema da pesquisa e a tese que
pretendíamos defender a qual consiste na idéia de que a referenciação é essencial para a
organização de qualquer texto e na caracterização do estilo dos diferentes autores.
11
1. A REFERENCIAÇÃO
(...) O ato de referência envolve uma operação colaborativa dos parceiros da interação,
que constroem os referentes no e pelo discurso, atividade lingüística e sóciocognitiva,
ligada, acima de tudo, à interação e à intersubjetividade (...). (Graziela Zamponi)
Esta pesquisa adota a perspectiva sócio-cognitivo-interacionista do fenômeno
Referenciação, que de acordo com Mondada (2005, p.12) “são as práticas referenciais
manifestadas na interação social que são objetos de análise”.
Autores como Neves (2006) no Funcionalismo, Koch (2006), Koch & Elias (2006),
Marcuschi (2005), Marquesi (2007), Mondada (2005), Mondada & Dubois (2003) entre
outros da área da Lingüística Textual sócio- cognitivo- interacionista nos nortearão com seus
estudos para o desenvolvimento teórico deste capítulo.
Citamos Neves em nosso trabalho por se tratar de uma estudiosa do Funcionalismo
que diz “colocar como objeto de investigação a língua em uso é ter presente que o uso da
linguagem e a produção de texto se fazem na interação”. (NEVES, 2006, p.15).
É, portanto, uma estudiosa da linha funcionalista, mas que tem uma visão afim com a
sociocognitiva quando se refere à produção textual na interação, uma vez que a Lingüística
Textual que é na relação com o outro, através da linguagem, que a construção dos
objetos que exprimimos.
A questão que vai nos ocupar neste capítulo é o estudo sobre a Referenciação. Pensar
sobre o fenômeno da referenciação é pensar os temas recorrentes das reflexões sobre a
linguagem, e a questão da referenciação é, sem dúvida, um dos mais instigantes, pois os
fenômenos referenciais vistos discursivamente são provas da relação inerente entre linguagem
e realidade.
A referência para Koch (2006) não deve ser entendida no sentido que lhe é mais
tradicionalmente atribuído, uma representação de referentes do mundo extramental e sim pela
forma como, sociocognitivamente, interagimos com ele.
Para ela, a referência deve ser considerada quando sugerimos, representamos algo
através de uma operação que realizamos em uma situação discursiva que tem como finalidade
a criação de objetos- de- discurso.
12
A importância de se explorar a referenciação, neste estudo, deve-se ao fato de que os
fenômenos referenciais, sendo interativamente e discursivamente constituídos, são um
vestígio da relação que compõe linguagem e realidade, ou seja, é a maneira como nos diz
Koch (2006) de construir nosso mundo através da interação com o entorno físico, social e
cultural.
. Hoje em dia, pensar no processo de referenciação é entendê-lo como uma atividade
discursiva na construção de objetos-de-discurso, ou seja, são entidades também chamadas de
referentes que são construídos pelos sujeitos, no interior do discurso, de acordo com seus
propósitos comunicativos. À medida que o discurso vai se desenrolando, estes referentes são
mudados por meio de estratégias de referenciação.
Na leitura de Koch & Elias (2006), entende-se que a referenciação é assim
denominada pelas várias formas de se introduzir no texto referentes ou novas entidades. A
progressão referencial se quando tais referentes servem de base para a colocação de novos
referentes ou quando eles são retomados mais adiante.
Falar da referenciação na língua em função é desvincular-se da idéia de que os falantes
simplesmente escolhem os referentes de acordo com a noção de mundo que esses referentes
sugerem, e sim que o sujeito, no decorrer de suas atividades, vai construindo seu discurso,
tornando-o estável graças às categorias mostradas por esse discurso.
Mondada e Dubois (2003) mostram duas linhas argumentativas para situar a
referenciação: uma é a categorização e a outra a lingüística interacionista e discursiva. Esta
mostra que os processos de discurso são vistos em termos de construção de objetos de
discurso e de negociação de modelos públicos do mundo; aquela mostra que os sistemas
cognitivos dão uma estabilidade ao mundo.
Para Marquesi (2007), falar em referenciação é ter que pensar tanto na abordagem
lingüística quanto na cognitiva, pois estão estreitamente sobrepostas, uma vez que se referem
às práticas e aos discursos.
Assim, quando se escreve um texto, o uso das palavras faz-se numa visão contextual,
construindo o objeto do discurso no desenvolver do processo de referenciação, e não de forma
direta em relação ao referente dentro do mundo.
Para Koch (2006), na produção de um texto, os processos de referenciação são as
escolhas do sujeito em interação com outros sujeitos em função de uma intenção de dizer do
produtor de texto. É no próprio processo de interação que os objetos-de-discurso se (re)
constroem, não se misturando com a realidade extralingüística.
13
Neste capítulo, nossas reflexões serão baseadas no Funcionalismo e na Lingüística
Textual, que as análises da referenciação estão fortemente harmonizadas nessas duas
visões. Tanto o Funcionalismo quanto a Lingüística Textual consideram a progressão
referencial relacionada à progressão tópica quando fala-se em referenciação (NEVES, 2006).
Conforme Neves (2006, p. 86) a referenciação entendida como relacionada a objetos-
de-discurso, e não apenas de uma realidade qualquer, implica a definitude, uma categoria que
claramente pertence ao âmbito do discurso.
Com base nela, dizemos que é no plano discursivo que as formas definidas e
indefinidas são manipuladas pelos interlocutores. São nos enunciados que se estabelecem uma
negociação pelos interlocutores quando se constrói o universo do discurso. A entidade
referenciada, seja ela, uma pessoa, uma coisa, uma abstração nas condições anafóricas, exige
definitude que pode ser resolvida no contexto com eleição do pronome demonstrativo ou um
artigo definido.
Para a autora um pronome pessoal de pessoa, por exemplo, será facilmente
recuperado se seu referente estiver explicitado antes no texto e se a função textual
(HALLIDAY,1985, apud NEVES, 2006) esteja bem cumprida. Mas um sintagma fórico às
vezes pode não ter o referente disponível e o destinatário poderá identificar o referente, se
no texto houver os dados necessários e se a textualização for tal que apenas fique, sem
explicitar conhecimentos que o emissor tenha como garantia de seu destinatário à informação
pragmática. Segundo Neves (2006, p.88):
Uma referenciação textual é bem sucedida quando o ouvinte consegue identificar o
referente do discurso no ponto em que essa operação lhe é solicitada , e tal
identificação ocorre quando o falante a deixou acessível. Isso configura duas
propriedades da referencialidade no discurso, a identificabilidade e a acessibilidade,
ambas ligadas a distribuição de informação,do contínuo em que se distribuem o
“dado” e o “novo” no discurso.
A informação textual é positiva, quando o ouvinte identifica o referente que lhe é
sugerido. Isso representa a identificabilidade e acessibilidade importantes na distribuição do
dado e do novo.
Chafe (1996, apud NEVES, 2006, p.88) aponta que ambas requerem inferência, mas a
acessibilidade requer uma espécie mais direta de inferência, porque não se limita a pessoas, a
objetos e a abstrações, estendendo-se a eventos e a estados.
Para ele são componentes da identificabilidade:
14
a)- o julgamento, pelo falante, de que o conhecimento do referente a que se remete
é compartilhado (direta ou indiretamente) com o ouvinte;
b)- a escolha, pelo falante, de uma linguagem com tal rigor de categorização que
todos referentes compartilhados por ele e pelo ouvinte se reduzam ao que está em
questão;
c)- o julgamento, pelo falante, de que esse referente particular é o exemplar mais
saliente da categoria, dentro daquele contexto.
Observemos um exemplo tirado de nosso corpus a título de ilustração:
(1)
Lembrei ao Castellinho que em Minas não se usa esse tal de guede . De fato.
Quando ele rapazinho, chegou a Belo Horizonte, fez uma única vez e nunca
mais.
(RESENDE, O.L. FSP, 20/07/91)
A acessibilidade é a medida de saliência ativação da entidade à qual o sintagma
nominal se refere, de acordo com Toole (1996, apud NEVES, 2006) e de acordo com a visão
textual discursiva, graus de acessibilidade pelo falante da escolha da expressão referencial,
verificando que:
a) as entidades que são mencionadas em primeiro plano têm acessibilidade mais alta e
é mantida por mais tempo do que as que não são mencionadas primeiro;
b) quanto mais clara for uma anáfora, mais ela implica seu referente e mais ainda
descarta elementos não referenciais.
Vejamos um exemplo de nosso corpus:
(2)
Pobre meninos de rua, o papa, que também é gente, os e os abençoa. E
quem sabe cesse o extermínio. Deus permita. (RESENDE, O.L. FSP, 12/10/910)
Através do exemplo, vimos que a expressão “meninos de rua” é retomada pelos
pronomes oblíquos “os”, é, pois, uma anáfora clara, não necessitando de elementos não
referenciais para a compreensão.
Como foi citado o termo anáfora, comentaremos o que é este fenômeno para ficar mais
claro o exemplo. A anáfora é um elemento lingüístico coesivo, muito usado para a reativação
de referentes no texto, fazendo remissão para trás, tratada como referenciação anafórica.
Para Dik (1997, p.131, apud NEVES, 2006, p.89) são fontes da disponibilidade de
referentes:
15
a)- a informação de longo termo de que dispõem os interlocutores;
b)- a informação introduzida em segmento precedente do texto;
c)- a construção do referente com base em informação perceptualmente disponível na
situação;
d)- a inferência da identidade do referente a partir de informação disponível em
qualquer das outras formas já indicadas.
1.1. CORREFERENCIAÇÃO
Para Neves (2006) ocorre a correferenciação quando o determinado é reapresentado
pelo falante em outros pontos do enunciado, como elemento “dado”, e não apenas como
elemento “conhecido”, então o termo a que se refere, implica em referenciação e também
correferenciação, com identidade total entre o antecedente e a anáfora. É caso como:
(3).
..Que é esse vento benfazejo devia levar embora? Todo mundo sabe o mundo
de males que nos oprimem nessa hora. Deviam ser varridos para sempre. Se vento
leva e traz, se vento é mudança, não custa acreditar que, passada a tempestade, vem
a bonança. E com ela, o sopro renovador-garante o poeta. (RESENDE, O.L. FSP,
7/10/91)
Aqui o antecedente a bonança tem identidade total com a anáfora que o representa
(ela).
Alguns estudiosos como Levinson (1987, 1991, apud NEVES, 2006, p.93) dizem que
quanto menor for a forma de expressão referencial, maior a preferência por uma leitura de
correferência. Nessa visão, os sintagmas nominais plenos teriam menos favorecida a
interpretação correferencial que os pronomes,
e estes, menos que a expressão zero.
Assim, para os autores, se o falante quiser expressar correferência, ele usará quando
possível, zero a pronome, e o pronome a sintagma nominal pleno. Por outro lado, as escolhas
feitas pelo falante devem ser interpretadas com intenção de correferência e não de referência
independente. Veja um trecho retirado do corpus:
(4) “O Jânio foi quem popularizou essa moda de bilhetinho.(Ele) Escrevia num
estilo precioso, quase pedante. Mas sem solecismo.[...](Ele) Passava pito de
público em todo mundo. (RESENDE,O.L. FSP, 13/11/91)
No trecho acima, ocorrem alguns zeros marcando elipse de elemento correferencial, no
caso representado pelo pronome (ele). O zero aqui é marcado quando sujeito, pois é típico de
informação dada.
16
Ariel (1996, apud NEVES, 2005) critica a proposta de Levinson, e diz que os sistemas
referenciais da língua não devem ser vistos nessa dicotomia correferência e independência
referencial, mas que os falantes quando escolhem uma expressão referencial, é para indicar o
que a expressão sinaliza, o quão acessível é, para o destinatário, uma entidade mental, e não
se essa expressão deve ser interpretada correferencialmente ou independentemente.
1.2. REFERENCIAÇÃO: TEXTUAL E TÓPICA
Para Neves (2006), no texto, a anáfora textual é mais que uma retomada , pois sendo o
texto discursivo as entidades que passam pelo percurso referencial se organizam
discursivamente. No cruzamento entre unidades informativas e entidades referenciais , pode
surgir uma unidade tópica em ponto de apoio de retomadas referenciais, sem que tenha sido
definido como sintagma explícito para sustentar essas retomadas.
Vejamos um trecho abaixo da crônica de Otto Lara Resende intitulada “O que convém
apurar”:
(5) Não sei como vai indo o censo que está sendo feito, para daqui a pouco nos
mostrar a cara do Brasil. Presumo que bem, porque ninguém agüenta mais a
relação das coisas que entre nós vão mal. Está pouco falado, o que é bom sinal.
quem sustente, porém, que o rol das perguntas é uma lástima. Cada um de nós é
chamado a responder sobre o óbvio. Visto como simples número, o cidadão fica
reduzido à sua dimensão estatística.
[...]
Agora vem esse leitor, que me pede para ficar anônimo, e me diz que o censo está
perdendo uma excelente oportunidade de saber de fato o que pensa, o que sente e o
que é em suma o brasileiro desta hora. O censo não pode encarar a realidade do
ponto de vista quantitativo. Contar o número de bois gordos e o número de crianças
subnutridas. Isto já sabemos, senão com exatidão, ao menos de maneira
aproximativa. para o gasto, ou para o tipo de planejamento econômico que se
faz e se consome nos círculos oficiais.
[...]
(FSP, 7/11/91)
O referente “esse leitor” não tem retomada correferencial com antecedente explícito
(sintagma nominal) no texto. É uma anáfora que remete a antecedente implicado no discurso.
A respeito do referente “esse leitor” ativado no texto, não se pode dizer que seja retomado por
um sintagma para poder sustentar a retomada. Aqui, nesse caso, é preciso inferir que esse
leitor é aquele que escreve para o articulista e não quer ser identificado, ou seja, quer ficar
anônimo. Entram em cena tanto a referenciação textual, que é quando o ouvinte identifica o
17
referente do discurso, quanto a referenciação discursiva em que os referentes estão implicados
no discurso e não na retomada referencial.
1.3. A PROGRESSÃO REFERENCIAL
A introdução de novos referentes, a conservação destes referentes introduzidos , a
reintrodução de uns e outros e as retomadas no texto sustentam a organização informativa e
conduzem o fluxo de informações.
Veremos agora como essas informações são construídas em um modelo textual.
Baseados em Koch (2006), são os seguintes princípios de referenciação envolvidos nessa
construção:
1) ativação quando é introduzido no texto um objeto não mencionado e a expressão
lingüística fica em foco, de tal maneira que o referente fica disponível.
2) reativação o referente introduzido é ativado outra vez, de modo que o referente
textual continua em foco.
3) de-ativação – é introduzido um novo referente, ocupando posição focal e o referente
que estava saliente anteriormente, pode a qualquer momento ser novamente ativado. Vejamos
o exemplo em um trecho de nosso corpus.
(6) Um alemão parado já é por si meio filósofo. Calado e mirando o mar, é filósofo
e meio. Mas não era propriamente filosofia o que ocupava a cabeça do chanceler
alemão. Com 1,93m de altura e 103 quilos de peso, parecia triste e pensativo. Digamos
que uma pesquisa ali mesmo tentasse no palpite adivinhar em que pensava Herr Kohl.
(RESENDE, O.L. FSP, 3/11/91)
Ativação= Um alemão
Reativação= do chanceler alemão
De-ativação= Digamos que uma pesquisa ali mesmo tentasse no palpite adivinhar em
que pensava Herr Kohl
18
O modelo textual é continuamente elaborado e mudado através de novos referentes
que lhe são introduzidos. Esses endereços em nossa memória podem ser mudados ou
ampliados, e a compreensão é uma representação complicada e complexa criada na memória
do leitor, por haver sempre novas informações sobre o referente, como se pôde confirmar no
exemplo anterior.
É necessário, também, observar que as categorias como: referir, remeter e retomar,
vistas como sinônimas, são completamente diferentes, podendo ser assim relacionadas,
conforme foi dito por Koch e Marcuschi (1988,apud KOCH, 2006, p.84).
referir é uma atividade de designação realizável por meio de língua sem implicar
relação língua-mundo; remeter é uma atividade de processamento indicial na
cotextualidade; retomar é uma atividade de continuidade referencial, seja numa
relação de identidade ou não.
Para a mesma autora, um aspecto muito importante a ser citado é que um texto é
construído por relações seqüenciadas e não lineares cujo sentido se constrói na interação
texto-sujeito . O processamento textual se entre movimentos para frente (catáforas) e para
trás (anáforas), ou seja, a progressão textual se no que foi dito, naquilo que será dito e
naquilo que é dito. Observe um exemplo de catáfora e anáfora.
Antes de darmos um exemplo de catáfora e anáfora, comentaremos a respeito da
anáfora.Temos anáfora, conforme dito no início, quando aparece no texto um elemento que
faz remissão retrospectiva a um elemento evidenciado no texto, promovendo a coesão
referencial.
Catáfora (movimento projetivo):
(7) Digamos que você ouça da boca de um americano ou de um alemão o seguinte:
“O Brasil sempre foi o retrato de um gigante abobalhado. (RESENDE, O.L. FSP,
7/06/91)
No exemplo acima, deparamo-nos com a expressão o seguinte que antecede o
fragmento textual que o segue (O Brasil sempre foi o retrato de um gigante abobalhado), cuja
relação catafórica fica até mesmo marcada textualmente pelo uso de dois pontos.
Anáfora (movimento retrospectivo)
(8)
O professor de ciências naturais exibiu ao aluno um besouro e lhe pediu a
classificação. O professor, como se sabe, nunca está satisfeito (nem com os
salários, nem com as respostas). (RESENDE, O.L. FSP,7/06/91)
19
No exemplo acima, a introdução referencial se dá pelo referente “ao aluno”. Para que
tal referente se mantenha no interior do discurso, o cronista usa o pronome “lhe”, valendo-se
de um elemento de coesão, com a intenção de retomar e manter o elemento no discurso.
1.3.1 – PRINCIPAIS ESTRATÉGIAS DE PROGRESSÃO REFERENCIAL
As estratégias de progressão referencial são aquelas que dão possibilidades para a
construção de cadeias referenciais no texto, nas quais originam a categorização ou
recategorização discursiva. São elas, segundo Koch (2006, p.85): “a) uso de pronomes ou
elipses (pronome nulo); b) uso de expressões nominais definidas; c) uso de expressões
nominais indefinidas”.
Essas expressões referenciais podem ser assim esquematizadas, segundo Koch (2006,
p.87):
Det. + Nome
Det. + Modificador (es) + Nome + Modicador (es),
Det. : Artigo Definido e Demonstrativo
Modificador : Adjetivo, S.P e Oração Relativa
Antes de tratar de cada estratégia de progressão textual, é importante que se comente a
categorização e a recategorização.
De acordo com Neves (2006, p.100), cada expressão referencial é uma categorização,
isto é, uma colocação do referente em determinada categoria cognitivamente estabelecid
a.
Um bom lugar para se observar a categorização é a colocação de nomes designadores
de ações, processos e estados usados remissivamente no texto, esta operação é denominada de
rotulação por Francis (1994, apud NEVES, 2006).
A nominalização é uma das formas mais significativas de categorizar, pois é “uma
operação discursiva de referenciar, por meio de um sintagma nominal, um processo ou um
estado anteriormente expresso por uma oração.” (Apothéloz, 1995a, p.144; Apothéloz e
Chanet, 1997, p.160, apud NEVES 2006, p.102).
Para exemplificar, veja um trecho da crônica A universal banana, de Otto Lara
Resende, escrita em 20/07/91.
20
(9)
Gesto ofensivo, a banana consiste em flexionar o braço direito com o punho
cerrado e segurando-o pelo meio, com o braço esquerdo. A definição é do
acadêmico R. Magalhães Júnior. Em Portugal, diz-se manguito.
Como vimos, temos um sintagma nominal “A definição” retomando um processo
anteriormente expresso (Gesto ofensivo, a banana consiste em flexionar o braço direito com o
punho cerrado e segurando-o pelo meio, com o braço esquerdo.).
Para Neves (2006) um outro fato relevante na referenciação é a recategorização. É que
um objeto pode não ter sido configurado apenas discursivamente, mas, sim, recebido uma
designação no texto, assim, ele pode ter sido nomeado, e nesse caso agora, recategorizado.
Vejamos:
(10)
Para o Brasil chegar afinal ao primeiro mundo, falta vulcão. Uns
abalozinhos tem havido por aí, e cada vez mais freqüentes . Agora passa por Itu
esse vendaval, com tantas vítimas e tantos prejuízos a lastimar. Alguns jornais não
tiveram dúvida: ciclone. Ou tornado, quem sabe. (RESENDE.O.L. FSP, 7/10/91).
O que podemos observar neste exemplo, é que a designação tanto inicial (esse
vendaval) quanto remissiva (ciclone, tornado) estão constituindo predicações não totalmente
coincidentes, as remissivas são mais específicas do que a primeira.
1.3.2. A MANUTENÇÃO NO MODELO DISCURSIVO OU RETOMADA.
Segundo Koch (2006) as cadeias referenciais, que são responsáveis pelo avanço
referencial do texto, originam-se pela retomada, ou seja, uma operação responsável pela ão
de manter os objetos introduzidos no texto.
Essa progressão referencial do texto pode realizar-se por meio tanto de recursos
gramaticais (pronomes, elipses, numerais, advérbios), quanto por recursos lexicais
(sinônimos, expressões nominais, etc). Exemplo:
(11)...Pelé e Garrincha eram a dupla de mais cartaz no mundo. Nem os Beatles, que
eram quatro e tiveram o cuidado de aparecer depois, lhe chegavam aos pés. No
pólo Norte, em 1965, vendo o sol da meia-noite, um esquimó me pulou no pescoço
com a maior alegria e agitação. Só depois vim a saber a razão. Porque eu era
brasileiro. Pelé! Pelé gritava ele, eufórico. (RESENDE, O.L. FSP, 29/05/92)
21
Pelo exposto acima, podemos ver a progressão referencial realizar-se através do
pronome “lhe” fazendo referência à expressão “os Beatles”, e o pronome “ele” retomando o
sintagma nominal “o esquimó”.
1.4. DESCRIÇÃO NOMINAL DEFINIDA, DESCRIÇÃO NOMINAL INDEFINIDA E
DEMONSTRATIVOS
Os dois grandes tipos de descrição nominal são: a definida e a indefinida. O falante
entende um sintagma nominal definido por achar que o ouvinte pode atribuir-lhe referência
única devido ser possível acessar referentes do arquivo permanente, e entende um sintagma
nominal indefinido por supor que o ouvinte não pode atribuir-lhe referentes, e nesse caso, o
referente entra para o arquivo do ouvinte, e assim, referências subseqüentes podem ser feitas.
Os sintagmas nominais definidos podem ser designados por expressões definidas, pelo
fato de o ouvinte diferenciar os referentes de outros referentes presentes no universo
discursivo. Muitas vezes, usar o artigo definido possibilita que o ouvinte identifique o
referente, sem a necessidade de outras descrições, mesmo sem mencionar o referente no
universo discursivo.
Neves (2006 p.124) diz que outras vezes é preciso ser adicionado ao sintagma nominal
um adjetivo ou uma oração relativa, e/ou um sintagma preposicionado para que o ouvinte
identifique o referente.
Em todos os casos citados, o falante acredita que o ouvinte tem condições de
reconhecer nas produções discursivas o referente da descrição a que ele se refere.
De acordo com Koch et.al (2005) a expressão referencial anafórica nominal ou
pronominal serve para localizar uma informação que está na memória discursiva e não apenas
em localizar um antecedente no texto.
As formas nominais quando realizam a remissão textual, têm a função específica de
imprimir aos enunciados orientações argumentativas, de acordo com aquilo que o produtor
quer enunciar no seu texto. Essas formas nominais com a função de categorizar ou
recategorizar referentes, são escolhas do produtor do texto em cada contexto para categorizar
o referente.
Com as mais variadas intenções, através de uma expressão definida, o locutor a seu
interlocutor fatos do referente que julga serem desconhecidos do parceiro. Exemplo:
22
(12) ...Collor comandou o boeing da Transbrasil sobre a Venezuela. o foi
vantagem nenhuma, porque o avião tem piloto automático. A encenação era do
presidente, mas o comando era do computador. (RESENDE, O.L. FSP, 05/07/91)
Essa expressão nominal “do presidente” recategoriza o referente “Collor” dando
informações importantes desse referente que auxilia o interlocutor a construir dele uma
imagem. Nesse exemplo construímos uma imagem de um homem que chamava atenções por
suas proezas presidenciais.
Veremos a seguir os encapsulamentos e as rotulações metadiscursivas como formas de
remissão textual.
1.4.1. OS ENCAPSULAMENTOS
Para Koch & Elias (2006) são chamados de encapsulamentos as formas nominais que
sumarizam as informações que estão contidas em segmentos precedentes do texto;
transformando-as em objetos de discurso. Vejamos um exemplo abaixo:
(13) Tão bom passar na porta do cine Metro Passeio. Vinha de dentro aquele hálito
de ar refrigerado, novidade rara naquele tempo. Anos depois, fui fazer um bate papo
na Universidade de Lovaina Louvain em português). Título: Sombra e água fresca.
Nada melhor para falar do Brasil do que esse dístico. Passei um certo aperto.
(RESENDE, O.L. FSP, 22/12/91)
No exemplo, vemos que a expressão em destaque “esse dístico” sumariza uma parte
do co-texto precedente, a saber: “Título: Sombra e água fresca”, estabelecendo assim, um
novo referente no discurso.
Ainda para as autoras, é comum as expressões referenciais ajudarem na estruturação
do texto quando efetuam a marcação de parágrafos, não se tratando pois, do parágrafo no
sentido tipográfico e sim no sentido cognitivo do termo, ainda que muitas vezes as duas coisas
coincidam. A título de ilustração, vejamos o exemplo abaixo:
(14) Na França, o casamento virou negócio. Hoje o “Marriage Blanc” tem por lá outro
sentido. Um monte de estrangeiros se casa só para conseguir os papéis que lhes
permitam viver legalmente na França. Esse expediente anos foi usado nos pa´ses
da Europa do Leste, mas logo as autoridades puseram fim à maracutaia com a mão de
ferro da ditadura. (RESENDE, O.L. FSP, 21/07/91)
23
Esse exemplo mostra como a expressão anafórica, esse expediente”, contribui para a
marcação e estruturação do parágrafo.
1.4.2. A REMISSÃO METADISCURSIVA
Um tipo particular de rotulação é aquele que evidencia a própria atividade discursiva e
não resume o conteúdo de um segmento textual anterior, ou seja, são entidades discursivas
que mostram a atividade discursiva no discurso. Entre essas atividades podem-se mencionar
de acordo com Koch (2006, p.96-97):
a) Nomes “ilocucionários” como: ordem, promessa, conselho, advertência,
afirmação, asserção, crítica, proposta, alegação, cumprimento, etc.
b) nomes de atividades “linguageiras”: descrição, explicação, relato,
esclarecimento, resumo, história, debate, exemplo, ilustração, definição,
denominação, etc.
c) nomes de processos mentais: análise, suposição, atitude, opinião, conceito,
convicção, avaliação, constatação, etc.
d) nomes metalingüísticos em sentido próprio: frase, pergunta, questão,
sentença, etc.
Vejamos o exemplo abaixo:
(15) Um grupo de colegiais me pergunta qual é a palavra mais bonita da ngua
portuguesa. Velha e corriqueira curiosidade; que vai e volta. Em todos os países e
em todas as épocas esta pergunta se repete, digo eu. Há 40 anos, em 1952, a
revista “Vie et Langage” realizou um meticuloso concurso para indicar as dez
palavras mais bonitas da língua francesa. (RESENDE, O.L. FSP, 05/12/92)
Nesse exemplo, temos um referente que é recategorizado por meio de uma forma
metalingüística “esta pergunta”, como ato de enunciação.
1.5. REFERÊNCIA NOMINAL INDEFINIDA
24
Além das expressões nominais definidas, a referenciação pode aparecer também com o
uso de expressões nominais indefinidas com a função anafórica, uma vez que seu uso é mais
comum para introduzir novos referentes textuais.
No exemplo a seguir veremos que o referente principal é construído textualmente com
as expressões nominais indefinidas: “um solteiro feliz”e “um solitário”.
(16) A porta aberta, você dava logo de cara com um azulejo na parede: aqui mora
um solteiro feliz”. Uma pitada de humor com um toque popular. Essa graça
espontânea que a tudo da gosto. Do contrário, a vida é só enfado e mormaço. Era de
fato um solitário. (RESENDE, O. L. FSP, 19/12/1991)
Como vimos pelo exemplo acima, a expressão nominal indefinida “um solitário”
retoma a expressão indefinida “um solteiro feliz”. Pode ser percebida linguisticamente pela
presença de um determinante indefinido, como no exemplo, mas pode ser um pronome
indefinido ou um artigo indefinido.
Sobre essa ocorrência, podemos confirmar a importância dos relatos de Cunha (2005,
p.199), uma vez que para essa autora, abordagens tradicionais da semântica e mesmo de
análises lingüísticas ignoravam ou até mesmo ativamente negam que um artigo indefinido
pudesse servir para retomar um referente introduzido previamente.
Hoje, porém, muitos autores apontam para esse tipo de anáfora.Vejamos mais um
exemplo:
(17) Em Portugal só, não; na Europa-e em cada país, pelo menos na Europa
meridional, tem um nome específico.Por toda parte, o gesto é obsceno.A simples
palavra é palavrão e consta dos dicionários de calão. Mas aqui entre nós, que é que
nunca deu uma banana? As mais sérias são as que tivemos vontade de dar e todavia
guardamos, quase sempre por conveniência. mesmo um banana, que nesse
sentido significa um sujeito mole, sem vontade. Um bocó de argola. (RESENDE,
O.L. FSP, 16/07/91)
Pelo exposto, podemos confirmar que as expressões nominais indefinidas podem ter
função anafórica, mesmo havendo pouca discussão em referenciação sobre isso. Observamos
as descrições indefinidas “um sujeito mole”, “um bocó”, retomando o referente “um banana”.
1.6. O USO DOS DEMONSTRATIVOS
25
Para Neves (2005) é nos estudos lingüísticos que os demonstrativos são sempre
devedores do contexto (seja ele textual ou situacional), o que não ocorre com o artigo
definido, cuja referenciação recorre a “circunstâncias de avaliação” se definindo como as
circunstâncias em que uma descrição definida encontra verdade. Como se vê neste trecho:
(18) Quando encerrar sua visita e sair da mira dos fotógrafos brasileiros, o papa
deixará aqui uma numerosa coleção de retratos. (RESENDE, O.L. FSP, 19/10/91)
Nesse trecho, é o conhecimento de que “o papa” veio ao Brasil, que garante a verdade
de uma unicidade existencial veiculada pela descrição que está no sintagma nominal definido.
Segundo a autora, levando em conta essa situação, o demonstrativo remete ao
contexto, o artigo definido remete de forma indireta do referente, tendo como foco para a
remissão às circunstâncias de avaliação.
Quanto ao uso anafórico, deve-se verificar quais são os fatores que determinam ou
favorecem a escolha de um ou de outro em determinados contextos, principalmente com o uso
anafórico.
Estudiosos mostram quais são os fatores que demandam o uso do demonstrativo, entre
outros. Vejamos esses fatores na visão de Apothéloz e Chanet (1997, apud NEVES, 2005, p.
l42):
a)– a (re)categorização do objeto: o substantivo predicativo escolhido opera uma
(re)categorização, mais, ou menos, metafórica do estado de coisas”.
b)- a denominação qualificadora de uma citação: o substantivo é apresentado como
se representasse uma citação (muitas vezes entre aspas).
c) - a qualificação do nome nuclear: o núcleo do sintagma nominal aparece
modificado por uma expansão não-determinativa, ou seja, qualificativa
Analisemos alguns trechos retirados corpus:
Vejamos o exemplo “a”:
(19) Quem gosta de palavras cruzadas, charadas e enigmas pode se divertir com o
anagratismo. foi verdadeira mania na Inglaterra, na França, na Alemanha. O
latim e o grego se prestam muito a esse jogo e ostentam exemplos ontológicos.
(RESENDE, O.L. FSP, 06/10/91)
Vejamos o exemplo “b”:
(20)
Quem fica tiririca, e com toda razão, com essa história mal contada , e tão
mal contada que desmente o próprio Machado, é o Dalton Trevisan, Machadiano de
mão cheia e olho agudíssimo. Pois nessa prova do vestibular, o drama do Bentinho
se apresenta como “centrado no ciúme doentio e na suposta traição de sua esposa”.
Suposta? De onde os senhores professores tiraram este despropósito e o passam
26
aos imberbes e indefesos vestibulandos? “Dom Casmurro” saiu em 1900.
(RESENDE, O.L. FSP, 8/1/92)
Por fim, vejamos o exemplo “c”:
(21) ...Festas e férias, não faltam motivos para uma euforia que se enquadra bem
nesta paisagem exuberante, mais do que em qualquer outra época do ano, a cidade é
um balneário. Conta para isto com a ajuda dos turistas, que não têm razão para se
assustar mais do que se assustam por esse violento mundo de Deus. (RESENDE,
O.L. FSP, 21/12/91)
Muitos estudiosos explicam que o demonstrativo não cria a anáfora associativa. E para
contestar essa visão veja o que, Apothéloz e Reichler Beguelim (1999, apud NEVES 2006,
p.145) trazem:
Em primeiro lugar, o modo tradicional de ver os traços semânticos e instrucionais
que distinguem esses sintagmas dos sintagmas nominais com artigo definido: (i) o
referente é captado no contexto imediato de ocorrência, (ii) o núcleo lexical do
sintagma nominal nem sempre é envolvido na questão do referente, mas opera uma
reclassificação dele, (iii) o referente é finalmente captado num processo de
contraste interno, em oposição dos demais componentes da classe da qual é
membro. Esses autores referem-se, ainda, a outros autores que, numa orientação
cognitiva e pragmática, enfatizam a função do demonstrativo na elaboração da
memória discursiva, considerando que ele se refere a um elemento em foco no
próprio alvo, enquanto o artigo definido se refere a um elemento que já está em
foco na memória discursiva.
Para Neves (2006), os demonstrativos ajudam na articulação do texto com alguma
atribuição situacional numa escala de proximidade: (a) este se refere ao mais próximo (b)
aquele se refere ao mais distante; (c) este e aquele estão em pontos extremos nessa
escala.Veja um exemplo, a título de ilustração:
(22)...Craque em matemática e cobra em biologia, leu o livro “Dom Casmurro e
disse: “Aprendi muito com este livro”.(RESENDE, O.L. FSP, 23/12/91)
1.7. PRONOMINALIZAÇÃO.
Para Koch (2006) através de formas gramaticais que exercem a função-pronome,
pode-se realizar a referenciação. Essas formas gramaticais podem ser: pronomes
propriamente ditos, numerais e advérbios pronominais. Na literatura lingüística, essas formas
gramaticais são chamadas de pronominalizações (anafórica ou catafórica) de elementos co-
27
textuais. Possuem características próprias quando se trata de fala, pois poderá ocorrer um
referente co-textual sem que apareça, ou seja, esteja explícito.
Vejamos o exemplo:
(23)
Também , muito tempo, me casei assim. que a roupa era do Millôr
Fernandes. Sim, do MiIllôr Fernandes. Naquele tempo ele já tinha a mania de ser
atleta, mas o traje me caiu bem. Em mim e no Yllen Kerr. Vários amigos casamos
com essa indumentária do Millôr. Convém pedi-la emprestada porque parece que
sorte, até onde casamento sorte, porque não é máquina de felicidade.
(RESENDE, O.L. FSP, 21/07/91)
Aqui temos um nome próprio retomado pelo pronome do caso reto: ele. também
pronominalização através do pronome pessoal do caso oblíquo na forma: la”, quando o
mesmo retoma o referente: “essa indumentária”.
Mostraremos a seguir as formas de introduzir referentes no texto e a anáfora associativa.
1.7.1. FORMAS DE INTRODUZIR REFERENTES NO TEXTO E ANÁFORA
ASSOCIATIVA
Na visão de Koch e Elias (2006), os referentes são introduzidos de duas maneiras:
ativação ancorada e não-ancorada.
A introdução não-ancorada dá-se quando temos no texto um objeto-de-discurso novo,
representado por uma expressão nominal e sua primeira categorização. Temos a ativação
ancorada quando é introduzido um novo objeto-de-discurso no texto, e ele está associado a
elementos que estão no co-texto ou contexto sociocognitivo.
Exemplo:
(24) Não sei se o Gilberto Braga pensou no Anatole France. Ele conhece bem a
literatura francesa. Ao seu lado, no “Dono do mundo”, está a Ângela Carneiro, que
é até professora de francês. O Anatole está fora de moda. Ninguém mais o lê.
(RESENDE, O.L. FSP, 14/07/91)
Ativação ancorada= Ele
Ativação não-ancorada= Gilberto Braga
28
A referência quando é endofórica, isto é, quando seu uso é textual, o referente se acha
no texto e, se o referente precede o item coesivo tem-se a anáfora e ao que segue catáfora. É
na anáfora que concentraremos nossos comentários, que é um processo coesivo essencial
para que haja a progressão referencial no discurso.
Para melhor definir o fenômeno da anáfora, vale colocarmos, aqui, a visão ampla de
Marcuschi (2005, p.54-55). Para ele a anáfora “é o termo usado para designar expressões que,
no texto, se reportam a outras expressões, enunciados, conteúdos ou contextos textuais
(retomando-os ou não), contribuindo assim para continuidade tópica e referencial.”
Observamos pelas leituras que alguns estudiosos distinguem entre anáfora superficial
ou direta, que se estabelece uma forma remissiva a um referente textual, e anáfora profunda
ou associativa em que não está explícito no texto o referente, mas é inferível, deduzível a
partir de elementos nele explícitos.
Neste tipo de anáfora para que haja produção de sentido, é necessário fazer
inferências, o conhecimento prévio do leitor é essencial, portanto está ligado ao
estabelecimento da coerência.
Quando lemos, deixamos vir à tona neste momento, todo nosso conhecimento de
mundo, nossas vivências e experiências para que possamos construir o sentido do texto que
estamos lendo.
Temos esse tipo de anáfora, quando é possível identificar o referente com base em
informação no universo do discurso, apoiada em um outro referente disponível no contexto
(NEVES, 2005).
A interpretação da seqüência associativa depende do conhecimento compartilhado
entre os interlocutores, pois o sintagma anafórico não tem relação direta com o referente
antecedente.
Vejamos a crônica “Calma que o Brasil é nosso” de Otto Lara Resende
04/07/91, para
observarmos o quanto o conhecimento de mundo é importante para a compreensão do texto.
Calma que o Brasil é nosso
Pensar não dói. Mas pede esforço, treino. Como diria o Pacheco, o raciocínio é uma
operação mental. Mas o sujeito aparece na televisão e, com a maior cara-de-pau, diz o que
lhe vem à cabeça. Aliás, não vem; encontra a porta fechada e vai-se embora .Cedinho, o cara
sai de casa, leva consigo a pose e acha que está com o enxoval completo. Pode dar entrevista
e massacrar os que ousem discordar.
29
Qualquer tema serve. Basta estar pautado, garantia de que sai no jornal. E borbota
em close no vídeo. Parlamentarismo? Por exemplo. No que vier, ele atira o bombardeio de
suas idéias feitas. Sempre viveu bem assim, confortável, deitado no berço esplêndido do
lugar-comum. Jamais deixou de comprar feito e embrulhado. Para o presente ou para o
passado. Para as ocasiões. Ah, sim: parlamentarismo. Que é que dita o interesse? Ou que é
que seu mestre mandou?
Postura de pigarro, vem chumbo grosso: não estamos preparados para o
parlamentarismo. Não temos partidos nacionais de verdade. Nem uma sólida estrutura
administrativa profissional. Seria o caos. Pausa. Nem a tosse é original.Vem do fundo de
priscas eras. O olhar tenta em vão pescar um brilho de inteligência. Aquela esquiva luz do
raciocínio. Mas de “nihilo, nihil”, dizia o Pérsio. Não o Arida, Mas o romano do século
(ano do Senhor). Do nada, o nada. que aqui o nada fala, Solene, para a câmera. A
câmera, coitada, é toda atenção na gravata.
Nenhum vislumbre de formulação pessoal. Nenhuma tentativa de alcançar a quota
zero. Daí pra baixo, nada precisa ser dito. É a morada do óbvio ululante. Tipo o sol brilha.
Ou a noite é escura. Mas o impávido entrevistado nada receia. O dom da palavra é nele um
efeito. Se não falar, corre o risco de ser estabulado. O conteúdo é outro departamento. Aqui
estamos no reino do papagaio. Come o milho e leva a fama. Leva, não; ganha.
Onde está parlamentarismo, leia-se qualquer outro item. A democracia? Ainda não
estamos preparados. Ensino e saúde para todos. É cedo. Temos de nos preparar. Previdência
Social: nanja! O povo não sabe votar. Ainda. Voto não enche barriga. O voto da lavadeira
não pode ser igual ao do general. Quem o disse foi o general, claro. Corrupção, desnutrição,
crime organizado. A solução virá a seu tempo. Calma, gente. Ainda não estamos preparados.
O texto só será compreendido, se ativarmos o conhecimento prévio sobre a situação do
Brasil no governo Collor, cujos referentes não estão no texto, são extralingüísticos: “o
sujeito” é Collor, “os” são os brasileiros, “corrupção”, “desnutrição”, “crime organizado” são
os problemas que afligiam os brasileiros.
O exemplo citado acima, confirma a definição de Apothéloz (1995b, p.40, apud
NEVES, p.109) sobre a anáfora associativa:
Designa o processo efetuado mediante sintagmas nominais que apresentam
simultaneamente as duas seguintes características: de um lado uma certa
dependência interpretativa relativa a um referente previamente introduzido ou
designado; de outro lado, a ausência de correferência com a expressão que
30
previamente designou esse referente. Desse modo, diz o autor, a anáfora associativa
apresenta o referente como conhecido, ou como identificável, embora ele não
tenha sido explicitamente designado, e, além disso, não indica sua relação com
outros referentes ou com outra informação explicitamente formulada.
Conforme foi dito anteriormente, a anáfora associativa é também chamada por alguns
autores de indireta. Para Koch (2006), as anáforas associativas são subtipo de anáforas
indiretas e é através de inferências que se reconstrói um denotatum implícito, em que o item
anafórico não tem antecedente literal implícito.
Para a autora as anáforas indiretas são ancoradas em elementos essenciais para a
interpretação. Trata-se de formas nominais que dependem de determinadas expressões da
estrutura textual em desenvolvimento, necessitando de inferências dos referentes para que
sejam ativados, possibilitando aos interlocutores a ativação dos vários conhecimentos
armazenados na memória.
Ela diz que esse tipo de anáfora é muito importante para a coerência textual, muitas
vezes é somente no co-texto que fica claro, quais são as representações tópicas que devem ser
escolhidas na interpretação.
Como se pode ver, os termos anáfora associativa e a anáfora indireta dizem respeito
ao mesmo processo de informações para construir os complexos processos inferenciais
ativados na memória enciclopédica dos interlocutores. Por isso para Koch (2006), a anáfora
indireta é um subtipo da anáfora associativa.
Observemos esse processo em um trecho da bela crônica de Otto Lara Resende,
intitulada: O jeitão dele:
Digamos que você ouça da boca de um americano ou de um alemão o
seguinte: “O Brasil sempre foi o retrato de um gigante abobalhado”. Ou que você
leia isso no texto de um desses “brazilianists” que estudam o Brasil de longe e se
esforçam por entendê-lo. O Brasil entra como uma peça de laboratório, que
desafia o pesquisador e o intérprete. O cientista social, no caso um estrangeiro, olha
o Brasil como um entomólogo olha um inseto.
Nessa operação de laboratório, muito mérito. Deus me livre de
desmerecê-la. Mas há pouca vida. Ou nenhuma vida. Disseca-se é cadáver. Por uma
associação de idéias, que é a estrada real da memória, estou me lembrando de uma
velha anedota escolar. O professor de ciências naturais exibiu ao aluno um besouro
e lhe pediu a classificação. È um coleóptero, disse firme o aluno. O professor,
como se sabe, nunca está satisfeito (nem com os salários, nem com as respostas).
Por que é um coleóptero? Enquanto o aluno mergulhava nos arcanos de
sua ignorância, o besouro começou a andar, doido também para se livrar do exame.
Oral, ainda por cima, Foi aí que o aluno teve uma iluminação: “Professor, olhe só o
jeitão dele”. Nenhuma dúvida: era o jeitão de um coleóptero. Ninguém o
confundiria com um lepidóptero, ou com um díptero. Estava na cara e carapaça, nas
asas recolhidas, no andar ao mesmo tempo sonso e aflito que era um coleóptero.
Bastava olhar o seu jeitão.
31
Releia a frase do começo. Sabe de quem é? Do Severo Gomes no
discurso com que se despediu do Senado, a 13 de dezembro de ano passado.
Pronunciada no Senado da República, pela boca de um pai da pátria a frase soa
diferente. O Severo pode ter idéias discutíveis e até erradas. Mas é um homem culto
e um patriota. Tenho certeza de que deseja o melhor para o Brasil.
Estou dizendo isso, porque ontem almocei com três amigos. Comigo
éramos quatro brasileiros cansados de torcer pelo Brasil. A gente não tem um
calo na alma porque não aceita ser indiferente. Com a quilometragem que tenho
hoje , compreendo esse misto de amor e raiva com que falamos do Brasil. O jeitão
dele é esse mesmo. Escusa explicar por que é um coleóptero. Ou um gigante.
Abobalhado? Ou deitado em berço esplêndido. Tanto faz. (FSP, 07/06/91)
Para a interpretação do texto e construção de informações, precisamos de ativar
estruturas cuja representação semântica e informações conceituais são relevantes e podem ser
denominadas âncoras, ativando no léxico mental representações relevantes. Quando vemos o
referente: “um entomólogo”, ativamos esquemas em nossa memória de longo prazo que nos
possibilitam entender os referentes subseqüentes: “um inseto”, “um coleóptero”, “um
lepidóptero”, “um díptero” que são ativados e ampliados nos conhecimentos semânticos.
Partindo do princípio de que as referências textuais são constituídas no processo
discursivo e que muitos referentes são construídos no modelo textual, Marcuschi (2005)
esclarece que uma referenciação implícita, direcionada por uma ativação de referentes novos
endoforicamente e não uma retomada de formas referenciais já conhecidas, é o que podemos
chamar de anáfora indireta. De acordo com o autor, a anáfora indireta é um caso de referência
textual que envolve uma atenção cognitiva conjunta dos interlocutores e processamento local,
“constituída por expressões nominais definidas, indefinidas e pronomes interpretados
referencialmente sem que lhes corresponda um antecedente ou subseqüente explícito no
texto”.
Podemos dizer que as duas visões, a de Koch (2006) e a de Marcushi (2005), vêem a
anáfora indireta com semelhança em relação à implicitude de referente sem o seu antecedente.
No trecho acima, retirado da crônica “O jeitão dele”, observamos um caso de referenciação
bastante lacunoso, evidenciando que anáfora indireta não é uma estratégia de reativação de
referentes.
Nesse trecho acima descrito, fica claro que os referentes das formas nominais “um
inseto”, “um lepidóptero”, “um díptero” e “a gente não têm enunciados nominalmente,
explícitos, mas estão ancorados no texto precedente. Todos os referentes em negrito não
retomam referentes, e sim estão ancorados na expressão um entomólogo”, servindo de base
decisiva para a interpretação, pois sabemos que um entomólogo é aquele que estuda os
32
insetos. Agora, a expressão “a gente ancora-se em éramos quatro brasileiros cansados de
torcer pelo Brasil”.
Não se trata de uma relação anafórica propriamente dita, porém são objetos-de-
discurso produzidos para constituir a continuidade textual. Nessa construção foi necessário
ativar não o saber construído linguisticamente pelo próprio texto e também conteúdos
inferenciais, mas também os saberes, opiniões, juízos, usados na interação autor-texto-leitor.
33
2. A CRÔNICA COMO GÊNERO DISCURSIVO
Escrevemos, escrevemos, escrevemos. Clamamos no deserto. O clube do poder tem as
portas lacradas e calafetadas.
(Otto Lara Resende)
Nesta parte do trabalho, trataremos a crônica como gênero do discurso à luz da
concepção de Bakhtin, uma vez que segundo esse filósofo russo, “quanto melhor dominarmos
o gênero mais livremente o empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos nele a
nossa individualidade” (BAKHTIN, 2003, p.235).
Notamos que é importante frisar que o estudo da natureza do enunciado é essencial,
pois qualquer tipo de estudo opera em enunciados concretos (orais ou escritos) relacionados a
diferentes campos da atividade e comunicação, é nesse ponto que estudiosos extraem suas
necessidades dos fatos lingüísticos.
Partiremos em um primeiro momento de um estudo dos gêneros do discurso, que é
muito difícil falar em crônica, sem passarmos pelo olhar desse notável pensador russo para
quem é preciso mostrar no texto literário o caráter social, coletivo, da produção de idéias e
enunciados.
Considerar a crônica como gênero, implica caracterizá-la em termos bakhtinianos:
estilo, conteúdo temático e plano composicional, sem nos esquecermos de que estão
diretamente relacionados às diferentes situações sociais.
2.1. OS GÊNEROS DO DISCURSO
A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso o infinitas porque são
inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada
campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e
se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado
campo. (BAKHTIN, 2003, p. 262).
É essencial conhecermos a natureza do enunciado e suas diferenças, pois o não
conhecimento resulta em meros formalismos, prejudicando o relacionamento da língua com a
vida.
34
Para Bakhtin (2003), o uso da linguagem e as atividades humanas estão
intrinsecamente ligadas e os enunciados são efetuados através da língua por determinados
grupos humanos.
Os gêneros do discurso são vistos a partir de sua extrema heterogeneidade tanto orais
quanto escritos: anúncio, diálogo do cotidiano, aviso de toda ordem, receitas médicas,
literatura, guias turísticos, etc, exercitando nossa competência textual como falantes de uma
determinada língua, bem como nossa capacidade para a construção e interpretação de textos.
Para o pensador russo os gêneros do discurso o tipos de enunciados relativamente
estáveis, que possuem um conteúdo temático, uma construção composicional e um estilo.
Conforme foi dito, os gêneros apresentam grande heterogeneidade e por este motivo
Bakhtin faz uma distinção entre os gêneros primários e os secundários. Entendem-se os
gêneros primários como aqueles ligados a situações cotidianas da relação humana (diálogo,
carta, situações discursivas imediatas); os secundários como aqueles que surgem de esferas
mais complexas (romances, dramas, pesquisas, etc.) mediadas pela escrita. Isso não quer dizer
que estes não possam incorporar vários gêneros primários. Pode-se dizer que um diálogo ao
manter a sua forma em uma entrevista jornalística, adquire tons de um novo contexto, ambas
as esferas se modificam e se complementam. Em uma dada esfera de atividade, só nos
comunicamos através de gêneros.
Todo trabalho investigativo de um material lingüístico, seja ele qual for, lida com
enunciados concretos (orais e escritos), evidenciando a necessidade do estudo do enunciado e
das múltiplas formas de gênero de enunciados, isso porque como afirma Bakhtin (2003,
p.265): “a língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é
igualmente através de enunciados concretos que a vida entra na língua”.
Bakhtin diz que os gêneros “são tipos relativamente estáveis,” pois estão sujeitos a
mudanças, oriundas das transformações sociais e culturais e ainda do trabalho dos autores .
Isso mostra que não há normatividade neste conceito.
Para melhor enterdermos, é só observar uma notícia do fim do século passado e uma
moderna que veremos a diferença. Hoje, a internet com seus novos gêneros: e-mail, blog,
ganham novos sentidos, mostrando que gêneros podem aparecer ou desaparecer.
Estamos expostos a um vasto e rico repertório de gêneros (orais e escritos), e sempre
moldamos o nosso discurso por determinadas formas de gêneros, às vezes de forma
padronizada, às vezes de forma mais flexível. Aprender a escrever e a falar significa aprender
a construir enunciados, pois falamos por enunciados e não por orações e palavras isoladas,
isso é conseqüentemente aprender gêneros.
35
Numa visão Bakhtiniana, para haver liberdade no emprego dosneros é preciso
conhecê-los bem, pois muitas pessoas que se sentem à vontade ao discutir uma questão
científica, podem ter dificuldades em uma conversa sobre a realidade, ou a faz de modo
ineficiente, pelo fato de não dominar o repertório desse gênero.
Para Bakhtin (2003) os enunciados que se manifestam através dos discursos, se dão
entre a relação falante / ouvinte, centrada na função comunicativa entre dois parceiros da
comunicação discursiva. O ouvinte ao compreender o significado (lingüístico) do discurso,
ocupa em relação a ele uma posição responsiva, ou seja, necessita de uma resposta e assim o
ouvinte se torna falante. Essa compreensão responsiva pode se realizar imediatamente a ação
ou pode ser silenciosa que poderá ser respondida nos discursos subseqüentes, “é uma
compreensão de efeito retardado”. Deve-se sempre levar em conta, se o destinatário dispõe de
conhecimentos de uma determinada situação, pois isto o fará decidir numa ativa compreensão
responsiva do enunciado dado.
É inegável a necessidade de olhar o contexto como fundamental, pois as três
características ditas como principais, isto é, estilo, conteúdo temático e construção
composicional, nada dizem se não dermos importância ao contexto: os enunciados são
notadamente marcados em um tempo e espaço (condição sócio-histórica) que se juntam às
intenções enunciativas de seus atores.
Não podemos nos esquecer de que para o teórico russo, todos os enunciados no
processo comunicativo são dialógicos, pois os “enunciados não são indiferentes entre si e nem
se bastam cada um a si mesmos; uns conhecem os outros e se refletem mutuamente uns nos
outros” (BAKHTIN, 2003, p. 297).
Todo falante tem em mente seu destinatário, que pode ser um chefe, um inferior,
uma comunidade, etc. E deve-se levar em conta suas concepções, preconceitos, os quais irão
evidenciar a compreensão responsiva do meu enunciado. Por exemplo, o gênero crônica é
endereçado a leitores dotados de certa compreensão responsiva, sua posição social,
conhecimento político, histórico-social, etc. Sem levar em conta o seu destinatário é muito
difícil compreender o gênero ou o estilo do discurso.
É pensando nessa situação que o presente trabalho pretende demonstrar, conforme nos
diz Bakhtin (2003), que nos comunicamos através de algum gênero, que todos enunciados
são dialógicos, são perpassados por outros discursos e que são endereçados a leitores que
partilham crenças comuns com o falante e que estes enunciados são produzidos em
determinado tempo e espaço (contexto histórico-social).
36
Um gênero pode englobar o outro, surgindo formas inovadoras, e isto pode ser notado
no e-mail que tem como precedentes as cartas (pessoais, comerciais, etc.) e os bilhetes.
Para reforçar o que foi dito acima Fiorin (2006, p.65) faz a indagação “qual é a
fronteira que delimita a crônica do conto? Temos nos jornais, crônicas que são verdadeiros
contos”. Isso acontece porque é fluido o limite entre esses dois gêneros, e não porque o
cronista deixou seu ofício.
A apreensão de tudo que existe se faz através dos gêneros. Quando o falante escolhe
determinado gênero, ele tem uma intenção que envolve sua individualidade e subjetividade,
que é em seguida aplicada ao gênero escolhido
Conclui-se então que as unidades da língua fora de um contexto, não têm acabamento,
não pertencem a ninguém, não tem autor, enquanto os enunciados permitem uma resposta e
têm acabamento.
Voltemos agora, a comentar o todo que constitui o enunciado: estilo, conteúdo
temático e estruturação composicional em uma crônica que faz parte do nosso corpus de
pesquisa.
Um ano de ausência
(Otto Lara Resende)
(Rio de Janeiro) A porta aberta, você dava logo de cara com um azulejo: “Aqui mora um
solteiro feliz”. Uma pitada de humor com um toque popular. Essa graça espontânea que a
tudo dá gosto. Do contrário, a vida é só enfado e mormaço. Era de fato um solitário.
Precisava de ser só. Nisto, sua personalidade era feita de uma peça só. Incapaz de
simulação, ou até, em certos casos, de uma ponta de hipocrisia que se debita à polidez social.
Nunca vi solitário de porta tão aberta. Neste sentido, falando de Minas, do tempo em
que viveu, observava o recato, a quase avareza com que os mineiros tratam o forasteiro.
Talvez por isto nunca se esqueceu de um almoço em Caeté, que lhe deu uma página
antológica do ponto de vista das duas artes a culinária e a literária. Sendo um
temperamento encolhido, sobretudo na mocidade, gostava desse clima de intimidade que cria
laços de confiança e amizade para sempre.
À primeira vista, ou de longe, parecia, sim, isto que os franceses chamam de “ours”.
Um urso. Sempre metido consigo mesmo, fabricava o seu próprio mel. Espécie de ruminante,
que se alimenta da matula que traz de nascença. Fugia da cilada sentimental, ou da emoção,
pelo atalho do “sense of humour”. Se sabia manejar a lâmina da ironia, nunca a usava a
37
seco. Sempre compensada por uma tirada de forte teor humano. Horror ao pedantismo, à
afetação. Não impostava a voz, nem a pena.
Talvez tivesse qualquer coisa de bicho, esse homem sensível à beleza fugaz deste
mundo. Na sua relação com a natureza, não havia intermediação de ordem intelectual. O
coração da vida pulsava no seu coração. Alerta nos cinco sentidos, ser instintivo, sólido, bom
sendo, era capaz de estranhar. No sentido em que se pergunta de um cão se ele estranha.
Guardava distância do poder, mas não julgava o poderoso pela aparência. Independente
diante do grande e do pequeno.
Era um ser livre e lírico. Seu claro olhar de sabedoria espiava o Brasil com algum
tédio. Paisão sem jeito, que trata mal as crianças e os pobres. O sentimento de justiça sem
apelo ideológico. Muito antes do modismo conservacionista, pleiteou a causa do maçado
carvoeiro e de todo e qualquer ser ameaçado. Tinha uma disponibilidade fundamental para
ver e escrever. Um senhor poeta, o cronista Rubem Braga.
(Resende, O.L. In: Folha S.Paulo, 19/12/91)
Na crônica estudada o conteúdo temático é apresentado por um cronista-narrador que
com sua representação de mundo, sua carga emocional, sua subjetividade semelhante à poesia
lírica, explora a polissemia da metáfora, ancorados nos fatos da realidade. Daí poder dizer,
baseado em Moisés (2005), que a crônica é “a poetização do cotidiano” “À primeira vista,
sim, isto que os franceses chamam de “ours”. Um urso”, o trecho tenta transmitir ao leitor a
ausência do grande poeta e cronista: Rubem Braga.
O cronista-narrador quer atingir o ouvinte-leitor, através de sua visão pessoal, tentando
certificar dele suas opiniões a respeito do cronista Rubem Braga e também do seu grande
valor como pessoa e escritor.
Nesse texto, por meio de uma aparente conversa, o cronista-narrador capta um fato do
cotidiano e imprime a ele um tom poético. Ele nos atrai, por uma vibração lírica, provocada
pelo tom confessional a falta de um amigo que jamais voltará. Sentimos a poeticidade que
permeia a crônica nos seguintes trechos: “Sempre metido consigo mesmo, fabricava seu
próprio mel,” “Espécie de ruminante, que se alimenta da matula que traz de nascença,” “O
coração da vida pulsava no seu coração,” “Guardava distância do poder, mas não julgava o
poderoso pela aparência”.
A seleção dos elementos lingüísticos é um ato estilístico. Esse ato é percebido na
escolha de certos meios gramaticais, fraseológicos. Percebemos neste cronista, um estilo
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muito criativo, numa linguagem simples, poética, com períodos curtos, favorecendo sua
coerência. Quanto à estruturação composicional temos uma introdução/tese “Aqui mora um
solteiro feliz”, Argumentação: a própria narração e a conclusão: “tinha uma disponibilidade
para ler e escrever. Um senhor poeta: o cronista Rubem Braga”, sua estrutura é bastante
parecida com um texto argumentativo.
É um estilo que sugere fácil entendimento, em que uma simples leitura, transcende ao
sabor da conversa descontraída. Não se comunicaria com o leitor se fosse de outro jeito.
Infere-se que por trás dessa simples forma de apresentar e falar sobre a maneira de ser do
cronista Rubem Braga, o cronista-narrador coloca a questão da solidão e ainda a justiça no
julgamento de qualquer ser humano e a preocupação com os problemas sociais brasileiros.
2.2. A CRÔNICA: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS
A coluna de Otto é um vento que sopra de baixo para cima e areja toda aquela
página. (Carlos Castelo Branco)
No dicionário Aurélio (1988), encontram-se no verbete seis significados, mas destes,
dois nos interessam neste estudo:
Crônica. s.f.1. Narração histórica, por ordem cronológica. 2.Genealogia de família
nobre. 3.Revista científica ou literária, que constitui, periodicamente, uma seção de
jornal. 4. pequeno conto de enredo indeterminado. 5. seção ou coluna de revista ou
de jornal consagrada, ou não, a um assunto especializado. 6. Biografia, em geral
escandalosa, de uma pessoa.
No primeiro sentido, temos o que conhecíamos: o registro do passado na ordem em
que os fatos aconteciam. no quarto sentido, a visão é atual mostrando que neste pequeno
conto pode ter como registro fatos do cotidiano. Os dois conceitos nos levam à idéia de que a
crônica, seja no relato de fatos do dia-a-dia, seja no registro de fatos comuns, é sempre um
resgate do tempo.
Neste estudo, toma-se a crônica como o registro de uma visão pessoal ante um fato
qualquer, é o ponto de partida para que o narrador apresente o fato, mas que o leitor reflita e
chegue à tese por seu próprios méritos. No Brasil, tivemos e temos muitos cronistas que se
consagraram pelo domínio do modo de composição deste gênero discursivo e pela
39
manifestação de uma visão de mundo válida, não para seu tempo, mas para além do tempo
do acontecimento narrado. Entre eles podemos citar: Carlos Drummond de Andrade, Rubem
Braga, Paulo Mendes Campos, Machado de Assis, Otto Lara Resende, Carlos Heitor Cony.
Nessa perspectiva, encontra-se em Otto Lara Resende o aspecto intrínseco da crônica
como um registro de salvar do esquecimento um fato passageiro, por isso ela tenha um caráter
atemporal.
Comecemos pela leitura de um trecho de uma crônica de Machado de Assis (apud,
VIANA 2008, p.16) intitulada: “O nascimento da crônica”.
Não posso dizer positivamente em que ano nasceu a crônica; mas toda a
probabilidade de crer que foi coletânea das primeiras duas vizinhas. Essas vizinhas,
entre o jantar e a merenda, sentaram-se à porta, para debicar os sucessos do dia.
Provavelmente começaram a lastimar-se do calor. Uma dizia que não pudera comer
ao jantar, outra que tinha a camisa mais ensopada do que as ervas que comera.
Passar das ervas às plantações do morador fronteiro, e logo às tropelias amatórias
do dito morador, e ao resto, era a coisa mais fácil, natural e possível do mundo. Eis
a origem da crônica. (ASSIS, 1944).
No trecho acima, o autor vale-se de uma idéia figurada conversa entre vizinhas”
dando a entender que é nas conversas do cotidiano que está a origem da crônica, sem se valer
de datas exatas para seu nascimento.
A palavra crônica deriva do grego Chronikós, que significava relativo a tempo, e
também do latim Chronica, que na era cristã significava relação de acontecimentos em ordem
cronológica, eram, pois registros de eventos sem a preocupação de detalhá-los ou aprofundá-
los.
Foi em 1799 que a crônica surgiu, no Journal de Débats, publicado em Paris. No
Brasil apareceu por volta de 1836 e o termo aqui foi traduzido por “folhetim”, mas na segunda
metade do século o termo “crônica” era usado. Com o passar do tempo a crônica no Brasil
foi se distanciando do sentido documentário originado da França e a crônica é hoje, para nós,
um gênero de caráter mais literário, envolvendo lirismo e fantasia.
Segundo Moisés (2005, p.102) “a crônica é para nós, hoje na maioria dos casos, prosa
poemática, humor lírico, fantasia, etc., afastando-se do sentido de história, de documentário
que lhe emprestam os franceses”.
Apesar do acontecimento diário ser a base da crônica, ela não objetiva somente a
informação, o seu objetivo é fazer do cotidiano e seus acontecimentos algo cheio de fantasia.
Ao contrário dos textos jornalísticos que faz e visa mera informação e que também são textos
escritos para o jornal, a crônica procura transcender a mera informação, ganhando a
universalização através do acontecimento cheio de fantasia.
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De acordo com Viana (2007), Mário de Andrade, entre 1927 e 1932, desenvolvia dois
tipos de crônica quando trabalhava no jornal Diário Nacional, que eram: “crônica crítica” que
é o texto que analisa / informa objetivamente; o artigo se preocupa prioritariamente com o
desenvolvimento lógico do assunto, e “crônica pura”, que eram textos que reproduziam o
cotidiano em cenas e anedotas que para ganhar a adesão e simpatia do leitor, eram muitas
vezes bem-humoradas.
Para Moisés (2005) a crônica oscila, pois, entre a literatura e o jornalismo, resultado
do relato impessoal, frio ante um fato qualquer e a recriação do cotidiano por meio de
fantasia.
O cronista registra um flash do cotidiano mais simples com graça, sensibilidade e dose
de humor. E é nessa dose de humor que tal gênero livra-se da reportagem pura e simples.
O grande contingente de cronistas famosos na imprensa brasileira atesta o prestígio
desse gênero. Para eles é uma questão de sobrevivência e reconhecimento social; para nós,
leitores, uma questão de olhar para o aspecto meramente informativo da comunicação
jornalística, e fazer disso um momento de quebra entre o acontecimento e o mundo íntimo do
escritor, por isso é que no fundo, o cronista vê no seu leitor um co-autor.
Com a intenção de substrair-se à fugacidade jornalística, muitos cronistas selecionam
seus textos que parecem ser menos erosivos pelo tempo para editá-los em livro, visando à
permanência, até que algum motivo para o chamado para vir à superfície. Vejamos a opinião
de Antonio Candido (1980, p.5, apud FÁVERO e MOLINA, 2006,p.75):
A crônica não é “um gênero maior” (...) “Graças a Deus” seria o caso de dizer -,
assim sendo, ela fica perto de s (...). Por meio dos assuntos, da composição
aparentemente solta, do ar de coisa sem necessidade que costuma assumir, ela se
ajusta à sensibilidade de todo o dia. Principalmente porque elabora uma linguagem
que fala de perto ao nosso modo de ser mais natural. Na sua despretensão,
humaniza-se; esta humanização lhe permite, como compensação sorrateira,
recuperar com a outra mão uma certa profundidade de significado e um certo
acabamento de forma, que de repente podem fazer dela uma inesperada, embora
discreta, candidata à perfeição.
Para o crítico, é exatamente essa simplicidade da linguagem, de assuntos de todo dia,
que a faz “candidata a perfeição”.
Abaixo teceremos alguns comentários sobre os tipos de crônicas segundo a visão de
Moisés (2005). Para ele, pode se falar em dois tipos de crônica: a crônica-poema e a crônica-
conto. Veremos como podemos diferenciá-las.
Crônica e ensaio: como sabemos, a crônica tem no jornal seu ponto de apoio e o
ensaio se destina mais a revista ou livro do que ao jornal, aspirando uma perenidade,
41
diferentemente da crônica. A coincidência entre ensaio e crônica se dá na subjetividade, na
prevalência do “eu”, mas a não coincidência é percebida na intencionalidade. Enquanto o
ensaio a retém, a crônica a repele porque senão deixa de ser crônica. Vejamos um exemplo de
Moisés (2005, p.110).
Essas são as exigências da vida moderna em que o nova-iorquino se debate: o
homem se desdobra em horários, se realiza por seções, dispõe a sua personalidade
em compartimentos estanques, perde a consciência individual não em nome de uma
consciência coletiva, mas, o que é pior, em nome de categorias funcionais
padronizadas; sai do terreno das afirmações concretas de existência para pertencer
ao das entidades abstratas, mecanizadas, matemáticas, torna-se algarismo envolvido
inconscientemente nas mais complicadas operações.
Baseado em Moisés (2005), temos neste caso, reflexões de um cronista pensando em
voz alta a solidão do homem moderno no habitante de Nova Iorque.
Crônica e poesia: a crônica é um gênero que oscila entre o conto e a poesia. No
momento em que se explora a temática do “eu”, despertando lembranças ocultas e sensações,
de modo que faz a poesia despontar, a crônica se assemelha a poesia. Quando a crônica é
semelhante a poesia, pode ser denominada de crônica-poema ou poema em prosa. Um dos
maiores mestres desse gênero, é sem dúvida Rubem Braga. Vejamos um exemplo tirado de
nosso corpus.
Faz mais de um ano que não nos vemos, minha velha amiga e eu. Velha é carinho.
Mas não precisa apagar a conotação do tempo. Curiosa coincidência. Pensava nela.,
uns fiapos de reminiscência, e ela me aparece assim sem mais nem menos. Um
instante estamos à vontade. Está bem, muito bem, posso dizer, sincero. Como a lua,
mulher tem fase. Você está na lua nova, digo, convicto.Crescente, ela corrige com
bom humor. (RESENDE, O.L. FSP, 06/12/92)
Nesse trecho, um denudamento do “eu” confesso, através de uma linguagem
simples, em que um encontro simboliza o poético. Sua poeticidade vai aumentando conforme
o texto progride, de modo que a poesia desponta desse fato inesperado (o encontro de
supostamente dois amigos).
Crônica e conto: a crônica voltada para o conto mostra-se pela ênfase no “não-eu”, no
acontecimento que provocou a atenção do escritor. Quando ultrapassa por acaso o plano do
cotidiano, se torna conto, merecendo toda a atenção para que tenha um destino menos
efêmero que a crônica do jornal. Vejamos um trecho de um outro exemplo de Resende:
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Fazer e lazer
Era um desses que trazem um bronzeado da pele o selo de sua cidadania carioca. Praia
toda manhã com a turma, um prazer sagrado. Um dia um companheiro se retirou mais
cedo. Tenho muito o que fazer, disse. E perguntou se ele não queria ir embora. Foi
quando o Sandro Moreyra explicou que tinha também por seu turno muito o que
“lazer”. O particípio passado de fazer é feito. De “lazer” é leito, acrescentou.
O lazer, ou o ócio, é a mãe da filosofia. Quem o diz é Thomas Hobbes, que era do
ramo: “Leisure is the mother of philosophy”. A partir do futebol e do botafogo,
Sandro filosofava todo dia na sua crônica. E sempre com bom humor. Se a filosofia
não é incompatível com o ócio, é antes sua filha, também o é com a praia. Se eu
tivesse visto outro dia Helmut Kohl parado no calçadão de Copacabana olhando o
mar, era capaz de jurar que estava filosofando. (RESENDE, O.L. FSP, 03/11/91)
Notamos que, aqui, temos uma crônica voltada para o não-eu, no horizonte do
conto, requerendo do cronista apenas que seja seu historiador.
Utilizando um tom descontraído e solto, parece que o cronista conversa com o seu
leitor e também, com sua inquietação lírica, pode explorar a polissemia da metáfora em fatos
ancorados na realidade.
É por meio do estilo que o cronista se sustenta e é nesse ponto que se distancia do
repórter. O estilo aqui não é no sentido de um simples arranjo sintático, mas, sim, como
instrumento de visão de mundo, explorando a polissemia da metáfora. Mas a obra literária não
se justifica apenas pelo estilo, fazendo-o somente como meio, o estilo deve adequar-se a visão
de mundo do autor.
O cronista pelo estilo ágil, simples e poético atrai o leitor “distinguindo-se da massa
tipográfica de um jornal” (MOISÉS, 2005, p.118). Assim, a crônica é prejudicada pelo que
lhe é peculiar, pelo que lhe dá sustentabilidade: o estilo.
Para casar com o estilo da oralidade, nada melhor que os temas do cotidiano, que faz
disso o seu prato preferido. Rubem Braga e outros fazem surgir do acontecimento uma
transcendência que após uma simples leitura possa ser assimilado.
Ambigüidade, subjetividade, brevidade, temas do cotidiano são alguns elementos
essenciais à crônica, sem nos esquecermos da efemeridade. De acordo com Moisés (2005), a
crônica cedo ou tarde envelhece, e que mesmo no livro, a eventual morada “parece um ataúde
florido e pomposo, mas ataúde”. Um Machado de Assis não veria suas crônicas reunidas em
um livro, conhecendo o milagre da reedição, o que se daria o contrário de seus contos e
romances.
Segundo Moisés (2005), Fernando Sabino no texto “A última crônica” sintetiza de
forma bastante criativa o seu trabalho criador: “Busca do pitoresco ou do irrisório no
cotidiano de cada um”, visando “ao circunstancial, ao episódio”.
43
2.3. OTTO LARA E A CRÔNICA JORNALÍSTICA
Trataremos aqui sobre o escritor Otto Lara Resende, com dados recolhidos do livro de
Benício Medeiros intitulado Otto Lara Resende: a poeira da glória (1998).
Otto Lara Resende nasceu em de maio de 1922 na cidade mineira de São João Del
Rei e se retira da cena jornalística em 28 de dezembro de 1992 aos 70 anos.
Fez parte da Academia Brasileira de Letras, sendo empossado, em 1979, merecendo
da imprensa uma grande atenção. Otto com seu senso de humor, levou à ABL um pouco de
graça e brilho.
Entrou para o jornalismo muito jovem, com apenas 18 anos. Em 1991, morando
tempos no Rio de Janeiro, é convidado pelo jornal Folha de S. Paulo para compor sua equipe
fixa de colaboradores, este convite aconteceu, após passar por um período difícil na segunda
metade dos anos 80.
De acordo com Medeiros (1998), propunham-lhe um trabalho duro. Uma crônica
diária, para sair seis vezes por semana. Ele gostava de escrever muito, e o fato de ter que
escrever 30 linhas datilografadas apenas, o fez usar períodos curtos, lampejantes, que
resumiam num haicai idéias de dois ou mais parágrafos. Tomemos o termo haicai, de acordo
com o dicionário Aurélio (1988): “Haicai sm. Poema japonês constituído de três versos, dos
quais dois são pentassílabos e um, o segundo, é heptassílabo”.
Seu primeiro artigo saiu na Folha de S.Paulo no dia 1º de maio de 1991 e intitulava-se
“Bom dia para nascer”. Seus textos tinham boa aceitação e isto o alegrou, fazendo mudar
completamente sua rotina.
Uma pesquisa realizada pela Folha revelou que Otto era um dos três cronistas mais
lidos do jornal. Medeiros (1998) comenta que o cronista fazia o maior sucesso entre as
leitoras. Um dos seus segredos é a simplicidade, leveza e humor com que escrevia. Ao mesmo
tempo, apesar de seu estilo jovial, usava e abusava de expressões raras, do conhecimento de
poucos.
Escreveu quase 600 crônicas para a Folha de S.Paulo e falou de tudo que pudesse ser
registrado, desde o movimento dos caras-pintadas do governo Collor, invasão de celulares, a
violência no futebol.
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Segundo Medeiros (1998, p.132) “a morte o ceifou nas alturas, em pleno vôo. Aos 70
anos, mas escrevendo como jovem, não perdera a capacidade de trabalhar duro, de influir de
provocar emoções”.
Sua crônica jornalística oferece-lhe condições para deixar transparecer o seu modo de
ver e falar sobre a vida política, social e cultural, sendo um observador minuscioso da
realidade, situações e costumes como em:
Epa, tudo indica que o Collor afinal se decidiu em Guadalajara a internacionalizar a
banana de outro dia na descida da rampa. Aliás, não foi banana. Segundo o Carlos
Castelo Branco, foi o que no Piauí se chama “guede”, com o “e” aberto. E me fez
uma demonstração prática de como é o gesto obsceno. Nosso encontro foi na
Academia Brasileira, local muito apropriado para enriquecer o meu vocabulário.
(RESENDE, O.L. FSP, 20/07/91)
No trecho acima, o cronista fala do gesto da banana se reportando ao fato da banana
dada pelo presidente Collor aos jornalistas em certa ocasião. Notamos, ainda, um tom irônico
quando diz que aprendeu o gesto num local muito apropriado, ou seja, na Academia Brasileira
de Letras, onde enriqueceria o vocabulário.
É válido comentar que em suas crônicas aparecem temas diversos e ele os escreve de
forma enxuta, com períodos curtos, como se estivesse mantendo uma breve conversação com
o leitor. Numa linguagem informal, imprime em seus textos os desacertos, os erros da vida
nacional em que se insere o individuo às formalidades sociais. Muitas vezes, surgem em sua
crônica construções estrangeiras, que evidenciam o pleno domínio da linguagem do autor e
também uma certa dose de humor e ironia sobre o que o próprio texto nos revela neste
pequeno fragmento.
... Coordenada em silêncio, a festa conta com o entusiasmo de 27 governadores. Os
planetas estaduais vão se reunir em torno do sol da União. Segundo a Teresa
Cruvinel, que deu a notícia em “O Globo”, será um almoço em Brasília. O restaurante
foi escolhido .... e todos cantarão o “Parabéns pra você”, Ou o “Happy birthday to
you”, se convidarem o FMI. (RESENDE, O.L. FSP, 26/07/91).
A partir da leitura de seus textos, Otto Lara Resende comenta os acontecimentos da
sociedade considerados relevantes para os leitores da época e o faz de uma maneira
despojada, usando recursos lingüísticos que lhe são próprios que são mostrados no transcorrer
do trabalho, conferindo-lhe um caráter diferenciado, fazendo da crônica um gênero maior,
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porque muitos críticos literários e estudiosos de literatura insistiam em considerar a crônica
um gênero literário de menor valor, que era quase tão somente veiculado em jornais. No
caso de Otto ficou provado que quando a crônica é escrita de forma a explorar toda a riqueza
da linguagem, nas mais variadas estratégias textuais, conferindo a esse texto “uma candidata a
perfeição” conforme nos mostrou Antonio Candido (1980, p.5, apud FÁVERO e MOLINA,
2006, p.75).
Ainda é preciso ressaltar que através de suas crônicas, o autor revela sua indignação
frente aos fatos que compõem o dia-a-dia da sociedade. Vejamos um exemplo:
... Quanto ao Collor, sugiro ao protocolo que acabe com a descida da rampa na
sexta e crie a subida na segunda-feira. Depois do Jet Ski e do domingo, nervos em
paz, a banana fica mais remota. Mas se quiser dar mesmo, dê para o F.M.I e para os
credores americanos. Macho é isto. (RESENDE, O.L. FSP, 16/07/91).
Pelo fato de aparecer em suas crônicas um teor casual, marcas de oralidade, da
linguagem coloquial, a espontaneidade e naturalidade da linguagem lhe dão uma grande
adesão dos leitores, como pode se observar na pequena amostra que segue: “ .... só mesmo um
banana, que neste sentido significa um sujeito mole, sem vontade. Um bocó de argola” (FSP,
16/07/91)
Buscando apoio em Coutinho (1971, p.121, apud NAVES, 2004 p.28)
A crônica deve empregar de preferência a linguagem da atualidade, não evitando de
maneira sistemática os idiomatismos, epítetos circunstancia e certos jogos de palavras
que se formam eventualmente para desaparecer algum tempo depois. Sem essa prática
a crônica deixaria de refletir o espírito da época, uma vez que a língua corrente
constitui a mais viva expressão da sociedade humana, no tempo. A linguagem e, mais
expressivamente a gíria social, é um tempero importantíssimo na confecção de uma
crônica. Lembre-se que nisto consiste em grande parte o êxito incontestável das
reportagens sociais ou mundanas de certos cronistas em nossos dias.
É nesta preferência pela linguagem da atualidade que faz da crônica um gênero
importante e incontestável, que passa pelo olhar do leitor
atento a todos os acontecimentos,
situações, costumes da realidade e do cotidiano.
De início, a crônica de Otto Lara Resende pode nos parecer ligada a assuntos menos
importantes, mas, aos poucos, por meio da crítica revelada, o texto nos leva a uma grande
reflexão sobre os problemas que nos rodeiam, denunciando desde erros cometidos pelas
46
pessoas, os desencontros da vida até a perplexidade diante de fatos políticos. Otto analisa a
história brasileira, tendo como fator de organização textual a referenciação, conferindo-lhe um
caráter próprio que faz da sua crônica um gênero maior, isto é, à mesma altura de romances e
contos.
A linguagem e o estilo de Otto Lara Resende fazem com que seu texto seja criativo,
diferente, merecendo o que dele disse Affonso Romano de Sant´Anna, em publicação do
Jornal do Brasil de 30/12/92: “... com Otto morreu não apenas um homem, mas um certo
modo de ver e amar “O Brasil””.
2.4. A CRÔNICA NA ERA COLLOR
A preocupação em explorar este tema, justifica-se pelo fato de ter em nosso corpus de
pesquisa várias crônicas que mostram o contexto sócio-político na época em que Resende
escrevia no jornal Folha de S. Paulo, tendo como principal figura no cenário político
Fernando Collor de Melo, Presidente do Brasil de 1990 a 1992 quando foi afastado do cargo.
Sabemos que a crônica como gênero do discurso caracteriza-se por três elementos
essenciais: estilo, conteúdo temático e estruturação composicional como vimos
anteriormente e que além disso é de suma importância observarmos todo o contexto, devemos
levar em conta então que os gêneros existem em determinada situação comunicativa e sócio-
histórica.
Ao investigarmos nosso corpus, deparamo-nos com crônicas que retratavam o cenário
político e também o modo como este escritor via este cenário. São elas: Também estive
(FSP, 05/06/1991), Calma, que o Brasil é nosso (FSP, 04/07/1991), Em terra, no ar, no mar
(FSP, 05/07/1991), Yes, nós temos (FSP, 16/07/1991), A universal banana (FSP, 20/07/1991),
Festinha de aniversário (FSP, 26/07/1991), Astúcia, sorte e blefe (FSP, 27/07/1991).
Veremos em alguns trechos a visão do cronista, sendo esta visão crítica e às vezes até
debochada da vida política do país.
Na época em que estas crônicas foram escritas, tinha como a maior figura o político
Collor, como havíamos dito antes. Ele chegou à presidência como o caçador de Marajás
que acabaria com os privilégios e corrupção. Representava novos valores: jovem, esportista,
auto-confiante, belo, moralista e machista.
Mas não foi o que aconteceu em seu governo, ao contrário do que foi prometido,
começaram rumores de corrupção, recessão e desemprego, gastos excessivos (reforma do
47
jardim na casa da Dinda, por exemplo). Toda essa insatisfação culminou no impeachment do
presidente no dia 22/12/1992.
Veremos alguns trechos de crônicas de Otto Lara Resende, e teceremos alguns
comentários:
“Não me foi difícil transformar o “caos” em “caso”, “asco”, “ocas”.E “soca” -sabe o
que é? Levar uma soca, ir na soca. Resolvi partir então para um palíndromo, juntando
ao “caos” algumas palavras em evidência. E uns poucos nomes próprios da atual cena
política. Nisso, abro a revista “Domingo” do “Jornal do Brasil” e dou com o Luís
Fernando Veríssimo. Um craque, que além de escrever, desenha. Estava a cara do
Brasil e o caos decomposto assim: “Cá só/ asco, / caos... / saco!” Desisti do meu
palíndromo e passo a sugestão adiante”. (FSP, 06/10/1991)
No trecho acima, encontramos a visão dos cronistas: Otto Lara Resende e Luís
Fernando Veríssimo no que se refere à realidade brasileira. Para eles asco, caos e saco!.
Por meio de uma linguagem simples, num tom debochado eclode no texto uma crítica diante
de situação política da época.
No fragmento abaixo, veremos como Otto Lara Resende, de forma irônica, examina
um fato, fazendo o leitor refletir de maneira crítica diante do fato exposto. Eis dois pequenos
trechos:
“Com aquilo mais roxo, o Collor vai ganhar um presente concreto. estão passando
pires para a vaquinha. Pode ser um Jet ski. Ou uma motoca.(26/07/1991)
“No Rio anteontem houve quem admitisse que o Collor ia saltar de pára-quedas. Um
repórter anunciou pelo radio que ele ia pilotar um helicóptero”. As precedentes
proezas presidências tornam qualquer hipótese verossímil. D.Leda fica apreensiva
com razão. Mas sejamos compreensivos: o culto do corpo e da aventura está na moda.
Collor vive o seu tempo. Se pela Constituição, comanda as forças armadas, por que
não pode comandar um Boeing? Exercer de fato a prerrogativa constitucional é muito
mais difícil. E ele exerce. Ou não? (FSP, 05/07/1991)
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3.A REFERENCIAÇÃO EM CRÔNICAS ESCOLHIDAS DE OTTO LARA RESENDE
Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se foro o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quanto ao catar palavras:
a pedra dá a frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com o risco.
(João Cabral de Melo Neto)
3.1. OS DIFERENTES CASOS DE REFERENCIAÇÃO NAS CRÔNICAS
A análise apresentada neste capítulo, que resultou no tema da dissertação, foi
desenvolvida com base nos pressupostos teóricos descritos anteriormente neste trabalho, com
base na leitura de 34 crônicas de Otto Lara Resende.
Conforme foi dito na introdução deste trabalho, e valendo-nos dos princípios
teóricos da Lingüística Textual e Funcionalismo, analisamos as crônicas com o objetivo de
descobrir como o cronista Otto Lara Resende fez uso da referenciação em seus textos, para
fazer deles unidades de sentido marcadas pelo elo entre linguagem poética e recursos
lingüísticos coesivos. A opção por Otto Lara Resende deveu-se ao fato de ele ser considerado
pela crítica um autor ímpar em matéria de estilo e visão da realidade brasileira.
Após serem lidas cerca de 200 crônicas desse escritor, foram selecionadas
aleatoriamente trinta e quatro delas. Pode parecer estranho o fato de o corpus ser constituído
de trinta e quatro crônicas, mas isso aconteceu pelo fato de haver nelas dados que chamam a
atenção, seja pelo seu modo de olhar o Brasil e sua realidade social. Percebemos nas suas
crônicas uma proximidade estilística em todas elas. Observamos um estilo com o predomínio
49
períodos curtos, linguagem simples, mas que muitas vezes abusava de palavras raras, bom-
humor, como se estivesse em um bate-papo com os amigos, e com vistas a podermos
descobrir a permanência de um estilo único em todas elas, observaremos o uso dos recursos
textuais da Referenciação.
A escolha também se deu pela temática de suas crônicas, ele falou de tudo o que podia
ser registrado, tais como: temas momentosos da política, futebol, a visita do Papa, o modo de
viver do carioca, a perda de alguém querido, o casamento, pichadores, etc.
As crônicas que compõem este corpus estarão em ordem cronológica, terão seus
títulos em negrito e as datas de sua publicação no jornal Folha de S. Paulo: Também já
estive (05/06/91), O jeitão dele (07/06/91), Calma, que o Brasil é nosso (04/07/91), Em
terra, no ar e no mar (05/07/91), A Taís de ontem e hoje (14/07/91), Yes, nós temos
(16/07/91), Bola murcha (18/07/91), A universal banana (20/07/91), A moda de casar
(21/07/91), A gracinha dos “graffitti” (23/07/91), Festinha de aniversário (26/07/91),
Astúcia, sorte e blefe (27/07/91), Aço, pedras e ovos (26/09/91), Hora do anagrama
(06/10/91), O que diz o vento (07/10/91), O Papa e a gente (12/10/91), A república e o
golfo (13/10/91), O bocejo do papa (09/10/91), Fazer e lazer (03/11/91), O que convém
apurar (07/11/91), Acordo e concordância (13/11/91), O paladino do fósforo (16/11/91),
Símbolo augusto de quê? (21/11/91), Em busca de desafios (24/11/91), Regressão e
Agressão (01/12/91), Mas pra curtir (12/12/91), Um ano de ausência (19/12/91),
Turista mas secreto (21/12/91), Sombra e água fresca (22/12/91), Rapazes ontem e hoje
(23/12/91), Não traiam o Machado (08/01/92), Doidos são os outros (29/05/92), Belo nome
de sábio (05/12/92), Esse código sereno (06/12/92).
Sabemos que as retomadas no modelo discursivo são essenciais para a manutenção em
foco de objetos introduzidos, originando as cadeias referenciais, sendo estas responsáveis pela
continuidade referencial do texto.
Por estar ativado no modelo textual, esta continuidade se faz tanto através de recursos
gramaticais, como pronomes, elipses, numerais, advérbios locativos, como por elementos
lexicais (itens lexicais, sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos, expressões nominais, etc.)
de acordo com Koch & Elias (2006).
Trataremos neste capítulo das principais estratégias de referenciação textual, nas
crônicas de Otto Lara Resende entre elas: uso de pronomes ou outras formas de valor
pronominal, usos de expressões nominais definidas e usos de expressões nominais
indefinidas.
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Faremos um levantamento de diferentes casos de referenciação elencados em todas as
crônicas entre elas: nominalização, encapsulamento ou sumarização, pronominalização,
metadiscursividade, anáfora indireta e associativa.
3.2. NOMINALIZAÇÃO
A nominalização é o uso de uma forma nominal, com a função de sumarizar
segmentos anteriores ou posteriores contidos no texto, retomando informações-suporte que
são transformadas em objeto-de-discurso, passando, agora, a se encontrar sob estatuto
nominal.
Procuraremos discernir em cada crônica os diferentes casos de referenciação. Tais
como: as chamadas anáforas indiretas, associativas, encapsulamento ou sumarização e ainda a
referência com a função de pronome.
3.2.1 ENCAPSULAMENTO OU SUMARIZAÇÃO POR DESCRIÇÕES NOMINAIS
Comecemos por um estudo sobre o encapsulamento ou sumarização, que é uma
função própria das nominalização, cujos usos recategorizam segmentos precedentes ou
subseqüentes no contexto.
Veremos alguns trechos em que se encontram rótulos retrospectivos, ou seja, quando
um referente sumariza uma informação precedente.
Para ilustrarmos esse tipo de estratégia referencial, comentaremos exemplos retirados
de nosso corpus .
As crônicas por nós selecionadas para a organização de nosso corpus estão ordenadas
a partir das publicações, com o objetivo de facilitar nosso trabalho na observação dos
mecanismos intradiscursivos do processo de referenciação.
Crônicas de 1991:
“Também já estive lá” (5/6/91)
“O jeitão dele”. (7/6/91).
“Calma, que o Brasil é nosso”. (4/7/91).
“Em terra, no ar e no mar”. (5/7/91).
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“A Tais de ontem e de hoje”. (14/7/91).
“Yes, nós temos”. (16/7/91).
“Bola murcha”. (18/7/91).
“A universal banana”. (20/7/91).
“A moda de casar”. (21/7/91).
“A gracinha dos “graffitti”” (23/7/91).
“Festinha de aniversário”. (26/7/91).
“Astúcia, sorte e blefe”. (27/7/91).
“Aço, pedras e ovos”. (26/9/91).
“Hora do anagrama”. (6/10/91).
“O que diz o vento”. (7/10/91).
“O papa e a gente”. (12/10/91).
“A república e o golfe”. (13/10/91).
“O bocejo do papa”. (19/10/91).
“Fazer e lazer”. (3/11/91).
“O que convém apurar”. (7/11/91).
“Acordo e acordância”. (13/11/91).
“O paladino do fósforo”. (16/11/91).
“Símbolo augusto de quê”. (21/11/91).
“Em busca de desafios”. (24/11/91).
“Regressão e agressão”. (1/12/91).
“Mas dá prá curtir”. (12/12/91).
“Um ano de ausência”. (19/12/91).
“Turista, mas secreto”. (21/12/91).
“Sombra e água fresca”. (22/12/91).
“Rapazes ontem e hoje”. (23/12/91).
Crônicas de 1992:
“Não traiam o Machado”. (8/1/892).
“Doidos são os outros”. (25/5/92).
“Belo nome de sábio”. (5/12/92).
“Esse código sereno”. (6/12/92).
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Os exemplos que serão vistos apresentam formas encapsuladas sob a forma de
expressão nominal, transformando-se em objeto-de-discurso. As formas encapsuladas
aparecerão em negrito:
Crônica 4: Em terra, no ar e no mar (FSP, 05/07/91)
(1) Collor estava entrando nos 40 anos quando chegou a presidência. Em cem anos
de república é o mais moço de todos os presidentes. [...]. Há exceções mesmo
porque a presidência é uma loteria. [...]. Por mais ambicioso ou até paranóico que
seja, um político estreante sabe de antemão que é escassa e casual a possibilidade
de chegar lá.
Jânio chegou à presidência aos 43 anos. [...]. Em 1930 Getúlio chegou pelas armas
aos 47 anos. [...]. Juscelino até hoje tem um perfil de jovem... Andava aflito, com
medo de perder a oportunidade que era sua daquela vez. Sua e de Minas.
(2) A oportunidade é um cavalo arreado que passa na sua porta.
No exemplo, vemos que a expressão nominal A oportunidade” sumariza uma parte
do co-texto precedente Por mais paranóico que seja, um político estreante sabe de antemão
que é escassa e casual a possibilidade de chegar lá”.
(3) Collor comandou o Boeing da Transbrasil sobre a Venezuela. [...]. A encenação
era do presidente, mas o comando era do computador.
Temos no exemplo acima, a expressão nominal A encenação” sumariza o segmento
precedente: “Collor comandou o Boeing da Transbrasil sobre a Venezuela”.
Crônica 5: A Taís de ontem e hoje (FSP, 14/07/91)
(4)... O Anatole está fora de moda, ninguém mais o lê. Vai nisto, uma lição de
humildade para quem pensa que a glória literária tem compromisso com a
posteridade. Perpétua, sepultura. E assim mesmo olhe lá. Hoje nem cemitério
tem segurança. Mas o assunto é tão desagradável que convém mudar de parágrafo.
Nesse exemplo, a expressão destacada “o assunto” sumariza uma parte do co-texto a
saber: “Perpétua, só sepultura. E assim mesmo olhe lá. Hoje nem cemitério tem segurança”.
Crônica 7: Bola Murcha (FSP, 18/07/91)
(5)... Com o Brasil ruim de bola como anda, precisamos providenciar uma alma
nova para este paisão perdido no meio do campo.
Aqui, temos o referente “este paisão” rotulando a parte do co-texto precedente. “com o
Brasil ruim de bola como anda”.
Crônica 9: A moda de casar (FSP, 21/07/91)
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(6) Na França o casamento virou negócio. Hoje, o “Marriage Blanc” tem por
outro sentido. Um monte de estrangeiros se casa para conseguir os papéis que
lhes permitam viver legalmente. Esse expediente anos foi usado nos países da
Europa do Leste, mas logo as autoridades puseram fim à maracutaia com mão de
ferro da ditadura.
(7) ... Também eu, muito tempo me casei assim. que a roupa era do Millôr.
Sim do Millôr Fernandes. [...] Vários amigos casamos com essa indumentária do
Millôr.
Nos exemplos acima, vemos que as expressões nominais em destaque-“esse
expediente” e “essa indumentária”- sumarizam uma parte do co-texto precedente, a
saber: “esse expediente” rotula “na França o casamento virou negócio” e “essa
indumentária” rotula “Só que a roupa era do Millôr “, criando, assim, novos
referentes no discurso.
Crônica 10: A gracinha dos “graffitti” (FSP, 23/07/91)
(8) Jack Lang, ministro da cultura, chamou-os de artistas maravilhosos. Deixou-se
fotografar, “bouche bée”, diante dos gatafunhos. A bajulação pode dar rendimento
eleitoral. O povão, porém, não é assim tão compreensivo.
... 85% dos passageiros do metrô gostariam de ver os grafiteiros, no xilindró. Na
civilizada Suécia, muita gente acha que era preciso tirar o spray e botar uma enxada
na mão desses novos bárbaros.
A expressão em destaque “a bajulação” sumariza um segmento do texto, a saber:”Jack
Lang, ministro da cultura, chamou-os de artistas maravilhosos. Deixou-se fotografar, “bouche
bée”” transformando-se em objeto-de-discurso, dando possibilidade à progressão textual.
Crônica 12: Astúcia, sorte e blefe (FSP, 27/07/91)
(9) Não estou interessado no jogo em que se empenham o Collor e o Quércia. vi
esse filme. Chamem-me quando chegar à hora.
(10) ... o jogo se baseia tanto na sorte como na esperteza, ou seja, no blefe. Até
parece coisa de político mineiro... Para blefar com sucesso é preciso mais do que a
“pocker-face”. O silêncio é dispensável. Conforme o caso convém falar e até gritar.
O desafio pode ser aos berros.
No caso mostrado em (9), a expressão nominal destacada sumariza o segmento
precedente: “não estou interessado no jogo em que se empenham o Collor e o Quércia”. No
exemplo (10) a expressão nominal “O desafio” também sumariza um segmento precedente: “o
jogo se baseia na sorte como na esperteza, ou seja, no blefe. Até parece coisa de político
mineiro... Para blefar com sucesso é preciso mais do que a “pocker face”.
Crônica 13: Aço, pedras e ovos (FSP, 26/12/91)
(11) ... Defender investimento estrangeiro era (ou é?) descarado entreguismo.
Sensível ao suborno, o entreguista é um brasileiro vendido, ou à venda ou de
aluguel. Para quem como eu nasceu à beira de betas exaustas, o discurso
nacionalista tem um eco emocional que nos vem direto ao coração.
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Aliás, mineiro em geral tem um atrás, muito tempo, nessa matéria. São anos e
anos de pregação celebrando o altar do Estado. Só o Estado salva.
Vemos no exemplo acima, a expressão nominal “nessa matéria” estabelecendo um novo
referente, sumarizando o enunciado anterior que vai de “Defender investimento estrangeiro
era... até ...o discurso nacionalista tem um eco emocional que nos vem direto ao coração”.
Crônica 14: Hora do Anagrama (FSP, 06/10/91)
(12) Quem gosta de palavras cruzadas, charadas e enigmas podem se divertir com o
anagramatismo. Já foi verdadeira mania na Inglaterra, na França, na Alemanha. O
latim e o grego se prestam muito a esse jogo e ostentam exemplos ontológicos.
Nesse caso, temos uma expressão nominal “esse jogo” sumariza uma informação
precedente: Quem gosta de palavras cruzadas, charadas e enigmas podem se divertir com o
anagramatismo”.
Crônica 15: O que diz o vento (FSP, 07/10/91)
(13) Para o Brasil chegar afinal ao primeiro mundo, falta vulcão. Uns
abalozinhos tem havido por aí, e cada vez mais freqüente. Agora passa por Itu
esse vendaval, com tantas vítimas e tantos prejuízos e lastimar. Alguns jornais não
tiveram dúvida: ciclone. Ou tornado, quem sabe.
Nesse trecho, “esse vendaval” sumariza um segmento subseqüente, a saber: “Alguns
jornais não tiveram dúvida: ciclone. Ou tornado, quem sabe”.
Crônica 17: A República e o Golfo (FSP, 13/10/91)
(14) Muito se tem falado da república das Alagoas, que está de novo na berlinda
com a morte trágica do delegado Ricardo Lessa. É uma afronta, esse homicídio
muito descaramento. Do ponto de vista da jurisdição e de outras tecnicalidades, o
episódio é alagoano.
No trecho acima as expressões em destaque “esse homicídio” e o “episódio” -
sumarizam uma parte do co-texto precedente, a saber: o fato que “muito se tem falado da
república das Alagoas, que está de novo com a berlinda com a morte trágica do delegado
Ricardo Lessa”.
Crônica 20: O que convém apurar (FSP, 07/11/91)
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(15) O que seria importante é conhecer por dentro o cidadão e, claro, a alma do
povo brasileiro. A sua emoção recôndita. O grau de sua ansiedade. Até onde vai sua
esperança se ainda a tem. [...] Conhecer a sua intimidade familiar, iluminando o
tipo de conflito ou de afinidade que separa ou que junta ao que vivem debaixo do
mesmo teto.
A idéia pode parecer o seu tanto maluca, mas nem por isto de posta de lado sem
exame. Muitas idéias malucas circulam por aí. [...] Da minha parte, pois nada a
opor. Até por ser excêntrica, a sugestão me seduz.
Todo o enunciado que vai de “o que seria importante é conhecer por dentro o
cidadão... até... que separa ou que junta ao que vivem debaixo do mesmo teto” é sumarizado
pelas expressões nominais: “A idéia” e “a sugestão”.
Crônica 20: O que convém apurar (FSP, 07/11/91)
(16) Não sei como vai indo o censo que está sendo feito, para daqui a pouco nos
mostrar a cara do Brasil. [...]. Cada um de nós é chamado a responder sobre o
óbvio. Visto como simples número, o cidadão fica reduzido à sua dimensão
estatística.
O brasileiro tem fama de não ser muito chegado à exatidão. Dizia o Gilberto
Amado que tudo aqui é aproximativo.
O Brasil entra como uma peça de laboratório, que desafia o pesquisador e o
intérprete. O cientista social, no caso um estrangeiro, olha o Brasil como um
entomólogo olha um inseto.
Nessa operação de laboratório, há muito mérito. Deus me livre de desmerecê-la.
Nesse trecho, vemos que as informações “O Brasil entra como uma peça de
laboratório, que desafia o pesquisador e o intérprete. O cientista social, no caso um
estrangeiro, olha o Brasil olha um entomólogo olha um inseto” são encapsuladas sob a forma
nominal “Nessa operação de laboratório”.
Crônica 21: Acordo e concordância (FSP, 13/11/91)
(17) Taí uma coisa que eu gosto: é bilhetinho, sou grafomaníaco. Meu pai também
era. [...]. O pioneirismo do Jânio foi mais à divulgação. O bilhete era marketing.
[...] mas outros presidentes também escreviam bilhetinho. [...] O Getúlio também
escrevia. E escreveu até na hora da morte.
(18) Como grafômano, sei que esta mania implica riscos.
(19) Vejam por exemplo, o bilhete do Collor ao Cláudio Humberto. Começa com
um bruto solecismo: os desdobramentos da votação “chama- me” a atenção. Eu
podia indicar no texto nugas e rusgas. Mas este erro flagrante de concordância. Se
o predicado não concorda com o sujeito...
Nesse texto, “o bilhete” rotula o segmento anterior e também abre espaço para que o
texto continue. A expressão “esta mania” rotula a expressão “como grafômano”. em “este
erro” rotula uma parte do co-texto precedente, a saber: “Começa com um bruto solecismo: os
desdobramentos da votação “chama-me” a atenção. Eu podia indicar no texto outras nugas e
rusgas”.
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Crônica 22: O paladino do fósforo (FSP, 16/11/91)
(20) ... O Tardin achou sua causa. Nada gigantesco ou faraônico. Minimalista, ele
defende a boa qualidade dos fósforos. “Small is beautiful”. Apóstolo, põe empenho
na sua pregação. Que inveja! Quisera eu ter essa fé nos antigos palitos de fósforo.
Aqui, vemos a expressão nominal essa fé” sumarizando a informação anterior
“minimalista ele defende a boa qualidade dos fósforos “Small is beautiful”. Apóstolo, põe
empenho na sua pregação”.
Crônica 24: Em busca de desafios (FSP, 24/11/91)
(21) A propósito desses dois alpinistas que picharam o Corcovado e se orgulham do
feito pergunto se não é o caso de sugerir uma reflexão sobre a atmosfera reinante no
domínio da educação.[...] Tem a ver com uma palavra que também em inglês é um
neologismo- “permissiveness”. A permissividade desembarcou aqui pelo fim dos
anos 60.
(22) Uma boa síntese dessa mentalidade foi feita em 1968.
(23) ...O mandamento número 1 da ideologia dominante conseguiu uma bela
síntese: é proibido proibir. O pessoal mais velho, sobretudo quando também mais
conservador, não engoliu essa onda.
As expressões nominais “A permissividade” e “dessa mentalidade” sumarizam todo
co-texto anterior. Já a expressão “essa onda” sumariza, a saber: o fato de o mandamento
número 1 da ideologia dominante conseguiu uma bela síntese: é proibido proibir.
Crônica 28: Turista, mas secreto (FSP, 21/12/91)
(24) ... Gostei de saber que no Recife estão pondo em prática um tipo de turismo
secreto. Era só o que faltava. Diz a notícia que um navio trouxe 1200 alemães. 600
outros vieram de avião. O desembarque foi sigiloso, como sigiloso foram os
passeios que todos deram por Olinda e Recife. Na praia de Boa Viagem, dividiram-
se em pequenos grupos para não chamar a atenção.
Observemos pelo exemplo acima que a expressão nominal “a notícia” sumariza uma
parte do co-texto precedente “Gostei de saber que no Recife estão pondo em prática um tipo
de turismo secreto”.
Crônica 29: Sombra e água fresca ( FSP, 22/12/91)
(25) ... Estão esquecendo que no Rio em dezembro, janeiro, roupa pesada, eu quase
morria sufocado. Até hoje me lembro daquele abafo úmido e pegajoso na minha
pele.
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No exemplo, vemos que a expressão nominal em destaque rotula uma parte do co-
texto precedente a saber: o fato de que “no Rio em dezembro, janeiro, roupa pesada, eu quase
morria sufocado”.
(26) Sabia onde a brisa soprava [...], ali era uma brisa de lavar a alma. E ainda tinha
o refresco de coco. Você abria o casaco e vinha aquela carícia.
Temos nesse exemplo, uma a expressão definida em realce sumarizando “sabia onde a
brisa soprava [...], ali era uma brisa de lavar a alma...”
(27) ... Anos depois, fui fazer um bate-papo na Universidade de Lovaina (é
Louvanin em Português). Título: Sombra e Água fresca. Nada melhor para falar do
Brasil do que esse dístico.
Nesse exemplo, ocorre uma nominalização “esse dístico” encapsulando a expressão
“Sombra e Água fresca”.
Crônica 31: Não traiam o Machado (FSP, 08/ 01/92)
(28)... Se entendi bem as questões propostas e as resoluções que saíram no “Fovest
92”, a prova não apenas opta pela versão do ciúme, como nela insiste de maneira
tão enfática que nem admite sobra de controvérsia.
No exemplo acima, temos a expressão nominal “a prova” que sumariza uma parte do
co-texto precedente, a saber: ...Se entendi bem as questões propostas e as resoluções propostas
que saíram no “Fovest 92”, apontam um novo referente no discurso.
(29) A hipótese, encampada, de que Capitu não traiu Bentinho, um Bentinho
paranoicamente ciumento qual Otelo, está fundamentada em “O enigma de Capitu”.
No exemplo (29), ao depararmos com a nominalização “a hipótese” vemos que
sumariza o texto precedente, tendo subentendida “a prova não apenas opta pela versão do
ciúme, como nela insiste de maneira tão enfática que nem admite sobra de controvérsia”.
(30) ... Quem fica tiririca com essa história mal contada e tão mal contada que
desmente o próprio Machado é o Dalton Trevisan, Machadiano de mão cheia e olho
agudíssimo.
Neste caso, essa história” sumariza a informação de que “Capitu não traiu Bentinho,
um Bentinho paranoicamente ciumento qual Otelo, está fundamentada em “O enigma de
Capitu””.
58
Crônica 33: Belo nome de sábio (FSP, 05/12/92)
(31) Um grupo de colegiais me pergunta qual é a palavra mais bonita da Língua
Portuguesa [...]. Em todos os países e em todas as épocas esta pergunta se repete,
digo eu.
No trecho acima, temos um tipo de nominalização no qual a expressão nominal em
destaque tem como núcleo um nome derivado do verbo que aparece na oração encapsulada.
Temos a criação do objeto-de-discurso “esta pergunta” a partir do verbo “perguntar” da
oração “Um grupo de colegiais me pergunta qual é a palavra mais bonita da Língua
Portuguesa”.
(32)... Escritores, artistas e professores foram convocados para relacionar as 300
favoritas. Nenhuma repetição. Preparada a cédula, cada eleitor votou nas dez de sua
preferência. 1.400 eleitores participavam da eleição. O processo se desdobrou com
a participação dos leitores da revista.
Aparece no trecho acima, a expressão “o processo” sumarizando as seqüências
textuais anteriores, a saber: “Escritores, artistas e professores foram convocados para
relacionar as 300 favoritas. Nenhuma repetição. Preparada a cédula, cada eleitor votou nas
dez de sua preferência. !.400 eleitores participavam da eleição”.
Crônica 34: Esse código sereno (FSP, 06/12/92)
(33) Faz mais de um ano que não nos vemos, minha velha amiga e eu. Velha é
carinho. [...]. Um só instante e estamos à vontade. Está bem, muito bem, posso
dizer, sincero.[...]. Você está na lua nova, digo, convicto. Crescente, ela corrige
com bom humor.
Confortável, essa atmosfera que se estabelece entre nós. Podemos...
A expressão “essa atmosfera” sumariza o segmento anterior: “Um instante e
estamos à vontade. Está bem, muito bem, posso dizer, sincero.[...]. Você está na lua nova,
digo, convicto. Crescente, ela corrige com bom humor”.
(34) Um monossílabo, um sorriso, um olhar – e estamos entendidos. Nenhuma
explicação se impõe. Nosso código está alerta. No que dizemos mais do que
dizemos. [...] também dispenso as meias palavras. Nossas antigas novidades. Essa
imantação recíproca, não se improvisa. Deita raízes longe. [...]. A serena certeza
de que estamos bem como estamos.
(35) Essa familiaridade que se instala e quase nos dispensa de seguir a pauta de
um encontro não programado.
59
No exemplo acima, a expressão “Essa imantação recíproca” e “essa familiaridade”
sumarizam as informações, a saber: “Um monossílabo, um sorriso, um olhar e estamos
entendidos”.
3.3. EXEMPLOS DE PROGRESSÃO TEXTUAL EM CRÔNICAS
Nas crônicas lidas, elencaremos os trechos em que se têm rótulos prospectivos, isto é,
quando um referente sumariza uma informação subseqüente.
Koch (2005, p.38) em seu artigo “Referenciação e orientação argumentativa” discorre
sobre o encapsulamento através de descrições nominais, e de acordo com a autora é “Fato
bem comum, em se tratando de remissão textual, é o uso de uma forma nominal para
recategorizar segmentos precedentes ou subseqüentes no co-texto, sumarizando-os sob um
determinado rótulo”.
É o que comentaremos nos exemplos a seguir:
Crônica 2: O jeitão dele (FSP, 07/06/91)
(1) Digamos que você ouça de um americano ou de um alemão o seguinte: o Brasil
sempre foi o retrato de um gigante abobalhado.
Nos exemplos acima, as descrições definidas “uma boa blague”, “uma bela síntese”,
“o verão está abrindo a sua temporada. 21 de dezembro”, a palavra”, “duas artes”, “o caos”
decomposto assim”, “uma coisa”, “chumbo grosso”, “o seguinte”, sumarizam informações
subsequentes no texto e podemos observar, ainda, que os dois pontos marcam essa relação
anafórica.
Crônica 3: Calma que o Brasil é nosso (FSP, 04/07/91)
(2) Postura de pigarro, vem chumbo grosso: não estamos preparados para o
parlamentarismo.
Crônica 10: A gracinha dos “graffitti” (FSP, 23/07/91)
(3) A palavra que ganhou o mundo é italiana: “graffitti”, plural de “graffito”.
Crônica 11: Festinha de aniversário (FSP, 26/07/91)
(4) A locomotiva paulista, o é puxada por ninguém. “Duco, non ducor”. Mas o
governador de São Paulo nem telefonou ao Quércia e engrossou o cordão. E ainda
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se ofereceu para conversar com os colegas do P.M.D.B. Sobretudo com o Requião.
O Paraná anda com essa mania de ser ovelha negra. Mas o Requião topou.
A expressão “essa mania” sumariza um segmento subseqüente, a saber: “de ser ovelha
negra”.
Crônica 14: Hora do anagrama (FSP, 06/1091)
(5) ... Estava lá a cara do Brasil e o caos decomposto assim: “Cá só / asco, / caos...
saco!”
Crônica 15: O que diz o vento (FSP, 07/10/91)
(6) Para o Brasil chegar afinal ao primeiro mundo, só falta vulcão. Uns abalozinhos
tem havido por aí, e cada vez mais freqüente. Agora passa por Itu esse vendaval,
com tantas vítimas e tantos prejuízos e lastimar. Alguns jornais não tiveram dúvida:
ciclone. Ou tornado, quem sabe.
Nesse trecho, “esse vendaval” sumariza um segmento subseqüente, a saber: “Alguns
jornais não tiveram dúvida: ciclone. Ou tornado, quem sabe”.
Crônica 21: Acordo e acordância (FSP, 13/11/91)
(7) Taí uma coisa que eu gosto: é bilhetinho.
Crônica 24: Texto: Em busca de desafios (FSP, 24/11/91)
(8) Saiu-se com uma boa blague: jovens envelheçam.
(9) O mandamento número um da ideologia dominante conseguiu uma bela
síntese: é proibido proibir.
Crônica 27: Um ano de ausência (FSP, 19/12/91)
10) Talvez por isto nunca se esqueceu de um almoço em Caeté, que lhe deu uma
página antológica do ponto de vista das duas artes – a culinária e a literária.
Crônica 28: Turista, mas secreto (FSP, 21/12/91)
(11) Oficialmente, porém, hoje o verão está abrindo a sua temporada. 21 de
dezembro: solstício no hemisfério sul.
Após verificarmos esse fato bem comum de remissão textual, faremos um
levantamento de quantas vezes esses referentes sumarizaram a informação no co-texto
precedente ou subseqüente. Ficando assim descritos:
61
a) Temos trinta e cinco (35) expressões nominais sumarizando informações precedentes
conforme os exemplos (1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 20 21, 22,
23, 24, 25, 26, 27, 28, 20, 30, 31, 32, 33, 34, 35).
b) Temos onze (11) expressões nominais operando cataforicamente em relação a informação-
suporte, a saber pelos exemplos (1, 2, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11)
Podemos dizer que temos um total de 46 casos de encapsulamentos de informações
precedentes e subseqüentes através de descrições nominais.
3.4. A NOMINALIZAÇÃO POR PRONOMES
Uma questão interessante é observar o pronome demonstrativo no estudo da operação
de nominalização quando o pronome estabelece referencialidade para o conjunto de
informações expressas por essa oração. É o que ocorre nos exemplos abaixo extraído do
corpus em estudo. Os pronomes estão em negrito.
Crônica 2: O jeitão dele (FSP, 07/06/91)
(1) Digamos que você ouça da boca de um americano ou alemão o seguinte: “O
Brasil sempre foi o retrato de um gigante abobalhado”. Ou que você leia isso no
texto de um desses “brazilianists” que estudam o Brasil de longe e se esforçam por
entendê-lo.
Nesse fragmento, temos o pronome “isso” sumarizando uma informação, apresentada
sob o estatuto oracional: “O Brasil sempre foi o retrato de um gigante abobalhado”,
Crônica 11: Festinha de aniversário (FSP, 26/07/91)
(2) Quanto ao Hélio Garcia, não é de atrapalhar festa de ninguém. Pode até
acontecer que Minas dispute a honra de levantar o brinde.
Digo isso sem malícia, porque sou mineiro e também gosto de um drink.
Nesse exemplo, temos a retomada de informação, apresentada sob o estatuto oracional,
a saber: Quanto ao Hélio Garcia, não é de atrapalhar festa de ninguém. Pode até acontecer
que minas dispute a honra de levantar o brinde”.
Crônica 13: Aço, pedras e ovos (FSP, 26/09/91)
(3) O batismo das estatais juntou-lhes uma cauda patrioteira, com o “Brás” do
Brasil. A Usiminas, antes de ser usina, é Minas. De repente, querem mudar tudo
62
com um golpe de marketing. Entendo aque seja preciso andar depressa com o
andor. Mas troquem isso em miúdos e expliquem tudo ao povão, que continua
verde e amarelo.
Nesse fragmento, o pronome “isso” sumarizando toda a informação precedente.
Crônica 20: O que convém apurar (FSP, 07/11/91)
(4) O censo não pode encarar a realidade apenas do ponto de vista quantitativo.
Contar o mero de bois gordos e o número de crianças subnutridas. Isto
sabemos, senão com exatidão, ao menos de maneira aproximativa.
Nesse fragmento, temos um pronome “isto” sumarizando uma informação precedente:
“Contar o número de bois gordos e o número de crianças subnutridas”.
Crônica 32: Doidos são os outros (FSP, 29/05/92)
(5) ... Manicômio é isto: reunião de doidos.
Nesse fragmento temos o pronome “isto” sumarizando uma expressão subseqüente:
“reunião de doidos”.
(6) A família católica, o irmão poeta, todos permitiram que Camille apodrecesse
mais de 30 anos no fundo do hospício. E Charcot já tinha passado pela Salpêtriere.
Por essa e por outras é que Basaglia acabou com os hospícios na Itália.
Aqui, no exemplo acima, temos a retomada de informação, apresentada sob o estatuto
oracional, por meio do pronome “essa”.
Assim, como pudemos verificar, temos seis (6) casos de sumarização por pronomes
demonstrativos: “isto”, “essa”, “isso” que segundo o texto de Apothéloz e Chanet
(2003, p.134) “as nomeações não fazem uso, necessariamente, de uma expressão lexical; um
pronome demonstrativo pode muito bem executar a mesma operação”.
3.5. A METADISCURSIVIDADE NAS CRÔNICAS DE OTTO LARA RESENDE
Aqui situaremos alguns trechos que possuem os referentes rotulados metalingüística
ou metadiscursivamente. As expressões nominais que funcionam como formas
metadiscursivas estão em negrito.
63
Crônica 14: Hora do anagrama (FSP, 6/10/91)
(1) Repito que não basta trocar as letras de lugar até que se forme outra palavra. O
toque de humor é fundamental. Assim como o “caos” vira “saco”, certos nomes de
figurões, feito o anagrama, desvendam o seu segredo e até o seu ridículo. Quem
quiser tente também o verso anaclítico, de maior sabor lúdico. Deixo aqui a
sugestão. Pode não resolver a crise, mas não vai agravá-la.
Temos uma expressão nominal “a sugestão” remetendo anaforicamente a uma situação
de fala, a anáfora faz remissão ao contexto-fonte, especificando o funcionamento das
estratégias metadiscursivas.
Crônica 16: O Papa e a gente (FSP, 12/10/91)
(2) Roda o tempo e 21 anos depois estou indo a Roma de carro. Em Florença, no
café da manhã, minha filha Cristiana faz uma descoberta sensacional.
Deslumbrada, a janela aberta, exclamou: O céu é azul”.
Aqui, temos uma anáfora metadiscursiva, porque faz remissão a um trecho precedente
sem tornar pontual um referente nele expresso, e sim, a introdução de um referente novo no
discurso, produzindo uma reflexão do produtor do texto sobre o dizer do outro, notado pelo
uso das aspas.
Crônica 17: A República e o Golfo (FSP, 13/10/91)
(3) ... Num dia de especial mau humor, parou diante do mapa do Brasil
dependurado na parede, enfiou o dedo em Alagoas e murmurou sarcástico: Bom
lugar para se fazer um golfo”.
Nesse exemplo, uma anáfora metadiscursiva sem tornar pontual um referente
expresso. Pelo uso das aspas, percebemos a reflexão do produtor do texto sobre o dizer do
outro.
Crônica 21: Acordo e acordância (FSP, 13/11/91)
(4) Quando minha casa foi assaltada pelo Maurinho Branco, a notícia saiu no
Jornal. Xeroquei a notícia ampliada e preguei na porta da rua com um aviso:
“Atenção: já fomos assaltados por profissional competente”.
A expressão nominal “um aviso” remete cataforicamente à citação da fala do
enunciador do discurso, categorizando-o por um ato de fala. Vê-se que a expressão “um
aviso” tem o objetivo de organizar o que vem a seguir, mostrando a força ilocucionária do
enunciado do escritor.
64
Crônica 23: Símbolo augusto de quê? (FSP, 21/11/91)
(
5) No Brasil a instabilidade é a regra. Tudo muda. Até o nome do país mudou logo
de cara. Com Cabral era Vera Cruz, a terra chã com grandes arvoredos”.
Vemos nesse exemplo, uma reflexão do produtor do texto sobre o seu próprio dizer,
referindo-se ao trecho precedente, notado pelo uso das aspas.
Crônica 30: Rapazes ontem e hoje (FSP, 23/12/91)
(6) Craque em Matemática e cobra em Biologia, leu “Dom Casmurro e disse:
Aprendi muito com este livro.
No exemplo (6) temos anáfora metadiscursiva, porque faz remissão a um trecho
precedente sem tornar pontual um referente nele expresso, e sim, a introdução de referente
novo no discurso, produzindo uma reflexão do produtor do texto sobre o dizer do outro.
Crônica 31: Não traiam o Machado (FSP, 08/01/92)
(7)... Pois nessa prova do vestibular, o drama do Bentinho se apresenta como
“centrado no ciúme doentio e na suposta traição de sua esposa”. Suposta?
No exemplo, a expressão “suposta” faz remissão a uma porção textual precedente.
Logo a expressão anafórica desloca o foco do texto para o plano de enunciação, através de
processo mental designado por suposição.
Crônica 32: Doidos são os outros (FSP, 25/05/92)
(8)... No Brasil discute-se agora um projeto de desospitalização dos doentes
mentais. quem entenda que basta acabar com a palavra manicômio. [...]. Com
vantagem de ser bem risonho e bem escrito, o debate já está em “O Alienista” de
Machado de Assis.
Nesse exemplo, “o debate categoriza seu respectivo contexto-fonte como ato de
enunciação, é uma designação de atividade de linguagem típica de metadiscurso.
3.6. ANÁFORA INDIRETA E ASSOCIATIVA
65
Primeiramente, veremos alguns exemplos de anáforas indiretas que na visão de Koch
(2006) são assim chamadas por especificar expressões definidas anafóricas sem referentes
explícitos nos quais podem ser reconstruídos, por inferência, a partir do co-texto, ou seja,
um elemento de relação que se pode denominar âncora. Para ela “são processos cognitivos
que ativam informações representadas na memória enciclopédica dos interlocutores”(p.108).
Para se fazer a interpretação da anáfora indireta temos que nos basear, de acordo com o texto
em: conhecimento semântico, conceitual e na inferenciação. Comentaremos alguns exemplos
retirados do corpus em estudo.
Veremos primeiramente os exemplos das anáforas indiretas baseadas em esquemas
cognitivos e modelos mentais que não reativam algum referente prévio, mas, sim, ancoram no
texto precedente que estão armazenados na nossa memória de longo prazo como
conhecimento de mundo e enciclopédico organizados. Os referentes que estão ancorados no
texto precedente estão em negrito.
Crônica 1: Também já estive lá (FSP, 05/06/91)
(1) Perguntei a um sociólogo por que tantos suicídios. [...] Nós contamos os nossos
suicidas. Vocês contam os seus? O homem me embatucou: qual a taxa de suicídios
no Brasil? Sei lá. Nem o IBGE sabe.
Temos nesse exemplo, um novo referente “o IBGE” que associamos a elementos co-
textuais “a taxa de suicídios no Brasil”.
Crônica 4: Em terra, no ar e no mar (FSP, 05/07/91)
(2) exceções, mesmo porque a presidência é uma loteria. O prêmio, ou quem
sabe o castigo, é de muito poucos.
Nesse caso, temos novos referentes “O prêmio” e “o castigo que não reativam
referentes, ancoram respectivamente em: “uma loteria e a presidência”.
Crônica 7: Bola murcha (FSP, 18/07/91)
(3) No pólo norte, em 1965, vendo o sol da meia noite, um esquimó me pulou no
pescoço na maior alegria e agitação.
A expressão nominal destacada “um esquimó está ancorada em uma expressão
antecedente, a saber: “No pólo norte”.
Crônica 10: A gracinha dos graffitti (FSP, 23/07/91)
66
(4) A paleografia e a epigrafia muito estudam as inscrições que começavam na
caverna com os trogloditas.
Sabemos que “os trogloditas é um novo referente introduzido, e está ancorado em
conhecimentos pessoais sobre o significado de paleografia e epigrafia, uma vez que os
trogloditas eram pessoas que viviam em cavernas.
Crônica 11: Festinha de aniversário (FSP, 26/07/91)
(5) Quanto ao Hélio Garcia, não é de atrapalhar festa de ninguém. Pode até
acontecer que Minas dispute a honra de levantar o brinde.
Digo isso sem malícia porque sou mineiro e também gosto de um drink..
Temos aqui, um caso de AI em que os novos referentes “um brinde” e “um drink” não
reativam algum referente , mas estão ancorados em “festa”. Note-se que a expressão “festa”
tem como partes integrantes “brinde” e “drink”.
(6) Segundo a Teresa Cruvinel que deu a notícia em “O Globo”, será um almoço
em Brasília. O restaurante já foi escolhido.
No exemplo acima, temos o SN definido “o restaurante” que não reativa algum
referente, mas ancora no texto precedente , a saber: “um almoço”.
Crônica 11: Festinha de aniversário (FSP, 26/07/91)
(7) Com aquilo mais roxo, o Collor vai ganhar um presente concreto. Já estão
passando o pires para a vaquinha. Pode ser um Jet Ski. Ou uma motoca.
Aqui, temos “um jet ski” e “uma motoca” como referentes novos, que remetem à
âncora “um presente concreto” e a reativa, colocando-a de novo em foco.
Crônica 12: Astúcia, sorte e blefe (FSP, 27/07/91)
(8) Divertido o jogo se baseia tanto na sorte como na esperteza, ou seja, no blefe.
[...]. O desafio pode ser aos berros. [...]. Devia ser blefe. Quando eu dava as cartas,
reconheço que era irritante.
Temos neste exemplo, um novo referente “as cartas” que é ativado pela âncora “o
jogo”.
Crônica 12: Astúcia, sorte e blefe (FSP, 27/07/91)
67
(9) Suponho que não seja diferente do truco mineiro, que aprendi menino. Jogo
plebeu, mas ilustre, está no Jorge Luís Borges.
[...]
muitos anos jogamos em Araxá com Magalhães Pinto. O Rubem Braga, o José
Aparecido, o Fernando Sabino e eu. O Rubem quase sempre ficava de fora. O
jogador precisa ser calmo e dissimulado. O furto é aceitável desde que
imperceptível.
No exemplo acima, foram introduzidos novos referentes “o jogador” e “o furto”, que
associamos aos elementos co-textuais “truco mineiro”, “jogo plebeu” e contexto
sociocognitivo.
Crônica 13: Aço, pedras e ovos (FSP, 26/09/91)
(10) Defender investimento estrangeiro era (ou é) descarado entreguismo sensível
ao suborno, o entreguista é um brasileiro vendido; ou à venda ou de aluguel.
Temos no exemplo acima, um novo referente “o entreguista” associado ao elemento
co-textual “descarado entreguismo”.
Crônica 14: Hora do anagrama (FSP, 06/10/91)
(11) Anagrama vem do grego e quer dizer transposição de letras. Serve para criar
pseudônimos, [...].
É sobretudo um divertimento que consiste em formar outra palavra com as
mesmas letras.
Sabemos que “um divertimento” é ancorado na expressão “anagrama”, e exige que
olhemos para o contexto textual anterior.
Crônica 19: Fazer e lazer (FSP, 03/11/91)
(
12) Era um desses que trazem no bronzeado da pele o selo de sua cidadania
carioca. Praia toda manhã com a turma, um prazer sagrado. [...] Se eu tivesse visto
outro dia Helmut Kohl parado no calçadão de Copacabana olhando o mar, era
capaz de jurar que estava filosofando. [...], não seria descabido se por um momento
também se desse ao luxo de apreciar as gatinhas de fio dental.
Nesse exemplo, temos as expressões definidas “o mar”, “gatinhas de fio dental”
ativando referentes, que exigem conhecimentos pessoais retrabalhados por estratégias
inferenciais . É necessário saber que quando se fala em praia, calçadão de Copacabana,
podemos inferir elementos como: mar e gatinhas de fio dental.
Crônica 20: O que convém apurar (FSP, 07/11/91)
68
(13) Não sei como vai indo o censo que está sendo feito, para daqui a pouco nos
mostrar a cara do Brasil. [..] Visto como simples número o cidadão fica reduzido a
sua dimensão estatística.
O brasileiro tem fama de não ser muito chegado à exatidão.
Note-se que a expressão nominal “O brasileiro” não reativa algum referente prévio,
mas ancora no texto precedente na expressão “o cidadão” exigindo que tomemos o contexto
anterior para saber que se trata do censo no Brasil.
Crônica 23: Símbolo augusto de quê? (FSP, 21/11/91)
(14) Quanto à festa em Brasília, foi um fiasco. Caiu um toró medonho. 492 crianças
ficaram encharcadas. [...] O vento embrulhou o palanque e não foi para presente.
Corajoso o Collor quis enfrentar o temporal de peito e guarda-chuva abertos; mas
se rendeu a força da borrasca.
As expressões nominais “o vento” e “o temporal” são novos referentes que não
buscam referentes prévios e sim estão ancorados em “um toró medonho”
Crônica 27: Um ano de ausência (FSP, 19/12/91)
(15) Era um ser livre e lírico. Seu claro olhar de sabedoria espiava o Brasil com
algum tédio. Paisão sem jeito, que trata mal as crianças pobres.
Nesse caso, temos um novo referente “Paisão” que associamos ao elemento co-textual:
“o Brasil”.
Crônica 28: Turista, mas secreto (FSP, 21/12/91)
(16) Falar nisto, gostei de saber que no Recife estão pondo em prática um tipo de
turismo secreto. Era só que faltava. Diz a notícia que um navio trouxe 1.200
alemães. 600 outros vieram de avião. O desembarque foi sigiloso, como sigiloso
foram os passeios que todos deram por Olinda e Recife.
Nesse caso, temos um referente novo “o desembarque” ancorado no trecho precedente
“Diz a notícia que um navio trouxe 1.200 alemães. 600 outros vieram de avião”.
Crônica 31: Não traiam o Machado (FSP, 08/01/92)
(17) Pois nessa prova do vestibular, o drama do Bentinho se apresenta como
“centrado no ciúme doentio e na suposta traição de sua esposa”. [...] nenhum crítico
nesses oito anos jamais ousou negar o adultério de Capitu.
(18) Dona Glória, avó amantíssima, rejeita o neto putativo. Está na cara que
nenhuma razão justifica virar o romance e o Machado pelo avesso.
69
Nesse caso, temos novos referentes “o adultério” e “o romance” que associamos ao
elemento co-textual “suposta traição” e em conhecimentos pessoais sobre o livro Dom
Casmurro.
Agora, passaremos a observar os casos de anáforas indiretas baseadas em relações
semânticas, lembrando particularmente as relações metonímicas (relações parte-todo). Veja
alguns exemplos extraídos do corpus de nossa pesquisa.
Crônica 32: Doidos são os outros (FSP, 29/05/92)
(19) Manicômio é isto: reunião de doidos. A palavra vem do grego e nasceu
antipática. Tal qual nasocômio.
A expressão “a palavra” ativa um referente novo e, ao ancorar no texto precedente
também reativa “manicômio”.
(20) Séculos e séculos foi assim com a lepra. Mas nem é preciso que seja doença.
No exemplo, acima vemos que a expressão “doença” não reativa algum referente
prévio, mas ancora no texto precedente em especial na expressão “a lepra”.
(21) Porque a nova psiquiatria, como a antipsiquiatria, decidiu acabar com os
manicômios. A ciência concluiu que hospício é uma loucura
.
Aqui, também um caso parecido com o exemplo anterior, ou seja, temos a
expressão “a ciência” ancorada na expressão “a nova psiquiatria”.
E finalmente, passaremos a exemplificar os subtipos de anáfora indireta também
chamada por Koch (2006) por anáfora associativa, a qual tem recebido na literatura vários
nomes: inferenciais, mediatas, profundas, semânticas, associativas. Segundo a autora trata-se
de uma configuração discursiva sem antecedentes explícitos. É preciso que sejam
reconstruídos por inferências, mobilizando o conjunto de conhecimentos textuais. “É uma
anáfora indireta, isto é, necessidade de proceder às inferências para a saturação adequada
do SN
2
.” (KOCH, 2006 p.109).
Crônica 6: Yes nós temos (FSP, 16/07/91)
(1) na sexta-feira evitei ver o espetáculo na TVE. [...]. Depois daquilo roxo a
banana até que é passável. [...]. quanto ao Collor, sugiro ao protocolo que acabe
com a descida da rampa na sexta e crie a subida na segunda-feira. Depois do Jet Ski
70
e do Domingo, nervos em paz, a banana fica mais remota. Mas se quiser dar
mesmo, dê para o FMI e para os credores americanos. Macho é isto.
Temos aqui, um tipo de AI que é baseada em conhecimento de mundo, a saber: “a
banana” deve-se ao episódio ocorrido com Collor, então presidente da república. Diz-se que
em certa ocasião, o presidente irritado com os jornalistas fez um gesto que ficou conhecido
como “a banana”. A expressão “o protocolo” são as regras nas quais o governo está sujeito a
seguir. “o FMI” e “os credores americanos” eram aqueles que emprestavam dinheiro ao Brasil
na época daquele governo.
Crônica 9: A moda de casar (FSP, 21/07/91)
(2) Nos três casamentos a que fui ouvi três sermões. Gostei. Conversei depois com
um padre sobre a importância do rito. [...]. A noiva não abre mão do vestido de
cauda. E o noivo faz questão da etiqueta, que afinal é uma pequena ética.
Note-se que a expressão “três casamentos” tem como partes integrantes: “um padre”,
“a noiva” e “o noivo”. As expressões definidas são ativadas pela âncora “três casamentos”.
3.7. OS PRONOMES E A REFERENCIAÇÂO TEXTUAL
Na literatura lingüística, o uso de formas pronominais é conhecido como
pronominalização que podem ser anafórica ou catafórica de elementos co-textuais, sendo uma
estratégia de referenciação textual.
Logo a seguir, veremos exemplos extraídos do corpus do nosso trabalho, usos de
pronomes que ora aparecem de forma catafórica ou anafórica. Primeiramente
exemplificaremos como as formas anafóricas pronominais contribuem para a progressão
referencial do texto.
Por se tratar de muitas ocorrências, faremos um comentário de dois exemplos, apenas,
no final da exposição de casos, por achar suficiente para a compreensão e também para o
tornar a leitura cansativa . Os pronomes estão em negrito. Exemplos:
Crônica 1: Também já estive lá (FSP, 05/06/91)
71
(1) Perguntei a um sociólogo porque tantos suicídios. Somos a pátria da máquina de
calcular, disse ele.
(2) ...Ou que você leia isso no texto de um destes “brazilianists” que estudam o Brasil
de longe e se esforçam por entendê-lo.
Crônica 2: O jeitão dele (FSP, 07/06/91)
(3) Nessa operação de laboratório, há muito mérito. Deus me livre de desmerecê-la.
Crônica 3: Calma, que o Brasil é nosso (FSP, 04/07/91)
(4) Qualquer tema serve. Basta estar no pautado, garantia de que sai no jornal. [...]. No
que vier ele atira o bombardeio de suas idéias feitas.
(5) O povo não sabe votar. [...] Quem o disse foi o general, claro.
Crônica 4: Em terra, no ar e no mar (FSP, 05/07/91)
(6) No Rio anteontem houve quem admitisse que o Collor ia saltar de pára-quedas.
Um repórter anunciou que ele ia pilotar um helicóptero.
(7) Collor vive o seu tempo. Se pela Constituição comanda as Forças Armadas, [...]. E
ele exerce ou não?
Crônica 5: A Taís de ontem e de hoje (FSP, 14/07/91)
(8) Não sei se o Gilberto Braga pensou no Anatole France. Ele conhecer bem a
literatura francesa. [...]. O Anatole está fora de moda. Ninguém mais o lê.
(9) ... Nem chegam aos pés do prestígio do sorridente e corrosivo Anatole. Ele sozinho
era a França...
72
(10) Mas a Taís da televisão tem mais charme; há isso tem.
Crônica 6: Yes nós temos (FSP, 16/07/91)
(11) Bom, Cristiano era só candidato. E a graça estava no insólito da cena. Um homem
finíssimo como ele! Todo compostura.
(12) Mas se quiser dar mesmo, para o FMI e para os credores americanos. Macho é
isto.
Crônica 7: Bola murcha (FSP, 18/07/91)
(13) Quando o Maurinho Branco assaltou minha casa e não roubou muito, mas roubou
tudo, esquecemos de lhe perguntar qual era o seu signo. Se ele fosse de touro, ia [...] ele
tomava um cafezinho e se despedia como um cavalheiro.
(14) Pelé e Garrincha eram a dupla de mais cartaz no mundo. Nem os Beatles, que
eram quatro e tiveram o cuidado de aparecer depois, lhe chegavam aos pés.
(15) ... Um esquimó me pulou no pescoço na maior alegria e agitação.
Só depois vim saber a razão. Porque eu era brasileiro. Pelé! Pelé! – gritava ele
eufórico.
Crônica 8: A universal banana (FSP, 20/07/91)
(16) Lembrei do Castellinho que em Minas não se usa esse tal de guede. De fato.
Quando ele, rapazinho, lá chegou em Belo Horizonte, fez uma única vez e nunca mais.
(17) Castello se lembra, claro, do nosso mestre Pompeu, mas me revelou que ele fazia
o gesto incompleto.
(18) O Collor mandou o FMI reformar a casa dele. Se vier a banana, está na ordem
natural das coisas. Santo Antonio o proteja.
73
Crônica 9: A moda de casar (FSP, 21/07/91)
(19) Vários amigos casamos com essa indumentária do Millôr. Convém pedi-la
emprestada.
Crônica 13: Aço, pedras e ovos (FSP, 26/09/91)
(20) O alvo preferido eram os senhores engravatados, cuja indumentária sugere
prosperidade ou pelo menos intimidade com o esotérico jogo bursátil.
Nem por isto vou deixar de dizer que achei de mau gosto a manifestação de
anteontem.
(21) Os grafiteiros sujam em Paris as estações do metrô [...]. Jack Lang, ministro da
cultura chamou-os de artistas maravilhosos.
... Pode até acontecer que Minas dispute a honra de levantar o brinde.
Digo isso sem malícia, porque sou mineiro e também gosto de um drink.
Crônica 14: Hora do anagrama (FSP, 06/10/91)
(22) Anagrama vem do Grego [...]. Também se usa na cabala, entre iniciados. Mas isto
é ocultismo.
(23) Deixo aqui a sugestão. Pode não resolver a crise, mas não vai agravá-la.
Crônica 15: O que diz o vento (FSP, 07/10/91)
(24) ... Se vento leva e traz, se vento é mudança, não custa acreditar que, passada a
tempestade, vem a bonança. E com ela o sopro renovador – garante o poeta.
Crônica 16: O papa e a gente (FSP, 12/10/91)
(25) Pio 12 tinha sido o Papa da guerra, eleito que foi em 1939. Eu era um garoto,
muito orgulhoso de estar no jornal naquele dia. Ou melhor, naquela noite.
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(26) Em Florença, no café da manhã, minha filha Cristiana fez uma descoberta
sensacional. [...], ela não se lembrava de que o céu podia ser azul.
(27) Aliás, no Brasil todo, criança é mato. Pobres meninos de rua, o papa, que também
é gente, os vê e os abençoa.
Crônica 18: O bocejo do papa (FSP, 19/10/91)
(28) O Brasil se hoje ameaçado no patrimônio de sua esperança. O papa deixa para
trás desta vez um horizonte sombrio. Isto, sim, é que é de gritar. E também de chorar.
Crônica 19: Fazer e Lazer (FSP, 03/11/91)
(29) Digamos que uma pesquisa ali mesmo tentasse no palpite adivinhar em que
pensava Herr Kohl. Com que sonhava ele naquela hora da tarde, ao sol de Copacabana?
(30) Ou quem sabe, no pólo oposto, lhe viessem a lembrança os saudáveis
descendentes dos compatriotas que encontrou em Santa Catarina.
Crônica 21: Acordo e concordância (FSP, 13/11/91)
(31) Como grafômano, sei que esta mania implica riscos. Às vezes você é apanhado
num ímpeto e manda brasa [...]. No meu caso várias vezes já aconteceu isto.
Crônica 23: Símbolo augusto de quê? (FSP, 21/11/91)
(32) Até parece que Fernando Pessoa tem razão. Diz ele: “ah, tudo é símbolo e
analogia”.
(33) O caso desse garoto paulista me deu vontade de telefonar para o Marco Aurélio.
Ele sempre soube ligar tudo a tudo.
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(34) Eu estava deslumbrado com o “Quincas Borba”; lido. Era também o livro favorito
do Marco Aurélio. Não. Para ele, era todo o Machado.
(35)Traçava um alemão desenvolto. Tirava Goethe de letra. Em nossa última conversa
lhe falei da tradução de Schiller pelo Márcio Suzuki.
Crônica 24: Em busca de desafios (FSP, 24/11/91)
(36) Aqui é que a porca torce o rabo. O Nelson Rodrigues deu aos moços um conselho
na entrevista que fiz com ele na televisão. [...] A meninada está hoje mergulhada no
facilitário. Tudo lhes é vendido pela porta larga da facilidade.
Crônica 25: Regressão e agressão (FSP, 01/12/91)
(37) o Collor é esquentado. Um dia deu banana e outro partiu para a briga. [...]. Por
isto mesmo gostei quando ele escreveu suave ao Caetano Veloso.
(38) Ninguém vai pedir ao Collor que fale como o Willian Camargo do “Dono do
Mundo”. Aquilo é uma caricatura para fazer graça. [...] As palavras se formam através de
processos morfossintáticos com base em morfemas lexicais, como ele sabe muito bem.
Crônica 26: Mas dá pra curtir (FSP, 12/12/91)
(39) Só que no Rio o calor é especial. Sendo escaldante e úmido, dura meses, mas traz
à cidade uma espécie de euforia. Isto é o que pensa e sustenta o carioca da gema.
(40) Dizia o Murilo Mendes que o inferno existe, mas não funciona. Deus que me
perdoe, mas há horas em que isto me parece definição do Rio.
Crônica 27: Um ano de ausência (FSP, 19/12/91)
(41) Era de fato um solitário. Precisava de ser só. Nisto sua personalidade era feita de
uma peça só.
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(42) Nunca vi solitário de porta tão aberta. Neste sentido, falando de Minas, do tempo
em que viveu com que os mineiros tratam o forasteiro. Talvez por isto nunca se esqueceu
de um almoço em Caeté, que lhe deu uma página antológica do ponto de vista...
Crônica 28: Turista, mas secreto (FSP, 21/12/91)
(43) O calor já chegou ardendo vários dias. Chegou tão forte que nem o ar
refrigerado da conta de detê-lo à porta do quarto de dormir.
(44) Mais do que qualquer outra época do ano, a cidade é um balneário. Conta para
isto com a ajuda dos turistas, que não tem razão para se assustar mais do que se assustam por
esse violento mundo de Deus.
(45)Falar nisto, gostei de saber no Recife estão pondo em prática um tipo de turismo
secreto.
(46) Na praia de Boa Viagem, dividiram-se em pequenos grupos para não chamar a
atenção. Tudo isto para evitar que se repetissem os assaltos...
47) ...Se um cidadão que bandeira é o turista. Ninguém o confunde com o
nativo. Os gestos, os trajes, tudo o denuncia.
Crônica 32: Doidos são os outros (FSP, 25/05/92)
(48) O doente, mais do que uma ameaça é o incômodo lembrete de que todos podemos
adoecer. Melhor, pois, considerá-lo contagioso e afastá-lo.
(49) O racismo elege um bode expiatório e o fecha no campo de concentração. Ou o
massacra, em nome da saúde social.
Crônica 33: Belo nome de sábio (FSP, 05/12/92)
(50) Nem uma única palavra de Paul Valéry chegou à final. Eram estas as do poeta:
pour, jour, or, lac, pic, seul, onde, feuille, mouille, flute.
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(51) Dito isso, seria o caso de indagar quais as nossas dez palavras mais bonitas.
Crônica 34: Esse código sereno (FSP, 06/12/92)
(52) Faz mais de um ano que não nos vemos, minha velha amiga e eu. [...]. Pensava
nela, [...] e ela me aparece assim sem mais nem menos. [...]. Você está na lua nova, digo,
convicto. Crescente, ela corrige com bom-humor.
(53) Caminha vagarosa até a janela. Não a conhecesse e diria que contempla,
interessada, o que lá fora lhe chama a atenção.
(54) A gente devia se ver mais, diz ela.
Vimos pelos exemplos que relação anafórica (de retomada) em todos os trechos
entre expressões nominais e os pronomes. De acordo com os exemplos vistos, comentaremos
dois, a saber: exemplos (14) e (15), pois cremos que eles, assim como os demais exemplos,
explicitam bem como as formas nominais anafóricas pronominais contribuem para a
progressão referencial do texto, dispensando, assim, a necessidade de explicar cada um
detalhadamente.
No exemplo (14) a retomada do referente “os Beatles” pelo pronome “lhe”; e, no
exemplo (15), temos a retomada da descrição definida “um esquimó” pelo pronome pessoal
do caso reto “ele”.
3.8. CATÁFORAS DE REFERENCIAÇÃO
Agora citaremos duas ocorrências de catáforas de referenciação realizadas através de
pronomes de elementos co-textuais.
Crônica 22:O paladino do Fósforo (FSP, 16/09/91)
78
(1) Às vezes sou tomado pela vertigem de que a vida não tem sentido. Ou me acho
uma poia, como se diz em Minas. Isto é: um traste, que não serve para nada.
Observemos a relação catafórica presente entre as expressões nominais e os pronomes.
No primeiro caso, uma projeção para frente do referente “ours” pelo pronome “isto”, e, no
segundo, temos a projeção para frente do referente “um traste” pelo pronome “isto”.
Crônica 27: Um ano de ausência (FSP, 19/12/91)
(2) A primeira vista, ou de longe, parecia, sim, isto que os franceses chamam de
“ours”. Um urso.
A pronominalização é um recurso bastante utilizado pelo cronista Otto Lara Resende,
pois como vimos, houve cinqüenta e quatro (54) casos de anáforas e dois (2) casos de
catáforas num total de cinqüenta e seis (56) casos. Isto nos mostra como a pronominalização
tem como principal função a progressão textual.
Como vimos, a referenciação é um processo discursivo e cada sujeito emprega
estratégias de acordo com seu conhecimento de mundo. Ao lermos as crônicas de Otto Lara
Resende, percebemos que o escritor fez escolhas diversificadas das estratégias de
referenciação, ficando assim distribuídas: nos encapsulamentos aparecem 35 casos de
descrições definidas com retomadas anafóricas, 11 catafóricas e 6 retomadas anafóricas com
pronomes demonstrativos e 1 catafórica; remissão metadiscursiva: 8 ocorrências; Anáforas
indiretas: 21 ocorrências e 2 associativas; pronominalização anafórica 54 ocorrências e 2 com
pronomes fazendo remissão cataforicamente. Este resultado nos mostra que o processo
referencial nas crônicas de Otto Lara Resende imprime aos seus textos um estilo marcante,
pois são textos escritos de modo criativo, com bom uso lingüístico, nos permitindo apontar o
processo de referenciação decisivo para a construção de sentidos, tanto daquele que escreve,
quanto daquele que lê seus textos.
Para facilitar a leitura desses dados, resolvemos colocá-los em um quadro. Ei-lo:
ESTRATÉGIAS DE
REFERENCIAÇÃO
Descrição
Definida
Anafórica
Descrição
Definida
Catafórica
Pronomes
demonstrativos
anafóricos
Pronomes
demonstrativos
catafóricos
Total
79
Encapsulamento
35 11 6 1 53
Remissão
Metadiscursiva
8
Anáfora Indireta
21
Associativa
2
Pronominal
Anafórico:
54
Catafórico:
2
56
140
80
4. CONTRIBUIÇÕES DA REFERENCIAÇÃO PARA OS ESTUDOS DA
ORGANIZAÇÃO TEXTUAL.
uma concepção diversa da literatura tradicional abre espaço para
tratar da referência como um processo realizado no discurso e dos
referentes como objetos-de-discurso, que, apresentados, construídos
e desenvolvidos discursivamente, contribuem para a orientação
argumentativa do texto e a articulação de um “projeto de sentido”.
(Suzana Leite Cortez)
Veremos, neste capítulo, como a referenciação é realizada no texto e o quanto ela é
necessária para o processamento textual. Os exemplos citados no capítulo serão extraídos do
corpus desta pesquisa.
4.1. REFERENTE E TEXTO
Neste capítulo exporemos o conceito de linguagem, que como sabemos implica a
concepção de referente, uma vez que é na interação verbal e na operação sobre o material
lingüístico que os referentes se constroem para a produção textual.
Como dizem Koch et al. (2005, p.7):
Entre os temas que m perpassado as reflexões sobre a linguagem, a questão da
referência é sem dúvida, um dos mais recorrentes e instigantes, como nos têm
apontado com agudeza filósofos, lingüistas, lógicos, semioticistas, analistas do
discurso, psicólogos, sociólogos.
É pensando na relação linguagem e referência que podemos dizer que a linguagem é
uma atividade na qual os sujeitos interagem de forma ativa, percebendo que cada momento é
um jogo de reconstrução, em que os falantes são transformados por ela e vice-versa.
Sabe-se que em uma concepção sociocognitivista do referente é preciso uma prática
social para que haja significação, ou seja, é nessa atividade interativa que a construção de
sentido por meio da linguagem.
A Lingüística Textual numa concepção sociocognitiva mostra que o referir é
dinâmico, e os referentes no processo comunicativo se transformam, podem ser modificados,
desativados, reativados, através de novos referentes que ajudam na progressão e na construção
do sentido. O texto numa visão mais atual, passa a ser visto como uma manifestação verbal
81
constituída de elementos lingüísticos selecionados e ordenados pelos falantes durante a
atividade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interação não apenas a depreensão de
conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de processos e estratégias de ordem
cognitiva, como também a interação (ou atuação de acordo com práticas socioculturais
conforme Koch, (1997)). A partir da visão da autora, podemos dizer que o texto é um evento
comunicativo em que convergem ações lingüísticas, cognitivas e sociais.
4.2 . A REFERENCIAÇÃO NA ORGANIZAÇÃO TEXTUAL
As cadeias coesivas são relevantes para a organização textual, e favorecem a produção
de sentido desejado pelo autor ou produtor de texto. A remissão textual se faz através de
remissão ou referência textual, conforme Koch (1997).
Para a construção da textualidade as formas nominais referenciais constituem fatores
coesivos, sendo esses um dos mais produtivos, podendo ser: anafóricos
(1)
e catafóricos
(2)
.
Vejamos dois trechos retirados das crônicas de Otto Lara Resende:
(1) Pois nessa prova de vestibular, o drama de Bentinho se apresenta como
“centrado no ciúme doentio e na suposta traição de sua esposa”. Suposta? De onde os
senhores professores tiraram esse despropósito e o passam aos imberbes e indefesos
vestibulandos? (RESENDE, O.L. FSP, 08/01/92)
(2) Talvez por isto nunca se esqueceu de um almoço em Caeté, que lhe deu uma
página antológica do ponto de vista das duas artes- a culinária e a literária.
(RESENDE, O.L. FSP, 19/12/91)
No exemplo (1) a descrição definida esse propósito” é anafórica, pois nos reportam
ao enunciado “centrado no ciúme doentio e na suposta traição de sua esposa”. Temos aqui
uma relação anafórica.
No exemplo de número (2) deparamo-nos com a expressão nominal “das duas artes”
que remete ao fragmento que a segue, sendo: “a culinária e a literária”, temos aqui uma
relação catafórica.
Segundo Koch (2006, p.93) “as expressões nominais têm também importante papel na
organização macroestrutural, porque predeterminam, em muitos casos, o número de
parágrafos ou seções do texto e, por decorrência, a paragrafação gráfica”.
Na descrição nominal referencial a escolha lexical na qual tem o nome-núcleo
genérico (um fato, uma hipótese, evento, etc) desempenha pontos importantes, responsáveis
82
pelas orientações argumentativas de acordo com o que o produtor do texto deseja exprimir. A
título de ilustração, veja o exemplo abaixo, retirado do corpus do trabalho:
(3)... Dois capítulos de “Dom Casmurro”, na prova de português em São Paulo.
Ao menos assim Machado vai sendo conhecido, ou imposto, entre a meninada. Se
entendi bem as questões propostas e as resoluções que saíram no “Fovest 92”, a
prova não apenas opta pela versão do crime, como nela insiste de maneira tão
enfática que nem admite sobra de controvérsia. A hipótese encampada, de que
Capitu não traiu Bentinho, um Bentinho paranoicamente ciumento, qual Otelo, (...).
(RESENDE, O.L. FSP, 08/01/92)
Neste exemplo, o referente “a hipótese” retoma todo o contexto anterior, mostrando a
opinião do produtor do texto.
Vejamos mais este exemplo:
(4) Era um ser livre e lírico. Seu claro olhar de sabedoria espiava o Brasil com
algum tédio. Paisão sem jeito que trata mal as crianças e os pobres. O sentimento de
justiça sem apelo ideológico. (RESENDE, O.L. FSP, 19/12/91)
No exemplo (4) na recategorização do referente, a metáfora representada pelo
referente “Paisão” serve para realizar uma avaliação que determina a orientação
argumentativa do texto, já que o termo “Paisão” retoma o referente “o Brasil.”
A remissão pode ser realizada não a referentes que estejam expressos no texto, mas a
referentes que estão na memória dos interlocutores nos quais precisam ser inferíveis para que
possam ser (re) ativados, que podem ser chamadas de anáforas indiretas. Estas anáforas, como
vimos no capítulo 3, precisam de um elemento que se denomina âncora, por não existir no
co-texto um antecedente explícito. Elas desempenham um papel muito importante para a
coerência textual, sendo assim, importante para a interpretação . A título de ilustração:
(5) muitos anos jogamos em Araxá com o Magalhães Pinto. O Rubem Braga, o
José Aparecido, o Fernando Sabino e eu. O Rubem quase sempre ficava de fora. O
jogador precisa ser calmo e dissimulado. O furto precisa e é aceitável desde que
imperceptível. (RESENDE. O.L, FSP, 27/07/91)
No exemplo, vemos que a expressão “o furto” é um referente novo introduzido, sem
retomar um elemento co-textual, mas sim ancorado nos elementos “jogamos e jogador”.
Pode-se dizer, então, que os leitores são orientados a partir das expressões referenciais,
a relacioná-las com os implícitos dentro de um contexto maior em que os textos estão
inseridos.
83
No processamento textual nos utilizamos de variados sistemas de conhecimento, cujas
representações podem ser: cognitivas, textuais e sociointeracionais. No exemplo acima, temos
uma relação cognitiva, pois temos o referente “o furto” ativado pelos itens lexicais “jogamos e
jogado”, é como se o conhecimento semântico fosse aumentado.
As estratégias cognitivas são aquelas que exigem do ouvinte a execução das
estratégias de conhecimento, de cálculo mental, e são estas estratégias que permitem que o
processamento textual se faça sem problemas, quer em termos de produção quer em termos de
compreensão.
Outra estratégia que comentaremos de forma sucinta é a sócio-interacional. Podemos
dizer que ela visa a estabelecer um contrato para que a interação verbal se de forma polida,
ou seja, como nos diz Koch (1997, p.31), “as estratégias interacionais visam a levar, a bom
termo “um jogo de linguagem””.
A última estratégia é a textualizadora, e é nela que, está a referenciação. Ela é o foco
do nosso trabalho, embora as anteriores sejam essenciais para o processamento textual.
4.3 . ESTRATÉGIAS DE REFERENCIAÇÃO
Os referentes textuais são reativados através das estratégias de referenciação anafórica
garantindo a coesão textual.
Neste capítulo, mostraremos como as diferentes estratégias aparecem nos textos e para
que servem.
Vejamos o exemplo abaixo:
(6) No governo nove anos, e agora da Alemanha unificada, líder de altas
virtudes, Herr Kohl que me desculpe, mas seu julgamento foi precipitado. Vadios
não estão obrigatoriamente na praia. A “leisure class”, aliás, é coisa do Primeiro
Mundo afluente. O chanceler nem parece alemão. (RESENDE, O.L. FSP, 3/11/9)
Verificamos, nesse exemplo, que a expressão definida destacada no texto traz ao leitor
informações relativas ao referente “Herr Kohl” que acredita ser desconhecido do interlocutor,
então resolve caracterizá-lo como “O chanceler”.
Aqui, a expressão referencial “O chanceler” contribui para a marcação e estruturação
do parágrafo, pois chance de continuidade do texto. Portanto, não mostra a informação
dada, mas também a nova, afirmando o grande valor das expressões nominais referenciais na
construção textual do sentido.
84
Como se pode observar a escolha das descrições definidas pode auxiliar o interlocutor
na construção de sentido, auxiliando-o a perceber dados relevantes sobre opiniões, crenças e
atitudes do produtor do texto.
Observemos outro exemplo:
(7) Pensar não dói. Mas pede esforço e treino. Como diria o Pacheco, o
raciocínio é uma operação mental. Mas o sujeito aparece na televisão e, com a
maior cara-de-pau, diz o que lhe vem a cabeça. [...] Cedinho, o cara sai de casa,
leva consigo a pose e acha que está com o enxoval completo. Pode dar entrevista e
massacrar os que ousem discordar. (RESENDE, O.L. FSP, 4/7/91)
Vê-se então pelo exemplo (7), que a escolha de determinadas expressões definidas ao
fazer remissão no texto, como por exemplo, “o cara, a pose”, trazem ao leitor indicações
importantes do modo como o produtor opina, crê e ressalta os traços do referente segundo
suas intenções, auxiliando assim, o ouvinte na construção de sentido.
Nesse caso, o produtor do texto é sarcástico quando se refere ao referente o sujeito,
permitindo ao interlocutor concluir o modo como o produtor tenta passar, com seu discurso,
uma argumentação negativa desse referente, através das expressões tais como: com a maior
cara-de-pau, acha que está com o enxoval completo, pode dar entrevista e massacrar os que
ousem discordar”.
De acordo com a intenção do autor em determinada situação de interação, ele pode
usar uma descrição definida ou indefinida, dependendo da propriedade do referente e seu
efeito de sentido.
As expressões indefinidas vêm sendo reconhecidas no uso anafórico, pois é
característica delas a introdução de novos referentes textuais. De acordo com Neves (2006,
p.126) não há pressuposição de unicidades, e o sintagma nominal indefinido não leva o
ouvinte a identificar o referente do mesmo modo como ocorreria se fosse usado um sintagma
nominal definido.
Vejamos um exemplo com descrição nominal indefinida:
(8) Em qualquer país do mundo, se um cidadão que dá bandeira é o
turista.Ninguém o confunde com o nativo. [...] Não adere a paisagem. Ainda mais
alemão, procedente direto do inverno. Uns branquelas ou vermelhos, tudo louro de
olho azul. Essa, não. Turismo secreto!
Imagine um prussiano daquele tamanhão
confundido com um gabiru. Estão é brincando com a gente. (RESENDE, O.L. FSP,
21/12/91)
No caso acima, temos a introdução referencial feita por “uns branquelas”. Em seguida
temos esse mesmo referente recategorizado pela descrição também indefinida “um
85
prussiano”, mantendo com a fonte (uns branquelas) relação anafórica. A retomada por meio
dessa estratégia, nos um referente já culturalmente reconhecido, pois geralmente os
alemães são branquelas e altos.
É grande a contribuição dessa estratégia para os estudos da organização textual, que
a sua função não é só de introduzir referentes como tradicionalmente era vista, e sim também
nas retomadas de um referente introduzido previamente.
Observamos ainda que expressões metadiscursivas ao serem escolhidas pelo locutor,
mostram como diz Koch (2005, p.44) que é “importante indício do locutor não a respeito
do discurso que está sendo rotulado como também a respeito do próprio enunciador desse
discurso”.
Observe-se o exemplo a seguir:
(9) Um grupo de colegiais me pergunta qual é a palavra mais bonita da língua
portuguesa. Velha e corriqueira curiosidade, que vai e volta. Em todos os países e
em todas as épocas esta pergunta, digo eu. ( RESENDE, O.L. FSP, 05/12/1992)
A forma nominal “esta pergunta” remete anaforicamente a uma citação de fala indireta,
tornando-a o ponto de um procedimento de metadiscurso.
No que se refere à organização textual e processamento textual, vimos que as anáforas
indiretas (AI) são interessantes estratégias para fazer com que interlocutores mobilizem
diversos conhecimentos retidos na memória, e é nesse ponto que se faz necessário um
processo inferencial para as unidades não explícitas. É por isto que Koch (2006) comenta que
para a coerência textual, esse tipo de anáfora tem um papel fundamental. A autora diz que a
(re)ativação muitas vezes se via inferenciação, a partir de elementos explícitos na
superfície textual. A título de ilustração vejamos o exemplo abaixo:
(10)...De onde então essa idéia pateta de um Bentinho ingênuo e ciumento? Não é
uma simples suspeita que está no capítulo 99, o filho é a cara do pai”. D. Glória,
avó amantíssima, rejeita o neto putativo. Está na cara que nenhuma razão justifica
virar o romance e o Machado pelo avesso. Ensinar errado é pecado capital. Ouçam
o Dalton. Quem insistir na tese do “Enigma” não lhe dirija a palavra. E de
lambujem não me cumprimente. Machado merece respeito! (RESENDE, O.L. FSP,
8/1/92)
O referente: o romance não retoma um referente no texto, é necessário inferir que
Bentinho e Capitu são personagens de um romance cujo título é “D.Casmurro”. Temos neste
exemplo, o referente “o romance” ancorado nos referentes anteriores que nos levam a
mobilizar conhecimentos enciclopédicos sobre esse romance.
86
Em conclusão, pode-se dizer que, entre os exemplos aqui discutidos para que a
progressão textual e ou processamento textual sejam garantidos, os processos de referenciação
evidenciam que estes objetos introduzidos no texto, promovem esta progressão textual, seja
pelo uso de recursos gramaticais ou também algumas funções como: as nominalizações, a
metadiscursividade, as anáforas indiretas, associativas que na interação é explicado sua
produção de sentido na cena comunicativa.
Com base nas palavras de Koch (2006), os referentes têm a função de colaborar na
produção de sentido e não apenas de referir. Essas expressões referenciais são multifuncionais
e contribuem para elaborar o sentido, indicando pontos de vista, assinalando direções
argumentativas, sinalizando dificuldades de acesso ao referente e recategorizando os objetos
presentes na memória discursiva.
Diante do que foi discutido no item 4.3, podemos perceber o quanto as expressões
referenciais são importantes nos textos, ou seja, nas crônicas de Otto Lara Resende.
4.4. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO REFERENCIAL EM DUAS CRÔNICAS DE
OTTO LARA RESENDE
Os duas crônicas a serem analisadas abaixo, mostram como o bom uso do processo de
referenciação nestas duas crônicas faz do texto de Otto Lara Resende um objeto estético bem
organizado, em que a referenciação é decisiva para a elaboração do texto escrito, bem como
para a leitura e construção de sentidos.
As crônicas selecionados foram veiculados pelo jornal Folha de S.Paulo no dia 5/7/91
Em terra, no ar e no mar e o outro no dia 4 de julho de 1991 Calma que o Brasil é
nosso Primeiro veremos o texto Em terra, no ar e no mar na íntegra para depois
tecermos os comentários. Vejamos:
Em terra, no ar e no mar.
RIO DE JANEIRO Collor estava entrando nos 40 anos quando chegou a
Presidência. Em cem anos de República, é o mais moço de todos os presidentes.
Não sei se a vida começa aos 40, mas a idade do poder é por mesmo. Não
regras. exceções, mesmo porque a Presidência é uma loteria. O prêmio, ou
quem sabe o castigo, é de muitos poucos. Por mais ambicioso ou até paranóico que
seja, um político estreante sabe de antemão que é escassa e casual a possibilidade
de chegar lá.
Jânio chegou à Presidência aos 43 anos. Era o poder jovem. Tinha em
Washington um seu igual, Kennedy, eleito com a mesma idade. Em 1930, Getúlio
chegou pelas armas aos 47 anos. E ficou por 15 anos. Dutra, seu sucessor, tinha 61.
Juscelino até hoje tem um perfil de jovem, meio playboy, mas foi eleito com 53
87
anos. Andava aflito, com medo de perder a oportunidade que era sua daquela vez.
Sua e de Minas.
A oportunidade é um cavalo arreado que passa na sua porta. A metáfora rural
é do Getúlio. Em 1950, o cavalo passou pela porteira da sua estância e ele montou.
era “o velho”. Tinha 67 anos. Foi desmontado como se sabe. O poder tem rédeas
e leme. Agora tem jeito. Collor comandou o Boeing da Transbrasil sobre a
Venezuela. Não foi vantagem nenhuma, porque o avião tem piloto automático. A
encenação era do presidente, mas o comando era do computador.
Um passageiro que estava a bordo é que diz isto. E indaga se a Venezuela
não vai protestar, por ter sido no seu espaço aéreo. Indaga também se o presidente
tem brevê. Se não tem, é caso de punição. Se tem, expôs a perigo vidas alheias, que
pagaram para viajar sob o comando de um profissional. Em setembro de 1989, o
comandante Garcez errou a rota e foi descer em São Jodo Xingu. Lembram-se?
Foi cassado.
No Rio anteontem houve quem admitisse que o Collor ia saltar de pára-
quedas. Um repórter anunciou pelo rádio que ele ia pilotar um helicóptero. As
precedentes proezas presidenciais tornam qualquer hipótese verossímil. D.Leda fica
apreensiva com razão. Mas sejamos compreensivos: o culto do corpo e da aventura
está na moda. Collor vive o seu tempo. Se pela Constituição, comanda as Forças
Armadas, por que não pode comandar um Boeing? Exercer de fato a prerrogativa
constitucional é muito mais difícil. E ele exerce. Ou não?
05/07/91
No texto citado, destaca-se a figura de um presidente esportista, inconseqüente em seu
mandato, com uma visão irreverente, tudo isso apresentado no texto com o auxílio do
processo de referenciação textual que é desenvolvido.
Vejamos o trecho abaixo:
(11) Collor estava estreando quando chegou à presidência. Em cem anos de
presidência, é o mais moço de todos os presidentes. [...]. Há exceções, mesmo porque
a Presidência é uma loteria. O prêmio, ou quem sabe o castigo é de muitos poucos.
(RESENDE, O.L. FSP, 05/07/91)
Aqui temos o emprego do nome próprio Collor que é retomado pela descrição “os
presidentes”. Vemos ainda que a expressão “uma loteria” é retomada de forma indireta pelas
expressões “o prêmio, o castigo”, deixando claro a opinião do autor sobre a presidência.
(12) Collor comandou o Boeing da Transbrasil sobre a Venezuela. Não foi vantagem
nenhuma, porque o avião tem piloto automático. A encenação era do presidente, mas
o comando era do computador... [...] (RESENDE, O.L. FSP, 05/07/91)
No Rio anteontem houve quem admitisse que o Collor ia saltar de pára-quedas. Um
repórter anunciou pelo rádio que ele ia pilotar um helicóptero. As precedentes proezas
presidenciais tornam qualquer hipótese verossímil. [...].(Resende.O.L, FSP, 05/07/91)
Collor vive o seu tempo. Se pela Constituição, comanda as forças armadas, por que
não pode comandar um Boeing? Exercer a prerrogativa constitucional é muito mais
difícil. E ele exerce. Ou não? (RESENDE, O.L. FSP, 05/07/91)
88
No exemplo 12, temos os referentes “a encenação” quanto “o comando”
encapsulando anaforicamente toda a informação precedente, promovendo a recategorização
informacional, fazendo uma reinterpretação até irônica daquilo que precede, evidenciando um
certo exibicionismo característico de Collor.
Observamos ainda neste exemplo 12, a estratégica da pronominalização, pois temos o
referente “Collor” retomado pelo pronome do caso reto “ele”, aqui tem-se um dos
mecanismos muito explorados para a progressão referencial. Por meio dessas referenciações
principalmente pelas expressões nominais definidas, podemos inferir que o autor deixa de
maneira sutil suas crenças e opiniões sobre o comportamento irresponsável de Collor,
principalmente quando finaliza o texto com um questionamento quanto a exercer a
prerrogativa constitucional.
Na outra crônica: “Calma, que o Brasil é nosso”, também veremos como o processo de
construção referencial se dá, e como ele é decisivo na leitura para produção de sentido. Aqui
também veremos o texto na íntegra, para depois fazermos os comentários.
Calma, que o Brasil é nosso.
RIO DE JANEIRO Pensar não i. Mas pede esforço, treino. Como diria o
Pacheco, o raciocínio é uma operação mental. Mas o sujeito aparece na televisão e,
com a maior cara-de-pau, diz o que lhe vem à cabeça. Aliás, não vem; encontra a
porta fechada e vai-se embora. Cedinho, o cara sai de casa, leva consigo a pose e
acha que está o enxoval completo. Pode dar entrevista e massacrar os que ousem
discordar.
Qualquer tema serve. Basta estar pautado, garantia de que sai no jornal. E
borbota em close no vídeo. Parlamentarismo? Por exemplo. No que vier; ele atira o
bombardeio de suas idéias feitas. Sempre viveu bem assim, confortável, deitado no
berço esplêndido no lugar comum. Jamais deixou de comprar feito e embrulhado.
Para o presente ou para o passado. Para as ocasiões. Ah, sim: parlamentarismo. Que
é que dita o interesse? Ou que é que seu mestre mandou?
Postura de pigarro, vem chumbo grosso: não estamos preparados para o
parlamentarismo. Não temos partidos nacionais de verdade. Nem uma sólida
estrutura administrativa profissional. Seria o caos. Pausa. Nem a tosse é original.
Vem do fundo de priscas eras. O olhar tenta em vão pescar um brilho de
inteligência. Aquela esquiva luz do raciocínio. Mas “de nihilo, nihil”, diz o Pérsio.
Não o Arida, mas o romano do 1º. Século (ano do Senhor). Do nada, o nada. Só que
aqui o nada fala. Solene, para a mera. A mera, coitada, é toda atenção na
gravata.
Nenhum vislumbre de formulação pessoal. Nenhuma tentativa de alcançar a
quota zero. Daí pra baixo, nada precisa ser dito. É a morada do óbvio ululante. Tipo
o sol brilha. Ou a noite é escura. Mas o impávido entrevistado nada receia. O dom
da palavra é nele um efeito. Se não falar, ocorre o risco de ser estabulado. O
conteúdo é outro departamento. Aqui estamos no reino do papagaio. Como o milho
e leva a fama. Leva, não; ganha.
Onde está parlamentarismo, leia-se qualquer outro item. A democracia?
Ainda não estamos preparados. Ensino e saúde para todos. É cedo. Temos de nos
preparar. Previdência Social: nanja! O povo não sabe votar. Ainda. Voto não enche
barriga. O voto da lavadeira não pode ser igual ao do general. Quem o disse foi o
89
general, claro. Corrupção, desnutrição, crime organizado. A solução virá a seu
tempo. Calma, gente. Ainda não estamos preparados.
04/07/91
A crônica é desenvolvida sobre um eixo argumentativo desfavorável à imagem
política do então Presidente da República Fernando Collor de Melo. Neste texto, a
referenciação mostra a intenção do autor em posicionar-se de maneira sarcástica diante da
imagem do presidente. Não se vê na crônica o nome do presidente, mas está nas entrelinhas,
uma vez que a crônica foi escrita no período em que estava no poder o presidente Collor.
Busca com suas escolhas lingüísticas, evidenciar condições para uma visão de um governo
que nada sabe, nada é original, tudo é superficial, mas que gosta de ser o centro das atenções.
É o que pretendemos demonstrar a partir do trecho a seguir:
(13) [...] mas o sujeito aparece na televisão, e, com a maior cara-de-pau diz o que
lhe vem à cabeça. [...].
Cedinho, o cara sai de casa e leva consigo a pose e acha que está com o enxoval
completo.
Pode dar entrevista e massacrar os que ousem a falar. [...]. Do nada, o nada. que
aqui o nada fala solene, para a câmera. A câmera, coitada é toda atenção na gravata.
[...]. Mas o impávido entrevistado nada receia. O dom da palavra é nele um efeito.
(RESENDE, O.L. FSP, 04/07/91)
De acordo com o trecho acima, podemos observar que o referente introduzido “o
sujeito” (descrição definida) é retomado através de outras descrições definidas: “o cara, o
nada, o impávido entrevistado”, evidenciando que essas expressões nominais definidas
caracterizam-se pelo fato de que o autor seleciona propriedades do referente na qual é
relevante para o seu querer dizer. Aqui, podemos dizer que as escolhas do autor trazem ao
leitor uma visão sarcástica do “o cara”, “o nada”, que, aliás, são expressões vagas a respeito
do nosso governante que na época, ano de 91, era Fernando Collor de Mello. A descrição
definida é manifestada por um sintagma nominal, que tem o núcleo precedido pelo artigo
definido ou pronome demonstrativo e eventualmente seguido de modificadores.
Não podemos ainda esquecer de mencionar que além de um propósito comunicativo,
temos que levar em conta as influências sócio-culturais que estão envolvidas no processo
referencial.
Outros textos poderiam ser analisados, porém nos limitamos a esses por acreditar que
são suficientes para a compreensão do fato de que o modo de usar a referenciação nos textos
de Otto Lara Resende é essencial, pois como nos diz Marquesi (2007), de um lado vê-se um
90
escritor no qual promove seu objeto de discurso, e, por outro um leitor que se orienta para o
exercício da construção de sentidos, inegável a qualquer leitura de textos.
É possível, assim, concluir que os resultados apontam para a relevância do processo de
referenciação para a elaboração do texto bem escrito desse escritor, pois de acordo com Koch
et.al (2005) as expressões utilizadas funcionam como uma espinha dorsal do texto, permitem
ao leitor, ouvinte, formular ou construir meios para orientar a certos sentidos envolvidos no
texto e possíveis leitura a partir dele.
Com tais exemplos, pretendemos ter conseguido o nosso objetivo, que é de apresentar
mesmo de forma breve as estratégias de referenciação usadas por Otto Lara Resende para a
construção referencial e, assim, auxiliando o leitor na construção de sentido.
Para reforçar ainda mais a colaboração dos processos referenciais nas crônicas de Otto
Lara Resende, é necessário observarmos o quanto o encapsulamento é nas palavras de Conte
(2003, p.178) “um recurso coesivo pelo qual um sintagma nominal funciona como uma
paráfrase resumidora para uma porção precedente do texto”. Vejamos alguns exemplos
extraídos de nosso corpus, para mostrar como esse recurso coesivo contribui para fazer das
crônicas de Otto Lara Resende textos bem organizados e com bom índice de literariedade.
(14) A propósito desses dois alpinistas que picharam o Corcovado e se orgulham do
feito, pergunto se não é o caso de sugerir uma reflexão sobre a atmosfera reinante
no domínio da educação. Nem é na educação. A coisa é mais ampla. Pode ser
entendida entre vários sentidos e se dirige a todas as idades. Tem a ver com uma
palavra que também em inglês é um neologismo “permissiveness”. A
permissividade desembarcou aqui pelo fim dos anos 60. Uma boa síntese dessa
mentalidade foi feita em maio de 1968. Eu estava em Paris e vi o que foi o
esplendor dos “graffitti”. (RESENDE, O.L. FSP, 23/07/91).
Vê-se aqui, que foi muito importante a escolha lexical do nome-núcleo (mentalidade),
pois é dotado de carga avaliativa do produtor do texto, mostrando sua visão moral sobre os
grafiteiros, podendo ser ponto crucial na orientação argumentativa do texto. O texto nos
uma avaliação dos acontecimentos mostrados.
(15) Mas, se querem o flagrante está no capítulo 112, “Embargos de terceiros”.No
anterior capítulo 106, “Dez libras esterlinas”. Capitu revela os escondidos
encontros com Escobar. Bentinho era estéril precisa prova maior? De onde
vem então essa idéia pateta de um Bentinho ingênuo e ciumento? (RESENDE,
O.L. FSP, 8/11/92)
No segmento 15, temos um encapsulamento anafórico (essa idéia pateta) rotulando
uma porção textual precedente, deixando claro como o autor tenta manipular o leitor para
91
dizer que Bentinho não era ingênuo. É então o encapsulamento anafórico um poderoso meio
de construção do processo de manipulação textual.
Ainda para a autora o encapsulamento anafórico, funciona como organizador na
estrutura discursiva, pois interpreta um parágrafo precedente e inicia um outro.
(16) Falar nisto gostei de saber que no Recife estão pondo em prática um tipo de
turismo secreto. Diz a notícia que um navio trouxe 1.200 alemães. 600 outros
vieram de avia. O desembarque foi sigiloso, como sigiloso foram os passeios que
todos deram por Olinda e Recife. (RESENDE, O.L. FSP, 21/12/91)
Neste exemplo podemos ver o referente “o desembarque” encapsulando o trecho
precedente e iniciando um outro sob a base de uma informação velha.
Abaixo, faremos uma amostragem quantitativa das ocorrências das expressões
definidas, indefinidas e pronomes e como foram as formas de introdução de referentes no
modelo textual.
4.5. QUANTIFICANDO AS ESTRATÉGIAS DE RETOMADAS
Estratégia de Retomada
A – Retomada explícita de antecedente por pronomes:
Texto Casos de Ocorrências Total
1 eles, deles 2
2 isso, lo, la, dele, o 5
3 ele, o 2
4 isto, ele, ele 3
5 ele, o, ele, lhe, isso 5
6 lo, ele, isto 3
7 lhe, ele, ele, lhe, ele 5
8 ele, o, ele, o, o 5
9 los, los 2
10 os, los, lo 3
11 isso, 1
12 ele 1
13 isto, isso 2
92
14 isto, nisso, la 3
15 ela 1
16 ela, os, os 3
17 ele 1
18 lo, ele, isto 3
19 ele, ele, lhe, disto, lhe 5
20 isto, isto 2
21 isto 1
22 ele 1
23 os, ele 2
24 ele, ele, lhes 3
25 o, ele, ele, ele, ele, ele, o 7
26 isto, isto 2
27 isto, nisto, isto, lhe 4
28 lo, nisto, isto, o, o 5
29 - 0
30 ele, ele, lhe 3
31 o 1
32 isto, lo, lo, o, os 5
33 isto 1
34 ela, ela, a, o, ela 5
97
A amostra acima tem o propósito de verificar como a pronominalização é uma
estratégia bastante usada pelo cronista Otto Lara Resende, evidenciando, conforme pode ser
verificado no corpus, que é um meio que retoma um referente cuja informação precedente
passa a ter valor pronominal.
Citaremos alguns exemplos com:
(1) Pronominalização com o emprego de pronomes pessoais oblíquo:
(17) Não sei se o Gilberto Braga pensou no Anatole France. Ele conhece bem a
literatura francesa. A seu lado no “Dono do Mundo”, está a Ângela Carneiro, que é
até professora de francês. O Anatole está fora de moda. Ninguém mais o
(RESENDE, O.L. FSP, 14/7/91)
93
Temos aqui, a descrição definida “O Anatole”, que passa ao estatuto pronominal por
meio de pronome do caso oblíquo o.
(2) Retomada de uma oração por meio de pronome:
(18) [...] Se o Rio não tem esquecido também não se omitirá. Quanto ao Hélio
Garcia, não é de atrapalhar festa de ninguém. Pode até ser que Minas dispute a
honra de levantar o brinde.
Digo isso sem malícia, porque sou mineiro e também gosto de um drink.
(RESENDE, O.L. FSP, 26/07/91)
Neste fragmento, temos a retomada de informação, apresentada sob uma oração, por
meio de um pronome demonstrativo isso.
B- Retomada por descrição definida e indefinida:
Texto Total de Ocorrências D.Def. D.Indef. Total
1
o anúncio, o programa, o homem, o IBGE, a bagagem,
o primeiro, muito
6
-
6
2
um gigante abobalhado, o Brasil nessa operação de
laboratório, um coleóptero, o professor, o aluno, o
besouro, o seu jeitão, o Severo, um homem culto e um
patriota.
6
4
10
3
o cara, aquela esquiva luz, o nada, a câmera, o
impávido entrevistado, o voto, o general, a solução.
8
-
8
4
o mais moço de todos os presidentes, a presidência,
uma loteria, o prêmio, o castigo, um político, o poder
jovem, a oportunidade, “o velho”, o poder, o avião, a
encenação, um profissional, as precedentes proezas,
qualquer hipótese.
10
5
15
5
o anatole, o assunto, do poeta, uma gracinha, uma santa
do século 4, uma cortesã lindíssima, essa volta toda.
4
3
7
da banana, o popular manguito, a fruta, o gesto, a
94
6
simples palavra, um sujeito mole, um bocó de argola,
os pobres países do hemisfério, um gentleman, o
candidato, o poeta, um homem finíssimo, o FMI,
credores americanos.
10
4
14
7
o meu time, a bola, as chuteiras, a dupla, o esquimó,
um, alucinado, este paísão.
6
1
7
8
guede, gesto obsceno, esta tal de guede, a definição, a
banana, o FMI, um banana, uma banana republic
6
2
8
9
o “marriage blanc”, esse expediente, o traje, essa
indumentária, a cerimônia, um padre, três sermões, do
rito, a noiva e o noivo.
9
1
10
10
uma garatuja, os trogloditas, os grafiteiros, dos
gatafunhos, a bajulação, desses novos bárbaros, a
moda, o adolescente, o seu protesto, a sua solidão, os
garotos, o primeiro engraçadinho.
11
1
12
11
a idéia, festa, o brinde, um drink, a locomotiva paulista,
o governador de São Paulo, essa mania, os planetas
estaduais, do sol da União, o restaurante, o FMI, o
protocolo, o pires, a vaquinha, um Jet Ski, uma motoca.
13
3
16
12
esse filme, um torneio de truco, no blefe, o desafio, o
jogo, a douradinha, o douradão, a carta, o jogador, o
furto.
9
1
10
13
um grupo de jovens empresários, o projeto, os
manifestantes, a manifestação, esse caso da
privatização da Usiminas, um ganancioso ladravaz, um
brasileiro vendido, nessa matéria.
5
3
8
14
um divertimento, a nova palavra, um craque, esse jogo,
a sugestão.
3
2
5
15
uns abalozinhos, esse vendaval, um fenômeno, o
terremoto, um tufão, o vôo, o vento, esse poder, uma
lufada, esse vento benfazejo, a recontrução.
7
4
11
16
o papa, o jornalismo, o céu, a nossa poderosa amiga, a
meniga, o Sumo Pontífice, a pequena visitante, o Cristo
9
9
18
95
Redentor, o extermínio.
17
esse homicídio, o episódio, um grande escritor, o palco
nacional, a violência, esse pessoal.
5
1
6
18
o papa, o retratado, o fato, suas homilias, o bocejo, um
homem acabrunhado, o país, o Brasil.
7
1
8
19
o lazer, o ócio, a filosofia, o mar, um alemão, do
chanceler alemão, o pensamento, os saudáveis
descendentes compatriotas, as galinhas de fio dental.
8
1
9
20
o brasileiro, a gente, esse leitor, o censo, a idéia, uma
idéia circular, a sugestão, o povão.
7
1
8
21
o meu bilhetinho, a notícia, o aviso, essa moda do
bilhetinho, os seus, esta mania, este erro flagrante, a
crise.
8
-
8
22
o assunto, esta mania, o respingo de pólvora, os palitos,
um trates, essa fé.
5
1
6
23
a data, a pátria desfraldada, um lamuriento, o hino, o
pendão da esperança, o augusto da paz, a carta, o
comércio, o passarinho molhado, o temporal.
9
1
10
24
a permissividade, dessa mentalidade, essa onda, uma
palavra, a meninada, os surfistas rodoviários e os
pichadores.
6
1
7
25 o ministro, - baiano, a palavra. 3 - 3
26
a cidade, o carioca, um calor, os morros, a periferia, o
seu mergulho, na areia, o verão.
7
1
8
29
o carioca, a neve, o verão, daquele abafo úmido, a
brisa, o refresco de coco, aquela carícia, aquele hálito
de ar refrigerado, esse dístico.
9
-
9
28
o desalento mormaço, o verão, a cidade, um balneário
dos turistas, esse violento mundo de Deus, a notícia, o
desembarque, esse história, uns branquelas, um
prussiano, um gabiru.
8
4
2
um solitário, o forasteiro, a culinária e a literária, um
temperamento encolhido, um urso, esse homem
96
27 sensível, o poderoso, um ser livre, o cronista Rubem
Braga.
6 4 10
30
este livro, a matemática, o menino, o latim, desse
garoto paulista, o livro, um prêmio, um humorista, um
genial showman.
6
3
9
31
as questões propostas, as resoluções, a prova, a
hipótese, um joguinho inigmático, essa história mal
contada, o drama, este despropósito, o adultério, o
maior amigo do marido, o flagrante, esse idéia pateta, o
neto putativo, o romance, “do enigma”.
14
1
15
32
a palavra, a idéia de discriminar, o doente, o incômodo,
a lepra, o manicômio, a morte, o inferno, a ciência,
uma loucura, a família, o debate, um sábio.
11
2
13
33
esta pergunta, as 300 favoritas, o processo, o
esoterismo, um dos dez melhores nomes, um sábio.
4
2
6
34
essa atmosfera, a lembrança, esta doce partilha, a gente,
nesse embalo.
5
-
5
TOTAL 251 57 308
A partir dessas amostras, podemos dizer que as expressões nominais, principalmente a
definida, fazem com que percebamos o quanto elas são relevantes para organização textual
das crônicas de Otto Lara Resende. Além disso, as expressões definidas, nos textos lidos,
mostraram a relevância para a função coesiva e orientações argumentativas de acordo com a
intenção do seu produtor. E que, baseados em Koch (2005), para que se interprete uma
expressão referencial anafórica, nominal ou pronominal não se deve simplesmente localizar
no texto um objeto do mundo, e sim alguma informação anteriormente depositada na memória
discursiva.
Conforme a análise, aparecem nos textos 57 descrições indefinidas, com função
anafórica e 251 descrições definidas, confirmando o que Lyons (1977, apud NEVES, 2006,
p.123) diz sobre essas descrições, “a descrição definida é um mecanismo de referência tão
importante que chega a ser mais cil imaginar a língua sem nomes próprios do que imaginá-
la operando sem as expressões definidas”.
97
Apesar de aparecerem em número menor, as descrições indefinidas merecem ser
comentadas, pois aqui fica evidente a sua relevância nas retomadas no texto e também o seu
valor enquanto estratégia para a progressão textual.
Em outras palavras, podemos dizer que as expressões nominais, principalmente a
definida, são as mais usadas no ato do projeto de dizer de quem produz o texto. O produtor
apossa-se de diferentes estratégias de referenciação de acordo com sua intenção, para dar
condições de sentido ao texto, sendo, portanto, as expressões nominais um dos recursos
coesivos essenciais à textualidade.
Tudo isso nos faz concluir que ao tentarmos entender um texto, é essencial
percebermos as várias atividades de ordem sociocognitiva que estão envolvidas na produção
de sentido.
98
CONCLUSÃO
A hipótese levantada no trabalho empírico de que o uso adequado dos elementos de
referenciação na produção textual exerce efeito na organização e na constituição estilística
dos textos desse escritor foi defendida com base nas mudanças pelas quais as concepções de
referência passou, e abrindo possibilidade para tratá-la como uma atividade discursiva e dos
referentes como objetos-de-discurso.
A nossa preocupação esteve voltada para a maneira como o cronista fez o uso dos
princípios e estratégias de referenciação para marcar o seu estilo literário
Iniciamos esse estudo, destacando a concepção de referenciação e sua relevância para
a construção da textualidade nos pressupostos da Lingüística Textual e do Funcionalismo das
quais nos servimos para o desenvolvimento de nossa pesquisa.
A nossa atenção concentrou-se no processo referencial usados nas crônicas de Otto
Lara Resende e o elo entre linguagem poética e recursos coesivos lingüísticos para a obtenção
de efeito de sentido.
Antes de começarmos nosso trabalho com um olhar atento para a construção de
referentes nas crônicas, buscamos no capítulo 2 discutir o gênero crônica a partir da visão
Bakhtiniana. Ao fazermos uma investigação em nosso corpus, verificamos que a crônica é um
gênero discursivo literário em que Otto Lara Resende retrata uma época do Brasil, um período
histórico governado por Fernando Collor de Melo. Ao investigarmos as crônicas, descobrimos
que o autor conseguiu criar um estilo bastante pessoal para falar da realidade brasileira
daquele período histórico e, com uma linguagem bastante literária, fez de suas crônicas textos
para serem lidos em qualquer época, graças à sua literariedade.
Ao tratarmos da construção de referentes no processo textual, observamos que as
diferentes estratégias de referenciação, nominais e pronominais variam de acordo com o
projeto de dizer do produtor do texto que ora se davam de forma anafórica, ora catafórica.
A respeito das expressões nominais, notamos que, é um dos recursos mais produtivos
da textualidade bem como sua orientação argumentativa de acordo com a intenção de seu
produtor. Dentre essas expressões nominais, a descrição definida apareceu com maior
freqüência.
em relação à pronominalização, verificamos pela nossa análise, que é um recurso
muito usado por Resende, dada sua importância para a progressão textual.
99
Ao analisarmos as crônicas, descobrimos que Otto Lara Resende fez uma leitura
irônica dos grandes temas políticos, econômicos, literários de todo um período da vida
brasileira.
Em relação às funções referenciais apresentadas, ou seja, encapsulamento,
metadiscursividade, anáfora indireta/ associativa e pronominalização a que mais apareceu nas
crônicas analisadas foi o encapsulamento, incluindo os de formas nominais e pronominais;
servimo-nos, além dos conceitos apresentados pela nossa teoria de apoio, de exemplos
retirados de nosso corpus.
Todavia, tratando-se da referenciação, para ver como Otto Lara Resende as usava a
fim de tornar seus textos mais bem organizados, criativos e originais, deparamo-nos em suas
crônicas, dentre as demais estratégias estudadas, com um grande número de encapsulamentos
, pois como sabemos é um recurso coesivo relevante na organização do texto.
O aparecimento da anáfora indireta e sua freqüência nos textos de Otto Lara Resende,
desempenha nos textos desse escritor pontos favoráveis à sua coerência, embora esse tipo de
anáfora não tenha uma relação de explicitude em relação a seu antecedente.
Nas crônicas que falam do presidente Collor, podemos reparar que através das
estratégias referenciais o autor deixa claro sua opinião e crenças a respeito dele, ou seja, um
homem exibicionista e sem precedentes para exercer o papel de Presidente. Essa questão pode
ser observada em uma das crônicas de Resende: Também já estive lá.
Nas análises quantitativas, obtivemos uma maior freqüência das descrições nominais
funcionando como a espinha dorsal no texto, meios usados para orientar o leitor a interpretar
o sentido do texto.
Pelas análises feitas do nosso corpus, as descrições nominais indefinidas aparecem em
menor número na retomadas do que as definidas, mas confirmam o que vários autores
mencionavam, ou seja, reconhecer o seu valor na progressão textual que recentemente tem
sido reconhecida sua função anafórica.
É possível, assim, concluir que os resultados obtidos, evidenciam que as expressões
referenciais, nas crônicas de Otto Lara Resende, fazem de seu texto um trabalho bem
estruturado, coeso e coerente através de uma linguagem simples. Logo, de acordo com sua
visão de mundo e intencionalidade faz suas escolhas no ato de dizer, para que o leitor seja
orientado na construção de sentidos.
Assim, analisar o processo de referenciação por meio das funções das expressões
nominais referenciais e pronominais nos textos de Otto Lara Resende, possibilita mostrar que
ao criar suas crônicas, ele, de modo particular e crítico, atrelado aos acontecimentos do dia-a-
100
dia, trabalha e articula os referentes, mostrando que em seus textos o processo de
referenciação é decisivo para torná-los bem organizados.
A análise dos processos referenciais presentes nas crônicas de Otto Lara Resende nos
fazem refletir o quanto esse processo é imprescindível para a elaboração e construção de
sentidos dos textos.
Os processos referenciais acabam por nos mostrar que os sujeitos ao construírem os
objetos-de-discurso na interação, não estão envolvidos somente com conhecimentos
puramente lingüísticos, mas também com conhecimentos semânticos (armazenado no léxico)
e conceituais (conhecimento de mundo, inferências), sem os quais a referenciação seria um
problema.
Não podemos deixar de mencionar o quanto esta pesquisa nos fez refletir como
professora, pois estamos sentindo a grande dificuldade em despertar nos alunos o gosto pela
leitura e a sua capacidade de escrever textos. Creio que um trabalho mais pontual que envolva
a Referenciação, possa ajudá-los para a construção de sentidos tanto de quem produz, quanto
de quem lê um texto.
Esperamos que esta pesquisa possa contribuir para outros trabalhos na área de
Referenciação e também para outros estudos da obra de Otto Lara Resende.
101
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CAVALCANTE, M. M. et al (Orgs). Referenciação. São Paulo: Contexto, 2003. p. 131-176.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. 4.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 259- 306.
CAVALCANTE, M. M.; RODRIGUES, B. B.; BIASSI, B. Referenciação. São Paulo:
Contexto. 2003. ( Coleção Clássicos da Lingüística).
CONTE, M. E. Encapsulamento anafórico. In: CAVALCANTE, M. M. et al (Orgs).
Referenciação. São Paulo: Contexto, 2003. p. 177-190.
CUNHA LIMA, M. L. Referenciação e investigação do processamento cognitivo: o exemplo
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FÁVERO, L .L.; MOLINA, M. A. G. A crônica: uma leitura textual-discursiva. In:
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Franca: Unifran, 2006. p. 71-94.
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Portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira, 1988.
FIORIN, J. L. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.
KOCH, I. G.; ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. 2. ed. São Paulo:
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________ Desvendando os segredos do texto. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
________ O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997.
________; MORATO, E. M.; BENTES, A. C.(Orgs). Referenciação e discurso. São Paulo:
Contexto, 2005.
102
MARCUSCHI, L. A. Anáfora Indireta: O barco textual e suas âncoras. In: KOCH, I. V. et al
(Orgs). Referenciação e discurso. São Paulo: Contexto, 2005. p. 53-101.
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MEDEIROS, B. Otto Lara Resende: a poeira da glória. Rio de Janeiro: Relume Dumará:
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MOISÉS, M. A criação literária: Prosa II. 19. ed. São Paulo: Cultrix, 2005. p. 101-120.
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MONDADA, L.; Dubois, D. Construção dos objetos de discurso e categorização: uma
abordagem dos processos de referenciação. In: CAVALCANTE, M. M. et al (Orgs).
Referenciação. São Paulo: Contexto, 2003. p. 17-52.
NAVES, C. F. M. O neologismo nas crônicas jornalísticas de José Simão: uma análise
descritiva. 2004. Dissertação (Mestrado em Lingüística) UFU Instituto de Letras e
Lingüística.
NEVES, M. H. M. Texto e gramática. São Paulo: Contexto, 2006.
PERNAMBUCO, Juscelino. Arquivo pessoal de crônicas de Otto Lara Resende. Período
de 1-5-1991 a 21-12-92. São Paulo: Folha de S.Paulo.
SANT´ANNA, A. R. Otto, um moleque adorável. Petrópolis: Cultura Vozes. N.2. março-
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VIANA, R. S. Crônica de futebol: o drible entre a literatura e o jornalismo. 2008.
Dissertação (Mestrado em Lingüística) Araraquara. São Paulo.
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ANEXO
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